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A ERA DOS DADOS

PARA O SETOR PÚBLICO


UMA NOVA CULTURA ORGANIZACIONAL ANALÍTICA
ÍRIS | Laboratório de Inovação e Dados do Governo do Ceará
AWS Institute
Social Good Brasil

A Era dos Dados para o setor público:


uma nova cultura organizacional analítica

Coleção Inovar | Transformar | Inspirar


Tema: Alfabetização em Dados

Coordenação editorial
Jessika Moreira | ÍRIS
Ana Janaina Nelson | AWS Institute

Autoria
Carol Andrade | Social Good Brasil
Fernanda Campagnucci | Open Knowledge Brasil
José Borbolla Neto | Branded Brain
José Macedo | ÍRIS | Programa Cientista Chefe do Governo do Ceará
Marianna Gonçalves | ÍRIS
Mariana Zonari | ÍRIS
Silvana Paula Martins de Melo | ÍRIS
Ticiana Linhares | ÍRIS | Programa Cientista Chefe do Governo do Ceará

Preparação e revisão
Amélia Gomes | ÍRIS
Isabel Ferreira Lima | ÍRIS

Projeto gráfico e diagramação


Mariel Maffessoni Ramos | Social Good Brasil
Angélica Freitas | ÍRIS

Brasil, 2021
SUMÁRIO

Sobre esta edição 04

Prefácio 05

06 Capítulo 1 | Bem-vindos à Era


dos Dados

15
Capítulo 2 | “Solucionismo
tecnológico”

Capítulo 3 | Alfabetização 20
em dados

Capítulo 4 | A jornada de dados 32

Capítulo 5 | Gestor público, lidere 43


a mudança de cultura

Capítulo 6 | Transparência e
48
dados abertos

Capítulo 7 | LGPD no setor público 53

Capítulo 8 | Dimensões éticas e


58 dilemas da atualidade

64 Capítulo 9 | Uso de dados na


gestão pública: casos e aplicações
A Era dos Dados para o setor público

SOBRE ESTA
EDIÇÃO
Esta edição foi idealizada pelo ÍRIS | Laboratório de Inova-
ção e Dados do Governo do Ceará em parceria com a AWS
Institute e o Social Good Brasil.

Ela objetiva orientar a gestão pública sobre o uso de dados e


evidências nos atuais contextos tecnológico e humano, mo-
tivando gestoras e gestores a liderar, de forma estratégica,
uma mudança de cultura no campo analítico.

De caráter introdutório, a edição aborda a alfabetização em


dados como uma competência imprescindível para o setor
público. Mostra, com base em ferramentas práticas, o cami-
nho que o gestor deverá seguir para promover o acultura-
mento analítico da gestão.

Também são apresentados projetos que confirmam como a


alfabetização e a transparência de dados impactam de for-
ma positiva a gestão pública.

Na Era dos Dados, o desafio para avançar está nos modelos


mentais, na cultura, nos aspectos humanos, e não apenas
na tecnologia. Por isso, para liderar e fazer a mudança, é
fundamental posicionar o ser humano no centro, garantin-
do diálogo aberto e sentimento de propósito.

4 ← sumário
PREFÁCIO

A Era da Informação e a 4ª Revolução Industrial trouxeram novos parâme-


tros para aferir o progresso de uma sociedade. Capacidade de conexão,
produção, armazenamento e processamento de dados. Transformação
de dados em informação e em inteligência: produtiva, governamental, so-
cial e coletiva.

Sociedades marcadas por relações de poder e hierarquia abrem espaço


para modelos cooperativos, cocriadores e horizontais, nas quais a inteli-
gência coletiva ocupa local de destaque nos processos participativos e nas
tomadas de decisões públicas. As novas tecnologias, portanto, surgem
como verdadeiros portais que nos levam a caminhos, avanços e, por que
não dizer, progressos em escala ainda não vivenciada pela humanidade,
em ciclos transformativos tão curtos.

É nesse contexto que nasce esta obra. Ela destaca o poder e o papel trans-
formador dos dados, sem se deixar seduzir pelo “solucionismo tecnoló-
gico”, ou se perder em suas virtudes, nem sem descurar dos desafios do
nosso tempo.

A obra enfatiza aspectos humanos, tecnológicos, normativos e de ges-


tão que perpassam os dilemas e as atribuições dos gestores do nosso
tempo. Com corações e mentes abertas para aceitar o novo, os autores
nos convidam a percorrer os trilhos do progresso com a velocidade em
que circulam os dados, tendo como nortes o cuidado e a preservação
com o que há de mais humano em nós: a capacidade de nos conectarmos
para resolver problemas de forma conjunta.

Talvez esse tenha sido o grande e imemorial tesouro descoberto pela hu-
manidade, que, de tão óbvio, muitas vezes é esquecido. Esta obra nos ins-
pira a percorrer esse caminho milenar: o de unidos elegermos necessida-
des comuns, que nos unem e preservam a todos e à “grande mãe, Gaia”.
Não existe caminho solitário na estrada do progresso.

Boa leitura!

ANA CARLA BLIACHERIENE


— Professora doutora da
Universidade de São Paulo | USP

← sumário 5
#1
BEM-VINDOS À
ERA DOS DADOS
por José Borbolla
Bem-vindos à Era dos Dados

Como chegamos
até aqui?
“Cientista de dados: a profissão mais vamos voltar um pouco no tempo e en-
sexy do século XXI”1, profetizaram, em tender como chegamos até aqui.
2012, os professores Davenport e Patil
em artigo publicado na Harvard Busi- Não é novidade que as tecnologias
ness Review. sempre evoluíram, se transformaram e
transformaram a nossa maneira de in-
De lá para cá, as áreas de dados cres- teragir com o mundo ao nosso redor.
ceram rapidamente, espalhando-se por Ou seja, falar sobre evolução tecnológi-
diversas disciplinas, segmentos e indús- ca é falar também sobre a evolução da

?
trias, e prometem, em dez anos, acres- nossa espécie.
centar até U$ 15 trilhões na economia
global. É o que mostra pesquisa publi-
cada em 2017 pela PricewaterhouseCo-
opers Brasil (PwC Brasil)2.

Por todos os lados e âmbitos da nossa


vida, seja na dimensão individual, seja
na coletiva, parece haver um consenso
de que o big data e a inteligência artifi-
cial (IA) transformarão o mundo como
o conhecemos e resolverão “definitiva-
mente” os problemas da sociedade.

A resposta não é simples nem óbvia, Para entendermos o tema central desta
mas talvez seja determinante para o publicação, vamos partir de uma pers-
futuro da humanidade. Para explorá-la, pectiva sociológica e histórica apoiada
em três premissas detalhadas a seguir.

1 Confira o artigo completo em: <https://hbr.org/2012/10/data-scientist-the-sexiest-job-of-the-21st-century>.


2 Confira a pesquisa em: <https://www.pwc.com/gx/en/issues/data-and-analytics/publications/artificial-intelli-
gence-study.html>.

←←sumário
sumário 7
A Era dos Dados para o setor público

PREMISSA 1 PREMISSA 3
VELOCIDADE DA MUDANÇA PADRÃO E VELOCIDADE DE
CIRCULAÇÃO DA INFORMAÇÃO
Sim, as técnicas e ferramentas sempre
mudaram ao longo do tempo. Mas, do Essa terceira premissa é também um
início do século XX aos dias atuais, a ve- desdobramento lógico da anterior. Sem-
locidade dessas mudanças está mais pre que uma nova tecnologia de comu-
acelerada (Figura 1). Esse ritmo, cada vez nicação foi criada e “implementada”, ela
mais frenético, traz consigo desafios para acabou por transformar, radicalmente,
a sociedade e para as instituições, nas es- as estruturas sociais de suas respectivas
feras pública e privada. épocas.

PREMISSA 2 ...
AVANÇO DAS TECNOLOGIAS
DE COMUNICAÇÃO Neste início de século XXI, estamos em
meio a um processo de transformação
Ainda que possamos conceber essa pre- em que essas três premissas são prota-
missa como um componente da anterior, gonistas. Compreendê-las nos tornará
é importante lançar luz sobre a maneira mais aptos a enfrentar os novos desafios
como as diferentes tecnologias de comu- que elas nos oferecem.
nicação transformaram, e seguem trans-
formando, a forma e a velocidade da in-
formação.

Figura 1. Curva referente ao crescimento acelerado das tecnologias

8 ← sumário
Bem-vindos à Era dos Dados

Na medida em que vamos chegando


Efeitos da a épocas mais recentes, o que parece

velocidade ficar claro, ao observarmos a história


dessas invenções, é uma aceleração na
do avanço frequência e na ocorrência de inova-
ções e novidades envolvendo técnicas e
tecnológico ferramentas.

Portanto, quanto mais acelerado for o


O avanço alcançado pelas sociedades avanço, mais frequentes serão os im-
ao longo dos últimos séculos é indis- pactos e efeitos sobre a sociedade hu-
cutível. Segundo o historiador e filóso- mana, ainda que nossas capacidades
fo israelense Yuval Harari, em seu livro de compreensão e adaptação não te-
Sapiens: uma breve história da humani- nham evoluído no mesmo compasso.
dade, nenhuma outra espécie que já
habitou este planeta ocupou pratica- A Figura 2 traz a ideia de exponenciali-
mente todos os cantos do globo em tão dade e ilustra como cada revolução téc-
pouco tempo. Esse processo se deu, nica se dá sobre as bases da anterior.
obviamente, pela capacidade humana Ela é baseada no livro Digital technology
de colaborar em larga escala e de pro- and social change: the digital transforma-
duzir ferramentas e técnicas que iam tion of society from a historical perspecti-
transformando padrões de interação e ve, de Martin Hilbert.
impacto no ambiente ao nosso redor.

Figura 2. Revoluções técnicas

← sumário 9
A Era dos Dados para o setor público

Se todas essas mudanças se deram


Explosão ao longo de três ou quatro séculos, o

informacional que está diante de nós hoje, em 2021,


é algo de outra magnitude. Daí sua
importância e relevância.
Todas as tecnologias de comunicação
inventadas ao longo do tempo também Inspirados no livro A praça e a torre, de
transformaram, radicalmente, nossas Niall Ferguson, podemos dizer que a
relações e padrões organizacionais. internet e as telecomunicações disponí-
Para ilustrar, vamos olhar para a pren- veis atualmente seriam, de maneira si-
sa mecânica de tipos móveis, criada por milar e com liberdade poética, a prensa
Gutemberg na segunda metade do sé- mecânica do século XXI em relação ao
culo XV, na Europa. potencial de impacto e transformação
que elas possuem.
Por essa época, a produção de informa-
ção era restrita devido a dois fatores: Mas essa comparação só faz sentido se
velocidade de confecção de um livro acrescentarmos a velocidade e enten-
manuscrito e quantidade de pessoas dermos como essa combinação muda
alfabetizadas e letradas, com tempo e radicalmente o padrão de circulação
engenhosidade necessários para esse das informações.
tipo de tarefa.
Imagine todas essas mudanças que a
A prensa mecânica, quando surge, im- Europa enfrentou ao longo de 300 ou
pacta diretamente esses dois fatores. 400 anos acontecendo hoje no mundo,
Em poucas décadas, espalha-se pela só que em poucas décadas.
Europa. Panfletos, literatura de cordel e
livros passam a ser produzidos em es-
cala e com linguagens mais acessíveis.
Foi amor à primeira vista.
Sempre que o
Mas esse amor trouxe impactos, da Re-
padrão mudou,
forma Protestante à Contra-Reforma, o mundo mudou
do Iluminismo às Revoluções Francesa
e Americana. As novas possibilidades e
junto
velocidades de produção e circulação
de informação tiveram grande efeito Da década de 1970 para cá, a evolução
sobre os principais eventos que escul- dos computadores e o surgimento da
piram o mundo no formato que hoje internet aceleraram a níveis incompa-
conhecemos. ráveis a quantidade de informação pro-
duzida (em formato digital), alterando
profundamente os padrões de circula-
ção, acesso e consumo.

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Bem-vindos à Era dos Dados

Se durante os últimos 100 anos estru- Se estamos aqui, poucas décadas de-
turamos nossas vidas e sociedades pois, discutindo temas relacionados às
a partir de tecnologias de broadcast áreas e tecnologias de dados (como as
(transmissão ampla de um emissor definimos atualmente), esse é apenas o
para muitos receptores, em via de mão capítulo mais recente de um processo
única), a internet e as tecnologias de histórico mais amplo e antigo. A novi-
comunicação móvel transformaram ra- dade, portanto, não é o fato de ha-
dicalmente esse padrão. Antes, nosso ver transformação tecnológica mas
problema era a dificuldade e o custo quão rápido ela ocorre, uma vez que
para acessar e obter informações; hoje, nossa capacidade de adaptação não
vivemos em uma realidade diametral- avança no mesmo ritmo.
mente oposta.
Por isso, hoje, vivemos em um mundo
É esse mesmo contexto histórico recen- em que coexistem cartórios (exemplos
te de explosão informacional que cria perfeitos do impacto que a prensa me-
as condições para o (re)surgimento de cânica e o papel nos deixaram de recor-
conceitos como inteligência artificial ou dação) e carros que dirigem sozinhos a
aprendizado de máquina, ideias que partir de algoritmos e sistemas avança-
já vinham sendo gestadas nas esferas dos de processamento e análise de da-
acadêmicas desde a década de 1940. dos.

Enquanto, por um lado, a capacidade Os tipos de problemas e desafios que


de processamento crescia exponencial- instituições como os cartórios resolvem
mente, por outro, o aumento da adoção são típicos de épocas anteriores e já es-
e do uso de computadores contribuiu tão dando seus últimos sinais de vida.
de maneira definitiva para acelerar o Ao mesmo tempo, ainda desconhece-
processo de digitalização de informa- mos os problemas e desafios produ-
ções de todos os tipos. zidos por um carro que dirige e toma
decisões sozinho.

DATA IS THE NEW OIL


OF THE DIGITAL ECONOMY

Figura 3. Manchete da revista Wired, 2014. “Dados são o novo petróleo da economia digital”.

← sumário 11
A Era dos Dados para o setor público

As estruturas organizacionais e os mo-


Aspectos delos de gestão com os quais estamos

culturais e acostumados no momento foram ges-


tados e esculpidos ao longo do século
organizacionais XX, em uma realidade ainda distante
da atual, de comunicação instantânea e
carros autônomos.
Vamos imaginar que o tipo e/ou modelo
de instituição e o paradigma de gestão
Vamos resgatar duas premissas men-
de uma determinada época estão inti-
cionadas no início deste capítulo
mamente conectados à estrutura e à
— avanço das tecnologias de comu-
tecnologia comunicacional, os quais, por
nicação e padrão e velocidade de cir-
sua vez, determinam o padrão e a veloci-
culação da informação — para explo-
dade de circulação da informação.
rar a ideia que o economista Ronald
Coase publicou em seu artigo “The na-
O exemplo do cartório, citado há pou-
ture of the firm”3, em 1937.
co, ilustra bem essa relação. Em uma
sociedade que tem o papel como seu
Coase destaca, entre outros fatores,
principal meio de armazenamento de
que a dificuldade e o custo de se obter
dados, é natural que haja uma institui-
informações e dados obrigavam as or-
ção para validar a qualidade e a veraci-
ganizações a assumirem determinadas
dade de seus registros. Usaremos essa
formas, como estruturas piramidais ou
mesma lógica para pensar nas acelera-
centralizadas, áreas e silos muito espe-
das e profundas mudanças que teste-
cializados, paradigma de comando-e-
munhamos nos anos recentes.
-controle.
O cartório, representante do paradig-
Toda essa ideia que ainda hoje sobre-
ma anterior, é capaz de resolver o pro-
vive, nos mais diversos segmentos e in-
blema da qualidade ou da veracidade
dústrias, nas esferas pública e privada,
da informação digital? Sabemos que a
nasceu, portanto, em um mundo escas-
resposta é óbvia.
so de informações. E foi preciso desen-
volver estratégias para lidar com isso.
E se reformularmos a mesma per-
gunta substituindo o cartório por
Já avançamos quase 90 anos desde a
empresa ou instituição pública? Será
publicação de Ronald Coase, e vivemos
que todos esses modelos, concebidos
agora um contexto oposto: se, antiga-
em outras épocas e contextos, estão
mente, o acesso e o custo para obter in-
preparados para navegar nesse mun-
formação eram obstáculos, hoje o obs-
do da explosão informacional?
táculo é o excesso de informações.

3 Confira o artigo completo: <https://onlinelibrary.wiley.com/doi/full/10.1111/j.1468-0335.1937.tb00002.x>.

12 ← sumário
Bem-vindos à Era dos Dados

Mas, assim como no caso do cartório,


toda a lógica por trás do funcionamento Estamos
de uma empresa tradicional ou de uma
repartição pública4 foi concebida para preparados
lidar com problemas e desafios de um
mundo que não existe mais. Não basta-
para destravar
ria, portanto, e ao contrário do que afir- os imensos
ma uma visão muito popular da nossa
época, adquirir tecnologias e ferramen- potenciais
tas mais modernas para fazermos me-
lhor e de maneira mais eficiente o que
de novas
sempre fizemos, do jeito que sempre
fizemos.
tecnologias?
Novos problemas Toda transformação carrega consigo
potenciais aplicações e usos de novas
demandam novas tecnologias, capazes de nos ajudar a
ferramentas. E, tomar melhores decisões e a superar
para concebê-las, os desafios da sociedade, como nunca
houve no passado.
é fundamental
que entendamos a Enquanto nos preparamos e nos prote-
gemos contra possíveis riscos e efeitos
natureza desses colaterais das novas tecnologias, esta-
novos desafios. mos diante de complexas escolhas para
criar condições necessárias de forma
que o potencial positivo se concretize.
De maneira prática, quando pensamos
nesse universo de dados e nos papéis
e responsabilidades dos gestores públi-
cos, precisamos considerar dois fatores:
128 alfabetização em dados e como nosso
cérebro toma decisões. Eles serão deta-
lhados a seguir.

4 Referência, de maneira mais ampla, a todo paradigma tradicional de gestão, estrutura organizacional e
liderança.

← sumário 13
A Era dos Dados para o setor público

ALFABETIZAÇÃO EM DADOS a diversos outros sistemas cerebrais e


aos contextos histórico, cultural e so-
É crucial que todas as pessoas que tra- cial, dentro dos quais estamos inseri-
balham com dados saibam não apenas dos. Somos mulheres e homens da nos-
operar ferramentas, seja ela um softwa- sa época, afinal.
re de business intelligence (BI) ou uma
nova linguagem de programação, mas A cultura institucional dentro da qual
também que desenvolvam e ampliem exercemos nossas atividades profissio-
suas capacidades de compreender, nais tem um peso importante na ma-
analisar, interpretar e traduzir dados. neira como interpretamos dados, atri-
buímos valores e tomamos decisões.
COMO NOSSO CÉREBRO Toda essa força bruta de processamen-
TOMA DECISÕES to, todas essas técnicas com nomes
difíceis, ferramentas poderosas, quan-
Se pudéssemos resumir o poder que tidade inimaginável de dados e outros
as tecnologias nos oferecem, isso cer- fatores são capazes de nos ajudar. Mas,
tamente estaria relacionado a como ainda assim, não nos fornecem a res-
podemos usar uma quantidade enor- posta definitiva.
me de dados para tomar melhores de-
cisões. Mas essa relação entre quanti- E o que isso significa, na prática? Sig-
dade de dados e qualidade de decisão, nifica que nossa expectativa ao utili-
como veremos, não acontece de manei- zarmos essas tecnologias cada vez mais
ra linear e direta. avançadas, capazes de processar uma
quantidade de dados que já ultrapassa os
...
quintilhões de bytes diários, não deve
Nosso cérebro não é uma máquina de ser alocada na esperança de obtermos
processar dados, uma linha de produ- uma “verdade absoluta”.
ção, que na medida em que vai rece-
bendo novas informações vai produzin- A maior parte dos grandes desafios da
do decisões melhores. Talvez esse seja nossa sociedade são problemas de na-
o grande sonho da nossa espécie nos tureza complexa, que não costumam
tempos atuais, mas não descreve bem admitir respostas simples e únicas. A in-
nossa natureza e como nosso cérebro teligência artificial e o big data não são
funciona. as “bolas de cristal do século XXI”, mas
sim mecanismos que amplificam nossa
As decisões que tomamos são influen- capacidade de analisar cenários e pen-
ciadas por uma grande quantidade de sar criticamente sobre a realidade.
elementos internos, externos, cons-
cientes e inconscientes. Quanto mais a
tecnologia avança,
A racionalidade é, sim, uma capacidade mais fundamental
cognitiva humana. No entanto, ela está,
o aspecto humano
de maneira desordenada, conectada
se torna.

14 ← sumário
#2
“SOLUCIONISMO
TECNOLÓGICO”
por José Borbolla

← sumário 15
A Era dos Dados para o setor público

Novas
tecnologias e
seus efeitos na
sociedade
A narrativa parecia perfeita. Tecnologias só, daria conta das imperfeições do nosso
avançando rapidamente, nossa vida sen- mundo, como se todos os problemas da
do transformada por dispositivos mais sociedade humana fossem causados por
modernos, portáteis, poderosos, multi- má gestão e falta de poder de processa-
funcionais e com conexão mais estável e mento...
rápida.
Em particular, a gestão pública sofre de
Foi a década de 1990 que gestou a cren- maneira mais intensa pressões e cobran-
ça de que havíamos alcançado o ápice do ças por essa crença equivocada e simpló-
nosso desenvolvimento social e político e ria de que a má gestão é a causa central
que todos os problemas, a partir dali, se- de todos os males.
riam endereçados pela tecnologia5.
A ideia de que todos os tipos de serviços
No campo da Educação, por exemplo, ga- públicos podem ser digitalizados, em for-
nhou força a ideia de que computadores mato mais eficiente e menos oneroso,
nas escolas e o acesso à internet, ofere- protagoniza diversas esferas de discus-
cendo conhecimento gratuito, acessível e sões sobre o avanço tecnológico. Entre
instantâneo para todos, resolveria, de for- elas, a que diz respeito ao impacto e à
ma definitiva, as limitações e os desafios transformação do paradigma atual de
da educação tradicional. como as instituições públicas devem ser
operadas.
Como compara o historiador Yuval Harari,
criamos, inclusive, nosso próprio Vaticano Se, por um lado, novas tecnologias nos
do século XXI no Vale do Silício california- ajudam a resolver problemas, por outro,
no. De lá vieram as principais profecias trazem consigo novos desafios. E isso não
sobre esse futuro incrível e exponencial. é de hoje.
Bastaria que não se colocassem obstá-
culos ao avanço tecnológico e este, por si

5 Francis Fukuyama, cientista político e economista norte-americano, explorou ideias análogas em seu livro O
fim da história e o último homem, de 1991.

16 ← sumário
“Solucionismo tecnológico”

Inúmeras aplicações trouxeram soluções veis fósseis ou esgotar recursos naturais


incríveis às quais estão atrelados riscos e escassos? Há quem diga que sim.
dificuldades.
O fato de a tecnologia dispor de um de-
Nos momentos de lançamento das no- terminado atributo ou potencial técnico
vas tecnologias, o mundo todo se enche não diz nada sobre como ela será utiliza-
de esperança. Mas bastam alguns anos da na vida real.
para ficar evidente que a questão era um
pouco mais complexa do que parecia no É absolutamente crucial e indispensável
início. entender essa limitação e superá-la, não
apenas para um profissional que ocupe
Vamos pensar em exemplos concretos, uma posição estritamente ligada à análi-
como a eletricidade ou a energia nucle- se, ciência ou engenharia de dados, mas
ar. Olhando para trás, parece óbvio que também a todas as outras áreas e disci-
enfrentaríamos todos os problemas e ca- plinas.
tástrofes que essas tecnologias traziam
consigo, na medida em que avançavam Enquanto adotarmos o “solucionismo
e se espalhavam pelo planeta. Mas isso tecnológico” como uma perspectiva úni-
não era óbvio quando elas nasceram. ca, seguirão altas as chances dos nossos
E talvez o otimismo tenha nos dominado sonhos utópicos se tornarem pesadelos
quando os primeiros experimentos com reais.
eletricidade ou energia nuclear demons-
traram que elas eram capazes de resol-
ver problemas antigos de maneira apa-
rentemente simples.
E o que significa
superar a visão
Cultivar a simplória e perigosa ideia de
que mais tecnologia é sempre melhor solucionista?
e que os problemas e desafios atuais
da nossa sociedade só existem porque Significa entender que os atributos téc-
ainda não desenvolvemos a tecnologia nicos de uma tecnologia qualquer suge-
apropriada para resolvê-los é o que al- rem potenciais aplicações, mas nada in-
guns autores chamam de “solucionismo formam ou determinam sobre o uso que
tecnológico”. aquela tecnologia receberá.

A energia nuclear trouxe a promessa de Quando deixamos de olhar para a in-


eletricidade barata e acessível para o pla- teligência artificial como provedora de
neta. Pouco ou nada se falava, no início, “verdades absolutas”, exercitamos a ca-
sobre outros usos possíveis. Em teoria, se pacidade crítica e o dever cidadão de en-
os governos decidissem combinar uma tender as tecnologias como mecanismos
política global para utilizar a energia nu- que só se realizam por meio do nosso
clear, seria possível oferecer eletricidade uso e das nossas decisões. E, portanto,
para o planeta sem queimar combustí-

← sumário 17
A Era dos Dados para o setor público

são capazes de produzir efeitos positivos Precisamos entender que vivemos num
e negativos na sociedade. mundo complexo, de relações comple-
xas, desde as partículas mais básicas da
Enquanto você, gestor público, preenche física quântica às estruturas mais massi-
sua planilha, escolhe suas fontes de da- vas do universo.
dos, escreve linhas de código em seu al-
goritmo e analisa seus gráficos, há outra A notícia positiva é que entender as
combinação de elementos atuando de limitações das nossas técnicas e fer-
maneira simultânea e indissociável. ramentas pode, na verdade, ampliar
nossa capacidade de utilizá-las para
Dispomos de grande quantidade e va- resolver problemas e responder per-
riedade de dados, aliados a tecnologias guntas. E é justamente aí que as di-
com poder crescente de processamento. mensões técnicas e o pensamento crí-
Essas tecnologias parecem, a cada ano, tico se encontram.
mais capazes de lidar com quantidades
de informações cada vez maiores. Isso, Em outras palavras: estamos falando da
por si só, deveria estar produzindo as me- combinação entre os elementos impor-
lhores decisões em todos os âmbitos. tantes para operacionalizarmos nossos
modelos mentais, da escolha das fontes
O que determina nossas escolhas e deci- de dados e das técnicas que utilizaremos
sões sobre o que faremos com o conheci- enquanto, simultaneamente, atuamos
mento que o método científico pode nos com um olhar crítico “sempre ligado”. É
conferir não pode ser calculado, muito esse olhar crítico que nos ajudará a en-
menos determinado, matematicamente tender a complexidade, as nuances, os
ou racionalmente. contextos histórico e social, bem como
a natureza do problema que precisamos
Definições sobre certo ou errado, bom ou resolver.
ruim são construções culturais, sociais e
históricas, que dizem respeito às dimen- Na escolha de modelos, importa estar-
sões morais e éticas da nossa existência. mos cientes de suas vantagens e desvan-
Não há quantidade de cálculo que possa tagens, interpretar os resultados, compre-
ser feito para que haja uma resposta defi- ender e analisar criticamente as possíveis
nitiva sobre questões dessa natureza. relações encontradas entre variáveis e,
especialmente, traduzir esses aprendiza-
Ainda que o resultado de uma operação dos de volta para o mundo real.
seja matemática e metodologicamente
perfeito, a forma como as pessoas inter-
pretarão esses números e como suas
decisões imediatas serão ou não influen-
ciadas não dependem apenas da exati-
dão estatística.

18 ← sumário
A Era dos Dados para o setor público

É a capacidade
de análise crítica,
interpretação e
tradução que permite
transformar os dados
em melhores decisões.
A matemática e as
ferramentas são apenas
parte dessa jornada.
O aspecto mais
importante da
tecnologia é o humano.
#3
A Era dos Dados para o setor público

ALFABETIZAÇÃO
EM DADOS
por Carol Andrade

20 ← sumário
Alfabetização em dados

Alfabetização
em dados no
mundo

Neste capítulo, entenderemos o que é demanda mudanças organizacionais,


alfabetização em dados e por que ela é estruturais, culturais e no paradigma
uma das competências fundamentais de liderança.
do gestor público do futuro.
Em todos os segmentos, nas esferas
Para ilustrar a magnitude da alfabetiza- pública e privada, apenas as organiza-
ção em dados, apresentamos algumas ções capazes de elevar seus níveis de
pesquisas e publicações recentes sobre alfabetização em dados, e incorporar
esse tema. essa nova cultura, sobreviverão.

A PricewaterhouseCoopers Brasil (PwC Criar condições para fazer crescer


Brasil)6 estimou que analytics e inteli- uma visão mais integrada e aumen-
gência artificial contribuirão com cerca tar a capacidade analítica da orga-
de 15,7 trilhões de dólares na econo- nização como um todo a torna mais
mia global até 2030, o que pode ser tra- apta a entender seu ecossistema e as
duzido em um impacto de até 26% no necessidades de seus usuários.
Produto Interno Bruto (PIB) da China e
14,5% no dos Estados Unidos. Estudo publicado na edição de agosto
de 2019 da Harvard Business Review7 re-
É difícil encontrar na história recente vela que, até aquela data, apenas 8%
um exemplo similar ocorrendo em um das companhias estavam obtendo su-
intervalo de tempo tão curto. cesso na implementação dessas mu-
danças em larga escala.
Diferente de outras fases da inovação,
em que substituímos ferramentas tra-
dicionais por versões mais modernas e
eficientes, na Era dos Dados tem fica-
do cada vez mais claro que o desafio

6 Confira o estudo completo em: <https://www.pwc.com/gx/en/issues/data-and-analytics/publications/artifi-


cial-intelligence-study.html>.
7 Confira a pesquisa completa em: <https://hbr.org/2019/07/building-the-ai-powered-organization>.

← sumário 21
A Era dos Dados para o setor público

Na sequência, Jordan Morrow, chefe


Conceito, de alfabetização em dados da empre-

pesquisas e sa Qlik10, ganhou destaque com o tema


“Por que todos deveriam ser fluentes
competências em dados”11, no TEDxBoise12. Ele enfa-
tizou que a alfabetização em dados
não é apenas para especialistas ou
A tradução de data literacy é “alfabeti-
cientistas de dados, mas para todas
zação em dados”. Outra tradução mui-
as pessoas.
to utilizada no Brasil é “fluência em da-
dos”, que, na Era dos Dados, é como
A Qlik capacita funcionários de todos os
um segundo idioma que todos nós
níveis para torná-los capazes de fazer
devemos aprender e ser fluentes.
as “perguntas certas” sobre dados, de-
senvolver conhecimentos, tomar deci-
Em 2015, os pesquisadores do Instituto
sões e comunicar o significado a outras
de Tecnologia de Massachusetts (MIT)8
pessoas.
Catherine D’Ignazio e Rahul Bhargava
descreveram em seu artigo “Aborda-
Em 2018, essa mesma empresa lançou
gens para desenvolver a alfabetização
a pesquisa “Liderar com dados: como
em big data”9 que a alfabetização em
impulsionar a alfabetização em dados
dados é a capacidade de ler, trabalhar,
na empresa”13, em que foram consulta-
analisar e se comunicar com dados.
dos mais de 7 mil tomadores de decisão
em distintas organizações, nos cargos
A partir desse estudo, o conceito ga-
de gerência e supervisão, na Europa, na
nhou popularidade internacional e
Ásia e nos Estados Unidos.
criou-se um consenso acerca de quatro
competências essenciais:
A pesquisa evidencia que o nível de alfa-
betização em dados nas empresas ainda
LER DADOS é baixo, porém os próprios colaborado-
TRABALHAR COM DADOS res consideram essa competência neces-
sária para melhorar sua performance e
ANALISAR DADOS credibilidade profissional, estando dis-
postos a investir tempo e energia no de-
ARGUMENTAR COM DADOS
senvolvimento de tais habilidades.

8 O MIT é uma universidade privada de pesquisa referência em tecnologia e inovação localizada em Cambrid-
ge, Massachusetts, Estados Unidos. <​​https://www.mit.edu/>.
9 Consulte o artigo completo em: <https://dam-prod.media.mit.edu/x/2016/10/20/Edu_D%27Ignazio_52.pdf>.
10 Qlik é uma empresa que oferece produtos de análise e integração de dados e serviços complementares
com ênfase em treinamentos de data literacy. Conheça mais em: <https://www.qlik.com/pt-br/bi/data-literacy>.
11 Assista à palestra em: <https://www.youtube.com/watch?v=8ovyQZ_Z8Xs>.
12 Conheça o TEDx Boise em: <http://tedxboise.org/>.
13 Confira a pesquisa completa em: <https://www.qlik.com/us/bi/-/media/08F37D711A58406E83BA8418EB-
1D58C9.ashx?ga-link=datlitreport_resource-library>.

22 ← sumário
Alfabetização em dados

Vejamos aqui alguns dados que justifi- Sem a alfabetização em dados, os líde-
cam as descobertas da pesquisa: res não conseguem prosperar na atual
economia analítica ou impulsionar qual-
» Apenas 24% dos tomadores de deci- quer tipo de transformação organiza-
são pesquisados ​​estão totalmente con- cional ou social.
fiantes em sua capacidade de ler, traba-
lhar, analisar e discutir os dados. Outra publicação de relevância in-
ternacional é a Global Data Literacy
» Como apenas 32% dos executivos de Benchmark14, lançada em 2020 pela
alto nível são vistos como alfabetizados iniciativa Data to the people 15. Trata-
em dados, a força de trabalho das em- -se da primeira medição abrangente
presas, ou seja, os líderes seniores, não de alfabetização em dados, realizada
são encorajados a usar dados. com mais de 5 mil funcionários na
Austrália, nos Estados Unidos, na Ín-
» 94% dos entrevistados que usam da- dia, no Reino Unido e no Canadá.
dos em sua função concordam que os
dados os ajudam a fazer um trabalho O diferencial dessa publicação, que é
melhor. Eles também acreditam que mais do que uma pesquisa, é ser um
uma maior alfabetização em dados lhes modelo e uma ferramenta de avaliação
daria mais credibilidade (82%). de competências de alfabetização em
dados, a Databilities®.
» 78% dos tomadores de decisão disse-
ram que estariam dispostos a investir A estrutura descreve 15 competências
mais tempo e energia para melhorar essenciais nas dimensões de leitura, es-
suas habilidades analíticas. crita e compreensão, sendo que esta
última equivale às habilidades de aná-
A pesquisa indica ainda caminhos para lise e argumentação. Veja a Figura 4 na
uma mudança de cultura organizacio- página a seguir.
nal, por meio do desenvolvimento e
do apoio às lideranças e equipes, uma
vez que a baixa alfabetização em dados
impede o crescimento de iniciativas de
transformação digital, assim como leva
à deficiência generalizada na confiança
dos dados.

14 A tradução literal da publicação é “Comparativo de mercado global de alfabetização de dados”. Acesse
para conhecê-la: <https://bd2aff5a-3466-4f31-9830-5ad0042d9703.filesusr.com/ugd/1ff4ae_3e3b4a50ea-
d44939b50713c3c9af4b66.pdf>.
15 Data to the People é uma iniciativa que reúne reconhecidos especialistas globais e líderes da indústria na
construção e promoção da alfabetização em dados. Conheça mais em: <https://www.datatothepeople.org/>.

← sumário 23
A Era dos Dados para o setor público

Figura 4. Databilities®: 15 competências essenciais de alfabetização em dados

24 ← sumário
Alfabetização em dados

Ainda em 2020, foi lançada a pesquisa​​


“O impacto humano da alfabetização em
dados”16, realizada pelo Data Literacy Pro-
Se você quiser receber uma ject17 e envolvendo 9 mil funcionários de
avaliação gratuita das suas setores e cargos de alto nível a nível bá-
habilidades de alfabetização sico, em países da América do Norte, da
em dados nessas competên- Europa e da Ásia-Pacífico.
cias e níveis, pode acessar o
questionário da Databilities®. O estudo aponta que a democratização
dos dados dentro das organizações é
No Brasil, o Social Good Bra- fundamental para acelerar a mudança
sil lançou em português uma de cultura. O desafio é que muitos fun-
autoavaliação que, além de me- cionários ainda não possuem as habilida-
dir o grau de alfabetização em des necessárias para trabalhar com fer-
dados, também avalia o uso éti- ramentas de dados de forma confortável
co e a promoção do bem-estar e confiante.
social com dados.
Em relação à confiança, apenas 21% da
força de trabalho global está totalmente
confiante sobre suas habilidades de alfa-
betização em dados.

16 Conheça a pesquisa completa “The human impact of data literacy” em: <https://www.accenture.com/_acn-
media/PDF-118/Accenture-The-Human-Impact-Data-Literacy.pdf#zoom=50>.
17 O Data Literacy Project é uma iniciativa que une organizações e líderes acadêmicos para discutir e desen-
volver as ferramentas necessárias para uma sociedade alfabetizada em dados. Conheça mais em: <https://
thedataliteracyproject.org/>.

← sumário 25
A Era dos Dados para o setor público

Um efeito negativo disso é que apenas


​​ (OCDE)18 lançou a publicação “Habilida-
32% dos executivos entrevistados dis- des essenciais para inovação no setor
seram ser capazes de criar valor mensu- público”19, abordando a necessidade do
rável a partir dos dados, enquanto 27% desenvolvimento de seis competências
disseram que dados e projetos analíti- essenciais para inovar na gestão públi-
cos produzem descobertas que levam a ca. Uma dessas competências é a alfa-
ações concretas. betização em dados.

Outro efeito também negativo é ​​ que A publicação defende que aumentar o


quando as organizações não apoiam número de cientistas ou especialistas
ativamente seus funcionários para que em dados no governo não garante o
eles adotem novas tecnologias e práti- sucesso na condução para uma gestão
cas de trabalho isso acaba por afetar seu orientada a dados, devendo-se, portan-
bem-estar. to, estimular o seguinte: que todos os
agentes públicos sejam alfabetiza-
O estudo aponta que 6 em cada 10 entre- dos em dados e valorizem a impor-
vistados (61%) relataram se sentir sobre- tância do uso de dados.
carregados pelos dados e mais estres-
sados no local de trabalho. Isso ocorre Também é imprescindível que a análi-
quando as organizações não apoiam ati- se de dados não seja um “pensamento
vamente seus funcionários na adoção de posterior”. A alfabetização em dados se
novas tecnologias e práticas de trabalho. refere à tomada de decisão pautada em
dados e evidências, e não em “achis-
Como pudemos ver, o Brasil ainda ficou mos”, e os gestores devem entender
fora das pesquisas apresentadas. Elas se seu caráter estratégico.
concentraram no setor privado e na lín-
gua inglesa. O estudo aponta ainda que um gestor
público quando alfabetizado em dados:

Alfabetização » usa dados, em vez de suposições,


para tomar decisões;
em dados na » gerencia serviços públicos com base
em dados;
gestão pública » trabalha com especialistas em dados;
» comunica-se efetivamente com não
Em 2017, a Organização para a Coope- especialistas sobre dados, análises e re-
ração e Desenvolvimento Econômico sultados.

18 OCDE é uma organização econômica intergovernamental com 38 países membros, fundada em 1961 para
estimular o progresso econômico e o comércio mundial: <https://www.oecd.org/latin-america/countries/brazil/
brasil.htm>.
19 Confira o estudo “Core skills for public sector innovation”: <https://www.oecd.org/media/oecdorg/satellite-
sites/opsi/contents/files/OECD_OPSI-core_skills_for_public_sector_innovation-201704.pdf>.

26 ← sumário
Alfabetização em dados

Os resultados gerados quando gesto- Nesse sentido, é fundamental refletir-


res públicos são fluentes em dados são mos sobre:
visíveis em três esferas:
(a) a necessidade de a Ciência de
1 Soluções de dados criadas para Dados posicionar o ser humano
melhorar a eficiência da gestão, oti- no centro de seus processos e,
mizando e economizando recursos. assim, prosperar nas organiza-
ções públicas. Além do desenvol-
2 Políticas públicas baseadas em vimento tecnológico, é fundamen-
evidências, reconhecendo-se e au- tal considerar o desenvolvimento
mentando o impacto positivo de ini- humano caminhando junto da im-
ciativas públicas que deram certo. plementação de novas tecnologias.
Caso contrário, pode-se investir
3 Transparência dos dados públi- muito recurso em uma solução en-
cos, permitindo uma cidadania ple- gavetada e subutilizada.
na a partir do acesso à informação
e a um real engajamento da popu- (b) os efeitos negativos das tec-
lação e de outros setores nas ques- nologias no mundo atual. É pre-
tões públicas. ciso ir além da alfabetização em
dados, democratizando uma edu-
cação em dados que inclua refle-

Alfabetização xões acerca de uma visão crítica


dessa nova Era dos Dados e nosso
em dados para a papel ético na sociedade.

população e os No próximo tópico, vamos abordar


quatro desses efeitos.
impactos sociais
Alfabetizar as pessoas em dados, pre-
parando-as para navegar nesse atual Efeitos negativos
oceano de informações, é uma neces-
sidade social. Isso permite que elas es-
das tecnologias
tejam aptas a mais oportunidades de
trabalho e de negócios, em um mundo
no mundo atual
cada vez mais digital. O primeiro efeito podemos chamar de
ditadura dos dados. Segundo Yuval Ha-
Além de inclusão produtiva e melhoria rari, “Dados são uma das mais impor-
da renda, a alfabetização em dados dá tantes questões políticas no mundo,
condições para que as pessoas tomem pois estão se tornando o capital mais
melhores decisões nos campos da saú- valioso”, e hoje a maioria dos dados
de, das finanças, da política e em outros está sob posse de poucas organizações.
aspectos de sua vida pessoal.

← sumário 27
A Era dos Dados para o setor público

O segundo é a “pandemia das fakes


news”. Ainda que a desinformação sem- Uso de dados
pre tenha existido, a novidade agora é o
ritmo que ela ganhou. Pessoas deixam para o bem
de lado a capacidade de pensar de for-
ma crítica e, por conta dos algoritmos,
comum
são induzidas a uma opinião restrita a
Globalmente, há uma série de ini-
sua pequena bolha.
ciativas de uso de dados para o bem
comum, um campo de inovação co-
O terceiro efeito se relaciona aos
nhecido como Data for Good, ou, em
ciberataques, acelerando crimes digi-
português, Dados para o Bem, do qual o
tais e vazamentos de dados pessoais
Social Good Brasil faz parte.
sensíveis. O Brasil é o segundo país do
mundo que mais sofre ciberataques,
Jake Porway, pesquisador da Data.org21,
segundo o Mapa em tempo real de ame-
cofundador e diretor executivo da
aças cibernéticas20 criado pela empresa
DataKind 22, está mapeando iniciativas
de segurança virtual Kaspersky.
ao redor do mundo nesse campo. Uma
versão preliminar desse mapeamento
O quarto efeito negativo é a possibili-
já foi publicada, está no estudo “Traçan-
dade de violação e a utilização impró-
do o cenário Dados para o Bem”23.
pria de dados pessoais. No Brasil, por
exemplo, não há geração de dados
Destacamos a seguir quatro categorias
confiáveis sobre determinados locais
de iniciativas do campo Data for Good.
e populações mais vulneráveis, isto é,
os dados são retratados com viés dis-
COLETAS E NARRATIVAS DE DADOS
criminatório ou sequer são retratados.
SOBRE GÊNERO E RAÇA
Como consequência, localidades e po-
pulações podem ser excluídas de políti-
Como exemplo no mundo, citamos o Da-
cas públicas ou receber menos investi-
ta2x24. É uma iniciativa da Organização
mentos sociais.
das Nações Unidas (ONU) para melhorar
a disponibilidade, a qualidade e o uso de
dados de gênero.
Os desenvolvimentos
Já no Brasil, a empresa social Gênero e
humano e tecnológico
Número25 produz e distribui jornalismo
devem caminhar juntos. orientado por dados e análises sobre
questões urgentes de gênero e raça, vi-

20 Acesse o Cyber Threat Real Time Map em: <https://cybermap.kaspersky.com/>.


21 Conheça a iniciativa global: <https://www.data.org/>.
22 Conheça a organização: <https://www.datakind.org/>.
23 Confira o artigo na íntegra: ​​<https://www.data.org/charting-the-data-for-good-landscape/>.
24 Conheça mais o Data2x em: <https://data2x.org/>.
25 Conheça mais a Gênero e Número em: <https://www.generonumero.media/>.

28 ← sumário
Alfabetização em dados

sando qualificar debates rumo à equida- cípios a aprimorarem suas políticas de


de. A partir de linguagem gráfica, conte- dados abertos.
údo audiovisual, pesquisas, relatórios e
reportagens multimídia alcançam e in- APOIO À CRIAÇÃO DE SOLUÇÕES
formam uma audiência interessada no DE DADOS
assunto. Outra iniciativa nacional interes-
sante é o Data Labe26, um laboratório de O objetivo dessa iniciativa é aproveitar
dados e narrativas na favela da Maré, no o melhor da inteligência artificial e de
Rio de Janeiro. dados para resolver problemas sociais
complexos e, dessa forma, impactar a
DADOS ABERTOS, O PODER DA vida de milhares de pessoas e conectar
TRANSPARÊNCIA PARA O diversas instituições.
EXERCÍCIO DA CIDADANIA
No mundo, o DataKind29 se propõe a
No mundo, há várias iniciativas que ofe- colocar a Ciência de Dados a serviço da
recem datasets (em português, conjuntos humanidade, disseminando o campo
de dados) para que qualquer cidadão Data for Good.
possa consultá-los. O objetivo é promo-
ver a transparência e cada vez mais pes- No Brasil, as iniciativas do Laboratório
quisas e projetos baseados em dados de Dados do Social Good Brasil e do
confiáveis. ÍRIS | Laboratório de Inovação e Dados
do Governo do Ceará são pioneiras e se
A plataforma Dados Abertos do Banco destacam nessa jornada.
Mundial27 é uma dessas iniciativas. Ela
disponibiliza uma coleção de dados EDUCAÇÃO E TREINAMENTO
referentes a desenvolvimento susten-
tável, indicadores financeiros, de de- Já são muitas as iniciativas globais de
senvolvimento, estatísticas das dívidas educação em dados voltadas para cien-
externas dos países, entre outros da- tistas de dados, novos talentos e todo e
dos no plano global. qualquer cidadão.

No Brasil, o Open Data Index28, da Open Destacamos a OCDE Learning Compass


Knowledge Brasil, acompanha como o 203030, uma estrutura de aprendizagem
poder público do país está atuando de em evolução que fornece pontos orien-
acordo com princípios de transparên- tadores, como bem-estar individual e
cia. Além disso, ​​ajuda a avaliar políticas, coletivo.
identifica gargalos e orienta os muni-

26 Conheça mais o Data Labe em: <https://datalabe.org/>.


27 Conheça mais o World Bank Open Data em: <​​https://data.worldbank.org/>.
28 Conheça mais o Open Data Index em: <https://ok.org.br/projetos/open-data-index/>.
29 Conheça mais o DataKind em: <https://www.datakind.org/>.
30 Conheça mais sobre o OCDE Learning Compass 2030 em: <https://www.oecd.org/education/2030-project/
teaching-and-learning/learning/learning-compass-2030/>.

← sumário 29
A Era dos Dados para o setor público

Outra instituição referência global é a


Data Pop Alliance31, que tem como ob- ​​
jetivo principal escalar a alfabetização
na Era dos Dados para ajudar indivídu-
os e instituições a se tornarem agentes
de mudança social positiva. Isso se dá
por meio do uso de dados de maneira
a refletir os princípios éticos fundamen-
tais de equidade e empoderamento.

No contexto nacional o Social Good


Brasil encabeça programas de educa-
ção que incorporam a alfabetização em
dados como forma de democratizar o
conhecimento. Uma dessas iniciativas
— on-line e gratuita — é a Habilidados32,
primeira série sobre alfabetização em
dados no Brasil. Cada episódio aborda
uma ou mais competências com lingua-
gem acessível e didática.

31 Conheça a Data Pop Alliance: <https://datapopalliance.org/mobilize/>.


32 Acompanhe a série Habilidados: <https://www.youtube.com/user/SocialGoodBrasil>.

30 ← sumário
A Era dos Dados para o setor público

Estar preparado para a Era dos


Dados não significa apenas
ter um uma vasta base de
dados ou dispor de um robô
que atenda seus usuários de
maneira digital e automatizada.
Estamos falando de um
outro código-fonte, de um
sistema operacional distinto.
Será necessário redesenhar
estruturas e processos
decisórios, de forma que todas
as decisões da organização
estejam apoiadas, em menor ou
maior grau, por dados.
#4
A Era dos Dados para o setor público

A JORNADA
DE DADOS
por Carol Andrade

32 ← sumário
A jornada de dados

Como fazer
avançar uma
gestão pública
orientada a
dados
Em qualquer instituição, o desafio para de dados. Como consequência, não há
avançar na Era dos Dados não é a tec- capacitação e engajamento das lideran-
nologia, mas os modelos mentais, a cul- ças e demais pessoas que deveriam to-
tura e os aspectos humanos. Por isso, mar decisões com base em evidências.
para que haja a implementação de no-
vas tecnologias e uma efetiva mudança Também é um desafio para as institui-
de cultura, é fundamental que o ser hu- ções não descentralizar a informação e
mano esteja no centro dos processos o conhecimento dos dados, principal-
e seja garantido um diálogo aberto e o mente em modelos hierárquicos mais
sentimento de propósito. rígidos e burocráticos.

A dificuldade de integração e o com- Como sociedade, avançamos em tec-


partilhamento de bancos de dados nologias e inovações, mas nem tanto
entre áreas distintas é um desafio re- em modelos mentais. Predominam
corrente para uma análise de dados os modelos tradicionais de escassez
mais sofisticada e com potencial de e competição, em vez de abundância
diagnóstico de valor para a gestão de e colaboração, assim como o apego a
serviços e políticas públicas. status e cargos.

Segundo artigo de Anthony Spadafo- Esses são os reais problemas, assim


ra33, mais da metade (55%) das orga- como a resistência das pessoas em
nizações concordam que a fragmen- adotar novidades por resistirem à mu-
tação de dados em distintos bancos dança. Por isso, como parte do proces-
de dados traz lentidão ao processo de so, é fundamental ouvir melhor as pes-
maturidade analítica da organização. soas envolvidas, entender seus receios
e captar suas motivações.
Outro desafio comum é a crença de que
trabalhar com dados é apenas para pes-
soas da área de Exatas e/ou cientistas

33 Leia o artigo completo em: <https://www.itproportal.com/news/many-companies-dont-know-where-their-


-critical-data-is-kept/>.

← sumário 33
A Era dos Dados para o setor público

Toda mudança e inovação exige sair da


“zona de conforto”, daí ser fundamen- Canvas de
tal o envolvimento das lideranças. Líde-
res que compreendem que a Era dos Dados
Dados apenas começou — e é o nosso
futuro — são capazes de compartilhar Para apresentar o Canvas de Dados, é
uma visão inspiradora e gerar um sen- necessário primeiro entendermos a di-
timento de engajamento rumo a uma ferença entre pensamento convencio-
nova cultura analítica. nal e pensamento analítico.

Na lógica convencional, de acordo com


Ferramentas a Figura 5, na página a seguir, começa-

para apoiar mos o raciocínio pela grande quanti-


dade de dados disponíveis e nos per-
decisões guntamos: “O que eu consigo extrair
disso?”. Nos passos seguintes, identifi-
baseadas em camos e testamos hipóteses. Essa lógi-
ca convencional tem três principais pro-
dados blemas:

O gestor público fluente em dados é 1 Muitas vezes, não chegamos a bons


capaz de definir estratégias, pautar resultados por não termos um objetivo
suas decisões com base em evidên- claro em relação ao projeto. Instituições
cias, e não apenas em percepções contratam cientistas de dados, mas não
pessoais e vieses34. têm êxito em suas jornadas. E por que
isso acontece? De acordo com estudo
A seguir, apresentamos duas ferra- da Gartner35, 85% dos projetos de da-
mentas para apoiar gestores na toma- dos falham, e uma das principais razões
da de decisão: o Canvas de Dados e para isso é a falta de um objetivo claro.
o Fluxo de Dados, ambas criadas pelo 2 Ficamos imersos em grandes quan-
Social Good Brasil. tidades de dados e não avançamos ou
avançamos lentamente.
O propósito dessas ferramentas é
orientar a gestão a navegar no pensa- 3 Quando finalmente chegamos a uma
mento analítico, a partir de objetivos e conclusão, não sabemos se ela foi a
problemas bem definidos, para pautar mais efetiva entre as opções, porque
projetos e decisões e dar os primeiros não havia, desde o início, um objetivo
passos para criar uma solução de dados. claro em relação ao final do projeto.

34 Vieses cognitivos ou inconscientes são associações automáticas, suposições, julgamentos e atitudes em


relação a outras pessoas, situações e contextos.
35 Leia artigo que cita o estudo da Gartner: <https://towardsdatascience.com/why-data-science-projects-fail-
-revisited-85fe242c3931>.

34 ← sumário
A jornada de dados

Já pela lógica analítica, apresentada na Os dados são identificados apenas na


Figura 6, iniciamos e partimos do pro- terceira etapa do processo. Só depois
pósito, ou seja, do objetivo ou do pro- de termos um objetivo claro e as per-
blema que pretendemos resolver. Esse guntas para tomada de decisão, é que
objetivo será o foco em um universo de definimos os dados relevantes.
dados que ultrapassa nossa capacida-
de humana de consumo.

Figura 5. Lógica convencional Figura 6. Lógica analítica

← sumário 35
A Era dos Dados para o setor público

Figura 7. Ferramenta Canvas de Dados Social Good Brasil

Portanto, o Canvas de Dados (Figura 7) Garantir que toda a equipe envolvida


é tanto uma ferramenta estratégica compreenda o que esperamos do proje-
como prática, que pode ser utilizada to diminui as chances de desgastes e re-
diariamente pelo gestor público. Ela trabalhos. Fazer bem essa primeira eta-
o orienta a navegar pelo pensamento pa garante o sucesso das seguintes e traz
analítico e estratégico. qualidade ao resultado final. Além disso,
evita potenciais desentendimentos e len-
A seguir, explicamos como utilizar tidão ao longo do caminho, ou mesmo o
essa ferramenta, passo a passo. fracasso do projeto.

ETAPA 1 OBJETIVOS/RESULTADOS Os objetivos podem ser de níveis estraté-


Defina e alinhe objetivos ou gicos ou táticos, de impacto de médio ou
resultados esperados curto prazo. Também podem ser definidos
a partir de problemas a resolver, como as
Além da importância da lógica analíti- questões internas do dia a dia da institui-
ca, que considera a clareza de objeti- ção ou questões relativas à sociedade.
vos para iniciar um projeto de dados, é
fundamental o alinhamento entre lide- Qualquer que seja a natureza do objetivo
ranças, coordenadores, gestores e téc- ele deve ser minimamente SMART. Esse
nicos. método é usado para construir objetivos
em planejamentos estratégicos.

36 ← sumário
A jornada de dados

Para alcançar um objetivo SMART36, você No caso da Portabilis, por exemplo, as


deve considerar os fatores acima. perguntas foram:

Como exemplo de um objetivo SMART » Qual o histórico de evasão escolar no


citamos o caso da Portabilis37, empresa município?
social que atua com a gestão pública » Em qual período do ano letivo mais
municipal através do uso de tecnologia ocorre abandono?
e dados nas áreas de educação e as- » Em quais localidades do município o
sistência social. Ela definiu um objetivo abandono é mais predominante?
SMART a partir de um Canvas de Dados » Qual é a faixa de renda média das fa-
da seguinte maneira: reduzir em 50% mílias dos alunos que evadem?
as taxas de abandono escolar em todas » Quais outros indicadores não são usu-
as escolas municipais da Grande Floria- almente relacionados à evasão escolar?
nópolis até 2030. » É possível identificar uma relação en-
tre faixa de renda familiar e outros indi-
ETAPA 2 PERGUNTAS ESTRATÉGICAS cadores não usualmente relacionados
Reflita e defina perguntas para com a evasão escolar?
tomar decisões estratégicas » A partir do histórico, qual perfil de
aluno tem maior tendência à evasão es-
Na segunda etapa do Canvas de Dados, colar?
vamos refletir e definir perguntas que a
organização deve fazer para entender e Atenção! A qualidade das perguntas
qualificar objetivos e/ou resultados. influencia a qualidade dos produtos
gerados ao final do Canvas.

36 SMART é a sigla de um método de definição de metas baseada em 5 fatores: S (specific/específico), M (me-


asurable/mensurável), A (achievable/alcançável), R (relevant/relevante) e T (time-bound/temporal).
37 Conheça a Portabilis: <https://portabilis.com.br/>.

← sumário 37
A Era dos Dados para o setor público

Nessa segunda etapa, faz diferença co- ANÁLISE PREDITIVA


nhecer a complexidade de análises dos O que vai acontecer?
dados. A Figura 8 apresenta os quatro Quais perguntas ajudariam você a en-
níveis de complexidade de análise de tender o que pode acontecer daqui
dados. A análise é uma das competên- para frente em relação ao seu objetivo?
cias de alfabetização em dados.
ANÁLISE PRESCRITIVA
Se aproveitarmos esse conhecimento Que ação tomar?
para elaborar perguntas do Canvas de Quais perguntas ajudariam você a deci-
Dados, elas poderiam ser formatadas dir como reagir ou responder aos acon-
assim: tecimentos futuros em relação ao seu
objetivo?
ANÁLISE DESCRITIVA
O que aconteceu? Às vezes, um time que deseja se desta-
Quais perguntas levariam você a enten- car como mais inovador, ao saber de po-
der melhor o contexto atual em relação tenciais análises mais avançadas, pode
ao seu objetivo? perder o foco do seu objetivo, gerando
um produto mais inovador em termos
ANÁLISE DIAGNÓSTICA de tecnologia, porém menos usado na
Por que aconteceu? prática para a tomada de decisão.
Quais perguntas levariam você a enten-
der a razão pela qual as coisas aconte-
ceram de determinada maneira em re-
lação ao seu objetivo?

Figura 8. Níveis de complexidade de análise de dados

38 ← sumário
A jornada de dados

ETAPA 3 DADOS NECESSÁRIOS Um mesmo produto de dados pode


Enumere dados e informações conter dados primários e secundários e
necessárias para cada pergunta cruzar as informações para análises de
mais de uma fonte de dados. Ao final,
Quando as perguntas estiverem bem dependendo do objetivo, pode ser ne-
definidas, levantaremos as informações cessário desenhar mais de um produto
e dados necessários para respondê-las. de dados.

Os dados podem ser evidências e infor- Nesta última etapa, além de clareza de
mações de todos os tipos, quantitativos objetivos, perguntas e dados neces-
e qualitativos, primários ou secundá- sários, é fundamental também, para a
rios, dados que sua instituição possui tomada de decisão, ter clareza do pú-
internamente ou até que precise cole- blico-alvo que irá consumir o produto.
tar. Não se restrinja no momento. Inicie
listando tudo o que for necessário. O perfil desse público é necessário para
decidir o tipo de visualização e as nar-
No exemplo da Portabilis, eles enume- rativas de dados que serão adotadas.
raram como dados necessários: Como já mencionamos, importa cons-
truir uma solução de dados que seja de
» Dados de alunos e suas matrículas no fato usada para a tomada de decisão, e
sistema de gestão escolar. não uma solução com tecnologia sofisti-
» Dados das famílias no sistema de ges- cada, mas que pode gerar uma barreira.
tão de assistência social.
A única regra aqui é considerar o públi-
ETAPA 4 PRODUTOS DE DADOS co-alvo com muita empatia. Antes de re-
Desenhe soluções ou produtos de alizar o projeto e investir recursos no de-
dados que reúnam tais evidências senvolvimento, é importante prototipar
e validar a solução desenvolvida.
Na última etapa do Canvas de Dados,
desenhamos os produtos de dados, Vale enfatizar a importância de dese-
que também chamamos de soluções. nhar um plano de implementação do
produto de dados que engaje todos os
Esses produtos irão conter os dados envolvidos, desde o time de execução
enumerados anteriormente e necessá- até o público-alvo.
rios para a tomada de decisão. Podem
ser relatórios, estudos e análises des- No caso da Portabilis, eles desenharam
critivas e diagnósticas, painéis de con- e criaram dois produtos de dados:
trole com atualização em tempo real
(dashboards), indicadores-chave de de- » Índice Municipal de Evasão Escolar
sempenho (KPIs), entre outros. (IEV): produto com análise preditiva,
que prediz, na matrícula do aluno e de
acordo com seu perfil, sua tendência à
evasão escolar.

← sumário 39
A Era dos Dados para o setor público

» Evasão Zero: painel de monitoramen- Em cada etapa, devem ser descritos:


to intersetorial de frequência, abando- a) como funciona o produto de dados;
no e evasão escolar. b) quais as implicações da Lei Geral de
Proteção de Dados (LGPD);
Para garantir a adoção de tais produtos c) quais ferramentas podem ser usadas.
pela gestão escolar, o time da Portabilis
se envolveu diretamente com as equi- ETAPA 1 COLETA
pes das escolas municipais, apresen-
tando os produtos e seus benefícios. A primeira etapa do fluxo permite defi-
nir a estratégia, as ferramentas e os da-

Fluxo de Dados dos a serem coletados para o sucesso de


um produto de dados recém-desenhado.

O Fluxo de Dados é outra ferramenta Se esse fluxo for usado como ferramen-
criada pelo Social Good Brasil para apoiar ta para mapear o processo de dados já
uma instituição na tarefa de desenhar o coletados e tratados em diversos proje-
processo da jornada dos dados no dia a tos, é possível considerá-lo para refletir
dia. sobre dados coletados desnecessários
e sobre o que é necessário, mas não se
Compreende etapas da jornada dos da- coleta.
dos, desde sua coleta até a sua visuali-
zação, como mostra a Figura 9.

Figura 9. Ferramenta Fluxo de Dados Social Good Brasil

40 ← sumário
A jornada de dados

Os dados são a matéria-prima, e a qua- ETAPA 4 ANÁLISE


lidade da matéria-prima coletada refle-
tirá diretamente na qualidade do resul- Nesta etapa, os dados se transformam
tado. em informações relevantes. As pergun-
tas já estarão mapeadas previamente
Uma diretriz, de acordo com a LGPD, é no Canvas de Dados, e o trabalho agora
coletar apenas os dados que forem ex- será identificar as variáveis necessárias
tremamente necessários e, além disso, para respondê-las e, então, fazer análi-
justificar o porquê da coleta de cada ses.
dado, assim como a sua base para tra-
tamento. Se esse fluxo de dados for usado para
mapear o tratamento que a instituição
ETAPA 2 ARMAZENAMENTO já faz no seu dia a dia, esta é a etapa
na qual os tipos de análises realizadas,
Na segunda etapa, devemos considerar e as análises ainda inexploradas são
o armazenamento dos dados de forma identificados. De acordo com o nível de
organizada e consultável. Por isso, é complexidade, as análises podem ser
fundamental prever uma estrutura ló- descritivas, diagnósticas, preditivas ou
gica que dê suporte a uma organização prescritivas.
do tipo “guardar para encontrar”.
Outra diretriz da LGPD é realizar o má-
Diretrizes de LGPD incluem a verifica- ximo possível de análises em formato
ção de fornecedores de armazenamen- de clusters e anonimizados, prezando
to de dados com o certificado “EU-US pela privacidade dos dados dos seus
Privacy Shield” ou similar, para garantir usuários.
a proteção dos dados coletados.

ETAPA 3 LIMPEZA ETAPA 5 VISUALIZAÇÃO

Quanto melhor a qualidade da coleta de Esta etapa normalmente usa a mesma


dados, melhor será a consistência dos ferramenta da etapa de análise de da-
registros para que as análises estejam dos, e a somatória das duas é o produto
corretas. Mesmo assim, deve-se consi- de dados em si. São exemplos: painéis
derar uma etapa de limpeza de dados, de controle (dashboards), artigos, pes-
que serve como uma higienização de quisas, planilhas, infográficos e relató-
dados, e identifica possíveis falhas na rios impressos.
migração entre sistemas.
É a etapa em que dados são traduzidos
De qualquer forma, no caso de um va- em informações visuais para melhor
zamento de dados, uma base suja apre- compreensão, usando elementos visu-
senta um elevado grau de risco para a ais (linhas, figuras, recortes, contrastes)
organização. Portanto, ter bases limpas para representar o comportamento
também é uma diretriz da LGPD. dos dados.

← sumário 41
A Era dos Dados para o setor público

Um livro referência é Storytelling com


dados, de Cole Nussbaumer.

O gestor poderá identificar oportunida-


des de somar a visualização dos dados
a narrativas, que transformem os da-
dos em histórias que engajam o público
para a tomada de decisão ou relacio-
nado ao objetivo inicial do projeto de
dados.

42 ← sumário
#5
GESTOR PÚBLICO,
LIDERE A MUDANÇA
DE CULTURA
por Carol Andrade

← sumário 43
A Era dos Dados para o setor público

Mais do que
usar dados
é necessário
mudar uma
cultura
Passar de uma cultura tradicional para O gestor público inovador e que li-
uma cultura analítica significa menos dera a mudança de cultura deve
percepção e mais insights a partir de engajar outras pessoas dentro da
dados. organização e assim criar uma “le-
gião” de embaixadores.
No contexto desta publicação, cultura
significa o conjunto de crenças e valo- Esses embaixadores são fundamen-
res de uma organização ou de um gru- tais para ajudar a influenciar a maio-
po, podendo ser entendida também ria inicial, que adotarão a novidade
como “o jeito que se faz as coisas”. quando tiverem clareza dos benefícios
e resultados. Se esse perfil participar,
Em 2018, Groysberg, Lee, Price & é possível alcançar a maioria tardia,
Cheng descreveram no artigo “O guia formada pelos resistentes à mudança,
do líder para a cultura corporativa” o grupo de conservadores. Por último,
que as normas culturais definem aqui- ficam os retardatários, que só partici-
lo que é encorajado, desencorajado, pam quando há uma nova regra, uma
aceito ou rejeitado pelo grupo. nova lei os obrigando a se adequar.

Algumas décadas antes, em 1962, Eve- A Figura 10, na página a seguir, ilustra
rett Rogers publicou seu livro Difusão a Lei da Difusão da Inovação, teoria
de inovações. Nele, tratou sobre como proposta por Everett Rogers, no livro
gerar e espalhar inovações na socie- Difusão de inovações, citado no tópico
dade, enfatizando que tais inovações anterior. Essa teoria procura explicar
não são percebidas por todos os con- por que e em que proporção novas
sumidores da mesma forma. Esse é ideias e tecnologias se disseminam.
um estudo para difundir a inovação
dentro das instituições e promover a
mudança de cultura.

44 ← sumário
Gestor público, lidere a mudança de cultura

Figura 10. Lei da Difusão da Inovação segundo Rogers (1962)

Por exemplo, quais são as potenciais


Como pressões externas, como a Lei de

implementar Acesso à Informação e a Lei Geral de


Proteção de Dados (LGPD)?
um plano para Da mesma forma, deve-se diagnosti-
a mudança de car as pressões internas — necessi-
dade de medir resultados, desenvol-
cultura vimento de políticas públicas mais
efetivas, excesso de burocracia e ou-
Para implementar um bom plano de tras.
mudança de cultura, a gestão deverá
contemplar pelo menos 4 passos: PASSO 2 MAPEAMENTO

PASSO 1 DIAGNÓSTICO No segundo passo, é feito o mapea-


mento dos perfis presentes na insti-
Quais são as características da cultura tuição, de acordo com a Lei da Difusão
vigente? Essa pergunta é que vai nor- da Inovação. A partir daí, uma estra-
tear o diagnóstico das condições e do tégia de engajamento é desenhada
contexto social e cultural para a mu- para cada perfil: primeiros adeptos,
dança. maioria inicial, maioria tardia e re-
tardatários.
Nesse primeiro passo, é importante
compreender as especificidades da cul- Busque engajar os primeiros adeptos
tura, seja em uma área, secretaria ou como embaixadores, tornando-os mul-
instituição, e identificar as motivações tiplicadores analíticos dentro da insti-
para a mudança. tuição.

← sumário 45
A Era dos Dados para o setor público

Apresente resultados ao grupo da PASSO 4 MUDANÇAS EM PROCESSOS,


maioria inicial, que pode se compro- PRÁTICAS, RITUAIS E SISTEMAS DE RE-
meter ao ver resultados e benefícios CONHECIMENTO
do uso de dados.
No quarto e último passo para imple-
Para apresentar resultados que en- mentar um plano de mudança de cul-
gajem o perfil da maioria inicial — os tura, deve-se refletir sobre:
pragmáticos —, faça pilotos simples
que gerem resultados de curto pra- a) ferramentas em uso e novas
zo e por meio dos quais seja possí- ferramentas a serem adotadas
vel visualizar benefícios tangíveis do pela instituição;
uso de dados.
b) mudanças necessárias no pro-
cesso decisório atual e em reuniões;
Já para envolver os resistentes, ati-
ve os embaixadores para conversar c) reconhecimento e avaliação de
com esse grupo, e assim compreen- quem usa os dados.
der os medos e desejos para a mu-
dança.

Por fim, é importante pensar estra-


tégias para envolver também os que
estão na linha de frente coletando
dados críticos para o sucesso dos
produtos de dados.

PASSO 3 ESTRATÉGIA E PROCESSO


DE COMUNICAÇÃO

Esse é o passo para engajar os per-


fis mencionados, tanto por meio de
interações individuais quanto coleti-
vas. Nesse momento, é fundamental
criar uma narrativa baseada em da-
dos que seja atraente e convincente.

46 ← sumário
A Era dos Dados para o setor público

O desafio para avançar na


Era dos Dados está nos
modelos mentais, na cultura,
nos aspectos humanos, e não
na tecnologia. Por isso, para
liderar e fazer avançar o
processo de mudança, é
fundamental posicionar o
ser humano no centro,
garantindo diálogo aberto
e sentimento de propósito.
#6
A Era dos Dados para o setor público

TRANSPARÊNCIA E
DADOS ABERTOS
por Fernanda Campagnucci

48 ← sumário
Transparência e dados abertos

Transparência
e dados
abertos são
fundamentais
O trabalho cotidiano na gestão pública é
desafiador: geralmente, as equipes são O “emaranhado”
reduzidas, a substituição de tecnologias
defasadas é lenta e as cobranças e os dos dados
desafios são crescentes e cada vez mais
complexos. O mais importante passo para uma
política efetiva e sustentável de trans-
Muitos dos problemas enfrentados pelo parência e dados abertos é estabelecer
setor público são chamados de wicked uma estrutura de governança de dados,
problems — em português, “problemas definindo padrões e quem zela por eles.
complexos”. São exemplos os fenôme-
nos decorrentes das mudanças climáti- Em todos os níveis da organização e em
cas, da desigualdade e da saúde pública. diálogo com a sociedade, essa estrutu-
ra ajudará a traçar planos, metas e prio-
Onde encontrar soluções para esses pro- ridades de abertura e melhorias.
blemas? Em geral, as melhores experiên-
cias de inovação pública são abertas à in- É preciso compreender que dados são
teligência coletiva e à participação social. construções humanas. Alguém, em al-
Para isso, transparência e dados abertos gum lugar, decide o que medir ou não,
são fundamentais. o que coletar ou não, e como fazer isso.
Os dados passam por tratamentos e
A transparência é um fator de prevenção transformações, às vezes com aportes
da corrupção, e dados abertos estimu- de mais de um departamento, e a fal-
lam inovação dentro e fora do Estado. ta de documentação de como isso deve
ser feito gera conflitos de interpretação
Além disso, o acesso à informação pú- e comunicação “dentro de casa” — ima-
blica é um direito fundamental, previsto gine para quem está fora.
em convenções e tratados internacionais
reconhecidos pelo Brasil, tanto na Cons- Uma boa governança ajuda a garantir
tituição Federal de 1988 quanto em nor- a integridade, a qualidade e o acesso
mas como a Lei de Acesso à Informação aos dados, evitando que eles sejam
(Lei Federal nº 12.527/2011) e a Lei de Go- apenas um “emaranhado” burocráti-
verno Digital (Lei nº 14.129/2021). co de onde pouco se extrai valor.

← sumário 49
A Era dos Dados para o setor público

As duas políticas devem ser feitas de


Por onde forma conjunta. Uma base de dados

começar? não é necessariamente acessível para


todos os públicos. Um gráfico, embo-
ra possa ser mais direto, não permite
O processo de publicação de dados checar as informações que ele mostra.
pode ser pensado como uma “trilha”38, É fundamental, portanto, oferecer ca-
em que algumas etapas precisam pacitação permanente, para que tan-
acontecer de forma contínua, e não to a equipe da gestão quanto quem
necessariamente linear. Conheceremos usar os dados possam lidar com essas
melhor essas etapas a seguir. duas frentes.

Essa formação não deve se limitar a


ETAPA 1 COMPREENDER ferramentas ou linguagens de análi-
se de dados. O mais crucial e desa-
Transparência e dados abertos são fiador é capacitar para a adoção da
ideias diferentes e complementares. cultura de uso de dados, bem como
Uma política de transparência visa localizar benefícios e oportunidades
tornar informações acessíveis e com- de gerar valor. É importante ter vi-
preensíveis ao público em geral. Seus são da infraestrutura de dados (em
elementos incluem painéis de consul- inglês, data infrastructure literacy 40),
ta, gráficos, relatórios e outros docu- o que permite criar e intervir na ma-
mentos. neira como são gerados e extraídos
os dados.
Já uma política de dados abertos
visa publicar bases de dados seguin-
do padrões técnicos correntes39. Es- ETAPA 2 PLANEJAR
ses dados podem ser acessados e
reutilizados livremente, inclusive por O planejamento de políticas de da-
máquinas, e os sistemas podem tro- dos abertos depende do mapea-
car informações com mais facilidade mento de todas as bases existentes,
(são “interoperáveis”). Isso coopera que podem ser organizadas em uma
para que a própria sociedade crie so- espécie de “inventário” ou catálogo
luções inovadoras com esses dados, de dados 41. Esse instrumento reúne
sem onerar o orçamento público. os “metadados” sobre as bases, que

38 A Open Knowledge Brasil propõe essas etapas no e-book Publicadores de dados: da gestão estratégica à
abertura (2021). Disponível em: <https://ok.org.br/publicacoes/>.
39 O Ceweb.br possui diversas publicações que detalham esses padrões. Veja, por exemplo, o livro Dados
abertos conectados (2015), de Seiji Isotani e Ig Ibert Bittencourt, em: <https://ceweb.br/publicacao/livro-dados-
-abertos/>.
40 Consulte o artigo “Data infrastructure literacy”, de Jonathan Gray, Carolin Gerlitz e Liliana Bounegru (2018),
em: <https://doi.org/10.1177/2053951718786316>.
41 Conheça o exemplo do Catálogo Municipal de Bases de Dados (CMDB), da Prefeitura de São Paulo, criado
em 2014 e que, desde então, passa por ciclos de atualização semestrais. Acesse: <http://bit.ly/cmbd-sp>.

50 ← sumário
Transparência e dados abertos

descrevem o conteúdo: quem são os em português, extração, tratamento


responsáveis, se contêm ou não va- e carga dos dados. Também aqui é
riáveis restritas por lei etc. possível pensar em um processo gra-
dual: não é preciso ter tudo pronto e
Um trabalho assim traz revelações sur- perfeito para começar a abrir dados
preendentes sobre informações coleta- que já podem gerar alto valor para a
das dentro da gestão. É essa visão do gestão e os usuários 43.
todo que permite priorizar e direcionar
o esforço de abertura. A orientação é
começar com o possível e, gradualmen- ETAPA 4 ABRIR
te, aumentar e melhorar — esse pro-
Esta é a etapa em que os dados final-
cesso é permanente e subsidia também
mente “dão as caras” ao mundo: a pu-
a governança de dados da organização.
blicação. Para que eles sejam úteis e
compreensíveis, além de seguirem pa-
Fazem parte dessa etapa os planos
drões de formato aberto, precisam es-
de dados abertos (PDAs) 42. Para re-
fletirem de fato a demanda interna tar bem documentados.
e externa por dados, eles devem
ser feitos de forma colaborativa. Os Há várias opções para torná-los públi-
PDAs ajudam a sociedade a monito- cos. Painéis (dashboards) são ferramen-
rar o esforço de abertura, além de tas atraentes para dar transparência a
servirem de roteiro para priorizar o um assunto dinâmico e complexo, pois
que será aberto. reúnem formas de visualização e con-
sulta. É recomendável que as bases de
dados que geram os painéis estejam
ETAPA 3 DESENVOLVER disponíveis, de forma que cumpram
o propósito de uma política de dados
Para que os processos de gestão e abertos.
abertura de dados sejam sustentá-
veis, o “encanamento” deve ser só- Os dados também podem estar publi-
lido, bem planejado e de preferência cados em repositórios — como o CKAN,
automatizado, para depender o me- ferramenta aberta usada por governos
nos possível de intervenções manuais. e organizações ao redor do mundo44
para construir portais que disponibili-
Há ferramentas do tipo open source, zam downloads de dados abertos.
de uso livre, para criar os processos
ETL — Extract, Treat and Load, ou,

42 O manual Elaboração de planos de dados abertos, da Controladoria Geral da União (CGU), traz uma propos-
ta de passo a passo. Conheça em: <http://bit.ly/manual-plano>
43 Veja mais detalhes nos capítulos 5 e 6 da edição Publicadores de dados: da gestão estratégica à abertura:
<https://ok.org.br/publicacoes/>.
44  Para conhecer casos interessantes, acesse: <https://ckan.org/showcase>. No Brasil, além do Governo Fe-
deral (http://dados.gov.br), diversos estados e municípios também utilizam essa ferramenta. Ver, por exemplo,
o Portal de Dados Abertos de Santa Catarina: <http://dados.sc.gov.br/>.

← sumário 51
A Era dos Dados para o setor público

Em um nível mais alto de abertura, os Finalmente, o uso desses dados deve


dados podem ser acessados pelas pes- ser incentivado por meio de desafios,
soas usuárias por meio de uma API competições (datathons, hackathons)45
(do inglês, Application Programming In- ou outros processos colaborativos,
terface), método que permite que pro- internos e externos, para que os da-
gramas de computador ou aplicativos dos possam gerar valor para a gestão
façam consultas pontuais e acessem e a sociedade com a inovação aberta.
dados diretamente. O uso dos dados aumenta a demanda
pela qualidade deles e aproxima o pú-
blico da gestão que os abre.
ETAPA 5 CONECTAR

O uso e reúso dos dados é o propósito.


Para que sejam úteis, eles precisam es-
tar sempre atualizados, bem documen-
tados e acessíveis pelos meios mais
adequados.

Mas quem são essas pessoas usuárias?


Você é uma, por exemplo. Usam-se os
dados dentro ou fora da organização,
com vários níveis de acesso, entendi-
mento e de capacidades técnicas.

Essas pessoas fazem parte de um ecos-


sistema, e integrá-las em todas as eta-
pas precedentes é o caminho para o
sucesso das políticas de transparência
e dados abertos.

Por isso, além de mapear essas partes


interessadas (os stakeholders), é preciso
colocar em prática estratégias para que
elas possam opinar sobre os dados e o
planejamento de abertura.

45 Hackathons são maratonas nas quais se desenvolvem soluções criativas para problemas propostos por uma
organização. Nesses esforços concentrados, que podem durar um ou mais dias, equipes costumam competir
por um prêmio ou trabalhar de forma colaborativa. Bases de dados são insumos importantes em um hackathon.
Já um datathon — em português, maratona de dados — é uma versão mais específica desse tipo de evento, gi-
rando apenas em torno de análise, visualização e outros produtos derivados de dados.

52 ← sumário
#7
LGPD
NO SETOR PÚBLICO
por Silvana Melo e Mariana Zonari

← sumário 53
A Era dos Dados para o setor público

Privacidade e
proteção de
dados pessoais
O cenário da Era Digital, aqui apresen- A noção de privacidade, em síntese,
tado, fundamenta-se na necessidade encontra-se prevista na Constituição
de compartilhamento de conhecimento Federal de 1988 (art. 5º, X e XII) e bus-
e acesso – quase que ilimitado – a infor- ca preservar o direito à intimidade, à li-
mações. Contudo, atrelado a este pro- berdade de decisão sobre a divulgação
cesso, temos uma grande preocupação de informações e a autonomia de cada
com o mau uso de dados e com a priva- cidadão48. É um conceito complexo, que
cidade das pessoas. Essa preocupação muitas vezes apresenta dimensões con-
é ainda maior no setor público, uma correntes e contraditórias, mas se rela-
vez que o Estado possui um dever ine- ciona diretamente com as percepções
rente de respeito, zelo e transparência de escolhas, controle, transparência e
com os cidadãos. Nesse sentido, é ne- segurança.
cessário entendermos que privacidade
e proteção de dados pessoais não são O direito à proteção de dados pessoais,
expressões sinônimas. por sua vez, tem origem posterior ao
direito à privacidade e é resultado da
No Brasil, essas duas expressões estão sociedade da informação. Com o surgi-
inseridas no panorama dos direitos de mento de computadores e, em seguida,
personalidade46. No entanto, existem dos bancos de dados, o controle sobre
diferenças significativas entre elas, a informação, especialmente relaciona-
principalmente relacionadas a origem, da aos dados pessoais, passou a ser vis-
objeto, tipo de esfera de proteção que to como uma forma de poder49.
oferecem ao titular, comunicação com
outros direitos e previsão no ordena- Indispensável citar que esse movimen-
mento jurídico47. to não é apenas do Brasil e que uma

46 Os direitos da personalidade são aqueles relacionados à pessoa e à sua dignidade. São exemplos: vida/
integridade física, honra, imagem, nome e intimidade.
47, 48, 49 Veja o artigo “Análise comparativa entre direito à privacidade e direito à proteção de dados pesso-
ais...”, de Gabriela Machado Vergili, em: <https://dataprivacy.com.br/analise-comparativa-entre-direito-a-pri-
vacidade-e-direito-a-protecao-de-dados-pessoais-e-relacao-com-o-regime-de-dados-publicos-previsto-na-lei-
-geral-de-protecao-de-dados-2/>.

54 ← sumário
LGPD no setor público

maior preocupação com a privacidade tos que a cercam, como, por exemplo,
e a proteção dos dados pessoais ganha o de que é necessário o consentimen-
força, a nível global, após inúmeras vio- to do titular para qualquer tratamento
lações no decorrer da história. de dados ou o de que a LGPD veio para
proibir o uso de dados pessoais.
O desconhecimento, em geral, desses
conceitos é sintoma da ausência de uma Portanto, é cada vez mais importante
cultura forte de privacidade e proteção incentivar uma mudança cultural so-
de dados no Brasil. Como consequên- bre privacidade e proteção de dados
cia, o setor público tem dificuldade para pessoais. A ideia é observar nessa re-
se adequar à Lei Geral de Proteção de gulamentação uma “janela de oportu-
Dados (LGPD), ainda que tenha havido nidade”, refletindo sobre o quanto as
crescente preocupação com a proteção instituições públicas poderão ganhar e
de dados pessoais nos últimos anos. se tornar mais eficientes com a adequa-
ção à nova lei50.
...
A LGPD é a lei brasileira que regulamen-
ta o tratamento de dados pessoais, seja
Conceito e
realizado por pessoa natural, seja por tratamento de
pessoa jurídica de direito público ou
privado, desde que ofereçam produtos dado pessoal
ou serviços no Brasil ou tratem dados
de pessoas localizadas em território na- A LGPD é uma lei sobre o tratamento de
cional. Esse tratamento pode ocorrer dados pessoais. O conceito desse tipo de
tanto por meios físicos quanto digitais. dado está em seu artigo 5º: informação
relacionada a pessoa natural identifica-
Ela não é uma legislação específica so- da ou identificável.
bre sigilo ou confidencialidade, tratan-
do da proteção de dados pessoais, isto No Brasil, foi adotado o conceito expan-
é, de informações que identifiquem sionista de dado pessoal, ou seja, não
uma pessoa natural ou a tornem iden- apenas a informação relativa à pessoa
tificável. diretamente identificada estará prote-
gida pela lei, como também aquela in-
Essa legislação foi criada para permitir e formação que possa tornar a pessoa
facilitar o tratamento de dados pessoais identificável51.
e proporcionar o desenvolvimento tec-
nológico, econômico e da inovação. Por A lei também traz a noção de dado pes-
ser uma legislação recente, existem mi- soal sensível: informações sobre origem

50  Veja o artigo “Regulação de dados é uma janela de oportunidade”, de Bruno Bioni, em: <https://brunobio-
ni.com.br/blog/2019/03/29/regulacao-de-dados-e-uma-janela-de-oportunidade/>.
51 Veja o artigo “The PII Problem...”, dos professores George Schwartz e Daniel Slove, em: <https://www.law.
berkeley.edu/files/bclt_Schwartz-Solove_NYU_Final_Print.pdf>.

← sumário 55
A Era dos Dados para o setor público

racial ou étnica, convicção religiosa, TITULAR


opinião política, filiação a sindicato ou
a organização de caráter religioso, filo- Pessoa natural a quem se referem os
sófico ou político, dado referente à saú- dados pessoais que são objeto de tra-
de ou à vida sexual, dado genético ou tamento. É o núcleo de existência da
biométrico, quando vinculado a uma LGPD. Sempre que pensamos em da-
pessoa natural. dos pessoais, devemos ter os nossos
holofotes voltados ao titular de dados
De acordo com a LGPD, tratamento é pessoais. Esse é um princípio máximo
toda operação realizada com dados da autodeterminação informativa trazi-
pessoais, como as que se referem a co- do pela lei.
leta, produção, recepção, classificação,
utilização, acesso, reprodução, trans- CONTROLADOR E OPERADOR
missão, distribuição, processamento,
arquivamento, armazenamento, eli- São os agentes de tratamento. O con-
minação, avaliação ou controle da in- trolador é pessoa natural ou jurídica,
formação, modificação, comunicação, de direito público ou privado, a quem
transferência, difusão ou extração. competem as decisões referentes ao
tratamento de dados pessoais. O ope-
Essa definição de tratamento de dados rador é pessoa natural ou jurídica, de
pessoais é abrangente, indo desde a co- direito público ou privado, que realiza
leta até a eliminação. Engloba todas as o tratamento de dados pessoais em
possibilidades de manuseio dos dados, nome do controlador. A LGPD impõe
independente do meio utilizado. Des- seu maior peso jurídico sobre o con-
sa forma, os atos de receber, acessar, trolador, pois ele é o responsável pela
arquivar ou armazenar dados pessoais tomada de decisões, enquanto o ope-
estão contidos no conceito de trata- rador apenas trata os dados pessoais
mento, tornando indispensável manter de acordo com as determinações do
os registros dessas operações52. controlador.

... ENCARREGADO

Depois de conhecermos os conceitos Também conhecido como data pro-


de dados pessoais e tratamento, é im- tection officer (DPO), atua como canal
portante agora entendermos o que a de comunicação entre o controlador,
LGPD dispõe sobre titular, controlador, os titulares dos dados e a Autorida-
operador e encarregado, além da rela- de Nacional de Proteção de Dados
ção entre esses atores. (ANPD). Ele é o responsável pela gestão
interna do programa de privacidade.

52 Veja o artigo “The PII Problem: Privacy and a New Concept of Personally Identifiable Information”, dos
professores George Schwartz e Daniel Slove, disponível em: <https://www.law.berkeley.edu/files/bclt_Schwart-
z-Solove_NYU_Final_Print.pdf>.

56 ← sumário
LGPD no setor público

Isso torna obrigatória a adoção de medi-


Desafios do setor das preventivas para evitar o vazamento

público para se de dados.

adequar à LGPD Outro aspecto relevante é que, muitas


vezes, as bases de dados são sobrecar-
regadas com informações desatualiza-
A LGPD trouxe para o setor público a ne-
das e desnecessárias, tornando as tare-
cessidade de mudança na cultura da pri-
fas da adequação mais desafiadoras.
vacidade e proteção de dados pessoais.

É importante, por isso, avaliar impactos


A urgência de adequação à LGPD não diz
e planejar ações preventivas antes, du-
respeito apenas a penalidades adminis-
rante e depois do período de estrutura-
trativas, mas implica também em ques-
ção, sempre considerando os aspectos
tionamentos sobre a melhor forma para
legais.
torná-la efetiva.

Hoje, os principais desafios para imple-


Ponderar sobre a necessidade de criação
mentar a LGPD no setor público se con-
de um comitê de privacidade interno ou
centram nas seguintes ações:
sobre a contratação de empresa espe-
cializada em Direito Digital são exemplos
» Realizar um diagnóstico com registro
desses questionamentos53.
de dados e ambiente normativo ade-
quado.
O regulamento não responde essas » Construir um programa público de
questões. Entretanto, em seu capítulo governança em privacidade e proteção
IV, disciplina a base fundamental para o de dados que estimule a criação de cul-
correto tratamento de dados pessoais no tura sobre o tema.
setor público, com destaque para a ideia » Ajustar os processos de contratação,
de interesse público. conciliando-os com outras normas,
considerando a responsabilidade soli-
A observância do interesse público é o dária dos agentes de tratamento.
que norteia as principais regras a serem
seguidas pela esfera pública no exercício Outros desafios também se impõem:
do tratamento e do uso compartilhado visão setorizada, falta de integração e
de dados, duas atividades necessárias interoperabilidade dos dados, diversi-
para executar políticas públicas. dade tecnológica e limitações orçamen-
tárias.
O setor público, por meio de suas organi-
zações, coleta e mantém grande volume
de dados, inclusive, de natureza sensível.

53 Veja o artigo “A LGPD e seus efeitos no setor público”, de Rodrigo Otero, em: <https://www.serpro.gov.br/
lgpd/noticias/2019/lgpd-setor-publico-efeitos>.

← sumário 57
#8
A Era dos Dados para o setor público

DIMENSÕES
ÉTICAS E DILEMAS
DA ATUALIDADE
por José Borbolla

58 ← sumário
Dimensões éticas e dilemas da atualidade

O fim da
privacidade
como a
conhecemos
A produção de novas legislações e po- Uma vez explicado que a utilização
líticas para lidar com as transforma- de técnicas e ferramentas — por mais
ções provocadas pelo rápido avanço modernas e avançadas que sejam e
tecnológico, como é o caso da priva- por maior quantidade de dados que
cidade, demonstra, na prática, os efei- sejam capazes de processar — não
tos que essa aceleração produz em resolvem nossos problemas nem res-
nosso dia a dia. pondem nossas perguntas sozinhas, é
fundamental destacar, mais uma vez,
Esse período de profundas e velozes que o pensamento crítico é o ingre-
transições nos obriga a voltar para a diente que falta para dar “liga” nessa
“mesa de discussão”. Precisamos re- receita.
desenhar consensos e definições nes-
te mundo cada vez mais hiperconec- Ele é obrigatório na construção da
tado e hiperdigital. “ponte” que conecta todo o potencial
oferecido por determinada tecnolo-
Nesse contexto, o papel do poder pú- gia para sua aplicação na vida real.
blico, em um sentido mais amplo, e o Daí precisamos falar aqui sobre o que
papel do gestor, mais especificamente, parece ser o aspecto mais importante
são cruciais e indispensáveis. quando falamos sobre dados e inteli-
gência artificial: a Ética.
Isso significa que a gestão pública
deve ser capaz de usar, interpretar e É imprescindível olhar para a tecno-
analisar criticamente dados internos logia como um meio que pode nos
e externos em todas as esferas de ati- ajudar a resolver desafios, e o que
vidade, independente da área. Essa determina o sucesso ou o insucesso
capacidade é condição indispensável é o uso que nós, humanos, decidimos
para responder e endereçar desafios dar para ela.
causados por mudanças contínuas.

← sumário 59
A Era dos Dados para o setor público

Se a Matemática pode nos dizer se a minantemente inconscientes; outro


variável A causa um efeito B, é na di- que delibera racionalmente para então
mensão ética que decidimos o que fa- decidir.
zer com essa informação e como apli-
cá-la no mundo real. O primeiro é muito mais eficiente do
ponto de vista energético. O segundo
Ainda que pareça óbvio, quando olha- gasta mais “combustível metabólico”.
mos para a história das sociedades per- O primeiro é rápido. O segundo pode
cebemos que a racionalidade científica demorar.
pura54 e sua dimensão ética nem sem-
pre estão de mãos dadas. Há milhares de anos, a combinação
entre esses sistemas nos ajudou a en-
Dois aspectos centrais podem ampliar contrar comida, sobreviver a extremos
nossa compreensão sobre a natureza climáticos, escapar de predadores e de-
desse desafio e os riscos que o avanço senvolver estratégias e relações sociais
tecnológico atual pode trazer. cada vez mais complexas.

O primeiro deles é o conceito de viés No mundo de hoje, os “efeitos colate-


cognitivo, fruto da complexidade do rais” que esses dois sistemas cerebrais
nosso cérebro e da maneira como a indissociáveis produzem são denomi-
humanidade evoluiu. O outro aspecto é nados, de maneira genérica, de vieses
como decidimos o que é certo, errado, cognitivos, ou, em outras palavras, ten-
bom e ruim. dências e padrões que nosso cérebro
apresenta em determinadas circuns-
Nosso cérebro é resultado de milhões tâncias.
de anos de evolução, e parece ser o
mesmo, estruturalmente, há pelo me- Talvez o mais conhecido entre tantos
nos 100 mil anos. Ao longo do tempo, vieses já mapeados seja o viés de con-
ele foi sofrendo diferentes pressões firmação, ou a tendência que nosso
evolutivas e novas estruturas e peculia- cérebro possui de buscar informações
ridades em seu funcionamento foram para confirmar crenças anteriores, en-
surgindo. quanto resiste e produz desconforto
quando apresentado a fatos que con-
De maneira resumida, segundo Daniel tradizem as opiniões que já possuímos.
Kahneman, no livro Rápido e devagar:
duas formas de pensar, a evolução da É esse viés que nos ajudará a conectar
nossa espécie produziu um cérebro todos os pontos que discutimos até
humano composto por dois sistemas aqui.
diferentes: um que toma decisão de
maneira automática em níveis predo-

54 Essa racionalidade está na base do mito do “solucionismo tecnológico”, discutido no capítulo 2.

60 ← sumário
Dimensões éticas e dilemas da atualidade

A lógica parece simples: olhamos para


Solucionismo, todos os tipos de ocorrências, quando

racionalidade, e onde ocorreram, para o perfil das


pessoas envolvidas e cruzamos isso
viés cognitivo e com uma infinidade de outras variá-
veis. A previsão será produzida, por-
ética: juntos, em tanto, a partir de uma quantidade de
dados gigantesca.
um exemplo real
e atual Mas que tipo de previsão essa inteligên-
cia artificial está produzindo?

Vamos imaginar um mundo ou uma


O exemplo brasileiro é bom para ex-
época qualquer em que dispomos,
plorarmos a complexidade dessa per-
totalmente digitalizado, na íntegra e
gunta. Após a invasão europeia no iní-
sem nenhum tipo de erro ou proble-
cio do século XVI, passamos cerca de
ma nos dados, de todo o histórico pe-
70% do nosso tempo de existência
nal do Brasil (infrações, condenações,
sob um regime de trabalho escravista,
prisões, tudo...), desde 1889 (portan-
tendo como atividade econômica cen-
to, pós-abolição).
tral o tráfico negreiro. Fomos o país
que mais recebeu seres humanos de
Trabalhamos juntos em um órgão de
diversos locais da África.
segurança pública de um futuro não
muito distante e contratamos uma
Durante boa parte desses quase 350
startup que desenvolveu uma solução
anos, as pessoas pretas não foram con-
com inteligência artificial incrivelmen-
sideradas pessoas. Eram mercadoria. E
te poderosa, capaz de usar o histórico
assim também eram tratadas em nosso
de ocorrências para prever o risco de
conjunto de leis. A primeira vez que o
crimes futuros, de maneira precisa,
preto é humanizado em nosso regra-
geolocalizada e dentro de uma janela
mento jurídico é no Código Penal de
de tempo ideal.
1830, especificamente para que puni-
ções contra o seu corpo pudessem ser
Qual tipo de previsão você acha que
bem estabelecidas e operadas pelo Es-
essa inteligência artificial seria capaz
tado.
de produzir?

A abolição não foi um processo que se


Alguns poderiam dizer que, pelo fato
preocupou com a integração dessas
de esse histórico criminal estar dispo-
pessoas, que sempre estiveram à mar-
nível na íntegra e seguir sendo alimen-
gem das estruturas de poder enquanto
tado por dados atuais, isso bastaria
indivíduos.
para que tal sistema pudesse atingir
níveis de precisão muito superiores
No final do século XIX e início do XX,
ao que fizemos até aqui.
dos diversos absurdos que ocorreram,

← sumário 61
A Era dos Dados para o setor público

destacamos dois para finalizarmos “aceitável”, mas nada nos dizem sobre
nosso exemplo: o primeiro é a criação como as linhas que separam “legal” e
de regras e tipos penais, como o con- “ilegal” foram estabelecidas.
ceito de “vadiagem”, para sustentar e
manter as profundas separações e di- As sociedades continuaram a traçar li-
ferenças socioeconômicas entre bran- nhas e criar regras que mantivessem
cos e pretos, criando as bases legais a segregação racial mesmo depois da
para criminalizar praticamente tudo abolição da escravidão. Isso significa
que negros recém-libertos faziam. que qualquer sistema ou “inteligência”,
por mais avançado que seja, nunca será
O outro elemento são as ideias de “eu- capaz de prever o “próximo crime”. A
genia” e “racismo científico”, que forne- única coisa que esse sistema fará é re-
ceram as bases racionais para que to- plicar os padrões do passado, só que
das as crueldades e violências possíveis numa velocidade e numa escala inima-
seguissem sendo cometidas contra as gináveis.
mesmas pessoas. Se o regime escra-
vista havia acabado, nossa sociedade É aqui que precisamos conectar a di-
inventou um outro regime, com outras mensão ética da nossa atuação como
regras e outros nomes para continua- profissionais de dados. Quando olha-
rem fazendo a mesma coisa. mos, por exemplo, para o Atlas de
Violência55, aqueles números podem
Vamos retomar algo que já aprende- receber diferentes interpretações e ex-
mos juntos até aqui e que este exem- plicações.
plo nos ajuda de maneira fundamental
a compreender de maneira ainda mais Um gestor descuidado, mal informado
objetiva: se a correta aplicação me- sobre a história do seu próprio país e
todológica da matemática e da esta- partidário do “solucionismo tecnológi-
tística nada nos dizem sobre o que é co” pode interpretar que o percentual
“certo” e “errado”, “bom” e “ruim”, de pessoas presas indica como a vio-
esse tipo de decisão ocorre em uma lência se distribui na sociedade. Se este
outra esfera, a partir de outras pre- indivíduo criar um algoritmo preditivo,
missas e mediada pelas especificida- ele o fará a partir dessa visão de mun-
des cognitivas do nosso cérebro. do e interpretará os resultados a partir
dessa perspectiva.
E por que isso acontece?
Mas podemos olhar para os mesmos
Porque analisar histórico de criminali- números e chegar a conclusões dife-
dade apenas nos diz quem ultrapassou rentes. Se a realidade da violência ur-
a linha do “certo”, do “permitido” e do bana e do sistema prisional está desse

55 O Atlas da Violência é um portal que reúne, organiza e disponibiliza informações sobre violência no Brasil.
Foi criado em 2016 e é gerido pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). Acesse: <https://www.ipea.
gov.br/atlasviolencia/>.

62 ← sumário
Dimensões éticas e dilemas da atualidade

jeito, isso revela como todos esses ele- modelo. Um modelo será, necessaria-
mentos históricos ainda ecoam e rever- mente, uma simplificação da realidade.
beram na nossa época, significa que
ainda não fomos capazes, enquanto so- Se não tivermos clareza e consciência
ciedade, de equacionar essas questões sobre o que os nossos modelos incluem
estruturais históricas. ou excluem, sobre a representatividade
das bases de dados e sobre como ele-
Ao contrário: de diversas formas, tudo o mentos históricos e culturais estão pre-
que fizemos até aqui só contribuiu para sentes, seja na origem do dado, seja em
manter e aprofundar essas diferenças. nossos vieses cognitivos, correremos o
Uma pessoa que tenha essa visão so- risco de ampliar e aprofundar desigual-
bre o processo, ao criar um algoritmo dades e outros problemas estruturais
preditivo, chegaria a conclusões total- da nossa sociedade.
mente diferentes.

Quem está mais certo? Essa é uma E, por fim, mas não menos im-
questão em aberto em 2021, cuja res- portante, lembremos: qualquer
posta não é única, óbvia, simples ou modelo de inteligência artificial
“solucionista”. E cujos efeitos sentire- tem seus limites, por mais avan-
mos nos próximos anos e décadas. çado que seja e por maior que
seja sua capacidade de proces-
Sempre que lidamos com problemas sar volumes enormes de dados.
complexos, como as questões sociais,
por exemplo, precisamos utilizar um

← sumário 63
#9
A Era dos Dados para o setor público

USO DE DADOS
NA GESTÃO PÚBLICA:
CASOS E APLICAÇÕES
por José Macedo, Ticiana Linhares e Marianna Gonçalves

64 ← sumário
Uso de dados na gestão pública: casos e aplicações

SOLUÇÃO
CASO 1
Rastreador de Para acompanhar as descobertas de
novos sintomas — frequentes ou ra-
sintomas de ros — presentes em pessoas infecta-
das pelo novo coronavírus, o ÍRIS, em
COVID-19 cooperação com o Programa Cientista
Chefe do Governo do Ceará, criou a
Sintomatic, uma rede neural profunda
PROBLEMA (deep learning) que processa textos em
linguagem natural.
A pandemia de COVID-19 exigiu dos go-
vernos medidas eficientes e ágeis para A identificação de sintomas em texto foi
mitigar os efeitos causados pela doença. mapeada como um problema de reco-
nhecimento de entidade (em inglês, Na-
O Plantão Coronavírus foi uma das so- med Entity Recognition – NER). NER cor-
luções desenvolvidas e disponibilizadas responde à capacidade de identificar
para a população no Estado do Ceará. É as entidades nomeadas nos documen-
um projeto da Secretaria da Saúde (Sesa) tos e rotulá-las em classes definidas de
acelerado pelo ÍRIS. Trata-se de uma pla- acordo com cada tipo. De forma geral,
taforma com tecnologia de chatbot, em o robô de captura de sintomas possui
que o usuário mantém um bate-papo uma rede neural capaz de reconhecer
com um sistema de inteligência artificial. entidades. Neste caso, uma entidade é
um sintoma.
Primeiro, é feita uma triagem a partir dos
sintomas informados pelo usuário, a fim Devido a possíveis mutações do vírus
de classificar seu estado de saúde em e consequente aparecimento de novos
uma das três categorias: leve, moderado sintomas, esse modelo proporcionou
e grave. Em seguida, a depender da clas- avanços para entender a doença. Por
sificação do seu estado de saúde, o usuá- causa de sua capacidade de reconhecer
rio poderá ser encaminhado para o aten- novos padrões, identificou uma alta fre-
dimento humano, na mesma plataforma. quência de comportamentos psicológi-
cos alterados, como ansiedade, angús-
Por ser uma doença nova e pela gra- tia e tristeza, em usuários positivos ou
vidade da pandemia, era fundamental não para COVID-19.
conhecer naquele primeiro momento,
via Plantão Coronavírus, os sintomas A ferramenta mostrou, portanto, a ne-
relatados pela população. No entanto, cessidade de o Estado ampliar o atendi-
seria impossível para os profissionais mento através do canal para o cuidado
rastrear nas interações textuais todos com a saúde mental da população.
os sintomas, dos mais frequentes aos
mais raros.

← sumário 65
A Era dos Dados para o setor público

RESULTADOS E IMPACTOS A existência de bases de dados descen-


tralizadas e não estruturadas dificulta
» Monitoramento dos sintomas fre- o desenvolvimento de políticas públi-
quentes e raros associados à COVID-19, cas mais direcionadas e efetivas, bem
de abril a outubro de 2020. Esse perí- como o acompanhamento de diversos
odo compreende o começo da pande- programas gerenciados pelo órgão.
mia e a primeira onda de novos casos
e mortes, quando pouco se sabia sobre Nesse contexto, o ÍRIS, apoiado pelo
a doença. Programa Cientista Chefe do Governo
» Automatização do processo de análi- do Ceará e em parceria com a SPS, está
se dos dados gerados pelo Plantão Co- desenvolvendo a plataforma Big Data
ronavírus. Seria inviável aos profissio- Social.
nais de saúde mapear novos sintomas,
diante do volume de textos gerados SOLUÇÃO
pela Plataforma. No dia 7 de maio de
2020, por exemplo, houve um pico de A plataforma Big Data Social integra da-
8.700 acessos. dos de diversas bases da SPS. Incluirá
também dados das demais pastas liga-
» Identificação de novos sintomas e das à Proteção Social, como as secreta-
comportamentos psicológicos altera- rias de Educação e da Saúde e, ainda, de
dos. ministérios do Governo Federal e orga-
» Acompanhamento da evolução tem- nizações não governamentais (ONGs).
poral dos sintomas para entender
quais deles mais afetavam a população Sustentada por tecnologias de big data
cearense. e de inteligência artificial, ela permitirá
integrar, analisar e avaliar as políticas
públicas de assistência e proteção so-
CASO 2 cial no Ceará, com o objetivo maior de
Plataforma Big tornar as políticas públicas mais efetivas.

Data Social A principal entrega dessa plataforma


é a visão integrada de um conjunto de
dados e indicadores confiáveis sobre
PROBLEMA políticas públicas de assistência social,
para subsidiar gestores, pesquisadores
A Secretaria de Proteção Social, Justiça, da assistência social, organizações não
Cidadania, Mulheres e Direitos Humanos governamentais, entre outros.
(SPS) precisa identificar e acompanhar
todas as famílias em situação de vulne- Órgãos públicos, como os Centros de
rabilidade social no estado do Ceará. Referência da Assistência Social (CRAS),
por exemplo, poderão identificar, de
forma mais eficiente, os serviços aces-
sados por cada família e, assim, direcio-

66 ← sumário
Uso de dados na gestão pública: casos e aplicações

nar a assistência de acordo com o perfil » Aproximação entre o governo e a


e a necessidade das pessoas. população.

RESULTADOS ESPERADOS
CASO 3
O uso de big data e inteligência artifi-
cial são fundamentais para analisar e
Transparência na
interpretar grandes volumes de infor- Saúde Pública
mações, o que permite tomadas de de-
cisões mais assertivas pelos gestores
públicos. PROBLEMA

Além disso, a combinação dessas tec- A Secretaria da Saúde do Governo do


nologias torna possível compreender e Ceará (Sesa) não possuía um sistema
desenhar políticas públicas para aten- de monitoramento em saúde integrado
der às complexidades do sistema de as- capaz de analisar dados epidemiológi-
sistência e proteção social. cos para, em seguida, fornecer infor-
mações e orientar de forma mais as-
Com a integração dos dados e a trans- sertiva a tomada de decisão por parte
parência dos resultados, a população da gestão. O gerenciamento de infor-
se beneficia através de políticas mais mações encontrava-se fragmentado ou
assertivas, da avaliação e intervenção impreciso, gerando fragilidade nos da-
dos problemas identificados por meio dos ou tomadas de decisões ineficien-
de indicadores, da facilidade na tomada tes.
de decisões estratégicas, da promoção,
do acesso a números atualizados e da A descentralização dessas informações
acurácia (precisão) na aplicação dos re- provocava consequências críticas na
cursos destinados a programas sociais gestão da saúde pública, visto que ha-
nas diversas instâncias. via um tempo acima do desejado entre
receber, tratar e processar para ter a in-
Com a implementação total dessa pla- formação apta ao uso.
taforma, os seguintes resultados são
esperados: SOLUÇÃO
» Aumento da capacidade dos gesto-
O IntegraSUS é uma plataforma de
res para desenvolver políticas públicas
transparência de dados da saúde públi-
orientadas às necessidades reais das
ca do Estado do Ceará. Ela integra, em
população.
tempo oportuno, as informações do
» Aumento da efetividade na aplicação Sistema Único de Saúde do Ceará, ao
dos recursos públicos envolvidos nos implementar e operacionalizar, tratar,
programas sociais. compilar, analisar e disponibilizar infor-
» Diminuição da desigualdade social no mações.
estado do Ceará.

← sumário 67
A Era dos Dados para o setor público

O monitoramento e o gerenciamento assistência, aumentar a produção e a


dos indicadores, por meio da integra- produtividade hospitalar.
ção dos sistemas utilizados pela Sesa, » Economizar o licenciamento de softwa-
contemplam informações dos 184 mu- res, considerando o uso de ferramentas
nicípios cearenses, envolvendo as áreas open sources e o desenvolvimento da bi-
administrativa, financeira e de planeja- blioteca de visualização.
mento, bem como a integração com sis-
» Otimizar os indicadores estratégicos
temas de outros órgãos.
monitorados pelo IntegraSUS.
RESULTADOS E IMPACTOS
O IntegraSUS torna públicos dados re-
Com a integração dos sistemas e a trans- levantes, que passaram a ser melhor
parência das informações em saúde, a geridos. Além disso, proporciona tam-
Sesa fomenta a melhoria da gestão en- bém:
tre as secretarias de saúde municipais » Transparência da informação.
e as unidades gestoras/prestadoras de
» Maior acessibilidade de pacientes.
serviço para os usuários do SUS Ceará.
» Monitoramento em tempo real das fi-
O ambiente tecnológico contribui para las dos hospitais.
ações estratégicas dos gestores, sub- » Acompanhamento de processos/con-
sidiando, de forma antecipada, as res- vênios.
postas para as crises e otimizando a » Agilidade na comunicação paciente/
comunicação com a imprensa. instituição.
Além disso, é possível:
» Acompanhar os contratos de gestão
(monitoramento e avaliação das metas
pactuadas).
» Aumentar o número de atendimen-
tos, qualificar os profissionais e os pro-
cessos de trabalho e reduzir custos.
» Possibilitar convênios de cooperação
entre a Sesa e as secretarias municipais
do Estado.
» Monitorar em tempo oportuno indi-
cadores de saúde da Sesa.
» Monitorar e avaliar dados de vigilância
sanitária.
» Garantir o nível de excelência da pres-
tação de serviço, assim como a qualida-
de e a humanização no atendimento.

» Aplicar recursos disponíveis de ma-


neira mais assertiva, para qualificar a

68 ← sumário
Uso de dados na gestão pública: casos e aplicações

CASO 4 Os resultados mostram que quando a

Plataforma polícia se concentra em pequenas regi-


ões geográficas com alto crime, conse-
Big Data e gue-se reduzir o crime nessas regiões.
Em torno de 50% das chamadas ou dos
Inteligência incidentes são tipicamente concentrados
em menos de 5% dos lugares (por exem-
Artificial para plo, endereços ou segmentos de rua) em

Segurança uma cidade.

Pública O policiamento orientado para o proble-


ma consiste na ideia de que a polícia deve
assumir um papel proativo, em vez de re-
ativo, ao identificar, entender e respon-
PROBLEMA
der a problemas (não apenas incidentes
De acordo com os últimos 30 anos de individuais) em suas comunidades. Vá-
pesquisa sobre policiamento, há um con- rios estudos científicos concluíram que
senso de que, para que as abordagens de o essa abordagem possui um impacto,
policiamento sejam efetivas, elas devem em geral modesto, mas estatisticamente
ser focadas e usadas de modo sistemáti- significante no enfrentamento do crime
co através da abordagem de solução de e da desordem. Outros estudos menos
problemas. rigorosos também encontraram resulta-
dos positivos na redução do crime.
Há diversas abordagens utilizadas para
policiamento, algumas não muito efetivas
no que se refere à redução de crimes. As SOLUÇÃO
abordagens consideradas mais bem-su-
cedidas ou mais promissoras, nas quais Considerando esses estudos científicos,
a análise visual de crimes constitui um a Secretaria da Segurança Pública e De-
elemento fundamental são: policiamen- fesa Social do Governo do Ceará (SSPDS)
to baseado em hotspots e policiamento desenvolveu o projeto “Inteligência Cien-
orientado para o problema (POP). tífica e Tecnológica na Segurança Pública”.

Hotspots são regiões geográficas que pos- Esse projeto resultou na criação de uma
suem desproporcionalmente mais cri- plataforma para segurança pública base-
mes do que outras regiões em uma dada ada nas tecnologias de big data e inteli-
jurisdição. O policiamento baseado em gência artificial. Essa plataforma é com-
hotspots consiste em priorizar a alocação posta de várias soluções tecnológicas que
de recursos nessas regiões. A base de serviram para a implementar estratégias
evidências para o policiamento baseado de prevenção, investigação e policiamen-
em hotspot é uma das mais sólidas. to ostensivo mais efetivas.

← sumário 69
A Era dos Dados para o setor público

As plataformas são compostas por di- dos homicídios e 63% no roubo a veícu-
versas ferramentas. Primeiramente, o los entre os anos de 2018 e 2020.
Cerebrum, uma ferramenta de busca
que integra mais de 60 bases de dados Em 2021, o número de homicídios no
da segurança pública, oferece um pon- Ceará caiu 28% no primeiro semestre
to de acesso único para realizar análises deste ano em comparação a igual perío-
avançadas sobre os dados integrados. do de 2020. Essa foi a maior redução de
homicídios do país no período, conforme
Como exemplo de análises, é possível os dados do Monitor da Violência, índice
acompanhar em tempo real a movimen- nacional de homicídios criado pelo Portal
tação de viaturas policiais, acessar câme- G1, com base de dados oficiais dos 26 es-
ras de monitoramento, geocodificar to- tados e do Distrito Federal56.
dos os eventos criminosos sobre o mapa
do Estado do Ceará, entre outras análi- Outro resultado bastante relevante foi
ses. Segundo, a ferramenta CrimeWat- a capacidade de coletar e processar um
cher (atualmente Status), cuja função é grande volume de informações da se-
calcular os hotspots de eventos crimino- gurança pública em tempo real. Dessa
sos (manchas criminais) e fornecer di- forma, os atores vinculados à segurança
versas análises espaço-temporais desses pública do Ceará podem ter acesso sim-
eventos. plificado a uma grande quantidade de
informações que ajudam na tomada de
Outra ferramenta importante é o Hu- decisão, incluindo o próprio governador,
manNerd, que permite a coleta automá- que possui em sua sala um painel que re-
tica de dados a partir da leitura de bole- flete a situação da segurança pública.
tins de ocorrência, usando um algoritmo
sofisticado de inteligência artificial. Além O uso dessa plataforma e de novas es-
disso, foram desenvolvidos diversos mo- tratégias de segurança pública estão per-
delos de inteligência artificial para inter- mitindo a implementação de uma gestão
pretar imagens de veículos e pessoas, baseada em evidências, que auxilia na
fundamentais para a pronta resposta aos tomada de decisões mais assertivas e
eventos criminosos. orientada a dados.

RESULTADOS E IMPACTOS

O principal impacto alcançado pelo uso


dessa plataforma, aliada às novas estra-
tégias da SSPDS, foi a redução de 54%

56 Confira a matéria “Ceará tem a maior queda no número de homicídios no Brasil no primeiro semestre de
2021”: <https://g1.globo.com/ce/ceara/noticia/2021/08/20/ceara-tem-a-maior-queda-no-numero-de-homici-
dios-no-brasil-no-primeiro-semestre-de-2021.ghtml>.

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