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SOLLES, Kim. Conto de Fadas por contrato.
Brasília, Brasil. 1ª edição, 2023, 127 págs.
1. Literatura nacional, 2. Romance 3. Ficção, 5. Recomeço.
Pela primeira vez em muito tempo, estava resignado, completamente entregue. Os quatros maiores tubarões do mundo empresarial haviam acabado de me acordar com uma notícia. E eu não apreciava nem um pouco a decisão tomada por eles. — Posso providenciar agora mesmo, um catálogo com as fotos de algumas das mais belas modelos do país. Tenho certeza de que nenhuma delas recusaria a proposta. — Enunciou Dóris e endireitou os aros grandes e vermelhos de seus óculos, em seguida colocou a mão sobre a boca para abafar uma tosse. — Eu vou escolher minha esposa por meus próprios meios, e certamente não será um enfeite magricelo e vazio. Preciso de uma mulher forte, para que gere um herdeiro igualmente forte. — Disse categoricamente para a funcionária. — Será como você preferir, Felipe. Diga-nos apenas se já tem alguém em vista. Um artigo no jornal, apresentando a futura senhora Felipe Mondragón seria providencial. — Disse meu pai, me deixando sem argumentos para contestar. — Na verdade, seria uma boa forma de começarmos a te desvencilhar da fama de playboy mulherengo. Isso não é nada bom para a imagem do novo CEO do conglomerado. — Continuou. — Ainda não tenho ninguém em mente, mas vocês saberão quando eu tiver. — Falei irritado, com toda aquela perturbação. — Bom, acho que pode aproveitar o lançamento da nova coleção para fazer isso. O evento será no próximo fim de semana, e certamente não faltarão moças adequadas à posição de tua esposa. — Sugeriu Dóris. Por mais que aquilo não estivesse me agradando, até que gostei da tal sugestão. Na verdade, as sugestões de Dóris eram sempre boas. Não foi à toa que ela se firmou no mercado, como uma das maiores diretoras de marketing das Américas. Tudo que tocava se tornava tão vendável quanto uma garrafa de água no Saara. Não fazia parte dos meus planos para sábado à noite, permanecer mais do que vinte minutos em uma droga de evento social. Estava seriamente inclinado a trocar o champanhe e caviar, por uns bons shots de cachaça e uma generosa porção de fritura. Eu era assim: predisposto a desprezar tudo aquilo que fui induzido a apreciar. Estudei nas instituições mais elitizadas do mundo, cresci e sempre circulei dentre os detentores das maiores fortunas do país. Inclusive, era um deles. Contudo, meus gostos não condiziam com esse status. Sempre que possível, trocava os ternos de corte perfeito, por jeans e camiseta de mangas curtas. Era o que pretendia fazer naquele fim de semana. Desde que assumi a presidência da Mondragón, há pouco mais de seis meses, não tinha abandonado a função CEO nem por um segundo. Mal me lembrava da última vez que entrei no meu carro e simplesmente dirigi até o primeiro boteco de esquina, onde permanecia recluso em meus pensamentos, até que uma estranha gostosa se oferecesse para extinguir minha solidão. Terminava a noite bêbado, metendo feito louco e escutando sacanagens ao pé do ouvido. Isso que eu considerava uma vida de verdade. Quando troquei a posição de vice-presidente pela cadeira de CEO, sabia que também estava trocando a boemia por uma vida sóbria e monótona. A mesma que vi meu pai levar desde que me entendo por gente. Agora eu poderia cruzar quase todos os continentes do mundo em poucos dias. Havia chegado a minha vez de passar noites em claro, garantindo a perenidade do faturamento de oito dígitos mensais. E para piorar, beirava a hora de colocar uma aliança no dedo e um novo nome na estirpe Mondragón. Quanto mais esfregava o pano úmido pelo imenso espelho do banheiro de Sheila, mais exaurido e patético meu reflexo parecia. Não me sentia capaz de expressar verbalmente o quão absurda aquela situação era. Não era para estar limpando a sujeira de minha quase irmã asquerosa. Não deveria ter que suportar os maus-tratos de Verônica, mas infelizmente aquela era a minha vida. Eu era a gata borralheira em minha própria casa. E ao menos naquele momento, não existia nada que pudesse fazer para reverter a vergonhosa situação em que eu estava. Frustrada, encarei a mulher desgrenhada e reverberada pelo espelho, e atirei o pano contra a pia. Fiz tal gesto com tanta celeridade, que qualquer um que visse a cena, pensaria que estava em brasas. Há muito tempo tinha deixado de ser o assoalho daquela casa. Era simplesmente um pano de chão, e a rotina, cada vez mais árdua, começava a causar danos em minha aparência. O meu cabelo loiro, comprido e cheio, já tinha sido meu melhor amigo e costumava colaborar com a escova. Em um passado bem distante. Naquele momento, não ia além de um amontoado de cachos, esfarrapados e ressecados pelo xampu ruim e a falta de tempo para cuidados minuciosos. Eu já havia até me esquecido quando havia sido a última vez que ele viu uma hidratação, ou um secador e uma prancha. Por milagre, não se viam olheiras ao redor dos meus olhos, ainda que as íris azuladas nem de longe possuíssem o brilho outrora ostentado. Independente de todo o desgaste físico e mental, ainda seguia me considerando uma mulher bonita. Me sentia feliz em saber que a beleza, que papai e mamãe sempre admiraram em mim ainda continuava ali apesar de tudo. Olhando para o espelho, notei que haviam vários fios soltos no rabo de cavalo, resultado do esforço da limpeza. Ofegante, ajeitei os fios de cabelo e lavei o rosto com excedente quantidade de água e sabonete líquido. Estava em frangalhos e precisava me recuperar rapidamente para estar apresentável no evento daquela noite. Havia tanto tempo que não ia a um evento desse porte, que sequer sabia o que vestir. Além da casa e do dinheiro, depois da morte de meu pai, Verônica também se apossou da confecção da família. Desde então, a empresa que sempre fora sólida e respeitada, derrapava ladeira abaixo. Ela conseguiu acabar com tudo com sua péssima administração e gastos exacerbados. A despeito da incompetência de minha madrasta, a confecção Botelho tinha ganhado a conta da gigantesca rede de joalherias Mondragón. E se Verônica nos poupasse de suas cagadas, ao menos naquele negócio, a parceria recém firmada poderia ser a salvação da empresa. Naquele dia, ocorreria o primeiro desfile para o lançamento da coleção de joias Mondragón, com as modelos usando as peças criadas pela confecção Botelho. E isso estava me deixando insuportavelmente ansiosa. Não colocava os pés fora de casa desde a última segunda-feira, quando Marina e eu fomos a um pub sertanejo, comemorar o aniversário de cinquenta e dois anos dela. Marina era a única pessoa que eu tinha no mundo. Foi minha babá, e em meus quase vinte e um anos de vida, nunca se afastou de mim por mais de vinte e quatro horas. Ela era meu porto seguro, a certeza de que sempre teria um ombro amigo e caridoso para chorar. Quando meu pai era vivo, cinco anos atrás, Marina não era tratada como empregada. Se tornara membro da família, a contragosto de Verônica, é claro. Depois da fatalidade que levou a vida do meu pai, ela fazia questão de se vingar da raiva que a presença de Marina em nossa mesa de jantar a fazia sentir, exatamente como fazia comigo. Naquele tenebroso cenário de repressão, Marina preparava a comida, e cuidava da manutenção da área externa da casa. Trabalhava sem reclamar, apesar de seus quase cem quilos divididos em 1,50m de altura e muita artrite. Ela era a pessoa mais importante em todo o mundo, para mim. Eu a ajudava com a limpeza da piscina, mas infelizmente não me sobrava tempo para fazer mais. E eu gostaria de fazer muito mais. Mas parecia que Verônica fazia questão de me empurrar cada vez mais tarefas, para que eu não conseguisse ajudá-la. Ainda estava com a mente povoada por pensamentos raivosos e auto- depreciativos, quando a pesada porta do banheiro escancarou-se de repente, causando um ranger irritante. Sheila surgiu em meu campo de visão. Parecia boba e indefesa em seu biquíni estampado com pequenas florezinhas e um enorme laço vermelho enfeitando o cabelo Chanel. Apenas parecia. — Estava fotografando? — Interpelei, concentrando-me em apanhar a pequena toalha branca presa em um gancho acima da pia. — Estava. E você? Estava limpando? — Arrancou a toalha da minha mão antes que eu tivesse tempo de enxugar o rosto e o fez no dela. — Desculpe, estou com pressa, tenho mais cinco trocas de roupa esta manhã, e ainda preciso me aprontar para a festa de hoje à noite. Será um lançamento de joias finas, e posso imaginar a quantidade de milionários que estarão por lá. Casar-se com um milionário era o grande sonho de Sheila, além é claro, de se tornar uma modelo de verdade. Já que até aquele momento, só fotografava para a confecção, e desfilava apenas quando Verônica conseguia encaixá-la em algum evento. Particularmente, não achava que fosse bela ou carismática o bastante para chegar a algum lugar fora do alcance da mãe. Sheila era morena, alta e magra, porém seu corpo quase não possuía curvas. Tinha os cabelos curtos e lisos, muito bonitos e olhos levemente saltados, que nunca estavam sem um par de lentes verdes. — Também estou ansiosa pela noite. — Falei, empolgada, tentando quebrar o clima de animosidade constante entre nós. — Você vai? Cingi os olhos, preocupada e intrigada, a sobrancelha erguida de Sheila era sempre sinal de mau agouro. Claro que ela não queria que eu fosse ao evento, e tentaria me impedir de alguma forma. — Pretendo ir. — Falei, sem nenhuma convicção. Minha quase irmãzinha bruxa não falou uma única palavra, apenas me inspecionou de cima a baixo e saiu do banheiro com os lábios finos curvados em um sorriso irônico. Embora tivesse terminado a faxina e o cheiro adocicado de lavanda impregnado no ar me nauseasse, ainda permaneci bons minutos parada no mesmo lugar. Fitando o espelho sem me enxergar, estava com a mente distante demais para conseguir focar em qualquer coisa, além do que aconteceria naquela noite. Tinha expectativas altas em relação a festa, pensava encontrar antigos amigos do meu pai, e tentar uma vaga de trabalho com algum deles.Um emprego era a única coisa que faltava para finalmente quebrar as algemas que me mantinham presa àquela casa,a Verônica e sua filha. Pela primeira vez, desde a morte do meu pai, alguma coisa parecia ter alguma possibilidade de dar certo. Entretanto, a reação de Sheila foi um balde de água fria em minha cabeça. Ela sempre conseguia o que queria, e se seu desejo era me impedir de ir a festa, não tinha dúvidas de que realizaria. Desolada, encontrei o caminho do meu quarto, atirei-me na cama, e encarei o teto obstinadamente branco. Meu quarto fora a única coisa da antiga vida que consegui manter desde que passei a ser “tutelada” por Verônica. Grande e confortável, uma brisa de alívio e fantasia em meio a tormenta que eram meus dias. Era lá que me escondia, o único lugar no mundo onde a maldade de Sheila e a amargura de Verônica não podiam me alcançar. Ao menos não o tempo todo, mas às vezes, enquanto imersa em minha pacífica reclusão, flagrava-me remoendo alguma truculência dita ou feita por elas e era o que acontecia naquele momento. Àquela altura do dia, ainda não tinha tido a infelicidade de encontrar minha madrasta, e estava certa de que, há qualquer momento, bateria em minha porta com algum estratagema mirabolante para me impedir de ir ao evento Mondragón. Ela sempre fazia isso, frustrar meu divertimento sempre fora sua maior alegria. Mal acabara de pensar na desalmada e a infeliz chamou-me através da porta. Arrastando os pés descalços pelo assoalho gelado, em função do ar condicionado, dirigi-me até a porta e a abri, interceptando assim uma terceira batida. À minha frente estava Verônica. Com as mãos posicionadas na cintura, e um salto cor de rosa finíssimo batucando freneticamente o chão. — O que tem a dizer sobre a história que Sheila me contou? — Que história? — Indaguei, fingindo insciência. — Você pretende ir ao lançamento Mondragón esta noite? Porque se essa for sua intenção, já adianto que não poderá concretizá-la. — Por quê? Sempre fui aos eventos corroborados pela confecção Botelho. — Embora tentasse mascará-la, meu tom de voz delatava a raiva que me corroia naquele momento. — Eu sei, não esqueço de Antônio levando-a a tiracolo em todos os eventos que íamos. — Os olhos revirados eram um lembrete da frustração que sentia naquela época.Verônica nunca amou papai, nem nada relacionado a ele. Casou-se somente pelo dinheiro e status que a união lhe traria, sempre tive certeza disso. — Mas você sabe que as coisas mudaram, e para festa desta noite, não poderá ir. Tem muitas tarefas a cumprir. — Que tarefas? — Perguntei, sentindo minhas sobrancelhas se unirem. — Preciso que catalogue algumas peças de mostruário que chegaram da fábrica hoje, são muitas, sendo assim, presumo que não te sobrará tempo para festas. — Concluiu. — E Beatriz? Esse não é o trabalho dela? — Licença médica, está severamente gripada, coitadinha. — O “coitadinha” foi proferido de uma forma tão sarcástica que eu quis esganá- la. E então, me vi obrigada a engolir mais uma das intermináveis mentiras da megera. Sabia que o fato de não poder ir à festa não tinha ligação alguma com a licença médica de Beatriz, tampouco com peças de mostruário. Não ia porque Verônica não queria. Meu entusiasmo fora percebido por ela e sua filha e consequentemente, esmagado. Já era de praxe fazer aquilo, o menor dos sorrisos projetado por meus lábios, era razão mais que suficiente para que cometessem as maiores diabruras. Eram mulheres insensíveis, rancorosas e que praticavam o mal sem nenhum pudor. Mulheres que meu pobre pai colocou em nossas vidas, desconhecendo seu verdadeiro caráter. Não sabia por que Verônica e Sheila me odiavam tanto. A única coisa da qual tinha plena certeza, era que a repugnância que nutriam por mim estava em constante expansão. Era maior de idade e teoricamente livre para fazer o que me desse na telha, inclusive desaparecer da vida dos meus algozes para sempre. Todavia, esta teoria não podia ser colocada em prática, não naquele momento, não enquanto minha proteção fosse vital para Marina. Marina sempre se sacrificou por mim, e em um passado recente, sacrificou- se ainda mais, embora tenha ficado alheada dessa abnegação por mais de dois anos. Quando completei quatro anos, comecei a frequentar a melhor escola para meninas da cidade, após a morte de papai, poucos meses depois de ter atingido os quinze anos de idade, Verônica começou a falar que no semestre seguinte, meus estudos migrariam para um colégio mais barato, talvez até público. Do dia para a noite, passei a ser uma adolescente que havia acabado de perder o pai de forma abrupta e estava na iminência de também perder todas as pessoas com as quais tinha convivido a vida toda. Foi aí que minha fada madrinha de avental e touca na cabeça entrou em ação. A diretora Campelo sempre me pareceu uma mulher altruísta, já a tinha visto praticando bondade em muitas ocasiões. Então, como sempre obtive as melhores notas da turma e meu pai nunca faltou com a mensalidade escolar, achei que valeria a pena tentar uma bolsa e foi o que fiz. Não obtive um sim ou não imediato, mas a diretora prometeu que faria o possível para me ajudar. Algumas semanas depois, veio a notícia de que minha permanência na instituição durante os quase dois anos que faltavam para o fim do colegial, estava garantida. A euforia e alívio me preencheram de forma tão intensa, que sequer perguntei a que santo deveria agradecer. Pois até o momento, estava certa de que se tratava apenas de uma bolsa. Parvo engano. Havia descoberto há pouquíssimo tempo o real motivo de ter podido continuar no colégio que tanto amava e o motivo era o mesmo de praticamente todas as coisas boas que aconteciam na minha vida: Marina. Realmente ganhei uma bolsa, mas era parcial, somente 50%, o restante vinha de Marina. Minha amada babá arcou com uma mensalidade equivalente a seu salário, durante dois longos anos. Fez isso por mim, para que eu não passasse por mais uma nova dor, fez o que só minha mãe faria. Quando descobri seu sacrifício, já não havia o que fazer para evitá-lo ou amenizá-lo, Marina já tinha feito tudo pela minha tranquilidade, em detrimento da sua. Restava agora, ser-lhe ainda mais grata e retribuir sua bondade sempre que tivesse oportunidade. O que aconteceu poucos meses depois. Recordava-me claramente daquele dia, do dia em que me tornei uma versão menos lamurienta da gata borralheira, que virei escrava de Verônica e sua filhinha intragável. As coisas ocorreram em uma manhã quase tranquila de domingo. Não fosse pelo tempo gélido, arriscaria dizer que aquele estava sendo meu melhor alvorecer desde a morte de papai. Estava de ótimo humor, era véspera da minha formatura no colegial, e eu seria a oradora da turma. Não poderia estar mais orgulhosa de mim mesma. Pela primeira vez em muito tempo, tinha decidido passar o dia esparramada sobre a espreguiçadeira enquanto desfrutava da companhia de um bom livro, e admirava vez ou outra, a beleza do encontro entre os tímidos raios de sol e a água azulada da piscina. Àquela altura, não podia imaginar nada que ornasse melhor com uma manhã dominical do que o cenário descrito. Apesar da perfeição daquele instante parecer inabalável, não demorou muito para que o azedume de Verônica me arrastasse de volta para a dura realidade. — Preciso falar com você! — Sua voz soou tão alta e imperativa, que meus olhos desviaram com absurda celeridade da página do livro e fixaram no rosto dela, que estava parcialmente coberto por um enorme chapéu de grife. — Que novo desastre creditará na minha conta agora? — Interpelei, sem nenhuma vontade de estender a conversa por mais tempo do que o estritamente necessário. — Se quiser garantir a continuidade do serviço de Marina nesta casa, sugiro que baixe a crista e ouça com muita atenção o que tenho a dizer. Senti meus olhos dilatarem até quase saírem do lugar. Sabia perfeitamente o que tinha acabado de escutar, mas era como se as palavras de Verônica fossem incapazes de se agrupar em frases que fizessem sentido para mim, não conseguia acreditar naquilo, então indaguei: — Pode repetir o que acabou de dizer? — Sentia o rosto gelado de quem perdeu todo o sangue. — O emprego de Marina depende de você me obedecer ou não, o que não entendeu? — Você não pode demiti-la, o testamento do meu pai assegura isso. — Argumentei. Minha alma e coração tremiam como se tivessem circundados por um imenso domo de neve. Fiz o possível e o impossível para não exteriorizar a insegurança que estava sentindo. Os lábios vulgarmente avermelhados se curvaram no sorriso jocoso que sempre odiei. — Sim, você está certa, mas a cláusula no testamento a favor de Marina não me obriga a mantê-la como empregada doméstica, legalmente nada me impede de remanejá-la para confecção e fazer um reajuste negativo em seu salário. Aquele era o limite do aceitável. Desde a morte do meu pai, até aquele dia, havia resistido bravamente às ferrenhas investidas de Verônica e Sheila, em detrimento da minha felicidade. Porém, contra aquele golpe eu não tinha escudo, e ele me atingiu em cheio. Depois de revisitar o passado, e me auto analisar no presente, sentia o peso da frustração e desesperança esmagarem meus ombros. Mesmo após tantos passos em direção ao que acreditava ser luz. Não vislumbrava nem mesmo a sombra do caminho que me levaria para fora daquele labirinto de humilhação e dor. A sensação causada por isso era tão perturbadora quanto o próprio labirinto. O ranger das molas da cama, uniu-se de repente ao toque do telefone, levantei-me num sobressalto para atendê-lo. — Oi! — Esbaforida, retribui a saudação de Marina. — Poderia vir ao meu quarto, querida? — A voz de minha preceptora era tão suave e confortante quanto um afago materno. ─– Não posso, tenho trabalho a fazer, provavelmente mais do que o que tive no último mês. ─– Do que está falando? E a recepção Mondragón? Nem sei há quanto tempo não a via tão ansiosa por algo. ─– Bem, como já era de se esperar, Verônica e Sheila deram um jeito de transformar a razão desta ansiedade num sonho impossível de menina boba. ─– Ah, não mesmo! Venha até meu quarto agora, garanto que você irá a essa festa. Apesar de sua inextinguível doçura, Marina parecia firme e decidida como nunca. Seja lá o que passava por sua cabeça, não parecia ter dúvida alguma sobre o sucesso do plano. A curiosidade e o profundo desejo de que tudo desse certo, me guiaram à pequena dependência de empregada tão rápido, que pude visualizar a ofegante insegurança ficando do lado de fora do quarto. Assim que entrei no cômodo, a primeira coisa que prendeu minha atenção foi um estupendo vestido azul bebê, espalhado pela cama de solteiro. Em seguida, os expressivos olhos de Marina, brilhando como duas estrelinhas em um céu de deserto: — E então, meu amor, o que achou? — Perguntou enquanto pegava a peça e a exibia, orgulhosa. Pude ver esmiuçadamente o vestido, e reconheci nele a personificação do último e mais secreto esboço que papai fizera em vida. A única herança que Verônica não conseguira roubar de mim, pois era completamente alheia a sua existência. — Marina, isso é incrível! Você é incrível. — As lágrimas já banhavam completamente meus olhos quando terminei de falar. — Pare com isso, Antonella, você está terminantemente proibida de chorar, o momento agora é só de sorrisos. — Estou chorando de felicidade e emoção. — Nem mesmo essas lágrimas são bem-vindas hoje. — Caminhou velozmente até mim e sem me dar tempo de abraçá-la ou beijá-la, transferiu a roupa para as minhas mãos.─– O que você tem que fazer agora é correr para o banheiro e experimentar o vestido. Deve fazer isso o mais rápido possível, porque não temos tempo a perder. — Eu te amo muito, sabia? — Usei as polpas dos polegares para secar os olhos. — Não quero nem pensar no trabalho que teve para confeccionar este vestido, nem no quanto custou toda essa seda. Só que ir à festa está totalmente fora de questão, Marina. Não quero irritar a megera, principalmente quando está tão perto o dia de sermos livres. Não vou mentir e dizer que não estou triste. Você sabe que estou, mas ficarei bem. — Talvez você fique, só que eu não. A última coisa que quero é ver essa nuvem de tristeza pairando sobre sua cabeça por semanas como sempre acontece. Conhecia Marina o suficiente para saber que qualquer argumento que eu usasse para justificar minha posição, seria acertadamente retrucado por um maior e mais fundamentado. Então, depois de muita insistência de ambas as partes, desisti. Todavia, o duelo não tardou em reiniciar. Discutimos o fato de Marina ter se oferecido em sacrifício e tentado tomar para si a árdua obrigação de catalogar todas as centenas de peças recém-chegadas. — Não percebe o quão absurdo é o que está me propondo? Por Deus, Marina, me importo demais com você para permitir que, além de fazer suas malditas tarefas, faça as minhas! — Se disser que não faria o mesmo por mim desisto de tudo agora. Claro que não podia dizer aquilo, Marina não era só a pessoa mais importante na minha vida, mas a única que eu tinha. Não havia nada no mundo que eu não fizesse por ela. Por ser uma verdade óbvia demais para que pudesse negá-la, me calei. Porém, segui irredutível na posição de não a deixar trabalhar no meu lugar. Confabulamos por longos e exaltados minutos, nos quais defendi fervorosamente meus pontos de vista, e ela os dela. Só depois de uma exaustiva sucessão de réplicas e tréplicas, chegamos a um denominador comum. Iria à festa, e se Verônica não colapsasse quando me visse por lá, nós duas catalogaríamos as peças. Assim, conseguiríamos terminar o trabalho antes do prazo estabelecido por minha madrasta. Mesmo meu estado de espírito estando mais seguro e determinado que nos últimos cinco anos, acreditava que Verônica e Sheila não precisariam de muito para me dissuadirem da decisão de ir ao evento. Bastava apostarem a carta coringa que possuíam contra mim e seriam, pela milésima vez, as campeãs do jogo. Decidi permanecer no quarto de Marina até que Sheila e Verônica saíssem de casa. Para eliminar por completo o risco de ser descoberta por elas antes do inevitável. A ala dos funcionários era o melhor lugar para me esconder de minha adorável família. O tempo na minha casa transcorria de maneira diferente do resto do mundo, as vinte e quatro horas do dia, se arrastavam por uma semana e um minuto por horas. Em decorrência disso, as horas que antecederam o barulho do motor do carro de Verônica foram longas e aflitivas. Os lábios de Marina se curvaram em um sorriso contagiante quando surgi na grande e antiquada sala de estar. — Tenho certeza de que era essa a imagem que o senhor Antônio vislumbrava quando desenhou esse vestido. Você está uma perfeita rainha, querida. Não senti segurança quando me olhei no espelho, mas o elogio de Marina me tranquilizou. O cabelo preso num coque desconjuntado e a maquiagem demasiadamente simples não eram exatamente o que se esperava de um convidado do evento anual mais importante da Mondragón, mas Marina não mentiria para mim, se ela disse que eu estava bem, então eu estava. — Sei pouco a respeito de penteados e maquiagem, mas fiz o que pude... E bem... Felizmente o vestido ofusca qualquer detalhe que denuncie que sou uma maquiadora amadora. — Comentei sorrindo. — Não entendo nada de moda, mas para mim você está lindíssima. Parece saída de um sonho. — Olhou para onde terminava o longo vestido e torceu o nariz. — Só acho que os sapatos destoam um pouco do restante. Depois de encarar meus pés expostos, devido às fendas laterais do vestido, fitei o olhar de Marina. — Você tem razão. — O desânimo me alcançou automaticamente. O horrendo par de sandálias douradas de salto alto, era realmente vergonhoso. Não poderiam ser mais bregas e desconfortáveis, só que era o único par que estava para fora do closet de Sheila, que por sinal, ela mantém trancado. Sei lá, me pareceram melhores do que um dos meus tênis All Star, talvez menos ruins. — Bem... Independente do sapato ser adequado ou não, nada muda o fato de que você está linda, meu amor. Será o centro das atenções. Disso eu não tenho dúvidas. — Estou certa de que serei o centro das atenções. Principalmente da atenção de Verônica. Apesar de aterrorizada, senti uma rara e prazerosa onda de euforia quando o táxi se uniu à interminável fila de automóveis estacionados em frente ao luxuoso hotel, onde já ocorria o evento Mondragón. A riqueza nunca me fascinou tanto quanto fascinava Verônica e Sheila, as duas faziam tudo por dinheiro. Porém, voltar a frequentar um lugar como aquele, era como mergulhar na melhor época da minha vida. Um tempo em que tinha meu pai e a tranquilidade era minha mais fiel companheira. Tranquilidade essa, que me foi arrancada de forma brusca, sem aviso, deixando marcas inimagináveis. Mesmo antes da morte de papai, já sabia o que era sentir medo e tristeza. Estes sentimentos vieram nas malas de Verônica e Sheila, quando chegaram a minha vida. Contudo, nunca havia experimentado a desesperança e não conhecia a sensação de estar completamente perdida, até o trágico dia em que meu pai foi tirado de mim. No fundo, me sentir inserida no meu velho mundo, era o real motivo de ter me esforçado tanto para ir ao evento. Queria sentir aquele friozinho na barriga outra vez. Saber que fazia parte de algo, me lembrar da época em que tudo era cor de rosa. Talvez agora, com alguns tons de azul. Só lembrei que usava um par de calçados dois números menores que o meu, quando voltei a firmar os pés no chão. As sandálias, além de ridículas, também eram absurdamente desconfortáveis. Ainda assim, estava feliz e com um calor gostoso no peito. Quando informei meu nome ao segurança, não pude evitar certa apreensão, afinal, Verônica poderia ter se lembrado de removê-lo do convite direcionado aos Botelho. Felizmente, a limitação de sua inteligência impediu-a de fazer o óbvio, então adentrei o prédio sem qualquer tipo de problema. Quando passei pelas imensas portas de carvalho, um mundo que divergia completamente do que eu estava acostumada nos últimos tempos, materializou-se na minha frente. Tudo era grande, suntuoso e mágico. Meus olhos brilharam em expectativa. Além da decoração composta de móveis de cristal e arranjos de peônias brancas, as pessoas pareciam entorpecidas por uma alegria infindável. Sorriam exageradamente, enquanto tilintavam taças de bebidas, e exibiam seus vestidos e ternos caríssimos. Apesar de estar tão elegante quanto qualquer convidado, não me sentia parte daquele ambiente. Ao menos não mais. Sempre frequentei eventos e reuniões tão classudos quanto aquele, mas isso fazia tanto tempo, e o contexto era tão diferente, que essas recordações pareciam vir de outra vida. Eu não era mais a filhinha mimada de um dos empresários têxteis mais importantes da cidade. Estava totalmente convertida em uma gata borralheira, por isso foi impossível me sentir confortável naquela noite. Estava absorta em meus pensamentos, fitando o amontoado de pessoas sorridentes e elegantes que desfilavam pelo salão, mas uma mão forte pressionando meu braço tirou-me do estado de contemplação. — Que diabos está fazendo aqui, Antonella? Acredito ter sido clara quando disse que não a queria por perto esta noite. — Embora ela usasse o tom baixo, a voz de Verônica era feroz e imperativa. — Clara como cristal, acontece que eu tinha um convite e estava com muita vontade de vir. Seus olhos pareciam dois mísseis teleguiados, prestes a me acertar e explodir. Verônica desviou o olhar e levantou a taça, provavelmente cumprimentando alguém atrás de mim. — Se ainda tem algum apego por sua babá, encontre-me no toalete em vinte minutos. — Ameaçou, entredentes. Enquanto Verônica me transpunha, seu perfume importado, porém exageradamente doce e enjoativo, impregnava meu nariz de forma nada agradável. Tornei-me palco de um duelo implacável entre a raiva e o medo, mais uma vez eu estava desarmada, nocauteada pela bruxa má na metade do primeiro round. Assistir ao flerte descarado entre minha odiosa madrasta e um provável milionário velho e barrigudo, revirou-me o estômago. Me enojava constatar que o que ela fez com o meu pai não foi nada além de mais um de seus truques baixos, esse é o principal motivo de todo o meu desprezo por ela. Enfurecida, e com os olhos ainda cravados em Verônica, apanhei a taça oferecida por um dos garçons e num gole só, entornei todo o seu conteúdo, percebendo tarde demais, que se tratava de algo bem mais forte que champanhe ou vinho. Como não costumava beber, não demorou muito para que o efeito do álcool começasse a se manifestar no meu organismo. Em questão de minutos, já me sentia fora de órbita e com uma coragem inédita. As ameaças de Verônica simplesmente não importavam mais. Tomada por um rompante de bravura, caminhei até Verônica quase tropeçando nos malditos saltos. Pude notar seu olhar de espanto e raiva quando interrompi a conversa que estava tendo com o senhor barrigudo. — Se quer falar comigo, Verônica, façamos isso agora. — Soltei, levada por uma coragem que há muito não experimentava. Seus olhos estatelaram, e a cor abandonou sua face, deixando-a com uma aparência fantasmagórica, que visivelmente espantou o tal magnata. Era nítido que não esperava tamanha intrepidez de minha parte, e certamente me estrangularia se não estivesse diante a alguém que lhe interessava. — Claro que podemos, meu amor. — Apesar do pronome carinhoso, seus olhos ardiam como brasas, que queriam visceralmente me reduzir a cinzas. — Perdoe-me, Enrico, teremos que interromper a conversa por alguns instantes, sabe que os filhos estão sempre em primeiro lugar. — Certamente que sim. — Com um sorriso simpático, o homem seguiu noutra direção. Verônica não disse nada, apenas começou a caminhar rapidamente e eu a acompanhei. Enquanto fazíamos o trajeto, algumas pessoas cumprimentaram a megera, mas ela estava tão irada, que apenas retribuía com um sorriso forçado. Depois de uns cinco minutos vagueando, subimos por um elevador e encontramos um toalete vazio. Logo que entramos no local, Verônica não perdeu tempo. Passou a chave na fechadura e em seguida agarrou meu pulso com mão de aço. — Que espírito ruim te possuiu hoje, garota? Desandou a fazer tudo errado, parece uma louca. Apesar da leve embriaguez, tentei fitá-la nos olhos e externar toda a minha raiva. — Te proíbo de falar assim comigo, você não passa de uma vadia qualquer que meu pai catou na rua.Uma oportunista barata, prostituta de última categoria! Uma palma cheia de anéis acertou meu rosto com ferocidade indescritível. Não me privei de revidar com igual impetuosidade. Naquele momento, eu estava finalmente explodindo, abandonando meu lugar de Cinderela. — A partir de amanhã não quero mais ver nem você nem a inútil da Marina na minha casa! — Imperou, escorregando a mão pela face vermelha. — Esqueça essa ideia, porque nem você nem ninguém vai me tirar do lar que os meus pais construíram para mim. Algum dia, sei lá quando, será você e sua filhinha imprestável quem deixarão a minha casa. Eu sabia que toda aquela coragem vinha da dose de cachaça que havia tomado. Também tinha consciência de que minhas palavras gerariam um duro resultado. Nada disso me abalava, naquele instante eu não poderia estar mais feliz e plena. — Garota, se eu continuar aqui te ouvindo e olhando para essa sua carinha enjoada, não haverá força nesse mundo que me impeça de matá-la. Por isso vou sair daqui agora e nós duas teremos uma conversa nada amistosa em casa. Com essa ameaça no ar e milhões de palavras ofensivas preenchendo minha cabeça, Verônica me deixou sozinha no toalete. Queria aproveitar o efeito do álcool para despejar toda a minha raiva e fúria na cara da mulher que destruiu minha vida, mas como sempre, ela não me deu tempo para isso. Em um arroubo de poderosa fúria, arranquei um dos sapatos que tanto me incomodavam, e o lancei contra a porta antes que ela se fechasse por completo. Contudo, não atingi o alvo desejado, e no lugar de Verônica, me deparei com um homem gigante. Dono dos olhos mais negros e expressivos que já tinha visto na vida. O pior de tudo, era o rastro de sangue sobre um deles. Mesmo razoavelmente bêbada, tinha certeza de uma coisa: Estava totalmente fodida. Sempre achei que o dia deveria ter quarenta e oito horas, ou pelo menos o meu. Naquele instante, no entanto, o achismo estava convertido em certeza. Desde o desonroso momento em que abri os meus olhos naquela manhã, fui bombardeado por todos os problemas empresariais e questões internas imagináveis. A cada instante surgiam mais e me perseguiam como um enxame de abelhas. Foi impossível me livrar de todos eles antes que chegasse o momento de descer ao salão, como um príncipe desencantado à procura da princesa. O tenebroso casamento era o principal motivo do meu humor extremamente irritadiço. Muito em breve, teria que me unir a uma mulher que até aquele ponto, não fazia ideia de quem seria. Tudo para que o sangue dos Mondragón perdurasse por, pelo menos, mais uma geração. Na saleta que me arrumaram na cobertura do edifício em que ocorria o evento, meus olhos passeavam sem muito entusiasmo pelo catálogo de modelos que Dóris insistiu em me enviar por e-mail. Todas inquestionavelmente lindas, e eu as comeria com todo prazer do mundo, mas nenhuma delas se parecia com a mulher que eu imaginava para mãe do meu filho. Não me agradava a ideia de procriar com uma garota fútil e interesseira. Se isso acontecesse, meu herdeiro teria grandes chances de herdar as mesmas características dela. Tal possibilidade me embrulhava o estômago. Mandei um e-mail para Dóris descartando todas as candidatas. Frustrado, vesti o terno preto e sai da sala. No momento em que coloquei os pés fora do escritório, algo chamou minha atenção. De um dos toaletes reservadas a convidados seletos, podia-se ouvir nitidamente uma exaltada discussão. Duas vozes femininas proferiam ameaças, e uma delas vomitava o quanto se sentia injustiçada. Esta foi a voz que mais me atraiu... A pessoa soava profundamente magoada, porém, possuía uma coragem e espírito afrontoso que há muito tempo não via em ninguém. Mesmo não conhecendo o seu rosto, o simples fato de ouvi-la falar com tanta valentia me instigava. Era uma atitude completamente descasada das que costumava ver nas pessoas que frequentavam aquele tipo de festividade. As pessoas geralmente reprimiam o que sentiam, em favor do meio social em que estavam. Quebrando qualquer regra de etiqueta, atrevi-me a me aproximar do cômodo para escutar a conversa com mais clareza. Aguçando minha arritmia cardíaca, a porta se escancarou de repente, e uma mulher que aparentava uns quarenta anos saiu indignada, esbarrando em meu ombro e rumando em direção ao elevador feito um furacão. Cambaleando pelo esbarrão vigoroso, e com o braço dolorido, caminhei mais alguns passos à frente, e foi quando um golpe mais severo me acertou poucos centímetros acima do olho. Atordoado e machucado, levei um tempo para perceber que o objeto voador não identificado, ao menos até aquele momento, se tratava na verdade de um extravagante sapato feminino. Este, estava estirado entre meus pés. — Ah! — Com os olhos azuis bem abertos e o rosto vermelho, provavelmente de vergonha, uma jovem loira cobriu a boca com as mãos, ao ver o dano causado por seu sapato. O lugar atingido realmente doía, mas minha concentração estava longe de se prender ao incômodo físico. Eu estava mais preocupado com ela. A mulher loira, desesperada, que estava à minha frente, me impressionou em todos os sentidos. Pela discussão que ouvi, deduzi que ela era ousada e valente. Além disso, tinha uma beleza raríssima, seu rosto era extremamente delicado e os olhos magníficos manavam uma ânsia de viver que me deixou impressionado. — Desculpe, senhor! Foi um acidente, juro que não queria acertá-lo, eu pretendia... — Quebrar o crânio daquela senhora? — Sugestionei, me sentindo um idiota por achar graça na fisionomia desalentada da garota. O rosto atraente ruborizou ainda mais. — Bem, sim, mas... Por Deus... — Num átimo, avançou em minha direção e fitou os olhos no machucado que me causara. — Você está sangrando, eu poderia tê-lo deixado cego. — Pequenos dedos calejados tocavam cuidadosamente o ferimento, numa clara tentativa de limpar as gotas de sangue. — Que bom que não o fez. — Incapaz de me conter, percorri maliciosamente seu corpo de curvas suaves, modelado por um deslumbrante vestido azul. — Teria me privado de uma das melhores visões que tive nos últimos dias. — Ousei dizer. Visivelmente surpresa, ela se afastou de mim e abaixou levemente o rosto. — Acredito que tenha me perdoado. Eu... — Inspirou demoradamente. — Eu tenho que ir agora. A bela dama se virou rapidamente, mas um instinto primitivo me fez segurar seu braço, impedindo-a de continuar sua jornada. — Desculpe pelo que vou dizer, só que foi impossível não ouvir parte da conversa que estava tendo com aquela mulher. Percebi que está passando por problemas, talvez até financeiros. Então tenho uma proposta a te fazer. — Não pude estancar as palavras que jorraram dos meus lábios. Eu estava cara a cara com a personificação da mulher que imaginava como progenitora do meu herdeiro, e simplesmente não conseguia deixar a oportunidade passar. Ao me calar, imaginei que ela se sentiria ofendida e que eu teria que pelejar para persuadi-la a participar do plano orquestrado pela Mondragón. Mas para meu o espanto, o rosto outrora assustado e enraivecido amenizou, como em um passe de mágica. — Quer me fazer uma proposta? Quem é você? — A voz dela exprimia uma mistura de curiosidade e medo. — Felipe Mondragón e é um grande prazer conhecê-la. Os olhos cresceram novamente, e ela ficava ainda mais atraente quando isso acontecia. Parecia inocente, e talvez estivesse enganado, frágil. — Mondragón... — Meu sobrenome silabou pelos lábios sutilmente tingidos e escancaradamente beijáveis. — Então é dono da famosa rede de joalherias. Friccionei a boca. — De uma parte dela. Uma generosa fatia na verdade. Calou-se por alguns segundos, parecia indecisa sobre algo que queria dizer. Por fim se decidiu por falar, embora tenha feito isso com certa dificuldade. — Disse que ouviu a briga, não foi? Sente pena de mim e quer me oferecer um emprego. Talvez ficasse decepcionada quando soubesse a verdade, mas não saberia naquele momento, depois de uma discussão tão exaltada, não merecia um novo choque. — De certa forma é um trabalho, só que antes de qualquer coisa quero que saiba que não a considero digna de pena. Esteja certa de que a proposta que desejo fazer deve-se justamente ao fato de considerá-la forte. — Desejei que a sinceridade das minhas palavras fosse visível. — Sabe onde fica a matriz da Mondragón? — Questionei, intentando deixar a coisa toda mais contratual e menos pessoal. — Eu descubro. Falou tão rápido que foi difícil compreender as palavras. Seja lá qual fosse a situação que estava passando, era nítido o desespero para sair dela. Eu a ajudaria, se ela deixasse, com todo o prazer do mundo. — As 9h00min está bom para você? — Claro! O que devo fazer para conseguir falar com você? — Como se chama? — Antonella Botelho. — Antonella Botelho. — Seu nome soou gostoso aos meus ouvidos e era igualmente saboroso proferi-lo. — Ótimo! Quando chegar à recepção diga apenas este nome e eles permitirão sua entrada. Sem tirar os olhos dela, ajoelhei-me para apanhar o sapato e o entreguei a dona.
— Cuide melhor do seu sapatinho da próxima vez, Antonella. — Com meu
melhor sorriso e um aceno de cabeça cordial, despedi-me da linda jovem.
Dóris me encarava embasbacada, parecia descrente do que acabara de ouvir. Era compreensível, em seu lugar eu também não acreditaria. — Como assim já encontrou a noiva ideal, Felipe? Trata-se de alguma das modelos que te apresentei? Revirei os olhos, ligeiramente ofendido por ser considerado tão volúvel. — Claro que não. — Então quem é a felizarda? — Meu curto silêncio a fez quase subir pelas paredes do escritório. — Vamos, Felipe! Conte-me logo de quem se trata. — Bradou, remexendo-se na cadeira como uma adolescente. — Antonella Botelho. As sobrancelhas grossas, porém, definidas, se juntaram atrás dos óculos. — Botelho. — Repetiu. — Se você a conheceu hoje, é alguém da confecção Botelho, eu imagino. Bem, trata-se de uma empresa conceituada e com bastante tempo de mercado, mas não é grande coisa. Então por que logo ela? — Não estou interessado na empresa, e sim na garota. Que aliás, tem exatamente o perfil que eu estava buscando. — E eu posso saber que perfil é esse? — Ela é corajosa e perspicaz. Me pareceu inteligente e é muito bonita. Ótimos genes para meu futuro filho, não concorda? — Eu não tenho que concordar ou discordar de nada, combinamos que a escolha da noiva ficaria por sua conta. É claro que vou querer conhecê-la antes de qualquer coisa e imagino que seu pai também. Dei de ombros. — Terão oportunidade para isso. Acertei com ela uma ida à Mondragón amanhã de manhã. Vocês poderão conhecê-la. — Perfeito. Só esclareça um último item, por gentileza... — Tirou os óculos e franziu novamente o cenho. — Como fez para que essa tal de Antonella Botelho aceitasse se casar com você assim, tão facilmente? — Indagou, encarando-me com os olhos bem estreitados. — Ainda não falamos sobre o casamento. — Assumi. — Mas estou quase certo de que ela não objetará a proposta quando a fizer. — E o que o faz pensar desta forma? Sendo ela uma moça de boa família, imagino que não esteja disposta a se submeter a uma união pro formas. — Não sei ainda o motivo, mas parecia desesperada para sair de uma situação opressora. Eis meu trunfo. — Oferecerá um passaporte para a liberdade, se, em troca, aceitar carregar uma bagagem sua no ventre. — Afirmou, mostrando que me conhecia tão bem quanto eu. — Exatamente. Não vi mais Antonella no evento. Apesar de procurá-la furtivamente o tempo inteiro, mesmo enquanto discursava sobre o palanque. Depois de correr os olhos por todos os rostos presentes, cheguei à conclusão de que ela não estava mais ali. Entretanto, reconheci a mulher com a qual discutia mais cedo e decidi me apresentar. — Lembro-me do senhor. Esbarramo-nos há algumas horas, e peço desculpas pela grosseria, não fazia ideia de quem era. O tom cênico e cândido com o qual verbalizava me irritou. Em especial, porque não era dessa maneira que ela falara com Antonella, ao contrário a tratava com grosseria. — Se soubesse faria alguma diferença? — Fechei os olhos por alguns segundos, e inspirei por todo tempo que consegui. — Isso não importa, gostaria de elogiá-la pelas ótimas roupas apresentadas por sua empresa esta noite. Certamente ajudaram a destacar as joias exibidas pelas modelos. — Não poderíamos fazer menos do que a Mondragón merece. — Virou a cabeça para a esquerda e acenou para alguém. — Inclusive, eu gostaria de apresentar minha filha, certamente reparou nela, era uma das modelos. Meu peito inflou, e por um breve instante tive esperança de rever a linda Antonella, antes do que esperava. A decepção veio a galope, quando uma moça tão artificial quanto a mãe, surgiu na minha frente. Nos lábios pintados de vermelho, um sorriso largo e um brilho malicioso cintilando no fundo dos olhos. — Sim, mamãe? — Respondeu sem desviar a atenção de mim. — Já conhece o senhor Mondragón? — Enquanto acariciava o braço da filha, a mulher mais velha também insistia em me fitar. — Ainda não tive a honra. As tentativas da garota em parecer mais charmosa e sensual, eram tão explícitas, que me embrulhavam o estômago. Apesar de enojado, achei por bem manter uma boa atmosfera. Afinal, as duas poderiam ter alguma utilidade na concretização dos meus planos com a que, até então, parecia ser a única mulher genuinamente bela daquela família. Apesar de alta e magra, Sheila não se parecia com uma modelo. Tinha um rosto atípico demais para meu gosto, e olhos esquisitos. Por mais que recorressem às artimanhas cosméticas, nenhuma delas parecia capaz de conquistar um homem apenas pela aparência. O completo oposto de Antonella, que fascinava num estalar de dedos qualquer um que a visse. Não conseguia entender como as três podiam ser parentes. — Realmente essa sua filha eu não conhecia, mas a outra sim. — Estava finalmente entrando no único ponto que me interessava naquela conversa aborrecida. — Outra? — Visivelmente intrigada, Verônica ergueu uma sobrancelha. — Sim, Antonella, uma moça muito gentil. — Uma risada sarcástica ecoou entre nós e me irritou perceber que veio de Sheila. — Essa moça não é filha da minha mãe, é apenas a enteada. — Mas é como se fosse. A Ella é o bem mais precioso que meu falecido marido me deixou. Eu a amo como amo a minha própria filha e não faço nenhuma distinção entre elas. Pela forma que a ouvi falar com a garota, tinha certeza de que estava mentindo. Era óbvio que ela não nutria nenhum sentimento materno por Antonella. — Imagino que sim. — Aceitei o cinismo das minhas interlocutoras. — Mas nos diga senhor Mondragón... — A garota lançou um olhar rápido para a mãe. — Onde conheceu minha irmã? Antonella não é muito dada a eventos sociais, e isso me deixa curiosa em saber de onde é que vocês se conhecem. — Nos conhecemos aqui mesmo, um encontro breve e agradável. Inclusive gostaria de conversar um pouco mais com ela, só não a encontrei. — E nem poderia, minha filha foi para casa alguns minutos antes de empreendermos essa conversa. Alegou dor de cabeça, embora na verdade, eu ache que foi uma desculpa. Meninas tão jovens quanto ela, estão acostumadas com festas bem diferentes desta. Estava escancarado o empenho de Verônica em pintar uma imagem leviana e irresponsável de Antonella, por sorte eu estava convencido do contrário. — É uma pena. — Fui sincero ao dizer isso. Precisei de apenas alguns minutos para dar fim àquela conversa indigesta, da maneira mais diplomática possível. Apesar de não acreditar em nada do que mãe e filha disseram, elas ainda poderiam ter serventia em algum momento. O dever me obrigou a permanecer no local até que a última modelo apresentasse a obra prima da coleção: um colar cravejado de brilhantes, com um diamante rosa no centro. Todos acreditávamos que a joia seria adquirida por uma boa parcela da elite universal, o que culminaria em um lucro relevante para a Mondragón. Era importante para mim, realizar uma boa gestão. Todos, inclusive meu pai, desacreditavam da minha habilidade empresarial. Embora formado em economia na melhor universidade do país, sempre fui visto como um jovem ordinário, que só era alguém pelo sobrenome que carregava. Precisava provar o contrário. Tinha a necessidade de mostrar ao mundo, e principalmente a mim mesmo, que era somente Felipe. A empresa não poderia estar em melhor situação. No pouco tempo que tinha assumido a presidência da Mondragón, fiz grandes coisas que entrariam para a história da firma. No momento, minha única preocupação era o casamento e o herdeiro digno da família, que estava por vir. Ao pensar neste assunto, Antonella voltou a estar em evidência em meus pensamentos. Não sei se por instinto, ou se por qualquer outra coisa, sei que no momento que botei os olhos na garota, tive certeza de que ela era a mulher ideal para ser minha esposa. E ideia de fazer um filho nela era agradável, muito mais do que eu imaginei que seria com essa esposa escolhida com o intuito de carregar meu herdeiro. Há tempos não via uma mulher tão linda. A simples visão de Antonella despertara o que havia de mais másculo e primitivo em mim. Passeava suavemente entre a ingenuidade e a sensualidade. Enquanto seu corpo parecia moldado para o deleite sexual, o rosto era doce e cândido. Natural como uma rosa selvagem, ainda em seu ramo. Nunca alguém me intrigou tanto quanto Antonella. Detinha em si a expressão mais visceral da dualidade entre força e fraqueza. Pelo pouco contato que tivemos, percebi o quão humana era. Se abalava quando a machucavam, entretanto, dentro daquela singular criatura, havia uma coragem que a fazia levantar a cabeça e seguir em frente,apesar de tudo. A forma como enfrentou a madrasta me encantou, apesar do choro escondido em sua voz, ela não foi fácil de abater. Saiu da discussão ferida, porém inteira e vitoriosa. Tudo que percebi em Antonella, me fez decidir tomá-la por esposa, e sempre levo acabo minhas decisões. Eu estava apavorada, afinal, o desconhecido é sempre o pior dos monstros. Ao mesmo tempo, a euforia e a esperança reverberavam em todas as células do meu corpo. Sentimentos trazidos por Felipe Mondragón. Naquele momento, eu me sentia um náufrago que quando avistava um navio no oceano, sentia a iminência da ajuda chegando. Ele queria, e precisava embarcar, mas tinha medo de encontrar piratas que roubariam tudo o que tinha. Só que se não possuía nada, que perigo corria? Que perigo eu corria? Desejava ir para o meu quarto, arrancar os sapatos e me jogar na cama. No entanto, não podia fazer isso antes de falar com Marina. Ela mais do que ninguém merecia saber o que tinha acontecido. Queria muito vê-la vibrar de felicidade com a novidade. A encontrei na cozinha, sentada em uma das banquetas da ilha, bebericando alguma coisa na costumeira canequinha azul. Aproximei-me sorrateiramente, e envolvi seus ombros num abraço terno. — Oi, meu amor! — Minha saudação foi precedida por um beijo demorado em sua bochecha rosada. Marina se levantou e me abraçou. — Que bom que chegou querida, eu estava apreensiva aqui. Precisei até de um chazinho de camomila. — Não tinha razão para isso — Como assim? Dona Verônica não se aborreceu ao te ver lá? — Sim, mas esse não foi o acontecimento mais relevante da noite. — Falei, com um sorriso gigantesco nos lábios, o mesmo que preenchia meu interior. — Felipe Mondragón, CEO de uma das maiores companhias do país, me chamou para uma reunião na empresa dele amanhã às 9h00min. Antes de eu concluir a fala, o sorriso de Marina emulava o meu. Entretanto, ele se apagou de repente, e os olhos outrora radiantes, tornaram-se nebulosos. — Realmente me alegro com isso Antonella, mas não acha estranho um convite desses, assim, sem mais nem menos? — Bastante. Mesmo assim, não tenho nada a perder, ao contrário, posso ganhar muito, por isso garanto, Marina, amanhã no horário marcado, estarei na rede de joalherias e de mente aberta. A noite anterior ao grande dia foi uma das mais longas da história. Não escapei de mais uma das tenebrosas ameaças de Verônica, nem do sorriso diabólico de Sheila enquanto assistia à crueldade da mãe. — Escute bem Antonella: da próxima vez que me desobedecer, Marina estará fora desta casa. Esteja certa de que farei o possível para me livrar de você também. Estas foram algumas das duras palavras vomitadas por Verônica durante mais de meia hora. Se não fosse a calorosa expectativa pelo dia seguinte, eu teria desabado em lágrimas. De certa forma, Felipe Mondragón me salvou de mais uma crise depressiva. Revirando na cama, os braços de Morfeu pareciam inalcançáveis para mim. Eu não sabia o porquê, e estava cansada demais para procurar a razão, mas a verdade é que a imagem do CEO não me saía da cabeça. Ele era o homem mais bonito que já havia visto. Tinha uma presença forte e uma virilidade que estremeceria qualquer mulher. Apesar de sempre ter me considerado uma mulher frígida, não era imune a esse efeito. Felipe Mondragón aflorava em mim um instinto lascivo que nem sabia que possuía. Tudo nele me agradava como mulher: o corpo, o cheiro, a voz grave e sensual. Ele era o paradigma da masculinidade e poder, era a personificação de um sonho erótico. Foram necessárias horas de agonia e um extremo cansaço mental para que a consciência finalmente me deixasse e eu pudesse dormir. O som estridente e irritante me obrigava a abrir os olhos, e por conta da sonolência absurda que sentia, levei um tempo para perceber que o barulho provinha do despertador. Tateei o dispositivo, localizado sobre a prateleira de cabeceira, e o irritante som finalmente cessou. Eram 7h00min da manhã, e infelizmente eu não teria os cinco minutos de soneca que costumava ter. Pelo que tinha visto no "Google Maps", a sede da Mondragón ficava há pouco mais de uma hora da minha casa.Então me restava cerca de quarenta minutos de dianteira, ainda teria o desafio de sair sem ser percebida por Verônica ou Sheila. A contragosto, livrei-me dos lençóis, e plantei os pés no assoalho gelado. Acionei o interruptor, e meio zonza, segui para o banheiro. Apesar de ter dormido pouco, me sentia razoavelmente disposta, e não havia olheiras sob meus olhos. Não precisei de muito tempo para optar por uma calça flare preta, e uma blusa rosa. Não ter um armário farto tinha lá suas vantagens. Principalmente para os atrasados. Não prendi o cabelo; nos lábios, apenas um batom nude e um blush quase imperceptível nas bochechas. Não estava deslumbrante, mas apresentável. Pronta para encarar o grande CEO. Por incrível que pareça, consegui sair sem maiores problemas e logo cheguei à sede da Mondragón. A empresa era enorme, apesar de não parecer um prédio empresarial. Era mais como um hotel de luxo, com ladrilhos de cristal transparente cobrindo quase toda a fachada, interrompidos apenas por janelas enormes, que praticamente se mesclavam com eles. Faltavam cinco minutos para as 9h00min, mesmo assim, hesitei em entrar. Algo me travava. Era como se pedras pesadas estivessem atadas aos meus pés, impedindo-me de seguir em frente. Inspirei e expirei várias vezes, para finalmente conseguir adentrar o edifício. Quatro seguranças guardavam as portas giratórias, que davam acesso ao interior da empresa, mas Felipe Mondragón estava certo quando disse que eu só precisava fornecer o meu nome para entrar. Assim que entrei, uma elegante senhora, com cerca de quarenta anos, me escoltou por uma sala elegante. Fui conduzida por ela até um elevador, e após chegarmos à cobertura do prédio, recebi orientações para aguardar sentada em uma das cinco poltronas de couro branco dispostas lado a lado, em uma requintada sala de espera, que era completamente branca e cheirava a eucalipito. À frente, havia um balcão de vidro transparente, e atrás dele, três mulheres trajando uniformes sóbrios, teclavam em computadores ultramodernos. Me surpreendeu o fato de não existirem objetos de decoração, exceto um enorme lustre de cristal, obstinadamente branco, pendurado no teto. Uma jovem serviu-me um suco de laranja, e avisou que em poucos minutos eu seria recebida pelo executivo. Foram os mais longos e tensos minutos da minha vida. A aflição manifestava-se fisicamente, através dos dedos trêmulos que seguravam o copo. Um redemoinho me varria por dentro e quando parei em frente à imensa porta branca, que dava acesso ao escritório do CEO, o redemoinho transformou-se em tornado. Eu tremia por dentro, mas lutei bravamente para não externar essa situação lastimável. Precisava estar inteira, digna de credibilidade. A mulher que me guiou até ali, colocou a mão sobre a enorme maçaneta e a girou. — Pode entrar, o senhor Mondragón a aguarda. — Disse gentilmente. A porta estava ali, entreaberta, mas eu não conseguia transpô-la. Estava apavorada, com o medo e a esperança digladiando dentro de mim. Pensei em Marina, no quanto ela lutou por mim a vida toda. Nas humilhações constantes que suportava, apenas para ficar ao meu lado, cuidando de mim, me dando algum alento. Por ela eu entrei na sala. E por mim também. Enredei os ombros com as mãos, para espantar a sensação gelada que me tomou inesperadamente. Não me atrevi a olhar para frente, mantive a cabeça baixa, enquanto o coração batia freneticamente no peito Estar ali, era como entrar num universo paralelo. Uma atmosfera quase sobrenatural pairava no ambiente e mesmo sem vê-lo, era impossível permanecer alheia a poderosa presença do dono do lugar. — Antonella. — Como ímãs, meus olhos foram imediatamente atraídos pelo emissor do meu nome, que aliás, sussurrara em meus sonhos a noite inteira. Quando finalmente o vi, me dei conta de que não estava enganada. O homem era absurdamente lindo. Na verdade, estava ainda mais bonito do que na noite anterior. O terno de corte perfeito, que usava em nosso primeiro encontro, não estava mais ali, o que me permitia ver melhor a extensão de seu peitoral, através da camisa social branca, que apesar de não ser justa, não conseguia ser suficiente para esconder o imponente corpo masculino que guardava. O curativo próximo a sua sobrancelha grossa e muito escura, me fez sentir uma culpa dura de suportar. Era nítido que meu ataque havia deixado marcas duradouras em seu rosto perfeito. — Confesso que a esperava ansiosamente. — A declaração me afetou de forma tal, que não pude conter o sorriso que brotou em meus lábios. Com a destreza de um príncipe inglês, o CEO se levantou da enorme poltrona preta. Transpôs a mesa espelhada branca, e caminhou vagarosamente em minha direção, até parar há poucos centímetros de mim. Seu perfume inebriante, de aroma desconhecido, invadiu minhas narinas e tomou meu corpo por inteiro. Fazendo-me inclusive, ignorar o frio exacerbado que fazia na sala. — Pontual. Está aí mais uma coisa que me agrada em você. Com uma intimidade que eu não sabia que existia entre nós, o homem segurou em minha mão, e me fez caminhar até a cadeira que ficava em frente à poltrona a qual ele estava sentado antes. O toque me fez vibrar, mas quis acreditar que tinha sido um abalo sutil demais para ser percebido. Me sentei e Felipe fez o mesmo. A grande mesa entre nós, nada fazia para conter o magnetismo que imperava entre Felipe Mondragón e eu. — Ainda não entendi a razão que o fez me chamar até aqui. — Falei pela primeira vez, a voz ligeiramente falha. O CEO mordeu o lábio inferior e inclinou a cabeça em minha direção. Não pude deixar de notar como seus lábios eram cheios e carnudos. — Gostaria de ser direto com você, mas presumo que sua reação não será das mais favoráveis. — Os olhos negros, franzidos, me fitavam de maneira intimidadora. Calei-me, meus lábios eram incapazes de se moverem com aqueles olhos predadores cravados no meu rosto. Me sentia como uma cobaia sendo analisada por um ser de outro mundo, de outro plano espiritual. — Bom... — Um sorriso maroto apareceu de repente em seus lábios. — Por seu silêncio, presumo que posso seguir em frente. Talvez você saiba que fui eleito CEO há pouco tempo, e isso implica em algumas obrigações. Assenti com a cabeça, apesar de não compreender exatamente o que ele estava dizendo, tampouco meu envolvimento em tudo aquilo. — Dentre essas obrigações, está o casamento. E a geração de um herdeiro. Pensei em você. Uma descarga elétrica percorreu meu cérebro. Simplesmente não conseguia juntar em frases que fizessem sentido as palavras que ele estava dizendo. Precisei parar. Respirar. Continuar ouvindo, com a máxima calma possível, o que ele estava dizendo. — Talvez você não entenda, mas quando a escutei enfrentar sua madrasta com tanta bravura, percebi que havia encontrado o que estava procurando... — Inspirou demoradamente. — Uma mãe para meu filho. — Aproximou ainda mais seu rosto do meu, e naquele instante nossos lábios estavam tão próximos que eu podia sentir o frescor de seu hálito. — E uma esposa para mim. Eu estava paralisada, com o cérebro dando voltas em qualquer lugar bem longe da minha cabeça. Aos poucos, fui retomando a consciência e assimilando de maneira ainda confusa o que ele tinha acabado de dizer. Se não tivesse enlouquecido, Felipe Mondragón acabara de me pedir em casamento. Deus, era isso mesmo, só podia ser. Não dava para ver, só que tinha certeza de que meu rosto estava sem cor, quase tão sem vida quanto minha consciência. Um silêncio constrangedor, porém, necessário, imperou no tenso ambiente. Felipe Mondragón e eu continuávamos na mesmíssima posição, frente a frente, nos estudando como se pelejássemos em uma guerra fria. Enquanto eu estava assustada e desorientada, o CEO não poderia se parecer mais com o homem poderoso e inabalável que era. Permanecia estático, inerte em sua pose predatória, sem mover uma única pestana ou músculo. Recorri a toda força que havia em mim, e finalmente falei com uma firmeza que me surpreendeu. — Eu não sei o que está acontecendo aqui, não faço a menor ideia do que passa por sua cabeça, mas de uma coisa tenho certeza... — Imitei seus olhos apertados, tentando parecer tão intimidadora quanto ele. — É inacreditável o fato de ter se tornado presidente da Mondragón, porque você é insano. Como pode me fazer uma proposta dessas se mal me conhece? E o pior, o que o fez acreditar que eu aceitaria? Um sorriso irônico se formou em seu rosto, o que me irritou bastante. — Gostei do pouco que conheci de você, considerei ideal. E perdoe-me, mas deu para perceber que está desesperada para sair de uma situação opressora. Posso te ajudar. ─– Claro, em troca de um casamento por conveniência. Um casamento absurdo e que não vai acontecer. Sem que estivesse esperando, uma mão poderosa circundou meu queixo, e aliada ao gesto, uma voz grossa, porém quase tão baixa quanto um sussurro, ajudou aferrar com as minhas defesas. — O casamento não precisa ser de conveniência, Antonella. — A mão foi escorregando devagar, sensual, passando pelo pescoço e estagnando no primeiro botão da minha camisa. O mais perturbador, é que seu olhar acompanhava o trajeto feito pela mão, e isso ativava todos os meus instintos mais libertinos. — Você me agrada menina, agrada muito. — A mão permanecia no mesmo lugar, e era impossível ele não perceber os batimentos desenfreados do meu coração, e essa traição do meu corpo me deixava furiosa e excitada ao mesmo tempo. — Sei que também te agrado, um homem sempre sabe. Se eu fechar os olhos e inspirar com toda a capacidade dos meus pulmões, posso sentir o cheiro do seu tesão, é um cheiro delicioso e muito convidativo. O devasso fez exatamente o que descreveu. Fechou os olhos e inspirou. A áurea voluptuosa estremeceu todo meu ser de dentro para fora. Eu estava adorando aquele toque luxurioso. Era sublime fazer parte daquele jogo comandado por um homem tão seguro de seu poder de sedução, de sua capacidade de levar qualquer mulher à loucura, a total perdição. Queria que aquilo continuasse, que o toque se tornasse ainda mais severo, que os dedos compridos desprendessem a fileira de botões da minha blusa, e que o espaço deixado pela roupa fosse preenchido por beijos e toques íntimos. Eu estava carente, frágil, precisando de afago. Pela primeira vez na vida sentia vontade de fazer sexo. Eu teria sucumbido àquele predador, teria sido dele em cima daquela mesa mesmo, mas o pudor fazia parte da minha estrutura. Sem esse pudor e respeito pelo meu corpo eu não seria mais eu. Tive forças para arrancar sua mão da minha camisa e enfrentá-lo. — Quando o conheci, achei que fosse um homem honrado, humilde, apesar de se encontrar em uma posição tão favorável, mas já constato que estava errada. Vejo que usa seu poder, e principalmente sua habilidade com mulheres para ludibriar e satisfazer seus desejos. Mas, seja lá o que esteja querendo comigo, garanto que não alcançará seu objetivo. Felipe Mondragón se afastou, e recostou-se em sua poltrona. — Não foi um blefe Antonella, realmente preciso me casar e gerar um herdeiro com a máxima urgência. Preciso que ele esteja pronto para assumir a cadeira de CEO quando chegar a minha hora de deixar o posto. — Disse com um olhar sério e postura rígida. Franzi o cenho, e senti a calma finalmente me reintegrar. — Você acabou de assumir o cargo de CEO, já está pensando em deixá-lo? ─– Não, mas o tempo é implacável, e no mundo dos negócios é mais ainda. Tudo precisa estar pronto no tempo certo e na hora certa. Foi assim com meu avô, com meu pai, comigo e terá de ser assim com o próximo presidente da empresa. Desta forma, garantimos que a companhia sempre funcione como deve ser. Eu conseguia compreendê-lo parcialmente, só não entendia minha participação em tudo aquilo. O que ele estava falando era tão grande, que simplesmente não combinava comigo, com a gata borralheira com pouquíssimas ambições que eu era. — Por que eu? — Questionei, envergonhada por me sentir tão pequena. — Imagino que não faltem candidatas à altura de ser a mãe do futuro dono de uma das maiores redes de joalherias do mundo. Então por que eu? Antonella Botelho, uma infeliz órfã que há anos não sabe nem o que é frequentar bons lugares, que está totalmente defasada nos conceitos de etiqueta da atualidade. — Porque você é real. Tem alma, tem espírito valente, tem coisas que interessam ao mundo na cabeça. Você, Antonella, não é apenas mais um corpo escultural envernizado com a boa educação, como as modelos que tentaram me empurrar. Você é de verdade, entende? As palavras de Felipe tocaram num ponto extremamente sensível em mim. Minha autoestima. Fazia muito tempo que essa camada do meu ser estava totalmente coberta por entulho e mais entulho de humilhações e ameaças. Eu não me sentia merecedora de estar ali, defronte a um homem com tanta coisa para dar ao mundo, defronte ao homem que era dono de si, enquanto eu, perambulava pela vida com os pés presos a correntes tão pesadas, que me puxavam gradativamente para o abismo. Era impressionante como o clima dantes erótico, tornou-se pesado e reflexivo de um instante para o outro. Nenhum resquício daquela sensualidade estava mais ali, restavam apenas duas pessoas em uma conversa realmente séria. Claro, ainda havia certa tensão sexual no ar, mas era irrelevante no momento. — Senhor Mondragón não posso aceitar sua proposta, mesmo sendo muito atraente, na minha cabeça, seria o mesmo que me tornar uma prostituta, uma cópia de Verônica. — Não, estaria finalmente fazendo algo por si mesma, estaria rompendo uma história que visivelmente te machuca. Eu não sabia o que pensar em relação ao que ele dizia. Um lado de mim sabia que ele estava certo, eu precisava me libertar, ser livre era um direito que eu tinha, mas por outro lado sentia medo, muito medo dessa liberdade, até porque essa liberdade viria com uma aliança no dedo e um bebê no ventre. Eu não estava pronta para isso, não podia assumir uma responsabilidade tão grande naquele momento, por essa razão, me levantei da cadeira e recusei de uma vez por todas a proposta do CEO. Até chegar à porta não ouvi um único ruído, nem mesmo a respiração do todo poderoso. Contudo, antes mesmo de girar a maçaneta, meu nome foi bradado em alto e bom som, o que fez com que eu me virasse bruscamente. Vi Felipe Mondragón caminhando em minha direção. Andava depressa e com os olhos cravados em mim. Quanto mais ele se aproximava, mais meu coração ameaçava sair pela boca. E antes que isso acontecesse, o CEO parou diante de mim, me entregou um pequeno cartão prateado e falou: — Se até o fim deste dia você mudar de ideia, telefone-me e resolveremos as coisas o mais rápido possível. Faremos isso sem burocracia e sem alarde. Mesmo tendo certeza de que nada me faria voltar atrás, algo me compeliu a tomar o cartão nas mãos. Antes de ir embora, olhei no fundo dos olhos que tanto me atormentavam, e com uma fisgada no peito, proferi: — Adeus, Felipe Mondragón. — Até breve, Antonella Botelho. — Retribuiu. Era óbvio que o CEO estava certo de que nos veríamos de novo, e embora eu tivesse plena convicção de que não aconteceria, em meu íntimo desejava isso loucamente. O caminho de volta para casa foi mais rápido do que o de ida, provavelmente por não haver mais o adendo da expectativa. Eu já sabia o que o homem queria de mim, afinal. Por um lado, estava decepcionada por não ter recebido uma proposta de emprego, mas por outro, me sentia como uma Cinderela que havia conseguido atrair a atenção do príncipe. Não podia negar que isso me deixava com o ego infladíssimo. Depois de tanto tempo me sentindo o ser mais miserável do mundo eu finalmente havia sido notada por alguém e não era qualquer um. Era um dos homens mais poderosos do mundo e muito, além disso, também estava muito próximo de ser a criatura humana mais perfeita do planeta. Felipe Mondragón, era simplesmente de tirar o fôlego. Ele era um sonho, um espécime do sexo masculino. Se parecia muito com a imagem que eu tinha de Narciso, um personagem da Mitologia Grega, que era excepcionalmente bonito. Tanto, que se apaixonou pela própria imagem refletida nas águas de um lago. O personagem era arrogante e orgulhoso. Felipe não me parecia esse tipo de pessoa, apesar da proposta que me fez. O CEO era alto e grande, dono de braços tão compridos e musculosos, que me convidavam a me aninhar neles. Realmente não sei como fui capaz de resistir a sua proximidade. Tudo nele parecia uma fonte inesgotável de prazer. Não conseguia desviar o pensamento de Felipe Mondragón, não parava de pensar nele nem na proposta que me fizera. E se eu aceitasse? Se me casasse com ele? Se lhe desse um filho? — Está tudo bem, senhorita? — A pergunta feita pelo motorista do Uber arrancou-me abruptamente dos meus delírios. — Sim, sim. Só estou com um pouco de dor de cabeça, obrigada por perguntar. Depois dessa interrupção, meus pensamentos tornaram a se concentrar inteiramente em Felipe Mondragón. Era impossível não pensar em como ele era dolorosamente bonito. Permaneci com o cartão nas mãos o tempo todo. O simples fato de ler o nome dele ali, mexia comigo. Era um lembrete de que tudo era real e não um holograma formulado por minha mente sedenta de fantasias. Cheguei em casa ainda abalada pelo que acabara de acontecer. Tinha vivido uma experiência surreal demais. Entrar naquela casa, naquele inferno em terra, me fez cogitar aceitar a proposta, foi apenas por um breve momento, mas isso logo passou. Eu não aceitaria, era absurdo e estúpido sequer pensar nisso. Felizmente não encontrei nenhuma das bruxas. Corri até a cozinha, estava ansiosa para contar a Marina o que tinha acontecido, mas ela não estava lá, então fui até seu quarto, e o cenário que vi lá, foi assombroso. A pequena cama da minha preceptora estava coberta por roupas, tinha duas malas no chão. Chorando, Marina retirava mais algumas roupas do armário e as jogava sobre o colchão. — O que está acontecendo, Marina? — Questionei, em tom extremamente agudo, pois já previa que algo terrível havia ocorrido. Sem responder, Marina parou o que estava fazendo, veio até mim e prendeu-me em um abraço muito forte. O desespero começava a se instaurar em mim. Meu maior pesadelo tinha se concretizado, eu tinha certeza disso. — Verônica me expulsou de casa, meu amor. — Em prantos, proferiu a horrenda frase que eu tanto temia escutar. Me senti sem uma gota de sangue no rosto, e só não fui ao chão porque os braços de Marina me circundavam. — Como assim essa mulher te expulsou de casa? Por quê? Desvencilhou-se de mim e secou as lágrimas com as costas das mãos. — Isso não vem ao caso, querida. — Claro que vem. Me diga agora porque essa desgraçada fez isso. Agora, Marina! Ela ainda titubeou em responder, mas insisti e consegui arrancar a verdade por trás de tudo aquilo. — Ela me ouviu falar com você ao telefone enquanto estava a caminho da joalheria e ficou fora de si. Me acusou de acobertar suas armadilhas contra ela, me xingou de tudo quanto foi nome e ordenou que eu saísse desta casa hoje mesmo. — Não, não. Isso não vai acontecer, a casa também é minha. — Você sabe que as coisas não são assim, meu amor. Eu inspirava e passava as mãos pelo rosto demoradas e várias vezes. — Onde Verônica está? Com lavas de vulcão correndo por minha cabeça e desaguando nos olhos, disparei para a área da piscina e encontrei Verônica e Sheila deitadas nas espreguiçadeiras, curtindo a vida como se não tivessem destroçado todo o meu mundo. — Verônica! — Vociferei tão alto que mãe e filha levantaram das espreguiçadeiras em um salto. — O que é isso garota? Ficou louca? — O rosto de minha odiosa madrasta estava vermelho e não era pelas horas que havia passado à beira da piscina. — Com que direito mandou Marina deixar essa casa? A feição debochada não se alterou quando os óculos escuros deixaram a face. — Com o direito que me cabe como proprietária do imóvel. — A expressão de escárnio de Verônica arrebentava-me os nervos. — Você esquece que essa casa também é minha. — Mas não é por isso que pode hospedar uma ladra. — Ladra? Do que você está falando? Marina não é nenhuma ladra, sua louca. — Sei que não, só que não terei muito trabalho em convencer a polícia do contrário. — Posso alegar que a vi roubar uma joia de mamãe por exemplo. — Intrometeu-se Sheila. Queria matá-las. Pela primeira vez na vida, realmente me senti capaz de cometer um crime. Não entrava na minha cabeça como alguém podia pensar em um plano tão maquiavélico contra uma pessoa como Marina, que só trazia luz e paz. Ela era meu ponto fraco, e ao mesmo tempo a fonte de toda a minha força. Apenas ela me impedia de sucumbir a todos os golpes que vinham em minha direção. Por isso, ameaçar prejudicá-la de qualquer forma, era a única coisa que me desarmava. Infelizmente, minhas inimigas sabiam disso muito bem, e usavam dessa artimanha o tempo inteiro para me ter nas mãos. — Tudo bem, vocês finalmente ganharam a luta. — Um par de traiçoeiras lágrimas escorreu dos meus olhos. — Marina e eu sairemos desta casa. – Engoli o choro e me aproximei de minha adversária. Foi fácil lembrar da forma como Felipe Mondragón me fitava e encarei Verônica da mesma maneira. — Mas uma coisa garanto a você... — Havia longos intervalos entre as palavras, todavia, estas soavam tão firmes quanto eu precisava que fossem. – Um dia serão vocês que deixarão essa casa, e pela porta dos fundos. Sem dar tempo para retaliações, deixei o lugar. Enquanto marchava para longe das duas serpentes, podia ouvi-las berrar histericamente. Mas estava concentrada demais em outra coisa para compreender o que diziam. Quando cheguei ao modesto quarto de Marina, a encontrei de pé e ao lado de suas malas. Nos olhos a mesma tristeza de quando me informou sobre a morte do meu pai. — Eu já vou minha menina, não quero que se preocupe comigo. Conversei com uma amiga e ela disse que me acolherá em sua casa. Vou ficar bem. Cobri suas mãos com as minhas e disse: — Sairemos daqui juntas. Mas primeiro quero pedir que se tranque no quarto e me espere por algumas horas. Vou resolver nossa situação. Sua testa enrugou. — Como assim? O que pretende fazer? Preferi não contar a ela dos meus planos até ter certeza de que dariam certo. — Por enquanto não posso dizer. Mas preciso que confie em mim, darei um jeito no problema e ficaremos melhor do que antes. — Sempre confiei em você, menina. Meu coração se aqueceu. Era reconfortante saber que alguém confiava em mim. Que Marina confiava em mim. Se tudo desse errado, eu a teria, e ela cuidaria de mim como fez a vida toda. Meu livre arbítrio havia sido despedaçado pela demissão de Marina. Eu não tinha escolha senão aceitar a oferta do CEO, e ainda precisava torcer para que ela fosse séria. Não me dei tempo para pensar e mudar de ideia. Fechei a porta do meu quarto, peguei o celular e disquei o número escrito em letras pequenas no cartão prateado. Depois que a chamada foi atendida pela voz grossa e sensual, que eu já conhecia muito bem, precisei de dois segundos para conseguir falar. — Oi, aqui quem fala é Antonella Botelho. Ouvi um suspiro delicioso do outro lado da linha. Um suspiro que me fez esquecer por uma fração de segundo, o motivo da ligação e em quais condições ela foi feita. — Reconheci sua voz. Se me ligou tão rápido imagino que tenha reconsiderado sua decisão de não aceitar minha proposta. — Havia um sorriso de vitória velado em sua voz. Ele estava certo, eu havia trocado de posição. As circunstâncias me obrigaram a reconsiderar. Mas por vergonha, hesitei em responder por um tempo. — Se o senhor falou sério sobre o casamento, eu aceito, mas preciso de ajuda com urgência. — Falei tudo sem pensar, se pensasse, não teria falado nada, pois o acovardamento teria vedado meus lábios — O que aconteceu? — Em sua voz notei uma legítima preocupação comigo e foi isso que me fez continuar. — Não tenho mais onde morar, eu e minha babá fomos expulsas de casa e não temos nenhum dinheiro. — Não entendo como foi possível, mas isso pouco importa. Se aprontem o quanto antes, em meia hora meu motorista passará para buscá-las e então conversaremos pessoalmente. — Você não tem meu endereço. — Tenho sim. — Falou como se não fosse nada. — Como? — Apenas esteja pronta, Antonella. Sem me dar tempo de pedir explicações, encerrou a ligação. Não entendia como Felipe Mondragón sabia tantas coisas sobre mim. Claro, ele era poderoso demais, e tinha meios para saber até o RG de quem lhe conviesse. Mas havíamos nos conhecido na noite anterior, não sabia que sua influência podia agir tão rapidamente. Realmente, eu tinha muito o que aprender, ainda mais se fosse de fato entrar para aquele mundo. O mundo de Felipe Mondragón, que era o oposto do pequeno universo da gata borralheira em que eu vivia. Fiz exatamente o que o ele ordenou, sem perder nenhum segundo. Liguei para Marina, e pedi que permanecesse em seu quarto, avisei que sairíamos em breve. Em tempo recorde, organizei todas as minhas coisas em duas grandes malas pretas, depois corri para o toalete e me preparei para reencontrar o presidente da rede de joalherias. Estava nervosa e tinha razões para isso. Felipe Mondragón era intimidador e direto. Não sabia o que me esperava quando o encontrasse. Falou sério quanto ao casamento, mas eu não entendia porque eu, quando ele tinha tantas opções melhores. Tinha ciência da atração dele por mim, o agradava como mulher e ele mesmo dissera isso. Mas não era motivo suficiente para me escolher como esposa. Sei que estava presente enquanto discutia com Verônica, talvez tenha confundido minha bebedeira com coragem. Talvez tivesse julgado que eu seria a mulher perfeita para gerar um menino forte e digno de assumir a cadeira de presidente de uma das mais lucrativas corporações do continente. Eu precisava dissuadi-los desse conceito, só que não estava pronta para isso. O principal e mais agonizante: não queria isso. Desejava profundamente que o ele continuasse me considerando uma mulher guerreira, à altura dele. Mas como conseguir isso? Como me passar por alguém que não era, estando tão perto da pessoa que pretendia ludibriar? Poucos minutos depois do telefonema, já estava com quase tudo empacotado, exceto um presente muito especial, que Marina havia me dado em meu aniversário de dezoito anos. Tomei banho, olhei para a cama e analisei, receosa, o que havia sobre ela. Fitei o vestido vermelho extremamente sexy, e considerei que seria uma boa estreá-lo agora. Com ele, me sentiria minimamente parecida com as beldades com as quais Felipe Mondragón certamente costumava andar. Era realmente sensual, mas passava longe da vulgaridade, afinal, fora presente de Marina. E ela nunca me daria algo que me fizesse parecer com mais uma das garotas que perambulavam acenando, pelas estradas da cidade. Cheia de coragem, coloquei-me diante do grande espelho pendurado na parede do quarto que fora meu durante toda a minha vida e agora deixaria de ser. Desfiz o nó do roupão, e deixei que a peça úmida caísse sobre meus pés, apanhei o vestido, e sem pressa fui percebendo o tecido delicado se ajustando às minhas curvas. Lembrei do olhar ardoroso do CEO sobre mim, e de repente me senti protagonista de um filme adulto. Tomada por um repentino despudor, passei a acariciar todo o meu corpo, a começar pela parte do seio, exposta pelo decote generoso. Depois deslizei a mão até a cintura, e terminei simulando tocar meu sexo, já coberto pelo vestido que, aliás, terminava à três ou quatro palmos dali. Algumas horas antes, gostaria que Felipe me visse como uma mulher séria, digna de um emprego na empresa. Mas como já conhecia suas intenções, agora queria que ele queimasse como eu estava queimando. Ansiedade era um solo que eu desconhecia, sempre tive tudo sob controle. Mentes brilhantes e mãos hábeis, sobretudo as minhas, garantiam que tudo corresse exatamente como deveria correr. Contudo, Antonella Botelho era curva fora da linha, um acidente de percurso. Um delicioso acidente de percurso. Depois de nossa conversa, fiquei certo de que ela recusaria minha proposta. Poucas horas depois de sair da minha sala disposta a nunca mais me ver, ligou aceitando, e dizendo que precisava da minha ajuda. E agora estava vindo ao meu encontro, naquele exato momento. Eu realmente não sabia o que esperar dela. O pior era que não sabia o que esperar nem de mim mesmo. Alguma coisa naquela garota me atraía muito. E não era apenas a sua beleza. Tinha algo a mais. Por mais que tentasse, era impossível parar de pensar em seus lábios delicados e rosados, como uma deliciosa framboesa. Queria prová-los, tomá-los em minha boca com toda a fome que sentia dela. Mais do que isso, ansiava deslizar os lábios pelo pescoço alvo. E, principalmente, saborear o fruto proibido entre suas pernas, marcando-a assim por minha. Tudo isso teria que esperar. Primeiro precisava de um sim para o casamento, e outro sim para fodê-la como queria. Só não sabia o que faria enquanto essa bendita aprovação não fosse dada. Tinha certeza de que outras bocetas de nada serviriam, muito menos a autossatisfação. Eu precisava de Antonella, só ela podia apagar o fogo que me incinerava de dentro para fora. Eu estava agoniado, perturbado mesmo. Carlos, meu motorista, me ligou e disse que chegariam em vinte minutos, mas pareciam vinte anos. Transitava sem parar, pela enorme sala. Ora fitando o lustre pendurado no teto, ora sentando e levantando do sofá branco, grande demais até para dez pessoas. Meus nervos estavam à flor da pele, mal podia esperar pela chegada de Antonella. Parecia uma criança a espera do seu presente de natal. — O senhor está bem? — A voz suave de Julia me fez levantar novamente do sofá. — Estou. Obrigado por perguntar. — Menti. Apesar da minha garantia, a mulher desceu os degraus da escada caracol com uma bandeja nas mãos. — Tomei a liberdade de preparar um chazinho de camomila, espero que não se importe. Mesmo experimentando um nervosismo absolutamente novo, esbocei um sorriso gentil à doce senhora, e tomei a caneca nas mãos. — Claro que não, até agradeço. — Falei gentilmente. — Que bom, voltarei aos meus afazeres, então. Se o senhor precisar de alguma coisa é só chamar. — Fique tranquila, Julia, estou bem. Preciso apenas que peça a Pietro para se esmerar no almoço. Teremos convidadas. — Desejava profundamente que Antonella se sentisse bem em minha casa, e que até mesmo a comida a encantasse. Julia se retirou da sala com a mesma discrição com a qual chegou, e demorei para perceber que estava sozinho novamente. Não entendia porque a aprovação de Antonella me importava tanto, afinal, tudo que eu queria dela era um herdeiro. Ao menos era nisso que insistia em fazer com que todo o mundo acreditasse, apesar de eu mesmo saber que minhas intenções iam muito além disso. A garota me atraía sexualmente, essa já era uma questão selada. Mas havia outras coisas que me interessavam nela. E isso era o que me intrigava. Já tinha percebido que era oprimida pela madrasta, maltratada mesmo, o que aflorava em mim o instinto de proteger alguém, que até então não sabia que possuía. Até aquele momento, não conseguia compreender porque recusara minha proposta logo de cara. Casar-se comigo e tornar-se mãe de um bebê bilionário, parecia um destino muito mais apetitoso do que o que estava predestinada. Aquela garota era realmente intrigante, e eu faria até o impossível para conhecer todas as suas nuances. Num acesso, me levantei do sofá e caminhei até a grande porta de vidro, quando ouvi o portão da propriedade abrir e o barulho de motores. Me sentia ridículo ali, em pé, esperando a entrada de Antonella, mas não podia ser diferente. Era como se meus pés estivessem colados naquele lugar. Pela transparência da porta, pude ver a ladra dos meus pensamentos antes mesmo que as travas automáticas se abrissem. Estava deliciosamente sexy, muito diferente da Cinderela de contos de fadas que conheci na festa, e mais ainda da pseudo mulher de negócios que havia ido ao meu escritório horas antes. Era uma mulher, uma “Femme fatale”, capaz de virar pelo avesso a cabeça de qualquer homem. E com a minha não foi diferente. Usava um vestido vermelho à altura dos joelhos, que acentuava suas curvas naturalmente delineadas. O cabelo loiro e cacheado, estava rebelde, o que a deixava ainda mais deslumbrante. Julia tornou a aparecer, e abriu a porta, o que me permitiu não só contemplar a beleza de Antonella com mais nitidez, mas também me esbaldar com o maravilhoso aroma floral que ela exalava. — Senhor Mondragón. — Disse baixinho, os olhos azuis fixados em mim. — Antonella. — Retribui, também sem conseguir desviar o olhar daquele rosto delicado e que refletia uma expressão acanhada. — Gostaria de lhe apresentar... Esta é Marina, minha preceptora. A senhora tinha nos lábios o sorriso mais maternal e angelical que vi em muito tempo. Era um espírito afim, sem sombra de dúvidas. O tipo de pessoa com quem nos conectamos logo no primeiro olhar. — Muito prazer, sou Felipe Mondragón. — Saudei, beijando em seguida sua mão. — Desculpe aparecermos tão de repente, mas é que as coisas tomaram um rumo extremo, e como o senhor... Olhei para a bela mulher, com um sorriso que certamente expressava toda minha satisfação em vê-la novamente. — Depois falamos sobre isso. Por enquanto, pedirei para alguns empregados acomodarem seus pertences nas suítes. Olhos alargados e lábios entreabertos denunciavam a surpresa da moça. — Pernoitaremos aqui? — Indagou, assustada. — Se preferirem, posso instalá-las em algum hotel. A ideia não me agradava. Absolutamente. O que mais queria era ter Antonella dormindo sob meu teto o mais rápido possível, mas sabia que não podia pressioná-la. Tinha que deixá-la livre. Ao menos naquele momento os acontecimentos não podiam se desenrolar ao meu bel-prazer. — De forma alguma. A última coisa que quero é lhe dar mais esse trabalho, ficamos aqui mesmo. — Alegrei-me, mas não demonstrei. — Só que antes temos uma conversa pendente. Acho que há um assunto entre nós que precisa ser colocado em pratos limpos o mais rápido possível. — Você tem razão. — Olhei para Júlia, que já estava novamente na sala, à minha disposição. — Por favor, conduza a senhora Marina até um quarto de hóspedes, depois peça para um segurança carregar as malas. — Dirigi-me à funcionária. Instantes depois, Antonella e eu estávamos sozinhos. Um de frente para o outro. Tensos. —Conversamos aqui ou prefere ir ao meu escritório? — Prefiro falar no seu escritório. Queria segurar em sua mão e levá-la ao escritório, mas não me atrevi. Tocar em sua pele desmontaria meu controle, então apenas pedi que me acompanhasse. Os olhares entre nós foram constantes no breve caminho até o escritório, que ficava ainda naquele andar. Mas o silêncio se fez presente o tempo todo. Era um silêncio ensurdecedor. Havia uma névoa, uma energia sexual, e até astral, que pairava no ambiente. Tenho certeza que isso era sentido por Antonella também. Entramos no cômodo, e o aroma de eucalipto ousou atropelar o outro perfume que preenchia minhas narinas. O perfume dela. Convidei Antonella a se sentar na cadeira que ficava à frente da mesa relativamente grande, e fiz o mesmo na outra. Durante algum tempo apenas nos encaramos. Emudecidos. Estudando cautelosamente as expressões um do outro. Até que Antonella, com uma voz aguda e apressada disparou: — Essa história de casamento é mesmo pra valer? Por que tenho muitas dúvidas em relação a isso... E pouca fé também. — É a mais pura verdade. Há alguns dias me reuni com os executivos da empresa e concluímos que seria conveniente que eu me casasse para que dessa união nascesse um Mondragón legítimo. Ficou acordado que eu escolheria uma esposa. E eu escolhi você. — Por que eu? — Já respondi a essa pergunta. O rosto alvo, assumiu de repente um lindo tom rosado. — Bom... — Abaixou os olhos. — Teremos que fazer sexo, imagino. — Preciso de um filho, e não acho muito interessante essa coisa de inseminação artificial. — Atrevi-me a erguer seu rosto e fazê-la olhar nos meus olhos. — Mas não se preocupe, o sexo acontecerá no seu tempo. Sei que você já quer, só está com medo. — Falei presunçoso, mas sem o sorriso que gostaria de ter nos lábios. — Não conseguirei evitar me sentir uma prostituta. — Disse ela constrangida. — Você não será uma prostituta, será minha esposa. Levantei-me abruptamente, e caminhei até ela, dando-lhe a volta assim que cheguei a sua cadeira. Coloquei as mãos nos ombros desnudos, sentindo a pele macia estremecer com o toque inesperado. Inclinei-me levemente e sussurrei ao pé do seu ouvido: — Quando minhas mãos desbravarem seu corpo nu e minha língua estiver mergulhada no canto mais desejado do seu corpo, garanto que não pensará em nada. Seus pudores desaparecerão, e só haverá espaço para o imenso prazer que sentirá. — Felipe... Enquanto ela sussurrava meu nome, percebi suas coxas se friccionarem, e a tensão em seus ombros, outrora gritante, desaparecer completamente. Meu desejo por Antonella era inteiramente recíproco. Ela me desejava dentro de seu corpo, e eu estava alucinado por conhecer seu ponto mais íntimo, mais cobiçado por todos os olhos masculinos que já tiveram a honra de contemplá-la. Um casamento com ela, definitivamente não seria de fachada, pois eu faria tudo para adentrar em seu corpo e alma todas as noites. Obrigando-me a me adaptar à ausência de pele macia e quente sob minhas mãos, Antonella levantou-se num rompante, e me mirou com seus arrebatadores olhos azuis. — Se este casamento ocorrer de fato, precisaremos estabelecer algumas coisas. Assenti com a cabeça. — Claro, quanto a isso não tem com que se preocupar, meus advogados tratarão de elaborar um contrato bem abrangente e conveniente para ambas as partes. — Dei três ou quatro passos em sua direção. —Mas o mais importante você ainda não respondeu claramente: Aceita ou não, se casar comigo? — Questionei, levantando seu queixo para que respondesse olhando nos meus olhos. — Em minha atual situação, dizer não seria um ato suicida. — Informou, de um jeito que me cortou o coração. — Então sim, eu aceito. Por sua hesitação, me sentiria um canalha por insistir no casamento, mas a forma como vibrava enquanto tocava seus ombros segundos antes, tranquilizou-me. Inclinei-me com intenção de beijá-la, mas ela se afastou, deixando-me extremamente frustrado. — Nada de demonstrações afetuosas antes do casamento, CEO. Até lá, Marina e eu ficaremos em sua casa apenas como hóspedes. — Como quiser. — Disse, disfarçando minha indignação por não poder possuí-la sobre a mesa do escritório naquele mesmo instante. Permaneci no escritório por algumas horas. Julia informou-me que Antonella e Marina já estavam devidamente instaladas, e isso me deu a certeza de que a pequena travessa não fugiria de mim na calada da noite. Eu a queria por perto, por isso garanti que sua suíte fosse ao lado da minha. Desta forma, seria mais fácil que fossemos atraídos pelo magnetismo do tesão que se fortificava cada vez mais entre nós. Mesmo que ela tentasse negar. Não adiei a ligação ao principal advogado da Mondragón. Pedi a ele que elaborasse o contrato pré-nupcial e que desse um jeito para que o casamento ocorresse o mais breve possível. Algumas horas depois, Antonella, Marina e eu nos reunimos na sala de jantar para o almoço. Fiquei surpreso com o vislumbre das duas em relação ao lugar, imaginava que vivessem em condições minimamente parecidas com as minhas. Mas vi suas bocas se abrirem ao verem a enorme mesa de jantar feita de madeira laminada, circundada por dez enormes poltronas, cujos assentos eram revestidos por veludo azul. Tive a impressão de que nunca tinham visto nada parecido, mas não fiz comentários sobre isso, nem elas. Após saborearmos o salmão ao molho de pimenta rosa, que Pierre havia preparado, ainda permanecemos na mesa por muito tempo, mesmo depois de terminarmos de degustar um delicioso cafezinho italiano. O estranho, era que mesmo meu pai comparecendo à minha casa uma vez por semana, e fazendo as refeições comigo, aquela foi a primeira vez que me senti em família. Conversamos muito, e pouco falamos sobre o casamento. Estávamos mais interessados em saber um da vida do outro, principalmente eu, que queria reunir todas as informações que podia sobre Antonella. Me agradou saber que ela havia sido criada por Marina, sequer podia imaginar a menina sob os cuidados de Verônica, já que para mim, aquela mulher era uma verdadeira megera. Depois de uma taça de licor, Marina se retirou para seu quarto, deixando Antonella e eu sozinhos. Olhá-la sentada do outro lado da mesa, aquecia meu coração, era como vislumbrar o nosso futuro. Já a imaginava como dona da casa. — Nos casaremos dentro de quinze dias. — Rompi o silêncio que havia se instalado na sala. — Tão rápido? Dei de ombros. — Não vejo razão para esperarmos mais. Se não se importar, amanhã mesmo faremos os exames de fertilidade e de sangue, para descartamos a possibilidade de algum de nós portar alguma DST. — Tenho certeza que não estou contaminada com nenhuma doença sexualmente transmissível. —Afirmou. — Mas concordo com o senhor, não vejo problemas em fazer os exames amanhã. — Por favor, a partir de hoje me chame de você, afinal, somos noivos agora e não faz nenhum sentido continuarmos nos tratando formalmente. Aliás, tenho algo a te entregar. Meu coração vibrou quando Felipe tirou uma pequena caixa vermelha do bolso de sua elegante camisa polo azul marinho. Eu sabia que nada daquilo era real, era uma farsa, um casamento por conveniência. Mas me emocionou vê-lo levantar da cadeira e caminhar na minha direção. — Bem, mas bem lá no fundo mesmo, sempre sonhei em fazer isso. — Sorria enquanto falava Segurando em minha mão, Felipe me levantou da cadeira. E quando eu já estava de pé, ajoelhou-se diante de mim, abriu a caixa e proferiu as palavras que a Cinderela que habitava em mim sempre sonhou em ouvir. — Antonella Botelho, você aceita se casar comigo? Não sei se por desejar muito isso, mas senti em sua voz máscula, a mesma emoção que transbordava no meu peito. Mal podia acreditar que o impossível estava acontecendo. Deus, eu estava sendo pedida em casamento! E o mais louco era que o pedido era feito por um verdadeiro príncipe encantado. — Sim, eu aceito. — Não consegui evitar o tremor na voz, nem a formação de uma gota de lágrimas que felizmente se manteve retida na pupila. O CEO então tirou um deslumbrante anel da caixinha, e o colocou em meu dedo, coube como se tivesse sido moldado para mim. Naquele momento, não dediquei muita atenção à joia, preferi fitar os olhos nas íris negras, que me observavam como se eu fosse muito mais valiosa do que aquele anel. — Ele está há várias gerações na minha família, pertenceu a minha mãe, e antes dela a minha avó e bisavó. — Seu sorriso aumentou. — Nunca imaginei que o colocaria no dedo de alguém algum dia, mas me alegro que tenha sido no seu. — Nossa. — Expirei e mordi o lábio inferior. — Me sinto muito lisonjeada com isso. — Talvez não acredite, mas realmente gosto de você, e a admiro muito também. Não sei porque, mas acredito que formaremos um bonito casal, e talvez este casamento seja mais do que um acordo no final das contas. Ainda não sabia o que pensar dele, estava muito longe de conhecê-lo. Desejava profundamente acreditar em suas palavras, que existia alguma possibilidade de o teatro migrar para realidade. Mas não podia garantir ou confiar em nada. Passei boa parte da tarde trancada na suíte que me fora cedida, nem o quarto que era dos meus pais e fora usurpado por Verônica, podia se comparar aquilo. Dentro daquele cômodo, era impossível esquecer que estava na casa de um magnata. Sentei-me na gigantesca cama coberta por lençóis de seda cor de creme, e tentei me concentrar na belíssima vista do jardim da mansão, proporcionada pela janela de pelo menos cinco metros de largura. Contudo, a verdade era que não conseguia pensar em nada além de como a minha vida tinha mudado, literalmente, do dia para a noite. Há menos de vinte e quatro horas, limpava o banheiro de minha irmã, e como num passe de mágica, passei a ser hospede numa casa estonteante. Prestes a me casar com um dos homens mais bonitos, gentis e ricos do mundo. O que diabos eu havia feito para chamar a atenção do partido mais cobiçado do país? Não conseguia entender, e acreditava que nunca entenderia o porquê de ter sido escolhida por ele, dentre tantas mulheres lindas e elegantes que haviam na festa. Mulheres que assim como eu, dariam a vida para estar nos braços daquele homem surreal. Exaurida e com a mente fervilhando de impropérios, decidi experimentar a magnífica banheira e me perder em suas águas quentes e perfumadas, com um banho gostoso e relaxante, como há tempos eu não tomava. O tumulto dos meus pensamentos não dava trégua nem mesmo naquele paraíso aquático. Enquanto emergia nas águas mais relaxantes do mundo, não conseguia parar de pensar em Felipe. Ainda mais sabendo que ele poderia estar atrás da porta ao lado, talvez sem roupa igual a mim. Quando fechava os olhos, podia facilmente imaginar aquele homem nu. Exibindo despreocupadamente o corpo musculoso, talvez aparando a barba espessa, enquanto o espelho mais sortudo do mundo refletia aquele rosto esculpido a canivete. Não era difícil vislumbrá-lo se enxugando depois de um banho demorado. Ao passo que minha mente se lançava numa viagem erótica, meu centro feminino ficava cada vez mais molhado, encharcado, e não era por causa da água da banheira. Enquanto minha mente formulava miragens eróticas do que acontecia no quarto ao lado, minha mão deslizava pelo meu corpo, até encontrar o pequeno espaço que vibrava entre minhas pernas. Despudoradamente, enfiei dois dedos em minha entrada e a explorei, procurando o inquieto montinho que não me deixava raciocinar. Foi fácil imaginar que ao invés da minha, era a mão de Felipe ali, conhecendo o que seria dele em breve, também foi fácil vislumbrá-lo invadindo a banheira e roubando meus lábios para si. Podia sentir seu corpo enorme se colocando sobre o meu, sentir as coxas torneadas abrindo as minhas e finalmente me possuindo, arrancando de uma forma incrivelmente gostosa o que eu havia guardado a vida toda. Apertava as coxas e gemia manhosa ao mesmo tempo que contorcia o corpo e me masturbava cada vez mais imersa em meus pensamentos pecaminosos. Um grito me escapou, um grito diferente, um grito que expressava todo o prazer que eu sentia. Naquele momento sublime, em meu banheiro, na casa de Felipe Mondragón, tive certeza de uma coisa: Eu finalmente gozei, sozinha, com a fantasia que criei do homem que em breve seria meu marido, mas que por enquanto não passava de um sonho lascivo que eu criava em minha mente. Depois da experiência mais intensa da minha vida, saí da banheira e caí em um sono profundo, como os que costumava ter antes da morte do meu pai. Acordei com as estrelas ornamentando a janela do quarto, o êxtase e o cansaço me fizeram esquecer de fechar as cortinas blecaute, por isso, fui brindada com aquela arrebatadora visão do céu noturno, que parecia estar em todo o seu esplendor e beleza apenas para a minha apreciação. Apesar de estar vivendo uma situação absurda, digna de um romance de contos de fadas bem maluco, me sentia livre. Por algum motivo, o surgimento de Felipe Mondragón em minha vida me fez voltar a ser a Antonella Botelho, e deixar a gata borralheira para trás. Eu não sabia qual seria meu futuro e não me importava em saber, afinal, o presente era maravilhoso. Minha vontade era ficar na cama por longas horas, mas Marina deveria estar atordoada e sem entender nada do que estava acontecendo. Eu precisava explicar as coisas, clarear a mente certamente confusa da minha pessoa favorita. Então, reuni toda aminha força e levantei da cama ultra convidativa. Ao contrário do meu antigo quarto, o chão da suíte era quentinho, por ser coberto por um assoalho marrom projetado para o frio. Também havia uma lareira artificial em uma das paredes, que provavelmente acendia automaticamente em noites frias como aquela. Preguiçosamente, abri uma das malas e apanhei a primeira roupa que vi. Lavei o rosto, escovei os dentes, prendi o cabelo num coque desgrenhado e saí. Coincidentemente, quando atravessei a porta, Felipe também estava saindo de seu quarto que ficava ao lado do meu. Encarei-o encabulada, lembrando das coisas lascivas que fiz, pensando nele. — Está muito bem, Antonella! Definitivamente azul é a sua cor. — Elogiou, se referindo ao vestido azul bebê que eu usava. — Obrigada, você também não está nada mal. — Na verdade, estava bem até demais, só que obviamente não diria em voz alta o quanto ele ficava gostoso de camisa regata e calça de moletom. — Vai treinar? — Sim, gosto de me exercitar à noite. Suar bastante, sabe? A malícia em suas palavras me fez relembrar o que tinha feito na banheira, e considerei mais seguro me fingir de boba. — Bom treino então. Vou ver Marina. — Fique a vontade. Nos encontramos mais tarde para o jantar. — Com certeza. Até lá. Fingi partir, mas fiz questão de assisti-lo seguir seu trajeto. Ele era, sem dúvida, o homem mais delicioso do mundo, de frente e de costas. Depois de alguns minutos suspirando pelo CEO, fui finalmente ao quarto de Marina. Sua suíte era tão luxuosa quanto a minha, e fiquei extremamente feliz com isso. Marina merecia todo esse conforto bem mais do que eu. — Oi! — Cumprimentei, sorridente. — Nada de oi, menina. Trate de me explicar que loucura é essa. O que estamos fazendo nesse casarão? — Calma Marininha, que eu vim aqui justamente para te explicar tudo. Mas é melhor você se sentar que a história é bem maluca, inacreditável mesmo. Ela sentou-se no sofá rosado que havia em frente a cama, e eu fiz o mesmo. Tomei suas mãos entre as minhas. — Então, querida... — Respirou fundo. — Pode começar. — Bom, basicamente essa agora será nossa casa. Sua testa enrugou. — Como assim? — Vou me casar com ele. — Coloquei os lábios para dentro e levantei os ombros. — Dentro de quinze dias. O espanto em seu rosto denunciava todo seu choque. — O que? Mas como assim minha filha? Quando se apaixonaram? — Não nos apaixonamos. Ele precisava de um herdeiro e eu de liberdade, fizemos uma troca. —O que é isso, Antonella? Você só pode ter ficado louca. Sou radicalmente contra. Isso é um absurdo! — Concordo plenamente com você, Marina, mas pensa bem... Pior do que estava não dá pra ficar. — Dá pra piorar sim, querida. Acredite em mim. — Marina, você sabe que eu te respeito e te amo muito, mas já tomei minha decisão. Vou me casar com Felipe Mondragón sim. — Inspirei. — E que seja o que Deus quiser. Meus pensamentos corriam tão rápido quanto meus pés na esteira. Péssima ideia a de Dóris, essa de me casar, eu estava feliz, cuidando da empresa como Deus manda, e agora a única coisa que fazia era pensar em Antonella. Mais do que fodê-la, queria aninhá-la em meus braços, cuidar dela e fazê-la esquecer de todos os horrores que viveu com a madrasta e sua filha. Merda! Eu era o CEO de uma gigantesca empresa, e só o que me interessava era uma coisinha pequena e linda que virou meu mundo de cabeça para baixo. Eu nunca tinha sentido por mulher alguma o que estava sentindo por Antonella. Queria fazer amor com ela, é claro, mas queria muito mais, queria seu corpo, sua alma, seu coração e cada um de seus pensamentos. A queria inteira. Só para mim. Desde que coloquei os olhos naquela menina, um sentimento de posse apoderou-se de mim. Ela se parecia tanto com a mulher dos meus sonhos, que instantaneamente a requisitei para mim. Para ser minha. Sim, ela era minha e até a ideia de ter um filho começava a me incomodar. Um filho atiraria de mim, e quando nos casássemos não permitiria que nada a tirasse da minha cama. Não queria dividir Antonella com ninguém. Infelizmente, quinze tormentosos dias separavam seus lábios e sua boceta da minha boca, não sabia se conseguiria suportar todo esse tempo. Eu tentaria, seria um período árduo, mas aguentaria por saber que a recompensa seria Antonella. A ânsia de tê-la em meus braços era o suficiente para conseguir esperar. Fiz uma hora de esteira, o dobro do que costumava fazer normalmente, mas isso porque naquela noite, eu realmente precisava gastar energia, ou correria um sério risco de explodir. A academia ficava no subsolo da propriedade e naquela noite eu realmente agradeci por haver um lavabo e um pequeno closet com itens básicos. Aprontei-me rapidamente, peguei o elevador e fui direto para o escritório. Passei o dia tão entretido com outras coisas, que preteri completamente o trabalho, mas já estava mais do que na hora de reassumir o modo CEO, e resolver as pendências que chegaram por e-mail e fax. Haviam três documentos enviados por fax, que demandariam certo tempo. Deleguei a tarefa de responder aos e-mails à minha secretária e finalmente dirigi-me à sala de jantar. Estava morto de fome e de vontade de rever Antonella. A mesa já estava posta quando cheguei à sala, o aroma no ambiente era de frutos do mar. Sentada ao lado de Marina, estava Antonella. Linda, ainda usando o vestidinho esvoaçante e sexy, com o qual a tinha visto horas antes. Reparei que havia dado mais atenção ao cabelo, que agora estava completamente alinhado em uma trança lateral. Ao contrário do que foi o almoço, durante o jantar o silêncio reinou. O clima era de total tensão, e ficou subentendido que Marina já sabia de tudo que estava acontecendo entre Antonella e eu. A mulher que antes se mostrava comunicativa e aberta, passou a me direcionar olhares desconfiados e pouco falou. Não me senti ofendido, era apenas uma mãe preocupada com a filha, e essa posição, ao invés de recriminatória era bonita e aplaudível. Marina não tinha com o que se preocupar, minhas intenções com a garota não podiam ser mais honrosas. Em um momento mais oportuno eu a faria saber disso. Aquela estava sendo a noite mais inquieta da minha vida. Na condição de CEO, e tendo milhares de questões a resolver todos os dias, nunca havia perdido o sono. Naquela noite, no entanto, a insônia finalmente me alcançou. Não podia pregar os olhos sabendo que a maior das tentações estava há poucos passos de mim. Se a coragem vencesse o duelo contra o pudor, eu entraria em seu quarto e mostraria todo o prazer que uma mulher é capaz de sentir nos braços de um homem. Eu não faria isso, fora da cama era um perfeito cavalheiro, e os cavalheiros se controlam. Não se deixam levar pelo arroubo da paixão, sem que a mulher diga com todas as letras que o quer. Quando o dia clareou, meus olhos estavam pesados e vermelhos, por terem se mantido abertos a noite toda. Mas isso Não atrapalhava a minha animação, era sábado e Antonella e eu daríamos os primeiros passos para o casamento. Dóris já tinha planejado todo o itinerário do dia, se incluindo nele é claro, afinal estava ansiosissima para conhecer a futura senhora Mondragón. Muito mais ansiosa que meu pai, aliás. Eram pouco mais de 9h00min, quando chegamos ao laboratório onde faríamos os exames. Antonella estava muito bonita, usava calça jeans e uma camiseta rosa de alças finas. O cabelo estava preso em um rabo de cavalo bem alto. Parecia ainda mais jovem naquele dia. — Como foi sua primeira noite em minha casa? — Perguntei, enquanto estávamos sozinhos no elevador. Abriu um sorriso lindo, que pude contemplar pelas paredes espelhadas. — Muito bem. Longe de Verônica eu durmo que é uma beleza. E também, sua casa é muito confortável, sobre isso não há nem o que falar. — Disse, risonha. Ela parecia muito feliz e tranquila. Isso me aliviou bastante, pois no fundo tinha medo de que o casamento fosse um sacrifício enorme para ela. — Você tem uma péssima relação com sua madrasta, não é mesmo? Os espelhos também mostraram seus olhos revirando. — Muito pior do que você possa imaginar. Apesar do assunto ser triste, era a primeira vez que tínhamos uma conversa de verdade e eu amei muito aquilo. Gostando do clima amigável. — Tive a oportunidade de falar com ela na noite em que nos conhecemos, e a mim também não causou uma boa impressão. Parece ser uma pessoa difícil. — Insuportável! A pior pessoa do mundo. O elevador abriu e o resto do mundo voltou ao foco, e já não éramos mais só nós dois num cubículo fechado e totalmente nosso. Voltamos à superfície, ao resto do mundo. — Estávamos no seu aguardo, senhor Mondragón! — Disse a recepcionista que nos recebeu sorrindo quando descermos do elevador. — Nada de jornalistas? — Interpelei, esperando que a renomada clínica tivesse seguido à risca minhas instruções. — Isso mesmo, tudo foi feito segundo suas instruções, em total sigilo. — Ótimo. A clínica estava praticamente vazia: só haviam os médicos e os funcionários que nos atenderiam. Decidi que as coisas seriam assim, não queria que meu casamento vazasse para a imprensa antes do tempo, e a mera suspeita de que exames pré- nupciais estavam sendo feitos, seria um prato cheio para os abutres. Tudo aconteceu muito rápido e fácil, em menos de duas horas Antonella e eu já havíamos feito todos os exames necessários para o casamento. Inclusive os de fertilidade, já que esse era o ponto mais importante de tudo aquilo. — Os resultados ficarão prontos em dez dias e na semana seguinte poderemos nos casar. — Disse a ela enquanto abria a porta do carro para ela entrar. O rabo de cavalo de Antonella voava enquanto o conversível desbravava velozmente as ruas da grande metrópole. O dia estava lindo, com pouquíssimas nuvens manchando o azulado do céu. E o sorriso de Antonella, que eu podia perceber com minha visão periférica, ah, esse guerreava com o sol pelo posto de luminária do dia. Adorava vê-la feliz, mas não sabia o porquê de toda aquela alegria e estava curioso, então resolvi perguntar. — Posso saber por que está tão contente? Respirou fundo, o vento batendo forte em seu rosto. — É que faz muito tempo que não me sentia assim, tão livre... — Inspirou novamente. — Tão dona de mim. Se não estivesse com as mãos no volante, acariciaria seu rosto e diria que dali para frente, ela seria livre para sempre. Os grilhões impostos por sua madrasta foram quebrados. Me arrependi de ter dispensado o motorista. Seguimos a viagem em um silêncio bom. Estávamos a caminho do restaurante em que Dóris marcara um almoço para conhecer a noiva, e conversar sobre alguns detalhes do casamento. Senti Antonella envergonhada quando entramos no requintado lugar, mas circundei-a com meus braços, tentando fazê-la se sentir mais segura. — Nenhuma dessas moças chega a seus pés. — Sussurrei, ao perceber seus olhos abaixarem cada vez que esbarravam em uma mulher vestida finamente. Era impossível Antonella não ter consciência da arrebatadora beleza que possuía. Talvez pelos anos de opressão vividos ao lado da madrasta, sua autoestima estivesse em frangalhos. Trataria de resolver esse problema, aos poucos a faria se lembrar da pessoa singular que ela era. Avistei Dóris sentada na mesma mesa que ocupávamos sempre que nos reuníamos no lugar com outros executivos da Mondragón, e até com clientes, isso mais raramente. Levei Antonella até lá. Fomos recebidos com um sorriso que ia de orelha a orelha, e uma garrafa de champanhe. — Finalmente estou conhecendo nossa futura imperatriz. Dóris se levantou e cumprimentou minha noiva com um beijo na bochecha. Com muita timidez, o gesto foi retribuído. Puxei uma cadeira ao meu lado para Antonella. Dóris acomodou-se na confortável cadeira branca acolchoada, no polo oposto da mesa. — Bom, antes de qualquer coisa, gostaria de dizer que sua escolhida não poderia ser mais bonita. Orgulhoso, fitei a deslumbrante loira ao meu lado, e em seguida, com um sorriso largo nos lábios, voltei a me concentrar em Dóris. — Você tem razão, ela é realmente divina. — Muito obrigada aos dois! — Aquela foi a segunda vez que a retraída menina falou desde que havíamos entrado no restaurante. Com um discreto aceno, Dóris chamou a atenção de um garçom, que imediatamente veio até nós. — Por favor, traga-nos três taças e o menu. — Solicitou a marqueteira, valendo-se da sua habitual educação. Cinco minutos depois, já estávamos com as taças erguidas, e um brinde veio logo em seguida. — À felicidade do casal, e ao vindouro fruto desta união! Fizemos o pedido, e de imediato entramos no assunto que nos levara até ali. — Então a cerimônia será realizada na sua casa, sem convidados e qualquer tipo de alarde, certo? — Sim, no momento oportuno daremos uma recepção para apresentar minha esposa à sociedade, porém por enquanto nada de festas. — Estou de pleno acordo com você, chefe. — Eu também. — A voz baixa de Antonella pôde ser ouvida novamente. — Se não tiver compromisso depois daqui, a personal stylist da empresa a levará às compras. Voltei a atenção para Antonella, e vi seus olhos crescerem após a colocação de Dóris. — Compras? — Questionou, aturdida. — Isso é mesmo necessário? — Claro. Nossa futura primeira dama precisa se vestir como tal. Futuramente contrataremos um bom estilista para criar seu guarda-roupas. Por enquanto, é o que dá para fazer. Dóris era completamente alheia à condição em que Antonella vivia no casarão Botelho, por isso falava com toda a naturalidade. — Não poderei acompanhá-la querida, tenho pendências na Mondragón, mas leve Marina, tenho certeza que será um dia agradável para ela. As íris azuladas se iluminaram de repente e finalmente vi contentamento em seu rosto, em relação a ideia de Dóris. Era admirável a forma como minha menina colocava o bem-estar da preceptora acima do seu próprio. O almoço foi agradável e durou pouco. Logo a personal stylist chegou para buscar Antonella, e Dóris e eu seguimos para empresa. Eu estava acanhada, há muitos anos não entrava em um shopping como aquele. Tinha a incômoda sensação de que todos os olhares estavam voltados para mim, me analisando e reprovando. Pensei que se eu me sentia daquele jeito, Marina deveria estar se sentindo muito pior, então aconcheguei sua trêmula mão entre a minha. À nossa frente, uma estupenda ruiva caminhava a passos largos e elegantes. Me impressionava o fato de seus saltos altos e finos não produzirem ruído algum ao atritarem com o porcelanato branco do shopping de altíssimo padrão no qual nos encontrávamos. Estava imaginando se algum dia poderia possuir metade da classe daquele arquétipo da graciosidade. Passei por tantas coisas e humilhações, que passei a não me ver mais como alguém elegante. Aos poucos fui perdendo o interesse em mim mesma, e hoje tinha consciência de que um dia fui assim, mas tinha dúvidas se conseguiria voltar a ser. Mesmo tendo sido criada em um ambiente refinado, nunca tive a graça que outros esperavam de mim. Talvez por isso tivesse sido tão fácil para Verônica me manipular. Subitamente, ela parou, girou sobre seus saltos e nos inspecionou de cima a baixo. — Não vai ser difícil encontrar o estilo de vocês. — Disse, cruzando as pernas longas, vestidas em uma calça de couro vermelho. Caminhou até Marina, e colocou o dedo indicador (atrativo pela enorme unha pintada de preto) em sua bochecha e disse: — Seus cabelos negros e pele alva ornam espetacularmente bem com esses magníficos olhos ocres. Temos excelentes boutiques especializadas em moda plus size por aqui, e não vai ser difícil encontrar peças que realcem sua beleza. Os olhos da personal stylist focaram em mim. — Quanto a você Antonella, duvido que haja algo que não lhe caia bem. — Me analisou novamente e sorriu, exibindo uma fileira de dentes brancos e alinhados. — Você é realmente divina, mas encontraremos o caminho que lhe deixará ainda mais linda. Vamos? — Concluiu, voltando a caminhar à nossa frente. Era louco ouvir palavras tão lisonjeiras vindas de uma mulher como Fernanda, já que ela sim se assemelhava a uma divindade. O engraçado, era que mais cedo tinha ouvido aquelas mesmas palavras de Felipe, mas a sensação foi completamente diferente. Não sabia o porquê, mas o que ele me dizia,soava muito mais forte, e fazia um eco muito mais audível dentro de mim. Mesmo que outras pessoas falassem a mesma coisa que ele, o efeito era outro. A primeira a encontrar seu tal estilo ideal foi Marina. No início, ela estava extremamente envergonhada por experimentar peças cujo preços, constantemente alcançavam os quatro dígitos, mas com o tempo e as trocas de roupas,foi se soltando mais. Eu me emocionava cada vez que a via sair de um provador tão bem aprumada quanto merecia. Sempre quis isso pra ela, uma vida de rainha, um afago pelos anos e anos que lutou por mim. Antes de chegar a minha vez de curtir uma tarde de princesa, passamos em um salão de beleza que ficava dentro do próprio shopping, e o cabelo de Marina foi cortado em camadas que quase não afetaram seu comprimento, também afinaram e levantaram suas sobrancelhas e por fim, cuidaram de suas mãos e pés. Tentaram me convencer a modificar meu cabelo, mas não aceitei, eram rebeldes e em alguns dias não conseguia ajeitá-los como gostaria, mas os amava porque eram o que eu tinha de mais parecido com minha mãe. Só permiti uma profunda hidratação. Meus pés e mãos também receberam uma atenção especial. Na minha vez de ir às compras, fiquei maravilhada com todas as roupas lindas que comprei, o olhar profissional de Fernanda concluiu que a cor que mais combinava comigo era o azul. Por isso, nas dezenas de sacolas haviam várias peças de tons diferentes da cor. Uma ou outra peça de outras cores, incluindo meu simples, porém elegante, vestido de noiva, mas a grande maioria das roupas era realmente azul. Quando saímos do shopping, a lua já se exibia prateada e bem redonda no céu. Fernanda despediu-se de nós e partiu. Cinco segundos depois, o Mercedes prata de Felipe surgiu no estacionamento externo do shopping, seguida por um enorme Nissan preto, onde foram guardadas todas as nossas compras. Marina e eu entramos no Mercedes, que era guiada pelo motorista particular de Felipe, e seguimos muito contentes e animadas até a mansão Mondragón. O terreno da casa era tão grande, que os veículos levaram uns três minutos para adentrarem o estacionamento coberto da casa, onde haviam outros três carros. Uma Lamborghini conversível branca, que inclusive foi o carro que Felipe e eu usamos para ir à clínica e ao restaurante. O outro carro, era uma Ferrari prata que mais parecia um transporte espacial, e por fim um Jipe vermelho. Marina estava exausta, e depois de entrarmos na casa, foi direto para sua suíte de onde não saiu mais. Também fui para o meu quarto, mas estava eufórica demais para conseguir dormir, então tomei um banho, coloquei um dos vestidinhos de verão que havia comprado e fui para a biblioteca em busca de um bom livro que relaxasse minha mente e baixasse o nível de adrenalina. Entrei na biblioteca a procura de um livro, mas no instante que coloquei os pés no grande cômodo, não foi nenhum livro que chamou minha atenção, mas sim uma obra de arte. Algo tão belo, que poderia ser exibido como a mais perfeita escultura no melhor museu do mundo. A luz âmbar do ambiente, dourava o peitoral absolutamente esculpido do ser celestial que estava estirado no sofá.Tinha certeza de que havia encontrado o jardim do Éden e nele estava o fruto proibido. Meu maior pecado. Compenetrado em sua leitura, não se deu conta da minha presença. Até que o chamei pelo nome: — Felipe? Foi apenas um sussurro, mas foi o suficiente para fazê-lo se erguer do sofá num rompante tão feroz, que fez o livro cair no tapete sob o sofá. Desde que o conhecera, tive vários sonhos eróticos com Felipe Mondragón. Mas nenhuma fantasia, por mais exagerada que fosse, se aproximava da realidade. Ele era maravilhoso, a provável inspiração para criação do adjetivo “lindo”. Estava sem camisa, e usava um short preto que deixava as pernas musculosas à mostra. O cabelo desgrenhado só aumentava sua beleza. Não era um CEO que estava na minha frente, era um homem. Bonito demais para ser comparado a qualquer coisa senão um deus. Um homem que me fitava com a boca entreaberta, e os olhos mais negros do que nunca, que me admirava como se eu fosse tão perfeita quanto ele. De repente, não existiam mais palavras, nem o mundo além da porta. Éramos apenas nós dois e a maior tensão sexual já sentida no universo. Grande, dominador e decidido, ele caminhou até mim, puxou-me para si, e faminto, tomou meus lábios num beijo selvagem. Eu não era forte o suficiente para afastá-lo, e não sabia como retribuir aquilo. Então deixei que ele me conduzisse, me levasse ao auge do prazer apenas com um beijo. Suas mãos agarravam meu cabelo, e a língua quente e doce fazia amor com a minha. Éramos um só, beijávamos como se nossas bocas fossem o mundo um do outro. Estávamos fundidos, envolvidos por uma névoa sexual impermeável. Uma mão grande alcançou minha cintura, enquanto a outra permanecia em meu cabelo, puxando-o suave e deliciosamente. Não deixei por menos, também aproveitei a oportunidade para conhecer não só sua boca, mas seu corpo. Passei as mãos pela pele firme, porém macia, permanecendo por mais tempo nas partes que mais me excitavam. Explorávamo-nos, devorávamo-nos. Naquele momento éramos completamente um do outro, e nada poderia refutar isso. Sua mão escorregou até a alça do vestido e ameaçou deslizá-la. Foi aí que me afastei. Senti a ausência do seu calor, do seu corpo, e isso fez com que eu quase desabasse no chão. Não podia ir além, por enquanto aquilo era só o que eu podia dar, era meu limite. — O que aconteceu? — A questão levantada pela voz grossa e esbaforida era a mesma que gritava na minha cabeça naquele momento. — Eu não sei... Quer dizer, talvez eu saiba. — Respondi, igualmente afobada. Felipe colou a testa na minha e abraçou-me. — Então me explica, por favor, que não estou entendendo nada. — Seu hálito batia quente e fresco em meu rosto. — Se não puder falar, apenas pense, porque enquanto estivermos assim, cabeça com cabeça, sinto que posso ouvir seus pensamentos e até confundi-los com os meus. — Felipe, sei que vai achar estranho porque sou uma mulher adulta, mas a verdade é que nunca fiquei com ninguém. E não queria que fosse assim. Sua expressão não se alterou, continuava suave, cândida. — Você quer esperar pelo casamento, não é? — Sim, mas ao mesmo tempo eu quero você. Estou derretendo entre as pernas e posso sentir sua rigidez contra meu ventre, só que não sei o que pensar. — Eu te quero, Antonella, me enterrar em você, saborear o seu mel. Tenho certeza que vai ser difícil me livrar dessa ereção. Mas não será bom para você enquanto não tiver certeza do que quer. — Ele se afastou, e quando fez isso, pude ver o volume enorme em sua bermuda. — Por favor, vá para seu quarto e tranque bem a porta, porque não sei o quanto posso me segurar. Lutando contra o magnetismo enorme que me atraia pra ele, fui me afastando devagar. Dei passos para trás sem tirar os olhos de Felipe. O desejo de correr até ele e continuar o que estávamos fazendo era tão forte, que o sentia correndo em minhas veias, mesclado ao sangue. Eu o queria de uma forma tão violenta, tão voraz, que naquele momento meu maior sonho era me tornar mulher em seus braços. Felizmente, uma força que não sei de onde veio, me fez fechar a porta e deixar a tentação definitivamente para trás. O ponto molhado entre minhas pernas vibrava tanto, que tive dificuldades para chegar ao quarto. E eu precisava chegar, tinha urgência em cair na cama e me esfregar em qualquer coisa que aliviasse aquela tortura. Por Deus, aquela seria a quinzena mais longa da minha vida! Foram doze dias complicados, cheios de ereções absurdas, que surgiam nos momentos mais inoportunos. Bastava pensar nela, para que meu orgulho masculino levantasse e eu pensava nela quase o tempo todo. Ao menos durante as reuniões, tentava condicionar meu cérebro a não lembrar dela, mas nem sempre saía vitorioso da maçante luta entre o tesão e o profissionalismo. Àquela altura, os exames pré-nupciais já haviam chegado e tudo estava correto, não entendia porque tinha que esperar mais três dias para ter Antonella como esposa. Só depois de quase uma semana, meu pai se dignou a conhecer minha noiva. Marcamos um almoço em minha casa para isso. Havia uma fisgada em meu peito, um pequeno redemoinho que girava na minha cabeça desde que o almoço fora marcado. Ricardo Mondragón era um homem difícil, e em muitas situações, assustador. Eu mesmo, quando criança, morria de medo daquela figura autoritária e arrogante. Estava preocupado. No dia da reunião em que ficou decidido que deveria me casar, todos concordaram que a escolha da noiva ficaria inteiramente por minha conta. Porém, se meu pai não aprovasse Antonella, faria o impossível para intimidá-la a ponto de fazê-la desistir. Amim ele já não era capaz de abater, mas não sabia qual seria a reação de Antonella,caso tivesse que encarar aquela fera. Decidi alertá-la, precisava fazê-la saber que existia a chance de Ricardo Mondragón se opor ao casamento. Se isso acontecesse, não hesitaria em entrar em seu cérebro e revirá-lo até deixá-la completamente atordoada e louca para fugir de mim. Agoniado, subi as escadas e fui em direção à suíte dela. Ouvi vozes ao me aproximar da porta, e isso significava que estava entreaberta, já que todos os cômodos fechados da casa, eram à prova de som. Tive a impressão de escutar meu nome, e isso me levou pela segunda vez a tomar a feia atitude de ouvir uma conversa particular. — Não há com o que se preocupar, Marina. Não sei o que o futuro me reserva, mas a verdade é que nunca estive tão feliz. Uma fogueira acendeu no centro da minha alma, e foi me aquecendo de dentro para fora. Ela estava feliz, assim como eu estava. E assim como para mim, para ela, este casamento também não era um mero contrato, mas uma oportunidade genuína de juntos construirmos um grande amor. — Então o que é essa nuvem escura que vejo em seus olhos? — Não dá mesmo pra esconder as coisas de você, não é Marina? — Não, não dá. Então diga de uma vez? — Eu não suporto imaginar que Verônica e Sheila estão vivendo felizes na minha casa como se fosse delas. Aquela casa é minha, Marina. Foi para mim que meus pais a levantaram, e é horrível pensar que aquele lugar feito de amor está ocupado por pessoas tão ruins. Não, de forma alguma permitiria que aquela dor continuasse fazendo parte do coração de Antonella. Eu resolveria o problema. Quando percebi que a conversa tornou-se menos calorosa, atrevi-me a bater na porta. Assim que ela se escancarou, Marina saiu, não sem antes sorrir para mim e me desejar um bom dia. Com os pés sobre o recamier, Antonella se preparava para calçar um belo par de sandálias de salto, mas quando sentiu minha presença, ergueu a cabeça e me agraciou com um lindo sorriso. Sorri de volta, e me aproximei. — Permita-me fazer isso. — Disse, pegando uma das sandálias da mão dela, e colocando no pequeno pé. — Essa não é tarefa para um CEO. — Falou, muito risonha. — Deixe-me ser seu príncipe de vez em quando. — Pedi, olhando fixamente para ela. — Você é um príncipe. — Devolveu, me encarando de volta. Não tinha tornado a beijá-la desde aquela ardente noite em que ela escolheu esperar pela lua de mel, mas me atrevi a encostar meus lábios nos seus depois que afivelei a última sandália. A vontade de beijá-la ardentemente era grande, mas contive meu ímpeto, ou não conseguiria parar. — Você está especialmente linda hoje. — Elogiei, analisando suas curvas delineadas por um justo vestido azul escuro. O rosto lindo, e com pouca maquiagem, corou. Ela sempre corava quando eu a elogiava e eu achava isso encantador. Ela era encantadora. Era tímida, recatada, uma princesa. — Quis estar bem hoje, afinal, vou conhecer seu pai. — Abordou por conta própria o assunto no qual eu queria entrar. — É justamente sobre isso que quero falar com você. Colocou algumas mechas do cabelo longo e bastante volumoso para trás da orelha e inclinou levemente a cabeça para a esquerda, enquanto apertava os olhos. — Algum problema? — Perguntou preocupada. — Não exatamente, mas... Venha cá. — Chamei, segurando em sua mão e a levando para se sentar na cama. Me acomodei ao seu lado, virando o tronco para poder observá-la de frente. — Meu pai é um homem duro e difícil de ser agradado. — Inspirei, e coloquei suas mãos entre as minhas, fechando-as como uma concha. Eu amava tocá-la, e aproveitava todas as oportunidades de fazer isso. — Talvez ele não goste de você, e se isso acontecer tentará fazê-la desistir do casamento. Eu não quero isso Antonella. Sua expressão, outrora tensa, se suavizou. — Nada me fará desistir de casar com você. No que depender de mim, depois de amanhã estaremos casados. — Mordeu o lábio inferior e me fitou mais intensamente. — Mais do que isso... Seremos marido e mulher. Marido e mulher. Minha mulher. Ela seria minha mulher. Só Deus sabia o quanto eu queria torná-la minha. — Se porventura o patriarca Mondragón vir com quatro ou quatrocentas pedras nas mãos, não se preocupe que eu as seguro. Pode não parecer, mas sou dura na queda, não estaria aqui se não fosse. — Sim, você é muito forte. — Falei, fitando seu rosto bonito. Dei-lhe um beijo terno na testa e deixamos juntos a suíte. A mesa de jantar estava milimetricamente organizada, sem arranjos ou ornamentos, não havia nada nela além da louça que seria usada, além disso, o almoço seria servido à francesa. Nos jantares servidos assim, era utilizado o Souplat, que é um item usado embaixo do prato, para evitar respingos e é retirado na hora de servir a sobremesa. Também é necessário o uso do Placement, que são plaquinhas com marcações de onde cada convidado deve se sentar. Em um jantar com mais pessoas, o que não seria o caso, é necessário um garçom para cada cinco pessoas, e ele apresenta a travessa pelo lado esquerdo, com os cabos dos talheres voltados para o convidado. Os pratos são servidos pela esquerda, e retirados pela direita. Todos esses detalhes foram pensados porque eu sabia que era assim que o velho Ricardo gostava de fazer suas refeições. Pela primeira vez em muito tempo, realmente me importava em atender as vontades do magnata dos anos setenta, e isso somente pela bela dama, cuja mão estava entrelaçada à minha naquele momento. A campainha ecoou na sala de estar exatamente ao meio dia. Claro, Ricardo Mondragón era um homem sempre pontual. Antonella, Marina e eu, levantamo-nos assim que a figura alta e imponente do meu pai surgiu em nossa frente. Nem mesmo para comparecer a um almoço informal na casa do filho, o bilionário abandonava os ternos de alta costura. — É um prazer finalmente revê-lo, pai. Como foi o voo? — A melhor parte é que já acabou. — O tom de voz era imperativo e aborrecido como sempre. Inspirei e expirei repetidas vezes, sentindo a aflição se dissolver com as rajadas de vento. Caminhei até Antonella, que estava na sala, mas fora do alcance dos olhos do meu pai, fui seguido por ele. — Pai, esta é... — Antonella Botelho. — Completou o magnata, surpreendendo-me. — É impressionante o quanto se parece com sua mãe. — O senhor… O senhor conheceu minha mãe? — Perguntou ela, nervosa. — Sim e também o seu pai. Éramos muito próximos nos anos noventa, mas a vida acabou nos afastando. Fiquei surpreso com o fato do meu pai ter conhecido o pai de Antonella, e por seu semblante embasbacado, presumi que ela também. Passado o choque inicial, e depois de lhe apresentar Marina, fomos todos para a sala de jantar. Esperei que meu pai se sentasse e puxei a cadeira para Marina e depois para Antonella. Todo o meu receio sobre meu pai gostar ou não dela fora em vão. Ele adorou saber que eu me casaria com a filha de seu velho amigo, e tivemos um almoço muito agradável no final das contas. O grande dia finalmente havia chegado e eu estava muito mais nervosa do que pensei que estaria. A cerimônia seria a parte mais fácil daquele dia, diríamos sim na frente de um juiz e assinaríamos alguns papéis. O que me preocupava era o que viria depois. A noite era o motivo de toda a minha ansiedade. Eu finalmente seria dele, faríamos amor. Perderia a virgindade naquele dia, e embora tivesse desejado o homem ardorosamente durante todos os dias que antecederam o casamento, tinha certeza que seria uma experiência dura, e no sentido literal da coisa. Não conseguia tirar aquela noite na biblioteca da cabeça, naquela noite constatei que não seria nada fácil acomodá-lo dentro de mim. Ele era grande, rígido e me queria muito. Eu também o queria, mas não sabia o que esperar. Eu realmente não sabia. Felipe se mostrara o mais gentil dos homens, mas não sabia se toda essa gentileza se manteria quando estivesse comigo na cama. Não sabia se ele se controlaria e esperaria o meu tempo, ou se meteria de uma vez, assim que estivéssemos sozinhos e sem roupa sobre uma cama. Estava entrando em pânico. Com medo da tão aguardada noite de núpcias. Em desespero, corri para o quarto da minha fada madrinha, a única pessoa que saberia o que me dizer naquele momento. — O que houve, meu amor? Por que está chorando? — Questionou Marina assim que percebeu o meu estado. A alcancei rapidamente e me joguei em seus braços, fiz isso com tanta violência que quase nos levei ao chão. Quando o pânico me dominava, tinha urgência de sentir os braços de Marina em volta de mim, essa sensação trazia de volta um pouco do meu equilíbrio. — Eu estou com medo, Marina. Apavorada! — Disse aos prantos. Sentia as pestanas pesadas, e era impossível enxergar com toda aquela maré nos meus olhos. Calmamente ela me levou para o sofá, sentou-me em seu colo, e acariciou meu cabelo, me ninando exatamente como fazia quando eu era criança. — Qual é seu medo exatamente, minha criança? Com as costas das mãos tentei secar um pouco das lágrimas. — Eu tenho medo do sexo, Marina. Tenho medo do Felipe me machucar. — Confessei, com dificuldade de falar devido ao choro. — Nunca falamos muito sobre isso, não é mesmo? Mas obviamente chegou o momento. — As mãos dela correndo pelo meu cabelo iam me acalmando lentamente. —Você é uma moça esclarecida, e com certeza já sabe muita coisa, mas quero falar como é de verdade. Posso? — Por favor, fale, eu preciso saber. Saí de seu colo, sentei ao seu lado e me virei para mirá-la. — A primeira vez sempre dói, às vezes menos, às vezes mais. O tamanho da dor dependerá do seu parceiro e de você também. — Como assim? — O que você precisa fazer é relaxar, distensionar as pernas, focar no prazer, que com o tempo a dor some. Mas o principal, meu amor, é confiar no seu parceiro. O seu Felipe é um homem tão educado, tão generoso, tenho certeza que ele saberá exatamente como tratá-la. — Disse sorrindo carinhosamente. A conversa com Marina me ajudou a seguir em frente. Fui para meu quarto e permiti que os profissionais de beleza, contratados por Felipe cuidassem de mim. Mesmo não havendo ninguém além do juiz, o senhor Ricardo, e dois amigos de Felipe, que seriam testemunhas juntamente com Dóris e Marina, eu queria estar linda porque Felipe estaria lá. O vestido branco não era pomposo, porém era lindo. Era justo, chegava à altura dos joelhos, e tinha uma enorme fenda lateral, além de ser de mangas longas. Era todo em seda. Meu cabelo estava preso em um coque alto e apertado, trazia no pescoço um colar de pérolas, combinando com o decote discreto, complementando o visual. Sozinha na minha suíte, encarava meu reflexo no espelho, exatamente como havia sido no dia em que conheci Felipe, mas agora muito mais orgulhosa da imagem que via. A maquiagem era de noiva, branca e delicada, mas sem brilho. O destaque estava nos lábios tingidos de um vermelho fechado. Não me sentei para não amassar a roupa, e também porque estava agoniada demais para conseguir ficar parada. Esperei atribulada a chegada de Marina, seria ela que me conduziria até Felipe. Quando ela chegou, apressamo-nos em descer as escadas. A cerimônia ocorreria na sala de jogos, quando chegamos lá, todos os objetos esportivos haviam sido substituídos por lindos arranjos de lírios vermelhos. Meia dúzia de poltronas brancas, e um altar de madeira maciça, no qual estava de terno, o homem mais lindo do mundo. Me esperando, com um sorriso mais lindo ainda nos lábios. Olhando um nos olhos do outro, e de mãos dadas, pronunciamos as palavras que nos tornaram marido e mulher. Depois de assinarmos a ata, e o juiz de paz se retirar, fomos todos para a sala de jantar, onde brindamos com champanhe e jantamos. Felipe segurou em minha mão quase que o tempo todo, as alianças que agora usávamos pareciam tê-lo deixado ainda mais possessivo. Mais dono de mim, do meu corpo. E eu adorava aquilo demais. O medo que sentia antes do casamento tinha desaparecido completamente, e naquele momento, a única coisa que queria, era ficar a sós com ele. Monopolizar a companhia de Felipe e experimentar de uma vez por todas tudo que meu marido tinha para me oferecer. E eu não estava falando de suas posses. Bem... Depende das posses. Despedimo-nos dos convidados, Marina me deu mais alguns conselhos e fomos para o hotel onde passaríamos a noite de núpcias, e de onde partiríamos para o aeroporto no dia seguinte. Um dia antes do casamento, Felipe me surpreendeu com a informação de que passaríamos um mês em lua de mel na bela Paris. Sempre sonhei em conhecer Paris, porém esse sonho parecia tão impossível quanto conhecer a lua. Não havia tido a oportunidade quando meus pais estavam aqui, a vida deles era uma correria só. Depois que eles se foram e meu pai se casou com aquela mulher, virou um sonho distante, mas que estava prestes a se realizar agora, graças a Felipe. Meu marido era realmente incrível. Enquanto o motorista estava concentrado na direção, Felipe me contava um pouco mais sobre os lugares que me levaria para conhecer. Segundo ele, a torre Eiffel estava longe de ser a parte mais incrível da romântica cidade. Felipe segurava minha mão com carinho, e de vez em quando beijava-me no pescoço,testa e, principalmente, na boca. Depois de uns quinze minutos no carro, o Jipe entrou no estacionamento subterrâneo do hotel cinco estrelas, onde passaríamos a noite. Um funcionário encarregou-se de levar as malas, fizemos check-in, e fomos para a suíte imperial. A suíte mais parecia um apartamento de luxo. O primeiro cômodo que se via ao entrar no lugar, era uma sala de estar, com um conjunto de sofá verde azulado, deslumbrante. Uma TV de cinquenta polegadas pendurada em um enorme painel marrom, e sob ele, um aparador com home-theater e alguns objetos de cristal. Se via quase a cidade toda através da janela de vidro gigantesca, que ocupava praticamente uma parede inteira. Noutra parede, estavam penduradas algumas obras de arte. A luminária possuía um tom amarelado, era redonda e muito grande. Era baixa, e como eu me encontrava nos braços de Felipe tinha a certeza de que poderia tocá-la se esticasse a mão. Depois de passarmos por um corredor, finalmente chegamos ao quarto. A iluminação ali funcionava da mesma maneira, havia uma cortina rosa bebê cobrindo uma janela tão grande quanto a outra, o closet era feito de madeira tingida de branco, e sutilmente espelhada. Nossas malas já nos aguardavam no quarto. Havia uma porta espelhada num canto do compartimento, que supus ser o banheiro, mas o que mais me impressionou foi o que havia bem no centro do enorme quarto. Uma cama gigantesca, de cabeceira marrom e coberta com lençol de seda branco, repleta de pétalas vermelhas, que se espalhavam pelo porcelanato bege ao redor. Em uma das duas cômodas acopladas a ela, tinha uma garrafa de champanhe e duas taças escuras, na outra, um grande arranjo de rosas vermelhas e uma caixa de bombons. Felipe me carregava no colo desde que entramos na suíte, e foi só na cama que ele me desceu. Cuidadosamente, tratando-me como se eu fosse um cristal, e delicadamente retirou os meus sapatos. Coloquei as pernas para o lado para dar-lhe espaço para sentar junto a mim. Ficamos ali, frente a frente, nos admirando, nos desejando em silêncio por muitos segundos, até que ele disse: — Você é linda, sabia? Deus deve ter te desenhado nos moldes de um querubim. — Vagarosamente, aproximou os lábios da minha orelha. — Nenhum homem jamais desejou uma mulher como eu desejo você. — Sussurrou. Estremeci. Eu também o desejava loucamente, violentamente, mas era tímida demais para dizer-lhe isso. — Muito obrigada por tudo, Felipe Mondragón! Estou muito feliz por finalmente podermos ser marido e mulher. — Falei, envergonhada demais para lhe dizer o quanto queria que ele me tomasse. Seus olhos cravaram nos meus. — Você quer fazer amor comigo, Antonella? — Perguntou. Sua voz baixa e rouca. — Sou sua mulher. — Disse simplesmente, mesmo com a minha alma dizendo sim, aos berros. — Não, você é minha esposa. Só será minha mulher se responder à pergunta positivamente. — Aproximou-se mais, e com uma mão grande levantou meu queixo, obrigando-me a fitá-lo. — Então pergunto novamente... Você quer fazer amor comigo, Antonella? Estufei o peito, foquei nos lábios grossos e deliciosos e sussurrei: — Eu quero fazer amor com você desde o primeiro dia que coloquei os olhos nesse rosto perfeito, nesse corpo... — Desci uma mão pelo peitoral enorme, coberto pela camisa social branca. — Nesse corpo que adoro e desejo tanto. O mesmo corpo que eu acariciava, me tomou em seus braços e me envolveu com uma força adorável. — Minha princesa... Minha linda princesa, não sabe o quanto esperei por este momento. — Disse ele, me presenteando com um beijo casto em minha testa. Depois, desceu com os lábios colados em meu pescoço, abriu o zíper traseiro do vestido e deslizou as longas mangas, até expor o sutiã branco e boa parte do abdômen. Distanciou-se apenas o suficiente para me olhar nos olhos. — Meu Deus, que sorte a minha! Você é bonita demais, perfeita. E é toda minha! Finalmente me beijou nos lábios, me agarrou pela cintura fazendo-me circundá-lo com as pernas. Ficamos nessa posição por um tempo, apenas nos beijando e acariciando, até que ele me tirou do seu colo e desabotoou o primeiro botão da camisa. Eu não estava mais com medo, estava feliz e excitada, então deitei-me na cama para assistir ao espetáculo que era ele se despindo para mim. Felipe se sentou à beira da cama, colocou minhas pernas sobre seu colo e se livrou muito rápido da camisa. Experiente, empurrou-me com delicadeza para trás, e terminou de tirar o meu vestido. Naquele momento eu estava só de lingerie, à mercê do homem mais lindo do mundo e me sentia incrivelmente sortuda por isso. Felipe beijou meu tornozelo e foi subindo os lábios bem devagar, enlouquecendo-me, fazendo-me latejar como nunca antes. Estremeci e gemi involuntariamente, quando chegou a um dos dois laços que mantinham minha calcinha no lugar, e com os dentes, o desfez. Minhas entranhas vibravam pela proximidade de sua boca no ponto que mais me torturava naquele momento. Com destreza, desatou o outro laço e arrancou minha calcinha, deixando meu sexo, trêmulo e molhado, completamente exposto para ele. De repente ele parou, e por um breve momento, cravou os olhos brilhantes em meu rosto, e então aproximou o nariz da minha abertura e inspirou demoradamente. — O seu cheiro é muito melhor do eu que imaginava. — A voz grossa e esbaforida liberou uma deliciosa rajada de vento ali. Enterrei as unhas na seda da cama, quando uma língua habilidosa e molhada invadiu minha intimidade pulsante. Sentia meu corpo quente como uma brasa enquanto sua língua explorava e conhecia profundamente o que tinha de mais secreto em meu corpo. Fazia movimentos diferentes, ora se mantinha fixo num montinho muito específico do meu sexo, ora estocava incessantemente, sendo que esse segundo movimento era o que mais me agradava. Na realidade, ele estava me levando a loucura. Eu gemia alto e empurrava o quadril contra sua boca, tentando de alguma forma tê-la mais dentro de mim. Cada célula do meu corpo parecia sentir aquela deliciosa invasão, pois toda a minha pele reagia àquilo de uma forma alucinada. O meu corpo estava sendo palco de um terremoto de sensações. Uma pulsação muito intensa começou a se formar em meu ventre, e foi se espalhando por todo o meu ser, fazendo-me arquear as costas descontroladamente, até que algo dentro de mim explodiu. Eu gritei o nome de Felipe, e o puxei pelo cabelo até tê-lo cara a cara comigo. Seu rosto corado a centímetros do meu. Tomei sua boca para mim, num ímpeto, partilhando meu gosto com ele. Usando as mãos, meu marido levantou o meu tronco da cama. — Prepare-se, princesa, porque eu vou te foder agora! — Anunciou com a voz gutural e os olhos em chamas. Livrei-me da calça e voltei para meu paraíso. Antonella estava ali, linda, com seus cabelos loiros e cacheados espalhados pela cama. A expressão em seu rosto era de quem tinha acabado de gozar, e estava pronta para muito mais, mesmo assim, estava preocupado. Enquanto a fodia com a língua, percebi o quanto era apertada e pequena, sabia que seria difícil me enterrar naquela bocetinha tão minúscula sem machucá-la, mesmo estando completamente melada e um pouco dilatada pela excitação e pelo orgasmo. Daria o máximo de mim, tentaria me controlar e comê-la devagar, apesar de ser indescritivelmente gostosa. Com cuidado, e olhando-a no fundo dos olhos para lhe dar segurança, coloquei a cabeça do meu pau em sua entrada, lutando com todas as minhas forças para não me afundar de vez naquele cantinho delicioso. Eu estava suando pelo enorme esforço que fazia, enquanto metia serenamente na intimidade apertada de minha esposa, sentindo-a se alargar aos poucos. Quando percebi a proximidade de sua barreira, parei e a beijei docemente. — Vai ser agora, princesa, talvez doa um pouquinho, mas vai passar, prometo que vai. — Com o corpo tremendo, e banhado em suor, fiz a pergunta mais difícil de toda aminha vida. — Posso continuar? — Completei ansioso pela sua resposta positiva. — Eu sou sua, Felipe, completamente sua! — Gemeu, com a voz rouca de tesão. E então ela me puxou para si, e quando me enterrei nela, ela gritou de dor, e eu de prazer, me sentindo um filho da puta por isso. — Calma princesa, vai passar, vai passar. — Garanti, com o pau dolorosamente parado na mesma posição. Ficar ali estagnado estava me matando, precisava estocar, comer aquela bocetinha de verdade. Mas não era capaz de machucá-la mais, não ela. Não a minha princesa. Felizmente, sua boceta foi se abrindo um pouco mais, e a expressão de dor desvanecendo gradativamente. Então, ainda com muita cautela, comecei a me movimentar, sentindo sua conchinha me recebendo e acomodando cada vez mais. Quando as mãos delicadas entrelaçaram meu cabelo, e as pernas escancararam completamente para mim, me senti livre para finalmente marcá-la como irremediavelmente minha. Passei a socar com vontade, e ela agora gemia, ao invés de gritar. Suas lamúrias saborosas de prazer, só aumentavam o meu. Comer Antonella daquele jeito, era a melhor coisa que já havia feito na vida e era a única coisa que queria fazer pelo resto dela. Meu corpo tremia de prazer, eu estava delirando, nunca tinha fodido tão gostoso. Mordiscava seu pescoço, e corria as mãos por todo corpo nu e suado de minha esposa, enquanto me enterrava cada vez mais fundo nela. Aquela boceta, aquela bendita boceta só podia ser o paraíso. Quando meu orgasmo veio, o dela chegou simultaneamente e gozamos juntos, um capturando os espasmos e o mel do outro. Desabei ao lado dela, ofegante, vibrando de dentro pra fora. Me sentindo mais satisfeito do que nunca, embora quisesse mais. Sua cabeça loira pousou em meu tronco arfante e eu aproveitei para acariciá-la. — Doeu muito, querida? — Questionei, apreensivo. Sua risada doce e calorosa ecoou no quarto. — O prazer foi maior. — Abarcou todo meu abdômen com seus braços esguios. — Nunca pensei que fazer isso fosse tão bom. — E daqui para frente será ainda melhor. Não podia evitar me sentir orgulhoso pelo feito daquela noite. É muito difícil dar prazer a uma mulher em sua primeira vez, e eu não só tinha conseguido isso, como a havia feito gozar duas vezes. — Se soubesse que era tão bom não teria esperado tanto tempo. — Disse sorrindo distraída, fazendo círculos imaginários com os dedos em meu peito. — Que bom que esperou! — Disse, um pouco irritado. Foi impossível deixar de sentir ciúmes, porque era inimaginável para mim, ver Antonella nos braços de outro sortudo. Aquela bocetinha tinha sido feita para mim, e jamais permitiria que outro homem adentrasse meu santuário. Levantei-me da cama abruptamente, e peguei minha mulher no colo, fazendo-a soltar um gritinho de surpresa e euforia. — Onde vamos? — Indagou. — Nos limpar. — Falei. Entramos no luxuoso banheiro, e eu a coloquei sentada em uma cadeira estilo divã, só que alta, que ficava em frente a uma espécie de penteadeira, toda iluminada por pequenas luzes de LED. Liguei a hidromassagem, a enchi de sais, e voltei para junto de minha princesa. Apanhei uma toalha branca em um dos armários do lavabo e abri um pouco as pernas de Antonella para limpá-la. Entre suas coxas, haviam fragmentos de sangue, e uma mistura do nosso gozo. A limpei cuidadosamente, pois sabia o quanto poderia estar sensível ali. Minhas suspeitas se confirmaram, quando encostei a toalha em sua entrada e as pernas tentaram se fechar num ato instintivo, um gemido também escapou de seus lábios. — Esse desconforto desaparecerá em breve, e um bom banho de banheira vai acelerar o processo. — Informei, dando-lhe em seguida um suave beijo na testa. Alcancei uma presilha no armário, prendi seu desgrenhado e lindo cabelo. A seguir, a levei para a grande hidromassagem retangular e me juntei a ela. Me acomodei à sua retaguarda e envolvi o corpo pequeno em meus braços. As águas borbulhantes e quentes massageavam nossos corpos e um delicioso aroma de flor de laranjeira e limão, oriundo dos sais de banho, permeava o ambiente. Podia sentir a tensão abandonando-a paulatinamente, e após uns vinte minutos imersos na banheira, poderia garantir que ela estava cem por cento recuperada da nova e intensa experiência que vivera comigo. Meu pau começava a dar os primeiros sinais de renascimento. Ele queria se afundar na bocetinha quente e apertada novamente e eu queria fazer amor com ela. Meu membro alcançava a suave curva, que havia entre o fim de suas costas e o começo da bunda avantajada e redonda. Foi aquela parte delicada de seu corpo que se esfregou contra meu orgulho, não sabia se o gesto tinha sido proposital ou não. — Eu quero você de novo, Antonella. — Sussurrei, ao pé da orelha pequena. — Também quero você. Não precisava de mais nada. Com celeridade, a virei para mim e a sentei em meu colo. Meti, daquela vez com muito mais veemência e liberdade. Minhas mãos passeavam pelas costas ensaboadas, enquanto as dela se mantinham fixas em minha nuca. Era uma delícia fazer sexo com ela, pois embora fosse completamente inexperiente, conhecia truques de como enlouquecer um homem, talvez aprendidos em filmes e livros. Como estava por cima, rebolava devagar, apertando meu pau. Prendia-o em suas entranhas quando queria, e ia liberando-o vagarosamente, estabelecia seu próprio ritmo. Ora mais lento, ora mais forte e rápido. Gemia baixinho, gemidos naturais que ressoavam como música aos meus ouvidos. Eu não tinha muito o que fazer, queria deixá-la se conhecer e me conhecer também. Então só fiquei ali, parado, aproveitando o momento sublime que minha princesa me proporcionava. O orgasmo demorou a vir, mas quando chegou, deixou marcas que nunca esquecerei, lembranças de puro prazer. Depois de uma ducha, voltamos para o quarto, trocamos os lençóis manchados de sangue e nos aconchegamos um nos braços do outro. — Como será nossa vida daqui para frente, Felipe? Indagou, com sua voz doce e um pouco sonolenta. — Feliz, eu espero. — Eu sei, mas me refiro ao resto, ao que tem além do quarto e de nós dois. — Você é livre, Antonella. Pode fazer o que quiser. Desde que não saia do meu lado, naturalmente. — Eu não sairia do seu lado nem se um furacão se interpusesse entre nós. — Beijou meu abdômen. — Mas gostaria de estudar. — Verdade? E o que gostaria de aprender? — Sempre sonhei em cursar designer de moda. — Faça isso então. Trataremos desse e de outros assuntos quando voltarmos de viagem. — Nossa, uma viagem a Paris! Esse é outro dos meus sonhos. O que faremos tanto em Paris? — Je te mangerai beaucoup à Paris. Sorriu. — O que isso significa? — Você vai descobrir. Na manhã seguinte ao nosso casamento, não nos apressamos em deixar o hotel. Depois de fazermos amor pela terceira vez desde que nos tornamos marido e mulher, pedimos o café da manhã na suíte, que veio recheado e sortido. — Estava com bastante fome, hein, princesa? Voltei os olhos para meu esposo, que naquele momento devorava um par de torradas com geleia. — E você não? — Perguntei e ele sorriu, depois de engolir o último pedaço e já alcançar na mesa, uma generosa fatia de bolo. — Tem razão! Parecemos duas feras esfomeadas. Mas é compreensível, depois da noite e da manhã que tivemos. — Teremos tempo para queimar todas essas calorias em Paris. — Informei, dando uma piscadela em seguida. — Ah, com certeza sim! Limpei a boca com um guardanapo de pano. — Por falar nisso, já não está tarde? Que horas sai o voo? — A hora que quisermos, o avião é nosso. — Seu. — Nosso. Deixamos o hotel duas horas depois, após mais uma sessão de sexo e um banho demorado. Chegamos ao aeroporto por volta do meio dia. Um grande avião preto escrito Mondragón nos aguardava. À frente dele, estava uma tripulação de quatro pessoas. A aeronave parecia ainda maior por dentro: vários assentos de couro preto, a cabine do piloto, e ao fundo, uma porta prateada, para onde Felipe me levou assim que embarcamos. Foi só colocarmos os pés no lugar para que o espanto se instalasse em mim. Antes de ver qualquer coisa, senti o cheiro indecifrável de Felipe pairando no ar, enevoando meus pensamentos. Acompanhei meu marido até uma cama de casal, que com o tempo percebi se tratar de duas poltronas acopladas, que com alguns movimentos delicados se transformavam naquela cama maravilhosa. Sentei-me na pseudo cama, enquanto Felipe apanhava uma garrafa de vinho e duas taças, que estavam juntos a um arranjo de peônias brancas numa pequena cômoda preta que havia num canto da cabine. — Tudo o que você possui, é assim? — Girei os olhos pelo ambiente asséptico, elegante e que nem de longe lembrava um avião. — Tão fora da realidade? — Complementei. Colocando primeiro os joelhos na cama, sentou-se à minha frente e me entregou uma taça que já estava cheia com vinho tinto. — Bom, possuo você que é bem real, embora pareça uma fantasia. — Seu corpo grande foi se aproximando de mim, e a já comunal, corrente de calor, começou a se formar em meu sexo. — Uma fantasia que adoro tornar realidade sempre que possível. — Sussurrou, deslizando as alças finas do vestido azul que eu usava. Estava sem sutiã, pois a roupa que vestia não demandava um. Lábios quentes abocanharam um mamilo rijo e o outro foi atiçado por uma mão enorme e habilidosa. Já tínhamos feito sexo algumas vezes, muitas, na verdade, considerando o pouquíssimo tempo que tínhamos começado. Mas mesmo assim, era sempre algo novo, inédito. As surpresas e cartas que Felipe guardava na manga, pareciam infinitas. Ele tirou a taça da minha mão e, sem aviso prévio, empurrou-me na cama. ─– Não me canso de te admirar, sabia? Falava com a boca praticamente colada na minha pele. Os lábios sugaram o lóbulo daminha orelha e fizeram o mesmo com a clavícula. Felipe já sabia que nada me deixava mais louca do que ter sua boca passeando por minha pele. Quando fazia isso, me ganhava completamente, arrancava qualquer limite que ainda pudesse impor. Fizemos amor a milhares de metros de altura, e aquilo foi incrível. O céu testemunhava nosso prazer, como se nem a força da gravidade pudesse separar nossos corpos. Quando Felipe mergulhava em mim, éramos um só, e absolutamente nada podia mudar isso. Voamos por mais de dez horas, e durante todo esse tempo, só nos separamos quando o piloto afirmou que já sobrevoávamos o céu parisiense. Desmontamos a cama e afivelamos os cintos de segurança. A aterrissagem foi tranquila, quase imperceptível. Voar no avião Mondragón era muito diferente de voar em um avião comercial qualquer. Mesmo quando papai era vivo, e eu viajava ao seu lado na primeira classe, não se comparava com a elegância e desenvoltura com que cruzávamos o mundo numa aeronave como a de Felipe. Ao desembarcarmos, fomos atingidos por uma ventania muito forte e fria, ocasionada pela junção do movimento das grandes hélices com o gélido ar europeu. Felizmente, durante a viagem, substituí o leve vestidinho, por calças corpulentas, botas de camurça e um grande casaco de peles. O braço do meu esposo ao meu redor também corroborava para amenizar o frio. No estacionamento do aeroporto, o motorista temporário contratado por Felipe, nos esperava em frente a grande limusine prata que usaríamos para nos locomover durante a estadia na cidade. Queria muito me concentrar no caminho até o hotel, contemplar minha primeira noite na capital francesa, porém, não dormi durante as quase doze horas de São Paulo até Paris, e isso estava cobrando seu preço. Por isso adormeci logo que entramos no carro. Despertei com a voz suave de Felipe avisando que havíamos chegado ao hotel. Quando abri os olhos, uma construção imperial preencheu-os de beleza e magia. Era uma coisa magnífica, como nunca tinha visto antes. Uma espécie de palácio tingido de uma cor clara que não pude distinguir bem por ser noite, apesar de incontáveis janelas irradiarem uma luz amarela para fora da construção. Passamos pelos enormes portões negros, cheios de pequenas aberturas com detalhes diversos, que circundavam o hotel e entramos. A primeira coisa que se notava no hall, além da largura a perder de vista, era o conjunto de cinco estratosféricos lustres de cristal pendurados em elevações distintas. O design do porcelanato do chão também era algo que vale a pena relatar. Uma única peça tingida de branco propositadamente encardido, compunha todo o piso. Ao longo da extensão deste, riscas douradas que em alguns momentos se agrupavam em um quadrado, noutros, num retângulo. À poucos metros à frente da bancada retrô escura onde estavam três funcionárias responsáveis pela realização dos check-ins, uma mesa redonda pequena, comparada a grandeza do ambiente, com base dourada e um suntuoso arranjo de orquídeas brancas. Após nos registrarmos, Felipe e eu tomamos um elevador privativo, que se abriu diretamente em nossa suíte, novamente imperial. Assim como a suíte da noite de núpcias, ainda no Brasil, aquela também se assemelhava a um belíssimo apartamento, só que lembrava as acomodações de uma realeza remota. Algumas paredes, o piso e objetos e móveis estratégicos da suíte,incluindo o sofá da sala de estar e os cobertores da cama, mesclavam tons distintos,porém, sempre azul-claros. Essa particularidade fez com que me sentisse imediatamente inserida ao lugar. – Nossa, esse hotel é incrível, Felipe! — Exclamei, admirada. –─ O quarto é esplêndido, me sinto uma princesa. Eu estava parada em frente a grande cama, admirando o lindo contraste que a dupla de abajures flutuantes criava ao entrarem em contato com o dourado da cabeceira,quando os braços fortes do meu marido me envolveram por trás e os lábiosencontraram o caminho do meu pescoço. ─– Isso porque você ainda não viu a melhor parte. –─ Tem melhor parte? –─ Indaguei, desacreditada que aquilo fosse possível. ─– Claro que tem e vou lhe mostrar agora. Venha cá. Confiando plenamente nele, segurei em sua mão e o acompanhei até a porta branca com detalhes em vidro opaco, que dava acesso à varanda. A porta era de correr, e Felipe afastou as duas extremidades e ela se abriu, fiquei tremendamente chocada. Ali, parada em frente a nossa varanda, gigantesca e iluminada como uma rainha, estava ela... Ela! A torre Eiffel! Visitar Paris, mesmo que a negócios, era sempre uma ótima experiência. Mas aquele mês, no entanto, foi único. Vi a cidade por um ângulo que nunca tinha visto antes. Talvez da mesma maneira embasbacada com a qual Antonella reagia a tudo que eu lhe mostrava. Jamais esquecerei a forma como ficou quando lhe mostrei a vista de nossa varanda. Para mim, era engraçado vê-la tão estupefata com a torre, o monumento é inquestionavelmente lindo, mas se comparar com a visão que Antonella tinha sempre que se colocava diante de um espelho, a Eiffel não passava de um amontoado de ferro velho. Apresentei-lhe tudo que pude naquele tempo tão curto, para conhecer uma cidade como Paris, mas confesso que em muitos dias, sequer nos dignamos a sair do quarto.Passávamos horas e horas na suíte, fazendo amor em todos os cantos daquele lugarzinho mágico. — Preciso levá-la para aproveitar mais a capital francesa. Como CEO de uma multinacional, não terei tempo para outra viagem desse tamanho tão cedo. — Disse, enquanto nos amávamos no sofá. Naquela ocasião, estávamos há três dias sem nos afastar do hotel, na verdade, não tínhamos descido nem mesmo ao hall. — E não estamos aproveitando? Por acaso existe melhor maneira de curtir a Cidade Luz, do que fazendo amor à luz de velas, ou sob a sombra do brilho da Eiffel? — Disse, risonha e afobada, enquanto rebolava com força no meu pau. — Não, não tem! — Num ímpeto, virei-me, nos trocando de posição e assumindo o comando daquela transa. Claro que além do sexo épico, também vivemos vários outros momentos maravilhosos naquela viagem. Fizemos um romântico passeio de barco pelo Sena, isso próximo ao pôr do sol. Enquanto os raios fracos do sol alaranjavam nossas peles e as águas calmas do rio, coloquei-a no meu colo para protegê-la do frio que começava a se apresentar, e declarei pela primeira vez meu amor por ela. — Eu te amo, senhora Mondragón. — Afirmei, apertando muito seu corpo contra o meu. — Te amo mais, senhor Mondragón. Infinitamente mais! Aquele foi, sem sombra de dúvidas, o momento mais feliz da minha vida, o instante em que me senti mais humano e dono de um futuro divino que se apresentava à nossa frente. Ouvir Antonella proferir aquelas palavras era surreal, e saber que ela me amava tanto quanto eu a amava, era maravilhoso. Infelizmente, não pude tomá-la em meus braços naquele momento, porque haviam outros barcos bem próximos ao nosso, mas fiz isso quando chegamos ao hotel. Naquela noite sublime externei não só com palavras, também com cada fibra do meu corpo o quanto a amava e desejava. A possuí na cama, no sofá da sala, no sofá da varanda e por fim, no chuveiro, onde a ensinei a me chupar. Começou submissa, ouvindo atentamente cada uma das minhas instruções. Seus olhos azuis se mantinham cravados na escuridão dos meus, enquanto a boca me tomava pouco a pouco, conhecendo meu sabor, e os pontos mais sensíveis do meu pau. Era possível ver a olho nu, a evolução de sua segurança, e principalmente, eu conseguia sentir isso, tinha o prazer de sentir isso. Em pouco tempo, eu estava quase que por completo na boca quente, molhada e que parecia estar gostando da experiência, de me ter inteiramente sob seu domínio. Logo, Antonella já tinha o total controle da situação, eu não precisava mais empurrar. Ela mesma vinha ao encontro da minha virilha, chupava com força, depois lambia calmamente como se saboreasse um sorvete de morango, como o que compartilhamos sentados na grama da Place des Vosges. Queria desfrutar daquele momento por muito mais tempo, mas foi impossível conter um orgasmo potente, pouquíssimos minutos depois que me vi completamente engolido pela boca na qual sonhava estar dentro já há algum tempo. Como não queria adiar seu prazer, e sabia que meu pau precisaria se recuperar, também reivindiquei o direito de me deleitar com o gosto do seu sexo. Ataquei sua intimidade com a minha língua, até que ela gozou na minha boca, e eu sorvi até a última gota, reivindicando-a para mim. Talvez aquele tenha sido o dia mais especial e decisivo da lua de mel. O dia em que assumimos o nosso amor. As malas estavam todas feitas e prontas para serem recolhidas. Depois de um banho demorado e de me preparar para o longo voo que estava por vir,fui ao encontro de Antonella. Minha esposa estava sentada no sofá azul bebê da varanda, pensativa, admirando a torre Eiffel. Achei essa atitude no mínimo estranha, dada a alegria dos últimos dias. Aproximei-me com cautela, e me sentei ao seu lado, para também contemplar a paisagem. Depois de um suspiro profundo, minha esposa repousou a cabeça em meu ombro. — Sentirei muita falta deste lugar. Com certeza foram os dias mais felizes de toda aminha vida. Pela primeira vez desde que nos casamos, ela parecia melancólica e eu não gostei nada daquilo. Queria vê-la sempre radiante, como o sol em um dia quente de verão. — Foram os mais felizes da minha vida até hoje também, meu amor, mas garanto que os melhores ainda estão por vir. — Promete? Promete que nada no mundo poderá desfazer essa intimidade que criamos aqui? Antonella parecia preocupada, provavelmente estava com medo que nosso amor se esvaísse assim que pisássemos em solo brasileiro. Ela precisava ter certeza que as coisas só mudariam entre nós se fosse para melhor. E não era só ela. Eu também precisava daquilo, não por haver dúvidas em mim, mas por minha paz depender inteiramente da dela. Segurei-a pelo queixo, e prendi nossos olhares. — Você sempre será a coisa mais importante no mundo pra mim. A razão da minha vida. Isso é uma promessa, Antonella Botelho Mondragón. Os olhinhos azuis voltaram a exibir o brilho exorbitante com o qual já estava totalmente habituado, a luz que por ironia do destino, nascera na Cidade Luz. — Eu te prometo o mesmo, meu amor. Sempre lutarei por nós dois, pela nossa felicidade. — Já vencemos essa luta. — Garanti, convencido daquilo. Não era capaz de imaginar nada entre nós, estávamos unidos demais para que qualquer coisa pudesse nos separar. Tínhamos sido fundidos um ao outro como os ferros da torre que admirávamos naquele fim de tarde. Felipe estava certo quando disse em Paris que as coisas só iriam melhorar entre nós. A vida não poderia estar mais perfeita. Em dois meses de casamento, o arco-íris em expansão ao nosso redor parecia ter sido revertido em algo impossível de ser quebrado, ou mesmo trincado. Só havia felicidade e amor em nosso mundo. Claro, não via meu marido tanto quanto gostaria, pois o CEO de uma empresa da magnitude da Mondragón, está sempre muito ocupado. Mas não perdíamos uma oportunidade de ficarmos juntos e a sós. Quando possível, fugíamos para algum canto do país, e passávamos dois dias nos amando loucamente. Os mimos e agradinhos também eram constantes e mútuos, muito mais da parte dele, confesso, porém, eu também fazia o que podia para surpreendê-lo. Não podia regalá-lo com coisas caras e loucas, como ele fazia comigo, mas tinha o costume de acordá-lo com um café da manhã na cama, ou com um belo boquete às 6h00min da matina. E Deus, como ele adorava essa segunda surpresa! Felipe, por sua vez, tinha formas bem mais elaboradas de me comprazer, como vôos inesperados para alguma praia privativa, joias espetaculares que me agradavam bem menos do que as escapadelas que dávamos de vez em quando, no entanto, me faziam sorrir como uma boba por imaginá-lo escolhendo-as a dedo para mim. Na manhã daquele dia, cerca de duas horas depois que Felipe saiu de casa em direção a Mondragón, fui agraciada com mais um mimo. Dessa vez, veio em uma caixa enorme, com direito a laço e tudo. Quando abri a caixa, deparei-me com um vestido vermelho deslumbrante. Longo e sexy, feito de seda e inteiramente bordado com pedrarias. Em uma caixa menor, encontrei um leve e elegante conjunto de colar e brincos, confeccionados em ouro branco. Havia um cartão atado na caixa. Eu o destaquei e li a mensagem sorrindo. “Quero-a mais linda do que nunca esta noite, princesa.“ Meu coração se aqueceu, e mais do que pela noite, esperava pela manhã seguinte. Na qual talvez eu lhe desse um presente muito mais valioso do que os que ele me dava. Um presente que faria do meu homem o mais feliz de todos. Pretendia ir à suíte de Marina mostrar-lhe o vestido, mas fui interceptada por Júlia. — O senhor Anthony e sua equipe já estão aqui para atendê-la, senhora. — Informou a prestativa funcionária, assim que abri a porta do quarto. Juntei as sobrancelhas. Não esperava a visita dos requisitados profissionais de beleza naquele dia. Poucos segundos depois, meu semblante relaxou a ponto de um sorriso brotar nos lábios. Aquilo certamente fazia parte dos misteriosos planos de Felipe para a noite. — Está certo, obrigada por me avisar, Júlia. Peça que me deem quinze minutos, e depois os mande subir. Sirva-os algo, se aceitarem. Finalmente pude ir ao quarto de Marina. Encontrei-a sentada na cama, com um belo vestido amarelo nas mãos, e uma caixa tão grande quanto a que recebi ao seu lado. Minhas sobrancelhas uniram-se de novo. — Você também recebeu um vestido, meu amor? — Questionei, completamente atordoada com a situação inédita. — Sim, não estou entendendo nada, inclusive. — Eu muito menos, mas uma coisa vinda do Felipe só pode ser muito boa, certo? — Com certeza querida. — Disse ela, sorrindo. Mesmo não fazendo ideia do que me esperava, deixei que o salão móvel contratado por Felipe me arrumasse da melhor maneira possível. Me mantive animada o tempo todo, pois mesmo não sabendo de muita coisa, uma coisa era certa: estava me preparando para meu marido, e essa era a única coisa que de fato importava. Quando sozinha no meu quarto, já beirando as 19h00min, coloquei-me diante do espelho e suspirei de puro orgulho e auto apreciação. Nunca tinha me visto tão bela, tão à altura do meu esposo super poderoso. O vestido, os cabelos soltos, volumosos e a sobriedade da maquiagem me conferiram um visual sensual e extremamente sofisticado. Para onde quer que fossemos, tinha certeza que meu marido se sentiria envaidecido pela mulher que teria ao seu lado. Marina também estava deslumbrante em seu vestido amarelo, com comprimento mediano e de alta costura. A roupa combinava bastante com o coque trançado que lhe fizeram. Sem sombra de dúvidas, havia sido produzida como a rainha que era. — O que será isso tudo, hein querida? — Perguntou minha preceptora, assim que entramos na Mercedes, onde para minha decepção, Felipe não estava. — Bem, eu não sei, é esperar para ver. Quanto mais o carro avançava pelas ruas da cidade, maior sensação de reconhecimento aquele percurso trazia. As casas muito elegantes, porém fora de condomínios, a posição das árvores, e principalmente o casarão de portão preto, que ficava na entrada da minha... Respirei afobada e olhei para uma Marina igualmente espantada ao meu lado. — Marina, estou ficando maluca ou esta é nossa antiga rua? — Interpelei, pasma. — Sim, com certeza! Antes que eu pudesse questionar o motorista, o homem estacionou o automóvel em frente a minha antiga casa. A mesma que eu cresci e fui praticamente expulsa. A casa dos meus pais. Ali parado, bem em frente a entrada, estava Felipe. Sorridente e lindo em mais um de seus ternos pretos caríssimos. — Meu amor... — Beijei-o brevemente. — O que significa isso? — Acho que já está mais do que na hora de apresentar a senhora Mondragón à sociedade. — Mas esta é a minha casa, Felipe! Risonho, acenou com a cabeça e envergou ambos os braços para que Marina e eu nos apoiássemos nele. — Justamente, consegue imaginar um lugar melhor para isso do que sua casa? — Mas e Verônica? — Perguntei assustada. — Amor, apenas relaxe e aproveite o momento, você merece. Aliás... — Voltou os olhos para Marina, que assim como eu, apoiava-se nele. — As duas merecem. Estávamos assustadas, perplexas mesmo, mas ambas confiávamos no homem que tanto bem vinha nos fazendo, e o acompanhamos, seguras apenas de que ele estava nos conduzindo para o melhor. Vários carros de luxo estavam estacionados, tanto na parte de fora da imponente propriedade, quanto no estacionamento privado da casa. Meus olhos se encheram de lágrimas, era emocionante estar de volta naquele lugar. E daquela vez, apoiada por um braço infinitamente mais forte do que os que porventura, pudessem se levantar contra mim. Enquanto cruzávamos o grande portão branco, que dava acesso ao magnífico jardim, que basicamente compunha a fachada da casa, as lágrimas finalmente rolaram. Apesar de tudo que passei nas mãos de Verônica e Sheila, nunca considerei aquela propriedade um cativeiro. Sempre foi o lar dos meus pais, o lugar onde construíram um amor tão grande quanto o que Felipe e eu estávamos construindo. Havia um caminho em mármore, esculpido no meio da grama verde, que era circundado por pequenas plantas, e estupendos canteiros de flores diversas. Esse caminho levava diretamente à entrada principal da casa, de onde era possível ouvir as vozes animadas e uma suave música instrumental, que vinham lá de dentro. Em determinado ponto, desviamo- nos do caminho, e fomos em direção aos fundos da casa, onde ficavam a piscina e a porta da cozinha, por onde entramos. — Meu Deus! — Marina sorria no mesmo momento em que chorava. — Minha cozinha. — A voz estava carregada de emoção. Eu não sabia o que dizer, ainda estava completamente confusa. — Por favor, Felipe, explique-nos o que está acontecendo. — Implorei, olhando-o nos olhos. — Eu comprei a parte que pertencia a Verônica, e agora, meu amor... Esta casa é inteiramente sua. Aliás, sua e de Marina, porque achei justo colocá-la como co-proprietária do imóvel. Minhas pernas falharam, e se não fosse pelo amparo de Felipe, teria ido ao chão. Simplesmente não podia acreditar no que meu marido estava dizendo. Aquele, no fundo sempre fora meu maior sonho. Recuperar o lar Botelho e exorcizá-lo das invasoras. — Amor da minha vida! Obrigada, obrigada, obrigada! ─– Agradeci aos prantos. Eu podia ouvir os agradecimentos baixinhos e emocionados de minha Marina. Desvencilhei-me do meu esposo para abraçá-la. — Acabou, mãezinha. Tudo o que a gente teve que passar para chegarmos até aqui de pé, valeu a pena, não valeu? — Claro, e isso graças ao seu Felipe. — Não. — Meu marido foi até nós e nos abarcou em seus braços. — Graças a força que tiveram esse tempo todo. Ficamos ali por alguns minutos, abraçados, deixando que as lágrimas cessassem e secassem por si só. Então chegou o momento de encararmos os convidados de Felipe, e principalmente, de enfrentarmos Verônica e Sheila pela última vez. Nunca tinha visto Antonella tão atribulada quanto naquela manhã, caminhava de um lado para o outro, nossa suíte parecia pequena para tanta inquietação. Pensava que talvez ainda estivesse sob o efeito da noite triunfante que teve, uma noite que certamente lavou sua alma. Sua mão estava fria na minha, quando apresentei-a oficialmente como minha esposa, e simplesmente congelou no momento em que uma perplexa Verônica caminhou até nós. — O que significa isso, Antonella Botelho? — Perguntou, com os olhos enfurecidos cravados em minha amada. — Mondragón, Antonella Mondragón. — Corrigi-a, regozijado com a vitória daquela noite. — Senhor Mondragón, não sabia que estava adquirindo a propriedade para este fim, então gostaria de desfazer o contrato de compra e venda. — Tem todo direito de tentar, mas deixo-a de sobreaviso que perderá seu tempo, porque tudo foi feito dentro da lei, atas registradas em cartório e cheques descontados. Não há maneira de reaver a propriedade, a menos que minha esposa e sogra queiram lhe vender, mas aí seria um assunto que teria que tratar diretamente com elas. O rosto da megera avermelhava-se cada vez mais. — Isso é um absurdo, o senhor me enganou! — Não enganei ninguém, e se continuar me ofendendo desta maneira irei processá-la por difamação. O olhar indignado novamente se voltou para Antonella. — Garota ordinária, não sei como conseguiu isso, mas você me paga! Encolerizei-me de vez, e fitei a desgraçada com toda a violência que havia se instaurado em mim. — Veja bem como fala com minha esposa! Se ofendê-la desta forma novamente juro que destruo-a, a esmago sem piedade como a cobra peçonhenta que é. Soltando minha mão, Antonella se interpôs entre nós. — Suma da minha vida, Verônica! Se voltar a vê-la novamente farei com que se concretize cada palavra dita por meu marido. — Ameaçou. Sequer posso mensurar o tamanho do orgulho que senti da minha princesa quando ela tomou aquela atitude. Foi como vê-la assumindo, pela primeira vez em muito tempo, as rédeas da própria vida. Sempre soube que ela era forte e guerreira. Mas presenciar a materialização dessa força foi realmente maravilhoso. Voltando aquele momento na manhã seguinte à recepção, não conseguia acompanhar os passos frenéticos de Antonella, de um canto a outro do quarto. — Aconteceu alguma coisa, meu amor? Algo a está incomodando? Sorriu e virou-se para mim, mas era um sorriso de aflição. —Não. — Ergueu uma sobrancelha e sentou-se na cama, onde eu ainda estava. — Na verdade ainda não consegui assimilar todas as emoções da noite passada. Você... — Inspirou demoradamente. — Você não vai trabalhar hoje? Já são quase 9h00min e ainda está aí, deitado e sem roupa. — Não gosta de me ver assim? — Perguntei, maliciosamente. Sorriu de novo, mas daquela vez o sorriso foi verdadeiro. — Adoro. — A mãozinha e o olhar cadenciado, deslizavam por meu abdômen desnudo, me excitando bastante. — Mas estou surpresa, é a primeira vez que o vejo faltar ao trabalho em uma segunda feira. — Não vou faltar, só resolvi me atrasar propositadamente para passar um pouco mais de tempo com minha esposa. O CEO da Mondragón tem esse direito, não tem? — Meu marido tem todos os direitos do mundo. — Sussurrou colocando-se sobre mim. Mesmo de camisola, podia sentir seu sexo molhado, o tecido delicado da roupa permitia perceber isso. E ela podia ver e sentir contra seu ventre, a reação do meu pau. — Duas transas na mesma manhã? — Fechei os olhos e a pressionei com toda força contra meu corpo. Me deleitando com o perfume de rosas impregnado na pele macia. — Devo estar no paraíso. Quando alguém bateu em nossa porta, ela saltou para fora da cama e apressou-se em vestir o robe. — Calma, não tão depressa, senhora Mondragón. Pra quê tanta vontade de abrir essa porta? — Porque talvez seja o nosso paraíso que esteja batendo. Com essa fala enigmática jogada ao vento, como se não fosse nada, Antonella correu para abrir a maldita porta. Permaneci na mesma posição e não me esforcei para descobrir quem batia à porta. Quando minha esposa retornou para a suíte com a expressão enevoada e um envelope aberto nas mãos trêmulas, me arrependi da inércia. — Algum problema? Balançou a cabeça loira com um sorriso enorme nos lábios. — Problema nenhum. Saí da cama e fui até ela. — Então por que isso? — Referia-me a dupla de lágrimas que escorriam pelas bochechas coradas. — Eu não queria te contar dessa forma... Queria fazer isso de alguma forma criativa como nos filmes e novelas, mas eu... — Sorriu sonoramente. — Não consigo. — O que aconteceu? — Amor, eu... — Expressando um sorriso que me derretia o coração, mas com os olhos marejados, levantou um ombro. — Estou grávida. Fui tomado por algo que excedia o espaço disponível em meu ser. Que transpunha e irradiava por todo ambiente ao meu redor, depois me reencontrava e me atingia em cheio, de novo e de novo. Felicidade, alegria, euforia, satisfação... Todas essas palavras soavam brandas demais para descrever o que eu estava sentindo. Estava literalmente fora de mim, pairando em outra dimensão. Uma dimensão que ressignificava e engrandecia tudo o que conhecemos como o melhor por aqui. Tomei a razão daquele estado sublime em meus braços, e a rodopiei como se fôssemos duas crianças. — Grávida, meu amor? Você tem certeza disso? Sua risada ecoava como um afago em minha alma. — Mais grávida impossível. Fiz dois testes de farmácia e agora chegou o resultado do laboratório. — A gargalhada tornava o quarto palco de um show musical divino. — Estou esperando um bebê, Felipe. Quando a coloquei no chão, suas mãos acharam o caminho do meu rosto, enquanto os olhos espelhavam toda a luz que me preenchia por dentro. — Meu Deus do céu, Antonella! Isso era o que faltava para sermos... — Completamente felizes. — Completou, expressando com seus lábios o que a minha alma gritava. — Nós seremos papais, meu lindo! Aquela altura eu já compartilhava das lágrimas que escorriam de seus olhos. Não podia acreditar na dádiva que havíamos recebido dos céus, e tão cedo. Há muito tempo não via mais um filho com Antonella como um mero herdeiro. Era o fruto do nosso amor. Uma expressão de carne e osso da corrente suave, invisível e inquebrável que nos unia. Houve festa na mansão Mondragón naquele dia. Todos estavam eufóricos pela chegada da criança. Claro que cada um tinha seu motivo, mas a felicidade era o ponto em comum em todos os presentes. — Um neto! — Meu pai acariciava e beijava a barriga de Antonella, me dando o prazer de vê-lo sem a armadura de grande empresário pela primeira vez. — Quer dizer que nosso poderoso chefinho já está à caminho? Dóris puxava brinde, atrás de brinde, pela chegada de seu novo líder. Ela era a que menos conseguia conter o entusiasmo. A mais emocionada era Marina, seus olhos não se mantiveram enxutos nem por um segundo depois de saber da gravidez. — Graças a Deus estou viva para ver isso. Meu bebê carregando outro bebê no ventre. Sorri e soltei minha idolatrada esposa por alguns segundos apenas para poder abraçar a emotiva senhora. — Estará viva para ver seu bebê trazendo muitos e muitos bebês ao mundo, sogra, isso eu garanto. Comemoramos o dia inteiro. Nem mesmo Dóris, que era uma workaholic da cabeça aos pés, voltou à Mondragón depois da notícia. Fez questão de ficar conosco, nos parabenizando por horas a fio, porque segundo ela, não eram todos os dias que um rei dava as caras nesse nosso mundinho. Finalmente, o amontoado de pessoas explodindo de alegria, começou a se dissipar, e por fim, depois daquele dia alucinante, Antonella e eu estávamos reclusos em nosso santuário, agarradinhos um ao outro. — Então, princesa, será que virá um menino ou uma menina? — Perguntei, acariciando o seu ombro nu. Estava esbaforido, pois havíamos acabado de fazer o amor mais lindo das nossas vidas. — Imagino que você queira um menino, mas ainda não faço a menor ideia do sexo do serzinho que estou carregando. — Não, na verdade não tenho preferência quanto a isso, só desejo que venha com saúde e se possível tão lindo quanto a mãe. — Não podia ser mais sincero, o simples fato de que seria pai de um filho que se desenvolvia no útero de Antonella, era mais do que suficiente para fazer de mim o homem mais realizado da face da Terra. — Que é isso? Você é muito mais bonito do que eu! — Disse fingindo indignação. — Não, é o que meus olhos veem. — Beijei-lhe o topo da cabeça e desliguei o abajur. — Mas agora durma, princesa. Como futura mamãe, você precisa descansar muito mais do que de costume. — Ah não! Não me diga que será daqueles homens que... — Silêncio, princesa. É hora da soneca. Minha garota ainda resmungou bastante antes de cair no sono. Encheu meus ouvidos com o papo de que gravidez não era doença, de que poderia continuar fazendo o que sempre fez, que uma gestação não deveria impor limites a uma mulher. Disse muitas outras coisas que nem lembro mais. Porque a única coisa que me importava era vê-la ali, completamente segura enquanto dormia ao meu lado. Antonella não conseguia entender que só o que eu queria, era garantir que ficaria tudo bem com ela e com nosso tesouro. Eu definitivamente estava casada com o futuro papai mais maluco e babão do mundo. O homem não me deixava fazer nada e estava indo à Mondragón só pelas manhãs. Ao meio dia, meu CEO paranóico já estava comigo, vigiando de perto cada um dos meus passos, e acompanhando praticamente com um binóculo o crescimento da nossa filha. Por que sim, a ultrassonografia, que havia feito três dias antes, indicou que esperava uma garotinha. — Mal posso acreditar que daqui a cinco meses teremos uma carinha nova por aqui, meu amor! — Disse meu marido, animado e emocionado, no dia em que se completavam dezesseis semanas de gestação. A barriga ainda não era visível para o resto do mundo, mas em nossa intimidade, Felipe e eu já conseguíamos ver uma considerável protuberância em meu ventre. — Papai ama vocês, princesas, ama muito, muito! — Disse, interrompendo o sexo para conversar com nossa filha. — Nós também te amamos, mas será que dá para continuar o que estava fazendo? — Perguntei, entrelaçando com os dedos o cabelo macio. — Com certeza dá! Voltou a mergulhar a cabeça entre minhas coxas, e me explorar com a língua eficiente da maneira que sabia que eu adorava. Aliás, adorava tudo que Felipe fazia comigo sobre a cama, ou em qualquer outro lugar em que eu estivesse sem roupa, a mercê dele. Minhas costas subiam e desciam no colchão, enquanto minhas unhas arranhavam ora os lençóis de seda, ora o cabelo igualmente macio do homem que me devorava com uma fome insaciável. Me sentia entorpecida sob o comando de Felipe, e nada podia fazer para ter alguma participação na foda, quando ele decidia assumir o controle da situação. Honestamente, não fazia questão alguma de abandonar a passividade, porque Felipe sabia exatamente como tirar proveito dela. A língua rígida e quente pouco se dedicava a escorregar pelo clitóris, se concentrava mais em mantê-lo cativo no calor de sua boca o máximo de tempo, até que me derretia em seu rosto, completamente saciada, embora, ansiosa pelo que sabia que ainda estava por vir. As noites com meu marido não eram uma criança, mas um passeio insano que se estendia suado e ardente madrugada adentro. Depois que engravidei, minha libido alcançou níveis inimagináveis, queria meu marido dentro de mim vinte e quatro horas por dia, e não importava o quanto minha excitação subia, Felipe não só a alcançava, mas superava num salto. Embora se preocupasse bastante em não perturbar nossa neném.
Pela primeira vez em quatro meses, Felipe adormeceu antes de mim.
Lindo, grande e com o semblante tão sereno quanto um anjo, meu marido dormia estirado em nossa cama. Era raro contemplá-lo daquela maneira, tão inocente e frágil, então desci da cama para apreciá-lo mais amplamente. Fiquei ali, parada, observando-o por muitos e muitos minutos, sem acreditar na sorte de tê-lo só para mim. Eu o amava tanto, que morreria milhões de vezes por ele, porque todo sentido do meu mundo estava emaranhado naqueles lençóis, e também dentro de mim. Aproveitei o momento de solidão e paz, para também contemplar o outro pólo daminha alma. Livrei- me da camisola ali mesmo e migrei para o banheiro, onde me coloquei diante do grande espelho. Sem roupa, toquei a pequena bola em minha barriga, com a delicadeza de quem toca uma rosa. Ela estava ali, meu pequeno botão, um serzinho puro que fazia transbordar todo o amor que existia em mim. Ainda não conhecia seu rosto, não fazia ideia de qual seria seu nome, nem se seria uma bebê quieta, ou uma criaturinha serelepe. Que balançaria as mãozinhas sempre que me visse, e acordaria berrando às 3h00min da manhã para lembrar papai e mamãe que estava ali, precisando de nós. A única coisa que sabia era que já a amava com todas as forças do meu ser. Sabia que nunca permitiria que nada a fizesse sofrer, que colheria suas lágrimas antes que lhe molhassem o rosto. Em seu caminho não haveria espinhos, pois com minhas próprias mãos os arrancaria e poria em seu lugar uma trilha de flores. Minha menina seria feliz como a princesinha que era. Voltei a deitar na cama, e sorrindo, aninhei-me no pai da minha filha, que por instinto, envolveu-me em seus braços. Nunca saberei como tudo começou, mas uma dor absurda me fez acordar. Gritos agonizantes saiam do meu âmago sem que eu pudesse controlá-los. Sentia como se uma lamina transpassasse minhas entranhas, me rasgando de dentro para fora. Felipe assustado, despertou imediatamente. — O que aconteceu, Antonella? Teve um pesadelo? — Uma mão grande escorregava por minhas costas, enquanto a outra acarinhava um pescoço. Nem aquele toque adorado afastava a dor, que ia e retornava de forma cada vez mais violenta. Mais um grito me escapou, dessa vez tão alto que pude escutá-lo ecoando dentro de mim. Desesperado, Felipe ligou o abajur e olhou para mim, depois, para a enorme mancha vermelha que manchava a alvura da minha camisola e do lençol. — Tente se acalmar, querida. Vai ficar tudo bem. Eu vou te levar para o hospital! — As palavras apaziguadoras de Felipe, na verdade eram berros que potencializavam meu medo. Estava por demasiado atordoada para perceber o que se passava ao meu redor, mas de repente me vi cercada por um amontoado de pessoas, gente que dizia coisas que eu escutava, mas não entendia. Nos braços de Felipe, ignorava a dor que me quebrava de dentro para fora. A única coisa que fazia, era conversar com minha filha, uma conversa que só ela e eu podíamos escutar. Implorava para se agarrar a mim, para lutar bravamente como eu estava lutando. Suplicava à minha garotinha para manter o coração batendo mais forte do que o meu. Eu não podia perdê-la. “Por favor, minha razão, mamãe está aqui com você.“ — Coloquem-na na ambulância, depressa! — Uma voz ecoava em meu ouvido. “Você é forte, princesa, irá pra faculdade. Pode não ir, se quiser, mas estará aqui comigo“. Sirenes tentavam se interpor em minha conversa. “O mundo inteiro tá aqui te esperando, bebê! Você só precisa se segurar bem forte na mamãe.“ O líquido maldito escorria cada vez mais espesso por minhas pernas. Meu corpo não tinha o direito de expulsá-la, ela era mais parte de mim do que meu próprio coração. “Por favor, meu amor, por favor, a mãe precisa tanto de você .“ — Antonella, eu estou aqui com você. O balançar do veículo e a voz chorosa de Felipe não conseguiam interromper a conversa que a minha alma tinha com a minha filha. “ Fique com a gente, minha vida, o mundo pode não ser bom, mas para você será, eu prometo. “. — Senhora Mondragón, consegue manter os olhos abertos? “Eu te amo!” E então tudo se apagou, um mar de sangue e lágrimas estava varrendo meu mundo para um lugar sem luz, um lugar onde a felicidade era só uma sombra atrás das rochas de medo. Os olhos fechados e a ausência de consciência não significavam nada. A imagem daquele anjo dormindo na mais profunda tranqüilidade não era nada se não ilusão. Não era um descanso. Eu sabia que não. Podia sentir e quase tocar na dor que não a deixava em paz nem no terreno confuso dos sonhos. Por alguma razão, a forte dose de sedativo que recebeu fora o suficiente para fazê-la dormir, mas não impediu que as lágrimas continuassem manchando a perfeição de seu rosto. Aproximei-me da cama hospitalar, coloquei um joelho no chão e toquei com leveza a face que tanto amava. E que apesar de tudo, era o lampejo que brilhava no fim do túnel. — Me perdoa... — Comecei, a voz trêmula, a luta contra as lágrimas sendo perdida. — Prometi que nunca mais te veria sofrer e falhei. — Fechei os olhos demoradamente, deixando pela primeira vez, desde que tudo aconteceu, a dor me dominar. — Mas anjo, mesmo que eu me autodestrua no processo, prometo curar essa ferida que está aí dentro de você. Porque o seu sofrimento é a minha maior dor. Eu queria morrer, juntar-me à minha filha, mas nem a isso tinha direito. Não desabaria enquanto Antonella não estivesse de pé. Dar-lhe-ia a mão para se apoiar, mesmo que trocássemos de posição e fosse eu a ir parar no abismo. Estava disposto a tudo para trazer-lhe de volta a felicidade que tinha perdido. O ranger delicado da porta indicou que alguém estava entrando. Virei a cabeça para descobrir o visitante, mas sem tirar a mão do rosto meigo que tinha sob a palma. — Como ela está? — Questionou Marina, baixinho, com a voz tão melancólica quanto era de se esperar. — Dormiu. O médico teve que dar-lhe uma dose reforçada de calmante, pois ela... — Funguei e voltei a me concentrar em minha princesa. — Ela estava muito nervosa, fora de si. — E a curetagem? — Será feita em meia hora. Ela ainda estará dormindo. — Posso ficar com ela nesse tempo? — Desculpe, Marina, mas não consigo me afastar dela agora. Está tão inquieta que pode abrir os olhos a qualquer momento e gostaria que me visse aqui. A bondosa senhora aceitou e deixou-nos sozinhos novamente. Segurei a mão de minha amada até irem recolhê-la para fazer o terrível procedimento. Arrancariam todos os vestígios que restavam da menina, e tenho certeza que com isso, também, desmembrariam um pedaço da minha amada. Estava sem fome, mas juntei-me a Marina na lanchonete do hospital. Puxei uma banqueta do balcão e recusei o cardápio oferecido pelo garçom. — O que será da minha garota agora, seu Felipe? — Perguntou Marina, chorosa. — A senhora acha que ela vai superar? — Retruquei. — O que mais queria era dizer que sim, mas não sei. Nunca vi Antonella tão desesperada, tão perdida. — Nem eu, mas ela é forte e estaremos ao seu lado o tempo todo. — Será que é o suficiente? — Tem que ser. Ficamos ali, conversando, e até rezando por mais ou menos uma hora, quando decidimos voltar à recepção, e fomos informados que em poucos minutos Antonella estaria de volta ao quarto, provavelmente acordada. Precisamos sentar no grande sofá branco da recepção, para que nossas pernas não perdessem a força. Quinze minutos se arrastaram desde que fomos avisados da transferência de Antonella. Permitiram que entrássemos os dois, mas Marina insistiu que eu fosse sozinho, segundo ela, seria melhor para minha mulher conversarmos a sós primeiro, e de certa forma, eu concordava. O cheiro hospitalar penetrou meus poros até esbarrar na alma, e foi a primeira coisa que senti quando entrei no quarto. Minha esposa estava deitada, o cabelo loiro, bastante desgrenhado, cobria boa parte do rosto. Estava estática. De onde eu estava, ainda encostado na porta, podia assistir o descer e subir de seu peito. Aproximei-me com cautela, sabia que estava ciente da minha presença, mas por alguma razão horrível, não se atrevia a me olhar nos olhos nem mesmo a mexer a cabeça em minha direção. Puxei uma poltrona que havia no canto do quarto e sentei à beira da cama. Queria ver seus olhos, precisava disso para ter certeza que ela ainda era a mesma, mas não fui agraciado. Peguei em sua mão, e meu toque não lhe causou efeito algum. Continuava catatônica, um corpo sem espírito. — Meu amor, por favor... Por favor, olhe pra mim. Preciso da sua luz, porque sem ela me sinto mergulhado nas trevas. Ela olhou, com dificuldade, mas olhou. Porém, não havia o brilho que me iluminava e aquecia, as íris azuis estavam ocas, congeladas como icebergs no azul do oceano. Coloquei para trás da orelha os fios que obstruíam seu semblante. — Compartilho da sua dor meu amor, ela é nossa e vamos superá-la juntos. — Felipe... — A voz soou fraca, mas era um bálsamo ouvi-la. — Me sinto vazia, seca. — Não existiam lágrimas nos olhos, mas o choro estava bem presente na voz. — Sinto que arrancaram um pedaço de mim, o maior pedaço. — Não minha vida, não diga isso, eu imploro, estamos vivos e temos tudo a nosso favor, todas as chances de recomeçarmos. Finalmente seus dedos trêmulos retribuíram o amparo oferecido por minha mão. — Eu não entendo o que pode ter acontecido, Felipe, nossa menina estava tão bem. — As lágrimas ingratas voltaram a escorrer. — Hoje mesmo eu a senti pela primeira vez, e agora ela simplesmente não está mais aqui. Como isso é possível? — Amor, abortos antes das vinte semanas são recorrentes, e infelizmente aconteceu conosco. Porém, isso não significa que não possamos tentar de novo, nada nos impede de sermos pais. — E se estiver errado, Felipe? Se houver algum problema comigo? Já pensou nisso? — Mas que absurdo é esse que você está dizendo, Antonella? É claro que não tem nada de errado com você, princesa. Isso foi uma fatalidade, um caso isolado que não vai mais se repetir. Eu não podia prometer, porque pela primeira vez na vida, sentia o destino me escapar das mãos. Era horrível perceber que não podia impedir que o mal alcançasse Antonella. Fiz a única coisa que estava ao meu alcance. Levantei da poltrona, deitei em um dos lados da cama e a abracei. Nos meus braços, era o único lugar que sabia que estava completamente segura. Foram necessárias vinte e quatro horas em observação para que finalmente pudesse levar minha mulher para casa. Uma mulher que não era mais a mesma, mas que pouco a pouco eu iria recuperar, tinha certeza disso. Como a gravidez fora interrompida no quarto mês de gestação, o obstetra recomendou que nos abstivéssemos de sexo por um mês, ordem que com muito sacrifício eu respeitaria, até porque a própria Antonella parecia ter perdido o interesse por nossos momentos de intensa paixão. Fazia de tudo para alegrá-la, para espantar aquela intrusa nuvem que insistia em pairar sobre sua cabeça, mas não adiantava. Todo meu esforço era em vão, sentia que depois do aborto não restava nada da minha princesa. Apenas um corpo desértico, uma luz definitivamente apagada. — Pensei em passarmos uma semana em Portugal. Nada de sexo, claro, apenas curtindo a companhia um do outro. — Comentei, alguns dias depois do fatídico dia. — Desculpe, meu amor, mas acho melhor não, sou a pior companhia nesse momento. — Sabe que o que está dizendo não tem pé e nem cabeça, não sabe? Você sempre será a melhor coisa da minha vida. — Obrigada, meu lindo, mas realmente prefiro ficar aqui, descansando. — Debruçou ainda mais no meu peito, contornando-me totalmente com seus braços. — Reorganizando os pensamentos. — Isso eu acho muito bom. Sei que passamos por uma perda enorme, mas já se passaram dez dias, amor, está na hora de começar a reagir, de sorrir de novo. — Por você, eu vou conseguir. — Por mim não, tem que fazer por você. — Por nós. Passamos todo aquele domingo abraçados na cama, sentia que finalmente estava recuperando minha mulher. Talvez ela reagisse, afinal, talvez a dor estivesse se tornando menor, mais suportável. A dor não me deixava em paz. O sofrimento e o medo haviam se tornado meus maiores algozes. Não conseguia parar de remoer o acontecido, o vazio em meu útero era um lembrete da desgraça que havia me acometido. A ferida criada pela perda da minha filha cicatrizava pouco a pouco. As lágrimas eram como a sutura que fechava aquele rombo. Mas um tormento, tão intenso quanto, estava ocupando seu lugar. E se eu não pudesse mais ter filhos? Independente do que estávamos sentindo, do enorme amor que havíamos cultivado, uma coisa era fato: Felipe se casara comigo para ter filhos, esse herdeiro era o prelúdio de tudo que se sucedera depois do nosso primeiro encontro. Por mais que as coisas tivessem tomado outro rumo desde que Felipe me propôs casamento, nunca tirei da cabeça que cumprir aquilo era minha obrigação, minha parte no acordo. Estava angustiada, triste pela perda da neném, mas destruída pelo pavor de não poder dar um filho a Felipe. Marina notou isso enquanto tomávamos um chá em seu quarto. — Sei que está triste pelo o que aconteceu, eu também estou, mas tem algo mais, não tem querida? — Perguntou minha preceptora. Lendo em meu rosto os conflitos que me atormentavam dia e noite. Abandonei a xícara completamente cheia sobre a pequena mesa e a fitei. — Queria poder esconder as coisas de você pelo menos de vez em quando. Mas realmente não dá. Você sempre adivinha quando algo não está bem comigo. — Seja lá o que esteja acontecendo, filha, é sempre bom desabafar com alguém. Ainda mais quando esse alguém te ama mais que tudo e faria o impossível pra ajudar. Levantei-me da cadeira, e com tranquilidade me aproximei de Marina. Antes mesmo de alcançá-la, me joguei em seus braços acolhedores e desmanchei em lágrimas. O ombro da minha fortaleza era o melhor lugar para chorar. — Estou apavorada, Marina, em pânico! Sinto que o chão está se rachando sob meus pés, e que a qualquer momento desmoronará. A sensação que tenho é que todo esse mundo aparentemente perfeito que construí com Felipe, não passa de um castelo de cartas. Suas mãos afagavam minhas costas, e os lábios davam pequenos beijos no topo da minha cabeça. — Meu amor, entendo você, mas está na hora de começar a colocar as coisas em ordem aí dentro da sua cabecinha. O que se passou foi horrível, só que não é o fim, longe disso. Separei-me um pouco dela, e cravei o olhar nos olhos ocre, rezando para que pudessem ler os meus. — Marina, o fantasma da perda da minha filha não é o único que me assola neste momento. — Apertei o útero com força, com os olhos ainda fixos nela. — Sinto como se tivessem injetado um demônio aqui dentro quando tiraram meu bebê. Um demônio que me atormenta dia e noite. Seu rosto naturalmente branco, empalideceu ainda mais. — Pela primeira vez não consigo compreendê-la. — Expirou e pousou as mãos em meus ombros rijos como pedras. — A quê se refere exatamente, Antonella? Fui de novo tomada por uma onda de lágrimas e voltei a me agarrar ao meu porto seguro. — Tenho medo de não poder dar filhos a Felipe. Se esse for o caso, nosso casamento perde todo sentido, entende? E sem meu marido eu morro. Chorava compulsivamente, e tanto, que achava que nunca mais ia conseguir parar. Só Deus conhecia o horror que havia sido plantado em meu peito, uma semente que desabrochou e cresceu tão rapidamente, que àquela altura extrapolava o solo da minha alma e se alastrava dentro de mim como erva daninha. — Meu amor, nada disso vai acontecer, eu te garanto. Confia na sua Marina. — Confio, mas isso está além do que pode fazer por mim. —Querida, você e o senhor Felipe não fizeram testes de fertilidade antes do casamento? — Sim! — Respondi, cada letra sendo interrompida por um soluço. — Então qual é o problema? — Tenho medo de não conseguir segurar um bebê, medo de que alguma coisa dentro de mim sempre o rejeite. — Minha vida, esse seu medo é compreensível, mas não tem nenhum fundamento. Existem tantas mulheres por aí que sofreram um aborto espontâneo e depois tiveram outros dois, três filhos. — Sei disso, mas eu sinto, Marina, sinto que alguma coisa não está certa comigo. — Eu me ouvia e sabia que estava parecendo uma lunática, só que não conseguia evitar. — Amor, seu Felipe está em casa? — Está. Dóris virá mais tarde para terem uma reunião particular, depois irão à Mondragón. — Então vá para seu quarto e converse com ele. Explique seus medos, suas dúvidas, tenho certeza que resolverão isso juntos. Obedeci à Marina, mesmo duvidando pela primeira vez na vida de sua razão, acerca de um assunto relativo a mim. Encontrei Felipe sentado na cama, concentrado em alguma coisa que via no notebook repousando sobre seu colo. Ele estava lindo. Sem camisa, cabelo molhado e vestindo apenas uma cueca box preta. Eu morria de saudade dele, da nossa intimidade. Estava louca para senti-lo gozando dentro de mim. Queria me jogar em seus braços, escorregar as unhas pelas costas musculosas. Amá-lo loucamente e ter certeza que tudo ficaria bem entre nós. Mas não podia, em parte pela restrição médica, e principalmente pela barreira invisível que havia se formado em mim. Sorrateiramente, aproximei-me dele e sentei ao seu lado. Assim que sentiu minha presença, Felipe fechou o computador e se apressou em me abraçar muito forte. Sentia-me segura dentro daquele abraço, aspirando aquele cheiro maravilhoso, o qual nunca me atrevi a desvendar para não aniquilar aquele delicioso mistério. — Você está bem, meu amor? — Perguntou, colocando-me em seu colo e afundando o nariz em meu pescoço. Só aquela proximidade me fazia queimar por dentro e inflamar por fora. Eu o queria tanto, meu maior desejo era voltar a fazer amor com ele. Queria me perder no corpo que tanta falta me fazia. Queria esquecer as malditas dores e dúvidas. Mas não podia, não conseguia. — Felipe, eu estou com medo. — Assumi, com muita dificuldade. Tirou-me do colo, agarrou minhas mãos e usou seu magnetismo, tão forte quanto o que mantinha a terra girando em torno do sol, para prender nossos olhares. — Medo de quê, meu amor? — De não conseguir segurar uma criança. — Você pode. Muito em breve estará grávida de novo e eu vou assistir o parto. Estarei lá, segurando suas mãos como seguro agora. Veremos esse bebê crescer, se tornar adulto, e dar priminhos aos outros netos que teremos. Como queria acreditar naquelas palavras ditas de maneira tão doce e segura. Mas alguma coisa dentro de mim me impedia. Uma trava no meu cérebro, tão forte que nada era capaz de perfurar o bloqueio formado por ela, nem mesmo o amor incondicional de Felipe. Me sentia morta. Essa era a palavra. E o pior: uma morta eternamente apaixonada. Meu marido deixou definitivamente o notebook de lado e ficou ali, por incontáveis horas me beijando e acariciando, tentando tapar o buraco que existia em meu peito. Mal sabia ele que isso era impossível. Adormeci aquecida pelo calor da única estrela que me mantinha junto à superfície da Terra. No entanto, acordei com frio, sentindo uma solidão enorme. Olhei para o lado e constatei que Felipe não estava mais lá. O relógio de cabeceira marcava 14h00min, o que me fez concluir que Dóris havia chegado e os dois encontravam-se entretidos na tal reunião. Estava indecisa entre ir até o escritório saudá-lo, ou permanecer reclusa em meu mundo oco. Decidi-me pela primeira opção, depressiva ou não, continuava educada. Antes de ir ao encontro dos dois, no entanto, decidi comer o lanche que alguém deixara em minha cômoda. Aquela foi minha primeira refeição decente em dez dias, estava me alimentando apenas de frutas depois de muita insistência de Marina e Felipe. Experimentando novamente um apetite que há muito havia dado como perdido, deliciei-me primeiro com um pedaço de bolo de laranja. Sentindo em cada pedaço a essência do sabor cítrico. Era muito bom sentir o sabor de forma tão intensa, uma garantia que ao menos um dos meus sentidos continuava ativo. Depois do bolo, tomei alguns goles do suco de morango, e concluí a refeição com uma generosa fatia de melão. Me sentia saciada como há muito tempo não sentia. Foi aí que me dei conta de uma coisa: Eu estava sentindo. Sentindo algo físico e não apenas a dor e o inevitável desejo por Felipe. Uma fisgada de alegria atingiu um pequeno ponto do meu peito, um ponto específico, porém que causou um bom efeito em mim. Será que eu estava viva? Um pouco mais animada, decidi me arrumar, trocar o robe por um vestido descente, e a palidez do rosto por algo que o desvencilhasse do fantasma que havia me tornado. Deixei o robe preto cair no chão e retirei a camisola da mesma cor. Em frente ao espelho, me assustei com o reflexo que me encarava com olhos escancarados. Eu estava horrível. A gata borralheira havia usurpado o lugar da Cinderela que nascera em Paris. Soltei a fita branca que mantinha o cabelo no topo da cabeça, e deixei que os fios desgrenhados caíssem por minha nudez. Não estava com vontade de emergir na enorme banheira, e principalmente com paciência para esperá-la encher, então, joguei-me debaixo do chuveiro. A água quente e abundante lavou não só meu corpo, mas a alma também. Desliguei a ducha e enchi a mão com um dos caríssimos shampoos que haviam no armário. Ensaboei os cabelos das pontas à raiz. Limpando o mal que havia se instaurado em todas as partes do meu corpo, inclusive no cabelo. Depois, deslizei as mãos cheias de sabonete floral pelo corpo molhado, aspirando seu perfume, fazendo daquele banho um exercício para reviver todos os meus sentidos. Quando as mãos chegaram ao abdômen pausei-as ali, e implorei, supliquei a Deus para que aquela massagem exorcizasse todo o mal, que no fundo, sabia que havia no órgão abaixo daquela pele. Eu precisava da cura, ansiava pela felicidade que tinha com meu marido e implorei para consegui-la. Ao sair do banheiro, senti-me aliviada, limpa de um jeito inexplicável. Ainda nua, dirigi-me ao closet, entrei no grande e perfumado cômodo e corri os olhos pelos inúmeros cabides espalhados por todos os cantos do lugar. Nos seis meses de casamento, Felipe com o auxílio da personal setlist Fernanda, se esmerou para transformar meu guarda roupas em um vasto e refinado shopping. Existiam coleções inteiras de todas as melhores marcas do mundo, não só de roupas,mas de sapatos e acessórios. Optei por buscar, no meio de toda aquela finesse, algo simples e confortável. Depois de alguns minutos revirando cabides e gavetas, encontrei uma calça preta flare, sem etiqueta famosa acoplada a ela, e uma blusa de linho branca, que cobria completamente meus braços e deixava o colo à mostra. Sequei o cabelo e o prendi em um rabo de cavalo alto, colori os lábios com um batom opaco e corei as bochechas com blush cor de rosa. Depois de espirrar algumas gotas do delicioso perfume francês, de fragrância que mesclava entre o floral e o amadeirado, senti-me pronta para encarar o mundo que havia atrás da porta da minha suíte. Estava satisfeita, pois sabia que Felipe se sentiria contente em me ver tão aparentemente bem. Desci as escadas sem pressa, sabia que teria tempo o suficiente para cumprimentar Dóris e beijar meu marido antes que rumassem para Mondragón. No corredor que antecedia o escritório, já podia ouvir as vozes alteradas de meu marido e sua gerente de Marketing, então aproximei-me um pouco mais, ainda sem revelar minha presença. E foi aí que ouvi as palavras que colocariam o último punhado de terra sobre meu túmulo... — Pelo amor de Deus, Felipe, eu também gosto muito de Antonella, mas entenda: Se existe a possibilidade, e muito grande aliás, dela não poder te dar um herdeiro, qual a necessidade de dar continuidade a esse casamento? — Eu a amo, Dóris. Faz muito tempo que esse bendito herdeiro passou a ser segundo plano no meu casamento. — Chefe, isso é muito romântico mesmo, mas você precisa ser mais racional e menos egoísta. Pense na Mondragón, uma empresa que existe há mais de meio século, e que coloca comida na mesa de milhares de famílias todos os dias. O que vai ser da firma sem um sucessor, me diz hein? Pelo amor de Deus, me diz. O que havia de concreto sob meus pés terminou de ruir naquele momento, naquele maldito e inesquecível momento. Eu não podia dar a Felipe aquilo que ele mais precisava, nem com todo o amor que preenchia meu coração e alma, não podia fazê-lo verdadeiramente feliz, e se eu não era capaz de conseguir isso, a razão da minha existência era levada pelo vento como cinzas de um incêndio. Foi naquele instante que tive certeza de uma coisa: Eu precisava me quebrar, precisava me despedaçar em ínfimos fragmentos para que o homem que me tirou do inferno, e me levou ao céu, encontrasse a verdadeira felicidade e pudesse ser finalmente completo, tão pleno quanto merecia ser. Sabia que Dóris era racional demais para entender qualquer coisa que excedesse os limites da lógica, então decidi esclarecê-la cientificamente, que meu amor por Antonella não batia de frente com os interesses da Mondragón. — Veja bem, Dóris... — Comecei, já irritado com aquela conversa desnecessária. — O médico me informou que Antonella sofre da síndrome do anticorpo antifosfolipídeo, mas isso não significa que ela não possa segurar uma gestação. Existem tratamentos até muito fáceis que previnem o aborto. Por desgraça do destino, nós não sabíamos disso antes, mas agora que sabemos, não há nada que nos impeça de termos filhos saudáveis e fortes. Basta que Antonella e eu sigamos à risca as orientações do obstetra, agora baseadas nessa nova informação. Seu semblante outrora preocupado, e até um pouco raivoso, relaxou imediatamente. Ajeitou os óculos e se voltou para a agenda preta que havia do seu lado da minha mesa. — Bom, isso já me tranquiliza bastante, e sendo assim, vamos à segunda pauta da nossa reunião. — Me encolerizava vê-la se referir a coisa mais sagrada da minha vida como se fosse um mero tópico de uma droga de reunião, porém, de todas as pessoas que conhecia, Dóris era a que mais sabia o que fazia, então, respirei fundo e segui em frente. — Haverá segunda pauta? — Indaguei. — Sim, sua assistente está de atestado médico e me coube colocá-lo a par do itinerário do dia. — Por que você, e não uma secretária qualquer? — Porque uma secretária qualquer não falaria o que precisava ser dito. — Afirmou concentrada no que lia na agenda. Senti meus olhos revirarem. — Prossiga. — Ordenei irritado com aquela ousadia. — Terá um encontro com um grupo de italianos esta tarde para falar sobre a nova coleção que será lançada em Roma, no próximo trimestre. Gostaria de alertá-lo sobre a ferocidade desses caras. Este assunto não é da minha alçada, então infelizmente não estarei lá para respaldá-lo. Por sorte, nosso megalodom tem dentes muito maiores e mais afiados que aqueles tubarões brancos, então se sairá bem. — Fechou a agenda com bastante celeridade. — Bom, por hoje é só, desejo-lhe sorte, meu grande CEO, e até amanhã. Queria passar no quarto, beijar Antonella, e dizer que voltaria logo. Mas a deixei imersa em um sono tão profundo, que seria um sacrilégio acordá-la. Quando voltasse da Mondragón, sentaria com ela e explicaria tudo que o médico dissera.Tinha certeza que assim, a deixaria finalmente em paz. Terminei de checar os e-mails pessoais e segui para Mondragón. Além da reunião com os italianos, tinha outras coisas a fazer naquele dia. Ainda não havia me alimentado, a falta de apetite de Antonella me contagiou naquela manhã. Por isso liguei para Mondragón, e ordenei que providenciasse um almoço, queria comer assim que chegasse à empresa. O caminho foi longo, a avenida paulista estava praticamente intrafegável naquele dia, por causa de uma manifestação estudantil. Se soubesse disso, teria usado o helicóptero para chegar à empresa. Estava tão atrasado, que seria capaz de dar R$10.000 a cada estudante, apenas para que nos deixassem passar. Não foi necessário, a polícia os convenceu a protestarem noutro lugar e a fileira de carros finalmente começou a andar. Até os semáforos pareciam agir contra mim naquele fatídico dia, sempre os encontrava fechados. Só depois de duas horas, praticamente o quádruplo do tempo habitual, consegui estacionar a Ferrari no estacionamento da Mondragón. — Sei que Angélica encontra-se adoentada, mas cabia a você me avisar sobre essa maldita manifestação! — Bradei, indignado, assim que entrei no andar do meu escritório e coloquei os olhos na sub-assistente. — Desculpe, senhor, eu não sabia da manifestação. — A morena baixinha e de roupa social, levantou-se rapidamente da cadeira. Mesmo estando atrás de uma mesa quase de seu tamanho, sabia que tremia da cabeça aos pés. — É sua obrigação averiguar esse tipo de coisa. Não sou o tipo de homem que pode se dar ao luxo de ficar horas parado numa maldita avenida. — Peço desculpa novamente, senhor. — Esse foi um erro grave, que para o bem de seu contracheque, espero que não se repita. — Esteja certo de que não, senhor. — Os empresários romanos já chegaram? — Sim, o aguardam na sala de reuniões. Revirei os olhos e meu estômago seguiu o movimento. — Tenha um bom dia, Jennifer. — Desejei, ainda emputecido. Por alguma razão estava me sentindo péssimo, era como se estivesse doente, mas sem qualquer sintoma físico. Caminhei apressadamente até o elevador que levava à cobertura do prédio, onde ficava sala de reuniões. O perfume de lasvanda presente no compacto ambiente, revirou-me o estômago, pois estava com fome e o aroma enjoativo não ajudava em nada. Quando o elevador abriu, diretamente na grande sala, senti os olhares frustrados dos empresários voltarem-se para mim. Haviam cinco pessoas sentadas na enorme e escura mesa, quatro delas sabia que pertencia ao grupo romano, a outra pessoa, que também era um homem, deveria se tratar de um intérprete, ou alguma outra coisa que naquele momento não me interessava saber. — Buongiorno signore. — Saudei-os, me esforçando para lembrar o sotaque carregado usado pela professora de italiano, mil anos atrás. — O senhor pode falar em sua língua nativa, que traduzo. — O tradutor que usava óculos maiores que seu rosto, olhou para os empresários e depois para mim. — Eles também o desejam uma boa tarde. Agradeci aos céus por minha opinião estar certa, já que meu italiano era catastrófico. Embora tenha me sentindo um pouco desconfortável pelo escancarado desagrado dos executivos, em decorrência do meu atraso, a reunião foi boa. Consegui exatamente o que pretendia. Como sempre. A maior rede de joalherias da Itália havia firmado uma parceria com a Mondragón, em alguns meses, o mundo conheceria o resultado dessa união de gigantes em um lançamento épico, no teatro Salone Margherita. A Mondragón finalmente entraria no mercado Europeu de forma significativa, e eu estava eufórico com isso. Depois de assinarmos os contratos, despedi- me do grupo, garantindo que havíamos fechado um ótimo negócio, que em muito beneficiaria ambas as holdings. Finalmente, livre da temível reunião, desci para meu escritório, intentando almoçar. Era evidente que os tortellinis de camarão haviam sido esquentados e requentados umas cinco vezes. Mas não me importava com o fato de estarem meio borrachudas e deformadas, só queria comer, matar quem estava me matando. Sentado em minha mesa, sem nada relevante para fazer, peguei um quadro com a foto de Antonella e o beijei, beijei-o de novo e de novo, até devolver o quadro ao seu lugar. A fotografia foi tirada durante nossa lua de mel em Paris. Na imagem, uma Antonella bem diferente do que aquela que tinha em casa agora. Ela estava deslumbrante, usando um robe vermelho e com a torre Eiffel ao fundo. Um sorriso lindo em sua boca, os olhinhos azuis iluminavam-lhe o semblante, os fios loiros e cacheados pareciam voar, resultado da alta intensidade do vento que assolava aquele dia. Lembrava- me nitidamente, que depois de tirar a foto, a deitei no sofá da varanda e a amei ali mesmo, tendo o estupendo monumento por testemunha. Só Deus sabia o quanto desejava reviver aqueles dias, onde só o que fazíamos era nos amar, sem preocupações, sem fantasmas. Éramos apenas Antonella, eu e Paris, três criações feitas para o amor. Naquele momento, decidi que voltaríamos lá, já havia resolvido todas as pendências com os italianos. Existiam outras menores, mas as delegaria ao vice-presidente, porque cuidar da minha princesa era a coisa mais importante naquele momento. Tinha certeza que voltando à Paris, ela tornaria a sorrir, voltaria a ofuscar o sol que iluminava a janela da minha sala naquele momento. Liguei para Antonella e odiei o mundo inteiro quando caiu na caixa postal. Tomei por certa a hipótese de estivesse no banho. Meia hora depois, tornei a ligar, a voz da secretária eletrônica continuava a ocupar o lugar de Antonella. As chances de estar com Marina eram muito grandes, e foi nisso que acreditei. Na terceira ligação, duas horas após a primeira, a preocupação tomou conta de mim. Pedi a Jeniffer que cancelasse todos os compromissos daquele fim de tarde e fui para o terraço do prédio, esperar pelo helicóptero. Agoniado, andava de um lado para o outro,naquele gigantesco ambiente de cimento.Algo me dizia que alguma coisa não estava bem, e o fato de Marina também não atender o maldito celular, corroborava para o aumento da preocupação. O helicóptero finalmente pousou e embarquei o mais rápido que pude. Dez minutos depois, estava subindo as escadas de casa tão rapidamente que parecia que meu coração sairia pela boca a qualquer momento. — A senhora Mondragón não está em casa, doutor Felipe. Parei no meio do caminho e virei-me para a mulher. — Sabe pra onde ela foi? — Não sei. Ela e dona Marina saíram com duas malas, afirmando que fariam doações a uma ONG. Fechei os olhos demoradamente, uma descarga de desespero me eletrocutava por dentro. — Quem as levou? — Interpelei, os olhos abrindo lentamente, as mãos fechadas em punho nos corrimões. — Pediram um carro de aplicativo. Aquela resposta foi suficiente para aniquilar o pouco de sanidade que havia em mim. Como uma besta raivosa, disparei para meu quarto. Tudo parecia em ordem, no lugar. O closet estava como sempre, o cheiro de Antonella presente no lugar. Mas onde diabos ela estava? Alcancei meu telefone e fiz algumas ligações, rezando para que Antonella não estivesse fora do alcance das minhas mãos. O GPS do seu celular estava estagnado em uma posição que para meu desespero, descobri se tratar da do criado mudo do nosso quarto. Desolado, e sem sentir absolutamente nada sob os pés, sentei na cama. Devo ter ficado naquela posição com o tronco abaixado e as mãos cobrindo totalmente o rosto por vários minutos, até que o levantei vagarosamente. Olhei para o lado, e o vi. Pousado sobre a cômoda da cabeceira, vi um envelope branco destinado a mim. Meu subconsciente já sabia o que estava escrito ali, então chorei e senti ácido correndo por minhas veias e alcançando cada parte do meu corpo. Naquele momento, eu estava sendo jogado para fora do mundo. Enquanto o carro seguia pelas ruas sinuosas e não pavimentadas, Marina segurava minha mão com muita força. No fundo ela sabia que se não sentisse o toque de alguém que amava, eu colapsaria, me desmancharia de dor e nada no mundo me faria reintegrar. — Eu não vou aguentar, Marina, eu vou morrer. — Disse, entre soluços, as lágrimas inundando meu rosto como nunca antes. — Meu amor, você tem certeza que essa foi a melhor decisão? Chorei tão alto que atraí a atenção do motorista. Ele disse alguma coisa, mas ninguém respondeu. — Eu fiz por Felipe, Marina, e por ele faço absolutamente tudo. — Fechei os olhos e esfreguei o rosto com as mãos, numa tentativa inútil de secar as lágrimas. — Estou quebrando por ele, e vale a pena. — Seu Felipe ficará inconsolável quando perceber que não está mais na casa. — Eu sei, mas ele vai superar. O que não aguentaria é passar a vida inteira sem filhos. — Afundei o rosto encharcado em seu ombro. — Eu não posso ter filhos, Marina! Não posso, e essa realidade arranca o meu amor de mim. A dor que estava sentindo era inexprimível, era como se estivesse sendo dissecada viva. Uma dor que apertava meu coração com mão de ferro. Desejava ardorosamente deixar de existir, unir-me ao pó da terra pela qual passávamos naquele momento. Sempre soube que amava Felipe, entretanto, só tomei conhecimento da intensidade daquela devoção naquele momento. Durante os seis meses que estivemos casados, meu marido se tornou minha vida, uma parcela bem maior da metade da minha alma. Por mais força que fizesse para respirar, não conseguia. Felipe era a máscara de oxigênio que me mantinha viva, e eu a tinha arrancado com minhas próprias mãos, por amor. Porque a felicidade do meu adorado, estava infinitamente acima da minha, só ele importava. Sobreviveria quando o visse nas revistas com um bebê no colo, mas não agüentaria vê-lo definhar ao meu lado por jamais realizar o sonho da paternidade. Estava indo embora por nós dois. Felipe sofreria por algum tempo, mas venceria essa fase e encontraria a plenitude. Eu, estava partindo para evitar uma morte em vida, não existia mais futuro para mim. Porém, saber que ele teria um, impulsionava as batidas do meu coração. — Chegamos, querida. Anunciou Marina, quando o Chevrolet estacionou em frente a pequena porteira de um sítio simples, porém, aparentemente cuidado com todo o esmero. Pagamos a corrida e admiramos a casinha por algum tempo, antes de anunciarmos nossa chegada. Era onde vivia Rosário, comadre de Marina, que conheci quando tinha uns dez anos. Estávamos diante de uma casinha campestre amarela, cercada por árvores frutíferas e um punhado de lantanas roxas espalhadas por todo o terreno. Sobre a mureta de tijolinhos sem reboco que separava a pequena construção do restante do sítio, havia vários jarrinhos de margaridas, enfeitando-o lindamente. — Tem certeza de que podemos ir entrando assim? — Indaguei, ao ver Marina destravando o frágil ferrolho da cerca. — Claro, a comadre já está a nossa espera. Muito à vontade, Marina cruzou o pequeno caminho feito de pedrinhas brancas, que levava à casa. Segui-a, bem mais acanhada. Assim que chegamos à mureta, a porta, feita de uma madeira bem antiga, se abriu. Por ela passou uma senhora mais ou menos da idade de Marina, da qual me recordava vagamente. Era uma mulher negra, de pele pouco escura, bem mais magra que Marina, e que possuía um sorriso que me contagiaria se não estivesse tão destruída. Apressou-se em abrir a pequena porteira que havia no muro, e com um aceno efusivo, convidou-nos a entrar, o que aceitamos de prontidão. A casinha era linda por dentro, bem diferente das construções luxuosas com as quais estava acostumada. Era entrar noutro mundo, e era exatamente daquilo que eu precisava, sair do meu universo. O chão tinha uma coloração marrom claro, não possuía porcelanato ou mesmo cerâmica, mas era bem liso e ligeiramente brilhante. — Obrigada por nos acolher, dona Rosário. — Agradeci, aceitando o convite para sentar no modesto sofá vermelho. — Primeiramente, esqueça essa de dona, pode me chamar de Rosário, ou Rosa, se preferir. — Entregou para mim e para Marina xícaras com café, e colocou uma bandeja de biscoitos de polvilho sobre a mesinha de centro. — Segundamente, é um prazer recebê-las em minha casa. Me sinto solitária às vezes. — Prometo que não daremos trabalho. — Falei. Sorriu. — Ficarei feliz se derem. A vida aqui é muito monótona, mas tranquila, tenho certeza de que vão gostar. Na verdade, as esperava há uns sete meses. O que aconteceu? Senti uma dor muito forte no peito, e vontade de chorar, mas por um milagre divino consegui impedir que as lágrimas caíssem. — Os planos mudaram um pouquinho, Rosa... — Marina percebeu meu desconforto e segurou minha mão. — Mas agora estamos aqui. — O que me deixa muito contente. Bom, a casa pode parecer pequena, e realmente é. Mas possuo três quartos, então acredito que terão algum conforto. — Muita gentileza sua, Rosa. Mas até se dormíssemos no chão ficaríamos satisfeitas, já que somos duas desabrigadas. — Comentei. Na verdade, possuíamos a casa da minha família, que Felipe nos dera de presente alguns meses antes, mas ir para lá estava fora de cogitação, já que seria o primeiro lugar onde me procuraria. E minhas pernas, minha alma e coração certamente não seriam capazes de fugir dele. Rosa nos levou para conhecer a casa, e cada detalhe dela remetia a um cantinho de retiro, um lugar onde poderia se pensar, sem interrupções, por horas e horas. Cada passo que dava, tinha mais certeza que estava onde precisava estar. A cozinha era encantadora, a maioria da mobília era feita de madeira. — Aceitam água, suco? — Perguntou nossa hospedeira, abrindo a geladeira, que só não se confundia com a alvura das paredes por causa dos inúmeros ímãs coloridos pendurados na porta. Neguei com a cabeça Marina, por sua vez, parecia se deliciar com o suco de manga, que segundo Rosa, fora feito com os frutos do próprio pomar. Mesmo com o coração tremendo no peito, acompanhei-as no breve tour pela pequena e linda propriedade. No quintal, árvores frutíferas de quase todas as espécies, que brotam e crescem com facilidade em solo nacional. Mangueiras, amoreiras, goiabeiras e jabuticabeiras, foram algumas das árvores quem eu cérebro em curto-circuito conseguiu identificar. Havia um pequeno açude nos fundos do sítio, as margens dele, dois imperiais cajueiros sustentavam uma rede branca. Aquele foi o lugar que mais gostei no mimoso sítio. Quando o sol começou a se pôr, finalmente tive uma desculpa descente para me separar das duas e me direcionar ao quarto que me fora destinado. Fechei a porta com celeridade, encostei-me nela e ainda no breu, libertei as lágrimas que segurava desde que tinha chegado naquele lugar. Era desesperador saber que estava a mais de 150km de distância de Felipe e que ele não fazia a menor ideia de como me encontrar. Podia imaginá-lo sofrendo tanto quanto eu, e aquilo era de acabar comigo. Pois a dor dele potencializava a minha. Ali, na escuridão daquele pequeno cômodo, meu cérebro formulava imagens vívidas de Felipe chegando em nosso quarto e não me encontrando. Ele deve ter entrado em desespero quando leu meu bilhete. “Agora já sei que não posso te dar filhos, por isso decidi ir embora. Prefiro que suas lágrimas se tornem um riacho e não um oceano. Adeus, te amo para sempre. Sua princesa. “ As duas cobertas sobre meu rosto e a cortina blecaute bloqueando todos os raios de sol, de nada serviam para afastar aquele bendito azul que há vinte dias vinha me atormentando dia e noite. Por mais que tentasse, por mais que guerreasse com todas as minhas forças para emergir daquele buraco de infinita dor no qual me encontrava, não conseguia. Uma força, que ia além das minhas vontades, me puxava de volta para o fundo do poço,onde as paredes eram gosmentas, sujas do sangue que afastara minha alma de mim. Eu queria morrer, me autodestruir. Felipe Mondragón, o grande CEO, naquele momento não passava de uma merda de homem. Abandonado pela mulher que amava, sem que essa deixasse um mísero indício de onde estava. Uma fina linha, onde pudesse se agarrar e seguir em frente,seguir à procura do fim do novelo de onde aquela linha partia. O maldito telefone continuava a tocar insistentemente, me irritando, arrancando-me da irônica solidão infernal na qual estava. Não me interessava ouvir a voz de ninguém, não me interessava ver ninguém. Naquele momento eu era apenas um espírito, que só existia para mim mesmo e para as lembranças. Já havia contratado vários escritórios de investigação, numa vã e insana tentativa de encontrar minha esposa, mas nada adiantou. Os maiores investigadores do país se revelaram um bando de inúteis, incapazes de encontrar um único rastro de onde minha princesa fujona tinha se enfiado. Precisava achá-la, explicar que seus medos não tinham o menor fundamento. Mas eu não fazia a menor ideia de como achá- la, e essa maldita incerteza e saudade estava acabando comigo. De repente, ouvi a pesada porta do meu quarto se abrir, levantei um pouco das cobertas , apenas para vislumbrar a figura idiota que ousara interromper minha reclusão. As luzes estavam apagadas, mas como havia abandonado um negrume ainda mais intenso, pude vislumbrar uma sombra alta e robusta, que só reconheci depois de ouvir a voz oriunda dela. — Chega, Felipe Mondragón! Entendo sua dor, mas esse luto pelos vivos acaba hoje! — A voz alta e imperativa foi a primeira coisa que ouvi em dois dias. Ergui o tronco da cama e estiquei o braço para acionar um dos abajures. — O que faz aqui, pai? — Esfreguei os olhos. — Pensei que estivesse em Nova York. — Eu estava, até descobrir que o presidente da Mondragón a deixou a ver navios. O homem estava indignado e não me restava respaldo para tirar sua razão. — Antonella sumiu. Assumir aquilo em voz alta me destruiu. Choraria, se as lágrimas não tivessem se esgotado. — Já tentou encontrá-la? Revirei os olhos e acendi o outro abajur. Que pergunta idiota era aquela, afinal? — Claro que sim, coloquei os melhores detetives no caso, mas parece que ela abriu um rombo no globo terrestre e se enfiou lá. — Não se preocupe, filho, alguma hora ela aparece. Pelo que pude perceber, vocês se amam, então a garota vai voltar. Revirei os olhos novamente, e daquela vez o movimento foi acompanhado por um bufar. — E o que faço enquanto essa dádiva não me cai dos céus? — Bom, até que isso aconteça você tem que seguir sua vida, reassumir a cadeira da presidência principalmente.Porque, honestamente meu filho, já estou velho demais para isso. Não se esqueça que é um Mondragón, não um medíocre qualquer, um pobre diabo que fica debaixo dos lençóis esperando amargurado a volta de uma mulher. Subitamente fui invadido por uma fúria que nunca tinha experimentado. Toda a dor guardada dentro de mim se canalizou num ódio sem freio por aquele que desgraçadamente era meu pai. Bruscamente levantei-me da cama, e pela primeira vez encarei, de igual para igual, Ricardo Mondragón. — Você nunca amou ninguém de verdade, não é? A única coisa que te importa é a fortuna, a empresa e o maldito sobrenome. Mas quer saber de uma coisa? Eu abriria mão de tudo isso para ter Antonella de volta. Pra mim, ela é a coisa mais importante do mundo e amá-la é meu maior dever. Seu semblante duro não se alterou, mas os ombros caíram por um breve instante. — Felipe, eu entendo você, e talvez sim, amar essa moça seja sua maior obrigação. — Pousou a mão pesada sobre meu ombro. — Mas não é a única. — Respirou fundo. — Assumirei a presidência da holding interinamente, então se considere livre para procurar sua esposa pelos quatro cantos do mundo, se necessário. A única coisa que peço é que pense, e volte a si o mais rápido possível. Eu ainda tenho certeza de que não errei quando te coloquei na cadeira de CEO da nossa empresa. Ricardo Mondragón saiu como entrou, sem ruídos. Saber que ele ficaria à frente do conglomerado me deu certo alívio. Mas minha maior dor e preocupação ainda era Antonella. Onde ela estava? Desde que desapareceu, deixando como despedida apenas aquele bilhete equivocado, mais de dez pessoas procuraram por ela. Ninguém conseguiu trazer uma única pista que realmente levasse a alguma coisa. A esperança de encontrá-la e esclarecer as coisas começava a morrer, ou talvez já estivesse morta. Àquela altura, não sabia de mais nada, minha cabeça era um balão de confusão. Além dos investigadores, no começo também agi por conta própria. Procurei por Verônica e Sheila, e elas não sabiam de nada, até desejaram que estivesse morta. O que quase me fez dar-lhes bofetadas, porém, fiz pior. Comecei a agir para que perdessem a única coisa que lhes restava, a confecção Botelho, sabia que muito em breve estariam na mais completa ruína. Também não achei nenhuma informação sobre familiares de Marina. Estava em um beco sem saída. Eu morria de dor e saudade, já não podia suportar tanto sofrimento. O pior era iminente. Dar um fim a tudo aquilo, talvez fosse meu próximo passo. Até que o insistente telefone tocou de novo, e daquela vez, me arrastei para atendê-lo. — Oi. — Atendi, sem nenhum entusiasmo. — Alô, doutor Felipe, é Marina. E então o meu coração voltou a bater uma, depois duas, depois três... Até não conseguir me controlar e cair sentado na cama. — Marina, Marina é você mesma? Pelo amor de Deus, me diga onde ela está, eu imploro, suplico com toda a minha alma, diga! — Falei tão rápido que mal pude me compreender, só sentia as lágrimas transformarem meu rosto em um mar. — Por favor, venha buscá-la, a menina está morrendo sem o senhor. — A voz do outro lado da linha exprimia tanta dor quanto a minha própria. — Eu também estou morrendo sem ela. — Sussurrei, mais para mim mesmo do que para ela. — Pode anotar o endereço de onde estamos? — Claro, agora! Cinquenta minutos depois da ligação que salvou minha vida, o helicóptero finalmente pousou em um grande pasto, livre de árvores. Foi difícil de encontrar,um local adequado para o pouso naquela remota área do estado, por isso, o piloto sobrevoou a região por uns cinco minutos. Estava exatamente à 1,5km do endereço fornecido por Marina. Pelo que pude observar de cima, o caminho até o sítio onde Marina disse que Antonella estava era sinuoso, então levaria uns vinte minutos para chegar até ela. Não me importava o tempo, a única coisa que me interessava, era que se a hora de ter minha princesa em meus braços de novo estava próxima. Caminhei o mais rápido que pude, sem me afetar com as pedras, plantas e galhos, que apareciam em meu caminho. Não existia infortúnio no mundo capaz de me afastar do meu amor. Chegaria até ela, com meus beijos a convenceria de que tudo ficaria bem e seríamos completos outra vez. Voltaríamos a fazer parte do mundo. Quando Antonella e eu nos separávamos, deixávamos de existir. Éramos espíritos vazios, corpos ocos. Em meu peito batia seu coração e no dela, o meu. Precisávamos estar juntos para sobrevivermos, fundidos em corpo e alma. Minha pele aquecia numa cadência absurda, e isso não se devia a árdua caminhada. Era por causa dela. Antonella estava perto, muito perto. Tudo que havia dentro de mim estremeceu, quando deparei-me com o sítio descrito por Marina. Por incrível que parecesse, eu não estava cansado e nem ofegante. Estava apenas com saudades. Uma saudade indescritível, e que vinha me matando de dentro para fora. Lentamente, mais forte a cada minuto, a cada segundo que era obrigado a viver sem ela. O tormento estava acabando, finalmente via uma luz ao final do túnel, que era refletida pelas duas estrelas mais lindas do universo. Ansioso e nervoso, como nunca antes, atravessei a porteira. Cheguei a um pequeno muro e chamei por Marina. Chamei umas três vezes até que a porta finalmente abriu e ela apareceu. Foi impossível segurar a emoção, e por conseguinte, o choro. Aquele rostinho doce e maternal era um dos que eu mais ansiava ver nos últimos vinte dias. Mandando a educação para os quintos dos infernos, saltei a mureta, derrubando com o gesto abrupto, dois ou três jarrinhos de margaridas, e abracei minha sogra, como se abraçasse minha própria mãe. Mesmo estando em um lugar que provavelmente não constava no mapa, em um ambiente que destoava cem por cento do meu, nunca me senti tão em casa quanto naquele momento. — Onde ela está? — Perguntei, agoniado. — No fundo do sítio, deitada numa rede entre dois cajueiros. Não vai ser difícil encontrá-la. Sabe, senhor Felipe, é lá que ela passa a maior parte do tempo, chorando e pensando no senhor. Meu coração se fechou como uma mão se fecha em punhos. Era horrível imaginá-la chorando, sofrendo. — Por favor, resolva as coisas. — Abaixou a cabeça e respirou profundamente. — Já não aguento ver minha menina assim. Beijei-lhe as mãos. — Esteja certa de que resolverei tudo. — Garanti, olhando-a no fundo dos olhos. Acenou com a cabeça e abriu um meio sorriso. — Minha comadre foi à cidade e eu ficarei por aqui, então poderão conversar à vontade. — Obrigado. Apressei-me para encontrar Antonella, estava sedento por ela. Precisava mergulhar na limpidez de seus olhos, só assim teria certeza de que ela ainda existia. Enquanto caminhava pela grama bem cuidada, uma infinidade de sentimentos se misturava em meu peito como em um grande caldeirão. Sentia falta de Antonella, de sua áurea tão iluminada, das conversas bobas que costumávamos ter madrugada adentro. Morria de saudade de dormir e acordar com seu corpo minúsculo e perfumado entre meus braços. Queria explicar que tudo ficaria bem, beijá-la muito, amá-la mais ainda. Queria, principalmente, abraçá-la, porque só com um abraço profundo nossos corações voltariam a bater num só peito, produzindo uma melodia digna dos anjos. Enquanto meus pensamentos transitavam entre o futuro e o passado, os olhos esbarraram no presente. Nem Leonardo da Vinci, no auge de sua inspiração, poderia pintar um retrato tão perfeito quanto o que eu tinha sob meus afortunados olhos naquele momento. Ali, deitada numa rede, sustentada por duas grandes árvores, estava ao mesmo tempo o querubim e o demônio que me atormentou sem trégua em cada instante dos últimos vinte dias. Que se materializava diante de mim como uma deliciosa fantasia, estando eu acordado ou não. Antonella, minha reverenciada Antonella estava ali, à pouquíssimos metros de mim.Linda e fascinante como sempre. Por um segundo tive medo de me aproximar. Ela parecia tão perdida em divagações, que seria quase uma heresia arrancá-la delas tão bruscamente. Mas o magnetismo estava ali, como sempre, um magnetismo que foi capaz de me levar lentamente até ela. Eu era a Terra, ela o Sol, e era absolutamente impossível resistir à luz e ao seu calor. Com dedos tão suaves quanto bolas de algodão, toquei seu braço, suspirando de alivio por voltar a sentir aquela pele macia sob minha mão. O singelo toque gerou uma forte descarga de energia. Encontrara por fim, o desfibrilador que faria meu coração voltar a bater. Antonella não foi imune a esse efeito. Em um sobressalto, sentou-se na rede e fixou o olhar assustado e molhado no meu. — Felipe... — A voz era baixinha e cheia de agonia. — É você mesmo? — Questionou, com os olhos fechados e cheios de lágrimas. Parecia não acreditar que eu estava realmente ali, junto dela, ajoelhado em frente à rede. Eu também não acreditava. Era um sonho, um muito real. Delicadamente conduzi suas mãos até meu rosto e a fiz tocá-lo. — Sinta minha pele, princesa, meu cheiro, meu infinito amor. Estou aqui agora e nada no mundo vai tirar você de mim outra vez. Sem que esperasse, ela levantou-se da rede e me abraçou. Um abraço que nunca esquecerei. Nossos corpos e almas estavam se reencontrando, se reconhecendo. — Eu te amo. A voz abafada e trêmula, disse exatamente o que eu precisava ouvir. — Eu também te amo, muito. Peguei-a no colo, e agarrado à minha amada, sentei-me na rede. Ainda estávamos abraçados num abraço de saudade, porém, extremamente sensual. Suas pernas circundavam minha cintura, e minhas mãos passeavam pelas costas nuas, devido ao modelo do vestido azul. Estávamos reassumindo a posse um do outro, não importavam mais as dores e medos, éramos nós outra vez. Com fome dela, deitei-a na rede, subi o vestido até as coxas, e antes de continuar o que pretendia e precisava fazer, olhei-a nos olhos enevoados de prazer. — Tudo ficará bem-querida, eu prometo. — Disse. Dito isso, finalmente a reivindiquei de volta. As pernas estavam escancaradas para mim, o perfume que emanava delas não era mais de rosas, e sim de lavanda, que eu adorava também, simplesmente por partir dela. Havia uma calcinha lilás separando meus olhos da visão que mais desejava contemplar. Coloquei-a de lado e aspirei seu aroma delicioso. Estava preparado para me afogar naquele mar de mel, mas antes que o deleite começasse, senti dedos entrelaçarem em meu cabelo e o puxarem levemente para cima. Fixei os olhos nas ardorosas pupilas. — Sua língua é muito habilidosa, deliciosa, mas... As pernas vibraram e o aperto em meu cabelo se tornou mais forte. Meu pau atritava contra o tecido da calça e com muita presteza, desvencilhei-me do maldito empecilho. — O que você quer, princesa? — Quero você, Felipe... Quero você por inteiro. — As mãos finalmente conseguiram me levar a altura que desejava, e nossos sexos excitados roçaram um no outro. — Preciso que me coma, agora. — Sem pudor, encaixou meu pau em sua entrada melada. — Com força! — Ordenou. Algum tempo depois... Minha pequena brincava distraída com a bola rosa que ganhou de um dos ornamentadores da festa. E eu estava ali, parada à beira da escada, admirando a loirinha serelepe, como a mãe boba que era. — Consegue acreditar que nossa Íris já está com dois anos? — Perguntei, ao sentir os braços fortes do meu marido envolvendo-me por trás. — Pois é, princesa, mal viramos uma página de livro, e nosso bebê arco-íris já está aí, correndo e bagunçando a casa inteira. Quero ver como vai ser quando seu companheiro chegar. Felipe acariciava o garotão que há seis meses crescia em meu ventre, ao mesmo tempo que me regalava com beijinhos no pescoço. — Será perfeito. — Garanti, virando-me risonha para admirar e beijar meu lindo esposo. — Venha! — Segurou em minha mão. Havia um sorriso lindo em seu rosto, o sorriso que mais amava no mundo. — Vamos sair daqui antes que Íris note nossa presença e nos monopolize até a hora da festa. Felipe estava certo, isso era o tipo de coisa que a garotinha faria. Estávamos nos preparando para subir as escadas, até que uma mão firme tocou em meu ombro, me impelindo a virar para trás. Quando vi a figura a minha frente, entrei em choque. A mulher vestida com o uniforme azul da empresa responsável pela organização da festa estava parada á minha frente, com uma prancheta nas mãos. — Sheila! — Exclamei, aturdida. — O que diabos faz em nossa casa, garota? — Esbravejou Felipe, descendo os três degraus que já havia subido. — Trabalho no buffet que contrataram, foi o que me restou, já que resolveu pagar uma mixaria pela confecção. — Havia muito ódio em sua voz, mas a péssima energia não me contagiou, meu coração estava completamente cheio de amor e felicidade, não havia espaço para outros sentimentos. — Paguei o justo, comprei uma empresa falida, que felizmente foi reerguida por Antonella. Ela sim tem a essência criativa dos Botelho. Juntei as sobrancelhas. — Mas e a fortuna que receberam pela casa? Revirou os olhos, que estavam sem as costumeiras lentes coloridas. — Maus investimentos, só que isso não é da sua conta. Vim apenas perguntar se os brinquedos infláveis devem ser instalados na área externa da casa ou no salão de jogos. — Na área externa. — Respondi. — Me lembre de nunca mais contratarmos essa empresa. — Sussurrou Felipe, ao subirmos as escadas. — Fique tranquilo, querido, certamente não esquecerei disso. Por pior que tenha sido minha vida ao lado de Verônica e Sheila, jamais desejei que tivessem tal fim. O trabalho honesto dignifica o ser humano, entretanto, conhecia-as o suficiente para saber que aquele era o pior dos castigos. Afinal, não existia nada nelas além da ganância e sem dinheiro, eram vazias. Meu marido e eu entramos no quarto, e por estarmos exaustos por termos passado a manhã na piscina com nossa bonequinha, desabamos na cama. Respirei fundo e me ergui um pouco para ficar frente a frente com meu esposo. — Não acredito que ainda teremos que encarar horas e horas numa festinha infantil antes de podermos descansar. — Disse, um pouco frustrada, acariciando a barba por fazer de Felipe. — Com certeza será um dia maçante, mas Íris merece. Sorri ao lembrar do meu arco-íris, batendo palminhas no colo de Marina, enquanto os funcionários enchiam os balões. — Isso e muito mais. — Afirmei risonha. De supetão, Felipe se levantou da cama e me fitou com uma sobrancelha erguida. — O que foi? — Tenho um presente pra você. — E qual a novidade? O CEO do ano sempre tem presentes para mim. — Esse é especial. — Conseguiu atiçar minha curiosidade. O que é? Com um pouco de dificuldade, devido ao peso que a barriga já conferia, sentei-me na cama e esperei por Felipe. Misterioso e mudo, meu marido se dirigiu ao closet, de onde voltou um minuto depois com uma caixa preta nas mãos. Seu olhar era um par de pérolas negras fixas em mim. Surpreendendo-me ainda mais, ajoelhou-se diante de mim como fez no dia que me pediu em casamento e sorrindo, abriu a caixa. Um deslumbrante par de sapatos cravejados de diamantes ocupava o veludo negro da caixa. Pasma, minha boca se abriu em um “o”. Estava chocada, deslumbrada com o que via. — Felipe... — Comecei, ainda abismada. — Ele é lindo, espetacular. O sorriso do meu marido ofuscava os diamantes. — Levou algum tempo para ficar pronto, mas fiz questão que chegasse hoje. Quero que o use na festa. Esquivei a cabeça para beijar meu amado. — Obrigada, amor, obrigada mesmo. Só que já sinto meus pés um pouco inchados por causa da gravidez, e não acho que caberão. — Já eu tenho certeza que sim. Mesmo com minha hesitação, Felipe insistiu em retirar as sapatilhas que usava. — Deixe de ser teimoso, amor, já disse que não cabe. — Disse balançando os pés, risonha. — Por que não fazemos uma aposta? Franzi o cenho. — Que tipo de aposta, garoto? — Se não couber, a CEO da confecção Botelho terá que me pagar um jantar no melhor restaurante de São Paulo. Ergui uma sobrancelha. — E se couber? Com a carinha safada que tão bem conhecia, ele disse: — Se couber, significara que ganhei a aposta. E minha recompensa será bem simples... Quero você na nossa cama me satisfazendo de todas as formas possíveis. Brincaremos de “O Mestre Mandou” a noite toda, e o mestre serei eu. — Deu-me uma piscadela antes de tirar o sapatinho da caixa. — E então, aceita? A proposta dele me deixou quente como o fogo que existia em seus olhos. Não houve uma noite com Felipe que não tenha sido incrível, porém, as comandadas por ele eram épicas. Só Deus sabia como eu desejava que aquele sapato entrasse. Sabe os príncipes encantados que conhecíamos nos contos de fadas quando criança, e sonhávamos em encontrar um na vida real? Bem, eu tive essa sorte. Exatamente como o príncipe da Cinderela fez, Felipe tomou meu pé em suas mãos, deu-lhe um beijinho e em seguida calçou o sapato. Seus olhos brilhantes se concentraram nos meus, e com um sorriso malicioso, informou: — Coube. E aí, ainda está disposta a honrar a aposta?