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Copyright © Harin Adna, 2022

Capa: T T E N O R I O © Designer gráfico


Revisão: Ana Karolina Araujo
Diagramação: Três Um Oito - Produção Visual

Esta é uma obra de ficção. Nomes, personagens, lugares e


acontecimentos descritos são produtos da imaginação da
autora. Qualquer semelhança com nomes, datas e
acontecimentos reais é mera coincidência.

UNIDOS PELO SACRIFICIO


Série Pétalas em Sangue – Livro 4
Harin Adna 1.ª Edição – 2022

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portuguesa. Todos os direitos reservados.
Sumário
SINOPSE
PRÓLOGO
CAPÍTULO 1
CAPÍTULO 2
CAPÍTULO 3
CAPÍTULO 4
CAPÍTULO 5
CAPÍTULO 6
CAPÍTULO 7
CAPÍTULO 8
CAPÍTULO 9
CAPÍTULO 10
CAPÍTULO 11
CAPÍTULO 12
CAPÍTULO 13
CAPÍTULO 14
CAPÍTULO 15
CAPÍTULO 16
CAPÍTULO 17
CAPÌTULO 18
CAPÍTULO 19
CAPÍTULO 20
CAPÍTULO 21
CAPÍTULO 22
CAPÍTULO 23
CAPÍTULO 24
CAPÍTULO 25
CAPÍTULO 26
CAPÍTULO 27
CAPÍTULO 28
EPÍLOGO
SINOPSE

Italiana mimada, rica, princesa da máfia e fútil, foram adjetivos que


acompanharam Talía Maceratta por toda sua vida. Não que ela se
importasse.
Até ser prometida ao Chefe da Máfia irlandesa.
Uma nova vida a espera em Boston, onde ela terá que ser mais que
um dia imaginou que seria.
Aleksander Dardan, Chefe da Máfia irlandesa, sempre soube que se
casaria por poder.
O ambicioso Chefe viu em Talía a oportunidade de solidificar seu
território e sua relação com a Aliança.
Sacrificar sua liberdade era um valor justo, diante das possibilidades
que a Aliança poderia proporcionar a sua organização.
O que ambos não contavam, é que nada seria como imaginavam,
nem que todas as impressões que tiveram um do outro, durante um
longo e frio noivado, fossem invadir a realidade, fazendo nascer da
hostilidade instaurada, admiração e amor.
Mas o amor exige sacrifícios e sacrifícios causam dor.
Com um inimigo à espreita, Boston está sob ataque.
Ela terá que ser mais.
Ele terá que sobreviver.
E às vezes, amor e sacrifício não são suficientes.
PRÓLOGO
Aleksander Dardan

Quatro anos antes, Boston.

— Você poderia ter tomado um banho antes de vir aqui.


Sean Dardan me deu um único olhar antes de voltar sua
atenção para o notebook. Eu tinha acabado de voltar de uma
execução com Kael, nosso executor chefe, e estava sujo demais
para os princípios sofisticados do Athair[1].
— A sua mensagem dizia “imediatamente”. — Respondi com
um sorriso que não chegou aos olhos.
Athair não voltou a me olhar, fazendo o que ele mais gostava:
mostrar quem era o chefe e que eu deveria estar à sua disposição,
sempre.
Quando julgou que já tinha me feito esperar o suficiente, voltou
os olhos para mim, ignorando o sangue que sujava sua cadeira.
— Não me agrada que você passe tanto tempo com Mirella,
Aleksander. Nosso território está instável, você é o meu herdeiro e
tem responsabilidades, mesmo que às vezes pareça se esquecer
disto. Dimitri Nikolai está cada vez mais ousado em seus ataques e
sozinhos, não conseguiremos ir muito longe.
— Então não me culpe por mutilar alguns russos.
— Eu não sei qual é a real natureza do seu relacionamento
com essa garota, mas isso deve parar — continuou, ignorando a
picada em meu tom. —Mesmo que ela seja a sobrinha da minha
esposa, prima de sua irmã, ela é filha de um soldado, não tem os
laços de que precisamos. Eu estou negociando seu casamento com
uma das filhas da Cosa Nostra.
Não movi sequer um músculo, mas o sorriso abandonou meu
rosto.
Eu sabia que teria que me casar em algum momento e até
mesmo cheguei a cogitar Mirella. Além do sexo ser bom, ela era
alguém familiar e entendia as regras da vida na máfia. Era algo que
fazia sentido, entretanto, nenhuma promessa foi feita entre nós.
Estava chateado por ter que me casar com uma estranha, não
seria hipócrita de mentir.
Uma italiana.
Mas este era o sacrifício, não era? A organização seria sempre
a prioridade.
Sempre.
— Faça como achar melhor, Athair. — Ele sempre fazia.
— E resolva esta situação, não quero Brianna em meus
ouvidos por conta de suas... — Ele me olhou rapidamente —
Indiscrições. Ela veio com uma conversa delirante sobre vocês
darem um bom par, mas as coisas estão tensas. As italianas são
dóceis e submissas, criadas para o casamento. Ainda não temos
nada definido, mas não acredito que vá haver quaisquer problemas.
Esta parceria também é de interesse da Cosa Nostra, algo que
fortalecerá ambas as famílias.
Dei um aceno, embora minha mente ainda estivesse presa na
parte em que eu compartilharia a vida com uma completa estranha,
mesmo que fosse submissa e dócil, ou qualquer coisa do gênero.
Eu não gostava que me dissessem o que fazer, era um rebelde
por natureza…
Mas essas eram as regras e ninguém estava isento delas.
Nem mesmo o futuro líder da máfia irlandesa.

───※ ·❆· ※───


Nova Iorque
Talía Maceratta
Quando cheguei ao escritório, após ter sido chamada,
encontrei papai, Giovanni (que há pouco tempo tinha se tornado
Consigliere da Cosa Nostra) Eduardo, nosso Don, e minha tia
Antonella.
Eu tinha acabado de chegar da universidade, onde comecei o
Pré-Med, e já estava indo para o meu dormitório, quando Giovanni
me ligou. Ele e meu pai precisavam falar comigo e parecia urgente.
Eu não tive um bom pressentimento. Entrei e me sentei na
cadeira claramente reservada para mim. Olhei para todos e esperei,
um pouco agitada internamente.
— Está tudo bem? — Finalmente perguntei.
Papai suspirou e o maxilar cerrado de Giovanni saltou.
Tia Antonella deu um sorriso e então se aproximou, sentando-
se na cadeira ao meu lado. Ela assumiu o papel maternal em minha
vida desde a morte da minha mãe, quando eu tinha dez anos.
Nossa família era unida, apesar de todos os horrores nos
bastidores da vida na Máfia. Eu sempre tive tudo o que pudesse
desejar, menos liberdade. As únicas exceções eram a faculdade e o
quarto no dormitório, como qualquer outra estudante. Agora, eu
estava vendo a minha pouca liberdade escorrer por entre meus
dedos.
— Minha querida — Papai começou. — você sabe que só
queremos o melhor para você, certo? E sabe também que a nossa
vida é cheia de tradições e regras e mesmo nos dias de hoje,
algumas coisas são imutáveis.
— Vocês estão me assustando.
Tia Antonella suspirou e Giovanni se levantou.
— Talía, você tem visto a quantidade de ataques dos russos
que estamos sofrendo, aqueles fodidos filhos da puta mataram meu
pai. — Sim, eu sabia, e o fato era recente, ainda doía muito.
Giovanni parecia estar fazendo todo o esforço possível para se
manter calmo, mas a raiva irradiava dele. — Precisamos de
alianças, precisamos nos fortalecer.
— A Máfia Irlandesa nos contatou, eles querem uma aliança
através do casamento. — Eduardo disse e eu me levantei com as
palavras fazendo eco em minha mente.
Aliança através do casamento.
Ele não precisava dizer mais nada.
Andando calmamente, fui em direção à janela e olhei para fora
da mansão de minha tia. Eu conhecia as regras da Famiglia, mas no
fundo, eu acreditava que um dia poderia me casar por amor, que
poderia escolher o meu marido. Pelo jeito, não.
Olhei para Eduardo, que se casara há pouco tempo. Também
tinha sido um casamento arranjado, com outra família da máfia
italiana. Ele parecia bem, assim como Giulia, sua esposa e agora
esperavam o primeiro filho. Mas e eu? Eu iria para outro estado,
outro povo, outra cultura.
Um medo passou por mim e eu tremi levemente.
— Talía — Giovanni me virou em sua direção, segurando meus
ombros — Você não é obrigada. Se não quiser isso, eu vou dar um
jeito. Certo, Eduardo?
Eduardo não respondeu. Apenas me olhou.
Eu sei que se me recusasse, tanto papai quanto Giovanni
queimariam o mundo para impedir que esse casamento
acontecesse, mas eu tinha testemunhado os ataques dos russos à
casa de Eduardo, a tentativa de sequestro de Anita Santorelli, irmã
de Eduardo. O sequestro de Isabella Castelle, irmã de Giulia, no dia
do casamento de Eduardo. A morte do tio Salvatore. Eu não poderia
me opor.
Eu senti meus olhos queimarem, senti meu corpo tremer, mas
também senti que deveria ser forte.
Era o meu destino. Meu sacrifício.
Levantei o queixo da maneira mais altiva possível e forcei um
sorriso.
— Tem certeza que não há mais ninguém na Famiglia que
possa tomar meu lugar? — Perguntei.
— Maceratta ou Santorelli. Anita tem apenas onze anos, você
é a mais apta, Talía. — Eduardo respondeu.
— Podemos mandá-los à merda se ela se recusar! — Giovanni
esbravejou e eu dei um salto.
— Modos, Giovanni. — Tia Antonella o repreendeu.
— Então está feito. Eu só quero uma garantia: Quero terminar
meus estudos e ter a liberdade de trabalhar. Acha que consegue
isso?
— Pode ser arranjado. — Eduardo afirmou e a sombra de um
sorriso passou em seu rosto.
Por fim, eu suspirei.
— Agora, por favor, me digam que não se trata de um velho
babão. — Disse em meu tom mais mimado possível, na tentativa de
quebrar a tensão do ambiente.
Titia e papai riram.
Meu pai se aproximou e beijou minha testa em um carinho
familiar.
— Não, principessa. Ele é jovem e valente.
Eu tinha medo. Muito medo. Eu era uma estudante de dezoito
anos, mas, pelo menos, ganharia seis anos para me acostumar à
ideia de me casar com um estranho. O fato de meu futuro noivo ser
jovem e valente não diminuía em nada o meu medo, mas muito
poderia acontecer em seis anos, não é?
Ainda poderia haver esperança. O que eu não sabia, era que
eu nada entendia sobre abdicação e sacrifícios.
CAPÍTULO 1
Talía Maceratta

— Você está belíssima, cara mia.


Olhei a bela morena que era a esposa do meu primo. Bela e
louca, mas eu a adorava. E ao seu lado, tia Antonella, tinha os olhos
chorosos.
Hoje era o dia em que eu conheceria meu noivo, oficialmente.
Desde a formalização de nosso noivado eu nunca o tinha visto, nem
mesmo por fotos. Neste último ano, eu me recusei veementemente
a tornar real o fato de estar noiva de um irlandês.
Agora eu me arrependia. Ele provavelmente estaria no primeiro
andar da mansão e eu só queria não ceder ao impulso de fugir e me
jogar aos pés de Eduardo e Giovanni, implorando perdão.
Contudo, agora era tarde.
Isabella tinha sido levada pela Bratva e então resgatada pela
Aliança, formada pelas principais facções criminosas do país. Meu
casamento era imprescindível para que a Aliança se solidificasse.
Agora, a Bratva pertencia a Yuri Ivanov, criado como Nero
Rossi entre os italianos. Ele era o verdadeiro herdeiro e da mesma
forma que o casamento dele com Isabella Castelle era o melhor
para a Aliança, o meu com Aleksander Dardan também era.
A diferença era que Isabella e Nero se amavam, enquanto eu
não sabia nem qual era a feição de meu noivo. Eu não sabia se ele
seria gentil ou violento, se ele me respeitaria ou se me faria infeliz.
Era terrível não saber o que esperar.
— E se ele for horrível? — Dei voz aos meus medos.
— Posso te garantir que não é. Que Giovanni não me ouça,
mas Aleksander é um pedaço de homem.
Queria rir com Milena, mas foi impossível.
— Estou com medo. — Falei, por fim.
— Minha querida, você sabe que tem uma família aqui e isso
nunca vai mudar, não importa com quem se case ou para onde vá.
— Tia Antonella disse e me abraçou.
— Agora, levante essa cabeça, faça aquela pose de princesa
insuportável e mostre quem é a alfa dessa relação.
Eu ri do jeito que Milena disse as palavras, mas ela estava
certa.
Eu não era qualquer uma, era uma Maceratta, pertencia a uma
das principais famílias da Cosa Nostra, era valiosa e não me
rebaixaria a ninguém, nunca.
Vestindo uma confiança que eu não sentia, dei uma última
olhada no espelho. Meu vestido verde musgo, bordado a mão e
modelo tomara que caia, ia até o meio das coxas e então se abria
em várias camadas de seda.
Eu estava linda, era um fato.
Coloquei um sorriso superior no rosto e disse:
— Vamos acabar com isso.
Enquanto eu descia as escadas, sentia que ia vomitar, mas
ainda assim, sorria.
Até o meio das escadas, me recusei a olhar a multidão que
estava abaixo. O que eu poderia esperar daqui? Eu não tinha ideia,
mas era necessário.
Tentei conjurar pensamentos positivos de que eu seria feliz,
que tudo daria certo, então, com coragem, olhei para frente.
Papai e Giovanni estavam próximos à escada e quando os
alcancei, apertei a mão de Giovanni.
Ele era meu primo, meu irmão, meu amigo, meu protetor. Ele
apertou minha mão de volta, uma forma de conforto e proteção. Em
seguida, uma mulher ruiva, de meia idade, muito séria, me deu um
olhar gelado.
— Talía, essa é Brianna Dardan, madrasta de seu noivo,
Aleksander. — Meu pai disse e eu estendi a mão para a mulher.
Ela demorou dois segundos para segurá-la e então se afastou.
— É um prazer, Talía. Esta é minha filha Elana e minha
sobrinha, Mirella.
Olhei para as duas que me eram apresentadas.
A primeira não deveria ter mais de quatorze anos, tinha o
cabelo nos ombros, liso e castanho, os olhos verdes, estilo pin up, e
quando dei a minha mão, ela a rejeitou e me abraçou
afetuosamente.
— Seja bem-vinda à família, Talía.
Foi impossível não sorrir com ela.
Pela primeira vez, desde que saí do quarto senti um pouco de
segurança e esperança de que talvez as coisas fossem boas.
— Obrigada, querida.
— Bem-vinda. Eu sou Mirella. — Embora o abraço da segunda
não fosse tão caloroso, o seu sorriso foi simpático.
— Obrigada. — Respondi, educada.
Eu sabia que o pai do meu noivo tinha falecido logo após
definirem o casamento, e agora Aleksander era oficialmente o chefe.
Quando tirei os olhos de Mirella, uma presença imponente se
aproximou. Eu não precisei olhar para saber que era meu noivo
quem estava ao meu lado.
Fechei os olhos brevemente, abri um sorriso brilhante e altivo e
o olhei com firmeza. Não pareceria fraca, não importava o que me
aguardasse.
Então, quando olhei, seus olhos me prenderam de uma forma
que eu não estava esperando. Porque eles eram exatamente do
mesmo tom que os meus olhos. Eu podia nunca tê-lo visto, mas eu
o imaginei muito, todas as vezes em que o medo cedia um pouco.
Eu o imaginei ruivo, loiro, mais parecido com um irlandês padrão.
Mas, não. O homem que me olhava, todo vestido de preto,
com tatuagens nas mãos, e provavelmente em muitos outros
lugares, era alto, muito mais que eu. Imponente. Tinha o cabelo
escuro, mais escuro que o de sua irmã. E tinha os olhos verdes
escuros como os meus. Eu nunca tinha visto alguém com o mesmo
tom, exatamente o mesmo tom de verde que os meus.
A situação me deixou um pouco inerte, e eu só percebi quando
ele disse algo sobre ser um prazer me conhecer e então, pegou
minha mão e a beijou. Eu fiquei presa na sensação dos seus lábios
em minha pele.
Ele não era um velho babão, não.
Ele não tinha nada de velho, muito pelo contrário.
— Talía. — Milena resmungou atrás de mim e eu me dei conta
de que deveria me apresentar.
— O prazer é todo meu, senhor Dardan.
Um meio sorriso apareceu em seu rosto, enquanto ele
colocava ambas as mãos atrás do corpo.
— Me chame de Aleksander. Não precisamos de tanta
formalidade.
Um peso em meu interior diminuiu e pareceu que eu finalmente
era capaz de respirar.
Ele estendeu o braço, que eu aceitei e passamos a
cumprimentar os convidados de forma natural.
Não tivemos uma conversa profunda ou significativa durante
toda a noite, mas ele foi atencioso e educado e teríamos tempo para
o resto.
Talvez esse arranjo não fosse tão ruim, afinal.
Deus, como eu estava enganada.

───※ ·❆· ※───

Quatro meses depois

— Você está com a cara emburrada. — Disse Cara, a filha de


um dos principais capitães de Nova Iorque e uma das minhas
melhores amigas.
Eu contive o desejo de revirar os olhos porque eu estava
muito, muito irritada.
Primeiro, eu já não tinha um prazo de seis anos até o
casamento, mas quatro anos. No início, quando meu pai falou sobre
isso, eu até pensei que depois do noivado, Aleksander gostaria de
se aproximar de mim, que ele havia gostado de mim.
Idiota, burra.
Ele não me atendeu nas vezes em que liguei. E, semanas
depois, quando ele resolveu me ligar, eu não o atendi.
E agora, no casamento de Isabella e Yuri, a festa do ano, ele
mal reconheceu minha presença. Me cumprimentou, foi cordial, mas
manteve distância.
E eu estava muito irritada porque tinha vinte anos, tinha um
noivo, mas ele nem mesmo olhava para mim. Seria sempre assim?
— Não fique assim, ele vai ter outra postura depois que vocês
estiverem casados. — Olhei para Cara, com seus longos cabelos
claros e olhos azuis.
Ela era uma das meninas mais lindas da Cosa Nostra, mas eu
tinha uma leve impressão de que ela não curtia muito o sexo oposto
e por isso, sempre corria dos arranjos matrimoniais de sua mãe. Eu
gostaria de ser como ela, mas fui embutida com o senso de dever.
— Não estou preocupada. — Respondi, sentada e fuzilando a
nuca do meu noivo. Então eu me virei.
— Imagina. — Respondeu, em ironia.
— Eu não preciso da atenção de um noivo que mal conheço. O
que acontece é que as pessoas percebem, falam e isso me
incomoda. É humilhante.
— Vamos, não seja assim. Vamos dançar — Cara começou a
me puxar e então parou. — Oh meu Deus, arruma essa cara porque
o seu noivo muito gostoso está vindo em nossa direção.
Eu não tive tempo de fazer nada, porque a voz vibrante de
Aleksander estrondou atrás de mim.
— Talía. Dance comigo.
Não era um pedido, muito menos um convite.
Minha vontade era deixá-lo lá, com aquela mão estendida para
fazê-lo parecer um paspalho, mas isso seria horrível. Então,
engolindo meu orgulho, dei-lhe um sorriso de boca fechada e
aceitei.
Cara deu alguns aplausos discretos enquanto me afastava,
mas eu não tinha metade daquela animação.
Começamos a dançar e eu me recusei a falar qualquer coisa.
E também me recusei a reconhecer que ele cheirava muito bem,
estava muito bonito de terno e que eu gostava demais do sorriso
dele, mesmo que ele tivesse sorrido para mim uma única vez. Sua
mão na minha era gigante, a forma como ele dominava a dança
também. Eu apenas me deixei levar.
— Você está bem? — Ele perguntou, por fim.
— Estou.
Ficamos em silêncio por algum tempo, e então ele suspirou.
— Você está precisando de alguma coisa? Ou alguém a está
incomodando na universidade?
Eu parei de dançar na hora e lancei um olhar envenenado para
ele, mas quando respondi, foi no tom que aprendi, sem levantar a
voz, apenas um toque de condescendência.
— Não, não me falta nada. Meu pai e meu tio cuidam muito
bem das minhas necessidades, uma vez que eu não sou sua
responsabilidade ainda.
Meu corpo vibrava de fúria.
Se ele se abalou com a minha resposta, não demonstrou.
Continuou dançando como se eu tivesse falado mansamente e
educadamente, o que só me deixou com mais raiva.
Quando a música acabou, enquanto ele me acompanhava de
volta à mesa, eu me dei conta, de que tudo o que ele fazia era
totalmente calculado. Ele tinha dançado comigo porque era o
esperado, não porque queria.
Eu soltei minha mão antes que chegássemos e enquanto eu
pensava sobre isso, senti um puxão leve no meu antebraço. Então,
Aleksander disse em meu ouvido.
— Outra coisa. — Fitei seus olhos nutrindo uma raiva sem
igual — Quando eu te ligar, você me atende. No primeiro toque.
Aleksander se afastou como se fosse o rei do lugar, em direção
aos Chefes da Aliança. Quando ele se sentou em meio aos outros e
me olhou, eu dei um sorriso altivo e virei de costas.
Ele morreria esperando que eu o atendesse.
CAPÍTULO 2
Aleksander Dardan

“Italiana dócil”, o caramba!


Eu estava no meio de uma reunião com a Aliança quando
Shield, Vice-Presidente dos Devils Dragons MC, avisou a mim e a
Giovanni, Consigliere da Cosa Nostra, que o Cartel de Guadalajara
havia implantado uma bomba no dormitório de Talía.
Eu liguei para ela assim que a informação caiu em meus
ouvidos, mas a patricinha mimada não me atendeu.
Como sempre.
Agora já estávamos noivos há quase três anos e faltava pouco
para o casamento. Em todo esse tempo, pouco nos comunicamos.
Ela era orgulhosa e tinha uma postura altiva como se o mundo
girasse ao seu redor e eu não tinha tempo para essa merda.
Eu precisava desse casamento para que a Aliança se
solidificasse, logo, eu precisava dela segura.
Desde a primeira vez que vi Talía Maceratta em nosso noivado,
há dois anos, ela evocou emoções mistas dentro de mim.
Primeiro, ela estava visivelmente apavorada, mesmo que
sorrisse como se o mundo lhe pertencesse. Depois foi a sua beleza
inegável. Por fim, seu temperamento tempestuoso, mesmo que ela
o disfarce magnificamente bem.
E então, eu passei a viver em um espiral de instabilidade com
a minha noiva. Ela me desafiava em cada comando e apesar da
ponta de irritação que a situação me causava, eu nunca me importei
o suficiente para discutir sobre isso. Ela era um meio para um fim.
Eu sabia que ela queria se casar comigo tanto quanto eu
queria me casar com ela, mas isso pouco me importava. Ela se
casaria comigo e o resto a gente lidaria quando acontecesse.
Eu nunca fiquei imaginando como seria a vida de casado. Um
cartão de crédito, alimento e segurança seria o suficiente para que
ela ficasse bem. Mas nada disso importava quando estavam
atentando contra a vida de minha noiva. Um insulto pessoal contra
mim, do Cartel e seus aliados.
Minha raiva atingiu um nível inédito quando Giovanni ligou e a
principessa atendeu no primeiro toque. A sensação de alívio foi algo
coletivo quando ela desviou de seu caminho e foi para a mansão
Maceratta, onde nos encontraríamos.
Todos os chefes estavam instáveis após essa tentativa contra
a vida de Talía e eu sabia que eles estavam pensando na segurança
de seus próprios entes queridos.
Eduardo tinha esposa, filhos e uma irmã adolescente. Giovanni
e Yuri eram ambos casados e com famílias, mesmo Vicenzo Capello
tinha irmãos sob sua responsabilidade. Todos tinham com quem se
preocupar, inclusive eu.
Durante o caminho para a mansão dos Maceratta, uma nova
decisão começou a se formar em minha mente.
Em todas as vezes que observei a dinâmica da família
Maceratta, ficou nítido que Talía fazia o que queria, que curvava
todos às suas vontades. Ela bateu os pés para que ficasse em um
dormitório comum enquanto estivesse na faculdade e mesmo com
todos os riscos, sua família permitiu. Ela não quis um casamento
imediato e no início eu também não fiz questão, mas agora isso
terminou. O seu império de mimos também estava prestes a
terminar e depois de tudo o que tinha acontecido hoje, ninguém se
oporia à minha decisão.
— Quando termina o pré-med de Talía? — Perguntei a
Giovanni que estava no mesmo carro que eu.
— Em dois meses.
— O casamento vai acontecer em três meses.
Giovanni não teve a reação que eu esperava.
Qualquer cego poderia ver o quanto ele era protetor com sua
prima, isso ficou claro ao longo dos anos.
Para minha total surpresa, ele apenas disse, reflexivo.
— É o melhor. — Então, ele me deu uma olhada de esguelha
— Mas se prepare, pois ela não vai gostar.
— Eu não me importo.
Giovanni pousou os olhos diretamente em mim, de forma que
eu também o encarei. Agora, já não tinha qualquer vestígio de
humor.
— Eu passei a te respeitar desde que começamos a trabalhar
juntos, mas saiba que se você tocar em um fio de cabelo da minha
prima ou fazê-la infeliz, eu acabo com a sua existência.
Suas palavras poderiam fazer qualquer outro homem se
encolher, mas eu e Giovanni éramos feitos do mesmo material. Eu
também mataria qualquer um que tocasse minha irmã, mas eu
jamais encorajaria a sua ameaça. Sabia que ele dizia a sério,
também poderia dizer a ele que eu não tocava em uma mulher com
violência, pois isso era sinal de fraqueza e descontrole.
Mas eu não disse nada, apenas sorri, um sorriso que ele não
retribuiu.
Não encontramos ninguém ao chegarmos à mansão e após o
que me pareceu minutos intermináveis, uma comoção tomou a
entrada da casa. Toda a família de Eduardo, seus dois filhos
pequenos e sua esposa, Giulia, a esposa de Giovanni, Milena e
Isabella Ivanov, esposa de Yuri, como também a mãe de Giovanni,
Antonella, choravam e suspiravam aliviados.
Eu fiquei enraizado no lugar, segurando raiva e alívio dentro de
mim. Ambos por essa mulher, minha noiva, alguém que eu tinha
visto e convivido menos que qualquer outra, mas que em breve
seria minha esposa.
Quando todos se acalmaram eu me aproximei e como
esperado, Talía levantou o queixo em desafio.
Eu passei meus olhos rapidamente por seu corpo, procurando
por ferimentos, mas ela parecia bem.
Ela deveria estar assustada para caralho, mas eu nunca tive
qualquer habilidade consoladora em mim. Nunca precisei e ela já
tinha gente o suficiente paparicando e fazendo suas vontades.
— Quero falar com você. A sós.
Ela levantou mais o queixo. Geralmente ela mantinha um tom
educado, embora os olhos denunciassem seus verdadeiros
sentimentos. Agora, ela parecia não estar tendo o mesmo cuidado.
— Eu não tenho nada para esconder da minha família. Seja o
que for que tenha para dizer, diga aqui.
Claro que ela dificultaria.
— Nós nos casaremos em três meses.
Seus olhos foram do choque ao puro horror. Isso fazia dois de
nós, eu também não estava muito animado com a perspectiva de
me casar com ela, mas do jeito que as coisas iam, era o melhor.
Para todos.
— Mas eu não posso me casar em tão pouco tempo!
Ela tentou argumentar, discutir, até mesmo implorou à família e
para minha surpresa, eles concordaram comigo.
Vencida, ela subiu as escadas furiosamente, pela primeira vez,
perdendo totalmente a compostura e se fechou no quarto.
“Italianas submissas, o caramba.”
Mais tarde, antes que eu voltasse para Boston, Enzo Maceratta
me chamou. Eu sabia que essa conversa estava chegando. No fim
das contas, Talía era sua filha.
— Não me leve a mal, Dardan. Sei de seu valor, de outra
forma, não daria a você minha única filha. Apesar de ser um
gangster, eu também sou um pai e preciso de paz. Talía pode ter um
temperamento um pouco difícil, mas ela perdeu a mãe muito nova,
isso fez com que todos, absolutamente todos, tentassem compensá-
la de alguma forma. Não sei se fizemos o correto, mas tentamos
nosso melhor.
— Aonde quer chegar, Enzo? — Perguntei, embora soubesse
exatamente o que ele queria.
— Só não a faça sofrer.
Eu poderia fazer o mesmo que fiz com Giovanni. Eu poderia
simplesmente ignorar Enzo, pois uma vez que fossemos casados,
Talía seria uma Dardan e seria inteiramente responsabilidade de
Boston. Mas, algo sobre um pai estar preocupado com sua única
filha me fez agir diferente. Enzo já estava velho e cansado, eu daria
paz ao homem.
— Escute bem, Enzo, pois será a única vez que direi algo
assim: Eu quero esse casamento tanto quanto a sua filha, gosto
dela tanto quanto ela gosta de mim, mas eu posso garantir que ela
terá segurança e respeito de minha parte... Enquanto ela me der o
mesmo.
— É o suficiente.
E assim, Enzo se afastou.

───※ ·❆· ※───


Boston, dois meses depois.
— Então é verdade.
Eu me levantei sobressaltado. Eu nunca baixava a guarda,
mas ninguém, absolutamente ninguém se atrevia a entrar em meu
quarto. Somente Mirella não tinha esse senso de autopreservação.
Ela nem mesmo piscou quando minha arma estava apontada para
sua cabeça dois segundos depois de entrar em meu quarto.
— Uma hora dessas você vai morrer, Mirella.
— Você antecipou o casamento — Mágoa profunda estava
estampada em seus olhos e eu suspirei, porque eu sabia o que
vinha a seguir — Quer mesmo se casar com aquela garotinha?
— Você sabe que é o meu dever.
— Foi o dever que seu pai estipulou, agora que seu pai morreu
você está livre, Alek.
— Não é tão simples assim, terminar esse noivado tão próximo
ao casamento seria uma afronta que a Cosa Nostra não perdoaria.
— Ela não te quer! — Mirella gritou enquanto duas lágrimas
desciam de seus olhos.
— Tampouco eu a quero, mas é assim que as coisas são.
Ela respirou, fechou os olhos e então os abriu.
— E nós?!
Eu odiava essa merda. Fechei os olhos e cocei o nariz pedindo
paciência.
— Há muito tempo não existe um nós e você bem sabe.
— Mas o que temos é real, Alek! Somos importantes um para o
outro!
— Já passou da hora de você superar isso, sabe que não
posso fazer nada a respeito.
— Parece que você não quer fazer nada a respeito.
Diante do meu silêncio, ela explodiu em um ataque de fúria e
lágrimas.
— Eu sabia que era isso! Você quer aquela garota tola?! Que
só pensa em sapatos, roupas de grife? Se apaixonou por ela?! —
Ela gritou enquanto me acertava o peito com socos.
Eu a segurei firme pelos braços até que estivesse imobilizada.
— Eu não tenho que te dar explicações nenhuma, mas se quer
saber a verdade, eu quero sim me casar com ela. Talía Maceratta é
o meu passaporte para manter minha posição de poder, para
expandir a minha influência e minha garantia de estar na Aliança.
Então Mirella, espero que seja a última vez que você falou de Talía
neste tom. Ela em breve será uma Dardan.
Mirella recuou com as minhas palavras, lágrimas rolaram
enquanto ela se virava e saía do meu quarto.
Eu me sentei na cama e passei as mãos pelo cabelo. Mirella e
eu tivemos algo nas vezes em que ela passou as férias de verão em
Boston, mas mesmo depois da oficialização do meu noivado ela tem
tido dificuldade de aceitar o meu compromisso. Mesmo após três
anos. E eu já estava ficando sem paciência.
Tomei um banho e desci para o café da manhã e como
esperava, todos já estavam à mesa. Brianna era severa sobre
regras e ordem, de forma quase sufocante. Embora ela não tivesse
qualquer influência sobre mim, ela tinha sobre minha irmã de
dezessete anos.
— Bom dia.
Sentei no centro da mesa e retribui o sorriso de Elana. Mirella
não me olhou nem por um segundo e Brianna respondeu friamente
ao meu cumprimento.
Brianna era ruiva e se vestia de maneira modesta. Mirella
também era ruiva, tinha sardas e olhos azuis, e parecia mais filha de
Brianna que a minha irmã. Elana era mais parecida comigo e meu
pai: tinha os mesmos olhos verdes e o mesmo tom de castanho nos
cabelos, que ela usava em um estilo curto. E ela também estava
fora do padrão de mulheres magras, que era o único que Brianna
considerava ideal.
— Você fez uma boa viagem, Mirella? — Elana perguntou,
sempre tentando aplacar o clima frio que nos abraçava quando
estávamos juntas.
— Fiz. Papai e mamãe chegarão no fim de semana do
casamento, mas eu preferi vir um pouco antes para ajudar em
qualquer coisa que tia Brianna precisasse.
— Eu pouco sei a respeito deste casamento, apenas que
acontecerá em Nova Iorque e, bem, os italianos adoram um
casamento. Eles não pediram minha opinião ou minha ajuda.
— Talía é um amor, mamãe. Tenho certeza de que ela te
deixaria participar de tudo, caso a procurasse.
— Ela deixaria qualquer um cuidar de tudo, uma vez que está
claro que ela não quer ter nada a ver com o próprio casamento. —
Eu olhei severamente para minha madrasta. — Mas agora é tarde
demais para cancelar tudo e você terá que lidar com uma noiva
relutante.
Um pequeno sorriso se desenhou o rosto de Mirella, mas ela
logo disfarçou.
— Já começou a juntar suas coisas, madrasta? Faz uma
semana que a cobertura ficou pronta.
Brianna apertou o talher em sua mão e eu segurei um sorriso.
— Vai insistir neste absurdo, Aleksander?
— Mamãe!
— Não vejo absurdo algum em me casar e querer ter a minha
casa apenas para mim.
— Essa casa tem sido também a minha nos últimos vinte anos!
Isso é abominável!
— Ficaremos ótimos na cobertura, irmão. — Elana então se
virou para a mãe — Mamãe, você está se excedendo.
— Você é quem vive se excedendo com a comida, Elana.
Coma menos Brownies ou nunca conseguiremos um arranjo
aceitável para você.
Elana se encolheu enquanto mais uma vez Mirella sorriu e eu
perdi a calma.
— Você tem exatamente uma semana para desocupar a casa,
Brianna. E quanto a Elana, será sempre bem-vinda para morar
comigo.
Me levantei e fui em direção a Kael, meu executor principal,
deixando a mesa de forma nada educada, não que eu me
importasse. O grande homem de cabelo ruivo e comprido me
aguardava na porta, me acompanhando sem que eu precisasse
chamá-lo duas vezes.
Além dos benefícios que teria com esse casamento, um deles,
com toda a certeza do mundo, seria me livrar de Brianna. Eu a
suportei todos esses anos em respeito ao meu pai, mas agora já
não tinha qualquer motivo para isso. O sabor de vê-la sair de casa
era o suficiente para suportar uma vida inteira com a principessa
italiana.
CAPÍTULO 3
Talía Maceratta

Era o grande dia.


Olhei meu reflexo no espelho, para o vestido branco e elegante
que adornava meu corpo, assinado por Milena Castelle.
Havia apliques de renda na manga e um decote acentuado até
acima do umbigo, enquanto a saia de seda descia até os meus pés.
Meu cabelo estava totalmente preso em um coque elegante e
coberto pelo véu, que era longo e trabalhado, bordado a mão,
desenhado por Milena Castelle.
Eu estava linda.
O vestido não agradaria às matriarcas, contudo, eu não me
importava. Pelo menos o vestido eu teria o direito de escolher, já
que nada mais foi escolhido por mim.
Eu não sabia nada sobre as flores, a decoração, o sabor de
bolo, me recusei a participar de qualquer organização. Primeiro,
porque estava finalizando o meu pré-med. Segundo, porque não
havia em mim vontade alguma de ir em frente com esse acordo.
Infelizmente, toda a situação era maior que eu ou minhas
vontades. Eu sabia que era meu dever, meu sacrifício pela minha
família, pois ainda não tinha uma opinião sobre os Dardan. A única
pessoa que me deu abraço e afeto e sempre manteve um mínimo
de contato, foi Elana.
Brianna, madrasta de Aleksander era uma incógnita, não dava
para saber. Não era gentil, não era amável, e eu só esperava não
ter que morar com ela.
Pensando em tudo isso, comecei a rir, quase histericamente e
sem qualquer motivo aparente e então, comecei a chorar. Passei a
limpar desesperadamente o rosto com um lenço, mesmo sabendo
que a maquiagem era à prova de água.
Céus, eu nem sabia onde iria morar, eu nem sabia como era a
casa de Aleksander. Dormiríamos no mesmo quarto? Teríamos
quartos separados? Nunca conversamos sobre nada e agora quase
me arrependi de ter sido tão teimosa e não ceder em nossa queda
de braço. Talvez eu me sentisse mais segura se tivesse um mínimo
de noção do que me aguardava.
Olhei minhas mãos e notei que tremiam.
Voltei para o meu reflexo, me dando conta de que eu parecia
mais estar indo a um enterro do que ao meu próprio casamento.
Escutei passos no corredor e então me recompus.
— Talía?
A voz de Milena soou, e então ela, Giulia e Isabella entraram.
Giulia estava com o pequeno Leonardo no colo, agora com quase
um ano. O garoto de cabelos e olhos escuros já mostrava sinais de
um temperamento forte.
— Você está linda, meu amor! — Milena disse então me
abraçou. Eu forcei um sorriso de volta.
— É um Castelle. — Respondi e ela sorriu ainda mais.
Castelle era o nome de sua marca de roupas de grife e era um
tremendo sucesso. Milena foi duramente criticada por trabalhar fora
e investir em uma carreira. Sendo a esposa do Consigliere, era
esperado que ela cuidasse da casa e tivesse lindos bebês, mas
Milena nunca aceitou merda de ninguém, sempre foi irreverente. E
foi isso que fez com que meu primo se apaixonasse por ela.
— O vestido com toda a certeza ajuda, mas você é muito linda,
o que faz de tudo um conjunto perfeito. — Disse Giulia e me
abraçou com um braço.
Leonardo tentou pegar o meu véu e dei um beijo em sua
mãozinha.
Giulia e Eduardo também tiveram um casamento arranjado,
como era a maioria dos casamentos na Máfia. Noivaram e se
casaram em pouco tempo e apesar disso, aparentavam muita
harmonia e cumplicidade.
Eu gostaria de acreditar que isso aconteceria comigo também,
mas era difícil até mesmo imaginar que fosse possível. Nas poucas
vezes em que vi Aleksander, nós não conseguimos nos entender e
nem mesmo ter uma conversa inteira. Ele me via como um meio
para um fim e não fazia questão de esconder que nosso casamento
era apenas uma obrigação.
— Não fique assustada, Talía. — Giulia disse, gentilmente.
— Não estou.
— Imagina, só está apavorada. — Isabella disse de seu lugar.
Sempre fria e distante, ela nunca mudou. A pequena loira era
esposa de Yuri e também executora. Em suma, uma assassina
treinada.
— Aleksander não será ruim com você. Se não por caráter,
será porque você é valiosa para a Aliança. Giovanni o mataria,
Eduardo e Yuri apoiariam, o que causaria uma divisão na Aliança.
Dardan é ambicioso o suficiente para não querer tal coisa. —
continuou.
Eu sabia que fazia sentido o que Isabella dizia e isso me
acalmou. Eu já não tinha medo de ser fisicamente maltratada, não
como no início, mas a indiferença pode ser muito pior que um tapa.
Eu acho.
A verdade é que eu gostaria de ter um casamento como o das
três irmãs que me encaravam. Mesmo com todos os percalços que
passaram, agora estavam em um casamento feliz.
Ainda assim, eu sorri. Não perderia a calma, suportei este
noivado frio e essa situação por três anos, não seria agora que eu
desabaria.
— Isso aí, coloque um sorriso brilhante no rosto e não abaixe a
cabeça. Amei a coroa, bem significativa. Os irlandeses estão
recebendo um presente e sabem disso. Você está em boas mãos,
Talía, e sabe que sempre pode me ligar.
— Obrigada, Milena.
— E quero aproveitar para compartilhar uma notícia que você
vai amar!
— O que?! — Perguntei, animada.
Adorava novidades.
Ela fez um pouco de suspense e então soltou com um gritinho.
— Estou grávida.
Abri a boca, chocada e então a abracei, emocionada, enquanto
Giulia e mesmo Isabella sorriam.
— Giovanni deve estar pirando agora. — Eu falei a abraçando
forte.
— Não me dá um segundo de paz, principalmente por ser uma
gravidez gemelar.
Abri olhos e boca de forma nada elegante e então a soltei para
olhar seu rosto.
Ela estava falando sério.
— Meu Deus, tia Antonella deveria estar gritando e anunciando
aos quatro cantos!
Enquanto eu lembrava o quanto ela cobrava netos de
Giovanni, uma alegria sem igual me tomou e pensei no quanto duas
crianças fariam aquela casa feliz. E então, me lembrei que não
estaria ali, e lágrimas desceram.
— Droga, Mi! Eu queria estar por perto, queria participar de
tudo!
Ela pegou o lenço que estava jogando na cama e passou a
limpar meus olhos sem borrar a maquiagem. Mesmo sabendo que
não borraria.
— Eu prometo não te deixar de fora de nada.
Ela me assegurou, mas eu sabia que não seria a mesma coisa.
Ela continuou o seu trabalho até alguém entrar no quarto.
— Ah, aí estão vocês. Precisamos descer, o motorista já está
aqui para levar Talía até a igreja.
Anita Santorelli, no auge dos seus quinze anos, entrou no
quarto. Ela tinha cabelos e olhos castanhos como de seu irmão, e
ostentava um ar meio rebelde. Ela trazia pela mão Pietro, o filho
mais velho de Eduardo e Giulia, agora com três anos.
Pietro, apesar das peripécias de uma criança de três anos, era
mais calmo que Leonardo, mais reservado, como seu pai. Anita
então me olhou.
— Você está linda, Lia.
— Obrigada, Anita. — Respondi com um sorriso.
— Já imaginou, daqui a alguns anos seremos nós organizando
o seu casamento Anita. Em breve fará dezesseis. — Giulia disse
abraçando a cunhada pelos ombros.
Anita se soltou em um movimento rude e encarou Giulia.
— Eu vou para a faculdade. Você prometeu, Giulia.
— Sim, querida. Você vai, mas um dia vai se casar. — Giulia
disse amável, porém firme.
— Eu vou me casar com quem me apaixonar. — Respondeu
em tom mordaz.
— Vamos torcer para que as coisas ocorram dessa forma.
Você pode se apaixonar com o tempo. Nem todo amor é
instantâneo. — Milena tentou intervir com um sorriso, mas tudo que
conseguiu foi um olhar nada amigável de Anita.
— E se eu me apaixonar por alguém de fora da Máfia?
O semblante de Giulia fechou.
— Já disse para não ficar falando essas bobagens, Anita.
Principalmente perto do seu irmão.
— Eu fujo!
Ela disse e saiu do quarto.
Giulia soltou um suspiro e se sentou na cama com o pequeno
Leonardo, que dormia. Pietro estava com Milena, brincando com o
bordado de seu vestido vermelho.
— Eu não sei mais o que fazer. Ela sempre levanta essas
questões e diz a mesma coisa. Que foge se forçarem um casamento
a ela.
— Não a culpo. Eu mesmo já pensei em fugir várias vezes.
— Isso não ajuda, Talía. — Milena disse. — Não se preocupe,
Giulia. Ela é uma adolescente, a rebeldia é natural da idade. —
Completou para acalmar a irmã.
Giulia apenas respirou fundo, mas não parecia muito
convencida.
A verdade era que eu também não estava.
Olhei para Isabella, como sempre silenciosa e seus olhos
seguraram os meus, brilhando. Isabella também não estava
convencida.
Havia algo de diferente em Anita. Ela cresceu e estava
mostrando ares de uma personalidade nada fácil e no fundo, eu
temia por ela, porque seu casamento seria arranjado, ela era a
única irmã de Don Eduardo. Era a melhor aposta da Cosa Nostra,
politicamente. Ela não seria poupada de um destino como o meu.

───※ ·❆· ※───


Minhas mãos estavam trêmulas, enquanto eu andava até o
altar.
Eu não quis cobrir meu rosto com um véu, não, eu queria
encarar a todos. Nunca demonstrar qualquer sinal de fraqueza,
então, a mão trêmula era algo que eu gostaria muito de controlar.
Puxei três respirações profundas e todos ao meu redor
pareceram um borrão.
Eu olhei para o homem que, a partir de hoje, seria o meu
marido. O homem que me daria seu sobrenome e proteção. O
homem que a partir de hoje, seria minha família e por quem eu
deveria demonstrar respeito e fidelidade, como uma boa esposa
italiana. O homem que tinha minha vida em suas mãos.
Todos os membros da Aliança estavam presentes, e quando vi
Shield e sua noiva, que ostentava uma barriga de grávida, eu fiz
uma anotação mental de falar com ambos. Eu sabia que quando
tentaram me matar em meu dormitório, foi ela quem avisou do plano
de seu pai, senador Thomas Madison, e do Cartel de Guadalajara, e
avisou Shield para que pudessem me salvar. Eu devia minha vida a
ela.
Meus olhos então se encontraram com os de Aleksander
Dardan. Ele tinha o olhar cravado em mim e eu o sustentei, nunca
desviando.
Meu pai disse algo, me beijou, me entregou para Aleksander e
então a mão do irlandês segurou a minha. Pelo menos eu já não
tremia, todavia, meu coração parecia o sambódromo que eu vi uma
vez, em um vídeo, do Carnaval do Rio de Janeiro.
Tudo aconteceu de forma quase automática.
Eu não me ouvi repetindo as palavras que me ligariam a
Aleksander para sempre.
Até que a morte nos separe.
Senti o metal frio da aliança em meu dedo anelar esquerdo,
tudo se concretizando de forma irreversível. E então fomos
declarados marido e mulher.
Olhei para Aleksander e ele se inclinou em minha direção.
Seus lábios tocaram os meus com gentileza, em casto beijo e uma
eletricidade estranha me tomou.
Eu beijei alguns caras na escola. Na faculdade o feito ficou um
pouco impossível e eu tinha um senso de perigo que não tinha na
adolescência. O homem que me tocasse pagaria com sua própria
vida e eu não queria ter o sangue de um inocente em minhas mãos.
Entretanto, o beijo de Aleksander foi diferente do que eu
esperava. Não foi arrebatador, ele mal me tocou, suas mãos
estavam segurando as minhas, mas fez o meu interior se esquentar.
Eu não era cega, Aleksander era um homem bonito. Mas era a
primeira vez que eu o via pela ótica de meu marido, alguém que
poderia me beijar e certamente faria muito mais.
Ele se afastou de mim e então, virou-se de frente para receber
os cumprimentos dos convidados. Sua mão segurava a minha, mas
o seu olhar e atenção estavam em todo o resto.
Eu sabia que meu casamento era algo grandioso para a
Aliança. Eu sabia que agora ela tinha se solidificado mais, mas, no
fundo, o que predominava era a sensação do quanto de mim esse
sacrifício tiraria.
CAPÍTULO 4
Aleksander Dardan

A festa foi grandiosa e imponente, como todo casamento


italiano. Talía sorriu radiante para todos os convidados, com altivez
e segurança e se eu não soubesse, poderia comprar a ideia que ela
vendia: A de uma noiva feliz.
Eu sabia melhor, principalmente, porque ela foi treinada para
agir exatamente assim: Perfeita e artificial.
— Eu preciso fazer uma coisa.
Ela não me deu tempo de responder. Simplesmente se afastou
levantando a barra do vestido muito revelador (se alguém me
perguntasse) e foi em direção onde estava Tara Madison e Shield. A
mim não coube alternativa a não ser segui-la.
— Oi! — Ela disse com o seu primeiro sorriso sincero do dia,
abraçando Tara pelos ombros, surpreendendo a mim, Shield e à
própria Tara.
Quando se afastou, seu tom foi o mais gentil que já a ouvi falar.
— Eu gostaria de agradecê-la pessoalmente. Você salvou minha
vida e eu não tenho ideia do que isso te custou. Fico feliz que esteja
segura, bem e com um bebê a caminho.
Tara sorriu delicadamente e apertou a mão de Talía.
Eu jamais imaginaria que o tipo de Tara seria alguém como
Shield, porém, a filha renegada do Senador, um de nossos inimigos,
foi salva pelo VP após ser sequestrada pelo Cartel. A criança no
ventre da jovem era o resultado de uma trágica história que virou
amor.
— Não precisa me agradecer. Eu fiz o que era certo. E
parabéns pelo casamento, vocês formam um casal maravilhoso.
O sorriso de Talía caiu quase imperceptivelmente e por algum
motivo isso me incomodou. Eu sabia que ela não queria esse
casamento, mas se eu percebia outras pessoas poderiam perceber
também.
— Obrigada. Espero que curtam a festa.
Então Talía se afastou e eu também me despedi do casal.
Depois de mais cumprimentos, finalmente nos sentamos. Talía
não havia dito uma única palavra para mim e transparecia
serenidade, mas suas mãos estavam um pouco trêmulas.
— Precisa de algo? — Perguntei, me sentindo compelido a
quebrar o silêncio.
— Não — Ela forçou um sorriso. — Eu estou bem, obrigada.
Eu segurei um suspiro irritado pelo excesso de formalidade.
Me perguntei se conseguiríamos entrar em algum entendimento
com o tempo, não queria passar a vida pisando em ovos ao redor de
minha esposa.
Nós abrimos a valsa e durante toda a dança, Talía estava
tensa. Ela então foi dançar com o pai e depois com Giovanni e eu
me afastei um pouco, pensativo. Não foi assim que imaginei meu
casamento. Na verdade, eu pouco pensei em como seria a
convivência com Talía, pois me concentrei apenas nos benefícios
que este arranjo me traria; simplesmente achei que conseguiríamos
nos entender.
— Já estão com problemas? Foi mais rápido do que eu
imaginei.
Controlando minha expressão, eu não dei qualquer indício de
que Mirella tinha acertado em cheio. O estranhamento entre Talía e
eu era visível, o que me preocupou. Não poderíamos demonstrar
fraqueza nunca, nem mesmo em frente aos aliados. A situação
poderia mudar e aliados mudariam também.
— O que você quer, Mirella? — Perguntei assim que ela saiu
de trás de mim e entrou em meu campo de visão.
Ela estava com um vestido vermelho mais parecendo uma
segunda pele e que se mesclava com seu cabelo quase da mesma
cor. Seus olhos azuis estavam esfumaçados. Ela estava muito
bonita, eu precisava admitir.
— Você não precisa falar assim comigo. — Ela disse e fez um
biquinho que hoje mais pareceu entediante que qualquer outra
coisa.
Já tive muito desejo por Mirella, mas hoje já não sentia nada.
Ela voltou a dizer:
— Sua esposa é uma garotinha mimada e fútil. Eu a estudei
enquanto vocês se ignoravam durante esse longo noivado. Em
consideração aos velhos tempos, vou lhe dar uma dica para se dar
bem com ela: um cartão de crédito ilimitado, ela adora shoppings. —
Ela levantou uma sobrancelha vermelha.
Endureci.
— Talía agora é uma Dardan e eu exijo respeito por ela!
Mirella vacilou um segundo com meu tom.
— Eu estava brincando. — Ela olhou para Talía, que de longe,
nos olhava. Mirella acenou animadamente e Talía devolveu o aceno,
embora com menos ânimo — Uma fofa. Você já teve mais senso de
humor, Alek.
Eu me afastei e voltei para a cadeira enquanto Talía dançava.
Olhei para minha esposa, que agora sorria com Giovanni. Eu não
sabia do que falavam, mas pareciam emocionados.
Talía teria de mim o que quisesse, desde que me respeitasse
como marido. Eu jamais responderia a eles, mas o medo dos
Maceratta por ela era infundado. Eu não era um homem que me
forçava em mulheres ou usava de violência com elas.
— Enfim, esse casamento saiu.
Brianna se sentou ao meu lado, contudo eu continuei com
meus olhos treinados à frente. Diante de meu silêncio, ela
prosseguiu.
— Agora precisamos pensar em um arranjo aceitável para
Elana, ela já está na idade.
— Ela tem apenas dezesseis anos. — Olhei para onde Elana e
Anita conversavam animadamente.
— Ela não terá dezesseis para sempre.
Olhei para minha madrasta que sempre foi rígida e severa.
— Eu vou cuidar disso na hora certa.
— Ainda acho que você se precipitou em me tirar de casa.
Talía é muito jovem, vai precisar de ajuda para entrar em nossa
sociedade. Eu vou fazer o possível, claro, mas em casas separadas,
o meu trabalho será mais difícil.
Eu olhei para onde Talía, ainda sorrindo com o primo.
— Já não será aceitável que ela fique tão à vontade com o
primo. Terá que mudar seu guarda-roupas também, e claro,
esquecer esse negócio de estudar. Ela terá que ser uma boa dona
de casa e boa mãe.
Me irritei com o tom de Brianna. Eu pouco me importava o que
Talía faria com o tempo dela, desde que não me importunasse. O
que me irritava era Brianna e sua mania de se envolver em meus
assuntos. Esse casamento estava sendo um pesadelo e então me
dei conta de que não tinha me preparado para como as coisas
seriam depois dele.
— Talía é minha esposa, Brianna. É da Elite da Cosa Nostra,
foi bem criada e a única pessoa para quem ela responde, é a mim.
Ninguém mais.
Brianna riu sem humor.
— Essa menina foi bem criada? Em que mundo você viveu
nesses três anos, Alek? Ela faz o que quer, carrega o pai e a tia no
bolso. Sem contar que é arrogante por baixo de toda aquela
educação. Ela será engolida por nossa sociedade, se não souber
próprio lugar e em Boston, ela não fará o que quer como faz aqui
em Nova Iorque. Você pode ter tirado a minha casa, mas a minha
influência não depende de você.
Eu estava pronto para responder quando Elana apareceu em
minha frente.
— Dance comigo, irmão. — Seu rosto era o de alguém que
sabia que eu estava prestes a perder a paciência com Brianna, o
que não seria a primeira vez.
Era o meu casamento e eu não poderia ter uma discussão
acalorada com minha madrasta no meio da festa. Eu aceitei a mão
de minha irmã e fomos para a pista de dança.
Ao ficarmos ao lado de Talía, ela olhou para Elana e seu
semblante se suavizou. Quando seus olhos se voltaram para mim, o
sorriso continuou no rosto de Talía, mas não tão sincero e suave
quanto para Elana.
Ela não precisava sorrir para mim, aliás, ela nem precisava
gostar muito de mim. Ela só precisava ser a boa esposa italiana que
me foi prometida e tudo estaria bem.

───※ ·❆· ※───


À medida que a festa foi chegando ao fim, Talía foi ficando
mais e mais tensa. Eu não queria uma mulher apavorada em
minhas núpcias, então dei espaço a ela.
Quando de realmente festa acabou, entramos no carro que nos
aguardava em frente à mansão Maceratta. Ela se despediu de todos
formalmente e entrou no carro.
Durante todo o percurso até o hotel, ficamos em silêncio. Eu
não sabia o que dizer à minha esposa e ela parecia não saber o que
dizer também. Por fim, descemos na frente do hotel e entramos por
um elevador privativo.
No dia seguinte iríamos para Boston. O silêncio estava
gritando a cada andar que passávamos. Talía já tinha perdido
oitenta por cento da pose que ostentou durante a festa. Estava
branca e os olhos muito abertos.
Quando entramos no quarto, ela foi diretamente para a suíte e
eu praguejei baixinho, me sentando no sofá. Tirei o terno e me servi
um pouco de whisky para dar conta dessa merda.
Uma esposa deveria ser mais dócil e menos temperamental,
deveria ser fácil lidar com uma mulher na noite de núpcias, mas eu
nunca consegui ver Talía como dócil e submissa, não da forma
como venderam a ideia para mim. Desde o início ela fez um monte
de exigências e eu nunca dei muita atenção. Não até o dia em que
ela quase sofreu um atentado.
Talvez Brianna estivesse certa, mesmo que eu odiasse admitir.
Talvez eu devesse, desde o primeiro dia, estabelecer as regras.
Deixar claro o que espero dela, para não parecer fraco.
Decidido sobre como abordaria a nossa convivência, aguardei
por mais alguns intermináveis minutos Talía sair do quarto.
— Eu acho que deveríamos… Conversar.
Me sobressaltei com seu tom gentil.
Ela estava em minha frente, apenas de roupão, seus cabelos
estavam soltos em volta do seu rosto oval e seus olhos brilhavam.
Embora sua voz soasse tranquila, tinha uma nota de insegurança.
Ela torcia as mãos em frente ao corpo e tudo o que eu pude ver foi
uma menina assustada com o futuro. Não que eu fosse acostumado
a pensar nos outros ou em como os outros se sentiam, mas essa
agora era minha esposa. Minha jovem esposa.
Deixei meu rosto em branco e fiz sinal para que ela
prosseguisse. Ela fechou os olhos com força e então os abriu.
— Eu prometo ser uma boa esposa. Perfeita, leal e nunca te
envergonhar. Só quero que me prometa que nunca me tocará com
violência.
O tremor de sua voz entregava sua insegurança e medo.
Mesmo assustada, ela não desviou os olhos dos meus, aquela veia
teimosa que sempre aparecia quando falava comigo. Mesmo agora,
me prometendo ser uma boa esposa, ela me encarava com esse
olhar desafiador. Era algo dela, algo que só poderia ostentar uma
principessa italiana, que nunca teve nada negado.
Eu me levantei e parei em sua frente e só então ela pousou os
olhos em meu peito, nos dois primeiros botões que eu havia
desabotoado. Subi minha mão em direção ao seu pescoço e ela se
encolheu, fechando os olhos. Estava apavorada. Quando coloquei
minha mão em sua nuca, pude sentir o pulso. Ela subiu os olhos
para os meus, respirando com dificuldade.
— Não vai me responder? — Perguntou em um tom
irreverente, mesmo com medo.
— Eu não tenho que te prometer nada.
Fogo passou em seus olhos. Pela primeira vez, aquele fogo
mexeu com algo dentro de mim. Ela tentou tirar minha mão de sua
nuca, mas não conseguiu. Sua boca se apertou antes que
começasse a dizer.
— Eu não vou admitir que me faça de seu saco de pancada,
Aleksander Dardan! Se um dia me tocar com violência eu acabo
com a sua vida!
Não consegui evitar. Comecei a rir de sua petulância. Brianna
estava certa, minha esposa não tinha nada de dócil e submissa,
mas estranhamente, eu gostava desse seu lado.
Minha mente começou a viajar para onde mais ela poderia
levar esse fogo e pela primeira, vez comecei a ficar excitado.
Imagens minhas e Talía na cama povoaram minha mente,
aumentando o meu desejo.
Ela tentou sair novamente do meu aperto, mas eu não permiti.
Aproximei nossos rostos e fiquei ali, parado, esperando qual seria a
sua reação. Quando ela tentou afastar os braços, eu os envolvi em
volta dos meus ombros e a apertei junto a mim, enlaçando seu
corpo. Ouvi um suspiro de seus lábios quando ela sentiu a minha
protuberância. Seus olhos estavam grandes, mas além do medo eu
vi curiosidade.
Ela cheirava divinamente, algo como flores e especiarias e a
fragrância de seu cabelo também me prendeu. Não soube dizer por
quanto tempo ficamos assim, apenas parados enquanto eu
imaginava cada parte do corpo dela alinhado ao meu. Senti a
pressão dos dedos de Talía em minha nuca e aproximei mais
nossos rostos.
E então a beijei.
Não era o beijo que eu tinha planejado para a nossa primeira
noite juntos. Eu tinha imaginado algo tranquilo, que não a
assustasse, que não a traumatizasse, pois sabia que era sua
primeira experiência sexual, mas algo dentro de mim cresceu, um
desejo louco que eu nem sabia que sentia.
Era fome.
Tudo nela funcionava em mim como um poderoso afrodisíaco.
Eu sentia seu cabelo cheio e pesado em minhas mãos, seu gosto,
seus gemidos, seu cheiro, tudo estava me tirando de órbita. Era
louco, eu nunca tinha visto Talía dessa forma. Eu parei um momento
para olhar em seu rosto e confirmar se ela compartilhava daquela
louca sensação que me tomava. Lábios inchados, rosto vermelho e
olhos encapuzados me olharam de volta, assim como sua mão firme
em meu cabelo.
Parecia que nenhum de nós entendia o que estava
acontecendo, mas eu não pensei sobre isso nem dei tempo para
que ela pensasse. Voltei a beijá-la e meu aperto em Talía era
devolvido na mesma intensidade. Eu a levantei do chão e a levei
para o quarto. Deitei seu corpo no colchão e o cobri com o meu.
Minhas mãos desceram até o nó do roupão, e quando o abri,
encontrei seu corpo nu. Levantei um pouco para olhar seu corpo,
percebendo o leve rubor em seu rosto. Talía era uma caixinha de
surpresas, eu começava a descobrir.
— Eu… Achei que não faria sentido colocar uma roupa, já
que…
Ela não disse mais nada e foi impossível não sorrir. Terminei de
tirar o seu roupão, e me levantei, começando a tirar minhas próprias
roupas. Talía observava meus gestos atentamente, nunca desviando
os olhos, nem quando me desfiz da cueca, ficando completamente
nu. Ela ficou olhando para o meu membro ereto com curiosidade.
Essa avidez de Talía me deixou ainda mais animado, pois imaginei
que minha noiva seria tímida e sem graça.
Talía não tinha uma veia tímida em seu corpo. Ela olhava
atentamente, como uma boa aluna, enquanto eu apertava meu pau
em um punho apertado. Eu tentaria ser suave, embora nada em
mim desse indícios disso. Me aproximei de Talía novamente e puxei
suas pernas para baixo com força. Ela soltou um gritinho, mas
sorriu.
— Agora eu vou provar essa boceta virgem.
Olhei para sua boceta lisa e aberta. Estava suculenta. Uma
possessividade me tomou, um sentimento, uma necessidade
incontrolável de marcá-la. Talía era minha, tinha mais de três anos
que ela era minha, então esse sentimento agora não fazia o menor
sentido. Mas eu precisava provar, para mim, para ela, para o
mundo, que ela me pertencia em todos os sentidos.
Eu queria ser suave e gentil. Queria conseguir controlar meus
instintos e fazer isso da maneira esperada, mas eu já não conseguia
ter controle. Abaixei a cabeça entre as suas pernas e, sem aviso,
apertei seu clitóris em meus dentes. Talía gritou e tentou se afastar,
mas eu fui implacável. Seu corpo começou a tremer, enquanto eu
segurava sua bunda com minhas mãos, apertando e degustando de
sua boceta.
A conexão foi frenética. Eu a torturei, desconstruí toda a sua
aura ali, com minha boca e mãos, até ela ser apenas uma massa
em meus braços. Uma camada de suor escorria pela lateral de seu
rosto, enquanto ela se desfazia em um prazer eletrizante. Por um
motivo louco, eu não suportava mais esperar. Ela estava molhada,
desejosa e pronta para mim. Me levantei e posicionei o meu pau em
sua entrada. Seus olhos encontraram os meus e vi uma ponta de
insegurança em seus olhos. Fechei os meus olhos e comecei a
penetrá-la.
As paredes internas da sua boceta pareciam que iria
estrangular o meu pau. Mas eu segui, mesmo quando escutei o seu
ofego de dor e eu continuei até estar inteiramente dentro dela.
Quando abri os olhos, Talía tinha a boca levemente aberta, seus
olhos de um brilhante verde musgo me seguraram, e um som rouco
e excitante escapou de seus lábios. Lábios que beijei com intensa
paixão. Onde estava todo esse apelo sexual durante o nosso
noivado?
Enquanto eu começava a ritmar meus movimentos e era
imerso em outra onda louca de desejo, eu pensava que jamais
esperei por isso, jamais imaginei desejar minha esposa nessa
intensidade. Muito menos enquanto nossos corpos, suados e
elétricos, se encaixavam com paixão e loucura. Eu quase perdi os
sentidos enquanto tinha o orgasmo mais intenso de toda a minha
vida.
CAPÍTULO 5
Talía Dardan
— Fiquei feliz que deu tempo de tomar café da manhã
conosco, Talía. Você está indo para Boston, mia bambina, não sei
quando poderemos nos ver novamente.
Tia Antonella estava me sufocando em um abraço apertado,
enquanto eu e meu marido chegávamos à casa que passei grande
parte de minha vida.
Olhei para Milena, ao seu lado, que já ostentava uma pontinha
das preciosidades em seu ventre, e Giovanni, com seu braço
protetor sobre os ombros da adorada esposa. Vê-los me fez voltar à
noite que passei com Aleksander.
Foi… Inesperado.
Eu nunca imaginei que nossa primeira relação fosse tão
avassaladora. Eu não esperava prazer, apenas dor e desconforto.
Contudo, meu marido me surpreendeu com toda a sua paixão e seu
cuidado logo após o ato, com minha intimidade.
Mesmo que depois tenha apenas virado para o seu lado da
cama, me dado boa noite e dormido. E então de manhã, eu acordei
sozinha na cama, com apenas um bilhete ao lado me avisando que
era para eu me arrumar, pois iríamos passar na casa de Giovanni
antes do aeroporto.
Eu estava confusa com o comportamento frio e distante de
Aleksander, temerosa com minha nova vida em Boston, e
principalmente, assustada com o quanto o sexo tinha mexido com a
minha cabeça.
— Olhe para você. Está radiante. — Escutei a voz de Mirella
na lateral.
Ela, Elana e Brianna estavam hospedados na casa de
Giovanni e Milena. Mirella era prima apenas de Elana e a bela ruiva
sempre foi muito cordial comigo
— Estou ansiosa para nos conhecermos melhor, agora que
seremos primas.
Eu retribui o abraço, seguido pelo de Elana e um aceno mais
distante de Brianna. Por algum motivo, Brianna não parecia gostar
de mim.
Eu sorri cordialmente e tentei me dar bem com a mulher que
agora estaria no lugar de minha sogra e seria uma parte da minha
família.
Aleksander estava em uma intensa conversa com Giovanni e
meu pai, pouco tinha olhado em minha direção. Também não fiz
questão, embora dentro de mim todas as inseguranças existentes,
unidas, reinavam. Logo eu voltaria para a universidade e isso me
distrairia, me daria algo para fazer.
O café da manhã passou com conversas amenas e cordiais e
minha partida para uma nova vida estava cada vez mais próxima.
Não, não teríamos lua de mel, nem viagem romântica, nem
nada do gênero. Cada vez mais se confirmava a ideia de que eu
estaria sozinha, totalmente, sem o apoio que sempre foi minha
família.
Na hora da despedida foi impossível não derramar as lágrimas
que tão valentemente eu segurei. Abracei meu pai, a tia Antonella e
Giovanni. Quando abracei Milena, ela me segurou pelos ombros.
Sendo alguns centímetros mais alta, ela me forçou a levantar os
olhos e então disse com firmeza:
— Não se esqueça de quem você é. Seja forte.
Eu sempre admirei Milena. Eu e ela nos tornamos próximas e
eu a considerava como uma irmã. Ela sempre foi forte e destemida,
não só por saber lutar e atirar melhor que qualquer soldado da Cosa
Nostra, ou por ter meu primo na palma das mãos, mas por ela
mesma, por lutar e se impor no nosso mundo, tão difícil para as
mulheres. Ela era a minha inspiração.
— Não vou esquecer. — Respondi, embora minha vontade
fosse chorar.
Ela limpou minhas lágrimas e então sorriu.
Quando me virei, Elana me olhava com compaixão e simpatia.
Seu cabelo curto, olhos verdes e roupas com número duas vezes
maior que o que deveria usar a deixavam com um ar fofo. Mirella
olhava o celular, indiferente. Brianna me olhava com reprovação e
Aleksander já estava entrando no carro.
Provavelmente esse seria o meu “bem-vinda a família”.

───※ ·❆· ※───


A viagem até Boston foi feita em pleno silêncio.
Eu aproveitei para observar a dinâmica da minha nova família,
concluindo então que não existia dinâmica alguma. Mirella me
enviou alguns sorrisos, e a única que ainda fazia alguns
comentários era Elana. Era a única que Aleksander se dava ao
trabalho de levantar os olhos do notebook, e esboçar o fantasma de
um sorriso.
De uma forma distorcida, o fato dele ser assim com todos me
consolou. Pelo menos eu não era a única privilegiada com a sua
indiferença. Mirella, em certo ponto, sentou-se no lugar vazio ao
meu lado e começou uma conversa.
Falamos da semana de moda em Paris no mês seguinte e das
últimas tendências, fiquei admirada de como Mirella entendia e
gostava do assunto. Me empolguei na conversa por algum tempo e
quando levantei os olhos, Aleksander e Brianna nos encaravam.
Brianna tinha o rosto impassível, contudo, Aleksander pareceu
incomodado e com raiva. Mas seu olhar não estava em mim, estava
em Mirella.
— Vamos marcar de tomar algo essa semana, Talía. Eu vou te
apresentar a Boston.
Ela se levantou e voltou para sua poltrona ao lado de Elana,
que estava adormecida. Eu percebi uma espécie de desafio nos
olhos de Mirella e a raiva nos olhos de Aleksander. Fiquei intrigada.
Será que ele também me proibiria de ter amigas? Mesmo sendo
alguém da família dele?
Mal-humorada por me sentir perdida e sozinha, coloquei meus
fones e tentei dormir. A situação estava ficando cada vez mais
estranha confusa e o pior era não ter com quem conversar.
Assim que pousamos, Brianna resolveu falar:
— Bom, acho que o melhor é eu passar alguns dias na
mansão, até Talía se adaptar.
— Não. — A resposta brusca de Aleksander surpreendeu a
todos.
Nós estávamos descendo do jato em direção a dois carros nos
aguardando.
— Nós já conversamos sobre isso — Brianna respondeu, entre
dentes.
—Exatamente — Aleksander respondeu, rindo sem humor —
Nós já conversamos sobre isso. — Ele então se virou para mim —
Vamos, Talía.
Não me coube outra ação a não ser me despedir das três e
acompanhar Aleksander. Não que eu quisesse Brianna em meu
encalço, mas também não estava ansiosa para estar sozinha com
meu marido.
Entramos no carro e ele se sentou na frente com um de seus
homens. Era enorme e tatuado. Começaram a conversar e eu fiquei
calada, olhando pela janela. O sentimento de solidão me assolou.
Meus olhos queimaram, mas eu me controlei, me lembrei das
palavras de Milena. Não abaixaria minha cabeça, não me
encolheria, eu era uma Maceratta. Eu era valiosa. Eu não me
renderia ao turbilhão que me afligia.
Chegamos em frente a uma casa imponente. Era grande e
antiga, mas ao mesmo tempo. Aconchegante. Tinha muitas flores na
frente, que iam do portão até a entrada da casa. Deus, a visão era
de encher os olhos.
Era lindo.
Por alguns minutos eu me lembrei da viagem que fiz a
Amsterdã, alguns anos atrás. Era uma réplica do Jardim de
Keukenhof. Tulipas, infindáveis tulipas.
Eu desci do carro antes que abrissem a porta, parte ansiosa
para respirar um pouco, parte para admirar o jardim mais de perto. A
tarde findava, o pôr do sol, as flores. Foi um espetáculo me dando
boas-vindas.
— Eram da minha mãe.
Eu me sobressaltei com o tom grave da voz de Aleksander
atrás de mim. Olhei para ele, que silenciosamente se pôs ao meu
lado, sem que eu me desse conta e então olhei para o jardim
novamente. Era a primeira vez que ele falava realmente comigo,
algo que não fosse uma ordem do tipo “vamos”, “fique”, “faça isso”,
o dia todo.
— É lindo.
Ele concordou silenciosamente e juntos ficamos ali, assistindo
o sol se esconder no horizonte. Foi a primeira vez que me senti
confortável no dia e mesmo que tivesse várias dúvidas, não quis
estragar o momento. Quando o sol se pôs, uma brisa gelada me fez
estremecer. Eu usava um vestido de verão da última coleção de
Milena, com mangas até os antebraços e uma saia levemente
rodada. Era confortável e elegante para a viagem, mas não era
quente.
— Vamos entrar.
E assim o autoritário Aleksander estava de volta. Ele entrou na
frente, me deixando para trás. Eu o segui, agora sem o mesmo
humor de alguns minutos atrás. Minha vontade era gritar para que
ele parasse de me tratar como se eu fosse um dos soldados dele.
Assim que entrei, dei de cara com o soldado que dirigiu para nós.
— Talía, este é Kael. Ele será o responsável por sua
segurança a partir de agora. Você não sai sem avisá-lo, ele será a
sua sombra.
Olhei para o homem que era muito alto e me olhava com a
mesma seriedade. Ele tinha cabelos ruivos e olhos azuis, típico
irlandês. Fez uma mesura de respeito, mas não disse uma só
palavra.
— E eu tenho permissão para sair, senhor?
Minha resposta foi ácida, mas eu já estava cansada de todo
esse tratamento. Com certeza eu não tinha temperamento para ser
dispensada como um simples adorno ou um robô, sem poder me
expressar. Eu era acostumada a ter minha opinião valorizada,
estava cursando Medicina, pelo amor de Deus. Eu iria exigir o
respeito que merecia, pois nada tinha feito para ser tratada com
tanto desdém.
— Você não é uma prisioneira, Talía.
— Que bom que esclareceu pelo menos isso. Será que eu
posso saber onde é o meu quarto? Estou exausta.
Ele passou as mãos em seu cabelo, com nítida impaciência.
— Mina — Ele gritou e eu saltei.
Uma senhora de meia idade apareceu e me olhou com
curiosidade. Então ela falou algo que eu não entendi. Deveria ser
irlandesa também.
— Esta é Talía, minha esposa. Mostre a ela o quarto e a casa,
se assim ela quiser.
— Sim, senhor.
A mulher me deu sinal para que a seguisse. Eu a acompanhei
e subi as escadas da minha nova casa. Era uma bela construção,
não tinha o que dizer a respeito, nenhuma crítica. Era clássica e
tudo estava em perfeito estado, só não me fazia sentir à vontade,
mas eu tinha ciência de que isso era algo que viria apenas com o
tempo.
— Bem vinda ao seu novo lar, senhora Dardan.
O som do meu novo nome quase me fez tropeçar. Dardan. Eu
era uma Dardan.
— Pode me chamar de Talía.
— Tudo bem. Aqui, esse é o seu quarto.
Olhei para a cama, muito maior que a que eu tinha no
dormitório da universidade, as janelas de vidro, as cortinas
sinuosas. Fui até o banheiro e vi que muitas das minhas coisas já
estavam lá, arrumadas.
— Por aqui, esse é o seu closet. O chefe pediu para que
arrumássemos seus pertences, já que vieram antes da senhora.
Olhei para todas as minhas roupas e sapatos espalhadas pelo
lugar e me senti um pouco mais confortável.
— A senhora tem muitas roupas, então o chefe pediu para que
desocupasse um pouco do lado dele para que pudesse acomodar
todas as suas coisas.
Percebi então que a parte em que estavam as roupas de
Aleksander era bem menor. Realmente, todas as minhas coisas
ocuparam o closet quase completamente. Eu tinha um quarto na
casa de Giovanni, era onde minhas roupas ficavam, já que no
dormitório seria impossível.
Ele me ceder uma parte de seu closet foi estranhamente gentil.
Talvez houvesse alguma esperança de uma convivência harmoniosa
nesse casamento, afinal. Eu estaria aberta para construir isso.
Dispensei Mina, tomei um banho e coloquei uma camisola
vinho, de seda e alças. Me deitei e a exaustão física e emocional do
dia logo fez com que eu adormecesse.
Acordei sentindo minhas entranhas queimarem. Antes que eu
pudesse me localizar, senti as mãos em meu corpo, com suavidade,
mas ao mesmo tempo com paixão. Senti a respiração quente de
Aleksander em minha nuca, sua mão desceu para minha boceta e
começou a brincar com meu clitóris.
Minha respiração começou a ficar mais e mais instável. Ele
inseriu um dedo dentro de mim, uma leve ardência se somou ao
prazer, mas eu estranhamente gostei. Eu abri mais minhas pernas,
até senti-lo mais e mais dentro de mim.
Meu coração estava acelerado. Minha respiração mais e mais
superficial. A gente precisava conversar, precisava alinhar a nossa
convivência, mas eu não conseguia pedir para que ele parasse. Era
muito bom. O prazer se construiu e então, me desfez. Eu não era
nada, apenas um corpo convulsionando de prazer.
Aleksander virou meu rosto e então me beijou com languidez.
Levantou uma perna minha e me invadiu com seu membro. A
ardência potencializou o meu prazer. Eu suspirei, mas ele engoliu o
meu suspiro nos lábios. Me beijando, ele começou a bombear em
mim.
Seu aperto ficou mais intenso, ele mordeu meu lábio quase
com força, e eu gostei, eu queria mais, então o mordi de volta. Ele
segurou meu queixo rudemente e me beijou, quase com raiva
enquanto arremetia contra mim. Quando gozou, soltou um grunhido
animalesco, levando outro orgasmo de mim.
Eu estava mole demais para falar qualquer coisa, então
apenas fiquei deitada, enquanto mais uma vez ele me limpava e
voltava para o banheiro. Eu dormi antes que ele voltasse para a
cama. Tanto precisava ser dito, mas eu não tinha condições de
articular um único pensamento coerente.
E assim, eu apenas voltei a dormir.
CAPÍTULO 6
Aleksander Dardan

— Os Ucranianos atacaram mais uma vez. Mataram dois de


nossos homens. Seria interessante se o senhor reforçasse a
segurança e contatasse a Aliança…
— Não. Os ucranianos são um problema pequeno. Temos o
Cartel em nosso encalço, assim como Thomas Madison. Pedir ajuda
para a Aliança por causa de uma gangue de rua como os
ucranianos seria mostrar fraqueza, Kael.
— Entendo.
Eu olhei para o meu homem de maior confiança. O mais leal.
Ele tinha sido atribuído à segurança de Talía justamente por esse
motivo. Se algo acontecesse com Talía, poderia se configurar em
uma quebra na Aliança, mas agora ela também era minha
responsabilidade. Era minha obrigação mantê-la segura.
Kael voltou a me atualizar de tudo o que tinha acontecido em
minha ausência, até ouvirmos duas batidas na porta. Fiquei irritado
com a interrupção, mas resmunguei um entre. Ali, na entrada da
porta, estava Talía. Ela tinha o cabelo preso no alto da cabeça, que
afrouxava pelo peso do cabelo. Seu rosto estava limpo de
maquiagem e a fazia parecer mais jovem que seus vinte e três anos.
Ela vestia um short curto de algodão e uma regata, sem sutiã, se eu
pudesse dizer algo.
A visão dela me deixou irritado e excitado. Deus, que desejo
louco era esse por essa garota? Ela estar tão à vontade na frente de
Kael me irritou ainda mais.
— Eu preciso falar com você — Disse de forma altiva.
— Não poderia esperar? — Eu respondi irritado.
— Não.
Kael não precisou que eu dissesse nada. Apenas saiu, sem
olhar para Talía. Ela se aproximou, assim que a porta foi fechada e
parou em frente à mesa. Cruzou os braços, fazendo com que os
seios se elevassem, e eu apertei o punho.
— Eu liguei na universidade de Boston para saber sobre as
minhas aulas. E eles disseram que não há transferência alguma
para cá.
A faculdade de medicina.
Eu a olhei com intensidade. Meu silêncio prolongado fez seu
queixo se elevar com teimosia e sua face ruborizou.
— E então?
Eu apenas dei um meio sorriso antes de dizer.
— E então o que?
— As aulas começam no próximo mês. Eu preciso fazer a
transferência ou vou perder o semestre.
— Porque você quer tanto fazer essa faculdade? Não vai ter
utilidade nenhuma para você.
Uma sombra de mágoa passou em seus olhos, mas ela
escondeu desviando-os de mim, então disse com irreverência.
— Esse foi o nosso acordo, não importa o que farei com meu
diploma.
— Vamos falar sobre isso mais tarde. — Respondi e voltei para
o notebook, silenciosamente dispensando-a. Eu sabia que ela não
acataria minha decisão e sairia, então mordi um sorriso quando a
escutei bufar.
— Eu quero falar sobre isso agora.
Levantei os olhos para ela, que agora tinha os punhos
fechados ao lado do corpo. Eu me levantei, lentamente e parei em
frente a ela.
Eu não dava a mínima se ela queria continuar essa faculdade.
Do meu ponto de vista, seria melhor se ela tivesse algo para se
ocupar, mas algo perverso dentro de mim gostava de provocá-la.
Talvez não fosse inteligente, mas era mais forte que eu.
— Você esquece quem dá as ordens aqui, álainn[2]. —
Respondi com a voz baixa, prendendo seus olhos nos meus.
— Não sou seu soldado. — Ela respondeu entre dentes.
Eu sorri.
— Não, definitivamente eu não a vejo como vejo meus
soldados.
Disse levantando minha mão para acariciar sua clavícula. Vi
quando seus poros se arrepiaram com o contato. Seus olhos se
arregalaram e ela se afastou devagar, perdendo um pouco daquela
atitude.
— Pare de ser cruel comigo. Foi a única condição que coloquei
desde o início. — Ela sussurrou — Eu cumpri o meu papel, estou
aqui, casada, à sua mercê. Que diferença faz a você se eu estudo
ou não?
Sua quase súplica fez algo se torcer em meu peito. Um
sentimento que eu preferi reprimir e me afastei dela, indo em
direção à janela. Eu não daria esse poder a ela, de decidir as coisas
na hora em que ela queria. Nisso, Brianna estava certa. Talía era
mimada até a medula e acostumada a ter as coisas ao seu modo.
Eu resolveria isso, mas não diria nada a ela no momento, até que
achasse necessário.
— Depois, Talía.
Respondi, de costas para sua figura irritada. Ela bufou,
voltando a ficar com raiva.
— Uuugh — Saiu do escritório batendo o pé e resmungando.
O dia passou e eu não vi mais Talía. Mina avisou que minha
madrasta viria para o jantar, com Elana e Mirella e eu apenas
assenti. Brianna não me daria paz, estava forçando que eu
aproveitasse a Aliança e arrumasse um acordo vantajoso para
Elana.
Eu não conseguia ver Elana sendo prometida para alguém,
mais do que todas as outras moças, até mesmo Talía, Elana era
muito inocente, muito menina, embora tivesse dezesseis ano. Era
insegura por conta de seu sobrepeso e eu não faria nada contra sua
vontade, mesmo sabendo que se eu impusesse a ela essa
condição, ela obedeceria sem pestanejar.
Ela não seria como Talía, que até agora enfrentou cada
desmando meu. Elana seria um alvo fácil para qualquer homem e
em nosso mundo havia muitos filhos da puta que poderiam fazer de
sua vida um verdadeiro inferno. Eu sabia que deveria ser prático.
Quando subi ao meu quarto, quase no horário marcado para o
jantar, entrei no closet e vi Talía em um vestido tubinho preto, saltos
com tiras e cabelo preso em um coque elegante. Ela usava brincos
brilhantes que faziam conjunto com um colar. Ela realmente parecia
uma dama elitista.
Ela era. Elegante, fina, a imagem da perfeição. Em público, ela
vendia a imagem da esposa troféu com maestria. Sempre que nos
vimos socialmente foi assim que categorizei Talía. Superficial. Ela
não fazia nada espontâneo, tudo era calculado milimetricamente,
mesmo que parecesse casual.
Entretanto, comigo, ela sempre demonstrou em um momento
ou outro sinais de um temperamento tempestivo. Sempre que não
me atendia, ou quando me dava uma resposta ácida, mesmo
ostentando um sorriso.
Ela se virou e seus olhos encontraram os meus. Nossos olhos
eram estranhamente parecidos. Mesmo tom incomum de verde.
Elana percebeu o fato no primeiro dia em que a viu e ficou semanas
falando que deveria ser o destino. Eu a ignorei, embora nunca tenha
esquecido sua fala de adolescente viciada em romances.
— Está atrasado. — Ela disse diante do meu silêncio.
— Muito trabalho. — Respondi, me forçando a desviar o olhar
da minha esposa. Fui em direção às minhas roupas e a ouvi limpar
a garganta.
— Se não se importa, eu separei uma roupa para você, está
em cima da cama.
Eu olhei a roupa estendida na cama. Passei com tanta pressa
que nem reparei. Olhei para ela, surpreso. Eu não sabia o que era
ter alguém antecipando minhas necessidades. Talía deu um sorriso
inseguro.
— Espero não ter feito errado…
— Obrigado. — Respondi, como se tivesse areia em minha
garganta. Agradecer não estava entre minhas atividades rotineiras.
Eu fui para o banheiro e tomei um banho rápido. Logo, sai e
me apressei em me vestir. Ao colocar a gravata, me atrapalhei com
o nó. Talía, incerta, se aproximou e tomou a gravata, afastando
minhas mãos. Mais uma vez, fiquei surpresa com sua amabilidade.
E desconfiado.
Ao mesmo tempo, reprimi o desejo de enlaçar seu corpo e
beijar sua boca, tentado principalmente pelo seu cheiro suave. Eu
desejava minha esposa de uma forma inesperada. Isso deveria ser
algo bom e não algo que me deixasse confuso, mas eu estava tendo
dificuldade de lidar com Talía fora do quarto.
Depois que ela terminou, alisou as lapelas do meu terno, olhou
em meus olhos e se afastou lentamente. Estava me sentindo
estranhamente seduzido e isso me fez ficar ainda mais alarmado.
— Não precisa me olhar assim, só estou sendo a esposa
perfeita que foi prometida a você. — Ela disse ironicamente, em um
tom rouco e eu quase sorri.
Quando descemos, Brianna, Elana e Mirella já estavam na
sala.
— Desculpe não estar presente quando chegou, Brianna. —
Eu disse com um falso sorriso amável.
Era prazeroso demais faze-la se sentir uma visita em casa.
— Essa foi minha casa por vinte anos, Alek. Eu não preciso ser
recebida, sou da família. — Ela respondeu com um falso sorriso.
Talía ficou calada, então se aproximou de Elana e Mirella. As
três se cumprimentaram, e a cena me deixou incomodado por algo
que eu não soube exatamente explicar. Me sentei na poltrona de
frente para elas e perguntei:
— Mirella, quando você volta para a Irlanda?
Mirella, então com um vestido vermelho revelador demais,
forçou um sorriso e jogou seus cabelos ruivos para trás.
— Andei conversando com tia Bree — Ela me olhou com
perversidade — Vou ficar por aqui.
Eu paralisei com a informação, estava pronto para dizer o quão
absurdo era tudo aquilo, quando Talía sentou-se ao lado de Mirella.
— Que bom, Mirella. Vai ser bom ter você nos eventos. E
podemos ver aquela semana de moda em Paris no próximo mês,
quem sabe?
A forma genuína como Talía disse as palavras me calou. Se eu
tivesse um rompante em sua frente ela certamente iria querer saber
o motivo. E eu achava desnecessário que ela soubesse sobre meu
envolvimento com Mirella, era passado. Como também não era
confortável que ficassem amigas e viajassem juntas. Eu precisava
mandar Mirella de volta para a Irlanda.
— Claro, querida. — Mirella pegou as mãos de Talía nas dela
— Vamos nos divertir muito.
Toda a cena me deixou estranho. Eu não confiava em Mirella,
ela tinha obsessão por mim e eu não via com bons olhos aquela
amizade com Talía. Era quase como se fosse um aviso. Olhei para
Brianna que apenas deu de ombros. Aquela bruxa não me
socorreria. Elana estava alheia a tudo, em seu celular. A situação
toda só reforçou a minha decisão de embarcar Mirella no primeiro
avião para a Irlanda.
— Talía. Como você sabe, agora ocupa um cargo de
importância na organização, o mais importante, junto com
Aleksander. Saiba que pode contar comigo para se familiarizar.
— Obrigada, senhora Dardan.
— Brianna. Agora somos família. — Brianna me olhou. — Vou
te dar algumas dicas de roupas e dicas sociais também. Verá que
aqui as coisas são um pouco diferentes de Nova Iorque.
Talía manteve o sorriso, mas eu soube que seu corpo retesou.
— Eu agradeço muito a sua gentileza, Brianna, mas eu estou
muito bem com minhas roupas.
— Não me leve a mal, mas você precisa de roupas de
senhora. Não de jovenzinha.
— Ora, mas eu sou uma jovenzinha. —Ela respondeu
ampliando o sorriso — Tenho apenas vinte e três anos. E acredito
que uma roupa não nos define, apesar da minha eterna paixão por
moda.
Eu cobri o meu sorriso com uma bebida. Acreditava piamente
que Brianna havia achado uma adversária à altura. Elana tinha os
olhos muito abertos, observando a cena que se desenrolava e
Brianna engoliu em seco, mas manteve o sorriso.
— Não lhe fará mal nenhum ouvir uma ou duas dicas de uma
mulher sábia.
— Sou infinitamente grata por sua disposição, mas jamais te
encarregaria desse fardo. E de qualquer forma, sou cliente fiel da
marca Castelle, a linha de minha prima. Milena ficaria arrasada se
eu vestisse outra roupa que não fosse coleção dela.
Brianna apertou as mãos em seu colo, seus olhos apertados,
mas foi interrompida de terminar o que iria dizer.
— Ah, eu adoro as roupas da Senhora Maceratta, mas mamãe
nunca comprou para mim. — Elana disse pesarosa.
O olhar venenoso de Brianna foi para Elana.
— Você teria que ter corpo para vestir uma roupa de grife,
Elana.
Eu estava pronto para colocar um fim naquela besteira. Como
sempre, Elana era o principal alvo de Brianna, principalmente
quando era contrariada. Mas Talía surpreendeu quando sorriu para
Elana, que se encolhia, em sua poltrona.
— Elana é maravilhosa. Tenho certeza que ficaria ainda mais
maravilhosa vestindo um Castelle. Aliás, amanhã poderíamos ir às
compras, o que acha?
— Não sei se é uma boa ideia. — Elana respondeu, olhando
para o chão e então para Talía, de forma insegura.
Minha esposa se animou.
— Pois eu acho excelente. Estou entediada de ficar o dia todo
aqui em casa. Você é maravilhosa, só precisa das roupas
adequadas para realçar a sua beleza. Um novo corte de cabelo
também poderia realçar seus olhos. Você já é linda por si mesma.
Os olhos de Elana brilharam e ela pareceu uma criança em
uma manhã de natal. Era tão raro ver esse olhar em Elana que eu
segurei o impulso de beijar Talía pelo feito.
— Eu não permito — Brianna disse de seu lugar, perdendo
totalmente a compostura.
— Eu permito — Me ouvi dizendo.
— Ela é minha filha, Alek.
— Eu sou o chefe da porra dessa família e eu disse que ela
vai!
Todos pularam em seus assentos. Talía apenas baixou os
olhos, e quando os levantou, tentei passar a ela a gratidão que eu
sentia pelo que fez por Elana. Ela sorriu de lado e desviou o olhar.
Senti a lateral do meu rosto queimar e olhei para Mirella, que
encarava a mim e Talía ao mesmo tempo. Como se ela percebesse
algo e não tivesse gostado nem um pouco. Quando percebeu meu
olhar, os desviou com raiva e ressentimento.
O silêncio reinou por um tempo, de maneira desconfortável, até
Talía começar a conversar com Mirella sobre algo relacionado a tal
semana de moda. Brianna manteve a pose, contudo estava
visivelmente frustrada por não ter conseguido o que mais queria:
intimidar Talía.
O jantar aconteceu sem mais tensões. Eu tinha que
reconhecer que Talía era impecável em público. Educada com os
empregados, com a minha família e mesmo com Brianna. Afetuosa
com Elana. Ela estava sendo mais do que eu esperava que fosse.
— Você está gostando de seu novo lar, Talía?
Talía olhou para Brianna com um sorriso brilhante.
— A casa é adorável, Brianna. Contudo, eu já penso em
algumas mudanças na decoração, para deixar mais a minha cara.
A veia do pescoço de Brianna pareceu que iria saltar e nenhum
som mais se ouviu na casa. Brianna, que estava prestes a ter um
colapso nervoso, pareceu recuperar o controle e sorriu.
— Com certeza não tem a sua cara. Essa casa é de muito bom
gosto, a decoração foi feita por um decorador francês, clássico. Mas
o que uma garotinha que viveu os últimos quatro anos em um
dormitório de universidade saberia sobre isso?
Talía perdeu um pouco da cor do rosto, mas respondeu com
calma.
— Não foi minha intenção ofender você, Brianna. Peço
sinceramente que me desculpe, se entendeu assim. Contudo, eu
pensei em um design moderno. E até onde sei, essa agora é minha
casa.
O golpe de misericórdia. Talía era totalmente inesperada e eu
comecei a rir. Talía me olhou com uma ponta de preocupação, mas
manteve o rosto em branco. Todos me olharam como se eu tivesse
enlouquecido de vez, e eu mandei toda a cortesia à merda.
Comecei a gargalhar enquanto a veia de Brianna ficava mais e
mais visível, denunciando o seu turbilhão de raiva. Ela me olhou
então, me direcionando toda a sua raiva.
— Eu deveria ter te surrado mais enquanto era criança. Mas
você sempre foi um caso perdido. Um selvagem.
Suas palavras me silenciaram.
Eu tinha sete anos quando meu pai se casou com Brianna.
Sete anos quando, enquanto meu pai viajava e cuidava dos
negócios, Brianna me privava de alimento e água, me surrava ou
pedia para seu homem me surrar, me trancava no sótão.
O verdadeiro bicho-papão da minha infância foi uma mulher de
sorriso amável. Mas eu já não era uma criança de sete anos de
idade. E desde que me tornei homem feito ela já não tocou em mim.
E quando minha irmã nasceu, eu nunca permiti que ela tocasse em
Elana. Ela sabia que eu a mataria com minhas próprias mãos, caso
ela machucasse minha irmã, embora, ela tenha achado outras
formas de atormentar Elana.
— Eu vou embora dessa casa! Elana, Mirella!
Ela saiu, Mirella a acompanhou e Elana resmungou com um
pedido de desculpas, acompanhando a mãe. Talía tinha os olhos no
prato e sua mão tremia. As poucas vezes que observei Talía com
sua família e até mesmo as irmãs Castelle, eles sempre tiveram
uma dinâmica diferente da minha. Ela deveria estar se perguntando
em que pesadelo caiu, deveria estar pensando em alguma forma de
escapar de tudo isso.
Eu sentia muito por Talía, mas ela estava presa no inferno
comigo e era bom ela ir se acostumando, pois essa seria sua
realidade também.
Algo dentro de mim queimou, quase como se fosse remorso
por colocar alguém como Talía, que teve a sorte de uma boa família,
no pesadelo da minha própria. Mas essa ponta de remorso foi
substituída por raiva. Raiva infinita que me acompanhava desde que
eu me reconhecia como pessoa. Raiva que fazia parte de mim.
Olhei mais uma vez para seu rosto pálido e disse em tom
sarcástico.
— Bem-vinda a família, álainn.
E com isso, me levantei e fui para o meu escritório, deixando-a
sozinha com seus temores.
CAPÍTULO 7
Talía Dardan

Eu tentava valentemente acalmar as loucas batidas do meu


coração, mas ele insistia em pulsar furiosamente. Olhei para a mesa
vazia e não consegui sintetizar em pensamentos coerentes tudo o
que tinha acabado de acontecer. Eu nunca vi a família Dardan como
uma família afetuosa como a minha, sempre foram reservados e
sérios. Todavia, nunca imaginei que o ódio e o desprezo reinariam
em cada interação.
Fechei os olhos com força para conter uma onda de lágrimas
que ameaçavam rolar em meu rosto.
Se tivesse em minha casa, meu pai estaria contando piadas
sem graça, me fazendo esquecer quem ele era de verdade: Um
assassino. Giovanni estaria perturbando Milena, tirando gargalhadas
de toda a família. Tia Antonella estaria falando alto, brigando comigo
ou me dando conselhos. Se Giulia estivesse presente, o caos
estaria formado com Pietro dando trabalho para os pais e Leonardo
estaria passando de colo em colo.
Pensei nas palavras amargas de Brianna para Aleksander. Ela
disse com todas as letras que surrava Aleksander. Não era nenhum
segredo que homens feitos eram torturados para que se tornassem
homens feitos, mas algo sobre como ela disse as palavras fizeram
parecer algo muito pior. Ainda conseguia me lembrar do que as
palavras fizeram com o rosto de Aleksander.
Ficou petrificado.
Assustador.
Ele odiava Brianna.
Então me lembrei de Elana, e me perguntei qual foi a vida que
minha cunhada teve. Ela era insegura, tímida e Brianna não ajudava
com suas palavras cruéis. Talvez a relação dela com a comida
viesse como uma espécie de válvula de escape para lidar com uma
família tão tóxica. Me lembrei de como seus olhos brilharam quando
a convidei para fazer compras e talvez, só talvez, eu conseguisse
ser de alguma ajuda.
— Senhora, posso retirar os pratos?
Abri os olhos e vi Mina parada diante de mim. Dei um sorriso
sem vontade.
— Claro, Mina. E me chame de Talía, por favor.
— Sim, Talía.
Enquanto ela retirava os pratos, resolvi perguntar.
— É um lindo jardim lá fora. Você conheceu a mãe de
Aleksander?
Um sorriso saudoso desenhou o rosto de Mina.
— Eu conheci, sim. Senhora Kiara era amável e morria por
Aleksander. Mas infelizmente, ela morreu junto com o segundo filho
no ventre. Caiu de um cavalo no segundo trimestre da gestação.
Praticava equitação, amava os cavalos, por isso, foi uma tragédia o
que aconteceu. Senhor Sean nunca mais foi o mesmo. Ele era
apaixonado pela esposa e não a escondia, por isso a deixava fazer
o que queria. Inclusive cavalgar, mesmo gestante.
Sean Dardan, o pai de Aleksander.
Foi impossível não me sentir melancólica pelo ocorrido.
Juntando com o que tinha acontecido na mesa de jantar, eu estava
começando a montar o quebra-cabeça complexo da família Dardan.
Pensei novamente em Aleksander, em tudo o que perdeu em tão
tenra idade. Perdeu uma mãe que, pelo que eu sabia era
maravilhosa, para ganhar uma madrasta que provavelmente o
agredia.
Senti raiva de Brianna.
Senti pena de Elana.
Eu perdi minha mãe quando tinha dez anos, mas sempre fui
muito amada pela minha família. Meu pai jamais se casou
novamente e a tia Antonella fez o papel materno em minha vida.
Giovanni foi o irmão que eu não tive. Me dei conta então de que fui
uma pessoa de sorte. Embora agora eu já não tenha tanta certeza,
vendo a família que fazia parte.
Agradeci à Mina e subi para o meu quarto, confusa, assustada
e penalizada. Uma parte de mim queria ir lá e saber como estava
Aleksander, mas algo em sua expressão ao se levantar da cadeira
me fez desistir. Algo me dizia que ele não veria minha ação com
bons olhos.
Tomei um banho e me deitei.
Naquela noite, Aleksander não veio.

───※ ·❆· ※───


Me olhei no espelho mais uma vez. Eu usava um vestido
branco de seda, com a frente transpassada e caimento rodado no
meio da coxa. As costas nuas, o cabelo preso em um rabo de
cavalo elegante. Um salto nude e maquiagem mínima.
Mina já havia me avisado que Mirella me aguardava no andar
debaixo. Estranhei quando soube que Elana não estava junto e logo
me preocupei. Desci as escadas e cumprimentei Mirella, que me
recebeu com um caloroso sorriso. Ela tinha os cabelos soltos e um
conjunto de calça e cropped azul. Eu soube que ela tinha vinte e oito
anos e fiquei curiosa por ela não ter se casado.
— E Elana?
— Ah, querida. Elana é… Complicada. Ela é insegura e
acabou desistindo de vir.
— É meio impossível ela não ser insegura com uma mãe o
tempo todo a colocando para baixo. — Falei com ressentimento,
notando então que Mirella havia baixado os olhos. — Me desculpe,
sei que é a sua tia, mas depois de ontem…
— Oh, não se preocupe. Eu conheço bem a minha tia, mas
acredite ela é a melhor da minha família. Meu pai e meus tios da
Irlanda são bem piores.
Olhei para a bela ruiva em minha frente e fiquei imaginando o
que poderia ser pior que Brianna.
— É por isso que não quer voltar? — Perguntei por
impulso.
Ela baixou os olhos e se encolheu. Me aproximei mais e
segurei sua mão em sinal de encorajamento.
— Eles querem me casar com um velho gagá, assim que eu
voltar. A única que ficou com pena de mim foi tia Bree. Ela vai
postergar ao máximo meu o retorno.
— Talvez até lá, Aleksander consiga um arranjo para você
aqui. Pelo menos alguém agradável.
Mirella desviou os olhos em um movimento brusco. Fiquei
pensando se falei algo errado, até voltar os olhos para mim e sorrir
tristemente.
— É… Quem sabe. Deus sabe que mulheres não têm muito o
que dizer a respeito de seu futuro. Olhe para você, é nítido que não
gostaria de estar aqui.
Me preocupei com suas palavras. Não queria de forma alguma
passar essa impressão. Ao ver minha expressão ela segurou minha
mão mais forte.
— Fique tranquila, eu sei disso porque acompanhei esse
noivado e casamento desde o início. Sei da relutância de vocês dois
e por isso estou dizendo. Você não fez nada errado, muito pelo
contrário, sempre é perfeita.
Sorri mais aliviada.
— Eu espero que Aleksander esteja sendo bom para você.
Olhei para Mirella. Me lembrei das longas conversas que tinha
com Milena e de como, acima de tudo, sempre fomos amigas. Eu
ainda não conhecia Mirella o suficiente para falar das minhas
dúvidas e inseguranças, embora ela tenha se mostrado ótima até o
momento. Então eu sorri.
— Ele tem sido ótimo, obrigada.
Ela me olhou com quase pena e eu engoli um caroço em
minha garganta. Eu não saberia dizer que tipo de relação eu e
Aleksander tínhamos, nem se eu queria dizer algo sobre o assunto.
Ele era cruel comigo? Não fisicamente, mas ao mesmo tempo, ele
não era uma pessoa fácil. Minha expressão deve ter me
denunciado, pois Mirella voltou a me chamar a atenção.
— Conheço Aleksander por quase toda minha vida e querida,
eu sei que ele pode ser bem complicado. Ele sempre foi… Distante
e frio. E sei que você pode se sentir sozinha em alguns momentos,
então saiba que tem em mim uma amiga. Para qualquer coisa.
Mirella pareceu genuína. Seria bom ter uma amiga aqui,
considerando quão longe eu estava de todos os meus amigos. E
bem, ela poderia ser uma informante para que eu entendesse de
vez a dinâmica da família que agora era minha. Contudo, pensar em
Elana em seu quarto, intimidada me cortou por dentro, muito mais
que minha situação matrimonial.
— Vamos, vamos fazer compras.
Ela sorriu largamente.
— Claro.
— E depois, vamos até Elana.
O sorriso de Mirella caiu em uma expressão estranha, que ela
logo recuperou.
— Por que?
— Eu tive uma ideia. — Disse sorrindo e acenando para Kael,
que já me acompanhava.

───※ ·❆· ※───


— Se me permite um conselho, tente ter a tia Bree como
aliada.
— Me desculpe, Mirella, mas eu não quero ser aliada de uma
pessoa como a sua tia. E minha lealdade é com o meu marido.
Mirella deu um suspiro frustrado.
— Você está certa. Mas é que tia Bree pode ser um grande
problema para você, ela pode dificultar e muito a sua vida aqui.
Eu olhei para Mirella com firmeza.
— Eu não tenho medo dela.
— Tudo bem. Eu só estou tentando ajudar.
Olhei para o condomínio onde estava a cobertura de Brianna e
Elana. Os seguranças reconheceram Kael e nos deixaram entrar.
Mirella estava estranhamente contrariada com minha ideia, mas eu
associei ao medo da reação de sua tia ao que eu estava prestes a
fazer. Eu suspirei e me lembrei de quem eu era e o meu valor. Se eu
abaixasse a cabeça agora, nunca conseguiria ser respeitada.
Kael levava sacolas e mais sacolas, assim como eu e Mirella.
Havia de tudo: Sapatos, bolsas, acessórios, roupas. Provavelmente
Aleksander teria um surto quando visse a fatura do cartão, mas eu
não me importava. Claro que eu comprei uma coisa e outra para
mim, mas o foco era levar o shopping até Elana. E claro, irritar um
pouco Brianna.
Ou muito.
Assim que entramos Brianna n os recebeu com um olhar frio.
Então sorriu.
— Não te ensinaram que é não é de bom tom aparecer na
residência dos outros sem ser convidada? — Disse em tom alegre.
Eu dei o meu sorriso amplo e fútil.
— Sinto muito desapontá-la. Vim ver minha cunhada, não
você. Onde é o quarto?
Brianna fechou ainda mais o semblante.
— Você não vai entrar em minha casa como se…
— Talía? — A voz de Elana soou e quando a vi, estava no
meio da escada.
— Oi, querida. Você não quis nos acompanhar até o shopping,
eu o trouxe até você. — Disse e levantei as duas sacolas que tinha
nas mãos.
Eu sabia que parecia uma riquinha mimada quando me
comportava assim, mas não me importei.
— Elana está indisposta.
— Tenho certeza que não para mim. Kael, por favor, me ajude
a levar essas sacolas até o quarto de Elana? Obrigada.
Kael parecia perdido. Ele provavelmente achava mais fácil lidar
com tortura e assassinatos do que entrar no meio de uma briga de
mulheres, mas escutei seus passos pesados atrás de mim.
Interiormente, eu estava trêmula.
Incerta.
Provavelmente meu comportamento chegaria aos ouvidos de
Aleksander (assim como a fatura do cartão que me deu) e eu nunca
sabia o que esperar do meu marido. Mas não demonstrei minha
insegurança. Elana fechou a porta do quarto assim que eu e Mirella
entramos e Kael saiu, depois de deixar as sacolas em cima da
cama. Me virei para ela, que estava de costas para mim, seus
ombros tremiam.
Fiquei paralisada, pensando que poderia ter passado de todos
os limites. Já estava pronta para pedir desculpas quando ela se
virou muito vermelha e explodiu em gargalhadas.
Mirella apenas sorriu com a cena e eu soltei um suspiro
aliviado. Elana vestia uma camiseta de gatinho e tinha uma calça de
pijama. Seu notebook estava na cama, e ela usava meias.
Provavelmente era assim que passava a maior parte do dia, no
quarto. Não a julgo, tendo a mãe que tem.
Elana finalmente parou e continuou me olhando, risonha.
Como alguém poderia dizer que ela não era bonita? Ela era linda.
Um sorriso contagiante, pele perfeita, doce e amável.
— Eu sou sua fã, é oficial. — Ela me abraçou — A única
pessoa que já vi enfrentar minha mãe foi Aleksander, quando não a
ignora.
Ao se afastar, ainda apertou meus ombros.
— Obrigada por isso.
— Desculpe se exagerei, mas eu não me conformei com você
não ir conosco.
Seu sorriso diminuiu.
— Não é a minha coisa.
— Querida, moda é a coisa de todo mundo, mesmo que não
seja convencional. Sua roupa faz parte da sua identidade.
Começamos a revirar as sacolas. Elana passou a tarde
experimentando roupas e conseguimos deixa-la com um novo
guarda-roupa. Não mudando totalmente seu gosto por jeans, mas
valorizando seus pontos altos, maquiagem discreta como ela
preferia, e alguns vestidos de noite para os eventos. Nos vestido eu
tomei a frente e os escolhi a dedo.
— Eu costumo ajudar Milena na coleção. — Então meu sorriso
caiu um pouco — Quero dizer… Ajudava.
— Sente falta deles? — Elana perguntou, com empatia.
— Só faz alguns dias, mas sim. Todos os dias eu estava por
ali, mesmo quando morava no dormitório.
— Você pode visitá-los.
Olhei para Mirella, sentada na poltrona no canto. Ela pouco
participou da prova de roupas, dando uma opinião ou outra, ficando
a maior parte do tempo no celular. Às vezes ela ficava com um olhar
distante, então me lembrei sobre os planos de sua família para ela.
Não a culpei.
— Pouco provável, visto que saí de lá tem menos de uma
semana.
— Ela ainda está em lua de mel, Mirella. — Elana disse
sorrindo e ruborizando a face.
— Mas o casamento dela é de conveniência. Amor e fidelidade
não estão no pacote.
A forma amarga como Mirella disse as palavras me doeu por
algum motivo. Não era uma mentira, mas eu dormia com
Aleksander. Ou pelo menos, eu dormi. Não aceitaria ser traída, isso
não. Eu me recusaria a dormir com um homem que dormisse com
outras mulheres, até mesmo por segurança. Eu seria médica, afinal.
Então me lembrei que Aleksander não me procurou na noite
anterior. Eu nem sabia se ele tinha dormido em casa e não o tinha
visto por todo o dia. Minha expressão deve ter denunciado meus
pensamentos.
— Mirella! — Elana gritou com a prima.
— Eu estou dizendo a verdade. Aleksander é um Chefe, é um
mafioso, é besteira esperar mais.
Elana ia começar a dizer algo, mas eu sorri e interrompi.
— Tudo bem meninas, chega. Vamos voltar para a nossa
missão. Meu casamento com Aleksander não está em discussão
aqui, nem as minhas expectativas.
Voltamos para a missão divertida em que estávamos, mas as
palavras de Mirella continuaram martelando em minha mente.
Imaginei que ela falou tudo o que disse por conta de sua
própria situação. Lá no fundo eu ainda tinha esperança de que eu e
Aleksander pudéssemos desenvolver uma relação de respeito e
companheirismo. Talvez não igual ao amor épico de Milena e
Giovanni ou Isabella e Yuri. Ou até mesmo como o de Giulia, que
teve um casamento arranjado, mas conseguiu encontrar verdadeiro
amor em Eduardo, que a amava sem reservas.
Minhas expectativas aumentaram em relação ao nosso
casamento, visto que na cama nos damos bem. Aleksander me
incendiava quando me tocava, isso me deu esperanças, mas seria
impossível construir uma relação se ele não fosse fiel. Eu não seria
essa mulher.
Mirella passou a integrar mais as decisões e logo toda a
tensão foi esquecida. Elas eram divertidas e foi uma tarde
agradável. Quando percebi, já estava escurecendo e eu me despedi
de ambas, deixando Elana com um sorriso lindo e satisfeito no
rosto. Ela tinha se divertido e o fato me deixou com a sensação de
dever cumprido. Eu a fiz prometer me visitar mais vezes e estendi o
convite a Mirella.
No caminho, Kael parecia incomodado. Então, comecei a falar
com ele.
— Trabalha para Aleksander há muito tempo?
— Sim, senhora.
— Quanto tempo?
— Muito tempo, senhora.
— Okay, isso foi bem esclarecedor. — Ele continuou em
silêncio — Quantos anos você tem?
— Vinte e oito, senhora.
— Talía.
Falei meio irritada.
— Não é adequado, senhora.
Seu tom monótono me irritou mais, pois percebi que essa era a
sua intenção:
— Você trabalha para mim, não é assim? Então vai me chamar
do que eu quiser. Para ficar pior só falta me chamar de Senhora
Dardan. Além de me deixar velha me lembra Brianna e eu prefiro
qualquer coisa a me parecer com ela.
Kael ficou quieto e então eu o olhei. Ele segurava um sorriso e
eu comecei a rir. Ele logo ficou sério novamente e eu continuei.
— E eu não sou velha, Kael. Então, é Talía.
O silêncio nos acompanhou até chegar à casa que eu ainda
tinha dificuldade em ver como minha.
Desci do carro e entrei, dando de cara com Aleksander. Ele
estava sentado na poltrona da sala. Uma perna em cima da outra e
a mão no queixo. Seu cabelo caía na testa e ele estava todo de
preto. Por algum motivo eu paralisei na entrada. Então voltei à
expressão de sempre e entrei na sala, sob o seu escrutínio.
— Boa noite. — Falei diante do seu olhar avaliador.
— Você irritou Brianna. — Ele disse.
Meu coração acelerou no peito, contudo, levantei o queixo e
não demonstrei.
— Claro que ela foi te contar.
Seus olhos passaram por minhas pernas, meu vestido, então
em meu rosto. Aleksander ainda me assustava, mesmo que eu
negasse. Ele fazia questão de manter a sua superioridade e na
maioria das situações, eu não sabia o que esperar. Ele estaria bravo
por eu ter irritado sua madrasta?
Então ele se levantou e parou em minha frente, muito maior
que eu. Mantive o meu olhar firme, contudo, minha vontade era de
correr para o quarto. Ele levantou a mão e foi uma luta para que eu
não vacilasse. Ele nunca prometeu não usar violência contra mim,
mas sua mão apenas pegou uma mecha de cabelo e o colocou
atrás da minha orelha. A ação fez minha pele arrepiar e eu fechei os
olhos.
— Faz três dias que você está aqui… E já está fazendo uma
revolução.
Eu não soube dizer se era um elogio ou uma reprimenda. Olhei
para ele com o cenho franzido, tentando entendê-lo, mas
Aleksander apenas riu. Era um riso sarcástico, antes que ele se
virasse e dissesse ainda de costas.
— Não me espere para o jantar.
CAPÍTULO 8
Aleksander Dardan

Olhei para o fodido ucraniano amarrado. Três dedos já haviam


saído sob as mãos cruéis de Michael. Minhas mãos estavam
ensanguentadas, assim como os anéis enfaixados em meus dedos.
Eu estava suado e sujo de sangue.
Michael era o executor, mas eu não poderia negar que
gostava, gostava muito de estar desse lado. Gostava de mutilar e
matar todos que ousavam se aventurar a fazer negócios em meu
território sem a minha permissão.
Meu celular tocou, eu o retirei do bolso e olhei o visor: Kael.
Atendi após o primeiro toque.
— Sim.
— São quase 18h00. Hoje tem o evento de caridade do
Senador Thompson.
Foda-se.
Eu tinha me esquecido completamente dessa merda, tal era a
minha habilidade com a política do negócio. Eu gostava mesmo era
da ação, não da hipocrisia. Me lembrei também que não falei com
Talía sobre o evento. Brianna e Elana também estariam presentes, o
convite se estendeu a elas, contudo, desde que o tempo havia se
fechado entre Brianna e Talía, eu duvidava muito que Brianna
tivesse avisado.
Fazia uma semana desde que nos casamos e ainda era
estranho para caralho ter uma mulher em casa, então eu a deixava
o mais à vontade possível. Em outras palavras, eu a deixava
sozinha.
— Certo.
Desliguei o telefone e olhei mais uma vez para o ucraniano
filho da puta. Dei mais um soco só porque eu podia, fazendo
algumas gotas de sangue espirrar em meu rosto e disse:
— Em meu território, minha palavra é lei. Eu gostaria de
desfigurar esse seu rosto estúpido com minha faca, mas vou te
deixar nas mãos capazes de Michael.
O homem me olhou com apenas um olho, pois que o outro
estava fechado pelo inchaço dos golpes e deu um xingamento em
sua língua materna. Na hora lamentei ter que partir. Quebrar esses
homens que se achavam durões era muito mais divertido.

───※ ·❆· ※───


Cheguei em casa e suspirei ao entrar. Encontrei Talía no sofá,
vestindo um short de pijama e regata branca, tomando algo em uma
caneca. Eu olhei para seu perfil, que encarava a lareira de forma
pensativa. Estava esfriando e estranhei suas roupas.
Durante toda a semana, eu pouco vi minha esposa. A forma
como ela afrontou Brianna ainda estava fresca em minha memória e
eu tinha que admirar sua coragem; não esperava que Talía pudesse
soltar farpas com tanta classe, mesmo sendo tão jovem.
A verdade é que eu pouco imaginei Talía. Eu tinha uma ideia
fixa de como a vida seria, de como ela seria. Um cartão de crédito
ilimitado, um motorista e segurança. Dócil ela nunca foi, então
quanto a isso eu não criei ilusões, mas imaginei que ficaríamos fora
do caminho um do outro na maior parte do tempo. Me aproximei até
que ela levantou os olhos para mim.
Verdes como os meus.
Um espelho dos meus.
— Olá. — Ela disse incerta, se levantando e me dando a visão
de suas pernas. Eu não fingi que não notei. Meu desejo por ela não
tinha porquê ser um segredo, Talía era minha esposa.
Eu não respondi e cheguei bem perto de sua figura. Seus
olhos denunciavam seu medo e insegurança, mas ela não os
desviou dos meus e nem se afastou de mim. Por alguma razão do
caralho, esse comportamento irreverente me excitava. Ela mordeu o
lábio inferior e suas pupilas dilataram, foi o suficiente para que eu
descesse minha boca na dela sem qualquer aviso.
Após um primeiro momento de surpresa ela cedeu e
correspondeu o beijo. Inicialmente insegura, mas logo ela subiu as
mãos por meu peito e enlaçou meu pescoço. Nosso beijo não tinha
nada de gentil, nós nos devoramos no meio da sala de estar.
Estávamos em um duelo de lábios, mãos e língua, quase como se
fosse uma competição de quem cederia o domínio mais rápido. Eu
me sentei no sofá, sabendo que ninguém iria se atrever a nos
atrapalhar e abaixei seu short antes de sentá-la em meu colo.
Talía me olhou com os olhos arregalados, mas então, o verde
de seus olhos ficou ainda mais escuro. Ela olhou para a entrada e
então para a outra porta que dava para a cozinha e se sentou em
meu colo de forma devassa, com um sorriso sacana. Ela não
cansava de me surpreender.
Ao tentar puxar minha camisa, ela percebeu que sua mão ficou
suja. Seus olhos foram para minhas mãos e minhas roupas e a
umidade da roupa escura, as escoriações em minhas juntas e o
rosto manchado denunciaram qual era a minha atividade mais
recente.
Esperei que ela se afastasse, mas ela apenas me encarou por
um tempo. Então, ela olhou para suas mãos, agora um pouco
pegajosas, e as espalhou em meu pescoço novamente, de forma
tranquila, se aproximando e me dando um beijo… Quase terno, de
olhos abertos. Eu fiquei um pouco paralisado com sua ação. Uma
garota como ela, eu imaginava que sentiria medo ou pelo menos
ficaria enojada com o sangue.
Mas Talía apenas ignorou tudo e me beijou.
Meu coração começou a pular desesperadamente em meu
peito e eu fui tomado por uma sensação que eu nunca havia
experimentado. Seu sexo esquentava minha calça, deixando a
superfície úmida. Sua boca na minha, seus olhos que pareciam ler
todas as emoções que eu estava experimentando... Todo o turbilhão
interior que eu sentia foi demais para mim. Mais uma vez minha
esposa me confundia, agindo de forma inesperada. Eu achava que
sabia quem ela era, mas cada dia com ela me fazia perceber que eu
não sabia porra nenhuma.
Ela passou a rebolar em minha calça e meu primeiro
pensamento coerente, enquanto ela lambuzava minha calça com
sua umidade e me beijava daquele jeito doce, foi me levantar e sair
correndo. Eu estava prestes a fazer isso, mas então senti seus
dedos abrindo meu jeans, como se lesse meus pensamentos e meu
pau saltou entre nós. Foi muito rápido para que eu conseguisse
entender, ela se levantou e em um movimento brusco, e sua boceta
engoliu meu pau, envolvendo-o com sua suavidade. Gememos
juntos e meus olhos reviraram pela sensação deliciosa dela em
mim.
Eu soltei um urro e segurei seus quadris firmemente. Ela
tentou se mexer, mas eu não a deixei, estendendo mais e mais a
nossa agonia. Seus olhos se firmaram nos meus, ela subiu para
minha cabeça as mãos que estavam nas minhas e puxou meu
cabelo para trás, dando beijos e mordidas em meu pescoço de
forma selvagem.
A sensação era demais.
Eu soltei o seu quadril e ela passou a me cavalgar loucamente.
Inicialmente, um pouco sem jeito, mas pegando o ritmo com o
tempo. Não muito tempo depois ela chegou ao clímax e vê-la
perseguir o próprio prazer me deixou ensandecido. Eu a segurei em
seguida e procurei o meu próprio, que já estava à borda.
E ele transbordou. Senti minhas vistas escurecerem e agradeci
por estar sentado ou teria desabado no chão. Talía tinha o rosto
entre meu pescoço e ombro e seus cabelos estavam jogados em
suas costas. Seu coração estava acelerado e ela respirava com
dificuldade.
Ficamos por um tempo assim, até ela levantar o rosto para
mim, de forma preguiçosa e… Adorável. Ela colocou os cabelos
atrás da orelha, mas ainda assim eles caíram para frente, fazendo
duas cortinas escuras ao redor do rosto. Percebi então que minhas
mãos estavam acariciando suas costas de forma inconsciente e ela
parecia relaxada com a ação.
E eu me dei conta do compromisso que tínhamos.
— Temos vinte minutos. — Falei com a voz rouca.
— Vinte minutos para que? — Perguntou em confusão. O rosto
confuso estava ainda mais adorável, fazendo algo dentro de mim
esquentar.
— Um evento de gala.
Ela se levantou em um rompante com os olhos muito abertos e
a boca apertada.
— Vinte minutos para um evento de gala? Você só pode ter
enlouquecido! — Ela disse enquanto colocava o short de volta no
corpo e subia as escadas correndo e reclamando sobre minha
desconsideração.
Eu deitei a cabeça no encosto do sofá e quase sorri.
Quase.

───※ ·❆· ※───


Quando chegamos ao salão de eventos do Hampton, eu
estava me esforçando para esconder meu humor. Pela primeira vez
eu chegava a um evento com mais de uma hora de atraso, graças à
minha esposa. Em quinze minutos eu estava pronto e Talía não
tinha nem escolhido o que usar.
Do que adiantava aquela imensidão de roupas se ela
constantemente olhava para o closet resmungando que não tinha o
que vestir? Se não fosse eu ter gozado como um louco minutos
antes, eu teria perdido a paciência.
No fim ela optou por um vestido preto da coleção Castelle.
Manga única, longo e que marcava todo o seu corpo, parecendo
uma segunda pele. O cabelo estava preso na lateral da cabeça e
sua maquiagem era leve. Ela estava deslumbrante em meu braço,
mas eu não estava com humor para dizer isso a ela. Não que ela
tenha perguntado, pois ela sozinha já tinha se dado o veredito de
que estava perfeita. Foi só depois disso que finalmente
conseguimos sair.
A parte chata de todo evento eram os sorrisos e as falsas
felicitações. A novidade foi me sentir incomodado com a óbvia
fascinação dos homens por minha esposa. Claro que os olhares de
admiração eram discretos, pois todos ali sabiam quem eu era e
exatamente o que eu fazia, mas eu era ótimo em observar e ler
pessoas. Uma merda para eles.
Talía parecia alheia ao fascínio que despertava. Ou era muito
boa em disfarçar ou estava acostumada com seu efeito nos
homens. Eu estava irritado por vários motivos: estava em um lugar
em que não queria estar, mais atrasado do que já estive em toda
minha vida e Talía reclamou durante todo o caminho.
Assim que chegamos ao evento, uma arrecadação de fundos
para alguma coisa que não me interessava, Talía vestiu uma
máscara social.
Eu tinha que admitir que ela era boa. Sorria educadamente
para todo mundo e conduzia uma conversa de forma impecável.
Nunca se excedendo e dando a ideia de uma esposa troféu
exemplar. Baixava os olhos em submissão, de forma que quase me
fazia rir, porque Talía era tudo, menos submissa, mas, ela tinha um
senso de dever e tinha se mostrado perfeita em público.
— Dardan.
Fui tirado dos meus pensamentos pela voz do senador
Thompson.
— Estou satisfeito com a sua presença.
Eu gostaria de poder retribuir o comentário, mas não
acreditava que ele ficaria feliz em saber que eu preferia o inferno a
um evento desses.
Seus olhos pousaram em Talía e eu não gostei nem um pouco
do brilho malicioso em seu olhar
— Essa deve ser a sua esposa. A princesinha Maceratta.
Talía deu um sorriso encantador para o filho da puta, mas me
surpreendeu ao responder:
— É uma honra conhecê-lo, senador. Talía Dardan.
Algo dentro de mim inflou com suas palavras. Como se ela se
apresentar usando meu sobrenome a marcasse como minha. Minha
esposa e não apenas no papel. Eu ainda me surpreendia em como
ela fazia isso. Colocava as pessoas em seus lugares com
diplomacia e o total controle que ela tinha de suas emoções. Mais
uma vez os olhos do senador brilharam, mas ele manteve o sorriso
cordial, pegando a mão estendida de Talía nas dele e a levando aos
lábios.
— O prazer é meu, querida. Eu tive a felicidade de conhecer
seu pai ano passado aqui em Boston, esse casamento entre você e
Dardan foi muito esperado. É bom saber que nosso povo está bem
relacionado.
A conversa fluiu por mais um tempo, até Talía ser arrastada
para longe de mim. Por algum motivo eu não gostei do fato dela ser
levada se afastar. Mesmo que ela estivesse em uma roda de
mulheres, eu sabia que muitas não estavam felizes com o fato de
eu, o chefe, me casar com uma italiana. E por mais que dissesse
não me importar, eu jamais admitiria que Talía fosse desrespeitada,
principalmente porque eu estava começando a respeitá-la.
Em dado momento, fomos para uma sala reservada falar sobre
os problemas recorrentes que estávamos tendo com os ucranianos.
Estava ficando uma merda fora de controle e eu sabia que de
alguma forma, ficaria sob minha responsabilidade. Eu, Kael,
Thompson e o Prefeito, Edward Bennet, estávamos tratando do
assunto há pelo menos quarenta minutos, quando finalmente a
reunião se deu por encerrada.
— Os ucran… — Thompson começou a dizer, mas eu já
estava cansado do assunto. Estava preocupado em como Talía
estava se saindo.
— Eu já disse que vou resolver essa merda — Eu disse com a
pouca paciência que tinha, me levantando e tomando a minha dose
de uísque de uma vez só.
— Não banhe minha cidade de sangue, Dardan. — Edward
disse, raiva chispando em seus olhos. Eu sorri, o meu sorriso
sarcástico que irritava mais que qualquer palavra.
— Eu vou banhar a minha cidade de sangue se achar que
devo — Bati em seu ombro antes de sair — E você vai encobrir a
minha merda porque eu pago muito bem para que você faça isso.
Sai da sala, acompanhado de Kael, meu cão de guarda, como
costumavam chamá-lo. Não que eu precisasse de um. Antes que eu
voltasse para a festa, Mirella apareceu em minha frente. Usava de
vermelho sangue, como seu cabelo, e a boca no mesmo tom. Eu
suspirei.
— Kael, fique de olho em Talía.
Kael olhou para mim e então para Mirella. Pareceu hesitar por
um segundo, mas seguiu com um aceno. Mirella, que tomou minhas
palavras como encorajamento, me empurrou na parede, mas antes
que sua boca se encontrasse com a minha, eu segurei seus braços.
Desde o meu noivado com Talía eu não me envolvia com Mirella. E
estava me irritando além do limite o fato dela não entender que tinha
acabado.
— Meu amor…
— Mirella. — Eu apertei seus braços e ela estremeceu em um
semblante de dor. — Escute bem o que eu vou te dizer. Amanhã
você está embarcando para a Irlanda.
— Você não pode fazer isso!
— Eu posso tudo, Mirella, e eu vou! Você parte Amanhã. Agora
suma da minha frente!
Eu soltei os seus braços e ela deu dois passos para trás, com
os olhos cheios de lágrimas.
— Mas você me ama! Temos uma história, Alek. Você foi o
meu primeiro homem, foi aquele a quem eu entreguei meu coração
e minha alma! Não era para você estar casado com ela, ninguém
gosta dela, ninguém vai aceitá-la.
— Não preciso da autorização de ninguém.
Passei as mãos por meus cabelos e suspirei.
— Te respeitei e tive paciência com você até agora. Eu nunca
te prometi nada, Mirella. Éramos jovens, muito jovens e mesmo que
ficássemos juntos nos verões de suas visitas, nunca foi sério. Você
sempre soube e aceitou os riscos.
Mirella fechou os olhos e balançou a cabeça em negação.
— Eu achei que você me amava! Eu te dei tudo.
— Nunca te pedi nada — Minha voz soou dura, mas então eu
a suavizei. — Você está livre das regras da Máfia, sabe disso. Pode
viver sua vida da maneira que quiser.
Ela abriu os olhos em desespero.
— Não quero liberdade! Nunca quis ser livre, eu quero… Eu
quero você. Sempre quis você.
— Estou casado, Mirella. Você teve mais de três anos para
entender o que aconteceria. O melhor é você voltar para a Irlanda.
Já comprei a sua passagem.
Ela me olhou e então saiu, limpando as lágrimas do rosto. Eu
tinha um resquício de consideração por Mirella e por tudo o que
tínhamos vivido, mas a atitude dela estava passando dos limites. Eu
precisava afasta-la não só por mim, mas também por ela. Se ela me
amava como afirmava, seria o melhor.
Respirei fundo e assim que cheguei ao salão, meus olhos
buscaram Talía. Ela estava em uma mesa com várias outras
mulheres e tinha um sorriso firme no rosto. Se eu pudesse dizer
algo sobre ela, diria que ela estava incomodada e com Brianna ao
lado dela, sorrindo, era fácil imaginar o porquê. Talía estava
chateada.
Sem pensar muito em minhas ações, fui em direção a elas.
Quando cheguei, as mulheres se dividiram entre interesse e medo.
Muitas eram esposas de homens da organização e absolutamente
todas sabiam sobre meus negócios.
— Senhoras. — Cumprimentei e segurei o braço de Talía e ela
me olhou um pouco assustada. — Vim tirar minha esposa para
dançar.
— Ora, Alek. Não seja um desmancha prazeres, estávamos
familiarizando Talía com a nossa sociedade. — Brianna disse com
um falso sorriso.
— Sou um homem muito exigente quanto ao tempo da minha
esposa. Tenho certeza de que ela não me negará uma dança. Não
é, querida?
Talía olhou para mim e então para as mulheres. Enfim, sorriu.
— Claro que não, querido. — Então ela se virou para as
mulheres — Me desculpe por isso, e espero vocês em minha casa
para um chá. Será um prazer.
As mãos de Talía estavam trêmulas e frias.
Quando a segurei nos braços, no meio da pista, seus olhos
estavam cheios de lágrimas não derramadas. O meu monstro
interior rugiu, pois eu bem sabia em primeira mão o nível de
crueldade de Brianna.
Mais uma vez eu admirei o autocontrole de Talía. Eu sabia que
Brianna seria um problema para qualquer mulher com quem eu me
casasse.
Eu só não sabia que me importaria com isso.
CAPÍTULO 9
Talía Dardan

Eu sempre soube que não seria fácil.


Enquanto Aleksander me embalava no salão de forma quase
reconfortante, eu lutava para recuperar o controle das minhas
emoções. Brianna era uma mulher amarga e cruel, e com certeza
ela já tinha feito todas as mulheres da organização me odiar. Ainda
estava cega de tensão, mas sorri docemente.
— Você está tensa. — A voz rouca de Aleksander soou em
meu ouvido e eu quase parei no salão.
Sim, eu estava tensa, mas ninguém precisava saber.
Aleksander se afastou um pouco e me olhou ligeiramente divertido
— Não se preocupe, principessa italiana, ninguém percebeu.
A forma como ele me chamava assim, eu sabia que era uma
espécie de insulto. A verdade é que eu nunca sabia quando
Aleksander estava indo ou vindo. Nunca sabia em que pé
estávamos. A forma como ele me tomava na intimidade era irreal.
Mas então, todas as suas defesas voltavam a subir e eu percebia
que não sabia nada, absolutamente nada, sobre o meu marido.
Não sabia se ele era confiável.
Não sabia o que ele fazia ou pensava do quarto para fora;
contudo, a forma como ele me olhava no momento, seus olhos
verdes estavam cheios de significados, era uma intensidade quase
palpável. E o mais incrível era saber que era recíproco, porque a
forma como os dedos dele pressionavam minhas costa disse mais
que qualquer palavra que ele pudesse dizer.
— Eu estou bem — Disse e sorri para um casal que me havia
sido apresentado mais cedo como chefe de gabinete do prefeito.
Quando voltei meus olhos para meu marido, ele revirou os dele
e me deu um sorriso estranho.
— Algum problema?
Demorou uns segundos enquanto ele estudava meu rosto.
Então, para minha surpresa, delicadamente ele deitou minha
cabeça em seu peito, sem mais uma única palavra.
Por um momento, quase fechei os olhos enquanto absorvia a
sensação de minha pela em seu peito, uma atitude intima demais
para a nossa posição social, mas ainda assim, quase como Milena e
Giovanni.
Fechei os olhos e repreendi esse pensamento perigoso. As
ações de Aleksander me confundiam além da medida e eu sempre
preferi o caminho do diálogo. Se Mirella estivesse certa… Bem, não
havia muito que eu pudesse fazer. No fundo, eu queria construir um
relacionamento real com Aleksander, porém ele era quase
inacessível a maior parte do tempo.
Enquanto eu dançava, percebi uma movimentação em uma
das portas laterais. Mirella. Ela parecia estar chorando. Me lembrei
do futuro que a aguardava e novamente me senti mal por ela.
— Eu preciso ir ao toalete. — Disse para Aleksander.
Ele me olhou em confusão, mas acenou que sim. Pareceu
hesitar um pouco antes de me soltar e eu fui para onde tinha visto
Mirella sumir. Quando cheguei ao toalete, Mirella tinha os olhos no
espelho e encarava seu reflexo com uma emoção que transformava
seu rosto, sempre gentil ou mesmo distraído para… Raivoso. Seus
olhos se desviaram para mim e eu quase dei um passo para trás
com toda a fúria que pareceu ser direcionada a mim.
Como se ela me odiasse.
Ela se virou e tudo pareceu um delírio meu, pois o que
consegui ver foi uma garota triste. Ignorando o pensamento anterior,
me aproximei com cautela.
— Posso te ajudar com algo? Desculpe se invado a sua
privacidade, mas fiquei preocupada.
Ela se aproximou e me abraçou. Após um primeiro momento,
eu a abracei de volta. Após alguns segundo em que ela soluçava
em meu ombro, ela finalmente se afastou e eu alcancei um papel
toalha para ela.
— Amanhã vou para a Irlanda.
— Amanhã? — Perguntei sobressaltada.
— Aleksander me avisou há pouco.
— Porque ele está te enviando tão rápido para lá?
Ela então começou a chorar mais e mais. Eu apenas a amparei
por alguns segundos, antes que ela se afastasse e me olhasse com
nova determinação. Por algum motivo, sua expressão me deixou
apreensiva. Ela apertou minhas mãos antes de se afastar para
trancar a porta do banheiro, em seguida voltou para onde eu estava
e se sentou em um banco lateral de mármore. Então, se levantou e
passou a chave na porta do toalete e voltou.
— Mirella…
— Preciso te contar algo.
Ela disse com a voz tensa e com uma última olhada na porta,
se virou totalmente para mim. Ela abriu e fechou a boca duas vezes
antes de começar a falar.
— Eu e Aleksander fomos… Namorados.
Acredito que todo o meu rosto ficou branco com a revelação de
Mirella. Como assim, namorados? Não existia tal coisa na Máfia,
você era amante ou prometida. Eu apenas esperei até que Mirella
dissesse algo mais enquanto meu coração tentava quebrar minha
caixa torácica. Meu rosto deve ter revelado algo, pois ela começou a
soluçar mais e negar com a cabeça.
— Não pense mal de mim. Eu estou triste porque Aleksander
quer se livrar de mim e não quer manter o nosso relacionamento.
Ele está me punindo. — Ela disse e continuou a chorar.
Algo dentro de mim congelou. Meus pensamentos ficaram
confusos e senti minha mão suar e soltei as mãos dela. Então eu
me levantei e fiquei de costas.
— Desde quando? — Embora um turbilhão me consumisse,
minha voz saiu gelada.
— Desde nossa adolescência — Ela respondeu com mais
firmeza — Desde que passei o meu primeiro verão na casa de tia
Bree, aos quinze anos.
Uma imagem de dois adolescentes apaixonados correndo
pelos bosques de Boston fluiu em minha mente. Se Mirella tivesse
quinze anos, Aleksander teria dezessete, dezoito.
— Vocês se amavam? — Perguntei e me virei para encará-la.
Ela demorou um pouco, mas enfim respondeu, abaixando os olhos
para as mãos no colo.
— Sim. Eu sinto muito, Talía. Nunca quis ferir outra pessoa, eu
tinha certeza de que iríamos nos casar… Até o pai de Aleksander
firmar o compromisso de vocês. Mas isso não importa mais, não
importa. Vocês estão casados e eu só quero viver em paz.
Olhei para a bela ruiva parada em minha frente, chorando e se
lamentando. Pela primeira vez me perguntei se ela estaria sendo
sincera comigo e a real motivação de me contar. O que não mudava
em nada os fatos.
— Me responda, foi por isso que me deu a entender que ele
ficava com outras mulheres? Por ciúmes?
Notei Mirella prender a respiração por um segundo, e então ela
me olhou com quase pena.
— Não espere fidelidade de Aleksander, Talía. Nem de homem
algum.
Meu temperamento ascendeu.
— Você está errada. Eu acredito que quando há amor e
vontade de ambas as partes, fidelidade é um passo natural. Talvez
não tenha sido amor verdadeiro o que vocês tiveram.
Mirella semicerrou os olhos.
— O que…
— Eu agradeço por ter compartilhado sua… História comigo.
— Disse de forma a dar um ponto final na conversa — Eu preciso
voltar.
— Não me interprete mal, por favor. Nem tenha raiva de mim.
Eu juro que depois que vocês se casaram não fiquei com
Aleksander. Mesmo com a insistência dele.
Fechei os olhos brevemente, mas não poderia demonstrar
fraqueza. Não aqui, não agora.
— Eu preciso voltar.
Eu fui até a porta, abri e sai sem olhar para trás. Algo pesava
em meu coração e meus pensamentos começaram a ficar frenéticos
quando parei antes de voltar para o evento. Fechei os olhos e me
encostei à parede.
Qual a possibilidade da história de Mirella ser verdadeira? Será
que o sacrifício de Aleksander foi abrir mão da mulher que amava?
Eu poderia construir um relacionamento de confiança com um
homem que amava outra?
Céus.
Ele a queria tanto que não suportava vê-la e não tê-la? Estaria
com tanta raiva que a mandaria para longe, só para puni-la?
— Senhora?
Kael me observava com o semblante confuso. Ele quase
nunca falava, então certamente eu não deveria estar bem.
Precisava encontrar meu equilíbrio e com esse pensamento, me
endireitei.
— Estou bem, Kael. — Disse e abri um sorriso — E já disse
para me chamar de Talía.
Kael continuou me olhando com suspeita, não convencido,
mas assentiu e me seguiu. Eu continuei andando e sorrindo,
atuando, sendo doce e gentil como tinha que ser, mesmo que por
dentro, uma verdadeira histeria quisesse me tomar. Eu encontrei os
olhos de Aleksander em um momento e o mantive. Ele levantou
uma sobrancelha e então se virou. Meu coração saltou
dolorosamente com a possibilidade dele amar outra mulher.
Porque eu achei, nos meus sonhos mais otimistas, que
acabaríamos nos apaixonando em algum ponto do caminho.
CAPÍTULO 10
Talía Dardan

Sem pensar, dei duas batidas na porta do escritório de


Aleksander e entrei, reunindo um pouco da coragem que ainda me
restava. Eu fiz todo o caminho de volta em silêncio e Aleksander
não fez questão de manter qualquer diálogo. Eu estava me
acostumando com o temperamento quente/frio do meu marido, mas
isso era antes... Antes de saber seus motivos ocultos.
Mas eu merecia uma explicação. Eu precisava de uma
explicação. Nem que fosse para sair deste escritório com o meu
casamento condenado, eu precisava saber dele se o seu coração
pertencia a Mirella. Minha cabeça voltou para a história ela. Céus,
poderia ser tudo verdade? Eu não suportaria uma vida de incerteza.
— O que você quer?
Aleksander levantou os olhos para mim, impaciente e os voltou
para o notebook à sua frente. Ele tinha tirado o smoking e estava
sem camisa, apenas com uma calça de flanela.
Tão normal.
Se não fosse pelas tatuagens e cicatrizes que entregavam seu
negócio, ele poderia ser facilmente confundido com o cara da porta
ao lado. Porque, mesmo com toda aquela aura de perigo, meu
marido era lindo. Imaginei o adolescente apaixonado e mais uma
vez uma estranha ponta de dor me acertou o peito. Fechei os olhos
por alguns segundos e os abri determinada.
— Porque você está mandando Mirella para a Irlanda?
Por um segundo quase imperceptível, Aleksander se
surpreendeu com a minha pergunta repentina. Se não fossem pelos
anos vendo como meu pai, tio Salvatore e até mesmo Giovanni
funcionavam, eu teria deixado passar. E perceber seu espanto foi
meu primeiro sinal de que havia alguma verdade no que Mirella
havia me dito.
— Isso não tem relação alguma com você.
Sua resposta seca me encorajou. Eu soltei uma risada sem
humor e olhei para a janela. Estava começando a nevar. Eu estava
apenas com uma camisola e apesar do aquecedor, o frio interior
parecia muito pior que o exterior.
— Será que não tem mesmo?
Aleksander deu um sorriso sarcástico. Aquele sorriso cruel que
normalmente apenas me irritava. Hoje, aquele sorriso me feria, pois
era mais uma confirmação de que tudo era verdade. E de que ele
não se importava.
— O que você acha que sabe, italianinha? — Ele perguntou
duramente, embora o sorriso cruel ainda estivesse ali.
Eu não me encolhi. Eu não estava com medo. Uma estranha
coragem me tomou, como se eu soubesse que essa seria uma
conversa definitiva, uma conversa que ditaria o destino do meu
casamento.
— Pelo jeito, eu sei o suficiente.
Minha resposta saiu quase estrangulada. Meus olhos
queimavam e eu só orei internamente para que não sucumbisse ao
choro. Toda a situação era humilhante o suficiente para que eu o
brindasse com minhas lágrimas.
Algo em minha voz fez com que ele olhasse para mim, olhasse
sem o sorriso ou a impaciência. Ele apenas me olhou. Algo parecido
com remorso se desenhou seu rosto e foi muito pior que qualquer
sorriso cruel ou resposta dura.
Oh meu Deus, ele estava com pena de mim.
Eu fechei os olhos, incapaz de segurar as lágrimas.
Elas ainda desceram pelos meus olhos e eu virei de costas
para que a situação fosse menos dolorida. Doía porque eu me
sentia enganada. Doía porque ele me tocou como se me quisesse.
Doía porque eu achei… Eu achei que estávamos construindo algo,
mesmo em meio às nossas diferenças. Doía muito mais porque eu
sabia que nada mais poderia ser feito.
Senti a mão do meu marido em meu ombro, mas me afastei
como se fosse uma praga. Quando me virei todos os escudos de
Aleksander estavam de volta. Ele se afastou até a janela e eu dei
dois passos até a porta. Uma distância enorme estava entre nós e
eu quase sorri com a ironia.
Era melhor assim.
Eu não queria a pena de Aleksander.
Eu não queria nada.
— Isso não tem nada a ver com você, Talía. Eu não sei quem
ou o que te disseram, mas já não importa mais.
Eu queria gritar que importava, importava muito.
Eu queria perguntar qual o sentimento que ele ainda nutria por
ela, mas algo muito parecido com uma amargura e até um pouco de
maldade se enraizou dentro de mim. Eu poderia nunca ter o amor
de Aleksander, mas que ele amasse Mirella somente em seu
coração. Eu não queria cruzar com seu amor de adolescência em
cada reunião que eu fosse, não queria a presença dela me
lembrando que meu marido nunca me amaria.
— Só me responda: Por que você a está mandando para a
Irlanda?
— Porque eu não a quero aqui. — Respondeu impaciente.
— Por quê? — perguntei com dureza. Eu precisava saber.
Precisava que ele me desse alguma explicação além do que
Mirella havia dito: Que ele a estava punindo.
— Eu não preciso te dar qualquer satisfação de minhas
decisões, Talía. Você está esquecendo qual é o seu lugar.
Um tapa teria doído menos, porém minha autopreservação
estava anulada no momento. Eu estava exposta. Coração e
lágrimas na mesa, enquanto ele continuava na defensiva. Eu
precisava de um retorno. Qualquer retorno.
— É a última vez que vou perguntar, Aleksander. Por quê?
Ele parou em minha frente e me segurou pelos ombros. Olhos
inflamados de raiva, uma raiva que deveria ter me assustado, mas
eu estava dormente demais para sentir qualquer coisa. Então eu
apenas o olhei de volta enquanto via sua ira crescer, sem qualquer
expressão.
— Não é da sua conta! Saia daqui! — Ele gritou.
Suas mãos em meus ombros não machucavam, contudo era
um aperto firme. Ele olhou para as próprias mãos e então me soltou
como se tivesse levado um choque. Ali, naquele momento, eu
soube, Aleksander jamais me violentaria fisicamente. Ele pareceu
tão horrorizado com a própria conduta que praguejou, voltando para
a janela com ambas as mãos no cabelo. O alívio dessa descoberta
durou pouco, pois sua explosão de raiva foi toda a resposta que
precisei. Ele estava punindo Mirella.
Ele a amava.
Com esse último pensamento eu fui até a porta, mas antes de
sair me virei para onde meu marido ainda estava. Olhos fechados,
mãos na cabeça e semblante atormentado.
— Eu quero Mirella longe daqui.
Subi as escadas incapaz de sintetizar tudo o que estava
acontecendo comigo. Cheguei ao quarto e algo dentro de mim se
torceu. Peguei no closet o cobertor que era da minha mãe e me
deitei em dos quartos de hóspedes. Como eu poderia deixar que ele
me tocasse quando sabia que seu coração pertencia a outra? E por
que esse fato doía tanto? Não deveria doer assim, eu não estava
apaixonada.
Eu não poderia estar.
Adormeci em meio a tantos pensamentos confusos e ondas de
lágrimas que eu não conseguia controlar.
Acordei com a sensação de ser carregada, sentindo na lateral
do rosto as batidas do coração. Reconheci o perfume e a loção pós-
banho de Aleksander, mas a sensação de conforto foi muito maior
do que a necessidade de brigar.
Amanhã eu teria que tomar sérias decisões. Amanhã, eu
resolveria quais seriam meus próximos passos em Boston, mas
hoje, hoje eu só precisava de conforto e descanso.
Senti meu corpo ser apoiado na superfície macia do colchão e
o corpo quente do meu marido me embalar. Antes que eu voltasse a
adormecer, escutei suas palavras.
— Seu lugar é ao meu lado, álainn.

───※ ·❆· ※───


— Senhora Dardan.
— Talía, Mina.
— Talía. Você tem uma visita.
— Tão cedo. Quem é Mina?
— É a senhorita Mirella Walsh.
Congelei em frente à penteadeira onde penteava meu cabelo e
terminava minha rotina de beleza diurna. Mirella estava em minha
casa e queria falar comigo, antes das oito da manhã. Não poderia
ser algo bom.
O semblante de Mina também não parecia muito satisfeito,
mas ela não disse nada. Olhei para a cama desarrumada, pois eu
tinha acabado de me levantar e como sempre, acordei sozinha. O
fato já não me incomodava tanto quanto incomodara antes. Talvez
porque hoje eu soubesse muito mais do que quando cheguei nesta
casa.
— Peça para ela que entre, Mina.
Mina franziu o cenho, mas não disse nada. Com um aceno ela
saiu e eu respirei fundo. Coloquei o roupão por cima da minha
camisola azul e continuei a pentear meu cabelo, que descia até a
cintura. Pelo espelho, vi quando Mirella entrou no quarto. Ela tinha o
cabelo preso no alto da cabeça em um rabo de cavalo e vestia
roupas confortáveis, e mesmo assim, ela estava linda.
— Bom dia, Talía.
Ela disse e então olhou para a cama. Lentamente eu me
levantei e virei de frente para a mulher que provavelmente
carregava o amor de Aleksander.
— Eu vim me despedir de você. Depois de ontem, de meu
rompante, eu também gostaria de me desculpar.
Continuei em silêncio porque, pela primeira vez, eu não vi
verdade em nada do que Mirella dizia. De repente, me ocorreu que
ela também o amava. Que provavelmente ela me odiava por
desfrutar de uma vida que deveria ser dela.
— Tenha um bom retorno para a Irlanda.
Ela travou os olhos em mim. E vacilou um momento.
— Eu não tenho o direito de te pedir nada, mas eu…
— Tem razão, Mirella. Não tem o direito de me pedir nada. Eu
espero que você tenha uma boa vida e que não volte a Boston.
Eu vi uma mudança visceral acontecer em frente aos meus
olhos em questão de segundos. Mirella foi de contida e amável para
algo que eu não soube dizer. Só poderia afirmar que não era bom.
Ela deu um passo para frente, uma Mirella que eu não conhecia.
— Você está com raiva de mim.
— Olhou para a cama e sorriu sem humor.
— Eu posso ir para Marte, Talía, meu fantasma sempre
rondará esse casamento. Porque ele nunca deveria ter acontecido.
Aleksander só está me mandando para longe porque precisa que
você tenha o mínimo de respeito. Pela Aliança. Somente por ela.
Você é o sacrifício dele. Tenha uma vida infeliz.
Eu sorri friamente embora cada palavra proferida por ela
doesse mais do que deveria.
— Aleksander e eu teremos uma vida inteira para resolver as
nossas diferenças, já você não será mais bem-vinda, nem nesta
casa e nem em Boston.
— Você é uma pirralha mesmo. Petulante.
— Eu sou uma Dardan, algo que você nunca será. — Os olhos
de Mirella viraram duas chamas em minha direção. —Tente ser feliz,
apesar disso.
Mirella deu um passo em minha direção, mas pareceu
ponderar e então se afastou, virou e caminhou até a porta. Antes de
sair, ela olhou para mim sorrindo.
— Espero que ainda não esteja tendo pensamentos tolos de
fidelidade, querida. — Ela olhou para a cama — Aleksander nunca
se contentou com uma só mulher. Às vezes tínhamos companhia.
Ela saiu e eu fechei os olhos. Ela não me deu tempo para
responder e, mesmo que tivesse dado, eu não saberia o que
responder. Minhas mãos tremiam e meu estômago se revirou. Eu
me deitei e olhei para o teto até meu corpo se normalizar. Meu
Deus, o que eu faria agora? Ele tinha outras mulheres? Várias
outras de uma só vez? E ainda assim dormia comigo?
Fui ao banheiro correndo e lavei o rosto.
Encarei o meu reflexo no espelho e limpei minhas lágrimas.
Não, não. Eu não admitiria ser tratada de tal forma. Eu não tinha
culpa nenhuma nessa história e, se eu não pudesse impedir meu
marido de ter outras mulheres, eu não faria parte de seu harém.
Mesmo que gostasse de seu toque mais do que deveria.
Eu conquistaria meu espaço politicamente em Boston e
construiria minhas relações e seria forte, independente de
Aleksander. Eu seria a esposa perfeita, a mulher perfeita, o
investimento mais bem-sucedido da Máfia Irlandesa. Eu me tornaria
indispensável.
Eu poderia não ter o amor do meu marido, mas eu teria poder.
CAPÍTULO 11
Aleksander Dardan

— Ela embarcou, senhor.


— Ótimo.
— Tem mais uma coisa — Olhei para meu homem de
confiança. — A senhora Dardan levou todas as coisas dela para o
quarto de hóspedes.
Apertei mais a mandíbula do filho da puta que estávamos
tentando extrair informações. De novo essa porcaria. Dei três socos
seguidos no rosto do ucraniano até dois dentes pularem de sua
boca. Minhas mãos já estavam repletas de escoriações, mas pouco
me importava a dor ou a aparência. Eu gostava do caos.
— Foi logo após a visita da senhorita Mirella.
Soquei mais quatro vezes a cara do homem.
— Senhor, deveria lembrar que hoje vocês têm um
compromisso social. Digo… Por causa de sua mão.
Olhei para minha mão ensanguentada, onde o sangue do
homem e o meu se misturavam. Soltei um urro de raiva e
exasperação, saí do armazém e entrei no carro, Kael logo caindo no
banco ao meu lado.
— Por que você está aqui e não com Talía, Kael?
— Ela disse que hoje não sairia de casa.
— Mesmo assim, você deve ficar com ela. — Olhei para Kael.
— O tempo todo.
— Me desculpe, senhor. Eu achei que poderia precisar de mim.
Olhei para minhas mãos ao volante, ensanguentadas. Seria
mais uma noite de merda e hipocrisia onde eu deveria ser tudo o
que não sou. O prefeito e o senador provavelmente iriam querer
respostas que eu ainda não tinha. Os ucranianos estavam se
tornando uma dor na bunda maior do que deveria e eu estava
casado com uma mulher que me deixava cada dia mais confuso.
Por que diabos Talía estava saindo do nosso quarto? O que
acontecia na cabeça das mulheres? Por que Mirella foi visitar Talía?
Certamente foi o que motivou Talía a sair do quarto novamente.
Me lembrei de como a segurei na noite passada enquanto
dormia e então me lembrei de que, em minha cabeça, o casamento
deveria ser algo simples. Minha esposa deveria ser dócil, gentil e
receptiva na cama. Eu daria a ela proteção, proveria qualquer
necessidade e ela me daria o apoio da Aliança e, eventualmente,
filhos. Não deveria haver nada mais que isso entre nós.
Mas não, Talía era intrometida, esperta, sensitiva, corajosa e
destemida… e eu me via admirando cada vez mais sua
personalidade, algo que deveria estar fora de cogitação.
Eu não pensei no que viria depois desse casamento e esse foi
o meu erro. Assim que entrei em casa, fui direto para o quarto.
Entrei no closet e muitas coisas de Talía já não estavam lá. Suspirei
pedindo pela paciência que eu sabia não ter e me dirigi ao quarto de
hóspedes. Encontrei Mina saindo do último quarto do corredor e
quase dei risada da maestria de Talía em me irritar. Ela tinha
escolhido o último quarto.
Assim que entrei no quarto fui banhado pelo seu perfume.
Lembrava uma fruta doce no verão. O perfume de fez esquecer a
raiva por alguns segundos, assim como a visão dela. Talía estava
esplendorosa em um vestido longo, vermelho, o cabelo solto a
deixando tão jovem quanto sua idade real, sem perder a
sofisticação. A boca estava no mesmo tom do vestido.
Estava deslumbrante e me olhava como se já soubesse disso.
O vestido era sem mangas, e pelo caimento lateral, deixava as
costas nuas. Senti um comichão no ventre ao me lembrar que
passaria a noite vendo os homens admirando Talía, mesmo
discretamente. Eu não sabia que isso seria algo que me
incomodaria tanto.
Quando subi meus olhos para os de Talía, eles estavam em
mim. Não ansiosos ou irritados, ou mesmo excitados. Estavam
opacos. Meu coração disparou um pouco.
Eu olhei algumas das roupas espalhadas pela cama e em
seguida, olhei para minha esposa. Não esperei que dissesse nada,
apenas comecei a pegar suas coisas de cima da cama e caminhar
até o nosso quarto. Nosso quarto.
— Mas o qu… Aleksander! — Escutei os saltos de Talía atrás
de mim — O que você pensa que está fazendo?!
Ela esbravejou atrás de mim enquanto eu a ignorava.
— Mina! Mina! — Gritei até ouvir Mina subir as escadas, olhos
arregalados limpando as mãos em um avental que ela nunca tirava
da cintura.
Entrei no quarto com Mina insegura atrás de mim e os gritos de
Talía me chamando de irracional.
— Você vai guardar as roupas de Talía novamente no lugar.
Peço desculpas em nome dela pelo mal entendido, mas minha
esposa, por algum motivo, errou de quarto!
— De jeito nenhum! Mina, não mexa nessas roupas, elas vão
ficar no MEU quarto, que de hoje em diante não é mais esse!
— Você vai guardá-las aqui, Mina. Tudo que é de Talía fica
nesse quarto, no NOSSO quarto. — Eu olhei para Talía em desafio.
— Você está louco! Eu não vou ficar nesse quarto com você!
Eu não vou mais dividir essa cama com você, Aleksander, e você
não pode me obrigar!
Eu não sabia que porra estava acontecendo com essa mulher,
que merda passava pela cabeça dela, mas ali, no verde dos seus
olhos eu vi algo que me surpreendeu: Mágoa.
Talía estava magoada, machucada por algo que eu não
conseguia entender. Era porque eu tinha me envolvido com outra
mulher antes de conhecê-la? Eu era um homem de 30 anos, era
óbvio que eu teria mulheres em meu passado. Eu precisava saber o
que estava passando pela cabeça de minha esposa para entendê-
la, porque aquele olhar de mágoa, aquele olhar mexeu com algo
dentro de mim.
— Saia, Mina. — Eu disse sem tirar os olhos de Talía.
— Não saia, Mina. — Ela respondeu no mesmo tom sem
desviar os olhos do meu.
Com aquela teimosia.
— Saia e feche a porta, Mina, por favor.
Mina não esperou que eu falasse duas vezes e saiu. Talía
puxou uma respiração profunda e foi até a janela. Eu fiquei olhando
para sua nuca por segundos intermináveis, escolhendo as palavras
para dizer o que queria.
— O que está acontecendo com você? — Eu acabei
perguntando rispidamente.
Talía se virou e soltou um riso irônico.
— Comigo? Nada! Mas e com você?
Eu fiquei sereno diante do seu questionamento sem sentido.
— Fale claramente. O que está acontecendo?
— Está acontecendo que eu não vou mais dividir essa cama
com você, Aleksander. Vamos viver sob o mesmo teto, vamos sair
em todos os eventos sociais, eu vou ser o que vocês pediram. Serei
a sua esposa perfeita. Socialmente perfeita. Mas será somente isso.
Não deveria me importar, porém me incomodava que ela me
desprezasse de qualquer forma. Finalmente eu entendi que não
suportaria a indiferença dessa pirralha. Com a voz mais mansa e
distante que já falei na vida, perguntei.
— Por quê?
Talía fechou os olhos, por um momento eu até mesmo achei
que ela fosse chorar. Inicialmente, eu acreditei que Talía fosse do
tipo que chorava por uma unha quebrada, mas essas semanas com
ela me fizeram ver que não. Talía tinha uma espécie de fortaleza
dentro dela e isso se confirmou ainda mais quando ela abriu os
olhos com determinação.
— Por que mandou Mirella embora?
Foi a minha vez de fechar os olhos.
— É por isso que você está dando esse show todo? Porquê de
repente você descobriu que eu me envolvi com Mirella?
— Por que a mandou embora, Aleksander, me responda
apenas isso.
Passei as mãos pelos cabelos e bradei.
— Isso é passado, Talía! Esqueça essa história, esqueça
Mirella, esqueça tudo!
Ela apenas me olhou por um momento, então disse em um
quase sussurro.
— Será que você é capaz de esquecer?
Eu estava confuso com seus questionamentos. Puxei os
cabelos em minha cabeça até sentir a raiz latejar.
— O que… eu não faço ideia do que você está querendo dizer
com tudo isso!
Ela se afastou mais.
— Não importa. Não importa mais. Eu achei…
— Talía passou a torcer as mãos nervosamente. Sua voz era
quase instável.
— Achei que poderíamos construir um relacionamento com o
tempo. Que poderíamos ser como Milena e Giovanni, que você
poderia me ver como mais que um simples sacrifício no meio do
caminho. Eu me enganei.
Eu dei dois passos para trás como se tivesse sido empurrado.
Ela queria um relacionamento baseado em amor?
Meu coração começou a disparar no peito, porque eu não tinha
ideia de como amar alguém. Eu não sabia se tinha o que era
necessário para sentir esse tipo de adoração, a adoração que
Giovanni tinha por Milena.
Olhei para Talía e tive certeza de que ela segurava um choro
forte. Ela leu os pensamentos que eu sempre escondi em meu
rosto. Minhas mãos passaram a suar e senti um tremor. O que era
isso? Pânico?
Ela queria amor.
Eu não sabia amar.
Eu era quebrado, estava além de qualquer redenção, de
qualquer conserto.
Debilmente, eu apenas soltei as palavras.
— Eu não tenho em mim o necessário para te amar, Talía.
Ela fechou os olhos e as palavras doeram em mim também.
Foi como o peso do chumbo em minha garganta. Duas lágrimas
rolaram dos olhos dela e minha garganta queimou, pois por algum
motivo estranho, a dor dela doía em mim. Eu queria abraçá-la, mas
estava congelado no lugar.
— Eu sei.
Ela finalmente respondeu.
— E eu juro que estou tentando aceitar. Mas para isso eu vou
precisar de espaço, porque eu não sei se tenho em mim o
necessário para não te amar, no fim de tudo. Então, por favor,
Aleksander, sem joguinhos. Me deixe ter a minha vida, fazer o meu
caminho e tentar construir uma felicidade aqui.
De alguma forma, suas palavras se enraizaram em minha
mente. Em minha alma. Ela se afastou e saiu do quarto, e dessa
vez, eu não a impedi.
Ela queria construir a própria felicidade em Boston.
Sua dor me tocou quando raríssimas dores me tocavam, nem
mesmo a minha dor física. Não encontrei forças para impor a minha
vontade a ela.
E então, ela se foi.
CAPÍTULO 12
Talía Dardan

Entrei no quarto e tranquei a porta.


Fechei os olhos com força, tentando normalizar a minha
respiração. Eu não deveria ter chorado, não deveria e mesmo
enquanto pensava em o quanto eu tinha sido fraca, eu chorava
procurando conforto no quarto que agora era meu.
Alguns dias. Nem um mês.
Poucos dias bastaram para que eu caísse no conto do “felizes
para sempre”, como uma princesinha boba e mimada, da forma
como eu sabia que me julgavam. Eu achei que Aleksander e eu
estávamos progredindo, achei que as coisas estavam caminhando
em direção ao que eu nem sabia que queria.
Talvez, lá no fundo, eu quisesse mais.
“Eu não tenho em mim o necessário para te amar, Talía.”
Fechei os olhos e chorei um pouco mais com a lembrança de
suas palavras. Para mim, seria tão fácil me apaixonar por
Aleksander. Se eu baixasse a guarda e me permitisse, esse amor
seria como um mar convidativo, lindo e perigoso e eu me afogaria
de bom grado.
Aleksander amava Mirella.
E o pior de tudo, ele sentia pena de mim.
Eu era uma conveniência e, talvez, foi por isso que ele nunca
se aproximou de verdade de mim. Meu marido amava outra mulher
e eu tornei o amor deles impossível.
Deus, como eu pude me colocar em uma situação tão
vulnerável? Eu tinha dito o que sentia, me coloquei na situação de
escutar as suas verdades ditas e não ditas que eu precisava
escutar. Eu precisava escutar dele, para finalizar algo que nem
menos tinha começado.
Passei a chave na porta, com medo de que ele viesse atrás de
mim e me sentei em frente a penteadeira. Olhei o meu reflexo e
fiquei ali por alguns instantes. Que tipo de mulher era eu que caía
forte por um homem em tão pouco tempo?
Não me vitimizaria mais.
Eu choraria hoje, me permitiria chorar somente hoje.
Amanhã eu me levantaria e construiria meu caminho, não seria
a esposa mal amada e infeliz por conta das infidelidades do marido.
Não seria a piada do nosso meio.
Eu seria a rainha.
Eu venceria pela adoração e necessidade. Eu teria poder e
influência sem precisar empunhar uma arma.
Mas hoje, só hoje, eu choraria.

───※ ·❆· ※───


— Bom dia, Mina.
— Bom dia, Talía.
Sentei-me na cadeira com a mesa posta e antes que a
pergunta escapasse da minha boca, eu mordi a língua. Todas as
manhãs eu perguntava do meu marido, mas a partir de hoje já não
seria mais problema meu onde ele estava. Ou com quem.
— O senhor Dardan saiu cedo.
Eu me limitei a acenar enquanto cortava uma fatia do bolo de
coco. Nesse momento Kael entrou. Ele parou perto da porta e nos
deu um cumprimento silencioso, parou ao meu lado e me entregou
um envelope. Curiosa, eu o abri.
Era o comprovante de matrícula na Universidade de Boston.
Uma respiração ficou presa em minha garganta enquanto meu
coração acelerava no peito. Aleksander havia me matriculado na
Universidade de Boston e enquanto era algo que eu queria e insisti
tanto para conseguir, agora vinha com um sabor diferente. Porque
eu sabia em meu íntimo que a motivação de Aleksander era apenas
uma: Pena. Compensação.
Sorri educadamente para Kael e Mina, embora, ali, no rosto
deles, principalmente no de Mina, estava entregue que eles sabiam
exatamente o que eu estava sentindo.
De repente, uma náusea me tomou com a possibilidade de que
todos soubessem, desde o momento em que eu pisei naquela casa,
que Aleksander amava Mirella. Me levantei em um impulso, quase
derrubando a cadeira, que Kael se apressou a segurar.
— Senhora, está tudo bem? — Mina perguntou.
— Sim, Mina. Só uma dor de cabeça chata.
Ambos me olharam preocupados, apesar de Kael ser mais
contido. Eu me afastei rapidamente, me chutando mentalmente pelo
vexame na frente de ambos
— Vai a algum lugar hoje, senhora? — A voz de Kael me fez
parar e olhá-lo.
— Não, Kael, não vou a lugar algum. Obrigada.
Deixando meu café praticamente intocado, fui para o quarto.
Passei o dia todo ali, mesmo me sentindo uma fraca. Precisando de
alguém para conversar, liguei para Milena,
No entanto ela percebeu que algo não estava certo, e mesmo
que eu não dissesse o que era, ela me disse as palavras que
sempre dizia. Mesmo com pouca diferença de idade, era como se
ela fosse muito mais velha que eu em experiência e força.
“Nunca se esqueça de quem você é.”
Eu não me esqueceria.
Acabei adormecendo com aquele emaranhado de
pensamentos e sentimentos.
Acordei um pouco sobressaltada por sonhos confusos,
percebendo que já era muito tarde. Tinha tido um dia e uma noite de
merda. Frustrada e com um peso de mil quilos nas costas, me
levantei e desci para a cozinha.
Eu estava com um pijama de short e regata, de algodão, bem
sem graça, como tinha sido as últimas horas. Queria água e um
pouco de ar puro. Queria que essa sensação ruim passasse de uma
vez. Queria ser forte, forte.
Antes que eu pisasse no primeiro degrau, não precisei levantar
os olhos para saber que quem estava ali, no início da escada, era
Aleksander. Ainda assim, levantei os olhos, sentindo meu coração
pulsar como um louco no peito. Mesmo na penumbra, eu sabia que
os olhos dele estavam em mim. Ficamos assim por algum tempo até
que ele passou a subir as escadas, lentamente, parando quando
faltavam quatro degraus para me alcançar.
Nos olhamos sem uma única palavra ser dita por segundos
que pareceram minutos. O que havia para ser dito depois de tudo?
Agora, mais próximo, Aleksander parecia perdido, incerto, mas
aquela centelha de orgulho e sarcasmo ainda estava ali. Aquele
escudo de aço em que ele se escondia, deixando-se impenetrável
para mim.
— Você está bem? — Ele perguntou, finalmente.
— Sim — Eu respondi, fracamente. Porque estava tudo uma
merda e tudo o que eu queria, apesar de tudo, era cair nos braços
dele e esquecer os últimos dois dias.
Ele se aproximou dois passos, levantou a mão e colocou uma
mecha do meu cabelo bagunçado atrás da orelha. Eu suspirei com o
toque e fechei os olhos por um momento.
— Eu sempre vou cuidar de você, Talía. É uma promessa.
Mas não vai me amar, eu queria dizer. O que eu fiz foi somente
assentir.
Ele se aproximou mais, com a intenção clara de me beijar e eu
teria cedido. Teria caído em seus braços, ido para o nosso quarto e
me entregado sem reservas para ele mais uma vez. Mas o cheiro de
álcool emanando dele me fez colocar a mão em seu peito para pará-
lo.
— Não.
Ele parou a uma respiração de distância e segurou minha mão
com a dele. Por um momento, achei que ele me beijaria, que me
tomaria com a selvageria das nossas noites. Eu mantive os olhos
fechados, sentindo a sua respiração aquecendo meu rosto. Porque
se eu me atrevesse a olhar nos olhos dele… eu cederia. Ele saberia
que eu ainda o queria e teria esse poder sobre mim. Mas o que ele
fez me surpreendeu até a medula. Ele apertou suavemente minha
mão, me deu um beijo na testa e se foi. Aleksander simplesmente
se foi.
Quando acordei no dia seguinte, tomei um banho demorado,
coloquei um dos meus melhores vestidos, me produzi da melhor
forma que consegui e peguei o meu celular. Dois toques e consegui
o que queria.
— Alô?
— Aretha Thompson? É Talía Dardan. — Falei com a minha
voz mais amável e encantadora.
— Olá, querida. Que surpresa.
— Eu estou precisando urgentemente ir a um salão e me
lembrei que em nosso último encontro você elogiou o que você
frequenta. Estava pensando se poderíamos ir juntas hoje, o que
acha?
Dois segundos de distância que valeriam meu futuro na
organização e veio sua resposta desejada.
— Maravilhoso! Vamos sim, combinamos certinho por
mensagem.
— Certo, querida. Muito obrigada pela acolhida. Beeeijo.
Assim que nos despedimos, eu me olhei no espelho
novamente e me fiz uma promessa:
Eu não esqueceria de quem eu era.
Nunca.
CAPÍTULO 13
Aleksander Dardan

— Tivemos mais um ataque essa madrugada, chefe. Duas


baixas.
Nesse exato momento, eu queria esmurrar a cara de Kael por
me trazer más notícias. Mesmo que fosse um desejo irracional, se
tornava cada dia mais atrativo. Racionalidade nunca foi a minha
coisa mesmo.
Kael se tornou o centro de minha raiva porque que estava nas
boas graças de Talía. Minha esposa lhe dirigia sorrisos de “bom-dia”
e comentava sobre coisas de seu cotidiano, como se fossem
grandes amigos.
Mesmo que ele nunca perdesse a compostura, Talía não se
intimidava com o jeito fechado de Kael. Ele estava cedendo um
pouco a cada dia aos encantos dela, até sem perceber. Assim como
todos em nossa volta.
Eu sabia que Kael jamais me trairia e era exatamente por isso
que ele estava incumbido da proteção de minha esposa. Talía nunca
deu indícios de qualquer infidelidade nos dois meses desde que nos
casamos, porém nada disso me impedia de morrer de ciúmes do
relacionamento de ambos.
Estava sendo um verdadeiro desafio me manter longe dela
como pediu.
No dia seguinte a Talía me pedir “espaço”, eu concluí a
transferência para a Universidade de Boston. Eu nunca me opus
realmente aos seus estudos, queria apenas irritá-la um pouco. Fazia
uma semana que ela frequentava as aulas e sempre que via minha
esposa ela estava com o nariz nos livros ou organizando algum
evento importante.
Inesperadamente, Talía estava se tornando o centro de nossa
sociedade. Cada vez mais admirada, ela dominava os eventos com
sua postura impecável, inteligência afiada e sagacidade sem igual.
Quem estava odiando cada momento dessa ascensão era Brianna,
que em contrapartida caía no esquecimento.
A despeito de nosso casamento, era divertido ver a queda de
Brianna. A preferência por tudo o que Talía fazia era descarada, de
forma que até mesmo viúva de meu pai tinha que ceder e participar.
Ela se importava demais com as aparências para se permitir ficar de
fora desses eventos.
Outra situação complicada era minha testosterona acumulada.
Para evitar atacar minha esposa, eu a ignorava a maior parte do
tempo, e ela a mim. Vivíamos na mesma casa, mas em quartos
separados, como fariam estudantes em uma faculdade. Eu a tocava
somente em eventos sociais.
Dois meses de merda. Dois meses de tensão sexual
acumulada. Dois meses sem conseguir dizer a ela o quanto estava
admirando a pessoa que ela se mostrava e que era totalmente
diferente do que eu imaginei nos últimos três anos.
Ela queria espaço, queria construir a própria felicidade e
parecia estar conseguindo. Por um tempo eu achei que seria melhor
se Talía não desenvolvesse sentimentos por mim, sentimentos que
eu não me achava capaz de retribuir.
Mas o que era esse sentimento de quase ciúme por vê-la sorrir
e se divertir com outras pessoas quando tudo o que eu tinha era
uma saudação informal? Posse?
O que era essa decepção, após dormir com Talía apenas por
uma semana? Eu sentia falta do seu perfume, das suas coisas em
meu closet, de todos os gemidos dela na cama. Talvez eu não
amasse Talía, mas eu sentia saudades de tudo sobre ela. Talvez eu
nunca a amasse da forma como via o amor nos outros, mas
egoisticamente eu gostaria de ser amado por ela.
— Talía? — Perguntei ao entrar em casa.
— A senhora acabou de chegar. Está no quarto, pois tem um
coquetel para planejar.
Suspirei e olhei para fora, para o jardim de minha mãe, pensei
em como ela me aconselharia a lidar com minha esposa.
Eu saía praticamente todas as noites para ajudar Kael e
nossos executores na captura dos ucranianos que ameaçavam
nosso território. Graças à amizade de Talía com a esposa do
senador Thompson, o homem já não estava me atormentando pelos
corpos mutilados por toda a cidade. Eu não sabia que merda Talía
tinha, mas todos acabavam se curvando à sua personalidade gentil.
Ao seu próprio modo, minha esposa era extremamente
perigosa e eu adorava esse fato. O senador estava quase legal
demais comigo, quando eu sabia que nenhuma pessoa dentro ou
fora de Boston me descreveria como simpático.
Desde o meu casamento, todos têm tolerado minha rabugice
simplesmente por quererem minha esposa por perto e eu não sabia
se ficava agradecido ou enciumado com o fato. Mulheres e homens
de nosso mundo estavam encantados com minha esposa e por tudo
o que ela dizia. Eu tinha que reconhecer, Talía estava sendo
excepcional em seu papel, e era somente por isso que eu não me
impunha a ela, levando-a a força para nosso quarto. Eu era o
marido dela, ninguém iria me impedir.
Mas na calada da noite, antes de eu entrar em meu quarto,
quando me sentia tentado a entrar no quarto dela, eu me lembrava
das duas lágrimas que desceram de seus olhos…
E eu não conseguia, a lembrança me paralisava.
E eu era obrigado a passar minhas noites entre as mortes de
alguns filhos da puta ou me masturbar pensando em Talía.
Algumas vezes, enquanto estava na sala, entre livros, ela me
via chegar. O olhar que ela me dirigia era acusador, eu era capaz de
apostar o que se passava pela mente dela. Ela achava que eu
estava com outras mulheres, e apesar do olhar gelado que me
lançava, não me dizia uma palavra.
Orgulhosa.
E eu, também por orgulho, não explicava.
Essa merda já estava me cansando.
Furioso pelos ataques, frustrado com minha vida conjugal,
cheio de tesão reprimido, me levantei e fui em direção ao meu
quarto. Eu precisava reunir os meus homens e traçar um novo plano
de ação para retaliar os ucranianos. Íamos encher as ruas de
sangue; que soubessem o que acontecia quando provocavam um
Dardan.
Tirei minha camisa e ia começar a tirar a calça quando escutei
a porta se abrir após duas batidas rápidas.
Era Talía.
Nariz empinado, cabelo em um coque no alto da cabeça,
vestido solto de verão até o meio da coxa, Talía, minha esposa, me
encarava. Decididamente, ela tinha algo para me dizer, pois eram
apenas nessas raras situações que ela se atreveu a entrar no
quarto. Seu olhar desceu bem devagar pelo meu abdômen, e então
subiu.
Enrubescida.
Tive vontade de rir, pois era algo que eu descreveria como fofo,
se fosse esse tipo de cara.
— Viu algo que gosta, alain?
Talía arregalou os olhos.
— Eu não... Eu… — Ela respirou e se virou em direção à
janela. — Amanhã é sábado, teremos um jogo de polo com o
senador, o prefeito e alguns de nossos homens.
A forma como ela se apropriava do nosso meio era
surpreendente. A confiança de quem nunca teve algo negado.
Não por nunca terem dito “não” a ela, mas por ser teimosa e
resiliente a ponto de lutar, à própria maneira, e conseguir o que
quer. Como diabos ela não conseguiu se livrar do casamento
comigo eu não sabia explicar. Ela conseguiria se realmente
quisesse. Esse come la tempo me fez reconhecer que, com seu jeito
manso e aparentemente inofensivo, Talía conseguiria qualquer coisa
que quisesse.
— A que horas? — Eu perguntei e ela virou um pouco, apenas
para me olhar.
— Às sete. Esteja pronto.
Eu dei um meio sorriso sarcástico pelo seu tom mandão e ela
semicerrou os olhos.
— Sim, senhora. — Falei de forma debochada, arqueando uma
sobrancelha.
Ela abriu a boca para responder e em seguida a fechou.
Levantou o dedo em riste, mas novamente se calou e então se virou
e saiu do quarto. Quando a porta se fechou eu me sentei na cama
entre o riso e a frustração. Ela me enlouquecia e me divertia ao
mesmo tempo.
E eu gostava disso.

───※ ·❆· ※───


O lado social do negócio nunca foi minha habilidade, mas
desde que Talía passou a me acompanhar nesses eventos eles já
não estavam tão chatos assim. Eu não queria pensar nem por um
segundo que estava começando a gostar desses eventos por ter
Talía ao meu lado, em meu braço, sorrindo para mim e me olhando
com adoração.
— Talía, querida.
A esposa de Thompson se aproximou com um grupo de
mulheres e abraçou Talía.
— Dardan, você a tem só para si o tempo todo, preciso levar
sua esposa comigo para uma emergência feminina.
Do jeito que ela sorria para minha esposa parecia mais uma
frescura feminina do que uma emergência. Segurei a língua para
não perguntar se ela havia perdido a tarraxa do brinco ou se havia
quebrado uma unha.
Talía não aprovaria meu questionamento, não que eu me
importasse. Eu não me importava, nem um pouco. Mas ainda assim,
apenas sorri. Eu acredito que não fui muito convincente, pois senti
pressão em meu braço onde Talía segurava.
Talía se afastou com o grupo de mulheres e eu fui para onde
os homens se arrumavam para a partida de polo. Eu queria mesmo
era estar com meus homens, fazendo algo que realmente
importava, como matar alguns filhos da puta, mas este momento
também tinha certo valor.
Durante toda a partida eu disfarcei o meu tédio e tentei me
concentrar no jogo, mas não era realmente a minha praia. À medida
que o dia transcorria, um pouco do espírito competitivo me tomou e
consegui me divertir e até mesmo marcar um gol.
A sensação me arrancou um sorriso grande e despreocupado,
como eu nem me lembrava que era possível sorrir.
Foi quando olhei em volta e encontrei os olhos de Talía em
mim.
Enigmáticos, mas se eu pudesse chutar, ali havia orgulho e
algo mais.
Eu mantive o sorriso, mais contido, enquanto meu grupo
comemorava e vi o vislumbre de um sorriso nos lábios da minha
esposa. Foi quando ela se virou no momento que uma das mulheres
lhe dizia algo e abriu um sorriso social, gritou um “muito bem,
querido!”. Algo esperado.
Entretanto, o primeiro vislumbre de um sorriso verdadeiro
depois de tanto tempo era o que eu iria me lembrar. Era o que eu
nem sabia que queria.
No caminho para casa, o silêncio que nos acompanhava toda
vez que voltávamos de algum lugar, nos cobriu. Eu queria dizer
algo, dizer que toda aquela situação estava me incomodando.
Queria exigir que ela voltasse a ser a Talía da primeira semana.
Gritar com ela e sacudi-la, entendê-la. Contudo, não havia em mim
uma grama de força para fazer qualquer coisa que ela não quisesse.
— Você desempenhou muito bem o seu papel, alaiín. Quase
acreditei que não torceu para que eu caísse do cavalo.
Talía me olhou de esguelha, mas não disse uma única palavra.
Seu silêncio e indiferença era algo que estava me deixando louco.
Olhei para fora pedindo por alguma luz para lidar com ela. Queria
ela em minha cama novamente, se retorcendo de prazer em meus
lençóis.
Assim que chegamos ela sussurrou um boa noite para mim e
Kael e correu para o quarto dela. Eu suspirei de frustração enquanto
Kael me observava. A forma como ele me olhou, com um ar de riso,
me fez querer quebrar a cara dele.
— O que foi? — Perguntei irritado.
— Nada, senhor — Ele recuperou a postura. Abriu a boca e
fechou. Abriu novamente.
— Fala logo, merda.
— Acho que deveria falar com ela.
Eu queria mandar todo mundo a merda. Me irritou que meus
problemas conjugais fossem tão óbvios.
— Acho que você deveria cuidar de sua merda de vida, Kael.
Kael olhou para frente ainda com ar de riso.
— Me desculpe, senhor.
Eu fui em direção ao quarto, mas antes que subisse, Kael me
parou.
— Temos dois ucranianos no galpão.
Não me virei.
— Cuide você disso hoje.
Todas as vezes que eu saia para massacrar algum ucraniano e
cuidar da minha raiva, eu voltava pior e pior. Hoje eu precisava ficar
só e lidar com essa raiva de outra forma.
Assim que entrei no corredor em direção ao quarto, meu peito
deu um pulo com a visão de Talía, apenas de camisola de cetim
branca. Ela saia de seu quarto e também parou ao me ver. Assim
que viu minha mão na porta, seu rosto endureceu. Eu sabia o que
ela estava pensando, que eu estava saindo. Reunindo um pouco de
coragem, comecei a falar.
— Talía… eu estava…
— Não é meu problema. Nem onde você vai e nem com quem.
Suas palavras me endureceram e qualquer vontade que eu
tivesse de explicar e esclarecer o que ela estivesse pensando sobre
mim, se foi. Ela que pensasse o que quisesse.
Eu vi a mágoa em seus olhos, então apenas me virei e desci
aas escadas. Eu iria para onde estava Kael.
Italiana orgulhosa.
CAPÍTULO 14
Talía Dardan

Observei enquanto Elana experimentava de maneira animada


as novas peças da coleção Castelle, enviadas para mim antes do
lançamento oficial e a última antes que os gêmeos viessem ao
mundo. Recentemente descobrimos que os bebes eram um menino
e uma menina, para a euforia de todos. Luigi e Valentina Maceratta
chegariam em poucos meses, para a emoção de toda a família.
Elana estava desabrochando para a vida. A cada dia mais
confiante, se impunha frente aos desmandos sem sentido de
Brianna e eu estava orgulhosa de seu processo. Quanto a mim, eu
também estava encontrando meu próprio caminho em Boston.
Confesso que tive bons exemplos; tia Antonella sempre foi
uma ótima anfitriã e minha educação em colégio feminino havia me
preparado para as diversas situações sociais que me apareciam.
Nitidamente, eu estava sendo cada vez mais querida no meio de
Aleksander.
Aleksander.
Muita coisa havia mudado entre nós, se eu me permitisse ficar
em sua presença mais do que o necessário, a saudade me
abraçava.
Seguida pela raiva.
Por mais que mal nos falávamos e dormíssemos em quartos
separados, eu sabia que quase todas as noites ele chegava tarde,
quando voltava para casa. Nunca o questionei, mesmo que lá no
fundo eu soubesse que ele só poderia estar procurando outras
mulheres.
Eu achei que com o tempo isso deixaria de me incomodar, que
o pensamento dele com outras deixaria de doer. Eu ainda não tinha
chegado nesse estágio de insensibilidade e toda essa situação me
destruía um pouco mais a cada dia, principalmente quando eu o
encontrava pelos corredores da casa e ele me olhava como se me
quisesse, como se sentisse saudade.
Não havia diálogo entre nós, não havia entendimento, não
havia de fato um relacionamento. Todavia, não seria eu a primeira a
ceder. Não de novo. Eu tentei e falhei, consegui ter meu coração
exposto e golpeado. O próximo passo, se houvesse, teria que ser
dele.
Talvez, fosse mais fácil se ele fosse realmente um homem
detestável comigo. Seria tão mais fácil odiá-lo, esquecê-lo. Seria tão
mais simples. Acho que eu deveria ser grata por ele não me forçar a
ficar com ele, triste situação e situação vivida muitas mulheres não
só na máfia, como fora dela.
— Terra chamando Talía.
Olhei para minha cunhada.
— Você está com a cabeça no mundo da lua, mulher.
Responda, o que achou desse? — Ela me perguntou enquanto
rodopiava pelo meu quarto em um vestido azul escuro, que lhe caiu
como uma luva.
— Esplêndida.
— Você elogiou os últimos cinco. — Ela disse desanimada.
— É porque estão maravilhosos mesmo.
Elana, que estava ficando cada dia mais definida e iluminada
devido aos treinos contínuos que passamos a fazer todas as
manhãs, se sentou de um jeito solidário e olhou o meu quarto.
— Longe de mim ser invasiva, mas eu estou muito preocupada
com você e Aleksander.
— Preocupada com o que? — Falei com um sorriso
despreocupado para mascarar meus verdadeiros sentimentos.
— Vocês não dividem o quarto. Vocês se saem bem nos
eventos sociais, mas agora que estou te conhecendo melhor, posso
dizer que é tudo uma fachada. E pior, minha mãe já percebeu
também.
Meu sorriso caiu. Elana era uma menina boa e confiável, então
eu deixei que minhas verdadeiras emoções se sobressaíssem. Eu
estava exausta e me sentindo muito sozinha e eu precisava falar
com alguém sobre a confusão que minha vida tinha se tornado.
— Tão ruim assim?
Elana perguntou e eu apenas baixei os olhos para minhas
mãos em meu colo, minha postura caindo um pouco.
— Olha, Aleksander pode ser… complicado. Difícil,
temperamental, confuso, eu não vou defender o quanto meu irmão é
terrível. Mas ele olha para você diferente quando você não está
olhando. Talvez nem ele saiba, mas você tem importância na vida
dele.
Revirei os olhos para Elana, por afirmar o óbvio.
— Eu sei de minha importância desde antes de nosso
casamento, Elana. Não é pelo que eu sou e sim pelo que
represento.
— Talvez no início, sim. Não vou negar que você é um trunfo
para nós, visto que não temos o maior território e sem a Aliança,
seríamos um alvo fácil. No entanto, você hoje tem o seu valor pela
pessoa que é. Você é a maior influência feminina dentro da máfia e
tem pouco mais de dois meses que chegou. Aleksander vê isso e a
valoriza.
Foi impossível não sorrir com sarcasmo diante das palavras de
Elana.
— Que bom que estou cumprindo meu papel com maestria. É
o máximo que vou conseguir aqui.
Olhei para Elana, ponderando se era prudente falar o que eu
sentia para alguém tão jovem, mas enquanto eu pensava, as
palavras apenas saíram da minha boca.
— Seu irmão ama Mirella. E como não pode tê-la, ele se
satisfaz na cama de outras mulheres.
Elana se levantou em um impulso. Por mais que ela fosse mais
jovem que Mirella e Aleksander, ela deveria saber do que havia
entre eles. Sua ação apenas confirmou o que eu sabia.
— Ele nunca amou Mirella.
— Eu posso garantir que ama. — Falei com firmeza.
— Como? — Elana sorriu sem humor — Ela te disse isso? E
você acreditou?
Desviei os olhos rapidamente.
— Eu perguntei a ele.
— Ele confirmou? — Ela voltou a perguntar.
— Estava implícito.
— Ele não confirmou, então. Sim, meu irmão teve um
envolvimento com Mirella quando eram jovens, mas desde que
vocês ficaram noivos ele nunca mais dormiu com ela. Me lembro
muito bem de como Mirella sempre reclamava com Brianna que
Aleksander não queria mais saber dela desde de que você
apareceu.
Uma dúvida começou a crescer dentro de mim. Mirella havia
inventado todo aquele épico amor? Seria possível? Me levantei um
pouco incerta.
— Está vendo? Agora até você está pensando direito.
Aleksander liberou Mirella das regras da Máfia, deixou-a livre para
tomar as próprias decisões. Ela não foi embora simplesmente
porque não quis.
Elana então praguejou como eu nunca tinha visto.
— Mirella não desiste! Eu deveria ter imaginado que ela faria
algo!
— Ela não estava prometida para algum velho na Irlanda?
Elana me olhou por uns bons cinco segundos antes de cair na
gargalhada. Eu fiquei sem graça com sua atitude. Pelo jeito eu tinha
sido feita de besta pela ex amante de Aleksander.
— Tenho que dizer, ela sabe ser criativa. — Elana disse após
terminar de rir.
Eu estava irritada e frustrada com as revelações, embora lá no
fundo, estivesse um pouco aliviada. Me sentei novamente, meio
emburrada.
— Isso não muda o fato de que ele tem outras mulheres.
Elana parou de rir e, de uma forma solidária, se sentou ao meu
lado na cama.
— Você tem certeza disso?
Eu olhei ceticamente para Elana.
— Ele chega tarde quase todas as noites. Às vezes, nem
dorme em casa. A cama fica arrumada como no dia anterior. Até
você deve entender o que significa.
Elana, apesar da minha farpa, tinha um sorriso contido no
rosto. Eu estava perdendo a compostura e a paciência com seu jeito
maternalista, parecia que ela tínhamos trocado e de repente, ela
tinha vinte e três anos e eu dezessete.
— Não vou comentar que você cuida dos horários dele como
uma pessoa interessada
Eu semicerrei os olhos.
— Mas, meu conselho é que você investigue. Aleksander é
muitas coisas, mas desde o compromisso de vocês, meu irmão não
se envolveu com mais ninguém. Meu pai não era um homem fácil,
assim como Aleksander não é, mas ele sempre dizia que não se
deve confiar em um homem incapaz de respeitar a mulher de quem
deita ao lado todas as noites. Eu tenho quase certeza de que
Aleksander não te trai, Talía.
Eu me levantei novamente, confusa com as palavras de Elana.
Ela poderia estar certa? Eu poderia estar entendendo tudo errado?
— Acho que vocês devem conversar. Aleksander é orgulhoso e
pelo jeito, você também é.
Elana se levantou e voltou a experimentar os vestidos. Apesar
de continuar dando uma ou outra sugestão sobre suas escolhas, eu
não consegui tirar da cabeça as palavras de uma garota de
dezessete anos.

───※ ·❆· ※───


Era uma loucura.
Eu sabia que Kael preferiria estar protegendo Aleksander,
então, quando ele me deixava em casa depois da aula sempre me
perguntava se eu tinha algum compromisso. Se eu não tivesse, ele
ia para outro lugar. O lugar que eu sempre imaginei ser a casa de
outras mulheres, onde ele e o chefe iriam se divertir. Apesar de toda
a abertura que Kael me deu com o passar das semanas, eu ainda
não tinha coragem de perguntar diretamente onde ele e Aleksander
iriam.
Não que eu tivesse alguma esperança de resposta.
Elana foi embora logo após o jantar, mas logo me mandou uma
mensagem. Era um endereço, uma localização. Ela também me
pediu para ir sozinha à noite. A situação toda era muito cômica,
nada parecido com algo que Elana faria. Algo dentro de mim dizia
que eu precisava ir àquele endereço e eu apenas ouvi meus
instintos. Como esperado, Aleksander não estava em casa. E
provavelmente não estaria tão cedo.
Cresci escutando que segurança era a base de tudo, e pela
primeira vez, eu faria algo imprudente. No silêncio sepulcral da
casa, combinei calça, camiseta e tênis, prendi meu cabelo no alto da
cabeça e saí pela porta dos fundos. Eu tinha carteira de motorista
embora quase nunca dirigisse.
Para minha sorte, os carros ficavam com a chave na ignição,
então eu apenas liguei e fui em direção ao portão. Era por volta das
nove da noite, e eu esperava que os homens não fizessem muitas
perguntas, mas logo que parei em frente ao portão, um dos deles se
aproximou.
— Senhora.
— Vou a uma farmácia, logo ali na esquina. — Falei com meu
sorriso mais brilhante.
— E Kael?
— Ah, por favor, não quero ninguém no meu encalço para
comprar algo íntimo.
O homem ficou sem graça e olhou para o outro. Logo ele olhou
para mim.
— Eu vou te seguindo com o outro carro.
Sorri largamente.
— Tudo bem. — Eu não estava muito preocupada. O que eles
poderiam fazer? Atirar em meu carro? Não, eles não poderiam fazer
nada que não fosse me seguir.
Assim que ele entrou no outro carro, eu fiz o meu caminho.
Percebi que o homem notou algo errado assim que passei direto
pela farmácia. Ele começou a me dar sinais e mais sinais de luzes
para que eu parasse, mas eu só continuei, guiada pelo GPS, nem
muito rápido nem muito devagar. Depois de um tempo, ele passou a
me seguir. Muito provavelmente já tinha uma ideia de para onde eu
iria e já tinha avisado Aleksander ou Kael. Não que eu me
importasse.
Não parecia muito longe, precisava apenas manter a cabeça
no lugar. Quando faltavam exatamente dois minutos para chegar ao
destino eu acelerei por uma rua deserta e cheguei a um galpão
abandonado com o coração aos saltos. Estava tão escuro.
Saí do carro sem desligar e sem fechar a porta do motorista,
pois o guarda já estava chegando também. Corri para a porta que
parecia encostada e entrei no galpão, disparando por mais alguns
metros e parei somente para entender a cena que se apresentava
diante de mim.
Minha primeira reação foi colocar a mão sobre a boca. Com o
coração acelerado, escutei o guarda entrar e notei armas apontadas
para nós, mas eu não senti medo. Meus olhos estavam fixos no
centro do galpão.
Um homem estava amarrado a uma cadeira. Seus dentes
estavam em uma bandeja na lateral. Havia escoriações por todo o
seu rosto e corpo e sua boca estava destruída. O rosto dele estava
desfigurado, e ali, em frente a ele, estava Aleksander, sem camisa e
uma espécie de faca, fazendo tiras pelo corpo do homem, tão
ensanguentado quanto a sua vítima.
Ele parecia um animal, sujo de sangue, com um olhar predador
e assassino em minha direção. Tudo tão fodido que quando seus
olhos encontraram com os meus, eu dei um passo para trás,
colidindo com um corpo. O homem atrás de mim segurou meu braço
com força, certamente irritado pela minha escapada e pelos
problemas que poderiam render a ele toda a situação.
— Tire. Sua. Mão. Dela.
Aleksander soou com voz de aço para o homem, e eu dei outro
passo para trás também, mesmo sabendo que a voz não era
direcionada a mim.
— Abaixem as armas.
Todas as armas se abaixaram e os olhos de Aleksander
continuaram segurando os meus. Ele sabia que eu estava indo para
lá e mesmo assim continuou com o que estava fazendo.
Era isso.
Era isso que ele fazia quase todas as noites. Ele vinha aqui
matar e matar e matar. De repente, muitas coisas começaram a
fazer sentido em minha mente. Eu cresci na máfia, mas sabia que
um chefe raramente sujava as mãos, pelo menos não literalmente.
Mas Aleksander gostava disso. Ele fazia questão de sujar as
mãos porque gostava.
“Eu não tenho em mim o necessário para te amar”.
Não era por ele amar outra mulher, era por ser uma pessoa
ferrada psicológica e emocionalmente. Eu só precisava olhar para
ele daquele jeito para saber que meu pensamento estava no
caminho certo.
— Senhor, ela…
Aleksander veio andando em nossa direção e eu não sabia
quem se encolhia mais, eu ou o seu homem.
— Cale a boca, imbecil. — Então ele me segurou pelo braço e
saiu do armazém me arrastando, sem uma palavra.
Olhei para o carro ainda ligado e com a porta aberta, mas nem
me atrevi a pedir para voltar dirigindo. Ele abriu a porta do
passageiro de seu SUV e praticamente me jogou no banco. Eu
queria protestar, mas ainda estava anestesiada por toda a situação
e a revelação que vinha junto.
Parecia que eu estava vendo a situação com toda a clareza
agora. Sim, haviam problemas, mas nada da ordem que eu
imaginava. Não eram outras mulheres, não era um amor impossível
que afastava Aleksander. Era ele mesmo e sua natureza destrutiva.
Olhei para ele, sentado no banco ao meu lado e apertando o
volante com as mãos ensanguentadas. Minhas mãos seguravam as
laterais do meu banco como se minha vida dependesse disso.
Quando olhei para seu rosto, ele tinha os olhos fechados e puxava
várias respirações profundas.
Fechei os olhos com força.
Eu estava muito ferrada.
CAPÍTULO 15
Talía Dardan

Todo o caminho para casa foi feito em silêncio. Aleksander não


disse uma única palavra e eu tinha algum senso de
autopreservação. Assim que descemos, ele marchou em minha
frente, subindo os degraus de dois em dois, ao ponto que ouvi a
porta do quarto dele bater com força, enquanto eu ainda estava no
primeiro degrau. Indecisa sobre o que fazer, me dirigi para o meu
quarto e não para o dele.
Mesmo com tudo o que eu descobri, não conseguia sentir
medo ou nojo do meu marido. Fechei os olhos e vi a cena
novamente, vi como Aleksander era frio diante da morte. Eu deveria
ser tão louca quanto ele, pois apesar do horror que presenciei eu só
conseguia sentir alívio.
Não eram outras mulheres.
Parada no meio do quarto, eu tentei suavizar a situação.
Aleksander seria meu marido até o fim de nossos dias. Essa casa,
essa vida, seria a minha vida até o fim. Eu poderia lidar com a
morte, com a escuridão.
Eu fui criada para isso.
— Você! — Eu dei um pulo e me virei para a porta. Como
diabos ele havia entrado em meu quarto com a porta trancada?
Dei três passos para trás até cair sentada na cama. Olhei para
a fechadura e me dei conta de que ele tinha uma chave. Eu teria
rido se não fosse o medo se instaurando. Ele tinha tomado um
banho. Cabelo molhado, gotas de água pelo peito e abdômen, e
apenas uma calça de pijama.
— O que você pretendia com esse show todo?
Ele tinha os olhos mais irritados que já vi, mas a minha libido
estava vencendo o meu medo. Eu queria tocá-lo. Estava com
saudades. Era quase como se finalmente eu estivesse me dando
permissão para desejá-lo. Eu o queria, agora, do jeito que ele
estava. Passei a andar em direção ao perigo.
Vi quando seus olhos mudaram com a minha aproximação. Eu
cheguei em frente ao seu peito e toquei suavemente com minhas
mãos. Estava quente e eu senti vontade de descansar o rosto ali.
Ele tremeu sob meu toque.
— Talía, o que… — Eu o beijei no peito e ouvi o seu suspiro
praguejado. Me sentindo mais encorajada, passei a soltar beijos por
todo o seu peito. Ele segurou minhas mãos nas suas, mas eu já
estava sentindo a sua rendição. — Talía…
— Cale a boca e me beije… — Eu resmunguei entre um beijo
e outro. Senti quando um braço enlaçou a minha cintura e a outra
mão me segurou pelo cabelo. Ele levantou meus olhos para os dele.
— O que aconteceu com o espaço que você pediu? — Ele
perguntou firme, mas eu já sentia a sua ereção me pressionando.
— Não quero mais espaço.
— E só por isso você acha que eu devo te beijar?
— Nunca houve outras mulheres. Você não ama Mirella.
Ele semicerrou os olhos e assim ficou por alguns segundos.
Não era uma pergunta, era uma constatação que nem ele poderia
negar. Se eu fosse sincera, era quase como se finalmente ele
estivesse entendendo o que eu pensava. Parecia que ele enxergava
minha alma e naquele momento, eu enxerguei a dele.
Eu já não me importava que ele visse a falta que senti dele
todas essas semanas. Eu o faria cair de joelhos por mim, nem que
para isso eu precisasse ser vulnerável agora.
— O que você quer? — Ele perguntou de forma enigmática.
— Que você faça o que eu sei que está louco para fazer. Que
me beije logo.
Com uma respiração enraivecida, Aleksander colou a boca na
minha, do jeito que eu ansiava. Ele me beijou com toda a força da
saudade que eu senti nessas semanas longe dele, tentando odiá-lo,
tentando me afastar de qualquer olhar dele. Eu deixei que ele me
beijasse e me tomasse como eu queria por todo o tempo que se
passou.
Eu tentei me afastar para agradá-lo, mas ele não permitiu. Em
um movimento brusco, ele se afastou de mim o suficiente, apenas
para me empurrar na cama e tirar minha calcinha e a calça junto.
Meu tênis foi retirado do caminho também e eu adiantei o processo
tirando minha camiseta. Em segundos eu estava nua em frente a
ele. A respiração de Aleksander estava pesada enquanto ele me
olhava.
Devagar, sem a pressa de alguns segundos antes, Aleksander
se aproximou e segurou os dois lados do meu rosto e calmamente
me beijou. Quando ele afastou, me olhou no fundo dos olhos,
fazendo pressão com os dedos e disse quase com raiva:
— Eu a proíbo de voltar a me afastar de mim, Talía. Eu proíbo.
Você me entendeu?
Era a ordem de um chefe. E eu nunca quis tanto obedecer a
uma ordem dele quanto daquela vez.
Novamente, seu comportamento possessivo mudou para
apaixonado e ele voltou a me beijar com ardor. Em algum momento
ele retirou a calça e ambos estávamos nus em minha cama.
Aleksander jogou uma pilha de livros para o chão, enquanto nossos
corpos se juntavam. Os olhos de Aleksander estavam nos meus
quando ele me penetrou.
Eu estava pronta e nunca desviei meus olhos dele.
Uma ponta de dor e saudade me tomou enquanto ele entrava
em mim. Quando entrou completamente, ele não se mexeu, ficou
ali, me olhando como se eu fosse a coisa mais preciosa do mundo
dele. Como se eu fosse importante.
— Não me olha assim… — Eu não consegui não dizer.
Ele me olhou um pouco confuso, e, com a boca encostada à
minha, ele perguntou.
— Assim como? — Perguntou roucamente.
— Como se você gostasse de mim.
Seu rosto endureceu com as minhas palavras. Com chamas
nos olhos, ele me fez olhar para ele quando tentei desviar o olhar.
Não tinha como correr do fogo de seus olhos verdes.
— Olhe para mim. Eu morreria por você, mil vezes. Dê o nome
que quiser a isso.
Meu coração saltou como um louco no peito, mas não houve
tempo de pensar demais. Aleksander começou a se mover dentro
de mim, lentamente, enquanto me desnudava com o olhar.
Eu tinha caído pelo meu marido, tão profundamente, que não
tinha percebido até aquele momento. Talvez fosse cedo para ser
amor, amor de verdade, mas eu o queria. Talvez eu tivesse uma
concepção romântica de amor, mas era algo. E a forma como
Aleksander se movia e me olhava, como se nunca fosse me deixar
ir, me fez sentir que ele retribuía o sentimento, ainda que não
tivesse a habilidade necessária para entender.
Aleksander me amaria.
Essa era a única vida que eu teria e eu o faria reconhecer o
que ele sentia. Não havia outras mulheres, Mirella mentiu e inventou
histórias sobre o meu marido. Ele também teve culpa por não
conversar comigo, mas eu o faria desenvolver essa habilidade
também.
Ali, naquela cama, eu entreguei uma parte do meu coração a
ele. E eu sabia, no fundo da minha alma, que aquele homem
quebrado e danificado era meu.
Somente meu.

───※ ·❆· ※───


Acordei com a maior surpresa que já tive desde que cheguei a
Boston. Aleksander estava ao meu lado, acariciando minhas costas
enquanto meu rosto repousava em seu peito. Eu não queria nem
pensar muito no quanto eu queria isso, mesmo sem ter
experimentado algo assim antes.
— Que surpresa agradável. — Eu suspirei e ele parou a mão
em minhas costas, como se acabasse de se dar conta do que
estava fazendo — Continue, estava maravilhoso.
Falei para que não ficasse qualquer estranheza. Eu teria que
mudar minhas táticas, se quisesse que isso funcionasse. Aleksander
não estava acostumado com carinhos e gentilezas, e eu teria que
fazer essa ponte.
Encorajada por finalmente entender uma parte crucial da
mente de meu marido, eu me sentei em seu colo, montando-o. Ele
me olhou um pouco surpreso, mas logo suas mãos foram para
minha bunda. Então, eu deitei em seu peito e apenas fiquei ali.
Aleksander ficou confuso e eu quase gargalhei. Comecei a
brincar com os pelos em seu peito perfeitamente esculpido.
— O que está fazendo? — Ele perguntou.
Eu me virei apenas para encontrar o cenho franzido em minha
direção.
— Carinho.
Eu respondi e dei um beijo rápido em sua boca. Alguns
segundos depois, Aleksander começou a acariciar meu cabelo.
Ficamos curtindo aquela intimidade por um tempo que eu não soube
determinar, porque em algum momento, eu adormeci.

───※ ·❆· ※───


— Esse cara é um idiota.
— Ele é lindo, não fale assim.
Eu deveria ter medo do perigo, mas adorava provocar
Aleksander. Não foi realmente surpresa quando ele tomou o controle
da minha mão, pausou o filme e me colocou em seu colo, pipoca
sendo jogada por todo o lado, enquanto eu soltava uma sonora
gargalhada.
As duas semanas que seguiram desde a noite que dormimos
no meu antigo quarto e agora era novamente de hóspedes, eu e
Aleksander estávamos sempre juntos, a cada chance que tínhamos.
Agora ele já não sumia por noites inteiras e quando o fazia, eu
sabia muito bem o que ele estava fazendo.
Aleksander estava mais solto. Ainda era grosseiro, mas de um
jeito que eu não me importava. Em alguns momentos eu me
surpreendia com alguma atitude amável dele, como foi desde o
início.
— Ele é lindo, é?
Eu comecei a rir, mas abri as pernas para sentar de frente a
ele, enlaçando seu pescoço com meus braços.
— Mas você é mais… — Eu disse e beijei seus lábios.
— Feiticeira…
Ficamos ali, nos beijando por um tempo. Apenas o toque de
nossas bocas, de nossa respiração, de nossos corpos. Me afastei
de Aleksander alguns centímetros, encontrando um olhar de quase
aflição em seu rosto.
— Eu mataria qualquer um por você.
— Você mataria qualquer um por qualquer coisa, Alek — Eu
disse sorrindo, mas ele continuou sério.
— Eu morreria por você.
Todo o meu corpo se arrepiou, quase como se fosse um mau
presságio. Aleksander não era bom com sentimentos. Ele externava
o que sentia à sua maneira e estava tudo bem, porque eu e ele
fomos jogados em nosso próprio destino, sem poder de escolha.
Desde que ele me respeitasse, eu tentaria fazer funcionar.
Desta vez, a forma como ele disse as palavras fez doer algo
dentro de mim. Doer de uma forma inexplicável, tão forte que eu
nem pensei no quanto ele me dizer isso poderia significar.
Eu o abracei.
— Ninguém vai morrer por ninguém. Teremos uma boa vida
juntos.
Ele me puxou para olhá-lo nos olhos, como sempre fazia
quando queria me dizer algo sério. Segurou meu cabelo e me
manteve firme no lugar, à sua mercê.
— Eu não sou bom, Talía. Minha vida é a morte — Engoliu em
seco antes de continuar — Mas eu estou tentando ser bom para
você.
Eu tentei abraçá-lo novamente, mas ele não permitiu. Me
manteve ali, daquela forma, olhando para o seu rosto, filme e
brincadeira esquecidos. Então ele acariciou o meu nariz com o seu
próprio, um meio sorriso desenhando seu rosto.
— Você me enfeitiçou… Agora eu sou mais um pronto para
cumprir os caprichos da princesinha italiana…
Foi impossível não sorrir. O apelido já não soava agressivo, era
quase carinhoso. Carinhoso estilo Aleksander Dardan, claro. O beijo
foi inevitável, assim como o que veio em seguida.
A intimidade poderia virar rotina.
CAPÍTULO 16
Aleksander Dardan

Os dias viraram semanas e as semanas viraram dois meses.


A situação com os ucranianos estava tomando uma proporção
não esperada. Um dos motivos, eu reconhecia, era pela própria
distração por ansiar passar um tempo muito necessário com a
minha esposa. Talía estava se tornando dia a dia o centro de tudo,
inclusive do meu mundo.
Entre estudos, os eventos sociais, lidar com as farpas de
Brianna e ainda conseguir auxiliar o desenvolvimento de Elana, nos
sobrava pouco tempo juntos. E Talía era criativa para aproveitar da
melhor forma o tempo que tínhamos. Eu não era, e talvez nunca
fosse, o exemplo da amabilidade e tinha total ciência disso.
Por algum motivo que eu era incapaz de entender, por
misericórdia divina, Talía não se importava. Ela tirava o melhor de
todas as situações, inclusive do nosso próprio relacionamento e
parecia o suficiente tudo que eu era capaz de lhe dar.
Ela sempre me surpreendia. Um dia, em um evento, ela me
puxou para um corredor escuro, abaixou minhas calças e me fez
gozar em sua boca. Às vezes, em alguma reunião onde a situação
estava tensa, Talía apenas segurava minha mão por baixo da mesa
e mesmo o ato parecendo bobo, era reconfortante.
Eu estava me sentindo cada vez mais dependente da
companhia dela, estava sorrindo mais, ficando à vontade com atos
que antes eram estranhos para mim. Como ficar abraçados ou
mesmo um beijo de despedida ou boas-vindas. Coisas que sempre
foram difíceis de me imaginar fazendo, mas com ela parecia
simples. Porque Talía se entregava sem reservas. Eu achava que a
destruiria com minha escuridão, mas começava a acreditar que ela
poderia estar me salvando. No fim, ela estava me corrompendo com
sua luz.
Às vezes eu a via sorrir e não conseguia sorrir de volta. Ficava
imaginando situações que poderiam tirar aquele sorriso de seus
lábios e queria destruir as possibilidades. Queria que ela
continuasse sorrindo para mim. Queria que ela continuasse
iluminando tudo à sua volta. Que ela continuasse me iluminando.
Entrei no quarto, e como esperado, Talía já tinha escolhido
minha roupa para o evento da noite, uma angariação de fundos que
ela havia organizado para crianças com leucemia. Ela estava um
pouco pilhada nos últimos dois dias, então eu sabia da importância
do evento para ela.
— Alek, você está atrasado. — ela disse se aproximando, e
apesar da reprimenda, me deu um beijo rápido nos lábios.
Ela estava em roupão de banho e fez menção de voltar para o
closet, mas eu a puxei de volta. Ela me olhou pronta para protestar,
certamente por estar com pressa, mas eu não gostava de vê-la tão
tensa, então fiz o que sabia que iria relaxá-la. Joguei-a na cama, ao
lado da minha roupa escutando um quase protesto dela, que foi
abafado quando levantei seu roupão e abri suas pernas.
— Oh meu Deus… — Ela resmungou quando sentiu meus
lábios em seu centro.
Eu comecei acariciando seus grandes lábios, provocando
lentamente, apenas ameaçando roçar seu clitóris. Ela estava
brilhando, já pronta para o que eu tivesse a oferecer. Minha boca
salivou antes de finalmente brincar com seu ponto de prazer. Talía
segurou o acolchoado da cama com força e soltou um gemido. Eu
queria que ela tivesse prazer, que ela gozasse em meu rosto,
retribuir o que ela fazia por mim de uma forma que eu sabia que ela
gostaria. Porque eu nunca fui bom com as palavras.
Lambi, mordi, girei a língua em seu clitóris enquanto ela
resmungava e gemia palavras incompreensíveis. Coloquei um dedo
e depois outro em sua entrada. Eu a chupava enquanto a penetrava
com os dedos. Quando sentia que ela queria gozar, eu parava, só
para torturá-la mais. Em um momento ela me olhou com a mistura
de raiva e prazer contido. Sorri, tendo seu clitóris em minha língua e
dessa vez, fui até o fim, até sentir que o clímax a tomava, fazendo
suas pernas tremerem de prazer.
Totalmente inerte e perdida no prazer que a tomou, Talía ficou
alguns segundos olhando para o teto, normalizando sua respiração.
Eu me levantei e beijei sua boca rapidamente. Sorrindo, enquanto ia
para o banheiro, eu apenas disse.
— Levante, alaiin. Estamos atrasados.

───※ ·❆· ※───


O evento foi um sucesso e Talía estava radiante. Um vestido
prata adornava seu corpo, longo, sem mangas. Um conjunto de
colar e brincos de ouro branco a deixavam parecendo a princesa
que sempre a acusei de ser. Ela tinha uma tiara na cabeça e os
cabelos estavam presos em um coque elegante. A maquiagem era
mínima, o que não fazia falta. Talía era linda.
Para o orgulho de todos, ela foi chamada pela esposa de
Thompson a subir ao palco e receber um reconhecimento por sua
dedicação. Meu peito esquentou com a cena. Bem articulada, tom
impecável, Talía agradeceu com poucas palavras a participação no
evento.
Ela queria seguir a área da pediatria, então e noite tinha um
significado especial para ela e o que ela considerava importante eu
passava a ver com outros olhos: os olhos dela. Eu nunca fui bom,
mas Talía fazia eu querer ser uma pessoa melhor. Eu nunca seria
um príncipe, amável e romântico, mas eu a queria segura, bem e
feliz. Isso deveria significar algo.
Ela foi ovacionada e eu me peguei sorrindo e aplaudindo
minha esposa, junto com todos os outros presentes, enquanto ela
vinha em minha direção. Diretamente para mim, porque era minha e
me pertencia. Mesmo com o sorriso encantador no rosto, mesmo
com a aparência tranquila, ela estava nervosa e preocupada, pois
ela era assim, se preocupava com as coisas mínimas.
Me ocorreu que ela não precisava mais externar certas coisas,
eu a conhecia. Conhecia o seu olhar, reconhecia seus medos e
anseios, mesmo que ela não me dissesse. Conhecia até mesmo o
jeito que ela caminhava.
Em troca, ela também me conhecia, ela sabia sem que eu
dissesse as coisas que me afligiam, não importando o local ou a
distância em que estávamos. Talía estava sempre atenta a mim e a
ela. Cada olhar, cada gesto, ela mostrava demonstrava que estava
ali por mim.
Nesse momento, foi quando tudo mudou, como se uma luz
iluminasse minha mente com a clareza de que eu não suportaria
não tê-la.
E tudo mudou.
Para mim.
Para minha história.
Para o nosso futuro.
Porque a luz era literal, ela não foi só para iluminar minha
mente. Ela iluminou todo o local, e toda a cena que se seguiu foi
como se acontecesse em câmera lenta. Ela estava a alguns metros
de mim. Kael se jogou em cima de Talía e tiros foram escutados.
Deitada no chão, enquanto uma luz muito maior iluminava o
local, escombros e fogo voaram em todas as direções. Pânico
tomou todos os presentes, mas os olhos dela seguraram os meus.
Eu sabia que tudo mudaria para sempre e ela me olhou como se
também soubesse. Foi quase um lamento que nenhum de nós
entendia ali, mas iríamos entender.
Me escondi atrás de um pilar que ainda se sustentava. Eu já
não conseguia ver nada, apenas fumaça, choro e desespero. Com
minha arma na mão procurei por um abrigo e peguei o celular. Antes
que eu ligasse ele tocou e eu atendi.
— Talía?
— Comigo, senhor. Ela não se machucou gravemente,
estamos no carro na parte de trás.
Alguns dos meus homens chegaram para me proteger e me
levar para o carro que me aguardava, mas o que aconteceu em
seguida, me paralisou. Alguns dos seguranças do evento
começaram a atirar no público. A bomba tinha sido de pequeno
porte, agora não havia apenas um atirador. Meus homens e os
verdadeiros seguranças passaram a revidar os tiros, fazendo com
que o local virasse uma verdadeira zona de guerra.
— Tire Talía daqui, Kael! Agora! Leve-a para a casa segura!
— Senhor?!
— Tire-a daqui, é uma ordem!
Desliguei o telefone e passei a trocar tiros com alguns dos
invasores, até mais uma cena grotesca se materializar. O DJ pegou
uma metralhadora de um dos agressores e atirou contra um grupo
de senhoras do outro lado do salão.
Não era um ataque esperado, essa era uma angariação de
fundos para uma causa nobre, pelo amor de Deus! A segurança foi
feita, mas ninguém esperava de fato um ataque.
Eu já não dava conseguia entender nada. Senti meu braço ser
puxado por um dos meus homens e eu estava a caminho do meu
carro quando meu celular voltou a tocar.
— Senhor, fomos emboscados. Três carros estão atrás da
senhora Talía, consegui despistá-los, mas nos encontraram
novamente.
Meu coração parou no peito por alguns segundos.
Eles queriam Talía.
— São os ucranianos, senhor. Ouvi o sotaque.
— Onde você está?!
Escutei tiros e mais tiros, até Kael me responder que mandaria
a localização por mensagem. Eu já não me importava com o perigo,
apenas segui para onde o carro estava e, sem esperar minha
própria proteção, dei partida e saí, como se a minha vida
dependesse disso.
E dependia.
E foi o ato mais insensato que fiz.
Cada vez que eu me aproximava mais do local, um sentimento
se apoderava de mim novamente. Tudo mudaria. Tudo mudaria. Eu
apenas dirigi, o GPS seguindo Kael e Talía em tempo real, levou
nossa corrida para uma rua deserta, longe da civilização.
Insensato, insensato. Eu deveria ter esperado meus guardas,
mas me recriminaria mais tarde. Eu teria que aprender a conter esse
desejo louco por minha esposa e tudo o que era relacionado a ela,
para voltar a ter a cabeça no lugar. Eu precisava voltar a focar no
negócio e tomar decisões mais sensatas ou acabaríamos morrendo.
Eu escutei os tiros de longe e corri mais, apenas torcendo para que
qualquer ser divino guardasse a vida de Talía.
Assim que me aproximei, vi três carros parados. Parei o meu
um pouco atrás do terceiro carro, onde já via dois corpos dos
ucranianos, tomei a arma da mão de um deles sabendo que duas
armas era sempre muito melhor e me aproximei devagar. Kael
trocava tiros com os ucranianos e Talía provavelmente estava com
ele, se estivesse viva. O pensamento me deixou louco com a
possibilidade.
Ela estaria viva.
Não, não existia a possibilidade de Talía não sobreviver.
Ela deveria estar apavorada, mas apavorada era melhor que
morta.
Me aproximei silenciosamente, percebendo então que havia
apenas um homem trocando tiro com Kael. Eu cheguei por trás dele,
que estava atrás do segundo carro, bem perto e apontei a arma
para a sua cabeça.
— Hey.
A última coisa que ele viu antes de ter o cérebro explodido foi
meu sorriso. Filho da puta. Corri para onde estava Kael, e olhei ao
redor procurando Talía. Eles estavam do lado de fora do terceiro
carro, o nosso, e Talía estava encolhida. Quando me viu, ela se
jogou em meus braços e eu a abracei forte, sentindo alívio e raiva.
— Senhor, senhor. Precisamos ir…
Quatro carros apareceram no horizonte. Não foi necessário
que se aproximassem mais para que soubéssemos que eram
ucranianos.
— Senhor… — Kael soou alarmado.
— Eu sei. — Falei resignado, sem tirar os olhos dos carros que
se aproximavam.
— O que? São nossos homens? — Talía perguntou ansiosa e
desesperada.
Eu olhei para Kael e ele entendeu.
E eu entendi tudo o que vinha sentindo naquela noite.
Kael fechou os olhos um momento e suspirou. Então, ele
entrou no carro e me jogou duas metralhadoras. Quatro carros,
talvez eu e Kael conseguíssemos vencê-los, se estivéssemos
sozinhos, mas eu não arriscaria a vida de Talía. Não mais do que
todos os riscos que ela havia corrido até agora. Eles queriam me
atingir, eu era o alvo principal, e também sabia que se me
pegassem, dificilmente perseguiriam Kael.
Olhei para o rosto da minha esposa, por quem eu faria
qualquer sacrifício, eu sempre soube disso. A luz da minha
escuridão. Olhei mais uma vez, na esperança de que meus homens
pudessem estar no encalço dos ucranianos, mas nada estava à
vista. Não poderia arriscar Talía, não suportaria perdê-la.
— Olhe para mim, Talía — Disse, segurando seu rosto com as
duas mãos e beijando sua testa com força, sentindo meus olhos
queimarem. — Sempre foi você.
Foi o que bastou para que ela entendesse. Duas fornalhas me
encararam de volta.
— Pare! Pare! Pare de me dizer essas coisas! — Ela gritou e
eu a silenciei com um beijo duro nos lábios, sentindo o gosto de
suas lágrimas.
— Eu te amo. — Sussurrei em sua boca.
Ela me empurrou, mas não a soltei. Seu choro me destruiu
mais do que a perspectiva de um futuro sem ela.
— Não, não, você não pode me dizer isso assim, não pode…
— Ela sussurrou chorando mais.
— Eu te amo… — Voltei a dizer
— Não! — Ela negava, e eu a beijei novamente, lágrimas e
desespero nos envolvendo
— Eu morro por você, Talía. Qualquer sacrifício.
— Não, não, não… Por favor, não! — Ela gritou desesperada,
segurando o que sobrou do meu smoking. O que eu faria me
destruiria mais do que a ela.
— Kael! — Eu gritei
— Não, não me toque Kael! — Ela gritou, desesperada.
Kael já saía do carro e a segurava pela cintura. Não foi tão
difícil imobilizá-la. Talía tentou sair do aperto de Kael e gritou
durante todo o tempo que nunca me perdoaria. Por um momento, eu
poderia admitir que uma lágrima desceu dos meus olhos, enquanto
via seu desespero. Ele a colocou no carro pelo banco do motorista e
entrou em seguida, trancando a porta.
Pouco antes de Kael dar partida, ele me deu um olhar de
respeito e quase despedida. As chances de que eu conseguisse sair
com vida eram mínimas.
Ele sabia.
Talía sabia.
Foram menos de dois minutos até os carros chegarem e eu os
atrasei pelo tempo que consegui. Me protegendo atrás de uma
lataria, atirei até que as balas acabassem. Até que um dos homens,
com o silêncio pela falta de tiros, viesse pessoalmente conferir.
Eu o nocauteei com alguns socos e ainda atirei em mais dois.
Até ser atingido no ombro.
Até ser atingido novamente no abdômen.
Até sentir minha vista escurecer e cair de joelhos no meio do
asfalto.
Escutei alguém dizer meu nome e então os tiros pararam.
E tudo escureceu.
CAPÍTULO 17
Aleksander Dardan

Vozes, palavras e nenhum entendimento rodeavam a minha


inconsciência. Eu queria acordar, mas algo me dizia que toda a
ardência do meu corpo, a inércia e o sentimento de incapacidade
seria melhor do que viria a seguir. Sotaque ucraniano era esperado,
mas foi a voz feminina que me fez abrir os olhos.
Todo o meu corpo ardia. Minha boca estava seca e o local em
que eu estava era precário. Eu era um Chefe, mas estava
acostumado com o caos e a porcaria dos bastidores desse mundo.
Esse nojo de lugar não me assustava, apenas alimentava meu
animal.
Sujo, imundo, úmido, era um quartinho minúsculo que mais
parecia um buraco. Eu estava deitado e amarrado, em uma espécie
de cama de palha, acorrentado ao chão. A mulher estava de costas,
mas ela não precisou se virar para que eu soubesse quem era.
Mirella Walsh.
Nesse exato momento ela se virou em minha direção, um
sorriso doente nos lábios. Devagar, em seu vestido vermelho e
saltos, se aproximou da “cama” onde eu estava e se sentou o meu
lado. Era horrível a sensação de desamparo, contudo mantive o
rosto neutro. Eu estava nu e machucado. Acorrentado ao chão.
— Aleksander… — Ela ronronou, sorrindo — Eu senti
saudades, amor.
— Mirella. Achei que estava na Irlanda. — Minha voz saiu
fraca, apesar dos meus esforços.
— Eu fui conhecer a Ucrânia, no caminho. E olhe só que
surpresa, por acaso eu tinha informações que eles queriam e em
troca, eu teria o que procurava.
Na minha falta de resposta, ela continuou
— Poder. E você. — Se aproximou e me deu um beijo na boca,
beijo que eu senti nojo — Agradeça por eu ainda te amar, Alek.
— Mirella, você terá tempo com seu novo brinquedo. — Uma
voz com sotaque forte soou atrás de Mirella, até aparecer em minha
visão. — Meu nome é Ruslan Yaroslav. Eu sou o homem cujo povo
você tem atormentado nos últimos meses, Dardan.
— O homem sorriu mostrando uma carreira de dentes podres.
— Estava ansioso para conhecê-lo. Se soubesse que a forma
mais fácil de acesso era através de sua esposa, eu teria resolvido a
nossa situação mais cedo.
A menção de Talía me fez puxar as correntes, o que me
rendeu uma pontada de dor. Outro homem muito maior se
aproximou com alguns utensílios de tortura. Ele parecia ansioso.
— Esse é Pavlo. Ele estava mais ansioso que eu para
conhecê-lo, principalmente depois de saber que você mutilou os três
irmãos dele e espalhou os pedaços pela cidade.
Eu conhecia um olhar de ódio. Pavlo me odiava, mas eu
poderia mandá-lo a merda mil vezes. Eu aguentaria dor e escuridão.
Eu pertencia a tudo isso. Mirella olhou para mim com um sorriso
simpático e se levantou.
— No rosto, não ou eu te mato dormindo — Ela avisou Pavlo e,
junto com Ruslan, se prepararam para sair. Contudo, antes, virou-se
para mim mais uma vez e disse — Bem-vindo ao inferno, querido.
Aqui, o seu anjo sou eu.
CAPÌTULO 18
Talía Dardan

— Você precisa comer, bambina.


Eu não me virei para a porta. Continuei encarando a lua, que
aparecia de novo. Hoje o céu estava limpo de nuvens e eu
conseguia ver bem as estrelas. De manhã também consegui ver o
sol exatamente daqui, de onde estava, desde que Kael me trouxe
para casa há uma semana.
Será que as estrelas mudam de lugar? Ou eram as mesmas
estrelas que vi, noite após noite, nessa cama, nesse mesmo lugar?
Deveriam ser as mesmas. Assim como todos os meus dias foram os
mesmos.
— Talía, você precisa reagir.
Eu não respondi. Eu não tinha respondido a ninguém desde
que voltei para casa. Eu não tinha encontrado palavras para
articular qualquer som, mesmo quando, Giovanni, meu pai e tia
Antonella chegaram no dia seguinte. Mesmo com o abraço caloroso
de tia Antonella.
Nem mesmo quando, no terceiro dia, os membros da Aliança
começaram a chegar à minha casa. Nem quando Elana tentou
entrar em meu quarto. Eu a ouvi chorar, mas não achei em mim
força necessária para confortá-la. Tudo o que eu conseguia ver era
Aleksander se entregando à morte. E cada vez que eu revivia a
cena, algo bonito dentro de mim morria um pouco. O preço de uma
vida forjada no sangue.
Eu não vi ou falei com ninguém, nem mesmo Aretha
Thompson. Eu não queria ver ou falar com ninguém e Brianna
estava fazendo todo o trabalho de anfitriã. Também sabia que tanto
ela quanto Elana estavam ficando “uns dias” na mansão, para me
ajudar com o que eu precisasse.
As ruas de Boston viraram uma zona de busca, que as
autoridades ignoraram. Eles estavam procurando por Aleksander,
mas eu sabia que cada vez que a lua aparecia era um dia a menos
para encontrá-lo com vida. Ele se sacrificou por mim. O imbecil
disse que me amava quando eu já tinha feito as pazes com o
pensamento de jamais ouvir dele essas palavras, e então se
entregou à morte. Por mim.
Uma lágrima solitária desceu e eu senti a mão da tia
Antonella em meu braço. Eu não conseguia olhar ninguém nos
olhos, não conseguia falar, porque se eu falasse, eu iria gritar e
gritar até que Aleksander viesse me tirar desta loucura que minha
vida tinha se tornado desde que ele se foi.
Se ele estivesse aqui, ninguém estaria sussurrando pela casa
o quanto a esposa de Aleksander Dardan havia enlouquecido. Que
ela não falava, nem olhava para ninguém. Que não chorava e nem
reagia a nada. Que não saía do quarto há quatro dias.
Eu era fraca.
E achava que nunca mais iria me recuperar.

───※ ·❆· ※───


— A coitadinha nunca mais será a mesma.
— Eu sinto tanto que tudo tenha se sucedido dessa forma.
Mas, sabemos que já faz dez dias, as chances de encontrá-lo com
vida são mínimas. — Escutei Aretha respondendo à falsa
solidariedade de Brianna.
Era meio da tarde, e eu finalmente resolvi criar coragem para
sair do quarto. Eu sabia que Aretha tinha razão. Dificilmente meu
marido seria encontrado vivo depois de todos esses dias e mesmo
que me doesse admitir, eu havia perdido Aleksander para sempre.
— O pai e o primo decidiram levá-la de volta a Nova Iorque. É
o melhor para ela, no momento. Também já marcaram uma consulta
com um bom psiquiatra, pois… enfim, foi um trauma.
— Que pena. Ela fará muita falta para nós. Para Boston, foi
uma perda dupla.
Eu não escutei o restante da conversa e subi para o quarto.
Bati a porta e olhei para a cama. A nossa cama. E então chorei,
chorei, chorei. Em um momento só chorar não foi suficiente e eu
comecei a jogar no chão as coisas que estavam nas prateleiras.
Não tinha sentido e não era para ter.
Dor.
O imbecil me deixou no meio dessa bagunça, sentindo falta
dele em cada cômodo da casa, lembrando-me dele a todo o
momento. Me senti abandonada, traída, deixada. Todo mundo
queria resolver minha vida novamente e era tudo culpa de
Aleksander. Eu pensava, enquanto gritava o choro contido há dias.
— Talía!
Eu me virei para a porta em meio à loucura que estava dentro
de mim e me deparei com papai e Giovanni. Papai tinha a mão
sobre a boca e Giovanni um olhar angustiado.
Eu gritei:
— Ele me deixou, Gio! Ele me deixou!
Quando eu finalmente disse as palavras, minhas pernas
enfraqueceram e eu caí no chão. Era real. Ele tinha ido.
— Talía… — Giovanni se aproximou e me amparou no chão —
Você não está sozinha, principessa. Vai voltar conosco para Nova
Iorque, em breve os gêmeos virão e você poderá vê-los crescer.
Por mais que eu estivesse feliz por meu primo, a perspectiva
de voltar para Nova Iorque já não me deixava feliz. A constatação
de que eu e Aleksander não teríamos filhos me destruiu mais um
pouco e eu me agarrei a Giovanni, chorando. Senti os braços do
papai me ampararem do outro lado e chorei mais um pouco.
— Ele morreu por mim! Ele se sacrificou por mim, Gio! Disse
que me amava e morreu por mim!
Eu disse chorando, enquanto Giovanni e papai apenas
sussurravam palavras de conforto. Fiquei ali por tanto tempo que
não soube dizer. Em algum momento, eu estava na cama e a tia
Antonella tinha minha cabeça em seu colo, acariciando meu cabelo.
Eu chorei tudo o que não tinha chorado em todos aqueles dias,
chorei até adormecer.

───※ ·❆· ※───


No dia seguinte, minha cabeça latejava. Mesmo assim, me
forcei a levantar, tomei um banho demorado e coloquei uma roupa
limpa: um conjunto branco de short social e cropped com um blazer
por cima.
Após dez dias eu tomei um banho decente, coloquei uma
roupa digna, fiz uma maquiagem e penteei o cabelo. A dor ainda
cravejava dentro de mim com a lembrança de que não teria os olhos
admirados do meu marido em mim. Eu fechei os olhos e controlei a
onda de choro.
Já não era tempo de chorar. A minha vida estava novamente
sendo decidida e eu não me sentaria como uma boa filha italiana e
esperaria a decisão. Era hora de crescer. Antes de descer, eu pedi
que Mina chamasse Brianna, que havia ocupado um dos quartos.
Não muito tempo depois, Brianna entrou.
— Como você está, querida?
Ela pareceu surpresa ao não me ver de camisola. Eu encarei a
mulher à minha frente. Coque severo, roupa formal, marcas de
expressões pela idade. Tão fria. Como um muro impenetrável. Me
dei conta então de que nós nunca seríamos amigas.
— Guarde suas falsas condolências para si mesma. Eu te
chamei aqui para avisá-la em primeira mão que não voltarei a Nova
Iorque.
Brianna me olhou como se uma segunda cabeça houvesse
brotado em mim. Eu apenas a observei, até um sorriso diabólico
surgir em seus lábios.
— E o que você pretende fazer para conseguir esse feito?
Eu não sorri. Não tinha mais forças em mim para continuar o
nosso jogo de farpas disfarçado de falsa consideração.
— Isso não é da sua conta. Agora, eu quero que você pegue
suas coisas e saia desta casa.
Me aproximei dela, aproveitando que, com salto, ficava uns
bons centímetros acima dela.
— Aleksander jamais gostaria que essa casa fosse sua. Ela
nunca foi sua, Brianna. Eu agradeço a hospitalidade aos meus
hóspedes em meus dias ruins, mas já foi o suficiente.
Brianna estava vermelha como um tomate diante de meu
sorriso debochado. Foi em direção à porta, mas antes que saísse,
se virou e disse.
— Meu único lamento é você não ter sido levada também.
E fechou a porta calmamente como se tivesse me dado bom
dia. Apesar do meu corpo estar tremendo, eu sabia que essa tinha
sido a batalha mais fácil.
Eu me preparava para a segunda etapa.
CAPÍTULO 19
Talía Dardan

Eu escutei as vozes antes mesmo que todos aqueles homens


imponentes entrassem no escritório de Aleksander. Escritório que
agora era meu, assim como tudo naquela casa e naquela cidade.
Meus pés estavam calçados por Jimmy Choo e pousavam em cima
da mesa. Quando o Prez e o VP dos Devils Dragons MC entraram
no escritório, pararam ao me ver na cadeira de Alek. Em seguida,
Yuri Ivanov, Vicenzo Capello, vulgo “olhos mortos”, e Eduardo
Santorelli entraram e tiveram a mesma reação. Papai e Giovanni
vieram em minha direção, com os olhos espantados.
— Bambina, precisa de alguma coisa? — Eu permaneci
sentada, apenas olhando para alguns dos homens mais poderosos
dos Estados Unidos, ali, me olhando como se eu fosse algum
problema.
— Quero falar — Olhei para Eduardo — E dessa vez, serei
ouvida.
Se ele ficou surpreso com meu direcionamento, não
demonstrou. Se aproximou e apenas disse:
— Primeiro, quero que saiba que sentimos muito por tudo.
— Eu agradeço. Mas não é sobre isso. — Eu não queria entrar
nesse mérito e começar a chorar. Hoje, exatamente aqui e agora,
minha vida seria decidida. E dessa vez, seria por mim.
— Então nos diga de uma vez o que quer.
Olhei para Storm, que sempre achei um ogro mal educado e
me levantei, tentando ficar no mesmo patamar que todos eles. Com
uma confiança que não tinha, cruzei as mãos em minha frente e
comecei.
— Primeiro gostaria de me desculpar por não ter recebido
vocês pessoalmente, devido às… Circunstâncias. Espero que
estejam bem e confortáveis em minha casa. Segundo, gostaria de
agradecer por estarem aqui, e por demonstrarem lealdade a
Aleksander — Minha voz embargou ao dizer as palavras que
seguiram, mas me mantive firme. — Ele teria a mesma lealdade
com qualquer um de vocês.
Todos assentiram e eu limpei a garganta para continuar.
— Eu quero dizer que vou ficar em Boston. Essa é a minha
casa.
Meu pai foi o primeiro a protestar.
— De jeito nenhum! Você volta com a sua família! —
Esbravejou com a severidade que quase nunca dirigia a mim.
Eu não pisquei.
Sequer pestanejei.
Já esperava por algo assim.
— Eu vou ficar. Não estou pedindo permissão, papai. Até hoje
eu fiz exatamente o que quiseram, porque eu sei da importância da
Aliança para todos nós. Eu sofri dois atentados e estou aqui, viva. —
Me virei para a cadeira — Essa cadeira é minha, assim como essa
casa, essa cidade e esse território.
— E o que você vai fazer com tudo isso? Você vai ser médica,
Talía! — Giovanni disse com deboche.
— Você só pode ter enlouquecido. — Meu pai disse e passou a
andar pelo escritório, inquieto.
Me senti pequena diante das palavras de Giovanni e papai. Os
outros apenas acompanhavam a discussão. Talvez pelo momento,
pela situação, nenhuma piadinha foi feita. Meu marido estava morto,
era o que todo mundo acreditava, não era o momento para ser
engraçado ou rir da situação.
— Enquanto não houver um corpo, não há como provar que
Aleksander está morto. Eu vou ficar aqui e cuidar do que me
pertence.
Papai protestava, Giovanni balançava a cabeça, indignado.
Mas eu não cederia. Nesse momento, Eduardo se aproximou um
passo. A esposa dele era sua Capitã-Mor, ela liderava os ataques e
a defesa da Cosa Nostra. Yuri era casado com sua principal
executora, Isabella, ou Annabelle, como meu primo a chamava. E
Milena poderia atirar dormindo em um homem, o que me fazia
questionar a indignação de Giovanni.
Contudo, eu sabia sobre o que era tudo isso. Eu seria a Chefe.
Não subordinada, eu seria um deles. Eu decidiria com eles, teria
uma cadeira ao lado deles.
— Não vou para Nova Iorque esperar até o corpo de meu
marido ser encontrado para vocês me casarem novamente pelo
melhor lance. — Falei para o meu pai em um tom de mágoa que
não queria dizer.
— Olhe o respeito, Talía.
— Eu fico. — Disse e olhei para todos.
— Os irlandeses aceitariam? — Eduardo perguntou.
— Você não pode estar considerando essa loucura! —
Giovanni gritou.
— Se vocês me apoiarem, eles também apoiarão.
— E o que você entende sobre lavagem de dinheiro, tráfico de
armas, drogas e morte, Talía? — Meu pai questionou, vermelho.
— Eu aprendo.
Giovanni se afastou com as mãos na cabeça. Meu pai então
disse com a voz quase pesarosa.
— Essa vida não é para você. O tanto que eu tentei te proteger
do horror de tudo isso.
— Eu nunca pedi para ser protegida. Estou aqui pela vontade
de todos vocês e não vou embora.
O silêncio tomou a sala. Se eu queria tudo isso? Não, eu não
queria. Eu queria que Aleksander cuidasse da parte mais difícil e
que eu ficasse com o lado político, assim como vinha sendo. Mas se
eu precisasse fazer os dois, eu faria.
Por mim.
Por ele.
Por nós.
— Certo, Talía. Alguém terá que ficar com você aqui por um
tempo, até as coisas se normalizarem. As buscas por Aleksander
continuarão.
Mais uma pontada no peito.
— Obrigada, Eduardo.
— Eu fico com ela— Meu pai se dispôs, e eu fiquei grata.
— Enzo, eu preciso de você em seu território. O cartel tem
batido em cima da Nova Inglaterra e eu não vou perder um
centímetro para aqueles filhos da puta. Giovanni está fora de
questão. Milena está muito grávida e com a pressão arterial
alterada. Ele não seria de muita serventia.
— Então você sugere o que? Jogá-la aos tubarões? —
Giovanni gritou e Eduardo ignorou o tom de seu consigliere, que
apesar de seu subordinado, também era seu melhor amigo.
— Eu fico com ela.
Todos olharam para Vicenzo. O homem nunca falava e tinha
um olhar sinistro. Eu não sabia o que sentir sobre a sua proposta
em me ensinar o lado tóxico do negócio, mas me calei.
— Tenho dois irmãos que podem cuidar da Darkness enquanto
eu estiver aqui. Eu a ensinarei o que ela precisa saber.
— Por quê? — Giovanni perguntou em tom acusador.
— Porque eu quero. — Ele disse simplesmente, me encarando
com aqueles olhos negros e que me fizeram arrepiar.
— Eu não confio em você. — Giovanni disse e eu queria dizer
o mesmo.
— Ninguém confia em ninguém, Maceratta. Isso aqui são
apenas negócios. — Ele disse, simplesmente.
— Basta, não chegaremos a lugar algum com essa discussão.
Vicenzo fica com Talía e as buscas por Dardan continuam. — Shield
disse, por fim.
Aliviada, esperei que todos se retirassem, sentindo certo
respeito por parte da maioria daqueles homens. Papai e Giovanni
continuaram no escritório e quando a porta finalmente se fechou eu
me sentei, exausta.
— Eu espero que você saiba o que está fazendo, Talía. Uma
vez que você entra nesse mundo, nunca mais é a mesma. —
Giovanni disse com expressão derrotada
Eu o olhei e encostei a cabeça na parte de trás da cadeira.
— Você acha que há alguma possibilidade de eu continuar
sendo a mesma?
CAPÍTULO 20
Talía Dardan

O sol se punha enquanto eu olhava o jardim da minha casa. As


flores estavam desabrochando, pois era primavera, e a primavera
em Boston era a melhor época do ano para mim. Agora, depois de
passar pelas quatro estações na cidade que me pertencia, eu
poderia ser capaz de escolher a estação que mais me agradava.
Não tinha um dia em que eu estivesse em casa e que eu não
visse o sol se pôr. Ver o sol se pôr diante de um jardim tão lindo me
fazia…
Neguei com a cabeça, na esperança de limitar meus
pensamentos, não poderia ir por esse caminho, não poderia.
Novamente não. Seis meses já tinham se passado e eu tinha algo
que estava acima de tudo o que tinha acontecido.
Eu tinha um pedaço de Aleksander dentro de mim. E contra
todos os protestos, o que poderia ser uma condição feminina a
atrapalhar meu processo de conquista, foi a minha maior motivação.
A linhagem Dardan continuaria no poder e em três meses, Sean
Aleksander Dardan nasceria. A minha missão era manter o império
crescendo para que ele o herdasse.
Alisei minha barriga arredondada, e, na perna, um coldre com
uma arma roçou a minha mão, quando a abaixei. Não era fácil
liderar, sendo uma mulher, mas a minha gestação devolveu parte da
esperança aos irlandeses. Era como se, com o filho de Alek em meu
ventre, a minha posição frente à organização se solidificasse.
Graças ao apoio da Aliança e a mim mesma, eu tinha conquistado o
respeito de quase todos os homens. Os que não me respeitavam
pagavam com a vida, eu não me importava.
Essa foi a primeira lição que Vicenzo me ensinou. Conquiste a
lealdade pelo respeito ou pela morte.
— Tem certeza de que vai autorizar esse ataque?
Olhei para o meu ex-reitor, que se aproximava de mim. Eu já
não me sentia tão mal diante de seu olhar. Eles ainda eram de
causar arrepios, mas Vicenzo nunca se comportou como se fosse
um perigo para mim. Ele também não me ofereceu nenhuma
facilidade por eu ser mulher ou estar grávida. Ele ficou dois meses
comigo, me ensinando o básico do funcionamento da organização e
depois voltava quinzenalmente para ver como eu estava me saindo.
Satisfeito, passou a vir mensalmente. Não foi fácil,
principalmente nos três primeiros meses onde eu passava mal todas
as manhãs, contudo, nunca deixei que minha condição fosse vista
como uma fraqueza, porque ela nunca foi. Minha condição era o
meu trunfo.
— Por que você acha que eu não autorizaria? Eu achei o covil
dos ucranianos e eles não são bem-vindos em minha cidade —
Olhei para o jardim. — E eu quero o chefe deles vivo.
Vi a ponta de orgulho nos olhos de Vicenzo. Ele havia me
ensinado o básico, a parte dura e fria do negócio veio com tudo o
que aconteceu. Aleksander sacrificou sua vida por mim e eu
sacrifiquei meus próprios valores por ele. Eu poderia ainda não ter
empunhado uma arma e matado alguém, embora soubesse como
fazer, mas eu decidi, mandei, autorizei cada morte da máfia em
Boston. Eu fui a cada cassino, casa noturna e conheci o lado
sombrio do mundo em que nasci. Eu também fui a eventos e sorri e
agradeci a cada condolência pela minha perda.
Para que eu pudesse encontrar algum sentido em minha vida,
eu matei qualquer esperança de encontrar Aleksander com vida.
Esse sentido veio na forma de Sean Aleksander. E era por ele que
eu não chorava e nem lamentava qualquer decisão podre que
tivesse que tomar.
— Você é a Chefe aqui. Como você quiser, assim será — Ele
disse e saiu.
Eu não acompanhava os ataques. A ação era comandada por
Kael, mas a decisão era minha. Ninguém estava muito contente em
explodir um prédio onde poderia haver civis, além dos ucranianos,
mas o que eu aprendi até aqui foi que efeitos colaterais ocorriam, e
eu não cederia nessa última ordem. Não depois de toda a dor que
os ucranianos infringiram a mim.
Eles pagariam com a vida.

───※ ·❆· ※───


— Senhora, o ataque foi realizado. O chefe dos ucranianos foi
identificado como Ruslan Yaroslav. Ele está no galpão norte…
— Estou indo.
— O manteremos vivo até você chegar.
— Okay.
Eu já estava pronta, assim como Vicenzo, que iria embora no
dia seguinte e só voltaria se eu solicitasse. O que dificilmente
aconteceria. Até ele reconhecia que eu estava pronta.
Todo o caminho para o galpão foi feito em silêncio e até aquele
momento eu não entendia o valor de uma vingança. O sabor de
colocar meus inimigos de joelhos.
Chegamos ao local não muito distante da casa e, sem
pestanejar, entrei no galpão, tendo o caminho aberto para a minha
passagem. O homem que estava no centro estava muito
machucado e ferido por uma bala no ombro. Ele deu um gemido
quando me viu entrar e então começou a rir.
— Aprenderam com os italianos a ser comandados por
mulheres?
Eu não precisei abrir minha boca. Apenas olhei para Kael que,
em minha frente, com um alicate, arrancou um dos dentes podres
do homem.
Eu não pisquei, parte por ter visto coisas piores nos últimos
meses. Vicenzo me fez assistir a inúmeras sessões de tortura,
mesmo que na primeira vez eu tenha saído do recinto correndo e
com náuseas. E, parte, porque aquela parte dentro de mim, que me
permitia sentir remorso e pena, estava profundamente adormecida,
talvez morta para sempre. Eu já não tinha paciência para escutar
piadinhas por eu ser mulher. Eu estava naquela condição por causa
dele, daquele ucraniano infeliz.
O homem gritou e passou a xingar e esbravejar em sua língua
nativa. Os olhos pousaram em mim com ódio e eu dei sinal para que
Kael parasse. Eu queria ouvir o que o homem tinha a dizer. Vicenzo,
sempre mais silencioso, como uma raposa, apenas observava de
seu lugar. Antes que o homem falasse, ele deu um passo à frente e
me pediu permissão com o olhar.
— Aleksander Dardan.
O nome foi como uma faca torcendo em meu peito.
— Sua puta! Eu teria perseguido naquela noite se soubesse
que você seria essa pedra em nosso caminho.
Sorri friamente.
— Eu não sou uma simples pedra no seu caminho. Eu sou a
pedra que te vai te esmagar. E se você não começar a falar agora,
irei atrás de tudo o que você nutre afeto, aqui ou em qualquer lugar
do mundo. E vou matá-los.
Talvez fosse pelo meu tom que, mesmo educado, não
escondia a minha coragem de cumprir a promessa, mas o homem
apenas me encarou por alguns segundos.
— Mostre que na Ucrânia existe um mínimo de inteligência e
nos diga logo o que queremos saber. Onde está Aleksander
Dardan? Como você pode ver, Temos uma mulher grávida aqui, e
você sabe o que dizem sobre as grávidas? — Vicenzo sorriu de um
jeito macabro — Hormônios incontroláveis, então tome cuidado
antes que ela simplesmente mande te matar.
— Obrigada, Vicenzo. Realmente, estou ficando mais e mais
aborrecida. — Respondi entediada, entrando no jogo psicológico de
Vicenzo — Você entra em minha cidade, usufrui de nosso território
sem permissão, mata meus homens, mata o meu marido e acha que
simplesmente iríamos te deixar ficar?
Me aproximei do homem
— Eu te cacei, silenciosamente, em cada canto de Boston, e
sim, eu te achei no lugar onde você merece estar, um bueiro como o
rato que você é. E você vai morrer como merece. Me diga, como é a
sensação de ter algo que você valoriza, destruído? — Sorri
friamente — Não, não me responda. Porque eu não me importo.
Me afastei novamente.
— Vocês nunca deveriam ter saído da Ucrânia.
Eu comecei a me afastar, pois sabia que dificilmente restara
um único ucraniano em Boston. Não restou porque os caçamos
como animais nos últimos meses, sem misericórdia. Contudo, antes
que eu virasse de costas, escutei a voz de Ruslan.
— Eu não me importo de morrer sabendo que arranquei de
Dardan cada segredo, depois de tanta tortura. Tirei também tudo
que ele ama e a chance de saber que seria pai.
As palavras de Ruslan me fizeram parar e Vicenzo me
repreendeu com o olhar. Ele estava me provocando e estava
conseguindo. Eu tentei manter a fachada, mas era tão difícil ser
forte o tempo todo. Contudo, foram as próximas palavras que
fizeram com que eu perdesse o chão sob meus pés.
— E ele nunca sairá do buraco onde está. Nunca. Morrer seria
muito pouco para ele.
Morrer seria muito pouco.
Morrer.
Morto.
Ele não estava morto.
Ele estava vivo? Minha mão foi para minha boca, o coração
batendo desesperadamente no peito. Ele estava vivo? Ele poderia
estar vivo? Me virei como um furacão e cheguei bem no rosto
torcido de dor de Ruslan. Eu peguei o primeiro instrumento de
tortura que estava à vista, mesmo sujo de seu sangue imundo e
falei, rosto no rosto, pouco me importando com a demonstração de
emoção.
— Aleksander está vivo?! ME DIGA, SEU FILHO DA PUTA!
ONDE ESTÁ O MEU MARIDO?!
O homem riu de prazer apesar de toda a dor que lhe infligiram,
e eu daria qualquer sabor a ele desde que me falasse onde estava
meu marido.
— Ele respira. Está em um buraco como a ratazana que você
me acusou há pouco. E nunca sairá de lá.
Vicenzo já estava ao meu lado, escutando atentamente. O
primeiro sentimento que me tocou foi raiva, uma raiva que não foi
contida quando levantei o braço para lançar a faca no homem. Mas
Vicenzo segurou minha mão e disse em meu ouvido.
— Eu sei o quanto quer fazer isso, e você é a Chefe, se quiser
torturá-lo aqui e agora, você pode torturar. Você pode fazer o que
quiser, mas pela primeira vez em meses temos algo concreto sobre
Aleksander. Nós vamos matar Ruslan, você pode ter certeza, mas
antes precisamos tirar toda a informação dele.
Eu não queria parar.
Queria estripar o homem em minha frente com minhas próprias
mãos. Mas sabia, em meu íntimo, que Vicenzo estava certo. Eu
tinha que ser fria. Baixei o braço com calma e me senti exausta.
Olhei para os homens que esperavam uma palavra minha para
saber o que fazer.
— Arranquem toda a informação dele — Olhei para Vicenzo e
Kael — Quero uma reunião com a Aliança.
O sentimento que me tomou ao sair do galpão e ir para o carro
foi um que eu não me permiti sentir nos últimos meses. Um que eu
neguei, porque era mais fácil ocupar a cabeça olhar para o que
restou de nós tendo a certeza de que nada voltaria a ser como
antes. E agora… Agora eu sentia o sopro de esperança.

───※ ·❆· ※───


Não era a primeira reunião que eu participava com a Aliança,
mas era a primeira que eu me sentia tão instável. Eu estava
entrando no oitavo mês de gestação e poderia atribuir minha
ansiedade a isso. Era oficial, Aleksander estava vivo. Eu não
imaginava o que poderia ter sucedido a ele todos os meses, não, eu
não me torturaria com isso. Precisava focar no que tinha solução.
Encontraríamos meu marido e, quando o encontrássemos, eu
pensaria em todas as formas possíveis de nos curar. A esperança
crescia dentro de mim, ela simplesmente explodiu no meu peito, de
forma que eu já não conseguia disfarçar. Como sempre, a reunião
com a Aliança foi tensa pela grande disputa de ego e testosterona
na sala, mas no fundo, todos mostraram otimismo em voltar a
procurar por Aleksander.
Nem que eu passasse a vida procurando, eu jamais desistiria
dele. Não de novo.
Ele merecia escutar por ter feito o que fez, por me salvar e ir de
encontro à morte. Eu precisava brigar com ele, em seguida beijá-lo
até curar seus traumas. Dizer que o amava e dizer a ele que
teríamos um filho.
Ficou decidido que equipes de busca de informações seriam
organizadas de Boston à Ucrânia, mas que saberíamos o que teria
acontecido com Aleksander. A Máfia de merda da Ucrânia seria
dizimada da face da terra, junto com todos os seus descendentes.
Não ficaria pedra sobre pedra e eu não lamentaria nem por um dia o
massacre que estava vindo sobre eles.
CAPÍTULO 21
Aleksander Dardan

Uma gota em meu rosto.


Mais uma.
O inferno tem água? Eu já fui mandado para o inferno
inúmeras vezes nessa merda de vida. Era a parte divertida do meu
dia, quando me mandavam ao inferno porque era sempre quando
eu tinha feito algo que me divertisse. E eu sempre imaginei que o
inferno tinha fogo, fumaça, enxofre. Imaginava o inferno quente.
Não frio.
Não úmido.
Mas o inferno era frio. O inferno era molhado e pegajoso. O
inferno não tinha dia e nem noite. Nem tempo. Nem sentido. Ele só
existia e estava ali, parado e indefinido por tanto tempo que eu não
saberia dizer sobre ele, apenas existir em sua companhia.
Antes que a inconsciência me levasse, eu sempre via olhos
verdes.
Verdes como os meus.
CAPÍTULO 22
Talía Dardan

Sean Aleksander Dardan nasceu na primavera, em um dia


iluminado pelo sol, como se o dia soubesse que ele seria marcado
pela chegada do maior presente que eu poderia ter. Agora, aos três
meses, eu olhava para ele em seu berço, enquanto começava a
balbuciar palavras sem sentido.
A rotina de mãe e chefe da Máfia era uma loucura, mas eu
estava conseguindo. Elana, agora com dezoito anos, vinha todos os
dias para ver Sean e até mesmo Brianna se rendeu aos encantos do
meu pequeno. Ele era um consolo, dentro da realidade perturbadora
que estávamos vivendo todos esses meses.
Mesmo devagar, já tínhamos algumas informações sobre
Aleksander. Já fazia tanto tempo que eu me perguntava se era
possível. Às vezes, realidade e fantasia se misturavam dentro de
mim. Mesmo se fosse possível que Aleksander ainda estivesse vivo
já não éramos os mesmos. Não importava.
Não.
Encontraríamos o caminho um para o outro, novamente.
Dei mais uma olhada em Sean e beijei sua testinha enquanto
ele tentava pegar uma mecha de meu cabelo solto. Mina chegou à
porta, já com os olhos encantados no meu príncipe de cabelo
escuro e olhos verdes. Ele era a cara de Aleksander, uma mini
cópia, e tanto Mina quanto Kael eram completamente apaixonados
pelo meu filho.
— Já estão te aguardando, senhora.
Eu assenti, e com um último olhar para Sean, saí do quarto.
A reunião mais importante de minha vida aguardava minha
presença para acontecer. Depois de meses e meses de angústia e
procura desenfreada para saber o que de fato aconteceu com
Aleksander, finalmente, tínhamos uma pista concreta.
Um ano.
Uma ano sem saber o que tinha ocorrido com ele, se de fato
ele estivesse vivo. Eu não queria perder as esperanças. Sean tinha
sido a minha âncora todo esse tempo que passou. Eu não baixei a
minha cabeça em tempo algum, e tornei a rainha desse lugar,
aquela que dava a última palavra em todas as situações, das mais
simples às mais difíceis. Desde uma simples mudança de rota dos
nossos carregamentos de drogas e armas à vida de alguém. Fiz
questão de acompanhar de perto o trabalho sujo e sorrir falsamente
nos eventos de caridade. Há um ano, papai me disse que esse
negócio mudava nossa essência e hoje eu via que era verdade.
Eu mudei.
Aleksander ainda me amaria assim?
Porque eu sabia, dentro de mim, que Aleksander estava vivo e
que voltaria para nós. Para mim, para Sean. Controlei a emoção,
pois era assim que eu me mantinha em público, controlada e fria.
Mesmo que quisesse chorar, mesmo que dentro de mim esperança
e escuridão ofuscassem o que um dia foi luz, eu tinha que manter a
compostura. E nunca esquecer quem eu era.

───※ ·❆· ※───


— Boa noite.
Saudei os membros da Aliança e me dirigi à minha cadeira.
Eduardo, Giovanni, Storm, Yuri e Vicenzo. Kael como o segundo no
comando da Máfia Irlandesa também estava presente. Todos
responderam à minha saudação, alguns com um sinal de
assentimento, outros com afeto declarado.
— Bom, não temos motivos para prolongar essa reunião.
Temos uma informação importante para compartilhar. Graças à boa
relação da Bratva com a Europa Ocidental, depois de muito tempo
conseguimos a exata localização de Dardan.
Yuri olhou para mim e disse suavemente.
— Ele está vivo, Talía.
Meu coração parou por alguns segundos. Tentei mascarar
todas as emoções, como Vicenzo me ensinou, mas me levantei de
súbito. Giovanni levantou também e veio para o meu lado, mas
antes que ele chegasse para me segurar, eu levantei a mão na
intenção de pará-lo. Sem olhar para ele, eu apenas disse em um
sussurro, encarando Yuri.
— Onde ele está?
Todos se entreolharam por um momento. A informação
somada à atitude deles me deixou enervada.
— Respondam! Eu espero que estejamos compartilhando essa
informação em pé de igualdade! Eu espero que vocês não tenham
conversado sobre o meu marido e seu paradeiro sem a minha
presença e também espero muito mais que não estejam omitindo
informações de mim no intuito de me proteger. — Olhei bem para
Giovanni — Eu não preciso desse tipo de proteção.
— Sabemos que não precisa, Talía. Você tem nos mostrado
isso dia após dia e sua força é algo a ser reconhecido. Você
manteve sua casa de pé, mesmo com todas as adversidades, é uma
aliada valiosa para a Aliança. Se nos preparamos para dar-lhe a
informação completa não foi para protegê-la, foi porque é algo que a
envolve pessoalmente
Eduardo se levantou.
— Se fosse Giulia no lugar do Dardan ou a companheira de
qualquer um aqui, agiríamos da mesma forma.
Olhei para seus olhos, digerindo suas palavras. Convencida,
concordei silenciosamente. Giovanni e Eduardo se sentaram, e eu
continuei de pé, dizendo por fim.
— Eu agradeço o reconhecimento, embora eu não tenha feito
nada para provar algo a vocês.
Vicenzo demonstrou o fantasma de um sorriso e Giovanni
soltou uma gargalhada leve.
— Essa é minha prima.
Eu revirei os olhos levemente e me sentei.
— Ele está na Ucrânia. Consegui um contato dentro da
organização deles e consegui informações concretas. — Yuri me
olhou novamente — E uma foto.
Novamente meu coração acelerou.
Uma foto depois de um ano.
— Quero vê-la. — Falei baixo, mas a voz saiu tremida.
— Talía… — Giovanni começou, mas eu o interrompi.
— Quero vê-la!
— Não é bom — Yuri falou com firmeza.
Eu não cedi. Precisava vê-lo. Precisava.
— Não achei que seria.
Yuri passou a foto por mensagem e meu celular anunciou. Sem
demonstrar medo, sendo assistida por todos aqueles homens, eu
abri a mensagem. De forma espontânea, minha mão foi parar sobre
minha boca.
Era ele.
Era ele.
Agradeci por estar sentada ou provavelmente minhas pernas
teriam cedido. Ele estava em uma espécie de calabouço. O cabelo
que eu acariciei muitas, muitas noites enquanto ele dormia, estava
cumprido. O rosto não estava focado, mas eu reconheceria aquele
perfil até mesmo no escuro, apenas pelo toque. Ele tinha grilhões
nos braços e pernas, um chão batido, sujo, barba abaixo do
pescoço.
Magro e machucado.
Um ano.
Um ano de horrores.
Meus olhos queimaram sem me importar com público, depois
de um ano sendo forte, não demonstrando qualquer traço de
vulnerabilidade. Nem quando estive grávida. Nem quando vi
homens morrerem em minha frente. Nem quando civis pagaram
com a vida devido ao efeito colateral do nosso negócio. Nem
quando vi meu filho pela primeira vez. Mas ali, olhando aquela
imagem, alívio e dor me tomaram com tamanha força que cedi às
lágrimas. E eu faria tudo novamente, da mesma forma, se fosse
para chegar nesse exato momento.
Dor, sofrimento, angústia. Foi tudo isso, foi mais que isso. A
esperança seguida por determinação me fez levantar e encarar os
homens que me assistiam, enquanto lágrimas desciam do meu rosto
como chuva. A voz saiu embargada, mas eu não me importei,
porque tudo o que importava era que eu tiraria Aleksander daquele
buraco e mataria todos os envolvidos.
Todos.
— Vamos buscá-lo. — Afirmei.
— Não é assim… — Storm começou a dizer.
—É exatamente assim. — Olhei para Storm, grande e tatuado
— Você se lembra quando a irmã de Shield foi levada pelo Cartel de
Guadalajara?
O grande homem fechou o rosto
— Hanna Walker ficou seis meses em cativeiro e eu me lembro
de todo mundo envolvido em uma missão de resgate. Me lembro de
Aleksander ir pessoalmente até Guadalajara, resgatar Hanna e de
quebra, resgatar Tara, que nem estava nos planos. Mas todos
colaboraram e hoje Tara está com Shield e ambos têm uma linda
filha juntos. Vocês não vão deixar meu marido mais tempo nesse
buraco! Eu não vou admitir algo assim!
— Não dissemos que vamos fazer isso, mas precisamos de
planejamento. — Retrucou Storm, fazendo o desespero dentro
crescer de mim.
— Não fale comigo com condescendência, Storm. Isso pode
funcionar em seu mundo, com as mulheres que você está
acostumado a lidar. Nós vamos buscar o meu marido. — Eu disse
com o desdém que tinha aprendido a usar.
— Eu vou ignorar o seu tom em consideração ao momento.
Storm disse e eu me levantei, irritada, ansiosa, indo em direção
à janela. Eu queria gritar com todos eles, mas sabia que quanto
mais emocional eu fosse, menos credibilidade conseguiria. Mas
como não ser emocional? Como não ser, diante desse turbilhão de
informações?
Aleksander estava vivo.
Olhei para onde o sol estava se pondo e iluminava o jardim,
me trazendo a lembrança de Aleksander. Como se eu precisasse do
jardim para me lembrar dele. Deus, ele estava vivo, quebrado, mas
vivo. Eu não cruzaria os braços, nem que eu fosse lá pessoalmente
e sozinha, eu iria salvá-lo. Uma urgência me tomou e eu virei para
os homens novamente.
— Precisamos salvá-lo. Ele está vivo agora, mas ninguém
pode garantir que ele permaneça assim se demorarmos mais
tempo.
Eu estava quase implorando, me sentia fraca por implorar, mas
eu precisava desses homens para resgatar Aleksander.
— Se não me ajudarem, eu vou sozinha.
— Você não fará tal coisa! — Giovanni quase gritou.
Eu olhei para Giovanni, pronta para brigar, gritar, chorar e
implorar se fosse necessário. Qualquer coisa que os fizessem se
mexer e resgatar meu marido.
— Talía está certa. Precisamos de um plano de emergência.
Dardan sempre foi leal a essa Aliança, desde o início. — Eduardo
disse e eu suspirei de alívio. Os homens tendiam a escutá-lo.
— Então precisamos fazer isso rápido. — Vicenzo disse e eu o
agradeci internamente.
— Me diga o que preciso fazer e eu farei. — Eu disse
determinada.
— Talía, você não vai acompanhar a missão. — Giovanni
começou e hoje eu estava odiando meu primo.
— Você não tem esse poder sobre mim!
— Não, eu não tenho, mas você ainda é minha prima e é
minha obrigação te chamar para a realidade. Sabe por que Milena
não me acompanha em missões? Não é apenas porque ela não
quer. Sabe por que Giulia não vai nas mesmas missões que
Eduardo? As chances de dar errado são sempre maiores que as
chances de dar certo. Eu tenho Luigi e Valentina. Eduardo tem
Pietro, Leonardo e Anita. E agora. — Ele se aproximou mais. — E
agora você tem Sean. Quer uma dose de realidade? As chances de
fazer um planejamento de emergência, resgatar seu marido e sair
com vida são mínimas. Você precisa estar ciente disso.
Eu não queria aceitar. Não queria, mas Giovanni tinha razão.
Ele segurou os dois lados do meu rosto e disse, agora mais
suavemente, talvez diante do desespero que meu semblante
demonstrava.
— Sean precisa de uma mãe forte e corajosa como você. Eu
admiro tudo o que fez até aqui, mas você vai acabar sendo uma
responsabilidade em campo. Você não tem treino para combate.
Você tem outras habilidades que usa com maestria, mas o combate
não é a sua habilidade. Você precisa estar aqui por Sean, caso as
coisas deem errado.
As lágrimas rolaram. Ele me abraçou e eu o abracei de volta.
Um abraço que eu me neguei por tanto tempo, esquecendo a
sensação do que um abraço protetor significava. Casa, lar, conforto.
Deus, eu precisava. Eu tinha medo de que chorar me tornasse
fraca, mas chorar… Chorar me tornava humana.
CAPÍTULO 23
Aleksander Dardan

— Eu consegui mais disso na cozinha.


Olhei para Way, que analisava atentamente os arredores.
O garoto ucraniano tinha por volta de doze anos e há um mês
vinha diariamente me dar pelo menos duas refeições a mais do que
a que me ofereciam. No início, achei que era mais uma armadilha
de Mirella, que todo esse tempo não desistiu de me torturar.
Ela me queria de bom grado em sua cama. Eu disse que
preferia a morte. Minha decisão me fazia morrer um pouco a cada
dia.
Mas Way, que falava inglês como a maioria das pessoas que
apareciam aqui, aparecia dia após dia, às vezes com remédios, com
comida ou às vezes só para conversar.
Já fazia um tempo que eu não era submetido a tortura física,
como se os filhos da puta dos ucranianos houvessem esquecido
que me jogaram aqui nesse buraco em formato de cela. Através de
Way eu descobri que estava na Ucrânia, e que havia mais ou menos
um ano que estava aqui. Eu tentei pedir um celular, mas como
esperado, ele era proibido de ter acesso a porque apesar de andar
livremente, ele não podia sair dessa merda de lugar.
Uma vez por semana, alguém vinha recolher as fezes e jogar
água no chão. Essa água escorria pela lateral, mas não lavava
nunca o odor de merda e urina. Eu já tinha me conformado que a
morte era o próximo passo, como desejei muitas vezes, mas desde
que Way começou a aparecer, comecei a me sentir uma pessoa
novamente.
Ele era insistente como uma criança de doze anos, tinha uma
ingenuidade que provavelmente eu nunca tive, mesmo vivendo
naquele mundo de horror.
Não que eu falasse muito, mas eu o escutava. Sabia que ele
estava ali porque os ucranianos tinham matado seu pai. Sabia que
ele era obrigado a fazer serviços pela organização e que não tinha
família. Compartilhávamos o mesmo ódio pelos ucranianos.
Também era verdade que, desde que Way começou a
aparecer e me trazer comida, eu já não me sentia tão fraco. Tinha
todo o cuidado de parecer assim quando Mirella aparecia para sua
visita semanal, como ela mesma chamava.
Ela aparecia com promessas e promessas. Sua doçura logo
era substituída pela raiva quando eu não cedia. Ela tentou todos os
tipos de horrores no decorrer do tempo, até que se convenceu que
eu só a teria se realmente quisesse.
Eu esperava o dia que, como os outros fizeram, ela desistisse
de me tentar convencer e me deixasse morrer em paz nesse
buraco. Eu acreditava que só estava vivo graças a obsessão dela.
— Coma rápido antes que alguém apareça — Olhei para Way
enquanto devorava a comida com as mãos e percebi que ele
parecia mais ansioso que os outros dias. — Também tenho um
recado para você.
Fiquei alerta e olhei para o menino. Um recado para mim. Por
muito tempo eu já nem me via mais como uma pessoa, e agora,
esse menino, que foi meu único contato humano decente no último
ano, tinha um recado para mim.
Ele sorriu e disse.
— Aliança.
CAPÍTULO 24
Talía Dardan

— Você precisa tentar se manter calma. — Milena me disse


novamente.
Ela estava no chão tentando colocar o laço no cabelo de
Valentina, mas a bebê de onze meses estava revoltada com a mãe.
Ela queria correr junto com Pietro e Leonardo. Luigi dormia no
quarto de cima. Os gêmeos eram muito diferentes fisicamente, mas
ambos tinham um temperamento terrível. Milena vivia dizendo que
era carma.
— Eu queria poder ir. — Eu disse por fim, me abraçando.
— Eu nem imagino como você está se sentindo, mas você
precisa escutar Giovanni e confiar que, mais uma vez,
conseguiremos resolver a situação.
Eu não tinha medo de demonstrar minhas vulnerabilidades
para Milena. Ela era como uma mentora para mim, amiga, a irmã
que eu não tive. Meus olhos se encheram de lágrimas e ela se
levantou do chão, deixando Valentina perambular pela casa com as
perninhas cheias de dobrinhas. Ela me abraçou.
— Vamos pensar positivo. Eu sempre soube que você brilharia,
e não estou falando pela sua beleza, mas da sua força. Falta pouco
agora.
— Milena, você viu… Ah, mas estão aqui — Giulia entrou e
encontrou Pietro e Leonardo brincando com os brinquedos que
Sean ainda não tinha idade para brincar.
Ela estava com o cabelo ainda mais curto, realçando os olhos
verdes claros. Mais claros que os meus, que eram de um verde
escuro. Mais tranquila, ela olhou para mim com simpatia. Eduardo
não acompanharia a missão, em seu lugar, Giulia iria com alguns
dos melhores homens da Cosa Nostra. Atrás dela, Isabella entrou.
Isabella e Yuri acompanhariam a missão e, mais uma vez, o
que Giovanni disse, fez sentido. Eles não tinham filhos e nunca
mencionaram a vontade de tê-los, talvez por isso, sempre que
possível, iam juntos. Isso e também para aplacar a natureza
assassina de Isabella.
— Sairemos em trinta minutos. — Isabella disse sem sorrir ou
demonstrar qualquer emoção. A executora da Bratva não era
conhecida por demonstrá-las e isso nunca mudou com o passar dos
anos.
— Tem certeza que ficará bem? — Giulia perguntou a Milena.
— Anita está adorando a cidade, já que gosta muito de Elana.
A babá de Pietro e Leonardo também veio e você sabe que meus
sobrinhos nunca deram trabalho algum.
Giulia sorriu e pegou Valentina nos braços, que já esperneava
querendo o chão. Ela tinha olhos escuros como a mãe e o cabelo
cheio e negro.
— Mas agora você tem dois bebezinhos para cuidar. — Disse
Giulia enquanto beijava a bochechinha gorda de Valentina e a
colocava de volta no chão.
— Já disse para ir, despreocupada. É melhor que estejamos
com toda a segurança necessária, sempre pode acontecer alguma
coisa. Esse lugar está uma fortaleza. — Milena disse e se sentou no
sofá, olhando para o horizonte fora da janela.
Ela poderia não demonstrar, mas estava preocupada.
Todos estávamos.
Olhei para Isabella que espetava o dedo com a ponta de uma
adaga, distraída do mundo ao seu redor e corrigi meu pensamento.
Talvez nem todas estivéssemos tão preocupadas assim.
Pedi licença, já que as irmãs Castelle eram de casa, e fui até
onde Sean dormia.
Tranquei a porta e fechei os olhos com força, eu andava
emocionada demais. Embora eu não demonstrasse e mantivesse
uma fachada social de segurança e otimismo, eu estava
emocionada. Deus, poderia ser real? Em questão de dias,
Aleksander poderia estar aqui? Em casa? Comigo e com Sean?
Sean dormia. Ele era Aleksander. Ele tinha o mesmo cabelo, o
mesmo rosto. Os nossos olhos. O que Aleksander diria quando
visse o filho? Muitos questionamentos começaram a me massacrar,
pois eu sentia medo, medo de como seria o depois. Dessa vez, o
medo não me dominaria. Eu mantive a casa erguida e não era mais
uma menina ingênua que tinha medo do futuro. Dessa vez, eu faria
o meu futuro.
Com Sean.
Com Aleksander.

───※ ·❆· ※───


Me levantei ao não conseguir dormir. Graças a todos os seres
divinos, Sean era um bebê tranquilo, dormia bem a noite inteira, não
teve cólicas, não chorava muito. Era quase como se soubesse que
eu precisava da ajuda dele para manter as coisas em ordem.
Era madrugada.
Todos já tinham ido para a missão de resgate de Aleksander.
Vicenzo tinha ficado na mansão, então, não foi surpresa encontrá-lo
na sala, à meia luz quando me levantei no meio da noite para tomar
um copo de água e respirar minha ansiedade.
Ele estava ao telefone.
— Onde ela está agora? — Silêncio.
Eu tentei fazer o menor ruído possível para escutar quem seria
“ela”
— Ela está com alguém? — Mais silêncio.
Quem seria essa mulher?
— Não deixe que ela te perceba e me mantenha informado. —
Ele desligou o telefone e disse, ainda de frente para a janela —
Pode se aproximar Talía.
Eu dei um pulo de surpresa. Ele se virou e não sorriu com a
boca, mas eu já conseguia entender um pouco dos humores de
Vicenzo, apenas pelo olhar. Olhos mortos, mas eu tinha visto um
resquício de vida ali.
— Como sabia que eu estava ali? — Perguntei.
— Você respira como um filhote de cachorro.
Ele disse seriamente, embora eu soubesse que ele estava
fazendo uma piada. Ou tentando. E eu não tinha entendido a
comparação, contudo, outro assunto tinha me chamado a atenção.
Eu tinha tentado fazer uma aliança com a Chicago Darkness através
de Elana e Vicenzo, mas ele não mostrou interesse.
Eu não insisti, porque Elana também não pareceu interessada
quando comentei com ela. Se dependesse de mim, ela teria a
chance de ficar com alguém que realmente quisesse.
— Quem é ela? — Perguntei ignorando a comparação
ultrajante da minha respiração com a de um filhote de cachorro.
— Ela quem?
— A pobre moça que você está vigiando.
Ele me deu um olhar significativo. Um olhar que me dizia que
ele não diria nada. Mas eu precisava me distrair, e a vida amorosa
de Vicenzo era bem interessante. Ele poderia estar apaixonado?
— Está apaixonado por alguém? Quem é ela, é de alguma
Máfia inimiga? Que emocionante! — Falei com ares de brincadeira e
dei risada.
Ele me olhou em silêncio e eu continuei.
— De Chicago? Alguma garota comum? — Continuei
especulando, mas a expressão neutra de Vicenzo não
demonstrava nada. — Me conta, quem é a garota que fez o até
mesmo o inexistente coração de Vicenzo se apaixonar?
Sua resposta me calou de súbito.
— Eu não me apaixono. Eu pego o que eu quero.
Vi então que uma revista de moda, a revista que Milena estava
folheando mais cedo, estava nas mãos de Vicenzo. Ele olhou mais
uma vez a revista quase com hesitação, especificamente a capa, e
a colocou sobre a mesa de centro. Com uma saudação de boa
noite, ele saiu.
Assim que escutei seus passos sumindo escada acima, eu
peguei a revista. A capa era de uma modelo que eu seguia nas
redes sociais, muito bonita e carismática. Melissa Turner. Não
consegui fazer conexão alguma entre eles, embora fosse difícil
acreditar que Vicenzo, que só usava preto, gostasse de seguir
tendências de moda.
A leveza do momento se foi com a resposta de Vicenzo e sua
saída do ambiente e eu coloquei a revista de volta no lugar. Eu
queria ligar para Giovanni, para Giulia. Queria saber como eles
fariam o resgate de Aleksander, queria participar de alguma forma.
No momento, só me restava ser otimista. Sorri, apesar de tudo.
Aleksander voltaria para casa.
CAPÍTULO 25
Giovanni Maceratta

Missões perigosas sempre foram parte da minha vida.


Em grande escala, essa era a missão mais perigosa de todas,
desde o resgate de Hanna Walker, há pouco menos de dois anos. E
essa também era a mais complexa. E o mais importante, eu estava
sentindo na pele, pela primeira vez, medo de não conseguir voltar
para casa, para Luigi, Valentina e Milena.
Por outro lado, tinha minha prima Talía, que vinha sendo tudo
desde que Aleksander se sacrificou por ela. E eu sentia que devia a
eles a oportunidade de se tornarem uma família completa.
De alguma forma, o desajustado do Aleksander conseguiu
entrar no coração de Talía, Eu a conhecia, sabia que por trás de
toda aquela frieza, havia um coração destroçado pelos fatos da vida.
E Dardan jamais se sacrificaria se não a amasse.
Eu faria de tudo para que ambos tivessem a oportunidade de
vivenciar o que eu e Milena tínhamos, um amor que sobrevivia às
dificuldades.
— Não fique com essa cara de boceta, Giovanni. — Shield se
sentou ao meu lado na aeronave — Ela não combina com você.
— Cale a boca — Eu resmunguei ao homem, mas acabei
sorrindo.
O meu sorriso e o dele não chegaram aos olhos, porque
sabíamos dos riscos que estávamos correndo. Como eu tinha
mulher e filhos, Shield também tinha. Ele e Tara tinham uma filhinha,
Alicia, e pelo pouco que eu sabia, Tara não poderia mais ter filhos.
Na aeronave, um clima pesado pairava no ambiente, então,
com um olhar, fui atormentar a única pessoa que não parecia se
importar com o clima ruim.
— Annabelle, sabe me informar quando sai o quarto filme da
sua saga?
Isabella tirou os olhos da adaga que alisava e os parou em
mim, gelados. A adaga tinha uma pedra azul turquesa na ponta,
exatamente da cor dos seus olhos. Eu poderia jurar que foi Yuri
quem deu a ela. Fazia dias que ela vinha obcecada com aquela
adaga.
— A adaga faz parte do figurino? — Falei e sorri.
Ela olhou para a adaga e então para mim. Eu sorri mais.
— Milena não te perdoaria — Falei sorrindo e Giulia deu um
bufo, contendo a risada.
— Ela iria superar.
Yuri beijou a testa da pequena bailarina assassina.
— Ele só quer te importunar. Não dê atenção.
Os olhos dela suavizaram como raramente acontecia enquanto
recebia o carinho de Yuri. Eu teria medo de dormir ao lado dela à
noite. Meu medo se confirmou quando, de súbito, ela jogou a adaga,
que parou em minha poltrona. Exatamente ao lado da minha orelha.
Todos se assustaram, Storm inclusive se pôs de pé, mas eu caí
na gargalhada. Isabella era perigosa, mas eu sabia que no fundo
daquele coração de gelo, havia certo amor fraterno por mim. Shield
riu, bem como Giulia, que já estava acostumada com nossas
interações.
Isabella sorriu sem vontade.
— Um dia eu o acerto por acidente.
— Não querida, você é boa demais para isso.
Todos voltaram a rir e Isabella apenas revirou os olhos, rindo
também.

───※ ·❆· ※───


— E o seu contato?
— Disse que hoje era o melhor dia para atacar. Mas disse que
não estaria lá, está viajando em alguma missão de merda. Ele
garantiu que até ontem, Aleksander estava nesse endereço e que
ninguém desconfia de nossa missão.
— Temos quanto tempo? — Giulia perguntou e Yuri.
— No máximo uma hora. Me garantiram que nenhuma
autoridade policial local chegará ao lugar nesse período. É o tempo
que temos para resgatar Aleksander.
— São confiáveis? — Storm perguntou.
— Vamos torcer para que sim. — Yuri disse olhando para
frente.
Os riscos eram inúmeros. Nunca tivemos nenhum negócio
desse lado do mundo. Nossos homens estavam indo para uma
guerra aberta em um local periférico, mas não tão isolado, no leste
da Ucrânia. Yuri negociou um tempo com as autoridades locais, mas
eram pessoas desconhecidas.
Eles pediram muito dinheiro, mas o dinheiro não foi um
problema. Em uma situação típica, jamais entraríamos em uma
missão assim, sem um planejamento mais seguro, entretanto,
Aleksander era um dos nossos. Mais que isso, ele estava naquela
situação por salvar minha prima.
Enquanto os carros seguiam para onde Aleksander estava,
meu peito se agitou. Havia tanto em jogo. Tanto a perder. Mas esse
era o preço da vida na Máfia. Olhei meu celular e me deparei com
uma foto de Milena com os gêmeos, na maternidade. Eram a razão
de cada respiração minha e por eles, eu voltaria em segurança.
De longe, vimos o local. Era uma mansão muito antiga, e muito
óbvia. Uma mansão no meio de um monte de casas simples era
fácil identificar. Iríamos atacar de frente, de surpresa.
Assim que os jipes passaram pelas casas, muitos civis
correram e fecharam suas portas. Eram incontáveis carros se
aproximando para um massacre. O carro onde estavam os Devils
parou e eles desceram, já derrubando o portão com uma bomba.
Nossa chegada certamente foi anunciada após isso, e os
homens posicionados no teto da mansão passaram a atirar em
nossa direção. Lembrei da minha esposa e se ela estivesse aqui,
certamente esses homens cairiam um por um em questão de
segundos. Contudo, os homens dos Devils estavam dando conta,
cobrindo a nossa entrada.
Descemos do carro e Giulia já estava revidando os tiros, assim
como Isabella. Elas não eram como Milena, mas ambas sabiam
como usar uma arma de fogo. Os tiros pararam por alguns
segundos e percebemos que a área interna da mansão era muito
maior do que aparentava.
Eles não estavam preparados para um ataque dessa
magnitude, então não tiveram tempo para se preparar. Nossos
homens, sincronizados, como se pertencessem à mesma família,
atiraram em todos que representassem uma ameaça.
Era um verdadeiro banho de sangue. Giulia, agora na luta
corpo a corpo, derrubava e nocauteava os homens em seu caminho,
um por um. Assim como Isabella dava o seu próprio show de
adagas. Ambas deixando todos os homens surpresos com suas
habilidades.
Entramos no saguão de entrada e em uma sala, com várias
mulheres e crianças no chão, já com as mãos na cabeça.
— No chão, no chão e não serão machucados! — Um homem
de Dardan gritou. Se eles entenderam eu não saberia dizer, mas
fizeram o que o homem pediu.
Casa à dentro, nossos homens entraram até dominar o local,
em questão de dez minutos. Olhei para Yuri e apontei para o relógio.
A essa hora toda a comunidade teria escutado os tiros,
provavelmente já teriam avisado a polícia local. Precisávamos focar
e nos apressar.
— Trinta minutos! — Yuri gritou.
Um dos homens dos Devils trouxe dois ucranianos como
prisioneiros e Isabella tirou uma adaga, sem que precisássemos
chamar. Um dos homens nos olhou com ódio, enquanto o outro não
se atrevia a olhar para cima.
— Onde está Aleksander Dardan — Perguntei ao que nos
olhava.
— No inferno. — O homem respondeu e cuspiu em um inglês
forçado.
— Vou te perguntar somente mais uma vez, você não vai
gostar do que vai acontecer em seguida. Onde está Dardan?
— No. Inferno. — O homem voltou a responder e eu revirei os
olhos. Sempre a mesma coisa.
— Isabella! — Gritei.
Isabella andou em direção ao homem, sorrindo como um anjo
loiro vestido de negro dos pés à cabeça. Ela levantou uma de suas
adagas, quando ouvimos uma voz trêmula e infantil:
— Eu levo vocês até ele. — Eu dei sinal para que Isabella
parasse e ela revirou os olhos com irritação.
Eu olhei para o local de onde vinha a voz e vi um garoto de
dez, doze anos. Franzino, magro, olhos muito assustados. Uma das
mulheres tentou fazê-lo se abaixar, mas eu fiz sinal para ela. Giulia
se aproximou, mais maternal que eu.
— Venha até aqui — Ela pediu e o menino foi, incerto. —
Como é o seu nome?
— Wa… Way, senhora.
— Estamos procurando por nosso amigo, o nome dele
é Aleksander Dardan. Ele veio para cá como um prisioneiro.
Você o conhece?
O garoto, sentindo-se mais seguro com Giulia, respondeu que
sim com a cabeça.
— Pode nos levar até lá?
Novamente o menino respondeu com a cabeça.
— Traidor! Lixo! — Alguém gritou. Percebi então que a maioria
ali falava nosso idioma, embora tivessem um sotaque carregado.
Era estranho, porém já tinha ouvido falar que muitas organizações
quando começavam a se expandir internacionalmente aprendiam o
inglês.
Filhos da puta de merda.
— Espero que não esteja nos fazendo perder tempo, moleque,
ou seu destino será pior que o de todos esses aqui no chão! —
Storm esbravejou.
Giulia, mais simpática, tratou de acalmar o pobre garoto.
— Por favor, querido, nos leve até ele.
Sabíamos, pela foto que conseguimos pelo contato ucraniano,
que Aleksander não estava em um quarto. Se o garoto estivesse
mentindo, teríamos que vasculhar o local, revirá-lo de cima a baixo e
sair de lá com Aleksander.
Mais que depressa, eu, Storm e Giulia seguimos o garoto, com
mais dois soldados. O menino correu por um corredor até uma
escada. A escada dava para uma espécie de calabouço escondido
que jamais encontraríamos sozinhos.
Descemos as escadas até sermos saudados por um odor
terrível. O corredor era tenebroso, com celas tão pequenas que
provavelmente um adulto grande não conseguiria ficar em pé. Todas
as celas estavam vazias, exceto uma.
Giulia foi à frente com o garoto até que ambos pararam em
frente à cela ocupada. O olhar de Giulia foi solidário, e eu conhecia
a Castelle mais velha o suficiente para saber que não era algo
bonito de ver.
E realmente não era.
As condições em que encontramos Aleksander foram as piores
possíveis. Ele parecia um animal, enjaulado e preso por grilhões nos
braços e pernas. Emaciado, embora quando seus olhos se abriram
para nós, estivessem atentos. Verdes e espertos, por baixo de todo
aquele cabelo e sujeira. Sejam quais fossem os horrores que
Aleksander passou no decorrer do ano, ele não o quebrou por
completo. Internamente agradeci por não vê-lo totalmente entregue,
pois o filho da puta teria que estar inteiro por Talía e Sean.
Uma sombra de sarcasmo passou em seus olhos quando me
reconheceu, e eu me emocionei, porque eu vi o velho Aleksander
ali. Eu soube, ali, que ele ficaria bem.
— Talía… — Ele balbuciou em uma voz irreconhecível.
— Vamos te levar para casa, homem.
CAPÍTULO 26
Talía Dardan

— Eles estão na Rússia.


Meu coração saltou no peito.
Desde que recebi a mensagem de Giovanni afirmando que
estava tudo bem, que conseguiram resgatar Aleksander, eu tinha
surtado. Não conseguia fazer nada. Ninguém atendia minhas
ligações, ninguém falava comigo. Agora, Milena me dizia que
estavam na Rússia. Não veio para os Estados Unidos, estavam na
Rússia.
— Como assim na Rússia?! Porque na Rússia?! E por que
ninguém fala comigo?! — Falei gritando. Eu estava eufórica e ao
mesmo tempo decepcionada.
— Se acalme, o pior já passou.
Olhei para Milena, segurando o choro. Nada dessa situação
era justa comigo.
— Falou com seu marido depois da missão suicida dele? —
Ela fez que sim e eu não a deixei falar, continuando — Então se
coloque em meu lugar. Passei seis meses achando que meu marido
estava morto. Seis meses depois o procurando, na esperança de
que ele continuasse vivo. Você não tem ideia de tudo o que eu
passei ou como me senti! — Parei em frente a ela — Eu preciso vê-
lo. E eu vou! — Me virei dando de cara com Vicenzo.
— Você falou com ele, não é? Todos vocês conseguem falar,
menos eu. O que diabos está acontecendo? Ele morreu no processo
e vocês não querem me contar, com medo da minha reação?
— Ele está em um hospital na Rússia, Talía. Graças à
influência de Yuri, ele está sendo tratado na Rússia, pois estava
muito debilitado. — Milena disse atrás de mim enquanto meus olhos
estavam em Vicenzo, parado em minha frente.
— Estou indo para a Rússia.
— Isto é uma loucura e você sabe disso. — Vicenzo
argumentou, mas eu não me importei. Talvez eu finalmente
estivesse louca.
— Sabe o que é loucura? Loucura é ninguém me dizer nada.
Não estou pedindo permissão, eu estou indo para a Rússia.
— Eles fizeram um verdadeiro massacre na região, não é
seguro, Talía. — Milena tentou novamente.
— Não me interessa. Kael! — Gritei, e na urgência, gritei
novamente — Kael, você está no comando até que eu volte.
— Senhora? — Kael apareceu correndo na porta e respondeu
incerto.
Eu me virei para ele.
— Estou indo buscar meu marido — Me virei para Vicenzo e
Milena — Eu e alguns homens. Sozinha.

───※ ·❆· ※───


O caos me aguardava assim que desembarquei na Rússia.
Deixei Elana me acompanhar, pois eu ainda era a Chefe da
organização e não precisava de permissão. Loucura? Sim. Exigi
silêncio de Kael, Vicenzo e Milena. Liguei para Isabella e ela me
passou o endereço de sua mansão em Moscou. Fui chamada de
irracional, mas quem poderia me culpar?
Precisava vê-lo.
Precisava gritar com ele por ter feito o que fez.
Precisava dizer que o amava.
Precisava aproveitar cada minuto ao seu lado, para compensar
o que perdemos. Precisava contar sobre Sean, precisava viver tudo
o que antes parecia apenas um sonho. A ansiedade me tomou e
Elana segurou minha mão.
— Até mamãe já se rendeu a você, Talía. Você é forte. Não
quero pensar nos horrores que Aleksander passou, só acredito que
vocês merecem essa oportunidade de viver esse amor. — Ela olhou
para Sean no bebê conforto — Sean merece uma família.
Olhei para fora, as ruas da cidade. Nevava e estava frio, muito
mais que em Boston nesta época do ano, mas era uma linda cidade.
Eu fechei os olhos e mentalizei que estava a minutos de ver
Aleksander. Eu queria rir e gritar e chorar, tudo ao mesmo tempo.
No entanto, apenas fechei os olhos e respirei profundamente.

───※ ·❆· ※───


Não foi uma surpresa que a mansão russa dos Ivanov fosse
enorme e imponente. E não foi uma surpresa que Isabella abrisse a
porta quando eu toquei a campainha. Ela me deu um sorriso e um
abraço rápido. Fez o mesmo com Elana e nos deu passagem. Eu
teria tempo para me deslumbrar com o interior da casa depois, pois
a ansiedade me tomava agora. Nesse momento.
Entrei com o meu bando de seguranças, Elana e a babá de
Sean atrás de mim. Olhei para Giulia, Giovanni, Storm e Shield.
Pelo olhar de assombro de todos, acreditei que não me esperavam.
— Mas o que… — Giovanni começou e eu o cortei.
— Onde ele está?
— Talía. Sente-se aqui. — Giovanni tentou novamente.
Meu coração acelerou. Eu não queria esperar, não queria me
sentar, eu queria ver Aleksander. No canto, perto da lareira, vi um
agaroto. Um garoto de cabelos e olhos castanhos, com roupas três
vezes maiores que ele. O garoto me olhava com curiosidade. Mas
me surpreendeu ao se aproximar e dizer em um inglês cheio de
sotaque ucraniano.
— Talía? Eu ouvi muito sobre seus olhos.
Eu dei um passo para trás, meu coração se encheu de raiva.
Ele era apenas uma criança e eu me recriminei por isso, mas a raiva
predominou.
— Quem é você? — Perguntei, entredentes.
— Ele é o garoto que salvou a vida do seu marido, Talía. Se
não fosse por esse garoto, Alek teria morrido de fome, sede e frio.
Fiquei surpresa com as palavras de Giovanni e olhei mais
atentamente ao menino. Me aproximei e o olhei então para o que
ele realmente era. Uma criança.
— Você tem família, garoto?
— Não, senhora.
Me levantei. Eu ainda tinha dignidade em mim.
— Agora você tem.
Ele me olhou surpreso, porém eu não sorri. Não havia em mim
força para isso no momento. Contudo, se esse garoto havia ajudado
meu marido, eu tinha uma dívida com ele. Giovanni soltou uma
risadinha sarcástica e eu me lembrei na hora dos meus motivos
para estar ali.
— Milena me disse que ele estava em um hospital, que
hospital?
Giovanni voltou a ficar sério.
— Ele estava, não está mais. — Giovanni respondeu enquanto
todos os outros acompanhavam a troca.
Meu coração parou.
— O que? Por que?
— Calma. Pessoal, eu quero conversar com minha prima.
Todos assentiram e saíram. Isabella e Giulia foram levar Sean
e Elana, e a babá para um quarto, para descansar. Os homens
foram para algum outro lugar da casa e eu não perdi o olhar de
advertência de Yuri para Bella. Provavelmente ela também não
havia o avisado da minha chegada.
— O que aconteceu?
Giovanni se sentou e colocou ambas as mãos na cabeça. O
silêncio dele foi me deixando mais e mais angustiada. Ele finalmente
começou a falar.
— Encontramos Aleksander em uma situação perturbadora.
Ele disse que queria… Um tempo. Antes de vê-la. Para se recuperar
ao menos fisicamente.
Enquanto Giovanni falava, ele não olhava para mim. Ele olhava
para algum ponto no chão, algo que eu agradeci internamente, ou
então ele veria o quanto suas palavras me feriram. Eu estava
chorando, angustiada todo esse tempo e o filho da mãe não queria
me ver.
Eu não fui uma prioridade.
— Ele sabe sobre Sean? — Eu perguntei em um fio de voz.
— O direito de dizer isso é seu Talía. Todos concordaram.
Eu assenti.
— Onde ele está? — Perguntei sem o tom autoritário e
desesperado de minutos atrás.
Giovanni suspirou e disse.
— Eu vou te levar até lá.
Enquanto seguia Giovanni, eu estava insegura. Eu quis tanto
esse momento e agora não sabia como agir, o que falar. Meus
sentimentos ainda estavam fixos no fato dele preferir não me ver
imediatamente. No fato dele não me procurar. Quando cheguei
frente à porta de um quarto, Giovanni me deu sinal para entrar e
saiu.
Eu respirei fundo e abri a porta.
Aleksander estava em pé, na janela e usava um roupão. Meu
coração começou a acelerar no peito, desesperado. Raiva e
ressentimento esquecidos no momento. Ele se virou começando a
dizer algo, mas parou abruptamente ao olhar para mim. Seus olhos
estavam muito abertos, assim como a boca.
Ele tinha emagrecido, mas ainda era o meu Aleksander. Ele
tinha os olhos fundos, mas ainda era o meu, meu, meu Aleksander.
Ficamos parados olhando um para o outro. Acredito que ele
conseguia ler todas as emoções em meu rosto porque o rosto dele
suavizou, bem como o olhar.
— Você cortou o cabelo.
Ele disse. Ele reparou que meu cabelo que agora estava pouco
abaixo dos ombros. Quando o respondi, minha voz estava trêmula e
instável.
Deus, eu estaria sonhando?
— Está na moda.
Ele sorriu um pouco e deu um passo em minha direção,
fazendo meu coração enlouquecer, como se fosse pular para fora da
minha garganta a qualquer momento. O tanto que senti falta
daquele sorriso, o tanto que eu senti falta de tudo sobre ele. Duas
lágrimas desceram do meu rosto. O tanto que eu queria dizer e
agora não conseguia fazer nada. Nada.
— Você voltou para Nova Iorque? — Ele perguntou e a minha
primeira reação foi surpresa. Foi como um tapa em meu rosto.
Depois, foi a raiva, a mágoa.
Deus, tudo o que eu passei.
Tudo.
— Você não quis me ver! — Falei acusadoramente e apontei o
dedo para ele — Eu fiquei todo esse tempo no inferno achando que
tinha te perdido para sempre! Desde que soube que estava vivo,
revirei esse mundo para te encontrar e você não queria me ver?
Queria que eu… Que eu... — Comecei a chorar — Que eu
esperasse? Que eu ficasse mais tempo sem você?
Ele me olhou surpreso com a minha explosão, mas em
seguida, com um olhar de pena. Eu coloquei ambas as mãos em
meus rosto e senti minhas pernas enfraquecerem. Eu desmoronei.
Olhei para ele e voltei a falar energicamente.
— Eu não fui para Nova Iorque! Eu queria ter a oportunidade
de te ver de novo para dizer que você foi um idiota me colocando
naquele carro e se entregando aos ucranianos! Você foi um idiota e
eu não vou te perdoar por isso!
Eu não tinha percebido que estava me aproximando dele. Eu
sei que em pouco tempo, Aleksander me tomou nos braços e tocá-
lo, após tanto tempo, foi como a sensação de eletricidade em meu
corpo inteiro. Quase como um curto circuito, de uma forma
prazerosa, um choque, que ele foi capaz de sentir em mim como eu
senti nele. Ele segurou meu cabelo, firmando meu rosto para olhá-lo
nos olhos.
Como ele fazia, antes de tudo.
Que saudade, Deus, que saudade.
Meus dedos se agarraram ao seu roupão, quase como se eu
estivesse com medo, medo, medo de ser um sonho e tudo sumir,
como aconteceu tantas vezes durante esse tempo.
Eu estava enlouquecendo.
— Talía, eu disse que morreria por você. Eu fui ao inferno e
voltei. — A voz de Alek saiu embargada — Por você.
Ele falou que faria, ele falou e fez. Ele quase me matou de
desgosto e tristeza, mas ele fez por mim. Por Sean. Ele me amou,
me amou mais que qualquer outro. Eu sempre quis um amor épico,
sem saber que às vezes, os grandes amores vem recheado de
grandes sacrifícios.
Ele voltou a me olhar nos olhos e tudo o que vi ali foi saudade.
Saudade, saudade, saudade.
— Me beije… — Eu resmunguei, também emocionada.
Enquanto eu sentia uma de suas mãos em minha cintura e a
outra na raiz de meu cabelo, ele se aproximou mais, de forma que
senti sua respiração em minha boca. Calmamente, ele tocou os
lábios nos meus e o sentimento foi algo celestial, sobrenatural, que
me fez chorar com aquele toque sutil. Quando abri os olhos,
Aleksander tinha um semblante de cólera e angústia.
Seus olhos estavam úmidos.
Ele estava chorando.
Eu também estava.
Desesperada, o agarrei pelo pescoço em um abraço apertado.
Soluçando, o apertei nos braços, sentindo seu aperto desesperado
de volta. Quanta dor, angústia, desespero passamos. Foi tanto
sofrimento que por alguns instantes achei que esse era mais um dos
meus sonhos, onde eu o encontrava e logo em seguida acordava. O
abracei mais forte, chorando ainda mais.
Era real.
Ele estava aqui, comigo, inteiro. Ou pelo menos o que restou
dele, de mim, de nós dois. Não importava, não importava. Juntos
nós conseguiríamos vencer. Ele me afastou somente para em meus
olhos. O seu verde, o meu verde. Ele me beijou finalmente, com a
intensidade de antes, misturando dor, alívio e lágrimas, em uma
dança comandada pela saudade e esperança.
Desesperadamente eu comecei a tirar as minhas roupas, o seu
roupão e ele me deitou na cama quando ambos estávamos nus. O
corpo dele esquentou o meu, e quando eu acariciei suas costas…
Senti várias cicatrizes. Mais que depressa, Aleksander segurou
minhas mãos acima da minha cabeça e me encarou.
— Aleksander…
— Não. Agora eu vou ter você à minha mercê, como eu venho
desejando. Como eu sonhei a cada vez que perdi a consciência
naquele cativeiro. Eu vou comer a sua boceta, foder a sua boca
esperta e depois foder sua boceta até você não aguentar mais.
Muito tempo sem disciplina, Talía — Ele se abaixou e mordeu o bico
do meu peito — Eu estou de volta.
Pelos céus, como eu poderia ficar molhada com tantas
palavras sujas? Eu fechei os olhos, até perceber que Aleksander
amarrava minhas mãos na cama com o cordão do roupão, o que me
deixou ainda mais excitada. Devagar, ele desceu beijando minha
barriga até encontrar meu centro. Então ele começou uma doce
tortura. Toda vez que eu quase conseguia chegar ao clímax, o filho
da mãe parava.
Ele quase me levou à exaustão nessa brincadeira. Ainda me
deixando sem gozar, ele se colocou em minha barriga. Então, se
aproximando até meu peito, passou a provocar minha boca com a
ponta do seu pau. Ele colocava e tirava, colocava até segurar minha
cabeça com firmeza e foder minha boca como disse que faria.
— Você chegou aqui muito insolente, Talía. Vou foder sua
insolência para fora de você.
Ele estava me deixando louca. Eu não tinha gozado, ele não
tinha permitido. Logo após me provocar até me deixar à beira da
insanidade, Aleksander desceu e levantou minha perna. Devagar,
ele começou a me penetrar.
Fazia tanto tempo, que a sensação do seu pau na minha
boceta quase me fez desmaiar.
— Você deu o que é meu para mais alguém, Italianinha?
Eu o olhei e dei um sorriso sacana.
— Você nunca vai saber.
Ele me penetrou com força em resposta. Eu levantei mais o
meu quadril para tê-lo mais profundamente. Ele ficou
completamente dentro de mim, após algumas estocadas duras e
parou. Nossos olhos se encontraram e ficamos assim, parados, toda
a provocação deixada de lado.
Aleksander começou a me penetrar lentamente, sem nunca
desviar os olhos dos meus. Emoção sem igual me tomou porque ele
estava aqui, dentro de mim, depois de tanto tempo. Ele estava
comigo, e agora seria para sempre. Ele beijou minhas lágrimas
enquanto estocava lentamente em mim. Em meio à emoção, o
prazer foi se construindo, tão grande que eu não pude evitar dizer:
— Eu te amo, Alek…
Ele, ainda me penetrando com uma lentidão torturante e
deliciosa, falou roucamente:
— Eu morro por você Talía… Quantas vezes forem
necessárias…
Eu o beijei sabendo que era verdade.
E também sabia que eu morreria por ele e por Sean.
Juntos, alcançamos o pico do prazer, com uma intensidade
que jamais imaginei possível. Finalmente, eu estava em casa.
CAPÍTULO 27
Aleksander Dardan

Talía ressonava em meu peito. Era tudo tão surreal que eu


custava em acreditar não que estava sonhando. Depois de tudo, ela
estava aqui na Rússia. Teimosa, eu pensei e sorri. O que seria
capaz de parar Talía? Eu não perguntei sobre ela. Apenas quando
Giovanni me disse que ela estava preocupada eu permiti que ele
dissesse que eu estava bem.
Tive medo.
Pela primeira vez, algo me assustou mais do que perder Talía
para a morte: perder o afeto dela.
Eu tinha sumido por um ano, todos acreditavam que eu estava
morto, era o que eu pensava. Eu tinha já me conformado com a
morte e agora eu tinha uma dívida de vida com a Aliança.
E se ela tivesse seguido a vida dela? Eu queria continuar
sendo amado por Talía. Saber que ela ainda me amava mudava
tudo. Quando voltei meus olhos para Talía, ela me encarava.
— Não é um sonho — Ela sussurrou.
— Não — Sussurrei de volta.
Como ela, em alguns momentos, tive que aperta-la forte em
meus braços, para ter certeza de que não era uma alucinação. Mas
era ela, aqui, em meus braços. Minha esposa teimosa tinha vindo
para a Rússia, porque essa era ela, conseguia o que queria, e
algumas coisas não mudavam nunca.
Como o meu desejo louco por ela. Como todo esse turbilhão
dentro de mim, causado apenas pela visão dela. Como eu achei que
poderia deixa-la viver em paz se ela tivesse seguido a vida dela?
Não, eu mataria o filho da puta e a amarraria em minha cama. Para
sempre.
— Eu passei um inferno sem você. — Ela disse e lágrimas
rolaram de seus olhos.
— E você foi a minha luz no inferno.
Eu a beijei, lágrimas e choro entre nós. Ela estava diferente,
embora eu ainda não soubesse dizer o que era realmente. Ia além
do cabelo curto. Era algo em sua forma de falar, como se ela tivesse
endurecido.
A coloquei embaixo do meu corpo, ainda insaciável por ela,
como era antes, como sempre seria. Talía me incendiava e pelo que
eu estava começando a ver, isso era outro fato que jamais mudaria.
— Eu sempre fui sua, Alek. Mesmo se tivesse morto, eu jamais
permitiria ser tocada por outro — Mais lágrimas — Eu sempre seria
sua.
A emoção ficou parada na garganta. Segurando o que eu
sentia, todo aquele furacão, eu peguei sua mão e coloquei sob meu
peito.
— Sempre foi teu. E sempre será.
Era a única verdade.

───※ ·❆· ※───


Me levantei com cuidado, pois Talía deveria estar muito
cansada da viagem. Após amar cada pedaço do seu corpo, caímos
em um sono profundo. Eu estava me recuperando bem, embora
dormir fosse um problema. Imagens, pesadelos, tudo se somava à
insônia. O médico que me avaliou disse que eu precisaria de um
tempo para me recuperar.
Eu só precisava de tempo para lidar com a realidade, fosse ela
qual fosse. Mas ver Talía em minha frente após tanto tempo me fez
perder qualquer determinação de deixá-la em paz, se fosse o que
ela quisesse.
Agora já não importava, mais uma vez ficou provado que ela
era minha. Apenas minha desde antes de conhecê-la. Eu mataria
qualquer um que ficasse em nosso caminho.
Me levantei e tomei um banho fazendo o menor barulho
possível, mesmo sabendo que dificilmente Talía acordaria. Ela
parecia exausta de... De tudo. Minha italianinha havia me esperado
e isso já me deixava otimista.
Com cuidado, desci as escadas e encontrei Elana. Ela colocou
a mão sobre a boca ao me ver e então, chorando, veio em minha
direção. Elana me abraçou e eu a abracei de volta.
— Alek, eu achei que você estivesse morto!
— Eu sei, pequena. Eu sei.
Ela se afastou e eu notei que ela já era toda uma mulher. O
cabelo estava nos ombros, as roupas mais adultas. Nada de meias
e pijamas. O que mais poderia ter mudado?
De longe, vi uma mulher e um bebê. Na sala, estavam Giulia,
Shield e Storm, Yuri e Isabella. Eu ia fazer uma piada sobre Giulia
ter outro bebê quando escutei passos na escada. Olhei para cima e
encontrei Talía vestida no meu roupão. O bebê começou a chorar
bastante e ela desceu correndo, indo direto para ele.
Um sentimento que eu não soube definir começou a crescer
dentro de mim. Esse bebê era dela? Ela havia seguido a vida dela,
no fim das contas? Ou o bebê era de Elana? Como em um passe de
mágica, assim que Talía pegou a criança no colo todos saíram da
sala, e o bebê se acalmou quando ela começou a dizer palavras
doces para ele.
Minha mente estava bagunçada enquanto eu via Talía segurar
o pequeno e bebê e vir em minha direção. Ela chorava, apesar do
tom doce que usava com o bebê. Eu não conseguia entender nada,
e já conseguia escutar as batidas do meu coração em meus
ouvidos. Para meu desespero maior, eu não conseguia dizer nada.
Nenhuma palavra saía de minha boca.
Talía parou em minha frente e olhou para mim.
O bebê fez o mesmo
Olhos verdes.
Como o de Talía.
Como os meus.
— O que…
— Conheça Sean Aleksander Dardan — Eu queria perguntar
novamente, mas minha mente estava bagunçada. Eu tinha escutado
bem? Ele tinha meu nome? — Nosso filho.
O pequeno bebê continuou olhando para mim da mesma forma
que eu o olhava. Assustado. Sean Aleksander Dardan. Meu filho. Eu
tinha um filho, um filho com Talía. Eu olhei para ela, que chorava. Eu
acho que o nó em minha garganta e a queimação em meus olhos
seriam um indicativo que eu choraria também, se não me
controlasse.
— Quando você se entregou para a morte, você não salvou
apenas a mim. Você salvou seu filho também.
Minha cabeça começou a girar com as informações. Eu caí de
joelhos diante de Talía e meu filho. Meu filho. Escutando os soluços
de Talía e a voz de bebê do meu filho, depois de um ano no inferno,
talvez, naquele momento, eu tenha começado a acreditar em
milagres.

───※ ·❆· ※───


Olhei o jardim de minha mãe, sentindo naquele momento toda
a gratidão que o meu coração quebrado poderia sentir. Talía tinha
ido alguns metros à frente colher algumas tulipas e eu olhava Sean,
em meus braços. Meu filho era a minha versão bebê, assim Mina
dizia todos os dias.
Uma semana tinha se passado desde que voltamos da Rússia
e eu tinha sido abençoado contudo o que eu nunca me atrevi a
sonhar naquele inferno. Olhei para a minha mulher e então para o
meu filho. Aquela mulher que colhia flores no jardim de minha mãe,
o mesmo jardim que eu cuidei minha vida inteira, manteve tudo no
lugar. Ela foi mulher, mãe, chefe, e sozinha.
Quando eu estava no cativeiro e imaginava Talía, eu pensava
nela casada novamente, ou estudando ou em Nova Iorque com a
família. Mas ela nunca desistiu de mim. Talía não desistiu, tomou as
rédeas de toda a nossa desgraça e manteve a casa em ordem. Ela
se corrompeu com a minha escuridão e o fato só me fez amá-la
mais, de um jeito doente.
Eu nunca entendi o que era esse tal amor que eu via em meus
aliados. Essa entrega, renúncia e abdicação de tudo, em prol do
outro.
Não até o dia em que eu vi a vida de Talía em risco e tudo o
que eu poderia pensar era em salvá-la. Se amar significava morrer
pelo outro, eu amava Talía e Sean mais do que tudo nessa vida. E
eu faria tudo novamente, iria para o inferno somente para vê-la
daquela forma: colhendo tulipas em meu jardim.
Ela se aproximou sorrindo e como sempre acontecia, eu não
conseguia sorrir para ela. Porque o sorriso dela revirava o meu
interior ao ponto da dor física. O sorriso dela também mudou.
Apesar de estar feliz, nesse período que ficamos separados a
ingenuidade dela morreu. Agora ela entendia do próprio mundo, dos
riscos e dificuldades que um dia Sean enfrentaria.
— Todos os dias em que eu estava em casa, eu vinha aqui. E
ficava pensando em você, imaginando o que poderia estar
acontecendo com você.
— Não teve um momento de consciência que eu não me
lembrei de você.
Ela olhou para cima, segurando uma onda de lágrimas.
— Me senti abandonada, Alek.
Passei o braço pelos ombros dela. Eu tinha minha cota de
demônios para controlar e Talía tinha a dela. Mas enquanto eu
olhava para Sean, algo dentro de mim, aos poucos florescia.
— Você foi incrível. — Eu disse enquanto beijava sua testa.
Hoje ela sabia que a vida de um mafioso deixa cicatrizes
internas e externas. Olhando para ela, para como ela cuidava e
amava nosso filho, como ela tinha conquistado o respeito dos meus
homens, eu só poderia sentir orgulho. Orgulho da mulher que me foi
dada ainda aos dezoito anos e que eu nunca olhei com
credibilidade. Eu viveria todos os dias para ser o melhor por ela e
Sean. Eu compensaria o tempo perdido aprendendo a demonstrar o
quanto eles significavam para mim.
O meu mundo, a minha vida.
Meu tudo.

───※ ·❆· ※───


Naquela noite, quando Talía finalmente dormiu, eu fui até o
quarto de Sean. Eu fazia isso todas as noites, apenas ficava ali
olhando meu filho adormecido. Porque eu sentia que cada segundo
longe dele, era um tempo precioso perdido sem vê-lo, e eu já tinha
perdido tempo demais.
Eu tinha medo que algo em seu rosto mudasse, ou que ele
crescesse e eu não percebesse. Eu queria que ele me amasse
como eu já o amava. Eu sabia que teria filhos, sempre soube que
era o esperado, só não sabia que um ser tão pequeno poderia
evocar tanto amor em uma pessoa.
Eu me achava incapaz de amar, agora, me achava incapaz de
não amar Talía e Sean. Minha vida pertencia a eles. Senti os braços
ao meu redor e o perfume de Talía me invadiu.
— Pesadelos? — Ela perguntou.
— Não — Eu me virei para a mulher que tinha minha vida nas
mãos — Obrigada.
Ela me olhou confusa.
— Por não desistir de mim. Por não desistir de Boston. Pelo
seu amor. Por tudo que fez por Elana — Olhei para o berço — E por
Sean. Minha vida é tua, Talía.
— E a minha é tua. Para sempre.
Eu a puxei em minha direção, mão no cabelo e cintura, porque
eu não conseguia ser diferente com ela. E ela nunca se importou.
Doía a sensação de que ela pudesse desviar os olhos de mim,
quando eu sentia tudo, tudo por essa mulher.
Talvez não fosse fácil, mas tínhamos o necessário para nos
curarmos.
E conquistar nossa própria versão de felicidade.
CAPÍTULO 28
Talía Dardan

Hoje meu príncipe completou cinco meses.


Sean era um bebê que ficava cada dia mais esperto. Hoje eu
daria uma volta no parque com Elana e Sean. Agora que Aleksander
estava de volta, eu poderia me dedicar mais ao meu filho e à
universidade.
Antes, Aleksander me perguntou se eu gostaria de continuar à
frente da organização, mas eu neguei. Eu estava feliz sendo a mãe
de Sean e a esposa do chefe, embora minha opinião sempre fosse
valorizada.
Eu fiz o que foi necessário pelo tempo necessário. Era um
fardo pesado e mesmo que eu fosse capaz, preferia ser poupada de
tomar tantas decisões difíceis.
Enquanto andávamos, eu via os nossos homens se
posicionando para fazer a nossa segurança. Eu evitava sair de
casa, mesmo sabendo que os ucranianos já não estavam em
Boston ou mesmo nos Estados Unidos. Sempre poderia haver
algum inimigo notório, e ainda havia o Cartel. Os rumores diziam
que Suarez estava perseguindo Hanna, a irmã de Shield. Nossos
aliados. O cartel já havia investido contra minha vida quando estava
noiva de Aleksander, eles bem poderiam atentar novamente contra
nós.
Aleksander estava cada dia mais forte, nossa comunicação
havia melhorado muito e todos os dias ele fazia questão de passar
um tempo com Sean. Geralmente chegava antes dele dormir e o
colocava na cama.
O amor de Aleksander para comigo sempre foi quase
agressivo, duro e direto. Mesmo quando dizia que me amava, soava
como uma ameaça a qualquer um que pudesse nos separar,
chegava a ser rude. Mas para Sean, ele guardava o lado doce que
nunca demonstrou por ninguém.
O amor de Sean estava curando Aleksander, eu sentia isso em
meus ossos.
À noite, depois do sexo, Aleksander ficava acordado. Ele ainda
tinha dificuldade para adormecer e quando dormia, os pesadelos
sempre vinham e então boa parte da noite ficávamos conversando.
Ele me contou sobre Mirella e como ela o torturou para que cedesse
a ficar com ela. Eu ainda tinha minha influência e havia colocado
alguns homens atrás dela.
— Como ela pôde trair a própria família? — Questionei em
uma dessas noites difíceis de pesadelo e insônia.
— Passou.
— Ela precisa ser encontrada e penalizada — Olhei para Alek
— Ela quase me tirou você. Quase te tirou a oportunidade de
conviver com seu filho. EU nunca a perdoarei.
Alek sorriu e me beijou
— Minha gângster perigosa — Disse enquanto me segurava
rudemente pelo cabelo e me dava uma palmada na nádega.
Eu não consegui sorrir, apesar de seu lindo e raro sorriso em
minha direção. Não havia muito que eu pudesse fazer em relação
ao que tinha acontecido, mas eu ainda poderia me vingar.
Foi graças a ela que os ucranianos conseguiram invadir minha
festa e foi por causa dela que eu e Aleksander tínhamos passado
pelo inferno. Aquele lado ruim que eu tive que desenvolver em meio
à dor e agonia, ainda estava dentro de mim. E ela pagaria por todo o
mal que trouxe sobre mim e Aleksander.
— E Way? — Elana perguntou.
— Está matriculado na escola, ficará lá durante a semana e
virá para casa nos fins de semana. Temos uma dívida com o
pequeno ucraniano e com certeza ele terá todo o apoio necessário
para ter uma vida digna. Aleksander e eu já o consideramos da
família.
Elana sorriu e então voltou a ficar séria. Algo a incomodava,
mas eu daria tempo para que ela se sentisse confortável em me
dizer.
— Aleksander veio falar comigo. Ele tem um arranjo para mim.
Sentamos no banco da praça e eu observei Elana olhar o
horizonte. Ela estava a cada dia mais linda e confiante. Brianna
havia caído de vez no esquecimento e apesar de não sermos
próximas, ela tinha carinho pelo meu filho. E era só por isso que a
tolerei todo esse tempo e ainda a tolerava.
— Você sabe que tem todo o direito de recusar, Elana.
— Eu sei. — Respondeu com um suspiro — Mas eu também
sei que tenho obrigações com a família. Você me inspirou e me fez
ver que eu preciso de coragem, não dá para continuar me
protegendo para sempre do nosso mundo. Preciso encara-lo como
você fez.
— E você já sabe quem é?
— Já ouvi falar, não que faça alguma diferença. Sei que
Aleksander jamais me daria a alguém em quem ele não confiasse.
— Quem é?
— O segundo no comando da Bratva. Boris Klovitz. Vi uma foto
dele. Jovem e bonito.
— Não o conheci, mas ouvi falar dele. É o braço direito de Yuri,
disso eu sei. E que bom que ele é jovem, ele não é mais velho que
eu.
— Vinte e dois anos. Tão jovem e já tem tamanha
responsabilidade.
— Yuri foi criado na Cosa Nostra. Ele era Nero Rossi e muito
cedo foi Capitão-Mor, terceiro no comando da organização. Nem ele
sabia que era o herdeiro da Bratva.
— Me lembro dessa história. Ele deve ter se visto quando mais
novo em Boris. Eu não reclamei, poderia ser muito pior.
Eu a olhei e ambas caímos na risada. Certamente Aleksander
o teria investigado e uma aliança por casamento com a Bratva nos
fortaleceria ainda mais. Olhamos juntas para Sean, que agora nos
encarava, tendo os olhos ainda mais expressivos devido ao verde
das árvores.
— Ele tem os seus olhos e de Alek — Eu olhei para Elana —
Eu sempre soube que se apaixonariam. Desde o seu noivado, eu
soube. Os olhos de vocês são o espelho um do outro.
Eu olhei de Sean para Elana.
— Eu e Alek temos a nossa própria forma de amar. Eu espero
que você também encontre o amor, Elana. Porque com amor, tudo
fica mais suportável. Tudo.
Ela sorriu e vi um pouco da fachada corajosa ceder. Ela estava
com medo e eu a entendia perfeitamente. O futuro era incerto.

───※ ·❆· ※───


Olhei para a mulher à minha frente, amarrada e machucada.
Esperei por alguma onda de remorso, mas como esperado, ela não
veio. Quando ela levantou os olhos, eles estavam como pratos.
Mirella poderia ter simplesmente ido embora e construído uma boa
vida, eu pouco me importava, mas ela foi a responsável por todo a
dor que incidiu sobre minha família. Por causa de sua obsessão,
toda a tragédia aconteceu.
— Me mate logo, sua princesinha do inferno. Eu te espero lá.
Ela disse com o lábio cortado. Olhei para Isabella, que tinha
feito um excelente trabalho nos dois dias em que esteve me
visitando em Boston. Desde que Mirella foi encontrada, em Tóquio e
trazida para Boston, pedi o auxílio de Bella. Não existia castigo
maior no mundo do que ser condenado aos cuidados da executora
da Bratva. Quando Bella se aproximou, Mirella começou a chorar
alto e pedir por socorro.
— Me mate logo. Me mate logo, sua desgraçada.
Isabella não piscou. Mirella estava muito debilitada e
machucada, com cortes de todos os tamanhos e profundidades
espalhados pelo corpo. A longa cabeleira avermelhada foi raspada.
Seu rosto estava desfigurado, nada como a beleza ruiva que um dia
foi.
— A morte seria um presente para você. Kael! — Kael
apareceu com mais dois homens.
Mirella não tinha mais forças para sair do lugar. Kael e dois
homens a pegaram e arrastaram para o final do galpão, que ficava
em um terreno isolado da cidade. Eu me aproximei e pedi para que
parassem um momento. Mirella resmungava a palavra “não”
desesperadamente. Eu segurei seu queixo de forma que ele teve
que olhar para mim e Isabella parou ao meu lado, com uma adaga
na mão.
— Viva nesse buraco sabendo que eu e Aleksander estamos
tendo uma boa vida. A cada dois dias, alguém virá lhe trazer alguma
merda para você não morrer tão rápido. Eu fiz uma aposta com
Bella. Eu acho que você não dura três meses.
— Eu não dou um mês.
— Vocês são loucas! VOCÊS SÃO LOUCAS! — Mirella gritou.
— Talvez eu esteja apostando demais nela.
— Dois meses.
— Se você perder quero aquela bolsa da Chanel. Última
coleção.
— Okay.
Isabella respondeu e nos viramos, escutando um estrondo,
gritos e choro. Eu já não me importava em deixar um rastro de caos
por onde eu passava. Agora, eu fazia parte dele.
Mais tarde naquela noite, após o sexo selvagem e enquanto eu
sucumbia em seus braços à exaustão, Aleksander me questionou.
Ele acariciava meu cabelo.
— Eu sempre soube.
— Sempre soube o que?
— Que você faria uma revolução aqui. Eu só não imaginava a
magnitude.
— Por que está me dizendo isso?
— Você disse que não queria mais estar à frente do negócio.
— Eu não quero.
— Mesmo assim você colocou meus homens atrás de Mirella e
eu sei que a visita de Bella em Boston não é social. Você tem feito
escolhas pelas minhas costas, alaiín. Devo temê-la?
Eu me levantei e o olhei nos olhos, percebendo então que ele
não falava sério. Estava brincando comigo e sorria. Mas quando eu
respondi, foi seriamente. Muito Aleksander passou a me contar com
o tempo, sobre os seus horrores de infância e eu só não matei
Brianna por Mirella. A cumplicidade que eu tanto desejei, era natural
de nosso dia a dia. Aleksander valorizava minha opinião, a mulher
que eu era.
— Ninguém machuca pessoas que eu amo e saí pelo mundo,
impunemente.
Aleksander passou a mão do meu cabelo ao meu pescoço,
com um semblante indecifrável. E então, bruscamente, ele me
ergueu até eu estivesse em frente ao seu rosto. Antes que ele
dissesse as palavras, eu falei.
— Eu morro por você, Alek. — Disse sem tirar os olhos dele —
E mato por você.
Aleksander soltou uma respiração forte pela boca.
— E eu amo você, Talía. Amo você.
Eu selei nossos lábios em um duro beijo.
O amor nem sempre era à primeira vista. Às vezes, ele vinha
moldado por momentos de perda, dor e tristeza.
E nem por isso deixava de ser amor.
EPÍLOGO
Aleksander Dardan

Tara e Shield viviam juntos e tinham uma filhinha de dois anos.


Eles se conheceram em uma situação bastante atípica e ficaram
noivos por um tempo, antes de finalmente decidirem se casar, de
uma hora para outra. Não era uma super festa, chique e italiana
como o meu casamento foi. Era uma festa no Clube, para todos os
membros e aliados, em Richmond.
O ponto alto do evento foi a pequena Alicia caminhar até os
pais e entregar as alianças. A menina de cabelos escuros e olhos
azuis era uma verdadeira beleza travessa. Acompanhada de perto
pela tia, Hanna era nítido que a pequena reinava entre os MC’s.
As declarações foram emocionantes, e hoje, enquanto Talía
tentava acalmar um Sean de oito meses esperneando em seu colo e
pedindo o chão, eu entendia o que era esse amor tão declarado que
meus aliados afirmavam existir e sentir. Porque eu também tinha em
casa algo pelo que lutar e respirar.
Do outro lado, Vivian, Elana e Anita conversavam e riam, um
comportamento esperado de garotas entre dezessete e dezoito
anos. Toda a cerimônia e festa seguiram de forma tranquila, porém
certo movimento foi observado enquanto o casal dançava sua
música. O filho mais velho de Eduardo, agora com cinco anos, tinha
a mão sobre o olho enquanto olhava irritado para a filha de Shield.
— Ela bateu no meu rosto! — Ele gritou. Hanna e Giulia
tentavam intermediar a situação.
— Peça desculpas, Alicia. — Hanna disse com seriedade.
— Não! — A menina gritou de volta, com o mesmo olhar
irritado.
Ao meu lado, Talía começou a rir.
— Não ria, nosso filho não será para sempre um bebê de colo.
Talía voltou a ficar séria.
— Que Deus tenha piedade.
Ambos rimos. Era natural rir com Talía. Era não era só uma
mulher inteligente, esposa e mãe do meu filho. Além de ser a mulher
que tinha meu coração, ela também era minha melhor amiga.
Confiava nela com minha vida.
No final da festa, todos nos reuniríamos na sala de reunião dos
Devils. Talía tinha se preparado para ir com as outras mulheres, mas
eu a segurei. Pedi que Elana ficasse com Sean e a levei comigo. Ela
questionou sem entender o que estava acontecendo, mas eu não
disse nada. Assim que chegamos, todos estavam sentados e havia
duas cadeiras.
— O que é isso, Aleksander?
Ela perguntou e me olhou alarmada. Eu a levei, hesitante, até
a cadeira ao meu lado. Já fazia um tempo que queria fazer isso,
mas eu entendia quando Talía dizia que queria passar tempo com
Sean. Entretanto, quanto mais o tempo passava, mais desafios para
a Aliança apareciam, e mais eu tinha certeza de que o lugar dela era
ao meu lado, em tudo.
Absolutamente tudo.
— Essa é a sua cadeira, Talía.
— Mas…
— Você a conquistou. Você tem direito em todas as decisões e
voto. Faremos tudo juntos.
Talía olhou para os outros homens e todos demonstraram
respeito e simpatia. E não era por mim, era por ela, por tudo o que
tinha feito em minha ausência. Ela merecia e mesmo se ela
recusasse, eu entenderia.
— Este lugar ao meu lado é seu, Talía. Se você quiser.
As coisas não estavam boas.
O Cartel estava avançando e declarou guerra aberta à Aliança.
Hanna estava sob a mira de Suarez, que não cansava de ameaçar
sua integridade em todas as oportunidades. Ainda era uma incógnita
a sua localização, e quanto mais pessoas capacitadas para vencer
essa guerra, melhor para todos. E Talía, minha esposa, era preciosa
para a Aliança, com sua mente sagaz.
Me sentei e esperei que ela tomasse a decisão e não levou
muito tempo.
Vestida de confiança e determinação, ela observou a todos e
tomou o seu lugar de direito.
Ela era uma Chefe.
Uma igual.
— Podemos começar?
Ela disse e meu peito explodiu de orgulho.
Ela me corrompeu com seu amor e eu a corrompi com minha
escuridão.
Éramos almas gêmeas.

[1]
Pai
[2]
Linda

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