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de propriedade intelectual do autor. Obrigada por seu apoio
aos direitos da autora.

Este e-book é uma obra de ficção. Embora possa


ser feita referência a eventos históricos reais ou locais
existentes, os nomes, personagens, lugares e incidentes
são o produto da imaginação da autora ou são usados de
forma fictícia, e qualquer semelhança com pessoas reais,
vivas ou mortas, estabelecimentos comerciais, eventos, ou
localidades é mera coincidência.

Primeira Edição: 2023

Rio de Janeiro – RJ

Capa: André Siqueira

Revisão: Sonia Carvalho

Diagramação: Independente
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A Bailarina e o Magnata Sombrio


A Filha do meu Inimigo
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Procura-se uma Mãe
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A Eternidade de um Instante
Mil Instantes Infinitos
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DEDICATÓRIA

Para a querida Dolores (Dodô). Você, que está comigo há

tanto tempo, que me acompanha e me dá tanto apoio.

Obrigada por tudo!

Para a querida Laura Brand, que me ajudou e ajuda todos

os dias mais do que pode imaginar e que ainda tirou um


tempo em seus oito empregos para ler este livro antes e
dar sua opinião.
PLAYLIST:

Se quiser conhecer a playlist de Dominada pela Máfia,

segue o link do Spotify:

https://open.spotify.com/playlist/5pMABSA6hmW4s6A5Lnhxsb?
si=f9298cc0529a4e16
NOTA DA AUTORA

E não é que o Dominic ganhou o próprio livro? Que


coisa, né? (Risos).

Para vocês que leram Rejeitada pelo Mafioso, bem-


vindas (os) ao meu segundo livro de máfia. Para quem é
novo por aqui, pode ler este livro sem medo, porque ambos
são independentes.

Vou repetir o recado que dei no meu outro livro


do mesmo tema: o que vocês vão encontrar aqui é um
retrato romantizado da máfia. Não há heróis dentro dela,
até onde eu sei, mas tentei ao máximo deixar a história
mais “leve” para os padrões. Então se seu interesse em ler
este livro é um romance mais dark, não encontrará aqui. O
mocinho, por ser um mafioso, já tem uma moral duvidosa
por si só, e por mais que tenha seus momentos sombrios,
não há cenas gráficas de abuso, estupro nem nada
parecido.

Há gatilhos, sim, porque se trata de um livro de


máfia, portanto, tome cuidado com eles.

Além disso, apesar da extensa pesquisa que fiz


durante todo este ano, usando e abusando de literatura –
inclusive de não-ficção –, filmes e documentários sobre o
tema, provavelmente haverá algo de inventado, já que este
é o meu universo de máfia. Sendo assim, me concedam a
licença poética, em alguns momentos, para adequar
situações à minha história.

Beijos,

Bia.
Arte de: Vinícius de Souza
SUMÁRIO

PRÓLOGO

CAPÍTULO UM

CAPÍTULO DOIS

CAPÍTULO TRÊS

CAPÍTULO QUATRO

CAPÍTULO CINCO

CAPÍTULO SEIS

CAPÍTULO SETE

CAPÍTULO OITO

CAPÍTULO NOVE

CAPÍTULO DEZ

CAPÍTULO ONZE

CAPÍTULO DOZE

CAPÍTULO TREZE

CAPÍTULO QUATORZE

CAPÍTULO QUINZE

CAPÍTULO DEZESSEIS

CAPÍTULO DEZESSETE
CAPÍTULO DEZOITO

CAPÍTULO DEZENOVE

CAPÍTULO VINTE

CAPÍTULO VINTE E UM

CAPÍTULO VINTE E DOIS

CAPÍTULO VINTE E TRÊS

CAPÍTULO VINTE E QUATRO

CAPÍTULO VINTE E CINCO

CAPÍTULO VINTE E SEIS

CAPÍTULO VINTE E SETE

,CAPÍTULO VINTE E OITO

CAPÍTULO VINTE E NOVE

CAPÍTULO TRINTA

CAPÍTULO TRINTA E UM

CAPÍTULO TRINTA E DOIS

CAPÍTULO TRINTA E TRÊS

CAPÍTULO TRINTA E QUATRO

CAPÍTULO TRINTA E CINCO

CAPÍTULO TRINTA E SEIS


CAPÍTULO TRINTA E SETE

CAPÍTULO TRINTA E OITO

CAPÍTULO TRINTA E NOVE

EPÍLOGO
PRÓLOGO

Somos humanos, somos violentos


Aprendemos nossas lições
Então as desafiamos
Nós somos sem coração e imorais
Nós carregamos o ódio
Como uma bíblia
TERRIBLE THINGS - HALESTORM

Ajeitei-me na poltrona de couro, afundando um


pouco mais nela e abrindo as pernas, relaxando para
receber o que me estava sendo ofertado. Com um sorriso
malicioso no rosto, segurava um copo de uísque na mão e
mantinha a arma no meu colo, porque não era louco de
ficar sem ela por perto. Não era uma forma de mostrar
autoridade, porque eu não precisava de uma merda como
essa, mas de segurança. Gostava de ter acesso à minha
Glock marrom com entalhos em dourado, que fora o
primeiro presente que meu pai me deu quando fiz
dezesseis anos.
Alguns filhos ganham carros quando chegam a essa
idade. Eu fui presenteado com meu primeiro revólver e dei
o meu primeiro tiro para o alto, não tendo a menor ideia de
como fazê-lo, sentindo-me o dono do mundo.

Minha alegria acabou em um segundo, quando meu


pai me deu um tapa na nuca e um belo de um esporro,
porque não atirei como um homem. Este era o jeitinho
doce do infeliz que me gerara. Que o diabo o tivesse.

Ardendo na porra dos confins do inferno...

Apesar de haver dois seguranças, um de cada lado


da sala onde eu estava, fortemente armados, prontos para
sentarem o dedo no gatilho caso alguém fizesse qualquer
movimento suspeito para me atacar, eu gostava de me
garantir.

Ofereceram-me um charuto, e eu aceitei. Aquela era


a minha noite. Trinta anos. E tinha muito a celebrar.

Não seria hipócrita em dizer que não gostava da


vida que levava. Dinheiro, mulheres, poder. Tudo ao meu
alcance, eu só precisava estalar os dedos. Pessoas se
ajoelhariam aos meus pés para realizar minhas vontades, e
quando eu tinha que sujar minhas mãos? Gostava de
acreditar numa filosofia muito profunda e quase bíblica:
antes eles do que eu.

Foquei minha atenção no que se desenrolava bem à


minha frente: havia duas meninas rebolando, seminuas —
uma negra e uma loira —, ambas com corpos
excepcionais. Os seios balançavam conforme seus passos,
no ritmo da música sensual que tocava, exigiam um pouco
mais de movimentos, e elas brincavam com uma barra de
pole dance, esfregando-se nela e fazendo acrobacias
dignas de profissionais.

Provavelmente elas eram. Meu aniversário? Eles


obviamente queriam me dar o melhor.

— E ai, chefinho? Gostando das meninas? Tem


pouco tempo para aproveitar esse tipo de coisa, hein... —
meu novo consiglieri, Francesco Romano, uma indicação
de meu amigo, Giovanni Caccini, chefe da máfia de
Chicago, comentou, sentando-se ao meu lado.

— Sim, eu sei disso — respondi, sem tirar os olhos


das meninas.

— É sério? — indagou, parecendo surpreso. —


Jurei que ia dizer que um casamento de conveniência não
iria te prender.

Usando o dedo cuja mão segurava o copo de


uísque, apontei para as meninas.

— Olhar é uma coisa. Tocar é outra completamente


diferente. Pode não parecer, Francesco, mas tenho
intenções de ser fiel à minha esposa.

— É uma boa menina, a garota dos Preterotti. Vai


ser uma esposa perfeita.
— Perfeita até demais — falei, pensando alto. Mais
alto do que deveria.

— Ela é bonita.

— É linda, sem dúvidas... — Dei um trago no


charuto, sentindo a fumaça se espalhar ao meu redor, com
aquele cheiro característico que já empesteava o ambiente
desde antes.

Tentei não demonstrar o meu desânimo em relação


ao casamento, mas era um pouco inevitável,
especialmente depois de já ter tomado umas boas doses
de uísque. A garota não tinha culpa, de forma alguma. Era
tudo o que um chefe poderia desejar: linda, obediente, uma
florzinha, pronta para colocar um vestido branco e parecer
uma noiva no altar. Sem contar que estava satisfeita com o
casamento, embora, provavelmente, fosse se comportar
como um coelhinho assustado na noite de núpcias, e eu ia
ficar me sentindo um abusador por deflorar uma
princesinha como ela.

Imaginava anos e anos de um casamento com uma


moça formal, que teria filhos perfeitos para mim e que
nunca representaria um desafio.

Provavelmente eu estava reclamando de barriga


cheia, isso sim.

Fosse como fosse, aquela era uma noite para


celebrar, porque dali a um mês eu estaria com uma porra
de aliança no dedo e haveria uma mulher com o meu
sobrenome, a quem eu precisaria honrar na saúde e na
doença, e toda essa baboseira que eu nem sabia de cor.

A garota negra veio caminhando na minha direção,


e eu a recebi com um sorriso malicioso. Tirei a arma de
cima da minha coxa, e ela se sentou no meu colo, com a
bunda bem em cima do meu pau, rebolando com vontade,
mais do que fizera quando estava no palco.

A loira não demorou a se aproximar também,


inclinando-se e esfregando o seio na minha cara. Os dela
eram grandes, com silicone, sem dúvidas, e eu levei a mão
a um deles, fazendo-a arquear a cabeça para trás quando
a toquei daquele jeito.

Eu me fartaria das duas facilmente. Seria como uma


despedida de solteiro, embora eu não tivesse planos de
parar de trepar com mulheres aleatórias até o meu
casamento. Enquanto não dissesse sim para Stefania
Preterotti, ainda seria um homem livre. Noivo? Sim, mas
nenhum de nós dois pedira fidelidade até o negócio ser
realmente consumado.

Para ser sincero, eu nem tinha o sonho de me casar


com a virgem perfeita que todos os homens do meu círculo
desejavam. Adoraria ter uma mulher que sabia o que
queria na cama e que não fosse cheia de merda quando eu
mostrasse minhas preferências, nem sempre
convencionais.
Mas quem sabe a perfeita Stefania não me
surpreendesse? Enquanto isso não acontecesse, eu
poderia me divertir, com a desculpa de que estava me
tornando um homem mais experiente para minha futura e
virginal esposa.

Agarrei uma com cada braço, pelas coxas, como se


fossem crianças, levantando-me da poltrona e colocando
ambas no chão, agarrando-as com força, o que as fez rir,
divertidas.

— Vamos brincar, meninas. Estou muito generoso


hoje. — Com gritinhos, elas se deixaram ser levadas.

Eu já estava no meio do caminho, pronto para a


festa que aconteceria no andar de cima, no enorme quarto
daquele clube, quando ouvi um infeliz chamando o meu
nome.

— Dominic, não vá ainda. Aconteceu uma coisa...

Ainda de costas, soltei as meninas. Levei algum


tempo para me virar na direção da voz que falara comigo,
por mais que quisesse mandar qualquer um tomar no cu.

Sinceramente? A pessoa não tivera um momento


melhor para falar comigo? Eu estava com o pau duro
dentro da calça, a caminho de um quarto com duas
meninas lindas, cheias de fogo, no meu aniversário. Nada
poderia ser tão urgente quanto aquilo.
— O que foi? — Virei-me e me deparei com um dos
meus capos. Seu rosto estava pálido, o que me fez ficar
um pouco mais sério.

O assunto não podia ser uma bobeira, levando em


consideração o quão assustado ele estava.

— Fala logo, homem! Para de enrolar! — fui mais


rude do que deveria, e minha voz soou pesada, forte, como
um rugido.

— A Srta. Preterotti... sua noiva...

Meus ombros imediatamente tensionaram.

— O que tem Stefania?

— Ela sofreu um acidente, senhor. Morreu na hora;


ela e os dois seguranças que a acompanhavam.

— Um acidente? — Dei um passo à frente, deixando


as duas meninas para trás, porque já nem me lembrava
delas. — Que tipo de acidente?

— O carro em que ela estava voltando de viagem,


de um evento beneficente, perdeu o controle e caiu numa
ribanceira. Os irmãos reconheceram o corpo há mais ou
menos uma hora.

Puta merda!

Então o assunto era, realmente, mais urgente do


que qualquer outra coisa.
Assenti, sentindo um nó na garganta.

— Peça que preparem o meu jatinho. Vou partir para


Los Angeles imediatamente.

Eu estaria com eles. Não era mais a noite do meu


aniversário; era uma noite de luto.

Teria que lidar com isso...


CAPÍTULO UM

Vai doer, mas eu não tenho um coração


E isso torna mais fácil jogar o jogo
Não me importo se faço alguém sofrer ou não
Estou muito ocupado com a minha própria dor
THE ART OF SURVIVAL – RAMSEY

Com as mãos unidas na frente do meu corpo,


cabeça baixa, deixei que meus ouvidos ficassem apurados
para ouvir o sermão do padre, mas ignorar os soluços dos
choros ao meu redor.

Não que fosse muito religioso, pelo contrário, só não


sabia lidar com aquele tipo de coisa: a tristeza, a
melancolia de se perder alguém.

Nunca amei uma pessoa daquele jeito ao ponto de


sofrer com uma ausência. Minha mãe morrera quando eu
era apenas um bebê, e meu pai... Só não comemorei sua
partida, porque queria manter um pouco do respeito, já que
sempre aprendi que a família vem em primeiro lugar.
Olhava para Alessio Preterotti, que era o filho do
meio do chefe de Los Angeles, e o via destroçado,
debruçado no caixão da irmã, com uma das mãos no rosto
dela, coberto de maquiagem para esconder os ferimentos,
chorando como um menino.

Enrico, o mais velho, mantinha-se composto, ao


lado do pai, em uma postura ereta, muito sério como
sempre. Até mesmo Massimo, pai da moça, não parecia o
mesmo. Havia olheiras e rugas novas em seu rosto.

Aquela atmosfera era estranha para mim. Eu


chegava a me sentir deslocado.

— Dom? — Uma mão delicada pousou no meu


braço, e eu olhei para o lado, encontrando um rostinho de
boneca que eu conhecia desde criança.

Kiara, minha prima, estava presente, também muito


emocionada, porque sempre fora amiga de Stefania. Não
me lembrava de elas terem um relacionamento tão
próximo, mas sabia que se gostavam, se respeitavam e
participavam de alguns eventos juntas.

— Sinto muito — ela falou para mim, apertando meu


punho com carinho, como a irmã que era para mim.

Aceitei seu cumprimento com um meneio de cabeça


silencioso, sabendo muito bem que, talvez, eu devesse
oferecer minhas condolências a ela, porque nunca tive
tanto contato com minha futura noiva.
Nosso casamento tinha sido acertado meses antes,
durante uma decisão entre mim e Massimo, para conter um
problema que vinha acontecendo há um bom tempo.

Grupos inimigos sempre tentaram criar pequenas


guerras entre nós. Havia cinco famílias, dentro da Cosa
Nostra nos Estados Unidos, que regiam toda a
organização. Os Caccini, que eram responsáveis por
Chicago. Ungaretti – a minha família, no caso –, que
cuidava de Nova Iorque; os Preterotti, em Los Angeles; os
Pellegrini, na Flórida; e os Cipriano, no Texas.

Esta era uma regra que durava há gerações.


Nossos pais e avós faziam as coisas funcionarem desse
jeito, e nós tínhamos negócios prósperos, organizados e
bem gerenciados. Algumas vezes colhíamos cebolas
podres nos nossos meios, com traidores que acabavam em
nossos galpões, sendo torturados até a morte, mas tudo
era estabelecido e corria perfeitamente.

E eu nem era um cara que não gostava de


novidades, pelo contrário. Não era arcaico e entendia que,
para obter resultados melhores, precisávamos fazer coisas
diferentes. Mas uma delas não era mudar algo que estava
dando certo.

Dentro do estado da Califórnia, mais precisamente


em Miami, havia grupos extremistas que tinham o interesse
de pegar o poder do estado e centralizá-lo em outro lugar,
arrancando-o das mãos dos Preterotti. Isso não era nem
um pouco interessante para mim, que tinha quase todos os
meus negócios com eles há anos. Sem contar que
tínhamos uma lealdade forte.

Porém, nós sabíamos que a aliança se tornaria


ainda mais forte por meio do casamento. Eu era um
homem jovem, um chefe que herdara o cargo
razoavelmente cedo, e isso despertava a ira dos mais
tradicionais. Sabia que também havia gente querendo me
destronar e não demoraria a dar as caras. Uma ligação
entre Ungaretti e Preterotti seria tão poderosa e tão
respeitada por todos os outros estados que eram leais à
Cosa Nostra, que faria qualquer ato rebelde perder a força.

E Massimo tinha uma filha solteira... Não era a coisa


mais simples a se fazer? Se eu tivesse uma irmã, poderia
casá-la com Enrico ou Alessio, mas não era o caso.

Não era apenas a morte de Stefania. Viver e morrer


no meio da máfia também tinha suas questões políticas.
Naquele momento, eu estava preocupado.

Acompanhamos o cortejo, depois das palavras


bonitas do padre, e assistimos ao caixão ser baixado à
cova. Mais uma vez as lágrimas de Alessio me
comoveram, porque ele era o mais destruído de todos nós.

Giovanni e Kiara já tinham se afastado àquela


altura, porque começara a chover, e minha prima estava
grávida. Cuidadoso como era, seu marido a tirara de perto,
levando-a para um local coberto. No exato momento em
que fiquei sozinho, meu ex-futuro-sogro veio se
aproximando devagar, colocando-se ao meu lado,
parecendo ter algo a dizer, mas tornando o momento
solene o suficiente para eu chegar a ficar impaciente.

— Já pensamos em tudo, Dominic. Gostaríamos


que se reunisse a nós assim que sairmos daqui. É um
assunto de extrema urgência — Massimo começou a falar,
e eu cheguei a franzir o cenho, completamente confuso.

— Do que está falando? Como assim pensaram em


tudo?

— Sobre o casamento.

— Não estou entendendo. Não tenho mais noiva,


aparentemente — foi uma coisa cruel a se dizer para um
pai que acabara de perder sua filha, mas era a verdade.

— Confie em mim. Vamos conversar.

Não me restava alternativa a não ser concordar,


embora estivesse achando tudo aquilo muito estranho.
Poderia até perdoar, na verdade, já que se tratava de um
homem tomado pelo luto.

Por mais que ele não parecesse tão abalado pela


morte da filha quanto preocupado com o casamento que
fora perdido.

Toda a cerimônia foi encerrada, e algumas flores


foram jogadas no túmulo de Stefania, principalmente por
Alessio. Este saiu com o braço de um dos capos seu redor,
quase amparado, e chegamos aos carros.

— Venha conosco, Dominic. Como te falei,


precisamos conversar. Falei com os bambinos ontem e
chegamos a uma conclusão. — Massimo parou diante de
seu carro, voltando-se para mim.

— Não posso imaginar o que querem.

— Venha conosco — insistiu, e eu assenti, entrando


no carro com meus homens e seguindo o deles.

A mansão dos Preterotti ficava na Zona Oeste de


Los Angeles, em Bel Air, e era uma daquelas casas dignas
de celebridades de Hollywood. Eles moravam próximos a
pessoas famosas e gostavam de esbanjar. Alessio,
principalmente, adorava ir à festas e sair com atrizes,
modelos e cantoras, sem nenhuma distinção.

Sem nenhuma discrição também, o que sempre


preocupou toda a Cosa Nostra. Sorte de Massimo por ele
ser seu segundo filho.

Fui conduzido ao escritório deles, e sua governanta


nos serviu de doses de uísque. Não tínhamos sequer
almoçado, mas a ocasião era trágica o suficiente para isso.

— Ainda não estou entendendo o que precisamos


conversar — falei, já ansioso, mas tentando conter meus
sentimentos o suficiente para não demonstrar
vulnerabilidade.
— Preste atenção, Dominic... Seu casamento com
Stefania era de extrema importância para nós. Um caso de
vida ou morte, suponho — Massimo começou a falar, e eu
vi Alessio se movimentar, vindo em nossa direção.

— Pai, podemos, pelo menos, deixar o corpo da


minha irmã esfriar no túmulo?

— Não, Alessio! Você é um desmiolado que não tem


a menor noção do quanto está em jogo. Só sabe pensar
com o coração e a cabeça de baixo. Preciso de razão no
momento. Estou sofrendo pela minha filha, muito mais do
que imagina, mas também tenho vocês. Preciso pensar em
sua segurança e na segurança da posição de Enrico no
futuro.

O mencionado Enrico continuava parado, encostado


na parede, com os braços cruzados. Sempre calado,
observando mais do que falando. Em meio à Cosa Nostra,
as pessoas começavam, aos poucos, a chamá-lo de
Cavaleiro das Sombras, o que combinava. Ele poderia
enganar a qualquer um, mas, para mim, guardava algum
segredo. E há meses essa aura de mistério tinha se
tornado ainda pior.

Só não era da minha conta tentar descobrir.

Vi os olhos de Alessio brilharem de raiva, mas ele se


afastou do pai, jogando-se no sofá de couro no canto do
escritório. Em uma posição de poder, Massimo se
acomodou em sua cadeira de espaldar alto e me apontou
outra, à sua frente, tornando aquilo quase uma reunião de
negócios.

— Podemos prosseguir com os planos de


casamento — ele ia continuar falando, mas eu o interrompi,
erguendo uma das mãos.

— Com o perdão da palavra, mas não posso me


casar com um fantasma.

— Più respetto, Dominic! — Alessio vociferou,


levantando-se com aquele seu jeito apaixonado e impulsivo
de ser. Tudo para ele sempre parecia muito teatral, muito
trágico.

Eu não tinha paciência, então lancei um olhar para


ele que dizia tudo o que eu queria dizer, já que não podia
mandá-lo tomar naquele lugar.

— Me deixem falar, garotos! — Massimo exclamou,


um pouco alterado. — Eu tenho outra filha. Uma jovem, um
pouco mais velha do que Stefania.

— Do que está falando?

— Ela mora no Brasil. A mãe era de lá e a levou de


volta. Nunca mandei buscá-la, porque era uma moça e não
um rapaz. Não teria serventia para mim. Mas agora tem.
Muitas pessoas ainda se lembram dela, mas foi um
casamento conturbado. Ninguém comenta, em respeito a
mim.
— Massimo, você está querendo dizer que...

— Ainda podemos unir nossas famílias. É só você


dizer que sim, e eu providencio tudo. A escolha é sua, mas
pense no quanto está em jogo.

Porra, aquilo era uma loucura. Uma imensa loucura.

Mas eu estava disposto a ouvi-lo.


CAPÍTULO DOIS

Siga os demônios até a minha porta


Incline a balança, esvazie as gavetas
Finais felizes nunca mais
Está no meu sangue, no sangue, no sangue, no sangue
IN THE BLOOD – RED ROSAMUND

Dei uma boa golada no uísque, esperando que ele


descesse rasgando a minha garganta a ponto de a
ardência me fazer esquecer do quanto meu cérebro estava
dormente com toda aquela loucura.

— Então você quer que eu me case com essa outra


moça? Uma que nunca viveu no nosso meio? Que sequer
mora no nosso país? Como acha que vai convencê-la a
uma união de conveniência, sendo que tem uma realidade
completamente diferente?

— Confie em nós. Vamos fazer o que é necessário.


Só precisamos da sua autorização e que concorde com o
plano.
Precisei me levantar da cadeira, deixando o copo
sobre a mesa, porque tinha a necessidade de me
movimentar. Tirei o sobretudo escuro que usava, deixando-
o pendurado, porque a peça era pesada, ia até os meus
tornozelos, e subitamente comecei a sentir meus músculos
mais rígidos.

— Por favor, me expliquem como isso pode


funcionar, porque não vejo nenhum sentido. O conselho
nunca vai aceitar algo assim.

— Como chefe, você tem o direito de se casar com


quem quiser. E a moça tem o sobrenome Preterotti. Ela foi
registrada por mim, é minha filha legítima.

Respirei fundo, absorvendo as informações com


muito cuidado. Era um momento completamente
inesperado. Há dois dias eu tinha plena certeza de que dali
a um mês estaria casado. Depois, recebi a notícia de que
minha noiva morrera. Então, eu já tinha outra possibilidade
de casamento em tempo recorde.

Era muito para um homem aceitar em poucos


segundos.

Espalmei a parede, apoiando-me nela e colocando a


outra mão na cintura, afastando um pouco o paletó.

— O que eu preciso saber sobre ela? Você sabe


alguma coisa sobre a sua filha, aliás? — Porra, seria
possível que eu já estivesse considerando a hipótese?
Só que, levando em consideração que era uma
escolha quase necessária para a segurança das nossas
cabeças e do nosso poder, não era muito difícil tomar uma
decisão.

— É claro que eu sei sobre a minha filha! —


Massimo falou, desnaturado. — O está pensando?

— Só resuma, Massimo. Vamos lá... quem é essa


moça?

— Ela se chama Deanna. Estuda Psicologia. Tem


vinte e três anos. Sei que é mais velha do que Stefania,
mas...

— Isso não me interessa. Não faz a menor diferença


para mim.

— É uma jovem bonita.

Massimo se levantou e veio até mim, trazendo seu


celular. Havia uma conta de Instagram aberta, e ele buscou
uma foto, mostrando-me uma garota loira, de olhos verdes,
uma pele bronzeada bem brasileira, em uma foto com o
cenário praiano, uma canga enrolada na cintura e o top
escondendo seios pequenos.

Ela não tinha a aparência de princesa que Stefania


sempre sustentou. Sua irmã era morena, com os mesmos
olhos verdes, um rosto de porcelana, toda delicada. A tal
Deanna possuía o tipo de beleza que só as mulheres muito
confiantes têm; que não é completamente perfeita, mas
que marca.

O exemplo de mulher que eu olharia duas, três


vezes, porque havia algum fascínio que me hipnotizaria.

— Suspeito que não seja mais virgem, mas...

— Papá! — Alessio repreendeu.

— Só estou avisando... — Massimo deu de ombros.

— Como se ela fosse um produto avariado? —


indaguei, com um tom cínico.

— Não é nada disso. Ah, vocês estão focando no


que não importa. Eu só fiz um comentário. Ainda assim,
precisamos decidir imediatamente.

O homem afastou o celular, como se o fato de eu


ver uma única foto da garota pudesse ser suficiente para
que decidisse se queria passar minha vida inteira ao lado
dela.

— Não depende só de mim. Acredito que tenham


que falar com ela, não?

Eu não era alheio à forma como os casamentos no


nosso meio eram formados. As nossas mulheres não
tinham quase nenhuma opinião, salvo em poucas famílias
que não possuíam poder. Imaginava que com Stefania
tivesse sido dessa forma, sem que pudesse negar a ideia
de se casar comigo. Com Deanna seria diferente. Talvez
ela tivesse um namorado, talvez gostasse de alguém.

Não poderia ser um casamento apenas de


conveniência, sem que eu a tocasse, porque precisaríamos
ter filhos. No mundo em que ela vivia, isso era impossível.
Era antiquado, ela provavelmente ia rir.

— Temos motivos para acreditar que irá aceitar.


Com a motivação certa.

— Dinheiro? — Eu não queria uma esposa


gananciosa àquele ponto, mas qual escolha tinha? Apesar
de ser muito bizarro, era a melhor alternativa para proteger
interesses e a segurança dos nossos, porque uma guerra
poderia explodir a qualquer momento.

— Não. Pode confiar em nós? Aceita a proposta?

Olhei para os três homens ao meu redor, tentando


encontrar no olhar de qualquer um deles a resposta para
aquela pergunta, mas só dependia de mim. Não era
nenhum dos Preterotti que iria decidir meu destino.

— Aceito conversar com a moça. Se a trouxerem e


se ela concordar.

— É um começo. Vou providenciar. Alessio, você


que tem mais contato com sua irmã, podemos conversar?
— O caçula dos rapazes Preterotti assentiu e seguiu o pai
para fora do escritório, deixando-me sozinho com Enrico.
Era difícil descrever minha relação com ele, porque
crescemos juntos, encontrando-nos em festas e em
eventos da Cosa Nostra, mas ele mudou um pouco com o
passar dos anos. Imaginava que tinha a ver com sua
iniciação. Por pior que meu pai tivesse sido, ele tivera
alguns cuidados que outros homens não tinham. Não havia
traumas na minha memória, ao menos nenhum que
pudesse ter me transformado em outra pessoa.

Enrico era... peculiarmente sombrio.

— O que você acha de tudo isso? É sua irmã, afinal


— perguntei a Enrico, percebendo que ele continuava na
mesma posição, apenas me observando.

Finalmente se movimentou, e eu tinha a leve


impressão de que cada um de seus movimentos era
extremamente calculado. Voltou seus olhos muito azuis na
minha direção, e eu percebi que estavam frios, focados e,
novamente, com um tom obscuro que contava muitas
histórias desconhecidas.

— Acho que é a única saída. E você também sabe


disso.

— Sei. Infelizmente, sei.

Ficamos em silêncio por alguns instantes, em um


estranhamento natural de homens poderosos que estão no
limiar entre a amizade e a desconfiança, mas eu tinha
muito a descobrir.
— Você a conhece?

— Um pouco. Não tanto quanto Alessio, embora


nem isso seja muito. Mas sei que você vai ter um pouco de
trabalho com ela.

— Como assim?

— Ela... — Enrico hesitou, provavelmente


procurando a palavra certa, mas logo prosseguiu: — Ela
tem uma personalidade forte.

Bem, talvez fosse bom, mas também complicasse


as coisas.

— Levando isso em consideração, acha que seu pai


vai conseguir convencê-la?

Enrico abriu um sorriso um pouco amargo.

— E nós não conseguimos tudo o que queremos, de


uma forma ou de outra?

Com isso, ele simplesmente saiu do escritório, me


deixando sozinho com os pensamentos muito confusos.

Aonde diabos tudo aquilo iria nos levar?


CAPÍTULO TRÊS

Você se sente seguro?


Exposto à luz do sol
Ou esse é o lugar
Onde monstros se escondem?
Você não é um alvo tão fácil
Um minuto eu te conheço, e no outro não
WHO ARE YOU – SVRCINA

Eu sabia que ela estava impaciente, então decidi


demorar mais ainda só para provocá-la. Cheguei a abrir um
sorriso ao ouvi-la bufar.

Ergui os olhos e vi minha amiga, Ingrid, folheando


um livro de romance de época que ela encontrara em um
dos corredores da biblioteca da faculdade e considerou a
coisa mais interessante que poderia haver por ali. Eu não
era uma mulher muito romântica, minha preferência, na
literatura, eram obras um pouco mais densas e algo mais
fantasioso, mas até que curtia um erótico, por exemplo,
para me deixar mais animada.
Estava em busca de um livro específico, mas havia
outros dos quais eu poderia me beneficiar no meu TCC.
Não tinha pressa, mas aparentemente Ingrid não era muito
adepta a lugares como aquele.

— Você pode ir embora, sabe disso, né? —


indaguei, sem tirar os olhos da prateleira.

— E perder o almoço que você prometeu pagar?

— Num self-service de qualidade duvidosa? Ingrid!


Você deveria se valorizar um pouco mais! — brinquei e
levei um tapa no ombro que quase me desequilibrou, mas
nós duas começamos a rir e ouvimos alguém fazer um
“shhh”, indicando que precisávamos calar a boca.

Com esse toque sutil, encerrei minha tarefa,


segurando três livros contra o peito e carregando-os ao
balcão para assinar e levá-los para casa.

A nível de informação: Ingrid levou o romance


também.

Fomos caminhando até o estacionamento, em


direção ao meu velho Fiat Uno. Não era desses modelos
mais recentes, não. Era do quadradinho, branco, que tinha
visto muitos dias melhores, mas era meu meio de
transporte para a faculdade e o estágio.

Apesar de ter o sonho de clinicar, eu vinha


pleiteando uma vaga em alguma boa empresa, na área de
RH. Tinha feito algumas entrevistas, porque não seria uma
opção ruim. Gostava de lidar com pessoas, de todo o tipo,
então não estaria muito longe do meu objetivo.

Sentia-me um pouco distraída ao caminhar,


mexendo na minha bolsa, quando Ingrid começou a me
cutucar.

— Puta que pariu, Dee. Tem um homem lindo


encostado no seu carro. O homem mais lindo que eu já vi!

Mesmo sabendo que Ingrid era meio emocionada


quando se tratava de homens, ergui os olhos, levando a
mão a eles para protegê-los do sol, formando uma aba
como de um boné na altura das minhas sobrancelhas.

Bem... Ingrid não estava mesmo exagerando. O


homem apoiado no meu carro certamente era um dos mais
bonitos do mundo. E um que me provocava um sorriso
enorme.

— Ah, Dio Santo! É Alessio! — Eu falava italiano o


tempo todo com minha mãe em casa, porque ela quisera
que eu fosse alfabetizada em duas línguas. Como nasci
nos Estados Unidos, cheguei a aprender o inglês também.
Algumas vezes xingava em três línguas diferentes ou
deixava escapar alguma coisa, por força do costume.

— Alessio? Seu irmão?

Assenti para ela e saí correndo, indo parar nos


braços dele, que me tirou do chão em um abraço efusivo.
— Ahhhh! Mi sei mancato tanto! — disse a ele que
senti sua falta, enquanto recebia o melhor abraço do
mundo.

— Anch'io, sorellina — “eu também, irmãzinha”,


respondeu.

Afastamo-nos, e eu coloquei as mãos no rosto dele.

Fazia uns bons cinco anos que não nos víamos,


desde a última vez em que viera ao Brasil, me visitar. E
aquele tempo fez bem a ele.

Os cabelos estavam mais compridos um pouco,


cacheados como os de um anjo, mas caindo quase até o
pescoço. Os olhos eram do azul mais cristalino, como o
céu, e ele tinha um sorriso de desmontar qualquer um.

Saí de Los Angeles, onde meu pai morava, aos


quatro anos, quando minha mãe praticamente nos
arrancou de lá, depois de uma separação que se tornou
um escândalo, pelo que ela me contara. Sabia muito pouco
do tipo de vida que minha família levava, mas tinha minhas
desconfianças. Sempre respeitei a decisão da minha mãe
de não me envolver em nada, e também não quis
pesquisar.

Eu pouco falava com meu pai. Enrico, meu irmão


mais velho, era um enigma para mim. Stefania trocava
mensagens muito educadas, enviava-me presentes no
meu aniversário e curtia minhas fotos e postagens, mas
era com Alessio que eu conversava constantemente. Tanto
por chamadas de vídeo quanto por telefone.

Tínhamos idades próximas – eu com vinte e três, e


ele, com vinte e sete –, e eu me lembrava dele sendo um
menininho carinhoso, que cuidara de mim quando nasci.
Era meu protetor, meu irmãozão mais velho. Enrico deveria
ter assumido esse papel, mas a diferença de idade entre
nós era muito grande, e ele estava sendo treinado para
assumir os negócios do nosso pai, mesmo desde muito
jovem, o que nunca entendi.

— O que está fazendo aqui? — perguntei em


italiano, percebendo que minha amiga se aproximava.

O rosto dele ficou sério demais, o que me


preocupou.

— Precisamos conversar. Mas não na sua


faculdade.

— Quer ir a algum lugar, para comer?

— Gostaria que estivéssemos em um local mais


seguro. Podemos ir ao hotel onde estou hospedado?

Meu estômago se revirou, com a certeza de que não


poderia ser nada bom. Alessio tinha saído de Los Angeles
só para falar comigo? Ou aproveitara alguma outra ocasião
para me visitar?

Ainda assim, tinha alguma notícia, sem dúvidas.


— Podemos, claro. — Então me voltei para Ingrid,
rapidamente, em português: — Acho que vamos ter que
adiar o almoço. Meu irmão quer conversar comigo.
Prometo que te apresento a ele em outra oportunidade.

— Claro, amiga. — Ela colocou a mão no meu


ombro, já percebendo que a situação era séria. — Depois
me avisa se está tudo bem...

Assenti, nós trocamos um beijo no rosto, e eu segui


Alessio até o carro que tinha alugado. Sem dúvidas era até
uma humilhação ele andar no meu. Sem contar que ficaria
completamente apertado lá dentro, sendo um homem de
quase um metro e noventa.

Fui o caminho todo muito nervosa, especialmente


porque Alessio era muito falante, mas nem tentou puxar
papo. Quanto mais avançávamos, chegando à orla do Rio
– onde ele estava hospedado –, mais minha ansiedade se
tornava latente. Conforme subíamos no elevador, o silêncio
se tornou quase insuportável, tanto que quando abriu a
porta do quarto e entramos, eu joguei minha bolsa sobre a
mesa e parei diante dele, com as mãos na cintura.

— Chega de me enrolar, Alessio. O que houve?

— Não é melhor você se sentar?

— O caralho que é. Estou nervosa.

— E continua boca suja... — Ele abriu um sorriso


melancólico, e eu o olhei com uma sobrancelha arqueada,
sem muita paciência. — Ok, ok. Eu sinto muito ser o
mensageiro de uma má notícia, mas Stefania sofreu um
acidente...

— O quê? — Arregalei os olhos, levando uma das


mãos à boca. — Ah, meu Deus! Ela... ela está bem? Ela...

— Não, sorellina. Nossa irmã se foi... — Alessio


verteu algumas lágrimas, e eu fiquei por algum tempo
paralisada, absorvendo a notícia.

Assim que a ficha caiu, levei uma das mãos


exatamente à mesa onde deixei minha bolsa, tentando me
firmar, completamente atordoada.

Minha irmãzinha caçula... Aquela coisinha doce, que


mais parecia uma boneca de porcelana... Como era
possível? Ela só tinha vinte anos.

Quando as lágrimas surgiram, meu irmão me tomou


em seus braços, bem apertado, e eu me refugiei neles,
encostando-me em seu peito. Ele tivera muito mais contato
com Stefania do que eu, provavelmente seu sofrimento era
maior, mas naquele momento nós nos demos forças,
porque não importava que eu não a conhecesse a fundo, a
garota era minha irmã. Sangue do meu sangue.

— Como estão papai e Enrico? — perguntei assim


que nos afastamos.

— Nosso pai é... bem... é nosso pai. — Foi uma


informação que eu compreendi muito bem. Massimo
Preterotti era focado nos negócios, em sua vida
profissional, nunca tivera muito tempo para nós, com
exceção do meu irmão mais velho, seu herdeiro. — Enrico
é o nosso Cavaleiro das Sombras — explicou, com um
sorriso desanimado.

— Cavaleiro das Sombras?

— Foi assim que passaram a chamá-lo. Vai


entender quando revê-lo. Mas os dois são fortes.

É, eu sabia. Mas “fortes” era uma palavra gentil.


Talvez insensíveis fosse a que eu usaria.

— Foi muita gentileza sua vir ao Brasil me avisar.


Não precisava... — Afastei-me um pouco mais do meu
irmão, percebendo que ele não tinha sequer desfeito as
malas. Parecia, na verdade, que tinha chegado há poucas
horas e ido direto me ver.

Era o tipo de consideração que eu sabia que, na


minha família, apenas Alessio poderia ter.

— Para ser sincero, sorellina, não foi só por isso. —


Lancei um olhar para ele, com atenção. — Eles me
enviaram para te buscar.

Franzi o cenho, confusa.

— Me buscar? Mas como assim?

Alessio respirou fundo, passando a mão pelos


cabelos cacheados e se colocando de costas para mim,
como se não quisesse me olhar nos olhos.

— Nosso pai quer conversar com você. Já que


Stefania morreu... e...

— Sem rodeios, Alessio — afirmei com um tom


firme, grave.

Ele virou e se voltou para mim outra vez. Em seu


rosto, uma visível expressão de cachorro sem dono, que
era sua especialidade. Continuei a me preocupar.

— Stefania estava de casamento marcado para


daqui a um mês.

— Ela só tinha vinte anos!

— Sim, mas era um casamento de conveniência. Foi


prometida a um homem. Um homem importante, poderoso.

Soltei uma risada amarga.

— Essas coisas existem fora dos livros?

— No meio em que vivemos, sim.

Eu tinha algumas desconfianças a respeito das


coisas que meu pai e meus irmãos faziam. Não era idiota,
até porque eles eram italianos. Por mais que vivessem nos
Estados Unidos, todos eles tinham nascido na Sicília,
inclusive eu, já que meu pai conheceu minha mãe em uma
de suas temporadas por lá. Ela era imigrante brasileira e
trabalhava como garçonete em um bar. Aparentemente
fora uma paixão louca, quase à primeira vista.

— Seja como for — Alessio continuou —, o


casamento de Stefania era muito importante, não apenas
para uma questão de negócios, mas porque há um grupo
extremista que tem planos de tirar nosso pai do poder.

— De que poder, Alessio? — finalmente perguntei.


Se ele estava falando tudo aquilo para mim era porque
queria que eu soubesse alguma coisa, então talvez
estivesse na hora, de fato, de descobrir.

— Deanna, como disse, sou só o mensageiro. Não


posso te dizer mais do que o que vim dizer, e já é muito.
Insisti para ser eu, porque queria estar presente e te
proteger; te fazer sentir mais segura.

— Como assim? Do que você está falando?

— Você precisa ir comigo para Los Angeles,


sorellina. E infelizmente eu não posso te dar opção. Não é
o que eu queria, mas, assim como a você, também não me
deram opção.

Dei um passo para trás, começando a achar tudo


aquilo muito estranho.

— Alessio, do que...? — Não consegui terminar a


frase, porque dois homens todos de preto saíram da suíte
do quarto. Um deles segurava algo na mão que parecia
muito uma seringa. — Alessio? — chamei novamente o
meu irmão, com os olhos arregalados, em completo
pânico.

Mesmo confusa, tentei correr em direção à porta,


mas ele me segurou.

— Scusami, sorellina. Estou aqui. Vou cuidar de


você.

Tentei me soltar de suas mãos, mas o homem com a


seringa veio na minha direção, espetando-me com uma
agulha bem no pescoço, o que me fez gemer com a picada
e com medo.

Eu estava prestes a ser sequestrada! E não fazia


ideia do motivo...

Não demorou nem um minuto inteiro para eu sentir


meu corpo completamente mole, logo após a injeção. Meu
irmão me segurou e me ergueu em seu colo, agarrando-me
com firmeza.

— Repito, Deanna: estou aqui para cuidar de você.


Era inevitável, mas eu precisava estar com você.

Queria perguntar por que era inevitável, mas eu já


não tinha mais forças para isso. Só deixei minha cabeça
pender no ombro de Alessio e me entreguei à escuridão,
enquanto ele sussurrava que tudo ia ficar bem.

Mas eu tinha a impressão de que não ia. De jeito


nenhum.
CAPÍTULO QUATRO

Não me diga que você sente muito


Apenas diga uma coisa para me impedir
Me ajude a quebrar o silêncio
Venha e me salve de mim mesmo
SAVE ME – OMRI

A consciência ia e vinha, mas eu não tinha a menor


noção do tempo dos intervalos entre acordar e apagar
novamente. Quando começava a querer despertar por
completo, outra picada me derrubava.

Às vezes sentia que alucinava, porque me vi em um


avião, com o banco reclinado, e Alessio sempre por perto,
checando cada estágio do meu processo.

Ao acordar, de vez, a primeira coisa que reparei foi


em um lustre de bronze pendendo do teto. Ele era luxuoso
a ponto de ser brega, com lâmpadas que imitavam velas,
mas que naquele momento estavam apagadas.

Fui olhando ao redor e vi paredes em tons de cinza,


além de uma cortina clara, que parecia cobrir uma sacada.
Queria me levantar para olhar tudo com mais atenção, mas
precisei de alguns instantes para me recompor.

Sei que mais uma vez caí no sono, o que fez com
que minha força se recuperasse um pouco mais,
permitindo, ao menos, que me sentasse.

Dei mais uma olhada pelo quarto, deparando-me


com uma decoração simples, mas bonita. Com exceção do
lustre, é claro.

Abajures combinando com a cor da colcha que me


cobria, em um tom de azul-royal, uma mesa de madeira em
um canto, armários claros e uma penteadeira. Não era
exatamente um quarto feminino, mas neutro. Como se
tivesse sido separado para um hóspede.

Só que eu não fazia a menor ideia de onde estava.

Respirei fundo, tentando me livrar da onda de enjoo


que veio com a leve vertigem que fez minha cabeça girar,
no momento em que tentei me levantar. Segurei-me na
cabeceira da cama, firmando-me de pé e percebendo que
estava usando uma espécie de camisola de algodão
branca, algo que eu nunca vestiria no meu dia a dia, já que
gostava de pijamas confortáveis e era adepta do jeans e da
camiseta com tênis.

Escorando-me na parede, fui caminhando até a


porta que parecia longe demais. Quando levei a mão à
maçaneta, estava trancada.
O pânico começou a crescer dentro de mim,
enquanto olhava ao redor do quarto e percebia que eu era
uma prisioneira ali dentro.

Assim que esse entendimento veio como um soco


no meu estômago, fui me lembrando dos últimos
acontecimentos que minha memória conseguia acessar.

A ida de Alessio ao Brasil.

Nossa conversa no hotel.

A notícia da morte de Stefania.

O sequestro...

Tirando forças nem sabia de onde, comecei a mexer


na fechadura e a bater na porta com meus punhos, mas
nada aconteceu. Apressei ao máximo os meus passos, em
um rompante de instinto de sobrevivência, em direção à
sacada, mas esta também estava trancada. Embora fosse
de vidro, eu precisaria quebrá-lo. Sem contar que era uma
altura considerável. Três andares, talvez.

Eu sabia muito bem onde estava: na casa do meu


pai. Aquele quarto ali fora meu um dia, mas com uma
decoração mais infantil. Fora reformado, recebera móveis
adultos, mas a disposição e a vista eram as mesmas.

Eu estava em Los Angeles! Tinha sido levada até lá


contra a minha vontade!
Girei rapidamente em direção à porta, no momento
em que ela foi aberta, mas esse movimento brusco,
somado aos outros, mais a quantidade de sedativos que
tinham me dado, me fizeram ir ao chão.

— Ah, merda! — Era a voz de Alessio novamente.


Este veio correndo até mim, tirando-me do chão com
cuidado e outra vez me pegando no colo. — Você se
machucou, sorellina? Perdão por isso. Perdão. Eu não
queria... Mas se não fosse eu, eles iriam buscá-la de
qualquer jeito. Não houve escolha, Dee.

Deixei que me colocasse na cama novamente, e


quando olhei para o outro lado, enxerguei meu pai e
Enrico.

Se fazia cinco anos que não via Alessio, aqueles


dois eu poderia jurar que não encontrava há mais de dez.
Desde que minha mãe me levou para o Brasil, quase
fugida – e eu nunca soube o motivo – houve apenas uma
visita deles, em companhia de Stefania. Tivemos alguns
passeios como “família”, e eu sempre os amei, apesar da
distância. Mas naquele momento só conseguia sentir ódio.

— Você mandou me sequestrar — afirmei em um


tom de voz ainda frágil, sentada na cama, me recuperando.

— Foi por uma causa importante. Não podíamos


perder tempo tentando te convencer — meu pai falou com
autoridade, muito sério.
Lancei um olhar para Enrico, vendo-o todo vestido
de preto – calça, blusa de botões, sobretudo até o pé. Os
cabelos lisos e castanhos, mais longos que os do irmão,
estavam penteados para trás, e os olhos eram os mesmos
de Alessio. Fazia jus ao apelido de Cavaleiro das Sombras
– disso eu nunca poderia duvidar.

Meus irmãos eram homens lindos, e a maturidade


só lhes fez bem.

Infelizmente a aparência não condizia com caráter, e


eu me sentia traída.

— O que estou fazendo aqui? — quase rosnei.

— Você veio salvar sua família.

Abri um sorriso bastante debochado.

— Não é explicação suficiente. Vai precisar elaborar


um pouco mais, papà — usei a palavra com desdém.

Ele começou a andar, aproximando-se de mim. Os


três homens, então, estavam posicionados
estrategicamente para me cercar. Isso começou a me
causar uma sensação de claustrofobia, embora o quarto
fosse grande demais para isso.

— Sei como é direta, Deanna, então vou ser


também. Você precisa se casar no lugar da sua irmã. Com
o noivo dela. O chefe da Cosa Nostra em Nova Iorque.

O quê?
Chefe da Cosa Nostra?

Da máfia?

Ok, se eu estivesse com a cabeça um pouco menos


atordoada, diria que aquilo fazia todo o sentido.

Nunca duvidei que houvesse algo de ilícito nos


negócios do meu pai, e no fundo eu sabia que tinha ligação
com a máfia, principalmente pelo fato de minha mãe não
querer se aprofundar nas coisas que me contava sobre ele.
Só que sempre me pareceu algo muito distante, levando
em consideração que mal tinha contato com ele. Cada um
viveria sua vida da forma como quisesse, e eu preferia não
ficar imaginando que vinha de uma família de criminosos
que matava e torturava sem piedade.

Mas lá estava eu, no meio de tudo aquilo, sendo


literalmente arrastada para um mundo que nunca tive
curiosidade nem vontade de conhecer.

O desespero começou a borbulhar dentro de mim,


como água fervendo, e isso me fez levantar da cama em
um pulo, correndo na direção da saída. Precisei passar por
Enrico para isso, e até jurei que iria me segurar, mas meu
irmão nada fez.

O problema era que eu sabia que não conseguiria


sair daquela casa, mas ao menos pensei que conseguiria
chegar ao corredor.
Havia dois homens na porta – os mesmos que foram
com Alessio me buscar no Brasil – que me agarraram e me
seguraram pelos braços, levando-me de volta à cama, à
força.

— O que está fazendo, pai? Isso é loucura!

— Eu te conheço, Deanna. Tem um espírito igual ao


da sua mãe. Vai ficar aqui para me ouvir ou será sedada de
novo. Isso eu não quero.

— Papà... Ela não pode ser uma prisioneira aqui! —


Alessio reclamou ao meu lado, mas imaginava que ele não
tinha tanta opinião naquela situação.

— Se não for assim, será pior. Não se meta, Alessio!


— meu pai falou para ele e então se voltou para mim
novamente. — É um caso de vida ou morte, menina.
Pessoas irão morrer se baixarmos a guarda. Pessoas que
te viram crescer. Pessoas como a sua irmã.

Aquilo me atingiu em cheio.

— Você acha que Stefania...

— Não acho, tenho certeza. Eles queriam


interromper o casamento de qualquer forma. E vão fazer
de tudo para destruir a ligação dos Preterotti com os
Ungaretti. Para isso, há outras pessoas inocentes
envolvidas. Esposas de capos. Crianças. Fiquei estes anos
todos protegendo você e sua mãe, garantindo que nunca
seriam um problema para a Cosa Nostra, por não terem
qualquer interesse em nos trair. Acha mesmo que te tiraria
de sua vida se não fosse por um bem maior?

Cosa Nostra...

Bem maior...

Aquelas palavras mal pareciam fazer sentido.


Aquela não era a minha vida. Estar cercada em um quarto,
como uma prisioneira, depois de ser sequestrada,
enquanto meu casamento era negociado sem o meu
consentimento. Um casamento com um chefe da máfia!

Quem seria aquele homem. O que ele iria querer de


mim?

O que iria fazer comigo?

— E se eu não concordar? — indaguei, erguendo


minha cabeça, sentada na cama e tentando manter minha
dignidade ao máximo.

— Mesmo comigo dizendo que há pessoas


inocentes em perigo?

Respirei fundo, tentando encontrar, dentro de mim, o


egoísmo suficiente para sair daquela situação. Até onde
sabia, eu também estaria em perigo se me unisse a um
homem que mal conhecia e que tinha potencial para ser
um psicopata.

— Mesmo assim — respondi, sem muita firmeza.


Isso deixou meu pai transtornado. Tanto que
precisou se virar, sem me encarar, lançando um olhar para
Enrico. Não era possível que nenhum dos meus irmãos
fosse fazer nada!

— Sinto informar, Deanna, mas vai ser como


quisermos — foi a resposta dele.

— O quê?

— Vou chamar uma das nossas funcionárias para te


ajudar a se trocar. Em uma hora vai encontrar com Dominic
Ungaretti para conversar. Ele disse que quer te conhecer.

Meu Deus! Não era possível! Não era possível que


aquilo estivesse mesmo acontecendo!

Fazendo um sinal, meu pai gesticulou para Enrico e


Alessio. Meu irmão mais velho me lançou um olhar, sem
nenhuma emoção, e apenas deu as costas. Eu sequer ouvi
sua voz, desde que entrara.

Alessio se aproximara, dando um beijo na minha


testa e novamente tentando demonstrar que estava com
pena de mim.

Grande merda!

Os três tinham me traído.

— Vocês não podem fazer isso! Não podem! —


gritei a plenos pulmões, saindo correndo em direção a eles,
mas sendo novamente segurada pelos capangas que
bloqueavam a saída.

Meu pai sequer me respondeu, apenas saiu,


enquanto os homens também se afastavam, me deixando
lá dentro, trancada, enquanto todo mundo ao meu redor
decidia o meu destino.
CAPÍTULO CINCO

Tão próxima que você a escuta ronronando


Tão próxima que ela sente o cheiro do seu medo
Não perto o bastante para se perder
Cuidado - a leoa está perto
THE LIONESS – XANDRIA

Eu estava sentado na tal cadeira de espaldar alto de


Massimo, que desde o primeiro momento achei que
parecia um trono. Vesti-me apenas com uma camisa
branca, uma calça social e nem coloquei um paletó. Achei
que pareceria mais acessível daquele jeito, para conhecer
a minha noiva.

Puta que pariu, que piada!

Eu ia conhecer a garota, vê-la pela primeira vez, um


mês antes do casamento.

Os Preterotti não me contaram muito sobre como foi


a conversa com ela, e eu achei estranho que tivesse
topado tão rápido, sendo uma mulher que vivia
completamente afastada das nossas tradições desde tão
pequena.

Só que no exato momento em que a porta se abriu,


e que ela apareceu, não parecia tão propensa assim a
conversar, tanto que estava sendo praticamente arrastada
por dois soldados de Massimo, que a seguravam pelos
braços com força.

— Mas que diabos é isso? — Olhei na direção do


homem mais velho, o pai dela, enquanto a garota era
colocada na minha frente. Cheguei a empertigar meus
ombros.

— Sua noiva, Dominic. Ela é um pouco rebelde, mas


temos esperanças de que vá te ouvir.

Com o cenho franzido, tudo o que enxerguei foi a


mesma bela mulher que vi no retrato, mas, diferente da
imagem, onde ela parecera relaxada e feliz, eu poderia
jurar que, naquele momento, ela estava mais do que pronta
para pegar uma faca e enfiar no meu peito, só para não
conversar comigo.

Não era o que eu esperava, definitivamente. Não


imaginava encontrar uma mulher que estivesse à minha
frente completa e claramente contra a vontade dela.

— Isso é ridículo. Não vou concordar com isso! —


Levantei-me da cadeira e me dirigi à saída do escritório,
que foi bloqueada. — Levei a mão rapidamente ao meu
coldre. Por mais que confiasse nos Preterotti, não poderia
amolecer. — Estão tentando fazer isso com a pessoa
errada — alertei em um tom quase jocoso.

— Só tente, Dominic.

— Não costumo obrigar mulheres a se relacionar


comigo, Massimo. Muito menos se casar. Como ela vai
para o altar? Algemada?

— Nós vamos convencê-la. Precisamos da sua


ajuda. Só... tente — Massimo insistia. Eu achava tudo
aquilo muito absurdo, mas bufei e voltei para dentro do
escritório.

Naquele momento era como matar ou morrer. As


escolhas não eram simples, o que me levava à decisão de
dançar conforme os Preterotti estavam me propondo.

Voltei-me na direção da mulher, mantendo-me sério


e tentando ignorar todo o resto. Era meu papel agir como o
homem de poder que eu era.

— Aproxime-se — falei para ela.

— Vai a fartifottere.

Vá se foder.

Foi a primeira coisa que minha futura esposa falou


para mim, em nosso primeiro encontro.

Romântico, eu diria.
— Eloquente você, querida.

— Não me chame de querida — ela falou por entre


os dentes. Furiosa.

Bem tentadora.

— Ok, sem problemas. Vou ter que arrumar outro


apelido que combine. Acharei um, mas vou te deixar
curiosa por um tempo... — Mantive o cinismo, não só
porque era a forma como eu melhor lidava com as coisas,
mas também porque em meio a todos aqueles absurdos,
bater de frente com ela não parecia uma má ideia.

Sem contar que era ainda mais bonita


pessoalmente, por mais que estivesse usando um vestido
que era maior do que seu corpo – suspeitava que fosse de
Stefania. Havia uma particularidade na moça também: ela
era pequena. No momento em que me coloquei de pé,
pude perceber, mesmo à distância, que sua cabeça
chegava no máximo ao meu peito.

— Aproxime-se — repeti, mas ela ficou parada no


mesmo lugar.

Os homens que a cercavam seguraram seus braços


novamente e fizeram menção de trazê-la a mim à força. A
jovem leoa se debateu com gana a ponto de o casaco fino
que usava escorregar de seu ombro e deixá-lo à mostra.

— Soltem-na — rosnei, mas mantendo meu tom e


meu rosto impassíveis.
Meu rompante pareceu surpreender até mesmo
Deanna.

— Não me lembro de ter dado ordens para ela ser


trazida a mim à força — falei, voltando-me novamente para
Massimo, que ainda estava parado na porta. Nem Enrico e
nem Alessio estavam presentes.

— Repito, Dominic: é isso ou nada — Massimo


disse.

E estávamos falando da filha dele.

Dei mais alguns passos na direção dela e jurei que


iria recuar, mas a leoa permaneceu parada, erguendo a
cabeça, altiva.

Linda.

Se antes tinha pensado que ela era o tipo de mulher


que me faria olhar duas vezes, estava enganado. Era mais
do que isso, eu me sentia impactado.

Fiz um único gesto para os dois homens se


afastarem, mas entendi que eles não iriam muito longe, por
ordem de Massimo. Ainda assim, eu tentaria conversar
com a moça.

— Você sabe quem eu sou? Seu pai ou seus irmãos


falaram algo sobre mim?

— Sei pouco. Além de ser um criminoso, precisa de


vários homens para se proteger de uma mulher que tem
metade do seu tamanho.

Seria impossível fingir que não me divertia. E eu


tinha trocado pouquíssimas palavras com ela.

— Você sabe quem somos? Eu, seus irmãos e seu


pai? Sabe sobre o que fazemos?

— Tenho uma ideia.

— Já ouviu falar sobre a Cosa Nostra?

— Eu assisti O Poderoso Chefão.

Precisei rir de novo, porque ela realmente era


espirituosa.

— Talvez você precise aprender uma coisa ou outra.

— Não quero aprender nada. Quero que vocês me


deixem ir embora! Não quero fazer parte dessa loucura —
ela gritou, irritada.

Lancei mais um olhar para Massimo, erguendo uma


sobrancelha. Aquilo daria um pouco mais de trabalho do
que pensei.

— Ninguém te explicou a razão de tudo isso?

— Tem alguma razão sensata e lógica para


sequestrarem uma mulher e a levarem para outro país para
se casar?

— Sequestrada? — cheguei a cuspir a palavra.


Ninguém me respondeu nada.

Não fora o que eu tinha em mente, de fato.

Porra, eu, definitivamente, não queria uma noiva


que estivesse ali contra a vontade. Era ridículo, humilhante
e muito sombrio, até mesmo para mim.

— Olha, Deanna... eu não concordei com isso.

— Não precisa fingir que é o bom moço.

Inclinei-me na direção dela, aproximando nossos


rostos. Apesar de eu não gostar nem um pouco da forma
como as coisas estavam acontecendo, aquela garota não
iria me manipular.

Com um sorriso de canto, respondi:

— Por quê? Você gosta dos vilões, leonessa? —


Leoa era o apelido perfeito para ela, então eu iria usá-lo.
Só que a malícia que coloquei na pergunta talvez tivesse
sido ousada demais, porque levei um belo tapa no rosto.

Fechei os olhos por um segundo, enquanto absorvia


a ardência na bochecha, com a cara inclinada para o lado,
mas os abri quando ouvi um grunhido feminino, que
provavelmente era de Deanna.

Os soldados tinham novamente agarrado seus


braços e a estavam tirando do escritório.
— Não! — exclamei, sentindo-me até atordoado
com tudo aquilo. Eu lidava com homens de todo tipo, com
o caos das torturas, com negociações perigosas, mas com
o que estava acontecendo com aquela mulher? Estava
começando a ficar demais para mim. — Eu vou sair.
Preciso de alguns minutos.

Na verdade, o que eu queria mais era tirar a limpo a


história de sequestro. Queria entender o que tinham feito, o
que esperavam que eu fizesse.

Não era possível que quisessem que eu carregasse


minha noiva amarrada pelo corredor até o altar e que a
obrigasse a dizer sim.

Compreendia que aquele casamento era importante,


que significava a manutenção da paz que conhecíamos –
ou o mais próximo disso que tínhamos conseguido chegar
– e as vidas de muitas pessoas. Ainda assim...

Lancei um olhar para a garota, e os dois homens


continuavam segurando-a. Ela estava cansada de lutar,
provavelmente afetada por toda a loucura que sua vida se
tornara.

Mas era uma leoa. Isso, sem dúvidas.

Saí do escritório da casa de Massimo, batendo a


porta. O homem vinha atrás de mim, mas levantei um
dedo.
— Não quero falar com você. Chame Enrico e
Alessio. Vou esperá-los no quarto onde estou dormindo.

Ele falou mais alguma coisa, mas não prestei


atenção e só segui, subindo as escadas e me fechando no
cômodo, levando as mãos à cabeça.

Que merda de loucura que a vida tinha se tornado.

Que merda de loucura!


CAPÍTULO SEIS

Não me tente, diabo


Não pode me comprar, diabo
Você não vai fazer de mim uma tola, oh não
O que te faz tão especial
Para pensar que eu cederia
À essa dança demoníaca entre você e eu, diabo, diabo?
DEVIL, DEVIL – MILCK

Cheguei ao quarto, tentando respirar um pouco e


batendo a porta. Queria lançar algo na parede, esperando
que isso também servisse como terapia, mas precisava me
controlar. Para o meu próprio bem.

Fiquei alguns instantes andando de um lado para o


outro, até que ouvi o ranger da porta que eu tinha acabado
de bater e ver os dois irmãos Preterotti entrarem.

— Que diabos foi aquilo? — rosnei, apontando para


a parede, na exata direção de onde ficava o escritório,
como se quisesse indicar a cena que acontecera pouco
antes.
— Aquilo? É Deanna. Agora você a conhece —
Alessio foi quem respondeu.

— Não estou falando da mulher! — por mais que ela


certamente devesse ser levada em consideração. — Estou
falando da situação. Não fui informado de que ela chegaria
daquele jeito para mim. Ela foi mesmo sequestrada?

Alessio coçou a cabeça, enquanto Enrico continuava


em pé, calado, muito sério.

— Sim. Eu fui buscá-la, porque não tive coragem de


deixá-la sozinha com os soldados, já que seria trazida de
uma forma ou de outra. Não que fossem lhe fazer mal, mas
poderia ficar assustada.

— Era mais fácil ela assustá-los — comentei, em


uma tentativa de um péssimo humor ácido. — Como
acham que posso convencer uma mulher a se casar
comigo nessas condições?

— Nosso pai está disposto a obrigá-la de qualquer


forma.

— Isso é ridículo! — Dei uma risada amarga. —


Vocês estão mexendo em um vespeiro. Aquela mulher não
vai se conformar a não ser que haja um bom motivo para
isso.

— A mãe dela — Enrico falou, como se fosse a voz


de uma assombração.
Tanto eu quanto Alessio olhamos para ele. Como o
Cavaleiro das Sombras que era, sem sorrir, com um tom
sereno de quem nunca explodia.

— O que tem a mãe dela?

— Rico, você não pode sugerir que... — Alessio


começou a falar, mas Enrico o interrompeu.

— A mãe dela faz hemodiálise. Está esperando por


um transplante de rim.

Afastei os olhos deles dois, pensando naquela


informação.

— Você não pode usar essa informação para


chantageá-la, Dominic! — Alessio afirmou.

— Não pode julgar absolutamente nada, Alessio, já


que participou de toda essa merda que seu pai mandou. —
Fiz uma pausa, coçando a barba, ainda refletindo. — Não
vou chantageá-la com isso, mas acho que podemos ajudar
um ao outro.

— Ela não parecia nem um pouco propensa a


ajudar.

— Não, não parecia. Mas quero ter a chance de


falar com ela. Sozinho. Avise ao seu pai. Não quero nem
ele e nem seus soldados por perto.

Alessio assentiu, pronto para descer. Novamente


fiquei sozinho com Enrico, que deixou mais uma
mensagem:

— Ela seria capaz de qualquer coisa pela mãe.


Acho que pode estar no caminho certo. Só cuidado com o
que vai fazer.

Com isso, ele saiu também, dando-me um pouco de


tempo para pensar.

Não muito, porque não podíamos demorar com


todas as decisões. Era necessário falar com o conselho,
fazer o anúncio, uma festa de noivado e começar os
preparativos. Nada podia ser pequeno na Cosa Nostra,
especialmente quando se tratava de um dos principais
chefes.

Quando desci, porém, a primeira coisa que ouvi


foram novamente os resmungos de reclamação de
Deanna. Enrico parou diante do meu caminho, com as
mãos para trás, como um guardião.

— Tem uma condição para que converse com ela


sem seguranças e sem um de nós por perto.

— Qual seria?

— Vai ver.

Quase empurrei o homem, avançando na direção à


porta e entrando. A primeira coisa que vi foi a garota
algemada à cadeira, com os cabelos por sobre o rosto,
esperneando e ainda lutando.
— Isso é ridículo! Vocês não podem fazer isso
comigo! — ela gritou.

E estava certa. Lancei um olhar para Enrico, mas


sua expressão me dizia que eu não deveria me meter na
situação. Alessio não estava nem por perto.

— Isso é inconcebível! — rosnei, irritado. — Não, eu


não posso aceitar.

— Está no nosso território, Dominic, vai ter que


aceitar nossas condições.

Lancei um olhar para Deanna, e ela não estava


assustada, mas puta da vida.

— Soltem-na. Agora — falei com calma, tentando


manter a paciência.

— Foda-se. Querem que seja assim, que seja — ela


falou, manifestando-se. — Não pretendo colaborar com
nada, seja desse jeito ou de qualquer outro.

Não respondi nada, mas vi a movimentação ao


nosso redor.

— Estaremos do lado de fora, Dominic — Massimo


alertou, passando por mim, levando seus soldados, e
fechando a porta.

Encarei a mulher, que moveu a cabeça para afastar


os cabelos dos olhos verdes que estavam em fúria. Apesar
disso, ela não conseguiu ajeitar a alça do vestido e nem o
casaco que deslizou por seu braço. Com um pouco mais
de movimentos, uma parte do seu seio ficaria à mostra.

Precisava ganhar sua confiança de alguma forma


para que tivéssemos uma conversa que fosse além de
ofensas, algo que eu poderia jurar que ela estava ansiosa
para lançar para mim.

Ergui minhas mãos em rendição, aproximando-me


dela, como se me aproximasse de um animal selvagem.

Os lábios de Deanna estavam entreabertos, porque


ela respirava profundamente, não tirando os olhos de mim,
esperando o que eu ia fazer. Estendi a mão, segurando
sua alça com um único dedo, o máximo para não tocá-la,
ajeitando-a e devolvendo-a ao lugar.

Afastei-me dela mais uma vez, com as mãos


erguidas, realmente oferecendo-lhe uma trégua.

— Vamos conversar? — indaguei, com cuidado.

— Não tenho escolha, aparentemente. Aliás, vocês


estão facilitando muito a minha decisão sobre esse
casamento. Dopada, sequestrada, algemada...? Vai ser a
minha rotina?

— Pode achar difícil de acreditar, mas eu não sabia


de nada disso.

— Alessio me disse. Não melhora muito a sua


posição no meu conceito.
— Você não me conhece.

— Não é exatamente difícil tirar conclusões,


sabendo que é o tipo de coisa que você faz.

— Eu não sequestro mulheres. Além do mais, seu


irmão está no mesmo meio, e você parece gostar dele.

— Não sei se gosto muito mais.

— Mas gostava até agora.

Deanna ficou calada, suspirando, dando-se por


vencida.

— Touchè.

Ok... ela tinha cedido um pouco. Era um começo.

Afastei-me, encostando o quadril na mesa, cruzando


os braços e as pernas, unindo meus tornozelos.

— Eu não concordo com essa abordagem, Deanna.


Meu jeito de resolver será completamente diferente, por
isso quero negociar.

— Como? Vai me amarrar com cordas e não me


algemar? Já é bem diferente, concorda? — provocou. Eu
gostava daquele jeito dela.

— Gosto de algemar e amarrar minhas mulheres,


mas só quando elas consentem.

Aquilo foi suficiente para deixá-la surpresa.


Mas eu precisava que a conversa continuasse:

— O que quero propor é uma troca justa. Posso


ajudar sua mãe, caso me ajude também.

À menção da outra mulher, Deanna novamente se


agitou, começando a se debater.

— Não coloque minha mãe no meio disso!

— Não estou fazendo isso sem respeito, leonessa.


Estou te oferecendo algo justo. Talvez não seja a forma
como você imaginou, mas temos condições de conseguir
que esse transplante da sua mãe seja feito um pouco mais
rápido.

— De forma ilegal? — ela quase cuspiu as palavras.

— Pode salvar a vida dela. Isso importa quando se


trata de quem amamos? Eu não tenho mais ninguém,
Deanna. Se estivesse no seu lugar, provavelmente não
pensaria duas vezes — eu não costumava abrir meus
sentimentos daquela forma, mas acreditei que se tratava
de algo necessário para o momento, levando em
consideração que precisava convencê-la a qualquer preço.

— Mas o preço é ficar casada com você para o resto


da vida.

— Podemos estabelecer um tempo. Até as coisas


melhorarem.

— E se não melhorarem?
— Elas vão. Não sem um pouco de sangue e sem
que precisemos sujar as mãos, mas vamos dar um jeito. E
então você estará livre de mim.

Ela ficou em silêncio, parecendo analisar a proposta.

— E herdeiros? — perguntou, com cuidado.

— É uma questão delicada. — Cocei a sobrancelha


com o polegar, ainda apoiado à mesa.

— Delicada? É uma questão imprescindível de ser


discutida. Eu não vou transar com você — ela falou com
tanta decisão que cheguei a levar a mão ao peito, em uma
atitude debochada, porque não costumava ser rejeitado
daquela forma.

— Acredito que a questão do herdeiro possa ser


discutida depois. Encontraremos um jeito.

Deanna ficou em silêncio de novo e se remexeu na


cadeira, procurando uma posição melhor, mas gemendo de
incômodo.

— Você vai me obrigar a ir para a cama com você?


— Foi a primeira vez que eu a vi assustada. Nem quando a
agarraram ou a prenderam, ela não perdeu a altivez. Ao
pensar que poderia ser violentada, ela vacilou.

— Não. Isso eu posso te garantir. Mas isso não


anula a hipótese de nós dois querermos — falei com
firmeza.
Ela me atraía, sem dúvidas. Eu não negaria que
seria interessante tornar isso um desafio.

— Não vai acontecer. Mas sobre o casamento, não


acho que eu tenha muito escolha nesse sentido também,
não é?

— Seu pai está irredutível.

— E se você também não aceitar?

— Infelizmente não é uma escolha para mim


também. Pode significar vida ou morte para pessoas que
não merecem estar em perigo.

Ela ficou em silêncio, chegando a olhar para baixo,


ponderando.

— Vai mesmo ajudar com a minha mãe?

— Tem a minha palavra. E ela não é leviana. Apesar


de tudo o que pode pensar de nós, somos homens de
honra.

— Claro... — Sua expressão demonstrava deboche.


— Mas seja como for, quero sair dessa cadeira... —
Deanna hesitou, até que completou com um suspiro: — E
quero que minha mãe fique bem. Quero que ela tenha uma
chance.

— Então temos um acordo, leonessa?


— É... temos. Eu te estenderia a minha mão, mas...
— Deanna deu de ombros, e eu ri.

Seria bem divertido conhecê-la e desvendá-la um


pouco melhor.
CAPÍTULO SETE

Entre o céu e o inferno


Procurando para achar uma saída
É cada homem por si
Nós somos rivais
DARKNESS – XVI

Esfreguei um dos meus punhos com a outra mão,


sentindo-o arder. A sensação de liberdade, sem dúvidas,
era algo a se levar em consideração.

Eles tinham me soltado por pura cortesia, eu sabia


muito bem disso, mas à menção de uma possibilidade de
cura para minha mãe, pensando que ela poderia ser salva
– mesmo que de uma forma não tão ortodoxa –, eu ficaria
mansa como uma gatinha domesticada.

Observava os homens cochicharem à minha frente,


percebendo que estávamos só eu, meu pai, meus irmãos e
o tal Dominic. Os soldados tinham sido liberados,
provavelmente para deixar de lado a intimidação de antes.
Já que eu tinha aceitado cooperar, mesmo sob chantagem,
eles provavelmente estavam dispostos a me dar esse voto
de confiança.

Ainda assim, era ridículo pensar que aqueles quatro,


que eram minha companhia no momento, por si só,
consistiam em uma ameaça e tanto. Até porque... eu
estava lidando com mafiosos.

Se pensasse com cuidado no absurdo de tudo


aquilo, eu poderia rir. Mas não estava com humor para
isso.

Enquanto ficava parada, sentada na mesma cadeira


de antes, mas em uma posição bem mais confortável,
foquei meus olhos no homem com quem eu tinha acabado
de selar um pacto perigoso.

Dominic Ungaretti...

O que dizer dele?

Muito mais jovem do que pensei de início. Quando


se fala em chefe da máfia, a primeira imagem que se tem
em mente é de alguém da faixa etária do meu pai. O cara à
minha frente tinha no máximo trinta anos, e ele era...

Ah, merda, eu não deveria estar pensando algo


assim, porque precisava ficar atenta e muito cautelosa em
relação a ele, mas... que homem delicioso.

Era mais alto do que meus dois irmãos, o que me


fazia chutar que tinha um metro e noventa e cinco, mais ou
menos. Os cabelos eram curtos e castanhos, mas em um
penteado elegante, com fios desordenados de um jeito
sexy. Barba por fazer, olhos também castanhos e uma
boca desenhada.

O corpo era outra história. Ele era grande. Enorme.


A blusa branca que vestia não deixava nenhuma dúvida de
que era musculoso em um nível intimidador. Cintura e
quadris estreitos, pernas torneadas, mãos fortes.

Respirei fundo no momento em que ele lançou um


olhar para mim, pegando-me no flagra conforme o
analisava. O lampejo de um sorriso malicioso curvou um
dos cantos de sua boca, e seus olhos cínicos se encheram
de um humor muito peculiar.

Ele sabia que eu o achava atraente. Isso tornaria as


coisas muito mais complicadas para mim.

Os homens se afastaram, espalhando-se pela sala.


Levantei-me da cadeira, só porque não queria me sentir
tão em desvantagem, por mais que esse pensamento
fosse ridículo, já que eu não era páreo para nenhum deles.

— Antes de mais nada, preciso dizer que tenho


condições.

Assim que eu terminei de falar, a gargalhada


profunda de Dominic preencheu o ambiente.

— Você me diverte, leonessa — ele falou, cruzando


os braços e as pernas longas, na mesma posição que
estivera antes, apoiado à mesa. Sua expressão me dava
vontade de lhe dar mais um tapa na cara de tão cínico,
mas me controlei.

— Estou aqui para entretê-lo, senhor.

O sorriso de Dominic novamente se tornou


malicioso, mas meu pai interrompeu os olhares entre nós.

— Pare de ser abusada, Deanna. Estamos falando


sério. Podemos ouvir suas condições, mas não quer dizer
que vamos ceder a elas.

— Acho que vão ou posso dificultar muito as coisas


para vocês. Imagino que queiram uma aliada e não uma
refém o tempo todo.

— Ela tem colhões. Gosto disso — Dominic se virou


para meu pai ao falar. Ele realmente parecia divertido.

— Mas as minhas condições não são complicadas.


Primeiro de tudo: não quero ser uma prisioneira aqui. Nada
de portas trancadas, nada de sedativos, nada de algemas
e qualquer coisa assim. Se concordei em participar dessa
merda toda, vão ter que confiar em mim, da mesma forma
como vou confiar em vocês.

— Eu não acho que... — meu pai começou a falar,


mas Dominic ergueu um dedo, sem tirar os olhos de mim.

— Podemos te dar um voto de confiança.

— Mas, Dominic...
— Eu dito as regras, Massimo — ele falou com um
tom de autoridade que chegou a me surpreender. Até onde
eu sabia, meu pai não era bom aceitando outra voz de
poder, mas, provavelmente, para ele a parceria com
Dominic era mais importante do que para o outro lado.

— A segunda condição é que tragam minha mãe


para cá — continuei falando, sem dar muita atenção à
discussão deles. — Não vou deixá-la em outro país,
sozinha, sem cuidados, podendo ter alguma recaída a
qualquer momento. Também quero que o que quer tenham
que fazer para que ela consiga o rim para o transplante
aconteça imediatamente após o casamento.

— Sua mãe... mas... — meu pai outra vez tentou me


dissuadir, mas sabia que seria inútil. Aquela era a minha
condição mais importante. Eu não iria abrir mão.

— Fechado — Dominic novamente o interrompeu,


mostrando-se um aliado razoável até aquele momento.

Novamente trocamos um olhar, quase solene,


realmente como dois parceiros de negócios.

— A próxima condição é que quero saber tudo sobre


a vida de vocês. Não quero ser poupada, não quero que
me escondam uma única verdade.

— Não é uma boa ideia, Deanna — foi Enrico quem


falou. Sua voz era como veludo, sempre inflexível. Sua
presença era como a de um fantasma sombrio.
O que diabos tinha acontecido com ele?

— Se vou fazer parte deste mundo, preciso saber


onde estou me metendo — argumentei.

— Há coisas que eu imagino que você não vai


querer saber — meu pai falou, convicto.

— Então nada feito. — Ergui uma sobrancelha,


desafiadora, cruzando os braços também. — Se não
confiarem em mim, não vou poder confiar em vocês.

— Não é uma questão de confiança. É uma questão


de te proteger — Alessio concordava com eles.

— Estou vendo a forma como cuidam de mim e,


definitivamente, não é o meu conceito de proteção.

— A garota aguenta — mais uma vez Dominic


soltou, do nada, sendo o do contra.

Ele estava me surpreendendo.

— Deixem que eu conduza as coisas. Ela será


minha esposa, não será? Vou prepará-la e fazer o trabalho
sujo. Fiquem tranquilos. A leonessa estará em boas mãos.

O sorriso que ele abriu me fazia duvidar muito disso,


mas ergui minha cabeça, observando-o com cautela, muito
séria, decidida a não contestar.

— Você não sabe no que está se metendo, Dom.


Não sabe mesmo — meu irmão mais novo comentou,
erguendo as sobrancelhas.

— Gosto de um desafio — ele falou, sorrindo para


mim, como se fosse o Lobo Mau.

Mas eu não era a Chapeuzinho. E também adorava


um desafio.

— Tem mais uma coisa. — Meu pai revirou os olhos,


mas não me deixei abater. — Se houver qualquer chance
de minha irmã ter sido assassinada, quero que a gente
descubra. Quero participar de tudo e ajudar a investigar.
Quero vingá-la.

— Novamente, menina, você não sabe onde está se


metendo. Não sei que tipo de livro você leu ou filme que viu
sobre a Cosa Nostra, mas as coisas são bem mais
obscuras do que você imagina — mais uma pérola do meu
pai. O que ele estava pensando de mim?

— Seria Stefânia naquele altar. Estava pronta para


isso, talvez quisesse assumir esse papel que eu vou
assumir. É justo que eu honre a memória dela de alguma
forma.

Os homens todos se entreolharam. Alessio ergueu


as mãos em rendição, como se estivesse abrindo mão do
voto na decisão.

Ninguém mais disse nada, até que Dominic se


manifestou.
— Ok, Deanna. Podemos negociar novamente.
Vamos até onde der. Se eu sentir que as coisas estão
ficando perigosas, eu vou decidir quando recuaremos. E
vai me obedecer, sem contestar, levando em consideração
que sou mais experiente no assunto do que você.

— Mas como vou saber se você não vai me


manipular antes do necessário?

— Porque não vou te subestimar. Só que vai ter que


me provar que aguenta o tranco. Que é, de fato, a
leonessa que estou começando a acreditar que é.

Fiquei em silêncio, analisando a alternativa que ele


estava me dando. Não era como se eu tivesse muitas
escolhas, certo?

— Ok. Aceito.

Com um meneio de cabeça, ele selou mais um


acordo comigo.

A partir daquele momento nós dois éramos aliados,


mas também adversários em um jogo bastante arriscado.
CAPÍTULO OITO

Você tem começado guerras, queimando pontes


Aprendendo todas as minhas falhas, como religião
Você esteve se afogando debaixo d'água por meu amor
Este é meu reino
E eu não vou deixá-lo cair
MY KINGDOM – IOLITE

O falatório, por vezes, era tão entediante que eu


tinha vontade de pegar meu celular e jogar Candy Crush.
Por ser uma decisão extraordinária e de algo bastante
inusitado para a nossa organização, não apenas os cinco
chefes estavam presentes, mas capos, consiglieres e
alguns associados.

Bufei ao ver aquela velharia toda falando e falando


sem parar, de outros assuntos que não tinham nada a ver
com o que nos levara até ali, que fora meu casamento
inusitado e a troca de noiva.

— Será que vocês poderiam voltar ao tema, por


favor? Acredito que todos nós tenhamos coisas a fazer —
indaguei, tentando deixar minha voz se sobrepor às outras.
Quando os homens finalmente se calaram, comecei a falar:
— Imagino que já saibam o motivo da convocação deste
conselho. A decisão foi tomada, mas preciso que estejam
cientes. Mesmo com a morte de Stefania Preterotti, ainda
vou manter minha união com a família, tomando a irmã
dela como esposa.

O silêncio continuou, chegando a ser


desconfortável. Era só uma questão de tempo para alguém
começar a falar, então esperei.

As honras foram do meu consigliere, Romano. Eu


sabia que ele seria o primeiro a se manifestar, já que
deveria ser o meu braço direito, meu homem de confiança,
embora fosse novo na função, e eu sequer o consultei.

— Dominic, nós confiamos no seu bom senso, mas


deve imaginar que há alguns problemas nessa sua união.

— Não consigo ver nenhum. — Mentira. Eu mesmo


via vários, mas não iria deixar transparecer.

— A moça não foi criada no nosso meio. Quem


pode garantir que não é uma traidora?

— Está falando da minha filha, Romano. Espero que


tenha um pouco mais de respeito — Massimo falou em um
tom cortante.

— Não é falta de respeito, mas tenho em mente que


nem você mesmo a conhece direito — Francesco Romano
continuou.

— Tínhamos uma belíssima e bem-criada moça,


que cresceu dentro da Cosa Nostra, e se revelou uma
traidora. Sabem de quem estou falando. Ser parte do meio
não significa nada. — Giovanni veio em minha defesa, e eu
percebi que Enrico se remexia na cadeira, ante à clara
menção de Sienna Esposito.

Sienna sempre nos pareceu uma moça ajuizada;


uma futura perfeita esposa para qualquer um. A mulher
mais bonita que conhecíamos, alvo de comentários nem
sempre lisonjeiros e de nossas imaginações mais eróticas.

A menina era bonita de um jeito quase indecente,


com longos cabelos ruivos e os olhos verdes mais
expressivos, além dos lábios mais bem-feitos.

De alguma forma, seu irmão, meu antigo consiglieri


nunca negociava seu casamento com ninguém. Os
Preterotti tinham tentado uni-la a Enrico, mas fora negado.
Descobrimos, depois, que eles tinham planos. Giovanni era
o alvo, por conta de uma vingança.

Bruno Esposito traíra a todos nós e a informação


que tínhamos era de que sua irmã era cúmplice, tendo sido
morta em Los Angeles.

— Vocês estão brincando com fogo. Nossos


soldados conversam entre si, e eu fiquei sabendo que a
moça é feroz. Vai conseguir domá-la, Dominic? Domesticá-
la? — o chefe Pietro Cipriano comentou. Ele era um dos
mais velhos da sala; com um pensamento arcaico e ideias
mais do que ultrapassadas.

Domesticar?

Ele realmente não conhecia Deanna Preterotti.

Eu ia adorar contar para ela o teor daquela conversa


e ver sua reação.

— Não importa o que pensam. É o meu casamento.


Até onde sei, posso escolher a mulher que eu quiser. E
vocês sabem que se não me unir a uma Preterotti, os
pescoços de todos vocês podem estar em jogo. Manter as
coisas como estão é nossa missão mais importante.
Confiem em mim para contornar a situação da melhor
forma possível.

Vi que os homens se entreolharam, com um pouco


de dúvidas, mas eles não tinham o que fazer. Eu era
senhor das minhas escolhas. Ninguém poderia me impedir
de me casar com quem quisesse.

— Ela precisará seguir as regras — Cipriani


novamente falou, parecendo muito convicto.

— Seguirá. Está disposta a manter a tradição. —


Esta era uma informação que eu não tinha como afirmar.
Eu apenas esperava que Deanna realmente tentasse se
encaixar nos padrões.
— Confesso que acho um pouco estranho que a
moça tenha aceitado tão rapidamente se unir a você. Ainda
mais tendo vindo de tão longe.

Aquele homem estava me enchendo o saco.

— A forma como ela foi convencida só me diz


respeito. Só cabe a mim. Não acredito que precise dar
explicações sobre meus métodos com mulheres.

Isso foi suficiente para calá-lo.

— Mais alguém tem algo a dizer? — perguntei e


quase me arrependi. Várias mãos se ergueram, e eu
precisei responder quase a um interrogatório.

Quando ninguém mais teve nada a contestar, quase


respirei aliviado, porque aquela merda toda foi muito mais
ridícula do que eu teria previsto.

Saí de lá em companhia dos Preterotti, mas no meu


carro, com meu motorista e um soldado, como sempre. A
reunião acontecera em Los Angeles, em caráter urgente,
então eu ainda estava hospedado na casa de Massimo.
Naquela noite, eu teria um jantar com Deanna, só nós dois,
e por mais que pudesse parecer absurdo, estava bastante
ansioso por isso.

O dia fora cheio, e eu mal esbarrei nela depois de


nossa primeira conversa muito produtiva. Estava louco
para provocá-la novamente, o que me surpreendeu.
Subi para o meu quarto, tomando um banho e me
arrumando. Ainda não queria a formalidade de uma
gravata, mas optei por um paletó por sobre uma camisa
grafite, apenas isso. Provavelmente deveria colocar uma
armadura também, mas decidi ir com o peito aberto.

Passei no quarto dela, para buscá-la, como um


cavalheiro, e ela abriu a porta, já pronta.

— Veja? Que progresso! Nada de portas trancadas!


— ela também falou com ironia, abrindo e se afastando,
para colocar um brinco. — Esta foi a única coisa que achei
no armário da minha irmã que servia em mim. Sinto muito
se estou exagerada.

Ah, eu não sentia nem um pouco.

Tratava-se de um vestido verde, tomara que caia,


que ia até o seu joelho. Provavelmente em Stefania ficava
mais curto, mas Deanna era bem mais baixinha. A peça
delineava sua cintura com uma faixa no meio, que podia
ser apertada – por isso facilitara para que pudesse ser
usada por alguém menor. Ela usava um sapato de salto e
com um bico pontudo, os cabelos loiros soltos pelos
ombros, além da pouca maquiagem. Somente um
delineado sensual que a deixava parecendo uma gata.

— Gosto de sua versão exagerada, então.

— Que pena. Não gosto nem um pouco — ela


admitiu, cortando-me. — Se eu tiver que me vestir assim, o
tempo todo, como sua esposa, vai ser uma tortura pior do
que conviver com você.

— Devo me sentir lisonjeado?

— Claro que não — ela falou com uma risada, o que


novamente me dizia que aquela mulher não se abalava
com quase nada. Era corajosa, audaciosa e muito
impertinente.

Se reclamei da passividade de Stefania, lá estava


algo completamente diferente e inesperado.

Deanna se virou com pressa, e eu me coloquei em


seu caminho, na intenção de que esbarrássemos e que ela
fosse parar em meus braços. Segurei-a contra mim,
olhando em seus olhos com um sorriso provocador,
principalmente porque a atitude a deixou um pouco
surpresa. Era bom pegá-la desprevenida.

— Sabe uma coisa que foi discutida hoje, na


reunião? O que eles pensam sobre o nosso casamento?

— Devo me importar com isso?

— Deve. Porque eles querem que eu domestique


minha esposa. O que acha disso, Deanna?

Ela ficou boquiaberta, e eu ainda a segurava contra


mim, com os dedos firmes em seus braços.

— Não sou um animal para ser domesticado! —


indignou-se.
— Não, mas está disposta a fingir? Está disposta a
aceitar uma coleira de ouro e bancar a esposa perfeita?

Deanna trincou os dentes e ergueu a cabeça, com a


respiração pesada.

— Vou fazer o que for necessário. Mas com limites.

— Até onde irão seus limites, leonessa? Isso é o


que precisamos descobrir.

Ao dizer isso, afastei-me dela, ainda com o mesmo


sorriso malicioso, e a deixei terminar de se arrumar,
esperando-a do lado de fora, sabendo que, de uma forma
ou de outra, a partida terminou ao meu favor naquele
momento.

Só que estava ansioso para cada um de nossos


embates, mesmo que ela vencesse um ou outro.
CAPÍTULO NOVE

Arraste-me até a morte,


como um cigarro aceso
Dei meu último suspiro,
como a fumaça dos meus lábios
Eu menti para você e eu também gostei disso
Mas meus joelhos estão feridos
por se ajoelharem para você
JOKE’S ON YOU – CHARLOTTE LAWRENCE

Eles ainda não confiavam o suficiente em mim para


colocarem uma faca pontuda à mesa. Pude ver isso no
momento em que Dominic ergueu a dele, pronto para
cortar o bife de cordeiro que lhe serviram. Quase ri do
quanto era absurdo.

No final das contas, eu continuaria sendo uma


prisioneira naquela casa, e provavelmente isso não
mudaria quando me casasse – se é que não seria pior.
Continuaria sendo vigiada, tendo meu comportamento
analisado, em meio a tentativas de ser...
Como fora mesmo a palavra que Dominic usara?

Domesticada...

Mas que coisa ridícula!

— Um dólar por seus pensamentos... — ele falou,


olhando para mim com uma expressão de quem não
estava nem um pouco nervoso com tudo aquilo.

Era seguro, confiante e tinha aquela aura de poder


que apenas homens que sabem que estão no topo da
cadeia alimentar sustentam.

— Estão valendo pouco, aparentemente. Mas


estava aqui refletindo, sem muitas pretensões, que é a
segunda vez que conversamos sozinhos, e eu nem estou
presa a uma cadeira. Não é um avanço? — debochei mais
uma vez, o que o fez rir.

Ele tinha um riso aberto, contagiante.

Dominic Ungaretti era completamente diferente do


que eu poderia imaginar de um homem da máfia. Ele era
diferente de Enrico, por exemplo, mas também não tinha
nada a ver com Alessio, que era carinhoso e gentil.

Meu futuro marido tinha seu ar sombrio, e algo me


dizia que ele seria capaz de causar um caos de uma forma
muito assustadora, mas também era espirituoso, sedutor,
sarcástico e quase gentil. Tinha algum tipo de perversidade
em sua aura, como se estivesse pronto para incendiar o
mundo inteiro e observá-lo explodir, enquanto ria de tudo.

Como Lúcifer.

Talvez fosse um bom apelido para ele: diavolo.

— Está mencionando muito este detalhe, Deanna.


Se gosta de algemas e correntes, podemos negociar. Não
vou me opor a isso, de forma alguma.

Ok, ponto para ele. O desgraçado tinha resposta


para tudo. Neste ponto éramos bem parecidos.

Levei uma garfada à boca, e depois de mastigar um


pouco, decidi que precisava entender onde estava me
metendo.

— Posso perguntar o que quiser?

— Vá fundo.

— Que tipos de negócios vocês gerenciam?

O sorriso de canto surgiu novamente.

— Começou bem. Todo tipo de coisas. Desde as


mais normais às mais ilegais.

— Tráfico?

— Drogas e armas, sim.

— Pessoas? — indaguei com cuidado. Talvez fosse


melhor não saber, mas eu precisava.
— Não. Ao menos não na nossa organização. Os
grupos extremistas têm interesses diferentes, por isso não
queremos que cheguem ao poder.

Assenti, comendo um pouco mais.

— E o que mais?

— É complicado. Estamos em muitos tipos de


negócios diferentes. Somos investidores além de tudo.
Muitos são legalizados. Eu mesmo tenho uma marca de
uísque bastante famosa. Temos cassinos, e eu tenho um
clube também.

— Legalizado?

— Sim, mas não exatamente de família.

— Ah, mas isso não passou pela minha cabeça nem


por um segundo. — Fiquei um pouco quieta, tentando
pensar em como abordar o próximo assunto. — E sobre a
minha faculdade, Dominic? Estou próxima de entregar o
meu TCC. Acha que tem alguma possibilidade de eu fazê-
lo aqui e voltar ao Brasil para apresentar? Nem que seja
para me formar?

— Não vejo problema nenhum nisso. Vou precisar ir


com você, se não se importar.

— Por quê?

— Porque é assim que as coisas funcionam por


aqui, Deanna. Ou eu vou com você, ou terá que ir com
soldados. Acredito que se sinta um pouco mais à vontade
comigo, se conseguirmos nos entender.

— Nunca vou poder viajar sozinha?

— Enquanto for minha esposa, não — ele falou,


categórico, e isso me deixou um pouco irritada. — Por
segurança. É como acontece com celebridades por
exemplo.

— Não vai me dar ordens, Dominic. Estou aceitando


me casar com você, porque chegou bem longe para me
convencer, e não sou burra. Se fez isso é porque está
desesperado o suficiente.

— Estou menos do que seu pai. Se não aceitasse a


minha proposta, teria que ser nos termos dele. O que
prefere?

Que ódio! Que ódio daquele homem!

Era difícil que alguém conseguisse lidar comigo


daquele jeito, que fosse capaz de me deixar sem fala ou de
me fazer concordar com coisas que eu não queria. Dominic
tinha um jeito muito peculiar de me manipular, e isso era
algo que eu não podia permitir. Até onde conseguiria ir? Se
usasse minha mãe, principalmente, qual seria o meu futuro
naquele estranho relacionamento?

— Precisa entender, Deanna, que a partir do


momento que se tornou minha noiva, mais ainda quando
nos casarmos, você será um alvo. Um alvo vulnerável.
— Por ser mulher? Não sou tão frágil assim.

— Não, imagino que não seja, mas não conhece


todas as nuances da nossa vida. Então, se quiser começar
a bater de frente comigo a respeito de sua segurança, as
coisas ficarão complicadas, e você pode se colocar em
perigo real.

Respirei fundo, subitamente perdendo o apetite.

— Nunca busquei nada disso.

— E você acha que eu busquei? Não queria sequer


me casar com sua irmã, Deanna! — Dominic finalmente se
alterou. Talvez eu tivesse pegado em um ponto fraco.

— Ela provavelmente não queria se casar com você


também.

— Pois queria, sim. Para ela, que cresceu neste


meio, casar-se com um chefe de um dos maiores estados
do país, como Nova Iorque, era uma grande honra. Ela me
disse isso quando oficializamos a questão.

— Sentir-se honrada é diferente de se casar por


amor.

Dominic deu um tapa na mesa, parecendo volátil,


sem paciência. Cheguei a me sobressaltar.

— Não há casamentos por amor no mundo em que


vivemos.
— Mas este não é o meu mundo! — alterei-me
também. Joguei o guardanapo de pano na mesa, tirando-o
do meu colo. — Fui literalmente arrastada para cá, contra a
minha vontade. Tirada da minha realidade, tendo minha
vida virada completamente de ponta-cabeça. O que quer?
Que eu seja só sorrisos e pulinhos de alegria?

— Não. Seu destino seria este, de uma forma ou de


outra. Se sua mãe não tivesse te levado para o Brasil, é
muito provável que já estivéssemos casados a essa altura,
porque teria sido prometida a mim, sendo a mais velha das
duas. Você é uma filha da Cosa Nostra!

Levantei-me, indignada.

— Enfie essa merda de Cosa Nostra no... —


interrompi a mim mesma e me afastei, antes que falasse
uma besteira, pronta para sair de perto dele e voltar para o
meu quarto, porque não queria olhar em sua cara naquele
momento.

Dei-lhe as costas, mas senti meu braço ser


agarrado, e eu fui puxada de volta. Com a mão sobre meu
cotovelo, Dominic me fez girar, ficando de frente para ele.
Sua mão era forte e se fechava no meu braço por
completo, tornando-me refém.

Ergui a cabeça, para poder olhá-lo, perdendo o ar.


Meu braço estava levemente erguido, pela forma como
estava sendo segurado, então eu fechei o punho,
enterrando minhas unhas compridas nas palmas das
mãos, de raiva.

Mas não só raiva.

Havia uma aura perigosa entre nós. Aquele tipo de


atração que bate no exato momento em que se conhece
alguém que tem potencial para nos enlouquecer de alguma
forma. Seja de ódio, seja de desejo.

A mão de Dominic se fechou ainda mais no meu


braço, puxando-me mais para si, até que nossos rostos
ficassem muito próximos.

— Não se levante da mesa enquanto não


terminarmos de jantar e não me deixe falando sozinho —
ele falou em um rosnado, obrigando-me a erguer ainda
mais a cabeça.

— Ou o quê?

Eu deveria estar brincando com fogo. De onde tinha


tirado ímpeto para bater de frente com um mafioso? O que
eu estava querendo?

Não o conhecia, e provavelmente estava fazendo


valer o fato de estarmos na casa do meu pai e de ele ter
um pouco de respeito. Não havia ninguém além de nós e
os funcionários naquele momento, então provavelmente eu
estava ficando louca.
Desde que nos conhecemos eu já o tinha ofendido,
esbofeteado, provocado... O que eu estava esperando?

A respiração de Dominic ficou mais pesada e mais


densa. Eu podia senti-la na minha boca de tão próximos
que estávamos.

Não pretendia ceder, então me surpreendi quando


foi ele que se afastou um pouco, soltando meu braço com
brusquidão.

— Ou teremos muitos problemas, Deanna. Pretendo


estar em paz com você, não em guerra. Então... por favor...
— ele falou com seu desdém que já percebia que era
característico e fez uma mesura exagerada em direção à
cadeira. — Termine o jantar comigo, sim?

Eu poderia negar. Poderia tentar dificultar as coisas


ainda mais, mas sabia que havia um limite até que ponto
eu deveria cutucar a onça com vara curta. Sendo assim,
sem dizer nada, apenas me acomodei no mesmo lugar de
antes e Dominic fez o mesmo, só que eu tinha a impressão
de que nenhum de nós dois iria voltar a comer e conversar
como antes.

Um abismo fora colocado entre nós, mas não


deveria ter sido assim desde o início?

Eu tinha sido sequestrada para me casar com ele.


Isso era algo que eu nunca poderia esquecer.
CAPÍTULO DEZ

Venha como você é, como você era

Como eu quero que você seja


Como um amigo, como um amigo
Como um velho inimigo
Tome o seu tempo, apresse-se
A escolha é sua, não se atrase
Relaxe, como um amigo
Como uma memória antiga
COME AS YOU ARE – MASHA

Eu estava esperando ansiosa, roendo os cantos dos


meus dedos sem parar. A qualquer barulho que escutava,
corria para a janela, para ver se conseguia ver o carro se
aproximar.

A previsão era de antes do meio-dia, o que, para


mim, comportava horas desde as sete da manhã.
Exatamente por isso, acordei cedo e fiquei de prontidão,
sem nem tomar café.
Já conseguia ouvir as funcionárias do meu pai
preparando a mesa para o almoço, e eu continuava
próxima à janela, indo e voltando, como uma barata tonta.

Bufando e irritada, ouvi alguns passos e me virei,


vendo Alessio chegar sorrateiramente e enfiar a mão na
mesa de jantar, roubando uma batatinha sauté que fora
colocada ali dentro de uma baixela de prata.

— Menino abusado! — a funcionária ralhou com ele,


dando-lhe um tapa no braço e rindo.

— Não consigo resistir, Nanna! Sabe disso.

— Ah, eu sei. Você não resiste a nada, né? É um


abusato! Un ragazzo maliziozo!

— Não é por mal, amore mio. Sabe disso. — Cruzei


os braços, observando a cena e sorrindo, principalmente
ao ver Alessio correndo atrás de Nanna para agarrá-la e
lhe dar um beijo no rosto.

Exatamente como um menino travesso, como ela


lhe chamara em italiano. Como era possível que aquele
garoto fosse um mafioso?

Bem, eu ainda não sabia direito como as coisas


funcionavam, nem qual era o papel do meu irmão naquilo
tudo, mas em algum momento acabaria descobrindo.

— E você? — Ele se voltou para mim, vindo em


minha direção.
— Sem beijos e abraços comigo, Alessio. Ainda não
superei o que fez — respondi, mais para manter um pouco
da ordem e ele não abusar do que realmente por mágoa.

Conhecendo o meu pai como conhecia, e sabendo


que havia uma hierarquia que precisava ser obedecida,
não podia julgá-lo em suas atitudes. Imaginava que, em
sua mente, fizera o melhor, acompanhando os outros
homens e não me deixando sozinha.

Se eu precisasse confessar, diria que não estava


errado. Apesar de toda a situação ser muito complicada,
teria sido muito assustador acordar sem um rosto
conhecido por perto.

Alessio ergueu as mãos, com uma expressão que


ele deveria usar muito para ganhar suas mulheres. O
safado era um sedutor nato.

— Venho em paz, sorellina. Só quero perguntar se


quer uma cadeira ou que eu monte uma guarita nesta
janela. Você está aí há horas.

Ele se colocou ao meu lado, também dando uma


olhada lá para fora.

— Já era para ela ter chegado.

— Vai chegar, querida. Não sabemos a hora, mas


ela estará aqui ainda hoje.
Respirando fundo e me dando por vencida, afastei-
me um pouco da janela, aproximando-me da mesa. O
cheiro da comida quentinha, começando a ser servida,
também fez o meu estômago revirar, então fiz um sinal
para Alessio, para que ficasse quieto, e também roubei
uma batatinha, levando-a à boca.

Meu irmão riu, deliciado.

— Tenho uma cúmplice!

Sorri, assentindo, de cabeça baixa e me


aproximando dele. Joguei-me no sofá, cansada, e fui
acompanhada. Alessio se acomodou bem próximo a mim,
mas ainda me dando algum espaço.

— Como minha vida ficou assim? Esse caos louco e


sem explicação? Eu vou me casar!

— Um dia aconteceria. Ou não?

— Não sei. Mas definitivamente não seria com um


homem que eu mal conheço.

— Dominic não é de todo ruim.

— Ah, isso é bastante animador — falei com


cinismo.

— Não, estou falando sério. No padrão das pessoas


com quem convivo, ele é... um cara bem razoável.
— Novamente, Alessio... você não está me
animando. — Fiz uma pausa, olhando para o meu irmão,
que eu conhecia a vida inteira, e tentando vê-lo sob um
prisma diferente. Tudo havia mudado, certo? Ou será que
ele simplesmente ainda era a mesma pessoa, e eu só
estava querendo julgar? — Qual é sua posição dentro
deste... negócio todo? A máfia?

— Não usamos o nome. Na maior parte das vezes


mencionamos apenas Cosa Nostra. Mas, respondendo à
sua pergunta, eu sou um capo.

— O que isso significa?

— Na hierarquia, estou abaixo apenas de nosso pai,


que é o chefe da famiglia e de Enrico, que é o subchefe.

Balancei a cabeça, compreendendo.

— Você... já... matou alguém?

Alessio suspirou e olhou para mim com uma


expressão de repreensão.

— Não vá por este caminho, Deanna.

— Eu preciso. Tenho que saber onde estou me


metendo. Você é o meu parâmetro, porque te conheço.

— Conhece Enrico também.

— Não... não sei se conheço. Ele sempre foi...


peculiar. Parece, atualmente, que está mais ainda. — Fiz
uma pausa, pensando no meu irmão mais velho,
imaginando o que poderia guardar de segredos, mas
sabendo que eles não eram da minha conta. O Cavaleiro
das Sombras... — Responda, por favor. Sem julgamentos.

Ele respirou profundamente mais uma vez.

— Sim, sorellina. Já matei.

— Muito?

— O necessário.

Provavelmente isso era o mais longe que eu deveria


ir. Ainda assim, decidi insistir.

— Você sente por essas pessoas?

— Sinto. Não me esqueço de nenhuma delas. No


início, elas me assombravam em pesadelos. Os olhos... a
forma como vão perdendo a vida. Este não é o tipo de
coisa que se esquece.

Precisei afastar um pouco os olhos dele, porque o


sentimento de abandono que vi era quase demais para
suportar.

— Melhor eu nem perguntar sobre Dominic, né? —


indaguei, ainda com os olhos baixos.

— Melhor não.

Outro suspiro, e meu pensamento se encheu de


ideias confusas. Antes, porém, que elas conseguissem
tomar corpo, ouvi o som que tanto queria ter ouvido antes:
de um carro se aproximando.

Pulei do sofá e corri para a janela, observando o


SUV preto parando. Tendo a porta aberta por um homem
todo engravatado – com certeza um dos capangas do meu
pai –, minha mãe saltou, e assim que a vi, corri como uma
louca, saindo da casa e me aproximando dela, abraçando-
a.

Deus, como era bom tê-la ali. Como era bom ter
seus braços ao meu redor, confortando-me como sempre
fizera desde que eu era uma menina.

A vontade de chorar foi imensa, só que me controlei.


Era difícil eu chegar às lágrimas, e mesmo com toda
aquela confusão na qual fui metida, segurei a onda e fiquei
firme. Nos braços da minha mãe, quase vacilei.

— Minha menina... eu lutei tanto para te manter


longe de tudo isso. Para você ter uma chance de viver uma
vida normal... — D. Cássia lamentou, e eu quase perdi o
ar.

Ficava mais difícil me manter bem com ela falando


daquele jeito.

— Vai ficar tudo bem, mãe.

Ela não sabia por que eu estava fazendo aquilo.


Sabia que seria obrigada de qualquer jeito, mas não
tínhamos conversado sobre a proposta de Dominic – com a
qual estava contando. Temia que não cumprisse sua
promessa, mas ainda estava lhe dando um voto de
confiança.

— Eu espero que sim, meu amor. Mas estou aqui


agora... Teremos uma à outra.

Sim, teríamos uma à outra. Isso já me


proporcionava um imenso alívio.

Nós nos soltamos, e a primeira coisa que ela viu foi


Alessio. Ele estava ao meu lado, indo recebê-la. Ao vê-lo,
levou ambas as mãos à boca, emocionada.

— Meu Deus, meu menino! Como é bom te ver! —


Ela praticamente pulou nele, que abriu um imenso sorriso.

— É bom te ver também, tia.

Era até bonitinho ver um homem daquele tamanho


chamando minha mãe de tia.

Enrico e Alessio eram filhos do primeiro casamento


do meu pai. Então sua esposa morreu, e ele se casou com
a minha mãe, indo contra tudo e todos, por ela ser uma
brasileira.

Eu não sabia até aquele momento, mas ela desistira


de viver com ele por minha causa, e não porque tivessem
deixado de se amar. Ela fora embora de Los Angeles,
voltando ao seu país de origem, para me proteger.

Que ironia.
Então, depois do divórcio, meu pai se casou com a
mãe de Stefania, mas esta também faleceu muitos anos
depois, de uma doença.

Eu sabia que minha mãe sofria muito de saudade


dos meninos, que sempre foram como filhos para ela.

Alessio se colocou no meio de nós dois, passando


um braço ao redor de cada cintura, guiando-nos para a
casa.

No momento em que entramos, a primeira coisa que


vimos foi meu pai, parado em um dos degraus da escada,
observando-nos.

— Benvenuta, Cássia.

— Grazie, Massimo. Obrigada por me receber.

Eu e meu irmão nos entreolhamos, comunicando-


nos com o olhar.

Estava curiosa para saber como seria a convivência


daqueles dois.
CAPÍTULO ONZE

Você poderia ir para o paraíso


Ver as maravilhas que preenchem as alturas
Tocar as estrelas e tocar o céu
Mas ainda assim eles não se comparam comigo
Porque eu sou uma deusa, sou perfeita
não sejamos modestos
GODDESS – JAIRA BURNS

A viagem até Los Angeles foi um pouco mais


tumultuada do que de costume, porque peguei uma
quantidade considerável de turbulência. Deveria ser um
indicativo do que aquela mulher significava na minha vida.

Caos. Um completo caos.

E isso porque tive contato com ela por pouquíssimos


dias.

Pousei no Aeroporto Internacional de Los Angeles


por volta das sete da manhã, começando algumas visitas
que precisava fazer. Uma delas, nada agradável.
Os sete dias que passei em casa, depois de toda a
confusão com Deanna, foram bastante cheios. Tivemos um
problema com um carregamento de armas que estava
previsto para chegar na semana anterior e precisamos
investigar o motivo do atraso. Constatamos, então, que
estávamos sendo roubados.

Isso não era o tipo de coisa que poderíamos


permitir.

Mesmo em se tratando de um cara grande no meio


de nossos parceiros, alguém relevante, eu tinha homens
suficientes para enviar e fazerem o trabalho sujo, mas
queria ter as honras. O sujeito trabalhava comigo há mais
de três anos, tínhamos um contato pessoal, ele me
chamara de amigo... E me apunhalava pelas costas?

Eu teria muito prazer em vê-lo, ao menos, se mijar


nas calças.

A visita teria que acontecer cedo mesmo,


exatamente quando poderíamos pegá-lo desprevenido.
Sua casa era uma bonita mansão em Beverly Hills, e ele
sempre se vangloriava disso.

Não era casado, não tinha filhos, então eu poderia


brincar da melhor forma possível.

Meus soldados se encarregaram de lidar com os


dois seguranças que ficavam guardando a mansão, e nós
entramos calmamente, usando um terceiro homem como
refém, obrigando-o a abrir a porta. Poderíamos arrombá-la,
mas eu não era muito a favor de bagunça e muito barulho.

Deixamos o nosso “ajudante” gentil inconsciente e


subimos para o quarto do desgraçado. Peguei minha arma,
segurando-a em minhas mãos cobertas por luvas de couro,
e me coloquei bem próximo à cabeceira, diante do rosto
dele. Um dos meus homens tirou sua coberta,
encontrando-o nu por debaixo.

Melhor impossível.

Desloquei-me, portanto, apontando o revólver para


seu pau, endurecido por uma ereção matinal. Cutuquei-o
na perna, fazendo-o despertar e tomar um susto ao se ver
cercado.

— Bom dia, flor do dia! — cumprimentei-o de um


jeito bastante sarcástico. — Gostou da surpresa? — Ainda
mantive o cano do revólver bem na direção de seu
membro.

— Porra, Dominic! Porra! O que vai fazer?


Caralho...! Que susto!

— Susto? — Gargalhei. — Não estou aqui para te


dar susto, amico. Estou aqui para te ensinar a não tentar
se fazer de espertinho com as pessoas erradas. O quanto
gosta dessa coisa imprestável aqui, hein?

Não satisfeito com a arma, tirei um canivete do meu


bolso. A lâmina foi imediatamente parar nas bolas do filho
da puta, abrindo um corte. Não era nada profundo, mas ia
doer para caralho.

O grito dele foi resposta suficiente.

Então, nós começamos a nossa lição...

Saltei do carro, horas e horas depois, dentro da


mansão dos Preterotti e avistei Deanna parada, usando
uma calça jeans que lhe caía perfeitamente, além de uma
blusa de alguma banda que eu não sabia qual era – o que
me fez acreditar que sua mãe já tinha chegado, com suas
malas e suas coisas. Aquela roupa, definitivamente, não
pertencia a Stefania.

— Você está atrasado — ela disse, aproximando-se,


com aqueles braços cruzados.

Batendo a porta do carro, abri um sorriso.

— Não sei o que me deixa mais feliz, se essa sua


recepção calorosa ou o fato de estar aqui fora me
esperando, noivinha.

Deanna revirou os olhos, e eu continuei sorrindo.

De alguma forma muito inexplicável, eu estava feliz


em reencontrá-la. Não só porque era uma visão
interessante de se olhar, especialmente com aquelas
roupas mais confortáveis e que combinavam muito mais
com ela, mas porque estava ansioso por mais alguns
embates que sempre eram muito divertidos.

— Alessio meio que deu a entender que você estava


em um servicinho. Vim aqui fora para impedir que
aparecesse na frente da minha mãe antes de tomar um
banho. Só não esperava que ia te encontrar assim. — Ela
apontou para a minha camisa e havia uma mancha
vermelha nela. Não tanto quanto restou no lençol de fios
egípcios do maledetto, mas, ainda, uma mancha
considerável. — É seu este sangue?

— Não. Definitivamente, não é.

— Que pena! — ela falou, com uma cara


debochada, e agarrou meu braço, conduzindo-me à
entrada de serviço da casa.

Havia um falatório acontecendo, e eu ouvi a voz de


uma mulher junto à de Alessio. Ela ria sem parar, o que me
deu uma sensação boa no peito, quase materna. Eu não
fazia ideia de como era a mãe de Deanna, mas pela forma
como estava disposta a sacrificar tudo, não era difícil
entender que eram muito ligadas.

Chegamos ao quarto que usei da outra vez, e,


levando em consideração que iria ficar indo e vindo até
nosso casamento – quando Deanna passaria a morar na
minha casa –, da última vez deixei algumas roupas no
closet, e ela sabia disso, porque abriu uma das portas,
tirando uma blusa, pegando-a pelo cabide. Jogou-a na
cama, esticada, e veio até mim, arrancando meu paletó e
começando a abrir botão por botão.

Não era essa a intenção, com certeza, mas... puta


que pariu, se aquela não era uma das coisas mais eróticas
que já tinha visto na vida.

— Se estava tão desesperada para tirar a minha


roupa, querida, deveria ter me avisado antes... — falei
quase em um sussurro, com os olhos fixos em sua boca.

— Hum... — ela resmungou sem nem olhar para


mim.

Meu Deus, como era possível que eu a achasse tão


adorável, sendo ela tão pirracenta, tão difícil, tão... – para
usar a palavra já dita antes – indomável?

— Engula esse ego. Estou só acelerando as coisas.


Minha mãe está com fome. Ela não pode passar muito da
hora do almoço, porque a pressão cai. Não vai querer ter
isso em sua consciência, né?

Assim que Deanna terminou de desabotoar a minha


camisa, virou-se para pegar a outra e também abrir os
botões, para que eu a vestisse. Enquanto estava de costas
para mim, tirei a peça ensanguentada, deixando-a passar
pelos meus ombros e embolando-a na mão, jogando-a na
lixeira. Era uma ótima peça, mas estava arruinada.

Quando voltei para o quarto, Deanna já estava


virada na minha direção novamente, e percebi o momento
em que literalmente paralisou ao me ver de peitoral nu.

Também vi seus seios subirem e descerem em uma


respiração profunda, além dos olhos pesados.

Desejo.

Aquela mulher seria minha; no momento em que


tivéssemos a oportunidade, eu a levaria para a minha
cama, e ela imploraria para que eu a fodesse de todas as
maneiras possíveis.

Algo me dizia que seríamos extremamente


compatíveis, ao menos neste quesito.

— É quase bonitinho ver você corada, leonessa.


Não se preocupe, eu também te acho muito atraente.
Estamos quites.

Com isso, o rosado de suas bochechas tornou-se


ainda mais intenso, o que me fez pensar que ela era um
pouco mais inocente do que deixava transparecer, embora
certamente não fosse virgem.

— Uma bela embalagem não quer dizer nada.

Enquanto eu ia vestindo a camisa, decidi que queria


continuar a provocá-la.

— Só acho um absurdo que você esteja vestida.


Deveríamos ter direitos iguais.
Ela revirou os olhos, e eu me peguei sorrindo
novamente.

Deanna nem se dignou a me responder, apenas foi


se afastando, dizendo, de costas para mim:

— Esperamos você à mesa. Não demore.

Com isso ela saiu, fechando a porta, e eu continuei


com a porra de um sorriso na cara.

Que mulher, puta que pariu!


CAPÍTULO DOZE

Eu segui as regras dos


Jogos que estivemos jogando
Meu amor deixou que você as quebrasse
Meu idiota perdido
Dancei por seu toque
As marcas que você me deixou ainda permanecem
BLOOD ON YOUR HANDS – ADAM ARCADIA

Eu mal conseguia me lembrar da última vez em que


tinha comido à mesa com uma família. Se é que isso tinha
acontecido antes em meus trinta anos de existência.

Os jantares formais com meu pai, cada um em um


canto da mesa, não contavam como aquele tipo de evento
íntimo, e sem dúvidas não se comparavam com a interação
que os Preterotti tinham entre si.

Sem dúvidas não era uma família funcional. Deanna


não estava ali por livre e espontânea vontade.
Provavelmente a mãe dela, D. Cássia, também não. Só
fora correndo para Los Angeles ao saber que a filha fora
arrastada até lá. Massimo estava visivelmente
desconfortável com a presença da ex-esposa. Enrico não
parecia confortável nem mesmo em seu próprio corpo e
não parava de olhar uma única vez para o caríssimo
relógio de pulso, como se estivesse ansioso para ir
embora.

Alessio... bem... ele era ele. Um caso raro dentro da


máfia. Um menino mimado, que não conseguia enxergar
as coisas como um adulto. Tinha a impressão de que iria
receber uma dose de realidade bem na cara em algum
momento, e isso seria doloroso. Seria traumático.

Fiquei observando-os, como se fosse um


expectador imparcial. Só que precisava ter em mente que
dali a pouco tempo eu me tornaria parte daquela família.
Seria mais um personagem em meio àquelas pessoas.

Quem seria eu para eles?

O forasteiro que tentava se encaixar em meio a


pessoas igualmente desencaixadas? O usurpador de um
lugar que não me pertencia? Aquele que iria corromper a
mulher que não fora destinada a mim?

Provavelmente eu e Deanna estávamos quebrando


alguma regra do universo. Provavelmente não era certo.

Mas era o que tínhamos.

— Nada pode dar errado esta noite — Massimo


comentou, depois de alguns instantes em silêncio.
Eu sabia que ele estava se referindo ao evento ao
qual precisaríamos ir naquela noite e que fora o principal
motivo da minha viagem a Los Angeles, além, é claro, de
conhecer a minha sogra.

Tratava-se de um evento beneficente; um leilão


organizado pela esposa de um dos capos de Massimo,
algo que ainda me intrigava. Imaginava que esse tipo de
coisa fazia com que se sentissem melhor; que permitia que
seus corações acreditassem que viviam em um mundo de
conto de fadas, onde eram heróis e benfeitores enquanto
se fartavam de toda a podridão.

Eu não era melhor que ninguém, mas, ao menos,


não sustentava uma máscara de perfeição.

— Acho que é a trigésima vez que você fala isso,


papà — Deanna comentou, enquanto brincava com a
comida em seu prato.

— Se estou repetindo é porque precisa me ouvir.


Principalmente você, menina. Não tivemos muito tempo
para te treinar.

Deanna soltou uma gargalhada.

— Treinar. Domesticar. Qual a próxima palavra?


Adestrar? Vão me oferecer petiscos se eu me sentar e
rolar no chão?

— Garota insolente! — Massimo vociferou, e eu me


remexi na cadeira, tentando uma posição mais confortável
para assistir à conversa que tinha potencial para ser
divertida.

Sempre que aquela mulher abria a boca eu já ficava


pronto para uma pérola.

— Não se preocupe, papà. Eu sei comer à mesa.


Sei me portar. Sei conversar. Se quiser posso ficar
caladinha como se tivesse sido treinada.

Eu poderia jurar que Massimo iria explodir de raiva.


Antes que ele pudesse dizer qualquer coisa, Cássia tomou
a dianteira para falar.

— Controle o que vai dizer a ela, Massimo. Sua filha


está fazendo muito por você. Deveria ter um pouco mais de
gratidão e respeito por ela.

Ah, então a filha tinha a quem sair. Aquela língua


afiada era questão de genética.

E o mais surpreendente foi ver Massimo


completamente calado, apenas resmungando e fazendo
uma careta de desagrado, mas voltando a comer.

— E você também, rapaz. — A mãe de Deanna –


minha futura sogra – voltou-se para mim, com um dedo em
riste. — Veja bem como vai tratar minha menina. Já
causaram transtorno demais a ela. Se for menos do que
gentil e um bom marido, vou atrás de você.

A mãe-leoa me fez rir. As duas eram incríveis.


Não apenas o comportamento, mas a forma como
olharam uma para a outra mostrava que compartilhavam
um tipo de amor que eu nunca sentiria. Um amor ao qual
eu jamais teria acesso.

O amor de uma mãe por sua cria e sem o qual eu


cresci.

— Estou disposto a ser um marido exemplar,


senhora.

Ela me olhou de soslaio e Deanna fez o mesmo.

Era, de fato, divertido.

Continuamos comendo, e Enrico foi o primeiro a se


levantar da mesa e informar que precisava sair. Aos
poucos, fomos nos dispersando, e eu me retirei também,
saindo e voltando para o quarto, onde minha mala já me
esperava, pronto para tomar um banho. Trocar apenas
uma blusa não era suficiente para limpar da minha pele os
resquícios da tortura.

O que não esperava, porém, era encontrar Deanna


andando pelo meu quarto depois da minha chuveirada.
Cheguei a me sobressaltar, porque tudo o que eu vestia
era uma toalha na cintura. Ainda estava com o peitoral um
pouco molhado, além dos meus cabelos soltarem leves
pingos que escorriam pelo meu rosto.

— Puta que pariu! Que susto, mulher!


Ela sorriu, parecendo vitoriosa.

— Estou invadindo sua privacidade, docinho? — Lá


estava o deboche de novo. — Imagina se você fosse
sequestrado para se casar com alguém? — Levou um dos
dedos ao rosto, batendo a ponta na bochecha, em uma
expressão de quem estava refletindo. — Ah, isso não ia
acontecer, né? Porque um homem com esse tamanho todo
saberia se defender. Eu, em contrapartida...

Ela apontou para mim enquanto se referia ao meu


tamanho, e eu vi a oportunidade perfeita para rebater.

— O tamanho te agrada?

— Não sei. Algumas partes eu ainda não vi.

O ainda foi até interessante de se ouvir.

— Mas indo direto ao ponto... Dei uma resposta ao


meu pai, porque não gosto da forma como ele tenta me
manipular. Só que... tem alguma coisa que eu precise fazer
no evento?

— Está nervosa?

— Um pouco. Quais são as orientações? Ser bonita,


doce, gentil, sorridente, falar pouco e fingir que estou
amando cada segundo?

— É um bom resumo. Eu acrescentaria ser leal ao


seu futuro marido...
Ela ergueu a cabeça, como se me avaliasse.

— Hummm, e meu futuro marido vai ser leal a mim?

Direta ao ponto. Eu sabia que estávamos indo e


vindo naquela incerteza a respeito de nossa vida de
casados, mas precisaríamos chegar a um acordo em
algum momento.

— Bem, imagino que nós dois tenhamos


necessidades. Há uma chance de podermos suprir essas
necessidades um com o outro. Você é uma mulher muito
bonita, Deanna. Acredito que possa ter uma atração por
mim também.

— Julgou isso só pelo fato de eu ter comentado que


você é um cara grande? E se eu gostar dos magrinhos? —
Cruzei os braços contra o peito, com uma expressão de
quem não acreditava nem um pouco naquela merda de
ladainha que ela tentava vender. — Ok, Dominic... a
verdade é que se você jogar o jogo direito, podemos entrar
em outro acordo.

Um dos cantos da minha boca se curvou em um


sorriso, e eu dei alguns passos, aproximando-me dela e
me inclinando, para sussurrar em seu ouvido:

— Sou um ótimo jogador, leonessa. Especialmente


com a parceira certa.

Então nós tivemos mais um daqueles momentos de


olhos nos olhos, lábios próximos de lábios, e eu sentia que
o ar ficava espesso entre nós. Quente. Fervendo.

Eu só precisava estender um braço. Agarrá-la.


Puxá-la para mim. Devorá-la. Nesta ordem. Ela se renderia
a mim. Eu podia sentir pela forma como correspondia ao
olhar.

Só que nós dois recuamos.

— Vou tentar ser uma noiva comportada. Mas ainda


temos o nosso acordo, Dominic. É só por isso que estou
mantendo essa farsa e fingindo que está tudo bem. Quero
minha mãe sã e salva.

— Terá, Deanna. Terá.

Com um meneio de cabeça, ela me respondeu e


saiu, fechando a porta atrás de si, mas deixando seu cheiro
na porra do ar e uma enorme ereção dentro do casulo que
a toalha formava, provando que ela mexia comigo muito
mais do que deveria ser o certo.
CAPÍTULO TREZE

Eu não acredito mais em ninguém


Cara, me mostre o que você realmente quer
Sofro demais quando se trata de amor
Eu disse, você gosta da minha aparência
ou só de como eu pareço junto a você?
HOW I LOOK ON YOU – ARIANA GRANDE

— Pare de se remexer na cadeira, menina! Não vou


conseguir terminar o penteado! — minha mãe reclamou
comigo, pela milésima vez naquela noite, mas eu apenas
bufei, já de saco cheio de ficar na mesma posição.

Eu estava quase pronta, mas ela insistira que faltava


um detalhe nos meus cabelos, já que apenas os alisei e
cacheei as pontas.

Para mim estava ótimo daquele jeito mesmo, mas


quando D. Cássia abriu sua caixinha de joias e tirou de lá
uma presilha de diamantes que meu pai lhe dera muitos e
muitos anos antes, meus olhos brilharam.
Não porque me incomodasse ou ligasse para joias,
mas porque fui fascinada por ela quando pequena, a ponto
de me lembrar de minha mãe usando-a, mesmo que
minhas recordações daquele tempo fossem muito esparsas
e incertas.

Depois do divórcio, ela deixou de usá-la, relegando-


a àquela caixinha, perdida ao lado de outras coisas de até
menos valor, e eu nunca tive coragem de pedir
emprestada, porque... bem... de alguma forma sempre
soube que qualquer coisa que remetesse ao meu pai lhe
causava uma imensa dor.

Só que lá estava, adornando meus cabelos loiros,


prendendo-os de um lado e dando um ar muito delicado ao
meu rosto.

A maquiagem também fora ela que fizera, porque


não quis deixar nas mãos de mais ninguém. Minha mãe
não era maquiadora profissional nem nada, mas tinha um
enorme talento com pincéis, sombras e bases, sem fazer
com que parecesse que eu estava exagerando muito.

O vestido fora um presente de meu pai, que


contratou Kiara Caccini, esposa do chefe de Chicago e
prima de Dominic, para desenhá-lo. Eu iria conhecê-la
pessoalmente naquela noite, mas nos falamos muito por
vídeo, o que nos deixou bastante próximas. Ela era doce,
mas tão doce, que muitas vezes eu me perguntava como
podia ser casada com um homem tão perigoso.
Assim que minha mãe terminou, eu me levantei,
caminhando até o espelho de corpo inteiro na porta do meu
armário, então pude contemplar a obra dela.

Um vestido vermelho longo, de mangas compridas,


com uma enorme fenda lateral, que ia até a minha coxa. O
decote era generoso, mas como meus seios eram
pequenos, não pareciam tão chamativos.

Combinei a belíssima peça com uma sandália preta,


com um salto não tão alto, porque eu não queria ficar a
noite inteira me equilibrando com desconforto.

O penteado que minha mãe fizera me deixara


parecendo uma atriz dos anos cinquenta; exatamente o
que eu queria.

Girei de um lado e do outro, olhando-me por inteiro


e decidindo que eu estava muito bonita. Foi o que minha
mãe comentou, meus irmãos, mas o que eu vi nos olhos de
Dominic foi uma admiração que chegou a deixar seus
olhos pesados e mais escuros.

Mais do que isso. Pelo jeito como me encarou, eu


poderia esperar que aquele vestido ficasse em pedaços até
a madrugada.

Não havia absolutamente nada de errado com ele


também. O smoking caía perfeitamente, a gravata
borboleta estava mais do que alinhada, e ele tinha uma
aura de poder que faria qualquer mulher de sangue quente
precisar descartar a calcinha de tão sexy e perigoso que
parecia.

Meus irmãos tomaram a dianteira, assim como meu


pai, e eu dei um beijo na minha mãe, que não queria ir
comigo de jeito nenhum, alegando que participara de
eventos demais como aquele, que tivera a oportunidade de
fugir daquela merda toda e não iria voltar a mostrar a cara
para aquelas pessoas de jeito nenhum.

Restou-me, portanto, entregar meu braço a Dominic


e acompanhá-lo.

Eu iria no mesmo carro que ele, enquanto meus


irmãos dividiriam outra limusine. A intenção era que
realmente chegássemos juntos no evento, meio que
formalizando a união.

— Está nervosa? — ele perguntou, enquanto eu


estava mexendo na minha bolsa sem parar.

Provavelmente estava mais do que claro o meu


desconforto. Não poderia enganá-lo.

— Um pouco. Se eu fizer alguma besteira, tem


chance de não ser aprovada pelas pessoas e o casamento
ser cancelado?

— Se eu disser que sim, você vai tentar?

— Com toda a determinação.

Dominic soltou uma gargalhada.


— Eu queria ficar irritado com você, menina, por ser
tão direta na sua forma de me rejeitar e de dar a entender
que preferia se casar com um poste do que comigo.

— Você mesmo disse que estava tão pouco feliz


com a ideia de se unir a mim quanto eu.

— Mas já aceitei. E, convenhamos, vai ser divertido.

— O quê? Nossa convivência? — Ele assentiu. —


Se não nos matarmos em dois meses...

— Quem sabe, leonessa? Quem sabe?

Dominic estava sorrindo no momento em que voltou


seus olhos para a janela, com uma expressão que me
deixava muito curiosa a respeito do que poderia estar se
passando por sua cabeça. Algo me dizia que ele sabia
alguma informação que eu não sabia. Como se tivesse
uma certeza a respeito de nós dois.

Eu, por minha vez, não tinha certeza de


absolutamente nada.

Foram mais alguns quilômetros até que


chegássemos ao local onde aconteceria a festa. Os dois
carros, um seguido do outro, estacionaram em frente à
enorme casa, e Dominic saltou primeiro, colocando-se de
pé, ajeitando seu paletó e estendendo a mão para mim.

Era a primeira vez que saía de casa em algumas


semanas, e assim que desci do carro pude respirar um
pouco de ar puro. Uma garoinha muito leve caía, e eu
podia sentir o cheirinho de chuva no asfalto, o que fez meu
estômago revirar.

Um dos homens do meu pai abriu um guarda-chuva


em cima de nós, mas Dominic o pegou, guiando-nos para
dentro do evento, subindo as escadas e fazendo com que
passássemos pela porta.

O guarda-chuva foi fechado e devolvido ao homem,


que nos seguira, e continuamos avançando. A onda de
olhares em nossa direção foi tão forte que eu quase senti
como se fossem tiros, me atingindo de todos os lados.

— Nossa! As pessoas não são discretas —


comentei baixinho, só para Dominic ouvir.

— Por que seriam? O que mais elas podem fazer a


não ser te admirar, do jeito que você está deslumbrante,
leonessa?

Eu me surpreendi e quase perdi o ar, lançando um


olhar surpreso para Dominic. Não era o fato de ele estar
me achando bonita, porque tinha percebido que me
admirara assim que surgi na sua frente, mas a forma como
deixou o elogio, tão sincera e tão entusiasmada, foi
inesperada.

Trocamos alguns olhares por instantes, enquanto


meu pai e meus irmãos se misturavam às pessoas. Fomos
interrompidos por um casal, que se aproximou, e eu logo
reconheci Kiara.

Doce e gentil, a mulher veio na minha direção,


abraçando-me, e eu percebi sua pequena barriga de
grávida.

— Estou tão feliz em te conhecer pessoalmente,


Deanna! O vestido ficou lindo! — ela falou, animada, com
um enorme sorriso.

Dei uma olhada em seu marido, que era um homem


muito bonito e um pouco mais velho do que Dominic, e ele
a fitava com um ar de orgulho e amor perceptíveis. Ele
claramente destruiria o mundo inteiro para protegê-la, se
fosse necessário.

— É o vestido mais lindo que já vesti. Você é ridícula


de tão talentosa.

O sorriso de Kiara se alargou ainda mais.

— Fico feliz que tenha gostado. — Então ela se


aproximou de mim, entrelaçando o braço ao meu e me
arrancando de perto de Dominic. — Vou roubar sua noiva
um pouquinho, Dom. Temos muito o que fofocar.

— Isso se chama formação de quadrilha — Dominic


comentou, em um tom divertido.

— Fiquem por perto, ok? — Giovanni comentou,


com um ar protetor, e Kiara lhe soprou um beijo. O homem
era sério e não esboçou muitas reações, mas sorriu
discretamente.

Eu, por minha vez, também lancei um olhar por cima


do ombro de Dominic, quase pedindo socorro.

Com Kiara, até poderia me sentir um pouco mais à


vontade, já que tínhamos conversado por muitos dias,
durante a preparação do vestido, o que, claramente, nos
aproximara, mas, ainda assim, era uma pessoa que eu não
conhecia tão bem.

Mas, para ser sincera, Dominic também era nada


mais do que um desconhecido, embora eu preferisse que
ficasse perto de mim, levando em consideração que meio
que éramos cúmplices naquela história toda.

Ou Alessio, mas claro que meu irmão já estava de


sorrisos para um rabo de saia, tornando-se a alma da
festa.

Kiara pegou uma taça de champanhe para mim e


um copo para ela, de suco, e nós bebemos. Eu dei uma
golada bem grande, esperando que um pouco de álcool me
deixasse mais soltinha. Ou, ao menos, um pouco mais
corajosa.

— Posso te fazer uma pergunta? — comecei, e ela


assentiu. — Como é estar casada com alguém deste
mundo?

Kiara abriu um sorriso.


— É complicado dizer, porque nasci aqui, diferente
de você.

— Bem... teoricamente eu também, mas fui embora


muito nova.

— Sim, eu sei. Ainda assim, seria difícil explicar


sobre a minha visão, já que nunca tive outro marido que
não fosse Giovanni. Mas nós nos amamos. O casamento
foi de conveniência, eu fui prometida para ele muito
novinha, mal o conhecia, mas somos felizes. — Ela levou a
mão à barriga, acariciando-a. — E vamos ganhar nosso
presente. Então só posso dizer que algo que jurei que não
queria, acabou se tornando uma bênção.

Dei uma risada amarga.

— Muito provavelmente não vou ter a mesma sorte.


As coisas comigo e Dominic são complicadas.

— Porque você não era para ser a noiva dele, e sim


sua irmã?

— Exatamente.

Kiara ampliou ainda mais seu sorriso.

— Não seja por isso. Conheço Dominic, ele é meu


primo, e sei que não estava nem um pouco feliz em se
casar com Stefania. Parece bem mais... interessado em
você do que nela. — Ela arregalou os olhos, levando uma
das mãos à boca. — Perdão, querida. Estou sendo
insensível. Você perdeu uma irmã.

— Sei que não seria a sua intenção. — Fizemos


uma pausa, e eu olhei novamente para Dominic,
observando-o e ainda pensando que era, sem dúvidas, o
homem mais bonito do evento, e, se eu fosse sincera,
havia muita gente de boa aparência naquele salão.

— Não fique com medo, Deanna. Só não feche seu


coração. Às vezes, de onde menos se espera, acabamos
encontrando a felicidade.

Sim, ela estava certa. Só que não sabia de muitos


aspectos de tudo o que estava acontecendo comigo, e eu
não estava disposta a compartilhar.

Havia muitos obstáculos no nosso caminho, e eu


não sabia se queria abrir meu coração.

O fato era que Dominic mexia comigo, de alguma


forma. Só precisava descobrir o quanto.
CAPÍTULO QUATORZE

Eu tenho pensamentos eróticos sobre você


Eles pioram quando estamos separados
Isso significa que vou para o inferno
Ou você está pensando neles também?
DIRTY THOUGHTS – CHLOE ADAMS

O som de sua gargalhada veio até mim, e eu nem


precisava olhar em sua direção para saber que tinha sido
ela. Qual outra mulher riria de forma tão natural, sem se
importar com a altura do som, com o jeito certo, com a
elegância, naquele meio onde estávamos?

Precisei testemunhar o momento e a vi com a mão


na barriga e a cabeça tombada para trás, com algo que
Kiara tinha dito.

Seu rosto parecia iluminado, até o momento em que


percebeu que estava sendo observada por mim.
Imediatamente o sorriso se transformou em uma expressão
muito séria, o que me fazia acreditar que me odiava.
Era de se esperar que isso, de fato, acontecesse,
né? A mulher fora sequestrada para se casar comigo.
Odiar-me era só parte do pacote, embora fosse inegável
que também sentisse algum tipo de desejo.

Isso era o suficiente para mim. Até o fim daquela


noite, eu colocaria outro sorriso em seu rosto e a deixaria
corada por algo mais do que uma simples gargalhada.

Era uma missão.

— Conheço esse tipo de olhar — Giovanni


comentou ao meu lado, enquanto eu levava a taça à boca,
dando uma golada no champanhe, sem conseguir parar de
encarar Deanna.

— Que tipo?

— De posse. De querer marcá-la como sua. A


sensação é desconcertante, eu sei. Não podemos evitar,
está em nosso sangue sermos assim.

— Ela será minha, se você não sabe... — tentei usar


de cinismo, como sempre, porque era meu mecanismo de
defesa.

— Não é suficiente. Tê-la por causa de um papel


não vai ser garantia. Você vai querer seu corpo, sua alma e
seu coração.

Lancei um olhar de soslaio para Giovanni, tentando


manter o meu humor antes que aquela conversa chegasse
longe demais.

— É, você foi mesmo pego pelo laço.

— Fui. Algo me diz que sua Deanna também vai ser


uma grande surpresa. Kiara a adorou. Ao menos serão
amigas.

— Gosto que ela tenha minha prima como


referência. Não quero podá-la, porque gosto de seu jeito
mais autêntico, mas em algumas coisas vai precisar se
encaixar ou sua vida será um inferno.

— Vida? — Ele arqueou as sobrancelhas. — Pensei


que tinha me dito que ela havia concordado com um
casamento por alguns anos apenas e que depois cada um
de vocês iria para um lado.

Precisei respirar fundo ante aquele comentário,


porque era exatamente o que eu não queria ouvir. Um
incômodo muito peculiar provocava uma espécie de
coceira dentro do meu peito, como se um bicho estranho
me comesse por dentro ao pensar naquela história de
divórcio.

Não tinha a ver com ela, mas nunca pensei em me


casar para depois entrar em uma separação. Nunca
desejei isso.

— Ela não sabe, mas não costumo abrir mão do que


é meu — respondi com a voz rouca, dando mais um gole
na bebida.
— Vai trancar a porta e não vai deixá-la sair?

— Não. Mas ela vai ser minha. De um jeito ou de


outro.

Aquilo não respondia muita coisa, mas eu não


mediria esforços para que aquele casamento fosse
definitivo. Porque eu não iria deixar que uma mulher minha
partisse para longe, deixando um compromisso comigo
para trás.

Interrompi minha conversa com Giovanni quando


outras pessoas surgiram e precisamos começar a falar
sobre trabalho.

Então o leilão começou, e eu me sentei ao lado de


Deanna, junto aos Preterotti, percebendo que Enrico já não
estava mais presente.

— E seu irmão? — indaguei para ela.

— Não sei. Alessio me falou que ele teve um


imprevisto.

— Outra vez?

Deanna deu de ombros.

— Não é da minha conta o que ele faz, concorda?

Poderia não ser da conta dela, mas era da conta da


Cosa Nostra. Na ausência de Massimo, ele se tornaria o
nosso chefe, e precisávamos de alguém consistente, com
quem pudéssemos contar em um momento de
necessidade. Provavelmente este alguém não era Enrico e
seus vários segredos e ausências.

Precisamos ficar em silêncio, focados no palco, pois


o leilão começou. Eram peças que cada um dos presentes
doou, e a minha era um quadro que pertencera ao meu pai.
Ele era louco pela peça, mas, para mim, era
completamente indiferente. Um rabisco de mau gosto,
caríssimo, que não faria a menor falta no meu escritório.

Eu sabia que aquele tipo de evento era


extremamente enfadonho e, conhecendo minha estimada
noivinha como começava a conhecer, a forma como se
remexia na cadeira dava a entender que estava de saco
cheio.

Mas quem não? O leiloeiro deveria ter uns setenta


anos e tinha uma fala arrastada, como se estivesse com
sono. A cada peça que ele apresentava, demorava pelo
menos uns quinze minutos descrevendo-a, passando todo
o histórico, origem, nacionalidade e a quem pertencera.
Era um péssimo vendedor, porque eu podia ver algumas
pessoas até bocejando.

Dei meu lance em um estojo de chaturos cubanos


de ouro, com um entalhe bonito em madeira, então já
estava satisfeito.

— Vou ao banheiro, tudo bem? — Deanna


sussurrou no meu ouvido, e eu não poderia negar que sua
proximidade e a forma como sua respiração atingiu o meu
pescoço enquanto falava não me deram uma ideia muito
melhor.

— Posso te acompanhar?

Ela assentiu, e nós saímos de fininho, avisando a


quem estava ao nosso redor.

Fui caminhando ao lado dela, mas no momento em


que chegamos em frente à porta, agarrei-a e coloquei-a lá
dentro, passando a chave na fechadura.

— Dominic!? O que foi isso?

Não lhe dei nenhuma resposta, apenas a empurrei


contra a parede, segurei sua coxa com um braço – aquela
que estava mais exposta por causa da fenda do vestido, e
a entrelacei à minha cintura, deixando-a em uma posição
onde seria impossível fugir de mim.

Com a outra mão apoiada nos ladrilhos, ao lado da


cabeça dela, inclinei-me e tomei seu lábio inferior entre os
dentes, mordendo-o de forma provocativa.

— Isso é a consequência do que você pode causar


em um homem usando um vestido desse. Estou querendo
te pegar desde que te vi.

— E você pega tudo o que quer, diavolo? — Deanna


perguntou em um tom de provocação, com uma cara sexy
que me faria querer me enterrar inteiro dentro dela.
— Diavolo?

— Se me chama de leonessa, quis encontrar um


apelido para você também.

— Ótimo. Então estamos quites.

Com isso, fui direto em sua boca, dominando-a com


a minha, mergulhando a língua e encontrando o ritmo.

Eu não era um homem de romance, de paciência,


de beijos cadenciados. Se era para beijar, que fosse
intenso. Se era para tocá-la, que fosse com força. Se era
para domá-la, que fosse do jeito mais bruto que eu podia.

Deanna colocou os braços ao redor dos meus


ombros, e eu levei a mão à sua nuca, segurando todo o
seu pescoço, desejando ditar por quanto tempo ficaríamos
ali, explorando a boca um do outro, conhecendo-nos de
outra forma.

Havia uma espécie de sofá redondo de veludo


dentro do banheiro – uma extravagância mais do que
desnecessária –, mas foi para lá que partimos, logo depois
de eu erguer Deanna um pouco do chão, ainda segurando-
a por uma das coxas, deitando-a e me colocando por cima.

Ela arqueou o corpo, esfregando-se em mim, e eu


deslizei a boca por seu maxilar, seu pescoço, usando a
língua para beijá-la por aquele espaço de pele descoberto,
afastando um pouco do tecido do vestido. Encontrei
também o espaço do decote, mordendo a carne do seio,
enquanto segurava-a pelas costas com a mão espalmada,
erguendo um pouco seu tronco para ter mais fácil acesso.

Senti quando suspirou, arfante, e me deleitei com a


visão dela completamente rendida nos meus braços, sendo
que eu não tinha sequer começado.

— Tire sua calcinha para mim — falei em tom de


ordem, e gostei que Deanna nem hesitou em atender.

Remexeu-se sobre o sofá, puxando a calcinha,


quase a jogando no chão.

Era uma peça pequena, de renda vermelha, muito


sensual.

— Não. Me dê.

Assim ela o fez, e eu a cheirei.

— Muito molhada. Exatamente como esperei que


estivesse. — Então eu me levantei, deixando Deana
deliciosamente corada, com a coxa torneada à mostra,
porque a fenda se abrira e a saia do vestido se derramara
no chão.

— Você não vai fazer nada em relação a isso?

— Precisamos começar com um beijo, querida. Um


casal saudável tem estágios, sabe? Você é uma moça
decente e respeitável, só posso te tocar depois do
casamento.
— Diavolo! — ela xingou, o que me fez rir. Então se
recompôs, colocando-se sentada. — Pode sair, então.
Preciso de algum tempo.

— Sem problemas. Mas isto aqui — ergui sua


calcinha na minha mão, guardando-a no bolso — fica
comigo. — Fui caminhando na direção da porta,
destrancando-a. — Não demore ou vou ficar com saudade.

Saí do banheiro, deixando-a lá dentro, ainda


sentindo seu gosto na minha boca e com seu cheiro no
meu smoking. Ajeitei a gravata ao passar por um espelho,
rindo e me deliciando, pensando que haveria muitos
momentos como aquele dali para a frente.

Eu me certificaria disso.
CAPÍTULO QUINZE

Vou dar desculpas


E eu vou manter todos os seus segredos
Porque eu poderia receber os tiros
Mesmo se fosse você
Segurando a arma
HOLDING THE GUN – SABRINA CLAUDIO

Eu precisava de ar.

Muito ar. Um caminhão de ar. Um balão de oxigênio


só para mim.

Meu Deus... o que era aquele homem? Que tipo de


tornado tinha me atingido para me deixar daquela forma?

Fora só um beijo. Mas que diabo de boca era


aquela?

Esperei alguns minutos para sair do banheiro, não


apenas porque queria manter minha honra intacta – pensei
nisso revirando os olhos –, mas porque precisei me
recompor.
O lindo penteado que minha mãe fizera estava
arruinado, e eu precisava dar um jeito de arrumá-lo o
suficiente para não parecer que um homem cheio de fogo
me imprensara em uma parede de um banheiro e depois
me carregara e me jogara em um sofá – ainda em um
banheiro – e me beijara até que eu quase esquecesse o
meu nome.

Ajeitei o vestido também, que estava um pouco torto


no decote, e me olhei no espelho, percebendo que não
seria suficiente, mas teria que servir.

Até porque, minha ideia era correr para as colinas e


partir para o jardim da mansão onde o leilão estava
acontecendo, porque eu realmente sentia a necessidade
de estar em algum lugar aberto. Ao menos por alguns
instantes.

Passei, é claro, por um garçom com uma bandeja e


peguei uma taça de champanhe para me acompanhar.
Gostaria de ter pegado duas, mas ficar bêbada em um tipo
de evento como aquele era um perigo. Eu poderia dizer
algo errado, agir como uma boba e ficar extremamente
envergonhada.

As pessoas ainda estavam sentadas, assistindo ao


leiloeiro falar toda a sua ladainha, que serviria como um
ótimo sedativo em qualquer situação, então foi fácil passar
incógnita e partir para os fundos, sem que ninguém me
visse ou tentasse me impedir.
Havia alguns banquinhos naquele quintal, mas
preferi ficar de pé, porque meus pés estavam inquietos
demais.

Assim como minha mente.

Eu não deveria me interessar daquele jeito por


Dominic. Não deveria ceder. Não quando tudo em relação
ao casamento que fomos obrigados a aceitar era errado.

Precisava lutar contra a atração que ele exercia


sobre mim. Precisava lutar contra seus beijos e seus
toques, porque eu era mais forte. Nunca permiti que
homem nenhum entrasse sob a minha pele daquele jeito.
Não seria exatamente aquele que eu deveria odiar que iria
conseguir.

Estava distraída, chutando uma pedrinha, enquanto


erguia a saia do meu vestido para isso – sem conseguir
esquecer que estava sem calcinha – quando senti alguém
se aproximando. Por frações de segundo cheguei a pensar
que poderia se tratar de Dominic, que me achara ali, mas
quando uma mão enluvada cobriu minha boca, eu perdi o
ar, principalmente quando senti um cheiro forte que não
poderia ser nada além de clorofórmio.

— Isto é um aviso, moça. Este casamento não pode


acontecer. Volte para o Brasil e fique longe daqui. Ou não
vai viver para contar.
Tentei me debater, me desvencilhar de seu aperto,
mas o homem claramente era mais forte.

Com um dos braços ao redor da minha cintura, ele


foi me arrastando até mais ao canto, em um espaço um
pouco mais afastado, onde dificilmente alguém passaria.

Não fazia ideia de por quanto tempo ficaria ali.


Precisava gritar, tentar me salvar, mas apenas fui perdendo
as forças aos poucos. Sentindo-me mole, grogue...

Até que a escuridão me dominou, e eu não pude


fazer mais nada.

A cadeira ao meu lado continuou vazia por tempo


demais.

Mas que merda aquela mulher poderia ainda estar


fazendo no banheiro? Queria pensar que tinha ficado
abalada o suficiente para não retornar e precisar de mais
tempo, só que um peso no meu peito me dizia que poderia
ser alguma outra coisa.

Levantei-me discretamente mais uma vez,


caminhando até o banheiro, tentando demonstrar
segurança, e bati na porta.
— Deanna? Você está aí? — Não obtive resposta.

Bati mais uma vez e decidi tentar a maçaneta, mas


esta estava aberta, e eu pude entrar, percebendo que o
banheiro estava completamente vazio.

Peguei o celular no bolso e tentei o número dela,


porque imaginava que ainda estava com o aparelho, mas
não obtive sucesso. A chamada logo caiu na caixa postal.

Por algum motivo, precisei respirar fundo. A ideia de


que Stefania tinha morrido porque iria se casar comigo não
saíra da minha cabeça. Nada fora confirmado, a perícia
insistiu que se tratara de um acidente, mas eu não
acreditava nisso de forma alguma.

Na maior parte do tempo, apenas fingia que não me


afetava, porque fui treinado para não permitir que as
emoções sobressaíssem à razão. Era lamentável que a
menina tivesse partido, mas a vida precisava continuar.
Tanto que eu iria me casar com outra pessoa.

Só que eu não conseguia pensar assim.

Da mesma forma como, naquele momento, tinha a


impressão de que algo ruim havia acontecido.

Voltei para perto dos Preterotti, decidido a encontrar


algum tipo de ajuda para entender o paradeiro da mulher.

— Deanna sumiu — foi o que falei, inclinando-me na


direção de Massimo e Alessio.
Ambos olharam para a cadeira vazia, surpresos.

— Ela não estava com você? — o rapaz mais jovem


perguntou, mas eu podia sentir que sua expressão também
ficara preocupada.

— Sim, mas eu voltei e ela foi ao banheiro. Então já


tem mais de vinte minutos. Fui até lá e não a encontrei.

— Será que ela encontrou um jeito de fugir? — Não


era possível que Massimo estivesse mesmo pensando
primeiro naquela hipótese. — Por que estão me olhando
assim? Ela é ardilosa. Seria a oportunidade perfeita.

Apontei um dedo para ele, sentindo toda a minha


raiva transbordar.

— Se qualquer coisa tiver acontecido a ela, eu vou


levá-la comigo para Nova Iorque. Vou colocá-la no meu
jatinho esta noite mesmo e que se foda o que vocês todos
acham — vociferei.

— É da minha filha que estamos falando.

— Minha noiva — falei por entre os dentes, quase


rugindo. — Quando for minha esposa, será
responsabilidade minha. E se não consegue se preocupar
com sua filha o suficiente, pense que se algo acontecer
com ela, o casamento que você tanto lutou para conseguir
estará arruinado.
Saí de perto antes que enfiasse uma porra de um
soco na cara do meu futuro sogro e comecei a alertar os
soldados que me acompanhavam, decidido a colocar a
porra da festa inteira para procurá-la, se fosse necessário,
mas sem chamar muita atenção. Qualquer um ali dentro
poderia ser nosso inimigo. Quando se está na posição de
chefe, com tanto poder e visibilidade, é difícil deixar de lado
o medo de que qualquer pessoa ao seu redor possa ser a
primeira a puxar a faca para te trair.

Machucar Deanna – ou até pior – seria uma forma


muito simples de traição. De nos desestabilizar.

Começamos uma busca por ela, e chegamos a ir à


guarita de segurança para visualizar as imagens. Eu podia
vê-la saindo do banheiro e buscando o jardim da casa,
provavelmente para tomar algum ar. Então alguém a
agarrou por trás.

A pessoa ficara de costas para a câmera,


impossibilitando-nos de ver o rosto.

Ele a apagara e a levara para um ponto mais


afastado da casa. Quando passara novamente pela
câmera, não estava mais com Deanna; o que me fazia
acreditar que a deixara lá.

Deveria ser um bom sinal, não?

Antes de mais nada, eu agarrei o responsável pela


segurança, lançando-o sobre uma mesa e derrubando tudo
o que havia ali em cima. Puxei minha arma com entalhos
dourados do coldre, apontando-a para a cabeça dele.

— Não era seu papel guardar as câmeras de


segurança? Mas que caralhos estava fazendo que não
prestou atenção em algo desse tamanho? Sabe quem é
aquela mulher? É minha noiva! Se algo tiver acontecido
com ela... vai levar uma bala no meio dos cornos, está
ouvindo?

O homem assentiu, tremendo, e eu o soltei, porque


havia algo mais importante a fazer.

Saí da cabine, marchando, ainda com minha arma


em punho. O filho da puta poderia ter ido embora, deixando
Deanna, mas quem iria provar que não se tratava de uma
emboscada? Matar a noiva do chefe era uma coisa. Matar
o chefe seria mais eficaz ainda.

Com passos apressados, cheguei ao local onde


Deanna fora abordada. Segui na direção para onde o
desgraçado a levara, e logo a vi.

Estava jogada no chão, em uma área escura, então


corri para ela, segurando-a e girando-a para mim. Grogue,
abriu os olhos no momento em que a peguei, respirando
profundamente e tentando se manter consciente.

— Está tudo bem, leonessa.

— Não consegui vê-lo, Dominic. Ele... me pegou de


surpresa... Eu...
— Acalme-se. Você está segura.

Apressei-me em tirar o paletó e colocá-lo ao redor


dela quando percebi que estava tremendo.

— Ele disse que se eu me casar com você, vai me


matar.

Trinquei os dentes e contraí o maxilar, lançando um


olhar para os Preterotti que me acompanhavam, assim
como meus dois soldados.

Não tive tempo de dizer mais nada a Deanna,


porque ela apagou mais uma vez, então eu a ergui nos
meus braços e saí andando com ela, passando por seu pai
e seu irmão com toda a minha raiva estampada no rosto.

— Vou mandar preparar o meu jatinho para


voltarmos esta noite para Nova Iorque. Peçam que alguém
faça as malas dela. Imediatamente.

Era uma ordem, e ninguém iria me contradizer.

Deanna ficaria comigo, porque algo me dizia que se


não fosse assim, eu a perderia antes mesmo de tê-la.
CAPÍTULO DEZESSEIS

Isso pode ser perfeito


Ou pode acabar comigo pingando veneno em sua boca
Estou cantando como uma sereia
Me ame, enquanto seus pulsos estiverem amarrados
Você tem me visto em seus sonhos
Mas estarei lá quando sua realidade afundar
SIREN – KAILEE MORGUE

Eu nunca tive minha vida ameaçada daquela forma.


Mesmo vivendo no Rio de Janeiro, poderia me considerar
uma pessoa de sorte, porque sequer fui assaltada.

Privilegiada de várias formas, minha mãe sempre


pôde me levar para a escola de carro, e, depois, na
faculdade, comecei a dirigir. Até nos meus estágios,
sempre pude pegar meu carro e parar diante da empresa,
saltando em segurança.

Coisas que meu pai sempre bancou para mim,


mesmo à distância. Nunca nos faltou nada, e se minha
mãe não o freasse, sem dúvidas teríamos muito mais.
Quando finalmente abri os olhos, sentindo-me na
cama, na casa onde passei a morar desde o sequestro,
precisei de alguns instantes para me acalmar.

Não era o tipo de mulher que gostava de fazer o


papel da donzela em perigo, muito menos demonstrar
quando algo realmente me assustara. Especialmente na
situação em que me encontrava, onde vulnerabilidade
poderia com facilidade indicar fraqueza e uma abertura
para que me manipulassem.

E eu tive mais certeza ainda quando me levantei da


cama, sentindo-me um pouco mais segura para fazê-lo, e
me deparei com os homens reunidos lá embaixo, decidindo
o meu futuro.

— Ah, olha ela aí! — Dominic parecia nervoso e veio


até mim, colocando-se no final da escada pela qual eu
estava descendo, ainda com o vestido vermelho com o
qual fui para a festa.

Não cheguei a me olhar no espelho, mas poderia


jurar que todo o resto fora arruinado.

— Suas coisas foram arrumadas, sua mãe também


está se aprontando. Vamos partir para Nova Iorque assim
que pudermos.

— O quê? — eu falei com um sopro de voz, ainda


abalada com todas as coisas que estavam acontecendo.
Minha cabeça novamente deu um giro, mas não mais por
efeito do sedativo. Era pura confusão.

— Nova Iorque. Ficaremos na minha casa até o


casamento. Bem... e depois do casamento também.

Ainda parada nos degraus das escadas, cruzei os


braços contra o peito, franzindo o cenho, observando o
homem com a gravata borboleta solta, caída sobre a blusa;
alguns botões também abertos, mangas arregaçadas.

Não podia pensar nele como o cara que me beijara


daquele jeito no banheiro de uma festa. Naquele momento
ele era o noivo chato que estava tentando me controlar.

— Você se importa se conversarmos com


privacidade... querido? — usei de sarcasmo, com um
sorriso amarelo, e Dominic assentiu.

Subimos as escadas juntos e nos fechamos no meu


quarto, onde poderíamos ter um pouco mais de privacidade
para conversarmos.

— Eu não vou para Nova Iorque — afirmei, muito


convicta, mas com um tom de voz sereno. Não estava a
fim de me estressar, definitivamente, depois do que passei.

— Não estou te dando escolha — ele praticamente


rosnou, visivelmente estressado.

Na verdade, Dominic não ficava parado de jeito


nenhum, andando de um lado para o outro. Seus cabelos
estavam uma confusão, e eu poderia jurar que tinha
passado a mão por eles mil vezes.

— Não tive escolha em merda nenhuma desde o


início, mas vão parar de me manipular. Eu nem queria
estar aqui, em Los Angeles, e certamente não queria ir
para Nova Iorque depois de me casar. — Fiz uma pausa,
soltando uma risada amarga. — Bem, eu nem queria me
casar em primeiro lugar.

— Você já disse isso algumas vezes.

— E vou continuar repetindo. Estou cansada de


precisar ser a noivinha conformada, porque não é do meu
feitio.

— Se algo te acontecer... — ele começou, mas eu o


interrompi:

— Vai arruinar sua poderosíssima aliança com os


Preterotti. Já sei disso e...

— NÃO, CARALHO! — ele também me interrompeu,


aos berros. — Não é só isso, Deanna! Eu não quero que
algo te aconteça. Porque me importo!

Ah...

Ok... aquilo era... novo.

— Consegue entender o problema? Fiquei


preocupado com o seu sumiço, e vou ficar preocupado se
não for eu o responsável pela sua proteção. Seu pai achou
que você tinha fugido. A primeira coisa que passou pela
minha cabeça foi que algo de errado tinha acontecido.
Entende por que não posso te deixar nas mãos dele?

O discurso de Dominic foi inflamado e dito de uma


forma quase apaixonada. Não por mim, no caso, mas por
sua opinião.

Ele se importava, o que me deixou surpresa. Não


apenas dissera da boca para fora, mas era visível que não
estava tentando me enganar.

Havia atração entre nós. Isso era mais do que óbvio


e impossível de negar. Mas naquele momento, enquanto
Dominic me olhava com os olhos, como se eles fossem
chocolate derretido, com uma expressão suplicante,
comecei a perceber que talvez pudéssemos fazer aquela
loucura dar certo.

Eu também me importava com ele. Por mais que


tentasse negar e me fazer de durona, ele não era o homem
frio, arrogante e desprezível que pensei a princípio. Claro
que não era um herói e que provavelmente havia muitas
coisas sobre ele que não sabia. Mas... eu gostava dele.

Em algum nível, gostava de verdade.

Dei um passo em sua direção e mais outro,


colocando-me à sua frente. Estendi a mão, pensando em
tocar seu rosto, mas hesitei.
Apesar de ele ter sido sincero comigo, ainda não me
sentia pronta para confessar meus sentimentos – por mais
confusos que eles ainda fossem e inocentes, já que não se
tratava de nada muito profundo. Não porque era orgulhosa
nem nada disso, mas porque queria ter certeza. Sem
contar que tinha medo de que ele acabasse se
aproveitando disso e tentasse me manipular mais ainda.

— E se adiantarmos o casamento? Eu fico aqui em


Los Angeles, contanto que meu pai reforce a segurança,
mas apressamos as coisas.

— Não teime, Deanna! — ele soltou outro grunhido,


em tom de alerta.

— Pense na logística. Já encomendei meu vestido


por aqui. Ainda tem a minha mãe com a hemodiálise. Sem
contar todo o resto. O casamento será aqui, Dominic.

— Foda-se a logística. Sua segurança é mais


importante.

Abri um sorriso de canto, com um brilho provocador.

— Até que é bonitinho você preocupado comigo,


diavolo, mas não vou abusar. Vou sair quando for
necessário e só acompanhada de seguranças. Vai dar tudo
certo. Estaremos dizendo sim naquele altar mais cedo do
que seria prudente para nós dois. Teremos que nos
aguentar, e vamos enlouquecer um ao outro todos os dias.
No momento em que sua sobrancelha se ergueu, eu
soube. Eu o tinha dobrado. Ponto para mim.
CAPÍTULO DEZESSETE

Estou rolando o dado


E jogando o jogo
Mas ninguém me disse que tudo mudaria
E mudou mesmo
Você pode jogar o jogo
Mas não pode fazer as regras
É cruel, tão cruel
CRUEL – THE EVERLOVE

Toda noiva deveria se emocionar ao se olhar no


espelho pela primeira vez, com seu vestido dos sonhos,
não?

Não era o meu caso, no entanto.

Nunca foi o meu desejo usar uma roupa como


aquela, caminhar pelo corredor de uma igreja e encontrar
um noivo, tão empolgado quanto eu, no altar. Queria, sim,
conhecer alguém, me apaixonar e fazer planos de uma
vida inteira juntos, mas não necessariamente precisando
de uma festa para isso.
Eu só queria ser feliz. Ao lado de alguém que
quisesse o mesmo comigo.

Ainda assim, o vestido era lindo, sem dúvidas.

Muito mais comportado do que eu usaria, muito


mais pomposo, muito maior. Não fora escolhido por mim.
Minha mãe me indicara que seria uma boa opção, para me
manter nos padrões, e para não ser alvo de mexericos
cruéis.

Em qualquer outra situação, eu mandaria todas


essas pessoas tomarem naquele lugar, mas as coisas
eram diferentes. Eu estava me tornando exatamente o que
temia: uma mulher silenciada.

Mas era por uma boa causa. Minha mãe merecia ter
uma chance, e se o casamento com Dominic fosse me
proporcionar isso, eu estava disposta a aceitar todas as
merdas que vinham com ele.

Fiquei me olhando por alguns instantes no espelho e


me acostumando com a ideia de que seria uma noiva.

Eu já era uma noiva.

A noiva de um mafioso. Obrigada a me casar.


Coagida, chantageada e presa a um compromisso que
ainda me assustava.

Como era possível me emocionar naquelas


circunstâncias?
Saí de dentro da cabine em que eu tinha passado
algum tempo me trocando, com a ajuda de duas moças
que trabalhavam no local, que fecharam botões, ajeitaram
rendas e me auxiliaram com a enorme anágua. Lá fora
estava a minha mãe, esperando, olhando uma revista
qualquer.

Ela demorou a erguer os olhos para mim, e eu


precisei pigarrear para chamar sua atenção.

Quando o fez, porém...

Bem, alguém precisava ficar emocionado com


aquele vestido.

— Ah, Dee... minha menina! — Ela levou ambas as


mãos ao rosto, puxando o ar. Seus olhos começaram a
marejar quase que imediatamente. — Você está tão linda!

Aproximou-se de mim, colocando ambas as mãos


no meu rosto, me olhando como se fosse a primeira vez.
Então me puxou para seus braços e me acomodou em seu
peito como fazia quando eu era criança.

— Você deveria estar se casando por amor, sabe?


Mas é minha culpa...

— Como pode ser sua culpa, mãe?

— Porque eu escolhi Massimo. Porque te dei um pai


que vive esta vida.
— Não, não faça isso. — Segurei-a pelos braços e a
afastei para olhá-la nos olhos. — Você se casou por amor.
Essas coisas não se controlam. E, mais do que isso...
Tentou me afastar de tudo, inclusive se arriscando por mim.

— Você é minha filha. É o amor da minha vida. Tudo


o que eu quero é que seja feliz.

Ela era o amor da minha vida. Não importava que eu


fosse me casar com um homem que temia. Salvar a minha
mãe e mantê-la a meu lado o máximo que pudesse valia
qualquer esforço. Qualquer sacrifício.

Eu só esperava que ela nunca soubesse a minha


motivação para aceitar aquele casamento.

— Senhorita? — uma voz de mulher chamou, e eu e


minha mãe olhamos na direção dela. — Temos um
costureiro disponível para fazer as marcações de ajustes
agora. Pode ficar por mais algum tempo?

O que o dinheiro não fazia, não é mesmo? O


sobrenome poderoso do meu pai somado ao mais
poderoso ainda do meu noivo conjuravam milagres.

— Vai demorar?

— Um pouco.

Olhei para minha mãe, sabendo que ela tinha


hemodiálise em meia-hora. Queria acompanhá-la, mas
estávamos tão em cima da hora do casamento que eu não
tinha muita escolha.

— Fique, querida. Não tem problema...

— Tem certeza? Ainda podemos almoçar juntas.


Podemos nos encontrar em algum lugar.

— Tudo bem. — Nós trocamos beijinhos, e eu a


observei sair da loja, acompanhada por um dos soldados
que fora até lá conosco, pensando que loucura era aquilo
de precisar ter guarda-costas.

Um ficara comigo, mas ele permaneceria na porta,


como um poste, observando tudo, já que ali dentro da loja
era mais seguro.

— Ele já está chegando, senhorita. Pode esperar


com o vestido, por favor?

— Sim, claro.

— Aceita um café, uma água?

— Não, obrigada.

Com um sorriso e um meneio de cabeça, a mulher


se afastou e voltou lá para dentro, enquanto eu ficava
sentada, na sala privada, aguardando o costureiro.

Peguei a mesma revista que minha mãe estivera


folheando um pouco antes, cheia de notícias de
celebridades que não me interessavam, mas fui
interrompida pelo som do celular, acusando a chegada de
uma mensagem.

Era de Dominic.

DOMINIC:

Estou em LA

Não sabia que ele ia aparecer tão cedo. Fazia quase


uma semana desde que nos vimos pela última vez, dias
após a festa onde o incidente ocorrera. Sabia que tinha
ficado puto por voltar sozinho e vivia monitorando como eu
estava, o que, novamente, era quase fofo, se eu não
imaginasse que havia um pouco de possessividade
intrínseca à genuína preocupação.

Fosse como fosse, o que eu esperava menos ainda


era sentir um friozinho na barriga por saber que iria vê-lo,
provavelmente naquele mesmo dia.

DEANNA:

E...?
Foi uma resposta quase seca, mas mais
provocadora do que qualquer coisa. Ainda tinha medo de
demonstrar sentimentos e de me expor, principalmente
com ele, que começava a me deixar à flor da pele demais
para o meu gosto.

DOMINIC:

Para de ser grossa, garota.

Onde você está? Podemos almoçar.

Era muito adolescente da minha parte, mas me


peguei sorrindo ao ler.

DEANNA:

Que bonitinho. Um encontro?

DOMINIC:

Se é assim que você quer pensar...

É um almoço com a minha noiva.

Já passamos da fase de encontro, concorda?


DEANNA:

Você é muito pouco romântico.

E logo agora que estou experimentando o vestido de


noiva...

Dominic demorou a responder. Quando começou, vi


os três pontinhos da resposta surgindo e desaparecendo,
como se ele estivesse digitando e apagando a mensagem.

Antes que dissesse algo que iria me deixar mais


balançada ainda, escrevi:

DEANNA:

Você pode vir me buscar na loja?

Ainda vou demorar um pouco, acredito.

Só que eu combinei de almoçar com a minha mãe.

DOMINIC:

Me passa o endereço que eu te busco.

E podemos almoçar os dois com a sua mãe.


Eu precisava me esforçar muito para não enxergar
aquilo como um relacionamento normal. Porque não era,
definitivamente.

Ainda assim, lá estava eu animada para almoçar


com o diavolo.

Depois de lhe enviar o endereço e dizer um horário


previsto, voltei à revista, ainda sem nenhum interesse,
esperando que não demorasse muito.

Só que o tempo foi passando, eu fui checando o


relógio, e logo daria o horário combinado com Dominic.
Esperava que ele não visse o meu vestido, porque, por
mais que não acreditasse que teríamos alguma sorte no
nosso casamento, também não queria ainda mais azar.

Já tinha se passado mais ou menos uma hora


quando fui avisada de que o homem chegara e que eu
poderia ir à cabine, me posicionar, que ele iria tirar minhas
medidas e marcar os ajustes.

Eu estava distraída, alisando o tecido e sentindo a


pedraria muito elegante que o cobria, quando a sensação
de uma mão enluvada cobrindo a minha boca se repetiu,
me proporcionando um terrível dejá vù.

— Bom te ver novamente, noivinha — a mesma voz


familiar também falou, mas não apenas isso. Eu conseguia
ver toda a cena se desenrolar através do espelho. Vi o
rosto dele. O enorme punhal que tirou do bolso.

Ele ia me matar.

Então eu precisava tentar me defender.

Com o cotovelo, golpeei-o o mais forte que pude,


sentindo seu aperto afrouxar. O problema era que eu
estava usando um vestido enorme, com anágua, uma saia
imensa, o que me impossibilitava de correr. Por causa
disso, ele me pegou facilmente, mesmo ainda com dor e
me jogou no chão, imobilizando-me.

Enquanto mantinha as mãos livres, comecei a


estapeá-lo ao máximo, gritando por ajuda. Só que ele calou
a minha boca outra vez e usou a faca para deixar um corte
na minha cintura, o que me fez urrar de dor.

Não sabia dizer se tinha sido profundo, se fora feio...


mas eu sentia o sangue escorrendo, espesso, empapando
meu vestido.

Queimando.

Queimando mais do que um corte normal queimaria.

Jurei que iria morrer, mas o soldado que meu pai


enviara entrou correndo, provavelmente ouvindo meu grito,
tirando o homem de cima de mim.

Eu deveria ficar parada, esperando ajuda, mas


minha mente grogue e estranhamente nebulosa me fez
levantar e começar a andar.

Queria sair dali, e nem mesmo o chamado ao meu


nome, vindo do soldado, me fez parar.
CAPÍTULO DEZOITO

Pegue sua chance, mas não vai conseguir me acertar


Se me acertar, não vai conseguir continuar
Sou o rei, você é o assassino
Vou te alcançar, serei o vencedor
Puxe o gatilho, faça-me sangrar
Colida comigo que logo vai ver
Que sou o Deus, você é o pecador
WINNER – WARGROVE

Eu sabia que estava um pouco adiantado, mas...


quem ligava? Estava ansioso para vê-la usando um vestido
de noiva, e por mais que isso chegasse a ser
surpreendente, provocá-la também era uma questão
interessante.

O quão puta Deanna ficaria com a minha presença?

O problema era que eu não esperava, de fato, vê-la


vestida de noiva, mas com uma enorme mancha de
sangue na barriga, que ia crescendo, conforme ela vinha
na minha direção.
Pálida e com os lábios estranhamente arroxeados,
ela foi a primeira coisa que eu vi assim que cheguei à loja.
Caminhava como um zumbi, saindo de uma porta mais ao
fundo, quase se arrastando. A mão pressionava o
ferimento, e eu não conseguia ver direito qual era a
gravidade.

Corri em sua direção e consegui ampará-la quando


quase caiu.

— Deanna? — chamei, sentindo-me apavorado.

Eu não era o tipo de homem que se assustava com


qualquer coisa. Precisava de uma quantidade bem grande
de esforço para me fazer tremer ou pensar em me
entregar.

Em uma sessão de tortura, eu era aquele que


demoraria mais para falar – acredite, já passei por isso. Eu
agiria com cinismo, humor ácido e provocações.

Naquele momento, meu coração parou de súbito, e


eu entendi que Deanna facilmente poderia ser usada como
um ponto fraco.

Isso porque ela nem era minha esposa ainda.

— Dominic... Dominic... — sua voz era nada mais


que um suspiro, e seus olhos giravam nas órbitas.

Levei a mão ao ferimento, rasgando as duas partes


que o corte formou no tecido, abrindo-o um pouco mais.
Não era nada tão profundo para ela estar tão mal.

Havia algo de errado.

— Senhor, um dos soldados de Massimo pegou o


sujeito. Está vivo.

— Mantenham-no assim — ordenei com convicção,


enquanto, mais uma vez, erguia Deanna nos meus braços.

Daquela vez, porém, não era somente uma ameaça.


Ela fora mesmo machucada.

— Ele é meu, Vanno — referi-me ao meu homem de


maior confiança. — Não deixem que morra.

Meu soldado assentiu, e eu tirei Deanna dali,


sentindo-a tremer violentamente nos meus braços.

Cada vez mais assustado, eu gritava o nome dela,


enquanto a carregava para o meu carro. Outro dos meus
homens, que me esperava lá fora, ficou um pouco perdido
ao ver a cena, mas abriu rapidamente a porta traseira, e eu
entrei com Deanna, mantendo-a no meu colo.

— Para o hospital. Accelerare! Andiamo, presto! —


ordenei que corresse, que acelerasse ao máximo, e ele
pisou no pedal, saindo do meio-fio cantando pneus.

Levei uma das mãos ao rosto de Deanna, sentindo-


o gelado. Sua boca ainda estava roxa, e seu rosto cada
vez mais pálido. Os cabelos loiros grudavam na testa, que
estava repleta de gotas de suor, e cada vez que ela
estremecia com mais força, eu tinha a impressão de que
iria perdê-la.

Eu sentia como se a vida dela estivesse se


esvaindo.

— Mais rápido! Ela está morrendo! — novamente o


desespero da minha voz me assustou. Mais ainda a reação
de quando a puxei um pouco mais para mim e a apertei
contra o peito, tentando conter seus tremores.

Deanna estava sofrendo. Por ser minha noiva, a


noiva de um chefe da máfia, ela estava agonizando nos
meus braços. A mulher mais forte que eu conhecia...

Puta que pariu... Eu não podia permitir.

Chegamos ao hospital, e eu saltei literalmente


correndo, levando-a comigo, ajeitando-a no colo enquanto
avançava.

Comecei a gritar dentro do hospital, embolando


inglês com italiano, dando ordens e criando caos. Foram
precisos três homens para me segurar na sala de espera,
porque queria acompanhá-la e descobrir o que estava
acontecendo.

Não me foi permitido. Precisei me conformar em


ficar sentado em uma merda de cadeira, enquanto era
olhado com pena por várias pessoas, que provavelmente
só estavam curiosas do porquê de um homem tinha
chegado com uma noiva ensanguentada nos braços.
Eu precisava fazer muitas coisas, mas a principal
delas era ligar para os Preterotti para avisá-los sobre o que
tinha acontecido. Isso me obrigou a erguer a cabeça,
respirar fundo, pegar o telefone e enviar uma mensagem a
Enrico, que achei a pessoa mais racional para lidar com a
situação.

Minha parte tinha sido feita, só me restava esperar.

Só que eu achei que seria um pouco mais rápido.


Não imaginava, de forma alguma, que ficaria mais de duas
horas sem notícias, até que um médico me chamou.

Sua cara não era das melhores, e eu precisei


respirar fundo, tentando me preparar para o pior.

— Ela... ela... — gaguejei. Outra coisa que nunca


tinha acontecido comigo.

— Não, senhor. A moça vai ficar bem. O problema é


que não foi o corte que a deixou naquele estado, porque
não foi tão profundo. Qualquer que tenha sido a lâmina que
a feriu, estava embebida em veneno. Conseguimos
descobrir isso através de alguns exames toxicológicos e
encontramos o antídoto correto.

Engoli em seco, tentando manter o controle. Por


mais que todas aquelas pessoas naquele hospital já
tivessem me visto quase destruir uma sala inteira, era hora
de colocar o pé no chão.

— Ela vai ficar bem?


— Vai. Só que o processo de desintoxicação não é
dos mais simples.

— Posso estar com ela?

Provavelmente Deanna nem queria que eu


estivesse em sua companhia. Ela tinha a mãe, e eu deveria
estar fazendo um pouco mais de esforço para alguém de
sua família me responder, mas era egoísta o suficiente
para nem pensar mais nisso.

Ainda assim, não queria deixá-la sozinha.

— Sim. Me acompanhe, por favor.

Passei a mão pelo cabelo, um pouco nervoso, e


segui o médico.

Quando cheguei ao quarto, ouvi os sons de Deanna


colocando o veneno para fora.

Sim, eu queria estar com ela. Esta certeza se tornou


ainda maior quando ela se voltou para mim, com os olhos
vulneráveis, a expressão de abandono.

Coloquei-me próximo a ela, tomando o lugar da


enfermeira que a acompanhava, segurando-a, porque
estava sentada na cama. Tinham lhe colocado uma
daquelas camisolas de hospital, e eu imaginava que o
curativo estava feito. Talvez tivessem lhe dado remédios,
porque, por mais que o corte não fosse profundo, deveria
estar doendo, mas eu a via como uma guerreira.
Aquela mulher seria minha esposa. E eu tinha um
puta orgulho disso.
CAPÍTULO DEZENOVE

Nenhuma droga poderia me fazer sentir tão alto


Mas despencamos depois de subir
E sem fôlego, caímos no chão
Seu amor é uma correnteza
RIPTIDE – SAINT CHAOS

Pude sentir a febre em cada parte do meu corpo.


Ela queimara como se eu tivesse me jogado no meio de
uma fogueira, sem nem ter tentado sair. Lembro-me de ter
agarrado o lençol de uma forma tão dolorosa, enquanto
convulsionava sobre a cama, e de ter vomitado vezes
ininterruptas, quase como se estivesse expulsando um
demônio de dentro de mim.

Durante todo aquele tempo, uma única mão segurou


as minhas. Uma única pessoa amparou meu corpo. Braços
firmes me carregaram. Uma voz me transmitiu segurança.

Tive dúvidas de quem poderia ter sido, mas estas


desapareceram assim que eu abri os olhos, me sentindo
estranhamente melhor.
Olhando para o lado, enxerguei o homem que ainda
era um enigma para mim, sentado desconfortavelmente em
uma cadeira, usando uma camisa branca toda amassada e
manchada de sangue. A gravata ainda estava pendurada
em seu colarinho, aberta, e havia um paletó no encosto do
móvel. Alto como era, suas pernas estavam meio
esticadas, meio flexionadas, seu braço musculoso estava
sobre o rosto, cobrindo os olhos, e sua boca se entreabrira
levemente.

Sorri ao vê-lo, ainda me sentindo fraca, mas


acreditando que era a cena mais adorável que eu poderia
ter como primeiro vislumbre ao despertar depois de toda a
merda que acontecera.

Quem diria que aquele homem ainda me


surpreenderia daquela forma?

— Dominic? — tentei chamá-lo, mas minha voz


soou tão rouca que eu poderia jurar que ele não iria ouvir.
No entanto, o fato de ter literalmente pulado da cadeira e
aberto os olhos imediatamente me dizia que estava
completamente atento a mim, mesmo dormindo.

— Deanna? — Esfregou os olhos, ajeitando-se e


puxando a cadeira de rodinhas até mim. — Como você
está?

Engoli em seco, sentindo minha garganta arranhar,


provavelmente por conta da quantidade de vezes que eu
coloquei tudo para fora.
— Melhor. Há quanto tempo estou aqui?

— Chegamos ontem à tarde. São seis da manhã.

Quase um dia inteiro.

— Estou com sede.

Eu estava pronta para apertar um botão e chamar


uma enfermeira, mas Dominic se levantou de um pulo e
correu lá fora.

Tinha a impressão de que se eu pedisse algo


completamente absurdo, ele se esforçaria para conseguir.

Voltou acompanhado de uma moça vestida de


branco, que julguei ser uma enfermeira. Ela me deu o copo
d'água, que felizmente consegui pegar com a minha
própria mão, embora o acesso venoso estivesse me
incomodando um pouco.

Bebi em goles rápidos e grandes, porque realmente


estava sedenta. Enquanto isso, ela ia checando meus
sinais vitais, minha pressão e minha temperatura.

— Está tudo bem normal. Vou falar com o médico


para ele te encaminhar para os exames necessários, ok?

— Acha que vou ter alta hoje?

— Eu não sei, mas pode ser que sim, mais para o


final do dia, se suas respostas continuarem bem. Foi feita
uma lavagem estomacal, você colocou muita coisa para
fora, então acho que se continuar indo assim, é possível.
Só o médico vai dizer. — Ela sorriu para nós, mas se voltou
só para mim, comentando: — Seu noivo é muito dedicado,
viu? Será um ótimo marido.

Ah, que ótimo! Elogios a quem não precisava ser


elogiado, porque tinha um ego enorme.

Mas provavelmente ela estava certa sobre ele ser


dedicado.

Quem diria...? Um chefe da máfia! O mundo deveria


mesmo estar de cabeça para baixo.

Quando ela saiu, lancei um olhar para Dominic, já


esperando que fosse fazer alguma brincadeira, mas ele
estava muito, muito sério. A expressão sombria que
sempre imaginei que um homem como ele deveria ter
surgira em seu rosto bonito. Era muito similar àquela que
encontrei quando ele chegou na casa do meu pai todo
coberto de sangue.

— O que foi? — perguntei a ele. Dominic virou a


cara, desviando os olhos de mim, não querendo me
encarar. — Dominic... eu quero saber o que está
acontecendo.

Ele bufou, como se eu fosse uma garotinha teimosa,


e me olhou finalmente.

— Esta noite vou cuidar do cara que fez isso com


você, Deanna. Eu te juro.
— Vocês estão com ele? Não me lembro de quase
nada...

— Estamos. Meus homens entraram e o pegaram.


Pedi que o deixassem para mim — sua voz soou mais
rouca do que o normal, pesada, profunda. Não havia
dúvidas de que ele iria acabar com o sujeito.

— Quero estar lá — falei, surpreendendo a mim


mesma.

Dominic me olhou como se eu tivesse acabado de


pedir para levar um soco.

— Você ficou louca — ele afirmou, afastando-se da


cama.

— Pedi que queria conhecer todo o seu mundo. Se


vou me casar com você, preciso saber. Preciso ver.

— Nenhuma esposa é levada a uma sessão de


tortura, Deanna. É inconcebível.

— Já deve ter percebido que não sou uma noiva


como as outras — respondi, erguendo uma sobrancelha.

— Ah, querida, eu percebi. Sem dúvidas... — falou,


com ironia e um curvar de lábios quase perverso.

— Então não pode me tratar como uma. O homem


quase me matou, me deu algumas das piores horas da
minha vida.
— Pois deixe que eu cuido disso.

— Não, Dominic. Preciso saber quem você é. Com


quem vou me casar. O tipo de coisa que você faz.

— Para quê? — ele ergueu o tom de voz. — Para


achar que vou fazer o mesmo com você?

— Você vai?

— Não pretendo.

— E se eu trair você? Ou a Cosa Nostra? — Eu


podia imaginar que meu olhar adquirira um brilho muito
obscuro naquele momento, sabendo que estava tocando
em um tópico sensível. Não tinha planos de trair ninguém,
mas, mesmo assim foi uma pergunta capciosa.

— Certamente precisaria dar um jeito na situação,


mas não como vai acontecer hoje. Eu não... — Ele hesitou,
e eu entendi o que queria dizer.

Ele não me machucaria da maneira como o sujeito


seria machucado.

— É meu direito conhecer ao máximo o homem que


talvez vá dormir e acordar na mesma cama que eu. Ou ao
menos no quarto ao lado.

Dominic estava inquieto. Mas não uma inquietude


normal. Ele respirava de forma irregular, andava de um
lado para o outro e não parava de bagunçar seus cabelos
que já estavam um caos. Com a roupa manchada com o
meu sangue, ele parecia um louco psicopata e deveria me
causar medo, mas, depois do que passamos juntos, só
conseguia vê-lo como um protetor.

— Você vai se arrepender, mulher. Ouça o que


estou dizendo.

— Que seja, mas é uma escolha minha. Pode


apontar o dedo depois e dizer “eu avisei”.

Ele ficou me olhando, com um ódio estampado no


rosto. Tinha a impressão de que o sentimento não era
destinado a mim, mas à situação. Ainda assim, começava
a parecer mais com o homem que imaginei que ele fosse.

— Merda, Deanna! Merda! — rosnou.

Aquele era o momento em que eu precisava mudar


de assunto. Foi quando subitamente me lembrei da minha
família.

— Meu Deus! Minha mãe... ela deve estar... —


Comecei a me remexer na cama, mas Dominic segurou
meus braços, impedindo-me de fazer movimentos muito
bruscos, por mais que eu realmente estivesse me sentindo
melhor.

— Sua mãe não sabe. Mandei um dos meus


homens ir buscá-la no restaurante. Ela está bem.

— E onde pensa que eu estou?

— Comigo.
— Você não avisou nenhum dos meus irmãos?

Dominic ainda me segurava quando percebi algo em


sua expressão.

— Mandei uma mensagem para Enrico, mas ele até


agora não respondeu.

— Será que aconteceu alguma coisa?

— Será que ele se importa? — vociferou, mas


pareceu arrependido. — Desculpa, eu não queria falar
assim. É seu irmão.

— Não faz muita diferença. Eu e Enrico nunca


fomos próximos — comentei, mas imaginava que ele já
tinha percebido isso. — Seja como for, que bom que isso
aconteceu. Pode pedir a ele que não conte para ninguém?

— Tenho a impressão de que nem visualizou a


mensagem. Posso só apagá-la.

— Então faça isso.

— Por quê? Não quer que saibam?

— Não. Eu estou bem. Só vai preocupar todo


mundo. Também não quero meus irmãos ou meu pai com
você hoje. Seremos só nós.

Dominic abriu um sorriso amargo.

— Não sei se sabe, leonessa, mas os três já


sujaram as mãos muitas vezes.
— Estou ciente disso. Mas uma coisa de cada vez.

Meu futuro marido não parecia tão certo disso, mas


concordou.

Que assim fosse, então. Naquela noite, se


recebesse alta, eu veria um lado seu que provavelmente
nunca mais seria esquecido.
CAPÍTULO VINTE

Você não tem medo de mim?


Será que não sou assustador?
Porque toda vez que você fala
Eu me sinto preso entre seus dentes.
Vinho e cianureto
Não vão te livrar de seus crimes
Se você se ajoelhar
Não vai consertar seus erros
WITCH HUNT – CHANDLER LEIGHTON

Um dos soldados de Dominic levou uma bolsa para


o hospital, com roupas para nós, compradas em uma loja
caríssima de Los Angeles. Uma calça jeans do meu
tamanho e uma blusa simples, além de uma camisa para
Dominic.

Eu imaginava que ele precisaria se trocar


novamente depois, mas teria que se virar com aquela única
peça mesmo.
Estremeci só de pensar. Atento a mim o tempo todo,
percebeu minha hesitação.

— Uma palavra sua, um som saído de sua boca, e


vai ser tirada de lá à força. Amarrada, se necessário. Não
vou nem ouvir suas argumentações.

— Não sou uma boneca de porcelana, Dominic.

— Exatamente por saber disso que estou te


avisando. Sei que vai, talvez, se forçar a ficar, e eu juro que
vai se arrepender, porque é o tipo de coisa que ficar
grudada na merda da sua cabeça para o resto da vida.

— Vou até o meu limite, prometo.

Ele soltou um resmungo do meu lado, mas ficou


calado, voltando o rosto para a janela.

Era noite, e eu tinha recebido alta por volta das


nove. Minha mãe me enchera de mensagens, e
provavelmente, àquela altura, deveria estar achando que
caí na cama de Dominic, em um hotel qualquer; o que era
muito melhor que acreditasse, já que não havia motivos
para preocupá-la.

Em algum momento acabaria descobrindo, embora


eu não soubesse direito como as coisas tinham ficado com
as pessoas da loja.

Respirei profundamente e inspirei quando o carro


parou, anunciando que estávamos no local correto.
Tratava-se de um galpão em uma área erma, rodeada por
terrenos baldios. Provavelmente o tipo de espaço perfeito
para o que iria acontecer.

Saltei do carro com a ajuda de Dominic, forçando


minhas pernas a ficarem firmes, mas ele segurou a minha
mão, entrelaçando nossos dedos. Quem visse poderia jurar
que estávamos prontos para passearmos em um shopping
e não para assistir a uma sessão de tortura.

O odor de urina e sangue foi o que nos recebeu.


Mofo também. Não eram cheiros agradáveis, mas eles
pareceram exercer uma reação mais passional em Dominic
do que em mim. Ele soltou a minha mão, agarrando meu
braço acima do cotovelo, puxando-me com raiva.

— Quer um espetáculo, não é, leonessa? Pois o


terá. E de camarote.

Fui colocada de frente para a cadeira onde o


homem estava sentado, amarrado. Havia alguns cortes em
seu rosto, o cabelo estava todo desgrenhado, mas no geral
ainda se encontrava em bom estado.

Com a mão de Dominic firmemente fechada no meu


braço, ele me estendeu um punhal.

— Esta foi a arma que ele usou para te ferir. Tinha


veneno na lâmina, não tem mais, porque tiramos. Vou
deixá-la na sua mão o tempo todo. Quando achar que quer
terminar com o show, pode usá-la você mesma ou entregar
que eu encerro. Mas pode ter as honras de começar.
Lembrando que este homem não teve a menor compaixão
em ferir e quase matar uma mulher indefesa.

No caso, eu.

Segurei o punhal na mão, sentindo seu peso. Nunca


tinha estado com uma arma como aquela em meu poder, o
que era um pouco desconcertante. Naquele momento, a
vida de uma pessoa estava nas minhas mãos.

Será que ele tinha família? Será que fora apenas


pago para me ferir e não era assim tão cruel? Talvez ele
nem soubesse que havia veneno na lâmina.

Fiquei com esses pensamentos rodando na minha


cabeça, até o momento em que o desgraçado ergueu a
cabeça. Jurei que ele iria implorar por clemência, como
qualquer homem normal naquela situação faria...

Mas eu não estava no meio de homens normais.

Ele abriu um sorriso perverso, olhando-me de cima


a baixo e soltando a pérola:

— Você estava lá com a sua mãe, não estava? Ela é


gata também. Eu teria pegado e fodido as duas juntas...

Franzi o cenho, por um momento tentando absorver


aquelas palavras. Cheguei a olhar para Dominic, para ter a
certeza de que as tinha ouvido certo, mas ele estava
parado do meu lado, de braços cruzados, observando.
Agarrando o punhal com força, eu soltei um grito e
comecei a cortar o rosto dele com ódio. Mal sabia como
tinha conseguido me controlar para não enfiar aquela
merda logo em seu peito, mas provavelmente queria que
sofresse.

Fui agarrada por Dominic, e um de seus homens


tirou o punhal da minha mão. Ele me arrastou até a
cadeira, colocando-me sentada e me segurando.

— Calma, leonessa. Deixe o trabalho comigo.

Seus olhos me encararam com tanta profundidade


que ele parecia um hipnotizador me manipulando. Mas eu
sabia que era só uma forma de me acalmar.

O soldado lhe devolveu o punhal, e ele o ergueu na


altura dos meus olhos, mostrando que iria devolvê-lo. Eu já
estava menos nervosa, então aceitei, mas quando ele saiu
da minha frente, vi o estrago que já tinha feito.

Do homem, pingava sangue no chão. Eu não tinha


cortado só o seu rosto, mas partes de seu peito também.
Havia retalhos por toda parte.

Tinha mesmo sido eu? Por alguns instantes poderia


jurar que havia saído de mim, entrando em um transe
muito assustador.

Seria assim que Dominic se sentia o tempo todo?


Eu o vi caminhar em direção ao homem amarrado,
fazendo um sinal para seus homens, que eles pareceram
entender. Seu andar era decidido, lento, quase como de
um perseguidor que sabe que vai alcançar sua presa
mesmo sem precisar correr.

Tirou algo do bolso, cuja lâmina reluziu contra a luz,


e eu vi outro punhal. Com a outra mão, pegou sua arma.
Esta era cravejada com entalhes em dourado –
provavelmente ouro –, o que a tornava muito pessoal. Era
elegante, mais um sinal de poder.

De pé, o homem era bem mais baixo que Dominic,


mais magro também. Meu noivo agarrou-o pelo pescoço e
o empurrou com uma quantidade absurda de violência em
direção à parede. Pegou um de seus braços e esticou a
mão do cara, abrindo-a e enfiando o punhal na palma,
prendendo-o ao concreto.

Pegou mais um punhal que lhe entregavam e fez o


mesmo com a outra. Enterrando a lâmina bem funda.

Os gritos de dor me fizeram perder o ar.

Era só o começo.

Durante as horas seguintes, senti meu estômago


embrulhar mais de uma vez. Assisti Dominic usar fogo
contra a pele, cortá-lo, dilacerar um dedo, óleo quente e
outras coisas que levaram o prisioneiro às lágrimas. Ainda
assim, ele estava irredutível em falar.
Afastei o olhar o máximo que pude, mas sem vacilar.
Não conseguia parar de tremer, e vi todo o sentimento
obscuro que preenchia o peito de Dominic enquanto
cometia todos aqueles atos.

A forma como olhou para mim. O sangue que


manchava toda a sua roupa, seu rosto e suas mãos.

Aquele era o homem com quem eu ia me casar.

O monstro por trás do rosto bonito e do


comportamento sedutor.

Lá estava o motivo pelo qual estranhei que um chefe


da máfia fosse tão divertido, quase cavalheiro, de fácil
convivência. Porque as pessoas não eram apenas os seus
estereótipos. As pessoas tinham camadas.

Era tudo aquilo que Dominic escondia.

Um diabo, exatamente como eu o chamava. A


própria escuridão morava dentro dele.

E talvez passasse a morar dentro de mim também.

Antes que isso acontecesse, estendi o punhal para


Dominic. O homem não ia falar nada, já tinha noção deste
fato. Era só violência gratuita e infundada.

Ele entendeu a mensagem e respeitou meu pedido.

Em poucos minutos, o prisioneiro estava morto, com


uma única punhalada de misericórdia no peito.
CAPÍTULO VINTE E UM

Me contaram que você era um assassino


Eu vi sua coleção de corações e eu devia mesmo saber
Pois me disseram que você era um assassino
E não tenho dúvidas de que a única saída deste pesadelo
É se eu também for uma
KILLER – VALERIE BROUSSARD

Ela estava calada, olhando para as próprias mãos, e


eu podia ver uma mancha de sangue entre seus dedos,
que tentava esfregar, mas de uma forma meio
inconsciente.

Coloquei a minha no bolso e peguei um lenço,


estendendo-o a ela.

Por alguns instantes, Deanna nem viu, mas voltou a


si quando encostei o nó do meu dedo em seu braço, e ela
finalmente o pegou.
Começou a esfregar o dedo indicador em silêncio,
devagar a princípio, mas então pôs mais força no ato. E
mais força, até que eu pude perceber claramente que seu
cérebro estava afetado de alguma forma, por mais que
estivesse se esforçando muito para fingir indiferença.

Agarrei sua mão, fazendo-a parar e olhar para mim.

— Você pediu isso, Deanna. Lembre que eu não


queria te trazer — falei com convicção, com uma
sobrancelha arqueada.

— Eu sei — a mulher quase rosnou, estressada.


Mas eu estava com a razão. Desde o início achei que
aquela ideia era completamente equivocada.

Levando em consideração que fora Deanna quem


pedira, que fora a causadora daquela merda, eu nem
deveria lhe dar atenção. Meu papel era lhe dizer um belo
de um “bem-feito” e ignorar qualquer reação que
demonstrasse que estava assustada. Só que eu
simplesmente não conseguia ficar indiferente.

— Como você está? — precisei perguntar, embora,


para ser sincero, minha vontade fosse esganá-la.

— Estou ok. Melhor do que aquele cara lá, né?


Então não posso reclamar — foi uma resposta dita de um
jeito muito amargo. De uma forma que sinceramente odiei
ouvir e era exatamente o que eu temia. Deanna não podia
se tornar uma versão feminina de mim. Ela seria minha
esposa, mas odiaria que perdesse a essência, por mais
que estivesse longe de ser a coisinha delicadinha que
sempre imaginei que seria a mulher com quem me casaria.
— Posso te fazer um pedido?

— Sim, é claro.

— Tem algum lugar para onde a gente possa ir?


Não quero encarar minha mãe agora. — Fiquei olhando
para ela por alguns instantes, estudando-a. Meus olhos
estavam estreitos, analisando a mulher ao meu lado, e pela
forma como fiquei calado e sem me mexer, sem atender ao
seu pedido, logo soube que não demoraria para se
manifestar. — O que foi? Por que está me olhando desse
jeito?

— Porque entendo como se sente. Na primeira vez


em que torturei um homem, estava em Chicago, na casa
do meu tio. Há poucas pessoas no mundo com quem me
importe tanto quanto me importo com minha prima Kiara, e
ela foi quem me viu logo depois. Mal conseguia olhá-la nos
olhos. Era tão menina, tão inocente. Eu me sentia sujo.

— Fica mais fácil?

— Eu estaria mentindo se dissesse que não.

— Você gosta?

Bufei, irritado, porque Deanna estava acionando os


botões certos, e isso era perigoso. Não naquele momento,
porque não se tratava de algo que me importasse
esconder, mas o quanto ela conseguiria descobrir em
outras situações, apenas por fazer as perguntas
pertinentes? Era capciosa e muito sagaz.

— Não sei, Deanna. Em alguns momentos, com


algumas pessoas, às vezes sinto algum tipo de euforia. Ter
o poder sobre a vida de alguém pode ser um vício para
uns. Acredito que eu preferisse estar fazendo outra coisa,
mas quando se trata de alguém que merece, que faz de
tudo para provocar e que é, por algum motivo, um perigo
para a famíglia, eu não tenho pena. Não sinta compaixão,
o que é um começo e tanto para acabar gostando.

Ela respirou fundo, novamente voltando os olhos


para as manchas de sangue que ainda não tinham
desaparecido de suas mãos, nem mesmo com o quanto as
esfregara.

— Quando ele falou da minha mãe... — Deanna


hesitou, mas senti seu lábio inferior tremer, e voltou a
esfregar seu polegar, de uma forma mais bruta, deixando o
outro dedo esbranquiçado de tanto apertar. — Eu senti
vontade de matá-lo. Acho que é por isso que não quero vê-
la agora.

Ouvindo-a falar daquele jeito, remexi-me no assento


do banco e me inclinei na direção do motorista,
cochichando algo para ele, informando nosso novo destino.
Quando voltei a me sentar, olhei para ela mais uma vez e
segurei sua mão, impedindo-a de se machucar.
— Isso não te torna um monstro, leonessa. Isso te
torna humana.

Deanna não respondeu imediatamente, apenas


ergueu os olhos para mim outra vez, enigmática.

— E você, Dominic? Se acha um monstro ou só


humano?

Mais uma pergunta que me deixou calado. O que eu


poderia responder a ela?

— Acredito que com um pouco de convivência você


vai poder chegar às suas próprias conclusões — falei com
convicção e sentindo-me um pouco irritado. Não com ela,
mas com o quanto aquela merda de pergunta mexeu
comigo.

O carro foi seguindo pelas ruas, em direção ao


endereço que forneci, e nós chegamos – em silêncio – a
um hotel. Deanna não disse nada, mas saltou quando
nosso motorista abriu a porta primeiro para ela, e aguardou
por mim, enquanto eu vestia o paletó, fechando-o por cima
da camisa, esperando esconder as manchas.

Dei uma olhada no espelho retrovisor e percebi que


estava decente, ao menos o máximo que dava para ficar.

Seguimos lado a lado até a recepção e peguei


suítes conjugadas, para as quais nós subimos. Não
entreguei o cartão da porta de Deanna, porque ainda não
queria que ficasse sozinha. Ela também não insistiu. Talvez
tivesse o mesmo desejo, no fundo.

Entramos, e eu fui acendendo as luzes, tirando a


porcaria do blazer e, consequentemente, a blusa. Lancei
um olhar para ela e a peguei me olhando. Não sabia dizer
se com lascívia ou apenas indiferença.

— Amanhã, se você puder fazer a bondade de ir à


loja do hotel e comprar uma blusa para mim, seria de
grande ajuda, noivinha. Um dos soldados pode te
acompanhar.

— Sim, sem problemas — ela respondeu sem muita


emoção, começando a andar pelo quarto.

Apoiei meus quadris em uma mesa, cruzando os


braços e observando-a, porque sentia uma energia muito
estranha vinda de Deanna. A mulher era inquieta por
natureza, mas não era só isso. Ela parecia ter perdido algo
naquela noite.

Não a inocência, porque era uma palavra muito forte


para ser relacionada a ela, mas algum tipo de fé no mundo,
talvez. Algum tipo de esperança.

— Eu avisei, Deanna. Pedi. Não me ouviu...

— Quantas vezes mais vai repetir isso? — ela


cuspiu as palavras, impaciente.

— Quantas forem necessárias.


— E qual seria o sentido de fechar meus olhos e
viver em um mundo onde aquele tipo de coisa acontece,
mas fingir que não sei.

— Porque a ignorância pode ser uma bênção muitas


vezes.

— Não é da minha natureza — ela afirmou com uma


risadinha amarga.

— Talvez a gente precise se tornar pessoas


diferentes às vezes.

— Sim. Talvez — soltou, de forma um pouco


perdida, pensativa.

Hesitei em fazer a próxima pergunta, ainda olhando


para ela atentamente.

Eu não queria entrar no assunto. Não queria nem


cogitar o que estava se passando pela minha cabeça, não
queria colocar as palavras para fora, mas era
imprescindível, já que aquele momento poderia ter definido
toda a nossa vida como um casal.

— Você quer desistir? — perguntei, sem encontrar


alternativa.

— Desistir de quê?

— Do casamento?
Outra risadinha amarga. Ela cruzou os braços,
parando à minha frente.

— Eu não sabia que essa era uma opção.

Não sabia o que lhe responder. Depois de tudo o


que tínhamos feito para conseguir que ela “concordasse”
em se tornar minha esposa, realmente era difícil acreditar
que abriríamos mão só porque ela ficara impressionada
com uma sessão de tortura.

— Imaginei... — Ela respirou fundo e se aproximou.


— A chave do meu quarto, por favor. Quero descansar.

— Tem certeza de que é uma boa ideia ficar


sozinha?

Ela sorriu de canto, provocadora como sempre.

— Vou sobreviver, bonitão. Só preciso de um banho


e cama.

Não que eu duvidasse que ela iria, de fato, sair


daquela situação com a cabeça erguida, mas acabei me
preocupando. Fosse como fosse, ela poderia precisar de
um espaço. Entreguei o que ela pediu, e Deanna foi se
afastando, indo em direção à porta do quarto conjugado.

— Boa noite, Dominic. Amanhã estarei nova em


folha.

Isso era o que ela dizia. Ninguém se recuperava


cem por cento de algo como o que ela vira.
Deanna nunca esqueceria. E este era o meu medo.
CAPÍTULO VINTE E DOIS

Desde a primeira noite eu soube que ele era perigoso


Estendi meus braços para lhe entregar meu amor
Você é meu, nunca poderei te esquecer
Não me deixe ir tão facilmente, eu não vou deixar você
É um show cruel
É mau
Então vamos dançar por horas em uma sala vermelha
Te amar é um pouco caótico
CHAOTIC – ELLISE

As imagens continuaram na minha cabeça por


muitos dias. Assim como o momento em que jurei que iria
morrer naquela loja, experimentando meu vestido de noiva.

Era para aquele mundo que eu estava entrando.


Faria parte de uma rede de violência e de vingança em que
a qualquer momento poderia me tornar novamente um
alvo. Meu marido era o homem que não tinha medo de
sujar as mãos para fazer alguém sentir mais dor do que
seria tolerável. Meu pai e meus irmãos certamente tinham
o mesmo nível de maldade no coração, embora eu não
tivesse visto.

Minha mãe, inclusive, vivera naquele meio por muito


tempo. Como ela suportara?

Será que eu também teria vontade de fugir dali a


alguns anos, caso acabasse tendo um filho de Dominic?

Estes eram meus pensamentos, enquanto me


olhava no espelho de corpo inteiro, do meu quarto na casa
do meu pai, observando a mim mesma com o novo vestido
que precisei encomendar.

Seria um escândalo, mas eu tinha total certeza de


que quem quer que tivesse pagado para me ferir estaria
naquela festa. Não fazia ideia de seu rosto, mas seus olhos
iriam ver o meu protesto, e eu esperava que
compreendessem.

Meu novo vestido de noiva era enorme, ainda mais


do que o primeiro. Tinha uma saia digna de uma mocinha
de livro da era vitoriana, com um corpete cheio de
pequenos diamantes e mangas longas e grandes. Ele era
exagerado, como eu não queria.

Mas era na cor vermelha. De sangue.

Ninguém o tinha visto antes, e eu esperava que


chocasse o suficiente as pessoas para que meu
casamento não fosse esquecido de forma alguma. A
mensagem seria transmitida.
Também esperava que Dominic não se
incomodasse com meu pequeno ato de rebeldia, ao menos
nem tanto quanto meu pai quando me viu.

— O que diabos está fazendo com essa roupa,


garota? — foi a primeira coisa que falou quando me viu, no
momento em que entrou no quarto para me buscar para ir
encontrar meu noivo no altar, na igreja.

— Não gostou?

— Vá já trocar! Não vou entrar com você na igreja


desse jeito! — Ele estava transtornado. Eu poderia rir
facilmente de seus olhos arregalados.

— Então não entre. Posso ir sozinha.

Passei por ele, de cabeça erguida. Não iria me


curvar para o homem que estava me obrigando a algo que
não queria. O meu próprio pai que decidira me manipular
só para benefício próprio.

Meu braço foi agarrado, logo acima do cotovelo, e


eu fechei meus dedos em torno do cabo do buquê, irritada.

— Não estou no melhor dos humores, pai. Imagino


que você saiba por quê. Então, por favor, me solte e me
deixe acabar logo com isso.

Ele não soltou.

— O que está querendo, Deanna? Chamar


atenção? Se é isso, avise. Eu só não tenho paciência para
infantilidades de uma mulher mimada.

Meus olhos deveriam estar em chamas naquele


momento.

— Mulher mimada? Tudo para vocês é isso, né?


Somos histéricas, loucas, mimadas. Não quero chamar
atenção. Quero usar essa porra desse vestido, porque não
me sinto uma noiva, porque achei bonito, porque minha
vontade tem que prevalecer em algum momento desse
casamento... — fui falando tudo atropelado, quase
rosnando para ele, e eu vi meu pai erguer a mão.

Ele ia bater em mim, no dia do meu casamento. E


que se fodesse... eu ia deixar. Queria aparecer com o rosto
marcado. Queria saber qual seria a reação de Dominic ao
me ver marcada enquanto me aproximava dele no altar.

Só que uma voz masculina nos interrompeu.

— Pai?

Meus olhos se voltaram para a porta, e a figura de


Enrico, grande e imponente, surgiu no batente,
observando-nos. Ele não parecia tão impassível em
relação à cena, e sua expressão em nossa direção me
dava a entender que reagiria caso eu fosse agredida.

— Você está pronta, Deanna? — Ele ignorou sua


pergunta anterior e se voltou para mim. Vi seus ombros
tensos, e ele ainda estava de preto. Dos pés à cabeça,
com aquele sobretudo elegante que ia até seus pés e
alongava ainda mais sua silhueta. Isso só evidenciava o
quão azuis eram seus olhos.

— Estou. Quer entrar comigo, Rico?

Ele ficou completamente perdido, olhando de mim


para meu pai, que tomou a dianteira.

— Não, você vai comigo. Não quero mais motivos


para mexericos.

Todos os empregados da casa ficaram olhando para


mim, surpresos, e minha mãe apenas me deixou passar,
como minha cúmplice. Ela não entendera o que tinha
acontecido com o outro lindo vestido, porque realmente
conseguimos protegê-la da verdade, mas inventei uma
história qualquer sobre querer chocar.

E, de fato, foi o que aconteceu. Todos na igreja me


encararam com espanto, e eu cheguei a ouvir algumas
exclamações, ver algumas senhoras distintas levando a
mão à boca e ao peito. Mas eu estava pouco me lixando
para todos eles.

Meu foco era Dominic. Ao longe, não conseguia ver


sua expressão tão bem, mas conforme fui me
aproximando, a primeira coisa que enxerguei foi sua
sobrancelha erguida. Um dos cantos de seu lábio também
estava erguido, em diversão.

Como se eu tivesse duvidado disso. Dominic era


puro caos. Como ele não iria gostar de ver o circo pegando
fogo?

— Você. É. Louca — ele comentou, aos sussurros,


no momento em que sua mão pegou a minha, e nós nos
encontramos no altar.

— Bastante romântico, diavolo.

Ainda assim, nós dois estávamos sorrindo quando o


padre, também atordoado, começou a falar.

Esperava que aquele fosse um recado bem dado: as


coisas podiam ser do jeito deles, mas também seriam do
meu.

Fomos declarados marido e mulher, e então ficamos


frente a frente, na iminência de nosso beijo que selaria o
compromisso. Diante de todas aquelas pessoas. Com
todos os olhos nos julgando e na expectativa.

Dominic colocou a mão na minha cintura, puxando-


me para si, inclinou-se e tocou meus lábios. Era
impressionante o quanto ele conseguia ser sexy até em um
momento como aquele. Na forma como me olhou antes e
depois. Estava cheio de promessas. Todas elas faziam
meu corpo formigar.

— Você está linda — ele sussurrou no momento em


que o beijo foi encerrado, depois de ficarmos com nossas
bocas unidas por mais tempo do que talvez fosse
necessário ou decente para uma cerimônia como aquela.
Não respondi nada, porque não havia nada a ser
dito. A partir daquele momento eu seria sua esposa. Não
podíamos mais voltar atrás.

Nem eu e nem ele.


CAPÍTULO VINTE E TRÊS

Deusa, rainha da beleza


Mas eu estou fadado a ser honesto
Eu realmente preciso de você agora
Eu só preciso de um aconchego
Eu só preciso esquecer

BEAUTY - LAYTO

Eu precisava admitir que, por mais que aquele não


fosse seu objetivo, não havia uma única pessoa naquele
salão que conseguisse tirar os olhos da noiva – um ponto
flutuante em vermelho-sangue, com uma saia enorme, que
não combinava em nada com o primeiro vestido que a vi
usando.

Dando um gole no meu champanhe, sustentando


um leve sorriso cínico no rosto, eu também a observava.
Se não havia algo de fascinante naquela mulher
surpreendente, não sabia o que mais poderia ser.

Impetuosa, abusada e rebelde. Quando, em toda a


minha vida na Cosa Nostra, circulando no meio de
mulheres com um perfil muito específico, eu poderia
imaginar que acabaria assinando um contrato de
casamento com a mais inusitada de todas?

Imaginava muito bem o que aquele vestido


representava: era um protesto claro ao que lhe acontecera.
Nem eu faria melhor.

De alguma forma nós combinávamos. Éramos


parecidos. E isso me deixava quase animado.

— Essa sua esposa... veja bem... precisa mesmo


tomar cuidado com ela — a voz de fumante de Pietro
Cipriano se dirigiu a mim, cortando meus pensamentos.

Bufei discretamente e me virei em sua direção.

— Não acho que um vestido vermelho seja um


motivo para eu acreditar que ela me trairá ou à famiglia.

— É muito mais do que só isso, Dominic. Ela


acabou de falar com a minha filha que não pode se deixar
ser domesticada pelo futuro marido. E você sabe que
estamos negociando o casamento dela com Alessio.

O que eu achava uma loucura, aliás. Luna, a filha de


Cipriano, tinha uns dezoito anos, e se eu a olhasse
naquele momento, à distância, enxergaria uma coisinha
pequena, assustada e completamente inocente. A menina
vivia em um convento desde muito nova, e até onde eu
sabia tinha o sonho de ser noviça.
Alessio era um dos caras mais gentis que eu
conhecia no meio da Cosa Nostra, mas ele,
definitivamente, não seria a escolha mais sensata para
uma donzelinha como ela. O mais jovem dos Preterotti era
um cafajeste que já tinha colocado as mãos em mais
mulheres do que muitos de nós juntos. E olha que isso
queria dizer alguma coisa, porque eu estava longe de ser
um santo.

Ainda assim, o fato de Deanna ter usado a palavra


“domesticada” exatamente para a filha da pessoa certa
quase me fez rir. Eu podia vê-la ainda conversando com a
menina, e a jovem estava muito assustada. Talvez minha
esposa precisasse de uma pequena intervenção.

— Não deveria estar rindo, garoto. Se acreditarmos


que você não vai conseguir domá-la, podemos precisar
fazer algo contra esse seu relacionamento.

Aquilo me encheu de raiva, principalmente porque


se tratava de uma clara ameaça.

Voltei-me para ele, irritado e pronto para virar um


soco em sua cara, se fosse necessário.

— Tome cuidado ao ameaçar minha esposa,


Cipriano — quase rosnei. — Você não vai querer se tornar
meu inimigo.

Ele ficou calado, porque sabia muito bem a resposta


para aquela afirmação. Por mais que ele também fosse
chefe, a minha posição, se fôssemos colocar na balança,
era imensamente mais relevante.

Só que isso mexeu comigo. Pensar que, no meio de


todos aqueles abutres, havia alguém que tivera a coragem
de machucar minha mulher, que poderia fazer de novo,
começou a me preocupar. Imaginando que ela seria vista
como uma ovelha desgarrada dentro do rebanho, a chance
de atrair olhares e ódio era ainda maior. Mas,
principalmente, de não lhe darem ouvidos caso começasse
a ser perseguida.

Foi esse pensamento que começou a martelar na


minha cabeça quando saímos do salão, em um carro todo
preto, e partimos para a suíte reservada para a nossa noite
de núpcias.

Diferente da primeira vez, não seria um quarto


conjugado e haveria apenas uma cama. Em uma situação
normal, eu estaria curioso e quase ansioso para saber o
que aconteceria entre nós, mas não conseguia disfarçar o
quanto aquela conversa com Cipriano me incomodara.

A perceptiva Deanna, é claro, notou.

— Sei que se casar comigo não era o seu objetivo


de vida, mas precisa ficar com essa cara decepcionada?
Podemos tentar nos divertir, em uma festinha particular.
Tem champanhe, chocolate... — ela começou a falar,
olhando para mim, enquanto eu tirava meu paletó e abria
os punhos da camisa, sentindo-me claustrofóbico naquela
noite.

Não respondi nada, apenas lhe lancei um olhar de


canto, quase de repreensão, continuando minha tarefa.

— Dominic? O que aconteceu? Você não parecia


assim antes.

Eu não queria falar, mas se ela estava insistindo


tanto...

— Estou preocupado.

— Com o quê?

— Com a forma como as pessoas falaram de você


no casamento. — Fora apenas Cipriano, na verdade, mas
eu podia ver os olhares. Sem contar a forma como ele
mesmo cochichou com outros depois de conversar comigo,
sem deixar de observar minha esposa com um ar de
repreensão. Ela era o alvo, e continuaria sendo por um
bom tempo.

— Por causa do vestido? — Deanna arregalou os


olhos.

— Não! Não por causa só disso. Por causa do seu


comportamento e das coisas que diz. Por que foi conversar
com Luna Cipriano daquela forma?

— Ah, já chegou aos seus ouvidos.


— Sim, chegou. As coisas correm muito rápido no
nosso meio, e é por isso que precisa tomar cuidado.

— Não posso tomar cuidado quando eu vejo uma


garota que é pouco mais do que um coelhinho assustado
ser arrastada para tudo isso. Teria feito pior se o
pretendente dela não fosse o meu irmão, de quem acho
que ainda conheço a índole — falou com aquela convicção
que sempre tinha, que a tornava muito corajosa aos meus
olhos.

— Não é da sua conta, Deanna!

— E também não é da conta deles a cor de vestido


que uso nem as coisas que falo. — Deanna entrou no
banheiro, suíte, mas não fechou a porta, provavelmente
para me ouvir. Eu a ouvia se mover lá dentro, mas não
fazia ideia do que poderia estar acontecendo.

— É, se você estiver colocando ideias na cabeça de


uma garota. Ela não vai poder mudar o que vai acontecer.
Nem você conseguiu. O problema é que enquanto
continuar chamando atenção para si mesma, vai estar
encrencada. E não vai ser deixada em paz, em nenhum
sentido.

— Então é isso? Vai mesmo colocar uma coleira em


mim e tentar me domesticar?

Então, enquanto ainda falava, a coisa endiabrada –


e isso porque me chamava de diavolo – surgiu na minha
frente, vestindo uma camisola branca que não poderia ser
considerada sexy, embora fosse de seda e possuísse um
detalhe delicado de renda no decote.

A merda do tecido caía no corpo dela evidenciando


algumas curvas, e o negócio era curto o suficiente para eu
poder olhar para suas pernas incríveis e para que até seu
pé descalço me enchesse de tesão.

Parou na minha frente, sem o menor pudor, tirando


os brincos e me olhando com atenção, esperando a
resposta.

Sobre o quê estávamos falando mesmo?

Cacete, minha boca estava salivando por aquela


mulher, como nunca achei que aconteceria com minha
esposa na noite de núpcias. Poderia ser a tensão de tudo
que me fazia reagir daquela forma, mas eu sinceramente
não conseguia imaginar como faria caso Deanna
simplesmente negasse.

Então eu fui até ela.

Com alguns passos ágeis, aproximei-me e a agarrei,


em uma atitude impensada e impulsiva.

— Definitivamente eu adoraria te colocar uma


coleira, leonessa, mas não pelos motivos que estávamos
falando anteriormente.
— Dominic! — Ela pareceu surpresa com minha
atitude e minhas palavras. Então deu um soco no meu
peito. — Estávamos conversando.

— Qualquer conversa pode ser deixada para depois.

— Eu não disse que queria transar.

— Sei que quer. Senão não apareceria assim na


minha frente.

— Que fala mais machista! Seu estúpido, eu não


terminei de falar! — Ela deu mais um soco no meu peito,
mas eu via seus olhos cheios de desejo. Empurrei-a em
direção à parede, agarrando seus dois punhos e
prendendo-os contra o concreto.

Deanna tentou se debater e se soltar.

Eu podia estar enganado, mas parecia um joguinho


da parte dela.

— A palavra é “pare”. Se a disser, vou me afastar e


não será tocada enquanto não disser com todas as letras
que quer. Qualquer coisa diferente disso, não vou te soltar
e vou entender que quer que eu te pegue e seja bruto no
processo.

Ela continuou se debatendo, mas não falou


absolutamente nada.

Eu abri um sorriso.
— Está tornando as coisas muito excitantes para
mim, Deanna. No sexo eu gosto demais disso. Dos
joguinhos. Gosto de morder, bater, amarrar, agarrar com
força. Vou te deixar marcas e prefiro avisar desde o início.
Então já sabe: “pare” é sua sentença. Enquanto não falar
isso, você será minha para o que eu quiser fazer e não vai
adiantar espernear.

A respiração de Deanna ficou entrecortada, pesada,


e eu vi seu lábio inferior tremer. Seus olhos adquiriram um
tom mais escuro, típico de alguém que estava cheia de
desejo.

— Está enganado. Eu não quero nada disso... —


Ela ergueu o queixo, e quase vi um sorrisinho provocador
em seu rosto.

Não tinha dito “pare”, no entanto.

Peguei as duas mãos dela em uma só minha,


mantendo-a imobilizada, segurando ambos os pulsos por
sobre sua cabeça.

Com a outra mão, agarrei o tecido de sua camisola


e o ergui, levando um dedo entre suas pernas. Foi só
encostá-lo em seu clitóris, que Deanna fechou os olhos,
mordendo o lábio inferior e novamente respirando fundo.

— Exatamente como imaginei. Molhada pra caralho


— soltei em um rosnado rouco, sentindo meu pau doer
dentro da calça. — Eu vou me divertir tanto com você,
leonessa. Espero que esteja pronta.

Deanna não respondeu, mas eu tinha certeza de


que estava. E muito.
CAPÍTULO VINTE E QUATRO

Eu poderia te amar de olhos fechados


Te beijar com uma venda
Te entender
Eu posso te segurar com minhas mãos amarradas
Te mostrar que sou o cara certo
Para te entender
FIGURE YOU OUT – VOILÀ

Os olhos de Dominic estavam fixos nos meus, e eu


sabia que ele começara a remexer no bolso, enquanto sua
outra mão segurava meus punhos contra a parede. O filho
da mãe não tinha sequer me beijado ainda, e eu já tinha
absoluta certeza de que aquele seria o melhor sexo da
minha vida.

Perdi um pouco o ar quando percebi que o que tinha


pegado no bolso era um canivete. Ele abriu a lâmina
apertando um botão, e o som que fez me causou um
sobressalto, chegando a me fazer ofegar. Passando a
parte gelada pelo meu ombro, deslizando e afastando uma
mecha do meu cabelo quase com gentileza, ele cortou uma
das alças da camisola, fazendo o mesmo com a outra, mas
em uma lentidão muito, muito sensual.

Por se tratar de uma peça soltinha no corpo, ele não


precisou de muito mais do que isso para fazer a roupa
escorregar pelos meus ombros, seios, cintura e cair aos
meus pés em um amontoado de tecido, deixando-me
apenas de calcinha, que não era nada mais do que uma
coisinha de renda branca, pequena e transparente.

— Porra, Deanna... — ele deixou escapar, enquanto


deslizava a lâmina fria do canivete no meu corpo,
passando por entre os seios. Por algum motivo eu sabia
que não iria usar aquela arma para me machucar, mas a
tensão só me deixou mais excitada. Talvez eu gostasse
mesmo de um pouco de perversão. — Você é tão bonita.
Eu vou te foder tanto, mas tanto...

Dominic colocou o canivete sobre a mesa próxima a


nós e usou a mão firme para se fechar em meu seio,
roçando o mamilo com o polegar. Precisei puxar o ar com
mais força, mas ele se inclinou, roçando seus lábios nos
meus. Abriu-os, ainda mantendo o contato, movimentando
a cabeça para que sua boca tocasse outras partes do meu
rosto, mas sem efetivamente me beijar.

A língua deu as caras quando novamente voltou aos


meus lábios, roçando apenas a pontinha, seguindo o
contorno e aquela viradinha sob o nariz.
Pensei que ele nunca iria me beijar pra valer, até
que meus punhos foram soltos, e Dominic segurou minha
nuca inteira com apenas uma das mãos, mergulhando os
dedos no meu pescoço e apertando-o.

Ele dissera que queria deixar marcas em mim, não?


O homem ia me fazer ficar toda vermelha, principalmente
quando a outra mão se fechou com força no meu braço,
fazendo uma pressão como se quisesse me puxar ainda
mais para si, esmagando meus seios contra seu peito duro
como rocha.

Mas o beijo...

Não era um beijo qualquer. O homem beijava como


se estivesse fazendo amor com a minha boca. Sua língua
explorava sem pressa, invadindo e tomando posse, em
contato com a minha de um jeito que alternava entre o
suave e o feroz, que me mostrava que aquelas eram, de
fato, as nuances de meu marido.

A mão que estivera na minha nuca desceu para a


curva das minhas costas, quente contra a minha pele nua,
e eu senti a pressão de seus dedos, tentando me puxar
ainda mais contra si.

Nunca me senti tão vulnerável em todos os meus


vinte e três anos.

O beijo continuou, continuou e continuou, e Dominic


arqueou o quadril para que eu sentisse o quanto ele estava
excitado. Ao fazer isso, voltou a brincar com meu mamilo,
girando-o entre os dedos, com força, sem delicadeza. Um
gostinho, apenas, do que eu sabia que ele tinha intenção
de fazer.

Quando se afastou, deu um passo para trás, tirando


o cinto e a gravata. Havia fogo em seus olhos, e eu entendi
que aquele era o sinal de que estava pronto para começar
o que quer que tivesse em mente.

— Vire de costas, coloque as mãos na parede e


abra as pernas — comandou.

— Quem pensa que é para me dar ordens? —


indaguei de um jeito provocador, porque sabia que ele
gostava disso.

— Se não fizer por bem...

Agarrando meu braço, ele me colocou de frente para


a parede. Agachou-se e agarrou um dos meus tornozelos,
puxando-o até encostá-lo no pé da mesa. Usando o cinto,
Dominic o amarrou ali, bem junto à madeira, ao ponto de
eu não conseguir movimentá-lo.

Afastando-se, ele foi para o outro lado, imitando o


movimento, abrindo minhas pernas e também atando o
outro tornozelo ao pé de uma poltrona pesada. Eu não
conseguiria fechá-las.

Sem nenhuma paciência, ele pegou minhas mãos,


espalmando-as na parede, empinando um pouco meus
quadris. Eu parecia uma suspeita, pronta para ser
revistada.

— Se tirar as mãos da parede, vai ser punida — ele


falou, e então para provar o que estava dizendo, deu um
tapa de mão aberta no meu bumbum. Não foi forte, mas
estalou o suficiente para, talvez, me deixar vermelha.

Pelo canto do olho, vi Dominic pegar novamente o


canivete, só para cortar a tira lateral da minha calcinha,
deixando-a cair no chão junto com a camisola.

Largando o objeto novamente, ele foi com tudo, com


dois dedos, penetrando-me e indo até bem fundo,
deixando-os em formato de gancho, girando-os lá dentro.
Eu estava tão molhada que chegava a fazer barulho.

— Estou ansioso para que o meu pau fique todo


lambuzado de você, leonessa — ele falou bem no meu
ouvido, o que me fez gemer baixinho, obrigando-me a
remexer os quadris porque queria mais. — Vai rebolar
assim quando estiver na cama também? Ou sentada em
mim?

Eu nem conseguia responder, muito menos quando


ele aumentou as estocadas, deixando-as mais fortes e
mais rápidas.

Nem pensei no que estava fazendo, mas acabei


tirando minhas mãos da parede, precisando agarrar
alguma coisa. Tanto que tateei o ar, em busca de apoio,
mas Dominic viu.

— Falei para não tirar as mãos de onde estavam.


Vai precisar abrir mais as pernas, garota rebelde.

Ao dizer isso, ele se aproximou da poltrona,


empurrando-a para um pouco mais longe. Eu fui, de fato,
obrigada a abrir mais a perna.

Quanto mais ampla minha abertura, mais ele


conseguia ir fundo; mais eu ficava alucinada.

Ele fez isso mais duas vezes. A cada uma delas,


afastava a poltrona por poucos centímetros, não me
causando desconforto na posição, mas fazendo um
estrago no melhor dos sentidos.

Eu sabia que ele tinha tirado a camisa, e eu podia


sentir o calor que emanava de seu peito, especialmente
quando se aproximou de mim, rodeando meu corpo e
levando as duas mãos aos meus seios, apertando os
mamilos outra vez com aquela dose de intensidade que me
fazia gemer.

Tombei a cabeça em seu ombro, e ele lambeu a


minha boca, descendo a língua pela minha garganta.

— Estou pegando leve com você, porque é nossa


noite de núpcias.
— A minha opinião é que você fez uma propaganda
enganosa — disse, maliciosa, embora, pela forma como eu
estava arfando, fosse fácil perceber que eu não estava
pouco envolvida no momento.

— Meus dedos estão melados, leonessa. Difícil


acreditar nisso.

Apesar de sua afirmação, Dominic se agachou e


soltou meus tornozelos, virando-me para si. Imprensando-
me na parede com força, minha boca foi novamente
devorada por outro beijo.

Ele gostava de beijar, isso estava mais do que claro.


Tanto que enquanto nossas línguas duelavam, Dominic
soltou um grunhido e me agarrou pelas coxas, tirando-me
do chão e me mantendo com as pernas entrelaçadas em
sua cintura.

Ainda me beijando, levou-me para a cama, jogando-


me lá, mas me virando de bruços com tal brutalidade que
também me tirou o ar.

Empinando minha bunda, ele foi deslizando beijos


pelas minhas costas. Então senti sua língua quente na
minha fenda, e eu soube que, do jeito que ele começou o
sexo oral, eu não duraria muito tempo sem gozar. Os
dedos brincando com o clitóris. A boca me chupando com
vontade? Ele sabia muito bem o que estava fazendo.
Acabei me entregando, gemendo alto e rebolando
contra sua boca, gozando com tanta força, que acabei me
jogando deitada, de barriga para baixo, mas fui girada
novamente, ficando frente a frente com Dominic.

— Não consigo mais esperar. Não consigo... — ele


afirmou, rouco, e se colocou dentro de mim, deslizando
pelo tanto que eu estava molhada. — Ah, porra... tão
gostosa. Tão quente e apertada. Caralho, Deanna, vou me
viciar em você. Vai viver amarrada na minha cama só para
não sair nunca dela de tanto que eu vou querer te foder,
leonessa.

Com isso, ele estocou a primeira vez. Era grande e


estava tão duro, tão excitado, que eu podia senti-lo por
toda parte.

Dominic se movimentava com tanta intensidade,


tanta força, que eu realmente acreditava que nós dois
iríamos nos desfazer no meio de tanto desejo, tanta
luxúria.

Fui fodida com gosto, com vontade, enquanto


Dominic grunhia e eu gemia, arqueando o corpo e
agarrando-o pelos cabelos, arranhando suas costas e
sentindo meus mamilos serem mordidos, assim como
meus seios e meu pescoço. Seus dentes, de fato, queriam
me marcar. E eu queria ser marcada.

Uma de suas mãos se enfiou por baixo da minha


bunda, içando-a para ir mais fundo. Também a apertou
com força, deslizando e dando um tapa estalado na minha
coxa. A deliciosa ardência que me fez sentir foi o que me
levou ao limite.

Cheguei ao orgasmo primeiro, mas Dominic me


seguiu, com uma diferença pequena de minutos, e nós
ficamos nos olhando, ofegantes.

Ninguém poderia negar que química, na cama, nós


tínhamos. Aquele seria um casamento com muito, muito
sexo, sem dúvidas.
CAPÍTULO VINTE E CINCO

Tentando disfarçar
Nossa verdadeira natureza
Nossos caminhos mais primitivos
Não serão recusados
Eu tentei domá-los
Mas enlouqueço com você
WILD OVER YOU - WARCUB

Pousamos em Nova Iorque dois dias depois do


casamento, e eu fui levada à casa de Dominic – que seria
minha também a partir daquele dia. Ele me apresentou à
sua governanta, que me mostrou cada cômodo e me
direcionou a cada pessoa que trabalhava lá. A mulher
claramente não me aprovava como sua senhora,
provavelmente porque sabia as fofocas com o meu nome,
mas infelizmente precisaria me aguentar.

Tratava-se de uma bela mansão, com ares


modernos e muito elegante. Claramente fora decorada por
um arquiteto, com ambientes bem divididos e cores bem
escolhidas.
Fiquei surpresa, porém, com o fato de Lora, a
governanta, designar um quarto só para mim, a mando de
Dominic. Não íamos dormir juntos, então. Era bom ter
privacidade, sem dúvidas, mas isso não era comum de
onde eu vinha. Talvez fosse algo trivial no meio da Cosa
Nostra, mas tínhamos consumado o casamento, então
pensei que...

Bem, eu não deveria pensar. Não a respeito de mim


e de Dominic.

Fui, aos poucos, tentando me acostumar com


aquela realidade. Não apenas do luxo extremo, porque
Dominic parecia ostentar ainda mais do que o meu pai,
mas de ter que dar ordens e de me contentar, ao menos de
início, em ser uma dona de casa.

Admirava mulheres que tomavam essa decisão por


serem o que queriam. Que se dedicavam a marido, casa e
filhos, por desejarem viver assim. Mas aquela não era eu.
Por isso decidi dançar conforme a música por alguns dias,
para não dar margem a mais fofocas com o meu nome.

Enquanto isso, eu tinha um TCC para fazer.

Consegui entrar em contato com a minha faculdade,


explicando mais ou menos a situação – sem entrar em
detalhes, mas informando que precisei viajar para resolver
um problema familiar e que provavelmente não voltaria tão
cedo ao Brasil. Eles foram muito compreensivos e me
propuseram que eu fizesse a apresentação online.
Marcaram uma data, e eu teria que me virar para entregar
o máximo de conteúdo possível para a minha orientadora
com antecedência.

Mergulhei, então, nos livros e no meu notebook,


decidida a passar aquele tempo todo ocioso, naquela casa
opulenta, fazendo algo de produtivo. Quando Dominic
chegava, nós jantávamos juntos, e então caíamos na
cama, passando horas embolados um no outro, até que eu
me levantava, ia para o meu quarto e dormia sozinha sob
lençóis frios e solitários.

Nunca perguntei a ele, na verdade, se queria que eu


ficasse. Só me afastava, por opção e para não me sentir
humilhada.

Poderia ser pior, sem dúvidas. Só que não era a


vida que eu queria para mim. Odiava marasmos, e eles me
deixavam propensa a fazer coisas das quais me
arrependeria depois.

Principalmente em se tratando de chamar a atenção


de Dominic.

Nada entre nós esfriara em relação a sexo. Ainda


era cru, quente, selvagem e insano. Ele fazia coisas
comigo que nunca esperei que pudessem me dar tanto
prazer. Só que eu percebia que ele estava se esforçando
muito para que continuasse apenas no âmbito do desejo.

E se era para ser assim, eu iria provocá-lo.


Naquela noite, seria a primeira vez em que
sairíamos juntos depois do casamento, já como marido e
mulher. Fomos convidados para um jantar na casa de um
dos capos de Dominic; um dos que eu sabia que tinham
participado das fofocas ao meu respeito. Eu me lembrava
bem da esposa dele, no casamento, com seus olhares
cheios de julgamentos e cochichando nos ouvidos da filha
jovem e do genro.

Haveria mais pessoas por lá, porque aparentemente


era aniversário deles de vinte anos de casamento, embora
estivesse previsto para ser uma recepção pequena, em
sua casa mesmo, com convidados muito pontuais.
Dominic, é claro, estava incluído por ser o chefe.

Durante a manhã, pedi que um dos soldados


designados para a minha segurança me acompanhasse
até o shopping e fiz a compra de um vestido bem discreto
para a ocasião. Um preto, nada decotado, de um
comprimento bem decente. Comprei um par de brincos
também, um belo sapato com um salto de uns dez
centímetros e comprei algo para o meu pescoço. Algo que
não resisti.

Quando Dominic chegou em casa, eu já estava me


arrumando, então nem nos vimos. Terminei antes dele e
desci, esperando-o na sala de estar. Cheguei a me servir
de uma dose pequena de licor, porque algo me dizia que
aquela noite precisaria de um pouco de álcool.
Como estava frio, coloquei um casaco bem grande
por sobre o vestido, cuja gola cobria meu pescoço, o que
me fez guardar segredo por tempo suficiente.

Dominic desceu, elegante e bonito como sempre, e


nós saímos, entrando no carro com seu motorista e com
dois soldados nos seguindo em outro veículo.

Quando chegamos na casa da família que iríamos


visitar, meu marido me ajudou a tirar o casaco, para ser
guardado pela governanta, e a primeira coisa que eu vi
foram os olhos da mulher no meu pescoço e sua
expressão chocada.

Obviamente percebendo, Dominic agarrou meu


braço e me virou para si, contemplando a bela coleira que
comprei. Ela era de couro, mas com alguns toques de
veludo. De uma argola larga, caía um pingente em formato
de D, coberto de pequenos diamantes. Uma extravagância,
mas meu marido sem dúvidas tinha mais do que condições
de pagar quando chegasse a fatura do cartão.

— Com licença, por favor. — Sem dizer nada, ainda


com a mão no meu braço, Dominic começou a literalmente
me arrastar para um canto, afastado das outras pessoas.

Com seu jeito bruto, ele me imprensou na parede,


segurando-me pelos ombros contra ela. Eu sorria, porque
era exatamente a reação que queria extrair.
— Mas o que diabos é isso, mulher dos infernos? —
Os olhos bonitos, no tom de chocolate, estavam
arregalados, e os maxilares fortes, contraídos. Dominic
estava irado.

— Eles não queriam uma demonstração de


submissão? Que você me domesticasse? Quer melhor
prova do que isso? — Toquei a coleira com uma das mãos,
com um sorriso malicioso.

Dominic se afastou, atordoado. Passou uma das


mãos pelos cabelos, que estavam bem penteados,
bagunçando-os um pouco.

— Eu não sei o que se passa pela sua cabeça,


garota! Você vai me causar um infarto aos trinta anos.
Estou pagando por todos os meus pecados com você.

— Não gostou, marido? Achei que ia achar incrível


— debochei.

O homem respirou fundo, colocando ambas as


mãos na cintura, olhando para mim com uma expressão
que poderia ter me feito encolher se eu não fosse tão
abusada.

Como outra afronta, eu só ergui a cabeça, não


disposta a me render.

Então os olhos de Dominic mudaram. De ódio, pude


ver que se enchia de desejo.
Gostava mais dele assim.

Sua mão enorme foi parar na argola da coleira,


agarrando-a com um dedo, com vontade, e me puxando
com força, até que nossas bocas ficaram muito próximas
uma da outra.

— Você me desconcerta, leonessa. Eu jurei que isso


nunca aconteceria, que nenhuma mulher seria capaz de
fazer isso. Mas... puta que pariu! Se você não é a coisa
mais sexy do mundo com essa porra no pescoço. Agora
tudo que eu quero é te levar para casa e usar isso aqui
para te domar na cama.

Meu corpo inteiro se contraiu não só com suas


palavras, mas pela forma como ele falou, sussurrado,
rouco, como um rosnado sensual.

Dominic se aproximou ainda mais, e nossas bocas


chegaram a se encostar. Nossas respirações se
embolaram. Eu jurei que ele iria me beijar.

— Merda de batom vermelho... — resmungou, mas


com uma dose de luxúria nos olhos que quase fez minhas
pernas ficarem bambas.

Eu não disse nada, apenas sorri, olhando para ele


com a mesma fome que dirigia a mim. Se ele quisesse
voltar para casa e abortar aquela porcaria de jantar, não
haveria problema algum para mim.
Só que Dominic se afastou. Alguém precisava ser a
voz da prudência naquele relacionamento, certo?

Voltamos para perto da família e fomos, com eles,


recebendo outras pessoas que foram chegando. Era quase
desconfortável a forma como olhavam para mim, mas eu
também não me sentia bem no meio daquelas pessoas,
sendo podada o tempo inteiro e recebendo olhares de
julgamento.

As coisas poderiam ser diferentes.

Apesar disso, tentei ser simpática ao máximo,


especialmente com as crianças, e por mais que as mães
tentassem mantê-las – principalmente as meninas – longe
de mim, era gostoso conversar e ver que mantinham a
pureza mesmo em meio ao caos que viviam. Esperava que
algumas delas tivessem a sorte de ficar livres da violência
que seus pais provocavam.

Assim que terminamos a refeição, nós nos dirigimos


à sala de estar. As mulheres em um canto, os homens em
outro. A segregação era quase ridícula, mas daquela vez
fiquei quieta, porque já estava cansada de me meter em
questões que não me pertenciam. Com sorte, eu
conseguiria escapar daquela vida antes de me envolver
demais.

E foi pensando nisso que voltei meus olhos para


Dominic.
De alguma forma, aos poucos, eu vinha me
apegando a ele. Obviamente tinha a ver com sexo, com o
quanto de química havia entre nós, mas eu precisava
admitir que era diferente de todos os homens com quem já
tinha me relacionado até aquele momento. Por mais que
vivêssemos em mundos completamente opostos, ele
combinava comigo. Nós éramos compatíveis.

— É, querida... eu sei. É um espécime e tanto... —


uma voz feminina me interrompeu, e eu quase me
sobressaltei, voltando-me na direção dela.

Tratava-se de uma senhora, de uns setenta anos de


idade. Até onde sabia, era a esposa de um dos capos mais
velhos do grupo dos homens de Dominic. Fora a mais
simpática comigo até aquele momento.

— Quem? Dominic? — perguntei, um pouco perdida


na conversa.

— Sim, ele mesmo. Não é difícil entender por que


você está apaixonada.

Fiquei sem saber o que dizer. Eu poderia negar, mas


estávamos casados, certo? Como funcionava aquele
negócio de casamento de conveniência? Precisávamos
fingir ou as pessoas simplesmente aceitavam?

A mulher riu ao perceber minha expressão.

— Não se preocupe, querida. Não precisa fingir


comigo. Também me casei dessa forma, como todas as
mulheres no nosso meio. Só que, às vezes, nos
surpreendemos com nossos próprios sentimentos.

Continuei calada, dando mais uma olhada em


Dominic.

Eu não estava apaixonada por ele. Envolvida,


certamente. Atraída, sem dúvidas. Talvez até gostasse do
homem em algum nível, mas ainda não sabia muito bem o
quanto. Na medida do possível, nós nos entendíamos, mas
eu não podia esperar chegar muito mais longe do que isso.

Até porque não tinha pretensões de ficar com ele


por tanto tempo. Imaginava que iria querer encontrar uma
esposa mais dentro dos padrões, que não lhe
desobedecesse tanto, que fosse mais mansa.

— Estamos... tentando — respondi com um sorriso,


como a esposinha devotada que eu deveria interpretar.

— Estão tentando bem. Gosto de ver que ao menos


uma mulher em meio a nós não deixa que o marido a
controle. Nunca permiti que o meu me fizesse de capacho,
e é por isso que hoje temos um casamento muito bom.
Gosto de você, Deanna.

— Obrigada. É bom ouvir isso em meio a pessoas


que parecem me julgar o tempo inteiro — respondi,
deixando meus ombros caírem, quase aliviada. As outras
mulheres nos evitavam, então tínhamos mais liberdade
para falar, com nossas taças de vinho na mão. — Elas não
vão me deixar entrar para o clubinho, certamente.

— São umas invejosas e umas preconceituosas.


Não gostam de você, mas também não gostam de Kiara
Caccini, que é completamente dentro dos padrões.

— Por que não gostam de Kiara?

— Porque ela é feliz. Tem um casamento com amor.


Isso atrai inveja. Elas também falam o tempo todo de
Sienna Esposito... A pobre criança!

— Quem é Sienna Esposito?

— Ah, claro! Me perdoa... você não a conheceu. Era


uma beldade de cabelos vermelhos, que foi acusada de
traição junto ao irmão. Duvido muito que a menina
estivesse envolvida.

— O que aconteceu com ela?

— Foi morta, é claro. Mas eu a conhecia desde


pequena, e a menina era uma santa. Passou anos em um
colégio interno, de freiras, aprendeu a se comportar, e eu
podia jurar que morria de medo do rapaz traidor. Não tinha
uma única célula naquela mocinha que fosse ruim como
todos dizem. — Fiquei calada, apenas ouvindo. Não sabia
de quem estava falando, mas já lamentava que não
tivessem sequer dado uma chance de a moça se explicar.
— Seu irmão, inclusive, era muito apaixonado por ela.
— Meu irmão? — Aquilo me surpreendeu.

— Sim, o que chamam de Cavaleiro das Sombras.


O altão, moreno, meio sombrio, de olhos azuis misteriosos.

— Enrico?

— Ele mesmo.

— Apaixonado? — Eu parecia uma idiota com


aquelas perguntas, mas aquilo era uma imensa novidade
para mim.

— Ah, sim. As pessoas pensam que os mais velhos


são cegos, mas nós enxergamos o que os outros não
conseguem ver. Seu irmão babava naquela menina, como
todos os outros homens, mas eu quase podia apostar que
ela retribuía o sentimento. Seriam um casal belíssimo, na
minha opinião.

Era especulação da parte dela, é claro, e eu podia


perceber que ela tinha uma pequena – ou nem tão
pequena assim – tendência à fofoca. Simpática, gentil, mas
precisava tomar cuidado.

Ainda assim... eu não me esqueceria daquela


informação tão cedo.
CAPÍTULO VINTE E SEIS

Vamos ver o quão perto você pode chegar de mim


Sem colocar as mãos no meu corpo
(Quão perto você vai chegar de mim?)
Mas eu não vou deixar isso me afetar
Se você não me ama do jeito que deveria
GET TO ME – AMBER DELAROSA

Tirei o cachecol que usava pendurado na lapela do


meu sobretudo, amassando-o na minha mão com a luva de
couro, mas não o soltando, porque ainda estávamos no
carro. Eu não conseguia olhar para Deanna. Se fizesse
isso, não conseguiria controlar a minha vontade de voar
em cima dela e de fodê-la ali mesmo, no banco daquele
carro, com o motorista no banco da frente.

Em silêncio, eu a vi levando as mãos à nuca,


provavelmente para abrir o fecho da coleira.

— Não ouse tirar essa merda — falei em um


resmungo, e Deanna olhou para mim, em silêncio. — E
não estamos indo para casa.
— Ah, não? Para onde, então? — ela perguntou,
quase divertida.

— Se é corajosa o suficiente para ser abusada


desse jeito, espero que esteja pronta para lidar com as
consequências.

Foi só isso que eu disse, até que paramos nos


fundos de um prédio, esperando um portão abrir. Era uma
fachada de tijolos, com um aspecto sombrio, e, assim que
entramos, uma garagem subterrânea pequena foi revelada.
O motorista parou o carro diante do elevador, e tudo o que
eu fiz foi saltar, dando a volta e agarrando o braço de
Deanna, tirando-a de dentro e fazendo-a sair do carro
também.

— Onde estamos? — ela perguntou.

— No meu clube.

Enquanto esperávamos o elevador, olhei para ela e


vi sua sobrancelha erguida.

— O que, exatamente, vamos fazer aqui?

— Este clube é um local privado, muito exclusivo e


totalmente voltado à luxúria. Lá embaixo há meninas
dançando, fazendo strip-tease e algumas delas são
garotas de programa. Mas há também alguns espaços
VIPs, onde os membros podem... exercer algumas
fantasias, por assim dizer. Eu tenho o meu. Só meu.
— Ah... — Eu senti Deanna estremecer. — E
alguma vez pensou que poderia trazer sua esposa nele?

Fixei meus olhos nos dela, muito sério. Levei uma


das mãos à cintura, enquanto a outra era apoiada na
parede, ao lado da porta do elevador que esperávamos.

— Nem nos meus sonhos mais absurdos, Deanna.


— Logo depois que respondi abaixei a cabeça novamente,
olhando para o chão e respirando fundo.

Claro que eu estava atraído. Era linda, charmosa,


sexy e nos demos muito bem na cama. Mas não apenas
isso. Eu estava preso a ela, de um jeito que não esperava
ficar com alguém. Pensava em Deanna quando saía de
casa para trabalhar, preocupava-me com sua segurança e
passava a merda do dia inteiro ansiando pelas horas à
noite que ficávamos juntos.

Desejava estar dentro dela, mas também desejava


suas risadas quando fazíamos algo bobo. Desejava ouvir
sua voz. Desejava os beijos, mesmo os mais sutis.

Isso me incomodava. De um jeito que chegava a ser


irritante.

Entramos no elevador e partimos para o último


andar. Saímos para um corredor que nos levou até uma
porta, que eu abri com uma chave que ficava sempre
comigo.
Assim que esta se abriu, Deanna olhou de um lado
para o outro, deparando-se, obviamente, com um quarto
normal. Afastei-me um pouco dela, permitindo que olhasse
ao redor.

Era um cômodo quase tradicional, com tapetes


persas no chão, um papel de parede escuro, uma cama
bem grande, além de quadros, poltrona e sofá de couro.
Nada extravagante.

— Confesso que estou decepcionada... — Deanna


brincou, e enquanto ainda observava, coloquei-me às suas
costas. — Acho que esperava algo mais divertido e...

Não deixei que terminasse de falar, apenas peguei


meu cachecol, que tinha colocado no bolso antes de
saltarmos, e o amarrei em seus olhos.

— Não tire conclusões precipitadas — falei, em um


tom firme, enquanto saía um pouco de perto dela e abria
outra porta, nos fundos. Entrando no segundo cômodo, abri
uma gaveta e voltei para perto de Deanna, que ainda me
esperava, parada no mesmo lugar. O que era um milagre.

Ela certamente ouviu o som de algo tilintando na


minha mão, porque eu a vi segurando o ar. E novamente
quando peguei a argola de sua coleira, puxando-a para
trás, deixando-a na sua nuca. Nela, prendi uma corrente
longa, enrolando-a no meu pulso e puxando-a, o que
obrigou Deanna a arquear a cabeça para trás.
— Você provocou, leonessa. Toda ação gera uma
reação. Ainda temos a nossa palavra combinada, não
temos? “Pare” vai me fazer parar. Seu silêncio vai me fazer
continuar. — Esperei um pouco por sua resposta, mas tudo
o que ouvi foi sua respiração ficando outra vez arfante. —
Ótimo. Só quero que tenha em mente que aqui dentro, eu
mando.

— Por quê?

— Porque você vai estar à minha mercê. Aqui


dentro, neste clube, quando viermos para cá, não vou
aceitar suas desobediências. Se não estiver disposta a
concordar com isso, voltamos para casa e damos por
encerrada a noite na cama, como um casal normal.

— Nós definitivamente não somos um casal normal.

— Não, Deanna, não somos. — Puxei a coleira mais


uma vez, o que novamente a fez arfar e jogar a cabeça
para trás. — Não tenho intenção de te humilhar e nem de
te machucar. São jogos, brincadeiras, e eu posso garantir
que você vai gostar.

— Estou dentro — ela respondeu com tanta


convicção que não me restou absolutamente nenhuma
dúvida.

Larguei a corrente no chão por um tempo, abrindo o


zíper de seu vestido e o puxando, deixando-o cair. Deanna
ficou só de calcinha, o que eu logo tirei também. Precisava
dela nua. Completamente.

Agarrei novamente a corrente, puxando-a na direção


do quarto dos fundos, e Deanna seguiu. Ela ainda estava
usando saltos altos, então não coloquei força no
movimento, apenas a guiei, deixando-a exatamente no
local em que gostaria que ficasse.

— Quer dizer que não posso ver o seu quarto?

— Não. Quero que continue na sua imaginação.

Ergui um dos braços de Deanna, segurando a


restrição de couro que pendia de uma corrente que caía do
teto. Prendi um de seus punhos e repeti o movimento com
o outro, deixando seus braços bem esticados. Abri suas
pernas e coloquei uma restrição de couro, com uma barra
no meio, para que não pudesse fechar as pernas.

Observei-a e abri um sorriso.

— Você é uma tentação desse jeito.

— Por que estou tão excitada, Dominic? Você nem


me tocou ainda... — Ela arfou novamente.

— É que você gosta, leonessa. Gosta de ser


dominada, só não sabia disso ainda.

Ela assentiu, ainda ofegante, e ficou um pouco mais


quando coloquei as mãos em sua cintura, baixando a boca
para um de seus seios, chupando o bico e sugando-o com
força, arranhando-o com os dentes e usando a língua para
brincar.

Imitei o mesmo movimento com o outro, e Deanna


tombou a cabeça para trás, soltando um gemido.

Eu a sentia um pouco mais solta comigo, sem medo


de demonstrar que estava sentindo prazer. Isso me
deixava ainda mais excitado.

Ela me deixava desesperadamente excitado.

Por Deus, quando eu poderia imaginar que uma


esposa iria concordar em frequentar aquele lugar comigo?

Ela era mais do que eu poderia esperar. E isso me


assustava. Muito.

— Você é minha, Deanna. A partir de agora. Minha


esposa, minha mulher. Vou me perder em você, e você vai
se render a mim de todas as formas.

Suspirando fundo, ela assentiu, e eu decidi cumprir


esta promessa.
CAPÍTULO VINTE E SETE

Vou deixar que me intoxique


Porque você não pode negar
Deus, eu estou tão excitada
Você é mau e é meu
Vou te ter enquanto estiver aqui
Deixe minhas fantasias voarem
FANTASIES – LLYNKS

Privada de um sentido, de movimentos e de todo o


meu discernimento, começava a sentir minha cabeça girar.

Não era possível eu estar tão molhada e tão


desejosa daquele jeito. Eu quase conseguia sentir o cheiro
da minha excitação, e imaginava que Dominic também.

Soltei um grunhido de frustração no momento em


que ele encostou o dedo no meu clitóris, mas com tanta
sutileza que era quase o toque de um fantasma. Então o
movimentou, segurando-o entre o polegar e o indicador,
em uma tortura quase doce.
Fechei ambos os punhos, com tanta força que eu
poderia jurar que minhas articulações ficaram brancas, no
momento em que o dedo de Dominic me penetrou, girando
dentro de mim, acertando todos os pontos mais sensíveis.
Joguei a cabeça para trás, novamente grunhindo, quando
simplesmente o ouvi afastar-se.

Se pudesse, eu teria esfregado uma coxa na outra,


para aliviar um pouco o quão dolorida estava de desejo,
mas ele cuidara até mesmo disso.

E o pior não era nem o desespero de querer mais,


mas não ter muita ideia do que mais ele ainda iria fazer.
Não poder ver o que havia naquele quarto, mas imaginar
que mil coisas ainda poderiam acontecer... Porra, eu
estava muito, muito pronta.

— Você está tão molhada que está escorrendo


pelas suas pernas.

Assim que ele falou isso, senti sua língua quente


lambendo exatamente a parte de dentro da minha coxa,
como se estivesse buscando gotas de chocolate ou o suco
de uma fruta que deslizara de forma furtiva depois de uma
mordida.

Ele chupou a carne próxima à minha virilha com


força, obviamente pronto e decidido a deixar uma marca.

Deslizando a mão por uma das minhas pernas, ele


soltou a restrição que prendia um dos meus tornozelos, e
então meus pés perderam o chão quando colocou minhas
pernas em seus ombros, deixando-me suspensa, com a
cabeça entre elas, iniciando um sexo oral naquela posição
insana.

Ele me chupou tão gostoso, mas tão intenso, que eu


soltei um grito, ou talvez fosse um choramingo, mas longo,
tão longo que parecia que não havia som suficiente para
sair da minha garganta.

Gozei em sua boca, e teria gozado mais, daquela


forma, se Dominic não tivesse me baixado e entrelaçado
as minhas pernas em sua cintura, me penetrando com
força.

— Dominic! — gritei o nome dele, enquanto era


movimentada em seu colo, sentindo-o investir enquanto
agarrava um dos meus mamilos com os dentes, mordendo-
o sem ser doloroso e o sugou em seguida.

— Você está me deixando louco, leonessa. Nunca...


nunca nenhuma mulher me deixou assim. Porra! Nunca! —
ele rosnou, e eu podia jurar que aquela confissão estava
saindo de forma involuntária. Não parecia ser do feitio de
Dominic se entregar daquela forma.

Ele continuou me fodendo daquela forma, como se


fôssemos dois animais, até que deixou escapar um som
gutural e me soltou dali, desatando meus punhos das
restrições, mantendo-me com as pernas entrelaçadas em
sua cintura e me levando à cama.
Girou-me, assim que eu estava sobre ela, tirando a
barra que prendia meus tornozelos e, segurando meus
punhos para trás, usou a mesma, mas com um espaço
menor entre as duas restrições de couro – porque
provavelmente era ajustável –, para prendê-los.

Senti a corrente da coleira ser agarrada e minha


cabeça foi puxada para trás, enquanto eu era posicionada
com os quadris erguidos. Primeiro ele encaixou o dedo.
Inteiro, bem fundo. Sem ter muito o que fazer, enquanto
estocava, mordi o lábio inferior de um jeito que chegou a
me machucar. A ponto de sentir um leve gosto de sangue.

Não teve nenhuma piedade, investindo e remexendo


os dedos dentro de mim, fazendo-me sentir cada
movimento, enquanto eu gemia, perdendo-me no
desespero de querer gozar mais uma vez, e tê-lo dentro de
mim.

O que era aquele homem? Ele era uma catástrofe


na minha vida, mas no melhor sentido possível. Eu só
sabia que estaria arruinada para qualquer outro quando...

Bem... era quando, não era?

Nosso casamento não duraria para sempre.

Interrompendo meus pensamentos, Dominic fez um


pouco de pressão na corrente, e eu entendi que queria que
eu erguesse mais as costas. Colocou-me sentada, mas me
pegou pelas coxas, levantando-me do colchão e me
posicionando em seu colo.

Podia sentir seu pau duro deslizando por dentro de


mim, enquanto Dominic me fazia sentar sobre ele, me
invadindo com toda propriedade de quem estava se
tornando dono do meu corpo. Sua boca veio buscar a
minha, como ainda não tinha acontecido naquela noite, e
eu senti um pouco mais de ternura em meio a toda
selvageria do sexo louco que estávamos fazendo.

O beijo se moldou como sempre, em um ritmo só


nosso, conforme nossas línguas se reconheciam mais uma
vez e davam boas-vindas uma para a outra, quentes,
dançando e se embolando. Uma de suas mãos foi parar na
minha nuca, daquele jeito forte e dominador de sempre,
enquanto a outra beliscava meu mamilo, misturando o
toque de sedução com perversão, que eu já tanto adorava
em nossa sintonia.

Dominic se movimentou sob mim, e então suas duas


mãos se posicionaram nas minhas coxas, enquanto ainda
nos beijávamos, fazendo-me quicar. Logo aumentamos o
ritmo também, e eu fui tentando, também, me impulsionar
com as pernas, enquanto nós dois grunhíamos
desesperadamente.

Gozei de novo, e Dominic ainda demorou um pouco


a me seguir, mas no momento em que o fez, meu corpo se
derramou sobre seu peito, e ele me ajeitou na cama, com
cuidado, soltando meus punhos só para prendê-los
novamente na cabeceira.

— O que está fazendo? — perguntei, rindo.

— Cuidando para que não tire a venda. Vamos


manter o mistério.

— E se eu precisar ir ao banheiro?

— É só me avisar. Vai vendada, no meu colo.

— Que absurdo! Sou uma mulher independente! —


Ri, divertida.

— Aqui dentro, não. Como eu disse, aqui dentro eu


estou no controle. — Ao dizer isso, Dominic desceu a boca
para o meu mamilo novamente, e ele ainda estava muito
sensível, o que me fez estremecer e me remexer sobre a
cama. — Você é minha para o que eu quiser fazer. E isso
inclui te torturar a noite inteira.

E seria uma noite muito, muito longa. Mas a melhor


que tive em muito tempo.
,CAPÍTULO VINTE E OITO

Os olhos olham para cima


O mundo acena um adeus
Mas será que iremos sobreviver
Presos em nossas mentes
Enquanto os dias passam
E nossos pesadelos se tornam reais
BORN TO DIE – EUPHORIA

Quando completamos um mês de casados,


decidimos fazer um almoço em nossa casa, com direito a
visita dos Preterotti. Deanna ficou animada em ver a mãe,
então eu lhe pedi – quase implorei, na verdade – que ela
não aparecesse com nenhuma surpresa, mas fiquei quase
aliviado quando a vi vestida com um bonito vestido azul,
sem coleiras, com o cabelo solto caindo nos ombros.

Linda.

Era difícil não a observar e sentir o peito pesar,


enquanto eu a via receber a família. Enrico não aparecera,
o que já imaginávamos, mas Alessio e Cássia receberam
abraços que eu mesmo nunca ganhei. Abraços sinceros
cheios de ternura.

Eu não era o tipo de homem que me preocupava


com isso. Não me importava com ausência de sentimentos,
de amor. Ou costumava não sentir o que eu considerava
uma total perda de tempo.

Estava confortável desse jeito e pretendia continuar


assim, mas aquela garota era completamente imprevisível.
Ela era caos; um tormento. Mas eu estava de quatro por
ela.

Quando lançou um olhar para mim, de canto, com


um sorrisinho bobo no rosto, eu me senti pronto para ser
coroado o babaca da temporada, porque sabia que a partir
do momento que aceitasse que estava, de fato, fascinado
por ela, ninguém iria me segurar, e eu estaria disposto a
revirar o mundo inteiro se fosse necessário para protegê-la.

Alessio veio me cumprimentar, estendendo a mão


para mim, e pela primeira vez desde que conhecia aquele
rapaz não consegui encontrar um sorriso em seu rosto. Ele
parecia tenso, olhando para o pai com um ódio que eu
nunca tinha reparado antes.

— Como vocês estão? — Alessio soltou, o que me


surpreendeu.

Nunca fomos amigos. Nunca tivemos intimidade


para aquele tipo de conversa ou de confissão. Só que eu
sabia que poderia se tratar de um senso de proteção pela
irmã, já que provavelmente era sobre isso que estava me
perguntando.

— Bem, na medida do possível — respondi,


comedido, sentindo-me um pouco reticente. Não que
acreditasse que poderia usar alguma coisa contra nós,
mas, exatamente como falei antes, ele não era meu amigo.

— Devem estar mesmo, se estão vivos. Jurei que


iriam se matar em uma semana de casamento.

— Não, não foi o que aconteceu — respondi, dando


uma golada na bebida que me foi servida. Sem álcool,
apenas um refresco, já que iríamos almoçar em pouco
tempo.

Alessio ficou calado, balançando a cabeça, com o


olhar meio perdido. Então, depois de alguns instantes,
voltou a falar:

— Como é?

— Como é o quê?

— Ser um marido de alguém que você mal


conhece? Precisar conviver com uma pessoa assim?

Ah, então era naquele ponto que queríamos chegar?

Eu sabia o que estava acontecendo: Alessio tinha


finalmente recebido a notícia de que teria que se casar
com a inocente Luna Cipriano.
Já havia me sentido exatamente como ele:
completamente perdido a respeito de como poderia ser o
meu casamento. Como seria ter que me relacionar com
uma mulher sobre quem não sabia nada, mas tudo o que
eu conhecia a respeito me dava a sensação de ser uma
bonequinha intocável.

No final das contas, apesar de ter acontecido uma


morte que não desejava que acontecesse, eu tinha tido
sorte.

— Não temos muita escolha sobre nosso destino,


você sabe bem disso. Desde o início deveria ter imaginado
que haveria uma mulher prometida a você.

— Sou o segundo filho, Dominic.

— Isso não te protege de precisar seguir os


protocolos. Não pode ser mimado a este ponto. Todos os
nossos movimentos dentro da Cosa Nostra são
estratégicos em nome da organização. Especialmente
quando somos parte do que se poderia chamar realeza. —
Alessio se surpreendeu um pouco com o meu tratamento
nada transigente a respeito de seu comportamento, mas
não falou nada. Esperava que tivesse noção de que
minhas intenções eram boas, especialmente por fazermos
parte da mesma família. Sendo seu cunhado, ele deveria
se tornar como um irmão para mim.

— Isso é errado.
— Não foi errado para a sua irmã, né? Que foi tirada
da vida dela no Brasil e obrigada a se casar comigo.

— Eu sempre achei errado, Dominic, mas sou um


só. Não posso me rebelar contra um sistema inteiro para
proteger Deanna. Faria isso se pudesse.

— Então não pode se rebelar para mudar o seu


destino também. Case-se com a menina. Se rejeitá-la, ela
ficará arruinada. Quase aconteceu isso com Kiara, e eu
quase matei Giovanni por tê-lo feito. Imagino que o pai dela
esteja disposto a acabar com você se magoá-la a esse
ponto.

Alessio engoliu em seco, provavelmente me dando


razão. Fomos interrompidos, no entanto, por Deanna que
se aproximou de nós, colocando-se ao nosso lado.

— O que está acontecendo entre nossos pais? —


Ela se voltou para Alessio, e eu me senti quase um intruso.
Tanto que comecei a me afastar, mas Deanna ergueu um
dedo, me impedindo. — Fique. Preciso de testemunhas.

— Não sei do que você está falando — Alessio


afirmou, mas não o sentia muito seguro a respeito disso.

— Como não sabe! Olha só para eles!

Dei uma olhada nos meus sogros, e poderia jurar


que realmente havia risadinhas bobas entre eles, quase
como dois adolescentes.
— Não me meta nessa, Dee. É sua mãe.

— E o seu pai! — ela respondeu ao irmão, mas


Alessio começou a se afastar, nos deixando sozinhos. —
Você viu isso? Ele me ignorou.

— É uma coisa que acontece, leonessa. Algumas


pessoas têm a força para te ignorar, embora nem sempre
eu consiga — eu disse com um sorriso complacente e
quase provocador.

Deanna franziu o cenho, me observando. Senti


quando se empertigou um pouco, mordendo o lábio inferior,
meio que em dúvida de como agir. Eu já conhecia algumas
de suas atitudes, então seu comportamento não era mais
totalmente um mistério para mim.

— Não estou confortável com isso, Dominic.

— Com o quê? Em eu não saber te ignorar? —


brinquei, tentando amenizar a situação.

Ela revirou os olhos.

— Não. Com minha mãe novamente se engraçando


com o meu pai. Tenho medo, especialmente na condição
em que ela está.

Respirei fundo e coloquei uma mão em suas costas,


em um gesto quase involuntário de afeto. Isso pareceu
surpreender Deanna, que lançou um olhar por sobre o
ombro, tentando testemunhar o meu toque, mas não
recuei.

— Sua mãe é bem grandinha. Ela viveu neste


mundo antes mesmo de você existir.

— Mas escolheu se afastar.

— Se teve essa escolha uma vez e está, talvez,


cogitando tomar o mesmo caminho é porque alguma coisa
muito forte a está incentivando.

— Será que ela ainda ama o meu pai?

Dei uma risadinha amarga e um gole na minha


bebida.

— O que eu entendo sobre o amor, leonessa?


Honestamente, sou a última pessoa que poderia te dar
essa resposta.

Ficamos nos olhando por algum tempo, e eu percebi


que acabei decepcionando Deanna com minha afirmação.
Tanto que assentiu, levemente incomodada, e se afastou,
voltando para perto de sua família. Ou melhor, do irmão e
da mãe, já que Massimo veio na minha direção.

Sua expressão não parecia das melhores, muito


menos quando me entregou um papel.

— O que é isso? — perguntei, observando as partes


em branco, já que não havia nada no verso e estava
dobrado.
— Recebi há alguns dias. Gostaria que você visse,
porque chegamos a uma pessoa. O mensageiro, apenas,
mas ele sabe de alguma coisa e está bem irredutível.

Imediatamente me coloquei em alerta, mudando


meu comportamento de um cara – quase – de família para
um homem desconfiado.

Havia algo naquele papel, e eu tinha a péssima


impressão de que, se tinham mandado para Massimo e ele
estava falando comigo, era porque tinha a ver com
Deanna.

Não me enganei. A mensagem era uma ameaça


velada à minha esposa.

“Veneno não foi suficiente. Teremos que ser mais eficazes.


Renuncie e ela ficará segura. Caso contrário, não
poderemos fazer nada.”

— Estão com ele? — foi a minha resposta imediata


assim que terminei de ler. Consegui me controlar, quase
amassando o papel entre os meus dedos.

— Mais do que isso. Ele foi pego em Nova Iorque,


depois de fugir. Conseguimos rastreá-lo.

— Em Nova Iorque? — exclamei, alto o suficiente


para que algumas pessoas olhassem para mim. Deanna
não o fez, ainda bem, porque do jeito que ela era
certamente ia querer saber do que se tratava.

— Sim, por isso ficamos preocupados.

— Perto demais de Deanna... — Olhei para ela,


vendo-a sorrir, recebendo Kiara e Giovanni, que chegavam.

— Nova Iorque é imensa, eu sei, mas...

— Não grande o suficiente, Massimo! — grunhi


novamente, irritado. — Eles chegaram perto demais
antes...

— Do que você está falando? — meu sogro


perguntou, confuso.

Eu tinha prometido a Deanna que não contaria nada


a ninguém; que manteria sua família protegida da
informação de que ela quase morrera depois de ser
atacada na loja, enquanto experimentava o vestido de
noiva. Só que as coisas tinham mudado. Ela poderia estar
novamente em perigo, e eu queria ter o máximo de
pessoas cientes para que pudéssemos protegê-la.

— Houve um atentado. Deanna foi parar no hospital,


com um corte feito por um punhal envenenado.

— Mas por que diabos isso não chegou aos meus


ouvidos?

— Porque ela me pediu.


— E desde quando você obedece às ordens de uma
mulher?

Fiquei puto com aquela pergunta, a ponto de ter


vontade de agarrar meu próprio sogro pela gola da camisa,
mas me contive.

— Desde que se trata da minha mulher.

Minha afirmação provavelmente o deixou um pouco


surpreso, especialmente a julgar pela forma como olhou
para mim.

— Nossa discussão não vai nos levar a lugar algum.


A única coisa que eu quero é pegar esse cara. Quando
podemos ir?

— Mais tarde. Melhor Deanna não saber.

Assenti, e Massimo se afastou de mim, conseguindo


se misturar muito bem às pessoas. O dia tinha acabado
para mim. Eu não teria mais colhões para abrir sorrisinhos
e fingir que estava tudo bem. Porque não estava.

Era difícil eu encontrar pontos fracos em mim. Tinha


certa tolerância à dor e, por ter apenas uma pessoa no
mundo que era muito importante para mim – minha prima
–, poucas eram as chances que encontravam para me
pegar desarmado. Para me chantagearem.

Até Deanna surgir.


A grandiosidade da percepção de que ela me
deixava mais vulnerável me atingiu naquele momento,
como um raio. Tanto que nem me importei com o horário
que era, ou com o fato de que iríamos almoçar ainda, mas
fui me servir de uma boa dose de uísque, no meu bar,
esperando, também, ter alguns momentos sozinho.

Mas claro que ela não ia permitir.

— Dominic? — Aquela voz... Era uma mistura de


doçura, embora não houvesse nada muito doce na mulher,
com uma rouquidão sensual, que me fazia lembrar seus
gemidos e sua entrega. Além disso, vinha se tornando
mais e mais familiar, o que me provocava uma sensação...
boa. — Estamos reunidos à mesa. Você vem?

— Vou. Preciso só de mais um minuto — disse, sem


olhar para ela, e Deanna pareceu preocupada. Só não
falou nada, porque provavelmente tinha um bom senso de
espaço e queria conceder o meu.

Antes que saísse, porém, segurei seu braço e a


puxei para mim, tocando seus lábios com os meus em um
beijo suave.

As coisas estavam diferentes entre nós. Os olhares,


os toques, a forma de nos tratarmos. Era exatamente por
isso que eu não podia permitir que se aproximassem
demais dela.
Sendo assim, mais tarde, quase ao anoitecer, eu saí
da minha casa, acompanhado do meu sogro e do meu
cunhado, com o sangue fervendo nas veias.

Mais uma vez eu iria matar por Deanna. Torturar por


ela.

Mas valia a pena.


CAPÍTULO VINTE E NOVE

Ela me diz, "venere-me na cama"


O único paraíso para onde serei enviado
É quando estou a sós com você
Nasci doente, mas adoro isso
Me ordene a ficar bem
TAKE ME TO CHURCH – MILCK

Eu me peguei andando de um lado para o outro,


sentindo-me preocupada como não gostaria de estar. Vi
Dominic sair da nossa casa de um jeito muito furtivo, sem
contar que não parecia nem um pouco satisfeito. Levara
meu pai e meu irmão consigo, o que também não deveria
ser um bom sinal.

Minha mãe também percebeu, mas passou boa


parte da tarde tentando me desligar da ausência e da
dúvida do que poderia estar acontecendo. Era uma
artimanha muito irrealista, eu sabia disso, mas
provavelmente a forma como mulheres como nós
conseguiam sobreviver naquele mundo – mascarando a
realidade com sorrisos falsos e esperanças vãs.
Só que eu tinha vivido um momento como aquele.
Tinha presenciado uma tortura e não ia me esquecer
daquelas cenas nem se passassem cem anos. Os gritos
ainda estavam agarrados à minha mente. As imagens
eram como filmes ruins repassando e repassando diante
dos meus olhos, cada dia mais turvas, mas sem nenhuma
perspectiva de desaparecerem.

Eu não era como as outras mulheres, porque tinha


visto tudo.

Foi por isso que fiquei tão inquieta mesmo depois de


ter fingido para a minha mãe que estava tudo bem. Mesmo
depois de ir para o meu quarto, tentando ouvir qualquer
movimento no outro, conjugado, esperando que Dominic
chegasse para confrontá-lo e tentar entender o que tinha
acontecido. Porque saíra daquele jeito, levando quase toda
a minha família consigo.

Era mais ou menos uma da manhã quando eu, de


fato, ouvi um barulho, mas não do meu marido no quarto
ao lado. Foi uma batida na porta.

Corri para abrir, esperando que fosse Dominic, mas


quem apareceu na minha frente foi um dos soldados do
meu marido. Muito sério, muito rígido, sem sequer olhar
para mim.

— Boa noite, senhora. O senhor pediu que eu


viesse buscá-la.
— Me buscar para quê?

— Só me acompanhe, por favor.

— Sim, mas eu preciso trocar de roupa e...

— O senhor Ungaretti me pediu para levá-la


imediatamente.

Fiquei olhando para o homem, intrigada com aquela


informação.

— Ele enviou um carcereiro, é isso?

— Senhora, não sei de nada, só recebo ordens.

Claro... o pobre homem não tinha nada a ver com


isso.

Eu não estava muito disposta a aceitar ordens do


meu marido de jeito nenhum, mas naquele momento queria
saber o que estava acontecendo. Minha curiosidade não
me permitiria simplesmente fechar a porta na cara do
soldado e voltar a tentar dormir.

Estendi a mão para o cabideiro do meu quarto,


agarrando meu robe e o vestindo na pressa, enquanto
saíamos do quarto. Eu estava usando um baby doll até
bem decente, mas provavelmente estava frio lá fora, e eu
não queria pegar um resfriado por causa de um capricho
de Dominic.
Fui guiada por dois homens ao carro, como se fosse
uma fugitiva em potencial, entrei e fui conduzida sem saber
o meu destino. Não demorei muito tempo na ignorância,
porém, porque logo reconheci o caminho.

Eu estava sendo levada ao clube.

Entrando pelos fundos como na outra vez, fui guiada


até o quarto VIP do meu marido. Quando entrei, lá estava
ele, sentado em uma poltrona de couro, sem blusa, os
cabelos desgrenhados e um copo na mão. Sem gelo. Os
olhos pareciam frios e vazios como no dia em que o vi
torturar aquele homem.

Um demônio. Um diavolo. Um anjo caído e


atormentado, cheio de escuridão dentro de si.

— Agora sou um produto que você pode pedir em


delivery? — perguntei, cruzando os braços, indignada.

Dominic ergueu a cabeça bem lentamente, olhando


para mim com os olhos estreitos, selvagens e rudes.

Eu não tinha medo dele, mas aquela aparência


perigosa me deixava realmente excitada. E na expectativa.

— Venha aqui. Sente-se no meu colo.

— Não sem antes uma explicação — afirmei com


convicção.

— Não terá explicação nenhuma agora. O que


combinamos? Aqui dentro eu estou no comando.
— Não vim por livre e espontânea vontade.

— Veio acorrentada? Carregada por algum dos


meus homens? — ele perguntou em um tom provocador.

— Não, mas... eu teria escolha?

— Sim. Você veio porque quis. Então obedeça e se


sente no meu colo. Agora.

Ponderei a situação por alguns instantes, decidindo


se valia a pena manter o meu orgulho ou ir em frente,
tentando compreender o que Dominic queria.

Fui caminhando até ele, observando seu olhar de


fome para mim, e me sentei sobre suas pernas. Dominic
largou o copo sobre uma mesa que não estava vazia, mas
nem prestei muita atenção no que havia sobre ela, porque
me coloquei de costas para o móvel.

Segurando-me com mais delicadeza do que achei


que faria, ele me beijou. Inclinou minha cabeça para baixo,
fazendo com que nossos lábios se encontrassem, e
começou a me beijar de um jeito que poderia facilmente
me deixar sem fôlego.

Sua mão foi parar na minha coxa, pegando-a com


tanta força que eu fui obrigada a cruzar as pernas, jogada
em seu colo e deixando que ele sustentasse todo o meu
peso com seu corpo. Abriu o laço do meu robe com uma
das mãos, deixando-o aberto e podendo massagear meu
seio com quase fúria, roçando o polegar no mamilo, ainda
coberto com o tecido do baby doll.

Não parou de me beijar um só minuto.

Continuamos nos pegando daquele jeito por alguns


minutos, até que Dominic tirou meu short. Ainda com as
mãos firmes em mim, me fez mudar de posição,
colocando-me sentada de costas para ele.

Então usou seu dedo para me penetrar.

— Rebole para mim, leonessa — foi mais uma


ordem, que eu não tive como negar.

Dancei em seu colo, sentindo-o dentro, bem fundo,


o que me fez intensificar os movimentos. A outra mão de
Dominic rodeou meu corpo, atiçando meu clitóris, e então
eu rebolei mais ainda.

Comecei a gemer baixinho, sentindo o calor


percorrer cada uma das minhas células, conforme meu
corpo ia respondendo mais e mais aos toques do meu
marido.

Senti que estava prestes a gozar, mas Dominic


parou de me masturbar, e eu finalmente baixei os olhos,
vendo sua camisa no chão. Estava coberta de sangue, o
que me fez entender perfeitamente o motivo de ele estar
parecendo tão sombrio.
— Está usando sexo da forma errada, Dominic.
Podemos conversar, se quiser.

— Agora não — ele rosnou.

Sem mais nenhuma resposta, senti algo de couro


ser colocado no meu pescoço. Ergui a mão para tocá-la,
sem poder ver, por causa de sua posição, sabendo que
aquela não era a coleira que eu tinha comprado, já que
esta estava na minha casa, entre as minhas coisas.
Parecia mais simples, mas com uma argola grande na
nuca e outra na frente, bem próxima à minha garganta,
mas sem apertar.

Soltei um som de exclamação quando fui erguida


nos braços de Dominic, ainda me surpreendendo com a
facilidade com que ele fazia isso, mas logo me colocou no
chão. Prendeu uma corrente na parte da frente da coleira,
puxando-me.

— Este é o único lugar em que permito ser domada


deste jeito, você sabe, né? — falei, enquanto ele tirava a
minha roupa.

— Sei e gosto. Não precisa me alertar disso,


Deanna. Estou perfeitamente satisfeito com as coisas
como estão.

— Mesmo quando sou abusada?

— Especialmente quando você é abusada.


Dei uma risadinha e me surpreendi quando ele me
deixou diante de uma cortina, que foi aberta.

Lá embaixo eu podia ver todo um salão, onde havia


meninas dançando sobre um palco, agarradas a uma barra
de pole dance, e casais se beijando, homens jogando... um
antro de perdição. Havia fumaça de charuto ao redor, uma
vibe quase noir.

Os olhos de uma das pessoas se voltaram na


direção da janela em que estávamos, no alto, e eu
rapidamente cobri meus seios, mas Dominic me segurou,
prendendo meus braços para trás, amarrando-os com um
tecido de seda, que eu poderia jurar que era a faixa do
meu robe.

— É vidro dupla face. Ninguém pode nos ver aqui


dentro. Só queria que você conhecesse um pouco do
mundo que eu governo.

Era sexy, eu precisava admitir. Erótico. Tanto que


quando Dominic começou a me tocar, enquanto eu
visualizava as várias cenas que aconteciam lá embaixo, o
meio das minhas pernas começou a ficar dolorido.

Ele acariciava meus mamilos ao mesmo tempo em


que um homem, lá embaixo, fazia o mesmo com uma
menina. Outro cara a masturbava, e eu era apenas uma
voyeur, enquanto era acometida por várias sensações,
conforme era tocada.
Foi algo breve, mas que me deixou excitada do
mesmo jeito. Então Dominic tirou o laço que me prendia e
o colocou nos meus olhos, vendando-os. Fui erguida em
seus braços outra vez e carregada até a parte dos fundos
do cômodo, onde já estive uma vez.

Pensei que poderia repetir a dose do outro dia, mas


Dominic colocou as mãos na minha cintura, tirando-me do
chão e me colocando sentada em uma espécie de banco
de madeira alto. A argola da coleira foi presa a algo que
limitava muito meus movimentos, o que me fez perder o ar,
em expectativa.

Senti um beijo nas costas da minha mão, e ele a


esticou para o lado. O pulso foi preso em uma restrição de
couro. Imitou com o outro, e eu fiquei com os braços bem
abertos. Dominic puxou meus quadris para a frente,
deixando-me na beirada do banco, já mergulhando a boca
na minha fenda, que eu sabia que já estava molhada.

Era o que ele causava em mim. Não precisava de


quase nada para me excitar. Não precisava de muito para
que eu estivesse à sua mercê em todos os sentidos.

Dominic me penetrou com os dedos, enquanto


usava a língua para lamber meu clitóris e os lábios para
sugá-lo, com força, obrigando-me a fechar as mãos,
enterrando as unhas nas minhas palmas, provavelmente
deixando marcas.
Era impossível sequer me mexer para aliviar o
tesão, e Dominic não estava sendo bonzinho. Ele era cruel.
Muito cruel. Tanto que vinha, me atiçava, me chupava e
masturbava um pouco, até que eu estivesse no ponto de
gritar de prazer, e se afastava, deixando-me frustrada.

— Diavolo! Eu te odeio! — soltei como um gemido, e


ele riu.

— Não odeia nada.

Não, não odiava. Eu estava louca por aquele


homem. Estava começando a entender isso cada vez mais.

Ficamos nessa tortura angustiante por uns bons


minutos, até que eu o senti todo dentro de mim.

Pelos grunhidos que Dominic soltava e pela forma


como começou a investir com força, eu sabia que ele
estava descontando alguma coisa em mim. Pelo jeito cru,
pela forma como sua testa se encostou na minha e como
senti sua respiração contra o meu rosto. Pelos sons
animalescos, pelo quanto ele parecia estressado.

Tanto que gozou mais rápido do que o normal e não


me tirou dali. Eu não tinha gozado ainda, então ele não
parecia pronto para terminar.

Recomeçamos as rodadas de tortura, em que ele


chupava meus seios, me mordia inteira e me masturbava
enquanto usava a língua por toda parte.
E continuava sem me deixar gozar.

Ou seja, ele tinha se liberado, mas não queria que


eu fizesse o mesmo.

— Eu vou te matar, Dominic — resmunguei, mas


logo minha frase deixou seguir um gemido. Queria arquear
a cabeça para trás, queria fazer algo com minhas mãos,
mas estava completamente impedida. E se isso não
contribuía e muito para o quão desesperada eu estava
para gozar, não saberia mais o que era.

Não saberia precisar por quanto tempo mantivemos


aquela “brincadeira”, que deveria ser divertida só para ele.
Dominic me fez gritar de raiva, de descontrole, xingando-o
e até implorei, coisa que jurei que nunca iria fazer. Mas ele
sabia os exatos pontos a apertar para me deixar
completamente fora de mim, só para recuar depois.

Quando finalmente me penetrou de novo, daquele


jeito bruto de foder, encontrando um ritmo, e eu nem
conseguia mais controlar meus gritos.

Ao gozar, Dominic veio logo depois, e assim que


ficamos satisfeitos, ele me soltou, deixando-me com os pés
no chão.

Tentei andar, mas simplesmente despenquei,


felizmente nos braços dele, sentindo as pernas bambas e
fracas por toda a intensidade daquele momento. Ele
precisou me pegar no colo e me levar até a cama,
deitando-me nela e se acomodando do meu lado.

Jurei que, em seu estado, me deixaria sozinha, mas


me puxou para si e me beijou, sussurrando o que eu não
esperava:

— Estou apaixonado por você, leonessa. Seria


capaz de qualquer coisa para te manter segura. Esta noite,
foi sobre isso.

Ok, ele tinha toda a minha atenção.

Levei a mão à venda, tirando-a, e Dominic nem se


importou com isso. Provavelmente precisávamos
conversar. Sobre tudo o que ele dissera em pouquíssimas
frases.

O que estava acontecendo?


CAPÍTULO TRINTA

Quer manter um segredo?


Mal posso acreditar que
Você caiu das estrelas
Direto nos meus braços
Bem lá do fundo do meu coração
Nós nunca nos separaremos
No céu ou no inferno
NOBODY ELSE – BLVKES

Eu tinha tanto a dizer a ela, mas minha mente


estava completamente exausta. Sentia como se os
pensamentos pesassem, cada um, uma tonelada. Tanto
que logo depois de tê-la levado para a cama, nós dois nos
deitamos, eu joguei o que considerava quase uma
confissão, acabei caindo no sono pesado.

E o pior: despenquei sobre o peito dela, com a


cabeça entre seus seios nus, sentindo seus dedos entre
meus cabelos, acariciando-os. Toques ternos, inesperados
e o bater de seu coração em meus ouvidos. Eu estava
rendido.
Nunca tinha me entregado a um sono tão profundo
nos braços de uma mulher como aconteceu com Deanna.
Era uma prova total de confiança, que eu não
compartilhava com quase ninguém.

Quando acordei, ela também estava dormindo,


serena, com os cabelos loiros espalhados pelo travesseiro.
A roupa de cama era toda preta, então contrastava muito
bem com suas mechas douradas e com a cor clara de sua
pele.

Ergui um pouco a cabeça, só para poder olhar


melhor para ela.

O que estava acontecendo comigo? Era para ser só


uma mulher. Minha esposa? Claro... mas não era para eu
me apaixonar daquele jeito por ela. Não era para sentir um
medo alucinado de perdê-la.

No dia anterior, durante a sessão de tortura ao filho


da puta que levou a mensagem de ameaça a ela, senti que
perdi a cabeça muito rápido. A cara do desgraçado ficou
cheia de hematomas, cortes e toda fodida de tanto que foi
socado. Eu o fatiei com meu punhal, tanto que minha
camisa ficara arruinada. Tomei um banho antes de tocar
em Deanna, mas não consegui vesti-la novamente.

E tudo isso era por causa dela. Por causa do


sentimento que estava lentamente me tornando um tolo.

Mas eu queria ser um tolo.


Ergui minha mão, usando os nós dos dedos para
acariciá-la no rosto. O corpo estava estirado na cama,
completamente despido, e eu poderia tocá-la em qualquer
parte. Poderia acordá-la com um sexo oral ou
masturbando-a, mas quis que fosse daquela maneira,
especialmente porque eu sentia um enorme nó na
garganta.

Ao sentir o meu toque, Deanna se remexeu na


cama, e a sensação foi novamente do estômago se
revirando, principalmente porque ela meio que se
aconchegou a mim, parecendo tão pequena, tão indefesa...
ao mesmo tempo em que eu sabia que era uma leoa e que
tinha uma alma de guerreira.

Eu já não me sentia mais racional em relação a ela.


Não podia confiar em mim mesmo para mantê-la segura;
não depois de tudo o que fiz naquela noite.

Não depois de ver como ficou o cadáver de um


homem que estava alinhado com alguém que queria
machucá-la.

O que eu não seria capaz de fazer caso alguém


ousasse tocá-la?

Não era só ela que era vulnerável. Eu também. Não


sabia gostar de alguém daquele jeito, porque o amor só me
foi ensinado como sendo algo violento e necessário.
Eu realmente me tornaria o diabo se fosse preciso
barganhar pela vida dela.

Enquanto ainda pensava, Deanna abriu os olhos.


Parecia ainda muito cansada, mas a intensidade daquele
olhar me desmontou. Eu estava apoiado com um dos
cotovelos na cama, de lado para ela, meio bobo, e fui pego
no flagra. Não era do meu feitio me entregar daquela
forma, e eu poderia ter me apressado em disfarçar, mas
não quis.

— O que deu em você? — foi a primeira coisa que


ela perguntou. — Está diferente. Cheio de escuridão
alguns momentos atrás, mas agora parece...

— Apaixonado? Foi o que eu disse... — confessei


mais uma vez. Sem medo.

Não... mentira. Eu estava apavorado. Tudo era


muito novo para mim nesse quesito, e eu não fazia ideia de
como iria lidar com toda aquela merda.

Tinha a impressão de que Deanna também não


estava muito pronta para isso. Tanto que se surpreendeu
um pouco com a minha fala, mesmo que eu a estivesse
repetindo.

— Não esperava por isso? — perguntei a ela.

— Para ser sincera? Não.


— Não acha que um homem como eu pode se
apaixonar? — enquanto conversava com ela, eu
preguiçosamente passava o dedo por seu rosto, descendo
pelo pescoço, sentindo-me completamente vidrado em
suas reações instantâneas.

— Não conheço homens como você, Dominic.

— Seu pai, seus irmãos...

— Não estou falando disso. Estou dizendo que, de


fato, não conheço alguém tão imprevisível, intenso, que me
tire tanto do sério em todos os sentidos. Os bons e os
maus.

— Você também me tira do sério. Me deixa louco


em todos os sentidos.

— Os bons e os maus?

— Definitivamente.

Ficamos calados por alguns instantes, e Deanna me


surpreendeu ao pegar minha mão e brincar com o anel que
eu usava. Seu polegar fez carinho na minha palma, o que
era bastante inesperado.

— Acho que também não esperava sentir o que


sinto por você — ela falou baixinho. Eu poderia pedir que
repetisse, que falasse mais alto, mas não faria isso com
Deanna. Imaginava que já deveria ser difícil o suficiente
que falasse aquele tipo de coisa, então não iria pedir mais
esforço da sua parte.

— O que sente?

— Não sei ainda. Mas é confuso. Empolgante.


Assustador.

— Estou assustado também.

Ela ergueu uma sobrancelha.

— Você? Com medo de alguma coisa?

— É, não é uma coisa com que eu esteja


acostumado... — afirmei de um jeito presunçoso. Deanna
revirou os olhos. — Também estou com medo por sua
segurança. Enviaram ameaças. A pessoa foi pega em
Nova Iorque; não muito longe da nossa casa.

Deanna respirou fundo, visivelmente preocupada.


Era exatamente isso que eu não queria; que ela precisasse
ficar receosa com algo estando ao meu lado. Mas era
exatamente por ser minha esposa que aquilo estava
acontecendo.

— Foi isso que aconteceu hoje? Era o que você


estava fazendo?

— Era. E eu descobri que não tenho mais


discernimento quando se trata de você. Foi quando entendi
o que estava acontecendo.
Deanna começou a gargalhar.

— Sério que você descobriu que estava apaixonado


por mim torturando outra pessoa? Eu deveria achar isso
romântico?

Agarrei os dois punhos dela, prendendo-os contra a


cama, olhando em seus olhos, muito sério. Deanna parou
de rir imediatamente.

— Não. Eu me apaixonei por você quando me olhou


pela primeira vez com essa cara debochada e me fez
entender que nada nunca seria fácil. Porque eu não queria
o fácil.

Ela suspirou baixinho sob mim, e eu senti uma


necessidade desesperadora de beijá-la. Encostei nossos
lábios, mas não pude levar o tempo que queria, porque
tinha algo importante a dizer.

— Vou precisar abrir mão de você por um tempo,


leonessa. Seu pai falou algo que eu acredito que seja real.
Talvez seja melhor você passar um tempo em Los Angeles,
com eles. É uma forma mais justa de te manter em casa,
se ao menos estiver com a sua família.

Deanna franziu o cenho, surpresa.

— Antes você queria me trazer para Nova Iorque de


qualquer forma, alegando que era mais seguro. Agora está
querendo me mandar embora? — Ela parecia magoada, e
isso me feriu profundamente, ao ponto de me fazer fechar
os olhos por alguns instantes.

— Eu e Alessio vamos precisar fazer uma viagem.


Posso te deixar com meus homens, mas em Los Angeles
terá Enrico e seu pai.

— Enrico? Ele mal para em casa!

— Mas falamos com ele. Vai dar um jeito de ficar de


olho em você. E é só por um tempo, Deanna. Eu e seu
irmão já temos uma boa pista de quem está envolvido.

— Quem?

— Pietro Cipriano, ao menos foi o que conseguimos


arrancar do sujeito. Não sabemos se é verdade ou se só
jogou um nome para seguirmos uma pista errada.

— Mas Luna... ela...

— Temos quase certeza de que a moça é inocente.


Por isso temos a intenção de usá-la, antes que façam isso
por nós.

— Não, Dominic! — ela exclamou, indignada. —


Vocês não vão usar aquela princesinha. Não vão magoá-la.

— Não, não vamos fazer nada que a machuque. Só


vamos tirá-la do convento onde está e convencer Pietro de
que, estando conosco, ela não está segura.

— E estará?
— A menina é intocável. A mãe dela é irmã de
Alfredo Pellegrini, chefe da Flórida. Nunca poderíamos
cometer algo contra a garota sem criar uma verdadeira
guerra com a família que menos se envolve em conflitos
das cinco mais tradicionais da Cosa Nostra.

Deanna pareceu ficar um pouco mais calma,


embora ainda pudesse sentir a tensão em todo o seu
corpo.

— Então é isso? Vai me mandar para Los


Angeles...?

— Decepcionada? Para quem sequer queria se


casar, está parecendo muito chateada por se separar de
mim. — Deanna continuou muito séria, então o ar de
brincadeira também me abandonou, e eu olhei fundo em
seus olhos. — Vai sentir minha falta?

Os olhos de Deanna se tornaram um pouco mais


cálidos, e eu poderia jurar que aquela já era resposta
suficiente para mim. Só que ela respirou fundo e assentiu.
Não um balançar de cabeça qualquer. Eu poderia jurar que
era verdadeiro.

Estendi a mão para tocar seu rosto novamente,


acariciando-a e usando as pontas dos meus dedos para
desenhar os contornos, do maxilar, do queixo, da boca, as
bochechas, o nariz.
— Eu vou sentir sua falta de um jeito que vai ser
doloroso, leonessa. Odeio pensar nisso, mas criou uma
dependência. — Comecei a espalhar beijos por seu rosto,
seu pescoço, seu colo. — Do seu corpo. Da sua voz. Do
seu toque. Do seu cheiro. De quem você é.

Fui deslizando beijos pelo corpo de Deanna,


passando a língua pela carne de seus seios, pelo vão entre
eles; beijos de língua, beijos com a boca inteira, porque o
gosto dela era viciante.

Deanna arqueou o corpo, recebendo meus beijos


com aquela entrega que era desconcertante.

— Vou sentir sua falta também, Dominic.

Deixei minha boca novamente se perder na dela, até


que vi quando se desvencilhou de mim, recolocando a
venda em seus próprios olhos.

— Por que isso? — indaguei curioso.

— Não quero estragar o mistério desse quarto,


aproveitando que ainda não consegui ver tudo e porque
está escuro. Vamos aproveitar nossas horas juntos até eu
voltar. Quero que me foda com gosto, marido.

Dei uma risada rouca. Eu realmente era louco por


ela.

— Vou deixar uma boa lembrança para que pense


em mim em cada segundo.
Então eu fui me abaixando até chegar no meio de
suas pernas, onde me perdi e me encontrei ao mesmo
tempo.
CAPÍTULO TRINTA E UM

Todos os segredos que guardo


São como uma bomba dentro de mim
Eu estive esperando para ser livre
Se você me puxar para baixo
Você irá comigo
DOWN – SIMON FEAT. TRELLA

Com as mãos na cintura, eu observava minhas duas


malas no chão, esperando que um dos funcionários da
casa fosse pegá-las para que eu fosse levada ao
aeroporto. Dois carros, com dois soldados cada, nos
seguiriam, sem contar o motorista, que estaria armado e
pronto para me defender. Eu achava um exagero, mas fora
a condição que Dominic impusera.

Estava um pouco adiantada, mas não porque me


sentisse ansiosa para partir. Pelo contrário. Jurei que
nunca me sentiria em casa naquela mansão, que nunca iria
me acostumar com a vida de casada com um homem que
mal conhecia meses atrás, mas Dominic, de fato, iria me
fazer falta. Ele se tornara... especial.
Até mesmo seus empregados começaram a se dar
bem comigo, e a casa passara a ser mais receptiva e
aconchegante.

Um bater na porta chamou a minha atenção,


arrancando-me dos meus pensamentos. Por um momento
achei que pudesse ser alguém para pegar minhas coisas,
mas vi o rosto do meu próprio marido esperando permissão
para entrar no quarto.

Estava cedo, não eram nem oito da manhã, e ele


não se aprontara ainda para sair. Nós tínhamos dormido
juntos, depois de passar a noite inteira embolados na
cama, mas me levantei antes dele, pronta para arrumar
minhas coisas.

Usava uma camisa branca mais justa no corpo do


que seria bom para a minha sanidade, de algodão, e uma
calça de tactel preta, descalço. Os cabelos castanhos
estavam bagunçados de um jeito sexy, e seus olhos
estavam pequenos, ainda sonolentos.

— Sabe que isso não me agrada, não é? Não gosto


da ideia de ter minha mulher longe de mim, principalmente
quando ela está em perigo — ele falou com a voz rouca
matinal.

— Então desista.

— Não posso. Acredito que vá ficar mais segura por


lá, mas se estiver enganado e você sofrer um único
arranhão, vou te buscar e trazê-la de volta no mesmo dia.

— Combinado.

Sorri quando Dominic se aproximou. Um marido


comum encostaria seus lábios nos da esposa em um beijo
suave. O meu literalmente me agarrou e me beijou com
força, quase com raiva.

— Que merda... eu não quero que você vá. Não


quero que se afaste.

— Então não me deixe ir...

— Quer parar com isso? Se falar mais três vezes


algo assim, vou perder a cabeça e te trancar neste quarto
comigo — ele falou em um tom de brincadeira, mas
quando abri a boca para começar a repetir, Dominic cobriu
minha boca com um dedo, calando-me. — Não posso,
leonessa. Além do mais, tem outro motivo que eu acredito
que vá te incentivar a ir.

— E o que seria?

Antes de me responder, Dominic pegou seu celular,


que estava no bolso da calça, procurando algo, até chegar
em uma tela de uma conversa de WhatsApp. Virou o
aparelho para mim, e eu pude ler:

ROSSI:
Conseguimos. Tem um rim disponível para a Sra.
Cássia.

Quando ela pode ser internada para os exames


preliminares?

Levei uma mão à boca, chocada.

Não, não era possível... Era mesmo o que eu estava


pensando?

— Dominic... você...? — mal consegui terminar de


falar, tirando minhas próprias conclusões.

— Sei que você se preocupa com a procedência do


rim em questão, e eu não queria que viesse de algo sujo,
por isso demorou um pouco mais. Foi uma morte natural
de uma mulher mais ou menos da idade da sua mãe, e ela
era doadora. É o mais lícito que podemos chegar em uma
situação dessas, levando em consideração que estou
pagando por algo que deveria haver uma fila... Mas você
entendeu.

A mão que estava na minha boca foi parar no meu


peito, e eu sentia meu coração bater tão forte no peito, que
poderia jurar que iria romper as camadas de pele e explodir
à minha frente em mil pedacinhos.

— Meu Deus... — eu estava sem palavras. Não


sabia o que dizer, não sabia o que fazer com as mãos. Não
sabia nem como olhar para ele sem permitir que visse que
as lágrimas começavam a se formar em meus olhos,
grossas, pesadas.

Por quanto tempo esperei por aquele momento? Eu


sabia que não era da melhor forma possível, que havia
uma fila de gente esperando por um transplante, que
passaríamos na frente e, principalmente, que Dominic
pagaria por aquilo com dinheiro vindo de todo o tipo de
fonte, inclusive ilegais. Meu marido era um mafioso, um
fora da lei, mas, naquele momento, nada importou.

Minha mãe viveria. Ela ficaria bem.

Não consegui dizer nada, apenas me joguei em


cima do meu marido, chorando como uma criança,
abraçando-o e sentindo seus braços fortes me rodearem.

— Obrigada... obrigada, Dominic... Obrigada... — eu


ficaria repetindo aquelas palavras mil vezes, se necessário,
enquanto sua mão grande acariciava meu cabelo devagar.
Senti até um beijo na minha testa, que precedeu outro beijo
na boca, mas com sabor de despedida.

Foi um beijo lento, completamente diferente dos


outros que Dominic me dava. Tinha um quê de romantismo
que me surpreendeu.

Tanto que fiquei pensando na forma como me olhou


quando acenei adeus, entrando no carro e partindo. Ele
parecia um menino desamparado, e isso me causou um
leve incômodo dentro do meu peito.

Fiquei pensando nele durante absolutamente todo o


longo caminho para Los Angeles, mas assim que cheguei
em casa e pude abraçar minha mãe, que também já tinha a
notícia, esqueci de todo o resto. Choramos juntas e
comemoramos aquela vitória pela qual esperamos por
tanto tempo.

Acabei acompanhando-a em todo o processo dos


exames, cercada de soldados de Dominic, em uma ala
fechada do hospital só para nós. A operação aconteceria
assim também, e eu me sentia em uma fortaleza, mas
grata pelo que estava acontecendo.

Tudo correu da melhor forma possível; minha mãe


estava com tudo em ordem para ser operada. Dominic
ficou comigo em uma vídeo conferência na noite anterior,
me acalmando. Porque não conseguia dormir, ele também
nem pregou o olho e me acompanhou por horas e horas
durante a madrugada, tentando me fazer rir e até um sexo
incrível à distância, o que me deixou um pouco mais
relaxada.

Cheguei a cochilar um pouco, mas logo cedo


partimos para o hospital. Dei um beijo na minha mãe, antes
de ela entrar para a sala de cirurgia e fiquei na companhia
do meu pai.
Era até um pouco surpreendente que tivesse
decidido nos acompanhar, mas estava do meu lado,
parecendo bastante preocupado. Ficara mais do que claro
que ainda tinha sentimentos pela ex-esposa, e se fosse
para eles se acertarem, que acontecesse e que ambos
fossem felizes.

Não tinha muita intimidade com ele, nem sabia o


que conversar, mas queria deixar claro algumas coisas.

— Eu estou apaixonada por Dominic... — fui falando


meio sem freio, do nada, sem me explicar.

Era irônico que a primeira pessoa para quem eu


estava assumindo aquela nova verdade fosse o meu pai e
não o próprio alvo dos meus sentimentos. Isso iria
acontecer, eventualmente, mas não queria me confessar
por telefone ou vídeo conferência.

Queria estar cara a cara, olho no olho.

Não saberia dizer exatamente qual foi o momento


em que me dei conta disso, mas era real. Meu coração
sabia, reconhecia os sinais. Eu estava sentindo sua falta,
não apenas por uma questão sexual. Era muito mais do
que isso.

O diavolo me conquistara. Quem diria...

— Fico feliz por você, Deanna. De verdade.


Casamentos são... complicados. Mas podem ser bons.
Sempre achei, no fundo, que você combinava mais com
ele do que sua irmã.

Era doloroso pensar em Stefania, especialmente


sabendo que ela queria se casar com Dominic. Talvez
tivesse algum tipo de paixonite por ele – o que eu não
julgaria, levando em consideração o quão atraente e
charmoso o filho da mãe podia ser –, mas usurpei seu
lugar. Por mais que ela não estivesse mais entre nós, era
difícil pensar dessa forma.

— Talvez... Mas ainda não concordo com a forma


como as coisas aconteceram — falei, firme. — Foi uma
sorte imensa que a gente tenha se entendido, mas poderia
ser muito pior.

— Poderia. Eu sei que poderia.

Mas ele não ia pedir desculpas. Massimo Preterotti


não se humilhava daquele jeito.

Só que naquele momento não importava.


Precisávamos focar na minha mãe e em sua recuperação.

Quando o médico veio, horas e horas depois, nos


avisar que a operação tinha sido um sucesso, eu e meu pai
nos abraçamos, sem nos importar com as diferenças. E
quando eu me tranquei no banheiro, sozinha, para chorar,
pensando em tudo o que tinha acontecido até ali... comecei
a pensar que, talvez, eu até que fosse uma pessoa de
sorte.
Ao menos até aquele momento.
CAPÍTULO TRINTA E DOIS

Há algo perverso sob minha pele


Uísque, palavras e pecados desesperados
É uma fome que controla todas essas coisas
Morda meu pescoço e te deixarei entrar
WICKED LITTLE MONSTER – VEDA

Foram doze horas de voo, de Nova Iorque até a


Sicília, nossa terra natal, onde Luna Cipriano estava...

Bem, eu tinha várias palavras para definir o que eu


achava da situação da menina. Ela estava escondida,
confinada, aprisionada, protegida, guardada como uma
relíquia que só serviria para ser vendida a um bom preço a
um ótimo casamento. Enclausurada na lindíssima Abadia
de Monreale, ela fora privada de todas as coisas de seu
mundo. Tanto da máfia quanto de todo o resto.

Eu não era assim tão insensível para não me


compadecer da situação dela. Mas isso não seria suficiente
para deixar de fazer o que eu precisava fazer.
Fomos recebidos por uma das freiras que nos
encaminhou ao escritório da Madre Superiora. Tudo fora
preparado para parecer legítimo; uma missiva com o papel
timbrado de Pietro, além de sua assinatura falsificada por
um especialista. Conseguimos tudo em uma velocidade
recorde, porque não havia tempo a ser perdido.

O documento era quase uma procuração, dando


poder a Alessio, noivo oficial de Luna, para tirá-la do
convento e levá-la para casa. Só que isso não era
inteiramente verdade.

Sentados de frente à mesa da madre, eu e Alessio


esperávamos que ela chegasse. Meu companheiro de
jornada estava nervoso, e suas pernas não paravam de
balançar.

— Eu ainda acho que não sou a pessoa indicada


para ficar com a garota. Sou coração mole — ele
comentou.

— Por isso é a melhor escolha. Não vai assustá-la.

— Como não, Dominic? Ela está prometida a mim.


Vamos ficar sozinhos por não sei quanto tempo. O que
espera? Que uma garota que viveu a vida inteira confinada
em um lugar como este, sem nenhum contato com homens
e longe da maldade do mundo comece a viver uma vida de
casinha comigo?
— Se mantiver suas mãos longe dela, acredito que
as coisas possam dar mais certo — afirmei em um tom que
não dava margens para contestações.

— Eu nunca nem vi a menina, Dom.

— Como não? Ela estava no meu casamento.

— Não olhei para ela. Não tive coragem. Já sabia


que estavam negociando nossa união.

— Isso é ridículo — disse, com uma risadinha


cínica.

— Não, não é. Não fui feito para nada disso. Essa


coisa de compromisso... Não conseguiria me imaginar no
comando, no poder de algo. Não consigo me imaginar
assinando um contrato com outra pessoa para ser fiel até
que a morte nos separe. Uma única mulher, que eu mal
conheço e que, até onde sei, é uma coisinha intocada e
que vai morrer de medo de mim.

— Não sabemos se vai ser assim. Eu me surpreendi


no final das contas.

— Porque Deanna é diferente. Vocês dois


claramente foram feitos um para o outro.

Não consegui responder a Alessio, porque a porta


foi aberta, e nós dois vimos uma mulher de meia-idade,
com um sorriso no rosto e uma aparência cálida entrar na
sala, sendo acompanhada por uma mais jovem, que a
conduziu e saiu quase que imediatamente.

Eu e meu cunhado beijamos a mão da madre, que


se sentou à nossa frente, analisando o documento com
atenção.

— Perdoem a demora, mas eu estava telefonando


para o sr. Cipriano, para confirmar o que disseram.

Engoli em seco e respirei fundo, porque sabíamos


que esta parte poderia nos prejudicar, mas tínhamos uma
pessoa infiltrada na Flórida, que aparentemente fez seu
trabalho. O telefone de Pietro fora clonado, e alguém fora
pago para imitar sua voz com perfeição, embora,
provavelmente, nem precisássemos desse cuidado, já que
a mulher sem dúvidas não falava com ele o suficiente para
chegar a esses termos.

— Ele confirmou o que disseram, então já estamos


liberando a menina. Precisam ter um pouco de paciência,
porque foi inesperado, e ela não tinha nada arrumado.

— Não estamos com tanta pressa assim. — Abri um


sorriso para a mulher, tentando parecer o mais amigável
possível. Claramente a madre não sabia quem éramos. Ou
talvez soubesse, mas nos tratava com simpatia suficiente
para que eu me sentisse até mal de estar diante de uma
pessoa tão santa, sendo quem eu era.
— Peço, também, que tenham cuidado com ela.
Luna é uma moça muito sensível. Generosa, bondosa, está
sempre se anulando para cuidar dos outros. Precisa ser
protegida, mas é muito forte e sincera. Ela não tem muita
experiência com homens, e eu sei que será sua esposa,
senhor Preterotti, por isso imploro que cuide bem dela. A
menina se tornou muito preciosa para nós, e até tínhamos
esperança de que fosse ficar, porque nos confidenciou que
seu sonho era se tornar noviça.

Alessio olhou para mim com uma expressão de


desespero que eu poderia jurar que seria notada pela
madre.

Ainda assim, eu tentei contornar o assunto, falando


sobre a ideia de uma doação para a abadia, o que
obviamente rendeu uma conversa mais leve, sobre as
obras de caridade que eles organizavam. Alessio ficou
calado o tempo inteiro, esfregando uma mão na outra,
parecendo extremamente nervoso. O rapaz leve e
confiante que conheci tinha literalmente desaparecido.

Esperamos mais ou menos por duas horas, até que


alguém bateu na porta.

À frente conseguimos ver aquela mesma moça que


acompanhou a madre, com os olhos um pouco vermelhos,
de chorar. Em seguida, uma garota muito baixinha, com
longos cabelos castanhos-escuros, cheios de ondas
esparsas, surgiu, ainda de cabeça baixa. Seus ombros
tremiam um pouco, e ela claramente estava chorando.

Não conseguíamos ver seu rosto, nem mesmo


quando parou próxima à mesa da madre, como uma
estátua, cabeça baixa.

A outra moça deu um beijo na cabeça de Luna e


saiu, fechando a porta.

— Aqui está nossa principessa. Luna, querida, estes


dois rapazes vieram a mando de seu pai. Um deles é o seu
noivo.

A garota continuou de cabeça baixa, sem dizer


nada, por alguns instantes, mas talvez a curiosidade a
tivesse vencido, porque ergueu os olhos, devagar, e seus
cabelos castanhos se abriram como uma cortina, revelando
o rosto.

Para ser sincero, em nossa festa de casamento eu


também não tinha olhado direito para a moça, mas era
inegável a surpresa.

Ela era... linda.

Olhos castanhos, grandes e expressivos, cílios


enormes, lábios cheios, uma pintinha na maçã do rosto.
Uma belíssima moça, com um jeitinho inocente e
assustado.
Olhei para Alessio, ao meu lado, e ele estava
boquiaberto, chegando até a se levantar da cadeira.
Impressionado, sem dúvidas. Talvez não esperasse que
sua noiva fosse uma moça tão bonita.

O problema era que isso se tornava extremamente


perigoso. Duas pessoas atraentes, uma menina sem
nenhuma experiência... eles ficariam sozinhos em uma
ilha, na Escócia, onde tínhamos alugado uma casa bonita e
confortável.

Respirei fundo, esperando acalmar meus nervos.


Aquela merda ia dar errado. Errado pra caralho.

Todas as noviças e freiras abraçaram Luna com


muito carinho. Estava mais do que claro o quanto todos a
amavam dentro daquele lugar. Choravam, desejavam uma
vida maravilhosa e pediam que as visitasse.

Quando colocamos a menina no carro, no banco de


trás, com seu cinto de segurança, eu fiquei observando-a.

Alessio estava ao seu lado e não conseguia parar


de olhar para ela, mas a menina voltou os olhos para a
janela, engolindo o choro, embora algumas lágrimas ainda
escapassem. Apesar de estar visivelmente abalada, não
abaixou mais a cabeça.

Ponto para ela.

— Vamos fazer uma viagem, ok, Srta. Cipriano? —


informei, tentando usar de toda cortesia possível.
— Sim, senhor — uma vozinha baixa e doce
respondeu.

Continuei observando-a pelo espelho retrovisor. A


menina remexeu as mãos, abaixando a cabeça por alguns
instantes, mas logo a ergueu, finalmente olhando para nós.

— Por que meu pai não veio me buscar? Por que


mandou vocês? — Ela tinha uma voz melodiosa, suave,
embora embargada pelo choro.

— Ele quer que você e Alessio se conheçam por um


tempo. — A mentira fora ensaiada, mas eu poderia jurar
que não iria colar. Talvez estivesse acostumado com
Deanna, que contestava tudo e questionava as coisas, mas
Luna apenas assentiu, aceitando a explicação.

Ela tinha algum tipo de confiança nas pessoas, o


que me deixou levemente incomodado.

Não lhe faríamos mal, mas iríamos usá-la como


isca. Faríamos de tudo para que ela não percebesse nada
disso. Com sorte, poderia ser devolvida ao seu convento,
como parecia querer, e nem precisaria se casar com
Alessio. Eu mesmo me certificaria de que continuaria lá,
servindo a Deus como desejava e que tivesse tudo o que
pudesse.

Tomamos imediatamente o caminho para o


aeroporto, e pegamos um jatinho para viajarmos para a
Escócia. A jovem Luna não fez perguntas, apenas seguiu
tudo o que a informamos a fazer, e, no avião, flagrei
Alessio cobrindo-a com uma manta quando dormiu
encolhida usando três poltronas, exausta.

Ninguém poderia negar que ele era um cavalheiro,


ao menos, embora nenhum dos dois tivesse dito
absolutamente nada.

Já estávamos em umas três horas de voo, das sete


que pegaríamos, quando meu telefone tocou. Na tela, o
nome de Pietro piscava, e eu olhei para Alessio, que
estava ao meu lado tomando uma dose de uísque. Meu
cunhado se empertigou imediatamente, e eu coloquei a
chamada em viva-voz, mas bem baixo, porque não queria
que Luna ouvisse, embora estivéssemos em cabines
diferentes.

— Seus desgraçados, onde está a minha filha? —


foi o que ele falou primeiro.

Não imaginávamos que ele fosse descobrir tão


rápido sobre estarmos com Luna, mas isso só iria acelerar
as coisas.

— Segura. Não vamos fazer mal a ela, Pietro.


Temos intenção de mantê-la em nosso poder por algum
tempo e, assim, garantir que você pare de ameaçar minha
esposa.

— Do que está falando, moleque? — Não havia


segurança nenhuma em sua voz. Ele estava mentindo.
— Não negue. Temos fontes e sabemos a verdade.
Sua filha está conosco. Ao menos por ela seja homem.

Pietro ficou calado por alguns instantes, mas eu


podia sentir a tensão do outro lado da linha. Fora um
movimento inesperado nosso, envolver a moça, mas
certamente arriscado.

— Vocês vão se arrepender. Escrevam o que estou


dizendo...

Com isso, ele desligou, e eu e Alessio nos


entreolhamos, temendo as consequências, mas decididos
a irmos até o fim.
CAPÍTULO TRINTA E TRÊS

Você e eu poderíamos governar dentro de um lugar


de ouro
Revivendo todos os nossos déjà vus
Eu simplesmente não consigo olhar para trás,
para dentro do meu coração
Porque você me viu me afogar em um mar de facas
E me viu fingir que estava tudo bem
VILLAINS – TEZATALKS

Sentindo-me exausta, entrei em casa, depois de


passar dois dias direto no hospital, pronta para tomar um
banho, tocar de roupa e dormir um pouco em uma cama.
Minha mãe estava internada há quase uma semana, e
havia um revezamento para cuidar dela. Até mesmo meu
pai não queria sair de perto, mas ele deixara cuidadoras de
plantão para quando precisássemos nos ausentar.

Eu já poderia ter voltado antes para casa, mas


preferi ficar por lá, sempre acompanhada de soldados,
porque Dominic surtaria se soubesse que eu estava
sozinha ou pouco protegida.
Por falar no meu marido, tudo o que eu precisei foi
sair do banho, enrolada em uma toalha, para ouvir meu
telefone tocar.

Corri para atender, e precisava admitir que ouvir a


voz dele sempre era um deleite.

Daquela vez, porém, ele parecia um pouco mais


reticente, então tentei animá-lo um pouco.

— Parece que você farejou. Acabei de sair do


banho.

— Nua e molhada?

— Hum-hum — respondi em um murmúrio, com a


voz rouca, enquanto me vestia.

— Talvez eu deva ir para Los Angeles...

Isso somado à sua voz sexy fez meu estômago


revirar. Mas não era apenas desejo. Era saudade. De
verdade.

— Você pode? — Senti como se fosse uma


garotinha animada com a possibilidade de um presente de
Natal. Em qualquer outra situação ficaria envergonhada por
meu rompante adolescente, mas não importou naquele
momento.

Estava cansada de joguinhos com Dominic. Já


tínhamos estabelecido a certeza de que nos apaixonamos
um pelo outro, então a melhor saída era aceitar.
— Não, amor. Não posso — ele falou em um tom de
voz lamentoso. — Estou na Escócia.

— O que está fazendo aí?

— Estamos com Luna. Acabamos de pousar.

Fiquei calada por algum tempo, porque sabia o que


aquilo significava. Ou o que poderia significar dali em
diante.

Guerra.

— Como ela está?

— Apagada. Alessio a tirou do avião e a carregou;


nem mesmo assim acordou. Não sei se foi a tensão,
porque a menina não parava de chorar por ser levada do
convento. Aparentemente queria ficar lá.

— É tudo o que ela conhece. — Fiz uma pausa,


suspirando, terminando de colocar a calça de moletom com
a qual iria tirar um cochilo. — Tratem a menina bem, por
favor.

— Não temos a menor intenção de lhe fazer mal.

— Sei que não. Confio em vocês.

Esta era a maior prova que eu poderia lhe dar; dizer


que confiava nos dois, mesmo depois de tudo o que tinha
acontecido comigo.
Senti Dominic suspirar do outro lado da linha, o que
me derrotou.

— Mi manchi, leonessa. Molto. — Normalmente nós


conversávamos em inglês. Apesar de eu ser fluente em
italiano, morávamos em Nova Iorque e acabávamos
falando a língua do país, principalmente porque Dominic
vivera lá por quase toda a sua vida. Ainda assim, eu não
poderia negar que era muito excitante ouvi-lo falando
daquele jeito que sentia muito a minha falta. Romântico.

— Anch’io. — “Eu também”, respondi.

Quando desligamos o telefone, eu me deitei na


cama, pronta para tirar um cochilo. Esperava não dormir
muito, porque queria aproveitar o resto do dia para
escrever um pouco o meu TCC. Como havia uma
cuidadora no hospital que era muito dedicada e com quem
minha mãe se dava muito bem, eu ficaria tranquila até o
dia seguinte.

Ainda eram nove da manhã, então meu plano era


apagar até o almoço e passar a tarde toda trabalhando.

Cheguei a pegar no sono, mas ouvi uma


movimentação na casa. Meu sono estava frágil e leve, em
alerta, porque me acostumei a dormir no hospital, então fui
acordada.

Ouvi a voz do meu irmão, no telefone. Ele


provavelmente não sabia que não estava sozinho em casa
– com exceção dos funcionários –, por isso parecia falar
mais do que eu tinha escutado em muito tempo. Ele falava
em italiano o tempo todo, e eu tinha a impressão de que
era para que os empregados não ouvissem.

Aliás, essa era uma particularidade que meu pai


fizera questão de frisar. Todas as pessoas que trabalhavam
em sua casa falavam apenas inglês, exatamente porque
quando ele precisava conversar sobre algo que não queria
que ninguém soubesse, usava o italiano.

Era, sem dúvidas, o que Enrico estava fazendo sem


saber que eu estava presente.

— Eu me atrasei um pouco, mas estou saindo. —


Não queria fofocar, mas foi impossível não ouvir. — Não
vou esquecer, Sienna. Vou pegar antes de ir para aí.

Sienna?

Mas que diabos...

Só podia ser outra. Não era possível que se tratasse


de Sienna Esposito, que fora mencionada para mim
anteriormente, mas que... estava morta.

Meu irmão não poderia estar falando com um


fantasma. Poderia?

Ele falou mais alguma coisa, e eu pulei da cama,


tentando fazer o mínimo de barulho possível, seguindo-o e
vendo-o seguir para a garagem da casa, pela janela.
Destravou o carro, fez menção de entrar atrás do volante,
mas parou e voltou.

Desci as escadas, tentando ser o máximo silenciosa


possível e o vi entrando no lavabo do primeiro andar. Isso
me deu a chance que eu precisava de correr para a
garagem, escondida de todos, abrindo a porta de seu
carro, que ele tinha destrancado mas não travado
novamente, e entrar. Fiquei encolhida no chão, no banco
de trás, esperando não ser vista. Na pressa, nem peguei
celular e nem me troquei.

Quando Enrico voltou, torci para que não reparasse


em mim, mas ele estava completamente focado, porque
saiu, sem nenhum segurança, deixando os vidros do carro
todos fechados, colocando óculos escuros e com o cabelo
preso em um rabo de cavalo.

Fiquei com medo de fazer algum barulho, de


precisar tossir ou de esbarrar em algo, então permaneci
completamente parada. O carro do meu irmão era muito
espaçoso, e eu era bem pequena, o que facilitou e muito,
mas, ainda assim, foi completamente desconfortável,
principalmente porque o trajeto demorou mais do que uma
hora, sem dúvidas.

Enrico parou no acostamento, próximo a um


mercadinho de estrada e saltou. Foi o tempo que tive para
me esticar e me remexer, mas ele não demorou muito,
pegando a estrada.
Era uma parte mais erma, e eu vi a placa de
Running Springs, o que realmente nos colocava um pouco
longe de casa. Fomos mais longe ainda, chegando a uma
região arborizada e passamos por um lago. Isso eu
conseguia ver através do vidro traseiro do carro,
completamente encolhida, atrás do banco. Paramos de
frente para uma cabana quase romântica, toda de madeira,
e foi lá que Enrico parou, estacionamento de verdade.

Para a minha sorte, ele não travou o carro. Não


demorei a entender que fizera isso porque estávamos
dentro de uma propriedade privada.

Esperei um pouco e consegui abrir a porta, saltando


devagar e me esgueirando, como se fosse uma espiã,
direto até a janela mais próxima, cujas cortinas estavam
entreabertas.

Pela pequena fresta, tudo o que consegui enxergar


foram mechas de um cabelo muito longo e pesado, em um
tom de vermelho muito peculiar.

Sienna era ruiva, não era? Aquela mulher no evento


dissera.

Meu Deus... meu irmão estava escondendo uma


traidora.

Também não conseguia esquecer o que fora dito


naquele dia, que Enrico era muito apaixonado pela moça.

O que estava acontecendo?


Fiquei tentando ver mais alguma coisa, mas saí
correndo para o carro quando percebi que Enrico estava
retornando.

Lutei a fim de voltar para a mesma posição, levando


em consideração que minha coluna estava destruída, mas
me joguei do jeito que estava, porque Enrico começou a
dirigir novamente.

Consegui permanecer incógnita por uns dez


minutos, até que meu irmão provavelmente reparou
alguma movimentação e parou no acostamento.

Uma arma foi apontada para mim, e eu ergui as


mãos em rendição.

— Calma, Rico, sou eu! Sou eu! — gritei,


desesperada, e eu o vi franzindo o cenho.

— Deanna? Cazzo Minchia! — ele xingou um


caralho, sem abaixar a arma. Seria possível que estivesse
desconfiado de mim? — O que diabos está fazendo aqui?

— Eu que deveria perguntar isso. O que diabos está


fazendo com Sienna Esposito?

— Isto não é da sua conta! — Enrico praticamente


rosnou. — Está espionando para Dominic?

— É claro que não! Se Dominic souber disso você


está morto. Ou pior... ele mataria a ela!
— Gostaria de vê-lo tentar — meu irmão novamente
rosnou, com um senso de proteção muito aguçado.

— Não vou contar a ninguém, Enrico, contanto que


me explique exatamente o que aconteceu. Por que você
está com ela?

— Já disse que não é da sua conta. Eu vou te levar


para casa, e você vai ficar quieta.

— Só fico quieta se me disser. Caso contrário vou


achar que está traindo o meu marido, então não vou poder
me calar — afirmei muito séria, enfrentando-o. Olhos nos
olhos. Cara a cara.

A respiração de Enrico foi ficando mais e mais


acelerada, até que ele soltou um grunhido de frustração,
abaixando a arma.

— Você está de pijama, Deanna! Como eu posso


não ter te visto a viagem inteira?

— Talvez estivesse distraído. E se está escondendo


uma traidora neste fim de mundo, deveria ficar um pouco
mais atento.

— Ela. Não. É. Uma. Traidora — ele respondeu com


pausas, por entre os dentes, mas com tanta convicção que
eu cheguei a me sobressaltar. — Quer conversar, Deanna?
Vamos conversar, mas vai ter que me ouvir e tentar
entender.
Enrico se voltou para frente, para começar a dirigir,
mas foi neste exato momento que percebemos que o carro
estava cercado.

Ele voltou a segurar sua arma, mas, com um rápido


movimento, a porta do meu lado foi aberta, e eu fui
arrancada do carro.

Não consegui ver mais nada, porque levei uma


pancada na cabeça que me apagou, me carregando à
escuridão.
CAPÍTULO TRINTA E QUATRO

Ele disse: não faça isso


Me perdoe
Ele está me implorando por misericórdia
Olhei nos olhos dele
Deu-lhe um sorriso torto
Acabei com sua angústia
E agora tem
Sangue, sangue, sangue na água
BlOOD IN THE WATER – JOANA JONES AS THE DAME

Acordei já sentindo os meus movimentos limitados.


Mãos e tornozelos atados. Havia um pano na minha boca,
impedindo-me de falar. Quando abri os olhos, demorei a
conseguir enxergar ao meu redor, porque foi difícil me
acostumar com a luz.

Precisei piscar algumas vezes até conseguir,


finalmente, ver alguma coisa.

Enrico estava ao meu lado. Sem camisa, com as


mãos presas para trás, em uma coluna, alguns ferimentos
espalhados pelo peito. Os cabelos tinham sido soltos e
caíam em seus olhos, fechando-se em frente ao seu rosto
como uma cortina. Sua cabeça estava baixa, mas eu
conseguia enxergar sua respiração.

Pensei que estivesse desmaiado, mas ouvi passos


se aproximando e no momento em que um homem
desconhecido colocou uma das mãos no meu ombro,
puxando-me sem nenhuma delicadeza para me fazer
sentar, a voz do meu irmão soou, nada paciente:

— Vai se arrepender se colocar as mãos nela.

Foi tudo o que ele disse, mas soava ofegante,


rouco.

Minhas mãos foram soltas só para serem presas


novamente ao estrado da cama velha, de ferro, e eu me
sentia tremer. Não sabia o que poderiam fazer comigo,
especialmente se fossem enviados de Pietro Cipriano; se
já soubessem que a jovem Luna tinha sido sequestrada.

— Não vamos machucar sua irmã, mas podemos,


caso ela não se comporte. Já sabemos como é — o
homem falou em inglês, com um forte sotaque, mas não
italiano. Russo, talvez.

O que era bastante preocupante. Até onde eu sabia,


a máfia italiana e a máfia russa não eram exatamente
amigas de longa data.
— O que quer que tenham que fazer com ela, façam
comigo — Enrico novamente falou, o que me surpreendeu.
Não esperava um tom tão protetor, muito menos uma
oferta de sacrifício em meu lugar.

Ele era meu irmão, afinal. Não tínhamos uma


grande proximidade, não éramos amigos, e eu poderia
dizer com segurança que não o conhecia tanto quanto
deveria ou gostaria, mas Enrico estava segurando a minha
mão quando menos esperei.

Eu não queria que ele se machucasse.

— Isso será um prazer, ragazzo — ele usou o


italiano de forma desdenhosa, porque claramente não era
sua língua natal.

Um dos homens que estava próximo de mim


caminhou até Enrico e lhe deu alguns socos covardes,
principalmente no estômago. Gritei por trás da mordaça,
ouvindo minha voz soar abafada. Tentei me debater,
aproveitando que eram cordas a me prender, esperando
que pudessem ceder, mas tudo o que consegui foi sentir
meus punhos serem machucados.

Fiquei observando Enrico, e ele sequer gritou,


sequer reclamou. Quando levou um soco no rosto, apenas
o inclinou para o lado por um tempo, voltando-se
novamente para o agressor, olhando-o nos olhos com um
misto de indiferença e selvageria que era muito incoerente,
mas que fazia sentido quando se tratava dele.
Meu irmão era imune a tudo, aparentemente. Isso
me assustava. Muito.

— É forte, não é, ragazzo? Corajoso. Vamos ver se


é mesmo...

Tentei fechar os olhos para não ver, mas logo o som


de corrente elétrica me obrigou a ver o que estava
acontecendo. Isso e o cheiro de queimado que pairou no
ar.

Eles deram um choque no peito de Enrico. Eu o vi


fechar os olhos, apertados, e cerrar o maxilar, mas nada
mais do que isso.

Novamente seu olhar vítreo se voltou para o homem


que o torturava, com um ar de desafio, com uma
promessa.

Havia algo de muito obscuro dentro de Enrico. Algo


que fora provocado de uma forma que eu não conseguia
imaginar qual era. Meu irmão escondia segredos, e claro
que Sienna era um deles, como vim a descobrir pouco
tempo antes, mas poderia jurar que não era o único.

Meu irmão era feito de sombras. Eu quase podia


imaginá-lo se desintegrando e deixando uma trilha de
cinzas para trás.

— Acho que seria melhor você pensar um pouco no


seu comportamento. Seja bonzinho ou a próxima a se
machucar vai ser a bela irmãzinha. Seja prudente.
O torturador de Enrico foi saindo, fazendo um sinal
para seu comparsa, deixando a sala onde estávamos, que
parecia demais com um galpão. Um muito parecido com
aquele onde testemunhei a violência contra o inimigo.

Eu não podia lhe dizer nada, mas murmurei o nome


do meu irmão por trás da mordaça, e ele olhou para mim.
Havia novos ferimentos em seu rosto bonito, além de em
seu corpo, principalmente em seu peito musculoso, que
subia e descia, respirando com dificuldade.

— Deanna? — ele me chamou, e assim que fez


isso, cuspiu no chão, manchando-o de vermelho. Então
começou a falar em italiano: — Por favor, me ouça. Eu vou
te tirar daqui. Ninguém vai fazer nada com você, porque
não vou deixar. Só te peço que, quando escapar, se eu não
conseguir ir com você, se não sair com vida, não a deixe
desamparada. — Não precisava ser um gênio para saber
de quem ele estava falando. Só não queria mencionar seu
nome, porque obviamente temia que alguém estivesse nos
ouvindo. — Ninguém mais sabe que ela está ali, porque
não confio em ninguém. Não a traia. Ela já passou por
coisas de mais.

Respirei fundo, observando-o e finalmente


enxergando algum tipo de sentimento em suas expressões.

A mulher naquele evento estava errada. Enrico não


era simplesmente apaixonado por Sienna. Ele a amava.
Desesperadamente. A ponto de a menção a ela ser a única
coisa que o desestabilizava.

Se ele a amava tanto, o que mais eu poderia fazer


além de assentir e concordar em ajudar a garota?

— Ótimo. Vou confiar em você. Vai confiar em mim?

Eu queria. Novamente, ele era meu irmão,


provavelmente uma das pessoas em quem eu mais deveria
confiar na vida. Só que não se tratava disso. Estávamos os
dois presos, Enrico fora machucado, e era muito
complicado ter esperanças de que conseguiria me ajudar –
ou nos ajudar – naquele cenário caótico.

Fosse como fosse, ele era a melhor chance que eu


tinha. Era treinado para se defender, para atacar e pela
forma como respondia à tortura, havia um espírito de luta
muito forte dentro de seu corpo.

Novamente balancei a cabeça, concordando.

— Vou precisar de sua ajuda. Assim que voltarem,


faça com que tirem sua mordaça para que possa dizer que
está com sede. Peça um copo de água, e eu vou fazer o
mesmo. O cara que me agrediu não é quem vai ficar
conosco. Já ouvi uma conversa entre eles, quando
acharam que eu estava desacordado. Tenho um plano em
mente — ele falava com muita convicção, o que começou a
fazer um lampejo de esperança nascer dentro do meu
peito.
Era perigoso, porque eu sabia que só com muita
sorte conseguiríamos sair dali.

A não ser que este não fosse seu plano, mas


alguma outra coisa. Enrico parecia saber o que estava
falando, e eu tinha prometido que iria confiar.

O que mais me restava, afinal?


CAPÍTULO TRINTA E CINCO

Acho que vou sentar e assistir enquanto você é destruído


Vou torcer a faca e deixá-lo com uma dor terrível
E eu não vou piscar, não vou me agitar
Porque, baby, eu sou uma cobra
SNAKE – HALFLIVES

Fazia um dia que estávamos na Escócia, e eu


precisava ir embora. Deixar Alessio com a menina poderia
ser uma péssima ideia, mas eu tinha coisas a resolver.
Uma delas, principalmente, era ir ver minha esposa.
Dependendo dos movimentos de Pietro, eu poderia levá-la
para casa. Isso era tudo o que eu queria.

A menina ainda parecia um bichinho acuado. Desde


o carro, pouco ouvimos a voz dela, porque tudo que lhe
perguntávamos recebia respostas que eram nada mais que
murmúrios e balançares de cabeça.

Eu precisava dar a mão à palmatória e admitir que


Alessio tinha uma paciência invejável. Ele a tratava com
gentileza, cuidado e calma, tentando conversar mesmo
quando eu, por exemplo, não conseguia mais. Aos poucos
eu via claramente que Luna ia, ao menos, olhando para
ele. Chegou até a abrir um sorriso tímido e muito discreto,
o que poderia ser preocupante, principalmente porque
corava a cada momento que olhava para ele.

Mas não era minha responsabilidade.

Eu estava olhando para a janela, observando uma


chuva fina que caía, tomando uma caneca imensa de café,
sentindo-me um pouco incomodado com o fato de Deanna
não ter me ligado e nem enviado mensagens. Tentei falar
com ela, mas também não consegui.

Ela estava segura. Na casa do pai. Eu precisava


focar nisso.

Só que já estava pensando a mesma coisa há horas


e ainda não tinha me convencido.

Quando, porém, recebi uma mensagem de Pietro


Cipriano, meu coração errou uma batida, porque uma
sensação ruim me acometeu.

E provavelmente eu deveria passar a confiar mais


na minha intuição, porque o que recebi foi um vídeo, com
imagens de Deanna, com punhos e tornozelos amarrados
em uma cama, uma mordaça na boca, dormindo com os
cabelos loiros espalhados por um colchão sem travesseiro.

— Já disse para não tocar nela! — uma voz


masculina falava por entre dentes, então a câmera deslizou
para o lado, e eu vi Enrico, todo machucado, também
preso, suado e parecendo muito feroz ao tentar defender a
irmã.

A câmera ficava toda escura, o que indicava que o


vídeo tinha terminado ali, com apenas dez segundos.

Sob ele, uma mensagem:

PIETRO:

Uma troca justa, não acha?

Minha filha por sua esposa.

Um misto de raiva com desespero começou a se


avolumar dentro de mim. Como diabos ele conseguiu
colocar as mãos em Deanna? O que tinha acontecido para
ela estar desprotegida? O que Enrico estava fazendo ali,
com ela?

Comecei a tremer como louco e a respirar de forma


incerta, e um rosnado – ou talvez um grito animalesco –
escapou da minha garganta, o que trouxe Alessio
correndo. Luna veio em seu encalço e foi a primeira vez
que eu vi a menina demonstrar algum tipo de emoção que
não fosse medo ou timidez.

— Que foi, homem? O que aconteceu?


Irritado, não consegui pensar. Minha primeira reação
foi apontar e partir na direção de Luna. Claro que eu não ia
machucar a menina, mas, no momento, ela era filha do
homem que sequestrara minha esposa e poderia me
proporcionar informações.

Ou ao menos isso era o que minha mente insana e


abalada pela situação dizia, porque, no fundo, eu sabia
que a moça não sabia absolutamente nada sobre o pai.

Antes que eu pudesse chegar nela, Alessio colocou-


se à sua frente, de forma protetora.

— Acalme-se, Dominic! Não vá fazer uma besteira!

Olhando para os dois, vi a moça agarrar-se à


camisa de Alessio, escondendo-se atrás do rapaz que era
muito maior do que ela.

— Preciso falar com você. A sós — afirmei para


Alessio, acreditando que seria uma boa ideia afastar Luna
dali. Novamente, eu não pretendia fazer-lhe mal, mas com
a cabeça zonza como estava, acabaria facilmente falando
coisas que não deveria falar, revelando a ela coisas que
não poderia.

Com aquele seu jeitinho paciente e cavalheiresco,


Alessio voltou-se para a garota, que ainda estava
assustada com o meu rompante, e sussurrou algo para ela
que a fez girar e sair correndo em direção às escadas.
Tentei esperar que ela desaparecesse e se
trancasse no quarto que lhe designamos naquela casa, até
simplesmente soltar, sem preparação nenhuma:

— Pietro está com Deanna.

— O QUÊ?

— E de alguma forma, que não sei como, também


conseguiu pegar Enrico.

— Puta que pariu!

Eu tinha a mesma reação, porque conhecia Enrico e


sabia que de nós três, ele era o mais bem treinado e que
dificilmente seria pego em uma emboscada como aquela.
Por mais que ninguém soubesse disso e que sua
aparência dissesse o contrário, podia ser o mais violento e
o mais frio na hora de matar, principalmente para se
defender.

Se ele se deixara ser pego fora para manter Deanna


segura, o que eu precisaria, sem dúvidas, agradecer.

— Como isso foi acontecer, Dominic? Nós


colocamos vários homens guardando a casa. Deanna não
saía sozinha nem ficava sozinha no hospital!

— Eu não sei. Falei com ela ontem, parecia tudo


bem.

Alessio pegou o celular e começou a telefonar para


alguém. Logo estava falando em italiano e chamando a
pessoa do outro lado da linha de papà. Aparentemente,
pelo que pude entender da conversa, Massimo também
não sabia de nada.

Completamente inconsciente dos meus atos, dei um


soco na mesa à minha frente.

— Eu sabia que não era uma boa ideia deixá-la com


vocês. Se estivesse em Nova Iorque, com os meus
homens... — Era só uma tentativa idiota de colocar a culpa
em alguém, porque eu sabia que poderia ser até pior se ela
não estivesse com o irmão.

— Dom, o fato de ela estar com Enrico é um pouco


mais reconfortante. Ele vai cuidar dela...

Olhei com atenção para Alessio e inclinei a cabeça


para o lado, com o cenho franzido. Poderia jurar que havia
uma expressão assassina nos meus olhos, porque, de fato,
eu estava disposto a matar qualquer um naquele momento.

Dei alguns passos à frente para me aproximar do


meu cunhado, pensando que ele era uma criança que
acreditava em qualquer doce ilusão. Meus punhos
cerraram com a vontade enorme que senti de lhe dar um
soco.

— Eu cuido da minha esposa. É melhor que a gente


consiga dar um jeito nessa merda o quanto antes, ou
vamos ter que usar a carta que temos.
Eu ia me afastar, mas a mão de Alessio se fechou
no meu punho, impedindo-me de sair dali imediatamente.

— Não vai fazer mal a Luna, Dominic. Não vou


permitir.

— Não, não vou. Mas o pai dela não precisa saber.

Ao dizer isso, afastei-me, porque precisava de um


pouco de privacidade para pensar.

Eu podia sentir o desejo de violência crescendo


dentro de mim. Minha missão a partir daquele momento
era matar, com os mais detalhados requintes de crueldade,
cada um que tivesse colocado as mãos em Deanna.
CAPÍTULO TRINTA E SEIS

Eu vejo as nuvens, elas estão se movimentando


Elas escondem o sol, mas não o meu pecado
O beijo de Judas ainda está em meus lábios
Você não pode estar muito longe
Oh, então ouça o chamado
THE CALLING – THE RIGS

Eu não fazia ideia de há quantas horas estávamos


ali, muito menos quanto tempo se passou desde que
alguém apareceu para ao menos me deixar ir ao banheiro.
Pedi, implorei por água, exatamente como Enrico me
instruíra, no momento em que tiraram a minha mordaça,
mas não fui atendida.

Quando a porta se abriu novamente, quem entrou,


trazendo uma bandeja com pão e água, foi o capanga mais
magrinho, que era um pouco menos ignorante. Não fora
ele que torturara meu irmão.

Lancei um olhar para Enrico, que tinha sido


amarrado com os punhos para o alto, de pé,
provavelmente em outra forma de tortura para que ficasse
com o corpo mais dolorido, e ele fez um meneio discreto de
cabeça para mim.

— Por favor, senhor... — comecei a falar, tentando


lutar contra a secura da minha boca. — Meu irmão está
com sede também. Pode pegar um pouco de água para
ele? — tentei usar de toda humildade possível.

— As ordens foram para dar comida e água para


você, moça. Não posso me ferrar por isso.

— Por favor, ninguém vai saber. Ou, pelo menos,


um pão para ele. Vai morrer se não comer e não beber
nada.

O homem olhou para mim, olhou para Enrico, e


provavelmente tomou uma decisão, porque pousou o copo
de vidro com o qual estava me dando água em um
banquinho de madeira do lado da cama e saiu. Não
sabíamos se ia voltar, mas assim que ele fechou a porta,
Enrico começou a falar:

— Quebre o copo, Deanna. Empurre-o para o chão.

— Ele vai ouvir! — murmurei o mais baixo que pude.

— A porta e as paredes são grossas demais. Tente


ser o máximo discreta possível.

Fiz o que ele mandou, revirando-me na cama e


usando o ombro para empurrar o pequeno copo para o
chão.

— Chute os cacos para mim.

Novamente atendi ao seu pedido. O primeiro chute


que dei não chegou nem perto, mas o segundo caiu muito
próximo ao pé de Enrico.

Ele agiu tão rápido que fiquei observando-o


hipnotizada.

Tateou o chão, ferindo os pés, mas nem se


importando com isso, segurando o caco maior por entre os
dedos. Com uma força impressionante no abdômen,
ergueu as pernas até o máximo que conseguiu, como um
ginasta, conseguindo levar o pedaço de vidro até suas
mãos.

Era impressionante, mas... o que eu sabia de


Enrico? Já imaginava que era treinado para muitas coisas,
então só precisava acreditar que encontraria um jeito de
nos tirar dali.

Com o caco, começou a cortar as cordas que o


prendiam. Também machucava as mãos, mas não parecia
muito preocupado com isso. Seus olhos frios e sombrios
não saíam da porta, e eu também comecei a ficar de
guarda, ao mesmo tempo em que também tentava caçar o
vidro que restara no chão para também me soltar, mas eu
certamente não tinha toda a destreza, elasticidade e força
do meu irmão.
Percebi o exato momento em que se soltou, mas
não moveu as mãos. Continuou, também, com o caco
entre os dedos, esperando.

A porta foi aberta um pouco depois, e outro prato foi


trazido, com um pão e água, para serem dados a Enrico. O
capanga não teve chance nem de se aproximar, porque
Enrico voou nele, agarrando-o por trás e colocando o caco
de vidro em sua garganta.

— Tem um celular no seu bolso, não tem? — Enrico


indagou com um tom de voz que meteria medo em
qualquer um. O cara não respondeu, então a ponta do
vidro foi enfiada em seu pescoço, deixando sangue
escapar. — Responda!

— Tem. Tem s-sim...

— Pegue-o.

Claro que meu irmão estava pronto para outro tipo


de retaliação, mas Enrico era rápido em seus reflexos e no
momento em que o sujeito demonstrou que estava
pegando uma arma ao invés do celular, seu pescoço foi
cortado, deixando-o se esvaindo em sangue, no chão.
Ainda estava vivo, mas convulsionava, com as mãos na
garganta, tentando estancar o sangue.

Enrico poderia ter lhe dado um tiro de misericórdia,


usando a pistola que o homem pegara, mas o deixou
agonizar no chão, enquanto, com as mãos cheias de
sangue, usava o celular.

Minha respiração estava acelerada, porque eu sabia


que minha vida e minha segurança estavam nas mãos do
meu irmão. De um homem que era sangue do meu
sangue, mas de quem não conhecia assim tão bem a
índole.

— Dominic? É Enrico. Vou te enviar a localização de


onde estamos, mas preciso que seja rápido. Não sei
quanto tempo teremos.

Ele estava falando com Dominic! Meu Deus...

Suspirei aliviada, como se tirasse um peso de dentro


do peito.

Ele ia nos encontrar. Com certeza.

Meu marido ia nos tirar dali.

Só que quando Enrico desligou o telefone, eu me


lembrei de algo.

— Ele está na Escócia! Não vai conseguir chegar a


tempo.

— Disse que pousou em Los Angeles há uma hora.


— Fazia tanto tempo assim que estávamos presos?
Provavelmente sim, se pensasse bem na eternidade que
cada hora parecia. — Veio imediatamente depois que
Pietro avisou a ele, ontem, que estava com você.
Enrico deu mais uma olhada no filho da puta que
ainda se movimentava no chão, mas em espasmos muito
mais lentos. Morrendo, devagar, deixando escapar
murmúrios ininteligíveis.

Meu irmão levou o pé à garganta do homem,


pressionando-a e deixando mais sangue sair. Agachou-se
logo depois, para observá-lo mais de perto, e eu
novamente tive medo de Enrico.

— Por que não saímos? — perguntei a Enrico, ainda


assustada. — Se alguém voltar e ver o que você fez...

— Não vou conseguir te tirar daqui sozinho. Eles


podem ter deixado só um homem para cuidar de nós, mas
estamos sendo observados. Mesmo armado, dependendo
de quantos forem, não quero arriscar.

— Mas aqui dentro...

— Aqui dentro... — Enrico se levantou, foi até a


porta e a fechou, empurrando uma mesa e colocando-a
para impedir a entrada, fazendo caretas de dor. Ele estava
muito machucado, mas aguentando firme. — Eu posso
controlá-los.

Entendi o pensamento de Enrico. Já que Dominic


estava a caminho, sabia onde nos encontrar, era melhor
esperar reforços para que saíssemos com mais segurança.

Ainda assim, eu estava com medo de continuar ali.


Temia a retaliação.
Mesmo quando meu irmão veio me soltar,
quebrando a perna de uma cadeira de madeira para me
entregar um taco, para me defender, era incerto.

Enrico escondeu o celular do homem morto, em


uma tentativa de mascarar a ligação que fizemos, e foi a
última coisa que conseguiu fazer antes de começarmos a
ouvir uma movimentação no outro cômodo.

Meu irmão olhou para mim, com uma expressão


solene, quase me perguntando se eu estava pronta.

Eu não estava. Aquele era um mundo


completamente novo para mim; um mundo sombrio no qual
nasci, mas não conhecia, onde meu irmão sabia se safar
de amarras com um caco de vidro e matava um capanga
sem dó nem piedade. Onde ele estava com uma arma
apontada para uma porta, esperando para me defender, à
minha frente, como um escudo.

Um mundo onde eu estava esperando que meu


marido chegasse para me salvar, já imaginando que ele
surgiria com sangue nos olhos.

Ouvi o baque da porta começando a ser arrombada.


A mesa era pesada, e eu sabia que teríamos tempo.

— Vá para o banheiro, Deanna — Enrico ordenou.

— Não vou te deixar sozinho.

— Vai me causar problemas ficando aqui. Vá agora!


Eu corri, mesmo não querendo, mas a porta não
trancava. Não adiantaria de nada, porque rapidamente
chegariam a mim.

Ainda estava saindo do cubículo sujo quando ouvi o


primeiro tiro. Com um sobressalto, corri para ver Enrico
atirando com uma mira perfeita, impedindo que um homem
entrasse.

Fez isso novamente.

E uma terceira vez.

Um conseguiu entrar, mesmo tendo sido atingido no


ombro, e eu precisei usar o pedaço de madeira para me
defender. Virei-o com toda a força que eu tinha, atingindo-o
na cabeça, o que o fez cair no chão.

Só que as coisas rapidamente se tornaram um caos,


e fomos rendidos.

Gritei quando senti uma dor lancinante na minha


perna, mas nem consegui ver o que era. Enrico certamente
estava sendo muito mais machucado.

Precisávamos aguentar firme. Dominic logo


chegaria.

Era nisso que eu tinha que me agarrar.


CAPÍTULO TRINTA E SETE

Não há heróis ou vilões neste lugar


Apenas sombras que dançam na minha cabeça
Não deixando nada além de fantasmas em seu rastro
Há partes de mim que não posso esconder
Eu tentei e tentei um milhão de vezes
Juro por tudo
Bem-vindo ao meu lado sombrio
DARKSIDE – NEONI

Eu estava em um nível de total descontrole. Era


perceptível na minha linguagem corporal, no meu olhar, na
forma como calçava as minhas luvas de couro, quase com
violência.

— Quanto falta para chegarmos? — perguntei como


um rosnado, quase temendo que as pessoas não me
ouvissem.

No carro, estavam comigo meu sogro e um soldado,


que ia dirigindo. Atrás de nós, mais dois veículos seguiam
com homens prontos para colocar a merda de lugar onde
Deanna estava sendo mantida como refém abaixo.

— Uns quinze minutos, senhor — o soldado


respondeu com cautela, porque eu realmente parecia um
bicho.

Quando recebi a ligação de Enrico, avisando para


onde deveríamos ir, eu estava disposto a sair sem
planejamento algum, armado até os dentes, sozinho se
necessário, tudo para ir buscar Deanna o mais rápido
possível. Massimo foi quem me convenceu do contrário,
chamando reforços.

Era o mais prudente, é claro, mas impaciente como


eu estava, não conseguia pensar em mais nada.

— É muito tempo — soltei em um tom rouco,


irritado.

— Dominic, se você continuar assim, vou te largar


em um canto da estrada — Massimo, ao meu lado, falou.

— Faça isso, e eu explodo a porra do carro inteiro.

— Está agindo com imprudência.

— Ninguém nunca listou prudência como uma das


minhas qualidades.

— Sei bem disso. Você é impulsivo, o que te torna


perigoso. Só que não é mais sobre você, Dominic. São os
meus dois filhos que estão lá. Sua esposa e meu
primogênito, meu herdeiro.

Eu precisava ser cauteloso. De fato, Massimo


estava certo. Era minha esposa lá, como refém, como um
objeto para ser usado como chantagem contra mim.

A porra da minha mulher. Como isso foi acontecer?


Eu deveria ter imaginado desde o início. Deveria tê-la
deixado em Nova Iorque até tudo se resolver. Mas como
iria prendê-la em casa, enquanto sua mãe operava?
Especialmente sendo uma mulher como Deanna, com
aquele espírito livre e inquieto?

— Pode ser um ato impulsivo, mas eu vou matar a


todos. Um a um.

— Se quiser fazer isso, vai fazer, mas a segurança


dos meus filhos precisa vir primeiro.

Fiquei calado, chegando a engolir em seco, voltando


meus olhos para a janela, porque não queria encará-lo.
Para passar o tempo, peguei minha arma com entalhos
dourados, abrindo o tambor e girando-o, conferindo se
todas as balas estavam ali. Eu tinha munição extra, além
de mais duas armas, mas aquela era a minha favorita,
minha companheira há anos. Sabia que seria ela que me
ajudaria a levar Deanna de volta para casa.

Chegamos a uma distância razoavelmente decente,


onde pudemos parar e caminhar, evitando qualquer tipo de
alerta aos sequestradores. Armas em punho, éramos uns
seis homens indo em direção à casa. Havia mais alguns
nos carros, apenas esperando nosso sinal. Precisávamos
ser discretos.

Lancei um olhar de soslaio para Massimo, que


estava ao meu lado, e o tiroteio começou. Nossos homens
limparam o caminho, e eu saí tomando a dianteira, ousado
e impulsivo, também atirando na primeira pessoa que
apareceu na minha frente.

Ouvi Massimo chamar o meu nome, mas eu estava


completamente cego, completamente surdo e inconsciente
para todo o resto. A raiva tinha me entorpecido de tal
maneira, que eu não conseguia pensar com cautela.

Parti para cima de dois caras desarmados, atirando


no joelho de um deles e dando uma coronhada em outro.
Agarrei a cabeça deste segundo e bati com ela na janela,
quebrando o vidro. Então o segurei pelo cabelo e
pressionei sua garganta em um dos estilhaços da janela
que ficou preso no parapeito, puxando-a de volta e
baixando-o outra vez, usando o vidro para apunhalar sua
jugular várias vezes.

Alguém veio para cima de mim, acertando meu


ombro de raspão com algo afiado, mas não deixei ir mais
longe do que isso, porque me virei, com toda a violência,
acertando-o na cara. Quando estava no chão, atirei em um
de seus olhos, dando por encerrado.
O caminho estava livre dentro do local, mas eu
continuava ouvindo sons vindos lá de fora, dos homens e
do meu sogro dando um jeito em quem ficara por lá.

A porta estava arrebentada, e a primeira coisa que


vi foi Enrico, com as mãos amarradas para cima e alguns
cortes pelo corpo, a cabeça pendendo, os cabelos todos
molhados de suor. A pele toda suja de sangue.

Olhei para o lado e vi Deanna jogada sobre a cama.


O colchão estava cheio de manchas vermelhas, e eu podia
ver um ferimento em sua coxa. Desmaiada, uma de suas
mãos estava pendendo para o lado, exatamente aquela
com a aliança, pingando sangue.

Esta cena me cegou ainda mais.

Ela me chamava de diabo. Foi o que virei, então.

Havia um homem perto dela. Um desgraçado, que


não importava quem pudesse ser; na minha cabeça fora
ele que a machucara. Por isso ele ia sofrer.

Arranquei o canivete do meu bolso e voei em cima


dele, agarrando-o e jogando-o no chão. Montei sobre seus
quadris, com a lâmina em punho e o destruí aos poucos.
Poderia ter lhe dado um tiro, mas não era capaz de
tamanha misericórdia.

Alguém veio para cima de mim, tentando me tirar de


cima do desgraçado, e eu rugi como um monstro, só me
acalmando quando ouvi a voz de Massimo.
— Acabou, Dominic. Vamos tirá-los daqui.

Foram precisos dois homens para me segurar, e


mesmo assim quase me soltei. Precisei piscar os olhos
várias vezes e tentar respirar, olhando ao redor, até ver que
Enrico estava acordado. Mancava um pouco e andava com
a ajuda de um dos outros soldados, mas parecia fora de
perigo.

Outro de nossos capangas foi até Deanna, pronto


para tirá-la da cama, e foi só aí que eu reagi.

— Não! Deixe que eu faço isso!

Eu sabia que no momento em que alguém a


movimentasse ela iria sentir dor. Sendo assim, meu
coração egoísta me dizia que somente eu conseguiria
cuidar dela. Somente eu poderia pegá-la naquele
momento.

Chequei o machucado e poderia jurar que ela fora


apunhalada. Alguém colocara um pano enrolado, mas este
estava completamente sujo de sangue.

O primeiro movimento que fiz para levantá-la nos


braços a fez gemer, então eu parei o que estava fazendo,
levando uma das mãos ao seu rosto, afastando mechas de
cabelo, vendo seus olhos vulneráveis perderem o foco.

— Dom? — ela sussurrou, sem forças.

— Estou aqui, meu amor. Estou aqui.


Eu deveria estar um caos. Podia sentir os resquícios
de sangue pelo meu rosto. Imaginava que minhas luvas
deveriam estar imundas, porque eram de couro preto, e eu
não conseguia ver, mas acabei sujando o rosto dela, o que
era imperdoável. Tirei-as o mais rápido possível, jogando-
as no chão.

— Rico? Rico...?

Olhei ao redor e não vi meu cunhado mais por ali.


Provavelmente Massimo o tirara, levando-o para o carro.

— Está bem. Vamos tirar vocês dois deste lugar, ok?

Ela fez que sim com a cabeça, mas não teve forças
para muito mais. Não havia uma única manta sobre a cama
e nem um cobertor, então tirei meu sobretudo e coloquei ao
redor dela. Pus os braços sob seu corpo: um em suas
costas e outro sob seus joelhos, erguendo-a. O movimento
a fez gritar, mesmo que não parecesse ter forças para isso.

— Vai passar, amor. Vamos te levar ao hospital.

Isso não era consolo, mas Deanna segurou firme a


onda, sendo conduzida até o carro. Entrei com ela nos
braços, no banco de trás, agora sozinho porque Massimo
provavelmente estava ao lado do filho. Mantive a mulher no
meu colo e só então ela desmaiou de novo, deixando a
cabeça tombar no meu peito.

Apertei-a firme e a segurei como se fosse uma


menina indefesa. Eu sabia que não era o caso, mas
naquele momento tudo o que eu queria era que ficasse
segura.

Ainda havia contas a acertar. Pietro era o


responsável, eu estava com sua filha, e ele não tinha mais
nada contra mim.

Eu iria matá-lo. Sem dó. Sem piedade. Sem honra.

Sua morte seria violenta, dolorosa e demorada.


CAPÍTULO TRINTA E OITO

Ninguém te chama de querida


Quando você está sentada em um trono
Cuidado com mulheres pacientes
Porque de uma coisa eu sei
Ninguém te chama de querida
Quando você está sentada em um trono
A LITTLE WICKED – VALERIE BROUSSARD

Duas semanas no hospital depois, lá estava eu na


casa do meu pai, sentada na cama do quarto que vinha
dividindo com Dominic, olhando para a cicatriz que restara
na minha coxa. Ela seria sempre uma lembrança física da
dor que senti, da agonia, do medo.

Passei os dedos por ela, sentindo as elevações das


imperfeições e a certeza de que aquela poderia ser a
primeira de muitas, levando em consideração o mundo em
que passei a viver.

O mundo no qual, aparentemente, eu ficaria por


muito tempo, já que estava apaixonada pelo meu marido e
não tinha intenções de me separar.

Fiquei perdida por alguns minutos, naquela estranha


apreciação de algo que eu achava tão feio, mas que me
fazia sentir mais forte, por ser uma sobrevivente. Tantos
minutos e tão absorvida que demorei a reparar que Enrico
estava na porta.

Silencioso como sempre, ele não batera, não tentara


fazer sua presença ser notada, apenas esperara. Paciente
como se o próprio relógio estivesse a seu favor...

Só que eu sabia mais sobre meu irmão naquele


momento do que sabia antes do fatídico dia. Ele não era
paciente. Seu silêncio não era nada além de uma forma de
esconder sua escuridão. Uma forma de não ser notado,
talvez? Porque Enrico tinha muito mais dentro de si do que
qualquer um poderia compreender.

Vi a forma como se controlou em momento em que


qualquer um estaria urrando de dor. Testemunhei como se
soltou, como reagiu e como matou o homem que estava
nos fazendo mal.

Pior do que isso: eu era cúmplice de seu maior


segredo.

E, de alguma forma, sabia que ele queria falar sobre


isso comigo.

— Como você está? — Enrico perguntou, entrando.


Com seu blazer, blusa de gola alta e calça, todos
pretos, ele parecia um Cavaleiro das Sombras. Levando
em consideração toda a sua elegância, a altura imponente,
os cabelos longos, os olhos muito azuis, a alcunha
combinava.

— Melhor. E você?

Eu sabia que Enrico tinha sofrido muito mais,


embora o meu ferimento fosse, de certa forma, mais grave.
Precisei de transfusão de sangue, proporcionada pelo meu
pai, precisei ser operada para reconstituição de pele, e
poderia optar por uma plástica, para tirar todos os
resquícios da cicatriz, embora ainda estivesse em dúvida
em relação a essa parte.

Ainda sentia muita dor ao caminhar, mas isso iria


passar com o tempo. O médico afirmara que eu não iria
mancar.

— Estou bem — ele afirmou com convicção e


colocou as mãos para trás das costas, com uma postura
ereta, quase solene. Ainda havia machucados em seu
rosto, e eu não fazia ideia de para onde fora depois do que
passamos, porque ficou pouquíssimo tempo no hospital e
simplesmente desapareceu.

Minha aposta era de que tinha ido para perto de


Sienna. Se o prendessem em um hospital, ela ficaria
sozinha por muitos dias.
— Preciso conversar com você — ele falou, com
aquele tom de voz melodioso e muito calmo, que enganaria
qualquer um se não fosse sua obscuridade.

— Já sei o que vai falar, Rico, mas se coloca no


meu lugar... Como posso mentir para Dominic? Se ele
descobrir, isso pode arruinar meu casamento!

— Desde quando passou a se importar?

— Desde que começamos a gostar um do outro. E


não é só isso! É errado o que você está fazendo!

— Não é. Estou lutando para provar a inocência de


Sienna. Quando isso acontecer, vou me casar com ela.

Meus olhos se arregalaram, surpresa.

Mas não deveria ficar, certo? Eu já sabia que ele a


amava.

— Seus sentimentos são tão fortes ao ponto de


cometer essa loucura?

— Muito mais do que você imagina.

— Seria capaz de começar uma guerra dessa


forma?

— Seria capaz de destruir o mundo por ela.

Quase perdi o ar com aquela informação. Não


apenas por isso, aliás, mas pelos olhos dele. Pelo
sentimento profundo que demonstraram, enquanto Enrico
simplesmente não parecia ter emoção nenhuma em seu
coração de pedra.

O Cavaleiro das Sombras amava


desesperadamente uma mulher. E isso podia torná-lo
perigoso.

— Sei que não tem obrigação nenhuma de me


ajudar, porque nunca fui um irmão digno de sua lealdade.
Mas te peço que se compadeça de uma mulher que já
sofreu mais do que qualquer um pode imaginar.

Ergui um pouco a cabeça. Era a segunda vez que


ele me dizia que Sienna sofrera. Não poderia dizer que
fiquei curiosa, porque seria mórbido, mas gostaria de saber
os motivos, embora não fosse da minha conta.

— Gostaria de conversar com ela. Se vou ser


cúmplice nisso tudo, preciso ao menos conhecê-la.

— Isso é impossível e... — Enrico puxou o ar,


interrompendo a si mesmo, deixando os ombros caírem. —
Talvez seja uma boa ideia que você seja uma companhia
para ela às vezes. Não posso confiar em outras pessoas
para saberem que está lá.

— Leve-me até ela, e eu vou decidir o que fazer


sobre contar o segredo ou não. Enquanto isso, você tem o
meu silêncio.

— Obrigado. — Eu poderia conversar com Sienna e


decidir se ela merecia minha confiança. Mais do que isso,
se merecia que eu me arriscasse tanto. — Se qualquer
coisa acontecer, nunca vou colocar seu nome no meio,
sorella — ele me chamou de irmã de um jeito muito gentil.
— Nem mesmo Dominic precisa saber que...

— Preciso saber o quê?

Claro que ele estaria à espreita. Dominic parecia um


falcão sobrevoando sua presa quando se tratava de mim,
enquanto eu estava machucada.

Eu e Enrico nos entreolhamos, temendo que ele


tivesse ouvido de mais. Resolvi, portanto, testar:

— Que eu ainda estou com dor. Estava pedindo que


Enrico me ajudasse a descer para almoçar, mas se falasse
isso para você, sabia que iria ficar todo preocupado e não
me deixando fazer nada — foi uma mentira inventada
naquele momento, e eu poderia jurar que Dominic não caiu
nela, mas veio até mim, tirando-me da cama em um
movimento rápido que chegou a me sobressaltar.

— Já falei que não pode ficar descendo escadas


sozinha!

— E eu não vou ficar dependendo de você para


tudo... — comecei a discutir, porque sabia que era uma
forma de tirar a atenção dele do que tinha acontecido.

Lancei um olhar para Enrico, que vinha atrás de nós,


daquele jeito que o fazia parecer uma sombra.
Continuamos discutindo enquanto ele me carregava
até a sala, onde minha família estava reunida para
almoçar.

Minha mãe já estava em casa, e eu lhe dei a mão


quando fui sentada à mesa, antes de comermos.

Olhei ao redor e senti falta de Alessio. Sabia que ele


estava com Luna e que ela ainda era a nossa chave para
conseguir encontrar Pietro Cipriano. Não tinha muitas
notícias dele, com exceção do que era repassado por
Dominic, mas ele me afirmara que estavam seguros.

Apesar disso, eu tive a estranha sensação de


família.

Uma mesa cheia, farta, com pessoas conversando.


Falávamos italiano, alto como um bom grupo da Sicília, e
os assuntos eram quase cotidianos. Quase... normais.

Era estranho pensar assim, mas acabei sorrindo,


especialmente ao ver meus pais de mãos dadas, se
entendendo.

Eu teria permanecido com aquela sensação até o


final do dia, quando Dominic se aprontou para sair com
meu pai e meu irmão – que surpreendentemente passara
várias horas conosco, sem ir ver Sienna.

Isso me pareceu suspeito o suficiente para que


segurasse Dominic quando ele veio me ver, enquanto eu
estava descansando, na cama.
— Não me engane, Dom. O que vão fazer? Vocês
três vão fazer alguma coisa, não vão? — perguntei muito
séria.

Ele respirou fundo, quase bufando.

— Nada te passa despercebido, não é, leonessa?


Pietro foi pego.

— O quê?

— Conseguimos encontrá-lo. O próprio filho mais


velho o denunciou.

— Ele tem filhos homens?

— Três homens e outra moça, além de Luna, que é


a caçula. Aparentemente nenhum dos três concordou com
o que fez. E, claro, que querem a irmã de volta, mas isso
ainda não vamos fazer, porque não sabemos até que ponto
são coniventes ou não. Não podemos confiar.

Assenti, começando a pensar.

Dominic ia me matar...

— Quero ir com vocês.

A parte do querer matar estava correta. Os olhos


dele começaram a chispar ódio, e eu apenas cruzei o
braço, pronta para entrar na batalha.

— Louca! Você sabe o que aconteceu da outra vez.


Provavelmente desta vai ser muito pior, porque o filho da
puta te machucou seriamente. Estou espumando de ódio,
Deanna. Não vai querer ver isso.

— Exatamente porque ele me machucou que eu


quero ir. Sou uma mulher da máfia agora, Dominic. Não
sou uma donzela. Precisa entender isso o quanto antes.
Não quero ficar sentada em casa enquanto você sai para
resolver as coisas.

— Imagino que também não queira sujar suas lindas


mãos.

— Não, mas o homem que me feriu? Quero estar


presente.

Dominic levou as duas mãos à cabeça, indignado.


Só que ele sabia que meus argumentos eram bons o
suficiente.

— Você mal consegue andar direito.

— Consigo. Ele não vai me ver mancar. Não vai me


ver sangrar. E você não vai me carregar, mesmo que eu
esteja desesperada de dor. A menos que ele não possa me
ver.

Meu marido fechou a mão em punho, socando o


armário.

— Você me enlouquece, Deanna. Eu juro que não


sei como vou viver minha vida inteira ao seu lado desse
jeito.
Abri um sorriso diante do que ele falou.

— Então esse é o plano? Começamos com desejo


de nos separar, mas agora será para a vida toda?

Percebendo a mudança de tom no assunto, Dominic


voltou os olhos bem mais cálidos para mim, aproximando-
se e se sentando na cama. Com seus movimentos brutos e
velozes, ele me pegou, colocando-me em seu colo.

— Não vai mais escapar de mim, leonessa. Vou


atrás de você, onde quer que seja.

— Não tenho planos de ir a lugar algum.

Tocando meu rosto, Dominic me beijou suavemente,


sussurrando um “eu te amo” que teria me surpreendido se
já não imaginasse que era o que ele sentia.

Fiz o mesmo, bem baixinho, compreendendo que as


coisas conosco seriam daquela maneira – falaríamos
pouco de nossos sentimentos, mas provaríamos que
existiam em gestos.

Até mesmo ao me levar consigo naquela noite,


Dominic estava provando que me amava e me respeitava,
que não me via como algo frágil.

Olhar nos olhos do mandante de tudo o que


acontecera comigo e vê-lo tremendo de medo do meu
marido, mesmo sendo o chefe de uma máfia poderosa, foi
quase agradável. Quando Enrico se colocou ao lado de
Dominic, ele soube que seria torturado de formas
inimagináveis.

Dominic parecia quase animado enquanto tirava a


camisa. O negócio seria sujo para ele fazer daquela
maneira.

— Antes de mais nada, minha esposa, gostaria que


soubesse que descobrimos que este homem — ele
apontou para Pietro — também foi o mandante da morte de
sua irmã. Acho bom que saiba disso.

Engoli aquela merda como se fosse um pedaço de


pão bolorento. Eu já imaginava, tinha quase certeza, mas
ouvir da boca de Dominic era ainda mais amargo.

— Agora seremos eu e você, Pietro. Espero que


esteja preparado para o caos que vou criar esta noite —
Dominic falou, deixando sua risada perversa se espalhar
pelo espaço inteiro.

E isso foi tudo que eu ouvi antes de os gritos


começarem.
CAPÍTULO TRINTA E NOVE

Talvez nós não estivéssemos destinados a isso


O amor está predestinado em um céu de estrelas
E perdido em um abismo
Perdoe-me pelo caos que eu nos tornei
KILL A MAN – MACHINEHEART

Eu ainda não tinha muita certeza de que tudo estava


bem. Nem mesmo depois de duas semanas de Pietro ser
capturado, levado a uma sessão de tortura que demorou
mais da metade de um dia.

Há dois dias tínhamos negociado a devolução de


Luna à sua família. Alessio andava muito misterioso a
respeito do mês que passaram juntos naquela casa na
Escócia, e eu achava melhor nem saber. De problemas já
estava cheio.

Tinha um em casa, aliás. Pelo qual eu era louco?


Sim... Mas, sem dúvidas, minha esposa era um enorme
problema.
Ela tinha se recuperado completamente, apenas
fazendo fisioterapia uma vez na semana. Durante os outros
períodos, dedicava-se ao seu TCC, que seria apresentado
em breve, então iríamos ao Brasil para sua formatura.
Estava com saudade da amiga, com quem falava
constantemente.

Sempre que chegava em casa, eu a pegava com a


cara enfiada no notebook, com os cabelos loiros presos em
um coque alto. Se os empregados não ficassem de olho,
ela nem comia. Para a minha sorte, os funcionários da
minha casa e minha esposa já estavam se dando bem o
suficiente para que ela não fosse negligenciada.

Naquela noite, porém, foi um pouco diferente.

Minha volta para casa me trouxe preocupação,


porque não encontrei Deanna no local onde sempre a
encontrava. Eu queria parar de me sentir desesperado
pensando que ela seria roubada de mim novamente.
Precisava impedir meus pensamentos paranoicos de que
nem tudo estava bem e que, por mais que ela nunca
tivesse sido desejada, não conseguisse mais imaginar
como seria minha vida sem aquela mulher.

Percorri a casa inteira e retornei à sala, chamando


seu telefone. Ouvi o barulho do toque característico vindo
de dentro do banheiro suíte do nosso quarto, cuja porta
estava fechada. Nem pensei em olhar lá.
Bati, esperando que ela me respondesse. Tudo o
que ouvi lá de dentro foi um resmungo.

— Deanna? Abra a porta. Você está bem?

— Não.

Foi a porra da resposta que ela me deu.

Novamente paranoico, um zilhão de coisas


começaram a girar na minha mente. Ela estava em casa,
segura, mas poderia ter caído, batido com a cabeça,
machucado outra vez a perna.

Liguei o foda-se para a invasão de privacidade, e


para a integridade da minha casa, e simplesmente meti o
pé na porta, arrombando aquela merda, entrando e me
deparando com Deanna sentada no chão, ao lado da
banheira, toda encolhida.

Não era uma coisa muito comum ver aquela mulher


reduzida a uma coisinha amedrontada. Assustava-me vê-la
daquele jeito, especialmente porque me lembrava do
quanto era pequena.

— O que aconteceu? — Aproximei-me em poucos


passos, agachando-me à sua frente, tentando encontrar
algum machucado.

— Isso aconteceu!

Deanna esticou um bastão branco na minha direção,


e eu demorei a entender que se tratava de...
Um teste de gravidez.

Precisei apoiar meu peso em um joelho ou acabaria


caindo para trás.

— Você está grávida? — indaguei.

— Não sei por que essa cara de surpresa, levando


em consideração a quantidade de sexo que fazemos.

Eu poderia ter rido se o momento não fosse tão...

Solene?

Peguei o bastão na mão, olhando para os dois


risquinhos cor de rosa que indicavam o resultado positivo.
Sentindo-me completamente atordoado, sentei-me ao lado
de Deanna, com uma perna dobrada e outra esticada.

— Vamos ser pais? — perguntei, com um leve tom


de emoção.

— Sim! Entende o meu desespero? Não somos


prudentes. Não fomos feitos para isso...

— Por que pensa assim?

— Olha o nosso mundo, Dominic! Olha as coisas


que fazemos! Meu filho vai ser seu herdeiro e vai ter que
fazer todas as coisas que você faz! Como quer que eu
fique tranquila pensando nisso? E pior... se for uma
menina, ela vai ser obrigada a se casar com alguém.
Suspirei, dando razão a ela. Pensando no que sua
mãe fizera tantos anos atrás e na forma como Massimo a
libertara, mesmo a amando.

Será que eu amava Deanna o suficiente para fazer o


mesmo? O nível de sentimento que eu nutria seria tão
altruísta assim?

— Você vai fugir? Vai se afastar de mim? — Senti-


me como um menino enquanto lhe questionava. Tinha
medo da resposta, mas ela era necessária.

— Você nunca permitiria.

— É o que você quer? — Ela hesitou.

Isso me apavorou de um jeito, como nunca senti,


talvez somente quando descobri que tinha sido
sequestrada ou quando a vi naquela cama, com a perna
sangrando, sem saber se estava viva ou morta.

Levantei-me de um pulo, inquieto, com raiva.

— Se é o que você quer, é melhor ir logo embora...


— rosnei, dando-lhe as costas.

— Vá se foder, Dominic! Eu não disse isso.

Girei na direção dela, olhando-a por cima do ombro.

— Você hesitou.

— Estou hesitando em tudo. Acabei de descobrir


que vou ser mãe. Há alguns meses eu estava lutando
contra pessoas que me sequestraram para me casar.
Agora estou grávida desse marido que eu nem queria. Só
que você sabe o que eu sinto. Já disse que não vou
embora.

— Mas hesitou...

— Quantas merdas de vezes vai dizer isso? O que


quer que eu fale? Que te amo? Eu te amo. Mas que droga!
Não vou embora. Vou ficar presa a você para o resto da
minha vida — ela falou, levantando-se também,
começando a se movimentar pelo banheiro. — Está
parecendo uma porra de um garotinho mimado. Se seu
filho for como você, vou deixar os dois de castigo, sem
jantar.

Era para ser engraçado? Porque eu ri.

Não só ri, como fiquei maravilhado com cada coisa


que ela disse, pensando em um garotinho ou garotinha que
seria criado por nós.

A realização de que seria pai caiu sobre a minha


cabeça com um peso absurdo, tanto que, em uma atitude
impulsiva, agarrei o braço de Deanna, inclinei-me e a
peguei no colo, fazendo-a gritar.

— O que está fazendo?

Olhando-a nos olhos, mantendo-a nos meus braços,


beijei sua boca e suspirei.
— A gente dá um jeito, leonessa. Não é o melhor
cenário, mas somos nós. Temos coragem para tudo, você
é uma fortaleza. Vamos nos sair bem. O que quer que
aconteça, é o mundo em que vivemos. Não é um conto de
fadas, mas foi ele que nos uniu. Dos males o menor, você
não acha?

Deanna engoliu em seco, começando a mexer na


minha camisa, provavelmente só para ter algo para fazer
com a mão e não me olhar nos olhos.

— Promete que vamos protegê-lo ao máximo? E


que vamos lhe dar escolhas e livre arbítrio? Mesmo que
seja uma menina?

— Vamos. Vamos fazer tudo o que você quiser...

Ela sorriu, e eu a beijei de novo, levando-a para a


cama. No momento em que a deitei, acomodando-me
sobre ela, observei-a apaixonado, sussurrando:

— Eu te amo. Obrigado por isso.

— Eu também te amo.

Nós trocamos um beijo e nos perdemos um no


outro, como sempre acontecia, porque eu tinha certeza de
que éramos feitos do mesmo material. Quase moldados
um para o outro.

E assim seria o nosso destino.


EPÍLOGO

(A seguir, vocês terão acesso a uma cena do segundo


livro da série Mafiosos Protetores, cujo protagonista é
Enrico Preterotti. O livro será lançado em fevereiro.
Espero que gostem!)

MESES ANTES

Eu a segui pela escuridão de uma viela em Nova


Orleans. Um beco sujo, repleto de mendigos e cheirando a
urina. Um lugar onde uma mulher como ela nunca deveria
pisar, embora não fosse nem um pouco diferente do clube
de péssima qualidade onde a encontrei.
Estava fugindo de mim, sem dúvidas. Poderia
pensar que estava incógnita, muito segura longe daqueles
que a perseguiam, mas eu sabia que conseguiria encontrá-
la.

Poderia estar enganado, porque se enfiara em um


local onde nunca esperei, dançando sobre um palco com
uma peruca loira e uma máscara que cobria seu rosto.
Precisei assisti-la tirar a roupa para todos aqueles filhos da
puta, encerrando seu número com uma lingerie minúscula
e ainda recebendo vaias por não a tirar.

Enquanto caminhava, perseguindo-a, sentia minha


respiração pesar no peito, lembrando-me do desejo que
tive de matá-los por estarem olhando para ela com algo
diferente de respeito e reverência.

Para cada um que esticara a mão, tentando tocá-la


e rindo de forma maliciosa, a minha vontade era cortar
todos os seus dedos e jogá-los em meio a lobos famintos.

Só que eu também a desejava, não? Também a


queria há tantos anos que nem sabia mais quem era antes
de amá-la.

Exatamente por conta dos meus sentimentos,


precisava ser eu a encontrá-la. Precisava ser eu a olhar em
seus olhos e entender o que havia acontecido. Se tivesse
ficado, mesmo com o anúncio da traição de seu irmão, eu
a teria protegido.
Teria me casado com ela para lhe oferecer a
segurança do meu sobrenome, mesmo que tivesse que
lutar uma guerra inteira para defendê-la.

Mas não me deu essa chance. Então senti a


necessidade de compreender.

Para isso, precisava apenas conversar.

Não era uma questão de ego ferido ou de teimosia.


Se eu a encontrei, outras pessoas poderiam também,
então ela estaria em perigo. Não iriam apenas matá-la.
Não iriam lhe dar uma chance de se explicar. Se qualquer
associado que conhecesse a história decidisse que queria
ficar em bons termos com Giovanni Caccini ou com
Dominic Ungaretti, ela seria uma presa fácil. Levariam sua
cabeça em uma bandeja sem fazer perguntas.

Isso se não a estuprassem antes. Se não a


machucassem. Se não se divertissem fazendo-a sofrer.

Eu não poderia permitir.

Ela não tirara a peruca loira para fugir,


provavelmente na esperança de que isso iria me confundir.

Eu nunca a confundiria.

Foi andando apressada, e eu tive medo de perdê-la


de vista, mas acabamos parando em uma avenida. Embora
fosse quase madrugada, havia carros passando, e a louca
saiu correndo mesmo assim, pronta para atravessar sem
cuidado.

Minhas pernas eram bem mais longas que as dela,


então coloquei um pouco mais de velocidade nos meus
passos, alcançando-a e agarrando seu braço. Puxei-a para
que não fosse atropelada, em seu desespero para fugir, e a
segurei nos braços.

Ficamos cara a cara, e ela ergueu os olhos verdes


para mim, parecendo desamparada e amedrontada.
Usando apenas uma das mãos para mantê-la comigo, levei
a outra à horrível peruca loira que usava, arrancando-a e
revelando os cabelos ruivos, que eu sabia serem longos,
pesados e perfeitos.

— Não fuja de mim — foi o que eu falei, em um tom


baixo, paciente, em inglês, mas nunca perdendo meu
sotaque italiano.

Ao ouvir isso, ela apenas suspirou, provavelmente


dando-se por derrotada. Seus olhos, no entanto, pareciam
tão sombrios quanto os meus.

Não importava quem nós éramos. O que eu


precisava fazer para mantê-la comigo e em segurança.

Eu finalmente a tinha encontrado.

Minha Sienna.
FIM

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