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© Copyrigth 2022 by R.

Machaddo
 
Capa e diagramação por: R. Machaddo
Revisão por: May Machado maybooks.87@gmail.com
 
Todos os direitos reservados,
Esta é uma obra de ficção. Seu intuito é entreter as
pessoas. Nomes, personagens, lugares e acontecimentos são
produtos da imaginação da autora. Qualquer semelhança com
nomes, datas e acontecimentos reais é mera coincidência.
São proibidos o armazenamento e/ou a produção de
qualquer parte dessa obra, através de quaisquer meios – tangíveis
ou intangíveis – sem o consentimento escrito da autora.
Criado no Brasil. A violação dos direitos autorias é crime
estabelecido na lei nº .9.610/98 e punido pelo artigo 184 do Código
Penal.
 
Esta obra segue as regras da Nova Ortografia da Língua
Portuguesa. Fugindo à regra apenas nos diálogos e
nas particularidades apresentadas pelos personagens.
 
Edição Digital – Criado no Brasil
 
Fabiana tem tudo o que deseja.
Rica e de boa família, a mulher está no poder há mais de cinco
anos, comandando a empresa da família: a CowExportation.
A morena de um metro e setenta – isso quando não está em
cima de seus sapatos caríssimos – não abaixa a cabeça para nada nem
ninguém, nem mesmo para ouvir os conselhos do seu primo, Tomé.
Ela sabe o que quer e como conquistar, não deixando nada a
atrapalhar quando o assunto é assumir o topo.
Não tem medo da queda, mas se ela significar a perda da sua
tão amada cadeira de couro egípcio, que foi feita para comportar com
perfeição seu corpo curvilíneo, Fabiana é capaz de tudo.
Arthur Rafael é um homem alegre e emocionado.
Comanda a empresa da família e sonha com duas coisas: o
momento de se aposentar e o dia que vai conseguir laçar o coração da
garota que ama desde moleque.
O homem chegou ao topo, mesmo preferindo cuidar da terra,
após a aposentadoria do seu pai, e comanda a Vilarino Exportação ao
lado do seu primo: Gustavo.
Uma rasteira coloca tudo a perder e faz os caminhos de Fabiana
e Arthur se cruzarem novamente.
Ela vive a vida cheia de regras e organização.
Ele vive um dia após o outro, sem se importar com nada.
Um casal impossível aos olhos de todos, mas unidos por uma
chuva, muitos contratos e a benção de Padre Antero desde a infância.
Um reencontro explosivo, cheio de mistérios e uma vingança,
que já estava planejada há muito tempo.
 
Maravilhoso Leitor,
Se está aqui, saiba que esse livro foi escrito com muito amor e
carinho. Que as noites em claros e dias cheia de dor de cabeça, valeram a
pena, porque Fabiana e Arthur Rafael sairão do jeitinho que idealizei.
Esse casal faz parte de uma série, intitulada como “Entre
contratos”. Se trata de livros independentes, por isso você pode ler fora da
ordem e se deliciar com os casais a sua maneira.
Reconquistando a CEO traz assuntos delicados como suicídio e
abuso sexual. Não apoio e nem passo pano, e na história verão que todos
terão o que merece.
A história se passa no interior, por esse motivo diálogos foram
adaptados.
O enredo é leve, divertido e emocionante. Aqui você conhecerá
uma mulher forte e determinada, que aprendeu na marra a se levantar.
Fabiana é uma força da natureza, sempre de cabeça erguida e decisões
precisas.
Tenho certeza que ela, assim como Arthur Rafael, vão te
conquistar.
 
Tenha uma boa leitura, e não esqueça de avaliar ao final;)
Sinopse
Nota da Autora
Playlist
Agradecimentos
Epígrafe
Dedicatória
Prólogo
No galope...
Capítulo 01
Aquela voz...
Capítulo 02
Decisão tomada!
Capítulo 03
Lembrança da tinhosa!
Capítulo 04
Primeira compra, realizada!
Capítulo 05
A desgramada tá de volta e levo meu cavalo!
Capítulo 06
Bebe pra esquecê!
Capítulo 07
Lembranças e mais lembranças
Capítulo 08
Um belo jantar em família.
Capítulo 09
Passarinha na minha mente
Capítulo 10
Não traga o passado à tona, caipira!
Capítulo 11
Negar é mais fácil que aceitar
Capítulo 12
Às vezes nem é pela lancha!
Capítulo 13
Porcaria de carro! Porcaria de chuva! Porcaria de destino!
Capítulo 14
Eu vou matar você, Arthur Rafael. Matar!
Capítulo 15
A chuva aconteceu, Arthur Rafael, a chuva... Tudo
aconteceu!
Capítulo 16
Ocê quer minhas terras e eu quero ocê.
Capítulo 17
Essas provas... o que vai fazer com elas?
Capítulo 18
Agora eu saquei. Agora todas as peças se encaixaram!
Capítulo 19
Jura, juradinho?
Capítulo 20
Eu não vou beijar...
Capítulo 21
Ciúme! Ela tá com ciúmes!!!
Capítulo 22
A queda pode ser gloriosa
Capítulo 23
Primeiro passo para a reconquista.
Capítulo 24
Sem armadura, por essa noite.
Capítulo 25
O que eu fiz ontem à noite?
Capítulo 26
A verdade dói
Capítulo 27
Não se brinca com fogo se tem medo de se queimar.
Capítulo 28
Intenso, quente e desesperador!
Capítulo 29
Ocê é minha, ninguém mais te tira de mim.
Capítulo 30
A verdade queima o medo!
Capítulo 31
Eu te amo!
Capítulo 32
Reconquistei a minha dona, a minha CEO
Epílogo
Final feliz!!
BÔNUS
Leia também
 
Para ouvir a playlist de “Reconquistando a CEO” no Spotify, abra o
app no seu celular, selecione buscar, clique na câmera e posicione sobre o
code abaixo
 

 
Gratidão, em especial a Deus, por não ter me abandonado quando
mais precisei, por ter me dado uma luz, quando achei que me perderia no
escuro e por me amparar em todos os momentos da minha vida, por mais
doidos que eles possam cer.
Aos meus pais e minha irmã, por estarem comigo, mesmo não
fazendo ideia do que tanto faço sentada em frente ao computador.
À minhas amigas, em especial a Gih, que me deram apoio para
continuar, que me incentivaram mesmo eu querendo desistir. Sem esse
apoio, eu jamais teria chegado até aqui.
Gih, obrigada por ter topado essa parceria!
May, obrigada pelos surtos, você conseguiu fazer com que eu
saísse ainda mais apaixonada pelo Arthur Rafael.
As minhas maravilhosas leitoras que mais uma vez estão
embarcando comigo, que sempre me apoiam e me incentivam a cada novo
lançamento, obrigada de coração por estarem comigo.
E obrigada a você, que está aqui apoiando a literatura nacional.
Graças a esse apoio, estamos cada vez mais ganhando espaço, saiba que
tem um mundo incrível de histórias te esperando!
Fiquem com Deus.
Gratidão <3
 
 
 
E quando encontro, eu perco as palavras

A boca cala e o coração quem fala

Congelo o tempo

Nesse momento o mundo para

Eu que nem ligava pra flores

Todo o dia compro uma no farol

Agora vivo falando de amores

Fazendo planos pra daqui um ano


Mãe eu tô gostando dela

Eu vou casar com ela, agora é pra valer

Mãe eu tô gostando dela

E junto com ela

Vou dar netos pra você


MARCOS E BELUTTI: mãe, eu tô gostando dela.
 
Para aqueles que acham que o amor é impossível e
desistem sem nem tentar.
 

 
No galope fraco da minha égua, vou observando o pasto verde
cheio de gado. Tudo isso será meu um dia e ninguém vai me impedir disso.
Vovó Terê diz que sou uma mulher persistente e é por isso que a
cadeira da Cow será minha.
Bellatrix move o pescoço para o lado e volta a me conduzir pelas
terras da família Wolf Cardoso. Os mais de cem mil hectares se perdem de
vista, a soja no ponto da colheita brilha sob o sol escaldante.
— Bom dia, dona! — A voz alegre chega junto de um perfume forte
de estrume. — Ei, Bibi, não vai me olhar?
— O que quer aqui, Arthur Rafael? — questiono sem me virar para
ele.
Bellatrix continua seus passos calmos, mas para ao sentir o cheiro
do garanhão Voldemort, um puro inglês de pelagem escura.
— Acho que a sua égua gosta do meu garanhão. — Se gaba e
meus olhos reviram automaticamente.
Detesto Arthur Rafael e seu jeito intrometido de ser.
— O que quer aqui? Não vê que estou ocupada?
— Admirando suas terras? Conta outra, dona, tenho certeza que
está imaginando nossos fio correndo pelo pasto atrás dos bois.
Puxo as rédeas e encaro Arthur Rafael, que tem um sorriso largo
nos lábios, seus olhos, em um tom de verde, combinam com a camisa
xadrez, os cabelos curtos e escuros ornam com a barba rala, que está
começando a tomar conta do rosto oval, dando forma e o deixando com a
aparência de homem.
Conheço Arthur Rafael desde sempre, nossas famílias são amigas
e temos uma diferença de idade de dois meses, comigo sendo a mais
velha.
— Sei que sou bonito, mas me olhando assim fico envergonhado.
— Você é um idiota, Arthur Rafael! — Sou sincera, olhando para a
cara dele. — Nunca vou ter seus filhos, nem de homem nenhum.
— Mas eu posso te fazer feliz, dona.
— E quem disse que estou triste? — rebato e seus olhos brilham
de forma diferente. — Você tem que ajudar o seu pai a tirar o leite das
vacas, então suma das minhas vistas e nunca mais pise nas minhas terras.
— Por que é tão amargurada, Bibi? — Um dos muitos apelidos que
me deu, ao longo desses quinze anos, salta dos seus lábios com certo
pesar. — Me deixa ser seu amigo.
— Não preciso de um amigo, Arthur Rafael, eu só preciso de paz.
— Vai acabar ficando amarga de verdade um dia, dona. Gostava
mais quando sorria para mim. — Seus olhos transparecem a magoa e sinto
um bolo crescer em minha garganta. — Foi por que eu te beijei que ficou
assim? Eu beijo tão mal?
Prendo a respiração e minha mente volta para alguns meses atrás,
no meu aniversário de quatorze anos, quando Arthur Rafael me segurou
contra a parede e tocou seus lábios quentes contra os meus. Parecia que o
tempo tinha parado enquanto descobríamos a boca um do outro, mas
então, naquele mesmo dia, tudo mudou.
— ARTHUR! — O grito de um rapaz assusta os cavalos e Bellatrix
relincha, dando dois passos para trás. — Patrãozinho, corre que sua mãe
tá te procurando.
— Diacho! — xinga alto e, com um último olhar em minha direção,
parte com seu cavalo.
Solto a respiração aos poucos, sentindo meus olhos encherem de
lágrimas e, antes de fazer uma cena, desço da minha égua e acaricio sua
cabeça grande e macia.
— Você é minha única amiga, não me abandone — imploro
baixinho, beijando entre seus olhos.
Como se me entendesse, ela relincha, fazendo meus cabelos
voarem e, consequentemente, me fazendo sorrir.
Eu apenas não imaginava que essa seria a última vez que minha
amiga me faria rir, talvez se eu soubesse, teria ficado mais tempo com ela.
 

 
13 ANOS DEPOIS
Observo a grande metrópole soltando o ar devagar, sentindo todo
meu corpo reclamar das últimas vinte horas que passei em claro. Minha
cabeça está a ponto de explodir, mas estou satisfeita com meu trabalho.
As horas que passei à base de cafeína foram mais do que
suficientes para deixar minha mente ativa e encontrar o problema na área
financeira da Cow Exportation, a empresa que foi fundada pelo meu bisavô,
na década de sessenta, e que hoje é comanda por mim.
Antigamente exportávamos apenas soja, mas, sob minha
administração, fechamos parceria com outras fazendas e passamos a
exportar milho, café e outros grãos, nos tornando uma empresa em
ascensão.
Caminho até a janela, que ocupa a parede inteira da minha sala, e
tento enxergar os carros lá embaixo, mas eles parecem miniaturas perdidas
na imensidão da minha empresa. São mais de trinta andares, comigo
ocupando o último.
Não lidamos somente com exportação, também atuamos em outras
áreas, como: empréstimo e compra de maquinário, compra e venda de
imóveis e, não menos importante, fabricação de queijos e derivados. Toda
a parte burocrática é feita aqui e passa por mim antes de ser liberada.
Conheço meus funcionários como ninguém e me orgulho muito
disso, pois realmente me importo com eles, a batida fraca na porta indica
que é minha secretária, e que ela aprontou algo para estar com medo de
me enfrentar.
— O que foi agora, Lúcia?
— Senhorita Fabiana, sua avó está na linha três. — A voz fraca da
mulher me faz soltar um longo suspiro. — E seu primo está fazendo
algazarra na recepção, dando em cima da minha sobrinha.
— Mande Tomé subir e eu vejo o que faço em relação a minha avó.
Não se preocupe, ele é inofensivo para a imaculada Raquel — solto de
maneira cansada, sabendo que o verdadeiro perigo é Raquel, que se faz
de santa para a tia, a tendo enrolada em seu dedo mindinho.
— Sim, senhorita — responde rápido e a porta se fecha na mesma
velocidade.
Lúcia trabalhava para a minha avó antes de eu assumir a cadeira e
ela se tornar minha secretária. A mulher é competente, nunca tive
reclamações, mas ela ainda sente um medo danado de mim, talvez por eu
ser exigente e chamar a atenção de todos.
Sinto meu corpo relaxar assim que me sento, sentindo o cheiro de
couro misturado com pinho, mas a porta de madeira escura é aberta com
brusquidão e meu primo – o que mais deu errado, segundo a família –
passa por ela, ostentando seu sorriso de lado com o cabelo castanho claro
todo desgrenhado.
— Bom dia, amor da minha vida.
— Sem tempo para brincadeiras, Tomé — informo enquanto aceito
a ligação da minha avó, e ele se joga na cadeira em frente à mesa. — Pare
de dar corda para a Raquel ou a dona Lúcia vai infartar com essa
proximidade.
— Por que está tão zangada? Será que não te esquentei bem à
noite? — provoca e a tosse do outro lado o faz ficar tenso.
— Tomé, ocê tome vergonha na cara e para de fingir que gosta de
mulher — Dona Terê praticamente grita do outro lado do telefone, deixando
seu sotaque caipira em evidência, e meu primo fica branco. — O assunto é
sério e eu preciso da competência do’cês dois.
O sotaque forte em suas palavras me traz o gosto nostálgico da
infância, mas balanço a cabeça afastando esses pensamentos.
Eu cresci, não tenho tempo para recordações bobas.
— Vózinha, assim a senhora estraga meu esquema de pegador —
reclama e meus olhos reviram. — Você sabe que se o papai descobrir que
eu...
— O rabo é seu, ocê dá ele pra quem quiser, e se o froxo do seu
pai achar ruim, ele que dê o dele — fala brava e meu primo tosse, tentando
disfarçar o riso. — Agora preste atenção, o armazém dos Vilarino pegou
fogo, eles perderam uma parte da produção de soja...
— Isso é triste, vó, mas não sei como posso ajudar — corto-a, não
querendo saber aonde essa história vai dar.
Detesto tudo que tenha a ver com os Vilarino. Por mim, compraria
as terras deles e os expulsaria de lá sem dó, e estou quase atingindo meus
objetivos.
— Quero que ocê compartilhe um pouco da nossa safra...
— Não, nem pensar. Temos contratos fechados e tudo o que temos
aqui já foi vendido — falo em alto e bom tom e ouço minha avó respirar
fundo do outro lado da linha. — A senhora, melhor do que ninguém, sabe
que preciso honrar meus compromissos, aprendi com você. Sinto muito,
mas não tenho como ajudá-los nisso.
— Minha neta...
— Deixa, dona Terê, a Bibi está certa. — A voz baixa do outro lado
faz meu corpo travar e o coração bater mais rápido.
Depois que fui embora nunca mais o ouvi e, mesmo o odiando,
meu corpo reconhece sua voz. Engulo a saliva e os olhos negros de Tomé
param em mim.
— O que posso fazer é mandar o jurídico entrar em contato com os
compradores deles e tentar negociar, explicando a situação — falo
tentando acalmar as batidas erratas em meu coração.
— Não precisa — O tom em sua voz se torna mais forte e eu sei
que ele está mais próximo do telefone —, eu dou meu jeito.
— Se é assim, boa sorte.
— FABIANA! — O grito da minha avó se mistura com o grito de
Tomé. — Minha neta, eu não te ensinei a ser assim.
— Vó, o homem que está aí com a senhora acabou de dizer que
não precisa da minha ajuda. O que quer que eu faça? — questiono com
pouco caso e os olhos do meu primo se arregalam. — Olha, a única coisa
que posso fazer é isso. A menos que ele queira que eu assuma os
negócios, a senhora sabe melhor que ninguém, que eu posso multiplicar os
ganhos deles em dois anos.
— NUNCA! — A voz branda ecoa pela minha sala. — Olha, dona
Terê, a senhora é um anjo, mas sua neta é uma diaba, não precisamos da
ajuda dela.
— Arthur, meu menino. — O carinho na voz dela quase desmancha
meu sorriso. — Quando vier para casa, dona Fabiana, vamos ter uma
conversinha bem séria.
Com isso a linha fica muda e meus ombros relaxam. Olho para
Tomé e sei que ele tem algo a dizer, mas ao invés disso, ele se levanta e
vem para perto de mim, abraçando meu corpo. Ele é o único que se
aproxima assim de mim, sem medo das minhas grosserias.
— Mais de uma década sem ir à fazenda e ela acha que você vai
agora? — pergunta brincalhão. — E que voz máscula aquela do Arthur
Rafael, minha nossa senhora, quase gozei só de ouvir.
— Você não vale nada. — Empurro seu corpo magricelo para o
lado e ele volta para a cadeira. — Como estão as vendas?
— Vendi três maquinários, que devem ser enviados em até quinze
dias — fala e seus olhos brilham. — Na verdade, acredito que cheguem
antes, mas fiquei com medo de dar algum problema, então resolvi colocar
uma semana a mais de prazo.
— Fez bem. Isso significa que a sua comissão esse mês será boa e
logo você poderá comprar um apartamento.
— Tentando me expulsar do seu? — Leva a mão ao peito. — Amor
da minha vida, achei que me amasse.
— Vai trabalhar, Tomé. Quero o relatório da venda na minha mesa
ainda hoje — mando e ele fica em pé.
— A dona mandou, Tomézinho aqui faz. — Pisca o olho esquerdo e
bate continência, sorrindo largamente antes de deixar minha sala.
No silêncio, subo os olhos para o teto branco e solto um longo
suspiro. Treze anos sem voltar àquela fazenda, treze anos vivendo para a
Cow.
Não sinto falta de nada naquele lugar, porque eu pertenço aqui, ao
topo.
Meus olhos encontram a tela do computador, o logo da empresa
brilhando no papel de parede e o sentimento de dever cumprido me toma
por completo.
Eu nasci para comandar e estar aqui é mais do que uma
recompensa por todos os anos que sofri calada.
Batuco minhas unhas na mesa de vidro negro e a notificação na
tela mostra um novo e-mail, abro por curiosidade ao ver quem enviou.
“Nunca ficará com as minhas terras! NUNCA!
De: Arthur Rafael Vilarino <arthurtosovilarino@pingmance.com>
Para: CowExportation@pingmance.com
Data: 29 de set. de 2022 09:34
Marque bem minhas palavras, dona.
VOCÊ NUNCA VAI FICAR COM AS MINHAS TERRAS. Já basta
ter estragado a minha vida quando foi embora há 4789 dias.
Não, eu não passei esse tempo contando.
Pode ficar aí, aqui estamos muito bem sem a sua presença. Eu sei
que você também não perguntou, mas ninguém se feriu no incêndio e o
Voldemort é pai de dois potros com a Bellatrix, o Harry e a Hermione, mas
eu vou vender eles ou trocar por soja.
Passar muito bem, dona.”
Ele não vai vender meus netos, nem morto.
E quem foi o doido que deixou aquele cavalo se engraçar para
cima da minha menina?
Meus dedos pairam sobre as teclas brancas e, antes que eu
consiga frear minhas mãos, estou digitando uma resposta. Assim que
finalizo, respiro fundo e, como nos outros trezentos e-mails que ele me
enviou, eu deixo a resposta salva como rascunho.
Aquele bruto não merece uma resposta minha, ninguém merece.
Com isso em mente, volto a focar no meu trabalho, tentando não
deixar que a imagem de dois potros correndo pelo pasto invada meus
pensamentos e me atrapalhe. Minha amiga está melhor sem mim, assim
como eu estou.
Não posso voltar para aquela fazenda, seria o meu fim.
O fim de tudo que batalhei para ter, ninguém vai assumir o meu
posto, nunca. Eu sou a cabeça do grupo e será assim até a minha morte,
ou eu não me chamo Fabiana Wolf Cardoso.
 
 

 
O cheiro de macarronada está por todo o canto, entorto o nariz ao
ver meu primo dançando enquanto mexe na panela de alumínio. Minhas
noites são assim, com ele rebolando e minha cabeça planejando sua
expulsão daqui.
Tomé é muito intrometido e, no momento, tenho certeza que algum
garoto de programa está em seu quarto, esperando pela massa calórica
que ele está preparando.
— Amor da minha vida, sei que sou gostoso, mas me olhando
assim você me dá medo. — Reviro os olhos e puxo uma das cadeiras, me
sentando.
— Quem é o garoto da vez?
— Não tem. — Me olha por cima do ombro. — Juro, estou
preparando essa delicia para nós dois. Um jantarzinho à luz de velas, o que
acha?
— Péssima ideia. — Fico de pé, pegando minha Gucci da mesa, o
couro vinho da bolsa combina com as minhas unhas.  — Eu vou tomar
banho e dormir um pouco.
Tomé me olha novamente e, com um giro dramático, aponta a
colher de pau na minha direção.
— Você não vai me fazer essa desfeita, passei um mês treinando
essa macarronada vegana, tudo para te agradar, amor da minha vida.
— Não estou com fome — falo séria, disfarçando a surpresa ao
saber que se trata de um prato vegano.
— Mentirosa! Eu sei que você só almoçou e não comeu mais nada
depois — acusa, me fazendo bufar. — Tome um banho rápido e venha
fazer companhia ao seu primo gato.
— Não, eu passo. — Giro nos calcanhares e meu Louis Vuitton
rosa bate com força pelo piso laminado.
— Vaca desalmada! Quanto mais pisa em mim, mais eu te amo —
grita quando estou começando a subir a escada.
Não me dou ao trabalho de responder, porque eu sei que Tomé não
está realmente magoado pela minha recusa. Meu primo sabe, melhor do
que ninguém, que vivo minha vida regrada e que não como nada fora da
dieta.
Depois que deixei a fazenda, aos quinze anos, virei vegetariana,
foram nove anos até me tornar vegana de vez. Tomé nunca entendeu muito
bem a minha escolha, mas também não me enche a paciência por isso,
pois sabe que não tem mais volta.
Quando eu coloco uma coisa na cabeça, perco a cabeça, mas não
mudo de ideia.
Entro em meu quarto e o cheiro doce de seu perfume está em todo
o lugar, bem forte, sinal claro de que meu primo estava mexendo nas
minhas coisas, como sempre.
Deixo minha bolsa sobre a mesinha de canto e caminho até meu
closet, me olhando no espelho.
Não sou mais a menina gordinha que deixou a fazenda atrás dos
seus sonhos. Cresci, amadureci antes do esperado e estou comandando a
empresa da família, tudo saindo como planejei há mais de vinte anos.
Largo os saltos no canto e o tapete felpudo, de um tom escuro de
vermelho, abraça a sola dos meus pés, me fazendo sorrir um pouco.
Caminho até a área em que minhas toalhas pretas ficam e pego duas, em
seguida caio sentada sobre o puff preto e relaxo.
É bom estar em casa depois de um longo dia de trabalho.

Às vinte e uma horas desço as escadas, encontrando Tomé jogado


no meu sofá de camurça, seus olhos estão fixos na TV que ele me fez
comprar assim que terminei de decorar a cobertura.
O apartamento é amplo, dividido em dois andares: são três quartos,
sendo duas suítes, um escritório grande com uma biblioteca completa, uma
academia, a cozinha espaçosa se separa da sala apenas por uma parede
de vidro escuro e a varanda, que circula todo o espaço.
— Já comeu? — questiono. Ele me olha, parecendo magoado, seu
silêncio é estranho. — O que foi agora, Tomé?
— Nada, eu deixei seu prato dentro do micro-ondas.
— Você comeu? — Nega com a cabeça, voltando sua atenção para
a televisão.
Olho a tela grande, preenchida com a imagem de Harry Potter
conhecendo Rony, e meu peito se aperta com a lembrança que invade, de
maneira involuntária, minha mente.
Caminho apressada para a cozinha, encontrando o prato de
comida como ele falou. Balanço minha cabeça quando vejo a coisa feia
que virou e jogo no lixo antes de ir até a geladeira e pegar um pacote de
cogumelos e castanhas para fazer uma tapioca.
— Passou do ponto e ficou horrível. — A voz do meu primo
preenche a cozinha e eu me viro para olhá-lo. — Tem gosto de morte!
— Eu disse que não precisava mudar sua alimentação por minha
causa.
— Só queria te fazer um agrado. — Encolhe os ombros e parece
envergonhado. — Você sempre me agrada pedindo sanduiche de atum.
— É de jaca com espinafre — confesso e vejo seus olhos se
arregalarem. — Não achou mesmo que eu compraria carne para você,
achou?
— Você é má, Fabiana. — Esfrega as mãos sobre o rosto.
— Pare de reclamar e triture as castanhas enquanto eu refogo os
cogumelos — mando e ele sorri, vindo até mim e me abraçando pela
cintura.
— Eu te amo. — Beija meu rosto e, como um menino que acabou
de ganhar um doce, pega o triturador.
Nos perdemos no momento, trabalhando em conjunto, e
novamente o sentimento de estar realizada me inunda. Não sou tão fã
dessas horas, muito menos de cozinhar, prefiro estar analisando e criando
estratégias para aumentar os lucros, mas agora me sinto bem.
Tomé está morando comigo há quase três anos e, nesse tempo,
nossa dinâmica na cozinha só aconteceu umas duas vezes, porque eu
sempre prefiro meu quarto, gosto do meu silêncio.
Não demora nem meia hora e tenho as tapiocas prontas. Tomé
some, avisando que vai arrumar a mesa da sala, que devemos comer
assistindo filme para comemorar que eu não fiquei no quarto.
Levo a bandeja e me surpreendo ao encontrar até mesmo um
vasinho de flores no centro. Deixo a comida na mesa e me sento em uma
das almofadas, olhando para meu primo.
— O quê? Eu tive que caprichar, não é sempre que tenho a ilustre
presença do amor da minha vida. — Faz graça e eu continuo encarando-o
de maneira séria.
— Por que me chama assim?
— Porque é a verdade, você é o amor da minha vida, prima. —
Seus olhos marejam e, antes que continue, seu celular toca sobre a mesa.
— É a minha mãe.
— Atende e coloca no viva-voz — mando e ele o faz.
— Oi, mamãe...
— A sua avó infartou. — Solta na lata e meus olhos param sobre o
celular de última geração. — Vamos para a capital, mas seu pai acha que
ela não vai sobreviver. Avise a desmiolada da sua prima, talvez ela tenha a
decência de descer do pedestal e vir se despedir.
— Como aconteceu? Mamãe? Por favor, eu preciso de detalhes —
pede quase chorando e eu engulo um pedaço de tapioca, atenta à
choradeira do outro lado da linha.
Eles são sempre tão dramáticos que chega a doer os ouvidos cada
vez que se encontram.
— Não sabemos, seu pai chegou com o capataz, ela estava se
queixando de dor no braço e, em menos de dois segundos, caiu dura —
relata de maneira desesperada e eu continuo comendo, vendo meu primo
se descabelar.
Virginia Cardoso, esposa do senhor Euclides de Cardoso Wolf —
vulgo: irmão da minha mãe e, consequentemente, meu tio —, não nós
damos bem. Ela era a maior perua da Lagoa Santa, sendo considerada,
por muitos, a personificação da breguice.
Ela quer ser chique, mas só sabe falar bem, mal consegue fazer
uma conta sem estar com uma calculadora por perto, além de ter a mania
de exagerar tudo.
— Filho, por favor, conte para sua prima e venham para a fazenda.
— Ué, mas minha avó não está vindo para a capital? — me
intrometo e a linha fica em silêncio do outro lado. — Estarei no hospital,
junto com a melhor equipe médica, aguardando a matriarca dos Wolf.
— Não é o momento para brincadeiras, Fabiana — ralha com a voz
esganiçada do outro lado e meus olhos reviram. — Vou mandar o endereço
e ocês... vocês — Se corrige rapidamente, limpando a garganta, e eu olho
para o meu primo — decidam o que vão fazer. Só espero que não se
arrependam depois.
A linha fica muda do nada e eu pego mais uma tapioca, oferecendo
a Tomé.
— Mas e a vó?
— Ela não está tão mal assim, só quer que eu ajude o protegidinho
dela — respondo ante de suspirar, pendendo a cabeça para trás. — Dona
Terê vai fazer de tudo para que eu ajude os Vilarino.
— Você não vai ajudar?
— O que eu quero deles, eles não querem me dar. — Abaixo a
cabeça e olho para ele. — Não tenho como ajudá-los, nem se eu quisesse,
mas eu vou refazer minha proposta e ele não vai ter como negar.
— Você não superou o Arthur Rafael, não é? — Solto um riso fraco
e meu primo estende as pernas por debaixo da mesa. — Ele foi seu
primeiro beijo, como conseguiria?
— Superando, fácil assim. Meu problema não é com ele, é com a
família dele e você sabe disso. — Pego mais uma tapioca. — Eu vou
acabar com a vida do velho Aristide, tomar as terras que ele tanto ama e,
só então, me sentirei satisfeita.
Mordo a massa branca, respirando fundo. Aristide Vilarino não sabe
o que o aguarda, ele tirou tudo de mim e eu farei o mesmo com ele, até
que se arrependa amargamente do inferno que me fez passar enquanto eu
morava em Lagoa Santa.
— Talvez eu esteja precisando de umas férias — murmuro após
engolir. — A gente vai passar uns dias na fazenda, prepare tudo — mando
e fico de pé, deixando Tomé de boca aberta.
Promessas são feitas para serem quebradas, e a minha será em
breve.
Me aguarde, Lagoa Santa, eu, finalmente estou voltando.
 

O sol escaldante me faz praguejar alto, enquanto a marreta bate no


esteio de madeira com brutalidade, partindo-o na beirada. As vacas fugiram
e, de novo, eu e meu primo temos que refazer a cerca.
Dessa vez, optamos por cinco fios mais o choque, que deve mantê-
las presas no pasto. Se elas estivessem passando fome, eu entenderia a
fuga, mas essas desgramadas tem o pasto verde todo para elas, ração
premium, água fresca e muita sombra, então não tem motivo para
arrebentarem a cerca toda maldita manhã.
E já era para tá pronto, só que o desmiolado do Gustavo sumiu, me
deixando sozinho aqui.
— Tá aqui — meu pai grita, chegando perto de mim com o pacote
de pregos. — Achei esses e mandei o capataz comprar mais, ele deve
estar chegando.
— O senhor teve notícias da dona Terê? — pergunto, entregando a
marreta e pegando a polaca[1] para fazer um novo buraco.
Dona Terê é um anjo na terra, sempre ajudou a minha família,
alegrando nossos domingos com suas piadas sem graça. A mulher, de
quase oitenta anos, acabou passando mal ontem, umas par de hora depois
de ter falado com a neta.
— Tive não, mas sua mãe garantiu que a velha não vai abotoar o
paletó[2]
tão cedo. — Ri e bate com força no esteio, meus braços já estão
cansados de tanto tirar terra.
Tivemos dois dias de chuva, o que amoleceu a terra, mas não foi o
suficiente para apagar o fogo no nosso galpão. Perdemos mais da metade
da nossa produção de soja, o que vai acabar dando um desfalque enorme
na empresa, que é comandada por mim e pelo meu primo, mesmo eu
preferindo o cheiro de terra do que o do escritório.
— O Tião contou que vamos ter que aturar a neta, que vai voltar
em alguns dias. — Meus movimentos param e meus olhos sobem para o
meu pai.
— Êh, êh[3]. — Entorto o rosto, não gostando da notícia e meu
velho ri.
Meus batimentos sobem assim que minha mente cria a cena da
Bibi voltando para mim. Diacho de amor que não some.
— Pois é, ocê desfaça essa cara de pamonho, e não vá correr
atrás dela como um cachorrinho. Ela saiu daqui e não olhou para trás, te
largou como um terneirão[4] desmamado.
— Quando eu fiz isso? — pergunto ofendido e o velho Aristide ri
alto, passando a mão pela testa, limpando o suor.
— Eu te vi nascer, caboclo, não tente me enganar. Ocê ficou
chorando por um mês, não teve santo que te acalmasse. — Empurra de
leve meu braço e eu faço careta, lembrando do que aconteceu. — Ocê
continue aí, tenho que ver se o caminhão já pegou o leite.
— Pai! — falo alto, mas ele caminha para longe, me deixando
sozinho com os pensamentos.
Olho para a cerca e para o buraco, querendo jogar a polaca para
longe, mas respiro fundo e volto a focar no meu trabalho.
Daqui a pouco está na hora do almoço e minha mãe – vulgo:
melhor cozinheira da região – vai estar me esperando com uma galinhada
e a boca saliva só de imaginar.
Com isso em mente, tenho mais ânimo para fazer meu serviço e
voltar para casa, esquecendo por completo que a minha dona está
voltando.
— O caboclo, quando é para ser bão, é bão — Tião fala assim que
me vê e eu sinto vontade de socar a cara dele.
Tião, além de ser o meu primo mais velho, é o administrador da
fazenda, mas disputa com Olga, nossa antiga vizinha o título de maior
fofoqueiro da região.
— Fiquei te esperando na lida. Por que não foi me ajudar?
— Uai, teu primo favorito não tava lá, não?
— Gustavo tava, mas aquele bunda mole me largou lá e sumiu —
conto, deixando meu chapéu sobre o chão assoalhado. — Por que ocê
demorou tanto lá na cidade?
— Tava conversando cá Rosinha, convidei ela pro enterro da dona
Terê. — Meus olhos se arregalam e fico de pé em um pulo.
— A dona Terê morreu?
— Não, mas tá quase, até a neta tá voltando. — Dá de ombros e eu
acerto seu ombro com um soco. — Diacho, por que me bateu?
— Porque ocê fica matando os outros. Dona Terê nem deve tá tão
ruim assim. — Bato uma mão na outra e ouço o som dos pneus da
caminhonete do meu primo.
— Oiá, quem é bonito sempre aparece. — Tião cruza os braços,
vendo Gustavo descer do carro com um sorriso maior que o de pinto no
lixo.
— Se eu contar, ocês não acreditam. — O ruivo passa o braço pelo
meu pescoço. — Tive uma loirona em cima de mim, que pelo amor de
Deus, foi bão demais.
— Que merda, eu sofrendo com as cercas e ocê fazendo as mulher
pular ela. — Empurro ele para longe. — A outra metade é sua, ficou uns
dois quilômetros pro’cê fazer.
— Primo...
— Sem chororô, eu tenho que ir até a empresa, tenho que ver
como as coisas vão ficar agora que a nossa soja virou carvão.
— Ocê acha que tem salvação? As contas tão dando tudo errado
— Gustavo fala, ficando sério, e Tião suspira. — Não tamo mais faturando
como antes, nem mesmo o leite tá sendo vendido.
— Claro, a encapetada dos Wolf pegou todos os nossos
compradores — Tião murmura com raiva. — Aquela Fabiana só pode ter
pacto, não é possível.
— Ela foi batizada, comungada e crismada na Igrejinha do padre
Antero — defendo-a e os dois me olham. — Ocês parem de tentar achar
desculpa pros estudo da dona. Ela saiu daqui e a gente ficou, ponto.
— Ela é mais estudada que tudo nós, essa é a verdade — o ruivo
murmura, fazendo Tião coçar os cachinhos pretos, como se estivesse
colocando a cabeça para funcionar.
Tião é filho de um falecido amigo do meu pai, foi criado pela minha
avó, já que sua mãe faleceu no parto, por isso é considerado família.
Eu e Gustavo crescemos andando atrás dele e foi assim que
formamos o trio na escola, mesmo ele sendo mais velho acabou
reprovando cinco vezes, e só conseguiu sair da escola porque, tanto eu
quanto Gustavo, passávamos cola.
— Ei, meus meninos, já tá tudo na mesa. — A voz suave da
senhora baixinha, de cinquenta e quatro anos, chega como música e minha
barriga ronca. Os cabelos negros de dona Rosane estão começando a ficar
grisalhos.
Minhas irmãs moram na capital, enquanto uma estuda para ser
médica veterinária, a outra tenta entrar na faculdade, mas eu tenho pra
mim que ela só está farreando.
Beatriz é como eu, gosta de uma cachaça e de beijar na boca, já
Bianca é a mais centrada, dando um orgulho danado para nossos pais.
— Ocês tão sabendo da volta da Bibi? — minha mãe pergunta
assim que nos sentamos para comer.
Sinto os olhos negros de Gustavo em mim e engulo em seco,
enchendo um copo com suco de laranja. O silêncio chega à mesa junto
com o cheiro da galinhada, que toma conta do lugar, por baixo dos cílios
vejo minha mãe sorrindo em minha direção.
— A senhora sabe que não adianta me olhar assim, eu não sinto
nada por aquela dona, foi amor de criança — murmuro e tomo um gole
generoso do suco.
— Tia, esse aqui já superou a aprendiz de coisa ruim há muito
tempo — Tião fala e me dá dois tapão nas costas, o suco desce dando
cambalhotas pela minha garganta.
— Tem perigo nenhum dele se apaixonar, até porque as moças da
vila tão tudo com os quatro pneu arriado por esse rostinho bonitinho. —
Gustavo aperta minha bochecha e eu bato em sua mão.
— Cabô! Vamos almoçar porque o Gustavo tem muita cerca pra
arrumar e eu tenho que ir para a empresa — decreto e minha mãe ri alto.
— Fío, ocê fica muito fofo bravo.
— Manhê! — ralho, fazendo a mulher rir ainda mais alto, sendo
acompanhada pelos meus primos.
Balanço a cabeça e meu pai chega, franzindo o cenho para a
algazarra que os três estão fazendo. Apenas dou de ombros e minha mãe
se cala ao notar sua presença, abaixando a cabeça, como sempre.
Não gosto quando faz isso, só que ela não me escuta. Dona
Rosane não é uma empregada nessa casa, é a dona, e, assim como meu
pai gosta de respeito, ela também tem que ser respeitada.
Engulo a saliva e minha mãe pega o prato do meu pai para servi-lo.
Sempre é assim: primeiro ele, depois a gente. Continuo olhando fixo para
ela, que finalmente levanta a cabeça e sorri para mim, tentando acalmar a
situação.
O velho Aristide é um bom pai, mas nunca foi um bom marido e
isso me mata por dentro, porque dona Rosane merecia ser amada por ele.
— Come, Arthur — meu pai manda com a voz autoritária, a que
sempre usa dentro de casa.
— Tenho que ir pra empresa — aviso, ficando de pé, e o rosto da
minha mãe ganha uma coloração mais branca. —, vejo ocês depois.
Não dou tempo para que ele grite comigo, praticamente me
obrigando a ficar sentado. Corro para meu quarto e me livro da roupa suja,
jogando-a no cesto, me enfio embaixo da água gelada me sentindo
péssimo por não saber como ajudar minha mãe.

— Senhor, aqui estão os contratos novos. — Minha secretária me


entrega uma pasta antes que eu entre na minha sala.
— Obrigado.
Empurro a porta e o rangido que ela faz é um sinal claro de que
deve ser trocada. A empresa é da década de noventa e nunca foi
reformada, apenas passou por uns reparos de leve.
Meu pai nunca autorizou uma reforma, disse que não deveríamos
gastar dinheiro com bobagens, mas, quando eu assumi a cadeira há três
anos, disse que faria, o problema é que o caixa estava quase zerado, então
acabei tendo que esperar.
Com isso, vamos empurrando com a barriga e grudando o que cai
com fita.
Não nasci para comandar, mas, por ser o primogênito, é minha
obrigação estar sentado aqui, enquanto meus funcionários brincam com os
maquinários e mexem na terra. Lá é o meu lugar, só que é aqui que eu
tenho que ficar.
Diacho de vida injusta!
Me jogo na cadeira e, mais do que depressa, procuro no e-mail
uma resposta, mas assim como todos os outros trezentos que mandei ao
longo desses anos, não encontro.
Fabiana cumpriu mesmo sua promessa de me esquecer, nem a
minha voz ela reconheceu no telefone.
Já eu? Porra, eu a reconheceria de longe.
Morena desgramada! Acabou com a minha vida, tomara que não
volte nunca mais, estamos muito bem sem ela.
Mas também se voltar, que volte pra mim.
Diacho de sentimento que não some.
 
 

 
Finalizo a reunião e reúno os papéis, me preparando para deixar a
sala, sendo parada por Alberto, o gerente de design.
O homem negro é baixo, não passando do meu ombro, seus olhos
são claros, e recentemente ele fez tranças nos cabelos, o que faz com que
pareça um pouco mais alto.
— Algum problema, Alberto? — inquiro, incomodada com seus
olhos sobre mim.
— Sim, tivemos um problema com a nova campanha. — Meus
ombros pesam a cada palavra que deixa sua boca. — Será que podemos
falar em particular?
— Claro, peça para a minha secretária marcar um horário — falo e
Tomé vem para perto de mim.
— Amor da minha vida, já estamos prontos para ir. — Sua voz é
alta e provocativa, o que faz Alberto, dentro do seu terno azul-claro, dar um
passo para trás. — Como vai, Alberto? Quase não te vi aí! — comenta
sorrindo. — Aliás, adorei a camisa rosa, combinou com o terno, eu só não
usaria com essa gravata, destonou.
O homem desce os olhos para o próprio peito, aonde a gravata
verde-neon está mais do que destacada, e sorri nervoso. Não me dou ao
trabalho de devolver o sorriso, apenas passo por ele e deixo a sala de
reuniões.
Detesto ficar em ambientes com mais de vinte pessoas, me sinto
sufocada. Preciso ampliar a sala de reuniões antes que eu tenha um
ataque de pânico e vire a chacota da empresa, como aconteceu na época
da faculdade.
Lembrar daquele período é mergulhar no poço mais escuro da
minha alma. Saí de Lagoa Santa direto para uma universidade no exterior,
mal tinha completado dezesseis anos e minha avó cuidou de tudo, a minha
única obrigação era ser a melhor da turma.
E eu fui!
Dei meu suor em cada matéria, minhas noites de sono em cada
prova e minha alimentação para cada hora do estágio. Foram cinco anos
nessa correria, tendo apenas algumas horas de descanso, aonde eu
aproveitava para sair, beijar e transar.
Eu precisava esquecer meu passado e, quando não tinha cabeça
para estudar, transar era a minha melhor opção, até meu primeiro ataque
de pânico acontecer e o mundo cair em minhas costas.
Não tinha ninguém lá para me ajudar ou simplesmente me
defender. Passei mais de quatro horas trancada dentro de um banheiro
tentando não morrer e, quando passou, eu só conseguia chorar.
Não conseguia explicar para a Fabiana de vinte anos que estava
tudo bem e que estávamos seguras, somente dois anos depois, com muita
terapia, passei a me entender.
Minhas crises não são tão fortes, mas todo cuidado com a minha
saúde é pouco.
— Ei, amor da minha vida! — A voz de Tomé chega junto com seus
passos acelerados e ele abre a porta do escritório para mim. — Minha mãe
me avisou que toda Lagoa Santa está contando com a sua ilustre presença
no velório.
— Quem morreu?
— Ninguém, só estão matando a nossa avó — fala e meus olhos se
reviram.
— Povo mais fofoqueiro, eles não tem uma horta para arrumar?
— Você, melhor do que ninguém, sabe o quanto eles amam uma
fofoca. — Me sento e Tomé faz o mesmo, na cadeira em frente à minha
mesa, com seu sorriso de modelo. — Então, já organizou a sua agenda,
amor da minha vida?
— Sim, ficaremos quatro dias e depois nunca mais. — Sou sincera
e ele esfrega as mãos. — Peça para o advogado preparar a papelada,
Aristide aceitou me vender o haras, recebi a confirmação hoje pela manhã.
— Aceitou? — Confirmo, acenando com a cabeça e separando
alguns papéis. — Porra, que proposta você fez?
— Um milhão pelo haras com todos os cavalos.
— E ele aceitou numa boa?
— Ele não tem para onde correr, a empresa está afundada na
merda graças a uma péssima gerência, que quebrou os Vilarino, nem
mesmo o leite deles está sendo comprado, e com a perda da soja... — dou
de ombros. — Não vai demorar muito para eles decretarem falência.
Foi mais rápido do que eu imaginava, mas Aristide acha que está
fazendo um bom negócio.
— E você vai estar lá quando isso acontecer.
— Nós vamos, Tomé, vamos assistir de camarote a queda
daqueles monstros. — Sou firme e os olhos do meu primo brilham. — Ele
achou que eu ficaria calada para sempre, mas chegou o momento da
queda. Eu terei todas as terras dele e farei a empresinha, que ele tanto se
orgulha, cair no chão.
— Você é má, amor da minha vida.
— Esse é só o começo — garanto, visualizando a queda de Aristide
e da sua fazenda.
Ele vai pagar, por tudo!
Os próximos sete dias passam de maneira lenta. Tomé e o
advogado se encontraram com Aristide Vilarino há três dias e o contrato de
compra foi assinado e autenticado na mesma tarde.
Agora eu sou dona de todos os vinte cavalos, incluindo Voldemort,
o garanhão que pertencia a Arthur Rafael.
Metade do dinheiro já foi depositado e a outra será paga assim que
eu tiver os cavalos na minha fazenda. Ninguém sabe que ele fez a venda, o
que vai tornar meu retorno muito mais interessante.
Já deveria estar na estrada, mas Tomé queria tomar um banho de
banheira para renovar as energias antes de pisar em Lagoa Santa e
relembrar o passado. Nossa diferença de idade não é tão grande, mas
ficamos um bom tempo separados, na infância principalmente, por conta da
sua mãe que achava que eu era uma péssima influência.
— Tomé, eu estou indo — grito e finalmente ouço o barulho das
rodinhas.
— Amor da minha vida, minhas malas estão prontas — Tomé avisa,
descendo com duas malas enormes. — Acho que vou precisar chamar o
segurança do prédio para me ajudar a carregar.
— Que contrabando você está levando nessa mala? — Ele me olha
ofendido. — Vamos ficar só quatro dias, não há necessidade de levar seu
guarda-roupa.
— Falou a que está levando duas malas, sendo uma só com
calçados. — Joga os cabelos castanhos claros para o lado, em um drama
evidente. — Vamos parar de conversa, precisamos ir.
Assinto com a cabeça e caminho até a porta, deixando-a aberta
para que ele passe com as malas. Meu primo sofre para levá-las, mas não
me dou ao trabalho de ajudar, afinal, as minhas foram levadas pelo meu
motorista e Tomé dispensou a ajuda do senhor Domingos.
O caminho até o subsolo é feito com Tomé reclamando que
machucou o dedo e comigo o ignorando completamente. Pelo seu reflexo
no espelho foi fácil ver o quanto as palavras que deixavam sua boca eram
apenas drama, meu primo deveria ser ator e não vendedor.
Entro na parte de trás do carro, enquanto Tomé e Domingos estão
arrumando as malas na caminhonete. Com minha bolsa sobre as pernas,
retiro meu notebook para conferir os últimos balanços, quero deixar a
família Wolf a par de tudo, para que não haja reclamações mais tarde,
mesmo eu sabendo que vai haver.
Os onze filhos da dona Terê e do senhor Fabiano não se dão bem.
Nem mesmo durante a infância eles eram pessoas civilizadas, apenas uma
vez na vida lembro de ter todos eles reunidos, foi em um Natal, quando eu
tinha uns quinze anos, algum tempo antes de eu me mudar para o exterior.
Estava tudo bem, até um começar a acusar o outro e o pernil e o
peru voarem. Se eu fechar os olhos ainda consigo ouvir os gritos de dona
Terê e o riso sem graça do meu avô.
Aquele também foi o último Natal do senhor Fabiano conosco, pois
ele faleceu no dia três de janeiro, depois de ler comigo o último capítulo de
Harry Potter e As Relíquias da Morte.
Foi uma das tardes mais tristes da minha vida.
— Ei, o que aconteceu? — Tomé pergunta e Domingos coloca o
carro em movimento.
Olho para meu primo e me pergunto o porquê de ele ainda estar ao
meu lado, segurando minha mão, quando tudo o que faço é afastá-lo.
— Só pensando em como vai ser minha entrada na fazenda.
— Vai ser magnífica! Não tem como não ser, olha esses saltos
maravilhosos. — Olha para os meus pés e sorri. — Não precisa se
preocupar, amor da minha vida, estarei ao seu lado caso tropece.
Pisca o olho e eu assinto, voltando minha atenção para a tela do
notebook. Serão sete horas de viagem e mal posso esperar para
reencontrar e surpreender a todos.
 
 

 
 
Saio de casa a tempo de ver os caminhões chegando, então
termino de engolir o café, mas meu coração dá um salto forte no peito ao
ser empurrado para o lado por meu pai.
Vejo o corpo grande e queimado pelo sol se aproximar de um dos
motoristas e apontar para o galpão fechado, aonde nossos cavalos estão.
— Pai, o que tá acontecendo?
— Não se mete, Arthur, é assunto meu — grita e os caminhões se
afastam, indo até o piquete[5] que fizemos para subir as vacas para o
transporte. — Ocês podem carregar todos os cavalos. O Silas vai ajudar
ocês, porque tem uns que podem dar dor de cabeça.
— O senhor pode ficar despreocupado, vamos ser rápidos e
competentes — o homem segurando uma prancheta na mão fala e
caminha até a cerca, onde Silas está.
— O meu não! Não são todos os cavalos — grito, deixando o copo
na beirada da escada e caminhando até o homem que chamo de pai. —
Ninguém toca no Voldemort! O senhor tá doido em mandar levar meu
cavalo? Ele foi presente do senhor Fabiano, ocê sabe disso.
— Ele foi vendido. — Me olha sério. — Era isso ou morreríamos de
fome. Quer que as suas irmãs voltem para esse buraco? Que elas tenham
que desistir dos sonhos delas para voltar? É isso que ocê quer?
— Cê não deveria ter feito as coisas sem me consultar, diacho, eu
sou o administrador de tudo isso aqui. Quer tanto que eu tome conta, mas
se mete aonde não deve, o senhor não tinha direito nenhum de vender os
bichos. — Paro de falar ao ver uma caminhonete preta chegar.
Me afasto do meu pai, sendo tomado pela raiva, e vejo a sombra
dos meus primos se aproximando, ao fundo ouço o relincho dos meus
cavalos e meus olhos arregalam de ódio ao ver um homem vestido como
pinguim descendo do veículo, indo até a porta traseira e abrindo-a.
A primeira coisa que vejo são os saltos vermelhos contrastando
perfeitamente com a pele bronzeada, a segunda são as panturrilhas
torneadas, e a terceira é uma saia de couro acima do joelho, assim que
meus olhos sobem, minha boca seca com a visão da mulher.
A cintura da saia vai até seu umbigo e a camisa branca está para
dentro, deixando sua cintura mais fina. Os cabelos negros caem pelos
seios e, quando ela retira os óculos, meu corpo a reconhece.
Tão rápido quanto uma flecha, minha mente se enche dos
pensamentos de como a imaginei voltando, mas em nenhum deles ela
estava assim, tão bonita e dona de si.
— Fabiana... — Ouço o burburinho atrás de mim assim que solto
seu nome, meu peito se expande com um sentimento estranho ao ver meu
pai se aproximando dela.
— Senhor Aristide Vilarino, quanto tempo. — A voz é aveludada,
sexy para diacho. — Tomé o senhor já conhece, meu vice-presidente, com
quem fechou negócio.
Negócio?
Não, meu pai não iria vender nossos cavalos para dona.
Não, ele não pode ter feito isso!
— Como vai, Fabiana? Muito tempo que não vejo ocê. — Meu
velho aperta sua mão e repete o gesto com o loiro parado ao seu lado. —
Ocês não disseram que vinham.
— Aproveitei meu tempo livre e vim visitar minha avó, fiquei
sabendo que ela passou mal, então resolvi passar aqui antes, para saber
se está tudo certo com o transporte dos meus cavalos.
Demoro a processar suas palavras, não querendo acreditar no que
acabei de ouvir, mas o sorrisinho vitorioso em seus lábios ao virar na minha
direção me diz tudo.
Fabiana conseguiu o que queria, ficou com meu cavalo e com
todos os outros que suei para alimentar.
Essa desgramada conseguiu me desestabilizar, de novo.
Por que a merda do meu coração não para de bater de uma só
vez?
— Fabiana, se lembra do meu filho, Arthur? — A voz do meu pai é
um mero ruido enquanto os três caminham em minha direção.
Como em um comercial de shampoo, vejo os cabelos de Fabiana
balançando de um lado para o outro com graça, me fazendo engolir seco e
suar frio.
O perfume que chega junto com o vento quente estremece meu
estômago, dez vezes mais do que quando a beijei, há quatorze anos, mas
são seus olhos castanhos que me jogam no fundo do poço.
— Lembro vagamente. — E é a voz profunda que me enterra de
vez.
Estendo a mão em sua direção, tentando recuperar a pouca
dignidade que me restou após babar em sua entrada triunfal, e o toque
macio de sua pele contra a minha mão bruta faz um redemoinho tomar
conta do meu corpo.
Bibi umedece os lábios, soltando minha mão lentamente, e eu dou
um passo para trás, mantendo meus braços junto ao corpo, com a postura
ereta, olhando fixamente para a morena que era dona dos meus sonhos, e
agora é dona de toda a minha raiva.
Como ela pôde comprar meus cavalos?
— Tião e Gustavo, meus sobrinhos. — Meu pai continua com as
apresentações e Fabiana repete o aperto de mão. — E aquela mulher é a
minha senhora, dona Rosane.
— Ela faz a melhor galinhada da região — Tião murmura e eu vejo
Fabiana forçar um sorriso, caminhando até minha casa.
— Aqui é lindo! — A voz do homem me faz desviar a atenção. —
Eu sou Tomé, brincamos algumas vezes juntos, mas você e o amor da
minha vida sempre roubavam de mim nas cavalgadas.
— Ocê que era ruim — solto e ele faz uma cara de ofendido.
— Fica assim não, caboclo, tenho certeza de que cê dá conta de
ganhar deles de volta — Gustavo fala estendendo a mão. — Sou primo
desse abestado, posso te ensinar uns trechos mais curtos pro’cê dar uma
roubadinha.
— Eu adoraria, mas duvido muito que Fabiana queira. Ela trouxe
uma lista de coisas para fazer e nenhuma delas envolve voltar às raízes e
cavalgar — solta o ar devagar e cumprimenta Tião.
— Tomé, vem conhecer o meu novo garanhão. — A voz soa
divertida e meu peito vibra em um sentimento muito conhecido por mim:
raiva.
— Estou indo, amor da minha vida — responde mais animado e,
sem que eu perceba, minhas mãos se fecham em punho.
Olho para os caminhões e vejo que três, dos cinco, já estão com os
cavalos dentro. Meus olhos encontram os de Voldemort e, sem esperar por
aprovação, marcho até o meu puro sangue inglês, pulando a cerca e
segurando suas rédeas.
— Primo, o que ocê... — A voz de Gustavo fica para trás e meus
dedos acariciam a pelagem escura.
— Ela não vai te levar, não vou deixar — garanto, olhando fixo para
a mulher apoiada na cerca de madeira. — O papai vai dar um jeito, eu
prometo.
Anos atrás eu imaginei essa mesma cena e o que sentia era amor,
só que agora eu só sei sentir ódio do jeito mais cru.
Fabiana está fazendo questão de enterrar todo o sentimento que
eu tinha, e me odeio ainda mais por achar que ela sentia algo por mim.
— Arthur, traz o meninão.
— Não, ninguém vai levar o meu cavalo — grito em resposta ao
meu pai e, com o olhar, desafio Fabiana. — Se quiser, dona, vai ter que vir
buscar.
— Acha que vou perder meu tempo tentando pegar ele de você? —
devolve e Vold relincha, batendo o focinho em minhas costas. — Vai se
arrepender por estar atrapalhando meus negócios, Arthur Rafael.
Seus olhos se estreitam e, sem que ninguém espere, a mulher
passa por entre as tábuas da cerca. Seu salto afunda na terra macia do
cercado, mas em nenhum momento ela vacila enquanto caminha em minha
direção, as íris castanhas brilham em determinação e a postura ereta dá a
ela a aura de poder que sempre quis.
— Me dê essas rédeas. — Escuto a voz autoritária e olho para a
mão estendida, sentindo seu perfume adocicado. — Não tenho tempo para
brincadeiras, Arthur Rafael, se não sabe, eu tenho muito trabalho a fazer.
— Uai, quem mandou ocê descer do seu pedestal e vir aqui?
Ninguém. — Dou um passo em sua direção, ficando mais perto do seu
corpo. — E, pra quem só lembra ‘vagamente’ de mim, tá com meu nome na
boca, por quê? Lembrou de nós dois nadando na cachoeira?
— Agora não posso mais saber o nome das pessoas? E eu não
tenho lembrança nenhuma desse lugar. — A indignação salta em sua testa
em forma de ruga e meu coração erra uma batida com sua negação. —
Quer saber, vem Voldemort, Bellatrix está te esperando.
Só de ouvir o nome da égua meu cavalo bufa forte e, por alguma
razão, salta alto, levando meu braço junto, ao pisar no chão com as patas
dianteiras vai para cima de Fabiana, que apenas leva as mãos para frente
do corpo, antes de gritar.
Solto as rédeas e, com o braço que estava livre, enlaço sua cintura
fina, puxando-a para meu corpo, e Vold sai galopando até o tratador.
Nossas respirações se misturam aos gritos dos que nos veem de
fora. Engulo seco tendo meus braços envolvendo seu corpo e fecho os
olhos, buscando me acalmar, mas Bibi não espera por isso, começa a me
bater e eu sou obrigado a soltá-la.
— Seu caipira fedorento! — Empurra meu corpo para longe e usa a
ponta dos dedos para tirar os cabelos do rosto. — Você é tão baixo, Arthur
Rafael. Achou mesmo que me abraçar resultaria em algo?
Acusa com os olhos faiscando de raiva e, em segundos, o tal do
Tomé está ao seu lado, tocando seu rosto, fazendo a raiva aumentar dois
graus nas minhas veias. Sinto meus dedos formigarem pelo toque e respiro
fundo, vendo meu cavalo voltar a trote para perto de mim.
Fabiana e Tomé nos olham, na verdade todos nos observam, mas
antes que eu possa abrir a boca meu pai se aproxima e pega meu cavalo,
tentando levá-lo para dentro de um caminhão.
Eu vejo Voldemort bufar, ansioso por estar sendo forçado a fazer
algo que não quer. Ele nunca entrou em um caminhão antes.
Meus olhos se enchem de lágrimas ao ver seu olhar desesperado,
então prendo a respiração e caminho até ele, tomando as rédeas do meu
pai e tocando na pelagem preta.
— Eu levo Vold mais tarde até a fazenda da dona Terê — digo com
a voz embargada.
Meu companheiro há mais de quinze anos e agora tenho que fazer
isso.
— Não. Ele, assim como os outros, vai para a minha fazenda. — A
voz imponente rompe o silêncio e eu a olho sobre o ombro direito. — As
antigas terras da Olga agora são minhas, assim como o haras de vocês.
— Pai?
— Só dê esse cavalo de uma vez para moça e vá terminar seus
serviços. Ocê ainda tem que ir buscar as vacas no pasto. — O descaso na
voz do homem que me ensinou muita coisa é angustiante.
Olho dele para Fabiana, que mantém os óculos escuros sobre os
olhos, disfarçando a alegria em me ver triste.
Ela sempre sentiu prazer em ver os outros tristes.
— Você tem até as nove da noite para levar o meu cavalo até o
haras — anuncia em um ato de piedade e gira nos calcanhares. — Se ele
não estiver lá até o horário, farei valer a cláusula sete do contrato, passar
bem.
Joga os cabelos pretos para trás e sai rebolando, fecho meus
olhos, mantendo meu rosto encostado na cabeça de Voldemort, e recebo
um chute forte na canela.
— Ocê ouviu a Fabiana, a murta é muito alta para gente — o velho
fala e seus olhos estão arregalados, quase saltando do rosto. — Tome
vergonha e leve esse bicho para lá. Ela não é mais a menininha que ocê
brincava, agora é ela quem dá as cartas.
— E o senhor é quem assina.
— É isso ou a gente morre de fome. As vacas, suas irmãs, todo
mundo — vocifera e seu bigode pula no rosto. — Ocê acha mesmo que a
gente vai conseguir algum comprador? Nada, não teve ninguém nesses
últimos dias, não vai chegar mais ninguém. Ocê é um péssimo
administrador porque, se fosse bom, já tava no topo, que nem a Fabiana.
— Não é justo...
— Justo? O mundo nunca foi justo, se fosse tinha me dado um fio
melhor — solta sua maior perola e meu corpo trava. — Engole a porcaria
desse choro, porque fio meu não chora. Ocê para de ser emocionado ou
vão começar a te chamar de florzinha, aí eu te expulso daqui.
— Telefone pro’cê, marido — minha mãe grita e, com um último
olhar raivoso, o velho sai pisando duro.
Envergonhado por, mais uma vez, ter deixado a emoção falar mais
alto, saio com Voldemort de cabeça baixa, caminhando para o estábulo
afim de buscar sua sela e sair para uma última volta, sabendo bem que,
mesmo eu querendo, nunca vou ter voz para bater de frente com meu pai.
“Quase vinte e oito anos na cara e ainda morre de medo do pai,
francamente, Arthur Rafael, achei que tivesse virado homem.”
Posso ouvir Fabiana me dizendo essas coisas, enquanto sua
gargalhada maldosa explode pelos quatros cantos.
Diacho, por que eu tenho que ser assim?
 

 
Com dor na alma, deixo Voldemort com Bellatrix, os dois correm
felizes pelo espaço, enquanto os outros cavalos estão se alimentando. São
quase sete horas da noite e, por estarmos no alto verão, o sol fraco ainda
está no céu, quase se escondendo.
— Diacho de vida!
Ao sair da cerca vejo Fabiana na varanda do segundo andar da
casa, olhando com o nariz empinado e os braços cruzados. Agora ela está
usando um vestido vermelho e seus cabelos estão presos no alto da
cabeça.
A morena sorri, orgulhosa e diabólica, olhando para todos os
cavalos, são mais de cinquenta, e não faço ideia de como ela vai comportar
todos eles aqui.
O haras da família Vilarino fazia divisa com as terras da dona Olga,
um acordo entre meu pai e seu falecido marido, só que eu nunca imaginei
que ela venderia suas terras e que meu pai venderia um dos nossos
ganha-pão.
— Arthur Rafael — A voz animada me faz desviar o olhar —, você
já trouxe o cavalo, Fabiana vai ficar feliz.
— Não tive escolha, a dona colocou uma multa muita alta —
murmuro e os olhos negros de Tomé dobram de tamanho. — Ocê é primo e
marido dela?
— O quê? Eu? Marido do amor da minha vida? Não. — Sorri de
maneira triste. — Fabiana é muito ocupada, não tem tempo para o amor.
— Ocê acha que ela não tem tempo ou ocê sabe que ela não tem
tempo?
— Ela não tem. A vida dela é para a Cow, prosperar é seu lema
desde que assumiu a cadeira da avó — solta e coça a nuca. — Não quer
entrar para tomar um café? Os cavalos serão levados para o estábulo.
— Ela vai ficar muito tempo aqui?
— Não, vamos embora na segunda — conta e olha para o mesmo
lugar que eu estava olhando minutos atrás. — Essas terras não fazem bem
para ela, mas você, sendo um amigo de infância, deve saber.
— Ocê sabe que a dona não deixava ninguém se aproximar. —
Suspiro e coloco meu chapéu. — Preciso ir, tenho muito serviço.
— Arthur — me chama e miro um Tomé apreensivo —, Fabiana
não vai sossegar enquanto não comprar suas terras e a empresa. Seja
mais esperto do que ela.
— O que cê quer dizer com isso? — Dou um passo em sua direção
e ele sorri.
— Você vai pensar em algo para deixá-la sem paz. — Pisca o olho,
mas um grito alto o faz rir. — Olha, ela já até está com ciúmes da nossa
amizade. Pense em algo e surpreenda o amor da minha vida. Estive
pensando e acho que vai ser bom esses dias aqui.
— Ocê é doido — murmuro, vendo-o correr em direção à casa
grande.
— Estou indo, amor da minha vida!
Bato a botina no chão arenoso e faço o caminho para dentro da
mata que dividia as terras do meu pai das de dona Olga. Esse era o atalho
que usávamos para vermos os cavalos quando trazíamos as crianças para
montar.
Seu Zé era o caseiro, ele e sua esposa cuidavam de tudo, e quase
todos os dias tinha alguém fazendo aula de equitação, que era comandada
por Tião, mas há um ano tudo isso mudou, porque o dinheiro foi ficando
pouco e tivemos que mudar nossos animais para perto de casa e dispensar
o homem.
Foi triste ter que me despedir daquele senhor, mas eram cortes
necessários para tentar fazer a empresa prosperar, só que ela nunca
prosperou.
No fundo meu pai tem razão, eu sou um imprestável que só sabe
chorar, não sei como administrar, passei cinco anos na faculdade e tudo o
que eu mais queria era lidar com a terra e cuidar dos meus animais, ser
médico veterinário.
Piso com força nas folhas secas que encontro no caminho e minha
mente me leva ao dia que a dona e eu nos perdemos por aqui. Tínhamos
treze anos e ela saiu em disparada com Bellatrix, me deixando com o
coração na mão.
Não faço ideia do que passou na cabeça da Bibi, principalmente
porque a gente tinha acabado de ganhar os cavalos de Fabiano, o avô
dela, um homem que sempre me incentivou a ser amigo da onça, ou
melhor, da Fabiana.
A gente se perdeu, passamos mais de três horas andando até ela
subir em uma árvore e achar o caminho de volta. Fabiana sempre foi mais
destemida do que eu, acho que isso tem a ver com a forma que fomos
criados.
Ela nasceu para comandar, assim como eu, mas sua educação
sempre veio em primeiro lugar, enquanto a minha era apenas na escola e
depois tinha que ajudar na roça.
Paro na metade do caminho e olho para trás, vendo a escuridão
tomar conta da mata fechada, solto o ar devagar e caço meu celular
quebrado no bolso da camisa para acender a lanterna e continuar meu
caminho, me sentindo um nada por não ter conseguido salvar meu cavalo
da ganância da Fabiana.
“Fabiana não vai sossegar enquanto não comprar suas terras e a
empresa. Seja mais esperto do que ela.”
A voz de Tomé é um aviso e minha mente começa a trabalhar,
procurando uma forma de ser mais esperto do que ela.
Nunca fui, como eu seria agora?
O barulho do jukebox é alto e faz minha cabeça zunir. Meus primos
gargalham quando encontram nossa turma, sentados mais ao fundo do bar
do Zião.
Caminhamos até lá e algumas moças piscam e sorriem em minha
direção, juro que tento retribuir, mas minha cabeça está na desgramada da
Fabiana.
— Os bão finalmente se juntaram a nós — Rick, um dos netos da
dona Olga, fala e levanta a garrafa de cerveja.
Me jogo no canto mais afastado e cumprimento os cinco homens,
que começam a conversar animados com Tião. Gustavo me chuta por
debaixo da mesa e seu olhar diz muitas coisas, uma delas é para que eu
melhore minha cara.
— Então, ocês já tão sabendo que a Fabiana voltou? A mulher tá
bonita por demais — Tião fala e meus olhos encontram seu rosto. —
Comprou todos os nossos cavalos e pagou à vista, sem nem pestanejar.
— Ela comprou as terra da minha avó. A velha ficou impressionada
com a visão de negócios dela — Rick diz em um suspiro. — Melhor pra
mim, apesar de ter ficado sem herança, não serei obrigado a me enfiar em
um terno para comandar as coisas.
O descaso em sua voz deixa mais da metade da mesa
desconfortável. De todos nós, Rick é o único que nunca trabalhou para
nada, nem mesmo a escola ele terminou, sendo bancado pela avó desde
sempre.
— Mas então, como nosso menino de ouro está em relação à volta
da Bibi? — Carlito questiona, mudando a atenção da conversa, e seus
olhos azuis param em mim.
— Numa boa. A dona é passado, bem passado para mim —
murmuro e eles riem, como se não acreditassem. — Ocês me dão licença,
que eu vou falar com a Cândida.
— Vai lá, menino de ouro. — Me incentivam e eu prendo o ar,
caminhando até a neta do pastor.
Cândida se abre toda quando me vê chegar, o sorriso de menina
tímida dá lugar a um sorriso safado em seu rosto pequeno, que é tingido
por uma vermelhidão.
A moça acabou de completar dezenove anos e já rodou todos os
bares da cidade, mas sem pegar ninguém, só bebendo e curtindo sua vida.
Gosto de conversar com ela porque me lembra das minhas irmãs.
— Arthur, quanto tempo! — Sua voz é um misto de surpresa com
desejo, e eu tento retribuir seu sorriso.
— Ocê desapareceu, moça bonita. Achei que tinha me esquecido
— dramatizo fazendo a loira rir alto, jogando a cabeça para trás.
Zião aparece na minha frente, a barba rala e branca deixa sua
carranca ainda mais feia. A careca brilha sob a luz clara e seus olhos me
julgam ao entregar a cerveja. Engulo o gosto amargo, sabendo que ele tem
razão em me olhar assim.
Maria Cândida é só uma criança, como as minhas irmãs.
— Ocê não quer sentar lá com a gente? — questiono quando ela
para de rir. — O Rick está lá.
— Vai me arrumar o contato dele?
— Ocê sabe que ele não presta — solto e seus olhos ganham um
brilho de tristeza. — Eu ainda acho que cê deveria dar uma chance pro
Zezinho. O menino gosta do’cê desde que cês eram pequenininhos.
— E ocê deveria parar de tentar me arrumar para os outros e me
beijar logo. — É direta e eu nego com a cabeça, trazendo a garrafa até a
boca.
— Cê é gente boa, Cândida, não merece se afundar na minha
confusão. Além do mais, ocê quer romance e eu não sou homem disso.
— O mais romântico do trio, não é homem para romance? — Faz
descaso e dou de ombros. — Conta outra, ocê já frequentou a cama de
todas as solteiras de Lagoa Santa, por que não a minha?
— Porque ocê ainda é criança pra mim, Cândida. Eu te vi crescer,
te ensinei a andar a cavalo — explico e ela vai murchando o sorriso. — Não
deveria buscar homem para a sua cama, e sim um para a sua vida. Ocê é
especial.
— Ocê é um canalha, Arthur — solta e me olha com raiva. —
Chega aqui com todos esses sorrisos em minha direção e depois me
dispensa. Que tipo de homem é?
— Aquele que sabe que vai desgraçar sua vida e sua reputação.
Posso ser romântico, mas isso não muda nada — explico, apoiando o
braço no balcão. — Confesso que quando levantei e vim até aqui, eu
queira ocê, mas aí me lembrei de quando cê era pequenininha e a vontade
passou. Cê tem a idade das minhas irmãs, Cândida.
— Mas eu não sou elas.
— Não, mas ainda assim, minha mente diz que ocê é a mesma que
frequentava a minha casa pra brincar de boneca com elas — solto e vejo
seus olhos se arregalarem. — Se tiver de carro, não beba muito.
Aconselho e deixo a garota para trás, me sentindo horrível por ter
feito ela pensar que poderia ter algo comigo. Diacho, mas também, onde
eu tava com a cabeça em ir conversar com uma garota nove anos mais
nova, que cresceu correndo com as minhas irmãs?
— Oi, Arthurzinho — Dona Solange, esposa do prefeito, fala
parando em minha frente, com os dentes todos à mostra em um sorriso
assustador. — Fiquei te esperando na prefeitura para falarmos sobre a
remessa de veneno que deve chegar.
Os cabelos avermelhados da primeira-dama caem pelo seu rosto e
a ponta se perde no decote generoso. Engulo seco e bebo mais um pouco
da minha cerveja, que desce gelada pela garganta, refrescando todos os
meus sentidos.
Solange é uma mulher de quarenta e sete anos, já deitou e
bagunçou a cama da grande maioria dos homens de Lagoa Santa e não
cansa de esfregar o decote em meu rosto.
Posso ser um canalha, como Cândida me acusou, mas eu nunca
ficaria com uma pessoa comprometida.
— Tião é o responsável por isso, ele não foi lá falar com a
senhora?
— Ah, ele falou, e como falou! — Olha para o lado e meus olhos
seguem os dela, vendo meu primo sorrir enquanto leva a garrafa de cerveja
até a boca.
Uma nova música estoura na jukebox e meus olhos se arregalam
com a voz de Marilia Mendonça, cantando ‘Infiel’. Forço um sorriso e me
despeço de maneira rápida da mulher, praticamente correndo para a mesa
dos meus primos.
— Ocê é um puto — acuso Tião. — Se o marido dela descobre,
adeus passarinho! — Ele dá de ombros, como sempre, fazendo pouco
caso.
A voz da cantora fica mais alta e meu coração se aperta, em uma
sofrência muito conhecida por mim.
A desgramada tinha que voltar e pisar no meu coração sem se
importar com mais nada?
 
 

 
Tomé ri alto enquanto me encara, seus olhos estão cheios de
lágrimas, já eu estou fervilhando de raiva.
Odeio quando ele faz isso.
— Quer parar? Não tem graça nenhuma — murmuro caminhando
para a cozinha.
O meu mais novo investimento é uma casa com dez quartos, três
salas, quatorze banheiros, duas cozinhas e muitas áreas de lazer.
A casa da dona Olga já era grande, mas depois da reforma, ficou
ainda maior, são três andares mais a garagem no subsolo e, por ficar em
uma região afastada, quase ninguém vem aqui, o que facilitou nas
mudanças.
Aproveitei e aumentei a cerca, pensando em como ligaria ao haras
dos Vilarino, e amanhã um engenheiro vem para dar continuidade às obras,
criando um lugar muito maior para comportar tanto os cavalos, quanto
meus outros animais.
Apesar do haras fazer divisa com as terras, ainda será preciso
puxar muita cerca, fazer a mudança de algumas árvores e reorganizar o
plantio de muitas outras, algumas mudas já estão sendo importadas e, no
final do mês, já devem estar plantadas.
— Dona Luzia, por favor, prepare uma salada para mim — peço
para a mulher de um metro e sessenta, esposa de um dos meus novos
empregados.
A mulher não aparenta ser pequena, mas, quando chego perto, seu
corpo diminui drasticamente e seus olhos ocupam todo o rosto redondo,
deixando-a com a cara de uma doce senhorinha, só que já a vi brava e
esse foi um dos motivos que a contratei como minha governanta. No
momento ela também é minha cozinheira, já que não achou ninguém a
altura.
— Sim, senhora, e para seu Tomé?
— Ele bebe água — falo e a risada do meu primo cessa
imediatamente.
— Dona Luzia, pode me preparar uma massa ou qualquer coisa
gordurosa — diz parando atrás de mim. — O amor da minha vida não sabe
brincar.
Sinto quando seus braços envolvem minha cintura. Temos três
anos de diferença na idade e onze centímetros de diferença na altura.
A mulher ri da nossa interação e segue para os armários, em busca
dos ingredientes. Afasto as mãos de Tomé e caminho para fora, saindo
pela porta da cozinha, e encontrando o jardim com a piscina enorme no
centro.
As palmeiras e o muro com plantas trepadeiras rodeiam a
propriedade na parte de trás da casa, na frente temos apenas muitas
árvores e dezenas de câmeras.
— Vai dar um mergulho?
— O que o Arthur Rafael queria? — inquiro, olhando para ele com
meus braços cruzados em frente ao peito.
— Então você se lembra dele? — Estreita os olhos e imita meu jeito
de cruzar os braços. — Confessa, aquela voz máscula está te tirando do
sério. Ele já era bonito na adolescência, mas agora, nossa senhora dos
homens apaixonados, o jeitinho caipira dele ao falar, os olhos azuis...
— São verdes — solto e caminho até uma das cadeiras dispostas
ao lado da piscina —, verdes com manchas douradas, dependendo da luz.
Tomé me acompanha e seu silêncio só não é maior do que o
sorriso de quem sabe que me pegou na mentira. Cheguei com tudo na
fazenda dos Vilarino, mas juro que não imaginei que o primeiro que
encontraria seria logo Arthur Rafael.
Os cabelos negros escondidos dentro do chapéu de camurça, num
tom de areia da praia, que se assemelharia com a cor da sua pele se ela
não estive tão castigada pelo sol, e os olhos, que pareciam ler minha alma
na adolescência, parecem mais intensos.
O arrepio toma meu corpo sempre que minha mente traiçoeira me
leva ao toque das nossas mãos, como um sinal claro de reconhecimento.
— Sabe, talvez a gente deva ficar um tempo a mais aqui, voltar às
raízes — Tomé sugere me fazendo revirar os olhos.
— Quer mesmo voltar às raízes? Lembra o que aquele velho fez
para você?
— Sim, mas eu não posso viver preso naquela época como você
faz. — Joga os cabelos para trás e toca em minha mão. — Esse passado
não te faz bem. Por que insiste em viver nele?
— Porque é ele quem me mantem viva. — Sou sucinta e Tomé
respira fundo. — Sabe muito bem o que ele fez para você, e eu lembro
muito bem do que ele fez para a minha irmã. Ele a matou.
— Prima, a Luciana se matou. — Tomé toca na ferida e meu peito
doí com a lembrança. — Ninguém sabe o que a levou a fazer aquilo.
Ninguém sabe? Todo mundo finge que não, mas ele tem
conhecimento de tudo o que aconteceu. Eles ignoram a história, mas eu
vou fazer com que ele queime vivo, só para sentir um pouquinho do que a
minha irmã sentiu.
— Por favor, siga em frente.
— Eu estou seguindo, Tomé, mas isso não significa que eu vou
esquecer. Eu jurei que o faria pagar por cada lágrima que eu derrubei e não
vou descansar até conseguir isso — garanto e passo os dedos com força
por baixo dos meus olhos. — Agora me diga o que Arthur Rafael queria
contigo.
— Só perguntar se você estava solteira — solta como quem não
quer nada e seus lábios voltam a exibir um sorriso irritante. — E eu disse
que estávamos juntos, ele saiu bufando de ciúmes e falou que você era
dele.
— Para de ser mentiroso.
— Já menti para você alguma vez, amor da minha vida? — Faz
drama e meu coração treme com as informações.
Tomé realmente nunca mentiu para mim, mas sempre tem uma
primeira vez, e eu conheço meu primo o suficiente para saber que ele está
aprontando.
Os olhos brilhando, as narinas se mexendo de um lado para o outro
e a boca com um sorriso convencido, que é o mesmo que me dá quando
faz alguma merda na revendedora.
— Se mentir para mim, adeus amizade.
— Você é muito literal — Joga os cabelos castanhos para o lado —,
e o amor da minha vida, então jamais te magoaria.
— Nunca entendi o porquê de me chamar assim, mas também não
quero saber. — Fico de pé e arrumo meu vestido. — Preciso fazer algumas
ligações e agilizar os contratos. Vê se não se perde por aí, tem onça e eu
não me importo se ela te devorar.
— Seu cuidado comigo é tão tocante.
Não o respondo e refaço meu caminho para dentro da casa,
sentindo o cheiro gostoso de molho tomando conta da cozinha.
Luzia está sobre o fogão de lenha, tão concentrada que eu passo
em silêncio, não querendo interromper.
Caminho para meu escritório e o cheiro de couro me abraça assim
que entro no cômodo, minha mente faz questão de me levar ao momento
que Arthur Rafael me abraçou na tentativa de me salvar.
O cheiro dele se sobressaía ao cheiro de vaca e, por alguma razão,
naqueles breves segundos me lembrei da infância.
Como eu esqueceria alguém que, em meio a tanta dor, me fez
sorrir?
Balanço a cabeça e afasto as memórias, indo até a cadeira e me
acomodando, me sentindo como a dona de tudo. Não posso abaixar a
guarda, estou aqui para fazer justiça por mim, por Tomé e, principalmente,
pela minha irmã.
Cada um que se calou vai ter que me ouvir e não vai conseguir
fugir da minha fúria. Quinze anos me preparando para esse momento,
amaciando bem a minha ideia.
Ele vai pagar por todo mal. Eu juro que vai.

Tomé grita em cima do cavalo me fazendo revirar os olhos. Bellatrix


apenas observa de longe, ainda arredia. A trouxe ontem e, desde então,
ela não se aproxima de mim, fica apenas perto de Voldemort que, assim
como ela, está longe, bufando e só se alimentando por conta do senhor Zé.
Eles estão magoados e eu entendo, deixei Bellatrix sem ter tempo
para me despedir e, quando achei que voltaria, não tive forças.
Foram anos ensaiando uma volta, sempre a par de tudo graças a
insistência de Arthur Rafael que, mesmo nunca sendo respondido,
continuava me enviando e-mails com fotos anexadas e muita braveza em
cada linha.
O relincho seguido de um grito agudo me faz respirar fundo e
fechar os olhos.
— Esse tarado mordeu a minha bunda — Tomé grita indignado,
parando perto de mim.
— Ele deve ter te confundido com uma cenoura — debocho, vendo
suas calças laranjas se destacarem no tom terroso da fazenda.
— Amor da minha vida, se o seu bichinho estragou a minha calça,
nós vamos ter churrasquinho de cavalo — fala pulando a cerca e batendo
uma mão na outra. — Vou tomar um banho, preciso de energia para
encontrar a dona Terê.
— Ela nos convidou para o jantar, falta muito. — Cruzo os braços e
ele faz o drama de sempre.
— Amor, aquela casa tem energia pesada. Te aconselho a tampar o
umbigo. — Passa a mão pelos cabelos, uma mania que sempre teve, e
sorri. — Vamos, eu estou morrendo de fome, nunca achei que fosse dizer
isso, mas cavalgar cansa.
Não o respondo e apenas sigo para dentro de casa, me sentindo
um pouco mais animada com a sua alegria. Minha primeira noite aqui foi
em claro, mas tenho certeza que depois desse jantar na fazenda da minha
avó, dormirei feito um anjo.
Vovó mal sabe o monstro que criou!
 

 
O silêncio na mesa de dez lugares é tenso. Minha avó está sentada
na ponta, ao seu lado direito meu pai ostenta um corpo rechonchudo e
cabelos grisalhos, meu tio Euclides, com a mesma cara de mosca morta,
está sentado na cadeira a sua esquerda.
Minha mãe está com a cara inchada, tentando comer só salada,
enquanto tia Virginia quase engole o garfo ao levar um pedaço de pernil
para dentro da boca. Tomé e eu estamos sentados mais afastados, comigo
na outra ponta da mesa e ele do meu lado direito.
Era para ser um jantar em família, mas parece um enterro de tão
sinistro que está. Dona Terê não engole o fato de eu ter comprado os
cavalos e o haras do vizinho. Na realidade, minha avó não engole o fato de
eu ter voltado, sendo que prometi que nunca mais voltaria a Lagoa Santa.
— Fez uma boa viagem, minha neta? — A falsidade escorre da
boca da mulher de quase oitenta anos e o seu sotaque não é tão evidente
quanto era pelo celular.
— Foram horas bem interessantes, vovó, me ajudou a pensar na
vida — minto trazendo um pedaço de tomate até a boca. — Principalmente
na compra maravilhosa que fiz, meu haras se tornará referência em alguns
anos.
— Eu disse que não era pro’cê comprar as coisas do Vilarino. Ocê
vai devolver tudo. — Sua voz se torna mais grave e todos os olhares se
voltam para mim. — Entendeu, Fabiana? A minha empresa não compactua
com essas marvadezas.
— A empresa não está ligada as minhas compras pessoais, vovó.
Eu tenho um bom dinheiro investido, que consegui com o meu suor. —
Sorrio sarcasticamente e seus olhos negros, como os de Tomé, ganham
uma faísca de raiva. — A senhora não precisa se preocupar, os três
milhões que gastei são da minha conta pessoal, nada relacionado à Cow.
— Três milhões? — a mulher que chamo de mãe pergunta se
virando para mim.
Suas bochechas estão finas e carregadas de maquiagem e, graças
ao exagero de iluminador, seu rosto ganha o formato do de um cadáver.
Os olhos estão pequenos, de tanto botox, e a boca inchada de
preenchimento ganha toda a atenção. Não sei o que ela fez, mas posso
jurar que deu errado.
— Titia, quais procedimentos fez? — Tomé pergunta e minha mãe
sorri, arrumando os novos peitos dentro de um vestido verde.
— Pouca coisa, meu querido. Afinei as bochechas, dei uma
reduzida no nariz e um pouquinho de preenchimentos nos lábios. —
Segura a mão do marido. — Seu tio queria me deixar mais bonita e pagou
tudo.
A expressão de Tomé deixa explícito seus pensamentos e seus
olhos se fixam no prato a sua frente.
— Não vai querer pernil, sobrinha?
— Não como carne, tio Euclides. Afinal, como estão os gados por
aqui? — questiono ao lembrar que não vi nenhuma cabeça pelo pasto.
— Dona Terê mandou para os vizinhos, para ajudá-los — meu pai
responde, abrindo a boca pela primeira vez. — Ela anda bem caridosa com
eles ultimamente, não é, sogra?
— Parece que tem uma dívida eterna com eles, não é, vovó? —
inquiro com o olhar nela, que apenas balança a cabeça, sorrindo. — Eles já
ajudaram muito a senhora no passado, não foi?
Dona Terê é raposa velha, joga no lado que mais a convém e, de
maneira impressionante, esse lado é sempre o do Vilarino, como se ela
vivesse em função deles.
Lembro da época que as duas safras de soja foram todas
revertidas para eles, sendo que nossos animais aqui estavam quase
morrendo de fome. Foi preciso vender alguns para alimentar os outros.
— Então, o que pretende fazer com tanto cavalo? — Meu pai se
vira para mim. — Sabe que tenho experiência, se precisar posso dar uma
olhada neles.
Julião não carrega o sotaque tão forte. O imigrante italiano chegou
às terras do meu avô por acaso e, segundo o que me foi contado, se
apaixonou perdidamente por minha mãe.
Eu até acredito nessa história, pois lembro de ver os dois juntos,
sorrindo e se beijando, mas a morte da minha irmã ruiu o relacionamento,
que virou uma disputa de quem trai mais.
— Não acho que precise — dispenso e vejo o desânimo em seu
rosto. —, mas vou falar com o senhor Zé, se ele achar necessário, te
chamará.
— Obrigado, filha.
Filha? Há anos não me chama assim, mas é claro que, ao saber
dos meus milhões, o amor volta a brotar em seu miserável coração.
— Agora que ocê tá de volta — Dona Terê volta a ter minha
atenção —, pretende ficar com o seu antigo quarto?
— Não, vou ficar na minha casa. Passei os últimos seis meses
decorando como eu bem queria, lá terei paz para trabalhar e planejar os
novos negócios.
— E ocê, Tomé? Vai ficar aqui ou vai para casa dos seus pais?
— Vou ficar com o amor da minha vida. — Me olha e suspira
dramaticamente. — Fabiana decorou uma suíte para mim, mamãe, é
magnifica, tem até hidromassagem. — Sua voz é dramática e meu tio revira
os olhos, visivelmente incomodado com o jeito do filho.
— Que maravilha, filhinho. Quem sabe a mamãe não passe lá
amanhã para te visitar.
— Não — corto-a, colocando os cotovelos sobre a mesa. — Vamos
ser justos aqui, tia, se o Tomé não pode entrar na sua casa, você não pode
entrar na casa dele. Ponto final.
— Casa dele? — Tio Euclides me olha e o bigode brilha de
gordura.
— Sim, esqueci de informar que a casa principal é um presente
para o meu primo, o único que me apoiou durante esses anos — respondo
deixando todos de boca aberta, principalmente Tomé, que não estava
sabendo de nada. — Eu posso ser má, mas ainda sei ser generosa, como
minha querida avó. — Meu veneno escorre para a mulher que é
responsável pela minha saída de Lagoa Santa. — Agora vamos comer,
antes que a comida deliciosa que a senhora Feliz preparou esfrie.
Com isso, o silêncio volta a ser interrompido apenas pelo bater dos
talheres no prato.
Minha avó arruma os cabelos brancos dentro do lenço e come, vez
ou outra me olhando sob os cílios. Ela faz questão de fazer barulho ao
tomar a sopa, sabendo o quanto isso é deselegante, e limpa a boca com a
manga do vestido, feito uma criança. Os olhos mostram que tudo isso é a
sua forma de implicar.
Ao finalizamos o jantar dispenso a sobremesa e a senhora Feliz
prepara um pouco para Tomé, já que fez mousse de morango que é o doce
favorito do meu primo.
— Obrigada pelo jantar, foi tudo magnífico, família — despejo,
ficando em pé.
— Ocê tá feliz, não é? — A voz da matriarca interrompe meus
passos e eu me viro para ela. — Conseguiu o que queria, comprou as
terras da Olga e deixou o pobre do Aristide sem os seus cavalos. Está feliz
por ter pego o animal do Arthur Rafael? Onde foi que eu errei co’cê?
— Sério mesmo que não sabe aonde errou? Vovó, não vamos ser
hipócritas, se eu sou essa mulher hoje a culpa é exclusivamente sua — falo
dando um passo em sua direção e ouço as cadeiras rangerem contra o
chão de madeira. — Eu não peguei nada, tudo o que eu tenho foi
comprado, mas que culpa eu tenho se ele foi um péssimo administrador?
— Filha, melhor cê ir — meu pai diz com calma e dona Terê fica de
pé com a ajuda de uma bengala.
— Ocê vai morrer sozinha, Fabiana. Não tenho um pingo de
orgulho do que ocê se tornou. — Me olha dos pés à cabeça. — Uma
patricinha, metida a besta, que só sabe andar nesses saltos e não quer
saber de construir uma família. Ocê não vai ficar com nada que é meu.
A fúria em sua voz me deixa feliz, dou mais dois passos em sua
direção e, pelo canto do olho, vejo meu primo se aproximar, segurando os
potes de doce contra o peito.
— A única coisa que a senhora tem é a sua aposentadoria, de
resto, tudo é meu! — solto e seus olhos se arregalam. — Sim, a procuração
que me deu há mais de seis anos está em vigor. Tudo o que estava no seu
nome, agora está no meu e, se eu morrer, será tudo dado para caridade.
— O que cê fez? Eu confiei...
— Confiou? — debocho vendo seus olhos carregados de mágoa.
— Que estranho, porque foi a senhora que me ensinou que nesse meio
não se deve confiar em ninguém.
— Vem, Fabiana. — Meu pai me puxa pelo braço. — É melhor ocês
irem, leva ela, Tomé.
— Relaxa papai, eu já estou de saída. Passar bem e uma ótima
melhora, vovó. — Pisco o olho e caminho para fora da sala de jantar, sendo
abraçada pelo cheiro de pinho e sendo jogada para o meu passado, época
que essa casa era cheia de risadas e muita algazarra.
A casa foi construída em estilo colonial, toda de concreto e com
detalhes em madeira envernizada. O tom terroso domina os quatro cantos
da casa, assim como o branco cobre o lado de fora. As janelas e paredes
que separam um cômodo do outro são de madeira de eucalipto e, como na
grande maioria, as janelas são pintadas de azul-escuro.
Travo ao passar pela porta principal e ver a cadeira de balanço que
o velho Fabiano usava. O bambu está desgastado pelo tempo e não tem o
mesmo brilho de antes, prendo a respiração e caminho apressada para
dentro do meu carro, enfiando as risadas no fundo da minha mente.
— O senhor Tomé vai conosco? — Domingos pergunta e só então
me dou conta que meu primo não me acompanhou.
— Espere ele por dois minutos, se não aparecer...
— Estou aqui — fala afobado, tomando um lugar ao meu lado. —
Fui buscar os morangos que dona Feliz colheu hoje. — Me entrega o pote
e Domingos fecha a porta.
Seguro o pote e olho para as frutas dentro, um sentimento amargo
toma conta da minha boca ao relembrar das palavras duras de dona Terê.
Por fora ela é um doce e consegue enganar qualquer um com sua
boa vontade, já por dentro ela é podre, suja e cruel.
Ela não se importa com nada além de Aristide Vilarino, e essa
constatação não dói, apenas me faz querer descobrir o motivo para ela
proteger tanto eles.
— Ei, amor da minha vida, o que está pensando?
— Que minha vingança será maior do que você pode imaginar. —
Minha voz é profunda, combinando com a escuridão do lado de fora.
O haras foi só a primeira jogada, amanhã o dia será muito melhor.
 

 
O dia amanheceu triste, perdi toda a dignidade bebendo ao lado
dos meus primos. O gosto amargo está tomando o interior da minha boca,
como um castigo por ter respondido mal a minha mãe.
Chego na cozinha, coçando meus olhos e bocejando alto,
chamando a atenção de dona Rosane, que me olha sorrindo.
— Acordou, dorminhoco?
— Manhê, me perdoa por ontem. — Me aproximo do seu corpo
pequeno e a olho como um garotinho que perdeu seu doce favorito. — Eu
não quis dizer o que eu disse, a senhora me desculpa?
— Ô, meu fio, ocê não precisa pedir duas vezes. — Toca meu rosto
com as mãos pequenas e geladas. — Ocê tava tão jururu ontem, sei que é
por causa da Bibi, ela ainda mexe co’cê, não é?
— Não — minto e cambaleio para trás, me sentando na beirada da
mesa. — A senhora sabe que eu já superei a dona há muitos anos. Ela é
só uma passarinha na minha vista.
— Uma passarinha que ocê não consegue tirar da cabeça —
Coloca a mão na cintura —, mas não vou brigar, ocê já é grandinho e sabe
o que fazer.
— Pior que eu não faço ideia do que eu vou fazer — resmungo
coçando os olhos e ouço a batida da bota do meu pai do lado de fora.
Observo minha mãe correr para lá, enquanto eu fico me
perguntando se ser submissa de uma pessoa, que no fundo todo mundo
sabe que não te ama, é amor.
Todos na vila comentam o quanto meu pai judia da minha mãe, não
a levando em lugares movimentados e muito menos em festas e
comemorações. Eu a levo sempre, mas ultimamente ela prefere ir na
igrejinha para assistir à missa e, por falar nisso, eu preciso me confessar de
novo.
Prometi para o padre que ele me casaria com Fabiana, tinha só
doze anos e foi a minha primeira confissão.
Se eu fechar os olhos lembro da cara de espanto do senhor Antero
ao ouvir que ele faria a nossa união e depois batizaria os nossos filhos.
“— Meu filho, não acha que está sendo precipitado?
— O amor não é precipitado, padre. Eu amo a dona e nós vamos
ser muito felizes. O senhor e todo mundo vai ser testemunha disso.
Com um olhar repleto de carinho, suas mãos vem para meus
cabelos, bagunçando as mexas escuras, e com um riso fraco ele pega a
bíblia.
— O caminho do amor pode ser tortuoso, Arthur, mas se você a
ama e ela retribui esse amor puro e sincero, tudo pode ser possível.
— Mas é claro que a minha dona me ama, padre. O senhor vai ver
só! — garanto com a voz carregada de felicidade, fazendo o homem sorrir
de maneira verdadeira.
— É só sobre isso que quer falar comigo? O seu amor pela menina
Fabiana é tanto que não sobra tempo para suas traquinagens?
— Ah, padre, se o senhor soubesse. — Balanço os ombros e ele
abre a bíblia em Matheus, então eu desando a contar meus últimos
pecados”
— Sonhando acordado? — Meu pai bate em minhas costas e meus
olhos se abrem rapidamente.
— Só lembrei do padre. — Estranho o cheiro de barro podre e
minha mãe coloca uma caneca de café na sua frente. —  O senhor tava
fazendo o quê?
— Dona Terê mandou as vacas dela pra gente, mais da metade do
gado de leite e de corte, uma doação que vai ser efetivada na segunda —
explica tomando um gole grande de café. — Ocê tem que ir lá almoçar para
agradecer pela generosidade.
— Por que ela tá fazendo isso?
— Deve ter ficado com pena da gente pelo que a neta fez. — Dá de
ombros e eu nego com a cabeça, pegando o bule de café.
— Mas foi o senhor que aceitou a proposta, não tem motivo pra ter
pena — digo e seus olhos param em mim. — A decisão foi unicamente do
senhor, foi por ganância, porque nós tamo subindo nas vendas. Devagar,
mas tamo.
— Não foi ganância, ocê acha que eu ia querer vender nossos
bichos para fia do demo? Aquela Bibi é uma peste e soube me emaranhar
na teia dela, me fez fazer um negócio ruim. — Bate o punho na mesa e o
bigode sobe com a sua forma de respirar. — Dona Terê me contou que eu
fiz uma péssima venda, deveria ter pedido mais. Aquele milhão que a fia do
demo me pagou não tampa nem o buraco da nossa dívida.
— Dívida que o senhor fez — retruco e seu bigode sobe com mais
força.
— Ocê é só um chorão, o que sabe sobre fazer as coisas? Ocê não
faz nada e quer falar de quem faz. — Bate com força na mesa de novo e
fica de pé. — Beba esse café e vá ajudar os meninos no buraco de silo.
Derruba a caneca quase cheia, pisando em cima do líquido escuro,
e caminha para fora, deixando a bagunça para trás.
— Ocê não deveria falar assim. Ele é seu pai, meu fio, e só queria
dar uma vida melhor para gente. — Minha mãe tenta amenizar o clima,
enquanto pega um pano para limpar a bagunça.
Tomo o pano de sua mão e ela respira fundo, sabendo que não vai
me fazer mudar de ideia.
Meu ódio pelo homem que tem o nome nos meus documentos está
começando a aumentar e, além de ser pecado, eu sei que é errado, mas
ele está fazendo por merecer.
Primeiro trata minha mãe mal, depois vende meu cavalo e quer se
safar dizendo que foi inebriado pela dona. Todo mundo aqui em casa sabe
que a Bibi não ia desistir e tínhamos combinado que nunca venderíamos
nada, só que meu pai nos traiu e agora quer pagar de inocente.
Não vou deixar isso acontecer. Não sei como, mas vou recuperar
todo nosso dinheiro e dignidade. Dona Terê pode ser um anjo em nossas
vidas, só que em algum momento vamos ter que aprender a andar
sozinhos e, se não começarmos agora, vai ficar difícil mais para frente.

— A primeira-dama gamou no Tião aqui. — Meu primo se gaba,


rindo alto e batendo a cerveja na mesa.
Estamos mais uma vez no bar, depois de eu ter passado o sábado
inteiro dentro da empresa, buscando soluções e chorando de saudade do
meu cavalo.
Minha rotina está completamente mudada, pela manhã eu sempre
dava uma volta com meu Voldemort e me sentia mais energizado para
seguir meu dia.
Gustavo também passou o dia dentro da empresa junto comigo,
procurando algo que nos ajudasse, mas quanto mais caçávamos, mais
dívidas encontrávamos.
Não sei como meu pai conseguiu fazer tanta dívida. Quando meu
avô era vivo, as coisas caminhavam lentamente, mas havia progresso, foi
só meu pai assumir que nada mais andou para frente.
— O que ocês tão com essa cara de tacho?
— A empresa está prestes a falir — murmuro e Tião pragueja ao
meu lado. — Se a gente não encontrar uma saída, tudo vai ser do banco.
— Tudo? — Tião questiona com a voz falha.
— Sim, a casa, a fazenda, a empresa, os bichos... absolutamente
tudo vai ser do banco — Gustavo explica bebericando a cerveja direto do
gargalo. — Só um milagre salva a gente desse buraco.
— Os tratores? As minhas máquinas? — Tião continua falando
baixinho, como se não acreditasse, e eu confirmo com um aceno de
cabeça.
— Pare de chorar, Tião, esse não é o seu papel — Gustavo fala e
me olha. — O nosso presidente vai encontrar uma solução.
— Não tem solução — solto e os dois me olham. — Não tem de
onde brotar tanta bufunfa[6], e nem vamos conseguir negociar porque o
nosso advogado rapou o tacho[7] e sumiu.
Em silêncio engulo um pouco do líquido amarelo, que desce gelado
amenizando um pouco da raiva que sinto de Jerico, o advogado que
trabalhava para o meu pai, mas que sumiu no mundo depois que as dívidas
começaram a aparecer.
Ele levou uma grande parte do nosso dinheiro e, mesmo eu abrindo
um boletim de ocorrência, nunca deu em nada.
— Ocê tem que casar com a Bibi e juntar as terras — Tião solta
acabando com o silêncio. — Ela é o sinal que a gente pediu.
— Que sinal? Cê já estava bebendo, não é? — retruco e ele nega
com a cabeça, se encolhendo sobre a mesa pronto para contar um
segredo.
— Se o Arthur casar com a Bibi, nós recuperamos toda a glória.
Ocê sabe que ela tá montada no dinheiro, pagou seu pai à vista e nem
pestanejou quando ele pediu mais — fala, me surpreendendo com a última
informação.
— Meu pai pediu mais?
— Sim, ela fez uma proposta e o tio pediu mais dois milhões —
Gustavo explica e me olha. — Ocê não tava sabendo?
— Não, meu pai nem disse que ia vender as terras. Ele anda bem
esquisito, principalmente porque a dona Terê doou as vacas para a gente.
— Ela fez isso? — Confirmo com a cabeça e Tião assobia. — Isso
é memo estranho. Na verdade, tudo que envolve a dona Terê é estranho,
parece que a mulher gosta de ajudar, nunca querendo nada em troca.
— Ela é generosa — defendo-a e meu primos se entreolham. —
Ocês sabem que depois de tanta perda, ela vive dizendo que nada da terra
se leva.
— Mas devemos ser sinceros, que é estranho, é — Gustavo fala e
fica de pé, informando que vai ao banheiro.
Engulo a cerveja um pouco encucado com as ideias e,
principalmente, iludido com a imagem de uma dona entrando na igrejinha,
vestida de branco, pronta para ser minha pro resto da vida.
Diacho de amor que não some!
 

 
O aroma do café recém passado faz minha barriga roncar e o
soluço escapa da minha garganta em forma de choro, chamando a atenção
da minha mãe, que larga o que estava fazendo para me socorrer.
— Menino, o que aconteceu co’cê? Mais um dia na farra, meu fio?
Segundo dia, menin...
— Aquela desgramada voltar, mãe, foi isso o que aconteceu. —
Soluço mais um pouco e a mulher me coloca sentado na cadeira. — Aquela
desgramada... ela levou meu cavalo... ela levou o Voldemort, mãe.
— Cristo, ocê passou a noite bebendo e não foi ajudar seu pai com
as vaca?
— Que vaca, manhê? As que não dão mais leite? As que a dona
vai comprar antes de deixar a gente sem nada? — Foco meus olhos em
minha mãe. — Ela vai conseguir tudo, manhê... tudo e nós não vamos
poder fazer nada, nadinha.
— Bebe isso aqui, fio. — Coloca uma caneca na minha mão. —
Bebe, Arthur, antes que teu pai venha e veja ocê nesse estado.
— Por que a senhora tem tanto medo dele? Uai, cês são casados,
mas é como se não fossem. — Engulo o líquido, que queima minha
garganta e língua, fazendo meus olhos lacrimejarem. — Ôh, porqueira
quente!
— Eu e seu pai somos almas gêmeas — suspira e toca meus
cabelos com carinho. — Ele é bão.
— Talvez para gente, mas não para senhora? Por quê?
— Que bobajada é essa, fio? Ocê precisa terminar esse café e
correr para a empresa. — Seus olhos se arregalam ao ouvir o barulho da
bota do meu pai batendo na calçada acimentada, provavelmente limpando
o barro. — Engole e vai para seu quarto, vou mentir que ocê tá na
empresa.
— Manhê! — reclamo e ela segura meu rosto entre as mãos.
— Vai, meu fio. Por mim, engole e vai. Eu vou pedir para o seu pai
catar uns ovos, pro’cê ganhar tempo.
— Mãe, o quê...
— Só sobe, Arthur — manda e eu assinto, sentindo minha cabeça
pesada.
Engulo o café e, com passos trôpegos, saio da cozinha, tentando
achar o rumo do meu quarto.
Demoro mais do que o necessário, mas, assim que vejo minha
cama, solto um longo suspiro, tentado a correr para ela, só que faço o
caminho até o banheiro, esperando que um banho frio me deixe mais
acordado.
 
Meu domingo foi enfurnado na empresa, fugindo do meu pai e
pensando em soluções. Não fui pra casa no fim da tarde, indo direto para o
bar encontrar meus primos e voltei pra cá depois de tentar beber e não
conseguir esquecer a desgramada.
Passei as horas remoendo a ideia de me casar com ela e no fundo
não me pareceu um plano ruim, eu só preciso saber como ela vai reagir a
isso.
É logico que ela se lembra de mim, como ela poderia me esquecer?
Agora, em plena segunda, estou com a cabeça latejando de dor
enquanto tento ler e entender as cláusulas do contrato de venda dos
cavalos.
— Diacho de palavreado difícil!
— Primo, o tio tava doido atrás do’cê — Gustavo fala alto e minha
cabeça dói mais, vendo o ruivo se jogar na cadeira a minha frente. — Onde
cê foi depois que a prima da Rosinha sumiu com o Tião?
— Fui beber em paz no bar do Migué — conto e olho para ele, que
parece mais digno do que eu. — Precisava pensar e lá é o melhor lugar —
minto, não querendo entrar em detalhes da sofrência que estava vivendo
aqui na minha sala.
— Ocê pegou a Lindinha?
— Não credo, a menina é menor de idade — resmungo e engulo
mais um pouco de água gelada.
— Ela tem vinte anos — solta e meus olhos encontram os dele. —
Ocê não me óia assim, porque eu não fiz nada com ela. Juro por Deus que
tá no céu.
— O que meu pai queria?
— Saber em que puteiro ocê se enfiou que não foi cuidar das
vacas. Ele tá felizão que a dona Terê deu os gados pra gente.
— Não deu, apenas emprestou — Suspiro e a notificação de um e-
mail chega em meu computador —, mas no fim, eu acho que a dona Terê
disse que vai dar, porque não acha certo o que a neta fez, sendo que a
neta não fez nada demais.
— E ela pode fazer isso? — Dou de ombros, abrindo o e-mail e
praguejo baixinho ao ver que se trata de um cobrador. — Que cara é essa?
— A empresa de transporte enviou um aviso de cobrança —
informo e uma batida firme na porta me faz xingar ainda mais. — Entre!
— Senhor, a senhora Wolf está aqui. — A voz apreensiva da minha
secretaria me deixa ansioso.
Autorizo a entrada e esfrego uma mão na outra, não querendo
demostrar para dona Terê que passei a noite sofrendo pela desgramada da
neta dela, que só sabe foder meu juízo com o diacho daquele perfume
doce que ficou impregnado em minha mente.
O barulho contra o chão é alto e, antes que eu tenha tempo para
me preparar, minha sala é invadida pelo mesmo cheiro gostoso que grudou
na minha roupa depois do nosso pequeno abraço na sexta passada.
— Bibi — solto, encontrando seus olhos castanho-acinzentados.
— Arthur Rafael. — A voz é aveludada e eu me sinto em um sonho.
— Lugarzinho interessante.
Caminha com elegância pela minha sala, batendo a porta atrás de
si. Meus olhos estão presos em seu corpo perfeito, cheio de curvas e com
coxas grossas demais para a minha mente pequena.
O vestido vermelho é como uma segunda pele de tão grudado,
fazendo ela precisar dar passinhos curtos para se aproximar da minha
mesa.
— Bom dia, Gustavo. Como vai? — Estende a mão para o meu
primo que, assim como eu, está embebedado com a beleza e segurança
que Fabiana, a minha dona, exala.
— Bem, bem! — Pigarreia e fica de pé, retribuindo o aperto de
mão. —  E ocê, tá boa?
— Vou ficar melhor quando conversar com Arthur Rafael. —  Solta
e me olha.
Meus batimentos, que já estavam nas alturas, sobem ainda mais. O
suor faz a camisa branca grudar em meu corpo, engulo seco e ela estende
a mão na minha direção, seguro-a sem pensar duas vezes e a maciez da
palma me deixa envergonhado pela aspereza da minha.
Sem querer, mas sabendo que é necessário, solto a mão dela e
olho para Gustavo que observa a nossa interação com um sorriso largo nos
lábios.
— Gustavo, ocê me deixa a sós com a dona — mando e meu primo
apenas balança a cabeça, saindo e batendo a porta com força.
O trinco cai, fazendo meu rosto arder de vergonha, e Fabiana olha
séria para a peça de alumínio no chão.
— Ocê... — Limpo a garganta e arrumo a gravata, tendo os olhos
dela sobre mim. — Você quer beber algo?
Pergunto tentando deixar transparecer toda a minha elegância, que
cai por terra quando ela nega com a cabeça e senta sobre a cadeira que,
há poucos instantes, era ocupada pelo meu primo.
— Então, você quer o que aqui? — questiono e ela abre a bolsa
marrom, tirando uma pasta preta de dentro.
— Pode falar como sempre fala, Arthur Rafael, não tenho
cerimônias.
Meu nome deixa seus lábios como uma prece silenciosa e o aperto
da gravata aumenta, me deixando quase sem ar.
— Eu estou aqui com uma proposta.
— Proposta? — Aceito a pasta enquanto ela acena com a cabeça.
— Sim, quando seu pai me procurou, voltando atrás sobre a venda
dos cavalos, nós conversamos bastante e ele me confessou que sente
vontade de vender todas as terras. Apesar de ele ter pedido um valor
exorbitante, pensei muito e é um valor que posso arcar. — Meus olhos
dançam pelo papel quando suas palavras chegam até mim. — Então, como
estou aqui e gosto de fazer negócios cara a cara, trouxe a minha
contraproposta para compra.
— Ocê não é doida! — Fecho a pasta com força, sentindo meu
corpo quente de raiva. — Olha, dona, cê não pode voltar depois de tantos
anos e querer as minhas terras, não pode! O que eu vou deixar de herança
para nossos fio? A cidade grande enlouqueceu ocê, Fabiana.
— Não me enlouqueceu. — Sorri e a calma em suas palavras me
deixa mais irritado. — Você não vai ter herança para deixar para os nossos
filhos, porque nunca terei nada com você.
— Ocê gostava dos meus beijos e não negue e nem diga que me
esqueceu. Eu conheço ocê melhor que ocê mesma — acuso e vejo seus
peitos subirem com mais força.
— Não traga o passado à tona, caipira! — Empina o nariz e fica de
pé. — A proposta é boa, darei um ano para que deixem as terras e, se
quiser, posso até te contratar para cuidar das galinhas — fala de forma
debochada e os lábios pintados de vermelhos sobem em um sorriso
friamente calculado para foder meu juízo.
— Ocê tá de foguinho, não é possível! — Bato a pasta na mesa e
também fico de pé. — Sabe quando cê vai ter as minhas terras? Nunca.
Ocê não é doida de voltar aqui para uma papagaida dessas.
— É uma proposta boa, melhor que essa não vai existir. E eu
aceitei o adicional que seu pai me pediu, só leia e assine, Arthur Rafael.
— Pare de me chamar assim — peço, ficando excitado pela forma
que seus lábios se movem. — Ocê é uma coisa irritante, que só de respirar
perto de mim, me deixa com raiva.
— Não quero que fique com raiva, quero que assine o contrato. As
propostas estão na mesa, peça para o seu advogado dar uma olhada. —
Bate as unhas contra a mesa e dá um sorriso forçado. — Ops, esqueci que
vocês não tem um advogado, mas eu posso emprestar o meu, se assim
desejar.
— Some daqui, Fabiana!
— Sempre tão gentil, Arthur Rafael. — Estala a língua no céu da
boca. — E sobre as vacas que minha avó supostamente emprestou, eu as
quero de volta, são minhas e eu não autorizei nada.
Posso ver a maldade brilhando nas íris escurecidas e o gosto
amargo toma conta da minha boca ao vê-la caminhando até a porta.
Seus longos cabelos cobrem suas costas, caindo até um pouco
abaixo da linha da cintura, que é fina e balança com graciosidade de um
lado para o outro. Estremeço ao respirar fundo e ser inundado com seu
perfume.
Fecho os olhos, batendo as mãos em punho na mesa, e espero
pelo barulho da porta sendo aberta, mas não acontece e, ao levantar o
olhar, vejo a porta sem o trinco.
— Diacho! — reclamo caminhando apressado até ela. — Ocê viu o
que cê fez?
— Se não se lembra, caipira, foi o seu primo quem bateu a porta.
— Relembra, cruzando os braços em frente ao corpo.
Pego o trinco e coloco de volta, bufando de raiva e com o peito
tremendo pela nossa aproximação. Em pensamentos imploro para que
Deus mude os meus sentimentos para o mais profundo ódio, porque,
mesmo sendo tão humilhado por ela, eu só sinto amor.
Treze anos longe e esse sentimento não deixa meu peito, já me
envolvi com mais mulheres do que lembro e nenhuma delas foi capaz de
apagar o fogo que me consome sempre que Fabiana aparece.
— Conseguiu? — A voz me apressa e eu puxo a porta, que não
abre. — Está de brincadeira comigo, Arthur Rafael?
— Que culpa eu tenho?
— Me dá isso aqui! — Segura o trinco, a junção das nossas mãos
eletriza meu corpo, fazendo meu sangue correr mais veloz, e meus olhos
caem para a sua boca avermelhada.
Só consigo lembrar de nós dois contra a parede enquanto nossos
lábios se enroscavam. Foi tudo tão mágico que não sei como foi acabar tão
cedo.
— Dona... — murmuro e seus olhos encontram os meus.
— Arthur Rafael, não! — A ameaça explícita na voz faz meu peito
tremer e, sem me dar conta, nossos corpos estão sendo conduzidos para a
parede mais próxima.
Fabiana espalma as mãos contra meus ombros e seus olhos caem
para meus lábios, nossas bocas estão cada vez mais próximas uma da
outra.
Consigo sentir a respiração quente e gostosa contra o meu rosto,
fecho os olhos descendo as mãos para a sua cintura e, em um aperto
firme, colo nossos peitos.
— Arthur Rafael, se me beijar, eu juro que vou fazer você se
arrepen...
Não deixo que ela termine sua ameaça e laço seus lábios. Fabiana
trava com o contato, mas perde a resistência antes que eu suba a mão
para a sua nuca, correspondendo ao beijo com mais afinco.
Estou no céu com a doçura da sua boca, perdido nos arrepios que
suas unhas causam em minha pele.
Fabiana é minha!
Essa é a única certeza que tenho no momento que seus dedos
enroscam nos meus cabelos e a minha mão sobe para seu rosto.
Diacho de morena gostosa!
 
 

 
Para que negar que eu me lembro dele?
Ah, claro! Porque assim é mais fácil ir embora, ou deveria ser, já
que estou olhando para seus lábios vermelhos, em uma reação incoerente,
tentando entender como me deixei ser beijada por esse caipira.
— Ocê ainda gosta do meu beijo? — A pergunta chega junto de um
sopro quente próximo a minha bochecha. — Sua boca não tem mais gosto
de amora, mas sim de morango. A gente ainda vai casar, Fabiana.
Recobro a consciência e empurro seu corpo para longe, batendo
uma palma na outra, tentando me livrar do formigamento indesejado.
Arthur Rafael sorri com sua boca borrada por causa do meu batom,
o que me faz praguejar, se ele está assim, parecendo um palhaço, eu devo
estar fazendo cosplay do Coringa.
— Ocê fica toda bonitinha descabelada.
— Cala a boca, Arthur Rafael! — ralho, pegando meu espelho e um
lenço demaquilante na bolsa. — Você é irritante e continua beijando mal —
minto sem olhar para ele.
Me distraio esfregando o pano sobre minha boca e engulo seco ao
sentir seu corpo próximo, o calor que seus braços e peito definidos
emanam me aquecem de uma forma estranha.
Fecho os olhos ao sentir a respiração quente em meu pescoço e as
mãos calejadas em minha cintura, nos mantendo colados um ao outro.
— Ocê continua mentindo tão mal, dona. Se meu beijo fosse tão
ruim como ocê diz, não teria uma fila de mulher querendo me beijar de
novo.
A audácia dele me faz travar no lugar enquanto processo suas
palavras. Um rosnado baixinho deixa o fundo da minha garganta quando
solto o ar com força e me desvencilho dele.
A barba cobre boa parte do seu rosto, o bigode cheio o deixa com a
aparência de mais velho, os cabelos escuros estão grandes e jogados para
trás, mas duas mexas caem pela sua testa, o deixando sexy.
Balanço a cabeça para afastar esses pensamentos e respiro fundo,
me aproximando dele.
— Se tem tantas mulheres, por que não está fazendo planos de se
casar com uma delas?
— Porque nenhuma delas é ocê.
A resposta vem como um tiro certeiro e meus olhos miram os dele,
vendo a veracidade das palavras no brilho da íris.
Arthur Rafael usa do meu silêncio para voltar a se aproximar, a
ponta dos seus dedos tocam minha mão e ele toma o lenço, limpando com
delicadeza envolta da minha boca.
Aproveito para observá-lo mais de perto e sinto um gosto estranho
na boca ao imaginar uma fila de mulheres atrás dele. Como em um filme,
penso que todas elas estão sendo atropeladas por um pneu raivoso e me
odeio por isso, porque Arthur Rafael é passado e nem deveria estar
sorrindo enquanto limpa minha boca.
— Sai, Arthur Rafael. — Empurro e caminho em direção à porta.
— Dona, ocê não pode sair assim — murmura e eu bato o trinco
com força na porta, puxando-a e respirando aliviada ao ver ela aberta.
— Pense na minha proposta. Você tem uma semana para me dar a
resposta. — Aponto o dedo na sua direção. — Uma semana.
Deixo sua sala, caminhando para as escadas e me escorando na
parede após descer alguns degraus. Me olho no espelho e depois ergo a
cabeça, inspirando profundamente para tentar me recompor.
— Arthur Rafael é passado e foi só um beijo ruim, muito ruim —
repito e continuo descendo as escadas.

O caminho de volta foi feito em silêncio, Tomé passou o tempo


inteiro dormindo, o que não ajudou em nada já que eu precisava de suas
idiotices para distrair minha mente do beijo de Arthur Rafael.
A forma como sua mão envolveu meu pescoço, os dedos entre
meus cabelos, a pegada firme em minha cintura, os lábios macios, me
fazendo suspirar só de lembrar.
É estranho pensar nele dessa forma, porque há muitos anos disse
que jamais me envolveria com aquele caipira dos infernos, que mesmo
beijando bem, ainda beija mal.
A repetição do seu beijo está me deixando louca e, nem mesmo a
meia dúzia de contratos na tela do computador em meu escritório, me deixa
mais calma.
O barulho da notificação de e-mail faz minhas mãos suarem frio e,
antes do esperado, estou ignorando.
É mais um e-mail do Arthur Rafael e eu não tenho estruturas para
ler.
— Amor da minha vida! — A entrada repentina de Tomé faz meu
coração bater mais forte e meus olhos encontram os dele. — Está
aprontando alguma coisa?
— O que quer aqui, Tomé? — Disfarço o susto sendo a grossa de
sempre e ele sorri sentando na minha frente.
— Só para dizer que o detetive está vindo. — Seus olhos brilham.
— Vai mesmo mandar investigar nossa avó?
— Deveria ter feito isso antes, estou bem incomodada com o fato
de ela fazer tudo para o Aristide Vilarino. — Batuco minhas unhas na mesa,
voltando a ser a CEO que sou. — Parece que eles tem uma ligação muito
forte, não é possível que seja só generosidade.
— Por quê? Vai ver depois que o vovô morreu ela ficou assim.
— Não, ela já era assim — solto, lembrando das vezes que peguei
ela e o Vilarino cochichando pelos cantos. — Eu era pequena, mas lembro
da vez que ela brigou com o vovô por conta de um rádio velho. Ela queria
dar para o vizinho, mas o senhor Fabiano não deixou.
— Deve ser o rádio de madeira que o nosso avô construiu. O
homem amava aquele negócio — concordo e ele se escora na minha
mesa. — O que você acha que pode ser? Acha que eles tem um caso?
— Conhecendo Aristide como conhecemos, não é de se duvidar.
Dona Terê também não seria generosa do nada, ela deve estar recebendo
algo em troca. — Pego minha caneta na mesa. — Tem alguma coisa errada
nisso tudo.
— Talvez ele saiba algum segredo e esteja chantageando nossa
avó?
— Conta outra! — Solto um riso e meu primo arruma a postura. —
Dona Terê jamais seria chantageada, ainda mais por tantos anos, você
sabe melhor do que ninguém o quanto ela é determinada em suas
decisões.
— Ela ainda me defende do meu pai.
— Isso é o mínimo que ela poderia fazer. A verdade, Tomé, é que
dona Terê não dá ponto sem nó, e mais dia, menos dia, vamos descobrir o
que ela tanto esconde.
— E o que você vai fazer quando descobrir? — Sua voz abaixa
alguns tons e a batida na porta faz ele saltar da cadeira.
— Não tenha medo, não vou fazer nada contra ela — garanto com
um sorriso, mas por dentro estou pedindo desculpas pela mentira. — Entre!
Lúcia passa apenas a cabeça pela porta e seus olhos estão cheios
de lágrimas. Franzo o cenho e a mulher termina de entrar, com as mãos em
frente ao corpo, ela abaixa a cabeça e puxa o ar com força para os
pulmões.
— Senhorita, eu sinto muito.
— O que aconteceu?
— Sua avó, o estado dela piorou — solta e eu estreito os olhos. —
Ela me ligou, gostaria de me ver.
— Retorne e peça para ela aguardar um pouco antes de morrer.
Você vai comigo para lá, na sexta — informo e não consigo decifrar sua
expressão.
— Você vai voltar para a fazenda? — Tomé pergunta e sua voz é o
combo perfeito de confusão, medo e admiração.
— Sim, tenho negócios lá e as obras para expandir meu haras vão
começar em breve, quero estar a par de tudo — murmuro e olho para
Lúcia. — Pode ir, dona Lúcia, e avise a minha avó, ela vai conseguir
esperar.
— Mas, senhori...
— Sexta! — Bato alguns papéis sobre a mesa. — Sexta vocês
matam a saudade da velha, se despedem e um novo ciclo se inicia, agora
ao trabalho.
— Sim, senhorita. — Fecha a porta em um baque surdo e eu olho
para o meu primo.
— Você também vai, Tomé — mando e ele fica de pé, apertando as
mãos sobre o estofado da cadeira preta. — O que foi agora?
— Não sei o que aconteceu na sala do Arthur Rafael, mas você
está diferente. Voltou para a fazenda mexida e agora... sei lá, parece
mudada.
— Bobagem sua!
— Não, seus olhos parecem estar mais vivos, você inteira parece
mais viva. — Estreita os olhos na minha direção e os meus reviram. —
Amor da minha vida, não diga que rolou um ‘remember’.
— Não, não rolou nada além de muito ódio da parte dele. Aquele
chucro não vai me vender as terras — murmuro mostrando indiferença e
Tomé continua me olhando estranho. — Tomé, pelo amor de Deus, vai
trabalhar! Não aconteceu nada e você está me deixando irritada.
— Fabiana, eu te conheço. — Aponta o dedo na minha direção. —
Você sabe que eu vou descobrir o que trouxe esse brilhinho para os seus
olhos.
— Tomé vai trabalhar ou eu juro que te expulso do meu
apartamento — aviso ficando irritada e ele levanta as mãos em rendição,
mas não faz o que eu peço.
Seus olhos escuros mostram que ele não vai descansar até
descobrir o que aconteceu e, no fundo, eu só quero que ele suma da minha
frente, para que eu possa descobrir o que Arthur Rafael quer comigo
naquele e-mail.
Talvez ele tenha mudado de ideia e, finalmente, aceitou a minha
proposta. Só pode ser isso.
Volto à realidade com uma nova batida na porta e respiro fundo,
autorizando a entrada da minha secretária, que dessa vez avisa que o
senhor Golias está aqui.
Espanto qualquer pensamento e Tomé volta a se sentar em uma
cadeira afastada, cruzando as pernas, pronto para participar da reunião.
No fundo eu quero que ele esteja aqui, porque assim vai ser mais
fácil digerir as informações quando elas chegarem.
— Boa tarde. — A voz máscula irrompe e Tomé é o primeiro a ficar
de pé, dando uma olhada generosa no homem alto e negro que caminha
até minha mesa.
— Boa tarde, sou Fabiana Wolf e esse é o meu primo, Tomé. Por
favor, sente-se, temos muitas coisas para conversar — digo após apertar
sua mão.
Me sento e encaro o homem, sabendo que ele é o melhor detetive
e que vai me trazer tudo o que eu preciso para acabar de vez com Teresa
Wolf.
 
 

 
As horas passam tão rápido que, quando o sol se põe, eu ainda
estou sentado do mesmo jeito, tocando meus lábios sempre que posso, só
para lembrar da sensação de ter tido Fabiana colada em mim mais uma
vez na vida.
Diacho de mulher quente e perigosa!
Seu cheiro é como um veneno viciante, que me mata e me mantém
vivo ao mesmo tempo. Eu disse que a odiava, mas como posso odiar se,
só de imaginar nós dois juntos para sempre, meu peito já explode de
felicidade.
— Arthur, que planeta ocê tá? — A voz, junto ao tapa sobre minha
mesa, me faz saltar na cadeira e as molas estouradas pegam na minha
coluna. — Por que ocê tá aqui ainda?
— Só pensando na vida, Gustavo. Diacho, pode mais não?
— Já tá escurecendo! Bora para o bar, beber umas e se esbaldar
em uns corpinhos?
— Passo, tenho que ajudar meu pai amanhã de madrugada. —
Invento uma desculpa e seus olhos miram os meus, buscando encontrar a
mentira. — Ocê também tem que ajudar.
— Uai, por quê? Ocê vai estar lá, o Zezão também e ainda tem o
Tião.
— Tem três dias que o Tião não aparece lá, tenho quase certeza
que ele tá enrabichado na cama da primeira-dama. Ocê viu que ela quase
tacou os peitos na cara dele no sábado — falo e meu primo respira fundo.
— E como foi a conversa com a Bibi? Ela lembrou do’cê? Fiquei o
dia todo dentro do escritório, lendo a documentação, e nem vim aqui saber
o que ela queria. — Suspira, sendo o fofoqueiro que é.
— A dona nunca me esqueceu, só falou aquilo naquele dia para me
provocar — Esfrego uma mão na outra e fico de pé —, mas ela é tinhosa,
tá aqui a proposta dela, Bibi quer todas as terras.
— Sabe que a ideia do’cê casar com ela pra salvar a gente não é
tão ruim.
— Claro que é, caboclo. Ocê, melhor do que ninguém, sabe que eu
não vou me casar por interesse, tem que ser por amor.
— Mas cê ama ela! — Pega a pasta e eu reviro meus olhos.
— Do que adianta um só amar? Até parece que um só faz
casamento — ralho e caminho até a porta, que está sem o trinco. — Óia,
temos mais esse aqui pra arrumar.
— O Tião arruma — murmura com os olhos grudados nos papéis.
— Diacho, por que ocê não quis ser advogado? Pra que tanta letra numa
palavra só?
— Anda, Gustavo, vamos discutindo isso até lá em casa. —
Empurro seu ombro e ele fecha a pasta, sorrindo.
— Cacetada, primo, três milhões no haras, de uma vez só? Essa
mulher assaltou um banco?
— Seu Fabiano deixou muito dinheiro para ela e, o que deveria ser
da irmã, também foi para ela — explico, começando a descer as escadas.
— Vai ver que isso, somado a outros ganhos, fez ela virar a mulher do
dinheiro.
— Às vezes nem é pela lancha! — Suspira e eu franzo meu cenho,
descendo os degraus que foram pintados recentemente de branco.
Esse foi um dos gastos que me permiti nos últimos anos, a
escadaria que leva ao terceiro andar estava toda desgastada e com uma
mancha de mofo, o cheiro não era agradável, muito menos a iluminação,
que foi trocada na semana passada.
Até agora não vi a cor do dinheiro que Fabiana pagou pelos
cavalos e pelo haras e, quando confrontei meu pai sobre isso, as respostas
não foram nada interessantes.
Chego ao estacionamento quase vazio e, na minha mente, Fabiana
está subindo as escadas com aquele saltão, que deixa suas pernas mais
torneadas e sua bunda mais empinada. Pelo céu, ela fica tão bonita toda
retinha, pronta para um confronto.
Talvez se eu tivesse descido minhas mãos para aquele traseiro
redondinho nossa manhã tivesse terminado de outra forma. Se tem uma
coisa que eu me garanto é na minha pegada, tantos anos tentando
esquecer a desgramada, acabei acumulando experiência.
— Ocê vai entrar? — A voz de Gustavo me tira dos devaneios e eu
destravo a caminhonete velha, que era do meu avô.
A lataria foi pintada de preto assim que completei dezoito anos,
antes era azul-claro. Naquela época a situação da minha família era muito
melhor e podíamos gastar com algumas coisas, mas hoje não é nada fácil.
Ligo o carro e ele treme, a fumaça preta que sai do escapamento
tampa tudo atrás, deixando a fachada do pequeno edifico de três andares
perdida.
As luzes fracas em volta não iluminam muito e, quando deixo o
estacionamento, só consigo pensar na minha cama e no quanto ela deve
estar gostosa me esperando.
Diacho, preciso dormir e colocar meu juízo em ordem.
A semana tem passado tão devagar que estou quase achando que
vivo em um looping completo. Levanto antes das quatro pra ajudar meu pai
com o gado leiteiro e as oito já estou na empresa, buscando soluções.
Na quarta conseguimos vender metade da soja que sobrou, e o
dinheiro que entrou foi usado para pagar o aluguel do maquinário que fará
as bolas de capim.
Minha esperança é fazer mais de três mil bolas, se todas forem
vendidas, como no ano passado, o valor arrecadado deve ultrapassar
quinze mil reais. Com esse dinheiro vou conseguir pagar a comida das
vacas e começar a reconstruir o barracão que foi destruído pelo fogo.
— Ôh, seu imprestável — A rouquidão na voz do meu pai me faz
bufar, engolindo a resposta grosseira —, cadê o dinheiro das vendas?
Preciso pagar os fornecedores que cê esqueceu.
— Não esqueci nada, pai. O senhor que se esqueceu que eu sou o
responsável por todos os pagamentos. — Cruzo os braços em frente ao
corpo e ele mastiga o capim com descaso. — Ocê tem que me passar o
dinheiro da venda dos cavalos, tenho que pagar as coisas das meninas na
cidade e também comprar os suplementos...
— Qual dinheiro? A mixaria que Bibi, a fia do demo, pagou pelos
cavalos? Já acabou.
— Como acabou? — questiono e retiro meu chapéu, jogando meus
cabelos para trás, antes de colocar o chapéu no lugar. — O senhor bebeu o
dinheiro?
— Mais respeito, moleque. Ocê acha que é barato administrar essa
família? Paguei o que pude e ainda tá faltando grana. — Cospe o capim e
faz careta. — O que cê anda fazendo com o dinheiro que entra?
— O único dinheiro que entrou deu pra pagar só o empréstimo das
máquinas. Eu achei que o senhor tinha o restante — reclamo, começando
a me irritar com o sumiço do montante. — Preciso de pelo menos cem mil
para começar a pôr ordem na empresa.
— Uai, para que tudo isso? Ocê andou gastando com mulher,
aposto. Ocê é um maldito mesmo, suas irmãs quase passando fome lá na
capital e ocê farreando — me acusa e seus olhos descem com nojo pelo
meu corpo. — Saiu um miserável como seu avô, impressionante.
— Impressionante é o dinheiro que ela te pagou já ter sumido. Não
faz sete dias, pai. — Engrosso a voz e ele ri com descaso. — Como pôde
fazer isso? Onde cê enfiou toda a bufunfa?
— Já disse que acabou. — Dá um passo em minha direção e seu
corpo cobre o meu. — Se ocê tá achando ruim é só pedir para sair, e se
não quiser ir é bom que ache uma solução, porque a Bianca ligou chorando
dizendo que não tem dinheiro pra nada, elas estão passando fome.
— Pai...
— Ocê não é o presidente dos Vilarino? Pois então, dê de comer as
suas irmãs porque eu não tenho dinheiro para mais nada. — Seus olhos
não deixam os meus, provando a verdade explícita. — Anda, Arthur, vai
sustentar suas irmãs, eu vou atrás do Tião, ver o que aquele outro
imprestável tá fazendo.
Fico quieto, respirando pesado e assistindo-o se afastar em direção
ao celeiro. Minhas mãos estão fechadas em punho, enquanto engulo mais
uma responsabilidade.
— Fio, ocê pode ir lá na dona Terê? — Minha mãe para na minha
frente e toca meus braços. — O que seu pai falo pro’cê, meu fio?
— Nada que eu já não soubesse. — Forço um sorriso e beijo sua
testa. — O que eu tenho que fazer lá na dona Terê?
— Levar uns queijos. Fiz hoje cedinho e ela gosta de queijo verde.
— Me olha apreensiva. — Ocê tem que ir em um pé e voltar em outro,
porque escutei no rádio, depois da missa, que vai vir um temporal.
— Não se preocupe, dona Rosane, vou com a caranga[8]. — Pisco
um olho e ela sorri. — A senhora pegue lá o que eu tenho que levar, vou só
jogar uma água no rosto.
— Ocê não tá mais feliz, na segunda cê parecia nas nuvens —
comenta quando a abraço pelos ombros e a conduzo para dentro da casa.
— Eu tinha motivos pra tá feliz, manhê, mas eu prometo que em
breve vou tá ainda mais. — Beijo seus cabelos grisalhos e nos separamos,
com ela indo para a cozinha e eu para o meu quarto.
O assoalho estala a cada passo que dou em direção ao meu
santuário, lugar aonde só uma mulher entrou e aonde nenhuma outra vai
entrar.
Intercalo meu olhar entre a porta do meu quarto e a porta do quarto
do meu pai e, mesmo querendo muito entrar e descobrir alguma pista sobre
aonde o dinheiro foi parar, eu me controlo e entro no meu, fechando a porta
com um baque seco.
Olho para a cama estendida e respiro fundo, tendo em mente que
em menos de seis horas poderei me acabar de dormir.
Tudo o que eu preciso é sonhar com a minha morena, a minha
dona, porque só ela é capaz de me tirar desse marasmo seco que me
enfiei.
 

 
Eu odeio meu primo!
É tudo o que eu consigo pensar enquanto o carro desliza pela
estrada de barro vermelho. O desgraçado do Tomé, junto da minha
secretária, sequestraram o meu motorista e me deixaram para trás,
resolvendo alguns pepinos na empresa.
Odeio dirigir, principalmente à noite.
A parte de trás da caminhonete derrapa, batendo contra o barranco
e impulsionando meu corpo para frente.
Aperto as mãos no volante, pisando fundo no freio, enquanto a
chuva cai com força, atrapalhando minha visão e quase cansando o
limpador, que não vence expulsar a água.
— MERDA! EU VOU TE MATAR TOMÉ! — grito dando um soco
forte no volante, quando relaxo o pé que estava segurando o carro, sinto
quando ele escorrega para a lateral, batendo com tudo na parede de terra
ao lado.
O cinto me segura, mas não impede que meu peito bata no volante,
nem que surjam lágrimas em meu olhos, as quais contenho, respirando
fundo.
— PORCARIA DE CARRO! — Fico mais irritada e aperto o
acelerador com os dois pés.
Para aumentar meu desespero, todas as luzes da caminhonete se
apagam e os barulhos estranhos começam a soar.
A adrenalina corre solta por minhas veias, deixando meu corpo
quente e o coração acelerado. Prendo meus cabelos, me encostando no
banco de couro, e fecho os olhos, com dor na sola dos pés.
Pego meu celular, jogando de volta no banco ao ver que não tem
sinal. Estou na divisa das fazendas da minha avó e dos Vilarino, a estrada
pode levar tanto para uma quanto para outra, basta apenas escolher o
caminho em uma encruzilhada.
Estou mais longe da minha fazenda, pois ela ultrapassa a fazenda
dos Vilarino, e pelo visto não tem uma alma para me ajudar.
Giro a chave na ignição do carro e todas as luzes do painel piscam,
mas logo apagam de novo, fazendo o desespero explodir em meu peito e
subir para a minha garganta.
Tudo começou errado e estar aqui, com o carro estragado, é mais
do que um sinal claro de que eu não deveria ter saído de casa.
Primeiro: acordei atrasada, o que nunca acontece; Segundo: o
trânsito infernal que, por míseros segundos, não me fez chegar atrasada
para uma das reuniões mais importantes do ano.
O pessoal da diretoria estava todo reunido para discutirmos nossas
estratégias e apresentarmos os lucros dos últimos seis meses.
Os ganhos subiram duzentos e dezessete por cento em
comparação ao ano passado, o que é extremamente bom. O que emperrou
foi minha avó se achando a dona e exigindo metade dos ganhos.
Ainda preciso descobrir o motivo para ela querer tanto dinheiro e,
principalmente, como ela estava supostamente morrendo na segunda-feira
e hoje já estava dando pulos de alegria, exigindo meio milhão de reais em
dinheiro vivo?
Dona Terê está aprontando, consigo sentir o cheiro de longe, mas
agora eu só consigo sentir raiva.
— MERDA. Que porra! — xingo mais um pouco e os clarões
iluminam a estrada, que está cada vez mais enlameada.
Coço minha testa, buscando alguma solução que não exija que eu
saia do carro. Zero chances de eu me molhar e afundar meus legítimos
Giorgio Armani nesse terreno imundo.
Bato as mãos sobre o painel e volto a fechar os olhos, querendo
chorar, mas sabendo muito bem que não é isso o que uma Wolf faz.
Cresci sabendo que as lágrimas deixam as pessoas fracas, e eu
não sou fraca.
Incomodada com um clarão amarelo, abro meus olhos e meu
coração quase sai pela boca ao ver um carro se aproximando.
Ele vem das terras da minha avó, uma entrada usada apenas por
caminhões e que é quase asfaltada de tanto pedrisco escuro que cobre o
barro vermelho.
Foi uma das soluções encontradas para que a fazenda não ficasse
sem os alimentos dos animais e também para facilitar a entrega do leite.
O medo dá cambalhotas quando vejo as luzes do carro piscando
para o meu, como uma espécie de sinal, engulo o pânico e respondo,
piscando os faróis duas vezes, antes de tentar ligar o motor de novo, que
dessa vez não dá nenhum sinal de vida.
Com os olhos grudados no outro no carro, vejo pela luz dos faróis a
chuva grossa se transformar em uma garoa fina. Batuco meus dedos sobre
o volante, não sabendo se saio do carro ou se me tranco aqui, com medo
do que o outro motorista possa fazer.
O medo explode na garganta quando ouço uma porta bater e
arregalo meus olhos ao notar que o homem, vestindo calça jeans e blusa
xadrez, está correndo para perto do meu carro, segurando o chapéu contra
a cabeça e me impedindo de ver o seu rosto.
A batida seca na janela ao meu lado faz um arrepio subir pela
minha coluna, de forma manual, mas ainda assim desço um pouco do vidro
e encontro um par de olhos esverdeados me encarando.
— Dona! — A voz rouca é um misto de surpresa e descrença.
— Arthur Rafael. — Umedeço os lábios e um novo raio explode no
céu.
—  O que cê tá fazendo aqui?
— Admirando a chuva, não é óbvio? — respondo cínica e ele bufa.
Desço mais o vidro e meus olhos se perdem em seu rosto molhado
pela garoa fina. A blusa que cobre seu corpo está colada, deixando seus
músculos mais aparentes e me fazendo praguejar por desejar tocá-lo.
Aonde já se viu, eu querendo voltar ao passado!
— Sem foguinho, dona, tô falando sério. O que cê tá fazendo aqui
uma hora dessas?
— O carro encalhou e não tenho sinal para ligar para o vigarista do
meu primo. — Me dou por vencida e meus ombros pesam. — Você pode
ligar para alguém e mandar um trator vir me puxar?
— Poder eu até posso, mas eu não quero. — Sorri e se apoia na
janela, a água suja que escorre dos seus dedos sujam o interior do meu
carro. — Ocê pode ficar aqui, amanhã alguém vem...
— Arthur Rafael — murmuro entredentes e ele nega com a cabeça.
— Ainda não terminei minha proposta, dona. — Sorri me deixando
com mais raiva. — Ocê pode ficar aqui esperando alguém, ou pode aceitar
minha carona.
— Nunca! — O trovão estoura bem em cima de nós e a chuva
começa a engrossar.
— Se é assim, boa noite. — Bate na aba do chapéu e se afasta,
voltando para seu carro.
Os trovões se tornam mais intensos junto com os raios e, sem
opção, coloco a cabeça para fora do carro e faço algo que achei que nunca
faria.
— Arthur Rafael, eu aceito sua proposta — eu grito, quase
implorando por ajuda, e fecho os olhos, rezando para não me arrepender
disso depois.
Não sei quanto tempo demorou para a chuva diminuir, mas assim
que aconteceu, Arthur Rafael voltou a caminhar até meu carro e,
contrariando todas as expectativas, abriu minha porta e estendeu a mão.
— Ocê tem que tirar esse salto.
— Nunca — respondo segurando minha bolsa contra o peito e
aceitando sua mão.
Os raios e os trovões estão fracos, assim como a chuva, que molha
meu corpo quando fico de pé. O chão liso me faz escorregar e as mãos de
Arthur Rafael envolvem minha cintura, me segurando contra seu corpo.
Fecho a porta do carro e aciono o alarme, me agarrando no ombro
do moreno e, mesmo com a pouca iluminação, consigo ver seu sorriso de
canto.
— Ocê vai afundar esses pezinhos no barro.
— Só me ajuda a sair daqui, Arthur Rafael.
— Diacho, pare de me chamar assim, parece que tá brigando
comigo — pede e, com cuidado, movo meu pé, me arrependendo ao
escorregar novamente. — Ocê tinha que ter vindo de bota. Que custa usar
um sapato confortável?
— Meus saltos são confortáveis — rebato, movendo minha mão
para o seu braço, segurando com mais força.
Ele enlaça meu corpo enquanto anda ao meu lado, me mantendo
bem colada nele que, mesmo molhado, parece que está pegando fogo.
Lentamente andamos até a sua caminhonete, mas quando
estamos quase chegando meus pés afundam no barro.
— Merda! — praguejo e Arthur Rafael se afasta de mim, olhando
para os meus pés e segurando meus braços. — Me ajuda a sair daqui.
— Para de ser fresca, cê amava brincar no barro — relembra e
meu semblante se fecha.
As lágrimas travam e minha garganta fecha, miro os meus pés e
vejo o salto preto todo enlameado, o barro está até em minha pele e eu o
amaldiçoo por isso.
— Uai, cê não vai chorar por um par de sapatos, vai?
— Tem noção de quanto esse sapato custou? Ele veio direto da
Itália — explico e seus olhos se arregalam. — Lógico que você não tem
noção, é um caipira chucro.
— Diacho, então ocê fique...
Não deixo que ele termine a ameaça e finco minhas unhas em seu
antebraço, sentindo as veias grossas sob a palma da minha mão. Engulo
seco, descendo os olhos para os braços fortes e o ar fica mais escasso em
meus pulmões, deixando minha respiração descompassada.
Sempre tive um fraco por braços cheios de veias aparentes e, não
sei por que raios, Arthur Rafael tem que ser assim.
— Dona, cê vai me marcar e, se fizer isso, vai ter que se casar
comigo. Tenho uma reputação a zelar — brinca e meus olhos encontram os
seus.
— Eu nunca vou me casar com você! Agora me ajude a sair daqui
— mando e sua sobrancelha se eleva. — Por favor, Arthur Rafael. — Me
rendo, falando em um suspiro.
Sinto todo meu corpo tremer de frio por conta da garoa fina, o
moreno sorri e novamente passa o braço pela minha cintura, diferente da
primeira vez ele me pega nos braços, me desatolando, agarro seu pescoço
e, em alguns segundos, me coloca no chão, perto da porta do carona.
Em silêncio, afetada pela sua maneira de agir, entro no veículo e
olho para os meus pés.
— Me dá a chave do seu carro — pede me fazendo franzir o cenho.
— Ocê deixou os faróis ligados — explica e entrego a chave, me
abraçando em seguida, buscando me aquecer.
Observo Arthur Rafael andar com graciosidade até minha
caminhonete e desligar os faróis, correndo de volta para o seu carro em
seguida.
Não sei como ele faz isso, mas é com uma facilidade
impressionante que eu me pego tentada a sorrir.
— Pronto, dona. — Me devolve a chave e o vento frio que vem da
sua porta some em instantes. — Ocê tá indo para onde?
— Para casa do Tomé — explico, passando o cinto. — Terras da
dona Olga.
— Vixe, até parece que cê não cresceu aqui — debocha, ligando o
carro. — Se aqui tá desse jeito, imagina lá na frente? Ocê não vai
conseguir ir hoje para lá, nem a pé.
— Eu não vou para a casa da minha avó.
— Certo, vou te levar para a minha casa...
— Não, me deixe na porteira da sua fazenda e o resto do caminho
eu faço a pé — corto-o e ele me olha brevemente, dando a ré no carro.
— Ocê quem sabe, Fabiana.
Respiro fundo e meu corpo treme com mais força, fecho os olhos e
encosto a cabeça no vidro, chacoalhando de um lado para o outro.
Merda de dia! Por que tinha que chover justo hoje?
Agora me questiono se tem como esse dia piorar.
 
 

 
Bibi dorme contra o vidro e meus dedos coçam para tocá-la, mas
me controlo. São quase dez da noite, faz três horas que eu a encontrei na
estrada e até agora não consigo acreditar que o destino está sendo tão
generoso comigo.
Volto minha atenção para a estrada, andando o mais devagar que
posso, com medo de acordá-la e dar de cara com uma onça.
Seu Fabiano dizia que eu podia fazer tudo para irritar a neta,
menos acordá-la, a menos que eu quisesse uma morte lenta por uma
mulher feroz.
Estou perto da fazenda do meu pai, mas ao invés de entrar nas
terras, sigo reto, até a casinha que pertencia ao pai do Tião e que agora é
só um lugar abandonado, usado para pensar.
Minha mãe limpa o lugar regularmente, porque meu pai usa quando
quer descansar sem ser interrompido.
Quando estaciono em frente à casinha de madeira, minha
caminhonete treme e eu fecho meus olhos, sabendo que Fabiana acordou.
O rosnado que deixa sua boca diz muito sobre isso e mentalmente
me preparo para uma explicação.
— Ocê tá bem? — questiono depois de longos minutos com os
olhos fechados e encontro Fabiana com uma expressão assustada,
mirando em mim. — Diacho, o que foi agora?
— Por que me trouxe aqui? — Sua voz é baixa e inaudita. Desligo
o motor, mas mantenho os faróis acessos. — Essa é a casa do
fantasminha.
— Ocê ainda acredita nessa história? Dona Terê deve ter inventado
isso porque sabia que cê era arteira e poderia colocar a casa no chão em
segundos — faço graça e Bibi desvia o olhar para as madeiras com a tinta
verde descascada.
— Minha avó me proibiu de vir aqui, disse que um homem muito
ruim morreu dentro da casa e que ele estava aqui, a espreita — solta e
minha testa franze em confusão. — Ela falou que foi esse homem que
sussurrou a morte no ouvido da minha irmã.
— Diacho, eu não sabia disso. — Me apresso em ligar o carro, mas
Fabiana toca minha mão, girando a chave e desligando o veículo. — Ôh,
dona, não queria magoar ocê.
— Essa casa não é amaldiçoada, Arthur Rafael, eu quem sou —
sussurra, me surpreendendo com a confissão. — Por que me trouxe aqui?
— Uai, cê não quis ir na dona Terê e não quis ir dividir a cama
comigo, aí te trouxe aqui, já que a chuva não tá dando trégua — explico e a
garoa fina é substituída por pingos grossos, que batem com força contra a
lataria.
Fabiana fica em silêncio, observo sob a luz fraca do carro sua
garganta se mover enquanto ela engole em seco. Os cílios grandes e
negros tremem com a respiração profunda e eu aperto o volante com as
duas mãos, desviando o olhar.
Diacho de morena bonita!
— Leu os papéis?
— Quais papéis? — questiono e seus olhos encontram os meus. —
Ocê não é doida, não vou assinar e tá falado.
— A proposta é boa, se você souber administrar, vai conseguir
multiplicar o valor e viver bem pelo resto da sua vida.
— Ocê vai viver ao meu lado? — A pergunta salta dos meus lábios
antes que eu tenha tempo de controlar a língua, Bibi me encara séria e
revira os olhos virando para o lado.
— Você não desiste?
— Ocê vai negar que a gente tem uma química forte? A gente
nasceu para ficar junto, dona. — Toco seu braço com a ponta dos dedos e
seus olhos voltam para mim. — Ocê pode negar, mas no fundo sabe que é
verdade.
— Ocê é muito iludido — faz graça e fica séria. — Não sou mulher
para o seu bico, Arthur Rafael. Você é parte do meu passado, um passado
que eu já esqueci.
— Não esqueceu nada, porque cê ficou molinha nos meus braços.
— Relembro e a vejo estufar o peito, prendendo a respiração. — Ocê não
pode ter esquecido da semana que dormiu no meu quarto...
— Minha irmã tinha acabado de morrer, eu só não queria ficar
sozinha — justifica e me olha. — Eu tinha dez anos, seu pervertido.
— Não tô imaginando nada co’cê, a gente era piquinininho, só tô
lembrando que cê fugia da casa da dona Terê e ia se esconder lá no meu
quarto. Não negue que ocê se sentia segura comigo.
— Eu tinha dez anos, você era o único que não me mandava parar
de chorar. — Arruma outra justificativa e desvia o olhar. — Naqueles dias
foi um inferno viver na fazenda, minha mãe dopada e meu pai andando de
um lado para o outro, chorando pelos cantos a morte da filha mais velha.
Ninguém tinha tempo para me explicar o que tinha acontecido e, se me
viam triste, mandavam eu colocar um sorriso no rosto, porque uma Wolf
não chora.
— Sinto muito — balbucio, vendo a tristeza tomar conta do seu
rosto.
— Não pude sofrer a morte da minha irmã em casa, aí eu tinha
você, que se ofereceu para ser meu ombro amigo. Foi isso o que
aconteceu. — Dá de ombros. — A chuva já está parando, melhor eu
começar a caminhar para a minha fazenda.
Sua pose de durona volta e ela prende os cabelos no alto, forçando
a porta da caminhonete, que só abre por fora.
— Eu e ocê temos um caso grande com os trincos — brinco,
descendo do carro. — Não se preocupe, eu vou abrir pro’cê.
Dou a volta no carro e meu pé afunda no banhado[9], faço careta,
sabendo que isso vai se tornar um problema para a dona.
— Bibi, acho melhor ocê ficar aí — murmuro com a mão na cintura.
— Tá tudo um banhado, cê vai afundar.
— Só abre isso aqui, Arthur Rafael.
Não querendo contraria-la, abro a porta e aguardo que ela desça.
Fecho os olhos quando o grito agudo deixa seus lábios e me apresso em
bater à porta, não dando chance para ela voltar para dentro do carro.
— Ocê quer ajuda, dona?
— Eu vou matar você, Arthur Rafael. Matar! — ameaça entredentes
e minhas mãos agarram sua cintura, ajudando-a a dar um passo na minha
direção.
Fabiana respira fundo e segura meus ombros com as duas mãos,
forçando a perna a desprender do chão.
A escuridão da noite é a nossa companhia, a luz amarelada dos
faróis mal reflete a gente e, quando ela tenta desatolar o pé, seu corpo se
desequilibra, batendo contra o meu.
Minha botina desliza pelo barro e, antes que eu tenha tempo para
processar, estou de bunda no chão com Fabiana sobre mim.
Os cabelos escuros desprendem e caem sobre meu rosto, Bibi
apoia as mãos ao lado da minha cabeça e grita com raiva, praguejando e
amaldiçoando os céus que, em forma de vingança, transforma a garoa fria
em uma chuva forte.
— Tudo isso é culpa sua, Arthur Rafael. — Me bate, tentando sair
de cima de mim, mas minhas mãos continuam em sua cintura. — Seu
caipira dos infernos.
— Para de me xingar, mulher — peço e ela escorrega, caindo bem
certinho nas minhas coxas, esmagando meu Arturzinho.
Quero gritar, mas tudo o que faço é jogar Fabiana para o lado e
trazer as mãos para o meio das pernas, talvez por estar frio a dor seja mais
insuportável.
— Te odeio, Arthur Rafael! — Bate em meu peito e nossos corpos
ficam mais ensopados pela chuva.
Fecho os olhos com força, tentando respirar, mas os pingos
grossos e descontrolados atrapalham e, mesmo morrendo de dor, me
obrigo a levantar.
Encontro Fabiana sentada, passando a mão suja de barro sobre a
testa e, quando seus olhos encontram os meus, engulo em seco e estendo
a mão, puxando-a para cima e mantendo-a bem presa ao meu lado.
— Eu estou fedendo e a culpa é inteiramente sua.
— Ocê que é teimosa e quis descer — murmuro e a levo para a
mini garagem. — Fique aqui, eu vou ligar o poste e desligar o carro,
quando eu gritar, cê acende o interruptor — instruo e, por conta da
escuridão do lugar, não consigo ver seu rosto, mas em minha mente eu sei
que ela está revirando os olhos para mim.
Corro até o poste, ligando-o, e grito para Fabiana, assim que a luz
da garagem é acessa vou até a caminhonete, desligando os faróis e pego a
chave. 
Volto para perto dela e encontro uma morena toda vermelha por
conta do barro. Suas costas e bunda estão totalmente irreconhecíveis, as
mexas longas estão escorrendo uma sopa avermelhada, fazendo uma
poça aos seus pés.
— Vamos entrar, dona, cê precisa de um banho quente.
— Desde quando tem isso aqui? — Vira o rosto, todo sujo de terra,
para mim.
— Essa casa é o lugar que meu pai usa pra descansar, tem de tudo
aqui, se ocê quiser dormir tem cama, mas tem que dividir comigo. —
Balanço as sobrancelhas e ela cruza os braços abaixo do peito.
— Nem morta eu faria uma coisa dessas, Arthur Rafael. Nem
morta!
— Ocê cospe muito pra cima, daqui a pouco lambuza a cara —
murmuro cabisbaixo e abro a porta. — Vou achar um pano pro’cê limpar os
pés, deve ter umas toalhas limpas pra se banhar.
Fabiana não diz nada, seus olhos encaram tudo com curiosidade e
certo receio. A morena sempre teve medo desse lugar, dizia que tinha um
tal fantasminha, e eu tenho certeza que isso foi invenção da dona Terê pra
neta não ficar fazendo fuzuê aqui.
Conheço minha dona muito bem, sei o quanto é teimosa e tinhosa,
e esses seus defeitos só me fazem amá-la mais.
Diacho, bem que podia cair um raio em mim e fazer esse
sentimento sumir. Não é possível que, depois de tantos anos, eu ainda
fantasie meu casamento com essa desgramada.
— Aqui, dona. — Entrego os panos e ela começa a passar pelo
corpo.
Desvio os olhos sabendo que essa noite vai ser a realização de um
sonho, mas que ainda assim, vai ser meu castigo na terra.
Diacho de mulher bonita e, cheia de barro, é mais ainda!
 

 
Meu corpo treme de frio e, nem mesmo a água quente do chuveiro,
está me ajudando. Lavo meus cabelos como posso, entortando o nariz
para o cheiro de barro que está impregnado em cada centímetro da minha
pele.
Ainda não acredito que Arthur Rafael fez a gente cair, muito menos
que ele me jogou no chão. Eu ainda vou acabar com a vida desse caipira
chucro, que acha que pode reviver o passado.
Esfrego minha pele com a bucha vegetal e só paro quando batem
com força contra a porta.
— Ocê quer acabar com a água? Eu também tenho que me banhar
— grita do outro lado e eu limpo meu rosto com as duas mãos, retirando o
restinho de maquiagem.
Desligo o chuveiro e a mudança de temperatura me faz tremer
ainda mais. Enrolo uma das três toalhas que ele encontrou no cabelo e
outra em meu corpo, deixando uma para que o infeliz use.
Ao deixar o banheiro, encontro o moreno olhando através da janela
de vidro, a chuva bate forte e eu me odeio ainda mais por ter saído de
casa.
Uma hora dessas eu poderia estar na minha cama, finalizando a
leitura do novo acordo com Simon, um fazendeiro texano que acabou de
comprar nossa safra de soja.
— Pode usar o chuveiro — murmuro, segurando a toalha contra o
corpo, e seus olhos encontram os meus.
Dois segundos é o tempo que demora até ele descer os olhos pelo
meu corpo, umedecer os lábios e coçar a nuca, desviando o olhar para a
parede atrás de mim.
— Diacho! — solta com sofreguidão e coça a barba.
— Minhas roupas viraram lixo, vou ter que ficar com a toalha até
chegar na minha fazenda — explico e ele solta o ar com força.
— Ocê pode usar minha camisa, eu ia para casa do meu primo,
mas por conta da chuva mudei de ideia — explica e me estende uma
mochila. — Ocê pode vestir o que quiser, também fiz fogo, fique mais perto
para se aquecer.
Apenas balanço a cabeça e ele passa por mim feito uma flecha,
batendo com força a porta do banheiro. Caminho até a mesa redonda e
abro a mochila, tirando de dentro dela duas camisetas brancas, uma calça
jeans, duas cuecas e duas camisas xadrez.
Olho para as camisetas e pego uma, vestindo-a rapidamente. O
tecido vai até a metade das minhas coxas e, mesmo não querendo, visto
uma das cuecas antes de colocar a camisa xadrez vermelha, fechando
para esconder meus seios.
Continuo com a toalha presa na cintura e me sento em uma das
três cadeiras, retirando a toalha dos meus cabelos.
Eu vou matar Tomé por ter me abandonado. Aquele loiro dos
infernos vai arder na minha unha e, assim que encontrar com ele, farei
questão de arrancar cada mísero fio de cabelo daquela cabeça.
Seco meus cabelos e deixo a toalha sobre a mesa. Fico de pé e
dou uma olhada pela casinha que foi cenário de muitos pesadelos.
Minha avó sempre me proibiu de vir aqui, dizia que um homem
muito ruim havia morrido e que ele devorava quem se atrevesse a pisar em
suas terras.
Eu era só uma criança de cinco anos e, quanto mais eu crescia,
mais curiosa sobre esse lugar eu ficava. Minha irmã frequentava essas
bandas e sempre voltava com um sorriso nos lábios, até que um dia o
sorriso bonito em seu rosto juvenil não estava mais lá.
Luciana era alegre, sorria para tudo e tinha um bom coração. Foi
ela quem me apresentou ao mundo dos contos de fadas, me defendeu da
minha avó quando ninguém teve coragem e me abraçou em noites frias.
Ela era a luz em meio a rotina escura que eu era obrigada a seguir.
Sempre soubemos que eu assumiria o lugar da vovó na empresa,
mas nunca imaginei que Luciana não estaria comigo. Sempre imaginei o
dia da minha posse com ela ao meu lado, dando um dos seus muitos
sorrisos.
Porra! Aquele velho estragou tudo e eu tenho certeza que o lugar
aonde ele desgraçou a vida da minha irmã foi aqui.
Caminho pelo chão de madeira, olhando com atenção cada canto,
buscando uma resposta para a morte da minha irmã, mas tudo o que
encontro é madeira pintada de um azul-clarinho.
Me aproximo do fogão de lenha e estendo as mãos sobre a chapa,
aquecendo minha pele. Fecho os olhos e respiro fundo, ouvindo a porta do
banheiro ser aberta.
O silêncio é reconfortante e, quando a porta se fecha novamente,
um sinal claro que Arthur Rafael pegou o que precisava, aproveito o som
da chuva do lado de fora, que me leva para uma das muitas noites em que
Luciana invadiu meu quarto para dormir comigo, éramos felizes nessa
época.
“— Bibi, tá dormindo?
— O que aconteceu, Nana? — pergunto, abrindo meus olhos e
vendo os cabelos escuros caindo em seu rosto. — Não consegue dormi?
— Ocê gosta do Arthur Rafael, não é?
Seu sotaque forte me dá inveja, mas cresci ouvindo que não posso
falar daquele jeito, porque eu não fui criada para a roça, e sim para o topo.
— Ele é meu amigo, cê sabe disso... — sussurro e seu corpo
pequenininho chega mais perto do meu. — Nana, ocê já beijou na boca?
— Não fala assim, Bibi! Cê sabe que a vovó vai te botar de castigo,
cê tem que falar que nem gente grande, não assim, toda desleixada que
nem eu. — Toca meu rosto com a ponta dos dedos. — Ocê é do topo,
maninha.
— Mas e você, Nana?
— Eu sou da onde ocê for. — Bate em meu nariz. — Não conta pra
ninguém, é um segredo, mas eu já beijei sim.
— Mas você só tem treze anos. — Meus olhos se arregalam. —
Quem beijou?
— Segredo, tá? — Concordei e sua boca se aproximou do meu
ouvido.”
Lembro que, assim que ela proferiu o nome, meu corpo arrepiou de
uma forma estranha, tão estranha que meu estômago embrulhou e, para
não vomitar, fechei os olhos com força e tentei lembrar da tarde que passei
andando a cavalo.
Era nova demais para entender o que estava acontecendo, mas
quando contei ao meu avô, anos mais tarde, ele me explicou que Aristide
Vilarino havia abusado, tanto mentalmente quanto sexualmente, da minha
irmã.
Também não sabia o que significam aquelas palavras, mas meu
avô me explicou com paciência e muitas lágrimas nos olhos, e foi ali que
meu ódio cresceu ainda mais.
Eu já odiava Aristide Vilarino por queimar meu primo quando
ninguém estava olhando, e alguma coisa me dizia que ele estava ligado à
morte da minha irmã, mas nunca imaginei que ele tinha tido a coragem de
violar o corpo de uma criança.
Quando contei para a minha avó, ela me chamou de louca, só meu
avô acreditou em mim. Somente ele disse que aquele homem teria que
pagar pelo mal que havia feito.
Aos oito anos descobri que Aristide Vilarino havia beijado a boca da
minha irmã, dois dias depois de ter derrubado uma brasa quente no braço
de Tomé, que só tinha cinco anos.
Tinha dez anos quando Luciana se foi.
Com doze anos contei ao meu avô o que Luciana havia me dito e
descobri sobre o abuso sexual.
Aos quatorze, logo após o enterro do meu avô, recebi do advogado
a caixinha contendo um diário e algumas cartas que minha irmã tinha
deixado.
Não tive estômago para ler tudo, mas o pouco que eu li é mais do
que suficiente para eu desejar que Aristide Vilarino queime lentamente.
Aos quinze eu tracei um planto de acabar com a vida daquele que
me desgraçou.
E eu o farei queimar, lentamente, estou aqui para isso.
— Dona — Saio dos meus devaneios e olho para o lado —, ocê tá
com fome? Sua avó mandou para minha mãe um pouco de doce de leite...
— Não, obrigada! — Desvio o olhar e saio da frente do fogão.
— Cê ficou triste do nada. O que aconteceu, morena?
— A chuva aconteceu, Arthur Rafael, a chuva... — murmuro, me
sentando novamente. — Já assinou o contrato que eu te entreguei?
Preciso mudar de assunto, para que as lembranças continuem
enterradas em minha mente, e foco no moreno, que está de costas para
mim, se aquecendo perto do fogão.
— Ocê tá doida, eu já disse que não vou assinar porcaria nenhuma.
— E ainda se atreve a dizer que vamos nos casar — debocho e ele
me olha.
— Uma coisa não tem nada a ver com a outra, dona.
— Claro que tem, suas péssimas decisões e a falta de obediência
tem tudo a ver. — Cruzo os braços e ele se vira, exibindo o peitoral cheio
de gotículas de água, e minha garganta fica seca.
Por que ele tá sem camiseta?
— Ocê quer um marido ou um capacho? Porque, oiá, eu sou um
bom homem, mas nunca serei seu capacho. Não vou vender a herança dos
nossos pirralhos.
— Não vamos ter filhos e muito menos nos casar, só se eu
estivesse muito louca para ter algo com você — faço descaso e o maldito
sorri —, mas eu tenho uma nova proposta.
— Um temporal lá fora e ocê quer falar de trabalho?
— Claro, do que mais eu falaria? — questiono e ele vem para perto
de mim, meus olhos escorregam pela sua pele bronzeada.
— Pelo amor de Deus, morena, vamos dá uns beijo. É bem melhor!
Ocê não acha?
Os seis gominhos se espremem a cada passo que ele dá e meu
coração fica acelerado. Arthur Rafael está usando apenas a camisa xadrez
verde aberta, deixou a cueca branca aparecendo e não fechou o botão da
calça jeans, seus cabelos negros estão jogados para trás e eu detesto
dizer isso, mas ele fica sexy assim.
— Certo, dona! Sem beijo, mas para de babar em mim. Ocê vai
escorregar depois. — Puxa a cadeira e senta com as pernas abertas, com
o peito apoiado no encosto, descansando o braço nas costas da cadeira,
me olhando com intensidade.
Pisco forte, limpando minha mente e focando em seus olhos.
— Ótimo, a minha proposta é...
— Tenho uma contraproposta — me interrompe e a intensidade do
seu olhar faz meu peito ferver com um sentimento desconhecido.
Empino o queixo e mantenho a respiração calma, mesmo estando
uma bagunça completa. Arthur Rafael sorri de lado e minha mente entra
em estado de alerta, porque é o mesmo sorriso que ele dava quando
queria fazer algo errado.
O moreno vai aprontar e, como em todas as outras vezes, eu não
tenho para onde correr.
Merda! Eu não quero correr.
 
 

 
Surpreender Fabiana nunca foi fácil, mas também é simples ser
mais solto ao seu lado. Passei o tempo todo pensando em uma forma de
mudar os pensamentos da morena e agora é o meu momento de dar as
cartas, fazendo ela engolir sua arrogância, que nada mais é do que medo
de enfrentar o mundo.
Eu também tenho o mesmo pavor, mas diferente dela, não sou
esse poço de orgulho.
— Sua proposta, Arthur Rafael. — Meu nome estala em sua língua
afiada e meu coração bobo salta dentro do peito, como um lunático
apaixonado.
— Ocê quer minhas terras.
— Sim, eu quero — confirma com um olhar determinado, me
fazendo desejar muito sua boca na minha. — Qual a proposta?
— Certo, certo, a minha proposta é simples. — Limpo a garganta e
encaro os olhos acinzentados. — Ocê quer minhas terras e eu quero ocê.
— Não, definitivamente não.
— Cê não gosta de contratos? Pois vamos fazer um. Me dê um
mês pra te conquistar e, se eu não conseguir, cê leva minhas terras a preço
de banana — solto e ela ri debochada —, mas se eu conquistar ocê, a
gente se casa daqui um ano, na igrejinha do padre Antero, e vamos ter três
fio.
— Não!
— Tá com medo, morena? — Fico de pé, movendo a cadeira para
o lado e me aproximando dela. — Ocê sabe que não vai conseguir resistir
muito tempo e quer pular fora, arregona[10].
— Eu não sou arregona! — Levanta da cadeira e empurra meu
corpo para trás, mantendo meus olhos presos nos seus. — Vamos fazer
um contrato, um mês e tudo que é seu, será meu. Você e a sua família
terão dois meses para deixar minhas terras.
— Cê tá confiante demais. — Nossos peitos se tocam, assim como
nossas mãos. — Se prepara, Bibi, eu vou enlaçar ocê da mesma forma que
eu enlaço boi brabo.
— Você vai perder, Arthur Rafael.
A voz mansa deixa um rastro de calor pela minha pele, meus olhos
descem para a sua boca e, quando menos espero, somos um emaranhado
de mãos e lábios. Nossos corações batem descompassados e Fabiana
caminha agarrada em mim para trás, batendo na mesa e gemendo
baixinho ao aprofundar o beijo.
Minha dona me domina, roubando o ar dos meus pulmões. A
quentura dos seus lábios deixa meu pau duro, e quando Bibi agarra meus
cabelos, puxando meu rosto para trás castigando minha boca com os
dentes, desço minhas mãos para a sua bunda, fazendo a toalha cair,
apertando a pele coberta apenas pela minha cueca.
Em um impulso a coloco sentada sobre a mesa e nos encaramos.
— Diacho de boca gostosa dos infernos!
— Caipira chucro — balbucia arrastando as unhas pela minha pele.
— É assim que você fecha negócios? Está explicado porque as coisas vão
tão mal — me provoca, deslizando a língua pelos lábios.
Meu aperto em sua cintura fica mais firme, fazendo sua bunda
escorregar pela mesa, que range pelo movimento brusco. Subo uma das
mãos para seu cabelo, prendendo os fios e puxando sua cabeça para trás,
expondo seu pescoço.
— Ocê anda me provocando demais, morena. Acho que vou ter
que mostrar para dona como o caipira aqui fecha os negócios mais
vantajosos.
Arranho a barba pela pele clara e Fabiana finca as unhas em meus
ombros, seu corpo treme com meus beijos e impulsiono meu quadril em
direção ao meio de suas pernas, fazendo a mesa bambear e minha dona
ficar ainda mais mole em meus braços.
— Ocê cheira a morango.
— Arthur Rafael, eu vou fazer você se arrepender disso — garante
de olhos fechados, fazendo uma risada escapar dos meus lábios.
Volto a esfregar a braguilha da calça em sua boceta, ainda coberta
pelo tecido escuro da cueca, e suas unhas descem pesadamente,
marcando minha pele sem dó.
— Abre os olhos, morena — peço enlaçando sua cintura e suas
pernas prendem envolta da minha cintura. — Óia a gostosura que ocê tem,
eu sou todo seu.
A gargalhada que explode da sua boca me contagia. Fabiana ri
com vontade, seu peito vibra contra o meu e eu sinto que sou o homem
mais feliz do mundo todinho, só por fazê-la rir assim.
— Você é muito iludido, Arthur Rafael — fala entre os soluços da
risada e meus dedos deslizam pelo seu rosto, cessando seu riso.
— Eu sou verdadeiro, dona.
— Dona, Bibi, morena... — Toca meu rosto. — Muitos apelidos,
Arthur Rafael.
— Prefere Fabiana ou amor da minha vida? — Faz careta assim
que termino de falar e toda a sua alegria se esvai. — Ei, o que aconteceu?
— Nada. — Expira com força e suas pernas deixam minha cintura.
— Essa mesa está balançando demais, acho que vai quebrar.
— A gente pode usar a cama — sugiro e ela nega com a cabeça.
— Uai, por que não?
— Seu pai usa aquela cama Deus sabe lá pra que, isso sem contar
que você já deve ter trazido alguém aqui. — Me afasta e desce da mesa,
que bate com tudo na parede.
— Ocê tá com ciúme? Óia, eu acho que essa mesa pode aguentar
o que a gente quer fazer. — Viro a tempo de ver ela negando com a
cabeça. — Poxa, Bibi, cê começou me beijando e foge assim, temos um
acordo de eu conquistar ocê...
— O acordo só entra em vigor depois que ambas as partes
assinarem, até lá, me esquece, Arthur Rafael. — Balança a mão com
descaso e meu coração murcha no peito.
Meu pau simplesmente se esconde enquanto assisto a mulher
andar de um lado para o outro, seus cabelos pingando no chão e deixando
um rastro de água.
Balanço a cabeça e volto para o fogão, colocando mais lenha. A
chuva continua castigando do lado de fora e meu celular está sem sinal.
— Arthur Rafael — Meu nome sai de forma apreensiva de seus
lábios —, antes do seu pai pegar essa casa, quem morava aqui?
— Uai, o pai do Tião, ocê não conheceu ele porque ele morreu
quando a gente era bem pequenininho — respondo cruzando os braços e a
encarando. — Por quê?
— Curiosidade. — Para de falar ao olhar para a mesa.
Acompanho seu olhar e, antes que eu abra a boca para questionar,
a mulher, poucos centímetros menor do que eu, caminha até o papel
escurecido que caiu embaixo da mesa, engulo seco e ela se vira para mim.
— O que é isso, dona?
— Acho que caiu da mesa — murmura e se agacha, olhando
embaixo do tampo, puxando mais um papel.
— Diacho, de onde esses trem tá surgindo? — Me agacho ao seu
lado, pegando o papel que deixou no chão.
— Tem mais, Arthur Rafael. — Seus olhos encontram os meus e,
mais do que depressa, deito a mesa no chão, encontrando chicletes e
papéis grudados ali embaixo. — São cartões, muitos cartões.
Tomo o papel da sua mão e meus olhos encontram as palavras
escritas com caneta preta:
“Arth,
Não vejo a hora de te ver, meu amor!”
— São para um tal de Arth. — Fabiana me mostra outro bilhete.
“Arth,
Nossa noite foi incrível, uma pena não ter te visto ao acordar.
Mal posso esperar pelo nosso próximo encontro.”
Meus olhos se arregalam ao pegar um papel e reconhecer a
caligrafia do meu pai, minha boca seca instantaneamente, não acreditando
nas palavras escritas em vermelho.
“Ocê é meu raio de sol.
Te vejo no amanhecer.”
— Arthur Rafael, você está bem? — A voz chega junto de um toque
quente em minhas bochechas. — Tem muito mais desses papéis.
— Arth é meu pai — solto devagar e meus olhos encontram os de
Fabiana. — Ele tá colocando gaia[11] na minha mãe, por isso não deixa
ninguém chegar perto dessa casa, ele tá gaiando minha mãe e ainda faz
ela limpar as porqueiras dele.
— O quê? Calma, olha pra mim.
— Aquele homem, que eu chamo de pai, tá machucando a minha
mãe, DE NOVO! Ele tá chifrando ela, dona.
Meus olhos se enchem de lágrimas e, sem vergonha alguma, deito
minha cabeça no ombro de Fabiana, sentindo seu corpo retrair, mas ela
não me afasta.
Aperto o papel branco entre meus dedos, queimando de raiva e
principalmente me sentindo um fracassado por não saber como agir.
Conheço dona Rosane, ela não vai acreditar em mim, ela ama o
marido e vai achar que estou fazendo intriga.
— Ôh, minha Virgem, me mostra o caminho que eu tenho que
seguir! — imploro baixinho, me agarrando a Fabiana e deixando minhas
lágrimas mancharem sua pele.
Minha mulher toca meus cabelos timidamente, tornando meu choro
mais dolorido, porque o toque mostra que é real.
As traições são reais.
Por que cê fez isso pai? Por quê?
 

 
Eu já tinha visto Arthur Rafael chorar, mas não como na noite
anterior. Seu corpo tremia contra o meu, seus soluços eram tão altos que
deixavam os barulhos dos trovões esquecidos em um canto. Ele chorou até
adormecer com o rosto enfiado em meu pescoço e os braços presos em
minha cintura.
Precisei de muita força para colocá-lo sobre o tapete, que estava
perto do fogão, e passei a madrugada toda organizando os papéis e
trocando a lenha, para que a casa se mantivesse aquecida.
Arthur Rafael dormiu como um anjo, mesmo com o rosto inchado e
vermelho pelas horas chorando. Nunca entendi o motivo dele ser tão
sensível. Na escola ele sempre era motivo de piadas e, quando chegamos
na adolescência, chamavam ele de ‘florzinha’, pois diziam que homem não
podia chorar.
Acho que ele vem guardando tantas humilhações que, quando as
lágrimas saem, ele simplesmente não sabe como controlá-las.
Batuco meus dedos no assoalho e olho para os sete montes de
papéis na minha frente. Separei os bilhetes por caligrafia, são mais de
setenta, com diversos apelidos e juras de amor. Não faço ideia de como
dona Rosane nunca viu esses papéis, nem como eles permaneceram tanto
tempo grudados embaixo da madeira.
Encaro Arthur Rafael e suspiro. Não sei o que eu faria se
descobrisse dessa forma que meu pai estava traindo minha mãe, se bem
que toda a família sabe sobre todas as traições depois que Luciana se foi.
— Bom dia. — A voz rouca me faz saltar no lugar e o toque gelado
em meu braço faz com que eu me esquive.
— Bom dia. O sol já apareceu — informo juntando os papéis —,
temos que ir.
— Ocê tá brincando comigo? Diacho, Bibi, tá muito frio lá fora
pro’cê sair assim, usando minhas roupas — reclama e meus olhos reviram.
— Tenho muito trabalho para fazer, Arthur Rafael, e se você não
quer ir, tudo bem, eu vou com a sua caminhonete e depois mando alguém
te devolver. — Guardo os papéis na bolsa, que busquei assim que a chuva
deu uma amenizada.
Já passava das três da manhã, os sapos coaxavam alegres do lado
de fora, pedindo por mais chuva.
Minha sorte foi meu celular não ter descarregado por completo,
assim consegui fazer algumas anotações importantes e ainda consegui
fotografar tudo o que encontramos hoje.
— Por que ocê guardou os papéis?
— Vai entregar para a sua mãe? — Encaro-o sobre o ombro e ele
fica em silêncio.
A cara amassada e os olhos pequenos o deixam bonitinho. A forma
como seus cabelos estão bagunçados é sexy, mesmo eu não querendo
admitir.
— O que cê faria? — A voz rouca vem junto de um bocejo e eu fico
de pé.
— Contaria para ela, mas no meu caso não foi preciso, já que meus
pais se pegaram traindo várias vezes. — Balanço os ombros sem me
importar. — Eles nunca foram meus pais, acho que por isso eu contaria
sem pensar duas vezes, mas eu já sei que você não vai contar porque não
quer magoar dona Rosane.
— Ocê é péssima aconselhando — reclama ficando de pé. — Acho
que vou pedir ajuda para dona Terê.
Reviro meus olhos, engolindo o riso debochado. Se ele soubesse
que uma das caligrafias é da imaculada dona Terê, surtaria, mas como eu
sei que ele não vai acreditar em mim, me calo.
— Você não acha estranha a amizade da minha avó com seu pai?
— solto quando ele arruma a mesa que deixamos caída ontem.
— Dona Terê é um anjo em nossas vidas, sempre foi. Foi ela quem
ajudou minhas irmãs a saírem daqui, sabe, sou muito grato a ela.
Tento me controlar para não transparecer minha raiva, porque
minha avó não fez nada, quem fez foi eu. Eu levei Bianca e Beatriz daqui,
para que elas não sofressem o mesmo que a minha irmã sofreu, e dona
Rosane sabe que a benfeitora sou eu, não ela.
— Por que cê tá me perguntando isso?
— Sabe, teve uma época que eu achei que os dois tinham um caso
— minto descaradamente —, mas nunca te contei porque você vivia
dizendo que os seus pais se amavam, só que agora, com essas provas,
não sei. Será que os dois não se envolveram no passado?
Ele me olha e cruza os braços na frente do peito nu, que está
arrepiado, e meus olhos sobem para o seu rosto sério, posso notar que
está processando minhas palavras.
O moreno balança a cabeça e começa a vestir suas botinas, o
silêncio toma conta do ambiente.
— Ocê descobriu algo e não quer me falar, Bibi. Ocê pode abrir
essa boquinha — Há uma pitada de raiva em sua voz. — Desembucha.
— Você não vai acreditar em mim. — Jogo meus cabelos para trás.
— Agora vamos, que eu tenho muitos negócios para gerir.
— Ocê não sai daqui até me contar o que descobriu. — Segura
meu braço e seus olhos verdes crispam em determinação. — Desembucha,
dona, o que cê tá sabendo que eu não tô?
Solto o ar devagar e puxo meu braço, massageando a área sob o
olhar atendo do moreno.
— A caligrafia da pessoa que chama seu pai de Arth. — Fecho os
olhos, puxando o ar com força. — A letra é a mesma da dona Terê, o tal
‘anjo em sua vida’ está tendo um caso com o seu pai — solto e abro meus
olhos, vejo Arthur Rafael cambalear para trás, balançando a cabeça em
negação.
Sua expressão se transforma, um brilho diferente cruza seu olhar e,
sem dizer nada, sai pela porta da casinha. Caminho apressada atrás dele e
o vejo bater a porta da caminhonete antes de ligar o motor.
— Arthur Rafael, eu tô descalça — grito, mas ele finge não me
ouvir.
Engulo o bolo em minha garganta e volto para dentro, pensando
em uma maneira de sair daqui sem ter que afundar meus pés na lama.
Caipira dos infernos. Por que eu fui abrir minha boca? Claro que ele
não acreditaria em mim.

Chego na minha fazenda com o sol brilhando forte no céu, não vejo
ninguém enquanto faço meu caminho para dentro da casa e agradeço
mentalmente por chegar ao meu quarto sem encontrar Tomé.
Meu banho é mais demorado do que o esperado, principalmente
porque passei algum tempo sentindo o perfume gostoso que estava
impregnado na roupa de Arthur Rafael.
O moreno se deu por vencido depois de dez minutos e voltou para
me pegar na casinha, me levando nos braços até o carro preto. Seu
semblante permaneceu sério por todo caminho e nem mesmo fez alguma
piadinha ou sorriu.
Confesso que senti falta, mas me culpei em seguida, já que fui eu
quem tirou o brilho dos seus olhos, acusando seu pai de estar envolvido
com a minha avó. A ideia é absurda, mas ainda assim pode ser verídica.
Assim que saio do banheiro encontro Tomé deitado na minha cama,
com a expressão serena de quem dormiu a noite inteira sem se preocupar
comigo.
— Bom dia, amor da minha vida! — Sorri se sentando e eu
caminho para o meu closet. — Credo, Fabiana, dormiu descoberta?
— Para início de conversa, eu passei a noite em claro — grito em
resposta, colocando uma lingerie. — Se não fosse por Arthur Rafael, eu
ainda estaria na estrada. Ou morta.
Enfio meu corpo dentro de um vestido azul-escuro e calço um
chinelo, deixando meu closet e parando em frente ao meu primo, que tem
os olhos confusos. Viro de costas mostrando o zíper aberto e ele me ajuda
a subi-lo, então me sento ao seu lado.
— O que o Arthur Rafael tem a ver com sua noite?
— Tudo, meu carro encalhou na entrada da divisa das terras —
explico com certa raiva. — Ninguém me avisou que estava um diluvio para
cá, muito menos que roubariam o meu motorista.
— Você passou a noite com o Arthur Rafael? — Seus olhos brilham
maliciosamente e minha mão acerta sua coxa.
— Eu poderia ter morrido, aquele caipira me jogou na lama.
— Ai que delícia.
— A questão não é essa, Tomé. — Respiro fundo e pego minha
bolsa. — A questão é que ficamos na casa abandonada, já que a chuva
estava forte demais, e encontramos isso aqui na mesa. — Estendo os
bilhetes em sua direção.
— Na mesa? Fabiana, que história mais estranha.
— Está desconfiando de mim? Até entendo o Arthur Rafael não
acreditar em mim, mas você convive comigo — reclamo e meu primo pega
os papéis. — Estavam em uma mesa, colados embaixo do tampo, não sei
como te explicar, mas estavam lá. Apenas acredite em mim.
— “Arth, eu não consigo mais parar de pensar nos nossos
momentos. Não vejo a hora de estar com você!” — Lê com os olhos
arregalados. — Essa letra é da vovó.
— Foi o que eu disse para ele, mas eu acho que ele não acreditou
em mim. — Balanço a cabeça e bocejo. — Pode enviar isso para o detetive
e pedir para alguém buscar o meu carro?
— Claro — confirma e eu me enfio embaixo das cobertas. — Você
passou a noite em claro, mas e o Arthur?
— Dormiu chorando por descobrir que o pai traiu a mãe. Se ele
chorou daquela forma ao ver esses bilhetes não quero nem ver como ele
vai reagir quando descobrir que o pai abusou da minha irmã e que tem,
pelo menos, cinquenta por cento de culpa pela morte dela — balbucio
cansada.
— Essas provas... o que vai fazer com elas?
— Nada, por enquanto — garanto e Tomé beija minha testa.
— Vou fazer o que me mandou e volto para dormir agarradinho em
você. — Balanço a cabeça, me deixando ser levada pelo sono.
Ouço Tomé resmungar alguma coisa, mas não me atento a isso.
Tudo o que eu mais quero agora é descansar sem lembrar que aceitei um
acordo com Arthur Rafael, mas, principalmente, esquecer que nos
beijamos.
Preciso focar na minha vingança, que agora está mais do que certa
de acontecer.
Aristide Vilarino vai pagar pelo que me fez, pelo sofrimento que
causou a minha irmã e por todo o resto que minha família passou por
causa dele.
 
 

 
Ao meio-dia meu pai chega em casa, seus olhos crispam de raiva
assim que encontram os meus e, sem soltar uma palavra, se aproxima de
mim e bate em minhas costas, deixando todos na mesa em completo
silêncio.
— Até que enfim cê deu as caras, anda muito sumido da lida —
reclama e senta na cadeira, olhando para a minha mãe. — Eu não pedi
canja, mulher?
— Os meninos não conseguiram pegar a galinha — responde
baixo, colocando arroz no prato do meu pai —, mas a noitinha, antes de
fechar elas no galinheiro, eles pegam, não é?
— Claro, tia, pode deixar comigo que eu pego a mais gorda —
Gustavo fala sorridente e meu pai me encara.
— O que foi, caboclo? Ocê tá quieto demais. Onde passou a noite?
— pergunta, pegando um pedaço generoso de carne de porco.
— Na casa abandonada, a que o pai do Tião morava — falo e ele
não me olha. — A mesa desmontou.
Vejo sua respiração acelerar e o corpo ficar tenso. O velho solta a
concha de feijão lentamente e me encara, esperando o resto da minha
história.
— Que perigo, fio, ocê não se machucou? — Nego e minha mãe
respira aliviada. — Seu pai nunca deixa eu mexer naquela mesa, ela é
pesada e bem velhinha, deve estar tudo comida pelos cupins.
— Ele não deixa a senhora mexer na mesa? — questiono e ela
nega com a cabeça, então volto minha atenção para o meu pai. — Que
marido atencioso o da senhora.
— Arthur Rafael — Aristide murmura entredentes, deixando o clima
da mesa estranho.
— Manhê, a senhora acha que a dona Terê pode ter um
namorado? Faz anos que ela tá viúva — solto e Gustavo engasga. — Ela
ainda tá bem inteira para alguém com quase oitenta anos. O senhor não
acha, meu pai?
— Arthur Rafael, por que cê tá se intrometendo na vida dos outros?
— ele ralha com raiva e isso só confirma o que Fabiana disse. Ele não se
importaria assim se não fosse verdade. — Se ela tiver alguém, não é da
sua maldita conta. Agora ocê coma quieto e pare de atazanar meus juízos.
Balanço a cabeça em silêncio e olho para o meu prato, sentindo a
raiva me dominar. Nunca achei que ele fosse ter coragem de trair minha
mãe, ainda mais com a nossa vizinha, uma mulher que me viu crescer e
que ajudou nossa família nos momentos mais difíceis.
É bizarro pensar que minha mãe faz queijo e a primeira pessoa a
receber é a dona Terê, em forma de agradecimento por tanta bondade.
Nunca foi bondade, sempre foi culpa, do tipo mais feio e doloroso.
Engulo meu almoço, pensando em uma forma de contar para a
minha mãe, mas vê-la sorrindo para o meu pai me quebra por dentro.
Como eu vou ser capaz de fazê-la sorrir dessa forma depois que a
verdade surgir?
Há quanto tempo ele é assim?
Há quanto tempo ele e a dona Terê tem esse caso?
As perguntas nublam meu cérebro, fazendo ser difícil de engolir a
comida, pior ainda, de olhar para os meus pais sorrindo como se nada
tivesse acontecendo.
— Primo, o que cê tem? — Gustavo pergunta, sentando ao meu
lado.
Estamos no morro, olhando as vacas no pasto e conferindo o que a
chuva de ontem causou, a fonte transbordou e alagou o campo usado
pelos terneiros, vai ser preciso uns dois dias de sol para podermos trazer
os bichos para cá.
— Eu fiz uma contraproposta para Bibi — solto, querendo esquecer
da traição do meu pai.
Ainda não sei o que fazer com essa informação, muito menos em
como contar para alguém sem querer morrer de desgosto.
— Contraproposta? Que diacho que cê propôs?
— Se em um mês ela não se apaixonar por mim, entrego tudo para
ela — solto e sua boca se abre em espanto.
A barba alaranjada quase some no meio do seu rosto vermelho.
Engulo seco enquanto quase consigo ver fumaça saindo das suas orelhas,
assisto seu cérebro pequeno processando minhas palavras.
— Ocê bebeu pinga vencida? Cê é doido? — Bate em meu ombro.
— A Bibi é tinhosa e, mesmo que ela se apaixone por ocê, ela não vai
contar. Sua dona quer as terras, acha que ela vai ser justa?
— Claro que a minha dona vai ser justa — defendo-a e ele revira os
olhos.
— Ocê é o maior tapado de Lagoa Santa. Como que cê me faz um
trem desses? Tava pensando com a cabeça de baixo, só pode, não tem
cabimento uma proposta dessas — reclama completamente fora de si. — A
Fabiana é o coisa ruim em pessoa, ela comprou teu cavalo e ainda teve a
cara de pau de vir conferir o seu estado. Treze anos sem pisar aqui e ela
veio justamente para levar o Voldemort, cê acha que ela vai se apaixonar?
— Ocê se acalme.
— Me acalmar? Arthur Rafael, eu tô com vontade de bater no’cê. —
Fecha as mãos em punho e me ameaça. — Ocê tem minhoca na cabeça?
Acha que ela vai te amar? Acorda primo, a Bibi mudou, ela não é mais a
menina que ocê beijou contra a parede do estábulo, ela cresceu e tá pior
que o Satanás atrás dos seus objetivos. Todo mundo sabe que ela quer
essas terras... ocê... óia, a gente vai perder tudo.
— Gustavo, eu sei que posso trazer a minha dona de volta.
— Para de ser iludido, primo. A sua dona morreu quando ela foi
embora daqui! — Explode e segura meu ombro com força. — Era bonitinho
esse amor que ocê dizia sentir por ela, só que agora tá perigoso. Enterra
esse sentimento e vamos tentar salvar o que restou da nossa fazenda, da
nossa empresa. — A sua voz é carregada de desespero e eu fecho meus
olhos, percebendo o quanto agi de maneira impulsiva.
Queria surpreender Fabiana e, no fim, quem vai sair surpreendido
serei eu, porque Gustavo tem razão, ela não vai confessar estar
apaixonada por mim.
— Primo, o que ocê vai fazer?
— Vou arcar com as consequências — sou sucinto e ele nega com
a cabeça. — Bibi é uma mulher de palavra e, assim como eu, ela vai se ver
rendida pelo nosso amor. Ela ama eu, Gustavo, eu sei disso!
— PORQUEIRA DE HOMEM ILUDIDO! — grita esfregando as
mãos no rosto. — Ocê tem todas as mulheres aos seus pés, pode escolher
quem quiser e quer logo essa tinhosa.
— Sim.
— O que ela tem que as outras não tem?
— Meu coração.
— Cacetada, primo, coração não enche barriga — solta e respira
fundo. — Ocê vai se machucar. O que custa continuar fingindo que
esqueceu aquela desgramada?
— Mas eu não esqueci, diacho! Acha que eu ia querer ficar
sofrendo por aquela desalmada? — Me irrito, andando de um lado para o
outro. — Ocê acha que eu não tentei esquecer? Ocê mesmo me levou para
as farras, sabe que eu frequentei cama e mais cama, beijei mais do que tô
lembrado e nada fez esse sentimento no meu peito se apagar. — Bato
sobre meu coração e meus olhos se enchem de lágrimas enquanto vejo
meu primo balançando a cabeça desolado.
— Eu sei...
— Ocê não sabe... não faz ideia do quanto eu tentei esquecer dela,
mas não consegui, eu sou doido naquela mulher desde que a gente era
pitico[12].
— Primo, a Fabiana não é mulher de relacionamento. Cê disse, o
primo dela disse — Toca meu ombro e me encara bravo —, para de tentar
laçar cavalo selvagem, nunca dá certo.
— Mas dessa vez vai dar, ocê vai ver. Daqui um ano eu e a dona
vamos tá casado e ela vai tá com o nosso herdeiro no bucho. — Fico de pé
e bato uma mão na outra. — Todo mundo vai ver, ocê só me escute.
— Óia, ocê é insuportável de chato, primo. — Coloca as mãos na
cintura. — Cabeça dura que não sabe nada e acha que ainda ama aquela
desgramenta. Ocê é a vergonha da nação, aonde já se viu, mais de vinte
anos amando a mesma mulher.
Um assobio alto faz Gustavo calar a boca e, ao olharmos, vemos
Tião correndo em nossa direção. Ele curva o corpo para frente e apoia as
mãos nos joelhos, puxando o ar com força antes de voltar a andar até nós.
— Que diacho aconteceu co’cê?
— A tia! — solta de maneira ofegante. — A tia tá chamando, dona
Terê tá lá e quer conversar co’cê, acho que tem a ver com o fato do’cê e da
neta dela terem passado a noite desaparecidos.
— Êh-êh! — Gustavo murmura e eu nego com a cabeça,
balançando a mão e fazendo pouco causo.
Minha mente procura uma desculpa para não ir ao encontro dela. A
mulher é amante do meu pai, como vou fingir que não sei de nada?
— Ôh, menino de ouro, cê não vai descer? — Tião pergunta me
olhando fixamente e eu nego com a cabeça, coçando a nuca incomodado.
Meus dois primos se entreolham e minhas pernas me levam para
dentro da mata, sei pelo barulho dos galhos quebrando que eles caminham
atrás de mim.
Preciso contar tudo o que aconteceu, tintim por tintim, eles podem
me ajudar a encontrar uma solução.
Alguém tem que me ajudar a encontrar uma solução.
 
 

 
O rádio desliga sozinho e a voz potente de Marília Mendonça
cessa, trazendo o silêncio para a sala, e dona Terê me olha séria, se
apoiando em uma bengala.
Bibi precisa estar errada, essa senhorinha não pode ser amante do
meu pai.
Ela está quase desmontando de tão velha e meu pai é quase trinta
anos mais novo, ele não faria isso, não mancharia o nome da minha mãe
com algo assim. Fabiana não pode estar certa.
— Então, ocê passou a noite com a minha neta? — É direta,
mantendo os olhos presos em mim, atenta a cada reação do meu corpo.
— Não, senhora — minto e minha mãe me entrega um copo de
café.
Se eu contar que passei a noite com a minha dona, é capaz dela
descobrir comer meu fígado, principalmente se desconfiar o que andei
falando de nós dois. Fabiana é tinhosa!
Não consegui correr da conversa com a dona Terê e nem tive
coragem de contar para meus primos que meu pai está traindo minha mãe.
Passei mais de meia hora dentro da mata e, no fim, fui trazido para a
fazenda pelos dois, que cansaram de andar atrás de mim.
O cheiro dos grãos recém torrados alivia a tensão em meu corpo e,
quando sinto a quentura do café preto envolvendo minha língua, sou
levado diretamente para o beijo quente da minha dona.
Se ela não tivesse me parado, só Deus sabe o que teria
acontecido. Eu daria meu sangue só para levá-la aos céus uma vez e
embuchá-la.
Cristo, ela me mataria se soubesse dos meus planos de ter filhos!
Rio sozinho dos meus pensamentos e, só volto a mim, quando
sinto um chute na canela.
— Pensando na minha neta?
— Não, senhora. Só lembrei do Zezinho e do tombo que ele levou
— minto, segurando o copo de vidro com as duas mãos. — O Tião falou
que a senhora queria prosear comigo. Sobre o quê? Estive na sua casa e
não me disse nada ontem, aconteceu alguma coisa que precisa da minha
ajuda?
— Fiquei sabendo que a minha neta chegou em casa só hoje pela
manhã. — Balanço a cabeça, enquanto a voz anasalada toma conta da
sala. — Ocê sabe que esse povo daqui tem a língua muito grande e já tão
falando que viram ela do seu lado.
— O povo, além da língua grande, precisa de óculos. Tinha, sim,
alguém do meu lado, mas não era a sua neta — minto com maestria,
mantendo a calma. — Era outra moça, uma das bandas de lá. A senhora
sabe a casa abandonada? Então, estivemos por lá, aproveitando a chuva.
— Estiveram?
— Sim, a mesa até quebrou — solto com um riso fraco e vejo seu
rosto empalidecer. — A senhora acredita que achamos uma cartinha lá?
Essas crianças da vila tão muito avançada. Vou ter que pedir pro padre dar
um dedo de prosa com esses moleques.
Gustavo e Tião se engasgam ao meu lado, não entendendo muito
bem, mas aposto que estão imaginando que encontrei preservativos, além
das cartas.
Já dona Terê olha para minha mãe, apreensiva, quase sem cor no
rosto. Ela deve estar conferindo se a amiga sabe de algo e, quando não
encontra indícios, se volta para mim.
Os olhos estanhados e a boca fechada em linha reta quase
comprovam minhas suspeitas. Meu cérebro ainda se recusa a acreditar que
meu pai e ela tenham encontros, tenho quase certeza que, se for verdade,
isso é crime contra o idoso.
Diacho, por que a traição tem que vir de quem a gente menos
espera?
— É, ocê já teve essa fase — solta, sorrindo sem graça.
— Tive muitas fases, dona Terê, mas graças a Deus nenhuma
delas envolveu trair um amigo — jogo e engulo mais um pouco de café, os
olhos negros da mulher encontram os meus, transparecendo seu medo.
Dona Terê pega a indireta no ar e sorri, exibindo todos os dentes,
que eu sei serem dentadura. O asco aumenta, queimando tudo por dentro,
e me obrigando a abaixar a cabeça para não explodir.
— Eu também nunca trai um amigo — solta de maneira fraca e
minha mãe concorda com ela —, mas minha neta... ah, essa me traiu.
Ergo a cabeça, vendo minha mãe dar a mão para a amante do
marido, e novamente engulo o nervoso, sendo chutado de novo na canela.
— Traiu? Uai, a tinhosa fez o que para a senhora? — Tião
questiona, já sabendo da minha proposta.
Ele, assim como Gustavo, acha que eu estou louco e que Fabiana
nunca vai revelar seus verdadeiros sentimentos, eles apenas esqueceram
que eu conheço a dona, como nenhum outro, e passei anos treinando só
para deixá-la molinha de amor por mim.
Eu me garanto e sei que, em trinta dias, ela vai suspirar de amor
por eu.
— Sim, há seis anos eu dei a ela uma procuração, passando o
domínio de tudo que eu tinha, e agora eu não sou mais dona de nada. —
Suspira dramaticamente e minha mãe abre a boca em espanto. — Ocê
acredita Rosane, que aquela menina teve a audácia de jogar na minha cara
que eu sou a culpada pelo que ela se transformou?
— A senhora sempre foi um anjo, dona Terê, tenho certeza que a
sua neta vai reconhecer — minha mãe diz com certo pesar, acariciando a
mão da matriarca dos Wolf. — Fabiana sempre foi impulsiva, aquela ali era
uma peste, mas sempre soube reconhecer seus erros.
— Ah, minha amiga, ocê não sabe a falta que a minha Luciana me
faz. Se ela estivesse aqui, já teria dado um jeito na irmã. — Seu rosto se
enche de rugas ao chorar. — Ocê lembra, minha Luciana era um anjo na
terra.
— Assim como a senhora! — minha mãe afirma, e o café que
coloquei na boca desce embolado pela minha garganta. — A senhora quer
que eu fale com a Bibi? Óia, eu falo com ela e explico as coisas certinhas,
conto tudinho o que a senhora fez por nós.
— Não precisa, Fabiana nunca vai te escutar. — Aceita o lenço que
Tião oferece. — Minha neta tá tão mudada. A cidade grande fez mal para
ela, mandei devolver os cavalos e ela nem fez conta, e agora quer as
vacas...
— Mas são dela! — Me intrometo. — Bibi mandou todos os papéis
comprovando isso. Ela foi generosa e deixou que a gente alugasse as
vacas — conto e a mulher sentada na minha frente pisca sem parar. — A
senhora não tem motivos para se preocupar, as suas coisas estão bem
cuidadas.
— Ocê tá defendendo a tinhosa? — Gustavo questiona e eu nego
com a cabeça, deixando o copo vazio sobre a mesinha de centro.
— Não tô defendendo ninguém, só tô contando o que tá
acontecendo. As vacas que a senhora mandou estão alugadas e, dentro de
um mês, devem voltar para sua fazenda — explico ficando de pé. — O
papo tá bom, mas já que esclareci sobre a minha companhia de ontem, vou
subir e tomar um banho, porque preciso dormir bem para acordar cedinho e
ajudar meu pai na lida.
— Uai, cê não vai jantar? A mãe vai fazer canja.
— Hoje eu passo, dona Rosane, tô moído de canseira. — Beijo
seus cabelos e toco seu rosto. — Eu amo a senhora, até amanhã.
Me despeço dos outros e faço questão de apertar a mão que dona
Terê me oferece, seu olhar me diz para ter medo e, como o bom menino
que sou, ignoro.
Domingo passou tão lento, já a noite chegou e foi embora em um
piscar de olhos. Estou podre de sono e, mesmo assim, foco meus olhos no
contrato que Fabiana mandou sobre as vacas, no fundo ela não quer tanto
assim ferrar minha vida.
Engulo mais um pouco de café puro e meus ombros doem com a
tensão. Minhas últimas horas foram querendo confrontar meu pai, mas
ainda não tenho coragem e os bilhetes não provam nada, porque ele vai
reverter a situação e eu vou sair como o culpado.
Conheço o velho Aristide, por isso preciso pegar em flagrante e
ainda levar meus primos comigo, ou será a minha palavra contra a dele e,
no final, eu perderei.
— Ele trabalha! Que surpreendente! — A voz aveludada me
assusta e, por pouco, não derrubo minha caneca no chão.
— Diacho, dona, tá doida entrando assim? Esqueceu como se bate
na porta? — ralho e engulo a saliva, perdendo a linha de raciocínio ao ser
inundado pelo seu perfume doce, que me lembra a primavera.
Fabiana está linda como sempre, os cabelos estão soltos e lisos,
caindo pelo seu corpo cheio de curvas. O vestido preto é sua segunda pele
e vai até os joelhos, nos pés ela usa um salto brilhante, também preto.
A morena está belíssima, mesmo parecendo que está indo para um
velório.
— O que foi, Arthur Rafael?
— O que ocê tá fazendo aqui? Já tá com saudade de mim? —
questiono sorrindo e ela nega com a cabeça, se aproximando da mesa. —
Uai, e a que eu devo a honra da sua doce visita se não é saudade?
— O contrato, meu advogado me enviou hoje pela manhã — fala,
fazendo meu sorriso morrer. — Tem algumas partes em branco que
devemos preencher. Apesar de ser um contrato, ele só será autenticado se
você aceitar. Caso ache que não a necessidade, podemos apenas assinar
e fazer valer a pena depois que o prazo ceder.
— Êh-êh?
— Não vou faltar com a minha palavra, Arthur Rafael, se você
conseguir a proeza de fazer eu me apaixonar, me casarei contigo. —
Empina o queixo e deixa a pasta sobre a mesa. — Leia, estou aqui para
tirar suas dúvidas.
— Ocê vai ser mesmo sincera e me contar sobre os seus
sentimentos?
— Vou. — Umedece os lábios e respira fundo.
— Jura, juradinho? — Estendo o mindinho em sua direção e ela
olha do meu dedo para o meu rosto.
— Juro pela alma da minha irmã. — Enrosca o mindinho no meu e
o arrepio quente percorre meu corpo, me dando a certeza que eu sou, sim,
capaz de conquistar essa mulher.
Diacho, eu vou casar com ela ou não me chamo Arthur Rafael.  
 

 
É interessante ver a determinação nos olhos verdes de Arthur
Rafael, ele acha mesmo que irá me conquistar e isso quase me faz sorrir.
Observo o moreno franzir o cenho enquanto lê o contrato e acho
graça quando ele morde a pontinha da língua, quase encostando o nariz no
papel branco.
Passei os últimos dois dias pensando na melhor forma de fazer
esse contrato e cheguei à conclusão que deveria ser o mais simples
possível, já que eu nunca vou me apaixonar por ele.
Meu advogado me orientou a registrar o documento, mas acredito
que não há necessidade, conheço Arthur Rafael e sei que ele é um homem
de palavra, assim como eu sou uma mulher de palavra.
— Está entendendo tudo?
— Diacho, ocê colocou uma multa? Tá brincando comigo, dona?
Sua indignação ao falar meu apelido me faz sorrir, seus olhos
sobem para os meus e eu me levanto, caminhando até ele. Meu salto ecoa
pelo piso e vejo a respiração de Arthur Rafael acelerar ao empurrar a
cadeira para trás.
— A multa é apenas se desistirmos. Você pretende desistir? —
inquiro bem perto do seu rosto, apoiando a mão sobre a mesa. Seus olhos
caem para o meu decote e sobem de novo para o meu rosto.
— Ocê tá de foguinho — solta com um sorriso de canto —, mas a
sua sorte é que eu não caio nos seus encantos.
— Não? Então como pretende me conquistar se não sente nada
por mim?
Seu sorriso aumenta e seus olhos ganham um brilho novo ao se
levantar, sem tempo a perder, Arthur Rafael fica na minha frente, me
colocando contra sua mesa.
As mãos grandes e ásperas tocam minha cintura, a respiração
quente bate em minha bochecha e seu perfume, que me lembra couro,
envolve meus sentidos, fazendo meu coração bater mais acelerado.
— Eu disse que não caio nos seus encantos, dona, não que eu não
sinto nadinha por ocê. — A voz grossa acaricia meu rosto e seus dedos
afundam em minha pele. — Ocê vai se apaixonar por mim em trinta dias e,
em onze meses, vai tá casando comigo, carregando um filho meu no
bucho.
— Nunca, Arthur Rafael.
— Ocê tá me tirando para doido, mas eu vou te mostrar como o
louco aqui faz as coisas.
Nos encaramos, sua respiração descompassada se misturando
com a minha, e meus dedos deslizam pelo seu braço, contornando as veias
saltadas. Arthur Rafael umedece os lábios, inclinando a cabeça para trás.
— Eu não vou beijar ocê, dona.
Estremeço com a sinceridade das suas palavras e minhas
pálpebras tremem, querendo se fechar para aproveitar o momento. Rafael
leva a boca para o meu pescoço e sua barba pinica minha pele, que
arrepia inteira.
— Rafael... — sussurro e sinto seus lábios subirem em um sorriso
contra minha pele.
— Ocê voltar a me chamar assim é um bom sinal. — Se afasta,
mas suas mãos continuam firmes em minha cintura.
Aperto a beirada da mesa, recobrando a consciência, e empino o
nariz, vendo o divertimento tomar conta da face do moreno.
— Já podemos discutir o contrato? — Empurro suas mãos para
longe do meu corpo e a sensação fria é estranha. — Quer incluir alguma
cláusula?
Volto para a minha cadeira e Arthur Rafael se senta, ostentando um
sorriso bobo.
— Se eu ganhar, ocê vai casar comigo no dia 22 de setembro do
ano que vem, lá na igrejinha do padre Antero. — Pego o papel e escrevo
as adições, seguindo a orientação do meu advogado. — Ocê vai tá grávida
até lá e, como teremos três filhos, já pensei no nome deles.
— Não.
— Minhas cláusulas, morena. — Batuca os dedos na mesa. — O
primeiro vai se chamar Rafael, como o pai, mas se for menina, Rafaela.
Ocê gostava do meu nome quando a gente era pequeno, só me chamava
de Rafael.
Fico em silêncio, não deixando que minha mente me leve para
aquela época, estou aqui com um propósito muito bem definido e não vai
ser Arthur Rafael que vai mudar ele.
— Depois, para o segundo, pensei em Fabiano, mas se for menina,
a gente pode colocar o nome da sua irmã, o que cê acha? — Encaro-o,
negando com a cabeça e ele suspira. — E a caçulinha vai chamar Sol,
porque vai chegar iluminando mais a nossa vida.
— Isso nunca vai acontecer, eu não vou me apaixonar por você,
Arthur Rafael. — Sou decisiva e seu sorriso não se abala.
— Outra cláusula: ocê vai fazer tudo o que eu pedir, se eu falar que
a gente vai no bar do Zião, a gente vai.
— Nunca, eu não frequento esse tipo de lugar — debocho e ele
impulsiona o corpo para frente, me encarando com a testa franzida.
— Ocê vai sim e vai deixar de ser narizinho em pé. Todo mundo lá
conhece e gosta do’cê.
— Que mentira, eles gostam da imaculada dona Terê — sou cínica
e os olhos verdes dobram de tamanho. — E, por falar nela, fiquei sabendo
que estava na sua casa. O que ela queria? Descobriu que você sabe do
casinho dela com o seu pai e foi pedir para ficar de boca calada?
— Ela sabe que eu sei, mas não me pediu nada. — Bufa, fechando
os olhos. — Ocê tá proibida de abrir essa boca, eu não contei para minha
mãe e quero conversar com ela primeiro.
— Ninguém vai acreditar que a dona Terê está de rolo com o seu
pai. Eles acham que a velha está com o pé na cova — faço descaso e vejo
sua irritação se transformar em indignação.
— Ocê não pode falar assim, ela é sua avó. E que história é essa
do’cê pegar tudo o que era dela? — Reviro os olhos e ele cruza os braços,
esperando minha resposta. — Próxima cláusula: se ocê se apaixonar por
mim, vai devolver tudo o que era da sua avó.
— Nunca, prefiro a morte a ver tudo o que eu consegui nas mãos
daquela velha. Se você insistir nessa cláusula, eu desisto aqui e rasgo
essa merda de papel. — Minha voz fica alta, o que deixa o moreno sem
palavras. — Aquela velha fez um inferno na minha vida e na vida da sua
família, se fazendo de santa, e agora você está com pena dela? Que tipo
de filho você é? Descobriu que ela está traindo a amizade e confiança da
sua mãe e está com peninha dela?
— Ela foi boa para gente, levou minhas irmãs...
— Eu levei as suas irmãs, eu banco o apartamento que elas moram
— me irrito e falo mais do que o necessário. — Sua mãe me procurou e
perguntou se eu não poderia ajudar as gêmeas, e todo mundo ficou
achando que foi a dona Terê, já que ninguém mais pode ser bondoso, a
não ser ela.
— Uai, por que minha mãe não me contou?
— Porque eu pedi, eu sabia que você queria que as suas irmãs
tivessem o melhor estudo, então estou arcando com as despesas — conto
e ele nega coçando a cabeça. — Não fiz isso para ganhar reconhecimento
e, muito menos, para jogar na sua cara, mas estou com nojo de ver você
defendendo aquela velha por algo que ela não fez. Você é bom demais,
Arthur Rafael, e esse é o seu maior defeito. Você vê a maldade, só que não
luta contra ela.
— Fabiana, não é verdade...
— É verdade sim. Você engole a maldade, Rafael. Engole e a
transforma em uma coisa boa, sendo que não te faz bem. Caralho, não
percebe que aquela velha não tá nem aí para você e para sua família? —
Fico de pé e começo a andar de um lado para o outro. — Se ela se
importasse com vocês, não estaria trepando com seu pai.
— Ocê nem sabe se ela tava mesmo. Óia, ocê tá brava e eu
entendo, só que isso não anula...
— Rafael... — murmuro entredentes e ele se levanta, calado. —
Para de ser feito de bobo, ela não se importa com você ou com a sua mãe,
ela só quer amenizar a culpa, ou melhor, agradar seu pai para ele não
trocar ela por outra. Não percebe?
— O que eu percebo é que vou ter um trabalho danado pra te laçar
— faz graça e minha irritação aumenta.
Como ele pode ser assim, tão cego para a verdade? Ele não vê
que isso o machuca? Porra!
— Bibi — sua voz diminui alguns tons e ele se aproxima de mim —,
ocê anda muito nervosa, minha dona. Uns beijinhos podem ajudar ocê a
relaxar.
— Sabe o que vai me ajudar a relaxar? — Nega, envolvendo minha
cintura, mantendo nossos corpos colocados.
— Diga, morena, que eu faço qualquer coisa pro’cê relaxar — sorri
e minhas mãos sobem para a sua barba.
A irritação dá lugar ao calor do desejo. Acaricio a barba escura e
vejo suas pupilas dilatarem, aumentando conforme ele me empurra para
trás, em direção à parede.
— Diga, o que vai te relaxar? — pergunta com a voz baixa, então
escorrego as mãos para o seu peito e sinto as batidas aceleradas do seu
coração.
Meus lábios sobem em um sorriso e, lentamente, esfrego a ponta
do meu nariz no seu, fazendo seus dedos apertarem mais a carne da
minha cintura.
Encho os pulmões e desço a boca para o seu queixo, mordendo de
leve, e Arthur Rafael arfa em surpresa.
— O que vai me fazer feliz — Começo com a voz baixa e com os
olhos grudados nos dele —, é você assinar o contrato.
Empurro seu corpo para longe do meu e o moreno cambaleia meio
atordoado para trás, quase levando meu corpo junto.
— Vamos finalizar isso logo, eu tenho muito o que fazer. — Bato
uma mão na outra e volto a me sentar, recuperando a calma do início da
conversa.
Arthur Rafael não vai me desestabilizar, mas eu vou, e cada
cláusula desse contrato vai valer a pena.

— Aqui, essa é a sua cópia. — Entrego os papéis e Arthur Rafael


engole seco.
— Ocê tá com fome? — Nego com a cabeça e ele me ignora,
guardando os papéis em uma gaveta e ficando de pé. — Levanta, vou levar
ocê comigo para comer no restaurante da dona Tica.
— Não estou com fome.
— Ocê está no meu escritório desde as oito da manhã, não comeu
e nem bebeu nada. Claro que vai almoçar comigo! — decreta, vestindo o
paletó escuro, que combina com a calça social. — O contrato foi assinado,
ocê tem que fazer tudo o que eu mandar, morena.
— Nunca vou ser submissa as suas vontades, Rafael. — Estalo a
língua no céu da boca e ele vem para o meu lado, enroscando o braço na
minha cintura.
— É o que a gente vai ver, dona. — Beija minha bochecha e me
conduz para fora da sua sala.
A empresa está vazia, nem mesmo a secretária do primeiro dia que
vim aqui, está. O silêncio enquanto descemos é assustador e me tira da
minha zona de conforto.
Na Cow nunca nada é silencioso, seja pelos sapatos batendo no
piso, ou o barulho do elevador, ou pelo toque do telefone, sempre tem
algum barulho. Aqui tudo parece estar largado as traças e me pego
perguntado porque ele ainda não desistiu desse negócio.
Está na cara que esse não é o lugar dele, apesar de ficar bem
vestindo roupas sociais, é evidente a sua falta de tato para o negócio.
— Ocê dispense o seu motorista, hoje eu vou te conduzir por essas
bandas.
— Não vou dispensar o Domingos, depois do almoço eu tenho uma
reunião por videoconferência — aviso e ele para de andar. — Vou te passar
a minha agenda.
— Certo, essa tarde cê escapa, mas a noite não.
— O que você vai aprontar? — inquiro, saindo da empresa e sendo
surpreendida pelo vento quente da primavera.
— Cê logo vai ver, morena. E logo vai tá caidinha de amor por mim.
— Pisca um olho todo confiante e meu peito treme.
Arthur Rafael nunca foi bom jogando comigo, mas parece que ele
está disposto a tudo. Minha sorte é que há muitos anos meu coração está
selado e ninguém é capaz de quebrar essas barreiras, e não vai ser agora
que ele vai ruir.
Fabiana Wolf não tem tempo para romance, apenas para os
negócios.
 
 

 
Eu poderia ter explodido no escritório, mas eu me conheço e sei
que começaria a chorar. Fabiana tem razão quando diz que eu deveria
cortar laços com dona Terê, mas meu cérebro reluta em acreditar em
tamanha traição.
Saber que quem cuida das minhas irmãs é a Bibi só faz meu amor
por ela aumentar.
Céus, ela está cuidando das cunhadas em silêncio e, só me contou,
porque não suportou eu adorando sua avó.
Diacho, preciso enterrar de vez essa admiração que sinto pela
dona Terê.
— Bom dia, Arthur, quanto tempo! — Dona Tica me cumprimenta
assim que entro em seu restaurante.
— Dia, dona Tica! Tá muito corrido lá na empresa, mas hoje eu tirei
um tempinho e trouxe a Bibi comigo. — Trago a mulher para a minha frente
e vejo os olhos escuros de dona Tica aumentarem de tamanho.
— Catapimbas, ocê cresceu menina! Saiu daqui quase rolando e
voltou esse mulherão. — Sinto Fabiana retrair com o comentário
desnecessário.
— E a senhora não mudou nada, continua a mesma inconveniente
de sempre — responde de maneira ácida, deixando a mulher de cinquenta
anos mais branca que o pano de prato em seu ombro.
— A senhora tem toda razão, Bibi tá um mulherão para lá de bão,
mas ela já era, agora que cresceu tá mais. — Deslizo minha mão pela
cintura fina, tentando amenizar o clima. — Ocê quer comer o que, morena?
— Eu quero ir embora.
— Vai não, a gente veio pra encher o bucho e dona Tica é uma das
melhores cozinheiras da região — murmuro e ganho uma cotovelada nas
costelas. — Diacho, dona, não precisa bater em mim.
— Hoje é por conta da casa — a mulher, que um dia foi minha
professora de catequese, fala visivelmente envergonhada. — Cês podem
escolher qualquer mesa, já vou abrir as panelas.
Concordo com a cabeça enquanto o cheiro de feijão tropeiro
preenche o ambiente, fazendo minha barriga roncar alto.
Fabiana revira os olhos e caminha para uma das mesas mais
afastadas, meus olhos caem para sua bunda redondinha e um longo
suspiro escapa dos meus lábios.
Diacho, não é mesmo que ela ficou ainda mais gostosa do que
quando a gente era adolescente.
Caminho apressado até ela, me sentando em sua frente. Bibi
batuca as longas unhas vermelhas na mesa de vidro transparente e
observa tudo a nossa volta.
O restaurante não mudou muito ao longo dos anos, apesar de ter
aumentado de tamanho, a decoração continua a mesma: flores de plástico,
toalhas brancas em algumas mesas, lustres de cristal que parecem
encardidos, mas que só estão assim por conta da poeira.
A tinta marrom das paredes de madeira foram retocadas
recentemente, Gustavo até ajudou na hora, e depois Justina ofereceu uma
de tal massagem para ele.
Meu primo gostava da atenção que recebia da filha da dona Tica e,
mesmo dizendo que não, ficou abalado quando Justina anunciou que
estava namorando o boiadeiro Tadeu.
— Lembra da Justina? — pergunto, querendo a atenção da
morena. — Ela e o Tadeu tão juntos e vão casar em dois meses, não se
fala em outra coisa na região. Ocê vai gostar de rever a filha da dona Tica.
— Dispenso, da mesma forma que dispenso almoçar aqui.
— Ocê não dispensa bóia de graça — falo firme e seus olhos
acinzentados reviram com força. — Cê pare de fazer essa cara, agora que
ocê é minha, eu vou ter que ser mais bruto. — Ameaço sorrindo de lado,
deixando claras as minhas segundas, terceiras e quartas intenções, mas
tudo que Fabiana faz é apoiar os braços na mesa e inclinar o rosto em
minha direção, repito seu gesto, sabendo que é agora que ela vai se
render.
— Bruto? Conta outra, caipira, capaz eu ser bruta e você sair
correndo — A voz é baixa, mas cheia de cinismo —, mas, só por
curiosidade, como seria você sendo bruto comigo?
— Ocê pode me zoar, mas quando eu estiver no meio das suas
pernas, vou fazer cê pagar cada debochezinho — informo e seus olhos
grudam nos meus, aumentando a temperatura do meu corpo. — Negue o
quanto quiser, morena, mas que ocê vai esquecer seu nome quando eu te
tocar, ocê vai — garanto com a voz baixa e vejo os pelinhos claros do seu
braço se eriçarem.
Fabiana tenta não parecer afetada, mas os peitos subindo dentro
do decote a denunciam.
— E o que mais vai acontecer, caipira? — Umedece os lábios e
meu pau dá sinal de vida, arrepiando os meus pelos. — Vai me bater?
Marcar minha pele com essa mão áspera?
O desafio não sobressai sua curiosidade e meus olhos correm para
a sua boca, pequena e pintada de vermelho, me pego imaginando ela
ajoelhada na minha frente, sorrindo como a desgramada que é.
— O que vai fazer, Rafael?
Engulo um gemido ao som da sua voz e aproximo mais meu peito
da mesa, não deixando espaço para os fuxiqueiros de plantão escutarem.
— Vou te colocar de quatro e enroscar minha mão nessa cabelo
macio, e quando eu me afundar no’cê, ocê vai gritar meu nome para toda
Lagoa Santa ouvir. — Diminuo mais minha voz e Fabiana respira fundo. —
Ocê tá imaginando eu te comendo por trás, não é, dona? Confessa que é
isso que ocê quer desde que me viu de novo.
— Não viaja, Rafael.
— Ocê quer minha boca na sua tanto quanto quer essas mãos
ásperas pelo seu corpo gostoso, tocando cada centímetro seu. Cê quer
tanto que tá imaginando agora tudo isso — solto e ela não nega, mas suas
bochechas ficam vermelhas.
— Você anda assistindo televisão demais, Rafael, eu não estou
imaginando nada.
— Então por que ocê tá apertando as coxas? Cê tá molhada que
eu sei, não adianta negar — murmuro com firmeza e, novamente, ela
umedece os lábios.
Meus olhos descem para o seu decote e os mamilos marcam o
tecido do vestido, fazendo minha boca salivar de desejo.
— Ah, dona, cê não tem noção do quanto eu tô duro e, ter a
certeza que cê tá molhada pra mim, só me deixa com mais vontade de te
colocar contra essa mesa e me lambuzar de você.
Travamos uma guerra silenciosa com o olhar, nossas respirações
estão aceleradas e quentes, tudo a nossa volta parece pegar fogo.
Perco a batalha ao descer os olhos para sua boca, indo em direção
ao seus seios e depois para suas pernas, que ficam bem aparentes pela
transparência do vidro.
Sinto todo meu corpo estremecer com a visão das suas pernas se
espremendo uma contra a outra e me remexo incomodado com a pressão
no meio das minhas.
Tô latejando de desejo e essa cara de safada dela só piora meu
estado.
— Ui, o caipira sabe falar sacanagem. — Tenta debochar, mas sua
voz sai afetada, estragando sua armadura de invencível. — Só faltou pedir
minha calcinha. É isso que você quer, Rafael? — A voz aveludada percorre
meu corpo com precisão e meu coração chega à boca com a forma que me
olha.
Fabiana é intensa, consigo sentir o calor do seu corpo e eu sei que
ela está encharcada, tão afetada quanto eu.
E, porqueira, eu quero a prova do crime, sim!
— Quero! — Minha voz sai rouca e meus lábios ficam secos. —
Quero esse pedaço de pano que ocê tá usando, agora, Fabiana.
— Vem tirar. — Desliza a língua pelos lábios e fica de pé com
graciosidade. — Pra que lado fica o banheiro?
— Lá atrás — informo e seus olhos brilham de maneira diferente.
— O que você vai fazer?
— Eu não vou fazer nada — responde de maneira quase inocente
—, mas e você, o que vai fazer, caipira?
Joga a bomba e sai requebrando – mais do que o necessário – o
quadril, enquanto caminha para a parte de trás do restaurante.
Sinto minha garganta secar e me preparo para segui-la, mas sou
parado com a chegada repentina de Cândida.
A garota senta na cadeira vazia, seus olhos encontram os meus,
me tirando dos devaneios e me obrigando a forçar um sorriso.
Engulo a pouca saliva na boca, segurando com força o encosto da
cadeira e ela apoia o rosto na palma da mão.
— Que bom te encontrar aqui. — Sorri exibindo uma fileira de
dentes brancos. — Não te vi mais no bar. Ficou bravo comigo por causa
daquele sábado? Eu só estava cansada — justifica, mas meus olhos estão
na porta por onde Fabiana saiu.
— Não tenho motivos pra ficar brabo, Cândida.
— Tá esperando alguém, Arthur? — Encaro-a. — Você está
procurando por quem?
Abro e fecho a boca, sem saber como responder, Cândida eleva as
sobrancelhas esperando uma resposta, me deixando ainda mais sem
respostas.
— Quem é a criança? — Ouço a voz de Fabiana e a saliva desce
quente pela minha garganta.
Encaro a morena e vejo a expressão de descontentamento, mas
novamente não sei como responder. Cândida fica de pé, colocando a mão
na cintura.
Me sinto em uma cena de filme antigo, aonde eu serei alvejado
sem ter culpa alguma de nada.
Meu Deus do céu, por que não consigo levantar e explicar essa
situação?
 
 

 
Não sei aonde estava com a cabeça quando cedi ao calor do
momento. Claro que Arthur Rafael é igual aos outros homens que
passaram pela minha vida, só esperando eu virar as costas para se
engraçarem com outras.
— Criança, eu? Você que é uma tiazona. — Estreita os olhos na
minha direção, cruzando os braços magricelos em frente ao corpo.
Inspiro profundamente, não entendendo como minha vida pôde
mudar tão drasticamente desde hoje de manhã, quando decidi encontrar
Arthur Rafael para acertarmos o contrato.
Não basta dona Sebastiana – ou dona Tica – ter tocado em uma
ferida do passado, agora preciso lidar com essa menina, cheirando a leite e
me chamando de tia.
— Sou Cândida Medeiros, futura médica aqui de Lagoa santa, tia.
— Sorri debochada, se achando.
Arthur Rafael fica de pé, sem saber o que fazer, mas eu sei.
— Fabiana Wolf, dona de mais da metade de Lagoa Santa —
murmuro séria, estendendo a mão em sua direção, deixando toda a minha
classe entrar em ação.
— A neta da dona Terê! — solta baixinho, perdendo a pose e
ignorando por completo minha mão. Olha para Arthur Rafael, que continua
parado do mesmo jeito. — Achei que vocês se odiassem, meu pai falou
que ela te abandonou e que você passou um mês sem ir para a escola...
você jurou que ela era passado... Vocês dois estão juntos? Mas e a Lurdes,
e tem a Nirce, ela disse que vocês estavam... Arthur... e eu...
Despeja um monte de informação, totalmente desequilibrada, e
seus olhos intercalam entre mim e o moreno, que agora ostenta um sorriso
sem graça.
— Eu tenho que ir — sussurra com a cabeça baixa. — A gente se
esbarra por aí e terminamos o que a gente começou, Arthur.
Seu rosto fica vermelho ao se aproximar do moreno, deixando um
beijo estalado em sua bochecha direita.
Meu sangue ferve, minhas mãos fecham em punho e, friamente,
planejo a queda dessa garotinha que fede à leite.
Assim que ela vai embora, me sento e Arthur Rafael faz o mesmo,
se mantendo em silêncio enquanto me observa com atenção.
Aos poucos o restaurante enche, algumas pessoas passam me
encarando, outras cumprimentam o moreno com um aceno de cabeça e
não fazem menção de se aproximar, acho que a minha cara dá claros
sinais de perigo.
— Bibi — a voz é baixa, cautelosa. —, ocê quer comer o quê? Hoje
é dia de feijão tropeiro com bife.
Ignoro Arthur Rafael, olhando para as pessoas em fila, tirando o
almoço e levando até o caixa para pesar. O cheiro do tempero se mistura
ao cheiro de fritura, fazendo minha barriga roncar de maneira estranha.
— Eu sou vegana — murmuro e o encaro —, não como carne e
nem nada derivado.
— Mas ocê administra uma fazenda de gado leiteiro e de corte. —
Uma ruga surge entre suas sobrancelhas. — Não é contraditório? E eu
esqueci de colocar no contrato que eu quero meu cavalo, ocê nem anda
nele.
— Uma coisa não tem nada a ver com a outra. E, não, você não vai
pegar o meu cavalo.
— Seu? Uai, cê nem anda nele, dona. O bichinho tá lá, todo triste
— murmura e sua mão cobre a minha por cima da mesa. — Ocê deixa eu
te levar para casa hoje? Quero ver o Voldemort.
— Não, eu já disse que tenho uma reunião importante. Leve aquela
criança para casa — resmungo e me arrependo ao ver um sorriso largo
nascer nos lábios dele.
— Ocê tá com ciúmes de mim?   — O tom alegre em sua voz me
faz revirar os olhos.
— Eu? Com ciúmes? De você? Nunca. — Tiro minha mão do
domínio da dele e fico de pé. — Vou embora, tenho muito o que fazer. Bom
almoço.
— Fabiana — me chama, mas meus pés já estão do lado de fora
do restaurante.
Sou castigada pelo sol forte e inspiro profundamente, atravessando
a rua até meu carro. Domingos não tem nem tempo de descer e abrir a
porta antes que eu entre.
— Me leve para a fazenda da minha avó, por favor — peço,
passando o cinto pelo peito, e o homem assente, ligando o veículo.
Pelo vidro escuro vejo Arthur Rafael em frente ao restaurante,
coçando a barba e olhando diretamente para mim, posso jurar que ele
consegue me ver, mas então lembro que o carro é protegido e descarto
esses pensamentos, voltando minha atenção para frente.
Eu com ciúmes? Nunca, ainda mais daquele caipira que acha que
sabe falar sacanagem. Maldita hora que agi de maneira impulsiva,
aceitando sua proposta.
Só que agora eu não vou voltar atrás, vou mostrar para Arthur
Rafael que não se brinca com uma Wolf.
O cheiro das flores de laranjeira estão por todo lado quando meus
saltos afundam na terra preta do pomar. Meu avô plantou grande parte das
árvores daqui, e a cada ano eu mando tirar as que não prestam e plantar
novas, tem tantos tipos de laranja que fica até difícil decidir qual comer.
Dona Feliz sempre mandava as frutas para o meu apartamento e
quem mais comia era Tomé, que é apaixonado tanto pela fruta quanto pela
cor, prova disso é o quarto dele ser pintado no mesmo tom.
Meu primo corre pelo pomar, como uma criança alegre em um
parque. Avisei a ele que estava vindo para cá e ele garantiu que estaria me
esperando.
Lúcia voltou para a cidade grande pela manhã, mas ainda preciso
descobrir o que ela e dona Terê tanto conversaram.
— Amor da minha vida, aqui é o paraíso! Podemos investir em
perfumaria, o que acha? — Para perto de mim e me abraça apertado. —
Eu amo aqui, Fabiana.
— Eu sei, agora pode me soltar. — Afasto seu corpo do meu e os
olhos negros me encaram de maneira divertida.
— Como foi com Arthur Rafael? Ele assinou o contrato?
— Sim, ele está legalmente em uma disputa pelo meu coração. —
Brinco pegando uma florzinha branca. — Ele me levou para almoçar no
restaurante da dona Tica, mas eu não comi nada.
— Ser vegana as vezes é estressante, prima — murmura,
caminhando ao meu lado. — Sobre o que falaram?
— A vida — ‘...e sacanagens’, completo em pensamento. — Arthur
Rafael tem certeza que vai me conquistar, até colocou o nome dos nossos
supostos filhos no contrato. No fundo, ele continua sendo aquele
adolescente que corria atrás de mim para cima e para baixo, sonhador e
divertido.
— Uau, tivemos um avanço enorme de pensamentos. — Passa por
mim, andando de costas na minha frente, enquanto sorri. — Você acha que
pode se apaixonar por ele?
— Não seja bobo, Tomé, eu não me apaixono. Uma Wolf não tem
tempo para perder com o amor. — Empurro meu primo, que ri. — Só entrei
nessa por conta das terras dele. Eu vou ganhar tudo e expulsar o pai dele
com um sorriso no rosto.
— Amor da minha vida, fazer justiça com as próprias mãos pode
ser perigoso. Tem certeza do que está fazendo?
— Desde que eu descobri que ele é o grande responsável pela
partida da Luciana, tudo o que eu planejo é a queda dele. — Paro de andar
e engulo seco, mirando os dois balanços velhos. — Ali era o lugar favorito
dela, e foi ali que ela tirou a própria vida.
Meus olhos se enchem de lágrimas ao lembrar da cena e os fecho
com força, Tomé vira meu corpo, me puxando para outra direção, mas
desvio minha atenção ao ouvir o som distante do galope.
— Arthur Rafael... — sussurro travando no lugar. — O caipira
roubou o meu cavalo.
— Para né, Bibi, ele não faria isso... Santa mãe divina, é ele! —
Arregala os olhos quando vira o rosto em direção ao barulho e eu faço o
mesmo. — Que fazendeiro gostoso. Divina luz!
Por entre as árvores vejo Arthur Rafael montado em Voldemort, ele
segura o chapéu com uma mão e a rédea com a outra. O cavalo corre e
salta pelas raízes, parecendo feliz em estar com o seu verdadeiro dono.
Já Rafael parece uma criança, seu sorriso é enorme e meus olhos
se demoram em seu jeito bruto de dominar o cavalo. Não é nada agressivo,
mas é simplesmente quente a forma como ele puxa as rédeas, diminuindo
a corrida e dominando seu parceiro.
Quando seus olhos verdes me encontram, o desafio brilha na íris,
Tomé agarra meu braço quando ele faz o caminho até nós.
— Tarde, dona, ocê não tinha reunião?
— Cancelei, ser a CEO me dá certos privilégios. — Cruzo os
braços em frente ao corpo. — Deveria saber disso, já que há menos de
duas horas estava enfurnado naquela sala minúscula, usando um terno
duas vezes menor que o seu número.
— Quando a gente casar, eu deixo ocê comprar meus ternos.
— Quando eu te expulsar da empresa, você vende os seus para
comprar novas roupas — devolvo e ele ri alto. — O que está fazendo aqui
com o meu cavalo?
— Gosto daqui, dona, e ocê já tá sabendo que tudo que é seu, é
meu — Me desafia a negar e Vold relincha, parando bem perto do meu
corpo. — Ele quer seu carinho, aposto que não foi nem conhecer os
nossos netos, a Hermione é uma cavalona, que dá gosto de montar. Ocê
pode tentar depois, Tomé.
— Já tentei e ela mordeu meu bumbum — meu primo diz e Vold
balança a cabeça, esfregando o focinho em mim.
— Faz carinho nele, Fabiana. Ocê já foi mais corajosa. — Me
provoca e meus dedos coçam para tocar a pelagem escura, mas dou um
passo para trás.
— Eu tenho que ir embora. Você sabe o caminho do meu haras,
leve meu cavalo para lá. — Dou as costas, deixando Tomé e Arthur Rafael
para trás.
Esfrego uma mão na outra, sentindo meu coração se expandir
dentro do peito. Depois que fui embora, nunca mais andei a cavalo, muito
menos toquei em um, não por medo, mas por sentir vergonha.
Balanço a cabeça, afastando as memórias e, assim que deixo o
pomar para trás, encontro dona Terê dentro de um vestido florido usando
um lenço na cabeça, sua bengala sendo sua companheira e os olhos
negros buscando uma verdade que ela jamais terá de mim.
— Foi ver a cruz da sua irmã?
— Estava indo ver seu amante? — devolvo sem paciência. — Sei
que pelo pomar é mais fácil chegar à casa fantasma. Era assim que a
senhora me assustava, lembra?
— Tão sutil, minha neta. Ocê é farinha do mesmo saco que eu e
quer vir me julgar, ocê é patética, Fabiana, Luciana sim que era mulher.
— Não abra a boca para falar da minha irmã, é culpa do seu
amante ela não estar aqui. — Dou um passo em sua direção e seu sorriso
vacila. — Avise aquele porco imundo que ele vai se arrepender de ter
entrado no meu caminho.
— O que cê vai fazer? — Sua voz está carregada de medo quando
passo por ela, caminhando pela trilha que levará ao meu carro. — Fabiana,
o que ocê vai fazer?
— Não se preocupe, vovó — falo alto, parando e me virando para
ela. — Não será nada que não tenha me ensinado. — Pisco o olho
esquerdo e volto a fazer meu caminho, bem mais aliviada do que antes.
Agora eles vão ficar com medo e será muito mais fácil derrubá-los.
 
 

 
Aperto os olhos por conta do sol e vejo o corpo de Fabiana sumir
em meio as árvores, Tomé pigarreia ao meu lado, me trazendo de volta
para o presente, e eu encaro o loiro, que tem um sorriso singelo nos lábios.
— Gostei, você levou ao pé da letra o meu conselho. — Dou de
ombros, vendo ele se aproximar do meu cavalo. — Bibi sofreu demais
longe dos animais, a morte da Luciana abriu um buraco que os cavalos
fecharam, mas aí ela foi embora e o machucado se abriu novamente, agora
ela não deixa ninguém se aproximar.
— Ela é tinhosa, mas eu ainda domo ela — garanto e Vold fica
quieto, recebendo o carinho na testa. — Ocê sabe quando ela vai embora?
— Não, ela não me disse nada, mas garanto que não vai demorar
— suspira e fecha os olhos. — Você pode me ensinar a montar? Os
cavalos lá da fazenda não gostam de mim, mas amam o meu bumbum. O
amor da minha vida vai falir se eles continuarem mordendo minhas roupas
caras. — Joga os cabelos e eu respiro fundo.
Ensinar Tomé a andar a cavalo pode significar mais tempo ao lado
da minha dona, e eu preciso disso, porque quando o dia de hoje acabar,
terei só mais vinte e nove para fazê-la se apaixonar por mim.
— Eu topo, mas tem que ver uma hora que eu não esteja
trabalhando. — Suas sobrancelhas sobem. — Época de bola de capim,
tenho que encontrar comprador antes que elas desvalorizem.
— Vamos fazer uma troca — propõe colocando a mão na cintura.
— Você me ajuda na minha missão e eu vendo tudo o que quiser. Eu sou
muito bom no que faço e Bibi pode garantir isso, sou o melhor vendedor da
Cow.
— Tudo? É que tem uns maquinários velhos que só servem para
sucata. — Coço a nuca e ele afirma com a cabeça. — Tá certo, vai ser uma
troca justa. Começamos amanhã, lá pelas oito.
— Ótimo, chegue mais cedo para tomar café comigo — sugere e
olha para o caminho que Fabiana fez. — Eu tenho que ir ou minha prima
me esquece rapidinho. Tchau, garotão.
Acaricia a crina de Voldemort e se afasta, observo enquanto ele
anda por entre as árvores e me pego irritado ao lembrar da forma como
chama Fabiana. Ela é o amor da minha vida, não da vida dele.
Diacho, sou eu que vou me casar com ela!
— Vamos, Vold, a gente tem que ir ajudar no leite — murmuro para
meu cavalo, mas não saio do lugar, vendo dona Terê se aproximar.
— Arthur Rafael, que bom que te encontrei. — Sorri se apoiando na
bengala. — Estava mesmo querendo dar um dedinho de proza co’cê.
— É urgente? É que eu tenho que ajudar meu pai com as vacas —
explico e seu semblante fecha.
— Ocê sabe que a Fabiana me detesta, não é, fio? Ocê vê a forma
como ela trata todo mundo e agora deu para falar que eu tenho um caso
com seu pai. — Franzo o cenho com o rumo que ela está levando essa
conversa. — Por tudo que é mais sagrado, eu nunca faria um negócio
desses. Sua mãe é minha irmãzinha do peito... vi ocê e as suas irmãs
crescerem, levei as duas para a capital e tô arcando com tudo. Acha que
eu faria uma coisa dessas se tivesse de caso com o seu pai?
— Acho, para agradar ele — solto na lata e ela retrai os ombros. —
A senhora me desculpa, mas eu preciso ir.
— Eu dei tudo pro’cê e é assim que retribui? Ocê não é nada sem a
minha ajuda, sua família estaria passando necessidade se não fosse por
mim. — Joga na minha cara com braveza. — Eu fiz tudo e ainda
desconfia? O que aquela menina fala pro’cê, tenho certeza de que foram
mentiras e mais mentiras. Bibi sempre foi mentirosa...
— A Bibi não falou nada, não. A senhora que tá se entregando de
graça — explico e Vold relincha. — Com sua licença, eu tenho que ir.
Bato na aba do chapéu e faço meu cavalo galopar até minhas
terras. O vento quente em meu rosto é um bálsamo.
Vold acelera sua corrida, aumentando a sensação de liberdade, o
cheiro de terra se mistura ao cheiro das laranjas e, assim que ele salta por
uma raiz, entramos na mata que divide as terras.
Liberto minha mente, lembrando unicamente da cena de ciúmes da
minha dona, da sua cara fechada, com os lábios em linha reta e as íris
brilhando com raiva da Cândida.
A menina foi muito corajosa ao beijar meu rosto, jurei que Fabiana
pularia na cara dela ali mesmo, dona Tica ficou chateada por Bibi ter ido
embora, mas eu fiz valer o prato grátis e comi até meu estômago pedir
arrego.
Paro a corrida próximo ao riacho e desço do cavalo, deixando ele
preso em um tronco de árvore.
— Cê lembra, Vold, quando a gente vinha aqui só pra ver a dona?
Cê lembra dela nadando e sorrindo?
Como se quisesse me responder, Vold relincha e meus dedos
deslizam pela pelagem macia.
— Naquela época ela ainda sorria, agora só quer saber de comprar
nossas terras, mas eu vou domar aquela fera. Cê vai ver, Vold, eu vou
casar com a dona e ocê vai tá lá, assistindo na primeira fila.
Levo uma cabeçada de leve na barriga, como se fosse um aviso
para eu voltar para a realidade, mas por que eu voltaria? Minha dona é
muito mais feliz nas minhas memórias.
— Primo, ocê assinou o contrato? — Tião para perto de mim com
uma caneca de café.
— Uai, eu disse que ia assinar e assinei — conto, batendo a botina
cheia de barro em um pedaço de madeira. — Ocê tinha que ver, ela jurou
de dedinho pela alma da Luciana, e a irmã era tudo para ela.
— Eu nunca entendi como uma moça tão bonita como a Luciana,
tão alegre e divertida, fez o que fez. — Suspira e eu o assisto fechar os
olhos. — Diacho, aquela garota acabava com a minha paz.
— Ocê era apaixonado nela — Empurro seu ombro —, mas ela era
mais velha, e ocê tinha medo de mulher naquela época, não é?
— A Luciana cheirava a café — solta e, antes que eu fale algo,
Gustavo aparece ofegante.
— Ocês não sabem o que eu acabei de descobrir — murmura sem
fôlego e Tião engole o resto do café de uma só vez.
— Adiante, homem, o que descobriu? — pede impaciente e
Gustavo se apoia na cerca, onde os nossos cavalos deveriam estar
fechados.
— Que a Bibi mandou matar a avó! Não se fala em outra coisa lá
na cidade, dona Tica tá contando, aos prantos, para todo mundo que ela
quase serviu comida para uma assassina.
— A dona Terê morreu? — questiono e meu primo nega com a
cabeça.
— Não, diacho, ainda não! Só que tem uns homens diferentes na
vila, os matadores que a Fabiana contratou para dar um fim na dona Terê e
na gente.
— Acho que nunca ouvi tanta papagaiada na vida antes. Ocê
endoidou de vez, foi? Diacho, ela vai aumentar o haras — Tião fala e eu
cruzo os braços, encarando ele.
— E como é que ocê sabe disso? — pergunto e ele balança os
ombros.
— Oras, sabendo. A questão aqui é que não tem assassino
nenhum. — Suspira. — Ocê deveria parar de ser fofoqueiro, Gustavinho.
— Uai, o sujo querendo tirar satisfação com o mal lavado —
reclama e me olha. — Pode um trem desses, Arthur?
— Eu tô achando é muito estranha essa história de ocê tá sabendo
demais do que tá acontecendo do lado de lá. — Encaro meu primo com os
olhos estreitos. — Cê quer me contar alguma coisa ou vou ter que descobri
sozinho?
— Não tem nada acontecendo, que povo desconfiado — reclama
coçando os cachos do cabelo, antes de olhar para Gustavo. — Ocê deveria
é tá encarando ele, eu não assinei contrato nenhum.
Tião consegue mudar o rumo da conversa e Gustavo perde a cor
do rosto, ficando mais branco do que as nuvens no céu. Meu primo abre e
fecha a boca diversas vezes antes de finalmente encontrar voz para surtar.
— Ocê fez o que, Arthur Rafael? A gente tinha combinado que não
ia assinar nada sem uma garantia, homem, e se essa tinhosa der para
trás? — Bate as mãos nas coxas. — Ocê não tem um pingo de juízo? O
que vai ser das primas lá na cidade grande? Cê esqueceu que o custo de
vida lá é mais alto do que aqui? Vou falar com o tio...
— Vai nada! — Seguro seu braço. — Ele enfiou todo o dinheiro da
venda do haras e dos cavalos no rabo, minhas irmãs tão à mingua lá na
cidade grande e, se não fosse pela generosidade da dona, elas já estariam
de volta aqui.
— O quê?
— Isso mesmo, não foi a dona Terê quem levou as gêmeas, foi a
Bibi — conto e os dois se entreolham. — Se não acreditam em mim, cês
perguntem para minha mãe, foi ela quem pediu ajuda para Fabiana.
— A tia não ia fazer isso. — Negam com a cabeça, mas olham para
a casa quando minha mãe sai com uma cesta de ovos nas mãos.
Tião e Gustavo me encaram antes de caminhar até a mulher de
cabelos grisalhos. Volto a me apoiar na cerca e olho para o céu, pensando
no que a morena deve estar fazendo agora.
E, com uma ideia na cabeça, deixo a cerca para trás e caminho em
direção à casa. Tá na hora de surpreender minha dona, mais uma vez.
Diacho, é hoje que ela cai no meu laço!

Estendo a toalha de mesa no chão e coloco as velas artificiais que


encontrei jogadas no porão, foi difícil de limpar, mas, no fim, elas vão dar
um ar mais bonito no clima de lua cheia. Arrumo os pratos com algumas
frutas e com o chocolate amargo que Tomé me deu quando contei a ele
sobre minha ideia.
Na verdade, tudo o que tem aqui é ideia do Tomé, que sabe mais
das comidas que a prima dele gosta. No passado eu sabia de tudo o que a
minha dona gostava, mas, já que ela mudou a alimentação, não posso
trazer queijo com goiabada para o momento.
Esfrego uma mão na outra, colocando o vinho de lado, e meus
olhos encontram a silhueta feminina parada perto da árvore de caneleira.
— Ocê veio! — Suspiro, subindo os olhos por suas pernas.
Como ela consegue andar de salto nessa grama?
— Tomé falou que você estava aqui para conversamos. O que
significa tudo isso? — Se aproxima com os braços cruzados.
— Isso sou eu sendo romântico, cê gostava de piquenique à luz da
lua, só quis repetir o que a gente fazia quando era pequeno. — Sinto meu
rosto esquentar e Fabiana engole seco, olhando tudo.
— Eu não como chocolate.
— É vegano, Tomé e o destino tão a nosso favor. Ocê viu que é lua
cheia? — pergunto, ficando em pé e me aproximando do seu corpo. — Cê
não pode fugir de mim, Bibi, tô aqui para te mostrar como vai ser a nossa
vida de casado.
— Piquenique sob a lua todo santo dia? — Revira os olhos de
forma debochada. — Isso é patético, Arthur Rafael.
— Isso aqui é patético, também? — Enlaço sua cintura, colando
nossos corpos. — Eu beijar sua boca é o que, dona?
— Rafael... — Sua voz é um mísero aviso, que se perde no ar
quando nossos olhares se conectam.
— Faça desfeita o quanto quiser, mas ocê gosta disso, tanto do
piquenique, quanto da minha mão no seu pescoço — murmuro subindo a
mão e tocando a pele quente e lisa que se arrepia. — Ocê gosta, morena.
Esfrego meu nariz contra o seu e suas mãos sobem para os meus
ombros, lentamente roço meus lábios nos seus, afundo meus dedos nos
cabelos macios e puxo sua cabeça para trás.
— Diz que gosta, morena.
— Rafael... — Suspira enquanto sua mão entra em meus cabelos.
— Só essa noite. — Umedece os lábios e me encara, deixando a máscara
de fodona cair. — Me beija.
— Cê não sabe o que tá me pedindo... — solto de maneira sofrida
e uno nossas bocas com mais força agora.
Diacho de mulher gostosa!
É tudo que eu consigo pensar antes de sentir seus lábios se
abrindo para mim.
A língua quente e macia enlaça a minha, arrancando do fundo da
garganta um gemido rouco. Estremeço, aliciado com o gosto de morango,
escorregando uma mão para o seu traseiro.
Fabiana puxa meus cabelos, tornando o beijo mais desespero.
Apalpo sua bunda, esmagando seus peitos no meu.
Minha dona geme e afasta nossas bocas em busca de ar. Subo a
mão para seus cabelos e acaricio sua nuca com a ponta dos dedos,
sorrindo feito pombo. Meus pulmões doem em busca de ar e quando abro
meus olhos, encontro Fabiana respirando pesado com as pálpebras
fechadas.
Diacho de beijo gostoso!
Penso, voltando a beijá-la.
 

 
— Aqui, abre a boca — Rafael pede e eu faço.
O moreno coloca o morango em meus lábios e aproxima o rosto do
meu ouvido, a respiração quente contra meu pescoço me arrepia e meus
olhos se fecham, enquanto o gosto da fruta rodopia pela minha língua.
Estamos assim tem trinta minutos, com ele me alimentando dessa
forma, roubando alguns beijos nada inocentes e, quando meu corpo
começa a esquentar de verdade, ele recua.
— Ocê sentiu falta daqui quando foi embora?
— Um pouco — minto, engolindo o morango. — Tinha muita coisa
para estudar, então mal sobrava tempo para pensar e sentir saudade.
— Não sentiu minha falta? — Raspa a barba pela pele do meu
pescoço, abraçando ainda mais minha cintura. — Nem um pouquinho?
Estou sentada entre suas pernas, sentindo as batidas aceleradas
em seu peito, Rafael está com o queixo descansando em meu ombro
enquanto me alimenta, do seu jeito estabanado e muito carinhoso.
Meus pés estão tocando a grama fria, mas nenhum frio se compara
ao que estou sentindo na barriga. Amanhã vou embora daqui, arrumar
minha vida lá na Cow para conseguir voltar e dar uma chance para Rafael
tentar me conquistar.
Nunca vai acontecer, mas sei que vai ser bom para os meus planos
ficar mais um tempo aqui.
— Tinha que ser a melhor da minha turma. Me formei com honras,
trabalhei muito e, antes mesmo de completar vinte e dois anos, estava
sentada na cadeira da presidência. Fui a mais jovem a assumir um cargo
de grande poder na empresa e muita responsabilidade caiu sobre mim —
explico de maneira rápida. — Enquanto buscava novas metas eu
continuava estudando, passei dois anos em Boston fazendo pós-
graduação.
— E nesse tempo todo ocê não teve um namorado?
— Não, nunca namorei sério com ninguém. — Olho para o seu
rosto. — Você namorou alguém?
— Não, fiquei muito ocupado com a empresa que tava falindo,
minha faculdade indo por água abaixo e ainda tinha minhas irmãs
adolescentes. — Suspira. — E nenhuma delas era ocê, então não me
esforcei tanto assim pra arranjar uma namorada.
— Por que não seguiu sua vida? — Levanto o tronco e encaro seus
olhos. — Você passou anos me enviando e-mails, em alguns dizia que me
odiava e que já tinha me esquecido, mas não é verdade, você continua da
mesma forma de quando éramos adolescentes...
— Eu segui a vida sim, mas é que eu nunca consegui tirar ocê
daqui de dentro. — Bate no peito e seus olhos marejam. — Meus primos
tão de prova que eu deitei em todas as camas, mas nenhuma mulher fez
meu coração bater tão forte quanto ocê faz.
Engulo seco, apertando a mandíbula e mantendo meus olhos
presos aos dele, sentindo uma inquietação confusa no meu peito.
— Arthur...
— Não, ocê me chama de Rafael — pede e toca meu rosto com a
ponta dos dedos. — Eu sei que ocê seguiu a sua vida, um mulherão
desses não ia ficar sozinha, mas eu também sei que ocê não me
esqueceu.
— Também já deitei em várias camas — solto e sua testa franze, os
lábios sobem em uma careta desgostosa.
— Certo, vou fazer ocê esquecer de cada uma delas e querer só a
minha — diz convencido e eu reviro os olhos para evitar sorrir.
— E as que você deitou? Vai esquecer?
— Diacho, eu já esqueci, sou virgem de novo só pro’cê.
— Para de ser bobo, Rafael. — Bato em seu peito e volto a me
aconchegar nele.
Ele me aperta em seus braços, me aquecendo e beijando minha
bochecha. Me deito de lado em seu colo, pego o pote com mamão e
começo a comer, o silêncio entre nós dois só é interrompido pelos grilos
estridulando e os sapos coaxando, pedindo por mais chuva.
Mastigo devagar e Rafael leva o pote para longe de mim, tomando
o garfo das minhas mãos e colocando de lado. Engulo a polpa macia e
azedinha quando suas mãos param em minha barriga e, com calma, ele as
escorrega para cima e para baixo.
— Passei o dia inteiro imaginando o que teria feito co’cê se tivesse
chegado naquele banheiro — sussurra, esfregando a barba em minha pele.
— Ocê pensou em mim, morena?
— Não — minto, com a respiração descompassada, e ele ri.
— Então se eu descer a mão pro meio das suas pernas e te tocar,
não vou encontrar sua boceta molhada? — Nego com a cabeça e seus
dentes raspam pela minha orelha. — Abre essas pernas, preciso checar
uma coisa.
— Rafael, você é doido. — Ofego afastando as coxas e ele sobe a
saia do meu vestido.
— Nunca entendi o motivo do’cê andar com essas roupas
apertadas, mas sua bunda fica muito bonita dentro delas, me dá vontade
de morder — solta, me fazendo rir baixinho. — Ocê tem uma pele tão
macia.
Desliza a mão pela minha coxa e a aspereza da palma me deixa
arrepiada, Rafael respira fundo, mordiscando meu pescoço e traçando com
os dedos um caminho até o tecido pequeno de renda, a lubrificação já
umedeceu a calcinha, tenho certeza.
— Ocê gosta de montar? — A pergunta inesperada chega quando
seus dedos deslizam por cima do tecido. — Ou já esqueceu?
— O que isso tem a ver agora, Rafael? — rebato, trazendo sua
outra mão para o meu peito.
Abro o zíper frontal do vestido e ele pragueja baixinho, segurando
meu seio e firmando o aperto até me roubar um gemido.
Rafael não se faz de rogado e, quando menos espero, seus dedos
afastam o tecido rendado e ele esfrega meu clitóris em um ritmo
desesperador.
Mordo o lábio quando o vento da noite toca nossos corpos, Rafael
afasta meu sutiã e desliza a ponta do dedo sobre o mamilo, deixando o
bico ainda mais intumescido. Prendo a respiração, deitando a cabeça em
seu ombro e buscando por seus lábios.
Sem pressa, Rafael me masturba, seu dedo indicador desliza com
delicadeza para dentro de mim e o gemido fraco que sai da minha boca é
engolido pelos seus lábios, que castigam os meus com força.
Sua mão fecha em concha no meu seio, apertando forte no mesmo
segundo que outro dedo me invade, fazendo meu corpo inteiro tremer.
— Rafael... — gemo, fechando os olhos com mais força.
— Gostosa — solta contra minha boca ao nos separarmos.
Então os lábios molhados estão em meu pescoço, descendo com
gana para a clavícula exposta, até chegar em meu seio. Sua língua pincela
lentamente o bico escuro e seus dedos entram e saem de dentro de mim
na mesma velocidade.
Seguro em seu braço, suas veias altas contra a palma da minha
mão, as arremetidas em minha boceta ficam mais brutas e, em conjunto
com os lábios me mamando, trazem um calor tão característico para meu
corpo.
Deslizo para o lado, me sentindo amolecer em seus braços, e ele
fica entre minhas pernas. A palma calejada fricciona meu clitóris e sinto os
espasmos se espalharem por meu corpo.
Aproveito o calor e abro meu vestido por completo, ficando
somente de lingerie e, assim que os olhos verdes de Rafael encontram as
peças, ele sorri.
— Diacho de mulher deliciosa! — solta contra a minha pele,
retirando os dedos do meu interior. — Vou me embebedar do seu mel,
morena, fazer ocê gritar de tanto prazer.
— Tá falando demais, caipira — provoco com a voz rouca e seu
sorriso se amplia.
Arthur Rafael enfia os dedos em meus cabelos e toma minha boca
com vontade. Nossos dentes se batem e nossas línguas se enroscam,
minhas mãos vão para a sua camisa xadrez e, em segundos, eu empurro o
tecido para longe do seu corpo, descendo a palma pela camiseta branca,
sentindo o corpo quente se contrair ao meu toque.
Somos uma bagunça de mãos, línguas e gemidos.
Afasto nossas bocas o suficiente para passar a camiseta branca
por sua cabeça e a jogo longe, buscando seu beijo novamente. Rafael
esfrega a braguilha da calça jeans contra mim e uma onda de arrepios se
espalha em minha pele.
Deslizo as unhas por seu abdômen, fincando-as em sua cintura e
ele impulsiona o quadril contra o meu, puxando meus cabelos enquanto
nossas línguas dançam em desespero.
Cada célula do meu corpo grita por esse homem.
Sem encerrar nosso beijo, Rafael gira meu corpo, me colocando
em cima de seu colo, com uma perna de cada lado do seu quadril. Suas
mãos continuam em meus cabelos, em uma pegada firme, que me faz
gemer e me esfregar contra o volume que preenche sua calça.
Meus lábios doem com a pressão dos seus e, mesmo não
querendo, me afasto buscando encher meus pulmões com ar. Rafael
aproveita para empurrar meu vestido para longe e abre o fecho do sutiã
com facilidade, jogando para longe também.
— Ocê tá arrepiada, morena. Será que tá afetada por esse caipira?
— É o frio — minto, apoiando as mãos em seu peito.
— Ocê é uma péssima mentirosa. — Volta a me prender pela nuca,
levando minha boca para perto da sua. — Sorte que eu não tenho
problema nenhum em descobrir a verdade.
— Você fala demais, caipira — sopro lentamente e seus olhos
brilham ainda mais.
As pupilas, dilatadas no máximo, refletem meu sorriso. Quero gritar,
mas me calo quando meu corpo é colocado contra a toalha vermelha.
Arthur Rafael avança sobre meus lábios e, vagarosamente, cria
uma trilha de beijos, passando da boca para minha bochecha e depois para
o queixo, descendo até o pescoço e seguindo assim, até estar de cara com
os meus seios.
Espalmo as mãos em seus ombros e, olhando em meus olhos, o
moreno abocanha, literalmente, um deles.
Arfo, fechando os olhos.
A língua quente é ligeira e precisa, levando meus pensamentos
para outro planeta. Rafael acaricia e belisca o outro seio, deixando o bico
tão duro que me desespera.
Gemo, prendendo o lábio entre os dentes e esqueço como se
respira assim que ele puxa o mamilo direito entre os dentes.
Estremeço, enquanto o vento gelado toca meu corpo quente.
Rafael desce a mão que estava em meu seio para o meio das minhas
pernas, afastando a calcinha para o lado e me tocando novamente.
Os dedos grossos deslizam pelas dobras, espalhando a
lubrificação, e sua boca dá ao seio esquerdo a mesma atenção que estava
dando ao direito.
Sinto uma fisgada subir pela minha coluna quando Rafael me
penetra com o dedo do meio. Minhas paredes se contraem e empurro seu
corpo quente para baixo, o fazendo desgrudar a boca do meu peito.
Seus lábios molhados descem pela minha barriga e ele contorna
meu umbigo com a ponta da língua antes de estar com o rosto afundado
entre minhas pernas.
Grito de prazer, chamando seu nome, quando chupa meu clitóris ao
mesmo tempo que seu dedo continua em meu interior. O moreno afasta
minhas coxas e beija a minha boceta como se beijasse minha boca.
A língua deslizando e aplicando pressão nos lugares certos, o
segundo dedo entra e começa a se movimentar mais rápido, trazendo ao
meu corpo uma nova sensação.
Rafael prende meu clitóris entre os dentes e esfrega a ponta da
língua, uma nova onda de espasmos toma conta do meu corpo. Me apoio
nos cotovelos e encaro a cena, salivando com a imagem do moreno de
olhos fechados, enquanto me come com a língua, enfiando os dedos em
mim.
Agarro a toalha quando seus dedos são substituídos pela língua, e
esse é meu fim. Retraio os dedos dos pés, arfando com a sensação de
calor que atravessa por minha coluna, abalando todos os meus
pensamentos coerentes e me fazendo amolecer.
— Rafael — grito assim que o moreno volta a me chupar,
prolongando meu prazer.
Xingo e praguejo, sem fôlego para mais nada. A barba arranha
minha coxa quando as fecho e Rafael abraça minhas pernas, descansando
as mãos em minha barriga e sendo imbatível com a língua.
Nossos olhares se encontram por breves segundos, até o segundo
orgasmo chegar, acabando com o resto da minha dignidade e me fazendo
gritar ainda mais desesperada.
— Boceta deliciosa — fala, afastando minhas pernas. — Ocê é
muito mais gostosa do que eu imaginei, dona. Ocê quer cavalgar um
pouco? Já aviso que não vou aguentar muito tempo com essa gostosura
toda em cima de mim.
É sincero e volta a ficar entre minhas pernas, sustentando o peso
nos cotovelos. Ao abrir meus olhos, o encontro me encarando com o
semblante sério, mas ainda assim com o desejo estampado em suas íris.
— Isso não estava no contrato.
— Uai, achei que eu pudesse jogar pesado para te conquistar. —
Sorri de uma maneira que meu coração acelera. — Prenda as pernas na
minha cintura e os braços no meu pescoço — manda e, mesmo confusa,
obedeço.
Sou surpreendida com ele nos girando. Apoio os joelhos na toalha
e ele espalma as mãos em minhas costas.
— Ocê é tão linda assim, na luz da lua. — Pisca lentamente e traz
a boca para perto da minha.
— Rafael, eu quero você dentro de mim — confesso, levando as
mãos para braguilha da sua calça, e ele sorri.
— Só se for agora, dona.
Agarra meus cabelos de maneira firme, aperta minha cintura com a
outra mão e nossas bocas se encontram desesperadas, selando uma nova
página do nosso contrato.
 
 

 
Acordo com o galo cantando e, ao levantar a cabeça, encontro
Arthur Rafael deitado em minha cama. Enquanto meus olhos deslizam por
seu corpo gostoso, minha mente me leva para a noite de ontem, aonde ele
me mostrou toda a experiência que adquiriu frequentando outras camas.
Pensar nisso faz um gosto amargo tomar conta da minha boca.
Balanço a cabeça e saio da cama, caminhando rápido até o
banheiro. Ao me olhar no espelho vejo a destruição que me tornei só por
ter cedido à tentação, meus cabelos estão virados e completamente
bagunçados, meus seios marcados e uma mordida aparente em meu
ombro.
Engulo seco e abro a torneira, jogando água no rosto e
instantaneamente lembrando do momento que ganhei a mordida.
Meu corpo sobre o dele, seu pau duro como uma rocha enfiado até
o talo em mim e nossas bocas desesperadas por ar. As mãos firmes em
meus quadris, puxando minha bunda de encontro aos seus movimentos,
tudo tão intenso.
Miro meus olhos no reflexo e o gemido de Arthur Rafael ressoa
pela minha mente, enquanto seu pau pulsava dentro de mim, derramando
cada gota de porra.
Quando seus dentes encontraram meu ombro eu me desmanchei,
encontrando meu ápice, que foi ainda mais intenso que os dois primeiros.
— Pensando em mim, dona? — Arrumo a postura quando escuto a
voz rouca e Arthur Rafael aparece atrás de mim.
Suas mãos encontram minha cintura e os lábios beijam a marca
que ele deixou. Pelo espelho nossos olhares se encontram e a atmosfera a
nossa volta muda completamente, Rafael leva as mãos para a minha
barriga e eu sinto seu pau duro contra minha bunda.
— Ocê dormiu bem? — questiona com a voz rouca, impulsionando
o quadril contra mim e seu pau desliza entre minhas coxas.
O calor da excitação começa a subir pela minha espinha, arrepio
com o toque de sua mão descendo para minha boceta, encontrando o
clitóris. Meus peitos ficam pesados e seus olhos se tornam mais escuros.
— Amor da minha vida! — A voz animada de Tomé chega e o
desespero toma conta do meu corpo. — Fabiana?
— Responda seu primo, dona — manda, colando nossos corpos.
— Pergunte o que ele quer do’cê.
— Rafael — sussurro quase de olhos fechados e ele pressiona
meu clitóris. — Por favor, eu tenho que ir.
— Eu tenho que comer ocê, então responda o rapaz — fala com
suavidade e os passos de Tomé denunciam que ele está perto da porta do
banheiro. — Diacho de boceta molhada, tudo pra mim — solta e empurra a
cabeça do seu pau para dentro de mim.
Grito surpresa e meus olhos se arregalam quando Tomé bate na
porta.
— Amor da minha vida, está tudo bem? — Sua voz é carregada de
preocupação e Rafael ignora, colocando minha perna direita em cima da
bancada de mármore, puxando minha bunda mais para trás e metendo
mais fundo, enfiando tudo e fazendo o ar faltar em meus pulmões.
— Fabiana? Você está bem?
— Tô... tô sim — respondo sem fôlego. — Eu vou demorar aqui, já
desço.
— O motorista está te esperando — conta e Arthur Rafael finca os
dedos em minha cintura. — Que horas vamos sair?
— Depois do almoço, depois... — Perco a linha de raciocínio
quando uma das suas mãos sobem para o meu cabelo.
Rafael enrola os dedos ali e desliza a outra mão para a coxa que
está apoiada no mármore.
— Fabiana, eu vou entrar, você está estranha — meu primo
murmura e Arthur Rafael aumenta a velocidade das estocadas.
Posso jurar que Tomé está escutando o barulho do outro lado, pois
o encontro dos nossos corpos é forte, preciso, e arrepia até minha alma.
— Fabi...
— Some daqui, Tomé — grito desesperada. — Eu falo com você
depois. — Sou rude e o moreno puxa minha cabeça para trás, batendo
mais forte contra meu quadril. Aperto os dedos na borda do mármore,
choramingando.
— Que boceta gostosa, mas ocê não vai gozar tão cedo —
sussurra e se afasta de mim, largando meu cabelo. — Vira desgramada,
quero comer ocê olho no olho.
Faço o que ele manda, sentando sobre a bancada e, sem
cerimônia, Rafael penetra só a cabeça rosada de seu pau, esfregando o
polegar sobre meu clitóris inchado.
O moreno olha para baixo, aonde nossos corpos se unem, e exibe
um sorriso largo antes de cuspir sobre sua ereção e empurrar com força,
gemendo rouco e fechando os olhos.
O suor escorre pelos nossos corpos e meus músculos tremem
quando o moreno dedilha meu clitóris e mete mais forte. Bato as mãos
contra o espelho e arfo, tremendo dos pés à cabeça, Rafael desce a boca
para meu seio e a sugada é o suficiente para me fazer desmanchar.
Lágrimas descem pelo meu rosto e Rafael agarra minha nuca,
mordendo meus lábios e metendo com mais vontade, a fúria estampada
em sua íris quando seu corpo também encontra o ápice.
O moreno me beija com fome, me agarro em seus ombros e
gememos juntos, entregues ao momento.
Desço as escadas e encontro Tomé, que me ignora por completo,
fazendo menção de subir as escadas, mas para com a chegada de Arthur
Rafael. O moreno abraça minha cintura e os olhos do meu primo dobram
de tamanho.
— Tá explicado sua urgência para me mandar para fora do seu
quarto — solta e eu empurro a mão do moreno para longe.
— Diacho, dona, já tá de mal humor? — Rafael pergunta e eu ouço
o barulho das suas botinas atrás de mim.
Ele e Tomé conversam baixinho, mas ignoro entrando na cozinha e
estanco no lugar ao ver meu pai sentado, bebendo café enquanto conversa
com Luzia.
— O que está acontecendo aqui? — inquiro e seus olhos me
encontram.
— Ôh, fia, só passei aqui porque sei que ocê vai para capital. —
Coça a nuca e fica de pé. — Quero saber se pode me dar uma carona, sua
avó cortou os carros.
— O que quer ir fazer?
— Vou procurar um emprego. Dona Terê chegou ontem, depois de
um passeio no pomar, e falou que vai cortar todos os gastos. Ocê sabe que
eu e a sua mãe vivemos lá e, apesar de ser de graça, trabalho de sol a
chuva ajudando os empregados — se explica e, pelo canto do olho, vejo
Tomé e Rafael se sentarem.
— Dona Terê demitiu os empregados? — questiono e, com um
aceno de cabeça, ele confirma. — Termine o seu café, não será preciso
procurar emprego, minha avó não tem poder nenhum.
— O que quer dizer? — pergunta com os olhos brilhando de
curiosidade.
— Ano passado teve reajuste no salário e todos os empregados
passaram para minha folha de pagamento, dona Terê não tem poder para
demitir ninguém — conto batucando meus dedos no encosto da cadeira —,
mas se ela contratar alguém, aí sim, vai poder mandar embora.
— E eu e a sua mãe?
— Ela pode mandar vocês embora porque a casa ainda é dela —
explico e Luzia coloca uma xícara de chá na minha frente.
— Senta, dona, vai nem degustar direito — Arthur Rafael fala assim
que seguro a xícara e o pires.
Ignoro ele por completo e dou as costas, caminhando para meu
escritório, ainda ao fundo consigo ouvir Tomé dizendo que as vezes sou
pior.
Realmente eu sei ser pior, e hoje vai ser um desses dias.

Encaro os empregados, todos cabisbaixos, alguns com os olhos


vermelhos e o cansaço é visível. São mais de setenta funcionários, tem os
que tiram leite das vacas, quem prepara os queijos e o requeijão que é
entregue na vila, os maquinistas, que trabalham no campo, e as pessoas
que trabalham na casa.
Pedi para que o meu pai chamasse todos para uma reunião e que
não deixasse ninguém sair da fazenda.
Levanto meus óculos escuros, deixando-os sobre minha cabeça,
eles me olham por um tempo, mas desviam o olhar.
— Bom dia, sou Fabiana Wolf, como todos bem sabem — começo
a falar e caminhar de um lado para o outro. — Caiu em meus ouvidos que
todos foram mandados embora, essa informação é verdadeira?
— Menina Bibi — a voz do senhor Calisto é fraca e meu coração se
aperta ao ver seu estado abalado —, eu vi a senhora nascer, nunca fiz
nada errado e se fiz eu confessei. Tenho meus netos para criar, minha
menina foi morar com Deus, mas me deixou dois anjinhos... eu não posso
ser mandado embora.
— Todos foram mandados embora? — elevo minha voz e eles
confirmam com a voz baixa.
Me viro para Tomé, que está segurando uma prancheta, seus olhos
brilham em determinação e dobram de tamanho ao ver dona Terê entrando
no galpão.
— Que diabos é isso aqui? Eu não mandei ocês tudo embora?
— Mas eles não vão — respondo com firmeza na voz e seus olhos
me encontram. — A senhora não tem esse poder, não com eles.
— A fazenda é minha! — grita e Tomé toma a frente.
— Errado, vovó! A casa é sua, a fazenda pertence a minha prima,
sendo assim, todos os empregados são dela — explica de maneira
simplificada.
— Fabiana, ocê não tem poder aqui. — Anda mais rápido e tenta
me bater com a bengala. — Maldita dos infernos, eu confiei no’cê...
— Todos me ouçam — peço pegando a prancheta —, aqui eu
tenho o nome de cada um de vocês. Devem se lembrar que ano passado
houve mudanças nos pagamentos e passaram a ser pagos pela
CowExportation, não mais pela fazenda Cow e, com isso, todos se
tornaram meus empregados. Ninguém pode ser demitido sem a minha
aprovação.
— Isso quer dizer que a gente tá no emprego? — um homem negro
e alto pergunta e eu assinto com a cabeça.
— Meu primo vai cuidar de tudo. Aqueles que tiverem o nome
nessa lista podem voltar para a sua função, e quem não estiver e quiser
estar, Tomé vai auxiliar. — Devolvo a prancheta e me viro para dona Terê.
— A senhora também pode ser minha empregada. O que acha de ser
minha cozinheira? A Luzia está precisando de uma ajudante.
— Isso não vai ficar assim, Fabiana, não vai — ameaça com os
olhos queimando de raiva, meus lábios sobem em um sorriso, aceitando o
jogo.
 

 
Assovio enquanto coloco ração para o gado e, de longe, meu pai
me observa com os braços cruzados e a barriga estufada para frente,
quase explodindo os botões da camisa.
Gustavo passa ao meu lado com um carrinho de silagem e me
encara, curioso por toda a felicidade estampada em meu rosto. Se ele
soubesse que, em uma único dia de contrato, eu já deixei a dona molinha
de amor por mim, estaria sorrindo também, por saber que não vamos
perder a fazenda.
— Ocê passou a noite aonde? — A voz do meu pai se sobressai,
me dando um pequeno susto.
— Por aí, mas já tô aqui — murmuro batendo uma mão na outra. —
E o senhor sumiu ontem à tarde, tava aonde?
— Não é da sua conta.
— Na casa do pai do Tião? Foi encontrar a dona Terê? — solto e
seus olhos se arregalam. — Ela me contou que ocês tem um caso. Meio
difícil de engolir, ainda mais quando ela se diz tão amiga da mãe, mas não
é só com ela, não é?
— O que cê sabe da vida? — questiona colocando as mãos na
cintura. — Ocê é doente de amor por quem não tá nem aí pro’cê. O que eu
faço da minha vida não é da sua maldita conta.
— Então confessa que trai minha mãe. A mulher que te espera todo
santo dia com a comida na mesa, roupa lavada, casa perfumada. Ocê
confessa que é um lixo. — Cruzo os braços em frente ao corpo. — O
senhor nunca foi um exemplo de marido, mas ser capaz disso, juro que
nunca achei que seria.
— Já disse e repito, o que eu faço não é da sua maldita conta. Por
que não cria vergonha na cara e se casa com a Cândida? Ela tem dinheiro
e ocê pode salvar a minha fazenda, ou ocê é tão imprestável que não serve
nem para iludir uma menina franzina como ela? ­— Sua voz é carregada de
raiva.
Dou um passo em sua direção, mantendo os braços cruzados em
frente ao corpo, e os olhos do homem, que me ensinou como pescar,
dobram de tamanho, seu bigode treme com as respirações rápidas.
— Tenho muito orgulho de quem sou. Não preciso iludir ninguém,
muito menos magoar quem eu amo.
— Orgulho de ser florzinha? Ocê é a maior vergonha da minha
vida, um iludido que chora por qualquer coisa. — Bate o dedo em meu
ombro. — Ocê não é homem coisa nenhuma, é só um paspalhão que se
esconde e, se não quer magoar quem ama, por que não contou para sua
mãe? Tá com medinho de ela não acreditar?
— Ela vai acreditar.
— Não vai, eu sou o marido dela. — Sorri exibindo os dentes
amarelos —, ocê acha que entre nós ela vai escolher quem? Eu! — fala
quase cuspindo. ­— Fui eu quem tirou ela do limbo, tamo junto há trinta
anos. Cê acha que tem chances? Ocê vai sair esculhambado daqui.
— O senhor quem vai.
— Não. — Sorri e empurra meu corpo para trás. — Agora pare de
corpo mole e vai trabalhar. Ocê não é o administrador de tudo? Pois então
cuide do serviço, seu imprestável.
Cospe no chão e, com passadas pesadas e longas, deixa a leiteria.
Engulo a raiva que domina cada centímetro do meu corpo e o toque da
mão do meu primo me assusta.
— O que cê disse dele tá com a dona Terê, é verdade?
— Chama o Tião, vou contar tudo pro’cês — garanto e Gustavo me
olha com cuidado.
Sem dizer mais nenhuma palavra o ruivo se afasta, indo atrás do
nosso primo.

— Então foi isso que a gente descobriu na casa do tio — finalizo e


os dois se encaram com os olhos arregalados.
— A tinhosa sabe de tudo? — Confirmo com um aceno e Tião
pragueja alto. — Ela vai usar isso contra ocê, tô até vendo.
— Cês tem que parar de desconfiar da dona — ralho e Gustavo ri
debochado. — Ela não vai me trair assim. Cristo, ocês vão ser padrinhos
dos nossos filhos e ficam com essa desconfiança toda.
— Ela sabe que ocê anda engravidando ela? — Tião pergunta e eu
dou de ombros. — Desgraçado, ocê passou a noite com ela! Essa sua cara
de pamonho apaixonado não me engana.
— A gente tá se entendendo — murmuro e os dois se entreolham
novamente. — A dona tá caidinha por mim, tem até ciúmes.
— Ocê é muito emocionado. — Gustavo joga uma pedrinha em
mim e fica em silêncio.
Meus olhos se voltam para o riacho e minha cabeça lateja de dor.
Passei quase a madrugada inteira acordado, velando o sono da minha
dona para ter certeza que não era um sonho.
Fabiana dorme como um anjo, o rosto tranquilo e a respiração leve,
tão leve que senti medo de ela ter morrido na metade do caminho, depois
que eu não vi mais seus peitos subindo.
A noite terminou melhor do que eu havia imaginado. Não tinha
planos de pegar a dona embaixo da árvore, à luz da lua e com a melodia
dos grilos, mas não mudaria nada. Minhas costas ainda ardem pelas
unhadas dela. Foi perfeito, melhor do que qualquer imaginação.
— Ei, primo. — A pedra bate com força na minha botina e eu
encaro meus primos. — O que ocê vai fazer? Vai contar para tia Rosane?
— Tião pergunta, me fazendo respirar fundo.
Minha mãe merece saber, mas eu não quero que ela sofra. Diacho
de vida!
— Não sei — Arranco um matinho no chão e abaixo a cabeça —,
eu tenho medo que ela não acredite em mim, e se ela achar que é um
plano da Bibi?
— Eu acho que pode ser uma jogada da tinhosa. Ocê é muito
ingênuo primo — Gustavo murmura. — Eu tenho pra mim que assim que
ela voltar, vai dar a cartada final e pegar tudo o que é seu.
— Ocês desconfiam demais dela, diacho. Não veem que a vida foi
dura com ela? Ela perdeu a irmã, e foi ela quem a encontrou no pomar —
solto e os dois se calam. — A dona foi mandada daqui direto para o
estrangeiro, sem amigos, sem ninguém. O avó tinha morrido e eu era o
único que a defendia...
— Primo, a questão é que ela mudou — Gustavo me interrompe. —
Ela não é mais a menininha...
— Ela nunca foi menininha, ocê esqueceu que, enquanto a gente
tava andando a cavalo, ela estava trancada em casa estudando? Esqueceu
que ela nunca ia nos passeios de escola por que tinha que estudar? —
Endureço a voz e os dois suspiram. — Ela foi moldada para ser o que é
hoje e não se muda ninguém do dia para noite. Bibi é tinhosa, mas eu vou
laçar ela, ela vai cair de amores pelo fazendeiro emocionado aqui, ocês
vão ser minhas testemunhas.
— Ela é tão estudada, acha mesmo que vai querer viver a vida ao
seu lado? — Tião pergunta de maneira amargurada. — Acha que qualquer
estudado vai querer três burros? A gente pode ter estudo, diploma, mas
ainda assim não somos como eles.
— Que graça teria se a gente fosse? O amor não vê essas coisas
de classe se é puro.
— A Rosinha disse que não quer nada comigo porque eu não
tenho aonde cair morto — Gustavo solta com a voz baixa. — Ela até que
tem razão, mas eu jurava que ela era diferente das outras.
— Às vezes a gente só tá procurando na pessoa errada — solto e
os dois me olham. — Eu sei que a Bibi é minha desde que a vi atirando
laranja no gato do mato que queria pegar as galinha d’angola. Ela tava toda
bonita, descalça, usando uma calça preta e um blusão. Eu só tinha dez
anos, mas foi ali que o meu coração bateu tão forte que quase pulou do
peito.
— Ela era legal quando a irmã estava viva — Tião solta e eu
concordo. — Ocê acha que, se ela comprar a fazenda, arranja um emprego
para gente?
— Claro, mas ela não vai comprar a fazenda, isso aqui vai ser a
herança dos nossos fio — declaro e os dois começam a rir, como se não
acreditassem em minhas palavras.
Eu sei que eles vão engolir cada riso e deboche assim que a minha
dona disser sim na frente do padre Antero.
Diacho, faltam só 364 dias para isso acontecer.

UMA SEMANA DEPOIS


Tomé cavalga em círculos com Hermione, a égua com pelagem
escura que se destaca no sol, deixando o pelo iluminado, como o meu
garanhão.
Faz uma semana que a dona foi embora, levando com ela a minha
vontade de sorrir, mas deixando minha mente a mil com ideias para trazê-la
de volta.
Consegui o número do celular dela só que não telefonei nenhuma
vez, quero que ela sinta a minha falta da mesma forma que eu sinto a dela.
Diacho, por que ela tinha que virar minha vida de cabeça para
baixo?
— Ei, fazendeiro, eu tô cansado — Tomé grita, parando a égua
perto de mim. — Chega por hoje. Nunca achei que diria isso, mas cavalgar
faz meu bumbum doer.
— Mas ocê é um fraco — respondo antes de ouvir a voz do meu
primo ao longe, assisto ele se aproximando da cerca com a testa franzida.
— Olha quem fala! — Tomé rebate, me deixando curioso, mas
espanto meus pensamentos e ajudo o loiro a descer do cavalo. — Ela está
brava por você não ter ligado ainda, eu contei que te dei o número dela.
— A desgramada confessou que tá com saudade? — Sorrio e ele
nega com a cabeça.
Seu Zé vem para perto e pega Hermione, levando para perto dos
outros cavalos. Caminho até Tomé, que já está na cerca conversando com
o meu primo.
— Quando ela volta?
— Não sabe ainda. Deu o maior rolo na empresa porque a dona
Terê quer de volta tudo o que supostamente é dela — explica e meus olhos
se arregalam —, mas não fazendeiro, ela não confessou que sente sua
falta. Fabiana não é muito de demostrar com palavras, só com gestos.
— O que isso significa?
— Que você não pode se apegar às palavras e sim em como ela se
comporta quando está com você. Acho difícil ela dizer que te ama, ou que
sentiu a sua falta, mas ela vai demostrar, do jeito bruto dela, mas vai —
explica passando para o outro lado e eu repito seu gesto.
— Traduzindo, ocê vai ter que parar de dizer que ama a dona e ver
como ela reage a isso — Tião murmura e eu nego com a cabeça.
— Eu não vou fazer isso. Se Fabiana não sabe dizer, eu digo por
ela e ela me mostra — falo e os dois se olham. — Parem de atazanar meu
juízo, já basta a dona fazendo isso.
— Amor da minha vida.
— Não, ela é o meu amor — ralho com Tomé, mas ele me ignora,
começa a correr e meus olhos acompanham seus movimentos.
O loiro não precisa dar cinco passos para estar com os braços em
volta do corpo da morena, que hoje usa um vestido roxo e, assim como
todos os outros, está colocado ao seu corpo.
Diacho de mulher gostosa!
— Eu acho que ocê vai perder Bibi para ele. — Tião empurra meu
ombro e os olhos acinzentados de Fabiana encontram os meus.
Engulo seco, sorrindo ao ver ela se desvencilhar do primo para
caminhar até mim. Ela disse que iria voltar e voltou, ela está aqui e eu só
tenho 23 dias pra conquistá-la.
Diacho de vida!
 

 
Meu corpo é empurrado contra a parede do quarto e os olhos de
Rafael descem para a minha boca. Uma semana longe desse caipira e era
como ter meu peito preenchido por um sentimento estranho.
Aguardei a ligação dele, mas não aconteceu, esperei os e-mails e
eles também não chegaram, se ele queria me enlouquecer, estava
conseguindo.
— Diacho, como ocê tá deliciosa nesse vestido, mas vai ficar ainda
mais quando eu arrancar do teu corpo.
— Muitas promessas, caipira — provoco e ele vem para cima de
mim.
O calor do seu corpo suado contra o meu eleva meus batimentos, o
cheiro do seu perfume se sobressai aos outros e, sem tempo para perder,
enfio minhas mãos em seus cabelos, derrubando seu chapéu e puxando
sua cabeça trás.
— Aprontou muito na minha ausência, Rafael? — Nega, puxando
minha cintura. — Não tente me enganar, eu sei que foi no bar do seu Zião.
— Ciúmes, morena?
— Nunca, mas se não quiser perder os seus dias comigo, é bom
andar na linha.
— Ocê fica ainda mais gostosa toda brava — fala sorrindo e
mordisca meu lábio, me pressionando novamente contra a parede.
Deixo um suspiro escapar do fundo da minha garganta antes de
segurar seu rosto entre as mãos e afundar minha boca na sua, acabando
com o sentimento estranho que me acompanhou desde que deixei Lagoa
Santa.
O desejo domina cada célula do meu corpo enquanto Rafael
domina minha boca, descendo as mãos para a minha bunda e apertando
com força. Ele finca os dentes em meu lábio, chupando com vontade ao se
afastar.
— Vira, dona, quero comer ocê contra a porta — murmura com
rouquidão.
Faço o que ele manda e meus cabelos são jogados para a frente,
em segundos Rafael desce o zíper do vestido e toca em minha pele,
escorregando a palma das mãos por minhas costas até a bunda, deixando
um tapa estalado.
Me livro do vestido, ficando apenas de calcinha, e o moreno volta a
estapear minha bunda, dessa vez mais forte, e todo meu corpo tensiona.
— Isso, safada, quando eu mandar ocê obedece. — O tom de sua
voz, grosso e rouco, me faz derreter.
— Nun... — perco a voz ao sentir seus dentes marcando a polpa da
minha bunda.
— Ocê tava falando o que mesmo, dona?
— Arthur Rafael, eu vou fazer você se arrepender dessas mordidas
— ameaço, espalmando as mãos na parede e empinando a bunda em seu
rosto. — Agora para de falar e me chupa.
— A dona quer minha língua. Uai, será que já se apaixonou?
— Não — solto e apoio a testa na parede fria quando sinto os
dedos em minha boceta, por cima do tecido fino da minha calcinha.
— Fabiana! — O grito desesperado de Tomé chega junto de
batidas na porta. — Fabiana, é urgente, ligaram da Cow.
— Merda, estou indo — respondo e caminho para o meu closet.
Ando de um lado para o outro ouvindo meu advogado. Por fora
estou calma, esbanjando seriedade, mas por dentro estou queimando de
tanta raiva. Colocaram fogo na minha empresa e o imprestável não teve
nem a capacidade de esconder o rosto.
— Senhora Wolf, a polícia já foi acionada e estão com o mandado
de prisão.
— Certo, me avise assim que prenderem esse infeliz.
Troco mais algumas palavras com ele e desligo o telefone, batendo
com força na mesa. Espalmo as mãos sobre ela quando meus olhos
encontram os de Arthur Rafael e os de Tomé, que estão arregalados e
marejados.
— Sai, Tomé.
— Fabiana...
— Me deixe a sós com o Rafael — mando com a voz calma. —
Agora, Tomé.
Meu primo apenas balança a cabeça e deixa minha sala em
silêncio, assim que a porta se fecha caminho até ela e tranco nós dois no
escritório.
Me viro para Arthur Rafael, o moreno está com os cabelos
bagunçados desde que deixamos meu quarto, há mais de meia hora.
— Dona, o que aconteceu?
— Colocaram fogo na minha empresa, mais precisamente na área
de entrega — conto e ele fica de pé. — Foi um incêndio criminoso, não
temos dúvidas sobre isso. A pessoa que fez nem se deu ao trabalho de
esconder o rosto, apenas despejou o combustível e riscou o fósforo. Foi um
aviso, Arthur Rafael.
— Aviso?
— De Aristide — solto e ele cambaleia para trás. — Seu pai me
procurou três dias atrás e pediu os cavalos de volta, alegando que eu não
paguei um preço justo. Neguei e obviamente ele ficou possesso de raiva,
foi preciso chamar os seguranças para contê-lo.
— O meu pai...
— Você já contou para a sua mãe sobre o caso dele com a dona
Terê? — Nega com a boca aberta e eu pego a pasta parda sobre minha
mesa. — Aqui tem mais provas. Mandei investigar minha avó, chequei
extratos bancários e descobri uma conta no exterior, seu pai é o único
benificiário dela. Também tem fotos dos dois juntos.
— Por que ocê fez isso tudo?
— Porque ninguém fica no meu caminho, Rafael. Eu quero tudo o
que, supostamente, é da minha avó.
— Por quê? — murmura ficando de pé.
— Porque ela é uma das culpadas pela morte da Luciana.
Seus olhos se fecham e novamente ele cai sentado sobre o meu
sofá. Arthur Rafael engole seco, apertando a pasta entre as mãos, antes de
me encarar.
O verde dos seus olhos está mais escuro e lentamente as íris
miram os papéis dentro da pasta. Apoio o quadril na beirada da mesa e
cruzo os braços, assistindo o moreno estreitar os olhos para ler.
— Isso aqui não pode ser verdade! Mais de dois milhões de
dólares? Diacho de tanto de dinheiro.
— Somados às contas da minha avó o valor ultrapassa dez
milhões. Todo esse dinheiro só tem um dono caso ela morra: seu pai. —
Nos encaramos e ele nega com a cabeça. — Tudo o que sabemos até
agora é que os dois são amantes há mais de trinta anos.
— Não... não... — Sua voz é um sussurro. — Fabiana, não tem
nem cabimento isso aqui.
— A primeira conta que minha avó abriu em conjunto com seu pai
tem trinta e um anos. Seu pai deveria ter uns vinte e dois anos na época e
dona Terê, mais de cinquenta — suspiro e Rafael volta a ficar de pé. —
Eles enganaram todo mundo.
— Como ninguém ficou sabendo disso? Diacho, alguém tem que
ter visto...
— Minha irmã viu. — Me preparo para contar tudo que descobri
para Rafael, sentindo minhas mãos suadas e o peito pesado. — Luciana foi
seduzida, molestada e manipulada pelo seu pai. Ela só tinha treze anos
quando confessou que o Aristide a beijou na boca e, no dia que ela morreu,
escreveu em seu diário o que ele tinha feito com ela na casa fantasma.
— Não, Fabiana, não pode ser verdade.
— Mas é, e a minha avó sabia de tudo. — Limpo a lágrima que
escorre pelo meu rosto. — Ela não fez nada porque queria manter o
relacionamento nojento que tinha com seu pai a salvo e, se algum
empregado viu, não disse nada por medo de ser mandado embora. 
— Essas acusações... eu tenho que falar com a minha mãe. —
Seus olhos marejam e eu me aproximo, tocando seu rosto e secando as
lágrimas com os polegares. — Ocê tem certeza que tudo isso é verdade?
Isso é muito sério, Fabiana, muito sério... minha mãe não merece esse
desgosto, ela sempre fez de tudo por aquela família.
— Eu sei que é difícil de acreditar, mas é a verdade, e o seu pai ter
colocado fogo na minha empresa só prova isso.
Arthur Rafael não diz nada, apenas suspira dolorosamente e as
lágrimas caem desgovernadas pelo seu rosto, se perdendo entre a barba
aparada.
Puxo-o para um abraço, encostando sua cabeça em meu peito e
passando minhas mãos pelos seus cabelos, ouvindo seu choro quando se
torna mais alto.
Ficamos em silêncio, meus lábios tocam sua testa e os braços
rodeiam minha cintura com força, nos mantendo mais colados.
— Você precisa comer — murmuro, tocando seus cabelos negros,
mas ele nega com a cabeça.
Acabamos de voltar da sua casa e dona Rosane não acreditou em
nenhuma palavra que saiu das nossas bocas, ainda fez questão de jogar
as provas no fogo e expulsar Arthur Rafael, que veio o caminho todo
chorando e se maltratando.
Agora estamos aqui, com ele deitado na minha cama, enquanto a
noite chega.
— Ela não acreditou em mim — sussurra com a voz abafada. — Eu
perdi minha mãe e vou perder minhas irmãs também.
— Não vai, elas vão entender tudo. Sua mãe também vai descobrir
a verdade. — Seus olhos verdes encontram os meus e eu não gosto da
forma como vejo seu rosto, manchado de vermelho por conta do choro.
— Ocê vai me expulsar daqui também?
— Só se você ficar deitado aqui, como se a sua vida tivesse
acabado. Ela não acabou só porque você descobriu que seu pai é um lixo,
a minha vida não acabou quando eu descobri o que a dona Terê fez.
— Mas ocê é forte.
— Você também é, agora levante e vá tomar um banho, seus
primos estão lá embaixo enchendo o saco da minha governanta, e se não
pararem eu vou expulsá-los — aviso ficando de pé e prendendo meus
cabelos em um rabo de cavalo. — Para cada minuto que passar nessa
cama, vai ser um dia a menos no contrato.
— Fabiana!
— Está avisado, Rafael, se em quinze minutos não estiver lá na
cozinha, serão menos quinze dias para me conquistar. Seu prazo já está
apertado e até agora seus truquezinhos não adiantaram de nada — falo
sério e ele senta depressa na cama. — Quinze minutos!
— Desgramada! — Ouço assim que fecho a porta e solto um riso
baixo.
Arthur Rafael precisa de um choque de realidade, ficar chorando
não vai resolver as coisas. Foi doloroso ver sua mãe o expulsando? Foi,
mas não é o fim. O pai dele está desaparecido e dona Terê inventou uma
viagem para Brasília.
Sei que agora os dois estão juntos, mas não tenho como provar
isso. Tudo o que o detetive conseguiu não será aceito facilmente, já que o
álibi da minha avó confere, mas ainda assim será o suficiente para deixar o
povo de Lagoa Santa de olhos bem aberto.
Enquanto desço as escadas digito uma mensagem para a minha
assessora de impressa e autorizo o vazamento das informações.
Será um escândalo, um pelo qual espero há muito tempo e agora é
o momento do show.
 
 

 
O canto do galo me faz praguejar alto e o resmungo ao meu lado
faz meus olhos se abrirem rapidamente. Assim como nas últimas três
manhãs, Arthur Rafael está grudado ao meu corpo, com a respiração
pesada em meu pescoço e a mão por dentro da minha camisola,
segurando meu peito.
Toco seu rosto com a ponta dos dedos e suspiro, sentindo meu
coração doer com as batidas fortes. Esses últimos três dias foram um
verdadeiro inferno, com ele se escondendo aqui dentro e mal saindo para
comer, diz que está envergonhado e se sentindo culpado pela briga com a
mãe.
Dona Rosane esteve aqui ontem à tarde, apenas perguntou pelo
filho e sumiu antes que eu a chamasse para conversar.
— Estou vendo que vou ganhar suas terras, fácil, fácil, caipira —
murmuro sabendo que ele está me ouvindo e beijo a ponta do seu nariz.
— Vai nada, dona! — Bufa com força e abre os olhos. — Ocê vai
perder essa pose de durona, rapidinho.
— Nunca, Rafael. — Estalo a língua no céu da boca e ele apalpa
meu seio com força, espremendo o mamilo entre os dedos.
— Ocê vai pagar por cada deboche — avisa quando se encaixa
entre minhas pernas e seu queixo descansa entre meus peitos.
— Como eu vou pagar?
— Se apaixonando por mim. — Pisca o olho esquerdo. — Ocê vai
viciar aqui no caipira.
— Eu duvido que um dia isso aconteça — Seguro seu queixo entre
meus dedos, trazendo sua boca para perto da minha —, mas eu posso
deixar você tentar.
— Diaba — solta e mete a mão nos meus cabelos em uma pegada
firme, puxando minha cabeça para trás e deixando meu pescoço a sua
mercê.
A barba passa pela pele de leve, arrepiando meu corpo por
completo. O moreno impulsiona o quadril de encontro ao meu e um gemido
fraco escapa da minha garganta, seus lábios molhados deslizam pelo meu
pescoço, até ele estar com a boca colada na minha.
— Desgramada de cheirosa que ocê é.
— Rafael — gemo e ele sorri, me beijando com força.
Minhas unhas marcam seu corpo e seu quadril se esfrega contra o
meu, deixando minha boceta molhada de desejo.
Rafael solta meus lábios e escorrega os dentes pelo meu queixo,
descendo para o pescoço até chegar ao peito. Os dentes raspam o mamilo,
que endurecem sob o tecido.
Nossos olhares se encontram e os deles brilham, escurecidos pelo
tesão que deixa nossos corpos quentes. Rafael me deseja na mesma
proporção que eu o desejo e seu pau duro entre minhas pernas é mais do
que prova disso.
— Pronta pra dizer que tá apaixonada por mim?
— Nunca — provoco e ele sorri, aceitando o desafio.
Rafael lambe o espaço entre meus seios, empurrando a camisola
para baixo, mas acaba se estressando e, antes que eu grite, faz o tecido
rasgar em dois.
— Arthur Rafael! — ralho brava e ele apenas sorri safado.
— Ocê tem que dormir nua. Vamos tratar disso no nosso contrato
— solta voltando a lamber e morder minha pele, trazendo de volta todo o
calor.
Fecho os olhos ao sentir sua língua serpentear pelo mamilo, um
simples toque que faz todos os meus pensamentos se perderem.
Rafael beija minha pele, suga meu peito enquanto massageia o
outro, deixando meu corpo mole, abro mais as pernas e empurro seus
ombros para baixo, querendo sua boca em outro lugar.
Um lugar que há dez dias está necessitado da boca desse homem.
Atendendo ao meu pedido, Rafael trilha um caminho pela minha
barriga, com a boca e com os dedos, contornando meu umbigo com a
ponta da língua e me olhando com intensidade.
Perco o ar quando os lábios macios do moreno finalmente
encontram minha boceta e, sem que eu precise implorar, Rafael cai de
boca, lambendo com vontade meu clitóris inchado, e fazendo meus olhos
se revirarem quando a pressão quente faz meu corpo quase explodir de
tanto tesão.
É intenso, quente e desesperador!
Rafael explora cada pedaço com a boca, sugando e mordendo de
leve alguns pontos, até que, com a ponta da língua, provoca minha entrada
e não consigo mais controlar meus gemidos.
Agarro seus cabelos, puxando com força, e me esfrego contra sua
boca, o moreno começa a me chupar com mais força e sinto meu corpo
tensionar com o orgasmo que chega rápido.
 — Rafael! — O grito estrangulado explode da minha boca e seus
lábios se fecham em meu clitóris.
Perco o controle, estremecendo com a intensidade, e agarro os
lençóis quando Rafael desacelera a língua, separando minhas coxas e
gemendo ao esfregar a barba pela pele arrepiada.
O moreno volta a passar a língua pela extensão da minha boceta,
esfregando a ponta dela no clitóris e meu gemido se transforma em um
rosnado quando gozo de novo, sentindo as pernas moles e trêmulas.
— Diacho de chá bão — sussurra enfiando dois dedos em minha
boceta e volta a me chupar, prorrogando o prazer.
Arfo e tento fechar as pernas, mas Rafael apoia as mãos nas minha
coxas, me mantendo com as pernas bem separadas, estocando sem dó os
dedos em mim, mantendo meu clitóris sensível em seus lábios, chupando e
mordendo enlouquecidamente, e eu caio para trás, gozando mais uma vez,
perdendo totalmente a voz.
— CARALHO! — xingo e minha boceta pulsa uma última vez,
desfaleço sobre a cama, com o coração acelerado e as pernas fracas,
tremendo sem controle.
— Já apaixonou, morena? — questiona com a voz divertida e forço
meus olhos a se abrirem.
— Nã... não — ofego, sem controle algum, e ele esfrega o polegar
levemente no clitóris, fazendo o nervo pulsar desesperado, e meu corpo
tensiona.
Meu gemido sai fraco e fecho os olhos, tendo seus lábios em meu
pescoço.
Quando seus dedos deixam meu interior, Rafael os leva até a boca,
me olhando com a cara mais safada do mundo, e os lambe, meu corpo
sofre uma descarga de espasmos.
— Ocê é deliciosa!
— Minha vez de provar. — Puxo sua nuca, tomando sua boca,
provando meu sabor em sua língua.
Rafael abraça meu corpo e, em um giro, estou sobre ele, me livro
do pedaço da camisola e continuo beijando seus lábios, seu corpo quente
arrepia sob o toque frio da minha mão e ele puxa meus cabelos para trás,
separando nossas bocas.
— Quero ocê, morena.
— Eu também te quero, caipira — respondo no mesmo tom baixo e
ele sorri. — Na minha boca e agora.
— A ideia é boa, mas eu prefiro encher essa boceta de porra. Outra
vez ocê engole tudo. — Bate de leve em meu rosto e eu o encaro surpresa.
— Ocê vai engolir cada gota, mas agora eu vou meter até o fundo e ocê vai
ter que aguentar.
— Promessas demais, caipira — debocho em tom provocativo e
sua mão agarra minha bunda, puxando minha calcinha para o lado. —
Rafael, se você estragar mais essa calcinha...
— Eu compro outra, dona — solta enfiando a mão entre nossos
corpos. — Apoie as mãos no meu peito e levante esse quadril.
A ordem vem junto de um tapa estalado, que deixa minha boceta
mais molhada e pulsando. Faço o que ele manda e Rafael empurra a
cabeça inchada do seu pau em mim, sinto cada centímetro da sua ereção
me invadindo.
Aos poucos meu canal se alarga, recebendo sua grossura, fecho os
olhos e abro a boca em busca de mais ar e, quando o tenho por inteiro
dentro de mim, gememos juntos.
— Rebola, Fabiana. — Rafael abraça minha cintura e escorrega as
mãos para a minha bunda.
Sua voz é um misto perfeito de desejo e desafio, que arrepia todo o
meu corpo, mordo o lábio e lentamente faço o que ele ordena.
Rafael urra baixinho e joga a cabeça para trás, aproveito e arranho
seu peito, contraindo a boceta, o moreno abre os olhos me encarando com
os olhos escurecidos de tesão.
— Desgramada — xinga e sinto, mais uma vez, o tapa que dá em
minha bunda.
Lentamente começo a subir e descer, mantendo as mãos
espalmadas em seu peito, rebolando e contraindo, apertando seu pau, que
entra e sai deslizando, me levando ao delírio. Rafael segura minha bunda e
dita o ritmo das estocadas, meus olhos se reviram com a intensidade.
Tomo o controle novamente, quicando com força, fazendo o
moreno apertar a mandíbula e fincar os dedos em minhas coxas. O suor
toma conta dos nossos corpos, rebolo sobre ele e procuro por sua boca.
Ele me beija com brutalidade, agarrando meus pulsos e prendendo
meus braços em minhas costas. Arthur Rafael mete sem dó, engolindo
meus gemidos e gritos.
Sinto as lágrimas descerem pelo meu rosto e, quando a palma da
sua mão encontra a minha pele novamente, estremeço, gritando alto contra
a sua boca, ofegando em busca de ar.
Rafael empurra meu corpo de encontro ao seu pau e me abraça,
enterrando o rosto em meu pescoço e rosnando ao gozar comigo.
Abraço seu corpo como posso, puxando o ar para dentro dos meus
pulmões com força, querendo ficar aqui para sempre.
— Dona... — A voz afetada me faz sorrir e eu empurro meu corpo
para trás, ouvindo o seu gemido quando minha boceta se contrai uma
última vez.
Saio de cima de Rafael e a sua porra escorre pelas minhas pernas,
me jogo ao seu lado e ele me abraça, enroscando as pernas nas minhas.
— Dona — me chama novamente e eu o encaro. — Ocê
apaixonou?
Pergunta com a língua passando preguiçosamente pelos lábios e o
suor brilhando em sua testa. Não o respondo, apenas busco por sua boca,
esperando que ele entenda a minha resposta.

O cheiro de pão se espalha pela casa quando deixo seu interior,


indo até a cerca dos cavalos. Observo meu primo conversando animado
com Rafael e me pergunto até quando essa paz vai durar.
Com Aristide sumido todo cuidado é pouco. Ele foi capaz de
colocar fogo na minha empresa sem se preocupar com nada, não quero
nem imaginar o que mais ele é capaz de fazer.
— Fabiana — a voz de Rafael interrompe meus pensamentos e ele
corre até mim —, coloca uma calça.
— Não.
— Não tô pedindo, dona, tô mandando. — Apoia os braços na
cerca e sorri. — Quero ocê de calça, botina e blusa xadrez, vamos dar uma
volta a cavalo.
— Arthur Rafael, não! — Cruzo os braços e ele bate no chapéu,
respirando fundo.
— Ou ocê se troca ou eu te carrego assim, apesar de gostar dos
seus vestidos, eu não quero nenhum outro peão olhando para suas ancas.
— Problema seu. — Jogo meus cabelos para trás e me preparo
para dar as costas para ele.
— Ocê tem quinze minutos para descer aqui trocada, ou ocê vai se
arrepender. — A voz é assustadoramente sexy e meu coração bate mais
forte. — Eu sei o jeito que ocê gosta de ser tratada, dona, e posso muito
bem negar minha língua na sua boceta.
— Você joga tão baixo, Arthur Rafael.
— Quinze minutos, dona. Seu tempo tá correndo. — Pisca o olho e
eu viro nos calcanhares, voltando calmamente para dentro.
Assim que fecho a porta de entrada praticamente corro para o
andar de cima, eu não quero ficar sem Arthur Rafael na minha cama e nem
é pela língua maravilhosa dele, mas sim porque parece que ela fica maior
sem a sua presença.
Droga, acho que estou caindo na armadilha do caipira.
 

 
Bellatrix relincha alto, ganhando mais velocidade, enquanto nos
leva ao riacho. Eu poderia fazer Fabiana comandar a égua, mas entendo
que depois de tantos anos longe seja difícil voltar a ter a confiança.
Minha dona se agarra mais a minha cintura, seus cabelos voam e o
som do seu riso faz meu coração bater mais forte. Disgrama, quanto tempo
eu sonhei com esse som?
Meus últimos dias foram uma merda, exceto pelo fato de eu dormir
agarrado ao corpo da minha morena. Acho que essa foi a única parte boa
em meio a todo o caos que se instalou em minha vida.
Ter sido expulso de casa e ser acusado de ser um mentiroso pela
minha mãe me quebrou, chorei as três madrugadas e criei dezenas de
desculpas, mas nenhuma delas me acalmou.
Eu não sou o culpado dessa vez, não tenho o porquê me martirizar,
o culpado disso tudo é meu pai, que traiu, enganou e machucou pessoas
inocentes.
Diacho, cada vez que lembro da Luciana me sinto um merda por
saber o que Aristide, o homem que já foi um exemplo pra mim, fez. Agora
eu entendo o tanto de ódio que a Fabiana diz sentir pelo meu pai e pela
própria avó, os dois foram monstros e devem pagar.
Aperto as rédeas e Bellatrix vai diminuindo o ritmo, Bibi aproveita e
descansa o queixo em meu ombro, beijando minha bochecha e fazendo
meu rosto esquentar.
— Ocê quer tomar banho de rio?
— Não posso, tenho uma reunião importante e não vou ter tempo
de arrumar o cabelo — explica e eu suspiro.
Amar mulher ocupada dá nisso!
— Certo, então vamos só molhar os pés — ela resmunga
concordando e Bellatrix para.
Fabiana desce em um pulo e eu vou atrás, puxando a égua até um
tronco e a deixando amarrada para pastar. Meus olhos encontram minha
dona, ela está usando uma calça jeans apertada, que deixa sua bunda e as
coxas muito maiores, a bota preta vai até suas canelas e a camisa xadrez é
a mesma que pegou de mim na noite que passamos na casa fantasma.
Ela está linda, com os cabelos soltos e o sol batendo em sua pele,
deixando-a bronzeada.
— Ocê sentiu falta daqui?
— Muito — confessa e, pela primeira vez, seus olhos fogem dos
meus. — Não foi fácil me adaptar, tinha dias que tudo o que eu mais queria
era fugir e voltar, mas eu não podia decepcionar minha avó. Naquela época
ela significava alguma coisa para mim.
— Quando descobriu sobre ela estar envolvida na partida da sua
irmã?
— Sempre tive minhas suspeitas, mas só confirmei com as
investigações, e me sinto tão idiota, porque a verdade estava bem na
minha frente. — Funga e me olha. — Quais são seus planos para me
conquistar?
Entendo que ela não queira falar sobre o passado e, por isso, me
aproximo e enlaço sua cintura, prendendo seu corpo ao meu. Seus braços
passam pelo meu pescoço e ela sorri.
— Agora que eu devolvi as vacas para sua fazenda e meus primos
tão cuidando das que sobraram, eu tenho muito tempo de sobra pro’cê,
então eu pensei em grudar no seu corpo e te amar a cada minuto.
— Rafael — suspira, ficando séria.
— Sei que não tá habituada com as minhas declarações, mas logo
ocê acostuma e aprende a fazer. Sou doido por ocê, dona, desde sempre.
— Esfrego meu nariz no seu. — Ocê é minha, ninguém mais te tira de mim.
— Gosto quando fala assim.
— Assim, todo errado? — Franzo o cenho e ela nega, mas, como
sempre, não me responde com palavras, apenas me beija.
Bellatrix relincha e meus dedos afundam na cabeleira da nossa
dona, intensificando o beijo e recebendo sua forma de amar.
Ela pode não dizer, mas que ela apaixonou, ah, apaixonou!

15 DIAS DEPOIS
Olho para o horizonte esperando o carro da dona. Ela foi para a
capital ontem de manhã e disse que ia voltar hoje, mas desde que avisou
que tinha saído, há dez horas, não deu mais notícias.
Mal dormi, o peito estava inquieto, tomado por uma sensação ruim.
Tomé disse que era bobagem minha, que a prima tava bem, mas se ela
estivesse bem já era para estar aqui.
— São sete horas de viagem, já era para ela ter chegado —
murmuro e Gustavo joga a casca da laranja em um vaso de flor.
Ele e Tião sempre me visitam na casa da Bibi, me deixando a par
de tudo o que acontece na fazenda. Meu pai não deu mais as caras e a
notícia de que ele e a dona Terê tem um caso se espalhou como fogo por
Lagoa Santa, fazendo a mulher prorrogar sua viagem em Brasília.
Tentei falar com a minha mãe nesse meio tempo, só que ela me
ignorou e eu acabei cansando.
Tomé vendeu tudo que eu mandei, o que rendeu um bom dinheiro e
aliviou as dívidas, mas ainda assim tem muita coisa para pagar.
Minhas irmãs já estão cientes de tudo e, contrariando meus
pensamentos, acreditaram em cada palavra que deixou a minha boca, sem
precisar de provas, o que fez uma pulga se instalar na minha orelha, que
eu só vou tirar quando falar com elas pessoalmente.
Detesto ouvir a voz delas pelo telefone, bate uma saudade maldita.
— Ocê me ouviu? — Levo um chute na canela e encaro Gustavo.
— Eu disse que deve ter furado o pneu, as estradas estão cheia de pedras,
o prefeito deu um jeitinho para gente.
— Ainda assim, primo. — Coço a nuca e suspiro. — Ela já deveria
estar aqui.
— Para de ser paranoico, primo, sua mulher já vem. — Me oferece
a laranja e eu nego com a cabeça. — Ocê mesmo diz que notícia ruim
chega cedo.
— Tem algo de errado. — Estalo meus dedos.
— A empresa tá um caos sem ocê, daqui a pouco os papéis saem
voando porque eu não sei lidar com aquilo.
— Qual o problema? — questiono, ocupando a mente e deixando a
inquietação de lado.
— As contas tão começando a bater, mas eu achei um e-mail
estranho. — Limpa a mão na calça e pega o celular. — Cê lembra do
advogado que raspou o fundo do tacho e sumiu?
— Claro que eu lembro. O desgraçado levou tudo o que a gente
tinha.
— Eu acho que não foi ele. — Me entrega o celular. — Esse e-mail
chegou há dois anos, mesma época que ocê foi fazer aquele curso de
maquinário e o tio ficou no comando. Nele Jericó pede perdão por ter ido
embora daquela forma, mas que era necessário.
— Tem resposta?
— Não — murmura e meus olhos continuam na tela.
“Arthur Rafael, espero que não esteja com tanta raiva de mim.
Sei que não fui uma boa pessoa e que ter saído daquela forma foi,
acima de tudo, suspeito, eu apenas não podia continuar na empresa.
Minha filha tinha acabado de ser mãe e meu neto precisava de cuidados
especiais, avisei apenas seu pai que estava saindo, só que, dias depois,
Zuleica me contou o que estavam pensando de mim.
Sempre fui um homem honrado e honesto, descobrir que estavam
me culpando de roubo fez o medo se apossar de mim. Pensei em me
entregar, mas quando fui fazer isso minha filha faleceu e fui o único que
sobrou para cuidar do meu neto.
Seu pai retirou a queixa, mas ainda assim tenho medo e,
principalmente, vergonha por ter saído daí como um ladrão.
Juro pela alma da minha filha que não peguei nem um centavo da
empresa.
Espero que possa me perdoar e entender o meu lado.
Obrigado por todas as oportunidades e boa sorte na gerência.
Você é maravilhoso, menino de ouro.”
— Cacetada, se não foi ele — murmuro e meus olhos encontram
Gustavo —, foi meu pai. Ele pegou tudo e fez parecer que foi o advogado.
— Tudo indica que sim, vamos ter que passar um pente fino para
ver o que mais ele roubou da gente.
Devolvo o aparelho e Julião aparece, caminhando até nós, meu
futuro sogro parece mais magro, os olhos rodeados por olheiras fortes e os
cabelos totalmente brancos, fazendo ele aparentar muito mais velho do que
é.
— Minha fia já chegou?
— Ainda não, seu Julião — respondo, voltando a sentir a
inquietação no peito.
— Diacho, dona Terê voltou e tá mandando em tudo lá como se
fosse a dona — conta e eu encaro meu primo. — Ela tá nadando em
sorrisos e agindo como se a minha fia não existisse.
— Mas...
— Arthur Rafael — o grito de Tomé chega antes que eu conclua a
minha frase.
Seu rosto vermelho e molhado pelas lágrimas faz meu peito se
apertar em uma angústia imensa, minha garganta fecha e meus olhos
ficam parados no nada, enquanto ele acaba com a minha paz de vez.
— Sequestraram a Bibi, levaram o carro dela e deixaram o
motorista preso em uma árvore. — Tomé agarra meus ombros e me
chacoalha, fazendo meu corpo bater na cerca de madeira. —
SEQUESTRARAM A FABIANA!
Três palavras e o sentimento de mais completo vazio, que acaba
com o ar nos meus pulmões, me deixa completamente sem chão.
A verdade queima o medo
 

 
O cheiro de cigarro faz meu nariz arder e, quando abro meus olhos,
vejo que estou cercada por uma nuvem escura e densa de fumaça.
A tosse sobe, parando em minha garganta, e o pano em meus
lábios me impede de tossir, então puxo minhas mãos para frente, sentindo
os pulsos arderem.
— A fia do demo, acordou. — A voz grave é como um sussurro em
minha mente. — Vou abrir um pouquinho as janelas pro’cê aproveitar seu
último dia de vida.
Meus olhos encontram o corpo grande de Aristide Vilarino, próximo
a uma janela que, ao ser aberta, se torna meu bálsamo. Lacrimejo,
prendendo a respiração, e o homem para na minha frente, apoiando as
mãos em seus joelhos.
— Eu entendo o meu fio ter gostado do’cê, é gostosinha igual a
irmã. — Toca meu rosto e a aspereza da pele me machuca. — Ocê vai ter
um tratamento de princesa, como ela teve.
Tento falar, mas apenas meus resmungos são ouvidos por ele. O
homem ri alto, se afastando e acendendo mais um cigarro, caminha até a
janela e se apoia, ficando de costas para mim.
Aproveito para observar o lugar e meu peito dói ao ver que estamos
na casa fantasma, meus saltos estão jogados em um canto, próximo ao
fogão de lenha, que está com a porta aberta, causando toda a fumaça.
Olho para o teto e encontro algumas facas penduradas bem acima
da minha cabeça, apoio meus pés no chão e forço a cadeira para trás,
amedrontada, mas ele é mais rápido e me segura no lugar.
— Pensa que tá indo aonde, fia do demo? — Solta a fumaça do
cigarro em meu rosto. — Ocê não sai daqui viva.
A maldade em sua voz faz meu corpo tremer, engulo seco e ele se
afasta, voltando para a janela.
— Sabe, quando eu escolhi esse lugar nunca imaginei que viveria
tantas coisas aqui. — Suspira acendendo mais um cigarro. — É calmo,
afastado de tudo e de todos, um bom abatedouro, não acha? Sabe como
eu chamava a sua irmãzinha?
Remexo na cadeira com raiva e ele me olha com a diversão
estampada nos olhos escuros.
— Óia, ela tá brava! Sua irmã eu amansei facin, facin. — Volta a se
aproximar de mim. — Ocê destruiu minha vida e eu vou acabar com a sua.
Ocê vai implorar por clemência, mas no fim vai querer mais.
O barulho de pneus contra a estrada de pedra faz meus olhos se
arregalarem e o rosto de Aristide Vilarino ganha um tom avermelhado, o
bigode pintado de castanho-escuro se mexe com a respiração acelerada.
— Ocê fica quietinha aqui ou eu uso a peixeira para cortar esse
pescocinho.
A bota pesada bate contra o piso de madeira, meus olhos correm
até a porta e, assim que ela se fecha, balanço meu corpo para o lado,
fazendo a cadeira cair.
Minhas pernas estão presas apenas pelo tornozelo, por isso puxo
meu pé com força, alargando a corda e me vendo livre.
O suor escorre pelo meu rosto e sinto meus pulmões pesados com
o tanto de fumaça que inalei, meus olhos ardem e o calor toma cada canto
da casa.
Livro meus dois pés e me arrasto até um canto, uso o joelho para
retirar o lenço da boca e umedeço os lábios, tentando ouvir algo do lado de
fora.
Meu coração bate descompassado ao ouvir o som de passos do
lado de fora, abro a boca para gritar, mas engulo ao ver minha avó
entrando na casa, caminhando com a ajuda da bengala.
Ela parece mais velha, com os cabelos presos em um lenço florido,
que combina com o vestido. A pele parece mais enrugada do que antes,
entregando sua idade, os olhos negros estão carregados de maldade e o
sorriso nos lábios faz meu estômago embrulhar.
— Por que será que a sua visita não me surpreende? — inquiro
conseguindo ficar de pé e Aristide Vilarino pega um cinto preto.
— Sempre tão esperta, minha neta. — Sorri e bate a bengala no
chão. — Pegue a mesa, meu amor, vamos terminar isso de uma vez —
manda e o capacho joga o cinto no chão, obedecendo dona Terê.
Ele segura a mesma mesa aonde os bilhetes estavam e minha avó
se senta em uma das cadeiras, apontando a outra para mim.
Com a cabeça erguida e o coração tremendo de medo, caminho e
me sento, sentindo dor em meus ombros pela posição que meus braços
estão.
— Estamos aqui apenas para que você me devolva o que é meu
por direito — diz com a voz baixa. — Então, vamos ser rápidos que eu
tenho muito trabalho na minha fazenda.
— Minha, nada é seu — respondo entredentes e Aristide Vilarino
agarra meus cabelos com uma mão.
— Ocê fala direito, se não quiser morrer.
— Deixa ela, meu amor. Solte as mãos dessa insolente, ela precisa
assinar os papéis. — Sorri para o homem, que solta a minha cabeça com
força, fazendo ela bater na mesa.
Minha avó gargalha e meus pulsos são soltos, massageio a pele
dolorida e respiro devagar, fechando os olhos com o som irritante que dona
Terê faz.
— Agora, ocê assina aqui. — Coloca um papel na minha frente e
minha avó se cala. — Anda, fia do demo, é só assinar.
— Não vou assinar nada, prefiro a morte. — Empurro o papel para
longe e sua mão vem para o meu ombro, me mantendo sentada. — Me
mata, não vai ser problema nenhum para vocês...
— Não mesmo — dona Terê responde, ficando de pé e
caminhando até o fogão para fechar a portinhola. — Foi nessa casa que a
imprestável da sua irmã morreu, sabia? Eu segurei aquele pescocinho
entre minhas mãos. Foi tão fácil parecer suicídio. — Sorri e o asco sobe
pela minha garganta, enquanto seu sorriso se transforma em uma risada
alta. Aristide ri atrás de mim, amenizando o aperto em meu ombro.
— Eu ia matar Tomé também, mas cê não deixou. Ocê sempre tá
aonde não carece de estar. — Suspira, batendo a bengala no meu pé.
— Sua desgraçada — murmuro, sendo agarrada por trás.
— Eu criei ocê para ser dona de tudo, mas nunca achei que iria me
trair dessa forma. Eu disse que não era para tocar no Vilarino e cê foi lá e
fez tudo ao contrário.
— Você é um monstro! Merece a pior morte, me solta seu infeliz.
— Ninguém sente sua falta, minha neta. O Arthur Rafael deve tá lá,
cuidando dos cavalos, e nem lembra que ocê já deveria ter chegado. O
menino de ouro viu que ocê não tem salvação... — Caminha até mim. —
Eu disse que ocê ia morrer sozinha. Ninguém te suporta, Fabiana, seus
pais te odeiam e nem conseguem olhar para a sua cara, seu avô só te
suportava para amenizar a saudade da neta preferida. Ocê nunca foi nada
para ele, nem para ninguém.
— Você que nunca foi amada, sempre foi uma megera que se fazia
de boazinha. Todos já sabem a mulher baixa que você é.
—Bom, não fui eu quem fez um contrato querendo tudo do
namorado. — Sorri diabolicamente.
— Até aonde eu sei, eu não precisei foder com um homem trinta
anos mais novo para me sentir poderosa. Sabe que ele tem outras, não
sabe?
Aristide me segura com mais força, escorregando as mãos pelos
meus braços e os puxando para trás. Minha avó para na minha frente e sua
mão estala em contato com minha bochecha esquerda, em seguida segura
o meu queixo.
— Assine a merda do contrato, Fabiana, ou eu juro por tudo que é
mais sagrado que coloco fogo em tudo o que ocê ama, inclusive no seu
namoradinho de merda.
— Não encosta no Rafael — murmuro entredentes e o aperto das
suas unhas machuca minha pele.
— Então assine a droga da procuração e do testamento.
— Vai deixar ela ameaçar o seu filho assim? — pergunto para
Aristide quando ele me coloca sentada na cadeira.
— Cala a boca, fia do coisa ruim, e assine de uma vez. — Coloca a
caneta na minha frente. — Ou eu mesmo mato aquele imprestável.
A mão agarra novamente meus cabelos, puxando minha cabeça
para trás. O bafo de cigarro me enjoa e a caneta queima entre meus
dedos.
— Ocê tem que terminar de colocar a gasolina — diz para a minha
avó.
Leio o papel e minha garganta se fecha ao ver que, assim que
validar minha assinatura, tudo o que é meu, será dela. Tudo o que passei
anos construindo, lutando para aumentar, será dela e virará cinzas.
Passo as folhas com os olhos nublados pelas lágrimas e o cheiro
de gasolina se mistura ao cheiro da fumaça.
— Assine, diacho. Tá perto do meio-dia e eu quero ir comer lá na
dona Tica. — Puxa meu rosto para trás e esfrega o bigode contra a minha
pele. — Ocê é cheirosa, nem mesmo o cheiro de fumaça estraga seu
aroma. Ah, diacho, se eu tivesse mais tempo eu não saía daqui sem provar
do’cê.
Engulo o nojo e ele empurra minha cabeça para frente, respiro
fundo e coloco a ponta da caneta sobre a linha indicada.
Enquanto assino minha mente é preenchida pelo sorriso do meu
primo, quando invadiu meu apartamento há três anos, e em seguida pelo
sorriso fofo nos lábios de Arthur Rafael, ao dizer que me amava.
Eu não tive oportunidade de retribuir e vou morrer com esse
arrependimento.
— Muito bão. Doeu assinar? — Terê pergunta, pegando os papéis,
e Aristide joga a minha cabeça para frente. — Amarre ela e vamos embora.
— Claro, meu amor — responde me soltando e eu não penso,
apenas ajo.
Pego a bengala de dona Terê e giro o corpo, acertando Aristide na
nuca. O seu grito se mistura ao berro da minha avó. Bato outra vez,
aplicando mais força, e o seu corpo cai no chão.
Dona Terê segura meus cabelos com as duas mãos e me puxa
para trás, fazendo meu corpo esmagar o seu contra a parede.
— Sua desgraçada — murmuro me livrando das suas mãos. —
Cadê a velhinha que tava quase morrendo?
— Ocê vai se arrepender disso, Fabiana. Bater na sua avó é
pecado. — Respira com dificuldade, se apoiando na parede.
— Matar também é pecado e você fez isso com a minha irmã.
Deixou um monstro se aproveitar de uma garotinha... você é a vergonha da
igreja, dona Terê.
— Luciana mereceu morrer, aquela ali não tinha futuro, mas ocê
tinha — fala mansa e eu seco as lágrimas. — Foi difícil montar aquele circo
todo pro’cê achar a sua irmã, só que cê precisava desse choque, minha
neta.
— Cala a boca — grito e aponto a bengala na sua direção. — Sua
velha escrota, vai queimar no inferno, mas antes vai pagar por tudo o que
fez aqui na terra.
— Eu sou sua avó, minha neta.
— Psicopata — sussurro e o cheiro de fumaça se intensifica.
Não tenho tempo de olhar para o lado, pois Aristide passa o braço
pelo meu pescoço, pressionando, me debato e vejo dona Terê sorrir,
enquanto pega a bengala do chão.
— Eu disse que ocê se arrependeria...
— FABIANA — O grito do lado de fora faz a mulher na minha frente
arregalar os olhos. — FIA... CADÊ OCÊ? FABIANA!
— Termine logo com isso, o homem que nunca foi pai tá querendo
ser agora — manda e Aristide pressiona com mais força meu pescoço,
quase me deixando sem ar.
Vejo o fogo consumir a casa de madeira em instantes, tornando a
fumaça mais pesada e quente. Me debato, arranhando o braço de Aristide,
mas o seu aperto se torna mais forte, deixando meu corpo mole e o
coração mais acelerado.
— FABIANA — Ouço meu pai me chamando e tento manter meus
olhos abertos. — SEU DESGRAÇADO, SOLTA A MINHA FILHA...
E então tudo se apaga.
 
 

 
O vento quente toca meus cabelos e mãos geladas seguram
minhas bochechas, forço meus olhos a se abrirem e encontro meu pai
sobre meu corpo.
Os olhos cheios de lágrimas e, em seguida, suas mãos descem
para o meu peito, aonde ele pressiona uma vez antes de me ouvir tossir.
— Graças a Deus — solta, segurando minha cabeça de lado. — O
pai tá aqui, minha fia, o pai tá aqui.
Repete e a tosse queima minha garganta, deixando minha cabeça
pesada. Ao fundo ouço o barulho de sirenes e de pneus de carro, meu pai
puxa meu corpo contra seu peito e seus lábios beijam meus cabelos,
repetindo que está comigo.
— Po... pode me... sol... soltar, pai — murmuro fraca, tocando seu
braço.
— O pai tá aqui, ninguém mais vai machucar ocê, Fabiana, eu
prometo. — Beija minha testa novamente e, ao encarar seu rosto, vejo que
a pele está cheia de fuligem e os cabelos cobertos pelas cinzas.
Seus olhos vermelhos se destacam e novamente seguro seu braço,
minha tosse está seca e parece queimar minha garganta.
— Senhor, precisa se afastar, vamos cuidar dela.
— Pai, eu não quero... — sussurro, me sentindo uma criança, e
seus braços rodeiam meu corpo com força, me mantendo presa em um
abraço quente.
Prendo a respiração não querendo tossir, mas sou obrigada a me
separar dele.
— O moço vai cuidar bem do’cê e o pai vai tá aqui — promete
segurando meus dedos e olho para o lado. — Ela tava desmaiada, bateu a
cabeça e inalou muita fumaça.
— Senhor, precisa soltá-la.
— Rafael — sussurro e meu corpo é deitado sobre a grama. — Pai,
o Rafael...
Minhas pálpebras se fecham e minha mente se apaga por
completo, deixando só a sensação de estar queimando de dentro para fora.

Retiro o aparelho que cobre meu nariz e foco meus olhos na


parede branca, o som da máquina de monitoramento se embaralha em
minha mente enquanto tento juntar as peças do quebra-cabeça.
Meus lábios estão ressacados e eu me sinto esquisita, olho para os
lados querendo encontrar alguém, mas o quarto está vazio.
Fecho os olhos com força e meu peito dói quando puxo o ar com
força.
Minha avó. Aristide Vilarino. Minha irmã. Fogo.
Inúmeras informações chegam, bagunçando tudo e me deixando
tonta. Tento lembrar com precisão tudo o que aconteceu, mas só consigo
sentir meu corpo quente e um odor estranho, que parece impregnado em
minha pele.
— Quem tirou o... — Abro os olhos e a mulher se cala.  — Está
acordada há muito tempo?
— Se... sede — balbucio encarando a mulher usando roupas
brancas.
— Eu sou Ruth, a enfermeira que está cuidando de você. — Aperta
um botão antes de se virar para pegar um copo com água. — Como se
sente? Alguma dor?
— Minha cabeça — solto devagar, sentindo minha garganta
arranhar. — O que aconteceu?
— Você inalou muita fumaça, deve estar sentindo o corpo cansado
ao falar. — Molha o algodão e passa pelos meus lábios, refrescando-os. —
O Dr. Marcos vai explicar o que aconteceu com você.
— Água — murmuro e ela sorri, fazendo o rosto redondo se
iluminar.
— Bem que o seu namorado disse que era mandona. — Fecho os
olhos quando o copo é colocado em meus lábios e o líquido gelado invade
a minha boca.
— Ruth, como está nossa paciente? — Ouço uma voz anasalada e
abro as pálpebras, encontrando um homem negro, velho e baixinho,
usando um jaleco branco por cima de uma roupa verde. — Boa tarde,
mocinha.
— O que aconteceu?
— Muitas coisas nos cinco dias que está aqui — Tira o
estetoscópio do pescoço e ocupa o lugar que Ruth estava —, mas antes de
falarmos sobre isso, preciso ver como você está.
Concordo e relaxo, deixando que o homem me examine.
Como eu odeio cheiro de hospital!
Tomé me observa, seu rosto está inchado e os olhos vermelhos,
nem me dou ao trabalho de perguntar o que aconteceu, apenas me deixo
seu envolvida por seus braços magricelos.
O loiro descansa a cabeça em meu peito, chorando
compulsivamente, fazendo meu coração acelerar as batidas, então levo
meus dedos até seus cabelos e acaricio os fios.
O tempo passa devagar e meu primo solta todas as lágrimas em
cima da minha roupa branca, o choro rompe por mim ao lembrar dos
momentos que passei com dona Terê e Aristide.
Agora que minha mente está calma, o medo parece mais firme,
correndo como fogo pelas minhas veias.
— Eu tive tanto medo, amor da minha vida. Quando encontraram
Domingos e você não estava junto, eu achei que iria morrer — fala com
dificuldade, parando de soluçar e me encarando com as duas esferas
escuras. — Por favor, não me abandone assim, você é a minha única
família. Eu te amo tanto, Bibi... tanto.
— Eu amo você, Tomé — balbucio, deixando ele sem palavras e as
lágrimas descem com força pelo meu rosto. — Quando achei que era o
meu fim, lembrei de quando entrou no meu apartamento, sorrindo para
tudo. Você é insuportável Tomé, mas é o meu primo favorito. Desculpa não
ter te falado antes.
— Nunca, eu amo ser maltratado por você. — Sorri abaixando os
olhos. —Vamos ficar juntinhos pro resto da vida, comigo enchendo a sua
paciência e com você me ignorando, como dois bons irmãos.
— Dois irmãos — concordo tocando sua face e respiro fundo. —
Agora pode me soltar, está machucando minhas costelas.
— Estava demorando para reclamar — implica, secando abaixo
dos olhos. — Seu pai está aqui, quer falar com ele?
— Não... não sei. — Suspiro e olho para a porta, esperando por
Arthur Rafael.
— O tio Julião montou na Bellatrix e, enquanto Gustavo e Arthur
Rafael iam para as terras da bruaca, aquela falsa santa, ele correu para a
casa fantasma. Disse que tinha visto fumaça lá e estava certo — explica e
toca meus dedos. — A tia também está aqui, bem abalada por quase ter te
perdido. Sei que eles não foram os melhores pais para você, assim como
os meus não foram para mim, mas ver os dois chorando e implorando pela
sua vida lá na capelinha, foi doloroso.
— Eu lembro dele dizer que estava comigo — confesso e as
lágrimas descem com mais força. — O que aconteceu com a Terê?
— Está na UTI, teve mais de setenta por cento do corpo queimado.
— Suspira e senta na beirada da cama. — O seu caipira não está aqui
porque foi acompanhar a mãe e as irmãs no enterro do pai, ele morreu
ontem à noite, teve mais de sessenta por cento do corpo queimado e inalou
muita fumaça.
Um suspiro de alívio e dor deixa meus lábios e Tomé se aproxima,
me abraçando apertado. Não queria me sentir assim com a morte dele,
mas me sinto tranquila por ter vingado a morte da minha irmã e ter feito ele
pagar pela dor que causou.
A batida fraca na porta faz com que nos separemos e, ao olhar
para lá, vejo meu pai com os olhos marejados, sem dizer nenhuma palavra
ele se aproxima de mim com passos rápidos e me abraça, me apertando
com força, e antes de fechar os olhos vejo minha mãe que, assim como
ele, caminha até mim e se enfia entre nós dois.
— Acabou, fia, acabou — murmura beijando minha testa. — Aquele
maldito pagou por tudo que fez pra gente.
Concordo com a cabeça, sentindo meu corpo relaxado e
acreditando nas palavras proferidas pelo meu pai, então, pela primeira vez
em anos, eu choro de alívio.

Encaro o homem em minha frente e meu coração bate forte, quase


saindo pela boca. Quero gritar para que meus pais e meu primo saiam,
mas não preciso, pois eles se tocam e, em silêncio e com largos sorrisos,
deixam o quarto.
— Fabiana... — solta com alívio, se aproximando da cama.
— Rafael — sussurro e o moreno se abaixa beijando minha testa.
— Desculpa não tá aqui quando ocê acordou, dona. — Segura
minha mão.
— Senti sua falta — solto, fazendo ele franzir o cenho. — Cada dia
longe de você foi um inferno, quis voltar quando recebi seu primeiro e-mail,
quis fazer valer cada uma das suas declarações... — Abaixo o olhar para
nossas mãos unidas em cima da cama — Quis dizer sim para o seu
pedido, mas eu não tive coragem, achei que estragaria sua vida.
— Ocê nunca estragaria minha vida. — Seus dedos deslizam pelo
meu rosto, secando minhas lágrimas.
— Mas acima de tudo, eu quis dizer que te... — Umedeço os lábios,
levanto minhas mãos e seguro seu rosto, olhando no fundo dos seus olhos.
— Eu te amo, Arthur Rafael.
— Dia... diacho... Mulher, Fabian... — Se enrola com as palavras,
reclamando e chorando ao mesmo tempo. — Ocê não pode dizer uma
coisa dessas assim. Sabe quanto tempo esperei por isso? Diacho de
mulher complicada!
— É a primeira e última vez que vai ouvir isso de mim — informo,
passando os dedos por suas lágrimas.
— Então ocê apaixonou? — Nego com a cabeça e seu nariz
esfrega no meu. — Diacho, dona, confessa que apaixonou.
— Não posso confessar que me apaixonei agora — suspiro,
mirando seus olhos —, porque eu sempre fui sua, Rafael. Não tem como
eu ter me apaixonado quando meu coração sempre te amou.
A declaração desliza com facilidade pelos meus lábios e eu me
condeno em pensamento por não ter dito antes. Meu coração bate forte
quando vejo o sorriso bonito ganhando espaço entre suas lágrimas.
— Eu amo você, dona — sussurra bem baixinho, como se fosse um
segredo. — Amo ocê, e o padre Antero já tá aqui para marcar nosso
casamento.
— Arthur Rafael — suspiro e ele beija meus lábios.
— Ocê é mulher de palavra, então vai casar comigo sim. — Segura
a lateral do meu rosto. — Ocê é a mulher da minha vida e vamos ser muito
felizes, dona. Eu prometo que vou amar ocê a cada batida do meu coração,
a cada respiração, daqui até depois da eternidade, eu vou amar ocê.
Emocionada, fecho os olhos, recebendo os lábios do moreno nos
meus e me sentindo completa.
Arthur Rafael me completa e essa é a verdade mais gostosa da
minha vida.
 
 

 
UM MÊS DEPOIS
Fabiana sobe em Bellatrix e me olha por cima do ombro, depois de
jogar os longos cabelos para trás.
Os quinze dias que ela recebeu para repouso foram os mais loucos
da minha vida, ela é teimosa, mandona e cabeça dura, ficou mansa só por
três dias, depois queria passar o tempo todo no escritório e fez todas as
reuniões sob os olhares atentos de Tomé que, conhecendo a prima, soube
que nada a faria mudar de ideia.
Minhas irmãs estão na fazenda arrumando as coisas e, depois de
muito pensar, decidimos vender as terras. Fabiana comprou tudo e o
sorriso satisfeito em seu rosto quase me fez querer voltar atrás, só que,
como sempre, a dona me surpreendeu, me transformando em seu sócio,
contratando Tião como gerente geral e Gustavo como administrador do
haras.
Minhas irmãs optaram por levar nossa mãe para a capital, depois
da morte do meu pai tivemos uma conversa séria e ela colocou todas as
cartas na mesa, me fazendo ver como ela foi forte e ao mesmo tempo
inocente.
“— Não queria tá aqui, mas estou em respeito aos meus fios, que
são meu mundo — falou alto para o buraco aberto, aonde o caixão marrom
descansaria. — Ocê nunca foi um bom marido, sempre foi um lixo como
homem, mas eu tenho que agradecer pelas três bençãos que me deu.
Descanse no inferno, Aristide.
Sem nem mesmo uma segunda olhada, ela deu as costas e saiu
levando minhas irmãs. Eu permaneci em silêncio, olhando para o caixão e
tentando entender como pude ser tão cego para as coisas que ele fez.
Tudo estava bem na minha frente.
— Fio — A voz aveludada chegou junto com um toque quente em
minha mão —, ele nunca mereceu suas lágrimas ou o seu coração bom.
Ocê é meu menino de ouro, deixe ele para trás.
— Ele machucou a Luciana... traiu a senhora... ele fez tantas coisas
ruins.
— Eu sei, meu fio, sempre soube do caso dele com a Terê e com
dezenas de outras — confessou e meus olhos a encontraram. — Sempre
soube do homem que casei e, principalmente, da mulher que frequentava a
minha casa, só que eu cresci sabendo que deveria obedecer ao meu
marido e, se ele estava com outras, não vinha me atormentar.
— Não foi justo passar quase trinta anos nesse sofrimento, manhê.
— A vida não é justa, se fosse não tinha separado ocê da Bibi.
Quando ela ofereceu para pagar os estudos das meninas, eu não pensei
muito e aceitei, mentindo pro seu pai que era ideia da Terê. — Suspirou me
puxando para longe do túmulo aberto. — A verdade, fio, é que o seu pai
olhava diferente para suas irmãs. Tive medo do que ele poderia fazer, por
isso juntei tudo delas e mandei para capital.
— Eu nunca vi nada. — As lágrimas romperam pelos meus olhos,
descendo aceleradas pelo meu rosto. — Era minha obrigação proteger as
duas...
— Ocê fez tudo o que pôde pra manter a família bem. Gustavo e
Tião também trabalhavam como dois condenados, tudo para erguer uma
fazenda que estava quebrada há anos. — Nos sentamos embaixo de uma
árvore e suas mãos seguraram as minhas. — Era a minha obrigação
proteger meus fios e eu fiz como eu pude. Aquele dia que ocê e a menina
Bibi foram lá em casa, seu pai tava lá. Tive que expulsar ocê, mas se eu
pudesse nunca faria. Depois daquele dia ele sumiu, mas logo voltou e
então foi atrás da Bibi.
— A senhora sabia sobre a Luciana?
— Não. Juro que se eu desconfiasse de algo contaria na hora pro
Julião. O pobre do homem amava a fia e se perdeu no caminho quando a
desgraça aconteceu. — Suspira e abaixa a cabeça. — Ocê perdoa a mãe
por ter feito aquilo? Juro que não queria, mas eu precisei para te manter a
salvo das garras daquele maldito.
— Por que nunca me contou?
— Porque tem dores que os fios não precisam sentir. Eu aguentei
por ocês e faria tudo de novo, só para ver o sorriso brilhando nos rostinhos
do’cês três. — Sorriu subindo a mão para o meu rosto. — Ele se foi e agora
eu posso viver a minha vida, posso ver meu fio feliz com a mulher que ama
e vou me cuidar o máximo para amar meus netinhos.
— Manhê. — Engulo o choro e ela ri.
— Ocê é especial meu fio. Essa sua bondade é coisa do seu avô e
eu sei que vai fazer a escolha certa sobre as nossas terras. — Seca
minhas lágrimas. — Sempre vou apoiar suas decisões, agora esqueça o
passado e seja feliz. Tá bom, meu amor?
— Amo a senhora.
Beijo seu rosto, sentindo a alma leve por ter feito as pazes com ela,
e com o peito carregado de amor. Amor para minha família, para minha
dona.”
Meus primos se aproximam da cerca e batem em meu ombro,
sabendo que não é um dia fácil para mim. Hoje completa um mês desde
que enterrei meu pai.
 — Primo — A batida em meu ombro me faz abrir os olhos —, em
que planeta ocê tava?
— Lembrei da conversa com a minha mãe. — Suspiro e olho para o
cercado. — Cadê a minha mulher?
— Uai, a mulher é sua e eu que tenho que saber? — Gustavo
balança os ombros e o sorriso em seus lábios cessa assim que vê a minha
cara. — Diacho, ela saiu tem mais de dez minutos. Ocê ficou viajando e ela
se foi.
— Diacho — reclamo pulando a cerca e Tião ri junto de Gustavo.
Mostro o dedo do meio e vou atrás do Voldemort, montando nele e
saindo a galope atrás da teimosa que amo desde sempre.
Mais de meia hora depois encontro Fabiana no morro, olhando
suas terras. O rosto coberto pelo chapéu de palha, a camisa xadrez
mostrando o sutiã preto, a calça jeans grudada em suas pernas e a bota
indo até os seus joelhos.
Ela ainda usa os seus vestidos e fica uma delícia neles, mas assim,
toda caipira, é uma deusa. Não tem palavras para descrever sua beleza,
muito menos o sorriso que exibe ao olhar para trás.
— Demorou, caipira.
— Estava fazendo umas coisas no estábulo — minto, não querendo
revelar que passei pela casa fantasma.
Fabiana passou uma semana indo lá, vendo o estrago que o
incêndio causou, os galões de gasolina que não foram usados acabaram
explodindo, o que aumentou a proporção das chamas e, se Julião não
tivesse salvado minha dona, ela poderia não estar aqui.
Balanço a cabeça afastando esses pensamentos e desço do
cavalo, deixando Vold solto pelo pasto.
Caminho até Bellatrix e ajudo minha mulher a descer. Ela tem
cumprido o que me disse no hospital, não disse mais que me amava, mas
faz questão de demostrar da sua maneira.
— O que acha de darmos um mergulho?
— Ah, hoje ocê quer se molhar. — Enlaço sua cintura, trazendo
seus lábios para os meus.
— Talvez devêssemos fazer um novo contrato — murmura com a
boca colada na minha e eu me afasto. — O nosso contrato acabou, eu
ganhei suas terras e você não fez eu me apaixonar.
— Diacho, ocê disse no hospital... Cê tá de foguinho pra cima de
mim?
— Eu disse que sempre fui apaixonada. — Suspira descansando
os braços em meus ombros. — Então você falhou na sua missão, o que
implica em uma multa.
— Ocê é muito tinhosa — resmungo, descendo a mão para a sua
bunda —, mas é a minha tinhosa, então me diga, qual contrato eu tenho
que assinar?
Desço meus lábios para o seu pescoço, fazendo ela arrepiar e
estremecer, ficando em silêncio. O perfume doce que lembra as laranjeiras
faz meu coração bater mais forte.
— O contrato, dona.
— Primeiro a multa. — Ela ri quando me escuta resmungar. — Sua
multa é casar comigo.
— Nossa, que multa perigosa — brinco e ela me empurra, olhando
em meus olhos.
— O contrato é ser pai do meu filho — solta baixinho e meu cérebro
entra em pane. — Eu quero que você seja pai do... — Sorri ao ouvir o latido
fraco e vejo ela se afastando de mim, assobiando.
Meus olhos se arregalam ao ver o cachorro que abandonaram em
frente ao haras e, quando Fabiana o pega no colo, dou dois passo para
trás.
— Dá oi pro papai — pede e o cachorro me olha.
— Ocê aceitou a minha sugestão e não me contou? — Fecha a
cara. — Fabiana, ocê é doida? Isso não é notícia que se dá assim, não.
Me aproximo dela e pego o filhote caramelo no colo que, sem-
vergonha como eu, lambe meu rosto.
— Quem é o neném? Draco — murmuro e Fabiana nega com a
cabeça. — Ocê prefere Dobby ou Draco?
— Meu filho não vai se chamar assim — ralha e eu enlaço sua
cintura, trazendo ela pra perto.
— Nosso primeiro fio, dona. — Beijo sua bochecha. — Eu assino
esse contrato, mas só se ocê assinar o meu. — Pisco um olho de maneira
safada e ela bate em meu peito, ficando na ponta dos pés e beijando minha
boca.
O pequeno caramelo fica entre nós, cercado de amor e latindo.
— Sobre o que é o seu contrato? — questiona pegando o
cachorrinho e colocando ele no chão.
Diacho, não era bem assim que eu queria contar para ela, mas vai
ter que ser agora.
— Eu adotei uma ninhada com sete cachorrinhos e ocê vai ser mãe
de todos eles. E é sem discussão — falo e não dou tempo para que ela
surte, já foi difícil convencer de ter um cachorro, imagina mais sete.
Apenas a agarro pela cintura, enfiando a mão em seus cabelos e
tomando sua boca com força.
No fim consegui o que eu queria: reconquistei a minha dona, a
minha CEO.
 

 
5 ANOS DEPOIS
Chego em casa e o silêncio é assustador. Depois do casamento
não foi difícil escolher aonde eu e meu marido deveríamos ficar, já que ele
gosta muito de lidar com as coisas no campo, o jeito foi trazer a Cow para
Lagoa Santa.
A antiga empresa dos Vilarino virou a nova sede e estamos
aumentando o prédio, para comportar mais funcionários.
No fim, eu consegui o que tanto queria: fiquei com as terras e com
a empresa e aquele monstro do Aristide Vilarino pagou por todo mal.
Dona Terê foi quem mais pagou em vida, depois que ela saiu da
UTI passou três meses em um quarto, agonizando de dor pelas
queimaduras até morrer sufocada.
Confesso que não senti nada ao saber da sua morte, já esperava,
só queria que demorasse mais, para que ela pagasse todo o mal que
causou à família.
Minha mãe e tio Euclides são os novos donos da casa da fazenda
e, há dois anos, os dois transformaram a casa em um lar para crianças
abandonadas, juntamente com seus companheiros, e sei que o vovô
Fabiano estaria feliz vendo os filhos tomarem jeito.
Os outros nove filhos dividiram o dinheiro que dona Terê tinha no
exterior e, depois de anos, estão tentando uma aproximação.
Acredito que o mal da família sempre foi a ganância disfarçada de
boa vontade da matriarca, que deve estar curtindo muito no inferno.
— Amor da minha vida. — Ouço assim que subo as escadas e paro
para olhar meu primo.
Desde que chegamos aqui ele nunca mais quis ir embora e eu
acredito que seja por conta de um peão, mas jamais vou dizer em voz alta,
até porque a amizade dos dois parece abalada.
— Cadê o meu marido?
— Na biblioteca — responde levando a caneca de chá até a boca.
— Precisamos conversar sobre as novas máquinas. Acho que vou ter que
ir para a capital, o gerente falou que tem clientes que só compram se for
comigo.
— Por que não foi ainda?
— Queria falar com você. — Suspira e coça a nuca.
Tomé mudou fisicamente, não é mais o homem magricelo que
chegou aqui, ganhou massa muscular e parece que cresceu um pouco,
mas, principalmente, voltou a sorrir com mais vontade.
Tia Virginia e Tio Euclides tiveram uma conversa séria, acho que a
minha quase experiência de morte fez os dois abrirem os olhos. Tomé é
filho único e o desespero dos meus pais foi mais do que o suficiente para
um choque de realidade.
— Arrume suas malas, amanhã, depois que Domingos me levar
para a empresa, ele te leva para a capital.
— Sempre tão prática, amor da minha vida. — Bate os cílios e gira
nos calcanhares. — Vai lá, seu marido já deve estar dormindo.
Balanço a cabeça sabendo que é bem provável. Arthur Rafael
dorme em qualquer canto e isso é surpreendente.
Dona Rosane já havia me falado disso, mas só comprovei depois
que passamos a viver juntos. Ela e as meninas sempre passam o final de
semana aqui e, mesmo a casa sendo do Tomé, ainda é minha, já que as
contas são todas pagas com o meu cartão de crédito.
Gosto desse arranjo, assim essa casa não parece tão enorme.
Empurro a porta da biblioteca e Dobby, o caramelo que
abandonaram em frente ao haras há cinco anos, levanta as orelhas me
olhando. Encosto o corpo no batente e respiro fundo, ouvindo a voz do
moreno. Os outros sete cachorrinhos foram doados para os funcionários, o
que fez Rafael respirar um pouco mais aliviado.
— Então, Harry pegou uma meia e jogou para o Lúcio, que gritou
desesperado, jogando a meia para Dobby. — Resume de maneira
acelerada e eu nego com a cabeça. — Então, Lúcio ficou muito bravo e...
— E levou todo mundo pra cama — me intrometo e ele gira a
cadeira me olhando.
Rafael fecha o livro com cuidado e meu coração se expande ao ver
a nossa filha dormindo contra seu peito. Os cabelos cacheados caem pelo
seu rostinho vermelho, meus olhos correm pelo seu corpinho e toda a
felicidade se esvai.
— Você não deu banho nela! Arthur Rafael, ela vai acordar
cansada pela manhã — ralho e meu marido me entrega o livro, ficando de
pé com nossa filha nos braços. — Ela vai ter que tomar banho para ir para
escolinha.
— Calma dona, foi só hoje. Ela tava brincando com os cavalos, aí
quando a Luzia falou que a janta tava pronta, ela comeu e quis ler um
pouco, não vi maldade nisso — explica e o caramelo saí na nossa frente.
— Ocê demorou, o que aconteceu?
— Atrasaram a entrega de ração e eu tinha planos de passar no
túmulo da minha irmã — conto abrindo a porta do quarto da pequena
Luciana. — Eu te mandei mensagem, mas acho que não viu.
— Amanhã é o aniversário da minha mãe, ocê vai com a gente?
— Que pergunta, Rafael. — Cruzo os braços em frente ao corpo e
me aproximo da cama, vendo a menina de quase três anos agarrar o
ursinho em formato de cavalo.
Luciana veio por conta de um acidente, tinha planos de ter filhos
somente depois dos trinta. Um acidente lindo, com a minha personalidade
e a cara do pai.
Suspiro vendo os pés dela cheios de barro e reviro os olhos para o
meu marido, que está sorrindo emocionado.
É sempre assim, desde que ele descobriu sobre a minha gravidez.
Não sou mulher de fazer surpresa, por isso joguei na lata o que estava
acontecendo e ele passou uma semana olhando para a minha barriga e
chorando, quando ouviu o coraçãozinho dela o seu estado apenas piorou.
— Óia como ela é linda, morena. — Vem para perto e me abraça.
— Ocê tem certeza que não quer mais uma?
— Não inventa, Arthur Rafael, Luciana já dá o trabalho de sete
crianças — murmuro sorrindo e as mãos deles descem para a minha
barriga. — Você não vai me convencer assim.
— Ocê quer apostar? Melhor, quer fazer um contrato?
— Mais um? — Concorda virando meu corpo em seus braços. —
Qual é o contrato da vez?
— Que se eu não te convencer, ocê não tira férias, mas se eu
conseguir te engravidar em dois meses, a gente vai pra Orlando. Luciana
quer conhecer os parques do Harry Potter.
— Luciana? Sei... — Estreito os olhos, descansando os braços em
seus ombros. — Certo, Rafael, prepare as malas.
— Ocê vai ter que... espera, prepara? Fabiana? DIACHO DE
MULHER TINHOSA!
— Está reclamando de quê? Você quem correu atrás de mim. —
Balanço os ombros e me desvencilho dos seus braços, me aproximando da
nossa filha e beijando sua testinha. — Você pega uma toalha umedecida e
limpa os pés da menina.
— Diacho, ocê acabou de falar que a gente vai para Orlando...
— Eu vou tomar banho e espero você no nosso quarto. Não precisa
ter pressa, ainda tem dois meses para me engravidar. — Pisco o olho e
seguro seu queixo, deslizando os dedos pela barba rala. — Amo você,
caipira.
— Diacho, eu que amo ocê. — Tenta me abraçar, mas nego com a
cabeça. — Tadinha da menina, Fabiana.
— Limpe os pezinhos dela. Estou te esperando na cama — aviso
saindo do quarto todo rosa de Luciana.
Enquanto caminho até a minha suíte suspiro e levo as mãos até
minha barriga, sabendo que tenho uma pequena arma poderosa para fazer
Arthur Rafael surtar de vez.
Droga, como eu amo esse homem e a família que ele me deu.
Nunca imaginei que voltar para Lagoa Santa fosse me trazer tantas coisas
boas, no fundo sempre achei que fosse impossível ser amada por alguém.
Inspiro com força e não demora para que os braços de Arthur
Rafael estejam envolvidos em meu corpo, com seu queixo descansando
em meu ombro.
— Bora pro banho, dona, tenho um fio pra fazer.
— Você não presta, Arthur Rafael.
— Ocê menos ainda, morena — Beija meu pescoço —, mas eu
amo Ocê mesmo assim.
Novamente giro em seus braços e, sem perder mais tempo, beijo
seus lábios, sentindo um sabor de casa.
Arthur Rafael é meu lar e nada nesse mundo pode mudar isso.
 
O DIA DO CASAMENTO
A marcha nupcial começa e meu coração bate mais acelerado.
Quero gritar de felicidade, mas tudo o que eu faço é chorar, vendo a mulher
que eu amo entrando de braços dados com o pai.
Tudo a minha volta se torna um borrão e apenas ela é dona dos
meus pensamentos. Fabiana está ainda mais linda dentro de um vestido
branco, que gruda no seu corpo, e as pedrarias pelo tecido brilham
conforme ela caminha em minha direção.
O decote pequeno mostra pouca pele, mas deixa o colar que minha
mãe deu a ela destacado. Minha dona usa um batom vermelho, os cabelos
presos em um penteado bonito e cheio de flores, que combinam com o seu
buquê.
Quando ela para na minha frente, seus olhos acinzentados estão
cheios de lágrimas.
— Eu disse que ocê ia casar comigo — murmuro alto demais,
fazendo os convidados rirem.
— Cuida da minha menina e que sejam muito felizes.
— Pode deixar, seu Julião, minha missão nessa vida é amar essa
dona. — Sou sincero e seguro os dedos gelados de Fabiana.
Finalmente olhamos para o padre Antero que, apesar da idade
avançada, fez questão de realizar nosso casamento, e o sorriso que ele
nós dá só mostra o quanto está feliz com a nossa união.
Olho para minha noiva e respiro fundo, sabendo que os melhores
dias das nossas vidas estão só começando.

Deslizo meus dedos pela sua pele bronzeada, vendo-a se arrepiar.


A música animada está mais ao fundo, com as pessoas da vila bebendo,
comendo e cantando, enquanto nós dois estamos aqui, prontos para a
nossa vida de casados.
— Diacho cheio de botãozinho — reclamo ao ver como o vestido
está preso. — Ocê queria dificultar minha vida, dona?
— Achei que gostasse de desafios — provoca com a voz carregada
de divertimento.
— Só não vou despedaçar ele porque nossa fia vai usar no dia do
casamento dela — falo e Fabiana me olha por cima do ombro. — O quê?
Ocê tava linda nesse vestido, nossa menina também vai ficar e o caboclo
que se casar com ela vai se sentir assim como eu, o cara mais sortudo do
planeta.
— E se ela casar com uma garota?
— Uai, ela também vai se sentir sortuda. — Dou de ombros,
abrindo os botões.
— A gente não deveria estar discutindo isso agora. — Concordo
com a cabeça e ela me olha novamente. — Anda logo com isso, Rafael. 
— Que impaciência toda é essa? Na hora de escolher esse vestido,
ocê não teve pressa. — Me divirto com o seu resmungo. — Ocê não tá
achando que vamos sair daqui pelos próximos três dias? Ocê agora é
minha e vai ficar trancada aqui até eu descontar todo o sofrimento que me
fez passar.
— Descontar? Como?
— Ocê vai ver. — Beijo seu ombro ao chegar no último botão.
Empurro o tecido revelando sua pele cheirosa e continuo com meus
lábios, deslizando para seu pescoço. Fabiana arrepia e faz o vestido cair
como cascata em seus pés, ficando somente de calcinha e meias brancas.
Meu pau anima na hora e, lentamente, meus dedos escorregam
pelos seus braços, puxando minha mulher, apoiando suas costas em meu
peito.
Sua bunda remexe de um lado para o outro sobre minha ereção,
fazendo minha respiração acelerar. Apoio as mãos sobre sua barriga e um
gemido fraco escapa da sua boca.
— Tem algo a dizer, esposa?
— Eu amo você, marido. — Se vira para mim, abraçando meu
pescoço com os braços. — Quero você, Rafael. Agora!
— Diacho de mulher apressada. — Descanso minhas mãos em seu
traseiro macio, apertando a carne entre os dedos.
Fabiana respira pela boca e meus dentes castigam seu lábio
inferior, provocando-a. Suas mãos trabalham nos botões da minha camisa
social e, com agilidade, minha mulher faz a peça cair no chão, então
espalma as mãos em meu peito, sentindo meus batimentos cardíacos.
Agarro com mais força sua bunda e, em um impulso, faço-a pular
em meu colo, cruzando as pernas em minha cintura, nossas bocas se
encontram e o beijo calmo se transforma em desesperado.
Carrego Bibi até a cama, depositando com cuidado no centro, deixo
que nossos lábios se separem e, com um olhar determinado sobre ela,
desço minha boca pelo seu pescoço, em direção aos seios que estão
empinados, prontos para mim. Morosamente traço o caminho até os dois
montes, agarrando-os com a mão, antes de descer a língua até um deles.
A dona se remexe embaixo de mim, elevando o quadril e se
esfregando contra a braguilha da calça, jogando a cabeça ao ter minha
língua circulando o bico escuro do seu peito.
Brinco com o monte, mamando como um faminto, mordiscando e
sugando com vontade, amassando o outro entre meus dedos, deixando
Fabiana vermelha e com a respiração descompassada.
O cheiro do seu perfume se espalha pelo ar, fecho os olhos
raspando os dentes pelo biquinho, antes de dar atenção ao outro.
Repito tudo o que fiz com um, no outro, tendo meus cabelos presos
entre seus dedos e seus gemidos preenchendo o quarto. Lentamente
desço meus lábios para sua barriga, deixando um rastro de beijos e
mordidas.
Ao estar cara a cara com sua boceta, inspiro seu cheiro de mulher
e meu pau pulsa dentro da cueca, desesperado pela sua dona.
Com calma, esfrego o nariz pelo pequeno triângulo da sua calcinha
e ela geme baixinho, agarrando o lençol.
Encaro seus olhos e passo a língua pela peça, sentindo sua
umidade em contato com minha língua. Fabiana estremece, agarrando as
coxas e as separando mais para a minha língua.
Faço tudo com calma, torturando nós dois, afasto sua calcinha e
sugo sua boceta, como se fosse meu doce preferido, me lambuzando com
seus fluídos.
Insiro um dedo em sua entrada quente, girando-o em seu interior,
sentindo suas paredes contraírem, e seus gemidos aumentam assim que
um segundo entra.
Chupo seu clitóris, subindo uma mão até seu seio e apertando-o
entre meus dedos. Fabiana eleva o quadril, rebolando de encontro com
minha boca, agarrando meus cabelos com força.
— Rafael — suspira e então o terceiro dedo entra, fazendo ela se
desmanchar em um grito agudo, que estremece todo seu corpo.
Serpenteio a língua pelo seu clitóris, que pulsa sob minha língua, e
meus cabelos são puxados com mais força.
— Que boceta deliciosa, esposa — sopro contra a sua pele,
impulsionando mais fundo meus dedos.
Minha boca paira sobre sua barriga, subindo lentamente pela pele
arrepiada, sentindo os tremores percorrerem o corpo da minha mulher,
enquanto meto meus dedos em seu interior. Mordisco o bico do seu peito e
ela grita, segurando meu rosto entre suas mãos.
— Rafael — geme fechando os olhos com força, me fazendo sorrir.
É tão fácil deixá-la molinha em meus braços.
Esfrego o polegar sobre seu clitóris e seu corpo se desmancha
novamente, espremendo meus dedos em seu interior.
Tiro meus dedos, espalhando a lubrificação por entre seus grandes
lábios e Fabiana agarra o lençol, respirando com dificuldade.
Beijo seu pescoço e suas mãos seguem para as minhas costas, em
uma carícia lenta. Subo meus lábios até estar com nossas bocas coladas,
minha mulher suspira ao afundar a língua em minha boca.
Desço as mãos pela lateral do seu corpo, sentindo cada centímetro
de pele quente.
Sentindo cada pedaço da minha mulher.
— Preciso de você dentro de mim — sussurra com dificuldades
descendo as mãos para o meu cinto.
Me afasto de seu corpo o suficiente para me livrar das minhas
roupas, Fabiana se livra da calcinha, ficando apenas com as meias e os
sapatos de salto.
Completamente nu, volto a ficar por cima da minha esposa,
sentindo suas unhas em minha pele.
— Prometo amar ocê a cada batida do meu coração.
— Daqui para a eternidade, meu caipira — sussurra, acariciando
meu rosto e, lentamente, me empurro em sua boceta, sendo abraçado pelo
seu calor.
Centímetro a centímetro faço de Fabiana minha mulher.
Lentamente nos tornamos um só.
Seguro seus cabelos com as mãos e suas pernas cruzam em
minha cintura quando estou completamente dentro dela, seus dedos
seguram as laterais do meu rosto e nossas bocas se unem, selando nosso
novo contrato.
Um contrato de amor para a vida inteira.
 
 
Obrigada por ter chegado até aqui!
Foi maravilhoso ter sua companhia <3
Não esqueça de deixar a sua avaliação, te espero nas próximas
histórias!
 
Um beijão. Fica bem <3
 

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KLAUS - Trilogia KLA - LIVRO 01
Ele estava com a vida tranquila, até ver seus planos mudarem.
Klaus Lehmann sempre foi centrado, traçando objetivos e
concluindo-os com vigor. O alemão de um metro e setenta, agora se vê em
uma encruzilhada de romance, erotismo e mistério.
Angelina Hathaway tem tudo o que deseja, e não mede esforços
para conseguir o que quer. Dona de um sorriso invejável e de uma conta
bancária com zeros a perder de vista, ela vê uma mulher entrando na vida
do seu homem, disposta a tudo para tê-lo.
Klaus e Angelina são opostos, mas que se atraem com extrema
facilidade.
Ele tem bom coração, apesar da cara fechada.
Ela é considerada por muitos uma mulher mimada, mas que
esconde grandes feitos.
Eles têm sonhos e planos, eles são não terão paz.
Será que o amor é capaz de superar tudo? Até onde a confiança
pode ir?
Até onde a maldade vai, sem fazer estragos?

Um paisente de Natal
Ethan tem tudo que um homem de quase trinta anos pode querer:
estabilidade financeira, uma empresa para chamar de sua, mulheres, o
carro do ano, uma família amorosa (apesar de intrometida e fofoqueira)
Bom... Ele acha que tem tudo.
Como CEO de uma construtora, ele se vê obrigado a passar mais
de cinco horas dentro de um carro; tudo para convencer a dona da
floricultura que sua proposta de compra é irrecusável. Só não imaginava
que se esbarraria em uma maluca de sorriso fácil, olhos castanhos e língua
sem freios. Também não esperava conhecer o pequeno Oliver.
Ethan jura de pé junto que nunca vai ter um relacionamento e que
está para nascer a tal mulher da sua vida. O que não sabe é que, talvez,
ela já tenha nascido.
Só nos resta descobrir se ele chegará inteiro até o final.
Não entendeu o que eu quis dizer? Então, venha conhecer a minha
“maluca”! Eu te garanto boas risadas.
Dia dos Namorados - Conto
Ethan e Lili estão de volta, e dessa vez mais apaixonados que
nunca.
Em uma história recheada de risadas e amor, vamos descobrir
como os dois pombinhos pretendem passar o primeiro Dia dos Namorados,
e mais, vamos dar uma espiadinha em como as coisas em Alegria do Norte
estão.
Um sonho de Namorado é apenas um bônus para comemorar o
amor e deve ser lido após “Um paisente de Natal”, porque vai haver spoiler
e algumas referências ao primeiro livro.
Bom, espero que se divirtam, se apaixonem e curtam muito esse
casal.

A saudade que há em mim


Por quanto tempo um coração aguenta sofrer?
Cinco meses, um ano… décadas?
Quando perdemos alguém, o que fazer?
Se fechar ou tentar seguir em frente?
Chorar ou fingir que está tudo bem?
Ana Augusta perdeu alguém. Anos sofrendo e chorando, mas surge
uma oportunidade de voltar a viver.
Venha descobrir se ela irá aceitar essa oportunidade ou a deixará
passar.
 

Casando com o inimigo


Casar não estava nos planos de Diana. Muito menos se o marido
em questão fosse Lorenzo Clifford.
Os dois são inimigos declarados há mais de vinte e cinco anos. Na
escola, ninguém se aproximava ou tentava deixá-los por perto, pois sabia
que era perigoso, agora, os dois com quase trinta anos, não deixam
palavras sobre palavras.
Só que o destino dá a sua rasteira, e o que deveria ser apenas um
contrato, se torna algo maior.
Diana precisa de dinheiro.
Lorenzo de uma esposa.
Por que não unir o útil ao (des)agradável? 
Isso pode e vai ser perigoso, mas no final, muito mais gostoso.
 
 
 

[1] Instrumento de cavação manual, conhecida também como cavadeira.


[2] Mesmo que: morrer.
[3] Mesmo que: como assim?
[4] Filho do boi e da vaca, mesmo significado que bezerro.
[5] Pedaço de pau que serve como apoio, proteção ou segurança de

barreiras.
[6] Expressão que significa: dinheiro.
[7] Expressão que significa: esvaziar algo. No caso aplicado: ‘pegou o

dinheiro e sumiu’
[8] Carro.
[9] Terreno enlameado.
[10] Flexão do adjetivo arregão: que se diz de quem arrega ou pede arrego;

que desiste ou renuncia por medo ou covardia.


[11] Expressão que significa “Chifre”; refere à traição.
[12] Pequeno, criança.

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