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NASCIDA PARA PROTEGER

SÉRIE CAMINHOS DE UM CAPO

INDIANA MASSARDO
Direitos autorais © 2021 INDIANA MASSARDO

Todos os direitos reservados

Os personagens e eventos retratados neste livro são fictícios. Qualquer semelhança com pessoas reais,
vivas ou falecidas, é coincidência e não é intencional por parte do autor.

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transmitida de qualquer forma ou por qualquer meio, eletrônico, mecânico, fotocópia, gravação ou
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ISBN-13: 9781234567890
ISBN-10 1477123456

Design da capa por: Pintor de arte


Número de controle da Biblioteca do Congresso: 2018675309

Impresso nos Estados Unidos da América


Dedico este livro aos meus amigos, que me aguentam falar sobre as leituras mais loucas, e
foram peças fundamentais no sonho de publicar um livro.
Índice

Página do título
Direitos autorais
Dedicatória
Apresentação
Sinopse
Nascida para Proteger
Capítulo 1
Capítulo 2
Capítulo 3
Capítulo 4
Capítulo 5
Capítulo 6
Capítulo 7
Capítulo 8
Capítulo 9
Capítulo 10
Capítulo 11
Capítulo 12
Capítulo 13
Capítulo 14
Capítulo 15
Capítulo 16
Capítulo 17
Capítulo 18
Capítulo 19
Capítulo 20
Capítulo 21
Capítulo 22
Capítulo 23
Capítulo 24
Capítulo 25
Capítulo 26
Capítulo 27
Capítulo 28
Capítulo 29
Capítulo 30
Capítulo 31
Capítulo 32
Capítulo 33
Capítulo 34
Capítulo 35
Capítulo 36
Capítulo 37
Capítulo 38
Capítulo 39
Capítulo 40
Capítulo 41
Capítulo 42
Prólogo
Bônus
Capítulo 1
Agradecimentos
Sobre o autor
Apresentação
Este é meu primeiro livro publicado, porém não é o primeiro que escrevo.
Esta faísca surgiu em minha mente enquanto lia mais um romance de máfia
em que os homens estavam no poder, enquanto as mulheres, mesmo fortes e
batalhadoras, eram retratadas somente como suas esposas.
Algo sobre ver essa fórmula se repetindo tantas vezes me fez criar meu
próprio universo mafioso, minha personagem que luta para assumir seu lugar
de direito.
A história começa no ano de 2010 e segue uma evolução cronológica. Este é
o primeiro livro de uma série, mas pode ser lido separadamente.
Observações:
Nesta máfia os cargos de poder são os seguintes:
Capo: chefe que comanda a Família e maior autoridade na hierarquia de
poder.
Consigliere: é o conselheiro do Capo e também o segundo em comando, no
caso da ausência do Capo.
Underboss ou capitão: são os homens de confiança que tem controle de uma
região específica dominada pela Família, reportam diretamente ao Capo.
Soldados: homens feitos que fazem os trabalhos menores, a segurança,
limpeza, entre outros, e se reportam diretamente aos Chefes da sua região.
Neste caso o cargo de Don foi excluido, mas será explicado no próximo livro.
Sinopse
Em um mundo dominado por homens, uma mulher jamais pode comandar.
Daniele Corleone é a única filha do Capo mais poderoso de Nova York,
Alphonse Corleone, o líder da Família Genovese, mas por nascer mulher não
tem direito a herdar o cargo do pai.
Apresentada aos terrores dessa vida cedo demais, com dez anos de idade
matou um monstro para defender sua mãe. Sua vida muda completamente
quando seu pai lhe da uma escolha, seguir os passos de todas as mulheres em
seu mundo, tornando-se esposa do futuro Capo, ou entrar para a máfia e
arriscar tudo em um caminho jamais seguido para ser a próxima liderança da
Família.
Lucas Costello é o filho do Consigliere e tem uma nova missão, treinar e
proteger uma menina de dez anos de idade. O que no começo pode parecer
algo simples se torna a missão mais importante da sua vida, já que o seu
futuro e o dela estão conectados.
Se ela fracassar, ele não terá mais lugar naquele mundo.
É SOBRE AMOR.
SOBRE PROTEGER QUEM SE AMA.
É SOBRE SER FORTE QUANDO TODOS ACREDITAM QUE SE É
FRACO.
Nascida para Proteger
SÉRIE CAMINHOS DE UM CAPO

Livro 1

INDIANA MASSARDO
"As jovens dizem para si mesmas que elas devem ser princesas
delicadas. Hermione ensinou-lhes que elas podem ser guerreiras".

-Emma Watson
Capítulo 1

Daniele
10 anos de idade

O homem em minha frente é assustador, seus olhos verdes claro são frios,
o rosto não transpassa nenhuma emoção com a qual eu esteja familiarizada,
mas quando me olha surge um sorriso no canto da boca, e algo no fundo do
meu estômago grita de medo.
Ele é baixo e magro, mas musculoso, tem o corpo todo coberto de
tatuagens mal feitas, o cabelo loiro está manchado de sangue, assim como
suas roupas rasgadas, mas o pior é o cheiro que vem dele, me provoca
náuseas, um odor forte de cigarro misturado com álcool toma conta do
ambiente fechado.
Estou sentada no sofá branco ao lado da minha cama, o homem me
colocou aqui e mandou que ficasse calada, enquanto minha mãe está
amarrada no chão do outro lado do quarto.
Apesar de criança, entendo a situação que estamos no momento, nossa casa
foi invadida por homens que vieram nos sequestrar e querem nos fazer mal
para atingir o papai.
Estamos assim há algumas horas, desde que o homem nos trancou no meu
quarto e empurrou a mamãe contra a parede ele não falou uma palavra, agora
está sentado na cadeira ao lado da porta balançando a perna
descontroladamente.
Meu quarto é meu refúgio, um cantinho de paz, as paredes verdes claras
harmonizam com os quadros de bailarinas e gatinhos, os móveis brancos e o
espelho grande ao lado do closet iluminam o ambiente, assim como a janela
com vista aos jardins. Meus ursos e livros em prateleiras são outro detalhe
decorativo que indica que este é um quarto de criança.
Mas agora tudo o que eu não quero ser é uma criança, fraca e indefesa, mas
é assim que me sinto, sem forças para fazer qualquer coisa, o medo domina
meu ser e silencia minha voz.
Tudo o que quero é meu papai, mas ele viajou ontem para a Itália, os
seguranças que ficaram na mansão não devem mais estar aqui, ou esse
homem estranho não estaria no meu quarto.
Lá fora ouço sons de pessoas que correm e gritam, mas os tiros que me
acordaram no meio da noite já não estão mais presentes.
— Não. — Escuto a voz da minha mãe do outro lado do quarto — Não
faça isso — complementa, olhando em direção ao homem.
Não entendo do que ela esta falando, ele não fez nada.
— Cala a boca vadia — o homem responde, cuspindo as palavras enquanto
me encara.
— Não, ela não! Faça o que quiser comigo, mas deixe minha filha em paz.
— suplica a mamãe.
— Você? — Desvia o olhar para ela. — Quem quer uma velha usada? —
As palavras parecem atingir o orgulho da mamãe, que o encara com ódio no
olhar.
— Eu sou a mulher do Capo — retruca enquanto ajeita a postura,
demonstrando todo o seu orgulho.
Isso parece chamar a atenção do homem, que se levanta andando
lentamente em sua direção. Quero levantar e atacá-lo, fazê-lo parar para que
não chegue perto da mamãe, mas estou paralisada, o medo trava meus
movimentos.
Amélia Corleone é a mulher mais forte e elegante que existe, seu cabelo
castanho escuro contrasta com a pele clara e olhos verdes, apesar de não ser
alta, a postura demonstra o quão poderosa e importante ela é.
Mesmo com as mãos amarradas atrás das costas, sentada contra a parede,
não se encolhe e nem demonstra medo, seu olhar é feroz e ameaçador,
“rainha de fogo” como é conhecida.
O homem agacha-se em frente à mamãe e coloca a mão em seu pescoço,
segurando com força, avaliando-a ameaçadoramente esperando que ela
desvie o olhar.
— Não é a mesma coisa — fala, cuspindo em sua cara — Porque eu
escolheria uma boceta velha e usada quando posso ter uma novinha em folha
que nunca foi tocada?
— Porque não sou somente uma boceta, você terá tomado o bem mais
precioso do Capo de Nova York.
Então começo a entender, medo fluindo pelo meu corpo enquanto as
palavras fazem sentido. Por um momento o homem parece pensar no assunto
e desvia o olhar para a cama, quando faz isso minha mãe me encara
apontando para a penteadeira. Por uma fração de segundos ela parece com
medo, até voltar a encarar o homem e fazer com que ele esqueça que eu estou
no quarto.
Ele levanta minha mãe com um puxão forte, jogando-a de costas na cama,
ela usa um vestido vermelho vivo que vai até os joelhos e está rasgado do
lado esquerdo. Vendo a cena toda sei o que vai acontecer, mas não consigo
reagir, as palavras não saem da minha boca.
Eu faria qualquer coisa para protegê-la.
Então me lembro... A penteadeira do meu lado guarda um segredo, um
segredo compartilhado somente entre meu pai, minha mãe e eu, uma pistola
calibre 22 que papai me ensinou a usar.
Todo o ensinamento vem a minha mente naquele momento, ainda não sou
muito boa com a arma, minhas mãos são pequenas demais e demoro a
conseguir mirar e puxar o gatilho, mas papai sempre fala “Respire e espere o
momento certo, o importante é acertar o alvo”.
Por isso sei que tenho que ficar calma mesmo que por dentro queira gritar
e chorar. Empurro esses sentimentos paralisantes bem para o fundo, não
posso deixar que me dominem.
Se fizer algum movimento inesperado e que o monstro desconfie, ele vai
pegar sua arma primeiro, e nossa chance será desperdiçada. Preciso salvar a
mamãe, tenho que tirar a gente daqui, e nossa única esperança é pegá-lo
desprevenido.
Mas tenho que esperar o momento certo, quando o homem se descuidar e
esquecer que estou aqui. Não demora muito para ele parar de olhar em minha
direção, afinal o que eu, uma menina de 10 anos de idade pode fazer? É o que
ele pensa e por isso não estou amarrada.
Tento não olhar para o que faz com a mamãe, foco no chão abaixo da
cama, a cada tapa e a cada palavrão que ele solta, me encolho um pouco no
sofá, minha mãe não fala nada, ela não grita, não chora, não demonstra
sentimento algum enquanto o homem atrás dela começa a se despir.
A cada som que o monstro produz um sentimento diferente surge dentro de
mim, algo frio e medonho, uma escuridão que me acalma e ao mesmo tempo
deixa minha mente mais clara. Deixo que esse novo sentimento me domine e
guie minhas ações.
Tudo parece em câmera lenta, os sons vindos da cama servem para
alimentar a escuridão que cresce a cada barulho do homem, cada som vindo
daquela direção alimenta meu próprio monstro interno.
Então, quando o homem não olha para mim por algum tempo, perdido em
seus próprios desejos, vejo minha única oportunidade, ergo o braço
lentamente alcançando a arma na penteadeira ao meu lado, esta carregada
como sempre, sinto seu peso já familiar e a sensação que o aço frio transmite
em meus dedos gelados.
O monstro continua completamente concentrado na minha mãe, alheio a
tudo a sua volta, ele não vê quando me levanto, não vê quando me posiciono
alguns passos atrás dele e miro na sua cabeça, como meu pai me ensinou.
Com as duas mãos segurando a arma, foco toda a minha atenção na
pequena mira, calmamente tiro a trava de segurança e aperto o gatilho. O
primeiro tiro faz com que a arma force meus braços para trás com o rebote,
mas seguro firme, acertando a cabeça do monstro, depois aponto e atiro em
suas costas mais duas vezes. O corpo do monstro cai em cima da mamãe e
ouço o barulho das chaves na porta atrás de mim.
O guarda que esta do outro lado escuta os tiros e entra para ver o que
aconteceu, mas ele não tem tempo de assimilar a situação, consigo acertá-lo
no ombro direito, antes que possa mirar sua arma, ele cai de joelhos devido a
dor, então aproveito e atiro mais uma vez acertando seu peito.
Vou até a cama e vejo a quantidade de sangue que toma conta dos lençóis e
cobertores aumentar cada vez mais, sinto em minhas mãos o liquido quente e
pegajoso quando arrasto o corpo de cima da mamãe, libertando-a.
Não temos muito tempo, precisamos chegar ao quarto do pânico antes que
os outros invasores cheguem aqui, e já posso ouvir pessoas correndo no andar
de baixo.
A porta de acesso ao quarto do pânico fica ao lado da penteadeira,
escondida por uma estante de livros. Quando chegamos até ela mamãe digita
a senha rapidamente em um display escondido, a porta se abre e nós
entramos, assim que a porta fecha ouço o grito de homens do lado de fora,
mas eles não conseguem chegar até nós e estamos seguras.
O quarto do pânico é um refugio construído para situações exatamente
como essa, um local pequeno, sem janelas, as paredes são revestidas de aço
como um cofre e o único acesso é pela porta que nós entramos.
Aqui dentro tem dois beliches, um frigobar, um armário com mantimentos
e armas, em outra porta temos um banheiro pequeno com vaso sanitário e
uma pia.
Meu pai construiu dois quartos assim na casa, um no andar de baixo, em
seu escritório, e um no meu quarto, ele sabia que o quarto principal seria
muito óbvio e seu escritório já era um local óbvio, então ele construiu este em
segredo, somente a mamãe e ele tem a senha.
E isso nos salvou, porque os sequestradores escolheram meu quarto para
nos manter justamente por achar que no quarto principal poderia ter alguma
armadilha, armas ou um esconderijo.
No momento que a porta fechou as luzes acenderam automaticamente e a
mamãe caiu no chão chorando, seu corpo todo tremendo em desespero, nunca
vi ela assim antes. O vestido esta rasgado e sangue corre pelas suas pernas.
— Daniele, pega uma faca e corta as cordas — mamãe fala entre soluços,
apontando para um armário, sua voz é fraca e seu rosto está molhado.
Faço o que ela pede, vou até o armário e encontro uma faca, volto ao seu
lado e corto as cordas, ela massageia seus pulsos machucados. Depois de um
tempo ajudo-a levantar-se e ir até um painel ao lado da porta, acionando um
alarme, agora só podemos esperar que papai e seus homens venham nos
resgatar.
Capítulo 2

Daniele
Quando papai nos encontra, aguardo em frente à mamãe, ainda com a arma
em mãos para o caso de não ser o papai, mirando diretamente para a porta,
determinada em atirar em qualquer pessoa que entre. Preciso proteger a
mamãe, jamais deixarei que alguém a machuque novamente.
Durante todo o tempo que ficamos aqui dentro a escuridão me consumiu,
dando-me forças para cuidar dos machucados da mamãe e me manter
acordada olhando a porta.
Ela chorou por muito tempo até que pegou no sono em uma das camas, eu
não deixei o cansaço me dominar e forcei meus olhos a continuarem abertos,
atentos.
Quando a mamãe acordou depois de um bom tempo, não sei quantas horas,
falei que eu também dormi e ela acreditou, comemos o que encontramos no
armário e sentamos na cama. Ela não falou nada sobre o que eu fiz, só ficou
comigo e afagou meus cabelos.
Não tem um chuveiro no banheiro então só consegui limpar o sangue das
minhas mãos, mas as roupas ficaram sujas. Não me importei com isso, só
queria que esse pesadelo acabasse logo.
Somente quando confirmo que é meu pai entrando, abaixo a arma, não sei
quanto tempo estamos presas neste quarto fechado, não temos relógio ou
janelas para saber se é dia ou noite e estou cansada e com sono.
Ele vem diretamente em minha direção, tirando a arma das minhas mãos e
avaliando meu estado, me abraça e seu corpo relaxa, até que olha para a
mamãe, sentada em uma das camas, chorando.
Vejo todo o desespero aflorar no olhar do papai, ele me entrega a Frank e
vai em direção à mamãe, que se joga em seus braços. Finalmente estamos
seguras, com o papai aqui nada de mal pode acontecer.
Enquanto saímos do quarto do pânico passamos por diversos corpos nos
corredores, homens do meu pai correm de um lado para o outro a procura de
sobreviventes, ouço alguns conversando, eles não percebem nossa
aproximação e falam em voz baixa.
— Foram homens da Camora.
A Camorra é a organização que comanda a Máfia em Las Vegas e uma das
principais rivais á Família Genovese.

✽✽✽

Alguns dias se passam até que papai cria coragem para conversar comigo,
eu esperava por ele, provavelmente mamãe já contou o que eu fiz, mas
imagino que ele queria ouvir da minha boca.
Ouço uma batida na porta do meu quarto.
— Posso entrar? — papai pergunta.
— Claro papai — respondo, já é noite, mas estou sem sono, desde a
invasão as noites tem sido alimentadas pela minha escuridão quando
memórias do que passamos vem a tona. E sentada no sofá branco que agora
fica embaixo da janela com vista para os jardins aos fundos, gosto de olhar
para o céu estrelado, a luz da lua me conforta.
Papai senta-se do meu lado, com uma expressão de cansaço no rosto, seus
olhos azuis rodeados por enormes olheiras, e seus cabelos escuros que
normalmente estão alinhados, agora parecem um ninho de passarinho.
Meu pai é um homem poderoso, com a aparência e porte de um. Com
1,90m de altura e um corpo musculoso, ele é alguém a se temer. Tem
tatuagens pelo corpo todo, que no dia a dia esconde com seus ternos caros,
mas ainda aparecem subindo pelo pescoço. Jovem e em forma, virou Capo
aos 21 anos, quando seu pai foi assassinado. Agora, com seus quase 37 anos,
está no topo do poder.
Mas este homem poderoso parece estranhamente confortável quando esta
no meu quarto. Papai é meu melhor amigo, sempre que preciso dele, ele larga
o que esta fazendo para passar um tempo sentado neste mesmo sofá branco
lendo histórias de mundos encantados comigo.
Quando não consigo dormir ou minha imaginação toma conta dos
pensamentos, papai escuta pacientemente minhas histórias, ele ama saber
sobre os livros que leio, especialmente os policiais, passamos horas criando
teorias sobre quem é o real vilão da história.
Esta noite, no entanto, não é a mesma situação, meu quarto foi remodelado
depois da invasão e todos os móveis foram trocados, menos o sofá branco,
que é herança da minha avó, mãe do papai. Mas ainda é o local que guarda os
terrores do que eu fiz, foi aqui que eu matei meu primeiro homem.
Primeiro papai queria que eu trocasse de quarto, até fiquei alguns dias
dormindo em um dos quartos de visita, mas eu amo este lugar, é meu
cantinho e tem a vista mais bonita dos jardins. Também me sinto mais segura
sabendo que o quarto do pânico está aqui e que papai e mamãe estão
próximos.
— Preciso conversar sobre o dia da invasão, você pode me contar o que
aconteceu?
Já conversei com a minha psicóloga Luana sobre aquele dia, temos sessões
diárias e ela me faz falar sobre tudo, e sei que o papai recebe relatórios sobre
as minhas consultas.
—Você já sabe, falei tudo para a Luana — digo calmamente.
— Eu sei, mas queria ouvir de você, precisamos conversar sobre algumas
coisas que irão mudar daqui para frente.
Fico um tempo calada pensando no assunto, desde muito pequena fui
tratada como uma princesa por todos, como se fosse frágil, papai é o único
que me trata como igual, conversa comigo com maturidade, pede minha
opinião sincera e escuta atentamente, sempre olhando nos meus olhos e
explicando tudo o que acontece para que eu entenda.
Então decido relatar o que aconteceu, como a mamãe deu a dica da arma,
como eu esperei até que o monstro estivesse distraído o bastante para atirar
nele e matá-lo. Nessa parte percebo que papai fica ainda mais nervoso, ele
sabe o que o monstro fez com a mamãe, e eu deixei que fizesse aquilo.
Conto como me preparei para matar o próximo homem que entraria pela
porta e como fiz de tudo para ajudar a mamãe no quarto do pânico. Quando
termino ele olha fixamente para o chão, com uma expressão triste no rosto.
Quem conhece meu pai sabe o homem forte que ele é, nunca o vi chorar ou
perder o controle, mesmo comigo e com a mamãe ele é controlado. Mas a
expressão em seu rosto é difícil de interpretar. Espero vários minutos em
silêncio dando-lhe um tempo para assimilar o que falei, mas o papai não fala
nada, então uma dúvida surge na minha cabeça.
— Você está brabo comigo porque eu não consegui proteger a mamãe? —
Venho me cobrando sobre isso desde que saímos de lá, deveria ter protegido
ela, lembrado da arma antes ou agido mais rapidamente.
— Claro que não meu amor — papai responde erguendo o rosto e olhando
diretamente para mim —, você protegeu não só a sua mãe, mas a si mesma,
eu estou orgulhoso de você — fala com uma voz estranha e olhos vermelho,
vejo a primeira lágrima escorrer, nunca vi meu pai chorar.
— Por que você está assim então? — Se ele está orgulhoso, não deveria
estar chorado.
— Porque você não deveria ter que passar por isso — ele me abraça e me
pega no colo, nesse momento volto a ser sua menininha, aninhando-me em
seus braços—, eu deveria ter protegido vocês, é minha culpa que tudo aquilo
aconteceu, que aquele homem se aproveitou da sua mãe, que agora você sabe
o que é tirar uma vida e que minha garotinha tenha que crescer assim tão
duramente.
— Não é sua culpa papai, é dos monstros — falo e o abraço mais forte. Ele
não deveria estar chorando, papai é o homem mais forte que eu conheço e
pessoas fortes não choram.
Depois de um tempo abraçados papai começa a se acalmar, mas ele ainda
tem mais alguma coisa a me dizer, saio do seu abraço e seco suas lágrimas
com a manga do meu pijama.
— Pode falar papai. — Encorajo-o a continuar, como garantia de que estou
preparada.
— Eu sei que você passou por um trauma que ninguém, especialmente
uma criança, deveria passar, mas isso fez com que eu pensasse sobre o futuro.
Enquanto fala seu tom vai ficando cada vez mais decidido e a postura
mais séria, seus olhos buscam os meus para confirmar que estou ouvindo e
entendendo cada palavra.
— Vou te dar uma escolha, uma que nenhuma mulher em nosso meio
sonha em ter, uma que pode alterar o rumo das nossas vidas e das nossas
tradições.
— Uma escolha? — pergunto confusa.
— Quando fizer 14 anos poderá decidir entre seguir o mesmo caminho de
outras mulheres da máfia, ter um casamento arranjado com um marido de
minha escolha que irá assumir os negócios e se tornar Capo, você será uma
esposa, terá filhos e cuidará da casa e da família.
— Como seu casamento com a mamãe?
Meus pais se casaram muito jovens, como uma forma de unir duas
famílias, casamento arranjado ainda é uma tradição dentro da máfia para
garantir que o poder fique sempre dentro dos mesmos círculos. Como eles
não conseguiram ter um filho homem, o cargo de Capo seria passado para um
escolhido do meu pai que se casaria comigo e manteria os negócios em
família.
— Sim, como a mamãe e eu nos casamos, meu pai e o pai dela entraram
em um acordo para unir nossas duas famílias, da mesma forma será o seu
casamento se assim você escolher.
— Entendo.
Esse é o caminho que conheci durante toda a minha vida e que estava
sendo preparada para seguir, ser uma boa esposa, gerar e educar os filhos,
manter o lar e ser uma mulher de respeito.
— Ou você pode se tornar Capo e comandar todos os negócios da Família
quando eu me aposentar.
Essa última frase sai como um desabafo da boca do papai, mas com uma
voz forte e decidida.
— Me tornar Capo como você?
A surpresa me atinge em cheio com o entendimento de suas palavras,
nunca ouvi falar sobre uma mulher Capo antes.
— Sim, como eu — papai repete seriamente —, mas saiba que se você
escolher este caminho, não será fácil, você terá que lutar como um homem,
muito mais que um homem na verdade, para merecer a posição terá que
provar para todos que será apta a comandar os negócios, sua vida irá mudar
completamente.
— Mas eu posso ser Capo?
Eu sei que meus pais tentaram ter um filho homem depois que nasci,
somente um homem poderia assumir o lugar do papai, mas a mamãe ficou
doente e teve que retirar os ovários e o útero quando eu tinha três anos, então
ela não pode ter mais filhos.
— Sim, no momento somente filhos homens podem ser Capo, mesmo eles
tem que provar serem merecedores do cargo, e eu estou disposto a lutar
contra essa regra, lutar contra nosso costume mais antigo, para que você
possa assumir o lugar que merece, se isso for o que você decidir, e se você
me provar que é forte o bastante.
Fico sem palavras, toda a minha vida as pessoas me prepararam para o
meu papel como mulher, ser uma filha digna, uma mulher de valores, uma
esposa fiel e uma mãe, fui criada assim.
Sei que fora da nossa realidade as mulheres normais podem ser o que elas
quiserem, leio livros suficientes com histórias lindas, mas jamais me deixei
enganar que poderia viver algo a mais. Quem nasce na máfia morre na máfia,
não tem saída.
— Mas Daniele, se você decidir por um caminho, jamais poderá voltar
atrás, eu sei que com 14 anos ainda será uma criança, mas no nosso mundo os
homens são introduzidos com essa idade, devem cometer o primeiro
assassinato em frente a todos os outros irmãos de sangue e jurar lealdade ao
Capo e a Família Genovese. Se escolher o caminho de um Capo será posta
aos mesmos treinamentos que nossos homens são submetidos, as mesmas
missões e trabalhos, começando de baixo e evoluindo com o tempo, mesmo
que já tenha matado deverá cumprir a cerimônia de iniciação e provar-se em
frente a todos.
Papai fala com calma, mas sua voz esta pesada, eu não sei qual caminho
ele escolheria para mim, mas os dois parecem difíceis.
— Eu entendo papai.
— Você tem quatro anos ainda para decidir, até lá algumas coisas irão
mudar.
Muita coisa já mudou, a segurança na mansão está praticamente triplicada
e não fico mais sozinha nem quando vou à biblioteca. O clima é pesado nos
corredores e consigo sentir a tensão dos guardas.
— O que vai mudar papai?
— Você se lembra do Lucas, filho do meu Consigliere Frank Costello?
— Sim.
— Ele será seu novo guarda-costas e treinador, Lucas é um homem feito e
irá te treinar e te proteger até a cerimônia de iniciação.
Eu nunca tive um treinador ou segurança pessoal, geralmente só saio de
casa com a mamãe e os seguranças normais ou quando o papai vai junto.
— Você não vai mais me ensinar a atirar?
As aulas de tiro são o momento que mais aguardo na semana, quando o
papai tem um tempo à noite para passar somente comigo e nós treinamos
juntos.
— Claro que vou, são minhas aulas preferidas. — Ele sorri — Mas a partir
de agora Lucas irá te ensinar como manusear outras armas, assim como facas
e também te ensinará autodefesa, quero que você comece a treinar corrida
com ele todas as manhãs para aumentar sua resistência física.
— E se eu escolher seguir o mesmo caminho da mamãe? —pergunto para
tentar saber como papai se sente com isso, ele é difícil de ler.
— Você não precisa escolher agora, mas quero que faça o treinamento com
Lucas, esses acontecimentos serviram para me garantir que eu estava certo,
você precisa saber defender-se, e um pouco de exercício físico não vai te
fazer mal, sair da biblioteca e movimentar o corpo é necessário para a saúde.
— Papai, o que a mamãe pensa sobre isso? — pergunto porque não vejo a
mamãe desde o dia do resgate, a psicóloga conversou comigo e explicou que
ela teve uma crise de pânico e precisou ser internada para se acalmar.
— Sua mãe não pode lidar com tudo isso agora, ela ainda está muito
fragilizada com o que aconteceu. — Vejo a dor nos olhos do papai, o peso de
tudo é demais para ele — Mas você não precisa se preocupar com ela, é uma
mulher forte, logo estará conosco em casa, preocupe-se com você e com o
seu futuro, essa decisão é somente sua Daniele.
Papai levanta-se e me da um beijo carinhoso na testa antes de sair. Então
estou sozinha com meus pensamentos, olhando para o céu estrelado e
imaginando todas as possibilidades que se abriram em meu futuro.
Não sei quem quero ser, nem se tenho força suficiente para seguir qualquer
um dos caminhos a minha frente, mas ter uma escolha ascende uma luz de
esperança.
Capítulo 3

Lucas
17 anos de idade

Faz três anos desde minha cerimônia de introdução à família Genovese,


depois disso meu pai me enviou à Itália, para um colégio interno onde
terminei meus estudos e treinei artes marciais em uma academia liderada pela
família Costello.
O renomado colégio recebe geralmente filhos de magnatas de todo o
mundo, meninos que são enviados por pais que já estão cansados da rebeldia
e não sabem mais o que fazer com as mentes complicadas criadas devido a
sua ausência, terceirizam as obrigações como genitores, com a confiança de
que um internato irá adestrá-los.
Mas também recebe um seleto grupo de filhos da máfia, meninos que
fazem parte da aliança criada pelas Famílias mais poderosas dos Estados
Unidos e Itália. Estes recebem uma educação diferenciada dos outros, com
treinamento praticamente militar. Além, é claro, dos conteúdos extras, como
métodos de tortura e tiro ao alvo, que são passados discretamente.
Meu pai é o Consigliere da Família Genovese nos Estados Unidos, o
segundo homem mais importante da máfia, e seu cargo será meu quando se
aposentar. Isso se ainda tivermos um Capo quando Alphonse Corleone deixar
seu cargo.
O Capo só tem uma filha mulher, nenhum filho homem, portanto terá que
escolher alguém de uma das famílias secundárias para assumir o cargo
quando a hora chegar. Meu pai havia comentado que meu nome tinha sido
sugerido entre os homens de honra considerados.
Ser Consigliere é a marca da nossa família, por quatro gerações este é o
nosso cargo, eu serei o quinto homem da família Costello a aconselhar e atuar
lado a lado com o Capo, jamais trocaria meu legado.
Para alguns o cargo é considerado inferior, mas nós sabemos o poder de
um conselheiro, o trabalho parece simples, acompanhar as decisões do Capo,
mas é muito mais que isso. O Consigliere é a pessoa que reúne informações
sobre todos os negócios, repassa as estratégias de poder com o Capo e
participa de todas as decisões quanto ao rumo das ações da Família.
Frank Costello, meu pai, estava no cargo há 10 anos quando o jovem
Alphonse se tornou Capo, foi com a sua ajuda que o homem mais poderoso
da máfia prosperou, a união entre os dois poderes é necessária para garantir
estabilidade a Família e aos negócios.
Agora retorno aos Estados Unidos com uma nova missão, algo que não era
o que eu esperava quando fui convocado a voltar antes da hora, deveria ficar
mais um ano na Itália e voltar depois do meu aniversário de dezoito anos.
Minha nova missão será servir de babá para uma menina de 10 anos de
idade e é a última coisa que eu poderia imaginar para uma tarefa na máfia.
Mas aquela não é uma menina qualquer, é a única filha do Capo, ela também
não é exatamente como as meninas normais da sua idade.
Depois da invasão à mansão Corleone, as histórias sobre o que aconteceu
circularam entre os grupos, alguns falaram que Amélia matou um dos
invasores e conseguiu trancar-se no quarto do pânico com a filha, outros
juravam que um dos guardas se infiltrou na mansão e salvou as duas.
Alguns ainda mais iludidos espalhavam histórias de que um dos homens da
Camora se apaixonou por Amélia e ajudou-a fugir, tirando a própria vida
logo depois.
Sou um dos poucos que sabe o que realmente aconteceu, logo após pousar
em Nova York meu pai me deixou a par da história real.
Em um primeiro momento fiquei chocado com o que aquela menina foi
capaz de fazer para proteger a mãe, não é algo que uma criança normal tenha
a frieza para fazer, então eu entendi que minha missão não seria o que eu
pensava.
De alguma forma aquela invasão impactou a vida de muitas pessoas,
inclusive a minha.
Depois de terminar o colégio eu deveria retornar para os Estados Unidos e
aprender os caminhos de um Consigliere, as missões que participaria seriam
voltadas para isso. Mas sou um bom soldado, um homem de confiança,
crescido na máfia, educado pela mesma e vivendo por ela. Alphonse
Corleone confia em meu pai e na nossa família, por isso me escolheu.
Antes de ir estudar fora convivíamos muito com a família Corleone,
frequentávamos a mansão regularmente, já que a máfia só trata de negócios
pessoalmente e em locais de confiança. A mansão é uma fortaleza, ou assim
acreditava-se até a invasão.
Por frequentar a mansão acabei conhecendo Daniele desde que nasceu, sou
sete anos mais velho que ela, mas quando nossas famílias se reuniam tinha
que ficar com as outras crianças, e isso incluía meninos e meninas de todas as
idades.
Daniele sempre foi uma menina quieta, pequena demais para a idade mas
muito curiosa. Ela não gostava de correr e brincar com as outras crianças, nas
festas e reuniões da Família, preferia sentar em algum lugar e contemplar a
movimentação.
Enquanto as outras crianças corriam pelo jardim, dando um baile em suas
babás e cuidadoras, Daniele estava sentada em algum canto com um livro na
mão, passando quase despercebida.
Até que não temos idade para a iniciação somos considerados criança e
não temos permissão de participar das reuniões dos adultos, nem ficar
próximo do local em que eles conversavam, então não ouvíamos sobre os
assuntos oficiais da máfia.
Mas Daniele era esperta, percebi isso quando ela tinha aproximadamente 5
anos e nossos pais estavam em uma reunião antes das festas de final de ano,
nossas babás corriam atrás de dois meninos infernais que não paravam de
gritar, não aguentava mais aqueles dois pestinhas, foi quando percebi uma
porta entreaberta.
Olhando pela porta vi que era o hall de entrada do escritório do Capo, lugar
proibido para qualquer um que não fosse convidado. Em um sofá verde
musgo, no canto esquerdo do hall, estava Daniele.
Ela não fazia nenhum movimento, parecia uma estátua, se você olhasse
rapidamente não saberia que estava lá, uma criatura minúscula, que usava um
vestido verde quase da cor do sofá, sentada confortavelmente com a cabeça
escorada nas mãos olhando para a janela ao lado.
De onde eu estava podia ouvir algumas vozes masculinas, mas não
conseguia identificar quem falava ou sobre o que falavam, estava longe de
mais, e era por isso que aquele hall existia. Mas Daniele conseguia ouvir,
tinha certeza disso, só não sabia se ela estava lá de propósito ou por acaso.
Depois daquele dia comecei a reparar mais na menina, sempre quieta, com
um olhar pensativo, contemplando algo que não parecia estar lá realmente,
algumas vezes nem parecia que ela estava lá.
Hoje, duas semanas depois da invasão, a visão da menina de 10 anos de
idade é a mesma, mas seu olhar está diferente, frio e intenso ao mesmo
tempo. Ela tem os olhos azuis do pai, seu cabelo preto esta amarrado com um
laço verde na cabeça e usa um vestido verde com sandálias da mesma cor.
Alphonse ao seu lado no hall de entrada está a nossa espera, minha mãe e
meu pai cumprimentam o Capo e a menina com um abraço e minha irmã Sara
cumprimenta os dois com uma reverência.
Sara é dois anos mais nova que eu, é alta para a idade e tem os cabelos
loiros iguais os da minha mãe, mas os olhos são pretos como os meus. Minha
irmã é a visão da mulher criada dentro da máfia, delicada e submissa.
— E acho que você se lembra do meu filho Lucas. — Meu pai aponta para
mim e estendo a mão para cumprimentar o Capo.
— Claro, você está um homem feito agora, o treinamento da família
Costello nunca falha — Alphonse fala enquanto responde meu aperto.
— É um prazer servir à Família Genovese.
— Esta é minha filha Daniele. — O Capo aponta para a menina que
estende a mão em minha direção, olhando para cima diretamente nos meus
olhos.
— Prazer em revê-lo Lucas — ela fala com uma voz delicada de criança.
Por um momento fico sem reação, homens não devem ter contato físico
com mulheres, crianças ou adultas, das famílias, somente uma pequena
reverencia é esperada. Mas depois do choque inicial pego a mão pequena e
frágil da menina e aperto, sem forçar, em um cumprimento.
— O prazer é todo meu — respondo ainda em choque com a intensidade
que ela demonstra no olhar.
— Vamos entrar, temos um almoço maravilhoso esperando e temos muito
que discutir depois.
Primeiro a refeição, depois os negócios, é assim que Alphonse é
conhecido, seu ditado é “de estomago vazio negócio nenhum prospera”.
O almoço segue agradável e a conversa trivial, Alphonse pergunta sobre
meus anos de estudo e treinamento, discutimos o método de ensino da
academia e minha área de estudos futura, irei começar a cursar a faculdade,
com ênfase em direito tributário.
O tempo passa rapidamente, depois do almoço nos encaminhamos para o
escritório do Capo, minha mãe e Sara se retiraram para uma das salas de
estar, mas Daniele nos acompanha logo atrás de seu pai e senta-se em uma
cadeira ao redor da mesa de reuniões, do lado esquerdo ao Capo.
O escritório é uma sala grande, já participei de algumas reuniões aqui, mas
ainda me sinto intimidado com o ambiente.
A decoração é minimalista, somente um quadro preto e branco com uma
arte contemporânea de uma cobra enrolada em um cacho de uvas, fica
pendurado em uma parede de concreto cinza. O mobiliário é composto pela
mesa de reuniões de madeira escura com 12 cadeiras estofadas em couro
preto, que fica no centro da sala, e a escrivaninha de madeira do Capo fica
próxima á janela com vista para os jardins.
Toda a sala exala poder, desde as vigas de aço aparente, até os detalhes em
ouro nos braços das cadeiras e cantos da mesa.
Meu pai senta-se do outro lado do Capo e eu ao lado do meu pai. Ainda
intrigado com a presença da menina, que quase some naquela cadeira tão
grande.
— Acredito que seu pai já tenha te explicado o que espero de você a partir
de agora — Alphonse começa sem rodeios, ele é conhecido por ser direto
quando se trata de negócios.
— Conversamos sobre o assunto — meu pai responde — Ele esta ciente de
suas obrigações.
— Obrigado Frank, mas gostaria de conversar diretamente com o seu filho
a partir de agora.
Meu pai sinaliza afirmativamente com a cabeça, olhando diretamente para
mim.
— Sim, estou ciente das minhas obrigações — respondo.
— Então vamos lá, a partir de agora Daniele será treinada para seguir os
caminhos da máfia, você será responsável por esse treinamento, juntamente
com uma equipe de professores. Ela não deve sair da mansão, a não ser para
assuntos de extrema necessidade, quando isso acontecer você terá um time de
seguranças para ajudá-lo, não deve deixá-la sozinha por nenhum motivo, a
segurança dela é o ponto principal do seu trabalho.
Meu pai já me falou sobre todas estas responsabilidades, então aceno em
concordância com cada um dos pontos mencionados.
— Será seu dever garantir que Daniele receba o mesmo treinamento que
você recebeu na Itália, um professor da escola dos Costello já está a caminho
para supervisionar os estudos dela, e você irá treiná-la. Ela deve aprender a
manejar todos os tipos de arma de fogo, assim como facas e instrumentos de
tortura.
Alphonse continua, mas percebo que ele parece um pouco abalado. Ele faz
uma pausa esperando meu consentimento para continuar.
— Farei o meu melhor.
— Assim que o treinamento progredir, vocês participarão de trabalhos de
baixo risco juntos, como uma equipe. — Isso me pega de surpresa, nenhuma
pessoa não iniciada participa das missões da máfia, Alphonse percebe minha
dúvida — Eu sei dos nossos costumes, mas ela precisa aprender nossas regras
se quiser ser iniciada como membro da Família Genovese.
Ele está sugerindo que sua filha será iniciada na máfia? Não pode ser,
nenhuma mulher jamais foi iniciada ou sequer participou de uma cerimônia
de iniciação, nem como telespectadora.
Do fundo da cadeira preta escuto uma voz baixa e fina.
— Você acha que eu não posso ser iniciada por que sou mulher? — Sua
fala me faz pensar se ela consegue ver a dúvida nos meus pensamentos.
— Daniele escolherá o caminho que irá seguir e está ciente dos desafios
Lucas — Alphonse explica com um olhar cauteloso.
— Certo — respondo.
— Seu novo cargo será descrito como segurança pessoal de Daniele, no
momento somente as pessoas de confiança sabem deste nosso arranjo, outros
Underbosses serão informados futuramente, mas agora isso tudo é um
segredo, ninguém deve saber que estou treinando minha filha, por isso você
também deverá morar na mansão, suas obrigações são em tempo integral,
você irá dormir no quarto ao lado de Daniele e passará a maior parte do seu
dia com ela, durante os finais de semana ou feriados que eu esteja em casa,
você terá folga, mas não deve sair da cidade ou ficar incomunicável, quando
Daniele não estiver treinando com você ela estará comigo e com mais
ninguém.
Alphonse faz uma pausa e me encara com um olhar intensamente
ameaçador, todos que conhecem o Capo o respeitam, não tenho dúvidas
disso, mas também sabem do que é capaz para defender a Família.
— Neste momento eu te darei uma chance única para recusar — fala
calmamente —, como sabe essa chance não é algo que outros homens
tenham, no entanto esta será uma missão que envolve a vida da minha filha e
a sua por muitos anos. Não tome a decisão levianamente, uma vez aceita não
poderá voltar atrás.
Então tenho uma escolha, meu pai não colocou dessa forma, mas eu quero
recusar? Até pouco tempo imaginei que minha vida seria mais livre após
todos os anos no internato, claro, uma liberdade dentro da máfia é diferente
de uma liberdade normal, sempre temos missões e nossas vidas são voltadas
para a Família.
Porém aceitar algo assim enjaula qualquer liberdade que eu possa pensar,
prendendo-me a esta mansão e a menina a minha frente.
— Tenho uma dúvida — falo depois de um tempo.
— Ficaria intrigado se não tivesse nenhuma — Alphonse responde
acenando para que eu continue.
— Porque você escolheria este caminho? A vida de um homem feito não é
fácil e muito menos segura. — pergunto olhando diretamente para a menina
que devolve meu olhar com uma intensidade absurda.
— Eu sei que não é fácil, sei que ninguém acreditaria ou apostaria algo em
mim, agora porque sou uma criança, e mais tarde porque sou mulher, mas
para proteger quem eu amo preciso ficar mais forte, e eu ainda tenho uma
escolha a fazer e essa escolha pode ser me tornar Capo ou esposa de um.
Se tornar Capo? Isso sim é uma surpresa, olho indignado para meu pai e
Alphonse, mas os dois não reagem a fala da menina com a mesma surpresa
que eu. Nunca uma mulher sequer foi iniciada nos negócios da máfia, agora
se tornar Capo? É impossível.
Alphonse encosta-se a cadeira e respira fundo, vendo a confusão no meu
rosto.
— Daniele será a próxima Capo da Familia Genovese se ela quiser, e farei
de tudo para que isso aconteça, como filho do Consigliere você herdará o
cargo de seu pai, como minha filha Daniele herdará o meu, ponto final.
O olhar do Capo coloca fim a discussão, mas ainda estou muito confuso,
fui criado neste mundo, nossas tradições foram passadas por gerações, ele
realmente acha que as outras famílias estão prontas para aceitar uma mulher
na máfia? No cargo mais importante, uma mulher sendo Capo?
— Vou te dar uma semana para decidir — complementa já se levantando e
encerrando a reunião — Só mais uma coisa Lucas, minha filha é uma criança,
mas ela irá se tornar uma mulher, e eu não aceitarei que seja tratada com
desrespeito.
— Jamais desrespeitaria uma mulher — falo com autoridade, se meu pai
me ensinou algo foi a tratar bem uma mulher, seu relacionamento com minha
mãe foi construído com base no respeito, primeiramente, e no amor.
— Quando estiver pronto venha até mim, seja qual for a sua decisão, você
ainda será Consigliere futuramente, independente da sua escolha.
Depois da reunião vamos ao encontro de minha mãe e minha irmã, que nos
aguardam nos jardins já prontas para ir para casa, é passado das 18 horas e
meu pai e eu temos alguns assuntos a tratar a noite.
Também preciso muito conversar com ele em particular, ainda não sei o
que pensar sobre uma mulher sendo Capo, ainda mais que terei que trabalhar
com ela como seu Consigliere.
Capítulo 4

Daniele
Eu sei que sou uma criança e não sei nada da vida ainda, mas sou muito
boa em uma coisa, observar. É meu passatempo favorito, ficar em uma sala
admirando a interação entre as pessoas, já que não posso participar eu
observo. As únicas interações em que sou aceita são com outras crianças, e
elas não são interessantes como os adultos.
Eu gosto mesmo de ficar com o papai e seus amigos, suas conversas são
fascinantes, como nos livros de investigação policial que amo ler, muitas
vezes não entendo sobre o que eles estão falando, mas leio mesmo assim.
Aprendi a ler muito mais cedo que outras crianças, com três anos minha
governanta já havia me ensinado a ler palavras e frases pequenas, pouco
tempo depois já conseguia ler livros infantis tranquilamente e quanto mais
lia, mais queria ler, então passava os dias na biblioteca ou nos jardins.
Quando fiz cinco anos pedi para papai toda a coleção da Ágatha Christie e
devorei um livro atrás do outro.
Como fui educada em casa, os horários dos professores eram flexíveis,
mas eu aprendia o conteúdo rapidamente, então sempre sobrava tempo para
ler. Mamãe falava que meus tutores estavam impressionados, aparentemente
meu Q.I é acima da média.
Com isso fui me interessando cada vez mais pelos negócios do papai, eu
não sabia exatamente o que ele fazia, mas achava tudo misterioso e
fascinante. As vezes as vozes eram diferentes no escritório, falavam sobre
dinheiro e poder, mas também sobre traidores e assassinatos.
Do meu lugar no sofá abandonado no hall do escritório do papai, passava
horas ouvindo as reuniões que aconteciam. Ninguém me via quando chegava,
ficava parada, não tentava me esconder, só não me mexia, então eles
entravam no escritório sem nem mesmo perceber que eu estava ali.
Claro que papai percebia, ele já havia conversado comigo algumas vezes e
disse que eu não podia ouvir as conversas, que tudo o que eles falavam era
secreto e perigoso. Mas ele estava preocupado que eu fosse falar com alguém
ou contar o que ouvia para outra pessoa, não estava exatamente preocupado
comigo.
Mas para quem falaria? Minha vida era aquela casa, saia somente para
eventos sociais ou para fazer compras com a mamãe, nesses eventos ficava
próxima do papai que era onde as conversas eram mais interessantes, todos
vinham até ele, papai sempre foi o centro das atenções.
Mamãe até tentava me distrair quando eu era mais nova, ela me levava
brincar com as outras crianças ou apresentava outras meninas da minha
idade, mas no fim eu voltava sempre desanimada.
Papai percebeu que eu ficava triste com as outras crianças, então ele me
deixava ficar lá, desde que não atrapalhasse seus negócios. Assim aprendi a
ser praticamente invisível. Enquanto as outras crianças demandavam atenção
a todo momento, correndo, gritando, chorando, eu estava lá, quietinha e
escutando.
Ainda não entendo o porquê de crianças serem tão barulhentas, é por isso
que os adultos jogam elas em um lugar com suas babás e vão viver a vida
deles.
Eu não tinha amigos, não frequentava a escola, e as únicas pessoas que
tinham contato comigo eram as governantas, mamãe, papai, minha madrinha
Lilian, a psicóloga Luana e meus professores.
Minha madrinha é uma pessoa maravilhosa e é a melhor amiga da mamãe,
mas ela mora na Itália e nos visita somente duas vezes por ano. Adoro
quando ela vem, a mamãe fica muito feliz e eu recebo muitos livros.
Lilian é uma mulher maravilhosa como a mamãe, ela é alta e loira, os olhos
tão azuis quanto os meus, está sempre elegante e cheirosa, seus perfumes
podem ser sentidos de longe. Quando me abraça fico cheirando a Lilian o dia
todo.
Mas fora estas pessoas não tinha contato com mais ninguém, sei que é para
minha proteção, a mansão é enorme e luxuosa, mas também é cercada e
protegida, as vezes parece grande demais e as vezes parece uma prisão.
Nem os soldados tinham permissão de falar comigo, então toda interação
que eu tinha era com pessoas adultas, o que me moldou diferente, mais
contida, eu tinha muito medo de incomodar.
Então papai resolveu simplesmente ignorar que eu estava lá, quando tinha
reuniões ele ia diretamente para a sala sem olhar para o sofá verde no canto
do hall, e isso era toda a permissão que eu precisava.
Agora, com 10 anos de idade, sou uma criança diferente, tenho muito a
aprender e a crescer e ainda tenho que decidir qual será meu futuro, mas
como eu posso decidir algo assim sem ter muita noção sobre os dois
caminhos?
Por um lado posso ser uma esposa e me submeter às vontades e ordens de
um homem, como minha mãe, ela é feliz, papai a ama e a trata como uma
rainha e mamãe nunca reclamou, mas posso realmente usá-los como
exemplo?
Como filha do Capo, já participei de mais casamentos que gostaria, e
odeio. Na grande maioria as mulheres estão tristes, a noiva desolada, e os
homens felizes, nada é como nos livros onde a união entre o casal é celebrada
com felicidade, aguardada pela noiva que tem esse dia como o mais feliz de
sua vida.
Em nosso mundo tudo parece ser feito para os homens, toda a vida das
mulheres se resume a agradá-los. São tão poucos que olham para suas
esposas com ternura, e se meu marido não for um desses?
Eu sou a filha de um Capo, sou filha do meu pai, um homem poderoso e
confiante, não consigo pensar em aceitar um destino assim, ao lado de
alguém que me diminua.
Por outro lado só tenho a experiência do papai como um Capo, e ele é um
homem forte e respeitado, amado e temido por todos. Fora que ainda não
entendo bem o que o papai faz, sei que ele comanda os negócios da nossa
família, mas que também é responsável pelos negócios da Família Genovese,
e é ai que tudo fica confuso.
Papai diz que a Família Genovese é como chamamos todas as famílias
aliadas, que fazem parte dos negócios e seguem uma hierarquia de comando.
Mas foi só isso que ele me falou, e isso não responde minhas perguntas.
Quais são os negócios da Família Genovese?
Por que existe uma hierarquia de comando?
Por que cada família não pode cuidar dos seus negócios?
Não falei mais com o papai sobre isso, ele disse que tenho até os 14 anos
de idade para decidir, também percebi que ele esta muito preocupado com a
mamãe, ela ainda não veio para casa depois do que aconteceu, já se passaram
duas semanas.
Hoje é um dia especial, teremos a visita do Consigliere e sua família.
Frank vem aqui quase todos os dias, mas geralmente está sozinho, ou no
máximo com a mulher, hoje ele trouxe a família toda, sua mulher Rita, Sara
que é cinco anos mais velha que eu e Lucas que já é um homem feito.
Quando eles chegam Frank apresenta seu filho, mas eu me lembro dele,
mesmo que um pouco vagamente, ele era mais jovem na última vez que o vi,
mas não esqueço um rosto.
Lucas é um homem alto, não tanto quando o papai, talvez alguns
centímetros a menos, mas alto. Ele não aparenta ser tão mais velho, será que
já tem 20 anos de idade? Lucas é um nome bonito, a tatuagem em seu braço
me chama atenção porque é igual a do papai e dos seguranças, contrasta bem
com sua camiseta preta. Por que os homens gostam tanto de preto?
Estendo a mão para cumprimenta-lo, assim como papai, e ele parece
surpreso com o gesto, mas aperta minha mão com cuidado. Provavelmente
não está acostumado a interagir com crianças.
Ergo meu rosto o máximo que consigo e olho diretamente para seus olhos,
papai sempre faz isso, acho que demonstra confiança.
Os olhos de Lucas são maravilhosos, pretos como a escuridão da noite,
algo neles me trás a mesma calma e confiança que minha própria escuridão,
também está com a barba bem aparada, mas marcando o maxilar
pronunciado. Lucas não se parece em nada com seu pai na forma física.
Sara me cumprimenta rapidamente, está cada vez mais bonita, o cabelo
loiro como sempre está impecavelmente arrumado, usa um vestido azul claro
que vai até os joelhos, é como um vislumbre do que eu serei se escolher o
mesmo caminho que ela. Bonita, educada, comportada e submissa.
Depois nos dirigimos para o almoço, não estou com muita fome, para falar
a verdade estou ansiosa, não posso demonstrar isso para nossos convidados,
porque hoje será a primeira vez que papai vai me deixar participar de uma
reunião.
Na noite passada conversamos sobre hoje, sobre o que irá acontecer, ele
me disse que assim como eu tive uma escolha, ele também daria a Lucas a
mesma escolha, me treinar e ser meu guarda-costas, ou não. Lucas será
Consigliere no futuro, e se eu for Capo ele será meu conselheiro, minha mão
direita, e o plano do papai é para que criemos um vinculo, assim eu serei mais
aceita entre os homens da família.
Ponderei sobre o que papai falou a noite toda, preciso de alguém que me
treine, alguém que não seja um idoso, que possa realmente me desafiar
fisicamente e mentalmente também. Sei que sou baixinha, pequena, e não
tenho força, mas isso nem sempre é tudo.
Depois do almoço vamos para o escritório do papai e entro logo atrás dele,
como ele me falou para fazer na noite anterior, papai também me aconselhou
a não falar, a não ser que fosse estritamente necessário.
Eu tento seguir seu conselho, mas estou animada em estar aqui, e um
pouco angustiada em como Lucas me olha, quando papai fala que eu irei
escolher entre o caminho de um homem feito e me tornar Capo ou ser a
esposa do próximo Capo, Lucas faz uma cara de espanto e eu não consigo me
segurar.
— Você acha que eu não posso ser iniciada por que sou mulher?— falo
com a maior confiança que consigo reunir.
Os homens na sala me olham espantados, devem ter esquecido que estou
aqui, é normal já que estavam conversando entre si, falando sobre mim, mas
nunca para mim.
Lucas não responde só encara com mais curiosidade ainda, desconfiado,
seu rosto uma máscara de controle, mas seus olhos o entregam, ele esta
curioso. Enquanto papai fala Lucas me olha com o canto do olho, até que não
se aguenta mais.
Antes de me perguntar algo, Lucas pede permissão para falar comigo, por
que será que ele não pode só perguntar?
Mas nessa hora eu não deixo minha timidez me conter e dou-lhe minha
resposta mais sincera, se isso algum dia acontecer quero que ele saiba que
farei o meu melhor.
Então ele não contém o olhar de espanto, os homens da família são muito
bons em esconder suas emoções, mas aquilo o pega desprevenido.
Percebo que papai olha diretamente para Lucas, e seu rosto não é muito
amigável, não entendo essa expressão, não é raiva, é algo diferente.
Claramente preciso estudar melhor expressões faciais, vou até colocar em
minha lista de prioridades, conseguir ler meus inimigos e amigos é muito
importante, independente do caminho que escolha, essa é uma habilidade
essencial para a sobrevivência humana.
Depois da reunião os Costello vão embora, e eu e papai ficamos sozinhos
no jardim, olhando para os cachorros que brincam na grama. Os dois Golden
Retriver correm livremente um atrás do outro, o dia está calmo e papai está
pensativo do meu lado.
— Papai, você acha que ele vai aceitar? — Esta dúvida martela na minha
mente desde que papai disse que daria a Lucas uma chance para recusar.
— Ele sabe que não tem escolha — fala calmamente.
— Mas ele tem uma escolha — retruco sem entender, estou mais confusa
do que antes.
Papai respira fundo e olha diretamente para o horizonte, pensativo, seu
rosto parece cansado.
— Nenhum homem nascido na máfia tem escolha Daniele, assim como as
mulheres, nosso caminho é um só, Lucas sabe disso, ele sabe que te treinando
o vínculo de vocês será algo único, esse vínculo vai ser a única coisa a
protegê-la e fará a Família aceitá-la se assim você decidir.
— E se eu não quiser ser Capo? — pergunto.
Ele respira por um tempo, o olhar pensativo e a mente longe, sinto seu
corpo ficar tenso ao meu lado, mas papai volta a falar calmamente, parece
esconder algo.
— Mesmo assim você precisa aprender mais sobre nossa vida, Capo ou
não você nasceu na máfia minha filha, independente da sua escolha você faz
parte de tudo isso.
— E se ele disser não? — Essa é uma dúvida que vem me perseguindo.
— Então terei que encontrar outra pessoa para te treinar, mas isso não vai
acontecer, seria complicado demais, e tanto Lucas como Frank sabem disso.
— Papai respira fundo antes de continuar — Mas isso não irá mudar a minha
decisão, se você quiser se tornar Capo farei de tudo para te ajudar, com ou
sem os Costello.
Capítulo 5

Lucas
Morar na mansão Corleone não será nada fácil.
Nos primeiros dias depois que aceitei a missão de treinar Daniele pude
passar um tempo com meus pais e minha irmã, nossa casa não é tão grande
quanto a mansão do Capo, mas é o lugar que chamo de casa e senti saudades.
A vida na máfia é uma vida de riqueza, tudo gira em torno do poder, e o
poder está nas mãos de quem tem mais dinheiro. Meu pai ansiava pelo dia
que eu voltasse do internato, deveria trabalhar com ele e aprender na prática
os ofícios de um Consigliere, então, quando fosse minha vez de assumir o
cargo estaria preparado.
Agora as coisas mudaram, consigo ver que meu pai não esta contente com
a decisão do Capo, mas ele é esperto demais para ir contra e provavelmente o
plano deles é maior do que estão compartilhando comigo.
Frank Costello não é exatamente como outro homem da máfia, com 1,75m
de altura e um corpo fora de forma, por assim dizer, meu pai parece ter mais
que seus 55 anos. Os cabelos que sobraram em sua cabeça já estão ficando
brancos e seus óculos espessos o colocam mais como um contador do que
como a mão direita do Capo.
Mas sua força não esta em seu corpo, e sim em sua mente, meu pai é
estupidamente inteligente, não precisa de força física para ser respeitado,
todos sabem que não devem contestar suas ordens.
Muitos dizem que não me pareço em nada com ele, e fisicamente eu
concordo, eu sou alto e forte, mesmo com dezessete anos de idade, trabalho
todos os dias para desenvolver meu físico. Mas eu e meu pai temos nossas
semelhanças, e elas estão na nossa personalidade e genialidade.
Puxei a ele um temperamento calmo, dificilmente alguém consegue me
tirar do sério, também peguei o amor aos negócios e pelos números. Quando
mais novo não convivia muito com ele, os horários não batiam, ele chegava
tarde da noite e eu já estava dormindo, de manhã quando saia para a escola
meu pai ainda não tinha acordado, então não convivíamos muito.
Só que sempre que podia chegar mais cedo ou tirar um dia de folga, ele
passava o tempo todo comigo e com minha irmã, nós conversávamos,
assistíamos filmes e documentários na TV, ele me pedia sobre a escola e
estava sempre interessado quando eu contava sobre minhas aulas, eram os
dias que eu mais amava, pois quando meu pai estava comigo, ele estava
presente de corpo e mente.
E sua força é a sua mente, seu temperamento calmo proporciona uma
frieza para lidar com as situações de forma mais eficiente, sem deixar que a
impulsividade tome conta. É por isso que, depois do Capo, ele é o homem
mais temido da máfia.
Mas em casa ele nunca foi uma pessoa fria, quando está com nós meu pai
se transforma em um homem engraçado e amoroso. A relação dele com
minha mãe é o que me faz acreditar no amor, é o que me tornou um homem
romântico por dentro.
Meu pai trata minha mãe como uma rainha, passei minha vida toda
convivendo com esse sentimento, ele olha para ela com um brilho de
admiração no olhar, seu rosto todo muda quando ela está por perto. E todos
os dias trás um doce da rua, algumas vezes é para pedir desculpas pelo atraso,
mas na maioria é só para vê-la sorrir, minha mãe ama doces.
Claro que ele sabe muito bem como usar uma arma, é um mestre em
tortura física e psicológica, e nunca anda sem seu coldre duplo no peito, mas
também não anda só.
Lembro bem de uma conversa quando o questionei do porquê ele tinha
seguranças, porquê ele não treinava e ficava forte para não depender de
outros homens, como o Capo.
— O Capo sabe se proteger, por que você não? — falei em tom acusatório
para meu pai.
— Você sabe por que um Capo precisa de um Consigliere? — perguntou
calmamente sem responder minha pergunta inicial.
— Para dar uma segunda opinião e aconselhá-lo nas decisões mais
importantes — respondi prontamente.
— Também, mas não é só isso, um Capo não é nada sem seus soldados,
nenhum homem pode ser tudo Lucas, e todos os Capos reconheceram isso
quando criaram o cargo de Consigliere. Meu trabalho é ser os olhos,
ouvidos e cérebro da máfia, juntamente com meu Capo, meu trabalho é
fortalecer a união entre os dois poderes, força física e mental.
— Mas o Capo é muito inteligente — falei sem entender bem o que meu
pai estava tentando me dizer.
— O Capo é muito inteligente porque ele sabe seus pontos fracos e fortes
— meu pai respondeu — Eu sei quais são meus pontos fortes Lucas, mas
mais importante que isso, sei quais são os meus pontos fracos, admitir isso
não é uma vergonha, é o que me mantém vivo.
Eu não entendi na época o que ele falava, afinal o Capo é o homem mais
poderoso da máfia e é forte e sábio, mas com os anos de treinamento na
Itália, percebi que o Capo só é forte porque pode contar com meu pai, ele só
tem tempo para treinar e fortalecer sua força física, pois divide a carga de
trabalho com outras pessoas. O Capo depende de seus homens como seus
homens dependem dele.
Agora, dentro da mansão, vivendo no mesmo teto do homem mais
perigoso e importante, entendo o que meu pai queria dizer.
Quando me mudei Alphonse veio me receber sem Daniele, me mostrou a
casa, meu quarto, e me apresentou a todos os funcionários e seguranças.
A mansão é enorme, com mais de 20 dormitórios e diversas salas, alguém
poderia se perder aqui dentro. Tudo é luxuoso, como um castelo, meu quarto
esta localizado na ala principal, ao lado do de Daniele, no final do corredor
fica a suíte do casal.
Eu estar lá é um sinal duplo, tanto de confiança como de cuidado,
Alphonse esta colocando sua filha em minhas mãos, este é um sinal de
confiança, mas eu também estou próximo o suficiente para ser vigiado.
O Capo é uma pessoa de poucas palavras, durante nossa caminhada pela
casa e pela propriedade ele não falou mais que o necessário, mas eu podia ver
que algo o estava incomodando, como se sua mente estivesse em outro lugar.
— Lucas, tem um assunto que preciso conversar com você. — Alphonse
parou próximo ao arsenal de armas, no porão, e percebi que ele esperou até
chegar ali para abordar o assunto que o estava importunando.
— Sim Capo — respondi automaticamente.
— Você não está autorizado a trazer mulheres para a propriedade, e não
deve ter relações com as mulheres que trabalham na mansão — ele falou sem
rodeios — Sei que como homem feito eu não tenho direito de te dizer com
quem pode ou não se relacionar, mas deixe isso para seus dias livres.
— Entendido.
Não irei contestar esta regra, já imaginava que não poderia trazer mulheres
aqui, dormia no quarto ao lado de uma criança de 10 anos, a mansão é antiga
e as paredes não parecem ter uma boa proteção acústica.
— Outra coisa, durante teus dias de folga tenha muito cuidado, por
enquanto seu trabalho será descrito como segurança de Daniele, mas não vai
demorar para que as fofocas comecem, nem mesmo eu consigo manter todos
os empregados calados, e as pessoas vão falar sobre o treinamento dela,
portanto você será um alvo quando o assunto começar a sair.
— Você irá falar para os outros chefes sobre o treinamento de Daniele? —
perguntei.
— Sim, futuramente, mas entre nós, eu espero que ela escolha antes da
cerimonia de iniciação, ela ainda é uma criança e, por mais que Daniele ache
que tem forças para aguentar nosso caminho, eu me preocupo se ela
realmente quer isso — Alphonse falava enquanto olhava para as armas com
tristeza estampada no rosto — Ela é minha menina, não desejo esse caminho
a ninguém Lucas, nós nascemos e crescemos na máfia, nós não tivemos
escolhas.
— Posso falar abertamente?
— Claro.
— Por que deu esta escolha a ela se não queria que este fosse seu
caminho? — Era o ponto que eu ainda não entendia.
— Quando abri o quarto do pânico depois de recuperar a mansão, esperava
encontrar minha filha em choque, mas Daniele apontou a arma carregada e
decidida diretamente para a minha cabeça, seu olhar era ameaçador —
Alphonse fez uma pausa antes de continuar e olhou diretamente para mim —
Seu corpo minúsculo se projetava em frente à mãe, protetora, você jamais
entenderia, não estava lá, mas qualquer traço de inocência da minha garotinha
não existia mais e a menina a minha frente era alguém capaz de qualquer
coisa.
— Ela apontou a arma pra você? — perguntei espantado.
— Se fosse qualquer outra pessoa que tivesse entrado primeiro naquele
quarto tenho certeza que estaria morto agora, nunca vou esquecer o olhar no
rosto de Daniele, decidida, mortal, nem um pingo de medo, naquele estado
ela descarregaria a arma na minha cabeça sem piscar.
— Entendo, eu ainda não consigo tirar da cabeça que ela tem 10 anos de
idade e já matou dois homens. — Em nosso mundo crianças são protegidas,
mas de vez em quando elas sofrem os danos colaterais da nossa vida.
Alphonse me olhou, analisando se poderia confiar em mim, eu vi em sua
postura que ele ainda não estava certo sobre minha lealdade, afinal eu passei
muito tempo fora, ainda não tive a oportunidade de me provar.
— Ela acertou o primeiro homem na cabeça, por trás, enquanto ele
estuprava a própria mãe, e depois atirou mais duas vezes nas costas, para
garantir, o segundo levou um tiro próximo ao ombro que carregava a arma e
outro na cabeça, você sabe contar quantos homens tem a frieza para mortes
assim?
Eu não sabia os detalhes das mortes, era assunto proibido, nem meu pai
entrou em detalhes comigo quando contou o que aconteceu, mas saber disso
me fez ter uma visão diferente da menina.
— Realmente não são muitos dos nossos homens que teriam agido assim,
você a ensinou sobre os pontos fatais? — Aprendi onde mirar quando queria
matar rapidamente, quando precisava somente paralisar o inimigo, ou fazê-lo
sofrer uma morte lenta.
— Não, nossas aulas de tiro eram somente isso, manejar a arma, apontar e
atirar, no começo ela tinha medo — falou e um pequeno sorriso apareceu em
seus lábios enquanto as lembranças surgiam — Ela costumava se assustar
com a força da arma toda vez que atirava, hoje não sei se ela tinha medo da
arma ou de não conseguir controlá-la.
Ficamos em silêncio por um momento, então o Capo estava de volta, não
era mais o pai de Daniele ou Alphonse, agora a postura controlada e
ameaçadora era do homem mais poderoso que eu conhecia.
— Esta será a missão mais importante que qualquer homem já enfrentou
Lucas, não porque ela é minha filha, ou porque é uma menina, mas porque
cada dia irá determinar o futuro da Família, se Daniele não conseguir se
tornar forte o suficiente, não será Capo, independente de ser minha filha ou
não, você entende isso?
— Se ela não for capaz de se tornar Capo, será eliminada — Falei o que
ele queria dizer.
— Sim, e como ela você também não será mais útil, vocês serão um
combo, tudo ou nada — disse com o olhar ameaçador, e sim eu entendia.
— Entendido — confirmo.
Tudo ou nada, meu futuro e o futuro da Família Genovese nas mãos de
uma menina de dez anos.
Capítulo 6

Daniele
Lucas se mudou para a mansão tem duas semanas, mas nosso treinamento
ainda não começou.
Mamãe voltou do hospital hoje, ela parece melhor, mas triste, nunca vi
minha mãe triste assim, costumava ser quem iluminava o ambiente, nos fazia
rir, estar com ela era como um dia de verão mesmo no inverno, ela emanava
calor e amor.
Agora consigo ver a escuridão por trás do seu olhar, essa escuridão
costumava estar somente com o papai, eu me sentia escura também na maior
parte do tempo, e agora mamãe também esta assim.
Luana disse que é normal, a mamãe passou por um trauma muito grande,
mas ainda estou tentando entender o que isso significa.
Antes de ela chegar, papai conversou comigo, disse que eu teria que tratá-
la com carinho e ter paciência, que a mamãe precisa de nós, prometi que iria
cuidar dela. Então escolhi meu livro favorito “O fim da infância” do Arthur
C. Clarke, embrulhei em um papel vermelho, porque vermelho é a cor que a
mamãe mais ama, e coloquei um laço verde, que é a minha cor favorita no
mundo.
Vou receber a mamãe na entrada de casa, ela esta com o rosto inchado e
sem maquiagem, deve ter chorado, papai me lança um olhar apreensivo,
então pego o presente e entrego a ela.
— Um presente pra mim? — mamãe pergunta e sorri, ainda não é o sorriso
que eu lembro, é mais contido.
— Sim mamãe, espero que goste — respondo.
Ela abre o pacote com cuidado tirando o livro de dentro, gira o exemplar
em suas mãos enquanto troca um olhar confuso com o papai.
— É meu livro favorito de ficção, não entendi bem quando li pela primeira
vez, ai a professora me ensinou sobre metáforas, como algumas histórias são
escritas sobre uma coisa, mas querem dizer outra — explico, realmente não
tinha entendido o livro na primeira vez que eu li, era complexo em alguns
pontos e parecia ser só uma história sobre alienígenas, ai a Sra. Fontana me
falou para ler de novo, e tentar pensar no que o livro queria realmente dizer.
Eu li três vezes até entender que não era sobre alienígenas, e sim sobre
evolução, sobre um acontecimento que muda tudo.
Por isso é meu livro favorito.
— Obrigada minha menina, obrigada por ser você — fala enquanto me
puxa para um abraço apertado, sinto uma umidade no meu pescoço e percebo
que a mamãe esta chorando, mas não falo nada, eu amo os abraços da
mamãe.
Passamos dois dias em família, papai nunca ficou tanto tempo em casa
com nós sem mexer no celular ou se distrair com algo em seu escritório, ele
não saiu nem uma vez do lado da mamãe e só lidou com negócios quando
Frank apareceu, mas foi rápido e ele logo voltou.
Vejo como ele olha para ela, papai também mudou, antes ele olhava para
nós com leveza, carinho e proteção, agora percebo um pouco de tristeza.
Estou ficando melhor em avaliar as emoções das pessoas ao meu redor,
especialmente pena e tristeza, são emoções que vejo muito hoje em dia, está
no rosto dos funcionários da mansão, dos nossos parentes e até dos meus
pais.
Por mais que deveria ficar abalada com tudo o que aconteceu, não estou,
fiz o que deveria fazer e agora tenho um novo propósito, além do mais estou
animada para começar a treinar com Lucas.
Mamãe ainda não falou nada sobre meu treinamento, quero saber o que ela
pensa, mas não quero deixa-la triste ou perturbá-la com isso, quando estiver
melhor irá conversar comigo.
Minha madrinha liga todos os dias para falar com a mamãe, todos estão
preocupados, Lilian virá passar alguns dias com a gente e confesso que estou
animada com a sua chegada, espero que ela consiga ajudar a mamãe a
melhorar.

✽✽✽

Hoje é meu primeiro dia de treinamento, o alarme desperta às cinco e meia


da manhã, mas já estou acordada, quase não dormi de ansiedade.
Escovo os dentes, coloco as roupas novas de corrida, Lucas passou meus
horários ontem, começamos às seis horas da manhã com uma corrida, não
costumo correr, na verdade não pratico nenhuma atividade física
regularmente, mas agora isso vai mudar.
Às seis horas em ponto eu estou esperando Lucas no hall da mansão, sinto
meu coração acelerado, a ansiedade não me deixa ficar parada, então dou
pulinhos de aquecimento esperando o tempo passar.
— Bom dia Lucas — falo rapidamente quando o vejo descendo as escadas.
Lucas é muito alto, esta usando uma calça de moletom cinza e uma camiseta
azul.
— Bom dia Daniele, você está pronta? — pergunta me jogando um olhar
avaliativo.
— Sim estou pronta — respondo e meu coração bate ainda mais rápido.
O sol ainda não nasceu e esta escuro lá fora, Lucas não começa correndo, e
sim com uma caminhada em um ritmo médio, sei que ele esta se controlando,
deve ser chato ter que caminhar lentamente, mas minhas pernas são curtas e
não tenho resistência.
Depois de duas voltas caminhando começamos com uma corrida leve,
intercalamos entre caminhar e correr durante uma hora. Este será nosso
aquecimento diário.
Quando terminamos o sol já está alto e quente, é verão e eu estou toda
suada, Lucas por outro lado, não parece ter derramado uma gota de suor.
— Vamos tomar um banho e tomar café agora, depois espero você na sala
de armas, preciso avaliar suas habilidades antes de pensar em um treinamento
eficiente — fala com um tom de comando.
Tomo um banho rápido, só para tirar o suor do corpo, e coloco uma calça
de moletom verde e uma camiseta preta, combinando com meu tênis preto, o
porão onde ficam nossas armas e onde eu e o papai treinamos é frio, então
pego o casaco de moletom também.
Desço para a sala de jantar para o café da manhã, papai esta sentado em
seu lugar na ponta da mesa com uma xícara de café em mãos, normalmente
ele lê o jornal, mas não o vejo em sua mão, a mesma descansa
carinhosamente na mão da mamãe, que esta sentada do seu lado.
Geralmente papai se contém bastante em suas demonstrações de carinho,
em casa ele se solta mais, mas quando os empregados estão por perto fica
mais contido.
Mas desde que a mamãe voltou, ele não se contém mais, toda vez que olho
para eles, papai esta protetoramente perto da mamãe, algumas vezes vejo até
caricias amorosas dos dois e troca de olhares casuais.
Eles ainda tentam disfarçar quando estão comigo, mas sou muito
perceptiva, sei que mamãe precisa dele agora e papai sabe disso também. Eles
se amam tanto que consigo sentir esse amor ao sentar a mesa.
Minha madrinha chega amanhã de viagem e estou ansiosa em revê-la,
mamãe falou que ela ficará em um dos quartos da mansão e que vamos sair
fazer compras amanhã, eu não gosto de provar roupas, mas farei qualquer
coisa para deixá-la feliz.
— Bom dia minha menina. — Mamãe me recebe com um beijo quando
sento ao seu lado, as marcas das cordas em seus pulsos ainda estão aparentes
e também alguns roxos em seus braços.
— Bom dia Daniele, como foi sua corrida matinal? — papai pergunta.
— Eu não consigo correr muito, então caminhamos um pouco e corremos
um pouco — respondo.
— Com o tempo você ganha mais resistência. — Mamãe me incentiva com
um sorriso carinhoso.
— Acho que sim. — Dirijo-me ao papai — O Lucas não vai tomar café da
manhã com a gente?
Ele pondera um momento sobre a pergunta e olha para a mamãe antes de
responder.
— Por enquanto vamos deixar o café da manhã como nosso momento de
família, o que você acha?
— Tudo bem — respondo, afinal faz pouco tempo que Lucas está com a
gente, então o papai e a mamãe ainda não confiam nele para esse nosso
momento.
— Você fica linda de verde Daniele.
Mamãe coloca uma xícara com leite e chocolate na minha frente, ela
também pega um pedaço de mamão com granola em cima, eu odeio granola.
— Mamãe eu não gosto de granola.
Mesmo que eu sempre fale isso ela parece que não me escuta, e coloca no
meu prato fazendo sinal para comer.
— Mas é bom para você, vamos coma um pouco, depois você pode comer
suas panquecas com mel, mas precisa de mais fibras nessa barriga. — Ela
sorri para mim, por um momento parece feliz, então eu como todo o mamão
com granola e isso parece deixá-la mais alegre.
Amo esse momento do café da manhã, geralmente é o horário que papai
está em casa. Hoje a conversa é tranquila, papai pergunta sobre a
programação do dia, mesmo tendo certeza que ele já sabe, conto tudo, mamãe
não pergunta sobre o treinamento, fica calada quando enquanto falamos das
armas e das aulas.
Depois do café vou até o porão onde Lucas esta me esperando, durante um
tempo ele me pede para explicar sobre o meu treinamento com o papai e
quais armas sei usar. Fazemos algumas sessões de tiro ao alvo, ele me
avaliava e escreve em sua prancheta.
Já é quase hora do almoço quando terminamos, depois de me limpar desço
para a sala de jantar e encontro Lucas sentado do outro lado da mamãe. Ela
parece desconfortável, e ele também não esta muito relaxado, papai não
almoça em casa, teve que ir até a empresa com Frank resolver algumas
coisas.
Durante a tarde estudo com meu novo tutor, Lucas não participa desta
parte, nós nos encontramos novamente depois dos estudos para começar as
aulas de defesa pessoal e luta.
No fim do dia estou exausta, mas algo parece certo, não consigo explicar a
sensação. Papai não vem para casa a tempo de jantar e a mamãe decide pedir
pizza. Dificilmente pedimos comida de fora, nosso cozinheiro particular pode
preparar qualquer coisa, mas a mamãe diz que quando a pizza é de fora ela
tem gostinho de família.
Então eu e ela sentamos na sala, colocamos nosso filme favorito da Julia
Roberts que é “Uma linda mulher” e assistimos comendo pizza de calabresa.
Mamãe não pergunta sobre o treinamento, ela só me abraça e fica do meu
lado, comendo e assistindo o filme, Rindo e chorando nas mesmas cenas de
sempre.

✽✽✽

Um ruído me desperta no meio da noite, papai entra em meu quarto para


me dar boa noite, ele sempre faz isso quando chega, não importa a hora, eu
não me assusto mais, meu subconsciente esta a sua espera.
— Dorme bem minha menina — fala enquanto planta beijo carinhoso na
minha testa e puxa meu cobertor para cima.
E com isso caio em um sono profundo, meu corpo precisa descansar para
começar tudo de novo amanhã.
Capítulo 7

Lucas
18 anos de idade

Faz seis meses que estou treinando com Daniele todos os dias, nossa rotina
é sempre a mesma: acordar, correr, treino armado, almoçar, depois ela segue
para seus estudos enquanto faço meu treino individual ou saio para resolver
alguma tarefa que o Capo me pede. Mais para o fim da tarde temos uma
sessão de defesa pessoal e luta.
Todos os dias seguimos a mesma rotina, de segunda a sábado. Nos
domingos tenho folga e passo com meu pai, ajudando-o em seus deveres
durante o dia, e a noite vou para alguma das casas noturnas para relaxar.
Não tenho amigos, como passei anos fora os homens que cresceram
comigo são homens feitos agora, assim como eu, e têm suas vidas, alguns
estão casados, outros mortos, no fim já não conheço ninguém.
Devido à natureza do meu trabalho não tenho contato com pessoas fora da
máfia, nem homens e nem mulheres. Neste tempo morando na mansão
Corleone algumas das empregadas até tentaram algo comigo, Camila foi à
única que realmente atraiu o meu olhar, mas como jurei ao Capo que não iria
me envolver com nenhuma de suas empregadas, tenho que me segurar.
Camila é linda, loira, alta, de olhos castanhos, e um corpo escultural, ela
tem apenas dois anos a mais que eu e sempre tenta puxar conversa comigo,
vejo como me olha quando passa por mim, sempre seduzindo e jogando
charme.
Uma noite ouço um barulho estranho do lado de fora do meu quarto, o que
me faz ficar em estado de alerta rapidamente, pego minha arma debaixo do
travesseiro e vou em direção á porta, quando a fechadura abaixa e a porta
abre-se lentamente, não penso duas vezes e ataco a pessoa que tenta entrar,
com o braço apertando seu pescoço em uma chave mortal, até que percebo
que é a maldita da Camila, diminuo a força, mas sem soltar completamente.
— O que você está fazendo aqui Camila? — pergunto em um sussurro, não
quero acordar ninguém, as empregadas também foram avisadas por Alphonse
para não se envolver com seus homens, é uma regra. Se ele acordar e nos
pegar juntos no meu quarto, será uma confusão não somente para mim.
— Só queria te surpreender — responde com a voz assustada, ela se debate
tentando se soltar.
— Pare de fazer barulho — aviso calmamente — Você sabe que não
deveria estar aqui.
— Eu sei — concorda, parando de se mexer — Mas eu quero.
A segunda parte fez com que um fogo subisse pelo meu corpo, essa
maldita mulher é quente, senti sua bunda empinada sugestivamente em
direção ao meu pau, que já dava sinais de vida. Levei um tempo considerável
para controlar meus pensamentos, e mais tempo ainda para soltá-la.
— Não posso, jurei ao Capo — falei entre dentes, merda de juramento, o
que eu mais queria era arrastar aquela mulher para a minha cama e comê-la
de quatro, para ter a melhor visão da sua bunda gostosa.
Então ela se virou e me encarou com aquele olhar sedutor, suas mãos
passaram em meu peito nu e desceram calmamente, arrastando as unhas
compridas, chegando no tecido fino da cueca ela apalpou meu pau sem
vergonha alguma, tenho que segurar um gemido, quando começou a mover
seu rosto em direção ao meu, um som do lado de fora do quarto me despertou
da luxúria do momento.
Passos leves ressoavam pelo piso em direção a porta, reconheci Daniele
imediatamente. Rapidamente coloquei a mão na boca de Camila para que não
fizesse nenhum barulho e a empurrei para o lado, atrás da porta, quando duas
batidas fracas ressoaram pelo ambiente.
— Lucas, você está acordado? — Daniele falou sussurrando — Acho que
ouvi alguém.
Ela é perceptiva, coloquei uma calça e demorei uns segundos para me
recompor, fiz um sinal para que Camila não se movesse e ficasse atrás da
porta.
Abri a porta fingindo uma expressão de sono quando respondo — Boa
noite Daniele, o que você está fazendo aqui há essa hora?
— Acho que ouvi passos e vim conferir, mas fiquei com medo de ir até o
quarto do papai. — Sua fala demonstrava dúvida e significava que começava
a confiar em mim, mesmo que tenha sido a segunda opção.
— Não ouvi nada, mas vou dar uma olhada, vamos até seu quarto e ficarei
de vigia caso tenha alguém, tudo bem? — perguntei calmamente, sei que não
gostava de demonstrar medo, mas várias noites ouvi barulhos em seu quarto,
ela não dormia bem.
Encostei a porta do meu quarto deixando Camila lá dentro e, ainda com a
minha arma em mãos, fui com Daniele até o quarto dela, entrei primeiro
verificando a área, depois fiz sinal que estava tudo bem e sai, verificando o
corredor, quando voltei para o quarto dela deixei a porta entreaberta, não
deveria estar ali dentro sozinho com ela, mas ela parecia assustada.
— Desculpa se te acordei, juro que ouvi passos.
Seus olhos azuis me encaravam atentos, mas conseguia ver sua
insegurança.
— Você deve me chamar sempre, e não precisa se desculpar. — Eu ainda
precisava ganhar a confiança dela — Provavelmente foi só uma das
empregadas que passou aqui, amanhã perguntarei para elas.
— Obrigada Lucas — agradeceu e foi para a sua cama — Você pode
fechar a porta agora.
— Tudo bem, dorme bem Daniele, vou ficar do lado de fora por um tempo
para garantir. — falei como garantia, guardaria seu sono pelo tempo que
fosse necessário.
Esperei duas horas do lado de fora do seu quarto até que não ouvi mais
nenhum barulho, quando voltei para o meu, Camila já não estava mais lá,
mas percebi que meu bloco de anotações ao lado da cama estava fora do
lugar, então avistei um bilhete.
“Isso ainda não acabou”
Abaixo estava anotado um número de celular, balancei a cabeça em sinal
negativo, ela não iria desistir e isso significaria problemas futuramente.

✽✽✽

Hoje é a festa de fim de ano dos Corleone, o maior evento social da máfia
de Nova York, todos, desde soldados até os capitães e Underbosses estarão
presentes. É também o primeiro evento depois da invasão, o clima na mansão
está tenso há semanas.
Depois que Camila invadiu meu quarto ela continuou me lançando olhares
pelos corredores ou tentando ficar sozinha comigo em algum lugar, eu
inventava desculpas e saia toda hora que a via.
É domingo e deveria ser meu dia de folga, mas devido ao evento, ficarei
com Daniele hoje, Alphonse tem muita coisa para resolver até a noite e toda a
movimentação de pessoas estranhas que irão trabalhar gera um clima de
insegurança e Daniele está mais ansiosa que o normal.
Entendo a preocupação, depois da invasão o Capo torturou todos os
homens que pegou vivo, mas ninguém sabia quem realmente foi o mandante,
receberam uma dica anônima de que o alarme ficaria desativado das duas
horas da madrugada até as duas e meia e que o Capo e seus seguranças
pessoais estariam viajando, junto com isso veio um mapa detalhado da
mansão, com todas as entradas e postos de segurança atualizados.
Alphonse revirou seus homens com tudo o que tinha, muitos foram
torturados, mas ninguém sabia de nada. Somente as pessoas mais confiáveis
tinham permissão para trabalhar na mansão e fazer a proteção de sua família,
então era praticamente impossível que algum deles fosse um traidor.
Levanto cedo, coloco minhas armas e facas nos coldres pelo corpo e espero
até ouvir algum barulho do quarto de Daniele que indica que ela esta
acordada, então saio e fico na porta esperando ela aparecer, poucos minutos
depois ela sai.
Como não iremos treinar hoje ela usa um conjunto de moletom cinza e
carrega um livro embaixo do braço.
— Bom dia Lucas — Daniele me cumprimenta com a voz de sono — nós
não vamos treinar hoje, certo?
— Não, hoje eu só vou te acompanhar, seu pai pediu que eu fizesse sua
segurança.
— Certo, eu vou tomar café e depois vou ler, você vai comigo? —
pergunta incerta.
— Sim, pode seguir teu dia normalmente Daniele, não se preocupe comigo
— respondo e sorrio para tentar deixa-la mais tranquila.
Nossa relação é mais como professor e aluna normalmente, enquanto
estamos na mansão realmente não preciso agir como um segurança com ela, e
quando saímos é sempre com um grupo de seguranças, mas hoje é um dia
atípico e meu trabalho é protegê-la.
Confesso que estou curioso para saber o que ela faz no seu dia de folga,
imagino que uma criança de dez anos de idade normal aproveitaria o dia para
ver TV, já que durante a semana ela não tem muito tempo para isso, mas
Daniele realmente não é uma criança normal.
Tomo café da manhã com ela, pois seus pais estão ocupados demais com
as preparações para a festa, ela come em silêncio, olhando para as grandes
janelas com vista aos jardins, percebo que está com o pensamento distante,
não consigo imaginar o que se passa pela sua cabeça, mas decido deixa-la em
paz.
Depois Daniele vai para a biblioteca, se acomoda em um sofá grande que
fica em frente a uma janela francesa, e começa a ler seu livro, sento-me em
uma poltrona próxima a porta fechada, geralmente os serviços de segurança
são assim, não estou muito acostumado mas posso ficar horas sentado.
Em alguns momentos Daniele levanta o olhar, como quem não quer nada,
imagino que para garantir que ainda estou aqui, então percebo que ela olha
com curiosidade.
— Você pode ler um livro também se quiser, deve ser chato ficar aí
sentado sem nada para fazer — ela fala gesticulando para as prateleiras cheias
da biblioteca.
— Não é chato, não se preocupe, e não posso me distrair, preciso ficar
atento — respondo calmamente — Hoje sou seu segurança.
Ela me avalia por um momento até parecer aceitar, então volta sua atenção
para o livro.
Quando a hora do almoço se aproxima uma campainha soa em algum lugar
da biblioteca e Daniele se assusta, estava tão concentrada na leitura que nem
viu o tempo passar.
— Você vai almoçar comigo? — pergunta enquanto vamos para a sala de
jantar — acho que o papai e a mamãe vão estar ainda ocupados.
— Claro, como você quiser.
Quando chegamos seus pais já estão à mesa, Alphonse está concentrado
em seu tablet, mas quando nos vê chegar desliga o aparelho e sorri para a
filha.
— Papai o Lucas pode almoçar com a gente?
— Claro, sente-se Lucas, vou pedir a Luciana para pôr mais um lugar à
mesa — fala indicando-me o lugar ao seu lado esquerdo.
Alphonse lança um olhar para uma das serviçais que aguarda para servir o
almoço e ela logo vem até mim com um jogo de pratos e talheres.
Daniele vai até o pai, que vira-se para ela plantando um beijo carinhoso no
rosto, sua mãe afaga os seus cabelos e então ela senta em seu lugar habitual
com um sorriso no rosto, está mais relaxada e parece feliz.
Essa visão, por algum motivo, me causa uma sensação estranha, como se
não devesse estar aqui, e realmente não deveria, o Capo é uma pessoa que
não demonstra sentimentos quando está na presença de outros homens feitos,
mesmo eu que moro sobre o mesmo teto, não vejo muitos momentos leves
assim.
Alphonse me lança um olhar de aviso, ele deve ter percebido meu
desconforto, mas não fala nada, esse é um momento de família, entendo isso,
quando meu pai está em casa só comigo, minha mãe e minha irmã, é um
homem muito diferente de como age quando na presença de outras pessoas.
— Como foi seu dia hoje querida? — Alphonse pergunta a Daniele.
— Comecei um novo livro da Agatha Christie.
— Você deveria variar suas leituras — Amélia comenta em tom de
brincadeira.
— Mas eu gosto, e dessa vez vou acertar quem é o assassino.
— Será mesmo? — Alphonse fala para provocá-la.
— Sim, eu tenho quase certeza — completa e depois fica em silêncio, sua
postura muda e ela parece tensa — Papai vai ter muita gente na festa hoje?
Alphonse percebe o desconforto de Daniele, mas responde com
sinceridade.
— Sim, todos os nossos associados e amigos estarão aqui.
Ele nunca fala com ela como outros pais falam com as crianças, sempre
responde suas perguntas completamente e a envolve nas conversas á mesa,
mesmo que algumas vezes os assuntos sejam delicados, ele ainda explica á
Daniele de uma forma que ela consiga entender.
— Logo vamos subir e nos preparar — Amélia comenta tentando distrai-la
— A equipe de maquiagem vai chegar às duas horas.
— Eu não gosto quando eles mechem no meu cabelo mamãe — Daniele
fala quase fazendo beicinho, e nesse momento ela parece realmente uma
criança.
— Precisamos ficar ainda mais lindas para receber os convidados à noite
— Amélia responde dando um abraço em Daniele, que não parece feliz.
— Impossível — Alphonse lança um olhar cheio de amor para a mulher e
um pouco da tensão sai da sua voz.
— Nós somos as mulheres Corleone, devemos representar a família com
estilo — Amélia comenta, e sua voz parece mais forte — E você vai ser a
menina mais linda da festa.
— Eu não quero ser linda, quero ser forte, como o papai.
Alphonse sorri e troca olhares com Amélia antes de responder.
— Mas você pode ser forte e ser linda ao mesmo tempo, olha sua mãe, por
exemplo, um combo de força e beleza inimaginável. — O Capo acaricia o
rosto da mulher que sorri timidamente para ele.
— Mas se eu for de vestido como uma menininha ninguém vai me
respeitar — comenta ainda tentando provar seu ponto.
— Lucas, você acha que alguém na festa irá desrespeitar Daniele? —
Alphonse pergunta me lançando um olhar de aviso.
— Ninguém que goste de estar vivo — respondo.
— Mas eu não quero ser respeitada porque sou sua filha, papai.
— O respeito que você quer é algo conquistado milha filha, leva anos e
muito esforço, algum dia você chegará lá. — Alphonse lança um olhar de
ternura para ela e beija a mão da mulher, antes de se levantar — Preciso
resolver mais algumas coisas antes da festa, Lucas você irá acompanhar
Daniele na entrada do baile. — É uma ordem.
— Eu não vou entrar com você e a mamãe? — Daniele pergunta.
— Não, as pessoas precisam começar a te ver sozinha, sem a minha
proteção.
— Mas o Lucas não tem uma acompanhante?
O Capo me olha incerto, ele não me proibiu de namorar, só de trazer
mulheres para a mansão, mas enquanto estou aqui jamais traria uma
acompanhante.
— Minha acompanhante é você Daniele, ou já se cansou de mim assim tão
fácil? — falo em tom de brincadeira, lançando um sorriso para ela.
Daniele me encara, ponderando sobre o assunto por um momento,
avaliando sua resposta como se fosse algo realmente sério. Eu sei que ela
ainda não confia em mim, provavelmente as únicas pessoas que confia
plenamente são seu pai e sua mãe.
— Use uma camisa verde — fala em tom de comando, o mesmo tom que
seu pai usa quando dá ordens, claro que na voz de uma menina de dez anos
de idade aquele tom me pega de surpresa.
Capítulo 8

Lucas
A mansão esta esplêndida, todos os cômodos do primeiro andar foram
decorados demonstrando luxo e riqueza, desde os arranjos florais até os
talheres de prata, tudo exala poder.

A festa de fim de ano é o evento mais esperado pela Família, todos são
convidados, assim como muitos políticos e magnatas ricos que estão na lista
de pagamento.
O clima na mansão é pesado devido a todos os acontecimentos, a
segurança foi triplicada e estão mais atentos que o normal. O Capo pensou
em cancelar o evento, sua mulher ainda está muito abalada com a invasão e o
sentimento de traição dentro da família é palpável, afinal, somente alguém de
dentro tinha acesso às informações usadas na invasão.
Mas esse evento não é só uma festa, é uma obrigação, se cancelado
demonstraria fraqueza, e seus inimigos aproveitariam para atacar, usando
esse momento para ganhar influencia e sabotar as alianças políticas da família
Genovese.
Exatamente às sete horas da noite saio do meu quarto e vou até o de
Daniele, aguardando pacientemente ao lado da porta, Amélia ainda está lá
dentro com ela. Logo depois Alphonse aparece em seu terno preto completo,
todas as peças feitas sob medida que se encaixam em seu corpo
perfeitamente, dando ainda mais poder ao homem.
Com um aceno de cabeça ele me cumprimenta, mas não entra no quarto, ao
invés disso vem e fica ao meu lado escorrado na parede com as mãos nos
bolsos.
Eu não sou tão alto quanto Alphonse, faltam talvez uns cinco centímetros,
e também não sou tão musculoso, com o tempo meu corpo irá se desenvolver,
mas assim lado a lado realmente tenho a sensação de ser um adolescente.
— Obrigado por usar uma camisa verde, Daniele vai adorar — fala
indicando minha camisa social. Estou em um terno cinza completo também,
tão caro quanto o dele e que me serve muito bem, a camisa branca que
deveria ir por baixo se encaixa melhor, mas atendi ao pedido de Daniele e
troquei por uma verde clara, a única desta cor que tenho.
— Foi uma ordem da futura Capo, não tenho escolha — respondo sorrindo
ao lembrar o tom de comando de Daniele.
— Você também percebeu? Quando ela começou a ganhar confiança para
dar ordens? — Alphonse também sorri com aquele jeito especial que só faz
quando fala da filha.
— Mulheres já nascem sabendo dar ordens papai. — Ouvimos a voz de
Daniele enquanto ela e Amélia saem do quarto.
Amélia está maravilhosa em um vestido vermelho longo que abraça suas
curvas, os cabelos escuros presos em um coque perfeito, um batom da cor do
vestido chama a atenção para sua boca e um colar de diamantes brilha em seu
torso, ela é incrível.
Desvio o olhar rapidamente quando Alphonse passa por mim em direção à
mulher e pega sua mão, dando-lhe um beijo amoroso no rosto.
— Você está maravilhosa. — Depois se vira e faz o mesmo com Daniele
— E você também, minha princesa.
Daniele está usando um vestido verde claro de cetim que vai até seus
joelhos, simples, porém elegante, os cabelos foram arrumados em cachos que
caem pelas suas costas e um laço da cor do vestido amarra duas mechas no
topo da cabeça.
Ela é realmente uma princesa. Não usa uma maquiagem pesada, só um
brilho nos lábios, e um colar com pingente de gota em ouro branco
pendurado em seu pescoço.
Alphonse e Amélia são os primeiros a se dirigirem para a festa
cumprimentar os convidados, eu e Daniele vamos esperar na biblioteca até
que a maior parte dos convidados chegue.
— Não precisa ficar preocupada — digo enquanto nos dirigimos à
biblioteca, sua postura muda no momento que seus pais não estão mais por
perto e vejo o medo em seu olhar.
— E se o traidor estiver na festa?
Levanto minhas sobrancelhas em espanto, ela não deveria saber sobre isso,
Alphonse foi claro que ninguém pode comentar sobre a invasão com Daniele
ou na mansão.
— O que você quer dizer Daniele? — pergunto com cautela avaliando sua
reação e palavras.
— Sei que o papai não pegou quem mandou sequestrar a mamãe e eu, e
tem que ser alguém da família, então essa pessoa pode estar aqui hoje — fala
um pouco nervosa.
— Você não deve se preocupar com isso, ninguém irá te fazer mal hoje.
— Mas e se eles tentarem pegar a mamãe? — Agora entendo, não está
preocupada com sua segurança, está preocupada com a mãe.
— Seu pai é o homem mais forte e mais poderoso que já vi — tento
tranquilizá-la enquanto falo, olhando diretamente em seus olhos com
confiança —, ele vai proteger sua mãe custe o que custar, e ninguém
arriscaria um ataque hoje, todos os nossos seguranças e nossos homens
estarão aqui.
Ela me olha ainda com incerteza, parece pensar bem sobre o que falei, mas
acena em confirmação.
— E você está sob a minha proteção Daniele — complemento me
agachando em sua frente para ficarmos na mesma altura, isso parece
despertar sua curiosidade —, sei que não sou tão forte e poderoso quanto o
Capo, mas eu juro que darei a minha vida para protegê-la.
Prometi ao Capo que a protegeria, mas percebo que jamais fiz esse
juramento diretamente para ela. Depois que digo as palavras Daniele se
acalma, então acena em troca e me da um sorriso tranquilizador.
— Você vai ficar mais forte que o papai algum dia, você treina bem mais
que ele.
— Não deixe seu pai ouvi-la falando isso, ele vai ficar com ciúmes. —
Pisco para ela, como se trocássemos um segredo.
— Ele sabe que você vai ser mais forte que ele, se não soubesse ele não
teria me confiado a você.
— Eu ainda tenho que ganhar a confiança do Capo — aproveito este
momento para me conectar com ela —, e a sua também.
— Eu quero confiar em você — fala com tanta sinceridade no olhar,
imagino que esteja tentando convencer a si mesma também — Sei que você
vai me proteger, mas ainda tenho medo.
— O medo é um sentimento natural e de autopreservação, não fique aflita
por senti-lo, e a confiança tem que ser merecida Daniele, isso leva tempo,
mas fico feliz em saber que você quer confiar em mim e vou fazer de tudo
para merecer.
Depois dessa conversa ficamos em silêncio até o momento de descer e
enfrentar a festa, não estou muito animado, para falar a verdade, estas festas
grandiosas servem somente para massagear o ego de pessoas que já tem o ego
grande demais, fui obrigado a participar de eventos assim a vida toda mas
nunca me acostumei com isso tudo.
Quando chegamos à festa praticamente todos os convidados já estão
servidos com suas bebidas, música ambiente toca e o Capo e sua mulher nos
esperam próximos a entrada. Assim nossa chegada passa praticamente
despercebida e vejo Daniele relaxar um pouco ao meu lado enquanto.
Juntamo-nos a eles e logo depois vamos ao salão principal, Daniele
acompanha seu pai e sua mãe enquanto eles conversam com algumas
pessoas, estou alguns passos atrás e só me dirijo a alguns dos nossos homens
que conheço, ou que me conhecem devido ao meu pai.
Alphonse repara que estou um pouco deslocado e começa a me apresentar,
afinal serei Consigliere algum dia, preciso me enturmar com todos aqui, e
ficar anos fora faz com que as pessoas esqueçam-se de você. Vejo que hoje é
também minha reintrodução á máfia.
Todos agem de forma respeitosa, primeiro se dirigem ao Capo e prestam
seu respeito, os olhares são de admiração, respeito, alguns de medo. Mas
quando as pessoas cumprimentam Amélia e Daniele é visível o desconforto
dos que sabem os detalhes da invasão, ou que escutaram alguma versão
distorcida dos fatos.
Claro que ninguém demonstra nada abertamente, ou se quer comentam
alguma coisa com palavras, mas consigo ver pela forma que as pessoas
mudam quando falam com elas. Os que não sabem de nada as tratam como
rainhas, com respeito e admiração, já as pessoas da família tem que se
esforçar para esconder seus sentimentos reais de pena.
Lilian vem de encontro a família, mas vai diretamente á Daniele e a abraça
com um sorriso enorme no rosto, essa mulher consegue iluminar o ambiente
somente com a sua presença. Vejo Daniele se transformar em seus braços e
aceitar o aperto da madrinha.
— Minha princesa está maravilhosa demais — Lilian comenta enquanto
passa as mãos pelo rosto de Daniele em uma carícia amorosa — Você pode
até ter os olhos do teu pai menina, mas o restante é tudo da sua mãe, vai se
tornar uma mulher incrível como ela.
Amélia troca um olhar de cumplicidade com a amiga, quando Lilian está
aqui percebo o quanto é importante para a família Corleone. Alphonse
também agradece com o olhar a loira, que em seu vestido preto e batom
vermelho chama atenção de todos a sua volta.
Ela fica um tempo conversando com Amélia, tirando sorrisos da mulher.
Lilian Bartoloni é uma incógnita para mim, é viúva e vive na Itália a muitos
anos, tentei pesquisar um pouco sobre a mulher mas as únicas informações
que consegui são do seu perfil profissional como escritora. Aparentemente
ela vive uma vida fora dos flashes enquanto escreve livros de ficção
científica.
Sua família é ligada a Família Genovese, porém depois do falecimento de
seus pais ela ficou com a fortuna e as empresas, que ainda são ligadas a
máfia, mas não administra esses negócios pessoalmente. Meu pai comentou
uma vez que Alphonse tem domínio das decisões empresariais da fortuna de
Lilian, ela só fez um pedido, receber os lucros sem saber do que está por trás
daquilo.
Uma pessoa chama minha atenção quando chega para cumprimentar o
grupo, Richard Bianchi esta ansioso, com um sorriso falso e as mãos suadas
cumprimenta primeiro o Capo com poucas palavras e um sorriso trêmulo,
rápido demais, parece estar com dificuldade em esconder seu nervosismo,
mas ele não tem com o que estar nervoso, são cunhados, e quando se dirige a
Amélia seu comportamento muda completamente, por um segundo posso
jurar que esta com raiva.
Richard é o irmão mais velho de Amélia, depois que ela casou-se com
Alphonse em um acordo entre as duas famílias, Richard assumiu o posto de
Underboss em Bronx com sua mulher e teve dois filhos.
É estranho que ele esteja nervoso já que suas famílias estão ligadas, mas
não sou só eu que reparo no comportamento dele, Alphonse lança um olhar
estranho para o cunhado.
Eu honestamente não sei como aquele homem continua no posto de
Underboss de Bronx, claramente não é dos mais inteligentes, meu pai vive
falando sobre os problemas que tem que resolver porque sua cidade é
importante e Richard não tem a menor noção de como comandar.
Ele é um homem fraco fisicamente, não tem mais do que 1,70m de altura,
já na casa dos quarenta anos de idade, nem um fio de cabelo na cabeça ou um
músculo aparente no corpo, não parece em nada com a sua irmã a não ser os
olhos verdes.
Depois de cumprimentar o Capo e sua irmã, Richard se vira para sair
quando Alphonse o chama de volta.
— Acho que você se esqueceu de prestar respeito a alguém — fala
indicando Daniele, que está com a mão estendida para o tio, esperando.
Richard olha com claro desgosto no rosto, mas rapidamente esconde-se
atrás de um sorriso tão falso quanto seus dentes, e pega a mão de Daniele.
— Mas como eu iria me esquecer dessa princesinha —fala com a voz
tremula — Você está uma graça Daniele.
— Obrigada tio Richard. — Ela avalia o homem com um olhar de águia,
mas a expressão neutra, somente quem convive com Daniele reconhece este
olhar.
Sua mulher vem logo atrás com seus dois filhos, eles têm quase a mesma
idade de Daniele, ambos se escondem atrás da mãe e mal levantam o olhar
para cumprimentar a família.
Depois da recepção vamos para o salão principal onde todos os convidados
já fazem a festa, conversando ou dançando, alguns assuntos de negócios são
mencionados, mas ninguém ousa falar abertamente sobre nada específico. O
clima é de festa. Meus pais e minha irmã Sara se juntam a família Corleone,
aproveitando a música e o clima agradável.
Quando todos estão dançando Daniele fica ao meu lado, parecendo um
pouco deslocada, as mãos juntas em frente ao corpo e o olhar distante
denunciam que algo a está incomodando.
— Está gostando da festa? — pergunto tentando avaliar seu estado de
espirito.
— É interessante, você não acha? — rebate com outra pergunta.
— O que você considera interessante?
— A forma com que eles interagem — faz um movimento para as pessoas
no salão —, as palavras que saem de sua boca significam uma coisa, mas
seus corpos dizem outra.
Daniele é perceptiva, talvez até demais. Sim esse teatro todo é um bolo de
falsidade.
— Interações sociais assim são formalidades, você terá que se acostumar
com isso, faz parte do jogo.
— Eu sei, vejo como meus pais agem ao redor dessas pessoas, é como uma
peça de teatro. — Depois me olha e muda de assunto — Estou com fome,
podemos ir à cozinha procurar algo bom para comer?
E ali está novamente a menina de dez anos de idade.
— Claro, vamos lá que comida de festa não deveria nem ser considerada
comida — falo em tom de brincadeira e consigo arrancar um sorriso genuíno
dela.
Então vamos até a cozinha e nossa cozinheira prepara dois pratos de
macarronada com salada e suco, o local está um caos, mas Daniele é a filha
do chefe, o que ela pedir qualquer pessoa ali irá preparar.
— Você não quer dançar com uma das mulheres da festa? Posso ficar aqui
ou com o papai e a mamãe, não precisa me vigiar a noite toda.
— Vou te contar um segredo, mas você tem que prometer que jamais irá
contar isso para ninguém. — Aproveito o momento para criar um vínculo
com ela.
— Eu prometo — responde seriamente, seus olhos demonstrando
expectativa.
— Não sei dançar — falo baixinho para que só ela escute, como um
segredo entre confidentes.
— Como assim? Todo mundo sabe dançar, a mamãe me ensinou há muito
tempo — comenta indignada.
— Bem, eu faltei nas aulas de dança porque não conseguia acompanhar,
então pedi para o meu pai para me ensinar, mas ele é pior que eu, e ficamos
nessa.
— Meu papai é um ótimo dançarino, posso pedir para ele te ensinar —
Fala como se fosse algo normal.
Não consigo me segurar e solto uma gargalhada, a imagem do Capo me
ensinando a dançar é hilária.
— Por que você está rindo? — Daniele pergunta confusa.
— A imagem do Capo ensinando um homem feito a dançar é engraçada
demais — comento ainda com um sorriso no rosto.
— Quando você casar terá que fazer aulas de dança para o dia do
casamento.
E com estas palavras congelo, casamento não é um assunto que estou
pensando no momento, nem quero pensar, provavelmente não é algo que eu
deva me preocupar por um bom tempo, eu sabia quando aceitei a missão de
treinar Daniele que teria que deixar minha vida pessoal longe de tudo isso até
que eu me torne Consigliere.
Devo a minha vida a Família e no momento a proteção de Daniele, jurei
sobre isso, o amor é algo perigoso em nosso mundo, quando amamos alguém
nossa lealdade é dividida.
Sei que meu futuro casamento será arranjado pelo meu pai, as famílias
mais tradicionais e com patentes mais altas na máfia ainda seguem a tradição
do casamento arranjado. Por isso não penso sobre o assunto e não me
envolvo com a mesma mulher mais de uma vez.
— Vai demorar muito até esse dia chegar — respondo tentando terminar o
assunto.
Então falamos sobre livros e filmes enquanto terminamos de comer, meu
pensamento ainda está no que Daniele falou e em tudo o que implica esta
missão, quando Amélia aparece na cozinha, seu rosto parece preocupado mas
se suaviza quando nos vê.
— Aqui estão vocês, eu estava preocupada — fala vindo em nossa direção
—, mas deveria saber que você estaria aqui Daniele, afinal, essa comida de
festa não é nem comida.
— Mariana fez macarrão, você quer um pouco? — Daniele convida sua
mãe para se juntas a nós.
— Que delícia, se meu vestido não fosse tão apertado iria comer também,
mas agora precisamos voltar ao salão, seu pai quer dançar uma música com
você.
— Tudo bem mamãe. — Daniele levanta-se indo até a sua mãe e me
lançando um olhar questionador.
— Quem sabe eu não danço com o Lucas enquanto isso — Amélia fala,
percebendo que a filha está me olhando.
— Lucas não pode dançar ele tem que me proteger — a menina responde
rapidamente e da uma piscadinha para mim, essa é a forma dela me dizer que
também irá me proteger.
— Está certo, vamos lá então, depois você pode ir para o seu quarto se
estiver cansada, já está ficando tarde.
Depois de dançar com seu pai Daniele fica próxima dele por mais um
tempo, até que seus olhos começam a demonstrar cansaço, já é passado da
meia noite, então Alphonse fez sinal que podemos nos retirar.
Chegando à porta do seu quarto percebo que Daniele está estranha, ela fica
um tempo parada, esperando alguma coisa.
— Lucas você pode ficar comigo? — Ela está cansada, mas algo a mantém
acordada, então vejo a expressão de medo em seu rosto.
— Claro, ficarei guardando a porta do seu quarto a noite toda, pode dormir
tranquila.
Ela olha em meu rosto por um tempo, seus olhos penetram a minha alma
com a intensidade da dúvida e sinto um aperto no coração em ver sua
expressão.
— Você pode entrar? Eu tenho medo de ficar sozinha, tem muita gente lá
embaixo.
Antes de falar que não posso ficar sozinho com ela em seu quarto olho
atentamente para a menina em minha frente, ela está com muito medo, medo
a ponto de suas mãos tremerem. Então pego meu celular e mando uma
mensagem para o Capo:
“Daniele está com medo de ficar sozinha porque tem muita gente, pediu
para eu ficar com ela no quarto, aguardo ordens”.
Poucos minutos depois ouço passos e Alphonse se aproxima com um olhar
preocupado no rosto.
Daniele, ao ver o pai chegando, solta um suspiro como se estivesse
segurando o ar por muito tempo, ela parece a ponto de chorar, lágrimas
balançam no canto dos seus olhos. Eu nunca a vi assim antes, ela está sempre
tão controlada.
— Lucas, você pode voltar para festa e fazer companhia a Amélia, por
favor, vou ficar com Daniele.
— Claro — respondo rapidamente — Boa noite Daniele, durma bem.
E com isso me viro para voltar à festa, antes de descer as escadas não
consigo segurar a curiosidade e olho rapidamente para a porta do quarto de
Daniele, vejo Alphonse de joelhos abraçando a filha protetoramente, não
ouço o que ele fala, mas sons de choro cortam meu coração.
O Capo não volta para festa, meu pai e Amélia tomam conta dos
convidados, muitos já foram embora e os que ainda permanecem já beberam
sua cota e não estão mais interessados em discutir assuntos sérios.

✽✽✽

O dia está clareando quando termino minha última cerveja, não bebi nada
durante a festa, então resolvi tomar algumas no pátio depois que todos foram
embora, mas acho que exagerei. Agora estou tonto, cansado e morto de fome.
Vou até a cozinha, nenhuma das empregadas está trabalhando ainda,
faltam horas para começar a movimentação aqui, especialmente depois da
festa onde todos levantam mais tarde.
Me sirvo de alguns canapés que restaram da festa e um pedaço de bolo de
chocolate, pedido de Daniele, que foi servido juntamente com as sobremesas.
Quando vou me virar para sair, vejo Camila vindo em minha direção,
vestindo somente uma camisola branca praticamente transparente, deixando
pouco para a imaginação.
Meu cérebro bêbado leva um tempo para absorver aquela cena, então ela
me agarra e me beija sem esperar, seu toque é quente e cheio de promessas,
seus lábios doces e gelados se juntam aos meus e o tesão me invade.
Tira o prato das minhas mãos antes que eu derrube algo e faça algum
barulho, Camila me puxa em direção ao armário de suprimentos, decidida,
com um sorriso perverso no rosto.
Com todos os acontecimentos e o stress dos últimos dias não tenho forças
para recusar, posso culpar a bebida, o tesão acumulado ou minha falta de
controle, mas a visão dessa mulher faz com que eu não queira lembrar da
proibição imposta pelo Capo.
Sem pensar e me deixando levar pelo momento, respondo o beijo e assumo
o controle da situação, trancando a porta para que ninguém apareça de
surpresa.
— Agora fique quieta — falo em tom de comando — Não queremos que
ninguém nos escute.
— Não prometo nada. — Camila faz uma cara de menina teimosa,
brincando enquanto ergue a camisola, ficando completamente nua em minha
frente.
A nuvem embriagada que me cobria dissipa instantaneamente quando
coloco minhas mãos em Camila, jogando-a em cima da mesa, aproveito a
visão do seu corpo, tocando a pele macia que imaginei várias vezes durante a
noite, beijando seu pescoço, seu cheiro doce me enlouquece.
Passeio minhas mãos por seu corpo perfeito que me atiça a tempos, levo
um tempo brincando com seus seios pequenos, com a mão no mamilo
esquerdo e a boca no direito começo a tortura, percebo que a cada mordida
leve Camila solta um gemido, e o som do seu prazer vai direto para o meu
pau.
Levo um tempo brincando com os mamilos rosados antes de descer ainda
mais, não temos todo o tempo que gostaria, alguém pode entrar aqui a
qualquer momento, mas vou aproveitar ao máximo, o proibido é sempre mais
gostoso.
Com uma mão em seu seio esquerdo e a outra descendo pela sua barriga,
acaricio a lateral da coxa direita, passando suavemente pelo joelho e me
dirigindo à parte interna da perna, subindo em direção ao centro de prazer.
Camila já está molhada, enquanto nos beijamos ela solta gemidos a cada
toque meu, suas mãos estão agarradas em meu pescoço e cabelo enquanto ela
me beija com entusiasmo.
Como em uma tortura, circulo ao redor da sua boceta, sem tocá-la
realmente, aumentando a expectativa e fazendo-a contorcer-se em minhas
mãos, ouvindo sua respiração cada vez mais pesada de prazer até que ouço
sua súplica.
— Por favor Lucas — fala entre gemidos.
Então dirijo meus dedos para seu centro de prazer, primeiro com o toque
suave nos grandes lábios, abrindo-a, reconhecendo o caminho, até chegar ao
clitóris que já está inchado e molhado, com alguns movimentos circulares ela
começa a gemer mais alto, então paro e falo.
— Você tem que ficar quieta senão eu paro.
Isso chama a sua atenção e ela sorri diabolicamente, deitando na mesa
enquanto vou traçando um caminho de beijos em seu corpo, chupando os
mamilos e descendo faço minha língua percorrer o caminho que meus dedos
percorreram antes de chegar no meio de suas pernas, Camila se curva de
prazer enquanto eu chupo sua boceta, ela é tão gostosa, tão doce.
Ela começa a perder o controle de seus gemidos e coloca a própria mão
para cobrir os sons, está perto do orgasmo, a outra mão agarra meus cabelos,
forçando ainda mais meu rosto, intensifico os movimentos da língua até que
sinto sua perna tremer e no momento que ela tem o primeiro orgasmo, coloco
dois dedos nela e massageio seu ponto G, ainda chupando e lambendo com
vontade, intensificando ao máximo seu prazer.
Estou ficando fodidamente duro de tesão, meu pau aperta contra a calça
social, ainda bem que tenho minha carteira comigo e uma camisinha dentro
dela, porque não consigo aguentar mais, se continuar assim vou gozar na
cueca como um maldito adolescente descontrolado.
Antes que Camila tenha o segundo orgasmo me levanto, abaixando as
calças e a cueca até o joelho para liberar meu pau que pinga de tanto tesão,
pego a camisinha e a coloco rapidamente antes de entrar na boceta molhada
dela com uma estocada forte.
— Isso, me come com força — Camila fala se contorcendo, enrola as
pernas ao redor da minha cintura enquanto minhas mãos prendem sua bunda
para controlar o movimento, a altura da mesa é perfeita, mas é gostoso
demais, faz muito tempo desde que estive com uma mulher que não vou
aguentar muito.
Foco meu olhar em seu rosto contorcido de prazer, o cheiro de sexo no
ambiente é inebriante, todos os meus sentidos estão ainda mais aguçados
enquanto meto cada vez mais rápido e forte, enterrando-me nela.
— Goza pra mim — ordeno entre dentes quando sinto suas paredes
apertarem meu pau.
Depois de um tempo ela se contorce em volta do meu pau com seu
orgasmo, apertando seu centro e me levando ao precipício, não consigo me
conter e gozo com uma estocada forte, segurando-me na mesa para não cair
em cima dela.
Levo alguns segundos para me recuperar e voltar a respirar normalmente,
Camila ainda está com as pernas enroladas em mim e deitada na mesa, sorri
satisfeita enquanto olha para o teto.
— Eu sabia que ia ser bom, mas caralho Lucas — o comentário vem
acompanhado de um sorriso perigoso, algo que não pode acontecer.
Me sinto um merda, a cada segundo que passa o alivio que senti quando
gozei se dissipa e raiva me domina. Minha raiva não é direcionada a mulher
que agora me olha com expectativas estampadas no rosto, droga isso acaba de
ficar complicado, eu odeio quando elas me olham assim, esperando que faça
algo que não posso fazer depois do sexo.
Sinto raiva de mim mesmo por perder o controle, por ser um merda e
desobedecer a ordens diretas do meu Capo, percebo quão infantil minhas
decisões nesses últimos minutos foram, deixando-me levar pelo tesão, e a
vergonha me consome cada vez mais.
Saio de dentro dela, tiro a camisinha, visto a cueca e as calças, pegando um
papel toalha enrolo o preservativo e o coloco no bolso para descartá-lo
depois. Agora temos que sair antes que alguém chegue, sabe-se lá quanto
tempo ficamos aqui.
— Temos que ir — falo para ela, que ainda não levantou — Coloca a
camisola, saia na frente e volte pelo mesmo caminho que você veio, com
sorte ninguém irá te ver.
— Não sei se posso andar depois dessa — ela responde com humor na voz
— Você realmente é muito bom para alguém da sua idade.
Vendo que não se move tenho que tomar uma atitude, agarro-a pelos
braços para que ela ficasse de pé, controlando minha força para não apertá-la,
alcanço sua camisola, não estou com humor para brincadeiras.
— Você está bem mal humorado para alguém que acabou de transar —
comenta quando percebe que não entro em sua brincadeira.
— Isso não irá se repetir, você entende? — falo com autoridade — eu
tenho ordens.
— Vamos ver — responde com sarcasmo.
Depois que ela sai fico um tempo no armário por garantia, então saio e
pego o prato que havia deixado em cima da pia com as comidas, indo em
direção ao meu quarto.
Agora sim posso pensar melhor no que aconteceu enquanto aproveito o
bolo de chocolate. Droga! Não deveria ter deixado meu pau no controle, o
que eu estava pensando? Se alguém descobrir estaremos em apuros.
Capítulo 9

Daniele
11 anos de idade

Depois da festa papai ficou comigo no quarto até me acalmar, acho que
tive um ataque de pânico, não conseguia parar de chorar, parecia que as vozes
de todas aquelas pessoas ecoavam na minha mente.

Quando papai me abraçou desabei sobre ele e deixei que me levasse,


sentindo-me segura em seus braços, ele me colocou na cama e cantou as
músicas do Elvis para eu dormir.
No outro dia tudo voltou ao normal, quando acordei já era meio dia e a
equipe de limpeza já tinha terminado com as áreas de convivência da casa,
Lucas já me esperava para treinar tiro. Percebi que ele estava ansioso, não sei
por que, mas seus ombros estavam tensos.
Tive uma sessão com a Luana em que ela confirmou meu ataque de
pânico, gosto quando ela explica em termos mais técnicos o que estou
sentindoo, assim entendo melhor.
Consigo avaliar muito bem o que as outras pessoas estão sentindo, mas
sinto-me perdida quando os sentimentos são meus. É tudo confuso demais.
Passamos o dia em nossa rotina normal, papai me perguntou se eu queria
descansar, eu estou cansada, mais mentalmente do que fisicamente, e acho
que por isso preciso dos meus exercícios.
Tem umas semanas que papai começou a participar do nosso treino de luta
à noite, tenho a sensação que ele vem mais para desafiar o Lucas, eu ainda
sou muito fraca para conseguir ser realmente uma adversária para eles.
Meu treino já acabou, Lucas passou alguns movimentos diferentes hoje e
papai me mostrou como usar uma faca curta em um combate corpo a corpo,
eu consegui cortá-lo superficialmente no braço direito, foi a primeira vez que
cheguei perto o suficiente, mas senti que ele ficou orgulhoso.
Agora Lucas e papai treinam juntos no ringue, de uns tempos para cá
Lucas começou a ficar mais musculoso, claro que papai ainda é bem maior
que ele e muito mais forte, mas os treinos deles estão mais intensos.
No começo papai ganhava facilmente várias vezes até Lucas estar cansado
demais para continuar, agora papai também está cansado, faz uma hora que
estão lutando no ringue e estou assistindo, absorvendo cada movimento.
Em uma luta assim, rapidez e golpes certeiros fazem a diferença, Lucas
acerta um chute na lateral direita do papai, mas, antes que ele consiga voltar à
posição defensiva papai acerta um chute no abdômen de Lucas que cai de
costas.
Os golpes são para valer, vejo no olhar dos dois, papai ainda se contém
bastante, mas Lucas está focado. Ele nunca conseguiu ganhar uma luta do
papai, mas desde que estão treinando juntos, Lucas ganhou todas as lutas com
os outros guardas.
Eles não conversam durante a luta, papai às vezes dá algumas dicas de
movimentos, mas só isso, aos poucos percebo que estão trocando olhares
estranhos, como se quisessem falar algo, mas não podem, talvez porque eu
estou presente.
Então decido ir ao vestiário me trocar enquanto eles terminam. Não vou
muito longe, minha curiosidade fala mais alto, fico escondida logo depois da
porta, onde não posso ser vista, mas ainda consigo ouvi-los.
Eles esperam um tempo para garantir que já estou longe, então a luta para e
ouço a voz do papai com raiva.
— Onde você estava com a cabeça Lucas? Eu te falei, não, eu te dei ordens
sobre isso.
— O que aconteceu com ela? — Lucas pergunta de forma controlada.
— O que você acha? Foi transferida para trabalhar na casa de um dos
nossos Underboss — papai responde — O que você achou que ia acontecer?
— Como você descobriu?
— Isso não importa, espero que essa seja a última vez, eu não estava
brincando Lucas, se quiser comer alguém vá até os clubes, vá a um puteiro,
eu não me importo, mas não aqui dentro.
Nunca ouvi papai falando assim com ninguém, muito menos com Lucas,
eles sempre conversavam normalmente quando estão sozinhos, ou mais
formalmente quando tem mais gente, mas nunca ouvi papai tão autoritário
quanto agora.
— Não irá acontecer novamente — Lucas responde.
— Pelo seu bem eu espero que não, se tiver uma próxima vez ela não sairá
dessa tão facilmente, você ainda não entende a complexidade de nosso
acordo, e se rumores sobre isso se espalham e chegam até Daniele? — papai
fala ainda mais baixo.
Lucas não responde, e é uma tortura não conseguir ver seus rostos
enquanto falam, então papai continua.
— Da mesma forma que eu fiquei sabendo, Camila poderia ter falado para
outras pessoas, você pensou nisso?
Camila, a mulher que trabalha na cozinha? Então ela e Lucas estavam
namorando? Eu nunca os vi juntos.
— Não — Lucas responde quando percebe que papai aguarda uma
resposta dessa vez.
— Não pensou mesmo, um homem em sua posição, que irá assumir o
cargo do pai algum dia, tem que aprender a lidar com essas situações Lucas.
As mulheres também buscam poder e seduzir um moleque de dezoito anos é
fácil. Daqui em diante pense com a cabeça de cima — papai fala e ouço as
cordas do ringue mexerem.
— Este foi meu último aviso, na próxima vez eu irei encontrar outro
guarda-costas para Daniele, lembre-se que ninguém é insubstituível. — Essa
última parte parece significar bem mais do que as palavras que foram ditas.
Ouço passos vindo em minha direção, é hora de sair daqui, corro
silenciosamente direto ao vestiário. O que isso significa? Lucas desobedeceu
a uma ordem do papai, mas que ordem foi essa? E porque ele não pode ficar
com Camila? Ela é bonita e simpática.
Não encontro mais Camila na cozinha, as outras mulheres que trabalham lá
não falam nada, provavelmente papai as ordenou que ficassem quietas. E não
entendo do que ele quer me proteger, eu sei o que é o relacionamento entre
um casal, sei o que eles fazem. Lucas é bonito e é normal que as mulheres
sejam atraídas por ele.
Não falo para ninguém sobre a conversa, tenho certeza que papai não vai
me contar o porquê impôs essa regra, não o real motivo pelo menos, e pelo
que ouvi Lucas não pode falar sobre isso comigo também, odeio esses
segredinhos entre os adultos.
Depois dessa conversa papai ficou uns dias sem participar dos treinos,
Lucas parecia preocupado, mas com o passar do tempo ele voltou ao normal
e papai também. Homens são tão complicados de ler às vezes.
Nos meses de treinamento que se seguiram muita coisa mudou dentro da
nossa dinâmica familiar, papai começou a falar mais comigo sobre algumas
decisões em relação aos negócios, está me introduzindo aos poucos nesse
mundo.
Depois da festa de final de ano papai reuniu todos seus Underbosses e
explanou sobre meu treinamento, mas não falou tudo, só disse que eu seria
treinada como se fosse um menino. No início muitos ficaram confusos e
alguns tentaram debater contra a decisão do papai, mas ele é o Capo, no fim
da reunião papai convenceu a maioria de que eu seria treinada para me
defender.
Claro que nem todos aceitaram calmamente essa decisão, afinal eu
continuo sendo uma mulher e a família Genovese é baseada em regras e
tradições, foi assim por anos e muitos acham que não deveria mudar, mas
ninguém discordou abertamente, são mais espertos que isso.
Os dois tios do papai foram os que mais discutiram sobre isso, eles são
irmãos do vovô que faleceu antes de eu nascer, quando o papai assumiu como
Capo eles se opuseram porque era muito novo, foi essa a história que ele me
contou.
Papai plantou alguns homens de confiança dentro da cúpula das famílias
dos Underbosses para vigiá-los e relatar qualquer atividade suspeita
diretamente para ele. É só uma questão de tempo para que os traidores sejam
pegos e eliminados.
Estou aprendendo um pouco mais sobre nossos negócios, primeiramente os
legítimos, que são usados como fachada para justificar nossa fortuna. E
mesmo esta parte é fascinante, cada uma das nossas empresas tem uma cadeia
de comando diferente, papai e Frank são donos da maioria das ações e, por
isso, tem maior poder de decisão .
Percebo que tudo isso exige muito tempo, por isso papai tem tantas
reuniões e passa a maior parte do dia fora, é que lidar com a parte
administrativa das empresas é complicado.
A decisão de ser iniciada na máfia ou não ainda é algo que paira no ar,
decidi não falar sobre isso com ninguém até que o dia chegue, ainda tenho
muito medo de escolher um dos caminhos e falhar, também tenho meus
demônios pessoais para enfrentar, minha mente vive voltando para o dia da
invasão, para o rosto do monstro sorrindo, não consigo tirar aquelas imagens
da cabeça.
No fim minha vida é cercada de incertezas, cada vez que penso sobre o
assunto mais perguntas surgem na minha mente, mais dúvidas, mas uma
coisa é certa, irei escolher o melhor caminho para proteger minha família.
Também preciso investigar melhor sobre o acordo do papai com Lucas,
sinto que tem algo a mais, algo que ele não me contou ainda, talvez para me
proteger, ele pensa que não tenho idade para entender, mas sei que tem mais
coisas ali.
Os treinos e os estudos são ótimos, estou melhorando cada vez mais, meus
professores particulares são rígidos, cada vez que percebem que algo fica
fácil demais, eles aumentam o nível de dificuldade para me desafiar, e eu
amo um desafio.
A parte que mais gosto de tudo isso é poder treinar com Lucas, além da
parte séria, nós nos divertimos muito, com ele posso me soltar um pouco,
estou começando a confiar mais nele.
Luana, minha psicóloga, tem me ajudado a lidar melhor com meus medos.
Ela confirmou que tive um ataque de pânico depois da festa, então
descobrimos que ainda tenho muito medo de estar rodeada de pessoas
desconhecidas. Aos poucos vou me abrir mais com ela, mas ainda é difícil
entender meus sentimentos e mais difícil ainda explicá-los a outra pessoa.
Confio em Luana, ela não tenta me forçar a falar, o que é bom, tem coisas
que não quero discutir ou reviver, principalmente por saber que papai tem
acesso as minhas sessões.
Quando falamos sobre a mamãe ainda é difícil, não quero reviver o que ela
passou, Luana falou o mesmo que o papai, não foi minha culpa, mas toda vez
que vejo a mamãe triste quero voltar aquele momento e matar o homem
novamente, fazê-lo sofrer mais, não parece justo que a mamãe carregue essa
dor por toda a sua vida enquanto o monstro morreu rapidamente.
Não sinto remorso por ter tirado duas vidas, esse é um dos pontos que
trabalhamos na terapia, acho que não é normal alguém não se sentir mal por
matar outra pessoa.
Quando minha escuridão tenta tomar conta não sinto nada, somente a
leveza da liberdade, os monstros não me deixam amedrontada, mas preciso
controlá-los, Luana disse que deixar os monstros controlarem minha vida não
é bom, porque pode chegar um ponto em que não saberei distinguir entre
certo e errado.
A linha entre os dois pontos é turva em minha mente, dizem que é errado
tirar uma vida, mas não me sinto mal por matar dois monstros, eles
mereceram. Por outro lado preciso aprender a distinguir quem são os
monstros reais, e isso é tudo muito confuso.
Lucas e eu começamos a conversar mais, desde o primeiro dia ele tentou
puxar assunto comigo, mas ainda estava intimidada. Agora encontramos
assuntos para conversar, ele me pergunta sobre minhas aulas, ou sobre os
livros que leio, eu falo o que realmente penso e isso gera discussões
acaloradas, às vezes eu não consigo parar de falar.
Gosto muito da companhia dele, é como um irmão mais velho.
Aos domingos quando tem seu dia de folga e eu fico com meus pais, me
pego esperando ansiosamente a segunda-feira, mesmo que seja bom ter um
tempo só nosso, papai e mamãe se esforçam para que esse dia seja sempre
especial, eles planejam um dia em família, nós vamos a parques de diversão,
ao shopping, ao circo, as vezes a mamãe planeja uma viagem e passamos o
dia conhecendo novos lugares.
É maravilhoso estar com eles, vejo que a cada dia que passa mamãe está
melhor, nos domingos é quando ela está mais feliz, ama planejar viagens,
então eu e o papai aceitamos qualquer proposta, mesmo que seja passar o dia
em uma cabana no meio do mato.
Durante meu treinamento com Lucas aprendi muitas coisas sobre ele,
Lucas é muito forte, ele consegue lutar de igual para igual até mesmo contra
alguns guardas mais velhos e experientes.
Lucas é inteligente apesar de não ler livros como eu, ele começou a ter
aulas na faculdade, em um curso à distância, papai me falou que ele está indo
muito bem, ele estuda enquanto eu tenho aulas a tarde e à noite depois dos
nossos treinos e é esforçado.
Outra coisa que aprendi é que ele vai me proteger e me manter a salvo,
posso confiar nele, ele provou isso dia após dia que passamos juntos. Mesmo
que confiança seja perigoso, sei que o Lucas é confiável.
E o mais importante, Lucas ama bolo de chocolate.
Capítulo 10

Daniele
14 anos de idade

A cerimônia será realizada em um dos galpões mais afastados da cidade,


onde todos os homens feitos estarão presentes, desde os soldados, chefes e
Underboss, cada um deles vai presenciar a primeira mulher a ser iniciada na
máfia.
Com 14 anos de idade sou uma adolescente, não mais uma criança, meu
corpo esta ficando forte e musculoso devido ao treinamento diário com
Lucas, mas não cresci muito além de um metro e meio de altura, o cabelo
preto está comprido e amarrei em um rabo de cavalo.
Mesmo que meu corpo pareça frágil, sou tudo menos isso. Aprendi
manusear todas as armas de fogo possíveis, posso acertar um alvo na cabeça
tanto com uma sniper a longa distância como com minha pistola calibre 22.
Lucas Costello, meu guarda-costas e treinador pessoal, é um mestre das facas
e me ensinou como utilizá-las tanto para lutar como para torturar e
desmembrar, mas eu ainda prefiro minha pistola, com ela acerto o alvo quase
todas às vezes.
Hoje todos vão saber a minha escolha, se eu completar a cerimônia é
porque seguirei o caminho da máfia, se decidir o contrário e me afastar, serei
uma esposa.
Ninguém me pressionou para tomar uma decisão, nem o papai, a mamãe,
minha psicóloga ou Lucas. Nós não falamos sobre isso, mas acredito que eles
já sabem quem sou e qual caminho vou seguir.
A cerimônia de iniciação é um circo para provar a todos que sou capaz de
seguir ordens e matar, como se ainda precisasse provar alguma coisa.
Geralmente os meninos da minha idade ainda não cometeram nenhum
assassinato, antes de sua iniciação não é permitido que participem dos
assuntos oficiais, pois ainda são crianças protegidas, a iniciação é o momento
de provar ter coragem para fazer o que é preciso.
No entanto todos são treinados desde muito novos, algumas famílias
separam os meninos das meninas e criam as crianças de modo completamente
diferente.
Meninos aprendem a usar facas e se acostumar com armas de fogo, Lucas
me contou que alguns pais usam de violência física para ensinar os garotos,
achando que assim criaram homens mais fortes.
Meu pai falou que é uma péssima forma de educação, crianças são
espancadas crescem com mais medo e raiva dentro de si, esses sentimentos
geram um descontrole das ações e emoções, e ninguém confia em uma pessoa
descontrolada.
Eu sou uma das exceções, além dos dois homens que matei com 10 anos de
idade, também participei de alguns trabalhos com Lucas, a maioria para
acompanhar pequenas visitas a comércios ou trabalhos de baixa
periculosidade.
Em um desses trabalhos, no ano passado, fomos cercados e estávamos em
menor número, o que era para ser algo simples, instalar uma câmera
escondida em um cassino rival, havia se tornado um tiroteio, Lucas e eu
estávamos atrás do balcão do bar enquanto outros cinco homens atiravam em
nós, dois homens do meu pai foram baleados e mortos.
Quando os tiros inimigos diminuíram, percebi um duto de ar atrás do
balcão, Lucas não tinha tamanho para entrar lá, mas eu sim, então segui o
duto e por sorte sai na cozinha, atrás dos homens que atiravam em Lucas.
Deixei a escuridão me dominar novamente, ela sempre estava lá, escondida
mas presente, quando precisava engolir o medo ela tomava conta, eles não
conseguiram reagir a tempo quando acertei dois deles.
No momento que os homens viraram para mim, Lucas aproveitou a
oportunidade e abateu os outros três, foi assim que saímos vivos de lá e eu
adicionei mais dois nomes a minha lista de assassinatos.
Depois disso meu pai não me enviou para mais nenhuma missão, quando
Lucas era requisitado para fazer algum outro trabalho que não fosse minha
segurança, eu tinha que ficar na mansão ou acompanhava meu pai.
No processo de iniciação terei que matar alguém sem saber nada sobre a
pessoa, não posso desviar o olhar ou questionar a ordem por um segundo
sequer, e jamais devo perguntar nada sobre o alvo, é uma prova tanto de
coragem como de confiança e obediência, quem quer que seja a alma, merece
morrer porque meu Capo assim decreta, e minha lealdade é com a Família e
com o Capo.
Esse ritual serve para provar a confiança no líder, cada um dos homens
presentes recebe ordens do Capo, e nenhum pode duvidar ou contestar estas
ordens. O Capo é a pessoa de maior poder na Família e é sobre ele que cai
todo o peso das decisões e obrigações para manter a estrutura dos negócios.
Junto comigo mais dois meninos serão iniciados, os filhos do Underboss
do Brooklyn, e mais alguns meninos filhos de soldados de baixo escalão, que
terão a sua vez depois de nós, até esse circo é elitista.
Meu pai veio antes, em um carro separado com a sua escolta, tinha que
estar aqui para receber os chefes mais importantes, Lucas e eu viemos depois,
ele estava nervoso no carro, olhando para frente concentrado, não falou nada
o caminho todo.
Não olho para os meninos, não convivo com outras crianças da minha
idade e pouco saio da mansão, minha rotina é estritamente focada em treino e
estudo, não sobra muito tempo para socializar, e geralmente estes garotos não
são interessantes, tem um ego maior que o sol por serem ricos e de família
importante.
Nos poucos bailes e festas que eventualmente sou obrigada a participar
com minha família, prefiro ficar próxima do meu pai e observar como ele se
comporta nestas ocasiões, considero cada momento com ele uma aula,
especialmente em situações sociais, não sou muito boa em interagir com as
pessoas.
As poucas meninas que conheço são filhas dos subordinados de meu pai,
ou segundas primas, e Sara que é a irmã do Lucas, mas ela é mais velha e já
está com um casamento arranjado para os próximos anos. Sara é a única
menina que tive contato mais vezes depois da invasão e, apesar de ser mais
velha, não me trata como uma criança.
Agora Sara já é uma mulher com dezenove anos de idade, muitas mulheres
da idade dela já estão casadas, ela tem um noivo desde que completou
dezoito anos, mas Frank disse que só irá se casar quando terminar a
faculdade.
As tradições na máfia são mantidas por gerações, são costumes e regras
passadas de pai para filho, de mãe para filha, e que mantem a organização
funcionando.
Porém com as mudanças sociais cada vez mais fortes, até mesmo os mais
conservadores começam a se adequar, mulheres ganham mais espaço para
estudar, ainda tem que se casar cedo, mas se o marido concordar, elas podem
frequentar a faculdade e algumas, de famílias com patentes menores,
trabalham fora para ajudar no sustento da casa.
Dentro das famílias mais tradicionais isso ainda é um tabu, os Chefes mais
velhos não permitem que suas filhas ou netas frequentem escolas presenciais,
o ensino é em casa ou em internatos exclusivamente femininos, onde elas
aprendem o que é esperado de uma mulher, ser esposa, mãe, cuidar do
marido, dos filhos e gerenciar a casa.
Meu pai não acredita em nada disso, como Capo ele comanda a
organização, mas não pode interferir nos assuntos internos de cada família,
mas ele sabe da posição de cada um de seus homens, muitos deixam clara a
reprovação e outros tentam esconder.
Tivemos diversas discussões sobre a escola durante os anos, ele comentou
que preferia que eu estudasse em um colégio normal, porém é muito
perigoso, especialmente para a filha do Capo, nem com os melhores
seguranças conseguiria garantir que nada me acontecesse.
O principal fator para isso é a rotina, dentro da mansão estou segura,
vigiada dia e noite por diversos homens e câmeras, mas fora é outra coisa. O
trajeto até a cidade pode ser um risco caso nossos inimigos resolvam atacar
os carros, assumir uma rotina diária deixa margem para que programem
algum ataque na escola, e tudo é muito perigoso.
No fim prefiro estudar em casa mesmo, meus professores são exigentes e
as matérias passadas acompanham meu desenvolvimento pessoal, inclusive já
estou tendo algumas aulas com professores universitários, papai achou
importante que eu começasse minha educação na área de gerenciamento
empresarial e financeiro o quanto antes.
Depois que anunciou que iria me treinar para que eu assumisse seu lugar
alguns dos seus homens se voltaram contra ele, três de seus Underbosses
planejaram derrubá-lo e assumir a liderança, porém meu pai estava adiantado,
com seus soldados infiltrados ele sabia o que estava acontecendo, e quando
ficou claro que iriam tentar matá-lo, ele os eliminou antes.
As famílias dos traidores escolheram entre apoiar a traição ou apoiá-lo, e
todos sabiam qual era o castigo para traidores.
Papai substituiu os Underbosses traidores por seus homens de confiança,
que juraram lealdade a ele e que provaram isso durante os anos, também eram
homens que aceitavam suas ideias mais inovadoras. As famílias tradicionais
estavam começando a perder força, ele precisava de sangue novo com um
pensamento mais progressista, para me apoiar futuramente.
O Capo vira-se de frente para todos, não precisa ficar em um local mais
alto para ser notado ou demonstrar poder, qualquer pessoa naquela sala sabe
quem comanda. Quando todos estão em silêncio, da inicio a cerimônia.
— Hoje temos novos nomes que serão iniciados dentro da nossa Família,
irão provar-se merecedores e cumprir a prova inicial, recitar o juramento,
prometendo servir com vigor e dedicação, entregando suas vidas pelo bem da
Família Genovese.
Escuto uma batida de pé em uníssono, o sinal de aceitação que todos os
membros fazem.
— Tragam a primeira prova — Alphonse faz um sinal para um guarda na
lateral e logo três pessoas são escoltadas por seis guardas e colocadas a nossa
frente.
Uma mulher e dois homens serão as primeiras almas a morrer hoje. A
mulher aparenta estar na casa dos 40 anos, com o cabelo vermelho desbotado
e a cara manchada de maquiagem e lágrimas, consigo ver que a vida não tem
sido boa com ela, magra demais para alguém saudável, a calça de moletom e
camiseta preta pendem com sobra em seu corpo magro.
Os dois homens são baixos, e tem diversos hematomas pelo rosto, estão
vestidos com a mesma roupa da mulher, o que indica que foram forçados a se
trocar para o evento.
Quando o Capo faz um sinal com a mão, eu e os outros dois meninos
caminhamos dois passos à frente, sei de cor como será esta cerimônia, Lucas
me preparou para este momento, mesmo assim sinto o medo tentando me
dominar, me forço a ficar tranquila, procurando dentro do meu ser pela
calmaria da escuridão.
Cada um de nós fica diante de uma pessoa, os meninos escolhem um
homem cada, e a mulher é deixada em minha frente. Não que isso importe,
estou preparada e jamais contestaria uma ordem, seja quem for a vitima ela
merece estar aqui, mas sei que essa é outra provação que preciso passar.
— Vocês podem escolher uma forma de matar a pessoa a sua frente, uma
arma, faca ou as próprias mãos, mas devem matá-la olhando em seus olhos
— o Capo fala com a voz de comando e aponta para o primeiro menino —
Raphaele pode começar.
Sem perder tempo Raphaele pega uma faca curta do coldre interno da
jaqueta, ele é apenas alguns centímetros mais alto que eu e tem o cabelo loiro
e olhos azuis. Vejo que sua mão treme de nervosismo quando aperta a faca.
Raphaele se aproxima de sua vítima, colocando-o de joelhos e, com um
movimento preciso, corta a garganta do homem, que cai se afogando no
próprio sangue, enquanto ele olha em seus olhos, como deve, e espera que
toda a vida seja drenada de sua vítima.
Ele não demonstra mais nenhum sinal de nervosismo, sua respiração é
constante e controlada e a mão que segura à faca cheia de sangue para de
tremer.
Quando o liquido vermelho se espalha pelo chão a mulher grita de pavor e
um dos guardas acerta um soco no estomago dela, que fez com que caia de
joelhos sem ar, ao lado do homem que ainda esta vivo, mas aterrorizado
demais para se mover.
O som de batidas de pé ecoa no galpão, sinal de louvor, Raphaele cumpriu
sua missão e sai para se postar ao lado dos guardas na primeira fileira.
— Muito bem, agora é a sua vez Danilo — o Capo ordena quando o
barulho diminuiu.
O segundo menino é idêntico ao primeiro, são gêmeos, Danilo se aproxima
e faz um aceno ao guarda atrás do homem que o força a ficar de joelhos. Sem
tirar os olhos de sua vítima e sem demonstrar sinal de nervosismo como seu
irmão, puxa uma pistola Glock 9mm, mira na cabeça do homem, e um
segundo depois puxa o gatilho, com um tiro certeiro no meio dos olhos da
vitima, o corpo cai para trás já sem vida.
Outro respaldo de batidas de pés percorre o galpão enquanto o menino
coloca-se ao lado do irmão.
Agora é a minha vez e sinto a escuridão crescer ainda mais dentro do meu
peito, dominando qualquer sensação de medo ou nervosismo que eu possa
ter, deixo que se espalhe e tome conta.
A mulher em minha frente ainda chora, mas não emite sons, sabe o que vai
acontecer, sabe qual é o seu destino, não tem mais esperanças.
Um silêncio brutal se espalha pelo galpão, ninguém se atreve a respirar,
todos estão olhando para a frágil menina, sinto o clima pesado, o olhar de
centenas de homens em mim, vejo meu pai atento, aguardando qualquer sinal
de fraqueza.
— Daniele.
Em um movimento rápido pego minha S&W Victory calibre 22 do coldre
interno da jaqueta, sinto o aço frio em minhas mãos, o peso da arma enquanto
ergo os braços e atiro no meio da testa da mulher, sem medo, sem dúvidas e
sem desviar o olhar.
O corpo cai para trás com a força do impacto, e antes mesmo de chegar ao
chão já estou guardando a arma e me dirigindo ao meu lugar ao lado dos
outros dois meninos, não olho para meu pai ou para Lucas, mantenho minha
cabeça erguida e a expressão vazia, deixo meus demônios internos
consumirem minha alma mais um pouco como um prêmio, por mais que
tivesse dúvidas antes, agora não lembro mais desse sentimento.
A única coisa que passa pela minha cabeça é que neste exato momento
meu caminho se inicia, não tem mais retorno, não existe outra opção e estou
completamente pronta para essa nova fase de provações.
Darei minha alma como recompensa á escuridão que domina meu ser em
troca do poder para proteger quem eu amo.
Atrás de mim ouço Lucas bater os pés, e logo todos os outros homens
acompanham, até que o Capo ergue as mãos e o silencio retorna.
— E com isso nossos três novos iniciados se juntarão a todos no juramento
oficial.
Em coro todos falamos:
“Da vida á morte, juro lealdade a Familia Genovese, juro cumprir os
deveres a mim impostos sem questionar, juro meu sangue ao meu Capo”.
Depois, Raphaele, Danilo e eu somos levados a uma sala para receber a
tatuagem, símbolo que marca cada um dos homens da Família Genovese e
que jamais poderá ser coberto ou retirado.
O símbolo da cobra enrolada em um cacho de uva é a marca dos homens
feitos, a tatuagem é feita na parte interna do antebraço direito, em preto e
branco, com vinte centímetros de comprimento, Lucas me preparou para a
dor, mas a agulha não é nada comparada ao que ela significa.
Sou a primeira mulher feita, faço parte da Família Genovese e futuramente
serei a primeira Capo da história da máfia italiana.
Capítulo 11

Lucas
21 anos de idade

Daniele passou por sua introdução sem problemas, e isso não é uma
surpresa para quem a conhece. Durante os últimos anos provou seu potencial,
como seu treinador oficial eu estou orgulhoso do quanto ela cresceu e
evoluiu.
No começo meu maior receio era de que Daniele não conseguisse lidar
com as partes mais duras dessa vida, e não estou falando somente de matar
alguém, isso é rápido e fácil, mas as outras faces da máfia não são tão
agradáveis.
Durante nossa vida com o crime precisamos saber como obter
informações, mesmo quando a pessoa não está a fim de nos fornecer o que
precisamos, e ai que chega a face mais assustadora e mais difícil de lidar, a
tortura.
Torturar é muito diferente de matar, exige mais de você, exige enfrentar o
momento de desespero da vítima, as súplicas, a dor genuína e se deliciar com
isso para usá-lo como ferramenta de sofrimento, se você se deixar levar pela
empatia jamais conseguirá respostas.
Requer técnicas avançadas de persuasão, é preciso saber como infringir dor
na quantidade certa para que a pessoa abra a boca e despeje seus segredos,
mas sem matá-la rapidamente. Cada pessoa reage de forma diferente.
Algumas aguentam a dor física, então não é com cortes, escoriações,
golpes físicos ou nada disso que você irá quebrá-la, jogos psicológicos
tendem a funcionar melhor com essas pessoas.
Outras se acham muito espertas e fortes, mas no primeiro dedo esmagado
já entregam tudo. A cada interrogatório é preciso avaliar o oponente e decidir
a melhor técnica para garantir que ele entregue todas as informações corretas,
sem mentir e sem esconder nada, antes de matá-lo.
Particularmente não gosto dessa parte do trabalho, prefiro deixar para os
executores que são pessoas com um gosto estranho, por assim dizer. São
chamados de executores os homens que além de serem bons com as diversas
técnicas de tortura, apreciam o momento, deleitando-se com a dor infringida.
Já os Chefes e o Capo em específico lidam com os casos mais graves,
traidores que vazam informações para a polícia ou para as máfias rivais
servem de exemplo, e nessas sessões os níveis de crueldade chega ao
máximo.
Na primeira vez que participei de uma sessão de tortura tinha acabado de
ser iniciado, meu pai capturou um homem da Camora infiltrado em uma das
nossas casas de jogos clandestinos. Precisávamos saber se haviam mais ou se
ele estava sozinho.
O homem era jovem, forte e resistente aos jogos psicológicos que meu pai
e seus homens tentaram aplicar nele. Até que começaram com a tortura física,
com golpes nas costelas, afogamento, dedos esmagados e unhas arrancadas,
no momento que o terceiro dedo do homem foi cortado, despejou todos os
nomes e localização dos outros homens infiltrados.
Vomitei três vezes durante o primeiro dia, tinha acabado de completar
quinze anos de idade e o cheiro de sangue, misturado com vômito, urina e
fezes que o homem expelia foi demais. Mas meu pai não autorizou que saísse
de perto, precisei aguentar aquilo para me fortalecer.
Demorou dois dias para meu pai tirar todas as informações possíveis do
homem antes de matá-lo e desmembrar o corpo, enviando todos os pedaços
em um pacote para Vitor Mariano, o chefe da Camora em Las Vegas.
Claro que, antes de enviar o corpo, meu pai capturou, torturou e matou os
outros cinco homens, se não fosse pela informação do primeiro, a Camora
ainda estaria infiltrada nos negócios e poderia causar danos inimagináveis a
Família Genovese.
Depois disso participei de diversas sessões de tortura na Itália, quando
aprendi as técnicas mais cruéis e eficazes para conseguir informações de um
inimigo.
Com o tempo a parte nojenta e os gritos das vitimas já não me afetavam
mais e fui ficando bom em conseguir informações, quer a pessoa queira
entregar ou não, mas ainda não é meu trabalho preferido, acredito que
algumas pessoas tem mais aptidão a tortura e se afetam menos.
No treinamento de Daniele até agora ensinei os métodos que aprendi, mas
somente na teoria, uma das partes mais importantes é manter uma pessoa viva
usando técnicas para hidratá-la e mantê-la acordada enquanto infringe a
quantidade certa de dor em locais não letais.
E também como se livrar de um corpo quando o serviço está feito, isso
geralmente é feito pelos soldados, temos um grupo de limpeza que lida com
essa parte no final de tudo, mas é importante saber caso haja a necessidade de
sujar as próprias mãos.
Isso tudo foi ensinado na teoria, e preciso confessar que seu interesse um
pouco exagerado em aprender cada técnica me assustou, ela não demonstrava
repulsa ou nojo, podia jurar que seu olhar era de admiração.
Mas ela só poderia por em prática mesmo depois de iniciada. E agora que
já faz parte oficialmente da Família chegou o dia de aplicar seus
conhecimentos.
Meu pai descobriu que um dos nossos homens esta trabalhando como
agente duplo para a polícia, em uma tentativa de incriminar Alphonse em
lavagem de dinheiro e jogatina ilegal, e em troca receberia proteção quando o
caso fosse para o tribunal.
Claro que Frank Costello o pegou primeiro, com uma mala cheia de
documentos e arquivos de gravações incriminadoras, meu pai interceptou a
entrega do material antes que a polícia chegasse e capturou o traidor.
Esta será a primeira sessão de tortura que Daniele vai participar e estou
mais apreensivo que ela.
Fomos convocados especialmente pelo Capo para essa missão e estamos a
caminho do clube onde o traidor é mantido preso.
— Você acha que vou poder participar mesmo? — Daniele pergunta, com
o olhar focado na estrada, mas a perna balança em sinal de ansiedade, não
consigo decifrar se sua ansiedade é fruto do medo ou algo mais sombrio.
— Nós saberemos quando chegarmos lá. — Não tenho informações
detalhadas no momento sobre como será o interrogatório.
— Quais informações o traidor ia entregar para policia?
— Estava com vários documentos de uma das nossas casas de jogos
clandestinos, também foi pego com gravações de conversas entre o Capo e
alguns Underbosses, mas não sei mais que isso.
— Não gosto do Donato — fala com determinação sobre o Underboss do
Broooklyn.
— Brooklyn é uma das nossas áreas mais importantes e por isso é bem
difícil de administrar.
— Ele muda quando está com o papai e Frank — conta sobre sua avaliação
de Donato — Ele mudou o comportamento faz pouco tempo, ano passado
parecia mais como uma pessoa calma e submissa, agora está sempre ansioso,
passando a mão pelos poucos cabelos que tem na cabeça.
Confesso que não reparei muito no homem nos últimos tempos, treinar
Daniele é um trabalho cansativo e que demanda quase toda a minha atenção,
mais o final do meu curso na faculdade e acompanhar meu pai nos finais de
semana, não sobra muito tempo para reparar nos outros.
— Pode ser, vamos avaliar isso hoje durante o interrogatório — respondo
fazendo uma nota mental.
Chegamos rapidamente no local e, por sorte, meu pai e o Capo já estão lá
dentro, Donato e alguns de seus homens também estão aqui, assim como seus
dois filhos mais novos. Depois que Daniele fala sobre o comportamento do
Underboss uma desconfiança surge na minha mente.
O traidor é um dos soldados de Donato, um garoto praticamente, não tem
nem vinte anos, está amarrado em uma cadeira, já cheio de hematomas e
lágrimas correm de seus olhos.
— Ruan, como você pôde fazer isso comigo? — Donato pergunta e acerta
um soco no rosto do homem, sem dar chance para responder — Eu te acolhi
depois da morte do teu pai, te dei um trabalho, dinheiro, uma forma de
sustentar tua família, é assim que você me paga?
O homem chamado Ruan chora desesperadamente, sua boca ainda coberta
por uma fita adesiva o impede de falar. Donato se aproxima do rapaz,
bloqueando a visão do homem para os demais na sala. Calmamente me movo
mais próximo dos dois, só então percebo que Donato tem uma faca na mão
esquerda, escondida.
Antes que possa impedi-lo, um vulto passa rapidamente por mim e agarra a
mão de Donato com a faca, torcendo-a dolorosamente até quebrar o punho, o
objeto cai no chão e o homem solta um urro de dor.
Daniele dobra o braço de Donato para trás, mobilizando-o e o afastando de
Ruan. Esse movimento rápido deixa todos na sala em estado de alerta,
Alphonse e meu pai já estão com as armas apontadas para Donato, seus dois
filhos puxaram suas armas, apontando para Daniele protegendo o pai, mas
estão confusos e trocam olhares entre si, sem saber realmente o que fazer.
— Abaixem as armas garotos — falo em um sinal de aviso, eles trocam um
olhar, ainda confusos antes de abaixar as armas.
— O que está acontecendo aqui Alphonse? — Donato grita ainda com o
braço imobilizado atrás das costas — Tira essa menina de cima de mim
agora.
Daniele não solta seu aperno, puxando-o para mais longe de Ruan antes de
imobilizá-lo com os dois braços atrás das costas e virá-lo em direção ao
Capo, sinto orgulho pela sua força e técnica.
— O que você ia fazer com essa faca Donato? — Alphonse pergunta em
sua voz mais grave e assustadora de Capo, enquanto abaixa-se para pegar a
faca do chão e analisa-la.
— Interrogá-lo é claro — Donato responde contrariado.
— Mas você é destro — Daniele fala calmamente, como se aquelas
palavras fossem tudo o que precisava dizer.
— E o que isso tem a ver menina? — Donato cospe a pergunta.
— Se você fosse somente torturá-lo usaria a faca na mão direita, para ter
mais controle e não matar rapidamente, você estava com a faca escondida na
mão esquerda, e ninguém conseguia ver a não ser a vítima, esse é um sinal de
ameaça — explica com a voz calma.
— Agora estou curioso para saber o que o rapaz tem a dizer. — Alphonse
comenta com a voz mais calma se aproximando de Ruan.
— Ele é meu soldado só eu posso interrogá-lo — Donatogrita desesperado
tentando se soltar, parece descontrolado, vejo o suor escorrer em seu rosto
enquanto se debate.
— Todos aqui são meus soldados Donato, não esqueça que sou seu Capo.
O Capo se aproxima do homem sentado e amarrado, tira a fita da sua boca,
então Ruan começou a falar rapidamente.
— A mala não é minha, eu juro Capo, a mala não é minha — Ruan fala
desesperadamente.
— Ela estava no seu carro Ruan, juntamente com um celular cheio de
ligações feitas para um agente da polícia — Alphonse fala calmamente,
explicando os fatos — Você sabe bem o que fazemos com traidores,
principalmente os que quebram o código de OMERTÁ.
O código de OMERTÁ é um dos mandamentos mais sagrados dentro da
máfia, seguido a risca por todos, significa o código do silêncio, e é
exatamente sobre isso, nenhum membro pode falar com a polícia, ser visto
com policiais ou colaborar com qualquer investigação, nem que seja para
incriminar nossos inimigos.
— Não sei como aquilo foi parar no meu carro, eu juro Capo, pela vida da
minha família. — Parece sincero, ele está desesperado, sabe o que fazemos
com traidores.
— Ele é um traidor Alphonse — Donato grita em meio à dor, ainda
tentando se desvencilhar do aperto de Daniele — Deixe-me interrogá-lo e
provarei para você.
— Lucas — Alphonse me chama, ignorando Donato, em direção a um
canto da sala e fala com a voz baixa, para que só eu o escute — Leve Donato
e Daniele para a sala ao lado e o amarre a uma cadeira, acho que tem mais
nisso do que ele está nos falando.
Confirmo e faço sinal para Daniele vir comigo. Ela entende e puxa Donato
junto com ela, apesar de pequena conseguiu quebrar o pulso dele e esta
controlando o homem pela dor.
Na sala ao lado, pego Donato do controle de Daniele forçando-o a sentar
em uma das cadeiras de aço que estão no meio do ambiente, Daniele encontra
uma corda e me entrega para prender o homem a cadeira e imobilizá-lo.
— O que a gente faz agora? — pergunta, seus olhos azuis ainda em estado
de alerta, mas vejo aquela ansiedade tomar conta de seus movimentos
novamente.
— Esperamos as ordens do Capo — respondo com firmeza.
Durante mais de uma hora Donato resmunga, grita conosco, não para de
falar que a situação é um absurdo. Até que Alphonse aparece, suas roupas
completamente manchadas de sangue, um canivete em mãos e um sorriso
mortal estampado no rosto, meu pai vem logo atrás, trancando a porta e
escorando-se na parede ao lado.
— Acabei de ter uma conversa muito interessante com Ruan,
aparentemente ele recebeu ordens para buscar uma pessoa no aeroporto —
fala enquanto caminha lentamente em direção a Donato —, mas quando foi
pegar o carro da sua família, ficou sem bateria, bem naquele momento.
Vejo onde isso está indo, e não vai ser nada bonito, decido ficar ao lado de
Daniele, próximo da porta, não para ter uma visão melhor da cena, mas para
ver a reação dela.
— Não sei do que você está falando, não dei ordens nenhuma a ele —
Donato grita com um falso desentendimento, sua voz já soa inconstante.
— O curioso é que você está certo, não foi você quem deu as ordens —
Alphonse se abaixa ficando cara a cara com Donato, o canivete
ensanguentado na mão direita erguido ao lado do pescoço do homem —
Você mandou seu filho Raphaele dar a ordem, e sabe o que é o mais
engraçado disso tudo? Seu filho mesmo me contou que você sugeriu que, se
caso o carro da família não funcionasse, Ruan deveria ir com o próprio
veículo até o aeroporto.
O homem é mais estúpido do que eu pensava, ele realmente mandou o
filho de quatorze anos de idade dar a ordem. Não quero nem saber como o
Capo tirou essa informação do menino. E aparentemente Donato está
pensando o mesmo que eu quando pavor toma conta do seu rosto.
— O que você fez com o meu filho? Ele não tem nada a ver com isso
Alphonse, é só uma criança — fala desesperadamente.
— Mas Raphaele é um homem feito, iniciado, fez o juramento com a
minha filha pouco tempo atrás. — O tom de ameaça na voz do Capo faz até a
minha espinha congelar, sua fama para tortura é lendária, Alphonse é um
mestre em conseguir informações, e o pior, ele gosta disso.
— Ele é uma criança, não sabe o que está falando.
— Você subestima a habilidade de percepção das crianças — Alphonse
aponta para Daniele — Minha filha, por exemplo, percebeu suas reais
intenções antes mesmo que qualquer outro homem daquela sala percebesse.
Donato lança um olhar mortal a Daniele antes de cuspir no chão em sinal
de desrespeito, seu rosto muda enquanto percebe que acabou e não tem volta,
a máscara cai e o homem se descontrola.
— Ela é uma puta, como a mãe, e jamais terá o apoio da Família.
E essas são às últimas palavras que ele consegue dizer sem gritar de dor,
ninguém ofende a família do Capo e sai impune. Alphonse enfia o canivete
na coxa esquerda de Donato girando e fazendo o homem gritar, então começa
a real tortura.
Durante mais de cinco horas o Capo usou diversas técnicas de tortura em
Donato, arrancando as unhas dos dedos antes de esmagá-los e cortá-los um
por um, estancando o ferimento com um maçarico para controlar a perda de
sangue. Depois passou para as orelhas e então começou a tirar pedaços de
pele enquanto o homem Urrava de dor.
Cada técnica utilizada com maestria arrancava gritos, mas também a
verdade, a dor faz o homem cuspir uma história de traição.
Donato estava trabalhando com a polícia para incriminar Alphonse, mas
não só isso, ele também estava em contato com o chefe da Camora, Vitor
Mariano, para assassinar o Capo quando este fosse preso e gerar uma guerra
interna na Família Genovese.
Alphonse é um executor, e hoje eu entendo o porquê, em cinco horas de
tortura ele não parou, não demonstrou fraqueza, seu olhar estava sempre
focado no traidor, o sorriso mortal em seu rosto demonstrando o gosto pelo
momento em que cada palavra saia da boca de Donato.
Deleitando-se com os gritos, sugando a energia vindo diretamente da dor
do outro, em um frenesi controlado.
Quando finalmente Donato soltou o último nome que guardava, o Capo
enfiou a faca na barriga do traidor, cortando do umbigo calmamente até as
costelas, abrindo as vísceras, deixando-o sangrar até a morte.
Meu olhar está focado em Daniele ao meu lado, durante toda a tortura ela
não se move, o olhar atento ao que acontece bem a sua frente, não demonstra
nojo, choque, terror, nada, a única coisa que eu consigo ver é algo que parece
com curiosidade. Ela esta analisando a situação, absorvendo as informações.
Nem o cheiro forte de sangue misturado com dejetos que vem do corpo do
homem no centro da sala a abala. Quando Alphonse ergue o olhar do corpo
do traidor, saindo do frenesi que o acompanhou durante a tortura, com a
roupa encharcada de sangue, Daniele vai até ele calmamente, olhando
diretamente nos olhos do pai.
— Como você sabe que ele não tinha mais nada para contar? — As
palavras tão diretas e pronunciadas calmamente que saem em sua voz
delicada, são quase uma piada em comparação a monstruosidade que
aconteceu aqui.
A pergunta me pega tão desprevenido quanto Alphonse, pelo olhar de
surpresa que tem no rosto vejo que não esperava essa reação dela.
— Porque o último nome foi dito com dor, o último nome é sempre o mais
difícil de conseguir, é alguém que a pessoa jurou defender com a própria vida
— Alphonse explica com paciência — Neste caso o nome de sua mulher
Maria, seu amor, alguém que ele tentou proteger, o último nome sempre será
o mais doloroso, consigo ver em seus olhos o sinal de rendição, um homem
não entrega a pessoa que ama facilmente, Daniele.
Os homens são ensinados a proteger suas mulheres, mas muitos descontam
suas frustrações em casa, exatamente em quem devem proteger. Donato é um
dos casos em que o casamentou foi por amor, e esse amor é tão forte que os
dois estão juntos até na traição.
— Ele não falou sobre os filhos — pondera Daniele — Eles não estão
envolvidos?
— Não, interroguei Raphaele e Danilo antes de vir, eles não sabiam da
traição, perceberam que o pai estava estranho de uns tempos para cá, agindo
com medo e escondendo alguma coisa, mas acharam que fosse mais um de
seus casos com uma puta qualquer.
— E o que vai acontecer com eles depois que Maria for eliminada?
Daniele fala com a voz fria e controlada, sem demonstrar emoção, parece
citar um fato qualquer, confesso que esperava que ela ficasse mais abalada
depois de tudo o que viu, eu estou um pouco abalado com o que
presenciamos.
— Ela ainda não foi questionada Daniele, lembre-se que temos que ouvir
os dois lados da história antes de dar um veredicto — Alphonse explica e
troca um olhar com meu pai na porta.
— Mas se ela for culpada, o que acontece com eles?
— Eles irão para a casa de algum parente próximo, serão treinados e
vigiados de perto até completarem 18 anos e terem direito a herança dos pais
— Alphonse levanta e caminha em direção a porta — Mas antes vamos ter
certeza que Maria é culpada.
A interação tão honesta entre pai e filha me abala, vejo a escuridão do
Capo refletida na forma que Daniele trata toda a situação, com frieza e
controle. Um arrepio percorre minha espinha ao constatar que eles são mais
parecidos que eu imaginava.
Capítulo 12

Daniele
A polícia é o órgão mais corrupto do governo, nossa organização tem
controle sobre a maior parte dos comandantes, eles ganham um salário
baixíssimo para o risco que correm, então é muito fácil corrompê-los.
Frank recebeu uma ligação de um de nossos contatos de que uma
investigação contra meu pai estava em curso, e que eles estavam reunindo
informações com uma pessoa de dentro da família.
Foi por isso que Donato tentou incriminar Ruan, um simples soldado
levando a culpa o inocentava e deixava livre para continuar trabalhando com
a polícia. Mas Frank é muito mais esperto e por isso é um ótimo Consigliere,
ele capturou Ruan e o trouxe para uma das casas no território de Donato.
Dentro da máfia um dos mandamentos que seguimos é o de jamais
colaborar com a polícia, nem contra nossos inimigos. Qualquer desavença
deve ser resolvida entre os homens feitos, sem envolver as forças policiais, é
considerado traição se você colaborar com eles, mesmo que não seja contra a
sua família.
Claro que se eu não tivesse sido tão rápida e visto a faca antes dele acertar
Ruan, as coisas poderiam ter sido diferentes. Ainda não sei se meu pai, Frank
ou Lucas não viram a faca a tempo, ou se este foi mais um teste para provar
meu valor, enfim, hoje em dia tudo é um teste, ficar pensando nisso só desvia
meu foco do que realmente interessa.
Uma investigação contra a família não é uma coisa boa, mesmo tendo a
polícia e alguns políticos em nossas mãos, não são todos, e as organizações
mais poderosas do FBI são intocáveis.
E eles conseguiram fazer com que um Underboss traísse seu Capo. O
Underboss é a terceira pessoa na rede de comando da máfia, no topo da
pirâmide tem o Capo, meu pai, que lidera a família Genovese, juntamente
com ele, mas um pouco abaixo vem Frank o Consigliere, que é o segundo
homem mais importante aconselhando o Capo nas operações e tomadas de
decisões importantes.
Depois temos os Underbosses também conhecidos como capitães, que são
geralmente os chefes das famílias mais poderosas das regiões controladas
pela máfia ou alguém indicado pelo próprio Capo, cada um lidera as
atividades na sua região e responde ao Capo diretamente. Abaixo dos
Underbosses temos seus subchefes e soldados, que são pessoas de confiança
que recebem ordens.
Um Underboss tem conhecimento de toda uma rede de atividades
criminosas na sua região, como a cobrança pela proteção dos restaurantes,
jogatinas ilegais e casas de prostituição. Como tem que prestar contas ao
Capo essas atividades estão diretamente ligadas ao chefe da Família.
Essa investigação ainda nos traria muita dor de cabeça, e eu posso ver
como meu pai está pensativo enquanto nos dirigimos para casa. Ele deixou
que Frank cuidasse da mulher de Donato e seus filhos, já é tarde e meu pai
prefere voltar para casa. Estou com ele no banco de trás, mas não falamos
nada a viagem inteira. Sei reconhecer quando meu pai precisa de um tempo
com seus pensamentos, somos muito parecidos nesse quesito.
Também tenho muito o que pensar, algo que Donato soltou durante a
tortura que não sai da minha cabeça, algo sobre ter sido um trabalho interno,
me deixa aflita. A forma que ele falou sobre isso fez meu pai congelar, mas o
que mais achei estranho foi meu pai não ter ido a fundo no assunto.
Só tem um assunto que papai prefere me deixar no escuro, o dia da invasão
a mansão, há quatro anos atrás.
A invasão é como um quebra-cabeça na minha mente, mas um defeituoso,
que faltam muitas peças, peças que estão escondidas, trancadas em cofres de
segurança máxima, que ninguém tem permissão para me dar acesso.
Cada informação que reúno sobre este assunto mantenho guardada. Tentei
perguntar para o meu pai e até para Lucas sobre o que eles sabiam, e os dois
mentiram descaradamente, suas palavras oficiais “foi coisa da Camora” não
me convenceram, seus olhos os incriminavam.
Então se eles preferiam me manter no escuro, eu não iria perguntar mais,
em vez disso, mantive meus olhos e ouvidos atentos para qualquer
informação, cada peça do quebra-cabeça que tinha acesso ia completando o
mistério que envolve aquele ataque.
Não tenho pressa, ainda vou descobrir quem vazou as informações da
mansão para a Camora, quem traiu a confiança do meu pai e da minha
família, quem mandou capturar minha mãe e eu para matar meu pai e o
porquê disso tudo.
Quando essa hora chegar estarei pronta, e ninguém terá a chance de por um
dedo no traidor, a não ser eu. Essa pessoa vai se arrepender do dia que nasceu
e principalmente do dia que traiu minha família. Isso eu garanto.
Capítulo 13

Lucas
23 anos de idade

Hoje é o casamento de Sara, minha irmã mais nova, com o novo


Underboss do Brooklyn, Marcos Vituri. Depois da traição de Donato e sua
mulher, Alphonse achou melhor escolher uma pessoa mais nova para
administrar os negócios na área, e fez questão de colocar alguém que irá
apoiar Daniele futuramente.
Marcos é um homem jovem de vinte e nove anos, sua família não é do alto
escalão da máfia, mas ele ganhou a confiança do Capo e do meu pai com seu
trabalho durante os anos. Minha irmã Sara completou vinte e um anos
recentemente, e como estava combinado, chegou a hora do casamento.
A união entre os dois é uma jogada de poder, Sara é filha do Consigliere
da Família Genovese, e Marcos precisa de uma ligação de peso para
consolidar sua posição, a junção do seu nome com o da minha irmã garante
isso.
Eu, no entanto, só estou interessado em saber que ele será um bom marido,
e disso eu tenho certeza. Quando meu pai falou sobre alguns nomes que
estava considerando para a união com Sara, fiz questão de checar cada um
deles.
Eram três, dois de famílias tradicionais com sobrenome de peso, e Marcos.
Quando fui a fundo ao passado deles, descobri mais do que queria.
No geral homens das famílias do alto escalão são os piores, muitos nascem
e são criados como reis, desconhecem limites, desconhecem a palavra “não”.
Nestas famílias as mulheres são seres inferiores e os homens aprendem com
os pais a arte do desprezo pelas suas parceiras, não se pode esperar algo bom
vindo disso.
Não precisei de muito para descobrir as histórias mais pesadas, foi só
visitar um dos prostíbulos da Família, as informações que as garotas de
programa arrancam dos frequentadores são mais confiáveis que o que eles
escolhem passar em público.
Mas com Marcos não encontrei nada escandaloso, claro que ele já havia
frequentado as casas de prostituição, no entanto as putas não tinham
reclamações, algumas nem se lembravam dele, e isso sempre é algo bom.
Ele cresceu em uma família modesta, trabalhou muito para conquistar a
confiança do Capo, inclusive em algumas missões de ordens diretas do meu
pai. A única coisa que eu achava estranho era que com a sua idade já deveria
ter casado.
Normalmente os homens da máfia casam-se com vinte e três anos, no
máximo vinte e cinco. Mas o que ouvi é que ele estava focado demais em sua
carreira para assumir um compromisso. Então, quando meu pai o abordou
com a união com Sara, ele aceitou rapidamente.
Sara é minha irmã mais nova, apesar de termos sido criados de forma
diferente e até um pouco separados, eu a amo e a protegerei a minha vida
toda. Ela foi criada mais próxima da minha mãe para assumir seu papel de
esposa, já eu fui muito mais próximo do nosso pai e aprendi desde muito
novo qual é o meu papel.
Somos duas faces da máfia, ela a mulher submissa e perfeita, nascida e
criada para servir ao seu marido e família. Eu criado para ser um homem
poderoso, assumir as responsabilidades que seriam minhas no futuro e
dominar qualquer pessoa que me subjugasse.
Ver a minha irmã entrando na igreja é um momento estranho, ela está
maravilhosa, seus cabelos loiros presos em uma trança lateral com flores, o
vestido branco faz com que ela pareça um anjo, mas o que mais me encanta é
seu sorriso, ela está feliz.
Mesmo que eles não tenham passado muito tempo juntos, pois é proibido
antes do casamento, tiveram alguns anos para se conhecer, minha mãe
organizou diversos jantares em que Marcos e sua família compareceram para
aproximar os dois, não pude participar de muitos, mas quando conversei com
minha irmã, ela parecia genuinamente apaixonada.
Agora é o momento que ela se preparou, que até sonhou enquanto crescia,
casar-se com um homem respeitado e começar sua própria família. Sara não
tem outras pretensões, ela aceita seu destino e o abraça com felicidade.
Muito diferente da garota que está de pé junto com as madrinhas da minha
irmã. Como filha do Capo e mulher solteira, é normal que Daniele seja uma
das madrinhas, eu também sou o padrinho de Marcos. Mas olhando bem a
expressão vazia que tem em seu rosto, este deve ser um momento muito
entediante.
Claro que Daniele mantém as aparências, com seus dezesseis anos de idade
ela começou a se desenvolver, seu corpo mudou muito de uns tempos para cá,
mas ela ainda é jovem demais e protegida demais.
Daniele participa cada vez mais das negociações e decisões que seu pai
toma, portanto passa seus dias rodeada de homens, eles são proibidos de
olhar de qualquer forma desrespeitosa para ela, a maioria já se acostumou
com sua presença e a tratam com respeito.
Alphonse garantiu isso quando me mandou matar dois rapazes que tiraram
fotos de Daniele e comentaram sobre seu corpo em sua festa de quinze anos.
Eu me diverti muito com os dois, geralmente não sinto prazer no
sofrimento alheio, mas ao ver o que eles falavam sobre Daniele, como se ela
fosse um pedaço de carne, não contive meus instintos.
Hoje Daniele está linda, o vestido na cor lavanda a serve muito bem, de
salto alto, maquiagem e o cabelo preso em um coque algum desavisado pode
até pensar que é mais velha.
A única coisa que não amadureceu ainda é sua voz, Daniele tem a voz
suave e doce, quase angelical, que não combina em nada com a mente
sombria da menina.
Quanto mais trabalhamos juntos mais entendo o que Alphonse me alertou,
depois da primeira tortura que Daniele participou.
Ela sempre teve acompanhamento psicológico, desde criança, porque
Daniele nasceu diferente. A psicóloga explicou que ela tinha dificuldade em
demonstrar emoções e começava a demonstrar falta de empatia. Então
Alphonse e Amélia decidiram que Daniele precisava de acompanhamento
especializado.
Luana não é somente uma terapeuta, ela é psiquiatra especialista em
transtorno de personalidade antissocial e vem acompanhando o caso de
Daniele de perto. Até que a pessoa não chegue a maior idade, não se pode ter
um diagnóstico acertivo.
Mesmo assim Daniele não é considerada uma pscicopata, mas tem traços
de transtorno de personalidade.
Um olhar diferente me chama a atenção para a mulher que está ao lado de
Daniele, uma loira, alta, de olhos azuis e peitos enormes, linda demais e uma
das solteiras mais cobiçadas do momento.
Marina é filha de um dos contadores do meu pai, com dezoito anos
suponha-se que já tenha um casamento arranjado, mas pelo que ouvi seu pai
irá esperar até que ela complete vinte e um e um pretendente de boa patente
apareça.
A cerimônia de casamento é bonita, mas longa demais, como de costume.
Depois todos nos dirigimos para a mansão Corleone para as comemorações,
como nossas famílias são muito unidas Alphonse nos presenteou com a festa
em sua mansão, os jardins são grandes e glamorosos, feitos especialmente
para eventos grandiosos ao ar livre.
O almoço é servido logo após a chegada de todos os convidados, sento-me
ao lado da minha mãe na mesa principal, onde também estão o Capo e sua
família.
Daniele está ao lado da minha irmã com as outras madrinhas, mesmo este
sendo um evento social e eu, tecnicamente, não estou aqui a trabalho, não a
perco de vista, pode-se dizer que é força do hábito.
Alphonse está animado hoje, sentado ao meu lado conversamos durante o
almoço todo, o Capo tem um humor contagiante que pode te prender em uma
conversa leve sobre qualquer assunto por horas e isso o torna uma ótima
companhia.
Depois da dança dos noivos, meu pai está dançando com minha irmã
enquanto eu danço com minha mãe, ela está emotiva e feliz, não para de
sorrir e de falar o quanto está orgulhosa de Sara. Eu também estou feliz por
minha irmã.
As danças são obrigatórias em casamentos, como irmão da noiva tenho que
cumprir meu papel e dançar com as mulheres solteiras. Tive que aprender a
dançar depois que comecei a trabalhar com Daniele, como tenho que ir com
ela em praticamente todos os eventos, me ensinou para que pudéssemos
dançar juntos, suspeito que foi mais para que não precisasse dançar com
pessoas desconhecidas.
O tempo todo percebo que Marina não para de me lançar olhares,
aguardando sua vez, ela sabe que tenho que dançar com todas as madrinhas.
Marina está sorrindo quando vamos para a pista, uma música lenta faz com
que tenhamos que ficar próximos então é mais fácil de conversar sem que
outras pessoas escutem.
— Você vai me dizer o que eu tenho de tão especial? — pergunto sem
esperar muito.
— Sério que você precisa dessa massagem no ego? — fala e ri
sarcasticamente — Além de ser um gostoso, você também é o futuro
Consigliere, o solteiro mais cobiçado do momento.
— E você pretende me conquistar? — provoco, entrando no jogo dela.
— Não, sei que não pode se casar agora — responde rapidamente me
pegando de surpresa.
— Você sabe, não é mesmo? — pergunto ainda tentando fazer o mesmo
jogo que ela, sem demonstrar curiosidade.
— Eu sei muitas coisas — sussurra em meu ouvido.
O que diabos esta mulher está falando?
— E o que você quer então? — Desta vez não escondo a rigidez na minha
voz, esta conversa tomou um rumo inesperado.
— Quero aproveitar a vida de solteira — responde com a voz baixa e
sedutora muito próxima do meu ouvido. Seu olhar penetra no meu, mas eu já
não estou mais no clima.
— Jamais desonraria uma mulher da família — falo na hora que a música
acaba — Obrigado pela dança.
Uma das regras da Família é respeitar as mulheres e não as desonrar, uma
mulher deve se guardar para seu marido. Nenhum homem da máfia pode
desrespeitar as mulheres da máfia dessa forma.
Por isso só saio com mulheres de fora, nos meus dias de folga frequento os
clubes da família, locais em que mulheres da máfia só aparecem
acompanhadas de seus familiares ou seguranças, então é fácil distingui-las
das mulheres de fora.
Sei que não me é permitido casar com alguém de fora do nosso círculo, por
isso procuro estas mulheres para uma noite só, elas estão lá para isso mesmo
e não esperam café da manhã no outro dia. Geralmente nem meu verdadeiro
nome eu falo para não criar vínculos.
Muitos homens da máfia procuram o prostibulo para sexo, não sou um
desses, quando estou com uma mulher quero que ela queira estar comigo, de
livre e espontânea vontade, e elas geralmente querem.
Mas o que me deixou confuso foi Marina ter dito que eu não posso casar
agora, do que ela sabe que eu não sei? E a forma que ela falou, com
segurança, foi o que chamou minha atenção.
Seu pai não é ninguém muito importante então ela jamais seria considerada
uma opção de esposa para alguém como eu, mas não foi isso que ela disse,
ela disse que eu não posso me casar agora, ela não estava se referindo a se
casar com ela.
Já tem um tempo que o casamento vem pairando na minha cabeça,
normalmente com a minha idade já deveria ter uma noiva encaminhada, para
passar em torno de um ou dois anos de noivado e depois o casamento com 25
anos, mas nem meu pai e muito menos minha mãe falavam sobre esse
assunto comigo.
O casamento de Sara foi programado e planejado há muito tempo e mesmo
assim ninguém falou nada sobre a minha situação, como irmão mais velho
normalmente teria que casar primeiro, ou firmar um compromisso, talvez este
fosse um pedido do Capo enquanto Daniele ainda é minha protegida.
Essa história está muito estranha, terei que conversar com meu pai após o
casamento. Mas agora chegou minha vez de dançar com Daniele.
Como sempre estamos juntos em eventos, somos bem coordenados, é tão
familiar que poderíamos dançar de olhos vendados sem problemas.
— Então, qual a sua avaliação deste casamento? — pergunto para Daniele,
tentando melhorar meu humor.
— Acho que o noivo tem mais medo de você do que quer demonstrar, mas
também tem sentimentos pela sua irmã, ele a olha com carinho e admiração
— responde calmamente.
— Ele tem motivos para ter medo — comento com um tom ameaçador —
Se sair da linha já sabe qual será seu destino.
— Ele sabe, mas pelo que ouvi falar, Marcos não é uma má pessoa, minhas
fontes indicam que não tem histórico de violência e que é bem ligado com
sua família.
Claro que ela fez a sua pesquisa, desde que foi introduzida Daniele
começou a trabalhar em uma rede de contatos, ganhando a confiança de
outros homens feitos aos poucos, um por vez, a cada missão que participa ela
se informa sobre as pessoas que estão com nós e não deixa que ninguém a
rebaixe.
— Claro, mas e a festa o que você acha disso tudo? — Gesticulo indicando
o local da festa.
— É o padrão de nossas famílias, uma longa celebração e uma festa
luxuosa para jogar na cara da sociedade a quantidade de dinheiro que temos
— responde tranquilamente, percebo que não está confortável com o assunto,
então encerro a conversa.
Se tem uma coisa que aprendi com essa menina durante o tempo que
convivemos é que se Daniele não está pronta para compartilhar seus
pensamentos, ela não vai fazer isso.
Capítulo 14

Daniele
16 anos de idade

Tenho uma relação de amor e ódio com casamentos. Na maioria das vezes
não suporto a encenação toda, especialmente do casal.
Ver a noiva entrando com os olhos vermelhos de tanto chorar me traz um
sentimento ruim, e quando olho para o noivo com aquele olhar de merda,
como se estivesse encarando um pedaço de carne, a vontade é de abrir um
sorriso em seu pescoço.
Mas este é um dos poucos casamentos que gosto de participar. Sara está
feliz, seus olhos e seu rosto estão iluminados quando entra na igreja, toda vez
que olha para seu noivo ela sorri. Este é um casamento feliz.
Mesmo tendo sido arranjado como uma união política, Marcos e Sara
tiveram tempo de se conhecer antes, de conversar e formar um laço. E hoje é
a celebração dessa união.
Outra diferença, e talvez a mais importante, é o noivo. Marcos olha para
Sara com carinho e admiração, quando ela estava entrando no altar pude jurar
ver lágrimas em seus olhos, logo se recompôs, mas estavam lá, lágrimas de
felicidade.
Não me importo de participar destes casamentos, nossas famílias são
ligadas, mas não somos tão próximas, nossas vidas são diferentes demais
desde que me tornei membro da máfia. Mesmo assim como filha do Capo
tenho certos deveres sociais a cumprir.
O casamento foi demorado e meus pés já estão ardendo de ficar de salto
alto todo este tempo, o vestido roxo que Sara escolheu para as madrinhas
abraça minhas curvas que começaram a aparecer há pouco tempo.
Todo o treinamento físico com Lucas me deixou com um porte físico
malhado, mas meu corpo só começou a se desenvolver mesmo depois que
fiquei menstruada aos quinze anos de idade, e aí sim as coisas mudaram.
Comecei a perceber como os homens olhavam mais em minha direção,
nenhum dos soldados do papai se atreviam a tal coisa, mas homens de fora
não sabem quem sou.
No geral não me importo com estes olhares, mamãe diz que terei que me
acostumar, não gosto da atenção extra, mas posso usar isso a meu favor
futuramente.
A festa é em nossa mansão, nos jardins, e está tudo lindo. Durante o
almoço fiquei ao lado de outra madrinha chamada Marina, mas ela não
parece me notar, percebo que não tira os olhos do Lucas.
E ele também percebe, sei que está tentando ignorá-la. Lucas sabe o poder
que tem com as mulheres, ele também amadureceu bastante nestes últimos
anos, está musculoso, acrescentou algumas tatuagens em seu corpo, e a barba
moldando seu queixo complementa a aparência de homem feito.
Quem diria que é só aparecer com um bolo de chocolate que o homem
forte e malvado se transforma em um garotinho feliz. Conviver com Lucas
todos os dias me faz notar seu comportamento quando estamos rodeados de
outras pessoas, ele fica diferente, assim como eu.
Lucas está realmente bonito no terno festivo, várias mulheres olham para
ele com interesse, seu jeito calmo e controlado é hipnotizante, assim como o
corpo definido.
Marina não para de lançar olhares e sorrisos para ele, quando percebe que
estou olhando, fica vermelha e desvia logo o olhar, mas não conversa
comigo.
As mulheres no geral não conversam muito comigo, algumas tem medo de
mim, outras desaprovam minha escolha ou me acham uma aberração.
— O que você achou do casamento? — ouço Sara falar ao meu lado então
foco minha atenção nela.
— Estava lindo, Marcos parece gostar muito de você.
— Acho que tivemos sorte de ter um tempo para nos conhecermos antes do
casamento — fala com um sorriso afetuoso.
— Você está feliz? — Esta é a única pergunta que eu quero fazer a ela.
— Estou feliz e ansiosa, minha vida vai finalmente começar.
Então é isso, o que senti na minha iniciação, é este o sentimento de Sara
agora, o começo da vida que foi planejada por muito tempo. Mesmo traçando
caminhos diferentes, o sentimento é o mesmo.
— Você saberá como é quando seu dia chegar — complementa, abrindo
um sorriso completo em minha direção.
— Eu sei como é, senti o mesmo na minha iniciação.
— Entendo, imagino que tenha sentido algo parecido, mas não é o mesmo
— fala com confiança — hoje o dia é especial porque sei que terei alguém
para compartilhar a vida comigo, a partir de agora não estou mais sozinha.
Mas ela nunca esteve sozinha, Sara tem seus pais vivos, seu irmão, sua
família é bem unida, não consigo entender como ela pode pensar que estava
sozinha.
— Você vai entender algum dia — complementa, encerrando o assunto.
Papai não falou comigo sobre casamento desde que escolhi a vida na
máfia, então tirei isso da minha cabeça, me concentrei em meu treinamento,
em estudar e melhorar minhas habilidades a cada dia. Essa parte da vida já é
exaustiva demais para ocupar meu tempo pensando em relações amorosas.
A hora da dança é a mais exaustiva, como filha do Capo tenho a obrigação
de aceitar todos os convites. Até gosto de dançar, mas esses saltos acabam
com meus pés, isso é pior do que algumas técnicas de tortura que aprendi
com Lucas.
Meu pai, já sabendo que não vou ficar próxima da pista de dança por muito
tempo, vem em minha direção depois que dançou com a mamãe e com Sara,
ele também tem que cumprir com as formalidades.
— Me concede o prazer desta dança? — papai fala com um sorriso
brincalhão, estendendo a mão em minha direção e se curvando em uma
reverência exagerada.
— Como poderia recusar um convite tão inusitado — respondo brincando.
As primeiras danças são reservadas aos familiares e pessoas do alto
escalão, como papai é o Capo esse momento nos inclui.
— O que está achando do casamento? — papai faz a mesma pergunta que
Sara.
— O casal está feliz, é uma linda celebração. — Meu pai sabe bem o que
eu penso sobre casamentos, já falamos sobre isso em outros momentos
quando teve que me explicar porque a noiva estava tão triste.
— Nesses momentos imagino como será o seu casamento — fala com um
olhar sonhador — você já pensou nisso Daniele?
— Nós participamos de, pelo menos, um casamento por mês, claro que já
pensei — respondo rapidamente, mas sem dar detalhes.
Até agora me obriguei a não pensar nesse assunto, deixar os problemas do
futuro para serem resolvidos lá, sofrer por antecipação é burrice, ainda mais
por algo que não controlo. Sei que terei que me casar uma hora ou outra,
provavelmente com alguém escolhido por meu pai, não alimento esperanças
vazias de me apaixonar e viver uma grande história de amor.
Em nosso mundo tais esperanças geram mais tristeza do que felicidade,
meu foco no momento é ficar mais forte, ganhar a confiança dos nossos
homens e estudar, preciso focar nisso e não gastar tempo com pensamentos
inúteis.
Os sonhos românticos das meninas a minha volta, que lançam olhares
esperançosos para o casal, ainda alheias as verdades do nosso mundo, me dão
uma sensação de pena. Por elas e seu futuro, que assim como o meu é
controlado por outras pessoas.
— Sua festa será muito maior que essa — papai comenta mais para si
mesmo, tirando-me dos meus pensamentos, ele pode até ser um homem a se
temer, mas lá no fundo é um romântico — Vamos celebrar o casamento na
capela que eu e sua mãe casamos, imagino que você irá escolher verde como
a segunda cor, há minha filha, você vai ser a noiva mais linda que esse
mundo todo já viu.
— Você não deveria estar se preocupado com meu casamento agora, isso
ainda vai demorar — comento, então vejo Lucas dançando com Marina e
aproveito para desviar o assunto para ele — Pelo visto Lucas será o próximo
— Aponto para os dois — Comece a planejar o casamento dele.
Mas papai não acha graça na minha brincadeira e seu corpo todo tenciona,
contradizendo o que imaginei que seria sua reação, lança um olhar de ódio
para Lucas, seu olhar de Capo.
— Isso não vai acontecer, não precisa se preocupar — fala com a voz de
aço.
— Calma papai, estava apenas brincando, sei que Lucas não pode se casar
com alguém como Marina, a família dela não se qualifica para isso — Então
uma dúvida surge e decido perguntar — Mas Frank já está procurando
alguém para Lucas? Afinal ele tem idade para se casar.
— Frank não me falou nada — responde rapidamente, desviando o olhar
do meu, está mentindo, ele nunca mente, especialmente para mim — Vamos
aproveitar o dia.
Depois de dançar com meu pai chegou à vez de Lucas, ele vem em minha
direção e abre seu sorriso mais lindo, mas vejo algo diferente. Convivendo
com ele todos os dias sou muito boa em decifrar como está se sentindo, mas
decido não perguntar nada, deve ter sido algo que Marina falou.
Ele também me pergunta sobre o casamento, coisa mais estranha, por que
todos querem saber o que acho? Lucas nunca perguntou nada nos outros
casamentos ou eventos que participamos, o que tem este de tão especial?
Então respondo formalmente, Lucas sabe que quanto mais formal minha
resposta, menos quero falar sobre o assunto, então ele para e dançamos o
restante da música no automático, eu perdida em meus pensamentos e ele nos
dele.
Quando nossa dança acaba decido sair de fininho de perto da pista, me
introduzindo em uma conversa com um grupo dos nossos homens que
discutem sobre uma das empresas de construção civil da Família. O restante
da festa segue assim e, quando as conversas não me atraiam mais devido ao
nível alcoólico das pessoas, decido me retirar.
Já está escurecendo e somente algumas pessoas continuam na festa, os
noivos saíram para a lua de mel assim como a maioria dos convidados.
Quando vou em direção a nossa casa Lucas vem correndo até mim e me
acompanha. Ele não bebeu nada além do champanhe do brinde durante o
casamento.
— Você não precisa me acompanhar, estamos em casa — digo quando ele
começa a andar ao meu lado.
— Eu sei, mas já cansei dessa festa — fala enquanto me acompanha —
Você está linda Daniele, não sei se te falei isso hoje.
— Obrigada — respondo enquanto um calor cobre meu rosto — Você
também está muito bonito.
— É um terno novo — responde enquanto da uma voltinha se exibindo e
sorri.
— Fez sucesso com as garotas? — pergunto ainda tentando entrar na
brincadeira, mas no momento que vejo sua reação me arrependo, Lucas ficar
sério novamente.
— Estes eventos não são para isso.
— Marina não tirou os olhos de você hoje, ela estava linda não acha? —
pergunto para quebrar o silêncio.
— Você sabe que jamais desrespeitaria uma mulher da Família —
responde desviando da minha pergunta.
Eu sei disso, Lucas é um homem como poucos.
— Estou curiosa com um assunto e gostaria de saber a sua opinião.
— Você sabe que pode me perguntar qualquer coisa Daniele. — O tom
protetor em sua voz aparece quando seu olhar encontra o meu.
— Seu pai já está com alguém em vista para o seu casamento? Afinal você
tem idade para isso.
Lucas diminui o ritmo dos passos e seu rosto fica sério.
— Não — responde simplesmente.
— Bem, acho que não vai demorar muito não é?
— Não sei.
O clima fica pesado demais para um fim de festa, odeio quando isso
acontece, então resolvo brincar com ele.
— Lucas, o que acontece agora com a Sara e Marcos? — falo em um tom
de curiosidade extrema, fingindo total ignorância. E sou presenteada com um
Lucas completamente desarmado, o rosto perde a cor e seu olhar grita em
pânico.
— Bem você sabe, eles vão para a lua de mel — responde pausadamente,
passando as mãos pelo cabelo em sinal de nervosismo.
— E o que acontece na lua de mel? — pergunto ainda sem sorrir, vestindo
a minha máscara de curiosidade autentica quando por dentro estou morrendo
de rir.
— Então... — ele começa e eu posso ver o desespero extremo em seu rosto
—Você sabe... Eles serão íntimos...— todo o seu corpo fica rígido enquanto
tenta formar uma frase em sua cabeça.
Quando me olha novamente para confirmar se realmente estou curiosa, não
me aguento e solto uma gargalhada, Lucas é tão fácil de enganar quando
quero, ainda mais com assuntos como sexo, ele fica tão desconfortável.
Percebendo que estou rindo da cara dele, Lucas me dá um empurrão e se
junta às risadas, vejo alívio em seu rosto e a tensão desaparece do seu corpo.
E esse é meu momento preferido de hoje.
Capítulo 15
Lucas
Depois do casamento resolvo esperar alguns dias antes de falar com meu
pai, ele e Alphonse estão muito ocupados resolvendo problemas no Brooklyn,
aparentemente ainda tem famílias que não aceitam submeter-se ao comando
de Marcos, isso enfraqueceu a base de comando e os Russos aproveitaram
para atacar, tentando ganhar mais território.
Mas hoje nós temos uma reunião e Daniele não irá participar, então é o
momento perfeito para abordar o assunto. Também quero aproveitar a
presença do Capo.
Depois de tratar sobre os negócios, meu pai, Alphonse e eu ficamos a sós
no escritório, os dois estão se levantando para ir embora e agora é a minha
chance.
— Antes de irmos gostaria de uma palavra com vocês, se não for
incomodo — falo apontando as cadeiras para que voltem a se sentar.
— Claro meu filho, sobre o que seria? — meu pai responde.
— Tem algum motivo em específico para que eu não me case no
momento? — vou diretamente ao assunto.
Meu pai e Alphonse trocaram um olhar cúmplice, mas não respondem, e
isso só confirma que tem alguma coisa que eles não querem me falar.
— Acho que está na hora de conversarmos com ele — meu pai fala para
Alphonse.
E então o Capo assume o controle.
— Certo, gostaria de esperar mais um tempo, mas agora não temos
escapatória, se você já está pensando sobre isso é porque começa a ligar os
pontos — ele fala respirando fundo antes de continuar — Sim tem um motivo
específico para que você não se case no momento, Daniele ainda tem
dezesseis anos de idade.
— E o que a idade dela tem a ver com isso? — pergunto ainda sem
entender.
— Você e Daniele irão se casar assim que ela completar vinte e um anos
de idade — Alphonse responde tranquilamente.
— Como assim? Isso não estava no acordo. — Assim que as palavras saem
da minha boca entendo tudo, claro que Daniele não seria Capo sozinha, claro
que precisava ser eu quem a treinasse, precisava estar ao lado dela, não
somente como Consigliere. Tudo foi planejado desde o começo.
— Por que diabos ninguém me falou nada disso antes? Eu tinha o direito
de saber.
Levanto enquanto olho para os dois, indignado com o que acabo de saber,
e mais indignado ainda vendo a falta de reação do meu pai.
— Não enquanto ela era uma criança, não podia arriscar que você a
enxergasse diferente, Lucas — Alphonse fala em tom protetor, seu tom de
pai.
— Eu jamais faria algo assim — respondo na defensiva, mas entendendo o
que ele quer dizer. Ainda não vejo Daniele como uma mulher, mesmo que ela
tenha crescido fisicamente, ela ainda é uma adolescente, jovem demais —
Daniele sabe disso?
— Claro que não, ela ainda é muito jovem para estes assuntos, nós iremos
preparar tudo quando ela tiver dezoito anos, então vocês ficarão noivos por
três anos antes do casamento — Alphonse responde com autoridade, o
assunto está firmado, não tem volta.
— Entenda meu filho, a união de vocês já estava sendo programada muito
antes das coisas mudarem, você sabe muito bem como funcionam os
casamentos. — Meu pai tenta apaziguar a situação, falando em seu tom mais
calmo, mas isso só me faz ficar ainda mais nervoso.
— Não acredito que vocês esconderam isso de mim, quando você
pretendia me contar? Um dia antes do nosso noivado? — Não consigo mais
olhar para eles.
— Pretendíamos esperar mais um pouco até Daniele amadurecer mais,
então conversaríamos com vocês dois juntos — Alphonse explica — Agora,
terei que adiantar esta conversa com ela, uma conversa que eu não queria ter.
— Você não precisa falar com ela sobre isso ainda — respondo, Daniele é
muito jovem para isso — Não tocarei no assunto.
— Ela já suspeita de algo, desde o casamento da sua irmã tem lançado
comentários sobre quando você irá se casar, Daniele pode ser jovem, mas é
esperta demais — Alphonse levanta-se e vai em direção a porta com o olhar
triste — Vou conversar com ela hoje á noite e aguardo vocês para jantar no
sábado.
— Certo — meu pai responde, acompanhando o Capo até a saída.
— Só mais uma coisa, a partir de agora você deve voltar a morar com seus
pais Lucas, suas funções como guarda-costas de Daniele e treinador estão
suspensas, logo ela irá para a Itália.
— Daniele vai sair do país? — Mais uma coisa que ninguém me falou.
— Sim, eu tinha planejado mandá-la para a Itália quando ela completasse
dezoito anos para que pudesse treinar e estudar na mesma escola que você
estudou, consegui que abrissem uma exceção, mas agora terei que adiantar os
planos. — Vejo sua postura preocupada.
— Até quando ficará fora? — pergunto.
— Não sei ainda, preciso reavaliar a situação e conversar com ela.
— Certo, à noite vou buscar as minhas coisas.
— Não precisa, pode ser amanhã, conversarei hoje com Daniele, quero
falar sobre isso a sós — ele respira fundo — Esta é uma conversa que não
queria ter agora.
Meu pai e Alphonse se olham com cumplicidade antes do Capo sair.
— Isso foi inesperado — meu pai fala olhando para a porta — Você sabe
que a partir de agora as coisas irão mudar, não sabe?
— Não entendo o porquê, eu jamais desrespeitaria Daniele.
— Por deus meu filho, um homem e uma mulher quando são prometidos
não podem viver em baixo do mesmo teto antes de casados, sábado será
anunciado o seu noivado com Daniele, a partir de agora acabou suas festinhas
de domingo, você não deve mais ser visto com outras mulheres, pois será
considerado um desrespeito com a sua noiva, você entende isso?
As palavras do meu pai são duras, em tom de comando, tom que ele só usa
quando precisa enfatizar algo muito importante.
E tudo acaba de ficar mais complicado novamente. Eu não quero continuar
o assunto então só aceno com a cabeça, mas meu pai não está satisfeito e
continua.
— É por isso que não queríamos contar nada até que Daniele completasse
seus dezoito anos, pelo menos com essa idade vocês poderiam oficializar
formalmente a união, agora você terá que esperar mais dois anos até o
momento do noivado oficial.
— Vocês esconderam isso, planejaram em segredo minha vida e de
Daniele e nem se deram ao trabalho de nos informar. — Jogo toda minha
raiva em cima dele, como pode que ele não entende qual é o problema?
— Por favor Lucas, cresça, sua vida foi planejada no momento em que
você nasceu, assim como a dela, a união entre nossas famílias é inevitável.
— E se Daniele tivesse um irmão? — pergunto, já sabendo a resposta.
— Você sabe a resposta, Sara seria a prometida dele, mas não mudaria o
fato de que você se casaria com Daniele, a única coisa que muda é a posição
dela. — Meu pai é um homem paciente e posso ver que essa conversa o está
deixando nervoso.
— E se eu não quiser me casar com ela? — provoco, nunca faço isso, mas
estou puto com tantos segredos e preciso descontar em alguém — E se eu
quiser uma esposa normal? Se Daniele for Capo ela jamais terá tempo para
cuidar dos filhos e da casa, como vocês acham que isso pode dar certo?
Meu pai respira fundo para não perder a paciência e responde calmamente.
— Ela só tem chances de se tornar Capo se o casamento acontecer, já está
sendo difícil convencer nossos apoiadores a aceitá-la, você acha que as
famílias mais tradicionais irão ouvi-la se não for casada com alguém
poderoso? Por favor Lucas, use seu cérebro.
Com isso levanta-se e sai, deixando-me com mais dúvidas do que antes.
Capítulo 16

Daniele
18 anos de idade

Faz dois anos que vim para a Itália estudar e treinar na academia da família
Costello. No começo demorei em me acostumar, ninguém falava comigo
além dos professores e me senti sozinha.
Eles tiveram que modificar algumas coisas para que eu pudesse frequentar
a academia, então tinha uma ala no dormitório somente para mim, com uma
suíte privativa, que era praticamente um apartamento, tinha uma cozinha, um
quarto, sala de estar e banheiro.
Claro que não tinha permissão para sair da minha suíte sem estar
acompanhada de algum dos instrutores ou seguranças. Não que quisesse sair
de lá, mas ficar sozinha tanto tempo foi cansativo.
Depois da conversa com meu pai sobre meu futuro casamento com Lucas
ele me falou que viria para cá, era o melhor para que completasse meu
treinamento e estudos.
Na academia fiz alguns amigos com o tempo, os outros alunos demoraram
a me aceitar, no começo ninguém interagia comigo, todos mantinham a maior
distância possível, mas durante os treinamentos e as aulas em grupo as coisas
foram mudando.
Em uma aula de laboratório, depois de quase seis meses que estava aqui, o
professor decidiu dividir a turma em grupos de três pessoas para as aulas
práticas.
No começo eles estavam amedrontados perto de mim, eu sabia que todos
receberam uma pequena palestra sobre como se comportar adequadamente
comigo, mas estavam com medo, não sabia se era medo de mim ou de fazer
alguma coisa que eu pudesse não gostar e então ficariam em apuros.
Com o tempo isso foi mudando e ficaram mais confortáveis comigo,
Ricardo foi o primeiro a puxar assunto, percebi que ele era muito engraçado,
vivia fazendo piadas com tudo, mas também era inteligente e muito bonito.
Tinha os olhos verdes e o cabelo bem escuro, era mais alto que eu e tinha o
corpo de alguém que malha todos os dias.
O outro menino era Gian Carlos com seu cabelo vermelho e olhos verdes,
um nerd de carteirinha, amava tecnologia, conseguia hackear qualquer
dispositivo conectado á internet. Gian também era alto como Ricardo e estava
bem em forma por causa dos treinamentos obrigatórios, mas atividade física
não era o que ele mais gostava.
Depois que os pais de Gian faleceram, quando tinha cinco anos de idade, a
família de Ricardo o acolheu e eles cresceram juntos. A relação dos dois era
especial, percebi isso logo que comecei a conviver mais com eles, Ricardo
era protetor com Gian nos treinos, e o outro fazia de tudo para ajudar Ricardo
com os trabalhos da academia.
Assim como eu, Ricardo também seguirá os caminhos de seu pai como
líder da família, nós não podíamos conversar sobre isso, meu pai havia me
alertado para não falar sobre a família com ninguém enquanto estivesse na
academia, e sei que o mesmo aconteceu com os meninos, então a gente não
tocava no assunto.
Depois de um tempo eles me aceitaram no grupo e nos tornamos amigos,
então eu não me sentia mais sozinha. Começamos a fazer todos os
treinamentos juntos, era maravilhoso ter um vínculo com aqueles dois.
Sempre podia contar com Ricardo para os treinos físicos, ele não pegava
leve comigo e realmente me forçava a melhorar, já Gian era meu alicerce nas
matérias mais complicadas. Os dois se completavam em diversas maneiras.
Aos poucos fui reparando na interação deles, e um dia, depois de um
treinamento pesado de luta resolvi ficar um tempo a mais no ginásio para
correr um pouco. Depois da corrida fui até os vestiários e ouvi vozes, a
familiaridade foi o que me fez parar antes de entrar, então a voz de Ricardo
chegou até mim.
— Eu não aguento mais viver em uma mentira — falou em desespero.
— Nós não podemos contar para ninguém, você sabe disso, é proibido — a
segunda voz respondeu e percebi que era Gian, então resolvi ir embora, não
gostava de ouvir a conversa alheia assim, ainda mais dos meus amigos.
— Mas eu te amo — Ricardo falou antes que eu pudesse sair, e suas
palavras me prenderam no lugar — Não posso me casar com uma mulher,
não quando sinto tudo isso por você.
— Nós dois sabemos como isso vai terminar — Gian respondeu, e a
tristeza em sua voz me fez pensar que estava chorando — Você vai se casar,
vai assumir seu lugar como chefe, ter filhos e formar a sua família, é assim
que as coisas têm de ser.
— Não — Ricardo grita — Eu não vou mais esconder o que sinto.
— Vai sim ou seremos mortos. Você acha que eu quero isso? Acha que te
ver casando com alguém não vai me matar por dentro? Saber que todos os
dias irá dividir a cama com uma mulher? Ter que ser seu conselheiro e
conviver com a sua família feliz é tema de todos os meus pesadelos, mas é
assim que tem que ser, é assim que vai ser.
— E quanto a nós? Você pensou nisso também? — Ricardo falava alterado
— Não quero te perder.
— Eu não tenho forças para ficar longe de você Ricardo, você não
percebe? Mesmo sabendo o quanto vou sofrer eu não consigo pensar em não
estar ao seu lado.
— Não posso viver uma vida de mentira, quero viver nosso amor.
Então as vozes foram silenciadas, substituídas por esralos de beijos e
roupas sendo tiradas, os sons de respiração alterada ativaram todos os alertas
em minha mente, sabia que eles tinham um segredo, algo que tentavam
esconder, e agora entendo o porquê.
Sem querer invadir ainda mais, sai de lá e não comentei nada sobre o que
ouvi, já era triste demais imaginar o desespero que estavam passando, não
poder ficar com o amor da sua vida, e tudo por causa de regras sociais,
preconceitos.
Depois disso comecei a reparar ainda mais neles, pequenos toques quando
ninguém estava olhando, olhares trocados, sorrisos discretos, eu até podia
imaginar o que acontecia no dormitório, já que dividiam um quarto.
Como pode o amor ser proibido? Estas ideias jamais entraram na minha
cabeça, duas pessoas que se amam não deveriam ser julgadas por isso, o amor
deveria libertar e não prender.
Queria poder fazer algo por eles, ajudá-los de alguma forma, mas não
podia falar que sabia sobre os dois, afinal descobri escutando a conversa
escondida.
Depois de descobrir sobre eles comecei a pensar mais no meu próprio
futuro. Todos sabiam que estava prometida a Lucas, mas por um tempo me
desliguei deste fato, não queria pensar sobre o que significava, agora Lucas
começava a aparecer mais nos meus pensamentos.
Era difícil ver meus melhores amigos e não poder falar para eles que sabia,
que podiam confiar em mim e que eu jamais iria julgá-los. Mas não falei
nada, esperei pacientemente, até que em uma de nossas noites de estudos meu
segurança nos deixou sozinhos e foi buscar café.
Eu nunca ficava sem um professor ou meu segurança pessoal Alberto, um
homem feito de 30 anos de idade que foi escolhido a dedo por meu pai para
ser meu segurança pessoal, ele me acompanhava quando não tinha aula e era
encarregado de ficar do lado de fora do meu quarto durante a noite.
Naquela noite estávamos fazendo um trabalho de biologia, já tínhamos
escrito quase toda a parte principal e decidimos parar para descansar um
pouco. Ricardo estava sentado ao lado de Gian e eu do outro lado da mesa,
guardando alguns livros, eles discutiam algo sobre uma foto engraçada que
Gian encontrou, estavam rindo juntos, foi quando uma mecha do cabelo de
Ricardo caiu em seus olhos e Gian passou a mão para arrumar.
Um gesto inconsciente de carinho, mas no mesmo momento eles
congelaram e me encararam, como se precisassem ter certeza que eu não
havia visto, mas eu vi. Estavam em choque, seus rostos vermelhos e o olhar
desesperado.
Então fiz o que queria ter feito desde que descobri, levantei do meu lugar e
fui até eles, abraçando os dois disse, bem baixinho, mesmo não tendo
ninguém na biblioteca.
— Eu sei.
E eles relaxaram no abraço, depois não conseguimos mais terminar o
trabalho, passamos o restante do tempo permitido na biblioteca conversando
sobre eles, Ricardo me contou como descobriu que sentia algo mais por Gian
antes mesmo de saber o que era.
Gian disse que já sabia dos sentimentos por Ricardo há muito tempo, mas
que não imaginava que o outro pudesse sentir o mesmo, até que vieram para
o internato, passar tanto tempo juntos tornou impossível conter a atração.
O primeiro beijo aconteceu pouco antes de eu chegar na academia, e
depois de um período de sentimentos conturbados decidiram se entregar
aquilo e descobriram o amor.
Capítulo 17

Daniele
Durante os primeiros meses que passei sozinha, a pessoa que eu mais
sentia falta era Lucas, sentia saudades dele, dos nossos momentos, conversas,
brincadeiras, treinamentos. Ele sempre esteve presente e me apoiou em tudo,
foi meu suporte por seis anos.
Quando papai me falou que nos casaríamos não acreditei, na verdade não
conseguia nem imaginar o cenário. Mas então, depois de ver Ricardo e Gian
juntos, de como eles se tratavam com carinho e proteção, ver um amor tão
grande acontecendo, só conseguia desejar ter algo assim.
Com dezoito anos meu corpo está perfeito pelos padrões estéticos da
sociedade, devido à quantidade de exercícios físicos que pratico estou em
forma.
Sei que sou atraente porque vejo como os homens me olham, e também
porque Gian me conta o que falam sobre mim no vestiário masculino.
Particularmente o que eu mais gosto são meus olhos azuis, iguais aos do
meu pai, e meus cabelos pretos e ondulados como os da minha mãe, sou a
junção dos dois.
Na academia aprendi muita coisa, mas o principal foi como identificar
meus pontos fortes e fracos. Não tenho muita força para uma luta corpo a
corpo contra adversários maiores que eu, mas sei atacar pontos específicos
para ganhar tempo e pegar minha arma.
É com as armas de fogo que brilho, minha pontaria nos treinos de tiro
melhorou muito, especialmente com armas menores.
Outra habilidade que consegui melhorar aqui foi comunicação, nas aulas
de oratória tínhamos um professor maravilhoso, o Sr.Vargas que me tirou da
zona de conforto atrás dos livros e me colocou na frente da turma,
apresentando trabalhos e defendendo teorias malucas contra outros alunos em
debates intermináveis.
Sempre fui um pouco tímida, mas depois de participar de tantos debates e
apresentações nas aulas de oratória, passei a ficar mais confiante e defender
minhas ideias de forma clara e até persuasiva.
Ricardo costuma brincar que posso convencer o papa a ser ateu se isso me
beneficiar de alguma forma.
Nos dois anos que fiquei na Itália meus pais me visitaram algumas vezes,
minha mãe chorou em cada despedida, estava mais sentimental do que eu
lembrava, mas percebi que estava bem mais forte.
Papai era outra manteiga derretida, cada vez que chegava a hora deles irem
embora chorava e me abraçava, também sentia a falta deles, mas entendia
que ainda não era a hora de voltar.
Minha terapia passou a ser semanalmente, de forma online, e Luana me
ajudou muito a entender todas as mudanças em minha vida e também os
sentimentos que começavam a surgir.
Lucas me ligava nas datas comemorativas e me mandava presentes, mas eu
sabia que era somente por obrigação.
Vi algumas notícias sobre ele na internet, Frank é o dono de alguns clubes
noturnos de prestígio e isso trouxe Lucas para os holofotes dos jornais de
fofoca como um dos solteiros mais cobiçados de Nova York, afinal ele é rico
e bonito.
Lucas e eu estamos comprometidos, mas somente as pessoas da Família e
dos nossos círculos sabem disso, afinal eu ainda era menor de idade na época,
e ele é sete anos mais velho que eu. Mas agora todos irão saber, porque hoje
retorno aos Estados Unidos e logo será nossa festa de noivado.
Meu pai também é muito conhecido em Nova York, não somente como
Capo da Família Geovese, para as pessoas fora da máfia nossa família é
conhecida pelos negócios de sucesso, que servem de fachada para nossa
fortuna, especialmente as empresas de construção civil e importação e
exportação de materiais, são nossos negócio mais rentável.
Nossa família domina o comércio de materiais de construção civil na
cidade, as maiores empresas da área também são nossas e temos o controle
dos sindicatos dos trabalhadores, então pode-se dizer que ninguém ergue um
prédio em Nova York sem passar por nós.
Construções menores não são alvo de taxas, mas as maiores são, e como
controlamos o fornecimento de materiais, mão de obra, e até as permissões
necessárias na prefeitura, com a ajuda de alguns funcionários que estão em
nossa folha de pagamento e políticos corruptos, ninguém consegue se
esquivar de pagar uma porcentagem para conseguir construir.
Eu imaginei que Lucas não deve ter ficado feliz com a notícia de que
deveria se casar comigo, no começo também não fiquei feliz, mas fui
preparada para um casamento arranjado desde muito pequena, então já
esperava por isso.
Depois de um tempo comecei a imaginar como seria meu futuro com ele,
se algum dia teríamos o que Ricardo e Gian tem. Me peguei sonhando com o
que eu lembrava dele, seu sorriso espontâneo, seu corpo musculoso, suas
lindas tatuagens, mas principalmente aqueles olhos pretos como jabuticaba.
Apesar de ter muito mais homens na academia, nenhum deles chegou perto
o bastante para que pudesse tentar algo, muitos tinham medo pois sabiam
quem eu era, outros me achavam uma aberração ou me desprezavam por ir
contra nossas regras, os que não faziam parte da máfia nem me olhavam duas
vezes.
E aqui estou, com dezoito anos de idade sem nunca ter beijado na boca.
Ricardo e Gian vieram comigo até o aeroporto para se despedir, espero que
esta não seja a última vez que iremos nos ver, fiz os dois me prometerem que
quando forem à Nova York irão me procurar.
Gian criou um grupo para que possamos continuar em contato, já Ricardo
me prometeu que, quando for Capo teremos uma aliança na Itália.
Estou com o coração na mão por ter que me despedir dos meus únicos dois
amigos.
— Promete me ligar e me contar das suas aventuras em Nova York —
Gian fala entre soluços — Quero saber tudo sobre o gostoso do Lucas.
— Cala a boca Gian, você não tem que achar ninguém gostoso — Ricardo
responde em tom sério, mas de brincadeira — E Daniele vai ligar sim, ela não
é nem louca de nos deixar na curiosidade.
— Claro que vou, prometo! E vocês serão convidados para o casamento, se
eu conseguir burlar mais alguma tradição, coloco os dois como madrinhas. —
Entro na brincadeira, mas espero que eles consigam ir ao casamento.
— Farei o possível — Ricardo responde — Ainda mais se eu puder ver
Gian de rosa — completa brincando.
— Lembrarei disso na próxima vez que formos comprar cuecas — Gian
retruca, esses dois são a alegria dos meus dias, o que eu vou fazer sem eles?
— Vou sentir tanta falta de vocês — Puxo eles em um abraço apertado,
sentindo a umidade se acumular em meus olhos — Lutem pelo seu amor,
lutem pelo que vocês tem, é isso que vale a pena, e se algum dia precisarem
de qualquer coisa, minha casa estará sempre aberta, venham até mim e eu os
receberei. Lembrem-se disso.
Então ficamos nesse abraço por um tempo, Gian chorando em soluços,
Ricardo e eu controlados, ele sabe o peso das nossas escolhas, nosso futuro
será feito de responsabilidades, seremos líderes.
— Bem, vai lá começar a tua vida Daniele, tenho certeza que você será
uma grande Capo — Ricardo fala.
Do terminal particular vejo Alberto se aproximando, meu avião está
pronto, chega a hora de partir. Como todas as palavras já foram ditas, deixo
meus dois melhores amigos e sigo em direção ao avião, mas antes de entrar
me viro para uma última olhada, Gian e Ricardo ainda estão de pé me
olhando, com um aceno me despeço deles e entro no avião.
Está na hora de partir em busca da vida que deixei nos Estados Unidos e
começar uma nova etapa.
Capítulo 18

Lucas
25 anos de idade

Não me sinto preparado para o que irá acontecer hoje, depois de dois anos
fora, Daniele está em casa, já passaram três semanas de seu retorno, mas eu
ainda não a vi pessoalmente, e hoje é nosso noivado oficial.
Depois da conversa com Alphonse e meu pai, levei um tempo para aceitar
o que decidiram, convivi com Daniele durante seis anos como seu treinador,
segurança e amigo, jamais passou pela minha cabeça essa união.
E foi exatamente este o motivo de ninguém me falar nada, hoje entendo
que Alphonse estava primeiramente protegendo sua filha, e também
garantindo que nosso vínculo fosse formado com o máximo de pureza
possível.
Daniele era muito nova para entender a complexidade de uma união
quando o acordo foi formado, e Alphonse não queria que eu tivesse segredos
com ela, por isso foi decidido que eu só saberia quando ela também pudesse
entender.
Meu pai falou que nos planos iniciais nós seriamos informados quando
Daniele tivesse dezoito anos, para assim dar início a um noivado e
futuramente ao casamento. Como descobri antes e os planos tiveram que ser
modificados, Alphonse achou melhor enviá-la para a Itália até que ela
completasse dezoito anos.
Fui avisado que não deveria entrar em contato com ela, a não ser em datas
especiais, e foi o que fiz. No começo fiquei puto com eles por terem
escondido este detalhe sobre o acordo, então peguei duas semanas de férias.
Durante este tempo fiz o que nunca pude fazer e fui um jovem de vinte três
anos de idade como qualquer outro, aproveitei todos os clubes e hotéis
luxuosos e tentei esquecer o futuro.
Mas nem todas as festas ou mulheres do mundo poderiam me fazer
esquecer minha vida. Um acordo feito sem o meu consentimento decidiu meu
futuro, esse sentimento de impotência foi amargo de engolir.
Quando voltei meu pai não falou mais sobre o assunto, passei a lidar com a
gerencia das nossas empresas de fachada e com alguns clubes. Meu pai agia
ativamente em seus compromissos como Consigliere e me repassava alguns
trabalhos, afinal eu seria o futuro conselheiro da família.
No último ano as coisas mudaram um pouco, meu pai começou a se sentir
muito cansado, teve alguns desmaios repentinos, minha mãe o obrigou a fazer
uma bateria de exames, os resultados não foram os melhores.
Frank Costello está com um tumor cerebral, os médicos falaram que o
tumor é grande demais para operar, então entraram com quimioterapia para
tentar reduzir a um ponto que possibilite a operação.
Todo o tratamento é mais desgastante que a doença em si, meu pai já não
consegue cumprir suas funções como Consigliere, e eu assumi a maior parte.
Mesmo assim ainda não estou oficialmente no cargo, meu pai e Alphonse
decidiram esperar o noivado para anunciar minha nomeação.
E aqui estou, prestes a ficar noivo de Daniele, assumir meu lugar na máfia
como Consigliere e começar a vida que foi programada para mim. Apesar de
saber disso me encontro com um sentimento estranho, algo entre o medo e a
euforia.
Quero ser o Consigliere, assumir meu papel, sei que estou preparado,
batalhei muito até agora para merecer o título, sinto-me pronto. Meus homens
confiam em mim, até os contatos na polícia e a política já estão em minhas
mãos.
A parte que faz com que meu corpo queira correr para longe da mansão a
minha frente é a que me preocupa, como posso me casar com Daniele? Ainda
não consigo tirar da cabeça a imagem da garotinha em um vestido verde, que
me desafiou com o olhar na primeira reunião que tivemos.
Como posso apagar aquela garotinha da minha mente? Para mim ela ainda
é uma criança, a imagem que tenho dela jamais será a de uma esposa. Não
consigo nem pensar nisso, parece errado, impossível até.
Estou parado em frente á mansão, criando coragem para descer do carro.
Insisti com meu pai e minha mãe que viria sozinho, precisava desse tempo
para pensar.
Ainda não tenho coragem suficiente, mas não posso evitar este momento.
Com uma última respiração funda, visto minha melhor face e saio em direção
a porta.
Todos já estão reunidos no salão secundário, esta não será uma festa
grande como as de final de ano, mas os membros do alto escalão da máfia
foram convidados, as famílias mais tradicionais exigem este tipo de evento,
afinal a única filha do Capo vai ficar noiva.
Sou um dos últimos a chegar, vejo meu pai e Alphonse trocando um olhar
de alivio, então vou até eles, cumprimento algumas pessoas no caminho e
pego um copo de whisky.
— Daniele já deve estar descendo, você tem tudo o que precisa? —
Alphonse pergunta.
— Sim, tudo pronto — respondo, ele está falando sobre as alianças.
Pelo canto do olho vejo Amélia vindo em nossa direção, em um vestido
preto, está maravilhosa. Logo atrás dela minha mãe se junta ao nosso grupo,
elas me encaram com um olhar apreensivo.
E como se alguém tivesse quebrado um copo, todo o burburinho das
conversas cessa e ninguém fala uma palavra, o ambiente está silencioso
quando ouço barulhos de salto alto batendo no piso, logo atrás de mim.
Ao me virar entendo o porquê do silencio, é como se o centro de gravidade
da sala mudou e todos encaram enquanto uma mulher vem em minha direção.
De salto alto ela passa de 1,70 de altura, o vestido vermelho abraça suas
curvas e vai até os joelhos, com um corte conservador e apropriado para o
momento ele esconde a maior parte daquele corpo, e mesmo assim minha
mente consegue completar a imagem.
Olho para cima e meu coração pula uma batida, Daniele é a mulher mais
bonita que já vi na vida, todas as memórias da garotinha assustada que
conhecia ficam borradas em minha mente.
Os cabelos pretos enrolados balançam soltos em seus ombros, a pele está
ainda mais branca do que antes, e aqueles olhos azuis, tão frios e intensos me
encaram, despindo minha alma nesse exato momento. Então ela para na
minha frente.
— Olá Lucas.
Não tenho palavras, não consigo responder, sua voz está diferente, essa
voz traz consigo uma força, uma entonação de poder e beleza. É como se ela
estivesse cantando uma ordem.
E quando já não poderia imaginar mais nada, Daniele sorri e é um sorriso
fodidamente lindo e contagiante, aos poucos saio do transe que me encontro,
as pessoas estão olhando, meu pai limpa a garganta como sinal de alerta.
Tenho que falar algo sem parecer um adolescente.
— Olá Daniele, você está...linda. — São as únicas palavras que saem da
minha boca. Não consigo desviar o olhar daquele sorriso.
— Você está ainda mais forte, não imaginei que fosse possível — responde
em tom de brincadeira, chegando ao meu lado e pegando meu braço para
apoiar o dela, Daniele sussurra no meu ouvido — Vamos fazer o show para
quem veio assistir, depois podemos conversar.
Assim a noite começa, como somos o centro do evento as pessoas vem nos
cumprimentar. Quando já conversamos com todos, o jantar é anunciado. Mas
antes chegou a hora de fazer o pedido oficialmente.
Alphonse chama a todos para a sala de jantar, deixando somente Daniele e
eu no salão, com um último olhar de advertência ele fecha as portas, este será
um dos poucos momentos que teremos sozinhos, é costume que o pedido de
noivado seja feito em particular e depois anunciado.
No momento que as portas se fecham a postura de Daniele muda, e ela me
olha com tristeza no rosto.
— Você quer realmente fazer isso Lucas? — despeja as palavras em minha
direção, indo direto ao ponto.
— Eu deveria fazer esta pergunta a você, mas nós dois sabemos que nada
disso é uma opção — respondo com convicção.
— Você está certo, mesmo assim eu preciso saber se você está entrando
nessa somente por obrigação — As palavras saem com cautela — Imagino
que você ainda me veja como uma criança.
— Bem, isso é algo que mudou bastante — Respondo, tentando aliviar o
clima pesado.
— Você também está mudado, não só fisicamente, você parece mais
controlado, mais maduro. — Ela me olha com intensidade, avaliando-me,
como fazia quando criança.
— Não temos muito tempo até nos juntarmos aos outros, então se você não
quer esta união eu jamais irei te forçar, nós podemos entrar em um acordo
para que isso tudo seja só no papel e aparência — proponho.
Pensei muito no assunto nos últimos anos, essa é uma das formas de
casamento arranjado, quando duas pessoas se casam no papel e participam da
sociedade como um casal, mas na vida privada seguem caminhos separados.
Vendo Daniele agora na minha frente, sei que essa opção será muito difícil
de seguir se ela escolher, não sei se consigo conviver com ela enquanto ela
relaciona com outros homens.
— Esta é uma opção — responde, parecendo pensar no que falei, mas
continua me avaliando, tentando pegar qualquer dica do que estou pensando
— E qual seria a outra?
— Fazer o melhor possível dessa união e tentar construir algo verdadeiro
entre nós — respondo sinceramente.
Daniele chega ainda mais perto, agora posso sentir o cheiro do seu
perfume, algo diferente, não é o aroma adocicado que normalmente sinto em
outras mulheres, é mais forte, cítrico.
— Você não me conhece Lucas, a menina que passava o dia todo com
você não existe mais, e acredito que eu também não saiba muito sobre você.
Então não vou escolher nada agora, esse noivado é um ritual — pronuncia as
últimas palavras rindo — Vamos completá-lo e aproveitar esse tempo para
conhecer um ao outro, temos dois anos até o casamento, até lá muita coisa
pode acontecer.
— Então você está disposta a considerar esta união? — pergunto para
garantir que ela realmente sabe o que isso significa.
— Olha, nós iremos nos casar, isso é um fato, não podemos escapar disso,
mas acabei de sair de um internato, não sei nem o que é beijar na boca. — Ela
sorri enquanto fica vermelha, e meu coração acelera só de pensar em beijar a
sua boca perfeita.
— É o mínimo que eu esperava da minha mulher — falo com um pouco de
raiva ao imaginá-la com outra pessoa, afinal se alguém tivesse encostado
nela, essa pessoa estaria morta.
— Como é que é? — fala indignada e vejo raiva surgir em seu olhar —
Mas claro, sou apenas uma mulher que deve se guardar inteiramente para seu
futuro marido, ai de mim se por acaso sentir tesão em alguém e quiser beijar
na boca.
— Você sabe como são as regras — retruco, ainda abismado por ouvir
Daniele falando sobre tesão.
— Sim eu sei, mas isso não quer dizer que concorde, afinal você não é
nenhum virgem, não é mesmo? E se eu quisesse que meu futuro marido se
guardasse também? — Ela está quase gritando nesse momento.
— As coisas são diferentes para os homens, temos necessidades —
respondo, mas me arrependo na hora, quando vejo o olhar de choque
misturado com ódio e algo a mais que não consigo decifrar.
Escuto a porta se abrindo e Alphonse entra na sala.
— O jantar está sendo servido — ele fala me dirigindo um olhar de alerta.
Rapidamente tiro a caixinha vermelha do bolso e me ajoelho em frente a
ela, segurando sua mão tiro a aliança de ouro branco com uma diamante no
topo, faço a pergunta — Daniele, você aceita se casar comigo?
Pelo canto do olho vejo que Alphonse nos encara com apreensão, será que
ele está com medo que ela se recuse? Daniele não faria isso, ela sabe que
somente uma resposta é aceitável.
— Aceito — responde com um tom ácido, seu olhar continua estranho,
mas ela aceita a aliança que coloco em seu dedo.
— Muito bem, agora temos que começar a janta, os convidados estão com
fome — Alphonse fala enquanto Daniele e eu passamos por ele.
Capítulo 19

Daniele
Lucas é um idiota, então os homens têm necessidades, coitadinhos, não
conseguem se segurar, mas forçam regras de celibato as suas mulheres, afinal
mulher não tem necessidades, desejo ou tesão.
Nunca conversei com ele sobre esses assuntos, afinal era uma criança e na
época estava focada em meu treinamento, nem sequer olhava para os
meninos dessa forma. Mesmo assim não imaginei que Lucas fosse esse tipo
de homem.
Como estava enganada, ai que ódio! Depois do que falou, toda a atração
que senti quando coloquei os olhos nele foi por água abaixo. Mesmo tendo o
corpo escultural, como que aqueles braços ficaram ainda maiores?
Quando se virou para me olhar jurei ter visto uma chama se ascender
naqueles olhos pretos como jabuticaba, seu sorriso quase me desconcertou,
agradeci muito pelas aulas de oratória, eu não conseguiria falar com ele
calmamente.
Mesmo assim, no momento que abriu a boca e soltou aquela frase, tudo foi
substituído por repulsa, jamais irei admitir ser tratada como um objeto, a
posse de alguém, muito menos de um homem.
O jantar de noivado foi normal como qualquer outro, as mulheres fingiram
estar felizes por mim, os homens deram os parabéns a Lucas e celebraram sua
“conquista”, como é esperado. Ficamos próximos durante o evento, mas não
tivemos a chance de conversar a sós.
Não podemos ficar sozinhos, segundo nossos costumes as mulheres devem
ser puras e se guardar para o casamento, isso inclui qualquer momento a sós
com homens que não sejam da família.
Isso não se aplica aos homens, é claro, como em qualquer instituição
patriarcal todo o sistema é machista, e a máfia não se exclui disso. Os
homens gozam de poder sobre seu próprio corpo e sobre o corpo das
mulheres.
Tem liberdade para fazer o que bem entenderem, alguns são obrigados
pelos pais a perder a virgindades em puteiros, para se provar homem, o que
eu acho nojento, porém é outro costume idiota e machista dessa sociedade.
Afinal um virgem não é um homem ainda.
Já as mulheres são trancadas e guardadas a sete chaves para não ter contato
algum com o sexo oposto, a fim de preservar sua virgindade, seu bem mais
precioso, que somente pode ser aproveitado depois do casamento.
Só de pensar sobre isso fico com raiva, quantas mulheres sofrem em
casamentos sem amor, mulheres que foram obrigadas por seus próprios pais a
casar com homens sem caráter nenhum, por interesse, pelo único motivo que
importa, poder.
Uma troca de interesses que gera alianças entre famílias já poderosas, ricas
demais, mas que estão sempre procurando um poder infinito para seus
homens, à custa de suas mulheres.
Não que o meu caso seja muito diferente, minha união com Lucas é de
interesse mútuo, eu preciso dele para ser aceita, e ele precisa se casar comigo
para garantir que eu seja aceita, me torne Capo, e ambos podemos exercer
nossas funções.
Conversando com Ricardo uma noite ele me contou algumas histórias
sobre Consiglieres que foram assassinados quando o Capo que seguiam foi
morto, segundo ele a união entre estes dois poderes é insubstituível.
Quando um Capo é morto em uma guerra pelo poder, a pessoa que irá
substituí-lo troca todos os nomes com maior prestígio, e o Consigliere é o
primeiro da lista.
Lucas está trabalhando com meu pai já tem algum tempo, e logo irá
substituir seu pai oficialmente, assim ele será a mão direita do Capo, se eu
não conquistar meu lugar como a próxima líder da máfia, provavelmente
iremos enfrentar uma guerra interna pelo poder. E nem meu pai ou Lucas
serão aceitos.
Basicamente está tudo em minhas mãos, e preciso lutar para merecer meu
lugar de direito.
Ainda estou perdida em pensamentos quando meu celular apita com o som
de uma mensagem:
“Como foi o noivado? Lucas ainda continua um gostoso? Conta tudo ”
Ricardo.
Como esperado meu melhor amigo está ansioso por novidades, prometi
que iria contar tudo quando a festa acabasse.
“Um gostoso machista e prepotente” Respondo, antes de baixar o telefone
recebo uma chamada de vídeo de Ricardo, quando atendo ele e Gian
aparecem dividindo a tela.
“Como assim machista?” Gian pergunta apressado.
Conto para eles tudo o que aconteceu, com todos os detalhes que eles
conseguem extrair em suas diversas perguntas, no final estou um pouco
menos estressada.
“Ai amiga, sinto muito, os homens do nosso mundo são todos uns
escrotos” Gian fala.
“Mas não se deixa abalar Daniele, vocês têm dois anos ainda” Ricardo
conclui.
“Eu sei, e a vida toda depois disso, como posso casar com alguém que não
me respeita? Que pensa que sou só mais um objeto em sua coleção? Estou
com tanto ódio por ele ter falado aquilo, quem ele pensa que é?”
“Qual é a alternativa?” Ricardo pergunta, como sempre procurando uma
solução para tudo.
“Não sei, não posso cancelar esse casamento, e também não quero viver
algo de fachada.”
“Então mostra para ele o quanto ele está errado” Gian fala “Você é a
mulher mais forte que conheço, faça ele entender que também tem
necessidades, e deixe claro que se você quiser pode conseguir qualquer outro
homem para apagar teu fogo”
“Exatamente, você é gostosa para caralho Daniele” Ricardo complementa
e Gian dá um empurrão nele. “Desculpa amor, mas é verdade, faça-o
enxergar que se vocês tiverem um casamento de fachada, você não vai ficar
sozinha.”
“Mas não vou mesmo” Falo com convicção, um pouco mais animada
“Vou fazer ele se arrepender, e quando perceber o erro que cometeu,
deixarei claro que sozinha não fico”.
Gian e Ricardo sempre conseguem me animar, agradeço todos os dias por
ter ido para o internato, só lá poderia conhecer duas pessoas que me aceitam
como sou.
Antes de dormir fico pensando em Lucas, na primeira vez que olhei para
ele na festa de noivado meu coração bateu mais rápido, afinal passei dois
anos imaginando aquele momento, como seria quando ficássemos juntos.
Todas as minhas memórias dele são de uma visão mais jovem, sempre
achei Lucas bonito, mas nossa relação era mais como de irmãos, ou primos,
algo assim.
Só comecei a ver ele como homem depois que meu pai me contou sobre
nosso futuro, e depois de ver meus amigos se beijando. Agora entendo bem
porque meu pai me mandou para outro continente para ficar longe dele.
Depois de um banho relaxante, guardo o colar de pérolas que minha
madrinha me mandou de presente pelo noivado no cofre, deito-me na cama e
pego minha leitura atual “Le Diagnostic en médecine chinoise” (o
diagnostico na medicina chinesa) deixo que as palavras consumam meus
pensamentos, mesmo que o dia tenha sido cheio e cansativo, não estou com
sono e sei que a noite será longa.
Capítulo 20

Lucas
Droga, o que foi que aconteceu? Ela realmente ficou brava comigo por
esperar o que todos esperam de sua noiva? E não fui eu quem deu a ordem
para que Daniele fosse vigiada, foi Alphonse.
Confesso que não me agrada nada imaginar que ela já tenha tido alguém,
afinal ela será minha mulher, o mínimo que espero é que ninguém tenha
aproveitado do que será meu.
Mas a forma que ela me olhou depois, com ódio fervendo naqueles olhos
azuis, e tinha algo a mais na sua expressão, nojo talvez? Desapontamento?
Não sei dizer.
Durante nosso treinamento acompanhei aquela menina crescer, eu a protegi
como faria pela minha irmã, jamais pensei em Daniele como mulher, ela
sempre foi mais como uma pessoa da família.
Mas o que senti no momento que ela apareceu foi algo realmente
inesperado, pior ainda, fiquei desconcertado por ela me odiar, achei que não
me importaria com o que Daniele sentisse por mim, afinal nosso casamento
pode ser só de fachada, mas ver seu olhar magoado me faz ficar com raiva de
mim mesmo.
Durante os anos sai com muitas mulheres, até tive sentimentos por
algumas delas, mas a pedido do Capo, não deixei nenhum dos meus casos
tornarem-se público e nem se transformar em algo a mais.
No começo não saia duas vezes com a mesma mulher, sempre que ia para
nossas boates escolhia alguém diferente, uma para que ela não se
aproximasse demais, meus negócios com a máfia devem ser conduzidos em
segredo.
Outro motivo foi para me proteger, sempre selecionei mulheres de fora,
que não tenham ligação com os negócios, para elas eu sou só o filho de um
homem rico que vai herdar os negócios da família.
E por isso elas não podem se aproximar demais, saber mais do que o
necessário seria condená-las a morte. Mas com o tempo ficou difícil manter
esta rotina, lidando diariamente com tudo o que eu tenho que lidar se torna
uma vida solitária, no fim do dia só queria uma foda fácil para aliviar, e
alguém para me fazer companhia.
Para não cair na armadilha de me apaixonar por uma dessas fodas, no
momento em que sentia que algo estava ficando sério demais, terminava
tudo. Nem sempre da melhor forma, algumas mulheres acabavam insistindo
depois, e precisei me tornar um babaca para que elas pudessem me odiar e se
afastar mais facilmente.
Um destes casos foi Mariana, uma engenheira civil que conheci quando fui
supervisionar a construção de uma casa noturna da família. Ela havia acabado
de se formar e trabalhava na empresa do pai, e aquela era sua primeira obra.
Quando visitei a obra Mariana estava lá, com um conjunto de blazer e
calça social preto e o cabelo ruivo liso, visivelmente sobrecarregada com
tanto trabalho, ela mantinha uma postura firme enquanto dava ordens. Uma
mulher que não abaixava a cabeça para homem nenhum e fazia valer sua
autoridade.
Depois da visita fomos para um café discutir os próximos passos e assinar
alguns documentos.
Lá a conversa foi se tornando mais animada, percebi que por trás daquele
exterior firme que ela colocava quando falava de negócios, tinha um sorriso
fácil quando discutíamos sobre filmes e livros.
Passamos algumas horas em uma discussão animada sobre qual seria a
melhor franquia, Harry Potter ou Star Wars, ela defendia com unhas e dentes
a saga galáctica enquanto eu tentava convencê-la de que a magia era muito
melhor.
No fim acabamos na cama de um hotel de luxo, transando
enlouquecidamente em todas as posições imagináveis por uma noite toda,
Mariana era muito safada e sabia do que gostava. Foi a primeira vez que
deixei uma mulher me dominar na cama, e valeu cada segundo.
Ela era tudo o que eu precisava naquele momento, alguém completamente
diferente das mulheres submissas, sabia sobre os negócios da máfia com seu
pai, mas não tocava no assunto, quando questionei se ela se importava com o
envolvimento do seu pai com a gente, ela disse que não queria falar ou pensar
sobre isso.
Passamos meses nos encontrando, no começo foi algo mais sexual, ela era
uma mulher experiente, segundo ela, mesmo com seus vinte e quatro anos de
idade aproveitou muito a faculdade e um intercambio no Brasil.
Seus dias eram tão estressantes quanto os meus, e quando nos
encontrávamos era como uma recarga de energia. Cada vez escolhíamos um
hotel diferente para não levantar suspeitas, mas depois de um tempo Mariana
contou que seu pai estava desconfiado do nosso envolvimento.
No fim nada é segredo, depois de alguns meses a obra estava quase pronta
e, na última inspeção meu pai e Alphonse fizeram questão de ir comigo. Só
pela postura deles já sabia que não era só pela obra que estavam lá.
Depois da reunião fomos todos jantar com o pai de Mariana para celebrar.
No entanto o clima não era de comemoração. Ela olhava estranho para seu
pai, que parecia nervoso.
Eu e ela só entendemos o porquê no momento que o Capo tirou sua arma
do coldre e a postou em cima da mesa, virada discretamente na direção de
Mariana e falou em tom ameaçador.
— Essa nossa parceria termina aqui — ele disse ao pai de Mariana e se
virou em minha direção — Você concorda Lucas?
Entendi que ele se referia a meu caso com Marina, mais uma vez minha
vida era ditada por outra pessoa e eu só podia concordar, enquanto a raiva me
consumia por saber que não podia fazer nada sobre aquilo, tinha que abaixar
a cabeça e concordar como um cachorrinho.
Tentei terminar as coisas com Mariana da forma mais leve possível, não
queria magoá-la, mas não tinha permissão de contar meus reais motivos.
Só não imaginava que ela havia desenvolvido sentimentos por mim, o que
tornou as coisas muito difíceis. Ela não aceitava meus motivos para terminar,
tentei convencê-la de que eu só não queria nada sério, falei até que não era
permitido namorar alguém de fora da família, mas nada a convenceu, estava
disposta a lutar pelo que sentia.
Em meio a tudo isso eu temia pela sua vida, Alphonse já tinha dado seu
veredito, apontando a própria arma para Mariana ele intencionava suas
ameaças, e apesar de ser um homem que prefere resolver as coisas
diplomaticamente, também sabe usar outros meios.
Mas ela não parou, todos os dias eu recusava suas ligações, chegou ao
ponto de ir até o escritório para falar comigo quando não estava. Alphonse
ficava cada vez mais irritado com tudo isso.
As coisas estavam ficando mais tensas quando um dos nossos contatos em
uma revista de fofoca avisou que eles receberam uma história sobre Mariana
e eu, por sorte nosso contato conseguiu vetar a história, mas nada garantia
que não fosse para outros lugares.
Então fiz o que menos gostava de fazer, contratei uma das nossas
prostitutas de luxo para sair comigo em um bar que Mariana frequentava.
Quando ela chegou e me viu com outra mulher, percebi que algo mudou no
seu olhar, era o olhar triste de alguém que teve seu coração quebrado. Depois
disso não tive mais notícias dela, meu pai comentou que a empresa do seu pai
estava abrindo uma filial no Canadá, então presumi que ela teria ido para lá.
Não me orgulho de quebrar nosso vinculo assim, com um coração partido.
Mas foi a única forma que consegui para que ela parasse de correr atrás de
mim.
Não tive mais relações duradouras com outras mulheres, e voltei a me
sentir sozinho novamente. Não que eu passe meus dias sozinho, pelo
contrário, passo os dias rodeado de pessoas, algumas posso até considerar de
confiança, mas a maioria são aproveitadores ou contatos de trabalho.
Roberto é a única pessoa que considero como amigo, depois que Daniele
foi enviada a Itália, Alphonse e meu pai decidiram que eu precisava de um
guarda-costas.
No começo não aceitei bem esta decisão, posso me proteger melhor que
qualquer outra pessoa e odeio ter alguém me seguindo em todo lugar que
vou, tentei falar com eles para que mudassem de ideia, ter alguém em minha
sombra todos os dias era algo que eu não conseguia imaginar.
Porém o Capo não aceitou e exigiu que Roberto fosse meu segurança. Com
o tempo percebi porquê eles o escolheram e porquê eu realmente precisava de
alguém de confiança.
Ter uma pessoa com você o dia inteiro é difícil de ignorar, e Roberto não é
alguém que se possa ignorar, é um homem de trinta anos, moreno, alto, cheio
de tatuagens e musculoso, que serve a máfia lealmente há quatro anos, sua
família era dona de um dos restaurantes que os russos atacaram cinco anos
atrás, seu pai, sua mãe e sua avó foram mortos a tiros.
Depois disso o Capo jurou a Roberto que faria justiça com as pessoas que
mataram sua família, e justiça foi feita. No fim Roberto jurou lealdade à
família e conquistou seu lugar na máfia por merecimento.
Alphonse não é alguém que pode ser enganado facilmente, e se ele confia
em Roberto a ponto de colocá-lo ao meu lado, é um sinal positivo para o
homem.
Com o tempo acabamos nos tornando algo como amigos, percebi que além
de ser meu segurança ele também estava lá para ser meu suporte, quando o
dia acabava mais estressante que o normal, uma sessão de treino pesado com
ele era tudo o que eu precisava para aliviar a tensão. Tínhamos até algumas
coisas em comum, como o gosto por filmes de ficção científica e por
chocolate.
Mas como tudo neste mundo, ninguém é 100% confiável, e eu sei que
Roberto não responde a mim, e sim ao Capo, com isso seu trabalho extra é
me vigiar.
Quando falamos sobre confiança dentro da máfia todos temos um pé atrás
com todos, sei que quando os assuntos são negócios Alphonse confia em meu
julgamento, mas quando falamos sobre vida pessoal, ele já não é mais o
Capo, mas sim o pai da minha futura esposa.
Capítulo 21

Lucas
Não consigo me concentrar nas merdas que esse cara está falando enquanto
Daniele está sentada do outro lado da mesa, com uma desgraça de vestido
social vermelho colado no corpo, acentuando seus peitos volumosos.E o pior
de tudo, brinca com uma maldita caneta entre seus lábios vermelhos.
Merda, isso é frustrante demais. Daniele olha concentrada para nosso chefe
de importações enquanto ele fala sobre os últimos balanços da empresa,
provavelmente nem percebeu que está com a caneta na boca, e eu não
consigo tirar o pensamento de ter outra coisa naqueles lábios, meu pau está
desconfortavelmente duro contra minhas calças.
Por fim a reunião é finalizada, terei que ler todo o relatório depois, por
sorte não precisei contribuir com nada substancial, ao meu lado meu pai me
lança um olhar de repreensão, lógico que ele percebeu. Bem, a culpa é dele
mesmo.
Durante os últimos dias Daniele começou a participar das reuniões nas
empresas, geralmente ela só escuta e faz algumas anotações, mas em algumas
ocasiões percebo que quer contribuir com algo a mais, mas se contém.
No fim da reunião, depois que consigo conter minha ereção, vou até ela.
— Se você tem algo a acrescentar pode falar, essas reuniões são para
debater os dados e ideias.
— Ainda não me sinto segura em discutir assuntos que não entendo
completamente, farei minha pesquisa depois com os dados obtidos hoje, e irei
discutir alguns pontos na próxima reunião — responde com seriedade.
— É uma boa técnica — concluo quando Daniele me olha e abre um
sorriso debochado no rosto.
— Você não ouviu nada do que ele disse não é mesmo? — fala me
pegando desprevenido.
— Como assim? — finjo não saber sobre o que está falando.
— Você não parou de olhar para mim durante a reunião toda. — Ela sorri
ainda mais e percebo que está rindo da minha cara.
— Acha isso engraçado não é? — falo enquanto me aproximo mais dela —
Aposto que estava brincando com a caneta de propósito.
— No começo não, é um comportamento nervoso que tenho de vez em
quando — explica e se aproxima do meu ouvido para que só eu escute —
Mas depois que percebi que você não parava de me olhar, com esses olhos
cheios de desejo, resolvi não parar e ver até onde você ia.
Fico sem reação alguma, essa definitivamente não é a mesma menina que
vi crescer, ainda bem porque meu pau começa a dar sinal de vida novamente.
— Você não deveria falar uma coisa dessas aqui — respondo ainda um
pouco chocado.
— Vai me dizer que não gostou? — Ela me provoca, ainda com um tom
sedutor na voz, não consigo saber se Daniele está brincando comigo ou
tentando me conquistar.
— Eu te conto no nosso encontro sexta à noite — respondo entrando em
seu joguinho.
— Aguardo ansiosamente. — Ela vem e beija meu rosto, seu corpo
encostando suavemente no meu, provocante, depois sai como se nada tivesse
acontecido.
Depois disso a semana passa se arrastando, encontro com Daniele todos os
dias, mas nunca ficamos sozinhos, ou meu pai ou Alphonse sempre estão
presentes, como se eu precisasse de uma babá para me controlar.
Daniele parece não se importar, continua com aquela maldita caneta entre
os lábios, e os vestidos mais sexys possíveis, nada vulgar é claro, todos os
seus looks são adequados e de grife, mas naquele corpo eu tenho certeza que
ela pode pôr um agasalho masculino que ficaria sexy.

✽✽✽

Finalmente chega a sexta-feira, esse será nosso primeiro encontro oficial,


como tudo dentro deste noivado, a noite foi planejada por outras pessoas,
nesse caso minha mãe e minha futura sogra.
Nem nosso primeiro encontro será para nós, é tudo uma continuação desse
teatro todo. Pensar nisso me deixa ainda mais agitado.
Pretendia dirigir até a mansão para buscar Daniele, porém Roberto me
espera com a limusine preta em frente à porta de casa.
— Nem em um encontro eu vou me livrar de você — comento enquanto
entro no banco traseiro, meu humor é dos piores.
— Desculpa, ordens do Capo — responde.
Chegando a mansão, Alphonse e Amélia me recebem para aguardar por
Daniele, os dois são muito cordiais, nem parece que me conhecem a vida
toda.
Se é um show que eles querem é isso vão ter, coloquei um terno preto com
uma camisa de linho verde por baixo, cortei o cabelo e aparei a barba, não
gosto de tirar tudo, então passei a máquina no dois, também comprei um
pequeno buquê com flores silvestres para ela.
Mas nem toda a preparação do mundo poderia me deixar calmo no
momento em que vejo Daniele descendo as escadas e olhando em minha
direção.
Será que vai ser sempre assim? Meu coração pula uma batida e acelera
incontrolavelmente no meu peito, por um momento sinto que todos podem
ouvir.
Ela está ainda mais bonita, e eu a vi hoje de manhã, devo estar ficando
louco mesmo.
Daniele está com o cabelo preso em um rabo de cavalo, usa um vestido de
alcinha preto que vai até os pés e tem uma fenda lateral. Mas o que me faz
ficar sem ar não é a sua roupa ou o seu corpo, é o seu sorriso. Estou tão
acostumado com sua cara concentrada, fechada, e principalmente com o ódio
estampado em seu olhar, que esse sorriso solto me desconcerta.
O batom vermelho cereja realça ainda mais seus lábios e faz com que meus
olhos parem ali, aos poucos percebo que ela está rindo de algo.
— Droga — escuto Alphonse falar ao meu lado — Como você sabia? —
ele pergunta para Daniele e tira a carteira do bolso.
— Homens são tão previsíveis — responde em tom de brincadeira, rindo e
olhando para sua mãe.
Alphonse tira um cartão de crédito preto da carteira e entrega a Daniele,
que pega e coloca na bolsa.
Então ela vira em minha direção, pega o buque de flores que ainda seguro,
agradece com um beijo em meu rosto, como se fosse algo normal. Amélia e
Alphonse olham arregalados para o gesto, tão surpresos quanto eu.
— Agora vamos, a janta é por conta do meu pai.
Me puxa em direção à porta, sem falar mais nada, levo um segundo para
reagir então a sigo, afinal o que mais eu poderia fazer? Na limusine Daniele
senta ao meu lado, ainda com a mão descansando na minha.
— Que tipo de aposta você ganhou hoje? — pergunto para quebrar o
silêncio.
— Meu pai apostou que você iria usar uma camisa azul ,eu falei que era
verde, e ele disse que nunca viu você com uma camisa verde — fala
calmamente — Aparentemente eu já te conheço melhor que o Capo.
— E o que fez você achar que eu viria de verde? Afinal poderia ser
qualquer outra cor.
— Eu já disse, homens são previsíveis demais.
— E isso vem da sua grande experiência lidando com homens? — falo
para provocá-la.
— Saber ler tem suas vantagens — responde simplesmente.
— Então você tem toda a teoria na sua cabeça não tem? E a prática?
— Aparentemente essa parte é só para os homens. — Daniele me encara
com aquele olhar de raiva novamente, vejo seus olhos azuis ficarem ainda
mais escuros quando ela responde.
E graças aos céus bem nessa hora chegamos ao restaurante, da forma que
me olha não tenho dúvidas que está pensando em milhares de formas
diferentes para me matar.
Amélia reservou uma mesa exclusiva no restaurante mais chique de Nova
York, tudo é elegante, o grande salão fica em um dos prédios mais altos da
cidade, dando visão a toda a imensidão de concreto do lado de fora, não é um
lugar que eu goste de frequentar mas é perfeito para um encontro.
Nossa mesa fica em uma parte mais afastada e exclusiva, próxima às
janelas infinitas.
Daniele parece em casa, vendo-a assim ninguém imagina que esta mulher
viveu uma vida reclusa. Claro que este comportamento perfeito é fruto de um
treinamento vitalício, aprendeu etiqueta e bom comportamento antes de
aprender a caminhar.
Decidimos aceitar as sugestões do chefe para o jantar e tudo estava muito
bom, mas estou nervoso, não sei o que conversar com ela, que assunto falar
com Daniele, não quero perguntar algo chato como “que livro você está
lendo? ” e também não tenho experiência com encontros românticos.
Pensando bem, esse é meu primeiro encontro com uma mulher, nos moldes
formais, sem ser escondido em algum canto ou indo diretamente para o sexo.
— Se continuar conversando com você mesmo dentro desta sua cabeça,
vou puxar assunto com o garçom — Daniele fala distraindo-me dos meus
pensamentos.
— Eu não sei o que falar — resolvo ser honesto — Estamos em uma
situação estranha.
— Estranha é? — pergunta em tom de provocação.
— Você não acha nossa situação atual estranha? Eu te conheço desde que
você era uma criança, e mesmo assim, olhando para você agora, tenho a
sensação que não sei quem você é.
— Porque você não sabe mesmo — responde, então vejo uma mudança em
seu rosto — Você nem sequer tentou.
— E o propósito deste encontro não é para isso mesmo?
— Claro, agora você quer me conhecer — fala com desdém e toma um
gole do vinho rose, apesar de não ter idade para consumir bebidas alcoólicas
o garçom trouxe seu pedido, ninguém vai contestar a filha do Capo — Por
dois anos nosso único contato foram breves ligações, em nenhuma delas você
demonstrou estar interessado em saber sobre mim.
— Você está com raiva porque eu não te liguei mais? Você era menor de
idade, o que esperava que eu fizesse? — estou começando a ficar alterado,
Daniele não é burra a ponto de pensar que eu faria alguma coisa enquanto ela
ainda era uma criança praticamente.
— Certo, então magicamente quando completei dezoito anos as coisas
mudaram, e agora você pode me olhar como se estivesse me imaginando nua.
— Não te vi por dois anos, quando você foi para a Itália não passava de
uma adolescente.
Esta conversa está ficando confusa, deveríamos estar nos conhecendo
melhor, ou tentando pelo menos, esperava por uma noite calma, mas não é
isso que vamos ter.
— E o que mudou? — se inclina em minha direção e meus olhos vão
diretamente para seus peitos que praticamente saltam do decote. Daniele
repara em meu olhar, seu sorriso sarcástico me denuncia — Claro, peitos, a
única coisa com que os homens se importam!
Agora está passando dos limites, aparentemente Daniele voltou de sua
viagem ainda com a mente de uma adolescente, mas agora está rebelde e fala
o que pensa sem filtrar antes.
— Esperava que além de ter desenvolvido o corpo você também tivesse
ficado mais madura, mas me parece que esse tempo fora não serviu para nada
— Jogo as palavras nela, pegando meu vinho e tomando um gole, na
esperança do álcool me acalmar.
— Você está me chamando de imatura? — responde com fogo saindo por
seus olhos.
— Sim, o que você esperava? Que eu fosse te ligar escondido e te paquerar
enquanto ainda era uma criança? Pelo amor de Deus Daniele, eu não sou um
pedófilo — respondo, abaixando o tom de voz no final da frase para que mais
ninguém ouça — E se quer saber, jamais teria atração por você se tivéssemos
mantido contato por esse tempo, já é difícil o suficiente tirar a imagem da
menininha de dez anos que eu treinei, protegi e vi crescer, e substituir pela
mulher em minha frente.
Ela parece pensar no que eu falei, a raiva em seu rosto suaviza, sua postura
muda quando senta mais tranquila, então responde.
— Entendo, uma das minhas dúvidas foi sanada.
— Você não precisa fazer joguinhos comigo, pode me perguntar qualquer
coisa e irei responder honestamente, é assim que adultos conversam afinal e é
essa a relação que espero ter com você.
Toma um gole do seu vinho, levando um tempo para degustar e engolir,
olha em minha direção e com a voz ameaçadora me pergunta.
— Com quantas mulheres você fodeu depois que ficamos noivos?
A pergunta me pega desprevenido, não somente a forma direta que ela
coloca a frase, mas as palavras usadas. Jamais imaginei algo como “foder”
saindo da boca de Daniele.
— Nenhuma, estamos noivos a menos de um mês.
— Não Lucas, estamos noivos há dois anos, nesse tempo fui vigiada 24
horas por dia para garantir que nenhum homem chegasse perto de ter o que é
teu. Sabe como eu sei disso? Porque os meninos do internato foram avisados,
avisados não, ameaçados, para não chegar próximo da única menina lá,
porque eu tenho dono.
Ela sabe que não fui eu quem colocou essa regra, mesmo assim está
magoada comigo.
— Não faço as regras, mesmo que você seja parte da máfia, ainda é uma
mulher, e vai ser sim a minha mulher quando...
Daniele me interrompe levantando abruptamente e se inclinando na mesa
para falar, seus olhos azuis novamente em chama, o ódio palpável.
— Vamos deixar uma coisa bem clara aqui, não sou sua Lucas e nunca vou
ser, porque não sou um objeto ou uma propriedade!
Então se vira e começa a se afastar.
— Aonde você vai? — Levanto rapidamente segurando o seu braço antes
que ela saia.
— Vou ao banheiro, não se preocupe, ainda temos muito o que conversar.
Daniele vai em direção ao banheiro, meu olhar é atraído imediatamente
para a sua bunda marcada no vestido colado, que balança elegantemente
enquanto caminha para o outro lado do restaurante.
Essa não é mais a mesma Daniele que conheci, a menina que preferia
analisar o ambiente, que raramente contrariava alguém, na verdade ela quase
não falava, tão absorta em seus próprios pensamentos que preferia só
observar.
Claramente aquela menina já não é mais só uma observadora, essa mulher
de agora tem a garra para se impor, falar o que pensa e exigir o que merece.
Essa Daniele está no caminho de ser uma líder como seu pai. E nesse
caminho vai me deixar louco.
Enquanto aguardo seu retornar, percebo uma movimentação estranha na
entrada do restaurante, escuto sons de gritos e tiros que me deixam em alerta.
As pessoas começam a correr para tentar se esconder enquanto seis
homens entram no local com armas em punho, o rosto coberto por uma touca
furada nos olhos, estão vasculhando o lugar, alguém de fora poderia pensar
que é um assalto, mas eles não vão até o caixa, estão à procura de alguém.
Merda, eles estão atrás de Daniele, preciso chegar ao banheiro feminino
que fica do outro lado do salão, próximo da porta de entrada. Pego minhas
armas do coldre interno do terno e digito uma mensagem no telefone para
Alphonse e Roberto.
Aviso Roberto para que não suba, os homens estão em maior número,
então ele fica de guarda na porta do prédio até que Alphonse chegue com
reforços.
Estou abaixado, por sorte nossa mesa está próxima do bar, consigo me
agachar e passar despercebido pelo balcão alto. Daqui vejo a entrada do
banheiro feminino logo a minha frente.
Os invasores começam a reunir as pessoas em um canto, não atiram mais,
mas tenho o pressentimento que isso vai mudar logo se não encontrarem seu
alvo rapidamente. Eles têm pouco tempo até que a polícia chegue.
Dois dos caras armados vão em direção aos banheiros, droga eles vão
encontrar Daniele lá, será que ela ouviu os barulhos? Merda, ela não deve ter
uma arma embaixo daquele vestido, não percebi nenhuma marca de coldre
disfarçado.
Então um dos homens entra no banheiro feminino enquanto o outro entra
no masculino, depois de alguns segundos o segundo homem sai e vai em
direção ao banheiro feminino também.
Essa é minha chance, os outros quatro homens estão dispersos pelo salão
amontoando o restante dos clientes e funcionários, um deles vai até a porta de
entrada para ver se alguém está vindo.
Não falam nada, se comunicam somente com gestos, essa é a minha deixa,
aproveito que ninguém está olhando para cá e corro agachado até o banheiro,
já com a arma em mãos entro a procura dos homens.
Mas encontro os dois desacordados no chão ao lado da pia e uma Daniele
agachada com a arma apontada para mim.
— Sou eu — falo com a voz baixa — eles estão procurando você — digo
para alertá-la — Precisamos nos esconder até que seu pai chegue com
reforços.
— Eles não vão ficar aqui tanto tempo e logo irão perceber a falta desses
dois — aponta para os homens imóveis no chão — O banheiro não tem saída,
a única janela é lacrada, teremos que sair pela porta ou esperar que nos
encontrem.
— Estaremos muito vulneráveis se esperarmos aqui.
A única opção é tentar pegá-los separadamente, algo me diz que Daniele
também pensou nisso.
— Eu vou primeiro, acredito que eles não querem me matar, esses dois
vieram com laser de choque. — Aponta para os lasers no chão ao lado dos
homens.
— Nem pensar, se algo acontecer com você jamais irei me perdoar.
— Se você sair eles irão atirar sem pensar antes, use a cabeça Lucas, a
única forma de sairmos vivos daqui é eu servindo de isca.
Alphonse jamais aceitaria isso, é muito perigoso, e se eles atirarem nela?
Tenho que protegê-la, mesmo que custe a minha vida.
— Eu sei o que você está pensando, você quer me proteger a qualquer
custo, mas sei me cuidar — então ela levanta o vestido e vejo um coldre de
couro fino amarrado na coxa com três facas pequenas — Assim que um deles
me pegar os outros irão focar em mim, então você sai atirando, será a
distração perfeita para que eu possa cortar a garganta de um ou dois deles.
Quando ouvir a palavra “chocolate” você sai, combinado?
— Daniele, eu não acho... — Mas ela não espera e sai porta afora. Ouço os
homens vindo em sua direção, ainda não falam nada, então Daniele começa a
gritar com eles, com a voz chorosa e desesperada, pedindo para largá-la.
Para alguém de fora parece realmente que está desesperada, meu coração
chega a saltar do peito querendo sair e salvá-la, mas preciso esperar que a voz
dela fique um pouco mais distante, para garantir que não estejam focando no
banheiro.
Nesse meio tempo recebo uma mensagem de Alphonse avisando que está
chegando, mas se ele entrar enquanto Daniele está nas mãos dos homens, irão
usá-la como refém.
Entre gritos e choro escuto as vozes mais longe, então Daniele grita
“Chocolate”, nosso sinal, saio o mais rápido possível com as armas em mãos,
por sorte dois dos homens estão de costas para o banheiro e são um alvo fácil,
atiro neles descarregando uma de minhas armas enquanto corro em direção a
Daniele.
Quando começo a atirar os homens parecem confusos e apontam as armas
para mim, Daniele aproveita o momento de distração e joga sua cabeça para
trás, acertando o nariz do homem que a segura, depois tira sua faca e abre um
sorriso no pescoço dele, que cai de joelhos com a mão na garganta, o sangre
jorra do ferimento enquanto ele perde a consciência.
O último homem é um alvo fácil para mim, porém temos que capturá-lo
vivo para interrogá-lo, atiro em seu ombro direito, ele deixa sua arma cair
antes de tentar correr porta a fora.
Daniele rapidamente o alcança e o contém, segurando o braço ferido para
trás, quase quebrando, forçando o homem a se ajoelhar enquanto grita de dor.
Tudo acontece rapidamente, as pessoas começam a voltar a si e a gritar por
ajuda, alguns ligam para polícia, Alphonse entra no restaurante com Roberto
e vários de nossos homens, já com as armas em punho, prontos para o
conflito.
Ao perceber que não estávamos mais em perigo, ele corre até Daniele, com
um olhar preocupado, vou até eles também, mas não temos muito tempo, a
polícia está a caminho.
— Precisamos ir, a polícia está chegando — falo para o Capo, mas ele não
se meche, o olhar fixado na filha — Tem mais dois homens desacordados no
banheiro, vão buscá-los e levem para o clube — ordeno nossos homens que
se dirigem rapidamente ao banheiro feminino.
— Capo, precisamos ir — repito chamando sua atenção novamente, mas
Alphonse parece estar em transe olhando para Daniele, só agora percebo que
ela está coberta de sangue, mas não temos tempo para isso agora.
Com minha arma dou uma coronhada na cabeça do homem que Daniele
ainda segura, para que fique inconsciente, ergo o corpo nos ombros. Com isso
o Capo reage e volta a dar ordens. Em pouco tempo estamos correndo em
direção ao carro que nos aguarda no beco ao lado do prédio.
Ao fundo escuto as sirenes da polícia, saímos em disparada para a avenida,
em direção a uma boate de fachada, onde usamos o porão como sala de
interrogatório.
Capítulo 22

Daniele
Tudo acontece rapidamente depois que saímos do restaurante, mas meu pai
parece ter visto um fantasma, está com o braço em volta dos meus ombros
protetoramente, só me lembro de tê-lo visto assim no dia que encontrou
minha mãe e eu no quarto do pânico.
Lucas continua gritando ordens a nossos homens, não entendo porquê meu
pai está calado e deixa que ele comande tudo, mas os homens fazem o que ele
manda sem contestar.
Conheço os soldados que estão conosco tem pouco tempo, então eles ainda
não estão confortáveis em trabalhar comigo, por isso deixo que Lucas
continue no controle da situação.
Em alguns momentos percebo que ele me olha rapidamente pelo retrovisor,
checando se estou bem, ele está sentado no banco do carona, com Roberto
dirigindo. Meu pai e eu estamos no banco de trás.
Chegando à boate o Capo retorna a ação, jogado ordens a todos para
levarem os prisioneiros para o interrogatório, a voz ameaçadora.
— Lucas, leve Daniele para casa — meu pai ordena — Fique com ela e
Amélia, isso pode ter sido uma distração.
— Eu não vou a lugar algum — respondo com a voz controlada — Sou eu
que eles querem não é mesmo? Então nada mais justo que seja eu quem faça
o interrogatório.
Meu pai e Lucas me olham surpresos, desde meu retorno da Itália não
participei dos negócios mais sujos da máfia, esses acontecimentos não são tão
recorrentes quanto muitos pensam.
— Daniele, você voltou há pouco tempo — Lucas começa a falar, mas eu
o interrompo.
— E é por isso que tenho que mostrar o que aprendi, se sair agora como
uma garotinha indefesa que precisa que ser protegida, o que nossos homens
irão pensar?
Meu pai parece ponderar sobre o assunto por um momento, sei que no fim
irá concordar, preciso começar a me provar ou jamais serei aceita. Também
preciso tirar algumas coisas a limpo com os homens que me atacaram no
banheiro.
— Certo, quais homens você gostaria de interrogar? — meu pai pergunta.
— Os dois que me atacaram no banheiro — respondo prontamente.
— Lucas, garanta que eles estejam contidos na sala de interrogatórios a
prova de sons.
— Certo — Lucas responde e vai em direção ao subsolo, ainda sem olhar
diretamente para mim.
Meu pai continua parado no escritório, mas só quando todos saem da sala
ele me olha preocupado.
— Você está preparada para isso? Ver uma sessão de tortura é diferente de
ser o torturador.
— Só saberei quando chegar a hora pai, afinal é para isso todo o meu
treinamento, conseguir lidar com os nossos negócios — respondo
calmamente, sei que meu pai está preocupado comigo, mas ele ainda não
sabe do que sou capaz, o que tenho enterrado profundamente em meu ser.
Os homens já estão amarrados, cada um em uma cadeira de metal,
colocados de costas um para o outro, mas ainda desacordados. Lucas me
segue com o olhar do outro lado da sala, escorrado na parede, avaliando cada
movimento meu, imagino que os outros homens atrás do vidro blindado
estejam fazendo a mesma coisa.
Dentro da pequena sala somos somente nós quatro, dois carrascos e dois
monstros. Este é o meu momento, depois de muito tempo posso tirar a
máscara de boa moça que carrego comigo e soltar meus demônios, trancados
a tempo demais dentro de mim.
É um show que eles querem, é um show que eles terão. A sala cinza não
possui janela, somente ventilação mecânica, as paredes são a prova de sons, é
um lugar frio, sem saída a não ser pela porta de aço que entramos, mas não
sinto o ar gelado, meu corpo queima com expectativa.
O que ninguém sabe, meu segredo mais obscuro, protegido a sete chaves
em meu peito, é que não sou e acredito que nunca fui pura, santa, inocente.
Tirar a primeira vida aos 10 anos não me afetou tanto quanto outras
pessoas, porque lá no fundo a escuridão que me dominou e que ainda domina,
já estava lá, esperando sua hora, e o primeiro monstro foi rápido demais,
limpo demais, assim como o segundo.
Meus demônios pediam por mais, implorando, gritando no fundo do meu
ser, exigindo sofrimento. E é isso que entrego hoje, alimentando minha
própria perdição, oferecendo outra parte da minha alma.
Um dos presos começa a recuperar a consciência, então me dirijo a ele
primeiro, é um homem grande, alto, musculoso, os cabelos castanhos e os
olhos verdes brilham quando foca em mim, mas sua expressão é de dúvida.
— Onde estou? Quem é você? O que aconteceu? — vocifero as perguntas
que vejo passarem em seu rosto, deixando-o ainda mais confuso. Retiro a
mordaça da sua boca para que possa falar.
Mas o homem se mantém calado, como se começasse a colocar os
pensamentos em ordem, sua expressão muda de dúvida para desespero ao
avistar Lucas encostado na parede.
— Você está com medo dele — é uma afirmação e não uma pergunta, com
um gesto aponto a cabeça para Lucas que não demonstra qualquer tipo de
sentimento — Claro que está, olha o tamanho dele, seu olhar de ódio, sua
cara fechada de malvado, Lucas realmente faz qualquer um tremer na base.
Falo isso enquanto vou em direção à mesa de ferramentas, sinto a
escuridão crescer dentro do meu peito em antecipação ao que irá acontecer,
essa é a parte que luto constantemente para manter controlada, mas que tem
sua hora para sair, e este é o momento perfeito para isso.
Sei que estou sendo filmada, todos os nossos interrogatórios são,
especialmente para analisar as imagens depois, caso algo tenha passado
despercebido, mas também é uma forma dos homens que não estão aqui
testemunharem quem somos e o que fazemos com traidores.
Atrás das câmeras, em uma sala de vigilância, então as testemunhas do que
farei, pessoas que verão minha máscara de controle sumir e todos os meus
demônios virem à tona, depois disso tenho certeza que os boatos sobre a filha
do Capo ser só uma garotinha darão espaço para outros adjetivos.
— Mas hoje você não precisa se preocupar com ele, hoje quem vai lidar
com você sou eu.
Então aquele homem sorri, debochando do que acabei de falar e isso só faz
com que a escuridão aflore, consumindo meu autocontrole e substituindo pelo
sentimento mais cru que existe, a raiva.
— Você parece aliviado, afinal eu sou só uma pequena e frágil mulher —
falo com a voz mais fina, fingindo fraqueza, já estou acostumada com isso.
Com um movimento rápido pego uma das facas pequenas e arremesso
diretamente em seu joelho esquerdo, a faca penetra bem abaixo da paleta,
entrando no menisco e fazendo o homem urrar de dor e desespero — Então
você tem voz, vamos ver quais palavras sairão da sua boca.
Me aproximo dele e seguro a faca presa em seu joelho, antes que ele possa
falar algo, giro a lâmina ainda enfiada embaixo do menisco, cortando os
ligamentos internos, puxo a faca e o sangue jorra em meus pés. Este é só o
começo, os urros de dor alimentam meus pensamentos e a sensação de prazer
me consome.
O cheiro tão atrativo de sangue e medo faz com que meus monstros gritem
em aprovação e a diversão realmente comece, repasso em minha mente todas
as formas mais cruéis de tortura possíveis, tentando escolher a melhor para o
momento, aquela que gere mais dor, mas que dure mais tempo. Minha
escuridão que normalmente fica guardada no fundo do meu ser necessita
disso, e eu darei a ela tudo o que quer.
Não controlo o sorriso sádico que se forma em meu rosto em antecipação,
encarando seu olhar de desespero, que agora transmite o medo que sente,
meu coração acelera, ao contrário de pessoas normais o medo e a dor do
outro ascende minha mente como combustível, saber que mais um monstro
será eliminado hoje, pelas minhas mãos é como um orgasmo vitorioso.
Eu gosto do medo que vejo nos olhos do homem, me delicio com cada
demonstração de pavor que seu corpo produz, mesmo que tente se controlar,
as reações naturais são impossíveis de mascarar.
Volto a mesa e mapeio mentalmente tudo o que quero fazer, listando
minhas práticas preferidas de tortura, sentindo o toque do aço frio das facas
em minhas mãos, o peso de cada uma delas, tão lindas e brilhantes, as
lâminas afiadas reluzindo em minha frente, limpas demais, pedindo para
serem usadas.
Decido por começar tirando pedaços de pele do homem, com uma faca
curta e bem afiada consigo esfolar seu couro, pode parecer algo brando,
porém a dor é escrutinaste, especialmente quando começo pelas partes mais
sensíveis como a costela e o interior da coxa, depois uso um ferro quente para
selar as feridas e controlar a perda de sangue.
Durante duas horas faço o homem contar tudo o que sabe, mas
infelizmente é só um peixe pequeno, ele e os seus amigos são uma gangue de
mercenários que comete furtos, receberam uma ligação e cem mil dólares
para me capturar e abandonar em um carro, mas toda a negociação foi feita
por um telefone descartável.
Eduardo, o pobre coitado na minha frente, conta que só aceitaram o
trabalho porque a filha do homem que abri a garganta está no hospital e
precisa de dinheiro, ela tem onze anos e está com câncer. Eles pensaram que
eu era só uma riquinha filha de alguém importante.
Mesmo que eu fosse somente isso, ninguém tem o direito de tirar a
liberdade do outro por dinheiro, seus motivos para aceitar o trabalho eu até
entendo, e farei uma ligação ao hospital para que as contas da menina sejam
pagas e ela receba o tratamento que precisa, porém não tem salvação para o
homem a minha frente, e ele sabe, vejo seu olhar já sem esperanças.
Estou completamente encharcada de sangue, por sorte o vestido é preto e o
sangue não aparece muito, mas os pedaços de pele grudados em algumas
partes sim. Prendi uma parte do cabelo em um coque bagunçado quando o
suor começou a escorrer pelo pescoço, mas o mesmo já está uma bagunça.
O chão antes cinza agora é coberto de vermelho, assim como meus sapatos
e meus pés, o cheiro característico de sangue, fezes, urina e vomito preenche
o ambiente fechado, mas já não sinto nada, amortecida pela escuridão e
focada somente em conseguir as informações que preciso e alimentar meus
demônios internos.
Sinto o coração batendo forte em meu peito, minha mente repassa
freneticamente todas as informações que o homem soltou enquanto guardo a
faca em cima da mesa, junto com as outras ferramentas, todas completamente
ensanguentadas.
Durante todo o interrogatório o outro homem continuou desacordado,
quando tiro tudo o que consigo de Eduardo este já está mais morto do que
vivo, indo e voltando de picos de consciência em meio à dor. Dou um último
golpe com a faca em seu pescoço cortando a artéria carótida interna e deixo-o
sangrar até a morte.
Só então ergo meu olhar para encontrar Lucas, que encara a cena toda sem
falar nada, sua face uma máscara de controle.
— No final são meros peões de alguém — comento enquanto aceito a
toalha que estende em minha direção para absorver um pouco do sangue das
mãos, arrumo minha postura e fico de pé ao seu lado.
— Você tem mais uma chance para tentar descobrir algo útil — responde
controladamente, porém vejo algo em seu olhar, algo diferente de antes — Se
esse aí resolver acordar, você o acertou com algum golpe específico?
— Usei a arma de choque nele — respondo olhando com mais atenção
para o homem desacordado — Tem alguma coisa errada. — Vou até ele e
verifico seus sinais vitais.
— Ele já está morto — falo em direção a Lucas — Estava vivo quando
você o amarrou na cadeira?
— Claro que sim — responde indignado e vem em direção ao corpo do
homem — Deve ter sofrido algum dano quando levou o choque, mas acredito
que não iriamos conseguir nenhuma informação a mais.
Neste momento meu pai entra na sala, com as mãos e a camisa manchadas
de sangue assim como eu, e olha em direção aos corpos dos homens, sem
demonstrar emoções.
— Conseguiram algo útil?
— São meros peões, foram pagos para me sequestrar achando que eu era
filha de alguém muito rico, e deveriam me abandonar em um carro,
provavelmente para que a pessoa que os contratou me pegasse sem ter
contato com eles, o outro homem morreu antes de abrir a boca.
— Certo — meu pai fala em nossa direção — Lucas vá para casa, recebi
uma ligação da sua mãe, seu pai não está muito bem.
— O que aconteceu? — Lucas pergunta em modo de alerta.
— Só vá para casa e fique com a sua família, sua mãe estará lá te
esperando, nós iremos assim que possível.
Com isso Lucas sai rapidamente da sala, praticamente correndo em direção
à saída. Meu pai olha mais uma vez para os corpos e só então parece perceber
que estou aqui, seus olhos percorrem meu corpo, os instrumentos
ensanguentados na mesa ao lado, minhas roupas manchadas.
Por um momento sinto sua postura mudar, sei que está abalado, mas ele se
controla antes de demonstrar fraqueza em frente a seus homens.
— Venha se trocar no escritório, precisamos conversar, depois vamos até a
casa dos Costello — ordena ainda sem demonstrar emoções.
Sigo-o escada acima até o escritório, não deixo de perceber o olhar de
espanto em nossos homens quando me veem passar, mas mantenho a postura
ereta e o olhar confiante. Chegando meu pai fecha a porta, com a mão indica
uma sacola de roupas e o banheiro.
— Tome um banho, você está suja demais para só trocar de roupas.
— Olha quem fala — comento indicando suas próprias roupas, mas vou
até o banheiro, no espelho encaro a imagem da mulher em minha frente, é
assustador saber que esta versão de mim mesma é tão facilmente liberada.
Vejo o azul escuro dominar meus olhos enquanto a expressão mortal começa
a aliviar em meu rosto.
Os monstros ainda lutam por controle dentro de mim, querendo mais,
sempre querem mais. Sinto a escuridão diminuir enquanto respiro fundo,
preciso me acalmar e recuperar o controle, Lucas precisa de mim.
As emoções conflitantes voltam quando penso em nossa conversa no
restaurante, em um momento me tratando como sua propriedade e no outro
seguindo minhas ordens. Não consigo colocar em perspectiva o que sinto
agora, não quando sei que ele passará por uma dor inimaginável nos
próximos dias.
A água quente do banho lava todos os resquícios da tortura, mas também
alivia os sentimentos ruins, acalmando-me e colocando minha mente em
foco.
Decido deixar de lado meu orgulho e estar lá por ele, pelo menos neste
momento, pelo Lucas que conheci quando criança, que esteve comigo e foi
meu amigo acima de tudo.
Capítulo 23

Lucas
Tem algo sobre velórios que é tudo, menos reconfortante. Não consigo
entender porquê o ser humano precisa desse ritual macabro para se despedir
de um ente querido.
Entendo menos ainda a parte religiosa por trás de tudo isso, minha família
é católica, como todos na máfia, mas me considero ateu. Vendo o padre
rezando a missa e falando sobre ressureição e uma vida após a morte, meus
nervos afloram em desgosto.
Como alguém pode aceitar a morte se o que é pregado é a sua inexistência?
Não me parece aceitação quando você espera ver a pessoa novamente. Saber
que a vida é finita e aceitar que nossa passagem pela terra é limitada faz com
que a visão sobre os dias e as pessoas a nossa volta mude.
Meu pai se recusou a ir ao hospital, já tinha alguns dias que não se sentia
bem, o câncer se espalhou para outras partes de seu corpo, e o tratamento
estava sendo mais difícil que a doença em si. Então decidiu parar com tudo,
chega de médicos e hospitais, Frank escolheu ficar em casa com minha mãe e
aproveitar o tempo que lhe restava.
Os médicos não nos deram um tempo exato, somente alertaram que
conforme o tumor em sua cabeça fosse crescendo ele começaria a perder a
memória e a consciência.
Os últimos dias de Frank Costello foram difíceis, quando cheguei em casa
depois do atentado a Daniele, minha mãe e minha irmã estavam à minha
espera, cada uma segurava uma mão do meu pai ao lado de sua cama.
Ele já nem parecia mais o mesmo homem, a doença tomou tudo o que
conseguiu dele, nos seus momentos finais, os momentos de lucidez e as
palavras eram escassas.
Em um desses momentos estávamos sozinhos, no meio da madrugada,
quando meu pai acordou e focou seu olhar em meu rosto, com uma expressão
de reconhecimento e dor.
Com muito custo formou suas últimas palavras conscientes:
— Lucas — começou a falar enquanto peguei sua mão carinhosamente—
Tenho... um favor.. a te pedir — Cada palavra saia pesadamente de seus
lábios — Sua mãe... meu amor... cuide dela...
Seus últimos pensamentos eram dela, minha mãe, o amor da sua vida.
— E viva... viva um amor.
Essas foram suas últimas palavras antes de entrar em coma. Dois dias
depois morreu em sua cama, rodeado pelo amor da família que construiu.
Amélia foi uma âncora de apoio para minha família, ficou ao nosso lado o
tempo todo, ajudando com os preparativos para o enterro, tomando conta da
minha mãe e irmã que não conseguiam parar de chorar.
Minha mãe desmoronou depois que o corpo foi levado à mortuária, o choro
descontrolado que saiu dos seus lábios cortava meu coração, tentei consolá-
la, mas logo percebi que não era a melhor pessoa para isso e Amélia tomou
meu lugar.
Alphonse estava lidando com as responsabilidades que não poderiam
esperar, os Russos estavam dando mais trabalho que o normal com ataques,
mas resolveu ficar em nossa casa com Amélia, ajudando no que podia. Ele e
meu pai eram mais que sócios, eles eram amigos, e eu via no rosto do Capo o
quanto aquela perda o abalou.
Jamais pensei que um homem como aquele, que já havia tirado incontáveis
vidas, ainda se abalasse com uma morte.
Até o caixão de meu pai ser abaixado, tudo ainda parecia uma miragem, as
pessoas chorando e nos cumprimentando, minha mãe e minha irmã
despedaçadas, e eu aqui, sem conseguir colocar em perspectiva o que
acontece ao meu redor.
Sabe quando parece que você está vendo as coisas acontecendo de cima?
Como se sua consciência saísse do corpo e você se torna um telespectador da
própria vida? Uma terceira pessoa em minha própria linha do tempo.
Todo o meu corpo está amortecido, não sinto frio, ou calor, as percepções
de qualquer coisa ao meu redor são mínimas, até que sinto um aperto em
minha mão direita, uma mão pequena e fria está entrelaçada na minha,
apertando mais meus dedos, fazendo com que eu olhe para baixo, para nossas
mãos, focando nesse contato, puxando-me para o agora.
Aos poucos levo meu olhar à mulher ao meu lado, seu toque parece
familiar, lembro-me vagamente das últimas horas e de como aquele aperto
estava lá todo esse tempo. Conectando-me com o presente, mantendo-me
ancorado.
Daniele está ao meu lado, sua mão gelada na minha, seus olhos azuis
focados em meu rosto, está aqui por mim, sua proximidade é o que me puxa
de volta a realidade e aos poucos as lágrimas brotam em meus olhos, meu
coração aperta no peito com um lembrete, meu pai morreu.
Ao nosso redor as pessoas começam a se levantar e sair em direção aos
carros, ninguém vem até nós, mas só consigo focar nos olhos azuis ao meu
lado e na mão gelada na minha.
As lágrimas continuam caindo, sem que eu consiga pará-las, então Daniele
me abraça, seu corpo pequeno e frágil comparado ao meu consegue me
envolver, ela passa seus braços pela minha cintura e descansa a cabeça em
meu peito, mecanicamente meus braços a envolvem, puxando-a ainda mais
perto, precisando sentir seu corpo no meu.
Um gesto simples, mas que traz o conforto que preciso. Quero ficar nesse
abraço infinitamente e deixar a realidade de lado. Saber que meu pai não
estará presente em minha vida é doloroso demais.
Aceito a morte, aceito a finitude da vida, entendo que todos teremos nosso
ponto final, mas tudo isso não deixa a perda mais fácil.
— Lucas — escuto Daniele me chamar — Precisamos ir — fala enquanto
alivia a pressão de seus braços.
— Eu sei — obrigo-me a responder, então abro os olhos e vejo que
estamos quase sozinhos no cemitério, o sol se põe no horizonte e a luz se
torna mais escassa, somente uma limusine e dois seguranças nos aguardam.
— Você está bem? — pergunta enquanto caminhamos em direção ao
carro, sua mão continua na minha, e eu não tenho coragem de soltá-la.
— Não — respondo sinceramente.
Ela parece pensar sobre o que falo antes de responder, vejo dúvida em seu
olhar, que logo se transforma em algo doce e gentil.
— Sempre estarei aqui por você — fala apertando ainda mais minha mão.

✽✽✽

Os dias após o enterro foram conturbados em minha casa, por sorte Amélia
ficou lá o tempo todo, fazendo todo o necessário para que as coisas andassem
dentro de casa e cuidando de minha mãe.
Ela e Alphonse ficaram em um dos nossos quartos de hóspedes por alguns
dias enquanto tudo ainda era muito recente. Minha irmã e seu marido também
ficaram um tempo aqui, mas tiveram que voltar para resolver alguns
problemas no Brooklyn.
Daniele não sai do meu lado, ela também ficou em um dos quartos da
mansão, e como sua mãe cuidava da minha, Daniele pegou para si a missão
de cuidar de mim. Estava sempre comigo, seja nas reuniões ou em nossas
corridas matinais silenciosas.
O Capo trabalha no escritório do meu pai, que agora é meu, enquanto eu e
Daniele separamos a documentação que nossos advogados pediram. Estamos
em silêncio concentrados na papelada a um bom tempo já.
É passado das 18 horas quando Amélia entra na sala com uma bandeja de
café e comida, vejo um pedaço generoso de bolo de chocolate que me faz
salivar, não almocei direito e percebo que estou morrendo de fome.
Daniele é a primeira a se servir de uma xícara grande de café e pegar
alguns macarrones, então pega o bolo e coloca na minha frente.
— Chocolate é seu preferido — comenta gentilmente, sorrindo em minha
direção.
— Sim — respondo um pouco surpreso por ela ainda lembrar disso.
Alphonse e Daniele estão tomando conta dos negócios da Família e das
empresas do meu pai, que agora serão minhas. Quando penso nisso um peso a
mais se instala em minhas costas.
— Se você não comer o bolo eu vou comer, e é o último pedaço. — Seu
tom sério é quebrado pelo sorriso em seus lábios.
Com um sorriso pego o garfo e começo a comer o bolo, que está delicioso,
isso parece melhorar meu humor, chocolate é realmente a cura para muita
coisa.

✽✽✽

Os dias estão mais tranquilos, minha mãe parece mais calma, tenho certeza
que isso se deve muito a presença de Amélia, mesmo mais jovem ela é uma
mulher incrível. Claro, sendo a esposa do Capo, Amélia tem muitas
responsabilidades e sabe se portar como uma dama.
Durante os seis anos que vivi na mansão Corleone, Amélia foi uma anfitriã
perfeita, no começo não confiava muito em mim, então sempre que eu estava
junto de Daniele, Amélia era mais contida, usava sua face de dama da
sociedade.
Com o passar do tempo isso foi mudando e passei a ver o outro lado da
mulher do Capo, ela comanda todos os serviços da mansão, mantendo em
ordem àquela casa imensa. Além disso, Amélia faz trabalho voluntário em
um orfanato, ajudando com arrecadação de fundos para dar um futuro às
crianças.
Mas o que mais me surpreendeu foi perceber a força daquela mulher,
depois de saber sobre o que aconteceu realmente na invasão, e ver como ela
continuava de pé, sempre preocupada com seu marido e sua filha, fazendo o
seu melhor para ajudar os outros, tive certeza que era perfeita para a posição
que ocupa.
Alphonse e Amélia ficaram em nossa casa por uma semana, depois ela
vinha sozinha todos os dias, fazer companhia para minha mãe, tirando-a de
casa para almoçar fora ou fazer compras.
Nos dias que os Corleone passaram aqui Daniele não saiu do meu lado,
quando estávamos trabalhando ela fazia de tudo para me manter ocupado,
quando eu saia para correr ou para treinar, ela sempre estava comigo. No
começo a desculpa era que seu pai não deixaria que ela saísse correr sozinha,
mas depois percebi que ela estava lá por mim.
Não me importei, sua companhia era tranquila, ela não falava muito, mas
estava lá como uma âncora a realidade.
Daniele e Alphonse estavam trabalhando arduamente para manter as coisas
em ordem, mas chegou a hora de voltar e assumir meu lugar como
Consigliere.
Agora sou eu que tenho que tomar as decisões, meu pai não está mais aqui
para debater, sua perda martela em minha mente, será que algum dia não
sentirei mais a sua falta?
Chegando na empresa, Alphonse e Daniele já estão presentes na sala de
reuniões, junto-me a eles esperando os diretores chegarem. Enquanto isso,
Daniele senta ao meu lado e me entrega os relatórios impressos explicando
alguns pontos chave.
Alphonse não fala nada, vejo que nos observa do outro lado, mas presto
atenção nos números, li toda a documentação ontem quando recebi por e-
mail, mas fiquei fora por alguns dias e qualquer informação complementar é
bem-vinda.
No meio da reunião Alphonse se desculpa, retirando-se da sala e deixando
que Daniele assuma o comando. Ela está preparada e não parece se
surpreender. Um tempo depois já estou a par dos acontecimentos e,
juntamente com Daniele tomo as rédeas das decisões.
E o dia passa assim, uma reunião atrás da outra, cumprimos a agenda,
terminando uma última chamada internacional às nove horas da noite.
Somente agora percebo que estamos sozinhos em meu escritório.
— Estou morrendo de fome — Daniele reclama, jogando a cabeça para
trás, com os olhos fechados em sinal de cansaço — Não consegui comer meu
almoço e as bolachas do café da tarde são só uma lembrança.
Levanto e vou até o frigobar do outro lado do escritório, percebendo que só
tem água lá dentro, dou uma risada e volto a me sentar.
— Primeira regra que vou implantar nesta empresa é que os escritórios têm
que ser abastecidos com comida — falo em tom sério, depois sorrio no final.
— Eu ainda tenho algumas coisas para revisar, podemos pedir uma pizza?
— comenta — Tem um restaurante na esquina, talvez a gente consiga que
eles mandem algo rapidamente.
— Bem eu não tenho mais cabeça para nada, por que não deixa as coisas
aqui e vamos até lá comer algo? — convido enquanto me levanto da mesa,
sem me preocupar em recolher ou organizar a papelada espalhada.
— Os números não irão mudar até amanhã — concluiu com o olhar
cansado, levantando-se pega sua bolsa — Estou surpresa por meu pai nos
deixar sozinhos — comenta quando chegamos ao elevador.
— Tenho certeza que nossos seguranças nos aguardam na saída.
— Verdade, Roberto e Alberto poderiam formar uma dupla de cantores —
responde enquanto cai na gargalhada.
Seu sorriso verdadeiro e a piada fazem meu coração bater mais rápido, e
junto-me a ela em seu ataque de risos, ver Daniele relaxada ao meu lado,
brincando e conversando normalmente é algo novo.
— Seria uma dupla e tanto — falo enquanto saímos do prédio. Aceno
rapidamente para Roberto indicando o restaurante.
O restaurante Italiano é pequeno e modesto, tem poucas mesas e espaço,
mas o cheiro de comida é maravilhoso, os donos são um casal de idosos e sua
filha mais nova. Apesar de não ser um grande empreendimento, estão sob
nossa proteção. Daniele senta-se em uma mesa próxima a entrada e aguarda
enquanto a menina atrás do balcão vem nos atender.
Estou com tanta fome que nem olho direito o cardápio e peço uma pizza de
calabresa e quatro queijos, Daniele concorda sem contestar.
Por sorte a comida não demora a chegar, e com o primeiro pedaço da pizza
de queijo meu humor melhora quinhentos por cento. Sinto a felicidade
voltando a minha vida conforme meu estomago é preenchido.
Nem percebo que Daniele me encara com humor, estou tão concentrado na
pizza, até que ela começa a rir descontroladamente.
— Do que você está rindo? — pergunto olhando em volta, mas o
restaurante está vazio e somos os únicos aqui.
— Você está tendo um orgasmo com a pizza! — Sua risada fica ainda mais
descontrolada — Achei que era só bolo de chocolate.
Percebo que realmente estou concentrado demais na comida, vendo por
seus olhos a cena deve ser cômica.
— Não gosto de ficar com fome — falo em defensiva, mas não controlo o
sorriso em meus lábios — Pare de rir e coma antes que eu te deixe sem.
Nesse clima leve começamos a conversar, relembramos alguns
acontecimentos do passado, falo sobre como ela era desengonçada no começo
do treinamento, quantas vezes caiu durante a corrida, porque sua cabeça
estava longe e ela esquecia que estava correndo.
Então o assunto flui de livros lidos a filmes preferidos, Daniele começa a
falar sobre os anos de internato e trocamos histórias da escola, dos
professores mais chatos, das matérias insuportáveis. É maravilhoso falar
tranquilamente com ela e ouvi-la se expressar sem reservas.
Daniele se ilumina quando fala sobre as amizades que cultivou, me conta
sobre Ricardo e Gian e como eles a acolheram quando mais se sentia sozinha.
Nesse momento o clima fica mais pesado, pensar em Daniele se sentindo
triste e sozinha acrescenta um peso de culpa por ter sido um dos responsáveis
por mandá-la para longe.
Ela percebe a mudança em meu olhar, muito observadora como sempre.
— Eu não culpo você ou o papai por me mandarem para a Itália, hoje vejo
que realmente foi o melhor e que me fez crescer muito, sair da minha bolha
fechada e conviver com pessoas diferentes, mesmo que em outra bolha, me
fez amadurecer.
— Sinto muito por fazer parte disso, não queria que se sentisse sozinha. —
Tento encontrar as palavras para me desculpar.
— Tudo bem, foi o melhor e hoje consigo agradecer por ter passado pelo
que passei.
— Você se sentia sozinha antes? — Nunca perguntei a Daniele
diretamente como ela se sentia com relação a sua vida na mansão, ela nunca
reclamou, mas agora, vendo-a falar sobre a solidão, penso se naquela época
ela também se sentia assim.
— No começo sim — responde sinceramente — Mas quando comecei meu
treinamento as coisas mudaram, acho que não me sentia realmente sozinha
quando criança, faltava um propósito, quando tomei minha decisão as coisas
ficaram mais claras, e tinha você no meu pé o dia todo, como poderia me
sentir sozinha?
Vejo a mulher em minha frente, forte, decidida, inteligente, completamente
sedutora e perigosa, todas as faces de Daniele me atraem, até mesmo sua
escuridão. Depois de presenciar a sessão de tortura não tive tempo para
realmente pensar sobre o que aconteceu.
Não ouvi nada dos seguranças da mansão e como fiquei recluso com
minha família, estava por fora, mas perguntei a Roberto quais eram as
histórias, ele é meus olhos e ouvidos quando se tratava de fofocas, aquele
homem esta sempre atento.
Segundo Roberto os soldados ficaram abismados com as imagens, os que
presenciaram em primeira mão o que aconteceu até vomitaram na sala de
vigilância, depois disso os boatos que se espalharam já não pintavam a
imagem de uma mulher fraca, a filha do Capo se tornou uma executora, uma
pessoa a se temer, ganhando admiração de uns e conquistando outros pelo
medo.
O apelido é como uma honraria de guerra dentro da máfia, outra pessoa
que é chamada de executor é seu pai, o Capo.
Um homem tão complexo em todas as suas faces como a filha, reconheço a
familiaridade entre os dois, presenciei diversas torturas feitas por Alphonse e
o mesmo olhar sádico em seu rosto refletia o de Daniele dentro da sala fria
enquanto torturava o homem em sua frente, com a diferença de que ela não
demonstrava remorso depois, já o Capo era outra história.
Alphonse precisava de um tempo depois de se perder em uma tortura,
poucas pessoas sabiam disso, mas o Capo desabava depois do frenesi.
Daniele tem várias camadas que vão de uma dama da alta sociedade,
empresária competente e respeitada, a mulher sedutora e perigosa, aos poucos
estou conhecendo cada uma delas e não posso deixar de pensar em como isso
me atrai.
A conversa continua por mais algum tempo, de forma mais leve,
colocamos realmente os assuntos em dia, mais como dois amigos que não se
falam há tempos, só então percebo que esse é o encontro que queria ter com
ela.
Daniele é linda enquanto fala sobre as empresas, sua inteligência e visão
dos negócios me fazem admirá-la ainda mais, ela está aprendendo a lidar com
todas as responsabilidades, mas a cada dia fica mais confortável e confiante
em sua posição de poder.
E uma mulher que sabe o poder que tem e como usá-lo se transforma na
criatura mais atraente desse mundo.
Saindo do restaurante Roberto já espera dentro da Land Rover Evoque
preta estacionada do outro lado da rua, logo atrás está o carro de Daniele, um
Cadillac Escalade ESV cinza blindado onde Alberto, seu segurança, aguarda
do lado de fora.
— Este é o encontro que deveríamos ter tido aquele dia — falo em
despedida quando chegamos próximos do seu carro, ela anda em minha
frente com a postura confiante.
— Vou considerar como nosso primeiro encontro então — responde com
um sorriso sincero no rosto, mas desvia o olhar para os seguranças.
Paro alguns metros longe dos carros para que nossa conversa não seja
ouvida e Daniele se vira para me encarar, preocupação passa por seu rosto
quando não falo nada por um tempo.
— Antes de ir, ainda não te agradeci pelos últimos dias, obrigado por estar
ao meu lado — agradeço do fundo do coração, precisando que ela saiba como
me sinto e como sua presença foi importante.
— Sempre estarei aqui — responde em tom sério — Somos um combo,
lembra? — Abre aquele sorriso maravilhoso que transmite confiança e
aquece meu coração por inteiro, meu mundo pode estar em ruinas no
momento, mas saber que Daniele está comigo é a certeza que preciso para
continuar.
Daniele coloca uma mão no meu peito e planta um beijo suave em meu
rosto, meu corpo se ascende com seu toque. É rápido e delicado, sinto seu
calor quando ela se aproxima e o frio quando se afasta.
Depois caminha calmamente em direção ao banco do motorista do carro
blindado, Alberto segura a porta aberta para ela e senta-se ao seu lado. Com
um sorriso travesso liga o som no máximo, acelera e sai cantando pneus.
E eu fico aqui, com a maior cara de bobo apaixonado, como diabos isso foi
acontecer?
Capítulo 24

Daniele
19 anos de idade

Amo dirigir, amo a sensação de poder e liberdade que estar atrás do


volante de um carro me traz, infelizmente a única forma que consegui para
convencer meu pai a me deixar dirigir para os lugares foi aceitando um
Cadillac Escalade ESV cinza, o carro é enorme, luxuoso e blindado.
Além disso, meu segurança pessoal Alberto foi instruído a não sair do meu
lado. No começo via o medo em seus olhos toda vez que falava que iria
dirigir, mas com o tempo ele se acostumou.
A única coisa realmente chata com esse carro é chegar aos lugares e todos
ficarem encarando, acrescenta isso ao fato de que comecei a frequentar aulas
presenciais na universidade e você pode imaginar o constrangimento.
Não preciso de cinco seguranças como outras mulheres em nosso mundo,
sou completamente capaz de me proteger, Alberto é o único reforço que
aceito ao meu lado, afinal como filha do Capo tenho um alvo em minhas
costas.
Mesmo que não fossemos uma família de mafiosos, nossa fortuna por si só
já seria motivo para que andasse com seguranças, meu pai até tentou insistir,
dizendo que somente Alberto não conseguiria me proteger caso fossemos
pegos em uma emboscada, mas não aceitei.
Como medida de proteção não tenho uma rotina igual todos os dias, mudo
meus horários, mesmo que para isso precise chegar antes na universidade ou
nas empresas, é melhor prevenir.
Nós temos inimigos em todos os lugares, pessoas que estão prontas para
atacar na primeira oportunidade, e que me consideram uma fraqueza dentro
da organização.
Depois do meu primeiro interrogatório os murmurinhos começaram a se
espalhar, confesso que gostei da forma que aconteceu, a mudança foi drástica
dentro da organização, os soldados começaram a me encarar com mais
respeito, alguns até com medo.
Até que Alberto resolveu abrir a boca e me contar as fofocas entre os
soldados, aparentemente o apelido de executora estava ganhando força. Não
que eu ficasse triste com isso, ser uma executora na máfia significa força e
um grau a mais de respeito.
Executores são os mais temidos dentro da organização, são as pessoas que
realmente gostam de infringir dor e, por isso, os mais perigosos.
Temos outros executores, geralmente são eles que cobram as dívidas
menores, especialmente de quem resolve pegar dinheiro emprestado conosco
sem conseguir pagar. Mas os assuntos mais sérios que envolvem nomes
influentes são lidados diretamente pelo Capo e seus Underbosses.
No meu caso o apelido não é uma mentira, o que sinto durante as torturas
pode ser considerado errado por pessoas normais, afinal sentir prazer na dor
do outro é algo bem sádico e disfuncional, porém nenhuma das pessoas que
são vitimas da minha escuridão são boas, todas merecem o que faço com elas.
Jamais machucaria um inocente, por isso me certifico de que todas as
almas que torturo, como se fosse Lúcifer no inferno, merecem o que acontece
com elas. E é por isso que sinto prazer em sua dor, porque é merecido.
Depois daquele interrogatório meu pai me deixou um tempo sem
participar, talvez por receio do que viu aquele dia, um espelho de sua própria
escuridão, tão intensa quanto a minha. Mas ele sabia que não poderia me
deixar por fora por muito tempo.
Luana me obrigou a ter mais sessões que o normal e falar sobre o que
aconteceu, sei o que ela pensa sobre mim e as desconfianças de que eu perca
o controle, mas não acredito que isso vá acontecer, não se eu conseguir
manter a mente no lugar, seguindo minhas próprias regras de conduta.
Primeiro não machuco inoscentes, esse é o norte da minha moral, segundo
estou constantemente atenta aos meus sentimentos e o que significam, não
sou tão fria quanto costumava ser, posso não demonstrar tão intensamente,
mas tento manter o controle.
Outro fato é que não sou insensível aos sentimentos alheios, consigo
percebê-los e e analizo o que significam. Não sou indiferente as maldades do
mundo a minha volta e trabalho para proteger as pessoas importantes para
mim.
Aos poucos voltei a participar das cobranças de dívidas, especialmente dos
que teimavam em se recusar a pagar a porcentagem obrigatória para construir
algo, alguns homens ricos ainda acham que somente dinheiro é poder. E o
apelido de executora ganhou ainda mais força conforme fui fechando
contratos difíceis. Nem sempre a tortura leva a morte, as vezes é só um meio
de persuasão.
Além disso minha vida até que é bem normal, sigo administrando as
empresas, especialmente as de construção civil, as boates e casas noturnas
não são meu foco, e claro, sigo com minha vida universitária, que é a coisa
mais normal durante o dia, usar a face de estudante jovem é relaxante,
especialmente considerando tudo o que faço depois disso.
A NYU é uma das universidades mais conceituadas do país, mesmo assim
não precisou de muito para conseguir uma vaga, a Família contribui
mensalmente com uma boa quantidade em dinheiro para que nossos membros
tenham, digamos assim, mais facilidade para entrar, não que eu precisasse
disso, meu currículo escolar é perfeito e tirei nota máxima no SAT.
Mas não gostamos de lidar com pessoas burras, então quando um soldado
se mostra interessado em uma educação acadêmica ele tem suporte para isso,
contanto que o curso escolhido seja de interesse a Família, investimos nos
nossos para ter um retorno com isso.
Mas meu caso teve um pequeno agravante, não quero cursar as matérias de
um curso específico, a grade curricular base é muito limitada e meu interesse
é focado nas matérias mais avançadas.
Mais difícil ainda foi explicar que só quero acesso às aulas do meu
interesse, que vão desde direito, a contabilidade e medicina.
O reitor não ficou nada feliz quando meu pai convocou uma reunião,
jamais um aluno teve esse tipo de privilégios, e em que pretendia me formar
afinal?
A resposta é simples, não pretendo me formar, acho o conceito de diploma
limitante demais, ainda mais pensando nas áreas de conhecimento necessárias
para ser uma Capo, como vou conseguir encontrar um curso que abranja tudo
isso?
Mas, depois de muito dinheiro em doações para a universidade, e um
pouco para o bolso do reitor, conseguimos convencê-lo a abrir uma exceção.
A única regra é que não posso comentar sobre isso com ninguém.
E com quem posso falar? Chego em um carro blindado com um segurança
na minha cola, ninguém tem coragem de conversar comigo, as pessoas saem
do caminho, e meus colegas de aula tendem a sentar três lugares afastados.
Não que eu me importe, as matérias que escolho são do meu interesse,
então estou concentrada em aprender o que o professor tem a ensinar, a parte
de convivência e socialização fica de fora, como sempre, nem tenho tempo
para isso.
Juntamente com as aulas minha participação nas empresas da Família ficou
mais intensa nos últimos meses, meu pai decidiu que estava na hora de
assumir as responsabilidades das empresas de fachada, com Lucas.
Então os dias são corridos e cansativos, quando não estou em reuniões, na
faculdade ou resolvendo problemas, tenho que encontrar tempo para treinar e
me manter em forma. Passo cada vez menos tempo em casa com a minha
mãe e mais tempo na rua.
Para uma mulher de dezenove anos todas essas responsabilidades podem
parecer demais, mas estou acostumada, me sinto útil e importante.
Nos poucos dias menos corridos, tiro um tempo para caminhar pelos
jardins da mansão e ler um bom livro hot, passei da fase séria da literatura e
me entreguei aos romances dark, inclusive alguns de máfia que me fazem rir
quando comparo o que está escrito com a realidade.
Amo acompanhar os casais descritos por autoras independentes, cada
história de amor é única e viciante, entrego minha imaginação a eles vivendo
e sofrendo com cada um.
Hoje começa uma matéria avançada do curso de medicina, quando chego à
sala de aula percebo que os lugares são divididos em duplas, e praticamente
todos já se conhecem. Com um olhar rápido vejo um lugar vago no fundo da
sala.
A menina sentada ao lado levanta a cabeça em surpresa quando me vê,
lembro-me de já ter tido uma matéria com ela, mas nunca trocamos uma
palavra. O que me chama atenção foi seu cabelo cheio de tranças rosa que
caem até a cintura, algo que pode ser visto de longe.
Ela parece ainda em choque, enquanto tiro minhas coisas da bolsa e vou
me organizando na mesa, a menina não desprende o olhar. Vejo também que
ela não tem um ipad ou um computador, está somente com seu celular e um
caderno.
Decido quebrar o silêncio e fazer o primeiro contato, vamos ter que
trabalhar em dupla por um semestre todo, podemos pelo menos conversar um
pouco.
— Olá, meu nome é Daniele. — Estendo a mão em sua direção.
Ela leva um susto e parece despertar de um choque quando responde meu
cumprimento.
— Lyane. — assumo que seja seu nome.
Então puxo assunto, estou acostumada com pessoas me encarando, mas
não gosto de fazê-las se sentir mal por estar ao meu lado.
Lyane é uma mulher alta e muito bonita, a pele negra contrasta com os
cabelos rosa e seus óculos de armação branca, mas o que mais me atrai nela é
seu estilo despojado. Suas roupas coloridas se destacam em meio a uma
multidão monocromática, e seus olhos são gentis, a cor me faz lembrar os
olhos de Lucas, mas a inocência ainda está presente ali.
Ela deve ser mais velha que eu em alguns anos se está cursando essa
matéria, mas suas roupas e a falta de aparelhos eletrônicos indicam que
Lyane não faz parte da parcela de estudantes ricos.
— Amei seu cabelo — aponto para ela e sorrio gentilmente — A gente fez
uma matéria juntas semestre passado, não fez?
Lyane demora um tempo para encontrar sua voz, ou encontrar coragem
para falar, aguardo calmamente.
— Obrigada — passa a mão pelas tranças —, sim acho que sim —
responde minha pergunta.
Então começo a conversar sobre a matéria, tenho algumas dúvidas sobre a
grade curricular e ela consegue responder todas, depois que Lyane começa a
falar o choque inicial é substituído por uma tagarelice sem fim. Ela é animada
com a faculdade, me conta que sua família penhorou todos os bens para
conseguir pagar a mensalidade e ela trabalha como garçonete nas horas
vagas.
Durante meia hora conversamos livremente, ela tem um jeito convidativo
para se abrir, pergunta sobre mim, e falo o que posso, que meu pai é um
grande empresário e por isso tenho um segurança e que estou participando de
matérias avançadas pois meu QI é acima da média.
É o discurso aceitável, afinal não posso falar a verdade, qualquer pessoa
normal entraria em choque. A aula começa e descobrimos que teremos um
trabalho valendo metade da nota final que será feito em duplas.
Combinamos de nos encontrar uma vez por semana para fazer o trabalho,
ela pergunta se eu prefiro que seja na minha casa ou na dela, mas sugiro um
café ao lado do campus, não é seguro levar Lyane a minha casa, e tenho
certeza que seria um choque para sua família eu aparecer com meu
segurança.
No final da aula recolho minhas coisas, Alberto já se levantou e me
aguarda ao lado da porta, ele geralmente fica sentado em uma cadeira nos
fundos da sala. Vejo que Lyane está apressada para sair, ela comentou que
trabalha em um restaurante logo depois da aula e o ponto de ônibus para o
centro é um pouco longe.
— Você vai para o centro? — pergunto mesmo sabendo a resposta.
— Sim, e já estou atrasada, se não correr perco o ônibus — responde
enquanto joga suas coisas na mochila.
— Eu estou indo para lá agora, quer uma carona? — ofereço, afinal o
restaurante que ela trabalha fica a duas quadras da empresa de construção
civil onde Lucas e meu pai me aguardam.
— Sério? — Lyane pensa no assunto, parecendo incerta se deve ou não
aceitar.
— Claro, conheço o restaurante, fica próximo de uma das empresas do
meu pai, estou indo para lá agora.
Depois de um momento aceita, ainda um pouco apreensiva, me acompanha
até o carro. Quando Alberto abre a porta de trás ela me olha em choque.
— Você é rica mesmo — comenta depois solta uma gargalhada que me
contagia e sorrio junto com ela. Nunca ofereci carona para ninguém, mas
alguma coisa nela me traz uma leveza, um senso de normalidade.
Decido sentar com ela no banco de trás e deixar Alberto dirigir, a viagem
até o centro é demorada nesse horário, então consigo mais alguns detalhes da
vida de Lyane.
Seus pais são casados a trinta e três anos, ela tem três irmãos mais velhos
que já saíram de casa, mas todos se ajudam. Lyane é a primeira pessoa da sua
família a ir para universidade, seu sonho sempre foi ser médica, quer
trabalhar com neurocirurgia.
Todos da família estão ajudando a pagar esse sonho, seus irmãos e seus
pais conseguem dividir a mensalidade e ela trabalha para pagar os custos do
curso. Lyane não entra muito em detalhes e também acho chato perguntar,
mas vejo que sua vida é difícil.
Aos poucos ela muda de assunto, e me enche de perguntas, a vergonha
parece ter ido embora, e quer saber tudo, desde como é minha casa, como são
meus pais, se tenho irmãs, se tenho namorado.
Nessa hora mostro a aliança de diamantes em meu dedo e ela arregala os
olhos, soltando um gritinho entusiasmado, pegando minha mão e encara o
brilhante.
— Meniiiina conta tudooooo, quem é o boy? Como vocês se conheceram?
Ele é gostoso? Quero fotooooos — Sua empolgação me contagia e começo a
rir sem parar. Nunca tive uma conversa assim.
— O nome dele é Lucas. — É a única coisa que falo enquanto tiro o
celular do bolso, abro o perfil de Lucas nas redes sociais e entrego a Lyane.
Sua boca abre em descrença enquanto olha as fotos.
— Se deu bem em amiga, alto, musculoso, tatuado e rico provavelmente,
ele tem irmã? — pergunta em tom curioso.
— Sim, Sara é casada e mora no Brooklyn.
— Droga — fala em tom decepcionado, então entendo o que ela quis dizer.
— Você gosta de mulheres? — pergunto surpresa.
— Claro meu amor, de homem eu quero distância — fala indicando
Alberto e rindo.
— Está mais que certa, só trazem problemas — brinco enquanto rimos —
Infelizmente não tenho essa escolha.
— Para de reclamar, teu boy é um gostoso, até eu que não gosto, tenho que
reconhecer.
— Isso é verdade. — Sou obrigada a concordar, Lucas realmente é um
gostoso, ainda mais agora que adicionou mais tatuagens em seu corpo
musculoso. Lyane percebe que fico calada e me dá um soco fraco no ombro
para chamar atenção.
— O que tem de errado? — pergunta — Pela sua cara o boy é um gostoso,
mas não é perfeito.
Por sorte chegamos ao restaurante, Alberto para o carro na entrada e abre a
porta para Lyane descer.
— Continuamos amanhã no café — ela tira uma caneta do bolso do casaco
e escreve seu número em um papel — Me manda uma mensagem para
marcamos certinho, tenha um ótimo dia Daniele, e obrigada pela carona.
Percebo agora que estou sorrindo, nunca tive um contato tão direto com
alguém de fora, especialmente alguém que não faz a menor ideia de quem eu
sou. Vejo o dono do restaurante olhando em minha direção, é um dos nossos
e me reconhece, então aceno em cumprimento e faço sinal para que não abra
o bico.
Capítulo 25

Lucas
26 anos de idade

Daniele está me tirando do sério, já não tenho tempo para nada e ela ainda
consegue encontrar problemas que eu tenho que resolver.
Aparentemente sua fase reclusa e sem amigos acabou e agora decidiu que
será a mais nova universitária padrão.
Tudo começou quando conheceu uma mulher chamada Lyane em uma das
suas aulas avançadas no curso de medicina. Primeiro elas se encontravam
semanalmente para fazer trabalhos da faculdade, mas esses encontros foram
ficando mais frequentes e agora Daniele frequenta a casa da moça.
Alphonse é outro que não colabora, parece ter merda na cabeça, ele acha
que sua filha vai perceber que aquelas pessoas não fazem parte do nosso
mundo. Mas o que acontece é que Daniele está cada vez mais rebelde.
Os malditos russos estão nos dando ainda mais trabalho, saqueando nossos
restaurantes protegidos, tentando conquistar território.
Esses desgraçados da Bratzva fazem de tudo para desestabilizar nossas
forças, o último ataque foi em um galpão de armazenamento de mercadorias
de uma loja de construção. O dono perdeu todo o estoque, tem seguro, é
claro, mas até repor tudo gera atrasos e perdas.
O Capo tem deixado com Daniele as responsabilidades das empresas e
focado na Familia, mas seu modo de agir pode ser bem impulsivo,
especialmente quando quer retaliar cada pequeno ataque que os Russos
jogam em nossas costas.
Alphonse é difícil de lidar quando seu ego entra no caminho. Ele também
não tem muita paciência para os contatos na política, então sobra para mim
lidar com os engomadinhos.
Sobre Daniele e eu, bem, nosso relacionamento não evoluiu em nada,
provavelmente só piorou, ela me atura quando trabalhamos juntos, mas me
odeia toda vez que temos um encontro.
A cada dia que passa ela segura menos a língua, seu gênio forte e
explosivo faz com que nossos encontros acabem sempre em discussão, ela
bate de frente comigo em qualquer conversa, sempre do contra, atacando todo
e qualquer assunto que iniciamos. Cada dia mais parecida com o pai, é um
inferno lidar com um Alphonse, agora dois está ficando impossível.
Mas somos obrigados a continuar com isso e manter as aparências. Pelo
menos no trabalho ela é sensata, suas decisões são baseadas em fatos e
pesquisas e é uma parceira perfeita para cobrar dívidas da máfia.
Hoje é meu domingo de folga, a mais de dois meses não consigo parar um
dia para relaxar. As funções de Consigliere já são complicadas, adiciona
nessa pilha as empresas e uma Daniele rebelde, não tenho tempo para nada.
Alberto me ligou uma hora atrás desnorteado, estava apagado no banco do
carona do carro de Daniele, seu lapso de memória indica que ela colocou
algum sonífero em sua bebida para conseguir escapar sem ser vigiada.
Não é a primeira vez e algo me diz que não será a última, por sorte um dos
nossos homens conseguiu hackear o telefone de Lyane e descobrir sua
localização, espero que ela esteja com Daniele.
Chego ao local, uma danceteria, não é um dos nossos lugares, mas conheço
o dono, já vim aqui algumas vezes. Roberto estaciona o carro e vem logo
atrás de mim, hoje também seria seu dia de folga.
O segurança abre a porta sem perguntar nada, já sabendo quem eu sou, vou
adentrando a multidão, diversas pessoas dançam ao som da música
eletrônica. Enquanto passo percebo que a festa é Pride, para o público
LGBTQI+ e vários homens sem camisa lançam olhares em minha direção.
Não me importo com a orientação sexual dos outros, não é da minha conta.
Se a pessoa nasce assim é coisa dela, eu só respeito, apesar de ter sido
educado em meio a pessoas muito preconceituosas, minha mãe me ensinou
que não tenho que concordar, só respeitar.
Então não fico assustado com os olhares e investidas masculinas, até estou
acostumado, frequentando a noitada de Nova York a quase de dez anos, nada
mais me surpreende, Roberto por outro lado anda tenso atrás de mim, sinto
seu olhar travado em minha nuca.
Além de ter perdido seu dia de folga, ele tinha marcado um jantar
comemorativo com sua esposa, tudo teve que ser cancelado por causa dos
caprichos da filha do chefe.
Em meio a uma multidão na área VIP um rosto chama minha atenção, os
cabelos negros e despenteados balançam livremente no ritmo da música
enquanto Daniele dança em um vestido preto curtinho que abraça suas
curvas, mas não esconde praticamente nada.
Os homens ao redor encaram a cena, encantados com o show que ela
proporciona, mas Daniele não parece notar, de olhos fechados e uma bebida
que pisca na mão, está perdida no momento, seu corpo balança no ritmo da
música fazendo um arrepio percorrer minha espinha. Vejo Lyane ao lado,
agarrada a outra menina em um beijo violento.
Faço sinal para Roberto e vou em direção à área VIP enquanto ele espera
no bar. Aproximo-me dela silenciosamente, seu corpo continua
movimentando-se enquanto sorri. Aos poucos seu perfume me arrebata e
todas as sensações já familiares tomam conta de mim, a raiva que sentia um
minuto atrás é substituída por desejo.
Não consigo explicar o que ela faz comigo, essa pirralha maldita consegue
ascender um desejo dentro de mim e me fazer queimar só de olhar seu corpo,
provavelmente é culpa da abstinência forçada, estou sem transar com uma
mulher desde nossa festa de noivado.
Em um movimento sexy Daniele se aproxima, virando de costas e
dançando tão perto do meu pau que posso senti-lo apertar na cueca. A
vontade de tocá-la é grande, ainda não consigo decidir se vou jogá-la sob
meu ombro e tirá-la daqui ou trazer seu corpo mais próximo do meu.
— Você me encontrou — escuto sua voz em um sussurro — Dança
comigo Lucas. — Não é um pedido, é uma ordem.
Vira-se de frente para mim, com os olhos azuis intensos abertos, fitando-
me por trás da névoa alcoólica, colocando um braço em volta do meu
pescoço acariciando minha nuca, seu toque faz com que cada nervo do meu
corpo reaja, a eletricidade entre nós é como a merda de curto circuito.
— Quanto você bebeu? — pergunto com a voz firme.
— Quanto consegui — provoca passando a língua no lábio superior —
Está uma delícia, quer provar? — Leva o copo aos lábios tomando um gole
da bebida que pisca e fazendo biquinho de beijo.
— Vamos para casa Daniele — consigo falar, mesmo que o que eu mais
quero é provar aqueles lábios, reúno cada molécula de controle que me resta
para não agarrá-la.
— É só um beijo, olhe ao redor, as pessoas estão fazendo muito mais. —
Continua provocando enquanto sua mão esquerda desce pelo meu peito.
— Você está me tirando do sério — aviso, tirando o copo de sua mão.
Então ela perde o equilíbrio e tenho que segurá-la pela cintura para que não
caia.
— Agora estamos indo a algum lugar — provoca levantando a outra mão e
acariciando minha barba — Eu amo sua barba, imagino que deva pinicar.
Quero matá-la por jogar esse joguinho, suas palavras acionam o meu lado
mais tarado, e consigo imaginar um duplo sentido nisso, e sim pinicá-la com
a minha barba é uma das coisas que eu sonho em fazer.
— Para com esse jogo, vamos logo. — Puxo-a em minha direção quando
um homem que nos encara vem até nós.
— Está tudo bem docinho? — ele pergunta a Daniele, claramente lendo a
situação de forma errada, mas não posso culpá-lo, para alguém de fora pode
parecer que quero tirar proveito da menina bêbada demais para se cuidar.
— Sim, ele é meu noivo — Daniele responde automaticamente, apontando
a aliança para o homem, que se retira com as mãos para cima, desculpando-
se.
— O show acabou Daniele, vamos embora. — Passo minha mão em sua
cintura para apoiá-la, mas nesse momento sua postura muda, e como um
passe de mágica ela está ereta e controlada, me encarrando com o fogo no
olhar que já me é tão familiar. Como sempre era só mais um joguinho.
— Você é tão fácil Lucas, como qualquer homem aqui. — Suas palavras
afiadas trazem de volta a raiva que eu sentia alguns minutos atrás, e o clima
de conflito volta a reinar.
— Não sou qualquer homem Daniele, sou seu noivo.
— E eu sou sua mulher, eram essas as palavras, certo? — Daniele relembra
a frase que eu disse em nosso primeiro encontro — Pode ficar tranquilo,
ninguém tocou o que é seu.
Essas palavras me atingem como um tapa na cara, sempre a mesma coisa,
ela me provoca como uma maldita diaba, faz com que eu fique
completamente louco e joga minhas palavras contra mim. Se eu pudesse
voltar no tempo jamais teria dito aquilo.
— Estou cansado demais para essa briga, por favor, vamos embora —
suplico para não dar corda ao que sei que serão horas intermináveis de
discussão.
— Tudo bem, Alberto já acordou do seu sono de beleza? — pergunta com
um sorriso travesso no rosto.
— Sim, está nos esperando na frente da boate.
— Lyane — chama à amiga, que se desvencilha do beijo somente para
olhar para trás — Estou indo embora, você quer ir agora?
— Nem pensar, a noite é uma criança — Lyane responde e volta a olhar
para a mulher que está agarrada com ela.
— Certo, Alberto vai te levar para casa ou onde quiser ir.
— Não precisa, eu pego um Uber.
— Só aceita — exige Daniele em sua voz mais mandona, e Lyane não
consegue dizer não, acenando em consentimento.
— Vamos — ela caminha em direção ao bar onde Roberto nos aguarda,
sem conferir se estou próximo — Roberto, pode ir para casa, Lucas vai me
levar.
O homem que já estava com cara de poucos amigos me olha no aguardo de
confirmação, então aceno e ele me entrega as chaves. Nesse momento
Daniele me entrega uma cerveja já aberta, batendo com a garrafa que está em
sua mão e tomando um gole enquanto se escorra no balcão.
— Não tenho tempo para isso — retruco, ficando sem paciência, só quero
ir embora o mais rápido possível e acabar logo com essa noite.
— Toma a cerveja Lucas, se for mais suportável pode imaginar que não
estou aqui, que sou qualquer outra mulher, e esse é só mais um domingo de
folga.
Daniele encara a multidão, seus olhos parecem tristes enquanto toma a
cerveja lentamente.
— Você não pensa como seria ter uma vida assim? — Essa não é a
primeira vez que a escuto falando sobre a vida das pessoas normais, desde
que conheceu Lyane o assunto volta e meia vem à tona.
— O que está acontecendo? — decido perguntar abertamente, indo direto
ao ponto.
— Estou cansada de estar presa, de estar sozinha, de tantas amarras —
desabafa honestamente, ela está se abrindo comigo, mas o tom de tristeza em
sua voz me corta por dentro.
— É esse o motivo da sua rebeldia?
— Eu só queria experimentar o que eles sentem, essa liberdade. — Seus
olhos viajam a multidão de corpos que dançam e se agarram em nossa frente.
— Essa liberdade que você vê não existe Daniele, cada ser humano está
amarrado em sua prisão particular, a diferença é que as nossas são mais
fechadas.
Ela desvia o olhar das pessoas para me encarar, seus olhos azuis penetram
minha alma enxergando qualquer verdade sobre mim, esse é o poder de
Daniele, ela é uma especialista em ler as pessoas com o olhar.
— Você não acredita nisso — rebate minhas palavras — Para você as
amarras são mais leves, inclusive flexíveis.
— Estou tão preso a nossa vida quanto você.
Percebo que foi a coisa errada a falar no momento que seu lábio se contrai
em um meio sorriso aterrorizante.
— Sério? Então, pelos seus padrões, eu posso sair daqui com qualquer
homem, fodê-lo enlouquecidamente, contanto que ninguém fique sabendo.
— Daniele, não me provoca — aviso, só de imaginá-la nas mãos de outro
homem sinto meu sangue ferver e tenho vontade de quebrar a garrafa em
minha mão.
— Porque essas são as amarras da sua prisão, desde que a imprensa não
divulgue você está livre para comer quem bem entender — suas palavras
jorram a mágoa acumulada — Já eu tenho dezenove anos de idade e não sei
nem como é beijar na boca.
Estou de saco cheio disso, se é um beijo que ela quer, então é isso que vai
ter. Aproximo-me dela, prendendo seu corpo contra o balcão, envolvo sua
cintura com uma mão e coloco a cerveja no balcão do bar, para libertar a
outra mão e erguer seu queixo, obrigando-a a olhar para mim, vejo seu rosto
assustado quando percebe o que estou pensando em fazer, mas não me deixo
intimidar.
Meu coração acelera e sinto sua respiração cada vez mais próxima, seu
cheiro me invade enquanto a música eletrônica anula qualquer voz em minha
cabeça que possa me fazer parar, sem pensar duas vezes tomo sua boca na
minha, seus lábios tão macios vão se abrindo aos poucos e Daniele se
entrega.
Primeiro com movimentos contidos, ainda sem acreditar no que eu estou
fazendo, depois abrindo ainda mais seus lábios, dando-me permissão.
Coloco uma mão na sua nuca, prendendo-a em mim enquanto a oura aperta
sua cintura, fazendo-a colar seu corpo no meu. Quero senti-la por inteiro,
uma necessidade de unir nossos corpos me invade e não consigo controlar.
Devo estar no paraíso, cada célula do meu ser responde ao beijo, aos
poucos abro caminho por seus lábios para tocar minha língua na dela,
aprofundando ainda mais nossa conexão. Coloco minha mão nas costas de
Daniele, sentindo seus seios firmes pressionados contra meu peito e meu pau
apertando sua virilha.
Está entregue, suas mãos apertam minha nuca e puxam meu cabelo.
Daniele é mais baixa que eu, mas nosso encaixe é perfeito. Ouço um gemido
baixo escapar quando mordo carinhosamente seu lábio inferior. Não consigo
controlar, todo tesão acumulado explode dentro de mim.
Apesar de nossas brigas constantes não consigo tirá-la da minha mente,
passo o dia todo esperando para vê-la, nem que seja para receber um
comentário sarcástico ou um olhar de ódio, odeio que ela seja o ponto alto
dos meus dias.
Daniele é quem quebra o contato, tirando seus lábios dos meus e colocando
a mão em meu peito, como um sinal para me afastar, mas sem fazer força.
Seus olhos azuis cravados nos meus, a dúvida legível em seu olhar, a
respiração acelerada combinando com a minha.
Não quero me separar dela, preciso desse contato, sentir mais o seu corpo,
seus lábios, seu gosto, quero ouvir sua voz gemendo em meu ouvido, seu
beijo é como uma droga, a primeira vez que experimento é suficiente para me
viciar.
— Por que você fez isso? — pergunta ainda em choque.
— Porque eu posso — respondo com um sorriso sínico, já que não tenho
coragem para falar o real motivo de tê-la beijado.
— É sobre isso não é? Reafirmar sua posse! — As palavras saem
carregadas com a mágoa enquanto me empurra e se afasta, termina a cerveja
em um gole e vai em direção à saída.
Capítulo 26

Daniele
São duas horas da manhã quando Lucas me deixa em casa, não falamos
uma palavra durante o trajeto, continuo puta com ele por ser um machista
escroto, mas estou mais braba ainda comigo mesma por ter gostado do beijo.
Não consegui controlar meu corpo na hora que ele me agarrou, todos os
meus sentidos focaram nele e meu coração agarrou as rédeas da situação.
Eu só queria sair com minha amiga sem ser seguida por um segurança,
sabia que se pedisse permissão ao meu pai para ir a uma balada que não seja
nossa teria que levar mais seguranças, sei me defender, mas não sou
invencível.
Quando Lyane comentou sobre a festa que iria com sua namorada e me
convidou não pude deixar de ir, queria me sentir livre, ser alguém diferente
naquela noite, dançar sem ser vigiada. Só queria um momento para ser
normal.
Amo baladas e danceterias, a música alta silencia meus pensamentos e
preocupações, libertando-me de quem devo ser durante o dia, de todas as
responsabilidades e expectativas. Apesar de tudo eu sabia que ele conseguiria
me rastrear, deixei Lyane com seu celular por isso, e falar que as horas na
balada não valeram a pena é uma mentira.
Ninguém realmente se aproximou de mim, a festa era pride e a maioria dos
homens estavam mais interessados em outros homens, as mulheres, por outro
lado, lançaram-me olhares penetrantes, mas não tive vontade de flertar com
ninguém. No fundo eu dançava com o pensamento em outra pessoa, alguém
com o olhar escuro que não sai da minha mente.
Nosso noivado já tem mais de um ano e eu o odeio desde aquela noite,
quando me marcou como sua posse. Como um mero objeto. Hoje foi só mais
uma confirmação de como realmente pensa, roubando meu primeiro beijo,
assim nenhum outro homem terá o que é dele.
Estou com tantas emoções conflitantes que não consigo pensar em dormir,
meu corpo todo pede por alguma forma de descarregar o que sinto e vou
direto a academia do subsolo, preciso descontar minha raiva em alguma
coisa, já que não posso bater em quem realmente quero, o saco de areia tem
que servir.
Nem me preocupo em trocar de roupa, ninguém tem permissão para entrar
aqui, tiro o salto alto, prendo o cabelo em um coque despretensioso para que
não me atrapalhe e vou até o tatame. Coloco minhas luvas e começo a
descarregar um pouco do que sinto no saco de areia pendurado no centro do
espaço.
Cada jeb e direto a adrenalina aumenta, a dor que sinto quando acerto um
chute alivia minha mente, que foca no movimento e nas batidas do meu
coração, minha respiração produz sons altos enquanto acerto o saco, sinto
meus músculos queimarem pela intensidade da atividade.
Até que escuto passos discretos se aproximar, sei quem é, mas decido não
me virar, não estou a fim de um sermão a essa hora, meu pai pode falar com
as minhas costas se quiser.
— Assim é fácil demais, o saco não consegue revidar — comenta em tom
de brincadeira.
— Não estou para brincadeiras hoje, ou sermão se essa for sua intenção. —
Continuo batendo no saco a minha frente, sem desviar o olhar.
— Vamos para o ringue — chama a minha atenção e aponta para o ringue
de luta do outro lado da academia. Percebendo que não estou com cara de
muitos amigos meu pai não faz mais piadas.
Ele está com uma calça de moletom e uma camiseta azul, já colocou as
luvas e me aguarda, abrindo as cordas para dar-me passagem. Entro sem
olhar diretamente para ele, não sei se aguento mais um homem me julgando
hoje.
Começamos os ataques com vigor, decido descontar toda a raiva
acumulada por Lucas no meu pai, ele aguenta, sem fazer um comentário e
sem rir, revidando de tempos em tempos, mas está se segurando.
— A idade te pegou foi? Revida direito — provoco — Se é para se conter
vou voltar ao saco de areia.
Ele não responde, mas começa a acelerar os movimentos, atacando cada
vez mais e me fazendo ficar na defensiva. Meu pai é o homem mais forte que
conheço, poucas vezes perdeu uma luta no ringue, ele diz que é porque seus
homens têm medo de ganhar, mas sei que é mentira.
— Você vai me contar o que aconteceu? — Essa é a pergunta que vejo
estampado em seu rosto desde que começamos a luta, mas não quero
responder. Primeiro porque não sei qual será a reação do meu pai ao saber
que Lucas me beijou, segundo porque estou com raiva dele também.
— Estou com raiva — me limito a falar, mas sei que ele não vai parar até
tirar tudo de mim.
— O que o Lucas fez agora? — pergunta entre um soco e outro, voltando à
defensiva.
— Ele é um escroto, só isso. — Desvio de sua investida e acerto um chute
na lateral da perna esquerda, fazendo-o recuar um passo.
— Todos os homens são minha filha, o que ele fez para te deixar assim?
— Você não quer saber — retruco, minha raiva aumentando ainda mais.
Vejo em seu olhar a confusão, mas deixo-o se torturar um pouco pensando
o pior, ele merece, afinal é sua culpa que eu esteja presa a essa relação.
Depois de um tempo decido falar, conheço meu pai, ele não vai deixar para
lá.
— Ele foi atrás de mim na balada somente para assumir sua propriedade
com meu corpo.
— Como assim? Lucas abusou de você? — Papai para no meio da luta,
com a raiva e desespero fluindo em uma postura protetora.
— Não é para tanto, ele só me beijou — amenizo antes que ele saia
correndo atrás de Lucas, confesso que o pensamento de deixá-lo fazer isso
passa pela minha mente, mas só por alguns segundos.
— Daniele, explica melhor, não quero matar meu Consigliere sem saber
exatamente o que aconteceu.
Claro que ele iria assumir a postura protetora de pai, mas até isso me
enfurece novamente, por que todos os homens pensam que tem que me
proteger assim?
— Chega você também, o que os homens têm nesses genes malditos que
faz com que sejam tão machistas? Eu sei me proteger pai, não preciso de
você ou de Lucas para defender minha honra.
Volto a acertá-lo com um chute no peito para chamar a sua atenção a luta,
desviando o foco desse assunto, mas meu pai não cai nessa e continua
falando, agora está só na defensiva, me deixando extravasar toda a raiva que
sinto.
— Você tem que entender que vai ser para sempre minha menininha, não
consigo me controlar quando penso que alguém está te fazendo mal, não
suportaria se algo te acontecesse. — Sinto a mágoa e tristeza em sua voz, sei
que está lembrando da invasão e do quase sequestro, apesar disso ele tem que
entender como me sinto.
— Como você espera que me torne Capo assim? Toda vez você e Lucas
tomam as rédeas, decidem as coisas por mim, o que tenho que fazer, como
tenho que me portar, onde posso ir, é desgastante.
Ele não se desculpa, mas vejo que minhas palavras o atingem, meu pai
pode ser muito contido, mas quando o assunto sou eu ele não consegue
esconder seus reais sentimentos.
— Não quero te limitar minha filha, mas não sei como agir, fui criado tão
diferente, você nem imagina.
— Meu avô foi um grande Líder! — respondo, não sei muito sobre o
homem, mas ele foi peça chave para expandir os negócios da Familia e
dominar a importação de materiais, foi um nome decisivo na história da
Família Genovese.
— Ele foi um bom Líder, mas um péssimo homem — sinto a tristeza e a
mágoa por trás de suas palavras, isso me atinge e paro de investir contra meu
pai, decidindo escutá-lo — Por sorte você não o conheceu.
Paramos a luta, meu pai pega duas garrafas de água no canto do ringue,
entregando uma para mim e sentando-se no chão.
— Meu pai foi um homem cruel, sua vida era focada em demonstrar seu
poder por meio da força, e ele me criou para ser como ele. Os tempos eram
outros, apesar de nossas regras não terem evoluído tanto quanto o mundo lá
fora, acredite, já foi pior.
Sento-me ao seu lado e tento acompanhar suas palavras, meu pai nunca
falou sobre como era a sua relação com seus pais, sei que sua mãe morreu
quando ele era jovem e seu pai foi assassinado, ele assumiu o poder depois
disso quando tinha apenas 21 anos de idade, se tornando o Capo mais jovem
da Família.
— Quando meu pai descobriu que teria um filho homem decidiu que me
treinaria para ser tão forte quanto ele, mas seus métodos para me fortalecer
eram cruéis. Desde muito jovem tive que treinar pesado, conforme ia
crescendo as coisas só pioravam, até que ele decidiu que o melhor caminho
para me fortalecer era me espancar até que eu desmaiasse.
Ouço as palavras duras, mas não consigo imaginar as cenas que ele
descreve.
— Ele não era ruim somente comigo, meu pai tratava minha mãe como
lixo, e ela era obrigada a aguentar, um casamento de fachada, como tantos
outros, manchado por agressões constantes e abuso psicológico, esse foi o lar
que conheci minha filha, quando ela não aguentou mais e tirou a própria vida,
decidi que jamais seria como ele.
Minha avó tirou a própria vida? Essa informação é nova e me atinge como
um tapa na cara.
— Nunca tentou fugir? — a pergunta sai antes que eu possa me conter e
percebo a ingenuidade naquelas palavras — Sua mãe — completo quando
vejo que meu pai não entende de quem estou falando.
— Não sei, talvez no começo ela tenha tentado, mas meu pai jamais
deixaria que isso acontecesse, seria uma vergonha para ele e nossa família.
Não tenho muitas memórias dela, não passávamos muito tempo juntos, mas
me lembro de seus olhos verde esmeralda, sempre tristes.
Meu pai tem os olhos azuis do meu avô, os mesmos olhos que eu também
herdei.
— Foi nesse meio que cresci, e não se engane minha filha, eu já fui um
homem violento, já fui impulsivo e cruel, não conhecia outro caminho para
demonstrar minha força.
— Mas você conseguiu, assumiu como Capo e foi aceito, porque é homem.
— Não foi bem assim, não fui aceito no começo, os irmãos do meu pai
lutaram para assumir o cargo, diziam que eu era jovem demais e que deveria
esperar mais alguns anos, enquanto isso eles assumiriam, claro que não cai
nessa — ele sorri com a lembrança — Mas eu não seria nada sem Frank —
completa e seu olhar é de tristeza ao lembrar do amigo.
— Frank já era Consigliere, certo? — pergunto para confirmar.
— Sim, mas ele nunca foi como meu pai, Frank era um homem justo e a
pessoa menos violenta que conheci dentro da máfia, foi ele que me ajudou e
fez com que os homens me aceitassem aos poucos, Frank me introduziu á
máfia e me ensinou como ser um Capo e um homem de verdade.
Sempre gostei de Frank, dentre todos os nossos associados ele era o único
que não me tratava como uma menininha indefesa.
— Aos poucos fui mudando minha forma de pensar, vendo a vida de forma
diferente, passei a frequentar mais a casa dos Costello, na época Frank já era
casado e vivia com sua mulher, eles meio que me adotaram na família —
meu pai sorri com as lembranças felizes e seus olhos enchem de lágrimas —
Foi assim que descobri o que é o amor, a forma que ele tratava Rita era
admirável, jamais conheci alguém tão apaixonado e dedicado como ele,
Frank foi um homem bom e criou sua família dentro de um lar com amor
verdadeiro, ele me fez querer ser melhor.
— Você é um bom homem, é o melhor pai que eu posso imaginar. —
Escoro meu rosto em seu braço e meu pai me abraça. Ficamos assim por um
tempo, ele consegue me acalmar um pouco, minha mente está a mil com tudo
que me contou.
— Agora me fala qual é o real motivo de você estar assim? — Ele não
deixa o assunto de lado.
— Eu não quero ser a posse de alguém, quero ser amada e respeitada —
abro meu coração e despejo todas as minhas inseguranças nele — Quero o
que você e a mamãe tem, o que Frank teve com Rita, não mereço menos que
isso.
— Você não merece menos, mas não é tão simples assim.
— Entendo que você cresceu em um lar problemático, mas Lucas cresceu
em meio ao amor, ser machista e pensar em mim como sua é uma escolha
dele. — Descarrego todo o ódio que sinto pela situação.
— Uma relação a dois é construída com base na desconstrução individual,
meu casamento com a sua mãe foi arranjado, eu não esperava que fosse amá-
la assim — ele sorri com as lembranças — Tua mãe me fez pular como um
macaco de circo para agradá-la, para ganhar seu coração, uma mulher não
muda um homem se ele não quer, mas um homem muda por uma mulher se
ele a ama.
— Mas você não trata a mamãe como objeto — retruco suas palavras.
— Porque ela não aceita ser tratada assim, eu te falei minha filha, cresci
em um ambiente diferente, no começo pensava que minha esposa tinha que
ser submissa, abaixar a cabeça e fazer o que eu mandar, isso mudou com
Frank e mais ainda quando me apaixonei pela sua mãe.
— Não é minha obrigação ensinar macho nenhum a me respeitar —
descarrego meu descontento, meu pai está realmente falando que tenho que
ensinar o Lucas como se comportar? — Se ele não sabe o mínimo, que
aprenda.
Estou cansada de ver mulheres sendo ensinadas que com amor e paciência
podem mudar o homem, e não ensinam os homens a terem o mínimo de
respeito. Mulher não é clinica de reabilitação para macho que não está
disposto a fazer a sua parte para ser uma pessoa descente nessa sociedade.
— Dê tempo ao tempo Daniele, eu amo teu gênio forte e decidido, mas as
pessoas mudam, Lucas também teve que aceitar um destino que não escolheu
— ele fala enquanto afaga minhas costas — Sei que vocês dois estão
sofrendo as consequências de ter nascido na máfia, queria muito que fosse
diferente, que tivéssemos outra alternativa, acredite em mim quando falo que
este foi o último recurso.
— Tem uma coisa que me incomoda pai, se você não queria essa vida para
mim, porque me deu a escolha de ser Capo? Você sabia qual seria minha
decisão, não precisa esconder.
— Depois do que você e sua mãe passaram, não conseguia imaginar
entregá-la para um homem no poder, para se tornar Capo a pessoa não pode
ser boa minha filha, você sabe disso tanto quanto eu, mas ainda são raras as
famílias que criam filhos homens ensinando-os a respeitar as mulheres, eu me
mataria antes de escolher alguém que a faria sofrer.
— Mas você chegou a pensar sobre isso? — Sempre imaginei como seria
minha vida se a invasão não tivesse acontecido ou se eu tivesse escolhido o
caminho de esposa.
— Sim, você é meu tesouro Daniele, a melhor coisa que aconteceu na
minha vida, o dia que você nasceu foi quando descobri o que é o amor
incondicional, tive a certeza quando olhei em seus olhos azuis que mataria
qualquer pessoa que tentasse te ferir.
Meu pai me abraça e beija meu rosto, sinto seu amor em todas as palavras,
o Capo pode ser um homem frio e poderoso em público, mas meu pai não é.
— Mas naquele momento eu soube que você estava condenada a minha
vida, sua mãe chorou quando descobriu que teria uma menina, ela soube qual
era teu destino, ser uma esposa na máfia não é um caminho de felicidade.
— Eu sei, de qualquer forma eu estava condenada a um casamento
arranjado, não é sobre isso papai, quero saber porque o Lucas?
— Seria ele de qualquer forma minha filha, eu acompanhei o nascimento
daquele menino e toda a sua criação, diferente de todos os outros lares de
famílias poderosas, Lucas foi ensinado a amar.
É o que eu desconfiava, se não tivesse aceito meu destino como Capo,
Lucas seria meu marido de qualquer forma, mudando apenas sua posição, ele
comandaria a família enquanto eu seria apenas uma esposa.
— Mas porque ele age assim então? — não consigo entender, se Lucas
realmente soubesse como respeitar alguém ele não pensaria em mim como
algo que possui.
— Vou te dar uma visão da mente masculina agora minha filha, preste bem
atenção — papai pisca em minha direção enquanto continua a falar — Nós
temos um instinto de proteção com quem amamos, algo tão forte dentro de
nós que faz com que o medo absurdo domine nossa mente ao pensar em algo
ruim acontecendo. Junto disso vem o sentimento de posse e o ciúmes, que é a
face mais fodida do amor.
— Eu também quero proteger quem eu amo, mas não precisa dessa
possessão toda, se a pessoa te ama ela não vai te trair — a visão de amor do
meu pai é o que normalmente leio nos livros, e discordo completamente — se
existe amor tem que existir confiança papai, e com isso não precisa ter
ciúmes.
— Daniele, você me surpreende a cada dia — ele sorri ainda mais
enquanto volta a sua explicação — O problema é que quando vivemos uma
vida como a nossa, olhando por cima do ombro sem saber em quem podemos
confiar, as coisas ficam complicadas.
— Sim, mas não justifica agir como um troglodita, você está tentando
justificar algo que não tem defesa. — Sei que estou sendo teimosa mas meu
pai tem que entender isso.
— Não justifica e esse não é o ponto minha filha, mas quando estamos
com medo e queremos proteger quem amamos fazemos e falamos coisas sem
pensar. Eu protegeria sua mãe com a minha vida, mas não posso estar com
ela o tempo todo e por isso temos tantos seguranças, essas medidas acabam
tirando sua liberdade, mesmo que seja algo para protegê-la, me corrói por
dentro saber que não posso dar a ela o mundo que merece, algum dia você irá
entender.
— Mas você não é possessivo com a mamãe — pontuo o principal.
— Você algum dia viu um homem olhar diretamente para sua mãe com
desejo? — sinto o tom de ameaça em sua voz e realmente, nunca ninguém de
nosso meio foi tão ousado — Isso não é só por respeito, porque homens não
tem respeito por nada, é porque ela é minha mulher.
“Minha mulher” as palavras que mais odeio nesse mundo ditas pela boca
do meu próprio pai.
— Minha mulher para proteger, para amar e respeitar, minha companheira,
amiga, confidente, a mãe da minha filha e a família que escolhi. Claro que
sinto ciúmes da sua mãe, mas tenho certeza que ela jamais trairia nosso amor.
— Se você tem certeza porque tem ciúmes? Se confia nela realmente não
precisa disso — Contraponho sua explicação.
— Honestamente é algo que não consigo controlar — responde
sinceramente.
— Lucas já teve outras mulheres e não falei nada sobre isso, mas eu não
pude nem chegar perto de outro homem minha vida toda, é injusto pai, só
porque sou mulher não tenho direito de escolha.
Realmente não me importo com quem Lucas saia antes, no começo quando
descobri nosso noivado e fui para a Itália, até pensava diferente, mas no fim
entendi que não tinha direito de dizer com quem ele pode ou não se
relacionar, afinal nosso compromisso na época era só uma formalidade. Claro
isso para ele né, no meu caso o compromisso era uma amarra.
— Não é só por ele ser homem, Lucas é 7 anos mais velho que você, eu
não poderia proibi-lo de namorar enquanto você era uma criança,
especialmente porque ele não sabia do acordo, mas a partir do noivado o
compromisso de vocês é mútuo, ele não é nem louco de traí-la.
— Você confia nele? — pergunto enquanto encaro meu pai, preciso saber
a verdade.
— O quanto consigo confiar em algum homem da máfia — responde
sinceramente.
— Roberto não descobriu nada? — O tom acusatório em minha voz não
disfarça que eu sei sobre seus segredinhos, Roberto não é só o segurança de
Lucas, ele trabalha para o meu pai e sua principal função é vigiá-lo.
— Esperta demais como sempre, minha filha — seu sorriso orgulhoso me
faz sorrir também — Não, Lucas é um bom homem, sua rotina consiste em
trabalhar, se exercitar, ser meu Consigliere e salvar minha filha em festinhas
— Pisca em minha direção.
— Então papai, já que o senhor é um homem todo cheio de sabedoria e
conhecimentos da mente masculina — falo em tom brincalhão para
descontrair um pouco — O que me sugere fazer agora? Devo abaixar a
cabeça e aceitar ser a mulher do Lucas? — só de falar essas palavras o gosto
de azedo enche minha boca.
— Jamais abaixe a cabeça para alguém, e você não me engana, não faria
isso nem se fosse obrigada, dê uma chance para ele te conhecer melhor, mas
uma chance de verdade, sem joguinhos de poder, Lucas é esperto e sabe que
não consegue ganhar de você.
— Vou tentar, afinal não tenho outra alternativa, não é mesmo? — sei que
as palavras atingem meu pai, se ele pudesse escolher não me condenaria a um
casamento arranjado.
— Desculpa minha filha — a tristeza o domina quando baixa os olhos e
encara as próprias mãos — Sei que a condenei a uma vida difícil e isso me
quebra por dentro, mas no fundo tenho esperança de que mesmo com tudo o
que temos que fazer para garantir o poder, você consiga encontrar a
felicidade.
Capítulo 27

Lucas
Mais uma festa de final de ano na mansão Corleone, todos os anos é a
mesma coisa, ouvir gente falsa sendo gentil só para pedir favores depois.
Pelo menos uma coisa parece estar melhorando, Daniele diminuiu seus
ataques pessoais contra mim, não faço a mínima ideia de como isso
aconteceu, depois do nosso beijo imaginei que tudo fosse piorar, na verdade
achei que o Capo fosse me matar, mas ele não falou nada e Daniele anda
calada e pensativa nas últimas semanas.
Para agradá-la Alphonse convidou Lyane para a festa, como a mulher é a
primeira amiga de Daniele ele pensou que assim ela não se sentiria tão
sozinha.
Daniele fez questão de nos apresentar e, como as duas não se desgrudam
mais, Lyane acabou convivendo mais comigo e com a família Corleone, entre
jantares e cafés pude perceber porque Daniele a escolheu como amiga.
Lyane é muito inteligente, muito mesmo, mas segundo minhas pesquisas
ela foi rejeitada para uma bolsa integral na universidade, o que me deixou
desconfiado já que seus registros escolares eram perfeitos. Usando nossos
contatos descobri que a banca que avaliou sua inscrição era composta
somente de pessoas brancas e, no ano que Lyanne entrou para a universidade,
somente dois por cento dos alunos aceitos eram negros.
Honestamente não fiquei nem um pouco surpreso, na sociedade em que
vivemos o racismo estrutural é dominante, mesmo eles tentando encobrir os
fatos fazendo propagandas de inclusão social, a verdade é que pessoas negras
são excluídas.
Para ajudar a amiga, Daniele organizou uma bolsa de estudos secreta com
o reitor da universidade, acredito que algumas ameaças foram suficientes
para isso, que garantiu o pagamento de todos os anos de estudo de Lyane, o
reembolso do que ela já gastou, assim como uma ajuda de custos mensais
para que possa se dedicar somente aos estudos, mas sem mencionar de onde
vem o dinheiro.
Não imaginava esse lado dela, mas não fiquei surpreso, convivendo com
Daniele todos os dias consigo ter uma visão mais profunda sobre ela, mesmo
sabendo que o que mostra não é dez por cento do que guarda para si.
Chego à mansão um pouco antes do horário, tenho uma reunião preliminar
com Alphonse e os chefes das famílias mais influentes, já que todos estarão
presentes na festa é o momento perfeito.
Essa será a primeira vez que Daniele irá participar ativamente, no último
ano ela só observou, mas por ser a responsável por boa parte dos negócios
legais da Família, Alphonse achou apropriado deixar que a própria Daniele
faça a apresentação dos resultados, visto que foi ela quem trabalhou neles
durante o ano.
Estou um pouco apreensivo, a maioria dos homens presentes já estão
acostumados com a presença dela, ou pelo menos não são contra, mas os dois
tios de Alphonse, irmãos do seu pai são complicados.
Sendo irmãos do falecido Don Corleone e parte da família, Matias e
Francisco pensam que estão acima do restante, costumo dizer que eles se
acham tão importantes quanto o Capo.
Outro que me preocupa é Richard, irmão mais velho de Amélia, um fraco e
covarde que está sempre causando problemas. Seu cargo como Underboss de
Bronx só continua porque fez parte do acordo quando Alphonse casou-se
com Amélia, claro que o pai dela iria garantir alguma coisa para seu filho.
É só por esse detalhe que Richard continua no cargo, os outros capitães
não confiam nele e, mesmo dentro da sua cidade, seus soldados o desprezam.
Mas ele continua, o Capo deu a sua palavra e não pode voltar atrás.
Os três homens foram às vozes mais ativas em oposição à iniciação de
Daniele, sabendo que estavam protegidos pelos laços familiares não
pouparam esforços para tentar convencer os outros chefes que a decisão do
Capo era um absurdo.
Mas Alphonse não é fraco, seu poder e ligação com seus subordinados vai
além, eles confiam nele, alguns devem a própria vida ao Capo, estes homens
são fiéis.
Chegando próximo ao escritório vejo uma figura familiar, escorada na
parede lateral lendo suas anotações no tablet, Daniele não está com as roupas
de festa, usa um traje executivo azul marinho com camisa social branca e
salto alto preto, uma maquiagem leve no rosto, nada muito chamativo, mas o
que a deixa realmente atraente são os cabelos presos em um coque bagunçado
que concede uma visão espetacular do seu pescoço.
Imagino que decidiu não jogar sua feminilidade na cara dos homens
presentes na reunião com as roupas de festa, decidiu por um look mais
discreto e social. Estou acostumado a vê-la assim todos os dias no escritório,
mas a visão ainda é de tirar o folego.
Ela não me vê chegando então tenho um vislumbre do seu olhar
preocupado, está nervosa, seu pé bate continuamente no chão enquanto
encara a tela do eletrônico.
— Não precisa ficar nervosa — falo enquanto me aproximo e Daniele leva
um susto, corrigindo sua postura e colocando a máscara de confiança que
carrega normalmente.
— Não estou nervosa, só estava checando alguns números — defende-se
enquanto desliga o aparelho e sai em direção ao escritório do Capo.
— Gostei dos trajes de festa, você será um destaque em ousadia. — Brinco
com ela para mudar de assunto.
— Não vou assim, só não queria usar meu vestido na reunião, homens
tendem a não prestar atenção em uma mulher quando os peitos estão na frente
— ela me olha dos pés à cabeça, avaliando cada detalhe do meu corpo —
Terno novo é?
— Algo especial para a ocasião, gostou? — Decido provocá-la e dou uma
voltinha, Daniele não responde e disfarça o sorriso olhando para o lado.
Preparamos a mesa de reunião com as pastas de cada participante e o
projetor, logo o Capo chega acompanhado dos outros Capitães e todos vão
tomando seus lugares, jogando conversa fora. Richard, Matias e Francisco
são os últimos a entrar, cumprimentando os demais e sentando-se em
silencio.
O Capo começa a reunião abordando os principais assuntos e desavenças
entre as famílias, geralmente usamos esse momento no final do ano para fazer
um levantamento geral de tudo o que foi feito e as metas e planos para o
próximo ano.
Quando ele termina Daniele levanta-se e liga o projetor, sua apresentação é
perfeita, todos os dados foram explicados e os levantamentos anuais mostram
o lucro total das empresas, ela fala com calma, conduzindo a reunião com
maestria, tenho certeza que ninguém ali consegue ver o nervosismo em seu
olhar.
No final debatemos algumas alterações de comando, mas nada muito
drástico, todos já estão prontos para começar a festa quando Richard começa
a falar.
— O teatrinho todo acabou já? — Alfineta enquanto um sorriso nervoso se
projeta em sua face — O que foi isso Alphonse, a menina agora está
comandando nosso dinheiro?
Os outros capitães se encaram, mas não falam nada, os únicos que
concordam com a cabeça são Matias e Francisco.
— Agora além de ter que aceitar a menina como membro, vamos ter que
engolir isso também? Ela é uma criança o que diabos sabe sobre
gerenciamento de empresas? — Francisco fala, destilando todo seu ódio, mas
sem olhar para Daniele, sinto minhas mãos se fecharem em punho com a
vontade que tenho de socar a sua cara.
— É melhor vocês lembrarem sobre quem estão falando — o Capo avisa
lançando seu olhar mais mortal — Por hoje ser dia de festa vou deixar que
engulam suas palavras.
— Então é isso? Temos que abaixar a cabeça e engolir essa barbaridade?
— Matias complementa o trio — Ela não tem nem um diploma ainda, por
Deus Alphonse use a cabeça, sua teimosia vai nos levar a falência.
— Das dezoito empresas que controlo, doze tiveram um aumento de mais
de 30% nos lucros líquidos finais, foi o maior lucro registrado nos últimos
dez anos — é Daniele quem fala, escorada na parede ao lado do projetor,
puxando a atenção de todos os presentes para si, aponta para os relatórios —
Entre as seis empresas que sobraram, quatro apresentam um aumento no
lucro de quase 20% e as outras duas saíram do prejuízo. Isso são fatos.
— Nem tudo é sobre dinheiro, você não tem preparo para... — Richard
tenta retrucar, mas é interrompido por Daniele.
— Tudo é sobre dinheiro! Não eu não tenho um diploma, e nem pretendo
ter, é só um pedaço de papel, mas eu sei algumas coisas, principalmente
como manipular as pessoas que trabalham comigo e fazê-las usar todo o seu
potencial — o olhar de águia está cravado no tio, aquele olhar intenso e
certeiro que ela tem quando avalia cada reação de uma pessoa — O senhor
poderia aprender algumas coisas comigo tio, já que os resultados de Bronx
baixaram drasticamente nos últimos anos.
As palavras ácidas são certeiras, vejo quando Richard se abala e recua
antes de responder.
— A economia está passando por problemas — defende-se porcamente,
olhando em volta à procura de ajuda.
— Estranho, porque somente a sua região está no prejuízo, não vejo
nenhum outro capitão reclamar — interrompo em defesa de Daniele.
— Não é só isso, é sobre honra e tradição, você já nos fez engolir essa aí
nas reuniões, agora espera que aceitamos que controle nosso dinheiro? —
Matias cospe as palavras em desgosto.
O Capo não responde na hora, mas seu olhar é assustador, levanta-se e
caminha lentamente em direção a Matias que ainda está sentado, todos na
sala param de respirar e ninguém produz nenhum som, o velho sabe que não
adianta nada tentar impor força física quando se tem um metro e setenta e
quase setenta anos de idade, mas vejo o pavor em seu olhar.
Chegando ao lado do velho, Alphonse tira uma faca curta do bolso interno
do casaco, levando-a diretamente ao pescoço de Matias, tão próximo da pele
fina que um simples encostar da lâmina já faz uma gota de sangue escorrer.
— Vou falar com todas as palavras, para que seu cérebro caquético e
desgastado consiga entender, engole esse veneno tio, e jamais conteste outra
decisão minha — o Capo fala ameaçadoramente no ouvido do velho, mas alto
o suficiente para que todos consigam ouvir e entender o recado — Você só
continua vivo porque é da família, mas esse é meu último aviso, uma palavra
a mais de qualquer um dos três e vou tratá-los como traidores.
Matias não responde, nem respira, o rosto branco de pavor e os olhos
esbugalhados encaram Francisco e Richard em busca de ajuda, mas os outros
dois não falam mais nada. O recado foi dado.
— Agora que tudo se resolveu vamos aproveitar a festa — Alphonse fala e
sorri, em uma tentativa de aliviar o clima tenso.
Espero todos saírem da sala para olhar em direção a Daniele, somos os
únicos aqui, a porta se fecha e ela me encara, a máscara de controle que antes
dominava seu rosto foi substituída por um olhar intenso.
Daniele caminha em minha direção decididamente, sem tirar os olhos dos
meus, não me atrevo a falar nada, algo nela ativa meus alertas internos. Então
seu corpo chega tão perto do meu que posso sentir minha pele arrepiar.
Sem avisar, seus lábios tomam os meus em um beijo desesperado, de todas
as reações possíveis que esperava dela, essa com certeza não estava na lista.
Depois do choque inicial meu corpo responde rapidamente, minhas mãos vão
em direção a suas costas, trazendo-a para mais perto enquanto as suas
prendem meu pescoço em um aperto possessivo.
Seu beijo é intenso e doce ao mesmo tempo, a inexperiência de nada a
afeta quando sua língua invade minha boca lentamente, tocando a minha, é só
isso que preciso para perder o controle completamente.
Em um movimento rápido minhas mãos prendem seu quadril ao meu,
levantando-a do chão, a superfície mais próxima é a mesa de reuniões.
Coloco seu corpo na mesa enquanto ela enrola as pernas em volta da minha
cintura, Daniele leva as mãos ao meu terno, desfazendo o nó da gravata e
abrindo os primeiros botões da camisa.
Não tenho forças para pará-la, o desejo e a luxuria falam mais alto
enquanto vejo sua entrega, beijo seu pescoço, sinto seu cheiro, nenhum
perfume, só Daniele mesmo, levo meus lábios até o lóbulo da sua orelha,
dando uma mordidinha, quando um gemido escapa por seus lábios.
Esse som é como jogar gasolina no fogo que toma meu corpo e anula
qualquer voz em minha mente.
O que estou fazendo? Como viemos parar aqui? Há poucos minutos quase
testemunhamos uma execução e agora estou prestes a foder com a minha
noiva. Merda, não posso fazer isso.
— Daniele — falo em alerta ainda ofegante, esperando que ela pare o que
não tenho forças para controlar — Você vai ser a minha morte se continuar
assim. — Minha voz é um sussurro desesperado, sei que temos que parar,
mas todo o meu corpo grita para continuar.
— Eu quero você— fala em um suspiro no meu ouvido, em tom de
confissão, como se admitisse uma fraqueza. Então suas próprias palavras
fazem com que volte à sanidade, percebo isso no momento que seu corpo fica
tenso e sua boca se afasta da minha.
Mas ela não se solta, continua com as pernas em volta da minha cintura e
encosta a cabeça no meu peito. Essa proximidade é nova para mim, tê-la em
meus braços é uma sensação diferente de tudo que já senti, parece certo e
errado ao mesmo tempo.
— Desculpa — falo depois de um tempo, enquanto meus braços traçam as
curvas de suas costas em uma carícia lenta — Você me pegou de surpresa.
— Eu me peguei de surpresa também, não planejei isso — a sinceridade
em suas palavras me pega desprevenido, Daniele está se abrindo — Eu só
queria saber como é isso aqui — se aconchega mais no meu abraço — Estar
assim com você.
Deixo-a terminar e uso esse tempo para acalmar meu coração, é difícil,
quero ficar nesse abraço para sempre, sentindo o seu calor, seu corpo no meu,
protegê-la de tudo e de todos. Mas sei que temos que ir, a festa já começou e
Daniele ainda precisa se trocar.
— Tenho que me trocar — ela fala, enquanto se desprende dos meus
braços, desce da mesa e arruma suas roupas — É melhor arrumar a gravata,
papai não vai ficar feliz em imaginar que transamos em cima da sua mesa.
Com essa brincadeira e o sorriso travesso, o clima volta a ser leve.
— E de quem é a culpa? — respondo sorrindo enquanto abotoo minha
camisa e arrumo a gravata. Daniele sai deixando-me com meus pensamentos,
uma ereção maldita pulsando no meio das pernas e o coração confuso.
Capítulo 28

Daniele
Eu odeio como Lucas consegue me fazer perder o controle, estava a ponto
de dar um chute no meio das suas pernas por tentar me defender na reunião,
quando do nada, meus lábios estavam nos dele.
Em seus braços perdi completamente a noção de tudo, já não importava
mais quem eu sou ou o que Lucas falou, o que senti no calor do seu corpo foi
assustador, como se ali fosse onde deveria estar.
Merda! Ele não me merece! Meu pai pode falar o que quiser, mas Lucas
continua o mesmo, vindo ao meu resgate, eu estava completamente no
controle da situação, não preciso de um cavalheiro forte para me salvar, sou
minha própria salvadora.
A equipe de maquiagem e cabelo me aguarda quando chego ao meu
quarto, vou direto a cadeira e deixo que trabalhem rapidamente, não quero
nada pesado, se fosse por mim não usaria maquiagem alguma, mas mamãe
insistiu, afinal somos os donos da festa.
Depois de quinze minutos a tortura acaba e minha estilista me ajuda com o
vestido, uma peça linda feita especialmente para essa noite, o vestido verde
esmeralda que abraça minhas curvas em um tecido de seda suave, tem um
corte na lateral direita e o comprimento vai até o chão, quase cobrindo as
sandálias de salto alto brancas.
Quando todos saem, prendo meu coldre de couro mais fino na coxa
esquerda, com duas facas na parte interna da perna, seria difícil alcançá-las,
mas é o único lugar escondido.
Uma batida na porta chama minha atenção, abro-a deparando-me com
Lucas, um pouco desconfortável, me esperando. Seus olhos se abrem em
espanto quando me vê, percorrendo cada centímetro do meu ser, sinto uma
pontada de orgulho dentro de mim, mas como não estou nesse mundo para
agradar macho nenhum, muito menos Lucas, faço sinal para que ele olhe nos
meus olhos.
— Perdeu alguma coisa aqui? — pergunto, desviando sua atenção do meu
corpo.
— Seu pai pediu para eu te acompanhar — a voz sai mais baixa que o
normal e vejo seu pescoço ficar vermelho, Lucas está com vergonha? —
Você está...maravilhosa.
Seu olhar é o mesmo de antes, quando paramos de nos beijar, olhar de
desejo misturado com confusão. Reconheço esses sentimentos dentro de mim
também, do nada o pensamento de puxá-lo para dentro do meu quarto e
esquecer essa festa vem a minha mente.
Fecho a porta antes que faça alguma besteira e passo por ele rapidamente,
em direção as escadas, quando sinto sua mão na minha, um toque suave
enquanto seus dedos prendem os meus, é algo simples, mas faz com que todo
o meu corpo relaxe.
E é assim, de mãos dadas com meu noivo, que encaro mais um baile de
final de ano. Lucas fica comigo por um tempo enquanto recebemos os
convidados junto com meus pais, mas logo que entramos para o salão me
desvencilho dele e vou até Lyane.
Ela está maravilhosa, escolheu um vestido longo rosa claro para combinar
com suas tranças, que estão presas em um coque perfeito. A única coisa que
não está certa é o desconforto que vejo na postura da minha amiga. Não a
convidei para ficar em um canto, nem para que se sinta mal.
— Você está maravilhosa Lyane — falo enquanto dou um abraço nela,
sem deixá-la responder aproveito para pegar sua mão e ir em direção a um
grupo de homens — Vem, quero te apresentar algumas pessoas.
Essa festa é para fazer contatos, e muitas pessoas influentes estão aqui,
esse ano fiz questão de convidar nomes poderosos da medicina, como os
chefes dos maiores hospitais da cidade, e é exatamente para esse grupo de
pessoas que apresento Lyane.
O primeiro a me cumprimentar é Miguel, diretor de um dos hospitais com
o maior programa de neurociência do país.
— Daniele, é um prazer vê-a, soube que está cursando medicina na
universidade, quando teremos a honra de ter uma Corleone em nosso
hospital? — Vai diretamente ao assunto, ele sabe o quanto de dinheiro isso
traria para seu programa.
— Infelizmente ainda não decidi minha área de formação, mas gostaria de
apresentá-los a minha amiga Lyane, ela está no final do curso de medicina e é
a melhor aluna, seu currículo é perfeito e tenho certeza que se tornará uma
grande neurocirurgiã. — Aponto para a mulher que está ainda mais
desconcertada que antes, ela aperta a mão de todos os presentes.
— É um prazer conhecê-la Lyane — Miguel é o primeiro a falar —
Qualquer amiga da família Corleone deve ser especial mesmo.
Lyane me olha com uma interrogação enorme nos olhos, mas faço um sinal
que depois eu explico melhor.
— Sim, ela é minha melhor amiga — enfatizo, sei o quanto isso vai ajudá-
la, todos nessa roda agora sabem seu nome e sua conexão comigo — Miguel,
gostaria de contar sobre suas pesquisas mais recentes?
Dou o gancho inicial à conversa e não preciso de mais que isso para o
homem começar a falar, depois de alguns minutos todos, inclusive Lyane, já
estão envolvidos na conversa.
— Se me dão licença senhores, meu noivo me aguarda.
E com isso deixo o grupo, agora a postura da minha amiga é a que eu mais
gosto, alta e confiante, se tem uma coisa que Lyane gosta é falar sobre
medicina, especialmente neurocirurgia.
Durante toda a noite faço meu dever como anfitriã e converso com os
convidados, trocando de grupos conforme consigo, nenhum deles é realmente
muito interessante, a maioria só está aqui para pedir favores depois.
É em meio a um grupo de investidores que estão me matando de tédio que
vejo Lucas do outro lado do salão, sinto seu olhar em mim a noite toda, me
acompanhando a cada passo, pairando sobre mim como se precisasse garantir
que estou aqui, mas agora está mais intenso enquanto vem até onde estou e
estende o braço, convidando-me para dançar.
Tentei postergar este momento o máximo possível, mas sei que não posso
recusá-lo a noite toda, afinal precisamos cumprir nosso papel de noivos
felizes. Odeio esse sentimento de falsidade, sempre me acomete quando
estamos em meio a outras pessoas, sinto que preciso mentir para todos,
inclusive para mim mesma.
Mas quando estamos sozinhos isso não acontece, no começo não podíamos
ficar sozinhos, meu pai ou Frank sempre estavam conosco, mas agora, com a
morte de Frank e eu tomando mais espaço nos negócios da família, acabamos
passando muito tempo trabalhando até tarde ou discutindo as reuniões.
São esses momentos sozinhos que parecem certos, naturais. Quando sua
mão toca a minha sinto o calor agora familiar, então ele me puxa para seus
braços, mantendo a distância socialmente aceita, mas me prendendo em seu
domínio.
Lucas conduz nossos corpos pela pista de dança em movimentos
coordenados devido à familiaridade do momento, a música é uma valsa lenta,
uma das minhas preferidas, mas não consigo me concentrar na letra, só
consigo olhar para seus olhos pretos, intensos, que me fazem esquecer a
quantidade de gente nos cercando.
Desligo do mundo e me concentro nele, na sua mão em minhas costas
nuas, seu perfume amadeirado, essa boca macia que faz lembrar do nosso
beijo, e as sensações voltam com tudo. As borboletas em meu estomago
gritam por liberdade, por aproximação, quero senti-lo mais perto, quero sua
boca na minha novamente.
— Se você não parar de me olhar assim, vou te beijar aqui mesmo, e você
terá que planejar meu funeral — fala em meu ouvido, me acordando para o
presente.
— Não sei do que está falando. — Tento desviar sua atenção, mas ele
percebe.
— Pode falar o que quiser Daniele, mas teu olhar é transparente como água
— Lucas sussurra, arrancando arrepios quando sua respiração quente passa
pelo meu pescoço.
— Você não sabe de nada — jogo mais mentiras em sua cara — Eu te
odeio, odeio não poder escolher com quem me casar, odeio nosso
relacionamento, e odeio ainda mais a confusão que sinto quando estou com
você.
Sei que minhas palavras o magoam, sei disso no momento que decido
falar, mas não posso admitir que esta certo, não quero deixar que entre ainda
mais em minhas barreiras. Lucas pensa que sabe o que quero e o que estou
sentindo, mas como pode saber se nem eu sei?
A música termina e saio o mais rápido possível de perto dele, vou em
direção ao subsolo, já estou cansada dessa festa, cansada de Lucas e de todas
as pessoas falsas que me cercam. Preciso pensar e bater em alguma coisa.
Em pouco tempo estou no tatame, sem os saltos e as joias que me
prendiam a imagem de mulher perfeita, não me dou ao trabalho de colocar a
luva, só começo a chutar o saco pesado de areia, descontando minha raiva e
frustração nele.
Não demora muito e vejo uma figura vinda em minha direção, com uma
postura calma e confiante, Lucas chega mais próximo e eu explodo.
— Não tem ninguém aqui para tomar o que é teu, pode parar de me vigiar
agora — grito em sua direção, enquanto chuto com mais força o saco de
areia.
— Não estou te vigiando, só vim ver se você está bem. — Seu olhar
continua focado em mim e a calma que ele transmite me deixa com ainda
mais raiva.
— Para de me olhar, você não cansa não? A noite toda me seguindo como
uma águia, garantindo que ninguém se aproxime demais da sua posse —
praticamente grito enquanto suor escorre por meu rosto.
— Você acha que eu quero te olhar assim? — Lucas fala com a voz baixa,
mas as palavras me fazem parar na mesma hora que saem de sua boca — Eu
deveria estar puxando o saco de gente importante, é o meu trabalho, mas não
consigo tirar os olhos de você, tua presença é como um imã, me atraindo, não
consigo parar de te procurar quando sei que está próxima, ou desviar a
atenção para outra coisa, você está enfiada em minha mente Daniele, e já
estou cansado de lutar contra isso.
O choque de suas palavras me arrebata no mesmo momento que ele
diminui a distância entre nós, o fogo da discussão paira no ar enquanto o
calor toma meu corpo, e todas as sensações conflitantes no meu
subconsciente brigam entre si, mas a atração entre nós vence e me jogo em
seus braços, alcançando sua boca.
Toda a raiva que tentei extravasar no saco de areia se torna frustração por
gostar tanto do seu beijo, ódio por meu coração acelerar com um simples
toque das suas mãos grandes e fortes na minha cintura.
Estou cansada de negar, de me segurar e mentir pra mim mesma que não o
quero, porque o que sinto quando estou com Lucas já não pode mais ser
ignorado, não é só uma obrigação por estarmos amarrados um ao outro, é
mais que isso.
Então não resisto, me entrego de corpo e alma a esse momento, decido
silenciar todas as vozes em minha cabeça que gritam para parar, e escutar
meu coração.
Aos poucos a intensidade de seu beijo diminui, enquanto suas mãos
abraçam minhas costas, o toque possessivo é substituído por algo mais suave,
mas igualmente arrebatador. Aproximo ainda mais nossos corpos, com a mão
em seus cabelos puxo firmemente para trás, tendo acesso a sua garganta.
Traço um caminho de beijos pelo seu rosto, a barba macia de Lucas traz
uma sensação deliciosa quando roço meu rosto no dele, beijo seu pescoço
forte e ele solta um gemido baixinho que acorda todas as células do meu
corpo.
Levo minhas mãos a sua gravata novamente, puxando-a enquanto ele me
olha com dúvida estampada no rosto. Sei que deve estar passando pela
mesma confusão interna que eu, mas dessa vez não vou parar o que
começamos na sala de reuniões.
Tiro sua gravata enquanto ele continua com as mãos firmes em minha
cintura, mantendo-me presa, como se eu fosse sair correndo. Percorro o seu
peito com as mãos, avaliando cada onda que seus músculos firmes produzem,
mesmo sob as camadas de tecido.
Ele entende o que quero e tira as mãos de mim tempo suficiente para
arrancar o paletó do corpo, ajudo-o a desprender o coldre duplo que carrega
suas armas e o colete preto, sobrando somente uma camisa branca.
Com um olhar interrogativo Lucas para, pedindo permissão para continuar,
como se agora fosse o ponto que não tem retorno, então começo a abrir os
botões da sua camisa, um a um, revelando a pele por baixo do tecido e a
tatuagem de dragão que vem do braço esquerdo cobrindo a maior parte do
peitoral.
Quando o tecido branco cai no chão tenho a visão do paraíso, perdendo-me
em seus músculos definidos, o peitoral forte e os gominhos que descem até as
entradas em V perfeitas. Já vi Lucas sem camisa várias vezes enquanto
treinamos juntos, mas nunca com esse olhar intenso em seu rosto, olhar de
luxuria, de desejo.
Como um passe de mágica o nervosismo some e me sinto preparada,
afasto-me dele alguns passos, sem desfazer nossa conexão pelo olhar. Levo
as mãos ao zíper lateral do vestido, abaixando-o lentamente, sentindo o tecido
de seda leve se soltar do meu corpo, tiro uma alça de cada vez e deixo-o cair
no chão livremente.
Lucas continua parado em minha frente, a protuberância em suas calças
cada vez maior, enquanto os olhos pretos pegam fogo com desejo.
— Não sei o que fazer. — As palavras saem da minha boca antes que eu
consiga contâ-las e Lucas vem até mim, respondendo com um beijo intenso e
confiante que ele sabe.
Suas mãos passam pelas minhas costas, abrindo o sutiã e deixando meus
peitos livres, sem a barreira do tecido entre nós sinto o calor da sua pele na
minha, suas mãos acariciam meus mamilos enquanto a boca invade a minha.
Entre beijos e toques acabamos deitados no tatame, estou entregue ao seu
controle, não consigo e nem quero mais resistir.
— Você tem certeza disso? — pergunta ofegante em meu ouvido, a voz
carrega todo o tesão que também sinto, a respiração pesada combinando com
a minha — Daniele, preciso que me responda, se não quiser isso agora, se
você não estiver preparada, é só falar que eu paro a qualquer momento, você
está no controle.
Suas palavras confirmam ainda mais que eu o quero, e quero agora, estou
preparada, não vou esperar mais dois anos só porque alguém decidiu que
devo ser virgem até o casamento, essa decisão não cabe a ninguém além de
mim.
— Estou pronta — respondo dando a permissão que ele pede, vendo em
seu olhar a necessidade por essas palavras — Confio em você.
A última frase sai em tom de confissão, como um segredo que mantinha
preso dentro do meu peito e que quebra todas as barreiras ao ser libertado,
uma verdade amarga que jamais quis admitir, porque eu confio em Lucas,
confio no homem que me treinou, no amigo que me ouviu divagar sobre
assuntos aleatórios, na segurança de estar protegida por ele.
Toda a confusão em seu rosto é substituída por algo diferente, mais forte e
intenso, então ele volta a me beijar, mais calmo, mais suave, seus lábios
macios abrem espaço para a língua que toca a minha, enquanto isso as mãos
viajam pelo meu corpo, subindo pela lateral da coxa direita, seu toque leve é
substituído por um aperto mais firme quando envolve meu peito, uma onda
de prazer sobe pelo meu centro e um gemido escapa dos meus lábios.
Lucas saboreia meus sons, tomando para si cada sinal de prazer que meu
corpo produz, brincando com os mamilos duros em seus dedos, me levando à
loucura.
Quando já estou desesperada por mais de seu toque, ele sai de cima de
mim, deitando de costas e me levando com ele, mudando nossa posição. Fico
confusa, será que quer que eu fique por cima? Não sei como fazer isso, nem
se estou preparada para controlar as coisas agora.
Vendo minha confusão, um sorriso escapa pelos seus lábios enquanto ele
fala.
— Ainda não Daniele, primeiro preciso sentir seu gosto e te preparar.
— Me fala o que você quer — imploro ainda olhando para ele.
— Tira a calcinha. — Não é um comando, é um pedido.
Faço o que ele fala, ficando completamente nua, com uma perna de cada
lado do seu corpo, sinto seu pau duro entre minhas pernas, protegido pelo
tecido da calça social.
Suas mãos acariciam minha bunda, puxando-me para si, percebo o que ele
quer no momento que as palavras saem da sua boca.
— Senta na minha cara.
Agora sim é uma ordem, não é mais um pedido, e essa ordem eu cumpro
com prazer, desde nosso primeiro beijo sonho em como será o toque dos seus
lábios na minha buceta. Sem perder tempo subo nele, e só com o calor da sua
respiração entre minhas pernas, já estou explodindo.
Lucas beija suavemente a lateral da minha coxa, fazendo-me gemer com a
aproximação, então seus lábios então nos meus, ele começa com movimentos
suaves, explorando a região, passando a língua macia entre minha abertura, e
já não tenho mais controle sobre mim.
A barba acaricia minhas coxas, pinicando-me de uma forma gostosa
demais enquanto a língua me tortura, circulando meus lábios, desviando do
centro de prazer.
— Lucas, por favor. — Não controlo mais meus gemidos, nem as palavras
que saem em súplica, preciso que ele pare com essa tortura.
Ele entende, Lucas sabe o que quero e como fazer isso, com um aperto
ainda mais forte em minha bunda, ele puxa-me para si e finalmente sua língua
está em meu clitóris, o prazer absurdo me domina enquanto esfrego-me em
sua cara, precisando de mais, e ele me dá, seu hálito quente e a língua firme
me levam à loucura.
Gemidos de prazer incontroláveis saem de mim enquanto cavalgo sua
boca, um orgasmo se forma dentro do meu ser e perco completamente o
controle, Sinto Lucas gemer embaixo de mim então olho para ele, foco em
seus olhos pretos de jabuticaba, a expressão mais bonita e assustadora do
mundo, Lucas está entregue, tão entregue quanto eu, e é nesse olhar que meu
mundo desaba e sou arrebatada pelo melhor orgasmo da minha vida quando
ele introduz dois dedos em mim, tirando tudo o que tenho, meu corpo se
descontrola em espasmos de prazer.
É uma sensação nova, diferente, estar assim tão entregue, tomada pela
névoa do orgasmo sinto Lucas me deitando de costas no tatame, seus beijos
subindo pela minha barriga, passando pelos meus peitos, chegando em minha
boca. Provo meu gosto nele quando seus lábios encontram o meu em um
beijo lento e suave.
— Deliciosa — sussurra enquanto morde meu lábio inferior.
Algo nessa proximidade toda me faz voltar ao presente, sentindo
novamente o calor surgir em meu corpo, quero mais, quero senti-lo por
inteiro em mim. Então abro seu cinto, jogando-o para longe, passo a mão pela
protuberância nas suas calças, acariciando-o.
— Nós não precisamos fazer nada a mais Daniele — as palavras
contradizem os gemidos que ele solta enquanto eu o acaricio — Eu posso
esperar.
— Não quero esperar — respondo, abrindo o botão da sua calça e
baixando o zíper — Quero você agora, quero senti-lo por completo.
Abro meus olhos encarando os seus enquanto ele aceita, levantando-se, vai
em direção ao paletó, vejo-o pegar a camisinha da carteira, ainda de pé tira as
calças e a cueca.
A visão do homem em minha frente é enlouquecedora, as pernas torneadas
de Lucas complementam o jogo de músculos que é este homem, ele tem
tatuagens nas coxas que eu ainda não conhecia, mas estou louca para
explorar. Só de pensar em passar minha língua nessa obra de arte, minha boca
se enche de água. Vem novamente em minha direção, uma caminhada lenta,
sem desviar os olhos dos meus, provocando-me, cobrindo meu corpo com o
seu, voltado de onde paramos, mas agora seus movimentos são mais
controlados e a necessidade em seu olhar é intimidante.
Capítulo 29

Lucas
Vendo-a entregue sob meu corpo, sentindo cada pedacinho da sua pele
macia, o cheiro do seu perfume, o toque da sua mão pequena e gelada em
minhas costas, só consigo admirá-la enquanto meu coração bate
incontrolavelmente.
É uma sensação assustadora ter sua confiança absoluta em mim, depois de
tantos conflitos entre nós. Então preciso ir com calma, não me lembro de ter
tirado a virgindade de alguma mulher, mas sei que para elas essa primeira vez
é diferente.
Por isso a preparei um pouco antes, fodê-la com a boca foi incrível, quase
gozei nas calças enquanto ela cavalgava minha cara, e agora vamos dar o
segundo passo.
Ainda não consigo desviar o olhar do seu rosto, o cabelo preto
completamente bagunçado na cabeça e o semblante de felicidade pós-
orgasmo completam o visual mais lindo que Daniele pode ter.
Ela já me deu permissão, falou que me quer, vejo isso nos seus olhos azuis,
na forma que suas mãos apertam minhas costas, principalmente na
necessidade do seu beijo, assim como eu Daniele está ficando cada vez mais
intensa. Mas preciso prepará-la para que não doa tanto, passo minhas mãos
pelo seu centro úmido e quente, voltando a reconhecer o território, ela sente
meu toque e geme em meus lábios.
Seu gemido é o som mais excitante que eu já ouvi na vida, viajando
diretamente para o meu pau, que já está preparado. Quando Daniele começa a
movimentar sua pélvis de encontro a minha mão, introduzo um dedo nela,
devagar, deixando-a se acostumar com a sensação.
Ela não reclama, seu rosto se contorce em uma expressão de desconforto
inicial, que me faz parar qualquer movimento, esperando que me olhe e
indique que posso continuar. Então vou entrando e saindo dela, lentamente
passando o dedo da vagina até o clitóris, e voltando a introduzi-lo nela.
Quando vejo que está tranquila, introduzo um segundo dedo, abrindo-a
mais um pouco, Daniele não reclama e geme ainda mais embaixo de mim, as
mãos apertando meus braços, segurando meu corpo colado ao dela.
Continuo assim por um tempo, fodendo sua boceta molhada com os dedos,
deixando que ela relaxe embaixo de mim, quando sua mão vem até meu pau,
agarrando-o, começa a apalpa-lo, sentindo o comprimento, faço movimentos
de encontro a sua mão.
Seu toque frio no meu pau quente me faz delirar, ela agarra com delicadeza
demais, demonstrando sua inexperiência, vejo em seus olhos o pedido de
ajuda.
— Segura mais firme, com a mão toda, sem medo.
E assim ela faz, enquanto empurro em sua mão, ainda com meus dedos
dentro dela fazendo-a gemer mais alto, não consigo segurar por muito tempo.
Paro de me mover e pego o pacote de camisinha que, por sorte, estava na
minha carteira, abro uma e deslizo no meu pau.
Quando volto para ela vejo medo e apreensão em seu rosto, a tensão em
mim é quase incontrolável, mas preciso de confirmação para continuar,
depois disso não tem mais volta.
— Daniele, olha para mim — falo quando desvia o olhar — preciso que
você me diga se quer continuar, uma palavra sua e eu paro tudo.
— Eu quero isso — sua voz treme enquanto ela se abre — Quero você,
mas estou com medo — confessa.
— Temos tempo, não precisamos apressar nada. — Tento acalma-la.
— Não estou com medo de doer, e sim do que sinto agora — fala e eu
entendo, porque também estou com medo, de machucá-la, de não ser bom o
suficiente e principalmente de não merecer.
— Eu também tenho medo, mas quando estou com você meu mundo todo
faz sentido, quero me entregar, não sei se jamais serei merecedor, mas meu
coração, meu corpo e minha alma te pertencem — a verdade que tentei
reprimir por tanto tempo transborda, e quando sai já não consigo mais fingir
— Eu te amo.
Seus olhos abrem-se em espanto enquanto lágrimas se formam, mas não
caem, ela me puxa e sela nosso destino com um beijo, seu corpo
completamente entregue ao meu, sem restrições ou dúvidas. É o sinal que eu
precisava para continuar. Ergo suas pernas em volta do meu quadril,
aproximando meu pau da sua abertura.
Daniele não me pede para parar, abraça-me ainda mais forte, cravando suas
unhas nas minhas costas conforme meu pau entra lentamente em sua boceta
molhada, ela puxa a respiração, mas continua imóvel, levando seu tempo para
acostumar-se a essa nova sensação. Preciso de todo o auto controle em meu
corpo para não me enfiar completamente nela, tão apertada, tão quente, é um
paraíso, uma maldita perdição.
Ficamos assim, parados, até que ela relaxa um pouco, sua boca volta a
minha e uma das mãos vem ao meu cabelo, puxando-me para mais perto,
aprofundando ainda mais nossa conexão.
A sensação de estar dentro dela é boa demais, mas o sentimento de tê-la
entregue a mim é o que me faz amá-la completamente neste momento, não é
só mais uma foda, sexo por prazer, é mais profundo, mais intenso, quero me
fundir a ela e ficar aqui para sempre.
Começo a me mover aos poucos, saindo de dentro dela, e voltando a
entrar, a cada estocada Daniele fica tensa embaixo de mim, depois de um
tempo começa a relaxar ainda mais, agarrando meu quadril com as pernas e
se empurrando contra mim.
Não vou aguentar muito tempo, e sei que ela não vai gozar novamente
devido a dor, então me controlo ao máximo para não ir muito rápido.
— Lucas — meu nome dito em um gemido pela sua voz é como uma
tortura, fazendo-me ir às alturas, então ela ordena — Goza pra mim.
E suas palavras são minha perdição, entro mais algumas vezes nela, mais
rápido, mais fundo, até que não aguento mais e o orgasmo me atinge, gozo
descontroladamente, falando seu nome, no momento que suas unhas
penetram minha carne e meu corpo todo relaxa em seus braços.
Me seguro para não largar meu peso em cima dela, enquanto recupero a
respiração, sinto Daniele relaxar embaixo de mim, sua mão passa suavemente
pelas minhas costas, em uma caricia delicada.
Nesse momento nada mais importa, só o agora, quero que o tempo pare
nesse minuto, que os ponteiros do relógio não se movam enquanto sinto seu
corpo no meu, o cheiro de sexo e perfume me envolvem, a respiração quente
em meu pescoço, as pernas fortes enroladas em mim, estou sob seu domínio,
de corpo e alma.
Capítulo 30

Daniele
— Fica comigo essa noite — são as primeiras palavras que saem da minha
boca enquanto Lucas paira sobre mim. Ele levanta o rosto para encontrar meu
olhar, e vejo a confusão em seus olhos — Você pode falar que bebeu demais,
tenho certeza que minha mãe vai sugerir que fique aqui, afinal teu quarto
continua o mesmo.
Eu não me reconheço enquanto praticamente suplico para que ele passe a
noite comigo, mas estou tão cansada de correr, e depois do que fizemos hoje
não quero ficar sozinha.
— Tenho 26 anos de idade, sou o Consigliere da Família mais poderosa
dos Estados Unidos, e você está pedindo para eu mentir como um adolescente
para poder me esgueirar de madrugada e dormir com a filha do Capo? — fala
em tom de brincadeira, enquanto solta uma gargalhada, imaginando a
situação.
— Se preferir eu posso contar para meu pai que a gente transou e pedir
permissão para você dormir comigo — retruco seriamente para provocá-lo,
Lucas para de rir na hora e sua face fecha-se de medo, só de imaginar essa
conversa com meu pai caio na gargalhada.
— Você realmente quer me ver morto, achei que estava começando a
gostar de mim — fala enquanto planta um beijo em meu rosto, sua boca torce
em um sorriso convencido — Seu pai sabe que eu não bebo nessas festas, ele
não vai cair nesse papo.
— Você não quer? — pergunto desconfiada, até agora eu tinha certeza que
ele estava sentindo o mesmo que eu.
— Daniele, ficar com você é o que eu mais quero na vida, essa noite e
todas as noites que eu ainda tiver o privilégio de viver — responde, enquanto
sua mão passa pelo meu rosto em uma carícia suave.
— Então deixa comigo, pega uma taça de champanhe quando voltar para a
festa.
Logo teremos que subir, conhecendo meu pai ele já deve ter percebido
nosso sumiço, não vai demorar até que alguém venha nos procurar.
E como se o universo ouvisse minhas palavras, o celular de Lucas começa
a tocar, ele sai de cima de mim somente para alcançar o telefone, e volta,
deitando-se ao meu lado, mostrando-me o aparelho e de quem é a ligação, faz
sinal para que eu fique quieta.
— Alphonse — atende cordialmente, parando para escutar — Sim ela está
comigo — responde e meu corpo trava — Não estou me sentindo muito bem,
Daniele veio ver como estou, logo estaremos aí — com isso ele desliga e me
encara — Seu pai está te procurando, temos que voltar, aparentemente seus
tios estão a ponto de causar uma cena.
Típico daqueles velhos rabugentos, estragando minha noite, eu odeio
Matias e Francisco, eles já deveriam ter se aposentado e se afastado dos
negócios há anos, seus filhos estão prontos para assumir, não entendo o que
continuam fazendo.
Lucas se veste rapidamente e busca uma toalha úmida no banheiro para me
limpar, seu toque é carinhoso e cuidadoso, depois me ajuda com o vestido,
suas mãos em meu corpo reacendem o fogo de minutos atrás, e sei que ele
pensa a mesma coisa, vejo em seus olhos.
Quando me mexo sinto a dor no meio das pernas, por sorte o tatame é
preto e já viu mais sangue do que hoje. Mesmo assim encaro o lugar onde a
pouco perdi minha virgindade.
— Você está bem? — Lucas pergunta, envolvendo-me por trás em um
abraço acolhedor, olhando para o mesmo lugar que eu.
— Estou esperando o momento que irei acordar e isso não passou de um
sonho — respondo honestamente, abrindo meu coração para ele enquanto me
viro em seus braços, preciso ver seu rosto e avaliar seus sentimentos — Não
quero mais me esconder disso, da gente.
— Sei como se sente, mas precisamos ter cuidado agora, também não
quero me esconder, meu amor. — As palavras vindas de sua boca fazem meu
coração pular uma batida, ele me chamou de “meu amor”, e não vejo uma
única dúvida em seu olhar.
Ficamos abraçados por mais um tempo, até que o presente nos alcança
quando seu celular vibra, sinalizando o recebimento de mensagens.
— Vou subir primeiro e falar com minha mãe, depois você vem e pega
alguma bebida — dou as instruções, sei que minha mãe não irá recusar meu
pedido — Só tem mais uma coisa, ninguém vai acreditar que você me odeia
se continuar me olhando assim.
Sorrio ao ver todos os sentimentos em seu olhar, a escuridão dos olhos de
Lucas me acalma novamente.
— Esconder vai ser difícil — responde enquanto me dá um último beijo —
Te vejo no teu quarto em uma hora.

✽✽✽

Encontro Amélia e Lilian próximas à porta que dá acesso ao subsolo, o


olhar que as duas me dão no momento que chego perto o suficiente me faz ter
certeza que sabem o que aconteceu, ou que suspeitam. Vejo preocupação no
rosto da minha mãe quando ela vem até mim, arrumando uma mecha do meu
cabelo.
— Teu pai está te procurando nos jardins, por sorte consegui convencê-lo a
nos deixar olhar na academia — comenta enquanto me avalia.
Não sei o que falar, mas não me sinto preparada para contar a ela o que
aconteceu, é muito recente ainda, quero guardar nosso segredo por mais um
tempo, mas preciso que ela me ajude.
— Mãe — começo a falar, ainda sem saber se minto para ela ou se conto a
verdade — Preciso que o Lucas fique aqui esta noite — escolho a verdade.
— Tão parecida com a mãe — Lilian comenta e começa a rir,
provavelmente mais uma piada interna das duas. Minha mãe lança lhe um
olhar de repreenda antes de voltar a me encarar.
— O que aconteceu? — pergunta seriamente, seus olhos verdes cravados
nos meus, exigindo honestidade.
Decido contar a verdade, enquanto ela absorve o que isso significa Lucas
aparece ao nosso lado, como se nada estivesse acontecendo, veste a postura
controlada e olhar neutro do Consigliere.
— Certo, e por um acaso você quer que ele fique no quarto logo ao lado do
seu? — Amélia comenta em tom de deboche — Eu não nasci ontem
queridos, precisamos conversar sobre isso. — Gesticula com as mãos,
indicando nossa proximidade.
Lucas encara minha mãe e minha madrinha e vejo sua pele ficar vermelha
quando percebe que elas sabem. Sei que não vão falar nada para o papai,
podemos não ser tão próximas, e isso é minha culpa por estar sempre fora de
casa, mas eu sei que minha mãe irá me proteger.
— Eu só preciso desta noite mãe, prometo que amanhã a gente conversa.
— Imploro com o olhar, realmente preciso dessa noite, preciso saber se é real
o que eu sinto ou se é mais um efeito das amarras que me prendem.
— Amélia, deixa os dois. — Minha madrinha me ajuda.
— Amanhã — ela aceita, mas ainda vejo a dúvida em seu olhar — Daniele
vá para o seu quarto, se teu pai te ver assim não vai sobrar Lucas algum para
contar história — aponta para meu vestido amassado e o vermelho em meus
lábios — Lucas, procure Alphonse, diga que não se sente bem e que eu o
convidei para ficar aqui esta noite, ele vai entender.
Com isso minha mãe faz sinal para que eu saia e acompanha Lucas de
volta a festa enquanto minha madrinha vai atrás deles, ainda sorrindo. Antes
de ir decido passar na cozinha.
Meia hora depois já estou em meu quarto contando os minutos, escuto a
porta do quarto ao lado bater, indicando que Lucas já entrou, a mensagem em
meu celular confirma o que eu imaginava e me arranca um sorriso enquanto
leio “Não vejo a hora de estar contigo novamente”
Palavras tão simples e sinceras que traduzem o que eu estou pensando
nesse momento.
“Preciso esperar meu pai, ele sempre vem desejar boa noite” Respondo
alertando-o para que aguarde meu sinal. Já é tarde e meu pai não deve
demorar, ainda mais sabendo que Lucas está no quarto ao lado.
Essa proteção toda em cima de mim só me deixou mais contida com meus
sentimentos, não tive a oportunidade de me apaixonar por Lucas livremente,
o que me fez duvidar se o que realmente estou sentindo, se é real ou estou me
rendendo as amarras do nosso compromisso, como quando uma pessoa é
sequestrada e começa a desenvolver sentimentos pelo sequestrador por não
ter outra opção, vendo que a única forma de sentir algo que se assemelhe a
felicidade é aceitar a situação, essa pessoa está realmente feliz ou seu próprio
cérebro a engana procurando algo de bom em meio ao caos?
Essa dúvida cobre meus pensamentos como uma névoa, e se, assim como
eu, Lucas também está confuso com seus sentimentos, achando que me ama
quando só está cumprindo com sua obrigação?
Sabendo disso mais dúvidas surgem em minha mente, será que ele está
jogado comigo? Fazendo-me acreditar que tem sentimentos por mim só para
tornar nossa união mais agradável? E se esse joguinho de conquista for
somente mais um passo obrigatório imposto por meu pai para que eu aceite
essa união mais facilmente?
É possível que tenha lido suas ações de forma tão equivocada assim? Será
que vejo espelhado nele somente o que quero ver, o que meu cérebro procura
como forma de felicidade em meio as nossa prisão, e não o que realmente
está em minha frente?
As dúvidas se acumulam cruelmente enquanto estou sozinha e a calmaria
que sentia é substituída por ansiedade e tensão.
Na escuridão da noite é quando me sinto em casa, desde o ataque a mansão
é nesse horário que minha mente consegue se soltar e viajar livremente. Mas
com isso vem as dúvidas e devaneios que tomam conta das minhas noites em
claro.
Pouco tempo depois escuto meu pai bater na porta, ele não entra mais em
meu quarto sem esperar que eu abra, então vou até ele, troquei meu vestido
pela camisola de seda azul clara depois do banho e já me livrei de toda a
maquiagem.
— Só passei para desejar boa noite meu amor, Lucas vai dormir no quarto
ao lado, ele não está se sentindo bem — fala enquanto avalia minha reação,
meu pai está com um olhar preocupado, ele é astuto o suficiente para saber
que algo está acontecendo, mas não fala nada.
— Tudo bem, boa noite papai — respondo e o abraço. É nosso ritual de
todas as noites.
Volto para meu quarto enquanto escuto os passos do meu pai ficarem mais
distantes, até que um barulho de porta se abrindo e fechando sinalizam que
ele está em seu quarto.
Aguardo dez intermináveis minutos, por garantia, então aviso Lucas que o
caminho está livre.
Ele vem logo depois, entrando sem bater e caminhando em minha direção,
percebo que também tomou um banho e trocou de roupa, está agora com uma
camiseta branca e calção azul de dormir.
Não sei por que estou tão nervosa, poucas horas atrás estávamos juntos e
tudo parecia certo, agora ansiedade e dúvida martelam no fundo da minha
mente.
Lucas percebe a mudança em mim, ele se aproxima com calma, sentando
na beirada da minha cama, dando-me o espaço que preciso para não me
assustar com a sua presença. Dentro de mim todos os mecanismos de defesa
que construí durante os anos gritam para que eu afaste, minha auto sabotagem
volta a plantar a dúvida e dissemina a incerteza sobre meus sentimentos e,
principalmente os dele.
— Não posso fazer isso — desabafo, sem coragem de olhar em seus olhos
e demonstrar a fraca que sou, afinal há pouco tempo implorei para que ficasse
comigo, e agora quero mandá-lo para longe.
— Não espero que faça nada — responde calmamente, ainda sem se
aproximar, respeitando meu espaço — O que você quer Daniele?
A pergunta que ecoa em minha cabeça é a mesma que sai de seus lábios,
mas não tenho resposta.
— Não sei. — Decido ser sincera, nunca tive que lidar com algo assim.
— Daniele, olha pra mim — Lucas pede, chegando um pouco mais
próximo e colocando sua mão na minha — Volta pra mim, vamos conversar.
Finalmente encaro seu rosto, encontrando a serenidade que preciso, o
amontoado de sentimentos conflitantes dentro de mim começa a ficar mais
leve, presa na escuridão do seu olhar sinto a calma e a certeza de antes.
— Você me chamou de “meu amor”— digo em busca da confirmação,
minha voz saindo mais fraca do que previ.
— Sim, eu chamei.
Não sinto o nervosismo em sua postura, não vejo dúvida ou hesitação em
seu olhar, o homem em minha frente é calmo e confiante, suas palavras
cheias de segurança e certeza.
— Por quê? — é isso, a questão que martela forte em minha mente, o cerne
de todas as minhas dúvidas.
— Porque eu te amo.
— Como você tem certeza disso? — Este é o ponto que quero chegar,
como ele sabe que é amor, como ele consegue definir o que sente, como
consegue ter tanta certeza.
— Porque quando olho pra você todo o meu mundo clareia em certeza, o
ponto alto dos meus dias são as horas que passamos juntos, mesmo que você
fique a maior parte do tempo brigando e me desafiando — sorri enquanto
afaga meu rosto com a mão —, porque você é a mulher mais forte que
conheço e admiro muito como luta para proteger a todos ao seu redor, e
principalmente porque ao seu lado me sinto completo.
Não tem dúvida em suas palavras, nem um pouco de cautela, Lucas abre
seu coração e confessa seus sentimentos, ouvindo as palavras pronunciadas
com tanta certeza assim, sei que é verdade.
— Você não sente o mesmo? — pergunta ainda com a voz sincera e calma,
mas sinto um pouco de tensão em suas palavras.
— Não sei — respondo sinceramente — Não sei se o que eu sinto é real ou
se estou me forçando a gostar de você porque não tem outro jeito, não
consigo tirar da cabeça essa dúvida, é frustrante Lucas.
— Eu entendo, você não teve a chance de descobrir o que sente por si
mesma.
— Queria ter certeza como você, calar todas as vozes que gritam que não é
real.
— Você se arrepende?
Sei que está falando sobre termos transado antes, e pensei nisso, mas não
me arrependo.
— Não — respondo — Estava pronta e queria dar esse passo com você,
pode não ter sido na nossa lua de mel em uma cama grande e confortável,
mas foi o lugar certo, no momento certo.
E com a pessoa certa, quis completar, mas por algum motivo as palavras
não saíram da minha boca.
Ficamos calados por um tempo, nossas mãos ainda unidas, seu polegar
acariciando o meu, ele absorve minhas palavras, mas não fica brabo ou sai
correndo como achei que aconteceria, Lucas continua aqui, continua comigo.
— Nós temos tempo — conclui — Eu entendo sua frustração, você não
teve liberdade para descobrir seus sentimentos, isso foi arrancado de você.
Ele fala sobre o acordo feito entre nossos pais, nosso casamento arranjado
e toda uma vida planejada sem que pudéssemos escolher, por ser mais velho
Lucas teve seus anos de liberdade, viveu e pode aprender com seus
sentimentos, coisas que foram tiradas de mim.
— Mas quero que você saiba que estou aqui e que vou esperar o tempo que
precisar para que tenha certeza, eu prometo.
A certeza em sua voz e a seriedade dessa promessa me acalma, Lucas me
conhece e está deixando o controle da situação em minhas mãos, dando-me
espaço e tempo para descobrir meus próprios sentimentos, sem cobrança e
sem ultimatos.
Puxo sua mão em agradecimento, trazendo seu corpo mais próximo do
meu, em um abraço acolhedor. Preciso calar todas as vozes que gritam para
correr e ouvir meu coração, em seus braços sinto-me protegida.
— Tenho uma coisa para você — falo depois de alguns minutos, indicando
a bandeja coberta ao lado da cama — Percebi que você não comeu a
sobremesa hoje.
— A sobremesa que eu comi estava muito melhor — Responde com um
sorriso safado e brincalhão no rosto.
— Estava mesmo — concordo enquanto pego a bandeja, tirando a proteção
e mostrando o bolo de chocolate que roubei da cozinha — Mas eu estava
falando dessa sobremesa aqui, safadinho.
Lucas sorri ainda mais quando vê o bolo de chocolate com frutas
vermelhas, sei que é o seu preferido, foi por isso que pedi para a cozinheira
fazer. Ele pega um dos pratos e sobe na cama, acomodando-se ao meu lado,
passa um dos braços pela minha cintura, trazendo meu corpo ao seu em um
meio abraço carinhoso.
E é assim que passamos o restante da noite, comendo bolo de chocolate e
conversando abertamente sobre nosso futuro, onde pretendemos morar,
comento que não quero uma casa e prefiro um apartamento, assim ficamos
mais no centro da cidade e não precisamos de muitos empregados. Ele
concorda comigo e combinamos de começar a procurar algum lugar.
Falamos sobre como seguiremos a partir de agora, ainda sinto dentro de
mim uma vontade enorme de correr, e sou aberta sobre isso com ele, sei que
quando estiver sozinha todas as dúvidas irão voltar, mas Lucas me acalma,
entende o que sinto e respeita meu momento.
Conversamos sobre assuntos importantes, brincamos um com o outro,
trocamos carícias e beijos, até que a luz do sol começa a entrar pela minha
janela, o calor e a luminosidade banham a cama como um manto protetor.
Sem coragem para fechar os olhos e pegar no sono, com medo de acordar e
perceber que tudo não passou de um sonho aproveitamos cada segundo dessa
noite perfeita, cada toque, cada carícia, cada frase que conseguimos falar.
Sinto que esse é o nosso começo, como uma linha divisória na história do
tempo, o primeiro capítulo de nossa jornada secreta.
Capítulo 31

Lucas
27 anos de idade

Sara e Marcos finalmente tiveram filhos, depois várias tentativas


frustradas, procuraram ajuda médica e fizeram inseminação in vitro, o
resultado são dois bebês gordos e bochechudos que serão batizados hoje.
O pedido para ser padrinho dos meninos veio de Sara, mas sei que colocar
Daniele de madrinha foi ideia de seu marido, ele tem visão, sabe o que
significa seus filhos serem afilhados da próxima Capo.
Surpresa mesmo foi ver Daniele aceitar o pedido tão facilmente.
A conversa mais difícil que tivemos até agora foi sobre filhos, nunca
pensei muito nisso, achei que era algo normal quando as pessoas se casam,
mas como sempre Daniele tem uma visão diferente sobre o assunto.
Ela não quer ter filhos, nem pensa em algum dia adotar uma criança, não
quer ser mãe, simples assim. Demorei um tempo para entender, até que me
coloquei em seu lugar.
Daniele será Capo, esta no caminho da liderança, todos os dias prova que
nasceu para isso, até nossos homens confiam nela. Mas esse não é um
caminho fácil, consome muito tempo e energia, por vezes está tão cansada
que dorme no banco do carro a caminho de casa.
Imagina ter que criar e educar uma criança, com todas as responsabilidades
que isso envolve, ela jamais teria tempo e se culparia por isso, eu sendo
Consigliere também não tenho como ficar em casa cuidando de uma criança,
nossa vida é dedicada a Família Genovese.
Daniele pode não parecer, mas é uma pessoa sentimental, ela se entrega as
suas responsabilidades de corpo e alma, procurando fazer o seu melhor.
Então ela fez a sua escolha, entre ser Capo ou ser mãe, Daniele escolheu
seu destino, libertando-se das expectativas sociais. O que isso implica para
mim? Muita coisa.
Quando me coloquei em seu lugar, percebi que também não quero criar
uma criança nesse meio, nós nascemos na máfia e iremos morrer assim, mas
não precisamos impor essa vida a outro ser humano.
Também não quero colocar um filho no mundo que será criado por
empregadas, vejo tantas crianças tristes e frustradas por não ter tempo com os
pais, ficam em casa sempre esperando a hora de receber o mínimo de carinho
e atenção de quem os colocou no mundo, vivendo de migalhas de amor,
quando muito, tornando-se adultos problemáticos que não sabem lidar com os
próprios sentimentos.
Tudo é uma questão de prioridades, nós sabemos nossas responsabilidades,
o peso das nossas escolhas e estamos cientes sobre os limites dessa vida, por
isso logo depois da nossa primeira vez, Daniele foi ao ginecologista e
colocou um DIU (Dispositivo Intrauterino) para prevenir, eu sou o rei das
camisinhas, não me atrapalham em nada, mas já estou pensando em uma
vasectomia.
Quem ainda não aceitou é minha mãe, que a cada jantar de família puxa o
assunto de bebês, seja falando sobre os filhos de minha irmã e o quanto ela
está feliz com isso, ou perguntando descaradamente se vamos demorar muito
a dar-lhe netos depois do casamento.
Já tentei conversar com ela, fazê-la entender, mas não adianta, até Daniele
me falou para deixar para lá. Mas não me sinto bem com essa cobrança,
especialmente em cima dela, como se por ser mulher sua maior obrigação
fosse gerar filhos.
Confesso que não tenho paciência para estas celebrações religiosas, levam
muito tempo e são tão desnecessárias. O batizado de bebês é um ato
desnecessário, primeiro porque os seres em questão não tem consciência
suficiente para saber se querem seguir essa religião, segundo porque é outro
teatrinho que só serve para criar vínculos entre adultos às custas da criança.
Mas aqui estou, com David em meus braços, tentando segurá-lo da melhor
forma que consigo, falta-me jeito com crianças devo admitir. Por sorte sou
melhor que Daniele, que segura Arthur como se fosse uma bola de futebol
americano. O desespero em seu olhar é claro quando o padre pede para que
seguremos os bebês enquanto ele despeja a água.
David se assusta em meus braços e começa a chorar, não sei o que fazer
para acalmá-lo, então espero o padre terminar e tento niná-lo em meus
braços, sem sucesso, o pequeno se debate e grita descontroladamente.
Daniele me olha desesperada, mas Arthur não se meche, o menino dorme a
celebração toda. Depois do falatório do padre e das promessas vazias, tiramos
as fotos e entregamos as crianças aos pais, eles que fizeram eles que cuidem.
Sinto o alívio na mulher ao meu lado quando pega a minha mão e me puxa
para fora, tentando não correr, mas andando mais rápido que o normal.
— Você quer correr agora ou podemos tomar uma bebida? — pergunto
quando estamos a uma boa distância da igreja, aponto para a área de festa
montada ao ar livre e vejo que as pessoas começam a sair da igreja.
— Não sei porquê aceitei isso — responde enquanto pondera sobre as
opções que lhe dei, mas decide ir até a mesa de bebidas — Pensei que seria
só no papel, por que eu sempre esqueço essas celebrações chatas?
Sorrio em resposta enquanto pego dois copos de whisky e entrego um a
ela.
— Agora não tem mais volta, você fez o juramento perante um deus todo
poderoso, ainda tem crisma, eucaristia, e diversas outras celebrações. —
Brinco vendo seu olhar de espanto.
O dia de verão está lindo, o clima é quente e agradável. A igreja fica
afastada da cidade, é uma pequena capela de campo, rodeada por natureza.
Minha mãe organizou uma recepção aqui mesmo para que todos possam
aproveitar.
Daniele está ainda mais linda enquanto o sol ilumina seu rosto e a brisa
balança seus cabelos. Optou por um traje mais formal, com uma camisa
social branca sem mangas, a calça de alfaiataria azul bebê combinando com o
lenço amarrado no pescoço e sandália Anabela branca complementa o visual.
Mas o que mais chama a atenção é que o look todo é um clássico, mas
Daniele quebra tudo com as tatuagens no braço direito e os piersings no nariz
e na boca. Há uns meses resolveu complementar a tatuagem da Família e
fechou o restante do braço com uma arte em preto e branco maravilhosa de
um anjo caído entre armas e pássaros.
Tenho certeza que não será a última, vive me mostrando ideias para os
próximos desenhos, e confesso que amo o contraste da tinta preta em sua pele
branca.
Não que ela precise de alguma coisa para se destacar, Daniele é o centro
das atenções em qualquer lugar, mas as tatuagens complementam demais a
personalidade dessa mulher, e eu amo cada uma delas.
As pessoas começam a se dispersar pelo ambiente, formando grupos de
conversa e precisamos nos dividir, afinal este é mais um evento de trabalho, o
Consigliere não tem folga. Vou até Alphonse que conversa com alguns
homens.
O tempo passa lentamente até que vejo Daniele encurralada em uma mesa,
minha mãe de um lado segurando Arthur e falando alguma coisa em sua
direção que não consigo ouvir, e minha irmã do outro lado com David
pendurado em seu peito.
Vejo o desconforto no olhar dela e entendo o que está acontecendo, minha
mãe aproveitou o momento para falar sobre filhos. Daniele não fala nada, sua
cabeça meche em concordância vez ou outra, mas sua expressão é fechada.
Imagino que deva estar se segurando, ela jamais faltaria ao respeito com
alguém, e se começar a debater sobre o assunto sabe que só irá provocar
minha mãe ainda mais.
Vou até ela, seus olhos azuis encontram os meus enquanto me aproximo da
mesa, e o alívio toma conta do seu rosto, levanta-se antes mesmo de eu
chegar e vem até mim.
— Seu pai está te procurando — falo a primeira mentira que consigo
pensar no momento.
— Certo — responde com alívio — Obrigada pelos conselhos mulheres,
como sempre foi um prazer. — Com isso despede-se das duas e começa a
andar em direção a mesa de bebidas.
— Não entendo o apelo por champanhe, aposto que o vinho do padre é
muito melhor que isso — falo brincando enquanto aponto para as taças, não
gosto de bebidas alcoólicas no geral, no máximo um whisky ou uma cerveja.
Mas eu odeio champanhe.
— Vamos experimentar — responde enquanto um sorriso travesso passa
por seus lábios.
— Eu estava brincando — comento, mas ela se vira e começa a caminhar
em direção a igreja.
— Mas eu não.
Andamos discretamente até a porta lateral da igreja, as pessoas já estão
longe e ninguém presta atenção em nós.
A capela é pequena em espaço, nada muito luxuoso, algumas figuras de
santos e uma grande cruz com a estátua de está pendurada em destaque no
altar.
Sorrio ao imaginar que pra mim tudo isso não passa de uma construção
antiga mal decorada, vejo uma Daniele brincalhona ao meu lado correr até o
altar, sei que ela também pensa assim.
Abrindo a porta da sacristia volta com uma garrafa de vinho e uma taça de
metal em mãos, sorrindo ainda mais enquanto despeja o liquido na taça e
toma o primeiro gole.
— Realmente, muito melhor — comenta enquanto me alcança a bebida.
Tomamos alguns goles e nos sentamos no primeiro banco em frente ao
altar, mais escondidos da visão das pessoas de fora. Em público ainda
precisamos conter qualquer demonstração de carinho, no máximo andamos
de mãos dadas. Mas quando estamos sozinhos a atração é incontrolável.
Daniele está sentada de frente para mim no banco de madeira, uma perna
em cima da minha e a mão livre pendida em meu colo enquanto a outra
segura o vinho.
Acaricio sua coxa e sinto o poder da sua proximidade, cada célula do meu
ser se ascende quando estamos juntos, meu pau é o primeiro a dar sinal de
vida nesses momentos, por mais impróprio que seja.
Ela percebe a protuberância em minhas calças e solta uma gargalhada.
— Lucas, se controle! Estamos em um lugar sagrado — tenta falar em tom
sério, mas falha miseravelmente quando não consegue esconder o sorriso em
seu rosto.
— O melhor de ser ateu nessas horas é que eu poderia te comer no altar do
padre, em frente a essa estátua ali, com a tua bunda gostosa empinada e meu
pau enterrado em você, sem sentir remorso nenhum — falo com a voz mais
baixa e indico a mesa em nossa frente.
— Eu acho que as pessoas ficariam um pouco desconfortáveis ao ver o
Consigliere comendo a filha do Capo dentro da igreja, em frente ao tão
sagrado deus. — A falsa perplexidade em sua voz me faz pensar que ela não
ficaria tão constrangida assim e meu pau começa a acordar, então vejo uma
escada na lateral, subo o olhar ainda mais para constar que a igreja possui
uma pequena torre com um sino pendurado.
— Faltam vinte minutos para o meio dia — comento enquanto levanto e
pego sua mão para conduzi-la, o olhar interrogativo em seu rosto indica que
ainda não entendeu — Até lá ninguém irá prestar atenção no sino —
complemento e seus olhos se iluminam com a clareza do momento, o sorriso
safado volta a estampar seus lábios enquanto ela me segue escada acima.
— O que podemos fazer em vinte minutos? — Brinca quando chegamos
ao topo das escadas, o lugar é pequeno, as duas aberturas laterais deixam
pouco espaço para se esconder, e a pequena laje que sobra na lateral faz com
que esse seja um local no mínimo desafiador.
— Nesse tempo eu posso tocar teu sino até que você grite meu nome
enquanto te como de quatro, com a visão do campo em minha frente —
respondo enquanto tiro o paletó, por sorte não vim só de camisa, estendo a
peça de roupa no piso sujo e Daniele se ajoelha em minha frente, as mãos
habilidosas tiram a cinta que segura minhas calças e abrem o zíper.
— Você vai ter que esperar para tocar algum sino, no momento preciso
sentir o gosto do teu pau na minha boca — fala enquanto abaixa minha calça
e cueca, liberando meu pau já duro em suas mãos.
— Então chupa com gosto o que é teu — ordeno, puxando seus cabelos
para cima e prendendo-os com a mão direita no topo de sua cabeça, Daniele
odeia que eu controle seus movimentos, mas adora que segure seus cabelos.
O sorriso safado que ela me da enquanto encara meu pau com desejo
escancarado naqueles olhos azuis me deixa com ainda mais tesão. Não
entendo o que essa mulher faz comigo que o desejo por ela só aumenta.
Então sua língua passa pela cabeça do meu pau e meu mundo todo
estremece, ela percebe e volta a lamber, dessa vez da base até a ponta,
calmamente e um gemido escapa meus lábios.
Daniele está brincando comigo, mostrando que estou em seu controle, sua
mão pequena e fria agarra meu membro com ainda mais força enquanto
bombeia uma vez, então sua boca engole tudo o que consegue. Primeiro os
movimentos são lentos, até que aperto mais seu cabelo e ela entende,
aumentando a intensidade.
Sua boca é magnifica, e sabe exatamente a força e velocidade que gosto,
estou a ponto de gozar, com toda a provocação de antes eu sabia que não iria
aguentar muito.
— Eu vou gozar — Aviso, apertando um pouco mais seu cabelo, mas ela
continua, ainda mais rápido, chupando com mais vontade e me liberto,
gozando em sua boca enquanto ela engole, sinto meu corpo todo tremer com
o orgasmo, os joelhos ficam fracos e a visão turva, mas não fecho os olhos,
não posso perder a imagem de Daniele me dominando com sua boca.
— Muito melhor que o vinho. — Brinca enquanto lambe os lábios, fica de
pé e me beija, fazendo-me provar do meu próprio gosto misturado com seu
sabor.
— Se existe céu e inferno, já sabemos para onde vamos — comento
enquanto normalizo a respiração, me escoro na parede e Daniele me abraça.
— Nós garantimos esse ingresso há muito tempo. — Brinca enquanto beija
meu pescoço carinhosamente.
— Droga, precisamos ir — aviso olhado o relógio enquanto volto a colocar
as calças, mas algo chama minha atenção lá fora e meu olhar é puxado para o
estacionamento. Vejo duas pessoas correndo em direção a limusine cinza
parada mais aos fundos, uma delas é inconfundível já que o vestido vermelho
se destaca.
— Preciso arrumar meu cabelo, meu pai vai me matar se imaginar o que
fizemos — Daniele comenta enquanto tira um prendedor do bolso e ergue o
cabelo, prendendo-o em um rabo de cavalo.
— Não acho que seu pai vá se importar — falo com diversão na voz e
aponto para a cena onde Alphonse e Amélia entram no carro, o motorista sai
e caminha para longe.
— O que eles estão fazendo? — A pergunta é tão ingênua que não consigo
segurar o riso.
— Pelo balançar do veículo eu posso pensar em algumas coisas. — O riso
se intensifica quando ela finalmente entende e arregala os olhos, ficando
vermelha.
— Esses dois não tem vergonha na cara — acusa enquanto desvia o olhar,
então para e pensa por um momento, vendo o quanto a situação é cômica,
Daniele me acompanha e sorri — Bem, quem sou eu para falar alguma coisa.
O Capo e sua mulher são conhecidos por saírem de fininho nos eventos.
— Merda — seu olhar sobe para o meu — eu tenho que voltar com eles...
DENTRO DAQUELA LIMUSINE!
Não consigo me controlar enquanto a risada sai em espasmos, uma Daniele
perplexa me encara, ainda pensando em como vai conseguir entrar no carro
depois de saber o que seus pais estão fazendo lá dentro, quando meu telefone
toca.
— Você está com sorte — respondo mostrando o celular para ela e a
mensagem do Capo “Lucas, leve Daniele para casa, tive uma emergência e
estou voltando para a mansão mais cedo”.
— Uma emergência, sei! Vocês estão abandonando seus deveres para
transar!
— Pelo menos a gente pode terminar o que começou, mas dessa vez em
uma cama de hotel, onde posso te fazer gritar meu nome quantas vezes eu
quiser.
Capítulo 32

Daniele
20 anos de idade

Os Russos estão dando ainda mais trabalho, essa noite decidiram atacar
uma das nossas casas noturnas menores, infelizmente perdemos alguns
homens bons. É sempre difícil ter que noticiar a família, meu pai tem por
regra ir pessoalmente à casa de cada um.
A última visita é a mais difícil pois sabemos que tem criança envolvida, o
clima pesado do pequeno grupo que se reúne no elevador é palpável, meu pai,
seus dois seguranças pessoais Antônio e Vincent, eu e Alberto subimos
calados até o decimo andar. O prédio fica em uma área mais pobre do
Brooklyn, onde vários soldados ligados a Família moram.
O elevador para no andar indicado, as portas se abrem para um corredor
longo e estreito, caminhamos em direção à última porta, troco um olhar
cansado com meu pai, o dia foi exaustivo, mas nada pode ser pior do que
isso.
A mulher que abre a porta é bonita, o sorriso em seu rosto indica que
aguardava outra pessoa, quando nos vê a expressão, que antes era feliz, é
rapidamente substituída por preocupação e desespero.
Todos sabem o que uma visita do Capo significa, principalmente na casa
das famílias de baixa patente.
— Cora... — meu pai começa a falar, mas é interrompido imediatamente
pelo grito de desespero da mulher, que leva as mãos ao rosto enquanto os
joelhos sedem. Seu olhar é indescritível.
Meu pai consegue segurá-la antes que caia no chão e a abraça, tentando
confortá-la enquanto lágrimas caem entre soluços de desespero. Não falo
nada, nenhuma palavra pode ajudar agora, não posso nem imaginar o que está
passando.
— Ele prometeu voltar para casa, prometeu que tomaria cuidado — Cora
fala entre soluços — O que eu vou fazer agora?
Desesperada ela continua chorando, então vejo uma pequena figura dentro
do apartamento, uma menina de cabelos bagunçados, deve ter no máximo
oito anos, segurando um urso de pelúcia marrom quase maior que ela
abraçado ao corpo, a criança encara a cena a sua frente sem entender o que
está acontecendo.
Ela olha para a mãe e para meu pai e aperta ainda mais o urso quando ouve
o nome do próprio pai. Então ergue seus grandes olhos pretos de encontro aos
meus, vejo as lágrimas se formarem enquanto tenta entender o que está
acontecendo.
Mais uma vítima é feita neste momento, mais uma criança irá crescer sem
o pai por causa dos russos. O fogo arde dentro de mim enquanto vejo as
lagrimas correrem pelo rosto da menina.
Não aguento mais, não consigo ficar aqui com essa sensação de
impotência. Viro meu corpo e vou em direção ao elevador, sem falar nada ou
dar satisfações.
Alberto vem logo atrás de mim, falo que irei tomar um ar e instruo que
fique com a menina, ele demora um instante para aceitar, mas sabe que não
vale a pena tentar me fazer mudar de ideia.
Volto ao primeiro andar, mas ao invés de esperar os outros, corro em
direção ao meu carro estacionado em frente ao prédio. Preciso sair daqui,
mais que isso, preciso saber quem foi o responsável pelo ataque.
Pego o celular e vejo uma mensagem de Lucas.
“Foram os Vipers”
Claro que foram eles, o grupo de motoqueiros chamados Vipers tem
ligação direta com a máfia Russa já que transporta e revende suas drogas.
Ligo o carro e sigo em direção a um posto de gasolina, encho um galão vazio
que fica no porta malas e sigo para meu destino.
Tem muito tempo que minha escuridão está presa mas hoje deixarei que
me domine novamente, esse fogo que me consome por dentro, que grita por
vingança, geralmente consigo controlá-lo, mas agora toda a minha força de
vontade está focada em uma coisa, preciso fazê-los pagar.
Os motoqueiros se reúnem em um bar afastado da cidade, uma pequena
construção no meio do mato onde podem comemorar as atrocidades que
quiserem. Deixo o carro em uma estrada secundária, desligo o celular e
deixo-o no banco do carona, seguindo a pé pela mata, com um galão de
gasolina na mão e a arma na outra.
Minha caminhada é curta, aproximadamente dois quilômetros, mas a cada
passo sinto meu coração bater mais forte no peito e a escuridão tomar conta
dos meus sentimentos, substituindo qualquer dúvida, medo, apreensão, por
certeza e sede de vingança.
A noite me da cobertura enquanto caminho, vejo ao longe uma luz amarela
e verde, sei que estou perto. As motos estacionadas em frente ao bar são
prova de que estou no lugar certo, especialmente pelos adesivos de cobra
característicos do grupo.
Faço a volta no bar, música alta e gritaria toma conta dos sons ambiente
enquanto caminho pelo lado de fora, contornando alguns veículos para que
ninguém me veja. Encontro uma barra de ferro largada na lateral e a levo
comigo, a porta de saída dos fundos está só encostada, uso a barra para
tranca-la, impedindo que alguém saia por aqui. Não vejo janelas grandes ou
outras portas, verifico o outro lado e vejo só duas janelas pequenas de
banheiro.
Começo a despejar a gasolina próxima à parede de madeira, fazendo o
caminho de volta para frente, aproveito que não vejo ninguém ali e despejo o
restante do liquido nas motos estacionadas lado a lado.
Olho por uma janela suja para dentro do bar, cerca de doze homens gritam
em comemoração, copos de bebida na mão e armas na outra, vangloriando-se
das mortes de hoje. Batem no peito enquanto e rosnam um com o outro como
porcos no cio.
Este é seu lugar, sentem-se seguros o bastante para demonstrar o quanto
são nojentos. Tenho raiva deste tipo de homem que se acham os machões
mas só andam em bando, em uma luta mano a mano pedem arrego.
O ódio fluindo em minhas veias faz com que tudo fique vermelho aos
meus olhos, vejo uma das motos com a chave pendurada e sinto o gosto da
vingança cada vez mais perto, é minha chance.
Ela está parada bem de frente para a porta, perfeitamente alinhada ao meu
alvo, e é isso, corto a barra da camisa e uso para amarrar o acelerador, subo
na moto dando partida no pedal.
O ronco do motor quebra o silencio de fora e percebo que os sons dentro
do bar diminuem, tenho pouco tempo até que alguém saia verificar as motos.
Desço da moto e, com um isqueiro, acendo o fogo no banco e largo a
embreagem.
A moto se projeta para frente com força, atingindo a primeira pessoa que
tenta passar pela porta da frente, então o fogo se espalha pelo rastro de
gasolina que deixei, circulando todo o estabelecimento e tomando conta das
paredes de madeira e da grama seca.
A cada segundo o fogo consome tudo por onde passa, alastrando-se por
todo o bar, as paredes de madeira antiga queimam facilmente, criando uma
barreira para quem pense em sair correndo.
Os gritos de raiva logo são substituídos por desespero quando a moto
explode dentro do bar e o fogo se alastra para todo o lado, a frente forma uma
cortina de chamas quentes enquanto os homens gritam.
Corro para pegar distância, mas paro quando ainda consigo ver a cena, três
homens tentam correr para fora, o corpo em chamas, debatendo-se em busca
de salvação. Mas não encontram. Seu destino foi selado no momento em que
os olhos pretos da menina encontraram os meus.
O fogo consome a carne enquanto os corpos dão os últimos passos em
direção ao restante das motos estacionadas, que pegam fogo
instantaneamente e começam a explodir.
Vejo tudo isso e sinto o alívio momentâneo que a vingança produz, o fogo
clareia a escuridão da noite e cala as vozes que antes comemoravam, em
poucos minutos não escuto nada a não ser o estalar das chamas que
alimentam ainda mais a escuridão dentro de mim.
Sento-me na estrada de pedra enquanto o peso do dia me atropela. Não
existe felicidade em tirar uma vida, mesmo de monstros que merecem morrer,
o alivio da vingança é só um gostinho bom no meio do veneno que consome
minhas veias.
Não sei por quanto tempo fico aqui sentada, imóvel, contemplando a
destruição que eu mesma causei, dando combustível para minha própria
escuridão, alimentando-a de mais uma parte da minha alma, se ela algum dia
existiu.
É assim que Lucas me encontra, sentada olhando para a fumaça que restou
do bar, a escuridão tomando conta do meu ser. Sinto seu toque antes mesmo
de vê-lo, suas mãos grandes e fortes erguem meu corpo, pegando-me no colo,
aconchegando-me em seu peito.
Meu mundo todo volta à vida quando sinto seu cheiro e escuto sua voz, é
como se ele conseguisse abrir caminho entre as trevas da minha alma, seu
toque faz meus demônios recuarem de volta á suas jaulas, esperando pelo
próximo momento em que serão úteis novamente.
Ouço sua voz me chamar, as palavras ditas com ternura embalam minha
sanidade enquanto recupero o controle.
— Daniele — Meu nome — Meu amor — meu apelido carinhoso — Vai
ficar tudo bem — Meu refúgio.
Capítulo 33

Daniele
Sei que estou em seus braços, mas não consigo me mover, Lucas me
carrega para o carro, sentando no banco traseiro ainda comigo em seu colo,
fala alguma coisa para os homens que estão no banco da frente, mas não
consigo processar as palavras ou os rostos de quem nos acompanha.
A escuridão dentro de mim consome minha alma lentamente enquanto me
paralisa, esse processo, depois de libertar meus demônios, é sempre doloroso.
A reconstrução dos sentidos coroe-me por dentro. Fiz o que precisava, o que
eles mereciam, não consigo tirar os olhos pretos da menina da memória,
aquela expressão de desespero fica marcada em mim.
O reconhecimento do seu sentimento ativa meus gatilhos internos, seus
olhos são os mesmos dos meus quando encarava meu reflexo aos 10 anos de
idade, sozinha em meu quarto sempre que as lembranças me atingiam, a cor
dos olhos não importa quando a dor é tangível.
Não sei dizer quanto tempo levamos até o carro parar, reconheço o
caminho familiar da mansão, ele me trouxe para casa, o pensamento de ficar
sozinha lutando com meus demônios me assusta, e agarro sua camisa ainda
mais, sem coragem de encarar seus olhos, aperto meu rosto em seu peito em
busca de proteção.
Lucas entende, não precisa de palavras para saber que preciso dele, do seu
carinho, dos seus braços em volta de mim. Ouço meu pai falar algo, a voz de
minha mãe surge logo depois, triste e chorosa, parecem discutir algo.
— Não vou deixa-la — Lucas grita e me aperta ainda mais.
— Não é apropriado Lucas — meu pai contesta.
— Alphonse, ela precisa dele — minha mãe fala e com isso voltamos a nos
mover.
Estou em meu quarto, as paredes verdes e os móveis brancos são um
contraste perfeito com a escuridão que me domina, não parece certo estar
aqui, a sensação de pertencimento que sempre me acoberta, agora parece
ausente, meu quarto é delicado demais para o monstro.
Levanto o olhar calmamente, vejo minhas mãos cobertas em terra e algo
escuro, uma fuligem, sinto o cheiro da gasolina dominar minhas narinas, a
sensação de estar suja me acomete enquanto percebo que a camisa antes
branca de Lucas agora está completamente suja.
— Preciso de um banho — imploro quando consigo encontrar minha voz,
mas não parece eu, os sons saem fracos demais.
Ele não me coloca no chão como achei que faria, Lucas vai comigo até o
banheiro do meu quarto, liga o chuveiro com uma mão enquanto equilibra
meu corpo com a outra, agarro-me ao seu pescoço, precisando segurá-lo.
A água quente que sai do chuveiro chega até nós rapidamente, sinto meu
rosto umedecer, o calor aquece o ambiente, sinto as roupas de Lucas
encharcarem, estamos completamente vestidos embaixo do chuveiro.
Lucas acaricia meu cabelo, meu rosto, planta beijos em minha testa,
mantendo-me próxima a ele, seu amor é palpável e começa a empurrar a
escuridão de volta para sua caixa, trancando-se com os monstros.
— Vai ficar tudo bem — fala carinhosamente em meu ouvido, as palavras
doces transmitem paz e proteção.
— Desculpa — falo depois de um tempo — não consegui controlar.
— Eu sei.
Ele realmente sabe, entre todas as pessoas que me conhecem, meu pai é
quem possui a mesma escuridão que a minha, mas é Lucas que consegue
controlar-me, ele reconhece meus demônios e me aceita assim.
Movimento-me em seus braços até que ele me coloca de pé, ainda próxima
de seu corpo, Lucas me ajuda a tirar a roupa molhada, jogando-a em um
canto, depois pega o sabonete liquido e despeja um pouco na esponja,
passando-a pelo meu corpo, limpando a sujeira impregnada em mim.
O ato não é sexual, estou nua em sua frente enquanto Lucas me limpa, suas
mãos carinhosas passam pela minha pele enquanto seu olhar não sai do meu,
mantendo-me presa a ele, garantindo que estou bem, estou segura.
Lucas pega o shampoo no canto do box e passa um pouco em meu cabelo,
viro-me de costas para que consiga lavar melhor, suas mãos tão grandes e
pesadas são um contraste perfeito com o toque calmo e delicado.
Depois de enxaguar-me desliga o chuveiro e envolve meu corpo na toalha
grande e macia. Ainda está completamente vestido, o terno de três peças
totalmente molhado faz uma bagunça no chão quando ele sai comigo em seus
braços novamente, colocando-me na cama embaixo das cobertas.
— Já volto — promete dando-me um beijo no rosto e volta ao banheiro.
Escuto o barulho de roupas sendo jogadas em algum lugar, portas abrindo e
fechando, então ele sai do banheiro somente com uma toalha amarrada na
cintura e deita ao meu lado.
Seu corpo nu envolve o meu e volto a sentir o calor do seu abraço, a
proteção que somente Lucas me transmite. Deixo-me envolver nesse
momento e relaxo, sentindo a tensão acumulada do dia, o cansaço por tudo o
que fiz me atinge quando fecho os olhos, concentrando-me em ouvir sua
respiração, descanso a cabeça em seu peito e o som do coração de Lucas
batendo me embala em um sono profundo.

✽✽✽

Acordo com lágrimas nos olhos, o coração disparado e a lembrança dos


olhos da menina, sinto o desespero do pesadelo me dominar quando braços
fortes me apertam, reconheço esse abraço e a voz que chama meu nome,
tirando-me do inconsciente.
— Daniele, acorda, está tudo bem. — A voz de Lucas me acalma, fazendo-
me abrir os olhos, precisando da confirmação de que ele está aqui. Encontro
seu rosto preocupado me encarando, percebo que o quarto está escuro, a
única luz vem da janela onde a lua ilumina a cama.
Agarro-me a ele com todas as forças e colo meus lábios nos seus,
precisando beijá-lo, sentir seu gosto, tocá-lo e fundir nossos corpos. Logo
Lucas aprofunda o beijo, sua mão sobe pela lateral do meu corpo,
encontrando-me nua embaixo dele. As toalhas que antes eram nossa única
proteção já não estão mais entre nós, e sua pele quente se prende a minha.
Sinto o fogo ascender dentro de mim, precisando tê-lo agora, a necessidade
de unir nossos corpos grita quando passo minhas pernas pela sua cintura e o
empurro de costas na cama com dominância, assumindo o controle.
— Daniele. — Sua voz sai em tom de alerta, precisando de uma
confirmação de que é isso que eu quero.
— Preciso disso, preciso de você, agora — falo enquanto beijo seu
pescoço, sentindo o cheiro familiar do homem embaixo de mim. Seu membro
já acordado pulsa entre as minhas pernas.
Quero dominá-lo, a necessidade de estar no comando de algo grita quando
uno suas mãos acima da cabeça e o prendo com uma das minhas, Lucas não
resiste, não uso força no aperto nem tento fazê-lo ceder assim, só indico o
que quero e ele faz, mantendo suas mãos longe de mim e deixando-me no
controle.
Volto a beijá-lo, seus lábios se abrem para mim enquanto nossas línguas
dançam juntas, um gemido escapa dos seus lábios quando desço a mão pelo
seu peito, parando meu dedo em seu mamilo direito, tão sensível que o faz
arquear as costas com um simples toque.
Trilho um caminho de beijos em sua barba, pescoço, clavícula, indo em
direção ao peito duro e perfeito de Lucas, esse homem é uma perdição, passo
a língua lentamente ao redor do mamilo esquerdo e baixo minha mão direita
em direção ao seu membro.
Desço meu corpo e sento-me em suas pernas, dando liberdade para seu
pênis ereto saltar, pego-o com minha mão e começo a acariciá-lo. Lucas
geme acima de mim, respirando fundo, tentando controlar os sons que saem
de sua boca.
— Puta que pariu Daniele — fala entre dentes, segurando com força a
cabeceira da cama, encarando-me enquanto desço meu rosto ainda mais,
beijando os gominhos do seu abdômen, torturando-o como sei que ele gosta.
— Fala que me ama — ordeno antes de descer ainda mais com minha
boca, passo uma mão pelas suas bolas e a outra faz o movimento de sobe e
desce em seu pau.
— Merda, eu te amo mulher — solta em um gemido, ainda tentando
controlar o volume da sua voz.
— Bom garoto.
Adoro como as palavras saem cheias de certeza, é exatamente disso que
preciso agora, domínio, controle e poder.
Sorrio e passo a língua molhada na cabeça rosada do seu pau, Lucas
estremece embaixo de mim, as mãos vindo em direção ao meu rosto, olho
para cima e vejo-o me encarar, os olhos pretos como a noite brilham com o
sentimento inconfundível de amor e adoração.
Volto minha atenção a ele, precisando sentir seu prazer, meu corpo todo
queima enquanto Lucas geme baixinho, as mãos envolvem meu cabelo em
um coque, segurando o emaranhado descontrolado de fios para que não me
atrapalhem.
Passo a língua por todo seu comprimento, umedecendo seu pau da base até
a ponta e o abocanho, levando-o inteiramente para dentro da minha boca,
chupando e tirando, enrolando minha língua nele, sinto seu gosto e chupo
com ainda mais vontade, aumentando a intensidade dos movimentos, a cada
gemido que Lucas solta eu aumento ainda mais a velocidade.
— Eu vou gozar — avisa, apertando meus cabelos e tentando se controlar.
— Quero você dentro de mim — falo enquanto volto a montá-lo.
— Camisinha — fala antes que eu suba nele, por sorte tenho um pacote na
mesinha de cabeceira. Viro-me rapidamente e alcanço a gaveta, encontrando
a camisinha e abrindo o pacote, preciso senti-lo dentro de mim.
Desenrolo o preservativo em seu comprimento e volto a montá-lo, dessa
vez não paro, posiciono seu membro em minha entrada e me abaixo ao seu
encontro, sentindo-o me preencher completamente, suas mãos agora então em
minha cintura, puxando-me para mais perto, agarro seus ombros enquanto
cavalgo, subindo e descendo lentamente.
Essa é a conexão que preciso para sentir-me completa, Lucas é minha
âncora ao mundo real, meu porto seguro, meu melhor amigo e meu homem.
Em seus braços sou somente Daniele, sinto-me poderosa, feliz, e
principalmente completa.
Intensifico os movimentos e sinto o calor do orgasmo chegando, encontro
seu olhar e me abaixo para beijá-lo, precisando da sua boca, engulo seus
gemidos e sinto nossa respiração rápida, entregue ao prazer, suas mãos
apertam minha bunda quando ele segura meu corpo e começa a mover-se
embaixo de mim, rapidamente com estocadas firmes, deixo que comande os
movimentos.
Levo uma mão em meu clitóris e o acaricio, precisando desse toque a mais,
sinto a perdição se aproximar quando um orgasmo intenso me domina no
mesmo momento que Lucas geme embaixo de mim, seu membro pulsa
enquanto meu orgasmo o aperta.
A intensidade me arrebata quando desabo em cima dele, descanso meu
rosto em seu peito, acaricio sua barba com uma mão, sinto sua respiração
pesada e ouço seu coração batendo forte em seu peito, suas mãos acariciam
minhas costas e sinto-me leve.
É isso que Lucas faz comigo, ele é a luz que ilumina minha escuridão, é
minha âncora com a sanidade e meu porto seguro, em seus braços sinto-me
livre.
Capítulo 34

Lucas
28 anos de idade

Estou nervoso e ansioso, o casamento será daqui a três meses e tenho tanta
coisa ainda para resolver, a obra do apartamento atrasou e provavelmente só
irão entregar alguns dias antes do casamento, preciso garantir que a mudança
chegue com antecedência para que tudo seja organizado.
Daniele me deixou a cargo do apartamento, sua desculpa foi “Estarei
muito ocupada com assuntos do casamento”, mas eu sei que é porque ela não
tem muito interesse, por ela a gente comprava algo pronto e já mobilhado.
Então aceitei e contratei um arquiteto, esperando que ele tomasse para si
todo o trabalho. Clássico engano, cada decisão teve que ser revisada e
acompanhada, também descobri que sou um pouco controlador com meus
espaços, preciso que tudo esteja organizado conforme meus gostos.
Foram longos meses para chegar até aqui, mas finalmente estamos
terminando. E nosso apartamento estará pronto para se tornar nossa casa, não
vejo a hora de mostrar tudo para Daniele.
Sua desculpa de que estaria ocupada com o casamento foi só isso mesmo,
uma desculpa, porque todos os dias tenho que lidar com minha mãe ou
Amélia me ligando para decidir algumas coisas, porque Daniele não atende o
maldito telefone. Tentei conversar com ela, até brigamos algumas vezes, mas
nada fez com que ela colaborasse mais.
E adiciona a isso o fato de que Alphonse aumentou ainda mais as
responsabilidades dela com os assuntos da Família, ela realmente não tem
cabeça para muita coisa.
Daniele também passou a trabalhar ativamente com os Underbosses e
soldados na cobrança de dívidas, suas técnicas de tortura estão cada vez mais
aprimoradas, também são estes os momentos que ela libera seus demônios,
ela precisa disso para assumir o controle depois.
Nos últimos anos nossa relação fluiu, Daniele tentou correr, fugir do que
sentia, brigar comigo e descontar toda a sua frustração em seu pai, por tê-la
obrigado a entrar nesse casamento arranjado, mas nada foi forte o bastante
para acabar com nossa conexão.
Até que sua rebeldia passou, e ela finalmente teve certeza. Foram tempos
difíceis em nosso relacionamento, mas por ela eu aguentaria qualquer coisa, e
hoje tenho mais certeza ainda de que a amo, mesmo não tendo ouvido estas
mesmas palavras da sua boca.
Sinto que sente o mesmo, ela demonstra todos os dias, mas parece
bloqueada para falar as palavras, como se fosse um sinal de rendição, percebi
que ela também não responde quando seus pais falam que a amam, ela só
agradece, acho que Daniele nunca falou "eu te amo" para ninguém. Mas sou
paciente, sei que irá falar quando estiver pronta.
O difícil mesmo foi lidar com Alphonse quando percebeu que nosso
relacionamento já não era tão inocente, por sorte sai somente com um olho
roxo e alguns hematomas depois de um treino nada amigável de luta.
Acredito que só não fez mais que isso por influencia de Amélia, não sei o
que ela falou ou fez, mas de um dia para o outro Alphonse pareceu aceitar
nosso relacionamento, ou pelo menos resolveu não me matar mais.
As funções de Consigliere são exaustivas, a cada dia surgem novos
problemas, sou eu quem controlo as fontes nos órgãos do governo e lido
diretamente com informantes na polícia. Meu principal trabalho é saber sobre
tudo e antecipar qualquer ação que possa prejudicar a Família futuramente.
Lidar com políticos engomadinhos que pensam ter poder sobre alguma
coisa é um saco, são homens com o ego maior que o cérebro e precisam ser
constantemente lembrados de sua irrelevância.
Odeio lidar com esses homens, mas é meu trabalho e nada que uma ou
duas ameaças velada não resolva, no fim não passam de crianças medrosas.
Com Daniele a frente das empresas de fachada minha participação se
tornou cada vez menos necessária, ela é incrível, a cada dia me surpreende
com jogadas assertivas que trazem um retorno absurdo aos cofres da Família.
Os dias são corridos e exaustivos, mas não consigo imaginar minha vida de
outra forma.
Agora são seis horas da tarde e tenho um encontro com Daniele para
mostrar o apartamento a ela. Combinei com o arquiteto para que tudo esteja
organizado pelo menos.
A obra não está finalizada, faltam muitos detalhes, mas quero que ela veja
agora e, se por acaso queira mudar alguma coisa, ainda temos tempo.
Chego ao prédio e a primeira coisa que me chama atenção, como sempre, é
a mulher maravilhosa encostada em seu carro me encarando, o dia está
ensolarado, mas o clima não é tão quente. Daniele veio diretamente da
universidade, a calça jeans despojada, tênis all star preto e blusinha de
alcinha branca completam o estilo despojado.
Já a pele dos braços a mostra, coberta por tatuagens, e a bolsa serpenti
diamond blast, combinado com o carro blindado e o segurança ao seu lado,
quebram qualquer pensamento de que seja somente uma universitária
qualquer.
Vou até ela e vejo seu olhar de falso tédio, demorei muito para conseguir
convencê-la a vir, tive que prometer que seríamos somente nós dois.
— Espero que esteja quase pronto — Daniele fala quando chego mais
perto, ela não está realmente entediada ou braba por estar aqui, sinto o tom de
brincadeira em sua voz.
— Sim senhora — respondo e cubro sua boca com a minha em um beijo
rápido, não nos vimos hoje e preciso dessa proximidade, o sorriso em seu
rosto denuncia que sente o mesmo — Vamos, quero te mostrar nossa casa.
Daniele revira os olhos com a brincadeira, mas pega minha mão e sorri
enquanto seguimos para a recepção. O porteiro já me conhece, então aceno
para o homem de meia idade que olha desconfiado para Daniele. Alberto e
Roberto entram conosco e sentam-se no sofá da recepção.
Vamos até o elevador privativo, digito a senha no painel e as portas se
fecham. Aproveito o momento para abraçar Daniele por trás, envolvendo seu
corpo todo com o meu e beijando seu pescoço, sinto o cheiro do perfume
amadeirado que me deixa louco e ouço sua risada leve enquanto se
aconchega em mim.
— Já estou gostando desse elevador — comenta me olhando pelo espelho
com aqueles olhos azuis tão sugestivos.
— Tem muito mais pela frente — respondo plantando um beijo em sua
bochecha. Estes são os momentos que mais amo, quando estamos sozinhos e
despreocupados, ela relaxa em meus braços e abaixa a guarda.
— Eu espero que sim, deixei de ir escolher os vestidos das madrinhas para
vir aqui. — O tom sério da voz é um contraste perfeito com o sorriso
escancarado em seu rosto, denunciando que usou essa visita como desculpa.
— Uma hora você vai ter que decidir alguma coisa sobre nosso casamento.
— Eu já decidi, escolhi o vestido de noiva e a lingerie, o restante minha
mãe pode lidar. — Seu sorriso safado atinge diretamente meu pau que já
começa a dar sinais de vida.
— Safada — sussurro em seu ouvido no momento que o elevador para na
cobertura e as portas abrem — Vem, se não vou te comer nesse elevador
mesmo.
O apartamento é grande, o elevador abre diretamente no hall de entrada
onde temos uma vista do espaço da sala, logo ao lado fica a cozinha aberta e
a escada para o segundo andar.
Entramos onde será a sala, a parede fechada por vidros a frente mostra a
varanda e área de festas, o único pedido de Daniele foi uma piscina e um
jardim externo.
Vejo o sorriso em seu rosto quando seu olhar pousa no deck, rodeado por
um jardim planejado, este prédio foi escolhido a dedo devido a estrutura
reforçada, a cobertura é toda nossa então é como uma casa no topo do prédio,
conseguimos plantar árvores de pequeno porte, colocar uma fonte e rodear o
apartamento em um jardim nos céus.
— Bom trabalho, um novo conceito esses bancos de saco de cimento. —
Brinca indicando os materiais empilhados em um canto.
—Para de ser chata, ainda não está pronto e a maioria das plantas vem
somente no final da obra — respondo, puxando-a para a escada — Tem mais
no segundo piso.
No topo das escadas temos três portas, dois quartos de hospedes e o quarto
principal, mostro os dois primeiros para ela que olha sem muito interesse,
então abro a porta para o nosso quarto, sentindo a ansiedade me preencher
enquanto entramos, foram meses planejando este espaço, pensando em cada
coisa, claro que falta muito, mas quero que ela goste.
— Uau — seu espanto me atinge, achei que Daniele não iria ligar para o
espaço ou faria alguma brincadeira, mas ela está realmente olhando para tudo
com atenção — É lindo Lucas — comenta enquanto vai até a janela com vista
para a cidade — Vou poder ser comida do topo de Nova York.
Claro que é nisso que ela está pensando, rio com a brincadeira e vou até
ela, passando meus braços pelo seu corpo, olho a vista a nossa frente, os
prédios no horizonte e o céu azul, realmente a cidade é linda do alto.
— Não vejo a hora de te colocar contra esse vidro e te comer por trás
enquanto admiro essa vista maravilhosa — Falo em seu ouvido e ela
estremece em meus braços.
— E o que você está esperando? — A resposta me pega de surpresa.
— Agora, nada — prendo seus cabelos em minha mão e puxo para trás,
garantindo acesso ao seu pescoço, vejo o sorriso safado no reflexo do vidro
— Você gosta né?
— Adoro te dar esse gostinho de poder — Daniele provoca, nossa relação
não é baseada em um dominando o outro, nem na vida e nem na cama, mas
as vezes gosto de tê-la entregue, deixando o controle em minhas mãos.
— Gostosa — sussurro em seu ouvido e sinto sua pele arrepiar enquanto
acaricio seu peito, desço ainda mais em direção ao botão da calça jeans. Abro
com agilidade e coloco a mão delicadamente dentro da calcinha de renda,
sinto a umidade familiar de sua excitação.
Afasto suas pernas ainda mais, dando acesso a meus dedos, que dedilham a
entrada da sua boceta gostosa.
— Assim você me mata — Geme, mordendo o lábio inferior, suas mãos
habilidosas abrem minha calça e agarram meu pau por cima da cueca, estou
duro há tempos e ela sabe disso, seu olhar encontra o meu no reflexo do vidro
quando solto seu cabelo.
Baixo minha calça e a cueca, libertando meu membro enquanto ela me
masturba lentamente, as mãos frias são um contraste perfeito com minha pele
em chamas. Aumento a intensidade do movimento de minha própria mão em
seu clitóris e sinto seu corpo estremecer em excitação.
— Ainda não — falo quando paro o que estava fazendo e abaixo sua calça
e calcinha, tiro sua mão do meu pau e prendo atrás das costas, forçando que
se curve contra o vidro, ela entende e empina ainda mais a bunda em minha
direção. Solto-a tempo o suficiente para pegar a camisinha e rolar pelo meu
membro antes de penetra-la por completo em um único movimento.
Um gemido forte escapa pelos seus lábios e minha respiração falha com a
sensação de preenche-la, é como estar em casa, sua boceta quente engloba
todo o meu pau enquanto a penetro, começo com movimentos lentos mas
logo não aguento mais e estoco com mais força, prendendo seu braço para
trás com uma mão e com a outra dou um tapa de leve naquela bunda deliciosa
em minha frente.
Prefiro quando estamos completamente pelados, a visão de suas tatuagens
me excita demais, mas os sons das roupas balançando a cada movimento é
delicioso, como se o que estamos fazendo fosse proibido.
Os gemidos de Daniele fiam cada vez mais altos enquanto fodemos, estou
quase e sei que ela também está.
Solto sua mão e volto a trabalhar em seu clitóris, quero gozar junto com
ela.
— Lucas — Daniele grita e sinto suas paredes apertarem meu pau, é minha
perdição e gozo com uma ultima estocada forte, continuo acariciando seu
clitóris até que suas pernas percam as forças e ela agarra meu braço para
equilibrar-se.
— Puta que pariu — digo ofegante em seu ouvido, não consigo parar de
olhar para o reflexo de uma Daniele descabelada e sorrindo com os olhos
fechados, a mulher mais linda desse mundo está comigo, o sentimento de
felicidade toma cada célula do meu corpo quando coloco o que sinto em três
palavras — Eu te amo.
Vejo seu sorriso alargar-se enquanto seus olhos se abrem e encontram os
meus, Daniele não fala nada, mas sua expressão é prova do que sente. Beijo
seu pescoço carinhosamente, sentindo seu cheiro enquanto saio de dentro
dela.
— Vai ser uma delicia transar em cada cômodo da nossa casa — Daniele
fala enquanto volta a se vestir — Não vejo a hora de começar nossa vida
juntos.
O céu em nossa frente começa a mudar de cor enquanto o sol se põe, o azul
sendo substituído por tons de roxo e laranja, a visão é linda, mas não consigo
tirar os olhos da mulher em meus braços, Daniele olha para o horizonte e
descansa a cabeça em meu peito perdida em pensamentos, aperto ainda mais
meus braços em seu corpo e beijo o topo da sua cabeça.
Capítulo 35

Daniele
21 anos de idade

Minha mãe está me deixando louca, quando falei que não queria um
casamento grande, que por mim nós iriamos até o cartório e pronto, ela bateu
o pé e insistiu, então avisei que não tinha tempo para essas merdas e ela e
Cora que lidassem com tudo.
Não me importo com as drogas de enfeite de mesa, a bendita banda,
flores, cadeiras, igreja, lembranças, e mil e um detalhes que elas querem me
fazer decidir. Não tenho tempo para isso, meu pai sabe e até tenta me ajudar a
despistar as duas, mas às vezes elas conseguem me encurralar, como agora.
Amélia e Cora vem em direção ao meu escritório na sede das empresas
Corleone, as duas nem esperam ser anunciadas e abrem as portas antes que
minha secretária consiga pará-las. Faço sinal para Victória que está tudo bem,
mas ela sabe ler minha expressão melhor que ninguém, e não estou nada feliz
com isso.
— Olha quem está viva — Minha mãe vem até onde estou e, sem esperar,
me abraça e beija, prendendo-me em seus braços para que não possa fugir —
Viemos te dar uma carona já que seu carro quebrou.
Usei a desculpa de que meu carro estava na oficina e não poderia ir a
degustação final do cardápio do casamento, também falei que não estaria no
escritório então meu pai ou Lucas devem ter entregue minha mentira.
— Mãe, não tenho tempo para isso — falo tentando controlar minha voz
para não ser rude com ela — Se está bom para vocês tenho certeza que será
maravilhoso.
— Não minha filha, dessa vez não vou cair nessa, você vem com a gente,
já falei com Alphonse e Lucas e eles garantiram que podem dar conta das
coisas aqui — ela entrelaça seu braço no meu, pega minha bolsa de cima da
cadeira e praticamente me arrasta para fora do escritório com Cora logo atrás.
— Victória, cancela minha agenda para hoje, qualquer coisa passe para
meu pai — ordeno a secretária que acena em concordância.
Alberto já está esperando ao lado do carro preto com a porta aberta, ele
não me encara diretamente porque sabe que eu preferia sair correndo a entrar
nesse carro.
Meu humor está uma merda, um dos nossos bares foi atacado ontem, o
“vinho branco” é nossa danceteria mais exclusiva e teve a entrada lateral
explodida, por sorte ninguém se feriu, tenho certeza de que foi só um aviso
dos malditos Russos que continuam forçando suas drogas no nosso território.
Estou puta com tudo isso, depois que acabei com os Vipers eles haviam
recuado, mas nos últimos dias voltaram com os ataques pequenos, como se
estivessem se preparando para algo maior, no fundo da minha mente a voz
que me acompanha está em alerta.
— Filha, sai dessa cabecinha preocupada. — Minha mãe tenta desviar
minha atenção para ela e encaro seus olhos verdes, Amélia está linda em um
conjunto de calça e casaco de alfaiataria social vermelho, é a sua cor favorita.
— Eu não tenho tempo nem vontade pra isso mãe, já aceitei o casamento
grande e pomposo que você quer, não quero planejar tudo isso. — O cansaço
da semana conturbada me atinge quando largo meu corpo no banco
confortável do carro.
— Só quero passar uma tarde com a minha filha, fazem meses Daniele,
logo você estará casada e fora de casa, eu nunca mais vou te ver. — O
joguinho emocional da minha mãe já não me é tão apelativo, ela usa essa
mesma frase toda vez que quer me obrigar a fazer alguma coisa com ela, mas
sempre funciona, especialmente combinado com seus olhos que me encaram
em uma expressão triste, ninguém consegue dizer não para essa mulher.
— Para com isso, estou aqui não estou? Ou você acha realmente que me
arrastou com força física? — brinco com ela, fazendo-a sorrir, Amélia não é
alta e muito menos musculosa, seu corpo é magro e um pouco definido, seu
único esporte é a yoga e algumas aulas de dança.
Treino diariamente musculação, luta e corrida, minha mãe não seria
capaz de me arrastar com força física. Ela sabe disso e sorri da minha
brincadeira.
Percebo que paramos logo em frente à mansão dos Costello, somente a
porta de Cora abre e ela se despede com um sorriso antes de sair.
— Dona Amélia Corleone, para onde a senhora está me levando? —
Questiono quando voltamos à estrada.
— Hoje vamos ter um dia das garotas no SPA da Família.
O sorriso maquiavélico que me lança quando percebe que estou
começando a entrar em desespero me faz querer pular do carro em
movimento.
Odeio SPA, não suporto ficar parada por horas em uma banheira de lama,
ou ter que deitar e “relaxar” enquanto um estranho aperta meu corpo em uma
massagem.
Minha mãe sabe muito bem disso e está fazendo de propósito, tem algo a
mais nesse dia que ela ainda não me contou.
— Tudo bem, preciso relaxar mesmo, espero que os massagistas sejam
tão bons quanto Lucas, e no mínimo mais gostosos, me recuso a pagar por
um serviço quando tenho algo melhor em casa. — Finjo estar interessada
para ver sua reação, e consigo o que quero quando seus olhos se abrem em
descrença.
— Você é filha do seu pai mesmo — revira os olhos antes de continuar
— Quero um dia com você porque precisamos conversar.
— Sobre o que?
— Alberto — Amélia chama meu segurança, sem responder minha
pergunta — Esquece o SPA, vamos direto para casa — ordena e fecha o
vidro que separa o motorista e Alberto de nós.
No caminho de casa minha mãe não fala nada, o que é muito estranho,
Amélia não fica quieta quando tem um tempo a sós comigo, já que não
conseguimos nos ver muito. Me culpo por isso, mas os dias são corridos
demais e quando chego em casa a noite ela já foi dormir.
Chegamos a mansão Corleone e ela sai primeiro, com os passos rápidos
em direção ao escritório, tem alguma coisa a incomodando, eu sabia que essa
história de SPA e passar um tempo comigo era só fachada.
Sento na cadeira do meu pai enquanto minha mãe vai até o bar e serve
duas doses de whisky puro, me entrega uma e senta ao meu lado.
— O que está acontecendo mãe? — pergunto com cuidado, sua atitude
me deixa nervosa. Ela toma um gole generoso da bebida e fecha os olhos,
respirando fundo, reunindo coragem para começar a falar.
— Você é feliz filha? — pergunta com a voz triste.
De todas as perguntas que minha mãe poderia fazer, este é a última que
esperava. Encaro seu rosto preocupado, as pequenas marcas de expressão
aparecem quando aperta os olhos para me olhar, está tensa aguardando minha
resposta.
— Por que você está perguntando isso agora, dona Amélia? — Tento
aliviar o clima pesado chamando-a de dona, ela odeia.
— Essa não foi a vida que sonhei para minha filha, na verdade o que
sonhei para você é uma utopia em nossa realidade, mas nunca imaginei que
seria assim.
— Eu sou feliz com Lucas mãe, nosso relacionamento não é uma
fachada, achei que você já tinha percebido isso.
— Sim filha, sei que vocês se amam — fala as palavras com carinho, me
olhando enquanto um pequeno sorriso passa pelos seus lábios — Mesmo que
você ainda não tenha falado isso para ele, é incontestável para qualquer um
que veja vocês juntos.
— Então sobre o que você está falando mãe? Estou ficando preocupada.
— Você quer mesmo essa vida? Liderar a Família, se tornar Capo,
assumir todas as responsabilidades que vem com isso — uma lágrima
solitária cai pelo seu rosto enquanto continua — Eu sei tudo o que seu pai
passou até agora, e não sou inocente para o que vocês fazem quando saem de
casa, posso ser uma esposa, lidar com as organizações e ficar mais afastada
disso tudo, mas sei sobre tudo filha.
Depois do meu último episódio em que botei fogo no grupo de
motoqueiros, minha mãe anda mais preocupada comigo, Lucas contou que
ela vem fazendo perguntas a ele para saber sobre meu estado psicológico.
Isso me incomodou no começo, porque se ela queria perguntar algo
poderia falar diretamente comigo, mas eu não seria honesta com minha mãe,
ela nasceu na máfia e passou por tantas tragédias na sua vida, não quero ser
mais um peso em sua mente toda vez que saio de casa.
— Mãe, estou bem, posso lidar com isso assim como o meu pai, não
precisa se preocupar — tento acalmá-la pegando em sua mão, mas ela
continua chorando e me encara com o olhar descrente.
— É exatamente por isso que me preocupo, sei o preço que essa vida
cobra, sou eu quem o recebe em casa depois de fazer o trabalho sujo, quem
está ao seu lado quando o peso de tudo é mais forte do que ele pode suportar.
— Mãe, olha para mim — levo a mão ao seu queixo e viro seu rosto para
encarar seus olhos, ver esta mulher tão forte, que passou por tanta coisa até
agora, chorando por minha causa provoca um aperto doloroso em meu peito
— Não é fácil, nunca vai ser, sei disso mãe, estou ciente do peso das minhas
decisões e do preço da vida que escolhi.
— Como você vai ser feliz tendo que fazer isso Daniele? Como alguém
pode ser feliz torturando e matando pessoas!
— Essa parte tão escura e pesada não é toda a minha vida mãe, a Família
é muito mais do que isso, e é no restante que foco minhas energias. Penso em
todos que dependem de nós para sobreviver, defendo nosso território para
que as drogas não tomem conta e mais famílias percam seus filhos para o
crime organizado, protejo as empresas que custeiam os orfanatos, tudo isso
também é minha responsabilidade.
Minha mãe me encara atentamente enquanto processa o que falo, ela sabe
melhor do que eu sobre tudo isso, a vida na máfia não é só sangue e
violência, são apenas medidas necessárias para garantir que o restante seja
maior.
— E eu tenho Lucas ao meu lado quando meus demônios precisam tomar
conta, ele é minha luz, assim como você é a do papai — esclareço enquanto
seco suas lágrimas e a puxo em um abraço — Esta vida não é um conto de
fadas mãe, isso não existe, todos temos partes boas e ruins em nosso ser, mas
este é o caminho que escolhi, eu pertenço a essa vida, ser a Capo da Família
Genovese é meu destino, não por ter nascido com esse direito, mas sim
porque sinto dentro do meu peito que é o meu lugar.
Ela me abraça mais forte enquanto suas lágrimas molham meu pescoço,
afago suas costas carinhosamente para consolá-la.
— Você é uma mulher forte, Daniele, tenho muito orgulho de ser sua
mãe.
— Só sou forte porque tenho você como inspiração, mãe. Nunca foi meu
pai, a pessoa mais forte e resistente em minha vida é você — declaro,
sentindo as lágrimas tentarem sair pelos meus olhos — Amélia Corleone, eu
sou feliz por ter uma família que me ama e me apoia, um noivo que me
entende e aceita minha escuridão, amigos que são suporte nas horas mais
difíceis, e principalmente uma meta de vida a seguir que sei não é fácil, mas é
exatamente onde meu coração quer estar.
Capítulo 36

Lucas
Já são sete horas da noite e estou a caminho de casa, teremos um jantar
especial, os dois melhores amigos de Daniele chegaram para o casamento e
ela insistiu em reunir a família para apresentá-los.
Sei que são pessoas especiais na sua vida, vi o quanto estava ansiosa para
recebê-los, afinal não se encontram pessoalmente ha três anos, mas continuo
sentindo um pequeno desconforto em saber que são dois homens.
Ela não entrou em detalhes sobre os motivos de não poder visitá-los ou
eles viajar para os Estados Unidos antes, só me falou que a situação era
complicada demais.
Confesso que no começo senti uma pontada de ciúmes desses amigos, é
difícil saber que sua noiva confia mais em dois homens que estão do outro
lado do oceano do que em você. Fora que fiz uma pesquisa sobre eles,
Ricardo Moretti está no caminho de se tornar o Capo de sua Família, é um
homem alto como eu, tão forte como esperado, e bonito demais para andar de
conversinha com Daniele.
Todas as fotos que consegui dele são de paparazzi, em todas está
acompanhado de Gian, o outro homem na vida de Daniele, os dois juntos
parecem galãs de novela.
Ela não me deu explicações sobre eles, só falou que deveria respeitá-los e
confiar nela. E foi isso que fiz até agora, mesmo que aquela pontinha de
ciúmes continue em minha mente toda vez que ela conversa e ri com seus
amigos pelo telefone.
Hoje irei conhecê-los, vieram sozinhos a convite de Daniele, que
conseguiu convencer o pai de Ricardo que ele estaria a salvo aqui. A Família
Genovese tem ligações comerciais com a Família Moretti, mas todos sabem
que na máfia não se confia nem na própria sombra.
Foram meses de conversa entre Daniele e o Capo da família Moretti, mas
ela conseguiu convencê-lo. Sei que para ela é muito importante ter seus
amigos presentes.
Estaciono o carro na garagem, são meus últimos dias morando nesta casa,
o lugar que cresci, tantas memórias causam um aperto em meu peito, a falta
do meu pai se tornou ainda mais difícil de lidar nos últimos dias.
Gostaria tanto de tê-lo comigo, sei que estaria feliz por mim, por ter me
aberto para o amor, mesmo que este tenha sido seu plano. Minha mãe se
tornou uma manteiga derretida, sente muita falta dele também e vive falando
sobre quanto meu pai estaria orgulhoso de mim.
Entro em casa, o ambiente já está cheio de gente, vejo minha mãe, Amélia
e Sara conversando animadamente em um canto da sala, provavelmente
falam sobre o casamento, cumprimento-as com um aceno enquanto vou ao
outro lado da sala.
Alphonse está sentado em uma poltrona de frente para a porta, com o
semblante claramente desconfortável, está tenso e exala dominância, quando
me vê levanta-se e vem até mim.
— Você sabia disso? — pergunta baixinho, o olhar em pânico quando
indica o grupo que conversa animadamente na sala de estar.
Olho na direção dos três e entendo, Daniele está sentada em uma poltrona
e sorri enquanto conversa com os amigos, sua postura é leve e feliz, tão feliz
que nem me viu chegar.
Mas o que chama a atenção mesmo são os dois homens sentados no sofá
em sua frente, de mãos dadas, lado a lado, como um casal.
Então esse é o segredo que Daniele não quis me contar, porque não é seu.
Ela levanta o olhar e finalmente percebe que estou aqui, seu sorriso vacila
momentaneamente e a postura fica tensa, vejo seus amigos mudarem também
e Gian solta à mão de Ricardo como se tivesse levado um choque.
Vou até Daniele, que levanta-se para me cumprimentar com um abraço,
beijo seu rosto e viro-me para seus amigos. Com um sorriso tento acalma-los.
— Sejam muito bem-vindos, Daniele falou tanto de seus melhores amigos,
é um prazer finalmente conhecê-los — falo enquanto estendendo a mão.
O primeiro a se erguer é Ricardo, percebo sua postura dominante quando
coloca o corpo em frente à Gian, tão alto e poderoso quanto eu, em um claro
sinal de proteção. É o mesmo que Daniele faz comigo todas as vezes que
estamos em alguma situação perigosa.
— Obrigado por nos receber — Ricardo responde em um inglês perfeito
— É um prazer conhecer o homem que conseguiu conquistar nossa garota.
Seu aperto é forte, sinto todo o carinho em sua voz quando fala sobre
Daniele, percebo o tom de proteção também, afinal ele é filho do Capo, a
semelhança entre Ricardo e Daniele começa a aparecer quanto mais reparo no
homem.
— Sua casa é maravilhosa. — É a vez de Gian falar enquanto me
cumprimenta. As poucas palavras e o vermelho em seu rosto indicam seu
desconforto, então sorrio para ele também, quero demonstrar que eles não
têm o que temer aqui.
— E isso foi melhor que o esperado — Daniele solta enquanto me abraça,
relaxando em um aperto de agradecimento — Vamos nos sentar, o jantar
ainda vai demorar e quero aproveitar cada minuto.
Demora um pouco, mas ao perceber que não sou uma ameaça, os homens
relaxam e a conversa volta a ser animada, o clima alegre e feliz do momento
é contagiante.
São poucas as pessoas que conseguem acalmar Daniele, sua personalidade
relaxada e brincalhona é guardada a sete chaves, somente para aqueles que
são realmente especiais. Vendo-a tão feliz com seus amigos, não tenho outra
alternativa se não ficar feliz também.
Sua confiança não é algo que vem fácil, e se Daniele confia neles é a única
coisa que preciso saber.
O jantar é servido e todos conversam animadamente, menos Alphonse, que
está calado, Daniele também percebe e sinto um olhar de impaciência nela
quando encara o pai. Amélia parece a ponto de explodir com o marido, não
vai demorar muito para que o clima mude.
Depois de comer os homens pedem licença para dormir, o voo foi longo e
estão cansados, Daniele sobe para mostrar o caminho e dizer boa noite, então
Alphonse faz sinal para que o acompanhe até o escritório.
— Você sabia? — pergunta indo diretamente ao assunto quando fecho a
porta atrás de mim.
— Sobre o que? — decido provocá-lo ao fingir que não sei sobre o que
está falando — Sobre eles, estão juntos — as palavras saem com desdém de
sua boca — Moretti jamais permitiria que seu Herdeiro fosse...
Ele não completa a frase, parece estranhamente incomodado com isso, não
consigo acreditar que Alphonse, justamente ele, o Capo que está lutando com
unhas e dentes para mudar as tradições da família e fazer de sua filha a
próxima líder, esteja agindo com tamanho preconceito.
— Não acredito no que estou ouvindo — respondo em descrença — O que
você tem a ver com a vida dos dois?
— Por Deus Lucas, você também não. — O Capo parece absorver minhas
palavras, mas seu tom é ainda mais desafiador enquanto caminha de um lado
para o outro.
— Não é da minha conta com quem outras pessoas se relacionam — jogo
as palavras que minha mãe me ensinou — Não tem nada de errado.
— Nada de errado? São dois homens! — Sua voz se altera enquanto as
palavras saem com todo o desprezo possível.
— E o que isso muda para você pai? — Daniele entra no escritório,
encarando o pai com a expressão de ódio, jamais vi seus olhos azuis tão
intensos como agora.
— Daniele, isso não é normal, ele será o próximo Capo, a Família Moretti
é tão grande e poderosa quanto a nossa, mas suas tradições são ainda mais
restritas — Alphonse tenta convencê-la, mas sua postura muda ao perceber a
forma que sua filha o encara.
— O que não é normal é que meu pai, o homem que mais admiro nesse
mundo, que lutou contra tudo e todos para quebrar as barreiras machistas e
me dar a oportunidade de ser quem sou, seja um homofóbico preconceituoso
com meus melhores amigos — as palavras saem cortantes, sei que dói nela
dizê-las, sei o quanto Daniele admira o pai — Jamais pensei que fosse chegar
o dia em que eu teria vergonha de ser sua filha.
Falando isso ela vai a passos rápidos em direção à porta de entrada,
alcança a chave do carro e sai. Lanço um olhar de repreensão para Alphonse
e vou atrás dela.
Capítulo 37

Daniele
21 anos de idade

Jamais esperava essa atitude do meu pai, ele sempre tratou Lyane bem,
inclusive quando ela trouxe a namorada para um jantar em nossa casa, meu
pai agiu normalmente, sem contar minha madrinha Lilian, que todos sabem
ser do vale. Ai hoje, do nada, ele decide fazer isso, e com meus melhores
amigos.
Lucas não falou nada quando entrou no carro comigo, sabe que estou a
ponto de explodir, conhece meus momentos de raiva melhor que ninguém,
exatamente por isso deixo que venha comigo.
Dirijo direto para uma das academias da Família, é o local mais próximo
com um ringue, não estou nem com tempo e muito menos com vontade de ir
para casa e correr o risco de encontrar meu pai.
Pego a primeira luva que encontro de uso público, está bem surrada e
fedida, mas não me importo, só preciso bater em alguma coisa. Lucas tira o
paletó e a gravata, coloca a outra luva e me aguarda no ringue. Meu vestido é
justo no corpo, mas o tecido não atrapalha meus movimentos, então só tiro o
salto e subo com ele.
Sem uma única palavra começamos um “sparing” não muito amistoso,
tento controlar minha raiva para não acertá-lo, afinal, de todas as atitudes que
imaginei que Lucas fosse ter ao descobrir que meus amigos são gays, aceitar
é o mínimo, mas defendê-los contra meu pai foi inesperado.
— Vamos Daniele, solta tua raiva, eu aguento.
Sua voz me acorda e começo a realmente descontar minha raiva nele,
treinamos juntos quase todos os dias, mesmo assim não tenho força para
ganhar dele, mas posso acerta-lo. Com o tempo sinto o cansaço corporal
aquietar minha mente, o suor leva embora um pouco da raiva enquanto
lutamos.
— Não acredito no meu pai — começo a falar, a indignação em minha voz
é palpável — Não sei o que pensar, estou com tanta raiva dele por agir assim,
quem ele pensa que é?
Lucas não responde, me deixa divagar sobre minhas angustias, sabe que
não preciso que ele resolva isso por mim, está aqui para me ouvir.
Depois de um longo tempo batendo, gritando e xingando, estou cansada e
sento no ringue, pego a garrafa de água que me alcança e bebo um gole
enquanto ele senta do meu lado, a camisa branca colada ao corpo, encharcada
de suor, deixando o tecido transparente e seus músculos a mostra, as
tatuagens escuras por baixo são como uma obra de arte em sua pele perfeita.
— Ele vai cair na real — fala referindo-se ao meu pai — Alphonse é um
cabeça dura às vezes, mas sabe quando erra e no momento que viu você
chegar, sabia que estava errado. Vai se desculpar.
— Desculpas vazias não significam nada — respondo — Prometi a
Ricardo e Gian que estariam seguros aqui, mas principalmente prometi que
ninguém iria julgá-los. Você não imagina o que aqueles dois passaram, o que
passam todos os dias tendo que esconder seu amor.
— Por que você não me contou? — pergunta.
— Não é meu lugar falar sobre os segredos dos outros — respondo com
tristeza — Eles se amam há tanto tempo, demoraram muito para se aceitar e
aceitar seus sentimentos, e são proibidos de demonstrar isso, de viver um
sentimento tão lindo e puro, porque a sociedade decidiu que não podem ser
quem são.
— Eles são especiais para você. — Não é uma pergunta, é uma
constatação.
— Ricardo e Gian foram meus primeiros amigos, me tiraram da solidão no
internato, me abraçaram e aceitaram em seu pequeno grupo, me apoiam
desde então, dia após dia, dando-me forças para continuar a lidar com tudo.
— Abro meu coração, ainda é difícil falar sobre os anos que estive sozinha.
— Entendo.
— Foi vivendo a relação deles que comecei a pensar em nós. — Encaro
seus olhos escuros, Lucas é a calmaria em pessoa, é meu porto seguro quando
preciso — Quando papai contou que iriamos nos casar, foi um choque,
porque nunca vi você dessa forma, pensava na nossa relação como amigos,
não me leve a mal, sempre te achei bonito, mas não pensava sobre isso sabe.
Sei que para ele foi o mesmo, portanto me entende.
— Então vi Ricardo e Gian se beijando, eles não me viram, mas pude
sentir a intensidade do que sentiam um pelo outro, demorou até que
confiassem em mim, mas depois presenciei a relação mais linda que poderia
imaginar — continuo enquanto lembro-me do passado — Cada toque
escondido trocado por eles era cheio de amor, um amor tão puro e lindo
assim não deve ser condenado. Estar com eles me fez pensar em nossa
relação, me fez sonhar em como seria nosso futuro, criei expectativas
impossíveis na época. — A lembrança me faz sorrir.
— Desculpa não estar à altura das suas expectativas, senhorita. — Brinca
comigo, sorrindo e passando seu braço pela minha cintura, precisando sentir
meu corpo mais próximo ao seu.
— Esta perdoado — descanso a cabeça em seu ombro — Mas o que queria
dizer é que eles são o motivo das minhas expectativas, sonhava em ter
alguém para cuidar como Gian cuida de Ricardo quando ele não consegue
entender alguma coisa, para amar da mesma forma que eles se amam quando
estão sozinhos, e para proteger como Ricardo protege Gian com a própria
vida, se necessário.
— Você tem — fala enquanto beija o topo da minha cabeça.
— Sim, eu tenho — confirmo.
— E a sua tia Lilian? — pergunta com curiosidade — ela não é casada,
vive uma vida reclusa e só aparece para publicar seus livros ou visitar a
família duas vezes por ano.
— Lilian é complicada, sei que foi casada antes de ir para a Itália mas logo
ficou viúva, , minha mãe falou que ela já teve uma companheira, mas não sei
o que aconteceu, elas me enrolam toda vez que pergunto sobre isso e vejo
minha madrinha triste quando o assunto vem a tona. Sei que tem algo a mais,
uma história do passado que nem meus pais nem minha madrinha pretendem
me contar — suspiro ao lembrar disso — Acho que todos tem segredos que
preferem manter escondidos.
— Acho que é algo normal, meu pai sempre foi contido ao me contar
histórias sobre o passado da Família Genovese, segundo ele tenho sorte por
ter nascido em uma época diferente.
— Meu pai me contou sobre meus avós e como ele foi criado, acho que
realmente temos sorte.
A lembrança da conversa que tive com meu pai me faz analisar seu
comportamento de outra forma. Não que isso seja desculpa para suas ações,
mas sua criação foi no mínimo complicada, viver na máfia é conviver e
aceitar esses preconceitos que acabam se tornando normais, é difícil mudar
este pensamento rapidamente.
— Mas nada justifica como ele agiu hoje — suspiro ao lembrar.
— Não justifica, meu amor. Nunca imaginei uma atitude dessas do Capo
— Lucas também está decepcionado com isso, e sua atitude aquece ainda
mais meu coração — Já vi muita coisa assim com nossos homens, a máfia é
preconceituosa, muitos vivem com pensamento tão atrasado.
— Somos uma nova geração, e prometo que vou lutar para mudar isso,
sob meu comando as coisas serão diferentes!
É uma promessa, sei o que isso implica e o quanto terei que lutar para
quebrar essas merdas todas que são tidas como leis, mas não deixarei que isso
continue, nem que tenha que usar da força para fazer cada um deles entender
que os tempos são outros.
Ficamos assim, em nosso mundinho particular por um tempo, sinto meu
corpo relaxar, a tempestade dentro de mim acalma-se, é isso que Lucas faz
comigo, ele me entende e me aceita, sua calmaria é o contraste perfeito a
minha tormenta.
Ouço o barulho de um celular tocando, Lucas levanta-se e vai até o paletó
que deixou jogado em um banco, pega o telefone e atende. Seu rosto antes
tão calmo altera-se rapidamente em sinal de desespero enquanto escuta a
pessoa do outro lado da linha.
Vou até ele, pedindo para que coloque a ligação no viva voz, assim que o
homem no outro lado volta a falar meu coração dispara.
— Eles foram interceptados enquanto procuravam vocês — Alberto fala
do outro lado da linha — o Capo saiu logo depois de vocês com Amélia,
recusou a escolta, depois de alguns minutos recebemos a ligação de Amélia
desesperada, falando que estavam sendo seguidos, então escutamos um
barulho forte de batida, e o Capo gritou.
— Alberto, o que meu pai falou? — pergunto rapidamente.
— Russos, Richard e drogas, a ligação estava cortando, só entendemos
essas três palavras antes do telefone ficar mudo.
Capítulo 38

Lucas
As palavras que Alberto pronuncia fazem sentido em minha cabeça,
Daniele também entende e fica em estado de alerta, seu olhar indica que um
plano está em formação enquanto vai em direção à saída, com o celular em
mãos vejo-a fazer uma ligação.
— Ricardo, preciso que você e Gian me ajudem, Alberto irá conduzi-los
até o ponto de encontro, nos esperem lá — as palavras saem em tom de
súplica, não é um comando, Daniele está pedindo ajuda — Lucas, mande
Alberto leva-los até a boate, enquanto isso reúna o maior número de homens
leais, eu sei onde eles estão.
— Precisamos ter calma, se Richard está envolvido com os Russos, vamos
agir com cautela. — Tento acalmá-la, sem sucesso, Daniele já está saindo da
academia em direção ao carro.
— Não temos tempo — fala enquanto me joga a chave — Vou me trocar
no banco de trás, dirija até a boate, se Richard está envolvido ele não irá
cometer o mesmo erro da última vez.
Subo no banco do motorista enquanto Daniele se troca, tirando o vestido e
colocando um conjunto de ginastica preto que sempre mantém no carro, bota
e um moletom cinza escuro.
— Qual é o seu plano? — pergunto quando ela pula para o banco da frente,
tirando as armas escondidas no painel do carro e prendendo o coldre no
corpo. Daniele não responde, conferindo as munições e carregando as armas
— Daniele, fala comigo — peço mais uma vez, agora não é hora de se fechar,
precisamos trabalhar juntos.
— Ainda não sei Lucas, se Richard está envolvido com os russos será
perigoso demais — suas palavras saem em desespero enquanto compartilha
seus pensamentos — Eles não deixarão meus pais vivos por muito tempo.
O maior medo de sua vida é perder as pessoas que ama.
— Daniele — chamo com a voz forte e controlada — Você precisa se
acalmar — mas ela continua mexendo nas armas em sinal de nervosismo —
Olha para mim, meu amor — ela ergue o olhar de encontro ao meu — Vamos
tirá-los dessa, eu prometo.
Sinto seu corpo relaxar um pouco e aqueles olhos azuis me encaram com
intensidade, seu rosto traduz uma batalha interna de sentimentos.
— Eu sei onde estão — fala finalmente enquanto chegamos à boate.
Alberto, Ricardo, Gian e Roberto nos esperam no escritório, Marcos e seus
dois seguranças também se juntaram ao grupo, todos nos aguardam tensos e
ansiosos.
— Daniele, o que está acontecendo? — Ricardo é o primeiro a perguntar,
vindo em nossa direção — Seu segurança não nos falou nada — completa
enquanto olha desconfiado ao restante dos homens na sala.
— Obrigada por vir — Daniele agradece e troca um olhar com o amigo,
que entende a gravidade da situação, da um passo para o lado e não faz mais
perguntas — Vou ser direta, O Capo e minha mãe foram sequestrados, o
principal suspeito é Richard, com a ajuda dos Russos.
Marcos olha para mim com um pedido de confirmação, mas não falo nada,
deixo que Daniele conduza seus homens.
— Antes de serem pegos meu pai deixou uma pista, suas últimas palavras
indicando o lugar para onde foram levados — Daniele fala seriamente —
Acredito que Richard não tenha agido sozinho, portanto somente os homens
de confiança devem ser chamados nesse momento.
— Tenho alguns homens que já estão em estado de alerta — Marcos
comenta — Devo chamá-los? — a pergunta é direcionada a mim novamente,
e Daniele percebe.
— Marcos, com a ausência do meu pai, a linha de comando é minha, Lucas
está aqui como Consigliere e irá agir como tal, você pode se dirigir
diretamente a mim ou encontrarei alguém que faça. — A ameaça explicita em
suas palavras pegam o homem desprevenido, Marcos arruma a postura e
abaixa os olhos em sinal de respeito.
— Não temos muito tempo — comento pegando meu telefone — Entrarei
em contado com nossos homens — digo a Daniele, que assente em
consentimento, voltando sua atenção ao restante do grupo.
— Gian, preciso da sua ajuda, não tenho tempo de procurar um técnico
agora, você ainda consegue entrar em qualquer sistema de segurança
remotamente? — pergunta, indo em direção aos amigos, estou escutando
enquanto envio mensagens aos nossos homens.
— Só preciso de um computador e uma rede de internet — Gian responde
confiante.
— Certo — responde em agradecimento — Ricardo, eu não queria pedir
isso pra você, desde já peço desculpas pela situação.
— Para com isso, por você faço qualquer coisa — o homem fala e sorri
com carinho para Daniele — Qual é o plano?
— Preciso que me ajude a invadir um galpão que provavelmente esteja
fortemente guardado por homens armados — as palavras saem como um
pedido de desculpas por envolvê-lo nisso — Vai ser perigoso, e entenderei se
for demais para você.
— Só me dê algumas armas!
Eles trocam um olhar, então Daniele assente e volta-se aos nossos homens.
— O restante de vocês vem conosco, assim que o Capo e minha mãe
estiverem a salvo, Alberto e Roberto ficarão encarregados de garantir a sua
segurança, primeiramente de minha mãe, depois do Capo.
As ordens são claras e os homens entendem, será uma missão de resgate,
mas não só isso, todos nos encaminhamos de peito aberto para fazer cumprir
nosso juramento.
Reunimos cerca de trinta homens feitos de confiança, Daniele aprova cada
um dos nomes, precisando garantir que são pessoas que seguirão suas ordens
de olhos fechados.
Faço o meu melhor para não me intrometer em sua liderança, percebo
alguns olhares desconfiados, no geral de homens que nunca trabalharam
diretamente com ela, enquanto Daniele organiza os grupos e da ordens, mas
me contento em ficar para trás, garantindo que todos estejam cientes e
preparados para o que está por vir.
— Lucas — ela vem em minha direção, apontando para seu carro,
pedindo-me que a siga — Preciso falar com você.
Entramos no veiculo blindado, fechando as portas, ficando sozinhos. Vejo
a dúvida em seu olhar, sinto seu desconforto, então passo minha mão pela
sua, o que mais quero agora é puxá-la para meus braços e protegê-la, mas sei
que não é o momento.
— Preciso que me prometa uma coisa — sua voz é carinhosa e sinto a
súplica e a dor nas palavras a seguir — Se em algum momento você precisar
escolher entre proteger a mim ou meus pais, você irá protegê-los.
Suas palavras são gentis, mas o significado é claro, ela quer que eu escolha
seus pais ao invés dela, precisa garantir que, se o momento chegar, não a
salvarei às custas das pessoas que quem mais ama.
— Você não pode me pedir isso — respondo sinceramente — Sabe que
farei de tudo para protegê-la.
— Eu sei — o sorriso em seus lábios não chegam aos olhos enquanto vem
mais perto e aperta minha mão — É por isso que você tem que me prometer.
— Não posso. — Sinto as lágrimas em meus olhos, mas forço-me a ficar
calmo, o momento parece uma despedida.
— Lucas, preciso de você, mas se não me prometer, não posso admitir que
venha comigo. — O baque do que aquilo significa me atinge, ela está me
dando uma escolha, ou prometo colocar seus pais em primeiro lugar ou
ficarei para trás. Daniele sabe que não a deixarei ir sozinha, que farei
qualquer coisa que me pedir.
— Eu prometo. — As palavras saem como ácido da minha boca, a
promessa formada aperta meu peito em desespero.
Então Daniele me puxa para si, selando com um beijo a promessa feita que
jamais poderá ser quebrada.
Capítulo 39

Daniele
Meu coração dispara em meu peito a caminho da área industrial de Nova
York, sei onde estão, nos últimos dias estávamos investigando um laboratório
de drogas escondido no território de Richard, um de nossos homens
infiltrados em Bronx trouxe a informação de que seu chefe estava envolvido
com o trafico na região.
É extremamente proibido o envolvimento dos membros da Família
Genovese com o trafico de drogas, por mais que nossos negócios sejam
sombrios, as drogas nunca fizeram parte disso. A polícia é muito ativa
quando o assunto é esse, e por isso é proibido.
Meu pai já havia me alertado de que o cerco estava se fechando sobre
Richard, diversas divergências em suas contas foram encontradas assim como
indícios de que estava desviando dinheiro da Família. Mas agora o homem
foi longe demais.
Percebo o quanto Lucas está nervoso, porém a máscara de controle em seu
rosto consegue enganar a todos, menos a mim. Pelo menos ele engana
alguém. Não consigo controlar meus pensamentos, tento manter o foco no
que preciso fazer, mas a cada minuto que nos aproximamos do local fico
mais nervosa.
— Você tem certeza que seu amigo consegue entrar no sistema de
segurança? — Lucas pergunta ao meu lado.
— Gian é o melhor Hacker que você pode querer, e para proteger Ricardo
ele fará qualquer coisa — respondo, colocando o fone sem fio no ouvido —
Pode confiar neles. — Sinto a necessidade de complementar, sei que Lucas
não conhece meus amigos e por isso não tem motivos para confiar.
— Confio em você — responde com um meio sorriso — Qual é o plano?
— Assim que chegarmos lá um pequeno grupo irá entrar pelo esgoto até
um bueiro próximo ao prédio, o primeiro comando é chegar à sala de
vigilância, que fica na terceira porta do primeiro corredor, então teremos
acesso às câmeras e controle sobre o prédio — explico a primeira parte do
plano.
— Quais os homens você irá mandar nesse primeiro grupo?
— Eu e Ricardo entraremos sozinhos — vejo sua sobrancelha erguer-se em
espanto, mas não deixo que tente me fazer desistir — Quanto menos
conseguirmos chamar atenção para nós melhor e Ricardo é incrível com
arremesso de facas, pode acertar um alvo de longe. Também irei levar a arma
com silenciador, para o caso de precisar atirar, mas só em último caso.
Não posso deixar que Lucas venha comigo, preciso que a escuridão tome
conta do meu ser neste momento, chegará a hora que meus próprios
demônios dominarão minhas ações e só assim conseguirei seguir meu plano,
só dominada pela escuridão dentro de mim terei forças para ir até o fim.
Lucas é a única pessoa que consegue controlar meus demônios, não posso
correr este risco, qualquer dúvida pode significar uma falha, e falhar agora
não é uma opção, não quando a vida dos meus pais e de quem eu amo
depende de mim.
— Não vou te deixar entrar lá sozinha — fala com seu tom de voz protetor.
— Preciso que você comande o segundo grupo Lucas, enquanto Gian entra
no sistema de segurança, Ricardo e eu precisaremos de reforços externos. Um
grupo deve ser liderado para os fundos do prédio e limpar a área, sem tiros.
Uso da lógica para fazê-lo aceitar, se ele souber meus reais motivos jamais
me deixará ir.
— Certo.
— Enquanto isso Ricardo e eu iremos à procura dos meus pais, suspeito
que estejam em alguma das salas sem janela na ala norte, mas precisamos das
câmeras para saber a posição dos seguranças. Gian coordenará tudo daqui de
fora — agora vem a parte que ele tem que entender — Depois que estivermos
com meus pais, você comandará um ataque pelos fundos enquanto Marcos
faz um show na frente do prédio.
— Marcos irá distraí-los para que entremos sem ser percebidos — ele
complementa o que eu estava falando.
— Sim, escute Gian, ele irá repassar todos os nossos passos para você, a
planta baixa do local é simples, e foque no resgate dos meus pais, Alberto e
Roberto vão com você. — Já instrui os dois para protegerem Lucas e meus
pais, eles sabem qual é a prioridade e concordaram em tirar Lucas de lá a
força quando a hora chegar, mas ele não precisa saber disso.
— E depois? — Como se estivesse lendo minha mente, sabe que tem mais,
uma parte que estou apreensiva em contar a ele, decido por falar uma meia
verdade.
— Depois o principal é sair de lá o mais rápido possível, os Russos são
loucos e irão retaliar, volte para a mansão e foque em proteger nosso
território — instruo sem me colocar nesse plano.
Chegamos próximo do local, o breu da noite encobrindo nosso carro, sinto
o cheiro do mar ao abrir a porta, a brisa gelada de inverno resfria minha pele
e balança meu cabelo.
Logo atrás o carro de Alberto para e a segunda parte do nosso grupo chega,
Marcos irá aguardar as instruções antes de se aproximas e atacar pela frente.
Ricardo e Gian vem até mim enquanto Lucas repassa o plano com Roberto
e Alberto. Vejo mais um homem saindo do carro, Angelo se junta ao grupo a
pedido de Lucas para proteger Gian enquanto ele entra no sistema de
segurança.
— Você precisa inserir esse pen drive nos computadores, a rede deles é
fechada, depois disso terei acesso a todas as imagens — Gian explica, já com
seu headset e o notebook em mãos.
Ricardo ao seu lado me encara apreensivo, seu instinto protetor com o
amado é algo que eu entendo muito bem, sinto o mesmo com as pessoas que
amo.
— Angelo irá protegê-lo — indico o homem loiro e alto que vem até nós
— Gian é peça fundamental para o resgate do Capo, você irá protegê-lo com
a sua vida — ordeno.
— Sim senhora — Angelo responde, fazendo uma pequena curvatura em
sinal de respeito.
— Ricardo, leve o máximo de facas que conseguir, não sei quantos
homens encontraremos, e coloca o colete a prova de balas — não precisa
pedir duas vezes, Gian já está em cima dele para ajudá-lo a prender o colete
ao corpo enquanto coloco o meu. Os dois trocam um olhar e vejo a tristeza
em seus rostos — Você não precisa ir comigo — falo baixinho em sua
direção.
— Ele vai sim, e vai te manter segura, se não eu mato ele — é Gian quem
responde, sinto o peso da tristeza em sua voz e o quanto ele se preocupa
comigo e com Ricardo.
— Então precisamos ir. — Abraço Gian e vou até Lucas, dando um
momento para os dois.
— Tem certeza disso? — pergunta quando me vê e coloca sua mão na
minha.
— Sim, sei que você vai estar aqui. — Faço uma brincadeira, sempre falei
que não precisava dele para me salvar, e aqui estou, confiante que Lucas
cumprirá sua palavra, mesmo que não seja por mim.
Seus olhos pretos queimam com intensidade enquanto me avalia, ele sabe
que tem mais, que estou escondendo alguma coisa, Lucas me conhece melhor
que qualquer pessoa nesse mundo, sendo assim também reconhece que sei o
que estou fazendo, seu silêncio e as perguntas não feitas são mais uma
demonstração do quanto confia em mim, não quero que este momento seja
uma despedida, mas parece demais com uma.
— Eu te amo Daniele, promete que vai voltar? — fala enquanto puxa
meu corpo mais próximo do seu, juntando nossas testas, fazendo-me olhar no
fundo dos seus olhos, vejo o medo e o desespero estampados em sua face, vê-
lo assim quase me faz desistir, o pensamento de que esta pode ser a última
vez que o verei, que sentirei seu toque, seu cheiro, seu amor, me destrói por
dentro.
Como posso prometer algo assim? Como posso falar para ele que as
chances de voltar viva depois do que planejo são quase nulas? Mas sei que
precisa dessa promessa, dessas palavras, mesmo que sejam mentiras, farei de
tudo para mantê-lo a salvo.
— Eu prometo.
Lucas sela nossos lábios com um beijo, as mãos em minha cintura me
puxando ainda mais contra seu corpo, seus braços fortes e protetores que
sempre me fazem relaxar, agora são mais um motivo para meu coração se
despedaçar.
Aos poucos volto ao presente mesmo sem querer, mesmo que cada célula
do meu ser grite para ficar aqui, na proteção de seus braços, com a respiração
ainda pesada, lágrimas querendo explodir pelos meus olhos, mas agora não é
hora, não posso demonstrar fraqueza, preciso manter a calma e me afastar
dele, a escuridão dentro de mim grita por espaço, por controle, e é isso que
darei.
Ricardo vem até mim e caminhamos em direção à entrada do esgoto mais
próxima, sem olhar para trás, abrimos a comporta de aço, o fedor de esgoto
industrial sobe pelo meu nariz, o cheiro quente faz meus olhos arderem
quando desço pela escada.
Não tem mais retorno, meus pés tocam o liquido preto no fundo do poço, a
pequena lanterna ilumina o caminho a frente, por sorte serão
aproximadamente quinhentos metros até a saída. O liquido escuro que corre
em nossos pés está baixo, não chegando à parte de cima das botas
impermeáveis, então seguimos abaixados em um ritmo rápido.
Com cada passo que me afasta de Lucas minha mente se torna mais
focada, sinto o poder espalhando-se pelo meu ser, a confiança substituindo o
medo, a escuridão apagando qualquer fraqueza, cada fagulha de bondade em
mim é tomada pelo ódio, pela sede de vingança, a necessidade de fazer
qualquer coisa para salvar quem eu amo me domina enquanto foco no que
vem pela frente, hoje meus inimigos saberão porquê me chamam de
executora.
Ao chegar ao ponto de saída Ricardo sobe primeiro, não tenho forças para
abrir a tampa de aço, paramos alguns segundos para escutar, mas não
ouvimos sons de passos ou pessoas, ele ergue uma fresta da tampa e olha para
fora.
— Ninguém aqui — avisa enquanto empurra o restante para dar passagem,
tentando fazer o mínimo de barulho possível. Ele sai primeiro e sigo-o logo
depois.
A escuridão da noite já não nos acoberta mais, as luzes que vem da frente
do prédio fazem sombra nos guardas que nos esperam, pelo menos dois
homens broqueiam a entrada lateral. Por sorte não encontro nenhuma câmera,
o que indica que ainda estamos invisíveis.
Ricardo vai até a lateral do prédio, confirmando a quantidade de
oponentes, ele se joga, lançando a primeira faca na cabeça de um dos homens
e agarrando o segundo, tampando sua boca e dando-lhe uma chave de braço
mortal.
Vou logo atrás e tapo a boca do primeiro homem até que sinto a vida se
esvair completamente de seu corpo, o sangue escorre pelo lugar onde a faca
estava quando a retiro. Arrastamos os dois para trás de um container,
escondendo-os. Com o crachá roubado entramos pelas portas de aço, a sala
de segurança é logo à frente, mas avisto uma câmera no caminho.
Corro até a câmera a grudo uma fita isolante nela, tão rápido que irá
parecer que uma luz foi desligada, mas não temos tempo para esperar,
seguimos em frente no corredor estreito até a sala de segurança. Entramos e
encontramos um homem gordo dormindo na cadeira.
Seu ronco só para depois que quebro seu pescoço e Ricardo me ajuda a
tirar o corpo da frente, o homem morre sem nem saber como. Rapidamente
coloco o pen drive no computador como Gian instruiu e ligo o fone de
ouvido.
— Gian, estamos conectados — falo baixinho, aguardando as instruções.
— Preciso de dois minutos — a voz de Gian vem do outro lado da linha —
Certo — fala depois de um tempo — Seus pais estão na ala Norte, na terceira
porta a direita do corredor, vocês estão na ala Leste, vejo aproximadamente
quinze pessoas em seu caminho, mas todos espalhados em grupos de dois ou
três.
— Quantos homens guardam meus pais?
— Dois homens na entrada e ninguém lá dentro, sua mãe parece
desacordada, mas seu pai está alerta — ele responde e isso já é um alivio.
— Lucas, aguarde meu sinal para entrar, Marcos, depois que Lucas entrar
você espera dois minutos e chega com os reforços pela frente do prédio,
chamando atenção, solte o máximo de disparos que conseguir, mas não tente
entrar no prédio, venha com as luzes altas para que não vejam que não estou
entre vocês.
— Entendido — Marcos responde.
— Lucas, assim que estivermos com meus pais irei falar nossa palavra
secreta e você entra.
— Entendido — Lucas responde.
Ricardo me encara e seguimos a diante, o corredor é quebrado em diversas
salas onde encontramos materiais de produção de drogas. Os homens em
nossa frente são alvos fáceis, o mais difícil é mantê-los calados.
Já estamos próximos, o total de onze corpos deixados no caminho e mais
quatro em nossa frente.
— Daniele, um homem se aproxima de vocês, dois metros até o encontro
— Gian avisa e, logo depois, o homem da de cara com Ricardo, mas não tem
tempo de revidar quando seu pescoço é cortado, sua mão aperta
involuntariamente o gatilho da arma e o barulho de um disparo ecoa pelos
corredores.
— Droga — falo em direção a Ricardo.
— Eles ouviram. — O alerta de Gian vem do fone enquanto corremos para
terminar o percurso.
— Quantos? — Ricardo pergunta.
— Três, mas tem mais dois vindo em reforço.
— Não vamos conseguir passar por todos sem atirar — comento e Ricardo
concorda com a cabeça.
— Lucas, chocolate.
E não preciso dizer mais nada, escuto o barulho dos reforços correndo
enquanto Ricardo e eu pegamos as armas, os três primeiros homens são fáceis
de eliminar, dando caminho para a porta que mantém meus pais.
Entro rapidamente na sala e Ricardo vem atrás de mim, ainda com a arma
em punho, ele fica de frente para a saída, aguardando os próximos inimigos.
— Cuidado, vejo mais cinco homens, vocês precisam sair dali. — A voz
de Gian é alterada pelo nervosismo.
Vejo meus pais no fundo da sala e corro até eles, estão amarrados em duas
cadeiras, de costas um para o outro, a cabeça de minha mãe pende no corpo,
mas ela está respirando.
Dirijo-me a meu pai, cortando a mordaça de sua boca e as cordas que o
amarram a cadeira de aço, liberto ele corre direto a mamãe e corta suas
amarras também.
— O que você faz aqui? — meu pai fala em tom de descrença, só então
focando em Ricardo atrás de mim, seu olhar ainda mais assustado — Cadê o
Lucas e o restante dos homens?
— Estão vindo — respondo, entregando-lhe as armas extra que trouxe, só
então paro tempo o suficiente para reparar em seu estado, meu pai está com
diversos cortes e hematomas pelo rosto, o braço esquerdo parece fraco.
— Está fora do lugar. — Sinaliza o braço, percebendo minha atenção.
— Ricardo, você consegue concertar? — falo em direção a meu amigo,
sabendo que ele esta se formando em medicina.
— Sim, mas vai doer — responde calmamente, enquanto vai em direção a
meu pai, sentindo a hostilidade no olhar.
— Agora não é hora — xingo meu pai, indicando-lhe o local que estamos.
Ele concorda com a cabeça e Ricardo vai até seu braço, avalia a situação e,
em um empurrão calculado, coloca o osso no lugar, o barulho faz os pelos do
meu braço arrepiar, mas meu pai cobre a boca para não gritar.
— Não sei quanto tempo irá aguentar, mas é só o que consigo agora —
Ricardo fala e volta ao meu lado.
— Você consegue carregar a mamãe? — pergunto a meu pai, que faz sinal
positivo enquanto levanta minha mãe desacordada em seus braços. Coloco
um fone sem fio nele, indicando a escuta e ligo — Quando eu mandar você
corre, Gian irá guia-lo até Lucas — instruo meu pai, que me olha confuso —
Não se preocupe, nós limpamos o caminho, mas tem mais gente vindo,
Ricardo e eu iremos segurá-los até que vocês consigam sair.
— Não, é perigoso demais — retruca meu pai, olhando em meus olhos e
percebendo que tem alguma coisa a mais — Vamos aguardar reforços.
— Não temos tempo pai, você precisa tirar a mamãe daqui, precisa
protegê-la — é seu ponto fraco, ele sabe disso e eu também, usarei qualquer
coisa para tirá-los daqui — Promete que vai protegê-la custe o que custar?
Ele me encara, entendendo o que isso significa, entendendo que pode
chegar a hora que precisará escolher entre a mulher que ama ou sua própria
filha.
Não espero sua resposta e saio da sala, já atirando em um homem que vem
em nossa direção, pegando-o desprevenido.
— Corra — grito em direção a meu pai e vejo o momento que seus olhos
passam pelos meus, a dúvida e desespero estampados em seu rosto quando
precisa correr para longe de mim.
Ricardo está ao meu lado, esperando que eu fale a hora de sair, ele atira em
um homem que aparece no corredor.
— Daniele, vamos — chama-me ao perceber que não estou recuando —
Vamos. — tenta novamente, então vejo em seus olhos verdes o momento que
entende.
— Me da cobertura até aquela sala — indico uma sala a duas portas de
onde estamos — Gian, quantos homens na sala?
— Nenhum — responde.
— O que você pretende fazer? — Ricardo pergunta enquanto troca tiros
com os homens que agora estão protegidos do outro lado do corredor.
— Proteger quem eu amo.
Com essas palavras corro em direção aos homens, passando pelo corredor,
escuto o barulho de tiros vindo de trás de mim, Ricardo me da cobertura
enquanto chego até onde esperava e tranco a porta.
A sala é o centro do prédio, é também o local onde a droga é produzida,
vários tubos de gás inflamáveis se encontram jogados no ambiente.
— O que está acontecendo? — escuto a voz de Lucas pelo fone —
Alphonse cadê a Daniele? — seus gritos agora são tomados pelo desespero.
— Vocês tem cinco minutos para sair do prédio, Ricardo corra agora —
falo enquanto uma sensação de calma toma meu corpo — Você prometeu
Lucas, agora salve-os.
São minhas últimas palavras antes de desligar o comunicador. Vou até o
local com os tubos, instalo a pequena bomba que trouxe comigo, eu sabia o
que tinha que fazer quando vim para cá, e agora irei acabar com todos que
machucaram minha família.
O timer pequeno indica os cinco minutos programados, e com isso aperto
no botão de iniciar. Tenho cinco minutos para encontrá-los. Corro para a
outra porta da sala e não vejo ninguém, caminho pelo corredor ainda com a
arma em mãos, estudei a planta baixa do prédio com meu pai dias antes,
planejávamos invadir o local e acabar com Richard, mas o maldito foi mais
rápido, a poucos metros encontro o escritório.
Dois homens de guarda me encaram assustados, esperando mais homens,
provavelmente ouviram a troca de tiros, as armas em suas mãos estão tensas
enquanto levanto as minhas acima da cabeça, em sinal de rendição.
Eles amarram minhas mãos atrás das costas com uma braçadeira de
plástico e levam-me para dentro do escritório principal, exatamente onde eu
queria chegar.
A sala é pequena, olho ao redor para me familiarizar, não vejo muita coisa,
uma TV grande mostra as câmeras de segurança, que agora reproduzem
imagens em looping de momentos antes de entrarmos. Não vejo outra porta a
não ser a que entrei e uma janela com vidros encardidos e quebrados.
Matias, Francisco e Richard estão sentados em poltronas, armas em punho,
olhar focado em mim, três seguranças atrás deles garantem sua proteção.
— Olha o que temos aqui — Matias é o primeiro a falar, seu rosto surpreso
vai das câmeras e volta para mim, provavelmente imaginando como não me
viram antes.
— A puta Corleone, você conseguiu manchar o nome da família toda —
Francisco completa, cuspindo no chão enquanto fala.
Ao fundo barulho de tiros sendo disparados assustam os homens, que
param de sorrir e começam a demonstrar sinal de desespero.
— Merda, essa vadia veio com reforços — É Matias quem entende
primeiro — Vamos, pega essa vagabunda, podemos usá-la para sair daqui
com vida.
Um segurança entra abruptamente no escritório, assustado e com o sotaque
russo carregado ele fala.
— Estão atacando pela frente, cinco carros com armas automáticas e
metralhadoras.
Escuto os sons que saem da minha boca quando começo a rir, cada vez
mais alto, a graça do momento toma conta de mim, sabendo que ninguém
sairá daqui com vida.
— Cala a boca. — Sinto uma mão em meu rosto e a dor do soco na lateral
direita, o gosto de sangue toma conta da minha boca, mas não paro de rir. Os
homens na sala ficam cada vez mais nervosos com a situação.
— Estamos cercados — Richard fala e pega o comunicador de cima da
mesa — Tragam os reféns — grita a ordem, mas ninguém responde — Estão
ouvindo? Tragam os reféns!
— Há tio, como sempre tão lento — comento com o deboche ainda mais
escancarado em minha voz — Você acha realmente que eu me entregaria sem
salvar meus pais antes?
— Do que você está falando, eles ainda estão trancados — Matias aponta
para a tela da TV no canto do escritório.
— A idade realmente chega para todos, velho lidando com tecnologia não
combina mesmo — falo apontando para a TV.
— Do que você está falando menina? — Francisco analisa as imagens com
mais cuidado, é o mais calmo dos três.
— Por que seus homens parecem andar em um looping infinito? —
pergunto apontando para a tela, onde a cada pouco os mesmos homens
passam pelas câmeras, Gian congelou as cenas e, somente com um olhar
muito aguçado, pode-se ver o blip entre cada corte.
Richard vem até mim, me avaliando, seus olhos verdes penetram nos
meus, os mesmos olhos da minha mãe, a mesma cor, mas com certeza não
transmitem as mesmas sensações, e sinto a escuridão dentro de mim aflorar
ainda mais quando ele fala.
— Dessa vez não tem quarto do pânico para te salvar pirralha, o que farei
contigo será mil vezes pior que a vadia da sua mãe sofreu, por mim aquela
cadela tinha sido entregue a Camora ou aos Russos muito antes de casar com
seu pai.
Cada palavra é dita carregada de rancor, o ódio em seu olhar traduz tudo o
que o homem está sentindo, finalmente a máscara cai e o verdadeiro Richard
aparece, um ser tão desprezível e nojento quanto poderia imaginar.
— Vocês irão morrer — deixo o ódio falar por mim, eu já imaginava que
era ele, desde a festa de ano novo depois da invasão a mansão — Como você
pode fazer isso? Com a sua própria irmã? Sua família! — acuso cuspindo em
sua cara.
— Minha irmã é uma vagabunda, arrastou o nome de nossa família no
esgoto ao casar-se com seu pai, um pirralho despreparado que só queria
assumir o posto de Capo por capricho, você acha que eu não sei o que
aconteceu anos atrás? Eles pensam que são tão espertos enganando a todos —
Richard fala enquanto limpa o cuspe de seu rosto, dando dois passos para trás
em direção a seus seguranças, um covarde como sempre — Eu sei tudo o que
realmente aconteceu naquela capela, deveria tê-la matado e vingado meu pai
logo, mas não podia provar.
— Do que você está falando? — pergunto sem entender os seus motivos.
— Aparentemente você não é tão importante assim para saber quem seu
pai e sua mãe são. — O sorriso presunçoso que invade seu rosto me
incomoda ainda mais, não sei do que está falando, e para falar a verdade não
me importo mais com seus motivos.
— Não importa, mesmo matando meu pai, a linha de sucessão jamais seria
de vocês, três velhos acabados não possuem a força necessária para comandar
a Família — retruco, tentando organizar o pensamento em torno do que esta
me contando.
— E uma vadia mimada como você tem? — Matias debocha.
— Está na hora de acabar com essa hierarquia arcaica na Família, o Capo é
uma peça inútil — Francisco é quem fala agora e sua voz ainda é calma —
Vamos usá-la para sair daqui e negociar a rendição de Alphonse, tenho
certeza que ele fará qualquer coisa que eu mandar quando assistir os vídeos
que iremos gravar contigo.
— Os russos já estão a caminho da mansão — Matias anuncia, olhando o
celular — Preparados para invadir, os homens dela vieram em peso, o que
significa que o lugar está desprotegido, e eles estão ficando sem paciência.
— Fala para esperar meia hora, preciso de tempo para pensar em como
vamos sair daqui — Francisco ordena — Odeio lidar com esses Russos
desgraçados, a Camora era muito mais sensata.
— Por que estão cooperando com eles? — pergunto chamando sua
atenção, tentando ganhar tempo — Vocês sabem que acabarão mortos e eles
dominarão a cidade, a única coisa que esses malditos sabem fazer é vender
drogas e armas.
— É exatamente por isso, assim que tomarmos o poder da Família
Genovese teremos uma aliança com eles, liberando nossa área para que lidem
com seus negócios, por uma porcentagem dos lucros, é claro — Richard
explica — Teu pai ainda vive em um sistema arcaico, proibindo que a
Família evolua com os tempos, o tráfico de drogas e armamento é o mais
lucrativo.
— A Família Genovese jamais aceitará isso, os outros chefes irão
contestar, mesmo que meu pai caia, vocês não terão apoio — contraponho,
recebendo uma risada sarcástica dos homens em minha frente.
— Mataremos qualquer desgraçado que não aceite — Matias grita e volta
para seu telefone.
— Vocês falharam novamente, não conseguiram tomar o poder, não
conseguiram capturar uma mulher e uma criança, tentaram até me sequestrar
e falharam miseravelmente — solto uma gargalhada ainda mais forte e olho
na direção dos três homens — São um bando de velhos inúteis!
Encaro cada um deles, ainda sorrindo, o sentimento de missão cumprida
toma conta de mim, sabendo que aquelas pessoas irão queimar juntas no fogo
do inferno e não poderão mais machucar quem eu amo.
Restam sessenta segundos no relógio, e a cada segundo que passa meus
pensamentos são levados para longe. Enquanto os homens se perdem em uma
discussão inútil de como planejam me usar de refém para sair daqui, viro
minha cabeça em direção à janela com vista para o mar.
A noite sempre foi sinônimo de calma devido à escuridão, e deixo essa
mesma calma me dominar, darei tudo o que resta da minha alma para garantir
que meus planos sejam concluídos. Hoje a lua cheia transmite a paz que
preciso e ilumina meus últimos segundos de vida.
Enquanto a escuridão dentro de mim abre espaço para os sentimentos que
explodem em meu ser, fecho os olhos e paro de escutar as vozes dos
monstros ao meu redor, foco meus últimos pensamentos nas pessoas em
minha vida.
Trinta segundos restantes.
Cada um ficará com uma parte de mim, percebo que nunca disse o que
realmente sentia para nenhum deles, as palavras que antes pareciam tão
difíceis, agora queimam em minha garganta, querendo sair, precisando que
saibam que eu os amo, que tudo o que passamos e toda a vida que planejamos
está no fim, mas o que senti por eles foi real, intenso e verdadeiro.
Amo meus amigos, que me acolheram quando mais precisei, dando-me
forças para crescer e me manter sã.
Amo meu pai e minha mãe, que são os pilares da minha vida e me
ensinaram a ser forte e a lutar pelo que desejo.
Mas meu coração grita ainda mais alto ao pensar em Lucas, do quanto eu o
amo, o sentimento que antes parecia tão confuso e que não conseguia traduzir
em palavras, agora é claro, é amor, sempre foi amor, de amigos a amantes,
uma vida completa em pouco tempo.
É com a imagem daqueles olhos pretos como a noite em minha mente que
conto os últimos segundos e me preparo para morrer.
9... O sorriso verdadeiro de Lucas que vai até o seu olhar.
8... O calor do seu abraço forte e protetor.
7... A forma que sua mão quente entrelaça na minha delicadamente.
6... Como ele fica vermelho quando está envergonhado.
5... Sua voz rouca gemendo meu nome enquanto goza.
4... Aquela língua tão mágica me dando prazer.
3... Seus lábios carnudos me beijando.
2... A luz da lua que entra pela janela e reflete em sua pele depois de uma
noite de prazer.
1... A JANELA!
Fico em pé rapidamente, pegando a todos de surpresa, consigo correr com
as mãos presas nas costas e me jogar pela janela de vidro, sinto uma dor no
braço esquerdo quando sou atingida por um tiro, escuto a primeira explosão
enquanto caio pela lateral do prédio em direção a água gelada.
Sinto o frio da água como mil espadas penetrando meu corpo enquanto
afundo nas profundezas do oceano, sem conseguir nadar para a superfície, as
mãos amarradas impossibilitando meus movimentos, o peso do meu próprio
corpo me arrastando para o fundo, acima de mim o clarão da explosão
ilumina a superfície, mas não escuto nada e aos poucos minha mente se
entrega ao inconsciente, sem forças para continuar lutando.
Capítulo 40

Lucas
Sinto dois pares de braços fortes me puxando na direção contrária que meu
coração manda, Alberto e Roberto me arrastam para fora do prédio enquanto
tento me desvencilhar de suas mãos.
Alphonse grita em desespero enquanto corre em nossa frente, com Amélia
desacordada nos braços, e vai em direção à saída.
Preciso voltar, encontrar Daniele, não posso deixá-la sozinha em uma
missão maluca de vingança. Por que ela não me falou nada? O
reconhecimento me assombra, ela prometeu voltar, mas seus olhos diziam o
contrário, só escolhi aceitar sua promessa vazia visto que a outra opção era
dolorosa demais.
Chegamos até os carros e Alphonse coloca Amélia deitada no banco
traseiro, avaliando seu estado, seus olhos encontram os meus em desespero,
está pensando o mesmo que eu.
Os homens finalmente me largam quando percebem que estamos distante
demais do galpão, então é a hora, Alphonse passa correndo por mim e vou
atrás dele, na tentativa de voltar e salvá-la. Mas não chegamos perto quando a
primeira explosão joga nossos corpos para trás com o baque, seguido de mais
três explosões. Caio de costas no asfalto, sentindo o baque do meu corpo e
perco completamente os sentidos.
Por alguns segundos fico assim, até que recupero os sentidos, voltando a
ouvir um zumbido alto, algumas vozes ao longe misturam-se com o som no
meu ouvido. Abro meus olhos e Alberto está ao meu lado, chacoalhando-me,
foco em seu rosto, ele grita palavras que não entendo enquanto me puxa para
que eu fique sentado.
Vejo Alphonse em minha frente desacordado e Roberto ao seu lado,
tentando fazê-lo voltar aos sentidos, então a cena em minha frente chega até
meus olhos e com ela o impacto do que isso significa.
Daniele esta lá dentro! Abro ainda mais meus olhos, tentando me levantar,
olhando para o galpão destruído em chamas, o grito que sai dos meus
pulmões é irreconhecível, não parece ser minha voz, não reconheço o
desespero contido naquele som.
Um homem passa pelo meu lado, correndo em direção ao galpão, mas não
tenta entrar, ele contorna a lateral e joga-se na água. Atrás de mim escuto
uma voz pouco familiar.
— Ela pulou, ela pulou — é Gian quem grita em desespero — Vocês
precisam ajudá-lo.
O homem repete, implorando por ajuda, mas as pessoas ao seu redor não
fazem nada, todos olham para o fogo em estado de choque.
— Daniele — a palavra sai em reconhecimento — Alberto, pula na água
— ordeno enquanto ele entende o que isso significa.
Mais homens correm em direção ao mar, levanto-me a tempo de ver
Marcos chegando, o olhar questionador em minha direção, a procura de
ordens.
— Procura uma corda, Daniele está na água — ordeno e ele acena,
voltando aos veículos e levando seus homens até a borda do píer — Quem
pulou? — grito em direção a Gian.
— Ricardo, vi nas câmeras que ela saiu correndo para a janela, antes de
tudo ficar preto com a explosão — explica enquanto corre comigo até o final
do asfalto.
O breu da noite fria é iluminado pela luz da lua redonda e pelo fogo do
galpão em chamas, a aproximadamente dez metros abaixo a água está escura,
vejo os destroços da explosão boiando, mas nenhum sinal de Ricardo ou
Daniele.
Vejo outros homens na água, a procura de algum sinal deles e me preparo
para pular também, mas nesse momento a cabeça de um homem surge na
superfície e vejo Daniele sendo arremessada para cima. Outros homens vão
ao encontro dos dois, ajudando Ricardo a manter o corpo dela boiando
enquanto nadam até a borda.
Marcos joga uma escada de cordas mal feita em direção a eles, vejo a cena
toda como telespectador, imobilizado com a visão do rosto branco e o corpo
imóvel de Daniele. Percebo que suas mãos estão amarradas as costas mas não
consigo ver se está respirando.
Ricardo consegue se agarrar a escada com Daniele jogada em cima de seus
ombros, nossos homens puxam os dois para cima bem no momento que
chego até eles.
Alberto corta a braçadeira que prende as mãos de Daniele no momento que
Ricardo a coloca no chão, tiro o casaco colocando embaixo de sua cabeça
enquanto me ajoelho ao seu lado.
Não sei o que fazer, a visão do amor da minha vida branca como um
cadáver é dolorosa demais, ela não respira e seus lábios estão roxos, pego
suas mãos sentindo-as ainda mais gelada que o normal.
— O que eu faço?
O desespero gravado em meu olhar faz Ricardo assumir o comando,
fazendo massagem cardíaca e boca a boca em Daniele. Lembro-me dela ter
comentado que seu amigo estava se formando em medicina, então na quarta
rodada de boca a boca Daniele cospe a água em seus pulmões, puxando a
respiração com dificuldade.
Todo o ar parece voltar ao meu peito também, não percebi até este
momento que estava segurando minha respiração, o alivio toma conta do meu
ser enquanto acaricio seu rosto, seus olhos abrindo-se aos poucos enquanto o
corpo começa a tremer.
— Você está bem, meu amor, vai ficar tudo bem — falo enquanto ergo-a
em meus braços, precisando esquentá-la com o calor do meu corpo.
— Lucas, temos que ir — Alberto fala ao meu lado, completamente
molhado — A polícia vai chegar a qualquer momento.
Desvio minha atenção rapidamente para o homem, vendo a preocupação
em seu rosto, ouço ao longe o barulho de sirenes.
— O Capo? — pergunto, olhando ao redor.
— Ainda desacordado com o baque da explosão, os homens o colocaram
no carro — explica.
— Precisamos ir ao hospital — Ricardo comenda e só então percebo que
estou coberto por sangue, vejo o ferimento no ombro de Daniele.
Em meus braços ela não fala nada, mas continua respirando, os olhos
abrem e fecham inconstantes. Levanto-me erguendo seu corpo, tentando ao
máximo não aperta-la e caminho rapidamente em direção ao carro, Roberto
no banco do motorista já está com o veículo ligado. Gian no banco do carona
lança olhares preocupados enquanto sento-me atrás com Ricardo ao meu lado
pressionando o ferimento, tentando estancar o sangramento.
— Lyane. — Ouço a voz fraca e falhada de Daniele, mesmo neste estado
ela ainda consegue pensar melhor que eu.
— Vamos até o hospital de Lyane, ela vai saber nos ajudar — instruo e
Roberto dá partida — Gian, pega o celular do Roberto, liga para o Marcos.
O homem me olha em concordância, pegando o telefone e ligando para
Marcos, logo depois do primeiro toque ele atende e Gian coloca no viva voz.
— Marcos, saia logo dali, leve o Capo e o restante dos homens para a
mansão Corleone, quando ele acordar avise que estou com Daniele e vamos
até Lyane, não fale sobre isso com mais ninguém, só sai daqui antes da
polícia chegar — instruo rapidamente voltando ao controle enquanto o carro
faz uma curva fechada, Roberto dirige o mais rápido possível.
Pego meu próprio celular do bolso e mando mensagem para Lyane, esta
não é a sua especialidade, mas precisamos de alguém na porta da emergência
para nos levar para dentro, sem colocar nada nos registros.
Chegamos á entrada de emergência do hospital cinco minutos depois, vejo
a mulher nos aguardando ansiosa, não entrei em detalhes na mensagem por
isso não me surpreendo quando ela me encara com pavor no olhar.
— O que aconteceu? — pergunta enquanto saio do carro com Daniele em
meus braços, seguido pelos três homens e a coloco na maca.
— Não faça perguntas, só cuide dela, por favor. — A urgência em minha
voz denuncia o desespero crescente em meu peito.
— Ela levou um tiro no ombro esquerdo, a bala passou direto, seus sinais
são fracos e a temperatura corporal baixa — Ricardo assume a fala, vindo em
meu socorro.
— Vamos — Lyane grita para duas enfermeiras que vem rapidamente
ajudar, o grupo logo cresce quando mais pessoas se reúnem e levam Daniele
para dentro, quero ir com eles, ficar com minha amada e protegê-la, mas o
segurança me barra na entrada do centro cirúrgico e Lyane fala — Lucas, vou
cuidar dela, confia em mim, você precisa falar com o diretor do hospital,
agora!
Sinto meu peito apertar ainda mais quando as portas se fecham.
Depois disso o caos é instalado quando os seguranças começam a fazer
perguntas demais, por sorte Miguel aparece e logo me reconhece, ele é diretor
do hospital e recebe muito bem para momentos como esse.
Somos levados a uma sala de espera mais privada em seu escritório para
não chamar atenção, e só agora percebo que estou com as roupas cobertas de
sangue. Ricardo ao meu lado não está melhor, a água gelada do mar lavou um
pouco o vermelho da camisa branca, mas deixou tudo manchado, ele e
Roberto estão completamente molhados e tremem de frio.
Gian é o único em boas condições no grupo, portanto é o encarregado de
sair e buscar roupas secas. Ele volta com três mudas de roupa que reconheço
ser o uniforme dos enfermeiros. Não tenho cabeça para pensar nisso agora,
minha mente esta longe, pairando na sala de cirurgia de Daniele.
— Ela vai ficar bem — é Gian quem tenta me consolar enquanto os outros
dois homens se trocam no banheiro, senta-se ao meu lado e da um tapinha em
meu ombro — Daniele é a mulher mais forte e teimosa que conheço, se
alguém pode sair dessa é ela, mas você precisa se manter forte.
Não sei o que responder, ele também será Consigliere e entende a situação
que estou, com o Capo e Daniele fora cabe a mim tomar as decisões, então
aceito as roupas e vou me trocar, preciso lembrar de agradecê-lo depois.
Duas horas depois as portas são escancaradas enquanto Alphonse entra na
sala, seguido por Amélia, Marcos e quatro seguranças. Percebo que trocaram
de roupa, mas o Capo está em péssimas condições.
— Você — Alphonse aponta para Ricardo, o tom de voz sério demais e o
rosto vermelho aciona meu alerta de perigo, levanto-me rapidamente, ficando
em frente ao homem, não precisamos de uma briga agora, não aqui.
— Alphonse — tento pará-lo, mas antes que consiga dizer alguma coisa
ele passa por mim e vai até Ricardo, abraçando-o.
— Obrigado por salvar minha filha — o Capo fala com a voz sincera,
pegando todos de surpresa, inclusive Ricardo, que me olha com espanto.
Então ele o abraça de volta.
Ao meu lado Gian descansa a mão na arma que só agora vejo em um
coldre escondido.
— Faria de tudo por ela — Ricardo responde sinceramente, sinto a força
da amizade que esses homens têm com Daniele, o carinho que sentem e
principalmente a lealdade em suas palavras.
— Se não fosse por vocês... — Alphonse começa a falar, mas não
consegue terminar a frase, Amélia vai até ele, toando seu braço e ele se
recompõe — Quais são as notícias? Miguel falou que ela ainda está em
cirurgia.
— Não sabemos mais nada — respondo enquanto volto a sentar, indicando
as cadeiras para os novos chegados — Agora só nos resta esperar.
E é o que fazemos, a espera é a pior coisa, a incerteza de não saber o que
está acontecendo e o desespero por não poder fazer nada, sinto-me um inútil,
não consegui salvá-la.
Esperamos por quatro horas, de tempos em tempos Miguel aparecia com
notícias, aparentemente a cirurgia estava indo bem, mas Daniele teve a
escápula quebrada e perdeu muito sangue, seu estado é grave.
Alphonse deixou que fizessem um raio x e imobilizassem seu braço,
depois de muita insistência de Amélia, é claro.
Eu descanso a cabeça em minhas mãos, imobilizado pelo medo de perder a
mulher que amo, só a lembrança de seu rosto branco provoca arrepios em
meu corpo, as lágrimas insistentes caem pela minha face sem que consiga
parar. Chorar é uma demonstração de fraqueza, eu sei, mas aqui dentro desta
sala ninguém irá me julgar.
Sinto as mãos delicadas de Amélia afagarem minhas costas, a mulher se
mantém firme e forte, mesmo depois de tudo o que passou, o olhar
esperançoso que me lança aquece um pouco meu coração.
Todos nesta sala são, de alguma forma, especiais para Daniele. Cada um
aqui teme receber notícias ruins.
Então ouço meu celular tocar, é Lyane.
— A cirurgia foi um sucesso, estamos indo agora para o quarto privado,
desculpa te ligar, mas não quero sair do lado dela. — O tom de alívio em sua
voz me acalma enquanto repasso as informações ao restante do grupo.
— Ela não pode ficar aqui — Alphonse fala, levantando-se e tomando o
controle da situação — Miguel, providencie o transporte aéreo imediato para
a mansão, já temos enfermeiras e equipamentos a postos esperando por ela.
Não é um pedido, é uma ordem e vejo enquanto Miguel luta internamente.
— Seria melhor deixá-la internada pelas próximas vinte e quatro horas,
precisamos avaliar seu estado nesse tempo e o hospital.. — Ele não termina a
frase.
— A polícia irá chegar até aqui, não podemos correr esse risco, Lyane vem
conosco e temos o que precisamos em casa — o Capo termina a discussão.
Geralmente tratamos os feridos em casa, com médicos que atendem a
domicilio e são pagos para manter a boca fechada, mas o caso de Daniele era
muito grave. Agora que ela não corre risco de vida, é preciso levá-la embora
antes que a policia rastreie nossos passos.
Lyane também não parece feliz com isso, mas aceita vir conosco até a
mansão. Ela não faz perguntas no caminho, mas seus olhos são
constantemente atraídos para as armas que carregamos.
Capítulo 41

Daniele
Sabe quando você acorda de um sono muito pesado, onde o último sonho
continua gravado em sua memória, e você ainda não sabe o que é real e o que
é fruto da sua cabeça? É essa a sensação que tenho agora.
Sinto a claridade penetrando minhas pálpebras, mas não tenho forças para
abri-las, é como se minha consciência e meu corpo se desconectaram e, aos
poucos, começo a sentir enquanto cada nervo acorda.
Meu corpo está pesado, mexo meus pés, sinto meus braços começarem a
responder a meus comandos quando tento ergue-los, sem sucesso absoluto. A
força necessária para me manter acordada se esvai e me entrego à névoa que
me cerca.

✽✽✽

Se o céu existe, o inferno também deve ser real, e eu sei qual é o meu
lugar. Começo a acreditar nisso quando a dor em meu corpo me acorda, sinto
meu ombro esquerdo latejar enquanto cada um dos músculo reclama quando
tento ativa-los.
Abro os olhos lentamente, a claridade de antes já não existe mais. A
escuridão da noite é quebrada por uma luminária acesa ao meu lado e a luz
das máquinas que me cercam.
Estou no hospital? Estranho, essas paredes me parecem tão familiares.
Pisco algumas vezes para focar a visão embaçada e reconhecer o ambiente.
Parece minha casa, se não fosse pela quantidade de equipamento médico
diria ser um dos quartos da mansão.
Olho para baixo, conferindo meu corpo, sentindo a dor dos pequenos
movimentos que faço, garantindo que consigo me mover mesmo com
dificuldade. Viro meu olhar para o lado, em uma poltrona escura está Lucas,
dormindo com a cabeça pendida para o lado.
Vejo seu rosto cansado, as olheiras embaixo dos olhos e a barba
desalinhada denunciam seu estado atual. Há quanto tempo está aqui?
Viro para o outro lado, tentando não me mover ou fazer algum barulho,
foco na janela com visão para os jardins e o céu estrelado lá fora. Estou viva,
realmente viva, e estou em casa, reconheço estes jardins mesmo à noite.
Uma tosse descontrolada me atinge quando tento engolir a saliva
inexistente. Minha garganta está seca demais, preciso de água. Como se
ouvisse meus pensamentos um copo com água e um canudo aparece
magicamente em minha frente, e sinto mãos fortes afagando minhas costas,
tranquilizando-me.
— Beba um pouco de água. — Aquela voz que pensei que nunca mais
ouviria toma conta do meu pensamento, meu olhar é atraído para seu rosto.
Seus olhos pretos como a noite me encaram e vejo a dor por trás da máscara
de controle, mas sinto o alivio em seu rosto.
Lucas me ajuda com a água, sentando-se ao meu lado no canto da cama.
Alguma coisa está errada, seu toque é controlado demais, quero abraçá-lo,
puxar seu corpo para perto e me aninhar na proteção de seus braços, mas ele
tira a mão das minhas costas e arruma um travesseiro, deixando-me um
pouco mais confortável.
Ficamos assim por um tempo, sem falar nada, a cada respiração o peso do
que foi feito fica ainda mais presente no ambiente, então lembro-me dos
meus pais.
— Minha mãe, ela está bem? — pergunto começando a me preocupar,
afinal ela estava desacordada quando meu pai a tirou de lá.
— Sim, ela sofreu alguns ferimentos leves por causa da batida de carro e
uma coronhada na cabeça, mas está bem — responde me tranquilizando.
— Onde eles estão?
— No quarto ao lado.
— Quanto tempo fiquei desacordada? — A dúvida surge em minha mente,
não sei que dia é hoje e nem o que aconteceu depois.
— Cinco dias, você levou um tiro e quase morreu congelada, Lyane disse
que foi por pouco. — A dor em sua voz aperta meu coração ainda mais, eu
sabia que iria machucá-lo quando decidi por meu plano em ação, sabia que
Lucas sofreria quando eu partisse, mas jamais imaginei estar viva para vê-lo
novamente.
De alguma maneira saber que não estaria aqui para vê-lo sofrer me deu
forças para continuar, por isso não deixei a esperança me dominar.
— Desculpa — peço com sinceridade, não por ter feito o que fiz, mas por
magoá-lo.
— Por quê?
— Por fazer você sofrer.
— Não precisava ter feito daquela forma, era só sair de lá e resolveríamos
juntos, o lugar estava cercado, eles não tinham para onde correr.
A mágoa em suas palavras me atinge como um tapa, pensei nisso, em
correr com Ricardo e pegá-los na base da força.
— Não Lucas, eu não colocaria mais pessoas em perigo por uma vingança
que era minha — ele escuta e seu olhar encontra o meu — Foram eles que
invadiram a mansão, estupraram minha mãe e tentaram me sequestrar, jamais
arriscaria deixá-los vivos.
Ele balança a cabeça em concordância, mas continua com o olhar triste.
— Eu sei, temos as gravações das câmeras de segurança, mas você não
pode fazer isso quando somos um time Daniele, não pode se sacrificar assim
e...
Não deixo que termine a frase, aproximo meu corpo do dele e o abraço,
meu ombro dói com o movimento, mas foda-se, preciso estar em seus braços,
preciso que ele me toque.
— Darei a minha vida para proteger quem é importante para mim, é o meu
propósito de viver — sinto a umidade em meus olhos e deixo que as lágrimas
corram pelo meu rosto, já não quero mais segurar as emoções, não preciso,
não com Lucas aqui — Mas jamais pense que queria magoá-lo, o pensamento
de morrer protegendo quem eu amo não me assusta, mas saber que te magoei
me quebra por dentro Lucas.
Seus braços fortes me envolvem enquanto me puxa para seu colo, com
cuidado, carinho e amor. Sinto o calor de seu corpo me esquentar, seu cheiro
empurra para longe a escuridão em meu peito, enquanto estou em seus braços
estou em casa.
— Eu sei meu amor — sua voz sai em sussurros — Mas não posso pensar
em perdê-la, você não vê? Não conseguiria viver sem você, quando o prédio
explodiu meu coração se quebrou em mil pedaços, senti como se alguém
tivesse arrancado do meu peito.
— Desculpa. — Choro em seus braços, implorando por perdão, por fazê-lo
passar por isso.
— Não precisa se desculpar, entendo teus motivos, sei quem você é, e no
fundo sabia o que iria acontecer quando não me levou com você.
— Eu não teria forças para fazer o que era preciso se estivesse comigo,
jamais sacrificaria sua vida em minha busca por vingança.
— Eu sei, eu te amo por completo, isso significa que amo inclusive seu
lado protetor, mesmo discordando disso.
Ele me ama, aquelas palavras que eu queria tanto gritar enquanto esperava
pela morte, que estavam entaladas em meu ser implorando para serem ditas,
agora parecem certas. Como se meus sentimentos fossem realmente claros
como o dia, sem dúvidas, sem receios ou medos.
— Eu também te amo Lucas — falo enquanto me posiciono de frente para
ele, encarando aqueles olhos escuros, sua expressão de surpresa — Em todas
as formas que consigo sentir algo tão puro e intenso, te amo por você
entender quem sou e me aceitar assim, por respeitar minhas escolhas mesmo
sabendo que sairá machucado, te amo por ser meu ponto de equilíbrio e
principalmente porque com você me sinto em casa.
A libertação das palavras ditas leva consigo o peso que carregava em meu
ser, sinto-me leve, realizada. Lucas continua me olhando, a expressão de
surpresa estampada no rosto, como se não acreditasse no que acabou de
ouvir.
— Você duvidava? — pergunto e sorrio para ele.
— Não, mas é como um sonho ouvir isso de você depois do que passamos.
— Sua voz fica cada vez mais grossa, então vejo as lágrimas escorrerem pelo
seu rosto.
— Estou bem, vamos ficar bem — falo e levo meus lábios aos seus,
precisando senti-lo, a necessidade de confirmar que não é um sonho me
consome quando nossas bocas se unem.

✽✽✽

Minha mãe está histérica, o casamento foi adiado, é claro, e agora ela tem
que reorganizar tudo, decidimos esperar dois meses até que minha cicatriz
esteja realmente curada. Lucas se mudou para a mansão logo depois que
acordei, suspeito que para manter um olho a mais em mim.
Desnecessário se me perguntar, já tenho meu pai, minha mãe, Gian,
Ricardo e até Lyane, que não saem do meu lado. Honestamente só queria um
dia de paz, mas fico feliz com eles aqui, sinto-me amada e segura.
Depois que acordei meu pai me colocou a par dos últimos acontecimentos,
Matias, Richard e Francisco formaram um complô com os Russos para
derrubar nossa Família do poder em troca de uma aliança.
Quando chegaram à mansão depois da explosão, haviam três carros
tentando invadir a casa, os seguranças estavam em menor número, já que a
maioria foi resgatar o Capo, então a casa estava menos protegida.
Por sorte Marcos chegou e pegou os invasores desprevenidos, na troca de
tiro conseguiram matar a maioria, e os que sobreviveram foram interrogados,
torturados e mortos logo depois. O plano era atacar o casamento, mas como
viram uma brecha em pegar o Capo sozinho, sem a escolta, eles
aproveitaram.
Claro que meu pai contou tudo isso me dando a maior bronca possível,
Alphonse Corleone se juntou com Amélia Corleone em um sermão de mais
de cinco horas, tentando colocar na minha cabeça o quanto fui irresponsável
por procurar vingança. Escutei tudo calada, mas lá no fundo eles sabem que
fariam a mesma coisa, principalmente meu pai.
Nós tivemos uma outra conversa, um pouco mais necessária, quando ele
pediu desculpas pela forma que agiu com meus amigos, meu pai não tentou
se explicar, assumiu que estava errado e que jamais faria algo assim no
futuro.
Gian e Ricardo quase me mataram quando entraram no quarto e se jogaram
na cama comigo, chorando feito loucos e me abraçando. Gian contou como
me viu correr pela janela no segundo que a câmera ficou preta e avisou
Ricardo, foi ele quem pulou na água primeiro e me salvou.
Sem se importar com o frio ou com os destroços do prédio em explosão,
meus melhores amigos me salvaram e serei eternamente grata aos dois.
Lyane foi à pessoa mais complicada de lidar, convivendo com todos dentro
da mansão se tornou impossível esconder dela quais são os negócios reais da
nossa família, não queria envolvê-la nisso, jamais quis, sendo de fora ela se
torna um alvo fácil para qualquer um que queira me atingir.
Quando veio me ver depois que Lucas avisou que eu estava acordada, seu
olhar era distante e não focava em meu rosto.
— Você sabe — falei enquanto ela trocava o soro, pegando-a de surpresa
— Não deveria saber, isso a colocará em perigo.
— Já não estou em perigo aqui? Afinal esse é o centro da máfia. — As
palavras amargas cortaram meu coração.
— Jamais correrá perigo com nós Lyane, farei de tudo para que fique a
salvo, sempre.
— E quem me salva de você? Eu sei o que fazem, sei sobre as drogas e
todo o restante, cresci nas ruas mais pobres, lidando com o problema que isso
gera nas famílias.
— Nós não lidamos com drogas, o controle territorial é feito pelas
empresas que possuímos, cobramos para proteger estabelecimentos de
gangues e lutamos todos os dias para defender nosso território, inclusive do
trafico.
É um pensamento comum nas pessoas de fora, por anos a máfia italiana foi
associada ao tráfico de drogas, nossos negócios não são bonitos, mas jamais
lidamos com isso.
— E quanto ao restante? Ouvi sobre tortura, morte, informantes, nem
imagino o que mais ocorreu nessa casa enquanto estou aqui.
Pego em sua mão antes que ela desvie e a seguro, forçando a ficar de frente
para mim.
— Não somos bons Lyane, jamais seremos, o que precisamos fazer para
manter a Família funcionando nem sempre é bonito, mas é necessário. Se não
fizermos isso perdemos o controle, e pode ter certeza que alguém irá assumir,
alguém muito pior.
— E o que aconteceu com você? O tal de Ricardo falou que caiu na água
do mar, no pico do inverno, depois de levar um tiro no ombro em uma
tentativa de assalto? — Claro que eles inventaram algo, mas a expressão de
Lyane indica que ela não acredita em nada disso.
— Não.
Resolvi ser sincera com ela e contei tudo o que aconteceu, desde a invasão
quando eu tinha dez anos de idade, até minha vingança. No fim ela estava
chorando enquanto me abraçava, senti o alívio da verdade, por ela saber
quem realmente sou e acabar com as mentiras de fachada.
— Teu boy não saiu do teu lado, nem quando dormia, aquela bunda
gostosa deve estar marcada na poltrona até agora — falou quando se
acalmou.
— Lucas é realmente incrível — comentei e ela me lançou seu olhar de
choque.
— Finalmente conseguiu falar que o ama? — perguntou em tom de
zombaria, desde que contei a ela sobre nossa primeira noite juntos, Lyane não
parou de me atazanar, falando que estava apaixonada.
— Foi preciso pensar que ia morrer para conseguir falar as palavras
mágicas — respondi e sorri, esse momento com minha melhor amiga foi
outro lembrete do que poderia ter perdido — Obrigada Lyane, por ficar ao
meu lado, por me salvar e ser minha amiga, acho que nunca te agradeci
direito.
— Nunca agradeceu? Mesmo? E a “bolsa de estudos”? — falou
sarcasticamente enquanto fazia aspas com as mãos — “ajuda de custos”?
Aqueles eletrônicos que “do nada” meus pais conseguiram comprar? O
emprego do meu irmão? As conexões com diretores de hospitais, e tantas
outras coisas que você fez por mim durante esses anos? Achou que eu não
sabia né.
Não era para ela saber, achei que tinha conseguido esconder minha mão
por trás disso tudo, mas aparentemente minha amiga é mais esperta que eu.
— Desculpa, se tivesse falado você recusaria.
— Nunca quis esmolas — falou seriamente.
— O mundo é injusto Lyane, é injusto que alguém tenha menos
oportunidades pela cor da pele e conta bancária, especialmente alguém tão
incrível quanto você.
— Sim, mas sei que com você nunca foi sobre isso, você nunca me viu
como inferior, senti desde aquela primeira aula que você só queria se
conectar com alguém, por isso aceitei tudo, porque sei que é de coração.
— Eu amo você — falei abraçando-a mais forte — obrigada por ser minha
amiga.
Minhas amizades me salvaram e devo minha vida a cada um deles.
Capítulo 42

Lucas
Estou completamente nervoso de pensar que em menos de 48 horas estarei
casado com a mulher da minha vida.
Depois de tudo o que aconteceu, esse momento vem como um presente.
Não consigo lembrar dos segundos em que pensei que ela estava morta sem
que minha garganta se feche e meus olhos ardam, foi o pior momento da
minha vida. Imaginar qualquer continuidade sem Daniele é impossível.
Por isso não posso mais ficar longe dela, para os infernos as tradições, me
mudei para a mansão Corleone assim que ela acordou e daqui não sai mais.
Alphonse entendeu o sentimento e não contestou, é tão protetor com ela
quanto eu.
Nosso apartamento está pronto, deixei a cargo do arquiteto a finalização,
mas fui até lá algumas vezes para levar os pertences mais pessoais e dar uma
cara de casa, pendurei fotos dos meus pais, minha irmã e sua família, de
Alphonse e Amélia, e diversas minhas com Daniele.
Durante os anos que convivemos juntos Amélia sempre tirou muitas fotos,
tanto dos treinamentos, como momentos em família, quando comentei que
gostaria de usar essas fotos na decoração ela ficou encantada e me ajudou a
escolher as mais significativas.
Então finalmente nosso apartamento esta com cara de casa, só falta Daniele
aprovar. Não vejo a hora de levá-la e finalmente batizar cada superfície
daquele lugar com seus orgasmos.
Alphonse organizou uma despedida de solteiro, um pouco estranho ter o
pai da noiva organizando algo assim, e claro que só teriam Homens bebendo
e contando histórias da vida de casado.
Daniele também terá sua despedida, Amélia organizou tudo para que ela e
seus amigos tenham uma noite memorável. Talvez melhor que a minha já que
ouvi Gian comentando sobre o entretenimento masculino contratado.
Mas não me importo, tudo o que acontece agora não passa de um passa
tempo até o dia em que entregarei minha vida a ela na frente de todos.
À noite saio com Alphonse, Alberto, Roberto e mais cinco seguranças de
confiança e vamos até a boate. O casamento do Consigliere é um evento
grandioso, juntando isso com a filha do Capo então, todos os capitães e
homens de famílias poderosas são convidados, portanto todos estão na cidade
neste momento e também vem a despedida de solteiro.
Na boate fechada somente para nós sou recebido com gritos e risadas,
alguns fazem sinais de prisão com as mãos, outros fingem chorar me dando
tapinhas nas costas. Entendo este sentimento de aprisionamento,
principalmente com casamentos arranjados e, mesmo traindo suas mulheres,
eles ainda se sentem aprisionados.
Sinto-me um filho da puta sortudo, o que no começo era uma obrigação se
tornou a melhor coisa da minha vida. Às vezes me pego perguntando se meu
pai planejou isso, se imaginava que teria sentimentos por Daniele depois de
conviver tanto tempo com ela.
Jamais saberei a resposta, olhando ao redor me pego procurando por seu
olhar na multidão e um sentimento de tristeza toma conta de mim quando
percebo que não encontrarei. Sinto mãos fortes apertando meu ombro, viro-
me para encontrar Alphonse, seu olhar triste denuncia que sabe o que estou
sentindo.
— Seu pai estaria orgulhoso — comenta quando me puxa para um abraço
— Sabia que essa noite foi ideia dele?
— Meu pai planejou minha despedida de solteiro? — pergunto sem
acreditar, Frank não era um homem que gostava de farra, muito menos desse
tipo de casa noturna com mulheres dançando quase nuas.
— Bem ele não planejou tudo, mas me deixou encarregado de te
proporcionar uma ultima noite de solteiro, algo que te lembrasse da vida que
você tinha. — Nas palavras do Capo entendo o que meu pai queria, uma noite
para que eu tenha certeza que a vida com amor é muito melhor do que uma
noite de farra.
— Meu pai era um filho da mãe mesmo. — Sorrio enquanto agradeço
mentalmente o homem que me criou.
Por sorte a noite passa bem rápido, resolvo não beber para não ficar com
dor de cabeça no outro dia, afinal será o dia do meu casamento, quero manter
a mente o mais limpa possível para não perder um momento sequer.

✽✽✽

Não consigo lembrar um momento da minha vida em que meu coração


bateu tão rápido quanto agora, o sol de fim de tarde ilumina os jardins da
mansão decorados para o casamento, os convidados estão em seus lugares
aguardando a entrada da noiva.
O que era para ser em uma igreja foi repensado, Daniele usou sua
persuasão de doente para convencer seus pais a organizar o casamento nos
jardins da mansão.
O verde da grama e das árvores representa sua cor preferida e contrasta
lindamente com as cadeiras brancas, e arranjos florais e laços de decoração
feitos em rosa claro completando o cenário. Um casamento mais simples que
combina muito mais com nós dois.
Estou na estrutura montada para ser o altar, com uma armação de madeira
pintada de branco e correntes de flores caídas, aguardando enquanto as
daminhas de honra entram, jogando pétalas de flores rosa no chão,
sinalizando a chegada da noiva.
Roberto, Marcos e Alberto ao meu lado são os padrinhos, Gian, Ricardo e
Lyane são as "madrinhas" de Daniele. Os três estão lindos vestidos de rosa
claro.
A música “a Thousand years” (Christina Peri) começa a tocar ao fundo,
todos levantam e se viram para trás, esperando a entrada da noiva, eu só paro
de respirar enquanto meu coração acelera no peito.
A primeira coisa que meus olhos focam quando Alphonse pisa no caminho
em direção ao altar, é a mulher ao seu lado. E só consigo ver ela, tudo a sua
volta é um borrão enquanto a música entra pelos meus ouvidos e o olhar de
Daniele encontra o meu.
Sinto a umidade em meus olhos, mas controlo as lágrimas, não vou perder
uma imagem sequer deste momento. Vejo o sapato de brilhantes em seus pés
a cada passo lento que dá em minha direção, o vestido branco possui uma
calda longa, modelado justo em seu corpo com um decote frontal, abraçando
suas curvas. As luvas e o véu completam a vestimenta.
Daniele vem em minha direção com a postura confiante e o sorriso mais
lindo do mundo no rosto, nos últimos passos restantes vou até eles, recebendo
sua mão de Alphonse, que parece querer chorar tanto quanto eu.
É assim, de mãos dadas, que a cerimônia começa, não consigo tirar os
olhos da mulher em minha frente, o padre faz seu discurso normal, mas
Daniele e eu estamos conectados em nosso mundo particular.
Perco-me em seus olhos azuis da cor do céu quando o “sim” sai dos lábios
maravilhosos pintados com um batom vermelho, sem conseguir esperar mais
um segundo, junto nossas bocas em um beijo intenso que sela nossos
destinos.
O casamento para muitos homens é o fim de uma vida, mas para mim é
apenas o começo de uma história ao lado da mulher que tem meu coração em
suas mãos.
Fim
Prólogo

Daniele
33 anos de idade

— Sim pai está tudo tranquilo, fala para a mamãe aproveitar o sol e o
barco por mim, estou morrendo de saudade — falo para meu pai no outro
lado da linha.
— Manda um abraço para o Lucas, estaremos em casa em dois meses,
quero um relatório completo — ele responde, ainda com a mania de dar
ordens.
— Você não precisa de nenhum relatório, aproveita a aposentadoria, estou
cuidando de tudo por aqui.
Faz três anos que meu pai se aposentou de vez, deixando os negócios em
minhas mãos, todas as empresas e o comando da Família Genovese. Ele e
minha mãe partiram para uma viagem sem data para retornar.
Depois do acidente meus pais me contaram toda a sua história, a verdade
por trás de tudo. E com isso entendi a promessa que meu pai fez a Amélia de
15 anos de idade. Mas essa é uma história longa demais para ser resumida
aqui.
No fim não tive muita resistência dos outros membros ao assumir o
comando, com o tempo as famílias mais conservadoras foram obrigadas a
aceitar minha competência e, quando chegou a hora, tudo aconteceu
naturalmente.
Os filhos de Matias e Francisco assumiram os negócios dos pais, depois
que confirmamos que eles não sabiam do que estava acontecendo. Mas claro
que serão vigiados a vida toda.
Assumi meu posto como Capo da Família, com Lucas ao meu lado como
meu Consigliere, minha mão direita. Nossa vida nem sempre é um mar de
rosas, meus demônios ainda gritam quando a escuridão assume, mas com
Lucas ao meu lado consigo mantê-los controlados.
Lucas é calmo e calculista, fazendo-me pensar por outros ângulos antes de
tomar alguma decisão, somos uma dupla perfeita e todos sabem disso. Eu
controlo a cidade e ele mantém meus monstros adestrados.
O amor que sentimos um pelo outro cresce e se modifica a cada dia, até
quando brigamos ou discutimos, isso só fortalece mais nossa união, já que o
sexo de reconciliação é o melhor possível.
Sou tão feliz por tê-lo ao meu lado, principalmente nos dias mais
cansativos, quando minha cabeça está a mil e sinto a escuridão querendo sair
novamente, é ele que me acalma.
Nossa relação é baseada na confiança mútua, ele é meu companheiro, está
lado a lado comigo, dividimos o poder e não brigamos por ele.
Em seus braços sei que toda luta vale a pena, sinto-me protegida quando
estou com ele e farei de tudo para mantê-lo a salvo, nem que para isso precise
matar todos que querem nos derrubar.
Fomos obrigados a nos mudar para a mansão quando meus pais resolveram
viajar, a casa não poderia ficar sozinha e é o lugar mais seguro para lidar com
nossos negócios.
O apartamento ficou lá para quando precisamos fugir da correria do dia-a-
dia ou dar uma rapidinha no horário de almoço.
Com todo o poder em minhas mãos as ameaças também aumentaram, o
que é normal, então tive que aceitar a segurança extra, três homens e duas
mulheres me acompanham diariamente a todos os lugares, Alberto ainda é
meu segurança, porém com seu envolvimento amoroso com minha assistente
pessoal Júlia, precisei redefinir suas prioridades.
Sei bem como funciona o coração, mesmo sendo completamente fiel a
família e tendo certeza de que Alberto me protegeria com sua vida, se algum
dia tivesse que escolher entre eu e Júlia, o coração falaria mais alto que a
lealdade.
Sabe como sei disso? Porque faria o mesmo, se tivesse que desistir de tudo
para salvar Lucas, desistiria. Mesmo sabendo que a Família Genovese tem
que vir em primeiro lugar, ele sempre será minha primeira opção.
Júlia é minha assistente pessoal e minha mão direita, filha de um dos
chefes de segurança da mansão ela cresceu dentro do nosso meio, sabe tudo
sobre nossos negócios, mas não tem medo, mesmo sendo alguns anos mais
nova do que eu sua inteligência é admirável, por isso a coloquei embaixo das
minhas asas.
A principal questão agora é quem irá me substituir quando o momento
chegar, todos pensam e perguntam sobre isso, já que deixo bem claro minha
posição sobre filhos.
No fim escolherei alguém que se prove merecedor, assim como tive que
fazer, o próximo Capo também terá. Algumas coisas mudaram dentro da
organização, começamos a aceitar mulheres que mostram seu valor, e a idade
para a cerimônia de admissão foi alterada para dezesseis anos.
Aos poucos cabeças mais jovens e menos conservadoras assumem o lugar
de seus pais e, com isso, a mudança é mais aceita e os caminhos traçados para
o futuro se tornam menos perigosos.
Sou a pessoa mais poderosa dessa cidade, em meu domínio a Família
Genovese prospera cada dia mais, tenho influência em todos os órgãos
governamentais, na polícia, nas maiores empresas da cidade e principalmente
na política.
Ninguém ousa desrespeitar nosso território, infelizmente o tráfico de
drogas não é algo que possa proibir, sempre existirá enquanto for tão
rentável.
Nossa Família não lida com isso e todas as pessoas dentro da organização
são desaconselhadas a se envolverem com drogas, temos diversos exemplos
de famílias perdidas por causa de viciados sem controle.
Defendemos nosso território contra gangues e organizações rivais, os
Russos continuam dando problemas querendo vender suas drogas e armas em
nossas ruas, mas depois que limpamos as cabeças traidoras de dentro da
Família eles recuaram.
A Camora de Las Vegas possui uma nova liderança, um homem diferente
que está disposto a negociar com palavras e recuar os ataques.
Somos fortes, temos poder e alianças cada vez mais importantes, estou
conseguindo colocar alguns homens no jogo político, nomes que serão
importantes futuramente para preservar nosso poder e garantir que as leis nos
favoreçam.
A máfia jamais será limpa, sei bem qual é meu destino, porém farei de
tudo para proteger quem eu amo e quem conta comigo.

Sou a Capo da Família Genovese, a mulher mais poderosa e temida dessa


cidade, darei minha vida para garantir que os homens e mulheres em meu
domínio esteja seguros.
Bônus

Daniele
Noite de núpcias

Fiz três escolhas para este casamento, o vestido de noiva, a lingerie e uma
surpresa para Lucas.
A casa de praia alugada para nossa lua de mel está vazia quando a
limusine entra na garagem, Alberto e Roberto saem primeiro, levando nossas
malas para dentro e fazendo a varredura inicial no local.
Logo atrás de nós outro veículo encosta com o restante da equipe de
seguranças, tudo isso acontece em segundo plano, porque dentro do carro só
consigo pensar nas mãos de Lucas por baixo da saia do vestido, lambuzando
seus dedos na minha umidade, fazendo-me gemer em seus lábios.
Não esperei a porta do carro fechar antes de montar nele e tomar sua boca
na minha, a necessidade de senti-lo me dominou durante o casamento e a
festa toda, passamos a viagem nessa tortura.
Cada segundo em que precisei me controlar para não agarrá-lo na frente
de todo mundo, deixei que me dominasse dentro do carro.
Não me importo com a cerimônia ou a festa, nosso compromisso já havia
sido selado quando entreguei meu coração a ele. Ter um papel comprovando
isso, ou testemunhas, não muda nada.
Lucas é meu companheiro, o homem que compartilhou seu coração
comigo e esperou pacientemente o momento em que tive certeza de estar
pronta para compartilhar o meu com ele.
Não somos donos um do outro, somos companheiros, somamos e
dividimos nossos sentimentos na mesma medida, fazendo com que o amor
transborde.
Depois de aceitar que o que sinto é amor, a leveza da entrega me
dominou e a certeza do pertencimento trouxe a calma que precisava para
seguir em frente.
Agora a única coisa que quero é ter esse homem gostoso entregue em
meus braços.
— Não tenho forças para caminhar até o quarto, Daniele — geme
embaixo de mim enquanto esfrego minha boceta em seu colo, sentindo a
ereção dura em suas calças.
— Eu deixaria você me comer aqui mesmo, mas tenho uma surpresa para
meu marido. — Sorrio em seus lábios, encarando os olhos escuros que me
avaliam com curiosidade.
— Amo as tuas surpresas — fala ainda me atiçando com os dedos, estou
quase gozando em sua mão, mas paro e saio de cima dele, abrindo a porta.
O vestido longo já está completamente amassado e nem tento melhorar a
situação, não me importo com o que ninguém vai pensar.
— Vem — estendo a mão para puxá-lo para fora comigo — me pega no
colo e me leva pra cama, Lucas. — Ordeno como sei que ele gosta, Lucas
sorri e faz exatamente o que mando.
Entramos na casa com o pé direito, as paredes brancas e janelas de vidro
deixam o ambiente claro e arejado, a decoração minimalista de uma casa
alugada confere o ar moderno ao local, mas nada disso importa.
Vejo a caixinha verde com um laço rosa em cima da mesa, pedi que
Alberto trouxesse o presente de Lucas para dentro em segredo, e assim ele
fez.
— Eu te amo, Daniele. — Lucas me beija intensamente, ainda segurando
meu corpo em seus braços fortes, apertando-me.
— Também te amo, Lucas — respondo, as palavras que antes pareciam
falsas agora saem com facilidade — Vem que teu presente te aguarda.
Ele me coloca no chão, mas me abraça por trás, caminhando comigo até a
mesa onde a caixa está.
— Não tenho nada para você — Comenta e percebo um resquício de
insegurança em sua voz.
— Será para nós dois, confia em mim.
Lucas abre seu sorriso mais lindo que faz meu coração pular. Pego a
caixa e levo comigo para o quarto.
— Uma caixa misteriosa e uma cama, vai abusar de mim? — comenta em
tom de brincadeira.
— Há Lucas, sei que você gosta que eu abuse de você. — empurro seu
corpo até a cama e ele se senta, me encarando enquanto afasto-me dos seus
braços.
— Vai dançar para mim? — O sorriso escancarado me faz gargalhar.
— Talvez depois, agora temos uma tradição a cumprir.
Ergo uma perna e coloco o pé em seu joelho, apoiando-me nele enquanto
subo o vestido, calmamente, revelando a pele por baixo do tecido.
Subo minha mão até a cinta de couro branca amarrada na coxa, que na
verdade é um coldre, Lucas acompanha meus movimentos com o olhar
transbordando desejo e luxúria.
Retiro a faca curta que estava escondida na parte interna do coldre, e
passo a lâmina deitada pela minha pele, sentindo a frieza do aço.
— Como somos um casal muito, mas muito ligado a tradições, não
poderia deixar esta passar — ergo a faca entregando-a a Lucas.
— Vai me deixar cortar o vestido do seu corpo mesmo? — Pergunta, mas
já está de pé em minha frente, as mãos dominantes em meu corpo, avaliando
o melhor local para dilacerar o tecido.
— Sim, quero te dar esse gostinho de poder antes de entregar o presente.
— Atiço com palavras, amo nossos jogos de poder e luxúria, Lucas sabe que
na cama assim como na vida somos iguais, mesmo nos momentos em que ele
está amarrado na cabeceira enquanto eu o torturo com prazer, não existe
dominância, não existe competição por poder.
— Estou cada vez mais curioso com essa caixa, mas agora vem aqui. —
Passa uma mão pelas minhas costas e cola nossas bocas em um beijo
arrebatador.
Sinto a lâmina fria deslizar pelo meio dos meus peitos, a parte de trás da
faca resfria minha pele enquanto o lado afiado corta com facilidade o tecido
do vestido, abrindo também o sutiã e libertando meus seios.
Lucas segue com essa tortura enquanto beija meu rosto, traçando um
caminho de carícias com a boca para o meu pescoço e descendo na mesma
velocidade da faca, o objeto esfria e expõe a pele para que sua boca cubra
com beijos o mesmo lugar.
Deixo meus gemidos saírem enquanto Lucas me tortura, amo o contraste
entre a pegada firme e a boca delicada. O vestido cai aos meus pés e saio
dele, tirando o que restou do sutiã e ficando somente de calcinha, com o
coldre amarrado na coxa e os saltos brilhantes nos pés.
— Gostosa demais, puta que pariu Daniele — elogia vindo em minha
direção novamente, mas me afasto.
— Ainda não — levanto a mão e indico a cama — Tira a roupa e deita na
cama — ordeno com a voz firme. Lucas ama quando falo o que quero e faz
exatamente o que mando.
— Não vejo a hora de chupar teus peitos — fala enquanto tira a gravata,
olhando diretamente para meus mamilos duros — Vou deixar marcas nessa
pele delicada — desabotoa o colete — Descer para o meio das tuas pernas e
morder essas coxas malhadas — abre cada botão da camisa branca
calmamente, o olhar dominando meu corpo e as palavras atiçando meus
desejos.
— O que mais você vai fazer com essa boca?
— Há uma coisa que você adora — responde enquanto tira a camisa e o
colete juntos, jogando as roupas de qualquer jeito no chão do quarto —
Quero beijar teus lábios molhados — abre o cinto da calça — Você sabe
quais — o sorriso safado me domina, encharcando minha calcinha — Depois
vou te chupar até te fazer gozar na minha boca — tira o cinto e abre o botão
da calça — Só de lembrar do teu gosto me da água na boca, Daniele.
— E o que mais? — Minha voz sai grossa devido ao tesão.
— Vou te foder em todos os lugares que sei que você gosta. — abaixa a
calça e a cueca de uma vez, tirando os sapatos e as meias.
— É o plano perfeito, tenho que admitir — encaro meu marido,
completamente nu em minha frente, cada centímetro de Lucas é perfeito, os
ombros largos, o peito forte, os braços e pernas musculosos, e seu pau
completamente duro, pingando, pronto para mim — Só tem uma coisa que
pode deixar tudo melhor ainda.
Ele me encara com curiosidade enquanto vou até a caixinha, abro o laço
rosa e retiro o pequeno bolo de chocolate recheado de frutas vermelhas, uma
réplica em miniatura do nosso bolo de casamente, que mandei as cozinheiras
prepararem.
— Depois da nossa primeira vez eu havia levado o bolo para o quarto
com o intuito de usarmos para outras coisas — confesso enquanto retiro a
colher de prata e pego um pouco do bolo.
— Eu imaginei. — Aquele sorriso safado novamente.
— Mas já que não realizei este desejo aquele dia, resolvi adocicar nossa
noite de núpcias, afinal precisamos de uma primeira vez, nem que seja assim.
— Passo o bolo pelo meu mamilo endurecido, o glacê colando o doce em
minha pele.
— Daniele. — A necessidade na voz de Lucas me deixa ainda mais
atiçada.
— Deita na cama, Lucas, não vou mandar outra vez — ordeno e ele deita,
sem tirar os olhos do meu peito lambuzado de chocolate.
Subo em cima dele e sento com as pernas abertas em cima do seu pau, a
renda frágil da calcinha é a única barreira entre nós.
Pego mais um pouco do bolo e coloco na boca, o gosto do chocolate me
faz gemer em antecipação, não sou tão viciada em doces, mas só de imaginar
combinar esta delícia com o gosto de Lucas me deixa no limite.
— O bolo é para mim ou para você? — pergunta enquanto aperta minha
cintura com as duas mãos.
— É para nós dois — respondo tomando sua boca na minha,
compartilhando o gosto de chocolate enquanto Lucas saboreia com vontade e
aprofunda o beijo.
— Chega — solta com a voz grossa e me joga de costas na cama, a
necessidade transbordando no olhar enquanto seus lábios tomam os meus.
— Come a tua sobremesa amor, se delicie. — Dou a permissão antes que
ele tome sem eu mandar, gosto desse joguinho.
Lucas sorri e vai direto para meu peito lambuzado de bolo, lambe e chupa
a pele, apertando o outro mamilo com os dedos, fazendo-me contorcer de
prazer. Ele pega mais bolo e cria um caminho pela minha barriga até a parte
interna das pernas.
Com delicadeza, tira meus saltos e com selvageria rasga a calcinha.
— O coldre vou arrancar com os dentes — anuncia enquanto se abaixa
para morder a coxa em que o coldre de couro está preso. Ele entende a
referência, Lucas me conhece melhor do que ninguém.
Fique agora com o primeiro capítulo do próximo lançamento, o
Livro 2 da Série Caminhos de um Capo, conta a história da Amélia e do
Alphonse, é um prelúdio desse enredo que vem para explicar o começo
de tudo.

Nascido para liderar


Sério Caminhos de um Capo
Livro 2

Lançamento em 2022.
Capítulo 1

Amélia
10 anos de idade

Hoje o dia está diferente, papai não sai do meu lado enquanto as
governantas estão me aprontando, ele nunca fica tanto tempo assim comigo.
Meu pai é um homem importante e ocupado, é o que as tias falam sempre
que pergunto sobre ele, mas faz um bom tempo que já não me importo em
perguntar. As expectativas de que ele algum dia me amou não existem mais,
sei que sou somente um fardo em suas costas.
As governantas que eu chamo de tias cuidam de mim desde que nasci,
nossa casa é grande, uma mansão elas chamam, mas eu não tenho
comparação, nunca conheci outra casa.
Tenho 10 anos de idade, hoje é meu aniversário e também a primeira vez
que poderei participar de uma festa com o papai e meu irmão. Eles nunca
comemoraram comigo, as tias faziam um bolo e me ajudavam a abrir os
presentes que pessoas estranhas me mandavam. Papai vinha no fim do dia me
dar um abraço e um presente, mas seus olhos nunca eram felizes.
A tia Maria para de mexer em meu vestido e me vira para o espelho,
fazendo-me encarar o reflexo da menina perfeita, como ela diz, não sei o que
é ser perfeita, mas se a tia fala, tenho que concordar.
Eu nasci porque meu pai precisava de uma filha mulher, simples assim.
Porém minha mãe faleceu logo depois do parto e me deixou sozinha. Não é
trabalho de homem criar as filhas mulheres, papai sempre fala, e por isso que
tenho as governantas, sempre as mesmas.
Maria é a mais velha e a mais carinhosa quando o papai não está por
perto, é ela que me da doce de vez em quando sem que ninguém perceba. A
mulher de cabelo branco e olhos pretos é a única que conversa comigo nos
passeios pelo jardim.
As outras governantas são mais jovens, Julieta é uma morena linda com o
cabelo comprido e os olhos verdes, sempre chama a atenção dos guardas
quando passa, até o papai olha para ela estranho, ela está com nós há pouco
tempo.
Apesar de linda parece não gostar de mim, sempre me repreende por tudo
e vive me botando de castigo mesmo sem eu ter feito nada. Ela só age
diferente quando o papai está por perto, mas isso quase nunca acontece.
Carine e Cibele são irmãs e também cuidam de mim desde que nasci, elas
tem o cabelo loiro muito bonito e os olhos castanhos, são baixinhas e
gordinhas, Julieta vive usando as duas como exemplo, dizendo que é por isso
que tenho que cuidar com o que como e fazer exercícios.
“Ninguém quer casar com uma gorda”
É o que ela fala toda vez que peço para repetir alguma refeição, mesmo
que eu ainda esteja com fome ela nunca deixa.
Não entendo o que ela quer dizer com isso, Carine e Cibele são lindas e
seus olhos gentis me confortam quando podem.
Meu pai é um homem importante, nossa família é rica, muito mesmo,
mas ninguém nunca me falou com o que ele trabalha, porque não devo me
preocupar com isso. Só o que sei é o que Maria, com muito custo, me
explicou ontem a noite, quando perguntei sobre a festa.
— Minha menina, temos que conversar sobre algo sério, mas preciso que
me prometa que não vai falar para ninguém, você promete? — Os olhos de
Maria estavam cheios de água enquanto ela falava. Já era tarde da noite e os
seguranças tinham ido assumir os postos mais avançados e não podiam nos
ouvir.
— Eu prometo — respondi baixinho, meu coração saltando do peito ao
ver a mulher tão triste em minha frente, Maria está sempre controlada ou
feliz, tristeza não combina com seu olhar gentil.
— Amanhã teremos uma festa importante, sei que é seu aniversário, mas
preciso que entenda que as comemorações não são para você. — Com um
gesto gentil ela afaga minha bochecha.
— São para quem então? — pergunto sem entender, papai falou que era
minha festa de aniversário.
— Seu pai irá receber pessoas importantes, famílias que participam de
seus negócios e estarão aqui para presenciar um evento diferente — percebi
que ela estava nervosa, enrolando para falar o que realmente precisava —
Será sua festa de noivado.
As palavras carregadas de tristeza da mulher não faziam sentido em
minha mente, o que é um noivado? Nunca ouvi falar sobre isso, mas deve ser
algo ruim já que Maria está a ponto de chorar.
— O que é um noivado? — decido perguntar a ela.
— É quando duas pessoas se comprometem a uma futura união em
casamento.
— Mas casamento não é coisa de adulto? — As dúvidas se acumulam em
minha mente, nunca fui a um casamento, nunca fui a lugar nenhum, mas
papai me explicou o que são quando perguntei sobre a mamãe.
— Sim, são coisas de adultos, mas o noivado é como uma promessa de
que no futuro haverá um casamento — neste momento seus olhos focam nos
meus — Mas você precisa prometer que irá agir como se não soubesse de
nada, por favor pequena, ninguém pode desconfiar que estou te falando sobre
isso.
— Eu prometo Maria. — Uso minha mão para secar uma lágrima que
escorreu pela sua bochecha, não quero vê-la triste.
— Você irá conhecer o seu futuro marido amanhã — continua falando,
agora um pouco mais rápido e mais baixo — Ele também é um menino, tem a
sua idade, poucos meses mais velho, e é filho de alguém muito poderoso.
Quando crescer irá assumir os negócios do pai e será uma pessoa importante,
mais que o seu próprio pai.
— Como ele é? — pergunto curiosa, não conheço outras crianças da
minha idade, não tenho permissão para sair de casa ou ter contato com
ninguém que não seja as tias e o papai.
— Você verá amanhã, e é sobre isso que preciso que você escute com
atenção — sua mão ergueu meu queixo para que olhe diretamente para ela —
Amanhã você irá agir como uma princesa, lembre-se de tudo o que aprendeu
sobre comportamento, não fale com ninguém, não faça perguntas e não olhe
nos olhos dos homens. Em hipótese alguma saia pela sala ou coma algo que
não seja a janta.
— Eu sei me comportar — resmunguei, mas parei quando percebi a
seriedade do momento.
— Sim minha menina, mas você nunca participou de uma festa grande,
será a primeira e a mais importante da sua vida, você precisa ser a princesa
que foi criada para ser.
— E se alguém falar comigo?
— Não vão, mas se falarem dê respostas curtas, se for mulher olhe nos
olhos por pouco tempo e sorria, se for homem abaixe o olhar e responda
calmamente, com poucas palavras, lembre-se de usar o “Senhor” ou
“Senhora” no final.
Eu sabia de tudo isso, aprendi essas palavras antes mesmo de saber o que
significavam, papai me obrigava a chama-lo de Senhor e meu irmão também.
— Chegará uma hora que seu noivo lhe dará um anel, neste momento
faça uma pequena reverencia, estique a mão direita e aceite, não o encare, só
sorria como se estivesse feliz, você precisa fazer tudo o que eu falei a noite
toda.
— Prometo!
Maria me deu um beijo na testa de boa noite, geralmente ela não fazia
isso porque Julieta contava para o papai, mas quando não tinha ninguém ela
era carinhosa comigo.
E aqui estou, ao lado do papai em uma sala cheia de gente que não
conheço, meu coração praticamente pula do peito quando levanto o olhar
para tantos rostos, mas logo me acalmo e olho para frente, sem focar em
ninguém.
Papai aperta minha mão enquanto andamos pelo ambiente, é um dos
nossos salões de festa mais bonitos, está todo enfeitado com flores brancas,
mas não me atento muito a isso, não posso ficar olhado para os lados.
Escuto meu pai falar com algumas pessoas, ele me apresenta e quando
ouço meu nome faço uma pequena reverencia e sorrio, como Maria ensinou.
As pessoas reagem de diversas formas, umas afagam minha bochecha,
elogiando minha beleza e bom comportamento, outras só olham de cima
abaixo e voltam a falar com o papai.
As vozes na sala formam um burburinho alto com tanta conversa, não
consigo entender sobre o que falam, porquê não ficamos parados em um
lugar, papai me puxa para frente a cada grupo que nos cumprimenta. Até que
paramos mais aos fundos, papai me encara sério quando fala.
— Seja uma boa menina Amélia, hoje é um dia importante.
Um grupo de pessoas chega e o murmurinho cessa, tento enxergar quem
são, mas as pessoas a minha frente bloqueiam a visão da entrada.
Sinto papai ficando nervoso ao meu lado, ele não me olha, seus olhos
verdes estão focados a frente quando as pessoas abrem caminho e um homem
muito alto com um terno azul escuro e uma bengala se aproxima, sinto
calafrios só se olhar para ele e não me atrevo a ver seu rosto, ao seu lado
direito uma mulher muito magra e com o olhar mais triste que já vi na vida o
acompanha.
— Don Corleone, Senhora Corleone — papai fala ao meu lado, pegando
mão direita estendida do homem, vejo um anel grande com uma pedra azul
escura no dedo médio e papai beija a joia, depois faz uma reverência á
mulher — é um prazer recebê-los em minha casa.
O homem não responde, sua postura e ar de autoridade faz com que um
arrepio suba pela minha coluna, mas me controlo para que ninguém perceba.
— Este é meu filho, Alphonse Corleone — Don Corleone fala e só agora
percebo o menino ao seu lado esquerdo, pequeno e muito magro, está usando
um terno da mesma cor do pai que lhe confere um ar de seriedade, mas o que
me chama atenção são seus olhos, azuis quase cinza, lindos demais para a
expressão vazia que o acompanha.
Não olho por muito tempo e foco na mulher, lembro-me do que Maria
falou, transpasso minhas mãos em frente ao corpo e aguardo papai me
apresentar.
— É um prazer conhecê-lo, Senhor Alphonse — papai faz uma
reverência ao menino, um pouco exagerado, e aponta para meu irmão que
está do seu lado — Este é meu filho Richard e minha filha Amélia.
Esta é minha deixa, com um gesto sutil abaixo a cabeça e faço uma
reverência simples, cruzando os pés atrás de mim, abaixado um pouco o
tronco e o olhar.
— Uma menina bonita e bem comportada — a Senhora Corleone fala, é a
primeira vez que ouço sua voz baixa, porém autoritária, ela vem até mim e
me avalia com o olhar por um tempo, ergo a cabeça e encaro seus olhos verde
esmeralda, lindos demais, mas assim como os do filho a expressão vazia me
assusta.
Ela usa um vestido azul marinho longo e com mangas transparentes,
cobrindo praticamente todo o seu corpo, o cabelo castanho está perfeitamente
arrumado em uma longa trança lateral, a maquiagem simples, mas elegante,
deixa sua aparência mais jovem, mas nada pode esconder a tristeza por trás
dos seus olhos.
— Realmente você fez um bom trabalho — Don Corleone fala para meu
pai, não entendo sobre que trabalho ele está falando, mas papai parece feliz
com as palavras — Alphonse, cumprimente Amélia.
O menino vem até mim e pega minha mão, com um beijo casto ele encara
meus olhos e sua boca se torce em algo como um sorriso, que nunca chega
aos olhos.
— É um prazer conhecê-la. — Sua voz é fina, mas as palavras são ditas
com segurança.
— O prazer é meu, Senhor Alphonse — respondo enquanto papai me
olha com ansiedade.
Aqueles olhos azuis focam nos meus, vejo a intensidade por trás do seu
olhar enquanto reconheço um sentimento tão familiar em mim mesma, algo
que vejo todos os dias refletido em meu próprio reflexo, a solidão.
A Senhora Corleone fica ao meu lado enquanto o papai e Don Corleone
conversam, meu irmão e Alphonse ficam ao lado dos pais, mas não falam
nada. E é assim que a festa continua, ninguém mais fala comigo, enquanto
cumprimentam meu pai e Don Corleone, que percebo ser a pessoa mais
importante do lugar.

CONTINUA...
Agradecimentos

Quero agradecer do fundo do coração aos meus amigos que me


incentivaram a continuar escrevendo, sem julgamentos, e sempre com uma
palavra de carinho.
Ao Jacson Sonaglio que leu este livro em tantas fases diferentes, por
diversas vezes, sendo meu amigo e editor, dando-me dicas valiosas para
melhorar o texto e corrigindo erros necessários, muito obrigada!
Ao Daniel Previdi que, mesmo sem entender, é minha rocha de
sobriedade, meu melhor amigo e foi peça chave para a finalização desta
história, saiba que a Daniele tem o nome em sua homenagem.
A Lais Paula que também leu uma parte do livro e me ajudou com tantas
coisas para conseguir publicar, obrigada por compartilhar tuas experiências
comigo.
A minha mãe que me incentivou a ler, que comprou Harry Potter para
uma menina que acabou se apaixonando pelos livros por causa daquele
mundo encantado. Obrigada mãe, sei que se estivesse viva estaria
comemorando comigo e com orgulho de mais esta conquista.
Quero deixar um agradecimento amplo e especial a todas as autoras que
conversam comigo, trocam experiências e publicam suas histórias, ler livros
nacionais é o que me da força e confiança para publicar.
A todas as pessoas que estavam ansiosas por essa publicação, que
acompanharam o processo de escrita e já surtavam comigo toda vez que eu
postava algo sobre o livro, obrigada mesmo!
E agora quero agradecer a você, que deu uma chance ao meu livro e se
aventurou na minha versão da máfia italiana, obrigada de coração <3
Sobre o autor

Indiana Massardo

Indiana Massardo é uma Libriana romântica, leitora voraz de livros de


romance e tem 28 anos de idade. Formada em Engenharia civil não segue a
profissão, é artista a mais de 5 anos, trabalhando com arte realista em
aquarela e bordado no perfil oficial @indymassardo.
Atualmente vive sozinha com seus gatos e cachorros, sonha em ter uma
estabilidade financeira para poder viver mais tranquilamente.
Este é seu primeiro livro publicado e está muito orgulhosa do universo que
criou e dos personagens fortes que nasceram disso.

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