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Sumário
Sinopse
Prólogo
Capítulo um
Capítulo dois
Capítulo três
Capítulo quatro
Capítulo cinco
Capítulo seis
Capítulo sete
Capítulo oito
Capítulo nove
Capítulo dez
Capítulo onze
Capítulo doze
Capítulo treze
Capítulo catorze
Capítulo quinze
Capítulo dezesseis
Capítulo dezessete
Capítulo dezoito
Capítulo dezenove
Capítulo vinte
Capítulo vinte e um
Epílogo
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Sinopse

Um poderoso CEO

Uma grávida rejeitada

Um mal-entendido... e um reencontro anos depois, sendo eles agora

chefe e secretária.

Noah Bianchi estava terminando a faculdade quando fez uma

viagem para o interior junto a um grupo de amigos. Um último momento de


diversão antes de assumir o cargo de CEO na construtora do pai.

E foi em um barzinho da pequena cidade que ele conheceu Carla,

uma jovem cheia de sonhos, que tocava com sua banda todos os finais de
semana no local. A conexão e o desejo entre eles foram quase instantâneos,

e os dois acabaram passando a noite juntos.

Porém, ao receber um telefonema informando sobre a internação do

pai, Noah precisou partir às pressas. Ele e Carla não chegaram nem a trocar

telefones. Sequer sabiam os sobrenomes um do outro.

Ao descobrir que estava grávida, ela o procurou. E o recado que

recebeu foi bem claro: ele não queria saber daquela criança. Chegou a
oferecer dinheiro para que ela desaparecesse para sempre.

Anos depois, ela se mudou para São Paulo com o filho e conseguiu

o emprego de secretária em uma grande construtora. O que ela não


imaginava era que o poderoso CEO com quem iria trabalhar era justamente

o homem que a rejeitou quando estava grávida.


Prólogo

Dia do reencontro

17:38

Que dia de merda tinha sido aquele...

Aliás, definir aquele dia assim talvez fosse até mesmo um elogio

diante de tudo o que tinha acontecido.

A pior parte, sem dúvidas, tinha sido a minha ridícula perseguição a

uma funcionária da empresa. O que a imprensa diria se a história vazasse?


Eu já podia até mesmo visualizar as matérias sensacionalistas:
CEO da Bianchi Construtora assedia funcionária correndo atrás dela por

dez andares da empresa.

Eu não queria bancar o idiota. Mas, que droga... Ela era muito

parecida com alguém que eu conheci.

E nem era conhecer do tipo um parente afastado, ou uma velha

amiga, ou uma ex-namorada. Ela era conhecido com alguém com quem eu

tive um envolvimento durante um curtíssimo espaço de tempo.

Mais precisamente, por algumas poucas horas.

Poucas horas que, por qualquer razão, tinham ficado

permanentemente gravadas em minha memória.

E eu, logo que avistei aquela nova secretária, tive a insana certeza

de que fosse a mesma mulher que conheci em um bar seis anos antes. E,

com isso, comecei a correr atrás dela como um louco psicótico.

Não era à toa que a pobre funcionária tivesse fugido de mim,

correndo, em desespero, entrando no elevador enquanto eu descia atrás dela

pelas escadas de emergência do prédio. Não me assombraria caso ela

tivesse ido dali direto para uma delegacia.

Eu estava fodido. A Bianchi estava fodida. Meu pai devia estar se

revirando no túmulo de ódio pelo que eu tinha feito com o seu legado.
Depois de todo aquele papelão, só me restava esperar pelas

consequências. Tentaria conversar com a moça no dia seguinte. Isso, é

claro, se ela voltasse para a empresa depois de ter fugido de mim por tantos

andares.

Agora, eu só queria ir para casa, tomar um bom banho e tentar, ao

menos por aquela noite, tirar toda aquela história da cabeça.

Tanto a história atual quanto a antiga.

Tanto a nova secretária quanto a mulher que ela me lembrou.

Aquela última parte seria mais difícil, já que em seis anos não tinha
se passado um único dia sem que eu tivesse me lembrado dela.

No estacionamento da empresa, entrei em meu carro e afivelei o

cinto de segurança. Logo que o tirei da vaga, fazendo a curva para seguir

em direção à saída, precisei frear bruscamente quando uma pequena criatura


surgiu diante do veículo.

Que merda, o que aquela criança estava fazendo ali?

Fiquei alguns segundos paralisado, em choque, vendo que eu tinha

freado o carro a poucos centímetros de atropelar aquele garoto tão pequeno.

Do banco do motorista, eu só conseguia ver seus cabelos castanhos e lisos e

os olhos azuis que piscavam de forma confusa.


— Que merda... persegui uma mulher e quase matei uma criança em

um único dia... — praguejei, enquanto tirava o cinto e saía do carro.

Corri até o garoto, parando bem à sua frente, e respirei aliviado ao

perceber que ele parecia estar bem. Ele piscou algumas vezes, percorrendo

os olhos por todo o meu rosto. Segundos depois, abriu um enorme sorriso.

— É você... — ele falou.

Seus olhos brilharam e, por um momento, eu percebi uma

familiaridade em suas feições. Ele era muito parecido com alguém que eu

conhecia.

— Eu o quê? — perguntei, confuso.

O sorriso no rosto dele aumentou ainda mais.

— Você é o meu papai.

Meu coração acelerou como se eu tivesse acabado de correr uma


maratona.

Aquele não era meramente um dia de merda.

Era o dia mais surreal da minha vida.

-----***-----
Capítulo um

Seis anos antes do dia do reencontro

Aos vinte e três anos, qualquer coisa parecia uma grande diversão

para o meu grupo de amigos da faculdade. Estávamos no nosso último

período e nosso pensamento àquela altura era o de que devíamos curtir ao


máximo aquele marco da nossa juventude, antes que a vida adulta nos

enlaçasse de vez.

Alguns dos meus colegas viviam as incertezas sobre o que fariam

quando nos formássemos, mas eu já tinha o meu futuro decidido e


determinado: iria trabalhar na Bianchi, que era a construtora do meu pai.

Uma das ideias geniais de diversões que topamos na maior das

empolgações foi o convite de uma garota da nossa turma para passarmos


um feriado prolongado na fazenda do seu avô, que ficava em uma

cidadezinha que eu até então eu nunca tinha sequer ouvido falar, situada no

interior de São Paulo. E lá fomos nós.

Logo no nosso primeiro dia por lá, decidimos sair para explorar o

que a noite daquela cidadezinha tinha a oferecer. E foi assim que paramos

em um barzinho que era até que bem simpático. Estava tendo uma

apresentação de uma banda local, que tocava uns rocks antigos e um pouco

de MPB. O grupo era formado por dois homens e duas mulheres, todos
jovens, na mesma faixa etária que eu. A vocalista era muito bonita, mas

quem realmente chamou a minha atenção foi a guitarrista.

Primeiramente, porque ela era linda de um jeito que deveria ser


proibido por lei. Porém, não foi exatamente isso o que mais me atraiu nela.

Foi algo em seu semblante. Era como se houvesse uma sombra encobrindo
seus olhos. E isso foi apenas se tornando cada vez mais e mais evidente

com o passar dos minutos e das músicas.

Talvez aquilo fosse algo que passasse despercebido para a maioria

das pessoas, mas não para mim.

E eu conhecia bem aquela expressão no rosto dela, porque já tinha

me sentido daquela forma. Mais de uma vez.


Quando a apresentação chegou ao fim, não resisti em me aproximar,

enquanto ela, em um canto ao lado do pequeno palco improvisado,

guardava sua guitarra.

— Vocês mandaram muito bem — falei.

Ela virou o rosto em minha direção, parecendo me analisar por

alguns instantes. A tristeza que reparei em seus olhos durante toda a

apresentação permanecia ali.

— Valeu — ela rebateu. E fechou o zíper da capa de sua guitarra,

passando a alça ao redor do seu corpo. Parecia pronta para ir embora, ao

contrário dos demais integrantes da banda, que já haviam se dispersado pelo

ambiente.

Vi, inclusive, que um dos meus amigos já estava no balcão pagando

uma bebida para a vocalista.

Na verdade, não exatamente um amigo. Eduardo era o nome dele e

nunca tínhamos trocado mais do que meia dúzia de palavras diretamente um

com o outro, mas tínhamos os mesmos amigos em comum, então estávamos

constantemente nos mesmos grupos de festas e viagens.

— Bebe alguma coisa? — perguntei.

— Não vale gastar seu dinheiro, eu não pretendo continuar aqui. —


Ela tinha um sotaque típico daquela região do interior, e era uma delícia de
ouvir.

— Podemos beber algo lá fora, então. Está meio quente aqui.

A última parte era verdade. Fazia mais de trinta graus naquela noite

e o bar contava apenas com alguns ventiladores que não davam conta.

— É sério, cara... Conheço o seu tipinho de playboy da cidade que

vem para cá tentando se dar bem com as ‘caipiras’ da região. Só adianto

para você que não vai rolar.

— Ei... eu não estou tentando nada. Quero só te pagar uma bebida.

Ou você paga a sua e eu a minha, tanto faz. Mas acho que a gente poderia ir

lá para fora conversar.

— Repito: não vai rolar.

— Não pode rolar uma inocente conversa?

— Você não quer apenas uma conversa.

— Talvez eu queira. Além do mais, algo me diz que você também

gostaria disso.

Não havia qualquer tom de malícia na minha voz porque eu

legitimamente estava sendo sincero. Não iria mentir dizendo que não

adoraria ter algo com aquela mulher linda, mas, naquele momento, eu

apenas sentia que ela precisava conversar com alguém.


E talvez eu quisesse também.

Ela me observou por algum momento, até simplesmente sair

andando. Achei que fosse meramente embora, porém ela parou no balcão e
me lançou um olhar antes de pedir ao atendente:

— Uma cerveja, por favor. — Ela voltou a me olhar. — E você, vai

querer o quê?

— Uma cerveja parece ótimo para mim também.

— Duas cervejas então.

O homem entregou as duas latinhas a ela. Eu me aproximei, já

pegando a carteira para pagar, mas ela se adiantou em dizer que não

precisava e apenas seguiu para a saída do bar. Eu a alcancei, não podendo

deixar de perguntar:

— Estamos dando um calote em duas cervejas?

— Não esquenta. É por conta da casa. É meu pagamento pela

música da noite.

— Espera... o dono do bar paga vocês em bebidas?

— Em petiscos também. Se quiser uma porção de batata-frita, posso

pedir para você... Embora eu não recomende, são estupidamente

gordurosas. Mas há quem goste.


Ela se sentou em um banquinho em frente ao bar e eu me sentei ao

seu lado, ainda intrigado com aquilo. Parecendo perceber, ela explicou:

— Sim, a gente toca aqui todos fins de semana e feriados em troca

do lanche e da bebida da noite. Mas não esquenta, eu tenho outro emprego.

Não dá para viver de música em uma cidadezinha como esta. Mas então,

não queria conversar? Tem o tempo de uma cerveja para isso.

Ela puxou o lacre da lata e deu o primeiro gole, olhando para mim

de forma provocadora.

Sabia que tinha dito que meu único interesse era a conversa, mas

precisava confessar que aquela mulher mexia comigo.

— Tudo bem. Então, me conte: está de luto por quem?

Ela ficou subitamente séria e percebi que interpretou mal a minha

pergunta.

— É algum tipo de piada? Associar mau-humor com luto, que

original...

— Não. Apesar de estar perguntando isso porque você nitidamente

está triste com algo, eu realmente tenho um palpite de que seja pela perda

de alguém.

— Sei. Como sabe que eu não levei o fora de um namorado ou fui

demitida de um emprego?
— Bem, vamos lá... Perdi o meu irmão há quatro anos e minha mãe

há um ano e meio. Acho que tudo isso me torna, de alguma forma, um

entendedor de luto.

— ‘Entendedor de luto’... É uma especialização meio deprimente,

não?

— Eu queria responder com um ‘Bem, a gente se acostuma’. Mas

estaria mentindo se mandasse uma dessas.

— Provavelmente sim.

— Mas se não quiser falar a respeito, por mim está tudo bem.

— Você tem um jeito estranho de flertar.

Eu ri.

— Costumo ser melhor quando foco unicamente nisso. Ah, não

interprete como se eu não quisesse flertar com você. É só que, junto a isso,
eu reparei que você estava mal e pensei que talvez quisesse sair, tomar um

ar e falar a respeito disso.

— É estranho porque... as pessoas geralmente não querem falar a

respeito disso.

— Exatamente. Quando o meu irmão morreu, todo mundo ficou


evitando o assunto comigo e, quando eu tentava desabafar a respeito, as
pessoas vinham com papos motivacionais, tentando me convencer de que
essa dor ia passar e tudo mais.

— Como seu houvesse um remedinho mágico para isso.

— Pois é. E o mesmo aconteceu quando a minha mãe morreu. Às


vezes a gente só quer falar com alguém que diga mais do que ‘sinto muito’

ou fique nos desejando força e torcendo para que a gente mude de assunto.

Ela movimentou a cabeça em concordância e, após alguns segundos


em silêncio, desabafou:

— Hoje faz um mês que minha melhor amiga morreu.

— Isso é horrível.

— É. Uma grande merda. — Ela tomou um gole de sua bebida e eu

fiz o mesmo. Após mais alguns segundos em silêncio, ela prosseguiu. —


Vinte e um anos. Inteligente, talentosa, uma das pessoas mais gentis que já

conheci na vida. Senão a mais gentil.

— Foi algum acidente?

Ela riu e eu não compreendi muito bem os motivos disso.

— Desculpe. É que ‘acidente’ foi justamente a causa formalmente


contada pelos pais dela. Eu nem os julgo. Não deve ser fácil ter que explicar

para todo mundo que a filha de vinte e um anos cometeu suicídio.


— Nossa... eu...

— ‘Sente muito’?

— Desculpe. Estou me saindo um péssimo especialista em lutos.

— Não há muito o que se dizer a respeito disso. Apenas que...

— A vida é uma merda?

— Exatamente.

— Boas pessoas vão embora, enquanto um monte de gente merda


continua por aí.

— Em resumo, é isso. E eu só sei sentir muita raiva. Raiva do


mundo, que fez tanto mal a ela a ponto de levá-la a isso. E, sei que é errado,
mas às vezes também fico com raiva dela, por ter ido embora e me deixado

aqui sozinha.

— É errado. Mas sei como é isso. Senti muita raiva do meu irmão, e

ele morreu em um acidente de trânsito do qual sequer foi o culpado. E senti


também raiva da minha mãe, por ela ter se entregado à doença que a matou.

Às vezes eu chegava a sentir mais raiva deles dois do que do acidente ou da


doença, que foi o que os levou.

— É. Tem razão, isso é muito errado, mas é difícil não sentir.


— Não vou te dizer que dor passa, mas garanto que pelo menos esse

estágio da raiva em algum momento vai embora.

Ela balançou a cabeça em uma afirmação, voltando a tomar um gole


da cerveja, antes de perguntar:

— Você era muito próximo do seu irmão?

— Ele era meu melhor amigo.

— E minha amiga era como uma irmã. Nós crescemos juntas.

Saímos de casa juntas, logo que fizemos dezoito anos, e dividíamos o


aluguel.

— Deve ser bem ruim estar agora morando sozinha.

— Está insuportável. Tanto que vou fazer o que jurei que jamais
faria: voltar para a casa dos meus pais. Entrego as chaves de volta ao

proprietário na segunda-feira. — Ela tomou mais um gole, emendando em


outra pergunta. — De onde você é?

— São Paulo. E você, é daqui mesmo?

— Da região, sim. Mas de uma cidade vizinha. Para onde devo


voltar segunda-feira.

— Vai continuar fazendo shows aqui?


— Sem condições. A gente já trabalha de graça porque todos

moramos aqui perto e a gente vem a pé. Não vou gastar com transporte
intermunicipal para isso.

— E a banda aceitou bem o fato de que você vai sair?

— Eu sou meio que a intrusa do grupo. Estou com eles há pouco


mais de um ano. Eles estavam sem guitarrista, eu sabia tocar, e eles me

aceitaram. Logo eles arrumam outro para me substituir.

— Será que vão encontrar outra pessoa disposta a tocar em troca de

cervejas e batatas-fritas gordurosas?

— Acredito que sim. Não se tem muitas opções de diversão por


aqui.

Ela voltou a virar um gole e, em seguida, balançou a lata vazia para


mim.

— Bem, tempo de conversa esgotado.

— Só se você quiser que esgote.

Ela me analisou em silêncio por algum tempo e, então, aproximou

seu rosto do meu, em uma provocação que entendi muito bem.

Ela queria ser beijada, e foi o que eu fiz, tomando os lábios dela
com os meus.
Foi um beijo leve e lento, embora tenha durado muito menos tempo
do que eu esperava. Então, ela se levantou e anunciou:

— Esse é o máximo que você terá por hoje, garoto da cidade.

— Por hoje? Quer dizer que teremos um amanhã?

— Bem, minha banda estará tocando aqui novamente amanhã.

— Isso é um convite?

— É apenas uma informação. Use-a como quiser.

— Vou usá-la da melhor forma possível. Com certeza estarei aqui


amanhã.

— Até amanhã então. Ah... e obrigada.

— Pelo beijo ou pela conversa?

— Pelas duas coisas.

Sorrindo, ela deu alguns passos de costas, antes de se virar e seguir


caminhando pela calçada. Fiquei ali parado, observando-a se afastar, até vê-

la desaparecer da minha vista ao entrar em uma rua.

-----***-----
Capítulo dois

Minha amiga Gisele costumava implicar comigo por eu ser ‘certinha


demais’. Ela adorava me dizer que eu deveria ousar mais, me jogar em

meus sentimentos e desejos, afinal de contas, a vida era curta.

A partida precoce dela fazia com que essa afirmação fizesse mais
sentido do que nunca.

Nos meus vinte anos de vida, eu tinha beijado poucos garotos, o

suficiente para contar com os dedos de apenas uma das mãos. E tinha ido
para a cama apenas com um, o meu último namorado, com quem eu tinha

ficado junto por mais tempo. Nossa relação não tinha terminado de forma

muito amigável, e aquele era mais um dos motivos para eu ter decidido ir

embora dali.
André, meu ex, era também o dono da pequena casa onde eu agora

morava. E era Gisele quem vinha, nos últimos meses, tratando com ele

qualquer coisa relacionada ao imóvel e fazendo os pagamentos dos

aluguéis.

E eu nunca tinha me sentido tão à vontade e confortável com

alguém a ponto de beijar logo no primeiro encontro.

Sem contar que aquilo sequer tinha sido um encontro. Foi um cara

aleatório em um bar, depois de dez minutos de conversa sobre... mortes.

Até mesmo Gisele me acharia louca por aquilo.

Mais louca ainda pelo fato de que eu não conseguia parar de pensar

naquele ‘garoto da cidade’.

Ele não tinha muito de garoto, na verdade. Apesar de parecer ser só

uns dois ou três anos mais velho que eu, ele era um homão e tanto. Era bem
alto e forte, do tipo que com certeza frequentava academia ou fazia algum

esporte, tinha os cabelos castanho-claros e olhos azuis. E eu não sabia

absolutamente nada sobre ele.

Nem mesmo o seu nome.

Sabia apenas que ele, assim como eu, tinha sofrido pela perda de

alguém que amava muito. E ele parecia conhecer tão bem aquele

sentimento de luto, que tinha sido capaz de identificá-lo em mim.


E por mais que existisse um notório flerte envolvido ali, de alguma

forma eu sabia que ele tinha sido sincero na abordagem de sua

aproximação. Conversar com ele sobre aquilo, mesmo que de forma rápida

e vaga, tinha me valido muito mais do que todas as conversas que eu tive

naquele último mês a respeito da morte da Gisele.

Até porque, por mais que o assunto fosse inevitável, as pessoas se

esquivavam de falar diretamente a respeito dele. Como nós não éramos

daquela cidade – só nos mudamos para lá porque conseguimos empregos de

atendentes no mesmo consultório médico – ninguém nos conhecia o

suficiente para entenderem a complexidade da nossa relação. Não éramos


apenas amigas que dividiam o aluguel. Nós crescemos juntas e ela era como

uma irmã para mim.

Então, tudo o que o pessoal do consultório, os vizinhos e os


integrantes da minha banda conseguiam dizer era aquele cansativo ‘Sinto

muito’. E eu quase podia ouvir, nas vozes deles, o complemento com um

‘mas vida que segue, né?’

O carinha do bar sabia que a vida seguia, mas não da mesma forma.

Ele entendia que aquilo era uma merda de uma ferida que iria doer para

sempre.
E eu gostei dele pela sinceridade com que disse isso. E pela

identificação que senti ao conversar com alguém que realmente sabia como

eu estava me sentindo.

Naquele sábado, como de costume, saí de casa em torno das cinco

da tarde. As apresentações no bar começavam às sete, mas sempre

chegávamos mais cedo para testar o som e deixar tudo preparado para

quando o público começasse a chegar. Mal pisei na calçada em frente ao

quitinete e já ouvi a voz conhecida falando diretamente comigo:

— E aí, como você está?

Virei-me na direção de onde vinha a voz, encontrando André. Ele

tinha vinte e cinco anos e era um homem bem bonito – embora sequer se

comparasse ao ‘carinha do bar’. Mas eu não conseguia ver mais qualquer

atrativo nele desde que descobri que ele me traía com basicamente metade

da população feminina da cidade e, com isso, terminei nosso

relacionamento.

Ele era o tipo de ex insistente, havia me perseguido ainda durante

meses, pedindo perdão e achando que poderíamos ter volta. E eu odiava ter

que, sequer, olhar para a cara dele. Contudo, desde a morte de Gisele eu

vinha dando uma trégua sempre que ele me encontrava na rua e me

perguntava como eu estava.


— Estou bem, na medida do possível — respondi.

— Vai mesmo me devolver as chaves?

— Sim. Volto para a casa dos meus pais depois de amanhã.

— Sabe que não precisa fazer isso, não é? Eu entendo que seja

complicado continuar morando na mesma casa sem a sua amiga, mas pode

conseguir outro imóvel na cidade. Posso te indicar outros com aluguel na

mesma faixa de preço ou até mais em conta.

Ao contrário do que disse, ele não entendia. Eu tinha ido para aquela

cidade junto com Gisele, e estar em qualquer lugar ali sem ela era difícil

para mim. Eu já tinha pedido demissão no emprego e trabalhar em outro

lugar por ali e morar em outra casa não me faria me sentir melhor. Eu

estava vulnerável demais para ficar sozinha. Era uma mulher adulta, mas

precisava, naquele momento, voltar para o colo dos meus pais e para a

segurança da cidade onde nasci e cresci. Ao menos até um pouco daquela

dor amenizar.

— Meus pais estão animados com o meu retorno, e minha mãe já


conseguiu para mim um emprego por lá. Começo já na semana que vem.

— Achei que tivesse saído da casa deles em busca de uma vida

independente.
— E saí. Mas não é vergonha alguma admitir que às vezes a gente

precisa retornar um passo.

— Você não precisa retornar. Não precisa escolher entre voltar para

a casa dos seus pais ou ficar sozinha, sabe disso.

— Estou atrasada, André. A gente se vê na segunda, quando eu for

devolver suas chaves.

Dito isso, eu apenas desviei dele, seguindo o caminho até o bar, que

ficava a cerca de dez minutos a pé dali. Logo que cheguei, ainda do lado de

fora, já ouvi os sons dos instrumentos sendo testados. Quando entrei,

surpreendi-me ao ver que o teste de som já tinha um espectador.

E não é que o garoto da cidade havia mesmo retornado?

Ele estava em uma cadeira diante de uma mesa bem próxima ao

palco e virou o rosto em minha direção, abrindo um sorriso quando me viu.

Não pude evitar sorrir de volta.

Fui até o palco, cumprimentei os meus colegas de banda e deixei

minha guitarra sobre uma cadeira, descendo em seguida e indo

cumprimentar o carinha que eu ainda nem sabia o nome.

— A apresentação só começa daqui a duas horas — contei.

— Eu sei. Mas o dono do bar disse que eu podia entrar para assistir

ao ensaio da banda, desde que eu consumisse algo, — Ele apontou para a


mesa diante dele, onde havia um prato com pequenas coxinhas. — Ontem

você só me falou das batatas.

— É. Porque as coxinhas costumam ser ainda piores.

— Devia ter me contado isso também. São mesmo horríveis. — Eu

ri, embora sentisse realmente o arrependimento por não ter avisado a ele

sobre a comida péssima que serviam ali. — Então, ontem você estava com

tanta pressa para ir embora, que achei que, se eu chegasse antes do show, a
gente talvez pudesse conversar um pouco mais. Se isso não for te atrapalhar

muito na passagem de som, claro.

Lancei um olhar para Verônica, a vocalista da banda. Nós não

éramos algo que se podia chamar de amigas, já que não conversávamos


muito sobre coisas que não fossem relacionadas à música. Contudo, éramos

boas colegas de banda e nos dávamos bem. E ela pareceu entender a


situação ao me ver conversando com aquele homem lindo. O sorriso que ela

me lançou foi como um recado para que deixasse que eles cuidassem de
tudo por ali e apenas aproveitasse a companhia do bonitão.

Sorri de volta, agradecida, voltando a olhar para o carinha da cidade.

— Eles se viram bem sem mim. Quer ir de novo lá para fora pegar
um ar e se livrar do cheiro de óleo velho dessas coxinhas?

— Nossa, por favor!


Rindo, ele se levantou e seguimos para o lado de fora do
estabelecimento. Sentamos no mesmo banco onde tinha rolado nosso beijo

na noite anterior.

Lembrar daquele momento me fez ter vontade de voltar a beijá-lo.


Porém, deixei meu bom senso falar mais alto ao enfatizar mentalmente que

eu mal o conhecia.

— Costuma beijar garotas sem ao menos perguntar o nome delas?

— instiguei.

— Quem disse que eu não sei o seu nome, Carla? — Vendo minha
surpresa, ele riu e explicou. — Eu perguntei hoje para os seus colegas de

banda.

— Ontem você não sabia, então.

— Mas corri atrás de corrigir o meu erro e agora eu sei. Mas você
ainda não sabe o meu, não é?

— Isso é injusto. Eu não tive para quem perguntar. Você estava

ontem com um grupo de amigos, mas não os vi mais depois que saímos do
bar.

— Tudo bem... O meu nome é Noah. — Ele estendeu a mão para


mim e eu a apertei contra a minha. — Não somos mais desconhecidos,

então.
— Claro que somos. Tudo o que sei a seu respeito é o seu nome e
sua experiência em lutos.

— Pode me fazer qualquer pergunta.

— Você gosta de cachorros e gatos?

Ele riu, incrédulo.

— Sério que essa é a sua primeira pergunta a meu respeito?

— Dá para conhecer muito de uma pessoa sabendo se ela gosta de


animais.

— É, eu gosto, sim. Tive um cachorro quando criança. Nunca tive


gatos, mas os acho intrigantes e interessantes.

— E de música? Você gosta?

— Que tipo de pessoa não gosta de música? Suas perguntas são


muito óbvias.

— Devo encarar isso como um ‘sim’, então? ...Certo, e o que você


me perguntaria?

— Talvez algo mais específico, como... Como começou o seu

interesse por música e se algum dia você sonha em viver disso.

Realmente, ele sabia ser mais específico. E um tantinho mais


pessoal também. Então, eu contei a ele sobre meu pai sempre ter tocado
violão e eu, desde bem pequena, ter tido o interesse de observá-lo e pedir

para que ele me ensinasse. Uma coisa levou a outra e, na adolescência, eu


passei para as guitarras. Contei que eu também compunha e também

cantava, e que seria maravilhoso poder trabalhar com isso, mas achava
muito pouco provável que isso pudesse acontecer. Ao menos, não vivendo

em uma cidade do interior.

Então, ele contou que estava se formando em administração de


empresas e que seus planos eram trabalhar com o pai. Contou sobre estar

em uma viagem com os colegas de faculdade e que voltariam para São


Paulo apenas na segunda-feira, o que me animou por saber que ele ainda

pretendia voltar ao bar no dia seguinte, domingo.

Dali, a conversa emendou em mais uma infinidade de assuntos.


Falamos sobre música, mas agora de forma mais específica, sobre os

artistas que curtíamos, e descobrimos que tínhamos um gosto musical muito


parecido. Depois falamos sobre filmes, séries e contamos casos dos nossos

passados, especialmente de nossas infâncias. Ele falou muito sobre o irmão


e eu sobre Gisele, e eu percebi que, desde que ela tinha morrido, aquela era

a primeira vez que eu conseguia falar a respeito dela sem sentir vontade de
chorar.

As duas horas que antecediam o show praticamente voaram sem que


eu percebesse. Quando me dei conta, já estava sendo chamada para subir ao
palco.

— Já estou indo! — gritei em resposta ao chamado de Verônica.

Antes de me levantar, peguei meu celular e apontei a câmera para


Noah, tirando uma foto.

— Ei! — ele reclamou, surpreso.

— Foi mal. É que quero guardar uma recordação sua. É possível que

a gente não volte a se ver depois de amanhã, não é?

— Mas podia ter avisado antes, não é? Para eu ao menos preparar


uma pose de modelo.

Ele cruzou os braços diante do corpo, fazendo cara de galã. Eu ri e


voltei a fazer alguns cliques, enquanto ele ia alterando as poses.

— Muito bem, agora me empreste isso, — Ele pegou o celular da

minha mão e posicionou seu rosto ao lado do meu, esticando o braço para
uma selfie.

Ele fez vários cliques pela câmera frontal enquanto ríamos e


mudávamos as poses.

— Pronto. Agora, por favor, me passe essas fotos — ele pediu,

devolvendo meu celular e fazendo menção de pegar o seu.


Contudo, Verônica voltou a me gritar, desta vez de forma mais
impaciente.

— Te passo depois. Melhor vir logo, ou vai perder o show.

Brinquei, antes de me levantar e correr para dentro do bar, já


sabendo que Noah me seguia.

Ele tinha comentado que meu semblante triste na noite anterior tinha

chamado a sua atenção, e foi isso o que fez com que ele viesse conversar
comigo. Desta vez, no entanto, eu estava certa de que minhas feições

estavam bem diferentes. Desde a partida da minha melhor amiga que eu não
tinha voltado a curtir verdadeiramente tocar em cima de um palco.

Naquela noite foi diferente e eu voltei a sentir a música correndo em


minhas veias.

O show chegou ao fim e eu, como de costume, guardei minha

guitarra, me despedi de todos e segui para a saída do bar. Noah me


encontrou no meio do trajeto, seguindo ao meu lado.

— E aí, hoje não vai aproveitar sua bebida de pagamento?

— Não. Eu preciso ir para casa. Tenho ainda algumas coisas para


encaixotar para a minha mudança depois de amanhã.

— Vou parecer malicioso se me oferecer para te ajudar?


— Vai. Mas, se não tiver planos melhores, eu aceito a sua
companhia na caminhada até lá.

— É um bom plano. E eu realmente adoro caminhadas.

Então, foi o que aconteceu. Seguimos lado a lado pelas pacatas ruas
da cidade, enquanto voltávamos a conversar sobre muitas coisas e sobre

nada ao mesmo tempo.

Fomos bem devagar, mas, ainda assim, aquele trajeto nunca pareceu

tão curto.

Paramos em frente ao meu portão e eu sabia que deveria apenas


dizer um ‘até amanhã’ e entrar. Contudo, quando Noah se aproximou um

pouco mais e inclinou seu rosto em direção ao meu, eu sabia que não seria
possível resistir àquele beijo.

Então, apenas deixei que ele tomasse a minha boca com a sua e que

suas mãos deslizassem sobre as minhas costas, puxando meu corpo para
mais junto do seu.

Mas aquilo ainda não era o suficiente para mim.

Quando dei por mim, já estava puxando-o para dentro da pequena


casa onde eu morava, guiando-o até o meu quarto.

-----***-----
Capítulo três

Fui puxado para dentro da pequena casa, sem que deixássemos de


nos beijar. Quando dei por mim, já estávamos em um quarto, o que deixava

bem claro que Carla queria aquilo tanto quanto eu.

Existia uma química entre nós que era completamente surreal, um


desejo que nos rodeava desde o primeiro momento que nossos olhos se

cruzaram, com ela ainda sobre o palco do bar.

Deixei seus lábios quando ela, aflita, virou-se de costas para mim,
indicando-me o fecho do vestido preto que usava. Eu o abri, deixando-o

cair sobre os pés dela, fazendo em seguida o mesmo com o sutiã. A visão de

suas costas nuas atraiu minha boca até o seu pescoço, descendo em uma

trilha de beijos pelo contorno de sua coluna, indo até a barra da calcinha – a
única peça de roupa que ela ainda usava – e depois subindo novamente.
Enquanto eu fazia isso, sentia a respiração dela ficando mais forte, deixando

clara a excitação que ela já sentia.

Com ela ainda de costas para mim, contornei meus braços ao seu
redor, levando minhas mãos aos seus seios. Segui a beijar seu pescoço,

enquanto meus dedos giravam seus mamilos.

Ela arfou de forma deliciosa, deixando-me ainda mais duro.


Querendo que ela sentisse aquilo, puxei-a para mais junto de mim, unindo

suas costas contra o meu peito. Minha ereção, ainda por baixo das roupas,

pressionada contra a pele dela. Uma de minhas mãos se manteve em seu

mamilo, enquanto a outra desceu, deslizando para dentro de sua calcinha até

meus dedos chegarem ao seu clitóris. Sua boceta já estava enxarcada e


quente, pronta para mim.

Ela começou a gemer baixinho, parecendo tentar se controlar. E eu

me perguntei se aquele controle seria por ela ter, durante muito tempo,

dividido aquela pequena casa com uma amiga.

Porém, a simples imagem mental dela levando outros homens para

aquele quarto me perturbou de forma completamente irracional. De repente,

um sentimento de possessividade tomou conta de mim.

Eu queria que ela fosse minha... apenas minha...


Pensar nisso fez com que eu usasse o dedo com o qual massageava

seu clitóris para penetrá-la, e depois mais um, estocando-os dentro dela.

Carla levantou uma das pernas, apoiando o pé sobre o colchão, de modo

com que eu pude ir ainda mais fundo.

— Estamos só nós dois aqui, Carla... — falei junto ao ouvido dela.

— Não precisa se controlar. Quero te ouvir gemer...

— Noah... — ela pronunciou meu nome, em meio aos gemidos que

foram se tornando mais altos.

Meus dedos deslizavam com facilidade dentro dela, de tão molhada

que ela estava, e eu comecei a acelerar os movimentos.

— Isso, linda... geme para mim... — continuei a pedir, me sentindo

em êxtase com os sons de prazer emitidos por ela, que iam ficando cada vez

mais altos.

Ela estava prestes a chegar ao orgasmo, mas eu não permiti. Não tão

rápido assim.

Soltando-a, afastei-me alguns passos, começando a tirar a camisa.


Depois desafivelei meu cinto, ao mesmo tempo em que usava os próprios

pés para arrancar os tênis.

Carla se virou, ficando de frente para mim. A forma como mordeu o


lábio inferior enquanto percorria os olhos pelo meu corpo deixava claro o
tanto que estava excitada. Porém, ao mesmo tempo, pude ver um toque de

timidez no rubor que se formou em seu rosto.

Parecendo ler os meus pensamentos, ela se sentou na beira da cama

e confessou:

— Eu só fiz isso antes com um único homem. Estou longe de ser

uma virgem, mas também sou um tanto inexperiente.

Aproximei-me, abaixando-me no chão diante dela e acolhendo seu

rosto com uma das mãos.

— Podemos parar, caso não se sinta à vontade com isso.

— Não. Eu quero. Quero muito. E você vai embora amanhã, e...

— Ei... A gente só não vai voltar a se ver se você não quiser. São

Paulo fica a quatro horas daqui, não é outro país. Se preferir deixar isso

para depois, podemos...

— Não — ela me interrompeu, aflita. — Não pode me tocar daquele

jeito e simplesmente parar, Noah.

Sorri, voltando a levar uma das mãos ao meio de suas pernas.

— Que jeito? Assim?

Ela jogou a cabeça para trás, soltando um gemido como resposta.


Levei minha outra mão ao seu peito, empurrando-a levemente, em

uma indicação para que ela se deitasse. Ela assim o fez e, quando suas

costas descansaram totalmente sobre o colchão, eu tirei sua calcinha e

afastei suas pernas.

Ela gritou de prazer quando minha boca se apossou de sua boceta.

— Noah... Ah, Noah... — ela gemia meu nome enquanto se

contorcia sobre a cama.

Usando língua, lábios e dentes, eu a explorei por completo,

deliciando-me com a forma como ela se remexia, repetindo o meu nome e

já não mais censurando os próprios gemidos. Dessa vez, eu fui até o fim,
deixando que ela gozasse em minha boca.

E não dei tempo para que ela se recuperasse. Levantei-me,

arrancando o que restava das minhas roupas. Eu precisava estar dentro dela,

com o máximo de urgência possível.

Peguei suas pernas e as ergui, apoiando-as sobre os meus ombros e a

penetrei com força, estocando-a bem fundo, arrancando dela mais um grito
de surpresa e prazer. Talvez eu devesse ser mais delicado, já que ela tinha

me confessado só ter ido para a cama com um único homem antes de mim.

Mas eu não conseguia me controlar e, mais do que isso: percebia que ela

não queria que eu me controlasse.


— Assim, Noah... Assim... Mais forte...

Não consegui conter um sorriso. Ela realmente gostava daquilo de

forma bruta.

Os sons dos nossos corpos se chocando se misturavam aos nossos

grunhidos de prazer. Quando dei por mim, eu já a tinha empurrado mais

para cima da cama e já estava deitado sobre ela, estocando-a enquanto


sugava um de seus mamilos. Então, subi um pouco mais, até meu rosto se

encontrar na mesma altura do dela.

Nossos olhos se encontraram e admirei toda aquela excitação no

rosto dela. Então, não me controlei em tomar a sua boca com a minha em

um beijo que parecia tão urgente quanto próprio sexo.

Então, ela chegou novamente ao orgasmo. E, alguns segundos


depois, eu a acompanhei. Nossos gemidos ecoando por toda aquela pequena

casa.

Desabei na cama, ao lado dela, ambos ofegantes. Aquela mulher era

completamente inebriante e, quando eu enfim consegui voltar a formular

algum pensamento coerente, só conseguia pensar que não queria que as

coisas entre nós terminassem por ali.

Havia algo em Carla que me atraiu desde o primeiro momento que

pus meus olhos sobre ela. E tudo entre nós dois parecia ter uma intensidade
maior. Na noite anterior, quando a conheci, conversamos apenas por alguns

minutos e trocamos apenas um beijo. Naquela noite, a conversa tinha se

estendido por algumas horas, e a cada assunto, a cada opinião dela, mais

atraído eu me sentia. Eu já a achava uma pessoa interessante em todos os

sentidos possíveis.

E o sexo com ela tinha sido absolutamente incrível.

Eu queria mais. Muito mais. E ela mostrou também querer o


mesmo, quando se virou na cama, ficando de frente para mim. Voltei a

tomar os lábios dela com os meus, beijando-a de forma intensa, enquanto


minhas mãos voltavam a vagar pelo seu corpo, descendo devagar até o meio

de suas pernas, tocando novamente em seu ponto mais sensível. Ela gemeu
em minha boca, enquanto eu a estimulava em um movimento de vai-e-vem

de meus dedos sobre seu clitóris.

Nesse momento, um celular começou a tocar. Reconheci o toque

como sendo meu, mas o ignorei completamente. Não havia nada que me
fizesse parar.

Continuei beijando Carla enquanto a masturbava, sentindo meu pau

ficar novamente duro.

Dei a ela mais um orgasmo, desta vez usando apenas a minha mão.

E, segundos depois de ela soltar um grito de prazer, meu celular, que já


havia parado de tocar, reiniciou.

— Não é melhor atender? — ela perguntou, embora mal


conseguisse controlar a própria respiração.

— Tenho planos melhores para agora — provoquei.

Ela sorriu. Mas o toque do celular continuava de forma insistente.

— Melhor atender — ela repetiu. — Pode ser alguma emergência.

Praguejando, eu me levantei da cama, indo até onde tinha largado


minhas calças. Apanhei o celular no bolso de trás dela, na intenção de

desligá-lo para que não fôssemos mais interrompidos.

Contudo, mesmo o número exibido na tela sendo desconhecido para


mim, algo – talvez uma intuição – fez com que eu mudasse de ideia e

decidisse atender.

Um homem se apresentou como médico de um hospital e contou

que meu pai tinha sido levado às pressas para lá.

Então, eu me vi completamente cego pelo pânico que tomou conta


de mim.

Eu havia perdido meu irmão e minha mãe. Apesar de meu pai e eu


não sermos exatamente os amigos mais próximos do mundo, ele era a única

família que me restava. E eu não podia perdê-lo também.


Enquanto pedia informações sobre para qual hospital ele tinha sido
levado e sobre qual era o seu estado atual de saúde, fui recolhendo minhas

roupas espalhadas pelo chão e as vestindo.

Quando encerrei a ligação, vi que Carla tinha colocado novamente

seu vestido e agora estava sentada sobre a cama, olhando para mim de
forma preocupada.

— Aconteceu alguma coisa? — ela me perguntou.

— Meu pai sofreu um ataque cardíaco. Eu preciso ir, preciso voltar


para São Paulo.

Cheguei a imaginar que ela fosse tentar contestar aquilo. Já estava


muito tarde, as estradas daquela região eram péssimas, e dali até São Paulo
era uma viagem de cerca de quatro horas.

Contudo, quando ela veio até mim e apenas me deu um breve beijo,
eu soube que ela compreendia. Que ela sabia que eu não podia perder nem

um só segundo.

Qualquer tempo a mais que eu levasse para chegar, aumentavam as


chances de eu não conseguir encontrá-lo mais vivo. E só quem já havia

perdido alguém que amava sabia o valor de qualquer segundo a mais que se
pudesse estar com aquela pessoa em vida.

— Vá com cuidado — foi tudo o que ela disse.


Assenti e dei um beijo rápido em sua testa, antes de enfiar meus

tênis de volta nos pés e sair de lá correndo, fazendo o caminho de volta ao


bar, onde eu tinha deixado o meu carro.

Estava completamente desorientado.

Tanto, que sequer me lembrei de pegar o número do telefone de


Carla, ou mesmo de perguntar pelo seu sobrenome, para que eu pudesse

posteriormente encontrá-la nas redes sociais.

Eu simplesmente achei que haveria um depois, um momento em que


eu pudesse fazer aquilo com calma.

Sequer poderia imaginar que aquela seria a última vez que eu a


veria.

Ao menos durante um longo tempo.

-----***-----
Capítulo quatro

Uma semana antes do dia do reencontro

21:32

— Mamãe, me mostra de novo aquelas fotos do papai?

Eu estava deitada em minha cama, abraçada ao meu filho Samuel,

cantando para ele dormir, quando fui interrompida por aquele pedido. Ele

tinha o seu próprio quarto na casa dos meus pais, mas vinha, nos últimos

dias, dormindo comigo. Eu não conseguia negar aquilo a ele, já que vinha
me sentindo uma péssima mãe.

Eu tinha acabado de conseguir um emprego em São Paulo e nos


mudaríamos para lá em alguns dias. Apenas nós dois. Samuel, é claro, não

estava muito feliz com isso, então eu vinha tentando compensar aquela
tristeza cedendo a todos os pedidos que ele me fazia, o que incluía dormir

comigo.

— Está na hora de dormir, meu amor — falei, dando um beijo em


sua testa e tentando distraí-lo para que ele desistisse daquela ideia.

— Só um pouquinho, mamãe. Tem muito tempo que você não me

mostra a foto dele.

Suspirando, peguei meu celular na mesa de cabeceira e desbloqueei

a tela. Acessei a galeria, encontrando uma das fotos tiradas seis anos antes.

Na mesma noite que Samuel tinha sido concebido.

Na noite que mudaria para sempre os rumos da minha vida.

Enquanto meu filho deslizava seu dedinho sobre a tela, passando

seus olhos pela sequência de fotos, eu me recordava de tudo o que tinha

acontecido depois daquela noite.

Noah tinha ido embora. E eu não tive qualquer motivo para achar

que aquilo fosse uma fuga após conseguir ir para a cama comigo. A ligação

contando sobre o pai dele estar mal parecia ter sido real.

Então, obviamente, no dia seguinte ele não estava no bar para

assistir à minha última apresentação com a banda. E no outro dia, segunda-

feira, pela manhã, eu entreguei as chaves da casa a André e entrei em um

ônibus intermunicipal, levando minhas malas de volta à casa dos meus pais.
Algumas semanas se passaram até que eu começasse a sentir que

havia algo diferente comigo. Quando confirmei a gravidez, decidi que

precisava encontrar Noah e contar-lhe aquilo.

Mas... como eu iria encontrá-lo? Eu só tinha um nome. Apenas o

primeiro nome, nada mais do que isso.

Retornei à cidadezinha onde nos conhecemos. Procurei por André e

perguntei se, por acaso, alguém teria ido até a casa onde eu morava antes

para perguntar por mim.

Era óbvio que a resposta seria um ‘não’. Noah sabia que eu estava

de mudança, não procuraria por mim ali.

Voltei ao bar e encontrei com meus ex-colegas de banda. Conversei

com Verônica – ela foi a primeira pessoa para quem contei sobre a gestação

– e foi ela quem me trouxe um pouco de esperança.

Ela tinha se envolvido com um dos amigos de Noah que estiveram

no bar naquele final de semana. Aparentemente, o envolvimento não tinha

sido muito sério, mas eles tinham trocado telefone. Ela me passou o número

dele e entrei em contato. O rapaz, chamado Eduardo, disse que não tinha

naquele momento o contato do Noah para me passar, mas garantiu que

passaria o meu para ele.

Noah nunca me ligou.


Porém, alguém fez isso por ele.

Alguns dias depois, foi o pai dele quem telefonou para mim, em

nome do filho. E me disse as piores palavras possíveis.

Ele me chamou de oportunista. Disse que aquilo era, sem dúvidas,

uma tentativa de golpe. E disse que o próprio filho tinha garantido a ele que

havia transado com uma ‘caipira gostosinha’ enquanto esteve no interior,

mas garantiu que tinha usado camisinha e, por isso, seria impossível o filho
ser dele.

O homem ainda teve a coragem de me perguntar quanto eu queria

para fazer um aborto e parar de tentar encontrar o seu filho.

Eu o mandei para a puta que pariu e tentei seguir a minha vida. Eu e

meu filho, com o apoio incondicional dos meus pais.

Logo que Samuel nasceu, e eu fui tomada por uma sensação tão

plena de amor, decidi que sempre seria sincera com ele. É, claro,

respeitando a idade e o entendimento que ele tivesse, sempre lhe contaria a

verdade quando fosse questionada a respeito.

E foi o que eu fiz logo que ele começou a perguntar sobre o pai.

Contei, da forma como poderia contar a uma criança tão pequena,

que o pai dele e eu tínhamos nos perdido um do outro.


Era uma forma ilusória e poética de dizer: ‘Ele era um babaca e

simplesmente não se importou com o fato de ter um filho’. Mas eu preferia

aguardar alguns anos até que meu filho fosse um pouco maior para receber

a verdade de forma tão crua.

Mas ele queria saber sobre o pai, então eu contava sobre o que eu

sabia. Que ele se chamava Noah, que morava em São Paulo, tinha feito

faculdade, gostava de música, de cachorros e de gatos, embora os

considerasse um tanto intrigantes... e tudo o mais que soube a respeito dele

nas breves horas de conversa que tivemos.

Se é que alguma daquelas coisas eram verdade.

E decidi, também, por mostrar a ele as fotos que eu tinha ainda no

meu celular, para que Samuel sempre pudesse ter uma referência visual de

seu genitor e identificar os traços em seu rostinho em comum com os dele.

Talvez tudo aquilo fosse um enorme erro. Talvez fosse uma ilusão

que apenas faria com que o meu garotinho sofresse mais no futuro, quando

soubesse de toda a verdade.

— Por que você acha que ele foi embora, mamãe? — Samuel me

perguntou, ainda olhando para as fotos. — Acha que ele não gostava de

mim?
— Ele não chegou a te conhecer, meu amor. Seria impossível não te

amar

— Mas ele foi embora, não foi? Quando eu ainda era um bebê

dentro da sua barriga.

É, Noah tinha ido embora.

Mas aquela era mais uma das verdades que eu precisava enfeitar um

pouco, enquanto meu filho era ainda tão pequeno.

— Nós apenas nos perdemos um do outro.

— Lembra aquela vez que o Farofa se perdeu? — ‘Farofa’ era o

nome do cachorro do nosso vizinho. — O seu Leandro colocou cartazes

com a foto dele em todos os postes da rua, e aí encontraram ele. E se a

gente fizesse isso com uma foto do papai?

Não pude conter o riso diante daquela sugestão inusitada.

— É muito diferente quando cãezinhos perdem seus donos de

quando pessoas se perdem umas das outras, filho.

— Por que, mamãe?

A resposta sincera àquilo seria “Porque as pessoas, muitas vezes,

não querem ser encontradas”. Mas essa era uma das verdades que eu não
teria como dizer, ainda, a ele.
Ao invés disso, dei mais um beijo em sua testa e falei:

— Já está tarde, mocinho. É hora de fechar esses olhinhos e dormir.

Ele não perguntou mais nada. Mas seguiu com seus olhinhos fixos à

fotografia do pai exibida na tela do celular.

Até que suas pálpebras começaram a pesar e ele, enfim, pegou no

sono.

*****
Capítulo cinco

Dia do reencontro

6:45

— Filho, vamos logo, ou acabaremos chegando atrasados!

Eu já estava com a mesa de café da manhã posta, cheia de opções

que meu filho Samuel gostava. Tinha biscoitos de vários tipos, bolo de

laranja, achocolatado, pão e até mesmo aquele cereal colorido e cheio de

corantes que eu considerava muito pouco saudável e raramente tínhamos


em casa.

Mas aquela manhã precisava ser especial. E eu precisava que


Samuel estivesse feliz, porque isso faria com que eu deixasse de me sentir

como uma mãe megera.


Bem, eu sempre fazia o meu melhor, mas sabia que isso era difícil

de ser compreendido por uma criança de cinco anos. Tudo o que Samuel

sabia era que que ele estava vivendo sua vida feliz, morando na mesma casa

que seus avós, indo e voltando da escola todos os dias com os amiguinhos

da rua, tinha uma professora que ele amava e até mesmo um cachorro, o
Farofa – que, na verdade era do nosso vizinho, mas ia todos os dias brincar

em nosso quintal.

Então, de repente, sua mãe tinha chegado nele e contado que tinha
conseguido um emprego em São Paulo e que eles precisariam se mudar. O

emprego era bom, ela teria um salário bem melhor e ainda estaria na capital

do estado, em uma cidade grande onde ela poderia tentar correr atrás de

seus velhos sonhos de trabalhar com música.

Mas isso significava que ele agora só veria os avós uma vez ao mês
e que passaria a ter outros coleguinhas e outros professores. E ele não

estava nada feliz com isso.

E que motivos teria para ficar?

Ainda assim, quando ele veio até a cozinha e se sentou em uma

cadeira, tentei soar positiva.

— E então, meu amor... viu que a mamãe comprou os cereais que

você gosta?
— Tô sem fome... — ele resmungou, nitidamente emburrado.

— Coma um pedaço do bolo, então. Deve estar uma delícia.

— Não deve ser gostoso como o que a vovó faz.

— A vovó ia querer que você comesse. Lembra do que ela sempre

diz, não é? O café da manhã é a refeição mais importante do dia! E você vai

precisar de muita energia para brincar com seus novos amiguinhos na nova
creche.

— Eu não quero ir para a nova creche, mamãe. Quero voltar para a

minha escola. Tô com saudade dos meus amiguinhos, e do vovô, e da vovó,


e do Farofa...

Suspirando, puxei uma cadeira, sentando-me ao lado do meu filho

diante da pequena mesa redonda que tínhamos na cozinha.

— Meu amor, eu sinto muito por isso. Mas a mamãe já te explicou,

não foi? Nós tivemos que nos mudar porque a mamãe conseguiu um

emprego melhor, e com isso vai ter um salário melhor... e vai poder dar uma

vida melhor para você.

— Eu gostava da minha vida antes, mamãe.

— Eu sei. Eu também gostava. Mas, aqui em São Paulo, você vai

poder, quando crescer, fazer uma faculdade do que você quiser, e realizar
todos os seus sonhos. A mamãe não teve condições de fazer isso, mas você

terá. Sem contar que você sempre quis conhecer São Paulo, não é?

— Sim — Mesmo que por um instante, ele pareceu se animar com a

conversa. — Porque é aqui que mora o meu papai, não é?

Certo, aquele talvez tivesse sido mais um erro meu.

Ou um acerto, apenas o tempo iria dizer.

Das coisas que eu havia contado a Samuel a respeito do pai, estava o

fato de ele ser de São Paulo.

Porém, eu nunca quis que isso causasse nele falsas esperanças com

relação à nossa mudança para aquela cidade. Afinal, eu nem sabia se Noah

ainda estaria morando por lá e, mesmo que estivesse, quais seriam as

chances de eu encontrá-lo em meio a mais de dez milhões de habitantes?

— Coma logo o seu café, ou vamos nos atrasar — repeti, dando um

beijo em sua testa e deixando claro que não teríamos tempo para conversas

longas naquele momento.

Depois que ele enfim comeu alguma coisa, eu vesti o seu uniforme,

terminei de me arrumar e saímos. No apartamento do prédio onde agora

morávamos, entramos no meu Fiat Uno 2001 – que eu tinha comprado, já

usado, há uns três anos – e seguimos para o meu primeiro dia na nova

empresa.
Deixei Samuel na creche, situada no terceiro andar do prédio,

dando-lhe vários beijos de despedida e bancando a mãe melosa. De lá segui

para o décimo quinto andar, onde eu iria iniciar o meu trabalho como

secretária.

Eu iria trabalhar diretamente com o chefe, o dono de tudo aquilo. Eu

não sabia nada a respeito do Senhor Bianchi, e confesso que isso me

causava certa apreensão.

Durante a primeira semana, eu ficaria sob o comando da senhora

Andreia, a secretária atual, que em alguns dias deixaria o cargo para se

aposentar. Ela iria me treinar para que eu assumisse a função que ela,

segundo me contou, executava durante quase trinta anos.

— Que bom que chegou com antecedência. O senhor Bianchi não

tolera atrasos — foi a primeira frase que ela me disse pela manhã, logo que

nos apresentamos.

E, no decorrer daquele dia, enquanto me explicava cada uma das

funções, ela foi me passando mais uma lista interminável de coisas que o

senhor Bianchi não tolerava.

Que o interrompessem durante uma reunião. Que seus

compromissos semanais não estivessem ordenados de forma impecável e

rigorosa em uma planilha que deveria ser enviada para ele no final da
semana anterior. Que seu café estivesse frio, ou fresco, ou mesmo morno.

Que o café fosse adoçado. Que o café não fosse entregue para ele

religiosamente às nove da manhã, que era o horário que ele chegava

(aparentemente, o café era algo de suma importância). Que entrassem em

sua sala sem anunciar antes pelo telefone. E mais uma relação infinita de

coisas.

Enfim, o expediente chegou ao fim e eu saí, ao lado da senhora

Andreia, da sala onde trabalhávamos, chegando ao enorme e luxuoso hall

daquele que era o andar mais importante da empresa.

Dona Andreia me parou ali, segurando-me com mais algumas

observações, quando minha atenção foi desviada para a porta de uma das

salas, que se abria nesse momento.

Foi então que eu, de repente, senti como se estivesse tendo algum

tipo de alucinação.

Eu já conhecia aquele homem metido em um terno formal, que saía

de uma das salas naquele momento. Eu tinha ainda lembranças da única

noite que passamos juntos. Eu tinha fotos dele há seis anos no meu celular.

Mais do que tudo isso: eu tinha um filho dele.

Não era possível que ele trabalhasse ali...

Seria coincidência demais...


— É o Noah? — sussurrei. Apesar do tom de interrogação na minha

voz, não era exatamente uma pergunta, mas uma constatação.

A mulher ao meu lado franziu a testa, como se eu tivesse dito algo

incompreensível. Ela olhou para o engravatado, voltando a me olhar em

seguida.

— Fala do senhor Noah Bianchi? Ele não tolera que o chamem de

maneira tão informal.

Noah Bianchi?

Como aquilo seria possível?

Ele era um Bianchi? Era simplesmente o dono da maior construtora


do país?

E, consequentemente, era o meu chefe?

O pai do meu filho não apenas era um milionário, como também


era, agora, o meu patrão?

Quando aquele ‘garoto da cidade grande’ me contou que, depois de


se formar na faculdade de Administração, iria trabalhar na empresa do pai,

eu tinha imaginado algo infinitamente mais simples que aquilo. Pensei que
ele poderia ser pertencente à classe média-alta ou até mesmo – e muito

provavelmente – até mesmo rico. Mas rico de uma forma mais... modesta,
talvez?
Não um milionário, bilionário, ou sei lá em qual classe exatamente o
dono da Bianchi Construtora devia estar classificado.

Isso fez com que eu me lembrasse das palavras ásperas ditas a mim

por telefone pelo pai dele. Acusando-me de ser uma oportunista e de querer
dar um golpe em seu filho.

Ele tinha dito que foi o próprio Noah que mandara aquele recado e
eu nunca pude ter certeza a respeito daquelas palavras. Mas agora, vendo

aquele homem tão sério, enfiado em um terno que deveria custar quase um
ano inteiro do meu aluguel, eu voltei a cogitar aquilo ser realidade.

Se o pai dele havia me oferecido dinheiro em troca do meu silêncio,

o que o próprio Noah poderia dizer a mim, pessoalmente, caso me


encontrasse ali?

Porém, era tarde demais para eu evitar que aquilo acontecesse,


porque estava tão paralisada diante da surpresa que sequer consegui me

mover antes que ele virasse o rosto em minha direção, olhando diretamente
para mim.

Torci para que ele apenas desviasse o olhar, sem me reconhecer.

Afinal, tinha sido apenas uma noite de sexo depois de algumas horas de
conversa, e isso já tinha acontecido há seis anos. Ele não teria qualquer

razão para se lembrar de mim.


Mas ele se lembrou. E isso ficou bem claro na forma como seus
olhos se alargaram em surpresa.

Pensei no que, exatamente, teria feito com que ele ainda se


recordasse de mim. Eu não iria me iludir de que era por ter sido, de alguma

forma, especial para ele. Era óbvio que não. Provavelmente, ele se lembrava
de ter recebido a notícia de que eu estava grávida e de ter mandado seu pai

entrar em contato comigo na tentativa de comprar o meu silêncio.

Estava claro que era isso.

O som da porta do elevador se abrindo bem atrás de mim arrancou-

me daqueles devaneios e fez com que eu agisse da forma mais intuitiva


possível.

Eu simplesmente fugi.

Entrei no elevador e ainda o vi correr em minha direção, tentando


me deter, antes que a porta se fechasse.

Apertei o botão do terceiro andar, onde ficava a creche, e desci lá,


correndo até o local. Meu filho veio até a porta me encontrar e eu
simplesmente o agarrei em meus braços, saindo de lá correndo, como se

fosse uma fugitiva depois de cometer um crime.

Eu sequer raciocinava direto sobre o que eu fazia, mas agia por puro

instinto maternal de defesa. Noah era um milionário influente, e tinha


deixado muito claro que não queria o nosso filho. Eu não podia permitir que

ele chegasse perto de Samuel e dissesse qualquer coisa que pudesse partir o
coraçãozinho do meu garotinho.

Assim como não iria suportar que ele me dissesse palavras horríveis

como as que o pai dele havia me dito seis anos antes. Se ele tentasse sequer
sugerir me dar uma quantia em dinheiro para eu ‘sumir de sua vida’ levando

nosso filho junto.

Eu iria, sim, sumir. Mas para proteger Samuel.

— Por que estamos correndo, mamãe? — meu filho me perguntou,

logo que entramos no elevador.

Eu apertei insistentemente o botão para o subsolo, onde ficava o

estacionamento, até que a porta se fechou.

— Por nada, meu amor. Só quero voltar logo para casa.

— Sabia que eu gostei muito da creche, mamãe? A minha

professora é muito legal e eu fiz novos amigos.

Forcei um sorriso, pensando em como iria novamente partir o

coraçãozinho do meu filho ao contar que ele não voltaria para aquela creche
no dia seguinte. Eu não iria, de jeito nenhum, trabalhar para aquele homem.

Pareceu se passar uma eternidade até chegarmos ao estacionamento,

e eu agarrei a mão de Samuel, seguindo com ele até o local onde tinha
deixado o meu carro. Soltei-o por apenas alguns segundos, para pegar a

chave dentro da minha bolsa e, quando voltei a olhar para o meu lado, vi
que meu filho não estava mais ali.

— Samuel? — eu o chamei, sentindo uma nova onda de pânico


tomar conta de mim.

Comecei a olhar ao redor, procurando por ele, até ouvir o som de

uma freada brusca. Voltei os olhos naquela direção, desesperando-me ao


avistar meu garotinho parado bem adiante, de frente para o carro que tinha

acabado de frear e por pouco não o havia atropelado.

— Samuel! — voltei a chamá-lo, desta vez em um grito aflito, já

dando o primeiro passo para iniciar uma corrida até ele.

Contudo, eu voltei a me sentir completamente paralisada quando a


porta do veículo se abriu e de lá saiu Noah Bianchi.

Aquilo não podia estar acontecendo...

Samuel abriu um sorriso enorme quando Noah parou diante dele,


deixando bem claro para mim que ele o havia reconhecido.

— Você é o meu papai — eu o ouvi falar, mesmo à distância.

Então, voltei a correr.


-----***-----
Capítulo seis

Dia do reencontro

17:39

O quão surreal era aquilo?

Em qualquer outro contexto, talvez eu achasse apenas graça da

situação. Pensaria imediatamente que se tratava de alguma pegadinha ou

coisa parecida, que deveria ter em algum lugar naquele estacionamento um

adulto escondido, que tinha mandado aquela criança ir até mim e dizer
aquela frase.

Mas quais as chances de encontrarem para isso alguém tão parecido


comigo?
Olhar para aquele menino era como ver uma das minhas fotos de

infância. Os olhos dele eram idênticos aos meus, e os cabelos dele tinham o

mesmo tom castanho-claro que os meus quando eu tinha aquela idade. Mas

o sorriso dele não era o meu.

Quando ele sorria, covinhas se formavam em suas bochechas, de

uma forma que me pareceu familiar. Onde eu tinha visto aquele sorriso

antes?

A resposta surgiu para mim como um súbito vendaval em forma de

uma mulher que chegou correndo, agarrando o menino ao redor de seus

braços e puxando-o para junto de si.

A mesma mulher que eu tinha visto quando saí da minha sala

minutos antes. A mesma que eu tinha achado tão parecida com alguém que

eu tinha conhecido há alguns anos.

E agora, cara a cara, eu pude ter a confirmação de que era mesmo

ela.

— O que está acontecendo? — foi tudo o que eu consegui

pronunciar.

Porque, que inferno, nada em todo aquele cenário fazia qualquer

sentido.
— Não se preocupe... — Carla falou, encarando-me com um olhar

assustado e com lágrimas já descendo pelo seu rosto. — Nós vamos ficar

bem longe de você.

Então, ela deu meia-volta e saiu carregando o garoto no colo,

sumindo de meu campo de visão ao entrar em um dos corredores de carros.

Ainda levei alguns instantes até conseguir ter alguma reação. Corri

até ela, alcançando-a quando ela parava diante de um carro velho.

— O que está acontecendo, Carla? — repeti a pergunta, desta vez de

forma direta.

Ela abriu a porta do carro e levantou o banco, empurrando o menino

para dentro.

— O que está acontecendo é uma coincidência infeliz — ela

respondeu, sem sequer me olhar, enquanto ajeitava o filho no banco de trás


do carro.

Era óbvio que era filho dela. Eu sabia que tinha reconhecido aquelas

covinhas.

Então, ela continuou:

— Eu não sabia que você trabalhava aqui... muito menos que era

dono daqui, e... Enfim, não importa... Não vamos voltar a nos ver.

O quê?
Eu queria respostas e não fugas.

Ela baixou o banco do motorista e ia entrar no carro, mas eu segurei

o seu braço.

— Carla, espera. Não pode aparecer aqui do nada, tantos anos

depois, com um menino me chamando de ‘papai’ e simplesmente ir embora.

— Não vai acontecer de novo, eu te garanto. Agora me solte.

— Não... Nós precisamos conversar.

— Noah, me solte agora, antes que eu faça um escândalo nesse

estacionamento.

— Carla, você não pode...

— Mamãe... — o garotinho no banco de trás a chamou.

O som de sua voz mexeu com algo dentro de mim. Algo que foi

ainda mais remexido quando eu o olhei e vi que ele chorava, olhando para

mim com uma expressão assustada em seu rosto.

— Por favor, Noah, me solte — Carla pediu.

E eu não podia continuar segurando-a contra a sua vontade.

Especialmente diante dos olhos assustados daquela criança, que podia ser

meu...

Meu Deus... Eu tinha um filho?


Foi como se o espanto de tudo aquilo me fizesse perder todas as

minhas forças. E meus dedos se soltaram ao redor do braço de Carla.

Então, ela entrou no carro, batendo a porta. Deu a partida no veículo


e foi embora.

E eu fiquei ali, parado como um idiota bem no meio daquele

estacionamento, tentando organizar meus pensamentos.

Tentando colocar todas aquelas novas peças de quebra cabeça em

ordem, de modo com que alguma coisa ali fizesse qualquer sentido.

Mas eu sabia que isso não seria possível, simplesmente por eu não

ter, ainda, todas as peças que precisava.

E só as teria se conversasse com Carla.

Determinado, voltei para o elevador do prédio, seguindo para o setor

do RH da empresa.

Se Carla trabalhava ali, eu encontraria algum registro a seu respeito,

junto com um endereço onde eu pudesse encontrá-la.

E eu a encontraria ainda naquela noite.

Não deixaria que ela escapasse de mim mais uma vez.

*****
Capítulo sete

Samuel não tinha parado de me perguntar a respeito daquilo. E não


estava sendo fácil fazê-lo acreditar que tudo tinha sido uma confusão da

cabecinha dele. Que aquele era apenas um homem muito parecido com o
das fotos que ele via sempre no meu celular

Eu repetia aquilo para ele enquanto queria também poder acreditar

naquela versão.

Como toda criança de cinco anos, Samuel era esperto demais – e


também teimoso demais – para deixar aquele assunto de lado. Contudo,

tentei distraí-lo colocando seu desenho favorito para assistirmos juntos no

meu quarto, e pedi também uma pizza de quatro queijos – que era a

predileta dele.
Mas nada disso teve o resultado esperado. Ele se distraía por cinco

ou seis minutos com o desenho, sempre voltando a me olhar e fazendo

alguma pergunta relacionada ao ocorrido mais cedo.

— Ele ficou muito assustado quando eu contei que ele era o meu

papai.

— Olha só, não é nessa cena que o panda faz aquela dancinha que
você gosta? — E eu sempre tentava fazer com que ele voltasse sua atenção

para a TV.

— Ele trabalha naquele prédio também, mamãe? A gente pode falar


com ele de novo amanhã?

Suspirei, cansada. Não teria um retorno ao prédio amanhã. Eu já

estava determinada a, logo que Samuel dormisse, arrumar as nossas coisas


para no dia seguinte voltarmos para a casa dos meus pais.

Mas eu não sabia, ainda, como contar essa parte para ele.

— Você está com saudades do vovô e da vovó?

— Estou, mamãe. A gente pode ligar pra eles? Quero contar sobre

eu ter encontrado o meu papai.

Ok... eu ainda nem sabia como lidar com Samuel naquela situação...

Sem, condições de ainda envolver meus pais naquilo. Deixaria para contar

para eles apenas quando estivéssemos de volta.


— Tenho uma ideia melhor, filho. E se formos matar as saudades

deles pessoalmente?

— Eles vão vir visitar a gente?

— Talvez a gente é que possa visitá-los. — Seria bem mais do que

apenas uma visita, mas era melhor dar uma informação por vez.

Samuel deixou de sorrir, frustrado.

— Não podemos, mamãe. Eu tenho aula amanhã. A professora falou

que vamos fazer pintura com tintas, não posso faltar!

Que belo momento para o meu filho decidir que seria um aluno

exemplar e com aptidões artísticas...

Como se para me salvar daquela conversa, a campainha tocou. E eu

me levantei da cama em um pulo, anunciando:

— Até que enfim, a nossa pizza chegou. Continue assistindo o

desenho, que a mamãe já volta.

Ele voltou a sorrir, animado com a ideia de seu jantar ser pizza na

cama enquanto assistia desenhos. E eu saí do quarto, correndo até a

pequena sala de estar e abrindo a porta sem ao menos perguntar quem era.

Primeiro, porque eu ainda mantinha os hábitos de uma pessoa

nascida e criada no interior, que jamais suspeitaria que uma batida em sua

porta no meio da noite pudesse representar algum risco.


E segundo, porque eu estava mesmo esperando pelo entregador da

pizzaria, então imaginei que fosse ele.

Mas não era.

Logo que abri a porta, o sorriso em meu rosto se desfez quando

reconheci Noah ali, parado diante de mim.

Agindo por impulso, tentei voltar a fechar a porta, mas ele a

segurou.

— Por favor, Carla, a gente precisa conversar.

— O que está fazendo aqui? Como descobriu onde eu morava?

— Você trabalha na minha empresa, esqueceu?

— E não é antiético e até criminoso você usar meus dados dessa

forma? Eu posso chamar a polícia, sabia?

— Carla, eu não vou sair daqui enquanto a gente não conversar.

— Mamãe? — a vozinha de Samuel me fez sobressaltar.

Olhei para trás, encontrando-o parado no corredor, olhando para

Noah de forma confusa e curiosa.

Fui até ele, abaixando-me à sua frente.

— Meu amor, você pode voltar para o quarto e continuar assistindo

ao seu desenho? A mamãe precisa ter uma conversa com... esse moço...
Mas será rápido. Por favor, volte para o quarto. ...Por favor, Samuel, faça o

que a mamãe está pedindo.

Apesar do pedido ser quase uma súplica, usei um leve tom de


autoridade na voz, do tipo que sempre fazia com que Samuel me

obedecesse sem maiores contestações. Porém, ele ainda lançou um olhar

curioso para Noah, antes de voltar para o quarto.

Voltei a me virar e vi que Noah tinha entrado e estava agora de pé

bem no meio da pequena sala de estar, com a porta fechada atrás de si. Os

olhos dele estava fixos na direção por onde Samuel tinha ido.

— Samuel... — ele repetiu o nome que me ouviu dizer instantes


antes. — Ele é meu filho, Carla? — perguntou, com um tom de angústia em

sua voz. — Ele é mesmo meu filho?

— É sério que você está me perguntando isso? Você sabe. Você

sempre soube.

Ele voltou a me encarar, mostrando-se ao mesmo tempo confuso e

irritado.

— Como eu poderia saber? Eu voltei lá na sua casa... Ou melhor, na

casa onde você morava há seis anos. O proprietário me disse que te

entregaria um bilhete que deixei, com o número do meu telefone. Você

nunca entrou em contato comigo para contar que engravidou naquela noite.
Ele tinha deixado um bilhete com o telefone dele para o André?

Para o meu ex namorado possessivo André?

— É um ótimo argumento, dizer que deixou seu telefone para mim

em um bilhete entregue ao babaca do meu ex. Sabe que ele nunca me

entregaria.

— O quê? O dono da casa era seu ex?

Só então eu me dei conta de que não havia, na ocasião, contado

aquela parte da minha vida a Noah.

— Bem, isso não importa. Eu nunca recebi nenhum bilhete com seu

telefone, mas sei que eu tentei entrar em contato com você por intermédio

de um amigo seu. E então, recebi um telefonema nada simpático do seu pai,

passando o seu recado de que não queria saber de mim ou do bebê que eu

estava esperando.

— Espera... O meu pai fez o quê?

— Noah, apenas vá embora, por favor.

Ele passou uma das mãos pela cabeça, parecendo tentar processar

todas aquelas informações.

E parecia sincero naquilo.

O que fez com que eu também ficasse confusa.


— Que amigo?

— Um cara chamado Eduardo. Peguei o contato dele com a


vocalista da banda e entrei em contato. Ele disse que te passaria o meu

número, mas quem me ligou, dias depois, foi o seu pai. Disse que estava

fazendo isso em seu nome.

Se a expressão confusa dele, antes, já me parecia muito sincera, a

deste momento, caso fosse falsa, faria dele um ator digno de receber um
Oscar.

Ele balançou a cabeça e vagou os olhos pelo nada, parecendo


completamente atordoado.

— Desgraçado... Filho da puta desgraçado! — Ele deu alguns


passos pela pequena sala, de um lado para o outro, por fim voltando a parar
de frente para mim e respirando profundamente, em uma nítida tentativa de

recuperar a calma. Eu podia ver as mãos dele tremendo e um misto de ódio


e indignação em seus olhos. — O Eduardo nunca foi um amigo próximo,

apenas fazíamos parte de um mesmo grupo de amigos em comum. E


coincidentemente, logo que nos formamos, ele conseguiu um emprego na

Bianchi. O meu pai deu a ele um emprego em um cargo elevado demais


para um recém-formado. Eu na época achei isso estranho, mas não pensei

muito a respeito. E, ainda que pensasse, eu nunca poderia cogitar que meu
pai devesse a ele por algum favor ou alguma informação. E nunca, jamais
poderia imaginar que meu próprio pai faria algo desse tipo.

Neste momento, eu me vi completamente sem fala. Não queria ser

uma tola por acreditar tão facilmente nele, mas tudo na reação dele me
parecia tão verdadeiro...

Assim como o Noah que eu conheci seis anos antes... O cara para
quem me entreguei por completo em apenas algumas horas de conversa em

dois dias... também me pareceu verdadeiro. Parecia ser um cara legal


demais para ter agido como agiu.

E se tudo aquilo tinha sido, de fato, culpa de outras pessoas que

agiram para separarem pai e filho?

Todas aquelas novas informações estavam sendo despejadas sobre

mim de forma tão abrupta, que eu sequer conseguia formular algum


pensamento. Já não sabia mais o que fazer, o que falar ou como agir.

E Noah, parecendo tão desnorteado quanto eu, pareceu perceber

isso. Tanto que falou:

— Eu vou embora, Carla. Tem pessoas que preciso confrontar e sei

que você, tanto quanto eu, tem muito o que pensar. Mas, por favor... Me
prometa que não vai deixar o emprego. Você não precisa voltar amanhã,
pode tirar uns dias de folga para colocar a cabeça no lugar, mas... Eu te
espero na empresa para que possamos conversar com calma.

— Não posso te prometer nada, Noah...

— Eu juro para você, Carla... Juro que eu nunca soube de nada.


Apenas me dê o tempo de te provar isso.

— O que vai fazer? Confrontar o seu pai?

— Meu pai morreu há dois anos.

Aquela foi outra surpresa para mim.

— Eu sinto muito...

Minha frase fez com que um leve sorriso surgisse no rosto dele. E eu
sabia exatamente o motivo. Eu me lembrava bem do que aquela frase

remetia.

À nossa primeira conversa sobre luto, sobre as pessoas que não

querem falar sobre o assunto e apenas dizem coisas como ‘Sinto muito’.

Porém, eu realmente sentia. Porque aquele homem que tinha me dito

coisas tão horríveis e aparentemente feito com que meu filho crescesse sem
um pai tinha muito, muito o que explicar.

— Prometa que não vai embora, Carla. Por favor — ele voltou a

pedir.
Ele se mostrava tão sincero que eu não tinha como negar aquele

pedido.

— Você é um Bianchi, Noah. E teve acesso à minha ficha completa.


Sabe agora o meu nome completo, meus documentos, os nomes dos meus

pais... Você poderia facilmente me encontrar em qualquer lugar para onde


eu fugisse. Se você quiser me encontrar.

— Eu quero saber onde te encontrar. Não quero ter que te procurar


como se fosse uma criminosa fugitiva. Como se fosse uma vilã. Existem

vilões nessa história, mas não somos nós. E eu vou te provar que eu
também não sou um deles.

Vencida, acabei concordando com um movimento de cabeça. Noah

olhou novamente para o corredor, mais precisamente para a porta fechada


do quarto onde Samuel estava. E, em suas feições, mostrava-se nítido o

desejo de vê-lo novamente. Mas o corpo inteiro dele tremia de maneira


transtornada, então ele provavelmente se deu conta de que não era o

momento para isso.

Assim, ele se virou e apenas saiu do meu apartamento.

Fiquei ali parada no mesmo lugar, sentindo as lágrimas quentes

descendo pelo meu rosto. Passou-se menos de dois minutos até que a
campainha voltou a tocar e eu corri em direção à porta, abrindo-a de forma

abrupta, imaginando que Noah teria voltado.

Desta vez, no entanto, era realmente o entregador da pizzaria.

Levei a caixa de pizza de volta até o quarto, pensando em como iria

encarar meu filho depois de toda aquela situação.

Para o meu alívio, encontrei-o já adormecido sobre a cama.

Deixei a pizza na cozinha e voltei até o quarto, deitando-me ao lado


de Samuel e abraçando-o com força, enquanto chorava.

*****
Capítulo oito

Não menti quando disse a Carla que Eduardo e eu nunca tínhamos


sido verdadeiramente amigos. Ele era apenas um cara que eu conhecia, que

estudou na mesma turma que eu na faculdade e que, por estar inserido no


mesmo grupo de amigos em comum, era uma constante companhia em

festas e viagens.

Mas isso não fazia com que eu deixasse de considerar a atitude dele

como uma traição. Não tanto quanto a do meu próprio pai, óbvio. Mas

Eduardo estava vivo e era a única pessoa que eu tinha para confrontar a
respeito daquela situação.

Não que eu duvidasse das palavras de Carla. Eu não tinha qualquer

razão lógica para acreditar em alguém com quem eu tinha conversado


durante algumas horas e levado uma única vez para a cama seis anos antes.
Mas eu não tinha, também, razões concretas para acreditar que ela estivesse

mentindo.

Afinal de contas, aquele menino parecia uma fotocópia minha.


Como eu teria qualquer dúvida sobre ele ser meu filho? E ela não teria

qualquer motivo para ter escondido aquilo de mim durante tanto tempo.

Não de forma proposital.

A não ser que alguém tivesse feito com que ela acreditasse que eu

estava rejeitando um filho meu.

Não consegui dormir naquela noite. A imagem daquele garotinho


não saía da minha mente, junto às palavras de Carla sobre o que acontecera.

Fui para a Bianchi pela manhã, mas, ao contrário do habitual, não

fui para a minha sala, mas para a sala do diretor do setor administrativo.

Sentei-me em uma cadeira, girando-a de frente para a porta,


esperando até que aquele filho da puta chegasse. Quando a porta se abriu,

ele sobressaltou de susto ao me ver ali.

— Meu Deus, Noah, você quase me matou do coração! — ele

reclamou, logo que conseguiu respirar e se recuperar um pouco do susto.


Então, fechou a porta atrás de si. Embora mais calmo, pareceu confuso ao

me encontrar ali. — Aconteceu alguma coisa?

— Aparentemente sim — respondi, de forma séria.


— Bem, deve ter sido algo bem grave para você descer do seu andar

de CEO e vir diretamente até aqui para falar comigo.

— Eu estava aqui pensando sobre o dia que descobri que você tinha

conseguido um emprego aqui. O diretor anterior a você tinha um currículo

invejável e anos de experiência dentro da Bianchi. Sempre achei curioso o

meu pai tê-lo demitido para contratar um moleque recém-formado.

— Bem... O que eu posso dizer? Você também era um moleque

recém-formado quando começou a trabalhar aqui.

— É, mas sou o filho do dono. Sabe como é, né? Privilégios. Sei

bem quais são os meus. Mas queria que você me contasse quais exatamente

foram os seus.

Ele me estudou em silêncio por alguns segundos, parecendo pensar

bem no que iria dizer.

— Eu não estou entendendo onde quer chegar, Noah. Eu não tive

privilégio nenhum. Seu pai apenas queria alguém mais jovem para o cargo.

Sangue novo, como ele costumava dizer.

— Eu teria uma lista de colegas nossos bem mais capacitados que

você para indicar a ele.

— O que é isso agora? Aonde quer chegar com essa conversa? Vai
me demitir, é isso?
Eu iria, sem sombra de dúvidas. E esperava ter autocontrole

suficiente para fazer apenas aquilo.

— Ontem conheci uma criança. Que tem grandes chances de ser

meu filho.

O rosto dele ficou completamente pálido, como se todo o sangue de

seu corpo tivesse desaparecido. Porém, logo tentou disfarçar, forçando

alguma naturalidade na resposta sarcástica que lançou:

— ...Parabéns? Ou meus pêsames? O que quer que eu diga? Eu, no

seu lugar, ficaria surtado com algo assim.

— Pode começar dizendo os motivos de eu só ter descoberto isso

agora.

Ele afrouxou a gravata, mostrando-se tenso. Estava claro para ele

que eu já sabia de tudo, mas ele provavelmente pensava em como contaria

uma versão dos fatos que parecesse mais leve para o lado dele. Afinal, ele

tinha sido colocado ali durante a gestão do meu pai, mas, agora, eu é que

era o CEO.

— Você realmente acreditou que o garoto é seu filho antes de ter

feito um teste de paternidade? Até onde eu sei, você conheceu aquela

mulher em um bar, teve um mísero fim de semana de convivência com ela.

Como pode acreditar tão fácil que o filho seja seu?


Senti um leve tremor nos joelhos, em um impulso de me levantar e

socar a cara daquele filho da puta cínico. Mas detive-me. Ele

ensanguentado no chão não teria condições de me fornecer as respostas que

eu precisava.

— Apenas me responda, Eduardo: por que eu só descobri isso

agora? Comece contando os motivos de uma mulher ter entrado em contato

com você tentando chegar a mim e o número do telefone dela foi parar com

o meu pai e não comigo.

— Noah, se você procurar agora, na agenda do meu celular, vai

descobrir que até hoje eu não tenho o seu telefone. E você nunca foi

também de ter redes sociais. Meu contato contigo era na faculdade e,

quando a moça ligou para mim, nós já tínhamos encerrado o último ano

letivo. Eu disse a ela que tentaria dar um jeito de te passar o número dela

para que vocês pudessem conversar, e foi o que eu fiz.

— Mas você magicamente conseguiu o número do meu pai, o na

época CEO da Bianchi... Mas não conseguiu o meu, mesmo tendo tantos

amigos em comum comigo?

— Eu já tinha o número do seu pai porque já tinha passado pela

entrevista com a Bianchi. Sabe que as entrevistas para cargos de diretoria

sempre foram realizadas diretamente por ele. Não fiz nada de errado, Noah.
Tentei contato com você pelos meios que eu tinha, seu pai quis saber qual

era a situação, eu contei a ele e ele disse que resolveria e me pediu para não

comentar nada a respeito com você. O que foi feito dali em diante é uma

questão familiar de vocês, não tenho nada a ver com isso.

Canalha! Como ele podia ainda ter a cara de pau de tentar passar a

imagem de que havia agido da forma certa?

Nesse momento, eu não consegui mais me conter e me levantei,

avançando até ele e o empurrando com força contra a parede. A porta da

sala se abriu nesse momento e não me virei para ver quem era. Deduzi que

fosse a secretária dele ao ouvir sua voz aflita respondendo ‘Sim, senhor’

quando ele gritou exigindo que ela chamasse os seguranças e ligasse para a

polícia.

O pedido foi tão extremo que me fez perceber que ele já tinha

entendido que eu seria capaz de matá-lo naquele momento.

— Você se vendeu em troca de um emprego. Você privou uma

criança de ter um pai.

— Quem é você para me julgar, Noah? Uma porra de um playboy

que já tinha a empresa do papai lhe garantindo um futuro certo logo que

terminasse a faculdade. No mundo das pessoas comuns, que não são

herdeiras, é preciso lutar para se conquistar qualquer coisa.


— Você não lutou por porra nenhuma. Você passou por cima de

pessoas. Fez com que eu passasse anos longe do meu filho.

— Seu filho... Fala isso com tanta certeza. A mulher deu tão fácil e

rápido para você, que devia ir para a cama com qualquer um. Mas era óbvio

que iria alegar que o filho é do milionário babaca da cidade grande, não é?

Eu não me importava com as ofensas dirigidas a mim. Mas meu

sangue ferveu quando ele falou daquele modo a respeito de Carla, como se
ela fosse uma oportunista tentando me dar um golpe.

Eu ainda a conhecia pouco, mas nossas conversas me fizeram


perceber que era uma pessoa honesta. E, agora, eu sabia também que tinha,

nos últimos anos, sido uma mulher que criou um filho sem qualquer apoio
do pai da criança e que tinha saído da segurança de sua pequena cidade para

vir para uma capital em busca de algo melhor, provavelmente tanto para ela
quanto para o seu filho.

E eu não toleraria que aquele filho da puta falasse daquele jeito a

respeito dela.

Por isso, não consegui mais me controlar e soquei o rosto dele com

uma das mãos, enquanto com a outra o segurava pelo colarinho, mantendo-
o junto à parede.
Ele tentou revidar, mas o meu ódio era tanto que eu apenas segui
socando-o repetidas vezes. Cheguei a perceber que ele tinha conseguido me

atingir uma ou duas vezes, mas sequer senti dor alguma. Só parei quando
várias mãos me agarraram, afastando-me dele.

Foram precisos três seguranças para fazer com que eu o soltasse. E,

ainda assim, eu continuei a tentar me soltar.

Fui arrastado para fora da sala, sendo ainda detido por aqueles

homens. Vi um grande alvoroço se formar ao meu redor, muitas pessoas


entrarem na sala de Eduardo, alguém gritar para que chamassem uma

ambulância, enquanto tudo o que eu desejava era que me soltassem para


que eu fosse até lá terminar o meu serviço.

Segui tentando me soltar, até que uma súbita calmaria pareceu surgir

em meu peito ao escutar uma voz doce e preocupada.

— Noah?

Virei o rosto em sua direção, vendo Carla caminhando até mim. Ela

parecia assustada com tudo aquilo.

— Você veio... — Foi tudo o que eu consegui dizer.

— Acho que a empresa inteira veio para cá... — ela respondeu,


olhando ao redor. O hall daquele andar já mal comportava tanta gente que

chegava vindo das escadas e saindo dos elevadores.


— Estou dizendo que você veio... para a Bianchi. Você realmente
não deixou o emprego.

— Bem... É um bom emprego, eu tenho um filho para criar, e...


Bem, como eu disse, você me encontraria, caso quisesse, em qualquer lugar

para onde eu fosse. E eu nunca tive a intenção de fugir de você, então...

Ela estava ali...

Aquilo me confortava de uma forma surreal.

Tive realmente medo de que ela abandonasse a empresa, que fosse


embora levando o menino. Mas ela tinha razão: nunca tinha sido uma fuga.

Ela nunca tentou esconder meu filho de mim.

— Senhor? — ouvi uma voz masculina e autoritária me chamando.


Quando o olhei, vi que era um policial. — Vamos precisar que o senhor nos

acompanhe até a delegacia.

Não apresentei resistência àquilo.

*****
Capítulo nove

— Ei, doutor, pode vir. Seu tempo de prisão acabou — um policial

anunciou, enquanto abria a cela para onde eu tinha sido levado.

Era a primeira vez na vida que eu passava pela experiência de ser

preso, ainda que por apenas algumas horas. E quase sorri ao pensar no
quanto o meu pai surtaria se estivesse ainda vivo para ver aquilo.

Eu sentia uma satisfação idiota por pensar que, se houvesse algo

após a morte e se quem partisse pudesse de alguma maneira espionar o

mundo dos vivos, o canalha do meu pai deveria estar bem puto em um
momento como aquele.

E, sim, isso era realmente estúpido da minha parte. Mas, naquele

momento, era o que me restava para tentar ver algo bom no fato de eu ter
ido parar em uma cela de delegacia depois de agredir um homem.

E era bem satisfatório também lembrar do homem em questão que

eu tinha agredido. Tinha valido a pena, de certo modo.

Meu advogado, provavelmente, discordaria disso. E, enquanto eu

caminhava pelo corredor das celas rumo à saída da delegacia, onde ele

certamente me aguardava, eu já esperava ser recebido com uma expressão


bem desanimada no rosto dele.

Foi exatamente isso o que aconteceu. Contudo, minha atenção não

se prendeu a isso por mais do que meio segundo, quando percebi que ele
não estava sozinho.

Logo atrás dele, ambos de pé no pátio da delegacia, estava Carla.

Parei de andar, olhando para ela, surpreso por vê-la ali. Vieira, meu

advogado, veio até mim.

— Sério que fez isso, Noah? Agrediu um funcionário da sua

empresa? — Ele me tratava pelo primeiro nome, já que tinha sido advogado

do meu pai desde que eu era criança e, sendo assim, praticamente me viu

crescer.

— Agredi um filho da puta. Porque ele mereceu. — rebati, sem tirar

os olhos de Carla, que estava a poucos metros de distância de nós. —

Vieira, eu vou precisar dos seus serviços.


— É claro que vai. Deu sorte de o homem não ter morrido, mas

duvido muito que ele retire a queixa contra você.

— Não, não me refiro a esse processo, mas a outra coisa.

— Que coisa?

— Reconhecimento de paternidade.

Ele ficou em silêncio por alguns segundos e, mesmo sem olhá-lo –

já que meus olhos se mantinham fixos em Carla – pude deduzir que a

expressão em seu rosto devia estar totalmente confusa.

Contudo, após alguns segundos, ele apenas falou:

— Certo… uma coisa de cada vez. Sua secretária disse que te

levaria em casa. Mas vi o carro dela, acho que você vai preferir ir comigo.

— Não — respondi, enfático. — Eu vou com ela.

— Como preferir. Me ligue quando estiver em casa.

Dito isso, ele se afastou, provavelmente indo embora. E eu apenas

então me aproximei de Carla, que permanecia parada, também olhando para

mim.

— Você veio... — foi tudo o que eu consegui dizer a princípio.

Ela esboçou um sorriso, embora houvesse uma tristeza visível em

suas feições.
— É a segunda vez que me diz essa frase hoje. Bem, sou sua

secretária. Achei que seria correto acompanhar seu advogado até aqui, e a

dona Andreia concordou comigo. Ela queria ter vindo, mas estava nervosa
demais para isso.

— Pobre Andreia. Deve estar arrependida por não ter se aposentado

antes.

— Ela ficou muito tensa com toda a situação. Mas me garantiu


muitas vezes que o senhor não costuma ser violento com seus funcionários.

— Espero que tenha acreditado nela.

— Acredito. Especialmente depois que soube o nome do cara em

quem você bateu.

— Carla, eu preciso que acredite em mim. Eu não sabia de nada.

— Depois do que aconteceu hoje, eu nem teria como não acreditar.

Bem… Melhor irmos logo. Tenho orientações da dona Andreia para te levar

para casa.

Eu a segui até seu carro, e nós dois entramos no veículo. Enquanto

prendíamos o cinto de segurança, eu perguntei:

— E o menino?

— Ainda são três da tarde, ele está na creche. Tenho duas horas para

te deixar em casa e voltar para a empresa para buscá-lo. Dona Andreia já


me informou o seu endereço. — Ela abriu o app de mapas em seu celular,

digitando o endereço.

— Em duas horas? Você não é muito ambientada com o trânsito de


São Paulo, não é?

— Não. Mas o GPS está me garantindo que dará tempo — Ela

mostrou a tela para mim, mostrando a previsão estimada de tempo de

viagem, mas eu não prestei muita atenção àquilo. — Então… melhor irmos

logo.

Ela deu partida no motor. Ficamos em silêncio até sairmos do pátio

da delegacia e chegarmos à rua, quando ela enfim voltou a falar:

— Hoje, enquanto eu esperava o advogado resolver a sua soltura,

fiquei pensando no tamanho da bomba que explodiu na sua vida da noite

para o dia. Você até que está lidando com tudo muito bem. E eu nem sei se

você é casado, se tem uma namorada, enfim, se tem alguém na sua vida.

Espero que tudo isso não tenha lhe causado um problema ainda maior.

— Não. Sou mesmo apenas eu para lidar com isso. Mas não
chamaria um filho de uma bomba. É mais como... uma enorme surpresa.

— Uma enorme e explosiva surpresa...

Ri de leve e ela me acompanhou. E eu logo identifiquei entre nós o

mesmo clima leve de seis anos antes.


— Você sonhava em ser pai? — ela continuou.

— Não. Digo, sim, eu pensava nisso, mas sempre achei que

ocorreria apenas em um futuro um pouco mais distante. E você? Sonhava

em ser mãe?

— Também era algo que esperava que ocorresse apenas daqui a um

bom tempo. Não era um plano para os meus vinte anos. Mas… Apesar de
não ter sido no momento que eu considerava como o certo, foi sem dúvidas

algo do qual eu não me arrependo. Samuel é a luz da minha vida.

— Samuel… — repeti o nome, reflexivo. O rosto daquele garotinho

tomando a minha mente.

— É. Era o nome do meu avô.

— É um ótimo nome.

— Ele é um ótimo menino também.

— Me conte mais sobre ele.

— Bem… ele gosta de pandas. E de Titãs.

— Titãs? A série da DC?

— Não. A banda de rock.

— O quê? Como assim?


— Meu pai ama rock nacional. E, dentre tudo que o avô escuta, o

que o Samuel mais gosta é dos Titãs.

— Curioso para um garotinho de cinco anos.

— É, eu sei. Ele não é apenas a luz da minha vida, mas a dos meus

pais também.

— Fico feliz por você ter tido apoio familiar. Que não tenha estado

sozinha nessa. — pensei em completar com um “já que eu não estava por
perto”, mas isso apenas deixaria o clima pesado. E eu gostava do clima do

jeito que estava. — Seus pais lidaram bem com a notícia da sua gravidez?

— Bem, meu pai quis matar você. Muito provavelmente, ainda quer.

Minha mãe chorou todos os dias durante umas duas ou três semanas, no
início lamentando porque ela achava que eu era jovem demais para ter um
bebê. Mas logo o choro dela passou a ser o de emoção porque teria um

netinho.

Novamente, ficamos em silêncio, enquanto eu repassava todas

aquelas informações em minha mente. Eu só conseguia pensar no tanto que


eu queria conhecer melhor Samuel.

— Não quero que me leve para casa, Carla. Quero ir para a empresa.

— Acho que, depois do que aconteceu lá hoje, seria adequado que


você se afastasse por alguns dias. Foi orientação do seu advogado. A dona
Andreia ficou na empresa, inclusive, remarcando todos os seus
compromissos dos próximos dias.

— Eu não pretendo trabalhar. Não vou sequer circular por lá. Quero

apenas te acompanhar para pegar o Samuel na creche. Se você permitir, é


claro.

Foi a vez de Carla ficar pensativa, parecendo analisar bem a


situação.

— Acha que isso pode deixá-lo confuso? Que não é o momento

ideal? — perguntei.

— Bem… Na verdade, fatalmente a primeira pergunta que ele me

fará quando eu chegar para buscá-lo será a seu respeito.

— Como ele sabia a meu respeito?

Percebi o rosto dela corar.

— Nós tiramos algumas selfies juntos. No bar. Bem, você não deve
se lembrar disso.

— Eu lembro. — Eu me lembrava de tudo sobre aquela noite. — O

que você contou a ele sobre mim?

— Que nós nos perdemos um do outro. Decidi esperar que ele

ficasse maior para dizer mais claramente que o pai não o queria. Era a
versão que eu tinha dos fatos.
— Obrigado por esperar. Por não o magoar com algo tão cruel. E
por mostrar minhas fotos para ele.

— Acho que todo mundo tem direito a conhecer suas origens.


Assim como eu conheço as minhas. Meus pais não são biológicos. O

homem que me concebeu era um alcoólatra que sumiu no mundo para não
ter que assumir a paternidade. E a minha mãe biológica me deu para a

adoção porque não tinha condições de me criar. Como tudo isso aconteceu
em uma cidadezinha onde todo mundo se conhece, sei que ela morreu três

anos depois. Meus pais, os de verdade, que me criaram, contaram tudo isso
para mim no tempo e da forma certa. Cresci sabendo que não tinha o
mesmo sangue que eles, mas que isso não fazia qualquer diferença.

Todo aquele relato me fez pensar que, no fim das contas, ela tinha
muito mais perdas do que a que tinha me contado quando nos conhecemos,

a respeito de sua amiga.

Quando me dei conta, percebi que ela não tinha seguido o caminho

para o bairro onde eu morava, mas o que levava para a empresa.

-----***-----
Capítulo dez

Definitivamente, eu não sabia onde eu estava com a minha cabeça


quando concordei com aquilo e decidi levar Noah de volta comigo até a

empresa, para pegarmos juntos Samuel na saída da creche.

Na verdade, para começar, o simples ato de voltar para a empresa


não era a mais sensacional das ideias feitas por Noah naquele dia. Desde o

estacionamento, todos o seguiam com os olhos, demonstrando assombro e

cochichando uns com os outros, provavelmente a respeito do CEO ter

enlouquecido e socado um homem até mandá-lo para o hospital.

— Acho que todos estão com medo de você agora... — comentei em

um sussurro, enquanto entrávamos no elevador.

— O ‘agora’ é bondade sua. Meus funcionários têm medo de mim

praticamente desde que eu assumi a empresa, há dois anos.


A informação foi confirmada quando o elevador parou no hall. A

porta se abriu e três pessoas esperavam para entrar, mas se recusaram,

dizendo que esperariam pelo próximo. Então, a porta voltou a se fechar.

Lembrei-me, então, de tudo o que tinha ouvido a respeito dele no

dia anterior.

— A dona Andreia realmente me fez ficar com muito medo de você.


Aliás, ela puxaria a minha orelha se me ouvisse me referindo ao senhor

Bianchi por você.

— A Andreia ajuda bastante a alimentar a minha fama de CEO


carrasco.

— Ela me passou uma lista infinita de coisas que você não tolera.

— Na verdade, é uma lista de coisas que o meu pai não tolerava. Ele

comandava isso aqui com mãos de ferro. Andreia sabe que não sou como
ele, mas gosta de espalhar para todo mundo que eu sou tão rígido quanto o

meu pai era.

— E você não se importa com a fama ruim?

— Bem, as coisas estão funcionando bem assim, não estão? Eu não

tenho muito contato direto com outros funcionários, minha secretária é a

minha porta-voz. E se para ela tudo funciona melhor fazendo uma imagem

bem severa a meu respeito, eu não vou me opor a isso.


A porta enfim se abriu no terceiro andar e nós dois saímos do

elevador.

Noah, então, completou:

— Mas em alguns dias você será minha secretária oficial, então

sinta-se à vontade para pintar a imagem que quiser a meu respeito.

— Acho a sua imagem real bem interessante.

Trocamos um olhar, seguido por um leve sorriso, e eu me perguntei

como era possível que, apenas vinte e quatro horas depois daquele nosso

reencontro que para mim tinha sido completamente assustador, a gente já


estava se dando bem daquele jeito.

Eu tinha passado seis anos nutrindo mágoa e raiva por Noah. Certo,

agora eu já sabia que tudo aquilo tinha sido por conta de uma mentira

contada por outras pessoas. Mas, ainda assim, como era possível que eu tão
rapidamente já me sentisse tão confortável na companhia dele?

Eu não sabia se podia afirmar que acreditava em amor à primeira

vista. Seria exagerado dizer que amei Noah desde o primeiro momento que
o vi, ou mesmo que o amava agora. Mas eu sabia que existiam conexões à

primeira vista. Pessoas com quem basta uma troca de olhares e de alguns

minutos de conversa para que a gente sinta aquilo.


Eu até hoje me lembrava do dia, tantos anos antes, que uma nova

família se mudou para uma casa no final da rua onde eu morei a vida inteira

com meus pais. Lembrava de ter apenas seis anos de idade – era pouco
maior que Samuel – e de estar andando de bicicleta na rua, quando passei

por aquela outra garotinha sentada na calçada em frente à casa onde um

caminhão de mudanças descarregava caixas e móveis. Eu desci da bicicleta,

sentei-me ao lado dela e perguntei o seu nome.

Horas depois, naquele mesmo dia, minha mãe surgiu no portão de

casa, me chamando para que eu entrasse, porque logo iria anoitecer. Dias

depois, eu já considerava aquela outra garotinha como minha melhor amiga.

E ela continuou sendo até o dia que partiu.

Conexões...

Minha mãe sempre me contava que no mesmo instante em que me

segurou em seus braços pela primeira vez, sentiu que eu era sua filha. Um

sentimento sem qualquer explicação, já que ela e meu pai nunca tinham

sequer conversado sobre a hipótese de adotar uma criança.

Conexão... foi o que eu senti entre Noah e eu, desde a nossa

primeira troca de olhares.

Paramos os dois diante da porta da creche. Noah inspirou

profundamente, parecendo tenso.


— Tem certeza disso? — perguntei. — Podemos deixar para outro

momento.

— Ele já sabe que sou o pai dele. Não quero que se sinta mais
rejeitado por eu adiar isso. É só que... É estranho, Carla. Eu não sei o que

sentir.

— E você não tem como saber. Não é uma comparação exata, mas...

quando eu descobri que estava grávida, eu também não soube. A ideia de

que havia uma vida sendo gerada dentro de mim me pareceu tão... difícil de

entender de forma concreta.

— Ele não é mais uma ideia. É um garotinho de cinco anos.

— Que você até ontem não sabia que existia.

— E ele sempre soube que eu existia. Ele me reconheceu. Ele... me

chamou de pai... Eu não tenho como adiar reencontrá-lo. Eu apenas não sei

como... agir ou sentir.

— Quer um conselho? Deixe tudo por conta do Samuel. Deixe por

conta de toda a sabedoria de uma criaturinha de cinco anos.

Mal disse essas palavras e a porta diante de nós se abriu. A

funcionária da creche nos olhou com surpresa, parecendo assustada por ver

o dono da empresa ali, em pessoa, depois de tudo o que ocorrera naquele

dia.
— Boa tarde. Vim buscar o Samuel — eu falei.

Mas ela nem se mexeu. Parecia paralisada, tensa diante da figura do

patrão que, além se ser supostamente um carrasco, também havia, naquele

mesmo dia, agredido um dos funcionários.

— Viemos buscar o Samuel, por favor — Noah repetiu, com ênfase

no verbo no plural.

Eu tinha dúvidas até então se ele queria permitir que alguém

descobrisse a respeito de ele ter um filho. Agora, eu tinha uma

demonstração de que ele não pretendia fazer disso um segredo.

A funcionária enfim se mexeu e voltou a entrar, retornando um

minuto depois, trazendo Samuel.

Então, foi a vez de meu filho parecer paralisar. Ele parou de andar

logo que atravessou a porta da creche, seus olhinhos se arregando ao olhar

para o pai.

Noah, de forma tímida, abaixou-se diante dele.

— Oi, Samuel — foi tudo o que ele conseguiu dizer.

Meu filho piscou algumas vezes, então levantou seu rostinho,

olhando para mim, voltando a olhar para Noah em seguida.

— Oi. Você veio me buscar na creche, junto com a minha mãe? —

ele indagou, parecendo não conseguir acreditar naquilo.


— É, eu vim. Está tudo bem para você?

Novamente, Samuel levantou o rostinho. E o sorriso que eu trazia


em meu rosto se desfez ao perceber as lágrimas nos olhinhos dele.

— O que houve, meu amor? — perguntei, preocupada.

Temi que tivéssemos sido precipitados demais. Que meu filho agora

poderia estar confuso e assustado com tudo aquilo. Especialmente porque,

no dia anterior, eu tinha me esforçado ao máximo para convencê-lo de que


ele estava enganado e aquele homem não era o seu pai. O que tudo aquilo

poderia ter causado na cabecinha dele?

— Samuel? — Noah o chamou, recebendo de volta o seu olhar. —

Se não estiver tudo bem, eu posso ir embora.

— Não! — Samuel rebateu de imediato, agarrando o braço de Noah


com suas duas mãozinhas. — Não vai embora. Senão eu e a mamãe

podemos perder você de novo.

Dessa vez, foram os olhos de Noah que começaram a inundar. E eu

senti que o mesmo acontecia com os meus, ao mesmo tempo em que sentia
um aperto forte em meu peito.

— Eu nunca mais vou perder vocês, Samuel...

Novamente, o uso do plural. Sabia que Noah queria, com aquilo,


dizer que não perderia o filho. Que passaria a ser um pai presente. Eu não
estava incluída naquela equação.

Que motivos teria para estar?

— Por que você está chorando? — Noah perguntou, ainda

preocupado com as lágrimas que desciam pelo rosto de Samuel.

— Porque você veio me buscar na creche, junto com a mamãe. E eu

sempre sonhei que algum dia o meu papai viesse me buscar.

Dizendo aquela frase, Samuel não deu brecha para nenhuma reação
de Noah e simplesmente se atirou em seus braços, abraçando-o.

As lágrimas de Noah começaram a descer com maior intensidade


pelo seu rosto e suas mãos, trêmulas, envolveram o pequeno corpo de

Samuel, abraçando-o de volta.

Não consegui conter minha emoção diante daquela cena.

-----***-----
Capítulo onze

Seguindo as orientações do meu advogado, eu não voltei à empresa

nos dias seguintes. Eduardo seguiu com a acusação contra mim, então eu

estava formalmente sendo processado por agressão física. Ao menos ele não
tinha ido à mídia, o que era bom tanto para a empresa quanto para mim.

Especialmente agora que eu tinha descoberto que era pai...

Pai... a palavra ainda me soava assustadora, mas, ao mesmo tempo,

a cada dia ficava mais natural.

Convidei Carla para ir à minha casa no sábado, levando o Samuel.

Como eu morava em um bairro um pouco distante do dela e sabia que ela

ainda não estava muito ambientada com São Paulo, pedi a um dos meus

motoristas para que fosse buscá-los.


E, também neste dia, pedi a Vieira que viesse também à minha casa.

Mais do que um dia para socializar com o meu filho, eu queria iniciar os

primeiros passos para tornar a nossa situação devidamente legalizada.

Carla e Samuel chegaram primeiro e eu os aguardava na enorme

varanda que dava vista para a piscina. Logo que me viu, Samuel se soltou

da mão da mãe e veio correndo em minha direção.

Eu já estava completamente rendido por aquele garotinho e, já sem

qualquer hesitação, abaixei-me e abri os braços para recebê-lo quando ele

me alcançou.

— Papai, eu já estava com saudade! — ele comentou, enquanto eu o

levantava no meu colo.

Troquei um sorriso com Carla, que chegava até mim nesse


momento, antes de responder.

— Eu também estava com saudades de você, garotão. Prometo que

logo vou voltar a te buscar na creche, como fiz naquele dia.

— Oba! Eu vou ficar muito feliz! — Ele olhou ao redor, parecendo

só então reparar no ambiente. — Que lugar bonito...

— Gostou? É aqui que eu moro.

— Tudo isso é a sua casa, papai?


— É. E será sua também. Você vai poder vir para cá sempre que

quiser.

— Eu e a mamãe?

— Samuel! — Carla o repreendeu, pega de surpresa pelo

questionamento dele.

Eu sorri.

— Você e sua mamãe serão sempre muito bem vindos aqui.

Troquei mais um olhar com Carla, que durou pouco tempo, porque

ela logo mostrou-se tímida e tentou disfarçar vagando os olhos pelo

ambiente. Até que algo chamou a sua atenção.

Não só a dela, quanto também a de Samuel, que apontou:

— Papai! Tem um gatinho na sua casa!

Ele pediu para descer do meu colo e eu o coloquei no chão. O meu


gato de pelos alaranjados foi de encontro a ele, arrastando as costas pelas

mãozinhas que começaram a acariciá-lo.

— Você tem um gato? — Carla perguntou, surpresa.

— Bem, ele chegou aqui há uns dois anos e foi ficando. Pedi aos

meus funcionários para levá-lo ao veterinário, ele foi castrado, vacinado.


Tem um comedouro, uma fonte de água, caixas de areia e nunca mais foi

embora, então... sim, acho que eu tenho um gato.

Carla riu.

— Você me disse que achava gatos intrigantes...

— E ainda acho. Ele próprio decidiu que iria morar aqui, só restou a

mim aceitar e cuidar dele.

— Como ele se chama? — Samuel perguntou, ainda abaixado diante

do bichano.

— Eu o chamo de Garfield — respondi, provocando uma risada em

Carla.

— É um nome muito original para um gato laranja.

— Não tenho muita originalidade para nomes. E, como eu disse, ele

simplesmente apareceu aqui e ficou, não foi um gatinho planejado.

— Olha, papai! Eu acho que ele gosta de mim! — Samuel vibrou

enquanto o gato roçava as costas em suas canelas.

Pensei que Garfield, no fim das contas, era mesmo muito esperto.

Porque era impossível deixar de gostar de Samuel. Ele estava há tão pouco

tempo na minha vida e eu já tinha um sentimento tão grande por ele, que

não seria sequer capaz de descrever.


Nesse momento uma das funcionárias da casa se aproximou,

comunicando que Vieira já tinha chegado e me aguardava no escritório.

Pedi para que ela cuidasse de Samuel, já que chamei Carla para me

acompanhar.

— Vou precisar testemunhar sobre o caso do Eduardo? — ela me

perguntou enquanto me seguia pela casa, rumo ao escritório que ficava no

segundo andar.

— Na verdade, não foi para isso que meu advogado veio até aqui.

Pedi para que ele viesse hoje porque precisamos legalizar a situação de

Samuel.

Ela parou de andar, já no corredor do segundo piso, surpresa.

— Por que não me contou a respeito disso? Achei que o convite

para virmos aqui era para você e Samuel passarem o dia juntos.

— E foi. Mas aproveitei para agilizar essa situação. Eu sou o pai

dele, Carla. Ele já passou tempo demais sem meu nome em seus

documentos.

Ela assentiu, mas percebi que estava ainda chateada por eu não ter

dito aquilo a ela com antecedência. Somente naquele momento pensei que

isso teria sido justo da minha parte, mas na hora nem tinha refletido a
respeito. Eu apenas queria resolver a situação e achei que fosse óbvio que

ela quisesse o mesmo.

Eu era um cara acostumado a resolver minhas coisas sozinho.

Sempre fui um sujeito individualista, e isso foi se acentuando a cada perda

que eu sofria. Perdi meu irmão, que era meu melhor amigo, e depois minha

mãe. Meu pai e eu nunca fomos muito próximos, mas a morte dele também

me abalara bastante – embora eu, agora, só conseguisse sentir ódio pelo que

ele fez a Carla e Samuel.

Voltamos a seguir até o escritório, onde Vieira já nos aguardava.

Nós o cumprimentamos e nos sentamos nas poltronas dispostas ao redor de

uma mesa. Vieira abriu uma pasta diante de si, começando a falar:

— Bem, já adiantei para o Noah, então agora vou informar também

a senhorita. O primeiro passo é o exame de DNA.

— Eu já disse que isso não é necessário — apressei-me em declarar

o que eu já tinha dito a ele pelo telefone. — Samuel é meu filho, eu não

tenho qualquer dúvida disso.

— É uma formalidade que pode agilizar as coisas, Noah — Vieira

falou, embora eu soubesse que ele exigia isso justamente por não acreditar

plenamente naquilo.
— Isso não é um problema — Carla declarou, enfática, embora

estivesse claro que a situação não era confortável para ela. — Podemos

fazer o exame em qualquer momento.

— Não é mesmo necessário, Carla — repeti.

— É claro que é. Você não tem motivos para acreditar na minha

palavra, Noah, nós mal nos conhecemos.

A última frase foi ácida. E me incomodou bem mais do que deveria.


Afinal, não era aquela a realidade, a de nós dois mal nos conhecermos, no

fim das contas?

Vieira continuou:

— Com o exame positivo em mãos, será simples fazer o

reconhecimento legal da paternidade e o menino vai poder ter o seu


sobrenome e ser legalmente seu futuro herdeiro. — Percebi novamente um

incômodo nas feições de Carla diante daquela última frase. Eu sabia que
Vieira era apenas prático e direto em suas palavras, mas era óbvio que se

referir ao meu filho como ‘herdeiro’ dava margens a interpretações de que


aquele reconhecimento de paternidade era algo puramente focado em

patrimônios e bens. — Mas podemos aproveitar este encontro para definir


um pré-acordo a respeito da guarda.

Carla piscou, olhando para mim.


— Como assim guarda? — ela indagou, incrédula.

Eu deveria tê-la preparado para aquela parte em especial.

— Nós não somos casados, Samuel passará a ser legalmente meu

filho... é natural que a gente decida sobre como ficará a guarda dele.

— É meio óbvio, não? Ele sempre morou comigo, e continuará

sendo assim. Podemos combinar finais de semana e feriados para ele ficar
com você.

— Temos que pensar no que é melhor para a criança — Vieira

prosseguiu.

Carla, no entanto, seguiu olhando fixamente para mim.

— Eu espero que ele esteja falando sobre guarda compartilhada.

Não é uma coisa que eu queira, mas sei que é seu direito, como pai, pedir
algo nesse sentido.

— Na verdade... — Vieira voltou a falar. — A proposta que


formulei é de finais de semana e feriados com a senhorita.

— O quê? — Carla olhou para Vieira por um instante, voltando a

me encarar em seguida. — Você quer tirar o meu filho de mim, é isso?

— Claro que não, Carla. Eu nunca faria isso. Seria realmente uma

guarda compartilhada. Como você disse, é o justo, mas...


Vieira retomou a palavra.

— Mas, focando no que seria melhor para o menino, qualquer juiz

concordaria que seria muito melhor que ele morasse de forma mais fixa
com o pai.

— Eu... Eu não acredito nisso...

Furiosa, Carla se levantou e saiu do escritório. Eu a segui,


alcançando-a no corredor e segurando-a pelo braço.

— Carla, espera... Você ainda nem ouviu a proposta completa. E não


é nada definitivo ainda, é para conversarmos a respeito e entrarmos em um

acordo que seja o melhor para...

— O melhor para quem, Noah? — ela me interrompeu, encarando-


me. — Samuel viveu cinco anos longe de você... então, você aparece do

nada na vida dele e quer decidir o que é melhor?

— Eu não fiquei cinco anos longe dele porque quis. Eu não reneguei

o meu filho, Carla.

— Você renegou, sim! Disse que voltou até a casa onde eu morava e
deixou um bilhete com o meu ex...

— Eu não sabia que ele era o seu ex.

— E por que não tentou me encontrar? Podia ter ido ao bar, todo
mundo lá me conhece.
— Porque eu achei que você tivesse recebido meu recado e

simplesmente não quisesse nada comigo. Que merda, a gente teve só uma
transa. Não usamos camisinha, eu sei, mas imaginei que você estivesse se

prevenindo de outras formas. Sequer pensei na possibilidade de você ter


engravidado.

Eu não tinha a intenção de magoá-la com aquelas palavras. Mas foi

o que pareceu acontecer. Vi um traço de tristeza passar pelos seus olhos,


mas ela tentou disfarçar e não deixar isso transparecer.

— Você pode não ter renegado diretamente o nosso filho, Noah.


Mas seu pai fez isso em seu nome. E eu o criei sozinha até hoje.

— Mas você não está mais sozinha. Eu quero agora assumir isso

junto com você.

— E acha que será certo tirá-lo de mim?

— Eu jamais o tiraria de você. O acordo seria para ele morar

comigo, porque eu tenho mais condições de dar uma vida mais confortável
para ele. Olha para essa casa... e pense no lugar onde você mora com ele.

— Uau... Acho que minha primeira impressão a seu respeito estava


certa, Noah. Quando nos conhecemos no bar, eu te disse que conhecia bem

o seu tipinho de playboy da cidade em busca de uma ‘caipira pobre’ para se


dar bem.
— Eu não quis ‘me dar bem’ com você. Sabe disso.

— O que sei é que você é realmente um playboy que acha que bens
materiais importam mais do que família.

— Eu não acho isso. Eu nunca disse isso. Só achei que pudesse ser

melhor para Samuel morar comigo. E até mesmo para você. Ele poderia
estudar em uma ótima pré-escola ao invés de ter que ficar na creche da

empresa, porque você trabalha o dia inteiro e não tem como ficar com ele.

— Claro. Aqui ele teria babás, não é? Isso compensaria o fato de ele

só poder estar com a mãe em fins de semana e feriados.

— É claro que não compensaria, Carla, mas...

— Chega, Noah. Não faremos acordo nenhum. Vou levar o meu

filho de volta para a nossa casa simples. Porque foi de forma simples que
ele foi criado até hoje, e nunca lhe faltou nada. Ele pode não ter uma

mansão com piscina e brinquedos caros. Mas ele sempre teve um teto, boa
comida e, principalmente, muito amor.

Ela puxou o braço, soltando-se de mim, e voltou a andar.

Pensei em segui-la e continuar a tentar detê-la, mas percebi que isso


apenas a deixaria ainda mais irritada comigo.

Porque, no fundo, eu tinha a consciência de que ela, de certa forma,


estava repleta de razão.
-----***-----
Capítulo doze

Eu sentia tanto ódio de Noah que minha vontade naquele momento


era colocar meu filho e todas as nossas coisas dentro do meu velho carro e

retornar para a casa dos meus pais, de onde talvez eu nunca devesse ter
saído. Ao menos não para ir para São Paulo.

Porém, eu sabia que se um milionário como Noah Bianchi estivesse

mesmo disposto a tentar tirar meu filho de mim, ele me encontraria em

qualquer lugar para onde eu fugisse. Então, após passar a noite toda

pensando no que eu deveria fazer, decidi que o certo era seguir ali e lutar.

E por mais que ser secretária de Noah não fosse a melhor das

opções, ainda era o emprego com o melhor salário que eu já tinha

conseguido na vida, então eu permaneceria nele, ao menos até encontrar


outro. Seria muito mais fácil impedir que tirassem meu filho de mim tendo

um emprego que me permitia atender às necessidades dele.

E, além disso, ao menos nos próximos dias eu teria o sossego de


saber que não esbarraria em Noah na empresa, já que ele tinha sido

aconselhado pelo seu advogado a passar algum tempo afastado.

Sendo assim, na segunda-feira de manhã, Samuel e eu seguimos


para a Bianchi. Deixei meu carro no estacionamento e, segurando meu filho

pela mão, guiei-o até o elevador, apertando o botão do terceiro andar, onde

a creche ficava localizada.

Logo que chegamos lá, no entanto, tive uma surpresa ao encontrar

um grupo de pessoas – cerca de cinquenta ou mais – amontoadas na entrada

da creche. Não eram pais levando seus filhos, mas sim um grupo de

repórteres.

Quando me viram, vieram todos em minha direção, tirando fotos,

filmando e estendendo microfones para mim.

— É ele! É ele! — vários gritavam, em uníssono.

Então, percebi que não era para mim que apontavam as câmeras,
mas sim para Samuel. Assustado, ele se agarrou em minhas pernas e eu o

empurrei para trás delas, tentando protegê-lo de seja lá quem fosse aquela

gente.
Todas aquelas pessoas começaram a me fazer perguntas

relacionadas ao meu filho, ao meu relacionamento com Noah e sobre uma

possível batalha judicial. Fiquei completamente atordoada, sem sequer

compreender direito o que acontecia.

Até que alguém se aproximou, colocando-se em minha frente, entre

aquele monte de repórteres e eu.

— Chega! Saiam todos daqui!

Embora ainda completamente atordoada, consegui reconhecer ali a

figura de Noah, parado à minha frente. Um grupo de seguranças chegou

logo em seguida, afastando todas aquelas pessoas de nós.

— Papai! — Samuel o chamou, chorando assustado com tudo

aquilo.

A palavra causou um alvoroço ainda maior nos jornalistas, que


começaram a dizer frases como ‘Então é mesmo verdade!’ enquanto

seguiam fazendo perguntas e tirando fotos.

Noah se virou de frente para nós e abaixou-se para abraçar Samuel,


levantando-o em seus braços. Em seguida tocou minhas costas com a mão,

guiando-me para o acesso às escadas de emergência.

Eu estava tão assustada e confusa com tudo aquilo que apenas segui
descendo os degraus, até voltarmos ao estacionamento, onde Noah nos
levou até o seu carro. Havia um motorista nos esperando lá, então entramos

os três pela porta de trás do veículo. Samuel seguiu no colo do pai,

abraçando-o.

— Calma, filho... está tudo bem... — Noah falou.

E a forma carinhosa como falava com o nosso filho tocou o meu

coração de forma aconchegante em meio a toda aquela confusão.

— O que foi tudo aquilo? — perguntei, enquanto o carro saía do

estacionamento. — Para onde estamos indo? O que está acontecendo?

— Vou pedir para alguém vir buscar o seu carro quando estivermos

seguros — Noah falou. E isso me deixou ainda mais tensa.

— Seguros de quê? Pelo amor de Deus, Noah, o que está

acontecendo?

— Está com seu celular aí? Uma busca no Google pelo meu nome já

te responde.

A princípio, julguei a resposta dele meio ignorante, mas logo

compreendi que não era essa a intenção. Ele queria que eu procurasse e

lesse para não ter que falar diante de Samuel, que ainda estava muito

assustado.

Sendo assim, peguei meu celular e abri o navegador, fazendo uma

busca por ‘Noah Bianchi’.


E ele tinha toda a razão. A resposta veio logo no primeiro dos

resultados, o de uma reportagem publicada há poucas horas, com o título

mais sensacionalista possível.

O filho renegado do milionário

Noah Bianchi, dono da maior construtora do país, tem um filho de cinco

anos, mantido em segredo.

— Mas... como... como foi que... — gaguejei, tentando entender a

origem daquela matéria.

— Eduardo — Noah respondeu, deslizando uma das mãos pelas

costas de Samuel, na tentativa de acalmá-lo. — Depois de perder o emprego

e levar uma surra, aquele... — ele conteve um palavrão. — ele decidiu jogar

o que sabia no ventilador.

— Para onde estamos indo?

— Para a minha casa. Aquele bando de jornalista não vai sair da


Bianchi. E é muito capaz de, a essa hora, também ter um monte deles

fazendo plantão na frente do seu prédio.

— Eles... conseguiram informações a meu respeito? A respeito de

Samuel?
— Uma boa parte delas está na própria reportagens. Outras, como o

os nomes e endereço de vocês, possivelmente estão circulando em grupos

de jornalistas.

Suspirei, sentindo-me ainda mais desesperada com tudo aquilo. Mas

tentei me conter por Samuel. Ele não entendia a dimensão de tudo o que

estava acontecendo, da forma como tinha sido exposto publicamente e em

como tudo aquilo poderia afetar sua vida. Ainda assim estava tão assustado,

que tudo o que eu queria era poder protegê-lo.

Noah provavelmente estava certo quando disse que devia já ter um

grupo de jornalistas alertas na frente do meu prédio, porque o mesmo

acontecia na entrada do condomínio de luxo onde ele morava. Porém, com

a segurança reforçada de lá, eles não tinham como entrar, o que fez a nossa

chegada em sua casa ser mais tranquila.

Lá, Samuel logo se distraiu brincando com o gato, enquanto Noah e

eu nos sentávamos lado a lado em um confortável sofá da enorme sala de

estar. Mesmo estando no mesmo cômodo que nós, de onde estava Samuel

não podia nos ouvir conversando em voz baixa.

— O que tudo isso significa, Noah? Não vou poder voltar a

trabalhar, levar meu filho para a creche ou transitar na rua com ele agora?
— Vai, mas não agora. A assessoria de imprensa da Bianchi está

cuidando de tudo. Foi feita uma nota em meu nome rebatendo a todas as

acusações feitas na reportagem.

— E quais são as acusações?

— A mesma versão que você teve dos fatos. Eduardo contou a um

jornalista que eu propositalmente reneguei o meu filho.

— E o que foi dito a meu respeito? — perguntei, já que


aparentemente a mídia também já tinha acesso à minha vida.

— Que você veio a São Paulo trazendo o menino para me


chantagear sobre levar a história a público caso eu não pagasse uma quantia

a você.

— Meu Deus...

— É, eu sei. É bom que você avise aos seus pais, porque é possível

que também tentem entrar em contato com eles.

A ideia de ter os meus pais também envolvidos em toda aquela


imundície me deixou ainda mais revoltada.

— E você acha que a nota que sua assessoria vai divulgar pode dar
um fim a isso?

— Eu acredito que o caso vá esfriar em algumas semanas.


— Semanas?

— Desculpe, Carla. Eu sinto muito por tudo isso. Mas apenas a nota
não será o bastante. Aos poucos, a opinião pública vai entendendo a versão

real dos fatos, conforme andamos com o processo de reconhecimento de


paternidade. Até lá, só podemos esperar.

— Como posso esperar, Noah? Eu preciso voltar para o meu


trabalho.

— Carla... Sem querer parecer um arrogante, mas... eu sou o seu

patrão. Nem eu mesmo estarei na empresa, não há qualquer motivo para a


minha secretária estar lá. Vou trabalhar de casa durante as próximas

semanas, e você pode me auxiliar aqui também. Com isso não terá
necessidade de deixar o Samuel na creche.

— E quanto à minha casa, Noah? Onde vou morar durante essas


semanas? Vou ficar escondida em algum hotel, até a imprensa me encontrar

lá e eu ter que mudar para outro?

— Você não precisa ficar em um hotel, Carla. Pode ficar aqui


comigo.

Ele só podia estar brincando.

— O que quer dizer com aqui?


— Aqui na minha casa. Tenho quartos livres. Posso pedir a um
funcionário ir ao seu apartamento pegar as suas coisas e as do Samuel.

— Noah... Isso nem tem qualquer cabimento.

— Só por alguns dias, Carla.

— Alguns dias... para você tentar seduzir meu filho com as

maravilhas de uma vida de luxo...

Ele suspirou.

— Ouça, Carla... eu realmente sinto muito por tudo o que aconteceu

no sábado. A ideia de Samuel passar a maior parte do tempo morando


comigo foi realmente pensando no bem estar dele, e era apenas uma

proposta inicial para avaliarmos juntos.

— A proposta que você acha a mais correta.

— Sinceramente, eu acho. Mas isso não importa agora. Em outro

momento voltaremos a falar sobre isso. Precisamos resolver este problema


atual. Posso alugar um hotel e colocar seguranças para protegerem vocês.

Mas, como você mesma disse, será questão de dias ou de horas até a
imprensa te encontrar, e então vocês terão que se mudar novamente para

outro lugar. Aqui estamos dentro de um condomínio com segurança vinte e


quatro horas. Samuel terá muito espaço para brincar, vocês dois terão

conforto e você pode trabalhar comigo sem precisar ficar longe dele. Sei
que está com raiva de mim e passar algum tempo morando sob o mesmo

teto que eu não deve ser a mais divertida das ideias, mas seria a mais
tranquila e segura, tanto para você quanto, principalmente, para Samuel.

Ele estava certo a respeito de a ideia não me agradar. Porém, se era

o bem-estar do meu filho que estava em jogo, eu passaria por cima de


qualquer incômodo pessoal para fazer o que fosse melhor para ele.

E foi assim que eu acabei concordando com aquela ideia.

-----***-----
Capítulo treze

Pedi para duas funcionárias da minha casa irem, juntamente com um


segurança, até a casa de Carla, buscar algumas coisas dela e de Samuel.

Também solicitei ao meu motorista que voltasse de táxi até a empresa para
buscar o carro de Carla.

Enquanto tudo isso era resolvido, ela ligou para os pais e passou

horas com eles ao telefone, provavelmente contando sobre como havia se

reencontrado comigo e explicando que eu nunca estive ciente daquela

ligação que meu pai fez para ela anos antes, nem sequer sabia sobre ter tido
um filho.

Ao final da conversa, ela me contou que o pai dela ainda desejava

me matar, mas agora com uma intensidade bem menor. Eu não tinha
necessariamente medo de que um senhor de seus mais de sessenta anos
pudesse representar algum risco à minha integridade física, mas confesso

que era bem mais agradável não receber todo aquele ódio dele.

Mesmo que Carla e eu não fôssemos um casal, eu esperava me dar


bem com os avós do meu filho.

Eu dividi o meu dia entre ligações para advogados e assessores de

imprensa, tentando reduzir o impacto daquela reportagem, e também em


passar algum tempo com o meu filho.

Fiz questão de mostrar a casa toda para ele, e seus locais favoritos

foram o quintal – incluindo a piscina – e a sala de cinema. Ele me


perguntou se dava para assistir aos filmes do Kung Fu Panda ali. Carla

comentou depois comigo que eram os favoritos dele.

E Samuel também gostou muito do seu quarto, embora fosse apenas


uma suíte de hóspedes com uma cama de casal, uma TV, uma escrivaninha

e um guarda-roupa, ainda sem qualquer objeto pessoal e com uma

decoração bem minimalista. Mas ele achou o colchão muito macio e

comemorou por ter uma cama ‘tão grandona’ inteirinha só para ele.

— Você pode ficar no mesmo quarto que eu — Carla opinou,

chegando nesse momento à porta do cômodo.

— Quando você estiver com medo de dormir sozinha, mamãe, eu

deixo você vir para a minha cama — Samuel rebateu, falando como se
fosse ele o pai falando com a filha criança.

Segurei o riso, vendo Carla cruzar os braços diante do corpo,

forçando uma expressão séria no rosto.

— Ah, é, seu engraçadinho? Agora sou eu que tenho medo de

dormir sozinha quando tenho pesadelos?

— Eu não vou mais ter pesadelos, porque o Garfield vai dormir


comigo. Ele pode, papai?

— Claro que pode.

Minhas funcionárias voltaram trazendo malas e caixas com os

pertences de Samuel e de Carla, que eles próprios haviam listado para que

fossem levados. Samuel tinha muito mais coisas, já que ele fez questão de

que levassem os brinquedos favoritos dele.

E fez questão, também, de me mostrar um por um, enquanto nós três

juntos arrumávamos suas coisas pelo quarto.

Era tudo simples demais. As roupas, os calçados, os brinquedos, o

material escolar. O brinquedo favorito dele era um panda de pelúcia que já

parecia bem velho e surrado. E eu não pude deixar de pensar no quanto tudo

aquilo, mesmo tão simples, era tão especial para ele. Porque tudo parecia ter

uma história.
Tinha o par de tênis que seu avô tinha comprado de presente para

ele no último Natal, e que ficara um pouco folgado na época, mas agora já

cabia perfeitamente em seus pés. Tinha a camiseta do Homem-Aranha que a


avó comprou em um dia que o levou ao centro da pequena cidade onde

moravam. Tinha uns bonecos plásticos de dinossauros, bem antigos, que

tinham sido da mãe dele quando esta era criança.

— Mamãe gostava de dinossauros, não é engraçado? — ele me

questionou, enquanto colocávamos os bonecos sobre uma mesinha

originalmente projetada ali para que o hóspede pudesse usar como mesa de

trabalho, mas Samuel queria decorar com seus bonequinhos, além de

colocar seu material escolar.

— Engraçado por quê? — Carla rebateu. Estava dobrando peças de

roupa e guardando em uma gaveta do guarda-roupas. — Você gosta de

pandas.

— Mas pandas ainda existem, mamãe. Um dia eu ainda vou ver um.

— Também podemos ver dinossauros... ou o que restou deles, se

formos a um museu. Que ficam muito mais perto do que zoológicos da

China para vermos pandas.

Achei divertida a forma como os dois brincavam de implicar um

com o outro. Carla era rígida com Samuel quando precisava ser, e ele a
respeitava muito. Porém, ao mesmo tempo, tinha uma relação de amizade

com ele. Era algo que eu não tive com o meu pai, e nem mesmo com a

minha mãe, por mais que ela sempre tivesse sido mais presente e carinhosa.

Mas tive com o meu irmão. E isso fez a minha infância ter sido mais

feliz.

Com isso, voltei a pensar na simplicidade das coisas de Samuel, mas

como tudo, ao mesmo tempo, tinha uma história que trazia alegria a ele. Eu

tinha sido um garotinho rico, tive tudo de material que poderia sonhar em

ter, e tudo caro e da melhor qualidade possível.

Mas, ao mesmo tempo, tudo tão superficial.

Samuel, por sua vez, se orgulhava até mesmo de me mostrar um

pequeno furo em uma de suas bermudas, que tinha sido feito pelo cachorro

do vizinho em uma tarde que eles brincavam juntos.

— Então se prepare para as unhas afiadas de Garfield fazerem

muitos furos em suas roupas também! — eu brinquei após ouvir a história.

— Ele já fez vários em camisas minhas.

— Já estou acostumado, papai! O Farofa sempre arranha e morde,

mas é de brincadeirinha, quando estamos brincando juntos. Sinto saudade

dele. Mamãe falou que vamos visitá-lo quando formos ver o vovô e a vovó

nas férias.
— Vamos, meu amor — Carla respondeu. — Mas vai demorar ainda

um pouquinho.

— O papai pode ir também? Quero que ele conheça a vovó, o vovô

e o Farofa.

— Seu pai é um homem muito ocupado, filho. E essa não é a

viagem mais divertida para ele se animar em fazer quando tiver uma folga.

— Como não? — indaguei. — Foi exatamente em uma viagem para

o interior que nós nos conhecemos.

Samuel parou o que fazia, parecendo curioso a respeito do assunto.

— Como foi que vocês se conheceram?

Carla e eu nos entreolhamos e um silêncio tímido tomou conta do

ambiente. Contudo, Samuel nos olhava à espera de uma resposta, então dei

isso a ele:

— Eu estava justamente passando um final de semana em uma

viagem para o interior.

— Para uma fazenda luxuosa e enorme — Carla completou, como

se justificando a minha ida para lá.

Bem, ela estava certa, no fim das contas.


— Mas o bar onde conheci a sua mãe não era nada luxuoso, viu?

Eles serviam umas coxinhas horríveis, aliás. Elas pareciam boiar em óleo

velho.

— Eca! — Samuel levou as mãos à boca, fazendo cara de nojo.

Carla e eu rimos e eu continuei:

— Mas o lugar valia muito à pena pela música. Sua mãe estava

tocando com a banda dela.

— Você ouviu a mamãe cantar? A voz dela é linda, né?

— Na verdade, não tive essa honra. Tinha outra moça cantando. Sua

mãe tocava guitarra.

— Mas a mamãe toca violão — Samuel me corrigiu. E apontou para

as caixas que estavam próximas à porta do quarto. Acima delas, havia um


violão.

— Samuel nunca me viu tocar guitarra elétrica — ela explicou. —

Eu precisei vender a minha quando estava grávida. Os gastos foram muito


altos.

Não havia qualquer tom de cobrança ou ressentimento na voz dela,


mas eu senti o peso daquela frase. Carla tinha precisado abrir mão de coisas

que amava, enquanto eu seguia a minha vida sem fazer ideia de que tinha
um filho, ao mesmo tempo em que tinha condições de dar toda a estrutura
necessária aos dois.

Eu jamais perdoaria meu pai por aquilo. E nem aquele filho da puta

do Eduardo, que, não bastasse tudo o que havia feito seis anos antes, agora
também havia espalhado todas aquelas mentiras para a imprensa.

E eu já estava com uma equipe de advogados cuidando para que ele


pagasse ao menos judicialmente por isso. Embora meu desejo fosse fazê-lo

novamente sentir a força do meu ódio através dos meus punhos.

Samuel foi até as caixas, pegando o violão que estava sobre elas e
levando-o até a mãe.

— Canta pra gente, mamãe!

Ela ficou nitidamente tímida com aquilo.

— Hoje não, filho. Precisamos terminar de arrumar o seu quarto, e

ainda tenho as minhas coisas para guardar no meu.

— Só um pouquinho, mamãe. Canta aquela música que o vovô

gosta.

Eu me aproximei, parando a poucos metros de distância. E sorri.

— Eu adoraria conhecer a sua versão cantora. Falamos tanto sobre

música no dia seguinte ao que nos conhecemos, e eu até hoje não ouvi você
cantar.
Ela fez uma pausa, pensativa. Mas, por fim, aceitou, pegando o
violão e indo se sentar com ele na beira da cama. Levou ainda alguns

instantes afinando o instrumento, até que começou a tocar as primeiras


notas de “Enquanto Houver Sol”, dos Titãs.

A voz dela iniciou a letra.

— Quando não houver saída... Quando não houver mais solução...


Ainda há de haver saída... Nenhuma ideia vale uma vida...

Ela não era apenas afinada. Tinha uma voz tão doce, tão deliciosa de
ouvir, que eu sabia que seria capaz de passar horas ouvindo-a cantar.

E, ao mesmo tempo, ela era tão sensual tocando e cantando, mesmo


que estivesse usando uma camiseta comprida por cima de uma calça jeans,
com os cabelos presos em um coque displicente e sem nenhuma maquiagem

no rosto. Carla tinha uma sensualidade que chamou a minha atenção desde
o momento em que a vi no palco de um bar, em um visual meio roqueira,

tocando guitarra. Na ocasião, atribuí parte disso à performance dela


enquanto se apresentava, mas agora entendia que era algo absolutamente

natural.

Com isso, foi impossível evitar que minha mente me remetesse ao

momento em que ouvi sua voz em outro contexto, gemendo de prazer


enquanto repetia o meu nome.
Péssimo momento para se ter uma lembrança como aquela.

Carla e eu nunca chegamos a ser um casal. Trocamos alguns beijos e

fizemos sexo uma única vez. E isso tinha sido há seis anos. Tive inúmeras
mulheres antes dela, e várias outras depois dela. A maioria casuais, algumas

em relacionamentos um pouco mais sólidos, que nunca chegaram a durar


tanto tempo. Mas Carla tinha me marcado. Eu era capaz de lembrar com

perfeição dos momentos em que estivemos juntos, mesmo que tanto tempo
já tivesse se passado.

A música chegou ao fim, mas Samuel não se deu por satisfeito e


começou a pedir por outras. Desta vez, ela decidiu por uma mais animada,

também dos Titãs. E o menino se empolgou em cantar junto os versos de


‘Sonífera Ilha’.

Rendido, eu logo comecei a acompanhá-los, embora não fosse tão

afinado assim.

Sequer sentimos o tempo passar.

-----***-----
Capítulo catorze

Dez dias depois, ‘O milionário que renegou o próprio filho’,


felizmente, já não era mais um dos assuntos mais comentados na internet.

De qualquer maneira, ainda era algo em pauta, e eu tinha informações de


que ainda havia sempre um grupo de jornalistas em frente ao prédio onde eu

tinha um apartamento alugado, aguardando o momento em que eu pudesse


voltar para lá. E muitos ainda se concentravam na saída do condomínio de

Noah, onde meu filho e eu estávamos hospedados.

Porém, o contexto dos comentários a respeito do caso, agora, eram


diferentes. A nota feita pela assessoria de Noah contara a versão real dos

fatos, incluindo a informação de que Samuel e eu estávamos

provisoriamente morando com Noah até que definíssemos como ficaria a

guarda do nosso filho. Eduardo estava sendo processado pelas informações


caluniosas, bem como o jornalista que publicou aquela reportagem sem
fazer a checagem dos fatos reais. Em meio a isso, profissionais de um

laboratório tinham ido até a mansão para fazerem a coleta de sangue de

Noah e Samuel para o exame de DNA. O resultado sairia em alguns dias.

O relacionamento entre Noah e Samuel estava a cada dia mais...

como dizer?

Fofo?

Lindo?

Encantador?

Como negar o quanto o meu coração se aquecia a cada vez que eu

via os dois juntos? Era como se nenhum espaço de tempo tivesse se passado

sem que os dois se conhecessem.

Outra coisa que eu não podia negar era o quanto ver aquela versão

paizão de Noah era algo incrivelmente sedutor.

Eu não era mais uma menina de vinte anos com os hormônios em

ebulição. Certo, eu tinha agora vinte e seis e ainda era muito jovem, e sabia

que a maternidade não era uma desculpa para eu me blindar de sentir

desejos sexuais. Porém, tinha passado os últimos anos morando na casa dos

meus pais e focando totalmente em cuidar do meu filho, em trabalhar para

poder dar o melhor a ele, e também em destinar todo o meu foco à minha

família.
Não passei esse tempo todo em celibato. Tive dois namorados

durante aquele período, mas nenhum eles durou mais do que alguns meses.

Eu não me sentia pronta para assumir nada sério. Na verdade, por mais que

tivesse me esforçado para isso, talvez eu não tivesse chegado a amá-los

verdadeiramente. Não a ponto de apresentá-los ao meu filho e permitir que

fizessem parte plenamente da minha vida. Então, eu decidi parar de tentar.


Decidi que, ao menos naquela fase da minha vida, um relacionamento

amoroso não fazia parte dos meus planos.

Eu tinha os meus momentos que poderia destinar ao lazer – o que

deveria incluir sair e conhecer outros homens. Porém, era um tempo que eu
vinha dedicando totalmente a outra coisa que sempre teve uma posição de

extrema importância na minha vida: a música.

Eu amava cantar, mas minha maior paixão era compor. E tinha


perdido as contas de quantas músicas e melodias eu tinha composto

naqueles últimos anos. Todas devidamente registradas no papel e guardadas

exclusivamente para mim. Tinha o sonho de mostrar aquelas canções para o

mundo e de um dia fazer da música a minha profissão, mas isso seria difícil

demais vivendo em uma cidadezinha do interior.

Quando encarei o desafio de ir para São Paulo – após enfim

conseguir um emprego na capital que me permitisse conseguir me manter


por lá, juntamente com o meu filho – fui determinada a procurar por

caminhos para realizar o meu sonho.

Bem, era meio óbvio que, em meio ao inesperado reencontro com

Noah e com todos aqueles acontecimentos, isso tinha acabado por ficar em

segundo plano.

Naquele dia, eu encerrei meu expediente de trabalho pouco depois

das cinco da tarde. Noah não apenas tinha um escritório em sua casa, como
tinha também uma biblioteca no cômodo ao lado, e o local foi adaptado

para funcionar como minha sala de trabalho. Sempre que eu terminava meu

horário, me perdia por algum tempo olhando aquela infinidade de livros

sobre as estantes que iam do chão até o teto. Noah tinha me dito que eu

poderia pegar o que quisesse para ler e, naquele dia, após encerrar a leitura

de um romance na noite anterior, eu o troquei por alguns livros de música.

Aparentemente, aquele era mesmo um interesse de Noah.

Subi com os livros, deixando-os no meu quarto. Naquele dia, Noah

já tinha informado que não jantaria conosco, porque ficaria preso em seu

escritório até bem tarde em uma reunião online.

Então, jantei com Samuel e o levei até o seu quarto, onde li para ele

uma história para que ele dormisse.


Voltei para o meu quarto e me sentei na cama, folheando os livros.

Apenas passar os olhos pelas páginas já me inspirou a pegar meu violão,

além de uma folha de papel e uma caneta, começando a arriscar os

primeiros acordes de uma nova melodia.

Estava tão distraída com isso que sobressaltei ao ouvir a voz de

Noah:

— Ei...

Levantei o rosto, só então percebendo que tinha deixado a porta do

quarto entreaberta. Aquela casa era tão grande, que eu às vezes perdia um

pouco a noção de que não estava sozinha ali. Especialmente durante a noite,
quando os únicos funcionários que permaneciam lá eram os seguranças que

ficavam do lado de fora.

— Desculpe por te assustar — Noah falou.

— Ah... não foi nada. Desculpe, esqueci a porta aberta. O barulho

está te incomodando?

Ainda parado no corredor, ele balançou a cabeça em uma negativa.

— Na verdade, eu subi as escadas e vim pelo corredor guiado pelo

som. Pensei que Samuel estivesse com você.

— Não. Ele já foi dormir.


Ele assentiu e houve um breve silêncio entre nós. Achei que ele

próprio encerraria aquilo com um ‘boa noite’ e seguiria para o seu quarto.

Mas, ao invés disso, ele parecia querer prolongar aquele momento comigo.

Talvez eu também quisesse.

— Eu posso? — ele perguntou, apontando para dentro do quarto.

— Ah, claro... entre. A casa é sua, afinal de contas.

Ele adentrou o cômodo e parou de pé ao lado da cama, olhando para

o papel com os primeiros rabiscos de uma composição.

— Criando algo novo? — ele indagou.

— Nada demais.

— Como não seria nada demais? Você cria músicas. Isso é algo

tipo... sensacional.

— Você não sabe se são músicas boas.

— Posso saber se você concordar em me mostrar.

Aquele era um pedido que sempre me deixava tímida e ao qual eu,

na maioria das vezes, recusava. Ao mesmo tempo em que sonhava em viver

da minha música, sofria ainda pela vergonha de mostrar minhas

composições a muitas pessoas além dos meus pais e...


Bem, eu sempre as mostrava para Gisele, que sempre foi a maior

incentivadora da minha carreira.

— Tudo bem se não quiser — Noah emendou, provavelmente

percebendo a minha hesitação.

— Não, eu posso te mostrar uma delas, sim. Se você quiser mesmo

ouvir.

Ele se sentou ao meu lado, mantendo entre nós a distância dos


papéis e livros sobre a cama.

— Eu sempre quero ouvir você, Carla.

A frase provocou uma verdadeira ebulição de sentimentos dentro de


mim. Contudo, esforcei-me para manter a cabeça no lugar. Ele se referia a

músicas. A me ouvir cantar, apenas isso.

— Deixe-me pensar em alguma das minhas composições que você

possa gostar...

— Sobre o que você compõe?

— Sobre várias coisas. Sobre momentos, experiências, sentimentos,

pessoas...

— Sei... Sem querer parecer presunçoso, mas... já escreveu algo


sobre mim?
— Na verdade, sim. Mas acho que você não vai querer ouvir. São
letras furiosas e não românticas.

— Certo, talvez eu mereça isso.

Nós rimos e eu voltei a me focar em o que deveria tocar. Eu não


sabia se ele poderia de fato gostar de qualquer uma das minhas canções,

então tentei me focar nas que eu mesma mais gostava e mais me orgulhava
de ter composto.

E, em meio a isso, a minha escolha foi por uma música que, de certo

modo, tinha a ver com Noah. Não era sobre ele, mas surgiu a partir da
primeira conversa que tivemos.

Era uma canção sobre a minha melhor amiga.

Eu tinha escrito outras músicas para Gisele, mas aquela tinha um

tom mais melancólico, porque era focada no sentimento do luto. Os versos


falavam sobre o sentimento que Noah e eu compartilhamos naquela nossa
primeira conversa. O vazio, a raiva, a vontade de falar a respeito, mesmo

sabendo que aquele era um assunto que ninguém gostava de mencionar.

Eu tinha muitas músicas das quais me orgulhava e que amava ter

escrito. Mas aquela, sem dúvidas, tinha sido a mais sofrida de ser composta
e, ao mesmo tempo, também a mais libertadora, porque falava de tudo o

que eu precisava colocar para fora.


E foi aquela primeira conversa com Noah que me trouxe essa
inspiração.

Quando terminei de cantar, levantei o rosto de vi lágrimas nos olhos


de Noah. Ele estava emocionado com a letra.

— Desculpe... — pedi, só então percebendo o quanto tudo aquilo

deveria tocá-lo também. — Sinto muito...

Ainda em meio às lágrimas, ele riu.

— Quando eu te conheci, você concordou comigo que essa coisa de


‘sinto muito’ é péssima.

— É, eu sei. Mas realmente peço desculpas pela minha falta de tato.

É uma letra sobre lutos, e você já teve tantos...

— Não se desculpe por isso. Você acabou de cantar algo que eu

próprio gostaria de ter a habilidade de expressar em palavras. A parte sobre


a partida em meio ao auge da juventude... foi tão preciso a respeito do meu

irmão.

— Quantos anos ele tinha?

— Vinte e três. Eu estava com dezenove, e ele tinha sido o meu

exemplo a vida toda. Meu irmão mais velho, o cara que era mais esperto,
mais maduro e mais experiente na vida do que eu... E, de repente, eu estou
chegando aos trinta, enquanto a vida dele foi interrompida aos vinte e três.

É tão doloroso pensar nisso.

Assenti. Sabia muito bem como era aquele sentimento.

— A diferença entre Gisele e eu era de pouco mais de um ano, mas

ela também sempre foi a mais experiente entre nós. A que tirou as rodinhas
de apoio da bicicleta primeiro, a que viveu antes o primeiro beijo, e veio me

contar sobre o quanto tinha sido estranho... A que começou a trabalhar e


que se formou antes da escola... E aí ela foi embora, e tanta coisa aconteceu

na minha vida... enquanto a dela foi interrompida de uma forma tão triste...

Senti a mão dele pousando sobre a minha e o olhei.

— Faz ideia de quanta gente se sente desse jeito, Carla? E de

quantos, assim como eu, não conseguem expressar em palavras e melodia


da forma como você fez e se sentiriam tão confortados ouvindo essa

música?

— Olha... esse com certeza foi o elogio mais sincero que já ouvi a
respeito de uma das minhas canções.

— Não é um elogio. É uma constatação da realidade e também um


puxão de orelha. Você precisa mostrar essa música para o mundo.

— Eu me sinto ainda muito insegura para isso.


— Eu realmente acho que, se gravasse um vídeo cantando e

colocasse na internet, seria um sucesso.

— Era uma possibilidade... Até o meu nome ficar famoso por outros

motivos, em meio ao escândalo do ‘milionário que rejeitou o próprio filho’.


Qualquer vídeo meu cantando teria muitas views, com toda a certeza. Mas

pelos motivos errados.

— Bem... Nada que um anonimato não possa ajudar. Grave a


música. Podemos fazer uma edição com imagens bonitas, colocar a autoria

com um pseudônimo ou apenas com suas iniciais, e então você saberá que
todas as views serão pelo seu talento e não por curiosos a respeito de

polêmicas familiares.

A ideia era boa, algo no qual eu não tinha pensado ainda. Estava há

algum tempo pensando na possibilidade de gravar alguns vídeos para a


internet, mas depois de toda aquela confusão que se tornou a minha vida,

temi que as pessoas achassem que eu era uma oportunista, me aproveitando


de uma exposição negativa para apresentar o meu trabalho.

Porém, havia algo em tudo o que Noah disse que chamou a minha

atenção. Bem mais do que a ideia em si.

— ‘Podemos’? — perguntei, repetindo o verbo que ele tinha usado

no plural.
— Sim, podemos. Toda grande artista precisa de um empresário. E,
que coisa, eu sou justamente isso!

— É um empresário de uma construtora, e não da área musical.

— Esse é um pequeno detalhe. Eu acredito no seu talento. Você tem


uma voz linda, e músicas incríveis. E eu tenho a grana para investir. Então,

vamos fazer isso acontecer.

— Sei... Não está fazendo isso porque eu sou a mãe do seu filho,
não é?

— Carla, repito: sou um empresário. E um dos bons. Jamais


desperdiçaria tempo ou dinheiro em algo que eu não tenha certeza de que

trará muito retorno. Eu realmente confio na sua música. Me deixa te ajudar.

Ele ergueu a mão que estava até então sobre a minha, estendendo-a
para mim.

Eu analisei suas feições por alguns segundos, tentando captar um


pouco do que deveria estar se passando pela cabeça dele. Odiaria que ele de

fato estivesse me propondo aquilo apenas com o intuito de tentar compensar


sua ausência no passado com relação ao filho.

Porém, assim como na primeira vez que o vi, existia uma aura de

sinceridade em suas palavras e suas feições.


Desta forma, eu apertei a mão dele com a minha, fechando um
acordo.

Aquele contato pareceu ocasionar uma descarga elétrica em meu


corpo e eu precisei focar a minha mente que Noah tinha uma relação

pessoal comigo pelo fato de ser pai do meu filho, mas isso parava por ali.
Fora isso, ele era meu patrão, e agora viria também a ser empresário da

minha provável futura carreira como cantora.

E eu precisava traçar limites a respeito daquilo. Eu não podia me


permitir uma aproximação pessoal maior.

Eu não podia me permitir me apaixonar por aquele homem.

-----***-----
Capítulo quinze

Quando Noah disse que seria meu empresário e investiria na minha


carreira, eu não imaginei que ele estivesse levando isso tão a sério assim.

Pensei que o vídeo para a internet seria algo bem simples, uma gravação da
música feita pelo celular, junto a uma edição de imagens bem caseira.

Porém, ele realmente estava falando de algo profissional.

Bem profissional.

Eu não imaginei que fosse possível montar um estúdio dentro da


própria casa em um espaço tão curto de tempo. Mas Noah separou um dos

quartos de sua mansão para isso, contratou pessoas para fazerem todo o

isolamento acústico do cômodo, e alugou todos os equipamentos

necessários para que eu pudesse fazer toda a gravação de algumas das


minhas músicas de forma impecável.
Uma semana depois de postado, o primeiro vídeo, com a música que

fiz para Gisele, já ultrapassava a marca de oitocentas mil visualizações.

Algo completamente surreal e inimaginável para mim.

O estúdio tinha se tornado meu lugar favorito da casa. Era para onde

eu ia todas as noites, depois de encerrar o trabalho. Samuel gostava de ficar

ali comigo. Ele amava ambientes que remetiam à música, tinha interesse em

instrumentos musicais – o sonho dele, aliás, era ter uma bateria – e eu tinha

um palpite de que, quando crescesse, acabaria optando por trabalhar com


algo relacionado a isso.

Nesse dia, ele tinha se distraído sentado sobre o tapete, montando no

chão um quebra-cabeça que tinha ganhado de Noah. Aquela era uma de


suas atividades favoritas. E tinha também o fato de o quebra-cabeça em

questão formar a figura de um panda, o que o deixara completamente fixado


naquilo.

Enquanto isso, eu estava com meu violão em mãos e debruçada

sobre uma bancada, trabalhando na composição de uma nova música.

E, enfim, consegui conclui-la. O ponto final da letra foi colocado

apenas alguns minutos antes de a porta do estúdio se abrir devagar. O rosto

de Noah surgiu, verificando se estava atrapalhando em alguma gravação.

Ele tinha saído neste dia, ido a um jantar de negócios com empresários
estrangeiros, algo que já estava agendado há meses e, por isso, não havia

como adiar.

Sorri, fazendo um sinal para que ele entrasse. Quando ele abriu mais

a porta, Samuel o viu e levantou-se, indo recebê-lo com um abraço.

— Papai! Eu estou já quase terminando de montar o panda! Vem

ver, vem ver!

— Nossa! Verdade? — Noah demonstrou entusiasmo, indo até onde

o quebra-cabeça estava sendo montado.

Samuel contou, orgulhoso, sobre as dificuldades que teve em


algumas partes do desenho, enquanto o pai dava a ele total atenção. E eu

fiquei ali, olhando para os dois feito uma boba, sentindo meu coração

aquecido por ver meu filho tão feliz... E por ver como Noah também

parecia se sentir da mesma maneira.

Após alguns minutos, Noah o deixou terminando de montar o

quebra-cabeça e veio até mim, sentando-se ao meu lado.

— E você? Conseguiu terminar a nova música? — ele perguntou.


Eu tinha comentado com ele, pela manhã, que faltava muito pouco para

concluir.

— Consegui — respondi, orgulhosa.


— Isso é ótimo! — Ele fez uma pausa, parecendo ter algo

importante a dizer. Só então percebi que trazia um envelope em mãos, o

qual me entregou. — Recebi o resultado do DNA. — Ele baixou o tom de


voz para dizer isso, o que eu achei desnecessário.

Primeiro, porque Samuel provavelmente não sabia o que era um

DNA. Tudo o que ele soube, quando foram coletar seu sangue, era que seria

para um exame de saúde, como os que o pediatra dele pedia todos os anos.

E segundo porque, mesmo que soubesse, ele estava concentrado demais em

sua atividade.

Apanhei o envelope, vendo que ainda se encontrava lacrado.

— Por que não abriu ainda? — indaguei.

Ele já estava sem o paletó – provavelmente o tinha tirado logo que

chegou em casa – e agora começava a afrouxar a gravata. Mal conseguia


disfarçar sua tensão.

— Não preciso abrir. Samuel é uma fotocópia minha, Carla, não

tenho qualquer dúvida de que ele seja meu filho. Isso sem contar, é claro,

com a sua palavra. Acredito em você.

— Pois não deveria se bastar nisso. Vai que, depois que você foi

embora, eu consegui encontrar outro cara muito parecido contigo?

Ele riu, fingindo-se de pensativo.


— Não seria algo impossível, mas teria que ser realmente muito

parecido. Tipo algum irmão meu perdido por aí, que nem eu sei da

existência.

Tive vontade de responder que era muito pouco provável que eu

viesse a achar outro cara tão lindo quanto ele, mas achei que este seria um

comentário um tanto ousado da minha parte.

Sendo assim, apenas agi, começando a tirar o lacre do envelope.

— Carla, é sério, não precisa. Isso é apenas uma formalidade. Vou

entregar para o Vieira anexar ao processo e agilizar a burocracia. Em menos

de um mês, Samuel será legalmente meu filho.

— Sem mais questões judiciais de guarda?

— Sem mais questões de guarda. Quando você voltar para o seu

apartamento, ele vai continuar morando com você e eu vou buscá-lo nos

fins de semana e feriados. Tudo bem para você?

— Mas alguns feriados serão negociáveis, certo?

— Tudo será negociável, Carla. Somos dois adultos e ambos

queremos o melhor para Samuel. Nós dois o amamos.

Parei o que fazia, sendo tomada por uma emocionante surpresa

diante daquela declaração.


Meu filho não apenas tinha um pai disposto a cumprir seus deveres

com ele, mas que também o amava.

Tentei disfarçar a emoção para não deixar Noah constrangido e

terminei de tirar o lacre do exame.

— É sério, Carla... não preciso ver esse resultado.

— Você não precisa. Mas está com medo disso, não é?

Ele inspirou profundamente e eu percebi que, agora, era ele quem

segurava a emoção.

— Estou. Mesmo que eu tenha certeza de que ele é meu filho... Não

sei se suportaria a hipótese de um resultado negativo.

— A melhor forma de acabar com esse medo é tendo a confirmação

com seus próprios olhos.

Tirei a folha de papel de dentro do envelope e a desdobrei,

estendendo-a para Noah.

E ele paralisou por alguns instantes, olhando para aquele papel e

temendo apanhá-lo.

Eu acreditava nele quando dizia que não tinha qualquer dúvida com

relação a ser pai de Samuel. Porém, de alguma forma eu conseguia entender


aquela tensão. Afinal, a informação sobre ser pai, talvez, fosse ainda uma

ideia vaga na mente dele. Como quando eu descobri que estava grávida.
Sabia que, naquele momento, eu já era mãe. Contudo, a informação foi se

tornando mais concreta em minha mente conforme Samuel crescia no meu

ventre e eu o sentia se desenvolver e crescer dentro de mim.

O exame de DNA era justamente aquela concretização a algo que

Noah já sabia.

Inspirando profundamente, ele pegou o papel da minha mão,

fixando seus olhos nas informações lá escritas.

Os olhos dele rapidamente começaram a transbordar e ele ficou em

silêncio por quase um minuto inteiro. Até que se levantou, deixando o


exame sobre a bancada e indo até Samuel, abaixando-se diante dele apenas

poucos segundos antes de o meu filho colocar a última peça do quebra-


cabeças e comemorar.

— Consegui! Viu isso, papai? Eu consegui!

Quando levantou o rostinho para olhar para o pai, o sorriso em seus


lábios se desfez, dando lugar a uma carinha de preocupação.

— Papai, você tá chorando?

Noah passou o antebraço sobre o rosto, secando as lágrimas.

— Eu estou, filho. E fazia muitos anos que eu não chorava assim, de

alegria.
— De alegria? — Samuel sorriu. — Porque eu terminei de montar o
panda?

Noah riu e eu, assistindo a tudo aquilo, também sorri, já sentindo

lágrimas brotando dos meus olhos.

— Não, filho. Não é por isso.

— Então é pelo que, papai?

— É por você existir. Por ser meu filho.

Achei que aquela frase deixaria Samuel ainda mais confuso. Mas, de

alguma forma, ele pareceu compreender a grandiosidade daquela resposta.


Então, ele se levantou e foi até Noah, abraçando-o e declarando:

— Eu te amo, papai.

— Eu amo você também, filho. Mais do que já amei qualquer outra


pessoa na vida.

Observando aquilo, eu não mais consegui deter as lágrimas que


desceram pelo meu rosto.

-----***-----
Capítulo dezesseis

Entendendo que aquele era um momento dos dois, eu permaneci no

estúdio enquanto Noah foi levar Samuel para o seu quarto. Levou quase

uma hora até que ele voltasse, agora já sem a gravata e com os olhos ainda
um pouco vermelhos do choro.

— Ele dormiu? — perguntei, enquanto Noah se sentava na cadeira

ao lado da minha.

— Depois de duas histórias, ele acabou pegando no sono. — Ele

inspirou profundamente, parecendo tentar desviar o foco dos pensamentos


para não voltar a se emocionar. — Então... sobre a música nova... Será mais

uma para o seu primeiro álbum?

— Álbum? Vamos devagar com isso, Noah.


— Bem, temos já cinco músicas gravadas. E a primeira delas já é

sucesso na internet. Acho que já podemos lançar mais uma online nos

próximos dias. Pensei na que você fez para o Samuel, o que acha?

— O que eu acho é que estamos indo rápido demais. A primeira

música foi muito bem, mas não temos como saber como o público receberá

as outras.

— Só saberemos depois de tentar. Não tem como dar errado. A

música para o Samuel é tão linda quanto a que fez para a Gisele. Já as

outras três são canções de amor, todas com letras muito bonitas e uma

batida muito comercial.

— Então faremos assim: primeiro lançamos a música do Samuel.

Dependendo do resultado que tivermos, podemos pensar em selecionar

mais algumas para fechar um álbum.

— Você parece não acreditar muito em você.

— É que não estou muito habituada às coisas darem certo na minha

vida. Minha história já começou sendo um bebê abandonado pelos pais.

— Eu diria que sua história começou sendo um bebê acolhido por


pais melhores. — Eu ri, deixando-o curioso. — O que foi? Eu disse algo

engraçado?
— Não é o que você disse. Mas a situação em si. Lembrei que todos

os seus funcionários acham que você é um chefe carrasco e arrogante, e que

a mídia nos últimos dias fez uma imagem sua como a de um homem sem

coração. E eu mesma te julguei de forma péssima por achar que você tinha

abandonado o seu filho e, recentemente, te considerei como um possessivo,

egoísta e babaca quando declarou que queria a guarda de Samuel. E agora,


olha só para você... Além de ser o cara legal que está me ajudando a realizar

o meu sonho, ainda é uma pessoa que mostra o lado positivo das coisas.

— Eu não sou um cara legal. Já disse que sou...

— ‘Um empresário que não iria investir tempo e dinheiro em algo

que não acredite que vá te dar retorno’... É, eu sei... — Revirei os olhos,

mostrando que não acreditava muito naquela versão que ele dava para

justificar todo o apoio que vinha me dando.

— É exatamente isso. Ainda vou ganhar rios de dinheiro com a sua

carreira.

— Você já tem rios de dinheiro.

— Talvez não seja esse o meu foco. Mas realmente acredito que

tudo vai dar certo. E, quanto aos rios de dinheiro, não seria algo ruim.

Quem sabe eu venda a Bianchi e me dedique ao ramo musical?


Apesar do tom de brincadeira na voz dele, senti que existia algo de

sincero em suas palavras.

— Quando você era um garoto e pensava sobre o seu futuro... o que

você se via fazendo?

— Eu não pensava a respeito dessas coisas.

— Claro que pensava. Toda criança pensa. Eu sempre quis ser

cantora, desde que me entendo como gente. Já o Samuel, tem mil planos

que mudam todos os dias. Às vezes ele diz que quer ser bombeiro, em

outras diz que quer tocar bateria em uma banda, em outras ele quer ser um

astronauta... Mas na maioria do tempo ele diz que quer ser veterinário, para

'cuidar dos bichinhos'. E meu instinto materno me diz que ele realmente tem

muita vocação para isso.

— Quem sabe ele não vá trabalhar em um zoológico da China,


sendo especialista em pandas?

Eu ri. A ideia combinava bem com o meu filho.

— Mas o fato é que crianças sempre pensam nessas coisas. Mesmo

que suas ideias de profissões mudem de um dia para o outro, e que eles

tenham ainda tanto caminho até a idade adulta para pensar a respeito de

novas alternativas.
— Mas eu nunca tive alternativas, Carla. Eu já cresci sabendo que

trabalharia na Bianchi. Que o posto de CEO provavelmente seria do meu

irmão, mas que eu seria o apoio dele nisso. Nunca ninguém sequer me

deixou cogitar que eu poderia fazer qualquer outra coisa na minha vida.

— Mas você pode. Caso não esteja feliz com o que outras pessoas

decidiram para a sua vida.

Ele ficou em silêncio, apenas olhando para mim, e isso fez com que

um arrepio percorresse todo o meu corpo. Noah devia ser proibido de me

olhar daquele jeito, especialmente quando estávamos tão próximos.

— O que foi? — perguntei, tentando fazê-lo dizer algo para


interromper aquele silêncio que poderia acabar me levando a beijá-lo.

Porque já era o que eu desejava fazer.

— Estava apenas pensando que, apesar de realmente achar o meu

trabalho maçante, posso dizer, com toda a certeza, que nunca estive tão feliz

em toda a minha vida.

Aquilo tocou o meu coração de forma profunda. Contudo, logo me

forcei em focar que aquela felicidade não tinha ligação direta comigo.

— Samuel também nunca foi tão feliz como agora — declarei,

supondo que era a ele que Noah se referia.


— E ele é, sem dúvidas, a maior das minhas felicidades. Porém, não

é a única.

Meus batimentos cardíacos aceleraram nesse momento em que ele

deixava tão claro que eu também estava incluída naquela felicidade.

Contudo, quando ele começou a contar os motivos disso, foi como se um

balde de gelo tivesse sido derrubado sobre a minha cabeça.

— Essa coisa de me tornar seu empresário de fato abriu novos

horizontes profissionais para mim. Eu amo música e, apesar de não ser um

grande entendedor, sinto que, trabalhando com as pessoas certas, eu posso

entrar com o investimento necessário para fazer isso dar certo. Não apenas

na sua carreira em si, mas nas de outros novos artistas. Já pensou em se

tornar uma produtora musical?

Confesso que não esperava por uma proposta de trabalho como

aquela – que, aliás, era sensacional em muitos níveis. Em qualquer outro

momento eu sairia dando pulos de alegria por um milionário me propor

trabalhar para ele como produtora musical. Porém, tal alegria foi um tanto

quanto sufocada pela decepção de quem esperava por algo bem diferente.

— Seria incrível... — foi o que eu consegui responder.

— E não é só trabalho, Carla. A sua presença me faz bem.


— Digo o mesmo. Acho que acabamos nos tornando bons amigos,

não é?

Não era uma mentira, enfim. Porém, eu não conseguia disfarçar para

mim mesma a sensação de que aquilo não era o suficiente.

Noah voltou a rir. Parecia estar fazendo alguma espécie de jogo

comigo.

E talvez realmente estivesse.

— Você sabe, tanto quanto eu, que não é apenas isso, Carla. Somos

pais da mesma criança, somos um chefe e uma secretária, somos potenciais


bons parceiros em uma empreitada musical e somos, de fato, bons amigos.

Mas até quando vamos continuar fingindo que isso é tudo o que existe entre
nós?

Dizendo isso, ele arrastou sua cadeira para mais perto, virando-se de

lado nela e, assim, ficando de frente para mim.

E lá estava novamente o meu coração batendo de forma

completamente acelerada.

Que aquilo não fosse um jogo...

Que ele não estivesse prestes a me dar mais um banho de água fria.

Que não estivesse brincando com meus sentimentos.


— Eu quero muito beijar você, Carla... — ele anunciou, inclinando
seu rosto em direção ao meu e parando a poucos centímetros de distância.

Ele estava deixando a decisão para mim. Aquilo era cruel, porque

beijá-lo era o que eu mais desejava naquele momento. Porém, eu


compreendia bem as consequências daquilo.

Por isso, inspirei profundamente e declarei:

— A última vez que nos beijamos, Noah, a minha vida mudou para
sempre. Não faça isso de novo se for para me machucar.

— Eu nunca quis machucar você, Carla.

— Eu já gostava de você, Noah. Mas agora é diferente. Talvez eu

esteja muito mais envolvida do que deveria. Do que seria prudente.

— Talvez a gente deva mandar a prudência para o inferno.

Dito isso, ele se aproximou ainda mais, de modo com que nossos

lábios se tocavam de forma muito leve, roçando uns nos outros de uma
forma terrivelmente torturante.

A última vez na vida que eu tinha mandado a prudência para o

inferno, tive como consequência a maior alegria da minha vida, que era o
meu filho, mas tive junto muito sofrimento por me sentir abandonada em

um momento tão vulnerável.


Agora, além de usar DIU, eu não faria nada sem camisinha. Mas não
era a uma possível nova concepção que eu me referia como consequência,

mas sim ao que eu já sentia por aquele homem. Me entregar novamente a


ele, dessa vez, talvez não fosse encarado pelo meu coração como um

simples sexo casual.

Talvez um beijo fizesse com que eu entregasse a ele,

definitivamente, algo mais do que o meu corpo, mas o meu coração.

E era por isso que eu deveria me agarrar à prudência. Mas o que eu


fiz foi justamente o que Noah sugeriu: eu a mandei para o inferno quando,

em um leve movimento, deixei que os lábios dele tomassem


definitivamente os meus.

Quando a língua dele invadiu a minha boca em movimentos que se


iniciaram de forma suave, e logo se tornaram mais intensos e urgentes, eu

tive a confirmação de que era realmente um caminho sem volta.

Meu coração já era inteiramente de Noah.

-----***-----
Capítulo dezessete

Não foi apenas a prudência que eu mandei para o inferno, mas


também todo o meu autocontrole. Eu queria desesperadamente aquela

mulher e não estava disposto a perder mais nem um segundo.

Beijá-la daquela forma, depois de tantos anos, fez eu sentir como se


labaredas tivessem sido acesas ao nosso redor. Apesar do ar-condicionado

do estúdio, que deixava o ambiente em uma temperatura amena, nossos

corpos pareciam incendiar todo o local.

Eu a puxei para mais perto, fazendo com que ela se levantasse de

sua cadeira e se sentasse em meu colo, com suas pernas entrelaçadas ao

meu redor. Ela usava um vestido e, mesmo eu estando com calça social – já

que tinha retornado de uma reunião – era capaz de sentir o calor de sua
boceta contra a minha ereção.
Desci as mãos pelas suas costas, deslizando-as sobre suas coxas e

voltando a subi-las, desta vez por baixo do vestido, até encontrar sua bunda,

que agarrei com força. Levantei-me, colocando-a sentada sobre a bancada,

onde ficava o caderno que ela usava para suas composições, junto a canetas

e lápis. Tudo foi ao chão, mas nenhum de nós se importou com isso.

Ela ergueu os quadris por um momento para que eu arrancasse sua

calcinha, deixando-a apenas com o vestido. Afastei suas pernas e levei uma

das mãos ao centro delas, enquanto, com a outra, massageei um de seus


seios por cima do tecido das roupas. Ainda a beijei por algum tempo, até

descer os lábios pelo seu pescoço, extasiado com os sons de seus gemidos

enquanto eu vagava meus dedos pelo seu ponto mais sensível.

— Noah... O Samuel está dormindo no quarto ao... — Ela

provavelmente completaria com um ‘lado’, mas foi interrompida por um


gemido mais alto, quando eu exerci um pouco mais de pressão com os

dedos.

— Estamos em um cômodo com isolamento de som, linda. Pode

gemer com vontade.

E ela obedeceu quando meus dedos a penetraram. Primeiro um,

depois mais um, deslizando com facilidade para dentro dela, de tão molhada

que estava. Levei a outra mão ao bolso de trás da minha calça, pegando
minha carteira. Sabendo que não conseguiria abri-la com apenas uma mão,

entreguei-a a Carla, já que não queria parar de estocá-la.

— Tenho proteção dessa vez — falei, enquanto ela apenas gemia e

movia os quadris contra a minha mão, parecendo ignorar totalmente a

carteira que eu havia entregado a ela. Meus dedos agora a fodiam com mais

força e velocidade. — Eu também tinha na outra vez, desde a adolescência

que sempre tive camisinhas na carteira. Mas foi tudo tão insano, que...

— Cala a boca, Noah! — ela ordenou, agarrando meus ombros com

as mãos enquanto deixava a carteira ao seu lado na bancada. — Está seis

anos atrasado para se desculpar por aquele esquecimento. Agora só me

fode.

Ok, com ela pedindo daquele jeito, como eu poderia negar?

Voltei a beijá-la, estocando-a com os dedos com ainda mais força e

mais velocidade. Ela chegou a começar a desabotoar minha camisa, mas

acabou voltando a cravar suas unhas em meu ombro, enquanto sua

respiração acelerava e ela gemia mais alto até chegar ao orgasmo.

Ela enterrou o rosto na curva do meu pescoço, respirando de forma

ofegante na tentativa de recuperar o fôlego.

Mas eu não conseguiria esperar até que ela se recuperasse. Eu

precisava loucamente estar dentro dela.


Peguei a carteira sobre a bancada e a abri, apanhando um pacote de

preservativo. No entanto, Carla o arrancou da minha mão, olhando-me de

forma sedutora.

— Deixe que eu cuido disso — ela anunciou.

Ela delicadamente empurrou o meu peito, afastando-me dela. Então,

apoiou as mãos sobre os meus ombros, descendo da bancada. Parada de pé

diante de mim, ela voltou a desabotoar minha camisa, levando os lábios ao


meu peitoral, beijando-o e lambendo de uma forma que ia me deixando

ainda mais duro e louco por ela.

— Lembra de como você me torturou na nossa primeira vez? — ela

falou, entre um beijo e outro, enquanto abria o último botão da minha

camisa.

— Não acho que seja uma boa ideia tentar fazer o mesmo comigo,
Carla... — respondi.

Mas era justamente o que ela parecia querer fazer.

Ela voltou a me empurrar, até me fazer sentar novamente na cadeira

onde estávamos antes. Ajoelhou-se no chão, bem à minha frente, e, de

forma lenta e torturante, desafivelou o meu cinto e abriu o zíper da minha

calça. Desta vez, fui eu que soltei um gemido quando ela, sem qualquer
cerimônia, enfiou a mão dentro da minha cueca e agarrou o meu pau,

puxando-o para fora.

Carla abriu o pacote da camisinha e me surpreendeu ao abrir a boca


e colocá-la sobre a língua. Veio, então, com a boca em direção ao meu pau

e, com os lábios firmes, foi desenrolando o preservativo enquanto o

colocava em mim. Fez isso o máximo que pôde com a boca, usando a mão

para continuar e terminar o trabalho. Eu já estava a ponto de explodir e a

agarrei delicadamente pelos cabelos, olhando extasiado enquanto ela me

chupava com vontade.

— Não vou aguentar por muito tempo assim, Carla.

Ela ainda se divertiu por algum tempo com aquela tortura, até que

pareceu perceber que eu já estava a ponto de explodir e parou, levantando-

se e vindo se sentar sobre mim. Posicionando sua entrada sobre o meu pau,

ela foi abaixando devagar, gemendo de forma manhosa enquanto era

preenchida pela minha ereção.

Ela começou a se mover em cima de mim, cavalgando de forma

lenta, nossos gemidos ecoando pelas paredes ao nosso redor. Coloquei

minha mão entre nós, usando meu polegar para acariciar seu clitóris em

movimentos circulares e isso pareceu deixá-la desnorteada. Ela arqueou o


corpo para trás e parecia ter perdido o controle dos quadris para manter o

ritmo da cavalgada.

Voltei a agarrar sua bunda e me levantar, levando-a junto novamente

até a bancada, onde a deitei de costas, sem sair de dentro dela, assumindo

agora o controle sobre as estocadas. Ela se contorceu de prazer em um

orgasmo, mas não lhe dei trégua nem tempo para se recuperar e continuei a

fodê-la de forma bruta, os sons daquela penetração frenética se misturando

aos meus gemidos e aos gritos dela.

Senti uma onda imensa de prazer irradiar em minhas pernas. Eu

estava prestes a gozar. Mas segurei o quanto pude, usando minhas mãos

para levantar o vestido dela e abrir o fecho frontal de seu sutiã, tendo agora

uma visão completa de seu corpo nu. Comecei a acariciar seus mamilos,

extasiado com a visão do rosto dela chegando novamente ao ápice.

Somente quando senti os músculos dela se contraírem e seu corpo

arquear mais uma vez comigo dentro dela, foi que me permiti gozar.

Debrucei-me sobre ela, tomando sua boca com a minha. Desta vez,

eu a beijei sem pressa, de forma lenta.

Então, fui tomado por uma onda de arrependimento.

Não pelo que tínhamos feito, mas pela forma.


Tinha sido delicioso. E estava claro para mim o quanto Carla

também estava satisfeita com o sexo bruto. Mas eu sentia que ela merecia

mais. Ela merecia algo que eu sequer sabia se era capaz de fazer.

Mais do que ser fodida, ela merecia ser amada.

Eu não era um homem que costumava fazer amor. Raramente levava

alguma mulher para a minha casa. Era sempre na casa delas ou em hotéis,

ou lugares mais inusitados como escritórios, salas de reunião ou banheiros


de restaurantes. E eu queria fazer com Carla em todos aqueles tipos de

lugares. Mas sentia que precisávamos de mais do que aquilo.

E foi pensando nisso que eu me afastei, enfim saindo de dentro dela

e tirando o preservativo, que descartei em uma lixeira do estúdio. Carla


ainda estava ofegante quando voltei até ela e a surpreendi pegando-a em

meus braços.

— O que é isso? — ela perguntou, sorrindo de forma surpresa. —


Para onde pretende me levar agora?

— Para a cama.

— Vai me colocar para dormir?

— Dormir será a última coisa que faremos essa noite.

Saí do escritório, levando-a comigo em meus braços, agradecendo


por estar já tão tarde, Samuel estar dormindo e não ter nenhum funcionário
dentro da casa. Carla se mostrou ainda mais surpresa quando passei direto
pela porta de seu quarto, levando-a até o meu.

Deixando-a delicadamente sobre a minha cama, eu terminei de tirar

minhas próprias roupas. Meu pau já estava novamente duro, pronto para
outra.

Desta vez, o sexo foi diferente de tudo o que tinha feito até então.
Foi lento, e ao mesmo tempo mais intenso do que antes.

Porque não era mais apenas sexo.

Daquela vez, fizemos amor.

-----***-----
Capítulo dezoito

Mais um mês e meio se passou, mas tanta coisa aconteceu que eu


sentia como se tivesse passado mais de um ano.

A segunda música lançada na internet conseguiu o feito de viralizar

ainda mais rápido que a primeira, e logo a cantora conhecida apenas pelas
iniciais CM (de Carla Mendes) já era relativamente famosa. Eu já tinha

mais algumas músicas gravadas e estava com um álbum já praticamente

todo pronto, com doze faixas totalmente autorais.

Junto aos profissionais de marketing contratados por Noah, já estava

certo de que a revelação a respeito do meu nome aconteceria em alguns

dias, já que eu não tinha mais motivos para me esconder.

Afinal, com o tempo a opinião pública foi se voltando a nosso favor,

e Eduardo já era considerado o verdadeiro vilão da história.


Então, veio o momento mais feliz de todos. A ligação do advogado

para contar a Noah que o juiz tinha enfim dado a sentença que declarava o

reconhecimento de paternidade. Samuel agora tinha, legalmente, um pai.

Estávamos os três juntos no estúdio quando ele recebeu a ligação e,

após desligar o celular, pegou Samuel nos braços, jogando-o para o alto.

— Este é o novo dia mais feliz da minha vida! — Noah anunciou.

Samuel gargalhou nos braços do pai, mas mostrou-se confuso.

— Você disse isso outro dia, papai!

— Mas a cada nova coisa boa, podemos considerar mais um novo

‘dia mais feliz’. E sabe qual foi a coisa boa de hoje? Que agora somos

legalmente pai e filho.

A confusão no rosto de Samuel aumentou.

— Mas a gente já não era, papai?

— Sempre fomos, mas agora somos também pela lei.

— O que isso significa?

— Significa que você agora tem o meu sobrenome.

— Ah... legal... — Samuel bem que tentou forçar alguma simpatia

pela notícia, mas estava evidente que nada daquilo fazia muito sentido na

cabecinha dele. — Eu posso ir brincar com o Garfield?


— Ah... pode... Claro que pode.

Samuel desceu do colo do pai e saiu do escritório, indo procurar

pelo gato. Não consegui evitar rir da cara de desânimo de Noah.

— Achei que ele ficaria mais feliz com a notícia.

— Ele tem cinco anos, Noah. Brincar com um gato é muito mais

interessante do que a notícia de que ganhou um sobrenome novo.

— Bem, de qualquer maneira, eu estou feliz. Precisamos

comemorar. O que acha de irmos os três a um restaurante?

— Tenho outros planos para a noite de hoje.

Ele se aproximou de mim, envolvendo os braços ao redor da minha

cintura e puxando meu corpo para mais junto do seu.

— Eu também tenho outros planos de comemoração, mas estes vão

ter que ficar para depois que Samuel for dormir.

— Tenho certeza de que seus planos são ótimos, mas certamente não

são os mesmos aos quais eu me referi. Não podemos sair para jantar, porque

preciso terminar de arrumar minhas malas e as do Samuel. Podemos pedir

uma pizza. Samuel adora, aliás.

Ele suspirou, demonstrando desânimo com aquilo.


— Vocês não precisam ir embora amanhã, Carla. Podem ficar mais

alguns dias.

— Já ficamos tempo demais. Meu apartamento está já há quase dois

meses vazio, imagine o tanto de poeira que juntou por lá. E preciso limpar

tudo nos próximos dias, porque segunda-feira é o dia do seu retorno à

empresa, esqueceu?

— Podemos adiar isso também.

— Noah Bianchi, você agora é oficialmente um pai de família. É um

péssimo momento para deixar a sua empresa falir. Tem trabalhado de casa

há todo esse tempo, mas você mesmo já disse que não é a mesma coisa.

— Nós vamos revelar sua identidade nos próximos dias, você já está

com inúmeras propostas de show... Sinto que em breve vou perder minha

secretária.

— Eu espero que perca mesmo. Será uma tentação muito grande

trabalhar junto com você naquela empresa.

Ele me beijou, mas percebi que se controlou para que fosse um beijo

breve. Eu podia sentir a ereção dele contra o meu ventre e nós dois

sabíamos que Samuel voltaria para aquele estúdio a qualquer momento,

logo que encontrasse Garfield pela casa.


Bem, a casa era bem grande e eu esperava que o gato estivesse

muito bem escondido. Mas não podia contar muito com isso.

— Vou perder uma secretária, mas ganhar uma cantora de sucesso, a


primeira do meu novo empreendimento.

— Está pensando mesmo em levar isso adiante?

— Estou. Mas você tem razão quando disse que sou agora pai.

Nunca fui de seguir impulsos e correr riscos profissionais. Talvez seja um

enorme erro querer fazer isso justamente nesse momento.

— Talvez esse seja exatamente o momento de buscar sua felicidade

plena. Mas entendo que abrir mão da Bianchi para se dedicar a algo

completamente novo não seja algo fácil. A empresa é o legado do seu pai,

afinal.

Ele riu, mas de forma tensa.

— O legado que meu pai deixou de mais profundo na minha vida foi

ter tirado os primeiros anos da vida do meu filho de mim. A Bianchi era

importante para ele... Mais do que a própria família. Para mim, sempre foi

apenas uma obrigação.

— Se é assim, repito: talvez seja o momento de buscar o que você

realmente quer.
— Sabe o que eu quero, Carla? Quero o que nós temos agora. Quero

você e Samuel aqui comigo.

— Você vai nos ver todos os dias na Bianchi, Noah. Pelo menos

enquanto você ainda estiver no comando e eu ainda for sua secretária,

Samuel vai voltar a frequentar a creche de lá. E ele virá ficar na sua casa

todos os finais de semana.

— Não é isso o que eu quero, Carla. Não quero ter que me despedir

de vocês todos os finais de tarde. Quero continuar colocando Samuel para

dormir todas as noites, e depois eu quero... — Ele aproximou a boca do

meu ouvido, mordiscando o lóbulo da minha orelha e, com isso,

provocando-me uma onda de arrepio, que se intensificou quando ele

sussurrou. — Quero te foder de todas as formas possíveis, em cada canto

desta casa, até você estar completamente exausta e saciada. Quero que você

durma junto a mim, na minha cama. Quero que você seja a minha primeira

visão ao acordar, e quero voltar e me afundar dentro de você antes mesmo

do café da manhã. E então vamos passar o resto do dia ansiosos para que

mais uma noite chegue, enquanto trabalhamos juntos com o que amamos e

vemos o nosso filho crescer. É isso o que eu quero, Carla.

Forcei-me a me afastar um pouco, de modo com que pudesse olhá-

lo nos olhos. Havia uma sinceridade suplicante em suas feições.


— Noah... é o seu filho que você quer... E talvez também o sexo,

mas tudo isso pode estar te levando a confundir as coisas.

— Você está confusa? Porque os seus olhos me dizem que tudo isso

que eu falei é também o que você mesma quer.

— Você aprendeu mesmo a ler os meus olhos, não é? Desde a

primeira vez que nos vimos.

— Porque eles são puros e sinceros. Eu acredito na verdade dos seus


olhos mais do que confio em qualquer outra coisa na vida.

— O que pode significar que... Você confia em mim porque, além de


termos uma ótima sincronia no sexo, também somos bons amigos.

— O que significa... que eu amo você.

Meu coração disparou, pego completamente desprevenido por


aquela frase.

Abri a boca para tentar dizer algo, mas nenhum som saiu, minha voz

interrompida pelo nó que se formou em minha garganta. Senti meus olhos


começarem a transbordar e as mãos de Noah acolheram o meu rosto,

passando os polegares pela minha face para secá-la. Então, seus lábios
voltaram a se unir aos meus em mais um beijo. Desta vez, mais demorado

que o outro. Lento, intenso e carregado de sentimentos.


Nos afastamos quando a porta do estúdio se abriu. Samuel não
percebeu o que acontecia, já que sua atenção estava voltada para o gato que

trazia em seus braços. Contudo, quando ele levantou seu rostinho e viu que
eu chorava, mostrou-se preocupado.

— Mamãe, está chorando?

— Estou, meu amor. Mas é de felicidade.

— Vocês choram muito quando estão felizes, não é? — ele


questionou, intrigado. Noah e eu rimos. — O que aconteceu, mamãe? É por

causa do meu novo souvenome?

Noah e eu voltamos a rir e eu o corrigi:

— É sobrenome, meu amor. Mas não é por isso que estou chorando.

— Então é pelo quê?

— É porque eu sou a mulher mais feliz do mundo. Porque eu tenho

você e o seu pai. E eu amo muito os dois.

Após dizer a última frase, olhei para Noah, vendo um sorriso


emocionado surgir em seu rosto.

Samuel veio até nós, mostrando-se feliz com todas aquelas


declarações. Porém, chateado por alguém do recinto ter sido excluído.

— E o Garfield, mamãe? Você não ama ele?


— É claro que eu amo o Garfield. Ele é o gatinho desta casa... o
nosso gatinho, não é?

— Nosso gatinho? — Noah indagou. — Isso quer dizer que sua


resposta é um sim?

— Minha resposta é sim.

Ele me puxou para junto dele, em um abraço. E Samuel logo se


juntou a nós, trazendo o nosso gato consigo.

-----***-----
Capítulo dezenove

— Por que o Garfield não pode ir comigo? — Samuel choramingou,

enquanto Noah estacionava o carro em sua vaga no estacionamento da

Bianchi.

Soltando o cinto de segurança, eu me virei para o banco de trás e


precisei conter um sorriso diante do bico que Samuel fazia. Sabia que ele

estava chateado, mas ficava muito fofo com aquela carinha.

— Já disse, meu amor. Não pode levar bichinhos para a creche.

— Além disso... — Noah tomou a palavra, também se virando para

olhar para o nosso filho. — Você sabe o quanto o Garfield ama dormir o dia

quase inteiro. Ele ficaria bem entediado na creche, não acha?


Samuel não concordou, porém, logo que saímos do carro e seguimos

para o interior do prédio, ele logo voltou a se animar com a expectativa de

rever suas professoras e coleguinhas. Ele vinha sentindo muito a falta do

convívio com outras crianças.

Noah e eu o deixamos lá, ganhando abraços apertados de despedida.

Então, seguimos juntos para o andar do CEO. Dona Andreia já havia

oficialmente se aposentado, por isso eu assumiria completamente como

secretária de forma presencial a partir daquele dia. Eu já conhecia bem todo


o trabalho, já que passei um bom período trabalhando da casa de Noah –

onde, quem diria, agora eu também morava de forma oficial. Porém, eu

agora precisava me ambientar com o novo local de trabalho.

E o primeiro empecilho a isso foi o fato de que todo mundo –

absolutamente todo mundo naquela empresa – simplesmente não parava de


olhar para mim. Algumas pessoas com curiosidade, outras com simpatia.

Afinal, por mais que a opinião pública já tivesse perdido grande parte do

interesse na minha história com Noah, o mesmo não se podia esperar com

relação aos funcionários da Bianchi, que pareciam esperar ansiosos pelo

nosso retorno.

A imprensa tinha noticiado que eu estava morando

‘provisoriamente’ na cada de Noah, junto ao nosso filho. Contudo, muitas

pessoas nas redes sociais e em portais de fofoca já falavam sobre uma


‘reconciliação’ entre nós, além de em uma ‘redenção’ de um pai que não

assumiu o filho ao nascer.

Cada um criava, em seu imaginário, uma versão para a nossa

história. Embora eu soubesse que provavelmente nem a mais romântica das

versões era melhor do que a original.

Não houve uma reconciliação, porque o que houve no passado entre

Noah e eu tinha sido apenas uma conexão de almas e corpos, que, caso não

tivesse sido interrompida da forma como foi, provavelmente não demoraria

para se tornar amor. Este sentimento, de forma mais plena, só tinha surgido

agora, seis anos depois, no nosso reencontro.

Mesmo com todos aqueles olhares sobre mim, segui o meu trabalho

com a maior naturalidade possível, ainda que eu fosse super tímida e aquilo

realmente me incomodar.

Até que, por volta das quatro e meia da tarde, fui à sala de Noah,

entregar alguns relatórios a ele.

— Isso é tudo por hoje, não é? — ele me perguntou, enquanto eu

colocava a pasta de relatórios sobre a mesa.

— Para hoje, sim. Mas vou aproveitar para começar a adiantar o

trabalho de amanhã.
— O trabalho de amanhã pode ficar para amanhã — ele comunicou,

começando a se levantar e a vestir seu paletó.

— Como assim, senhor Bianchi? O senhor já vai embora?

— Quer parar de me chamar assim, Carla? Nem tem ninguém por

perto agora.

— Nunca se sabe. Prefiro manter a formalidade no ambiente de

trabalho.

— É uma pena. Eu tinha planos bem mais interessantes contigo

sobre essa mesa. E não teria nada de formal.

Inferno! Ele não ia me tentar daquele jeito!

E o safado ainda riu, provavelmente se divertindo com o meu

constrangimento diante de tal provocação.

— E, sim, vou embora. Vamos, na verdade. Também já encerrei


tudo o que tinha para hoje.

— Você é chefe. Pode ir embora. Eu tenho um horário a cumprir.

— Teoricamente, você é minha secretária pessoal. Não tem que

cumprir horários rígidos.

— Já está todo mundo olhando para mim. Imagine o que vão falar

se me virem indo embora tão cedo?


— Sério que está incomodada com as pessoas olhando para você?

Você é uma estrela da música. Ainda anônima, mas logo que seu rosto for

revelado, é possível que não consiga andar na rua sem as pessoas te

olharem ou te pararem para pedir fotos.

Eu ri, porque aquilo ainda parecia uma realidade tão distante para

mim.

Noah estava realmente disposto a ir embora e eu acabei cedendo aos

pedidos e fui para a minha sala desligar o computador e pegar a minha

bolsa. Quando voltei para a sala dele, no entanto, ele estava falando ao

telefone, pela linha fixa da empresa. Parou por um instante quando me viu e

falou:

— Desculpe por isso, amor, mas é uma ligação importante. Vai na

frente e vai pegando o Samuel na creche. Encontro com vocês no hall de

elevadores do estacionamento. Serei rápido aqui.

— Não deveria me chamar de ‘amor’ aqui, senhor Bianchi —

devolvi, com a voz sussurrada para que a pessoa com quem ele conversava

não ouvisse. — Guarde essas palavras para quando estivermos em casa.

— Tenho muita coisa guardada para você para quando estivermos

em casa.
Ele veio até mim e me deu um selinho. Comecei a me afastar, mas

ele insistiu em mais um beijo, e depois em mais outro, até que eu ri e o

empurrei, sabendo que se continuássemos assim, aquele telefonema seria

deixado de lado e acabaríamos, como ele mesmo provocou, usando a mesa

de um modo nem um pouco formal.

Como previ, recebi olhares de outros funcionários enquanto seguia

para o elevador levando minha bolsa, mas tentei ignorá-los.

Cheguei ao terceiro andar, onde a creche se localizava, e entrei no

corredor que levava até ela. Havia um homem parado diante da porta,

conversando com uma funcionária da creche. Mesmo ainda à distância,

pude ouvir, enfática, a voz da mulher:

— Desculpe, senhor, mas apenas os responsáveis podem levar as

crianças. E não recebemos nenhuma orientação dos pais que o deixaram

aqui pela manhã de que outra pessoa viria buscar o Samuel.

Samuel...

Apesar de ser um nome comum e talvez ter mais de uma criança ali

chamada daquela forma, aquilo me acendeu um alerta e eu apressei meus

passos. Meu coração acelerou com a confirmação que veio com a resposta

do homem.
— Já disse que sou um funcionário de Noah Bianchi e que fui

designado para pegar seu filho hoje.

— Ei, você! — gritei, em fúria, tomada por uma raiva tão absurda

que eu sequer sabia que seria capaz de sentir.

Um total estranho estava tentando tirar o meu filho da creche e isso

acendeu todo o instinto protetor que havia em mim.

O homem se virou para mim e, ao me ver, pareceu me reconhecer –


embora eu não fizesse ideia de quem ele fosse. Com isso, ele levantou a

camisa e tirou um revólver na cintura, o que me fez parar no mesmo


instante.

A funcionária da creche gritou, em pânico, e ele a ameaçou com a


arma, sussurrando:

— Cale a boca, merda! Não era para ser desse jeito! — E voltou a

olhar para mim. — Você, entre já aqui antes que mais alguém nos veja.

Eu não ousaria desobedecer às ordem de um louco armado parado

na porta de um lugar cheio de crianças. Por isso, levantei as mãos para que
ele visse que eu não pretendia reagir e me aproximei devagar, passando por

ele e entrando na creche.

O ambiente colorido, cheio de pequenas mesas e cadeiras, que


deveria remeter à felicidade, estava um verdadeiro caos. Cerca de trinta
crianças pequenas estavam amontoadas abaixadas em um canto junto à
parede, enquanto professoras e outras funcionárias as cercavam,

sussurrando para que ficassem calmas. Algumas conseguiam atender ao


pedido, olhando para aquele homem armado com seus olhinhos arregalados

de medo. Outros choravam baixinho. Algumas não conseguiam se conter e


praticamente gritavam em meio ao choro.

Em meio ao amontoadinho de crianças, uma delas se levantou.

Era o meu filho.

— Mamãe! — ele gritou logo que me viu. E eu fiz um sinal com as


mãos para que ele ficasse onde estava. Uma professora o puxou para que

ele voltasse a se abaixar.

O bandido armado voltou a falar:

— É o seguinte, vou sair daqui levando o menino. Vou trancar a sala


por fora, e espero que ninguém aqui tente bancar o herói ligando para a
polícia ou chamando os seguranças. Lembrem-se que estarei com o menino

e com uma arma, que não terei pena de usar.

Enquanto terminava de dizer aquelas palavras, ele caminhou até as

crianças, agarrando meu filho pelo braço e o obrigando a se levantar. Gritei,


em pânico:
— Não! Por favor, eu faço o que você quiser, mas não leve o meu
filho.

— Sabe o que eu quero, sua vadia? Eu quero a minha vida anterior


de volta, aquela que o seu querido Noah fodeu por completo. Não bastasse

me agredir e tirar o meu emprego, ele ainda sujou o meu nome. Não
consegui mais emprego, estou afundado em dívidas. Então, avise a ele que,

se quiser o filhinho dele de volta, que aguarde eu entrar em contato pedindo


o resgate.

— Não precisa de nada disso — insisti. — Eu falo com Noah. Ele te

dará quanto dinheiro você quiser para que não leve o nosso filho.

— Ah, claro, vou ficar aqui parado esperando aquele playboy de

merda vir aqui trazendo um bando de segurança para me cercar. — Ainda


segurando o braço do meu filho, ele começou a puxá-lo em direção à porta.

Samuel, no entanto, lutou contra isso, tentando se soltar e gritando.

E isso me deixava ainda mais apavorada.

Aquele homem – que agora eu entendia ser o Eduardo – estava

nitidamente alterado, por bebidas ou algum droga. A forma como ele


apontava aquele revólver para uma criança tão pequena só mostrava que ele

realmente estava disposto a tudo.


— Você não vai conseguir sair daqui com ele — falei, apresentando

um argumento que poderia fazer com que ele repensasse aquilo. — Todo
mundo nesse prédio conhece o Samuel, e vão vê-lo deixando o local com

você.

— Então mande essa peste calar essa boca.

— Ele pode se comportar e parar de chorar, mas qualquer um que

olhe para ele verá que está assustado. Você não vai conseguir ir muito longe
levando-o junto.

— Se alguém tentar me deter, já disse que não terei dó de meter uma

bala nele.

Aquela ameaça me desesperou, mas respirei profundamente,

tentando manter a frieza para negociar.

— Sem um refém vivo, como você vai conseguir tirar qualquer


dinheiro de Noah? Deixe o menino. Eu vou com você.

Ele pareceu pensar na proposta.

— E acha que não desconfiarão? Todos aqui te conhecem também.

— Mas eu não sou uma criança assustada. Vou agir com

naturalidade. As pessoas pensarão que estou apenas saindo do prédio na


companhia de um colega.

— Mamãe! — Noah gritou, em meio a um choro ainda mais aflito.


Tive vontade de correr até ele, arrancá-lo daquele homem e abraçá-

lo com força, mas não tinha como fazer isso. Por isso, esforcei-me para me
manter firme.

— Por favor... — insisti. — Eu vou colaborar com você. Leve-me


como refém e deixe o meu filho. Não vai querer uma criança assustada

chorando de forma descontrolada, não é?

Ele me olhou de baixo a cima, parecendo me analisar. E um sorriso


nojento surgiu entre os seus lábios.

— É, acho que é uma boa troca. Além de dar menos trabalho, estou
certo de que Noah pagará qualquer coisa por você. Você o dobrou

direitinho, não foi?

Ele largou Samuel, que correu até mim. Abaixei-me para abraçá-lo
com força, temendo o fato de ainda estarmos sob a mira de uma arma que

estava na mão de um completo alucinado.

— Mamãe... — Samuel continuou a chorar.

— Escute, meu amor... eu preciso que você fique bonzinho e volte

para perto das suas professoras, tá?

— Não, mamãe...

— Por favor, filho. Vai ficar tudo bem, eu prometo para você. Eu te
amo muito.
Afastar-me do meu filho naquele momento foi a coisa mais dolorosa
que já precisei fazer em toda a minha vida. Ele não queria me soltar, e uma

das professoras se aproximou, puxando-o, nitidamente também temendo


que aquele louco pudesse perder a paciência e atirar.

Então, eu me levantei, pronta para seguir aquele homem.

Faria o que fosse preciso para salvar o meu filho.

-----***-----
Capítulo vinte

Embora o telefonema fosse muito importante, relacionado a um


novo contrato da Bianchi com um grupo de investidores, eu fiz questão de

apressar ao máximo a conversa para que eu pudesse logo desligar e sair


dali, para encontrar minha namorada e meu filho e irmos os três juntos para

casa.

O trabalho na construtora sempre foi algo tedioso para mim, mas

atualmente vinha se tornando quase insuportável. Por outro lado, eu amava

o trabalho paralelo que eu vinha realizando junto com Carla, sendo seu
empresário. Vínhamos juntos, inclusive, buscando trabalhos de outros

cantores independentes e iniciantes na internet, e já tínhamos uma lista de

alguns que estávamos dispostos a entrar em contato para empresariar e

cuidar da produção musical e de carreira deles.


E eu estava a cada dia mais certo de que era isso o que eu queria

fazer em termos profissionais. A ideia de vender a Bianchi e passar a me

dedicar inteiramente àquilo ficava a cada dia mais forte na minha mente.

Apenas alguns minutos depois que Carla passou pela minha sala, eu

consegui encerrar a ligação. Desliguei o computador, guardei os relatórios

que ela tinha levado para mim e, enfim, pude sair. Entrei no elevador e

desci diretamente até o estacionamento, imaginando que Carla e Samuel já

estivessem ali, no hall, aguardando por mim conforme combinamos.

Mas não estavam.

E isso acendeu um alerta em mim.

Sabia que Carla podia ter parado para conversar com as professoras

de Samuel a respeito da adaptação dele neste retorno depois de meses em


casa. Contudo, algo dentro de mim parecia me alertar de que talvez algo

estivesse errado.

Decidi, então, voltar a entrar no elevador, subindo até o terceiro

andar.

Logo que cheguei ao corredor que levava à creche, percebi que,


infelizmente, meus instintos estavam certos. Havia algo errado acontecendo

ali. Mesmo com a porta do local fechada, eu conseguia ouvir o som de

gritos e choro das crianças e corri até lá.


Bati na porta e ninguém atendeu. Os gritos lá dentro aumentaram e

reconheci vozes das funcionárias informando que estavam presos lá. Girei a

maçaneta, confirmando que estava mesmo trancada.

— Afastem-se! — gritei. E chutei a porta, repetidas vezes, até

conseguir arrombar a fechadura e abri-la.

Logo que entrei, meu primeiro impulso foi o de percorrer meus

olhos por todas aquelas crianças assustadas, buscando desesperadamente

pelo meu filho.

Quando ele mesmo veio de encontro a mim, se agarrando em

minhas pernas, eu respirei um pouco mais aliviado.

Contudo, tal alívio durou apenas um segundo. Afinal, Carla também

deveria estar ali.

— O que aconteceu aqui? — foi a primeira coisa que consegui


perguntar, enquanto pegava meu filho nos braços para tentar acalmá-lo.

Aflitas, as funcionárias começaram a falar sobre o ocorrido. Um

homem havia invadido o lugar, armado, e tentou levar o Samuel.

— Ele levou a mamãe, papai! — Samuel contou, em meio ao choro.

— O homem mau, com um revólver, levou a mamãe!

— Tem pouco tempo que ele a levou — uma das professoras se

apressou em dizer. — Se acionarmos a segurança do prédio, talvez


consigam detê-lo.

— Façam isso — ordenei.

Mas eu não ficaria ali parado esperando. Passei meu filho para os

braços de uma professora e saí correndo dali, descendo pelas escadas de

emergência, que provavelmente eram o caminho por onde aquele filho da

puta tinha seguido.

Eu não precisava que ninguém desse qualquer descrição do sujeito

para deduzir que certamente era Eduardo. Não havia qualquer outra pessoa

que me odiasse tanto a ponto de fazer algo assim e, ainda que houvesse, não

seria alguém que conseguisse entrar facilmente no prédio. Eduardo podia

facilmente ter usado seu antigo crachá para conseguir entrar na empresa

sem ser detido.

Desci de volta até o estacionamento, deduzindo que ele teria


deixado seu carro ali. Não havia locais para estacionar ou parar um carro

nos arredores do prédio, e ele não se arriscaria a tentar fugir dali levando

um refém sem ter um veículo para a fuga.

E, para o meu alívio, vi que minha suspeita estava certa quando o

avistei, já abrindo a porta de um carro. Carla estava ao lado dele. O lugar

tinha câmeras de segurança e Eduardo sabia disso, então provavelmente


ordenara a Carla para que caminhasse de forma natural ao seu lado para não

levantar suspeitas.

Contudo, logo que me viu, ele entendeu que não poderia manter tal
prudência. Por isso sacou a arma que escondia dentro do paletó e, com o

braço livre, agarrou Carla, trazendo-a para junto de si e encostando o cano

do revólver em sua cabeça.

— Parado aí! Sem gracinhas ou eu estouro os miolos dela! — ele

gritou, completamente fora de si.

Eu nunca tinha visto Eduardo daquela maneira. Ele sempre

aparentara uma calma nitidamente forçada em suas falas e condutas.


Mesmo à distância, reparei as pupilas dele dilatadas, dando-me a dica de

que deveria estar sob o efeito de algum entorpecente.

Levantei os braços em um sinal de rendição, mas segui andando,

agora de forma cuidadosamente lenta.

— Solta ela, cara. Vamos subir para o meu escritório para conversar.

— Você acha que eu sou algum idiota, Noah?

— Não. Mas acho, ou melhor: tenho certeza, de que o seu problema

é comigo e não com ela.

— Exatamente. Por isso é que eu vou levá-la, para que você e eu

possamos resolver nossos ‘problemas’. Vou te ligar te informando o valor


do resgate e onde você deve levar tudo, em dinheiro vivo. Sem gracinhas e

sem envolver a polícia nisso, a não ser que não queira tê-la de volta com

vida.

— Era um bom plano, Eduardo... — falei, dando mais um passo da

forma mais lenta possível. — Mas aparentemente, tudo saiu de controle,

não é? As câmeras estão filmando tudo isso. Nenhum de nós vai poder

esconder isso que está acontecendo aqui: você está ameaçando uma mulher

com uma arma e vai colocá-la a força dentro de um carro e levá-la. Você vai

ser encontrado pela polícia antes mesmo que consiga me ligar pedindo

qualquer resgate. Você sabe disso. E sabe que nem eu terei como evitar isso.

Ele fez uma pausa, parecendo pensar a respeito daquilo. Embora

estivesse nitidamente sob o efeito de drogas, ele pareceu entender que não

tinha como levar seu plano adiante sem ser pego.

— Você já destruiu a minha vida, Noah. Se for para ainda ser preso,

terei ao menos o gosto de saber que me vinguei de você. Mas serei

benevolente e te deixarei dizer as últimas palavras para a vadia que te deu o

golpe da barriga.

Ele pressionou a arma com mais força contra a cabeça de Carla. Eu

estava no meio de mais um passo, mas parei, temendo que qualquer

movimentação fizesse aquele louco cumprir a ameaça.


— Não é nela que você quer atirar, Eduardo. Sabe disso. Não foi

para conseguir dinheiro que você armou esse sequestro. Você é esperto, se

pensasse um pouco mais saberia que, mesmo que saísse do país com o

dinheiro que eu pagasse pelo resgate, acabaria sendo pego em algum

momento. Não era essa a sua intenção principal, mas sim a de me ferir.

— E o que iria te ferir mais do que ver essa vadia morrer diante dos

seus olhos?

Devagar, consegui dar mais um passo. Agora, pouco mais de dois

metros me afastavam dele.

— Não é ela que você quer ver morrer, Eduardo. Seu ódio sempre

foi de mim. Por me julgar um playboy com a vida ganha, por eu ter
destruído tudo o que você conseguiu chantageando o meu pai com a

informação de que eu tinha um filho. Por eu ter te agredido e te mandado


para o hospital. Aqueles socos devem doer em você até hoje, não é? — Por

mais que fosse uma provocação para direcionar o ódio dele novamente para
mim e fazer com que ele desistisse de ferir Carla, confesso que senti uma

satisfação ao me lembrar daquele último fato.

Agora mesmo, se eu pudesse, adoraria poder mais uma vez enfiar


meus punhos na cara daquele filho da puta.
Meu argumento pareceu convencê-lo. Não seria difícil, com base no
ódio que ele sentia por mim.

Porém, ele não deixou de ameaçar Carla.

— Posso fazer melhor. Posso matá-la diante dos seus olhos e deixá-
lo sofrer com isso antes de te matar também.

— O primeiro tiro já chamaria a atenção da segurança. Você não


quer correr esse risco. E, se apenas terá o tempo de um tiro antes de fugir,
será em mim que você vai querer atirar e não nela.

— Noah, não... — Carla implorou.

Tentei não me deter muito na visão dos olhos dela cheios de

lágrimas. Aquele era um sofrimento que eu odiava fazê-la passar. No fundo,


o que eu queria era ganhar tempo até que algum segurança nos encontrasse

ali, mas não poderia continuar arriscando a vida de Carla.

Ela merecia viver, criar o nosso filho, realizar seus sonhos e ser
feliz. E eu não permitira que aquele verme a impedisse disso.

Mesmo que eu tivesse que dar a minha vida em troca.

Eduardo esticou o braço com a arma engatilhada em sua mão,


apontando-a para mim. Voltei a olhar para Carla, que ainda estava presa

pelo outro braço dele ao redor de seu pescoço. Eu não queria que ela visse
aquilo.
— Feche os olhos, meu amor — pedi, em um sussurro. — Eu amo
você.

— Noah, não... — foi tudo o que ela conseguiu dizer, antes de gritar,
em pânico, com o som do estalo da arma.

Apenas um estalo baixo. Sem qualquer som do tiro.

Levou ainda alguns instantes até que eu entendesse o que aconteceu.

A arma tinha falhado.

Eduardo, no entanto, permaneceu confuso com isso por alguns

instantes a mais, e foi o suficiente para que eu pudesse agir.

Voltei a correr, praticamente me jogando sobre ele, agarrando a mão

que segurava o revólver. Ele acabou soltando Carla enquanto tentava se


libertar de mim.

Consegui tirar a arma de sua mão, deixando-a cair no chão. Então,

pude fazer aquilo que já tinha feito antes, mas que ainda desejava tanto
fazer novamente: socar com toda a minha ira a cara daquele filho da puta.

Se os socos de antes eram carregados de ódio, neste o sentimento


era ainda mais intenso. E eu logo consegui derrubá-lo no chão, debruçando-

me sobre ele e o socando ainda mais.

Como da outra vez, apenas parei quando um grupo de seguranças


chegou ao local, puxando-me para afastar-me dele. Porém, como eles
provavelmente já tinha sido acionados pela equipe da creche e já sabiam a

respeito do que ocorrera, apressaram-se em imobilizar Eduardo – muito


embora isso fosse um tanto desnecessário, já que o canalha estava mais do

que nocauteado.

Com isso, eu me apressei em procurar por Carla ao meu redor. Mas


apenas começava a fazer isso quando ela mesma veio até mim, jogando-se

nos meus braços enquanto chorava de forma aflita.

— Acalme-se, meu amor. Está tudo bem agora — falei, tentando

acalmá-la.

Contudo, eu sentia minhas mãos tremerem enquanto a abraçava,


ainda como efeito do medo que tive de perdê-la.

— Nunca mais faça isso! — ela pediu, em meio ao choro, ainda com
seus braços me apertando com força. — Ele ia atirar em você...

— Eu faria de novo quantas vezes fosse preciso, Carla. Por você e

pelo Samuel, eu faria isso novamente, infinitas vezes. — Beijei o topo da


cabeça dela.

— Tive tanto medo, Noah... De perder o Samuel... e, depois, de


perder você.

— Não vai nos perder, meu amor. Nós nunca mais vamos nos perder

uns dos outros.


E aquela era uma promessa.

-----***-----
Capítulo vinte e um

Oito meses depois do dia do reencontro...

Voltar para casa ao final do dia nunca teve um sabor tão especial

quanto naquele final de tarde. Eu tinha, enfim, realizado a venda da

Bianchi. Negociação que, embora feita em um tempo recorde, tinha sido


financeiramente muito bem-sucedida para mim. A construtora estava em

seu auge e recebi muitas ofertas, o que facilitou bastante na negociação por
um valor que fosse bem vantajoso para mim.

Embora eu precisasse confessar que, ainda que o valor não tivesse


sido tão alto, já seria vantagem para mim pelo que aquilo representava na

minha vida.
A Bianchi sempre tinha sido algo tedioso para mim. Contudo,

depois de tudo o que acontecera lá há alguns meses, passou a ter uma carga

negativa ainda mais forte na minha vida. Tiramos Samuel da creche,

colocando-o em um pré-escola com um ótimo sistema de segurança,

embora Eduardo não fosse mais uma ameaça para nós. Ele tinha sido peso
em flagrante, naquela mesma tarde, por tentativa de homicídio, sequestro e

ameaça com arma de fogo. A combinação de todas aquelas penas garantiria

que ele passaria um longo tempo mofando na cadeia.

Logo que pus meus pés na sala de estar ao entrar em casa, fui

recebido por uma chuva de confetes e gritos animados de Samuel e de

Carla, ambos usando chapeuzinho de festa na cabeça, tocando mini cornetas

e pulando como se fosse aniversário de alguém.

— Surpresa, papai! — Samuel gritou, vindo até mim e pulando em


meus braços.

Eu o abracei, levantando-o no colo.

— Nossa, posso saber por que estou ganhando uma festa surpresa?

— perguntei.

Meu filho me respondeu como se fosse óbvio:

— Pela venda da empresa, ué!


— Eu tenho a única família no mundo que faz festa por um de seus

integrantes estar oficialmente desempregado.

Carla riu e se aproximou, dando um tapinha no meu braço.

— Não faça drama. Você segue tão milionário quanto sempre foi,

com a diferença de que agora poderá investir esse dinheiro no que

realmente quer fazer da sua vida.

Eu a beijei brevemente, fazendo uma correção:

— Bem, a festa de inauguração da nossa nova empresa será apenas

daqui a dez dias. Então, até lá, para todos os efeitos, eu estou sem trabalho.

— Vai sonhando... Tem muito trabalho para fazer. Sou sua sócia,

mas também sou a primeira artista empresariada por você. A agenda dos

próximos dias está quase lotada.

Conforme já era previsto, a revelação do nome e do rosto da cantora

por trás das músicas virais da internet causou um burburinho que foi até

mesmo difícil de lidar. Carla ainda imaginava que precisaria continuar com

o seu emprego de secretária da Bianchi por algum tempo, até as coisas


começarem a dar certo com sua carreira, mas o que aconteceu foi que, no

dia seguinte à revelação, havia um grupo enorme de repórteres e fãs

aguardando por ela na entrada do prédio da empresa. Até mesmo os

funcionários de lá a abordavam o tempo todo.


Acabou se tornando impossível para ela continuar tendo qualquer

emprego regular. Ela agora era uma cantora famosa. E, desde então, vinha

fazendo shows praticamente todos os finais de semana. Seu álbum de


estreia estava entre os 100 mais ouvidos do país há meses consecutivos.

— Vocês têm razão, temos muito o que comemorar — falei. — O

que acham de sairmos para jantar?

— Posso comer pizza? — Samuel perguntou, já que aquela era a


comida favorita dele.

— Você pode pedir o que quiser. Hoje é dia de festa! Agora anda,

vai colocar um casaco porque está começando a esfriar lá fora.

Carla fez uma observação:

— Troque de camisa também, filho. Eu deixei uma em cima da sua

cama.

Vibrando, ele desceu do meu colo e pegou Garfield no colo, subindo

as escadas com ele para ir ao seu quarto cumprir os nossos pedidos.

Ficando a sós com Carla, finalmente pude beijá-la com mais

intensidade, da forma como queria.

— Ficou feliz com a surpresa? — ela perguntou logo que nossos

lábios se afastaram.
Passei os dedos sobre os seus cabelos, tirando alguns confetes

presos entre os fios.

— Claro. A ideia foi sua ou do Samuel?

— Um pouco de cada. Eu disse a ele que hoje era um dia muito

especial para a nossa família e ele... claro, perguntou se a gente podia comer

pizza para comemorar.

Rimos juntos. Aquilo era bem típico do nosso garotinho. Ele

certamente não compreendia muito bem o que significava a venda da

empresa e o início de uma nova empreitada profissional dos pais, mas ele

sabia que estávamos felizes e isso bastava.

E, para ele, nada melhor do que pizza para marcar momentos

felizes.

Carla prosseguiu:

— Então, eu falei para ele: ‘Que tal se a gente fizer uma grande

surpresa para o papai?’. A ideia do confete, das cornetas e desses

chapeuzinhos foi toda dele. — Ela voltou a rir enquanto tirava o chapéu da

cabeça.

— Foi mesmo uma enorme surpresa.

— Bem... Fico muito feliz que tenha gostado. Mas... Talvez não seja

a única surpresa da noite.


— Não? O que mais está planejando? — Puxei o corpo dela para

mais junto do meu, aproximando meu rosto do dela de forma provocativa.

— Nada do que sua mente suja está imaginando. Se bem que...

Talvez eu tente te surpreender de alguma forma quando voltarmos do jantar

e Samuel for dormir.

— Terei outra surpresa antes disso, então?

Antes que ela pudesse responder, Samuel surgiu no alto das escadas,

descendo, dessa vez sem Garfield, que muito provavelmente devia ter

aproveitado a ‘carona’ até o andar de cima para dormir na cama de seu

humaninho favorito da casa.

Ele desceu e parou bem diante de nós, já usando uma jaqueta com o

zíper fechado. Ele trocou um olhar cúmplice com a mãe, antes de voltar a
olhar para mim e anunciar.

— Tem mais uma surpresa pra você, papai.

— É... eu tive informações a respeito disso. Mas ainda não sei o que

é.

— Mamãe me deu uma camisa nova de presente.

— Sério. Que legal.

— Você quer ver?


— Claro que quero.

Ele voltou a olhar para Carla e riu, e eu não fazia ideia do que
aqueles dois estavam armando para mim.

Então, Samuel abriu o zíper da jaqueta, revelando sua nova

camiseta. Era azul, com uma frase escrita bem ao centro.

O irmão mais velho mais legal do mundo

Ainda levei alguns segundos até conseguir compreender plenamente

aquelas palavras. Olhei para Carla e percebi seus olhos brilhando, já


imersos em lágrimas. Meu coração disparou em meu peito.

— Isso... Isso quer dizer que... que...

Ela apenas movimentou a cabeça em uma confirmação.

E eu mesmo não consegui conter minhas próprias lágrimas.

Levei as mãos à barriga de Carla, ainda lisa sob as roupas. Era

incrível pensar que havia já um pequeno ser sendo gerado ali dentro.

Um filho nosso.

Mais um filho nosso.


Tomei o rosto dela com as mãos, dando um beijo em seus lábios.
Em seguida a abracei, puxando Samuel para junto de nós.

Aquela era a melhor surpresa que eu poderia receber na vida.

-----***-----
Epílogo

Caso qualquer pessoa me perguntasse a respeito da minha vida, eu


diria que ela estava plenamente completa.

Então, nove meses se passaram e nossa pequena Gisele veio ao

mundo, linda e saudável. Então eu percebi que a felicidade plena poderia


transbordar ainda mais.

Desta vez, Noah esteve ao meu lado em todos os momentos. E,

mesmo eu dizendo que não precisava, meus pais fizeram questão de irem
para São Paulo passar os primeiros dias após o parto comigo, ajudando no

que fosse possível e bajulando muito a nova netinha.

Minha história tinha começado sendo um bebê abandonado pelos

pais... passando pela perda da melhor amiga e por uma gestação acreditando
que tinha sido renegada pelo pai do bebê... E agora, lá estava eu, sentindo-

me o ser humano mais cercado de amor que poderia existir na face da terra.

Seis meses depois de Gisele nascer, eu voltava para os palcos,


mantendo uma rotina de viagens para shows apenas aos finais de semana.

Como meu empresário, Noah sempre me acompanhava, e estávamos

sempre que possível levando as crianças conosco.

Como naquela noite, em que fiz uma apresentação em Salvador para

uma plateia de milhares de pessoas. Fui para o camarim após o término da

apresentação e, enquanto tirava a maquiagem do meu rosto, a porta se abriu

e por ela entrou primeiramente Samuel, vindo me abraçar, seguido por

Noah, que trazia Gisele no colo.

— Você arrasou, mamãe! — meu garotinho falou, abraçando-me

com força.

— Arrasou mesmo! — Noah concordou. — E a Gisele aqui

concorda. Ela não parou de sorrir e balançar os bracinhos no ritmo da

música.

Estendi meus braços para que Noah me entregasse a bebê.

— Confesso que estava com saudade dos palcos — confessei. —

Ainda me sinto tão impressionada vendo todas aquelas pessoas cantando as

minhas músicas.
— E pensar que essas músicas passaram tanto tempo escondidas...

— Teriam continuado se não fosse por você.

— Não teriam, não. Você é corajosa. Em algum momento iria


encontrar o seu caminho. Sou muito grato por esse caminho ter passado por

mim e por eu ter reencontrado você e nosso filho, e tidos juntos a nossa

filha.

— Acabei de terminar um show, Noah. Não vai me fazer chorar

agora. Sem mais fortes emoções por hoje.

— Bem... isso é algo que eu não posso garantir.

Ele me surpreendeu ao se ajoelhar diante de mim. Tirou uma

caixinha do bolso e a abriu à minha frente, revelando um anel lindíssimo.

— Meu Deus, Noah... — sussurrei, surpresa.

— Eu não consigo imaginar a minha vida sem você, Carla. Estamos

juntos, moramos, trabalhamos e vivemos juntos. Por que não tornar isso

oficial? Eu já sou o homem mais feliz do mundo com a nossa família. Mas

você tem o poder de aumentar a cada dia mais esse sentimento. Aceita se

casar comigo, para transbordarmos ainda mais de felicidade juntos?

— Sim. Meu Deus, é claro que sim!

Ele tomou os meus lábios em um beijo, em seguida colocando o

anel em meu dedo.


— Você ouviu isso, filho? — Noah falou com Samuel. — Sua mãe

disse sim e nós vamos nos casar!

Nosso garotinho piscou, confuso.

— Mas vocês não são casados?

— É... é como se fôssemos, mas não legalmente.

Eu ri, pensando em como aquele termo ainda não fazia muito

sentido na cabeça de Samuel.

— E o que isso vai mudar? — ele perguntou.

— Bem... — Noah ficou pensativo. E eu ri, compreendendo que

seria difícil explicar aquilo para uma criança. Nós já morávamos juntos e já

éramos uma família, então, para ele, tudo seguiria igual. — Nós vamos ter

uma grande festa.

Samuel sorriu.

— Oba! Adoro festas! Vai ter pizza?

Noah e eu rimos juntos e concordamos com nosso filho que

teríamos em nossa festa de casamento tudo o que ele quisesse. Até mesmo o

Garfield poderia estar presente, caso ele quisesse, já que faríamos a festa

em casa. Mas duvidávamos muito que nosso gato preguiçoso iria querer sair

da cama para transitar em uma aglomeração de seres humanos e música

alta.
Alguns meses depois, o grande dia chegou.

Nosso casamento foi lindo e especial.

Quando trocamos nossos votos, repetimos nossa mais preciosa

promessa.

Que nunca mais iríamos nos perder um do outro.

FIM

-----***-----
Conheça outros livros da autora

Além de Luna Soares, a autora também publica com os pseudônimos


Luciane Rangel e LF Freitas. Conheça seus livros!

LUCIANE RANGEL
(Fantasia e romances YA)

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LF FREITAS
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Soares. Todos disponíveis em e-book na Amazon,
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O CEO Pai Solteiro e a Noiva em Fuga


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Ele é um CEO pai solteiro totalmente dedicado à empresa e à sua filha.

Ela é uma noiva fugindo do altar, e agora será secretária dele.

Danilo é um grande empresário de uma empresa de softwares com origens

humildes. Construiu seu império na pequena cidade onde nasceu e cresceu,

lugar que considerava seu lar. E era lá que pretendia criar sua filha Olívia,

uma adorável garotinha de cinco anos, sem papas na língua.


Até que um dia uma mulher vestida de noiva chega na cidade, fugindo de

seu casamento e virando a vida de Danilo de pernas para o ar.

A jovem misteriosa, que aparentemente vinha de uma família rica,

precisava recomeçar sua vida do zero, e Danilo decide ajudá-la, oferecendo-

lhe uma vaga de secretária em sua empresa. Só que com a convivência,

principalmente conforme Laís vai se apegando à filhinha de Danilo, a

atração dos dois se torna inegável.

Vindos de origens tão opostas e com personalidades tão diferentes, será que

Danilo e Laís, com a ajuda da pequena Olívia, conseguirão superar os

obstáculos que se impõem em seu caminho e encontrarem o seu "felizes

para sempre"?.

Um Clichê com o CEO Viúvo


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O maior sonho da vida dela era viver um romance clichê.

O maior projeto da vida dele era provar que clichês não passavam de uma

grande bobagem
Ele precisava de uma cobaia. E achou que sua inocente secretária era a

melhor pessoa para isso.

Gustavo Riviere era o CEO de um grande grupo editorial. Mas, antes de

qualquer coisa, era um escritor, que, desde a morte de sua esposa, que o

deixou sozinho com uma bebê pequena, não conseguia mais pensar em uma

grande ideia para um novo livro.

Até que um dia, indignado com os números exorbitantes de vendas do selo


de romances da sua editora, decidiu que aquele era um ótimo tema sobre o

qual escrever. Um livro que contasse seu experimento feito com alguma

leitora apaixonada do gênero, em que ele tentaria empregar todos os clichês

mais comuns daquelas histórias com o objetivo de conquistá-la. A cobaia

perfeita logo surgiu em seu caminho: Melissa, sua nova secretária, uma

jovem inocente, sonhadora e apaixonada por romances.

Ele testa com ela todos os tipos de temas e situações clichês, ao mesmo

tempo em que escreve sua obra, que tem certeza de que será um sucesso de

vendas.

Mas ele não contava que, em meio a isso, ele pudesse cair em sua própria

armadilha e, aos poucos, fosse conquistado por Melissa.


A Pequena Herdeira do CEO
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Um CEO viúvo que descobre que tem um bebê perdido pelo mundo.

Uma secretária virgem disposta a tudo para cuidar da sobrinha após a morte

da irmã.

Viúvo há quase dois anos, acabei me permitindo uma noite de sexo sem

compromisso. O problema? A mulher era uma golpista e foi embora pela

manhã, levando minha carteira e meu celular. Um ano depois, recebi um

telefonema dela, contando que havia ficado grávida naquela noite. Eu não

teria acreditado nisso, se não fosse uma foto de um bebê com uma marca de
nascença idêntica à minha. Porém a mulher desligou sem me dar mais

qualquer detalhe, sem deixar pistas de onde estaria junto ao meu filho ou

filha.

Desde esse dia, encontrar o meu bebê tem sido a maior missão da minha

vida.

Poucos meses depois, Amanda aparece em meu caminho, para ocupar a

função de minha secretária. Alegre, atenciosa e comunicativa, ela é o meu


mais completo oposto. Apesar de linda, o que me chamou a atenção, em um

primeiro momento, foi o fato de ela ter uma bebê, que, depois de um tempo

descobri que, na realidade, era sua sobrinha e, supreendentemente, tinha


uma marca igual à da minha filha perdida, o que me fez entrar em uma

busca pela verdade e pelo coração das duas.

As Meninas do Cowboy
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Um cowboy apaixonado pelas suas origens;

Uma moça da cidade grande;

Uma bebê inesperada que irá mostrá-los que eles são mais parecidos do que

poderiam imaginar.

Apesar de ter crescido em uma fazenda, meu pai sempre desejou que eu me

tornasse um homem da cidade. Esta foi a principal causa de nossa briga,

que fez com que eu passasse anos sem vê-lo. Já tinha recomeçado uma vida

de cowboy em outra fazenda quando recebi a notícia de que meu pai e sua
última esposa haviam morrido em um acidente de carro. Agora, eu

precisava voltar para casa para assumir o comando das coisas em meu

antigo lar.

Contudo, o que eu não poderia imaginar era que eu não era o único

herdeiro. Minha madrasta tinha uma filha, Alícia, uma mulher da cidade
grande que trabalhava reformando e revendendo imóveis antigos. Ela queria

a parte da fazenda onde estava a casa onde eu cresci, coisa que eu não

pretendia permitir. Como nenhum dos dois se mostrava disposto a abrir mão

da residência, um acordo foi selado: a casa seria de quem continuasse nela

após a desistência do outro.

Eu estava mais do que decidido a infernizar a vida daquela mulher até que

ela desistisse da casa e fosse embora. O problema era que ela tinha a mesma

intenção.

Havia, entretanto, mais um terceiro herdeiro: a pequena Sara. Meu pai e a


mãe de Alícia tiveram uma filha, uma bebezinha da qual também teríamos

que cuidar, enquanto decidimos sobre o seu e os nossos próprios futuros.

Acordei Noiva do meu Chefe


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Era para ser só uma noite de bebedeira, mas eu acabei na cama com meu
chefe – e noiva dele.

Miguel Marino era o típico homem que poderia ter a mulher que quisesse:

lindo, poderoso, herdeiro milionário de uma empresa de arquitetura


renomada, sexy como o inferno. Só que eu não era o tipo de mulher a me
entregar a sexo casual. Pelo contrário, eu era virgem. Isso até acordar de
ressaca, depois de uma festa, nua ao lado do meu chefe, com uma vaga

lembrança de que até trocamos promessas de noivado.

O que eu não sabia sobre Miguel era que ele tinha uma bebezinha e que
estava lutando pela guarda dela. O fato de termos sido filmados juntos,

bêbados e indo para um quarto de hotel, poderia arruinar sua causa e dar a
vitória de bandeja aos avós da menina.

Tudo o que ele precisava fazer para ganhar a ação era sustentar a imagem
de um homem sério e responsável. Por isso, me fez uma proposta: fingir ser

sua noiva por um tempo, até que as coisas se resolvessem.

Era para ser uma mentirinha de nada, algo inofensivo, mas não contávamos
que o destino daria suas cartas e que o amor entraria em jogo, pronto para

partir nossos corações ou curá-los para sempre.

A Babá do Vizinho Milionário


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Por um pequeno engano e uma troca de nomes, recebi a herança de um


cliente rico do bar no qual eu trabalhava. Só que minha parte nesse
testamento era um apartamento de luxo em um condomínio caro, com todas
as despesas pagas. Infelizmente, o que eu realmente precisava era dinheiro.

Consequentemente, um emprego.

Mas a sorte parecia estar sorrindo para mim, porque meu vizinho milionário

e viúvo – e gato – precisava de uma babá para seu bebezinho. O maior


problema? Eu não tinha a menor experiência no ramo e pior do que isso: o

vizinho gato era um pé no saco. Amargurado, ranzinza e me odiava. Ou


melhor, ele odiava a pessoa que achava que eu era.

No entanto a convivência forçada entre nós acabou me mostrando o quão

bom pai ele era, além de ser um homem completamente diferente de todos
os que eu conhecia. E eu também precisava provar para ele que não era a

mulher sem coração que por acaso tinha o mesmo nome que eu.

Será que o segredo que eu escondia poderia nos levar a um coração partido

ou o amor que fomos desenvolvendo um pelo outro seria capaz de passar


por cima de tudo?

Corações em Jogo
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Tudo ia muito bem na minha vida. Era o bem-sucedido CEO de uma grande

rede de lojas e, apesar de ser um homem bem centrado nos negócios,


também sabia como curtir a vida: festas, noitadas, amigos e mulheres.

Todas eu quisesse ter.

E eu queria todas... até ela aparecer.

Foi por uma aposta que a conheci. Uma briga de egos com meu irmão, que

me provocou dizendo que eu só conquistava garotas por causa do meu


dinheiro.

Eu teria duas semanas para seduzi-la, mas ela não poderia saber quem eu

era; não poderia saber que era rico, muito menos que era seu chefe.

O problema era que eu não esperava que Luíza fosse tão especial e que eu

acabasse me apaixonando por ela e por sua filhinha, Sofia, com quem
precisei fazer um pacto muito engenhoso quando descobriu minha

identidade antes da mãe.

O que era para ser apenas uma aposta, acabou tomando rumos diferentes.
Agora, não era apenas uma conquista que estava em jogo... mas também o

meu coração.
Um Encontro do Destino
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Sinopse: Uma viagem longa de ônibus não era algo que estivesse nos meus
planos. Mas surgiu um compromisso muito importante em outra cidade
distante. Eu poderia ir de avião, mas simplesmente me recusava a entrar em
um.
Sim, era um CEO bem-sucedido, com grana suficiente para ter o meu
próprio jatinho, mas tinha medo de entrar em um avião. Ir de carro seria
uma opção, mas era uma viagem longa e cansativa e, de última hora, não
consegui um motorista disposto a aceitar o trabalho bem nessa época do
ano.
Eu não me importava que esse compromisso fosse no dia 26 de dezembro e
essa viagem significasse que eu passaria o Natal sozinho. Esse já era o meu
padrão. Desde garoto, sempre fui um solitário durante todos os dias do ano,
uma data no calendário não tornava as coisas diferentes.
Contudo, tal viagem trouxe algumas surpresas. Umas ruins, como um
imprevisto na estrada que acabou atrasando tudo ainda mais. Outras, muito
melhores do que eu poderia imaginar, como a jovem Laura e seu bebê
Daniel, que foram minhas companhias no assento ao lado.
Talvez aquele Natal fosse diferente de tudo o que eu já tinha vivido até
então.

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