Revisão: Ana Karolina Araujo Diagramação: Três Um Oito - Produção Visual
Esta é uma obra de ficção. Nomes, personagens, lugares e
acontecimentos descritos são produtos da imaginação da autora. Qualquer semelhança com nomes, datas e acontecimentos reais é mera coincidência.
UNIDOS PELO SACRIFICIO
Série Pétalas em Sangue – Livro 4 Harin Adna 1.ª Edição – 2022
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Esta obra segue as regras da Nova Ortografia da Língua
Italiana mimada, rica, princesa da máfia e fútil, foram adjetivos que
acompanharam Talía Maceratta por toda sua vida. Não que ela se importasse. Até ser prometida ao Chefe da Máfia irlandesa. Uma nova vida a espera em Boston, onde ela terá que ser mais que um dia imaginou que seria. Aleksander Dardan, Chefe da Máfia irlandesa, sempre soube que se casaria por poder. O ambicioso Chefe viu em Talía a oportunidade de solidificar seu território e sua relação com a Aliança. Sacrificar sua liberdade era um valor justo, diante das possibilidades que a Aliança poderia proporcionar a sua organização. O que ambos não contavam, é que nada seria como imaginavam, nem que todas as impressões que tiveram um do outro, durante um longo e frio noivado, fossem invadir a realidade, fazendo nascer da hostilidade instaurada, admiração e amor. Mas o amor exige sacrifícios e sacrifícios causam dor. Com um inimigo à espreita, Boston está sob ataque. Ela terá que ser mais. Ele terá que sobreviver. E às vezes, amor e sacrifício não são suficientes. PRÓLOGO Aleksander Dardan
Quatro anos antes, Boston.
— Você poderia ter tomado um banho antes de vir aqui.
Sean Dardan me deu um único olhar antes de voltar sua atenção para o notebook. Eu tinha acabado de voltar de uma execução com Kael, nosso executor chefe, e estava sujo demais para os princípios sofisticados do Athair[1]. — A sua mensagem dizia “imediatamente”. — Respondi com um sorriso que não chegou aos olhos. Athair não voltou a me olhar, fazendo o que ele mais gostava: mostrar quem era o chefe e que eu deveria estar à sua disposição, sempre. Quando julgou que já tinha me feito esperar o suficiente, voltou os olhos para mim, ignorando o sangue que sujava sua cadeira. — Não me agrada que você passe tanto tempo com Mirella, Aleksander. Nosso território está instável, você é o meu herdeiro e tem responsabilidades, mesmo que às vezes pareça se esquecer disto. Dimitri Nikolai está cada vez mais ousado em seus ataques e sozinhos, não conseguiremos ir muito longe. — Então não me culpe por mutilar alguns russos. — Eu não sei qual é a real natureza do seu relacionamento com essa garota, mas isso deve parar — continuou, ignorando a picada em meu tom. —Mesmo que ela seja a sobrinha da minha esposa, prima de sua irmã, ela é filha de um soldado, não tem os laços de que precisamos. Eu estou negociando seu casamento com uma das filhas da Cosa Nostra. Não movi sequer um músculo, mas o sorriso abandonou meu rosto. Eu sabia que teria que me casar em algum momento e até mesmo cheguei a cogitar Mirella. Além do sexo ser bom, ela era alguém familiar e entendia as regras da vida na máfia. Era algo que fazia sentido, entretanto, nenhuma promessa foi feita entre nós. Estava chateado por ter que me casar com uma estranha, não seria hipócrita de mentir. Uma italiana. Mas este era o sacrifício, não era? A organização seria sempre a prioridade. Sempre. — Faça como achar melhor, Athair. — Ele sempre fazia. — E resolva esta situação, não quero Brianna em meus ouvidos por conta de suas... — Ele me olhou rapidamente — Indiscrições. Ela veio com uma conversa delirante sobre vocês darem um bom par, mas as coisas estão tensas. As italianas são dóceis e submissas, criadas para o casamento. Ainda não temos nada definido, mas não acredito que vá haver quaisquer problemas. Esta parceria também é de interesse da Cosa Nostra, algo que fortalecerá ambas as famílias. Dei um aceno, embora minha mente ainda estivesse presa na parte em que eu compartilharia a vida com uma completa estranha, mesmo que fosse submissa e dócil, ou qualquer coisa do gênero. Eu não gostava que me dissessem o que fazer, era um rebelde por natureza… Mas essas eram as regras e ninguém estava isento delas. Nem mesmo o futuro líder da máfia irlandesa.
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Nova Iorque Talía Maceratta Quando cheguei ao escritório, após ter sido chamada, encontrei papai, Giovanni (que há pouco tempo tinha se tornado Consigliere da Cosa Nostra) Eduardo, nosso Don, e minha tia Antonella. Eu tinha acabado de chegar da universidade, onde comecei o Pré-Med, e já estava indo para o meu dormitório, quando Giovanni me ligou. Ele e meu pai precisavam falar comigo e parecia urgente. Eu não tive um bom pressentimento. Entrei e me sentei na cadeira claramente reservada para mim. Olhei para todos e esperei, um pouco agitada internamente. — Está tudo bem? — Finalmente perguntei. Papai suspirou e o maxilar cerrado de Giovanni saltou. Tia Antonella deu um sorriso e então se aproximou, sentando- se na cadeira ao meu lado. Ela assumiu o papel maternal em minha vida desde a morte da minha mãe, quando eu tinha dez anos. Nossa família era unida, apesar de todos os horrores nos bastidores da vida na Máfia. Eu sempre tive tudo o que pudesse desejar, menos liberdade. As únicas exceções eram a faculdade e o quarto no dormitório, como qualquer outra estudante. Agora, eu estava vendo a minha pouca liberdade escorrer por entre meus dedos. — Minha querida — Papai começou. — você sabe que só queremos o melhor para você, certo? E sabe também que a nossa vida é cheia de tradições e regras e mesmo nos dias de hoje, algumas coisas são imutáveis. — Vocês estão me assustando. Tia Antonella suspirou e Giovanni se levantou. — Talía, você tem visto a quantidade de ataques dos russos que estamos sofrendo, aqueles fodidos filhos da puta mataram meu pai. — Sim, eu sabia, e o fato era recente, ainda doía muito. Giovanni parecia estar fazendo todo o esforço possível para se manter calmo, mas a raiva irradiava dele. — Precisamos de alianças, precisamos nos fortalecer. — A Máfia Irlandesa nos contatou, eles querem uma aliança através do casamento. — Eduardo disse e eu me levantei com as palavras fazendo eco em minha mente. Aliança através do casamento. Ele não precisava dizer mais nada. Andando calmamente, fui em direção à janela e olhei para fora da mansão de minha tia. Eu conhecia as regras da Famiglia, mas no fundo, eu acreditava que um dia poderia me casar por amor, que poderia escolher o meu marido. Pelo jeito, não. Olhei para Eduardo, que se casara há pouco tempo. Também tinha sido um casamento arranjado, com outra família da máfia italiana. Ele parecia bem, assim como Giulia, sua esposa e agora esperavam o primeiro filho. Mas e eu? Eu iria para outro estado, outro povo, outra cultura. Um medo passou por mim e eu tremi levemente. — Talía — Giovanni me virou em sua direção, segurando meus ombros — Você não é obrigada. Se não quiser isso, eu vou dar um jeito. Certo, Eduardo? Eduardo não respondeu. Apenas me olhou. Eu sei que se me recusasse, tanto papai quanto Giovanni queimariam o mundo para impedir que esse casamento acontecesse, mas eu tinha testemunhado os ataques dos russos à casa de Eduardo, a tentativa de sequestro de Anita Santorelli, irmã de Eduardo. O sequestro de Isabella Castelle, irmã de Giulia, no dia do casamento de Eduardo. A morte do tio Salvatore. Eu não poderia me opor. Eu senti meus olhos queimarem, senti meu corpo tremer, mas também senti que deveria ser forte. Era o meu destino. Meu sacrifício. Levantei o queixo da maneira mais altiva possível e forcei um sorriso. — Tem certeza que não há mais ninguém na Famiglia que possa tomar meu lugar? — Perguntei. — Maceratta ou Santorelli. Anita tem apenas onze anos, você é a mais apta, Talía. — Eduardo respondeu. — Podemos mandá-los à merda se ela se recusar! — Giovanni esbravejou e eu dei um salto. — Modos, Giovanni. — Tia Antonella o repreendeu. — Então está feito. Eu só quero uma garantia: Quero terminar meus estudos e ter a liberdade de trabalhar. Acha que consegue isso? — Pode ser arranjado. — Eduardo afirmou e a sombra de um sorriso passou em seu rosto. Por fim, eu suspirei. — Agora, por favor, me digam que não se trata de um velho babão. — Disse em meu tom mais mimado possível, na tentativa de quebrar a tensão do ambiente. Titia e papai riram. Meu pai se aproximou e beijou minha testa em um carinho familiar. — Não, principessa. Ele é jovem e valente. Eu tinha medo. Muito medo. Eu era uma estudante de dezoito anos, mas, pelo menos, ganharia seis anos para me acostumar à ideia de me casar com um estranho. O fato de meu futuro noivo ser jovem e valente não diminuía em nada o meu medo, mas muito poderia acontecer em seis anos, não é? Ainda poderia haver esperança. O que eu não sabia, era que eu nada entendia sobre abdicação e sacrifícios. CAPÍTULO 1 Talía Maceratta
— Você está belíssima, cara mia.
Olhei a bela morena que era a esposa do meu primo. Bela e louca, mas eu a adorava. E ao seu lado, tia Antonella, tinha os olhos chorosos. Hoje era o dia em que eu conheceria meu noivo, oficialmente. Desde a formalização de nosso noivado eu nunca o tinha visto, nem mesmo por fotos. Neste último ano, eu me recusei veementemente a tornar real o fato de estar noiva de um irlandês. Agora eu me arrependia. Ele provavelmente estaria no primeiro andar da mansão e eu só queria não ceder ao impulso de fugir e me jogar aos pés de Eduardo e Giovanni, implorando perdão. Contudo, agora era tarde. Isabella tinha sido levada pela Bratva e então resgatada pela Aliança, formada pelas principais facções criminosas do país. Meu casamento era imprescindível para que a Aliança se solidificasse. Agora, a Bratva pertencia a Yuri Ivanov, criado como Nero Rossi entre os italianos. Ele era o verdadeiro herdeiro e da mesma forma que o casamento dele com Isabella Castelle era o melhor para a Aliança, o meu com Aleksander Dardan também era. A diferença era que Isabella e Nero se amavam, enquanto eu não sabia nem qual era a feição de meu noivo. Eu não sabia se ele seria gentil ou violento, se ele me respeitaria ou se me faria infeliz. Era terrível não saber o que esperar. — E se ele for horrível? — Dei voz aos meus medos. — Posso te garantir que não é. Que Giovanni não me ouça, mas Aleksander é um pedaço de homem. Queria rir com Milena, mas foi impossível. — Estou com medo. — Falei, por fim. — Minha querida, você sabe que tem uma família aqui e isso nunca vai mudar, não importa com quem se case ou para onde vá. — Tia Antonella disse e me abraçou. — Agora, levante essa cabeça, faça aquela pose de princesa insuportável e mostre quem é a alfa dessa relação. Eu ri do jeito que Milena disse as palavras, mas ela estava certa. Eu não era qualquer uma, era uma Maceratta, pertencia a uma das principais famílias da Cosa Nostra, era valiosa e não me rebaixaria a ninguém, nunca. Vestindo uma confiança que eu não sentia, dei uma última olhada no espelho. Meu vestido verde musgo, bordado a mão e modelo tomara que caia, ia até o meio das coxas e então se abria em várias camadas de seda. Eu estava linda, era um fato. Coloquei um sorriso superior no rosto e disse: — Vamos acabar com isso. Enquanto eu descia as escadas, sentia que ia vomitar, mas ainda assim, sorria. Até o meio das escadas, me recusei a olhar a multidão que estava abaixo. O que eu poderia esperar daqui? Eu não tinha ideia, mas era necessário. Tentei conjurar pensamentos positivos de que eu seria feliz, que tudo daria certo, então, com coragem, olhei para frente. Papai e Giovanni estavam próximos à escada e quando os alcancei, apertei a mão de Giovanni. Ele era meu primo, meu irmão, meu amigo, meu protetor. Ele apertou minha mão de volta, uma forma de conforto e proteção. Em seguida, uma mulher ruiva, de meia idade, muito séria, me deu um olhar gelado. — Talía, essa é Brianna Dardan, madrasta de seu noivo, Aleksander. — Meu pai disse e eu estendi a mão para a mulher. Ela demorou dois segundos para segurá-la e então se afastou. — É um prazer, Talía. Esta é minha filha Elana e minha sobrinha, Mirella. Olhei para as duas que me eram apresentadas. A primeira não deveria ter mais de quatorze anos, tinha o cabelo nos ombros, liso e castanho, os olhos verdes, estilo pin up, e quando dei a minha mão, ela a rejeitou e me abraçou afetuosamente. — Seja bem-vinda à família, Talía. Foi impossível não sorrir com ela. Pela primeira vez, desde que saí do quarto senti um pouco de segurança e esperança de que talvez as coisas fossem boas. — Obrigada, querida. — Bem-vinda. Eu sou Mirella. — Embora o abraço da segunda não fosse tão caloroso, o seu sorriso foi simpático. — Obrigada. — Respondi, educada. Eu sabia que o pai do meu noivo tinha falecido logo após definirem o casamento, e agora Aleksander era oficialmente o chefe. Quando tirei os olhos de Mirella, uma presença imponente se aproximou. Eu não precisei olhar para saber que era meu noivo quem estava ao meu lado. Fechei os olhos brevemente, abri um sorriso brilhante e altivo e o olhei com firmeza. Não pareceria fraca, não importava o que me aguardasse. Então, quando olhei, seus olhos me prenderam de uma forma que eu não estava esperando. Porque eles eram exatamente do mesmo tom que os meus olhos. Eu podia nunca tê-lo visto, mas eu o imaginei muito, todas as vezes em que o medo cedia um pouco. Eu o imaginei ruivo, loiro, mais parecido com um irlandês padrão. Mas, não. O homem que me olhava, todo vestido de preto, com tatuagens nas mãos, e provavelmente em muitos outros lugares, era alto, muito mais que eu. Imponente. Tinha o cabelo escuro, mais escuro que o de sua irmã. E tinha os olhos verdes escuros como os meus. Eu nunca tinha visto alguém com o mesmo tom, exatamente o mesmo tom de verde que os meus. A situação me deixou um pouco inerte, e eu só percebi quando ele disse algo sobre ser um prazer me conhecer e então, pegou minha mão e a beijou. Eu fiquei presa na sensação dos seus lábios em minha pele. Ele não era um velho babão, não. Ele não tinha nada de velho, muito pelo contrário. — Talía. — Milena resmungou atrás de mim e eu me dei conta de que deveria me apresentar. — O prazer é todo meu, senhor Dardan. Um meio sorriso apareceu em seu rosto, enquanto ele colocava ambas as mãos atrás do corpo. — Me chame de Aleksander. Não precisamos de tanta formalidade. Um peso em meu interior diminuiu e pareceu que eu finalmente era capaz de respirar. Ele estendeu o braço, que eu aceitei e passamos a cumprimentar os convidados de forma natural. Não tivemos uma conversa profunda ou significativa durante toda a noite, mas ele foi atencioso e educado e teríamos tempo para o resto. Talvez esse arranjo não fosse tão ruim, afinal. Deus, como eu estava enganada.
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Quatro meses depois
— Você está com a cara emburrada. — Disse Cara, a filha de
um dos principais capitães de Nova Iorque e uma das minhas melhores amigas. Eu contive o desejo de revirar os olhos porque eu estava muito, muito irritada. Primeiro, eu já não tinha um prazo de seis anos até o casamento, mas quatro anos. No início, quando meu pai falou sobre isso, eu até pensei que depois do noivado, Aleksander gostaria de se aproximar de mim, que ele havia gostado de mim. Idiota, burra. Ele não me atendeu nas vezes em que liguei. E, semanas depois, quando ele resolveu me ligar, eu não o atendi. E agora, no casamento de Isabella e Yuri, a festa do ano, ele mal reconheceu minha presença. Me cumprimentou, foi cordial, mas manteve distância. E eu estava muito irritada porque tinha vinte anos, tinha um noivo, mas ele nem mesmo olhava para mim. Seria sempre assim? — Não fique assim, ele vai ter outra postura depois que vocês estiverem casados. — Olhei para Cara, com seus longos cabelos claros e olhos azuis. Ela era uma das meninas mais lindas da Cosa Nostra, mas eu tinha uma leve impressão de que ela não curtia muito o sexo oposto e por isso, sempre corria dos arranjos matrimoniais de sua mãe. Eu gostaria de ser como ela, mas fui embutida com o senso de dever. — Não estou preocupada. — Respondi, sentada e fuzilando a nuca do meu noivo. Então eu me virei. — Imagina. — Respondeu, em ironia. — Eu não preciso da atenção de um noivo que mal conheço. O que acontece é que as pessoas percebem, falam e isso me incomoda. É humilhante. — Vamos, não seja assim. Vamos dançar — Cara começou a me puxar e então parou. — Oh meu Deus, arruma essa cara porque o seu noivo muito gostoso está vindo em nossa direção. Eu não tive tempo de fazer nada, porque a voz vibrante de Aleksander estrondou atrás de mim. — Talía. Dance comigo. Não era um pedido, muito menos um convite. Minha vontade era deixá-lo lá, com aquela mão estendida para fazê-lo parecer um paspalho, mas isso seria horrível. Então, engolindo meu orgulho, dei-lhe um sorriso de boca fechada e aceitei. Cara deu alguns aplausos discretos enquanto me afastava, mas eu não tinha metade daquela animação. Começamos a dançar e eu me recusei a falar qualquer coisa. E também me recusei a reconhecer que ele cheirava muito bem, estava muito bonito de terno e que eu gostava demais do sorriso dele, mesmo que ele tivesse sorrido para mim uma única vez. Sua mão na minha era gigante, a forma como ele dominava a dança também. Eu apenas me deixei levar. — Você está bem? — Ele perguntou, por fim. — Estou. Ficamos em silêncio por algum tempo, e então ele suspirou. — Você está precisando de alguma coisa? Ou alguém a está incomodando na universidade? Eu parei de dançar na hora e lancei um olhar envenenado para ele, mas quando respondi, foi no tom que aprendi, sem levantar a voz, apenas um toque de condescendência. — Não, não me falta nada. Meu pai e meu tio cuidam muito bem das minhas necessidades, uma vez que eu não sou sua responsabilidade ainda. Meu corpo vibrava de fúria. Se ele se abalou com a minha resposta, não demonstrou. Continuou dançando como se eu tivesse falado mansamente e educadamente, o que só me deixou com mais raiva. Quando a música acabou, enquanto ele me acompanhava de volta à mesa, eu me dei conta, de que tudo o que ele fazia era totalmente calculado. Ele tinha dançado comigo porque era o esperado, não porque queria. Eu soltei minha mão antes que chegássemos e enquanto eu pensava sobre isso, senti um puxão leve no meu antebraço. Então, Aleksander disse em meu ouvido. — Outra coisa. — Fitei seus olhos nutrindo uma raiva sem igual — Quando eu te ligar, você me atende. No primeiro toque. Aleksander se afastou como se fosse o rei do lugar, em direção aos Chefes da Aliança. Quando ele se sentou em meio aos outros e me olhou, eu dei um sorriso altivo e virei de costas. Ele morreria esperando que eu o atendesse. CAPÍTULO 2 Aleksander Dardan
“Italiana dócil”, o caramba!
Eu estava no meio de uma reunião com a Aliança quando Shield, Vice-Presidente dos Devils Dragons MC, avisou a mim e a Giovanni, Consigliere da Cosa Nostra, que o Cartel de Guadalajara havia implantado uma bomba no dormitório de Talía. Eu liguei para ela assim que a informação caiu em meus ouvidos, mas a patricinha mimada não me atendeu. Como sempre. Agora já estávamos noivos há quase três anos e faltava pouco para o casamento. Em todo esse tempo, pouco nos comunicamos. Ela era orgulhosa e tinha uma postura altiva como se o mundo girasse ao seu redor e eu não tinha tempo para essa merda. Eu precisava desse casamento para que a Aliança se solidificasse, logo, eu precisava dela segura. Desde a primeira vez que vi Talía Maceratta em nosso noivado, há dois anos, ela evocou emoções mistas dentro de mim. Primeiro, ela estava visivelmente apavorada, mesmo que sorrisse como se o mundo lhe pertencesse. Depois foi a sua beleza inegável. Por fim, seu temperamento tempestuoso, mesmo que ela o disfarce magnificamente bem. E então, eu passei a viver em um espiral de instabilidade com a minha noiva. Ela me desafiava em cada comando e apesar da ponta de irritação que a situação me causava, eu nunca me importei o suficiente para discutir sobre isso. Ela era um meio para um fim. Eu sabia que ela queria se casar comigo tanto quanto eu queria me casar com ela, mas isso pouco me importava. Ela se casaria comigo e o resto a gente lidaria quando acontecesse. Eu nunca fiquei imaginando como seria a vida de casado. Um cartão de crédito, alimento e segurança seria o suficiente para que ela ficasse bem. Mas nada disso importava quando estavam atentando contra a vida de minha noiva. Um insulto pessoal contra mim, do Cartel e seus aliados. Minha raiva atingiu um nível inédito quando Giovanni ligou e a principessa atendeu no primeiro toque. A sensação de alívio foi algo coletivo quando ela desviou de seu caminho e foi para a mansão Maceratta, onde nos encontraríamos. Todos os chefes estavam instáveis após essa tentativa contra a vida de Talía e eu sabia que eles estavam pensando na segurança de seus próprios entes queridos. Eduardo tinha esposa, filhos e uma irmã adolescente. Giovanni e Yuri eram ambos casados e com famílias, mesmo Vicenzo Capello tinha irmãos sob sua responsabilidade. Todos tinham com quem se preocupar, inclusive eu. Durante o caminho para a mansão dos Maceratta, uma nova decisão começou a se formar em minha mente. Em todas as vezes que observei a dinâmica da família Maceratta, ficou nítido que Talía fazia o que queria, que curvava todos às suas vontades. Ela bateu os pés para que ficasse em um dormitório comum enquanto estivesse na faculdade e mesmo com todos os riscos, sua família permitiu. Ela não quis um casamento imediato e no início eu também não fiz questão, mas agora isso terminou. O seu império de mimos também estava prestes a terminar e depois de tudo o que tinha acontecido hoje, ninguém se oporia à minha decisão. — Quando termina o pré-med de Talía? — Perguntei a Giovanni que estava no mesmo carro que eu. — Em dois meses. — O casamento vai acontecer em três meses. Giovanni não teve a reação que eu esperava. Qualquer cego poderia ver o quanto ele era protetor com sua prima, isso ficou claro ao longo dos anos. Para minha total surpresa, ele apenas disse, reflexivo. — É o melhor. — Então, ele me deu uma olhada de esguelha — Mas se prepare, pois ela não vai gostar. — Eu não me importo. Giovanni pousou os olhos diretamente em mim, de forma que eu também o encarei. Agora, já não tinha qualquer vestígio de humor. — Eu passei a te respeitar desde que começamos a trabalhar juntos, mas saiba que se você tocar em um fio de cabelo da minha prima ou fazê-la infeliz, eu acabo com a sua existência. Suas palavras poderiam fazer qualquer outro homem se encolher, mas eu e Giovanni éramos feitos do mesmo material. Eu também mataria qualquer um que tocasse minha irmã, mas eu jamais encorajaria a sua ameaça. Sabia que ele dizia a sério, também poderia dizer a ele que eu não tocava em uma mulher com violência, pois isso era sinal de fraqueza e descontrole. Mas eu não disse nada, apenas sorri, um sorriso que ele não retribuiu. Não encontramos ninguém ao chegarmos à mansão e após o que me pareceu minutos intermináveis, uma comoção tomou a entrada da casa. Toda a família de Eduardo, seus dois filhos pequenos e sua esposa, Giulia, a esposa de Giovanni, Milena e Isabella Ivanov, esposa de Yuri, como também a mãe de Giovanni, Antonella, choravam e suspiravam aliviados. Eu fiquei enraizado no lugar, segurando raiva e alívio dentro de mim. Ambos por essa mulher, minha noiva, alguém que eu tinha visto e convivido menos que qualquer outra, mas que em breve seria minha esposa. Quando todos se acalmaram eu me aproximei e como esperado, Talía levantou o queixo em desafio. Eu passei meus olhos rapidamente por seu corpo, procurando por ferimentos, mas ela parecia bem. Ela deveria estar assustada para caralho, mas eu nunca tive qualquer habilidade consoladora em mim. Nunca precisei e ela já tinha gente o suficiente paparicando e fazendo suas vontades. — Quero falar com você. A sós. Ela levantou mais o queixo. Geralmente ela mantinha um tom educado, embora os olhos denunciassem seus verdadeiros sentimentos. Agora, ela parecia não estar tendo o mesmo cuidado. — Eu não tenho nada para esconder da minha família. Seja o que for que tenha para dizer, diga aqui. Claro que ela dificultaria. — Nós nos casaremos em três meses. Seus olhos foram do choque ao puro horror. Isso fazia dois de nós, eu também não estava muito animado com a perspectiva de me casar com ela, mas do jeito que as coisas iam, era o melhor. Para todos. — Mas eu não posso me casar em tão pouco tempo! Ela tentou argumentar, discutir, até mesmo implorou à família e para minha surpresa, eles concordaram comigo. Vencida, ela subiu as escadas furiosamente, pela primeira vez, perdendo totalmente a compostura e se fechou no quarto. “Italianas submissas, o caramba.” Mais tarde, antes que eu voltasse para Boston, Enzo Maceratta me chamou. Eu sabia que essa conversa estava chegando. No fim das contas, Talía era sua filha. — Não me leve a mal, Dardan. Sei de seu valor, de outra forma, não daria a você minha única filha. Apesar de ser um gangster, eu também sou um pai e preciso de paz. Talía pode ter um temperamento um pouco difícil, mas ela perdeu a mãe muito nova, isso fez com que todos, absolutamente todos, tentassem compensá- la de alguma forma. Não sei se fizemos o correto, mas tentamos nosso melhor. — Aonde quer chegar, Enzo? — Perguntei, embora soubesse exatamente o que ele queria. — Só não a faça sofrer. Eu poderia fazer o mesmo que fiz com Giovanni. Eu poderia simplesmente ignorar Enzo, pois uma vez que fossemos casados, Talía seria uma Dardan e seria inteiramente responsabilidade de Boston. Mas, algo sobre um pai estar preocupado com sua única filha me fez agir diferente. Enzo já estava velho e cansado, eu daria paz ao homem. — Escute bem, Enzo, pois será a única vez que direi algo assim: Eu quero esse casamento tanto quanto a sua filha, gosto dela tanto quanto ela gosta de mim, mas eu posso garantir que ela terá segurança e respeito de minha parte... Enquanto ela me der o mesmo. — É o suficiente. E assim, Enzo se afastou.
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Boston, dois meses depois. — Então é verdade. Eu me levantei sobressaltado. Eu nunca baixava a guarda, mas ninguém, absolutamente ninguém se atrevia a entrar em meu quarto. Somente Mirella não tinha esse senso de autopreservação. Ela nem mesmo piscou quando minha arma estava apontada para sua cabeça dois segundos depois de entrar em meu quarto. — Uma hora dessas você vai morrer, Mirella. — Você antecipou o casamento — Mágoa profunda estava estampada em seus olhos e eu suspirei, porque eu sabia o que vinha a seguir — Quer mesmo se casar com aquela garotinha? — Você sabe que é o meu dever. — Foi o dever que seu pai estipulou, agora que seu pai morreu você está livre, Alek. — Não é tão simples assim, terminar esse noivado tão próximo ao casamento seria uma afronta que a Cosa Nostra não perdoaria. — Ela não te quer! — Mirella gritou enquanto duas lágrimas desciam de seus olhos. — Tampouco eu a quero, mas é assim que as coisas são. Ela respirou, fechou os olhos e então os abriu. — E nós?! Eu odiava essa merda. Fechei os olhos e cocei o nariz pedindo paciência. — Há muito tempo não existe um nós e você bem sabe. — Mas o que temos é real, Alek! Somos importantes um para o outro! — Já passou da hora de você superar isso, sabe que não posso fazer nada a respeito. — Parece que você não quer fazer nada a respeito. Diante do meu silêncio, ela explodiu em um ataque de fúria e lágrimas. — Eu sabia que era isso! Você quer aquela garota tola?! Que só pensa em sapatos, roupas de grife? Se apaixonou por ela?! — Ela gritou enquanto me acertava o peito com socos. Eu a segurei firme pelos braços até que estivesse imobilizada. — Eu não tenho que te dar explicações nenhuma, mas se quer saber a verdade, eu quero sim me casar com ela. Talía Maceratta é o meu passaporte para manter minha posição de poder, para expandir a minha influência e minha garantia de estar na Aliança. Então Mirella, espero que seja a última vez que você falou de Talía neste tom. Ela em breve será uma Dardan. Mirella recuou com as minhas palavras, lágrimas rolaram enquanto ela se virava e saía do meu quarto. Eu me sentei na cama e passei as mãos pelo cabelo. Mirella e eu tivemos algo nas vezes em que ela passou as férias de verão em Boston, mas mesmo depois da oficialização do meu noivado ela tem tido dificuldade de aceitar o meu compromisso. Mesmo após três anos. E eu já estava ficando sem paciência. Tomei um banho e desci para o café da manhã e como esperava, todos já estavam à mesa. Brianna era severa sobre regras e ordem, de forma quase sufocante. Embora ela não tivesse qualquer influência sobre mim, ela tinha sobre minha irmã de dezessete anos. — Bom dia. Sentei no centro da mesa e retribui o sorriso de Elana. Mirella não me olhou nem por um segundo e Brianna respondeu friamente ao meu cumprimento. Brianna era ruiva e se vestia de maneira modesta. Mirella também era ruiva, tinha sardas e olhos azuis, e parecia mais filha de Brianna que a minha irmã. Elana era mais parecida comigo e meu pai: tinha os mesmos olhos verdes e o mesmo tom de castanho nos cabelos, que ela usava em um estilo curto. E ela também estava fora do padrão de mulheres magras, que era o único que Brianna considerava ideal. — Você fez uma boa viagem, Mirella? — Elana perguntou, sempre tentando aplacar o clima frio que nos abraçava quando estávamos juntas. — Fiz. Papai e mamãe chegarão no fim de semana do casamento, mas eu preferi vir um pouco antes para ajudar em qualquer coisa que tia Brianna precisasse. — Eu pouco sei a respeito deste casamento, apenas que acontecerá em Nova Iorque e, bem, os italianos adoram um casamento. Eles não pediram minha opinião ou minha ajuda. — Talía é um amor, mamãe. Tenho certeza de que ela te deixaria participar de tudo, caso a procurasse. — Ela deixaria qualquer um cuidar de tudo, uma vez que está claro que ela não quer ter nada a ver com o próprio casamento. — Eu olhei severamente para minha madrasta. — Mas agora é tarde demais para cancelar tudo e você terá que lidar com uma noiva relutante. Um pequeno sorriso se desenhou o rosto de Mirella, mas ela logo disfarçou. — Já começou a juntar suas coisas, madrasta? Faz uma semana que a cobertura ficou pronta. Brianna apertou o talher em sua mão e eu segurei um sorriso. — Vai insistir neste absurdo, Aleksander? — Mamãe! — Não vejo absurdo algum em me casar e querer ter a minha casa apenas para mim. — Essa casa tem sido também a minha nos últimos vinte anos! Isso é abominável! — Ficaremos ótimos na cobertura, irmão. — Elana então se virou para a mãe — Mamãe, você está se excedendo. — Você é quem vive se excedendo com a comida, Elana. Coma menos Brownies ou nunca conseguiremos um arranjo aceitável para você. Elana se encolheu enquanto mais uma vez Mirella sorriu e eu perdi a calma. — Você tem exatamente uma semana para desocupar a casa, Brianna. E quanto a Elana, será sempre bem-vinda para morar comigo. Me levantei e fui em direção a Kael, meu executor principal, deixando a mesa de forma nada educada, não que eu me importasse. O grande homem de cabelo ruivo e comprido me aguardava na porta, me acompanhando sem que eu precisasse chamá-lo duas vezes. Além dos benefícios que teria com esse casamento, um deles, com toda a certeza do mundo, seria me livrar de Brianna. Eu a suportei todos esses anos em respeito ao meu pai, mas agora já não tinha qualquer motivo para isso. O sabor de vê-la sair de casa era o suficiente para suportar uma vida inteira com a principessa italiana. CAPÍTULO 3 Talía Maceratta
Era o grande dia.
Olhei meu reflexo no espelho, para o vestido branco e elegante que adornava meu corpo, assinado por Milena Castelle. Havia apliques de renda na manga e um decote acentuado até acima do umbigo, enquanto a saia de seda descia até os meus pés. Meu cabelo estava totalmente preso em um coque elegante e coberto pelo véu, que era longo e trabalhado, bordado a mão, desenhado por Milena Castelle. Eu estava linda. O vestido não agradaria às matriarcas, contudo, eu não me importava. Pelo menos o vestido eu teria o direito de escolher, já que nada mais foi escolhido por mim. Eu não sabia nada sobre as flores, a decoração, o sabor de bolo, me recusei a participar de qualquer organização. Primeiro, porque estava finalizando o meu pré-med. Segundo, porque não havia em mim vontade alguma de ir em frente com esse acordo. Infelizmente, toda a situação era maior que eu ou minhas vontades. Eu sabia que era meu dever, meu sacrifício pela minha família, pois ainda não tinha uma opinião sobre os Dardan. A única pessoa que me deu abraço e afeto e sempre manteve um mínimo de contato, foi Elana. Brianna, madrasta de Aleksander era uma incógnita, não dava para saber. Não era gentil, não era amável, e eu só esperava não ter que morar com ela. Pensando em tudo isso, comecei a rir, quase histericamente e sem qualquer motivo aparente e então, comecei a chorar. Passei a limpar desesperadamente o rosto com um lenço, mesmo sabendo que a maquiagem era à prova de água. Céus, eu nem sabia onde iria morar, eu nem sabia como era a casa de Aleksander. Dormiríamos no mesmo quarto? Teríamos quartos separados? Nunca conversamos sobre nada e agora quase me arrependi de ter sido tão teimosa e não ceder em nossa queda de braço. Talvez eu me sentisse mais segura se tivesse um mínimo de noção do que me aguardava. Olhei minhas mãos e notei que tremiam. Voltei para o meu reflexo, me dando conta de que eu parecia mais estar indo a um enterro do que ao meu próprio casamento. Escutei passos no corredor e então me recompus. — Talía? A voz de Milena soou, e então ela, Giulia e Isabella entraram. Giulia estava com o pequeno Leonardo no colo, agora com quase um ano. O garoto de cabelos e olhos escuros já mostrava sinais de um temperamento forte. — Você está linda, meu amor! — Milena disse então me abraçou. Eu forcei um sorriso de volta. — É um Castelle. — Respondi e ela sorriu ainda mais. Castelle era o nome de sua marca de roupas de grife e era um tremendo sucesso. Milena foi duramente criticada por trabalhar fora e investir em uma carreira. Sendo a esposa do Consigliere, era esperado que ela cuidasse da casa e tivesse lindos bebês, mas Milena nunca aceitou merda de ninguém, sempre foi irreverente. E foi isso que fez com que meu primo se apaixonasse por ela. — O vestido com toda a certeza ajuda, mas você é muito linda, o que faz de tudo um conjunto perfeito. — Disse Giulia e me abraçou com um braço. Leonardo tentou pegar o meu véu e dei um beijo em sua mãozinha. Giulia e Eduardo também tiveram um casamento arranjado, como era a maioria dos casamentos na Máfia. Noivaram e se casaram em pouco tempo e apesar disso, aparentavam muita harmonia e cumplicidade. Eu gostaria de acreditar que isso aconteceria comigo também, mas era difícil até mesmo imaginar que fosse possível. Nas poucas vezes em que vi Aleksander, nós não conseguimos nos entender e nem mesmo ter uma conversa inteira. Ele me via como um meio para um fim e não fazia questão de esconder que nosso casamento era apenas uma obrigação. — Não fique assustada, Talía. — Giulia disse, gentilmente. — Não estou. — Imagina, só está apavorada. — Isabella disse de seu lugar. Sempre fria e distante, ela nunca mudou. A pequena loira era esposa de Yuri e também executora. Em suma, uma assassina treinada. — Aleksander não será ruim com você. Se não por caráter, será porque você é valiosa para a Aliança. Giovanni o mataria, Eduardo e Yuri apoiariam, o que causaria uma divisão na Aliança. Dardan é ambicioso o suficiente para não querer tal coisa. — continuou. Eu sabia que fazia sentido o que Isabella dizia e isso me acalmou. Eu já não tinha medo de ser fisicamente maltratada, não como no início, mas a indiferença pode ser muito pior que um tapa. Eu acho. A verdade é que eu gostaria de ter um casamento como o das três irmãs que me encaravam. Mesmo com todos os percalços que passaram, agora estavam em um casamento feliz. Ainda assim, eu sorri. Não perderia a calma, suportei este noivado frio e essa situação por três anos, não seria agora que eu desabaria. — Isso aí, coloque um sorriso brilhante no rosto e não abaixe a cabeça. Amei a coroa, bem significativa. Os irlandeses estão recebendo um presente e sabem disso. Você está em boas mãos, Talía, e sabe que sempre pode me ligar. — Obrigada, Milena. — E quero aproveitar para compartilhar uma notícia que você vai amar! — O que?! — Perguntei, animada. Adorava novidades. Ela fez um pouco de suspense e então soltou com um gritinho. — Estou grávida. Abri a boca, chocada e então a abracei, emocionada, enquanto Giulia e mesmo Isabella sorriam. — Giovanni deve estar pirando agora. — Eu falei a abraçando forte. — Não me dá um segundo de paz, principalmente por ser uma gravidez gemelar. Abri olhos e boca de forma nada elegante e então a soltei para olhar seu rosto. Ela estava falando sério. — Meu Deus, tia Antonella deveria estar gritando e anunciando aos quatro cantos! Enquanto eu lembrava o quanto ela cobrava netos de Giovanni, uma alegria sem igual me tomou e pensei no quanto duas crianças fariam aquela casa feliz. E então, me lembrei que não estaria ali, e lágrimas desceram. — Droga, Mi! Eu queria estar por perto, queria participar de tudo! Ela pegou o lenço que estava jogando na cama e passou a limpar meus olhos sem borrar a maquiagem. Mesmo sabendo que não borraria. — Eu prometo não te deixar de fora de nada. Ela me assegurou, mas eu sabia que não seria a mesma coisa. Ela continuou o seu trabalho até alguém entrar no quarto. — Ah, aí estão vocês. Precisamos descer, o motorista já está aqui para levar Talía até a igreja. Anita Santorelli, no auge dos seus quinze anos, entrou no quarto. Ela tinha cabelos e olhos castanhos como de seu irmão, e ostentava um ar meio rebelde. Ela trazia pela mão Pietro, o filho mais velho de Eduardo e Giulia, agora com três anos. Pietro, apesar das peripécias de uma criança de três anos, era mais calmo que Leonardo, mais reservado, como seu pai. Anita então me olhou. — Você está linda, Lia. — Obrigada, Anita. — Respondi com um sorriso. — Já imaginou, daqui a alguns anos seremos nós organizando o seu casamento Anita. Em breve fará dezesseis. — Giulia disse abraçando a cunhada pelos ombros. Anita se soltou em um movimento rude e encarou Giulia. — Eu vou para a faculdade. Você prometeu, Giulia. — Sim, querida. Você vai, mas um dia vai se casar. — Giulia disse amável, porém firme. — Eu vou me casar com quem me apaixonar. — Respondeu em tom mordaz. — Vamos torcer para que as coisas ocorram dessa forma. Você pode se apaixonar com o tempo. Nem todo amor é instantâneo. — Milena tentou intervir com um sorriso, mas tudo que conseguiu foi um olhar nada amigável de Anita. — E se eu me apaixonar por alguém de fora da Máfia? O semblante de Giulia fechou. — Já disse para não ficar falando essas bobagens, Anita. Principalmente perto do seu irmão. — Eu fujo! Ela disse e saiu do quarto. Giulia soltou um suspiro e se sentou na cama com o pequeno Leonardo, que dormia. Pietro estava com Milena, brincando com o bordado de seu vestido vermelho. — Eu não sei mais o que fazer. Ela sempre levanta essas questões e diz a mesma coisa. Que foge se forçarem um casamento a ela. — Não a culpo. Eu mesmo já pensei em fugir várias vezes. — Isso não ajuda, Talía. — Milena disse. — Não se preocupe, Giulia. Ela é uma adolescente, a rebeldia é natural da idade. — Completou para acalmar a irmã. Giulia apenas respirou fundo, mas não parecia muito convencida. A verdade era que eu também não estava. Olhei para Isabella, como sempre silenciosa e seus olhos seguraram os meus, brilhando. Isabella também não estava convencida. Havia algo de diferente em Anita. Ela cresceu e estava mostrando ares de uma personalidade nada fácil e no fundo, eu temia por ela, porque seu casamento seria arranjado, ela era a única irmã de Don Eduardo. Era a melhor aposta da Cosa Nostra, politicamente. Ela não seria poupada de um destino como o meu.
───※ ·❆· ※───
Minhas mãos estavam trêmulas, enquanto eu andava até o altar. Eu não quis cobrir meu rosto com um véu, não, eu queria encarar a todos. Nunca demonstrar qualquer sinal de fraqueza, então, a mão trêmula era algo que eu gostaria muito de controlar. Puxei três respirações profundas e todos ao meu redor pareceram um borrão. Eu olhei para o homem que, a partir de hoje, seria o meu marido. O homem que me daria seu sobrenome e proteção. O homem que a partir de hoje, seria minha família e por quem eu deveria demonstrar respeito e fidelidade, como uma boa esposa italiana. O homem que tinha minha vida em suas mãos. Todos os membros da Aliança estavam presentes, e quando vi Shield e sua noiva, que ostentava uma barriga de grávida, eu fiz uma anotação mental de falar com ambos. Eu sabia que quando tentaram me matar em meu dormitório, foi ela quem avisou do plano de seu pai, senador Thomas Madison, e do Cartel de Guadalajara, e avisou Shield para que pudessem me salvar. Eu devia minha vida a ela. Meus olhos então se encontraram com os de Aleksander Dardan. Ele tinha o olhar cravado em mim e eu o sustentei, nunca desviando. Meu pai disse algo, me beijou, me entregou para Aleksander e então a mão do irlandês segurou a minha. Pelo menos eu já não tremia, todavia, meu coração parecia o sambódromo que eu vi uma vez, em um vídeo, do Carnaval do Rio de Janeiro. Tudo aconteceu de forma quase automática. Eu não me ouvi repetindo as palavras que me ligariam a Aleksander para sempre. Até que a morte nos separe. Senti o metal frio da aliança em meu dedo anelar esquerdo, tudo se concretizando de forma irreversível. E então fomos declarados marido e mulher. Olhei para Aleksander e ele se inclinou em minha direção. Seus lábios tocaram os meus com gentileza, em casto beijo e uma eletricidade estranha me tomou. Eu beijei alguns caras na escola. Na faculdade o feito ficou um pouco impossível e eu tinha um senso de perigo que não tinha na adolescência. O homem que me tocasse pagaria com sua própria vida e eu não queria ter o sangue de um inocente em minhas mãos. Entretanto, o beijo de Aleksander foi diferente do que eu esperava. Não foi arrebatador, ele mal me tocou, suas mãos estavam segurando as minhas, mas fez o meu interior se esquentar. Eu não era cega, Aleksander era um homem bonito. Mas era a primeira vez que eu o via pela ótica de meu marido, alguém que poderia me beijar e certamente faria muito mais. Ele se afastou de mim e então, virou-se de frente para receber os cumprimentos dos convidados. Sua mão segurava a minha, mas o seu olhar e atenção estavam em todo o resto. Eu sabia que meu casamento era algo grandioso para a Aliança. Eu sabia que agora ela tinha se solidificado mais, mas, no fundo, o que predominava era a sensação do quanto de mim esse sacrifício tiraria. CAPÍTULO 4 Aleksander Dardan
A festa foi grandiosa e imponente, como todo casamento
italiano. Talía sorriu radiante para todos os convidados, com altivez e segurança e se eu não soubesse, poderia comprar a ideia que ela vendia: A de uma noiva feliz. Eu sabia melhor, principalmente, porque ela foi treinada para agir exatamente assim: Perfeita e artificial. — Eu preciso fazer uma coisa. Ela não me deu tempo de responder. Simplesmente se afastou levantando a barra do vestido muito revelador (se alguém me perguntasse) e foi em direção onde estava Tara Madison e Shield. A mim não coube alternativa a não ser segui-la. — Oi! — Ela disse com o seu primeiro sorriso sincero do dia, abraçando Tara pelos ombros, surpreendendo a mim, Shield e à própria Tara. Quando se afastou, seu tom foi o mais gentil que já a ouvi falar. — Eu gostaria de agradecê-la pessoalmente. Você salvou minha vida e eu não tenho ideia do que isso te custou. Fico feliz que esteja segura, bem e com um bebê a caminho. Tara sorriu delicadamente e apertou a mão de Talía. Eu jamais imaginaria que o tipo de Tara seria alguém como Shield, porém, a filha renegada do Senador, um de nossos inimigos, foi salva pelo VP após ser sequestrada pelo Cartel. A criança no ventre da jovem era o resultado de uma trágica história que virou amor. — Não precisa me agradecer. Eu fiz o que era certo. E parabéns pelo casamento, vocês formam um casal maravilhoso. O sorriso de Talía caiu quase imperceptivelmente e por algum motivo isso me incomodou. Eu sabia que ela não queria esse casamento, mas se eu percebia outras pessoas poderiam perceber também. — Obrigada. Espero que curtam a festa. Então Talía se afastou e eu também me despedi do casal. Depois de mais cumprimentos, finalmente nos sentamos. Talía não havia dito uma única palavra para mim e transparecia serenidade, mas suas mãos estavam um pouco trêmulas. — Precisa de algo? — Perguntei, me sentindo compelido a quebrar o silêncio. — Não — Ela forçou um sorriso. — Eu estou bem, obrigada. Eu segurei um suspiro irritado pelo excesso de formalidade. Me perguntei se conseguiríamos entrar em algum entendimento com o tempo, não queria passar a vida pisando em ovos ao redor de minha esposa. Nós abrimos a valsa e durante toda a dança, Talía estava tensa. Ela então foi dançar com o pai e depois com Giovanni e eu me afastei um pouco, pensativo. Não foi assim que imaginei meu casamento. Na verdade, eu pouco pensei em como seria a convivência com Talía, pois me concentrei apenas nos benefícios que este arranjo me traria; simplesmente achei que conseguiríamos nos entender. — Já estão com problemas? Foi mais rápido do que eu imaginei. Controlando minha expressão, eu não dei qualquer indício de que Mirella tinha acertado em cheio. O estranhamento entre Talía e eu era visível, o que me preocupou. Não poderíamos demonstrar fraqueza nunca, nem mesmo em frente aos aliados. A situação poderia mudar e aliados mudariam também. — O que você quer, Mirella? — Perguntei assim que ela saiu de trás de mim e entrou em meu campo de visão. Ela estava com um vestido vermelho mais parecendo uma segunda pele e que se mesclava com seu cabelo quase da mesma cor. Seus olhos azuis estavam esfumaçados. Ela estava muito bonita, eu precisava admitir. — Você não precisa falar assim comigo. — Ela disse e fez um biquinho que hoje mais pareceu entediante que qualquer outra coisa. Já tive muito desejo por Mirella, mas hoje já não sentia nada. Ela voltou a dizer: — Sua esposa é uma garotinha mimada e fútil. Eu a estudei enquanto vocês se ignoravam durante esse longo noivado. Em consideração aos velhos tempos, vou lhe dar uma dica para se dar bem com ela: um cartão de crédito ilimitado, ela adora shoppings. — Ela levantou uma sobrancelha vermelha. Endureci. — Talía agora é uma Dardan e eu exijo respeito por ela! Mirella vacilou um segundo com meu tom. — Eu estava brincando. — Ela olhou para Talía, que de longe, nos olhava. Mirella acenou animadamente e Talía devolveu o aceno, embora com menos ânimo — Uma fofa. Você já teve mais senso de humor, Alek. Eu me afastei e voltei para a cadeira enquanto Talía dançava. Olhei para minha esposa, que agora sorria com Giovanni. Eu não sabia do que falavam, mas pareciam emocionados. Talía teria de mim o que quisesse, desde que me respeitasse como marido. Eu jamais responderia a eles, mas o medo dos Maceratta por ela era infundado. Eu não era um homem que me forçava em mulheres ou usava de violência com elas. — Enfim, esse casamento saiu. Brianna se sentou ao meu lado, contudo eu continuei com meus olhos treinados à frente. Diante de meu silêncio, ela prosseguiu. — Agora precisamos pensar em um arranjo aceitável para Elana, ela já está na idade. — Ela tem apenas dezesseis anos. — Olhei para onde Elana e Anita conversavam animadamente. — Ela não terá dezesseis para sempre. Olhei para minha madrasta que sempre foi rígida e severa. — Eu vou cuidar disso na hora certa. — Ainda acho que você se precipitou em me tirar de casa. Talía é muito jovem, vai precisar de ajuda para entrar em nossa sociedade. Eu vou fazer o possível, claro, mas em casas separadas, o meu trabalho será mais difícil. Eu olhei para onde Talía, ainda sorrindo com o primo. — Já não será aceitável que ela fique tão à vontade com o primo. Terá que mudar seu guarda-roupas também, e claro, esquecer esse negócio de estudar. Ela terá que ser uma boa dona de casa e boa mãe. Me irritei com o tom de Brianna. Eu pouco me importava o que Talía faria com o tempo dela, desde que não me importunasse. O que me irritava era Brianna e sua mania de se envolver em meus assuntos. Esse casamento estava sendo um pesadelo e então me dei conta de que não tinha me preparado para como as coisas seriam depois dele. — Talía é minha esposa, Brianna. É da Elite da Cosa Nostra, foi bem criada e a única pessoa para quem ela responde, é a mim. Ninguém mais. Brianna riu sem humor. — Essa menina foi bem criada? Em que mundo você viveu nesses três anos, Alek? Ela faz o que quer, carrega o pai e a tia no bolso. Sem contar que é arrogante por baixo de toda aquela educação. Ela será engolida por nossa sociedade, se não souber próprio lugar e em Boston, ela não fará o que quer como faz aqui em Nova Iorque. Você pode ter tirado a minha casa, mas a minha influência não depende de você. Eu estava pronto para responder quando Elana apareceu em minha frente. — Dance comigo, irmão. — Seu rosto era o de alguém que sabia que eu estava prestes a perder a paciência com Brianna, o que não seria a primeira vez. Era o meu casamento e eu não poderia ter uma discussão acalorada com minha madrasta no meio da festa. Eu aceitei a mão de minha irmã e fomos para a pista de dança. Ao ficarmos ao lado de Talía, ela olhou para Elana e seu semblante se suavizou. Quando seus olhos se voltaram para mim, o sorriso continuou no rosto de Talía, mas não tão sincero e suave quanto para Elana. Ela não precisava sorrir para mim, aliás, ela nem precisava gostar muito de mim. Ela só precisava ser a boa esposa italiana que me foi prometida e tudo estaria bem.
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À medida que a festa foi chegando ao fim, Talía foi ficando mais e mais tensa. Eu não queria uma mulher apavorada em minhas núpcias, então dei espaço a ela. Quando de realmente festa acabou, entramos no carro que nos aguardava em frente à mansão Maceratta. Ela se despediu de todos formalmente e entrou no carro. Durante todo o percurso até o hotel, ficamos em silêncio. Eu não sabia o que dizer à minha esposa e ela parecia não saber o que dizer também. Por fim, descemos na frente do hotel e entramos por um elevador privativo. No dia seguinte iríamos para Boston. O silêncio estava gritando a cada andar que passávamos. Talía já tinha perdido oitenta por cento da pose que ostentou durante a festa. Estava branca e os olhos muito abertos. Quando entramos no quarto, ela foi diretamente para a suíte e eu praguejei baixinho, me sentando no sofá. Tirei o terno e me servi um pouco de whisky para dar conta dessa merda. Uma esposa deveria ser mais dócil e menos temperamental, deveria ser fácil lidar com uma mulher na noite de núpcias, mas eu nunca consegui ver Talía como dócil e submissa, não da forma como venderam a ideia para mim. Desde o início ela fez um monte de exigências e eu nunca dei muita atenção. Não até o dia em que ela quase sofreu um atentado. Talvez Brianna estivesse certa, mesmo que eu odiasse admitir. Talvez eu devesse, desde o primeiro dia, estabelecer as regras. Deixar claro o que espero dela, para não parecer fraco. Decidido sobre como abordaria a nossa convivência, aguardei por mais alguns intermináveis minutos Talía sair do quarto. — Eu acho que deveríamos… Conversar. Me sobressaltei com seu tom gentil. Ela estava em minha frente, apenas de roupão, seus cabelos estavam soltos em volta do seu rosto oval e seus olhos brilhavam. Embora sua voz soasse tranquila, tinha uma nota de insegurança. Ela torcia as mãos em frente ao corpo e tudo o que eu pude ver foi uma menina assustada com o futuro. Não que eu fosse acostumado a pensar nos outros ou em como os outros se sentiam, mas essa agora era minha esposa. Minha jovem esposa. Deixei meu rosto em branco e fiz sinal para que ela prosseguisse. Ela fechou os olhos com força e então os abriu. — Eu prometo ser uma boa esposa. Perfeita, leal e nunca te envergonhar. Só quero que me prometa que nunca me tocará com violência. O tremor de sua voz entregava sua insegurança e medo. Mesmo assustada, ela não desviou os olhos dos meus, aquela veia teimosa que sempre aparecia quando falava comigo. Mesmo agora, me prometendo ser uma boa esposa, ela me encarava com esse olhar desafiador. Era algo dela, algo que só poderia ostentar uma principessa italiana, que nunca teve nada negado. Eu me levantei e parei em sua frente e só então ela pousou os olhos em meu peito, nos dois primeiros botões que eu havia desabotoado. Subi minha mão em direção ao seu pescoço e ela se encolheu, fechando os olhos. Estava apavorada. Quando coloquei minha mão em sua nuca, pude sentir o pulso. Ela subiu os olhos para os meus, respirando com dificuldade. — Não vai me responder? — Perguntou em um tom irreverente, mesmo com medo. — Eu não tenho que te prometer nada. Fogo passou em seus olhos. Pela primeira vez, aquele fogo mexeu com algo dentro de mim. Ela tentou tirar minha mão de sua nuca, mas não conseguiu. Sua boca se apertou antes que começasse a dizer. — Eu não vou admitir que me faça de seu saco de pancada, Aleksander Dardan! Se um dia me tocar com violência eu acabo com a sua vida! Não consegui evitar. Comecei a rir de sua petulância. Brianna estava certa, minha esposa não tinha nada de dócil e submissa, mas estranhamente, eu gostava desse seu lado. Minha mente começou a viajar para onde mais ela poderia levar esse fogo e pela primeira, vez comecei a ficar excitado. Imagens minhas e Talía na cama povoaram minha mente, aumentando o meu desejo. Ela tentou sair novamente do meu aperto, mas eu não permiti. Aproximei nossos rostos e fiquei ali, parado, esperando qual seria a sua reação. Quando ela tentou afastar os braços, eu os envolvi em volta dos meus ombros e a apertei junto a mim, enlaçando seu corpo. Ouvi um suspiro de seus lábios quando ela sentiu a minha protuberância. Seus olhos estavam grandes, mas além do medo eu vi curiosidade. Ela cheirava divinamente, algo como flores e especiarias e a fragrância de seu cabelo também me prendeu. Não soube dizer por quanto tempo ficamos assim, apenas parados enquanto eu imaginava cada parte do corpo dela alinhado ao meu. Senti a pressão dos dedos de Talía em minha nuca e aproximei mais nossos rostos. E então a beijei. Não era o beijo que eu tinha planejado para a nossa primeira noite juntos. Eu tinha imaginado algo tranquilo, que não a assustasse, que não a traumatizasse, pois sabia que era sua primeira experiência sexual, mas algo dentro de mim cresceu, um desejo louco que eu nem sabia que sentia. Era fome. Tudo nela funcionava em mim como um poderoso afrodisíaco. Eu sentia seu cabelo cheio e pesado em minhas mãos, seu gosto, seus gemidos, seu cheiro, tudo estava me tirando de órbita. Era louco, eu nunca tinha visto Talía dessa forma. Eu parei um momento para olhar em seu rosto e confirmar se ela compartilhava daquela louca sensação que me tomava. Lábios inchados, rosto vermelho e olhos encapuzados me olharam de volta, assim como sua mão firme em meu cabelo. Parecia que nenhum de nós entendia o que estava acontecendo, mas eu não pensei sobre isso nem dei tempo para que ela pensasse. Voltei a beijá-la e meu aperto em Talía era devolvido na mesma intensidade. Eu a levantei do chão e a levei para o quarto. Deitei seu corpo no colchão e o cobri com o meu. Minhas mãos desceram até o nó do roupão, e quando o abri, encontrei seu corpo nu. Levantei um pouco para olhar seu corpo, percebendo o leve rubor em seu rosto. Talía era uma caixinha de surpresas, eu começava a descobrir. — Eu… Achei que não faria sentido colocar uma roupa, já que… Ela não disse mais nada e foi impossível não sorrir. Terminei de tirar o seu roupão, e me levantei, começando a tirar minhas próprias roupas. Talía observava meus gestos atentamente, nunca desviando os olhos, nem quando me desfiz da cueca, ficando completamente nu. Ela ficou olhando para o meu membro ereto com curiosidade. Essa avidez de Talía me deixou ainda mais animado, pois imaginei que minha noiva seria tímida e sem graça. Talía não tinha uma veia tímida em seu corpo. Ela olhava atentamente, como uma boa aluna, enquanto eu apertava meu pau em um punho apertado. Eu tentaria ser suave, embora nada em mim desse indícios disso. Me aproximei de Talía novamente e puxei suas pernas para baixo com força. Ela soltou um gritinho, mas sorriu. — Agora eu vou provar essa boceta virgem. Olhei para sua boceta lisa e aberta. Estava suculenta. Uma possessividade me tomou, um sentimento, uma necessidade incontrolável de marcá-la. Talía era minha, tinha mais de três anos que ela era minha, então esse sentimento agora não fazia o menor sentido. Mas eu precisava provar, para mim, para ela, para o mundo, que ela me pertencia em todos os sentidos. Eu queria ser suave e gentil. Queria conseguir controlar meus instintos e fazer isso da maneira esperada, mas eu já não conseguia ter controle. Abaixei a cabeça entre as suas pernas e, sem aviso, apertei seu clitóris em meus dentes. Talía gritou e tentou se afastar, mas eu fui implacável. Seu corpo começou a tremer, enquanto eu segurava sua bunda com minhas mãos, apertando e degustando de sua boceta. A conexão foi frenética. Eu a torturei, desconstruí toda a sua aura ali, com minha boca e mãos, até ela ser apenas uma massa em meus braços. Uma camada de suor escorria pela lateral de seu rosto, enquanto ela se desfazia em um prazer eletrizante. Por um motivo louco, eu não suportava mais esperar. Ela estava molhada, desejosa e pronta para mim. Me levantei e posicionei o meu pau em sua entrada. Seus olhos encontraram os meus e vi uma ponta de insegurança em seus olhos. Fechei os meus olhos e comecei a penetrá-la. As paredes internas da sua boceta pareciam que iria estrangular o meu pau. Mas eu segui, mesmo quando escutei o seu ofego de dor e eu continuei até estar inteiramente dentro dela. Quando abri os olhos, Talía tinha a boca levemente aberta, seus olhos de um brilhante verde musgo me seguraram, e um som rouco e excitante escapou de seus lábios. Lábios que beijei com intensa paixão. Onde estava todo esse apelo sexual durante o nosso noivado? Enquanto eu começava a ritmar meus movimentos e era imerso em outra onda louca de desejo, eu pensava que jamais esperei por isso, jamais imaginei desejar minha esposa nessa intensidade. Muito menos enquanto nossos corpos, suados e elétricos, se encaixavam com paixão e loucura. Eu quase perdi os sentidos enquanto tinha o orgasmo mais intenso de toda a minha vida. CAPÍTULO 5 Talía Dardan — Fiquei feliz que deu tempo de tomar café da manhã conosco, Talía. Você está indo para Boston, mia bambina, não sei quando poderemos nos ver novamente. Tia Antonella estava me sufocando em um abraço apertado, enquanto eu e meu marido chegávamos à casa que passei grande parte de minha vida. Olhei para Milena, ao seu lado, que já ostentava uma pontinha das preciosidades em seu ventre, e Giovanni, com seu braço protetor sobre os ombros da adorada esposa. Vê-los me fez voltar à noite que passei com Aleksander. Foi… Inesperado. Eu nunca imaginei que nossa primeira relação fosse tão avassaladora. Eu não esperava prazer, apenas dor e desconforto. Contudo, meu marido me surpreendeu com toda a sua paixão e seu cuidado logo após o ato, com minha intimidade. Mesmo que depois tenha apenas virado para o seu lado da cama, me dado boa noite e dormido. E então de manhã, eu acordei sozinha na cama, com apenas um bilhete ao lado me avisando que era para eu me arrumar, pois iríamos passar na casa de Giovanni antes do aeroporto. Eu estava confusa com o comportamento frio e distante de Aleksander, temerosa com minha nova vida em Boston, e principalmente, assustada com o quanto o sexo tinha mexido com a minha cabeça. — Olhe para você. Está radiante. — Escutei a voz de Mirella na lateral. Ela, Elana e Brianna estavam hospedados na casa de Giovanni e Milena. Mirella era prima apenas de Elana e a bela ruiva sempre foi muito cordial comigo — Estou ansiosa para nos conhecermos melhor, agora que seremos primas. Eu retribui o abraço, seguido pelo de Elana e um aceno mais distante de Brianna. Por algum motivo, Brianna não parecia gostar de mim. Eu sorri cordialmente e tentei me dar bem com a mulher que agora estaria no lugar de minha sogra e seria uma parte da minha família. Aleksander estava em uma intensa conversa com Giovanni e meu pai, pouco tinha olhado em minha direção. Também não fiz questão, embora dentro de mim todas as inseguranças existentes, unidas, reinavam. Logo eu voltaria para a universidade e isso me distrairia, me daria algo para fazer. O café da manhã passou com conversas amenas e cordiais e minha partida para uma nova vida estava cada vez mais próxima. Não, não teríamos lua de mel, nem viagem romântica, nem nada do gênero. Cada vez mais se confirmava a ideia de que eu estaria sozinha, totalmente, sem o apoio que sempre foi minha família. Na hora da despedida foi impossível não derramar as lágrimas que tão valentemente eu segurei. Abracei meu pai, a tia Antonella e Giovanni. Quando abracei Milena, ela me segurou pelos ombros. Sendo alguns centímetros mais alta, ela me forçou a levantar os olhos e então disse com firmeza: — Não se esqueça de quem você é. Seja forte. Eu sempre admirei Milena. Eu e ela nos tornamos próximas e eu a considerava como uma irmã. Ela sempre foi forte e destemida, não só por saber lutar e atirar melhor que qualquer soldado da Cosa Nostra, ou por ter meu primo na palma das mãos, mas por ela mesma, por lutar e se impor no nosso mundo, tão difícil para as mulheres. Ela era a minha inspiração. — Não vou esquecer. — Respondi, embora minha vontade fosse chorar. Ela limpou minhas lágrimas e então sorriu. Quando me virei, Elana me olhava com compaixão e simpatia. Seu cabelo curto, olhos verdes e roupas com número duas vezes maior que o que deveria usar a deixavam com um ar fofo. Mirella olhava o celular, indiferente. Brianna me olhava com reprovação e Aleksander já estava entrando no carro. Provavelmente esse seria o meu “bem-vinda a família”.
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A viagem até Boston foi feita em pleno silêncio. Eu aproveitei para observar a dinâmica da minha nova família, concluindo então que não existia dinâmica alguma. Mirella me enviou alguns sorrisos, e a única que ainda fazia alguns comentários era Elana. Era a única que Aleksander se dava ao trabalho de levantar os olhos do notebook, e esboçar o fantasma de um sorriso. De uma forma distorcida, o fato dele ser assim com todos me consolou. Pelo menos eu não era a única privilegiada com a sua indiferença. Mirella, em certo ponto, sentou-se no lugar vazio ao meu lado e começou uma conversa. Falamos da semana de moda em Paris no mês seguinte e das últimas tendências, fiquei admirada de como Mirella entendia e gostava do assunto. Me empolguei na conversa por algum tempo e quando levantei os olhos, Aleksander e Brianna nos encaravam. Brianna tinha o rosto impassível, contudo, Aleksander pareceu incomodado e com raiva. Mas seu olhar não estava em mim, estava em Mirella. — Vamos marcar de tomar algo essa semana, Talía. Eu vou te apresentar a Boston. Ela se levantou e voltou para sua poltrona ao lado de Elana, que estava adormecida. Eu percebi uma espécie de desafio nos olhos de Mirella e a raiva nos olhos de Aleksander. Fiquei intrigada. Será que ele também me proibiria de ter amigas? Mesmo sendo alguém da família dele? Mal-humorada por me sentir perdida e sozinha, coloquei meus fones e tentei dormir. A situação estava ficando cada vez mais estranha confusa e o pior era não ter com quem conversar. Assim que pousamos, Brianna resolveu falar: — Bom, acho que o melhor é eu passar alguns dias na mansão, até Talía se adaptar. — Não. — A resposta brusca de Aleksander surpreendeu a todos. Nós estávamos descendo do jato em direção a dois carros nos aguardando. — Nós já conversamos sobre isso — Brianna respondeu, entre dentes. —Exatamente — Aleksander respondeu, rindo sem humor — Nós já conversamos sobre isso. — Ele então se virou para mim — Vamos, Talía. Não me coube outra ação a não ser me despedir das três e acompanhar Aleksander. Não que eu quisesse Brianna em meu encalço, mas também não estava ansiosa para estar sozinha com meu marido. Entramos no carro e ele se sentou na frente com um de seus homens. Era enorme e tatuado. Começaram a conversar e eu fiquei calada, olhando pela janela. O sentimento de solidão me assolou. Meus olhos queimaram, mas eu me controlei, me lembrei das palavras de Milena. Não abaixaria minha cabeça, não me encolheria, eu era uma Maceratta. Eu era valiosa. Eu não me renderia ao turbilhão que me afligia. Chegamos em frente a uma casa imponente. Era grande e antiga, mas ao mesmo tempo. Aconchegante. Tinha muitas flores na frente, que iam do portão até a entrada da casa. Deus, a visão era de encher os olhos. Era lindo. Por alguns minutos eu me lembrei da viagem que fiz a Amsterdã, alguns anos atrás. Era uma réplica do Jardim de Keukenhof. Tulipas, infindáveis tulipas. Eu desci do carro antes que abrissem a porta, parte ansiosa para respirar um pouco, parte para admirar o jardim mais de perto. A tarde findava, o pôr do sol, as flores. Foi um espetáculo me dando boas-vindas. — Eram da minha mãe. Eu me sobressaltei com o tom grave da voz de Aleksander atrás de mim. Olhei para ele, que silenciosamente se pôs ao meu lado, sem que eu me desse conta e então olhei para o jardim novamente. Era a primeira vez que ele falava realmente comigo, algo que não fosse uma ordem do tipo “vamos”, “fique”, “faça isso”, o dia todo. — É lindo. Ele concordou silenciosamente e juntos ficamos ali, assistindo o sol se esconder no horizonte. Foi a primeira vez que me senti confortável no dia e mesmo que tivesse várias dúvidas, não quis estragar o momento. Quando o sol se pôs, uma brisa gelada me fez estremecer. Eu usava um vestido de verão da última coleção de Milena, com mangas até os antebraços e uma saia levemente rodada. Era confortável e elegante para a viagem, mas não era quente. — Vamos entrar. E assim o autoritário Aleksander estava de volta. Ele entrou na frente, me deixando para trás. Eu o segui, agora sem o mesmo humor de alguns minutos atrás. Minha vontade era gritar para que ele parasse de me tratar como se eu fosse um dos soldados dele. Assim que entrei, dei de cara com o soldado que dirigiu para nós. — Talía, este é Kael. Ele será o responsável por sua segurança a partir de agora. Você não sai sem avisá-lo, ele será a sua sombra. Olhei para o homem que era muito alto e me olhava com a mesma seriedade. Ele tinha cabelos ruivos e olhos azuis, típico irlandês. Fez uma mesura de respeito, mas não disse uma só palavra. — E eu tenho permissão para sair, senhor? Minha resposta foi ácida, mas eu já estava cansada de todo esse tratamento. Com certeza eu não tinha temperamento para ser dispensada como um simples adorno ou um robô, sem poder me expressar. Eu era acostumada a ter minha opinião valorizada, estava cursando Medicina, pelo amor de Deus. Eu iria exigir o respeito que merecia, pois nada tinha feito para ser tratada com tanto desdém. — Você não é uma prisioneira, Talía. — Que bom que esclareceu pelo menos isso. Será que eu posso saber onde é o meu quarto? Estou exausta. Ele passou as mãos em seu cabelo, com nítida impaciência. — Mina — Ele gritou e eu saltei. Uma senhora de meia idade apareceu e me olhou com curiosidade. Então ela falou algo que eu não entendi. Deveria ser irlandesa também. — Esta é Talía, minha esposa. Mostre a ela o quarto e a casa, se assim ela quiser. — Sim, senhor. A mulher me deu sinal para que a seguisse. Eu a acompanhei e subi as escadas da minha nova casa. Era uma bela construção, não tinha o que dizer a respeito, nenhuma crítica. Era clássica e tudo estava em perfeito estado, só não me fazia sentir à vontade, mas eu tinha ciência de que isso era algo que viria apenas com o tempo. — Bem vinda ao seu novo lar, senhora Dardan. O som do meu novo nome quase me fez tropeçar. Dardan. Eu era uma Dardan. — Pode me chamar de Talía. — Tudo bem. Aqui, esse é o seu quarto. Olhei para a cama, muito maior que a que eu tinha no dormitório da universidade, as janelas de vidro, as cortinas sinuosas. Fui até o banheiro e vi que muitas das minhas coisas já estavam lá, arrumadas. — Por aqui, esse é o seu closet. O chefe pediu para que arrumássemos seus pertences, já que vieram antes da senhora. Olhei para todas as minhas roupas e sapatos espalhadas pelo lugar e me senti um pouco mais confortável. — A senhora tem muitas roupas, então o chefe pediu para que desocupasse um pouco do lado dele para que pudesse acomodar todas as suas coisas. Percebi então que a parte em que estavam as roupas de Aleksander era bem menor. Realmente, todas as minhas coisas ocuparam o closet quase completamente. Eu tinha um quarto na casa de Giovanni, era onde minhas roupas ficavam, já que no dormitório seria impossível. Ele me ceder uma parte de seu closet foi estranhamente gentil. Talvez houvesse alguma esperança de uma convivência harmoniosa nesse casamento, afinal. Eu estaria aberta para construir isso. Dispensei Mina, tomei um banho e coloquei uma camisola vinho, de seda e alças. Me deitei e a exaustão física e emocional do dia logo fez com que eu adormecesse. Acordei sentindo minhas entranhas queimarem. Antes que eu pudesse me localizar, senti as mãos em meu corpo, com suavidade, mas ao mesmo tempo com paixão. Senti a respiração quente de Aleksander em minha nuca, sua mão desceu para minha boceta e começou a brincar com meu clitóris. Minha respiração começou a ficar mais e mais instável. Ele inseriu um dedo dentro de mim, uma leve ardência se somou ao prazer, mas eu estranhamente gostei. Eu abri mais minhas pernas, até senti-lo mais e mais dentro de mim. Meu coração estava acelerado. Minha respiração mais e mais superficial. A gente precisava conversar, precisava alinhar a nossa convivência, mas eu não conseguia pedir para que ele parasse. Era muito bom. O prazer se construiu e então, me desfez. Eu não era nada, apenas um corpo convulsionando de prazer. Aleksander virou meu rosto e então me beijou com languidez. Levantou uma perna minha e me invadiu com seu membro. A ardência potencializou o meu prazer. Eu suspirei, mas ele engoliu o meu suspiro nos lábios. Me beijando, ele começou a bombear em mim. Seu aperto ficou mais intenso, ele mordeu meu lábio quase com força, e eu gostei, eu queria mais, então o mordi de volta. Ele segurou meu queixo rudemente e me beijou, quase com raiva enquanto arremetia contra mim. Quando gozou, soltou um grunhido animalesco, levando outro orgasmo de mim. Eu estava mole demais para falar qualquer coisa, então apenas fiquei deitada, enquanto mais uma vez ele me limpava e voltava para o banheiro. Eu dormi antes que ele voltasse para a cama. Tanto precisava ser dito, mas eu não tinha condições de articular um único pensamento coerente. E assim, eu apenas voltei a dormir. CAPÍTULO 6 Aleksander Dardan
— Os Ucranianos atacaram mais uma vez. Mataram dois de
nossos homens. Seria interessante se o senhor reforçasse a segurança e contatasse a Aliança… — Não. Os ucranianos são um problema pequeno. Temos o Cartel em nosso encalço, assim como Thomas Madison. Pedir ajuda para a Aliança por causa de uma gangue de rua como os ucranianos seria mostrar fraqueza, Kael. — Entendo. Eu olhei para o meu homem de maior confiança. O mais leal. Ele tinha sido atribuído à segurança de Talía justamente por esse motivo. Se algo acontecesse com Talía, poderia se configurar em uma quebra na Aliança, mas agora ela também era minha responsabilidade. Era minha obrigação mantê-la segura. Kael voltou a me atualizar de tudo o que tinha acontecido em minha ausência, até ouvirmos duas batidas na porta. Fiquei irritado com a interrupção, mas resmunguei um entre. Ali, na entrada da porta, estava Talía. Ela tinha o cabelo preso no alto da cabeça, que afrouxava pelo peso do cabelo. Seu rosto estava limpo de maquiagem e a fazia parecer mais jovem que seus vinte e três anos. Ela vestia um short curto de algodão e uma regata, sem sutiã, se eu pudesse dizer algo. A visão dela me deixou irritado e excitado. Deus, que desejo louco era esse por essa garota? Ela estar tão à vontade na frente de Kael me irritou ainda mais. — Eu preciso falar com você — Disse de forma altiva. — Não poderia esperar? — Eu respondi irritado. — Não. Kael não precisou que eu dissesse nada. Apenas saiu, sem olhar para Talía. Ela se aproximou, assim que a porta foi fechada e parou em frente à mesa. Cruzou os braços, fazendo com que os seios se elevassem, e eu apertei o punho. — Eu liguei na universidade de Boston para saber sobre as minhas aulas. E eles disseram que não há transferência alguma para cá. A faculdade de medicina. Eu a olhei com intensidade. Meu silêncio prolongado fez seu queixo se elevar com teimosia e sua face ruborizou. — E então? Eu apenas dei um meio sorriso antes de dizer. — E então o que? — As aulas começam no próximo mês. Eu preciso fazer a transferência ou vou perder o semestre. — Porque você quer tanto fazer essa faculdade? Não vai ter utilidade nenhuma para você. Uma sombra de mágoa passou em seus olhos, mas ela escondeu desviando-os de mim, então disse com irreverência. — Esse foi o nosso acordo, não importa o que farei com meu diploma. — Vamos falar sobre isso mais tarde. — Respondi e voltei para o notebook, silenciosamente dispensando-a. Eu sabia que ela não acataria minha decisão e sairia, então mordi um sorriso quando a escutei bufar. — Eu quero falar sobre isso agora. Levantei os olhos para ela, que agora tinha os punhos fechados ao lado do corpo. Eu me levantei, lentamente e parei em frente a ela. Eu não dava a mínima se ela queria continuar essa faculdade. Do meu ponto de vista, seria melhor se ela tivesse algo para se ocupar, mas algo perverso dentro de mim gostava de provocá-la. Talvez não fosse inteligente, mas era mais forte que eu. — Você esquece quem dá as ordens aqui, álainn[2]. — Respondi com a voz baixa, prendendo seus olhos nos meus. — Não sou seu soldado. — Ela respondeu entre dentes. Eu sorri. — Não, definitivamente eu não a vejo como vejo meus soldados. Disse levantando minha mão para acariciar sua clavícula. Vi quando seus poros se arrepiaram com o contato. Seus olhos se arregalaram e ela se afastou devagar, perdendo um pouco daquela atitude. — Pare de ser cruel comigo. Foi a única condição que coloquei desde o início. — Ela sussurrou — Eu cumpri o meu papel, estou aqui, casada, à sua mercê. Que diferença faz a você se eu estudo ou não? Sua quase súplica fez algo se torcer em meu peito. Um sentimento que eu preferi reprimir e me afastei dela, indo em direção à janela. Eu não daria esse poder a ela, de decidir as coisas na hora em que ela queria. Nisso, Brianna estava certa. Talía era mimada até a medula e acostumada a ter as coisas ao seu modo. Eu resolveria isso, mas não diria nada a ela no momento, até que achasse necessário. — Depois, Talía. Respondi, de costas para sua figura irritada. Ela bufou, voltando a ficar com raiva. — Uuugh — Saiu do escritório batendo o pé e resmungando. O dia passou e eu não vi mais Talía. Mina avisou que minha madrasta viria para o jantar, com Elana e Mirella e eu apenas assenti. Brianna não me daria paz, estava forçando que eu aproveitasse a Aliança e arrumasse um acordo vantajoso para Elana. Eu não conseguia ver Elana sendo prometida para alguém, mais do que todas as outras moças, até mesmo Talía, Elana era muito inocente, muito menina, embora tivesse dezesseis ano. Era insegura por conta de seu sobrepeso e eu não faria nada contra sua vontade, mesmo sabendo que se eu impusesse a ela essa condição, ela obedeceria sem pestanejar. Ela não seria como Talía, que até agora enfrentou cada desmando meu. Elana seria um alvo fácil para qualquer homem e em nosso mundo havia muitos filhos da puta que poderiam fazer de sua vida um verdadeiro inferno. Eu sabia que deveria ser prático. Quando subi ao meu quarto, quase no horário marcado para o jantar, entrei no closet e vi Talía em um vestido tubinho preto, saltos com tiras e cabelo preso em um coque elegante. Ela usava brincos brilhantes que faziam conjunto com um colar. Ela realmente parecia uma dama elitista. Ela era. Elegante, fina, a imagem da perfeição. Em público, ela vendia a imagem da esposa troféu com maestria. Sempre que nos vimos socialmente foi assim que categorizei Talía. Superficial. Ela não fazia nada espontâneo, tudo era calculado milimetricamente, mesmo que parecesse casual. Entretanto, comigo, ela sempre demonstrou em um momento ou outro sinais de um temperamento tempestivo. Sempre que não me atendia, ou quando me dava uma resposta ácida, mesmo ostentando um sorriso. Ela se virou e seus olhos encontraram os meus. Nossos olhos eram estranhamente parecidos. Mesmo tom incomum de verde. Elana percebeu o fato no primeiro dia em que a viu e ficou semanas falando que deveria ser o destino. Eu a ignorei, embora nunca tenha esquecido sua fala de adolescente viciada em romances. — Está atrasado. — Ela disse diante do meu silêncio. — Muito trabalho. — Respondi, me forçando a desviar o olhar da minha esposa. Fui em direção às minhas roupas e a ouvi limpar a garganta. — Se não se importa, eu separei uma roupa para você, está em cima da cama. Eu olhei a roupa estendida na cama. Passei com tanta pressa que nem reparei. Olhei para ela, surpreso. Eu não sabia o que era ter alguém antecipando minhas necessidades. Talía deu um sorriso inseguro. — Espero não ter feito errado… — Obrigado. — Respondi, como se tivesse areia em minha garganta. Agradecer não estava entre minhas atividades rotineiras. Eu fui para o banheiro e tomei um banho rápido. Logo, sai e me apressei em me vestir. Ao colocar a gravata, me atrapalhei com o nó. Talía, incerta, se aproximou e tomou a gravata, afastando minhas mãos. Mais uma vez, fiquei surpresa com sua amabilidade. E desconfiado. Ao mesmo tempo, reprimi o desejo de enlaçar seu corpo e beijar sua boca, tentado principalmente pelo seu cheiro suave. Eu desejava minha esposa de uma forma inesperada. Isso deveria ser algo bom e não algo que me deixasse confuso, mas eu estava tendo dificuldade de lidar com Talía fora do quarto. Depois que ela terminou, alisou as lapelas do meu terno, olhou em meus olhos e se afastou lentamente. Estava me sentindo estranhamente seduzido e isso me fez ficar ainda mais alarmado. — Não precisa me olhar assim, só estou sendo a esposa perfeita que foi prometida a você. — Ela disse ironicamente, em um tom rouco e eu quase sorri. Quando descemos, Brianna, Elana e Mirella já estavam na sala. — Desculpe não estar presente quando chegou, Brianna. — Eu disse com um falso sorriso amável. Era prazeroso demais faze-la se sentir uma visita em casa. — Essa foi minha casa por vinte anos, Alek. Eu não preciso ser recebida, sou da família. — Ela respondeu com um falso sorriso. Talía ficou calada, então se aproximou de Elana e Mirella. As três se cumprimentaram, e a cena me deixou incomodado por algo que eu não soube exatamente explicar. Me sentei na poltrona de frente para elas e perguntei: — Mirella, quando você volta para a Irlanda? Mirella, então com um vestido vermelho revelador demais, forçou um sorriso e jogou seus cabelos ruivos para trás. — Andei conversando com tia Bree — Ela me olhou com perversidade — Vou ficar por aqui. Eu paralisei com a informação, estava pronto para dizer o quão absurdo era tudo aquilo, quando Talía sentou-se ao lado de Mirella. — Que bom, Mirella. Vai ser bom ter você nos eventos. E podemos ver aquela semana de moda em Paris no próximo mês, quem sabe? A forma genuína como Talía disse as palavras me calou. Se eu tivesse um rompante em sua frente ela certamente iria querer saber o motivo. E eu achava desnecessário que ela soubesse sobre meu envolvimento com Mirella, era passado. Como também não era confortável que ficassem amigas e viajassem juntas. Eu precisava mandar Mirella de volta para a Irlanda. — Claro, querida. — Mirella pegou as mãos de Talía nas dela — Vamos nos divertir muito. Toda a cena me deixou estranho. Eu não confiava em Mirella, ela tinha obsessão por mim e eu não via com bons olhos aquela amizade com Talía. Era quase como se fosse um aviso. Olhei para Brianna que apenas deu de ombros. Aquela bruxa não me socorreria. Elana estava alheia a tudo, em seu celular. A situação toda só reforçou a minha decisão de embarcar Mirella no primeiro avião para a Irlanda. — Talía. Como você sabe, agora ocupa um cargo de importância na organização, o mais importante, junto com Aleksander. Saiba que pode contar comigo para se familiarizar. — Obrigada, senhora Dardan. — Brianna. Agora somos família. — Brianna me olhou. — Vou te dar algumas dicas de roupas e dicas sociais também. Verá que aqui as coisas são um pouco diferentes de Nova Iorque. Talía manteve o sorriso, mas eu soube que seu corpo retesou. — Eu agradeço muito a sua gentileza, Brianna, mas eu estou muito bem com minhas roupas. — Não me leve a mal, mas você precisa de roupas de senhora. Não de jovenzinha. — Ora, mas eu sou uma jovenzinha. —Ela respondeu ampliando o sorriso — Tenho apenas vinte e três anos. E acredito que uma roupa não nos define, apesar da minha eterna paixão por moda. Eu cobri o meu sorriso com uma bebida. Acreditava piamente que Brianna havia achado uma adversária à altura. Elana tinha os olhos muito abertos, observando a cena que se desenrolava e Brianna engoliu em seco, mas manteve o sorriso. — Não lhe fará mal nenhum ouvir uma ou duas dicas de uma mulher sábia. — Sou infinitamente grata por sua disposição, mas jamais te encarregaria desse fardo. E de qualquer forma, sou cliente fiel da marca Castelle, a linha de minha prima. Milena ficaria arrasada se eu vestisse outra roupa que não fosse coleção dela. Brianna apertou as mãos em seu colo, seus olhos apertados, mas foi interrompida de terminar o que iria dizer. — Ah, eu adoro as roupas da Senhora Maceratta, mas mamãe nunca comprou para mim. — Elana disse pesarosa. O olhar venenoso de Brianna foi para Elana. — Você teria que ter corpo para vestir uma roupa de grife, Elana. Eu estava pronto para colocar um fim naquela besteira. Como sempre, Elana era o principal alvo de Brianna, principalmente quando era contrariada. Mas Talía surpreendeu quando sorriu para Elana, que se encolhia, em sua poltrona. — Elana é maravilhosa. Tenho certeza que ficaria ainda mais maravilhosa vestindo um Castelle. Aliás, amanhã poderíamos ir às compras, o que acha? — Não sei se é uma boa ideia. — Elana respondeu, olhando para o chão e então para Talía, de forma insegura. Minha esposa se animou. — Pois eu acho excelente. Estou entediada de ficar o dia todo aqui em casa. Você é maravilhosa, só precisa das roupas adequadas para realçar a sua beleza. Um novo corte de cabelo também poderia realçar seus olhos. Você já é linda por si mesma. Os olhos de Elana brilharam e ela pareceu uma criança em uma manhã de natal. Era tão raro ver esse olhar em Elana que eu segurei o impulso de beijar Talía pelo feito. — Eu não permito — Brianna disse de seu lugar, perdendo totalmente a compostura. — Eu permito — Me ouvi dizendo. — Ela é minha filha, Alek. — Eu sou o chefe da porra dessa família e eu disse que ela vai! Todos pularam em seus assentos. Talía apenas baixou os olhos, e quando os levantou, tentei passar a ela a gratidão que eu sentia pelo que fez por Elana. Ela sorriu de lado e desviou o olhar. Senti a lateral do meu rosto queimar e olhei para Mirella, que encarava a mim e Talía ao mesmo tempo. Como se ela percebesse algo e não tivesse gostado nem um pouco. Quando percebeu meu olhar, os desviou com raiva e ressentimento. O silêncio reinou por um tempo, de maneira desconfortável, até Talía começar a conversar com Mirella sobre algo relacionado a tal semana de moda. Brianna manteve a pose, contudo estava visivelmente frustrada por não ter conseguido o que mais queria: intimidar Talía. O jantar aconteceu sem mais tensões. Eu tinha que reconhecer que Talía era impecável em público. Educada com os empregados, com a minha família e mesmo com Brianna. Afetuosa com Elana. Ela estava sendo mais do que eu esperava que fosse. — Você está gostando de seu novo lar, Talía? Talía olhou para Brianna com um sorriso brilhante. — A casa é adorável, Brianna. Contudo, eu já penso em algumas mudanças na decoração, para deixar mais a minha cara. A veia do pescoço de Brianna pareceu que iria saltar e nenhum som mais se ouviu na casa. Brianna, que estava prestes a ter um colapso nervoso, pareceu recuperar o controle e sorriu. — Com certeza não tem a sua cara. Essa casa é de muito bom gosto, a decoração foi feita por um decorador francês, clássico. Mas o que uma garotinha que viveu os últimos quatro anos em um dormitório de universidade saberia sobre isso? Talía perdeu um pouco da cor do rosto, mas respondeu com calma. — Não foi minha intenção ofender você, Brianna. Peço sinceramente que me desculpe, se entendeu assim. Contudo, eu pensei em um design moderno. E até onde sei, essa agora é minha casa. O golpe de misericórdia. Talía era totalmente inesperada e eu comecei a rir. Talía me olhou com uma ponta de preocupação, mas manteve o rosto em branco. Todos me olharam como se eu tivesse enlouquecido de vez, e eu mandei toda a cortesia à merda. Comecei a gargalhar enquanto a veia de Brianna ficava mais e mais visível, denunciando o seu turbilhão de raiva. Ela me olhou então, me direcionando toda a sua raiva. — Eu deveria ter te surrado mais enquanto era criança. Mas você sempre foi um caso perdido. Um selvagem. Suas palavras me silenciaram. Eu tinha sete anos quando meu pai se casou com Brianna. Sete anos quando, enquanto meu pai viajava e cuidava dos negócios, Brianna me privava de alimento e água, me surrava ou pedia para seu homem me surrar, me trancava no sótão. O verdadeiro bicho-papão da minha infância foi uma mulher de sorriso amável. Mas eu já não era uma criança de sete anos de idade. E desde que me tornei homem feito ela já não tocou em mim. E quando minha irmã nasceu, eu nunca permiti que ela tocasse em Elana. Ela sabia que eu a mataria com minhas próprias mãos, caso ela machucasse minha irmã, embora, ela tenha achado outras formas de atormentar Elana. — Eu vou embora dessa casa! Elana, Mirella! Ela saiu, Mirella a acompanhou e Elana resmungou com um pedido de desculpas, acompanhando a mãe. Talía tinha os olhos no prato e sua mão tremia. As poucas vezes que observei Talía com sua família e até mesmo as irmãs Castelle, eles sempre tiveram uma dinâmica diferente da minha. Ela deveria estar se perguntando em que pesadelo caiu, deveria estar pensando em alguma forma de escapar de tudo isso. Eu sentia muito por Talía, mas ela estava presa no inferno comigo e era bom ela ir se acostumando, pois essa seria sua realidade também. Algo dentro de mim queimou, quase como se fosse remorso por colocar alguém como Talía, que teve a sorte de uma boa família, no pesadelo da minha própria. Mas essa ponta de remorso foi substituída por raiva. Raiva infinita que me acompanhava desde que eu me reconhecia como pessoa. Raiva que fazia parte de mim. Olhei mais uma vez para seu rosto pálido e disse em tom sarcástico. — Bem-vinda a família, álainn. E com isso, me levantei e fui para o meu escritório, deixando-a sozinha com seus temores. CAPÍTULO 7 Talía Dardan
Eu tentava valentemente acalmar as loucas batidas do meu
coração, mas ele insistia em pulsar furiosamente. Olhei para a mesa vazia e não consegui sintetizar em pensamentos coerentes tudo o que tinha acabado de acontecer. Eu nunca vi a família Dardan como uma família afetuosa como a minha, sempre foram reservados e sérios. Todavia, nunca imaginei que o ódio e o desprezo reinariam em cada interação. Fechei os olhos com força para conter uma onda de lágrimas que ameaçavam rolar em meu rosto. Se tivesse em minha casa, meu pai estaria contando piadas sem graça, me fazendo esquecer quem ele era de verdade: Um assassino. Giovanni estaria perturbando Milena, tirando gargalhadas de toda a família. Tia Antonella estaria falando alto, brigando comigo ou me dando conselhos. Se Giulia estivesse presente, o caos estaria formado com Pietro dando trabalho para os pais e Leonardo estaria passando de colo em colo. Pensei nas palavras amargas de Brianna para Aleksander. Ela disse com todas as letras que surrava Aleksander. Não era nenhum segredo que homens feitos eram torturados para que se tornassem homens feitos, mas algo sobre como ela disse as palavras fizeram parecer algo muito pior. Ainda conseguia me lembrar do que as palavras fizeram com o rosto de Aleksander. Ficou petrificado. Assustador. Ele odiava Brianna. Então me lembrei de Elana, e me perguntei qual foi a vida que minha cunhada teve. Ela era insegura, tímida e Brianna não ajudava com suas palavras cruéis. Talvez a relação dela com a comida viesse como uma espécie de válvula de escape para lidar com uma família tão tóxica. Me lembrei de como seus olhos brilharam quando a convidei para fazer compras e talvez, só talvez, eu conseguisse ser de alguma ajuda. — Senhora, posso retirar os pratos? Abri os olhos e vi Mina parada diante de mim. Dei um sorriso sem vontade. — Claro, Mina. E me chame de Talía, por favor. — Sim, Talía. Enquanto ela retirava os pratos, resolvi perguntar. — É um lindo jardim lá fora. Você conheceu a mãe de Aleksander? Um sorriso saudoso desenhou o rosto de Mina. — Eu conheci, sim. Senhora Kiara era amável e morria por Aleksander. Mas infelizmente, ela morreu junto com o segundo filho no ventre. Caiu de um cavalo no segundo trimestre da gestação. Praticava equitação, amava os cavalos, por isso, foi uma tragédia o que aconteceu. Senhor Sean nunca mais foi o mesmo. Ele era apaixonado pela esposa e não a escondia, por isso a deixava fazer o que queria. Inclusive cavalgar, mesmo gestante. Sean Dardan, o pai de Aleksander. Foi impossível não me sentir melancólica pelo ocorrido. Juntando com o que tinha acontecido na mesa de jantar, eu estava começando a montar o quebra-cabeça complexo da família Dardan. Pensei novamente em Aleksander, em tudo o que perdeu em tão tenra idade. Perdeu uma mãe que, pelo que eu sabia era maravilhosa, para ganhar uma madrasta que provavelmente o agredia. Senti raiva de Brianna. Senti pena de Elana. Eu perdi minha mãe quando tinha dez anos, mas sempre fui muito amada pela minha família. Meu pai jamais se casou novamente e a tia Antonella fez o papel materno em minha vida. Giovanni foi o irmão que eu não tive. Me dei conta então de que fui uma pessoa de sorte. Embora agora eu já não tenha tanta certeza, vendo a família que fazia parte. Agradeci à Mina e subi para o meu quarto, confusa, assustada e penalizada. Uma parte de mim queria ir lá e saber como estava Aleksander, mas algo em sua expressão ao se levantar da cadeira me fez desistir. Algo me dizia que ele não veria minha ação com bons olhos. Tomei um banho e me deitei. Naquela noite, Aleksander não veio.
───※ ·❆· ※───
Me olhei no espelho mais uma vez. Eu usava um vestido branco de seda, com a frente transpassada e caimento rodado no meio da coxa. As costas nuas, o cabelo preso em um rabo de cavalo elegante. Um salto nude e maquiagem mínima. Mina já havia me avisado que Mirella me aguardava no andar debaixo. Estranhei quando soube que Elana não estava junto e logo me preocupei. Desci as escadas e cumprimentei Mirella, que me recebeu com um caloroso sorriso. Ela tinha os cabelos soltos e um conjunto de calça e cropped azul. Eu soube que ela tinha vinte e oito anos e fiquei curiosa por ela não ter se casado. — E Elana? — Ah, querida. Elana é… Complicada. Ela é insegura e acabou desistindo de vir. — É meio impossível ela não ser insegura com uma mãe o tempo todo a colocando para baixo. — Falei com ressentimento, notando então que Mirella havia baixado os olhos. — Me desculpe, sei que é a sua tia, mas depois de ontem… — Oh, não se preocupe. Eu conheço bem a minha tia, mas acredite ela é a melhor da minha família. Meu pai e meus tios da Irlanda são bem piores. Olhei para a bela ruiva em minha frente e fiquei imaginando o que poderia ser pior que Brianna. — É por isso que não quer voltar? — Perguntei por impulso. Ela baixou os olhos e se encolheu. Me aproximei mais e segurei sua mão em sinal de encorajamento. — Eles querem me casar com um velho gagá, assim que eu voltar. A única que ficou com pena de mim foi tia Bree. Ela vai postergar ao máximo meu o retorno. — Talvez até lá, Aleksander consiga um arranjo para você aqui. Pelo menos alguém agradável. Mirella desviou os olhos em um movimento brusco. Fiquei pensando se falei algo errado, até voltar os olhos para mim e sorrir tristemente. — É… Quem sabe. Deus sabe que mulheres não têm muito o que dizer a respeito de seu futuro. Olhe para você, é nítido que não gostaria de estar aqui. Me preocupei com suas palavras. Não queria de forma alguma passar essa impressão. Ao ver minha expressão ela segurou minha mão mais forte. — Fique tranquila, eu sei disso porque acompanhei esse noivado e casamento desde o início. Sei da relutância de vocês dois e por isso estou dizendo. Você não fez nada errado, muito pelo contrário, sempre é perfeita. Sorri mais aliviada. — Eu espero que Aleksander esteja sendo bom para você. Olhei para Mirella. Me lembrei das longas conversas que tinha com Milena e de como, acima de tudo, sempre fomos amigas. Eu ainda não conhecia Mirella o suficiente para falar das minhas dúvidas e inseguranças, embora ela tenha se mostrado ótima até o momento. Então eu sorri. — Ele tem sido ótimo, obrigada. Ela me olhou com quase pena e eu engoli um caroço em minha garganta. Eu não saberia dizer que tipo de relação eu e Aleksander tínhamos, nem se eu queria dizer algo sobre o assunto. Ele era cruel comigo? Não fisicamente, mas ao mesmo tempo, ele não era uma pessoa fácil. Minha expressão deve ter me denunciado, pois Mirella voltou a me chamar a atenção. — Conheço Aleksander por quase toda minha vida e querida, eu sei que ele pode ser bem complicado. Ele sempre foi… Distante e frio. E sei que você pode se sentir sozinha em alguns momentos, então saiba que tem em mim uma amiga. Para qualquer coisa. Mirella pareceu genuína. Seria bom ter uma amiga aqui, considerando quão longe eu estava de todos os meus amigos. E bem, ela poderia ser uma informante para que eu entendesse de vez a dinâmica da família que agora era minha. Contudo, pensar em Elana em seu quarto, intimidada me cortou por dentro, muito mais que minha situação matrimonial. — Vamos, vamos fazer compras. Ela sorriu largamente. — Claro. — E depois, vamos até Elana. O sorriso de Mirella caiu em uma expressão estranha, que ela logo recuperou. — Por que? — Eu tive uma ideia. — Disse sorrindo e acenando para Kael, que já me acompanhava.
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— Se me permite um conselho, tente ter a tia Bree como aliada. — Me desculpe, Mirella, mas eu não quero ser aliada de uma pessoa como a sua tia. E minha lealdade é com o meu marido. Mirella deu um suspiro frustrado. — Você está certa. Mas é que tia Bree pode ser um grande problema para você, ela pode dificultar e muito a sua vida aqui. Eu olhei para Mirella com firmeza. — Eu não tenho medo dela. — Tudo bem. Eu só estou tentando ajudar. Olhei para o condomínio onde estava a cobertura de Brianna e Elana. Os seguranças reconheceram Kael e nos deixaram entrar. Mirella estava estranhamente contrariada com minha ideia, mas eu associei ao medo da reação de sua tia ao que eu estava prestes a fazer. Eu suspirei e me lembrei de quem eu era e o meu valor. Se eu abaixasse a cabeça agora, nunca conseguiria ser respeitada. Kael levava sacolas e mais sacolas, assim como eu e Mirella. Havia de tudo: Sapatos, bolsas, acessórios, roupas. Provavelmente Aleksander teria um surto quando visse a fatura do cartão, mas eu não me importava. Claro que eu comprei uma coisa e outra para mim, mas o foco era levar o shopping até Elana. E claro, irritar um pouco Brianna. Ou muito. Assim que entramos Brianna n os recebeu com um olhar frio. Então sorriu. — Não te ensinaram que é não é de bom tom aparecer na residência dos outros sem ser convidada? — Disse em tom alegre. Eu dei o meu sorriso amplo e fútil. — Sinto muito desapontá-la. Vim ver minha cunhada, não você. Onde é o quarto? Brianna fechou ainda mais o semblante. — Você não vai entrar em minha casa como se… — Talía? — A voz de Elana soou e quando a vi, estava no meio da escada. — Oi, querida. Você não quis nos acompanhar até o shopping, eu o trouxe até você. — Disse e levantei as duas sacolas que tinha nas mãos. Eu sabia que parecia uma riquinha mimada quando me comportava assim, mas não me importei. — Elana está indisposta. — Tenho certeza que não para mim. Kael, por favor, me ajude a levar essas sacolas até o quarto de Elana? Obrigada. Kael parecia perdido. Ele provavelmente achava mais fácil lidar com tortura e assassinatos do que entrar no meio de uma briga de mulheres, mas escutei seus passos pesados atrás de mim. Interiormente, eu estava trêmula. Incerta. Provavelmente meu comportamento chegaria aos ouvidos de Aleksander (assim como a fatura do cartão que me deu) e eu nunca sabia o que esperar do meu marido. Mas não demonstrei minha insegurança. Elana fechou a porta do quarto assim que eu e Mirella entramos e Kael saiu, depois de deixar as sacolas em cima da cama. Me virei para ela, que estava de costas para mim, seus ombros tremiam. Fiquei paralisada, pensando que poderia ter passado de todos os limites. Já estava pronta para pedir desculpas quando ela se virou muito vermelha e explodiu em gargalhadas. Mirella apenas sorriu com a cena e eu soltei um suspiro aliviado. Elana vestia uma camiseta de gatinho e tinha uma calça de pijama. Seu notebook estava na cama, e ela usava meias. Provavelmente era assim que passava a maior parte do dia, no quarto. Não a julgo, tendo a mãe que tem. Elana finalmente parou e continuou me olhando, risonha. Como alguém poderia dizer que ela não era bonita? Ela era linda. Um sorriso contagiante, pele perfeita, doce e amável. — Eu sou sua fã, é oficial. — Ela me abraçou — A única pessoa que já vi enfrentar minha mãe foi Aleksander, quando não a ignora. Ao se afastar, ainda apertou meus ombros. — Obrigada por isso. — Desculpe se exagerei, mas eu não me conformei com você não ir conosco. Seu sorriso diminuiu. — Não é a minha coisa. — Querida, moda é a coisa de todo mundo, mesmo que não seja convencional. Sua roupa faz parte da sua identidade. Começamos a revirar as sacolas. Elana passou a tarde experimentando roupas e conseguimos deixa-la com um novo guarda-roupa. Não mudando totalmente seu gosto por jeans, mas valorizando seus pontos altos, maquiagem discreta como ela preferia, e alguns vestidos de noite para os eventos. Nos vestido eu tomei a frente e os escolhi a dedo. — Eu costumo ajudar Milena na coleção. — Então meu sorriso caiu um pouco — Quero dizer… Ajudava. — Sente falta deles? — Elana perguntou, com empatia. — Só faz alguns dias, mas sim. Todos os dias eu estava por ali, mesmo quando morava no dormitório. — Você pode visitá-los. Olhei para Mirella, sentada na poltrona no canto. Ela pouco participou da prova de roupas, dando uma opinião ou outra, ficando a maior parte do tempo no celular. Às vezes ela ficava com um olhar distante, então me lembrei sobre os planos de sua família para ela. Não a culpei. — Pouco provável, visto que saí de lá tem menos de uma semana. — Ela ainda está em lua de mel, Mirella. — Elana disse sorrindo e ruborizando a face. — Mas o casamento dela é de conveniência. Amor e fidelidade não estão no pacote. A forma amarga como Mirella disse as palavras me doeu por algum motivo. Não era uma mentira, mas eu dormia com Aleksander. Ou pelo menos, eu dormi. Não aceitaria ser traída, isso não. Eu me recusaria a dormir com um homem que dormisse com outras mulheres, até mesmo por segurança. Eu seria médica, afinal. Então me lembrei que Aleksander não me procurou na noite anterior. Eu nem sabia se ele tinha dormido em casa e não o tinha visto por todo o dia. Minha expressão deve ter denunciado meus pensamentos. — Mirella! — Elana gritou com a prima. — Eu estou dizendo a verdade. Aleksander é um Chefe, é um mafioso, é besteira esperar mais. Elana ia começar a dizer algo, mas eu sorri e interrompi. — Tudo bem meninas, chega. Vamos voltar para a nossa missão. Meu casamento com Aleksander não está em discussão aqui, nem as minhas expectativas. Voltamos para a missão divertida em que estávamos, mas as palavras de Mirella continuaram martelando em minha mente. Imaginei que ela falou tudo o que disse por conta de sua própria situação. Lá no fundo eu ainda tinha esperança de que eu e Aleksander pudéssemos desenvolver uma relação de respeito e companheirismo. Talvez não igual ao amor épico de Milena e Giovanni ou Isabella e Yuri. Ou até mesmo como o de Giulia, que teve um casamento arranjado, mas conseguiu encontrar verdadeiro amor em Eduardo, que a amava sem reservas. Minhas expectativas aumentaram em relação ao nosso casamento, visto que na cama nos damos bem. Aleksander me incendiava quando me tocava, isso me deu esperanças, mas seria impossível construir uma relação se ele não fosse fiel. Eu não seria essa mulher. Mirella passou a integrar mais as decisões e logo toda a tensão foi esquecida. Elas eram divertidas e foi uma tarde agradável. Quando percebi, já estava escurecendo e eu me despedi de ambas, deixando Elana com um sorriso lindo e satisfeito no rosto. Ela tinha se divertido e o fato me deixou com a sensação de dever cumprido. Eu a fiz prometer me visitar mais vezes e estendi o convite a Mirella. No caminho, Kael parecia incomodado. Então, comecei a falar com ele. — Trabalha para Aleksander há muito tempo? — Sim, senhora. — Quanto tempo? — Muito tempo, senhora. — Okay, isso foi bem esclarecedor. — Ele continuou em silêncio — Quantos anos você tem? — Vinte e oito, senhora. — Talía. Falei meio irritada. — Não é adequado, senhora. Seu tom monótono me irritou mais, pois percebi que essa era a sua intenção: — Você trabalha para mim, não é assim? Então vai me chamar do que eu quiser. Para ficar pior só falta me chamar de Senhora Dardan. Além de me deixar velha me lembra Brianna e eu prefiro qualquer coisa a me parecer com ela. Kael ficou quieto e então eu o olhei. Ele segurava um sorriso e eu comecei a rir. Ele logo ficou sério novamente e eu continuei. — E eu não sou velha, Kael. Então, é Talía. O silêncio nos acompanhou até chegar à casa que eu ainda tinha dificuldade em ver como minha. Desci do carro e entrei, dando de cara com Aleksander. Ele estava sentado na poltrona da sala. Uma perna em cima da outra e a mão no queixo. Seu cabelo caía na testa e ele estava todo de preto. Por algum motivo eu paralisei na entrada. Então voltei à expressão de sempre e entrei na sala, sob o seu escrutínio. — Boa noite. — Falei diante do seu olhar avaliador. — Você irritou Brianna. — Ele disse. Meu coração acelerou no peito, contudo, levantei o queixo e não demonstrei. — Claro que ela foi te contar. Seus olhos passaram por minhas pernas, meu vestido, então em meu rosto. Aleksander ainda me assustava, mesmo que eu negasse. Ele fazia questão de manter a sua superioridade e na maioria das situações, eu não sabia o que esperar. Ele estaria bravo por eu ter irritado sua madrasta? Então ele se levantou e parou em minha frente, muito maior que eu. Mantive o meu olhar firme, contudo, minha vontade era de correr para o quarto. Ele levantou a mão e foi uma luta para que eu não vacilasse. Ele nunca prometeu não usar violência contra mim, mas sua mão apenas pegou uma mecha de cabelo e o colocou atrás da minha orelha. A ação fez minha pele arrepiar e eu fechei os olhos. — Faz três dias que você está aqui… E já está fazendo uma revolução. Eu não soube dizer se era um elogio ou uma reprimenda. Olhei para ele com o cenho franzido, tentando entendê-lo, mas Aleksander apenas riu. Era um riso sarcástico, antes que ele se virasse e dissesse ainda de costas. — Não me espere para o jantar. CAPÍTULO 8 Aleksander Dardan
Olhei para o fodido ucraniano amarrado. Três dedos já haviam
saído sob as mãos cruéis de Michael. Minhas mãos estavam ensanguentadas, assim como os anéis enfaixados em meus dedos. Eu estava suado e sujo de sangue. Michael era o executor, mas eu não poderia negar que gostava, gostava muito de estar desse lado. Gostava de mutilar e matar todos que ousavam se aventurar a fazer negócios em meu território sem a minha permissão. Meu celular tocou, eu o retirei do bolso e olhei o visor: Kael. Atendi após o primeiro toque. — Sim. — São quase 18h00. Hoje tem o evento de caridade do Senador Thompson. Foda-se. Eu tinha me esquecido completamente dessa merda, tal era a minha habilidade com a política do negócio. Eu gostava mesmo era da ação, não da hipocrisia. Me lembrei também que não falei com Talía sobre o evento. Brianna e Elana também estariam presentes, o convite se estendeu a elas, contudo, desde que o tempo havia se fechado entre Brianna e Talía, eu duvidava muito que Brianna tivesse avisado. Fazia uma semana desde que nos casamos e ainda era estranho para caralho ter uma mulher em casa, então eu a deixava o mais à vontade possível. Em outras palavras, eu a deixava sozinha. — Certo. Desliguei o telefone e olhei mais uma vez para o ucraniano filho da puta. Dei mais um soco só porque eu podia, fazendo algumas gotas de sangue espirrar em meu rosto e disse: — Em meu território, minha palavra é lei. Eu gostaria de desfigurar esse seu rosto estúpido com minha faca, mas vou te deixar nas mãos capazes de Michael. O homem me olhou com apenas um olho, pois que o outro estava fechado pelo inchaço dos golpes e deu um xingamento em sua língua materna. Na hora lamentei ter que partir. Quebrar esses homens que se achavam durões era muito mais divertido.
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Cheguei em casa e suspirei ao entrar. Encontrei Talía no sofá, vestindo um short de pijama e regata branca, tomando algo em uma caneca. Eu olhei para seu perfil, que encarava a lareira de forma pensativa. Estava esfriando e estranhei suas roupas. Durante toda a semana, eu pouco vi minha esposa. A forma como ela afrontou Brianna ainda estava fresca em minha memória e eu tinha que admirar sua coragem; não esperava que Talía pudesse soltar farpas com tanta classe, mesmo sendo tão jovem. A verdade é que eu pouco imaginei Talía. Eu tinha uma ideia fixa de como a vida seria, de como ela seria. Um cartão de crédito ilimitado, um motorista e segurança. Dócil ela nunca foi, então quanto a isso eu não criei ilusões, mas imaginei que ficaríamos fora do caminho um do outro na maior parte do tempo. Me aproximei até que ela levantou os olhos para mim. Verdes como os meus. Um espelho dos meus. — Olá. — Ela disse incerta, se levantando e me dando a visão de suas pernas. Eu não fingi que não notei. Meu desejo por ela não tinha porquê ser um segredo, Talía era minha esposa. Eu não respondi e cheguei bem perto de sua figura. Seus olhos denunciavam seu medo e insegurança, mas ela não os desviou dos meus e nem se afastou de mim. Por alguma razão do caralho, esse comportamento irreverente me excitava. Ela mordeu o lábio inferior e suas pupilas dilataram, foi o suficiente para que eu descesse minha boca na dela sem qualquer aviso. Após um primeiro momento de surpresa ela cedeu e correspondeu o beijo. Inicialmente insegura, mas logo ela subiu as mãos por meu peito e enlaçou meu pescoço. Nosso beijo não tinha nada de gentil, nós nos devoramos no meio da sala de estar. Estávamos em um duelo de lábios, mãos e língua, quase como se fosse uma competição de quem cederia o domínio mais rápido. Eu me sentei no sofá, sabendo que ninguém iria se atrever a nos atrapalhar e abaixei seu short antes de sentá-la em meu colo. Talía me olhou com os olhos arregalados, mas então, o verde de seus olhos ficou ainda mais escuro. Ela olhou para a entrada e então para a outra porta que dava para a cozinha e se sentou em meu colo de forma devassa, com um sorriso sacana. Ela não cansava de me surpreender. Ao tentar puxar minha camisa, ela percebeu que sua mão ficou suja. Seus olhos foram para minhas mãos e minhas roupas e a umidade da roupa escura, as escoriações em minhas juntas e o rosto manchado denunciaram qual era a minha atividade mais recente. Esperei que ela se afastasse, mas ela apenas me encarou por um tempo. Então, ela olhou para suas mãos, agora um pouco pegajosas, e as espalhou em meu pescoço novamente, de forma tranquila, se aproximando e me dando um beijo… Quase terno, de olhos abertos. Eu fiquei um pouco paralisado com sua ação. Uma garota como ela, eu imaginava que sentiria medo ou pelo menos ficaria enojada com o sangue. Mas Talía apenas ignorou tudo e me beijou. Meu coração começou a pular desesperadamente em meu peito e eu fui tomado por uma sensação que eu nunca havia experimentado. Seu sexo esquentava minha calça, deixando a superfície úmida. Sua boca na minha, seus olhos que pareciam ler todas as emoções que eu estava experimentando... Todo o turbilhão interior que eu sentia foi demais para mim. Mais uma vez minha esposa me confundia, agindo de forma inesperada. Eu achava que sabia quem ela era, mas cada dia com ela me fazia perceber que eu não sabia porra nenhuma. Ela passou a rebolar em minha calça e meu primeiro pensamento coerente, enquanto ela lambuzava minha calça com sua umidade e me beijava daquele jeito doce, foi me levantar e sair correndo. Eu estava prestes a fazer isso, mas então senti seus dedos abrindo meu jeans, como se lesse meus pensamentos e meu pau saltou entre nós. Foi muito rápido para que eu conseguisse entender, ela se levantou e em um movimento brusco, e sua boceta engoliu meu pau, envolvendo-o com sua suavidade. Gememos juntos e meus olhos reviraram pela sensação deliciosa dela em mim. Eu soltei um urro e segurei seus quadris firmemente. Ela tentou se mexer, mas eu não a deixei, estendendo mais e mais a nossa agonia. Seus olhos se firmaram nos meus, ela subiu para minha cabeça as mãos que estavam nas minhas e puxou meu cabelo para trás, dando beijos e mordidas em meu pescoço de forma selvagem. A sensação era demais. Eu soltei o seu quadril e ela passou a me cavalgar loucamente. Inicialmente, um pouco sem jeito, mas pegando o ritmo com o tempo. Não muito tempo depois ela chegou ao clímax e vê-la perseguir o próprio prazer me deixou ensandecido. Eu a segurei em seguida e procurei o meu próprio, que já estava à borda. E ele transbordou. Senti minhas vistas escurecerem e agradeci por estar sentado ou teria desabado no chão. Talía tinha o rosto entre meu pescoço e ombro e seus cabelos estavam jogados em suas costas. Seu coração estava acelerado e ela respirava com dificuldade. Ficamos por um tempo assim, até ela levantar o rosto para mim, de forma preguiçosa e… Adorável. Ela colocou os cabelos atrás da orelha, mas ainda assim eles caíram para frente, fazendo duas cortinas escuras ao redor do rosto. Percebi então que minhas mãos estavam acariciando suas costas de forma inconsciente e ela parecia relaxada com a ação. E eu me dei conta do compromisso que tínhamos. — Temos vinte minutos. — Falei com a voz rouca. — Vinte minutos para que? — Perguntou em confusão. O rosto confuso estava ainda mais adorável, fazendo algo dentro de mim esquentar. — Um evento de gala. Ela se levantou em um rompante com os olhos muito abertos e a boca apertada. — Vinte minutos para um evento de gala? Você só pode ter enlouquecido! — Ela disse enquanto colocava o short de volta no corpo e subia as escadas correndo e reclamando sobre minha desconsideração. Eu deitei a cabeça no encosto do sofá e quase sorri. Quase.
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Quando chegamos ao salão de eventos do Hampton, eu estava me esforçando para esconder meu humor. Pela primeira vez eu chegava a um evento com mais de uma hora de atraso, graças à minha esposa. Em quinze minutos eu estava pronto e Talía não tinha nem escolhido o que usar. Do que adiantava aquela imensidão de roupas se ela constantemente olhava para o closet resmungando que não tinha o que vestir? Se não fosse eu ter gozado como um louco minutos antes, eu teria perdido a paciência. No fim ela optou por um vestido preto da coleção Castelle. Manga única, longo e que marcava todo o seu corpo, parecendo uma segunda pele. O cabelo estava preso na lateral da cabeça e sua maquiagem era leve. Ela estava deslumbrante em meu braço, mas eu não estava com humor para dizer isso a ela. Não que ela tenha perguntado, pois ela sozinha já tinha se dado o veredito de que estava perfeita. Foi só depois disso que finalmente conseguimos sair. A parte chata de todo evento eram os sorrisos e as falsas felicitações. A novidade foi me sentir incomodado com a óbvia fascinação dos homens por minha esposa. Claro que os olhares de admiração eram discretos, pois todos ali sabiam quem eu era e exatamente o que eu fazia, mas eu era ótimo em observar e ler pessoas. Uma merda para eles. Talía parecia alheia ao fascínio que despertava. Ou era muito boa em disfarçar ou estava acostumada com seu efeito nos homens. Eu estava irritado por vários motivos: estava em um lugar em que não queria estar, mais atrasado do que já estive em toda minha vida e Talía reclamou durante todo o caminho. Assim que chegamos ao evento, uma arrecadação de fundos para alguma coisa que não me interessava, Talía vestiu uma máscara social. Eu tinha que admitir que ela era boa. Sorria educadamente para todo mundo e conduzia uma conversa de forma impecável. Nunca se excedendo e dando a ideia de uma esposa troféu exemplar. Baixava os olhos em submissão, de forma que quase me fazia rir, porque Talía era tudo, menos submissa, mas, ela tinha um senso de dever e tinha se mostrado perfeita em público. — Dardan. Fui tirado dos meus pensamentos pela voz do senador Thompson. — Estou satisfeito com a sua presença. Eu gostaria de poder retribuir o comentário, mas não acreditava que ele ficaria feliz em saber que eu preferia o inferno a um evento desses. Seus olhos pousaram em Talía e eu não gostei nem um pouco do brilho malicioso em seu olhar — Essa deve ser a sua esposa. A princesinha Maceratta. Talía deu um sorriso encantador para o filho da puta, mas me surpreendeu ao responder: — É uma honra conhecê-lo, senador. Talía Dardan. Algo dentro de mim inflou com suas palavras. Como se ela se apresentar usando meu sobrenome a marcasse como minha. Minha esposa e não apenas no papel. Eu ainda me surpreendia em como ela fazia isso. Colocava as pessoas em seus lugares com diplomacia e o total controle que ela tinha de suas emoções. Mais uma vez os olhos do senador brilharam, mas ele manteve o sorriso cordial, pegando a mão estendida de Talía nas dele e a levando aos lábios. — O prazer é meu, querida. Eu tive a felicidade de conhecer seu pai ano passado aqui em Boston, esse casamento entre você e Dardan foi muito esperado. É bom saber que nosso povo está bem relacionado. A conversa fluiu por mais um tempo, até Talía ser arrastada para longe de mim. Por algum motivo eu não gostei do fato dela ser levada se afastar. Mesmo que ela estivesse em uma roda de mulheres, eu sabia que muitas não estavam felizes com o fato de eu, o chefe, me casar com uma italiana. E por mais que dissesse não me importar, eu jamais admitiria que Talía fosse desrespeitada, principalmente porque eu estava começando a respeitá-la. Em dado momento, fomos para uma sala reservada falar sobre os problemas recorrentes que estávamos tendo com os ucranianos. Estava ficando uma merda fora de controle e eu sabia que de alguma forma, ficaria sob minha responsabilidade. Eu, Kael, Thompson e o Prefeito, Edward Bennet, estávamos tratando do assunto há pelo menos quarenta minutos, quando finalmente a reunião se deu por encerrada. — Os ucran… — Thompson começou a dizer, mas eu já estava cansado do assunto. Estava preocupado em como Talía estava se saindo. — Eu já disse que vou resolver essa merda — Eu disse com a pouca paciência que tinha, me levantando e tomando a minha dose de uísque de uma vez só. — Não banhe minha cidade de sangue, Dardan. — Edward disse, raiva chispando em seus olhos. Eu sorri, o meu sorriso sarcástico que irritava mais que qualquer palavra. — Eu vou banhar a minha cidade de sangue se achar que devo — Bati em seu ombro antes de sair — E você vai encobrir a minha merda porque eu pago muito bem para que você faça isso. Sai da sala, acompanhado de Kael, meu cão de guarda, como costumavam chamá-lo. Não que eu precisasse de um. Antes que eu voltasse para a festa, Mirella apareceu em minha frente. Usava de vermelho sangue, como seu cabelo, e a boca no mesmo tom. Eu suspirei. — Kael, fique de olho em Talía. Kael olhou para mim e então para Mirella. Pareceu hesitar por um segundo, mas seguiu com um aceno. Mirella, que tomou minhas palavras como encorajamento, me empurrou na parede, mas antes que sua boca se encontrasse com a minha, eu segurei seus braços. Desde o meu noivado com Talía eu não me envolvia com Mirella. E estava me irritando além do limite o fato dela não entender que tinha acabado. — Meu amor… — Mirella. — Eu apertei seus braços e ela estremeceu em um semblante de dor. — Escute bem o que eu vou te dizer. Amanhã você está embarcando para a Irlanda. — Você não pode fazer isso! — Eu posso tudo, Mirella, e eu vou! Você parte Amanhã. Agora suma da minha frente! Eu soltei os seus braços e ela deu dois passos para trás, com os olhos cheios de lágrimas. — Mas você me ama! Temos uma história, Alek. Você foi o meu primeiro homem, foi aquele a quem eu entreguei meu coração e minha alma! Não era para você estar casado com ela, ninguém gosta dela, ninguém vai aceitá-la. — Não preciso da autorização de ninguém. Passei as mãos por meus cabelos e suspirei. — Te respeitei e tive paciência com você até agora. Eu nunca te prometi nada, Mirella. Éramos jovens, muito jovens e mesmo que ficássemos juntos nos verões de suas visitas, nunca foi sério. Você sempre soube e aceitou os riscos. Mirella fechou os olhos e balançou a cabeça em negação. — Eu achei que você me amava! Eu te dei tudo. — Nunca te pedi nada — Minha voz soou dura, mas então eu a suavizei. — Você está livre das regras da Máfia, sabe disso. Pode viver sua vida da maneira que quiser. Ela abriu os olhos em desespero. — Não quero liberdade! Nunca quis ser livre, eu quero… Eu quero você. Sempre quis você. — Estou casado, Mirella. Você teve mais de três anos para entender o que aconteceria. O melhor é você voltar para a Irlanda. Já comprei a sua passagem. Ela me olhou e então saiu, limpando as lágrimas do rosto. Eu tinha um resquício de consideração por Mirella e por tudo o que tínhamos vivido, mas a atitude dela estava passando dos limites. Eu precisava afasta-la não só por mim, mas também por ela. Se ela me amava como afirmava, seria o melhor. Respirei fundo e assim que cheguei ao salão, meus olhos buscaram Talía. Ela estava em uma mesa com várias outras mulheres e tinha um sorriso firme no rosto. Se eu pudesse dizer algo sobre ela, diria que ela estava incomodada e com Brianna ao lado dela, sorrindo, era fácil imaginar o porquê. Talía estava chateada. Sem pensar muito em minhas ações, fui em direção a elas. Quando cheguei, as mulheres se dividiram entre interesse e medo. Muitas eram esposas de homens da organização e absolutamente todas sabiam sobre meus negócios. — Senhoras. — Cumprimentei e segurei o braço de Talía e ela me olhou um pouco assustada. — Vim tirar minha esposa para dançar. — Ora, Alek. Não seja um desmancha prazeres, estávamos familiarizando Talía com a nossa sociedade. — Brianna disse com um falso sorriso. — Sou um homem muito exigente quanto ao tempo da minha esposa. Tenho certeza de que ela não me negará uma dança. Não é, querida? Talía olhou para mim e então para as mulheres. Enfim, sorriu. — Claro que não, querido. — Então ela se virou para as mulheres — Me desculpe por isso, e espero vocês em minha casa para um chá. Será um prazer. As mãos de Talía estavam trêmulas e frias. Quando a segurei nos braços, no meio da pista, seus olhos estavam cheios de lágrimas não derramadas. O meu monstro interior rugiu, pois eu bem sabia em primeira mão o nível de crueldade de Brianna. Mais uma vez eu admirei o autocontrole de Talía. Eu sabia que Brianna seria um problema para qualquer mulher com quem eu me casasse. Eu só não sabia que me importaria com isso. CAPÍTULO 9 Talía Dardan
Eu sempre soube que não seria fácil.
Enquanto Aleksander me embalava no salão de forma quase reconfortante, eu lutava para recuperar o controle das minhas emoções. Brianna era uma mulher amarga e cruel, e com certeza ela já tinha feito todas as mulheres da organização me odiar. Ainda estava cega de tensão, mas sorri docemente. — Você está tensa. — A voz rouca de Aleksander soou em meu ouvido e eu quase parei no salão. Sim, eu estava tensa, mas ninguém precisava saber. Aleksander se afastou um pouco e me olhou ligeiramente divertido — Não se preocupe, principessa italiana, ninguém percebeu. A forma como ele me chamava assim, eu sabia que era uma espécie de insulto. A verdade é que eu nunca sabia quando Aleksander estava indo ou vindo. Nunca sabia em que pé estávamos. A forma como ele me tomava na intimidade era irreal. Mas então, todas as suas defesas voltavam a subir e eu percebia que não sabia nada, absolutamente nada, sobre o meu marido. Não sabia se ele era confiável. Não sabia o que ele fazia ou pensava do quarto para fora; contudo, a forma como ele me olhava no momento, seus olhos verdes estavam cheios de significados, era uma intensidade quase palpável. E o mais incrível era saber que era recíproco, porque a forma como os dedos dele pressionavam minhas costa disse mais que qualquer palavra que ele pudesse dizer. — Eu estou bem — Disse e sorri para um casal que me havia sido apresentado mais cedo como chefe de gabinete do prefeito. Quando voltei meus olhos para meu marido, ele revirou os dele e me deu um sorriso estranho. — Algum problema? Demorou uns segundos enquanto ele estudava meu rosto. Então, para minha surpresa, delicadamente ele deitou minha cabeça em seu peito, sem mais uma única palavra. Por um momento, quase fechei os olhos enquanto absorvia a sensação de minha pela em seu peito, uma atitude intima demais para a nossa posição social, mas ainda assim, quase como Milena e Giovanni. Fechei os olhos e repreendi esse pensamento perigoso. As ações de Aleksander me confundiam além da medida e eu sempre preferi o caminho do diálogo. Se Mirella estivesse certa… Bem, não havia muito que eu pudesse fazer. No fundo, eu queria construir um relacionamento real com Aleksander, porém ele era quase inacessível a maior parte do tempo. Enquanto eu dançava, percebi uma movimentação em uma das portas laterais. Mirella. Ela parecia estar chorando. Me lembrei do futuro que a aguardava e novamente me senti mal por ela. — Eu preciso ir ao toalete. — Disse para Aleksander. Ele me olhou em confusão, mas acenou que sim. Pareceu hesitar um pouco antes de me soltar e eu fui para onde tinha visto Mirella sumir. Quando cheguei ao toalete, Mirella tinha os olhos no espelho e encarava seu reflexo com uma emoção que transformava seu rosto, sempre gentil ou mesmo distraído para… Raivoso. Seus olhos se desviaram para mim e eu quase dei um passo para trás com toda a fúria que pareceu ser direcionada a mim. Como se ela me odiasse. Ela se virou e tudo pareceu um delírio meu, pois o que consegui ver foi uma garota triste. Ignorando o pensamento anterior, me aproximei com cautela. — Posso te ajudar com algo? Desculpe se invado a sua privacidade, mas fiquei preocupada. Ela se aproximou e me abraçou. Após um primeiro momento, eu a abracei de volta. Após alguns segundo em que ela soluçava em meu ombro, ela finalmente se afastou e eu alcancei um papel toalha para ela. — Amanhã vou para a Irlanda. — Amanhã? — Perguntei sobressaltada. — Aleksander me avisou há pouco. — Porque ele está te enviando tão rápido para lá? Ela então começou a chorar mais e mais. Eu apenas a amparei por alguns segundos, antes que ela se afastasse e me olhasse com nova determinação. Por algum motivo, sua expressão me deixou apreensiva. Ela apertou minhas mãos antes de se afastar para trancar a porta do banheiro, em seguida voltou para onde eu estava e se sentou em um banco lateral de mármore. Então, se levantou e passou a chave na porta do toalete e voltou. — Mirella… — Preciso te contar algo. Ela disse com a voz tensa e com uma última olhada na porta, se virou totalmente para mim. Ela abriu e fechou a boca duas vezes antes de começar a falar. — Eu e Aleksander fomos… Namorados. Acredito que todo o meu rosto ficou branco com a revelação de Mirella. Como assim, namorados? Não existia tal coisa na Máfia, você era amante ou prometida. Eu apenas esperei até que Mirella dissesse algo mais enquanto meu coração tentava quebrar minha caixa torácica. Meu rosto deve ter revelado algo, pois ela começou a soluçar mais e negar com a cabeça. — Não pense mal de mim. Eu estou triste porque Aleksander quer se livrar de mim e não quer manter o nosso relacionamento. Ele está me punindo. — Ela disse e continuou a chorar. Algo dentro de mim congelou. Meus pensamentos ficaram confusos e senti minha mão suar e soltei as mãos dela. Então eu me levantei e fiquei de costas. — Desde quando? — Embora um turbilhão me consumisse, minha voz saiu gelada. — Desde nossa adolescência — Ela respondeu com mais firmeza — Desde que passei o meu primeiro verão na casa de tia Bree, aos quinze anos. Uma imagem de dois adolescentes apaixonados correndo pelos bosques de Boston fluiu em minha mente. Se Mirella tivesse quinze anos, Aleksander teria dezessete, dezoito. — Vocês se amavam? — Perguntei e me virei para encará-la. Ela demorou um pouco, mas enfim respondeu, abaixando os olhos para as mãos no colo. — Sim. Eu sinto muito, Talía. Nunca quis ferir outra pessoa, eu tinha certeza de que iríamos nos casar… Até o pai de Aleksander firmar o compromisso de vocês. Mas isso não importa mais, não importa. Vocês estão casados e eu só quero viver em paz. Olhei para a bela ruiva parada em minha frente, chorando e se lamentando. Pela primeira vez me perguntei se ela estaria sendo sincera comigo e a real motivação de me contar. O que não mudava em nada os fatos. — Me responda, foi por isso que me deu a entender que ele ficava com outras mulheres? Por ciúmes? Notei Mirella prender a respiração por um segundo, e então ela me olhou com quase pena. — Não espere fidelidade de Aleksander, Talía. Nem de homem algum. Meu temperamento ascendeu. — Você está errada. Eu acredito que quando há amor e vontade de ambas as partes, fidelidade é um passo natural. Talvez não tenha sido amor verdadeiro o que vocês tiveram. Mirella semicerrou os olhos. — O que… — Eu agradeço por ter compartilhado sua… História comigo. — Disse de forma a dar um ponto final na conversa — Eu preciso voltar. — Não me interprete mal, por favor. Nem tenha raiva de mim. Eu juro que depois que vocês se casaram não fiquei com Aleksander. Mesmo com a insistência dele. Fechei os olhos brevemente, mas não poderia demonstrar fraqueza. Não aqui, não agora. — Eu preciso voltar. Eu fui até a porta, abri e sai sem olhar para trás. Algo pesava em meu coração e meus pensamentos começaram a ficar frenéticos quando parei antes de voltar para o evento. Fechei os olhos e me encostei à parede. Qual a possibilidade da história de Mirella ser verdadeira? Será que o sacrifício de Aleksander foi abrir mão da mulher que amava? Eu poderia construir um relacionamento de confiança com um homem que amava outra? Céus. Ele a queria tanto que não suportava vê-la e não tê-la? Estaria com tanta raiva que a mandaria para longe, só para puni-la? — Senhora? Kael me observava com o semblante confuso. Ele quase nunca falava, então certamente eu não deveria estar bem. Precisava encontrar meu equilíbrio e com esse pensamento, me endireitei. — Estou bem, Kael. — Disse e abri um sorriso — E já disse para me chamar de Talía. Kael continuou me olhando com suspeita, não convencido, mas assentiu e me seguiu. Eu continuei andando e sorrindo, atuando, sendo doce e gentil como tinha que ser, mesmo que por dentro, uma verdadeira histeria quisesse me tomar. Eu encontrei os olhos de Aleksander em um momento e o mantive. Ele levantou uma sobrancelha e então se virou. Meu coração saltou dolorosamente com a possibilidade dele amar outra mulher. Porque eu achei, nos meus sonhos mais otimistas, que acabaríamos nos apaixonando em algum ponto do caminho. CAPÍTULO 10 Talía Dardan
Sem pensar, dei duas batidas na porta do escritório de
Aleksander e entrei, reunindo um pouco da coragem que ainda me restava. Eu fiz todo o caminho de volta em silêncio e Aleksander não fez questão de manter qualquer diálogo. Eu estava me acostumando com o temperamento quente/frio do meu marido, mas isso era antes... Antes de saber seus motivos ocultos. Mas eu merecia uma explicação. Eu precisava de uma explicação. Nem que fosse para sair deste escritório com o meu casamento condenado, eu precisava saber dele se o seu coração pertencia a Mirella. Minha cabeça voltou para a história ela. Céus, poderia ser tudo verdade? Eu não suportaria uma vida de incerteza. — O que você quer? Aleksander levantou os olhos para mim, impaciente e os voltou para o notebook à sua frente. Ele tinha tirado o smoking e estava sem camisa, apenas com uma calça de flanela. Tão normal. Se não fosse pelas tatuagens e cicatrizes que entregavam seu negócio, ele poderia ser facilmente confundido com o cara da porta ao lado. Porque, mesmo com toda aquela aura de perigo, meu marido era lindo. Imaginei o adolescente apaixonado e mais uma vez uma estranha ponta de dor me acertou o peito. Fechei os olhos por alguns segundos e os abri determinada. — Porque você está mandando Mirella para a Irlanda? Por um segundo quase imperceptível, Aleksander se surpreendeu com a minha pergunta repentina. Se não fossem pelos anos vendo como meu pai, tio Salvatore e até mesmo Giovanni funcionavam, eu teria deixado passar. E perceber seu espanto foi meu primeiro sinal de que havia alguma verdade no que Mirella havia me dito. — Isso não tem relação alguma com você. Sua resposta seca me encorajou. Eu soltei uma risada sem humor e olhei para a janela. Estava começando a nevar. Eu estava apenas com uma camisola e apesar do aquecedor, o frio interior parecia muito pior que o exterior. — Será que não tem mesmo? Aleksander deu um sorriso sarcástico. Aquele sorriso cruel que normalmente apenas me irritava. Hoje, aquele sorriso me feria, pois era mais uma confirmação de que tudo era verdade. E de que ele não se importava. — O que você acha que sabe, italianinha? — Ele perguntou duramente, embora o sorriso cruel ainda estivesse ali. Eu não me encolhi. Eu não estava com medo. Uma estranha coragem me tomou, como se eu soubesse que essa seria uma conversa definitiva, uma conversa que ditaria o destino do meu casamento. — Pelo jeito, eu sei o suficiente. Minha resposta saiu quase estrangulada. Meus olhos queimavam e eu só orei internamente para que não sucumbisse ao choro. Toda a situação era humilhante o suficiente para que eu o brindasse com minhas lágrimas. Algo em minha voz fez com que ele olhasse para mim, olhasse sem o sorriso ou a impaciência. Ele apenas me olhou. Algo parecido com remorso se desenhou seu rosto e foi muito pior que qualquer sorriso cruel ou resposta dura. Oh meu Deus, ele estava com pena de mim. Eu fechei os olhos, incapaz de segurar as lágrimas. Elas ainda desceram pelos meus olhos e eu virei de costas para que a situação fosse menos dolorida. Doía porque eu me sentia enganada. Doía porque ele me tocou como se me quisesse. Doía porque eu achei… Eu achei que estávamos construindo algo, mesmo em meio às nossas diferenças. Doía muito mais porque eu sabia que nada mais poderia ser feito. Senti a mão do meu marido em meu ombro, mas me afastei como se fosse uma praga. Quando me virei todos os escudos de Aleksander estavam de volta. Ele se afastou até a janela e eu dei dois passos até a porta. Uma distância enorme estava entre nós e eu quase sorri com a ironia. Era melhor assim. Eu não queria a pena de Aleksander. Eu não queria nada. — Isso não tem nada a ver com você, Talía. Eu não sei quem ou o que te disseram, mas já não importa mais. Eu queria gritar que importava, importava muito. Eu queria perguntar qual o sentimento que ele ainda nutria por ela, mas algo muito parecido com uma amargura e até um pouco de maldade se enraizou dentro de mim. Eu poderia nunca ter o amor de Aleksander, mas que ele amasse Mirella somente em seu coração. Eu não queria cruzar com seu amor de adolescência em cada reunião que eu fosse, não queria a presença dela me lembrando que meu marido nunca me amaria. — Só me responda: Por que você a está mandando para a Irlanda? — Porque eu não a quero aqui. — Respondeu impaciente. — Por quê? — perguntei com dureza. Eu precisava saber. Precisava que ele me desse alguma explicação além do que Mirella havia dito: Que ele a estava punindo. — Eu não preciso te dar qualquer satisfação de minhas decisões, Talía. Você está esquecendo qual é o seu lugar. Um tapa teria doído menos, porém minha autopreservação estava anulada no momento. Eu estava exposta. Coração e lágrimas na mesa, enquanto ele continuava na defensiva. Eu precisava de um retorno. Qualquer retorno. — É a última vez que vou perguntar, Aleksander. Por quê? Ele parou em minha frente e me segurou pelos ombros. Olhos inflamados de raiva, uma raiva que deveria ter me assustado, mas eu estava dormente demais para sentir qualquer coisa. Então eu apenas o olhei de volta enquanto via sua ira crescer, sem qualquer expressão. — Não é da sua conta! Saia daqui! — Ele gritou. Suas mãos em meus ombros não machucavam, contudo era um aperto firme. Ele olhou para as próprias mãos e então me soltou como se tivesse levado um choque. Ali, naquele momento, eu soube, Aleksander jamais me violentaria fisicamente. Ele pareceu tão horrorizado com a própria conduta que praguejou, voltando para a janela com ambas as mãos no cabelo. O alívio dessa descoberta durou pouco, pois sua explosão de raiva foi toda a resposta que precisei. Ele estava punindo Mirella. Ele a amava. Com esse último pensamento eu fui até a porta, mas antes de sair me virei para onde meu marido ainda estava. Olhos fechados, mãos na cabeça e semblante atormentado. — Eu quero Mirella longe daqui. Subi as escadas incapaz de sintetizar tudo o que estava acontecendo comigo. Cheguei ao quarto e algo dentro de mim se torceu. Peguei no closet o cobertor que era da minha mãe e me deitei em dos quartos de hóspedes. Como eu poderia deixar que ele me tocasse quando sabia que seu coração pertencia a outra? E por que esse fato doía tanto? Não deveria doer assim, eu não estava apaixonada. Eu não poderia estar. Adormeci em meio a tantos pensamentos confusos e ondas de lágrimas que eu não conseguia controlar. Acordei com a sensação de ser carregada, sentindo na lateral do rosto as batidas do coração. Reconheci o perfume e a loção pós- banho de Aleksander, mas a sensação de conforto foi muito maior do que a necessidade de brigar. Amanhã eu teria que tomar sérias decisões. Amanhã, eu resolveria quais seriam meus próximos passos em Boston, mas hoje, hoje eu só precisava de conforto e descanso. Senti meu corpo ser apoiado na superfície macia do colchão e o corpo quente do meu marido me embalar. Antes que eu voltasse a adormecer, escutei suas palavras. — Seu lugar é ao meu lado, álainn.
───※ ·❆· ※───
— Senhora Dardan. — Talía, Mina. — Talía. Você tem uma visita. — Tão cedo. Quem é Mina? — É a senhorita Mirella Walsh. Congelei em frente à penteadeira onde penteava meu cabelo e terminava minha rotina de beleza diurna. Mirella estava em minha casa e queria falar comigo, antes das oito da manhã. Não poderia ser algo bom. O semblante de Mina também não parecia muito satisfeito, mas ela não disse nada. Olhei para a cama desarrumada, pois eu tinha acabado de me levantar e como sempre, acordei sozinha. O fato já não me incomodava tanto quanto incomodara antes. Talvez porque hoje eu soubesse muito mais do que quando cheguei nesta casa. — Peça para ela que entre, Mina. Mina franziu o cenho, mas não disse nada. Com um aceno ela saiu e eu respirei fundo. Coloquei o roupão por cima da minha camisola azul e continuei a pentear meu cabelo, que descia até a cintura. Pelo espelho, vi quando Mirella entrou no quarto. Ela tinha o cabelo preso no alto da cabeça em um rabo de cavalo e vestia roupas confortáveis, e mesmo assim, ela estava linda. — Bom dia, Talía. Ela disse e então olhou para a cama. Lentamente eu me levantei e virei de frente para a mulher que provavelmente carregava o amor de Aleksander. — Eu vim me despedir de você. Depois de ontem, de meu rompante, eu também gostaria de me desculpar. Continuei em silêncio porque, pela primeira vez, eu não vi verdade em nada do que Mirella dizia. De repente, me ocorreu que ela também o amava. Que provavelmente ela me odiava por desfrutar de uma vida que deveria ser dela. — Tenha um bom retorno para a Irlanda. Ela travou os olhos em mim. E vacilou um momento. — Eu não tenho o direito de te pedir nada, mas eu… — Tem razão, Mirella. Não tem o direito de me pedir nada. Eu espero que você tenha uma boa vida e que não volte a Boston. Eu vi uma mudança visceral acontecer em frente aos meus olhos em questão de segundos. Mirella foi de contida e amável para algo que eu não soube dizer. Só poderia afirmar que não era bom. Ela deu um passo para frente, uma Mirella que eu não conhecia. — Você está com raiva de mim. — Olhou para a cama e sorriu sem humor. — Eu posso ir para Marte, Talía, meu fantasma sempre rondará esse casamento. Porque ele nunca deveria ter acontecido. Aleksander só está me mandando para longe porque precisa que você tenha o mínimo de respeito. Pela Aliança. Somente por ela. Você é o sacrifício dele. Tenha uma vida infeliz. Eu sorri friamente embora cada palavra proferida por ela doesse mais do que deveria. — Aleksander e eu teremos uma vida inteira para resolver as nossas diferenças, já você não será mais bem-vinda, nem nesta casa e nem em Boston. — Você é uma pirralha mesmo. Petulante. — Eu sou uma Dardan, algo que você nunca será. — Os olhos de Mirella viraram duas chamas em minha direção. —Tente ser feliz, apesar disso. Mirella deu um passo em minha direção, mas pareceu ponderar e então se afastou, virou e caminhou até a porta. Antes de sair, ela olhou para mim sorrindo. — Espero que ainda não esteja tendo pensamentos tolos de fidelidade, querida. — Ela olhou para a cama — Aleksander nunca se contentou com uma só mulher. Às vezes tínhamos companhia. Ela saiu e eu fechei os olhos. Ela não me deu tempo para responder e, mesmo que tivesse dado, eu não saberia o que responder. Minhas mãos tremiam e meu estômago se revirou. Eu me deitei e olhei para o teto até meu corpo se normalizar. Meu Deus, o que eu faria agora? Ele tinha outras mulheres? Várias outras de uma só vez? E ainda assim dormia comigo? Fui ao banheiro correndo e lavei o rosto. Encarei o meu reflexo no espelho e limpei minhas lágrimas. Não, não. Eu não admitiria ser tratada de tal forma. Eu não tinha culpa nenhuma nessa história e, se eu não pudesse impedir meu marido de ter outras mulheres, eu não faria parte de seu harém. Mesmo que gostasse de seu toque mais do que deveria. Eu conquistaria meu espaço politicamente em Boston e construiria minhas relações e seria forte, independente de Aleksander. Eu seria a esposa perfeita, a mulher perfeita, o investimento mais bem-sucedido da Máfia Irlandesa. Eu me tornaria indispensável. Eu poderia não ter o amor do meu marido, mas eu teria poder. CAPÍTULO 11 Aleksander Dardan
— Ela embarcou, senhor.
— Ótimo. — Tem mais uma coisa — Olhei para meu homem de confiança. — A senhora Dardan levou todas as coisas dela para o quarto de hóspedes. Apertei mais a mandíbula do filho da puta que estávamos tentando extrair informações. De novo essa porcaria. Dei três socos seguidos no rosto do ucraniano até dois dentes pularem de sua boca. Minhas mãos já estavam repletas de escoriações, mas pouco me importava a dor ou a aparência. Eu gostava do caos. — Foi logo após a visita da senhorita Mirella. Soquei mais quatro vezes a cara do homem. — Senhor, deveria lembrar que hoje vocês têm um compromisso social. Digo… Por causa de sua mão. Olhei para minha mão ensanguentada, onde o sangue do homem e o meu se misturavam. Soltei um urro de raiva e exasperação, saí do armazém e entrei no carro, Kael logo caindo no banco ao meu lado. — Por que você está aqui e não com Talía, Kael? — Ela disse que hoje não sairia de casa. — Mesmo assim, você deve ficar com ela. — Olhei para Kael. — O tempo todo. — Me desculpe, senhor. Eu achei que poderia precisar de mim. Olhei para minhas mãos ao volante, ensanguentadas. Seria mais uma noite de merda e hipocrisia onde eu deveria ser tudo o que não sou. O prefeito e o senador provavelmente iriam querer respostas que eu ainda não tinha. Os ucranianos estavam se tornando uma dor na bunda maior do que deveria e eu estava casado com uma mulher que me deixava cada dia mais confuso. Por que diabos Talía estava saindo do nosso quarto? O que acontecia na cabeça das mulheres? Por que Mirella foi visitar Talía? Certamente foi o que motivou Talía a sair do quarto novamente. Me lembrei de como a segurei na noite passada enquanto dormia e então me lembrei de que, em minha cabeça, o casamento deveria ser algo simples. Minha esposa deveria ser dócil, gentil e receptiva na cama. Eu daria a ela proteção, proveria qualquer necessidade e ela me daria o apoio da Aliança e, eventualmente, filhos. Não deveria haver nada mais que isso entre nós. Mas não, Talía era intrometida, esperta, sensitiva, corajosa e destemida… e eu me via admirando cada vez mais sua personalidade, algo que deveria estar fora de cogitação. Eu não pensei no que viria depois desse casamento e esse foi o meu erro. Assim que entrei em casa, fui direto para o quarto. Entrei no closet e muitas coisas de Talía já não estavam lá. Suspirei pedindo pela paciência que eu sabia não ter e me dirigi ao quarto de hóspedes. Encontrei Mina saindo do último quarto do corredor e quase dei risada da maestria de Talía em me irritar. Ela tinha escolhido o último quarto. Assim que entrei no quarto fui banhado pelo seu perfume. Lembrava uma fruta doce no verão. O perfume de fez esquecer a raiva por alguns segundos, assim como a visão dela. Talía estava esplendorosa em um vestido longo, vermelho, o cabelo solto a deixando tão jovem quanto sua idade real, sem perder a sofisticação. A boca estava no mesmo tom do vestido. Estava deslumbrante e me olhava como se já soubesse disso. O vestido era sem mangas, e pelo caimento lateral, deixava as costas nuas. Senti um comichão no ventre ao me lembrar que passaria a noite vendo os homens admirando Talía, mesmo discretamente. Eu não sabia que isso seria algo que me incomodaria tanto. Quando subi meus olhos para os de Talía, eles estavam em mim. Não ansiosos ou irritados, ou mesmo excitados. Estavam opacos. Meu coração disparou um pouco. Eu olhei algumas das roupas espalhadas pela cama e em seguida, olhei para minha esposa. Não esperei que dissesse nada, apenas comecei a pegar suas coisas de cima da cama e caminhar até o nosso quarto. Nosso quarto. — Mas o qu… Aleksander! — Escutei os saltos de Talía atrás de mim — O que você pensa que está fazendo?! Ela esbravejou atrás de mim enquanto eu a ignorava. — Mina! Mina! — Gritei até ouvir Mina subir as escadas, olhos arregalados limpando as mãos em um avental que ela nunca tirava da cintura. Entrei no quarto com Mina insegura atrás de mim e os gritos de Talía me chamando de irracional. — Você vai guardar as roupas de Talía novamente no lugar. Peço desculpas em nome dela pelo mal entendido, mas minha esposa, por algum motivo, errou de quarto! — De jeito nenhum! Mina, não mexa nessas roupas, elas vão ficar no MEU quarto, que de hoje em diante não é mais esse! — Você vai guardá-las aqui, Mina. Tudo que é de Talía fica nesse quarto, no NOSSO quarto. — Eu olhei para Talía em desafio. — Você está louco! Eu não vou ficar nesse quarto com você! Eu não vou mais dividir essa cama com você, Aleksander, e você não pode me obrigar! Eu não sabia que porra estava acontecendo com essa mulher, que merda passava pela cabeça dela, mas ali, no verde dos seus olhos eu vi algo que me surpreendeu: Mágoa. Talía estava magoada, machucada por algo que eu não conseguia entender. Era porque eu tinha me envolvido com outra mulher antes de conhecê-la? Eu era um homem de 30 anos, era óbvio que eu teria mulheres em meu passado. Eu precisava saber o que estava passando pela cabeça de minha esposa para entendê- la, porque aquele olhar de mágoa, aquele olhar mexeu com algo dentro de mim. — Saia, Mina. — Eu disse sem tirar os olhos de Talía. — Não saia, Mina. — Ela respondeu no mesmo tom sem desviar os olhos do meu. Com aquela teimosia. — Saia e feche a porta, Mina, por favor. Mina não esperou que eu falasse duas vezes e saiu. Talía puxou uma respiração profunda e foi até a janela. Eu fiquei olhando para sua nuca por segundos intermináveis, escolhendo as palavras para dizer o que queria. — O que está acontecendo com você? — Eu acabei perguntando rispidamente. Talía se virou e soltou um riso irônico. — Comigo? Nada! Mas e com você? Eu fiquei sereno diante do seu questionamento sem sentido. — Fale claramente. O que está acontecendo? — Está acontecendo que eu não vou mais dividir essa cama com você, Aleksander. Vamos viver sob o mesmo teto, vamos sair em todos os eventos sociais, eu vou ser o que vocês pediram. Serei a sua esposa perfeita. Socialmente perfeita. Mas será somente isso. Não deveria me importar, porém me incomodava que ela me desprezasse de qualquer forma. Finalmente eu entendi que não suportaria a indiferença dessa pirralha. Com a voz mais mansa e distante que já falei na vida, perguntei. — Por quê? Talía fechou os olhos, por um momento eu até mesmo achei que ela fosse chorar. Inicialmente, eu acreditei que Talía fosse do tipo que chorava por uma unha quebrada, mas essas semanas com ela me fizeram ver que não. Talía tinha uma espécie de fortaleza dentro dela e isso se confirmou ainda mais quando ela abriu os olhos com determinação. — Por que mandou Mirella embora? Foi a minha vez de fechar os olhos. — É por isso que você está dando esse show todo? Porquê de repente você descobriu que eu me envolvi com Mirella? — Por que a mandou embora, Aleksander, me responda apenas isso. Passei as mãos pelos cabelos e bradei. — Isso é passado, Talía! Esqueça essa história, esqueça Mirella, esqueça tudo! Ela apenas me olhou por um momento, então disse em um quase sussurro. — Será que você é capaz de esquecer? Eu estava confuso com seus questionamentos. Puxei os cabelos em minha cabeça até sentir a raiz latejar. — O que… eu não faço ideia do que você está querendo dizer com tudo isso! Ela se afastou mais. — Não importa. Não importa mais. Eu achei… — Talía passou a torcer as mãos nervosamente. Sua voz era quase instável. — Achei que poderíamos construir um relacionamento com o tempo. Que poderíamos ser como Milena e Giovanni, que você poderia me ver como mais que um simples sacrifício no meio do caminho. Eu me enganei. Eu dei dois passos para trás como se tivesse sido empurrado. Ela queria um relacionamento baseado em amor? Meu coração começou a disparar no peito, porque eu não tinha ideia de como amar alguém. Eu não sabia se tinha o que era necessário para sentir esse tipo de adoração, a adoração que Giovanni tinha por Milena. Olhei para Talía e tive certeza de que ela segurava um choro forte. Ela leu os pensamentos que eu sempre escondi em meu rosto. Minhas mãos passaram a suar e senti um tremor. O que era isso? Pânico? Ela queria amor. Eu não sabia amar. Eu era quebrado, estava além de qualquer redenção, de qualquer conserto. Debilmente, eu apenas soltei as palavras. — Eu não tenho em mim o necessário para te amar, Talía. Ela fechou os olhos e as palavras doeram em mim também. Foi como o peso do chumbo em minha garganta. Duas lágrimas rolaram dos olhos dela e minha garganta queimou, pois por algum motivo estranho, a dor dela doía em mim. Eu queria abraçá-la, mas estava congelado no lugar. — Eu sei. Ela finalmente respondeu. — E eu juro que estou tentando aceitar. Mas para isso eu vou precisar de espaço, porque eu não sei se tenho em mim o necessário para não te amar, no fim de tudo. Então, por favor, Aleksander, sem joguinhos. Me deixe ter a minha vida, fazer o meu caminho e tentar construir uma felicidade aqui. De alguma forma, suas palavras se enraizaram em minha mente. Em minha alma. Ela se afastou e saiu do quarto, e dessa vez, eu não a impedi. Ela queria construir a própria felicidade em Boston. Sua dor me tocou quando raríssimas dores me tocavam, nem mesmo a minha dor física. Não encontrei forças para impor a minha vontade a ela. E então, ela se foi. CAPÍTULO 12 Talía Dardan
Entrei no quarto e tranquei a porta.
Fechei os olhos com força, tentando normalizar a minha respiração. Eu não deveria ter chorado, não deveria e mesmo enquanto pensava em o quanto eu tinha sido fraca, eu chorava procurando conforto no quarto que agora era meu. Alguns dias. Nem um mês. Poucos dias bastaram para que eu caísse no conto do “felizes para sempre”, como uma princesinha boba e mimada, da forma como eu sabia que me julgavam. Eu achei que Aleksander e eu estávamos progredindo, achei que as coisas estavam caminhando em direção ao que eu nem sabia que queria. Talvez, lá no fundo, eu quisesse mais. “Eu não tenho em mim o necessário para te amar, Talía.” Fechei os olhos e chorei um pouco mais com a lembrança de suas palavras. Para mim, seria tão fácil me apaixonar por Aleksander. Se eu baixasse a guarda e me permitisse, esse amor seria como um mar convidativo, lindo e perigoso e eu me afogaria de bom grado. Aleksander amava Mirella. E o pior de tudo, ele sentia pena de mim. Eu era uma conveniência e, talvez, foi por isso que ele nunca se aproximou de verdade de mim. Meu marido amava outra mulher e eu tornei o amor deles impossível. Deus, como eu pude me colocar em uma situação tão vulnerável? Eu tinha dito o que sentia, me coloquei na situação de escutar as suas verdades ditas e não ditas que eu precisava escutar. Eu precisava escutar dele, para finalizar algo que nem menos tinha começado. Passei a chave na porta, com medo de que ele viesse atrás de mim e me sentei em frente a penteadeira. Olhei o meu reflexo e fiquei ali por alguns instantes. Que tipo de mulher era eu que caía forte por um homem em tão pouco tempo? Não me vitimizaria mais. Eu choraria hoje, me permitiria chorar somente hoje. Amanhã eu me levantaria e construiria meu caminho, não seria a esposa mal amada e infeliz por conta das infidelidades do marido. Não seria a piada do nosso meio. Eu seria a rainha. Eu venceria pela adoração e necessidade. Eu teria poder e influência sem precisar empunhar uma arma. Mas hoje, só hoje, eu choraria.
───※ ·❆· ※───
— Bom dia, Mina. — Bom dia, Talía. Sentei-me na cadeira com a mesa posta e antes que a pergunta escapasse da minha boca, eu mordi a língua. Todas as manhãs eu perguntava do meu marido, mas a partir de hoje já não seria mais problema meu onde ele estava. Ou com quem. — O senhor Dardan saiu cedo. Eu me limitei a acenar enquanto cortava uma fatia do bolo de coco. Nesse momento Kael entrou. Ele parou perto da porta e nos deu um cumprimento silencioso, parou ao meu lado e me entregou um envelope. Curiosa, eu o abri. Era o comprovante de matrícula na Universidade de Boston. Uma respiração ficou presa em minha garganta enquanto meu coração acelerava no peito. Aleksander havia me matriculado na Universidade de Boston e enquanto era algo que eu queria e insisti tanto para conseguir, agora vinha com um sabor diferente. Porque eu sabia em meu íntimo que a motivação de Aleksander era apenas uma: Pena. Compensação. Sorri educadamente para Kael e Mina, embora, ali, no rosto deles, principalmente no de Mina, estava entregue que eles sabiam exatamente o que eu estava sentindo. De repente, uma náusea me tomou com a possibilidade de que todos soubessem, desde o momento em que eu pisei naquela casa, que Aleksander amava Mirella. Me levantei em um impulso, quase derrubando a cadeira, que Kael se apressou a segurar. — Senhora, está tudo bem? — Mina perguntou. — Sim, Mina. Só uma dor de cabeça chata. Ambos me olharam preocupados, apesar de Kael ser mais contido. Eu me afastei rapidamente, me chutando mentalmente pelo vexame na frente de ambos — Vai a algum lugar hoje, senhora? — A voz de Kael me fez parar e olhá-lo. — Não, Kael, não vou a lugar algum. Obrigada. Deixando meu café praticamente intocado, fui para o quarto. Passei o dia todo ali, mesmo me sentindo uma fraca. Precisando de alguém para conversar, liguei para Milena, No entanto ela percebeu que algo não estava certo, e mesmo que eu não dissesse o que era, ela me disse as palavras que sempre dizia. Mesmo com pouca diferença de idade, era como se ela fosse muito mais velha que eu em experiência e força. “Nunca se esqueça de quem você é.” Eu não me esqueceria. Acabei adormecendo com aquele emaranhado de pensamentos e sentimentos. Acordei um pouco sobressaltada por sonhos confusos, percebendo que já era muito tarde. Tinha tido um dia e uma noite de merda. Frustrada e com um peso de mil quilos nas costas, me levantei e desci para a cozinha. Eu estava com um pijama de short e regata, de algodão, bem sem graça, como tinha sido as últimas horas. Queria água e um pouco de ar puro. Queria que essa sensação ruim passasse de uma vez. Queria ser forte, forte. Antes que eu pisasse no primeiro degrau, não precisei levantar os olhos para saber que quem estava ali, no início da escada, era Aleksander. Ainda assim, levantei os olhos, sentindo meu coração pulsar como um louco no peito. Mesmo na penumbra, eu sabia que os olhos dele estavam em mim. Ficamos assim por algum tempo até que ele passou a subir as escadas, lentamente, parando quando faltavam quatro degraus para me alcançar. Nos olhamos sem uma única palavra ser dita por segundos que pareceram minutos. O que havia para ser dito depois de tudo? Agora, mais próximo, Aleksander parecia perdido, incerto, mas aquela centelha de orgulho e sarcasmo ainda estava ali. Aquele escudo de aço em que ele se escondia, deixando-se impenetrável para mim. — Você está bem? — Ele perguntou, finalmente. — Sim — Eu respondi, fracamente. Porque estava tudo uma merda e tudo o que eu queria, apesar de tudo, era cair nos braços dele e esquecer os últimos dois dias. Ele se aproximou dois passos, levantou a mão e colocou uma mecha do meu cabelo bagunçado atrás da orelha. Eu suspirei com o toque e fechei os olhos por um momento. — Eu sempre vou cuidar de você, Talía. É uma promessa. Mas não vai me amar, eu queria dizer. O que eu fiz foi somente assentir. Ele se aproximou mais, com a intenção clara de me beijar e eu teria cedido. Teria caído em seus braços, ido para o nosso quarto e me entregado sem reservas para ele mais uma vez. Mas o cheiro de álcool emanando dele me fez colocar a mão em seu peito para pará- lo. — Não. Ele parou a uma respiração de distância e segurou minha mão com a dele. Por um momento, achei que ele me beijaria, que me tomaria com a selvageria das nossas noites. Eu mantive os olhos fechados, sentindo a sua respiração aquecendo meu rosto. Porque se eu me atrevesse a olhar nos olhos dele… eu cederia. Ele saberia que eu ainda o queria e teria esse poder sobre mim. Mas o que ele fez me surpreendeu até a medula. Ele apertou suavemente minha mão, me deu um beijo na testa e se foi. Aleksander simplesmente se foi. Quando acordei no dia seguinte, tomei um banho demorado, coloquei um dos meus melhores vestidos, me produzi da melhor forma que consegui e peguei o meu celular. Dois toques e consegui o que queria. — Alô? — Aretha Thompson? É Talía Dardan. — Falei com a minha voz mais amável e encantadora. — Olá, querida. Que surpresa. — Eu estou precisando urgentemente ir a um salão e me lembrei que em nosso último encontro você elogiou o que você frequenta. Estava pensando se poderíamos ir juntas hoje, o que acha? Dois segundos de distância que valeriam meu futuro na organização e veio sua resposta desejada. — Maravilhoso! Vamos sim, combinamos certinho por mensagem. — Certo, querida. Muito obrigada pela acolhida. Beeeijo. Assim que nos despedimos, eu me olhei no espelho novamente e me fiz uma promessa: Eu não esqueceria de quem eu era. Nunca. CAPÍTULO 13 Aleksander Dardan
— Tivemos mais um ataque essa madrugada, chefe. Duas
baixas. Nesse exato momento, eu queria esmurrar a cara de Kael por me trazer más notícias. Mesmo que fosse um desejo irracional, se tornava cada dia mais atrativo. Racionalidade nunca foi a minha coisa mesmo. Kael se tornou o centro de minha raiva porque que estava nas boas graças de Talía. Minha esposa lhe dirigia sorrisos de “bom-dia” e comentava sobre coisas de seu cotidiano, como se fossem grandes amigos. Mesmo que ele nunca perdesse a compostura, Talía não se intimidava com o jeito fechado de Kael. Ele estava cedendo um pouco a cada dia aos encantos dela, até sem perceber. Assim como todos em nossa volta. Eu sabia que Kael jamais me trairia e era exatamente por isso que ele estava incumbido da proteção de minha esposa. Talía nunca deu indícios de qualquer infidelidade nos dois meses desde que nos casamos, porém nada disso me impedia de morrer de ciúmes do relacionamento de ambos. Estava sendo um verdadeiro desafio me manter longe dela como pediu. No dia seguinte a Talía me pedir “espaço”, eu concluí a transferência para a Universidade de Boston. Eu nunca me opus realmente aos seus estudos, queria apenas irritá-la um pouco. Fazia uma semana que ela frequentava as aulas e sempre que via minha esposa ela estava com o nariz nos livros ou organizando algum evento importante. Inesperadamente, Talía estava se tornando o centro de nossa sociedade. Cada vez mais admirada, ela dominava os eventos com sua postura impecável, inteligência afiada e sagacidade sem igual. Quem estava odiando cada momento dessa ascensão era Brianna, que em contrapartida caía no esquecimento. A despeito de nosso casamento, era divertido ver a queda de Brianna. A preferência por tudo o que Talía fazia era descarada, de forma que até mesmo viúva de meu pai tinha que ceder e participar. Ela se importava demais com as aparências para se permitir ficar de fora desses eventos. Outra situação complicada era minha testosterona acumulada. Para evitar atacar minha esposa, eu a ignorava a maior parte do tempo, e ela a mim. Vivíamos na mesma casa, mas em quartos separados, como fariam estudantes em uma faculdade. Eu a tocava somente em eventos sociais. Dois meses de merda. Dois meses de tensão sexual acumulada. Dois meses sem conseguir dizer a ela o quanto estava admirando a pessoa que ela se mostrava e que era totalmente diferente do que eu imaginei nos últimos três anos. Ela queria espaço, queria construir a própria felicidade e parecia estar conseguindo. Por um tempo eu achei que seria melhor se Talía não desenvolvesse sentimentos por mim, sentimentos que eu não me achava capaz de retribuir. Mas o que era esse sentimento de quase ciúme por vê-la sorrir e se divertir com outras pessoas quando tudo o que eu tinha era uma saudação informal? Posse? O que era essa decepção, após dormir com Talía apenas por uma semana? Eu sentia falta do seu perfume, das suas coisas em meu closet, de todos os gemidos dela na cama. Talvez eu não amasse Talía, mas eu sentia saudades de tudo sobre ela. Talvez eu nunca a amasse da forma como via o amor nos outros, mas egoisticamente eu gostaria de ser amado por ela. — Talía? — Perguntei ao entrar em casa. — A senhora acabou de chegar. Está no quarto, pois tem um coquetel para planejar. Suspirei e olhei para fora, para o jardim de minha mãe, pensei em como ela me aconselharia a lidar com minha esposa. Eu saía praticamente todas as noites para ajudar Kael e nossos executores na captura dos ucranianos que ameaçavam nosso território. Graças à amizade de Talía com a esposa do senador Thompson, o homem já não estava me atormentando pelos corpos mutilados por toda a cidade. Eu não sabia que merda Talía tinha, mas todos acabavam se curvando à sua personalidade gentil. Ao seu próprio modo, minha esposa era extremamente perigosa e eu adorava esse fato. O senador estava quase legal demais comigo, quando eu sabia que nenhuma pessoa dentro ou fora de Boston me descreveria como simpático. Desde o meu casamento, todos têm tolerado minha rabugice simplesmente por quererem minha esposa por perto e eu não sabia se ficava agradecido ou enciumado com o fato. Mulheres e homens de nosso mundo estavam encantados com minha esposa e por tudo o que ela dizia. Eu tinha que reconhecer, Talía estava sendo excepcional em seu papel, e era somente por isso que eu não me impunha a ela, levando-a a força para nosso quarto. Eu era o marido dela, ninguém iria me impedir. Mas na calada da noite, antes de eu entrar em meu quarto, quando me sentia tentado a entrar no quarto dela, eu me lembrava das duas lágrimas que desceram de seus olhos… E eu não conseguia, a lembrança me paralisava. E eu era obrigado a passar minhas noites entre as mortes de alguns filhos da puta ou me masturbar pensando em Talía. Algumas vezes, enquanto estava na sala, entre livros, ela me via chegar. O olhar que ela me dirigia era acusador, eu era capaz de apostar o que se passava pela mente dela. Ela achava que eu estava com outras mulheres, e apesar do olhar gelado que me lançava, não me dizia uma palavra. Orgulhosa. E eu, também por orgulho, não explicava. Essa merda já estava me cansando. Furioso pelos ataques, frustrado com minha vida conjugal, cheio de tesão reprimido, me levantei e fui em direção ao meu quarto. Eu precisava reunir os meus homens e traçar um novo plano de ação para retaliar os ucranianos. Íamos encher as ruas de sangue; que soubessem o que acontecia quando provocavam um Dardan. Tirei minha camisa e ia começar a tirar a calça quando escutei a porta se abrir após duas batidas rápidas. Era Talía. Nariz empinado, cabelo em um coque no alto da cabeça, vestido solto de verão até o meio da coxa, Talía, minha esposa, me encarava. Decididamente, ela tinha algo para me dizer, pois eram apenas nessas raras situações que ela se atreveu a entrar no quarto. Seu olhar desceu bem devagar pelo meu abdômen, e então subiu. Enrubescida. Tive vontade de rir, pois era algo que eu descreveria como fofo, se fosse esse tipo de cara. — Viu algo que gosta, alain? Talía arregalou os olhos. — Eu não... Eu… — Ela respirou e se virou em direção à janela. — Amanhã é sábado, teremos um jogo de polo com o senador, o prefeito e alguns de nossos homens. A forma como ela se apropriava do nosso meio era surpreendente. A confiança de quem nunca teve algo negado. Não por nunca terem dito “não” a ela, mas por ser teimosa e resiliente a ponto de lutar, à própria maneira, e conseguir o que quer. Como diabos ela não conseguiu se livrar do casamento comigo eu não sabia explicar. Ela conseguiria se realmente quisesse. Esse come la tempo me fez reconhecer que, com seu jeito manso e aparentemente inofensivo, Talía conseguiria qualquer coisa que quisesse. — A que horas? — Eu perguntei e ela virou um pouco, apenas para me olhar. — Às sete. Esteja pronto. Eu dei um meio sorriso sarcástico pelo seu tom mandão e ela semicerrou os olhos. — Sim, senhora. — Falei de forma debochada, arqueando uma sobrancelha. Ela abriu a boca para responder e em seguida a fechou. Levantou o dedo em riste, mas novamente se calou e então se virou e saiu do quarto. Quando a porta se fechou eu me sentei na cama entre o riso e a frustração. Ela me enlouquecia e me divertia ao mesmo tempo. E eu gostava disso.
───※ ·❆· ※───
O lado social do negócio nunca foi minha habilidade, mas desde que Talía passou a me acompanhar nesses eventos eles já não estavam tão chatos assim. Eu não queria pensar nem por um segundo que estava começando a gostar desses eventos por ter Talía ao meu lado, em meu braço, sorrindo para mim e me olhando com adoração. — Talía, querida. A esposa de Thompson se aproximou com um grupo de mulheres e abraçou Talía. — Dardan, você a tem só para si o tempo todo, preciso levar sua esposa comigo para uma emergência feminina. Do jeito que ela sorria para minha esposa parecia mais uma frescura feminina do que uma emergência. Segurei a língua para não perguntar se ela havia perdido a tarraxa do brinco ou se havia quebrado uma unha. Talía não aprovaria meu questionamento, não que eu me importasse. Eu não me importava, nem um pouco. Mas ainda assim, apenas sorri. Eu acredito que não fui muito convincente, pois senti pressão em meu braço onde Talía segurava. Talía se afastou com o grupo de mulheres e eu fui para onde os homens se arrumavam para a partida de polo. Eu queria mesmo era estar com meus homens, fazendo algo que realmente importava, como matar alguns filhos da puta, mas este momento também tinha certo valor. Durante toda a partida eu disfarcei o meu tédio e tentei me concentrar no jogo, mas não era realmente a minha praia. À medida que o dia transcorria, um pouco do espírito competitivo me tomou e consegui me divertir e até mesmo marcar um gol. A sensação me arrancou um sorriso grande e despreocupado, como eu nem me lembrava que era possível sorrir. Foi quando olhei em volta e encontrei os olhos de Talía em mim. Enigmáticos, mas se eu pudesse chutar, ali havia orgulho e algo mais. Eu mantive o sorriso, mais contido, enquanto meu grupo comemorava e vi o vislumbre de um sorriso nos lábios da minha esposa. Foi quando ela se virou no momento que uma das mulheres lhe dizia algo e abriu um sorriso social, gritou um “muito bem, querido!”. Algo esperado. Entretanto, o primeiro vislumbre de um sorriso verdadeiro depois de tanto tempo era o que eu iria me lembrar. Era o que eu nem sabia que queria. No caminho para casa, o silêncio que nos acompanhava toda vez que voltávamos de algum lugar, nos cobriu. Eu queria dizer algo, dizer que toda aquela situação estava me incomodando. Queria exigir que ela voltasse a ser a Talía da primeira semana. Gritar com ela e sacudi-la, entendê-la. Contudo, não havia em mim uma grama de força para fazer qualquer coisa que ela não quisesse. — Você desempenhou muito bem o seu papel, alaiín. Quase acreditei que não torceu para que eu caísse do cavalo. Talía me olhou de esguelha, mas não disse uma única palavra. Seu silêncio e indiferença era algo que estava me deixando louco. Olhei para fora pedindo por alguma luz para lidar com ela. Queria ela em minha cama novamente, se retorcendo de prazer em meus lençóis. Assim que chegamos ela sussurrou um boa noite para mim e Kael e correu para o quarto dela. Eu suspirei de frustração enquanto Kael me observava. A forma como ele me olhou, com um ar de riso, me fez querer quebrar a cara dele. — O que foi? — Perguntei irritado. — Nada, senhor — Ele recuperou a postura. Abriu a boca e fechou. Abriu novamente. — Fala logo, merda. — Acho que deveria falar com ela. Eu queria mandar todo mundo a merda. Me irritou que meus problemas conjugais fossem tão óbvios. — Acho que você deveria cuidar de sua merda de vida, Kael. Kael olhou para frente ainda com ar de riso. — Me desculpe, senhor. Eu fui em direção ao quarto, mas antes que subisse, Kael me parou. — Temos dois ucranianos no galpão. Não me virei. — Cuide você disso hoje. Todas as vezes que eu saia para massacrar algum ucraniano e cuidar da minha raiva, eu voltava pior e pior. Hoje eu precisava ficar só e lidar com essa raiva de outra forma. Assim que entrei no corredor em direção ao quarto, meu peito deu um pulo com a visão de Talía, apenas de camisola de cetim branca. Ela saia de seu quarto e também parou ao me ver. Assim que viu minha mão na porta, seu rosto endureceu. Eu sabia o que ela estava pensando, que eu estava saindo. Reunindo um pouco de coragem, comecei a falar. — Talía… eu estava… — Não é meu problema. Nem onde você vai e nem com quem. Suas palavras me endureceram e qualquer vontade que eu tivesse de explicar e esclarecer o que ela estivesse pensando sobre mim, se foi. Ela que pensasse o que quisesse. Eu vi a mágoa em seus olhos, então apenas me virei e desci aas escadas. Eu iria para onde estava Kael. Italiana orgulhosa. CAPÍTULO 14 Talía Dardan
Observei enquanto Elana experimentava de maneira animada
as novas peças da coleção Castelle, enviadas para mim antes do lançamento oficial e a última antes que os gêmeos viessem ao mundo. Recentemente descobrimos que os bebes eram um menino e uma menina, para a euforia de todos. Luigi e Valentina Maceratta chegariam em poucos meses, para a emoção de toda a família. Elana estava desabrochando para a vida. A cada dia mais confiante, se impunha frente aos desmandos sem sentido de Brianna e eu estava orgulhosa de seu processo. Quanto a mim, eu também estava encontrando meu próprio caminho em Boston. Confesso que tive bons exemplos; tia Antonella sempre foi uma ótima anfitriã e minha educação em colégio feminino havia me preparado para as diversas situações sociais que me apareciam. Nitidamente, eu estava sendo cada vez mais querida no meio de Aleksander. Aleksander. Muita coisa havia mudado entre nós, se eu me permitisse ficar em sua presença mais do que o necessário, a saudade me abraçava. Seguida pela raiva. Por mais que mal nos falávamos e dormíssemos em quartos separados, eu sabia que quase todas as noites ele chegava tarde, quando voltava para casa. Nunca o questionei, mesmo que lá no fundo eu soubesse que ele só poderia estar procurando outras mulheres. Eu achei que com o tempo isso deixaria de me incomodar, que o pensamento dele com outras deixaria de doer. Eu ainda não tinha chegado nesse estágio de insensibilidade e toda essa situação me destruía um pouco mais a cada dia, principalmente quando eu o encontrava pelos corredores da casa e ele me olhava como se me quisesse, como se sentisse saudade. Não havia diálogo entre nós, não havia entendimento, não havia de fato um relacionamento. Todavia, não seria eu a primeira a ceder. Não de novo. Eu tentei e falhei, consegui ter meu coração exposto e golpeado. O próximo passo, se houvesse, teria que ser dele. Talvez, fosse mais fácil se ele fosse realmente um homem detestável comigo. Seria tão mais fácil odiá-lo, esquecê-lo. Seria tão mais simples. Acho que eu deveria ser grata por ele não me forçar a ficar com ele, triste situação e situação vivida muitas mulheres não só na máfia, como fora dela. — Terra chamando Talía. Olhei para minha cunhada. — Você está com a cabeça no mundo da lua, mulher. Responda, o que achou desse? — Ela me perguntou enquanto rodopiava pelo meu quarto em um vestido azul escuro, que lhe caiu como uma luva. — Esplêndida. — Você elogiou os últimos cinco. — Ela disse desanimada. — É porque estão maravilhosos mesmo. Elana, que estava ficando cada dia mais definida e iluminada devido aos treinos contínuos que passamos a fazer todas as manhãs, se sentou de um jeito solidário e olhou o meu quarto. — Longe de mim ser invasiva, mas eu estou muito preocupada com você e Aleksander. — Preocupada com o que? — Falei com um sorriso despreocupado para mascarar meus verdadeiros sentimentos. — Vocês não dividem o quarto. Vocês se saem bem nos eventos sociais, mas agora que estou te conhecendo melhor, posso dizer que é tudo uma fachada. E pior, minha mãe já percebeu também. Meu sorriso caiu. Elana era uma menina boa e confiável, então eu deixei que minhas verdadeiras emoções se sobressaíssem. Eu estava exausta e me sentindo muito sozinha e eu precisava falar com alguém sobre a confusão que minha vida tinha se tornado. — Tão ruim assim? Elana perguntou e eu apenas baixei os olhos para minhas mãos em meu colo, minha postura caindo um pouco. — Olha, Aleksander pode ser… complicado. Difícil, temperamental, confuso, eu não vou defender o quanto meu irmão é terrível. Mas ele olha para você diferente quando você não está olhando. Talvez nem ele saiba, mas você tem importância na vida dele. Revirei os olhos para Elana, por afirmar o óbvio. — Eu sei de minha importância desde antes de nosso casamento, Elana. Não é pelo que eu sou e sim pelo que represento. — Talvez no início, sim. Não vou negar que você é um trunfo para nós, visto que não temos o maior território e sem a Aliança, seríamos um alvo fácil. No entanto, você hoje tem o seu valor pela pessoa que é. Você é a maior influência feminina dentro da máfia e tem pouco mais de dois meses que chegou. Aleksander vê isso e a valoriza. Foi impossível não sorrir com sarcasmo diante das palavras de Elana. — Que bom que estou cumprindo meu papel com maestria. É o máximo que vou conseguir aqui. Olhei para Elana, ponderando se era prudente falar o que eu sentia para alguém tão jovem, mas enquanto eu pensava, as palavras apenas saíram da minha boca. — Seu irmão ama Mirella. E como não pode tê-la, ele se satisfaz na cama de outras mulheres. Elana se levantou em um impulso. Por mais que ela fosse mais jovem que Mirella e Aleksander, ela deveria saber do que havia entre eles. Sua ação apenas confirmou o que eu sabia. — Ele nunca amou Mirella. — Eu posso garantir que ama. — Falei com firmeza. — Como? — Elana sorriu sem humor — Ela te disse isso? E você acreditou? Desviei os olhos rapidamente. — Eu perguntei a ele. — Ele confirmou? — Ela voltou a perguntar. — Estava implícito. — Ele não confirmou, então. Sim, meu irmão teve um envolvimento com Mirella quando eram jovens, mas desde que vocês ficaram noivos ele nunca mais dormiu com ela. Me lembro muito bem de como Mirella sempre reclamava com Brianna que Aleksander não queria mais saber dela desde de que você apareceu. Uma dúvida começou a crescer dentro de mim. Mirella havia inventado todo aquele épico amor? Seria possível? Me levantei um pouco incerta. — Está vendo? Agora até você está pensando direito. Aleksander liberou Mirella das regras da Máfia, deixou-a livre para tomar as próprias decisões. Ela não foi embora simplesmente porque não quis. Elana então praguejou como eu nunca tinha visto. — Mirella não desiste! Eu deveria ter imaginado que ela faria algo! — Ela não estava prometida para algum velho na Irlanda? Elana me olhou por uns bons cinco segundos antes de cair na gargalhada. Eu fiquei sem graça com sua atitude. Pelo jeito eu tinha sido feita de besta pela ex amante de Aleksander. — Tenho que dizer, ela sabe ser criativa. — Elana disse após terminar de rir. Eu estava irritada e frustrada com as revelações, embora lá no fundo, estivesse um pouco aliviada. Me sentei novamente, meio emburrada. — Isso não muda o fato de que ele tem outras mulheres. Elana parou de rir e, de uma forma solidária, se sentou ao meu lado na cama. — Você tem certeza disso? Eu olhei ceticamente para Elana. — Ele chega tarde quase todas as noites. Às vezes, nem dorme em casa. A cama fica arrumada como no dia anterior. Até você deve entender o que significa. Elana, apesar da minha farpa, tinha um sorriso contido no rosto. Eu estava perdendo a compostura e a paciência com seu jeito maternalista, parecia que ela tínhamos trocado e de repente, ela tinha vinte e três anos e eu dezessete. — Não vou comentar que você cuida dos horários dele como uma pessoa interessada Eu semicerrei os olhos. — Mas, meu conselho é que você investigue. Aleksander é muitas coisas, mas desde o compromisso de vocês, meu irmão não se envolveu com mais ninguém. Meu pai não era um homem fácil, assim como Aleksander não é, mas ele sempre dizia que não se deve confiar em um homem incapaz de respeitar a mulher de quem deita ao lado todas as noites. Eu tenho quase certeza de que Aleksander não te trai, Talía. Eu me levantei novamente, confusa com as palavras de Elana. Ela poderia estar certa? Eu poderia estar entendendo tudo errado? — Acho que vocês devem conversar. Aleksander é orgulhoso e pelo jeito, você também é. Elana se levantou e voltou a experimentar os vestidos. Apesar de continuar dando uma ou outra sugestão sobre suas escolhas, eu não consegui tirar da cabeça as palavras de uma garota de dezessete anos.
───※ ·❆· ※───
Era uma loucura. Eu sabia que Kael preferiria estar protegendo Aleksander, então, quando ele me deixava em casa depois da aula sempre me perguntava se eu tinha algum compromisso. Se eu não tivesse, ele ia para outro lugar. O lugar que eu sempre imaginei ser a casa de outras mulheres, onde ele e o chefe iriam se divertir. Apesar de toda a abertura que Kael me deu com o passar das semanas, eu ainda não tinha coragem de perguntar diretamente onde ele e Aleksander iriam. Não que eu tivesse alguma esperança de resposta. Elana foi embora logo após o jantar, mas logo me mandou uma mensagem. Era um endereço, uma localização. Ela também me pediu para ir sozinha à noite. A situação toda era muito cômica, nada parecido com algo que Elana faria. Algo dentro de mim dizia que eu precisava ir àquele endereço e eu apenas ouvi meus instintos. Como esperado, Aleksander não estava em casa. E provavelmente não estaria tão cedo. Cresci escutando que segurança era a base de tudo, e pela primeira vez, eu faria algo imprudente. No silêncio sepulcral da casa, combinei calça, camiseta e tênis, prendi meu cabelo no alto da cabeça e saí pela porta dos fundos. Eu tinha carteira de motorista embora quase nunca dirigisse. Para minha sorte, os carros ficavam com a chave na ignição, então eu apenas liguei e fui em direção ao portão. Era por volta das nove da noite, e eu esperava que os homens não fizessem muitas perguntas, mas logo que parei em frente ao portão, um dos deles se aproximou. — Senhora. — Vou a uma farmácia, logo ali na esquina. — Falei com meu sorriso mais brilhante. — E Kael? — Ah, por favor, não quero ninguém no meu encalço para comprar algo íntimo. O homem ficou sem graça e olhou para o outro. Logo ele olhou para mim. — Eu vou te seguindo com o outro carro. Sorri largamente. — Tudo bem. — Eu não estava muito preocupada. O que eles poderiam fazer? Atirar em meu carro? Não, eles não poderiam fazer nada que não fosse me seguir. Assim que ele entrou no outro carro, eu fiz o meu caminho. Percebi que o homem notou algo errado assim que passei direto pela farmácia. Ele começou a me dar sinais e mais sinais de luzes para que eu parasse, mas eu só continuei, guiada pelo GPS, nem muito rápido nem muito devagar. Depois de um tempo, ele passou a me seguir. Muito provavelmente já tinha uma ideia de para onde eu iria e já tinha avisado Aleksander ou Kael. Não que eu me importasse. Não parecia muito longe, precisava apenas manter a cabeça no lugar. Quando faltavam exatamente dois minutos para chegar ao destino eu acelerei por uma rua deserta e cheguei a um galpão abandonado com o coração aos saltos. Estava tão escuro. Saí do carro sem desligar e sem fechar a porta do motorista, pois o guarda já estava chegando também. Corri para a porta que parecia encostada e entrei no galpão, disparando por mais alguns metros e parei somente para entender a cena que se apresentava diante de mim. Minha primeira reação foi colocar a mão sobre a boca. Com o coração acelerado, escutei o guarda entrar e notei armas apontadas para nós, mas eu não senti medo. Meus olhos estavam fixos no centro do galpão. Um homem estava amarrado a uma cadeira. Seus dentes estavam em uma bandeja na lateral. Havia escoriações por todo o seu rosto e corpo e sua boca estava destruída. O rosto dele estava desfigurado, e ali, em frente a ele, estava Aleksander, sem camisa e uma espécie de faca, fazendo tiras pelo corpo do homem, tão ensanguentado quanto a sua vítima. Ele parecia um animal, sujo de sangue, com um olhar predador e assassino em minha direção. Tudo tão fodido que quando seus olhos encontraram com os meus, eu dei um passo para trás, colidindo com um corpo. O homem atrás de mim segurou meu braço com força, certamente irritado pela minha escapada e pelos problemas que poderiam render a ele toda a situação. — Tire. Sua. Mão. Dela. Aleksander soou com voz de aço para o homem, e eu dei outro passo para trás também, mesmo sabendo que a voz não era direcionada a mim. — Abaixem as armas. Todas as armas se abaixaram e os olhos de Aleksander continuaram segurando os meus. Ele sabia que eu estava indo para lá e mesmo assim continuou com o que estava fazendo. Era isso. Era isso que ele fazia quase todas as noites. Ele vinha aqui matar e matar e matar. De repente, muitas coisas começaram a fazer sentido em minha mente. Eu cresci na máfia, mas sabia que um chefe raramente sujava as mãos, pelo menos não literalmente. Mas Aleksander gostava disso. Ele fazia questão de sujar as mãos porque gostava. “Eu não tenho em mim o necessário para te amar”. Não era por ele amar outra mulher, era por ser uma pessoa ferrada psicológica e emocionalmente. Eu só precisava olhar para ele daquele jeito para saber que meu pensamento estava no caminho certo. — Senhor, ela… Aleksander veio andando em nossa direção e eu não sabia quem se encolhia mais, eu ou o seu homem. — Cale a boca, imbecil. — Então ele me segurou pelo braço e saiu do armazém me arrastando, sem uma palavra. Olhei para o carro ainda ligado e com a porta aberta, mas nem me atrevi a pedir para voltar dirigindo. Ele abriu a porta do passageiro de seu SUV e praticamente me jogou no banco. Eu queria protestar, mas ainda estava anestesiada por toda a situação e a revelação que vinha junto. Parecia que eu estava vendo a situação com toda a clareza agora. Sim, haviam problemas, mas nada da ordem que eu imaginava. Não eram outras mulheres, não era um amor impossível que afastava Aleksander. Era ele mesmo e sua natureza destrutiva. Olhei para ele, sentado no banco ao meu lado e apertando o volante com as mãos ensanguentadas. Minhas mãos seguravam as laterais do meu banco como se minha vida dependesse disso. Quando olhei para seu rosto, ele tinha os olhos fechados e puxava várias respirações profundas. Fechei os olhos com força. Eu estava muito ferrada. CAPÍTULO 15 Talía Dardan
Todo o caminho para casa foi feito em silêncio. Aleksander não
disse uma única palavra e eu tinha algum senso de autopreservação. Assim que descemos, ele marchou em minha frente, subindo os degraus de dois em dois, ao ponto que ouvi a porta do quarto dele bater com força, enquanto eu ainda estava no primeiro degrau. Indecisa sobre o que fazer, me dirigi para o meu quarto e não para o dele. Mesmo com tudo o que eu descobri, não conseguia sentir medo ou nojo do meu marido. Fechei os olhos e vi a cena novamente, vi como Aleksander era frio diante da morte. Eu deveria ser tão louca quanto ele, pois apesar do horror que presenciei eu só conseguia sentir alívio. Não eram outras mulheres. Parada no meio do quarto, eu tentei suavizar a situação. Aleksander seria meu marido até o fim de nossos dias. Essa casa, essa vida, seria a minha vida até o fim. Eu poderia lidar com a morte, com a escuridão. Eu fui criada para isso. — Você! — Eu dei um pulo e me virei para a porta. Como diabos ele havia entrado em meu quarto com a porta trancada? Dei três passos para trás até cair sentada na cama. Olhei para a fechadura e me dei conta de que ele tinha uma chave. Eu teria rido se não fosse o medo se instaurando. Ele tinha tomado um banho. Cabelo molhado, gotas de água pelo peito e abdômen, e apenas uma calça de pijama. — O que você pretendia com esse show todo? Ele tinha os olhos mais irritados que já vi, mas a minha libido estava vencendo o meu medo. Eu queria tocá-lo. Estava com saudades. Era quase como se finalmente eu estivesse me dando permissão para desejá-lo. Eu o queria, agora, do jeito que ele estava. Passei a andar em direção ao perigo. Vi quando seus olhos mudaram com a minha aproximação. Eu cheguei em frente ao seu peito e toquei suavemente com minhas mãos. Estava quente e eu senti vontade de descansar o rosto ali. Ele tremeu sob meu toque. — Talía, o que… — Eu o beijei no peito e ouvi o seu suspiro praguejado. Me sentindo mais encorajada, passei a soltar beijos por todo o seu peito. Ele segurou minhas mãos nas suas, mas eu já estava sentindo a sua rendição. — Talía… — Cale a boca e me beije… — Eu resmunguei entre um beijo e outro. Senti quando um braço enlaçou a minha cintura e a outra mão me segurou pelo cabelo. Ele levantou meus olhos para os dele. — O que aconteceu com o espaço que você pediu? — Ele perguntou firme, mas eu já sentia a sua ereção me pressionando. — Não quero mais espaço. — E só por isso você acha que eu devo te beijar? — Nunca houve outras mulheres. Você não ama Mirella. Ele semicerrou os olhos e assim ficou por alguns segundos. Não era uma pergunta, era uma constatação que nem ele poderia negar. Se eu fosse sincera, era quase como se finalmente ele estivesse entendendo o que eu pensava. Parecia que ele enxergava minha alma e naquele momento, eu enxerguei a dele. Eu já não me importava que ele visse a falta que senti dele todas essas semanas. Eu o faria cair de joelhos por mim, nem que para isso eu precisasse ser vulnerável agora. — O que você quer? — Ele perguntou de forma enigmática. — Que você faça o que eu sei que está louco para fazer. Que me beije logo. Com uma respiração enraivecida, Aleksander colou a boca na minha, do jeito que eu ansiava. Ele me beijou com toda a força da saudade que eu senti nessas semanas longe dele, tentando odiá-lo, tentando me afastar de qualquer olhar dele. Eu deixei que ele me beijasse e me tomasse como eu queria por todo o tempo que se passou. Eu tentei me afastar para agradá-lo, mas ele não permitiu. Em um movimento brusco, ele se afastou de mim o suficiente, apenas para me empurrar na cama e tirar minha calcinha e a calça junto. Meu tênis foi retirado do caminho também e eu adiantei o processo tirando minha camiseta. Em segundos eu estava nua em frente a ele. A respiração de Aleksander estava pesada enquanto ele me olhava. Devagar, sem a pressa de alguns segundos antes, Aleksander se aproximou e segurou os dois lados do meu rosto e calmamente me beijou. Quando ele afastou, me olhou no fundo dos olhos, fazendo pressão com os dedos e disse quase com raiva: — Eu a proíbo de voltar a me afastar de mim, Talía. Eu proíbo. Você me entendeu? Era a ordem de um chefe. E eu nunca quis tanto obedecer a uma ordem dele quanto daquela vez. Novamente, seu comportamento possessivo mudou para apaixonado e ele voltou a me beijar com ardor. Em algum momento ele retirou a calça e ambos estávamos nus em minha cama. Aleksander jogou uma pilha de livros para o chão, enquanto nossos corpos se juntavam. Os olhos de Aleksander estavam nos meus quando ele me penetrou. Eu estava pronta e nunca desviei meus olhos dele. Uma ponta de dor e saudade me tomou enquanto ele entrava em mim. Quando entrou completamente, ele não se mexeu, ficou ali, me olhando como se eu fosse a coisa mais preciosa do mundo dele. Como se eu fosse importante. — Não me olha assim… — Eu não consegui não dizer. Ele me olhou um pouco confuso, e, com a boca encostada à minha, ele perguntou. — Assim como? — Perguntou roucamente. — Como se você gostasse de mim. Seu rosto endureceu com as minhas palavras. Com chamas nos olhos, ele me fez olhar para ele quando tentei desviar o olhar. Não tinha como correr do fogo de seus olhos verdes. — Olhe para mim. Eu morreria por você, mil vezes. Dê o nome que quiser a isso. Meu coração saltou como um louco no peito, mas não houve tempo de pensar demais. Aleksander começou a se mover dentro de mim, lentamente, enquanto me desnudava com o olhar. Eu tinha caído pelo meu marido, tão profundamente, que não tinha percebido até aquele momento. Talvez fosse cedo para ser amor, amor de verdade, mas eu o queria. Talvez eu tivesse uma concepção romântica de amor, mas era algo. E a forma como Aleksander se movia e me olhava, como se nunca fosse me deixar ir, me fez sentir que ele retribuía o sentimento, ainda que não tivesse a habilidade necessária para entender. Aleksander me amaria. Essa era a única vida que eu teria e eu o faria reconhecer o que ele sentia. Não havia outras mulheres, Mirella mentiu e inventou histórias sobre o meu marido. Ele também teve culpa por não conversar comigo, mas eu o faria desenvolver essa habilidade também. Ali, naquela cama, eu entreguei uma parte do meu coração a ele. E eu sabia, no fundo da minha alma, que aquele homem quebrado e danificado era meu. Somente meu.
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Acordei com a maior surpresa que já tive desde que cheguei a Boston. Aleksander estava ao meu lado, acariciando minhas costas enquanto meu rosto repousava em seu peito. Eu não queria nem pensar muito no quanto eu queria isso, mesmo sem ter experimentado algo assim antes. — Que surpresa agradável. — Eu suspirei e ele parou a mão em minhas costas, como se acabasse de se dar conta do que estava fazendo — Continue, estava maravilhoso. Falei para que não ficasse qualquer estranheza. Eu teria que mudar minhas táticas, se quisesse que isso funcionasse. Aleksander não estava acostumado com carinhos e gentilezas, e eu teria que fazer essa ponte. Encorajada por finalmente entender uma parte crucial da mente de meu marido, eu me sentei em seu colo, montando-o. Ele me olhou um pouco surpreso, mas logo suas mãos foram para minha bunda. Então, eu deitei em seu peito e apenas fiquei ali. Aleksander ficou confuso e eu quase gargalhei. Comecei a brincar com os pelos em seu peito perfeitamente esculpido. — O que está fazendo? — Ele perguntou. Eu me virei apenas para encontrar o cenho franzido em minha direção. — Carinho. Eu respondi e dei um beijo rápido em sua boca. Alguns segundos depois, Aleksander começou a acariciar meu cabelo. Ficamos curtindo aquela intimidade por um tempo que eu não soube determinar, porque em algum momento, eu adormeci.
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— Esse cara é um idiota. — Ele é lindo, não fale assim. Eu deveria ter medo do perigo, mas adorava provocar Aleksander. Não foi realmente surpresa quando ele tomou o controle da minha mão, pausou o filme e me colocou em seu colo, pipoca sendo jogada por todo o lado, enquanto eu soltava uma sonora gargalhada. As duas semanas que seguiram desde a noite que dormimos no meu antigo quarto e agora era novamente de hóspedes, eu e Aleksander estávamos sempre juntos, a cada chance que tínhamos. Agora ele já não sumia por noites inteiras e quando o fazia, eu sabia muito bem o que ele estava fazendo. Aleksander estava mais solto. Ainda era grosseiro, mas de um jeito que eu não me importava. Em alguns momentos eu me surpreendia com alguma atitude amável dele, como foi desde o início. — Ele é lindo, é? Eu comecei a rir, mas abri as pernas para sentar de frente a ele, enlaçando seu pescoço com meus braços. — Mas você é mais… — Eu disse e beijei seus lábios. — Feiticeira… Ficamos ali, nos beijando por um tempo. Apenas o toque de nossas bocas, de nossa respiração, de nossos corpos. Me afastei de Aleksander alguns centímetros, encontrando um olhar de quase aflição em seu rosto. — Eu mataria qualquer um por você. — Você mataria qualquer um por qualquer coisa, Alek — Eu disse sorrindo, mas ele continuou sério. — Eu morreria por você. Todo o meu corpo se arrepiou, quase como se fosse um mau presságio. Aleksander não era bom com sentimentos. Ele externava o que sentia à sua maneira e estava tudo bem, porque eu e ele fomos jogados em nosso próprio destino, sem poder de escolha. Desde que ele me respeitasse, eu tentaria fazer funcionar. Desta vez, a forma como ele disse as palavras fez doer algo dentro de mim. Doer de uma forma inexplicável, tão forte que eu nem pensei no quanto ele me dizer isso poderia significar. Eu o abracei. — Ninguém vai morrer por ninguém. Teremos uma boa vida juntos. Ele me puxou para olhá-lo nos olhos, como sempre fazia quando queria me dizer algo sério. Segurou meu cabelo e me manteve firme no lugar, à sua mercê. — Eu não sou bom, Talía. Minha vida é a morte — Engoliu em seco antes de continuar — Mas eu estou tentando ser bom para você. Eu tentei abraçá-lo novamente, mas ele não permitiu. Me manteve ali, daquela forma, olhando para o seu rosto, filme e brincadeira esquecidos. Então ele acariciou o meu nariz com o seu próprio, um meio sorriso desenhando seu rosto. — Você me enfeitiçou… Agora eu sou mais um pronto para cumprir os caprichos da princesinha italiana… Foi impossível não sorrir. O apelido já não soava agressivo, era quase carinhoso. Carinhoso estilo Aleksander Dardan, claro. O beijo foi inevitável, assim como o que veio em seguida. A intimidade poderia virar rotina. CAPÍTULO 16 Aleksander Dardan
Os dias viraram semanas e as semanas viraram dois meses.
A situação com os ucranianos estava tomando uma proporção não esperada. Um dos motivos, eu reconhecia, era pela própria distração por ansiar passar um tempo muito necessário com a minha esposa. Talía estava se tornando dia a dia o centro de tudo, inclusive do meu mundo. Entre estudos, os eventos sociais, lidar com as farpas de Brianna e ainda conseguir auxiliar o desenvolvimento de Elana, nos sobrava pouco tempo juntos. E Talía era criativa para aproveitar da melhor forma o tempo que tínhamos. Eu não era, e talvez nunca fosse, o exemplo da amabilidade e tinha total ciência disso. Por algum motivo que eu era incapaz de entender, por misericórdia divina, Talía não se importava. Ela tirava o melhor de todas as situações, inclusive do nosso próprio relacionamento e parecia o suficiente tudo que eu era capaz de lhe dar. Ela sempre me surpreendia. Um dia, em um evento, ela me puxou para um corredor escuro, abaixou minhas calças e me fez gozar em sua boca. Às vezes, em alguma reunião onde a situação estava tensa, Talía apenas segurava minha mão por baixo da mesa e mesmo o ato parecendo bobo, era reconfortante. Eu estava me sentindo cada vez mais dependente da companhia dela, estava sorrindo mais, ficando à vontade com atos que antes eram estranhos para mim. Como ficar abraçados ou mesmo um beijo de despedida ou boas-vindas. Coisas que sempre foram difíceis de me imaginar fazendo, mas com ela parecia simples. Porque Talía se entregava sem reservas. Eu achava que a destruiria com minha escuridão, mas começava a acreditar que ela poderia estar me salvando. No fim, ela estava me corrompendo com sua luz. Às vezes eu a via sorrir e não conseguia sorrir de volta. Ficava imaginando situações que poderiam tirar aquele sorriso de seus lábios e queria destruir as possibilidades. Queria que ela continuasse sorrindo para mim. Queria que ela continuasse iluminando tudo à sua volta. Que ela continuasse me iluminando. Entrei no quarto, e como esperado, Talía já tinha escolhido minha roupa para o evento da noite, uma angariação de fundos que ela havia organizado para crianças com leucemia. Ela estava um pouco pilhada nos últimos dois dias, então eu sabia da importância do evento para ela. — Alek, você está atrasado. — ela disse se aproximando, e apesar da reprimenda, me deu um beijo rápido nos lábios. Ela estava em roupão de banho e fez menção de voltar para o closet, mas eu a puxei de volta. Ela me olhou pronta para protestar, certamente por estar com pressa, mas eu não gostava de vê-la tão tensa, então fiz o que sabia que iria relaxá-la. Joguei-a na cama, ao lado da minha roupa escutando um quase protesto dela, que foi abafado quando levantei seu roupão e abri suas pernas. — Oh meu Deus… — Ela resmungou quando sentiu meus lábios em seu centro. Eu comecei acariciando seus grandes lábios, provocando lentamente, apenas ameaçando roçar seu clitóris. Ela estava brilhando, já pronta para o que eu tivesse a oferecer. Minha boca salivou antes de finalmente brincar com seu ponto de prazer. Talía segurou o acolchoado da cama com força e soltou um gemido. Eu queria que ela tivesse prazer, que ela gozasse em meu rosto, retribuir o que ela fazia por mim de uma forma que eu sabia que ela gostaria. Porque eu nunca fui bom com as palavras. Lambi, mordi, girei a língua em seu clitóris enquanto ela resmungava e gemia palavras incompreensíveis. Coloquei um dedo e depois outro em sua entrada. Eu a chupava enquanto a penetrava com os dedos. Quando sentia que ela queria gozar, eu parava, só para torturá-la mais. Em um momento ela me olhou com a mistura de raiva e prazer contido. Sorri, tendo seu clitóris em minha língua e dessa vez, fui até o fim, até sentir que o clímax a tomava, fazendo suas pernas tremerem de prazer. Totalmente inerte e perdida no prazer que a tomou, Talía ficou alguns segundos olhando para o teto, normalizando sua respiração. Eu me levantei e beijei sua boca rapidamente. Sorrindo, enquanto ia para o banheiro, eu apenas disse. — Levante, alaiin. Estamos atrasados.
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O evento foi um sucesso e Talía estava radiante. Um vestido prata adornava seu corpo, longo, sem mangas. Um conjunto de colar e brincos de ouro branco a deixavam parecendo a princesa que sempre a acusei de ser. Ela tinha uma tiara na cabeça e os cabelos estavam presos em um coque elegante. A maquiagem era mínima, o que não fazia falta. Talía era linda. Para o orgulho de todos, ela foi chamada pela esposa de Thompson a subir ao palco e receber um reconhecimento por sua dedicação. Meu peito esquentou com a cena. Bem articulada, tom impecável, Talía agradeceu com poucas palavras a participação no evento. Ela queria seguir a área da pediatria, então e noite tinha um significado especial para ela e o que ela considerava importante eu passava a ver com outros olhos: os olhos dela. Eu nunca fui bom, mas Talía fazia eu querer ser uma pessoa melhor. Eu nunca seria um príncipe, amável e romântico, mas eu a queria segura, bem e feliz. Isso deveria significar algo. Ela foi ovacionada e eu me peguei sorrindo e aplaudindo minha esposa, junto com todos os outros presentes, enquanto ela vinha em minha direção. Diretamente para mim, porque era minha e me pertencia. Mesmo com o sorriso encantador no rosto, mesmo com a aparência tranquila, ela estava nervosa e preocupada, pois ela era assim, se preocupava com as coisas mínimas. Me ocorreu que ela não precisava mais externar certas coisas, eu a conhecia. Conhecia o seu olhar, reconhecia seus medos e anseios, mesmo que ela não me dissesse. Conhecia até mesmo o jeito que ela caminhava. Em troca, ela também me conhecia, ela sabia sem que eu dissesse as coisas que me afligiam, não importando o local ou a distância em que estávamos. Talía estava sempre atenta a mim e a ela. Cada olhar, cada gesto, ela mostrava demonstrava que estava ali por mim. Nesse momento, foi quando tudo mudou, como se uma luz iluminasse minha mente com a clareza de que eu não suportaria não tê-la. E tudo mudou. Para mim. Para minha história. Para o nosso futuro. Porque a luz era literal, ela não foi só para iluminar minha mente. Ela iluminou todo o local, e toda a cena que se seguiu foi como se acontecesse em câmera lenta. Ela estava a alguns metros de mim. Kael se jogou em cima de Talía e tiros foram escutados. Deitada no chão, enquanto uma luz muito maior iluminava o local, escombros e fogo voaram em todas as direções. Pânico tomou todos os presentes, mas os olhos dela seguraram os meus. Eu sabia que tudo mudaria para sempre e ela me olhou como se também soubesse. Foi quase um lamento que nenhum de nós entendia ali, mas iríamos entender. Me escondi atrás de um pilar que ainda se sustentava. Eu já não conseguia ver nada, apenas fumaça, choro e desespero. Com minha arma na mão procurei por um abrigo e peguei o celular. Antes que eu ligasse ele tocou e eu atendi. — Talía? — Comigo, senhor. Ela não se machucou gravemente, estamos no carro na parte de trás. Alguns dos meus homens chegaram para me proteger e me levar para o carro que me aguardava, mas o que aconteceu em seguida, me paralisou. Alguns dos seguranças do evento começaram a atirar no público. A bomba tinha sido de pequeno porte, agora não havia apenas um atirador. Meus homens e os verdadeiros seguranças passaram a revidar os tiros, fazendo com que o local virasse uma verdadeira zona de guerra. — Tire Talía daqui, Kael! Agora! Leve-a para a casa segura! — Senhor?! — Tire-a daqui, é uma ordem! Desliguei o telefone e passei a trocar tiros com alguns dos invasores, até mais uma cena grotesca se materializar. O DJ pegou uma metralhadora de um dos agressores e atirou contra um grupo de senhoras do outro lado do salão. Não era um ataque esperado, essa era uma angariação de fundos para uma causa nobre, pelo amor de Deus! A segurança foi feita, mas ninguém esperava de fato um ataque. Eu já não dava conseguia entender nada. Senti meu braço ser puxado por um dos meus homens e eu estava a caminho do meu carro quando meu celular voltou a tocar. — Senhor, fomos emboscados. Três carros estão atrás da senhora Talía, consegui despistá-los, mas nos encontraram novamente. Meu coração parou no peito por alguns segundos. Eles queriam Talía. — São os ucranianos, senhor. Ouvi o sotaque. — Onde você está?! Escutei tiros e mais tiros, até Kael me responder que mandaria a localização por mensagem. Eu já não me importava com o perigo, apenas segui para onde o carro estava e, sem esperar minha própria proteção, dei partida e saí, como se a minha vida dependesse disso. E dependia. E foi o ato mais insensato que fiz. Cada vez que eu me aproximava mais do local, um sentimento se apoderava de mim novamente. Tudo mudaria. Tudo mudaria. Eu apenas dirigi, o GPS seguindo Kael e Talía em tempo real, levou nossa corrida para uma rua deserta, longe da civilização. Insensato, insensato. Eu deveria ter esperado meus guardas, mas me recriminaria mais tarde. Eu teria que aprender a conter esse desejo louco por minha esposa e tudo o que era relacionado a ela, para voltar a ter a cabeça no lugar. Eu precisava voltar a focar no negócio e tomar decisões mais sensatas ou acabaríamos morrendo. Eu escutei os tiros de longe e corri mais, apenas torcendo para que qualquer ser divino guardasse a vida de Talía. Assim que me aproximei, vi três carros parados. Parei o meu um pouco atrás do terceiro carro, onde já via dois corpos dos ucranianos, tomei a arma da mão de um deles sabendo que duas armas era sempre muito melhor e me aproximei devagar. Kael trocava tiros com os ucranianos e Talía provavelmente estava com ele, se estivesse viva. O pensamento me deixou louco com a possibilidade. Ela estaria viva. Não, não existia a possibilidade de Talía não sobreviver. Ela deveria estar apavorada, mas apavorada era melhor que morta. Me aproximei silenciosamente, percebendo então que havia apenas um homem trocando tiro com Kael. Eu cheguei por trás dele, que estava atrás do segundo carro, bem perto e apontei a arma para a sua cabeça. — Hey. A última coisa que ele viu antes de ter o cérebro explodido foi meu sorriso. Filho da puta. Corri para onde estava Kael, e olhei ao redor procurando Talía. Eles estavam do lado de fora do terceiro carro, o nosso, e Talía estava encolhida. Quando me viu, ela se jogou em meus braços e eu a abracei forte, sentindo alívio e raiva. — Senhor, senhor. Precisamos ir… Quatro carros apareceram no horizonte. Não foi necessário que se aproximassem mais para que soubéssemos que eram ucranianos. — Senhor… — Kael soou alarmado. — Eu sei. — Falei resignado, sem tirar os olhos dos carros que se aproximavam. — O que? São nossos homens? — Talía perguntou ansiosa e desesperada. Eu olhei para Kael e ele entendeu. E eu entendi tudo o que vinha sentindo naquela noite. Kael fechou os olhos um momento e suspirou. Então, ele entrou no carro e me jogou duas metralhadoras. Quatro carros, talvez eu e Kael conseguíssemos vencê-los, se estivéssemos sozinhos, mas eu não arriscaria a vida de Talía. Não mais do que todos os riscos que ela havia corrido até agora. Eles queriam me atingir, eu era o alvo principal, e também sabia que se me pegassem, dificilmente perseguiriam Kael. Olhei para o rosto da minha esposa, por quem eu faria qualquer sacrifício, eu sempre soube disso. A luz da minha escuridão. Olhei mais uma vez, na esperança de que meus homens pudessem estar no encalço dos ucranianos, mas nada estava à vista. Não poderia arriscar Talía, não suportaria perdê-la. — Olhe para mim, Talía — Disse, segurando seu rosto com as duas mãos e beijando sua testa com força, sentindo meus olhos queimarem. — Sempre foi você. Foi o que bastou para que ela entendesse. Duas fornalhas me encararam de volta. — Pare! Pare! Pare de me dizer essas coisas! — Ela gritou e eu a silenciei com um beijo duro nos lábios, sentindo o gosto de suas lágrimas. — Eu te amo. — Sussurrei em sua boca. Ela me empurrou, mas não a soltei. Seu choro me destruiu mais do que a perspectiva de um futuro sem ela. — Não, não, você não pode me dizer isso assim, não pode… — Ela sussurrou chorando mais. — Eu te amo… — Voltei a dizer — Não! — Ela negava, e eu a beijei novamente, lágrimas e desespero nos envolvendo — Eu morro por você, Talía. Qualquer sacrifício. — Não, não, não… Por favor, não! — Ela gritou desesperada, segurando o que sobrou do meu smoking. O que eu faria me destruiria mais do que a ela. — Kael! — Eu gritei — Não, não me toque Kael! — Ela gritou, desesperada. Kael já saía do carro e a segurava pela cintura. Não foi tão difícil imobilizá-la. Talía tentou sair do aperto de Kael e gritou durante todo o tempo que nunca me perdoaria. Por um momento, eu poderia admitir que uma lágrima desceu dos meus olhos, enquanto via seu desespero. Ele a colocou no carro pelo banco do motorista e entrou em seguida, trancando a porta. Pouco antes de Kael dar partida, ele me deu um olhar de respeito e quase despedida. As chances de que eu conseguisse sair com vida eram mínimas. Ele sabia. Talía sabia. Foram menos de dois minutos até os carros chegarem e eu os atrasei pelo tempo que consegui. Me protegendo atrás de uma lataria, atirei até que as balas acabassem. Até que um dos homens, com o silêncio pela falta de tiros, viesse pessoalmente conferir. Eu o nocauteei com alguns socos e ainda atirei em mais dois. Até ser atingido no ombro. Até ser atingido novamente no abdômen. Até sentir minha vista escurecer e cair de joelhos no meio do asfalto. Escutei alguém dizer meu nome e então os tiros pararam. E tudo escureceu. CAPÍTULO 17 Aleksander Dardan
Vozes, palavras e nenhum entendimento rodeavam a minha
inconsciência. Eu queria acordar, mas algo me dizia que toda a ardência do meu corpo, a inércia e o sentimento de incapacidade seria melhor do que viria a seguir. Sotaque ucraniano era esperado, mas foi a voz feminina que me fez abrir os olhos. Todo o meu corpo ardia. Minha boca estava seca e o local em que eu estava era precário. Eu era um Chefe, mas estava acostumado com o caos e a porcaria dos bastidores desse mundo. Esse nojo de lugar não me assustava, apenas alimentava meu animal. Sujo, imundo, úmido, era um quartinho minúsculo que mais parecia um buraco. Eu estava deitado e amarrado, em uma espécie de cama de palha, acorrentado ao chão. A mulher estava de costas, mas ela não precisou se virar para que eu soubesse quem era. Mirella Walsh. Nesse exato momento ela se virou em minha direção, um sorriso doente nos lábios. Devagar, em seu vestido vermelho e saltos, se aproximou da “cama” onde eu estava e se sentou o meu lado. Era horrível a sensação de desamparo, contudo mantive o rosto neutro. Eu estava nu e machucado. Acorrentado ao chão. — Aleksander… — Ela ronronou, sorrindo — Eu senti saudades, amor. — Mirella. Achei que estava na Irlanda. — Minha voz saiu fraca, apesar dos meus esforços. — Eu fui conhecer a Ucrânia, no caminho. E olhe só que surpresa, por acaso eu tinha informações que eles queriam e em troca, eu teria o que procurava. Na minha falta de resposta, ela continuou — Poder. E você. — Se aproximou e me deu um beijo na boca, beijo que eu senti nojo — Agradeça por eu ainda te amar, Alek. — Mirella, você terá tempo com seu novo brinquedo. — Uma voz com sotaque forte soou atrás de Mirella, até aparecer em minha visão. — Meu nome é Ruslan Yaroslav. Eu sou o homem cujo povo você tem atormentado nos últimos meses, Dardan. — O homem sorriu mostrando uma carreira de dentes podres. — Estava ansioso para conhecê-lo. Se soubesse que a forma mais fácil de acesso era através de sua esposa, eu teria resolvido a nossa situação mais cedo. A menção de Talía me fez puxar as correntes, o que me rendeu uma pontada de dor. Outro homem muito maior se aproximou com alguns utensílios de tortura. Ele parecia ansioso. — Esse é Pavlo. Ele estava mais ansioso que eu para conhecê-lo, principalmente depois de saber que você mutilou os três irmãos dele e espalhou os pedaços pela cidade. Eu conhecia um olhar de ódio. Pavlo me odiava, mas eu poderia mandá-lo a merda mil vezes. Eu aguentaria dor e escuridão. Eu pertencia a tudo isso. Mirella olhou para mim com um sorriso simpático e se levantou. — No rosto, não ou eu te mato dormindo — Ela avisou Pavlo e, junto com Ruslan, se prepararam para sair. Contudo, antes, virou-se para mim mais uma vez e disse — Bem-vindo ao inferno, querido. Aqui, o seu anjo sou eu. CAPÌTULO 18 Talía Dardan
— Você precisa comer, bambina.
Eu não me virei para a porta. Continuei encarando a lua, que aparecia de novo. Hoje o céu estava limpo de nuvens e eu conseguia ver bem as estrelas. De manhã também consegui ver o sol exatamente daqui, de onde estava, desde que Kael me trouxe para casa há uma semana. Será que as estrelas mudam de lugar? Ou eram as mesmas estrelas que vi, noite após noite, nessa cama, nesse mesmo lugar? Deveriam ser as mesmas. Assim como todos os meus dias foram os mesmos. — Talía, você precisa reagir. Eu não respondi. Eu não tinha respondido a ninguém desde que voltei para casa. Eu não tinha encontrado palavras para articular qualquer som, mesmo quando, Giovanni, meu pai e tia Antonella chegaram no dia seguinte. Mesmo com o abraço caloroso de tia Antonella. Nem mesmo quando, no terceiro dia, os membros da Aliança começaram a chegar à minha casa. Nem quando Elana tentou entrar em meu quarto. Eu a ouvi chorar, mas não achei em mim força necessária para confortá-la. Tudo o que eu conseguia ver era Aleksander se entregando à morte. E cada vez que eu revivia a cena, algo bonito dentro de mim morria um pouco. O preço de uma vida forjada no sangue. Eu não vi ou falei com ninguém, nem mesmo Aretha Thompson. Eu não queria ver ou falar com ninguém e Brianna estava fazendo todo o trabalho de anfitriã. Também sabia que tanto ela quanto Elana estavam ficando “uns dias” na mansão, para me ajudar com o que eu precisasse. As ruas de Boston viraram uma zona de busca, que as autoridades ignoraram. Eles estavam procurando por Aleksander, mas eu sabia que cada vez que a lua aparecia era um dia a menos para encontrá-lo com vida. Ele se sacrificou por mim. O imbecil disse que me amava quando eu já tinha feito as pazes com o pensamento de jamais ouvir dele essas palavras, e então se entregou à morte. Por mim. Uma lágrima solitária desceu e eu senti a mão da tia Antonella em meu braço. Eu não conseguia olhar ninguém nos olhos, não conseguia falar, porque se eu falasse, eu iria gritar e gritar até que Aleksander viesse me tirar desta loucura que minha vida tinha se tornado desde que ele se foi. Se ele estivesse aqui, ninguém estaria sussurrando pela casa o quanto a esposa de Aleksander Dardan havia enlouquecido. Que ela não falava, nem olhava para ninguém. Que não chorava e nem reagia a nada. Que não saía do quarto há quatro dias. Eu era fraca. E achava que nunca mais iria me recuperar.
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— A coitadinha nunca mais será a mesma. — Eu sinto tanto que tudo tenha se sucedido dessa forma. Mas, sabemos que já faz dez dias, as chances de encontrá-lo com vida são mínimas. — Escutei Aretha respondendo à falsa solidariedade de Brianna. Era meio da tarde, e eu finalmente resolvi criar coragem para sair do quarto. Eu sabia que Aretha tinha razão. Dificilmente meu marido seria encontrado vivo depois de todos esses dias e mesmo que me doesse admitir, eu havia perdido Aleksander para sempre. — O pai e o primo decidiram levá-la de volta a Nova Iorque. É o melhor para ela, no momento. Também já marcaram uma consulta com um bom psiquiatra, pois… enfim, foi um trauma. — Que pena. Ela fará muita falta para nós. Para Boston, foi uma perda dupla. Eu não escutei o restante da conversa e subi para o quarto. Bati a porta e olhei para a cama. A nossa cama. E então chorei, chorei, chorei. Em um momento só chorar não foi suficiente e eu comecei a jogar no chão as coisas que estavam nas prateleiras. Não tinha sentido e não era para ter. Dor. O imbecil me deixou no meio dessa bagunça, sentindo falta dele em cada cômodo da casa, lembrando-me dele a todo o momento. Me senti abandonada, traída, deixada. Todo mundo queria resolver minha vida novamente e era tudo culpa de Aleksander. Eu pensava, enquanto gritava o choro contido há dias. — Talía! Eu me virei para a porta em meio à loucura que estava dentro de mim e me deparei com papai e Giovanni. Papai tinha a mão sobre a boca e Giovanni um olhar angustiado. Eu gritei: — Ele me deixou, Gio! Ele me deixou! Quando eu finalmente disse as palavras, minhas pernas enfraqueceram e eu caí no chão. Era real. Ele tinha ido. — Talía… — Giovanni se aproximou e me amparou no chão — Você não está sozinha, principessa. Vai voltar conosco para Nova Iorque, em breve os gêmeos virão e você poderá vê-los crescer. Por mais que eu estivesse feliz por meu primo, a perspectiva de voltar para Nova Iorque já não me deixava feliz. A constatação de que eu e Aleksander não teríamos filhos me destruiu mais um pouco e eu me agarrei a Giovanni, chorando. Senti os braços do papai me ampararem do outro lado e chorei mais um pouco. — Ele morreu por mim! Ele se sacrificou por mim, Gio! Disse que me amava e morreu por mim! Eu disse chorando, enquanto Giovanni e papai apenas sussurravam palavras de conforto. Fiquei ali por tanto tempo que não soube dizer. Em algum momento, eu estava na cama e a tia Antonella tinha minha cabeça em seu colo, acariciando meu cabelo. Eu chorei tudo o que não tinha chorado em todos aqueles dias, chorei até adormecer.
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No dia seguinte, minha cabeça latejava. Mesmo assim, me forcei a levantar, tomei um banho demorado e coloquei uma roupa limpa: um conjunto branco de short social e cropped com um blazer por cima. Após dez dias eu tomei um banho decente, coloquei uma roupa digna, fiz uma maquiagem e penteei o cabelo. A dor ainda cravejava dentro de mim com a lembrança de que não teria os olhos admirados do meu marido em mim. Eu fechei os olhos e controlei a onda de choro. Já não era tempo de chorar. A minha vida estava novamente sendo decidida e eu não me sentaria como uma boa filha italiana e esperaria a decisão. Era hora de crescer. Antes de descer, eu pedi que Mina chamasse Brianna, que havia ocupado um dos quartos. Não muito tempo depois, Brianna entrou. — Como você está, querida? Ela pareceu surpresa ao não me ver de camisola. Eu encarei a mulher à minha frente. Coque severo, roupa formal, marcas de expressões pela idade. Tão fria. Como um muro impenetrável. Me dei conta então de que nós nunca seríamos amigas. — Guarde suas falsas condolências para si mesma. Eu te chamei aqui para avisá-la em primeira mão que não voltarei a Nova Iorque. Brianna me olhou como se uma segunda cabeça houvesse brotado em mim. Eu apenas a observei, até um sorriso diabólico surgir em seus lábios. — E o que você pretende fazer para conseguir esse feito? Eu não sorri. Não tinha mais forças em mim para continuar o nosso jogo de farpas disfarçado de falsa consideração. — Isso não é da sua conta. Agora, eu quero que você pegue suas coisas e saia desta casa. Me aproximei dela, aproveitando que, com salto, ficava uns bons centímetros acima dela. — Aleksander jamais gostaria que essa casa fosse sua. Ela nunca foi sua, Brianna. Eu agradeço a hospitalidade aos meus hóspedes em meus dias ruins, mas já foi o suficiente. Brianna estava vermelha como um tomate diante de meu sorriso debochado. Foi em direção à porta, mas antes que saísse, se virou e disse. — Meu único lamento é você não ter sido levada também. E fechou a porta calmamente como se tivesse me dado bom dia. Apesar do meu corpo estar tremendo, eu sabia que essa tinha sido a batalha mais fácil. Eu me preparava para a segunda etapa. CAPÍTULO 19 Talía Dardan
Eu escutei as vozes antes mesmo que todos aqueles homens
imponentes entrassem no escritório de Aleksander. Escritório que agora era meu, assim como tudo naquela casa e naquela cidade. Meus pés estavam calçados por Jimmy Choo e pousavam em cima da mesa. Quando o Prez e o VP dos Devils Dragons MC entraram no escritório, pararam ao me ver na cadeira de Alek. Em seguida, Yuri Ivanov, Vicenzo Capello, vulgo “olhos mortos”, e Eduardo Santorelli entraram e tiveram a mesma reação. Papai e Giovanni vieram em minha direção, com os olhos espantados. — Bambina, precisa de alguma coisa? — Eu permaneci sentada, apenas olhando para alguns dos homens mais poderosos dos Estados Unidos, ali, me olhando como se eu fosse algum problema. — Quero falar — Olhei para Eduardo — E dessa vez, serei ouvida. Se ele ficou surpreso com meu direcionamento, não demonstrou. Se aproximou e apenas disse: — Primeiro, quero que saiba que sentimos muito por tudo. — Eu agradeço. Mas não é sobre isso. — Eu não queria entrar nesse mérito e começar a chorar. Hoje, exatamente aqui e agora, minha vida seria decidida. E dessa vez, seria por mim. — Então nos diga de uma vez o que quer. Olhei para Storm, que sempre achei um ogro mal educado e me levantei, tentando ficar no mesmo patamar que todos eles. Com uma confiança que não tinha, cruzei as mãos em minha frente e comecei. — Primeiro gostaria de me desculpar por não ter recebido vocês pessoalmente, devido às… Circunstâncias. Espero que estejam bem e confortáveis em minha casa. Segundo, gostaria de agradecer por estarem aqui, e por demonstrarem lealdade a Aleksander — Minha voz embargou ao dizer as palavras que seguiram, mas me mantive firme. — Ele teria a mesma lealdade com qualquer um de vocês. Todos assentiram e eu limpei a garganta para continuar. — Eu quero dizer que vou ficar em Boston. Essa é a minha casa. Meu pai foi o primeiro a protestar. — De jeito nenhum! Você volta com a sua família! — Esbravejou com a severidade que quase nunca dirigia a mim. Eu não pisquei. Sequer pestanejei. Já esperava por algo assim. — Eu vou ficar. Não estou pedindo permissão, papai. Até hoje eu fiz exatamente o que quiseram, porque eu sei da importância da Aliança para todos nós. Eu sofri dois atentados e estou aqui, viva. — Me virei para a cadeira — Essa cadeira é minha, assim como essa casa, essa cidade e esse território. — E o que você vai fazer com tudo isso? Você vai ser médica, Talía! — Giovanni disse com deboche. — Você só pode ter enlouquecido. — Meu pai disse e passou a andar pelo escritório, inquieto. Me senti pequena diante das palavras de Giovanni e papai. Os outros apenas acompanhavam a discussão. Talvez pelo momento, pela situação, nenhuma piadinha foi feita. Meu marido estava morto, era o que todo mundo acreditava, não era o momento para ser engraçado ou rir da situação. — Enquanto não houver um corpo, não há como provar que Aleksander está morto. Eu vou ficar aqui e cuidar do que me pertence. Papai protestava, Giovanni balançava a cabeça, indignado. Mas eu não cederia. Nesse momento, Eduardo se aproximou um passo. A esposa dele era sua Capitã-Mor, ela liderava os ataques e a defesa da Cosa Nostra. Yuri era casado com sua principal executora, Isabella, ou Annabelle, como meu primo a chamava. E Milena poderia atirar dormindo em um homem, o que me fazia questionar a indignação de Giovanni. Contudo, eu sabia sobre o que era tudo isso. Eu seria a Chefe. Não subordinada, eu seria um deles. Eu decidiria com eles, teria uma cadeira ao lado deles. — Não vou para Nova Iorque esperar até o corpo de meu marido ser encontrado para vocês me casarem novamente pelo melhor lance. — Falei para o meu pai em um tom de mágoa que não queria dizer. — Olhe o respeito, Talía. — Eu fico. — Disse e olhei para todos. — Os irlandeses aceitariam? — Eduardo perguntou. — Você não pode estar considerando essa loucura! — Giovanni gritou. — Se vocês me apoiarem, eles também apoiarão. — E o que você entende sobre lavagem de dinheiro, tráfico de armas, drogas e morte, Talía? — Meu pai questionou, vermelho. — Eu aprendo. Giovanni se afastou com as mãos na cabeça. Meu pai então disse com a voz quase pesarosa. — Essa vida não é para você. O tanto que eu tentei te proteger do horror de tudo isso. — Eu nunca pedi para ser protegida. Estou aqui pela vontade de todos vocês e não vou embora. O silêncio tomou a sala. Se eu queria tudo isso? Não, eu não queria. Eu queria que Aleksander cuidasse da parte mais difícil e que eu ficasse com o lado político, assim como vinha sendo. Mas se eu precisasse fazer os dois, eu faria. Por mim. Por ele. Por nós. — Certo, Talía. Alguém terá que ficar com você aqui por um tempo, até as coisas se normalizarem. As buscas por Aleksander continuarão. Mais uma pontada no peito. — Obrigada, Eduardo. — Eu fico com ela— Meu pai se dispôs, e eu fiquei grata. — Enzo, eu preciso de você em seu território. O cartel tem batido em cima da Nova Inglaterra e eu não vou perder um centímetro para aqueles filhos da puta. Giovanni está fora de questão. Milena está muito grávida e com a pressão arterial alterada. Ele não seria de muita serventia. — Então você sugere o que? Jogá-la aos tubarões? — Giovanni gritou e Eduardo ignorou o tom de seu consigliere, que apesar de seu subordinado, também era seu melhor amigo. — Eu fico com ela. Todos olharam para Vicenzo. O homem nunca falava e tinha um olhar sinistro. Eu não sabia o que sentir sobre a sua proposta em me ensinar o lado tóxico do negócio, mas me calei. — Tenho dois irmãos que podem cuidar da Darkness enquanto eu estiver aqui. Eu a ensinarei o que ela precisa saber. — Por quê? — Giovanni perguntou em tom acusador. — Porque eu quero. — Ele disse simplesmente, me encarando com aqueles olhos negros e que me fizeram arrepiar. — Eu não confio em você. — Giovanni disse e eu queria dizer o mesmo. — Ninguém confia em ninguém, Maceratta. Isso aqui são apenas negócios. — Ele disse, simplesmente. — Basta, não chegaremos a lugar algum com essa discussão. Vicenzo fica com Talía e as buscas por Dardan continuam. — Shield disse, por fim. Aliviada, esperei que todos se retirassem, sentindo certo respeito por parte da maioria daqueles homens. Papai e Giovanni continuaram no escritório e quando a porta finalmente se fechou eu me sentei, exausta. — Eu espero que você saiba o que está fazendo, Talía. Uma vez que você entra nesse mundo, nunca mais é a mesma. — Giovanni disse com expressão derrotada Eu o olhei e encostei a cabeça na parte de trás da cadeira. — Você acha que há alguma possibilidade de eu continuar sendo a mesma? CAPÍTULO 20 Talía Dardan
O sol se punha enquanto eu olhava o jardim da minha casa. As
flores estavam desabrochando, pois era primavera, e a primavera em Boston era a melhor época do ano para mim. Agora, depois de passar pelas quatro estações na cidade que me pertencia, eu poderia ser capaz de escolher a estação que mais me agradava. Não tinha um dia em que eu estivesse em casa e que eu não visse o sol se pôr. Ver o sol se pôr diante de um jardim tão lindo me fazia… Neguei com a cabeça, na esperança de limitar meus pensamentos, não poderia ir por esse caminho, não poderia. Novamente não. Seis meses já tinham se passado e eu tinha algo que estava acima de tudo o que tinha acontecido. Eu tinha um pedaço de Aleksander dentro de mim. E contra todos os protestos, o que poderia ser uma condição feminina a atrapalhar meu processo de conquista, foi a minha maior motivação. A linhagem Dardan continuaria no poder e em três meses, Sean Aleksander Dardan nasceria. A minha missão era manter o império crescendo para que ele o herdasse. Alisei minha barriga arredondada, e, na perna, um coldre com uma arma roçou a minha mão, quando a abaixei. Não era fácil liderar, sendo uma mulher, mas a minha gestação devolveu parte da esperança aos irlandeses. Era como se, com o filho de Alek em meu ventre, a minha posição frente à organização se solidificasse. Graças ao apoio da Aliança e a mim mesma, eu tinha conquistado o respeito de quase todos os homens. Os que não me respeitavam pagavam com a vida, eu não me importava. Essa foi a primeira lição que Vicenzo me ensinou. Conquiste a lealdade pelo respeito ou pela morte. — Tem certeza de que vai autorizar esse ataque? Olhei para o meu ex-reitor, que se aproximava de mim. Eu já não me sentia tão mal diante de seu olhar. Eles ainda eram de causar arrepios, mas Vicenzo nunca se comportou como se fosse um perigo para mim. Ele também não me ofereceu nenhuma facilidade por eu ser mulher ou estar grávida. Ele ficou dois meses comigo, me ensinando o básico do funcionamento da organização e depois voltava quinzenalmente para ver como eu estava me saindo. Satisfeito, passou a vir mensalmente. Não foi fácil, principalmente nos três primeiros meses onde eu passava mal todas as manhãs, contudo, nunca deixei que minha condição fosse vista como uma fraqueza, porque ela nunca foi. Minha condição era o meu trunfo. — Por que você acha que eu não autorizaria? Eu achei o covil dos ucranianos e eles não são bem-vindos em minha cidade — Olhei para o jardim. — E eu quero o chefe deles vivo. Vi a ponta de orgulho nos olhos de Vicenzo. Ele havia me ensinado o básico, a parte dura e fria do negócio veio com tudo o que aconteceu. Aleksander sacrificou sua vida por mim e eu sacrifiquei meus próprios valores por ele. Eu poderia ainda não ter empunhado uma arma e matado alguém, embora soubesse como fazer, mas eu decidi, mandei, autorizei cada morte da máfia em Boston. Eu fui a cada cassino, casa noturna e conheci o lado sombrio do mundo em que nasci. Eu também fui a eventos e sorri e agradeci a cada condolência pela minha perda. Para que eu pudesse encontrar algum sentido em minha vida, eu matei qualquer esperança de encontrar Aleksander com vida. Esse sentido veio na forma de Sean Aleksander. E era por ele que eu não chorava e nem lamentava qualquer decisão podre que tivesse que tomar. — Você é a Chefe aqui. Como você quiser, assim será — Ele disse e saiu. Eu não acompanhava os ataques. A ação era comandada por Kael, mas a decisão era minha. Ninguém estava muito contente em explodir um prédio onde poderia haver civis, além dos ucranianos, mas o que eu aprendi até aqui foi que efeitos colaterais ocorriam, e eu não cederia nessa última ordem. Não depois de toda a dor que os ucranianos infringiram a mim. Eles pagariam com a vida.
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— Senhora, o ataque foi realizado. O chefe dos ucranianos foi identificado como Ruslan Yaroslav. Ele está no galpão norte… — Estou indo. — O manteremos vivo até você chegar. — Okay. Eu já estava pronta, assim como Vicenzo, que iria embora no dia seguinte e só voltaria se eu solicitasse. O que dificilmente aconteceria. Até ele reconhecia que eu estava pronta. Todo o caminho para o galpão foi feito em silêncio e até aquele momento eu não entendia o valor de uma vingança. O sabor de colocar meus inimigos de joelhos. Chegamos ao local não muito distante da casa e, sem pestanejar, entrei no galpão, tendo o caminho aberto para a minha passagem. O homem que estava no centro estava muito machucado e ferido por uma bala no ombro. Ele deu um gemido quando me viu entrar e então começou a rir. — Aprenderam com os italianos a ser comandados por mulheres? Eu não precisei abrir minha boca. Apenas olhei para Kael que, em minha frente, com um alicate, arrancou um dos dentes podres do homem. Eu não pisquei, parte por ter visto coisas piores nos últimos meses. Vicenzo me fez assistir a inúmeras sessões de tortura, mesmo que na primeira vez eu tenha saído do recinto correndo e com náuseas. E, parte, porque aquela parte dentro de mim, que me permitia sentir remorso e pena, estava profundamente adormecida, talvez morta para sempre. Eu já não tinha paciência para escutar piadinhas por eu ser mulher. Eu estava naquela condição por causa dele, daquele ucraniano infeliz. O homem gritou e passou a xingar e esbravejar em sua língua nativa. Os olhos pousaram em mim com ódio e eu dei sinal para que Kael parasse. Eu queria ouvir o que o homem tinha a dizer. Vicenzo, sempre mais silencioso, como uma raposa, apenas observava de seu lugar. Antes que o homem falasse, ele deu um passo à frente e me pediu permissão com o olhar. — Aleksander Dardan. O nome foi como uma faca torcendo em meu peito. — Sua puta! Eu teria perseguido naquela noite se soubesse que você seria essa pedra em nosso caminho. Sorri friamente. — Eu não sou uma simples pedra no seu caminho. Eu sou a pedra que te vai te esmagar. E se você não começar a falar agora, irei atrás de tudo o que você nutre afeto, aqui ou em qualquer lugar do mundo. E vou matá-los. Talvez fosse pelo meu tom que, mesmo educado, não escondia a minha coragem de cumprir a promessa, mas o homem apenas me encarou por alguns segundos. — Mostre que na Ucrânia existe um mínimo de inteligência e nos diga logo o que queremos saber. Onde está Aleksander Dardan? Como você pode ver, Temos uma mulher grávida aqui, e você sabe o que dizem sobre as grávidas? — Vicenzo sorriu de um jeito macabro — Hormônios incontroláveis, então tome cuidado antes que ela simplesmente mande te matar. — Obrigada, Vicenzo. Realmente, estou ficando mais e mais aborrecida. — Respondi entediada, entrando no jogo psicológico de Vicenzo — Você entra em minha cidade, usufrui de nosso território sem permissão, mata meus homens, mata o meu marido e acha que simplesmente iríamos te deixar ficar? Me aproximei do homem — Eu te cacei, silenciosamente, em cada canto de Boston, e sim, eu te achei no lugar onde você merece estar, um bueiro como o rato que você é. E você vai morrer como merece. Me diga, como é a sensação de ter algo que você valoriza, destruído? — Sorri friamente — Não, não me responda. Porque eu não me importo. Me afastei novamente. — Vocês nunca deveriam ter saído da Ucrânia. Eu comecei a me afastar, pois sabia que dificilmente restara um único ucraniano em Boston. Não restou porque os caçamos como animais nos últimos meses, sem misericórdia. Contudo, antes que eu virasse de costas, escutei a voz de Ruslan. — Eu não me importo de morrer sabendo que arranquei de Dardan cada segredo, depois de tanta tortura. Tirei também tudo que ele ama e a chance de saber que seria pai. As palavras de Ruslan me fizeram parar e Vicenzo me repreendeu com o olhar. Ele estava me provocando e estava conseguindo. Eu tentei manter a fachada, mas era tão difícil ser forte o tempo todo. Contudo, foram as próximas palavras que fizeram com que eu perdesse o chão sob meus pés. — E ele nunca sairá do buraco onde está. Nunca. Morrer seria muito pouco para ele. Morrer seria muito pouco. Morrer. Morto. Ele não estava morto. Ele estava vivo? Minha mão foi para minha boca, o coração batendo desesperadamente no peito. Ele estava vivo? Ele poderia estar vivo? Me virei como um furacão e cheguei bem no rosto torcido de dor de Ruslan. Eu peguei o primeiro instrumento de tortura que estava à vista, mesmo sujo de seu sangue imundo e falei, rosto no rosto, pouco me importando com a demonstração de emoção. — Aleksander está vivo?! ME DIGA, SEU FILHO DA PUTA! ONDE ESTÁ O MEU MARIDO?! O homem riu de prazer apesar de toda a dor que lhe infligiram, e eu daria qualquer sabor a ele desde que me falasse onde estava meu marido. — Ele respira. Está em um buraco como a ratazana que você me acusou há pouco. E nunca sairá de lá. Vicenzo já estava ao meu lado, escutando atentamente. O primeiro sentimento que me tocou foi raiva, uma raiva que não foi contida quando levantei o braço para lançar a faca no homem. Mas Vicenzo segurou minha mão e disse em meu ouvido. — Eu sei o quanto quer fazer isso, e você é a Chefe, se quiser torturá-lo aqui e agora, você pode torturar. Você pode fazer o que quiser, mas pela primeira vez em meses temos algo concreto sobre Aleksander. Nós vamos matar Ruslan, você pode ter certeza, mas antes precisamos tirar toda a informação dele. Eu não queria parar. Queria estripar o homem em minha frente com minhas próprias mãos. Mas sabia, em meu íntimo, que Vicenzo estava certo. Eu tinha que ser fria. Baixei o braço com calma e me senti exausta. Olhei para os homens que esperavam uma palavra minha para saber o que fazer. — Arranquem toda a informação dele — Olhei para Vicenzo e Kael — Quero uma reunião com a Aliança. O sentimento que me tomou ao sair do galpão e ir para o carro foi um que eu não me permiti sentir nos últimos meses. Um que eu neguei, porque era mais fácil ocupar a cabeça olhar para o que restou de nós tendo a certeza de que nada voltaria a ser como antes. E agora… Agora eu sentia o sopro de esperança.
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Não era a primeira reunião que eu participava com a Aliança, mas era a primeira que eu me sentia tão instável. Eu estava entrando no oitavo mês de gestação e poderia atribuir minha ansiedade a isso. Era oficial, Aleksander estava vivo. Eu não imaginava o que poderia ter sucedido a ele todos os meses, não, eu não me torturaria com isso. Precisava focar no que tinha solução. Encontraríamos meu marido e, quando o encontrássemos, eu pensaria em todas as formas possíveis de nos curar. A esperança crescia dentro de mim, ela simplesmente explodiu no meu peito, de forma que eu já não conseguia disfarçar. Como sempre, a reunião com a Aliança foi tensa pela grande disputa de ego e testosterona na sala, mas no fundo, todos mostraram otimismo em voltar a procurar por Aleksander. Nem que eu passasse a vida procurando, eu jamais desistiria dele. Não de novo. Ele merecia escutar por ter feito o que fez, por me salvar e ir de encontro à morte. Eu precisava brigar com ele, em seguida beijá-lo até curar seus traumas. Dizer que o amava e dizer a ele que teríamos um filho. Ficou decidido que equipes de busca de informações seriam organizadas de Boston à Ucrânia, mas que saberíamos o que teria acontecido com Aleksander. A Máfia de merda da Ucrânia seria dizimada da face da terra, junto com todos os seus descendentes. Não ficaria pedra sobre pedra e eu não lamentaria nem por um dia o massacre que estava vindo sobre eles. CAPÍTULO 21 Aleksander Dardan
Uma gota em meu rosto.
Mais uma. O inferno tem água? Eu já fui mandado para o inferno inúmeras vezes nessa merda de vida. Era a parte divertida do meu dia, quando me mandavam ao inferno porque era sempre quando eu tinha feito algo que me divertisse. E eu sempre imaginei que o inferno tinha fogo, fumaça, enxofre. Imaginava o inferno quente. Não frio. Não úmido. Mas o inferno era frio. O inferno era molhado e pegajoso. O inferno não tinha dia e nem noite. Nem tempo. Nem sentido. Ele só existia e estava ali, parado e indefinido por tanto tempo que eu não saberia dizer sobre ele, apenas existir em sua companhia. Antes que a inconsciência me levasse, eu sempre via olhos verdes. Verdes como os meus. CAPÍTULO 22 Talía Dardan
Sean Aleksander Dardan nasceu na primavera, em um dia
iluminado pelo sol, como se o dia soubesse que ele seria marcado pela chegada do maior presente que eu poderia ter. Agora, aos três meses, eu olhava para ele em seu berço, enquanto começava a balbuciar palavras sem sentido. A rotina de mãe e chefe da Máfia era uma loucura, mas eu estava conseguindo. Elana, agora com dezoito anos, vinha todos os dias para ver Sean e até mesmo Brianna se rendeu aos encantos do meu pequeno. Ele era um consolo, dentro da realidade perturbadora que estávamos vivendo todos esses meses. Mesmo devagar, já tínhamos algumas informações sobre Aleksander. Já fazia tanto tempo que eu me perguntava se era possível. Às vezes, realidade e fantasia se misturavam dentro de mim. Mesmo se fosse possível que Aleksander ainda estivesse vivo já não éramos os mesmos. Não importava. Não. Encontraríamos o caminho um para o outro, novamente. Dei mais uma olhada em Sean e beijei sua testinha enquanto ele tentava pegar uma mecha de meu cabelo solto. Mina chegou à porta, já com os olhos encantados no meu príncipe de cabelo escuro e olhos verdes. Ele era a cara de Aleksander, uma mini cópia, e tanto Mina quanto Kael eram completamente apaixonados pelo meu filho. — Já estão te aguardando, senhora. Eu assenti, e com um último olhar para Sean, saí do quarto. A reunião mais importante de minha vida aguardava minha presença para acontecer. Depois de meses e meses de angústia e procura desenfreada para saber o que de fato aconteceu com Aleksander, finalmente, tínhamos uma pista concreta. Um ano. Uma ano sem saber o que tinha ocorrido com ele, se de fato ele estivesse vivo. Eu não queria perder as esperanças. Sean tinha sido a minha âncora todo esse tempo que passou. Eu não baixei a minha cabeça em tempo algum, e tornei a rainha desse lugar, aquela que dava a última palavra em todas as situações, das mais simples às mais difíceis. Desde uma simples mudança de rota dos nossos carregamentos de drogas e armas à vida de alguém. Fiz questão de acompanhar de perto o trabalho sujo e sorrir falsamente nos eventos de caridade. Há um ano, papai me disse que esse negócio mudava nossa essência e hoje eu via que era verdade. Eu mudei. Aleksander ainda me amaria assim? Porque eu sabia, dentro de mim, que Aleksander estava vivo e que voltaria para nós. Para mim, para Sean. Controlei a emoção, pois era assim que eu me mantinha em público, controlada e fria. Mesmo que quisesse chorar, mesmo que dentro de mim esperança e escuridão ofuscassem o que um dia foi luz, eu tinha que manter a compostura. E nunca esquecer quem eu era.
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— Boa noite. Saudei os membros da Aliança e me dirigi à minha cadeira. Eduardo, Giovanni, Storm, Yuri e Vicenzo. Kael como o segundo no comando da Máfia Irlandesa também estava presente. Todos responderam à minha saudação, alguns com um sinal de assentimento, outros com afeto declarado. — Bom, não temos motivos para prolongar essa reunião. Temos uma informação importante para compartilhar. Graças à boa relação da Bratva com a Europa Ocidental, depois de muito tempo conseguimos a exata localização de Dardan. Yuri olhou para mim e disse suavemente. — Ele está vivo, Talía. Meu coração parou por alguns segundos. Tentei mascarar todas as emoções, como Vicenzo me ensinou, mas me levantei de súbito. Giovanni levantou também e veio para o meu lado, mas antes que ele chegasse para me segurar, eu levantei a mão na intenção de pará-lo. Sem olhar para ele, eu apenas disse em um sussurro, encarando Yuri. — Onde ele está? Todos se entreolharam por um momento. A informação somada à atitude deles me deixou enervada. — Respondam! Eu espero que estejamos compartilhando essa informação em pé de igualdade! Eu espero que vocês não tenham conversado sobre o meu marido e seu paradeiro sem a minha presença e também espero muito mais que não estejam omitindo informações de mim no intuito de me proteger. — Olhei bem para Giovanni — Eu não preciso desse tipo de proteção. — Sabemos que não precisa, Talía. Você tem nos mostrado isso dia após dia e sua força é algo a ser reconhecido. Você manteve sua casa de pé, mesmo com todas as adversidades, é uma aliada valiosa para a Aliança. Se nos preparamos para dar-lhe a informação completa não foi para protegê-la, foi porque é algo que a envolve pessoalmente Eduardo se levantou. — Se fosse Giulia no lugar do Dardan ou a companheira de qualquer um aqui, agiríamos da mesma forma. Olhei para seus olhos, digerindo suas palavras. Convencida, concordei silenciosamente. Giovanni e Eduardo se sentaram, e eu continuei de pé, dizendo por fim. — Eu agradeço o reconhecimento, embora eu não tenha feito nada para provar algo a vocês. Vicenzo demonstrou o fantasma de um sorriso e Giovanni soltou uma gargalhada leve. — Essa é minha prima. Eu revirei os olhos levemente e me sentei. — Ele está na Ucrânia. Consegui um contato dentro da organização deles e consegui informações concretas. — Yuri me olhou novamente — E uma foto. Novamente meu coração acelerou. Uma foto depois de um ano. — Quero vê-la. — Falei baixo, mas a voz saiu tremida. — Talía… — Giovanni começou, mas eu o interrompi. — Quero vê-la! — Não é bom — Yuri falou com firmeza. Eu não cedi. Precisava vê-lo. Precisava. — Não achei que seria. Yuri passou a foto por mensagem e meu celular anunciou. Sem demonstrar medo, sendo assistida por todos aqueles homens, eu abri a mensagem. De forma espontânea, minha mão foi parar sobre minha boca. Era ele. Era ele. Agradeci por estar sentada ou provavelmente minhas pernas teriam cedido. Ele estava em uma espécie de calabouço. O cabelo que eu acariciei muitas, muitas noites enquanto ele dormia, estava cumprido. O rosto não estava focado, mas eu reconheceria aquele perfil até mesmo no escuro, apenas pelo toque. Ele tinha grilhões nos braços e pernas, um chão batido, sujo, barba abaixo do pescoço. Magro e machucado. Um ano. Um ano de horrores. Meus olhos queimaram sem me importar com público, depois de um ano sendo forte, não demonstrando qualquer traço de vulnerabilidade. Nem quando estive grávida. Nem quando vi homens morrerem em minha frente. Nem quando civis pagaram com a vida devido ao efeito colateral do nosso negócio. Nem quando vi meu filho pela primeira vez. Mas ali, olhando aquela imagem, alívio e dor me tomaram com tamanha força que cedi às lágrimas. E eu faria tudo novamente, da mesma forma, se fosse para chegar nesse exato momento. Dor, sofrimento, angústia. Foi tudo isso, foi mais que isso. A esperança seguida por determinação me fez levantar e encarar os homens que me assistiam, enquanto lágrimas desciam do meu rosto como chuva. A voz saiu embargada, mas eu não me importei, porque tudo o que importava era que eu tiraria Aleksander daquele buraco e mataria todos os envolvidos. Todos. — Vamos buscá-lo. — Afirmei. — Não é assim… — Storm começou a dizer. —É exatamente assim. — Olhei para Storm, grande e tatuado — Você se lembra quando a irmã de Shield foi levada pelo Cartel de Guadalajara? O grande homem fechou o rosto — Hanna Walker ficou seis meses em cativeiro e eu me lembro de todo mundo envolvido em uma missão de resgate. Me lembro de Aleksander ir pessoalmente até Guadalajara, resgatar Hanna e de quebra, resgatar Tara, que nem estava nos planos. Mas todos colaboraram e hoje Tara está com Shield e ambos têm uma linda filha juntos. Vocês não vão deixar meu marido mais tempo nesse buraco! Eu não vou admitir algo assim! — Não dissemos que vamos fazer isso, mas precisamos de planejamento. — Retrucou Storm, fazendo o desespero dentro crescer de mim. — Não fale comigo com condescendência, Storm. Isso pode funcionar em seu mundo, com as mulheres que você está acostumado a lidar. Nós vamos buscar o meu marido. — Eu disse com o desdém que tinha aprendido a usar. — Eu vou ignorar o seu tom em consideração ao momento. Storm disse e eu me levantei, irritada, ansiosa, indo em direção à janela. Eu queria gritar com todos eles, mas sabia que quanto mais emocional eu fosse, menos credibilidade conseguiria. Mas como não ser emocional? Como não ser, diante desse turbilhão de informações? Aleksander estava vivo. Olhei para onde o sol estava se pondo e iluminava o jardim, me trazendo a lembrança de Aleksander. Como se eu precisasse do jardim para me lembrar dele. Deus, ele estava vivo, quebrado, mas vivo. Eu não cruzaria os braços, nem que eu fosse lá pessoalmente e sozinha, eu iria salvá-lo. Uma urgência me tomou e eu virei para os homens novamente. — Precisamos salvá-lo. Ele está vivo agora, mas ninguém pode garantir que ele permaneça assim se demorarmos mais tempo. Eu estava quase implorando, me sentia fraca por implorar, mas eu precisava desses homens para resgatar Aleksander. — Se não me ajudarem, eu vou sozinha. — Você não fará tal coisa! — Giovanni quase gritou. Eu olhei para Giovanni, pronta para brigar, gritar, chorar e implorar se fosse necessário. Qualquer coisa que os fizessem se mexer e resgatar meu marido. — Talía está certa. Precisamos de um plano de emergência. Dardan sempre foi leal a essa Aliança, desde o início. — Eduardo disse e eu suspirei de alívio. Os homens tendiam a escutá-lo. — Então precisamos fazer isso rápido. — Vicenzo disse e eu o agradeci internamente. — Me diga o que preciso fazer e eu farei. — Eu disse determinada. — Talía, você não vai acompanhar a missão. — Giovanni começou e hoje eu estava odiando meu primo. — Você não tem esse poder sobre mim! — Não, eu não tenho, mas você ainda é minha prima e é minha obrigação te chamar para a realidade. Sabe por que Milena não me acompanha em missões? Não é apenas porque ela não quer. Sabe por que Giulia não vai nas mesmas missões que Eduardo? As chances de dar errado são sempre maiores que as chances de dar certo. Eu tenho Luigi e Valentina. Eduardo tem Pietro, Leonardo e Anita. E agora. — Ele se aproximou mais. — E agora você tem Sean. Quer uma dose de realidade? As chances de fazer um planejamento de emergência, resgatar seu marido e sair com vida são mínimas. Você precisa estar ciente disso. Eu não queria aceitar. Não queria, mas Giovanni tinha razão. Ele segurou os dois lados do meu rosto e disse, agora mais suavemente, talvez diante do desespero que meu semblante demonstrava. — Sean precisa de uma mãe forte e corajosa como você. Eu admiro tudo o que fez até aqui, mas você vai acabar sendo uma responsabilidade em campo. Você não tem treino para combate. Você tem outras habilidades que usa com maestria, mas o combate não é a sua habilidade. Você precisa estar aqui por Sean, caso as coisas deem errado. As lágrimas rolaram. Ele me abraçou e eu o abracei de volta. Um abraço que eu me neguei por tanto tempo, esquecendo a sensação do que um abraço protetor significava. Casa, lar, conforto. Deus, eu precisava. Eu tinha medo de que chorar me tornasse fraca, mas chorar… Chorar me tornava humana. CAPÍTULO 23 Aleksander Dardan
— Eu consegui mais disso na cozinha.
Olhei para Way, que analisava atentamente os arredores. O garoto ucraniano tinha por volta de doze anos e há um mês vinha diariamente me dar pelo menos duas refeições a mais do que a que me ofereciam. No início, achei que era mais uma armadilha de Mirella, que todo esse tempo não desistiu de me torturar. Ela me queria de bom grado em sua cama. Eu disse que preferia a morte. Minha decisão me fazia morrer um pouco a cada dia. Mas Way, que falava inglês como a maioria das pessoas que apareciam aqui, aparecia dia após dia, às vezes com remédios, com comida ou às vezes só para conversar. Já fazia um tempo que eu não era submetido a tortura física, como se os filhos da puta dos ucranianos houvessem esquecido que me jogaram aqui nesse buraco em formato de cela. Através de Way eu descobri que estava na Ucrânia, e que havia mais ou menos um ano que estava aqui. Eu tentei pedir um celular, mas como esperado, ele era proibido de ter acesso a porque apesar de andar livremente, ele não podia sair dessa merda de lugar. Uma vez por semana, alguém vinha recolher as fezes e jogar água no chão. Essa água escorria pela lateral, mas não lavava nunca o odor de merda e urina. Eu já tinha me conformado que a morte era o próximo passo, como desejei muitas vezes, mas desde que Way começou a aparecer, comecei a me sentir uma pessoa novamente. Ele era insistente como uma criança de doze anos, tinha uma ingenuidade que provavelmente eu nunca tive, mesmo vivendo naquele mundo de horror. Não que eu falasse muito, mas eu o escutava. Sabia que ele estava ali porque os ucranianos tinham matado seu pai. Sabia que ele era obrigado a fazer serviços pela organização e que não tinha família. Compartilhávamos o mesmo ódio pelos ucranianos. Também era verdade que, desde que Way começou a aparecer e me trazer comida, eu já não me sentia tão fraco. Tinha todo o cuidado de parecer assim quando Mirella aparecia para sua visita semanal, como ela mesma chamava. Ela aparecia com promessas e promessas. Sua doçura logo era substituída pela raiva quando eu não cedia. Ela tentou todos os tipos de horrores no decorrer do tempo, até que se convenceu que eu só a teria se realmente quisesse. Eu esperava o dia que, como os outros fizeram, ela desistisse de me tentar convencer e me deixasse morrer em paz nesse buraco. Eu acreditava que só estava vivo graças a obsessão dela. — Coma rápido antes que alguém apareça — Olhei para Way enquanto devorava a comida com as mãos e percebi que ele parecia mais ansioso que os outros dias. — Também tenho um recado para você. Fiquei alerta e olhei para o menino. Um recado para mim. Por muito tempo eu já nem me via mais como uma pessoa, e agora, esse menino, que foi meu único contato humano decente no último ano, tinha um recado para mim. Ele sorriu e disse. — Aliança. CAPÍTULO 24 Talía Dardan
— Você precisa tentar se manter calma. — Milena me disse
novamente. Ela estava no chão tentando colocar o laço no cabelo de Valentina, mas a bebê de onze meses estava revoltada com a mãe. Ela queria correr junto com Pietro e Leonardo. Luigi dormia no quarto de cima. Os gêmeos eram muito diferentes fisicamente, mas ambos tinham um temperamento terrível. Milena vivia dizendo que era carma. — Eu queria poder ir. — Eu disse por fim, me abraçando. — Eu nem imagino como você está se sentindo, mas você precisa escutar Giovanni e confiar que, mais uma vez, conseguiremos resolver a situação. Eu não tinha medo de demonstrar minhas vulnerabilidades para Milena. Ela era como uma mentora para mim, amiga, a irmã que eu não tive. Meus olhos se encheram de lágrimas e ela se levantou do chão, deixando Valentina perambular pela casa com as perninhas cheias de dobrinhas. Ela me abraçou. — Vamos pensar positivo. Eu sempre soube que você brilharia, e não estou falando pela sua beleza, mas da sua força. Falta pouco agora. — Milena, você viu… Ah, mas estão aqui — Giulia entrou e encontrou Pietro e Leonardo brincando com os brinquedos que Sean ainda não tinha idade para brincar. Ela estava com o cabelo ainda mais curto, realçando os olhos verdes claros. Mais claros que os meus, que eram de um verde escuro. Mais tranquila, ela olhou para mim com simpatia. Eduardo não acompanharia a missão, em seu lugar, Giulia iria com alguns dos melhores homens da Cosa Nostra. Atrás dela, Isabella entrou. Isabella e Yuri acompanhariam a missão e, mais uma vez, o que Giovanni disse, fez sentido. Eles não tinham filhos e nunca mencionaram a vontade de tê-los, talvez por isso, sempre que possível, iam juntos. Isso e também para aplacar a natureza assassina de Isabella. — Sairemos em trinta minutos. — Isabella disse sem sorrir ou demonstrar qualquer emoção. A executora da Bratva não era conhecida por demonstrá-las e isso nunca mudou com o passar dos anos. — Tem certeza que ficará bem? — Giulia perguntou a Milena. — Anita está adorando a cidade, já que gosta muito de Elana. A babá de Pietro e Leonardo também veio e você sabe que meus sobrinhos nunca deram trabalho algum. Giulia sorriu e pegou Valentina nos braços, que já esperneava querendo o chão. Ela tinha olhos escuros como a mãe e o cabelo cheio e negro. — Mas agora você tem dois bebezinhos para cuidar. — Disse Giulia enquanto beijava a bochechinha gorda de Valentina e a colocava de volta no chão. — Já disse para ir, despreocupada. É melhor que estejamos com toda a segurança necessária, sempre pode acontecer alguma coisa. Esse lugar está uma fortaleza. — Milena disse e se sentou no sofá, olhando para o horizonte fora da janela. Ela poderia não demonstrar, mas estava preocupada. Todos estávamos. Olhei para Isabella que espetava o dedo com a ponta de uma adaga, distraída do mundo ao seu redor e corrigi meu pensamento. Talvez nem todas estivéssemos tão preocupadas assim. Pedi licença, já que as irmãs Castelle eram de casa, e fui até onde Sean dormia. Tranquei a porta e fechei os olhos com força, eu andava emocionada demais. Embora eu não demonstrasse e mantivesse uma fachada social de segurança e otimismo, eu estava emocionada. Deus, poderia ser real? Em questão de dias, Aleksander poderia estar aqui? Em casa? Comigo e com Sean? Sean dormia. Ele era Aleksander. Ele tinha o mesmo cabelo, o mesmo rosto. Os nossos olhos. O que Aleksander diria quando visse o filho? Muitos questionamentos começaram a me massacrar, pois eu sentia medo, medo de como seria o depois. Dessa vez, o medo não me dominaria. Eu mantive a casa erguida e não era mais uma menina ingênua que tinha medo do futuro. Dessa vez, eu faria o meu futuro. Com Sean. Com Aleksander.
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Me levantei ao não conseguir dormir. Graças a todos os seres divinos, Sean era um bebê tranquilo, dormia bem a noite inteira, não teve cólicas, não chorava muito. Era quase como se soubesse que eu precisava da ajuda dele para manter as coisas em ordem. Era madrugada. Todos já tinham ido para a missão de resgate de Aleksander. Vicenzo tinha ficado na mansão, então, não foi surpresa encontrá-lo na sala, à meia luz quando me levantei no meio da noite para tomar um copo de água e respirar minha ansiedade. Ele estava ao telefone. — Onde ela está agora? — Silêncio. Eu tentei fazer o menor ruído possível para escutar quem seria “ela” — Ela está com alguém? — Mais silêncio. Quem seria essa mulher? — Não deixe que ela te perceba e me mantenha informado. — Ele desligou o telefone e disse, ainda de frente para a janela — Pode se aproximar Talía. Eu dei um pulo de surpresa. Ele se virou e não sorriu com a boca, mas eu já conseguia entender um pouco dos humores de Vicenzo, apenas pelo olhar. Olhos mortos, mas eu tinha visto um resquício de vida ali. — Como sabia que eu estava ali? — Perguntei. — Você respira como um filhote de cachorro. Ele disse seriamente, embora eu soubesse que ele estava fazendo uma piada. Ou tentando. E eu não tinha entendido a comparação, contudo, outro assunto tinha me chamado a atenção. Eu tinha tentado fazer uma aliança com a Chicago Darkness através de Elana e Vicenzo, mas ele não mostrou interesse. Eu não insisti, porque Elana também não pareceu interessada quando comentei com ela. Se dependesse de mim, ela teria a chance de ficar com alguém que realmente quisesse. — Quem é ela? — Perguntei ignorando a comparação ultrajante da minha respiração com a de um filhote de cachorro. — Ela quem? — A pobre moça que você está vigiando. Ele me deu um olhar significativo. Um olhar que me dizia que ele não diria nada. Mas eu precisava me distrair, e a vida amorosa de Vicenzo era bem interessante. Ele poderia estar apaixonado? — Está apaixonado por alguém? Quem é ela, é de alguma Máfia inimiga? Que emocionante! — Falei com ares de brincadeira e dei risada. Ele me olhou em silêncio e eu continuei. — De Chicago? Alguma garota comum? — Continuei especulando, mas a expressão neutra de Vicenzo não demonstrava nada. — Me conta, quem é a garota que fez o até mesmo o inexistente coração de Vicenzo se apaixonar? Sua resposta me calou de súbito. — Eu não me apaixono. Eu pego o que eu quero. Vi então que uma revista de moda, a revista que Milena estava folheando mais cedo, estava nas mãos de Vicenzo. Ele olhou mais uma vez a revista quase com hesitação, especificamente a capa, e a colocou sobre a mesa de centro. Com uma saudação de boa noite, ele saiu. Assim que escutei seus passos sumindo escada acima, eu peguei a revista. A capa era de uma modelo que eu seguia nas redes sociais, muito bonita e carismática. Melissa Turner. Não consegui fazer conexão alguma entre eles, embora fosse difícil acreditar que Vicenzo, que só usava preto, gostasse de seguir tendências de moda. A leveza do momento se foi com a resposta de Vicenzo e sua saída do ambiente e eu coloquei a revista de volta no lugar. Eu queria ligar para Giovanni, para Giulia. Queria saber como eles fariam o resgate de Aleksander, queria participar de alguma forma. No momento, só me restava ser otimista. Sorri, apesar de tudo. Aleksander voltaria para casa. CAPÍTULO 25 Giovanni Maceratta
Missões perigosas sempre foram parte da minha vida.
Em grande escala, essa era a missão mais perigosa de todas, desde o resgate de Hanna Walker, há pouco menos de dois anos. E essa também era a mais complexa. E o mais importante, eu estava sentindo na pele, pela primeira vez, medo de não conseguir voltar para casa, para Luigi, Valentina e Milena. Por outro lado, tinha minha prima Talía, que vinha sendo tudo desde que Aleksander se sacrificou por ela. E eu sentia que devia a eles a oportunidade de se tornarem uma família completa. De alguma forma, o desajustado do Aleksander conseguiu entrar no coração de Talía, Eu a conhecia, sabia que por trás de toda aquela frieza, havia um coração destroçado pelos fatos da vida. E Dardan jamais se sacrificaria se não a amasse. Eu faria de tudo para que ambos tivessem a oportunidade de vivenciar o que eu e Milena tínhamos, um amor que sobrevivia às dificuldades. — Não fique com essa cara de boceta, Giovanni. — Shield se sentou ao meu lado na aeronave — Ela não combina com você. — Cale a boca — Eu resmunguei ao homem, mas acabei sorrindo. O meu sorriso e o dele não chegaram aos olhos, porque sabíamos dos riscos que estávamos correndo. Como eu tinha mulher e filhos, Shield também tinha. Ele e Tara tinham uma filhinha, Alicia, e pelo pouco que eu sabia, Tara não poderia mais ter filhos. Na aeronave, um clima pesado pairava no ambiente, então, com um olhar, fui atormentar a única pessoa que não parecia se importar com o clima ruim. — Annabelle, sabe me informar quando sai o quarto filme da sua saga? Isabella tirou os olhos da adaga que alisava e os parou em mim, gelados. A adaga tinha uma pedra azul turquesa na ponta, exatamente da cor dos seus olhos. Eu poderia jurar que foi Yuri quem deu a ela. Fazia dias que ela vinha obcecada com aquela adaga. — A adaga faz parte do figurino? — Falei e sorri. Ela olhou para a adaga e então para mim. Eu sorri mais. — Milena não te perdoaria — Falei sorrindo e Giulia deu um bufo, contendo a risada. — Ela iria superar. Yuri beijou a testa da pequena bailarina assassina. — Ele só quer te importunar. Não dê atenção. Os olhos dela suavizaram como raramente acontecia enquanto recebia o carinho de Yuri. Eu teria medo de dormir ao lado dela à noite. Meu medo se confirmou quando, de súbito, ela jogou a adaga, que parou em minha poltrona. Exatamente ao lado da minha orelha. Todos se assustaram, Storm inclusive se pôs de pé, mas eu caí na gargalhada. Isabella era perigosa, mas eu sabia que no fundo daquele coração de gelo, havia certo amor fraterno por mim. Shield riu, bem como Giulia, que já estava acostumada com nossas interações. Isabella sorriu sem vontade. — Um dia eu o acerto por acidente. — Não querida, você é boa demais para isso. Todos voltaram a rir e Isabella apenas revirou os olhos, rindo também.
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— E o seu contato? — Disse que hoje era o melhor dia para atacar. Mas disse que não estaria lá, está viajando em alguma missão de merda. Ele garantiu que até ontem, Aleksander estava nesse endereço e que ninguém desconfia de nossa missão. — Temos quanto tempo? — Giulia perguntou e Yuri. — No máximo uma hora. Me garantiram que nenhuma autoridade policial local chegará ao lugar nesse período. É o tempo que temos para resgatar Aleksander. — São confiáveis? — Storm perguntou. — Vamos torcer para que sim. — Yuri disse olhando para frente. Os riscos eram inúmeros. Nunca tivemos nenhum negócio desse lado do mundo. Nossos homens estavam indo para uma guerra aberta em um local periférico, mas não tão isolado, no leste da Ucrânia. Yuri negociou um tempo com as autoridades locais, mas eram pessoas desconhecidas. Eles pediram muito dinheiro, mas o dinheiro não foi um problema. Em uma situação típica, jamais entraríamos em uma missão assim, sem um planejamento mais seguro, entretanto, Aleksander era um dos nossos. Mais que isso, ele estava naquela situação por salvar minha prima. Enquanto os carros seguiam para onde Aleksander estava, meu peito se agitou. Havia tanto em jogo. Tanto a perder. Mas esse era o preço da vida na Máfia. Olhei meu celular e me deparei com uma foto de Milena com os gêmeos, na maternidade. Eram a razão de cada respiração minha e por eles, eu voltaria em segurança. De longe, vimos o local. Era uma mansão muito antiga, e muito óbvia. Uma mansão no meio de um monte de casas simples era fácil identificar. Iríamos atacar de frente, de surpresa. Assim que os jipes passaram pelas casas, muitos civis correram e fecharam suas portas. Eram incontáveis carros se aproximando para um massacre. O carro onde estavam os Devils parou e eles desceram, já derrubando o portão com uma bomba. Nossa chegada certamente foi anunciada após isso, e os homens posicionados no teto da mansão passaram a atirar em nossa direção. Lembrei da minha esposa e se ela estivesse aqui, certamente esses homens cairiam um por um em questão de segundos. Contudo, os homens dos Devils estavam dando conta, cobrindo a nossa entrada. Descemos do carro e Giulia já estava revidando os tiros, assim como Isabella. Elas não eram como Milena, mas ambas sabiam como usar uma arma de fogo. Os tiros pararam por alguns segundos e percebemos que a área interna da mansão era muito maior do que aparentava. Eles não estavam preparados para um ataque dessa magnitude, então não tiveram tempo para se preparar. Nossos homens, sincronizados, como se pertencessem à mesma família, atiraram em todos que representassem uma ameaça. Era um verdadeiro banho de sangue. Giulia, agora na luta corpo a corpo, derrubava e nocauteava os homens em seu caminho, um por um. Assim como Isabella dava o seu próprio show de adagas. Ambas deixando todos os homens surpresos com suas habilidades. Entramos no saguão de entrada e em uma sala, com várias mulheres e crianças no chão, já com as mãos na cabeça. — No chão, no chão e não serão machucados! — Um homem de Dardan gritou. Se eles entenderam eu não saberia dizer, mas fizeram o que o homem pediu. Casa à dentro, nossos homens entraram até dominar o local, em questão de dez minutos. Olhei para Yuri e apontei para o relógio. A essa hora toda a comunidade teria escutado os tiros, provavelmente já teriam avisado a polícia local. Precisávamos focar e nos apressar. — Trinta minutos! — Yuri gritou. Um dos homens dos Devils trouxe dois ucranianos como prisioneiros e Isabella tirou uma adaga, sem que precisássemos chamar. Um dos homens nos olhou com ódio, enquanto o outro não se atrevia a olhar para cima. — Onde está Aleksander Dardan — Perguntei ao que nos olhava. — No inferno. — O homem respondeu e cuspiu em um inglês forçado. — Vou te perguntar somente mais uma vez, você não vai gostar do que vai acontecer em seguida. Onde está Dardan? — No. Inferno. — O homem voltou a responder e eu revirei os olhos. Sempre a mesma coisa. — Isabella! — Gritei. Isabella andou em direção ao homem, sorrindo como um anjo loiro vestido de negro dos pés à cabeça. Ela levantou uma de suas adagas, quando ouvimos uma voz trêmula e infantil: — Eu levo vocês até ele. — Eu dei sinal para que Isabella parasse e ela revirou os olhos com irritação. Eu olhei para o local de onde vinha a voz e vi um garoto de dez, doze anos. Franzino, magro, olhos muito assustados. Uma das mulheres tentou fazê-lo se abaixar, mas eu fiz sinal para ela. Giulia se aproximou, mais maternal que eu. — Venha até aqui — Ela pediu e o menino foi, incerto. — Como é o seu nome? — Wa… Way, senhora. — Estamos procurando por nosso amigo, o nome dele é Aleksander Dardan. Ele veio para cá como um prisioneiro. Você o conhece? O garoto, sentindo-se mais seguro com Giulia, respondeu que sim com a cabeça. — Pode nos levar até lá? Novamente o menino respondeu com a cabeça. — Traidor! Lixo! — Alguém gritou. Percebi então que a maioria ali falava nosso idioma, embora tivessem um sotaque carregado. Era estranho, porém já tinha ouvido falar que muitas organizações quando começavam a se expandir internacionalmente aprendiam o inglês. Filhos da puta de merda. — Espero que não esteja nos fazendo perder tempo, moleque, ou seu destino será pior que o de todos esses aqui no chão! — Storm esbravejou. Giulia, mais simpática, tratou de acalmar o pobre garoto. — Por favor, querido, nos leve até ele. Sabíamos, pela foto que conseguimos pelo contato ucraniano, que Aleksander não estava em um quarto. Se o garoto estivesse mentindo, teríamos que vasculhar o local, revirá-lo de cima a baixo e sair de lá com Aleksander. Mais que depressa, eu, Storm e Giulia seguimos o garoto, com mais dois soldados. O menino correu por um corredor até uma escada. A escada dava para uma espécie de calabouço escondido que jamais encontraríamos sozinhos. Descemos as escadas até sermos saudados por um odor terrível. O corredor era tenebroso, com celas tão pequenas que provavelmente um adulto grande não conseguiria ficar em pé. Todas as celas estavam vazias, exceto uma. Giulia foi à frente com o garoto até que ambos pararam em frente à cela ocupada. O olhar de Giulia foi solidário, e eu conhecia a Castelle mais velha o suficiente para saber que não era algo bonito de ver. E realmente não era. As condições em que encontramos Aleksander foram as piores possíveis. Ele parecia um animal, enjaulado e preso por grilhões nos braços e pernas. Emaciado, embora quando seus olhos se abriram para nós, estivessem atentos. Verdes e espertos, por baixo de todo aquele cabelo e sujeira. Sejam quais fossem os horrores que Aleksander passou no decorrer do ano, ele não o quebrou por completo. Internamente agradeci por não vê-lo totalmente entregue, pois o filho da puta teria que estar inteiro por Talía e Sean. Uma sombra de sarcasmo passou em seus olhos quando me reconheceu, e eu me emocionei, porque eu vi o velho Aleksander ali. Eu soube, ali, que ele ficaria bem. — Talía… — Ele balbuciou em uma voz irreconhecível. — Vamos te levar para casa, homem. CAPÍTULO 26 Talía Dardan
— Eles estão na Rússia.
Meu coração saltou no peito. Desde que recebi a mensagem de Giovanni afirmando que estava tudo bem, que conseguiram resgatar Aleksander, eu tinha surtado. Não conseguia fazer nada. Ninguém atendia minhas ligações, ninguém falava comigo. Agora, Milena me dizia que estavam na Rússia. Não veio para os Estados Unidos, estavam na Rússia. — Como assim na Rússia?! Porque na Rússia?! E por que ninguém fala comigo?! — Falei gritando. Eu estava eufórica e ao mesmo tempo decepcionada. — Se acalme, o pior já passou. Olhei para Milena, segurando o choro. Nada dessa situação era justa comigo. — Falou com seu marido depois da missão suicida dele? — Ela fez que sim e eu não a deixei falar, continuando — Então se coloque em meu lugar. Passei seis meses achando que meu marido estava morto. Seis meses depois o procurando, na esperança de que ele continuasse vivo. Você não tem ideia de tudo o que eu passei ou como me senti! — Parei em frente a ela — Eu preciso vê- lo. E eu vou! — Me virei dando de cara com Vicenzo. — Você falou com ele, não é? Todos vocês conseguem falar, menos eu. O que diabos está acontecendo? Ele morreu no processo e vocês não querem me contar, com medo da minha reação? — Ele está em um hospital na Rússia, Talía. Graças à influência de Yuri, ele está sendo tratado na Rússia, pois estava muito debilitado. — Milena disse atrás de mim enquanto meus olhos estavam em Vicenzo, parado em minha frente. — Estou indo para a Rússia. — Isto é uma loucura e você sabe disso. — Vicenzo argumentou, mas eu não me importei. Talvez eu finalmente estivesse louca. — Sabe o que é loucura? Loucura é ninguém me dizer nada. Não estou pedindo permissão, eu estou indo para a Rússia. — Eles fizeram um verdadeiro massacre na região, não é seguro, Talía. — Milena tentou novamente. — Não me interessa. Kael! — Gritei, e na urgência, gritei novamente — Kael, você está no comando até que eu volte. — Senhora? — Kael apareceu correndo na porta e respondeu incerto. Eu me virei para ele. — Estou indo buscar meu marido — Me virei para Vicenzo e Milena — Eu e alguns homens. Sozinha.
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O caos me aguardava assim que desembarquei na Rússia. Deixei Elana me acompanhar, pois eu ainda era a Chefe da organização e não precisava de permissão. Loucura? Sim. Exigi silêncio de Kael, Vicenzo e Milena. Liguei para Isabella e ela me passou o endereço de sua mansão em Moscou. Fui chamada de irracional, mas quem poderia me culpar? Precisava vê-lo. Precisava gritar com ele por ter feito o que fez. Precisava dizer que o amava. Precisava aproveitar cada minuto ao seu lado, para compensar o que perdemos. Precisava contar sobre Sean, precisava viver tudo o que antes parecia apenas um sonho. A ansiedade me tomou e Elana segurou minha mão. — Até mamãe já se rendeu a você, Talía. Você é forte. Não quero pensar nos horrores que Aleksander passou, só acredito que vocês merecem essa oportunidade de viver esse amor. — Ela olhou para Sean no bebê conforto — Sean merece uma família. Olhei para fora, as ruas da cidade. Nevava e estava frio, muito mais que em Boston nesta época do ano, mas era uma linda cidade. Eu fechei os olhos e mentalizei que estava a minutos de ver Aleksander. Eu queria rir e gritar e chorar, tudo ao mesmo tempo. No entanto, apenas fechei os olhos e respirei profundamente.
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Não foi uma surpresa que a mansão russa dos Ivanov fosse enorme e imponente. E não foi uma surpresa que Isabella abrisse a porta quando eu toquei a campainha. Ela me deu um sorriso e um abraço rápido. Fez o mesmo com Elana e nos deu passagem. Eu teria tempo para me deslumbrar com o interior da casa depois, pois a ansiedade me tomava agora. Nesse momento. Entrei com o meu bando de seguranças, Elana e a babá de Sean atrás de mim. Olhei para Giulia, Giovanni, Storm e Shield. Pelo olhar de assombro de todos, acreditei que não me esperavam. — Mas o que… — Giovanni começou e eu o cortei. — Onde ele está? — Talía. Sente-se aqui. — Giovanni tentou novamente. Meu coração acelerou. Eu não queria esperar, não queria me sentar, eu queria ver Aleksander. No canto, perto da lareira, vi um agaroto. Um garoto de cabelos e olhos castanhos, com roupas três vezes maiores que ele. O garoto me olhava com curiosidade. Mas me surpreendeu ao se aproximar e dizer em um inglês cheio de sotaque ucraniano. — Talía? Eu ouvi muito sobre seus olhos. Eu dei um passo para trás, meu coração se encheu de raiva. Ele era apenas uma criança e eu me recriminei por isso, mas a raiva predominou. — Quem é você? — Perguntei, entredentes. — Ele é o garoto que salvou a vida do seu marido, Talía. Se não fosse por esse garoto, Alek teria morrido de fome, sede e frio. Fiquei surpresa com as palavras de Giovanni e olhei mais atentamente ao menino. Me aproximei e o olhei então para o que ele realmente era. Uma criança. — Você tem família, garoto? — Não, senhora. Me levantei. Eu ainda tinha dignidade em mim. — Agora você tem. Ele me olhou surpreso, porém eu não sorri. Não havia em mim força para isso no momento. Contudo, se esse garoto havia ajudado meu marido, eu tinha uma dívida com ele. Giovanni soltou uma risadinha sarcástica e eu me lembrei na hora dos meus motivos para estar ali. — Milena me disse que ele estava em um hospital, que hospital? Giovanni voltou a ficar sério. — Ele estava, não está mais. — Giovanni respondeu enquanto todos os outros acompanhavam a troca. Meu coração parou. — O que? Por que? — Calma. Pessoal, eu quero conversar com minha prima. Todos assentiram e saíram. Isabella e Giulia foram levar Sean e Elana, e a babá para um quarto, para descansar. Os homens foram para algum outro lugar da casa e eu não perdi o olhar de advertência de Yuri para Bella. Provavelmente ela também não havia o avisado da minha chegada. — O que aconteceu? Giovanni se sentou e colocou ambas as mãos na cabeça. O silêncio dele foi me deixando mais e mais angustiada. Ele finalmente começou a falar. — Encontramos Aleksander em uma situação perturbadora. Ele disse que queria… Um tempo. Antes de vê-la. Para se recuperar ao menos fisicamente. Enquanto Giovanni falava, ele não olhava para mim. Ele olhava para algum ponto no chão, algo que eu agradeci internamente, ou então ele veria o quanto suas palavras me feriram. Eu estava chorando, angustiada todo esse tempo e o filho da mãe não queria me ver. Eu não fui uma prioridade. — Ele sabe sobre Sean? — Eu perguntei em um fio de voz. — O direito de dizer isso é seu Talía. Todos concordaram. Eu assenti. — Onde ele está? — Perguntei sem o tom autoritário e desesperado de minutos atrás. Giovanni suspirou e disse. — Eu vou te levar até lá. Enquanto seguia Giovanni, eu estava insegura. Eu quis tanto esse momento e agora não sabia como agir, o que falar. Meus sentimentos ainda estavam fixos no fato dele preferir não me ver imediatamente. No fato dele não me procurar. Quando cheguei frente à porta de um quarto, Giovanni me deu sinal para entrar e saiu. Eu respirei fundo e abri a porta. Aleksander estava em pé, na janela e usava um roupão. Meu coração começou a acelerar no peito, desesperado. Raiva e ressentimento esquecidos no momento. Ele se virou começando a dizer algo, mas parou abruptamente ao olhar para mim. Seus olhos estavam muito abertos, assim como a boca. Ele tinha emagrecido, mas ainda era o meu Aleksander. Ele tinha os olhos fundos, mas ainda era o meu, meu, meu Aleksander. Ficamos parados olhando um para o outro. Acredito que ele conseguia ler todas as emoções em meu rosto porque o rosto dele suavizou, bem como o olhar. — Você cortou o cabelo. Ele disse. Ele reparou que meu cabelo que agora estava pouco abaixo dos ombros. Quando o respondi, minha voz estava trêmula e instável. Deus, eu estaria sonhando? — Está na moda. Ele sorriu um pouco e deu um passo em minha direção, fazendo meu coração enlouquecer, como se fosse pular para fora da minha garganta a qualquer momento. O tanto que senti falta daquele sorriso, o tanto que eu senti falta de tudo sobre ele. Duas lágrimas desceram do meu rosto. O tanto que eu queria dizer e agora não conseguia fazer nada. Nada. — Você voltou para Nova Iorque? — Ele perguntou e a minha primeira reação foi surpresa. Foi como um tapa em meu rosto. Depois, foi a raiva, a mágoa. Deus, tudo o que eu passei. Tudo. — Você não quis me ver! — Falei acusadoramente e apontei o dedo para ele — Eu fiquei todo esse tempo no inferno achando que tinha te perdido para sempre! Desde que soube que estava vivo, revirei esse mundo para te encontrar e você não queria me ver? Queria que eu… Que eu... — Comecei a chorar — Que eu esperasse? Que eu ficasse mais tempo sem você? Ele me olhou surpreso com a minha explosão, mas em seguida, com um olhar de pena. Eu coloquei ambas as mãos em meus rosto e senti minhas pernas enfraquecerem. Eu desmoronei. Olhei para ele e voltei a falar energicamente. — Eu não fui para Nova Iorque! Eu queria ter a oportunidade de te ver de novo para dizer que você foi um idiota me colocando naquele carro e se entregando aos ucranianos! Você foi um idiota e eu não vou te perdoar por isso! Eu não tinha percebido que estava me aproximando dele. Eu sei que em pouco tempo, Aleksander me tomou nos braços e tocá- lo, após tanto tempo, foi como a sensação de eletricidade em meu corpo inteiro. Quase como um curto circuito, de uma forma prazerosa, um choque, que ele foi capaz de sentir em mim como eu senti nele. Ele segurou meu cabelo, firmando meu rosto para olhá-lo nos olhos. Como ele fazia, antes de tudo. Que saudade, Deus, que saudade. Meus dedos se agarraram ao seu roupão, quase como se eu estivesse com medo, medo, medo de ser um sonho e tudo sumir, como aconteceu tantas vezes durante esse tempo. Eu estava enlouquecendo. — Talía, eu disse que morreria por você. Eu fui ao inferno e voltei. — A voz de Alek saiu embargada — Por você. Ele falou que faria, ele falou e fez. Ele quase me matou de desgosto e tristeza, mas ele fez por mim. Por Sean. Ele me amou, me amou mais que qualquer outro. Eu sempre quis um amor épico, sem saber que às vezes, os grandes amores vem recheado de grandes sacrifícios. Ele voltou a me olhar nos olhos e tudo o que vi ali foi saudade. Saudade, saudade, saudade. — Me beije… — Eu resmunguei, também emocionada. Enquanto eu sentia uma de suas mãos em minha cintura e a outra na raiz de meu cabelo, ele se aproximou mais, de forma que senti sua respiração em minha boca. Calmamente, ele tocou os lábios nos meus e o sentimento foi algo celestial, sobrenatural, que me fez chorar com aquele toque sutil. Quando abri os olhos, Aleksander tinha um semblante de cólera e angústia. Seus olhos estavam úmidos. Ele estava chorando. Eu também estava. Desesperada, o agarrei pelo pescoço em um abraço apertado. Soluçando, o apertei nos braços, sentindo seu aperto desesperado de volta. Quanta dor, angústia, desespero passamos. Foi tanto sofrimento que por alguns instantes achei que esse era mais um dos meus sonhos, onde eu o encontrava e logo em seguida acordava. O abracei mais forte, chorando ainda mais. Era real. Ele estava aqui, comigo, inteiro. Ou pelo menos o que restou dele, de mim, de nós dois. Não importava, não importava. Juntos nós conseguiríamos vencer. Ele me afastou somente para em meus olhos. O seu verde, o meu verde. Ele me beijou finalmente, com a intensidade de antes, misturando dor, alívio e lágrimas, em uma dança comandada pela saudade e esperança. Desesperadamente eu comecei a tirar as minhas roupas, o seu roupão e ele me deitou na cama quando ambos estávamos nus. O corpo dele esquentou o meu, e quando eu acariciei suas costas… Senti várias cicatrizes. Mais que depressa, Aleksander segurou minhas mãos acima da minha cabeça e me encarou. — Aleksander… — Não. Agora eu vou ter você à minha mercê, como eu venho desejando. Como eu sonhei a cada vez que perdi a consciência naquele cativeiro. Eu vou comer a sua boceta, foder a sua boca esperta e depois foder sua boceta até você não aguentar mais. Muito tempo sem disciplina, Talía — Ele se abaixou e mordeu o bico do meu peito — Eu estou de volta. Pelos céus, como eu poderia ficar molhada com tantas palavras sujas? Eu fechei os olhos, até perceber que Aleksander amarrava minhas mãos na cama com o cordão do roupão, o que me deixou ainda mais excitada. Devagar, ele desceu beijando minha barriga até encontrar meu centro. Então ele começou uma doce tortura. Toda vez que eu quase conseguia chegar ao clímax, o filho da mãe parava. Ele quase me levou à exaustão nessa brincadeira. Ainda me deixando sem gozar, ele se colocou em minha barriga. Então, se aproximando até meu peito, passou a provocar minha boca com a ponta do seu pau. Ele colocava e tirava, colocava até segurar minha cabeça com firmeza e foder minha boca como disse que faria. — Você chegou aqui muito insolente, Talía. Vou foder sua insolência para fora de você. Ele estava me deixando louca. Eu não tinha gozado, ele não tinha permitido. Logo após me provocar até me deixar à beira da insanidade, Aleksander desceu e levantou minha perna. Devagar, ele começou a me penetrar. Fazia tanto tempo, que a sensação do seu pau na minha boceta quase me fez desmaiar. — Você deu o que é meu para mais alguém, Italianinha? Eu o olhei e dei um sorriso sacana. — Você nunca vai saber. Ele me penetrou com força em resposta. Eu levantei mais o meu quadril para tê-lo mais profundamente. Ele ficou completamente dentro de mim, após algumas estocadas duras e parou. Nossos olhos se encontraram e ficamos assim, parados, toda a provocação deixada de lado. Aleksander começou a me penetrar lentamente, sem nunca desviar os olhos dos meus. Emoção sem igual me tomou porque ele estava aqui, dentro de mim, depois de tanto tempo. Ele estava comigo, e agora seria para sempre. Ele beijou minhas lágrimas enquanto estocava lentamente em mim. Em meio à emoção, o prazer foi se construindo, tão grande que eu não pude evitar dizer: — Eu te amo, Alek… Ele, ainda me penetrando com uma lentidão torturante e deliciosa, falou roucamente: — Eu morro por você Talía… Quantas vezes forem necessárias… Eu o beijei sabendo que era verdade. E também sabia que eu morreria por ele e por Sean. Juntos, alcançamos o pico do prazer, com uma intensidade que jamais imaginei possível. Finalmente, eu estava em casa. CAPÍTULO 27 Aleksander Dardan
Talía ressonava em meu peito. Era tudo tão surreal que eu
custava em acreditar não que estava sonhando. Depois de tudo, ela estava aqui na Rússia. Teimosa, eu pensei e sorri. O que seria capaz de parar Talía? Eu não perguntei sobre ela. Apenas quando Giovanni me disse que ela estava preocupada eu permiti que ele dissesse que eu estava bem. Tive medo. Pela primeira vez, algo me assustou mais do que perder Talía para a morte: perder o afeto dela. Eu tinha sumido por um ano, todos acreditavam que eu estava morto, era o que eu pensava. Eu tinha já me conformado com a morte e agora eu tinha uma dívida de vida com a Aliança. E se ela tivesse seguido a vida dela? Eu queria continuar sendo amado por Talía. Saber que ela ainda me amava mudava tudo. Quando voltei meus olhos para Talía, ela me encarava. — Não é um sonho — Ela sussurrou. — Não — Sussurrei de volta. Como ela, em alguns momentos, tive que aperta-la forte em meus braços, para ter certeza de que não era uma alucinação. Mas era ela, aqui, em meus braços. Minha esposa teimosa tinha vindo para a Rússia, porque essa era ela, conseguia o que queria, e algumas coisas não mudavam nunca. Como o meu desejo louco por ela. Como todo esse turbilhão dentro de mim, causado apenas pela visão dela. Como eu achei que poderia deixa-la viver em paz se ela tivesse seguido a vida dela? Não, eu mataria o filho da puta e a amarraria em minha cama. Para sempre. — Eu passei um inferno sem você. — Ela disse e lágrimas rolaram de seus olhos. — E você foi a minha luz no inferno. Eu a beijei, lágrimas e choro entre nós. Ela estava diferente, embora eu ainda não soubesse dizer o que era realmente. Ia além do cabelo curto. Era algo em sua forma de falar, como se ela tivesse endurecido. A coloquei embaixo do meu corpo, ainda insaciável por ela, como era antes, como sempre seria. Talía me incendiava e pelo que eu estava começando a ver, isso era outro fato que jamais mudaria. — Eu sempre fui sua, Alek. Mesmo se tivesse morto, eu jamais permitiria ser tocada por outro — Mais lágrimas — Eu sempre seria sua. A emoção ficou parada na garganta. Segurando o que eu sentia, todo aquele furacão, eu peguei sua mão e coloquei sob meu peito. — Sempre foi teu. E sempre será. Era a única verdade.
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Me levantei com cuidado, pois Talía deveria estar muito cansada da viagem. Após amar cada pedaço do seu corpo, caímos em um sono profundo. Eu estava me recuperando bem, embora dormir fosse um problema. Imagens, pesadelos, tudo se somava à insônia. O médico que me avaliou disse que eu precisaria de um tempo para me recuperar. Eu só precisava de tempo para lidar com a realidade, fosse ela qual fosse. Mas ver Talía em minha frente após tanto tempo me fez perder qualquer determinação de deixá-la em paz, se fosse o que ela quisesse. Agora já não importava, mais uma vez ficou provado que ela era minha. Apenas minha desde antes de conhecê-la. Eu mataria qualquer um que ficasse em nosso caminho. Me levantei e tomei um banho fazendo o menor barulho possível, mesmo sabendo que dificilmente Talía acordaria. Ela parecia exausta de... De tudo. Minha italianinha havia me esperado e isso já me deixava otimista. Com cuidado, desci as escadas e encontrei Elana. Ela colocou a mão sobre a boca ao me ver e então, chorando, veio em minha direção. Elana me abraçou e eu a abracei de volta. — Alek, eu achei que você estivesse morto! — Eu sei, pequena. Eu sei. Ela se afastou e eu notei que ela já era toda uma mulher. O cabelo estava nos ombros, as roupas mais adultas. Nada de meias e pijamas. O que mais poderia ter mudado? De longe, vi uma mulher e um bebê. Na sala, estavam Giulia, Shield e Storm, Yuri e Isabella. Eu ia fazer uma piada sobre Giulia ter outro bebê quando escutei passos na escada. Olhei para cima e encontrei Talía vestida no meu roupão. O bebê começou a chorar bastante e ela desceu correndo, indo direto para ele. Um sentimento que eu não soube definir começou a crescer dentro de mim. Esse bebê era dela? Ela havia seguido a vida dela, no fim das contas? Ou o bebê era de Elana? Como em um passe de mágica, assim que Talía pegou a criança no colo todos saíram da sala, e o bebê se acalmou quando ela começou a dizer palavras doces para ele. Minha mente estava bagunçada enquanto eu via Talía segurar o pequeno e bebê e vir em minha direção. Ela chorava, apesar do tom doce que usava com o bebê. Eu não conseguia entender nada, e já conseguia escutar as batidas do meu coração em meus ouvidos. Para meu desespero maior, eu não conseguia dizer nada. Nenhuma palavra saía de minha boca. Talía parou em minha frente e olhou para mim. O bebê fez o mesmo Olhos verdes. Como o de Talía. Como os meus. — O que… — Conheça Sean Aleksander Dardan — Eu queria perguntar novamente, mas minha mente estava bagunçada. Eu tinha escutado bem? Ele tinha meu nome? — Nosso filho. O pequeno bebê continuou olhando para mim da mesma forma que eu o olhava. Assustado. Sean Aleksander Dardan. Meu filho. Eu tinha um filho, um filho com Talía. Eu olhei para ela, que chorava. Eu acho que o nó em minha garganta e a queimação em meus olhos seriam um indicativo que eu choraria também, se não me controlasse. — Quando você se entregou para a morte, você não salvou apenas a mim. Você salvou seu filho também. Minha cabeça começou a girar com as informações. Eu caí de joelhos diante de Talía e meu filho. Meu filho. Escutando os soluços de Talía e a voz de bebê do meu filho, depois de um ano no inferno, talvez, naquele momento, eu tenha começado a acreditar em milagres.
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Olhei o jardim de minha mãe, sentindo naquele momento toda a gratidão que o meu coração quebrado poderia sentir. Talía tinha ido alguns metros à frente colher algumas tulipas e eu olhava Sean, em meus braços. Meu filho era a minha versão bebê, assim Mina dizia todos os dias. Uma semana tinha se passado desde que voltamos da Rússia e eu tinha sido abençoado contudo o que eu nunca me atrevi a sonhar naquele inferno. Olhei para a minha mulher e então para o meu filho. Aquela mulher que colhia flores no jardim de minha mãe, o mesmo jardim que eu cuidei minha vida inteira, manteve tudo no lugar. Ela foi mulher, mãe, chefe, e sozinha. Quando eu estava no cativeiro e imaginava Talía, eu pensava nela casada novamente, ou estudando ou em Nova Iorque com a família. Mas ela nunca desistiu de mim. Talía não desistiu, tomou as rédeas de toda a nossa desgraça e manteve a casa em ordem. Ela se corrompeu com a minha escuridão e o fato só me fez amá-la mais, de um jeito doente. Eu nunca entendi o que era esse tal amor que eu via em meus aliados. Essa entrega, renúncia e abdicação de tudo, em prol do outro. Não até o dia em que eu vi a vida de Talía em risco e tudo o que eu poderia pensar era em salvá-la. Se amar significava morrer pelo outro, eu amava Talía e Sean mais do que tudo nessa vida. E eu faria tudo novamente, iria para o inferno somente para vê-la daquela forma: colhendo tulipas em meu jardim. Ela se aproximou sorrindo e como sempre acontecia, eu não conseguia sorrir para ela. Porque o sorriso dela revirava o meu interior ao ponto da dor física. O sorriso dela também mudou. Apesar de estar feliz, nesse período que ficamos separados a ingenuidade dela morreu. Agora ela entendia do próprio mundo, dos riscos e dificuldades que um dia Sean enfrentaria. — Todos os dias em que eu estava em casa, eu vinha aqui. E ficava pensando em você, imaginando o que poderia estar acontecendo com você. — Não teve um momento de consciência que eu não me lembrei de você. Ela olhou para cima, segurando uma onda de lágrimas. — Me senti abandonada, Alek. Passei o braço pelos ombros dela. Eu tinha minha cota de demônios para controlar e Talía tinha a dela. Mas enquanto eu olhava para Sean, algo dentro de mim, aos poucos florescia. — Você foi incrível. — Eu disse enquanto beijava sua testa. Hoje ela sabia que a vida de um mafioso deixa cicatrizes internas e externas. Olhando para ela, para como ela cuidava e amava nosso filho, como ela tinha conquistado o respeito dos meus homens, eu só poderia sentir orgulho. Orgulho da mulher que me foi dada ainda aos dezoito anos e que eu nunca olhei com credibilidade. Eu viveria todos os dias para ser o melhor por ela e Sean. Eu compensaria o tempo perdido aprendendo a demonstrar o quanto eles significavam para mim. O meu mundo, a minha vida. Meu tudo.
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Naquela noite, quando Talía finalmente dormiu, eu fui até o quarto de Sean. Eu fazia isso todas as noites, apenas ficava ali olhando meu filho adormecido. Porque eu sentia que cada segundo longe dele, era um tempo precioso perdido sem vê-lo, e eu já tinha perdido tempo demais. Eu tinha medo que algo em seu rosto mudasse, ou que ele crescesse e eu não percebesse. Eu queria que ele me amasse como eu já o amava. Eu sabia que teria filhos, sempre soube que era o esperado, só não sabia que um ser tão pequeno poderia evocar tanto amor em uma pessoa. Eu me achava incapaz de amar, agora, me achava incapaz de não amar Talía e Sean. Minha vida pertencia a eles. Senti os braços ao meu redor e o perfume de Talía me invadiu. — Pesadelos? — Ela perguntou. — Não — Eu me virei para a mulher que tinha minha vida nas mãos — Obrigada. Ela me olhou confusa. — Por não desistir de mim. Por não desistir de Boston. Pelo seu amor. Por tudo que fez por Elana — Olhei para o berço — E por Sean. Minha vida é tua, Talía. — E a minha é tua. Para sempre. Eu a puxei em minha direção, mão no cabelo e cintura, porque eu não conseguia ser diferente com ela. E ela nunca se importou. Doía a sensação de que ela pudesse desviar os olhos de mim, quando eu sentia tudo, tudo por essa mulher. Talvez não fosse fácil, mas tínhamos o necessário para nos curarmos. E conquistar nossa própria versão de felicidade. CAPÍTULO 28 Talía Dardan
Hoje meu príncipe completou cinco meses.
Sean era um bebê que ficava cada dia mais esperto. Hoje eu daria uma volta no parque com Elana e Sean. Agora que Aleksander estava de volta, eu poderia me dedicar mais ao meu filho e à universidade. Antes, Aleksander me perguntou se eu gostaria de continuar à frente da organização, mas eu neguei. Eu estava feliz sendo a mãe de Sean e a esposa do chefe, embora minha opinião sempre fosse valorizada. Eu fiz o que foi necessário pelo tempo necessário. Era um fardo pesado e mesmo que eu fosse capaz, preferia ser poupada de tomar tantas decisões difíceis. Enquanto andávamos, eu via os nossos homens se posicionando para fazer a nossa segurança. Eu evitava sair de casa, mesmo sabendo que os ucranianos já não estavam em Boston ou mesmo nos Estados Unidos. Sempre poderia haver algum inimigo notório, e ainda havia o Cartel. Os rumores diziam que Suarez estava perseguindo Hanna, a irmã de Shield. Nossos aliados. O cartel já havia investido contra minha vida quando estava noiva de Aleksander, eles bem poderiam atentar novamente contra nós. Aleksander estava cada dia mais forte, nossa comunicação havia melhorado muito e todos os dias ele fazia questão de passar um tempo com Sean. Geralmente chegava antes dele dormir e o colocava na cama. O amor de Aleksander para comigo sempre foi quase agressivo, duro e direto. Mesmo quando dizia que me amava, soava como uma ameaça a qualquer um que pudesse nos separar, chegava a ser rude. Mas para Sean, ele guardava o lado doce que nunca demonstrou por ninguém. O amor de Sean estava curando Aleksander, eu sentia isso em meus ossos. À noite, depois do sexo, Aleksander ficava acordado. Ele ainda tinha dificuldade para adormecer e quando dormia, os pesadelos sempre vinham e então boa parte da noite ficávamos conversando. Ele me contou sobre Mirella e como ela o torturou para que cedesse a ficar com ela. Eu ainda tinha minha influência e havia colocado alguns homens atrás dela. — Como ela pôde trair a própria família? — Questionei em uma dessas noites difíceis de pesadelo e insônia. — Passou. — Ela precisa ser encontrada e penalizada — Olhei para Alek — Ela quase me tirou você. Quase te tirou a oportunidade de conviver com seu filho. EU nunca a perdoarei. Alek sorriu e me beijou — Minha gângster perigosa — Disse enquanto me segurava rudemente pelo cabelo e me dava uma palmada na nádega. Eu não consegui sorrir, apesar de seu lindo e raro sorriso em minha direção. Não havia muito que eu pudesse fazer em relação ao que tinha acontecido, mas eu ainda poderia me vingar. Foi graças a ela que os ucranianos conseguiram invadir minha festa e foi por causa dela que eu e Aleksander tínhamos passado pelo inferno. Aquele lado ruim que eu tive que desenvolver em meio à dor e agonia, ainda estava dentro de mim. E ela pagaria por todo o mal que trouxe sobre mim e Aleksander. — E Way? — Elana perguntou. — Está matriculado na escola, ficará lá durante a semana e virá para casa nos fins de semana. Temos uma dívida com o pequeno ucraniano e com certeza ele terá todo o apoio necessário para ter uma vida digna. Aleksander e eu já o consideramos da família. Elana sorriu e então voltou a ficar séria. Algo a incomodava, mas eu daria tempo para que ela se sentisse confortável em me dizer. — Aleksander veio falar comigo. Ele tem um arranjo para mim. Sentamos no banco da praça e eu observei Elana olhar o horizonte. Ela estava a cada dia mais linda e confiante. Brianna havia caído de vez no esquecimento e apesar de não sermos próximas, ela tinha carinho pelo meu filho. E era só por isso que a tolerei todo esse tempo e ainda a tolerava. — Você sabe que tem todo o direito de recusar, Elana. — Eu sei. — Respondeu com um suspiro — Mas eu também sei que tenho obrigações com a família. Você me inspirou e me fez ver que eu preciso de coragem, não dá para continuar me protegendo para sempre do nosso mundo. Preciso encara-lo como você fez. — E você já sabe quem é? — Já ouvi falar, não que faça alguma diferença. Sei que Aleksander jamais me daria a alguém em quem ele não confiasse. — Quem é? — O segundo no comando da Bratva. Boris Klovitz. Vi uma foto dele. Jovem e bonito. — Não o conheci, mas ouvi falar dele. É o braço direito de Yuri, disso eu sei. E que bom que ele é jovem, ele não é mais velho que eu. — Vinte e dois anos. Tão jovem e já tem tamanha responsabilidade. — Yuri foi criado na Cosa Nostra. Ele era Nero Rossi e muito cedo foi Capitão-Mor, terceiro no comando da organização. Nem ele sabia que era o herdeiro da Bratva. — Me lembro dessa história. Ele deve ter se visto quando mais novo em Boris. Eu não reclamei, poderia ser muito pior. Eu a olhei e ambas caímos na risada. Certamente Aleksander o teria investigado e uma aliança por casamento com a Bratva nos fortaleceria ainda mais. Olhamos juntas para Sean, que agora nos encarava, tendo os olhos ainda mais expressivos devido ao verde das árvores. — Ele tem os seus olhos e de Alek — Eu olhei para Elana — Eu sempre soube que se apaixonariam. Desde o seu noivado, eu soube. Os olhos de vocês são o espelho um do outro. Eu olhei de Sean para Elana. — Eu e Alek temos a nossa própria forma de amar. Eu espero que você também encontre o amor, Elana. Porque com amor, tudo fica mais suportável. Tudo. Ela sorriu e vi um pouco da fachada corajosa ceder. Ela estava com medo e eu a entendia perfeitamente. O futuro era incerto.
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Olhei para a mulher à minha frente, amarrada e machucada. Esperei por alguma onda de remorso, mas como esperado, ela não veio. Quando ela levantou os olhos, eles estavam como pratos. Mirella poderia ter simplesmente ido embora e construído uma boa vida, eu pouco me importava, mas ela foi a responsável por todo a dor que incidiu sobre minha família. Por causa de sua obsessão, toda a tragédia aconteceu. — Me mate logo, sua princesinha do inferno. Eu te espero lá. Ela disse com o lábio cortado. Olhei para Isabella, que tinha feito um excelente trabalho nos dois dias em que esteve me visitando em Boston. Desde que Mirella foi encontrada, em Tóquio e trazida para Boston, pedi o auxílio de Bella. Não existia castigo maior no mundo do que ser condenado aos cuidados da executora da Bratva. Quando Bella se aproximou, Mirella começou a chorar alto e pedir por socorro. — Me mate logo. Me mate logo, sua desgraçada. Isabella não piscou. Mirella estava muito debilitada e machucada, com cortes de todos os tamanhos e profundidades espalhados pelo corpo. A longa cabeleira avermelhada foi raspada. Seu rosto estava desfigurado, nada como a beleza ruiva que um dia foi. — A morte seria um presente para você. Kael! — Kael apareceu com mais dois homens. Mirella não tinha mais forças para sair do lugar. Kael e dois homens a pegaram e arrastaram para o final do galpão, que ficava em um terreno isolado da cidade. Eu me aproximei e pedi para que parassem um momento. Mirella resmungava a palavra “não” desesperadamente. Eu segurei seu queixo de forma que ele teve que olhar para mim e Isabella parou ao meu lado, com uma adaga na mão. — Viva nesse buraco sabendo que eu e Aleksander estamos tendo uma boa vida. A cada dois dias, alguém virá lhe trazer alguma merda para você não morrer tão rápido. Eu fiz uma aposta com Bella. Eu acho que você não dura três meses. — Eu não dou um mês. — Vocês são loucas! VOCÊS SÃO LOUCAS! — Mirella gritou. — Talvez eu esteja apostando demais nela. — Dois meses. — Se você perder quero aquela bolsa da Chanel. Última coleção. — Okay. Isabella respondeu e nos viramos, escutando um estrondo, gritos e choro. Eu já não me importava em deixar um rastro de caos por onde eu passava. Agora, eu fazia parte dele. Mais tarde naquela noite, após o sexo selvagem e enquanto eu sucumbia em seus braços à exaustão, Aleksander me questionou. Ele acariciava meu cabelo. — Eu sempre soube. — Sempre soube o que? — Que você faria uma revolução aqui. Eu só não imaginava a magnitude. — Por que está me dizendo isso? — Você disse que não queria mais estar à frente do negócio. — Eu não quero. — Mesmo assim você colocou meus homens atrás de Mirella e eu sei que a visita de Bella em Boston não é social. Você tem feito escolhas pelas minhas costas, alaiín. Devo temê-la? Eu me levantei e o olhei nos olhos, percebendo então que ele não falava sério. Estava brincando comigo e sorria. Mas quando eu respondi, foi seriamente. Muito Aleksander passou a me contar com o tempo, sobre os seus horrores de infância e eu só não matei Brianna por Mirella. A cumplicidade que eu tanto desejei, era natural de nosso dia a dia. Aleksander valorizava minha opinião, a mulher que eu era. — Ninguém machuca pessoas que eu amo e saí pelo mundo, impunemente. Aleksander passou a mão do meu cabelo ao meu pescoço, com um semblante indecifrável. E então, bruscamente, ele me ergueu até eu estivesse em frente ao seu rosto. Antes que ele dissesse as palavras, eu falei. — Eu morro por você, Alek. — Disse sem tirar os olhos dele — E mato por você. Aleksander soltou uma respiração forte pela boca. — E eu amo você, Talía. Amo você. Eu selei nossos lábios em um duro beijo. O amor nem sempre era à primeira vista. Às vezes, ele vinha moldado por momentos de perda, dor e tristeza. E nem por isso deixava de ser amor. EPÍLOGO Aleksander Dardan
Tara e Shield viviam juntos e tinham uma filhinha de dois anos.
Eles se conheceram em uma situação bastante atípica e ficaram noivos por um tempo, antes de finalmente decidirem se casar, de uma hora para outra. Não era uma super festa, chique e italiana como o meu casamento foi. Era uma festa no Clube, para todos os membros e aliados, em Richmond. O ponto alto do evento foi a pequena Alicia caminhar até os pais e entregar as alianças. A menina de cabelos escuros e olhos azuis era uma verdadeira beleza travessa. Acompanhada de perto pela tia, Hanna era nítido que a pequena reinava entre os MC’s. As declarações foram emocionantes, e hoje, enquanto Talía tentava acalmar um Sean de oito meses esperneando em seu colo e pedindo o chão, eu entendia o que era esse amor tão declarado que meus aliados afirmavam existir e sentir. Porque eu também tinha em casa algo pelo que lutar e respirar. Do outro lado, Vivian, Elana e Anita conversavam e riam, um comportamento esperado de garotas entre dezessete e dezoito anos. Toda a cerimônia e festa seguiram de forma tranquila, porém certo movimento foi observado enquanto o casal dançava sua música. O filho mais velho de Eduardo, agora com cinco anos, tinha a mão sobre o olho enquanto olhava irritado para a filha de Shield. — Ela bateu no meu rosto! — Ele gritou. Hanna e Giulia tentavam intermediar a situação. — Peça desculpas, Alicia. — Hanna disse com seriedade. — Não! — A menina gritou de volta, com o mesmo olhar irritado. Ao meu lado, Talía começou a rir. — Não ria, nosso filho não será para sempre um bebê de colo. Talía voltou a ficar séria. — Que Deus tenha piedade. Ambos rimos. Era natural rir com Talía. Era não era só uma mulher inteligente, esposa e mãe do meu filho. Além de ser a mulher que tinha meu coração, ela também era minha melhor amiga. Confiava nela com minha vida. No final da festa, todos nos reuniríamos na sala de reunião dos Devils. Talía tinha se preparado para ir com as outras mulheres, mas eu a segurei. Pedi que Elana ficasse com Sean e a levei comigo. Ela questionou sem entender o que estava acontecendo, mas eu não disse nada. Assim que chegamos, todos estavam sentados e havia duas cadeiras. — O que é isso, Aleksander? Ela perguntou e me olhou alarmada. Eu a levei, hesitante, até a cadeira ao meu lado. Já fazia um tempo que queria fazer isso, mas eu entendia quando Talía dizia que queria passar tempo com Sean. Entretanto, quanto mais o tempo passava, mais desafios para a Aliança apareciam, e mais eu tinha certeza de que o lugar dela era ao meu lado, em tudo. Absolutamente tudo. — Essa é a sua cadeira, Talía. — Mas… — Você a conquistou. Você tem direito em todas as decisões e voto. Faremos tudo juntos. Talía olhou para os outros homens e todos demonstraram respeito e simpatia. E não era por mim, era por ela, por tudo o que tinha feito em minha ausência. Ela merecia e mesmo se ela recusasse, eu entenderia. — Este lugar ao meu lado é seu, Talía. Se você quiser. As coisas não estavam boas. O Cartel estava avançando e declarou guerra aberta à Aliança. Hanna estava sob a mira de Suarez, que não cansava de ameaçar sua integridade em todas as oportunidades. Ainda era uma incógnita a sua localização, e quanto mais pessoas capacitadas para vencer essa guerra, melhor para todos. E Talía, minha esposa, era preciosa para a Aliança, com sua mente sagaz. Me sentei e esperei que ela tomasse a decisão e não levou muito tempo. Vestida de confiança e determinação, ela observou a todos e tomou o seu lugar de direito. Ela era uma Chefe. Uma igual. — Podemos começar? Ela disse e meu peito explodiu de orgulho. Ela me corrompeu com seu amor e eu a corrompi com minha escuridão. Éramos almas gêmeas.