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SOLLES, Kim. Conto de Fadas por contrato.  
 
Brasília, Brasil. 1ª edição, 2023, 127 págs.
 
   
 
  1. Literatura nacional, 2. Romance 3. Ficção, 5.
Recomeço.
 
Pela primeira vez em muito tempo, estava resignado, completamente
entregue. Os quatros maiores tubarões do mundo empresarial haviam
acabado de me acordar com uma notícia. E eu não apreciava nem um pouco
a decisão tomada por eles.
— Posso providenciar agora mesmo, um catálogo com as fotos de algumas
das mais belas modelos do país. Tenho certeza de que nenhuma delas
recusaria a proposta. — Enunciou Dóris e endireitou os aros grandes e
vermelhos de seus óculos, em seguida colocou a mão sobre a boca para
abafar uma tosse.
— Eu vou escolher minha esposa por meus próprios meios, e certamente
não será um enfeite magricelo e vazio. Preciso de uma mulher forte, para
que gere um herdeiro igualmente forte. — Disse categoricamente para a
funcionária.
— Será como você preferir, Felipe. Diga-nos apenas se já tem alguém em
vista. Um artigo no jornal, apresentando a futura senhora Felipe Mondragón
seria providencial. — Disse meu pai, me deixando sem argumentos para
contestar. — Na verdade, seria uma boa forma de começarmos a te
desvencilhar da fama de playboy mulherengo. Isso não é nada bom para a
imagem do novo CEO do conglomerado. — Continuou.
— Ainda não tenho ninguém em mente, mas vocês saberão quando eu tiver.
— Falei irritado, com toda aquela perturbação.
— Bom, acho que pode aproveitar o lançamento da nova coleção para fazer
isso. O evento será no próximo fim de semana, e certamente não faltarão
moças adequadas à posição de tua esposa. — Sugeriu Dóris.
Por mais que aquilo não estivesse me agradando, até que gostei da tal
sugestão. Na verdade, as sugestões de Dóris eram sempre boas. Não foi à
toa que ela se firmou no mercado, como uma das maiores diretoras de
marketing das Américas. Tudo que tocava se tornava tão vendável quanto
uma garrafa de água no Saara. Não fazia parte dos meus planos para sábado
à noite, permanecer mais do que vinte minutos em uma droga de evento
social. Estava seriamente inclinado a trocar o champanhe e caviar, por uns
bons shots de cachaça e uma generosa porção de fritura.
Eu era assim: predisposto a desprezar tudo aquilo que fui induzido a
apreciar. Estudei nas instituições mais elitizadas do mundo, cresci e sempre
circulei dentre os detentores das maiores fortunas do país. Inclusive, era um
deles. Contudo, meus gostos não condiziam com esse status. Sempre que
possível, trocava os ternos de corte perfeito, por jeans e camiseta de mangas
curtas. Era o que pretendia fazer naquele fim de semana. Desde que assumi
a presidência da Mondragón, há pouco mais de seis meses, não tinha
abandonado a função CEO nem por um segundo. Mal me lembrava da
última vez que entrei no meu carro e simplesmente dirigi até o primeiro
boteco de esquina, onde permanecia recluso em meus pensamentos, até que
uma estranha gostosa se oferecesse para extinguir minha solidão. Terminava
a noite bêbado, metendo feito louco e escutando sacanagens ao pé do
ouvido. Isso que eu considerava uma vida de verdade.
Quando troquei a posição de vice-presidente pela cadeira de CEO, sabia
que também estava trocando a boemia por uma vida sóbria e monótona. A
mesma que vi meu pai levar desde que me entendo por gente. Agora eu
poderia cruzar quase todos os continentes do mundo em poucos dias. Havia
chegado a minha vez de passar noites em claro, garantindo a perenidade do
faturamento de oito dígitos mensais. E para piorar, beirava a hora de colocar
uma aliança no dedo e um novo nome na estirpe Mondragón.
Quanto mais esfregava o pano úmido pelo imenso espelho do banheiro de
Sheila, mais exaurido e patético meu reflexo parecia. Não me sentia capaz
de expressar verbalmente o quão absurda aquela situação era. Não era para
estar limpando a sujeira de minha quase irmã asquerosa. Não deveria ter
que suportar os maus-tratos de Verônica, mas infelizmente aquela era a
minha vida.
Eu era a gata borralheira em minha própria casa. E ao menos naquele
momento, não existia nada que pudesse fazer para reverter a vergonhosa
situação em que eu estava. Frustrada, encarei a mulher desgrenhada e
reverberada pelo espelho, e atirei o pano contra a pia. Fiz tal gesto com
tanta celeridade, que qualquer um que visse a cena, pensaria que estava em
brasas.
Há muito tempo tinha deixado de ser o assoalho daquela casa. Era
simplesmente um pano de chão, e a rotina, cada vez mais árdua, começava
a causar danos em minha aparência. O meu cabelo loiro, comprido e cheio,
já tinha sido meu melhor amigo e costumava colaborar com a escova. Em
um passado bem distante. Naquele momento, não ia além de um amontoado
de cachos, esfarrapados e ressecados pelo xampu ruim e a falta de tempo
para cuidados minuciosos. Eu já havia até me esquecido quando havia sido
a última vez que ele viu uma hidratação, ou um secador e uma prancha. Por
milagre, não se viam olheiras ao redor dos meus olhos, ainda que as íris
azuladas nem de longe possuíssem o brilho outrora ostentado.
Independente de todo o desgaste físico e mental, ainda seguia me
considerando uma mulher bonita. Me sentia feliz em saber que a beleza,
que papai e mamãe sempre admiraram em mim ainda continuava ali apesar
de tudo. Olhando para o espelho, notei que haviam vários fios soltos no
rabo de cavalo, resultado do esforço da limpeza.
Ofegante, ajeitei os fios de cabelo e lavei o rosto com excedente quantidade
de água e sabonete líquido. Estava em frangalhos e precisava me recuperar
rapidamente para estar apresentável no evento daquela noite. Havia tanto
tempo que não ia a um evento desse porte, que sequer sabia o que vestir.
Além da casa e do dinheiro, depois da morte de meu pai, Verônica também
se apossou da confecção da família. Desde então, a empresa que sempre
fora sólida e respeitada, derrapava ladeira abaixo. Ela conseguiu acabar
com tudo com sua péssima administração e gastos exacerbados. A despeito
da incompetência de minha madrasta, a confecção Botelho tinha ganhado a
conta da gigantesca rede de joalherias Mondragón. E se Verônica nos
poupasse de suas cagadas, ao menos naquele negócio, a parceria recém
firmada poderia ser a salvação da empresa.
Naquele dia, ocorreria o primeiro desfile para o lançamento da coleção de
joias Mondragón, com as modelos usando as peças criadas pela confecção
Botelho. E isso estava me deixando insuportavelmente ansiosa. Não
colocava os pés fora de casa desde a última segunda-feira, quando Marina e
eu fomos a um pub sertanejo, comemorar o aniversário de cinquenta e dois
anos dela. Marina era a única pessoa que eu tinha no mundo. Foi minha
babá, e em meus quase vinte e um anos de vida, nunca se afastou de mim
por mais de vinte e quatro horas. Ela era meu porto seguro, a certeza de que
sempre teria um ombro amigo e caridoso para chorar. Quando meu pai era
vivo, cinco anos atrás, Marina não era tratada como empregada. Se tornara
membro da família, a contragosto de Verônica, é claro. Depois da fatalidade
que levou a vida do meu pai, ela fazia questão de se vingar da raiva que a
presença de Marina em nossa mesa de jantar a fazia sentir, exatamente
como fazia comigo.
Naquele tenebroso cenário de repressão, Marina preparava a comida, e
cuidava da manutenção da área externa da casa. Trabalhava sem reclamar,
apesar de seus quase cem quilos divididos em 1,50m de altura e muita
artrite. Ela era a pessoa mais importante em todo o mundo, para mim. Eu a
ajudava com a limpeza da piscina, mas infelizmente não me sobrava tempo
para fazer mais. E eu gostaria de fazer muito mais. Mas parecia que
Verônica fazia questão de me empurrar cada vez mais tarefas, para que eu
não conseguisse ajudá-la.
Ainda estava com a mente povoada por pensamentos raivosos e auto-
depreciativos, quando a pesada porta do banheiro escancarou-se de repente,
causando um ranger irritante. Sheila surgiu em meu campo de visão.
Parecia boba e indefesa em seu biquíni estampado com pequenas
florezinhas e um enorme laço vermelho enfeitando o cabelo Chanel.
Apenas parecia.
— Estava fotografando? — Interpelei, concentrando-me em apanhar a
pequena toalha branca presa em um gancho acima da pia.
— Estava. E você? Estava limpando? — Arrancou a toalha da minha mão
antes que eu tivesse tempo de enxugar o rosto e o fez no dela. — Desculpe,
estou com pressa, tenho mais cinco trocas de roupa esta manhã, e ainda
preciso me aprontar para a festa de hoje à noite. Será um lançamento de
joias finas, e posso imaginar a quantidade de milionários que estarão por lá.
Casar-se com um milionário era o grande sonho de Sheila, além é claro, de
se tornar uma modelo de verdade. Já que até aquele momento, só
fotografava para a confecção, e desfilava apenas quando Verônica
conseguia encaixá-la em algum evento. Particularmente, não achava que
fosse bela ou carismática o bastante para chegar a algum lugar fora do
alcance da mãe. Sheila era morena, alta e magra, porém seu corpo quase
não possuía curvas. Tinha os cabelos curtos e lisos, muito bonitos e olhos
levemente saltados, que nunca estavam sem um par de lentes verdes.
— Também estou ansiosa pela noite. — Falei, empolgada, tentando quebrar
o clima de animosidade constante entre nós.
— Você vai?
Cingi os olhos, preocupada e intrigada, a sobrancelha erguida de Sheila era
sempre sinal de mau agouro. Claro que ela não queria que eu fosse ao
evento, e tentaria me impedir de alguma forma.
— Pretendo ir. — Falei, sem nenhuma convicção.
Minha quase irmãzinha bruxa não falou uma única palavra, apenas me
inspecionou de cima a baixo e saiu do banheiro com os lábios finos
curvados em um sorriso irônico.
Embora tivesse terminado a faxina e o cheiro adocicado de lavanda
impregnado no ar me nauseasse, ainda permaneci bons minutos parada no
mesmo lugar. Fitando o espelho sem me enxergar, estava com a mente
distante demais para conseguir focar em qualquer coisa, além do que
aconteceria naquela noite. Tinha expectativas altas em relação a festa,
pensava encontrar antigos amigos do meu pai, e tentar uma vaga de trabalho
com algum deles.Um emprego era a única coisa que faltava para finalmente
quebrar as algemas que me mantinham presa àquela casa,a Verônica e sua
filha.
Pela primeira vez, desde a morte do meu pai, alguma coisa parecia ter
alguma possibilidade de dar certo. Entretanto, a reação de Sheila foi um
balde de água fria em minha cabeça. Ela sempre conseguia o que queria, e
se seu desejo era me impedir de ir a festa, não tinha dúvidas de que
realizaria.
Desolada, encontrei o caminho do meu quarto, atirei-me na cama, e encarei
o teto obstinadamente branco. Meu quarto fora a única coisa da antiga vida
que consegui manter desde que passei a ser “tutelada” por Verônica. Grande
e confortável, uma brisa de alívio e fantasia em meio a tormenta que eram
meus dias. Era lá que me escondia, o único lugar no mundo onde a maldade
de Sheila e a amargura de Verônica não podiam me alcançar. Ao menos não
o tempo todo, mas às vezes, enquanto imersa em minha pacífica reclusão,
flagrava-me remoendo alguma truculência dita ou feita por elas e era o que
acontecia naquele momento. Àquela altura do dia, ainda não tinha tido a
infelicidade de encontrar minha madrasta, e estava certa de que, há qualquer
momento, bateria em minha porta com algum estratagema mirabolante para
me impedir de ir ao evento Mondragón. Ela sempre fazia isso, frustrar meu
divertimento sempre fora sua maior alegria.
Mal acabara de pensar na desalmada e a infeliz chamou-me através da
porta. Arrastando os pés descalços pelo assoalho gelado, em função do ar
condicionado, dirigi-me até a porta e a abri, interceptando assim uma
terceira batida.
À minha frente estava Verônica. Com as mãos posicionadas na cintura, e
um salto cor de rosa finíssimo batucando freneticamente o chão.
— O que tem a dizer sobre a história que Sheila me contou?
— Que história? — Indaguei, fingindo insciência.
— Você pretende ir ao lançamento Mondragón esta noite? Porque se essa
for sua intenção, já adianto que não poderá concretizá-la.
— Por quê? Sempre fui aos eventos corroborados pela confecção Botelho.
— Embora tentasse mascará-la, meu tom de voz delatava a raiva que me
corroia naquele momento.
— Eu sei, não esqueço de Antônio levando-a a tiracolo em todos os eventos
que íamos. — Os olhos revirados eram um lembrete da frustração que
sentia naquela época.Verônica nunca amou papai, nem nada relacionado a
ele. Casou-se somente pelo dinheiro e status que a união lhe traria, sempre
tive certeza disso. — Mas você sabe que as coisas mudaram, e para festa
desta noite, não poderá ir. Tem muitas tarefas a cumprir.
— Que tarefas? — Perguntei, sentindo minhas sobrancelhas se unirem.
— Preciso que catalogue algumas peças de mostruário que chegaram da
fábrica hoje, são muitas, sendo assim, presumo que não te sobrará tempo
para festas. — Concluiu.
— E Beatriz? Esse não é o trabalho dela?
— Licença médica, está severamente gripada, coitadinha. — O
“coitadinha” foi proferido de uma forma tão sarcástica que eu quis esganá-
la.
E então, me vi obrigada a engolir mais uma das intermináveis mentiras da
megera. Sabia que o fato de não poder ir à festa não tinha ligação alguma
com a licença médica de Beatriz, tampouco com peças de mostruário. Não
ia porque Verônica não queria. Meu entusiasmo fora percebido por ela e sua
filha e consequentemente, esmagado. Já era de praxe fazer aquilo, o menor
dos sorrisos projetado por meus lábios, era razão mais que suficiente para
que cometessem as maiores diabruras. Eram mulheres insensíveis,
rancorosas e que praticavam o mal sem nenhum pudor. Mulheres que meu
pobre pai colocou em nossas vidas, desconhecendo seu verdadeiro caráter.
Não sabia por que Verônica e Sheila me odiavam tanto. A única coisa da
qual tinha plena certeza, era que a repugnância que nutriam por mim estava
em constante expansão.
Era maior de idade e teoricamente livre para fazer o que me desse na telha,
inclusive desaparecer da vida dos meus algozes para sempre. Todavia, esta
teoria não podia ser colocada em prática, não naquele momento, não
enquanto minha proteção fosse vital para Marina.
Marina sempre se sacrificou por mim, e em um passado recente, sacrificou-
se ainda mais, embora tenha ficado alheada dessa abnegação por mais de
dois anos. Quando completei quatro anos, comecei a frequentar a melhor
escola para meninas da cidade, após a morte de papai, poucos meses depois
de ter atingido os quinze anos de idade, Verônica começou a falar que no
semestre seguinte, meus estudos migrariam para um colégio mais barato,
talvez até público. Do dia para a noite, passei a ser uma adolescente que
havia acabado de perder o pai de forma abrupta e estava na iminência de
também perder todas as pessoas com as quais tinha convivido a vida toda.
Foi aí que minha fada madrinha de avental e touca na cabeça entrou em
ação. A diretora Campelo sempre me pareceu uma mulher altruísta, já a
tinha visto praticando bondade em muitas ocasiões. Então, como sempre
obtive as melhores notas da turma e meu pai nunca faltou com a
mensalidade escolar, achei que valeria a pena tentar uma bolsa e foi o que
fiz. Não obtive um sim ou não imediato, mas a diretora prometeu que faria
o possível para me ajudar. Algumas semanas depois, veio a notícia de que
minha permanência na instituição durante os quase dois anos que faltavam
para o fim do colegial, estava garantida. A euforia e alívio me preencheram
de forma tão intensa, que sequer perguntei a que santo deveria agradecer.
Pois até o momento, estava certa de que se tratava apenas de uma bolsa.
Parvo engano. Havia descoberto há pouquíssimo tempo o real motivo de ter
podido continuar no colégio que tanto amava e o motivo era o mesmo de
praticamente todas as coisas boas que aconteciam na minha vida: Marina.
Realmente ganhei uma bolsa, mas era parcial, somente 50%, o restante
vinha de Marina. Minha amada babá arcou com uma mensalidade
equivalente a seu salário, durante dois longos anos. Fez isso por mim, para
que eu não passasse por mais uma nova dor, fez o que só minha mãe faria.
Quando descobri seu sacrifício, já não havia o que fazer para evitá-lo ou
amenizá-lo, Marina já tinha feito tudo pela minha tranquilidade, em
detrimento da sua. Restava agora, ser-lhe ainda mais grata e retribuir sua
bondade sempre que tivesse oportunidade. O que aconteceu poucos meses
depois.
Recordava-me claramente daquele dia, do dia em que me tornei uma versão
menos lamurienta da gata borralheira, que virei escrava de Verônica e sua
filhinha intragável.
As coisas ocorreram em uma manhã quase tranquila de domingo. Não fosse
pelo tempo gélido, arriscaria dizer que aquele estava sendo meu melhor
alvorecer desde a morte de papai.
Estava de ótimo humor, era véspera da minha formatura no colegial, e eu
seria a oradora da turma. Não poderia estar mais orgulhosa de mim mesma.
Pela primeira vez em muito tempo, tinha decidido passar o dia esparramada
sobre a espreguiçadeira enquanto desfrutava da companhia de um bom
livro, e admirava vez ou outra, a beleza do encontro entre os tímidos raios
de sol e a água azulada da piscina. Àquela altura, não podia imaginar nada
que ornasse melhor com uma manhã dominical do que o cenário descrito.
Apesar da perfeição daquele instante parecer inabalável, não demorou
muito para que o azedume de Verônica me arrastasse de volta para a dura
realidade.
— Preciso falar com você! — Sua voz soou tão alta e imperativa, que meus
olhos desviaram com absurda celeridade da página do livro e fixaram no
rosto dela, que estava parcialmente coberto por um enorme chapéu de grife.
— Que novo desastre creditará na minha conta agora? — Interpelei, sem
nenhuma vontade de estender a conversa por mais tempo do que o
estritamente necessário.
— Se quiser garantir a continuidade do serviço de Marina nesta casa, sugiro
que baixe a crista e ouça com muita atenção o que tenho a dizer.
Senti meus olhos dilatarem até quase saírem do lugar.
Sabia perfeitamente o que tinha acabado de escutar, mas era como se as
palavras de Verônica fossem incapazes de se agrupar em frases que
fizessem sentido para mim, não conseguia acreditar naquilo, então indaguei:
— Pode repetir o que acabou de dizer? — Sentia o rosto gelado de quem
perdeu todo o sangue.
— O emprego de Marina depende de você me obedecer ou não, o que não
entendeu?
— Você não pode demiti-la, o testamento do meu pai assegura isso. —
Argumentei. Minha alma e coração tremiam como se tivessem circundados
por um imenso domo de neve. Fiz o possível e o impossível para não
exteriorizar a insegurança que estava sentindo.
Os lábios vulgarmente avermelhados se curvaram no sorriso jocoso que
sempre odiei.
— Sim, você está certa, mas a cláusula no testamento a favor de Marina não
me obriga a mantê-la como empregada doméstica, legalmente nada me
impede de remanejá-la para confecção e fazer um reajuste negativo em seu
salário.
Aquele era o limite do aceitável.
Desde a morte do meu pai, até aquele dia, havia resistido bravamente às
ferrenhas investidas de Verônica e Sheila, em detrimento da minha
felicidade. Porém, contra aquele golpe eu não tinha escudo, e ele me atingiu
em cheio.
Depois de revisitar o passado, e me auto analisar no presente, sentia o peso
da frustração e desesperança esmagarem meus ombros. Mesmo após tantos
passos em direção ao que acreditava ser luz. Não vislumbrava nem mesmo
a sombra do caminho que me levaria para fora daquele labirinto de
humilhação e dor. A sensação causada por isso era tão perturbadora quanto
o próprio labirinto.
O ranger das molas da cama, uniu-se de repente ao toque do telefone,
levantei-me num sobressalto para atendê-lo.
— Oi! — Esbaforida, retribui a saudação de Marina.
— Poderia vir ao meu quarto, querida? — A voz de minha preceptora era
tão suave e confortante quanto um afago materno.
─– Não posso, tenho trabalho a fazer, provavelmente mais do que o que tive
no último mês.
─– Do que está falando? E a recepção Mondragón? Nem sei há quanto
tempo não a via tão ansiosa por algo.
─– Bem, como já era de se esperar, Verônica e Sheila deram um jeito de
transformar a razão desta ansiedade num sonho impossível de menina boba.
─– Ah, não mesmo! Venha até meu quarto agora, garanto que você irá a
essa festa.
Apesar de sua inextinguível doçura, Marina parecia firme e decidida como
nunca. Seja lá o que passava por sua cabeça, não parecia ter dúvida alguma
sobre o sucesso do plano.
 A curiosidade e o profundo desejo de que tudo desse certo, me guiaram à
pequena dependência de empregada tão rápido, que pude visualizar a
ofegante insegurança ficando do lado de fora do quarto.
Assim que entrei no cômodo, a primeira coisa que prendeu minha atenção
foi um estupendo vestido azul bebê, espalhado pela cama de solteiro. Em
seguida, os expressivos olhos de Marina, brilhando como duas estrelinhas
em um céu de deserto:
— E então, meu amor, o que achou? — Perguntou enquanto pegava a peça
e a exibia, orgulhosa.
Pude ver esmiuçadamente o vestido, e reconheci nele a personificação do
último e mais secreto esboço que papai fizera em vida. A única herança que
Verônica não conseguira roubar de mim, pois era completamente alheia a
sua existência.
— Marina, isso é incrível! Você é incrível. — As lágrimas já banhavam
completamente meus olhos quando terminei de falar.
— Pare com isso, Antonella, você está terminantemente proibida de chorar,
o momento agora é só de sorrisos.
— Estou chorando de felicidade e emoção.
— Nem mesmo essas lágrimas são bem-vindas hoje. — Caminhou
velozmente até mim e sem me dar tempo de abraçá-la ou beijá-la, transferiu
a roupa para as minhas mãos.─– O que você tem que fazer agora é correr
para o banheiro e experimentar o vestido. Deve fazer isso o mais rápido
possível, porque não temos tempo a perder.
— Eu te amo muito, sabia? — Usei as polpas dos polegares para secar os
olhos. — Não quero nem pensar no trabalho que teve para confeccionar este
vestido, nem no quanto custou toda essa seda. Só que ir à festa está
totalmente fora de questão, Marina. Não quero irritar a megera,
principalmente quando está tão perto o dia de sermos livres. Não vou mentir
e dizer que não estou triste. Você sabe que estou, mas ficarei bem.
— Talvez você fique, só que eu não. A última coisa que quero é ver essa
nuvem de tristeza pairando sobre sua cabeça por semanas como sempre
acontece.
Conhecia Marina o suficiente para saber que qualquer argumento que eu
usasse para justificar minha posição, seria acertadamente retrucado por um
maior e mais fundamentado. Então, depois de muita insistência de ambas as
partes, desisti. Todavia, o duelo não tardou em reiniciar. Discutimos o fato
de Marina ter se oferecido em sacrifício e tentado tomar para si a árdua
obrigação de catalogar todas as centenas de peças recém-chegadas.
— Não percebe o quão absurdo é o que está me propondo? Por Deus,
Marina, me importo demais com você para permitir que, além de fazer suas
malditas tarefas, faça as minhas!
— Se disser que não faria o mesmo por mim desisto de tudo agora.
Claro que não podia dizer aquilo, Marina não era só a pessoa mais
importante na minha vida, mas a única que eu tinha. Não havia nada no
mundo que eu não fizesse por ela. Por ser uma verdade óbvia demais para
que pudesse negá-la, me calei. Porém, segui irredutível na posição de não a
deixar trabalhar no meu lugar.
Confabulamos por longos e exaltados minutos, nos quais defendi
fervorosamente meus pontos de vista, e ela os dela. Só depois de uma
exaustiva sucessão de réplicas e tréplicas, chegamos a um denominador
comum. Iria à festa, e se Verônica não colapsasse quando me visse por lá,
nós duas catalogaríamos as peças. Assim, conseguiríamos terminar o
trabalho antes do prazo estabelecido por minha madrasta.
Mesmo meu estado de espírito estando mais seguro e determinado que nos
últimos cinco anos, acreditava que Verônica e Sheila não precisariam de
muito para me dissuadirem da decisão de ir ao evento. Bastava apostarem a
carta coringa que possuíam contra mim e seriam, pela milésima vez, as
campeãs do jogo.
Decidi permanecer no quarto de Marina até que Sheila e Verônica saíssem
de casa. Para eliminar por completo o risco de ser descoberta por elas antes
do inevitável. A ala dos funcionários era o melhor lugar para me esconder
de minha adorável família.
O tempo na minha casa transcorria de maneira diferente do resto do mundo,
as vinte e quatro horas do dia, se arrastavam por uma semana e um minuto
por horas. Em decorrência disso, as horas que antecederam o barulho do
motor do carro de Verônica foram longas e aflitivas.
Os lábios de Marina se curvaram em um sorriso contagiante quando surgi
na grande e antiquada sala de estar.
— Tenho certeza de que era essa a imagem que o senhor Antônio
vislumbrava quando desenhou esse vestido. Você está uma perfeita rainha,
querida.
Não senti segurança quando me olhei no espelho, mas o elogio de Marina
me tranquilizou. O cabelo preso num coque desconjuntado e a maquiagem
demasiadamente simples não eram exatamente o que se esperava de um
convidado do evento anual mais importante da Mondragón, mas Marina não
mentiria para mim, se ela disse que eu estava bem, então eu estava.
— Sei pouco a respeito de penteados e maquiagem, mas fiz o que pude... E
bem... Felizmente o vestido ofusca qualquer detalhe que denuncie que sou
uma maquiadora amadora. — Comentei sorrindo.
— Não entendo nada de moda, mas para mim você está lindíssima. Parece
saída de um sonho. — Olhou para onde terminava o longo vestido e torceu
o nariz.  — Só acho que os sapatos destoam um pouco do restante.
Depois de encarar meus pés expostos, devido às fendas laterais do vestido,
fitei o olhar de Marina.
— Você tem razão. — O desânimo me alcançou automaticamente.
O horrendo par de sandálias douradas de salto alto, era realmente
vergonhoso. Não poderiam ser mais bregas e desconfortáveis, só que era o
único par que estava para fora do closet de Sheila, que por sinal, ela
mantém trancado. Sei lá, me pareceram melhores do que um dos meus tênis
All Star, talvez menos ruins.
— Bem... Independente do sapato ser adequado ou não, nada muda o fato
de que você está linda, meu amor. Será o centro das atenções. Disso eu não
tenho dúvidas.
— Estou certa de que serei o centro das atenções. Principalmente da
atenção de Verônica.
Apesar de aterrorizada, senti uma rara e prazerosa onda de euforia quando o
táxi se uniu à interminável fila de automóveis estacionados em frente ao
luxuoso hotel, onde já ocorria o evento Mondragón. A riqueza nunca me
fascinou tanto quanto fascinava Verônica e Sheila, as duas faziam tudo por
dinheiro. Porém, voltar a frequentar um lugar como aquele, era como
mergulhar na melhor época da minha vida. Um tempo em que tinha meu pai
e a tranquilidade era minha mais fiel companheira. Tranquilidade essa, que
me foi arrancada de forma brusca, sem aviso, deixando marcas
inimagináveis. Mesmo antes da morte de papai, já sabia o que era sentir
medo e tristeza. Estes sentimentos vieram nas malas de Verônica e Sheila,
quando chegaram a minha vida. Contudo, nunca havia experimentado a
desesperança e não conhecia a sensação de estar completamente perdida,
até o trágico dia em que meu pai foi tirado de mim.
No fundo, me sentir inserida no meu velho mundo, era o real motivo de ter
me esforçado tanto para ir ao evento. Queria sentir aquele friozinho na
barriga outra vez. Saber que fazia parte de algo, me lembrar da época em
que tudo era cor de rosa. Talvez agora, com alguns tons de azul.
  Só lembrei que usava um par de calçados dois números menores que o
meu, quando voltei a firmar os pés no chão. As sandálias, além de ridículas,
também eram absurdamente desconfortáveis. Ainda assim, estava feliz e
com um calor gostoso no peito. Quando informei meu nome ao segurança,
não pude evitar certa apreensão, afinal, Verônica poderia ter se lembrado de
removê-lo do convite direcionado aos Botelho. Felizmente, a limitação de
sua inteligência impediu-a de fazer o óbvio, então adentrei o prédio sem
qualquer tipo de problema.
Quando passei pelas imensas portas de carvalho, um mundo que divergia
completamente do que eu estava acostumada nos últimos tempos,
materializou-se na minha frente. Tudo era grande, suntuoso e mágico. Meus
olhos brilharam em expectativa.
Além da decoração composta de móveis de cristal e arranjos de peônias
brancas, as pessoas pareciam entorpecidas por uma alegria infindável.
Sorriam exageradamente, enquanto tilintavam taças de bebidas, e exibiam
seus vestidos e ternos caríssimos. Apesar de estar tão elegante quanto
qualquer convidado, não me sentia parte daquele ambiente. Ao menos não
mais. Sempre frequentei eventos e reuniões tão classudos quanto aquele,
mas isso fazia tanto tempo, e o contexto era tão diferente, que essas
recordações pareciam vir de outra vida. Eu não era mais a filhinha mimada
de um dos empresários têxteis mais importantes da cidade. Estava
totalmente convertida em uma gata borralheira, por isso foi impossível me
sentir confortável naquela noite.
Estava absorta em meus pensamentos, fitando o amontoado de pessoas
sorridentes e elegantes que desfilavam pelo salão, mas uma mão forte
pressionando meu braço tirou-me do estado de contemplação.
— Que diabos está fazendo aqui, Antonella? Acredito ter sido clara quando
disse que não a queria por perto esta noite. — Embora ela usasse o tom
baixo, a voz de Verônica era feroz e imperativa.
— Clara como cristal, acontece que eu tinha um convite e estava com muita
vontade de vir.
Seus olhos pareciam dois mísseis teleguiados, prestes a me acertar e
explodir. Verônica desviou o olhar e levantou a taça, provavelmente
cumprimentando alguém atrás de mim.
— Se ainda tem algum apego por sua babá, encontre-me no toalete em vinte
minutos. — Ameaçou, entredentes.
Enquanto Verônica me transpunha, seu perfume importado, porém
exageradamente doce e enjoativo, impregnava meu nariz de forma nada
agradável.
Tornei-me palco de um duelo implacável entre a raiva e o medo, mais uma
vez eu estava desarmada, nocauteada pela bruxa má na metade do primeiro
round. Assistir ao flerte descarado entre minha odiosa madrasta e um
provável milionário velho e barrigudo, revirou-me o estômago. Me enojava
constatar que o que ela fez com o meu pai não foi nada além de mais um de
seus truques baixos, esse é o principal motivo de todo o meu desprezo por
ela.
Enfurecida, e com os olhos ainda cravados em Verônica, apanhei a taça
oferecida por um dos garçons e num gole só, entornei todo o seu conteúdo,
percebendo tarde demais, que se tratava de algo bem mais forte que
champanhe ou vinho. Como não costumava beber, não demorou muito para
que o efeito do álcool começasse a se manifestar no meu organismo. Em
questão de minutos, já me sentia fora de órbita e com uma coragem inédita.
As ameaças de Verônica simplesmente não importavam mais.
Tomada por um rompante de bravura, caminhei até Verônica quase
tropeçando nos malditos saltos. Pude notar seu olhar de espanto e raiva
quando interrompi a conversa que estava tendo com o senhor barrigudo.
— Se quer falar comigo, Verônica, façamos isso agora. — Soltei, levada
por uma coragem que há muito não experimentava.
Seus olhos estatelaram, e a cor abandonou sua face, deixando-a com uma
aparência fantasmagórica, que visivelmente espantou o tal magnata. Era
nítido que não esperava tamanha intrepidez de minha parte, e certamente
me estrangularia se não estivesse diante a alguém que lhe interessava.
— Claro que podemos, meu amor. — Apesar do pronome carinhoso, seus
olhos ardiam como brasas, que queriam visceralmente me reduzir a cinzas.
— Perdoe-me, Enrico, teremos que interromper a conversa por alguns
instantes, sabe que os filhos estão sempre em primeiro lugar.
— Certamente que sim. — Com um sorriso simpático, o homem seguiu
noutra direção. Verônica não disse nada, apenas começou a caminhar
rapidamente e eu a acompanhei.
Enquanto fazíamos o trajeto, algumas pessoas cumprimentaram a megera,
mas ela estava tão irada, que apenas retribuía com um sorriso forçado.
Depois de uns cinco minutos vagueando, subimos por um elevador e
encontramos um toalete vazio.
Logo que entramos no local, Verônica não perdeu tempo. Passou a chave na
fechadura e em seguida agarrou meu pulso com mão de aço.
— Que espírito ruim te possuiu hoje, garota? Desandou a fazer tudo errado,
parece uma louca.
Apesar da leve embriaguez, tentei fitá-la nos olhos e externar toda a minha
raiva.
— Te proíbo de falar assim comigo, você não passa de uma vadia qualquer
que meu pai catou na rua.Uma oportunista barata, prostituta de última
categoria!
Uma palma cheia de anéis acertou meu rosto com ferocidade indescritível.
Não me privei de revidar com igual impetuosidade. Naquele momento, eu
estava finalmente explodindo, abandonando meu lugar de Cinderela.
— A partir de amanhã não quero mais ver nem você nem a inútil da Marina
na minha casa! — Imperou, escorregando a mão pela face vermelha.
— Esqueça essa ideia, porque nem você nem ninguém vai me tirar do lar
que os meus pais construíram para mim. Algum dia, sei lá quando, será
você e sua filhinha imprestável quem deixarão a minha casa.
Eu sabia que toda aquela coragem vinha da dose de cachaça que havia
tomado. Também tinha consciência de que minhas palavras gerariam um
duro resultado. Nada disso me abalava, naquele instante eu não poderia
estar mais feliz e plena.
— Garota, se eu continuar aqui te ouvindo e olhando para essa sua carinha
enjoada, não haverá força nesse mundo que me impeça de matá-la. Por isso
vou sair daqui agora e nós duas teremos uma conversa nada amistosa em
casa.
Com essa ameaça no ar e milhões de palavras ofensivas preenchendo minha
cabeça, Verônica me deixou sozinha no toalete.
Queria aproveitar o efeito do álcool para despejar toda a minha raiva e fúria
na cara da mulher que destruiu minha vida, mas como sempre, ela não me
deu tempo para isso.
Em um arroubo de poderosa fúria, arranquei um dos sapatos que tanto me
incomodavam, e o lancei contra a porta antes que ela se fechasse por
completo. Contudo, não atingi o alvo desejado, e no lugar de Verônica, me
deparei com um homem gigante. Dono dos olhos mais negros e expressivos
que já tinha visto na vida. O pior de tudo, era o rastro de sangue sobre um
deles.
Mesmo razoavelmente bêbada, tinha certeza de uma coisa: Estava
totalmente fodida.
Sempre achei que o dia deveria ter quarenta e oito horas, ou pelo menos o
meu. Naquele instante, no entanto, o achismo estava convertido em certeza.
Desde o desonroso momento em que abri os meus olhos naquela manhã, fui
bombardeado por todos os problemas empresariais e questões internas
imagináveis. A cada instante surgiam mais e me perseguiam como um
enxame de abelhas. Foi impossível me livrar de todos eles antes que
chegasse o momento de descer ao salão, como um príncipe desencantado à
procura da princesa. O tenebroso casamento era o principal motivo do meu
humor extremamente irritadiço. Muito em breve, teria que me unir a uma
mulher que até aquele ponto, não fazia ideia de quem seria. Tudo para que o
sangue dos Mondragón perdurasse por, pelo menos, mais uma geração.
Na saleta que me arrumaram na cobertura do edifício em que ocorria o
evento, meus olhos passeavam sem muito entusiasmo pelo catálogo de
modelos que Dóris insistiu em me enviar por e-mail. Todas
inquestionavelmente lindas, e eu as comeria com todo prazer do mundo, mas
nenhuma delas se parecia com a mulher que eu imaginava para mãe do meu
filho. Não me agradava a ideia de procriar com uma garota fútil e
interesseira. Se isso acontecesse, meu herdeiro teria grandes chances de
herdar as mesmas características dela. Tal possibilidade me embrulhava o
estômago. Mandei um e-mail para Dóris descartando todas as candidatas.
Frustrado, vesti o terno preto e sai da sala.
No momento em que coloquei os pés fora do escritório, algo chamou minha
atenção. De um dos toaletes reservadas a convidados seletos, podia-se ouvir
nitidamente uma exaltada discussão. Duas vozes femininas proferiam
ameaças, e uma delas vomitava o quanto se sentia injustiçada. Esta foi a voz
que mais me atraiu...
A pessoa soava profundamente magoada, porém, possuía uma coragem e
espírito afrontoso que há muito tempo não via em ninguém. Mesmo não
conhecendo o seu rosto, o simples fato de ouvi-la falar com tanta valentia me
instigava. Era uma atitude completamente descasada das que costumava ver
nas pessoas que frequentavam aquele tipo de festividade. As pessoas
geralmente reprimiam o que sentiam, em favor do meio social em que
estavam.
Quebrando qualquer regra de etiqueta, atrevi-me a me aproximar do cômodo
para escutar a conversa com mais clareza.
Aguçando minha arritmia cardíaca, a porta se escancarou de repente, e uma
mulher que aparentava uns quarenta anos saiu indignada, esbarrando em
meu ombro e rumando em direção ao elevador feito um furacão.
Cambaleando pelo esbarrão vigoroso, e com o braço dolorido, caminhei
mais alguns passos à frente, e foi quando um golpe mais severo me acertou
poucos centímetros acima do olho.
Atordoado e machucado, levei um tempo para perceber que o objeto voador
não identificado, ao menos até aquele momento, se tratava na verdade de um
extravagante sapato feminino. Este, estava estirado entre meus pés.
— Ah! — Com os olhos azuis bem abertos e o rosto vermelho,
provavelmente de vergonha, uma jovem loira cobriu a boca com as mãos, ao
ver o dano causado por seu sapato.
O lugar atingido realmente doía, mas minha concentração estava longe de se
prender ao incômodo físico. Eu estava mais preocupado com ela.
A mulher loira, desesperada, que estava à minha frente, me impressionou em
todos os sentidos. Pela discussão que ouvi, deduzi que ela era ousada e
valente. Além disso, tinha uma beleza raríssima, seu rosto era extremamente
delicado e os olhos magníficos manavam uma ânsia de viver que me deixou
impressionado.
— Desculpe, senhor! Foi um acidente, juro que não queria acertá-lo, eu
pretendia...
— Quebrar o crânio daquela senhora?  — Sugestionei, me sentindo um
idiota por achar graça na fisionomia desalentada da garota.
O rosto atraente ruborizou ainda mais.
— Bem, sim, mas... Por Deus... — Num átimo, avançou em minha direção e
fitou os olhos no machucado que me causara. — Você está sangrando, eu
poderia tê-lo deixado cego. — Pequenos dedos calejados tocavam
cuidadosamente o ferimento, numa clara tentativa de limpar as gotas de
sangue.
— Que bom que não o fez. — Incapaz de me conter, percorri
maliciosamente seu corpo de curvas suaves, modelado por um deslumbrante
vestido azul. — Teria me privado de uma das melhores visões que tive nos
últimos dias. — Ousei dizer.
Visivelmente surpresa, ela se afastou de mim e abaixou levemente o rosto.
— Acredito que tenha me perdoado. Eu... — Inspirou demoradamente. —
Eu tenho que ir agora.
A bela dama se virou rapidamente, mas um instinto primitivo me fez segurar
seu braço, impedindo-a de continuar sua jornada.
— Desculpe pelo que vou dizer, só que foi impossível não ouvir parte da
conversa que estava tendo com aquela mulher. Percebi que está passando por
problemas, talvez até financeiros. Então tenho uma proposta a te fazer. —
Não pude estancar as palavras que jorraram dos meus lábios. Eu estava cara
a cara com a personificação da mulher que imaginava como progenitora do
meu herdeiro, e simplesmente não conseguia deixar a oportunidade passar.
Ao me calar, imaginei que ela se sentiria ofendida e que eu teria que pelejar
para persuadi-la a participar do plano orquestrado pela Mondragón. Mas
para meu o espanto, o rosto outrora assustado e enraivecido amenizou, como
em um passe de mágica.
— Quer me fazer uma proposta? Quem é você? — A voz dela exprimia uma
mistura de curiosidade e medo.
— Felipe Mondragón e é um grande prazer conhecê-la.
Os olhos cresceram novamente, e ela ficava ainda mais atraente quando isso
acontecia. Parecia inocente, e talvez estivesse enganado, frágil.
— Mondragón... — Meu sobrenome silabou pelos lábios sutilmente tingidos
e escancaradamente beijáveis. — Então é dono da famosa rede de joalherias.
Friccionei a boca.
— De uma parte dela. Uma generosa fatia na verdade.
Calou-se por alguns segundos, parecia indecisa sobre algo que queria dizer.
Por fim se decidiu por falar, embora tenha feito isso com certa dificuldade.
— Disse que ouviu a briga, não foi? Sente pena de mim e quer me oferecer
um emprego.
Talvez ficasse decepcionada quando soubesse a verdade, mas não saberia
naquele momento, depois de uma discussão tão exaltada, não merecia um
novo choque.
— De certa forma é um trabalho, só que antes de qualquer coisa quero que
saiba que não a considero digna de pena. Esteja certa de que a proposta que
desejo fazer deve-se justamente ao fato de considerá-la forte. — Desejei que
a sinceridade das minhas palavras fosse visível. — Sabe onde fica a matriz
da Mondragón? — Questionei, intentando deixar a coisa toda mais
contratual e menos pessoal.
— Eu descubro.
Falou tão rápido que foi difícil compreender as palavras. Seja lá qual fosse a
situação que estava passando, era nítido o desespero para sair dela.
Eu a ajudaria, se ela deixasse, com todo o prazer do mundo.
— As 9h00min está bom para você?
— Claro! O que devo fazer para conseguir falar com você? 
— Como se chama?
— Antonella Botelho.
— Antonella Botelho. — Seu nome soou gostoso aos meus ouvidos e era
igualmente saboroso proferi-lo. — Ótimo! Quando chegar à recepção diga
apenas este nome e eles permitirão sua entrada.
Sem tirar os olhos dela, ajoelhei-me para apanhar o sapato e o entreguei a
dona.

— Cuide melhor do seu sapatinho da próxima vez, Antonella. — Com meu


melhor sorriso e um aceno de cabeça cordial, despedi-me da linda jovem.
 
Dóris me encarava embasbacada, parecia descrente do que acabara de ouvir.
Era compreensível, em seu lugar eu também não acreditaria.
— Como assim já encontrou a noiva ideal, Felipe? Trata-se de alguma das
modelos que te apresentei?
Revirei os olhos, ligeiramente ofendido por ser considerado tão volúvel.
— Claro que não.
— Então quem é a felizarda? — Meu curto silêncio a fez quase subir pelas
paredes do escritório. — Vamos, Felipe! Conte-me logo de quem se trata. —
Bradou, remexendo-se na cadeira como uma adolescente.
— Antonella Botelho.
As sobrancelhas grossas, porém, definidas, se juntaram atrás dos óculos.
— Botelho. — Repetiu. — Se você a conheceu hoje, é alguém da confecção
Botelho, eu imagino. Bem, trata-se de uma empresa conceituada e com
bastante tempo de mercado, mas não é grande coisa. Então por que logo ela?
— Não estou interessado na empresa, e sim na garota. Que aliás, tem
exatamente o perfil que eu estava buscando.
— E eu posso saber que perfil é esse?
— Ela é corajosa e perspicaz. Me pareceu inteligente e é muito bonita.
Ótimos genes para meu futuro filho, não concorda?
— Eu não tenho que concordar ou discordar de nada, combinamos que a
escolha da noiva ficaria por sua conta. É claro que vou querer conhecê-la
antes de qualquer coisa e imagino que seu pai também.
Dei de ombros.
— Terão oportunidade para isso. Acertei com ela uma ida à Mondragón
amanhã de manhã. Vocês poderão conhecê-la.
— Perfeito.  Só esclareça um último item, por gentileza... — Tirou os óculos
e franziu novamente o cenho. — Como fez para que essa tal de Antonella
Botelho aceitasse se casar com você assim, tão facilmente?  — Indagou,
encarando-me com os olhos bem estreitados.
— Ainda não falamos sobre o casamento. — Assumi. — Mas estou quase
certo de que ela não objetará a proposta quando a fizer.
— E o que o faz pensar desta forma? Sendo ela uma moça de boa família,
imagino que não esteja disposta a se submeter a uma união pro formas.
— Não sei ainda o motivo, mas parecia desesperada para sair de uma
situação opressora. Eis meu trunfo.
— Oferecerá um passaporte para a liberdade, se, em troca, aceitar carregar
uma bagagem sua no ventre. — Afirmou, mostrando que me conhecia tão
bem quanto eu.
— Exatamente.
Não vi mais Antonella no evento. Apesar de procurá-la furtivamente o
tempo inteiro, mesmo enquanto discursava sobre o palanque. Depois de
correr os olhos por todos os rostos presentes, cheguei à conclusão de que ela
não estava mais ali. Entretanto, reconheci a mulher com a qual discutia mais
cedo e decidi me apresentar.
— Lembro-me do senhor. Esbarramo-nos há algumas horas, e peço
desculpas pela grosseria, não fazia ideia de quem era.
O tom cênico e cândido com o qual verbalizava me irritou. Em especial,
porque não era dessa maneira que ela falara com Antonella, ao contrário a
tratava com grosseria.
— Se soubesse faria alguma diferença? — Fechei os olhos por alguns
segundos, e inspirei por todo tempo que consegui. — Isso não importa,
gostaria de elogiá-la pelas ótimas roupas apresentadas por sua empresa esta
noite. Certamente ajudaram a destacar as joias exibidas pelas modelos.
— Não poderíamos fazer menos do que a Mondragón merece. — Virou a
cabeça para a esquerda e acenou para alguém. — Inclusive, eu gostaria de
apresentar minha filha, certamente reparou nela, era uma das modelos.
Meu peito inflou, e por um breve instante tive esperança de rever a linda
Antonella, antes do que esperava. A decepção veio a galope, quando uma
moça tão artificial quanto a mãe, surgiu na minha frente. Nos lábios pintados
de vermelho, um sorriso largo e um brilho malicioso cintilando no fundo dos
olhos.
— Sim, mamãe? — Respondeu sem desviar a atenção de mim.
— Já conhece o senhor Mondragón? — Enquanto acariciava o braço da
filha, a mulher mais velha também insistia em me fitar.
— Ainda não tive a honra.
As tentativas da garota em parecer mais charmosa e sensual, eram tão
explícitas, que me embrulhavam o estômago. Apesar de enojado, achei por
bem manter uma boa atmosfera. Afinal, as duas poderiam ter alguma
utilidade na concretização dos meus planos com a que, até então, parecia ser
a única mulher genuinamente bela daquela família. Apesar de alta e magra,
Sheila não se parecia com uma modelo. Tinha um rosto atípico demais para
meu gosto, e olhos esquisitos. Por mais que recorressem às artimanhas
cosméticas, nenhuma delas parecia capaz de conquistar um homem apenas
pela aparência. O completo oposto de Antonella, que fascinava num estalar
de dedos qualquer um que a visse. Não conseguia entender como as três
podiam ser parentes.
— Realmente essa sua filha eu não conhecia, mas a outra sim. — Estava
finalmente entrando no único ponto que me interessava naquela conversa
aborrecida.
— Outra?  — Visivelmente intrigada, Verônica ergueu uma sobrancelha.
— Sim, Antonella, uma moça muito gentil. — Uma risada sarcástica ecoou
entre nós e me irritou perceber que veio de Sheila.
— Essa moça não é filha da minha mãe, é apenas a enteada.
— Mas é como se fosse. A Ella é o bem mais precioso que meu falecido
marido me deixou. Eu a amo como amo a minha própria filha e não faço
nenhuma distinção entre elas.
Pela forma que a ouvi falar com a garota, tinha certeza de que estava
mentindo. Era óbvio que ela não nutria nenhum sentimento materno por
Antonella.
— Imagino que sim.  — Aceitei o cinismo das minhas interlocutoras.
— Mas nos diga senhor Mondragón... — A garota lançou um olhar rápido
para a mãe. — Onde conheceu minha irmã? Antonella não é muito dada a
eventos sociais, e isso me deixa curiosa em saber de onde é que vocês se
conhecem.
— Nos conhecemos aqui mesmo, um encontro breve e agradável. Inclusive
gostaria de conversar um pouco mais com ela, só não a encontrei.
— E nem poderia, minha filha foi para casa alguns minutos antes de
empreendermos essa conversa. Alegou dor de cabeça, embora na verdade, eu
ache que foi uma desculpa. Meninas tão jovens quanto ela, estão
acostumadas com festas bem diferentes desta.
Estava escancarado o empenho de Verônica em pintar uma imagem leviana e
irresponsável de Antonella, por sorte eu estava convencido do contrário.
— É uma pena. — Fui sincero ao dizer isso.
Precisei de apenas alguns minutos para dar fim àquela conversa indigesta, da
maneira mais diplomática possível. Apesar de não acreditar em nada do que
mãe e filha disseram, elas ainda poderiam ter serventia em algum momento.
O dever me obrigou a permanecer no local até que a última modelo
apresentasse a obra prima da coleção: um colar cravejado de brilhantes, com
um diamante rosa no centro. Todos acreditávamos que a joia seria adquirida
por uma boa parcela da elite universal, o que culminaria em um lucro
relevante para a Mondragón. Era importante para mim, realizar uma boa
gestão. Todos, inclusive meu pai, desacreditavam da minha habilidade
empresarial. Embora formado em economia na melhor universidade do país,
sempre fui visto como um jovem ordinário, que só era alguém pelo
sobrenome que carregava. Precisava provar o contrário. Tinha a necessidade
de mostrar ao mundo, e principalmente a mim mesmo, que era somente
Felipe.
A empresa não poderia estar em melhor situação. No pouco tempo que tinha
assumido a presidência da Mondragón, fiz grandes coisas que entrariam para
a história da firma. No momento, minha única preocupação era o casamento
e o herdeiro digno da família, que estava por vir. Ao pensar neste assunto,
Antonella voltou a estar em evidência em meus pensamentos. Não sei se por
instinto, ou se por qualquer outra coisa, sei que no momento que botei os
olhos na garota, tive certeza de que ela era a mulher ideal para ser minha
esposa. E ideia de fazer um filho nela era agradável, muito mais do que eu
imaginei que seria com essa esposa escolhida com o intuito de carregar meu
herdeiro. Há tempos não via uma mulher tão linda. A simples visão de
Antonella despertara o que havia de mais másculo e primitivo em mim.
Passeava suavemente entre a ingenuidade e a sensualidade. Enquanto seu
corpo parecia moldado para o deleite sexual, o rosto era doce e cândido.
Natural como uma rosa selvagem, ainda em seu ramo.
Nunca alguém me intrigou tanto quanto Antonella. Detinha em si a
expressão mais visceral da dualidade entre força e fraqueza. Pelo pouco
contato que tivemos, percebi o quão humana era. Se abalava quando a
machucavam, entretanto, dentro daquela singular criatura, havia uma
coragem que a fazia levantar a cabeça e seguir em frente,apesar de tudo. A
forma como enfrentou a madrasta me encantou, apesar do choro escondido
em sua voz, ela não foi fácil de abater. Saiu da discussão ferida, porém
inteira e vitoriosa.
Tudo que percebi em Antonella, me fez decidir tomá-la por esposa, e sempre
levo acabo minhas decisões.
Eu estava apavorada, afinal, o desconhecido é sempre o pior dos monstros.
Ao mesmo tempo, a euforia e a esperança reverberavam em todas as células
do meu corpo. Sentimentos trazidos por Felipe Mondragón.
Naquele momento, eu me sentia um náufrago que quando avistava um
navio no oceano, sentia a iminência da ajuda chegando. Ele queria, e
precisava embarcar, mas tinha medo de encontrar piratas que roubariam
tudo o que tinha. Só que se não possuía nada, que perigo corria? Que perigo
eu corria?
Desejava ir para o meu quarto, arrancar os sapatos e me jogar na cama. No
entanto, não podia fazer isso antes de falar com Marina. Ela mais do que
ninguém merecia saber o que tinha acontecido. Queria muito vê-la vibrar de
felicidade com a novidade. A encontrei na cozinha, sentada em uma das
banquetas da ilha, bebericando alguma coisa na costumeira canequinha
azul.
Aproximei-me sorrateiramente, e envolvi seus ombros num abraço terno.
— Oi, meu amor! — Minha saudação foi precedida por um beijo demorado
em sua bochecha rosada.
Marina se levantou e me abraçou.
— Que bom que chegou querida, eu estava apreensiva aqui. Precisei até de
um chazinho de camomila.
— Não tinha razão para isso
— Como assim? Dona Verônica não se aborreceu ao te ver lá?
— Sim, mas esse não foi o acontecimento mais relevante da noite. — Falei,
com um sorriso gigantesco nos lábios, o mesmo que preenchia meu interior.
— Felipe Mondragón, CEO de uma das maiores companhias do país, me
chamou para uma reunião na empresa dele amanhã às 9h00min.
Antes de eu concluir a fala, o sorriso de Marina emulava o meu. Entretanto,
ele se apagou de repente, e os olhos outrora radiantes, tornaram-se
nebulosos.
— Realmente me alegro com isso Antonella, mas não acha estranho um
convite desses, assim, sem mais nem menos?
— Bastante. Mesmo assim, não tenho nada a perder, ao contrário, posso
ganhar muito, por isso garanto, Marina, amanhã no horário marcado, estarei
na rede de joalherias e de mente aberta.
A noite anterior ao grande dia foi uma das mais longas da história.
Não escapei de mais uma das tenebrosas ameaças de Verônica, nem do
sorriso diabólico de Sheila enquanto assistia à crueldade da mãe.
— Escute bem Antonella: da próxima vez que me desobedecer, Marina
estará fora desta casa. Esteja certa de que farei o possível para me livrar de
você também.
Estas foram algumas das duras palavras vomitadas por Verônica durante
mais de meia hora. Se não fosse a calorosa expectativa pelo dia seguinte, eu
teria desabado em lágrimas. De certa forma, Felipe Mondragón me salvou
de mais uma crise depressiva.
Revirando na cama, os braços de Morfeu pareciam inalcançáveis para mim.
Eu não sabia o porquê, e estava cansada demais para procurar a razão, mas
a verdade é que a imagem do CEO não me saía da cabeça. Ele era o homem
mais bonito que já havia visto. Tinha uma presença forte e uma virilidade
que estremeceria qualquer mulher. Apesar de sempre ter me considerado
uma mulher frígida, não era imune a esse efeito.
Felipe Mondragón aflorava em mim um instinto lascivo que nem sabia que
possuía. Tudo nele me agradava como mulher: o corpo, o cheiro, a voz
grave e sensual. Ele era o paradigma da masculinidade e poder, era a
personificação de um sonho erótico. Foram necessárias horas de agonia e
um extremo cansaço mental para que a consciência finalmente me deixasse
e eu pudesse dormir.
O som estridente e irritante me obrigava a abrir os olhos, e por conta da
sonolência absurda que sentia, levei um tempo para perceber que o barulho
provinha do despertador. Tateei o dispositivo, localizado sobre a prateleira
de cabeceira, e o irritante som finalmente cessou.
Eram 7h00min da manhã, e infelizmente eu não teria os cinco minutos de
soneca que costumava ter. Pelo que tinha visto no "Google Maps", a sede da
Mondragón ficava há pouco mais de uma hora da minha casa.Então me
restava cerca de quarenta minutos de dianteira, ainda teria o desafio de sair
sem ser percebida por Verônica ou Sheila. A contragosto, livrei-me dos
lençóis, e plantei os pés no assoalho gelado. Acionei o interruptor, e meio
zonza, segui para o banheiro. Apesar de ter dormido pouco, me sentia
razoavelmente disposta, e não havia olheiras sob meus olhos. Não precisei
de muito tempo para optar por uma calça flare preta, e uma blusa rosa. Não
ter um armário farto tinha lá suas vantagens. Principalmente para os
atrasados.
Não prendi o cabelo; nos lábios, apenas um batom nude e um blush quase
imperceptível nas bochechas. Não estava deslumbrante, mas apresentável.
Pronta para encarar o grande CEO.
Por incrível que pareça, consegui sair sem maiores problemas e logo
cheguei à sede da Mondragón. A empresa era enorme, apesar de não
parecer um prédio empresarial. Era mais como um hotel de luxo, com
ladrilhos de cristal transparente cobrindo quase toda a fachada,
interrompidos apenas por janelas enormes, que praticamente se mesclavam
com eles.
Faltavam cinco minutos para as 9h00min, mesmo assim, hesitei em entrar.
Algo me travava. Era como se pedras pesadas estivessem atadas aos meus
pés, impedindo-me de seguir em frente. Inspirei e expirei várias vezes, para
finalmente conseguir adentrar o edifício.
Quatro seguranças guardavam as portas giratórias, que davam acesso ao
interior da empresa, mas Felipe Mondragón estava certo quando disse que
eu só precisava fornecer o meu nome para entrar. Assim que entrei, uma
elegante senhora, com cerca de quarenta anos, me escoltou por uma sala
elegante. Fui conduzida por ela até um elevador, e após chegarmos à
cobertura do prédio, recebi orientações para aguardar sentada em uma das
cinco poltronas de couro branco dispostas lado a lado, em uma requintada
sala de espera, que era completamente branca e cheirava a eucalipito. À
frente, havia um balcão de vidro transparente, e atrás dele, três mulheres
trajando uniformes sóbrios, teclavam em computadores ultramodernos. Me
surpreendeu o fato de não existirem objetos de decoração, exceto um
enorme lustre de cristal,  obstinadamente branco, pendurado no teto. Uma
jovem serviu-me um suco de laranja, e avisou que em poucos minutos eu
seria recebida pelo executivo. Foram os mais longos e tensos minutos da
minha vida.
A aflição manifestava-se fisicamente, através dos dedos trêmulos que
seguravam o copo. Um redemoinho me varria por dentro e quando parei em
frente à imensa porta branca, que dava acesso ao escritório do CEO, o
redemoinho transformou-se em tornado. Eu tremia por dentro, mas lutei
bravamente para não externar essa situação lastimável. Precisava estar
inteira, digna de credibilidade.
A mulher que me guiou até ali, colocou a mão sobre a enorme maçaneta e a
girou.
— Pode entrar, o senhor Mondragón a aguarda. — Disse gentilmente.
A porta estava ali, entreaberta, mas eu não conseguia transpô-la. Estava
apavorada, com o medo e a esperança digladiando dentro de mim.
Pensei em Marina, no quanto ela lutou por mim a vida toda. Nas
humilhações constantes que suportava, apenas para ficar ao meu lado,
cuidando de mim, me dando algum alento.
Por ela eu entrei na sala.
E por mim também.
Enredei os ombros com as mãos, para espantar a sensação gelada que me
tomou inesperadamente. Não me atrevi a olhar para frente, mantive a
cabeça baixa, enquanto o coração batia freneticamente no peito
Estar ali, era como entrar num universo paralelo.
Uma atmosfera quase sobrenatural pairava no ambiente e mesmo sem vê-lo,
era impossível permanecer alheia a poderosa presença do dono do lugar.
— Antonella. — Como ímãs, meus olhos foram imediatamente atraídos
pelo emissor do meu nome, que aliás, sussurrara em meus sonhos a noite
inteira.
Quando finalmente o vi, me dei conta de que não estava enganada. O
homem era absurdamente lindo. Na verdade, estava ainda mais bonito do
que na noite anterior.
O terno de corte perfeito, que usava em nosso primeiro encontro, não estava
mais ali, o que me permitia ver melhor a extensão de seu peitoral, através
da camisa social branca, que apesar de não ser justa, não conseguia ser
suficiente para esconder o imponente corpo masculino que guardava.
O curativo próximo a sua sobrancelha grossa e muito escura, me fez sentir
uma culpa dura de suportar. Era nítido que meu ataque havia deixado
marcas duradouras em seu rosto perfeito.
— Confesso que a esperava ansiosamente. — A declaração me afetou de
forma tal, que não pude conter o sorriso que brotou em meus lábios.
Com a destreza de um príncipe inglês, o CEO se levantou da enorme
poltrona preta. Transpôs a mesa espelhada branca, e caminhou
vagarosamente em minha direção, até parar há poucos centímetros de mim.
Seu perfume inebriante, de aroma desconhecido, invadiu minhas narinas e
tomou meu corpo por inteiro. Fazendo-me inclusive, ignorar o frio
exacerbado que fazia na sala.
— Pontual. Está aí mais uma coisa que me agrada em você.
Com uma intimidade que eu não sabia que existia entre nós, o homem
segurou em minha mão, e me fez caminhar até a cadeira que ficava em
frente à poltrona a qual ele estava sentado antes.
O toque me fez vibrar, mas quis acreditar que tinha sido um abalo sutil
demais para ser percebido.
Me sentei e Felipe fez o mesmo.
A grande mesa entre nós, nada fazia para conter o magnetismo que
imperava entre Felipe Mondragón e eu.
— Ainda não entendi a razão que o fez me chamar até aqui. — Falei pela
primeira vez, a voz ligeiramente falha.
O CEO mordeu o lábio inferior e inclinou a cabeça em minha direção. Não
pude deixar de notar como seus lábios eram cheios e carnudos.
— Gostaria de ser direto com você, mas presumo que sua reação não será
das mais favoráveis. — Os olhos negros, franzidos, me fitavam de maneira
intimidadora.
Calei-me, meus lábios eram incapazes de se moverem com aqueles olhos
predadores cravados no meu rosto. Me sentia como uma cobaia sendo
analisada por um ser de outro mundo, de outro plano espiritual.
— Bom... — Um sorriso maroto apareceu de repente em seus lábios. — Por
seu silêncio, presumo que posso seguir em frente. Talvez você saiba que fui
eleito CEO há pouco tempo, e isso implica em algumas obrigações.
Assenti com a cabeça, apesar de não compreender exatamente o que ele
estava dizendo, tampouco meu envolvimento em tudo aquilo.
— Dentre essas obrigações, está o casamento. E a geração de um herdeiro.
Pensei em você.
Uma descarga elétrica percorreu meu cérebro. Simplesmente não conseguia
juntar em frases que fizessem sentido as palavras que ele estava dizendo.
Precisei parar. Respirar. Continuar ouvindo, com a máxima calma possível,
o que ele estava dizendo.
— Talvez você não entenda, mas quando a escutei enfrentar sua madrasta
com tanta bravura, percebi que havia encontrado o que estava procurando...
— Inspirou demoradamente.  — Uma mãe para meu filho. — Aproximou
ainda mais seu rosto do meu, e naquele instante nossos lábios estavam tão
próximos que eu podia sentir o frescor de seu hálito. — E uma esposa para
mim.
Eu estava paralisada, com o cérebro dando voltas em qualquer lugar bem
longe da minha cabeça. Aos poucos, fui retomando a consciência e
assimilando de maneira ainda confusa o que ele tinha acabado de dizer. Se
não tivesse enlouquecido, Felipe Mondragón acabara de me pedir em
casamento. Deus, era isso mesmo, só podia ser.
Não dava para ver, só que tinha certeza de que meu rosto estava sem cor,
quase tão sem vida quanto minha consciência. Um silêncio constrangedor,
porém, necessário, imperou no tenso ambiente.
Felipe Mondragón e eu continuávamos na mesmíssima posição, frente a
frente, nos estudando como se pelejássemos em uma guerra fria. Enquanto
eu estava assustada e desorientada, o CEO não poderia se parecer mais com
o homem poderoso e inabalável que era. Permanecia estático, inerte em sua
pose predatória, sem mover uma única pestana ou músculo. Recorri a toda
força que havia em mim, e finalmente falei com uma firmeza que me
surpreendeu.
— Eu não sei o que está acontecendo aqui, não faço a menor ideia do que
passa por sua cabeça, mas de uma coisa tenho certeza... — Imitei seus olhos
apertados, tentando parecer tão intimidadora quanto ele. — É inacreditável
o fato de ter se tornado presidente da Mondragón, porque você é insano.
Como pode me fazer uma proposta dessas se mal me conhece? E o pior, o
que o fez acreditar que eu aceitaria?
Um sorriso irônico se formou em seu rosto, o que me irritou bastante.
— Gostei do pouco que conheci de você, considerei ideal. E perdoe-me,
mas deu para perceber que está desesperada para sair de uma situação
opressora. Posso te ajudar.
─– Claro, em troca de um casamento por conveniência. Um casamento
absurdo e que não vai acontecer.
Sem que estivesse esperando, uma mão poderosa circundou meu queixo, e
aliada ao gesto, uma voz grossa, porém quase tão baixa quanto um sussurro,
ajudou aferrar com as minhas defesas.
— O casamento não precisa ser de conveniência, Antonella. — A mão foi
escorregando devagar, sensual, passando pelo pescoço e estagnando no
primeiro botão da minha camisa. O mais perturbador, é que seu olhar
acompanhava o trajeto feito pela mão, e isso ativava todos os meus instintos
mais libertinos. — Você me agrada menina, agrada muito. — A mão
permanecia no mesmo lugar, e era impossível ele não perceber os
batimentos desenfreados do meu coração, e essa traição do meu corpo me
deixava furiosa e excitada ao mesmo tempo. — Sei que também te agrado,
um homem sempre sabe. Se eu fechar os olhos e inspirar com toda a
capacidade dos meus pulmões, posso sentir o cheiro do seu tesão, é um
cheiro delicioso e muito convidativo.
O devasso fez exatamente o que descreveu.  Fechou os olhos e inspirou. A
áurea voluptuosa estremeceu todo meu ser de dentro para fora. Eu estava
adorando aquele toque luxurioso. Era sublime fazer parte daquele jogo
comandado por um homem tão seguro de seu poder de sedução, de sua
capacidade de levar qualquer mulher à loucura, a total perdição.
Queria que aquilo continuasse, que o toque se tornasse ainda mais severo,
que os dedos compridos desprendessem a fileira de botões da minha blusa,
e que o espaço deixado pela roupa fosse preenchido por beijos e toques
íntimos.
Eu estava carente, frágil, precisando de afago. Pela primeira vez na vida
sentia vontade de fazer sexo.
Eu teria sucumbido àquele predador, teria sido dele em cima daquela mesa
mesmo, mas o pudor fazia parte da minha estrutura. Sem esse pudor e
respeito pelo meu corpo eu não seria mais eu. Tive forças para arrancar sua
mão da minha camisa e enfrentá-lo.
— Quando o conheci, achei que fosse um homem honrado, humilde, apesar
de se encontrar em uma posição tão favorável, mas já constato que estava
errada. Vejo que usa seu poder, e principalmente sua habilidade com
mulheres para ludibriar e satisfazer seus desejos. Mas, seja lá o que esteja
querendo comigo, garanto que não alcançará seu objetivo.
Felipe Mondragón se afastou, e recostou-se em sua poltrona.
— Não foi um blefe Antonella, realmente preciso me casar e gerar um
herdeiro com a máxima urgência. Preciso que ele esteja pronto para assumir
a cadeira de CEO quando chegar a minha hora de deixar o posto. — Disse
com um olhar sério e postura rígida.
Franzi o cenho, e senti a calma finalmente me reintegrar.
— Você acabou de assumir o cargo de CEO, já está pensando em deixá-lo?
─– Não, mas o tempo é implacável, e no mundo dos negócios é mais ainda.
Tudo precisa estar pronto no tempo certo e na hora certa. Foi assim com
meu avô, com meu pai, comigo e terá de ser assim com o próximo
presidente da empresa. Desta forma, garantimos que a companhia sempre
funcione como deve ser.
Eu conseguia compreendê-lo parcialmente, só não entendia minha
participação em tudo aquilo. O que ele estava falando era tão grande, que
simplesmente não combinava comigo, com a gata borralheira com
pouquíssimas ambições que eu era.
— Por que eu? — Questionei, envergonhada por me sentir tão pequena. —
Imagino que não faltem candidatas à altura de ser a mãe do futuro dono de
uma das maiores redes de joalherias do mundo. Então por que eu?
Antonella Botelho, uma infeliz órfã que há anos não sabe nem o que é
frequentar bons lugares, que está totalmente defasada nos conceitos de
etiqueta da atualidade.
— Porque você é real. Tem alma, tem espírito valente, tem coisas que
interessam ao mundo na cabeça. Você, Antonella, não é apenas mais um
corpo escultural envernizado com a boa educação, como as modelos que
tentaram me empurrar. Você é de verdade, entende?
As palavras de Felipe tocaram num ponto extremamente sensível em mim.
Minha autoestima. Fazia muito tempo que essa camada do meu ser estava
totalmente coberta por entulho e mais entulho de humilhações e ameaças.
Eu não me sentia merecedora de estar ali, defronte a um homem com tanta
coisa para dar ao mundo, defronte ao homem que era dono de si, enquanto
eu, perambulava pela vida com os pés presos a correntes tão pesadas, que
me puxavam gradativamente para o abismo. Era impressionante como o
clima dantes erótico, tornou-se pesado e reflexivo de um instante para o
outro. Nenhum resquício daquela sensualidade estava mais ali, restavam
apenas duas pessoas em uma conversa realmente séria. Claro, ainda havia
certa tensão sexual no ar, mas era irrelevante no momento.
— Senhor Mondragón não posso aceitar sua proposta, mesmo sendo muito
atraente, na minha cabeça, seria o mesmo que me tornar uma prostituta,
uma cópia de Verônica.
— Não, estaria finalmente fazendo algo por si mesma, estaria rompendo
uma história que visivelmente te machuca.
Eu não sabia o que pensar em relação ao que ele dizia. Um lado de mim
sabia que ele estava certo, eu precisava me libertar, ser livre era um direito
que eu tinha, mas por outro lado sentia medo, muito medo dessa liberdade,
até porque essa liberdade viria com uma aliança no dedo e um bebê no
ventre. Eu não estava pronta para isso, não podia assumir uma
responsabilidade tão grande naquele momento, por essa razão, me levantei
da cadeira e recusei de uma vez por todas a proposta do CEO.
Até chegar à porta não ouvi um único ruído, nem mesmo a respiração do
todo poderoso. Contudo, antes mesmo de girar a maçaneta, meu nome foi
bradado em alto e bom som, o que fez com que eu me virasse bruscamente.
Vi Felipe Mondragón caminhando em minha direção. Andava depressa e
com os olhos cravados em mim. Quanto mais ele se aproximava, mais meu
coração ameaçava sair pela boca. E antes que isso acontecesse, o CEO
parou diante de mim, me entregou um pequeno cartão prateado e falou:
— Se até o fim deste dia você mudar de ideia, telefone-me e resolveremos
as coisas o mais rápido possível. Faremos isso sem burocracia e sem alarde.
Mesmo tendo certeza de que nada me faria voltar atrás, algo me compeliu a
tomar o cartão nas mãos.
Antes de ir embora, olhei no fundo dos olhos que tanto me atormentavam, e
com uma fisgada no peito, proferi:
— Adeus, Felipe Mondragón.
— Até breve, Antonella Botelho. — Retribuiu.
Era óbvio que o CEO estava certo de que nos veríamos de novo, e embora
eu tivesse plena convicção de que não aconteceria, em meu íntimo desejava
isso loucamente. O caminho de volta para casa foi mais rápido do que o de
ida, provavelmente por não haver mais o adendo da expectativa. Eu já sabia
o que o homem queria de mim, afinal. Por um lado, estava decepcionada
por não ter recebido uma proposta de emprego, mas por outro, me sentia
como uma Cinderela que havia conseguido atrair a atenção do príncipe.
Não podia negar que isso me deixava com o ego infladíssimo.
Depois de tanto tempo me sentindo o ser mais miserável do mundo eu
finalmente havia sido notada por alguém e não era qualquer um. Era um dos
homens mais poderosos do mundo e muito, além disso, também estava
muito próximo de ser a criatura humana mais perfeita do planeta. Felipe
Mondragón, era simplesmente de tirar o fôlego.
Ele era um sonho, um espécime do sexo masculino. Se parecia muito com a
imagem que eu tinha de Narciso, um personagem da Mitologia Grega, que
era excepcionalmente bonito. Tanto, que se apaixonou pela própria imagem
refletida nas águas de um lago. O personagem era arrogante e orgulhoso.
Felipe não me parecia esse tipo de pessoa, apesar da proposta que me fez.
O CEO era alto e grande, dono de braços tão compridos e musculosos, que
me convidavam a me aninhar neles. Realmente não sei como fui capaz de
resistir a sua proximidade. Tudo nele parecia uma fonte inesgotável de
prazer. Não conseguia desviar o pensamento de Felipe Mondragón, não
parava de pensar nele nem na proposta que me fizera.
E se eu aceitasse?
Se me casasse com ele?
Se lhe desse um filho?
— Está tudo bem, senhorita? — A pergunta feita pelo motorista do Uber
arrancou-me abruptamente dos meus delírios.
— Sim, sim. Só estou com um pouco de dor de cabeça, obrigada por
perguntar.
Depois dessa interrupção, meus pensamentos tornaram a se concentrar
inteiramente em Felipe Mondragón. Era impossível não pensar em como ele
era dolorosamente bonito. Permaneci com o cartão nas mãos o tempo todo.
O simples fato de ler o nome dele ali, mexia comigo. Era um lembrete de
que tudo era real e não um holograma formulado por minha mente sedenta
de fantasias.
Cheguei em casa ainda abalada pelo que acabara de acontecer. Tinha vivido
uma experiência surreal demais.
Entrar naquela casa, naquele inferno em terra, me fez cogitar aceitar a
proposta, foi apenas por um breve momento, mas isso logo passou. Eu não
aceitaria, era absurdo e estúpido sequer pensar nisso.
Felizmente não encontrei nenhuma das bruxas. Corri até a cozinha, estava
ansiosa para contar a Marina o que tinha acontecido, mas ela não estava lá,
então fui até seu quarto, e o cenário que vi lá, foi assombroso.
A pequena cama da minha preceptora estava coberta por roupas, tinha duas
malas no chão. Chorando, Marina retirava mais algumas roupas do armário
e as jogava sobre o colchão.
— O que está acontecendo, Marina? — Questionei, em tom extremamente
agudo, pois já previa que algo terrível havia ocorrido.
Sem responder, Marina parou o que estava fazendo, veio até mim e
prendeu-me em um abraço muito forte. O desespero começava a se
instaurar em mim. Meu maior pesadelo tinha se concretizado, eu tinha
certeza disso.
— Verônica me expulsou de casa, meu amor. — Em prantos, proferiu a
horrenda frase que eu tanto temia escutar.
Me senti sem uma gota de sangue no rosto, e só não fui ao chão porque os
braços de Marina me circundavam.
— Como assim essa mulher te expulsou de casa? Por quê?
Desvencilhou-se de mim e secou as lágrimas com as costas das mãos.
— Isso não vem ao caso, querida.
— Claro que vem. Me diga agora porque essa desgraçada fez isso. Agora,
Marina!
Ela ainda titubeou em responder, mas insisti e consegui arrancar a verdade
por trás de tudo aquilo.
— Ela me ouviu falar com você ao telefone enquanto estava a caminho da
joalheria e ficou fora de si. Me acusou de acobertar suas armadilhas contra
ela, me xingou de tudo quanto foi nome e ordenou que eu saísse desta casa
hoje mesmo.
— Não, não. Isso não vai acontecer, a casa também é minha.
— Você sabe que as coisas não são assim, meu amor.
Eu inspirava e passava as mãos pelo rosto demoradas e várias vezes.
— Onde Verônica está?
Com lavas de vulcão correndo por minha cabeça e desaguando nos olhos,
disparei para a área da piscina e encontrei Verônica e Sheila deitadas nas
espreguiçadeiras, curtindo a vida como se não tivessem destroçado todo o
meu mundo.
— Verônica! — Vociferei tão alto que mãe e filha levantaram das
espreguiçadeiras em um salto.
— O que é isso garota? Ficou louca? — O rosto de minha odiosa madrasta
estava vermelho e não era pelas horas que havia passado à beira da piscina.
— Com que direito mandou Marina deixar essa casa?
A feição debochada não se alterou quando os óculos escuros deixaram a
face.
— Com o direito que me cabe como proprietária do imóvel. — A expressão
de escárnio de Verônica arrebentava-me os nervos.
— Você esquece que essa casa também é minha.
— Mas não é por isso que pode hospedar uma ladra.
— Ladra? Do que você está falando? Marina não é nenhuma ladra, sua
louca.
— Sei que não, só que não terei muito trabalho em convencer a polícia do
contrário.
— Posso alegar que a vi roubar uma joia de mamãe por exemplo. —
Intrometeu-se Sheila.
Queria matá-las. Pela primeira vez na vida, realmente me senti capaz de
cometer um crime.  Não entrava na minha cabeça como alguém podia
pensar em um plano tão maquiavélico contra uma pessoa como Marina, que
só trazia luz e paz. Ela era meu ponto fraco, e ao mesmo tempo a fonte de
toda a minha força. Apenas ela me impedia de sucumbir a todos os golpes
que vinham em minha direção. Por isso, ameaçar prejudicá-la de qualquer
forma, era a única coisa que me desarmava. Infelizmente, minhas inimigas
sabiam disso muito bem, e usavam dessa artimanha o tempo inteiro para me
ter nas mãos.
— Tudo bem, vocês finalmente ganharam a luta. — Um par de traiçoeiras
lágrimas escorreu dos meus olhos. — Marina e eu sairemos desta casa. –
Engoli o choro e me aproximei de minha adversária. Foi fácil lembrar da
forma como Felipe Mondragón me fitava e encarei Verônica da mesma
maneira. — Mas uma coisa garanto a você... — Havia longos intervalos
entre as palavras, todavia, estas soavam tão firmes quanto eu precisava que
fossem. – Um dia serão vocês que deixarão essa casa, e pela porta dos
fundos.
Sem dar tempo para retaliações, deixei o lugar.
Enquanto marchava para longe das duas serpentes, podia ouvi-las berrar
histericamente. Mas estava concentrada demais em outra coisa para
compreender o que diziam. Quando cheguei ao modesto quarto de Marina,
a encontrei de pé e ao lado de suas malas. Nos olhos a mesma tristeza de
quando me informou sobre a morte do meu pai.
— Eu já vou minha menina, não quero que se preocupe comigo. Conversei
com uma amiga e ela disse que me acolherá em sua casa. Vou ficar bem.
Cobri suas mãos com as minhas e disse:
— Sairemos daqui juntas. Mas primeiro quero pedir que se tranque no
quarto e me espere por algumas horas. Vou resolver nossa situação.
Sua testa enrugou.
— Como assim? O que pretende fazer?
Preferi não contar a ela dos meus planos até ter certeza de que dariam certo.
— Por enquanto não posso dizer. Mas preciso que confie em mim, darei um
jeito no problema e ficaremos melhor do que antes.
— Sempre confiei em você, menina.
Meu coração se aqueceu. Era reconfortante saber que alguém confiava em
mim. Que Marina confiava em mim. Se tudo desse errado, eu a teria, e ela
cuidaria de mim como fez a vida toda. Meu livre arbítrio havia sido
despedaçado pela demissão de Marina.
Eu não tinha escolha senão aceitar a oferta do CEO, e ainda precisava torcer
para que ela fosse séria.
Não me dei tempo para pensar e mudar de ideia.
Fechei a porta do meu quarto, peguei o celular e disquei o número escrito
em letras pequenas no cartão prateado. Depois que a chamada foi atendida
pela voz grossa e sensual, que eu já conhecia muito bem, precisei de dois
segundos para conseguir falar.
— Oi, aqui quem fala é Antonella Botelho.
Ouvi um suspiro delicioso do outro lado da linha. Um suspiro que me fez
esquecer por uma fração de segundo, o motivo da ligação e em quais
condições ela foi feita.
— Reconheci sua voz. Se me ligou tão rápido imagino que tenha
reconsiderado sua decisão de não aceitar minha proposta. — Havia um
sorriso de vitória velado em sua voz.
Ele estava certo, eu havia trocado de posição. As circunstâncias me
obrigaram a reconsiderar. Mas por vergonha, hesitei em responder por um
tempo.
— Se o senhor falou sério sobre o casamento, eu aceito, mas preciso de
ajuda com urgência. — Falei tudo sem pensar, se pensasse, não teria falado
nada, pois o acovardamento teria vedado meus lábios
— O que aconteceu? — Em sua voz notei uma legítima preocupação
comigo e foi isso que me fez continuar.
— Não tenho mais onde morar, eu e minha babá fomos expulsas de casa e
não temos nenhum dinheiro.
— Não entendo como foi possível, mas isso pouco importa. Se aprontem o
quanto antes, em meia hora meu motorista passará para buscá-las e então
conversaremos pessoalmente.
— Você não tem meu endereço.
— Tenho sim. — Falou como se não fosse nada.
— Como?
— Apenas esteja pronta, Antonella.
Sem me dar tempo de pedir explicações, encerrou a ligação.
Não entendia como Felipe Mondragón sabia tantas coisas sobre mim. Claro,
ele era poderoso demais, e tinha meios para saber até o RG de quem lhe
conviesse. Mas havíamos nos conhecido na noite anterior, não sabia que sua
influência podia agir tão rapidamente.
Realmente, eu tinha muito o que aprender, ainda mais se fosse de fato entrar
para aquele mundo.
O mundo de Felipe Mondragón, que era o oposto do pequeno universo da
gata borralheira em que eu vivia.
Fiz exatamente o que o ele ordenou, sem perder nenhum segundo. Liguei
para Marina, e pedi que permanecesse em seu quarto, avisei que sairíamos
em breve. Em tempo recorde, organizei todas as minhas coisas em duas
grandes malas pretas, depois corri para o toalete e me preparei para
reencontrar o presidente da rede de joalherias. Estava nervosa e tinha razões
para isso. Felipe Mondragón era intimidador e direto. Não sabia o que me
esperava quando o encontrasse. Falou sério quanto ao casamento, mas eu
não entendia porque eu, quando ele tinha tantas opções melhores.
Tinha ciência da atração dele por mim, o agradava como mulher e ele
mesmo dissera isso. Mas não era motivo suficiente para me escolher como
esposa. Sei que estava presente enquanto discutia com Verônica, talvez
tenha confundido minha bebedeira com coragem. Talvez tivesse julgado
que eu seria a mulher perfeita para gerar um menino forte e digno de
assumir a cadeira de presidente de uma das mais lucrativas corporações do
continente. Eu precisava dissuadi-los desse conceito, só que não estava
pronta para isso. O principal e mais agonizante: não queria isso.
Desejava profundamente que o ele continuasse me considerando uma
mulher guerreira, à altura dele. Mas como conseguir isso? Como me passar
por alguém que não era, estando tão perto da pessoa que pretendia
ludibriar?
Poucos minutos depois do telefonema, já estava com quase tudo
empacotado, exceto um presente muito especial, que Marina havia me dado
em meu aniversário de dezoito anos.
Tomei banho, olhei para a cama e analisei, receosa, o que havia sobre ela.
Fitei o vestido vermelho extremamente sexy, e considerei que seria uma boa
estreá-lo agora. Com ele, me sentiria minimamente parecida com as
beldades com as quais Felipe Mondragón certamente costumava andar. Era
realmente sensual, mas passava longe da vulgaridade, afinal, fora presente
de Marina. E ela nunca me daria algo que me fizesse parecer com mais uma
das garotas que perambulavam acenando, pelas estradas da cidade. Cheia de
coragem, coloquei-me diante do grande espelho pendurado na parede do
quarto que fora meu durante toda a minha vida e agora deixaria de ser.
Desfiz o nó do roupão, e deixei que a peça úmida caísse sobre meus pés,
apanhei o vestido, e sem pressa fui percebendo o tecido delicado se
ajustando às minhas curvas.
Lembrei do olhar ardoroso do CEO sobre mim, e de repente me senti
protagonista de um filme adulto. Tomada por um repentino despudor, passei
a acariciar todo o meu corpo, a começar pela parte do seio, exposta pelo
decote generoso. Depois deslizei a mão até a cintura, e terminei simulando
tocar meu sexo, já coberto pelo vestido que, aliás, terminava à três ou
quatro palmos dali.
Algumas horas antes, gostaria que Felipe me visse como uma mulher séria,
digna de um emprego na empresa. Mas como já conhecia suas intenções,
agora queria que ele queimasse como eu estava queimando.
Ansiedade era um solo que eu desconhecia, sempre tive tudo sob controle.
Mentes brilhantes e mãos hábeis, sobretudo as minhas, garantiam que tudo
corresse exatamente como deveria correr. Contudo, Antonella Botelho era
curva fora da linha, um acidente de percurso. Um delicioso acidente de
percurso. Depois de nossa conversa, fiquei certo de que ela recusaria minha
proposta. Poucas horas depois de sair da minha sala disposta a nunca mais
me ver, ligou aceitando, e dizendo que precisava da minha ajuda. E agora
estava vindo ao meu encontro, naquele exato momento.
Eu realmente não sabia o que esperar dela.
O pior era que não sabia o que esperar nem de mim mesmo. Alguma coisa
naquela garota me atraía muito. E não era apenas a sua beleza. Tinha algo a
mais. Por mais que tentasse, era impossível parar de pensar em seus lábios
delicados e rosados, como uma deliciosa framboesa. Queria prová-los,
tomá-los em minha boca com toda a fome que sentia dela. Mais do que isso,
ansiava deslizar os lábios pelo pescoço alvo. E, principalmente, saborear o
fruto proibido entre suas pernas, marcando-a assim por minha.
Tudo isso teria que esperar. Primeiro precisava de um sim para o
casamento, e outro sim para fodê-la como queria. Só não sabia o que faria
enquanto essa bendita aprovação não fosse dada. Tinha certeza de que
outras bocetas de nada serviriam, muito menos a autossatisfação. Eu
precisava de Antonella, só ela podia apagar o fogo que me incinerava de
dentro para fora. Eu estava agoniado, perturbado mesmo. Carlos, meu
motorista, me ligou e disse que chegariam em vinte minutos, mas pareciam
vinte anos.
Transitava sem parar, pela enorme sala. Ora fitando o lustre pendurado no
teto, ora sentando e levantando do sofá branco, grande demais até para dez
pessoas. Meus nervos estavam à flor da pele, mal podia esperar pela
chegada de Antonella. Parecia uma criança a espera do seu presente de
natal.
— O senhor está bem? — A voz suave de Julia me fez levantar novamente
do sofá.
— Estou. Obrigado por perguntar.  — Menti.
Apesar da minha garantia, a mulher desceu os degraus da escada caracol
com uma bandeja nas mãos.
— Tomei a liberdade de preparar um chazinho de camomila, espero que não
se importe.
Mesmo experimentando um nervosismo absolutamente novo, esbocei um
sorriso gentil à doce senhora, e tomei a caneca nas mãos.
— Claro que não, até agradeço. — Falei gentilmente.
— Que bom, voltarei aos meus afazeres, então. Se o senhor precisar de
alguma coisa é só chamar.
— Fique tranquila, Julia, estou bem. Preciso apenas que peça a Pietro para
se esmerar no almoço. Teremos convidadas. — Desejava profundamente
que Antonella se sentisse bem em minha casa, e que até mesmo a comida a
encantasse.
Julia se retirou da sala com a mesma discrição com a qual chegou, e
demorei para perceber que estava sozinho novamente. Não entendia porque
a aprovação de Antonella me importava tanto, afinal, tudo que eu queria
dela era um herdeiro. Ao menos era nisso que insistia em fazer com que
todo o mundo acreditasse, apesar de eu mesmo saber que minhas intenções
iam muito além disso. A garota me atraía sexualmente, essa já era uma
questão selada. Mas havia outras coisas que me interessavam nela. E isso
era o que me intrigava.
Já tinha percebido que era oprimida pela madrasta, maltratada mesmo, o
que aflorava em mim o instinto de proteger alguém, que até então não sabia
que possuía. Até aquele momento, não conseguia compreender porque
recusara minha proposta logo de cara. Casar-se comigo e tornar-se mãe de
um bebê bilionário, parecia um destino muito mais apetitoso do que o que
estava predestinada.
Aquela garota era realmente intrigante, e eu faria até o impossível para
conhecer todas as suas nuances.
Num acesso, me levantei do sofá e caminhei até a grande porta de vidro,
quando ouvi o portão da propriedade abrir e o barulho de motores. Me
sentia ridículo ali, em pé, esperando a entrada de Antonella, mas não podia
ser diferente. Era como se meus pés estivessem colados naquele lugar.
Pela transparência da porta, pude ver a ladra dos meus pensamentos antes
mesmo que as travas automáticas se abrissem. Estava deliciosamente sexy,
muito diferente da Cinderela de contos de fadas que conheci na festa, e
mais ainda da pseudo mulher de negócios que havia ido ao meu escritório
horas antes. Era uma mulher, uma “Femme fatale”, capaz de virar pelo
avesso a cabeça de qualquer homem. E com a minha não foi diferente.
Usava um vestido vermelho à altura dos joelhos, que acentuava suas curvas
naturalmente delineadas. O cabelo loiro e cacheado, estava rebelde, o que a
deixava ainda mais deslumbrante.
Julia tornou a aparecer, e abriu a porta, o que me permitiu não só
contemplar a beleza de Antonella com mais nitidez, mas também me
esbaldar com o maravilhoso aroma floral que ela exalava.
— Senhor Mondragón. — Disse baixinho, os olhos azuis fixados em mim.
— Antonella. — Retribui, também sem conseguir desviar o olhar daquele
rosto delicado e que refletia uma expressão acanhada.
— Gostaria de lhe apresentar... Esta é Marina, minha preceptora.
A senhora tinha nos lábios o sorriso mais maternal e angelical que vi em
muito tempo. Era um espírito afim, sem sombra de dúvidas. O tipo de
pessoa com quem nos conectamos logo no primeiro olhar.
— Muito prazer, sou Felipe Mondragón.  — Saudei, beijando em seguida
sua mão.
— Desculpe aparecermos tão de repente, mas é que as coisas tomaram um
rumo extremo, e como o senhor...
Olhei para a bela mulher, com um sorriso que certamente expressava toda
minha satisfação em vê-la novamente.
— Depois falamos sobre isso. Por enquanto, pedirei para alguns
empregados acomodarem seus pertences nas suítes.
Olhos alargados e lábios entreabertos denunciavam a surpresa da moça.
— Pernoitaremos aqui? — Indagou, assustada.
— Se preferirem, posso instalá-las em algum hotel.
A ideia não me agradava. Absolutamente. O que mais queria era ter
Antonella dormindo sob meu teto o mais rápido possível, mas sabia que não
podia pressioná-la. Tinha que deixá-la livre. Ao menos naquele momento os
acontecimentos não podiam se desenrolar ao meu bel-prazer.
— De forma alguma. A última coisa que quero é lhe dar mais esse trabalho,
ficamos aqui mesmo. — Alegrei-me, mas não demonstrei. — Só que antes
temos uma conversa pendente. Acho que há um assunto entre nós que
precisa ser colocado em pratos limpos o mais rápido possível.
— Você tem razão. — Olhei para Júlia, que já estava novamente na sala, à
minha disposição. — Por favor, conduza a senhora Marina até um quarto de
hóspedes, depois peça para um segurança carregar as malas. — Dirigi-me à
funcionária.
Instantes depois, Antonella e eu estávamos sozinhos.
Um de frente para o outro.
Tensos.
—Conversamos aqui ou prefere ir ao meu escritório?
— Prefiro falar no seu escritório.
Queria segurar em sua mão e levá-la ao escritório, mas não me atrevi. Tocar
em sua pele desmontaria meu controle, então apenas pedi que me
acompanhasse. Os olhares entre nós foram constantes no breve caminho até
o escritório, que ficava ainda naquele andar.
Mas o silêncio se fez presente o tempo todo. Era um silêncio ensurdecedor.
Havia uma névoa, uma energia sexual, e até astral, que pairava no ambiente.
Tenho certeza que isso era sentido por Antonella também. Entramos no
cômodo, e o aroma de eucalipto ousou atropelar o outro perfume que
preenchia minhas narinas. O perfume dela.
Convidei Antonella a se sentar na cadeira que ficava à frente da mesa
relativamente grande, e fiz o mesmo na outra. Durante algum tempo apenas
nos encaramos.
Emudecidos.
Estudando cautelosamente as expressões um do outro.
Até que Antonella, com uma voz aguda e apressada disparou:
— Essa história de casamento é mesmo pra valer? Por que tenho muitas
dúvidas em relação a isso... E pouca fé também.
— É a mais pura verdade. Há alguns dias me reuni com os executivos da
empresa e concluímos que seria conveniente que eu me casasse para que
dessa união nascesse um Mondragón legítimo. Ficou acordado que eu
escolheria uma esposa. E eu escolhi você.
— Por que eu?
— Já respondi a essa pergunta.
O rosto alvo, assumiu de repente um lindo tom rosado.
— Bom... — Abaixou os olhos. — Teremos que fazer sexo, imagino.
— Preciso de um filho, e não acho muito interessante essa coisa de
inseminação artificial. — Atrevi-me a erguer seu rosto e fazê-la olhar nos
meus olhos. — Mas não se preocupe, o sexo acontecerá no seu tempo. Sei
que você já quer, só está com medo. — Falei presunçoso, mas sem o sorriso
que gostaria de ter nos lábios.
— Não conseguirei evitar me sentir uma prostituta. — Disse ela
constrangida.
— Você não será uma prostituta, será minha esposa.
Levantei-me abruptamente, e caminhei até ela, dando-lhe a volta assim que
cheguei a sua cadeira. Coloquei as mãos nos ombros desnudos, sentindo a
pele macia estremecer com o toque inesperado.
Inclinei-me levemente e sussurrei ao pé do seu ouvido:
— Quando minhas mãos desbravarem seu corpo nu e minha língua estiver
mergulhada no canto mais desejado do seu corpo, garanto que não pensará
em nada. Seus pudores desaparecerão, e só haverá espaço para o imenso
prazer que sentirá.
— Felipe...
Enquanto ela sussurrava meu nome, percebi suas coxas se friccionarem, e a
tensão em seus ombros, outrora gritante, desaparecer completamente.
Meu desejo por Antonella era inteiramente recíproco.
Ela me desejava dentro de seu corpo, e eu estava alucinado por conhecer
seu ponto mais íntimo, mais cobiçado por todos os olhos masculinos que já
tiveram a honra de contemplá-la. Um casamento com ela, definitivamente
não seria de fachada, pois eu faria tudo para adentrar em seu corpo e alma
todas as noites.
Obrigando-me a me adaptar à ausência de pele macia e quente sob minhas
mãos, Antonella levantou-se num rompante, e me mirou com seus
arrebatadores olhos azuis.
— Se este casamento ocorrer de fato, precisaremos estabelecer algumas
coisas.
Assenti com a cabeça.
— Claro, quanto a isso não tem com que se preocupar, meus advogados
tratarão de elaborar um contrato bem abrangente e conveniente para ambas
as partes. — Dei três ou quatro passos em sua direção. —Mas o mais
importante você ainda não respondeu claramente: Aceita ou não, se casar
comigo? — Questionei, levantando seu queixo para que respondesse
olhando nos meus olhos.
— Em minha atual situação, dizer não seria um ato suicida. — Informou, de
um jeito que me cortou o coração. — Então sim, eu aceito.
Por sua hesitação, me sentiria um canalha por insistir no casamento, mas a
forma como vibrava enquanto tocava seus ombros segundos antes,
tranquilizou-me.
Inclinei-me com intenção de beijá-la, mas ela se afastou, deixando-me
extremamente frustrado.
— Nada de demonstrações afetuosas antes do casamento, CEO. Até lá,
Marina e eu ficaremos em sua casa apenas como hóspedes.
— Como quiser. — Disse, disfarçando minha indignação por não poder
possuí-la sobre a mesa do escritório naquele mesmo instante.
Permaneci no escritório por algumas horas. Julia informou-me que
Antonella e Marina já estavam devidamente instaladas, e isso me deu a
certeza de que a pequena travessa não fugiria de mim na calada da noite. Eu
a queria por perto, por isso garanti que sua suíte fosse ao lado da minha.
Desta forma, seria mais fácil que fossemos atraídos pelo magnetismo do
tesão que se fortificava cada vez mais entre nós. Mesmo que ela tentasse
negar.
Não adiei a ligação ao principal advogado da Mondragón. Pedi a ele que
elaborasse o contrato pré-nupcial e que desse um jeito para que o casamento
ocorresse o mais breve possível.
Algumas horas depois, Antonella, Marina e eu nos reunimos na sala de
jantar para o almoço. Fiquei surpreso com o vislumbre das duas em relação
ao lugar, imaginava que vivessem em condições minimamente parecidas
com as minhas. Mas vi suas bocas se abrirem ao verem a enorme mesa de
jantar feita de madeira laminada, circundada por dez enormes poltronas,
cujos assentos eram revestidos por veludo azul. Tive a impressão de que
nunca tinham visto nada parecido, mas não fiz comentários sobre isso, nem
elas.
Após saborearmos o salmão ao molho de pimenta rosa, que Pierre havia
preparado, ainda permanecemos na mesa por muito tempo, mesmo depois
de terminarmos de degustar um delicioso cafezinho italiano. O estranho, era
que mesmo meu pai comparecendo à minha casa uma vez por semana, e
fazendo as refeições comigo, aquela foi a primeira vez que me senti em
família. Conversamos muito, e pouco falamos sobre o casamento.
Estávamos mais interessados em saber um da vida do outro, principalmente
eu, que queria reunir todas as informações que podia sobre Antonella. Me
agradou saber que ela havia sido criada por Marina, sequer podia imaginar a
menina sob os cuidados de Verônica, já que para mim, aquela mulher era
uma verdadeira megera.
Depois de uma taça de licor, Marina se retirou para seu quarto, deixando
Antonella e eu sozinhos. Olhá-la sentada do outro lado da mesa, aquecia
meu coração, era como vislumbrar o nosso futuro. Já a imaginava como
dona da casa.
— Nos casaremos dentro de quinze dias. — Rompi o silêncio que havia se
instalado na sala.
— Tão rápido?
Dei de ombros.
— Não vejo razão para esperarmos mais. Se não se importar, amanhã
mesmo faremos os exames de fertilidade e de sangue, para descartamos a
possibilidade de algum de nós portar alguma DST.
— Tenho certeza que não estou contaminada com nenhuma doença
sexualmente transmissível. —Afirmou. — Mas concordo com o senhor, não
vejo problemas em fazer os exames amanhã.
— Por favor, a partir de hoje me chame de você, afinal, somos noivos agora
e não faz nenhum sentido continuarmos nos tratando formalmente. Aliás,
tenho algo a te entregar.
Meu coração vibrou quando Felipe tirou uma pequena caixa vermelha do
bolso de sua elegante camisa polo azul marinho. Eu sabia que nada daquilo
era real, era uma farsa, um casamento por conveniência. Mas me
emocionou vê-lo levantar da cadeira e caminhar na minha direção.
— Bem, mas bem lá no fundo mesmo, sempre sonhei em fazer isso. —
Sorria enquanto falava
Segurando em minha mão, Felipe me levantou da cadeira. E quando eu já
estava de pé, ajoelhou-se diante de mim, abriu a caixa e proferiu as palavras
que a Cinderela que habitava em mim sempre sonhou em ouvir.
— Antonella Botelho, você aceita se casar comigo?
Não sei se por desejar muito isso, mas senti em sua voz máscula, a mesma
emoção que transbordava no meu peito.
Mal podia acreditar que o impossível estava acontecendo.
Deus, eu estava sendo pedida em casamento!  E o mais louco era que o
pedido era feito por um verdadeiro príncipe encantado.
— Sim, eu aceito. — Não consegui evitar o tremor na voz, nem a formação
de uma gota de lágrimas que felizmente se manteve retida na pupila.
O CEO então tirou um deslumbrante anel da caixinha, e o colocou em meu
dedo, coube como se tivesse sido moldado para mim. Naquele momento,
não dediquei muita atenção à joia, preferi fitar os olhos nas íris negras, que
me observavam como se eu fosse muito mais valiosa do que aquele anel.
— Ele está há várias gerações na minha família, pertenceu a minha mãe, e
antes dela a minha avó e bisavó. — Seu sorriso aumentou. — Nunca
imaginei que o colocaria no dedo de alguém algum dia, mas me alegro que
tenha sido no seu.
— Nossa. — Expirei e mordi o lábio inferior. — Me sinto muito lisonjeada
com isso.
— Talvez não acredite, mas realmente gosto de você, e a admiro muito
também. Não sei porque, mas acredito que formaremos um bonito casal, e
talvez este casamento seja mais do que um acordo no final das contas.
Ainda não sabia o que pensar dele, estava muito longe de conhecê-lo.
Desejava profundamente acreditar em suas palavras, que existia alguma
possibilidade de o teatro migrar para realidade. Mas não podia garantir ou
confiar em nada.
Passei boa parte da tarde trancada na suíte que me fora cedida, nem o quarto
que era dos meus pais e fora usurpado por Verônica, podia se comparar
aquilo. Dentro daquele cômodo, era impossível esquecer que estava na casa
de um magnata. Sentei-me na gigantesca cama coberta por lençóis de seda
cor de creme, e tentei me concentrar na belíssima vista do jardim da
mansão, proporcionada pela janela de pelo menos cinco metros de largura.
Contudo, a verdade era que não conseguia pensar em nada além de como a
minha vida tinha mudado, literalmente, do dia para a noite. Há menos de
vinte e quatro horas, limpava o banheiro de minha irmã, e como num passe
de mágica, passei a ser hospede numa casa estonteante. Prestes a me casar
com um dos homens mais bonitos, gentis e ricos do mundo.
O que diabos eu havia feito para chamar a atenção do partido mais cobiçado
do país?
Não conseguia entender, e acreditava que nunca entenderia o porquê de ter
sido escolhida por ele, dentre tantas mulheres lindas e elegantes que haviam
na festa. Mulheres que assim como eu, dariam a vida para estar nos braços
daquele homem surreal.
Exaurida e com a mente fervilhando de impropérios, decidi experimentar a
magnífica banheira e me perder em suas águas quentes e perfumadas, com
um banho gostoso e relaxante, como há tempos eu não tomava. O tumulto
dos meus pensamentos não dava trégua nem mesmo naquele paraíso
aquático.
Enquanto emergia nas águas mais relaxantes do mundo, não conseguia
parar de pensar em Felipe. Ainda mais sabendo que ele poderia estar atrás
da porta ao lado, talvez sem roupa igual a mim. Quando fechava os olhos,
podia facilmente imaginar aquele homem nu. Exibindo
despreocupadamente o corpo musculoso, talvez aparando a barba espessa,
enquanto o espelho mais sortudo do mundo refletia aquele rosto esculpido a
canivete. Não era difícil vislumbrá-lo se enxugando depois de um banho
demorado. Ao passo que minha mente se lançava numa viagem erótica,
meu centro feminino ficava cada vez mais molhado, encharcado, e não era
por causa da água da banheira.
Enquanto minha mente formulava miragens eróticas do que acontecia no
quarto ao lado, minha mão deslizava pelo meu corpo, até encontrar o
pequeno espaço que vibrava entre minhas pernas. Despudoradamente,
enfiei dois dedos em minha entrada e a explorei, procurando o inquieto
montinho que não me deixava raciocinar. Foi fácil imaginar que ao invés da
minha, era a mão de Felipe ali, conhecendo o que seria dele em breve,
também foi fácil vislumbrá-lo invadindo a banheira e roubando meus lábios
para si. Podia sentir seu corpo enorme se colocando sobre o meu, sentir as
coxas torneadas abrindo as minhas e finalmente me possuindo, arrancando
de uma forma incrivelmente gostosa o que eu havia guardado a vida toda.
Apertava as coxas e gemia manhosa ao mesmo tempo que contorcia o corpo
e me masturbava cada vez mais imersa em meus pensamentos pecaminosos.
Um grito me escapou, um grito diferente, um grito que expressava todo o
prazer que eu sentia.
Naquele momento sublime, em meu banheiro, na casa de Felipe
Mondragón, tive certeza de uma coisa: Eu finalmente gozei, sozinha, com a
fantasia que criei do homem que em breve seria meu marido, mas que por
enquanto não passava de um sonho lascivo que eu criava em minha mente.
Depois da experiência mais intensa da minha vida, saí da banheira e caí em
um sono profundo, como os que costumava ter antes da morte do meu pai.
Acordei com as estrelas ornamentando a janela do quarto, o êxtase e o
cansaço me fizeram esquecer de fechar as cortinas blecaute, por isso, fui
brindada com aquela arrebatadora visão do céu noturno, que parecia estar
em todo o seu esplendor e beleza apenas para a minha apreciação. Apesar
de estar vivendo uma situação absurda, digna de um romance de contos de
fadas bem maluco, me sentia livre. Por algum motivo, o surgimento de
Felipe Mondragón em minha vida me fez voltar a ser a Antonella Botelho, e
deixar a gata borralheira para trás.
Eu não sabia qual seria meu futuro e não me importava em saber, afinal, o
presente era maravilhoso. Minha vontade era ficar na cama por longas
horas, mas Marina deveria estar atordoada e sem entender nada do que
estava acontecendo. Eu precisava explicar as coisas, clarear a mente
certamente confusa da minha pessoa favorita. Então, reuni toda aminha
força e levantei da cama ultra convidativa.
Ao contrário do meu antigo quarto, o chão da suíte era quentinho, por ser
coberto por um assoalho marrom projetado para o frio. Também havia uma
lareira artificial em uma das paredes, que provavelmente acendia
automaticamente em noites frias como aquela. Preguiçosamente, abri uma
das malas e apanhei a primeira roupa que vi. Lavei o rosto, escovei os
dentes, prendi o cabelo num coque desgrenhado e saí. Coincidentemente,
quando atravessei a porta, Felipe também estava saindo de seu quarto que
ficava ao lado do meu.
Encarei-o encabulada, lembrando das coisas lascivas que fiz, pensando
nele.
— Está muito bem, Antonella! Definitivamente azul é a sua cor.  —
Elogiou, se referindo ao vestido azul bebê que eu usava.
— Obrigada, você também não está nada mal. — Na verdade, estava bem
até demais, só que obviamente não diria em voz alta o quanto ele ficava
gostoso de camisa regata e calça de moletom. — Vai treinar?
— Sim, gosto de me exercitar à noite. Suar bastante, sabe?
A malícia em suas palavras me fez relembrar o que tinha feito na banheira,
e considerei mais seguro me fingir de boba.
— Bom treino então. Vou ver Marina.
— Fique a vontade. Nos encontramos mais tarde para o jantar.
— Com certeza. Até lá.
Fingi partir, mas fiz questão de assisti-lo seguir seu trajeto. Ele era, sem
dúvida, o homem mais delicioso do mundo, de frente e de costas. Depois de
alguns minutos suspirando pelo CEO, fui finalmente ao quarto de Marina.
Sua suíte era tão luxuosa quanto a minha, e fiquei extremamente feliz com
isso. Marina merecia todo esse conforto bem mais do que eu.
— Oi! — Cumprimentei, sorridente.
— Nada de oi, menina. Trate de me explicar que loucura é essa. O que
estamos fazendo nesse casarão?
— Calma Marininha, que eu vim aqui justamente para te explicar tudo. Mas
é melhor você se sentar que a história é bem maluca, inacreditável mesmo.
Ela sentou-se no sofá rosado que havia em frente a cama, e eu fiz o mesmo.
Tomei suas mãos entre as minhas.
— Então, querida... — Respirou fundo. — Pode começar.
— Bom, basicamente essa agora será nossa casa.
Sua testa enrugou.
— Como assim?
— Vou me casar com ele. — Coloquei os lábios para dentro e levantei os
ombros. — Dentro de quinze dias.
O espanto em seu rosto denunciava todo seu choque.
— O que? Mas como assim minha filha? Quando se apaixonaram?
— Não nos apaixonamos. Ele precisava de um herdeiro e eu de liberdade,
fizemos uma troca.
—O que é isso, Antonella?  Você só pode ter ficado louca. Sou
radicalmente contra. Isso é um absurdo!
— Concordo plenamente com você, Marina, mas pensa bem... Pior do que
estava não dá pra ficar.
— Dá pra piorar sim, querida. Acredite em mim.
— Marina, você sabe que eu te respeito e te amo muito, mas já tomei minha
decisão. Vou me casar com Felipe Mondragón sim. — Inspirei. — E que
seja o que Deus quiser.
Meus pensamentos corriam tão rápido quanto meus pés na esteira. Péssima
ideia a de Dóris, essa de me casar, eu estava feliz, cuidando da empresa
como Deus manda, e agora a única coisa que fazia era pensar em Antonella.
Mais do que fodê-la, queria aninhá-la em meus braços, cuidar dela e fazê-la
esquecer de todos os horrores que viveu com a madrasta e sua filha.
Merda!
Eu era o CEO de uma gigantesca empresa, e só o que me interessava era
uma coisinha pequena e linda que virou meu mundo de cabeça para baixo.
Eu nunca tinha sentido por mulher alguma o que estava sentindo por
Antonella. Queria fazer amor com ela, é claro, mas queria muito mais,
queria seu corpo, sua alma, seu coração e cada um de seus pensamentos.
A queria inteira. Só para mim.
Desde que coloquei os olhos naquela menina, um sentimento de posse
apoderou-se de mim. Ela se parecia tanto com a mulher dos meus sonhos,
que instantaneamente a requisitei para mim. Para ser minha. Sim, ela era
minha e até a ideia de ter um filho começava a me incomodar. Um filho
atiraria de mim, e quando nos casássemos não permitiria que nada a tirasse
da minha cama. Não queria dividir Antonella com ninguém. Infelizmente,
quinze tormentosos dias separavam seus lábios e sua boceta da minha boca,
não sabia se conseguiria suportar todo esse tempo. Eu tentaria, seria um
período árduo, mas aguentaria por saber que a recompensa seria Antonella.
A ânsia de tê-la em meus braços era o suficiente para conseguir esperar.
Fiz uma hora de esteira, o dobro do que costumava fazer normalmente, mas
isso porque naquela noite, eu realmente precisava gastar energia, ou correria
um sério risco de explodir. A academia ficava no subsolo da propriedade e
naquela noite eu realmente agradeci por haver um lavabo e um pequeno
closet com itens básicos. Aprontei-me rapidamente, peguei o elevador e fui
direto para o escritório. Passei o dia tão entretido com outras coisas, que
preteri completamente o trabalho, mas já estava mais do que na hora de
reassumir o modo CEO, e resolver as pendências que chegaram por e-mail e
fax. Haviam três documentos enviados por fax, que demandariam certo
tempo. Deleguei a tarefa de responder aos e-mails à minha secretária e
finalmente dirigi-me à sala de jantar.
Estava morto de fome e de vontade de rever Antonella.
A mesa já estava posta quando cheguei à sala, o aroma no ambiente era de
frutos do mar. Sentada ao lado de Marina, estava Antonella. Linda, ainda
usando o vestidinho esvoaçante e sexy, com o qual a tinha visto horas antes.
Reparei que havia dado mais atenção ao cabelo, que agora estava
completamente alinhado em uma trança lateral.
Ao contrário do que foi o almoço, durante o jantar o silêncio reinou.
O clima era de total tensão, e ficou subentendido que Marina já sabia de
tudo que estava acontecendo entre Antonella e eu. A mulher que antes se
mostrava comunicativa e aberta, passou a me direcionar olhares
desconfiados e pouco falou. Não me senti ofendido, era apenas uma mãe
preocupada com a filha, e essa posição, ao invés de recriminatória era
bonita e aplaudível.
Marina não tinha com o que se preocupar, minhas intenções com a garota
não podiam ser mais honrosas. Em um momento mais oportuno eu a faria
saber disso. Aquela estava sendo a noite mais inquieta da minha vida. Na
condição de CEO, e tendo milhares de questões a resolver todos os dias,
nunca havia perdido o sono. Naquela noite, no entanto, a insônia finalmente
me alcançou. Não podia pregar os olhos sabendo que a maior das tentações
estava há poucos passos de mim. Se a coragem vencesse o duelo contra o
pudor, eu entraria em seu quarto e mostraria todo o prazer que uma mulher
é capaz de sentir nos braços de um homem.
Eu não faria isso, fora da cama era um perfeito cavalheiro, e os cavalheiros
se controlam. Não se deixam levar pelo arroubo da paixão, sem que a
mulher diga com todas as letras que o quer.
Quando o dia clareou, meus olhos estavam pesados e vermelhos, por terem
se mantido abertos a noite toda.  Mas isso Não atrapalhava a minha
animação, era sábado e Antonella e eu daríamos os primeiros passos para o
casamento. Dóris já tinha planejado todo o itinerário do dia, se incluindo
nele é claro, afinal estava ansiosissima para conhecer a futura senhora
Mondragón. Muito mais ansiosa que meu pai, aliás.
Eram pouco mais de 9h00min, quando chegamos ao laboratório onde
faríamos os exames.
Antonella estava muito bonita, usava calça jeans e uma camiseta rosa de
alças finas. O cabelo estava preso em um rabo de cavalo bem alto. Parecia
ainda mais jovem naquele dia.
— Como foi sua primeira noite em minha casa? — Perguntei, enquanto
estávamos sozinhos no elevador.
Abriu um sorriso lindo, que pude contemplar pelas paredes espelhadas.
— Muito bem. Longe de Verônica eu durmo que é uma beleza. E também,
sua casa é muito confortável, sobre isso não há nem o que falar. — Disse,
risonha.
Ela parecia muito feliz e tranquila. Isso me aliviou bastante, pois no fundo
tinha medo de que o casamento fosse um sacrifício enorme para ela.
— Você tem uma péssima relação com sua madrasta, não é mesmo? 
Os espelhos também mostraram seus olhos revirando.
— Muito pior do que você possa imaginar.
Apesar do assunto ser triste, era a primeira vez que tínhamos uma conversa
de verdade e eu amei muito aquilo. Gostando do clima amigável.
— Tive a oportunidade de falar com ela na noite em que nos conhecemos, e
a mim também não causou uma boa impressão. Parece ser uma pessoa
difícil.
— Insuportável! A pior pessoa do mundo.
O elevador abriu e o resto do mundo voltou ao foco, e já não éramos mais
só nós dois num cubículo fechado e totalmente nosso.
Voltamos à superfície, ao resto do mundo.
— Estávamos no seu aguardo, senhor Mondragón! — Disse a recepcionista
que nos recebeu sorrindo quando descermos do elevador.
— Nada de jornalistas? — Interpelei, esperando que a renomada clínica
tivesse seguido à risca minhas instruções.
— Isso mesmo, tudo foi feito segundo suas instruções, em total sigilo.
— Ótimo.
A clínica estava praticamente vazia: só haviam os médicos e os
funcionários que nos atenderiam.
Decidi que as coisas seriam assim, não queria que meu casamento vazasse
para a imprensa antes do tempo, e a mera suspeita de que exames pré-
nupciais estavam sendo feitos, seria um prato cheio para os abutres.
Tudo aconteceu muito rápido e fácil, em menos de duas horas Antonella e
eu já havíamos feito todos os exames necessários para o casamento.
Inclusive os de fertilidade, já que esse era o ponto mais importante de tudo
aquilo.
— Os resultados ficarão prontos em dez dias e na semana seguinte
poderemos nos casar. — Disse a ela enquanto abria a porta do carro para ela
entrar.
O rabo de cavalo de Antonella voava enquanto o conversível desbravava
velozmente as ruas da grande metrópole. O dia estava lindo, com
pouquíssimas nuvens manchando o azulado do céu.  E o sorriso de
Antonella, que eu podia perceber com minha visão periférica, ah, esse
guerreava com o sol pelo posto de luminária do dia.
Adorava vê-la feliz, mas não sabia o porquê de toda aquela alegria e estava
curioso, então resolvi perguntar.
— Posso saber por que está tão contente?
Respirou fundo, o vento batendo forte em seu rosto.
— É que faz muito tempo que não me sentia assim, tão livre... — Inspirou
novamente. — Tão dona de mim.
Se não estivesse com as mãos no volante, acariciaria seu rosto e diria que
dali para frente, ela seria livre para sempre. Os grilhões impostos por sua
madrasta foram quebrados.
Me arrependi de ter dispensado o motorista.
Seguimos a viagem em um silêncio bom.
Estávamos a caminho do restaurante em que Dóris marcara um almoço para
conhecer a noiva, e conversar sobre alguns detalhes do casamento. Senti
Antonella envergonhada quando entramos no requintado lugar, mas
circundei-a com meus braços, tentando fazê-la se sentir mais segura.
— Nenhuma dessas moças chega a seus pés. — Sussurrei, ao perceber seus
olhos abaixarem cada vez que esbarravam em uma mulher vestida
finamente.
Era impossível Antonella não ter consciência da arrebatadora beleza que
possuía. Talvez pelos anos de opressão vividos ao lado da madrasta, sua
autoestima estivesse em frangalhos. Trataria de resolver esse problema, aos
poucos a faria se lembrar da pessoa singular que ela era. Avistei Dóris
sentada na mesma mesa que ocupávamos sempre que nos reuníamos no
lugar com outros executivos da Mondragón, e até com clientes, isso mais
raramente.
Levei Antonella até lá.
Fomos recebidos com um sorriso que ia de orelha a orelha, e uma garrafa de
champanhe.
— Finalmente estou conhecendo nossa futura imperatriz.
Dóris se levantou e cumprimentou minha noiva com um beijo na bochecha.
Com muita timidez, o gesto foi retribuído. Puxei uma cadeira ao meu lado
para Antonella. Dóris acomodou-se na confortável cadeira branca
acolchoada, no polo oposto da mesa.
— Bom, antes de qualquer coisa, gostaria de dizer que sua escolhida não
poderia ser mais bonita.
Orgulhoso, fitei a deslumbrante loira ao meu lado, e em seguida, com um
sorriso largo nos lábios, voltei a me concentrar em Dóris.
— Você tem razão, ela é realmente divina.
— Muito obrigada aos dois! — Aquela foi a segunda vez que a retraída
menina falou desde que havíamos entrado no restaurante.
Com um discreto aceno, Dóris chamou a atenção de um garçom, que
imediatamente veio até nós.
— Por favor, traga-nos três taças e o menu. — Solicitou a marqueteira,
valendo-se da sua habitual educação.
Cinco minutos depois, já estávamos com as taças erguidas, e um brinde veio
logo em seguida.
— À felicidade do casal, e ao vindouro fruto desta união!
Fizemos o pedido, e de imediato entramos no assunto que nos levara até ali.
— Então a cerimônia será realizada na sua casa, sem convidados e qualquer
tipo de alarde, certo?
— Sim, no momento oportuno daremos uma recepção para apresentar
minha esposa à sociedade, porém por enquanto nada de festas.
— Estou de pleno acordo com você, chefe.
— Eu também. — A voz baixa de Antonella pôde ser ouvida novamente.
— Se não tiver compromisso depois daqui, a personal  stylist da empresa a
levará às compras.
Voltei a atenção para Antonella, e vi seus olhos crescerem após a colocação
de Dóris.
— Compras? — Questionou, aturdida. — Isso é mesmo necessário?
— Claro. Nossa futura primeira dama precisa se vestir como tal.
Futuramente contrataremos um bom estilista para criar seu guarda-roupas.
Por enquanto, é o que dá para fazer.
Dóris era completamente alheia à condição em que Antonella vivia no
casarão Botelho, por isso falava com toda a naturalidade.
— Não poderei acompanhá-la querida, tenho pendências na Mondragón,
mas leve Marina, tenho certeza que será um dia agradável para ela.
As íris azuladas se iluminaram de repente e finalmente vi contentamento em
seu rosto, em relação a ideia de Dóris. Era admirável a forma como minha
menina colocava o bem-estar da preceptora acima do seu próprio.
O almoço foi agradável e durou pouco. Logo a personal stylist chegou para
buscar Antonella, e Dóris e eu seguimos para empresa.
Eu estava acanhada, há muitos anos não entrava em um shopping como
aquele. Tinha a incômoda sensação de que todos os olhares estavam
voltados para mim, me analisando e reprovando. Pensei que se eu me sentia
daquele jeito, Marina deveria estar se sentindo muito pior, então
aconcheguei sua trêmula mão entre a minha.
À nossa frente, uma estupenda ruiva caminhava a passos largos e elegantes.
Me impressionava o fato de seus saltos altos e finos não produzirem ruído
algum ao atritarem com o porcelanato branco do shopping de altíssimo
padrão no qual nos encontrávamos.  Estava imaginando se algum dia
poderia possuir metade da classe daquele arquétipo da graciosidade. Passei
por tantas coisas e humilhações, que passei a não me ver mais como alguém
elegante. Aos poucos fui perdendo o interesse em mim mesma, e hoje tinha
consciência de que um dia fui assim, mas tinha dúvidas se conseguiria
voltar a ser.    Mesmo tendo sido criada em um ambiente refinado, nunca
tive a graça que outros esperavam de mim. Talvez por isso tivesse sido tão
fácil para Verônica me manipular.
Subitamente, ela parou, girou sobre seus saltos e nos inspecionou de cima a
baixo. 
— Não vai ser difícil encontrar o estilo de vocês. — Disse, cruzando as
pernas longas, vestidas em uma calça de couro vermelho.
Caminhou até Marina, e colocou o dedo indicador (atrativo pela enorme
unha pintada de preto) em sua bochecha e disse:
— Seus cabelos negros e pele alva ornam espetacularmente bem com esses
magníficos olhos ocres. Temos excelentes boutiques especializadas em
moda plus size por aqui, e não vai ser difícil encontrar peças que realcem
sua beleza.
Os olhos da personal stylist focaram em mim.
— Quanto a você Antonella, duvido que haja algo que não lhe caia bem. —
Me analisou novamente e sorriu, exibindo uma fileira de dentes brancos e
alinhados. — Você é realmente divina, mas encontraremos o caminho que
lhe deixará ainda mais linda. Vamos? — Concluiu, voltando a caminhar à
nossa frente.
Era louco ouvir palavras tão lisonjeiras vindas de uma mulher como
Fernanda, já que ela sim se assemelhava a uma divindade.
O engraçado, era que mais cedo tinha ouvido aquelas mesmas palavras de
Felipe, mas a sensação foi completamente diferente. Não sabia o porquê,
mas o que ele me dizia,soava muito mais forte, e fazia um eco muito mais
audível dentro de mim. Mesmo que outras pessoas falassem a mesma coisa
que ele, o efeito era outro. A primeira a encontrar seu tal estilo ideal foi
Marina. No início, ela estava extremamente envergonhada por experimentar
peças cujo preços, constantemente alcançavam os quatro dígitos, mas com o
tempo e as trocas de roupas,foi se soltando mais.
Eu me emocionava cada vez que a via sair de um provador tão bem
aprumada quanto merecia. Sempre quis isso pra ela, uma vida de rainha, um
afago pelos anos e anos que lutou por mim. Antes de chegar a minha vez de
curtir uma tarde de princesa, passamos em um salão de beleza que ficava
dentro do próprio shopping, e o cabelo de Marina foi cortado em camadas
que quase não afetaram seu comprimento, também afinaram e levantaram
suas sobrancelhas e por fim, cuidaram de suas mãos e pés.
Tentaram me convencer a modificar meu cabelo, mas não aceitei, eram
rebeldes e em alguns dias não conseguia ajeitá-los como gostaria, mas os
amava porque eram o que eu tinha de mais parecido com minha mãe. Só
permiti uma profunda hidratação. Meus pés e mãos também receberam uma
atenção especial. Na minha vez de ir às compras, fiquei maravilhada com
todas as roupas lindas que comprei, o olhar profissional de Fernanda
concluiu que a cor que mais combinava comigo era o azul. Por isso, nas
dezenas de sacolas haviam várias peças de tons diferentes da cor. Uma ou
outra peça de outras cores, incluindo meu simples, porém elegante, vestido
de noiva, mas a grande maioria das roupas era realmente azul.
Quando saímos do shopping, a lua já se exibia prateada e bem redonda no
céu. Fernanda despediu-se de nós e partiu. Cinco segundos depois, o
Mercedes prata de Felipe surgiu no estacionamento externo do shopping,
seguida por um enorme Nissan preto, onde foram guardadas todas as nossas
compras. Marina e eu entramos no Mercedes, que era guiada pelo motorista
particular de Felipe, e seguimos muito contentes e animadas até a mansão
Mondragón.
O terreno da casa era tão grande, que os veículos levaram uns três minutos
para adentrarem o estacionamento coberto da casa, onde haviam outros três
carros. Uma Lamborghini conversível branca, que inclusive foi o carro que
Felipe e eu usamos para ir à clínica e ao restaurante. O outro carro, era uma
Ferrari prata que mais parecia um transporte espacial, e por fim um Jipe
vermelho.
Marina estava exausta, e depois de entrarmos na casa, foi direto para sua
suíte de onde não saiu mais. Também fui para o meu quarto, mas estava
eufórica demais para conseguir dormir, então tomei um banho, coloquei um
dos vestidinhos de verão que havia comprado e fui para a biblioteca em
busca de um bom livro que relaxasse minha mente e baixasse o nível de
adrenalina. Entrei na biblioteca a procura de um livro, mas no instante que
coloquei os pés no grande cômodo, não foi nenhum livro que chamou
minha atenção, mas sim uma obra de arte. Algo tão belo, que poderia ser
exibido como a mais perfeita escultura no melhor museu do mundo.
A luz âmbar do ambiente, dourava o peitoral absolutamente esculpido do
ser celestial  que estava estirado no sofá.Tinha certeza de que havia
encontrado o jardim do Éden e nele estava o fruto proibido.
Meu maior pecado.
Compenetrado em sua leitura, não se deu conta da minha presença. Até que
o chamei pelo nome:
— Felipe?
Foi apenas um sussurro, mas foi o suficiente para fazê-lo se erguer do sofá
num rompante tão feroz, que fez o livro cair no tapete sob o sofá. Desde que
o conhecera, tive vários sonhos eróticos com Felipe Mondragón. Mas
nenhuma fantasia, por mais exagerada que fosse, se aproximava da
realidade. Ele era maravilhoso, a provável inspiração para criação do
adjetivo “lindo”.
Estava sem camisa, e usava um short preto que deixava as pernas
musculosas à mostra. O cabelo desgrenhado só aumentava sua beleza. Não
era um CEO que estava na minha frente, era um homem. Bonito demais
para ser comparado a qualquer coisa senão um deus. Um homem que me
fitava com a boca entreaberta, e os olhos mais negros do que nunca, que me
admirava como se eu fosse tão perfeita quanto ele.
De repente, não existiam mais palavras, nem o mundo além da porta.
Éramos apenas nós dois e a maior tensão sexual já sentida no universo. 
Grande, dominador e decidido, ele caminhou até mim, puxou-me para si, e
faminto, tomou meus lábios num beijo selvagem.  Eu não era forte o
suficiente para afastá-lo, e não sabia como retribuir aquilo. Então deixei que
ele me conduzisse, me levasse ao auge do prazer apenas com um beijo.
Suas mãos agarravam meu cabelo, e a língua quente e doce fazia amor com
a minha. Éramos um só, beijávamos como se nossas bocas fossem o mundo
um do outro. Estávamos fundidos, envolvidos por uma névoa sexual
impermeável. Uma mão grande alcançou minha cintura, enquanto a outra
permanecia em meu cabelo, puxando-o suave e deliciosamente.
Não deixei por menos, também aproveitei a oportunidade para conhecer não
só sua boca, mas seu corpo. Passei as mãos pela pele firme, porém macia,
permanecendo por mais tempo nas partes que mais me excitavam.
Explorávamo-nos, devorávamo-nos.
Naquele momento éramos completamente um do outro, e nada poderia
refutar isso.
Sua mão escorregou até a alça do vestido e ameaçou deslizá-la.
Foi aí que me afastei.
Senti a ausência do seu calor, do seu corpo, e isso fez com que eu quase
desabasse no chão. Não podia ir além, por enquanto aquilo era só o que eu
podia dar, era meu limite.
— O que aconteceu? — A questão levantada pela voz grossa e esbaforida
era a mesma que gritava na minha cabeça naquele momento.
— Eu não sei... Quer dizer, talvez eu saiba. — Respondi, igualmente
afobada.
Felipe colou a testa na minha e abraçou-me.
— Então me explica, por favor, que não estou entendendo nada. — Seu
hálito batia quente e fresco em meu rosto. — Se não puder falar, apenas
pense, porque enquanto estivermos assim, cabeça com cabeça, sinto que
posso ouvir seus pensamentos e até confundi-los com os meus.
— Felipe, sei que vai achar estranho porque sou uma mulher adulta, mas a
verdade é que nunca fiquei com ninguém. E não queria que fosse assim.
Sua expressão não se alterou, continuava suave, cândida.
— Você quer esperar pelo casamento, não é?
— Sim, mas ao mesmo tempo eu quero você. Estou derretendo entre as
pernas e posso sentir sua rigidez contra meu ventre, só que não sei o que
pensar.
— Eu te quero, Antonella, me enterrar em você, saborear o seu mel. Tenho
certeza que vai ser difícil me livrar dessa ereção. Mas não será bom para
você enquanto não tiver certeza do que quer. — Ele se afastou, e quando fez
isso, pude ver o volume enorme em sua bermuda. — Por favor, vá para seu
quarto e tranque bem a porta, porque não sei o quanto posso me segurar.
Lutando contra o magnetismo enorme que me atraia pra ele, fui me
afastando devagar. Dei passos para trás sem tirar os olhos de Felipe.
O desejo de correr até ele e continuar o que estávamos fazendo era tão forte,
que o sentia correndo em minhas veias, mesclado ao sangue.
Eu o queria de uma forma tão violenta, tão voraz, que naquele momento
meu maior sonho era me tornar mulher em seus braços.
Felizmente, uma força que não sei de onde veio, me fez fechar a porta e
deixar a tentação definitivamente para trás. O ponto molhado entre minhas
pernas vibrava tanto, que tive dificuldades para chegar ao quarto. E eu
precisava chegar, tinha urgência em cair na cama e me esfregar em qualquer
coisa que aliviasse aquela tortura.
Por Deus, aquela seria a quinzena mais longa da minha vida!
Foram doze dias complicados, cheios de ereções absurdas, que surgiam nos
momentos mais inoportunos. Bastava pensar nela, para que meu orgulho
masculino levantasse e eu pensava nela quase o tempo todo. Ao menos
durante as reuniões, tentava condicionar meu cérebro a não lembrar dela,
mas nem sempre saía vitorioso da maçante luta entre o tesão e o
profissionalismo.
Àquela altura, os exames pré-nupciais já haviam chegado e tudo estava
correto, não entendia porque tinha que esperar mais três dias para ter
Antonella como esposa. Só depois de quase uma semana, meu pai se dignou
a conhecer minha noiva. Marcamos um almoço em minha casa para isso.
Havia uma fisgada em meu peito, um pequeno redemoinho que girava na
minha cabeça desde que o almoço fora marcado. Ricardo Mondragón era
um homem difícil, e em muitas situações, assustador. Eu mesmo, quando
criança, morria de medo daquela figura autoritária e arrogante.
Estava preocupado.
No dia da reunião em que ficou decidido que deveria me casar, todos
concordaram que a escolha da noiva ficaria inteiramente por minha conta.
Porém, se meu pai não aprovasse Antonella, faria o impossível para
intimidá-la a ponto de fazê-la desistir. Amim ele já não era capaz de abater,
mas não sabia qual seria a reação de Antonella,caso tivesse que encarar
aquela fera. Decidi alertá-la, precisava fazê-la saber que existia a chance de
Ricardo Mondragón se opor ao casamento. Se isso acontecesse, não
hesitaria em entrar em seu cérebro e revirá-lo até deixá-la completamente
atordoada e louca para fugir de mim. Agoniado, subi as escadas e fui em
direção à suíte dela. Ouvi vozes ao me aproximar da porta, e isso
significava que estava entreaberta, já que todos os cômodos fechados da
casa, eram à prova de som.
Tive a impressão de escutar meu nome, e isso me levou pela segunda vez a
tomar a feia atitude de ouvir uma conversa particular.
— Não há com o que se preocupar, Marina. Não sei o que o futuro me
reserva, mas a verdade é que nunca estive tão feliz.
Uma fogueira acendeu no centro da minha alma, e foi me aquecendo de
dentro para fora. Ela estava feliz, assim como eu estava. E assim como para
mim, para ela, este casamento também não era um mero contrato, mas uma
oportunidade genuína de juntos construirmos um grande amor.
— Então o que é essa nuvem escura que vejo em seus olhos?
— Não dá mesmo pra esconder as coisas de você, não é Marina?
— Não, não dá. Então diga de uma vez?
— Eu não suporto imaginar que Verônica e Sheila estão vivendo felizes na
minha casa como se fosse delas. Aquela casa é minha, Marina. Foi para
mim que meus pais a levantaram, e é horrível pensar que aquele lugar feito
de amor está ocupado por pessoas tão ruins.
Não, de forma alguma permitiria que aquela dor continuasse fazendo parte
do coração de Antonella.
Eu resolveria o problema.
Quando percebi que a conversa tornou-se menos calorosa, atrevi-me a bater
na porta. Assim que ela se escancarou, Marina saiu, não sem antes sorrir
para mim e me desejar um bom dia. Com os pés sobre o recamier,
Antonella se preparava para calçar um belo par de sandálias de salto, mas
quando sentiu minha presença, ergueu a cabeça e me agraciou com um
lindo sorriso.
Sorri de volta, e me aproximei.
— Permita-me fazer isso. — Disse, pegando uma das sandálias da mão
dela, e colocando no pequeno pé.
— Essa não é tarefa para um CEO. — Falou, muito risonha.
— Deixe-me ser seu príncipe de vez em quando. — Pedi, olhando
fixamente para ela.
— Você é um príncipe. — Devolveu, me encarando de volta.
Não tinha tornado a beijá-la desde aquela ardente noite em que ela escolheu
esperar pela lua de mel, mas me atrevi a encostar meus lábios nos seus
depois que afivelei a última sandália. A vontade de beijá-la ardentemente
era grande, mas contive meu ímpeto, ou não conseguiria parar.
— Você está especialmente linda hoje. — Elogiei, analisando suas curvas
delineadas por um justo vestido azul escuro.
O rosto lindo, e com pouca maquiagem, corou. Ela sempre corava quando
eu a elogiava e eu achava isso encantador. Ela era encantadora.
Era tímida, recatada, uma princesa.
— Quis estar bem hoje, afinal, vou conhecer seu pai.  — Abordou por conta
própria o assunto no qual eu queria entrar.
— É justamente sobre isso que quero falar com você.
Colocou algumas mechas do cabelo longo e bastante volumoso para trás da
orelha e inclinou levemente a cabeça para a esquerda, enquanto apertava os
olhos.
— Algum problema? — Perguntou preocupada.
— Não exatamente, mas... Venha cá. — Chamei, segurando em sua mão e a
levando para se sentar na cama.
Me acomodei ao seu lado, virando o tronco para poder observá-la de frente.
— Meu pai é um homem duro e difícil de ser agradado. — Inspirei, e
coloquei suas mãos entre as minhas, fechando-as como uma concha. Eu
amava tocá-la, e aproveitava todas as oportunidades de fazer isso. — Talvez
ele não goste de você, e se isso acontecer tentará fazê-la desistir do
casamento. Eu não quero isso Antonella.
Sua expressão, outrora tensa, se suavizou.
— Nada me fará desistir de casar com você. No que depender de mim,
depois de amanhã estaremos casados. — Mordeu o lábio inferior e me fitou
mais intensamente.   — Mais do que isso... Seremos marido e mulher.
Marido e mulher.
Minha mulher. Ela seria minha mulher.
Só Deus sabia o quanto eu queria torná-la minha.
— Se porventura o patriarca Mondragón vir com quatro ou quatrocentas
pedras nas mãos, não se preocupe que eu as seguro. Pode não parecer, mas
sou dura na queda, não estaria aqui se não fosse.
— Sim, você é muito forte. — Falei, fitando seu rosto bonito.
Dei-lhe um beijo terno na testa e deixamos juntos a suíte.
A mesa de jantar estava milimetricamente organizada, sem arranjos ou
ornamentos, não havia nada nela além da louça que seria usada, além disso,
o almoço seria servido à francesa. Nos jantares servidos assim, era utilizado
o Souplat, que é um item usado embaixo do prato, para evitar respingos e é
retirado na hora de servir a sobremesa.    Também é necessário o uso do
Placement, que são plaquinhas com marcações de onde cada convidado
deve se sentar. Em um jantar com mais pessoas, o que não seria o caso, é
necessário um garçom para cada cinco pessoas, e ele apresenta a travessa
pelo lado esquerdo, com os cabos dos talheres voltados para o convidado.
Os pratos são servidos pela esquerda, e retirados pela direita.
Todos esses detalhes foram pensados porque eu sabia que era assim que o
velho Ricardo gostava de fazer suas refeições. Pela primeira vez em muito
tempo, realmente me importava em atender as vontades do magnata dos
anos setenta, e isso somente pela bela dama, cuja mão estava entrelaçada à
minha naquele momento.
A campainha ecoou na sala de estar exatamente ao meio dia.
Claro, Ricardo Mondragón era um homem sempre pontual.
Antonella, Marina e eu, levantamo-nos assim que a figura alta e imponente
do meu pai surgiu em nossa frente.
Nem mesmo para comparecer a um almoço informal na casa do filho, o
bilionário abandonava os ternos de alta costura.
— É um prazer finalmente revê-lo, pai. Como foi o voo?
— A melhor parte é que já acabou. — O tom de voz era imperativo e
aborrecido como sempre.
Inspirei e expirei repetidas vezes, sentindo a aflição se dissolver com as
rajadas de vento. Caminhei até Antonella, que estava na sala, mas fora do
alcance dos olhos do meu pai, fui seguido por ele.
— Pai, esta é...
— Antonella Botelho. — Completou o magnata, surpreendendo-me. — É
impressionante o quanto se parece com sua mãe.
— O senhor… O senhor conheceu minha mãe? — Perguntou ela, nervosa.
— Sim e também o seu pai. Éramos muito próximos nos anos noventa, mas
a vida acabou nos afastando.
Fiquei surpreso com o fato do meu pai ter conhecido o pai de Antonella, e
por seu semblante embasbacado, presumi que ela também.
Passado o choque inicial, e depois de lhe apresentar Marina, fomos todos
para a sala de jantar. Esperei que meu pai se sentasse e puxei a cadeira para
Marina e depois para Antonella.
Todo o meu receio sobre meu pai gostar ou não dela fora em vão. Ele
adorou saber que eu me casaria com a filha de seu velho amigo, e tivemos
um almoço muito agradável no final das contas.
O grande dia finalmente havia chegado e eu estava muito mais nervosa do
que pensei que estaria. A cerimônia seria a parte mais fácil daquele dia,
diríamos sim na frente de um juiz e assinaríamos alguns papéis. O que me
preocupava era o que viria depois. A noite era o motivo de toda a minha
ansiedade.
Eu finalmente seria dele, faríamos amor.
Perderia a virgindade naquele dia, e embora tivesse desejado o homem
ardorosamente durante todos os dias que antecederam o casamento, tinha
certeza que seria uma experiência dura, e no sentido literal da coisa. Não
conseguia tirar aquela noite na biblioteca da cabeça, naquela noite constatei
que não seria nada fácil acomodá-lo dentro de mim. Ele era grande, rígido e
me queria muito. Eu também o queria, mas não sabia o que esperar. Eu
realmente não sabia.
Felipe se mostrara o mais gentil dos homens, mas não sabia se toda essa
gentileza se manteria quando estivesse comigo na cama. Não sabia se ele se
controlaria e esperaria o meu tempo, ou se meteria de uma vez, assim que
estivéssemos sozinhos e sem roupa sobre uma cama.
Estava entrando em pânico. Com medo da tão aguardada noite de núpcias.
Em desespero, corri para o quarto da minha fada madrinha, a única pessoa
que saberia o que me dizer naquele momento.
— O que houve, meu amor? Por que está chorando? — Questionou Marina
assim que percebeu o meu estado.
A alcancei rapidamente e me joguei em seus braços, fiz isso com tanta
violência que quase nos levei ao chão. Quando o pânico me dominava,
tinha urgência de sentir os braços de Marina em volta de mim, essa
sensação trazia de volta um pouco do meu equilíbrio.
— Eu estou com medo, Marina. Apavorada!  — Disse aos prantos. Sentia
as pestanas pesadas, e era impossível enxergar com toda aquela maré nos
meus olhos.
Calmamente ela me levou para o sofá, sentou-me em seu colo, e acariciou
meu cabelo, me ninando exatamente como fazia quando eu era criança.
— Qual é seu medo exatamente, minha criança?
Com as costas das mãos tentei secar um pouco das lágrimas.
— Eu tenho medo do sexo, Marina. Tenho medo do Felipe me machucar. —
Confessei, com dificuldade de falar devido ao choro.
— Nunca falamos muito sobre isso, não é mesmo?  Mas obviamente
chegou o momento.  — As mãos dela correndo pelo meu cabelo iam me
acalmando lentamente. —Você é uma moça esclarecida, e com certeza já
sabe muita coisa, mas quero falar como é de verdade. Posso?
— Por favor, fale, eu preciso saber.
Saí de seu colo, sentei ao seu lado e me virei para mirá-la.
— A primeira vez sempre dói, às vezes menos, às vezes mais. O tamanho
da dor dependerá do seu parceiro e de você também.
— Como assim?
— O que você precisa fazer é relaxar, distensionar as pernas, focar no
prazer, que com o tempo a dor some. Mas o principal, meu amor, é confiar
no seu parceiro. O seu Felipe é um homem tão educado, tão generoso, tenho
certeza que ele saberá exatamente como tratá-la. — Disse sorrindo
carinhosamente.
A conversa com Marina me ajudou a seguir em frente.
Fui para meu quarto e permiti que os profissionais de beleza, contratados
por Felipe cuidassem de mim. Mesmo não havendo ninguém além do juiz,
o senhor Ricardo, e dois amigos de Felipe, que seriam testemunhas
juntamente com Dóris e Marina, eu queria estar linda porque Felipe estaria
lá. O vestido branco não era pomposo, porém era lindo. Era justo, chegava à
altura dos joelhos, e tinha uma enorme fenda lateral, além de ser de mangas
longas. Era todo em seda.  Meu cabelo estava preso em um coque alto e
apertado, trazia no pescoço um colar de pérolas, combinando com o decote
discreto, complementando o visual.
Sozinha na minha suíte, encarava meu reflexo no espelho, exatamente como
havia sido no dia em que conheci Felipe, mas agora muito mais orgulhosa
da imagem que via.
A maquiagem era de noiva, branca e delicada, mas sem brilho. O destaque
estava nos lábios tingidos de um vermelho fechado. Não me sentei para não
amassar a roupa, e também porque estava agoniada demais para conseguir
ficar parada. Esperei atribulada a chegada de Marina, seria ela que me
conduziria até Felipe. Quando ela chegou, apressamo-nos em descer as
escadas. A cerimônia ocorreria na sala de jogos, quando chegamos lá, todos
os objetos esportivos haviam sido substituídos por lindos arranjos de lírios
vermelhos. Meia dúzia de poltronas brancas, e um altar de madeira maciça,
no qual estava de terno, o homem mais lindo do mundo. Me esperando,
com um sorriso mais lindo ainda nos lábios.
Olhando um nos olhos do outro, e de mãos dadas, pronunciamos as palavras
que nos tornaram marido e mulher.
Depois de assinarmos a ata, e o juiz de paz se retirar, fomos todos para a
sala de jantar, onde brindamos com champanhe e jantamos. Felipe segurou
em minha mão quase que o tempo todo, as alianças que agora usávamos
pareciam tê-lo deixado ainda mais possessivo. Mais dono de mim, do meu
corpo. E eu adorava aquilo demais. O medo que sentia antes do casamento
tinha desaparecido completamente, e naquele momento, a única coisa que
queria, era ficar a sós com ele. Monopolizar a companhia de Felipe e
experimentar de uma vez por todas tudo que meu marido tinha para me
oferecer. E eu não estava falando de suas posses. Bem... Depende das
posses.
Despedimo-nos dos convidados, Marina me deu mais alguns conselhos e
fomos para o hotel onde passaríamos a noite de núpcias, e de onde
partiríamos para o aeroporto no dia seguinte. Um dia antes do casamento,
Felipe me surpreendeu com a informação de que passaríamos um mês em
lua de mel na bela Paris. Sempre sonhei em conhecer Paris, porém esse
sonho parecia tão impossível quanto conhecer a lua. Não havia tido a
oportunidade quando meus pais estavam aqui, a vida deles era uma correria
só. Depois que eles se foram e meu pai se casou com aquela mulher, virou
um sonho distante, mas que estava prestes a se realizar agora, graças a
Felipe. Meu marido era realmente incrível. Enquanto o motorista estava
concentrado na direção, Felipe me contava um pouco mais sobre os lugares
que me levaria para conhecer. Segundo ele, a torre Eiffel estava longe de ser
a parte mais incrível da romântica cidade.
Felipe segurava minha mão com carinho, e de vez em quando beijava-me
no pescoço,testa e, principalmente, na boca. Depois de uns quinze minutos
no carro, o Jipe entrou no estacionamento subterrâneo do hotel cinco
estrelas, onde passaríamos a noite. Um funcionário encarregou-se de levar
as malas, fizemos check-in, e fomos para a suíte imperial.
A suíte mais parecia um apartamento de luxo.
O primeiro cômodo que se via ao entrar no lugar, era uma sala de estar, com
um conjunto de sofá verde azulado, deslumbrante. Uma TV de cinquenta
polegadas pendurada em um enorme painel marrom, e sob ele, um aparador
com home-theater e alguns objetos de cristal. Se via quase a cidade toda
através da janela de vidro gigantesca, que ocupava praticamente uma parede
inteira. Noutra parede, estavam penduradas algumas obras de arte. A
luminária possuía um tom amarelado, era redonda e muito grande. Era
baixa, e como eu me encontrava nos braços de Felipe tinha a certeza de que
poderia tocá-la se esticasse a mão.
Depois de passarmos por um corredor, finalmente chegamos ao quarto.
A iluminação ali funcionava da mesma maneira, havia uma cortina rosa
bebê cobrindo uma janela tão grande quanto a outra, o closet era feito de
madeira tingida de branco, e sutilmente espelhada. Nossas malas já nos
aguardavam no quarto.  Havia uma porta espelhada num canto do
compartimento, que supus ser o banheiro, mas o que mais me impressionou
foi o que havia bem no centro do enorme quarto.
Uma cama gigantesca, de cabeceira marrom e coberta com lençol de seda
branco, repleta de pétalas vermelhas, que se espalhavam pelo porcelanato
bege ao redor. Em uma das duas cômodas acopladas a ela, tinha uma
garrafa de champanhe e duas taças escuras, na outra, um grande arranjo de
rosas vermelhas e uma caixa de bombons.
Felipe me carregava no colo desde que entramos na suíte, e foi só na cama
que ele me desceu. Cuidadosamente, tratando-me como se eu fosse um
cristal, e delicadamente retirou os meus sapatos. Coloquei as pernas para o
lado para dar-lhe espaço para sentar junto a mim.
Ficamos ali, frente a frente, nos admirando, nos desejando em silêncio por
muitos segundos, até que ele disse:
— Você é linda, sabia? Deus deve ter te desenhado nos moldes de um
querubim. — Vagarosamente, aproximou os lábios da minha orelha. —
Nenhum homem jamais desejou uma mulher como eu desejo você. —
Sussurrou.
Estremeci. Eu também o desejava loucamente, violentamente, mas era
tímida demais para dizer-lhe isso.
— Muito obrigada por tudo, Felipe Mondragón! Estou muito feliz por
finalmente podermos ser marido e mulher. — Falei, envergonhada demais
para lhe dizer o quanto queria que ele me tomasse.
Seus olhos cravaram nos meus.
— Você quer fazer amor comigo, Antonella? — Perguntou. Sua voz baixa e
rouca.
— Sou sua mulher. — Disse simplesmente, mesmo com a minha alma
dizendo sim, aos berros.
— Não, você é minha esposa. Só será minha mulher se responder à
pergunta positivamente. — Aproximou-se mais, e com uma mão grande
levantou meu queixo, obrigando-me a fitá-lo. — Então pergunto
novamente... Você quer fazer amor comigo, Antonella?
Estufei o peito, foquei nos lábios grossos e deliciosos e sussurrei:
— Eu quero fazer amor com você desde o primeiro dia que coloquei os
olhos nesse rosto perfeito, nesse corpo... — Desci uma mão pelo peitoral
enorme, coberto pela camisa social branca. — Nesse corpo que adoro e
desejo tanto.
O mesmo corpo que eu acariciava, me tomou em seus braços e me envolveu
com uma força adorável.
— Minha princesa... Minha linda princesa, não sabe o quanto esperei por
este momento. — Disse ele, me presenteando com um beijo casto em minha
testa.
Depois, desceu com os lábios colados em meu pescoço, abriu o zíper
traseiro do vestido e deslizou as longas mangas, até expor o sutiã branco e
boa parte do abdômen.
Distanciou-se apenas o suficiente para me olhar nos olhos.
— Meu Deus, que sorte a minha! Você é bonita demais, perfeita. E é toda
minha!
Finalmente me beijou nos lábios, me agarrou pela cintura fazendo-me
circundá-lo com as pernas.
Ficamos nessa posição por um tempo, apenas nos beijando e acariciando,
até que ele me tirou do seu colo e desabotoou o primeiro botão da camisa.
Eu não estava mais com medo, estava feliz e excitada, então deitei-me na
cama para assistir ao espetáculo que era ele se despindo para mim.
Felipe se sentou à beira da cama, colocou minhas pernas sobre seu colo e se
livrou muito rápido da camisa.
Experiente, empurrou-me com delicadeza para trás, e terminou de tirar o
meu vestido.
Naquele momento eu estava só de lingerie, à mercê do homem mais lindo
do mundo e me sentia incrivelmente sortuda por isso.
Felipe beijou meu tornozelo e foi subindo os lábios bem devagar,
enlouquecendo-me, fazendo-me latejar como nunca antes.
Estremeci e gemi involuntariamente, quando chegou a um dos dois laços
que mantinham minha calcinha no lugar, e com os dentes, o desfez.
Minhas entranhas vibravam pela proximidade de sua boca no ponto que
mais me torturava naquele momento.
Com destreza, desatou o outro laço e arrancou minha calcinha, deixando
meu sexo, trêmulo e molhado, completamente exposto para ele.
De repente ele parou, e por um breve momento, cravou os olhos brilhantes
em meu rosto, e então aproximou o nariz da minha abertura e inspirou
demoradamente.
— O seu cheiro é muito melhor do eu que imaginava. — A voz grossa e
esbaforida liberou uma deliciosa rajada de vento ali.
Enterrei as unhas na seda da cama, quando uma língua habilidosa e
molhada invadiu minha intimidade pulsante. Sentia meu corpo quente como
uma brasa enquanto sua língua explorava e conhecia profundamente o que
tinha de mais secreto em meu corpo.
Fazia movimentos diferentes, ora se mantinha fixo num montinho muito
específico do meu sexo, ora estocava incessantemente, sendo que esse
segundo movimento era o que mais me agradava. Na realidade, ele estava
me levando a loucura.
Eu gemia alto e empurrava o quadril contra sua boca, tentando de alguma
forma tê-la mais dentro de mim.
Cada célula do meu corpo parecia sentir aquela deliciosa invasão, pois toda
a minha pele reagia àquilo de uma forma alucinada. O meu corpo estava
sendo palco de um terremoto de sensações.
Uma pulsação muito intensa começou a se formar em meu ventre, e foi se
espalhando por todo o meu ser, fazendo-me arquear as costas
descontroladamente, até que algo dentro de mim explodiu. Eu gritei o nome
de Felipe, e o puxei pelo cabelo até tê-lo cara a cara comigo.  Seu rosto
corado a centímetros do meu.
Tomei sua boca para mim, num ímpeto, partilhando meu gosto com ele.
Usando as mãos, meu marido levantou o meu tronco da cama.
— Prepare-se, princesa, porque eu vou te foder agora! — Anunciou com a
voz gutural e os olhos em chamas.
Livrei-me da calça e voltei para meu paraíso.
Antonella estava ali, linda, com seus cabelos loiros e cacheados espalhados
pela cama. A expressão em seu rosto era de quem tinha acabado de gozar, e
estava pronta para muito mais, mesmo assim, estava preocupado.
Enquanto a fodia com a língua, percebi o quanto era apertada e pequena,
sabia que seria difícil me enterrar naquela bocetinha tão minúscula sem
machucá-la, mesmo estando completamente melada e um pouco dilatada
pela excitação e pelo orgasmo. Daria o máximo de mim, tentaria me
controlar e comê-la devagar, apesar de ser indescritivelmente gostosa.
Com cuidado, e olhando-a no fundo dos olhos para lhe dar segurança,
coloquei a cabeça do meu pau em sua entrada, lutando com todas as minhas
forças para não me afundar de vez naquele cantinho delicioso. Eu estava
suando pelo enorme esforço que fazia, enquanto metia serenamente na
intimidade apertada de minha esposa, sentindo-a se alargar aos poucos.
Quando percebi a proximidade de sua barreira, parei e a beijei docemente.
— Vai ser agora, princesa, talvez doa um pouquinho, mas vai passar,
prometo que vai. — Com o corpo tremendo, e banhado em suor, fiz a
pergunta mais difícil de toda aminha vida. — Posso continuar? —
Completei ansioso pela sua resposta positiva.
— Eu sou sua, Felipe, completamente sua! — Gemeu, com a voz rouca de
tesão.
E então ela me puxou para si, e quando me enterrei nela, ela gritou de dor, e
eu de prazer, me sentindo um filho da puta por isso.
— Calma princesa, vai passar, vai passar. — Garanti, com o pau
dolorosamente parado na mesma posição.
Ficar ali estagnado estava me matando, precisava estocar, comer aquela
bocetinha de verdade. Mas não era capaz de machucá-la mais, não ela. Não
a minha princesa.
Felizmente, sua boceta foi se abrindo um pouco mais, e a expressão de dor
desvanecendo gradativamente.
Então, ainda com muita cautela, comecei a me movimentar, sentindo sua
conchinha me recebendo e acomodando cada vez mais. Quando as mãos
delicadas entrelaçaram meu cabelo, e as pernas escancararam
completamente para mim, me senti livre para finalmente marcá-la como
irremediavelmente minha.
Passei a socar com vontade, e ela agora gemia, ao invés de gritar. Suas
lamúrias saborosas de prazer, só aumentavam o meu. Comer Antonella
daquele jeito, era a melhor coisa que já havia feito na vida e era a única
coisa que queria fazer pelo resto dela. Meu corpo tremia de prazer, eu
estava delirando, nunca tinha fodido tão gostoso. Mordiscava seu pescoço, e
corria as mãos por todo corpo nu e suado de minha esposa, enquanto me
enterrava cada vez mais fundo nela.
Aquela boceta, aquela bendita boceta só podia ser o paraíso.
Quando meu orgasmo veio, o dela chegou simultaneamente e gozamos
juntos, um capturando os espasmos e o mel do outro. Desabei ao lado dela,
ofegante, vibrando de dentro pra fora. Me sentindo mais satisfeito do que
nunca, embora quisesse mais. Sua cabeça loira pousou em meu tronco
arfante e eu aproveitei para acariciá-la.
— Doeu muito, querida? — Questionei, apreensivo.
Sua risada doce e calorosa ecoou no quarto.
— O prazer foi maior. — Abarcou todo meu abdômen com seus braços
esguios. — Nunca pensei que fazer isso fosse tão bom.
— E daqui para frente será ainda melhor.
Não podia evitar me sentir orgulhoso pelo feito daquela noite. É muito
difícil dar prazer a uma mulher em sua primeira vez, e eu não só tinha
conseguido isso, como a havia feito gozar duas vezes. — Se soubesse que
era tão bom não teria esperado tanto tempo. — Disse sorrindo distraída,
fazendo círculos imaginários com os dedos em meu peito.
— Que bom que esperou! — Disse, um pouco irritado.
Foi impossível deixar de sentir ciúmes, porque era inimaginável para mim,
ver Antonella nos braços de outro sortudo. Aquela bocetinha tinha sido feita
para mim, e jamais permitiria que outro homem adentrasse meu santuário.
Levantei-me da cama abruptamente, e peguei minha mulher no colo,
fazendo-a soltar um gritinho de surpresa e euforia.
— Onde vamos? — Indagou.
— Nos limpar. — Falei.
Entramos no luxuoso banheiro, e eu a coloquei sentada em uma cadeira
estilo divã, só que alta, que ficava em frente a uma espécie de penteadeira,
toda iluminada por pequenas luzes de LED. Liguei a hidromassagem, a
enchi de sais, e voltei para junto de minha princesa. Apanhei uma toalha
branca em um dos armários do lavabo e abri um pouco as pernas de
Antonella para limpá-la. Entre suas coxas, haviam fragmentos de sangue, e
uma mistura do nosso gozo.
A limpei cuidadosamente, pois sabia o quanto poderia estar sensível ali.
Minhas suspeitas se confirmaram, quando encostei a toalha em sua entrada
e as pernas tentaram se fechar num ato instintivo, um gemido também
escapou de seus lábios.
— Esse desconforto desaparecerá em breve, e um bom banho de banheira
vai acelerar o processo.  — Informei, dando-lhe em seguida um suave beijo
na testa.
Alcancei uma presilha no armário, prendi seu desgrenhado e lindo cabelo.
A seguir, a levei para a grande hidromassagem retangular e me juntei a ela.
Me acomodei à sua retaguarda e envolvi o corpo pequeno em meus braços.
As águas borbulhantes e quentes massageavam nossos corpos e um
delicioso aroma de flor de laranjeira e limão, oriundo dos sais de banho,
permeava o ambiente. Podia sentir a tensão abandonando-a paulatinamente,
e após uns vinte minutos imersos na banheira, poderia garantir que ela
estava cem por cento recuperada da nova e intensa experiência que vivera
comigo. Meu pau começava a dar os primeiros sinais de renascimento. Ele
queria se afundar na bocetinha quente e apertada novamente e eu queria
fazer amor com ela.
Meu membro alcançava a suave curva, que havia entre o fim de suas costas
e o começo da bunda avantajada e redonda. Foi aquela parte delicada de seu
corpo que se esfregou contra meu orgulho, não sabia se o gesto tinha sido
proposital ou não.
— Eu quero você de novo, Antonella. — Sussurrei, ao pé da orelha
pequena.
— Também quero você.
Não precisava de mais nada. Com celeridade, a virei para mim e a sentei em
meu colo. Meti, daquela vez com muito mais veemência e liberdade. 
Minhas mãos passeavam pelas costas ensaboadas, enquanto as dela se
mantinham fixas em minha nuca. Era uma delícia fazer sexo com ela, pois
embora fosse completamente inexperiente, conhecia truques de como
enlouquecer um homem, talvez aprendidos em filmes e livros.
Como estava por cima, rebolava devagar, apertando meu pau. Prendia-o em
suas entranhas quando queria, e ia liberando-o vagarosamente, estabelecia
seu próprio ritmo. Ora mais lento, ora mais forte e rápido. Gemia baixinho,
gemidos naturais que ressoavam como música aos meus ouvidos. Eu não
tinha muito o que fazer, queria deixá-la se conhecer e me conhecer também.
Então só fiquei ali, parado, aproveitando o momento sublime que minha
princesa me proporcionava. O orgasmo demorou a vir, mas quando chegou,
deixou marcas que nunca esquecerei, lembranças de puro prazer.
Depois de uma ducha, voltamos para o quarto, trocamos os lençóis
manchados de sangue e nos aconchegamos um nos braços do outro.
— Como será nossa vida daqui para frente, Felipe? Indagou, com sua voz
doce e um pouco sonolenta.
— Feliz, eu espero.
— Eu sei, mas me refiro ao resto, ao que tem além do quarto e de nós dois.
— Você é livre, Antonella. Pode fazer o que quiser. Desde que não saia do
meu lado, naturalmente.
— Eu não sairia do seu lado nem se um furacão se interpusesse entre nós.
— Beijou meu abdômen. — Mas gostaria de estudar.
— Verdade? E o que gostaria de aprender?
— Sempre sonhei em cursar designer de moda.
— Faça isso então. Trataremos desse e de outros assuntos quando voltarmos
de viagem.
— Nossa, uma viagem a Paris! Esse é outro dos meus sonhos. O que
faremos tanto em Paris?
— Je te mangerai beaucoup à Paris.
Sorriu.
— O que isso significa?
— Você vai descobrir.
Na manhã seguinte ao nosso casamento, não nos apressamos em deixar o
hotel. Depois de fazermos amor pela terceira vez desde que nos tornamos
marido e mulher, pedimos o café da manhã na suíte, que veio recheado e
sortido.
— Estava com bastante fome, hein, princesa?
Voltei os olhos para meu esposo, que naquele momento devorava um par de
torradas com geleia.
— E você não? — Perguntei e ele sorriu, depois de engolir o último pedaço
e já alcançar na mesa, uma generosa fatia de bolo.
— Tem razão! Parecemos duas feras esfomeadas. Mas é compreensível,
depois da noite e da manhã que tivemos.
— Teremos tempo para queimar todas essas calorias em Paris. — Informei,
dando uma piscadela em seguida.
— Ah, com certeza sim!
Limpei a boca com um guardanapo de pano.
— Por falar nisso, já não está tarde?  Que horas sai o voo?
— A hora que quisermos, o avião é nosso.
— Seu.
— Nosso.
Deixamos o hotel duas horas depois, após mais uma sessão de sexo e um
banho demorado. Chegamos ao aeroporto por volta do meio dia. Um grande
avião preto escrito Mondragón nos aguardava.
À frente dele, estava uma tripulação de quatro pessoas.
A aeronave parecia ainda maior por dentro: vários assentos de couro preto,
a cabine do piloto, e ao fundo, uma porta prateada, para onde Felipe me
levou assim que embarcamos. Foi só colocarmos os pés no lugar para que o
espanto se instalasse em mim. Antes de ver qualquer coisa, senti o cheiro
indecifrável de Felipe pairando no ar, enevoando meus pensamentos.
Acompanhei meu marido até uma cama de casal, que com o tempo percebi
se tratar de duas poltronas acopladas, que com alguns movimentos
delicados se transformavam naquela cama maravilhosa. Sentei-me na
pseudo cama, enquanto Felipe apanhava uma garrafa de vinho e duas taças,
que estavam juntos a um arranjo de peônias brancas numa pequena cômoda
preta que havia num canto da cabine.
— Tudo o que você possui, é assim? — Girei os olhos pelo ambiente
asséptico, elegante e que nem de longe lembrava um avião. — Tão fora da
realidade? — Complementei.
Colocando primeiro os joelhos na cama, sentou-se à minha frente e me
entregou uma taça que já estava cheia com vinho tinto.
— Bom, possuo você que é bem real, embora pareça uma fantasia. — Seu
corpo grande foi se aproximando de mim, e a já comunal, corrente de calor,
começou a se formar em meu sexo. — Uma fantasia que adoro tornar
realidade sempre que possível. — Sussurrou, deslizando as alças finas do
vestido azul que eu usava.
Estava sem sutiã, pois a roupa que vestia não demandava um. Lábios
quentes abocanharam um mamilo rijo e o outro foi atiçado por uma mão
enorme e habilidosa. Já tínhamos feito sexo algumas vezes, muitas, na
verdade, considerando o pouquíssimo tempo que tínhamos começado. Mas
mesmo assim, era sempre algo novo, inédito. As surpresas e cartas que
Felipe guardava na manga, pareciam infinitas.
Ele tirou a taça da minha mão e, sem aviso prévio, empurrou-me na cama.
─– Não me canso de te admirar, sabia?
Falava com a boca praticamente colada na minha pele. Os lábios sugaram o
lóbulo daminha orelha e fizeram o mesmo com a clavícula. Felipe já sabia
que nada me deixava mais louca do que ter sua boca passeando por minha
pele. Quando fazia isso, me ganhava completamente, arrancava qualquer
limite que ainda pudesse impor. Fizemos amor a milhares de metros de
altura, e aquilo foi incrível. O céu testemunhava nosso prazer, como se nem
a força da gravidade pudesse separar nossos corpos.
Quando Felipe mergulhava em mim, éramos um só, e absolutamente nada
podia mudar isso. Voamos por mais de dez horas, e durante todo esse
tempo, só nos separamos quando o piloto afirmou que já sobrevoávamos o
céu parisiense. Desmontamos a cama e afivelamos os cintos de segurança. 
A aterrissagem foi tranquila, quase imperceptível. Voar no avião
Mondragón era muito diferente de voar em um avião comercial qualquer.
Mesmo quando papai era vivo, e eu viajava ao seu lado na primeira classe,
não se comparava com a elegância e desenvoltura com que cruzávamos o
mundo numa aeronave como a de Felipe. Ao desembarcarmos, fomos
atingidos por uma ventania muito forte e fria, ocasionada pela junção do
movimento das grandes hélices com o gélido ar europeu.
Felizmente, durante a viagem, substituí o leve vestidinho, por calças
corpulentas, botas de camurça e um grande casaco de peles. O braço do
meu esposo ao meu redor também corroborava para amenizar o frio. No
estacionamento do aeroporto, o motorista temporário contratado por Felipe,
nos esperava em frente a grande limusine prata que usaríamos para nos
locomover durante a estadia na cidade.
Queria muito me concentrar no caminho até o hotel, contemplar minha
primeira noite na capital francesa, porém, não dormi durante as quase doze
horas de São Paulo até Paris, e isso estava cobrando seu preço. Por isso
adormeci logo que entramos no carro. Despertei com a voz suave de Felipe
avisando que havíamos chegado ao hotel.
Quando abri os olhos, uma construção imperial preencheu-os de beleza e
magia. Era uma coisa magnífica, como nunca tinha visto antes.
Uma espécie de palácio tingido de uma cor clara que não pude distinguir
bem por ser noite, apesar de incontáveis janelas irradiarem uma luz amarela
para fora da construção. Passamos pelos enormes portões negros, cheios de
pequenas aberturas com detalhes diversos, que circundavam o hotel e
entramos. A primeira coisa que se notava no hall, além da largura a perder
de vista, era o conjunto de cinco estratosféricos lustres de cristal
pendurados em elevações distintas. O design do porcelanato do chão
também era algo que vale a pena relatar. Uma única peça tingida de branco
propositadamente encardido, compunha todo o piso. Ao longo da extensão
deste, riscas douradas que em alguns momentos se agrupavam em um
quadrado, noutros, num retângulo.
À poucos metros à frente da bancada retrô escura onde estavam três
funcionárias responsáveis pela realização dos check-ins, uma mesa redonda
pequena, comparada a grandeza do ambiente, com base dourada e um
suntuoso arranjo de orquídeas brancas.
Após nos registrarmos, Felipe e eu tomamos um elevador privativo, que se
abriu diretamente em nossa suíte, novamente imperial. Assim como a suíte
da noite de núpcias, ainda no Brasil, aquela também se assemelhava a um
belíssimo apartamento, só que lembrava as acomodações de uma realeza
remota. Algumas paredes, o piso e objetos e móveis estratégicos da
suíte,incluindo o sofá da sala de estar e os cobertores da cama, mesclavam
tons distintos,porém, sempre azul-claros. Essa particularidade fez com que
me sentisse imediatamente inserida ao lugar.
– Nossa, esse hotel é incrível, Felipe! — Exclamei, admirada. –─ O quarto
é esplêndido, me sinto uma princesa.
Eu estava parada em frente a grande cama, admirando o lindo contraste que
a dupla de abajures flutuantes criava ao entrarem em contato com o dourado
da cabeceira,quando os braços fortes do meu marido me envolveram por
trás e os lábiosencontraram o caminho do meu pescoço.
─– Isso porque você ainda não viu a melhor parte.
–─ Tem melhor parte? –─ Indaguei, desacreditada que aquilo fosse
possível.
─– Claro que tem e vou lhe mostrar agora. Venha cá.
Confiando plenamente nele, segurei em sua mão e o acompanhei até a porta
branca com detalhes em vidro opaco, que dava acesso à varanda. A porta
era de correr, e Felipe afastou as duas extremidades e ela se abriu, fiquei
tremendamente chocada.
Ali, parada em frente a nossa varanda, gigantesca e iluminada como uma
rainha, estava ela... Ela!
A torre Eiffel!
Visitar Paris, mesmo que a negócios, era sempre uma ótima experiência.
Mas aquele mês, no entanto, foi único. Vi a cidade por um ângulo que
nunca tinha visto antes. Talvez da mesma maneira embasbacada com a qual
Antonella reagia a tudo que eu lhe mostrava. Jamais esquecerei a forma
como ficou quando lhe mostrei a vista de nossa varanda.
Para mim, era engraçado vê-la tão estupefata com a torre, o monumento é
inquestionavelmente lindo, mas se comparar com a visão que Antonella
tinha sempre que se colocava diante de um espelho, a Eiffel não passava de
um amontoado de ferro velho. Apresentei-lhe tudo que pude naquele tempo
tão curto, para conhecer uma cidade como Paris, mas confesso que em
muitos dias, sequer nos dignamos a sair do quarto.Passávamos horas e horas
na suíte, fazendo amor em todos os cantos daquele lugarzinho mágico.
— Preciso levá-la para aproveitar mais a capital francesa. Como CEO de
uma multinacional, não terei tempo para outra viagem desse tamanho tão
cedo. — Disse, enquanto nos amávamos no sofá. Naquela ocasião,
estávamos há três dias sem nos afastar do hotel, na verdade, não tínhamos
descido nem mesmo ao hall.
— E não estamos aproveitando? Por acaso existe melhor maneira de curtir a
Cidade Luz, do que fazendo amor à luz de velas, ou sob a sombra do brilho
da Eiffel? — Disse, risonha e afobada, enquanto rebolava com força no meu
pau.
— Não, não tem! — Num ímpeto, virei-me, nos trocando de posição e
assumindo o comando daquela transa.
Claro que além do sexo épico, também vivemos vários outros momentos
maravilhosos naquela viagem.
Fizemos um romântico passeio de barco pelo Sena, isso próximo ao pôr do
sol. Enquanto os raios fracos do sol alaranjavam nossas peles e as águas
calmas do rio, coloquei-a no meu colo para protegê-la do frio que começava
a se apresentar, e declarei pela primeira vez meu amor por ela.
— Eu te amo, senhora Mondragón. — Afirmei, apertando muito seu corpo
contra o meu.
— Te amo mais, senhor Mondragón. Infinitamente mais!
Aquele foi, sem sombra de dúvidas, o momento mais feliz da minha vida, o
instante em que me senti mais humano e dono de um futuro divino que se
apresentava à nossa frente. Ouvir Antonella proferir aquelas palavras era
surreal, e saber que ela me amava tanto quanto eu a amava, era
maravilhoso. Infelizmente, não pude tomá-la em meus braços naquele
momento, porque haviam outros barcos bem próximos ao nosso, mas fiz
isso quando chegamos ao hotel.
Naquela noite sublime externei não só com palavras, também com cada
fibra do meu corpo o quanto a amava e desejava. A possuí na cama, no sofá
da sala, no sofá da varanda e por fim, no chuveiro, onde a ensinei a me
chupar. Começou submissa, ouvindo atentamente cada uma das minhas
instruções. Seus olhos azuis se mantinham cravados na escuridão dos meus,
enquanto a boca me tomava pouco a pouco, conhecendo meu sabor, e os
pontos mais sensíveis do meu pau. Era possível ver a olho nu, a evolução de
sua segurança, e principalmente, eu conseguia sentir isso, tinha o prazer de
sentir isso.
Em pouco tempo, eu estava quase que por completo na boca quente,
molhada e que parecia estar gostando da experiência, de me ter inteiramente
sob seu domínio. Logo, Antonella já tinha o total controle da situação, eu
não precisava mais empurrar. Ela mesma vinha ao encontro da minha
virilha, chupava com força, depois lambia calmamente como se saboreasse
um sorvete de morango, como o que compartilhamos sentados na grama da
Place des Vosges. Queria desfrutar daquele momento por muito mais tempo,
mas foi impossível conter um orgasmo potente, pouquíssimos minutos
depois que me vi completamente engolido pela boca na qual sonhava estar
dentro já há algum tempo.
Como não queria adiar seu prazer, e sabia que meu pau precisaria se
recuperar, também reivindiquei o direito de me deleitar com o gosto do seu
sexo. Ataquei sua intimidade com a minha língua, até que ela gozou na
minha boca, e eu sorvi até a última gota, reivindicando-a para mim.
Talvez aquele tenha sido o dia mais especial e decisivo da lua de mel. O dia
em que assumimos o nosso amor. As malas estavam todas feitas e prontas
para serem recolhidas.
Depois de um banho demorado e de me preparar para o longo voo que
estava por vir,fui ao encontro de Antonella. Minha esposa estava sentada no
sofá azul bebê da varanda, pensativa, admirando a torre Eiffel. Achei essa
atitude no mínimo estranha, dada a alegria dos últimos dias. Aproximei-me
com cautela, e me sentei ao seu lado, para também contemplar a paisagem.
Depois de um suspiro profundo, minha esposa repousou a cabeça em meu
ombro.
— Sentirei muita falta deste lugar. Com certeza foram os dias mais felizes
de toda aminha vida.
Pela primeira vez desde que nos casamos, ela parecia melancólica e eu não
gostei nada daquilo. Queria vê-la sempre radiante, como o sol em um dia
quente de verão.
— Foram os mais felizes da minha vida até hoje também, meu amor, mas
garanto que os melhores ainda estão por vir.
— Promete? Promete que nada no mundo poderá desfazer essa intimidade
que criamos aqui?
Antonella parecia preocupada, provavelmente estava com medo que nosso
amor se esvaísse assim que pisássemos em solo brasileiro.
Ela precisava ter certeza que as coisas só mudariam entre nós se fosse para
melhor. E  não era só ela. Eu também precisava daquilo, não por haver
dúvidas em mim, mas por minha paz depender inteiramente da dela.
Segurei-a pelo queixo, e prendi nossos olhares.
— Você sempre será a coisa mais importante no mundo pra mim. A razão
da minha vida. Isso é uma promessa, Antonella Botelho Mondragón.
Os olhinhos azuis voltaram a exibir o brilho exorbitante com o qual já
estava totalmente habituado, a luz que por ironia do destino, nascera na
Cidade Luz.
— Eu te prometo o mesmo, meu amor. Sempre lutarei por nós dois, pela
nossa felicidade.
— Já vencemos essa luta. — Garanti, convencido daquilo.
Não era capaz de imaginar nada entre nós, estávamos unidos demais para
que qualquer coisa pudesse nos separar. Tínhamos sido fundidos um ao
outro como os ferros da torre que admirávamos naquele fim de tarde.
Felipe estava certo quando disse em Paris que as coisas só iriam melhorar
entre nós.
A vida não poderia estar mais perfeita.
Em dois meses de casamento, o arco-íris em expansão ao nosso redor
parecia ter sido revertido em algo impossível de ser quebrado, ou mesmo
trincado.
Só havia felicidade e amor em nosso mundo.
Claro, não via meu marido tanto quanto gostaria, pois o CEO de uma
empresa da magnitude da Mondragón, está sempre muito ocupado. Mas não
perdíamos uma oportunidade de ficarmos juntos e a sós. Quando possível,
fugíamos para algum canto do país, e passávamos dois dias nos amando
loucamente. Os mimos e agradinhos também eram constantes e mútuos,
muito mais da parte dele, confesso, porém, eu também fazia o que podia
para surpreendê-lo.
Não podia regalá-lo com coisas caras e loucas, como ele fazia comigo, mas
tinha o costume de acordá-lo com um café da manhã na cama, ou com um
belo boquete às 6h00min da matina. E Deus, como ele adorava essa
segunda surpresa! Felipe, por sua vez, tinha formas bem mais elaboradas de
me comprazer, como vôos inesperados para alguma praia privativa, joias
espetaculares que me agradavam bem menos do que as escapadelas que
dávamos de vez em quando, no entanto, me faziam sorrir como uma boba
por imaginá-lo escolhendo-as a dedo para mim.
Na manhã daquele dia, cerca de duas horas depois que Felipe saiu de casa
em direção a Mondragón, fui agraciada com mais um mimo. Dessa vez,
veio em uma caixa enorme, com direito a laço e tudo. Quando abri a caixa,
deparei-me com um vestido vermelho deslumbrante. Longo e sexy, feito de
seda e inteiramente bordado com pedrarias. Em uma caixa menor, encontrei
um leve e elegante conjunto de colar e brincos, confeccionados em ouro
branco.
Havia um cartão atado na caixa. Eu o destaquei e li a mensagem sorrindo.
“Quero-a mais linda do que nunca esta noite, princesa.“
Meu coração se aqueceu, e mais do que pela noite, esperava pela manhã
seguinte. Na qual talvez eu lhe desse um presente muito mais valioso do
que os que ele me dava. Um presente que faria do meu homem o mais feliz
de todos. Pretendia ir à suíte de Marina mostrar-lhe o vestido, mas fui
interceptada por Júlia.
— O senhor Anthony e sua equipe já estão aqui para atendê-la, senhora. —
Informou a prestativa funcionária, assim que abri a porta do quarto.
Juntei as sobrancelhas. Não esperava a visita dos requisitados profissionais
de beleza naquele dia. Poucos segundos depois, meu semblante relaxou a
ponto de um sorriso brotar nos lábios. Aquilo certamente fazia parte dos
misteriosos planos de Felipe para a noite.
— Está certo, obrigada por me avisar, Júlia. Peça que me deem quinze
minutos, e depois os mande subir. Sirva-os algo, se aceitarem.
Finalmente pude ir ao quarto de Marina. Encontrei-a sentada na cama, com
um belo vestido amarelo nas mãos, e uma caixa tão grande quanto a que
recebi ao seu lado.
Minhas sobrancelhas uniram-se de novo.
— Você também recebeu um vestido, meu amor? — Questionei,
completamente atordoada com a situação inédita.
— Sim, não estou entendendo nada, inclusive.
— Eu muito menos, mas uma coisa vinda do Felipe só pode ser muito boa,
certo?
— Com certeza querida. — Disse ela, sorrindo.
Mesmo não fazendo ideia do que me esperava, deixei que o salão móvel
contratado por Felipe me arrumasse da melhor maneira possível. Me
mantive animada o tempo todo, pois mesmo não sabendo de muita coisa,
uma coisa era certa: estava me preparando para meu marido, e essa era a
única coisa que de fato importava.
Quando sozinha no meu quarto, já beirando as 19h00min, coloquei-me
diante do espelho e suspirei de puro orgulho e auto apreciação. Nunca tinha
me visto tão bela, tão à altura do meu esposo super poderoso.
O vestido, os cabelos soltos, volumosos e a sobriedade da maquiagem me
conferiram um visual sensual e extremamente sofisticado. Para onde quer
que fossemos, tinha certeza que meu marido se sentiria envaidecido pela
mulher que teria ao seu lado. Marina também estava deslumbrante em seu
vestido amarelo, com comprimento mediano e de alta costura. A roupa
combinava bastante com o coque trançado que lhe fizeram. Sem sombra de
dúvidas, havia sido produzida como a rainha que era.
— O que será isso tudo, hein querida? — Perguntou minha preceptora,
assim que entramos na Mercedes, onde para minha decepção, Felipe não
estava.
— Bem, eu não sei, é esperar para ver.
Quanto mais o carro avançava pelas ruas da cidade, maior sensação de
reconhecimento aquele percurso trazia.
As casas muito elegantes, porém fora de condomínios, a posição das
árvores, e principalmente o casarão de portão preto, que ficava na entrada
da minha...
Respirei afobada e olhei para uma Marina igualmente espantada ao meu
lado.
— Marina, estou ficando maluca ou esta é nossa antiga rua? — Interpelei,
pasma.
— Sim, com certeza!
Antes que eu pudesse questionar o motorista, o homem estacionou o
automóvel em frente a minha antiga casa. A mesma que eu cresci e fui
praticamente expulsa. A casa dos meus pais. Ali parado, bem em frente a
entrada, estava Felipe. Sorridente e lindo em mais um de seus ternos pretos
caríssimos.
— Meu amor... — Beijei-o brevemente. — O que significa isso?
— Acho que já está mais do que na hora de apresentar a senhora
Mondragón à sociedade.
— Mas esta é a minha casa, Felipe!
Risonho, acenou com a cabeça e envergou ambos os braços para que
Marina e eu nos apoiássemos nele.
— Justamente, consegue imaginar um lugar melhor para isso do que sua
casa?
— Mas e Verônica? — Perguntei assustada.
— Amor, apenas relaxe e aproveite o momento, você merece. Aliás... —
Voltou os olhos para Marina, que assim como eu, apoiava-se nele. — As
duas merecem.
Estávamos assustadas, perplexas mesmo, mas ambas confiávamos no
homem que tanto bem vinha nos fazendo, e o acompanhamos, seguras
apenas de que ele estava nos conduzindo para o melhor. Vários carros de
luxo estavam estacionados, tanto na parte de fora da imponente
propriedade, quanto no estacionamento privado da casa. Meus olhos se
encheram de lágrimas, era emocionante estar de volta naquele lugar. E
daquela vez, apoiada por um braço infinitamente mais forte do que os que
porventura, pudessem se levantar contra mim.
Enquanto cruzávamos o grande portão branco, que dava acesso ao
magnífico jardim, que basicamente compunha a fachada da casa, as
lágrimas finalmente rolaram. Apesar de tudo que passei nas mãos de
Verônica e Sheila, nunca considerei aquela propriedade um cativeiro.
Sempre foi o lar dos meus pais, o lugar onde construíram um amor tão
grande quanto o que Felipe e eu estávamos construindo.
Havia um caminho em mármore, esculpido no meio da grama verde, que
era circundado por pequenas plantas, e estupendos canteiros de flores
diversas. Esse caminho levava diretamente à entrada principal da casa, de
onde era possível ouvir as vozes animadas e uma suave música
instrumental, que vinham lá de dentro. Em determinado ponto, desviamo-
nos do caminho, e fomos em direção aos fundos da casa, onde ficavam a
piscina e a porta da cozinha, por onde entramos.
— Meu Deus! — Marina sorria no mesmo momento em que chorava. —
Minha cozinha. — A voz estava carregada de emoção.
Eu não sabia o que dizer, ainda estava completamente confusa.
— Por favor, Felipe, explique-nos o que está acontecendo. — Implorei,
olhando-o nos olhos.
— Eu comprei a parte que pertencia a Verônica, e agora, meu amor... Esta
casa é inteiramente sua. Aliás, sua e de Marina, porque achei justo colocá-la
como co-proprietária do imóvel.
Minhas pernas falharam, e se não fosse pelo amparo de Felipe, teria ido ao
chão.
Simplesmente não podia acreditar no que meu marido estava dizendo.
Aquele, no fundo sempre fora meu maior sonho. Recuperar o lar Botelho e
exorcizá-lo das invasoras.
— Amor da minha vida! Obrigada, obrigada, obrigada! ─– Agradeci aos
prantos.
Eu podia ouvir os agradecimentos baixinhos e emocionados de minha
Marina.
Desvencilhei-me do meu esposo para abraçá-la.
— Acabou, mãezinha. Tudo o que a gente teve que passar para chegarmos
até aqui de pé, valeu a pena, não valeu?
— Claro, e isso graças ao seu Felipe.
— Não. — Meu marido foi até nós e nos abarcou em seus braços. —
Graças a força que tiveram esse tempo todo.
Ficamos ali por alguns minutos, abraçados, deixando que as lágrimas
cessassem e secassem por si só.
Então chegou o momento de encararmos os convidados de Felipe, e
principalmente, de enfrentarmos Verônica e Sheila pela última vez.
Nunca tinha visto Antonella tão atribulada quanto naquela manhã,
caminhava de um lado para o outro, nossa suíte parecia pequena para tanta
inquietação.
Pensava que talvez ainda estivesse sob o efeito da noite triunfante que teve,
uma noite que certamente lavou sua alma.
Sua mão estava fria na minha, quando apresentei-a oficialmente como
minha esposa, e simplesmente congelou no momento em que uma perplexa
Verônica caminhou até nós.
— O que significa isso, Antonella Botelho? — Perguntou, com os olhos
enfurecidos cravados em minha amada.
— Mondragón, Antonella Mondragón. — Corrigi-a, regozijado com a
vitória daquela noite.
— Senhor Mondragón, não sabia que estava adquirindo a propriedade para
este fim, então gostaria de desfazer o contrato de compra e venda.
— Tem todo direito de tentar, mas deixo-a de sobreaviso que perderá seu
tempo, porque tudo foi feito dentro da lei, atas registradas em cartório e
cheques descontados. Não há maneira de reaver a propriedade, a menos que
minha esposa e sogra queiram lhe vender, mas aí seria um assunto que teria
que tratar diretamente com elas.
O rosto da megera avermelhava-se cada vez mais.
— Isso é um absurdo, o senhor me enganou!
— Não enganei ninguém, e se continuar me ofendendo desta maneira irei
processá-la por difamação.
O olhar indignado novamente se voltou para Antonella.
— Garota ordinária, não sei como conseguiu isso, mas você me paga!
Encolerizei-me de vez, e fitei a desgraçada com toda a violência que havia
se instaurado em mim.
— Veja bem como fala com minha esposa! Se ofendê-la desta forma
novamente juro que destruo-a, a esmago sem piedade como a cobra
peçonhenta que é.
Soltando minha mão, Antonella se interpôs entre nós.
— Suma da minha vida, Verônica! Se voltar a vê-la novamente farei com
que se concretize cada palavra dita por meu marido. — Ameaçou.
Sequer posso mensurar o tamanho do orgulho que senti da minha princesa
quando ela tomou aquela atitude. Foi como vê-la assumindo, pela primeira
vez em muito tempo, as rédeas da própria vida. Sempre soube que ela era
forte e guerreira. Mas presenciar a materialização dessa força foi realmente
maravilhoso.
Voltando aquele momento na manhã seguinte à recepção, não conseguia
acompanhar os passos frenéticos de Antonella, de um canto a outro do
quarto.
— Aconteceu alguma coisa, meu amor? Algo a está incomodando?
Sorriu e virou-se para mim, mas era um sorriso de aflição.
—Não. — Ergueu uma sobrancelha e sentou-se na cama, onde eu ainda
estava. — Na verdade ainda não consegui assimilar todas as emoções da
noite passada. Você... — Inspirou demoradamente. — Você não vai
trabalhar hoje? Já são quase 9h00min e ainda está aí, deitado e sem roupa.
— Não gosta de me ver assim? — Perguntei, maliciosamente.
Sorriu de novo, mas daquela vez o sorriso foi verdadeiro.
— Adoro. — A mãozinha e o olhar cadenciado, deslizavam por meu
abdômen desnudo, me excitando bastante. — Mas estou surpresa, é a
primeira vez que o vejo faltar ao trabalho em uma segunda feira.
— Não vou faltar, só resolvi me atrasar propositadamente para passar um
pouco mais de tempo com minha esposa. O CEO da Mondragón tem esse
direito, não tem?
— Meu marido tem todos os direitos do mundo. — Sussurrou colocando-se
sobre mim.
Mesmo de camisola, podia sentir seu sexo molhado, o tecido delicado da
roupa permitia perceber isso. E ela podia ver e sentir contra seu ventre, a
reação do meu pau.
— Duas transas na mesma manhã? — Fechei os olhos e a pressionei com
toda força contra meu corpo. Me deleitando com o perfume de rosas
impregnado na pele macia.   — Devo estar no paraíso.
Quando alguém bateu em nossa porta, ela saltou para fora da cama e
apressou-se em vestir o robe.
— Calma, não tão depressa, senhora Mondragón. Pra quê tanta vontade de
abrir essa porta?
— Porque talvez seja o nosso paraíso que esteja batendo.
Com essa fala enigmática jogada ao vento, como se não fosse nada,
Antonella correu para abrir a maldita porta. Permaneci na mesma posição e
não me esforcei para descobrir quem batia à porta. Quando minha esposa
retornou para a suíte com a expressão enevoada e um envelope aberto nas
mãos trêmulas, me arrependi da inércia.
— Algum problema?
Balançou a cabeça loira com um sorriso enorme nos lábios.
— Problema nenhum.
Saí da cama e fui até ela.
— Então por que isso? — Referia-me a dupla de lágrimas que escorriam
pelas bochechas coradas.
— Eu não queria te contar dessa forma... Queria fazer isso de alguma forma
criativa como nos filmes e novelas, mas eu... — Sorriu sonoramente. —
Não consigo.
— O que aconteceu?
— Amor, eu... — Expressando um sorriso que me derretia o coração, mas
com os olhos marejados, levantou um ombro. — Estou grávida.
Fui tomado por algo que excedia o espaço disponível em meu ser. Que
transpunha e irradiava por todo ambiente ao meu redor, depois me
reencontrava e me atingia em cheio, de novo e de novo. Felicidade, alegria,
euforia, satisfação... Todas essas palavras soavam brandas demais para
descrever o que eu estava sentindo. Estava literalmente fora de mim,
pairando em outra dimensão. Uma dimensão que ressignificava e
engrandecia tudo o que conhecemos como o melhor por aqui.
Tomei a razão daquele estado sublime em meus braços, e a rodopiei como
se fôssemos duas crianças.
— Grávida, meu amor? Você tem certeza disso?
Sua risada ecoava como um afago em minha alma.
— Mais grávida impossível. Fiz dois testes de farmácia e agora chegou o
resultado do laboratório. — A gargalhada tornava o quarto palco de um
show musical divino. — Estou esperando um bebê, Felipe.
Quando a coloquei no chão, suas mãos acharam o caminho do meu rosto,
enquanto os olhos espelhavam toda a luz que me preenchia por dentro.
— Meu Deus do céu, Antonella! Isso era o que faltava para sermos...
— Completamente felizes. — Completou, expressando com seus lábios o
que a minha alma gritava. — Nós seremos papais, meu lindo!
Aquela altura eu já compartilhava das lágrimas que escorriam de seus
olhos.
Não podia acreditar na dádiva que havíamos recebido dos céus, e tão cedo.
Há muito tempo não via mais um filho com Antonella como um mero
herdeiro. Era o fruto do nosso amor.
Uma expressão de carne e osso da corrente suave, invisível e inquebrável
que nos unia.
Houve festa na mansão Mondragón naquele dia.
Todos estavam eufóricos pela chegada da criança. Claro que cada um tinha
seu motivo, mas a felicidade era o ponto em comum em todos os presentes.
— Um neto! — Meu pai acariciava e beijava a barriga de Antonella, me
dando o prazer de vê-lo sem a armadura de grande empresário pela primeira
vez.
— Quer dizer que nosso poderoso chefinho já está à caminho?
Dóris puxava brinde, atrás de brinde, pela chegada de seu novo líder.  Ela
era a que menos conseguia conter o entusiasmo.
A mais emocionada era Marina, seus olhos não se mantiveram enxutos nem
por um segundo depois de saber da gravidez.
— Graças a Deus estou viva para ver isso. Meu bebê carregando outro bebê
no ventre.
Sorri e soltei minha idolatrada esposa por alguns segundos apenas para
poder abraçar a emotiva senhora.
— Estará viva para ver seu bebê trazendo muitos e muitos bebês ao mundo,
sogra, isso eu garanto.
Comemoramos o dia inteiro. Nem mesmo Dóris, que era uma workaholic
da cabeça aos pés, voltou à Mondragón depois da notícia. Fez questão de
ficar conosco, nos parabenizando por horas a fio, porque segundo ela, não
eram todos os dias que um rei dava as caras nesse nosso mundinho.
Finalmente, o amontoado de pessoas explodindo de alegria, começou a se
dissipar, e por fim, depois daquele dia alucinante, Antonella e eu estávamos
reclusos em nosso santuário, agarradinhos um ao outro.
— Então, princesa, será que virá um menino ou uma menina? — Perguntei,
acariciando o seu ombro nu. Estava esbaforido, pois havíamos acabado de
fazer o amor mais lindo das nossas vidas.
— Imagino que você queira um menino, mas ainda não faço a menor ideia
do sexo do serzinho que estou carregando.
— Não, na verdade não tenho preferência quanto a isso, só desejo que
venha com saúde e se possível tão lindo quanto a mãe. — Não podia ser
mais sincero, o simples fato de que seria pai de um filho que se desenvolvia
no útero de Antonella, era mais do que suficiente para fazer de mim o
homem mais realizado da face da Terra.
— Que é isso? Você é muito mais bonito do que eu! — Disse fingindo
indignação.
— Não, é o que meus olhos veem. — Beijei-lhe o topo da cabeça e
desliguei o abajur. — Mas agora durma, princesa. Como futura mamãe,
você precisa descansar muito mais do que de costume.
— Ah não! Não me diga que será daqueles homens que...
— Silêncio, princesa. É hora da soneca.
Minha garota ainda resmungou bastante antes de cair no sono. Encheu meus
ouvidos com o papo de que gravidez não era doença, de que poderia
continuar fazendo o que sempre fez, que uma gestação não deveria impor
limites a uma mulher. Disse muitas outras coisas que nem lembro mais.
Porque a única coisa que me importava era vê-la ali, completamente segura
enquanto dormia ao meu lado.
Antonella não conseguia entender que só o que eu queria, era garantir que
ficaria tudo bem com ela e com nosso tesouro.
Eu definitivamente estava casada com o futuro papai mais maluco e babão
do mundo. O homem não me deixava fazer nada e estava indo à Mondragón
só pelas manhãs. Ao meio dia, meu CEO paranóico já estava comigo,
vigiando de perto cada um dos meus passos, e acompanhando praticamente
com um binóculo o crescimento da nossa filha. Por que sim, a
ultrassonografia, que havia feito três dias antes, indicou que esperava uma
garotinha.
— Mal posso acreditar que daqui a cinco meses teremos uma carinha nova
por aqui, meu amor! — Disse meu marido, animado e emocionado, no dia
em que se completavam dezesseis semanas de gestação.
A barriga ainda não era visível para o resto do mundo, mas em nossa
intimidade, Felipe e eu já conseguíamos ver uma considerável
protuberância em meu ventre.
— Papai ama vocês, princesas, ama muito, muito! — Disse, interrompendo
o sexo para conversar com nossa filha.
— Nós também te amamos, mas será que dá para continuar o que estava
fazendo? — Perguntei, entrelaçando com os dedos o cabelo macio.
— Com certeza dá!
Voltou a mergulhar a cabeça entre minhas coxas, e me explorar com a
língua eficiente da maneira que sabia que eu adorava. Aliás, adorava tudo
que Felipe fazia comigo sobre a cama, ou em qualquer outro lugar em que
eu estivesse sem roupa, a mercê dele.
Minhas costas subiam e desciam no colchão, enquanto minhas unhas
arranhavam ora os lençóis de seda, ora o cabelo igualmente macio do
homem que me devorava com uma fome insaciável. Me sentia entorpecida
sob o comando de Felipe, e nada podia fazer para ter alguma participação
na foda, quando ele decidia assumir o controle da situação. Honestamente,
não fazia questão alguma de abandonar a passividade, porque Felipe sabia
exatamente como tirar proveito dela.
A língua rígida e quente pouco se dedicava a escorregar pelo clitóris, se
concentrava mais em mantê-lo cativo no calor de sua boca o máximo de
tempo, até que me derretia em seu rosto, completamente saciada, embora,
ansiosa pelo que sabia que ainda estava por vir.
As noites com meu marido não eram uma criança, mas um passeio insano
que se estendia suado e ardente madrugada adentro.
Depois que engravidei, minha libido alcançou níveis inimagináveis, queria
meu marido dentro de mim vinte e quatro horas por dia, e não importava o
quanto minha excitação subia, Felipe não só a alcançava, mas superava num
salto. Embora se preocupasse bastante em não perturbar nossa neném.

Pela primeira vez em quatro meses, Felipe adormeceu antes de mim.


Lindo, grande e com o semblante tão sereno quanto um anjo, meu marido
dormia estirado em nossa cama. Era raro contemplá-lo daquela maneira, tão
inocente e frágil, então desci da cama para apreciá-lo mais amplamente.
Fiquei ali, parada, observando-o por muitos e muitos minutos, sem acreditar
na sorte de tê-lo só para mim. Eu o amava tanto, que morreria milhões de
vezes por ele, porque todo sentido do meu mundo estava emaranhado
naqueles lençóis, e também dentro de mim. Aproveitei o momento de
solidão e paz, para também contemplar o outro pólo daminha alma. Livrei-
me da camisola ali mesmo e migrei para o banheiro, onde me coloquei
diante do grande espelho.
Sem roupa, toquei a pequena bola em minha barriga, com a delicadeza de
quem toca uma rosa. Ela estava ali, meu pequeno botão, um serzinho puro
que fazia transbordar todo o amor que existia em mim. Ainda não conhecia
seu rosto, não fazia ideia de qual seria seu nome, nem se seria uma bebê
quieta, ou uma criaturinha serelepe. Que balançaria as mãozinhas sempre
que me visse, e acordaria berrando às 3h00min da manhã para lembrar
papai e mamãe que estava ali, precisando de nós.
A única coisa que sabia era que já a amava com todas as forças do meu ser.
Sabia que nunca permitiria que nada a fizesse sofrer, que colheria suas
lágrimas antes que lhe molhassem o rosto. Em seu caminho não haveria
espinhos, pois com minhas próprias mãos os arrancaria e poria em seu lugar
uma trilha de flores.
Minha menina seria feliz como a princesinha que era.
Voltei a deitar na cama, e sorrindo, aninhei-me no pai da minha filha, que
por instinto, envolveu-me em seus braços.
Nunca saberei como tudo começou, mas uma dor absurda me fez acordar.
Gritos agonizantes saiam do meu âmago sem que eu pudesse controlá-los.
Sentia como se uma lamina transpassasse minhas entranhas, me rasgando
de dentro para fora.
Felipe assustado, despertou imediatamente.
— O que aconteceu, Antonella? Teve um pesadelo? — Uma mão grande
escorregava por minhas costas, enquanto a outra acarinhava um pescoço.
Nem aquele toque adorado afastava a dor, que ia e retornava de forma cada
vez mais violenta.
Mais um grito me escapou, dessa vez tão alto que pude escutá-lo ecoando
dentro de mim.
Desesperado, Felipe ligou o abajur e olhou para mim, depois, para a enorme
mancha vermelha que manchava a alvura da minha camisola e do lençol.
— Tente se acalmar, querida. Vai ficar tudo bem. Eu vou te levar para o
hospital! — As palavras apaziguadoras de Felipe, na verdade eram berros
que potencializavam meu medo.
Estava por demasiado atordoada para perceber o que se passava ao meu
redor, mas de repente me vi cercada por um amontoado de pessoas, gente
que dizia coisas que eu escutava, mas não entendia.
Nos braços de Felipe, ignorava a dor que me quebrava de dentro para fora.
A única coisa que fazia, era conversar com minha filha, uma conversa que
só ela e eu podíamos escutar. Implorava para se agarrar a mim, para lutar
bravamente como eu estava lutando. Suplicava à minha garotinha para
manter o coração batendo mais forte do que o meu. Eu não podia perdê-la.
“Por favor, minha razão, mamãe está aqui com você.“
— Coloquem-na na ambulância, depressa! — Uma voz ecoava em meu
ouvido.
“Você é forte, princesa, irá pra faculdade. Pode não ir, se quiser, mas estará
aqui comigo“.
Sirenes tentavam se interpor em minha conversa.
“O mundo inteiro tá aqui te esperando, bebê! Você só precisa se segurar
bem forte na mamãe.“
O líquido maldito escorria cada vez mais espesso por minhas pernas. Meu
corpo não tinha o direito de expulsá-la, ela era mais parte de mim do que
meu próprio coração.
“Por favor, meu amor, por favor, a mãe precisa tanto de você .“
— Antonella, eu estou aqui com você.
O balançar do veículo e a voz chorosa de Felipe não conseguiam
interromper a conversa que a minha alma tinha com a minha filha.
“ Fique com a gente, minha vida, o mundo pode não ser bom, mas para
você será, eu prometo. “.
— Senhora Mondragón, consegue manter os olhos abertos?
“Eu te amo!”
E então tudo se apagou, um mar de sangue e lágrimas estava varrendo meu
mundo para um lugar sem luz, um lugar onde a felicidade era só uma
sombra atrás das rochas de medo.
Os olhos fechados e a ausência de consciência não significavam nada. A
imagem daquele anjo dormindo na mais profunda tranqüilidade não era
nada se não ilusão.
Não era um descanso.
Eu sabia que não.
Podia sentir e quase tocar na dor que não a deixava em paz nem no terreno
confuso dos sonhos.
Por alguma razão, a forte dose de sedativo que recebeu fora o suficiente
para fazê-la dormir, mas não impediu que as lágrimas continuassem
manchando a perfeição de seu rosto.
Aproximei-me da cama hospitalar, coloquei um joelho no chão e toquei
com leveza a face que tanto amava. E que apesar de tudo, era o lampejo que
brilhava no fim do túnel.
— Me perdoa... — Comecei, a voz trêmula, a luta contra as lágrimas sendo
perdida. — Prometi que nunca mais te veria sofrer e falhei. — Fechei os
olhos demoradamente, deixando pela primeira vez, desde que tudo
aconteceu, a dor me dominar. — Mas anjo, mesmo que eu me autodestrua
no processo, prometo curar essa ferida que está aí dentro de você. Porque o
seu sofrimento é a minha maior dor.
Eu queria morrer, juntar-me à minha filha, mas nem a isso tinha direito.
Não desabaria enquanto Antonella não estivesse de pé. Dar-lhe-ia a mão
para se apoiar, mesmo que trocássemos de posição e fosse eu a ir parar no
abismo. Estava disposto a tudo para trazer-lhe de volta a felicidade que
tinha perdido.
O ranger delicado da porta indicou que alguém estava entrando.  Virei a
cabeça para descobrir o visitante, mas sem tirar a mão do rosto meigo que
tinha sob a palma.
— Como ela está? — Questionou Marina, baixinho, com a voz tão
melancólica quanto era de se esperar.
— Dormiu. O médico teve que dar-lhe uma dose reforçada de calmante,
pois ela... — Funguei e voltei a me concentrar em minha princesa. — Ela
estava muito nervosa, fora de si.
— E a curetagem?
— Será feita em meia hora. Ela ainda estará dormindo.
— Posso ficar com ela nesse tempo?
— Desculpe, Marina, mas não consigo me afastar dela agora. Está tão
inquieta que pode abrir os olhos a qualquer momento e gostaria que me
visse aqui.
A bondosa senhora aceitou e deixou-nos sozinhos novamente. Segurei a
mão de minha amada até irem recolhê-la para fazer o terrível procedimento.
Arrancariam todos os vestígios que restavam da menina, e tenho certeza
que com isso, também, desmembrariam um pedaço da minha amada. Estava
sem fome, mas juntei-me a Marina na lanchonete do hospital.
Puxei uma banqueta do balcão e recusei o cardápio oferecido pelo garçom.
— O que será da minha garota agora, seu Felipe? — Perguntou Marina,
chorosa.
— A senhora acha que ela vai superar? — Retruquei.
— O que mais queria era dizer que sim, mas não sei. Nunca vi Antonella
tão desesperada, tão perdida.
— Nem eu, mas ela é forte e estaremos ao seu lado o tempo todo.
— Será que é o suficiente?
— Tem que ser.
Ficamos ali, conversando, e até rezando por mais ou menos uma hora,
quando decidimos voltar à recepção, e fomos informados que em poucos
minutos Antonella estaria de volta ao quarto, provavelmente acordada.
Precisamos sentar no grande sofá branco da recepção, para que nossas
pernas não perdessem a força. Quinze minutos se arrastaram desde que
fomos avisados da transferência de Antonella. Permitiram que entrássemos
os dois, mas Marina insistiu que eu fosse sozinho, segundo ela, seria melhor
para minha mulher conversarmos a sós primeiro, e de certa forma, eu
concordava.
O cheiro hospitalar penetrou meus poros até esbarrar na alma, e foi a
primeira coisa que senti quando entrei no quarto. Minha esposa estava
deitada, o cabelo loiro, bastante desgrenhado, cobria boa parte do rosto.
Estava estática.
De onde eu estava, ainda encostado na porta, podia assistir o descer e subir
de seu peito. Aproximei-me com cautela, sabia que estava ciente da minha
presença, mas por alguma razão horrível, não se atrevia a me olhar nos
olhos nem mesmo a mexer a cabeça em minha direção. Puxei uma poltrona
que havia no canto do quarto e sentei à beira da cama. Queria ver seus
olhos, precisava disso para ter certeza que ela ainda era a mesma, mas não
fui agraciado.
Peguei em sua mão, e meu toque não lhe causou efeito algum. Continuava
catatônica, um corpo sem espírito.
— Meu amor, por favor... Por favor, olhe pra mim. Preciso da sua luz,
porque sem ela me sinto mergulhado nas trevas.
Ela olhou, com dificuldade, mas olhou. Porém, não havia o brilho que me
iluminava e aquecia, as íris azuis estavam ocas, congeladas como icebergs
no azul do oceano.
Coloquei para trás da orelha os fios que obstruíam seu semblante.
— Compartilho da sua dor meu amor, ela é nossa e vamos superá-la juntos.
— Felipe... — A voz soou fraca, mas era um bálsamo ouvi-la. — Me sinto
vazia, seca. — Não existiam lágrimas nos olhos, mas o choro estava bem
presente na voz. — Sinto que arrancaram um pedaço de mim, o maior
pedaço.
— Não minha vida, não diga isso, eu imploro, estamos vivos e temos tudo a
nosso favor, todas as chances de recomeçarmos.
Finalmente seus dedos trêmulos retribuíram o amparo oferecido por minha
mão.
— Eu não entendo o que pode ter acontecido, Felipe, nossa menina estava
tão bem. — As lágrimas ingratas voltaram a escorrer. — Hoje mesmo eu a
senti pela primeira vez, e agora ela simplesmente não está mais aqui. Como
isso é possível?
— Amor, abortos antes das vinte semanas são recorrentes, e infelizmente
aconteceu conosco. Porém, isso não significa que não possamos tentar de
novo, nada nos impede de sermos pais.
— E se estiver errado, Felipe? Se houver algum problema comigo? Já
pensou nisso?
— Mas que absurdo é esse que você está dizendo, Antonella? É claro que
não tem nada de errado com você, princesa.  Isso foi uma fatalidade, um
caso isolado que não vai mais se repetir.
Eu não podia prometer, porque pela primeira vez na vida, sentia o destino
me escapar das mãos. Era horrível perceber que não podia impedir que o
mal alcançasse Antonella. Fiz a única coisa que estava ao meu alcance.
Levantei da poltrona, deitei em um dos lados da cama e a abracei. Nos
meus braços, era o único lugar que sabia que estava completamente segura.
Foram necessárias vinte e quatro horas em observação para que finalmente
pudesse levar minha mulher para casa. Uma mulher que não era mais a
mesma, mas que pouco a pouco eu iria recuperar, tinha certeza disso. Como
a gravidez fora interrompida no quarto mês de gestação, o obstetra
recomendou que nos abstivéssemos de sexo por um mês, ordem que com
muito sacrifício eu respeitaria, até porque a própria Antonella parecia ter
perdido o interesse por nossos momentos de intensa paixão. Fazia de tudo
para alegrá-la, para espantar aquela intrusa nuvem que insistia em pairar
sobre sua cabeça, mas não adiantava. Todo meu esforço era em vão, sentia
que depois do aborto não restava nada da minha princesa. Apenas um corpo
desértico, uma luz definitivamente apagada.
— Pensei em passarmos uma semana em Portugal. Nada de sexo, claro,
apenas curtindo a companhia um do outro. — Comentei, alguns dias depois
do fatídico dia.
— Desculpe, meu amor, mas acho melhor não, sou a pior companhia nesse
momento.
— Sabe que o que está dizendo não tem pé e nem cabeça, não sabe? Você
sempre será a melhor coisa da minha vida.
— Obrigada, meu lindo, mas realmente prefiro ficar aqui, descansando. —
Debruçou ainda mais no meu peito, contornando-me totalmente com seus
braços. — Reorganizando os pensamentos.
— Isso eu acho muito bom. Sei que passamos por uma perda enorme, mas
já se passaram dez dias, amor, está na hora de começar a reagir, de sorrir de
novo.
— Por você, eu vou conseguir.
— Por mim não, tem que fazer por você.
— Por nós.
Passamos todo aquele domingo abraçados na cama, sentia que finalmente
estava recuperando minha mulher. Talvez ela reagisse, afinal, talvez a dor
estivesse se tornando menor, mais suportável.
A dor não me deixava em paz. O sofrimento e o medo haviam se tornado
meus maiores algozes. Não conseguia parar de remoer o acontecido, o vazio
em meu útero era um lembrete da desgraça que havia me acometido. A
ferida criada pela perda da minha filha cicatrizava pouco a pouco. As
lágrimas eram como a sutura que fechava aquele rombo. Mas um tormento,
tão intenso quanto, estava ocupando seu lugar.
E se eu não pudesse mais ter filhos?
Independente do que estávamos sentindo, do enorme amor que havíamos
cultivado, uma coisa era fato: Felipe se casara comigo para ter filhos, esse
herdeiro era o prelúdio de tudo que se sucedera depois do nosso primeiro
encontro. Por mais que as coisas tivessem tomado outro rumo desde que
Felipe me propôs casamento, nunca tirei da cabeça que cumprir aquilo era
minha obrigação, minha parte no acordo. Estava angustiada, triste pela
perda da neném, mas destruída pelo pavor de não poder dar um filho a
Felipe.
Marina notou isso enquanto tomávamos um chá em seu quarto.
— Sei que está triste pelo o que aconteceu, eu também estou, mas tem algo
mais, não tem querida? — Perguntou minha preceptora. Lendo em meu
rosto os conflitos que me atormentavam dia e noite.
Abandonei a xícara completamente cheia sobre a pequena mesa e a fitei.
— Queria poder esconder as coisas de você pelo menos de vez em quando.
Mas realmente não dá. Você sempre adivinha quando algo não está bem
comigo.
— Seja lá o que esteja acontecendo, filha, é sempre bom desabafar com
alguém. Ainda mais quando esse alguém te ama mais que tudo e faria o
impossível pra ajudar.
Levantei-me da cadeira, e com tranquilidade me aproximei de Marina.
Antes mesmo de alcançá-la, me joguei em seus braços acolhedores e
desmanchei em lágrimas. O ombro da minha fortaleza era o melhor lugar
para chorar.
— Estou apavorada, Marina, em pânico! Sinto que o chão está se rachando
sob meus pés, e que a qualquer momento desmoronará. A sensação que
tenho é que todo esse mundo aparentemente perfeito que construí com
Felipe, não passa de um castelo de cartas.
Suas mãos afagavam minhas costas, e os lábios davam pequenos beijos no
topo da minha cabeça.
— Meu amor, entendo você, mas está na hora de começar a colocar as
coisas em ordem aí dentro da sua cabecinha. O que se passou foi horrível,
só que não é o fim, longe disso.
Separei-me um pouco dela, e cravei o olhar nos olhos ocre, rezando para
que pudessem ler os meus.
— Marina, o fantasma da perda da minha filha não é o único que me assola
neste momento. — Apertei o útero com força, com os olhos ainda fixos
nela. — Sinto como se tivessem injetado um demônio aqui dentro quando
tiraram meu bebê. Um demônio que me atormenta dia e noite.
Seu rosto naturalmente branco, empalideceu ainda mais.
— Pela primeira vez não consigo compreendê-la. — Expirou e pousou as
mãos em meus ombros rijos como pedras. — A quê se refere exatamente,
Antonella?
Fui de novo tomada por uma onda de lágrimas e voltei a me agarrar ao meu
porto seguro.
— Tenho medo de não poder dar filhos a Felipe. Se esse for o caso, nosso
casamento perde todo sentido, entende? E sem meu marido eu morro.
Chorava compulsivamente, e tanto, que achava que nunca mais ia conseguir
parar.
Só Deus conhecia o horror que havia sido plantado em meu peito, uma
semente que desabrochou e cresceu tão rapidamente, que àquela altura
extrapolava o solo da minha alma e se alastrava dentro de mim como erva
daninha.
— Meu amor, nada disso vai acontecer, eu te garanto. Confia na sua
Marina.
— Confio, mas isso está além do que pode fazer por mim.
—Querida, você e o senhor Felipe não fizeram testes de fertilidade antes do
casamento?
— Sim! — Respondi, cada letra sendo interrompida por um soluço.
— Então qual é o problema?
— Tenho medo de não conseguir segurar um bebê, medo de que alguma
coisa dentro de mim sempre o rejeite.
— Minha vida, esse seu medo é compreensível, mas não tem nenhum
fundamento. Existem tantas mulheres por aí que sofreram um aborto
espontâneo e depois tiveram outros dois, três filhos.
— Sei disso, mas eu sinto, Marina, sinto que alguma coisa não está certa
comigo. — Eu me ouvia e sabia que estava parecendo uma lunática, só que
não conseguia evitar.
— Amor, seu Felipe está em casa?
— Está.  Dóris virá mais tarde para terem uma reunião particular, depois
irão à Mondragón.
— Então vá para seu quarto e converse com ele. Explique seus medos, suas
dúvidas, tenho certeza que resolverão isso juntos.
Obedeci à Marina, mesmo duvidando pela primeira vez na vida de sua
razão, acerca de um assunto relativo a mim.
Encontrei Felipe sentado na cama, concentrado em alguma coisa que via no
notebook repousando sobre seu colo.
Ele estava lindo.
Sem camisa, cabelo molhado e vestindo apenas uma cueca box preta.
Eu morria de saudade dele, da nossa intimidade.
Estava louca para senti-lo gozando dentro de mim. Queria me jogar em seus
braços, escorregar as unhas pelas costas musculosas. Amá-lo loucamente e
ter certeza que tudo ficaria bem entre nós. Mas não podia, em parte pela
restrição médica, e principalmente pela barreira invisível que havia se
formado em mim. Sorrateiramente, aproximei-me dele e sentei ao seu lado.
Assim que sentiu minha presença, Felipe fechou o computador e se
apressou em me abraçar muito forte. Sentia-me segura dentro daquele
abraço, aspirando aquele cheiro maravilhoso, o qual nunca me atrevi a
desvendar para não aniquilar aquele delicioso mistério.
— Você está bem, meu amor? — Perguntou, colocando-me em seu colo e
afundando o nariz em meu pescoço.
Só aquela proximidade me fazia queimar por dentro e inflamar por fora.
Eu o queria tanto, meu maior desejo era voltar a fazer amor com ele.
Queria me perder no corpo que tanta falta me fazia.
Queria esquecer as malditas dores e dúvidas. Mas não podia, não conseguia.
— Felipe, eu estou com medo. — Assumi, com muita dificuldade.
Tirou-me do colo, agarrou minhas mãos e usou seu magnetismo, tão forte
quanto o que mantinha a terra girando em torno do sol, para prender nossos
olhares.
— Medo de quê, meu amor?
— De não conseguir segurar uma criança.
— Você pode. Muito em breve estará grávida de novo e eu vou assistir o
parto. Estarei lá, segurando suas mãos como seguro agora. Veremos esse
bebê crescer, se tornar adulto, e dar priminhos aos outros netos que teremos.
Como queria acreditar naquelas palavras ditas de maneira tão doce e segura.
Mas alguma coisa dentro de mim me impedia. Uma trava no meu cérebro,
tão forte que nada era capaz de perfurar o bloqueio formado por ela, nem
mesmo o amor incondicional de Felipe.
Me sentia morta.
Essa era a palavra.
E o pior: uma morta eternamente apaixonada.
Meu marido deixou definitivamente o notebook de lado e ficou ali, por
incontáveis horas me beijando e acariciando, tentando tapar o buraco que
existia em meu peito. Mal sabia ele que isso era impossível.
Adormeci aquecida pelo calor da única estrela que me mantinha junto à
superfície da Terra. No entanto, acordei com frio, sentindo uma solidão
enorme. Olhei para o lado e constatei que Felipe não estava mais lá. O
relógio de cabeceira marcava 14h00min, o que me fez concluir que Dóris
havia chegado e os dois encontravam-se entretidos na tal reunião. Estava
indecisa entre ir até o escritório saudá-lo, ou permanecer reclusa em meu
mundo oco. Decidi-me pela primeira opção, depressiva ou não, continuava
educada.
Antes de ir ao encontro dos dois, no entanto, decidi comer o lanche que
alguém deixara em minha cômoda. Aquela foi minha primeira refeição
decente em dez dias, estava me alimentando apenas de frutas depois de
muita insistência de Marina e Felipe. Experimentando novamente um
apetite que há muito havia dado como perdido, deliciei-me primeiro com
um pedaço de bolo de laranja. Sentindo em cada pedaço a essência do sabor
cítrico.
Era muito bom sentir o sabor de forma tão intensa, uma garantia que ao
menos um dos meus sentidos continuava ativo. Depois do bolo, tomei
alguns goles do suco de morango, e concluí a refeição com uma generosa
fatia de melão. Me sentia saciada como há muito tempo não sentia.
Foi aí que me dei conta de uma coisa:
Eu estava sentindo.
Sentindo algo físico e não apenas a dor e o inevitável desejo por Felipe.
Uma fisgada de alegria atingiu um pequeno ponto do meu peito, um ponto
específico, porém que causou um bom efeito em mim.
Será que eu estava viva?
Um pouco mais animada, decidi me arrumar, trocar o robe por um vestido
descente, e a palidez do rosto por algo que o desvencilhasse do fantasma
que havia me tornado. Deixei o robe preto cair no chão e retirei a camisola
da mesma cor. Em frente ao espelho, me assustei com o reflexo que me
encarava com olhos escancarados.
Eu estava horrível.
A gata borralheira havia usurpado o lugar da Cinderela que nascera em
Paris. Soltei a fita branca que mantinha o cabelo no topo da cabeça, e deixei
que os fios desgrenhados caíssem por minha nudez. Não estava com
vontade de emergir na enorme banheira, e principalmente com paciência
para esperá-la encher, então, joguei-me debaixo do chuveiro. A água quente
e abundante lavou não só meu corpo, mas a alma também.
Desliguei a ducha e enchi a mão com um dos caríssimos shampoos que
haviam no armário. Ensaboei os cabelos das pontas à raiz. Limpando o mal
que havia se instaurado em todas as partes do meu corpo, inclusive no
cabelo. Depois, deslizei as mãos cheias de sabonete floral pelo corpo
molhado, aspirando seu perfume, fazendo daquele banho um exercício para
reviver todos os meus sentidos. Quando as mãos chegaram ao abdômen
pausei-as ali, e implorei, supliquei a Deus para que aquela massagem
exorcizasse todo o mal, que no fundo, sabia que havia no órgão abaixo
daquela pele. Eu precisava da cura, ansiava pela felicidade que tinha com
meu marido e implorei para consegui-la.
Ao sair do banheiro, senti-me aliviada, limpa de um jeito inexplicável.
Ainda nua, dirigi-me ao closet, entrei no grande e perfumado cômodo e
corri os olhos pelos inúmeros cabides espalhados por todos os cantos do
lugar. Nos seis meses de casamento, Felipe com o auxílio da personal setlist
Fernanda, se esmerou para transformar meu guarda roupas em um vasto e
refinado shopping. Existiam coleções inteiras de todas as melhores marcas
do mundo, não só de roupas,mas de sapatos e acessórios.
Optei por buscar, no meio de toda aquela finesse, algo simples e
confortável.
Depois de alguns minutos revirando cabides e gavetas, encontrei uma calça
preta flare, sem etiqueta famosa acoplada a ela, e uma blusa de linho
branca, que cobria completamente meus braços e deixava o colo à mostra.
Sequei o cabelo e o prendi em um rabo de cavalo alto, colori os lábios com
um batom opaco e corei as bochechas com blush cor de rosa. Depois de
espirrar algumas gotas do delicioso perfume francês, de fragrância que
mesclava entre o floral e o amadeirado, senti-me pronta para encarar o
mundo que havia atrás da porta da minha suíte. Estava satisfeita, pois sabia
que Felipe se sentiria contente em me ver tão aparentemente bem.
Desci as escadas sem pressa, sabia que teria tempo o suficiente para
cumprimentar Dóris e beijar meu marido antes que rumassem para
Mondragón. No corredor que antecedia o escritório, já podia ouvir as vozes
alteradas de meu marido e sua gerente de Marketing, então aproximei-me
um pouco mais, ainda sem revelar minha presença. E foi aí que ouvi as
palavras que colocariam o último punhado de terra sobre meu túmulo...
— Pelo amor de Deus, Felipe, eu também gosto muito de Antonella, mas
entenda: Se existe a possibilidade, e muito grande aliás, dela não poder te
dar um herdeiro, qual a necessidade de  dar continuidade a esse casamento?
— Eu a amo, Dóris. Faz muito tempo que esse bendito herdeiro passou a
ser segundo plano no meu casamento.
— Chefe, isso é muito romântico mesmo, mas você precisa ser mais
racional e menos egoísta. Pense na Mondragón, uma empresa que existe há
mais de meio século, e que coloca comida na mesa de milhares de famílias
todos os dias. O que vai ser da firma sem um sucessor, me diz hein? Pelo
amor de Deus, me diz.
O que havia de concreto sob meus pés terminou de ruir naquele momento,
naquele maldito e inesquecível momento.
Eu não podia dar a Felipe aquilo que ele mais precisava, nem com todo o
amor que preenchia meu coração e alma, não podia fazê-lo verdadeiramente
feliz, e se eu não era capaz de conseguir isso, a razão da minha existência
era levada pelo vento como cinzas de um incêndio.
Foi naquele instante que tive certeza de uma coisa:
Eu precisava me quebrar, precisava me despedaçar em ínfimos fragmentos
para que o homem que me tirou do inferno, e me levou ao céu, encontrasse
a verdadeira felicidade e pudesse ser finalmente completo, tão pleno quanto
merecia ser.
Sabia que Dóris era racional demais para entender qualquer coisa que
excedesse os limites da lógica, então decidi esclarecê-la cientificamente,
que meu amor por Antonella não batia de frente com os interesses da
Mondragón.
— Veja bem, Dóris... — Comecei, já irritado com aquela conversa
desnecessária. — O médico me informou que Antonella sofre da síndrome
do anticorpo antifosfolipídeo, mas isso não significa que ela não possa
segurar uma gestação. Existem tratamentos até muito fáceis que previnem o
aborto. Por desgraça do destino, nós não sabíamos disso antes, mas agora
que sabemos, não há nada que nos impeça de termos filhos saudáveis e
fortes. Basta que Antonella e eu sigamos à risca as orientações do obstetra,
agora baseadas nessa nova informação.
Seu semblante outrora preocupado, e até um pouco raivoso, relaxou
imediatamente. Ajeitou os óculos e se voltou para a agenda preta que havia
do seu lado da minha mesa.
— Bom, isso já me tranquiliza bastante, e sendo assim, vamos à segunda
pauta da nossa reunião. — Me encolerizava vê-la se referir a coisa mais
sagrada da minha vida como se fosse um mero tópico de uma droga de
reunião, porém, de todas as pessoas que conhecia, Dóris era a que mais
sabia o que fazia, então, respirei fundo e segui em frente.
— Haverá segunda pauta? — Indaguei.
— Sim, sua assistente está de atestado médico e me coube colocá-lo a par
do itinerário do dia.
— Por que você, e não uma secretária qualquer?
— Porque uma secretária qualquer não falaria o que precisava ser dito. —
Afirmou concentrada no que lia na agenda.
Senti meus olhos revirarem.
— Prossiga. — Ordenei irritado com aquela ousadia.
— Terá um encontro com um grupo de italianos esta tarde para falar sobre a
nova coleção que será lançada em Roma, no próximo trimestre. Gostaria de
alertá-lo sobre a ferocidade desses caras. Este assunto não é da minha
alçada, então infelizmente não estarei lá para respaldá-lo. Por sorte, nosso
megalodom tem dentes muito maiores e mais afiados que aqueles tubarões
brancos, então se sairá bem. — Fechou a agenda com bastante celeridade.
— Bom, por hoje é só, desejo-lhe sorte, meu grande CEO, e até amanhã.
Queria passar no quarto, beijar Antonella, e dizer que voltaria logo. Mas a
deixei imersa em um sono tão profundo, que seria um sacrilégio acordá-la.
Quando voltasse da Mondragón, sentaria com ela e explicaria tudo que o
médico dissera.Tinha certeza que assim, a deixaria finalmente em paz.
Terminei de checar os e-mails pessoais e segui para Mondragón. Além da
reunião com os italianos, tinha outras coisas a fazer naquele dia. Ainda não
havia me alimentado, a falta de apetite de Antonella me contagiou naquela
manhã. Por isso liguei para Mondragón, e ordenei que providenciasse um
almoço, queria comer assim que chegasse à empresa. O caminho foi longo,
a avenida paulista estava praticamente intrafegável naquele dia, por causa
de uma manifestação estudantil. Se soubesse disso, teria usado o
helicóptero para chegar à empresa. Estava tão atrasado, que seria capaz de
dar R$10.000 a cada estudante, apenas para que nos deixassem passar. Não
foi necessário, a polícia os convenceu a protestarem noutro lugar e a fileira
de carros finalmente começou a andar. Até os semáforos pareciam agir
contra mim naquele fatídico dia, sempre os encontrava fechados.
Só depois de duas horas, praticamente o quádruplo do tempo habitual,
consegui estacionar a Ferrari no estacionamento da Mondragón.
— Sei que Angélica encontra-se adoentada, mas cabia a você me avisar
sobre essa maldita manifestação! — Bradei, indignado, assim que entrei no
andar do meu escritório e coloquei os olhos na sub-assistente.
— Desculpe, senhor, eu não sabia da manifestação. — A morena baixinha 
e de roupa social, levantou-se rapidamente da cadeira.
Mesmo estando atrás de uma mesa quase de seu tamanho, sabia que tremia
da cabeça aos pés.
— É sua obrigação averiguar esse tipo de coisa. Não sou o tipo de homem
que pode se dar ao luxo de ficar horas parado numa maldita avenida.
— Peço desculpa novamente, senhor.
— Esse foi um erro grave, que para o bem de seu contracheque, espero que
não se repita.
— Esteja certo de que não, senhor.
— Os empresários romanos já chegaram?
— Sim, o aguardam na sala de reuniões.
Revirei os olhos e meu estômago seguiu o movimento.
— Tenha um bom dia, Jennifer. — Desejei, ainda emputecido.
Por alguma razão estava me sentindo péssimo, era como se estivesse
doente, mas sem qualquer sintoma físico.
Caminhei apressadamente até o elevador que levava à cobertura do prédio,
onde ficava sala de reuniões. O perfume de lasvanda presente no compacto
ambiente, revirou-me o estômago, pois estava com fome e o aroma
enjoativo não ajudava em nada. Quando o elevador abriu, diretamente na
grande sala, senti os olhares frustrados dos empresários voltarem-se para
mim.
Haviam cinco pessoas sentadas na enorme e escura mesa, quatro delas sabia
que pertencia ao grupo romano, a outra pessoa, que também era um homem,
deveria se tratar de um intérprete, ou alguma outra coisa que naquele
momento não me interessava saber.
— Buongiorno signore. — Saudei-os, me esforçando para lembrar o
sotaque carregado usado pela professora de italiano, mil anos atrás.
— O senhor pode falar em sua língua nativa, que traduzo. — O tradutor que
usava óculos maiores que seu rosto, olhou para os empresários e depois
para mim. — Eles também o desejam uma boa tarde.
Agradeci aos céus por minha opinião estar certa, já que meu italiano era
catastrófico.
Embora tenha me sentindo um pouco desconfortável pelo escancarado
desagrado dos executivos, em decorrência do meu atraso, a reunião foi boa.
Consegui exatamente o que pretendia.
Como sempre.
A maior rede de joalherias da Itália havia firmado uma parceria com a
Mondragón, em alguns meses, o mundo conheceria o resultado dessa união
de gigantes em um lançamento épico, no teatro Salone Margherita. A
Mondragón finalmente entraria no mercado Europeu de forma significativa,
e eu estava eufórico com isso. Depois de assinarmos os contratos, despedi-
me do grupo, garantindo que havíamos fechado um ótimo negócio, que em
muito beneficiaria ambas as holdings. Finalmente, livre da temível reunião,
desci para meu escritório, intentando almoçar. Era evidente que os
tortellinis de camarão haviam sido esquentados e requentados umas cinco
vezes. Mas não me importava com o fato de estarem meio borrachudas e
deformadas, só queria comer, matar quem estava me matando.
Sentado em minha mesa, sem nada relevante para fazer, peguei um quadro
com a foto de Antonella e o beijei, beijei-o de novo e de novo, até devolver
o quadro ao seu lugar.
A fotografia foi tirada durante nossa lua de mel em Paris.
Na imagem, uma Antonella bem diferente do que aquela que tinha em casa
agora. Ela estava deslumbrante, usando um robe vermelho e com a torre
Eiffel ao fundo. Um sorriso lindo em sua boca, os olhinhos azuis
iluminavam-lhe o semblante, os fios loiros e cacheados pareciam voar,
resultado da alta intensidade do vento que assolava aquele dia. Lembrava-
me nitidamente, que depois de tirar a foto, a deitei no sofá da varanda e a
amei ali mesmo, tendo o estupendo monumento por testemunha. Só Deus
sabia o quanto desejava reviver aqueles dias, onde só o que fazíamos era
nos amar, sem preocupações, sem fantasmas. Éramos apenas Antonella, eu
e Paris, três criações feitas para o amor.
Naquele momento, decidi que voltaríamos lá, já havia resolvido todas as
pendências com os italianos. Existiam outras menores, mas as delegaria ao
vice-presidente, porque cuidar da minha princesa era a coisa mais
importante naquele momento. Tinha certeza que voltando à Paris, ela
tornaria a sorrir, voltaria a ofuscar o sol que iluminava a janela da minha
sala naquele momento.
Liguei para Antonella e odiei o mundo inteiro quando caiu na caixa postal.
Tomei por certa a hipótese de estivesse no banho.
Meia hora depois, tornei a ligar, a voz da secretária eletrônica continuava a
ocupar o lugar de Antonella. As chances de estar com Marina eram muito
grandes, e foi nisso que acreditei. Na terceira ligação, duas horas após a
primeira, a preocupação tomou conta de mim. Pedi a Jeniffer que
cancelasse todos os compromissos daquele fim de tarde e fui para o terraço
do prédio, esperar pelo helicóptero. Agoniado, andava de um lado para o
outro,naquele gigantesco ambiente de cimento.Algo me dizia que alguma
coisa não estava bem, e o fato de Marina também não atender o maldito
celular,  corroborava para o aumento da preocupação. O helicóptero
finalmente pousou e embarquei o mais rápido que pude.
Dez minutos depois, estava subindo as escadas de casa tão rapidamente que
parecia que meu coração sairia pela boca a qualquer momento.
— A senhora Mondragón não está em casa, doutor Felipe.
Parei no meio do caminho e virei-me para a mulher.
— Sabe pra onde ela foi?
— Não sei. Ela e dona Marina saíram com duas malas, afirmando que
fariam doações a uma ONG.
Fechei os olhos demoradamente, uma descarga de desespero me
eletrocutava por dentro.
— Quem as levou? — Interpelei, os olhos abrindo lentamente, as mãos
fechadas em punho nos corrimões.
— Pediram um carro de aplicativo.
Aquela resposta foi suficiente para aniquilar o pouco de sanidade que havia
em mim. Como uma besta raivosa, disparei para meu quarto.
Tudo parecia em ordem, no lugar. O closet estava como sempre, o cheiro de
Antonella presente no lugar.
Mas onde diabos ela estava?
Alcancei meu telefone e fiz algumas ligações, rezando para que Antonella
não estivesse fora do alcance das minhas mãos.
O GPS do seu celular estava estagnado em uma posição que para meu
desespero, descobri se tratar da do criado mudo do nosso quarto.
Desolado, e sem sentir absolutamente nada sob os pés, sentei na cama.
Devo ter ficado naquela posição com o tronco abaixado e as mãos cobrindo
totalmente o rosto por vários minutos, até que o levantei vagarosamente.
Olhei para o lado, e o vi.
Pousado sobre a cômoda da cabeceira, vi um envelope branco destinado a
mim. Meu subconsciente já sabia o que estava escrito ali, então chorei e
senti ácido correndo por minhas veias e alcançando cada parte do meu
corpo.
Naquele momento, eu estava sendo jogado para fora do mundo.
Enquanto o carro seguia pelas ruas sinuosas e não pavimentadas, Marina
segurava minha mão com muita força. No fundo ela sabia que se não
sentisse o toque de alguém que amava, eu colapsaria, me desmancharia de
dor e nada no mundo me faria reintegrar.
— Eu não vou aguentar, Marina, eu vou morrer. — Disse, entre soluços, as
lágrimas inundando meu rosto como nunca antes.
— Meu amor, você tem certeza que essa foi a melhor decisão?
Chorei tão alto que atraí a atenção do motorista. Ele disse alguma coisa,
mas ninguém respondeu.
— Eu fiz por Felipe, Marina, e por ele faço absolutamente tudo. — Fechei
os olhos e esfreguei o rosto com as mãos, numa tentativa inútil de secar as
lágrimas. — Estou quebrando por ele, e vale a pena.
— Seu Felipe ficará inconsolável quando perceber que não está mais na
casa.
— Eu sei, mas ele vai superar. O que não aguentaria é passar a vida inteira
sem filhos. — Afundei o rosto encharcado em seu ombro. — Eu não posso
ter filhos, Marina! Não posso, e essa realidade arranca o meu amor de mim.
A dor que estava sentindo era inexprimível, era como se estivesse sendo
dissecada viva. Uma dor que apertava meu coração com mão de ferro.
Desejava ardorosamente deixar de existir, unir-me ao pó da terra pela qual
passávamos naquele momento. Sempre soube que amava Felipe, entretanto,
só tomei conhecimento da intensidade daquela devoção naquele momento.
Durante os seis meses que estivemos casados, meu marido se tornou minha
vida, uma parcela bem maior da metade da minha alma.
Por mais força que fizesse para respirar, não conseguia. Felipe era a
máscara de oxigênio que me mantinha viva, e eu a tinha arrancado com
minhas próprias mãos, por amor. Porque a felicidade do meu adorado,
estava infinitamente acima da minha, só ele importava. Sobreviveria
quando o visse nas revistas com um bebê no colo, mas não agüentaria vê-lo
definhar ao meu lado por jamais realizar o sonho da paternidade. Estava
indo embora por nós dois. Felipe sofreria por algum tempo, mas venceria
essa fase e encontraria a plenitude. Eu, estava partindo para evitar uma
morte em vida, não existia mais futuro para mim. Porém, saber que ele teria
um, impulsionava as batidas do meu coração.
— Chegamos, querida.
Anunciou Marina, quando o Chevrolet estacionou em frente a pequena
porteira de um sítio simples, porém, aparentemente cuidado com todo o
esmero. Pagamos a corrida e admiramos a casinha por algum tempo, antes
de anunciarmos nossa chegada. Era onde vivia Rosário, comadre de Marina,
que conheci quando tinha uns dez anos. Estávamos diante de uma casinha
campestre amarela, cercada por árvores frutíferas e um punhado de lantanas
roxas espalhadas por todo o terreno. Sobre a mureta de tijolinhos sem
reboco que separava a pequena construção do restante do sítio, havia vários
jarrinhos de margaridas, enfeitando-o lindamente.
— Tem certeza de que podemos ir entrando assim? — Indaguei, ao ver
Marina destravando o frágil ferrolho da cerca.
— Claro, a comadre já está a nossa espera.
Muito à vontade, Marina cruzou o pequeno caminho feito de pedrinhas
brancas, que levava à casa. Segui-a, bem mais acanhada. Assim que
chegamos à mureta, a porta, feita de uma madeira bem antiga, se abriu. Por
ela passou uma senhora mais ou menos da idade de Marina, da qual me
recordava vagamente. Era uma mulher negra, de pele pouco escura, bem
mais magra que Marina, e que possuía um sorriso que me contagiaria se não
estivesse tão destruída.
Apressou-se em abrir a pequena porteira que havia no muro, e com um
aceno efusivo, convidou-nos a entrar, o que aceitamos de prontidão. A
casinha era linda por dentro, bem diferente das construções luxuosas com as
quais estava acostumada. Era entrar noutro mundo, e era exatamente
daquilo que eu precisava, sair do meu universo. O chão tinha uma coloração
marrom claro, não possuía porcelanato ou mesmo cerâmica, mas era bem
liso e ligeiramente brilhante.
— Obrigada por nos acolher, dona Rosário. — Agradeci, aceitando o
convite para sentar no modesto sofá vermelho.
— Primeiramente, esqueça essa de dona, pode me chamar de Rosário, ou
Rosa, se preferir. — Entregou para mim e para Marina xícaras com café, e
colocou uma bandeja de biscoitos de polvilho sobre a mesinha de centro. —
Segundamente, é um prazer recebê-las em minha casa. Me sinto solitária às
vezes.
— Prometo que não daremos trabalho. — Falei.
Sorriu.
— Ficarei feliz se derem. A vida aqui é muito monótona, mas tranquila,
tenho certeza de que vão gostar. Na verdade, as esperava há uns sete meses.
O que aconteceu?
Senti uma dor muito forte no peito, e vontade de chorar, mas por um
milagre divino consegui impedir que as lágrimas caíssem.
— Os planos mudaram um pouquinho, Rosa... — Marina percebeu meu
desconforto e segurou minha mão. — Mas agora estamos aqui.
— O que me deixa muito contente. Bom, a casa pode parecer pequena, e
realmente é. Mas possuo três quartos, então acredito que terão algum
conforto.
— Muita gentileza sua, Rosa. Mas até se dormíssemos no chão ficaríamos
satisfeitas, já que somos duas desabrigadas. — Comentei.
Na verdade, possuíamos a casa da minha família, que Felipe nos dera de
presente alguns meses antes, mas ir para lá estava fora de cogitação, já que
seria o primeiro lugar onde me procuraria. E minhas pernas, minha alma e
coração certamente não seriam capazes de fugir dele. Rosa nos levou para
conhecer a casa, e cada detalhe dela remetia a um cantinho de retiro, um
lugar onde poderia se pensar, sem interrupções, por horas e horas. Cada
passo que dava, tinha mais certeza que estava onde precisava estar.
A cozinha era encantadora, a maioria da mobília era feita de madeira.
— Aceitam água, suco? — Perguntou nossa hospedeira, abrindo a
geladeira, que só não se confundia com a alvura das paredes por causa dos
inúmeros ímãs coloridos pendurados na porta.
Neguei com a cabeça
Marina, por sua vez, parecia se deliciar com o suco de manga, que segundo
Rosa, fora feito com os frutos do próprio pomar. Mesmo com o coração
tremendo no peito, acompanhei-as no breve tour pela pequena e linda
propriedade. No quintal, árvores frutíferas de quase todas as espécies, que
brotam e crescem com facilidade em solo nacional. Mangueiras, amoreiras,
goiabeiras e jabuticabeiras, foram algumas das árvores quem eu cérebro em
curto-circuito conseguiu identificar. Havia um pequeno açude nos fundos
do sítio, as margens dele, dois imperiais cajueiros sustentavam uma rede
branca. Aquele foi o lugar que mais gostei no mimoso sítio.
Quando o sol começou a se pôr, finalmente tive uma desculpa descente para
me separar das duas e me direcionar ao quarto que me fora destinado.
Fechei a porta com celeridade, encostei-me nela e ainda no breu, libertei as
lágrimas que segurava desde que tinha chegado naquele lugar. Era
desesperador saber que estava a mais de 150km de distância de Felipe e que
ele não fazia a menor ideia de como me encontrar. Podia imaginá-lo
sofrendo tanto quanto eu, e aquilo era de acabar comigo. Pois a dor dele
potencializava a minha. Ali, na escuridão daquele pequeno cômodo, meu
cérebro formulava imagens vívidas de Felipe chegando em nosso quarto e
não me encontrando. Ele deve ter entrado em desespero quando leu meu
bilhete.
“Agora já sei que não posso te dar filhos, por isso decidi ir embora. Prefiro
que suas lágrimas se tornem um riacho e não um oceano.
Adeus, te amo para sempre.
Sua princesa. “
As duas cobertas sobre meu rosto e a cortina blecaute bloqueando todos os
raios de sol, de nada serviam para afastar aquele bendito azul que há vinte
dias vinha me atormentando dia e noite. Por mais que tentasse, por mais que
guerreasse com todas as minhas forças para emergir daquele buraco de
infinita dor no qual me encontrava, não conseguia. Uma força, que ia além
das minhas vontades, me puxava de volta para o fundo do poço,onde as
paredes eram gosmentas, sujas do sangue que afastara minha alma de mim.
Eu queria morrer, me autodestruir.
Felipe Mondragón, o grande CEO, naquele momento não passava de uma
merda de homem. Abandonado pela mulher que amava, sem que essa
deixasse um mísero indício de onde estava. Uma fina linha, onde pudesse se
agarrar e seguir em frente,seguir à procura do fim do novelo de onde aquela
linha partia. O maldito telefone continuava a tocar insistentemente, me
irritando, arrancando-me da irônica solidão infernal na qual estava. Não me
interessava ouvir a voz de ninguém, não me interessava ver ninguém.
Naquele momento eu era apenas um espírito, que só existia para mim
mesmo e para as lembranças. Já havia contratado vários escritórios de
investigação, numa vã e insana tentativa de encontrar minha esposa, mas
nada adiantou. Os maiores investigadores do país se revelaram um bando de
inúteis, incapazes de encontrar um único rastro de onde minha princesa
fujona tinha se enfiado. Precisava achá-la, explicar que seus medos não
tinham o menor fundamento. Mas eu não fazia a menor ideia de como achá-
la, e essa maldita incerteza e saudade estava acabando comigo. 
De repente, ouvi a pesada porta do meu quarto se abrir, levantei um pouco
das cobertas , apenas para vislumbrar a figura idiota que ousara interromper
minha reclusão. As luzes estavam apagadas, mas como havia abandonado
um negrume ainda mais intenso, pude vislumbrar uma sombra alta e
robusta, que só reconheci depois de ouvir a voz oriunda dela.
— Chega, Felipe Mondragón! Entendo sua dor, mas esse luto pelos vivos
acaba hoje!  — A voz alta e imperativa foi a primeira coisa que ouvi em
dois dias.
Ergui o tronco da cama e estiquei o braço para acionar um dos abajures.
— O que faz aqui, pai? — Esfreguei os olhos. — Pensei que estivesse em
Nova York.
— Eu estava, até descobrir que o presidente da Mondragón a deixou a ver
navios.
O homem estava indignado e não me restava respaldo para tirar sua razão.
— Antonella sumiu.
Assumir aquilo em voz alta me destruiu. Choraria, se as lágrimas não
tivessem se esgotado.
— Já tentou encontrá-la?
Revirei os olhos e acendi o outro abajur. Que pergunta idiota era aquela,
afinal?
— Claro que sim, coloquei os melhores detetives no caso, mas parece que
ela abriu um rombo no globo terrestre e se enfiou lá.
— Não se preocupe, filho, alguma hora ela aparece. Pelo que pude
perceber, vocês se amam, então a garota vai voltar.
Revirei os olhos novamente, e daquela vez o movimento foi acompanhado
por um bufar.
— E o que faço enquanto essa dádiva não me cai dos céus?
—  Bom, até que isso aconteça você tem que seguir sua vida, reassumir a
cadeira da presidência principalmente.Porque, honestamente meu filho, já
estou velho demais para isso. Não se esqueça que é um Mondragón, não um
medíocre qualquer, um pobre diabo que fica debaixo dos lençóis esperando
amargurado a volta de uma mulher.
Subitamente fui invadido por uma fúria que nunca tinha experimentado.
Toda a dor guardada dentro de mim se canalizou num ódio sem freio por
aquele que desgraçadamente era meu pai. Bruscamente levantei-me da
cama, e pela primeira vez encarei, de igual para igual, Ricardo Mondragón.
— Você nunca amou ninguém de verdade, não é? A única coisa que te
importa é a fortuna, a empresa e o maldito sobrenome. Mas quer saber de
uma coisa? Eu abriria mão de tudo isso para ter Antonella de volta. Pra
mim, ela é a coisa mais importante do mundo e amá-la é meu maior dever.
Seu semblante duro não se alterou, mas os ombros caíram por um breve
instante.
— Felipe, eu entendo você, e talvez sim, amar essa moça seja sua maior
obrigação. — Pousou a mão pesada sobre meu ombro. — Mas não é a
única. — Respirou fundo. — Assumirei a presidência da holding
interinamente, então se considere livre para procurar sua esposa pelos
quatro cantos do mundo, se necessário. A única coisa que peço é que pense,
e volte a si o mais rápido possível. Eu ainda tenho certeza de que não errei
quando te coloquei na cadeira de CEO da nossa empresa.
Ricardo Mondragón saiu como entrou, sem ruídos.
Saber que ele ficaria à frente do conglomerado me deu certo alívio. Mas
minha maior dor e preocupação ainda era Antonella.
Onde ela estava?
Desde que desapareceu, deixando como despedida apenas aquele bilhete
equivocado, mais de dez pessoas procuraram por ela. Ninguém conseguiu
trazer uma única pista que realmente levasse a alguma coisa. A esperança
de encontrá-la e esclarecer as coisas começava a morrer, ou talvez já
estivesse morta. Àquela altura, não sabia de mais nada, minha cabeça era
um balão de confusão. Além dos investigadores, no começo também agi por
conta própria. Procurei por Verônica e Sheila, e elas não sabiam de nada,
até desejaram que estivesse morta. O que quase me fez  dar-lhes bofetadas,
porém, fiz pior. Comecei a agir para que perdessem a única coisa que lhes
restava, a confecção Botelho, sabia que muito em breve estariam na mais
completa ruína. Também não achei nenhuma informação sobre familiares
de Marina. Estava em um beco sem saída.
Eu morria de dor e saudade, já não podia suportar tanto sofrimento.
O pior era iminente.
Dar um fim a tudo aquilo, talvez fosse meu próximo passo.
Até que o insistente telefone tocou de novo, e daquela vez, me arrastei para
atendê-lo.
— Oi. — Atendi, sem nenhum entusiasmo.
— Alô, doutor Felipe, é Marina.
E então o meu coração voltou a bater uma, depois duas, depois três... Até
não conseguir me controlar e cair sentado na cama.
— Marina, Marina é você mesma? Pelo amor de Deus, me diga onde ela
está, eu imploro, suplico com toda a minha alma, diga! — Falei tão rápido
que mal pude me compreender, só sentia as lágrimas transformarem meu
rosto em um mar.
— Por favor, venha buscá-la, a menina está morrendo sem o senhor. — A
voz do outro lado da linha exprimia tanta dor quanto a minha própria.
— Eu também estou morrendo sem ela. — Sussurrei, mais para mim
mesmo do que para ela.
— Pode anotar o endereço de onde estamos?
— Claro, agora!
Cinquenta minutos depois da ligação que salvou minha vida, o helicóptero
finalmente pousou em um grande pasto, livre de árvores. Foi difícil de
encontrar,um local adequado para o pouso naquela remota área do estado,
por isso, o piloto sobrevoou a região por uns cinco minutos. Estava
exatamente à 1,5km do endereço fornecido por Marina. Pelo que pude
observar de cima, o caminho até o sítio onde Marina disse que Antonella
estava era sinuoso, então levaria uns vinte minutos para chegar até ela. Não
me importava o tempo, a única coisa que me interessava, era que se a hora
de ter minha princesa em meus braços de novo estava próxima. Caminhei o
mais rápido que pude, sem me afetar com as pedras, plantas e galhos, que
apareciam em meu caminho. Não existia infortúnio no mundo capaz de me
afastar do meu amor. Chegaria até ela, com meus beijos a convenceria de
que tudo ficaria bem e seríamos completos outra vez. Voltaríamos a fazer
parte do mundo.
Quando Antonella e eu nos separávamos, deixávamos de existir. Éramos
espíritos vazios, corpos ocos. Em meu peito batia seu coração e no dela, o
meu. Precisávamos estar juntos para sobrevivermos, fundidos em corpo e
alma. Minha pele aquecia numa cadência absurda, e isso não se devia a
árdua caminhada.
Era por causa dela.
Antonella estava perto, muito perto.
Tudo que havia dentro de mim estremeceu, quando deparei-me com o sítio
descrito por Marina. Por incrível que parecesse, eu não estava cansado e
nem ofegante. Estava apenas com saudades. Uma saudade indescritível, e
que vinha me matando de dentro para fora. Lentamente, mais forte a cada
minuto, a cada segundo que era obrigado a viver sem ela. O tormento estava
acabando, finalmente via uma luz ao final do túnel, que era refletida pelas
duas estrelas mais lindas do universo. Ansioso e nervoso, como nunca
antes, atravessei a porteira. Cheguei a um pequeno muro e chamei por
Marina. Chamei umas três vezes até que a porta finalmente abriu e ela
apareceu.
Foi impossível segurar a emoção, e por conseguinte, o choro. Aquele
rostinho doce e maternal era um dos que eu mais ansiava ver nos últimos
vinte dias. Mandando a educação para os quintos dos infernos, saltei a
mureta, derrubando com o gesto abrupto, dois ou três jarrinhos de
margaridas, e abracei minha sogra, como se abraçasse minha própria mãe.
Mesmo estando em um lugar que provavelmente não constava no mapa, em
um ambiente que destoava cem por cento do meu, nunca me senti tão em
casa quanto naquele momento.
— Onde ela está? — Perguntei, agoniado.
— No fundo do sítio, deitada numa rede entre dois cajueiros. Não vai ser
difícil encontrá-la. Sabe, senhor Felipe, é lá que ela passa a maior parte do
tempo, chorando e pensando no senhor.
Meu coração se fechou como uma mão se fecha em punhos.
Era horrível imaginá-la chorando, sofrendo.
— Por favor, resolva as coisas. — Abaixou a cabeça e respirou
profundamente. — Já não aguento ver minha menina assim.
Beijei-lhe as mãos.
— Esteja certa de que resolverei tudo. — Garanti, olhando-a no fundo dos
olhos.
Acenou com a cabeça e abriu um meio sorriso.
— Minha comadre foi à cidade e eu ficarei por aqui, então poderão
conversar à vontade.
— Obrigado.
Apressei-me para encontrar Antonella, estava sedento por ela. Precisava
mergulhar na limpidez de seus olhos, só assim teria certeza de que ela ainda
existia.
Enquanto caminhava pela grama bem cuidada, uma infinidade de
sentimentos se misturava em meu peito como em um grande caldeirão.
Sentia falta de Antonella, de sua áurea tão iluminada, das conversas bobas
que costumávamos ter madrugada adentro. Morria de saudade de dormir e
acordar com seu corpo minúsculo e perfumado entre meus braços. Queria
explicar que tudo ficaria bem, beijá-la muito, amá-la mais ainda. Queria,
principalmente, abraçá-la, porque só com um abraço profundo nossos
corações voltariam a bater num só peito, produzindo uma melodia digna
dos anjos.
Enquanto meus pensamentos transitavam entre o futuro e o passado, os
olhos esbarraram no presente. Nem Leonardo da Vinci, no auge de sua
inspiração, poderia pintar um retrato tão perfeito quanto o que eu tinha sob
meus afortunados olhos naquele momento.
Ali, deitada numa rede, sustentada por duas grandes árvores, estava ao
mesmo tempo o querubim e o demônio que me atormentou sem trégua em
cada instante dos últimos vinte dias. Que se materializava diante de mim
como uma deliciosa fantasia, estando eu acordado ou não. Antonella, minha
reverenciada Antonella estava ali, à pouquíssimos metros de mim.Linda e
fascinante como sempre.
Por um segundo tive medo de me aproximar. Ela parecia tão perdida em
divagações, que seria quase uma heresia arrancá-la delas tão bruscamente.
Mas o magnetismo estava ali, como sempre, um magnetismo que foi capaz
de me levar lentamente até ela.
Eu era a Terra, ela o Sol, e era absolutamente impossível resistir à luz e ao
seu calor.
Com dedos tão suaves quanto bolas de algodão, toquei seu braço,
suspirando de alivio por voltar a sentir aquela pele macia sob minha mão.
O singelo toque gerou uma forte descarga de energia.
Encontrara por fim, o desfibrilador que faria meu coração voltar a bater.
Antonella não foi imune a esse efeito. Em um sobressalto, sentou-se na rede
e fixou o olhar assustado e molhado no meu.
— Felipe... — A voz era baixinha e cheia de agonia. — É você mesmo? —
Questionou, com os olhos fechados e cheios de lágrimas.
Parecia não acreditar que eu estava realmente ali, junto dela, ajoelhado em
frente à rede.
Eu também não acreditava.
Era um sonho, um muito real.
Delicadamente conduzi suas mãos até meu rosto e a fiz tocá-lo.
— Sinta minha pele, princesa, meu cheiro, meu infinito amor. Estou aqui
agora e nada no mundo vai tirar você de mim outra vez.
Sem que esperasse, ela levantou-se da rede e me abraçou.
Um abraço que nunca esquecerei.
Nossos corpos e almas estavam se reencontrando, se reconhecendo.
— Eu te amo.
A voz abafada e trêmula, disse exatamente o que eu precisava ouvir.
— Eu também te amo, muito.
Peguei-a no colo, e agarrado à minha amada, sentei-me na rede.
Ainda estávamos abraçados num abraço de saudade, porém, extremamente
sensual.
Suas pernas circundavam minha cintura, e minhas mãos passeavam pelas
costas nuas, devido ao modelo do vestido azul.
Estávamos reassumindo a posse um do outro, não importavam mais as
dores e medos, éramos nós outra vez.
Com fome dela, deitei-a na rede, subi o vestido até as coxas, e antes de
continuar o que pretendia e precisava fazer, olhei-a nos olhos enevoados de
prazer.
— Tudo ficará bem-querida, eu prometo. — Disse.
Dito isso, finalmente a reivindiquei de volta.
As pernas estavam escancaradas para mim, o perfume que emanava delas
não era mais de rosas, e sim de lavanda, que eu adorava também,
simplesmente por partir dela. Havia uma calcinha lilás separando meus
olhos da visão que mais desejava contemplar. Coloquei-a de lado e aspirei
seu aroma delicioso. Estava preparado para me afogar naquele mar de mel,
mas antes que o deleite começasse, senti dedos entrelaçarem em meu cabelo
e o puxarem levemente para cima.
Fixei os olhos nas ardorosas pupilas.
— Sua língua é muito habilidosa, deliciosa, mas...
As pernas vibraram e o aperto em meu cabelo se tornou mais forte.
Meu pau atritava contra o tecido da calça e com muita presteza,
desvencilhei-me do maldito empecilho.
— O que você quer, princesa?
— Quero você, Felipe... Quero você por inteiro. — As mãos finalmente
conseguiram me levar a altura que desejava, e nossos sexos excitados
roçaram um no outro. — Preciso que me coma, agora. — Sem pudor,
encaixou meu pau em sua entrada melada. — Com força! — Ordenou.
Algum tempo depois...
Minha pequena brincava distraída com a bola rosa que ganhou de um dos
ornamentadores da festa. E eu estava ali, parada à beira da escada,
admirando a loirinha serelepe, como a mãe boba que era.
— Consegue acreditar que nossa Íris já está com dois anos? — Perguntei,
ao sentir os braços fortes do meu marido envolvendo-me por trás.
— Pois é, princesa, mal viramos uma página de livro, e nosso bebê arco-íris
já está aí, correndo e bagunçando a casa inteira. Quero ver como vai ser
quando seu companheiro chegar.
Felipe acariciava o garotão que há seis meses crescia em meu ventre, ao
mesmo tempo que me regalava com beijinhos no pescoço.
— Será perfeito. — Garanti, virando-me risonha para admirar e beijar meu
lindo esposo.
— Venha! — Segurou em minha mão. Havia um sorriso lindo em seu rosto,
o sorriso que mais amava no mundo. — Vamos sair daqui antes que Íris
note nossa presença e nos monopolize até a hora da festa.
Felipe estava certo, isso era o tipo de coisa que a garotinha faria.
Estávamos nos preparando para subir as escadas, até que uma mão firme
tocou em meu ombro, me impelindo a virar para trás. Quando vi a figura a
minha frente, entrei em choque. A mulher vestida com o uniforme azul da
empresa responsável pela organização da festa estava parada á minha
frente, com uma prancheta nas mãos.
— Sheila! — Exclamei, aturdida.
— O que diabos faz em nossa casa, garota? — Esbravejou Felipe, descendo
os três degraus que já havia subido.
— Trabalho no buffet que contrataram, foi o que me restou, já que resolveu
pagar uma mixaria pela confecção. — Havia muito ódio em sua voz, mas a
péssima energia não me contagiou, meu coração estava completamente
cheio de amor e felicidade, não havia espaço para outros sentimentos.
— Paguei o justo, comprei uma empresa falida, que felizmente foi
reerguida por Antonella. Ela sim tem a essência criativa dos Botelho.
Juntei as sobrancelhas.
— Mas e a fortuna que receberam pela casa?
Revirou os olhos, que estavam sem as costumeiras lentes coloridas.
— Maus investimentos, só que isso não é da sua conta. Vim apenas
perguntar se os brinquedos infláveis devem ser instalados na área externa da
casa ou no salão de jogos.
— Na área externa. — Respondi.
— Me lembre de nunca mais contratarmos essa empresa. — Sussurrou
Felipe, ao subirmos as escadas.
— Fique tranquilo, querido, certamente não esquecerei disso.
Por pior que tenha sido minha vida ao lado de Verônica e Sheila, jamais
desejei que tivessem tal fim. O trabalho honesto dignifica o ser humano,
entretanto, conhecia-as o suficiente para saber que aquele era o pior dos
castigos. Afinal, não existia nada nelas além da ganância e sem dinheiro,
eram vazias. Meu marido e eu entramos no quarto, e por estarmos exaustos
por termos passado a manhã na piscina com nossa bonequinha, desabamos
na cama.
Respirei fundo e me ergui um pouco para ficar frente a frente com meu
esposo.
— Não acredito que ainda teremos que encarar horas e horas numa festinha
infantil antes de podermos descansar. — Disse, um pouco frustrada,
acariciando a barba por fazer de Felipe.
— Com certeza será um dia maçante, mas Íris merece.
Sorri ao lembrar do meu arco-íris, batendo palminhas no colo de Marina,
enquanto os funcionários enchiam os balões.
— Isso e muito mais. — Afirmei risonha.
De supetão, Felipe se levantou da cama e me fitou com uma sobrancelha
erguida.
— O que foi?
— Tenho um presente pra você.
— E qual a novidade? O CEO do ano sempre tem presentes para mim.
— Esse é especial.
— Conseguiu atiçar minha curiosidade. O que é?
Com um pouco de dificuldade, devido ao peso que a barriga já conferia,
sentei-me na cama e esperei por Felipe.
Misterioso e mudo, meu marido se dirigiu ao closet, de onde voltou um
minuto depois com uma caixa preta nas mãos. Seu olhar era um par de
pérolas negras fixas em mim. Surpreendendo-me ainda mais, ajoelhou-se
diante de mim como fez no dia que me pediu em casamento e sorrindo,
abriu a caixa. Um deslumbrante par de sapatos cravejados de diamantes
ocupava o veludo negro da caixa.
Pasma, minha boca se abriu em um “o”.
Estava chocada, deslumbrada com o que via.
— Felipe... — Comecei, ainda abismada. — Ele é lindo, espetacular.
O sorriso do meu marido ofuscava os diamantes.
— Levou algum tempo para ficar pronto, mas fiz questão que chegasse
hoje. Quero que o use na festa.
Esquivei a cabeça para beijar meu amado.
— Obrigada, amor, obrigada mesmo. Só que já sinto meus pés um pouco
inchados por causa da gravidez, e não acho que caberão.
— Já eu tenho certeza que sim.
Mesmo com minha hesitação, Felipe insistiu em retirar as sapatilhas que
usava.
— Deixe de ser teimoso, amor, já disse que não cabe. — Disse balançando
os pés, risonha.
— Por que não fazemos uma aposta?
Franzi o cenho.
— Que tipo de aposta, garoto?
— Se não couber, a CEO da confecção Botelho terá que me pagar um jantar
no melhor restaurante de São Paulo.
Ergui uma sobrancelha.
— E se couber?
Com a carinha safada que tão bem conhecia, ele disse:
— Se couber, significara que ganhei a aposta. E minha recompensa será
bem simples... Quero você na nossa cama me satisfazendo de todas as
formas possíveis. Brincaremos de “O Mestre Mandou” a noite toda, e o
mestre serei eu. — Deu-me uma piscadela antes de tirar o sapatinho da
caixa. — E então, aceita?
A proposta dele me deixou quente como o fogo que existia em seus olhos.
Não houve uma noite com Felipe que não tenha sido incrível, porém, as
comandadas por ele eram épicas. Só Deus sabia como eu desejava que
aquele sapato entrasse.
Sabe os príncipes encantados que conhecíamos nos contos de fadas quando
criança, e sonhávamos em encontrar um na vida real?
Bem, eu tive essa sorte.
Exatamente como o príncipe da Cinderela fez, Felipe tomou meu pé em
suas mãos, deu-lhe um beijinho e em seguida calçou o sapato.
Seus olhos brilhantes se concentraram nos meus, e com um sorriso
malicioso, informou:
— Coube. E aí, ainda está disposta a honrar a aposta?
 

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