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COPYRIGHT © 2021 MALU TENÁCIO

TRUST
Série Família Accorsi — 1
2º Edição
Capa: Malu Tenácio
Diagramação: Malu Tenácio

Todos os direitos reservados á autora. É proibido o armazenamento,


reprodução, transmissão ou distribuição não autorizada desta obra, seja total ou
parcial, de qualquer forma ou através de quaisquer meios, tangíveis ou
intangíveis, sem o consentimento da autora. A violão dos direitos autorais é
crime estabelecido na lei nª 9.610/98.
Esta é uma obra de ficcção. Nomes, personagens, lugares e
acontecimentos descritos são produtos da imaginação da autora. Qualquer
semelhança com a realidade é mera coincidência.
SUMÁRIO
PLAYLIST
GLOSSÁRIO
NOTA DA AUTORA
DEDICATÓRIA
PARTE UM | O CASAMENTO
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PARTE DOIS | A GUERRA
Romeu Ivanov
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Epílogo
Agradecimentos
Próximo livro
Escute a playlist da história no Spotify!

Legends Are Made — Sam Tinnesz


Radioactive — Imagine Dragons
Control — Halsey
Sucker for Pain — Lil Wayne
Big Girls Don’t Cry — Fergie
Angels Like You — Miley Cyrus
Game of Survival — Ruelle
Monsters — Ruelle
Joke’s On You — Charlotte Lawrence
I Did Something Bad — Taylor Swift
e mais!

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no meu insta @autoramaluu!
HIERARQUIA DA MÁFIA ACCORSI
CAPO: O “chefe de todos os chefes” dentro da organização.
Responsável por regular e obrigar o cumprimento das regras entre as diversas
famílias.
CONSIGLIERE: Uma posição dentro da estrutura de liderança da
máfia. Braço direito do Capo.
SUBCHEFE: Responsável por determinado território como
representante do Capo. Normalmente, são subchefes de estados dominados pela
organização e cuidam do seu funcionamento.
CAPITÃO: Responsável por uma base e um grupo de soldados em
determinado território.
ASSOCIADOS: Nomes de relevância, associados a organização, sem
necessidade de juramentos. Por favores, contribuem e ajudam. EX: políticos,
empresários, policiais...
SOLDADOS: Categoria mais baixa dentro da organização, responsável
pelo trabalho “sujo”.
LEIS DA ORGANIZAÇÃO
Código de silêncio — Nunca "dedurar" qualquer membro e nunca contar
nenhum segredo da organização. O código de silêncio deverá ser cumprido
mesmo em caso de tortura ou ameaça de morte.
Obediência ao chefe — Obedecer absolutamente todas as ordens do
chefe, não importa quais sejam.
Lei da vingança — Absolutamente todos os ataques aos membros da
família devem ser vingados. "Um ataque contra um é um ataque contra todos.”
Evitar o contato com as autoridades — Denunciar, acusar alguém,
testemunhar. O homem de honra nunca pode voltar-se para o Estado para
resolver um problema. Abrem-se exceções quando são feitos acordos sob ordens
do Capo.
Lei da Disponibilidade — Tem o direito a qualquer momento de estar
disponível a organização.
TERMOS ÚTEIS
MÁFIA: Organização criminosa, inspirada no modo de negócios da
máfia siciliana (a original), que usa métodos inescrupolosos para garantir seus
interesses, domínio e poder em determinadas áreas.
JURAMENTO/INICIAÇÃO: Ao chegar aos dezesseis anos, todo
homem apto deve realizar seu juramento de sangue à organização. Na Accorsi, o
homem jura sua vida sob os seguintes dizeres: “Minha lealdade é seu escudo.
Meu corpo é sua arma. Juro minha vida à organização até que meu sangue
esteja espalhado pela terra e eu não seja nada além de ossos debaixo dela.”
FAMIGLIA: Família. Grupo determinado por laços sanguíneos (ou
não), extremamente unido. Visam a proteção de seu sobrenome e poder, além de
segurança.
HOMEM FEITO: Homem que já realizou seu juramento e serve à
organização.
RATOS: Maneira “carinhosa” do clã Accorsi se referir à máfia russa.
PAKHAN: Chefe da máfia russa. O equivalente deles ao Capo.
Oi, é muito bom te ter aqui! Seja bem-vindo ao universo Accorsi
(apelidado carinhosamente de Accorsiverso). Neste livro, nós adentramos no
cenário da máfia ítalo-americana, trabalhando sob o ponto de vista de Luca
Accorsi e Rebecca Fioderte. Eles “nasceram” em 2016 e ficaram disponíveis no
Wattpad até o início de 2021 e representam a origem de uma série que conta com
seis livros e conta a história de todos os irmãos Accorsi, apresentados à vocês
neste livro.
TRUST é uma história sobre confiança, primeiras vezes e família. E eu
espero que vocês possam terminá-lo sentindo que tudo fez sentido, assim como
eu sinto ao entregá-la pra vocês. O amor de Luca e Beca evolui aos poucos e tem
seus altos e baixos. Não é uma história sobre príncipes encantados e é importante
que tenham isso em mente ao chegar na primeira página.
Vocês vão odiar, vão amar, vão tacar pedra e vão querer defender todos
os personagens em determinados momentos e tá tudo bem. Aqui nós
trabalhamos com liberdade de expressão e você sempre pode vir xingar ou
declarar seu amor à quem quer que seja comigo, lá na minha DM
(@autoramaluu). Ela também está aberta para qualquer dúvida que possa surgir.
Eu espero que vocês se sintam em casa ao conhecer essa família e
encontrem o que estejam procurando.
Boa leitura!
ATENÇÃO: A história a seguir pode conter gatilhos referentes à assédio
sexual, violência, consumo de bebidas e substâncias ilícitas. Não é recomendada
para menores de dezoito anos.
Para todos que me encontraram e continuaram.
Ai de mim! Que o amor, tão gentil na aparência,
tenha de ser tão cruel e tirano na prova!
Romeu e Julieta
DEZANOSATRÁS

Meu pai está de pé sobre o piso emborrachado da academia e na sua mão,


a faca que empunha, está manchada o com meu sangue.
Eu presto atenção no gotejar lento do líquido vermelho e me esforço para
ignorar a dor que aos poucos domina meu corpo. Tenho certeza de que já
existem hematomas sobre a minha pele, exatamente no estilo em que minha mãe
praticamente me implorou para evitar em mais uma tarde de treinos com
Antônio, mas ela deveria saber que isso nunca está sob o meu controle.
Aos nove anos, eu preciso ser sincero.
Muito pouco está.
Mas se quero impressionar meu pai e evitar que a faca que ele segura
esteja cortando minha pele novamente em breve, preciso aprender a controlar
melhor a dor que sinto a ponto de torná-la indiferente e não permitir que ele veja
o quanto me machucou.
Nunca devemos entregar a verdade ao inimigo, é uma das suas lições
mais importantes e a que mais se esforça para fixar em minha mente. Sempre
complementa que muito menos devemos confiar que a verdade os impedirá de
fazer o que pretendem.
Papai não é do tipo que confia. E me mostra todos os dias porque não
devo ser também.
Um Capo sempre precisa estar acima de outros e para isso, precisa estar à
frente de qualquer movimento que poderiam planejar contra eles. Não devemos
ter mais amigos do que cabem em uma mão, muito menos baixar a guarda perto
de qualquer um que fuja do nosso controle.
E nunca devemos parecer fracos.
Por isso, preciso ficar de pé e enfrentá-lo como ele espera que eu o faça.
Nada além disso vai garantir que não haverá mais do meu sangue pingando
sobre o tapete assim que ele perder a paciência.
Varro meus olhos pela sala ampla e observo, parados ao lado dele as
posturas de Bernardino, o Consigliere e Ricardo, meu tio. Mais para trás, perto
dos outros meninos em treinamento, está Estevan Ramirez, um primo distante,
juramentado à Accorsi e responsável pelo treinamento no Galpão. Estamos na
sua área, mas assim que meu pai chegou, ele recuou e abriu caminho para
Antônio, dando todo reconhecimento ao chefe de nossa organização.
Que por mim é chamado de pai.
Enfim dobro meus joelhos, me apoiando em minhas mãos e resgato toda
minha força para ficar de pé. Passo uma das mãos sobre minha barriga, sentindo
um enjoo forte pela batida que me derrubou e a sensação de que minhas tripas
podem cair sobre meus pés a qualquer instante.
O suor escorre pelo meu rosto e minha boca está inchada e
ensanguentada depois de todos os socos que ele me deu, incentivando-me a
revidar. Mas eu sou pequeno demais, fraco demais e covarde demais para ir
contra meu pai.
E ele vai usar isso contra mim até que eu seja o filho que ele precisa que
eu seja. O Capo que ele me cria para ser.
— Levante-se — ordena, a boca repuxando nos cantos, o desprezo que
sente por mim se tornando quase palpável para todos os presentes. Eles riem,
contagiados pela humilhação do filho do chefe ao aprender uma lição. Riem da
crueldade de meu pai e de como estou fodido. Acham graça que eu mal possa
andar. — Levante-se e me enfrente como um homem, Luca.
Quantas vezes escutei minha mãe dizer a ele que eu sou apenas um
garoto?
De nada adiantou.
Nada adianta.
Antônio Accorsi vê apenas o que quer ver e no momento, enxerga em
mim apenas o seu primogênito e o herdeiro do comando de todo seu império. O
homem que vai precisar aguentar muita porrada para chegar em algum lugar se
quiser ser alguém que mereça o mínimo de respeito.
— Ou você não consegue? — murmura, o tom de voz calmo, lento,
medido. Nada que ele fala é por acaso. — É fraco demais? Prefere chamar a
mamãe?
Todos me avaliam enquanto ele fala e eu respiro fundo, pensando no que
me trouxe a isto.
A mania imbecil de querer proteger meus irmãos. Mania que ele repudia
até os ossos.
Mania que não me leva a lugar nenhum, pois, segundo meu pai, na
primeira oportunidade, eles seriam os primeiros a me derrubar.
Todos só se importam com o poder, na visão de Tony. E, bem, ele não
está mentindo.
Mas se eu não puder confiar e me dedicar a proteger minha própria
família, o que me resta?
Em quem além deles poderei confiar?
— Eu posso fazer o que for preciso — respondo, soando idiota com
minha voz de garoto. Meus ossos mal se formaram, tenho bochechas demais e
talvez seja muito mimado em comparação a todos os outros garotos daqui. Mas
nenhum deles é o futuro dessa organização. E de qualquer jeito, terão de servir a
mim eventualmente, sendo mais fraco do que eles ou não.
— Então me ataque — desafia, afundando seus punhos na barriga, me
chamando para a briga. — Bem aqui. E o seu castigo se encerra.
Minha perna lateja pelos chutes que ele deu antes e meus braços pesam.
Sangue escorre de meu ombro em consequência dos golpes de sua faca e acho
que ele amoleceu algum de meus dentes com as porradas.
Mas nada disso vai me impedir de fazer o que ele me desafia a fazer.
Pego mais impulso do que o necessário e urro, correndo em sua direção.
Meus punhos estão fechados na frente do meu rosto e só preciso ser rápido o
suficiente para acertar seu estômago e fazê-lo ver por que não deve duvidar de
mim nunca mais.
Mas ele é alto, forte e tem anos de treinamento na minha frente. Ele
nunca poderia ser atingido por um moleque de nove anos que mal tem força para
andar.
Com sua habilidade elevada e nenhum esforço, ele agarra minha mão
fechada e segura meu braço em seguida. O crack de quando o segura para cima,
imobilizando-o até quebrá-lo, se espalha pela sala de treinamento e eu estou de
joelhos na sua frente no segundo seguinte, com lágrimas deslizando sem inibição
pelo meu rosto.
A dor é insuportável, mas Tony não se importa e apenas grunhe em
desprezo, empurrando-me com o pé para que eu caia de costas no tatame.
Ele solta sua faca e se inclina para baixo, até segurar o braço mole que
acaba de quebrar. Minha boca se abre num grito e vejo meu tio Ricardo dar um
passo à frente — mas ser contido imediatamente pelo consigliere.
— Te admiro pela sua burrice disfarçada de coragem, mas saiba que ela
não vai te levar a lugar nenhum se não a derrota — sopra em meu ouvido. Os
olhos azuis, tão gelados que me traumatizam cada vez mais, me encaram com
intensidade e eu tento segurar as lágrimas ainda mais fortes depois de pensar que
temos o mesmo olhar. Que somos feitos do mesmo material. Da mesma carne.
Do mesmo sangue. — E aprenda que é confiar nas pessoas erradas que te trouxe
para cá.
Sobre meu corpo, o sangue reluz, misturado ao suor, criando uma camada
espessa sobre meu abdômen, que me motiva a continuar socando o rosto do
maldito russo na minha frente até que ele desista e finalmente caia.
Mas ele é duro na queda.
Max, meu primo, está se divertindo com a cena e acende um cigarro,
recostado no canto da sala. Ele não se importa tanto quanto eu em como será o
fim do homem à nossa frente. Se estiver caído aos nosso pés no final e ainda
pudermos pegar umas bebidas para comemorar a sexta, é tudo que conta. Mas
para mim... É pessoal. Eu gosto de esmurrar a cara dos fodidos até que o sangue
esteja escapando de nós dois, concretizando meu desejo mais profundo de fazê-
los sofrer toda vez que têm o azar de me encontrar.
Eu poderia fazer isso o dia inteiro.
— Anda logo com isso, Luca — apressa Max, posicionado ao lado dos
soldados. Minha boca está seca e meus punhos já reclamam dos golpes duros. —
Vamos perder o camarote no Martino.
Ah, é claro. Ele está ansioso pelas putas. O rabo de qualquer uma delas
deve ser uma visão melhor do que essa aqui, mas temos que fazer o que temos
que fazer, certo?
O homem ainda está respirando quando tomo uma pausa e recuo,
limpando o excesso de sangue acumulado em minhas juntas na toalha banca que
um dos soldados me alcança.
— Ele não abriu a boca — reclama. — Por que você ainda insiste?
— Ele estava com uma das nossas, Max. Cruzou os limites. Estou
fazendo ele pagar por isso.
— Tenho certeza de que ele nem mesmo sabe mais quem é… — sopra as
palavras e termina com uma risada quando o homem à nossa frente grunhe de
dor, curvando a cabeça. O cabelo loiro está manchado, as bochechas estouradas e
sua pele está decorada numa mistura de vermelho e roxo.
É, acho que não tenho como ir mais longe do que isso...
Então eu decido terminar com isso. Puxo a semiautomática da cintura e
explodo o que um dia foi alguém e agora não passa de lixo.
O sangue respinga sobre minha camisa e eu amaldiçoo em italiano,
enquanto Max continua rindo, como uma hiena.
— Foda-se, você sabe que isso nunca dá certo — ri e um olhar demorado
meu na sua direção é o suficiente para mostrar a ele o que estou pensando.
— Você quer falar mais um pouco e tentar a sorte na cadeira, Maximus?
— A qualquer hora, primo — devolve, e me acompanha para fora da
sala. Young e Jones, dois soldados, se encarregam de limpar a sujeira. Eu não
preciso mandar que façam seu maldito trabalho, de qualquer jeito — Sabe…
você tem que dar uma acalmada, Luca. Está exagerando. Vai acabar desgastado
assim.
— Eu acho que estou bem do jeito que estou, Max, obrigada —
respondo, terminando de subir os quinze degraus que dividem o subsolo de
torturas do primeiro andar do Galpão.
— Hm… eu penso justamente o contrário — comenta, fazendo a raiva
retomar seu lugar no meu corpo. — E sei o motivo disso. Todos sabem.
Encaro Max uma última vez antes de entrarmos no elevador. Ele me
segue como sempre, acostumado com meus modos e nenhum pouco temeroso
em relação a eles. Sabe, às vezes acho que ele ficou confortável demais ao meu
redor. E não sei que parte de mim é capaz de passá-lo essa confiança.
Talvez a parte dentro de você que nunca levantaria a mão para a única
pessoa a quem confiaria sua vida, Luca.
Ignoro o pensamento e me olho no espelho. Estou manchado de sangue
até os cotovelos, com a camisa branca aberta na altura do peito. A tatuagem da
Accorsi — o A estilizado em meu antebraço — se destaca na pele e eu tento
limpar os respingos de sangue que cobrem minha barba, mas só pioro a situação.
Foda-se.
— Não é um demônio tão grande, Luca… — Max volta a falar e eu o
odeio por isso.
— Não quero falar sobre isso. É tão difícil assim entender?
O elevador para e nós descemos. Meu objetivo é ir até o vestiário e
esfregar o sangue para longe do meu corpo. O dele? Provavelmente apenas me
encher o saco.
— Mas talvez você precise — reforça.
— Você é psicólogo agora?
— Sou seu primo — diz, como se isso fosse resposta para tudo. — E
dependendo do dia, seu melhor amigo — separa os lábios num sorriso divertido
e eu evito olhar para ele, empurrando a porta do vestiário. Tenho uma sala aqui,
assim como ele, mas costumo usar o mesmo lugar dos soldados.
Não somos tão diferentes assim.
Matamos e morremos pela mesma causa.
A Accorsi.
Puxo a camisa para fora e a jogo direto no lixo. Chuto os sapatos, então a
calça e entro numa das baías que divide o chuveiro. Max continua aqui, mas
permanece nos bancos do lado de fora.
Pelo menos ainda tenho direito à alguma privacidade nesse negócio.
— Sabe, as putas não ligam se você tem uma aliança ou não…
— Cala a boca, Max! — grito do chuveiro, para que ele escute.
— Só estou dizendo! Não é como se sua vida inteira fosse mudar por que
o seu pai…
— É a última vez que vou pedir. Cale a porra da boca, Max!
Ele bufa, claramente contrariado, mas não continua. Eu tomo banho,
esfrego o sangue com as mãos e abandono o chuveiro com uma toalha enrolada
na cintura. Max continua sentado e eu vou até meu armário. Uma camiseta preta,
jeans e tênis entram no lugar das roupas sujas e eu estou pronto antes que ele se
levante.
— Tudo bem, se não quer falar do outro assunto, então vamos falar num
menos sensível. — Eu rosno diante do adjetivo que ele escolhe usar. Max não
liga. — Sabe que seu pai não vai gostar de saber do que fez hoje, certo?
— Ele não gosta de nada — resmungo, ajeitando o coldre da arma e a
colocando de volta na minha cintura. A camisa preta cobre o cabo e nós
deixamos o vestiário quando outros soldados chegam. Eles passam por nós dois
de cabeça baixa, como se não existissem. — E desde quando você tem medo do
meu pai?
— Desde que eu me entendo por gente — responde, me acompanhando.
— Ele deu ordens claras para não fazermos nada contra os russos antes de
contatá-lo. E fizemos justamente o contrário.
— Ele preferia que eu deixasse aquele rato se infiltrar nos nossos
negócios? — pergunto com tanta raiva, que poderia jurar que Max assumiu o
lugar do meu pai ao fazer estes questionamentos.
Talvez porque eu veja Tony em quase tudo. Talvez porque ele afete
diretamente todos os dias da minha maldita vida.
— Sabe que ele apenas quer ter o controle disso — Maximus aperta o
botão do térreo. — E que não gosta quando sente que você já é homem o
suficiente para tomar as próprias decisões.
— Eu posso lidar com meu pai, Max, obrigada.
— Puta merda, você vai ficar tenso desse jeito a noite inteira?
Não respondo. Ele prefere ficar em silêncio também. Max sabe que há
momentos em que tenho raiva o suficiente dentro de mim para simplesmente sair
atirando na direção de todo mundo e queimar os outros ao meu redor com isso.
E este é um destes momentos, onde é mais sábio para ele manter-se
calado e distante.

Faz uma semana desde que meu pai me deu a única notícia que ele
poderia dar para me desestabilizar. Era quinta-feira e ele me chamou em seu
escritório. Quando cheguei, ele pediu que eu sentasse, o que ativou meus
alarmes.
Antônio nunca pede que eu faça alguma coisa. Ele manda. E sem
alternativas, eu obedeço.
Naquele dia, ele mal olhou em meus olhos ao dar a notícia e a jogou na
minha direção como se estivesse me fazendo um mero favor.
— Você vai se casar.
E foi isso.
Todo aviso que recebi, todo preparo e toda informação. Antônio
despejou a novidade em cima de mim e observou atentamente minha reação a
ela.
Mais do que treinado, fui perfeitamente capaz de esconder qualquer
aversão a mais nova ordem e mantive a expressão de gelo e a conduta de um
homem feito, como é de costume. A máscara não caiu nenhum centímetro e ele
pareceu satisfeito.
— Com quem? — foi a única coisa que perguntei. Nada mais, nada
menos.
E mesmo assim ele me olhou como se fosse um aborrecimento ter de me
responder.
— Rebecca Fioderte, a filha de Vittorio — bufou. — Obviamente, sabe a
quem me refiro.
Vittorio eu sempre soube quem é. Capo da Cosa Nostra, dono de metade
da Itália, um fodido cruel do caralho, com zero propensão a pena ou acordos
amigáveis com qualquer um.
Mas de sua filha? Nunca ouvi falar.
Rebecca.
Depois daquela reunião, seu nome ficou preso na minha cabeça como
uma maldição. Ecoando e tomando cada canto da minha mente, mergulhada em
ansiedade e irritação, por estar sendo colocado nessa situação. Em determinado
momento da semana, seu nome se tornou fonte de meus novos pesadelos e
representação de algo que eu detesto, mesmo sem nunca ter usado nem a
conhecido.
Mas de qualquer jeito, hoje não quero pensar em seu nome, nem no que
significa o fato de que me casarei com alguém que nunca vi antes mesmo de
completar vinte anos.
Tudo que quero é sentar em um dos camarotes do melhor puteiro da
Accorsi e ter minhas longas horas de trabalho recompensadas com uma língua
experiente e coxas quentes.
Max guia o caminho, se sentindo em casa e nós subimos as escadas
iluminadas do bordel. A música já está estourando, a maioria dos homens lá
embaixo estão bêbados e as garotas mais soltas. Cocaína, MD, metanfetamina e
LSD rodam a todo vapor pelos cantos escuros do clube e eu enxergo cifrões em
todo doido que encontro pelo caminho.
A cada nariz estourado, estamos faturando.
— Aqui, querido. — Uma das garotas, essa com cabelos ruivos e
compridos, indica o sofá e coloca uísques em nossa mesa. Estão do jeito que eu
gosto e um gole é o suficiente para acalmar algumas das partes mais agitadas
dentro de mim. Max sorri para a garota e passa a mão pela cintura dela,
cumprimentando-a com um tapa forte na sua bunda.
Eu desvio e olho para a outra direção, a fim de lhe dar privacidade. Mas
me arrependo no instante seguinte, quando meus olhos encontram os de
Madalena.
Ela já estava vindo em nossa direção e me faz respirar fundo quando se
joga no meu colo. Os cabelos loiros coçam sobre meu rosto e eu sinto seu peso
contra meu pau, o que é reconfortante o suficiente para me fazer ignorar o monte
de chatice que está prestes a escapar da sua boca.
— Me diga, por favor, que o que eu escutei por aí não é verdade e que
eles não estão prestes a colocar uma coleira em você, gatinho!
A prostituta de Mikaela usa uma lingerie branca, que tem pouco contraste
sobre sua pele clara. Os cabelos claros e oxigenados caem ao lado do seu rosto e
eu analiso seus seios fartos, umedecendo meus lábios, motivado com a bela
visão.
— Eu não te chamei aqui, Madalena. — Mesmo afetado pela sua beleza,
sou duro em minha fala e uso o uísque em minha mão para aquecer minha
garganta. Diferente de mim, Max bebe cerveja e parece se divertir com a visita
indesejada da mulher.
— Perdão, Luca, mas eu estive tão ansiosa para saber de você a semana
inteira… — Tentadora, ela ondula seu corpo contra o meu, como se fôssemos
cachorros no cio. — E com esta notícia… — ronrona, se aproximando do meu
ouvido. — Fiquei preocupada que nunca mais fosse te ver, lindo.
Meus olhos ardem quando os coloco sobre seu rosto novamente.
Parcialmente encoberto pela luz intimista do camarote, posso apenas distinguir
as linhas finas das fortes e os seus lábios pintados de vermelho.
— Quem foi que te falou sobre essa merda? — indago, a raiva
começando a fazer morada no meu corpo.
— As meninas estão comentando... — afofa mais a bunda contra meu
colo. — Na verdade, todos estão comentando sobre como você está noivo agora.
Porra.
Eu sabia que era apenas questão de tempo até que chegasse ao grande
círculo, principalmente considerando a quantidade de vezes que meu pai e os
outros homens vem aqui para reuniões e conversas “mais íntimas”.
— Isso não é da conta de nenhuma de vocês — digo em tom de desprezo,
bebendo mais. Minha boca e meu corpo anseiam por todo álcool que eu
conseguir beber para esquecer essa merda. — Mikaela não sabe mais colocar as
putas dela na linha? Eu posso ajudá-la, se vocês não souberem mais onde devem
meter a porra das suas línguas.
Minha ameaça velada faz Madalena retesar-se, sumindo com um pouco
do brilho de seus olhos. Ela mantém o rosto afastado e me encara a certa
distância, tentando decidir se é ou não seguro se aproximar novamente.
Eu altamente recomendaria que não.
— Eu só estou preocupada que uma vadia italiana de sangue azul vá
acabar tendo controle sobre você após ter seu sobrenome, Luca... — Como uma
cadela, Madalena roça contra mim, causando fricção entre meu pau e sua xota. A
calça ajuda, mas ainda posso sentir seu calor e sua vontade de me ter dentro de
seu corpo, apenas para aumentar a ilusão de que sou qualquer merda sua. —
Sabe como isso pode mudar os homens e sabe como eu valorizo o que nós…
Antes que ela termine de falar, fecho sua boca com minha mão.
Segurando-a pelo queixo, faço com que arregale os olhos e me encare
temerosamente. Há medo explícito em seus olhos agora e eu gosto disso.
— Agora, escute, Madalena e escute bem, porque eu nunca mais vou
repetir isso — afirmo, olhando direto para seus olhos. — Primeiro, nenhuma
mulher nunca vai ter controle sobre mim. E muito menos uma puta iludida como
você que não consegue separar seu trabalho dos seus sentimentos e se acha no
direito de se meter na minha vida. Porque o que você está fazendo aqui agora,
tentando me chamar com sua boceta, como uma cadela, é patético. Dê mais
respeito a você mesma e suma, antes que eu te force a fazer isso.
Solto sua boca quando lágrimas irrompem dos seus olhos.
Madalena pula do meu colo e viro meu rosto para o lado, amansando a
fera que acaba de acordar. Preciso de longas bufadas e dois goles de uísque antes
de virar para a frente de novo, apenas para ver sua bunda redonda dando adeus e
enxergar um Max risonho, quase lamurioso, ao ver uma mulher tão bonita indo
embora.
— Precisava? — Ele questiona, me irritando ainda mais.
— Precisava — rosno. — E precisava pra caralho. Quem ela pensa que
é?
— Sua puta de estimação. — Ele diz, indiferente, sacudindo seus
ombros. — E você sabe que a trata diferente, Luca, não seja hipócrita.
— Não sou hipócrita. Sou realista. O que ela dá, todo mundo dá. Mas
você não está me vendo de aliança com qualquer uma delas, não é?
Max engole uma risada e diz:
— Não, mas em breve eu vou te ver, né?
Não penso duas vezes antes de jogar todo líquido do copo em sua cara.
Depois, atiro o copo longe e assisto o vidro se espatifar no chão,
enquanto meu primo ri e esfrega o uísque para longe dos seus olhos, parecendo
revigorado depois do banho. O cabelo loiro está pingando bebida na camisa
vermelha e eu vejo o reflexo de um sorriso, mesmo que ele esteja sujo.
Estou de pé antes que ele consiga formular qualquer frase.
— Você não pode apenas ignorar isso, Luca! — berra, quando já estou
cobrindo os ombros com a jaqueta que trouxe do carro e deixando a área VIP.
Sinto os olhos de todos os presentes me seguirem na direção da saída, inclusive
os de Mikaela Martino, a cafetina que se ilude tanto quanto Madalena — mas
essa tem lá seus motivos —, que parece preocupada com o rombo em suas
previsões financeiras de hoje comigo fora.
— Fica me olhando, então! — berro de volta, mostrando o dedo do meio
para o fodido.
Ele continua rindo.
Na manhã seguinte, encontro Max nos corredores da minha casa, após
ser convocado para a reunião que já esperávamos que fosse acontecer depois do
que fiz ontem. Mas, diferente de mim, meu primo claramente estendeu seu
tempo no puteiro por mais do que uma hora e teve sua dose extra e garantida de
diversão. Posso confirmar isso ao ver que ele usa a mesma roupa e fede a
perfume barato.
— Oi, esquentadinho — cumprimenta e eu o ignoro. Max ri, como
sempre faz. Acho que não há nada no mundo capaz de tirar seu bom humor. Até
apanhar, ele apanha rindo. Quando nota que estou de mal humor, resmunga:
— Que Deus me ajude a conviver com você…
Eu estou prestes a dizer para ele que Deus não deve dar a mínima para
nós dois, quando meu pai abre a porta e interrompe o início do diálogo. Em um
terno cinza de linhas e com o cabelo loiro-escuro do mesmo tom que o meu,
penteado para trás, ele nos recebe com o olhar duro e cauteloso de sempre.
Também temos semelhanças na cor de nossos olhos, no azul-escuro que colore
nossas íris, o que pode ser um pouco incômodo se você pensar sobre.
Eu nasceria mil vezes para não ter de ser parecido em nada com o homem
que senta na poltrona a nossa frente.
Mas essa escolha não está em minhas mãos. E na realidade em que vivo,
somos mais parecidos do que eu gostaria.
— Irão falar ou estão esperando que eu implore? — começa, passando os
olhos sobre nós dois como se fôssemos meninos maltrapilhos implorando por
uma moeda e atrapalhando toda droga do seu dia. — Bem, isso é, se
conseguirem encontrar uma explicação para a merda que fizeram na noite
passada sem o meu consentimento!
O tom de sua voz se eleva gradualmente e ambos endireitamos as
posturas nas poltronas desconfortáveis do seu escritório. Max umedece os lábios
e vejo os dedos nervosos batendo contra sua perna. Aposto que ele adoraria
puxar um cigarro agora, mas isso não é uma opção, a menos que ele queira
perder a mão.
— Uma das nossas garotas estava com um soldado de Romeu Ivanov —
digo, como se ele já não soubesse. A melhor das opções sempre é ser didático.
— Descobrimos e intervimos, em busca de informações que poderiam vir a ser
úteis.
Meu pai ri.
— E conseguiram alguma? — questiona em tom de deboche.
— Não, senhor — respondo, mantendo meu queixo empinado e as mãos
calmas e comportadas sobre o meu colo. — Ele não tinha nada.
— Então vocês só brincaram com um russo fodido na minha base?
— Bem, ele era um russo jurado à Romeu. Não vejo como isso pode ter
sido… — Max fecha a boca antes de terminar quando Tony olha em sua direção.
— Pedi que abrisse a sua boca, Maximus?
— Não, senhor.
— Então por que estou te escutando falar?
Meu primo respira fundo e eu tenho certeza de que ele queria muito um
cigarro agora. Os olhos verdes queimam na direção do nosso Capo e eu entendo
o que se passa dentro de sua mente. É o mesmo que se passa dentro da minha há
anos.
— Sinto muito, senhor. — Se redime e encolhe os ombros, cedendo ao
controle de Antônio. É o que somos obrigados a fazer, no final das contas.
Aceitar e servir às ordens de um maníaco.
— A sessão de tortura resultou em alguma coisa, Luca? — Ele questiona,
me fazendo respirar fundo, com o olhar fixo em seu rosto.
— Não, senhor. — Não falho em dizer, encarando-o do modo como sei
que ele aceita. Sem titubear, quase sem piscar.
Ele me encara de volta, apenas esperando que eu abra alguma brecha
para que me critique. Mas eu cresci e aprendi a encobrir qualquer ressalva, assim
como aprendi a cobrir as cicatrizes de uma vida inteira apanhando por não ser o
melhor.
E para isso, me tornei o melhor.
E nem mesmo ele pode dizer o contrário a isso agora, embora tente de
muitas maneiras.
— Então foi inútil — comenta, coçando o queixo. — Inútil e o suficiente
para colocar a atenção de Romeu sobre todos nós de vez.
— Ele com certeza já estava prestando atenção em todos nós, tio.
Tony encara Max por um segundo e o loiro volta a ficar em silêncio.
— Max não está errado, pai. — A palavra me causa repulsa, mas chama
sua atenção. Ele arqueia a sobrancelha e parece me desafiar a usá-la de novo. Eu
não ouso. — Ele está de volta. Não podemos negar isso. Com toda certeza,
planeja fazer algo contra nós. O seu pai foi…
— Eu sei exatamente o que aconteceu com o pai de Romeu, Luca —
rosna, deixando bem claro a fragilidade do seu ego. Ele sempre tem de sair por
cima — E não preciso que nenhum de vocês dois me expliquem o que Romeu
deve estar querendo na minha cidade. Muito menos que me avisem do que está
acontecendo. Lembrem-se, idiotas, de que Nova York é minha antes de ser
qualquer coisa de vocês dois!
Ambos assentimos, como cachorros treinados. Eu aceitaria o cigarro de
Max agora.
— Mas irei dizer, caso tenha passado despercebido, que o que menos
precisamos neste momento, é da exposição que qualquer briguinha de merda nos
traz nos jornais da cidade.
E dito isso, ele joga um exemplar do Times sobre a mesa de seu
escritório. Eu pego antes de Max e passo os olhos sobre a manchete do dia.
“Confronto entre gangues locais: entenda a posição da polícia em
relação aos tiroteios da última noite.”
— Não somos nenhuma merda de gangue — desprezo e entrego o jornal
à Max. — Podemos ir falar com a polícia, se…
— Tudo que eu menos preciso é que você faça qualquer coisa agora,
Luca — ordena. — O que preciso é que se concentre e siga minhas ordens.
Assim, garantimos que estará pronto quando sua noiva chegar aqui para a
apresentação na semana que vem.
— Semana que vem? — indago, e ele me encara de novo, como uma
inconveniência. — Pensei que…
— Adiantamos as coisas — revela, de mau humor. — Não há por que
esperar tanto para oficializar as coisas. Vittorio tem tanta pressa quanto eu, o que
é bom para todos nós.
Menos para mim.
— Eu…
— Era só isso. — Ele me corta antes que eu possa terminar de falar e
abaixa seu rosto, avaliando outros exemplares de jornal. Max está de pé antes
que ele precise pedir duas vezes, o desespero por um alívio do estresse de estar
na mesma sala que ele quase o consumindo. — Mantenham-se na linha. E pelo
menos finjam alguma maturidade quando a família Fioderte chegar aqui.
Eu não digo nada, muito menos prometo que tentarei. Tudo que faço,
acompanhado de um Max em silêncio, é deixar o escritório e me sentir aliviado
por ter sido liberado com tanta facilidade.

— Por que eu sempre penso que esse cara vai nos matar toda vez que ele
nos chama lá dentro? — Em meio a fumaça do cigarro, Max pergunta, me
fazendo balançar os ombros. Eu acabo de expulsar a mesma fumaça que ele e
por sorte, estamos na área dos fundos da mansão. Minha mãe não suporta fumo.
E eu também não sou o maior fã. Exceto quando é isso ou bater a cabeça
na parede.
— Porque é o que ele gostaria de fazer se tivesse a chance — respondo,
sem apegos emocionais de qualquer espécie ao fato de que meu pai preferia me
ter morto do que pronto para sucedê-lo algum dia. É uma espécie de ódio
inexplicável que corre entre nós dois. Algo que se originou por parte dele, mas
que hoje, corre por ambos os lados e com motivo.
— Sorte que você é o mais velho e as pessoas te conhecem, então. —
Max ironiza e eu respiro fundo, tossindo após tocar a bituca de cigarro longe, na
grama bem-cuidada e verdinha da minha mãe. — E sorte a minha ser seu primo.
— Isso já te salvou de uma boa cota de surras — comento
despretensiosamente e ele ri, me acompanhando para dentro da casa. Alegre,
apoia as mãos nos meus ombros e seguimos para a sala de jantar, onde o café da
manhã ainda deve estar sendo servido.
— Você sabe que sim — pisca e eu o empurro, arrancando outra risada.
Os cabelos loiros, herdados de nossa avó, voam conforme ele se movimenta e
posso ver a mesma agilidade que nossos inimigos também veem toda vez que
nos deparamos nas ruas. Max é o melhor parceiro que eu poderia ter e sei disso,
embora às vezes queira enforcá-lo. — Agora, sem negatividade ou palavrões.
Você sabe que a sua mãe odeia os dois.
— Esta é a minha casa, Max — reforço, porque às vezes ele esquece. —
Eu sei o que posso fazer.
— Se soubesse, era o favorito da tia Rosie. Não eu.
E dizendo isso, ele não tem mais a coragem de ficar por perto e dispara
na frente. Eu o sigo sem correr e entro em seguida na ampla sala de jantar. As
paredes em tom de creme, com papel de parede estampado com o monograma da
família, rodeiam a decoração inspirada na época vitoriana, com móveis
ornamentados em tom de branco, creme e marrom. A mesa é longa o suficiente
para abrigar mais de trinta pessoas e o tampo de vidro reflete o lustre de cristal
que pende do teto.
— Titia!
— Oh, Max, querido… que prazer te receber!
Max se aproxima da minha mãe como se fosse de casa — porque ele é —
e a abraça, bajulando-a até o último fio de cabelo ao beijar sua mão. Eu aceno
para minha mãe e todos os meus irmãos, atentando-me ao que cada um faz.
Lorenzo e Donatella, os gêmeos, nascidos depois de mim, conversam
sobre alguma coisa só deles e não se importam em compartilhar. Leonardo come
em silêncio e tenho certeza de que ele preferia estar em qualquer lugar que não
fosse ao lado de Marcus, o quinto, enquanto ele joga uma partida de alguma
coisa no seu telefone. Amanda, a penúltima, espia a tela dele quando não está
levando colheradas do seu mingau para a boca e o último, Pietro, recebe ajuda da
babá para comer.
O barulho é alto o suficiente para não ser o estilo favorito da minha mãe,
mas ela tenta não se importar tanto. Embora a etiqueta seja obrigatória, não
impede que nos movimentemos ao redor da mesa. Ela não é louca a esse ponto.
— É sempre um prazer chegar a tempo das refeições por aqui, tia. —
Max diz, ocupando a cadeira ao meu lado.
— Puxa saco… — Dona murmura e Max pisca para ela, sem discordar.
Ele é cretino a esse ponto. — Espera ganhar alguma coisa bajulando a nossa
mãe, Max?
— Mais amor do que vocês, já é óbvio que eu recebo, então… é. Nada.
— Você não tem comida em casa, Max? — Leonardo é quem pergunta,
sorrindo para o loiro.
— É que eu gosto muito de vir ver a sua cara todo dia, idiota — responde
e Leonardo arqueia uma das sobrancelhas.
— Por que Max pode falar palavrão na mesa e nós não? — Marcus
questiona, tomando um gole do seu achocolatado. Aos doze anos, ele é grande
para a idade. O cabelo é escuro e os olhos são castanhos, como os da nossa mãe.
Além dele, Amanda também é mais parecida com ela. Leonardo é como uma
mistura, enquanto eu, Lorenzo, Donatella e Pietro, somos mais parecidos com
nosso pai. Eu vejo como um castigo.
— Tenho imunidade diplomática. — Max fala e eu me empenho em
socar seu braço para que cale a boca. — E pare de ser X-9, palhaço. Olha que a
vida cobra, hein…
— Você pode, por favor, ficar quieto?
Max aceita minha sugestão e começa a comer. Eu faço o mesmo e sinto o
olhar de minha mãe sobre mim o tempo todo. Ela está assim desde que a
novidade de que irei me casar saiu. Fica me cuidando, observando, como se eu
não fosse notar.
Eu não gosto do que isso significa, mas deixo que continue.
A paz que reinava por pelo menos quinze minutos entre rodadas de
conversas informais termina, sem surpresa, quando meu pai decide se juntar a
nós e ocupa sua cadeira na ponta da mesa.
— Bom dia, querido. — Mamãe cumprimenta e faz sinal para que a
empregada o ajude a se servir. Café, ovos, bacon, o de sempre. Não é como se
ele ligasse muito para a saúde, ou precisasse, estritamente conectado a funções
de mesa. A última vez que vi meu pai voltando de um confronto, foi na noite em
que Konstantin Ivanov, o pai de Romeu, foi morto pelo meu tio Ricardo.
— Caso Luca ainda não tenha informado, teremos mudanças na agenda
para as próximas semanas — comenta, com os olhos fixos na comida à sua
frente e bem longe do semblante confuso de minha mãe. Eu permaneço neutro,
mastigando um pedaço de fruta por mais tempo do que é necessário.
A raiva, se não dosada e controlada corretamente, pode ser fatal. E eu
gasto muito do meu tempo garantindo que não estarei com as mãos no pescoço
do meu pai a qualquer instante.
— A festa de noivado e apresentação da futura esposa será na semana
que vem — anuncia, como se fosse pouca coisa. Minha mãe empertiga-se,
erguendo os ombros, com a expressão de choque. — Mais especificamente, na
sexta-feira.
— Isso me dá menos de uma semana para organizar tudo, Antônio! —
Rosalind diz, os olhos castanhos e dóceis, bem diferentes do azul metálico do
Capo, expressando sua indignação moderada. — Como eu poderia…
— Não aja como se houvesse qualquer coisa além disso para fazer,
Rosalind. Apenas foque no que é sua obrigação e pare de chororô.
A repreensão não pega nossa mãe de surpresa, nem a maioria de nós, mas
posso ver os olhinhos de Amanda sobre a cena, como se tentasse entender por
que Tony é tão grosseiro com a matriarca. A ignorância da juventude ainda a
mantém cega para muitas coisas, mas eu sei que não vai durar muito até que ela
veja nosso pai por quem ele realmente é.
Um monstro.

OITOANOSATRÁS
Tony arrasta minha mãe pelos cabelos na direção do segundo andar,
enquanto eu seguro Lorenzo e Donatella, que instintivamente, tentaram ir atrás
dos dois. Mas eu sei o que conseguiriam por isso, e não quero que a mão pesada
de Antônio recaia sobre eles.
— Você acha que é melhor do que eu, Rosalind? — Ele berra, subindo
aos tropeços, mal conseguindo conter sua fúria. Mamãe chora, é claro, mas não
faz nada além disso. Os soldados por quem passamos não moveram um dedo
para ajudá-la. Preferem fingir que ela não existe.
Preferem fingir que nenhum de nós existe.
— Luca, nós precisamos ir até lá! — Donatella grita, mais uma vez,
tentando escapar. Ela já é forte aos oito anos e Lorenzo é rápido. A sorte é que eu
sou os dois aos onze anos e consigo mantê-los sentados na minha frente.
Leonardo e Marcus estão com a babá, e se tiverem sorte, já estão dormindo. —
Mamãe está grávida!
— Ele não vai fazer nada contra o bebê, Dona — falo, a voz de uma
criança com o peso de um adulto. Os olhos azuis da minha irmã brilham na
direção do meu rosto com todas as lágrimas que ela se esforça tanto para conter,
sem sucesso. — Ele só vai…
— Bater nela? Espancá-la? — Lorenzo berra, o peso nos ombros é muito
maior do que deveria ser. O cabelo castanho escuro cobre metade dos olhos, mas
sei que devem estar vermelhos. — Não podemos só ficar sentados aqui!
— E não iremos — afirmo, porque em nenhum momento foi minha
decisão ficar aqui. Mas eu preciso que eles fiquem — Eu vou até lá em cima.
Vocês dois, vão ficar aqui e esperar que eu volte.
— Luca, mas…
— Isso é uma ordem, Donatella!
E na voz do irmão mais velho e de futuro Capo, ela entende que não
estou brincando. Eles me respeitam porque sabem que nunca tomaria qualquer
decisão que os arriscasse.
Receosa, contrária a decisão e totalmente desconfiada, ela fica sentada e
eu aceno para Enzo antes de sair correndo atrás dos nossos pais. Pulo os degraus
e estou no segundo andar rápido o suficiente para invadir o quarto dos dois antes
que meu pai possa fechar a porta.
A empurro e encontro minha mãe sentada na cama, as lágrimas cobrindo
seu rosto como um véu. Tony está na sua frente e discursa sobre alguma coisa,
gesticulando furiosamente. Eu vou rápido o suficiente para empurrá-lo antes que
a palma de sua mão encontre o rosto dela novamente e quando ele nota que eu
estou aqui, respira através de uma risada pesada, rancorosa e desprezível.
— O que pensa que está fazendo, moleque?
— Ela não fez nada — digo, arrancando toda força que consigo para não
tremer sobre seu olhar rígido. — Ela está grávida. O bebê…
Amanda.
— Quem você acha que é para me dizer o que devo fazer, Luca?
— O filho dela — falo, cerrando os punhos. — E não vou deixar que
você—
Ele me atinge antes que eu possa falar qualquer outra palavra. O soco é
duro, seco e me derruba, fazendo com que eu me encolha no chão. Mamãe grita
e eu preciso de um segundo para recobrar a consciência, mas vejo ele passando
por cima de mim, indo até ela e…
É.
Fico de pé, mas não rápido o suficiente. O rosto de minha mãe já tem
filetes de sangue escorrendo do nariz, meu sangue ferve e meu pai continua
sacudindo o corpo frágil de Rosalind.
Amanda.
Eu o seguro pela cintura e esgoto minha força para empurrá-lo para
longe. Urro, fazendo mais força do que realmente tenho e meu pai cambaleia,
bêbado como um porco e nojento como um também, para longe.
— Você vai pagar por isso, seu imbecil! — Me jura, mas eu não fico para
escutar o que mais tem a dizer. Que me coloque no porão de torturas de novo,
que me dê uma nova cicatriz.
Foda-se.
— Vamos, mãe! — digo, e a seguro pela mão. Ela é frágil, quase não
pesa, mas ainda não posso segurá-la nos braços. Não sou grande, nem forte o
suficiente para isso.
Mas um dia serei.
E nesse dia, Antônio Accorsi é que deverá ter medo de mim.
— Dois para cima, dois pra baixo! Não é tão difícil, Donatella!
— Diga por você, babaca! O saco é mais alto do que eu e meus seios
impedem que eu me abaixe tão rápido! Você está me dando um exercício feito
para um homem!
— Isso não é problema meu — sorrio, vendo a irritação óbvia no
semblante da minha irmã de dezesseis anos — E nem será do seu inimigo.
Então, se você quer lutar, aprenda a fazer de um jeito que eles não esperam.
Certo?
— Certo, chefe — ironiza, tentando esconder o cansaço atrás do suor e
da respiração ofegante. Lorenzo, parado ao seu lado, ri do esforço da gêmea e sei
que ela vai fazê-lo pagar por isso. Confio em Dona para ser maquiavélica, mas
ainda não confio em Donatella para que saia lutando por aí sozinha, como é de
seu interesse.
Desde que meu pai anunciou a todos que sua filha iria jurar sua vida à
Accorsi, eu sabia que não seria uma boa ideia. E até hoje não consigo entender
de onde a permissão para isso veio, considerando o histórico machista e
extremamente não igualitário de meu pai.
Mas enfim, não é machismo de minha parte, nem a opinião de um macho
opressor. É apenas o que é. Minha irmã é mais leve, mais baixa e mais suscetível
a tipos de perigos com os quais eu e meus irmãos nunca teremos de nos
preocupar em qualquer dia de nossas vidas. Homens no nosso ramo são criativos
quando o assunto é torturar mulheres. E eu nunca quero pensar no que um de
nossos inimigos faria ao colocar as mãos sobre ela, a filha do Capo, a menina
que quer lutar com os meninos. Eles a fariam sangrar e se gabariam disso. E eu
poderia matá-los com meus próprios punhos e não adiantaria de nada. Sua honra
estaria para sempre ferida, assim como a de nossa família.
Por isso que se ela quer sair para combater os idiotas, ela precisa estar
pronta. E eu vou me certificar disso.
— Isso, assim — aprovo o movimento agora e vejo como ela se cansa. A
fadiga começa a aparecer em seus movimentos e para mantê-la alerta, puxo uma
faca. Essa faca, levo até o pescoço de Lorenzo, que estava distraído. Grande
erro. — E se você estiver lutando contra um e outro ameaçar seu irmão, o que
você faz?
Enzo não ousa se mexer. O fio de corte da faca perigosamente perto do
seu pescoço, posso sentir o coração dele bater rápido, como se isso fosse
verdade. Mas o olhar aparenta uma calma que serve para tranquilizar Dona,
embora eu veja seu olhar hiper focado em meus movimentos.
— Eu preciso atingi-lo — diz, mais para si mesma do que para mim.
— Certo.
— Eu só preciso distraí-lo, então Lorenzo poderia sair.
— Sim, mas como você vai fazer isso?
Ela continua parada, em posição de ataque. As mãos pousadas
tranquilamente ao lado do corpo e posso ver a mente ansiosa trabalhando numa
saída.
Então o som de um clique me alerta e eu sorrio, vendo o mesmo sorriso
na face truqueira da minha irmã. Ela achou mesmo que eu ia cometer o mesmo
erro que ela?
Antes que Max, que chega de fininho no treino e que na simulação
escolhe estar do lado dela, possa colocar a arma na minha cabeça, eu me abaixo
e rolo com Lorenzo para o lado. Agora ele está embaixo de mim, de bruços e eu
o mantenho parado com meu pé sobre suas costas. Maximus, que não tem mais a
vantagem da surpresa, nem está longe o suficiente, é puxado por mim, que o
derrubo, após torcer seu braço e derrubar a arma. Rindo, meu primo reconhece
que perdeu quando eu o coloco na minha frente e finjo passar a faca na sua
garganta.
— Agora os dois estão mortos. — Finjo atirar na cabeça de Lorenzo, que
tem uma ótima interpretação de cadáver. Ele coloca a língua para fora e fecha os
olhos. — E você é a próxima.
— Nem todos têm o seu sentido aranha, Luca — ironiza. — Max poderia
derrubá-lo e Lorenzo estaria livre. Não é impossível.
— Você não deve depender dos outros para se safar de uma situação
dessas, Donatella. Nem Lorenzo deveria de você. O certo seria que ele tivesse
puxado a faca e me acertado. Eu iria me surpreender e relaxaria o aperto. Ai,
sim, você entraria, caso ele estivesse ferido.
— Ele cortaria as mãos ao puxar uma faca de você.
— Mas sairia com vida — pisco, e minha irmã revira os olhos. Entendo
que ela ainda não veja as coisas do mesmo jeito que eu, mas não há tempo para
falsos ensinamentos ou treinos em vão. É vida ou morte lá fora, todos os dias. —
Treinem mais separados. É importante que saibam se virar. Ou acham que vão
ficar grudados a vida toda?
Lorenzo e Donatella se entreolham e não dizem nada. Exaustos, se
retiram da academia e Max se aproxima, como sempre, rindo feito um idiota.
— Você parece um carrasco — comenta, mesmo sem ninguém pedir. Ele
usa sua regata de academia e sua como eu, o que indica que deveria estar na
musculação. — Eles são garotos ainda, Luca. E confiam um no outro.
— Esse é o erro — indico e puxo minha garrafa d’água. — Eles sempre
precisam estar atentos se vão sair para missões, Max. E se um for derrubado? E
se um for morto? Vão desistir?
— Ambos são promissores. Só precisam de refinamento. Acalme-se,
cara. Você vai criar rugas de tanto se preocupar.
— São meus irmãos — reforço. — Espera que eu os deixe morrer?
Max não responde e eu não entendo. Mas prefiro não entrar nessa
questão tão cedo assim.
Na verdade, prefiro não entrar nunca.
Sei que não sou o mais presente, muito menos o irmão mais velho dos
sonhos. Qualquer um dos seis escolheria qualquer outro além de mim, sem
sombra de dúvidas. Eu não participo das brincadeiras, não acompanho em festas
e me esquivo o máximo de qualquer roda de conversa, mas faço o que preciso e
o que devo durante minha vida inteira, que é mantê-los seguros e respirando.
Se faltam cicatrizes em Lorenzo e Donatella hoje, é porque elas estão em
mim e não neles. Se Leonardo pode se dedicar a ler o que quiser, sem se
preocupar com o que Antônio quer que ele faça no seu tempo livre, é porque eu
me dedico com horas extras. Se Marcus joga videogames, é porque eu deixo que
ele tenha mais um pouco de diversão antes de precisar se tornar um fodido da
cabeça e introduzo as coisas de maneira leve para ele.
E se Amanda e Pietro podem viver numa casa onde as aparências
enganam, é porque eu me esforço ao máximo para que a podridão não os alcance
enquanto ainda não podem lidar com ela.
É mais do que falar que os amo, mais do que passar tempo juntos. É fazer
o que eu tomo como preocupação e atenção.
E dane-se quem pensa que gosto menos deles por isso.

Não estávamos esperando, mas é como se estivéssemos pela velocidade


com que ficamos prontos quando o telefone toca no final do domingo e nossa
fonte nos confirma a informação que rondava, de que um dos nossos está
misturado com soldados russos e acaba de se encontrar com um no Brooklyn.
Max dirige e eu seleciono uma equipe enxuta para lidar com o rato. Mas
não vamos até ele no bar e o esperamos em sua casa, onde não haverá reforços,
nem chances de ele escapar. Ou problemas com meu pai por matar mais meia
dúzia.
O único problema? Ficar preso num carro com Max esperando até que o
soldado apareça.
— Então é o seguinte: você vai se casar. E não pode escapar disso. O que
nós podemos fazer além de aceitar e fazer desse limão, uma limonada?
Pela quinta vez no dia, eu considero enforcar Max. Minhas mãos até
mesmo coçam em ansiedade para dar fim a boca insuportável do meu primo que
está falando desde que eu entrei no carro.
E falando sobre assuntos que eu preferia ignorar.
— Sabe, Max... Você costumava ser legal antes de ser um filho da puta
chato para cacete!
— É sério, cara. Você está se recusando a ver, está sofrendo o luto da sua
solteirice, mas isso é inútil e tosco. Você vai se casar. E ela chega antes do final
da semana. De que adianta ignorar e fingir que não vai acontecer?
A sua lembrança de que a conhecerei em breve me faz respirar fundo e
fechar os olhos, empurrando a raiva para um canto muito específico da minha
mente.
Qualquer lugar que não aqui.
— Vai dizer isso mais quantas vezes antes de eu afundar a mão na tua
cara? — grunho, cerrando os punhos.
O carro está vazio, a não ser por nós dois, mas temos homens na ponta da
rua, camuflados em um carro semelhante ao nosso. O rádio interno apita no
carro toda vez que há alguma mudança, mas até vermos o alvo chegando, não há
realmente nada que possamos fazer a não ser esperar e eu sou obrigado a
aguentar Max.
Eu deveria considerar começar a fazer missões sozinho.
— Que tal uma lista de prós e contras? — sugere, como se estivéssemos
discutindo a compra de um carro — Eu começo. Um pró: mulher garantida até
quando você precisar de Viagra para levantar o Lucão. Agora você.
— O meu contra vai ser arrebentar a sua cara.
Ele revira os olhos e ajeita as armas em sua cintura para que não
cutuquem sua barriga, despreocupado.
— Então vou eu de novo... Um contra: é uma mulher para o resto da
vida. Mas, é claro, só se você se preocupar em manter seu juramento. — O
palhaço se dá ao trabalho de erguer os dedos, facilitando a contagem. — Mesmo
assim, você tem que pensar que será a sua mulher. Você vai ensiná-la e
conhecerão um ao outro. Pensa na facilidade de nem ter que sair de casa para
transar, Luca?
— Você só pensa em sexo?
— Só quando não estou pensando em sangue. — Ele ri, mas tudo que eu
posso fazer é grunhir em resposta. — Tô brincando, cara! Credo! Outro contra:
você vai envelhecer alguns anos e desenvolver certos traços psicológicos que
podem ser danosos para nossa relação. E a mulher provavelmente vai mandar em
você. Mas ela provavelmente irá me adorar.
— Ninguém vai mandar em mim. — Apenas ter de afirmar isso me
parece ridículo. De repente, é como se eu fosse uma piada para todos.
Eles se esquecem de quem sou, porra? Do que eu faço?
— E certamente precisaremos lidar com o seu nervosismo antes do altar.
Ou você vai dar uma de Hulk lá em cima e matar todos os convidados —
adiciona, soando ainda mais irritante a cada sílaba. Novamente, as palmas de
minhas mãos estão coçando e eu poderia partir meu primo em pedacinhos, só
pelo prazer de fazê-lo. — Fora que você tem cara de que vai ser ciumento… Ih,
porra, daí é problema…
— Max, você poderia, por favor, calar a sua boca? — Minha fala o faz
rir.
Maximus é como uma criança quando quer, mas porra, se esse não for o
meu melhor amigo — fato que o impede de receber uma surra toda vez que abre
a sua boca —, então eu não saberia dizer quem é...
Temos apenas um ano de diferença e ele é o mais novo. Isso está refletido
em sua postura brincalhona e no modo como ele ainda leva a vida numa boa,
embora a esse ponto, ele já tenha visto tanto sangue quanto eu e causado quase o
mesmo número de mortes, o que significa que o bom humor é um traço seu. E
uma coisa da qual ele não desiste, mesmo que eu prefira uma visão mais realista
e menos brincalhona, especialmente referente à assuntos que envolvam a porra
da minha vida.
— Relaxa, Luca! Só quero amenizar o clima. Você está tenso demais essa
semana, cara, e isso não é brincadeira.
Bufo e sem conseguir mais empurrar a frustração para longe, solto:
— Eles chegam essa semana, Max. Sabe o que isso significa?
— Que vai conhecer o amor da sua vida e se apaixonar
instantaneamente?
Eu o repreendo com os olhos.
— Não. Que eu estou fodido.
Ele não discorda.
Um chiado no rádio impede o resto da conversa e escuto Jones, um de
nossos soldados, nos avisando de que John Wyatt, o nosso alvo, acaba de descer
de um carro do outro lado da rua.
Ambos movemos os olhos para a cena e num bairro paupérrimo como
este, é fácil encontrar a BMW da qual o soldado acaba de descer.
— Derruba o motorista — comando antes mesmo de descer do carro.
Max já tem sua arma em punho e acaba de descer, puxando seu capuz para cima.
Eu saco a minha e atravesso a rua assim que um dos soldados estoura o vidro
frontal do carro.
O motorista cai sobre a buzina e alerta John, que aparenta seu desespero
nos olhos grandes e na postura frágil. Iludido, tenta correr, mas Max o pega do
outro lado e o joga de cara contra a cerca de arame, segurando-o pela nuca.
— Oi, gracinha. Vem sempre aqui? — pergunta, sorrindo.
Um pouco de sangue começa a escorrer de um corte em seu queixo.
— Senhor, o que... o que é isso? O que eu fiz?
— A pergunta, na verdade, deveria ser o que você não fez, John —
acaricio o corpo da arma ao me aproximar, medindo sua estatura. John não deve
ter mais de oitenta quilos, mas é alto. Poderia se livrar se fosse esperto, mas o
medo e o respeito que ainda lhe restam, o impedem de nos enfrentar. — Não
cumpriu com teus juramentos. Não honrou a tua palavra. Achou graça em nos
trair, Wyatt? Riu de nos enganar?
— Não, senhor, não senhor, eu nunca...
Max se afasta quando eu pego John pela nuca. Afasto seu rosto do arame
apenas para que possa virar um tapa na sua cara, tornando sua bochecha
vermelha na cor da minha raiva.
— Vai mentir na minha cara, puta?
— Nunca, Luca, eu nunca...
Outro tapa. Tapa de verdade, de mão cheia, que é para doer e deixar
marca. Minha mão abraça o seu rosto inteiro e imagino a humilhação
formigando em seu peito ao ser ridicularizado dessa forma na frente de seus ex-
companheiros.
John era, até este ponto, um soldado Accorsi. Como todos nós, fez seu
juramento. Mas o descumpriu. Trabalhava como segurança em um de nossos
clubes e vazou certos detalhes a inimigos de relevância, o que causou a morte de
duas putas e um capitão, enquanto farreava no andar de cima de um de nossos
bordéis, há uma semana. Isso motivou nossas ações da sexta.
E pela morte do capitão, os soldados dele exigiram respostas e sangue. E
nós, exigimos o mesmo.
— Sabe o que você é a partir de agora, John? — pergunto em meio a
uma risada contida, permitindo que ela chegue aos meus olhos, achando graça de
como o homem se encolhe como uma cadela na nossa frente, tentando cobrir o
rosto com as mãos, implorando que paremos. Eu chuto sua perna e o assisto cair
de cara na calçada, chocando o nariz contra o concreto.
O som é crocante.
Sutilmente, com um sorriso dividindo o rosto, me aproximo do homem e
levanto sua cabeça, colocando a boca perto do seu ouvido. O cheiro metálico do
sangue preenche o espaço ao seu redor e eu gosto de ver a poça que mancha o
colarinho da sua camiseta.
— Você é a nossa cadela.

O Galpão é um prédio de seis andares, definido pela Accorsi como


centro. A maioria das operações ocorre neste espaço, construído no início do
século vinte. As paredes grossas de tijolos reforçados já viram mais tragédias do
que qualquer um de nós e se mantém de pé, abrigando soldados em treinamento,
reuniões executivas e por fim, torturas no subsolo, onde antigamente havia
proteção para a guerra.
A área de torturas é um longo corredor, que conta com mais de seis salas.
As portas são de ferro, pesadas como o inferno, mas muito boas em abafar gritos
e sons de aparelhos, como a serra. Tem chão e paredes lisas, sem reboco. Apenas
uma janelinha com grades, para que os cheiros pútridos não fiquem para sempre
e um ralo, por onde os soldados mandam embora o sangue.
Alocamos John na terceira sala.
Ele está sentado na cadeira desconfortável de madeira, com a cabeça
baixa, apagado desde que Max lhe deu um carinho antes de entrar no carro.
Alguns hematomas já aparecem em sua pele e tiramos sua camisa ao chegar. No
antebraço esquerdo, a tatuagem da Accorsi — um A enrolado nas pontas — reluz
com seu suor, nos lembrando de como ele foi capaz de desrespeitar nossa marca
em sua pele.
— Essa é sua — indico, vendo Max sorrir como um garoto guloso. —
Não posso ficar tanto tempo. Meu pai quer detalhes sobre o que os soldados
encontraram no apartamento. — avalio John a nossa frente e viro o olhar para
ele — Acha que conseguirá alguma coisa?
— Posso conseguir qualquer coisa que ele tiver — acrescenta, girando
uma pequena faca de dois gumes em sua mão — Tudo que encontraram no
apartamento foram recibos controversos. Se John for esperto e quiser uma morte
sem pesadelos, vai nos dar nomes.
— Ele iria ficar satisfeito com isso — falo, pensando no humor de Tony.
Quando as coisas não dão certo ou não são produtivas, ele costuma ficar com
raiva. E a raiva não é boa para nenhum de nós.
— Entro em contato com você assim que tiver alguma coisa — Max
acena e eu me despeço.
Deixo a sala quando ele vira um balde de água gelada sobre John e rio ao
escutar meu primo cumprimentá-lo.
— Hora de acordar, florzinha.

Meu pai está esperando por mim em seu escritório no último andar do
Galpão.
É um espaço amplo, num estilo mais executivo do que o que tem em
casa. As paredes são num tom profundo de cinza e a maior parte dos móveis tem
vidro ou detalhes metálicos. O lugar fede ao seu uísque favorito e a fumaça de
seu charuto, que ele guarda na primeira gaveta abaixo do tampo.
Já roubei muitos com Max.
Entro e o cumprimento de longe, ocupando uma das cadeiras com
estofamento preto, alcançando os papéis encontrados no apartamento para ele no
instante seguinte.
— Diga — fala, meneando a cabeça em minha direção. O gesto é
impaciente e posso sentir, pelas rugas em sua expressão, que não está feliz.
Raramente consegue estar na minha presença.
— Não encontramos muito além de comprovantes de pagamento em
contas no exterior — começo, sendo didático em minhas palavras. Ele não gosta
de enrolações ou detalhes demais. — Não havia números ou quaisquer outros
tipos de informações, mas Max está trabalhando nisso agora mesmo.
— Não havia nada no apartamento do rato? — Seu tom é descrente,
como se o estivesse enganando. Respiro fundo e recomeço.
— Não, pai.
— Quem estava na equipe de busca?
— Daniel Jones comandou a busca com Roger e Jeremiah.
— Eu esperava ao menos uma prova mais concreta, Luca — resmunga.
— Sabe tudo o que posso fazer com o tipo de prova que me traz? Isto.
Sem se importar, ele rasga os papéis e eu tento parecer tão calmo quanto
não me sinto. Tony avalia minha expressão e sei que cuida de cada reflexo, a fim
de apenas um motivo que me coloque em apuros por desafiá-lo. Na verdade, este
é o único motivo para que me provoque tanto: me fazer sair do controle.
Meu pai sabe que sou capaz de entregar o que ele precisa. Sabe que sou
capaz de fazer tudo que a Accorsi pede, mesmo assim, ainda me encara como
uma barata, como se pudesse tripudiar sobre mim, como se fosse melhor, mais
homem e mais chefe do que eu jamais serei. Como se me desafiasse a ir até ele e
pegar a maldita coroa pela qual ele daria a vida.
— John é peixe pequeno — digo. — Sabe que Romeu não...
— Não fale esse nome — rosna, erguendo um dedo na frente do rosto.
Sua expressão endurece como aço e eu passo a língua sobre meus lábios,
mantendo-os fechados. — Romeu não é nosso problema agora e nem mesmo
será nos próximos dias, está me entendendo, Luca? Porque eu não permitirei que
qualquer coisa seja um problema enquanto Vittorio estiver na cidade.
— Prefere ignorar a ameaça? Me desculpe, pai, mas...
— Senhor, Luca. Eu sou seu Capo quando está ao meu serviço, não a
merda do seu papai.
A repreensão me faz morder a língua. Cerro meus punhos e imagino um
universo onde posso usar toda a força pela qual ele me fez treinar e batalhar
desde que era apenas uma criança para esmagar sua cara fodida do caralho.
Uma realidade onde eu não seria enforcado por isso.
— Isso é insensato, Capo — corrijo.
Com um sorriso que entrega a diversão em seus olhos, espalhando-a
sobre mim como veneno, Tony me dispensa:
— Deixe que eu me preocupe com a sensatez, Luca. Preocupe-se apenas
em receber sua futura esposa nos próximos dias. Quem sabe isso você consiga
fazer direito — as palavras, por si só, já são altamente provocativas.
O modo como ele fala não ajuda em nada. Me reduz a um empregado
ineficiente, como se eu desse a mínima para a recepção de qualquer que seja a
imbecil que estão trazendo.
— Está dispensado, soldado.
Mas embora a raiva que está me preenchendo quando fico de pé, ainda
sou seu filho e ainda tenho um juramento responsável por nortear todas as ações
em minha vida. Sou um homem de honra e de palavra acima de tudo e cumprirei
com minhas palavras até o dia em que morrer — ou enquanto elas não se
tornarem minhas inimigas.
Por isso, apenas abaixo minha cabeça e deixo a sala. E junto dela fica
tudo que não pude dizer.
Mas que um dia irei.
A semana passa ligeira e quando a quinta chega, é difícil acreditar que
estou prestes a conhecer minha noiva e que tudo isso não passa mesmo de um
delírio no qual Antônio me colocou como parte de mais um módulo de tortura.
Acordo virado no cão e sigo assim por todo dia. Evito minha família e
seus comentários e ganho algum tempo para mim dentro da academia, onde
posso colocar todos os meus demônios para fora através dos socos disparados no
saco de pancada. A endorfina me ajuda a ficar calmo e quando paro, lá perto das
quatro da tarde, me sinto chapado o suficiente para conseguir fingir ser o bom
garoto que minha noiva provavelmente está esperando conhecer esta noite.
— Sério que você ainda não está pronto? — A pergunta de Maximus
rouba minha atenção da água que tomo desesperadamente e o vejo entrar na
academia de casa, quase tropeçando de tão rápido que anda. O fato dele estar
embalado num terno e com os cabelos penteados pela primeira vez no mês, me
pega de surpresa. — Porra, Luca, não me testa…
— Eles devem chegar às seis. São quatro horas, Max. Qual é o
problema?
— O problema é que a sua mãe está surtando lá embaixo, querendo saber
onde o noivo está! — fala e eu puxo as faixas das mãos. Os olhos dele voam
para cima delas e eu evito olhar para o seu rosto. — E você fodeu com as suas
mãos!
É. Elas estão ruins mesmo. E acho que desloquei o polegar.
— Vão querer avaliar o estado das minhas mãos também? — ironizo,
buscando algum alívio desta situação de merda. Mas não há nenhum. E nem ele
ri. — Foda-se, Max. Irão melhorar depois do banho.
— E que banho você vai ter que tomar, hein, porque você está fedendo
pra caralho — diz, como se alguém tivesse pedido sua opinião. Eu volto a
ignorá-lo e vou fazer o que esperam de mim.
Quando saio do banheiro do meu quarto, encontro meus irmãos postados
na porta, como plantas. A suíte é espaçosa o suficiente para abrigar todos eles,
mas o excesso de vozes ainda assim, me incomoda.
— Estão todos aqui para me ver pelado? Sinto muito decepcionar,
garotos, mas eu sou um homem comprometido a partir de hoje — digo,
decidindo pela melhor cor de gravata. Max está sentado na minha cama,
enquanto Lorenzo, Léo e Mark estão espalhados pelo cômodo.
— Vai se foder, Luca! — O loiro diz, me encarando atravessado. — Já
são cinco horas.
— A mamãe nos mandou para ver se você não tinha fugido — Enzo
deixa claro, cruzando os braços.
— Eu deveria — resmungo, mal-humorado. Vou até o closet e coloco a
cueca preta, depois as calças. As deixo desabotoadas e busco pela camisa branca.
Volto para o quarto e encontro os quatro atirando meus travesseiros. Não há
força em mim para mandar que eles saiam, então ignoro. — Onde está
Donatella?
— Tentando convencer a mamãe a não colocar ela no vestido mais
horroroso que já vimos na vida — Leonardo fala, arrancando risadas de Mark.
Até mesmo Enzo ri — Não sei o que ela espera nos forçando a usar essas coisas
num jantar em casa.
Ele se refere às roupas formais, claramente. Eu já estou acostumado com
elas, assim como os mais velhos, mas pode demorar até que os pirralhos se
acostumem a ter essa merda apertando a noite inteira.
Termino de abotoar a camisa, então faço o mesmo com a calça. Coloco o
casaco, então fecho a gravata. Estar nessa porcaria é útil, quando você precisa
esconder alguns hematomas e todas as cicatrizes que uma dama certamente não
consideraria agradáveis.
— Quer fazer Luca parecer mais domesticado e docinho — Max
comenta, fazendo todos rirem. Eu o detesto por isso. — A única dúvida que resta
é se vai conseguir.
Passo a mão pelo casaco e termino de alinhar as calças. Por fim, o cinto.
Até mesmo ajeito meu cabelo, porque sei que minha mãe quer a todos nós
polidos esta noite, sendo apenas aparências.
É o que ela faz, de qualquer jeito: nos mantém apresentáveis o suficiente
para sermos respeitados pela educação primorosa, costumes de etiqueta seguidos
à risca e beleza fabricada por produtos caros e roupas de primeira linha.
Ela quer esconder a podridão, óbvio.
Mas como ela vive dentro de cada um de nós, é difícil pensar que algum
dia consiga.
— Se ela não for a ragazza mais bonita de toda maldita Itália, eu boto
fogo nessa merda de roupa — defino — E comigo junto.

Às sete em ponto, a família inteira está concentrada no hall da casa. Os


pais de Max — Ricardo e Olívia — chegaram acompanhados dos irmãos dele,
meus primos, Angelina e Giovanni, e a família do Consigliere também está aqui,
em sinal de respeito. Liliana Morelli, a sua filha, praticamente se esforça para
respirar o mesmo ar que eu, o que é irritante. Seu irmão Benito se esforça para
conter a loira.
De qualquer jeito, o avião já pousou e temos informações de que já estão
a caminho, o que causa um pequeno frenesi em minha mãe e me ajuda a ignorar
os olhões da louca concentrados em cima de mim.
Rosalind parece duas vezes mais agitada, enquanto tudo que meu pai faz,
sentado em sua poltrona, é conferir o seu relógio de bolso e trocar algumas
palavras com Ricardo. Angelina, Donatella e Amanda estão paradas ao lado de
minha mãe e tia Olívia também. Estão longe dos homens, como de costume.
Quando o aviso de que os carros passaram pelos portões se espalha, é
hora de ficar de pé. Em passos lentos e quase dolorosos, caminho até o lado de
meu pai, que agora está posicionado na frente da porta, ajeitando as lapelas de
seu terno. Ele fede à charuto e eu mantenho minha expressão neutra, cuidando o
movimento externo da segurança pelas janelas.
Vemos o carro blindado e de vidros escurecidos passar e ele some quando
estaciona na frente da porta. A governanta está posicionada atrás dela, pronta
para abri-la quando for a hora e minha mãe parece viver por este momento,
terminando de organizar todos em fila.
Eu desisto de pensar ou sentir qualquer coisa quando ela fica ao lado de
meu pai, alisando a saia de seu vestido. Ainda assim, sinto o mesmo cheiro de
pavor e agonia que um condenado provavelmente sentiria no caminho da
guilhotina. Eu pressiono os lábios, mantendo minha pressão controlada, evitando
qualquer pensamento relacionado a expectativas em relação a minha futura
esposa — minha mulher.
A única a partir de hoje.
Os pensamentos estão embaralhados e eu abro os olhos, torcendo que
seja o que Deus quiser. O turbilhão só diminui e se afasta, permitindo que eu
enxergue com clareza, quando é substituído pelo silêncio da antecipação de um
grande acontecimento e pela surpresa que atinge todos nós quando as portas da
mansão se abrem e Bernardino entra acompanhado dela.
Rebecca.
A vida inteira eu me mantive calada. Como uma estátua, uma múmia ou
um acessório. Pergunte por onde quiser sobre Rebecca Fioderte e sempre terá a
mesma resposta.
Uma ótima menina.
Um doce de garota.
A melhor filha que Vittorio Fioderte poderia ter.
Porque esse sempre foi o objetivo.
Quando eu tinha seis anos, minha mãe me deu a lição que carrego até
hoje e que guia todos os meus passos desde então.
A de que o silêncio é sempre a melhor resposta.
Do modo como ela falou, foi fácil entender a que se referia. Eu tinha
acabado de responder ao meu pai, coisa que nunca mais fiz depois daquele dia,
porque entendi que era errado ter opinião e expressá-la de qualquer forma que
fosse, principalmente se fosse contrária ao que os homens dissessem.
Criadas para servir, obedecer e agradar, nada mais. Eu e minhas irmãs
fomos moldadas ao bel prazer de Vittorio e assim seguimos até hoje,
enquadradas nos parâmetros da Cosa Nostra, sem voz, vontades ou qualquer
liberdade.
Mas hoje, eu realmente gostaria de poder despejar, sem culpa, todas as
opiniões que tenho sobre o homem sentado do outro lado da mesa, que acaba de
me dar a notícia que sempre esperei — do mesmo jeito que temi — e derrubou
de vez a ilusão que toda menina cria para se proteger da realidade suja e obscura
que nos ameaça a cada passo dentro deste universo podre em que vivemos.
A notícia de que irei me casar.
É claro que sim, você deve estar pensando, é para isso que você foi
criada.
Mas, perdão, não podem me julgar por ter esperança de que fosse ser
diferente. De que eu não teria de ser vendida como uma mercadoria, de que meu
pai teria senso e razão e me manteria livre, me deixaria ter minhas próprias
escolhas. Ele tem poder o suficiente — sempre teve — para fazer exatamente o
que quiser.
Para quê mais? Para que nos vender dessa forma nojenta e descarada?
É simples.
Porque ele pode.
E porque poder nunca é demais para homens como ele.
Com isto em mente, à noite, depois da notícia, eu mantenho a expressão
neutra, mesmo quando ele decide compartilhar a novidade com o resto da nossa
família.
Meu irmão faz diferente de mim, é claro.
Porque ele pode.
Ele pergunta, refuta e tenta entender por que isso está acontecendo. Eu,
treinada para agradar, tento ajudá-lo a se acalmar, dizendo que está tudo bem. De
que ficarei bem. De que papai sabe o que faz.
Mas a verdade é que ele não sabe. A verdade é que nenhum homem
jamais saberá como é ser vendida por mais poder, ser usada como um objeto e
descartável como um saco plástico.
Ninguém poderia se colocar em meus pés, além das outras mulheres
nesta casa. Bianca e Petra, minhas irmãs, ainda não tiveram a experiência, mas
eu esperava que minha mãe me entendesse. Me acolhesse.
Mas ela não o faz.
É tão mecânica quanto meu pai ao saber de tudo e me abraça, dando
parabéns, como se fosse uma ótima notícia, quase uma benção. É a conclusão da
missão de sua vida comigo, afinal, me entregar em matrimônio a um bom
partido, me empurrando para viver minha própria vida e ganhar menos uma
preocupação em sua vida.
E é isso.
Você não é mais filha do que produto quando tem mais valor para sua
família longe. Você é apenas… uma conveniência.
Pelo menos nos Fiodertes, é assim.
Você é o que você vale.
E não há qualquer afago quando tudo que você precisa é chorar.

Eu imagino que meu pai tenha me contado sobre a novidade apenas um


mês antes de embarcarmos para os Estados Unidos para encontrar o meu futuro
marido, por precaução.
E com toda certeza, foi esperto de sua parte. Eu não poderia planejar uma
fuga quando mal assimilei a novidade, certo?
Mas eu posso, querendo ou não, embarcar num avião que vai em direção
a Nova York. A cidade da família Accorsi.
A cidade do meu futuro esposo.
Durante o mês, eu não procurei conseguir qualquer novidade em relação
à aonde iríamos, ou a quem eu iria ser entregue, mas Matteo, meu irmão mais
velho, teve sucesso em conseguir detalhes com os quais não me preocupei,
como, por exemplo, a que organização o garoto pertence, quem é seu pai e a
principal de todas: quem é ele?
Foi numa madrugada que ele me contou sobre Luca Accorsi e pela sua
expressão retraída, omitiu muito de sua fama. Foi como se ele tivesse indigestão
enquanto me explicava sobre o domínio, localização e detalhes conhecidos
acerca do primogênito de Antônio Accorsi.
Do futuro Capo de Nova York.
Nunca me imaginei sendo esposa de um mero soldado, mas saber que
estou destinada a me casar com o maior chefe de todos, dentro de uma
organização tão reconhecida e grande quanto a Accorsi, dona da cidade mais
famosa do mundo, é algo…
Inesperado.
Ainda mais quando eu acabo de vê-la de cima, com todos os arranha-
céus, táxis e pessoas. Me senti menor do que nunca ao vê-la pela janelinha do
avião e ao me imaginar no meio dessa loucura. Filmes e séries foram minha
referência durante toda vida, mas agora eu estou aqui...
E me sinto ainda menor quando meus dois pés estão fincados em solo
americano, depois de descermos do avião particular, respirando o ar estrangeiro
e procurando pelas diferenças presentes em nosso caminho até a sala reservada
do aeroporto.
— Dizem que existem restaurantes maravilhosos por aqui — Petra fala,
animada como apenas uma adolescente de quatorze anos poderia estar numa
situação como essa. Bianca, com dezesseis, está mais séria, levando a situação
como eu a encaro no auge dos meus dezessete anos. Temos muito em comum. —
Nona nos recomendou alguns. Talvez papai nos deixe ir.
— É claro, Pi — digo, tentando não diminuir a pouca animação que Petra
ainda é capaz de demonstrar. Esse mundo já tira tanto dela todos os dias, eu não
quero fazer o mesmo.
— Você já esteve aqui, Matteo? — Petra indaga, chamando a atenção do
nosso irmão mais velho. Mais alto que qualquer uma de nós, ele anda logo atrás
de nosso pai, mas para e presta atenção no que dizemos, como sempre fez.
Ele nos valoriza e se importa com nossas opiniões.
— Algumas vezes com o pai ao longo dos anos, sim — diz, num italiano
que faz carinho nos meus ouvidos. Há algumas vozes falando em inglês no
fundo, quando entramos no aeroporto e isso me causa certo estranhamento. —
Não é tudo o que dizem.
— Me parece espetacular até agora… — Petra volta a dizer, encantada
com tudo ao nosso redor.
Então mamãe manda que nos apressemos e todo encanto é escondido por
uma máscara de formalidade quando encontramos uma verdadeira comitiva à
nossa espera.
Há mais de dez homens posicionados no meio da sala VIP, todos em
uniformes iguais, o que indica que devem ser da segurança. E na frente deles,
um homem se destaca, pela roupa mais fina, o terno mais bem trabalhado e
engomado, os cabelos grisalhos e a altura, além da imponência natural que seu
caminhar impõe sobre todos os outros, fazendo-o se destacar.
— Bernardino, que bom revê-lo. — Vittorio é quem diz, apertando a mão
do homem à sua frente. Um Capo nunca nos receberia fora de sua casa, então
imagino que seja seu braço direito, o Consigliere, responsável pela maioria dos
compromissos oficiais. O de meu pai é Lourenço Bellucci, que ficou em casa
cuidando dos assuntos da organização enquanto estamos aqui.
— Eu digo o mesmo, Vittorio. — Como dois parceiros de negócios, eles
acenam um para o outro e se afastam. Noto a postura comedida do representante
americano e estudo a expressão de seus soldados. Matteo, ao meu lado, assume a
postura de homem sério e noto o modo protetor como se coloca entre nós três e
eles. — Bem-vindos a nossa cidade! É um prazer recebê-los em nossa casa.
Seu sorriso passeia por cima de nós seis, mas eu sinto em meu estômago
quando ele pousa sobre mim. Ele sabe quem eu sou, obviamente. E como todos
os outros, parece avaliar minhas qualidades e defeitos baseado no modo como
me apresento hoje.
Em um vestido escolhido pela minha mãe, num tom de rosa chá, com
mangas compridas e saia até os joelhos, pareço a versão atual de Jackie Kennedy
no dia em que seu marido foi assassinado. Uma mulher perfeita prestes a ter um
banho de sangue.
Bernardino nos guia em direção aos carros e eu agradeço ao meu irmão
quando oferece a mão para que entremos na caminhonete reforçada e protegida.
Vamos em um, enquanto nossos pais vão em outro, e nossa segurança se divide
em mais alguns na nossa cola. Olhos nas ruas se viram quando passamos e me
pergunto se eles se questionam quem de importante deve estar na cidade ou se
sabem que é melhor apenas continuar andando.
Eu correria, se fosse eles.
— Uau… os prédios são tão altos! — Bianca diz, se rendendo à
imensidão dos arranha-céus. Realmente, não há cidade tão movimentada quanto
essa. Tão metropolitana, cinzenta e rápida. Tudo parece estar acontecendo muito
rápido conforme passamos pelas ruas e todos estão vivendo.
A cidade que nunca dorme, é o que dizem.
O caminho é demorado perto do que eu esperava que fosse e quando o
carro para em frente a um portão de ferro escuro, entendo que chegamos. Meu
corpo inteiro treme em expectativa, mas me mantenho imóvel e concentrada em
não desmaiar ou permitir que minha respiração saia do ritmo.
Matteo tem os olhos em cima de mim com o dobro de atenção agora.
Enfim, o carro para de vez e o motorista americano o desliga. Desce
antes que eu possa registrar os arredores e está do lado de fora, oferecendo a mão
para minhas irmãs mais novas. Matteo sai antes de mim e me ajuda a descer,
sempre antecipando meus passos. Ele segura minha mão tão forte que olho para
o seu rosto e não encontro nada além de uma raiva dormente que me diz que isso
é tudo que ele não queria.
E eu me pergunto do que tem tanto medo.
— Vai ficar tudo bem — digo, mais para mim do que para ele.
Entrelaçamos nossos braços e assim que papai e mamãe descem da SUV, os
seguimos para dentro da mansão que se ergue à nossa frente.
Com paredes num tom de creme, a arquitetura remete a Espanha, mas
também é fácil reconhecer os detalhes italianos nas telhas escuras. Há colunas
sustentando a fachada frontal e uma quantidade enorme de janelas, tão limpas
quanto a água mais pura de todas. Imagino que alguém tenha feito questão de
mantê-los assim hoje.
Na frente, há uma fonte oval, com dois anjos no topo, borrifando água
para cima. Nas laterais, do caminho do portão de ferro até aqui, há arbustos dos
mais variados tipos, a maioria em tons vivos de verde. É de encher os olhos.
— A nossa é maior... — Com gosto, Petra cantarola, cheia de orgulho e
pompa. Eu me permito rir, mesmo com a tensão preenchendo cada célula em
meu corpo.
Bernardino guia o caminho e logo estamos subindo os degraus da
mansão. No foyer, mal falamos e quando a porta é aberta por uma senhora de
cabelos bem pintados e sorriso educado, engulo todo meu nervosismo, endireito
a postura e coloco a máscara fria que me permite ser a menina que sempre
esperam.
— Está tudo bem, Beca? — O italiano de Bia, ao segurar minha mão, fez
carícias em meu peito. — Parece pálida, irmã.
Porque estou sentindo que vou morrer, tenho vontade de responder. Mas
seguro. Seguro muito, a ponto de criar um bolo de lágrimas na garganta,
meneando a cabeça em sua direção. Minha mãe, notando a movimentação, se
aproxima e passa as mãos sobre meus ombros.
Eu preferia que uma bomba explodisse lá dentro e nos impedisse de ter
que conhecer a família Accorsi.
Gostaria de poder fugir.
Numa educação exemplar, a governanta cumprimenta a todos e pega
nossos casacos. A casa está aquecida.
Depois disso, o Consigliere nos guia em direção ao hall principal,
conectado à entrada. Somos muitos, caminhando ao mesmo tempo e eu tento
notar algo da decoração que me ajude, mantendo meu foco, mas é tudo inútil e
impulsivamente, aperto a mão de Bianca, que me oferece um sorriso. Só consigo
registrar o quão luxuoso é o espaço e como dinheiro não deve ser problema.
Caminhamos apenas mais um pouco até que meus olhos pousem sobre
outro número expressivo e impressionante de pessoas.
Os Accorsis.
Meus olhos correm do início ao final da família. Conto, de primeira, dez
pessoas, mas não tenho certeza.
Tenho certeza de muito pouco agora.
Um homem de aparência mais velha e autoritária do que todos os outros,
é o primeiro. Pelo sorriso satisfeito entre os lábios finos, chuto que seja o Capo.
Dono de um cabelo loiro-escuro um pouco marcado por linhas brancas, tem um
rosto duro e boca fina. Os olhos são num tom denso de azul e eu perco um
minuto avaliando sua postura exemplar, coberta por um terno de linhas brancas
que abraça perfeitamente seu corpo.
Ele se aproxima de meu pai, que lidera nosso grupo e aperta sua mão
com vigor.
— Bem-vindos! — O seu Capo — quem eu sei chamar Antônio — diz.
Meus olhos voam para cima do menino mais novo dentre vários, que está
no colo de uma babá. Ele bate palmas e sorri, sendo dono de belos cabelos
loiros, cujos cachos travessos tentam roubar espaço no gel que provavelmente
passaram. Imagino que sua mãe seja a mulher que encabeça a fileira, alta e
imponente como apenas uma primeira-dama poderia ser, exibindo orgulho e boa
educação ao se aproximar de minha mãe, cumprimentando-a de igual para igual.
— Que família de peso você tem, Tony! — Meu pai fala, sendo mais
simpático do que já o vi sendo a vida inteira. — Me sinto até pequeno com meus
míseros quatro filhos em comparação aos seus.
E de fato, existem muitos jovens ali. Tantos, que não posso encará-los,
pois sinto que todos os olhos estão sobre mim e por causa disso, não consigo
descobrir quem é Luca sem ser vítima de um colapso.
Mantenho o olhar baixo e evito pensar em toda atenção que
provavelmente recebo. Será que sabem que sou eu? Ou pensam que pode ser
qualquer uma de nós três?
— O que eu posso dizer? Nunca jogo se não for para acertar, Vittorio! —
Sua fala alta e a risada que acompanha em seguida parecem deixar todas as
mulheres na sala desconfortáveis. Mas as esposas, polidas para esse tipo de
situação, apenas riem em conjunto com os maridos.
Os olhos de Tony se viram para cima de minha mãe e ela se empolga,
sorrindo para o homem.
— Está lindíssima essa noite, Verônica!
Mamãe sorri ao receber um beijo demorado nas costas de sua mão,
agradecendo o elogio. Papai não demonstra qualquer problema contra isso.
— E agora, onde está minha futura nora?
O chamado me faz dar um pequeno pulo de susto. Os olhos azuis, e frios
de uma maneira quase congelante, rapidamente vem para cima de mim e eu sinto
o leve empurrão de Bianca em minhas costas, me colocando em destaque. É
como ter um maldito holofote sobre minha cabeça.
Todos olham para mim.
— Aproxime-se, mia cara — papai pede e eu, num pequeno rompante de
coragem, me aproximo dele no centro das movimentações. Tony parece me
avaliar de cima a baixo e eu me arrepio conforme seus olhos passam sobre
minha pele, como se considerasse minhas medidas e atributos. Mas faço esforço
para não me encolher.
— Esta é Rebecca. Minha filha mais velha.
Os olhos de Tony parecem ver muito além da filha de alguém e com
alegria, comemora:
— Per Dio, se parece muito com uma miragem! És lindíssima, Rebecca!
Você será uma grata adição a esta família e... — Tão embasbacado que rouba
qualquer reação minha, ele se vira, sinalizando na direção do primeiro da fila. O
que tem o olhar mais duro, o que mal pisca. — Acho que você tirou a sorte
grande, Luca.
Quando todas as risadinhas da fileira dele, lotada de meninos que
parecem ter problemas com a etiqueta, se voltam para a direção de um só — o
único que não parece ver graça —, eu descubro com certeza, quem é o meu
noivo.
Por um breve segundo, nem mesmo estudo sua expressão ou o corpo
forte que vejo marcado por baixo do terno. Nossos olhares se encontram e
sustentamos um ao outro, como se estivéssemos trocando o primeiro olá por ali.
Há uma mudança palpável no ar da sala, principalmente para mim e tenho a
sensação de estar sendo puxada em direção ao chão, pela pressão que seus olhos
fazem sobre minha pele, analisando cada canto em meu corpo.
Diferente de como me sinto, não parece haver um pingo de angústia ou
nervosismo na expressão de ferro do rapaz, que tem cabelos num tom escuro de
loiro, semelhantes aos do pai. Os olhos brilham e é fácil reconhecer que possui o
mesmo tom de azul do Capo também. A mandíbula é bem-marcada, o que lhe
atribui ainda mais seriedade, em conjunto com os ombros largos e os braços
cheios, provavelmente torneados, indicando que cuida bem do corpo.
Se parece mais com um príncipe, do que um mafioso, em um terno bem
passado e escuro, de gravata vermelha, mas eu posso sentir o perigo que o
envolve.
— Olá — digo num supetão, reunindo toda coragem que ele não
conseguiu drenar de mim.
Então, quando abre um sorriso curvo do outro lado da sala, posso ver os
olhos de Luca brilharem quando ele responde, de maneira quase inocente:
— Olá.
Estou aliviado. Dentro de mim, não há nada além desse sentimento
arrebatador e eu tenho até mesmo vontade de sorrir por um instante ao
reconhecer a presença e existência de Rebecca Fioderte, minha futura esposa.
Ela tem curvas para dar e vender e uma pele que aveludada e delicada,
como tudo que quero tocar, mesmo de longe. Os cabelos são num tom profundo
de chocolate e os lábios são grandes, como se estivessem inchados. Até mesmo
suas pernas são boas de observar.
Seu corpo suculento é notável mesmo debaixo do vestido rosa que sua
mãe, provavelmente, tentou colocar para que ela parecesse mais menina e menos
mulher, sabe-se lá qual o sentido que exista nisso. Porque aqui, para mim, ela se
apresenta como futura esposa, não como sua criança.
E eu gostaria muito de ver o que estou recebendo usando o menor
número de peças possíveis. E em vermelho.
Ah, ela deve ficar fantástica de vermelho.
A bebida esquenta em minha mão, pois não consigo tirar os olhos das
sardas tímidas que se espalham na área do seu nariz, salpicadas e tão fracas que é
como se mal existissem. Elas só aumentam o charme e a transformam na
miragem que meu pai anunciou.
Nunca havia visto graça em algo tão puro quanto isso antes. A sujeira me
atrai em todos os cantos, mas não nela. Duvido que haja um pingo de escuridão
dentro dessa garota e isso é...
— Luca?
O chamado pelo meu nome vindo de uma voz que não reconheço me faz
tirar os olhos de Rebecca pela primeira vez desde que ela e sua família
chegaram. Pisco para longe e me deparo com um dos integrantes do clã Fioderte
se aproximando.
— Matteo Fioderte. Sou o irmão mais velho de Rebecca.
Automaticamente, o avalio como se fosse me atacar. É o que todo
homem deve fazer quando aperta a mão do inimigo. É alto, e muito parecido
com a irmã nos traços faciais. Dividem os mesmos olhos castanhos num tom de
chocolate e a boca desenhada, embora a dele esteja adornada com um ou dois
cortes em processo de cicatrização. Seu cabelo é cortado rente à cabeça e pelas
mãos pesadas, tem experiência com armas que necessitam de um manejo mais
bruto.
— Luca Accorsi — Me apresento.
— Bom conhecê-lo — diz cada palavra como se fosse calculada —
Espero que não tenhamos problemas. Entregarei minha irmã a você em breve. E
gostaria de confiar na pessoa que se casará com ela.
Protetor. Bom. Quer dizer que reconhece o valor da menina do outro lado
da sala e que também reconhece quem sou e meu potencial infinito de
destruição.
Mas quem iria querer destruir algo tão bonito?
Só um cara muito fodido da cabeça…
— Não se preocupe, Matteo. Sou o melhor que sua irmã poderia
arranjar.
Eu sorrio para sua expressão dura e peço uma reposição de uísque ao
garçom que passa. Aproveito o intervalo da conversa para passar os olhos sobre
a sala de novo, encarando Rebecca. Penso em que momento permitirão que nos
cumprimentemos da maneira certa. Gostaria de conhecê-la. Ouvir sua voz.
Descobrir quem ela é.
Ok, admito. Talvez esteja tendo pensamentos apressados demais para o
que a noite pede. Mas podem me culpar?
Não estou acostumado a esperar.
— Assim espero — Matteo acrescenta, aceitando o copo de Bourbon que
o garçom traz. Infelizmente, não posso lhe dar atenção, pois meus olhos estão
em um único lugar e não é na carranca suspeita de Matteo Fioderte. Ele que
engasgue com suas opiniões sobre mim
Agora estou admirando o rosto angelical de sua bela irmã.
— Sabe, você é bem melhor do que pensamos que seria! — A loira
sorridente chamada Angelina, que se apresentou para mim há cerca de quinze
minutos, diz, tocando meu ombro. Ao seu lado, a moça que se apresentou como
irmã de Luca, Donatella Accorsi, concorda, balançando a cabeça. Os olhos dela
são similares aos do irmão e do pai, mas são mais claros. — Pensamos que Deus
talvez fosse castigar Luca com uma garota horrenda. Mas vemos que até ele tem
apreço pelos maus meninos, certo?
Solto uma breve risada para acompanhar o olhar animado da menina e
ela engata em outro assunto, como uma máquina de conversa. Não me sinto
analisada em nenhum segundo — embora eu saiba que estou sendo — e consigo
manter o assunto rolando. Ela quer saber onde nasci, estudei e cresci, e eu faço
as mesmas perguntas, descobrindo que as duas nunca saíram de Nova York para
tudo. Diferente delas, que estudam em casa — ambas menores de idade, como
eu —, fui educada em um internato católico e com alguns pauzinhos mexidos
por Vittorio, pude me formar um ano antes.
Pensando bem, faz sentido que ele tenha adiantado as coisas. Me casar já
deveria ser um plano seu de longa data.
— Você também é muito bonita, Angelina — digo, quando mais uma
vez, ela elogia meu vestido, que perde em muitos aspectos em comparação ao
que ela veste.
Em um vestido preto, justo de um modo que eu notei chocar minha mãe
quando se aproximou, Angelina parece exalar confiança, assim como Donatella.
E não parecem se importar em nada pelo fato de termos a maioria dos olhares
sobre nossas costas, atentos a nossa conversa.
Principalmente o de Luca.
Ele me encara sem pausas ou disfarces desde que nossos olhares se
cruzaram no salão. Não há nenhum pudor no modo descarado como me observa
do outro lado da sala de estar, nem mesmo quando meu irmão se aproxima,
puxando assunto.
E embora eu me encolha toda vez que sinto a pressão de seu olhar sobre
mim, não posso negar que entendo a curiosidade.
Sinto o mesmo por ele.
Só que busco sanar minhas perguntas de modo discreto, observando-o em
momentos de desatenção. Luca é disputado no salão, sendo cumprimentado por
meus pais e por minhas irmãs, que diferente de mim, não parecem se intimidar
totalmente pelo modo seguro como ele se movimenta.
É como se ele soubesse o efeito certo a ser causado em cada um. Escuto
meu pai rir de algo que ele diz e tenho certeza disso.
Ele é intimidante com toda essa autoconfiança.
— E quantos anos você tem? — Donatella pergunta, puxando minha
atenção de volta do seu irmão.
— Dezessete.
Ela reage à minha idade com um olhar de quase pânico. Angelina precisa
tocar seu braço e eu sorrio, fingindo não ter visto a movimentação.
Donatella se apressa em desculpar-se, voltando do transe:
— Você é tão nova — fala, exibindo um sorriso apreensivo entre os
dentes branquíssimos. — Isso é...
Ela, infelizmente, não pode terminar e de certa forma, agradeço por isso.
Não sei o que estava prestes a sair de sua boca. E se ela teve a mesma criação
que eu, sabe claramente que não devemos expressar opiniões em público.
— Atenção! — Um suave tilintar de taças chama a atenção de todos. No
caminho, espio os olhos de um loiro sorridente que pisca em minha direção e
prossigo, parando com os olhos sobre meu pai e Antônio Accorsi, que dividem o
centro da sala e das atenções.
Se espalhando no raio dos anfitriões, garçons distribuem taças com
champanhe. Os Capos levantam as suas e tenho noção de que ocorrerá um
brinde.
— Eu e Vittorio gostaríamos de fazer um brinde! — Tony anuncia,
erguendo sua taça no alto. Meu pai faz o mesmo e vejo as duas esposas se
aproximando. — Em homenagem às nossas famílias e as próximas gerações,
abençoadas pela aliança que firmamos aqui hoje e que se concretizará em poucos
meses na Igreja!
Vejo sorrisos na expressão de todos, menos na dele, para a qual eu
cometo o erro de encarar novamente.
Mas para ser honesta, busquei por ele na multidão.
Seus olhos não falham em sustentar os meus novamente e sem ninguém
ver, Luca acena com a sua taça na minha direção, tomando um demorado gole
assim que anunciam o brinde.
— Aos seus, aos meus e aos nossos! — Papai finaliza e bate com sua taça
na de Tony. Eu levanto a minha e insegura, bebo um pouco, sentindo as bolhas
descerem fazendo cócegas pela minha garganta
A sensação de que estou sendo observada é perturbadora.
— A janta será servida em poucos minutos! — Rosalind, a matriarca
Accorsi, anuncia. Ela é linda de um modo que justifica a beleza que vi no
semblante de todos os seus filhos. Alta, exibe uma boa forma e não deve passar
dos quarenta anos. Usa um vestido lilás de comprimento médio, apropriadíssimo
para o jantar. Gosto das joias de turmalina que adornam suas orelhas. — Luca e
Rebecca podem aproveitar os minutos que faltam para conversar, que tal?
Minha mãe é a primeira a apoiá-la, enquanto eu sinto todos meus órgãos
lutando para escapar da confusão que é meu corpo. São como pequenos socos
nas paredes do meu corpo e eu tomo mais um gole de champanhe, trêmula.
Matteo me lança um olhar demorado e parece esperar que eu concorde
com isso, mesmo que todos já estejam se movendo para fora. Querendo mais do
que nunca dizer não, apenas balanço minha cabeça e permito que meu irmão me
deixe a sós com meu futuro marido, que certamente, deve ter obrigações a
cumprir comigo.
Ele está do outro lado do salão, apoiado na parede, quando a sala de estar
fica vazia. Imagino que confiem muito em Luca, se são capazes de me deixar
sozinha com ele em nosso primeiro encontro, sendo isso extremamente não
recomendado.
Isso aumenta o pânico dentro de mim.
E quando ele se move, após soltar sua taça sobre o aparador de madeira
escura e clássica, e vem em minha direção, tomando iniciativa — pois eu nem
mesmo respiro —, o nervosismo vem por inteiro e sou afogada por ele, que me
atinge como uma onda.
Ele para perto do sofá e eu continuo de pé, ao lado do móvel.
— Rebecca, certo? Com dois C?
Ele inclina seu corpo e oferece a mão em minha direção. Por reflexo,
suspiro, e me sinto extremamente tola quando noto que é apenas um
cumprimento formalizado de alguém com educação.
Besta!
— Exato — respondo com um sorriso atrapalhado. A palma de minha
mão sua e tenho medo de que ele me julgue uma idiota. Per Dio, por que me
deixaram sozinha com esse homem?
— Muito prazer, Rebecca. O meu nome é Luca, com um C só, e eu
aparentemente sou o seu futuro marido.
Seu sorriso quase separa seu rosto em dois ao falar isso e tenho minhas
dúvidas sobre ele achar graça em relação ao que saiu de sua boca. Como se fosse
inacreditável.
— Que mal pergunte, quantos anos você tem? — retoma.
— Dezessete — respondo rápido, pois já tenho a resposta na ponta da
língua. Era algo que eu já esperava que fosse uma dúvida sua. — E você?
— Dezenove — fala, balançando a cabeça. Eu acho que a idade combina
com ele. Nem tão novo, nem tão velho. — Apenas dois anos de diferença. Isso é
bom.
Mais saudável do que muitos outros casais, penso, guardando a reflexão
apenas para mim.
Casais com idades próximas acabam sendo a exceção em nosso mundo,
infelizmente.
Silenciosa, concordo, me sentindo infinitamente pequena em comparação
ao seu tamanho. Luca nem mesmo precisa fazer esforços, ele já é naturalmente
imponente. O corpo e a beleza dignos de cinema fornecem isso a ele.
— Gostaria de sentar? Estes saltos parecem assassinos — indica,
puxando um sorriso no final da fala ao colocar os olhos sobre meu rosto. — E do
tipo perigoso.
Com ele falando, pareço me lembrar da dor em meus pés e me sento mais
rápido do que deveria. Mamãe certamente me repreenderia se visse, mas por
sorte, somos apenas os dois e eu solto um pequeno suspiro de alívio ao colocar
minha bunda sobre o sofá.
Eu cruzo minhas pernas e espero que se sente, ajeitando a saia de meu
vestido que teima em revelar demais e espero que ele se acomode ao meu lado,
mas diferente disso, ele passa pela minha frente e segue na direção do bar
escondido nos fundos da sala.
— Bebe alguma coisa? — pergunta, pigarreando. Acompanho-o se
afastar e respiro fundo.
— Não bebo — respondo.
Ele parece se divertir com a resposta, mas não está exatamente surpreso.
Eu observo enquanto ele desenrosca uma garrafa de vidro e vira em seu copo,
com a destreza de quem tem o costume. Depois disso, ele volta para o sofá e
finalmente se senta ao meu lado, parecendo mais pronto para isso com um copo
de bebida nas mãos.
O faz com tanta delicadeza que é fácil esquecer o fato de que ele é um
mafioso. Um assassino.
Mas homens como ele são justamente os mais educados. Precisam dela
para cobrir toda a sujeira. E do charme, para que seja possível chegar a lugares
onde bandidos comuns não sonham.
Eles são treinados para enganar e inspirar confiança. Eventualmente, a
beleza se torna uma arma, como qualquer outra coisa.
— Qual seu nome do meio? — pergunta, pois parece ter se tornado sua
função mover esta conversa.
— Cecília — respondo suavemente, evitando olhar direto em seus olhos.
— E você?
— Dario.
— Belo nome.
— Obrigada.
Ele ocupa a boca com um gole de bebida e não desvia os olhos da minha
pele, que pinica. Olho para a frente e mantenho minha postura ereta, os olhos
vagando pelo espaço.
O silêncio é desconfortável e eu penso em alguma coisa.
— Quando faz aniversário?
— Quatorze de abril — fala quase aliviado. — E você?
— Dez de maio.
Ele assente e pela confiança, parece ter uma boa memória. Bebe mais um
pouco de seu uísque e eu me arrependo de ter recusado qualquer coisa. Ele pelo
menos tem uma desculpa para não falar nada.
Como se lesse meus pensamentos, ele diz:
— Tem certeza de que não quer beber nada?
E eu sorrio involuntariamente pela primeira vez na noite.
— Se tiver algo leve…
Ele ri.
— Posso conseguir algo para você.
Em um pulo, ele enche uma taça e eu agradeço baixinho. Luca parece
ciente de meus movimentos limitados e de toda vergonha que envolve meu
corpo, e trabalha para aliviar isso da maneira que consegue. Me sinto engessada
e temo que ele tenha a sensação de estar pisando em ovos.
Minha língua, aquecida pelo champanhe, parece mais motivada a
movimentar-se e eu olho em seu rosto pela primeira vez, de repente cheia de
coragem.
— Você tem uma família grande — comento, tentando relaxar os
ombros.
— Isso é um elogio ou uma crítica?
Me sinto péssima ao pensar que isso pode ter soado errado.
— É um elogio — murmuro. — É uma bela família.
— Obrigada — arqueia a sobrancelha. — É tudo que você tem a dizer?
Cometo o erro de continuar olhando para seu rosto.
— O que mais eu poderia dizer?
— Não há nada que queira saber sobre mim? Sou tão óbvio assim?
Sua boca é cheia, os lábios são rosados. Tem um rosto tão bonito que as
cicatrizes finas não fazem diferença.
— Não sou boa com perguntas — revelo. — Há algo que queira saber
sobre mim?
Ele puxa o canto de sua boca em um sorriso.
— Muito mais do que você pode me contar agora.
Isso não me traz qualquer tipo de alívio.
— Teremos tempo para conhecer um ao outro, Rebecca, não se preocupe
— sopra as últimas palavras, me fazendo concordar. — Acho que esse lance é
para a vida inteira.
— Certamente — suspiro.
Então ele endireita a postura e diz:
— Você se encolhe mais toda vez que falo. Se eu fosse um cara sensível,
poderia achar que tem medo de mim.
— Eu não o conheço — respondo em seguida, tentando não soar
ofendida, nem o ofender.
— Mas será minha esposa de qualquer jeito, conhecendo ou não.
Sua resposta corta minhas palavras e por um segundo, meu raciocínio.
Ele foi mais frio do que em qualquer momento anterior agora.
— Acredite se quiser, mas é uma surpresa para mim que eu esteja noivo
tanto quanto parece ser para você — murmura. — Não é algo com o qual sonhei.
— Nem eu.
Maldição.
Meu rosto inteiro esquenta e eu baixo o rosto, balbuciando algo como um
pedido de desculpas. Escutar que sua futura esposa não gostaria de estar junto
dele é algo que um homem como Luca provavelmente não esperaria ouvir. E
algo que pode me custar caro.
— Eu nã—
— Não se preocupe — sorri, deixando o copo sobre a mesa de centro. —
Já escutei coisas piores.
Busco por seu rosto com certo pânico misturado a uma incredulidade
severa.
— Perdão pelas minhas palavras — eu continuo segurando a taça com
tudo que há em mim. Se ele oferecesse algo mais pesado, eu certamente aceitaria
para me livrar da sensação de moleza que me domina aos poucos de tão nervosa.
— A situação é…
— Nova — emenda, e puxa algo do bolso. Meus olhos não se afastam ao
enxergar a caixinha de veludo vermelho. — Tudo bem, Rebecca. Você não é a
única nesse barco.
Ele fica de pé e me oferece sua mão. Com delicadeza, me guia até
estarmos frente a frente e eu deixo minha taça sobre a mesinha.
A minha pressão apita em meu ouvido devagarzinho quando ele abre a
caixa e mostra o belo anel para mim. Uma aliança de ouro branco, incrustada
com diamantes em toda sua circunferência e com um maior do que todos como
destaque, uma pedra tão grande que me faz suspirar. Está cortada em formato de
gota e quando ele a pega entre os dedos, a luz bate e reflete na joia.
— Rebecca Fioderte, garota que acabo de conhecer, você aceita se casar
comigo?
Noto que a pergunta tem um fundo cômico e subo meu olhar até seu
rosto.
Os olhos de Luca são como um incêndio gelado, mas posso ver que ele
está controlando bem o suficiente o quanto me mostra agora, para não me afastar
antes da hora.
Eu engulo em seco, tentando evitar o pavor de pensar que o homem ao
meu lado não se revelará um bom menino para sempre, mas infelizmente, sou
tocada pelos fantasmas dos pavores que ele pode causar a mim. Do perigo que
corro, me entregando — e sendo entregue — ao desconhecido dessa forma.
Ele poderá fazer o que quiser comigo. E eu terei de aceitar.
Antes que eu precise pensar em algo para respondê-lo, a resposta que sou
obrigada a dar escapa pelos meus lábios.
— Eu não poderia dizer que não.
E me esforço o suficiente para segurar as lágrimas quando ele desliza o
anel em meu dedo.
Ele não sorri quando faz isso, nem parece afetado. O anel pesa entre
meus dedos e eu gostaria de poder arrancá-lo.
— Uau — murmura ironizando, quando me afasto um centímetro. A
distância que crio parece incomodá-lo. — Já estou vendo como isso vai ser
divertido.
A porta é aberta e eu recebo isso como um livramento para não precisar
olhar em seus olhos novamente. É a mesma governanta de antes, que exibe um
sorriso amarelo ao interromper-nos.
Luca parece aborrecido por sua chegada.
— O jantar está na mesa.
Eu saio tão depressa da sala que mal registro qualquer coisa no caminho
e certamente não espero por ele.

A casa é grande o suficiente — e muito mais segura do que qualquer


hotel — para nos receber pelas duas noites que pretendemos ficar aqui. Por isso,
meu pai não vê problemas em ficarmos na casa da família Accorsi e nos
dividimos nos quartos que Rosalind Accorsi designa a cada um.
O meu é amplo o suficiente para abrigar mais de seis pessoas, mas
minhas irmãs ficam juntas em outro. Tenho os luxos e os privilégios de ser a
noiva e ao sentar na imensa cama com dossel, não me martirizo por isso.
Já estou sofrendo o suficiente.
Ainda assim, preferia ter a companhia das duas a uma noite de solidão
numa casa que não conheço, rodeado de pessoas que nunca vi e do homem que
deve ser meu marido em breve. A ideia de que ele talvez possa invadir o quarto,
me ocorre e eu a empurro para longe.
Luca não me pareceu ser do tipo irracional. Não, não. Justamente pelo
contrário. Ele calcula o que faz, e mantém as coisas sob controle. Ele nunca iria
ameaçar perder a presa que acaba de conquistar, pelo menos com base no
conhecimento prévio que obtive apenas examinando seus olhos.
Mesmo assim, eu encontrei motivos o suficiente para ter medo naquele
azul que parece não ter fim. Motivos que conseguem me deixar acordada a noite
inteira.
Motivos que talvez me persigam para o resto da vida.

A noite passa lentamente, o que é terrível, mas quando amanhece, estou


aliviada o suficiente para que nem mesmo pense em enrolar mais um pouco
entre os lençóis de seda da coleção da família Accorsi.
Tomo meu banho e desço para o café, seguida de perto pelos meus
guarda-costas. Bianca e Petra me encontram no meio do caminho e falam
animadamente sobre seu quarto, a cama, o sabonete disponível no banheiro e
tudo mais.
Eu me mantenho em silêncio e escolho essa solução durante todo dia.
Dividimos apenas o café da manhã com Luca, e almoçamos separados, já que
nossos compromissos diferem. À noite, a festa de noivado está marcada e é um
alívio saber que não precisarei estar no mesmo cômodo que ele antes do
anoitecer, embora a ansiedade me destrua durante toda preparação para a noite.
Perto do final, quando já estou em meu vestido, com o cabelo penteado e
a pele preparada, Donatella Accorsi aparece em meu quarto e entra de fininho,
cumprimentando minha mãe e irmãs.
— Você está linda, Rebecca — elogia e me parece sincera. De frente para
o espelho, observo-a se aproximando em um modelo muito melhor do que o que
usava ontem. Parece mais alta e mais magra no vestido cor de rosa.
Diferente de minha família, que prefere tomar uma distância considerável
de mim desde meu último surto há dez minutos, Donatella chega perto o
suficiente para tocar em meu ombro. Ela não parece ter medo do tipo de pavor
que encontra em meu olhar assustado.
— Minha mãe me mandou para ver se você não precisava de alguma
coisa.
— Obrigada, estou bem — agradeço, após respirar fundo. — Como estão
as coisas lá fora?
— Um pouco louco, mas tudo está controlado — sorri, de um jeito
simpático. — Todos querem tanto ver como você se parece que talvez comecem
a escalar daqui a pouco.
— Oh, céus…
— Não se preocupe. Nós, Accorsi, adoramos entradas em grande estilo
— diz e ri, como se compartilhasse comigo uma piada interna. — Talvez deva se
acostumar com isso.
A chamar atenção? Nunca, em nenhum dia da minha vida, isso foi minha
intenção. Eu nunca fui como um rosto novo para alguém, tendo sido apresentada
apenas aqueles conhecidos de meu pai por toda vida. Ser algo que os outros
anseiam por descobrir como se parece é… novo.
— Não precisa se preocupar tanto, Rebecca. — Ela sussurra essas
últimas palavras mais perto do meu ouvido. Me olhando através do espelho,
Donatella parece excelente em ler cada um dos meus pontos. Vê a verdade que
eu tento esconder dos outros, como se o sangue Accorsi não suportasse
mentirosos. — Será uma noite calma.
Talvez seja a proximidade de nossas idades — ela tem dezesseis, eu
dezessete —, mas me sinto propensa a confiar em Donatella, como se sua
presença não fosse tão ameaçadora quanto a de sua família.
Como a de seu irmão, por exemplo, que fez que eu quisesse correr com
menos de dez minutos de conversa.
— Tenho medo de que dê tudo errado — confesso, sem aguentar,
agarrando minhas próprias mãos suadas. — Ou de que não me aprovem. De que
eu não seja o que esperam.
— E quem disse que eles estão aqui para julgar? — Ela pergunta com
uma risada entredentes. — É uma de nós a partir desta noite. Não deve permitir
que eles digam nada sobre você que não queira ouvir.
Donatella é confiante de uma maneira como nunca me vi sendo. Mesmo
aos dezesseis, sinto como se ela pudesse ir lá embaixo dar ordens a todos os
homens engravatados, além de dar um baile em qualquer senhora de meia-idade
com a língua comprida e tempo de sobra para falar, ensinando-as porque não
deveriam subestimá-la. Sua atitude poderia preencher uma sala, enquanto a
minha me reduz a nada.
— Temos que lutar pelo nosso lugar, Rebecca. — Volta a falar, ajeitando
as pontas do meu cabelo. — Aprendi isso desde cedo. Você também, é claro…
— Nunca tive de lutar por nada do que tenho — confesso novamente,
pois não é vergonha. — Mas agora…
— Lutamos de maneiras diferentes, mas lutamos. O que importa é nunca
desistir.
Ela se inclina sobre a penteadeira e pega um pouco de perfume. Com
delicadeza, passa os dedos pelo meu pescoço, dando, além de cheiro, brilho a
minha pele.
— Luca não é um homem ruim como você teme que seja... — admite,
atraindo toda minha atenção — Tem suas dificuldades e defeitos, mas nunca, e
acredite no que digo, Beca, ele nunca irá machucar você.
Contenho minha vontade de rir da sua promessa vaga.
— Não pode fazer promessas em nomes de outros, Donatella. Isso é…
— Isso é acreditar no homem que vi crescer. — Me interrompe, a voz
escapando mais alta dessa vez. — Boto minhas mãos no fogo por todos os meus
irmãos, Rebecca. Sei quem são. E sei quem nunca serão.
Suas palavras ecoam como uma promessa e eu opto por recebê-las dessa
forma. A sensação de saber que Donatella confia em seus irmãos, do mesmo
modo que confio no meu, me dá bons indícios de que nem tudo será ruim e de
que nem tudo está perdido.
Mesmo que ela não vá conhecer nunca seu irmão do modo como ele se
apresentará para mim, em breve.
De qualquer jeito, eu diria o mesmo a qualquer uma sobre meu irmão,
pois sei quem ele é e que Matteo nunca seria capaz de ferir uma mulher.
E sei o que ele também nunca gostaria de se tornar.
— Acreditarei nisso — falo com um sorriso esperançoso. Dona agarra
minhas duas mãos e me devolve o mesmo tipo de sorriso.
Depois disso, ela me ajuda a subir em meus sapatos e garanta que eu
pareça impecável, como a futura noiva que todos querem ver. E eu me sinto
pronta, de algum jeito controverso, após ser aprovada pelo olhar rigoroso e
analítico de minha mãe.
Sentir é diferente de estar e eu confirmo esta teoria quando pisamos no
primeiro degrau da imensa escada e todos os olhares se viram na direção de nós
duas — Dona está ao meu lado e minhas irmãs e mães desceram —, motivados
pelo anúncio de Antônio Accorsi.
— Lá vem a noiva!
Eu sinto vontade de correr e recuo um passo. Donatella, com uma
agilidade maior do que a esperada, agarra minha mão e me impede de fazer isso.
Todos me encaram estudando friamente cada passo que dou a partir de agora.
Sou motivo de estudo.
Vejo os narizes se torcendo e as bocas se abrindo, enquanto todos
provavelmente comentam tudo sobre mim — aquilo que sabem e aquilo que
supõe — e sinto todo meu rosto quente como pedras no maldito deserto.
— Você precisa seguir sozinha, Rebecca. — A irmã de Luca sussurra isso
em meu ouvido e, infelizmente, solta minha mão.
Ao saber que tenho a atenção de todos, não posso implorar que ela
continue comigo e movo meu olhar para o pé das escadas, onde encontro meu
futuro marido com a mão estendida em minha direção. E um sorriso travesso
entre os lábios, incentivando-me a descer e agarrá-la
Eu respiro fundo e desço depois disso.
A presença de Luca no final arremata com ainda mais eficácia a atenção
de todos e meu peito quase explode em ansiedade, até tocar em sua mão,
escorregando minha palma para dentro da sua. A sensação é de um pequeno
choque e sei que ele sente também, pois o sorriso some de seu rosto por um
instante, dando espaço a uma feição bruta, de lábios fechados.
É com o olhar congelado, frio como o inverno, que ele leva minha mão
até seus lábios e a beija perto do anel, num gesto de cumprimento formalizado e
reverencial.
Mas o aperto em meus dedos diz algo sobre posse.
Meus olhos analisam todo seu rosto e não vejo nada além do brilho
cristalino dos olhos azuis, munidos de uma característica que os deixam ainda
mais fascinantes — a malícia.
Luca sabe que somos um espetáculo à parte hoje.
E quer motivar isso. Ver até onde vou sem ter vontade de fugir.
Ele me guia pelos três últimos degraus e eu paro ao seu lado. Ele é alto o
suficiente para criar discrepância entre nossos ombros, mas a diferença parece
trabalhar bem a seu favor. Ele parece ainda maior, mais bruto e mais protetor,
sobressaindo-se à altura de sua frágil e jovem noiva.
— Parabéns aos noivos! — É o que meu pai diz, erguendo sua taça. Noto
que a maioria dos convidados tem uma e a ergue também. Luca posiciona sua
mão em minha cintura e eu fecho a boca, espantada, enquanto sinto suas mãos
caírem sobre o tecido, firmando-se bem.
Mal preciso usar as pernas para me manter de pé agora e ele mantém a
mão em minha cintura, de maneira educada e no limite, quando todos os
convidados se aproximam para cumprimentar-nos. Todas as mulheres elogiam o
anel.
— Mas que coisa linda!
Estas são as palavras de uma mulher mais jovem, provavelmente na casa
dos trinta anos, quando se aproxima de nós dois. Ela tem uma fisionomia que
não me é estranha e sorri, genuinamente feliz por nos enxergar.
Luca parece relaxado ao cumprimentá-la.
— Esta é Julieta, Rebecca. Irmã de minha mãe — apresenta.
A apresentação é breve e imagino que ele não vá me dizer mais nada.
Beijo a bochecha da bela moça a minha frente e entendo que ela tem o mesmo
olhar que os irmãos mais novos de Luca e que sua mãe, obviamente. Além do
mesmo timbre doce e educação exemplar.
— Rebecca Fioderte — cumprimento e ela aperta minha mão. Gosto do
jeito como seus cabelos encaracolados emolduram seu rosto triangular e do
vestido preto que usa. É simples, mas de ótimo gosto e refinamento. Uma mulher
que sabe que não precisa usar muito para se destacar.
Noto, depois disso, com curiosidade, o fato de não haver uma aliança de
casamento em sua mão.
— Que você seja muito feliz com o meu sobrinho, senhorita Fioderte —
deseja, e eu agradeço com um aceno e um sorriso largo. — E tomara que consiga
colocar este menino bonito na linha. É a sua tarefa a partir de hoje.
Oh, Deus...
Pelo sorriso que Luca dá em resposta para a tia, essa parece ser uma
tarefa impossível e à qual eu não deveria nem mesmo me prestar. Sem
esperanças, eu não me esforço para respondê-la e a moça logo se afasta,
deixando-me a sós com meu futuro marido. Todos os olhos da festa estão em
cima de nós dois, por isso, ele precisa se inclinar e sussurrar suas próximas
palavras, a fim de mantê-las privadas.
— Você se encolhe toda vez que encosto em você — diz, se referindo a
mão na cintura ou o simples roçar de ombros que me fizeram estremecer de
susto. — Já está começando a ficar irritante...
Não entendo se suas palavras são um mero comentário ou algo mais
profundo, como uma ameaça.
— Estas pessoas têm que nos ver como marido e mulher a partir de hoje,
Rebecca — volta a dizer, girando o champanhe da taça que recebeu há alguns
minutos, sempre atento ao redor. Seu olhar mal pousa sobre meu rosto, mas é
como se toda sua atenção estivesse depositada em cima de mim, de qualquer
jeito. — É melhor que se acostume a estar perto de mim antes que nos faça
passar vergonha.
E simples assim, Luca Accorsi se afasta, dando-me as costas sem
qualquer remorso ou aviso. Preciso parecer contente e satisfeita com o que
acabou de acontecer, então engulo qualquer revolta pelo que acaba de dizer e me
mantenho sorridente no centro do salão até que o jantar seja servido.

— Posso ver?
Quando já estamos fora da mesa de jantar, após a refeição, todos reunidos
com taças de champanhe e nos cumprimentando ao redor da sala decorada com
lírios brancos, uma moça que eu não havia visto ainda se aproxima, com um
sorriso que eu denominaria como guloso. A seguir, vem mais três, que têm traços
estranhamente similares. Minhas irmãs não estão em lugar nenhum para serem
vistas e me sinto menor em número perto da verdadeira comitiva que acaba de
chegar.
— Estava do outro lado da sala e quase fiquei cega pelo brilho disso!
Suas palavras são enérgicas e eu permito que toque minha mão. A palma
é fria contra meus dedos e ela parece dissecar cada canto da pedra. Se não fosse
indelicadeza, talvez me pedisse para experimentá-la.
— Desculpe, mas acho que não fomos apresentadas — digo em um
sorriso contorcido, examinando-a. Junto das outras três, formam uma equipe de
mulheres de olhares parecidos, quase idênticos. Eu diria que há um pouco de
incômodo neles também. — Sou Rebecca Fioder—
— Sabemos muito bem quem você é, ragazza — O sotaque italiano leva
meus olhos para cima da que parece mais velha. Ela tem os cabelos loiros mais
claros e mais curtos, acima dos ombros. — É a futura esposa do nosso primo.
— Ah, são Accorsi?
— Bianchi. — Outra delas diz. Mais baixa, com cabelo liso, até o meio
da barriga. Parece uma sereia. — Sou Carmella. Estas são minhas irmãs, Noemi
e Lúcia.
Associo rapidamente que a quarta menina não é sua irmã, tampouco
parente de meu futuro marido.
— E você? — Meus olhos vão para cima da obcecada pelo anel.
— Liliana Morelli, filha do Consigliere. — Força um sorriso. Ah. — E
uma velha amiga de Luca. Meus parabéns pelo casamento.
— Obrigada. — Recolho minha mão sutilmente, passando os olhos pelas
expressões sedentas das quatro meninas. — E obrigada por virem nos prestigiar
esta noite.
— Ah, que isso... Nunca perderíamos um evento como este. — Lúcia
acrescenta, rindo. As suas bochechas são cheias, como as de uma criança.
Imagino que não tenha mais do que vinte anos, mas parece madura em um
vestido justo e saltos altos. — Vocês dois são o futuro da organização. Estamos
honradas de estar presentes.
— Eu...
— Sabe, Luca é um ótimo homem... — Liliana volta a falar. — Você
tirou a sorte grande!
Não me sinto confortável em agradecer, então apenas sorrio.
— Muitas outras gostariam de estar em seu lugar, Rebecca. — Carmella
diz. — É melhor tomar cuidado com as outras garotas daqui.
— Pode vir até nós se tiver dúvidas ou medo de alguma delas — sorri —
As espantamos rapidinho se for o caso.
Mais uma vez, sorrio, contendo o impulso de dizer que até este momento
não havia me sentido ameaçada ou invejada. Bem longe disso. Encontrei mais
mulheres com pena do que está prestes a acontecer comigo do que o contrário.
Mas tudo parece diferente com quatro pares de olhos dissecando-me aos
poucos, como se tentassem descobrir todos os meus segredos.
— Agradeço.
— E se quiser saber algo sobre Luca ou a famiglia... — Liliana volta a
dizer, puxando meu braço suavemente. Não gosto de resvalar seus dedos contra
minha pele e me encolho. Parece estar querendo marcar território. — Eu posso te
ajudar melhor do que qualquer outra.
Seus olhos dizem mais do que a sua boca e eu finalmente entendo de que
isso se trata pelo brilho faminto em seus olhos e pelo modo desconfortável como
se dirige a mim. Já vi mulheres o suficiente com esse olhar nas festas da minha
família.
Ela já foi amante de Luca.
E aqui está, querendo conhecer a garota que parece ter se tornado um
empecilho. Um empecilho do qual ela gostaria muito de se livrar.
A ideia do que ela poderia fazer, me baseando na intensidade com que
seus olhos queimam sobre minha pele, me assusta.
— Ah, ma per l'amor di Dio! — O italiano espalhafatoso rouba a atenção
de todas e eu tento esconder meu espanto quando Max Accorsi, apresentado
como primo de Luca no dia de ontem, se aproxima e toca em minha cintura,
afastando-me rapidamente das garras delas. — Não acredito que já estão como
abutres em cima da menina. Vocês são melhores do que isso.
— Só estávamos recebendo a novata, Max... Não seja maldoso. —
Liliana o encara por trás dos longos cílios. Sua beleza é clássica, mas um
pouco... artificial. Certamente já fez muitos procedimentos estéticos.
— Acredite, isso não é um terço da maldade que Luca demonstrará ao
ver que estão abordando a noiva dele desta forma. Arranjar problemas com ela, é
arranjar problemas com ele a partir de agora. Lembrem-se disso — Seu aviso soa
o suficiente como uma ameaça para mim. — Saiam.
— Não pode falar assim conosco. — Lúcia diz, o desafiando a falar de
novo.
— Agora. — Ele apenas reforça, sem se importar com o modo afetado
como a garota estufa o peito. — Ou também terão um problema comigo.
Liliana, Noemi, Carmella e Lúcia se recolhem depois disso, despedindo-
se de mim com acenos apressados e alguns muxoxos. Não me sinto culpada,
embora minhas bochechas queimem ao pensar na grande cena que isso acaba de
ser.
O tipo de cena que nunca vivi antes.
Max afasta sua mão de meu corpo assim que elas saem e me oferece um
olhar compreensivo, como se pudesse compreender perfeitamente o motivo dos
meus ombros encolhidos e da expressão assustada.
— Tente não parecer tão frágil em seu primeiro dia, italiana — alerta. —
Há abutres perigosos por aqui.
— Elas pareciam gentis. — Até abrir a boca. — Não pensei que...
— Ainda vai aprender o suficiente sobre esta cidade, Rebecca, mas para
garantir que sobreviva, tem de saber que nem todos querem ser seus amigos.
Balanço a cabeça em afirmação, tentando evitar o rubor tolo que tenta
assumir minhas bochechas. Deveria ter me defendido.
Mas o maldito silêncio sempre me ganha...
— Ainda não tínhamos nos falado, não é mesmo?
Nego.
— Ótimo. Luca vai adorar saber que assustei você assim que nos
conhecemos.
Uma leve risada escapa dos meus lábios.
— Você não me assustou — afirmo. — Só são muitas informações.
— Entendo. Ou pelo menos, gostaria de entender.
Ambos parecemos não ter o que dizer depois disso, como se uma cortina
invisível mantivesse Max de um lado diferente e distante de mim. Ou apenas um
bando de regras e costumes que dizem que ele não deveria se dirigir diretamente
a mim sem a presença do meu noivo.
— Espero que possa ser feliz aqui, italiana — deseja, os olhos verde-
folha brilhando em minha direção. Gosto da verdade que vejo neles. Da verdade
que vejo nele. Max não me parece alguém do qual eu deveria sentir medo,
embora suas mãos provavelmente estejam tão sujas quanto as de Luca. —
Parabéns pelo noivado. E não se preocupe com essa merda do bonde das loucas.
Nós cuidaremos de você.
Ele sai pouco depois disso, deixando-me sozinha no salão mais uma vez.
Estou prestes a ir até Bianca e Petra quando noto que estão entretidas numa
conversa junto de outros adolescentes e decido não as incomodar com meus
problemas.
São novas demais para pensar em bobagem.
Sorrateiramente, dou meu jeito de ir em direção a um dos corredores que
julgo vazio, atrás de um pouco de ar. Com sorte, pararei nos fundos da casa,
onde o movimento deve ser menor. Eu não aguento mais todos os olhares que
estão fixados em mim como se eu fosse uma atração de circo. A pressão com a
qual convivi a vida toda já é esmagadora a esse ponto.
Sem saber bem por onde estou indo, continuo, com o som dos meus
sapatos de salto sendo os únicos em toda extensão do corredor. Há fotos, quadros
e documentos expostos nas paredes em tom de bege, mas eu não presto atenção
em nenhum deles. Todas as portas estão fechadas, exceto uma, que acaba me
desviando do caminho que havia proposto em minha cabeça.
A brecha da porta destrancada me permite enxergar uma estante alta o
suficiente para atrair minha atenção e eu caminho na direção do cômodo.
Delicadamente, com medo de ser enxotada, empurro a porta e entro no lugar que
se revela ser uma biblioteca.
Uma biblioteca gigante.
Escondida atrás de uma porta comum, eu descubro um cômodo alto,
amplo e vazio, com estantes que alcançam o teto, recheadas de coleções
primorosas de livros clássicos, antigos e alguns livros técnicos. Os móveis são
num tom de marrom escuro, de madeira nobre e no centro, um lustre esverdeado
pende sobre três sofás de couro marrom, posicionados de frente um para o outro.
Uma lareira está apagada no fundo da sala, pois estamos em agosto, mas eu
imagino o quão reconfortante possa ser se esconder aqui em dias frios.
Também há uma biblioteca em nossa casa, mas somente com títulos
aprovados por meu pai. Romances são tolos, na opinião dele e história,
linguagens e gramática são tudo que uma boa dama deveria aprender. Se
dependesse dele, nem mesmo saberia somar dois mais dois.
Tudo para nos manter submissas e fáceis de dominar. Filosofia e
literatura são coisas que passam longe dos desejos de Vittorio para suas filhas.
Mas aqui…
Acabo me perdendo entre as prateleiras, encantada com o aspecto e
raridade de alguns dos livros. Pego-os na mão com a sensação de estar invadindo
algo pessoal, mas faço mesmo assim, preferindo a companhia deles a qualquer
falatório.
Nunca estive tão longe da minha zona de conforto, mas aqui, no lugar
que sempre me recebeu com carinho e palavras de afago nos dias difíceis no
internato — as freiras permitiam que lêssemos mais do que os textos de italiano
da professora —, sinto que há chances de haver um cantinho onde eu ainda
possa ser eu mesma nesta cidade estranha, rodeada destas pessoas diferentes, que
parecem querer um pedaço de mim.
E que certamente se acham no direito de ter.
Distraída, estou de costas para a porta e imersa na edição de colecionador
de Romeu e Julieta que acabo de pegar nas mãos, estudando as folhas e as
palavras escritas no meu italiano doce de ler e escutar, quando algo cai sobre
meus pés. Me abaixo e pego o bilhete amarelado e amassado, lendo antes que
minha mente entenda que pode ser algo que eu não deveria ver.
Que ninguém deveria.
“A despedida é uma dor tão suave que te diria boa noite até o
amanhecer, meu anjo…”
O bilhete escrito é uma paráfrase de uma das citações do livro,
reconheço. Numa caligrafia apressada, não tem assinatura, o que me faz
questionar a quem pertence. Talvez um presente de Antônio a esposa? Embora
eu não consiga imaginar o Capo se dedicando a escrever bilhetes como esse para
alguém…
Não, é mais do que isso.
O livro, obviamente, já foi lido e quem quer que o tenha ganho, não
deveria querer que alguém o futricasse. Principalmente eu, uma visitante
enxerida.
Com cuidado, recoloco o bilhete dentro do livro, na última página, e
estou fechando a capa quando pulo para a frente e quase engulo minha língua
pelo susto.
— Boa escolha.
E me viro para encontrar Luca.
A sexta-feira passa como uma nuvem diante dos meus olhos e quando
anoitece, estou novamente vestido como o bom menino que minha família
precisa com que eu me pareça para a noite de noivado.
Como um pouco de castigo moral, sou colocado para recepcionar nossos
convidados sob o olhar vigilante e atento de minha mãe, que se responsabiliza
por guiá-los pela casa e comentar amenidades. Por isso, estou perto da porta
quando minha tia Mirella — a irmã de meu pai — chega acompanhada de toda
sua família.
— Oh meu Deus! Luca! Eu não acredito!
Mirella é casada com Donald Bianchi, um herdeiro de algum tipo de
empresa financeira na Itália. Juntos, têm três filhas, que ficaram popularmente
conhecidas nesta área como pesadelos.
Noemi, Lúcia e Carmella são belas garotas. Trigêmeas, são o retrato do
que o dinheiro pode comprar e do que o mimo em exagero pode causar. Fúteis
até os ossos, se importam com pouco além de como se parecem no espelho ou
nas fotos com as quais enchem suas redes sociais.
Mas a minha existência sempre pareceu atrair suas atenções mais do que
o esperado.
— Primo! — Noemi, a única loira delas, que assim como a mãe, herdou
isso da minha avó, comemora ao me abraçar logo após sua mãe. Suas garras se
fecham sobre meus ombros como se fossem arrancar um pedaço e eu sorrio
quando se afasta, alisando meu smoking. — Que ótimo revê-lo!
— Olá a todas vocês — digo, forçando simpatia. Lucia e Carmella me
encaram como se eu fosse um doce à mostra.
— Então não é mentira, certo? — Lu, a do meio, pergunta. Está bonita
essa noite, toda emperiquitada num vestido fino, longo e escuro como seus
cabelos. — Vai mesmo se casar e abandonar a vida de solteiro? Que pena,
Luca…
— Ainda acho que é mentira. — Noemi volta a dizer. Carmella é a mais
comportada das irmãs. — Se Luca tivesse uma noiva, ela não estaria aqui,
recebendo-nos junto dele?
— Se me conhecessem bem, saberiam que não há nada que eu deteste
mais do que festas como esta — murmuro, já sentindo a irritação de ter que dar
satisfações me dominar. — Então confiem que não estou aqui apenas para
receber vocês três.
— Nos perdoe, Luca… — Lúcia diz, dissimulada como sempre. — É só
que, família sempre será família. E se a sua noiva não for tomar conta de você…
Noemi está prestes a tocar em mim de novo — contra qualquer indicação
de que pode fazer isso —, quando Max chega e me poupa de ter que chamá-la de
vadia vendida e incestuosa do caralho por se atirar para cima de mim dessa
maneira.
Com seu sorriso e seu clássico humor desagradável, Max é como o
antídoto para a presença dessas três.
— Mas olha só o que eu vejo aqui… se não são as minhas cobrinhas
favoritas!
O seu sorriso é tão largo que se não o conhecesse, diria que está feliz de
recebê-las. Mas eu sei que essa felicidade fingida vem de um longo histórico de
provocações mútuas.
— Maximus. — Lucia praticamente cospe seu nome para fora. — Você
não morre tão cedo, não é?
— Por que, doce prima? Estava pensando em mim?
— Oh, não, me desculpe… Isso fui eu lamentando o fato de você ainda
existir.
Sem sentir nem uma pontada de ofensa, Max ri, parado ao meu lado.
Eu tenho a opinião de que isso não se trata de nada além de uma
paixonite mal curada da parte delas.
— Lembrem-se de que estamos num evento familiar, primas.
Certifiquem-se de manter as garras guardadas.
Seu alerta é recebido com grunhidos e reviradas longas de olhos.
Carmella praticamente pede desculpas a nós dois pelo olhar e se afasta junto das
duas irmãs quando chega a hora.
E eu desisto de apertar as mãos suadas e receber beijos babados.
Abandonando o posto, sei que Max está logo atrás de mim e desvio entre os
convidados que preenchem o salão, chegando até o bar, onde um barman esperto
nem mesmo precisa perguntar o que beberei.
— Rosalind virá atrás de você. — Max me alerta, acomodando-se ao
meu lado.
— Foda-se — resmungo — Minha mãe sabe o quanto eu detesto
espetáculos de merda como esse.
— Não acha que seu pai é o responsável pela metade de Nova York estar
presente em sua sala esta noite? — meu primo sugere em tom altamente
divertido — Então você é burro de não ver que isso é algo grande. Algo que ele
quer que todos saibam. Algo que ele quer que Romeu saiba.
— Meu pai não dá a mínima para Romeu, Max — desprezo. — Isso é
apenas mais uma forma dele de me torturar.
E está funcionando.
— Seu pai não iria tão longe apenas para cutucar seu ego, Luca, pense.
Isto que está acontecendo agora é o jogo começando. Com Vittorio do nosso
lado, as coisas estão bem claras. Romeu deve fugir se for esperto.
Bebo mais uma dose e ignoro os delírios de guerra de Max. Ele me
acompanha com uma dose de Bourbon.
— Ou ficar se quiser uma morte lenta — completa.

Penso que estou livre da loucura, disfarçado no meio de todos os outros


convidados com Max e uma dose de uísque, até o momento em que sou avistado
pela quarta louca da noite.
— Luca! — A voz aguçada e fina me faz revirar os olhos tão
profundamente que eles poderiam ficar presos lá dentro e nunca mais voltar. Do
meu lado, Max espia sobre nossas costas por mim e não parece animado sobre
quem se aproxima.
— Lili louca — murmura e eu viro a dose de uísque por inteiro. Já é a
terceira e acho que preciso parar antes de ficar tonto.
Como foi anunciado, Lili louca, mais conhecida como Liliana Morelli, a
filha de nosso Consigliere, se aproxima. Ela está toda enfeitada num vestido
verde-água, com o cabelo loiro platinado jogado sobre os ombros e uma
maquiagem reluzente. Seus olhos são claros como os dos pais e tem um belo
corpo, assim como uma bela boca.
Com ela, sim, eu já tive bons momentos.
Mas isso não justifica a porra da mania que ela tem de ficar com as mãos
em cima de mim. Ou pensar que eu deveria propô-la em casamento por causa de
uma foda.
— Olá, Liliana — assopro um cumprimento breve e quando ela se
inclina para me abraçar, ofereço a mão. — Como vai?
— Bem, na medida do possível — sorri meio sem jeito. — Estou muito
ansiosa para rever sua noiva. Sabe onde ela está?
— Certamente, não no meu bolso. — Nem mesmo me esforço para ser
irônico com ela. Mas a mesma acha que é a maior piada do mundo e toca em
meu ombro durante a risada.
Max a encara como se fosse louca.
— Ah, Luca, você é tão engraçado… — Não, eu não sou. E na maior
parte das vezes, não estou fazendo piada nenhuma. Mas Liliana baba em cima do
meu pau de qualquer forma. — Ela certamente é uma moça de muita sorte.
Duvido que sorte seja o que espera por Rebecca, penso comigo mesmo,
mas afasto o pensamento em seguida.
Aliás, onde está ela?
Mal a vi hoje. Não que eu queira qualquer segundo a mais com uma
garota que parece apavorada de até mesmo dividir o mesmo cômodo que eu, mas
me pergunto o que pode estar acontecendo e por que estou tendo que aturar todas
as atenções sozinho.
— Ela mal sabe quantas matariam para estar onde ela está hoje…
Oh, aí está. Lili louca em sua forma mais genuína. Isso me faz conter
uma bufada e encaro Max atrás de socorro.
— Acho que a tia Rosie precisa de nós para alguma merda no saguão —
diz, claramente mentindo. Liliana passa os olhos sobre ele e vejo sua mente
trabalhando sobre tomar Max como uma segunda opção.
Um bom casamento é tudo pelo que busca e me surpreende que seu pai
ainda não tenha esquematizado qualquer tipo de união estranha entre ela e algum
pobre coitado. Sinto que por pouco escapei de assumir a bronca.
Olhando por esse lado, Rebecca não é tão ruim. A menos que ela
demonstre ser uma vadia psicótica obcecada por mim. Ou continue agindo como
uma boneca sem vida, uma cadelinha submissa.
— Até mais, Liliana. — Max pisca e com as duas mãos, me empurra
para longe do caminho dela. Há mais milhares de convidados que querem me
desejar merdas falsas, mas Max é eficiente em escapar deles.
Só não pode escapar de uma.
— Onde estavam? — Rosalind pergunta, endurecendo a expressão dócil.
Os brincos de rubi emolduram seu rosto e o batom vermelho ajuda.
— Rezando, tia. — Max diz, é claro — Pelo bem de Luca.
Até eu o encaro como se fosse um idiota.
— Estou aqui agora, mãe — simplifico as coisas, encarando-a
obviamente irritado. — Do que mais precisa?
— Preciso que você vá até a ponta daquelas escadas e espere para
receber sua noiva que descerá em instantes. E quanto a você, Maximus… apenas
evite problemas, certo?
Isso parece ser difícil para ele, mas esperançoso, ele confirma e se afasta.
Minha mãe endireita as lapelas de cetim da casaca e toca no laço preto em
seguida. Meus olhos estão nos nossos arredores e busco não encarar tanto os
outros homens presentes. Normalmente, eles se sentem ameaçados por mim. —
como deveriam — e isso pode resultar em problemas.
Não que eu não fosse amar chutar a bunda de homens como Manu
Barone até sair sangue mais uma vez.
— Comporte-se — minha mãe praticamente implora — Pelo bem dessa
família, apenas ande na linha esta noite. Certo?
Balanço minha cabeça.
— Claro, mãe.
E não acredito nisso tanto quanto ela.

No entanto, tenho sucesso em ser o bom garoto que Rosalind precisa que
eu seja durante grande parte da noite. A entrada de Rebecca é exatamente do
jeito que precisávamos que fosse — um grande espetáculo — e depois disso, a
noite segue leve, comigo bem longe da garota que teima em parecer um cordeiro
assustado ao meu redor, mesmo que eu não tenha dado nenhum indício de que
deveria sentir medo de mim.
Isso me faz questionar o que ela sabe sobre mim. Se souber mais do que
deve, com toda certeza, tem motivos para não se sentir exatamente segura ao
redor de um homem como eu.
Mas duvido que seu pai tenha dividido detalhes das minhas atividades
profissionais com sua garotinha.
E é quando estou pensando nele que Vittorio aparece. Pensei que
estivesse livre e escondido o suficiente na entrada da festa, onde todos passam
apenas para ir embora, mas o Capo italiano não falha em me encontrar, como se
soubesse sempre exatamente onde estou.
— Estive ansioso para falar com você desde que chegamos, ragazzo. —
Vittorio Fioderte diz, deixando claro suas intenções de falar comigo a sós. —
Bela escolha de joia a que deu a Rebecca.
A revelação de que não fui eu que o escolhi, mas sim minha mãe, ameaça
chegar aos meus lábios, mas impeço antes que seja tarde. Com um sorriso
arrastado, respondo de uma maneira que me causa menos problemas.
— Achei que combinaria com ela.
— De fato — meneia a cabeça, concordando comigo. — Minha filha, por
si só, é uma joia raríssima, em minha opinião.
Como se tivesse calculado, Rebecca cruza nossa visão ao atravessar o
salão. Pelos modos refinados, altura e porte de dama, ela se destaca de todas as
outras, como se houvesse um holofote apenas sobre ela. Os cabelos escuros em
conjunto com os olhos do mesmo tom agregam muito ao seu visual. Sua beleza
é, como um poeta provavelmente descreveria, intocada e pura.
— Não se encontra este tipo de moça com facilidade hoje em dia.
— Concordo, senhor Fioderte — digo, sentindo seus olhos
acompanharem os meus e ela. Ela que nem parece sentir que está sendo
observada e apenas continua a andar e agir da maneira como faz naturalmente.
— Rebecca aparenta ser uma ótima mulher. E tem potencial para ser uma ótima
esposa.
— Ela é uma ótima mulher. — Me corrige, afirmando com um sotaque
carregado que não havia aparecido até agora. Isso indica intensidade. — E será
uma ótima esposa.
— Com certeza. Não esperaria menos — afirmo, imaginando se as
definições de boa esposa que eu tenho, são similares às que Vittorio possui.
— E é por este motivo, que estou aqui falando com você, senhor Accorsi.
— Não Luca. Não somos amigos. E ele deixa isso bem claro agora. — Para que
saiba que o que está recebendo é o que muitos homens gostariam de ter. O que
alguns matariam para receber. E que foi concedido a você. — Ele abaixa o tom
de sua voz. — Já tive sua idade, então não adianta tentar me enganar, como se eu
fosse algum velho tolo.
— Está longe de ser isso, senhor Fioderte — respondo.
— Aos dezenove anos, nossa cabeça tende a ir para... — suspira. —
caminhos tendenciosos. Focamos em coisas que não deveriam receber nossa
atenção. Tomamos um monte de decisões erradas e podemos perder grandes
oportunidades.
Ele toma um gole de sua bebida antes de finalizar o discurso moralmente
questionável.
— Mas isso não irá acontecer com a minha filha. — Agora ele fala como
mais do que um pai. Vejo o Capo em minha frente, o homem que dá ordens, não
avisa. E que não me vê como mais do que um menino. — Rebecca terá uma
casa, uma família e um marido digno. Pois é o que ela merece. É o que seu
sangue exige como forma de respeito.
— Nunca—
— O Madame Martino, aquele lugar podre onde passa metade de seu
tempo enfiado com seus semelhantes, se tornará apenas uma lembrança.
Arqueio a sobrancelha.
— Esteve me espionando, senhor Fioderte?
— Cuido dos meus interesses, Accorsi. E cuido de minha família.
— Mas certamente não deveria cuidar da minha vida.
A contrarresposta não cai bem e vejo o lampejo de raiva escurecer seu
olhar. O castanho — o mesmo que vejo em Rebecca — parece tão escuro quanto
carvão e noto seus lábios repuxando. Se pudesse – e conseguisse —, Vittorio
certamente cortaria minha jugular com o copo de vidro grosso que segura agora.
Mas esta não é uma opção.
Pelo menos não por enquanto.
— Está tentando me controlar, Vittorio e eu não gosto que tentem fazer
isso. — Eu engrosso meu tom de voz e decido esconder qualquer traço de receio
que tenha sentido pela sua pessoa, encarando-o de igual para igual. Vittorio
parece irritado, mas não surpreso. — Rebecca certamente terá todo o respeito
que merece. Mas não porque o senhor ordena que eu tenha, e sim porque eu sou
um homem de palavra e o que eu jurar, no dia de nosso casamento, será lei.
Imagino o que esteja se passando na cabeça de Vittorio agora. Imagens
minhas no chão, provavelmente. Meu pescoço rasgado e meu sangue jorrando.
Imagino que ele tenha as mãos sujas e um sorriso glorioso no rosto em seu
cenário ideal.
Mas na realidade, toda raiva que deixa transparecer são as veias saltadas
e o rubor na face.
— Está me entregando a sua filha, senhor Fioderte. O mínimo que deve
fazer é confiar em mim — arrisco, posicionando as mãos atrás de meu corpo.
Vittorio rasga os lábios com um sorriso frio.
— Eu não confio em ninguém, rapaz.
Eu sorrio em concordância, entendendo-o mais do que imagina.
— Nem eu.
E saio antes que ele se arrependa de me deixar vivo pela insubordinação.
Felizmente, estou usando minhas duas pernas, o que posso considerar
muita sorte.
Provavelmente peguei Vittorio em um dia de bom humor.
Amém.
A festa se arrasta por mais e mais tempo, e meu saco já está cheio. Não
aguento mais falar, conversar ou ter que agradar convidados inúteis e curiosos. E
já não posso mais tomar uísque se não quiser ficar bêbado e terminar fazendo
merda.
Por isso, quando a oportunidade surge, eu desapareço entre os
convidados, puxando o casaco do smoking para fora, sem me importar se minha
mãe pode me ver fazendo isso. Os passos são apressados na direção do único
lugar onde poderei ficar em paz, que é a droga do meu quarto, mas eu os
interrompo quando algo chama minha atenção.
Um vulto vestido de branco passa no corredor ao mesmo tempo em que
estou subindo as escadas e eu volto quando reconheço o penteado delicado e as
curvas generosas de Rebecca. Fora que, com a quantidade de tempo que passei a
observando esta noite, poderia reconhecê-la em qualquer lugar.
Com um sorriso divertido no rosto e o cansaço desaparecendo
subitamente, eu desço os degraus que subi e vou no mesmo caminho que a moça.
Não há convidados por onde passamos e eu permito que ela ganhe à frente,
enquanto sigo distante. Quando vira na porta da biblioteca, após se distrair com a
brecha aberta, eu paro e me encosto contra a parede, aproximando-me devagar
depois disso. A biblioteca é grande o suficiente e posso ver, pela fresta que espio,
quão pequena ela parece entre as estantes com milhares de exemplares.
Eu costumava vir muito até aqui.
Passava horas sentado naqueles sofás, estudando filósofos e matemáticos.
Há material suficiente ali para cultuar o mais tolo dos homens. E era como um
esconderijo para as surras constantes e todo terrorismo psicológico sobre não ser
bom o suficiente.
Mas eventualmente meu pai descobriu e repreendeu o comportamento.
Aumentou minhas horas de treino e dificultou os soldados a serem enfrentados
no Galpão. Além de, claro, me surrar com um livro grosso o suficiente para
arrancar um dente.
Um erudito não comanda uma máfia do jeito certo. Para Tony, um líder
só deve usar o instinto natural para comandar. Qualquer outra característica ou
qualidade é inútil.
O que não faz sentido, mas...
Quem sou eu além do seu herdeiro para discordar?
Tornou-me o mais duro dos homens para reforçar seu argumento. E hoje,
é raro que exista alguém capaz de me desafiar por saber que ele criou algo que
não pode ser destruído com facilidade.
Mas cabeça e coração andam juntos. Não há um sem o outro. E devemos
cultivar os dois, coisa que minha futura esposa, perdida entre livros e mais
livros, parecendo uma criança, parece entender.
Pelo menos isso.
A biblioteca não é o cômodo mais utilizado da mansão, mas tem um
arsenal rico em livros de temas como filosofia, história e economia. Alguns
livros da Accorsi, de ensinamentos e antigos livros de contas, também estão por
aqui. Há materiais escritos desde o século dezenove, que são de encher os olhos
de qualquer um que não julgue livros algo bobo.
Como me parece ser o caso de Rebecca.
Está de costas para mim, mas posso sentir o fascínio que a domina a cada
passo dado mais afundo no cômodo, percorrendo as estantes com os dedos.
Aqui, parece menor, mas nem um pouco intimidada pelos calhamaços
escondidos em cada prateleira.
Rebecca parece até mesmo maior do que na noite passada.
Tenho receio em interromper seu momento, por isso espero o minuto
certo para me fazer notável. Mantenho as costas apoiadas na parede até que seus
dedos parem e permaneçam em cima de um livro de lombada reluzente. Com
certo carinho, Rebecca puxa o exemplar da estante e o folheia, espalhando o pó
no ar. Quando ela o fecha, decido entrar.
— Boa escolha.
Minha voz corta o silêncio com maestria e ela pula, olhando em minha
direção, quase ofendida por ter sido interrompida. A capa de Romeu e Julieta
brilha quando a luz bate e eu sorrio, me aproximando da minha noivinha
trêmula. Com a boca comprimida e o peito subindo e descendo rapidamente,
pergunta:
— V-você conhece?
Os olhos arregalados me dizem o quão assustada ela se sente de estar
aqui sozinha comigo, e eu tento não me preocupar com isso, conforme me
aproximo, ligando o foda-se para os limites que deveriam estar pré-
estabelecidos.
Quando meu peito pode sentir o calor do seu, toco o livro, trabalhando a
capa com os dedos. Rebecca mantém os olhos sobre o meu rosto, enquanto
recito a frase que mais me lembro da obra.
— Estas alegrias violentas, têm fins violentos... — cito, num italiano
forte e claro. Subo os olhos e vejo o brilho do conhecimento no olhar casto e
imóvel de Rebecca.
Posso sentir sua respiração se acalmar mesmo estando longe. A boca está
entreaberta e gosto do modo como parece surpresa em escutar o que acaba de
sair da minha boca.
Talvez ela duvidasse que eu fosse capaz até mesmo de ler, pelo espanto.
— Acredito que todos conheçam Romeo e Julieta, senhorita Fioderte.
Mas a surpresa não é exatamente essa.
— Fala italiano?
— Muito bem — acrescento em sua língua materna. Foi a segunda língua
que aprendemos. — Por que a surpresa?
— Eu não pensei que... bem, não pensei que falassem minha língua por
aqui.
— Somos todos italianos por aqui, Rebecca — emendo. — Como você.
— Não são como eu.
Alço uma sobrancelha, gostando do modo como ela me responde, mesmo
que não olhe para meu rosto ao fazê-lo.
— E por que diz isso?
Com o tom de voz mais baixo, ela coloca o livro de volta na estante e
mantém o rosto virado para o móvel. Seu perfume é doce como imagino que seu
gosto seja e eu desço os olhos pelo seu corpo, que está sendo iluminado pela luz
tímida das arandelas da biblioteca.
Ela é bonita de um jeito perigoso para se estar aqui sozinha com um
homem como eu, concluo. Mas não estou disposto a sair tão cedo.
— Eles estão em casa — responde num sopro, distanciando-se.
Sua resposta surpreende alguma parte de mim, que havia associado sua
língua rápida ao nervosismo e cansaço da noite passada. Mas me enganei. Há um
fogo permanente — que queima devagar — dentro de Rebecca. E se
pressionada, ela o deixa escapar.
O que pode ser perigoso.
Perigoso de um jeito delicioso.
— Esta será sua casa em breve — afirmo, abandonando a pose de bom
menino ou o tom doce. Ela triplica sua atenção sobre mim, atenta a cada
movimento. — Seria bom se gastasse seu tempo a conhecendo, ao invés de
enxergar problemas onde não existem.
Rebecca parece intimidada, mas eu não posso fazer nada. E garanto que
não me esforço para que se sinta assim.
Ela só nunca teve um homem tão perto.
E com um passo para trás, eu decido respeitar seus limites por agora.
— Não deveríamos estar aqui sozinhos — murmura, insegura. Toca a
saia do vestido e eu cometo o erro de observá-la novamente, notando a curva dos
seios.
— Não estamos fazendo nada de errado — respondo, tocando no livro
que ela acaba de deixar ali. Pertence à minha mãe, se não me engano. Já a vi
lendo.
— É contra os bons costumes — responde, dando distância entre nós
dois com passos apressados. Eu sorrio, minha imaginação perversa trabalhando,
enquanto minha boca mente:
— O que de ruim poderia acontecer em uma biblioteca?
Tantas coisas…
— E de qualquer jeito, acho que pode ser um bom momento para falar
sobre como não procurava assustá-la com minhas palavras na noite passada.
A italiana mantém o cenho franzido e me encara com certa curiosidade.
— Luca, não é necessário. — Se apressa em dizer, movendo o rosto. —
Não se preocupe em pedir desculpas. O que aconteceu foi apenas um pequeno
mal-estar. A exaustão da viagem e a velocidade das coisas... Acabei me perdendo
um pouco em nosso primeiro contato e sinto muito se lhe dei a impressão de que
falou qualquer coisa errada.
Rindo, noto o que tenho em mãos.
Uma joia polida.
Uma ótima mentirosa.
Mas para seu azar, eu sou ainda melhor revelando mentiras. E posso ver
no modo como não olha em meus olhos, e em sua respiração desregulada, como
acaba de encenar uma bela peça em minha frente e de como eu a deixo ansiosa
com qualquer movimento ou palavra. Ela mal pode conter sua vontade de fugir
de mim.
Motivado pelo seu nervosismo, que já parece ter cheiro, me aproximo,
vendo-a se encolher como um animal medroso e indefeso novamente. Os
grandes olhos castanhos investigam meu rosto e ela usa os braços cruzados como
armadura. Sorrindo, me inclino e sou capaz de encarar profundamente seus
olhos, mergulhando no tom chocolate deles e em seu perfume doce.
— O que foi que te contaram sobre mim, Rebecca?
Ela tenta fugir com o olhar do meu, mas eu não permito dessa vez. Para
onde ela olha, eu sigo, impedindo que escape.
— O que você quer dizer? — rebate, pressionada pela minha presença.
— Por que tem tanto medo e por que tenta mentir para mim, noiva?
Sua boca treme nos cantos e a maquiagem delicada não pode esconder o
pavor que sente.
— Eu não estou mentindo — fala, mentindo de novo. Eu rio.
— Eu sei que está mentindo — sussurro, adorando a sensação de que ela
quer fugir desesperadamente. Imagino como seu pulso deve estar acelerado. —
Por isso, estou aqui e irei reafirmar algumas coisas — fixo o olhar no seu e dou
um passo à frente. Ela dá um para trás e é como uma encabulada valsa.
— Primeiro, não precisa ter medo de mim enquanto eu não deixar claro
que precisa — Subo mais um dedo. — Segundo, não pense que é uma boa ideia
ficar fugindo de mim como se eu fosse te devorar. Essa porra me irrita. — Subo
outro. — E terceiro, pare de se encolher. É patético para uma mulher crescida.
Rebecca tem a mesma expressão que alguém que engoliu a língua
provavelmente teria. E eu adoro cada pedaço disso e da inocência descarada que
eu acabo de provocar, tentando arrancá-la de sua zona de conforto.
— Tudo que eu quero menos do que uma esposa é uma boneca medrosa
que mal pode olhar em meus olhos quando estou por perto — digo, finalizando
num suspiro arrastado ao me endireitar, tensionando os ombros e tentando
parecer um pouco mais controlado. Então recomendo:
— Por isso, sugiro que dê um jeito em si mesma antes que tenhamos
problemas.
— Pensei que o medo fosse útil para homens como você — responde e
me pega de surpresa. Não esperava que fosse capaz de olhar em meus olhos e
falar ao mesmo tempo, mas acaba de fazer isso, com os ombros erguidos e a
respiração ofegante quase controlada. É bonitinho quando o filhote tenta lutar.
Eu gosto.
— É útil com ameaças, não com a mulher que vai ser minha — retruco e
vejo o que já estava ansioso, se tornar ainda mais, à beira de um pequeno
colapso. O castanho de seus olhos se perde no modo como rebate ao meu olhar
intenso e eu gosto da raiva que aparece nas bochechas cheias, tingindo-as de
vermelho.
Que delícia de mulher, ainda mais brava…
— Entende o que isso significa, Rebecca, ou ninguém te contou como é
ser a esposa de alguém ainda?
— Eu posso imaginar claramente o que é ser esposa de alguém como
você, Luca Accorsi — fala e expulsa meu nome de sua boca como uma maldição
suja. Eu rio ainda mais, porque está óbvio que não é a primeira vez que escuto
ele sendo dito dessa forma.
Mas é delicioso saber que este é o modo como ela se sente em relação ao
homem que irá tomá-la.
— Ótimo, Rebecca Fioderte — testo seu nome em minha língua e gosto
do sabor. — Porque será maravilhoso te ter como esposa. E mais fácil ainda se
você souber o quanto irei adorar devorar cada pedacinho de você, assim que
tiver a chance, querida.
Ela perde o que sobrava de coragem depois disso e antes que eu possa
falar o quão bonita ela fica coradinha, passos irrompem pela biblioteca e temos
companhia, o que força com que a bolha de calor ao nosso redor estoure e nos
coloque de volta no mundo real. No momento que vivemos. Em quem ainda
somos.
As irmãs de Rebecca aparentam total choque ao colocar os olhos sobre
nós dois e vejo um relance de fúria nos olhos de Bianca, a segunda mais velha,
quando se aproxima e puxa Rebecca para longe de mim, colocando-se como
uma parede entre nós dois.
É fofo.
— Vocês não deveriam estar aqui sozinhos! — engrossa a voz de
adolescente e eu sorrio para ela, admirando a coragem. Com os cabelos mais
escuros e cacheados que os da irmã, ela parece também ser a mais rigorosa. É
interessante. — Meu pai certamente não gostaria de saber disso, senhor Accorsi!
Aumento meu sorriso ao olhar em seus olhos castanhos raivosos, detalhe
que já me parece característico de sua família.
— Estava apenas recomendando romances para a sua irmã, senhorita
Fioderte... — brinco, encarando o exemplar de Romeu e Julieta. Rebecca segue
meu olhar e cora ainda mais, mordendo a boca num ato ansioso. O rosto ainda
está vermelho e com a respiração descompassada, o corpo definido no belo
vestido branco e toda a doçura que me aguarda debaixo dele, ela se torna uma
bela visão.
Uma que eu gosto de apreciar.
— No entanto, ainda tenho um aviso...
Volto a falar e meus olhos voam diretamente para a mais frágil dentre as
três, a moça que parece estremecer sob o som da minha voz e fica ainda mais
vulnerável quando meus olhos tocam sua pele. A postura de Beca assume a
defensiva, mas sei, por experiência própria, que ela não seria capaz de aguentar
mais cinco minutos comigo.
— Espero que não se entristeça com o final, Rebecca. Eles já eram uma
tragédia anunciada de qualquer jeito.
Deixo as três irmãs depois disso com um gosto doce na boca.

Nos dias que seguem a sexta e a festa de noivado, sinto meu corpo doer
como se houvesse dormido com quilos e mais quilos de rochas sobre o corpo. E
tudo se deve à minha noiva e aos minutos que compartilhamos na biblioteca.
No meio da noite, após algumas doses de uísque e um evento infernal,
tudo no que pude pensar foi em como seria gostoso pressionar seu belo e
delicado corpo contra uma das estantes empoeiradas e fazê-la minha por inteiro,
utilizando toda energia acumulada em meu corpo para ajudá-la a entender quem
sou e quem ela será para mim a partir do eu aceito.
Pensei tanto que a imagem ainda vive na minha cabeça, mesmo depois de
sua família já ter ido embora e eu não estar mais propenso a encontrá-la para
mais uma refeição infeliz, onde tudo que eu gostaria de provar está proibido para
mim até segunda ordem.
Na sexta, eu me controlei. E Rebecca retornou para o seu quarto sã e
salva, enquanto eu pude perder minha noite inteira com punhetas meia-boca
como um maldito pré-adolescente do caralho.
Eu nunca havia me rebaixado tanto e se não tivesse uma comitiva do
caralho em minha casa, teria ido até o bordel mais perto e resolvido o problema.
Mas sabendo que a maldita e sua família dormiam sob o mesmo teto…
Nunca me considerei um cara de muita fé, mas Deus deve estar tendo o
tempo de sua vida me castigando dessa forma.
Espero que valha a pena, grandão.
Aqueles olhos… a pose indefesa…
Aquela garota sabe quantas coisas sujas e proibidas um homem como eu
pode fazer com uma mulher como ela?
Puta merda, só de deixar a cama já pensei em quinze.
Deve ser pegadinha.
Na próxima, eles ficam num hotel. Que porra de hospitalidade toda é
essa? Limites estão aí para serem impostos.
Ou não.
Eu nunca fui um cara de me importar muito com eles, de qualquer jeito.

Na segunda-feira, um dia após a ida dos Fiodertes de volta para sua casa,
tudo parece ter voltado ao normal.
Sou liberado dos meus deveres em casa e posso respirar o ar da rua, dos
treinos com Max e da pólvora ao acompanhar o treino de tiro dos soldados mais
novos. Estevan, um dos melhores homens da Accorsi e algo como nosso parente
em algum grau, como a alguns outros por aqui também são, nos convida a
demonstrar como se deve abater um alvo para os novatos.
Com graça e sem esforço, eu e Max aniquilamos qualquer alvo que esteja
à nossa frente e arrancamos aplausos dos soldados. É ridícula a ovação, e eu
detesto a atenção, mas Max adora e brinca, curvando-se e agradecendo.
Acontece que quando você cresce com uma dessas na mão e todos os
gatilhos do mundo virados para você, torna-se difícil não aprender a se defender
de tudo – e todos.
Ser um Accorsi é tão satisfatório, quanto perigoso. É como se o
sobrenome contivesse uma maldição, algo obscuro, capaz de corromper até o
mais bravo e honesto dos homens, pois não somos, de modo algum, homens
bravos e honestos. Somos máquinas de guerra, formados para matar, agindo de
acordo com as vontades daquele que deve ser nosso líder e guiar a organização
para a prosperidade e segurança.
O que não é o que acontece.
Meu pai sempre teve um jeito muito pessoal de comandar: ele faz o que
diabos quiser e todos temos de obedecer.
Mas é difícil ser apenas mais um soldadinho de chumbo do caralho,
quando é com a sua merda que o velho está mexendo. O instinto de proteger o
que será minha responsabilidade uma vez que ele bater as botas é gigantesco e
por isso, o incômodo é tão grande ao notar o modo como ele optou por lidar com
a questão do traidor entre os nossos soldados.
Eles são como uma praga. E se espalham. Querendo abafar o surgimento
de um rato entre os nossos, expulsando boatos de vulnerabilidade, para garantir
integralmente o acordo com a Cosa Nostra, meu pai dá espaço para que qualquer
outro filho da puta que ousou conspirar contra nós fuja, aproveitando-se dos
pontos cegos que ele mantém ao ignorar a urgência do que pode estar
acontecendo sob nossos narizes, em nossa cidade.
E isso me irrita mais do que o esperado.
Por este motivo, e pela raiva que estou carregando desde a semana passa,
é que na quinta-feira, quando há uma apreensão de dois viciados em
metanfetamina na esquina de um dos nossos clubes, tão perdidos e alucinados na
droga que não conseguem disfarçar o sotaque russo de suas palavras, eu sou
chamado e presenteado com uma noite com eles.
São longas horas e litros de sangue sobre o chão e em minhas roupas
antes que eles abram a boca.
Sinto meu sangue quente a cada corte que faço e ao ver a dor refletida em
seus olhos, enxergo gloriosamente o reflexo do homem que sou capaz de me
tornar quando há um objetivo.
— Vão continuar fingindo que não sabem nada? — pergunto, escorado
contra a parede sem reboco da sala de torturas. Giro a faca afiada entre meus
dedos e sorrio ao ver o sangue brilhar de baixo da luz amarelada que pende sobre
suas cabeças. Suas unhas estão jogadas ao redor e um pouco escapa dos cortes
de seus pés, assim como de suas mãos. Ele escorre pela sala, indo na direção do
ralo.
Max, Daniel e Oliver, dois soldados, me acompanham, mas permanecem
calados. Sabem que não quero interferências e tenho muita energia acumulada
para gastar com Adrian e Dima, nomes que encontramos em suas identidades.
O mais desligado, Dima, está com a cabeça pendendo para frente e é por
isso que o desperto com um soco. O som do osso de seu nariz, que já está
partido, quebrando-se ainda mais, me faz rir e chama a atenção ao mesmo tempo
em que causa espanto no seu companheiro.
— Já dissemos tudo que sabemos. — Ele diz, na tentativa falha de
impedir que o amigo sofra. Eu acho digno. Mas não dou a mínima. — Não
temos associação com a Ivanov!
O sobrenome me faz afundar a mão na face destruída de Dima mais uma
vez. O russo grunhe, se engasgando em seu sangue e eu abro sua boca, enfiando
os polegares até segurar sua língua, ignorando a dor das dentadas.
— Você não escutou? — Adrian berra. — Não sabemos de nada!
Eu sorrio, com o joelho mantendo o tronco de Dima imóvel, enquanto
Adrian se debate, amarrado em sua cadeira. É fofinho ver como ele se importa.
Mas não o suficiente...
Tiro um pouquinho de sangue ao passar a ponta da faca bem afiada
contra a gengiva do russo.
Adrian grunhe enojado ao ver o sangue manchar meu punho.
Eu não me importo.
— Onde você consegue sua droga? — repito a pergunta.
— Com qualquer um que tenha!
Mentira.
Na área em que estavam, não vendemos metanfetamina. É impossível
que tenham conseguido com um dos nossos. E se não conseguiram com um dos
nossos..
Quer dizer que havia traficantes russos dentro da nossa boate.
Roubando nosso dinheiro e pior, se forem audaciosos o suficiente para ter
ratos em nossos clubes. Informações.
Arranco mais um pouco e acho que peguei mais fundo, pois o sangue
começa a ficar mais denso e vermelho. Começo a me interessar por um dente e
arranho a faca contra ele.
Dima chora.
— Vou perguntar só mais uma vez antes de rasgar seu amigo de dentro
para fora: onde compra a sua droga?
— Com Alexei! — esbraveja e eu recuo, contente por poder tirar meu
punho da goela do seu amigo. — Alexei Ostarkov! Ele mora em Brighton Beach
e...e...e...
— E o que, porra? — berro, ameaçando voltar.
— E não sei! Não sei de nada, além de que ele trabalha para Romeu!
Seu nome me faz grunhir e vejo Max se aproximar pelo canto do olho.
— Como você sabe disso? — Meu primo pergunta, exibindo a mesma
neutralidade que eu ao enxergar todo sangue que envolve a cena, sentindo,
certamente, o mesmo cheiro de ferro que eu. Duvidando da quantidade, é
possível até mesmo sentir o gosto em nossas bocas.
O gosto de podre.
— A tatuagem... eles têm uma... uma estrela. No peito.
Uma estrela de oito pontas, perto do ombro.
Eu reconheço o desenho e Max também. Ele acena com a cabeça em
minha direção e se afasta, certamente, indo fazer as ligações necessárias. Meu
primo tem olhos por toda cidade.
— Certo, Adrian — desprezo seu nome em minha boca. — Vê como
teria sido fácil se tivesse me dito isso desde o começo?
— Vai nos deixar ir embora? — O pobre coitado pergunta. Os olhos
escuros ainda apresentam efeitos da droga e penso o quanto usou esta noite. O
quanto comprou. O quanto nos deu de prejuízo.
Sabe, eu não detesto todos os russos. Eu não tenho nada contra o país e
não é como se eu fosse sair na caça por eles, indo até o último. Sou ruim, mas
não sou péssimo. E tenho mais o que fazer.
O que me irrita é a ideia de que Romeu Ivanov acha que pode
simplesmente vir até aqui e tirar tudo que temos, infiltrar-se em cada canto desta
cidade e tentar roubar o controle que estabelecemos há mais de décadas.
Como um rato.
Como praga.
— Vou dar uma lembrancinha a vocês — prometo, me afastando da
precariedade e fedor que os dois corpos exalam. Dima está prestes a desmaiar,
sangue jorrando de sua boca feito em uma cachoeira e Adrian arregala os olhos
quando Daniel tira do bolso, assim como ordenado por mim, algumas gramas do
cristal que os colocou em nossas mãos. — Prepare um pouco para os dois,
Daniel.
— Quanto? — Ele pergunta, sempre bom em seguir suas ordens. Os
olhos azuis passam pelo rosto dos homens à nossa frente e tem a mesma reação
que teria ao encarar dois patos em uma lagoa.
— O suficiente para que eles se divirtam — determino e Daniel entende
a ordem subjetiva em minhas palavras. Aceito a toalha que Oliver me oferece e
limpo os punhos. Adrian chama pelo nome de Dima em sua língua amaldiçoada
e o moribundo acorda, espiando na direção de meu soldado, enquanto ele
prepara a droga e a separa em injeções, optando por fazer isso da maneira mais
limpa possível. Quando as coloca em seringas, Adrian saliva, se sacudindo na
cadeira com animação e louvor.
— Obrigada, obrigada, obrigada, senhor...
— Não me agradeça ainda — peço, observando enquanto Oliver se
aproxima e ajuda Daniel. Os dois injetam as agulhas nas veias dos drogados ao
mesmo tempo e eu vejo o quanto eles sentem prazer ao recebê-la.
Eu exibo o mesmo sentimento quando eles começam a espumar, girando
os olhos até o fundo, convulsionando em seus lugares. E sorrio quando apagam
para sempre.
— Ah, aí está — Meu sorriso é lento, agradável, um tanto sádico e
certamente contente. — Não há agradecimento como este, não é mesmo,
rapazes?
Nenhum dos soldados responde.

— Nada?
— Nem uma migalha — Max acrescenta, enquanto bebemos no Madame
Martino no dia seguinte. A sexta é sempre movimentada, mas em nosso
camarote, somos os únicos homens, rodeados por mulheres e bebidas o
suficiente para tontear qualquer um. — Alexei é um fantasma, na melhor das
opções.
— O cabeça de peixe falou algo sobre Brighton Beach — lembro,
molhando o bico com um pouco da cerveja gelada. — Foi até lá?
— Enviei os homens que tinha à disposição, mas não conseguiram nada.
É um bairro predominantemente russa e se Romeu for esperto, já deu um jeito de
garantir o silêncio de todos eles.
Max respira fundo, ocupando-se em beber sua bebida. Volta a falar
depois da pausa:
— Mas poderíamos conseguir algo se tivéssemos recursos para isso.
Grunho com a sugestão.
— Isso envolveria o meu pai.
— Sim.
— E não vamos envolvê-lo — afirmo.
— Precisamos de homens se queremos invadir a porra da Pequena
Rússia, Luca! — Max argumenta, um tanto alterado. Eu mantenho os olhos
longe de sua figura, observando o clube de cima.
— Temos o suficiente.
— Eu e você? — Seu tom de descrença me incomoda.
— Sobrevivemos até aqui, não é?
— Por mais sorte do que habilidade, eu diria.
Reviro os olhos para o seu comentário e termino minha cerveja. O gosto
é adocicado perto do meu uísque favorito e eu faço sinal para uma das
garçonetes que nos rondam como moscas, para que troque a bebida.
— Teremos tempo para lidar com isso se tomarmos cuidado — murmuro.
— Podemos ir aos poucos, mas garantir que algo está sendo feito. Impediremos
que os ratos se multipliquem e seremos úteis, sem envolver meu pai ou seus
surtos por querer agradar a Vittorio.
— Ele é nosso Capo. Deveria saber o que fazemos.
— Eu também serei seu Capo um dia, se isto alivia sua consciência —
ironizo. — E agradeço por sua lealdade desde já.
Max solta uma risada leve, talvez um pouco embriagada.
— Você é um fodido de merda.
— Obrigada.
Termino de beber minha primeira dose de uísque depois disso e penso
que haverá um pouco de paz pelo resto da noite.
Mas me engano.
Porque Mikaela Martino acaba de chegar em nosso camarote, como se
tivesse sido convidada ou, pior ainda, fosse bem-vinda.
Em um vestido roxo, que gruda no corpo com zero gordura e o olhar
sedento como o de uma víbora escondida por trás de boas intenções, a cafetina
se aproxima de nós dois e traz junto duas de suas garotas com baldes e
champanhes. A expressão intocada de Madalena não me passa despercebida
quando ela para ao meu lado.
— Bem-vindos, garotos! — sorri, exibindo todos os dentes. A pele negra
reluz sob os focos de luz do clube e o brilho dos diamantes que tem nas orelhas
se destaca. Me pergunto se são novos presentes. — Acabei de ser avisada de que
estavam aqui.
— Quem terá sido o santo? — Max ironiza, terminando sua cerveja. Ele
aceita uma taça de champanhe de Kira, uma das garotas, e ela sorri para ele.
— O que você quer? — pergunto, recusando a aproximação sútil de
Madalena. Meu uísque continua parado entre meus dedos e a segurança de não
aceitar ofertas da cafetina é a melhor escolha.
— Mimar um pouco meus garotos — fala, exibindo pura ironia no modo
como se comunica. Seus movimentos parecem calculados, enquanto ela caminha
até o divã no canto, encoberta dos olhares de curiosos lá embaixo. — Saber
como anda o mais recente noivo desta cidade.
— Muito bem — rosno, a fim de afugentá-la. Endireito minha postura no
pequeno sofá que eu e Max dividimos e sinto o olhar dele carregado sobre mim.
Ele sabe o quanto detesto a presença da cafetina. E o quanto a desprezo
por andar por estes corredores e cidade, montando seu nome e sua fama em cima
do fardo de ser a amante do meu pai.
Há mais de vinte anos.
Em um de nossos compromissos, honrar e respeitar nossas esposas é uma
obrigação. Mas para Antônio, isto parece estar abaixo de quem ele é e de suas
vontades e desejos por ser Capo. Mikaela, tendo crescido na mesma casa que ele,
abrigada pela família como empregada, está em sua vida há mais tempo do que
qualquer um de nós, inclusive minha mãe, e todos sabem do relacionamento
mantido entre os dois e de como é ela que esquenta a cama do Capo nas noites
em que Tony não dorme em casa.
Isso explica os motivos para que minha mãe a odeie. Porque todos nós a
odiamos.
Mas nosso ódio pode ajudar em pouca coisa, considerando o quanto sua
bunda é protegida pelo homem que a come.
— Ouvi boatos sobre a beleza da filha de Vittorio Fioderte... — continua,
cruzando as pernas. — Dizem que se parece com um anjo.
— Não é da sua conta — rosno, enfrentando seu olhar por um segundo.
— Frágil como um cristal, pura como água... — Mikaela continua, me
fazendo umedecer os lábios, enquanto penso em como seria gostoso cortar sua
garganta. — Você vai estragar todo o trabalho duro de Vittorio em um segundo,
não é mesmo, meu querido Luca?
Eu pretendo, penso com um sorriso demorado, mas isso não é da conta
dela.
Nada é da conta dela.
— Meu pai não está aqui, Mikaela — aviso, em um tom cauteloso. — Se
eu fosse você, tomaria cuidado com o tipo de homem que você quer irritar esta
noite.
A ex-prostituta sorri diante da ameaça velada.
— Tony sempre está de olho em mim. — E agora quem está ameaçando
é ela, com um sorriso entre os dentes e uma pompa que me enoja. — Sabe como
seu pai pode ser... territorial.
O mistério envolto em suas palavras me dá ânsia de vômito. Max,
parecendo divertir-se muito com Kira no colo, nem me dá bola.
— Saia daqui — ordeno, mal-acostumado a ser obedecido por todos.
Mikaela, de novo, apenas sorri.
— Tenho certeza de que será um ótimo casamento — acrescenta e eu,
num pequeno impulso, bato o copo de vidro contra a mesa em minha frente.
Agora Max me olha e Mikaela, enfim, se levanta, pronta para ir embora.
Mas antes de descer as escadas que a levarão para longe da minha visão,
para ao lado de Madalena, que hoje não usa nada além de linhas finas de tecido
para cobrir sua boceta e seios, e toca os ombros da prostituta com certo carinho,
enrolando os dedos em seus cabelos dourados, com um sorriso perspicaz ao
dizer:
— Mas caso ela não seja capaz de lhe dar o que precisa, sabe que sempre
terá o Madame.
Eu desvio os olhos da prostituta no mesmo segundo e foco na cafetina.
Ela sai antes que eu me levante e isso é bom para nós dois, pois eu sei a
que situação em específico ela se refere e qual é o motivo de seus olhos
brilharem tanto quando nos enxerga em seu território.
A competição com a minha mãe vem apenas de sua parte, mas é o
suficiente para irritar qualquer um, com a inveja descarada que Mikaela exibe
pela esposa de Tony. E se pudesse, por desonrar o nome de Rosalind, eu a
despedaçaria em milhares de pedaços e a faria sofrer do mesmo modo como faz
com minha mãe, que há anos, assume a posição de outra mulher na vida de
Antônio, longe de ser a principal e única.
Mas talvez meu erro seja pensar em despedaçar a amante e não o marido.
Ou talvez, minha raiva tenha, de fato, alguma razão no modo como conduz as
coisas.
Porque matar meu pai não apenas me traria problemas.
Me mataria.

Recuso qualquer mulher que se aproxima na intenção de me dar um


pouco do seu tempo e Max nota isso com certa suspeita, mas fica em silêncio e
logo encontra uma forma de gastar sua energia com Kira. Eu sou deixado
sozinho no camarote e não demora muito até que eu desista de continuar nessa
merda.
Diferente da última vez em que eu estive aqui, não há nada que me force
a colocar as mãos em qualquer uma das garotas que se oferece e eu não me vejo
fazendo isso agora, depois da visita de Mikaela ou ao encarar a aliança grossa de
ouro que reluz em meu dedo. Ela chama o dobro de atenção depois de ter
lembrado da repulsa que é encontrar a puta de estimação de Tony.
Eu não posso desonrar minha maldita noiva desta forma. E embora
ainda não sejamos casados, carrego seu nome comigo desde o momento em que
me comprometi com as alianças. E ao foder essas garotas...
Porra, eu estou me comparando ao meu pai.
E isso eu não posso permitir.
Bebida eu tenho em casa e ver toda essa quantidade de peitos e bundas
não está exatamente me ajudando esta noite. Desde que defini ter um objetivo, é
ele a única coisa que me interessa.
Caso as coisas mudem um dia e Rebecca se demonstre inapta a cumprir
suas funções ou simplesmente um pé no meu saco, eu volto, mas hoje…
Hoje ela é tudo que me interessa até que eu tenha o que venho desejando.

Na saída do clube, estou colocando meu cigarro fora e puxo as chaves


quando um assobio me impede de chegar até o carro. A arma em minha cintura
ganha relevância e eu coloco a mão sobre ela, mas não há necessidade de puxá-
la quando um rosto conhecido aparece e eu reconheço Fred.
Ele se aproxima com o sorriso solto de sempre e a mesma malemolência
ao caminhar. O cabelo escuro passa da altura das orelhas e os olhos saltados se
destacam do rosto fino. Fred tem a desenvoltura de um moleque criado nas ruas,
com os privilégios de ser filho de um soldado Accorsi. É juramentado, assim
como nós, mas realiza missões para meu pai em todo canto onde se tornar
necessário.
Por isso, nem sempre está por perto, mas porra, é uma ótima companhia
quando o encontro. Treinamos juntos desde crianças.
— Puta merda… — rindo, aperto a mão do soldado que me puxa para
um abraço. — Da última vez que tive notícias, você estava na França.
Ele conquistou uma barba rala durante estes messes em que não nos
vemos e parece mais forte também. Talvez o tempo no exterior tenha lhe feito
bem.
— Estive lá nos últimos seis meses trabalhando em algo para o seu pai —
explica sucintamente. Esconde as mãos nos bolsos e dá dicas sutis de que este
não é um assunto que possa ser discutido em público. — Ele solicitou meu
retorno há alguns dias. As coisas se complicaram por aqui, hm?
— Os russos estão de volta — falo, vendo-o concordar. Provavelmente
por isso foi convocado. Precisamos fortificar Nova York de todas as formas.
— Mas pelo menos voltei e posso ver com meus próprios olhos uma
aliança em seus dedos e parar de achar que todos estão mentindo para mim —
desvia o assunto e me faz ter o impulso natural de escondê-la.
Abaixo o braço e enfio a mão em meu bolso, exibindo uma risada
nervosa, que de pouco ajuda a esconder meu desconforto.
— É, então você ficou sabendo...
— Todos estão sabendo — diz, cheio de graça, me provocando apenas
pelo modo como se porta e me encara. Parece ver todo humor da piada que não
estou enxergando. — É a filha de Vittorio Fioderte, Luca. É uma grande coisa.
— É só uma mulher — respiro fundo, espantando as lembranças que
insistem em voltar quando penso nela. Seu rosto esteve morando insistentemente
na minha mente nos últimos dias, principalmente a cor misteriosa de seus olhos e
a lembrança dos modos cheios de ingenuidade e bons modos.
É, eu tive longas horas de banho.
— É a sua mulher — corrige, sustentando meu olhar apático. — Isso
torna tudo diferente.
— Voltou para receber o seu convite? — ironizo, acabando com o meio
sorrisinho em sua cara.
— Não. Voltei porque respeito às ordens dos meus superiores e porque
preciso de dinheiro para sustentar a minha filha.
A novidade me pega de surpresa e já não sou o único desconfortável aqui
agora.
— É pai? Que porra é essa, Fred?
Ele confere o relógio.
— Na verdade, tenho uma mulher grávida em casa, mas... — define, e eu
ainda estou surpreso. — Ela pode esperar algum tempo enquanto eu te atualizo
das novidades e vice-versa. Parece que perdemos muita coisa na vida um do
outro, Luca.
Com um meneio, concordo.
E cinco minutos depois, estou me atualizando da vida de Fred com uma
cerveja gelada o suficiente para me ajudar a ignorar as encaradas descaradas de
Mikaela em nossa direção, acompanhadas de um sorrisinho torto e orgulhoso.
Como se ela tivesse certeza de que eu não iria embora tão cedo e de que
não sou tão diferente assim do homem ao qual ela aquece a cama.
Maldita.
O tempo passa voando após chegarmos em casa. Mas os três dias que
passei na mansão Accorsi ainda assombram cada um de meus pensamentos e
guiam meus movimentos, considerando o quão diferentes estão as coisas agora.
Todos me veem como a noiva de um homem perigoso e de potencial
desconhecido. Um homem que me tomará quando for a hora, e a quem,
baseando-me em suas interpretações, pertenço.
Como um pedaço de carne.
Para tentar apagar as memórias de Luca e seu olhar ou suas palavras
terrivelmente carregadas de emoções com as quais nunca me deparei, eu anulo
qualquer chance de conversa que possa levar a tópicos delicados. Minhas irmãs
não mencionam meu futuro casamento e Matteo nem mesmo precisa fazer
esforço.
Não posso dizer o mesmo de nossos pais, que agem como se a aliança em
meu dedo fosse um troféu e me exibem para todos os associados, subchefes,
capitães e extensão de suas famílias. O círculo social da Cosa Nostra parece mais
interessado em meu casamento do que em qualquer guerra ou desavença que
possa estar por vir. Os homens festejam e as mulheres, principalmente as amigas
de mamãe, querem saber como é Luca Accorsi, quando me casarei, como será
meu vestido e quantas propriedades possuirei.
O que torna um inferno viver sobre a minha pele.
Pelo menos, na mansão Accorsi, havia movimento o suficiente para me
fazer ignorar a presença de Luca. Com tanta gente, é difícil ficar dentro da
própria cabeça e é fácil se distrair. Mas aqui…
Nossa casa nunca foi um lugar aconchegante.
É uma mansão ampla, uma clássica vila italiana, capaz de acomodar
inúmeros hóspedes e com diversas casas que formam uma, nos pés de uma
colina verde, bonita o suficiente para tirar o fôlego de todos e nos proteger de
eventuais inimigos. Mas para mim, nunca foi estranho ter de conviver apenas
com cumprimentos de bom dia e boa noite ou o som tímido dos empregados se
movimentando e trabalhando na cozinha, como se estivessem cometendo um
crime ao perturbar a paz imaculada da família Fioderte. Isto foi com o que eu
cresci acostumada.
Mas de todo modo, dizem que você só pode estranhar o que tem, quando
vê como é a vida de outros. E eu nunca havia visto qualquer outra realidade, seja
ela qual fosse.
Tudo que existiu para mim, até a última semana, fora isto. A imensidão
oca destas paredes antigas construídas pelo meu tataravô, inspirado nos palácios
italianos, que filósofos e mercadores antigos possuíam. Nunca houve muito a se
admirar fora destes muros, que sempre me mantiveram segura — e reclusa.
Como se eu estivesse à parte do mundo.
Tampouco tinha ciência de que havia tanto mistério acerca de quem eu
sou. Sei, pois é notável e por questões de segurança, que o meu rosto e o de
minhas irmãs, não costumam estampar capas de revista, mas nunca senti que
estava sendo escondida do mundo.
Só que era ele que estava sendo escondido de mim.
Tudo é diferente quando você se depara com a realidade e vê o quanto
pode ter perdido, protegida até o último segundo, antes de ser jogada para os
leões, como estou sendo, e ter de encontrar uma maneira de sobreviver.
E com Luca… eu precisarei de muito para sobreviver. Seja pelo seu
comportamento hostil, as sacadas rápidas e até mesmo por inteiro, levando em
conta o fato de que seu próprio corpo pode ser uma arma contra mim e qualquer
outro que ouse incomodá-lo.
Não vejo como poderei um dia confiar, amar e respeitar alguém assim,
que parece tão instável e impulsivo quanto um homem das cavernas. Nem
mesmo sei se em algum momento serei mais do que a mulher que carrega seu
nome e futuramente, seus filhos, e me esforço muito para não criar expectativas
em relação a isso, mas é tão difícil me deparar com a frieza de contratos e
acordos que ditam minha vida, mas que não podem ser ditados por mim ou
minhas escolhas.
Mas talvez, se ainda houver em mim alguma centelha de esperança que
eu possa usar, posso ver Luca como mais do que um peso, um fardo e uma
espécie de punição. Se ele permanecer em seu canto, e eu no meu, com a gama
de possibilidades que ser a esposa de alguém como ele poderá me oferecer,
talvez Luca signifique mais do que meu final e o término de minha liberdade.
Talvez ele seja apenas o começo de uma nova Rebecca. Uma que vê o
mundo e não sente medo dele ou tem de se esconder, esperando que algo
aconteça para que possa ver o exterior com os próprios olhos.
Talvez Luca Accorsi seja apenas o começo de quem estou destinada a
ser.
É uma noite de sexta comum, algumas semanas depois de termos
voltado, quando meu irmão pede que o acompanhe em um jantar. Não é algo
novo, considerando que há muitos anos assumimos os compromissos aos quais
nossos pais não poderiam comparecer — ou apenas não gostariam — e
acabamos sendo tão importantes quanto eles, reconhecidos por nosso nome.
Matteo está parecendo o futuro Capo em um smoking preto, escuro como
carvão, enquanto ajusta sua gravata-borboleta. A barba foi aparada e os olhos
castanhos — num tom mais claro do que os meus —, parecem calmos,
aparentando uma espécie de paz instável, que de certa forma, sempre se faz
presente.
Nas últimas semanas, Matteo vem se dedicando o suficiente a Cosa
Nostra para arrancar elogios de nosso pai, o que é raro — e o que significa que
há algo em jogo. Vittorio não desperdiça palavras em vão para afofar o ego de
qualquer um, o que significa que Matteo está focando em coisas importantes.
E são tais elogios e ações que me fazem realizar que não estarei aqui
quando meu irmão for o Capo.
Empurro a tristeza que ameaça assumir o controle de minhas feições e
me dedico a dar os últimos toques em meu vestido verde-água, claro o suficiente
para fazer contraste com meus cabelos e olhos escuros. Um enfeite de brilhantes
em forma de concha mantém meus fios presos no topo da cabeça num coque
alto.
No entanto, quando o carro para, pouco importa ter tentado esconder
qualquer sentimento de Matteo. Ele pode me ler com facilidade absurda.
— O que houve? — pergunta, como o irmão zeloso que sempre foi. Atrás
dele, a mansão da família Palermo se estende até o limite de nossas vistas e há
um movimento significativo na entrada. — Algo errado? — Quase posso sentir a
preocupação que exala dele quando olha em volta, trabalhando com seus
próprios olhos, pois não confia nos de nossos soldados, nem em ninguém.
— Você está incrível hoje — sorrio, tentando não tornar isso numa sessão
ininterrupta de lágrimas. Me mantive bem durante as últimas semanas, sem soar
como uma tola e quero continuar assim hoje. — E vai encantar a todos dentro
desta casa.
Ao entender do que se trata, Matteo exibe um sorriso leve no canto dos
lábios, tocando a ponta da minha bochecha. Seu toque é gentil, diferente de
como agirá uma vez que estivermos lá dentro.
— Já está sentindo saudades, Becky?
— Não seja implicante...
— Não estou — afirma. — Mas não gosto deste brilho triste nos seus
olhos.
Eu pisco algumas vezes, tentando espantar qualquer brilho que ele esteja
vendo. É inútil.
— É só que tudo parece uma despedida. Isso... Eu e você — O motorista
deixa o carro após um olhar duro de Matteo, que com certeza prefere privacidade
quando eu começo a falar coisas tão sentimentais. Sentimentos não são bem-
vistos em nosso mundo. Não passam de bobagem.
Engolindo meu choro, sentindo como se ele fosse uma pedra atravessada
em minha garganta, digo, forçando um sorriso:
— Eu não havia me dado conta disso até ver você todo adulto e
engomado.
Matteo, reflexivo dentro de sua própria mente, mantém o olhar fixado em
meu rosto. Então, se inclina para a frente e beija o topo da minha cabeça, num
gesto simples, mas que me diz o suficiente.
Ele também sente muito.
Mas não é como se ele pudesse — ou estivesse disposto a — chorar da
mesma maneira que eu faço, sem ser criticado por isso. Talvez meu irmão nem
mesmo saiba como é fazer isto, se colocar em uma posição vulnerável. Homens
não são ensinados a sentir qualquer coisa além daquilo que mantém seus
corações batendo.
Raiva.
Saímos do carro depois disso. Eu, bagunçada por meus sentimentos
mistos, e ele, com o peito estufado, ainda mais motivado a me defender de
qualquer olhar invasivo ou curioso, me ajudando a desviar das perguntas ácidas
ou dos questionamentos em exagero.
Matteo me mantém ao seu lado a noite inteira e sua atenção só parece se
dividir, escapando um pouco da proteção quase sufocante que mantém sobre
mim, tratando-me como sua irmãzinha, quando Luna aparece, atravessando o
salão junto de seu pai, mãe e irmã.
Ela se destaca por usar um tom escuro de marsala, com os cabelos loiros
jogados sobre os ombros magros, de ossos bem-marcados e ter os olhos verdes
cobertos por uma maquiagem séria, de arrancar suspiros. Luna também se
sobressai ao núcleo Bellucci pelo seu tamanho pequeno ao lado do patriarca.
Lourenço tem um biotipo cheio e preenche a sala com sua voz grossa, além da
presença naturalmente autoritária, reafirmado pela posição de Consigliere de
meu pai, o que lhe concede todas as honras.
Considerando a relação próxima entre os dois homens, é fácil
compreender como Luna se tornou minha melhor amiga desde o momento em
que brincávamos pelos jardins da minha casa e não nos importávamos muito
com nada além de atirar pedrinhas no lago ou trançar nossos cabelos. Ela,
diferente de Serena e Nina — amigas que surgiram posteriormente —, me
entende e sabe qual posição ocupamos.
Está tão engessada pela Cosa Nostra quanto eu, presa por seus rótulos e
regras arcaicas. E é por reconhecermos isso e o quanto nossa união é importante,
que ficamos tão felizes toda vez que nos encontramos em ambientes como este.
É como encontrar alguém que te entende perfeitamente.
O sorriso largo que ela exibe ao me encontrar aqui de pé representa isso.
No entanto, como é de praxe, seus olhos escapam para cima de Matteo e vejo
meu irmão acenar educadamente na direção da garota, reconhecendo sua
presença. E se formos honestos pelo modo como ele demora olhando, sua beleza
encantadora.
Os cabelos loiros, como os de uma estrela de cinema que gasta muito
tempo no salão de beleza, junto dos olhos esverdeados com a boca fina pintada
de vermelho conferem a ela um visual ousado, considerando o do resto das
convidadas. Mas este é o jeito de Luna se expressar, desde que somos
menininhas: ela ousa nos pequenos detalhes e às vezes — raramente —, até
mesmo exagera.
Mas não hoje.
Hoje ela acertou.
Caminhando em nossa direção, todos os olhares a acompanham e os
convidados não se importam de desviar quando nos abraçamos em cumprimento.
Ao me reconhecerem, ficam ainda mais afoitos, como se houvessem se lembrado
de quem eu sou e o que o anel em minha mão significa.
— Não ligue — Luna sussurra ao apertar minhas mãos, esboçando um
sorriso gentil. — Eles não passam de um bando de invejosos.
Eu me esforço ao máximo para rir.
— Não vejo muito bem o que poderiam invejar por aqui…
— Alô? Terra chamando? — Seu jeito extrovertido me faz rir de verdade,
mas eu me contenho, sabendo que temos toda a atenção do salão em cima de nós
duas. — Beca, não sei se você sabe, mas a aliança que você está usando já
explica muito para qualquer um. — Ela puxa minha mão. — E garante que você
conseguiu um ótimo casamento. Quantos quilates tem? Uns seis?
— Eu o vi por apenas três dias… — volto a dizer, recolhendo minha mão
antes que o anel ganhe mais peso do que já tem.
— Já é mais do que qualquer um aqui terá antes de ter o marido
escolhido — ironiza e sinto que a piada é feita perto demais de casa. Por sorte,
ela não dá seguimento ao assunto e respeitosamente, cumprimenta meu irmão.
— Olá, Matteo.
— Luna — Ele acena, sempre educado, sempre meio engessado.
— Cumprindo seus deveres de guarda? — A loira questiona e eu sinto
que estou presenciando mais do que eles deixam à mostra.
— Como sempre. — Ele diz, sorrindo levemente em resposta.
Luna devolve o sorriso e volta a me olhar, mas não permito que flagrem
o brilho de diversão em meus olhos pelas faíscas que escaparam durante a
interação dos dois – assim como sempre escapam.
A este ponto, eu diria que só não estão juntos porque Matteo não fez o
pedido.
Com toda certeza, seria uma relação abençoada por Lourenço, pai de
Luna. Não vejo nada mais honroso para qualquer uma do que ser esposa de um
homem como meu irmão, o que significa que a recusa a este assunto deve vir da
outra parte.
Meu pai.
Posso pensar em alguns motivos pelos quais um casamento de Matteo
com alguém tão próximo e de lealdade garantida como a filha do Consigliere
não seria algo vantajoso para o Capo, mas comigo casando com o herdeiro de
uma máfia nos Estados Unidos, abrindo o seu leque de opções desta forma…
Alguns podem ter vantagens com isso.
E eu gostaria de ver Luna e Matteo juntos. Fariam um belo casal. Eu teria
lindos sobrinhos e de certa forma, ela entraria de vez na família.
Seríamos inseparáveis.
— Deixarei as duas à sós por um instante e irei conversar com Lourenço
sobre alguns detalhes — Matteo explica, soltando sua taça, sem pressa nenhuma
no movimento. — Volto logo.
Agradeço o espaço e Luna se posiciona ao meu lado, olhando para o
salão cheio que se estende à nossa frente. Há homens e mulheres circulando,
contornados por garçons de white-tie e certa tensão nos ombros, enquanto
carregam doses de champanhe milionário para mafiosos arrogantes.
Eu também teria medo se fosse eles.
— Então, como é ser uma moça comprometida em um evento como
esse? — Minha amiga volta a falar e eu desvio minha atenção das outras pessoas
próximas.
— Não fui abordada por nenhum rapaz — lembro de primeira.
Normalmente, haveria uma fila apenas para perguntar como estou me sentindo.
Ou como está meu pai. — Ou talvez eu esteja apenas feia essa noite.
— Você está linda! — Luna diz, sem deixar espaço para outras
interpretações. — Mas de qualquer jeito, isso é bom, não é? Significa que o anel
está cumprindo seu papel e sendo um belo aviso para todos.
— Aviso de que?
— De que devem se manter longe — acrescenta, um sorrisinho travesso
apontando no canto da boca. — A fama do seu noivo o precede, você sabe...
É nesse momento em que ela aceita uma taça de champanhe e pisca para
o garçom em agradecimento. O homem sai corado, como se tivesse cometido um
crime e temesse pelo próprio pescoço.
— Não havia ouvido falar nele ou em sua família até chegarmos lá… —
lembro, como se isso diminuísse a influência da família Accorsi.
Luna não cai nesse papo.
— Garotas como eu e você vivem à parte, Rebecca — fala, grudando a
língua no céu da boca, emitindo um estalo de descontentamento. — Não é
novidade que não sabíamos quem eram os Accorsis. Sinceramente, não é
novidade nem se não soubermos o que há do lado de fora das casas nas quais nos
mantém trancafiadas...
— Eles são importantes em Nova York — digo, me lembrando da casa,
dos carros e dos soldados. — E ricos. Ricos o suficiente para…
— Para fazerem seu pai renunciar ao maior tesouro da vida dele — Lu
suspira, tocando meu braço. Quando a olho, há menos alegria e qualquer
irreverência em sua pose ou nos olhos cor verde menta. — Sentirei sua falta por
aqui, amiga. E tenho certeza de que Matteo, pelo modo como estava posto ao seu
lado, também.
— Ainda falta muito para que qualquer coisa aconteça, Luna — suspiro,
tentando negar o que não pode ser negado, mais uma vez. — Nosso casamento
será apenas na primavera.
— Meses, Rebecca — lembra. — Temos meses antes de você se mudar.
E tudo mudar também.
E não há nada que eu, ela ou Matteo possamos fazer.
— Sempre sabíamos que este momento ia chegar, Lu — murmuro,
acenando para a senhora Palermo. Ela faz sinal de que virá falar conosco em
breve e eu penso se podemos fugir. — É o nosso destino. Para o que fomos
criadas.
Servir, obedecer e agradar.
— É o nosso castigo, isso sim. — Tem a coragem de dizer, endireitando
os cabelos louros e lisos. Eu a encaro como se houvesse blasfemado dentro da
igreja. — Por sermos mulheres. O maior crime de todos.
— Você não combina com a menina revoltada com o sistema em que
vivemos, Luna — digo. Ela concorda com um suspiro de desdém. — De onde
veio isso agora? Pensei que estivesse conformada com a nossa realidade.
— Acho injusto que de todas, seja você a ser entregue primeiro. Becky,
você é minha amiga desde que mal podíamos falar. Eu conheço você como
ninguém. E sei o quão pura você é. O quão bem-educada, doce e gentil consegue
ser. E como ninguém neste mundo merece colocar as mãos em você se não for de
sua escolha que o façam.
Fico em silêncio, surpresa com a enxurrada de elogios. Ou o destaque
para as minhas fraquezas.
— Mas, enfim, acho que é isso que a torna tão valiosa, B— fala, como se
pensasse alto demais. Então, aperta minha mão e sorri em minha direção, com os
olhos de quem gostaria de fazer mais, de falar mais. Há um fogo dentro dela, que
vejo agora mais claro do que nunca. O de alguém que não pretende obedecer e
ceder pelo resto da vida. — Espero que cuidem tão bem de você quanto merece.
Eu sinto um aperto profundo no peito quando seus olhos se enchem de
lágrimas e jogo o dane-se para a etiqueta na qual fui doutrinada a vida inteira, ao
puxá-la para meus braços, abraçando minha melhor amiga que sente minha dor
como se fosse sua e agradecendo-a por isso da maneira que consigo.
Luna me entende mais do que ninguém e sabe que não há escapatória
para nenhuma de nós do único destino que nos reservaram já na maternidade.
Se as coisas fossem diferentes… imagine o que poderíamos fazer? O que
Luna poderia ser? O que eu poderia ser?
Seríamos muito mais do que enfeites em vestidos bonitos, certamente.
— Não queria interromper, meninas, mas… Todos estão olhando. — O
anúncio de Matteo nos separa e Luna olha em volta, as bochechas esquentando à
medida que realiza o quão chamativa nossa cena se tornou. Com uma risada
folgada, ela limpa a única lágrima que escapou e eu rio, enxergando a expressão
confusa de meu irmão.
O que ele poderia entender sobre a dor que compartilhamos, afinal?
— Algo aconteceu? — indaga.
Luna se responsabiliza por falar por mim.
— Não é nada com o que precisa se preocupar, Matteo. Desculpe pela
cena. É que…
— Aqui. — Ele puxa o lenço do bolso superior do casaco do smoking e o
oferece a loira ao meu lado. Com surpresa, ela o pega e eu esboço um fraco
sorriso com a cena. Ele é um cavalheiro de um modo que já não fazem mais. Um
homem como todas deveriam conhecer. — Não precisa se explicar para mim.
Eu me sinto à parte da conversa, e penso em me afastar, mas meu irmão
parece pressentir isso e coloca os dois olhos sobre mim e minha expressão
contente. Nos comunicamos rapidamente pelo meio olhar trocado e ele pigarreia,
tentando esconder o que quer que eu tenha visto.
— Eu já cumpri minha cota de conversas por hoje e sinceramente, já tive
o suficiente de toda essa baboseira também — diz, numa atitude que surpreende
a nós duas. — Quem sabe possamos ir comer alguma coisa que não envolva o
tempero da cozinheira dos Palermo?
— Está tão ruim assim? — Luna indaga.
— Pior do que da última vez. — Matteo responde, abrindo um sorriso
relaxado. É diferente do modo como fez a noite inteira. Como se ele se
permitisse ser mais do que o filho de Vittorio agora. Como se entendesse pelo
menos um pouquinho do que se passa em nossas mentes e corações. — Há um
restaurante ótimo aqui perto. Consigo uma mesa em cinco minutos.
— Mas podemos fazer isso? — pergunto antes que ele puxe o telefone do
bolso. Matteo me encara com um olhar divertido, como se estivesse disposto a
jogar tudo pelos ares.
— Você está indo embora, Beca — simplifica. — Podemos fazer o que
quisermos.
Luna sorri em concordância e eu busco qualquer sinal de que Matt esteja
brincando, mas ele não está. Então, eu decido levar a sério também e permito,
assim como Luna, que ele me conduza para fora do salão sob os olhares atentos
de todos os convidados.
E quando estamos comendo nossos pratos favoritos e rindo sobre como
Márcia Palermo sempre tem os piores cardápios ou enquanto os observo discutir
sobre eu ter ou não precisado usar aparelho por três anos — como se essa fosse a
discussão mais importante de seus dias — e Matteo a serve vinho, fazendo Luna
apreciar sua educação e modos (e tentando fazer a adoração passar despercebida
por mim) eu penso que ficarão bem sem mim.
E que encontrarão um jeito de preencher o vazio.

Depois do final de semana, algumas semanas se passam e durante elas, se


torna impossível evitar o assunto casamento. É o que todos querem saber e tudo
que importa para minha mãe, e portanto, sou obrigada a me envolver, mesmo
preferindo morrer a ter de fazer isso.
Tudo que faço, sou ou penso envolve o dia de meu casamento que acaba
de ser definido para acontecer no dia doze de março do ano que vem. E, como eu
temia, a partir do momento em que há uma data, estou sentenciada a uma dieta
restrita que, segundo Verônica, minha mãe, permitirá que eu pareça impecável e
menos vulgarmente redonda em meu vestido de noiva.
Daqui a seis meses.
Estou proibida de comer qualquer coisa que envolva gordura. E talvez eu
só veja algo com açúcar em outra vida.
Mas eu já deveria esperar por isso. Minhas curvas sempre foram um
problema para a minha mãe. E para mim, de certo modo, também.
E falando sobre o vestido, o estilista escolhido é clássico, mas não um
tradicionalista exagerado, o que mostra que minha mãe procura agradar aos
Accorsi.
Os três dias de visita — além de qualquer que seja as fofocas das quais
fica sabendo —, indicam que eles não são tradicionalistas ferrenhos como nós ou
a maior parte de nosso círculo social, forjado nas regras de conduta da Cosa
Nostra. O que propõe a minha mãe o desafio de agradar todos os lados, pois
temos nosso costumes e regras. No entanto, é a eles que serei entregue e sua
satisfação parece estar acima de tudo, contanto que não haja problemas em me
aceitar como uma deles.
Então sem vestidos bufantes ou mangas extravagantes.
Serei apenas mais uma noiva normal.
Na medida do possível.

DOISMESES
DEPOIS
Perto do início de Dezembro, estou praticamente morando no ateliê.
Nesta época, o croqui já foi feito e sabemos qual caminho seguir. Visto
mais branco do que pensei que poderia usar um dia, testando o contraste dos
tecidos na frente da minha mãe e dos estilistas. E por eles possuírem uma sede
em Nova York, o trabalho será finalizado na minha futura casa. Por isso,
precisamos adiantar o necessário para que todo o trabalho não se sobreponha
uma vez que estivermos por lá.
Aulas de reforço no inglês também são uma adição na minha rotina já
bastante movimentada. Treino por horas à conversação e diálogos. O intuito da
minha mãe é que eu perca o sotaque e pareça uma legítima americana, como se
Luca não estivesse se casando comigo justamente por ser italiana.
Mas todos agem como se ninguém fosse aceitar, muito menos querer,
uma garota que apenas finge ser algo. Querem a dama perfeita, com o sotaque
nova-iorquino e a capacidade de acenar, andar e cumprimentar. Nada além disso.
Nada em exagero. Nada faltando.
Como uma maldita boneca.

Já posso sentir o ar natalino chegando quando embarcamos para Nova


York novamente. A ceia este ano será realizada com a reunião das duas famílias,
como maneira de estreitar os laços.
E é uma sensação nova pisar na cidade depois de tanto tempo,
considerando o pouco tempo que resta até que o grande dia chegue.
Felizmente, dessa vez, meu pai opta por recusar o convite de
hospedagem dos Accorsis e ficamos em um hotel.
O prédio é central — e protegido — o suficiente para que eu sinta o
fervor da cidade que nunca dorme e passe todo tempo livre que tenho, olhando
pela janela até me sentir tonta pela intensidade das luzes e a quantidade — e
velocidade — dos carros. Há tanta gente aqui, que me pergunto como pode caber
todo mundo.
Acostumada com a pacificidade e silêncio do interior, além do conforto
proporcionado pela familiaridade da minha casa, é esquisito me sentir tão
pequena em comparação aos arranha-céus e descobrir esse sentimento de
excitação pinicando minha pele, me incentivando a sair e ir descobrir tudo que
há lá fora. Encoberta em neve, a cidade parece ainda mais convidativa, como o
cenário de um filme de romance que eu já vi milhares de vezes — mas nunca
esperei ver ao vivo.
Que eu nunca esperei chamar de casa.
Mas embora minha vontade seja de desbravar a cidade, as únicas saídas
são supervisionadas e curtas, e já são o suficiente para criar tensão nos ombros
de todos que nos acompanham, inclusive minha mãe, que parece temer qualquer
curva que o carro faz. Por isso, sinto que talvez eu não esteja informada sobre
tudo que acontece debaixo dos panos nas disputas da cidade. E nem tenho
esperanças de que ficarei sabendo tão cedo.
Vamos ao ateliê, a salões de beleza e clínicas de estética e escritórios em
prédios altos cobertos de vidro para terminar de acertar os detalhes do
casamento. Rosalind Accorsi sempre está conosco e traz sua própria comitiva de
segurança, ainda mais tensa do que a nossa e que intercepta qualquer um que
ouse cruzar nosso caminho sem se preocupar em fazer gentilezas.
Mas não estranho essa realidade, pois é com o que estou acostumada, no
final das contas. Cresci olhando o mundo por cima dos ombros dos soldados e
vendo apenas aquilo que eles, sob as ordens de meu pai, permitiam.
E para minha surpresa, meu primeiro encontro com Luca acontece no
final de nossa primeira semana na cidade. Mas é bem diferente de todos os
outros, a começar pelo tempo de duração. Dividimos a mesma sala por nada
além de uma hora, o que não pode deixar de ser considerado…
Decepcionante.
Eu estou usando um vestido novo, com o cabelo preso no topo e solto a
partir da metade, além de estar bem mais maquiada do que o normal. Minhas
irmãs dizem que estou linda. Donatella diz que fiquei ainda mais bonita e eu
treino meu inglês quase perfeito com ela, que se impressiona. Até mesmo
Antônio Accorsi me elogia, com seus olhos de águia e pouco tato para conversa.
E eu quero que Luca note.
Quero que note como melhorei minha postura, como deixei de permitir
que meus ombros caiam, como policio meus bons modos na mesa e falo apenas
o necessário, assim como fui instruída, entendendo perfeitamente qualquer
conversa na qual me envolvem e prová-lo como não deveria subestimar minha
capacidade de adaptar-me a esta realidade e superar quaisquer que sejam os
empecilhos que coloque em minha frente.
Mas ele mal me olha.
Jantamos juntos, dividimos a mesa e tudo que ganho são olhadelas de
canto. Seu cabelo loiro está menos arrumado do que das primeiras vezes e dois
meses parecem ter acabado com o encanto de bom menino. Não vejo nada disso
nos sorrisos displicentes que oferece ao meu pai ou no modo como encara meu
irmão de volta, notando sua implicação óbvia ao modo indiferente como se
porta.
E quando Rosalind anuncia que devemos nos reunir para um café na sala
de visitas, ele pede desculpas, mas se retira, alegando a existência de um
compromisso importante.
Ninguém, nem mesmo Antônio, parecia ciente dos compromissos do
mais velho e eu enxergo quando o nervosismo e a raiva dançam em seu rosto,
sem que ele faça esforço para contê-la.
E quando ele sai, não posso deixar de me sentir…
Tola.
Inútil.
A sensação é terrível e passo o resto da noite com uma expressão muito
semelhante à de viúvas em enterros.
Quero esconder meu corpo, tirar a maquiagem e falar apenas em italiano.
Nem mesmo quero sorrir, sentindo como se não fosse nada além de algo que
Luca ignora. Como algo que não merece sua atenção. Não mais do que as
garotas que ele provavelmente mantém na rua. Ou em seus puteiros.
Por isso, quando chegamos ao hotel, ignoro qualquer tentativa de meus
irmãos de falarem comigo. Entro em meu quarto e tiro tudo. O banho limpa o
resto.
E quando vou dormir, rezo para que nunca mais sinta isso de novo.
Para que nunca mais me sinta como uma idiota.
Ainda estou me recuperando do ataque comandado pelos Ivanov sobre
nós quando a família Fioderte vem jantar em nossa casa.
Sentado na frente de Rebecca, tudo no que posso pensar é em quantos
eles mataram e ainda irão matar, enquanto brincamos de casinha.
Dez soldados.
Com pouco esforço e como se fosse brincadeira de criança, a tropa de
Romeu Ivanov anunciou seu retorno à cidade com um ataque potente em um de
nossos bordéis. E no de mais movimento, depois do Madame Martino, chamado
de Delirium.
Mas dez foram apenas o número de soldados atingidos. Mataram mais de
oito garotas e dois associados poderosos.
Dois nomes que causaram problemas para serem abafados nestes dois
meses.
Favorecido pelos pontos cegos de Tony, Romeu foi capaz de
desestabilizar a organização e me colocou no pior lugar para se estar quando é
preciso cumprimentar e paparicar uma noiva, que parece extremamente ofendida
pelo meu comportamento relapso.
No lugar de filho raivoso.
Enquanto preciso assistir meu pai rir e beber seu vinho, vestindo um de
seus melhores ternos e mentir sobre o balanço mensal da Accorsi para Vittorio e
Matteo, disfarçando os efeitos do ressurgimento de Romeu, tratando-o como
poeira debaixo de seu tapete, eu quero rasgar sua garganta com o garfo e usar a
faca para arrancar sua maldita pele até só sobrarem os ossos, oferecendo-os
depois aos cachorros de rua.
Se ele tivesse permitido que fizéssemos nosso trabalho, as coisas
estariam melhores. Teríamos prevenido o ataque e não teríamos dado este
pequeno gosto de vitória a Romeu. Teríamos, além disso, avançado nestes dois
meses, na busca por Alexei, o traficante que sempre tem clientela marcada em
nossas boates, como se estivéssemos participando de algum jogo doentio e ele
fosse o mestre, brincando conosco.
Parecemos peões tontos e é por causa do homem sentado na ponta da
mesa e sua necessidade de firmar este acordo imbecil, como se isso fosse
proteger sua bunda de qualquer perigo. A este ponto, meu pai é praticamente a
puta de Vittorio Fioderte, como se ele fosse sua salvação, e ele não precisasse
fazer nada além de paparicá-lo e garantir que esteja satisfeito.
Mas eu não sou puta de ninguém.
E nem vou ser.
Por este motivo, deixo o jantar antes que ele acabe oficialmente. Posso
sentir o olhar surpreso de todos os presentes sobre mim, principalmente o de
Rebecca, que reage ao meu anúncio como se eu tivesse cravado uma adaga em
seu peito. Perdão, noivinha, mas você não é o centro do mundo.
Sei que meu pai quer me matar por deixar Vittorio e já posso ver a mente
de minha mãe formulando desculpas enquanto limpo a boca.
Mas não dá.
Eu não suporto ficar aqui parado enquanto Romeu pode estar ficando
ainda mais perto de provocar nossa destruição. De roubar tudo que temos. De
destruir a porra da nossa família e tomar conta dos nossos negócios, como o
fodido rato que é.
Deixo a mansão com a rapidez necessária para não ser abordado por
nenhum de meus pais nem meus irmãos e opto pela moto ao invés do carro,
saindo sem olhar para trás. Lembro, durante o trajeto, de como foi receber a
notícia do ataque e chegar lá, pouco depois do fim, apenas para sentir o cheiro de
sangue e pólvora. Para ver nosso clube destruído e a polícia batendo na porta,
exigindo seu pagamento para ficar de boca fechada em relação a “disputa de
gangues”, como o jornal se referiu novamente.
Eu me senti impotente, acuado em minha própria casa e não há sensação
pior do que essa para um homem como eu.
A de ver o sangue do seu lado sendo derramado e do outro, intacto.
Posso praticamente ouvir a risada triunfante de Romeu, onde quer que
seja o esgoto onde ele se esconde, e a sinto pinicar minha pele, fazer coçar,
irritar...
E eu não penso direito quando estou irritado. Eu só vejo vermelho e
penso em quanta destruição posso causar em reparo, em como posso foder meus
inimigos até que eles peçam clemência e certamente não está em meu sangue
aceitar as coisas calado.
Tony não pode me pedir uma coisa dessas, se é a me vingar que ele me
ensinou. Reagir e ferir, matar e não se arrepender. Defender o que é nosso acima
de tudo e de todos.
Por isso, digito o número de Max e consigo que ele esteja pronto em uma
hora junto de Fred, para que possamos limpar as dívidas do nosso jeito preferido.
Com sangue.

A fachada do Opala Cocktails brilha e se destaca em mais uma rua suja,


barulhenta e escura de Nova York. Na frente do clube russo, localizado em
Brighton, uma fila quilométrica se estende até a esquina de mulheres
absurdamente loiras, ruivas e morenas, de peles claras e sotaque forte, e homens
tatuados de porte atlético.
Além deles, há a segurança que não faz esforços para se esconder à vista
de todos, em suas camisas pretas com a logo do clube. Praticamente posso sentir
o cheiro de podre que emana deles e visualizar as tatuagens de marcação que
devem trazer nos corpos moldados para o combate.
As tatuagens identificam homens jurados à máfia russa. Ao contrário de
nós, usam a pele para definir e declarar suas posições sem que seja necessário
perguntar.
E a maioria delas é feita na cadeia, onde o próprio Romeu passou alguns
anos antes de assumir o cargo deixado pela morte do pai.
— Então, qual é o plano? — Fred pergunta, escondido atrás do volante.
Ele é o mais nervoso de nós três, enquanto eu e Max apenas enxergamos alvos e
uma missão, nada de contratempos ou problemas.
Meu primo entende minha raiva, pois é um Accorsi e esta é nossa
missão; o que fomos treinados para fazer.
— Entrar botando para foder? — Fred arrisca, mas não nos arranca
nenhuma risadinha, praticamente dissipando o pouco clima descontraído que
restava no carro.
— Eu vou pela frente — anuncio, recarregando minha arma. — Pelo
movimento dos soldados — ergo meu queixo na direção da lateral do prédio
pintado de preto. Dois homens se destacam seguindo por este caminho. —, há
uma saída da sala de segurança, que deve ficar perto do escritório, pela esquerda.
E pelo movimento das putas que saem para fumar ou das garotas que entram
furando a fila — bem na hora, um grupo é escoltado por um homem de
cavanhaque e óculos escuros —, há outra na direita que deve dar na área
principal. Conto três, fora a de lixo, que deve ser atrás, para um beco sem saída,
o que não nos serve.
— Ótima leitura de campo — Max elogia. Eu ignoro.
— Quero um em cada saída. É simples: matamos o que der e saímos
vivos.
— Ah, tranquilo assim? — Fred ironiza e eu grunho em resposta,
desconsiderando seu nervosismo. — Isso pode dar errado de várias formas, Luca
e...
Meu punho encontra a gola de seu casaco antes que ele possa terminar a
frase e sentado ao seu lado, no banco de carona, posso puxá-lo até que sinta a
droga do meu olhar queimando por todo seu rosto e fareje meu ódio. É incrível
como ele acha que poderia ter a opção de discordar do que digo.
— Posso chamar outro para ocupar o seu lugar, Frederico — sentencio.
— Preciso?
Rapidamente, ele balança a cabeça e tenta esconder a raiva que vejo
cintilar em seu olhar, enquanto me encara, pensando se vale a pena me desafiar.
Eu adoraria que ele tentasse.
Não haveria amizade capaz de mantê-lo vivo ao fazê-lo, e por saber
disso, ele recua, aprumando-se para seguir minhas ordens.
Meu telefone vibra na calça e eu recuso a ligação de Lorenzo. Considerei
trazê-lo para este ataque, mas seria arriscado demais e precisarão de outro
homem para casar-se com Rebecca se eu for morto esta noite.
Com este pensamento, desço do carro com uma risada que ecoa e a arma
empunhada e carregada.
Não vou morrer esta noite.
Nem tão cedo.

Entrar é fácil.
Dois tiros, um em cada cabeça na porta. A fila imediatamente se dispersa,
com gritos altos e o anúncio de confronto. A polícia provavelmente chegará
logo.
Ou não, dependendo dos acordos que a Ivanov mantém nesta área.
Também precisamos nos preocupar com os reforços, o que significa que
rapidez é nosso foco. Fazer o serviço e sair fora dessa pocilga.
Vou pela frente e sigo por um corredor porcamente iluminado, com neons
nas paredes e uma trilha de luzes que indica o caminho. Já posso sentir o cheiro
de sexo barato e perfume vagabundo nele e quando viro na primeira curva, me
abaixo para escapar do soco desleixado de um soldado forte, mas não ágil o
suficiente. Subo com a faca já enganchada entre os dedos e acerto embaixo de
seu braço, arrancando o sangue que vem direto para meu peito. Empurro a
cabeça do soldado russo contra a parede e puxo a faca para cravá-la em seu
pescoço. Ele cai de joelhos e engasga no próprio sangue.
— Isso é pela Accorsi.
Depois desse, mais três vêm em socorro do homem caído e eu sorrio,
puxando a próxima lâmina. Levo alguns golpes — mais do que deveria — e
sinto meu queixo tremer quando um homem com mais de dois metros me acerta,
mas sou ligeiro e consigo chutá-lo para cima dos outros na barriga. Meu dedo
procura o gatilho da arma em seguida e eu faço questão de fazer um estrago.
Minha arma trabalha mais do que deveria, quando minhas facas não são
o suficiente para vencer a força dos russos, o que acaba alertando os clientes
presentes na festa e os envia diretamente para cima de mim, numa tentativa falha
de fugir.
Assim que me enxergam, banhado no sangue dos homens que deveriam
protegê-los de loucos como eu, correm na direção contrária e alguns tolos tentam
lutar. Mas eu quebro seus braços e os jogo de cara na parede antes que possam
pensar em fazê-lo.
Não é que eu seja bom, mas eu sou esperto. E meu corpo e mente
trabalham juntos, para garantir que o resultado seja sempre o que eu preciso que
seja. Isso faz a diferença em qualquer luta.
Talvez seja o único momento em que não sou completamente impulsivo.
A corrida do rebanho de pessoas em vestidos de festa e ternos fedendo a
charuto e perfume de puta cessa quando notam que as outras saídas estão
bloqueadas. Os espertos buscam esconderijo e eu vejo Max e Fred chegando,
com alguns respingos de sangue, mas nada tão exagerado quanto eu. Meu primo
parece reprovar meu visual sanguinário, mas eu não ligo e vou até um grupo
ajoelhado no centro. Puxo uma vadia loira pelos cabelos e a coloco de pé.
— Quem é o chefe aqui?
— Eu não sei! — O sotaque russo forte me diz o contrário e eu enrolo
seu cabelo ao redor do meu punho. Ela grunhe de dor e lágrimas pesadas
escorrem sobre suas bochechas.
— Dois minutos antes que eu exploda a tua cabeça — sentencio e a
coloco de joelhos novamente, dessa vez, na minha frente. — Eu garanto que
ninguém vai se importar por uma puta. Por que se importa por eles?
Dou a volta e me coloco à frente dela, enquanto Max e Fred puxam
armas dos homens encurralados. Maximus se diverte estapeando alguns deles e
escuto o som que fazem ao serem chutados como lixo.
— Eu não…
A ponta da minha arma encontra seu queixo e eu escuto o som do seu
cuspe, quando ela expulsa o sangue da boca.
— Covarde.
Eu me inclino e deixo o rosto na altura do seu.
— Só me diz quem eu preciso acertar para que você não suba mais cedo,
vadia.
Com olhos carregados de uma raiva que não é só dela, a prostituta Ivanov
levanta os olhos e aponta na direção do centro, onde um homem nos encara com
pouca paciência ou importância. Eu faço o sinal para Max que o levanta do
chão.
— E então, quem é você? — pergunto ao me aproximar.
— Vá para o inferno, pedaço de merda americano! — Ele chega com
atitude e cospe nos meus pés. Eu sorrio, porque é realmente fofo que ele pense
que vai ganhar algo por isso. Talvez Romeu trate todos como seus cachorrinhos
e eles esperem recompensas por lamber suas bolas brancas.
— Quem me disser qual é o nome dele sai daqui com vida — anuncio
para o grande grupo e não demora para que uma garota franzina levante a mão.
As marcas de roxo em seus ombros me dizem que ela já teve o suficiente disso
tudo.
— Sergei — diz e eu vejo o russo se contorcer de raiva a minha frente.
— Sobrenome? — Max questiona.
— Vitkov.
Parece que não podem confiar neles mesmos, hm? Que graça.
— Tire a garota daqui, Fred — ordeno, sem olhar para ela duas vezes.
Duvido que dure muito depois de entregar um compatriota dessa forma, mas não
é problema meu. — Então, Vitkov… qual vai ser?
— O que você quer aqui, Accorsi? — rosna, mordendo o lábio inchado.
Acho que foi ele quem Max chutou.
Os cabelos escuros como petróleo cobrem a testa, mas não os olhos
claros como vidro. É grande o suficiente para ser pesado, mas não parece
experiente com nada além de correntes de ouro grossas e pelo corporal. Chutaria
ter entre quarenta e quarenta e cinco anos. E um problema sério de calvície
começando.
— Quero mandar um recado para o seu chefe — sorrio e dou dois passos
à frente. — Você sabe me dizer como eu poderia fazer isso?
— Romeu não dá a mínima para os surtos de um garoto inofensivo,
pirralho — cospe as palavras, assim como fez com meu sobrenome. — Deixe os
garotos grandes lidarem com isso e suma daqui enquanto há tempo.
— Eu faço o tempo aqui, Sergei — sussurro. — E se abrir a boca para
me chamar de inofensivo de novo, vou pedir que a mensagem seja entregue entre
seus dentes recém-arrancados.
Ele me desafia a cumprir a promessa com meu olhar, mas não chega a
exprimir esse desejo em palavras. Ninguém seria tão burro. E ele vê bem a
coleção de facas em minha cintura. Além do sangue de seus parceiros
manchando minha bochecha e escorrendo pelo meu corpo, como tinta, como
merda. É este detalhe que o dá noção de que eu não sou um pirralho. E que,
talvez, não devesse brincar comigo quando está ajoelhado na minha frente
esperando pela minha clemência.
— Eu quero que você mande uma mensagem muito clara ao seu chefe,
certo? — Falo o nome da posição mais alta em sua organização com desgosto e
apoio a mão em seu ombro. — Quero que deixe claro a ele que a Accorsi não vai
se curvar ou aceitar o que ele faz calado. E que isto é apenas o começo do que
faremos com ele caso continue fodendo com a nossa cidade.
Ele ri.
— Não vi nenhum de vocês realmente fazer nada, garoto. Acha que
alguns soldados me fazem falta?
Uma risada seca escapa da minha garganta.
— E você acha que faz diferença para mim, vivo ou morto? Acha que
tenho medo do que um mero cafetão de merda pode fazer? Acha que você é
ameaça em qualquer nível para mim, seu idiota, podre, burro e estúpido?
As ofensas o motivam a sentir raiva. Observo-o espumar e gosto da
visão, pois não há nenhuma corda ao seu redor e mesmo assim ele sabe que não
pode fazer nada.
— Ah, Sergei… Você realmente não me conhece. — Tomo uma breve
pausa e sorrio. — Mas não se preocupe, você vai ter tempo para conhecer.
Meu sorriso não é exatamente hospitaleiro e eu dou alguns tapas no seu
rosto, afastando-me do seu cheiro de medo e derrota.
Puxo a faca que usei para cortar uma linha grossa no pescoço de um
soldado e caminho de volta até Sergei. Ele está imóvel, mas quando vê a faca,
tenta escapar e acaba tombando para trás, puxando força para escapar nas mãos.
É como se cavasse o chão para se afastar, mas tudo que consegue é uma cena
patética e quando chego até ele, agarro-o pelo pescoço.
— Acalme-se ou o desenho vai sair torto de tanto que está tremendo,
Vitkov — ordeno, mantendo-o perto. Os pés tentam lutar contra os meus até que
eu o forço a ficar parado. Puxo os dois lados da sua camisa de tecido e gosto
quando ele silva, absorvendo a dor do corte quando a lâmina entra em contato
com a sua barriga flácida.
Demoro apenas cinco minutos para marcar sua pele e termino com um
sorriso que me permite ignorar as mãos encharcadas com seu sangue. Sergei,
surpreendentemente, continua consciente, embora eu possa imaginar a dor que
sente ao ter um pedaço lacerado.
O Accorsi escrito em sua barriga, no entanto, está bem bonito.
— O que acha dessa para sua coleção? — sorrio, e me coloco de pé. —
Mostre-a ao seu chefe quando ele perguntar das novidades. Aposto que ele vai
apreciar uma boa arte.
— Vy dorogo zaplatite za eto, amerikanets! Nastol'ko dorogo, chto nichto
v mire ne smozhet vam pomoch'!
Suas palavras são ditas em meio a agonia de sentir a ardência do corte e
eu não dou a mínima ou busco por qualquer significado. Não faz diferença o que
ele pensa. Faz diferença o que ele demonstra agora.
Ser um fraco.
Se é isso que Romeu coloca para defender suas propriedades, me
preocupa que esta guerra acabe sendo fácil demais.
— Também adorei fazer negócios com você, Sergei. Aproveite a
lembrança. — É tudo que digo para me despedir antes de deixar a boate ao lado
de Max e Fred.

Na manhã seguinte, recebo a recompensa pelo que fiz com um belo soco
de bom dia proporcionado pelo meu pai e tenho a breve ideia de que o recado
deve ter chegado até Romeu — e além dele.
Talvez toda maldita cidade já saiba do que Luca Accorsi foi capaz de
fazer a essa altura.
Eu mal tenho chances de abrir os olhos antes dele me arrancar da cama
pela gola da camiseta e me atirar contra a parede. O som do baque vibra através
dos meus ossos e imagino que também ocupe o andar inteiro.
Reagir parece ser o óbvio a fazer, considerando que eu já sou fisicamente
mais forte a este ponto, depois de anos de treinamento ferrenho, mas meu pai
ganha em experiência e tem o pequeno detalhe dele ser meu Capo e eu precisar
respeitar isso quando estou encarando-o dessa forma. Isso me mantém preso
como se eu usasse algemas, enquanto ele engancha sua mão ao redor do meu
pescoço e corta qualquer entrada de ar, sentenciando-me, sem chances de defesa.
Também, baseando-se no meu histórico…
Seus olhos azuis brilham com algo que vai muito além do perigo que
normalmente mora neles e tento engolir, mas não consigo e acabo me
engasgando em minha própria saliva, enquanto meu rosto fica cada vez mais
vermelho.
Ele não se importa, claro. Não é a primeira vez.
E antes que comece a falar, Tony não consegue conter o impulso de
acertar um soco em meu estômago.
Eu controlo bem a dor, mordendo o interior da boca e cerrando meus
dentes.
— Você, seu fodidinho de merda — começa, chiando como uma chaleira
prestes a estourar. — Eu quero saber onde foi o que você enfiou a porra do teu
juízo!
Não tento falar, nem penso em começar a pedir desculpas.
Não me arrependo de nada para me obrigar a fazer isso.
— Vinte homens Ivanov — anuncia, me fazendo sentir triunfante.
Mas só por dentro.
— É isso que você matou na noite passada, seu moleque de bosta! Sem
autorização!
Ainda engasgado, não soco seu peito, nem tento empurrá-lo. Tenho a
sensação de que meus olhos podem explodir a qualquer momento, enchendo-se
d’água, pois não pisco. Mesmo assim não tento me defender. Seria desonroso.
Eu posso aguentar isso.
Posso aguentar pior.
— É com isso que nos conseguiu uma guerra, estúpido!
Seu berro ecoa pelo quarto e sou solto, após ele provavelmente
considerar que será mais valioso e prazeroso me castigar pelo resto da sua vida,
do que por apenas um instante. Eu massageio minha garganta e tento não tossir
muito alto, enquanto ele bufa e respira fundo, passando a mão sobre os cabelos e
andando em círculos.
Não sei que horas são, mas deve ser cedo. O sol mal nasceu por
completo. De todo jeito, ele já está vestido para trabalhar, o que indica que teve
tempo o suficiente para ser informado do que eu fiz. Bernardino deve ter sido
sua primeira chamada esta manhã.
Sou surpreendido quando passos ecoam pelo corredor e um segundo
depois, minha mãe entra no quarto, parecendo tão revirada quanto eu. A
impressão é de que caiu da cama, e só teve tempo de se vestir antes de sair
correndo atrás do marido, provavelmente temendo que ele arrancasse minha
cabeça fora.
— Tony, por favor...
— Some daqui, Rosalind! — Ela recua quando ele berra. Eu movo meus
olhos sobre a cena e vejo a mão que ele mantém na frente do rosto, controlando
a si mesmo, o que é raro. E não irá durar.
Mas minha mãe não liga para o aviso da pouca paciência do meu pai e
tenta se aproximar de mim. Isso é um erro — e ela sabe disso —, e faz com que
Tony exploda e a empurre para cima da cama, onde ela cai, encolhida.
— Eu falei pra sumir, Rosalind, caralho! Quer levar um pouco também,
sua puta desgraçada?!
Eu pisco forte uma ou duas vezes e me apoio contra a parede para ficar
de pé. Sinto minha garganta arranhando enquanto tento forçar que algum som
saia dela, e fico na altura de Tony. Mamãe cobre o rosto e chora copiosamente,
enchendo meu peito de uma raiva maior do que ele poderia causar fazendo
qualquer coisa contra mim.
— O seu filho acaba de nos conseguir uma guerra! Uma guerra quando
ele está prestes a se casar, Rosalind, você entende o que é isso, sua estúpida?
Entende o que isso significa ou vai tentar apenas proteger este incompetente
mais um pouquinho?
Ela só chora um pouco mais alto, e quando nota que estou de pé, me
chama baixinho, como se implorasse para eu ficar parado.
Mas essa merda não vai colar.
Tony também nota e se vira em minha direção.
— Minha mãe não merece nenhuma parte disso. Ela não é seu saco de
pancadas. — Sinto o gosto concentrado do sangue em minha língua e cuspo na
direção dos seus pés. A dor latejante de seus socos já não é novidade, nem a
queimação na boca do estômago. — E se espera que eu sinta qualquer pingo de
remorso pelos russos mortos, não me conhece.
Meu pai não aceita a resposta bem e voa para cima de mim novamente.
Dessa vez, recebo um soco que vai direto em meu olho e o grito agudo da minha
mãe o faz parecer a pior coisa do mundo. Falho em minha respiração e ele se
aproveita disso, chutando meu corpo contra a parede de novo, acertando minha
barriga com um pontapé.
Nenhum músculo em mim se move para contra-atacar. Minha cabeça,
mais poderosa e sábia do que meu peito, me diz para aceitar quieto. Para permitir
que ele desconte em mim, e não nela. Afinal, fui eu que atirei contra todos
aqueles homens e provocou sua ira. Não ela.
Ela só quer me proteger, como toda boa mãe faria. E de uma maneira que
meu pai nunca entenderia.
Se ela não estivesse aqui, eu poderia ajudá-lo a entender por que eu não
sou mais o garoto que ele surrava na academia.
Tony aproveita-se da clara vantagem e agarra meu queixo, fechando-o
com sua garra. Cerro meus dentes e mordo a língua, encarando-o por cima da
raiva que colore minha visão e faz meu coração bater acelerado.
Eu poderia matá-lo sem piscar agora.
— Eu quero que você, seu moleque fodido do cacete — começa,
cravando as unhas curtas nas minhas bochechas. Posso senti-las cortando minha
pele, o que é sua intenção. —, entenda que esta é a última vez em que me
desrespeita.
Seu sorriso é doentio ao me ameaçar e eu sei que não ficará apenas nisso.
Tony vai encontrar uma forma de me castigar que será dolorosa e longa, como
ele gosta. Vai me fazer sangrar para aprender.
— E que a primeira pessoa que entregarei a Romeu, quando ele vier
cobrar pelas merdas que você faz sem pensar no futuro, será Rosalind. Afinal,
acho que ele pode ver valor nessa puta que chama de mãe, certo?
Meus olhos brilham quando a resposta vem na ponta da língua e eu não
me seguro.
— Quem sabe Mikaela não o satisfaça mais, Tony? Ela já é treinada para
dar a boceta para qualquer um mesmo.
Não preciso me castigar mentalmente por respondê-lo. Tony o faz e
acerta outro soco forte contra meu rosto. Dessa vez, muito mais intenso, com
ódio acumulado.
— O próximo vai ser nela — ameaça, os olhos brilhando em fúria.
Chefe de merda, pai de merda e marido de merda.
Angústia domina meu corpo só de pensar no que ele poderia causar a
minha mãe e olho na direção do seu corpo encolhido, enquanto ela reza em seus
joelhos por mim, sabendo perfeitamente do que meu pai é capaz. E de que
nenhum santo tem mais espaço para ter piedade de um cara que brinca com a
sorte como eu.
Por ela, e pela sua vulnerabilidade, me calo e engulo qualquer resposta
que poderia ter sobre como entregar-se não deveria nem mesmo ser uma opção a
se considerar para um verdadeiro Capo.
Engulo em seco, assimilando suas palavras e aceno, me entregando. O
sangue ferve o dobro e Tony tira a mão de meu rosto, que arde onde ele acertou.
Provavelmente, ficará roxo. Me pergunto como ele espera que eu explique isso a
todos na noite de Natal.
— Ande na linha — resmunga, me dando as costas. Passa por Rosalind e
nem mesmo olha na direção da esposa, como se ela fosse insignificante em seu
choro lamurioso. — É o último aviso que vou te dar.

— Você nunca mais deve fazer isto — peço, de joelhos em frente à


minha mãe, tentando fazer com que suas mãos parem de tremer e lágrimas
parem de escapar de seus olhos.
Já estamos assim há dez minutos.
— Os riscos eram incalculáveis, mãe — suspiro, no fundo, tentando me
conter. Alguns espasmos ainda dominam meu corpo e eu preciso controlar a
respiração e a mente, para não ir atrás de Tony e tirar tudo isso a limpo. — Ele
não vai parar porque você pede. E já sabemos disso.
Com a dor explícita nos olhos castanhos, normalmente recheados de
tanto amor, Rosalind toca meu rosto bem onde dói, me fazendo sentir uma
pequena fisgada. Arrepende-se no mesmo instante.
— Ele não pode bater em você… — choraminga. — Nem em você, nem
em seus irmãos. Não nos meus filhos…
— Mãe…
Não é a primeira vez que isso acontece, penso, mas não digo. Ela sabe
disso. Mas imagino que toda vez que vê acontecer, é como se fosse a primeira.
Mamãe não é como nós, violência não é algo com o qual ela se acostume.
Sangue ainda a assusta e golpes são verdadeiros escândalos.
E tudo isso contribui para intensificar suas próprias dores. E a faça perder
a razão ao acreditar que pode nos proteger do louco que chama de marido.
Se coloca em risco e nem sente, acostumada demais a arcar com as
consequências pelos outros.
Mas eu nunca poderia permitir isso.
Nunca.
— O que você fez foi errado e não poderia ter escolhido hora pior, mas…
Não é assim que se educa. Não é assim que um pai deve agir.
— Já estou bem além do ponto onde a intenção é educar, mãe — respiro
fundo. — Se errei, e meu Capo acha que sim, pagarei pelo erro do modo como
ele achar que devo. Mas a senhora… — com mais delicadeza do que estou
acostumado, toco seu rosto. — Não deve pagar por nada. Nunca. E eu deixarei
que Tony me mate antes de ver você sofrer nas mãos dele.
— Eu iria preferir sentir essa dor mil vezes no seu lugar antes de permitir
que ele encostasse em você, meu filho. — Vejo, no modo cheio de ternura como
olha em meus olhos, examinando meu rosto, que não adiantará nada falar ou
ameaçar.
Então eu apenas aceito o que minha mãe demonstra e beijo o topo da sua
cabeça, puxando-a para um abraço. Ignoro a ardência em meu rosto ou a dor em
minha boca e agradeço por ser filho desta mulher.
Tudo que não é podre, vem dela.
E eu sou grato por ter um pouco de mim que não pense que cravar minha
faca no meio dos olhos de meu pai, seja uma boa ideia.

— Então você matou mesmo todos eles?


A pergunta de Lorenzo é um tanto impertinente e eu a absorvo aos
poucos, empurrando a raiva para longe antes de respondê-lo.
— Sim.
— E foi assim que conseguiu o olho roxo?
Inspiro, expiro.
O caminho para a saída nunca foi tão longo.
— Não.
— Como conseguiu, então?
Abro um sorriso forçado, girando a chave da moto entre os dedos. O
banho me fez bem, mas o inchaço é notável o suficiente para fazer Donatella
franzir o rosto, uma vez que passamos por ela no corredor.
— O que aconteceu com a sua cara? — pergunta, nos acompanhando na
direção das escadas.
— Dei de cara na parede — debocho e meu irmão resmunga alguma
coisa que não escuto.
— Numa parede chamada Antônio? — Dona sugere em tom arisco e eu
ignoro a provocação instintiva. Ela só é curiosa e jovem. — Luca, ele bateu em
você?
— Não têm tarefas para cumprir, soldados? — questiono, parando no pé
das escadarias. — No meu tempo, trabalhávamos mais, perguntávamos menos…
— Então é verdade que você matou soldados russos e declarou guerra
contra a Ivanov? — Dona dá um passo à frente, ignorando tudo que acabei de
dizer e deixando Lorenzo e seus questionamentos internos para trás. Ele pensa,
ela age. Sempre foi assim. — É verdade que todos estamos em risco agora?
— Sempre estivemos em risco, Donatella, não seja inocente — afirmo,
sustentando seu olhar. É como encarar o meu, envolvido numa camada a menos
de gelo. Minha irmã é raivosa, mas não bruta. Um diamante lapidado, que não
esconde as emoções. Algo difícil de controlar. — Apenas acelerei as coisas e
recuperei a honra que tentaram nos roubar.
— Esse não é o tipo de coisa que deveria fazer tão perto de se casar. —
Enzo diz o óbvio, me fazendo encará-lo por um segundo. — Isso é problema,
Luca. E dos grandes.
— Eu sei — sorrio. — Mas certamente acertaremos isso. Não se
preocupem.
Sem me despedir ou me prolongar mais em minhas palavras, dou as
costas para meus irmãos e sigo na direção da porta principal.
A entrada já está no meu campo de visão quando sou interrompido por
um chamado urgente, de alguém que acaba de vir dos escritórios.
— Onde você pensa que vai?
Meu pai.
— Sair.
— Não tem permissão para sair.
— Estou preso, por acaso?
— Quer sair para me arranjar mais problemas? Ou arruinar tudo de vez?
— provoca, os olhos brilhando com ódio e ansiedade. Talvez por me ver saindo
da linha e poder me castigar com motivo. Talvez pelo poder que possui. —
Teremos reuniões o dia inteiro. Não é hora de ir agradar suas putas na rua.
— Não há nada na minha agenda para hoje. É quase natal e os
homens…
— Não queria tomar as rédeas da situação, Luca? Então é isso que você
ganha por me desobedecer — resmunga. — Coloque uma roupa decente e me
encontre no carro em cinco minutos.
Ele não me oferece mais nada além disso e assim como chegou, sai, me
deixando com a mesma sensação de que há algo entalado na minha garganta.
Um dia ele não me tratará mais como seu cachorro.
Um dia.
— Por Deus, eu vou morrer de tédio!
O grito de Petra me distrai da releitura de Orgulho e Preconceito. O livro
pesa sobre minhas pernas enquanto a neve cai lá fora. É um começo de noite
delicioso, com direito a um fettuccine que me lembra de casa. Mamãe até mesmo
nos permitiu tomar uma dose de champanhe.
Mas isso não parece ter tido efeito nenhum em Petra.
— Há muito para fazer por aqui, Petra. — Bianca, que passa uma
máscara facial no rosto, diz, sentada na frente da minha penteadeira — Poderia ir
decidir qual roupa vai usar no passeio matinal de amanhã, por exemplo.
— Você acha mesmo que a mamãe já não escolheu por mim? — retruca,
espevitada como sempre. Desse jeito, não consigo prestar atenção em Elizabeth
e Mr. Darcy. — Quero fazer mais numa sexta à noite do que me preocupar com
que roupa usarei para ver os pássaros amanhã, Bianca!
A irmã do meio não se manifesta, apenas retorce o rosto numa careta que
diz o suficiente. Petra, inquieta e impaciente, se joga contra a minha cama vazia
e mantém a cabeça para baixo, apoiando-se no chão. O corpo parece minúsculo
em comparação ao dossel.
— Pelo amor de Deus, eu vou enlouquecer presa nesse hotel! Já contei
todas as janelas dos prédios em volta, as luminárias, vi todas as séries possíveis e
impossíveis e não tenho nada para fazer! Vamos, por misericórdia, sair para
algum lugar!
— São oito da noite, Petra — murmuro, incomodada por minha leitura
estar sendo interrompida. — Papai nunca nos deixaria ir a lugar nenhum. Não
seja tola.
Embora eu pareça irritada, posso entender a aflição de minha irmã.
Chegamos há uma semana e todas nossas saídas foram pela manhã, trocando um
cativeiro pelo outro, para passar longas e ininterruptas horas na companhia de
nada além de vestidos ou amostras de cores e comida.
Sair seria uma belíssima opção, se pudéssemos.
— Há vinte minutos daqui tem uma festa incrível rolando — Petra diz e
eu fecho meu livro de vez quando uma gargalhada escapa pela minha boca, após
ouvir a piada impressionante que minha irmã está contando agora.
Mas aparentemente não é piada, pois seu semblante continua sério,
enquanto minha risada vai cessando e eu entendo que é uma sugestão de
verdade.
Me ignorando, ela anda até Bianca e coloca o seu celular nas mãos dela.
Minha irmã avalia a tela por um tempo, mordendo o lábio, com o rosto
escondido pelo cabelo volumoso e eu me sinto tentada a me aproximar apenas
para saber o que se passa em sua cabeça e impedir que caia na lábia de Petra.
— Me parece legal — determina, devolvendo o aparelho para ela.
— Não é mesmo? — O sorriso da caçula quase rasga suas bochechas. —
E seria tão bom dançar um pouco, usar os vestidos lindos que estão mofando
dentro do guarda-roupa e ver gente…
Ao ver Bianca balançar os ombros, realmente ponderando sobre isso, fico
de pé e me aproximo das duas.
— Estão ficando malucas, certo? — Minha voz escapa num chiado e as
duas viram os olhos tão castanhos quanto os meus para cima do meu rosto,
encarando-me como se eu fosse a louca. — Papai nos mata se deixarmos este
hotel! E nos mata ainda mais se deixarmos ele sem segurança!
Petra sacode os ombros e leva seus olhos até a porta.
— Podemos levar Fiorello.
— O novo segurança? — pergunto em uma risada. — Você quer que o
garoto morra para que você possa dançar um pouco, Petra?
Minha irmã não parece muito preocupada com a possibilidade.
— Podemos ser mais espertas do que isso e pedir que Matteo nos
acompanhe. — Bianca diz, atraindo minha atenção. Mal posso acreditar que é
ela quem está dando força para as ideias suicidas de Petra. — Ele não dirá não
para você — Me indica.
— Ótimo, agora querem matar nosso próprio irmão!
Despenco sobre a beirada da cama, cobrindo meu rosto para não encarar
a expressão ansiosa das duas, que parecem realmente dispostas a embarcarem
nessa loucura.
— Não seja tola, Rebecca, papai nunca irá matá-lo! — Petra argumenta,
praticamente correndo para o banho. — E Matt pode nos proteger, como sempre
fez. Não será a primeira festa a que nos leva, de qualquer jeito.
— São muitos riscos, Petra — murmuro. — Não é nossa cidade.
— É a cidade do seu noivo. — Bianca argumenta. — E se forem
espertos, saberão que não devem mexer conosco.
Ainda não estou convencida. Ainda não creio que seja uma boa ideia.
Mesmo que algo dentro de mim realmente queira ir, ainda fico aqui, parada, pois
sei que não é uma boa escolha.
— Becky… — choramingando, Petra se aproxima e se ajoelha à minha
frente. A franja cobre sua testa e o resto do cabelo está solto sobre os ombros, no
mesmo tom de castanho chocolate que os meus. Seus olhos são um tanto mais
claros. — Por favor! Você sabe que será muito divertido!
— Não devemos deixar o hotel — teimo. Ela bufa e vejo Bianca
revirando os olhos.
— Papai nunca vai saber que saímos…
— Não.
— Até a Bia concordou e você sabe que ela nunca concorda com nada!
— Chega, Petra!
— Beca, você está prestes a se casar e nós nunca saímos juntas! É a
nossa última chance de fazer uma loucura como essa! Você não quer ter
memórias boas com suas irmãs, quando não formos nada além de uma visita
anual e alguns telefonemas que você quer muito recusar?
— Nunca será apenas isso — digo, sentindo um aperto no peito. Petra,
pelo contrário, não parece tão convencida. Nem Bianca, noto, ao encarar seu
rosto atrás de ajuda.
Minhas irmãs sabem que estamos perto de nos separar. E porcaria, eu
odiaria ir para longe delas sem saber que senti o gosto da liberdade juvenil e
normal com as duas, deixando um buraco na lista de coisas que vivemos juntas.
Odiaria saber que nunca fomos loucas como toda adolescente é, e
detestaria saber que a impressão de minha irmã mais nova sobre mim será, para
sempre, a de que não passo de uma careta, que nunca quebrou nenhuma regra.
E sentindo que cometo o pior erro da minha vida, concordo com essa
loucura e ganho um abraço apertado e histérico em retribuição.

Eu só percebo que é tarde demais para voltar atrás quando coloco meus
pés dentro da Yorker, a boate da qual Petra ouviu falar na internet e que por
sorte, segundo informações repassadas por Matteo, pertence à Accorsi.
O que é basicamente um dos principais motivos para nosso irmão mais
velho ter concordado com este plano estúpido e imbecil e nos trazido até aqui,
junto de três soldados, considerando uma sombra para cada.
Outro motivo, com toda certeza, foi o fato de eu estar prestes a ser presa
a um homem que ele não aprova. Por dentro, sei que Matteo adora a ideia de
estarmos aqui sem o conhecimento — ou aprovação — de Luca e que deve
torcer, no fundo, para que isso chegue até ele, para ferir sua honra e mostrá-lo
que não devemos nenhuma gota de submissão a ele.
Ele nos guia até o camarote que conseguiu ao dar seu nome na entrada e
mantém as rédeas curtas enquanto cruzamos a pista na direção das escadas. A
junção de corpos praticamente me sufoca e nunca vi algo como isso.
As luzes coloridas iluminam as brechas, evitando que a balada esteja
entregue ao total breu e a música alta convida todos para se esfregarem uns nos
outros, exalando perfumes que eu, sinceramente, nunca senti na vida. Ainda há
uma fumaça no ar, que me lembra erva e o inesquecível cheiro do álcool que
deve estar correndo no corpo de todos os presentes, colocando-os no limite de
suas emoções.
A Yorker é uma boate moderna, predominantemente preta, com um bar
iluminado no centro. Enquanto subimos as escadas, posso acompanhar o
movimento dos atendentes atrás do balcão de led, que nunca param, funcionando
num ritmo impressionante.
Matteo me dá um leve empurrão quando empaco na escada e eu
cumprimento o segurança que guarda a entrada da área VIP. Meu irmão não olha
para seu rosto.
Chegamos ao espaço reservado, com três sofás bordô e baldes de bebida
que me fazem pensar que nossa chegada era esperada.
Assim que nos acomodamos, meu irmão manda os soldados para a
entrada do nosso camarote e senta ao lado de Petra, passando os olhos sobre nós
três.
— Alguns avisos: nenhuma de vocês deixa essa área desacompanhada.
Nem para mijar, nem pra porra nenhuma. Não aceitarão copos de qualquer um
que não seja aprovado pelos nossos homens ou por mim. Nem tocarão nessa
porcaria que está aqui — indica os baldes — Petra, Bia, ninguém encosta em
vocês. De jeito nenhum. E para você, Beca, ninguém deve nem olhar. Estamos
entendidos?
— Qual a graça de virmos se você vai nos manter presas aqui? — Petra
arrisca. Ela está com o cabelo liso até a cintura e usa um vestido roxo que
combina com passarelas de moda em Paris, mas também cai bem aqui. Bianca e
eu usamos preto, básicas, numa tentativa inútil de passarmos despercebidas.
— A graça é todo mundo sobreviver até amanhã e o pai nunca descobrir
que eu fui louco o suficiente para fazer isso, Petra — desabafa, e eu me sinto
culpada por tê-lo arrastado para isso com meu teatro de futura noiva
enclausurada. Mas embora sinta isso, me permito aproveitar a noite e o ambiente
novo ao meu redor, que parece tão atrativo – embora um pouco menos
organizado – quanto sempre imaginei.
Talvez seja algo no cheiro ou na iluminação. A combinação de músicas.
Ou apenas meu corpo querendo ser livre e dançar como uma jovem normal de
dezessete anos é capaz de fazer numa sexta à noite na companhia dos seus
melhores amigos.
E embora esteja frio lá fora, não somos as únicas usando vestidos. E há
mulheres tão bonitas e homens tão assustadores… Alguns casais, vejo pelo canto
do olho, se grudam de maneiras descabidas pelos cantos, inclusive casais nos
camarotes vizinhos, o que me torna um pouco inquieta.
— Fazem isso assim? — pergunto, interrompendo uma breve conversa
entre meus irmãos. Todos seguem meu olhar na direção das escadas, onde um
homem pressiona uma mulher contra a parede. As mãos dela estão em todo lugar
e as dele também. Posso praticamente sentir a afobação dos dois em se tocar,
suprimindo à vontade um do outro. É quase desesperador. — Para todos verem?
Matteo, com um sorriso que indica reconhecimento, se vira para nós três
após estudar a cena e diz:
— Você ainda não viu nada, Becky. — Então fica de pé e acena para os
soldados. Eles se aproximam. — Irei buscar alguma bebida que preste e seja
segura. Fiquem aqui e não ousem me desobedecer.
Um minuto depois, nosso irmão deixa a área reservada na qual estamos
presas e se une a multidão eufórica lá embaixo, sendo engolido pelos corpos
dançantes e a liberdade que eu gostaria de provar, sendo um homem sem medos
ou receios, que apenas vê o que quer e vai atrás.
Minhas irmãs parecem tão invejosas quanto eu.
E Petra certamente não aceitará isso calada.
— Mas ele está muito louco se acha que vou ficar aqui a noite toda... —
sussurra num inglês corrido, que talvez confunda nossos soldados. — Agora é a
nossa chance, meninas. Temos que aproveitar.
— Não seja atrevida, Petra… Ele já nos trouxe até aqui. — Bianca, a
ousada de mais cedo, agora parece ter receio, o que é engraçado. — Vamos curtir
as bebidas que ele trouxer e ir embora. É o suficiente.
— Eu não vou me contentar com essa mixaria, Bianca! — decidida, Petra
fica de pé, chamando a atenção dos rapazes. — E nem vocês deveriam! Quando
eu sair, um soldado vai me acompanhar. Sobrarão dois, um para cada. Sejam
espertas como eu e vivam um pouco!
— Isso é arriscado demais, Petra, você não… — Antes que eu possa
terminar de falar, Pê já está fazendo sinal para Fiorello, o pobre guarda-costas
novo, e pedindo para ir ao banheiro. Ele parece mais do que receoso em relação
a isso, mas após confirmar com os outros dois, sai, sem exibir nada além da
calma e segurança de um homem feito.
Poderia assassinar qualquer um que ouse olhar na direção de Petra e isso
é bom.
E é claro que motivada pelo surto de Petra, Bianca também quer sentir o
gostinho da liberdade esta noite. E é assim que ela inventa toda uma história
sobre precisar entregar um absorvente à Petra antes que um acidente aconteça e
sai na frente de Mário, um guarda-costas mais experiente e mais atento às
enganações.
Eu fico com Aldo, que tem de idade e experiência a mesma quantidade
que tem de cicatrizes marcando a pele avermelhada e nem sonho em tentar
enganá-lo com qualquer teatro, quando ele me lança um olhar significativo,
expressando saber bem das mentiras das minhas irmãs.
Mas que comigo é diferente.
Sentada em meu sofá bordô, tudo que ganho é dor na bunda, até Matteo
retornar com três baldes que o acompanham num carrinho, empurrado por um
atendente, e se deparar com o ninho vazio.
Não há nada como a expressão em seu rosto ao me encontrar sozinha.
— Onde estão?
Mas a pergunta não é para mim e sim para Aldo, que mantém a posição.
— As duas meninas foram ao banheiro, senhor.
— Há quanto tempo?
— Vinte minutos.
— Malditas do cacete...
Ele sai sem se importar que eu permaneça aqui, mas, pelo menos, posso
aceitar a bebida que o garoto traz e com ansiedade, encho minha boca com o
primeiro gole do líquido amargo, que parece caro. Faço uma careta tenebrosa e
vejo Aldo rir.
— Por Jesus, José e Maria, o que é isso?!
Posso sentir a língua arder e contorço todo meu rosto. O gole senta mal
em minha barriga e tenho até mesmo ânsia de vômito.
Mas Aldo não responde, já que não é necessário, uma vez que outra
pessoa resolve fazer isso:
— Chamamos de líquido do mal, gata. — A voz grossa responde, sentada
atrás de mim, e eu olho para além da barreira que divide as áreas vips. — A
maioria de nós, pelo menos. E realmente não é tão saborosa na primeira vez.
É um homem, o que faz Aldo dar passos ligeiros em minha direção,
tornando sua presença notável.
— Ele não é uma ameaça — digo numa ordem em italiano, para que o
jovem não compreenda. O soldado para, respeitando minha posição, mas não se
afasta.
Os olhos acinzentados do rapaz se movem dele para mim e vejo
constrangimento manchando-os:
— Opa, desculpa… Eu pensei que estivesse sozinha.
— E estou — sorrio, subindo o copo na altura dos olhos para que ele
possa ver. — O que você estava dizendo sobre isso?
— É vodca — fala, o sorriso brilhante, cintilando com algo que não
reconheço. — Algo que conheço bem.
Um estalo corre pelo meu corpo e recuo um centímetro da divisória.
— Você é russo?!
O garoto ri e eu passo os olhos sobre suas companhias. Mulheres e
homens, mas todos distraídos em sua própria conversa. Ele é um à parte, mas
que se destaca. Tem um belo sorriso e músculos torneados, marcados debaixo da
camisa branca de linho.
— Não, linda, só sou cachaceiro mesmo… — Sinto alívio inundar meu
peito e ele ri, obviamente notando meus estranhos maneirismos. — Você não é
daqui, né?
— Não… Sou da Itália. — Passo minha mão por cima da divisória e ele a
aperta. — Rebecca.
— Luke — devolve, desenvolto de uma maneira que não reconheço. O
nariz é adunco, marcando o rosto que não é delicado, mas sim bonito de um jeito
menos óbvio. Chutaria que é algo como um jogador de futebol americano, pelo
porte atlético. E pelo dinheiro que deve estar gastando aqui esta noite. — Você é
muito bonita, Rebecca… O que me faz questionar por que está sozinha esta
noite… — Ele olha para Aldo por um segundo, depois volta para cima de mim.
— Alguém te deu um bolo?
— Meu irmão está ocupado demais caçando minhas outras irmãs pela
balada — falo, escondendo qualquer sotaque. — E bem, talvez só você tenha me
achado interessante. A muralha atrás de mim dificulta um pouco as coisas.
— A Yorker é segura, sabe — fala, como se eu não fosse nada além de
uma estrangeira perdida. — O pessoal que comanda aqui sabe como impedir
qualquer bagunça. Poderia dispensar seu guarda-costas.
Com um sorriso educado, balanço a cabeça.
— Temo que não funcione assim, Luke.
Ele aguça seu olhar sobre meu rosto e abre um sorriso ladino.
— Quantos anos você tem, Becky?
A pergunta traz um leve tom de suspeita.
— Vinte e um — minto, pois sei que seria a idade mínima para que eu
estivesse aqui. — E você?
— Oh, ainda bem… Cheguei a pensar que estava perdida, mas só é um
pouco tímida, certo?
Rindo, afirmo.
— Falar com estranhos não é algo que eu faça normalmente.
Ele parece consternado por este detalhe e eu me pergunto que tipo de
pessoa me pareço. Uma idiota, com certeza.
— Per Dío1 — força um sotaque quase ofensivo e eu acompanho quando
ele deixa seu lugar e depois de um momento tenso com Aldo, ocupa o banco à
minha frente, espalhando seu perfume forte pelo espaço. Eu sinto uma onda de
calor se abater sobre mim e gosto de ver o resto de seu corpo, notando as calças
cinza de bom e fino tecido, além dos sapatos mocassim de couro. — Vamos
resolver isso agora, então, boneca.
Nervosa, eu sorrio e concordo, tomando outro gole da minha bebida do
mal. Ele faz o mesmo com a sua que se parece muito com uísque.
A partir disso, uma conversa se desenrola e eu adoro o fato dele não fazer
ideia de quem eu sou. Posso apenas falar sem me preocupar em estar parecendo
polida e educada o suficiente, enquanto ele me olha do jeito como homens
normalmente olham para mulheres pela qual se sentem atraídos. Aldo faz vista
grossa sobre isso, mas permanece parado ao seu lado, de pé, como uma sombra.
Se ele tentar qualquer coisa, não tenho dúvidas de que meu guarda-costas será
capaz de matá-lo antes.
E eu me sinto normal o suficiente para me sentir feliz.
Depois de horas, deixo o Galpão como se meu corpo também tivesse
ficado por lá. A cabeça pesa horrores, minha boca está inchada pelos golpes de
mais cedo e praticamente implora por uma dose farta de qualquer merda que
ajude a entorpecer meus sentidos e praticamente me jogo dentro da droga do
carro, pois a minha moto foi confiscada.
Como forma de punição, é claro.
Então sou obrigado a aguentar o dobro de tempo que duraria para chegar
até o lugar onde Max está bebendo hoje e me estressar mais um pouco pelo
furdunço na entrada da Yorker.
Eu não sou um cara de baladas. E para ser sincero, nunca fui. Meu lance
é mais casual, mais íntimo e reservado, sem todo esse frenesi causado por uma
porrada de álcool e droga na mente, além de uma música ensurdecedora, capaz
de irritar qualquer um.
Não sei como sou capaz, mas depois de tantas horas na companhia de
meu pai, Bernardino e Ricardo ditando e planejando rotas para escapar de um
confronto direto com os russos nos próximos meses, tudo que preciso é de uma
distração justamente como essa.
Uma onde mal posso escutar meus pensamentos desgraçados pra
caralho.
Antes de ir procurar por Max na área VIP, no maldito camarote onde ele
sempre gosta de ficar quando me arrasta para essa porcaria de festa – mas que
nos rende uma bela fortuna – eu me dirijo ao bar. Se não houver um copo de
uísque na minha mão em cinco minutos, começarei a descontar o fogo que corre
na cabeça do primeiro que me olhar.
Não sei como Max ainda consegue me convencer destas merdas.
Me debruço sobre o balcão iluminado e a atenção da atendente
automaticamente vem para cima de mim.
— Uísque — peço num rosnado abafado. Uma garota bate em mim com
o cotovelo e se arrepende de ter nascido quando nossos olhares se encontram. O
menino com ela a puxa para longe, obviamente me reconhecendo.
Espertos de não entrar no meu território sem saber quem sou.
A atendente sorridente, usando o uniforme preto dos pés à cabeça,
alcança o que pedi e eu olho ao redor, virando o copo num gole. A bebida desce
queimando e eu pigarreio no final, batendo o vidro por uma segunda dose.
— É novo por aqui? — A atendente pergunta, completando o copo. Meus
olhos encontram seu rosto inexpressivo e me dedico a descobrir seu nome,
escrito na placa metálica sobre seu peito. Tracy. — Nunca vi você.
— Então acho que você é a nova por aqui — resmungo, mal-humorado.
Bebo mais um pouco do uísque, pegando mais leve dessa vez. — Começou
quando?
— Há seis meses — explica, me fazendo olhar a equipe que divide o
espaço com ela. Três homens, mais duas garotas. Nenhum nos dá atenção. — E
seria difícil esquecer seu rosto se eu o tivesse visto, acredite.
Sua tentativa de dar em cima de mim é honrosa, mas terrível. Mesmo
assim, esboço um sorrisinho forçado e tento não parecer tão amargurado.
Ela tem um belo corpo, seios volumosos e um rosto bonito. Os olhos são
profundos e claros, de um modo diferente. E a boca é cheia o suficiente para
chamar minha atenção.
Poderia descarregar o resto nela.
Mais especificamente, dentro dela.
Isso se eu estivesse fodendo algo além da minha própria mão.
Respiro fundo e me recomponho em frente à bancada. A música
eletrônica que me dá vontade de esmagar a porra da minha cabeça contra o chão
não ajuda em nada.
— Sou Tracy. — Me oferece a mão. — E você?
Que graça, penso, ela finge não saber quem eu sou.
— Luca — afirmo, segurando sua mão. Demoro mais do que deveria
para soltar-lhe, sustentando seu olhar o suficiente para que ela prefira desviar. —
Luca Accorsi, se isso for ajudar a sua memória.
Pressiono a ponta de meus dedos contra sua mão por um instante a mais e
noto o modo como arregala os olhos, como se a revelação de meu nome — ou
outra coisa — tivesse lhe chocado.
Ainda não soltei sua mão quando falo:
— Podia fazer melhor que isso se pretendia abrir as pernas para mim,
querida — pisco.
A loira permanece num silêncio incômodo e eu termino minha bebida.
Decido abandonar sua curiosidade imbecil e seu jeito de moça
desentendida e afrouxo o colarinho da minha camiseta enquanto ela volta ao
trabalho, nem um terço tão eficiente quanto deveria para suprir a demanda. Noto
o modo como se bate contra algumas garrafas e se confunde com os medidores,
precisando de instruções.
Seis meses, ela disse.
E meu uísque foi servido além da conta… Todos sabem que não se enche
um copo.
Todos, menos alguém que provavelmente não passou mais de uma
semana aqui.
E que agora tenta desesperadamente se esconder atrás dos longos cílios
ou dos clientes. Mas mal sabe a fofinha que quando eu tenho uma presa, é difícil
perdê-la.
A menos que outra mais interessante surja.
— Puta merda, finalmente te encontrei! — Felizmente, escuto a voz de
Max antes de sentir o empurrão em meu ombro. Isso o faz não ganhar um soco
bem no meio da fuça. — Onde você se meteu, seu merda?
— Estou aqui, não estou? — O tecido da camisa social branca coça
contra minha maldita pele e me arrependo de nem mesmo ter passado em casa
antes de vir.
Mas a pressa era tanta para sair das garras de Tony que não raciocinei e
apenas vim.
— O que você quer?
Max está suado e parece destrambelhado também. A pele reluz com uma
fina camada de suor e eu não gosto do brilho lunático que cobre seus olhos,
tornando seu visual um tanto histérico para o meu gosto.
— Primeiro, precisa me prometer que não vai matar ninguém — pede. E
eu já sei que é mal sinal.
Estou de pé no instante seguinte e meu semblante muda. Max nota isso e
apoia as mãos sobre meus ombros, na tentativa de me frear.
— Explica direito essa merda antes que eu mate você.
Meu primo parece ainda pior do que quando chegou e noto as gotas de
suor que escorrem pelo seu rosto. Ele olha na direção das escadas da área VIP do
clube e parece ponderar a respeito de muita coisa ao mesmo tempo, até que
decide o que é melhor e felizmente, o melhor parece ser me contar do que todo
esse teatro de merda se trata.
— Vem comigo — desiste de me fazer prometer algo que provavelmente
não iria cumprir e me guia entre as pessoas espalhadas na pista. Seus passos são
urgentes o suficiente para me deixar consciente de que provavelmente há um
incêndio ocorrendo em algum lugar e isso apressa minha caminhada também.
Esbarramos na maioria das pessoas pelas quais passamos e eu evito
qualquer indício de briga, seguindo o loiro afoito em minha frente. Ele chega as
escadas e nós pulamos vários degraus, até pisarmos no segundo andar, onde a
área VIP se divide em diversos espaços reservados para os mais ricos,
considerando os valores.
— Então, é o seguinte… — Ele coça sua nuca. — A sua noiva está aqui.
Eu tenho uma pequena sensação esquisita quando ele diz isso. Como se
desse reset.
Mas Max não se inibe pelo meu aparente choque.
— Na penúltima cabine — afirma, acenando na direção da fileira de
reservados. — Com um cara que eu não sei quem é. Bem, pensei que fosse o
irmão quando passei, mas não é. Eles estão muito próximos para que seja ele…
se é que você me entende.
Eu espero apenas um segundo.
Apenas um, para que ele desminta tudo e diga que não passa de uma
pegadinha. Seria típico de Max, me enfurecer desse jeito e depois, rir da minha
cara.
Mas ele não fala.
Ele não desmente e apenas me encara numa expectativa preocupante,
como se tentasse ler meus pensamentos e falhasse, sem entender do que sou
capaz, uma vez que sei do que sei, por que nunca passamos por situação
parecida.
Nenhuma mulher nunca foi minha o suficiente para que eu me
preocupasse com quem fala ou não. Mas Rebecca? Minha noiva?
Então, eu giro meu corpo e começo a caminhar. Não, não, eu começo a
marchar.
Ando pelo corredor estreito e espio dentro de todas as cabines até chegar
a penúltima, como ele disse. E demoro apenas mais um segundo para reconhecer
Rebecca ali.
Com um homem ao seu lado.
Um homem que tem o braço sobre o encosto do seu sofá e está virado na
direção do seu corpo, parando de desejá-la apenas quando minha chegada se
torna a novidade da vez, ao invés dos seios porcamente cobertos da mulher que
carrega minha aliança nas mãos.
Ele parece saber quem eu sou imediatamente.
O guarda-costas de merda que está com ela me avalia por um segundo,
então recua, após me reconhecer. E eu marco seu rosto, porque ele sabe que está
fodido.
Ele e qualquer um que esteja envolvido nessa merda do caralho.
Rebecca mal pode se mover antes que eu esteja no centro da cabine,
escancarando a vergonha que ela causa a nós dois agora.
— Luca?
Se ela grita depois de me reconhecer, eu não me importo. Mas eu tenho
punhos ansiosos para descontar tudo que tive de aguentar no dia de hoje – e
agora isso – na cara estúpida do homem que ousou almejar o que é meu.
O que foi dado a mim.
E o que é apenas meu.

— Luca, seu puto do caralho, para com essa merda! Vão chamar a
polícia e o seu pai vai comer a porra do nosso cu, seu desgraçado!
Meu primo tenta me tirar de cima do rapaz inconsciente, jogado sobre o
sofá, com o rosto aberto e manchado com o sangue que arranquei de sua pele
com meus dedos ansiosos, moendo os ossos do seu nariz na porrada.
Rebecca, puxada pelo soldado Fioderte, chora e pede que eu pare, mas se
ela acha que isso vai adiantar, está enganada pra caralho. E não me conhece.
Bem, ela certamente não me conhece, se não me teme. E isto é um erro.
Não há respeito se não há medo.
Eu aprendi isso cedo, como fui capaz de esquecer?
— Eu não fiz nada! Ele não tocou em mim! Aldo esteve aqui o tempo
todo, Luca, por favor, pare!
Seus berros enchem minha cabeça e eu apenas esmurro, esmurro e
esmurro mais. Os vizinhos da cabine ao lado saíram correndo e seguranças
apareceram. Mas ninguém ousou se meter. Nem mesmo quando meus braços já
estão manchados com o sangue escarlate que arranco da sua face amassada.
Eu me afasto quando o toque começa a ficar mole e saio de cima dele e
seu look de playboy – agora destruído – limpando o suor que escorre pela minha
têmpora. Isso espalha sangue em meu rosto, mas estou além de me importar com
isso.
Ou com a expressão de choque da minha futura esposa.
— Puta que pariu, Luca! Olha a merda! A porra desse cara deve estar
morto, seu bosta!
Fixo meus olhos no semblante choroso de Rebecca e ignoro os berros ou
ordens de Max. Sei que ele está com o telefone na mão e vejo, por um lampejo, a
expressão do fodido irmão de Rebecca, aproximando-se da cena.
Então ele é o culpado por isso?
Eu o impeço de tocar nela antes que tente e seu olhar trava uma batalha
clara contra o meu.
— Ela vem comigo. — Sou claro em minha ordem e reivindicação. O
olhar marrom de Matteo Fioderte arde na minha direção e vejo seu movimento
para pegar a arma. Eu faço o mesmo. — Só tenta, seu fodido do caralho! Tenta e
eu destroço essa tua cara de merda!
Matteo ri.
— Você não vai a lugar nenhum com a minha irmã — promete, correndo
os olhos para cima dela, que ainda chora copiosamente atrás de nós dois. — Ela
não tem culpa de nada.
— Ah, eu sei muito bem que Rebecca não tem culpa de nada — sorrio.
— Mas eu acerto as contas com você mais tarde.
Certo de que ele não tentará nada – e sabe o que significaria sacar sua
arma para mim – eu me viro para sua irmã e seguro seu pulso. Beca não luta
contra mim e me segue, aos tropeços, enquanto rumo na direção das escadas.
Consigo ouvir suas irmãs gritando atrás de nós dois, mas eu quero mais é que se
fodam.
Eu não havia dado tanta bola ao que a aliança em seu dedo representava
antes, mas agora, com o sangue do fodido que tentou tocar nela em meus dedos e
nada além de pensamentos muito perigosos rondando minha mente tumultuada,
agradeço por ter controle sobre onde vai e com quem anda.
Porque ela nunca mais sai da minha vista.
Nunca mais.
Não me importo em ligar para os soldados e pedir que limpem a bagunça,
pois sei que Max cuidará disso. Sigo reto, passando pela pista um pouco vazia
agora e só paro quando chegamos ao meu carro. Rebecca choraminga como uma
criança que se machucou e eu detesto cada parte disso.
Se fez, assume.
Eu a coloco no banco de carona e passo o cinto. Ela continua chorando,
puxando a boca como se faltasse ar.
Dou a volta e sento no banco do motorista, mas não saio da vaga antes de
respirar fundo três vezes e esticar meus dedos doloridos.
— Me desculpe, por favor… — Ela volta a falar, me fazendo respirar
fundo pela quarta vez. O peito nem enche mais. — Eu não queria vir… Eu não
queria fazer nada… Eu não fiz nada! Por favor…
— Quer dizer que alguém te obrigou a vir até aqui, vestindo essa roupa
de puta do cacete e ficar sozinha num reservado com aquele cara? — Meu berro
ecoa pelo espaço fechado e vejo o queixo de Beca tremer. O estacionamento está
vazio e eu imagino a bagunça que consegui lá dentro, surrando quem quer que
aquele fosse. — Você abriu a porra das suas pernas para ele, Rebecca? Por que
se fez isso, porra…
— Não fizemos nada! — esbraveja de volta. — Tudo que fizemos foi
conversar!
A fúria retorna e frustrado com minha inabilidade em controlá-la, soco o
volante. Vittorio não consegue controlar a própria filha? Que homem em sã
consciência permitiria que uma noiva viesse a um clube? Quando os russos
acabam de ser atacados e fariam de tudo para foder com qualquer plano que
temos?
— Aquilo parecia tudo menos a porra de uma conversinha para mim,
Rebecca — giro a chave na ignição. — Parecia que ele estava te cantando e você
estava gostando. Talvez estivesse falando de como seria gostoso se ele pudesse
enfiar o pa...
— EU NÃO FIZ NADA! — Ela grita e eu mordo o interior da minha
boca, remoendo as bochechas a ponto de sentir doer. Agora ela grita comigo? —
Me leve onde quiser para confirmar isso! Eu sou noiva e fiel a você, Luca, e
nunca seria tola de fazer o que pensa que eu poderia estar fazendo!
— Fodendo? — digo e a palavra a faz pressionar os olhos, claramente
desconfortável. Mantenho meu olhar sobre seu rosto, encarando-a com o
máximo de desprezo que consigo, controlando-me ao máximo para não voltar lá
e socar o que restou daquele desgraçado. — Gozando gostosinho nos dedos
daquele filho da puta?
— Eu nunca deixaria ninguém tocar em mim sabendo que pertenço a
você — dizer isso parece custar algo a ela e eu volto a tentar controlar minha
respiração, colocando a atenção na nossa frente. Meu peito bate forte demais e
tudo que não precisamos agora é que eu tenha a porra de um ataque cardíaco.
Com o meu silêncio, ela volta a chorar e eu respiro fundo, mas fundo
mesmo, para não gritar. Tudo dentro de mim se contorce numa mistura de raiva e
algo mais profundo do que isso, próximo do ódio, e forçadamente, pensando em
minha mãe e no que significaria fazer o que eu gostaria, controlo a minha raiva e
tento ser racional.
— Pare de chorar agora, Rebecca — ordeno. Ela se esforça para
controlar o choro e eu valorizo seu esforço, mas não é o suficiente. Ela ainda
soluça como uma criança. — Agora, Rebecca!
— Eu não consigo! — devolve num grito.
E a minha paciência vai para o saco.
— Mas vai ter que conseguir! Ou eu vou te colocar para fora da porra
desse carro e…
Antes que eu termine de falar – e amaldiçoe a porra dessa relação para
sempre – o som do vidro blindado sendo atingido nos silencia. Por reflexo,
minha mão voa para o pescoço de Rebecca e a empurro para baixo, buscando a
arma que carrego no coldre da cintura. Meus olhos se movem para cima do
espelho retrovisor e eu xingo alto o suficiente para fazer minha noiva se
contorcer.
Não é difícil para mim reconhecer o som de tiros.
Minha mão chega a tocar à porta para abri-la e enfrentar o que quer que
esteja lá fora, mas eu xingo ainda mais ao me lembrar de que Rebecca está aqui.
E estamos sendo alvejados.
Puta que me pariu.
Puta que me pariu!
Sua vida é minha responsabilidade e imagine que beleza, ter a filha de
Vittorio Fioderte morta em minhas mãos? Eu teria que me matar em seguida para
poupar seu trabalho.
Eu espio em sua direção por um segundo e com surpresa, a encontro
encolhida, entregando que foi treinada para isso.
— Fique abaixada — ordeno, nada gentil. — Vou tirar você daqui.
Giro a chave e enxergo de onde vem os tiros. Dois carros fecham a
entrada do estacionamento, mas não a saída e é para lá que eu vou, queimando
os pneus no maldito asfalto para chegar antes deles. O volante gira em uma das
minhas mãos, enquanto mantenho a outra na cintura. Eu afundo meu pé tão
fundo no acelerador que sinto o carro deslizar pela rua quando chegamos a
avenida. Os dois carros disparam atrás de nós dois e amaldiçoo o dia em que
resolvi sair de casa.
Amaldiçoo o puto dia em que nasci.
Com um toque, virando na esquina – e quase provocando um acidente –
toco o painel do carro e busco pelo número de Max. Rebecca começou a chorar,
mas eu não consigo lidar com essa merda agora.
Ou ela vive ou ela ganha um colinho.
Meu primo atende no segundo toque.
— Ouvi tiros. — É ligeiro em dizer.
— Sim, porra! São na gente!
Ele solta uma enxurrada de xingamentos em sequência e começa a
distribuir ordens.
— Onde você está, caralho?
— Acabei de deixar o estacionamento! — berro, cuidando os que me
seguem pelo espelho. Quero tirar a arma e contra-atacar, mas perderia controle
da direção. — Só podem ser os putos dos russos, Max! Porra, eu vou matar cada
um deles…
Soco o volante repetidas vezes, tentando colocar para fora toda raiva que
assume meu corpo aos poucos. Foda-se, foda-se, foda-se. Foda-se essa merda.
— Eu tô indo, porra! Só não morre!
Ele desliga e eu foco em fazer o que pediu.
Não morrer.
O que é difícil ao considerar que tenho dois carros em cima de mim, uma
noiva chorona e nenhum reforço. A busca por uma solução para isso me faz
abaixar todo o vidro e tentar acertar pelo menos a mão de algum dos filhos da
puta, mas não tenho sucesso e volto para dentro do carro ainda mais irritado,
lutando para reassumir o controle do volante.
Rebecca grita o suficiente para me enlouquecer agora.
— Se segura no banco! — ordeno, um pouco ofegante. — Essa porra vai
ficar meio complicada agora.
Meu aviso não é em vão, pois no segundo seguinte, giro todo o volante
para a esquerda e enfio o carro na direção de uma rua estreita, que por Deus,
espero que termine onde acho que termina.
Os dois carros vêm atrás de nós, quase colados na bunda do veículo e eu
passo por buracos, arranhando as laterais nas paredes do beco. Rebecca
descobriu que gritar é a única coisa que pode fazer e eu afundo o pé no
acelerador no mesmo momento em que um tiro explode um de meus espelhos.
Por sorte, saímos numa avenida larga o suficiente para ter um minuto de
alívio.
Que não dura muito.
— Eles vão nos matar! — Beca berra, deixando de lado qualquer sinal de
calmaria.
— Não, eles não vão! — eu berro de volta.
Meu telefone toca de novo e eu aceito a ligação, desviando dos carros
como se essa porra fosse GTA.
— Aonde? — Max sabe que estou fodido e não gasta meu tempo com
perguntas idiotas. Entrego nossa localização a ele e ele assente. — Estarei com
você em dois minutos. Matteo está comigo e puxei homens do seu apartamento.
Os tiros voltam com força total quando ele desliga e eu baixo minha
cabeça. O vidro é blindado, mas não é invencível. E dois minutos são o
suficiente para que ele comece a chover sobre nós dois.
Porra.
— Abaixa a cabeça, Rebecca!
Minha ordem ecoa pelo carro no momento em que puxo o freio de mão e
faço o carro girar na avenida. Minha noiva berra, eu puxo a arma e quando
paramos, me inclino sobre ela e aproveito sua janela para atirar. Nosso carro está
atravessado na rua e eu preciso de um segundo para recarregar a arma.
Se era uma execução que eles queriam, não vão ter.
Porque meus reforços acabam de chegar e um deles vai com tudo para
cima de um dos carros, se chocando contra sua lateral e empurrando o veículo na
direção de um prédio. Pedestres correm e gritam. Eu não me importo.
O outro carro é atingido por Max quando este surge num dos carros e
rodopia na avenida, com os pneus furados. Ele assume o controle da situação e
eu me permito um segundo para respirar contra o estofado do carro, absorvendo
tudo que acabou de acontecer e o fato de que saímos vivos dessa merda. Rebecca
me encara com um espanto óbvio e eu vejo a curva do seu peito subir e descer,
enquanto ela se acalma e tenta absorver os últimos acontecimentos.
Mas está viva.
Estamos vivos.
Ainda bem.

— Quem são? — Minha pergunta corta o caminho até Max e nossos


homens. Eles mantêm as armas apontadas na direção dos dois que ainda
respiram e eu vejo, pelo canto do olho, Matteo averiguar o outro carro com
alguns de nossos soldados. Naquele, já estão todos mortos.
Meu primo se aproxima do motorista e busca os bolsos de seu casaco.
Com um grunhido de dor do homem, Max puxa o documento de identidade e
abre um sorriso que não me oferece qualquer paz.
— Russos — fala, e entendo que ele torcia para que não fossem. Seria
mais fácil. — Se sabiam onde você estava com tanta facilidade, devem ter sido
informados. Devem ter olheiros dentro da Yorker. Ou, porra, talvez até o próprio
Alexei estivesse lá…
O nome do traficante de Romeu me faz grunhir. Se eu estivesse no
mesmo espaço que aquele desgraçado, não me perdoaria por não ter explodido
sua cabeça.
Matteo se aproxima ao mesmo tempo em que minha cabeça volta para
alguém com interesse demais em quem eu era ou o que fazia.
E que se assustou quando me notou atento aos detalhes.
— Não foi Alexei — afirmo, sem um pingo de dúvidas. — Foi uma
bartender curiosa demais para o próprio bem.
— Precisamos pegar alguém, senhor Accorsi? — Oliver pergunta, com
as mãos unidas na frente do corpo e a postura de soldado impecável.
— Eu lidarei com a vadia, só preciso que vocês a mantenham por perto.
— Para não dizer encurralada. — O nome é Tracy. Sabe o que fazer.
Ele assente e se desloca com mais alguns homens.
— Isso foi mais do que um ataque. — Max começa, mas pausa para
estudar minhas feições. — Foi uma declaração, Luca.
— Se eles querem guerra, é o que terão. — A resposta é óbvia e faz os
hematomas deixados por meu pai cutucarem minha sanidade. Meu rosto inteiro
dói e a fuga não fez qualquer bem às partes que ele deixou a salvo. — Não
podemos fazer mais nada para impedir.
— Preciso levar minha irmã para o hotel. — Matteo anuncia, parando ao
meu lado. Ele tem o mesmo rosto que Beca, mas ao ver sangue, não tem nada
parecido com a garota encolhida em meu carro, que parece temer qualquer sinal
de violência e nem mesmo teve coragem de descer. — Não é seguro aqui fora.
— Não sei o que você acha que mudou nos últimos quinze minutos,
Fioderte, mas Rebecca ainda vai comigo. — Minha fala é ácida o suficiente para
cutucar a pose de bom moço que ele tenta manter. Com toda certeza, sabe que
sua irmã tem os dois olhos sobre nós dois, esperando que não pulemos um na
garganta do outro, como é óbvio que temos vontade de fazer. — Ou vai querer
que eu reclame para o seu pai da sua dificuldade em entender que sua irmã é
assunto meu agora?
Ao mencionar Vittorio, vejo o soldado assumir, não o irmão. Ele já sabe
que está em maus lençóis. Uma reclamação minha, após uma cena como a de
hoje mais cedo, com o sangue que ainda faz minha pele coçar e deve me tornar
uma agradável visão para os russos que levaremos como diversão, poderia
colocar sua cabeça a prêmio. E eu não sei muito bem quais são as técnicas de
punição utilizadas por Vittorio, mas ele se cala e baixa a crista, reconhecendo
minha autoridade sobre o destino de Rebecca.
— Bom menino — ironizo.
— Para onde vai levá-la? — insiste, com a mão perigosamente apoiada
sobre a cintura. Um movimento rápido, se fosse rápido o suficiente e poderia
estourar meus miolos. Isso faz Max ficar atento.
— Não te interessa — digo, simplesmente. É o suficiente para ver
labaredas subirem pelo olhar concentrado de Matteo Fioderte e ter certeza de que
os feriados em família jamais serão pacíficos.
Ele parece estar controlando cada fibra do seu corpo para não começar
um espetáculo bem aqui, exibindo um pouco da sua força. E eu o desafio a me
enfrentar. Apenas um pouco. Só um soco.
Eu iria adorar ter motivo para gastar sua cara na porrada.
Mas ele é melhor do que eu em se controlar — e parece ver as coisas
num plano mais racional —, por isso, recua e se retira, caminhando na direção
do meu carro sem olhar para trás. Vejo quando ele se apoia na janela e abre a
porta, puxando Rebecca para um abraço demorado.
A cena me irrita de um jeito inesperado.
— A ele não interessa, mas a mim sim. — Max, que cuida da cena do
mesmo modo que eu, questiona. — Para onde vai levá-la, Luca? Não seria
melhor se…
— Tenho o apartamento a algumas quadras daqui — disparo. — Ela fede
a vodca e cigarro, Max. Se eu a colocar perto de Vittorio agora, vai ser o fim de
tudo. Ela vai acabar com qualquer aliança sem nem precisar abrir a boca.
Meu primo dá um passo à frente, os músculos se destacando diante da luz
dos faróis quebrados e a voz num sussurro, abafado pelas ordens firmes dos
soldados que guiam os russos para nossos carros. Nova York inteira parece
parada para nós dois, conforme ele se inclina para sussurrar em meu ouvido:
— E não é exatamente isso que quer? Anulariam o acordo. Você estaria
livre de toda essa merda.
Com um olhar demorado e uma mente trabalhando anos luz à frente do
que vivemos agora, cesso a última gota de resistência que havia em meu corpo
contra a ideia de me tornar um homem casado em março.
Meus olhos pousam sobre os dois corpos estourados graças à colisão
contra o carro. Russos, armados até os dentes e cientes de minha localização.
Russos com ordens para matar.
Não é o tipo de risco a que podemos ceder, nem o tipo que poderemos
enfrentar sem um apoio como o de Vittorio. Não se Romeu estiver pretendendo
nos surpreender a cada esquina, utilizando recursos dos quais nem mesmo temos
certeza, para vingar seu pai.
Não há força mais potente em uma guerra do que esta — a de desejo por
sangue em retorno àquele que foi derramado. E eu reconheço isso ao ver o
sangue de seus homens manchando nosso asfalto.
Ele não vai deixar barato.
— Não é mais uma questão de querer. É questão de precisar.
Ao entrar no apartamento, quinze minutos depois de deixar a cena para
que Max e Matteo, — em um péssimo humor —, terminassem de lidar e
contornar os efeitos daquela bagunça, acendo as luzes e permito que uma
Rebecca acuada, descalça e suja com filetes de sangue nos braços e colo, além
de rasgos na saia preta do vestido que me causou úlceras, reconheça o lugar.
Eu mesmo preciso de um segundo para me acostumar com a visão da
cobertura de dois andares, a qual mantenho como investimento, assim como
recomendado por nossos contadores. Tudo é útil, se tiver a mesma quantidade de
dinheiro que nós para lavar.
E uma cobertura com a visão panorâmica de Manhattan não é nada mal,
especialmente em momentos como este, no qual se é necessária privacidade para
lidar com o caos que é minha futura noiva.
As paredes são num tom escuro de cinza, mas os móveis se destacam da
neutralidade em tons de branco gelo. A parede de vidro, no fundo, nos oferece a
tão falada vista privilegiada que me custou uma verdadeira fortuna e prende a
atenção de Beca, depois que ela passa os olhos tímidos pelo hall de entrada e os
sofás na sala de estar informal. Uma televisão está pendurada sobre a lareira
elétrica e eu me apresso para recolher uma manta que está estendida sobre o
sofá, atordoado por uma enxurrada de memórias da última vez que estive aqui —
e o que limpei com isto.
Rebecca nem nota o movimento ligeiro e eu me lembro do que ela
despejou assim que descemos no carro, na porcaria dos meus sapatos.
— Você precisa de um banho — lembro, num resmungo impaciente. Ela
me encara pela primeira vez desde que saímos do carro. — Está fedendo como
um cachorro de rua.
Meu corpo começa a expressar os sinais claros de exaustão — os ombros
duros, as mãos calejadas e a tensão em meus músculos, que não me deixou desde
que acordei — além do sangue que marca minhas roupas e distrai a italiana, que
passa os olhos cuidadosamente sobre minha roupa, como se a memorizasse. E se
for esperta, a tomará como um aviso.
— Escutou o que eu falei? — provoco. Seu queixo treme e ela sustenta
meu olhar sem fugir novamente.
— Eu não… não…
— Não o quê, porra?
Ela baixa a cabeça e abraça o próprio corpo. Não parece nada além de
uma menina ao fazer isso e eu bufo, questionando o que fiz à Deus para merecer
isso.
É, bastante coisa.
— Não queria ferir sua honra.
A sua resposta sai em um sussurro apressado e aos poucos, meu corpo se
lembra de porque estava tão pesado. Por causa da raiva que senti ao vê-la tão
próxima de outro, principalmente usando a aliança que a dei, mas não por isso.
Apenas pelo fato de estar tão próxima de outro, após ter sido dada a
mim.
Rebecca não sabe — tampouco eu sabia antes de hoje —, mas ao aceitar
essa droga de acordo envolvendo essa farsa de casamento e ao marcar sua mão
com uma joia que custa mais do que muitos um dia viverão para ter, eu a
marquei. E a tomei para mim.
E porra, se eu não cuido do que é meu, não sei quem o faz.
— Está assumindo que beijou o sujeito? — pergunto, a fim de solucionar
esta merda. Desesperada, Rebecca balança a cabeça, unindo as mãos em frente
aos lábios inchados.
— Per Dio, é claro que não! Eu nunca faria isso, eu jamais pensei que…
— soluça. — Eu só estava conversando com ele.
— Mas sabe bem que ele não queria só conversar com você, não é?
Minha resposta parece tirá-la da zona de conforto onde tenta se esconder
e examino a expressão que demonstra ao ser confrontada.
Rebecca sabe que ele a desejava — como qualquer homem com olhos e
um pau funcionando provavelmente o faria ao colocar os olhos nela — e não
esconde. E pelo rubor em suas bochechas, ela gostou.
— Gostou do modo como ele te olhou, Rebecca?
Num movimento surpresa, minha noiva doce e ingênua arrebata minha
atenção ao estufar o peito e esfregar as lágrimas de seu rosto. É melhor do que
seu choro fingido de boa moça.
— Foi melhor do que ser ignorada.
Eu mal posso acreditar.
— Então é sobre isso? — Uma risada seca escapa pela minha boca
enquanto me livro dos sapatos e começo a abrir os primeiros botões da camiseta
ensopada. — Eu não olho para você e você sai correndo, balançando o seu
rabinho para chamar atenção do primeiro que aparecer?
Rebecca parece mais do que ofendida ao me escutar usando termos tão
baixos na sua presença e arregala os olhos, como se eu estivesse sendo muito
mal-educado por sugerir a verdade que enxergo.
— Não tem ninguém em volta, Rebecca. — Seu nome deixa minha boca
como uma pequena e nada doce maldição.
Então eu começo a andar em sua direção.
Com certo senso de preservação, minha noiva começa a recuar, em
passos trôpegos e tolos, correndo na direção das portas do elevador que já se
fecharam — e não se abrirão a menos que eu aperte aquela droga de botão.
— O que significa que eu posso fazer o que eu quiser com você —
completo, terminando de abrir a camisa. Meu peito está exposto e o sangue
pegajoso do tecido me incomoda. — E falar o que eu quiser para você.
Ela chega ao limite e suas costas batem contra o metal das portas frias.
Eu sorrio, pois ela não tem para onde correr. E eu quase posso sentir o cheiro do
seu medo, conforme me aproximo, como se ela não soubesse o que esperar.
— Você acha que o modo como aquele moleque te olhou foi bom, Beca?
— As íris escuras brilham enquanto ela registra minha aproximação sutil. —
Acha que ele iria te fazer sentir bem? Acha que ele iria te tratar melhor do que eu
posso tratar?
Recuperando toda força que consegue, ela engole em seco e diz:
— Isso é inapropriado.
E eu só continuo a caminhar, grudando de vez meu peito contra o seu.
Posso sentir sua respiração descompassada e o coração batendo muito
rápido.
— Inapropriado é o que eu vou fazer você sentir se fizer uma merda
como essa novamente — prometo, sem permitir que seus olhos escapem do
controle dos meus. Quando ela tenta, enrolo seu cabelo em meu punho e
mantenho seu rosto fixado no lugar certo. Ela arregala os olhos. — Entenda,
Rebecca… eu não vou ferir você. Pelo menos não do jeito como você pensa que
eu poderia fazer agora.
— Você disse que eu não deveria ter medo de você — responde, testando
minha santa paciência.
Um sorriso maligno toma conta dos meus lábios.
— Existem outras formas de se fazer uma esposa sofrer além da dor,
minha linda, e pode ter certeza de que eu sou criativo o suficiente para
descobrir.
Minha boca encontra espaço para provocá-la debaixo de seus cabelos e
roço os lábios e o nariz contra a pele quente de seu pescoço, respirando seu
perfume doce e as misturas que existem sobre ela, manchando o que é tão puro.
— Então comporte-se… — suspirando, deposito um beijo casto sob sua
pele, muito delicado perto de tudo que poderia fazer com seu corpo, dos modos
como poderia fazê-la chorar e implorar…
Mas não do jeito ruim.
Não, nunca do jeito ruim.
Nunca gostaria de ver uma mulher como essa machucada.
Mas ocupada com meu pau, sim.
Com toda extensão dele.
Com tudo.
Centímetro por centímetro.
Sua boca parece capaz de fazer maravilhas e se apenas o casamento fosse
hoje… Se não houvesse lençóis para marcar...
— Vai ser melhor para você se fizer assim. — Me afasto, decidido a
manter o que resta da minha sanidade em pé. A camisa aberta não ajuda a
esconder qualquer coisa, mas aproveito quando estou de costas para ajeitar
minha calça.
Porra…
Eu deveria estar bravo.
— Então não vai acabar com tudo? — Sua pergunta é tão preocupada
quanto fruto de sua aparente decepção. Rindo, paro em frente ao meu carrinho
de bebidas, sentindo seu olhar dissecar cada parte da minha estrutura. Talvez,
pensando onde seria melhor me acertar com os sapatos que segura com tanta
firmeza.
— Não, noiva, eu não vou — afirmo, assobiando.
— Vai se casar comigo mesmo que…
— Vou — porque a situação é maior do que isso, concluo internamente.
— Agora vá para o banho — saboreio o gosto do Brandy e meus olhos brilham
com fogo puro ao encarar seu belo rostinho assustado mais uma vez. — A menos
que não consiga encontrar o caminho sozinha…
— Não tenho roupas para trocar — lembra, azedando meu doce humor
instável. Com um grunhido, sou obrigado a deixar minha bebida e ir na direção
das escadas. Ela me segue, felizmente.
Seus passos são como os de alguém que não sabe muito bem o que fazer
com os pés, mas nós chegamos ao segundo andar e andamos até o quarto de
hóspedes. Vou até a cômoda embutida no canto e puxo as gavetas.
— Donatella deixa algumas roupas aqui — puxo as primeiras peças que
vejo. — Veja se servem. Ou pode usar…
— Servirão — garante, piscando. — Eu só preciso que me diga onde fica
o banheiro e… bem, de uma toalha.
— Tem certeza de que não precisa de mais nada, milady? — Meu
deboche soa infantil e ela parece pega de surpresa. — Há toalhas no banheiro,
que fica ali — aponto para a porta no lado direito do quarto — Agora, se me
permitir… Tenho suor, vômito e sangue para tirar de mim.
Caminho na direção da saída e ela se mantém imóvel no centro do
quarto, até que um chamado tímido e abafado pelo meu nome me impede de
deixá-la sozinha.
— Sim, Rebecca?
Ela parece verdadeira ao dizer:
— Obrigada. — Ela coloca todo ar para fora, o que passa a impressão de
estar aliviada.
Mas eu não fico para perguntar pelo que ela está agradecendo.

— O que você nos conseguiu foi uma merda do cacete, como é de


costume. — Max diz, pelo telefone. Estou terminando de secar meu corpo após
deixar o chuveiro e gotas marcam todo meu caminho até o closet. — Matou um
fodido jogador de futebol da NFL na porrada, Luca!
— Ele estava sozinho numa cabine escura com a minha noiva —
simplifico, puxando uma das gavetas para conseguir uma cueca.
— Como você acha que se esconde uma porcaria dessas?
— A polícia recebe dinheiro o suficiente. E estes jogadores morrem todo
dia em lugares como a Yorker. — Aquele buraco pútrido e desprezível. —
Coloque um pouco de cocaína no bolso dele e injete alguma coisa no braço. Tá
feito.
— Matteo foi esperto o suficiente para fazer isso antes de sairmos —
lembra, dando uma dica sutil de que deveria pegar mais leve com o italiano. —
Mas o seu pai…
— Lidarei com ele — empurro a gaveta e pego uma calça de moletom
qualquer. Max bufa do outro lado da linha. — Não vai fazer nada que já não
tenha feito.
Castigar-me.
— Foi assim que conseguiu o olho roxo? — Ele pergunta, mas nem
mesmo precisaria. Max sabe quem Tony é — Velho fodido de merda.
— Conversaremos mais amanhã — encerro o assunto. — Preciso dormir
e ver se Rebecca sobreviveu ao chuveiro.
— Sua noiva… — A voz soa mansa, como um felino que espreita, sem
dar o bote final. — Ela está bem?
— Respirando. É o que importa para mim.
Tiro a chamada do viva-voz e coloco o telefone no ouvido, deixando o
quarto. Meus passos são silenciosos o suficiente para não criarem qualquer som
pelo extenso corredor. Isso permite que eu note que o chuveiro já foi desligado.
— Certo. — Max bufa. Imagino que ele esteja mais do que longe de
descansar. — Apenas mantenha as coisas sob controle e as mãos longe da garota.
Terminamos de resolver essa merda amanhã.
Desligamos juntos e eu enfio o telefone no bolso, aproximando-me da
porta do quarto de hóspedes. Não há nenhum som vindo lá de dentro e eu estalo
a língua contra os lábios quando enxergo Rebecca adormecida sobre a cama,
encolhida como um pequeno filhote, com a toalha molhada sobre os cabelos e as
pernas descobertas.
Meu instinto óbvio é de dar as costas para a cena após apagar as luzes e
agradecer a Deus — ou quem quer que esteja lá em cima — pela garota ter
apagado sem maiores problemas. Mas ao rever o modo como está encolhida…
É como se eu sentisse os olhos de Vittorio ou Matteo sobre minhas
costas, apenas me desafiando a deixar sua doce e inocente filha e irmã — o seu
tesouro — descoberta e exposta a algo tão terrível quanto uma gripe.
Então eu entro no maldito quarto que parece impregnado com o mesmo
cheiro que senti em seu pescoço mais cedo e puxo as cobertas da ponta da cama,
estendendo-a sobre seu corpo pequeno e frágil.
Totalmente vulnerável.
Todo meu toque se limita a isso e eu me afasto depois de puxar a toalha
pesada, liberando a cabeleira castanha sobre seus ombros. Ela respira fundo
depois disso, como se reconhecesse o gesto e eu toco a toalha — que pretendo
queimar por causa do cheiro doce impregnado — em qualquer canto.
E é péssimo o momento em que cometo o erro de olhar para seu rosto
pela última vez, me certificando de que está dormindo. Acabo ficando preso por
alguns minutos na expressão serena de algo que é desconhecido para mim.
Um sono tranquilo — sem pesadelos.
Mal posso imaginar como seja isso.
Há sardas tão tímidas quanto ela, despontando na ponta do seu nariz,
livres de qualquer que seja a maquiagem que ela use para encobri-las. Os cílios
longos e espessos cobrem a maquiagem pesada que parece ter sido esfregada no
banho e eu me pergunto se ela já ouviu falar em esfregar suavemente.
A força que usou, provavelmente, é a causadora da vermelhidão
resistente em suas bochechas. Ou o choro exagerado.
O que só piora a imagem de pura inocência que passa a mim, aqui de pé,
encarando-a dormir o sono dos justos.
O que uma vida presa a mim poderia causar a uma mulher como ela?
A alguém que não sabe se defender e permite que qualquer um explore
suas vulnerabilidades e veja suas fraquezas?
Fui ensinado desde criança a não permitir que ninguém chegasse perto
demais para ver qualquer sinal de algo como uma falha, mas não é o mesmo que
ensinaram a esta mulher.
Ela confia, depois pergunta o nome.
Eu não pergunto porra nenhuma.
A noite de hoje serviu como um belo lembrete do que enfrentaremos em
nossa jornada. Perseguições, tiroteios, ameaças, sequestros, torturas, traidores…
Tudo está no pacote vida de mafioso e porra, algo dentro de mim parece se
retorcer ao pensar que essa é a vida que alguém que dorme deste jeito – e se
parece deste jeito – está destinada a ter.
Parece um pouco injusto tanta beleza em um mundo tão sujo, concluo,
enquanto caminho de volta para o meu quarto e afundo meu corpo contra o
colchão.
Depois disso, tenho pesadelos com smokings, bolos de seis andares e
olhos castanhos.
Quando acordo, fico feliz de não me lembrar de como peguei no sono,
por que, oh, céus, certamente não foi bonito pelo modo como desperto, enrolada
em mim mesma, pressionando meu próprio braço e com baba escorrendo na
bochecha. Mas ao considerar a noite que tive, a maneira como acordo é até
positiva, pensando que na pior das opções, eu poderia estar morta.
Com toda essa positividade alojada dentro de mim, abro os olhos devagar
e aceito a claridade que escapa pelas frestas da janela larga e avalio o ambiente
ao meu redor entre piscadelas lentas, despertando totalmente. Meu corpo está
pesado e minha cabeça pesa o dobro, se é que isso pode ser considerado
possível. Mas por sorte, reconheço facilmente o lugar onde estou ao não
reconhecer nenhum dos móveis ou objetos de decoração que parecem ter sido
apenas jogados para que o quarto não parecesse impessoal demais ou apenas
vazio.
No quarto de hóspedes do apartamento de Luca.
Ao notar isso, as memórias da noite passada surgem como um caminhão
de cimento sendo despejado em cima de mim e me forçam a fechar os olhos para
tentar — inutilmente — empurrá-las para longe. O que de nada adianta, pois o
rosto de Luke, o homem simpático e gentil que só queria me ensinar a como
tomar um gole de vodca sem vomitar, ilumina cada pensamento que tenho e me
faz grunhir, mesmo sem certeza de que fim foi reservado como recompensa pela
sua educação.
Eu não sou inocente a ponto de fingir que ele não tinha interesses além
de me fazer companhia, mas eu não permiti que nada acontecesse. E muito
menos Aldo — oh, pobre Aldo.
Eu nem pensei que…
No que eu estava pensando?
Em nada. Em nada além de mim mesma e das vontades mais fúteis que
poderia ter. Com isso, acabei me deixando levar por minhas irmãs de dezesseis e
quinze anos, como se elas soubessem de alguma coisa. Como se pudesse cobrar
delas qualquer noção sobre o que estava em risco.
E Matteo só queria me agradar, como sempre fez. Talvez me dar a chance
de respirar o ar da normalidade antes de me tornar o que ele sabe que serei
obrigada a ser…
Cristo, nenhum deles tem tanta culpa quanto eu. Nenhum deles deveria
pagar pelos meus erros.
Muito menos Luke.
Eu deveria ter sido mais esperta e o avisado de que deveria se afastar
antes que fosse tarde demais. Infelizmente, não tive chances de fazer isso antes
do meu noivo aparecer e estragar tudo.
Ele trucidou o pobre homem que não tinha ideia nenhuma do buraco
onde havia se enfiado e como uma máquina, arrancou tanto sangue dele que me
revira o estômago só de pensar na vermelhidão… nos hematomas…
Nada.
Luca reduziu aquele homem a nada em minutos e tudo que eu pude fazer
foi assistir, junto de todos os outros, que mais conscientes do que eu, sabiam que
Luca não é alguém que poderia ser interrompido depois de tomar aquela
decisão.
E pensar que ele poderia estar fazendo aquilo comigo, caso eu falasse
mais alguma coisa, caso eu o desafiasse… caso eu o lembrasse de que ainda
estava respirando.
Depois disso, sinceramente, é tudo um borrão. Lembro do pânico, da
perseguição e da dor dos cacos contra minha pele. Lembro, também, de receber
um abraço apertado e aliviado de meu irmão, que parecia louco para me pegar
nos braços e sair correndo, mas só disse uma coisa.
— Fique bem. Estarei com você assim que der.
E saiu.
Mal posso imaginar bem o que aconteceu com ele ou minhas irmãs ao
voltarem sem mim. E não quero pensar no que acontecerá comigo, depois que eu
estiver na frente de Vittorio para enfrentar a ira motivada por quebrar sua
confiança.
Em dezessete anos de vida e nunca o desafiei. Nunca o desobedeci,
tampouco tentei enganá-lo.
Fui burra de fazer isso e cair nos charmes de Petra.
Ou apenas fui jovem por um instante e me deixei levar.
Com este pensamento, consigo encontrar alguma força em meus ossos
para ficar de pé. Mas tudo gira e gira até que eu esteja na frente do vaso,
colocando as tripas para fora, aumentando a sujeira no banheiro que Luca me
ofereceu.
Minha mãe diria que eu sou o tipo de hóspede que não se deseja receber
nunca mais.
Que pena, então, que ele não tenha essa opção.
Limpo o que posso depois de vomitar e fico de pé em frente ao espelho.
A boca está suja e uso a água para dar um jeito em tudo, inclusive nos olhos
manchados pelo rímel. Pareço inchada como um peixe, mas busco lidar bem com
isso.
Encontro uma escova de dentes lacrada na primeira gaveta e me livro do
gosto de podre na boca. A sensação é reconfortante.
Nunca bebi tanto. Para ser sincera, nunca passei do champanhe em
eventos sociais. E agora, dei o maior vexame de toda minha história na frente do
homem com o qual me casarei. E sujei seus sapatos que pareciam,
honestamente, impecáveis.
Depois de me tornar apresentável, puxando o cabelo num rabo de cavalo
liso com um pouco d’água, sorte e empenho, deixo o quarto e espio o corredor.
Meu corpo parece ter se lembrado de que precisa comer alguma coisa,
embora eu duvide que o peso em minha barriga vá me deixar ingerir ao menos
um pedaço de pão.
Por Deus, me sinto pesada… e tonta…
E com sede.
Muita sede.
Com tudo que há em mim, inclusive os resquícios de coragem, sigo em
frente e torço para que Luca não esteja acordado ainda. Ou que apenas tenha
saído e me deixado aqui presa. Será melhor do que ter que encará-lo sem saber o
que dizer.
Mas então, ao descer as escadas, ganho a confirmação que já temia: ele
está acordado. E acaba de abrir a porta para alguém.
E já é tarde demais para recuar sem ser notada.
Uma senhora mais baixa do que eu e certamente do que ele, de cabelos
tingidos de vermelho e roupas pretas, se aproxima em passos apressados.
Cordialmente, eles apertam as mãos.
— Obrigada por vir tão depressa, Fiona — agradece, o que eu nem
mesmo sabia que ele sabia fazer.
— Fazia certo tempo desde que não me ligava, senhor Accorsi…
Estranhei o chamado e achei melhor vir ligeiro.
Chamado?
Quem é essa mulher?
A voz, certamente de uma senhora, mas não me distraio por isso. Não sei
nada dos gostos pessoais de Luca e se…
— Tive alguns problemas na noite passada e não gostaria de deixar a
casa fedendo enquanto não estou — retruca, engrossando o tom de voz.
— Meu Deus, não me diga que me chamou novamente para esfregar
sang…
Infelizmente, a empregada não termina a frase, pois eu acabo tornando
minha presença notável ao bater contra um enorme quadro na parede. A moldura
vibra e eu penso que irá cair sobre mim, mas continua preso, o que é bom.
Bem bom.
Ainda assim, o som faz Luca mover seus olhos da senhora para cima de
mim, arrastando a atenção dela também. Não parece nenhum pouco feliz em me
encontrar, mas ela sorri, o que eu considero gentil da sua parte.
— Hm… oi? — cumprimento. A expressão aborrecida de Luca não some
ou cede. — Bom dia!? — Ninguém responde. — Eu acho...
— Graças a Deus — Fiona, a empregada, fala, fazendo o sinal da cruz
rapidamente sobre a testa. Não entendo o gesto, mas Luca parece aborrecido e
coloca toda sua atenção sobre mim.
E eu cometo o erro de colocar a minha sobre ele e acabo baixando os
olhos mais do que deveria. Ele não usa camisa, o que é um detalhe a se anotar. E
faz diferença. Nossa, como faz.
Eu só vi corpos como esse em revistas. E no meu irmão, mas Matteo não
conta.
Não para os tipos de pequenas faíscas que se espalham pelo meu corpo
agora, partindo do centro das minhas pernas e me fazendo corar. O olhar dele é
tão fixo que eu tenho a vaga impressão de que entende perfeitamente o que
acabo de sentir e penso ter visto um pequeno sorriso ser puxado na ponta dos
seus lábios grudados.
Como se o maldito apreciasse o jeito que me deixa sem graça.
— Bom dia, Rebecca. — Ele diz, me arrancando do transe em que sua
imagem havia me colocado. — Fico feliz de ver que conseguiu ficar de pé
sozinha essa manhã.
A ironia contida em suas palavras não me passa batida. Mas eu a ignoro
pelo bem do meu pescoço, lembrando do aviso claro que me foi dado na noite
passada. Obedecer é uma das coisas que melhor aprendi a fazer durante toda
minha vida e preciso me comprometer a fazer isso se não quiser sofrer as
consequências.
Ainda assim, sei que não é como se eu pudesse prometer qualquer
coisa… não com Luca. As coisas parecem diferentes com ele. Eu quero
empurrar os limites, cutucá-los. É praticamente como se ele pedisse por isso.
Implorasse que eu o desafie, me tornando mais do que espera que eu seja.
A italiana tosca e sem graça, que se tornou um peso.
— Esta é Fiona — adiciona, quando decido me aproximar. Os passos são
rápidos e eu aperto a mão da senhora rapidamente. Tenho certeza de que pareço
longe de aceitável. — Ela trabalha para mim e mantém este apartamento
habitável. E bem, Fiona, esta é... — Ele dá uma longa pausa antes de falar, como
se fosse necessário um minuto de silêncio pelo peso da declaração. Eu tento não
me encolher diante do desconforto. — Rebecca Fioderte, minha noiva.
Fiona parece ainda mais espantada do que quando me viu de pé. Temo
imaginar o que se passou em sua cabeça antes do anúncio.
— O senhor vai se casar?!
Com um grunhido mal-humorado, Luca responde:
— Sim.
Imagine o que é se sentir querida?
— Oh, que bênção! — A moça comemora e Luca arqueia uma de suas
sobrancelhas, encarando-a. Ela fica vermelha como tomate assim que percebe ter
falado mais do que deveria e se vira de volta para mim. — Quero dizer... o
senhor Accorsi...
Ela respira fundo e para impedir de se complicar mais, balança a cabeça e
exibe um sorriso contido, sumindo com qualquer coisa que pretendesse falar.
— Felicidades aos dois.
— Obrigada — agradeço com o sorriso de boa menina.
— Você pode começar pelos banheiros de cima. — Luca volta a
conversa, encerrando o que quer que isso tenha se transformado e passa os olhos
azuis ariscos sobre mim, deixando claro que sabe da minha sujeira.
Provavelmente me escutou vomitando antes do banho de ontem e agora pouco.
Talvez o maldito esteja em todo lugar. — Estão terríveis.
— Claro, senhor. Com licença.
Fiona se apressa para fora da sala, levando consigo os materiais e a bolsa
que trouxe.
Como não posso mais evitar, meus olhos voam para cima de Luca. Mas
ele parece pouco perturbado por me ter de companhia e me dá as costas,
rumando na direção de um arco que, pela aparência e distribuição do cômodo, se
abre para a cozinha.
— Me acompanhe — pede, ou melhor, ordena e eu controlo minha
respiração delatora, seguindo atrás dele com passos leves. O chão está frio e
estou descalça, mas tudo bem. Não é isso que está me deixando nervosa.
Em uma das camisetas de sua irmã e uma bermuda que agora me parece
um tanto indecente, eu deveria correr para cima e me enfiar no primeiro tecido
que encontrasse, a fim de me manter um pouco mais respeitável, prezando pela
imagem que demorou uma vida inteira para ser construída para mim.
E a qual eu consegui destruir em menos de vinte e quatro horas.
Dormir na casa de Luca sem companhia...
Oh, céus.
O que meu pai irá pensar?
Chego à cozinha atrás dele e passo meus olhos sobre os armários cinza e
as bancadas de pedra escura. Embora ele tenha achado necessário chamar a
empregada, tudo está cirurgicamente limpo e no lugar, como num pequeno
quartel. Com familiaridade, ele abre a geladeira e coloca um galão de suco de
laranja ao lado de um monte de caixas e sacolas, que cheiram bem para meu
estômago vazio.
— Comprei café para você — anuncia, como se não fosse nada. Virado
de frente para a bancada, ele começa a abrir as sacolas e eu vejo uma variedade
excessiva de salgados e doces. Rosquinhas decoradas chamam toda a atenção e
sinto minha boca cheia d’água só de pensar em prová-las. Faz alguns meses que
só como alface com molho e laranja de sobremesa — Ressaca costuma dar fome.
— Não estou com... — pauso e penso. — isto.
— Tá com essa cara de acabada por que então?
Me ofendo imediatamente.
E ele nota.
Mas não pede desculpas.
Eu decido não me encolher ou sair correndo. Apenas estufo o feito e
aceito o desafio de parecer impecável na próxima vez em que nos virmos.
Parecerei tão irreal que Luca Accorsi se arrependerá de me julgar desta maneira
em um momento vulnerável.
— Também consegui algumas roupas em lojas aqui perto — acrescenta,
puxando uma caneca de uma divisória abaixo dos armários. É preta, sem frases
engraçadas ou temas. Ele aperta um botão na cafeteira prateada e uma vez em
que está cheio, prova seu café sem esperar esfriar.
— Como sabia minha numeração? — pergunto, num impulso, puxando
uma rosquinha da caixa, uma vez que ele parecia ansioso para que eu o fizesse.
É um alívio morder e sentir a cobertura cremosa e os granulados. Tenho
noção de que solto um pequeno suspiro de alívio e meu corpo inteiro vibra com
o açúcar, mas ignoro a sensação do olhar de Luca queimando sobre mim com
ainda mais atenção depois disso.
Já estamos em maus lençóis o suficiente.
— Poderia dizer o número do seu busto, cintura e peso só olhando para
você, Rebecca. — Meu nome parece amaldiçoado em sua boca, como de
costume. E eu enrubesço como a maldita jovem inexperiente que sou em jogos
como este, que tanto favorecem o lado dele. — Mas não precisei me dar ao
trabalho, pois vi o número nas roupas que joguei fora mais cedo.
Meu vestido.
Como se lesse meus pensamentos, ele diz em um meio sorriso:
— Estava além da salvação.
Assim como você.
Guardo a resposta, mas é como se ele pudesse farejar a audácia que
namora meus pensamentos e me incentivasse a colocá-la para fora, arqueando
sua sobrancelha.
Eu decido guardar, mas sei que ele está faminto pela oportunidade de me
colocar em meu lugar novamente. Eu ultrapassei limites o suficiente para que ele
esteja no direito de fazer isso, mas não sou que lhe darei a brecha certa para que
o faça.
Por Deus, é uma surpresa que eu ainda esteja respirando...
Homens piores do que ele, não me ofereceriam essa chance.
Homens como meu pai, penso num repente, empurrando o pensamento
para longe no instante seguinte. Ele nota a sutil mudança em minha postura.
— Seu pai já foi avisado de que está comigo — solta, resgatando toda
minha atenção. — E está furioso.
— Comigo? — pergunto num fiapo de voz. O açúcar já não parece assim
tão incrível.
— Conosco — corrige em um suspiro e coloca sua xícara sobre a
bancada. — Aparentemente, levar sua noiva para um passeio pelo Central Park
e depois disso um jantar no seu restaurante favorito, à vista de uma centena de
testemunhas, não é desculpa o suficiente para tirá-la de seu quarto de hotel sem
avisar ao seu pai.
Meu queixo cai.
— O que...
— Dizer que você foi pega numa boate da Accorsi na companhia de um
homem não faria bem para nenhum de nós dois, noivinha — ironiza, curvando
os lábios num sorriso travesso. — Matteo e suas irmãs estão cientes da mudança
no roteiro.
— E como…
— Fomos perseguidos — dá de ombros e eu analiso os ossos de sua
clavícula. Seu corpo é bronzeado, como se passasse muito tempo debaixo do sol,
embora eu não veja brechas em sua agenda para tal hobby e há músculos
torneados onde nem mesmo sabia que existia musculatura. Luca parece muito
confiante da sua própria nudez, e este deve ser o motivo. Seu corpo é como uma
máquina. — Tenho motivos o suficiente para não ter levado você para casa
imediatamente. Ruas congestionadas, alvos fáceis, vulnerabilidade…
Ainda sinto como se houvesse uma pedra em minha garganta.
— Não deveria ter mentido para ele — sussurro, lembrando dos olhos
imbatíveis de meu pai. Das mãos pesadas. De quantos homens ele já derrubou
por mentirem…
— Me desculpe por ter salvado sua pele — debocha, tentando jogar o
peso da decisão sobre minhas costas.
— E a sua — sussurro em resposta. O olhar de Luca me esquadrinha e
minha boca treme, entregando minha inércia diante da força de seus olhos.
Preciso melhorar nisso. — Salvou principalmente a sua pele. E provocará a fúria
do meu pai quando ele descobrir que é mentira.
— Isso, diga, principessa. — Luca gruda a barriga contra a pedra gelada
da bancada e enruga o rosto numa expressão com uma leve pitada de ironia. —
Diga o que pensa pela primeira vez em sua vida. Pode te fazer bem.
Eu mordo o interior da minha bochecha, engolindo uma sucessão
gigantesca de palavras perigosas e afiadas o suficiente para incomodar o ego
imbatível de Luca.
— Sem coragem? Imagino que ela tenha acabado na noite passada —
bica seu café durante a pausa de suas palavras e eu respiro fundo, exatamente no
lugar onde ele queria me colocar desde o início. — Foi um movimento ousado,
Rebecca, que certamente nos custaria mais do que deveria. Mais do que estou
disposto a perder agora porque tem medo de zangar a porra do seu papai.
Noto, após passar os olhos com mais cuidado, os pequenos arranhões em
seu pescoço. Foi quando o vidro explodiu, certamente. Mas ele não liga.
Certamente, não os reconhece como algo que mereça sua atenção.
Mas a mim, sim.
Eu sou algo que merece sua atenção. E zelo, se me compra café da
manhã e não me surra como uma cadela após ser pega numa cabine privada
junto de outro homem.
E por que seria isso?
— O casamento — murmuro, recebendo tanto de sua energia sobre meu
corpo que fico zonza por um instante. Luca engole, movimentando o pomo-de-
adão e eu cuido das linhas em sua expressão agora óbvia para mim. É a feição de
um homem preocupado. — O casamento seria adiado, provavelmente cancelado.
Eu cairia em desgraça e pela sua honra, não poderiam se juntar à família
Fioderte de novo. Eu seria escorraçada e vocês teriam de lidar com os russos
sozinhos.
— Lidei com eles sozinhos ontem à noite — arrisca, cruzando os braços.
O volume é impressionante e a quantidade de veias neles, também. A tatuagem
da inicial de seu sobrenome, um A enrolado, numa caligrafia refinada, mas
simples o suficiente para que passe batido, caso não se preste atenção. É um
simples detalhe, mas que pode significar o suficiente em situações de vida ou
morte. Algo pelo qual Luca morreria. Algo pelo qual daria a própria liberdade,
também. — E você saiu respirando, não é?
Um pequeno sorriso brota entre meus lábios e me sinto mais poderosa do
que realmente sou, ao ter coragem e argumentos para contra-atacar um homem
como este.
— Posso ser apenas a sua futura esposa, mais inocente do que qualquer
outra mulher com a qual tenha dividido a cama e alguém pelo qual não têm o
mínimo apreço, mas não sou burra. E sei o que significa ter o apoio de meu pai
em uma guerra. Sei o que vale me ter ao seu lado quando os russos chegarem até
sua cidade e ameaçarem a sua família.
As palavras têm gosto de podre em meus lábios. Estou sendo indiscreta,
direta, vulgar. Não é o que fui ensinada. Mas é o que precisarei se for viver ao
lado dele.
Pela primeira vez, Luca está quieto. E eu gosto da sensação que seu
silêncio causa ao meu ego.
— E por causa disso, por eu saber quem sou e o papel que represento,
você não irá me dizer que mentiu para me salvar. — A palavra tem um peso tão
adverso ao que se passa aqui, que rio, com certeza exibindo minhas covinhas,
pois seu olhar se dispersa sobre meu rosto, analisando cada canto de pele à
mostra como se visse algo novo que chama sua atenção. — Mentiu para me
manter como sua noiva, porque é valioso para você. E nada além disso.
Cesso minhas palavras depois disso, as mãos tremendo escondidas sob a
bancada. Luca, com olhos felinos, escaneando cada canto dos tremores que tento
falsamente esconder, se move, dando um passo para o lado e para o outro, então
mais um, até que tenha coberto a distância entre nós dois, contornando a ilha
onde repousam os alimentos que perderam qualquer importância.
Seus movimentos são cuidadosos e espertos, mas ágeis o suficiente para
que eu mal sinta sua presença ao meu lado quando apoia a mão em minha
cintura e sem carinho, ou aviso, gira meu corpo contra a pedra da bancada e nos
coloca de frente um para o outro. Acabo batendo minhas mãos contra a garrafa
de suco, que cai e faz uma bagunça no chão liso.
Ele não liga. Nem olha na direção do suco que encharca nossos pés.
A ponta dos seus dedos, autoritária e marcante, gruda na lateral do meu
corpo e eu engulo um suspiro de susto ao sentir suas unhas roçarem na minha
pele por baixo da camiseta. Pressiono meus lábios um no outro e tento raciocinar
o suficiente para escapar disso.
— Não, querida… Não pare. Vamos. Continue. O que mesmo você
estava dizendo?
Suas palavras escapam suaves como uma carícia na ponta do ouvido e eu
umedeço meus lábios, secos de repente. As íris azuis brilham com intensidade e
quando pressiona seu corpo contra o meu, meu pânico se torna evidente.
Ele sorri, notando e gosta. Sua respiração sopra contra os cabelos que
crescem em minha nuca e minha boca está seca. Todo meu corpo está sendo
dominado por um simples toque — por um roçar de dedos despreocupado na
minha cintura— e tenho a sensação de ter subestimado a capacidade deste
homem de me desafiar.
De me colocar exatamente onde quer.
Mas não vou ceder.
— Me fale mais sobre o quão valiosa é, Rebecca. E de como eu preciso
de você.
— Não falei nenhuma mentira. — Tenho peito para falar e seu sorriso é
mais perigoso depois disso, menos indefeso, mais arisco. O brilho some e com a
mão espalmada em minha barriga me mantém imóvel.
— Eu gosto de quando você usa sua boca para mais do que sorrir,
Fioderte, mas se continuar me respondendo desse jeito, as coisas não vão
terminar bem entre nós dois... — A ameaça sai em um sopro e eu cuido seus
movimentos, ainda parada exatamente onde ele quer que eu esteja. — E eu
realmente gostaria que você pudesse me servir de alguma coisa antes de me
forçar a cometer alguma loucura.
Com a tarefa cumprida, contorna meu corpo e puxa a caneca deixada em
cima da bancada. O seu cheiro inunda meus sentidos e eu respiro fundo o
suficiente para senti-lo espalhado sobre mim, como uma onda de calor. O cabelo
cai sobre os olhos e quando se afasta, puxando o café e levando para longe de
mim todo calor com o qual me enebriou, eu observo seu rosto e o maxilar
travado, além da mandíbula bem-marcada pelos traços firmes.
Leva junto com o café um terço da minha dignidade e eu tento fingir zero
abalo quando sai da cozinha, desistindo do café da manhã.
Não vou ceder.
Pelo menos não ainda.

Segundo Fiona, que me aborda quando procuro por ele após deixar o
banho, uma hora depois de deixar a cozinha às pressas, desesperada por um
lugar onde pudesse gritar até meus ouvidos estourarem, Luca não está em casa,
mas volta logo.
E este foi o único aviso que deixou.
Infelizmente, sobre o grito, tudo que pude fazer foi encenar um grito
mudo debaixo da ducha potente, mas foi o suficiente.
Com os cabelos pingando sobre o carpete felpudo, usando um conjunto
de moletom que talvez agradasse outra mulher — uma mais esportiva,
certamente — mas não a mim, que me sinto como uma alienígena em tecidos tão
confortáveis, sem uma boa cinta, me movimento pela casa, tentando escapar dos
olhos atentos de Fiona, que parece muito disposta a seguir suas prováveis ordens
de manter os olhos em mim enquanto varre a sala.
Acho interessante, então, retornar para meu quarto, após uma rápida
inspeção do espaço — com portas trancadas, as quais não tive chance de futricar
— quando uma forte dor de cabeça volta como lembrança do que fiz na noite
passada.
De quão longe fui. De quão feio cometi um deslize.
Sinto falta de meu telefone quando deito no mesmo colchão de ontem,
mas já procurei por ele em todo lugar e sei que ou se perdeu, ou foi pego por
qualquer um dos homens responsáveis por limpar a bagunça que fiz, a fim de me
impedirem de ligar para meu pai e confessar tudo, antes dele mesmo descobrir e
me castigar.
Esperto da parte deles.
Mas acaba me deixando sem outra opção senão pegar no sono,
abandonada pelo meu noivo relapso e sua tendência de sair sem explicações.
Poderia, ao menos, contribuir com minha ansiedade pelo desenrolar de tudo e ter
me deixado com meu pai antes de ter ido resolver o que quer que seja que
demandou sua atenção e o impediu de dar fim ao meu sofrimento da maneira
adequada.
Mas talvez isso seja apenas parte do meu castigo.
Estou perto de pegar no sono profundamente quando sons de passos me
puxam de volta e me desenrolo da coberta fina. Batidas suaves na porta me
mandam sentar e após oferecer permissão para entrar, Fiona aparece estendendo
um telefone para mim.
— É para a senhorita — diz, atravessando o quarto amplo.
— Quem?
— Max Accorsi — fala seu nome num sussurro corrido, como se fosse
proibido e coloca o telefone em minhas mãos. Sai antes mesmo que eu possa
levar o aparelho até minha orelha e quando cumprimento o primo de Luca, não
há mais sinal algum da senhora.
— Alô?
— Buongiorno!
O grito ensurdecedor do Accorsi do outro lado da linha me tonteia e
torço meu rosto, absorvendo o baque disso.
— Já é uma da tarde… — lembro.
— Hmm. Pela sua voz, acaba de acordar do porre da sua vida… não
estou certo?
Nem tenho coragem de parecer envergonhada.
— Acordei há algumas horas.
— Porra. Luca sempre foi chato para a cacete com horários. Perdão por
não avisar.
— Acho que nem mesmo o aviso me pouparia disso — ironizo. Escuto
Max rindo do outro lado.
— Sinto muito por isso também… — Sua voz suaviza. — Mas não liguei
para te oferecer meus sentimentos pelo seu casamento com meu primo. Liguei
porque o dito cujo pediu que eu verificasse você.
— Está com ele?
Max solta uma respiração abafada.
— Sim, mas ele não pode falar agora.
E eu entendo isso como um sinal de que ele também não pode.
— Precisa de alguma coisa? — questiona, como se tivesse itens a riscar
de uma lista.
— Não… Estou bem. Só gostaria de saber por que ele saiu sem avisar e
bem… deve estar zangado comigo, considerando tudo…
Jogo verde. Quero saber onde Luca foi e se eu deveria considerar
começar a correr agora. Mas Max é mais esperto do que isso e quase posso sentir
o sorriso em seu rosto quando me responde:
— Poucas esposas fazem o que você faz e saem vivas, italiana — diz. —
Deveria se sentir grata por isso. E nada mais.
— Eu ainda não sou esposa dele — retruco, com o anel coçando entre os
dedos.
Agora Max ri de verdade.
— Talvez seja esse o motivo pelo qual ainda está viva.
Eu estremeço, assimilando cada sílaba de suas palavras, além da ameaça
implícita escondida sobre elas.
Não haverá tanta compreensão quando formos casados.
É um aviso.
— Preciso ir, bonequinha. Só liguei por ordens do seu marido, mas ótimo
papo. Podemos conversar de novo quando quiser. Eu sou zona livre, de qualquer
jeito.
— Ei, Max, só uma última coisa antes de ir…
— Diga, querida?
Não levo o apelido em consideração. Max se parece com o tipo de
homem que brinca e trata todos assim, desse jeito, sem qualquer motivação
diferente da boa e velha simpatia.
Mas nem sua simpatia pode aliviar o clima depois que eu pergunto:
— Luca matou o homem de ontem à noite, não foi?
Pergunto por que preciso saber. Porque me sinto profundamente culpada.
Mas Max não me responde imediatamente. Posso escutar sua respiração
pesar do outro lado da linha e o silêncio é torturante para a minha ansiedade e
todos os sentimentos que me colocam contra a parede pela incerteza do que
aconteceu.
Ele não fez nada, repito para mim mesma internamente, torcendo para
que a resposta seja qualquer uma além da que me parece clara. Da que sempre
esteve clara.
Luca não é um homem benevolente, tampouco compassivo.
— Sim.
E não existem segundas chances com homens como esse.
Não espero Rebecca sair do banho para deixar o apartamento que, de
repente, se tornou pequeno demais para mim, Rebecca e toda energia caótica que
me abraça toda vez em que fico perto dela por tempo demais.
Por isso, me enfio na primeira muda de roupa que encontro e sou capaz
apenas de avisar a Fiona de que estou de saída — mas que volto — para que
minha noiva não surte e cometa outra cagada sem supervisão.
O modo como ela me respondeu… ah, chegou a dar água na boca pensar
nos modos como eu poderia castigá-la por aquilo. Por ser uma menina mais
espertinha do que deveria, por tentar jogar coisas e pesos sobre mim das quais
não deveria ter nem mesmo consciência. Rebecca poderia pagar por cada uma de
suas palavras de mais cedo e eu iria me divertir muito assistindo-a se curvar sob
o meu poder, acatando cada uma das minhas ordens e sendo resultado de uma
parte muito criativa da minha imaginação.
Na minha cabeça, a imagem dela curvada, os lábios inchados e o corpo
em polvorosa para me receber é um dos motivos que me mantém ansioso para
que pelo menos algo de bom saia da cadeia na qual colocarão a mim e ao meu
pau em breve. Eu pretendo aproveitar cada segundo disso, porque ela me parece
o tipo que apenas espera a oportunidade para abrir as asinhas.
E eu estarei assistindo de camarote enquanto faz isso. De preferência,
com meu pau enterrado na sua boceta e com sua boca ocupada na minha.
Poupará meus ouvidos e com certeza resolverá o problema da tensão de sermos
dois desconhecidos.
Afinal, não há forma melhor de se conhecer alguém do que estando nu
em sua frente.

Ao deixar meu carro no estacionamento vazio da Yorker, tento me livrar


destes pensamentos e das motivações controversas que me trazem quando não
são necessárias. Ainda assim, o montante de raiva acumulada da noite passada
pelos feitos da minha futura esposa é algo a se acrescentar ao desprezo que
assume meu corpo uma vez que encaro a vadia traiçoeira que parecia muito mais
interessada do que deveria em minha vida.
Com a ordem, Oliver manteve olhos sobre ela e anunciou hoje pela
manhã que ela havia vindo trabalhar, o que foi uma surpresa para todos.
Meu irmão de doze anos seria mais esperto do que isso.
Ou talvez ela ainda pense ser capaz de arrancar mais algumas
informações para Romeu e sua corja. Talvez pense que eu sou burro em
comparação ao seu chefe.
Ou talvez apenas seja mais uma puta do caralho com um desejo súbito de
morrer nas minhas mãos.
A raiva me acompanha como uma sombra enquanto deixo o Porsche para
trás e levanto o capuz. Faz frio e o outono se faz notável nas folhas amareladas
das poucas árvores e no clima úmido.
Escondo as mãos nos bolsos ao caminhar e sinto o telefone vibrar. Com
certeza, devem ser minha mãe ou irmã, desesperadas por saber onde estou que
ainda não levei a filha de Vittorio de volta para seus braços. Segundo elas, nas
milhões de mensagens que me mandaram pela manhã, ele está furioso.
Bom.
É bom que esteja.
Imagino que as coisas seriam ainda piores se eu tivesse entregado a
verdade ao Capo da Cosa Nostra sobre os comportamentos arriscados e pouco
respeitosos de suas filhas na noite passada.
Uma risada me ocorre ao pensar em como ele nos encararia sabendo que
sua filha não é tudo aquilo que ele prometeu. Com certeza, seria uma queda em
seu ego e em seu nome.
Pena que nos privei disso, em prol de um bem maior e mais duradouro.
Meu casamento.
Só de pensar...
— Desculpe, senhor, mas não estamos abertos ainda. — Uma voz soa
firme perto da entrada da balada. A fachada está desligada e há apenas ele ali,
que fica em silêncio até reconhecer meu rosto, uma vez que me demoro o
suficiente memorizando cada canto da sua expressão. É um soldado Accorsi,
certamente. E acaba de perceber que cometeu o maior erro de sua vida, me
dizendo onde devo ou não ir. — Perdão, senhor Accorsi. Não havia o
reconhecido.
— Deveria prestar mais atenção, então, soldado — falo sua posição com
uma porção de desprezo e sigo em frente.
Abandonando-o na minha boa ação do dia, empurro as portas duplas e
sou recebido pelo cheiro de desinfetante, proporcionado pela equipe de limpeza
eficiente, que esfrega o chão e paredes. Provavelmente trabalham sob as ordens
de Max, dificultando o trabalho de qualquer policial espertinho na busca por
provas.
Mas nada disso chama minha atenção ou me preocupa, conforme ando na
direção do bar e coloco meus olhos sobre a mesma figura esguia de ontem à
noite, com os cabelos presos em um rabo de cavalo. Há bem menos maquiagem
também e os traços não são tão finos, tampouco bonitos.
Ela conta dinheiro, distraída atrás do caixa e não se presta a levantar o
rosto quando me aproximo.
— Estamos fechados — dispara, impaciente. Um cigarro pende de seus
lábios acinzentados e usa um moletom preto, com a logo triangular da Yorker.
Imagino o que esteja escondendo por baixo deste tecido, puta Ivanova.
— Eu notei, Tracy, mas acredito que não seja difícil conseguir um uísque
para um velho amigo, hm?
Ela arregala os olhos no mesmo instante em que minha voz chega aos
seus ouvidos e imediatamente me reconhece. Não espero que ela saia do seu
estado de choque e me inclino sobre a bancada, resgatando um copo vazio e uma
garrafa de Bourbon que está dando sopa.
Sirvo o suficiente, enquanto estudo pelo canto dos olhos, sua boca
trêmula e os olhos arregalados. A respiração é quase desesperada e gosto de
imaginar que seu peito deve estar prestes a implodir de nervosismo. O suor logo
dá as caras em seu rosto e ela abaixa as mãos devagar, me avaliando assim como
a avalio.
Eu não faço nada além de abrir um imenso sorriso.
— Gostei tanto de ver você trabalhando ontem à noite, que não resisti…
— aperto o copo com força. — E tive que voltar para mais um. Infelizmente,
acho que cheguei cedo demais.
Tracy está prestes a abrir sua boca, mas eu impeço que ela gaste sua
saliva, erguendo um dedo na frente do seu rosto. A vadia permanece imóvel e
nem tenta correr.
É esperto de sua parte.
— Mas também, depois da noite que tive… Não imagino que vá ser um
grande esforço me recompensar pelos ferimentos que me causou, certo, maldita?
Agora suas pernas estão tremendo e eu me divirto com a cena, molhando
os lábios com o uísque. Quase posso sentir o gosto do seu medo enquanto
saboreio minha bebida e mantenho os olhos fixados na sua imagem, analisando
seu medo como um gato que espreita um rato e prevendo exatamente o que
acontecerá agora.
Sem surpresa, ela sai correndo.
Sua corrida é atrapalhada, mas ligeira, o que me diz que deve estar
acostumada a fugir.
Mas eu estou muito mais acostumado a caçar.
Por isso, não me esforço muito para ir atrás dela e contenho meu impulso
de rir quando ela escorrega numa das partes molhadas do piso e caí de bruços no
chão escuro, ferindo seu rosto.
Eu caminho lentamente na direção do meu alvo, sem pressa alguma, pois
tenho a tarde inteira para fazê-la se arrepender do dia em que decidiu mexer
comigo.

— O que pretende fazer com essa daí? — A voz de Max entope meus
ouvidos e eu giro a faca afiada contra meus dedos, pressionando minha barriga e
o ferimento causado por Tracy numa tentativa desesperada e inútil de escapar
das minhas mãos, com uma faca que guardava na borda da calça.
Só conseguiu me deixou mais bravo.
— Não torturamos mulheres, Luca. — Max resmunga. Ele acaba de me
dar informações sobre o bem-estar de Beca e talvez esteja amolecido por isso. —
Oferecemos morte limpa a elas.
— Ela é uma puta russa, Max — sorrio, avaliando a bagunça que Tracy
é. A estrela da Ivanova brilha em seu ombro, coberta por um pouco de sangue
que eu consegui para deixá-la mais brilhante. — Há uma boa diferença.
— Ainda é uma mulher — retruca. — E temos mais o que fazer além
disso.
Vejo o movimento sutil de meu primo ao puxar sua arma. O cabo
cromado da Beretta — sua arma de estimação — reluz contra a luz da sala mal
iluminada e eu grunho, reconhecendo o olhar de decisão no rosto de Maximus.
Normalmente, meu primo apoia a maioria das minhas ideias. Se eu sou
louco, ele é o dobro. Mas Max tem limites bem estabelecidos no que fazer ou
não, e ver uma mulher sofrendo não é algo que meu primo aguente, o que pode
ser considerado uma fraqueza, mas… É quem ele é. E não é como se houvesse
muita compaixão, considerando o fato de que ele tem coragem de sobra para
puxar a arma, apontar e disparar sem qualquer peso na consciência
posteriormente.
É apenas o sofrimento que o incomoda.
— Espere — ordeno, quando ele já está com o dedo roçando contra o
gatilho. — Ela pode saber algo sobre Alexei.
— Está aqui há quarenta minutos e não disse nada, Luca — resmunga e
minha paciência se encerra. Considero expulsar Max da sala, mas para sua sorte,
Oliver entra com uma foto nas mãos no mesmo instante em que a ideia passa na
minha cabeça.
— Nome? — É tudo que pergunto, esticando os dedos para me
aproximar novamente da mulher no centro da sala. Sua cabeça pende para frente
e os cabelos há muito já sumiram, criando um pequeno tapete dourado sob
nossos pés.
— Inessa Sidorova — enuncia, passando a foto para meus dedos
sangrentos. — Nasceu em Moscou. Mudou-se para cá aos quinze anos e trabalha
numa das casas dê prostituição da Ivanov.
Oh, que surpresa…
— E este da foto seria…
A cabeça de Inessa sobe e vejo seus olhos buscando a fotografia. A boca
inchada não é capaz de emitir algum som reconhecível, mas reconheço o
desespero quando o vejo e é isso que há em sua expressão ao enxergar o pequeno
menino de cabelos castanhos do qual tenho conhecimento agora.
— Leonid, seu filho.
Tenho a mesma sensação de ter ganho na loteria.
Vejo em Max as pequenas fagulhas de realização enquanto percebe o que
podemos conseguir aqui.
— Maldito… — A vaca sussurra em russo, mas eu posso entender essa
palavra. Já me acostumei com ela a esse ponto.
Para corresponder, coloco a foto em preto e branco de um menino de
aparentemente sete anos, uniformizado como um pequeno jogador de futebol, na
frente do seu rosto.
— Não toque nele — fala, deixando sangue escorrer pelo queixo.
— Leonid é importante para você, então?
— Não toque nele.
Volto a olhar para Oliver.
— Onde ele mora?
— Não!
— Brighton Beach, senhor. — A pequena Rússia. Sempre ela. —
Consigo uma equipe em trinta minutos.
— E aí será o fim do pequeno Leonid… — cantarolo.
— O que você quer, demônio?
Ela usa sua língua materna novamente e eu paro em sua frente, agarrando
seu frágil queixo. Será que Inessa tem noção da minha força? Será que tem
noção do quanto estou me controlando agora?
— Na minha língua, puta — xingo.
Ela fecha os dentes e se remexe na cadeira frágil de madeira.
— O que você quer para entre-lo em paz?
Um sorriso toma conta dos meus lábios.
— Quero saber quem é Alexei Ostarkov e onde posso pegá-lo.
Pelo lampejo de medo em seus olhos, tenho certeza de que ela sabe muito
bem quem ele é.
E o que significará entregá-lo. Mas entre o filho e o traficante, tenho
certeza de que seus limites estão bem estabelecidos. Pessoas comuns são assim.
Assumem suas fraquezas num piscar, sem nem mesmo pensar. São apenas...
Fracas.

Uma hora depois, permito que Max dispare e o corpo de Inessa cai com
um baque contra o chão.
A frustração me invade em vários níveis, pelo monte de buracos aos
quais a Sidorova não soube responder — não importando o estímulo para tal.
Tudo que me deu foi a descrição superficial de Alexei, que bate com a de outros
milhares de russos vivendo em nosso estado e seus clubes favoritos. Opala
Cocktails, o clube que invadimos, foi mencionado, mas imagino que eu tenha
perdido a chance de colocar as mãos num homem de maior poder dentro da
hierarquia Ivanov, considerando o que Inessa nos passou, de que ele comanda o
tráfico local.
Ela não foi capaz de me dar horários, localizações e tampouco mais
nomes. A puta manteve a boca fechada até o final e fez o que podia, como se
para proteger algo muito maior do que ela e sua vida. Do que seu filho.
Mandei que executassem o menino há cinco minutos, sob um olhar bravo
de Max. Mas ele não foi louco de falar nada.
Ninguém é, considerando meu humor de bosta.
Tudo que faço, depois de trocar a camiseta e limpar o sangue de Inessa
das mãos, é esperar a equipe de limpeza chegar e dar-lhe instruções muito claras
sobre o que fazer com o corpo. Dessa vez, Max não parece incomodado.
Eu o deixo ali, pois ambos sabemos que tenho coisas importantes a fazer
antes do final do dia. Um pouco de sangue mancha os nós de meus dedos e eu
esfrego com ainda mais força e a ajuda de lenços umedecidos, antes de
estacionar o carro na garagem do prédio e chegar ao elevador.
Ao parar na cobertura, sou recebido por uma casa bem diferente daquela
que deixei há algumas horas. O chão lustrado brilha, refletindo o lustre que
pende do teto, e o perfume é aquele que aprovei, nada doce ou irritante como
minha mãe espalha pela mansão. O sumiço do cheiro de vômito de minha doce
noiva é uma grata surpresa.
Melhor ainda seria se ela não estivesse sentada em meu sofá, como uma
estátua, encarando as janelas, como se houvesse algum mistério por trás da vista
do entardecer. O céu está disposto em tons de laranja e azul, mas nada fora do
comum. Nada que valha meu tempo.
Ao me fazer notar, ela abandona a paisagem e vira-se para me olhar, com
certo alívio expresso nos olhos que hoje parecem mais caramelos do que
castanhos.
No mesmo segundo em que ensaio algo para dizer sobre seu estado —
muito melhor do que ao acordar — o telefone toca e sou obrigado a puxá-lo.
Recuso a ligação ao ver o nome de meu pai, mas não posso escapar das
mensagens que ele deixou em sequência. Em especial, não da última:
TONY: A garota deve estar na minha frente em trinta minutos.
Com a ordem, afasto qualquer gracinha e volto a encarar Rebecca, que se
pôs de pé.
— Estamos saindo em quinze minutos — anuncio, pouco antes de lhe dar
as costas e subir os degraus, amaldiçoando o dia em que decidi me meter nessa
confusão desgraçada.
A ordem de Luca para que eu me apresse e recolha tudo parece tão
ríspida quanto ele pretendia que soasse, mas eu não me surpreendo com qualquer
falta de explicações do porquê de ter me mantido aqui durante todo dia, e corro
para o quarto a fim de recolher tudo que parece ser meu. Estou de volta na sala
em menos de dez minutos e me sento em seu sofá cinza e espaçoso, com uma
aparência de que acaba de sair da loja, para esperá-lo. Passo meus olhos sobre a
decoração do apartamento uma última vez e decido que é refinado o suficiente
para agradar ao meu gosto.
Talvez tenha objetos cinza demais e falte qualquer traço de personalidade
da pessoa que mora nele, mas se considerarmos a vista da selva de pedra que se
estende além da janela e o poço de frieza que é o proprietário, faz sentido que o
lugar pareça tão frio e se olharmos com cuidado, vazio.
Não estamos mais na Itália.
Aqui temos prédios em exagero e cor em falta. As pessoas são
mecânicas, há pouco afeto ou qualquer sentimento no modo como falam e
comemoram, e um bando de julgamentos toda vez que se entra em algum lugar.
Nestas pequenas diferenças, penso como irei me acostumar. Não venho
de um lugar exatamente caloroso, mas… temos códigos diferentes. Costumes
diferentes. Somos como uma grande família por lá e eu conheço todo mundo
desde que nasci. Além disso, eles me conhecem. E respeitam. Fui intocável a
vida inteira, mas é diferente aqui. É diferente com Luca, porque ele não me vê
como Rebecca Fioderte. Ele me vê como algo que possui.
Talvez conviver com ele vá ser meu maior desafio.
Isso se ainda houver um casamento.
Embora confie em Matteo para manter o acordo que provavelmente fez
com Luca sobre a mentira de ontem à noite, Bianca e Petra são um caso diferente
e com certa pressão, assim como eu, quebram. Ainda mais se a pressão vier de
Vittorio e sua cinta.
Há anos, não precisa usá-la em mim, mas ainda posso sentir a ardência
de seus castigos por pisar fora da linha ou fazer qualquer coisa para envergonhá-
lo. Apenas um olhar torto sempre pode nos custar muito, portanto, eu e minhas
irmãs nos acostumamos a viver dentro dos seus padrões e de suas regras.
Quebrá-las nunca soou como algo atrativo a se fazer. Pelo menos não para mim.
Não até ontem.
Observo o relógio posicionado sobre a mesa de centro e enrugo meu
rosto ao ver que já se passaram trinta minutos desde que ele chegou.
Ele não estava sujo de sangue, então por que demoraria se aparentava
tanta pressa é praticamente rosnou que eu deveria correr?
Impaciente com a sua demora, decido subir as escadas e ir ver o que está
fazendo. Que se dane o que ele pensará disso, se pode me apressar, também
posso exigir que cumpra seus horários.
Meus pés se arrastam contra o piso do corredor e eu ultrapasso o quarto
onde ele me colocou ontem. Há mais três portas no corredor e não é difícil
descobrir qual é a do seu quarto.
A última.
E a única que está entreaberta.
Devagar, sem intenção de alertá-lo ou assustá-lo, me aproximo da porta
tingida de preto e coloco meus pés no carpete felpudo no interior do cômodo.
Rapidamente olho ao redor, analisando superficialmente o seu gosto
pessoal para decoração — cinza, cinza e mais cinza, com pintadas de preto e
branco — e pouso meu olhar sobre a sua figura. Ele está virado de costas para a
porta, com a cabeça baixa e o tronco nu novamente, dessa vez com o detalhe das
gotas d’água que ainda escorrem pelas suas costas.
E com uma dose de concentração que me permite passar despercebida
nos primeiros minutos, ele parece estar ajeitando alguma coisa em sua barriga.
Vejo os ombros se movendo e as mãos trabalhando em alguma coisa, e penso se
deveria me aproximar ou simplesmente correr, mas todos os pensamentos são
interrompidos quando encontro, espalhado sobre a cama, materiais de primeiros-
socorros, como gaze, álcool, medicamentos antissépticos, agulhas e linha.
— A curiosidade matou o gato…
Seu murmuro rouba minha atenção dos objetos e movo meu olhar para
cima dele, encontrando na lateral do seu abdômen definido, um corte que não
pode ter menos de quinze centímetros. O tecido vermelho aparece, mas não
parece profundo o suficiente para que tenha de ir ao hospital, embora sangue
escorra e manche a calça que ele usa, posicionada abaixo da linha da cintura.
Bem abaixo. Dá para ver as entradas bem-marcadas da sua pélvis e ter a breve
noção de que ele não tem pelo algum na barriga.
Desvio os olhos assim que alcanço o ponto mais baixo onde posso ir e
miro seu rosto. O ferimento não parece simpático, fruto de alguma
brincadeirinha.
— O que aconteceu? — Minha pergunta escapa num sussurro.
Luca já tirou os olhos de mim e um gemido baixinho escapa da sua boca,
fazendo-o cravar os dentes no lábio, quando passa a agulha contra a própria pele.
As mãos, num momento de fraquejo, deixam a agulha cair e ela fica pendurada
pela linha.
Luca respira fundo.
— Nada fora do comum — responde, frustrado. — Só um sábado
normal.
— Costuma sofrer tentativas de homicídio com facas aos sábados? —
arqueio uma sobrancelha.
— Claro — ironiza, puxando a agulha de volta. Os dedos são hábeis e
ligeiros, e parece ter uma boa resistência à dor. — Você também não deixa as
segundas reservadas para os problemas com armas de fogo?
Mais destemida do que me lembro de ser, decido me aproximar.
— Quem fez isso?
— Alguém que precisava fugir de mim — responde, com um sorriso nem
tão animado. A dor parece estar lhe incomodando, embora pareça ser algo muito
distante do que é necessário para derrubá-lo. Talvez ele só não goste de parecer
sentir alguma coisa na frente de outros.
— E conseguiu?
O olhar de Luca fica sombreado por um instante e ele me encara. Não há
fuga desse tipo de olhar e minha respiração some por um segundo.
— Você já sabe a resposta disso.
Ignoro a resposta e não procuro saber mais. O sangue que escapa do
ferimento já começou a me incomodar e sua inexperiência chocante diante de
agulha e linha também.
— Permita que eu feche isso para você — sugiro, mas não estou
realmente aberta a um não.
Pego a agulha de suas mãos sangrentas e ele mantém o olhar parado
sobre mim e em cada movimento que dou, guiando-o na direção da cama, para
que eu sente na beirada e possa enxergar o que tenho de fazer.
Não deixo de notar a risadinha cômica e abafada que ele solta. Mas
ignoro.
— Per Dío! — A exclamação escapa em italiano e corto a linha usando
os dedos. — Você só piorou isso daqui.
— Nunca aprendi a costurar… — grunhe, quando eu passo mais um
pouco de antisséptico e limpo a área. — Acho inútil. Minha mãe faz para mim
quando preciso.
Bufo.
— Poderia ter apenas me chamado. Costura é uma das coisas que
aprendemos antes mesmo de andar… — atravesso a linha pelo corte e ele chia
baixinho. — Não iria retalhar você como um açougueiro.
— Pode me culpar por pensar que sim? — ri, como se a ideia de confiar
em mim fosse uma mera piada.
Não respondo, concentrada em não lhe dar nada além de uma pequena
cicatriz e trabalho com delicadeza no machucado, que com certeza está doendo
mais do que parece. Sei que homens feitos raramente procuram o médico a não
ser que algum de seus órgãos esteja pendendo para fora do corpo, mas é uma
mania irritante que serve apenas para manter seus orgulhos de macho intocados
pela ideia de não precisar de ninguém, como se a ciência e a medicina
O silêncio domina o quarto enquanto escuto apenas meus pensamentos e
Luca mantém a cabeça baixa o tempo todo, prestando atenção no que faço na
parte inferior de sua barriga, perto demais do seu…
Não coloco os olhos ali.
Nem penso nisso.
Mordo minha boca perto do final e puxo a linha para cima, ajustando
tudo.
— Você fica muito bonita quando está concentrada em não me machucar,
italiana.
Falho em não olhar para cima e encontro seu olhar direcionado
diretamente para o meu, como se esperasse a brecha. O sorriso em seus lábios se
alarga e eu odeio a quentura que sobe, além da sensação de formigamento no pé
da barriga, bem em meu ventre.
É diferente… Estar perto assim.
Me deixa ansiosa por algo que nem mesmo sei o que é.
Para fugir da sensação de estar queimando por dentro, tento baixar a
cabeça e me livrar dos materiais, mas ele não permite ao decidir segurar meu
queixo, roçando a ponta dos dedos sujos contra a minha pele.
Embasbacada, eu deixo a linha cair ao meu lado e suspiro, sem controle
algum de minha respiração que está fora do ritmo, sem ter qualquer impulso
capaz de me afastar das mãos dele.
Luca parece estar apenas esperando que eu abra a boca novamente e que
anuncie o que ele quer ouvir, enquanto seus olhos demoram sobre meu rosto,
devorando cada detalhe, subindo o polegar pela bochecha, enquanto ele
sutilmente impõe sua presença no meio de minhas pernas, separando-as com o
seu corpo e tornando o ar ao meu redor muito difícil de ser processado. Acho até
que estou um pouquinho tonta quando digo:
— Terminei.
Seu polegar continua girando em círculos na minha bochecha e eu tento
não me sentir um pequeno cordeirinho enquanto ele faz isso. É desconcertante
estar tão perto e sentir seu cheiro assim. Mal consigo me sentir verdadeiramente
enjoada com o pouco de sangue que espalha na minha bochecha ao tocá-la, pois
estou tão concentrada em seus olhos que mal lembro de quem sou, onde estou ou
para onde devo ir.
E ele não fala nada.
Apenas continua me tocando, olhando, estudando. A boca está
entreaberta e lufadas fracas de ar escapam, acompanhando o brilho intenso dos
olhos. As íris azuis praticamente queimam, com algo mais profundo do que
posso compreender e eu não desvio.
Mas então, ele abaixa a mão e meu corpo sente falta da novidade do
toque e da asperidade da palma de sua mão contra minha bochecha. Quase peço
que faça de novo, que me faça sentir o que fez agora, mas ele parece
determinado a cessar as coisas antes que cheguemos mais longe do que
deveríamos e eu noto o brilho de seus olhos diminuindo, conforme ele pisca
algumas vezes e se afasta, como se tudo não tivesse passado de um mal-
entendido.
Eu engulo em seco e tento não ligar para a pressão surpreendente entre
minhas pernas ou a sensação estranha de que o ar ainda não está chegando da
maneira como deveria aos meus pulmões.
— Obrigada por isso — fala, sem rodeios. Mas parece bem mais distante
do que estava há um minuto e isso me pega de surpresa. O que foi aquilo? — Te
encontro em cinco minutos. Lá embaixo.
Isso parece ser uma forma de me mandar embora e eu fico de pé, com as
pernas meio bambas. Com muito esforço, encontro uma forma de sair do quarto
sem voltar e perguntá-lo o que viu que tanto lhe interessou.
Ou assustou.
Mais tarde, ao chegar na mansão Accorsi, sinto como se todos soubessem
o que fizemos. Ou o que não fizemos.
Eu e Luca mantemos uma distância respeitosa um do outro e desde que
deixamos o apartamento, dois soldados Accorsi se mantêm grudados em mim
como sombras. A presença deles, embora assustadora, também é reconfortante,
pois me traz ao lugar em que sempre estive.
Intocável.
Ainda assim, ao encontrar o olhar afoito de meu pai e a expressão
indefinida de minha mãe, sei que estou longe de escapar dessa ilesa.
Eles estão sentados ao lado de Tony e Rosalind e ficam de pé quando
entramos na sala de visitas íntimas. É menor, e menos enfeitada para
impressionar, como se aqui tratassem dos assuntos importantes e privados.
Retratos de família ocupam as paredes e os espaços vazios, tornando-a o cômodo
mais pessoal que vi em toda mansão.
Mas tudo que importa são os olhares que nossos pais oferecem na nossa
chegada. O olhar do Capo Accorsi sobre Luca é tão significativo quanto o de
meu pai sobre sua criação.
Eu.
— Senhores. — Meu noivo cumprimenta a todos, acenando com sua
cabeça na direção deles. Suas mãos estão escondidas no bolso da calça jeans e
por sorte, seu cabelo secou no caminho. Com certeza não passaria a imagem
certa se parecesse recém-saído do banho.
— Onde diabos você estava? — É a primeira coisa que deixa a boca de
Vittorio enquanto me olha como se pudesse me desmontar.
Oh, céus.
Eu me encolho e torço para que pareça invisível ao lado de Luca e sua
imponência natural, acompanhada de sua confiança inabalável, mas meu pai não
irá tirar os olhos de mim, muito menos deixar qualquer coisa passar batido, não
importa o quão grande seja o homem que ele escolheu para ser meu noivo.
Como se notasse a brecha que meu comportamento abre em seu plano,
Luca dá um passo para a frente e me cobre parcialmente, tomando a frente da
situação. Ele pigarreia, chamando a atenção para si por um momento e então
começa:
— Após o incidente da noite passada…
— Não, você não diz nada! — Vittorio esbraveja, erguendo um dedo na
frente dos olhos. — Rebecca é quem vai falar.
Quando todos os olhos da sala voam para cima de mim, me sinto tão
pequena quanto uma formiguinha. Minha barriga dá giros e giros, e tenho
certeza de que irei desmaiar caso abra a boca.
E a pressão que os olhos de Luca fazem, quando ele se vira para me
encarar, sendo muito explícito nas suas coordenadas silenciosas de que eu não
devo dizer nada além do que combinamos, não ajuda.
E eu me vejo gaguejando antes mesmo de abrir a boca.
— Papai…
Vittorio levanta sua mão antes mesmo de eu conseguir pensar em uma
mísera frase. Tony encara Luca com os punhos cerrados e eu vejo a frustração
latente na expressão de meu noivo, quando ele percebe que eu ferrei tudo.
— Todos fora! — Vittorio ordena, sua voz se sobressaindo a qualquer
outra. Antônio, ultrajado, olha em sua direção como se ele tivesse ficado louco.
— Agora!
As esposas são as primeiras a sair. No caminho da porta, Verônica me
encara com ódio o suficiente para me fazer ver que ela concorda com qualquer
coisa que esteja em meu caminho agora. Nem mesmo tenta me ajudar, porque
meu caráter talvez esteja em dúvida neste momento. E confia que meu pai seja o
homem certo para lidar com isto.
Rosalind oferece um breve sorriso para mim, mas parece imparcial ao
encarar o filho. Ainda assim, sopra uma recomendação singela para ele ao passar
por nós dois:
— Comporte-se.
Tony ainda está aqui quando meu pai começa a falar.
— Onde você estava, Rebecca?
Respiro fundo e tento reunir alguma coragem.
— Fomos ao parque, papai, e depois jantamos. Luca me fez…
Paro quando ele levanta a mão novamente.
— Me diga a verdade, bambina.
— Se quer a verdade, por que não pergunta a mim, Vittorio?
Os olhos escuros de meu pai reluzem como carvão aceso na direção de
Luca, uma vez que ele decide abrir a boca. E eu considero isso — sinceramente
— uma péssima escolha.
— Acha que pode me enganar, americano?
Luca ri e nenhuma gota de nervosismo tem espaço em seu semblante
moldado em confiança pura.
— Acho que posso tentar.
Então a voz de seu pai corta qualquer gracinha.
— Luca! No meu escritório! Agora!
Os olhos azuis do menino se chocam contra os do pai e ele não move um
músculo.
— Aguardarei o final da conversa de Rebecca com o seu pai — afirma,
voltando a encarar Vittorio. Ele parece ávido, encarando o homem ao meu lado
como um inimigo — Ele parece ter dúvidas do que fizemos na noite passada.
Como se minha palavra não bastasse.
— Ele pode perguntar à filha e ela lhe dará a resposta. — Tony rosna,
pouco se importando para o que acontece comigo. — Mas você, vem comigo. E
vem agora.
Diante da intensidade da ordem, não vejo como Luca poderia se negar a
ir. E nem ele. Rapidamente, oferece um olhar demorado sobre meu rosto uma
última vez antes de ser obrigado a se retirar por uma porta anexa, seguido pelo
pai.
E eu fico sozinha com o meu.
E não gosto nada do que vejo em seu rosto uma vez em que está livre
para fazer o que quiser.
— Você tem noção do que fez?
Arqueio a sobrancelha e dou de ombros, fazendo-me tão de desentendido
quanto possível.
— Que eu saiba, não fiz nada.
Isso não contribui para o humor de meu pai, que está parado atrás de sua
mesa. O rosto está vermelho como se fosse explodir e já desabotoou os primeiros
botões da camiseta, como se lhe faltasse ar e fôlego para continuar me xingando.
Contando no relógio cuco da parede — uma herança antiga de família,
como tudo que está dentro dessa casa — já se passaram quinze minutos desde
que entramos aqui. E nestes quinze minutos, minha cabeça não conseguiu ficar
aqui e responder atentamente às perguntas de Tony.
Felizmente, eu não preciso de muita concentração para enrolá-lo numa
mentira tão inocente quanto esta, pois sei que embora ele não acredite em um
terço do que estou dizendo, vai preferir acreditar, assustado com a outra
possibilidade — e com o que isso significaria para seu tão querido acordo.
Por isso, minha atenção está lá fora e no modo como Rebecca se
encolheu quando seu pai olhou em sua direção. Mal conseguiu abrir a boca,
deixando claro o controle que o homem é capaz de exercer sobre ela sem nem a
ameaçar diretamente e o quanto estamos fodidos, considerando que ela com
certeza não foi capaz de segurar a mentira por mais de cinco minutos depois de
olhar em seu rosto.
Porra.
Se eu tivesse tido a oportunidade de falar por ela, teríamos saído dessa
ilesos...
Mas Vittorio é esperto, tenho de dar isso a ele. Sabia por onde conseguir
a verdade e interpreta literalmente o lema de não confiar em ninguém,
principalmente em um mafioso de moral tão questionável quanto eu.
— Você continua a levar isso como uma brincadeira, Luca! É
impressionante a sua capacidade de ser um idiota!
Eu me distraio durante o sermão, mais do que acostumado a sentar nesta
cadeira e baixar a cabeça enquanto ele fala. Controlar meu temperamento nesta
situação não é tão difícil, pois tive tempo o suficiente para aprender a ignorar
tudo que meu pai diz.

O que é algo muito diferente do que acontecia com o menino no qual ele
despejava as palavras mais cruéis que possuía em seu repertório, sem dó, nem
piedade. Aquele menino, que não sabia de modo algum, como lidar com aquele
monte de merda sendo jogada sobre sua cabeça, acabou internalizando tanto
cada pedaço daquela porcaria, que hoje, já não faz mais diferença. Eu aceitei
tudo o que disse e usei para me blindar contra ele mesmo. E vem funcionando
perfeitamente.
Quando você sabe quem você é, ninguém pode machucá-lo.
Quando ele fica em silêncio por mais de um minuto, fitando-me com os
olhos pálidos, decido falar e terminar com essa merda:
— A garota está inteira, Tony — falo firmemente — Eu a mantive segura
e a devolvi intacta ao seu pai. Então, me parece óbvio que ela não deveria ser
nossa preocupação aqui e sim o ataque que sofremos ontem à noite.
Meu pai bufa e eu me inclino, aproximando-me da mesa.
— Me diga, o que o senhor já fez em relação a isso? Ou passou a manhã
inteira se preocupando com o estado de Rebecca Fioderte, depois de eu dar
minha palavra de que ela estava bem e intocada junto comigo?
Cuidado, minha mente sopra o aviso. Meu pai, através do olhar frio e da
expressão inexpressiva, parece me alertar do mesmo, sem precisar abrir a boca
para tal.
— Está me cobrando, Luca? — Sua voz escapa em um fiapo incrédulo.
— Com que autoridade acha que pode fazer isso?
Eu respiro fundo e procuro controlar a minha vontade de falar mais, ser
mais e exibir sua incapacidade de enfrentar a ameaça do jeito que precisa ser
enfrentada. Com isso, baixo o rosto novamente, encarando minhas mãos
avermelhadas e machucadas, pelo frio e por toda ação de mais cedo. Pelo
menos, Rebecca melhorou as coisas no ferimento da barriga. A dor se parece
apenas como pequenas pontadas agora.
— Coloque-se no seu lugar, soldado — diz em desprezo total. — Ou eu
farei isso por você.
— Não foi minha intenção desrespeitá-lo, senhor — murmuro,
espremendo o orgulho dentro de mim.
Minhas veias parecem arder por toda raiva que corre por meu corpo, mas
me mantenho firme e levanto a cabeça, encontrando seus olhos com a mesma
segurança de sempre, sem qualquer sinal da fragilidade que ele gostaria de
encontrar, apenas para me massacrar um pouco mais, explorando isso a seu
favor.
Ele se fortalece através da fraqueza alheia. Sempre foi assim.
— Não irá mais acontecer — prometo.
Ignorando minha presença, ele usa uma de suas canetas de ouro —
presente de algum baba-ovo com dinheiro — para rabiscar alguns papéis.
— Você tem sorte de ser necessário — declara, a atenção longe de meu
semblante. — Ou encontraria finais muito diferentes para suas aventuras,
moleque.
E diante de sua breve ameaça, tudo que posso fazer, como um bom
soldado, é ficar quieto.
A coisa que eu mais odeio em toda minha maldita vida, mas que ele me
impõe toda vez que tem a chance, a fim de se sentir superior. A fim de pisar em
mim enquanto ainda pode, vestindo seus trajes de Capo e sentando-se na cadeira
do chefão.
Mas tudo tem um fim.
E o de Tony — se depender de mim — não será doce.

Deixo seu escritório depois que ele toma um farto de me repreender por
ajudá-lo, soando como uma puta ingrata e saio pelo mesmo caminho, usando a
sala de visitas menor. Não é surpresa encontrá-la vazia, mas algo no modo como
a sala cheira, me parece errado.
Eu não temi nada durante qualquer segundo do encontro com nossos
pais, mas para Rebecca foi diferente. Durante todo o trajeto até aqui, podia notar
a tensão carregada em seus ombros e a falsa paz que exibia em sua postura e
semblante, talvez mais do que acostumada a enganar os outros sobre seus
verdadeiros sentimentos.
Mas não a mim. Surpreendentemente, posso lê-la muito bem, sem nem
fazer esforço.
E quando ela encontrou Vittorio, ficou muito claro o tipo de medo que a
fez gaguejar e declarar a verdade como melhor opção — seria a menos dolorosa.
É isso que faz com que eu abandone a sala em uma velocidade maior,
caminhando pelos amplos corredores vazios com menos paciência do que de
costume. Por sorte, topo com Donatella nas escadas que levam ao segundo andar
e seguro minha irmã por um instante.
— Sabe onde está Rebecca?
— Oi para você também — responde. — Bom ver que sobreviveu.
— Sem idiotices, Dona — rosno. — Rebecca. Você viu?
Dona revira os olhos e aponta para cima.
— Acho que está com o pai no quarto que ela ocupou da última vez.
Escutei vozes vindas da ala deles.
— Sozinha?
— Seus irmãos não vieram para cá. Sei que a mãe dela está com a
mamãe no jardim de inverno, mas... o que aconteceu? — Dona é rápida em
reconhecer quando há algo de errado e sua expressão altera-se totalmente ao
visualizar meu semblante de preocupação.
Mas eu apenas balanço a cabeça e subo as escadas, pulando de dois em
dois.
A mansão quilométrica — e velha como o diabo — é grande o suficiente
para que seja dividida em alas. A que os Fioderte ocuparam há dois meses, é a
mais distante da entrada e portanto, a mais reservada. Qualquer som poderia ser
facilmente abafado pelos quartos que vem antes.
E tenho certeza de que Vittorio sabe disso.
Não corro como um desesperado, pois não sou um idiota. E porque há
uma pequena parcela de chance de eu estar errado. Não acontece com
frequência, mas acontece.
E seria bom estar errado nisso.
Nenhum filho merece um carrasco como pai; e falo isso com mais
experiência no assunto do que gostaria.
Meus passos ligeiros logo me levam até a ala dos quartos de hóspedes e
eu reconheço a porta onde ela ficou. Mas eu não me presto a bater ao escutar um
estalo alto vindo do lado de dentro e empurro a madeira com o ombro,
adentrando o quarto de maneira tão rápida que não dou a Vittorio a chance de
ignorar minha presença.
O cinto grosso de couro pende em sua mão e Rebecca está encolhida
contra a cama. A posição quase fetal torna respirar um ato complicado para mim
e tenho certeza de que a raiva que me consome vai levar a melhor hoje, na sua
costumeira luta com a razão.
O capo da Cosa Nostra está em estado de cólera, com as bochechas
vermelhas, transpirando como se bater nas pernas da filha de dezessete anos — e
tendo deixado marcas, o canalha — tenha exercido grande esforço físico. Meus
olhos passam sobre ele com a mesma frieza que passaram sobre muitos antes.
Mesmo assim, eu permaneço longe de sua garganta. E ele continua respirando.
— Como ousa?
Vittorio umedece os lábios antes de falar, afastando-se dois passos para
longe de Rebecca. Ela chora e posso ver suas lágrimas manchando a colcha. O
cabelo cobre um pouco de seu rosto e eu detesto a sensação de ser o responsável
por esta desgraça.
— Ela é minha filha e descumpriu minhas ordens. — Vittorio fala como
um desgraçado cheio de razão e eu aperto a maçaneta, considerando arrancá-la e
enfiá-la por dentro dele, até sair na sua boca. — Isso não é da sua conta,
moleque. Saia.
— Não é da minha conta o caralho! — rosno e os olhos dele brilham em
desafio quando me coloco na sua frente. — É a minha noiva encolhida na cama à
sua frente. Ela é minha responsabilidade, Vittorio e agora, você acaba de me
ofender.
— Quer mesmo uma puta suja como esposa? — Ele gira o cinto entre os
dedos e penso no couro em volta de seu pescoço gordo. — É com o que deve
estar mais acostumado, não é, rapazinho?
— Não faz diferença para você o tipo de mulher que eu gosto. — Em
passos firmes, chego até a cama. O Capo me enxerga com desconfiança, mas
não se move. Ele sabe que a razão está do meu lado agora. Sabe que não tinha o
direito, não importa quem seja. Homens feitos devem respeitar os juramentos e
responsabilidades acima de tudo. — Mas saiba que a minha não vai carregar
marcas.
A resposta arranca uma risada curta dele, mas eu pouco me importo com
a sua merda e ajudo Rebecca a sair da cama. O rosto está inchado como se
tivesse começado a chorar desde que subiu e eu me esforço para entender o
turbilhão de sentimentos que me consomem, querendo jurar vingança contra seu
pai por desafiar a minha autoridade desta forma, mesmo sem poder nenhum para
ir contra um maldito como ele.
Há uma hierarquia na vida de toda mulher em nosso círculo. E acima de
qualquer outro, está seu marido. Vittorio, como um, reconhece isso. E sabe o
quão sério é quando se mexe no que é de outro.
E por isso recua, recolhendo seu cinto e sua fúria. Meu olhar pesa sobre
ele e Beca mantém o rosto abaixado, como se tivesse vergonha de olhar para
mim agora.
Ele está prestes a sair do quarto, após afivelar seu cinto, quando diz:
— Pare de drama e endireite-se. Sairemos em quinze minutos.
É sua última ordem antes de nos deixar sozinhos.
TRÊSMESES
DEPOIS
O cheiro da maresia, a visão da areia branquinha e a leveza do ambiente
me conquistam assim que coloco os pés nos Hamptons, que nada mais é do que
um grupo de vilas de luxo, localizado no litoral do estado de Nova York, onde os
Accorsis têm o costume de passar os dias quentes ou, como faremos nesta
semana, celebrar casamentos.
Assim como eu, minhas amigas parecem tão encantadas quanto,
enquanto adentramos a enorme mansão branco-gelo pertencente à família de
Luca. É tão grande que faz meu queixo cair, enquanto encaro as enormes
pilastras que sustentam sua fachada harmoniosa e as diversas janelas com vidros
quase transparentes de tão limpos. Com a luz do sol batendo contra, parece
ainda mais encantadora e irreal, como um castelo antigo, há muito perdido.
— Mamma mia! — Petra expressa a reação de todos nós quando
chegamos ao que se parece com o hall principal da mansão, que a separa em
várias áreas e onde há a escada dupla, que leva para os dois lados do segundo
andar.
Há um lustre de cristal pendendo sobre nós e o piso de mármore branco
nos oferece a sensação de andar na neve.
— Você se deu bem, hein, Rebecca... — Nina comenta e eu não posso
deixar de concordar.
É uma casa linda.
— Espero que a decoração as agrade. — Rosalind, que nos recebeu na
porta e acompanhou para cá, comenta, desfilando em um modelo azul-turquesa
de babar. As pernas longas e finas terminam num sapato de salto Ferragamo de
estampa que atrai a atenção de todas. E elogios também. — Fiz algumas
mudanças para poder tornar o ambiente mais confortável para os convidados.
— É uma bela casa, senhora Accorsi. — Me apresso em dizer quando
minha mãe me olha de canto. É o suficiente para eu entender que ela precisa que
eu seja a nora exemplar de agora em diante.
Rosalind acena em concordância, reconhecendo meu elogio.
— Suas malas foram levadas diretamente para os quartos — anuncia,
parando em frente as escadas após um pequeno tour. Não é difícil entender por
que nos dispensa. Há tantos trabalhadores e coisas que parecem precisar de sua
atenção, que é uma honra que ela ao menos tenha parado para recepcionar-nos.
Algo que meu pai, certamente, reconhece. — Nossa governanta irá acompanhá-
los até eles agora.
Com uma eficiência quase militar, a governanta da casa de praia que se
apresenta como Whitney e tem os cabelos grisalhos, além de uma expressão
rígida e séria, aparece e nos guia escadas acima. Caminha ao lado de meu pai, e
não na sua frente, o que permite entender que ela tem experiência o suficiente
para estar no cargo — e permanecer viva.
Somos deixados aos poucos em nossos dormitórios. Meus irmãos e
amigas ficam antes, em quartos menores. Serena, Nina e Luna dividirão um, pelo
excesso de convidados, mas não parecem incomodadas. Tampouco,
acostumadas.
Eu sou uma das últimas, apenas depois de meus pais, portanto, estou
sozinha quando Whitney empurra as portas duplas de madeira branca e me
apresenta a um quarto de tirar o fôlego. Com uma cama gigantesca centralizada
entre duas portas de correr de vidro, que permitem acesso à uma sacada ampla, é
decorado em tons de creme e dourado em certos detalhes. O papel de parede é
feminino, floral e delicado e uma penteadeira vintage está apoiada na parede
próxima a entrada do banheiro que é uma obra de arte à parte. Com chão liso e a
maioria dos detalhes em mármore creme, combinando com o quarto, parece um
spa. Há uma ducha generosa e meus olhos se animam ao enxergar a
hidromassagem no canto.
É tão luxuoso e belo que me faz sentir confortável.
Ou melhor dizendo... me faz sentir importante.
Como se eu fosse mesmo a maldita noiva da cerimônia que deve ocorrer
em dois dias.
Oh, céus...

Aproveito o banheiro e os sais de banho que Whitney me recomenda para


tomar um longo banho e me livrar dos sinais da viagem de carro, e me encontro
com minhas amigas logo depois disso. Elas também usam roupas diferentes,
mais praianas. Eu estou confortável em um vestido branco até meus pés e
sandálias, coberta o suficiente para passar um pouco de calor enquanto
exploramos cada cantinho da construção. Faltam palavras à todas nós quando
chegamos a cozinha e examinamos sua grandeza e os milhares de cozinheiros
que trabalham no almoço. Whitney nos recebe ali com alguns aperitivos e
anuncia que o almoço estará pronto em meia-hora, lançando um olhar severo
para as moças da cozinha.
Um homem que se autointitula chefe me cumprimenta com mais pompa
do que todos e eu tento não me encolher. Consigo, felizmente.
Quando abandonamos a cozinha, me sinto leve por poder apenas andar
com as garotas e não escutar nada da minha mãe ao passar por ela usando
sandálias rasteiras e pouca maquiagem. Minhas sardas ficam mais destacadas no
sol e ela não gosta delas, mas tenho poucos problemas com isso e Luna me
elogia quando chegamos ao quintal traseiro da mansão.
Os raios de sol contra minha pele são um ótimo convite para conhecer o
resto da área externa, embora evitemos completamente a área central onde
centenas de homens trabalham na montagem da festa, o que me causa um pouco
de nervosismo.
— O clima não deveria ser mais fresco? — Luna questiona, com o rosto
escondido debaixo de um chapéu laranja-escuro. O cabelo loiro contorna seu
rosto fino e ela parece incomodada com o suor. Nina ri, enquanto Serena desfila
em um vestido curto demais para ter sido aprovado pelos seus pais.
— Para resolver isso, temos este mar lindo à nossa frente! — Serena
lembra e nossos olhares são atraídos pela água cristalina que se estende à nossa
frente, assim que chegamos perto dos degraus que levam à areia. Ondas
pequenas e calmas se quebram na beirada e eu penso o quão refrescante deve
estar a água. — Quem me apoia?
— Acho que seria uma delícia tomar um banho antes do almoço. — Nina
responde, dando de ombros. Seu semblante transpassa animação e eu as encaro
chocada.
— Se eu for parar de suar... — Luna cantarola, claramente incomodada
com a temperatura.
— Acho que seria melhor depois do almoço — sugiro. — Temos um
cronograma e...
— Amiga. — Nina pega minha mão e me oferece um sorriso gentil. —
Só quinze minutinhos. Sua mãe nem vai saber.
Eu ainda estou pensando sobre quando Serena anuncia:
— Bene, eu vou de qualquer jeito. E acho que vocês devem me
acompanhar.
Dito isso, a loira sai correndo na direção da água e todas observamos
enquanto ela vai. Nina ri e sem questionar mais nada, a segue. Luna ainda está
parada ao meu lado.
— Isso é errado...
— Ah, Beca, vamos logo!
Sem paciência, me puxa pela mão e em passos apressados e saltitantes,
caminhamos pela areia e encontramos Serena e Nina na beirada. Eu não consigo
afastar o espanto quando as encontro se despindo.
— Não estamos usando biquíni! — institivamente, me agarro ao meu
vestido.
— E daí, Beca? Somos apenas nós! Os seguranças estão no quintal e
estaremos dentro da água antes que possam enxergar qualquer coisa! — Serena
argumenta, como sempre, a defensora do mal. — E lingeries não são tão
diferentes de biquínis.
Sem inibição nenhuma, Serena já está sem roupa e exibe a forma esbelta
num conjunto de renda azul. Sem receio, ela corre na direção das ondas e grita
ao entrar em contato com a água, incentivando as outras duas a fazerem o
mesmo. Eu acabo sendo a última parada na areia, observando enquanto elas
correm com as bundas expostas e os seios mal cobertos por pedaços mínimos de
tecido.
— Pare de ser careta, Rebecca e mova sua bunda branca para cá! —
Luna grita, mergulhada até o pescoço. Parece ter se livrado do calor rapidinho e
eu aqui, derretendo, com o sol queimando nas minhas costas. Dio mio, elas nem
colocaram protetor solar...e já é quase meio-dia...
Mas está tão calor...
E eu estou derretendo nesse vestido...
Ah, quer saber?
Dane-se.
Quando dou por mim, já estou caminhando na direção da água após
puxar meu vestido e me encolher toda, tentando esconder qualquer parte do meu
corpo em vão, pois assim que pulo na água, o gelo corre pelas minhas pernas e
grito, afundando de vez.
É uma sensação muito boa.
Ressurjo com a mesma sensação de ter levado um choque e as garotas
riem, espalhando água e tocando para cima e na minha direção. Riem como
crianças e eu me permito rir também, refrescando meu corpo e empurrando todas
as preocupações do futuro incerto para um lugar muito abaixo.
Quando meia-hora se passa, eu nem mesmo me lembro mais de que
estamos aqui porque irei me casar em menos de setenta e duas horas e nossos
dedos estão murchos. Serena está tentando montar nas costas de Nina quando
Luna aponta na direção da areia e cessa nossa diversão com uma pergunta.
— Ei, Beca, aquele não é o seu noivo... — Ela pensa por um segundo. —
E os amigos dele?
Eu congelo na mesma hora e todas olhamos para a frente. Nina deixa
Serena cair de costas na água e o splash torna a cena ainda mais confusa, mas eu
posso enxergar muito bem a silhueta parruda de Luca na beira-mar,
acompanhado de Max e Fred. Os três falam algo ao passar por nossas roupas e
param com os pés na parte rasa, olhando em nossa direção.
Então Serena tem a péssima ideia de cumprimentá-los, acenando e
praticamente convidando-os a se juntarem a nós e eu gelo inteira, lembrando
rapidamente de que estamos todas em nossas roupas íntimas.
— Ei, meninos!
E molhadas.
Oh, céus…
Só é necessário que Luca entre na água para que eu reconheça em seu
rosto a mesma expressão que estou acostumada a ver em meu pai durante toda a
minha vida. Sua mandíbula está travada e ele parece furioso. Como estão sem
camisa, e já exibem certa cor, podemos deduzir que já estavam na praia.
Mergulham até chegar perto e eu praticamente posso ver todas minhas
amigas babando pelos corpos esculpidos dos três homens à nossa frente.
Inclusive o de Luca.
— Garotas, que bela surpresa as encontrar por aqui... Eu sou Max, primo
do noivo. E este é Fred, um amigo nosso.
Max, o mais sorridente deles, conduz as apresentações, empurrando o
cabelo para trás dos olhos. Água desliza pelo seu corpo e é uma cena digna de
atenção para as meninas ao meu redor.
— Eu sou Serena.
— Nina.
— Luna.
Eu não tiro meus olhos da expressão silenciosa de Luca. E nem ele da
minha. Tenho medo de que pense qualquer coisa. Com meu histórico, não é
como se não tivesse motivos.
— Nada como um banho geladinho, não é? — O loiro volta a falar e seus
olhos passeiam pelas três até chegar sobre mim. — Até mesmo a noiva está aqui.
Italianinha, que prazer revê-la…
— Maximus — aceno em cumprimento e ele esconde algo que não posso
entender atrás do sorriso demorado que dá. Fred, ao seu lado, exibe o mesmo
brilho ao me cumprimentar de cabeça baixa e eu consigo entender melhor o que
significa o respeito cego que têm ao nem mesmo se dignar a me olhar por mais
de um segundo.
Luca, que ficou para trás dos dois e não fez questão de cumprimentar
qualquer uma das três, nada ao redor deles com agilidade o suficiente para
indicar que é rápido até no meio aquático e para atrás de mim. Eu sinto o aperto
em minha cintura antes da sua voz no pé do meu ouvido.
— A essa altura, eu já acho que você está simplesmente brincando
comigo, Fioderte. — Num tom de voz lento e claro, Luca não parece nada feliz
em me enxergar em nada além de calcinha e sutiã e eu me abaixo, escondendo o
tronco na água.
— Lingeries são como biquínis — repito o que Serena me disse antes em
um tom de voz baixo o suficiente. Os outros nem mesmo olham em nossa
direção.
— Você está tentando descobrir até onde eu vou, Beca? — reforça o
aperto e eu fico reta, como uma vara. — Acha que eu sou um cara que gosta de
gracinhas?
Engulo em seco ao sentir que ele espalma seus dedos na minha barriga e
subo o rosto, encarando-o diretamente. Luca não desvia e eu vejo algo perigoso
cintilar no azul de seus olhos.
Fico em silêncio, silenciada por eles e o mesmo só desvia quando
entende que não irei dizer nada, dirigindo-se aos outros.
— Já não é hora do almoço? — chama e foca nos dois amigos. —
Acompanhem as moças até seus quartos para que possam se vestir
adequadamente antes que minha mãe as enxergue.
— Sabemos caminhar sozinhas. — Luna fala, com certeza sem nenhuma
preocupação em relação a quem é que está atrás de mim. Seu olhar contém uma
dose de curiosidade, no entanto, pelo motivo de estarmos tão próximos.
— Quem sabe possamos ajudá-las a se secarem? — Max retruca e ela
fixa o olhar no rosto dele por um instante, arqueando uma de suas sobrancelhas.
Trocam algumas ofensas mudas naquele olhar e eu me preocupo até a voz de
meu noivo ressoar no pé do meu ouvido. É rouca o suficiente para me arrepiar
mais do que a água fria que bate contra a minha cintura.
— Comporte-se, Max. — Luca fala e não precisa repetir. Com um aceno,
ele guia minhas amigas para fora d’água e eu apenas meneio a cabeça na direção
delas enquanto me deixam com meu noivo na água. Podemos observá-las saindo
e se cobrindo. Max e Fred olham para longe enquanto isso e acho nobre de suas
partes.
Só quando eles estão caminhando, Luca tira a mão da minha pele e se
movimenta, puxando-me pela mão para fora d’água. Ele é mais forte e
consideravelmente mais rápido, e eu apenas sigo, até sentir que a água não bate
mais em minha cintura e estamos fora.
— Vamos estabelecer algumas regrinhas, certo, Rebecca? — fala ao pisar
na areia. Posso ver todo o desenho de seu corpo sob a luz forte do sol do meio-
dia e salivo por um segundo ao notar a tonificação dos músculos e a cor bonita
de sua barriga bronzeada e malhada. A água só torna a visão ainda melhor. Ele
ficou ainda mais bonito em três meses. — Quando sentir calor demais, garanta
que estará usando roupas que cubram o suficiente. Ou que funcionem na água.
Ou teremos problemas.
Sem que eu diga nada, ele pega o único vestido que resta na areia e o
joga para mim. Solto uma risada folgada quando noto que seu olhar está sendo
mantido baixo.
— O que é? É recatado e respeitoso agora?
Sem subir o rosto, pergunta:
— Em algum momento deixei de ser?
Eu não coloco o vestido de imediato.
— Deixe-me pensar… Em nosso primeiro momento juntos, quando
praticamente me tomou como égua reprodutora? Ou quando me agarrou em seu
apartamento? Sem contar todos os olhares descabidos que me deu desde que me
conheceu!
— Você usava algo além de calcinha e sutiã quando fiz tudo isso —
argumenta, cruzando os braços. Fica ainda maior ao fazer isso e eu estudo a
tatuagem do A em seu braço. — E bem, considerando que daqui quarenta e oito
horas você será minha esposa, vejo poucos problemas em ter olhado para você.
— Então por que não olha agora?
Só penso no que disse depois que sai e não tenho como retirar agora.
Como se eu tivesse feito um convite, Luca levanta seu rosto e seu sorriso
ilumina a praia inteira quando se depara com meu corpo e não posso impedir
minhas bochechas de corarem enquanto ele lentamente estuda cada canto meu,
até os pés.
— Satisfeita?
Petrificada, eu não respondo. Mas ele não poupa palavras ao dizer:
— Eu certamente estou.
Com raiva, me apresso para colocar o vestido depois da sua tirada idiota
e o escuro gargalhar. Estúpido.
Pego minhas sandálias na mão e saio marchando antes que ele se dê ao
trabalho de me arrastar de novo.
— Você sabe que branco fica transparente quando molhado, certo? —
pergunta, caminhando atrás de mim.
Idiota.

Para minha sorte, não encontramos ninguém após voltar para casa além
dos soldados que viram o rosto ao encarar Luca e os montadores. Como um cão
de guarda, meu noivo me escolta até minha suíte.
— Sempre um prazer, noiva.
Eu bato a porta antes que ele possa abrir seu maldito sorriso de novo e
vou para o chuveiro.
Meu cabelo se tornou uma bagunça e depois da ducha, preciso trançá-lo.
Estou obviamente atrasada quando desço novamente e encontro minha mãe no
pé das escadas.
— Têm convidados a sua espera, Rebecca. Onde diabos estava? — suas
palavras em italiano entregam que estou enrascada. Estou usando um vestido
lilás de babados leves em camadas agora, com um pequeno decote em V e um
simples colar de pérolas. Pareço pura o suficiente, e com apenas meia-hora de
sol ganhei uma cor agradável.
— Conhecendo a casa, mamma — respondo, pigarreando. Sem esperar
por mim, ela começa a caminhar na direção da sala de jantar.
— Não a quero andando por aí, muito menos sozinha — diz. — Tudo
que peço é que se mantenha longe de problemas até que não seja mais problema
de seu pai. Certo, Rebecca?
Com um aceno sentido, concordo e permito que ela me conduza. Minha
mãe é alta o suficiente para não precisar de sapatos de salto, mas em cima deles,
fica ainda mais imponente. E eu ainda menor ao seu lado.
Durante o almoço, as tias de Luca elogiam meu bronze e eu
cumprimento os tios maternos de Luca com um sorriso de simpatia. São dois,
Julieta e Romero, acompanhados de sua avó materna, Francisca, está do seu
outro lado. O patriarca da família Gianotti já faleceu.
Luca também ganha elogios e eu estudo a expressão de suas primas e de
Liliana, sentada ao lado de seu pai, o consigliere da Accorsi, Bernardino Morelli
e o homem que se apresenta como seu irmão, Benito. Diferente da irmã, ele se
esforça para ser agradável.
Além deles, há mais de trinta pessoas sentadas na extensa mesa com
tampo de vidro e poltronas adornadas com cabeças de leão douradas no encosto.
É complicado dar atenção a todos, principalmente o tanto quanto exigem,
chamando a mim e Luca para todos os tipos de assuntos, mas até que
funcionamos bem. Eu mais disposta do que ele, cumprindo o papel para o qual
fui moldada a vida inteira.
E sentada ao seu lado, é impossível não sentir o perfume que exala de seu
corpo, sendo ainda mais complicado ignorar sua respiração toda vez que se
inclina para pegar algo sobre a mesa ou apertar a mão de alguém. E de propósito,
ele faz isso sobre mim, como se para implicar ou apenas demonstrar alguma
coisa.
No entanto, nem só ocupada sentindo raiva de Luca eu fico durante a
refeição e aproveito a proximidade para estudar alguns detalhes dele que haviam
me passado despercebido. A barba rala que cresce provavelmente será retirada
antes da cerimônia e ele franze o rosto toda vez que não concorda com o que está
sendo dito. Seu nariz é arrebitado e fino, como se ele tivesse acabado de sair de
uma mesa de cirurgia plástica e os lábios são rosados, ficando ainda mais toda
vez que ele toma um gole do vinho selecionado por Antônio. Encobertas pela
carranca natural, detalhes como esse podem passar despercebidas à princípio,
mas trabalham bem em conjunto para construir sua beleza.
Por Deus, deveria ser ilegal ser tão bonito assim sem fazer qualquer
esforço por isso além de ser um grande e maldito filho da mãe…
— Rebecca?
Pulo no assento ao ouvir meu nome e me deparo com uma mesa inteira
prestando atenção em mim ao sair do pequeno transe em que estive no último
minuto.
Luca solta uma risada, que é abafada pela sua taça e eu pigarreio.
— Sim?
E é a maldita Liliana que chama por mim, agora, com um sorriso azedo
entre os lábios pintados de um rosa clarinho que me enjoa.
— Perguntei se você está ansiosa pelo casamento.
— Ah, sim… claro que estou. Mal posso esperar.
A esse ponto, não sei se minto ou digo a verdade.
— Aposto que você estará linda. — Eu agradeço seu elogio com um
sorriso singelo, me esforçando para comer sob o olhar atento de todos.
Bernardino, o pai dela, parece tenso a cada palavra e Antônio Accorsi, sentado
na ponta da mesa, observa a conversa atentamente. — Assim como Luca.
Eu interrompo o caminho do garfo até minha boca quando ela completa
sua frase e tenho a estranha sensação de que muitos outros na mesa fizeram o
mesmo.
Luca apenas move os olhos para longe da sua taça e até ele parece um
tanto constrangido pelo comentário descabido.
E ao invés de ficar quieta, ela continua.
— Quero dizer, você fica lindo de qualquer jeito, mas… o terno certo
ajuda qualquer homem a ficar ainda melhor. Não é, papai? Entende melhor de
ternos do que ninguém.
Bernardino é um homem inteligente e tem duas escolhas agora. Mas seu
carinho pela filha, no entanto, supera sua noção de realidade e balançando a
cabeça, ele apenas concorda.
Incentivada pela afirmação do Consigliere, sua filha sorri para mim mais
uma vez e nesse momento, posso ver o quanto me detesta apenas pelo modo
como me encara.
— É uma mulher de sorte, Rebecca.
Posso sentir que toda a mesa, tem os olhos presos sobre mim e com um
sorriso forçado o suficiente para parecer real, passo meu braço sobre o de Luca e
o engancho a mim, acomodando a lateral do rosto em seu ombro em seguida.
Seu perfume fica impregnado no meu nariz e posso sentir quando ele tensiona os
músculos, ciente da atenção que estamos chamando agora.
— É, eu sou mesmo, não é?
E faço questão de o mantê-lo sob rédeas curtas o resto do almoço inteiro.

Depois do almoço, sou liberada para continuar conhecendo a propriedade


e acabo de sair do meu quarto — após mais uma troca de roupa — quando sou
abordada por Liliana.
— Ei, Rebecca… Tudo bem?
Subo meu rosto e encaro a feição sorridente da loira, fantasticamente
bem-vestida em um vestido rosa pink.
— Liliana. — Uso seu nome como cumprimento e aceno. Ela sorri, feliz
pelo reconhecimento. — Precisa de alguma coisa?
— Aonde vai agora?
— Encontrar minhas amigas. Elas esperam por mim no quintal.
— Ah, certo… Deixe-me acompanhá-la, então. Podemos conversar no
caminho.
Com outro aceno, concordo, sem opção além dessa.
— Aliás, está em ótima forma, Rebecca. Ficará exuberante em um
vestido de noiva.
— Obrigada — agradeço um com sorriso singelo e não permito que a
ansiedade que corre por meu corpo sob o olhar analisador de Liliana me faça
fugir.
— E espero que não tenha levado meus comentários na mesa para o lado
errado… Papai me falou sobre a possibilidade de tê-la ofendido.
Oh, aí está. Foi para isso que fui criada. Mentir bem.
— Claro que não. Não há nada de errado em distribuir elogios.
Chegamos ao topo das escadas e descemos com os ombros grudados.
Liliana usa o mesmo perfume que Serena, o que é curioso.
— É que eu fico chocada em como vocês combinam, sabe?
Especialmente considerando todas as fofocas que aconteceram nesse tempo
desde que você apareceu e a possibilidade que existia de não termos realmente
um casamento...
Ela é bem mais alta e imagino que mais velha também. A franja reta
encobre certa parte do brilho de seus olhos azuis, mas posso ver a sombra que se
estende sobre eles quando ela me encara, quando chegamos ao pé das escadas.
— O que quer dizer com isso? — pergunto, sem apagar o sorriso
simpático que lhe ofereço. Mamãe me criou para nunca demonstrar qualquer
imperfeição na frente de desconhecidos, principalmente, convidados. Além do
mais, imagino que qualquer sinal de nervosismo seria celebrado por Liliana e
não quero alimentar isso.
— Ah, sabe… — Ela enrola brincando com a ponta de uma mecha mais
longa do que as outras. — São apenas os boatos da cidade. Nada demais. Não
fazem diferença agora.
Como uma cobra num cesto, entendo o que ela está fazendo. Me
atiçando, puxando, instigando que eu vá atrás da informação.
— Quais boatos, Liliana? — E eu caio direitinho nisso.
— Os de que Luca preferia morrer a se casar com você — dispara e
tenho a mesma sensação que teria se ela tivesse me acertado com uma bola de
basquete no rosto. — Ou de que ele aproveitou seu tempo com todas as
prostitutas da cidade antes de ter de se entregar a alguém tão… — Agora ela
parece ponderar sob suas palavras, me analisando. — Casto, como você.
Levo meu tempo esforçando-me para não transparecer nenhum pouco de
raiva ou incômodo para Liliana e umedeço meus lábios, contando com o pouco
de controle que me resta. Ela tem os olhos presos sobre mim como um caçador
provavelmente teria sob sua presa e eu me esforço muito mesmo para não usar
algum dos xingamentos que tenho guardados para pessoas como ela.
Víboras malignas.
— Como você disse, são apenas boatos, não são? — Ainda tenho a frieza
de sorrir.
— Certamente… — Liliana suspira, um tanto incomodada por eu não ter
mordido a isca. — Mas, se me permite um conselho ou apenas uma dica, de
quem conhece Luca há anos… São boatos que eu certamente levaria em
consideração.
Vadia venenosa.
— Sabe como é, homens como ele… Não estão acostumados a escutar
não. Eles só querem aproveitar a vida e fazer tudo o que podem. Mas tenho
certeza de que ele reconhecerá o valor de se casar com uma mulher como você e
um dia, se Deus quiser, irá abandonar esta vida.
Balanço minha cabeça em concordância. Não me esforço mais para olhar
em seu rosto.
Então ela toca meu ombro e tudo passa em câmera lenta ao meu redor.
— Desejo muita paciência e um pouco mais de sorte a você, Rebecca —
amaldiçoo cada um de seus desejos em minha mente e olho em seus olhos por
um mísero segundo, pensando quais seriam os resultados se eu a tivesse
empurrado das escadas antes.
Por sorte, meu corpo não corresponde aos impulsos naturais e ela se
afasta sem nenhuma ameaça de minha parte. Assim que estou sozinha, me viro
para a frente novamente e tento respirar fundo, com as mãos cravadas sobre a
minha cintura, tentando fazer a raiva passar. Alguns soldados passam e irmãos
de Luca também, como Lorenzo e Marcus, aos quais eu cumprimento
brevemente.
Decido que o hall não é o melhor espaço para um ataque de raiva, então
minha mente me guia na direção de qualquer um dos banheiros que conheci na
primeira volta. Fecho a porta e respiro fundo, com as costas grudadas na parede
fria, tentando pensar em carneirinhos brilhantes. Ou talvez na minha casa. Na
segurança do meu quarto. Na paz que era estar segura, onde ninguém podia me
afetar desta forma.
— Hm… Oi?
Então abro os olhos e vejo que não estou sozinha.
Uma mulher de cabelos escuros como os meus, mas mais volumosos,
num tom de chocolate escurecido e olhos caramelo me encara, após apertar a
descarga. Seu vestido é num tom suave de pêssego e eu tenho certeza de que já a
vi antes, mas não consigo me lembrar exatamente onde.
— Eu poderia ter saído antes se fosse uma emergência…
É a tia de Luca.
Os traços semelhantes aos de Rosalind me lembram quem é e eu fecho
meus olhos com força, pensando se isso não é um pesadelo. Ai, que vergonha!
— Eu sinto muito… — começo a pedir num sussurro arrastado e escuto
sua risadinha abafada quando caminha até a pia ao meu lado e lava as mãos. —
Eu não sabia que estava ocupado e a porta estava…
— Tudo bem, querida — murmura. — Imagino que você tivesse seus
motivos para se esconder com tanta pressa… Algum problema lá fora?
Meu corpo estremece. O olhar de Liliana volta à minha memória e o
veneno de suas palavras… Ah, chegam a me dar calafrios. Ela fez isso de
propósito, foi suja e baixa de propósito, me entregando coisas que deve ter visto
Luca fazendo ou sobre as quais ouviu falar sobre em alguma das rodas sociais. A
segunda opção me parece ainda pior do que a primeira.
Não consigo responder a Julieta.
— Entendo… — suspira, sem precisar de resposta. — Então você
simplesmente não quer falar sobre. Sabe, em certas situações é melhor, mas…
Você é a celebridade da semana. Precisa aparentar uma cara melhor do que essa
nas fotos.
O tom de seriedade que ela assume me pega de surpresa e me viro para
frente, encarando o espelho. Ele é grande o suficiente para refletir a imagem de
nós duas, além da belíssima pedra de mármore creme que sustenta a pia
cromada.
Pareço uma bagunça.
— Meu sobrinho fez alguma coisa? — baixa o tom de voz, me estudando
enquanto uso água para refrescar o rosto.
— Não…
Não diretamente, pelo menos.
— Então quem fez?
Interrompo meus movimentos com um estampido e encaro a expressão
serena de Julieta Gianotti pelo espelho. Ela é mais nova do que Rosalind, isso
está claro na ausência das rugas sutis que minha futura sogra possui no rosto
bem cuidado e no modo como se veste. O cabelo, usado na maneira volumosa e
cacheada como é seu natural, indica despreocupação com as regras, mas o
modelo mais clássico do vestido mostra que ela se importa o suficiente para
continuar viva.
A ausência de uma aliança de compromisso em sua mão, no entanto, me
chama atenção.
Mas logo me lembro da história comentada entre festas e recepções, de
seu marido morto e seu estado de viuvez.
— Se está tentando decidir se pode confiar em mim, lhe garanto que
pode — diz com um sorriso largo. — Minha boca é um túmulo.
Eu decido que posso.
— Uma garota… Liliana Morelli, se não me engano. — Um suspiro
baixinho de Ohhhh escapa de seus lábios e me surpreende que ela já possa
presumir o que aconteceu. — Ela se aproximou de mim e falou algumas…
— Merdas? — questiona. Eu fujo de termos como este, mas assinto. —
Sobre Luca ou sobre você?
— A partir de agora, tudo que o afeta, me afeta também e vice-versa —
respondo, o que fui treinada para compreender. Julieta não parece surpresa em
escutar isso.
— Entendo… — Um pequeno momento de silêncio segue e ela volta a
falar. — Deve ser assustador estar no seu lugar, hm?
Você não imagina, penso, balançando minha cabeça positivamente.
— Mas sabe por que é tão difícil e você sente que, talvez, não esteja
pronta para assumi-lo? — Um pequeno sorriso brota entre seus lábios pintados
de um tom escuro de vermelho. — Porque todas as outras moças desta festa
gostariam de estar no seu lugar. E pensando nisto, pois sei que você é uma garota
inteligente apenas pelo modo como me olha, você acaba se comparando com
todas elas e questiona por que você foi a escolhida, dentre tantas outras…
Eu permaneço em silêncio, assimilando suas palavras.
— Mas se me permite um conselho, Rebecca Fioderte e este será de
alguém que já esteve em seu lugar, eu diria a você que não há comparação de sua
parte. E sabe por quê? Porque nenhuma delas foi escolhida. Portanto, cabe a elas
comparar-se com você e trabalhar na busca por pequenos defeitos que possam
exaltá-las e dar munição para que consigam diminuir você, o que,
automaticamente, permite que elas se sintam melhor por não serem a futura
esposa do tão desejado Capo da Accorsi.
Como um dardo, as palavras de Julieta atingem o ponto certo dentro de
mim. E eu absorvo cada uma delas, tentando marcá-las em meu corpo inseguro e
mente preenchida de autossabotagem.
— Então eu não devia ligar para nada do que dizem? — pergunto,
empurrando as inseguranças para bem fundo.
Julieta balança a cabeça, concordando.
— Nadinha, minha querida — Suas palavras em italiano me arrancam
um sorriso. E eu me sinto grata por ter invadido o banheiro sem ver se havia
alguém dentro. — Apenas levante a sua cabeça e mostre por que nenhuma delas
nunca estará em seu lugar. Será resposta o suficiente.
Sutiã e calcinha.
Já é sexta e já passamos pelo maldito ensaio de casamento que se
arrastou por longas duas horas, num treino infernal para o que será o dia de
amanhã e mesmo tendo convivido amigavelmente com minha futura esposa o
dia inteiro, ainda não consigo esquecer o fato de que a maldita esteve só de sutiã
e calcinha na porra da praia, durante a luz do dia com milhares de homens
sedentos por apenas uma espiadinha em sua beleza, que foi tão bem cuidada e
protegida durante todos esses anos.
Só pode ter sido de propósito. Feito como uma afronta para mim. Não
existe outra opção para a sacanagem que Rebecca fez.
Puta que me pariu, ninguém me disse que a cabrinha tinha dentes. E
agora, ainda tenho de lidar com isso enquanto estou sendo levado por Max e
Fred, no mesmo carro que Lorenzo e o maldito irmão de Rebecca para minha
despedida de solteiro, sem poder fazer nada sobre a raiva que ainda sinto.
Fomos devidamente podados e recomendados por minha mãe — e pai —
para não fazer nada que afetasse minha integridade ou respeitabilidade na manhã
seguinte e por isso, Max cancelou o aluguel de um puteiro inteiro e nos
contentamos com um iate recheado de “dançarinas da noite” (nome simpático
para mulheres do ramo do entretenimento do prazer).
O barco está ancorado na marina quando chegamos e pouco tempo
depois de embarcarmos, já não me lembro de como saímos da costa e nos
enfiamos no oceano. As luzes da cidade são apenas pontinhos a distância e a
música praticamente estoura nossos tímpanos, enquanto garotas de todos os
estilos, vestidas em seus melhores trajes e cheias de álcool e droga até os
ouvidos, dançam, se esfregando em tudo que se move.
E porra, como eu gostaria de estar sendo surrado por uma boceta agora.
Me afundando inteiro dentro de uma. Gozando pra caralho na boca de uma
delas. Estou seco. Completamente seco por dentro, como se tivessem arrancado
minhas bolas e as tornado meros acessórios, como um chaveirinho de madame.
Aos poucos, acho que já começo a alucinar com minha mão. Ou com
uma boa bunda.
Madalena tinha uma bela bunda…
Assim como minha futura esposa, que estava com ela à mostra ontem.
Só é necessário me lembrar disso para todos os pensamentos referentes
às dançarinas que oferecem a Max — o único interessado além de Fred, que
sumiu assim que chegamos — o tempo de suas vidas.
— Me fode. Isso. Isso mesmo, minha linda… Bem assim.
Eu deixo o sofá da embarcação quando a amigável dançarina de cabelos
azuis começa a quicar no colo do meu primo e me arrasto até a borda. O vento
bate forte e eu caio com uma risada.
Minha diversão solitária, no entanto, acaba quando Matteo decide se
juntar a mim.
Com uma garrafa de cerveja nas mãos, o irmão de Rebecca ainda está
todo vestido como o “bom menino” que gosta de fingir ser e parece mais sóbrio
do que qualquer um de nós, o que é praticamente uma ofensa.
E mesmo sem convite, ele se senta ao meu lado e observa o oceano
comigo.
— Não precisa se comportar só porque estou aqui — começa e eu respiro
fundo. Desisti dos copos há muito tempo e hoje bebo o uísque direto da garrafa.
— Tenho noção de que são suas últimas horas como homem solteiro.
Eu rio, olhando para seu perfil. Sua expressão é sempre carregada, como
se o cara carregasse o peso do mundo. Entendo um tanto do que pode sentir
todos os dias, já que ocupamos praticamente o mesmo lugar, só que em
organizações diferentes, mas não deixo que isso me consuma. Nem permito que
dite mais todos os passos da minha vida do que já controla, tornando-me como
ele, um robozinho, sem vontades, desejos e totalmente submisso aos limites
impostos.
— Acha que tenho medo de você? — pergunto, encarando-o da forma
mais amigável que consigo. Ele não se importa em me olhar de volta, então
apenas dá de ombros, despreocupado.
— Acho que têm medo do que posso falar à minha irmã.
— Sua irmã será a minha esposa hoje — falo, acompanhando o relógio
em meu pulso. Já passa da meia-noite. — O que quer que você tenha a falar, não
vai fazer diferença nenhuma.
— Então por que não está fodendo uma puta como seu primo?
Ao invés de respondê-lo dizendo que é porque estou guardando meu pau
para enfiar bem fundo na boceta virgem da sua irmã, rebato:
— E por que você não está comendo uma, Fioderte? Sua imagem de bom
moço te prende a uma vida de celibato até encontrar sua alma gêmea?
Ele sacode os ombros.
— Nenhuma delas chama minha atenção.
Não posso dizer que estou surpreso.
— Mulheres?
Ele ri, sacudindo os ombros e me encara com um ar carregado em
descrença.
— Vejo milhares dessas todos os dias nas casas noturnas da minha
família. Impossível que você também já não tenha visto. Com o tempo, perdem a
graça, o gosto… Acaba sendo tudo igual.
Ele termina a cerveja e uma garota aparece com outra. Com um aceno,
ele a dispensa e eu nem olho para a cintura de mola, que praticamente esfrega os
quadris na nossa cara.
— Você é virgem, né? — A pergunta escapa antes que eu possa pensar e
junto dela, uma risada. — Tem cara. E só assim para dispensar boceta treinada
de graça… Como que cansou de fazer sexo, porra? Me diz?
— Já fodi mulheres o suficiente para ser considerado homem por você,
americano — ironiza. — Mas nunca paguei por isso. Acho ridículo.
— Hmm, olha só, que surpresa… — debocho. — O mafioso bonzinho
tem princípios. Mas no fim, é meio controverso que o dinheiro até das suas
cuecas venha do sexo dos outros, né, príncipe Fioderte? Ou quem sabe, o papa?
Por que com essa pose toda de santo…
Rindo, Matteo nem mesmo se digna a ficar bravo com o que digo.
O que me deixa bravo.
— Não se ofenda só porque precisa pagar para que alguém queira transar
com você, Luca. Não tenho nada contra quem o faz.
Estou de pé no mesmo instante, me levantando sobre ele assim que
termina de falar. A garrafa de uísque quebra no deque ao longe e algumas
garotas prestam atenção em nós dois agora.
— O que foi que você disse, seu puto?
Matteo continua bancando o imperturbável quando fica de pé e olha
dentro de meus olhos, tornando-se um pouco mais homem no meu conceito.
— A verdade te ofendeu, Accorsi? Aposto que as pessoas não costumam
contar a você o que realmente pensam, então…
O soco que atravessa seu rosto vem sem necessidade de aviso e o som de
meus dedos indo de encontro com sua bochecha é seco. Meu sangue ferve, mas
Matteo não responde ao golpe por que Max aparece antes que ele possa,
empurrando-o para longe. Fred e Lorenzo — de onde não sei — também
aparecem.
— Que porra é essa, Luca? — Meu primo pergunta com as calças
arriadas. Matteo acaba de cuspir um pouco de sangue.
— Repete, filho da puta! Mas só se você for homem o suficiente para
aguentar o que vai te acontecer depois! Vamo, anda, abre a boca, italiano
desgraçado!
Matteo ri, desprezando tudo que sai da minha boca e eu ignoro a
presença de Max, passando por ele para agarrar o italiano pelo colarinho da
camisa preta que usa. Ele endurece a postura quando isso acontece e eu o
empurro até a parede da cabine. As garotas se afastam, menos angariadas do que
deveriam. Algo me diz que na sua profissão, veem muito disso.
— Eu juro que vou quebrar todos os seus dentes e enfiar um a um na sua
bunda se você abrir a boca para falar essa porra de novo.
— Por favor, Luca… — Fred chama, se aproximando. Sinto sua mão
sobre meu ombro e o empurro. Ele é inteligente o suficiente para não tentar me
conter de novo. — Ele é quase seu cunhado, cara! Presta atenção no que você
está fazendo! Está todo mundo bêbado aqui!
— Ele não. — Indico Matteo, pois posso ver em sua postura controlada
como mal ingeriu álcool esta noite — E se está são o suficiente para falar merda,
também está bom para levar uma porrada bem dada por isso!
Ele arqueia uma de suas sobrancelhas, me encarando como se eu fosse
uma piada.
— E quem vai me bater? Você?
Sei que é um jogo. Sei que ele só quer me tirar de controle, me fazer feri-
lo e me foder amanhã com nossos pais, mas não consigo. Não dá. A sua soberba
para cima de mim… O modo como deve se achar tão melhor do que eu…
— Eu e mais quantos você quiser — cuspo as palavras. — O que não
falta é pau-mandado meu para quebrar a tua cara!
— Mais gente que você paga para fazer o que não consegue sozinho?
Dessa vez, eu o derrubo no chão. Com toda força em meu corpo, eu o
seguro pelo colarinho e faço isso, batendo suas costas contra o chão ripado.
Mas dessa vez, ele não aceita quieto e coloca suas habilidades para jogo.
Se agarra a minha perna e me derruba também, causando um baque alto no
deque. O desgraçado é rápido o suficiente para estar em cima de mim antes que
eu possa me levantar e levo um belo soco por isso.
Dificilmente alguém devolve meus golpes. O que torna isso bem mais
divertido.
Com um sorriso dolorido, agarro seu corpo com toda minha força e faço
com que nós dois giremos. Rolamos pelo deque e quando paramos, estou por
cima. Só que ele acerta minha barriga e me manda para longe.
Ficamos ambos de pé depois disso e eu paro ao lado de uma mesa cheia
de bebidas. Com o gosto metálico de sangue se acumulando dentro da minha
boca, enquanto monitoro a respiração ofegante de Matteo, puxo uma garrafa e a
quebro contra a grade de proteção, assistindo-o sorrir, como se esperasse por
esse momento como uma criança espera pela manhã de Natal.
No segundo seguinte, ele puxa uma faca da cintura.
— Vem, americano.
Sem nenhuma paciência para esse show, Max vem para cima de mim e
imobiliza meu braço.
— Ah, não! Vai se foder! Para com essa merda agora, Luca, seu filho da
puta! Tu acha que eu tô de brincadeira?
Acerto um soco na lateral do seu corpo, mas isso só o deixa mais irritado.
De repente, mais sóbrio e racional do que eu, Max consegue atirar a garrafa para
o oceano, enquanto Fred desarma Matteo. Lorenzo só parece muito irritado.
— Isso era para ser a sua despedida de solteiro! Não a porra de um
duelo! E por que merda aliás estão brigando? Não tem puta o suficiente aqui
para vocês dois? Ou é por causa de quem ficará com a Rebecca no final?
Doentes dos infernos… Preciso lembrar aos dois que vão ser família depois de
amanhã? Terão tempo, momentos e motivos o suficiente para quebrar a cara um
do outro, mas hoje NÃO, porra!
Com um grunhido, eu me afasto de Max. Ele continua me encarando, o
peito aberto e o rosto pegando fogo de tanta raiva. Meu descontrole em situações
como esta, nas quais seria essencial manter a cabeça fria, nunca o agradou.
Eu passo a mão sobre meu rosto suado e encaro Matteo uma última vez
antes de ir até o motorista do maldito barco para lhe dar ordens expressas para
retornar.
Já chega dessa merda.
Depois do ensaio de casamento na sexta, mesmo sentindo que mal posso
aguentar dar qualquer outro passo, eu acabo cedendo ao pedido de minhas
amigas para que passe minha última noite solteira com elas na segunda piscina
da mansão, mais reservada e silenciosa. A principal está coberta para o
casamento.
Só que o que era para ser apenas trinta minutinhos de descontração e
risadas antes que eu fosse para minha cama e apagasse, exausta de tantos
sorrisos e falas e olhares, acabam se tornando horas e horas e quando dou por
mim, já é mais de meia-noite e é oficialmente dia doze de março de dois mil e
dezessete.
O dia do meu casamento.
Tudo dentro de mim parece ferver com mais ansiedade e pavor depois de
ver os ponteiros marcando além de meia-noite.
Em menos de vinte e quatro horas, serei uma mulher casada. Casada com
Luca.
Percebendo a mudança súbita de humor, minhas amigas e irmãs até que
se esforçam para me animar. Serena diz que tirei a sorte grande e que Luca é
lindo. Não ajuda. A beleza pode ser importante quando se está escolhendo
alguém, mas ele foi escolhido para mim. Me importa muito mais do que sua cara
de príncipe. Me importa o coração sombrio que bate dentro dele.
E o que este coração será capaz de fazer comigo.
Com os momentos passados juntos, sua personalidade ficou clara o
suficiente. Mandão, imponente, impulsivo, sincero, sarcástico e perigoso são
apenas alguns dos adjetivos que me vem à mente ao pensar nele.
Que compatibilidade pode haver entre nós dois, quando eu sou o total
contrário disso? Como poderemos dividir a vida, ser mais do que um casal de
aparências, quando nem mesmo sei que assunto poderia puxar, como poderia me
tornar interessante para um homem como ele?
A sensação que tenho é de que estou sendo dada em vão. De que apenas
taparei um buraco que Antônio e Vittorio precisam que seja coberto. De que não
sou nada além de algo que será descartado na primeira oportunidade e é terrível
pensar assim, por que não há fuga. Tampouco outra opção.
É tudo ou nada.
— O que tanto pensa aí sozinha?
A voz reconfortante de Donatella me desperta do pequeno transe no qual
entrei. Estou estirada numa das esteiras na beirada e noto que as meninas estão
mais distantes na piscina, imersas em alguma conversa sobre os vestidos de
amanhã.
A irmã de Luca se aproxima com suavidade e senta na esteira vaga ao
meu lado. Os cabelos molhados se parecem ainda mais lisos e conseguem
alcançar a metade da sua barriga. Os olhos azuis como o do irmão mais velho
brilham tão forte quanto à lua hoje à noite.
— Já é meia-noite — conto. — Eu me caso hoje.
— É, eu sei… — Ela esboça um sorriso fingido. — Está com medo?
Uma risada folgada escapa pela minha boca.
— Desde que eu pisei nesse país.
Donatella solta uma risada leve e seus cabelos ondulam conforme
movimenta a cabeça, parecendo despretensiosa quando pergunta:
— Já pensou em fugir?
Eu levo apenas um segundo, carregado de puro choque, para responder.
— Para ser caçada como um animal após desertar à minha famiglia e
meus deveres? — pergunto horrorizada. Donatella não expressa reações. —
Existem jeitos melhores de morrer, você não acha?
Dona exibe um sorriso tímido no canto da boca.
— Eu penso em fugir todos os dias. Penso que será pior se eu morrer
enjaulada como um animal.
Sua revelação me pega de surpresa e eu sento, esticando minhas costas.
Assim, posso enxergar melhor sua expressão lamuriosa e o brilho triste que
encobre seu olhar, agora mais claro, já que ela permite que eu o veja.
— O que aconteceu? — Me pergunto se eu posso tocar sua mão. Por
precaução, não o faço. Ela parece distante agora, como se usasse uma máscara
de força.
— Escutei meu pai falando com alguns homens sobre mim na semana
passada — comenta. — Homens interessados em saber minha idade e se já tive
meu primeiro sangramento. Aparentemente, estão interessados em ter filhos o
quanto antes.
Aos dezesseis anos, uma mulher começa a ser valorizada dentro da
organização. Não que já não sejamos observadas com cuidado desde que a
puberdade nos alcança. O interesse só se torna mais óbvio e assume outras
formas.
Com uma risada ainda mais tristonha, a Accorsi me encara diretamente e
vê refletido em meus olhos a tristeza que exibe nos seus.
— E meu pai pareceu honrado por ouvir sobre o interesse deles —
despreza, e eu não fico surpresa.
Dona parece forte. Como disse, jurou sua vida à Accorsi. E deixou claro
ter pagado o preço por isso. Tem cicatrizes, mas não deixa de ser uma dama de
alto valor. E posso pensar em vários homens que achariam interessante ter a filha
de Antônio Accorsi do seu lado, especialmente se ela cheirar como desafio para
qualquer um deles, assim como se parece. Ou algo que precisa ser colocado na
linha.
Homens como os que conhecemos... Adoram dobrar mulheres difíceis.
Adoram quebrá-las, como esporte.
— Se eu escapasse, a vida seria… — Donatella demora um segundo para
continuar, como se estivesse em dúvida. — Mais fácil.
— Mas você estaria sozinha.
Dona me encara por um segundo.
— Eu não fugiria sozinha.
Arqueio ambas minhas sobrancelhas, encarando-a com mais clareza
agora.
— Tem alguém que…
Não preciso terminar a frase. Ela entende.
— Ele é alguém que também não tem por que ficar aqui.
Tento mascarar o espanto, mas falho ao gaguejar. Dona percebe, é claro.
— E vocês…
— Estamos juntos há um ano — simplifica. — Ele é um pouco mais
velho. Mas… estaria disposto a fazer isso por mim. A fazer de tudo por mim.
Eu não questiono o porquê de Donatella confessar o que deve ser seu
maior segredo a mim, a estranha que se juntará à sua família amanhã. Se falou, é
porque precisava. Porque alguém que ainda está de fora possa ajudá-la quando
estiver dentro.
Ao invés de trazer mais questionamentos, pulo para a esteira, me
sentando ao seu lado e aperto forte sua mão. Seus olhos encontram os meus
quando faço isso e eu entendo que tudo que ela precisa agora é de um pouco de
apoio.
Mesmo assim, não posso deixar de fazer a pergunta mais importante de
todas:
— Você esteve com ele?
Ela não precisa responder.
Dio mio.
— Donatella…
— Apenas prometa que não contará nada a ninguém sobre o que falei
aqui. — Se apressa em dizer, recobrando a consciência. Sua mão tenta escapar
da minha mas eu não deixo. — Esqueça, se puder. Eu nem sei por que falei
sobre…
— Nunca faria qualquer coisa para prejudicá-la — digo de uma vez. —
Me recebeu como uma irmã desde o primeiro segundo. Eu terei dívidas com
você pelo resto da vida, Donatella.
Ela me oferece um sorriso demorado e parece se acalmar. A medalha de
ouro redonda que pesa sobre seu peito reluz sob a luz da lua.
— Mas ainda acho que fugir… — recomeço.
— Não é um plano — Ela me interrompe antes que eu termine. — Na
verdade, não passa de uma ideia. Uma mera possibilidade. Talvez… talvez haja
outra opção. Talvez ninguém nunca queira se casar comigo.
Com um sorriso sofrido, eu tento concordar e ela entende que isso é
impossível.
— Independente disso, estarei aqui para tudo. Conte comigo para o que
precisar.
E isso é uma promessa.
Sem que eu precise anunciá-la como uma, Donatella entende e noto seus
olhos se encherem de lágrimas enquanto balança sua cabeça e assimila tudo que
disse, como se importasse mais do que tudo para ela.
— Será uma honra ter alguém como você como irmã, Rebecca Fioderte.
Ela me abraça antes que suas lágrimas escapem e eu finjo que não vi.

O dia acaba de clarear quando meu quarto é invadido e meu sossego já


instável, termina. As cortinas são puxadas e um perfume é borrifado nas
almofadas, enquanto minha mãe distribui ordens cá e acolá para quem estiver
disposto a segui-las. Mal abri meus olhos e ela me puxa da cama, empurrando os
lençóis e me dando bom dia da maneira mais animada em dezessete anos.
O que significa muito.
O que significa que o dia de hoje realmente não é um pesadelo.
E que isto está realmente acontecendo.
— Que horas são? — Teimo em perguntar, enquanto ela me puxa do
centro do quarto e empurra até o banheiro. A torneira da banheira já está aberta e
uma moça da qual não lembro o nome joga pétalas e outras coisas na água. Ela
sorri para mim, mas não tenho condições de fazer o mesmo.
— Hora de levantar e dar início ao maior dia da sua vida. — E o
eufemismo realmente, não é em vão. É o maior dia da vida de toda mulher, o seu
casamento. Pelo menos de onde eu venho. — Temos tantas coisas para fazer
antes das quatro… Cabelo, maquiagem, massagem, unhas, pés, a limpeza
facial… Você precisa estar impecável essa tarde.
Cometo o erro de me olhar no espelho quando vou escovar os dentes.
Tudo que eu menos pareço agora é impecável e tenho certeza de que minha mãe
tem noção disso. Isso explica o porquê de mandar que a ajudante se apresse com
a água.
Socorro.

Tomo um banho longo e demorado, que acaba deixando meus dedos


murchos. O frio na barriga se torna algo real quando piso fora dele e recebo
calcinha e sutiã, mas nenhuma roupa além do roupão com a palavra NOIVA
escrita nas costas. Verônica deixa claro que é por que irei precisar me depilar
antes do resto dos procedimentos e eu tento muito não pensar na necessidade
disso, mas quem quero enganar?
É o que está na minha cabeça há seis meses, me tomando como uma
praga.
A noite de núpcias.
Luca precisa me fazer dele, para que ninguém nunca mais o faça. Deixar
sua marca em mim, tomar-me como se eu fosse algum pedaço de carne. Preciso
sangrar nos lençóis para que seja válido e meu valor seja provado. Para que ele
tenha certeza de que não foi enganado. Para que reivindique todo seu poder
sobre mim.
A depilação acaba se tornando fácil depois dos pensamentos ansiosos de
como será tomarem minha mente e logo estou na cadeira da esteticista. Ela passa
tantos cremes e faz tantos procedimentos que estou zonza, mas quando o café da
manhã chega, sei que era apenas fome. Por sorte, há pão no café de hoje e eu
posso morder um, passar um pouco de geleia e me sentir humana de novo,
depois de tanto tempo privada de qualquer gota de açúcar.
Meu peso sempre foi um problema que minha mãe gostou de evitar. Sou
mais curvilínea do que minhas irmãs, tenho mais gordura na cintura e sei que ela
detesta como meus peitos ficam grandes quando uso decotes. É vulgar, ela já
disse uma vez. Mas o que posso fazer se é meu corpo? Nascer de novo não é
uma opção. E eu nunca tive coragem de me submeter às cirurgias que a maioria
das meninas em minha idade já fizeram, como lipoescultura, silicone (nem
precisou) ou rinoplastia.
Mas agora, com o casamento, ela viu a oportunidade perfeita de me
colocar na linha e me manteve nessa dieta restrita por longos seis meses para me
tornar o mais magra que já estive em toda minha vida. Hoje, felizmente, parece
ser a despedida dos seus métodos controversos de me dar ordens. Por esse lado,
fico feliz de estar saindo da sua tutela.
Pode ser sufocante crescer com alguém que não aprova quem você é e
sempre busca por chances de mudá-la.
Depois do café, faço minhas unhas. Francesinha, é claro, sem opção de
troca. Estou 70% pronta depois do almoço, que é quando minhas amigas
finalmente aparecem, além das minhas irmãs. O maquiador acaba de chegar e
junto dele, a equipe do cabeleireiro. Todas irão fazer os últimos retoques aqui
comigo e eu recebo um abraço apertado de Luna antes dela ir para sua poltrona.
Rosalind, assim como minha mãe, preferiu se arrumar à parte, o que
deixa o meu quarto mais descontraído. Quando não estamos tentando
impressionar ninguém, somos divertidas a ponto de rir em momentos como este.
Donatella comenta sobre os penteados de suas tias e eu assisto o cabeleireiro
chefe, que é responsável por mim, enrolar meu cabelo em bobs.
Quando a porta é novamente aberta, uma moça está massageando meus
pés, mas sua atenção também é roubada pelo montante de vestidos que chega.
Divididos em várias araras, os trajes estão cobertos por sacos pretos, para
proteção, mas é fácil descobrir qual é o meu. É o maior de todos, que vem numa
arara separada.
Minhas madrinhas e a dama de honra, Bianca, irão vestir todas o mesmo
tom de púrpura, indo de acordo com a paleta de cores da cerimônia e parecem
extasiadas ao receberem seus respectivos vestidos. Rosalind chega pouco depois
dos vestidos, para nos cumprimentar ou talvez apenas ter certeza de que não
fugi. Amanda, sua filha mais nova, vem junto e parece encantada com toda
movimentação.
— Rebecca, como está se sentindo? — pergunta após me cumprimentar
com dois beijinhos. Está elegante em um macacão branco e a pele lisa e perfeita
parece pronta para receber os últimos toques de maquiagem daqui a pouco.
— Ansiosa — E não há mentira nisso.
— Eu mal dormi a noite pensando neste momento.
Sorrio em resposta a isso, sem qualquer noção de como puxar assunto ou
tentar parecer não tão nervosa assim. Rosalind, como alguém que compreende o
que estou passando, apenas se distancia sem tecer mais qualquer comentário e se
aproxima da sobrinha, Angelina.
Deixa Amanda no centro do quarto e Dona logo chama a irmã para perto.
Sentada na poltrona ao meu lado, enquanto fazem suas unhas, ela indica que a
irmã mais nova deve se sentar em sua perna livre. A pedicure não parece gostar
muito, mas Dona não liga.
Se não me engano, ela tem oito anos. Com um cabelo mais escuro que o
dos outros, é a cópia de sua mãe. Não tem os mesmos olhos azuis, nem a pele
extremamente branca dos irmãos, que devem ter herdado do pai. Mas a falta
destes traços só contribui para a beleza menos agressiva da menina.
— Já escolheu a cor que vai pintar suas unhas hoje? É o casamento de
Luca, precisamos estar bonitas.
— Queria laranja, mas a mamãe disse que não combina com meu vestido
— choraminga.
Donatella pensa por apenas um segundo.
— Essa moça irá pintar suas unhas do jeito que quiser. — Indica a que
acaba de passar a última camada de esmalte bege em suas unhas. Ela parece
perplexa pela dispensa. — Depois eu resolvo com a mamãe.
A criança não poderia parecer mais feliz e nem tenta ir contra a ordem da
mais velha. Elas têm o mesmo nariz, o que contribui para que tenham o mesmo
perfil, especialmente de lado.
Quando nota que estou espiando, Donatella pisca para mim e sorri.
— Ao menos a cor do esmalte deveríamos poder escolher.
E eu escondo minha decepção ao pensar que nem mesmo isso escolhi
hoje.

As horas passam voando e quando noto, já são três horas.


O nervosismo está mais gritante agora do que esteve por toda manhã e
apenas uma hora me separa do altar.
Minha mãe grita com Petra, que reclama das costuras do vestido de
madrinha, enquanto Serena e Nina fazem selfies. Luna e Bianca conversam com
Matteo, que chegou há pouco tempo, já vestido em seu terno azul Royal, num
tom escuro o suficiente para se assemelhar ao preto e o cabelo bem cortado. Mas
o hematoma coberto por um pouco de maquiagem no canto da sua boca não
deixou de chamar atenção de todas nós, principalmente da mamãe.
Eu teria ido perguntar se houvesse qualquer chance de escapar do
cronograma louco de arrumação.
Então, quando tudo enfim termina e meu cabelo está perfeito, assim
como a maquiagem e tenho o vestido bem ajustado em meu corpo, que depois da
drenagem, ficou ainda mais desenhado, consigo respirar pela primeira vez. É
neste momento que Matteo me ajuda a subir na plataforma elevada e os
designers do vestido batem palmas ao me ver pronta. Até mesmo minha mãe tem
lágrimas nos olhos, me elogiando.
— Você é a noiva mais linda que já vi em toda minha vida, filha.
Eu respiro fundo e olho para frente.
Parece como o vestido de uma princesa. Eu pareço como uma princesa.
Meu corpo está perfeitamente desenhado e mal respiro pelo corpete, mas brilho
como se tivesse luz própria. Com a maquiagem delicada e os lábios pintados
num rosa fraco, pareço ainda mais irreal. Pareço perfeita, como o resultado de
todo esforço que Verônica e Vittorio colocaram em mim ao longo dos anos,
apenas para que pudéssemos chegar até aqui, onde nenhuma alma viva seja
capaz de encontrar defeitos.
— Sei bellissima, Becky. — Matteo diz, parado ao meu lado, analisando-
me como todos os outros. Eu vejo seu olhar emocionado e sinto lágrimas virem à
tona, mas nem mesmo preciso que minha mãe ordene que as segure. Estico o
braço na direção do meu irmão e ele aperta minha mão, esboçando um sorriso
orgulhoso para mim.
Ainda falta apenas o véu, este que será colocado por último, mas estou
pronta e todos ao meu redor sabem disso, reconhecendo que chegou a hora de
me entregar.
Me entregar para Luca.
Eu já não aguento mais ouvir as vozes de meus irmãos e primos quando
saio do banho, pouco depois das duas da tarde. Eles estão comigo durante o dia
inteiro, como se eu precisasse de supervisão ou companhia e tudo que eu queria
era um pouco de silêncio, mas não consigo nada disso.
Eles discutem a segurança reforçada por causa dos russos — que com
certeza, já deveriam estar na lista de convidados de tão óbvio que fica a
iminência de um ataque —, falam mal do terno apertadinho de Leonardo e
Marcus soa ridículo elogiando mulheres que estão muito acima do seu nível aos
doze anos de idade.
Mais cedo, minha mãe repassou todo o cronograma comigo. Devo descer
meia-hora antes das quatro — o horário escolhido para o início do casamento —
e fazer questão de que todos se sintam bem-recebidos.
O que significa que além desse falatório todo, ainda preciso aguentar
trinta minutos de pessoas me lambendo, sendo o bando de baba-ovos que apenas
o círculo social da Accorsi é capaz de ser, me falando merda sobre um
casamento para o qual eu pouco me importo e que, por mera coincidência,
acontece de ser o meu.
Para mim, é só um grande teatro para entreter um bando de idiotas.
Assinar um papel no cartório seria mais eficiente do que tudo isso.
Pelo menos, estou bonito o suficiente no smoking preto, clássico e bem
ajustado, com a gravata borboleta que meio que me sufoca. E quando chegam no
quarto, já arrumadas, Donatella e Angelina me elogiam.
— Você está lindo, mas me desculpe, primo, Rebecca está num nível
diferente de beleza. — Angel diz, me deixando interessado. Ela se senta na
beirada da minha cama, enquanto Dona se aproxima de Lorenzo e implica com
sua gravata. Ele faz cara feia.
— Ah, é? — indago, tentando soar menos curioso do que realmente
estou.
— Como uma princesa — Dona reforça. — Você vai ter que suar para
merecer aquela lá, irmãozinho.
Estalo minha língua em discordância do que ela diz.
— Já está no papo — falo, fazendo os meninos rirem e as duas reviram
os olhos.
— Aliás, foi você que deixou o irmão dela machucado? — Angelina
indaga, apoiada em meu colchão. O cabelo loiro dela, assim como o de Max,
parece ainda mais iluminado hoje.
— Por que eu teria batido no irmão dela? — retruco, ainda de frente para
o espelho.
— Porque é um crime machucar um rosto daqueles, não sei se você sabe.
E você seria o único idiota de ir contra o filho de Vittorio Fioderte.
Dou de ombros. O olhar de Max pesa sobre mim e eu ignoro a pressão.
Ele ficou ainda menos contente quando eu terminei a festa antes, mas
pelo menos não tive que olhar para a cara do idiota do Matteo por mais tempo.
— Espera aí, Matteo não será tipo seu irmão agora? — Leonardo
questiona, de braços cruzados ao lado de Max. — Brigar com ele é idiotice.
— Eu já tenho irmãos o suficiente, obrigada. — Sou rápido em dizer. —
Saio ganhando uma esposa e nada mais.
— Mas Beca será como nossa irmã? — Marcus indaga, parecendo
decepcionado. Eu atiro uma almofada em sua direção. O pirralho ri ao desviar.
— Para mim, já é como uma. — Dona deixa escapar e movo meus olhos
para cima dela.
— Cuidado, Luca. — Max alerta. — Ou a Dona pode roubar sua esposa
de você.
Donatella é ligeira em socar o ombro do loiro. Ele ri, mas não devolve.
— Cala sua boca, seu idiota!
A risada só aumenta e o silêncio se torna um sonho distante. Estou
borrifando perfume quando batidas suaves na porta indicam visitas e minha mãe
aparece.
Em um vestido bordô, mamãe está linda. Brincos de diamante pendem de
suas orelhas e o cabelo está preso num coque superior. A maquiagem é apenas o
suficiente para acentuar sua beleza natural.
— Os convidados já estão chegando — fala, após passar os olhos como
um raio-x sobre todos nós, apenas para se certificar de que todos estão perfeitos
e não há nada fora do lugar.
Seus olhos pousam sobre mim por fim e ela não se contém em caminhar
até onde estou e ajeitar minha gravata ela mesma, como se eu tivesse feito a
besteira do século.
— Quem mais falta chegar, meu Deus do céu?! Já tem a torcida inteira
do Patriots aqui.
Minha mãe lança um olhar feio o suficiente para que Max saiba que é
hora de calar a boca.
— Isso significa que nós já temos que descer? — Donatella pergunta.
— Imediatamente — responde, fazendo todos os jovens bufarem. —
Sejam simpáticos e sorriam. Dona, veja seus irmãos com a babá. Pietro pode
ficar irritado em eventos como este.
Com um aceno, minha irmã assente e deixa o quarto junto de todos os
outros.
Eu começo a bater meu pé assim que fecham a porta e a impaciência
toma conta de mim. Não gosto da ideia de ficar para trás, como uma atração de
festa. Mas mesmo notando meu humor, mamãe leva seu tempo para endireitar o
que já está direito e parece não ter pressa pela primeira vez no dia.
Quando me encontrou mais cedo, parecia ligada no duzentos e vinte.
Entendo rapidamente que ela só está querendo prolongar o momento e
me acalmo.
— Você está prestes a se casar — lembra, com um sorriso torto entre os
lábios pintados de vermelho. As joias brilham tanto quanto seus olhos.
— Pois é…
— O que significa que já é um homem.
— Há algum tempo, mãe… — Tento não soar irônico. Se pareço ou não,
ela nem nota. Está ocupada demais abotoando um casaco que não precisa ser
abotoado.
Não demora para que eu enxergue seus olhos cheios d’água.
— Mãe, eu não acredito que a senhora está chorando.
— Meu bebê já é um homem crescido — choraminga, não permitindo
que a lágrima escorregue.
— Eu cresci faz tempo, Rosalind.
— Ainda o considerava meu bebê e minha responsabilidade, não importa
a idade que tenha — diz, franzindo o rosto para mim, como se não houvesse
contrariedade a isto. — Mas agora terá uma mulher em sua vida. Uma boa
mulher, que cuidará de você no meu lugar.
Eu apoio as mãos em seus ombros frágeis e sorrio, achando graça da sua
emoção e apego, enquanto alisa as lapelas do smoking.
A puxo para um abraço e ela não demora a se desmanchar em meus
braços.
— Você sempre será minha garota número um, Rosalind Accorsi — falo
e com cuidado, deposito um beijo na sua bochecha. — Agora, pare com essas
lágrimas. Temos quinhentos convidados lá fora esperando por nós. Deixe para
chorar quando for Pietro se casando.
Assentindo, mamãe concorda e então deixamos o quarto juntos.
São três e meia quando meu quarto se transforma no inferno. Todo
mundo decide me visitar ao mesmo tempo e por sorte, minha mãe enxota as
milhares de tias antes que elas decidam me levar elas mesmas ao altar de tão
ansiosas.
Perto da saída, Verônica me ajuda a colocar a cinta-liga e evito as
risadinhas de Serena por conta da tradição. Depois disso, mamãe revisa se uso os
cinco itens restantes.
Um objeto novo: a tiara em meu cabelo, feita de diamantes ovais.
Um objeto velho: os brincos de pérola e diamante de minha bisavó.
Um objeto emprestado: o bracelete de ouro branco que minha mãe
ganhou em seu casamento.
Algo azul: a cinta liga.
O buquê, que segundo os costumes italianos, deve ser escolhido pelo
noivo, é de astromélias roxas e brancas. Elegante, mas simples o suficiente para
ser apenas o adereço que deve ser. Me incomoda a ideia de pensar em Luca
optando por estas flores ao pensar em mim.
O buquê se encaixa perfeitamente em minhas mãos e é uma sensação
esquisita.
— Está quase na hora… Como você está se sentindo? — Bianca, minha
dama de honra, se aproxima, tocando minha cintura. Sua maquiagem é mais
forte que a minha, mas delicada o suficiente para realçar o olhar castanho. Ela
parece mais velha.
— Bem — minto, com um sorriso forçado entre os dentes.
Bianca sorri.
— Você é uma péssima mentirosa, Rebecca Fioderte.
Com uma constatação triste, a respondo:
— É a última vez que me chama assim — murmuro.
Ela entende meu sorriso deprimido como uma deixa para me dar um
abraço. Com alívio, eu aceito.
— Para mim, você sempre será uma Fioderte. Te amo, sorella.
— E eu amo você ainda mais.
Verônica anuncia que está na hora e minha respiração fica menos
espaçada. Tenho certeza de que minha pressão cai, e por pouco não desmaio, por
sorte, ancorada pelo aperto firme de meu irmão. Matteo chega na hora certa para
me proteger — assim como sempre.
Mas ao invés de dizer qualquer coisa, ele me abraça. E forte o suficiente
para me fazer entender os motivos para ser tão temido.
— Eu te amo, Beca. E se algum dia esse otário fizer qualquer coisa a
você, eu serei o primeiro a enfiar uma bala na cabeça dele. Foda-se o que isso
significará. Você é minha irmãzinha e será para sempre. Certo?
Seu sussurro me faz respirar fundo, com choro entalado na garganta. Nos
afastamos e eu vejo que ele exibe a mesma emoção que eu, mas contida, como
nos foi ensinado.
Um homem feito nunca deixa de ser um homem feito.
— Certo.

Minha mãe revisa os últimos detalhes e logo, podemos ir. Verônica abre
as portas e as damas de honra saem em fila. Lá embaixo, os pajens devem estar
esperando.
O barulho dos sapatos de salto de todas nós em sincronia somos o único
som que pode ser ouvido em toda mansão. Mas lá fora, a voz dos convidados se
sobressai na música e posso sentir a energia ansiosa correndo por minhas veias.
Matteo me ajuda a descer as escadas e encontramos nosso pai, que deve me levar
ao altar parado em frente as portas duplas de vidro que nos levarão ao lado de
fora.
Vittorio está com os cabelos penteados para trás e usa um terno cinza.
Me recebe com um par de beijinhos e sorri ao me analisar por completo.
Parece orgulhoso.
— Você está belíssima, minha filha. Como uma obra de arte.
Com um aceno contido, agradeço. Não há nada que eu queira falar para
ele agora. Não há nada que eu queira dizer para ele em um longo tempo, para ser
sincera.
Minha mãe toca minhas costas e avisa que chegou a hora. Segundo ela,
Luca e Rosalind já entraram e eu vejo Antônio Accorsi aparecer para
acompanhá-la. Ele beija minha mão e me elogia com um brilho ansioso nos
olhos azuis.
— Não tropece. — É tudo que Verônica tem a me dizer antes de me dar
as costas e liderar a entrada de braços dados com o pai do noivo. Eu engulo em
seco e tento não parecer magoada.
Quando eles passam pela porta, posso espiar a decoração e um pouco dos
convidados.
São muitos. E todos olham com muita atenção na direção do corredor,
onde um tapete branco se estende.
Depois disso, são os padrinhos e eu sorrio para as meninas, conforme dão
os braços aos amigos e irmãos de Luca.
Matteo e Bianca entram primeiro, seguidos por Donatella e Lorenzo.
Outros pares se misturam, como Max e Luna, Serena e Fred, Nina e Leonardo,
Petra e Marcus. Quando estes últimos deixam a mansão, eu prendo a respiração
e escuto a sinfonia de entrada começar a ser entoada pelos músicos.
É a minha hora.
— Adiante, bambina.
Papai me oferece apoio quando preciso dar o primeiro passo e eu aceito,
principalmente quando nos tornamos visíveis ao olhar de todos. Calmamente,
como ensaiamos, abandonamos a casa e caminhamos sobre o tapete. Meus olhos
estão na frente o tempo todo.
Em Luca e em como ele parece espetacular em seu traje.
Ignoro o resto dos convidados, pois sei que de nada irá me adiantar
encará-los. São muitos e não há espaço em mim para imaginar o que devem estar
pensando. Se criticam meu vestido ou se aprovam. Se acham que estou prestes a
ter um troço ou não.
Foco apenas nele e tento não parecer nervosa ou afetada pela beleza que
ostenta em um smoking preto, com o cabelo loiro aparado e a barba feita. Os
olhos brilham como turmalinas e sua postura é perfeita, encarando-me sem
fugir.
A caminhada demora — pelo menos em meu ver — mas quando me dou
conta, já estou parada à sua frente. O véu encobre um pouco da visão, mas
enxergo perfeitamente quando aperta a mão de meu pai e este se despede de mim
com um abraço ligeiro.
Luca se encarrega de me estender sua mão e eu a aceito, aproveitando
sua ajuda para subir os três degraus que me separam do nível mais alto.
Teatralmente, como o bom encantador de plateias que é, Luca beija as
costas de minha mão antes de abaixá-la. Eu ofereço um olhar demorado a ele,
que não corresponde, e posso escutar os suspiros da plateia.
Ignoram a falsidade de qualquer ato para prender-se à ilusão.
Ridículos. Todos eles.
Reprimo tais pensamentos, pois imagino o quão brava minha mãe ficaria
ao me ver de careta nas fotos. O véu me permite espiar o padre e Luca, que
permanece parado, escutando atentamente o início da cerimônia.
Sinto todos os olhos presos em mim quando ele começa a discursar.
Nervosa, abro e fecho minha mão, sem conseguir controlar os pequenos
espasmos em meu corpo. Posso ver Bianca me cuidando, sendo a primeira da
fila, mas não ligo. O que minha mãe vai fazer? Me repreender em meu próprio
casamento?
Não sou mais problema dela.
— Luca e Rebecca, vocês vieram aqui espontaneamente e sem reservas,
para darem-se um ao outro em casamento?
— Sim. — Luca confirma assim que o padre termina de falar. Depois de
um segundo, eu reafirmo.
— Sim.
A mentira dos juramentos me faz ter vontade de vomitar.
Mentir na frente de Deus é pecado, me lembro, encarando a cruz
posicionada atrás do padre.
Mas dane-se, vamos todos para o inferno de qualquer jeito.
Ele pede para que seguremos nossas mãos e neste momento, todos os
convidados ficam de pé.
Luca é rápido ao agarrar a minha e noto como a sua está quente em
comparação, que se parece como uma pedra de gelo.
Ele então se vira e fica de frente para mim. Imitando, faço o mesmo e
fixo meus olhos em seu rosto. Não há o menor sinal de qualquer emoção ali.
O padre começa de novo.
— Você, Luca, aceita Rebecca, como sua legítima esposa, para tê-la e
mantê-la, e deste dia em diante, prometes tua fidelidade, amá-la e respeitá-la, na
alegria e na tristeza, na saúde e na doença, todos os dias da tua vida, até que a
morte os separe?
Luca não tem incertezas ao responder.
— Eu aceito.
Mas quando é minha hora de responder, pareço estar cheia delas.
— Você, Rebecca, aceita Luca, como seu legítimo esposo, para tê-lo e
mantê-lo, e deste dia em diante, prometes tua fidelidade, amá-lo e respeitá-lo, na
alegria e na tristeza, na saúde e na doença, todos os dias da tua vida, até que a
morte os separe?
Mesmo assim, não falho.
— Aceito.
Quando viramos para o lado, vejo o primeiro sinal de um sorriso na
expressão nebulosa de Luca ao enxergar os irmãos entrando com as alianças.
Amanda e Pietro entram de mãos dadas. O bebê de dois anos parece
saído de um encarte, usando um smoking infantil, com os cabelos loiros
penteados para trás. Posso escutar os suspiros de encanto de todo lado e sorrio,
observando-os trazerem as alianças em uma almofada vermelha que está nas
mãos da mais velha.
Luca pega a minha primeiro e tem as palavras certas na ponta da língua
ao puxar minha mão trêmula para cima e posicioná-la sobre a sua palma.
— Rebecca, toma este anel como sinal do meu amor e fidelidade, em
nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo.
Ele encaixa a aliança de ouro, e parece divertir-se quando me vê fazendo
o mesmo. Pareço ter uma bola de pelos na garganta enquanto faço isso e deslizo
o círculo dourado no dedo do meu agora marido.
— Agora, considero vocês, marido e mulher. — O padre diz abrindo um
sorriso satisfeito entre os lábios — O noivo pode beijar a noiva.
E eu apenas respiro fundo quando um sorriso malicioso surge na boca de
Luca, que se inclina para levantar meu véu. Nem mesmo penso em escapar do
que vem a seguir, tampouco poderia.
Com firmeza, e uma fome explícita, Luca firma sua mão na base da
minha coluna e me puxa sutilmente para a frente. Eu ainda estou tremendo
quando seus lábios deslizam sobre os meus e sua língua invade a minha boca,
preenchendo-me com o seu gosto e acordando o meu corpo aos poucos.
É diferente de como pensei que seria. É… calmo. Delicado, ele não faz
mais do que sente, nem provoca o limite. Apenas... Me conduz, como se
estivesse me ensinando a andar de bicicleta. Como se aproveitasse o gosto da
minha primeira vez e tirasse proveito disso, dessa sensação única de beijar
alguém que foi guardado a vida inteira para você.
Posso escutar os aplausos ao longe, mas não ligo para eles. Aperto as
unhas contra o tecido de seu smoking e tenho meu fôlego roubado pela sua boca
atrevida, entregando-o o que me exige.
É uma cena digna de mais e mais aplausos e quando Luca afasta a boca
da minha, seus olhos brilham como malditos faróis.
E eu sou sua.
Para sempre.
Deixamos a cerimônia sob os aplausos de todos os convidados e eu
amaldiçoo cada um que joga arroz sobre nós dois e acha que é uma boa ideia.
Seguindo o cronograma, receberemos os cumprimentos na tenda da festa,
onde também poderemos jantar. Entre um e outro, devemos tirar fotos e parecer
um casal de revista.
Aproveitando a luz do final do dia, Rene, a fotógrafa, nos coloca em
vários pontos do jardim, enquanto os convidados são guiados para a festa por
outro caminho. Em diversos momentos, preciso ajudar Rebecca com o vestido,
os sapatos e toda baboseira de seu véu.
E ela agradece, como se surpresa por eu impedir que ela caia, como se eu
não tivesse acabado de prometer fazer isso pelo resto de toda minha fodida vida
de merda.
De todas as loucuras que já vivi, essa é certamente a mais insana.
Me casar!
Puta que me pariu…
Depois das malditas fotos, podemos ir para a festa. Olho feio para
qualquer um que tenta se aproximar e ajeitar minha gravata no caminho. Quando
Rebecca tropeça na grama pela quinquagésima vez, embaralhada com o vestido
e os sapatos afundando na terra, agarro sua mão a contragosto e a guio.
— Não precisa me puxar desse jeito — reclama.
É claro que reclama.
— Apenas ande ou chegaremos lá só amanhã — respondo e posso
escutá-la resmungar algo em italiano. Como se eu não entendesse.
Ah, que delícia de vida será essa…

Já são oito da noite quando eu finalmente consigo comer alguma coisa.


Por duas horas, convidados entupiram nossos ouvidos de desejos de felicidade,
fertilidade — tipo, que porra de desejo é essa? — saúde e bonança. E eu já não
aguento nem mesmo olhar na direção de qualquer um deles sem pensar em como
seria cortá-los em pedacinhos.
Minha noiva, ah, não, espere, minha esposa, consegue aparentar um
humor pior do que o meu, visto que ela nem mesmo tenta mais agradar a todos
que atrapalham nossa refeição. Sentada ao meu lado, como será daqui para a
frente em todos os eventos, pelo menos parece feliz enquanto come o carpaccio
que nos foi servido quando sentamos.
Como somos os noivos — dã —, nos sentamos na mesa central,
acompanhados de nossos pais. Pelo excesso de irmãos, eles foram alocados em
mesas anexas e parecem estar se divertindo.
— Você poderia pelo menos fingir que está feliz — sussurro, quando os
pratos principais são levados, já vazios. A prataria é tão fina que chega a dar
coceiras em meus dedos.
Rebecca me encara de soslaio, exibindo um sorriso simpático para algum
parente seu que passa e levanta a taça em nossa saudação. Eu aceno
discretamente.
— Se eu não estivesse usando mais de cinco quilos de roupa, poderia
estar sorrindo mais, querido. — Sua resposta é carregada num deboche que não
é tão novo, mas ainda surpreende. Eu umedeço meus lábios e tomo um gole
d’água enquanto me mantenho controlado o suficiente para não mandar Rebecca
para o inferno assim tão cedo em nosso sagrado matrimônio.
Após a sobremesa, que é um delicioso mousse de limão cheio de
frescuras e mais quinhentos outros tipos de doces, feitos por algum chefe Foda-
Se O Seu Nome, é a hora dos discursos, quando todos têm suas barrigas cheias e
não irão reclamar da demora.
Meu pai é o primeiro, por sermos os anfitriões e como o maldito imbecil
que é, e engana a plateia com um bando de piadas de péssimo gosto que fazem
minha esposa estremecer na cadeira ao meu lado. Vittorio, pelo menos, consegue
estabelecer com palavras bem colocadas, a importância do laço que firmamos na
noite de hoje e nos propõe um brinde. Os homens Cosa Nostra são os primeiros a
levantar as taças, seguidos pelos nossos e o Capo, que mantém os olhos de águia
sobre mim e me incentiva, sem necessitar de palavras (apenas uma sobrancelha
arqueada) a puxar Rebecca para um rápido selinho após o brinde, o que atrai
aplausos exagerados da plateia.
A esse ponto, eles são como malditos voyeurs, apenas esperando que
arranquemos as roupas um do outro e comecemos a foder na sua frente.
Rebecca não se encolhe depois do beijo de merda que a dou em
comparação ao modo como eu realmente gostaria de estar provando dos seus
lábios e sorri para a mãe, que aperta seu braço, como se lhe desejasse força. Me
sinto um porco repulsivo.
Apenas um irmão de cada foi escolhido para falar algumas palavras e
quando Lorenzo se coloca no centro do salão, posso ver minha mãe inchada de
tanto orgulho do seu garoto, que coloca as palavras com perfeição e me arranca
boas risadas. Ele é muito superior ao meu pai e oferece as boas-vindas à
Rebecca, que parece acalentada pela gentileza. Depois dele, a irmã mais velha,
Bianca, se levanta e vai até o mesmo lugar que Enzo.
Ela consegue fazer Rebecca chorar, o que não parece ser muito difícil. E
minha esposa não se envergonha em nada de estar se debulhando em lágrimas na
frente de toda nossa organização.
Eu acho graça.
E estranho.
Não venho de uma realidade onde é normal chorar assim.
E do jeito que a gente gosta, com uma pequena quebra de protocolo, Max
aparece e sussurra algumas palavrinhas no ouvido da organizadora. Ela, como a
maioria, quebra com o charme Accorsi e permite que meu primo se posicione e
fale também.
— Sério, alguém achou que eu ia ficar de fora da situação mais séria da
vida desse moleque? — rindo, aponta para mim. Rebecca me observa quando eu
rio em resposta ao idiota do meu melhor amigo. — Cara… Eles realmente te
pegaram. Mas não se preocupe. Eu sinto que a italianinha vai ser uma ótima
adição à família. E que vai cuidar muito bem de você. E bem, se ela não cuidar,
teremos alguns probleminhas — Rebecca ri, sem parecer nenhum pouco
envergonhada. — Porque esse cara é meu irmão. O que significa que, a partir de
hoje, você também é, mesmo que não queira. E que irei proteger os dois, porque
é o que um Accorsi faz. Protegemos um ao outro e torcemos por nossa família. E
por isso, só posso desejar o melhor a vocês, senhor e senhora Accorsi. Sempre. E
que este seja o início de uma bela história.
Max consegue mais palmas do que todos os outros e é claro, se gaba
disso. Durante sua apresentação, Rebecca solta as primeiras risadas verdadeiras
da noite e eu considero isso um bom sinal.
Quando os discursos terminam com as palavras firmes de Bernardino, a
música começa e somos induzidos a ter a primeira dança.
E considerando o nervosismo de Rebecca quando segura minha mão, é
bem fácil pensar que nunca nem mesmo dividimos o mesmo cômodo. Por
Deus…
Ela vai tremer a noite toda?
Será que ela sabe que…
— Relaxa — sibilo, guiando-a para longe da mesa. Minha mão está
apoiada nas suas costas e ela acena devagar. A iluminação do espaço diminuiu e
há um foco de luz na pista.
— Não quero tropeçar — sussurra, os sons de suas pisadas estalando no
chão liso.
— E quem seria louco de falar alguma coisa caso você tropeçasse?
La Vie en Rose está tocando agora.
— Respire mais devagar — peço, espalmando meus dedos sobre a curva
de sua cintura. — Há algo te preocupando além de me ter como marido?
A música fica mais lenta e ela apoia seu queixo em meu ombro. A ação é
tão íntima para todos, que noto os olhares de espanto.
Ela se entrega fácil demais.
— Nada disso é real, Luca. — O seu sotaque italiano fica carregado e eu
penso que ela faz isso, quando fala a verdade. — Não somos um casal real.
— Então por que todos nos olham dessa forma, como se fôssemos almas
gêmeas? — retruco. Ela sabe que não pode me deixar sem resposta.
— Porque gostam de um teatro... — devolve e eu sorrio perto da pele
quente de seu pescoço. — Mas tudo que fizemos foi consumar um contrato. Não
há amor, tampouco verdade. E nós sabemos disso.
Novamente, rodopio seu corpo. Agora, ainda mais pessoas nos observam.
— Acha que não posso fingir bem o suficiente estar apaixonado por
você?
Rebecca força um pequeno sorriso.
— Acho que você não se daria ao trabalho — responde e posso sentir sua
sinceridade.
A aperto com mais força e menos sutileza. Assustada, ela busca pelo meu
olhar e eu sigo conforme a música acaba e outra começa.
— Quer que eu faça parecer real?
Rebecca não move seus lábios para dizer nada. Ao invés disso, analisa
meu rosto e parece buscar pelo blefe. Oh, que inocente de sua parte.
— Quer que eu a beije aqui agora e te dê todos os sentimentos pelos
quais anseia para tornar isso realidade, Rebecca? — balanço seu corpo junto do
meu e fixo o olhar no seu, sentindo que sua respiração frágil falha. — Ou prefere
deixar que eu te mostre no quarto como posso assumir todo o teatro por você e
fazê-la sentir que te desejo com tanta força quanto qualquer marido deve fazê-
lo? Ou, para ser sincero, qualquer homem...
Rebecca perde todo fôlego e eu sorrio, com o olhar perspicaz de minha
mãe dissecando a mim e minha postura sorridente. Ela conhece o filho que tem e
deve imaginar que tipo de assunto me arranca risadas como esta.
— Apenas diga as palavras, esposa. E eu faço o que você quiser.
Quando paramos no centro da maldita pista, há luz o suficiente sobre nós
dois para iluminar três estádios.
Isso não ajuda na tremedeira de Rebecca.
Então, eu preciso agir, o que me lembra de que agora, há poucos limites e
regras a que preciso me submeter.
E nenhuma delas diz mais nada sobre afundar os dedos em sua cintura,
cobrindo o início da sua bunda. O vestido é volumoso o suficiente para que eu
não sinta nada, mas chama sua atenção e vejo a surpresa no modo como ela me
olha, com os nossos rostos quase grudados.
— Luca…
E outra música começa. Eu aproveito para não a deixar escapar.
Ela não parece se lembrar de estar nervosa enquanto a conduzo. A mão
continua ali e eu mantenho sua postura ereta com a palma espalmada. A outra
está fechada em sua outra mão, que sua, mas não digo nada. Um sorriso no canto
dos lábios é o suficiente para que ela entenda que sei que está nervosa.
Mas eu não poderia estar mais tranquilo e com isso a puxo mais para
frente. O peito gruda no meu e agora sim, gosto da sensação desse teatro todo.
Seus olhos estão praticamente dentro dos meus. E a boca… ah, é uma
bela boca assim tão de perto.
Os convidados se agrupam ao redor da pista para nos observar como
animais e os olhos castanhos de Beca os evitam a todo custo. Por isso, sustento
seu olhar e os ignoro também. Estou evitando que ela tropece e cause qualquer
vergonha a si mesma, apenas pelo modo como se sentiria ao errar na frente de
todos, não por medo do que falariam.
Ela ainda não conseguiu entender como as coisas mudam quando se é
esposa de um homem como eu.
Mas vai entender em breve.
Quando a música acaba, ela parece tão aliviada quão preocupada e pela
ordem da coisa, entrego sua mão para uma dança com seu pai. Pisco quando seu
olhar encontra o meu e confio que é capaz de cuidar de si mesma por alguns
minutos, dedicando-me a dança com a minha mãe.
Mesmo assim, não tiro os olhos da minha nova responsabilidade durante
toda a dança.
A festa já está mais animada — e certamente menos controlada —
quando alguém grita, de algum lugar, sobressaindo-se a música e coloca todos
em alerta, principalmente eu.
— Está na hora de arrancar a liga!
A música para e o subchefe com o qual danço me dispensa sutilmente,
para que eu possa ir para minha próxima função.
Passar vergonha na frente de todo mundo.
Luca, quem eu não vejo há tempo o suficiente para que ele pareça mais
soltinho do que estava no começo, surge do nada e me encontra onde estou. A
gravata do loiro está afrouxada e eu encaro isso com desconfiança o suficiente.
Uma cadeira é puxada de uma das mesas e é colocada no centro. Eu bebi
algumas doses de champanhe, mas Luca certamente está em um nível
completamente diferente de embriaguez e com animação, enquanto italianos e
americanos gritam como se fosse final de Copa do Mundo, se ajoelha à minha
frente e me permite ver o brilho ansioso dos seus olhos, que reflete em seus
movimentos.
Meu vestido é levantado até a altura do joelho e eu cubro meu rosto
quando ele toca minha perna. Todos continuam celebrando e é a situação mais
humilhante de toda a minha vida.
Mas ele parece estar tendo o momento de sua vida.
Ele empurra a saia apenas mais um pouquinho para cima e todos podem
ver minha perna agora, inclusive a cinta-liga delicada que cobre minha coxa.
Luca sorri ao enxergá-la, como se não esperasse menos.
E quando levanta as mãos e as passa para trás do corpo, eu sinto meu
corpo inteiro gelar, conforme ele se inclina para frente e abocanha o pedaço de
tecido, raspando os dentes na minha pele.
Gritos e mais gritos acompanham a cena.
O meu corpo inteiro parece dominado por uma onda de calor assim que a
camada de frio petrificante me abandona e cometo o erro de olhar nos olhos do
maldito, que continua puxando a cinta para baixo como se este fosse seu novo
esporte favorito.
Ou talvez seja apenas para me ver vermelha e corada.
Termina quando o pano cai sobre meus pés e ele a pega com a mão, rindo
em toda sua glória de marido satisfeito.
Com a mesma desinibição, mas um tanto mais contido, puxa a saia do
meu vestido para baixo e só então, gira, convocando todos para perto.
— Ei, seus malditos pervertidos! Aproximem-se!
O seu italiano realmente me surpreende e eu fico parada por um minuto
inteiro encarando o espécime de homem que é meu marido, com o cabelo loiro
bagunçado, a boca vermelha após usá-la e as mãos firmes e calejadas
manuseando um pedaço pequeno de tecido transparente que há minutos, estava
nas minhas coxas.
É uma sensação… diferente.
— No três, eu jogo. Quem pegar, escolhe qualquer mulher aqui hoje para
uma dança. E de preferência, se quiserem continuar respirando, espero que ela
seja solteira!
Risadas de centenas de homens respondem a ele.
E como deveria ser esperado por todos, ele não aguarda chegar ao três e
burla o sistema, jogando-o no número que bem entende. A cinta sobrevoa várias
cabeças até cair nas mãos de um Lorenzo tímido e praticamente esmurrado pela
multidão de bêbados que o cercam, celebrando como se fossem eles a pegar a
cinta-liga.
Eu me envergonho imediatamente ao ver um garoto de dezesseis anos
com a minha roupa íntima.
— Oh, Enzo, que safadinho! — Luca ri junto de todos os outros. —
Escolha alguém, irmão!
Com um olhar demorado sobre os convidados, que parecem prestes a
desmaiar de ansiedade, o menino Accorsi parece tomar sua decisão e abre um
enorme sorriso de satisfação, enquanto cruza a pista e para na frente de uma
moça do outro lado.
— Minha irmã gêmea, Donatella.
Ele é tão vaiado que penso no que sentiria se fosse ele, mas exibindo a
confiança que parece ser de família, ele e Donatella riem, sem se importar,
enquanto ele a conduz para a pista.
— Você é tão idiota, Lorenzo! — Meu marido grita e eu penso que ele é
o mais infantil de todos. Logo, Max aparece e comenta sobre Enzo não ser nada
além de um grande virgem, pouco se importando para minha presença e eu mudo
de ideia.
Estou cercada por idiotas.

Quando o relógio marca meia-noite, meu corpo pode sentir que a festa
está prestes a acabar. Ocupada raspando o meu prato com bolo, longe do olhar da
minha mãe por costume, subo o olhar quando os primeiros murmúrios começam
e tomam conta da tenda, fazendo Luca, que estava numa conversa com os
irmãos, procurar por mim.
— Está na hora de irem para o quarto!
Um verdadeiro coro se forma e eu noto que a pista está praticamente
vazia. Engasgo com um pedaço de bolo e tomo um gole longo d’água. Luna,
sentada na cadeira ao meu lado, me encara com uma expressão penosa que me
causa úlceras. E tudo só piora quando Matteo aparece um segundo antes de
Luca, que vem para me reivindicar.
Como se estivessem numa competição de mijo para ver quem é meu
dono, os dois se encaram e travam uma pequena batalha pelos olhos. Meu irmão
range os dentes e vejo que leva cada fibra em seu corpo para não iniciar uma
briga com Luca, que jamais baixaria a crista ou a cabeça. Ele o encara como se
pudesse enfrentá-lo da maneira que preferir e eu sou obrigada a chamar atenção
antes que os dois briguem.
Matt coloca os olhos sobre mim antes de Luca.
— Irmã…
— Ficarei bem, Matteo. Ele é meu marido agora. — informo, sem olhar
para a expressão convencida de Luca. Tento firmar meu tom de voz e não
transparecer nenhuma emoção além do que é esperado. — Durma bem, irmão. E
não se preocupe com nada.
Luca não precisa de um segundo convite para segurar-me pela mão e me
guiar na direção da saída. Gritos e vivas são entoados e eu ignoro todos os
arrepios que correm pelo meu corpo quando aceno para minhas irmãs. Elas têm
uma expressão ainda pior do que a de Luna.
Como se eu estivesse caminhando para a forca.
Luca marcha à minha frente, me conduzindo pelo caminho sinuoso até a
entrada da mansão. Se não estivéssemos de mãos dadas, duvido que eu não teria
saído correndo assim que escapamos da vista de todos. Mas como ele me
mantém perto, essa não é uma opção.
Nada é uma opção.
Observo suas costas e estudo sua postura conforme caminhamos. Os
ombros são largos o suficiente para abrigar toda sua força e os músculos se
sobressaem debaixo do tecido fino. E há algo especial sobre sua nuca.
Ok, ele é um homem atraente. Nunca neguei isso. Não sou cega, apenas
imatura e inexperiente. E não sei o que metade das sensações que olhar para ele
provocam dentro de mim significam. E nem sei se quero descobrir.
Ele me fará sua essa noite, para que não haja mais dúvidas. Para que
nenhum outro homem jamais possa fazer o mesmo.
Mantenho minha boca selada enquanto ele anda, muito menos
preocupado do que eu pelo silêncio que nos envolve. Os passos são cautelosos e
quando paramos na frente de uma das últimas portas do segundo corredor, ele dá
uma espiada por cima do ombro e confirma que não fugi.
Então empurra a porta e revela uma suíte ainda maior do que a minha, o
que significa que é…
Gigante.
Parece uma suíte de noite de núpcias de hotel. A cama com dossel,
coberta por um lençol branco, está preenchida de pétalas vermelhas e o chão tem
tapetes da mesma cor. As paredes são num tom neutro, que imagino que todos os
cômodos possuam e há uma sacada para o mar, de onde uma brisa fresca entra. E
por sorte, me impede de desmaiar ao enxergar um carrinho de bebidas e dois
roupões atrás, apoiados num cabide.
Eu dou um pulo e escapo do meu transe quando o barulho da tranca me
assusta.
Luca abre um pequeno sorriso ao constatar meu estado de pânico e
desliza a chave para dentro do seu bolso.
— Ok… — suspira, passando os olhos sobre mim por um instante. —
Aceita algo para beber?
— Eu…
— Eu recomendo muito que você aceite — sugere, sustentando meu
olhar por um minuto. Parece se espantar com o que vê por um segundo e
comunica. — Não que eu queira deixar você bêbada, mas será mais tranquilo
com um gole.
Estudo o carrinho de bebidas com atenção antes de responder.
— Um gole de champanhe, então, está ótimo.
Luca assente e atravessa o quarto. Ele puxa o casaco do smoking antes de
chegar até as bebidas e sobe as mangas, claramente confortável consigo mesmo
e a situação.
A única alienígena aqui sou eu.
Quando me entrega uma taça, eu aceito e fujo com o olhar dele. Ele, é
claro, não permite que isso seja uma realidade e puxa meu rosto pelo queixo,
fixando meu olhar no seu. A droga dos seus dedos parece me fazer congelar
ainda mais.
— Isso não vai funcionar assim.
Fraquejo.
— E tem algum jeito para que isso funcione?
— Estou tentando te deixar confortável.
Uma risada folgada me escapa.
— Isso é impossível.
Ele toma um instante em silêncio para provar o uísque que serviu para si
mesmo. Os olhos azuis não saem de cima do meu rosto e eu quero me esconder.
Mas isso não é mais uma opção.
— Não me incomoda que tenha medo de mim, mas me intriga imaginar o
que exatamente você acha que eu irei fazer com você.
Ele arqueia uma sobrancelha e entendo que espera uma resposta de
minha parte. O clima do quarto parece assustadoramente quente e meu vestido
três vezes mais pesado.
— O que um marido deve fazer com a esposa na sua primeira noite
juntos — simplifico, agarrando a taça como se minha vida dependesse dela.
— E o que seria isso, Rebecca?
Umedeço os lábios como forma de postergar a resposta e mantenho a
atenção vidrada em seu rosto ilegível. Luca é mais alto e é preciso olhar para
cima, buscando algum sinal de divertimento em sua expressão. Não há nenhum.
Muito menos preocupação.
Ele está em seu habitat natural. Está no comando. Sabe o que tem de
fazer e como. Eu sou a única vulnerável aqui.
— Você deve… hm, você deve me…
— Foder?
A palavra é como um tapa na cara de todos os bons costumes que aprendi
até hoje. De olhos arregalados, o encaro, aparentando todo o choque que sinto.
— É isso que devemos fazer — explica, num tom de voz calmo. — Não
deveria se assustar com a palavra.
— Nunca a ouvi.
— Nunca?
Balanço a cabeça negativamente e Luca respira devagar, soltando o ar
enquanto deixa seu copo sobre a mesa de centro e se volta para mim.
— Tudo que sei é que é meu dever permitir que faça o que deve fazer —
aproveito seu silêncio para desenvolver o que sei. Ou pelo menos o que espero.
— E que na manhã seguinte, meu sangue estará nos lençóis. Como prova da
minha pureza e de que… O que está fazendo?
Franzo meu cenho ao notar que ele está se afastando. Com um toque
delicado, puxa o casaco do smoking para fora e o coloca sobre o sofá que ocupa
o centro do quarto. Continua me olhando enquanto faz isso, a sobrancelha
arqueada e os dedos concentrados em afastar os botões da camisa social branca,
revelando o início do seu peitoral.
— Ninguém teve a conversa com você?
De repente inquieta, estico minha mão e coloco a taça sobre a mesma
mesinha que ele.
— Que conversa?
Luca ri pelo nariz, e deixa o ar sair.
— Isso é ridículo — comenta e a frustração fica óbvia. — Me oferecem
uma noiva, mas nem mesmo te explicam o que deve acontecer na nossa primeira
noite juntos?
Oh.
— Eu não…
Cravo as unhas na palma das mãos e tento não entregar qualquer sinal do
nervosismo que me toma aos poucos agora. Não sei exatamente o que ele quer
ouvir. Não sei exatamente o que ele esperava. Não sei como posso alcançar suas
expectativas, se nem mesmo sei por onde começar.
Ele vira-se de costas para mim e continua com a camisa. Acompanho o
movimento e o vejo servir mais uísque. Não sei exatamente o que isso ajuda,
mas…
— Você está bravo — declaro o óbvio e ele passeia com o olhar
incrédulo sobre mim. — E eu não sei como consertar isso. Se estou
decepcionando, eu sinto…
— Pare de falar, por favor, Rebecca. — Seu pedido soa como uma ordem
e eu engulo qualquer que fosse as palavras que eu estivesse prestes a despejar
apenas para preencher o silêncio incômodo, quando ele ergue a palma de sua
mão e me encara como se eu fosse uma criança perdida. — Você não está
ajudando em nada. O meu problema é que… Eu esperava algo diferente. Só isso.
— Não o agrado? — A pergunta é dolorosa de se fazer. O olhar dele não
me entrega qualquer resposta, muito menos sua boca. Prefere ocupá-la com um
gole demorado da sua bebida — Ah. Eu sinto muito por isso.
— Você realmente não entende nada sobre homens, certo? — A pergunta
vem acompanhada de uma risada lenta, quase depreciativa.
Eu sacudo meus ombros.
— Os únicos que conheci nunca me olharam como você me olha.
Luca ergue o queixo.
— E como é que eu olho para você, Rebecca?
Ele fala meu nome com graça, com leveza, como se saboreasse o som
dos C’s duplos. Não é nada além de um jogo para ele.
— Eu não sei definir.
— Não sabe? — Ele dá um passo à frente e a bebida gira no copo que
segura. — Ou não quer dizer?
A proximidade é tensa e eu deixo meus ombros caírem de vez. Que se
dane a postura perfeita. Coloco toda minha atenção em tentar não desmanchar de
nervosismo na sua frente quando seus dedos encontram a linha da minha
clavícula e descem na direção da minha mão. O toque é suave, lento e serve para
espalhar um misto de sensações sobre minha pele.
— Eu te olho como alguém que te deseja desde o maldito primeiro
minuto, Rebecca — confessa. — Por que tomar você é a única coisa na qual eu
penso toda vez que te vejo desde o dia em que apareceu na minha frente. De
todas as formas possíveis. Na frente, por trás, por cima, por baixo…
Sua mão escorrega da minha palma para a cintura. Ele ainda segura o
copo, e o olhar é mantido sobre meu rosto. Habilmente, vai para trás do vestido e
chega ao zíper.
— Permita-me — pede, mas não precisava. Acho que nem consigo
respirar assim tão próxima, assim tão livre. Não há ninguém aqui. Ele pode fazer
o que quiser.
Com dois dedos, ele puxa o zíper e sinto uma folga na respiração. Seus
olhos capturam o momento de alívio e ele sorri, encantado.
— Acho que eu e você não começamos com o pé certo essa noite, Beca e
eu peço desculpas por isso, é só que… — Seu sorriso abre e nem mesmo ele
pode conter uma risada fraca e honesta, que quebra a pose de personagem mal ao
qual fui apresentado. — O que eu quero fazer com você não considerou o fato de
que você é… Você.
— O que eu sou?
Minha pergunta sai num sussurro exasperado e eu sinto sua mão na
beirada do espartilho quando o vestido já não o esconde mais na parte de trás.
Ele se dedica a desatar os nós agora, liberando-me da pressão contra minhas
costelas, que me manteve tensa durante o dia inteiro. Respirar sem sentir que
meus órgãos estão sendo esmagados é libertador.
— Inocente demais para um homem como eu — fala e se afasta,
deixando-me com um gosto estranho na boca. Ele gira e vira seu copo, batendo-
o contra a mesa de vez. Parece desistir dele agora, e quando volta para perto de
mim, tem as duas mãos livres.
Isso o ajuda a segurar os dois lados do meu rosto, puxando-me na direção
dos seus lábios, onde sela nosso contato e me faz estremecer por completo com a
sensação da sua língua deslizando para dentro da minha boca. É gostoso, com
um gostinho levemente cítrico, o que me puxa de volta ao mundo onde ele está
apenas me experimentando, definindo o ritmo da dança.
Isso me trava e eu noto Luca diminuir o ritmo. Recolhe sua língua,
diminui o contato e me faz suspirar.
Mas quando uma de suas mãos abandona meu rosto e vai até minha
cintura, encaixando-me contra seu corpo, perco um pouco do raciocínio sobre
isso e permito que ele leve o que quer, descobrindo-me aos poucos no âmbito
privado, onde somos apenas os dois.
Meu corpo gosta disso e quando ele se afasta, com os olhos brilhando
como fogo em brasa, sinto o calor em meu peito reclamar da sua falta, enquanto
respiro ofegante e busco forças para me manter de pé.
— O que isso provocou em você? — pergunta com os olhos entreabertos,
a boca rosada está inchada e a respiração quente bate contra meu rosto. Tão
perto que posso ver claramente o brilho intenso dos olhos e as linhas de antigas
cicatrizes espalhadas na pele clara. É bonito, mesmo com as imperfeições. — Te
fez querer mais?
Penso por apenas um instante, encarando-o através de meus cílios,
submissa ao que meu corpo sente em relação ao seu toque.
— Sim — confesso, num fiapo de voz, sentindo sua mão buscar o decote
do vestido e puxá-lo para baixo. Meu pensamento falha quando isso acontece e
acompanho o que acontece através do seu olhar faminto. Em questão de minutos,
o vestido está no chão, formando um pequeno monte ao redor das minhas pernas
e tudo que me cobre é a lingerie delicada e branca.
Então Luca toma um momento para me observar por completo e conclui
com um assovio baixo no final. O nervosismo me preenche e eu quero me
esconder desesperadamente do seu olhar analítico, mas não posso. Não sei se
existe algum lugar para onde poderia fugir e não ser encontrada por este homem,
especialmente ao ser encarada desta forma.
Eu acho que posso ver o desejo do qual ele falou agora.
— Me beije de novo — peço, ansiosa para que meu corpo não seja mais
o foco de sua atenção.
Luca me encara com um sorriso sustentado no canto dos lábios e é o
suficiente para me ver por completo.
— Como vou fazer isso se tudo que vejo ao olhar para você é uma
garotinha que vai se encolher sob o meu toque?
Eu encho meu peito de ar e sei exatamente o que Luca quer ouvir ao
manter seu olhar contido sobre meu rosto, analisando a vermelhidão das minhas
bochechas e minha postura falha, repleta de inseguranças que ele não gosta de
ver.
Inseguranças que sua esposa não deve ter.
— Me veja como a sua mulher e não vai ter problemas — falo,
entregando o que quero sentir e receber num suspiro ofegante.
Essa parece ser a única permissão que ele precisava desde o início e eu
acompanho quando ele decide, enfim, se livrar da sua camisa. O peito nu fica a
mostra e eu engulo em seco, buscando espaço dentro de mim para conter as
chamas que sobem ou lidar com o calor externo, do ambiente que parece
transformado pela vontade e fome que exalam de ambos nossos corpos, embora
eu não possa me ver no mesmo lugar que o de Luca e o seu desejo quase cego
sobre mim.
Sem camisa, com o cinto da calça frouxo e após chutar os sapatos de bico
fino para longe, Luca senta na beirada da cama que espera por nós dois e dá dois
tapinhas na sua coxa. O olhar diz o suficiente para eu saber que as coisas
mudaram de figura. Se intensificaram.
Se tornaram reais.
— Então venha aqui.
Em passos temerosos e rápidos, para que eu não os sinta até já ter ido, me
aproximo dele e acomodo minha bunda sobre uma de suas pernas. Ele estala a
língua em reprovação ao movimento cauteloso e passa a mão por baixo da outra,
encaixando-me de vez em cima dele, com uma perna de cada lado e o sexo
perigosamente perto do seu.
Sinto algo duro roçar contra o centro das minhas pernas e isso me faz
contraí-las no contato. Luca sorri, e puxa a presilha que mantém meu cabelo no
lugar. Ele cai sobre meus ombros e a sua mão vai até a lingerie, escorregando até
alcançar a minha e colocá-la bem em cima do seu...
— Isso é o meu pau — explica, como se eu fosse totalmente leiga e se
ajeita embaixo de mim. — A parte de mim que mais quer te conhecer.
Com o dedo habilmente sorrateiro, Luca desfaz o fecho do sutiã
reforçado e permite que o tecido se torne inútil. Estou exposta da barriga para
cima, e meus seios chamam sua completa atenção ao perderem a proteção do
tecido. Os mamilos enrijecidos são uma surpresa para mim também e quando
sua mão vai de encontro a um deles, perco o ar por um segundo.
A sensação é nova. Ser vista e tocada é novo.
— Seus peitos são…
Grandes demais? Pesados? Desproporcionais? Ridículos?
— Incríveis.
Oh.
Com a língua, Luca marca o bico de um deles e eu reafirmo minha
posição no seu colo, causando uma fricção que parece lhe agradar. Sua mão viaja
até minha cintura e ele me mantém onde estou, enquanto seu olhar acompanha o
movimento da boca e ele toma para si meu peito inteiro, fazendo parecer fácil,
simples e delicioso.
Suga e lambe e eu sinto calor de verdade quando puxa, brincando com
meu mamilo. Usa a mão que não está ocupada para segurá-lo e quando aperta,
forte o suficiente para me fazer sentir tudo, apoio minha cabeça sobre o ombro,
rendida a carícia.
— Esse é um bom começo — sussurra, os olhos flamejando contra
minha pele, enquanto roça os lábios no vão entre meus seios. Em determinado
momento, bota a língua para fora e sobe até meu pescoço, terminando num beijo
prolongado ali, que me faz perder o resto da compostura. Minhas mãos procuram
apoio e eu deixo escapar um gemido baixo, que ele reconhece e o faz rir. Sua
risada vibra através do meu corpo, mas eu mal tenho tempo para prestar atenção
nela quando Luca toma a decisão de me pegar no colo e girar contra a cama.
Sou colocada sobre ela sem aviso e inspiro fundo ao ter a visão do seu
corpo de baixo. Um elogio pela boa forma fica preso na minha garganta quando
ele se deita sobre mim e alcança minha boca com a sua, capturando meus
sentidos em mais um beijo. Mas esse é diferente de todos os outros.
Luca ondula seu corpo contra o meu e posiciona a mão em minha nuca,
permitindo que a combinação seja confortável e perfeita. Sutilmente, se infiltra
entre minhas coxas e eu permito, recebendo seu peso, seu calor e a pressão que
empurra contra minha cintura.
É um beijo instintivo, que exige, que rouba meu ar e acende um monte de
partes minhas nas quais nunca pensei. Quando ele segura um de meus braços e
passa ao redor de seu pescoço, ganho alguns centímetros e inclino meu corpo,
indo até onde ele pede. Um gemido de satisfação escapa quando ele puxa meu
lábio entre os dentes e eu abro meus olhos para ver sua boca vermelha, cheia e
umedecida pela minha saliva.
— Você está me segurando aqui embaixo — revela como se fosse um
segredo ou apenas uma novidade engraçada e eu expresso preocupação nos
olhos. Isso o faz tomar a decisão de descer a mão direita até o meio das minhas
pernas e me explicar do que se trata. — Aqui, Beca.
Sua mão cobre minha calcinha e eu sinto seu dedo indicador roçar contra
a fenda entre minhas pernas. O movimento é leve, intuitivo e ele não força nada,
apenas descobre o pedaço, que está quente e molhado o suficiente para me
causar estranheza. Com a outra mão, afasta minha coxa e eu suspiro ao sentir
seus dedos escorregarem no interior dela, indo até a beirada da calcinha,
puxando-a de leve. O tecido faz o trabalho por ele e roça contra meu ponto
sensível, fazendo-me morder o lábio, torcendo por alívio.
— Solta a bucetinha pra mim, linda.
O ar some por inteiro e eu deixo de pensar. Luca consegue que eu separe
minhas pernas por vontade própria e com um toque certeiro, pressionando o
ponto mais alto da minha vagina, consegue um gemido prazeroso da minha
parte.
— De novo — peço.
Vejo um sorriso rasgar seus lábios ao meio.
— Para que perder tempo com isso se o que você precisa é maior e está
pronto?
Neste momento, ele fica de pé e abre o zíper da calça. Eu me sento, ainda
entorpecida pelo que acaba de acontecer e assisto meu marido empurrar a calça,
seguida da cueca, para baixo.
Por instinto, eu desvio quando ele fica pelado e ri, levando sua mão até o
membro que está levantado e rígido, praticamente me dando oi. A ponta é rosada
e redonda, e há veias. Tantas veias…
— Não seja tímida — murmura. — Ele está prestes a se tornar o seu
melhor amigo.
Olho direto para o seu rosto quando diz isso e ignoro o que acontece lá
embaixo, enquanto ele se aproxima. Há mais velocidade nisso do que houve em
toda noite. Com agilidade, apoia as mãos do lado do meu corpo e fixa seu olhar
transparente como água no meu.
— Agora, você vai tirar a sua calcinha.
Se é uma ordem ou não, eu não sei. Eu apenas faço o que ele pede.
Chuto a calcinha para longe e ele observa a cena sem fazer nada.
— E vai me deixar provar o que é meu.
Quando tento espiar, ele me segura pelo queixo. O movimento é ligeiro e
sua mão tem meu cheiro. O seu olhar sustenta o meu e me falta fôlego, imersa no
azul que nunca esteve mais claro.
— Eu aliviei as coisas, mas será desconfortável de primeira de qualquer
jeito. Você é… bem...
Ele não termina e eu engasgo com a sensação de seu pênis roçando
contra minhas coxas.
No automático, contraio minhas pernas e Luca ri, apoiando todo seu peso
contra mim. Seu pau aponta nas minhas coxas e eu suspiro ao sentir ele investir
contra elas, tão ansioso que mal pode se conter.
— Vai me fazer pedir que você solte a buceta de novo?
A impaciência assume lugar na postura que antes não exibia nada além
de um prazer apreciativo e eu busco algum controle no que acontece.
Luca para de olhar para mim e se concentra no que precisa ser feito. Eu
tento não olhar para nada além do teto e raspo os dentes uns nos outros quando a
ponta do seu pau investe contra a entrada do meu corpo.
Na minha boceta.
Então, quando ele começa a se afundar dentro de mim, eu sinto se
espalhar por todo o meu corpo, pequenos golpes de uma dor tímida, mas
desconfortável o suficiente para me manter alerta e soltar alguns grunhidos. Ele
solta um gemido baixo e cai contra meu ombro, escondendo o rosto. Contraio
ainda mais minhas pernas e sinto sua boca chupar minha pele, enquanto ele entra
devagar e devagar e devagar…
— Porra, mulher…
Eu tento relaxar mais, mas a cada estocada… ah.
Luca se curva sobre mim e esconde a boca na curva do meu pescoço. Eu
adoro a sensação do seu hálito quente contra minha pele e passo as mãos sobre
seus ombros, puxando-o até que estejamos grudados. Isso sela e elimina todo
espaço que restava entre nós dois e com um gemido alto, próximo de um urro,
ele se enterra dentro de mim e parece ganhar uma força extra.
O que faz minha dor aumentar.
Mas no ponto em que estamos, não parece mais ser a preocupação de
Luca, que está concentrado demais em entrar e sair de mim o mais rápido que
consegue, numa velocidade que faz a cama sacudir e suas bolas baterem contra
minhas coxas. O som ocupa todo o cômodo e eu cerro os dentes, recebendo-o da
forma que parece ser meu dever.
Mas a dor é… nossa, ela é péssima.
E sei que estou sangrando apenas pelo modo duro com que ele faz, com
certeza mais concentrado em si mesmo do que em mim e no que eu
provavelmente deveria estar sentindo.
Tudo que ele fez antes desaparece e eu fecho meus olhos para não
acompanhar o final. O terror de não saber até onde vai me assume e eu olho para
cima, buscando amparo no teto claro.
Mas quando acaba, eu sei que foi e tenho certeza de que ele está
satisfeito pelo gemido que escapa da sua boca. Com a cabeça baixa e suor
deslizando pelo seu rosto, Luca ainda tem a capacidade de depositar um beijo no
vão do meu pescoço antes de se afastar, saindo de dentro de mim.
O golpe final vem quando ele abre a boca depois disso e faz com que eu
me sinta pior do que em qualquer outro momento, arrastando qualquer esperança
disso ter sido apenas um aquecimento para o ralo.
— Isso foi ótimo. Obrigada. Eu estava precisando pra caralho.
Ele acaba de me agradecer por sexo…
Sem dizer mais nada, Luca caminha para longe da cama e eu acompanho
seu movimento descontraído antes dele sumir para dentro do banheiro.
E é isso.
A noite de ontem é como um borrão em minha memória quando acordo.
Tudo parece apenas uma mistura de acontecimentos aos quais não posso
distinguir.
Menos a parte onde Rebecca estava nua.
A imagem da minha esposa nua, sua pele clara marcada pela minha boca
e aquecida pelo seu suor, que a fez reluzir, fraca e sensibilizada pelo meu toque,
gemendo a cada movimento de meus dedos e me permitindo, enfim, senti-la por
inteiro, recebendo-me exatamente da forma como eu torcia para que o fizesse,
vive de graça na minha cabeça e tenho certeza de que não irá sumir tão cedo.
Foi mais do que eu esperava, com certeza. A garota não se conteve e me
dou grande crédito por isso. Saber o que fazer antes de chegar aonde eu mais
queria foi essencial para que ela nem notasse o sangue que escorreu (em pequena
quantidade) por suas pernas, entregando aos tradicionalistas desgraçados o
último marco de sua pureza e de minha virilidade.
Em determinado momento, perdi o pouco que me mantinha na linha e me
afundei do jeito que meu corpo implorava que eu fizesse desde o começo. Talvez
tenha sido demais e talvez doa nela hoje, mas não sou eu que pedirei desculpas
por isso. Ela consentiu tudo. E por Deus, quem entrega uma mulher na mão de
um homem como eu sem nem mesmo prepará-la para o que viria? Se eu fosse
um homem pior, as coisas poderiam ter sido muito ruins.
Eu fui bom para ela. E isso deveria contar em alguma coisa.
De qualquer jeito, não posso dizer que hoje de manhã me sinto
compelido a mimá-la e amaciá-la, já que acabo de notar, após sair do banho, que
o anel em meu dedo não vai sumir tão cedo e que ser seu marido não é apenas
sobre dividir a cama e gozar sem preocupações dentro dela.
Eu também irei vê-la todos os dias.
E se ela estiver com a mesma expressão de merda que está agora, todo
dia, vai ser muito difícil não me atirar direto no rio Hudson no primeiro mês de
casamento.
Coloco a camisa social azul que está sobre a cama quando saio do
banheiro e as calças. Dou um jeito ligeiro na gravata e a vejo sair do closet. Os
lençóis já foram levados, e ela não faz menção alguma a isto, tampouco fala
comigo. Caminhando em um vestido azul-cobalto, o rosto de Rebecca é uma
máscara de mármore e eu acho graça da plenitude que ela tenta demonstrar ao
sentar em frente à penteadeira.
Muito mais teimosa do que o peixe que me foi vendido.
— Bom dia — cumprimento, terminando de apertar a gravata ao redor do
meu pescoço. Seus movimentos são treinados, como uma boneca ou um robô.
— Bom dia — responde, enchendo os pulmões de ar. O cabelo está solto
e imagino que eu tenha deixado marcas das quais ela não quer falar.
Será que fui forte demais?
— Como está se sentindo? — A pergunta soa um pouco desconexa
escapando pela minha boca antes que eu pense no quão ridículo é querer saber
isso. Ainda assim, chamo a atenção de Rebecca, que parece menos engessada ao
me enxergar pelo reflexo no espelho a sua frente.
— Bem. — E fica óbvio que está mentindo.
— Se precisar de remédios para dor, temos…
— Eu estou bem — reforça, mantendo as mãos grudadas na penteadeira.
Segura a escova como uma faca, o que pode soar como um alarme. Decido
recuar nessa e dou as costas para seu pequeno chilique.
Eu tentei ser gentil. Espero que ela se lembre de ter recusado isto quando
chegar a hora de me conhecer de verdade.
Se ela prefere não falar comigo, tudo bem. Não é como se eu esperasse
ter uma amiga.
Apenas um lugar para foder já está de bom tamanho.

Trinta minutos depois, uma empregada avisa que nossa presença está
sendo solicitada no café da manhã. Rebecca dispara na frente, mas não tem fuga
de mim, uma vez que meus passos são firmes o suficiente para alcançá-la antes
que tente qualquer gracinha. Fixo minha mão na base da sua coluna e assumo o
controle sobre o que faz, cessando sua relutância.
Descemos as escadas e cumprimento os homens pelos quais passamos
com acenos. Eles não olham na direção de Rebecca. A sala onde os lençóis estão
sendo exibidos fica na direção contrária da sala de jantar e imagino que já
tenham passado por lá. Como cães, devem farejar meu cheiro em cima dela e o
alerta claro para se manterem distantes.
Rumamos até a ampla sala de jantar onde todos estão reunidos e somos
recebidos com celebrações tímidas. Me irrita ver o brilho nos olhos de meu pai e
ainda mais a expressão de nojo no rosto de Liliana. Ela esteve em cima de mim a
noite toda, insinuando-se, querendo me roubar em meu próprio casamento. Foi
insuportável.
Puxo a cadeira para Rebecca sentar como manda o cavalheirismo, e faço
o mesmo em seguida, acenando para todos os homens na mesa. Minha mãe sorri
para nós dois, sentada ao lado de meu pai.
— Já foi ver o lençol? — Tony pergunta, sem tempo para meias-palavras.
Rebecca, que está aceitando uma xícara de café, estremece.
— Eu os fiz — retruco, encarando meu pai. — Não preciso revê-los.
— Confiante… — Sorri como um tubarão. — Espero que tenha dado
uma boa noite para sua esposa, Luca.
Rebecca parece ainda mais pálida quando ele se dirige a ela.
— Ah, sim, senhor — assentiu, encolhendo conforme o olhar de meu pai
se aprofunda sobre ela. Eu o encaro em alerta de que não deve fazer isto e ele, é
claro, ignora. Só deixa de examiná-la quando bem entende e parece satisfeito
com o que vê.
De fato, a pele dela brilha, mas não é a primeira vez. E o rosto está mais
corado, assim como os lábios mais cheios. Noto um pequeno avermelhado na
ponta e rio sozinho ao me lembrar de como fiz isso.
O café da manhã segue bem e nenhum outro tem coragem de mencionar
qualquer coisa referente à nossa noite de núpcias. Bem, pelo menos não na frente
de minha esposa.
Quando vou a sala de estar anexada ao escritório de meu pai, para
receber cumprimentos e discutir sobre negócios oportunos, todos têm
curiosidades e é necessário muito autocontrole para evitar o instinto de voltar a
afiar minha faca em suas gargantas.
Pelo menos não preciso mais me fingir de bom moço.

São três da tarde quando finalmente começamos a nos preparar para ir


embora. Com a ameaça russa em nossa cidade, uma estadia prolongada seria um
problema.
A mansão parece contaminada pelo cheiro e vozes de todos os
convidados, além de eu já ter extrapolado o limite de simpatia. Os empregados
carregam os carros de carga e eu assisto de longe enquanto Rebecca se despede
da sua família que, finalmente, voltará para casa. Meus olhos estão escondidos
por trás dos óculos escuros e me limito a apertar as mãos e ignorar a existência
de Matteo Fioderte a partir de agora. Ele parece decidido a fazer o mesmo sobre
mim.
Minha Ferrari Spider, uma belezinha que comprei há alguns meses, está
estacionada atrás de nós dois e quando minha esposa coloca os olhos sobre ela,
posso ver o desconforto e o repúdio claro em seus olhos. Girando as chaves entre
os dedos, ignoro e me acomodo no banco de motorista, enquanto os soldados se
acomodam nos carros de apoio. Me lembro agora da necessidade de designar um
guarda-costas fixo para ela.
Rebecca continua parada do lado de fora.
— O que faltou? — pergunto, puxando os óculos para fora.
— Não abrirá a porta para mim?
Ah, merda. Eu esqueci de que me casei com uma dama do século
passado.
Me inclino sobre o banco de carona e puxo a tranca. Rebecca parece
ultrajada e eu apenas empurro a porta.
— Precisa aprender a abrir sua própria porta, esposa.
De má vontade, ela entra no carro e coloca as belas pernas no espaço à
sua frente. Não olha em meu rosto, mas eu noto o desconforto e a raiva que estão
claros em seu olhar quando dou partida no carro e deixo os portões da mansão
para trás. O carro desliza pelas ruas depois disso e a sensação de felicidade me
anima. Estou rindo feito criança quando noto os dedos dela cravados no banco
de couro, apreensiva.
— Não está acostumada a andar em carros como este? — indago, sem
diminuir nem um pouco a velocidade.
Ela demora um pouco para responder, enquanto tenta se acostumar com o
vento empurrando seus cabelos contra o rosto.
— Na verdade, tenho pavor — grita, me fazendo rir. — A velocidade é
tenebrosa!
Ah, que piada cósmica. Minha esposa tem medo de velocidade.
Meu deus, como posso ter me casado com o meu completo oposto? É
castigo?
— Então teremos muitos problemas. Todos meus carros foram feitos para
correr. — Ela grunhe alguma coisa que não escuto. — É melhor se acostumar a
estar no limite, boneca.
Meu coração começa a bater mais devagar conforme o carro vai
perdendo a velocidade quando Luca estaciona na ampla pista de pouso privada,
onde o jatinho da família Accorsi já espera por nós.
Como ele veio rápido o suficiente para fazer todos os outros carros
comerem poeira, os veículos com seguranças só começam a chegar depois de
dez minutos. Eles cercam nosso carro e sem precisar de ordens, começam a
passar as malas para os carregadores.
Luca deixa o carro assim que eles chegam e eu faço o mesmo, sem
cometer o erro de pedir que ele a abra novamente para mim. Não solta nenhuma
piadinha, o que é satisfatório.
Até eu notar que ele só está sendo indiferente.
A manhã foi difícil e eu ainda sinto dores por todo meu corpo. Sua
indiferença não ajuda na sensação que tenho de que fui usada, como uma garota
de programa ou torna meus anseios menores. Talvez ele pense que fez o que
precisava ao perguntar como eu me sentia, mas sei que não foi por preocupação.
Ele não se importa, de fato.
Isso não é real.
Nada disso é real.
E a noite de ontem não foi nada além de uma obrigação conjugal, a única
coisa que Luca ansiava de mim, e que agora, ele já possui.
Limpando os resquícios de sangue clarinho entre minhas coxas, eu chorei
um pouco. E depois vendo as marcas em meu colo, me lembrando do modo
como permiti que ele me tocasse, me lembrei do que ele havia falado sobre
desejo e, sobre a citação de Dante que li durante a adolescência.
Abandone toda a esperança ao entrar.
Fui tola de pensar que algo poderia ser diferente em toda essa situação.
Somos apenas uma imagem da estabilidade que nossos pais precisam passar,
mesmo que ela não exista. E não há nada além do cumprimento de deveres nos
unindo.
Luca espera que eu vá até ele para que possamos caminhar juntos até as
escadas do jato. Na frente, o piloto e a aeromoça aguardam por nós dois. Luca é
o único que aperta suas mãos.
— Senhor Accorsi. — O homem de quepe cumprimenta em sinal de
educação.
— Vini. — Luca responde e apoia a mão sobre minhas costas. — Esta é
Rebecca, minha esposa.
O espanto do piloto não passa despercebido por mim, que sorrio, embora
ele pareça não estar acreditando que sou real. Me pergunto quantas garotas já
transportaram para Luca neste avião em seus bate-e-voltas do prazer.
— É um prazer conhecê-la, senhora Accorsi. Me chamo Vini e esta é
Karen. Cuidaremos de vocês esta tarde.
O cumprimento me pega de surpresa e eu me limito a uma reação
automática. Posso ver o sorrisinho no rosto de Luca diante do meu choque, mas
o ignoro e sigo em frente, subindo as escadas.
Escolho o assento em frente ao lugar no qual Luca deixa seu telefone e
me acomodo enquanto ele passa reto e segue até o banheiro. Karen, a comissária
de bordo, se aproxima e me pergunta se quero beber alguma coisa. Eu a ignoro
por um instante e observo a expressão do meu marido quando volta do banheiro
e me encontra sentada à sua frente.
Com certeza, não esperava que eu ficasse a menos de dois metros de
distância.
— Senhora?
— Não, nada para mim. Obrigada.
— E para você, senhor?
— Uísque. Faça-o duplo ou o mais forte que você puder.
A moça assente e se retira. Luca coloca os olhos sobre mim e eu espero
que vá falar alguma coisa, mas nada sai da sua boca. Logo, ele desiste de
qualquer que fosse seu objetivo e volta para o telefone, me ignorando mais uma
vez.
E eu estranhamente começo a me acostumar com a ideia de que será
sempre assim.

Quando o avião pousa em Honolulu, mal posso acreditar que finalmente


chegamos depois de dez horas de voo. A viagem foi uma das piores que já tive
em toda minha vida e o silêncio inquebrável de meu marido foi um dos motivos
mais fortes disso. Tudo que ele fez foi dormir ou mexer em seu telefone, como
se a resposta de tudo estivesse ali. Ou para ser mais sincera, a resposta para
como não ter de lidar comigo.
E sinceramente, como disse, eu não esperava flores, abraços e chamegos,
mas ele mudou drasticamente em menos de vinte e quatro horas. Tudo que
precisou foi dormir comigo e sua face de verdade se revelou. De fato, conseguiu
o que queria, não é? E o tem garantido. Para que tentar ainda mais?
Antes ainda se dava ao trabalho de me dirigir palavras, sorrisos e
piscadelas, mas agora, é como uma tela em branco. Todos os pingos de tinta que
eu achei que iriam formar algo, se apagaram e Luca não é nada além da carcaça
de um homem que pouco me interessa conhecer ou estar perto.
Vini e Karen se despedem com acenos e desejos de uma boa viagem.
Soldados Accorsi nos acompanham até a saída do aeroporto, empurrando o
carrinho com nossas malas e quando avistamos o veículo blindado, Luca faz
sinal para o motorista. Eu me esforço para cumprimentar o homem e sinto o sol
tocar meu rosto.
Já é manhã.
E eu nunca estive mais cansada.
Tudo que preciso é uma cama, silêncio e doze horas sem me lembrar de
que Luca existe ou de que sou sua esposa.
Oh, que lua de mel dos sonhos…
Mal posso esperar pelos próximos cinquenta anos!

Ficamos na suíte presidencial e ela é gigante. Temos a vista panorâmica


do oceano cristalino e a suíte é como um pequeno apartamento, dividido em
cômodos. O quarto é espaçoso o suficiente para que eu talvez nem note que Luca
está no mesmo espaço que eu, tampouco ele.
Com o hotel sendo quase na beira-mar, a sensação é de uma paz
expansiva, uma vez que piso na sacada. O sol ilumina cada cantinho do resort e
todos parecem aproveitar isso lá embaixo. Enquanto observo minha hospedagem
pela próxima semana, os funcionários do hotel descarregam as malas e Luca
murmura algo em seu telefone. Parece avisar que chegamos em segurança.
Volto para o quarto no mesmo instante em que ele desliga o telefone e
oferece uma gorjeta aos carregadores. É a coisa mais humana que ele faz em
horas, mas eu não dou bola e muito menos fico para parabenizá-lo pelo mínimo.
Sigo na direção do quarto e encontro as pétalas jogadas sobre a cama king size e
cisnes montados usando toalhas brancas. Uma risada baixa escapa enquanto
caminho até o aparador e pego o bilhete ali exposto. É um recado do hotel,
desejando as boas-vindas, endereçado para o senhor e a senhora Accorsi.
Nós dois.
Ao me despedir de meus pais e irmãos, foi como cortar um pequeno
pedaço de mim, mas agora, é como se a dor fosse ainda maior. Nunca havia
pisado em qualquer lugar sem eles e sem a proteção da organização de meu pai.
Não sou mais problema deles, lembro. Agora sou parte da Accorsi e
estou sob as ordens e cuidado de Antônio. E Luca.
E nunca me senti mais vulnerável.
A ausência de meus irmãos e do olhar zeloso de Matteo lateja dentro de
mim como uma dor crescente e é difícil não deixar as lágrimas que estive
segurando desde que nos despedimos, escorregarem pelo meu rosto. Elas caem,
como se lavassem toda maquiagem que cobre as olheiras profundas que ganhei
por noites mal dormidas e nervosismo, pensando neste exato momento.
O momento em que realizo que ganhei um marido, mas perdi minha vida.
Tudo que tenho é um homem que não se importa com nada além dele
mesmo, tem as mãos manchadas de sangue e um temperamento sensível. Um
homem que me usará a bel prazer e quando estiver satisfeito, fará o mesmo que
fez agora.
Irá me dispensar e ignorar.
Rebecca entra para o banho e eu observo enquanto ela decide se deitar,
sem dizer nada. Neste momento, penso se devo avisar a ela de que não pretendo
ficar enclausurado num novo tipo de cabine pelo resto do dia, mas ela já está de
olhos fechados e minha paciência já se esgotou. Saio sem dizer nada.
Depois de dez horas na porra de um avião, tudo que eu menos quero é me
prender a um quarto. Eu quero ver qualquer coisa que não seja a cara de bunda
da minha esposa e acredito que não exista lugar melhor para ver belezas do que
no Havaí.
Portanto, apenas tomo um banho rápido e troco de roupa. Deixo a suíte
depois disso e cumprimento a equipe de segurança destinada a cuidar do nosso
andar. Aqui, são quatro, que revezam com mais alguns que ficam em quartos em
andares inferiores.
— Precisa de escolta, senhor Accorsi? — Roger, o capitão da equipe,
indaga. Daniel, Mathias e Jeremiah, os outros, permanecem atentos, encostados
contra as paredes do corredor.
— Não. Mantenha os olhos em Rebecca.
Sem pestanejar, Roger assente e eu avalio a expressão dos quatro homens
antes de sair. Não minto quando digo não confiar em ninguém, mas preciso
acreditar que meus soldados têm noção do que aconteceria a qualquer um deles
caso saíssem da linha e perturbassem, de qualquer forma, Rebecca. Seria como
ofender a mim. E nenhum homem faria isso sabendo do preço a ser pago.
Pego um dos elevadores no final do corredor e desço até o lobby. Alguns
hóspedes caminham, a maioria são famílias de turistas com camisetas
estampadas e excesso de protetor solar no rosto. Crianças barulhentas me fazem
grunhir conforme caminho, assistindo seus escândalos por causa de sorvete ou
qualquer merda com que crianças normais se preocupem.
Uma vez chorei porque não queria bater no meu amigo da escola que
tinha dito que meu pai não era um bom chefe. Então, meu pai me disse que eu
não tinha amigos e matou o pai dele pelo comentário. O garoto nunca mais falou
comigo.
Me aproximo de uma das recepcionistas e pergunto onde posso conseguir
álcool o suficiente para esquecer que sou casado. Ela ri, entendendo como uma
piada, toda cheia de graça e me indica o bar. Eu o encontro e me acomodo perto
do balcão, onde os bartenders fazem shows para turistas encantados e propensos
a abrir as carteiras. As luzes vermelhas dão um ar de cabaré ao local e todo
couro preto que envolve os estofados é um pouco sádico demais para mim. O
ambiente é majoritariamente ocupado por homens, e eu imagino quantos deles
estão aqui com o mesmo intuito que eu.
Evitar a esposa.
Peço o uísque mais antigo que a atendente tiver e ela me atende com um
sorriso guloso, que há alguns meses, seria praticamente um convite para uma
foda. Eu analiso sua bunda redonda e apertada na calça jeans quando se vira,
mas mantenho os comentários presos em minha garganta, amargando-a com as
doses do uísque que ela me serve. O gosto intenso e envelhecido pesa em minha
língua o suficiente para que o anel de ouro em meu dedo ganhe significado e
chame atenção da moça, que vai atender outro cliente. Este, diferente de mim,
foi esperto o suficiente para tirar o anel antes de entrar.
Esposas. Até agora, não me parecem ser nada além de coleiras. E eu
nunca fui homem de uma mulher só.
Não que eu seja a porra de um Don Juan, conquistando todas as bocetas
que vejo pela frente, mas eu sempre adorei variedade, disponibilidade e
agilidade. As garotas do Madame Martino, com seus diferentes gostos e texturas,
sempre cumpriram a função e me deixaram satisfeito, me ajudando a aliviar toda
tensão que rotineiramente se aloja em meu corpo, tendo de lidar com tudo que
tenho para lidar.
Mas agora, tudo que tenho é Rebecca. Uma mulher que não se preocupa
em olhar para mim com nada além de irritação e que mal sabe qualquer coisa
sobre sexo. Tampouco parece disposta a fazê-lo de novo.
Por Deus, acho que não há uísque o suficiente neste mundo que me faça
esquecer tudo que perdi neste negócio e de como eu, no final, serei o maior
lesado nessa porra toda.
Meus olhos passeiam pelo ambiente à meia-luz e param sobre uma das
poucas mulheres que ocupam o espaço. Ela está sentada numa cabine reservada
e tem os olhos sobre mim. E não desvia quando encontro seu rosto. A sensação
de que ela já estava me olhando há mais tempo do que tenho conhecimento
percorre minha mente e me endireito na banqueta, avaliando seu visual.
Os cabelos pretos e escorridos chegam até a barriga e encobrem um
pouco do rosto magro, pálido e fino. Usa um vestido de mangas longas rendadas,
o que é no mínimo esquisito, considerando as altas temperaturas. Até mesmo eu
uso bermudas e regatas.
Os lábios, que posso ver daqui, estão cobertos por um tom profundo de
vermelho e ela meneia a cabeça na minha direção quando nota que tem minha
atenção. Passo a língua sobre os lábios, apreciando a forma de seu corpo e o
modo como as pernas estão cruzadas debaixo da mesa e penso que não haveria
mal em pagá-la uma bebida, descobrir de onde vem e para onde vai e quem sabe,
mas só quem sabe, vê-la gastar seu batom em torno do meu pau.
Argh.
Isso me custaria muito mais do que estou disposto a pagar. Minha honra
como marido e minha promessa de que, não importa o que aconteça, nunca serei
como meu pai, o homem que mais repudio em toda minha puta vida. E que não
tem nenhum respeito pela mulher que tem em casa.
Eu vi os efeitos disso.
Com um grunhido, me viro para a frente e me livro de qualquer
pensamento inoportuno. A atendente repõe meu copo sem que eu precise pedir e
eu engulo em um gole, apreciando o branco que a ardência da bebida cria em
meus pensamentos.

Opto pela piscina quando o calor se torna um incômodo expressivo


demais para ser ignorado e mergulho nela assim que deixo o bar, sentindo os
raios de sol do pós-meio-dia bronzearem minha pele enquanto o faço.
Quando ressurjo na superfície, há olhos o suficiente sobre mim para ter
certeza de que ofereci um espetáculo a quem quisesse ver. Mulheres
acompanhadas deixam de responder aos maridos para me observar andando na
água e eu rio sozinho, apreciando a sensação de ser eu mesmo.
Embora minha esposa não demonstre qualquer satisfação pela minha
forma física — pelo menos, não com facilidade — eu sei que sou bonito o
suficiente para colocar qualquer uma aqui de joelhos. E certamente, gostaria
muito de fazer isso.
Mas tudo que me resta é um banho gelado na piscina do hotel antes de
voltar para a cela fria que é onde meu pau está colocado.
Estou apoiado na beira da piscina quadrada, absorvendo o sol e
agradecendo ao garçom que acaba de me alcançar um drinque, quando meu
telefone apita. Ele está apoiado na esteira atrás de mim e eu o puxo.
Estive trocando mensagens com Max, que só faz reclamar. Diz que a
cidade é sem graça quando está sozinho, como uma puta carente, e reclama
sobre as garotas do Madame Martino estarem de folga numa segunda. Mas
agora, curiosamente, as mensagens não são sobre nada disso e me chamam
atenção o suficiente para virar-me de costas para a água.
Max: Seu pai convocou uma reunião de urgência agora. Parece que os
russos foram pegos em nossas boates no final de semana.
Luca: Em qual boate?
Max: Não consegui ouvir direito. Ele chamou apenas meu pai.
Luca: Tira a porra do ouvido, então e vai descobrir.
Max me envia um mix de emojis que fariam os olhos de nossas mães
sangrarem e um vai se foder no final para coroar tudo. Estou rindo, e deixo meu
telefone na ponta, pronto para mergulhar de novo para conseguir ignorar tudo
que me espera do lado de fora.
Eu não me surpreendo quando acordo três horas depois, vítima do jetlag
e de certa inquietação, e encontro a suíte vazia. Foi óbvio para mim, desde o
primeiro momento, que ele não faria grandes esforços para ficar no mesmo
cômodo que eu, tampouco, no mesmo quarto. Ou imagine, que absurdo, se
preocupar em me levar para conhecer o hotel?
Mesmo assim, sem surpresa nenhuma, me sinto frustrada por estar
sozinha. Não é confortável conviver com nada além dos meus pensamentos e
dos “e se…” que minha mente começa a infiltrar em minhas ideias. Sou um poço
de inseguranças nos últimos dias e tenho a sensação de que toda vez que lhes
dou atenção, o poço só vai ficando mais e mais fundo, além da salvação.
E não é esse tipo de mulher que eu quero ser.
Por isso, decido eu mesma ir conhecer o hotel. Sozinha. E que se dane
Luca. Visto um uma saída de praia azul e coloco um biquíni branco por baixo.
Os cabelos estão presos em um rabo de cavalo alto e me sinto melhor ao usar
óculos escuros para encobrir as olheiras. Ainda me sinto mais magra do que
deveria, mas estou confortável o suficiente para deixar o quarto.
Mas isso não parece ser o suficiente para os homens que guardam a porta
e parecem entrar em alerta assim que eu saio, encarando-os com certa
desconfiança. Reconheço todos seus rostos da viagem e de outros momentos na
mansão Accorsi.
— A senhora precisa de alguma coisa? — O mais alto pergunta. Ele tem
cabelos claros, levemente acobreados, puxados para o ruivo, como os de minha
amiga Nina. Mas é mais amedrontador e forte do que ela jamais será.
— Hm, não… Onde está o meu marido?
— Saiu para dar uma volta.
— E disse quando voltaria? — Os outros homens não olham em minha
direção e o ruivo à minha frente olha direto em meus olhos, sem nenhuma
espiadinha. Sou intocável para eles, e sabem disso. Isso me torna mais segura
por estar apenas de biquíni em sua frente.
— Não, senhora.
— Ótimo. — Comemoro falsamente. — Qual é mesmo o seu nome?
— Roger, senhora.
— Roger. Ok. Caso meu marido volte enquanto eu não estiver, avise a ele
que eu fui dar uma volta.
Estou prestes a dar um passo, então o soldado pisa em minha frente.
— O senhor Accorsi não disse que a senhora poderia sair.
Eu seguro uma resposta atrevida entredentes. Nunca fui abusada com os
soldados, como muitas meninas que conheço são, mas eles não estão acima de
mim. Estão muito abaixo e sempre precisam estar cientes disto.
Estufando o peito, forço um sorriso para Roger e todos os outros.
— Bene, mas ele disse que eu não podia sair?
O seu silêncio é resposta o suficiente e eu sorrio com a vitória.
Imediatamente, me viro e caminho na direção dos elevadores.
— Iremos escoltá-la, então.
— Todos vocês? — Meu tom é de descrença. — Será chamativo demais.
— Ele ordenou que mantivéssemos os olhos em você, senhora Accorsi.
— Roger não baixa a cabeça e eu respiro fundo. — E é isso que faremos.
E eu não tenho argumentos para contra-atacar.
— Tudo bem. Eu adorarei a companhia, de qualquer jeito.
É muito melhor do que estar sozinha.
Entramos no elevador e eles me rodeiam como uma parede móvel. A
sensação é quase claustrofóbica e embora eu esteja acostumada com segurança
excessiva, ter quatro homens que se parecem com máquinas mortíferas apenas
para mim, ainda soa como um exagero.
Em que momento me tornei tão valiosa?
Descemos no meio do hall e eu gosto de ver movimento. Há todo tipo de
pessoa circulando pelo hotel, das mais variadas etnias e regiões. Reconheço
alguns italianos e os cumprimento em nossa língua. Parecem tão alegres quanto
eu ao encontrarem uma semelhante. Mas diferente de meus conterrâneos, alguns
dos hóspedes se afastam conforme ando e tenho ciência de que é por causa das
quatro muralhas que me circundam de cara fechada, me acompanhando
enquanto atravesso o hall.
Eles não falam nada, mas são intimidantes o suficiente com os cenhos
franzidos e os maxilares tensos.
— Estou com fome. Algum de vocês sabe onde pode haver um
restaurante? — pergunto, subindo os óculos de sol e olhando em volta. Há placas
sinalizando as saídas e bares, mas nada de restaurantes.
Um dos soldados, não Roger, se empertiga ao responder:
— Não, senhora.
Bufo, irritada por não saber aonde ir. Num hotel tão caro, era de se
esperar que tudo fosse óbvio o suficiente para não perturbar os hóspedes.
— E qual o seu nome? — pergunto, sem olhar para o rosto do soldado
que parece ser o mais novo entre os quatro. Ainda assim, é forte o suficiente e
tenho certeza de que tem seus motivos para ser um dos homens escolhidos por
Luca para minha segurança.
— Daniel Jones, senhora.
Os olhos são azuis de um jeito quase obsceno, como duas pedras brutas e
tem o cabelo preto, raspado nas laterais. A postura é de um homem feito, e em
uma camiseta preta, usada para que não chamem mais atenção do que devem,
tem seus atributos visíveis, complementando a beleza fina e clássica.
Daniel.
— Eu posso ir até a recepção, se a senhora quiser — complementa. —
Devem ter dicas de estabelecimentos por lá.
Eu assinto e o homem me dá as costas. Quando Daniel volta, seguimos
suas coordenadas. Elas nos levam até um restaurante de fachada chique em
madeira escura, dentro do próprio hotel. Os soldados continuam sem dizer nada
e parecem paredes. Me pergunto se fizeram um curso junto de meu marido, mas
me contenho.
Se eu não mencionar Luca, é como se ele não existisse.
Eu entro no restaurante e os soldados estabelecem seus lugares fixos na
entrada. Pergunto se gostariam de se juntar a mim e eles, é claro, recusam,
espalhando-se pelos cantos, como sombras.
Ocupo uma mesa oval, bem no centro e aceito a sugestão do chef para o
almoço. A garçonete sorridente me envia pãezinhos e manteiga como aperitivos
e eu posso matar um pouco da fome, além, de, claro, a saudade de carboidratos.
É quase tão gostoso quanto chocolate.
Eu mal posso esperar para comer chocolate.
Estou imersa na delícia que é ser dona do próprio corpo, sem ter de
responder às ordens de ninguém, quando meu olhar se fixa no homem sentado na
mesa à frente da minha. Ele está sozinho, assim como eu, e me espia sem
vergonha alguma. Tem um cabelo preto, penteado para cima. As linhas do rosto
são bem-marcadas e usa uma camisa social preta com os três primeiros botões
abertos. Ele sorri para mim, o que faz com que eu me encolha, tímida demais
para responder a esse tipo de cumprimento.
E casada demais, já anuncia o anel em meu dedo.
Agradeço ao garçom quando me traz meu prato e tento não me sentir
desconfortável com o olhar carregado do homem sobre mim. Ele se endireita em
sua poltrona e pede algo para beber.
Se Luca estivesse aqui, acompanhando-me como um marido deve fazer,
não estaria passando por isso. Ele saberia que tenho compromisso e se manteria
longe.
Mas, de qualquer jeito, não é como se o homem fosse se aproximar. E
caso ele o faça, eu o dispensaria educadamente, como fui ensinada. Ou os
soldados de meu marido o farão por mim.
Me dedico a comer minha deliciosa comida de gosto agridoce e um
delicioso molho e tento não focar nem no homem na outra mesa, nem nos casais
que nos rodeiam. A maioria deles ri, enquanto degusta uma boa taça de vinho e
conversa. Posso chutar que alguns estejam em lua de mel, assim como eu
deveria estar e sinto inveja do modo como olham para seus parceiros.
Desejo a companhia de Luca na mesma medida em que não o faço, mas
pelo menos, se ele estivesse aqui, significaria que estamos tentando. Que não
desistimos antes mesmo de começar e que isto não será apenas uma relação
baseada em aparências. Mas só por ter estas ideias e vontades, me sinto ainda
mais idiota. Ninguém nunca me prometeu um conto de fadas. E eu não deveria
acreditar nem por um segundo que estou destinada a ter um.
Chateada e a ponto de pedir mais um prato de macarrão (pode chorar,
mamãe!), puxo meu telefone e leio as últimas mensagens enviadas por minhas
irmãs em nosso grupo, digitando uma eu mesma.
Rebecca: Socorro, estou sozinha em um restaurante cheio de casais :(
Bianca: E onde está seu marido?
Rebecca: Provavelmente fugindo de mim.
Petra: Ele é idiota o suficiente para fazer isto com menos de setenta e
duas horas de casamento?
Rebecca: Sim.
Petra: Então já podemos dar início ao processo de divórcio?
Solto uma risada com a piada.
Rebecca: É claro. Onde eu assino?
Minhas irmãs mandam mais uma dúzia de besteiras e eu me distraio com
isto. Termino meu almoço com a sensação gostosa de estar satisfeita e ofereço
meu cartão de crédito a garçonete. Em silêncio, espero por cinco segundos até
que ela me ofereça uma expressão penosa que nunca vi antes.
— Desculpe, senhora, mas foi recusado…
— Foi o quê?!
A moça passa os olhinhos curiosos pelo meu visual e para sobre o
diamante gigante em meu dedo. Acho que ele chama sua atenção a ponto de
fazê-la adoçar seu sorriso.
— A senhora tem outra forma de pagamento? Ou podemos enviar a conta
para o seu quarto…
Eu estou puxando a carteira no instante seguinte, pronta para ligar para o
maldito gerente do banco, quando um cartão surge sobre a mesa e surpreende a
nós duas.
— Eu pago para ela. — O sotaque é forte e a voz é grossa a ponto de me
manter concentrada na sua imagem por mais tempo do que deveria. É o homem
que estava na mesa à frente. E que agora está aqui.
— Eu não…
— Faço questão. — Sorri, piscando. Tem um bronzeado que considero
indecente de tão bonito e nossa, ele tem dentes realmente brancos. — Considere
o meu jeito de me aproximar.
Engulo em seco e mexo a mão sobre a mesa, propositalmente. O anel
reluz, mas não chama sua atenção, pois está colocando a senha. A garçonete sorri
com a gorjeta e sai. Eu puxo minha bolsa e fico de pé, pronta para sair, sem saber
muito bem onde enfiar minha cara.
— Esse tipo de coisa nunca aconteceu comigo antes — explico, sem
mentira. — Eu não sei bem o que deve ter acontecido, aliás.
Ainda parado ao meu lado, deslizando a carteira para dentro do bolso, o
homem sorri e balança a cabeça.
— Eu acredito.
Então olho na direção da porta e não sei se posso seguir sem fazer
parecer que estou o dispensando, quando é justamente o que quero fazer. A
presença de Roger seria boa agora. Por que ele não está olhando para mim?
— Posso acompanhá-la até a saída?
— É claro — murmuro, incerta do que estou fazendo. Mas até a saída
tudo dará certo. Contanto que ele se mantenha do seu lado e eu do meu. Não há
por que temer nada, certo? Luca não pode socar todos os homens que se
aproximam. Muito menos um que me salva de uma situação constrangedora
como essa.
— Está aqui de férias? — pergunta, casualmente, escondendo as mãos
nos bolsos da bermuda. Ele é um homem alto, e nossa, é cheiroso. O sotaque se
assemelha muito ao britânico.
— Hm… não. Estou em lua de mel.
Ele sorri, reconhecendo a novidade, mas não recua.
— E posso perguntar onde está seu marido? Eu dificilmente deixaria
minha esposa sozinha num almoço logo após o casamento.
— Encontrarei com ele agora — minto. Não tenho ideia alguma sobre
onde Luca está. E por que ele quer saber tanto? Deus, ele deveria torcer muito
para não o encontrar. Não tão perto assim de mim.
Enfim, chegamos à frente do restaurante e eu enxergo os soldados. Roger
se aproxima com uma pressa notável e todos os outros mantém posição,
apoiando a mão na cintura.
— Senhora, está tudo bem?
Estou prestes a abrir a boca e dizer que sim, quando meu acompanhante
decide esclarecer tudo.
— Agora sim — fala, com um sorriso dividindo os lábios finos. Há algo
obscuro em seu olhar. Algo que brilha ao encarar o soldado atrás de mim e que
faz Roger posicionar a mão na cintura, cobrindo-me com metade do seu corpo.
— Eu a salvei a tempo, não é mesmo, senhora…
Ele dá a deixa e espera que eu complete. Agarrando mais forte a alça da
bolsa, respondo:
— Accorsi.
O sorriso fica ainda maior depois disso.
— Accorsi, certo… é italiano?
— Sim. — Me limito em dizer.
— Felicidades pelo casamento — deseja, curvando os lábios. Fora da luz
ambiente do restaurante, é possível ver algumas falhas no cabelo. Algo curioso,
em um homem tão bonito. — Nos vemos pelo hotel. Se eu der sorte.
— Obrigada mais uma vez — digo, honestamente grata.
— Não há de quê.
Sacudindo os ombros, ele se despede e dá dois passos para trás antes de
se virar e encontrar a pior pessoa que poderia.
Luca.
— Quem é você? — Meu marido é ligeiro em perguntar. Luca é um
centímetro mais baixo, se ligarmos para medidas, mas o dobro mais forte. E
parece bravo, além de levemente bronzeado.
— Hm… Com licença? — Ele tenta passar, mas Luca é rápido ao
impedi-lo de fazer isso.
— Eu perguntei quem é você e o que queria com a minha esposa.
— Paguei o almoço dela — revela, despretensiosamente. Posso ver o
ultraje na expressão enraivecida de Luca e me encolho automaticamente quando
seus olhos deslizam sobre mim, como se procurassem por qualquer sinal. —
Você deve ser o marido, certo?
— Não importa quem eu sou.
— Luca… — chamo, mas é em vão.
— Mantenha-se longe dela. Minha esposa certamente não precisa que
qualquer um pague o seu almoço.
— Recomendaria que estivesse por perto da próxima vez que ela
precisasse, então, senhor Accorsi… Pode ser bom que ela não precise de mais
ninguém mesmo. Um marido tem que cuidar da sua esposa, não é mesmo?
Oh, céus…
Eu não sei muito sobre Luca, mas não é difícil entender quando ele está
bravo. Ele também não faz força nenhuma para esconder isso. E se há algo que
posso confirmar dada minha experiência com homens que tiveram a mesma
criação dele, é de que não há nada no mundo que o impeça de descontar sua
raiva quando esta chega ao ápice e a cega para todo o resto.
É sobre instintos primitivos, no final.
Mas diferente do que eu esperava — vê-lo surrando a expressão metida
do homem à sua frente —, Luca opta ir pelo lado menos agressivo dessa vez e
enfia uma mão no bolso. Não desvia o olhar do desconhecido enquanto pega a
carteira e a abre. Notas verdinhas saltam dali e ele pega uma, duas, três, quatro,
cinco e mais algumas, antes de atirá-las diretamente na cara do pobre homem
que quis ser gentil comigo.
O dinheiro voa e cai aos pés do moço, que nem mesmo se move. Não há
uma fibra nele indicando que irá atacar Luca, mas eu sei que é isso que o outro
quer.
— Certifique-se de pegar tudo. Pode fazer falta.
Eu estou absorta na conversa, totalmente capturada pela cena que Luca
está fazendo na porta do restaurante, quando meu marido dá alguns passos até
onde estou e agarra meu pulso. Eu contenho um grunhido pela dor do puxão e
permito que ele me tire de cena, levando-me para bem longe do rapaz.
Sua respiração é descompassada em todo caminho até o elevador e eu
fico em silêncio. Se pudesse, desaparecia, pois a carranca em seu rosto não traz
nenhum tipo de anúncio bom para o que encontrarei ao chegar naquele quarto.
Deus…
— Luca…
— No quarto. — Sua resposta vem como um rugido, o que serve mais do
que o suficiente para me manter calada até entrarmos no elevador. Ele aperta o
botão dos últimos andares e noto como os soldados não nos acompanham.
— Não precisamos de segurança quando circulamos?
A pergunta o enraivece ainda mais.
— Acha que não sou capaz de protegê-la sozinho?
Balanço minha cabeça, negativamente.
— Nunca falei isso.
— Que bom.
Continuamos em silêncio até o elevador parar, então Luca sai na frente e
eu vou atrás dele. O andar inteiro está em silêncio e eu imagino que diferente de
nós, os outros hóspedes realmente planejem aproveitar o resort cinco estrelas
pelo qual estão pagando.
Ele passa a chave magnética na porta e ela se abre, revelando a mesma
suíte. Eu entro e respiro fundo, absorvendo o perfume que a camareira
provavelmente borrifou enquanto não estávamos. Solto minha bolsa sobre o sofá
e desço dos sapatos de salto com cautela, sentindo que ele me observa a cada
segundo.
— Que porra foi essa?!
E ao me virar de volta para ele, encarando-o, tenho certeza de que não
tirou os olhos de mim em nenhum momento.
— Meu cartão foi recusado. Tudo que aquele homem fez foi pagar a
conta por mim. E só.
— E só?
— Ele surgiu de repente. Eu estava nervosa, sozinha e não soube como
dizer não!
— Deveria ter chamado qualquer um dos quatro guardas do caralho que
estavam lá embaixo para proteger você e não aceitar ajuda de um estranho
qualquer!
— Por que está bravo? Tudo que ele fez foi pagar! Eu não tive culpa! Eu
nunca passei por algo assim!
— Seus cartões foram cancelados — explica, com as mãos na cintura.
Não sei de onde está tirando paciência, mas é bom ver que tem alguma guardada.
— Obviamente, seu pai sabe que sou capaz de pagar pelo que você precisa. E
não um puto qualquer que você encontra num restaurante!
— Ele só quis ser educado! — esbravejo de volta.
— Ele só queria saber se você estava disponível para uma rapidinha na
suíte dele, Rebecca, isso sim. Não se finja de idiota!
Dessa vez, eu fico vermelha de raiva. E muita. Sinto meu rosto inteiro
esquentar e é como se houvesse fogo subindo pelas minhas veias, da pior forma
possível, enquanto Luca continua me encarando e gritando, como se eu não
escutasse ou entendesse nada.
— Bem, então ele não seria o primeiro a me ver apenas como uma
prostituta barata!
Meu grito o faz calar a boca e olhar diretamente para mim. O tremor em
seu olho não me passa despercebido e eu bufo, expulsando todo ar do meu corpo
numa lufada de raiva.
— O que é que você disse?
— Poderia ter me pagado pelo sexo, também, como você deve estar
acostumado a fazer com as garotas que conhece na rua. Foi tudo que ficou
faltando.
— Que porra de comparação é essa?
— Eu não sou um bem ou alguém que você pode tratar como
indispensável, Luca! Muito menos ignorar! Eu sou a droga da sua esposa!
— Isso tudo é pelo quê? Por que não fiz carinho em você depois de
transarmos? Era o que você esperava que eu fizesse? — Ele fala tudo com um
sorriso debochado entre os lábios e termina com uma risada folgada, me tratando
como uma piada.
— Desde ontem você optou por me tratar como uma mera
inconveniência ao invés de me tratar como sua mulher, ou inferno, até mesmo
como a droga de um ser-humano!
Ele permanece em silêncio e coça seu queixo, avaliando meu pequeno
desabafo com indiferença. Eu começo a me encolher, desistindo de resolver
qualquer coisa. Ele não parece se importar com nada do que digo. Que diferença
faz, o modo como me sinto?
— Você não sabe o quão exaustivo é estar ao lado de uma pessoa que
parece uma parede, Luca.
— O que esperava? Que eu ficasse atrás de você, como se sua existência
fosse tudo que me importasse? Eu tenho mais o que fazer, garota.
— Que você pelo menos fingisse, como parecia ser tão bom em fazer
antes!
— Eu não tenho por que mentir que gosto de você, Rebecca. Ou que
estou feliz porque estamos presos nessa porcaria de relacionamento. Muito
menos me prestar a passar tempo com você só porque é tão mimada que nunca
teve ninguém que não fizesse exatamente o que você quer!
Mal posso assimilar suas primeiras palavras antes de lidar com o choque
da acusação.
— O quê? Eu não…
— Sem mentiras, Beca. Não tenho tempo, nem paciência para isso. E
pelo visto, nem você.
— Eu nunca tive que implorar por atenção, Luca! Essa é a diferença
entre a vida que eu tenho agora e a que eu tive um dia. Lá, me tratavam como
uma pessoa sem ser por obrigação!
— Ah, claro, sem nenhuma obrigação… — ri, sem disfarçar que me
julga uma grande piada. — Imagino que eles só não quisessem lidar com os seus
chiliques.
— Você não vai virar isso para cima de mim — devolvo, engolindo a
vontade de chorar que me surge. — Não é minha culpa que optou pela solução
mais fácil. E eu não vou aguentar calada.
Ele ri, parecendo muito além do autocontrole.
— Mas deveria, se tem alguma noção do que é bom para você.
A ameaça fica implícita e eu permaneço em silêncio. Luca estuda minha
posição na sala e eu abraço meu corpo, na tentativa de me esconder dele. Não sei
no que pode estar pensando, nem no modo como pode me fazer pagar por tudo
que acabei de dizer.
— Devo ter medo de você? É isso que quer de mim?
— Deve se comportar — reforça. — Eu tenho promessas maiores do que
você e a sua falta de noção, ou como podemos chamar, seu maldito surto de
hormônios, e nunca irei ameaçá-la com violência, Rebecca, mas também não irei
mais permitir que me desrespeite do jeito que vem fazendo. Isso não é um jogo.
Eu não sou seu irmãozinho bonzinho do cacete. E eu estou pouco me importando
se isso é o teu maldito conto de fadas ou não. O que me importa é que pare de
brincar com a porra da minha paciência e nome, e de ficar dando moral para todo
homem que aparece só querendo ter o que é meu, certo?
Não respondo a isso. Meus olhos praticamente imploram que eu os deixe
liberarem as lágrimas que se acumulam e me sinto tão frágil que é ridículo.
Luca, pelo contrário, nunca pareceu mais decidido e intocável em seu pedestal
de confiança.
— E a partir de agora faremos tudo juntos nesta maldita viagem —
acrescenta, quando o silêncio se torna incômodo. Seus pensamentos estão tão
altos que quase posso escutá-los. — Você vai aonde eu for.
Permaneço encolhida. Para quem não queria que eu sentisse medo e me
encolhesse toda vez que o vejo, Luca está fazendo muito bem o contrário. Nem
percebe que só me afasta.
— E é melhor arrumar essa sua cara, porque se eu tiver que olhar para ela
toda hora, assim como você quer que eu faça, será impossível suportar você!
— Eu não pedi nada! Porque, acredite se quiser, tudo que eu menos quero
agora é ficar perto de você!
— Ah, é? Que pena, então! Parece que você vai ter de se acostumar a não
ter as coisas sendo feitas do seu jeito!
Eu tento evitar, mas não consigo e simplesmente continuo a falar:
— Onde o crápula estava escondido quando éramos apenas noivos? Me
diga, foi difícil demais fingir que você era pelo menos suportável?
Luca caminha tão rápido que eu só tenho noção de que está tão perto
quando está parado à minha frente. Com um grito assustado, dou um passo para
trás, mas é em vão, pois ele me segue e não há fuga rápida o suficiente. Estou
encurralada.
— Repete — pede. Sei diferenciar quando está ordenando. — E
aproveite para me explicar por que está tão incomodada que eu finalmente vá te
dar toda atenção que você deseja, querida. Não é um marido atencioso que você
quer? Um príncipe? O homem dos sonhos que Antônio Accorsi e Vittorio
Fioderte, dois dos mais fodidos mentirosos já conhecidos, prometeram a você
apenas para garantir mais um pouco de poder, sem dar a mínima para a sua
existência do caralho?!
Conforme ele fala, eu vou me encolhendo e recuando. Luca segue cada
mísero movimento e o imita. Chega um momento em que seu peito está tão
grudado no meu que sua respiração repete a minha e não posso escapar da
pressão do seu olhar. Ele também evita que eu faça isso ao segurar meu queixo
entre o indicador e o polegar, imobilizando-me.
— Vamos ter duas opções a partir de hoje, Rebecca — suspira, o azul em
suas íris refletindo toda confiança que há em seu corpo. Eu sou a presa aqui,
enquanto ele assume a posição com a qual está acostumado de maldito caçador.
Luca parece não saber conversar sem estar por cima ou reafirmando seu
controle, poder e influência. Não há distinção entre o homem e o cargo. Ele é o
que é e o que está destinado a ser.
O filho de um monstro.
Um que opera sem escrúpulos ou regras além daquelas delimitadas pelo
juramento, e que pouco se importa com os desejos de mulheres, que, querendo
ou não, sempre estarão abaixo de um homem honrado, curvadas para ele e suas
vontades.
Como malditos fantoches.
Não sei como pude ter sido tola a ponto de esperar coisas diferentes.
— Ou você vai tornar nosso tempo juntos suportável e começar a pensar
antes de falar, permitindo que eu não tenha vontade de bater minha cabeça contra
parede toda vez que você abre a boca ou o que já está ruim, ficará ainda pior,
quando eu ordenar que meus homens a mantenham trancada na porra desse
quarto enquanto eu vou lá fora e vivo a porra da minha vida, sem me preocupar
com a sua existência.
Como se não fosse nada, Luca se inclina mais um pouco e roça os lábios
contra os meus. Não é um movimento leve, tampouco uma carícia. Parece ser
apenas o seu jeito de me marcar ou apenas tentar-me, como se houvesse
qualquer impulso dentro de mim dizendo-me que deveria beijá-lo.
Sua língua passa suavemente sobre a minha boca e eu respiro fundo,
cerrando os dentes, quando ele continua com ela até meu pescoço.
— Eu odeio você.
Rindo, ele se afasta quando eu falo e não aparenta nenhuma frustração na
expressão tranquila. Como se tudo não tivesse passado de uma brincadeira e
nunca tivesse me ameaçado. Ele ajeita meu cabelo e o deixa do jeito que estava
antes, afastando-se educadamente. Meus olhos não podem deixar de notar o
volume entre suas pernas e engulo em seco, desviando rapidamente disso.
Ele fica excitado com desafios? Porque é exatamente o que eu sou em
sua vida a partir de hoje.
— Cuidado, princesa — diz em um sussurro lento, quase doloroso,
enquanto acaricia meus cabelos. A mecha gira entre seus dedos e minha
respiração falha por um instante quando ele me encara diretamente, sem atalhos
ou disfarces. O que vejo ali é cru, como se fosse a sua essência. E há uma
promessa escondida na suavidade das palavras que escapam. — Lembre-se de
que o ódio pode ser um motivador poderoso para coisas perigosas.
E assim que diz, se afasta e me dá as costas. Eu fico em silêncio,
assimilando tudo que acabou de acontecer e trabalho em acalmar tudo que se
revira dentro de mim por causa dele.
Quando deixo a sala, apenas me concentro em ir até o computador e não
esmagar a primeira coisa que eu vejo na minha frente. Posso escutar os sons de
Rebecca caminhando pela suíte e preciso trabalhar muito meu autocontrole para
não ir até onde ela está e mostrar para minha doce esposa a forma mais eficiente
de resolvermos nossas pendências.
Fodendo.
Eu não me importo de ter alguém bravo comigo — que se foda o que
pensam de mim — mas me irrita que ela pense que seja uma opção ficar
trabalhando em seu ódio, como se eu tivesse escolhido viver essa merda
também. Sou tão vítima nessa porra quanto ela, embora esse papel raramente me
sirva bem, e se vou ser obrigado a conviver com Rebecca pelo resto dos meus
dias, e com a raiva que se aloja debaixo do meu peito por ter sido jogado nessa
situação fodida, me incomoda pensar que não vá ser do único jeito que ela
melhor me serve.
Fazendo o que uma esposa deve. Me servindo.
Depois de ter provado, fica difícil não pensar em tudo que ainda há para
viver junto com a maldita. Ganhar uma esposa tem que ter seus prós, de
qualquer jeito. E tenho certeza de que a maioria delas não ousaria desafiar o
marido da forma como a minha esposa se acha no direito de fazer, proclamando
seu ódio e fazendo todo tipo de merda para me irritar.
Aceitar que outro homem pague pelo seu almoço? Tipo, sério? O que
faltou? Deixar que ele enfiasse o pau na sua boceta como troco?
Cara, foda-se… Eu não posso lidar com essa raiva toda e ficar quieto,
muito menos me manter centrado nas planilhas que se acumulam no meu e-mail
há semanas.
Mas é exatamente isso que eu faço, controlando-me como aprendi há
muito tempo. A Accorsi é a minha prioridade e eu não posso permitir que
Rebecca tire minha paciência e me torne um louco do caralho já nas primeiras
horas de casamento.
E se pensarmos bem, o jogo, de certa forma, torna as coisas mais
interessantes. E permite que eu não faça coisas ridículas e muito abaixo de mim
para impedir que minha esposa seja uma megera.
Posso lidar com o que Rebecca deve pensar que é o seu lado ruim, mas
caralho, como eu duvido que ela seja capaz de lidar com um terço do meu.
Por isso, preciso evitar que ele apareça ao seu redor.
Medo não me é útil numa esposa, embora respeito seja essencial. E ainda
é um pouco difícil entender como posso ter um sem ter o outro e portanto,
deslizes podem acontecer. Infelizmente, ninguém me deu um manual de como
ser um bom marido. Talvez não seja algo importante para qualquer outro além da
mulher que leva meu nome.
Antes de deixar o escritório, faço questão de ir até o contato da maldita
gerente do banco e abrir uma conta em nome de Rebecca Accorsi, além de
encomendar um cartão de débito e outro de crédito para minha amada, além da
porra de um talão de cheques infinito que irá garantir que ela tenha tudo que
precisa sem recorrer a estranhos abusados do caralho.
Tomo um banho antes de voltar para a sala de estar da suíte e não me
surpreendo quando noto que Rebecca está escondida no segundo banheiro. Tento
virar a maçaneta, mas ela aprendeu a trancá-la.
Roger bate na porta com o jantar que pedi após sair do banho e eu o
recebo. Peço que um deles me entregue uma de suas armas e consiga outra.
Jeremiah faz isso de bom grado e eu respiro mais aliviado ao sentir a glock preta
entre meus dedos, assegurando-me tudo que preciso, caso um ataque aconteça.
Rebecca nem mesmo sonha o quão segura está e em como não deveria
duvidar o quão capaz sou de estraçalhar qualquer um que ouse se meter comigo
— e principalmente com ela.
Eu cumpro meus juramentos. E ela está mais segura do que nunca, sob os
cuidados de um homem como eu.
Volto para os sofás e enfio um punhado de batatas na boca. Roubo um
pedaço do hambúrguer e olho na direção da porta fechada do banheiro ao escutar
o som do chuveiro.
Que tanto banho essa mulher toma se não fizemos nada?
Se eu tivesse tido a oportunidade de chupar a sua boceta e melar os seus
peitos com o meu gozo, como idealizo desde que a vi sem sutiã, aí sim, ela teria
motivos para precisar de uma boa chuveirada, mas tudo que fizemos foi ter uma
discussão. E com certeza, uma que utilizou até mesmo pouco do nosso potencial
de explosão mútua, já que a esse ponto, não é difícil enxergar que funcionamos
como combustível para os demônios um do outro.
Engraçado como alguém de aparência tão dócil e bem arquitetada de boa
moça seja capaz de puxar tanto meus botões desta forma, a ponto de se
impregnar na minha cabeça e tornar bem difícil me concentrar em qualquer
merda que não o que diabos está fazendo lá dentro.
Aparentemente, nós dois nos enganamos com eficiência durante o
noivado e agora estamos presos a pessoas que não conhecemos. E que bela ideia
de merda essa foi.
Me casei com uma louca e não ganhei nenhum aviso.
Quando meu telefone apita, me curvo para frente para pegá-lo da mesa
de centro e bufo ao ler o nome de Donatella.
Desde que chegamos aqui, ela entope minha caixa de mensagens e me
incomoda querendo saber sobre o bem-estar de Rebecca. E mal completamos um
dia.
É a sua maior protetora, aparentemente.
Donatella: Oi. Por que Beca não está atendendo o telefone?
Donatella: Você fez alguma coisa?
Irritado, mas sem nada melhor para fazer, pego o telefone e digito de
volta.
Luca: Não.
Donatella: Então a faça atender o maldito telefone para eu me certificar
de que você não fez nada!
Ter uma mulher gritando comigo, beleza. Eu passo por cima. Não tenho
um ego tão frágil assim. Mas duas? E no mesmo dia? Parece piada da porra do
universo tentando me sacanear.
Praticamente posso escutar os berros de Donatella, que sempre foi mais
mandona do que sua idade e posição permitem. Juro, é como se um pequeno
sargento vivesse dentro da minha irmã de dezesseis anos, que, se pudesse,
assumiria as rédeas de tudo. A admiro tanto quanto a detesto por ser assim.
É o perfeito contrário de seu irmão gêmeo, Lorenzo, que trabalha com
métodos, calma e lógica. Donatella é como eu: impulsiva, raivosa, emocional. O
que pode ser um problema, considerando que isto é o que esperam de mim, mas
não de uma dama.
Ignoro os gritos via SMS da minha irmã e fico de pé, irritado eu mesmo
com o silêncio de Rebecca. Vai saber que doideira a maluca pode estar fazendo
na porra do banheiro.
Caminho até a porta e bato três vezes, sem conseguir resposta nenhuma.
Isso não contribui para meu humor.
Repito as batidas e ela opta por continuar em silêncio.
— Ah, que gracinha… — suspiro, com a mão coçando contra o metal da
maçaneta. — Você quer que eu derrube essa merda, Rebecca?
E ela deve notar o quão inclinado eu estou a fazer isto, pois desliga o
chuveiro e me responde:
— O que você quer?
— Tem dez minutos para sair da merda desse banheiro e vir jantar
comigo. Ou eu vou entrar e te forçar a vir.
Ela não responde, mas eu sei que escutou e compreende.
— Está avisada.

Exatamente dez minutos depois, Rebecca aponta na sala e eu subo os


olhos do meu prato vazio para ela. Usa uma camisola longa, mas dessa vez, não
há nada para cobrir o busto ou os braços. É a primeira vez que a vejo usando
uma roupa tão delicada desde ontem, em nossa noite de núpcias, e lembranças
pouco amigáveis voltam a minha mente conforme ela se aproxima.
O cabelo castanho está preso no alto de sua cabeça em um coque meio
frouxo e eu paro com o olhar sobre suas bochechas, mantendo-o ali ao notar algo
curioso.
— Você tem sardas.
Rebecca franze o rosto e se aproxima. O cheiro do seu perfume chega
antes dela e eu a observo enquanto senta na ponta do sofá, a dois lugares de
distância de mim.
— Estou sem maquiagem — justifica, como se tivesse lhe culpado por
alguma coisa. — Elas não aparecem com.
— Por que as esconde? — pergunto, genuinamente curioso.
— Não é algo que agrade a maioria das pessoas.
Dou de ombros.
— Não vejo nada de errado nelas — disparo, sem me importar com a
raiva que carrega ou a que eu mesmo trago.
— Isso é você… me elogiando? — pergunta em tom de total descrença.
— De onde veio isso? Estávamos brigando há…
A interrompo antes que continue.
— Vai me dar dor de cabeça se tiver que brigar toda vez que dividirmos o
mesmo cômodo, Rebecca.
Enquanto ela permanece em silêncio, tomo a iniciativa de tirar seu
hambúrguer dos papéis. Sem jeito, o coloco em suas mãos pálidas e observo
enquanto o desembrulha e morde, tornando a cena bem mais satisfatória do que
eu pensei que pudesse ser.
Mal sonha que passei os últimos dez minutos trabalhando minha
paciência e autocontrole, pensando muito em como meu pau se sente
desanimado e sem perspectiva.
Rebecca come em silêncio e eu me esforço para não olhar na sua direção.
Com os ombros e a curva dos seios aparecendo… é difícil. Eu sei o que há por
baixo. Sei o quão lisa e macia é a sua pele. Sei o que posso fazer e como posso
ser ainda melhor. Sinto que não dei nem um terço do que posso na primeira vez
porque estava distante da cena, porque não fui capaz de me conter quando estive
lá. Havia tensão e dor envolvidos e isso nunca é bom.
— Por acaso, envenenou este hambúrguer? — pergunta, quebrando o
silêncio. Como a perfeita dama, limpa os cantos da boca e me encara de lado.
— Por que eu faria isso?
— Nada disso está fazendo sentido, Luca. Não é o que eu esperava
depois de uma briga como a que tivemos…
— Se eu pedi que você tornasse nossa convivência mais fácil, nada mais
justo do que eu tentar fazer o mesmo, Rebecca — lembro. — Dividir uma
refeição sem tentar matarmos um ao outro é o mínimo considerando o que
somos.
— Casados — sussurra, como se fosse um palavrão. — Somos casados.
— Até que meu sangue esteja espalhado pela terra, italiana.
Ela esconde um pequeno sorriso com o hambúrguer. É graciosa fazendo
isso e noto como mal suja os dedos ou a boca.
— Uau… Isso foi dramático.
— É o que dizemos no juramento — menciono casualmente e noto seu
olhar deslizar automaticamente para a tatuagem em meu braço. — Minha
lealdade é seu escudo. Meu corpo é sua arma. Juro minha vida à organização
até que meu sangue esteja espalhado pela terra e eu não seja nada além de
ossos debaixo dela.
A atenção de Rebecca está presa sobre mim e eu me surpreendo quando
há coragem o suficiente em seu corpo para tocar meu braço. Cuidadosa e
sutilmente, ela passa a ponta dos dedos pela tatuagem e a analisa, como se fosse
mais do que aparenta.
— Dói?
Não sei se ela se refere a ser tatuado, ter uma tatuagem ou apenas ser
membro de uma das organizações mais violentas do país. Respiro fundo,
evitando a neblina nos pensamentos e decido responder de maneira geral:
— Já senti dores piores.
Ela para com os olhos sobre meu rosto e mal move os lábios ao dizer:
— Como nas cicatrizes que tem espalhadas pelo corpo?
Paro por um segundo antes de responder a esta.
— Depende a quais delas se refere.
Minha esposa abaixa o hambúrguer e leva seu dedo até meu pescoço.
Mais especificamente, na lateral dele. Há uma linha fina ali, que sei bem onde
ganhei.
— Confronto com facas há uns dois anos. Max provocou alguns idiotas
num bar. E eu tive que impedir que ele morresse.
Seus olhos passeiam e ela para sobre meu ombro. Há uma cicatriz pior
ali.
— Tiro de raspão durante uma perseguição. A polícia não estava
totalmente do nosso lado.
Então ela escorrega até minha mão e para sobre uma que é, curiosamente,
minha favorita.
— Meu pai conseguiu essa para mim — coloco os dedos sobre a linha
fina, que vai do indicador ao pulso. — O fez com uma faca de cozinha quando
eu menti sobre algo que Lorenzo fez. Já estava acostumado a levar algumas
surras naquele ponto e achei melhor que eu apanhasse ao invés do meu irmão
por qualquer que fosse a besteira… Mas é óbvio que ele sacou que eu estava
mentindo.
— Seu pai batia em você?
Seguro uma risada quando me viro para olhar para seu rosto e não sei por
qual motivo específico é isso.
— Onde você acha que aprendi a não me render por nada, a não ser a
morte, Beca?
Seu silêncio é misterioso. Não sei se está chocada, perplexa ou apenas
conformada. Ainda me lembro de ver seu pai sobre ela com a cinta, então sei que
ela entende o que isso significa. Mas não imagina o quão pior é ser um homem
que precisa aprender a lidar com a dor, sem aceitá-la, tampouco permitir que ela
a domine.
Aprendemos a lutar, lutando. Aprendemos a torturar, torturando. E
aprendemos a suportar a dor, sentindo.
É fácil, simples e sem conflitos. Todo homem passa por isso. A única
diferença na intensidade com que Antônio me treinou é a posição que ocupo.
Futuro Capo.
Um dia, não poderei permitir que ninguém esteja acima de mim. Nem
qualquer outra motivação se não proteger a famiglia. E não pode haver falhas ou
brechas.
— Como você… — Ela toma uma pequena pausa, sem parecer saber
exatamente como colocar as palavras em uma frase que faça sentido. Noto seu
olhar vagando e finalizo meu hambúrguer com uma mordida. Estou tomando
refrigerante quando ela consegue organizar seus pensamentos. — Como você
consegue falar sobre isso assim? Não imagino alguém como você apanhando…
— Violência não é tabu para mim — dou de ombros. — Ela acontece. É
o que mantém as coisas acontecendo e a nós no poder. Nossa capacidade de
fazer os outros sofrerem.
Noto o modo como ela se endireita ao ouvir minhas palavras, como se eu
tivesse a cutucado.
— Uma surra do meu pai é o melhor que eu posso conseguir fazendo o
que eu faço, Rebecca — concluo, sem sorrisos. O seu olhar está fixado no meu
rosto e eu tenho certo receio do que ela esteja buscando. Em determinado
momento, parece quase penosa, o que é horrível.
Por que ela teria pena de mim?
— Por que parece para mim que você está com vontade de chorar,
italiana?
Isso a tira do lugar onde havia se enfiado, me encarando como seu
pequeno caso de caridade a ser ajudado. A sensação é de que posso respirar de
novo quando ela tira os olhos de mim.
— Homens como nossos pais… — Ela começa, deixando a comida de
lado, como se eu tivesse lhe dado náuseas. — Eles são complicados.
— Não, querida — sorrio, atraindo sua atenção novamente. — Eles
apenas acham que estão acima de Deus e todos os outros. Isso os faz achar que
estão acima de qualquer limite também. E faz com que paguemos por isto. Não
há nada de complicado nisso.
Nesse momento, ela nota que ainda segura minha mão e se afasta, sem
esboçar qualquer reação de espanto.
Volta a comer seu lanche com mais entusiasmo agora, como se apenas
quisesse um motivo para não precisar falar comigo e eu me dou ao trabalho de
abrir uma lata de refrigerante para ela.
Viro na taça e noto o jeito curioso como ela encara.
— Eu não posso comer tanta besteira assim — suspira, torcendo o nariz
para o refrigerante. — Ou vou engordar tudo que perdi.
Com um olhar rápido sobre ela, não entendo o motivo da preocupação.
— E?
Ela deixa os ombros caírem, como se desistisse de se proteger.
— Não é minha intenção me tornar indesejável apenas para provocar sua
ira, Luca.
Eu quase reviro meus olhos.
— Cristo… Quem disse que se tornará feia se ganhar qualquer peso?
Rebecca pisca várias vezes.
— Estive em uma dieta por vários motivos.
Eu dou de ombros.
— Nenhum deles envolvendo a mim. Te acho bonita desde que nos
conhecemos.
Agora ela me encara com mais interesse, querendo me pegar no flagra.
— Não precisa mentir para me agradar. Ou fingir gentileza para que eu
não saia do controle novamente. Entendi o recado. Irei respeitá-lo e me adequar
ao meu lugar. Eu só precisava de um minuto para me acostumar a minha nova
posição.
— Tudo isso porque falei que você pode comer o que quiser? — rio sem
entender de onde vem todo discurso. Ela parece bem perdida e eu desisto de
manter meu papel de bom moço. — Não queria soar indelicado, mas quero falar
de um jeito que você entenda…
Ela me encara como se eu fosse revelar algum segredo imundo. E de
fato, meio que vou.
— Eu te comeria até do avesso.
Rebecca engasga sem nada na boca e eu permaneço em silêncio enquanto
ela se recompõe, finalmente aceitando o refrigerante que servi.
As suas bochechas parecem prestes a explodir e eu gosto da sensação de
que ela ainda é a mesma menina despreparada.
Isso me mantém por cima.
— O que significa que você pode se alimentar como quiser — resmungo,
me encostando contra o sofá. Apoio as mãos nas pernas e mantenho o olhar nela
por mais tempo do que deveria. — Há coisas mais importantes a se preocupar.
Fugindo com o olhar de mim, coloca o copo sobre a mesa de centro e
limpa os cantos da boca novamente.
— Como o quê?
Sorrio.
— Quer mesmo que eu te diga?
Ela engole em seco o seu nervosismo e assisto sua expressão se
transformar enquanto tenta fugir de mim. O que abre um leque de opções as
quais posso seguir. Decido ir com calma.
— Ainda está sentindo dores?
Ela parece perdida e arqueia uma de suas sobrancelhas.
— Que tipo de dores?
— De nosso casamento, Rebecca — digo num tom de menos paciência.
Às vezes não sei se ela não sabe mesmo ou apenas se faz de boba. — Sei que
após a primeira vez, mulheres podem sentir algumas. Especialmente se foi mais
intenso do que deveria.
Ela estremece ao me escutar falando e não levo isso como um sinal de
qualquer avanço.
— Mas, bem, se ainda as sente, imagino que isso a preocupa… seria
interessante, então, avisá-la de que não doerá todas as vezes.
— A dor já está melhor. Obrigada. — fala apressadamente, como se para
me silenciar.
— Então por que foge de mim?
Ela me estranha.
— Você não tentou mais nada depois daquilo.
Eu sorrio.
— Não deveria ter dúvidas de que eu já teria feito muito mais vezes se
dependesse apenas de mim.
Ela estremece de novo.
— Mas não depende, não é?
— Ainda não — sussurra. — Eu, hm, ainda não gostaria de fazer de
novo.
— Lembra o que eu falei sobre o ódio? Você pode senti-lo, mas não
precisa permitir que ele te consuma. E te impeça de sentir tudo que sentiu
daquela vez, de novo.
Beca pensa durante um minuto inteiro, até que não consiga mais se
impedir de perguntar o que deseja.
— Por que se preocupa em me convencer de alguma coisa? Sou a sua
esposa, então irei fazer o que precisa. Sei dos meus deveres. Assim como sei
muito bem que pode ter a mulher que for.
Um impulso rápido de rir me ocorre, mas eu seguro e ajeito minha
postura, sob o olhar atento de Rebecca.
— Você é a minha esposa, querendo ou não — engrosso o tom de voz,
rebatendo qualquer sugestão escondida em sua voz. — E será a única mulher que
terei. Mas nunca a força.
Rebecca engole em seco e não tem resposta para isso. O clima da sala
mudou consideravelmente e nossas respirações parecem mais quentes e pesadas.
A minha, principalmente, enquanto desço os olhos pelo seu corpo e me pergunto
o quão delicioso seria sentir sua bunda roçando contra minhas pernas, abrigando
meu pau, me fazendo gemer e gozar.
Seria o ouro.
Mas ela não está pronta e nem demonstra interesse, e fica de pé antes que
eu possa dizer qualquer outra coisa, deixando o hambúrguer sobre a mesa.
Eu umedeço meus lábios mais do que secos e endireito a calça, tentando
dar mais espaço para meu pau. Não sou discreto ao fazer isso e noto seu olhar
demorado antes de fugir.
Sei que é do seu interesse descobrir mais, então por que foge? Que
caralho…
Eu devo ter machucado.
Porra, Luca, animal burro. Agora você que lide com suas bolas pesadas,
imbecil.
— Boa noite, Luca.
— Boa noite, Rebecca.
Volto para o banheiro depois dessa.

Duas manhãs depois da nossa chegada, eu acordo junto ao sol e não


demoro para pular da cama. Estou mais agitado do que de costume e ter Rebecca
dormindo do meu lado pouco me ajuda a me acalmar.
Sinto mais falta do que gostaria da adrenalina.
Já são mais de duas semanas sem nenhuma ação ou missão. Tenho
saudade da sensação vitoriosa de explodir a cara de alguém e ter nada além de
sangue manchando minha pele. Pequenas coisas com as quais aprendi a lidar —
e aprendi a gostar — durante minha vida. A arte da violência é muito mais do
que fazer sofrer. É sobre se impor, sobre se colocar no topo.
Você só é respeitado pelos seus inimigos quando é temido e não há
escapatória disso.
O sangue que derramamos lembra quem somos e o que somos capazes de
fazer para assegurar que nossa famiglia e nossos negócios estarão a salvo.
Me lembro, com gosto, da última pessoa que matei. Tracy, ou melhor
dizendo, Inessa. Nada além de uma dedo-duro, provavelmente uma puta
dispensável do cardápio de Romeu. Alguém que concordou em contar coisas por
dinheiro, mas que perdeu a vida justamente por isto. Não há honra nenhuma em
se prestar a isto e de pouco vale qualquer esforço.
Dedos-duros não são pessoas em que qualquer um possa confiar e após
terem cumprido seu papel, são dispensáveis.
Imerso em meus pensamentos, demoro quinze minutos para ficar pronto.
Uma corrida parece ser o que preciso, afinal, não tenho sexo ou missões para
gastar toda energia que venho acumulando nestes últimos dias.
Resumidamente: estou no inferno.
Antes de deixar o quarto, passo os olhos sobre Rebecca e seu sono
imperturbado. Dorme serenamente, enrolada no lençol e de costas para o lado da
cama que eu ocupava antes. Nos últimos dois dias, passamos cada maldito
minuto juntos, indo a piscina na maior parte do tempo. Parece ser o lugar que
mais se assemelha a uma zona neutra entre nós dois, e eu ganho um pouco de
afago no meu ego afugentando qualquer um que olha na direção dela. Roubar
beijos seus se tornou mais fácil na primeira vez em que fiz isso. E não é algo
com o qual ela se importe, felizmente.
E não é o que serve para me satisfazer, óbvio.
Rebecca nem mesmo se move na cama, como se tivesse coordenado que
seu cérebro respeitasse os limites invisíveis que delimitou no espaço que deve
ocupar sem encostar em mim. O sono está tão bom que não me preocupo em
avisá-la da corrida. Muito menos convidá-la.
Deixo Roger, Mathias e Jeremiah na guarda do quarto. Daniel vem
comigo como reforço e por ser o mais rápido. Não pretendo pegar leve essa
manhã porque meus soldados têm mais carne do que agilidade.
Começamos num ritmo calmo até meu corpo sentir vontade de
acompanhar minha energia. Daniel vem atrás, o suor já escorrendo de suas
têmporas. Ele é uma boa companhia, porque não se esforça para ficar para trás e
me deixar na frente por não querer me irritar. Ele só faz o seu melhor.
Fazemos a trilha que dá a volta no hotel e aumento a velocidade,
começando a sentir meu coração bater nos ouvidos. Minha pulsação aumenta e
gosto da energia que corre conforme corremos. Não chega nem perto de ser
como estar numa perseguição ou dirigindo meu carro favorito, mas é algo bom o
suficiente para ajudar que meus pensamentos fiquem menos embaralhados e
fixados.
Nem Rebecca, nem os russos passam na minha mente e quando paramos
para tomar água, sorrio pela atenção concentrada das garotas que atravessam
para a piscina.
Daniel está esgotado e se apoia nos joelhos, sem dar a mínima para as
moças. Isso me intriga a ponto de perguntar:
— Tem compromisso em casa?
É como se ele não me escutasse de primeira ou nem mesmo desconfiasse
que poderia estar me dirigindo a ele.
Grande valor dá a si mesmo.
— O que disse, senhor?
— A maioria dos soldados pediriam dispensa para correr atrás de um
desses rabos de saia dando sopa — comento, pensando no quanto eu gostaria de
estar vivendo a liberdade da escolha. — Mas você não parece dar a mínima,
Jones.
— Estou aqui a trabalho — responde, sem deixar de demonstrar respeito.
— Tenho o suficiente disso em meu tempo livre.
— É comprometido?
— Sim, senhor.
— Hm — digo, curioso de repente. Às vezes é fácil esquecer que
soldados têm vida pessoal. Parecem mais robôs para mim do que gente a essa
altura.
Damos mais duas voltas e ele quase pede socorro. Se arrasta atrás de
mim enquanto caminhamos até o elevador e eu sinto meus músculos queimarem.
É delicioso.
Mas a sensação boa da endorfina some quando coloco meus olhos sobre
a mesma moça de dois dias atrás, sentada no lobby do hotel. E ela tem os olhos
sobre mim novamente.
Não considero nada de diferente encontrá-la pelo hotel que
aparentemente dividimos, mas a minha atenção é redobrada quando, ao seu lado,
na poltrona laranja, se senta um rosto que me é conhecido.
O homem que pagou o almoço para Beca.
Isso me incomoda mais do que provavelmente deveria e eu impeço que
Daniel entre no elevador com a mão sobre seu peito. Ele me encara com atenção
e segue meu olhar na direção do centro.
— Algo de errado, senhor?
— Ainda não — sussurro, e noto o modo como ela evita me olhar agora
que o homem está perto. Eles conversam. Ele beija sua mão. São um casal. —
Quero que me consiga o nome daqueles dois. E nacionalidade.
— Sim, senhor — Daniel diz, acenando. Eu fico olhando na direção de
ambos por mais um tempo, e sei que eles podem sentir meu olhar pesando sobre
os dois, mas preferem ignorar. É uma bela cena que fazem, trocando beijinhos.
Ela até ri, separando os lábios avermelhados. Sua pele é curiosamente pálida. E o
cabelo escuro me parece tingido.
Eu os abandono quando o elevador chega de novo e respiro fundo,
tentando aquietar todas as suspeitas que meu instinto coloca à mostra agora.
Coincidências são raríssimas. E no mundo em que vivo, porra, elas quase
nunca acontecem.
Arrasto minha bunda para dentro do elevador e mantenho meu olhar
sobre os dois até as portas se fecharem. Daniel parece tão tenso quanto eu.
— Quero olhos em cima deles a partir de agora — ordeno novamente. —
A todo momento.
Ele mal se movimenta e apenas concorda.
— Sim, senhor.

— Onde você estava?!


O grito de Rebecca me recebe de volta no quarto e eu interrompo meu
assovio, colocando a chave magnética em cima do aparador. Ela está parada no
centro da sala e parece brava, o que não é algo novo.
Mas o vestido que está usando certamente é.
Preciso de um instante para absorver tudo que vejo e é um pouco demais
assim tão cedo na manhã, quando estou suando feito um animal, com a cabeça
totalmente energizada e mais hormônios correndo pelo meu corpo do que pode
ser considerado seguro.
Seu corpo está contornado por um tecido fino e leve, numa mistura de
azul e branco. O vestido é de alcinhas e termina muito antes dos seus joelhos. Há
um nó que une os dois lados do busto e eu salivo mais do que deveria ao ver que
não está usando sutiã.
O que significa que seus peitos cheios, fartos e suculentos estão a um nó
de distância.
O cabelo cai em ondas sobre seus ombros e eu estrangulo um suspiro na
garganta quando subo os olhos até seu rosto, focando na expressão furiosa.
Meu pau acaba de me dar bom dia.
— Eu fui correr — simplifico e vou até o frigobar. Encontro uma garrafa
d’água gelada o suficiente para empurrar alguns pensamentos inoportunos para
longe.
Rebecca torce o nariz ao ver meu suor de perto e cruza os braços. Ah,
que péssima ideia. Seus peitos ganham ainda mais volume e destaque.
— Pensei que faríamos tudo juntos — lembra, me observando. Tomo
toda água da garrafa e a atiro longe, puxando minha camisa para fora em
seguida. — Pelo menos, foi o que você disse.
Arqueio a sobrancelha.
— Teria aceitado ir correr comigo às sete da manhã?
— Não veria nenhum problema em acompanhá-lo numa caminhada —
dá de ombros, franzindo os lábios. — Ou de pelo menos ter sido avisada de que
estaria sozinha.
Ignoro seu pequeno surto e caminho até o quarto. Sem camisa, me sinto
mais fresco, mas estou pronto para ir para o banho quando ela vem atrás de
mim.
— Não há motivos para se preocupar, Rebecca. Eu estou aqui agora, não
estou?
Sem me importar com seu olhar, puxo a bermuda para baixo. Sei que
seus olhos estão em cima de mim e registro o olhar interessado em minhas
pernas com um sorriso no canto da boca e tão sujo quanto o que eu gostaria de
fazer com ela contra essa parede.
— Já tomou banho? — pergunto, ocupando o silêncio causado pelo seu
olhar focado. Que ela nem disfarça.
— Já — diz, toda embaralhada. É uma graça.
— Que pena…
E puxo a cueca.
Rebecca não se assusta — o que é um baita avanço — mas vejo como se
espanta de me ver nu, o que não pode deixar de ser considerado uma coisa boa.
Estou quase duro e apenas um pensamento pode me levar na direção errada, mas
ao passar os olhos sobre seu corpo de novo…
É difícil disfarçar qualquer reação.
— Mais alguma coisa, amada, ou eu posso ir para o banho?
Rebecca parece ter perdido a língua, a voz e um pouco de saliva também.
Finalmente, sobe os olhos e os fixa em meu rosto.
— Agradeceria se… hm, se não me deixasse sozinha novamente — fala,
fazendo esforço para se lembrar das palavras. Gosto de como ela está tentando
não parecer imatura em relação a nudez. — Há gente o suficiente neste hotel
para que eu não me sinta confortável. E não conheço sua equipe de segurança o
suficiente para ficar apenas com eles.
— Tudo bem — murmuro, tocando a ponta do meu pau ereto, na
tentativa de mantê-lo escondido entre as mãos. — Estarei com você o tempo
todo.
E não sei se isso é uma promessa ou apenas um desejo mútuo, que
apenas eu sou corajoso o suficiente para expressar e materializar.
Depois de dois dias, começo a me acostumar a estar na companhia de
Luca. Não estranho mais os seus passos leves, nem o jeito esguio de chegar nos
cômodos ou os olhares invasivos que me fazem desviar a todo custo. Por isso,
quando acordo na manhã de quinta, sem saber onde ele está, fico irritada.
Mas a irritação diminui em parte quando ele aparece na minha frente com
a aparência de quem acaba de sair de um banho generoso, com suor escorrendo
por todas as partes do seu corpo e um bronzeado aprimorado.
E quando ele ficou nu…
Eu nunca me considerei uma desvirtuada, como minha mãe sempre
chamou as moças que olhavam demais para Matteo no clube, mas sempre
apreciei um homem bonito. Vi alguns durante toda minha vida. Mas nenhum
como Luca.
Ele é… bem, Luca é uma obra de arte. É difícil não olhar por muito
tempo. E quando se olha, é difícil desviar.
Cuidado, ele disse, o ódio pode ser motivador para coisas perigosas.
Mas eu não sei exatamente em que momento o ódio se permitiu ser
misturado a todo resto. Só sei que ele ainda está aqui, mas há outras coisas
também. Há tanto que é difícil separar meus sentimentos e encaixá-los nas
caixinhas de costume, dando nomes e sentidos a todos. Mas, se eu conseguisse
ser racional neste momento, provavelmente associaria a confusão aos
sentimentos que meu corpo sabe que apenas Luca pode me proporcionar. Coisas
que estou curiosa e ansiosa para descobrir. Coisas das quais eu penso que sei
alguma coisa.
— Ei, o que acha de almoçarmos fora deste maldito hotel hoje?
Me viro para trás e encontro um Luca pós-banho ainda mais agradável do
que o que entrou. O cabelo está molhado e bagunçado e usa uma camiseta
branca justa demais para a sanidade de qualquer um. Os braços musculosos e
torneados são exibidos com certo vigor de sua parte e eu assopro, tentando
diminuir o calor em minhas bochechas.
— Deixaremos o hotel? Isso não é…
— Minha mãe programou a viagem inteira — fala enquanto aperta seu
cinto. — Temos reserva em um dos melhores restaurantes da ilha.
— É seguro sair daqui? O Havaí…
— Rebecca… Por que você acha que o seu pai casou você comigo?
A pergunta me pega de surpresa, mas tenho a resposta na ponta da
língua.
— Para estabelecer uma ligação entre…
— Não — mas ele não me deixa terminar e interrompe com um longo
suspiro. — Rebecca, você é a filha mais velha do Capo da Cosa Nostra. É
valiosa. Seu pai tem mais inimigos do que qualquer homem vivo deveria ter.
Acha que não seria benéfico para qualquer um feri-la em troca de ofender a
honra de Vittorio?
Fico em silêncio diante destes fatos, nos quais não costumo pensar.
Sempre fui apenas mais uma garota dentre tantas em minha cabeça, nada de
especial, nada de novo.
Mas imagino que quem eu sou esteja na cabeça de Luca desde que soube
do acordo.
Meu valor. Sua responsabilidade.
O quanto está em jogo.
— Vittorio te entregou a um homem capaz o suficiente de mantê-la
segura das ameaças externas — diz. A boca é uma linha e a expressão está
fechada, séria. Sua honra parece estar falando por ele. — E se o seu pai confiou
você a mim, me pergunto por que simplesmente não faz o mesmo e aceita que
ninguém vai encostar um dedo em você.
Ninguém além dele, concluo dentro da minha cabeça.
— Você é uma Accorsi agora. É meu dever como marido protegê-la.
Eu levo um segundo para assimilar todas as nuances e peso de suas
palavras e ele aproveita meu tempo em silêncio para caminhar até a porta, e girar
a maçaneta. Roger e os outros soldados estão a postos ali.
— Para onde iremos, senhor? — O ruivo pergunta.
— Quero você e Mathias comigo. Os outros ficarão para supervisionar o
quarto.
O homem concorda em um aceno respeitoso e oferece espaço para que
passemos. Luca espera que eu me aproxime e eu o faço, após pegar minha bolsa
de cima da mesa. Ele coloca a mão na base de minhas costas assim que estou do
seu lado e a mantém durante toda travessia do corredor.
Noto, então, que ele faz isso toda vez que há alguém ao nosso redor.
Como um modo de reafirmar sua posse sobre mim, afastando qualquer um,
auxiliando as alianças grossas e chamativas a fazerem seu trabalho de alertar a
todos que sou uma mulher comprometida.
Entramos no elevador e Luca está ajeitando os bolsos da calça quando
fala:
— Pegou o que pedi?
— Sim, senhor.
Observo quando Roger puxa uma arma prateada debaixo da jaqueta que
usa e a entrega a Luca. O movimento dos dois é sútil e meu marido é ainda mais
ao empurrar a arma por trás do tecido de sua calça. Disfarça o volume com
algumas puxadas e noto como sua postura fica mais tensa ao levar uma arma
consigo. Não olha diretamente para mim, mas sei que sente meu olhar sobre ele.
Deixamos a cabine sem trocar nenhuma palavra e ele coloca a mão em
minha cintura novamente quando andamos entre todos os outros hóspedes.
Estranhamente, me sinto mais tranquila por saber que ele está armado e tem os
olhos em cima de mim.
Me surpreendo quando deixamos o lobby e Mathias abre a porta de uma
Range Rover preta, blindada até o osso e perfeitamente coberta.
— Espero que minha escolha para hoje te agrade mais, senhora Accorsi.
Então a surpresa fica ainda maior quando ele avança alguns passos na
frente e abre a porta de trás do veículo para mim.
O sorriso debochado entre seus lábios me permite entender que ele
aprende com os erros. Ou só quer ser engraçado.
— Satisfeita?
— Muito — opto por não mentir e aceito a ajuda da sua mão para subir.
Roger e Mathias esperam até que ele esteja sentado ao meu lado para assumir o
banco de motorista e o carona. Seus movimentos são coreografados o suficiente
para me surpreender positivamente.
Demora pouco depois disso até que eles saiam da vaga e deslizem pelas
ruas agradáveis de Honolulu.

— Chegamos! — Luca anuncia assim que o carro estaciona. Ele abre sua
porta e como a boa dama que fui treinada para ser, espero que alguém abra a
minha por mim. Meu marido, esforçando-se o suficiente para me agradar, abre
para mim com uma expressão mista e eu desço do carro.
É um restaurante com uma bela fachada, mas a proximidade da praia é o
que me conquista. Estamos praticamente na areia, separados apenas por uma
faixa estreita onde carros passam. Luca grunhe ao ter areia invadindo seus
sapatos Oxford de couro escovado e caminha na frente. Eu aceito a mão de um
Roger atencioso, que me ajuda a chegar até a entrada em meus sapatos de salto.
— Estaremos aqui fora — anuncia, quando meu marido reassume a
responsabilidade de me conduzir e ele assente. A hostess nos recebe com um
sorriso agradável e só basta que ele fale seu nome para nos guiar até uma das
melhores mesas da casa.
Há vista para o mar à nossa frente. A ideia de almoçar com o som das
ondas quebrando é tentadora e reconfortante. A praia, em si, é leve e pode
favorecer muito o clima tenso que existe constantemente entre mim e Luca.
Talvez eu consiga me sentir relaxada pela primeira vez desde que me
tornei sua esposa. Seria bom se isso acontecesse.
A presença de dois soldados na porta, examinando todos que entram
como águias, também é reconfortante. Eles transparecem um tipo de lealdade
que me acostumei a ver no olhar dos homens de meu pai ou em meu próprio
irmão. Sei que são capazes de dar sua vida por Luca, por mim e pela famiglia
sem pensar duas vezes e me sinto confortável por saber que meu marido confia o
suficiente no juramento que ambos fizeram para que andem conosco.
Então tento não pensar muito em nossa segurança e deixo isso a cargo
deles.
Um pensamento inoportuno sobre Donatella e seu relacionamento
secreto, me vem à mente e eu corro para expulsá-lo ao estudar a expressão
concentrada de Luca enquanto ele lê o cardápio. O que ele faria se soubesse que
há um homem dormindo com a sua irmã?
Certamente colocaria seus homens para caçá-lo como um animal para
abate.
Por Deus, eu nunca gostaria de ter que descobrir…
Quando o garçom se aproxima, Luca tem nossos pedidos na ponta da
língua e pede um vinho que nunca ouvi falar. Logo, nossas bocas ficam
ocupadas apenas com a comida deliciosa — vieiras cruas acompanhadas de
vinagre de romã e folhas verdes — e um agradável vinho que faz minha língua
pinicar de tão bom.
Já estamos perto do fim quando um sorriso idiota se instala no canto da
minha boca e não passa despercebido pelo meu companheiro, que limpa os
cantos dos seus lábios antes de se dirigir a mim:
— Por que está sorrindo?
— É a primeira vez que almoçamos sozinhos sem brigar.
Luca parece tirar um segundo para conferir se não estou confusa. Nos
últimos dois dias, brigamos por pequenas razões. Nada demais, mas não é como
se concordássemos em muitas coisas.
Seus olhos passam sobre meu rosto e eu me sinto um pouco tola por
compartilhar minha percepção. Não é o tipo de coisa com o qual ele certamente
gasta seu tempo.
— Ah, sim — toma um gole de vinho. — E está sendo uma merda para
você também?
A resposta me faz parar com os talheres no ar.
— Uau — deixo escapar, descrente de que ele tenha sido mesmo capaz
de arrastar minha companhia para a lama sem dó nem piedade.
— O silêncio me incomoda — acrescenta, me fazendo estudar o modo
inquieto como move os pés debaixo da mesa. — Você não?
— Na verdade, me sinto confortável o suficiente nele…
— Esquisita — resmunga baixinho. Eu solto os talheres de vez e me
dedico a encará-lo. — Quer me dizer que gosta da sensação de escutar seus
próprios pensamentos?
— Não tenho problema com eles — limpo os cantos da boca. Tomo
cuidado extra para não borrar meu batom. — Você tem?
— Posso dizer que eles não são agradáveis o suficiente. — Num impulso,
que quase parece afobado, ele toma um gole da água posta ao lado do vinho. Eu
observo a cena e vejo meus pensamentos se moverem para uma direção menos
educada.
Luca tem belas mãos… E o modo como engole. Posso ver certo valor
nisso também.
— Então diga alguma coisa — sugiro. — Quem sabe possa te ajudar a
lidar com eles?
Ele me encara com um leve tom de incredulidade, como se eu fosse, de
certa forma, incapaz de respondê-lo ou manter um diálogo.
— Todos meus pensamentos envolvem coisas que não devem chegar aos
seus ouvidos, Rebecca — anuncia, tocando a beirada da taça. Eu acompanho o
movimento dos dedos. — Pelo menos não se eu for um marido competente.
— Envolvem os russos, então?
Ele não assente, mas nem mesmo precisaria.
— Não tenho problema em falar sobre eles — começo. — De certa
forma, sei do que são capazes e do que está em jogo. Mas… estou tranquila. Não
tenho medo. Pelo menos não até agora.
— Se sente tão segura assim comigo por perto de repente? — pergunta,
subindo um dos lados de sua boca num sorriso ladino, malicioso do jeito que
melhor lhe cabe. Eu me esforço de verdade para não corar as bochechas.
— Você me parece um homem habilidoso. É como meu irmão, imagino.
Sabe o que fazer e vai me manter segura.
Então Luca ri, quebrando o clima de seriedade.
— Uau… — comenta, tomando fôlego. — Bela forma de broxar as
coisas.
— Broxar?
Luca quase engasga ao me encarar de novo. Há certo brilho divertido em
seus olhos que não passa despercebido e ele usa o guardanapo antes de falar de
novo.
— Esquece que eu falei isso — ordena. — Só quis deixar claro que me
comparar com o seu irmão não é algo que eu aprecie. Ou goste. Na verdade, é
algo que me irrita.
— Matteo é um ótimo soldado, filho e quando for a hora, será um Capo
exemplar. Confio a minha vida ao meu irmão… Não vejo como compará-lo com
ele possa ser algo negativo.
— É que eu não sou o seu irmão — lembra, como se não fosse óbvio. —
E terá que confiar sua vida a mim de qualquer maneira. Então, esse tipo de
comparação só gasta nosso tempo e te ilude.
— Me iludo ao pensar que você possa ser um bom homem?
— Muito. — Não faz questão de adoçar suas palavras. — E se ilude
ainda mais pensando que seu irmão é tão bonzinho quanto imagina…
Não espera que eu responda qualquer coisa antes de ocupar a boca com
um pouco de vinho.
— Meu irmão nunca me tratou mal. Ele foi bom para mim e sempre
será.
Minha afronta não parece ser bem recebida por Luca. Seu olhar é menos
amigável, sua postura menos neutra e noto o modo como me encara,
umedecendo os lábios.
— O que ele faz fora de casa, então, não importa para você?
— Se importasse, não me preocuparia em tentar conversar com você.
Afinal, fazem as mesmas coisas, não é? Matam, extorquem, cobram e tomam…
— digo por alto apenas as funções das quais me lembro e Luca continua me
observando. — Uma mulher em nosso mundo tem que aprender desde cedo a
separar a pessoa de suas funções. Não há solução se não essa.
— Não entendo por que acharia que sou bom — murmura, um sorriso
conflituoso correndo em seus lábios. — Mas entendo o que motiva suas
palavras. Minha mãe, de fato, faz a mesma coisa.
— Vê algo que possa ser salvo em você? — arrisco e vejo o modo ácido
como me encara. O impulso de uma risada me ocorre e eu preciso morder a boca
para não soltar. Luca, ao contrário de mim, se permite rir.
— Não seria tão otimista assim, esposa.
E eu concordo com um gole de vinho. O silêncio parece abrir brechas
para que ele decida falar e eu o encaro com surpresa quando resolve, por vontade
própria, compartilhar detalhes do que está acontecendo comigo. Os olhos, por
um milagre, não estão fixados nos meus e sim nos fundos do restaurante, atrás de
mim, como se pressentissem alguma ameaça.
Acaba sendo apenas o garçom com mais vinho.
— Romeu está fechando o cerco cada dia mais em torno de Nova York
— confessa. — As coisas não estão boas, mas meu pai prefere pensar que sim.
Alguma merda sobre estabilidade nos negócios. Mas eu não acredito nisso…
Acredito que deveríamos agir e cortar essa merda pela raiz.
Me pergunto se tenho abertura para falar e arrisco:
— Seu pai tem medo dos russos?
A pergunta é mais ousada do que eu pretendia e vejo um brilho ambíguo
nos olhos de Luca ao escutá-la. Estou prestes a me retratar, quando ele volta a
falar.
— Meu pai faria acordos até com o Diabo para não ter de se envolver
numa guerra — explica, e eu tento não pensar que se refere a nós dois. —
Guerras são caras, italiana. E fodem as coisas. Mas Romeu Ivanov quer o que é
nosso, e não é permitindo que ele fique cada dia mais perto, que vamos impedi-
lo de cobiçar nossa cidade.
— Então lutar contra eles seria a melhor opção? — Sou totalmente leiga
no assunto, mas ganhei algum conhecimento ao longo dos anos. Quando homens
discordam, eles brigam.
E há sangue.
— Sim.
A resposta dele é óbvia e não esconde nenhuma de suas intenções. Luca
não tem medo de derrubar o sangue de quem quer seja para manter sua cidade
protegida e seus negócios acontecendo. Mesmo que isso custe alguma coisa a
ele.
— Se queria nos afetar de verdade, teve a oportunidade perfeita em
nosso casamento. E a perdeu. Cabeças de peixe não são conhecidos por serem
inteligentes, de qualquer modo…
O apelido me causa estranhamento.
— Cabeças de peixe?
Luca me encara como se eu tivesse dois pés na cabeça.
— É. Apelido que damos aos Ivanov. Se notar, todos eles se parecem
como peixes, com os olhos esbugalhados e a pele clara, como se nunca tivessem
visto calor na vida.
— Você que surgiu com ele?
— Sou criativo, mas não tanto. Isso foi coisa do meu pai e dos meus tios
e me lembro de tê-los escutado pela primeira vez quando voltaram da noite em
que mataram o pai de Romeu, Konstantin.
— Isso deu início à guerra que vivemos hoje — acrescento, pois é
conhecimento básico. Matar um Capo, ou na máfia russa, um Pakhan, como é
chamado, é como pedir retaliação. E é atingir uma organização em seu ponto
mais vital.
Quem está seguro se o chefe não está?
— Não nos arrependemos por uma gota de sangue derramada — diz,
buscando minha reação a tais palavras. Me avalia como se eu pudesse ser uma
traidora em determinados momentos. Como se eu pudesse usar a faca que está
sobre a mesa para apunhalá-lo pelas costas ou talvez oferecê-la a alguém para
fazer isso por mim.
— E de qualquer jeito, é uma besteira que eu e Max usamos mais do que
os outros. Donatella diz que é o pior apelido do mundo. Lorenzo acha imaturo.
— Seu irmão de dezesseis anos considera você imaturo?
— Lorenzo nasceu com sessenta anos, Beca — informa, arrancando uma
risada alta e genuína de mim. — Você só não teve tempo de ver ainda, mas
acredite, verá.
Ele, como se para me acompanhar, solta uma risada frouxa e eu me
pergunto se é assim que sorri quando é natural, sem ter intenção de impressionar
ou manipular a conversa para o seu lado. O canto esquerdo da sua boca é
repuxado e seus olhos ficam mais claros e leves por um instante que dura o
suficiente para capturar minha atenção.
— Ele me parece ser um ótimo garoto. Aliás, todos os seus irmãos
parecem ser.
— Não somos iguais. — Luca fala, com certo pesar. — Talvez haja
alguma esperança para eles.
— Donatella e Angelina também são ótimas.
— Fico contente de que goste delas. E surpreso. Você não é o tipo de
mulher com o qual Dona geralmente se dá bem.
— O que isso quer dizer?
Luca pisca.
— Ela abomina as boas meninas.
Eu pigarreio, encobrindo a tosse com um gole d’água.
— Talvez tenha visto algo em mim que a confortou.
— É, talvez. — Luca deixa a frase em aberto. — Me preocupo mais com
a ideia de que você tenha visto algo nela que a reconforte. Minha irmã pode
ser… — Pensa por um segundo, buscando uma boa definição. — Perigosa.
— Toda mulher pode ser um pouco perigosa — digo. Luca arqueia as
sobrancelhas diante de minhas palavras. — É apenas uma questão de
perspectiva, entende? Temos sentimentos como os homens. Mas somos
ensinadas a escondê-los e suprimi-los. No entanto, existem situações em que
qualquer mulher vai escolher pela raiva. E se houver a oportunidade, não vejo
por que uma mulher não deve ser tão letal quanto um homem.
Ele se reclina na cadeira e apoia a mão no queixo.
— Você acha que poderia ser perigosa, Rebecca?
— Nem de longe, mas eu sou honesta o suficiente a ponto de assumir
isso. — Ele não consegue evitar rir da minha revelação. Eu rio também. — Mas
não duvide que eu seria capaz de lutar por mim ou por aqueles que me importam
do jeito que estivesse nas minhas mãos. É uma questão de instinto, no final das
contas.
— Está querendo dizer que encobre seus instintos? Os controla, como
um cachorrinho de madame?
— Hm… De certa forma, é. Podemos encarar assim. — As palavras
parecem ter perdido um pouco de sentido para mim. Ou quem sabe, o peso. Só
saem, como se a conversa corresse normalmente, sem qualquer pressão.
— Então o que aconteceria se você os deixasse sair?
Eu engulo em seco ao olhar para seu rosto novamente. A expressão está
mais obscurecida. Falta o brilho amigável que havia ali antes, que foi substituído
por algo carregado, um pouco incitante e certamente, nada puro. Luca transita
entre os dois lados de sua personalidade com facilidade e agora posso ver
claramente a divisão.
Só preciso tentar não ser esmagada por ela.
— Isso não seria…
— Bonzinho, como você aprecia?
— O que está tentando fazer, Luca? — retruco, tentando não parecer
ofegante. Perguntas de assalto podem me assustar. Isso reflete diretamente no
modo como me porto.
— Quero ver quem você é quando não precisa fingir que é perfeita e
imaculada como uma santa.
— Isso não…
Ele me interrompe com um assovio. Pede a conta para o garçom, que a
traz de bom grado e eu mantenho os olhos sobre ele durante todo tempo.
— Acho que seria bom pegarmos um pouco de sol. — E é toda
explicação que me dá, finalizando o almoço.

Quando meus pés entram em contato com a areia e eu os sinto afundar,


abro um sorriso frouxo, mantendo os sapatos de salto alto nas minhas mãos.
Luca também tirou os seus depois de certas caretas de sua parte e me pergunto se
ele acha tão fascinante quanto eu, andar em algo tão fofo e irritante.
Roger e Mathias estão dentro do carro agora e nos monitoram de longe
por uma ordem que Luca deu antes de atravessarmos a rua e chegarmos a este
trecho praticamente vazio da praia. Há apenas alguns outros casais andando pela
beira-mar, que passam por nós, mas nem mesmo registram nossa presença. Luca,
no entanto, certamente registra a deles, encarando-os como se pudessem sacar
uma arma e nos fuzilar a qualquer instante.
Quando o trecho em que estamos fica vazio, ele relaxa um pouco mais.
— Se importa de sentar na areia? — pergunta, quebrando o silêncio que
ele mesmo impôs. — Não trouxe nada para sentarmos.
— Por mim tudo bem.
Já pelas minhas pernas, nem tanto. Com o suor, o calor e a areia, ah, que
delícia vai ser…
Mas mesmo contrariada pelas chances de isso dar errado, me sento com
toda delicadeza e graça que consigo, colocando minha bunda na areia. Luca tem
menos paciência do que eu e apenas senta, limpando a areia das suas pernas. Eu
tento não olhar muito para a cena.
No entanto, sou obrigada quando o sol bate diretamente sobre ele e ele
reclama com um palavrão sussurrado. Isso o deixa ainda mais irreal, como um
modelo de catálogo. O cabelo está dourado de um jeito que deveria ser proibido
e os olhos azuis parecem estar em sintonia com o oceano que se estende à nossa
frente.
Como se estivesse no lugar certo.
Perco alguns segundos admirando a boca rosada, de tanto que ele morde
— e um pouco manchada de vinho também. Se eu fosse boa o suficiente com
uma tela, pintaria essa cena.
— Gosta de praias? — indaga, quebrando o contato visual excessivo que
faço com seu rosto. Sem vergonha alguma, ele olha para mim diretamente e eu
penso se escapo ou não.
— Acho lindas, mas nunca fui a muitas — respondo e escolho desviar da
pressão dos seus olhos. Encarar o mar é melhor, ainda mais quando não tenho
certeza se essa é a resposta certa. Deus, mas como poderia ser a errada? É a
minha, a única que tenho. — Meu pai sempre as achou um pouco inseguras.
Raramente íamos.
Luca continua me encarando.
— Bem, teremos os Hamptons sempre que quiser ir a alguma. Pode
começar a se sentir segura nelas.
Ele não parece a fim de prolongar tal assunto e olha para frente, enfim
me liberando da pressão que colocava sobre mim. Eu respiro com mais
tranquilidade quando isso acontece.
Uma praia vazia é estranha. Principalmente de dia. É como se faltasse
alguma coisa. Mas assim, de qualquer jeito, é mais tranquila. Só o barulho do
mar, sem a pressão advinda da possibilidade de poder estar sendo observada ou
em perigo. E eu não sou do tipo que reclama de um pouco de silêncio.
Mas Luca é inquieto. E como disse, não é o maior fã da falta de conversa
ou ação. O que explica seus próximos movimentos.
— Quer entrar? — pergunta, indicando a água à nossa frente. Eu desvio o
olhar do horizonte e o encaro. — Tá calor pra caralho aqui fora.
O palavrão ainda me choca, mas eu demonstro menos.
— Seria uma excelente ideia, se eu estivesse de biquíni — explico. — E
você já me falou o suficiente por nadar por aí com minhas roupas íntimas.
Um sorriso amarelado surge no seu rosto. O mesmo acontece na minha,
eu acredito. E não tento esconder.
— Lembre-se do que falei sobre instintos, Rebecca… Quero ver você
deixá-los sair.
Sem esperar por qualquer adesão de minha parte, ele fica de pé e sacode
a areia. Tento não me assustar quando estende a mão para mim.
— E além do mais, quando nadou nos Hamptons, era uma mulher
solteira e desacompanhada, nadando onde qualquer desgraçado poderia te ver e
desejar.
Luca não espera que eu lhe ofereça minha mão e se abaixa, puxando-me
para cima pela cintura. O movimento é repentino e eu tento não parecer
terrivelmente afetada quando sua boca fica a centímetros da minha.
— Mas eu sou o único que vai ver ou desejar qualquer coisa agora.
Eu estremeço.
Minha boca seca.
E eu penso se seria ruim beijá-lo.
E tenho certeza de que ele sabe.
Suas mãos descem da cintura até a barra do vestido e eu apenas
acompanho, entregando o comando dessa situação para ele. Fico parada
enquanto ele puxa o vestido para cima e tento não me encolher quando seus
olhos passam por cima de mim, estudando cada cantinho. Tento muito.
— Vamos, Becky.
O suspiro me faz olhar o mar com maior empolgação e enquanto faço
isso, ele joga o vestido longe e trata de tirar a própria roupa. Deixa o coldre com
a arma escondido por um pequeno monte de areia e assim que termina, agarra
minha mão e me puxa na direção da água.
Será que Roger e Mathias estão vendo isso?
Pelo bem deles, espero que estejam olhando na direção contrária.
— Está gelada! — grito assim que piso na beiradinha. Luca já está com
água até os tornozelos e continua segurando minha mão. — Não dá para entrar
desse jeito!
— Cinco segundos e a temperatura nem importa mais — diz, sendo
racional como de costume. Balanço a cabeça, me encolhendo e tento ir para trás.
— Não consegue vir sozinha?
— Eu vou ficar doente! — Apenas o pensamento disso me incomoda.
Luca assente e olha para o mar uma última vez antes de se virar para
mim novamente.
— Então eu te ajudo a entrar.
Eu grito quando suas mãos vão exatamente para o lugar certo onde me
apertar e pegar. Seus dedos se afundam na minha bunda e eu estou tão afetada
quanto incomodada. A risada é histérica quando ele me prende contra seu peito e
corre mar adentro até que ele esteja tão submerso que sua única opção é me
soltar e permitir que eu mergulhe.
A água congela cada cantinho de mim, mas como meu marido sabichão
disse, são cinco segundos e quando volto para a superfície, já estou confortável e
tento não pensar na minha maquiagem.
Luca também está molhado quando o enxergo novamente e puxa o
cabelo para trás, afastando-o dos olhos.
— Olha o que você fez! Eu estou toda molhada!
O tecido fino da lingerie gruda contra minha pele e ele pode ver muito
mais do que eu provavelmente gostaria se estivesse me preocupando com isso
agora. Mas, droga, eu não poderia me importar menos.
— Essa sempre é a intenção, esposa.
Não posso me impedir de atirar água na sua direção. Com rapidez, ele
desvia e ri de mim. Mas eu não desisto.
Pego impulso nas pernas e me atiro contra Luca, que é mais rápido do
que eu pensei ao me segurar na cintura. Mas ele não consegue me impedir de
pressionar as mãos contra sua cabeça, empurrando-o para baixo d’água. Luca
não consegue escapar do golpe baixo e mergulha forçadamente.
Eu me afasto antes que ele volte, mas isso não é nem de perto o
suficiente para me impedir de ser capturada por um Luca nem tão furioso assim.
Não demora para que eu entenda que as aulas de natação dele devem ter
sido mais sobre sobrevivência do que as minhas foram no clube da família. E
com as minhas coxas mais grossas do que deveriam ser, é difícil ser tão rápida.
Ele me puxa com mais força dessa vez e seus dedos estão tão afundados
na minha carne que pode sentir meus ossos, provavelmente. Eu tomo alguns
segundos recuperando o fôlego e cesso a risada, com água deslizando por nossos
corpos. O mar parece tranquilo demais à nossa volta e eu não consigo tirar os
olhos de cima dele.
— Não sabia que você se divertia ferrando com os outros, Rebecca —
fala, no tom de quem está se divertindo. Mas há uma certa malícia mais profunda
escondida por trás das palavras amigáveis. E algo certamente obscuro em seu
olhar.
— Descobri esse desejo especialmente com você, americano —
respondo, nenhum pouco inibida pelo toque ou proximidade. O seu peito
praticamente bate contra e junto do meu, ondulando em meu corpo. A sensação
de tocar nele, mesmo que indiretamente e acidentalmente, é boa. Aquece partes
de mim que o frio da água não pode encostar. — Foi o que você falou sobre
instintos, não é?
Sua mão permanece apertando minha cintura. O toque tem um pontinho
de dor, mas eu gosto da firmeza. E gosto de quando ele vai deslizando com o
polegar pela linha da minha coluna para chegar até o biquíni e puxar o tecido
molhado. Os meus mamilos endurecem e posso sentir o exato momento em que
a temperatura do lugar muda.
Minha pele está formigando e ele não desvia o olhar do meu. Parece que
o fogo se espalha aos poucos e eu preciso combatê-lo, mas me faltam os
instrumentos ou sinceramente, apenas a mera vontade de fazer isso.
Mas eu estou disposta a pagar o preço pela curiosidade?
— Você aprende rápido.
Estou prestes a rir e dizer que me dediquei a vida inteira para ser uma
boa aluna, quando entendo que não é mais uma piada para Luca. E quando ele
gruda sua boca contra a minha, entendo que não é uma piada para mim também.
Me permito ser tomada e não luto contra nenhum segundo do beijo. Meu
corpo se sente livre e minha mente vai na onda — percebem o que fiz aqui? —
então passo as mãos ao redor do seu pescoço. O apoio é útil e eu posso alcançá-
lo melhor. Assim como ele também pode, deslizando as mãos pelo meu corpo
até chegar aonde parece querer estar desde que entramos aqui.
Suas mãos param debaixo da minha bunda e ele a agarra do único modo
que eu esperava que fizesse, esmagando minha pele debaixo dos seus dedos, me
fazendo notar o quanto adoro a sensação de estar sendo tocada firmemente, com
faíscas espalhando-se por baixo da minha pele.
Luca, então, coloca a mão por baixo dos meus cabelos, tocando minha
nuca e me falta oxigênio ou apenas condições de continuar beijando-o sem
pausa. Isso faz com que eu pare e tome um segundo para apreciar o roçar de seus
dedos contra meu pescoço. Dá pane no sistema quando seus dedos se enrolam
em torno do meu cabelo e ele puxa, causando uma fisgada que reflete
diretamente em meu colo.
Luca sorri ao ver isso e crava os dentes em meu ombro, me arrepiando
por inteira. A sensação é de que o fogo queima lentamente pelas minhas veias e
se espalha em meu corpo. Eu beijo a lateral do seu rosto e não me surpreendo
quando ele busca minha boca novamente, arrastando seus lábios até que sua
língua esteja em contato com a minha.
Deixo de existir nesse momento, enquanto ele me segura com força e me
mantém grudada ao seu corpo. Rodeio as pernas ao redor da sua cintura e ele faz
o trabalho de me manter pressionada contra sua pélvis, colocando-me em contato
direto com o membro que parece ganhar vida no meio de suas pernas. O sol bate
contra minhas costas, mas não há nenhum problema nisso. Eu não sinto nada
além de suas mãos e seu gosto, me envolvendo até a última gota.
Mas quando ele está prestes a descobrir meu seio com sua mão e eu já
posso prever o movimento, para e se afasta como se eu tivesse mandado. A boca
sai da minha e eu preciso de um segundo para entender o que está acontecendo.
Abro os olhos e ainda não sei.
— Por que você parou? — indago, sentindo minha boca inchada e
sensível. Luca não tira os olhos dela e suas mãos ainda me mantém grudadas a
ele. Seu peito desce e sobe num nível ainda maior do que o meu.
— Você quer continuar? — pergunta de volta, com uma concentração tão
grande que eu penso em quanto está levando para que ele se mantenha distante
quando o que mais parece apreciar está disponível e no alcance de suas mãos. —
Beca, não me leve a mal, mas você não dá os melhores sinais. É sim ou não?
— Sim — respondo sem pensar muito. Meu corpo dá todas as respostas
as quais eu poderia precisar e se ele for tão bom quanto diz ser, deveria estar
óbvio para ele também o quanto quero que me toque aqui e agora.
O único movimento entre nós dois é o do mar, que nos leva para cá e
para lá. Luca parece ter acalmado sua respiração, mas eu ainda estou pegando
fogo e quero isso. Meu olhar afirma-se sobre seus lábios, mas não darei o
primeiro passo.
Por sorte, ele tem noção disso e me puxa antes que o clima escape e eu
me encolha de novo. Sua boca se choca contra a minha com mais força e não há
nenhum alerta de que irá parar tão cedo.
Mal posso respirar no primeiro instante e no segundo momento, me elevo
sobre ele, roçando e espremendo meus seios contra seu peito. Luca toma o
recado com perfeição e puxa o sutiã para o lado, cobrindo todo meu seio com
sua mão. O contato é quente e ele o toca com força, colocando a mesma
intensidade no modo como me beija. A água é um detalhe e baseando-me em
meus instintos, moo meu corpo contra o seu, a fim de sentir mais e mais e mais.
Ele sorri ao sentir isso e começa uma caminhada muito apressada na
direção da areia. Estou em seu colo, até que não estou mais e ocupo um lugar
estratégico na areia. Meu corpo inteiro gruda nela e a sensação é terrível, mas ela
é imediatamente apagada quando ele me cobre com seu corpo, apoiando-se com
as mãos ao lado da minha cabeça.
O modo como me olha enquanto ainda não estamos nos beijando é
responsável por me fazer não aguentar mais um segundo sem estar sentindo a
anestesia que é ser beijada por ele deste modo, com vontade, força e fogo.
Toco em seu queixo e o encontro no meio do caminho, erguendo meu
rosto apenas para tocar seus lábios mais rápido. Luca domina o beijo
rapidamente, me guiando no que ainda não tenho confiança ou conhecimento
para fazer por mim mesma e usa uma das mãos para unir as minhas acima da
cabeça. Aperta meu pulso e me mantém imóvel, presa sob seu controle. Decide
descer com sua língua até meu pescoço e chupa bem abaixo da minha orelha,
fazendo com que eu me contorça embaixo de seu corpo. Mas não posso fechar as
pernas, pois ele está colocado bem no meio delas. E seu pau está roçando contra
minha boceta com todas as intenções de afundar-se nela em seguida.
Mas a sensação de um simples roçar não é nada em comparação ao que
sinto quando sua mão inicia o caminho até lá embaixo. Ele toca meu ventre
primeiro e se infiltra por baixo do tecido pesado do biquíni molhado da calcinha,
forçando com que eu engula um gemido involuntário que quer escapar quando
seu dedo desliza pela minha carne, escorregando pela fenda no meio de minhas
pernas e dando voltas no topo dela, pressionando o botão que me faz fechar os
olhos com força.
— Roger e Mathias — sopro ofegante e totalmente desconcertada. Me
falta força e qualquer linha de raciocínio.
Luca, um tanto incomodado com a menção dos seguranças, olha para
cima, além de nós dois e parece reconfortado com o que vê. Nenhum fio de
preocupação passa por seu rosto e eu o encaro fixamente.
— Não conseguem ver nada. Há areia o suficiente nos escondendo deles
e de qualquer um dos curiosos do restaurante.
Dito isso, ele parece dar a si mesmo sinal verde para levar as mãos até a
parte de trás do meu sutiã. Libera meus seios com um clique e no próximo
segundo, sua boca está num deles. Eu fico muda e imóvel e ele me chupa com
uma mistura de brutalidade e delicadeza, enviando sinais óbvios ao que está
guardado debaixo da minha calcinha. Crava as unhas curtas em um, enquanto dá
atenção ao outro e eu fico feliz, pela primeira vez, em ter seios grandes. A
satisfação que vejo em seus olhos enquanto me prova, mordiscando meus
mamilos e colocando todo meu corpo à prova de fogo, é o suficiente para que eu
queira mostrar a ele o quanto aprecio que ele goste do que vê. Sua língua brinca
com o bico do meu peito e eu solto gemidos baixos, como ronronados,
incentivando-o a continuar. Minha mão busca apoio em seu ombro e num
impulso, o puxo para cima, mas ele não vem.
Ao invés disso, se apoia em seus joelhos e olha ao nosso redor por
apenas um instante antes de se dedicar a puxar minha calcinha para baixo. Seus
dedos se enrolam nas laterais e eu penso muito pouco na areia que está embaixo
de mim ou no fato de que qualquer um poderia ver. Apenas levanto minha bunda
quando ele precisa passar por ela e o sinto observar-me por inteira de vez.
Seu pau marca na bermuda que está usando e eu salivo, como uma
maldita desesperada, pensando em quando ele irá puxá-lo para fora.
Inexperiência não quer dizer santidade.
Ele morde seu lábio ao notar o modo como o olho e eu levo as mãos até
sua cintura. Passeio com meus dedos pela barra da sua bermuda e pareço estar
fora de mim quando passo a mão sobre o membro marcado em sua calça.
Ele puxa sua bermuda na mesma hora que faço isso e não se envergonha
em nada do que salta em frente aos meus olhos, fazendo-me contorcer as pernas
como se tentasse extrair algo delas.
— Você é… — Ele suspira, como se lhe faltasse ar. Em mim também, ao
encarar a ponta rosada e molhada de seu membro. Sua boca desce até o nível da
minha barriga e eu respiro mais devagar, sentindo sua língua deslizar até o monte
entre minhas pernas. — Melhor do que eu imaginava. Rosada, molhada,
apertada…
Ele sobe depois de um rápido roçar de sua língua na área e encontra meus
lábios com um puxão no inferior. Sinto um gostinho sútil de sangue, mas tento
não pensar no fato de meu marido conseguir ser um puto animal dependendo do
momento. Imagino que não vá ser um grande problema, considerando como
meus olhos parecem fixar-se ainda mais em sua figura quando seus lábios estão
levemente manchados com uma gota de sangue que escapou.
Porra.
— E uma bela surpresa — sussurra de volta, com a boca encostada
contra meus lábios. Ele rouba meu fôlego depois disso e eu arqueio minhas
costas ao senti-lo me tomar de uma vez, após roçar a cabeça melada contra a
minha boceta, pronta para recebê-lo.
Mesmo assim, e mesmo que deslize numa facilidade impressionante para
dentro de mim, posso sentir os olhos dele sobre cada pedaço de meu rosto,
estudando minha reação ao seu tamanho e a força com que me penetra. Quando
puxa e volta, eu solto um grunhido causado pelo leve desconforto e ele diminui a
intensidade.
Isso é um bom sinal.
— Não vou forte demais dessa vez — fala, sussurrando no espaço entre
nós dois como se fosse um segredo. O azul dos seus olhos me puxa até o fundo e
eu passo a mão ao redor do seu pescoço, agarrando-o. Seu suor se mistura ao
meu e posso sentir meus cabelos envoltos por areia, mas não estou nem aí.
— Continua — peço, num apelo do fundo do meu coração. Quero sentir
o que senti quando ele entrou pela primeira vez e a dor não é forte agora. — Não
tá doendo.
— Não sabe mentir — devolve, entrando devagar de novo. Eu mordo o
lábio e tento relaxar as pernas, mas é quase impossível. — Acalme-se. E pelo
amor de Deus, pare de me prender dentro de você.
Seu apelo é ainda mais sincero do que o meu e eu tento parar, mas é
impossível. Toda vez que entra, eu não quero que saia e preciso fechar meus
olhos, tentando deixar que ele faça o que é melhor.
Luca engata num ritmo lento, mas bom o suficiente. Meu corpo começa a
ir para trás e para frente, assando minha bunda na porra da areia e eu engulo em
seco, exprimindo gemidos o suficiente para que ele ganhe mais ritmo. Quando
nota que estou mole, entregue e disposta a aceitar o que me oferece, escorrega
seu dedo até o monte entre minhas pernas e circula meu clitóris com o seu dedo.
A pressão ali faz meu ar faltar com o dobro de força e eu pressiono os olhos,
ignorando qualquer coisa além da sensação de seus dedos deslizando pela fenda
molhada entre minhas pernas, afundando-se nas dobras e me conhecendo.
Então, afunda sua boca na curva do meu pescoço e finalmente me fode.
Ele vai até o fundo e eu grito — mas de verdade — sendo surpreendida
pelo ato. Abro meus olhos e fixo nos seus, que brilham como os malditos
diamantes que tenho na minha penteadeira. Agarro sua nuca e Luca pressiona a
testa contra a minha. As suas mãos encontram um espaço na minha cintura,
escorregando até a minha bunda e ele me prende sob seu aperto, fazendo de um
jeito que me leva para qualquer lugar entre as benditas estrelas.
Puta que me pariu!
Não consigo manter a boca fechada e ele não consegue parar. Aperto
meus seios a fim de aumentar o prazer e ele empurra minha mão, assumindo essa
função ele mesmo. Estou suada como se tivesse acabado de sair da água e quente
como se o sol estivesse brilhando só para mim. Luca, com as costas expostas,
não dá a mínima para a possibilidade de estar queimado no final disso.
Tudo que ele se importa é em me comer até o final, estremecendo minhas
pernas e tornando meu corpo em gelatina. Sua mão se fecha ao redor do meu
peito e estou gemendo, ronronando e sendo empurrada por ele, quando sua boca
cobre a minha e eu faço o que parecia ser a intenção desde o começo,
principalmente em nossa noite de núpcias.
Meu corpo inteiro entra em algo que chamo de combustão e me faz
estremecer, tentando segurar o momento até o último minuto. Gozo e sinto cada
cantinho disso enquanto se espalha pelo meu corpo, me esquentando, me
fazendo revirar os olhos e secar minha garganta. O ar é escasso e meu peito
desce e sobe. Luca acompanha até o final, e então também encontra o que atingi
e o faz no centro de minhas pernas, escondendo seu rosto entre meus cabelos e
me presenteando com o doce som de seus gemidos roucos. Eu passo os braços
ao redor de seu pescoço novamente enquanto ele sente seu corpo todo se revirar
internamente e permaneço assim até o final, quando ele se afasta com um puxão
delicado no lóbulo da minha orelha, parecendo tão satisfeito e resplandecente
quanto eu.

Quando voltamos para o carro, não somos as mesmas pessoas que o


deixamos. Roger e Mathias nos recebem com nada além de educação e olhares
de respeito, mas acho difícil não desconfiarem do que aconteceu, baseado em
nossos estados.
Luca está sem camisa, com as costas vermelhas e usa o meu óculos de
sol. Meu cabelo está preso num coque muito do malfeito e estou coberta de areia
como um croquete. O vestido também está meio frouxo nas partes onde Luca
puxou.
E a coisa mais estranha de todas: andamos de mãos dadas.
— Alguma movimentação estranha? — Luca pergunta quando sentamos
no banco de trás. Endireito minha postura e uso o telefone para ver meu reflexo.
Era melhor não ter visto.
Mas minha atenção é presa quando enxergo um monte de mensagens de
minhas irmãs.
Bianca: Dê notícias.
Petra: Queremos saber de você.
Luca, que estava rindo de algo que o soldado disse, se vira para mim e
sinto o seu toque em minha coxa. A mão se infiltra até estar quase lá e eu ainda
estou sensível o suficiente para torcer que chegue. Que entre. Que me faça sentir
tudo de novo.
Mas essa não é a sua intenção, então ele apenas pergunta, num tom de
voz que indica quase preocupação.
— O que houve?
— Minhas irmãs mandaram mensagens estranhas…
Ofereço o telefone a ele, que puxa os óculos para cima para poder
enxergar. Sua visão vai se aguçando conforme passa os olhos pela tela e termina
com um suspiro frustrado que eu falho em entender.
— Dizem que seu pai está preocupado — ri ironicamente. Então me
oferece o telefone de volta. — Sem motivo, claramente.
— Bianca não mandaria mensagem sem motivo. — Tento ligar para elas,
mas dá na caixa postal. — Algo pode ter acontecido.
— Quem sabe uma oferta melhor surgiu e eu já não seja mais tão
interessante assim…
— O que está dizendo? — O encaro com o rosto franzido. Menos
simpático do que antes, ele balança a cabeça e puxa sua mão de volta.
— Nada. Só queria saber por que ele se preocuparia sabendo que você
está comigo agora? Que é problema meu? — Outra risada escapa por seus lábios
e eu noto o comportamento de quase invisibilidade dos soldados. — Me parece
ser apenas uma forma de Vittorio ou quem sabe, até mesmo Matteo, colocarem
merda na sua cabeça. Ou aparecerem um pouquinho quando ninguém solicitou a
proteção deles para nada.
Então eu noto o que está rolando aqui.
Se eu ligar, se quiser realmente saber o que meu pai quer, ou minhas
irmãs, Luca se fechará novamente. Terei a versão distante, não a que eu acabo de
conhecer. Porque será como assinar embaixo no contrato que diz que não estou
disposta a confiar nele.
Talvez, se estivermos sendo mais dramáticos, será como uma traição a
Accorsi. Afinal, sou uma deles agora. Os Fioderte são quem eu um dia fui. E não
deveriam mais se preocupar comigo, quando estou sob a proteção de meu
marido, quase como se o julgassem incapaz de me manter segura. Como eu,
devem confiar que Luca me manterá a salvo.
Decido, então, por vontade de fazer com que isso dê certo e sejamos mais
do que meros estranhos que dividem a cama, bloquear o telefone e colocá-lo de
volta na bolsa. Luca observa a cena, tirando os olhos da vista paradisíaca e
parece surpreso pelo gesto.
Sua mão volta para a minha coxa e ele a aperta duas vezes. Não sorrio,
mas sinto que fiz a escolha certa, embora um ponto de interrogação pareça
florescer entre meus pensamentos.

Chegamos ao hotel em pouco menos de trinta minutos. Mathias abre a


porta para mim e Luca sussurra algo com Roger, que apenas concorda. Espero
que ele apareça e com certa pressa, posiciona a mão sobre minha cintura. O
toque já é familiar a este ponto.
Somos os únicos dentro do elevador e eu fico um pouco ansiosa por isso.
Não sei o que diabos Roger e Mathias foram fazer.
Luca, notando meu desconforto, aperta minha cintura com um pouco
mais de força e me inunda de memórias recentes o suficiente para me fazerem
corar.
Com um beijo na ponta do meu ombro queimado, Luca faz com que eu
me arrepie.
— Você foi ótima — suspira. — Você é ótima.
Respondo a isso com um grunhido confuso. Sua mão empurra meus
cabelos e sinto o toque de seus dedos em meu pescoço. Ele parece ter certo
apreço por ele.
— E se você deixar, eu quero te foder todos os dias, exatamente do jeito
como fizemos hoje.
A saliva seca. O meio das pernas inunda.
— E se estiver tão pronta como eu, posso fazer isso agora… — Pressiona
os dedos contra minha pele. O toque é exigente, autoritário. Eu deixo que faça.
— E te fazer gozar ainda mais e com ainda mais força, linda.
O “você pode fazer o que quiser comigo e eu vou adorar” fica preso na
minha garganta, em algum lugar entre minha razão e meus desejos e as portas do
elevador se abrem. Luca estala a língua e parece levemente decepcionado, mas a
postura é a mesma de orgulho quando andamos no corredor, passando por dois
soldados que são outros, além de Daniel, Roger ou Mathias. Luca os conhece e
acena antes de passar o cartão na porta e colocar-me para dentro.
— Quer tomar banho comigo? — pergunta, chutando seus sapatos e a
bermuda para longe. O pau já está marcando na cueca e eu me sinto fraca. E
meio zonza. Mas ele não parece irritado pela minha falta de resposta e se
aproxima, roubando-me um simples selinho. — Tudo bem. Vou levar isso como
um não. Volto logo.
Ele pisca para mim e sai e eu me arrependo de não ir junto. Mesmo
assim, há certo alívio em minha parte por não ter de lidar com o turbilhão que
tomou conta de mim na praia, quando ele era tudo que eu conseguia enxergar e
pensar.
Preciso de um minuto onde ele não esteja me sufocando com toda sua
intensidade, beleza e sua maldita habilidade para me beijar e tocar. Apenas um,
para poder assimilar tudo.
Vou até o sofá e coloco uma toalha embaixo de mim. Não sei se rio ou se
choro, escondendo meu rosto entre as mãos. A animação é gigantesca, assim
como o medo. Mas dentro de mim há a sensação de que pode dar certo. De que
há chances de que isso funcione e que sejamos um casal de verdade. De que
tenhamos bons momentos e Deus, se eu não estiver sonhando alto demais, até
mesmo de que gostemos um do outro.
Minha animação parece tomar conta de cada gota de mim e vou na
direção do frigobar atrás de algo para beber. Água me parece a melhor opção e
quando me viro novamente para a sala, meus olhos encontram algo curioso sobre
o aparador mais próximo da janela.
Uma caixa num tom de seda bege, com um laço e um cartão na frente. A
ideia de ter recebido um presente me agrada e eu solto a garrafa, indo até lá em
passos ligeiros. Puxo o cartão e abro um sorriso quase tosco ao ler “para o
senhor e a senhora Accorsi” o abrindo.
Feliz lua de mel! Que a felicidade os encontre e acompanhe onde quer
que estiverem!
Procuro por uma assinatura, mas não há nada. Isso me faz franzir o rosto.
O papel é chique o suficiente e penso se é algo do hotel. Talvez uma cortesia.
Solto o papel e foco na caixa. É grande, como se pudesse guardar uma
bola de futebol e um pouco pesada. Sacudo para ver se não há barulho. Um apito
baixinho me deixa ainda mais curiosa e eu noto, ao longe, que o barulho do
chuveiro cessou.
Desfaço o laço e puxo a tampa. Há um papel de seda delicado e
transparente que cobre o presente. E estou o desfazendo, quase no final para
revelar o que há embaixo, quando escuto meu nome ser chamado e paro.
Apoio as mãos na beirada da caixa e olho para trás. Luca não está em
lugar nenhum para ser visto, mas por que ele me chamaria? Pode ser algo
importante.
Deixo a caixa por um segundo e caminho na direção da suíte. Mas paro
na metade do corredor quando Luca deixa o quarto, coberto com nada além de
uma toalha na cintura. Seu cabelo pinga e ele parece confuso ao me ver, até que
seus olhos focam em outra coisa.
— Rebecca, o que é isso…
Mas sua fala fica muda quando um som ensurdecedor ecoa e tudo ao
nosso redor explode.
Vitória é reservada aqueles dispostos a pagarem seu preço.
Sun Tzu
Estou sentado em meu escritório quando batidas apressadas na porta me
alertam de que há companhia. Encoberto pela carranca habitual, Rodrik entra na
sala e se posiciona à minha frente. Funga o nariz e bate as mãos contra as coxas,
soltando um pedaço de papel sobre minha mesa.
Não me dou ao trabalho de ler o que há ali.
— O que é isso? — pergunto, estudando o caos que é meu irmão. A pele
pálida, marcada pelas cicatrizes e olheiras profundas, além da magreza
exagerada, proporcionada pelo excesso de exercícios e métodos não
convencionais de diversão, lhe proporcionam um visual doentio.
— Leia — manda, parecendo ter se esquecido de quem sou. — Por favor.
— Acha que vou ler qualquer merda que soltar para mim?
— É o convite de casamento de Luca Accorsi e Rebecca Fioderte —
explica, finalmente, justificando sua ansiedade. Eu a enxergo como raiva agora,
algo perto do ódio. — Será nos Hamptons, no dia doze. Os fodidos vão
comemorar, Romeu, com uma puta festa, enquanto nós vamos fazer o quê?
Celebrar os mortos? Lembrar nosso pai?
Motivado pela curiosidade, derramo minha atenção sobre o envelope
que, agora estudando, é refinado o suficiente para chamar minha atenção. Tem
uma florzinha lilás como selo e eu a arranco, sorrindo. Que fofo.
Os nomes deles combinam juntos...
— Não podemos permitir que isso aconteça — diz, respirando fundo.
Sua boca está torta pela quantidade de raiva e força que deposita sobre ela ao
morder seus lábios e eu iria odiar se ele tivesse mais uma maldita convulsão na
minha frente.
Eu quase pedi que Ivan desse fim ao seu sofrimento na última vez.
Mas Diana, nossa irmã, intercedeu por Nadine, a filha dele. E por ela
apenas.
Eu me preocupei porque não faria bem à Natasha, minha filha, crescer
com uma prima perturbada. Já basta ela e seus modos insuportavelmente
rebeldes.
— Nós quem, Rodrik? — questiono, achando graça da mensagem no
final do convite. Esperamos por você.
Duvido.
— Onde você conseguiu isso? — indago, girando o papel entre os dedos.
— O soldado nos trouxe — ah — Achou que poderíamos gostar.
— Ele precisava de dinheiro, então, é o que você quer dizer? — indago
de volta numa risada divertida. Rodrik estala a língua e despreza meu
comentário. Ele não se importa em oferecer o que for necessário, se isso
significar que terá o que precisa.
Eu sou mais do tipo racional.
Fico de pé e abandono minha cadeira. Chove lá fora, o que deve explicar
o barulho que vem dos corredores e do segundo andar de nossa casa,
considerando que as crianças não podem aproveitar o quintal.
— Ele não nos traria algo assim por qualquer outro motivo, Rodrik.
Parado na frente do meu irmão, puxo o convite de cima da mesa e o
observo. Ele acompanha meu movimento e eu seguro o envelope na frente de
seus olhos.
— Temos que nos lembrar todos os dias de que o soldado é parte aqui,
parte lá. Ou acha que alguém confiável se venderia desse jeito?
— Foda-se a personalidade dele, Romeu — esbraveja, o rosto ficando
vermelho. — Eu só quero saber o que nós vamos fazer.
Sorrindo, puxo o isqueiro do bolso.
— Nada.
Quando coloco fogo no papel, Rodrik xinga.
— Romeu, porra...
— Isso pode ser uma armadilha — explico calmamente. — E eu não
estou a fim de cair em uma. Deixe-os apenas pensarem que podemos aparecer.
Quem sabe, Luca Accorsi com toda sua coragem, não acabe fugindo e facilite
nosso trabalho?
— Ele vai se casar com a garota da Cosa Nostra. — Rodrik reclama. —
Eu não fugiria se fosse ele.
— Interessado na menininha dos olhos do velho, Rodrik? — Sorrindo,
meu irmão assente. Vimos fotos dela. Sabemos quem é.
Luca ganhou na loteria, mas isso não significa que ele ficará com o
prêmio.
— Então, prometerei algo a você... — O convite termina de queimar e eu
o jogo na lixeira. — Na primeira oportunidade, ela será sua e você poderá fazer
Luca assistir enquanto toma o que é dele. Como isso soa para você?
Meu irmão sorri tanto que eu penso que finalmente há alguma luz em
seus olhos.
Mas é apenas mais da escuridão com a qual estamos acostumados,
reagindo ao convite para brincar um pouco.
— Feito — murmura, sorridente. — Será ainda melhor tirá-la dele depois
que ele provar...
Assim, eu o mantenho calmo e ele fica satisfeito, o que significa que
estará controlado. Rodrik pode ter algumas obsessões, o que não é bom quando
se está numa caçada estratégica como a que estamos enfrentando agora.
Tudo precisa ser pensado, se quisermos vencer essa guerra e honrar a
memória de nosso pai.
E pelo nosso sangue, eu prometo que irei.
A qualquer custo.
— Meu filho não vai ficar em observação. Vamos deixar o Havaí o mais
rápido possível.
Eu não tenho certeza se estou sonhando ou se estou acordado. Minha
cabeça chia, como uma chaleira no ápice da fervura. Não consigo mover os
lábios e sei que estou medicado. E embora a audição esteja ruim, com um piiiiiii
baixinho ao fundo, posso distinguir a voz de meu pai de qualquer outra.
Mas certamente não é a voz que eu gostaria de ouvir.
— Calma, tio! Não podemos arriscar perdê-lo de vez!
Max. Eu reconheço Max também.
Penso em abrir meus olhos, mas não há força em mim para fazê-lo. Não
encaro nada além da escuridão e a sensação desconfortável de estar preso.
Onde está Rebecca? Eu quero perguntar. Quero saber. Preciso saber.
— Estamos exatamente onde eles queriam que estivéssemos. O que os
fodidos queriam ao colocar uma bomba no quarto desses dois, eles conseguiram.
Estamos fora de Nova York. Entende a brecha que isso abre?
Sei que estão discutindo apenas pelo tom de voz. Não que meu pai algum
dia tenha sido calmo, mas Max sabe que não deve ir contra ele quando está com
esse humor. Especialmente comigo numa cama de hospital. Especialmente se,
como dito por Tony e sentido por mim, uma bomba foi explodida em nosso
quarto.
Rebecca.
Ela estava mais perto, estava longe do quarto. Eu… hm, eu tentei puxá-
la. Na verdade, eu a puxei. Ela caiu contra mim. Mas caiu desacordada. É a
última memória que tenho e ela ecoa pela minha cabeça, assim como as vozes.
Meu corpo praticamente se recusa a abandonar o sono, mas eu o forço tanto, que
consigo abrir os olhos, embora possa sentir todo o peso de estar vivo correndo
dentro de mim. A sensação é péssima e eu preciso de força para mexer os dedos,
sentindo o lençol embaixo de mim.
Estou em um quarto de hospital, reconheço imediatamente. As paredes
brancas, a ausência de decoração e o excesso de monitores cardíacos e outros
apetrechos não permitem enganos. A luz branca é cegante e eu pressiono os
olhos novamente, tentando me acostumar a elas. Meus olhos ardem por isso.
Antônio e Max estão parados na ponta da cama e posso reconhecê-los
pelas silhuetas. Na frente deles, um homem vestido de branco fala sobre alguma
coisa que não os agrada. Sua voz não passa de um muxoxo ao longe para mim.
Então, olho ao redor, na expectativa de encontrar Rebecca sentada num dos
sofás, esperando que eu acordasse. Mas não.
Tudo que encontro são Donatella e Lorenzo, perfeitamente posicionados
no sofá cinza de dois lugares. Donatella parece apreensiva, com as mãos na
frente do rosto e Enzo está sério como nunca vi.
É ele que percebe que acordei.
— Pai! Olhe!
Seu grito chama a atenção de nosso pai, que vira num supetão, querendo
garantir que estou mesmo vivo. Os olhos de águia pousam sobre mim e eu o
encaro de volta, observando-o enquanto se aproxima da maca. Não toca em
mim, diferente de Donatella, que prende minha mão contra seu rosto e a beija,
como se eu fosse a porra do papa.
Max sorri como se nosso time tivesse feito um gol na Copa do Mundo e
me dá um beijo alvoroçado na testa. Franzo meu cenho diante disso, mas ele não
se importa. Sua mão pousa em meu ombro quando ele fala:
— Seu filho da puta! Que susto da porra você deu na gente!
— O que…
Minha voz quase não sai e eu tusso antes mesmo de completar a frase.
Donatella me encara com preocupação, mas eu não me importo com isso, até
tentar me mexer e sentir como se todo meus ossos tivessem passado por uma
máquina de moer carne. Dói até minha medula e eu paro com um grunhido alto.
Minhas costelas pegam fogo.
— Precisa ficar parado. — Enzo alerta. — Tem um roxo do tamanho de
um carro nas costelas e um estilhaço de bomba na perna.
— Cara, você quase a perdeu. — Max acrescenta, me fazendo encará-lo
com minha melhor expressão de pânico. — Mas tá tranquilo. Ela continua no
lugar e segundo o dr. Honolulu ali, vai funcionar.
Encaro minha perna e noto que está enfaixada. Talvez todo meu corpo
esteja, porque eu sinto que não posso mover um dedo.
Porra.
— Como isso aconteceu? — pergunto, com a voz rouca como a de um
fumante. Tusso um pouco no final, mas minhas cordas vocais parecem melhores
quando Dona me oferece água.
— Os russos enviaram como um presente. — Meu pai diz, manifestando-
se pela primeira vez. Sua boca está repuxada e ele parece aborrecido, enquanto
todos os outros estão aliviados. Usa um terno cinza e os cabelos loiro-escuros
como os meus estão puxados. Teve tempo o suficiente para se arrumar antes de
vir. — Parece que mandaram uma mensagem para Vittorio antes.
— Disseram que iam explodir o nosso quarto? — A pergunta soa tola,
mas a faço mesmo assim, com a sensação de que minha garganta pega fogo.
— Não. Foi uma mensagem genérica e irônica. — Max deixa claro. —
Algo sobre um presente chegando em breve com a assinatura de Romeu. Três
horas depois, sua suíte explodiu.
— E nossos soldados chegaram com o reconhecimento daqueles que
você pediu… — Enzo fala, sério como de costume. Não é como se eu esperasse
por lágrimas da parte dele. — Veja se reconhece esses nomes.
Lorenzo coloca o telefone na minha mão e eu preciso espremer meus
olhos para ler qualquer coisa. Além de que, a luz do celular incomoda. Mas
certamente não sou eu que irei reclamar de uma enxaqueca, na frente do meu
pai, após sair vivo de um puto atentado explosivo.
Então, consigo ler as primeiras sílabas do primeiro nome e ignoro
completamente o outro. Não importa, era só uma vadia qualquer. Mas o homem
não.
— O homem que esteve no hotel conosco era Alexei Ostarkov?
Bingo.
— O identificaram através de uma base de dados internacional. Jones nos
passou a informação há meia-hora.
— Não faz sentido que Romeu tenha mandado o seu traficante atrás de
você. — Donatella murmura, olhando para todos nós. — Com que finalidade
faria isso?
— Ele sabe que estamos atrás de Alexei. — Max suspira, parecendo tão
preenchido de raiva quanto eu. Sabemos por onde esse fodido anda e agora saber
que ele estava literalmente na minha frente… — Quis brincar conosco.
— E conseguiu! — Tony sentencia, irritado, como se eu tivesse culpa. —
Parecemos palhaços!
Diga por você, penso.
Tudo que ele conseguiu foi me deixar mais furioso.
— E Rebecca? — Minha pergunta pesa ainda mais o clima do quarto.
Donatella olha para Lorenzo, enquanto Max morde a boca. — Onde ela está?
— Pelos ferimentos, deduzimos que ela estivesse mais perto da explosão
do que você… — Lorenzo fala, assumindo a bronca. Meus olhos fixam-se sobre
ele e poderia esganá-lo para falar mais rápido se tivesse controle de meus
movimentos ou força. — Foi mais afetada do que você, mas, hm… Está viva. E
estável.
— Aonde?
— Acabei de sair do quarto dela para vir falar com você — Dona faz
questão de dizer. — Está dormindo. E não vai morrer, como Lorenzo fez parecer
agora.
— Eu sou realista — diz, dando de ombros. Eu queria dar-lhe um soco.
— Não vou mentir para ele que a garota está inteira se foi por pouco que ela não
explodiu junto.
— Quero ir até ela — exijo. Max parece chocado.
— Poderá vê-la quando estivermos em Nova York. — Antônio diz e me
faz bufar. — Ou pode ficar aqui com sua maldita noiva e levar um tiro na testa.
Eu prefiro ficar em silêncio depois dessa. Não tenho força ou voz para
entrar numa discussão com Tony. Meu corpo já parece prestes a pedir arrego e eu
nem me movi. Mas por Deus, como eu queria ver Rebecca.
Se ela não tivesse sobrevivido…
Um peso do qual eu nem tinha ciência começa a diminuir em meu peito.
A ideia de que ela esteja numa cama de hospital, desacompanhada, me
incomoda. Por que não estamos no mesmo quarto?
E quem foi o fodido que ousou colocar uma bomba em nosso quarto e
quase matou minha esposa?
É uma questão de mexer com o que é meu, no final das contas. É meu
nome que ela leva, é meu nome que deve protegê-la, não a ter morta na maldita
lua de mel. A sensação é de que fraquejei, dei brechas e permiti que isso
acontecesse. Me distraí demais com a boceta dela ao invés de me concentrar na
guerra que tinha início.
Remexo cada memória presente em meu cérebro e tento encontrar algum
sentido, mas não há nada que me mostre que eu perdi alguma coisa. E estou
impossibilitado de ir a qualquer lugar.
Então fecho os olhos e permito que o sono me alcance de novo.

Minha família não espera nada para nos tirar do Havaí e eu descubro, no
caminho para o aeroporto, que já se passou um dia desde a explosão. A máfia
local fez questão de deixar claro que não tiveram nada a ver com isso e se
disponibilizaram para ajudar-nos. Mas não é necessário nenhum tipo de
investigação para saber que isso, nada mais é, do que Romeu correndo atrás do
tempo perdido.
A guerra começou pra valer agora. E aquele filho da puta vai vir com
força para cima de gente.
É apenas uma questão de sorte que eu e Rebecca estejamos vivos. Um
centímetro a mais e ela teria explodido. Se eu tivesse aberto aquela caixa,
também já teria ido dessa para uma melhor. Foi como se o destino tivesse
decidido jogar conosco, levando-nos ao limite. Ou apenas o tipo de susto
necessário para que meu pai tomasse decisões e colocasse planos de defesa
eficazes em prática.
— Donatella está indo em outro avião com Rebecca e uma equipe
médica. — Max avisa, quando se joga na poltrona creme a minha frente. Estou
imobilizado e praticamente preso a cadeira.
A ideia de que só a verei daqui dez horas me toma de assalto e preciso
conter minha impaciência quando meu pai passa, indo se sentar no fundo da
aeronave:
— Como ela está? — indago.
— Com dores, mas estável. Os ferimentos dela foram nos pulmões. Você
melhorou as coisas deixando-a cair por cima de você.
Arqueio uma sobrancelha.
— Como você sabe disso?
Meu primo me oferece um sorriso irônico.
— Quando algo explode, você é arrastado. Rebecca deveria ter batido a
cabeça e provavelmente morrido naquele momento. Mas você sacrificou suas
costelas boas para isso.
Max fala isso sem peso algum e começa a folhear uma revista de
automóveis, enquanto eu preciso de um segundo para absorver a dor e tentar
falar qualquer coisa novamente.
Instinto. Foi ele o responsável por me fazer puxá-la para dentro do
quarto, na esperança de que não tivesse todos os seus órgãos estourados pela
bomba. Até mesmo tentei fechar a porta, o que pode ter nos ganhado tempo — e
proteção. Ainda assim, foi atingida pela explosão, e deve ter sofrido dos efeitos
dela, assim como eu. Há marcas de cortes espalhados por todo meu corpo. E
sinceramente, eu não sei como fui capaz de tanto num momento de tanta cólera,
ansiedade e urgência. Pelo visto, o treinamento serviu para algo.
Mas fico contente que ela esteja viva por causa disso.
Se depender de mim, Romeu não vive mais um dia. Ele deveria parar de
sonhar em tomar o controle da nossa cidade e começar a procurar um bom
bueiro onde se esconder.
Eu não perderei nada para aquele filho da puta.
Nada.

Tenho um vislumbre rápido de Rebecca ao desembarcarmos. Ela desce


numa cadeira de rodas e Donatella está segurando a sua mão. Penso em
atravessar a maldita pista e ir eu mesmo oferecê-la suporte, mas não tenho
condições disso. Só andar até o carro já parece gastar muito de mim.
Me arrependo de ter mandado Lorenzo enfiar a cadeira de rodas que
disponibilizaram para mim na sua bunda e aprecio que ele e Max andem ao meu
lado, a fim de garantir que eu não caia. Vamos apenas os três num carro, pois as
normas de segurança mudaram agora, sob ordens estritas de meu pai, que
finalmente parece ter acordado para a porra da vida.
Eu só precisei quase morrer para isso.

Eu já sabia que a minha mãe estaria preocupada, provavelmente


chorando desde o momento em que soube da notícia. Mas encontrá-la engatada
num choro desesperado quando entro em casa, me deixa menos estável do que
eu estou acostumado.
Quando me abraça, quase caio para trás e preciso segurar a respiração, e
assim, tento diminuir a dor. Me esforço o suficiente para passar os braços ao
redor dela.
— Estou bem, mãe — falo, dando batidinhas em suas costas. Ela
encharca a camiseta preta que conseguiram para mim de última hora, mas eu não
ligo. — Estou bem, mas preciso me sentar — ressalto, uma vez que ela não
parece ter a intenção de me largar nunca mais.
— É claro, meu filho, é claro…
Ela tenta interromper seu choro, enquanto Max me ladeia até o sofá. Eu
grunho para a ação, mas ele não se abala, me olhando como uma babá.
— Onde estão Rebecca, Donatella e seu pai? — pergunta, parecendo
quase desesperada.
— Viajamos em carros separados agora, tia. — Max anuncia, após dar
um beijo em sua bochecha. — Precauções.
— Ah, é claro. — Sua voz está embargada e minha mãe mal parece ser
capaz de se mover. Imagino em que tipo de nível sua tensão ficou nas últimas
vinte e quatro horas. O quanto sofreu e o que provavelmente esperou ao saber
que meu quarto havia explodido comigo dentro.
Não demora para que o silêncio seja cortado pelas vozes vibrantes — que
também expressam certa preocupação — dos meus irmãos. Lorenzo, Marcus e
Amanda descem as escadas com rapidez e eu sou forte o suficiente para permitir
que minha irmãzinha me abrace, toda chorosa, enquanto os dois mais velhos me
perguntam qual é a sensação, agindo como se eu fosse o Liam Neeson.
Eu deixo de me prestar a responder suas perguntas quando o barulho da
chegada de meu pai é notado. Ele cumprimenta minha mãe com um aceno de
reconhecimento e eu observo até que Rebecca passe pela porta, esperando
encontrar a mesma menina sorridente que eu fiquei naquela praia. Mas nem de
longe é a mesma.
Parece sonolenta, com os olhos opacos e a pele marfim, normalmente tão
brilhosa e sedosa, pálida, e os braços envoltos em faixas como as da minha
perna. Seu cabelo está solto, mas deve estar assim apenas porque o penteado de
antes se desmanchou. E as bochechas… sem cor e por muito pouco, quase sem
vida.
Não se parece em nada nem com a Rebecca da praia, nem com a noiva
que se casou comigo há menos de uma semana.
E isso faz minha raiva borbulhar.
— Oh dios mio… — A voz de minha mãe é a única que todos nós
escutamos, enquanto ela se desloca até Rebecca. A menina acompanha seu
movimento e sorri quando ela toca sua mão, com cuidado o suficiente para não a
machucar, encostando nas queimaduras leves que estão ali.
— Ela precisa dormir antes de ter qualquer tipo de interação. —
Donatella alerta, funcionando como a guarda-costas de Rebecca. O que vejo em
seu olhar é a mais genuína preocupação e fico aliviado por minha irmã ter
assumido o fardo, uma vez que estou incapaz até mesmo de andar até minha
esposa e perguntar como se sente para que minha vingança ganhe ainda mais
força. — Soldado Jones?
Jones. Viro todo meu corpo para encarar Daniel. O examino com
atenção e penso onde está o resto da equipe e como deixaram um presente
daqueles passar sem inspeção.
No entanto, não era Daniel na segurança quando retornamos. Não era seu
horário.
Eu relaxo e retiro minhas ideias sobre explodir sua maldita cabeça.
— Sim, senhora? — Ele se afasta da parede, onde normalmente ficam
postados o dia inteiro e coloca toda sua atenção em Donatella.
— Preciso que você e mais um ajudem Rebecca a subir. — Dona delega
e eu penso em ir junto, mas minhas costas doem o dobro quando tento me
levantar correndo. Mamãe me olha com um olhar claro de advertência.
— Sim, senhora. Eu e o soldado Young podemos ajudá-la.
Meus olhos vão direto para cima de Oliver, o guarda-costas de meu pai e
observo enquanto os dois ajudam minha esposa a subir. Minha mãe e Donatella
os seguem e eu chamo por Max quando estamos apenas nós.
— Tommaso e Edoardo — chio, me referindo aos soldados que
guardavam a porta à tarde toda. — Onde estão?
Meu primo reconhece os nomes dos soldados e parece em alerta.
— Se forem sortudos, já estão mortos.
— Mas nós podemos contra-atacar? Temos o necessário para isso? —
Meu tio Ricardo, em um tom de voz cauteloso, pergunta, fazendo parte da roda
de discussão.
Tony está sentado na poltrona de sempre, atrás de sua mesa e Vittorio
está participando da reunião através do monitor. Bernardino está sentado ao lado
de Ricky e nenhum dos homens parece tranquilo enquanto discutem os últimos
acontecimentos.
O clima de tensão é palpável e por pouco, não fiquei de fora. Antônio até
mesmo tentou me enxotar para longe, ordenando que eu deveria repousar, mas
no momento em que notei que iriam discutir sobre a porcaria da minha vida e os
desdobramentos do ataque feito a mim, me enfiei aqui e não dei importância
alguma aos olhares enviesados do meu pai. Max está de pé ao meu lado e parece
tão irritado quanto Tony por eu estar aqui.
Mas que se fodam os dois.
— Não temos quase nada em informações. Não sabemos seus números
em homens ou em armas. — Bernardino diz, parecendo mais cansado do que o
vejo há tempos. O brilho causado pelo meu casamento sumiu e ele, assim como
todos os homens dentro dessa sala, parece exausto. — Quando Konstantin foi
derrubado, não havia mais de cem soldados russos em Nova York. E eles não
haviam tomado Brighton. Era brincadeira de criança. Estávamos obviamente por
cima. Agora, há famílias. Casas. Clubes. O número do exército de Romeu
obviamente cresceu. E não podemos atacar no escuro, sem saber o que virá em
nossa direção.
— Tony tem homens em Brighton. — Ricardo fala, referindo-se ao bairro
no Brooklyn conhecido também como Pequena Odessa. A comunidade russa e
soviética é forte lá. E sem dúvida, dado o que conseguimos com Inessa e sobre
Alexei, é lá onde estão sediados. — Eles não trouxeram nada a você?
— Os homens que tenho lá não passam de um bando de merdinhas
incompetentes e medrosos! — Antônio diz, acompanhando a fala enérgica de um
longo suspiro. — Têm medo até mesmo da própria sombra e não me devolvem
nada!
— Então talvez devesse ir atrás de informantes melhores, Antônio. — A
voz de Vittorio é ouvida quando ele se manifesta e todos olhamos na direção do
monitor. Posso ver a raiva que envolve meu pai após escutar as palavras nem tão
cordiais do Capo italiano. — Explodiram uma bomba no quarto da minha filha.
Isso passa de todos os limites.
Ele não parece preocupado, apenas revoltado. Diria que é mais pela sua
honra e o que isso significa para sua família do que por Rebecca, afinal, não vejo
nenhum deles aqui após a garota ter sido atirada pelo ar por um explosivo. E
duvido que apareçam, considerando que é ele quem dá as ordens.
Um arrepio corre pelo meu corpo ao pensar que não fui até ela assim que
chegamos. Deveria.
Mas poderei ir assim que terminarmos.
A Accorsi é minha prioridade número um, assim como a vingança pelo
que nos fizeram.
— Obviamente sabemos disso, Vittorio. — Bernardino assume a fala, já
que meu pai parece incapaz de fazer qualquer coisa perto disso, imobilizado pela
fúria que o consome. Tony, como qualquer homem em seu lugar, não tem apreço
por repreensões. — Mas não iremos atirar no escuro.
— Posso usar alguns contatos que tenho na Rússia para conseguir
detalhes internos. — Max fala, coçando a barba que cresce. — Não são homens
de dentro, mas tem noção do funcionamento das coisas. E se Romeu estiver
trazendo seu pessoal para cá, com toda certeza, eles saberão.
— Então por que é que já não falou com eles? — Meu pai resmunga.
Maximus não se incomoda, já acostumado com a grosseria e puxa o telefone do
bolso da calça.
É uma conversa ligeira, que faz meu primo respirar fundo várias vezes.
Algumas palavras em russo são ditas e eu tento não vomitar pela dor intensa em
minhas costas — ou pelo modo como elas soam saindo da boca de meu primo.
Ele desliga e não olha direto para meu pai até ter confiança o suficiente para
isso.
— Não estão cientes de nenhuma movimentação. As coisas só estão…
silenciosas.
— As coisas sempre ficam silenciosas antes de virarem um inferno —
murmuro, à toa. Não é como se minha opinião fosse valorizada aqui, quando mal
posso me levantar ou respirar sem sentir meu corpo ferver em dor.
— Isso não é um bom sinal. — Ricardo fala o óbvio, arrancando um
grunhido de impaciência do seu irmão mais velho.
Eu finalmente decido abrir a boca.
— Não deveríamos nos preocupar tanto com os números de Romeu —
falo, empurrando a sensação de estar prestes a cair duro nessa poltrona de sono e
dor e chamo a atenção de todos. — Temos uma base bem estabelecida e homens
espalhados por mais de dez estados. Além disso, agora contamos com o reforço
dos homens da Cosa Nostra. E Romeu sabe disso. Por este motivo, está
mantendo seus números em segredo e fazendo o jogo sujo.
— Não é sujo, se é o único jogo que sabemos jogar. — Max comenta,
sacudindo os ombros. — E precisamos ir contra, antes que ele pense que nos
atingiu.
— Mas ele atingiu! — Bernardino diz. Sua boca é uma linha fina e não
gosto do modo como passa os olhos sobre mim. — Colocou Luca num hospital e
quase matou sua esposa. Atacar agora, quando temos brechas como essa, não é a
solução. Devemos esperar que as coisas se consolidem. Que todos nossos pontos
estejam seguros e que saibamos onde e com quem Romeu está.
— Quer esperar? — indago num rosnado, ignorando a pressão horrível
que há enquanto faço força para falar num tom de voz mais alto e potente. — É
por terem me atacado, que não deveriam esperar porra nenhuma! Romeu pediu
por uma resposta ao me mandar pelos ares com Rebecca! Foi a declaração que
precisávamos para iniciar a porra da guerra contra esses filhos da puta!
Um silêncio pesado segue minhas palavras enquanto todos os homens na
sala se entreolham. Meu pai me encara como se eu tivesse falado mais do que
deveria, mas ao mesmo tempo, há certo nível de concordância no modo como
mantém seus ombros relaxados.
— O garoto tem razão. — Vittorio fala, quebrando o silêncio e
surpreendendo a todos nós. — Não é do feitio da minha família ser atacada e
deixar as coisas por isso mesmo. Exijo retaliação pelo que Romeu Ivanov fez.
Não seremos fracos ou medrosos. Se o maldito russo pede por sangue, é o que
ele terá.
Tony olha diretamente para Bernardino, seu homem de confiança, e este
coça sua têmpora, concentrado em seus próprios pensamentos enquanto todos os
outros se dedicam a escutar Vittorio, que, por um milagre, me apoia. E exige
justamente o que eu também quero.
— Entendam, não queremos ignorar o que foi feito… Isso seria ridículo.
— Bernardino, sempre do lado da lógica, como um fodido maricas, diz,
pacientemente, olhando para o monitor. — Queremos sangue e queremos Romeu
morto, mas não concordo com a ideia de sacrificarmos homens que poderão nos
ser úteis quando tivermos ideia do que Romeu pretende. E Luca está falando em
vingança, mas por Deus, ele mal consegue se manter de pé! Se vingança é o que
exigem, pelo menos deveríamos esperar que ele se recupere. Ou será apenas
mais um problema com o qual teremos de lidar.
— Duvida da minha capacidade de acertar um tiro na merda da sua
cabeça agora mesmo, Bernardino?
O Consigliere me olha em desafio. Meu pai endurece sua postura como
se eu tivesse ofendido diretamente a ele.
— Calado, soldado! — Tony ordena, me colocando de volta no lugar
onde pensa que pertenço. — Ou serei eu a enfiar a porra de uma bala no meio da
sua testa!
Gostaria de te ver tentar, pai, penso. Mas como tenho juízo, guardo o
comentário para mim.
— Se Luca pretende fazer parte do ataque, Bernardino está certo. —
Ricardo fala. E noto que tem o apoio de Max nisso. — Deve ficar bom o
suficiente antes, a menos que deseje ser mais um corpo que precisaremos
arrastar.
Filhos da puta. Duvidam da minha capacidade de lutar? Como se não me
conhecessem a vida toda e não soubessem o que já fiz e de como sou
fodidamente bom no que faço?
Me tratam como um idiota.
— Então daremos algumas semanas ao moleque. — Vittorio fala,
parecendo se lembrar que é de mim que estamos falando. Seu desprezo fica claro
em seu tom de voz, como se eu fosse fraco por precisar de algum tempo. Eu
tenho vontade de me levantar e mandar que enfie qualquer tempo em sua bunda,
mas os olhos de meu pai, cientes de meu temperamento, permanecem em cima
de mim o tempo todo, apenas me desafiando a estragar tudo, como,
aparentemente, ele já acredita que eu tenha feito. — Exploraremos as opções
enquanto isso. Posso enviar homens experientes. E entrarei em contato com
meus aliados nas fronteiras.
Há acenos de concordância vindos de todos. Até eu sou obrigado a
concordar diante dos olhares que todos lançam em minha direção, mas então
Bernardino se vira e para tomar a decisão final, dirige-se ao meu pai.
— Concorda com tudo isso, Capo?
Ele mantém o olhar em mim e me analisa do mesmo modo como Vittorio
fez. Sei que não quer fazer uma concessão, muito menos me dar uma folga.
Deve ver isso como desperdício de investimento e se estivéssemos sozinhos,
aposto que iria ordenar que eu me endireitasse e lidasse com meus problemas.
Mas ele é forçado a apenas concordar, considerando o achismo dos outros de que
eu devo ter descanso antes de representar a famiglia e não uma surra por não
cumprir com suas expectativas.
Por isso, Tony assente e encerra a reunião.

— Então… vamos ter férias! Que delícia! Para onde nós vamos?
Cancún? Aruba? Quem sabe Brasil? Escutei coisas boas sobre aquele lugar.
As palavras e sugestões animadas de Max são responsáveis por me fazer
bufar. Lorenzo e Donatella, que entram no quarto logo após nós dois, apenas
observam enquanto pareço lutar contra meu próprio corpo ao me sentar na cama.
Tudo dói. Exatamente tudo.
Eu nunca estive tão fodido.
— Não vamos a lugar nenhum — rosno. — Essa porra de repouso é uma
babaquice! Não preciso dessa merda, nem da pena de ninguém.
— Custa ser menos teimoso e aceitar que você quase morreu? — Dona
resmunga, me lembrando da sua infeliz presença. Eu empurro Max quando tenta
me ajudar a me deitar. Apenas me encosto contra os travesseiros e absorvo cada
cantinho da dor enquanto meu corpo relaxa e tudo piora. — Então, a menos que
busque o suicídio, você precisa sim ficar parado.
— Posso acertar quem for e em qualquer lugar até mesmo deitado,
Donatella — respondo. Minha irmã revira os olhos e parece pertinho de desistir
de me convencer de qualquer coisa.
— Romeu não seria nada dócil com você só porque está machucadinho,
irmão. — Enzo fala, reacendendo minha vontade de chutá-lo. — Aquiete a sua
bunda e aceite que precisa de descanso, como qualquer ser-humano normal.
— Além do mais… algumas semanas são tudo que precisamos para
comemorar seu aniversário em paz.
Minha vontade de quebrar a cara de alguém se dirige a Max quando ele
se refere a um assunto que eu pensei estar proibido. Mas aparentemente não fui
firme o suficiente sobre o fato de não querer comemorações.
Agora, Donatella acaba de se dar conta de em que altura do mês estamos
e já posso ver o brilho das ideias invadindo seu olhar tão azul quanto o meu.
— Obrigada, Maximus… — ironizo.
— Meu Deus! Luca, seu aniversário está chegando! É claro! Você vai
fazer vinte anos daqui menos de um mês!
Bufo tão alto que tenho certeza de que qualquer um aqui presente nesta
casa pode escutar minha insatisfação diante do assunto. Max está rindo, assim
como Lorenzo e eu observo enquanto Donatella digita compulsivamente em seu
telefone. As unhas roídas não me passam despercebidas, mas certamente
passaram pela minha mãe, se ainda estão assim.
— Não quero festa ou qualquer outro tipo de merda de comemoração,
Dona. Desista.
— Mas é seu aniversário!
— E?
— E daí que nós vamos comemorar! Óbvio que sim!
Eu não me sinto muito esperançoso sobre conseguir que ela desista. E
não tenho mais condições de discutir qualquer coisa. Não agora, pelo menos.
Deixo que Donatella fique com suas ideias ridiculamente irritantes e
expulso todos do meu quarto pouco antes de me entupir de remédios para dor e
um gole d’água. Eles me derrubam em pouco tempo e logo tudo no que penso é
em quando meu corpo irá voltar a me ajudar.
Afinal, tenho uma guerra para enfrentar.
O dia seguinte a viagem de volta é o primeiro em que consigo, de fato,
despertar. A enfermeira que me monitora me alerta, assim que abro os olhos
devagarinho, que a dose do remédio diminuiu e por isso estou acordando e me
atentando a tudo ao meu redor.
Mas é estranho acordar e não sentir a presença de qualquer um dos rostos
com os quais me acostumei a ver toda vez que estive doente. Mamãe com seus
comentários sobre como eu poderia ter impedido isso, mas um chá quente,
Matteo preocupado sobre minha temperatura, Bianca com um livro para me
fazer companhia e Petra tentando ficar doente junto comigo para se livrar das
tarefas.
Não que ela fosse desejar ter sido vítima de uma explosão que por
centímetros não a matou.
Eu não desejaria isso nem para o meu pior inimigo.
Agora, quando consigo pensar pela primeira vez, sem sentir a névoa
causada pelos remédios encobrindo tudo que sinto e penso, não sei muito bem o
que aconteceu nos minutos que sucederam a explosão. Tudo de que me lembro é
do calor em minhas orelhas e de ser empurrada para frente. Então, bati contra
algo e apaguei.
Os dias seguintes — se passaram dois desde o acidente, pelo que Susan
me diz — são como um borrão. Desde notar que estava viva, até chegarmos em
Nova York e eu ser colocada aqui.
Estou no quarto que ocupei quando vim a cidade e fiquei hospedada na
mansão Accorsi. Na mansão da família de meu marido, lembro, engolindo em
seco. A enfermeira nota e me oferece um gole d’água. Aceito.
Será que ao menos sabem que acordei?
— Onde estão todos? — pergunto, forçando minha garganta e sentindo-a
arranhar a cada sílaba.
Alguém pelo menos torcia que eu acordasse?
— A senhorita Accorsi ainda não veio hoje, porque é cedo, mas avisarei
a ela que acordou.
Dito isso, Susan desaparece atrás da porta e eu me sinto menor do que
antes, se possível, enfaixada e encolhida na cama gigante. A dimensão do quarto
também parece assustadoramente grande agora. Ou talvez seja apenas a dor que
sinto ao respirar e me mover que esteja fazendo com que eu me encolha.
Noto, após uma leve estudada, que tenho queimaduras leves espalhadas
pelas mãos. Uma bomba. O mínimo que eu poderia ter depois de estar tão perto
da explosão de uma e, por Deus e sua vontade, sobreviver.
Luca.
Luca sobreviveu?
Me lembro de ver seu rosto como um borrão depois que tudo aconteceu,
mas não sei até que ponto o que me lembro é real. O quanto sou confiável.
Por sorte, a porta é aberta menos de cinco minutos depois de Susan sair e
Donatella entra como um furacão. Diminui a intensidade da sua corrida quando
chega perto o suficiente de mim e eu mordo os lábios ao sentir seu abraço.
— Ah, finalmente!
Eu me sinto maior ao ver que ela está feliz e pelo modo como me abraça,
contida, pois a força que pretendia usar seria demais contra meus ossos
fragilizados.
Ela ainda está em seu pijama e nem mesmo escovou os dentes. Isso me
arranca uma risada leve.
— Já estava pensando que você iria ficar só na promessa de entrar para a
família!
— Acho que sou oficialmente uma de vocês se já recebo ameaças de
morte pelo correio, não é? — falo, a voz falhando. Donatella não consegue
conter uma risada e me examina, uma vez que se afasta o suficiente. Uma tosse
chata interrompe sua análise e eu preciso de um segundo para respirar
normalmente de novo.
— Aí, onde estou com a cabeça? Você não deve forçar nada. Muito
menos falar. Os seus pulmões absorveram grande parte do impacto, Becky.
Por isso está ruim respirar. Pareço uma carroça.
— Grave?
— Irá sobreviver e com tratamento, estará nova em folha em breve — diz
com um sorriso sentido, como se lamentasse me dar a notícia. Eu não ligo.
Pelo menos estou viva.
— E Luca?
— Está bem. Pelo que sabemos, ele estava mais longe do que você e se
saiu melhor. Alguns ferimentos na perna e costelas quebradas.
Isso não deve ser nada para ele, penso, com alívio. Não imagino o que
pensaria se estivesse morto. O quanto me culparia, pois, tecnicamente, é como se
tivesse sido culpa minha.
— Como isso… — Preciso de uma pausa para respirar e isso alerta
minha cunhada. Silenciosamente, através do olhar, parece implorar que eu me
cale. — Como eles conseguiram?
Outra sequência de tosse e ela me oferece água.
— Tudo começou com uma carta enviada ao seu pai na Itália. —
Donatella diz, após uma longa respiração. Eu finco minha atenção nela e tento
não permitir que todos os pressentimentos ruins me dominem ao entender qual
era a preocupação de meus irmãos. — Romeu tem um fundo travesso em suas
ações. Ele gosta de instigar o caos, antes de propriamente criá-lo. Então, por
isso, enviou algo a sua família que desejava felicidades pelo casamento e
assinou. Foi o suficiente para criar alertas em todos. Mas ninguém poderia
imaginar que invadiriam seu quarto.
— Como entraram nele? — estou devidamente rouca agora. A voz é
apenas um fio e eu me esforço para falar.
— Luca já havia falado sobre a teoria de dois soldados de Romeu
rondando vocês dois no hotel — diz e eu concordo, lembrando-me do homem no
restaurante. — A teoria óbvia é de que foram eles com a ajuda dos dois soldados
que guardavam sua porta na hora da explosão.
Os dois homens que não reconheci.
— Eles haviam passado a maior parte do tempo na sala de câmeras do
hotel e conseguiram sumir com as filmagens.
— Isso foi confirmado?
— Não precisamos de confirmação para crimes óbvios, mas os dois já
tiveram o que mereciam por nos trair desta forma. Soldados testemunharam que
eles eram próximos de outro rato que tivemos nos negócios há alguns meses.
Ratos são traidores. Homens desprezíveis que vão contra sua palavra e
entregam segredos ou favorecem inimigos.
Estivemos rodeados por dois durante todo tempo. Quantos mais devem
existir?
— Fique tranquila. — Donatella coloca sua mão sobre a minha. — Está
segura agora. Nada desse tipo nunca mais irá acontecer a você.
Como ela pode garantir uma coisa dessas?
De qualquer jeito, a admiro por tentar.
— E minha família? Por que… por que não estão aqui?
— Seu pai achou melhor não voarem para cá quando as coisas estão tão
instáveis — explica, notando a tristeza que me assola por um instante. — Mas
prometemos que iríamos tomar conta de você. E eu dei minha palavra, como
mulher de honra.
Um sorriso frágil brota entre meus lábios e eu aperto a mão de Donatella
em resposta ao carinho que demonstra comigo. Sinto tanta verdade na minha
cunhada que já a considero uma amiga, quase uma irmã. E se como Luca diz, eu
realmente não for seu tipo favorito de amiga, me intrigo por pensar no que ela vê
de tão especial em mim, possibilitando que sejamos amigas.
Ganhamos companhia pouco depois de sua explicação terminar e meus
olhos registram a entrada de Rosalind Accorsi, que educadamente e sutilmente,
se aproxima da cama e me avalia com seu olhar cuidadoso de mãe.
— Que bom ver você acordada, minha querida…
Ela afaga meus cabelos e eu sorrio ao sentir seu carinho em minhas
bochechas. Rosalind não se esforça para ser doce e atenciosa, ela simplesmente
é.
— Sinto muito pelo que vocês passaram. Atitudes como essa me enjoam.
Perturbar um casal recém-formado… Dois jovens! Que tipo de monstro se tem
de ser para fazer algo assim?
— Não se preocupe. Seremos ainda piores ao devolver tudo que fizeram.
Rosalind lança um olhar duro na direção da filha.
— Não perturbe Rebecca com mais violência enquanto ela se recupera,
Donatella! — ordena. — Não acha que ela já teve o bastante disso?
Donatella não se encolhe, mas noto que parece menos decidida depois
das palavras de sua mãe. Não entendo de onde vem, mas posso notar o
desconforto óbvio de Rosalind quando sua filha menciona assuntos típicos de
homens. Há algo entre as duas.
— Tudo de que precisa, assim como Luca, é de paz e sossego enquanto
se recuperam. — Volta a falar. — E eu garantirei que terão isso.
Não duvido de nenhuma vírgula das palavras da matriarca Accorsi. E
vejo que Donatella também não.

Meu quarto, diferente do que eu temia, não fica vazio nem por um
minuto depois que a notícia de que estou acordada se espalha pelos corredores
da mansão.
Os irmãos de Luca, em uma verdadeira comitiva, me visitam logo depois
do almoço. Lorenzo, Leonardo, Marcus, Amanda e até o pequeno Pietro, que se
enrola nos lençóis e meio sonolento, fica esparramado na cama ao meu lado até
que a babá o recolha. E eu me sinto tola por sorrir quando noto como eles
demonstram preocupação, fazendo-me sentir acolhida e parte disso tudo.
Quando eles saem, recebo Max, a animada Angelina e seu irmão mais
novo, ao qual eu ainda não havia conhecido diretamente, Giovanni. Ele é o mais
silencioso, mas educado o suficiente para demonstrar interesse pela minha
recuperação. Com termos difíceis e uma inteligência que se demonstra óbvia,
fala sobre tudo que estou sentindo e é incomodado por Max com tapas na
cabeça.
Até mesmo Tony Accorsi vem em meu quarto e numa visita ligeira,
confere se tenho tudo que preciso e se estou me sentindo bem. É uma conversa
esquisita, mas me sinto importante por ganhar cinco minutos da agenda do
Capo.
Como verdadeira parte de sua família.
No entanto, uma pessoa não aparece por todo dia. Pelo menos não até
que escureça e eu já me sinta pronta para dormir novamente, após o jantar
delicioso que a governanta me traz e os remédios para dor que a enfermeira
coloca em minha veia.
Sou tomada por uma sensação diferente de ânimo quando ele aparece
atrás da porta. O ímpeto de pentear meus cabelos surge, mas estou dolorida
demais para isso. Sei também que devo estar extremamente pálida e com os
lábios rachados, mas se estou assim tão horrível, ele não deixa transparecer em
sua expressão neutra.
A enfermeira pede licença quando ele chega e fecha a porta antes de sair.
Eu estranho, mas então me lembro de que somos casados. Não há problemas em
ficarmos sozinhos no cômodo, sem supervisão.
Noto que ele manca e tem a perna enfaixada enquanto se desloca até a
poltrona colocada ao lado da minha cama. Ainda não diz uma palavra, mas
entendo que sente dor, assim como eu. Há algumas escoriações leves espalhadas
pelos braços e vejo um corte na lateral do seu rosto. A pele bronzeada não é o
suficiente para esconder o avermelhado dos hematomas.
— Olá. — Sou a primeira a falar, assim que ele se acomoda com um
suspiro relaxado. — É bom ver que está vivo.
— Digo o mesmo sobre você — cumprimenta, sucinto. O olhar está um
pouco encoberto, o que me intriga. Parece mais carrancudo do que nunca vi e
atribuo isso a dor física que deve estar sentindo.
— Como está se sentindo? — pergunto, para quebrar o gelo e acabar com
o silêncio. Tento não soar tão rouca ou frágil. Sei que fui mais afetada do que
ele, mas ainda assim, não quero parecer como algo que escapou por tão pouco
assim.
— É a quinquagésima vez que escuto essa pergunta hoje — resmunga,
apoiando o queixo entre os dedos. Contenho meu impulso de chamá-lo de
estúpido, mas ele parece notar que não gostei do tom que usou. — Mas estou
bem e ficarei melhor. Já passei por coisas piores. E você, como está?
— Nunca passei por nada pior do que uma explosão logo atrás de mim,
mas acho que também ficarei bem. — Meu sorriso ao responder é de puro
escárnio e o vejo repuxar seus lábios num sorriso parecido.
— Você entendeu o que eu perguntei. E sabe que se não tivesse aberto
aquela caixa sem perguntar nada a ninguém, como deveria ter feito, nada teria
explodido e nenhum de nós dois estaria nessa situação de merda.
A acusação vem como uma surpresa para cima de mim e eu o encaro,
tentando entender de onde isso chega. Então sou eu o motivo de sua brabeza,
realizo, estudando a postura inconformada e os toques de impaciência na sua
expressão. Mal parece conseguir olhar para mim sem bufar.
— Está querendo dizer que o fato de ter uma bomba no nosso quarto é
culpa minha? — sussurro, afundando a mão em meu peito, como se acusasse a
mim mesma.
— Não distorça as minhas palavras — ordena e eu tento endireitar minha
postura ao receber sua versão autoritária. — Isso não é tão engraçadinho quanto
você pensa e a esse ponto, já se torna um pouco estúpido.
— Agora me chama de estúpida? — soo tão ofendida quanto me sinto.
Ele respira fundo, como se tentasse recuperar a paciência perdida.
— O que eu quis dizer, Rebecca, é que se não tivesse impulsivamente
aberto uma caixa estranha sem minha permissão, não estaríamos nesta situação e
Romeu não estaria rindo por ter nos atingido e da nossa incapacidade de nos
mantermos seguros!
— Ah, me desculpe, Luca Accorsi, se nem todos são tão espertos quanto
você! E me perdoe por não reconhecer uma ameaça encaixotada quando estou na
minha maldita lua de mel! — Num impulso furioso, eu me endireito na cama e
grudo as costas na cabeceira. A dor é pesada, mas eu a ignoro. — E diferente do
que você tenta colocar na minha cabeça agora, eu sei que a culpa não é minha. A
culpa é sua, por não ter me deixado ligar para minha família por causa da sua
insegurança idiota!
Eu só percebo o modo como o enfrentei depois que o enfrento. O rosto
de Luca é uma máscara óbvia de como a raiva crua se parece e eu vejo quando
sua pele avermelha, conforme a irritação borbulha dentro de seu corpo. Ele
reconhece o que eu fiz e como fui desrespeitosa agora, elevando meu tom de
voz, como se fôssemos iguais, quando obviamente deveria ter baixado minha
cabeça e aceitado o que ele tinha a dizer.
E eu sinto medo do que meu marido é capaz de fazer com essa raiva.
A quem eu recorreria, se ele decidisse me castigar pelas minhas palavras
agora? A quem pediria por ajuda? Ninguém. Ninguém me protegeria dele.
Ele pode fazer o que quiser.
Mas contrariando todas as estatísticas, ele não move um dedo contra
mim. Na verdade, tudo o que faz é ficar de pé e manter seu olhar duro em cima
do que sobrou. A boca é uma linha comprimida e eu sufoco qualquer reação de
medo aos seus movimentos, observando-o com atenção.
— Em nenhum momento eu a proibi de ligar para o seu pai, Rebecca —
fala, com uma voz mansa que simplesmente não condiz com quem é e o que
sente agora. Não entendo por que se controla, mas aprecio o fato de que sua mão
não esteja em minha garganta agora. — Não abra a boca de novo para me acusar
de coisas que não fiz ou, pelo seu próprio bem, para dizer que sou inseguro.
— Então, por favor, nunca mais transfira a raiva que sente dos outros
para cima de mim — peço, sem olhar diretamente para seu rosto. De pé, é muito
maior do que eu e eu sinto se quebrar em caquinhos qualquer esperança que eu
poderia ter tido das coisas melhorarem após a praia. — Romeu Ivanov é o único
culpado. E eu sou tão vítima quanto você.
A bolha que parecia ter se criado ao nosso redor após o sexo na areia,
estoura. Vejo no modo como Luca se distancia, primeiro emocionalmente,
depois fisicamente. Nenhum som escapa da sua boca e ele poderia muito bem ser
um estranho. Eu ainda não entendo o impulso descontrolado que me fez falar
tanto, mas eu não me sinto nenhum pouco culpada por isso.
O silêncio não pode continuar sendo minha escolha de proteção para
sempre.
Luca não diz mais nada antes de deixar o quarto e a mim.
Demoram duas semanas para que eu possa andar pela casa. Rosalind
afrouxa os cuidados e posso me sentir menos boneca de porcelana sob sua
supervisão atenciosa. Voltei a fazer minhas refeições na companhia de todos há
dois dias e é muito melhor do que ter de comer sobre a cama, sozinha.
Mas ainda que agora eu possa conviver com a família numerosa de Luca
e saciar essa parte de mim que necessita do conforto de uma companhia familiar,
ainda há uma parte de mim que se ressente de saudades de meu próprio sangue e
pensa na falta que me fazem. Os Accorsi, embora estejam fazendo um trabalho
fenomenal para me receber e acolher em sua vida, não são a minha família. E
não me trazem o mesmo conforto que os Fiodertes.
Mas também é um pouco injusto me prender a isso, considerando que
Donatella sempre está comigo e me apresentou toda casa, além de fazer de tudo
para não permitir que eu me sinta deslocada. E além dela, os irmãos também se
fazem presentes da maneira que podem. Leonardo sempre compartilha algum
minuto comigo no lado de fora e falamos sobre nossos livros favoritos. E é
excelente ter alguém que se importe em conversar comigo sobre algo além de
machucados, casamento e recuperação. Além de ser uma delícia trocar
recomendações e visitar a biblioteca sob sua orientação.
Mas nenhuma palavra foi trocada com Luca.
É claro que nos encontramos no horário das refeições e nos esbarramos
pela casa, mas não houve qualquer menção de interesse de sua parte para iniciar
uma conversa comigo. E vou ser sincera: a repulsa fica óbvia em seu olhar toda
vez que me encontra. Eu sou algo que ele prefere ignorar e dormindo em quartos
separados, é fácil. Na maioria das noites, até esqueço de que sou casada.
Segundo Donatella, ele está proibido de sair de casa para missões ou
festas, o que me traz certo alívio, pois segundo sua irmã, quando ele não está
aqui, só pode estar com Max. A ideia de já estar sendo traída em minha terceira
semana de casamento não é algo que me traga qualquer conforto ou orgulho.
Não que ser ignorada seja melhor. De certa forma, anseio para que ele
finalmente fale comigo e reconheça minha presença, mas isso não parece ser
uma prioridade em sua agenda. E se não é, quer dizer que não está pronto, então
eu evito torcer que me note. Não sei se aguentaria a adrenalina de outro encontro
como o último que tivemos. Nas regras da famiglia, esposas nunca deveriam
erguer o tom de voz para os maridos, como eu fiz.
Luca estava em seu direito de me castigar, mas não fez. Por isso, temo a
tensão que há em volta da expectativa agonizante sobre ele ser capaz de se
manter assim toda vez em que tivermos uma discussão.
— Acha que bolo é necessário num aniversário de vinte anos ou é
infantil demais?
A pergunta de Donatella me resgata dos questionamentos nos quais
mergulhei ao observar Luca atravessar o jardim, para ir na direção de Max, que o
aguarda com luvas de boxe. Eles treinam ao ar livre uma vez por semana, pelo
menos, mas longe da área de lazer, porque os mais novos costumam atrapalhar,
como Dona me explicou.
Eu e ela, aliás, levamos muito a sério o compromisso de tomar sol todas
as manhãs. O que explica o fato de estarmos posicionadas na mesa perto da
piscina que foi limpa esta manhã. O clima é gostoso o suficiente para que não
usemos nada além de cardigãs leves e sandálias. Dona tem seu cabelo trançado e
está concentrada em anotar o máximo de coisas possíveis numa agenda toda
rabiscada. Eu apenas acompanho.
— Do que está falando?
— Do aniversário de Luca. É sem ser nessa, na próxima semana. — Ela
sobe os olhos da agenda para me olhar. — Eu havia comentado com você sobre.
Lembra?
Movo meu olhar para cima de Luca novamente e noto como ele já está
caminhando melhor. A postura já é a mesma de antes do ataque, assim como os
movimentos ligeiros característicos. Sua recuperação foi mais tranquila do que a
minha, que ainda preciso de consultas e exames frequentes para cuidar do estado
de meus pulmões.
— Ah, claro — suspiro, voltando a me concentrar no assunto quando ele
olha por cima do ombro e move seu olhar diretamente sobre nós duas. — O
jantar, certo? No dia quatorze?
— Exato, cunhadinha. — Parece aliviada por eu me lembrar. — Mas
esse, felizmente, eu entreguei nas mãos da minha mãe. Estou cuidando da
segunda parte.
— Que parte?
— A festa mais descontraída e não oficial que acontecerá depois do
jantar — diz, com um sorriso divertido surgindo nos lábios pintados por um
gloss clarinho. A beleza de Donatella é natural, então ela quase nunca usa
maquiagem. Eu, com tantos hematomas a cobrir e sardas insistentes, sempre
estou usando. — Assim eu agrado os dois lados.
— O que planeja?
— Uma festa com tudo que se tem direito em um de nossos clubes. Luca
recusou veementemente a Yorker e o Madame Martino está fora de questão,
então...
Apenas o nome da Yorker é capaz de me causar calafrios e eu entendo
por que Luca não quer sua festa acontecendo naquele lugar. Por Deus, o tanto de
vezes que já andei na corda bamba...
— O que é o Madame Martino? — O nome me dá algumas ideias, mas
prefiro perguntar antes de tirar conclusões precipitadas.
— Hm, bem... — Donatella se ajeita na esteira. — Eu esqueço que você
ainda é nova nessa bagunça toda, mas resumindo, o Madame Martino é o puteiro
que a amante do meu pai comanda.
Engasgo mesmo sem estar tomando nada. Donatella assume isso como
uma reação natural a novidade e apenas espera que eu me recupere, oferecendo-
me um copo d’água.
— O seu pai tem...
— Mikaela Martino é sua amante há mais de vinte anos, Becky — diz,
com um sorrisinho impertinente entre os lábios. A expressão não é de alguém
que demonstra qualquer incômodo além do esperado. — Não é bem um segredo
para qualquer um do círculo. Só não é algo que comentamos em respeito à
minha mãe.
— E ela comanda uma de suas casas? — questiono, ainda meio zonza. —
Como isso... Rosalind sabe que...
— Você viu pouco do meu pai até agora, mas já deve ter notado que ele
não se importa muito com a opinião de outros além da sua. E minha mãe
certamente não é alguém que ele valorize.
Tony, de fato, nunca pareceu alguém aberto a qualquer tipo de conversa e
nas refeições, sempre ocupa sua cadeira na ponta da mesa e sai antes que todos
terminem. Não deseja boa noite a esposa ou se preocupa com o que ela fez
durante o dia. E todos sempre parecem tensos sempre que ele chega no cômodo.
Mas eu nunca pensei que ele fosse o tipo de homem que assume uma amante
quase que oficialmente e deixa que todos saibam.
Isso não faz parte do que se espera de um Capo, mas não posso ser
ingênua a ponto de fingir que nunca soube sobre os casos extraconjugais de meu
pai. No entanto, nunca foi algo que mencionamos ou falamos abertamente.
Mas aqui, as regras parecem ser diferentes.
Me imagino no lugar de Rosalind e penso como me sentiria se Luca
valorizasse uma amante desta forma. Ser chefe de uma das principais fontes de
renda da organização é algo grande, especialmente para uma... prostituta. Eu
certamente não aceitaria isso quieta. Mas também não sei bem o que faria.
O que qualquer uma de nós pode fazer, aliás, contra o que os homens
querem?
Decido, de imediato, não ter Antônio Accorsi ou Mikaela Martino em
meu lado bom.

No fim do dia, tenho a grata surpresa de receber uma ligação de Luna.


Ela, diferente de Nina e Serena, me liga quase todos os dias para saber como
estou. E ainda me atualiza sobre tudo que estou perdendo em nossa casa e me
distrai o suficiente para me fazer esquecer de qualquer outro problema que
envolva ser a esposa ignorada de Luca.
Quando estamos perto de encerrar a chamada, ela fala sobre a
possibilidade de vir me visitar, se as coisas se mantiverem estáveis e eu fico
animada. Depois da ligação, estou ocupada mandando a ela detalhes sobre todas
as atividades divertidas que poderíamos fazer estando juntas numa cidade que
nem eu mesma conheço e anseio pela oportunidade de poder reencontrar minha
melhor amiga tão cedo.
Bianca e Petra resolvem conversar comigo também e estou na sala de
estar da mansão, sozinha, até que as portas são abertas e o rosto delicado de
Amanda aparece na fresta. Eu não havia notado que é tão tarde e me surpreendo
ao vê-la em seu pijama. E fico ainda mais surpresa quando ela entra puxando
Pietro pela mão.
Os dois estão usando suas roupas de dormir e nas mãos da mais velha,
uma caixa de quebra-cabeças pesada quase escorrega. Ela continua caminhando
e vem na direção do centro da sala, onde há o tapete e espaço para sentarem-se
sem me ver, até que eu levanto o pescoço e olho na direção dos pequenos.
— Oh! Oi! — Amanda tropeça para trás ao me enxergar. — Eu não vi
você aqui.
Imediatamente, para de caminhar e eu tento entender o que está
acontecendo. Pietro tem os olhos entreabertos e chupa o dedo, entregando seu
estado sonolento. Amanda, por si só, também não parece assim tão disposta e
lamuriosa, recua, tentando se afastar da atenção que deposito sobre ela.
— Vamos voltar lá para cima — anuncia.
— Ei, esperem! — Peço e fico de pé antes que escapem. — Eu... estava
mesmo me sentindo sozinha. É bom que vocês tenham chegado... O que é isso?
Um quebra-cabeça?
Com cuidado, me aproximo dos dois irmãos mais novos e tiro o peso das
mãozinhas delicadas da menina. Ela permite, parecendo aliviada.
— Pietro gosta de montar estes por que o distraem — explica, me
seguindo para o centro da sala. Coloco a caixa sobre o tapete e me sento ao lado,
assistindo os dois fazerem o mesmo. Amanda permite que Pietro se encoste nela
e se dedica a puxar a tampa da caixa, espalhando as peças. — Ele é bem
inteligente, sabia?
— Vocês todos me parecem inteligentes. — Sorrio, ajudando-a a espalhar
as pecinhas. — Esse é de que personagem?
— Procurando o Nemo — diz e assisto quando ela oferece uma peça ao
menino. É tão grande quanto sua mão e entendo que é um quebra-cabeças
infantil de no máximo dez peças. E entendo que Pietro não tem nenhum interesse
em montar a cena.
Amanda também nota isso e eu vejo como ela tenta animá-lo para que
não durma.
— Onde estão as babás de vocês? — Como quem não quer nada,
pergunto, esperando arrancar alguma verdade dos motivos que os trouxeram até
aqui quando claramente deveriam estar na cama.
— Dormindo — explica, com um sorriso limitado. — Elas ficam em
quartos no primeiro andar e, bem, nós também estávamos até que...
— Algo acordou vocês?
Amanda me encara com certa desconfiança e não responde.
Treinada para disfarçar desde pequena. Assim como eu.
Eu reconheço os sinais.
— Posso ajudá-la a montar? — pergunto, tentando escapar do assunto.
Amanda, a contragosto, permite e pela próxima hora, eu a ajudo a montar vários
quebra-cabeças. Ela fica mais relaxada conforme montamos e se diverte me
contando sobre as cócegas terríveis que Luca costuma fazer nela.
Mas Pietro, diferente da irmã, não teve motivos para lutar contra o sono e
eu permiti que ele deitasse sua doce cabecinha loira na minha coxa. O mantive
quente com uma manta do sofá e pelos últimos minutos, estive acariciando seus
cachos loiros, embalando seu sono ao passar meus dedos entre as mechas
encaracoladas de anjinho.
Quando terminamos de montar o último, Amanda está exausta e parece
muito mais tranquila ao começar a guardar as peças soltas.
— Acho que já podemos subir — diz, me despertando para a realidade
também. — Papai e mamãe já devem ter parado de brigar.
Ao escutar sobre o motivo da sua fuga do segundo andar, me empertigo,
ajudando Mandy — como ela me ordenou a chamá-la — a guardar as peças.
— Eles estavam discutindo?
Tento não parecer interessada demais ao fazer a pergunta e vejo o modo
esperto como me olha. Seus olhos são rápidos como os dos irmãos, mas dóceis
ao mesmo tempo. Percebo que ela só está tomando seu tempo para decidir se
confia em mim ou não.
— Acho que o papai bateu na mamãe e a fez chorar — conta, fechando a
caixa do jogo. — Isso acordou Pietro e ele apareceu no meu quarto assustado.
Preferi descer com ele antes que...
— Entendo — digo, impedindo que ela precise se expor mais. Minha
boca está comprimida e penso no que isso deve significar para uma criança tão
pequena, que já tem noção de acontecimentos como este. — Nenhum de seus
irmãos estava acordado? Talvez pudesse tê-los chamado...
— Fui até o quarto de Dona, mas ela não estava. E ficou pesado demais
para carregar Pipi até o quarto dos outros.
Eu assinto, com um nó na garganta. É tão triste ver o que esse mundo
pode causar a crianças inocentes e como nunca falha no seu objetivo de exibi-los
a podridão e violência que parece envolver toda e qualquer relação dentro do
seio da máfia.
Ao enxergar a pequena Amanda sendo tão responsável, me lembro de
Matteo e seu esforço infinito para nos impedir de ver qualquer ação violenta ou
gesto um tanto fora de controle de nosso pai contra nossa mãe. Ele sempre nos
distraia com outra coisa e foi justamente isso que Amanda fez.
Tenho vontade de abraçá-la e nunca mais soltar, mas não quero assustá-la
ou afugentá-la, então fico parada e a assisto ficar de pé. Ainda assim, enquanto
tento me conter, ao assisti-la tentar pegar Pietro do chão, o impulso óbvio de
mantê-los perto de mim me consome, como se eu precisasse proteger essas duas
crianças de tudo.
Até mesmo da própria família.
— Durmam comigo hoje — peço. Amanda parece surpresa com o
convite e eu pego Pietro em meus braços. Ele é pesado até mesmo para mim,
então imagino o quanto deve ser difícil para a menininha de expressão doce
carregá-lo por aí. — A cama é grande o bastante e podemos assistir algum filme
até pegarmos no sono. Além de quê, você pode me contar mais sobre como as
histórias de terror do Luca são assustadoras!
Ela enfim parece convencida e eu me sinto tranquila e muito bem-
acompanhada quando estamos os três acomodados no quarto que nunca esteve
tão cheio.
Três semanas depois do ataque, ainda estou me sentindo dolorido. E com
as limitações impostas pelo meu pai em relação a qualquer coisa — armas,
motos, missões —, eu não posso nem mesmo olhar na direção de qualquer coisa
perigosa antes que a arranquem da minha frente.
Mas talvez eles estejam certos, considerando que me conhecem a vida
inteira. Sabem o quão impulsivo eu sou e devem imaginar quanta raiva corre por
minhas veias, considerando que eu ainda não pude ter minha vingança contra
Romeu, nem o fazer sangrar como eu gostaria. Estou de molho pelo ataque
causado por aquele maldito rato russo e isso consegue me deixar ainda mais
furioso.
E além da óbvia chateação por não poder fazer o que estou acostumado,
ainda há o fato de minha irmã encher a porra do meu saco todos os dias, falando
sobre festas que eu não quero ter e muito menos participar. Mas a esse ponto, há
dois dias de chegarmos ao dia quatorze de abril, eu sei que não há fuga dessa
merda e já tento enxergar da melhor maneira a ideia de ter um momento para
descansar de toda tensão que vem nos rodeando nos últimos dias. Eu não me
lembro de ter tido nenhum pingo de diversão nas últimas semanas, só levando
porrada atrás de porrada.
E isso inclui minha esposa, criatura da qual me lembro todos os dias ao
acordar e enxergar a aliança que me torna um prisioneiro e o espaço vazio do
outro lado da cama.
Ainda não trocamos nenhuma palavra depois da pequena conversa
durante sua recuperação, porque meu humor ainda não está bom o suficiente
para isso. E depois de acompanhar durante anos o relacionamento dos meus pais
e as manias do homem que é responsável pelo que sou hoje, além de basear nas
promessas que fiz por minha honra e meus desejos mais profundos de realização
pessoal, eu não pretendo me tornar nada nem perto do que Antônio Accorsi é.
Essa promessa — ainda bem — aconteceu muito antes de Rebecca. É
algo meu, sobre o homem que quero ser, o filho que represento e o pai que um
dia me tornarei. E não estou disposto a cruzar essa linha, mesmo com minha
esposa tendo coragem de erguer a voz e rebater minhas palavras, tratando-me
como alguém que pode ser refutado.
E é claro que este afastamento que eu mesmo coloquei entre nós dois tem
consequências diretas no meu humor e como se estivéssemos numa reprise, ao
meu pau. Se eu não olho e não falo com ela, é impossível ter qualquer chance de
diversão conjugal. E ao me lembrar de como vivemos aquela praia no Havaí, é
difícil pra caralho me manter tão emburrado e distante quanto estou. Sessões
criativas na porra do chuveiro são meu único alívio e eu me sinto a droga de um
pré-adolescente com ejaculação precoce e não o maldito homem de quase vinte
anos, com uma esposa que deveria se encarregar de chupar seu pau quando bem
entendesse.
Eu me sinto uma piada.
— Não acha que é muito cedo para beber? — A voz de Lorenzo surge em
minha cabeça como uma saída para os pensamentos de raiva ou saudade do que
não vivi ainda. Os seios de Rebecca são tão espetaculares em minha memória
quanto são na realidade. — Nem almoçamos ainda.
Estou sentado no meio do jardim, encarando a paisagem de árvores que
cercam a propriedade e conferem privacidade, além de segurança e algumas
rotas de fuga caso as coisas deem errado, quando ele senta ao meu lado sem
convite. Mas não reclamo.
— É quase meu aniversário — lembro. — Estou apenas iniciando as
celebrações.
Ou apenas tentando esquecer que existo.
— Vai morrer antes dos trinta se continuar assim. — Meu irmão mais
novo diz, como se fosse a porra de um guru, caçoando de mim.
— Se uma bomba não foi capaz de me matar, não é uma bebida inocente
para abrir o apetite que irá, Enzo. Não se preocupe.
Ele assovia.
— Aquilo foi pura sorte e você sabe. Se não fosse a distância que
Rebecca criou ao se afastar da caixa… — Estala os dedos. — Já era.
— Obrigada pela força, irmão. Vejo que você ficaria muito sentido se eu
ou a minha querida e adorada esposa viéssemos a falecer.
A menção a Rebecca é carregada de sarcasmo e Lorenzo, é claro,
percebe. Seu olhar é fincado sobre meu rosto e eu bebo mais um gole do meu
doce uísque.
— É normal ter um mês de casamento e já detestar a sua esposa? —
indago a um Lorenzo entretido, mas que não responde a minha pergunta.
— Vejo que ainda não estão se falando — murmura, em tom de
obviedade.
— E nem fodendo — resmungo.
Ele endireita sua postura, como se o termo lhe incomodasse. Lorenzo é
engomadinho demais para a realidade algumas vezes.
— Imaginei. Você está com uma cara de rabo horrível há semanas.
Eu acerto um tapa em seu pescoço antes que ele possa se defender e ele
ri, afastando-se um pouco de mim.
— Se você não fosse tão orgulhoso, sabe que isso já estaria resolvido. De
jeito nenhum a explosão foi culpa dela.
Eu dou de ombros.
— Nem minha.
— Claro que não — responde. — Então não seria mais fácil, já que a
culpa não foi de nenhum dos dois, conversar com sua bendita esposa? Como um
ser-humano normal e racional faria?
— Conversarei com ela quando estiver à fim. — Soo infantil e ele nota.
— Não é como se estivesse perdendo grandes coisas.
Só sexo.
Ah, que saudade do sexo…
— Talvez apenas algumas pequenas como saber que ela dormiu com
Amanda e Pietro há algumas noites… — murmura, olhando para a frente.
Leonardo e Marcus acabam de sair de casa para sua corrida diária.
Eu não entendo muito bem ao que se refere e franzo meu rosto, tentando
encontrar a explicação.
— Por que eles dormiriam com ela?
— Mandy não revelou os motivos, mas imagino que saiba o porquê.
Ouviu a discussão dos nossos pais na semana passada.
Não, não ouvi. Mas não deixo Lorenzo notar que estive bêbado o
suficiente nas últimas noites para deixar de notar o que acontece em nossa casa e
o que se passa com a nossa mãe.
— E bem, segundo Amanda, dormir com Rebecca foi ótimo. Não notou
que elas estão bem próximas?
Eu permaneço confuso, me esforçando para entender de onde veio isso.
— Amanda nem conhece Rebecca direito.
— Mas já a consideram da família, assim como a maioria de nós. Só
você que ainda está penando para entender que a italiana não vai para lugar
nenhum só porque você vira a cara para ela — diz, indiferente ao peso de suas
palavras. — E sai perdendo, é claro, porque até seus irmãos mais novos estão
dormindo com ela. Coisa que você claramente não faz há muito tempo…
Lorenzo gargalha após parecer ter feito a zoação de sua vida e eu o
empurro pelo ombro. Finjo estar bravo, mas nem estou, só quero implicar com o
idiota.
É um belo jeito de tentar ignorar as verdades que acabam de sair da sua
boca.

Quando chega a hora do almoço, estranho a ausência de Rebecca. Há


dentro de mim uma vontade de entender como meus irmãos foram parar na sua
cama e se isso se tornou algo recorrente. Estive muito concentrado em mim
mesmo e nos meus próprios problemas e incômodos por tempo demais e pela
primeira vez, olho ao meu redor e tento de verdade enxergar o que esteve se
passando nesta casa.
Rosalind está usando maquiagem demais para um simples almoço. E
embora esteja sempre bem arrumada, minha mãe tem uma beleza doce e natural,
que está exageradamente encoberta por um monte de camadas hoje. Além disso,
não fala comigo ou com os outros assim como normalmente o faz. Não quer
saber o que estivemos fazendo pela manhã ou de nossos compromissos futuros.
Muito menos repassar a agenda do final de semana comigo: o aniversariante. Ela
nem mesmo agradece as empregadas pela impecabilidade da mesa posta e
mantém o olhar baixo.
Lembro imediatamente da proximidade do quarto de meus pais ao dos
menores. Amanda e Pietro dormem quase grudados neles e por motivos óbvios.
Com isso, é fácil que escutem mais do que deveriam, principalmente se nosso
pai tinha a intenção de se fazer escutar.
Não é como se ele ligasse para os filhos pequenos dormindo bem ao seu
lado.
Eu decido examinar ele. Como sempre, está usando um terno bem
engomado e tem as mãos sobre o exemplar de hoje do New York Times. A boca
repuxa toda vez que lê algo que o desagrada, mas não é nisso que minha atenção
está focada, e sim nas mãos e nas juntas avermelhadas das mãos calejadas. São
as mãos de quem bateu em alguma coisa e pela coloração, não faz muito tempo.
Combinam bem com o inchaço esquisito abaixo do olho esquerdo da
minha mãe que ela tentou — em vão — cobrir.
Isso faz com que eu pigarreie, chamando a atenção da mesa.
— Dormiu bem ontem à noite, mãe?
Rosalind para de enrolar com a fruta que tenta comer há pelo menos dez
minutos e olha na minha direção com um olhar curioso, mas acuado. Eu finjo
bem meu desinteresse e puxo um croissant da mesa, ocupando minha boca
enquanto ela decide que mentira vai usar hoje. Me lembro da insônia ou dos
tropeços na escada para buscar chá serem suas favoritas. Aos onze anos, eu
acreditava.
Mas aos dezenove…
Eu já não sou um garotinho que pode ser enganado.
E como irmão mais velho, minha função é impedir que meus irmãos
tenham de aguentar o mesmo que eu passei a infância e adolescência inteiras
aguentando. Pietro não merece escutar os gritos de socorro ou clemência de sua
mãe na madrugada e precisar se esconder. E minha mãe não deveria precisar
pedir ajuda para se livrar do homem com quem é casada.
Meu sangue aquece só de pensar no que meu pai pensa de si mesmo para
agredi-la dessa forma.
Falando nele, assim que falo, ele abaixa o jornal e gruda os olhos sobre
meu rosto, avaliando-me. Mamãe parece ainda mais tensa com isso.
— S-sim querido… Tudo bem. — Ela nem mesmo se esforça para
esconder as falhas ou brechas em sua voz. — Por que a pergunta?
— Parece um pouco desanimada essa manhã — comento, usando o
guardanapo para limpar o canto da boca. — Tem algo te incomodando?
— Nada além das tarefas do lar, querido… — força um sorriso que não
convence. — Há muito a se fazer para manter essa casa funcionando.
Aceno.
— Claro que sim. Especialmente com o papai por perto todos os dias,
certo? É difícil agradá-lo sempre — arrisco e noto como meu pai endurece a
postura, deixando de lado o jornal. — Não me lembro de o senhor ficar tanto
tempo em casa nos últimos anos.
— Está curioso essa manhã, Luca… — Ele responde. — Imagino que
tenha a ver com a sua falta de atividades. Ganhou tempo demais para prestar
atenção no que não te diz respeito.
— Minha preocupação com a minha mãe não tem nada a ver com o
período que o senhor me deu sem que eu pedisse para minha total recuperação,
pai. — Agora sou eu olhando diretamente para ele. — Tem a ver com cuidado.
Afinal, ela é casada com você.
Eu sei que ir contra ele nunca resulta em coisa boa e que, se continuar
com isso, serei dilacerado antes mesmo de conseguir impedir, mas há algo
diferente correndo em meu corpo esta manhã e eu estou exausto de não fazer
nada para melhorar as coisas e ser o homem que deveria ser.
Mesmo que isso signifique ser punido.
Minha resposta atravessada para Tony faz meus irmãos interromperem
sua alimentação para encarar-nos com o dobro de atenção. Até mesmo Marcus,
que pela expressão preocupada, pode entender perfeitamente do que isso se
trata.
— Luca. — Mamãe chama, numa súplica tímida. — Não comece com
isso.
— Não, Rosalind… — Ele levanta sua mão e ela o encara com uma
submissão óbvia. — Deixe o garoto falar. Ele está todo crescido agora e acha
que pode me enfrentar.
Ele sorri.
— Eu acho incrível quando ele dá uma de macho.
Eu deixo escapar uma risada frouxa, sendo inundado por uma sensação
gostosa de leveza, que surge por conta da falta de freios em minha língua.
Tampouco tenho qualquer receio em usá-la.
— Sorte que para ser considerado homem pelo senhor, eu não preciso
bater na minha esposa de madrugada.
O que era um sorriso, some do seu rosto rapidinho depois que o que era
apenas uma opinião, se torna uma acusação e eu vejo a fúria rotineira assumir o
controle. Minha mãe já está derramando lágrimas e eu tento me manter imóvel
quando ele fica de pé ao empurrar sua cadeira para trás com tanta força que o
som dos pés de madeira se arrastando no piso causam aflição no ouvido de
todos.
— Quem você pensa que é para me enfrentar desse jeito, seu pedaço de
bosta?!
Seu tom de voz é alto o suficiente para ecoar pela ampla sala de jantar.
Eu respiro fundo e olho para meu prato uma última vez antes de ficar de pé,
assim como ele. Meus movimentos são lentos e deixo meu guardanapo sobre a
mesa. Mamãe olha diretamente para mim, mas eu mantenho minha postura
firme, os ombros levantados e meu queixo alto, assim como meus olhos focados
em sua expressão raivosa.
Não sei por que não está em cima de mim neste exato momento, mas sei
por que eu me contenho. O olhar temeroso de Amanda, sentada na ponta da
mesa, me impede de dizer muitas das coisas que poderia deixar escapar agora.
Mas esse não é o tipo de cena na qual eu gostaria de tê-la presente. Mandy ainda
pensa que nosso pai tem conserto e eu não quero ser o responsável por ferrar a
sua cabeça assim como Tony fez comigo.
— Tenho o dever de sempre dizer a verdade ao senhor. — Busco não
ironizar, tornando-me sério o suficiente para ser encarado como seu soldado,
embora seja o papel de filho que esteja me mantendo vivo. — E a verdade é
essa, pai. Você é um merda covarde do caralho e sempre será.
Tenho a sensação de estar assinando meu próprio atestado de óbito nesse
momento.
Lorenzo e Donatella estão de pé e parecem prontos para me ajudar se eu
pedir por ajuda, embora eu veja na expressão contorcida de Enzo, o quanto a
situação o estressa. Donatella certamente não perderia a chance de fatiar nosso
pai e ser enforcada por isso, caso eu pedisse, mas eu prefiro ser o único a ser
esquartejado nessa manhã.
— Luca, o que você está fazendo? — Leonardo pergunta, movendo os
olhos ansiosos do meu rosto para o de nosso pai, que bufa como um touro,
observando-me como se eu vestisse vermelho e fosse seu alvo. De qualquer jeito,
não movo um dedo, esperando que ele me castigue. É o que sempre gostou de
fazer. Uma boa surra sempre foi a resposta para qualquer insubordinação e não
vejo como agora seria diferente.
Mas eu não vou ceder.
Talvez essa seja a diferença agora.
— Luca, eu não posso permitir que fale assim com o seu pai! —
Rosalind diz, arrancando um olhar descrente de meu rosto. Ela também está de
pé agora e ao lado dele. É claramente menor e indefesa. — Você está
exagerando. Peça desculpas agora. Tudo que não precisamos é de algo assim
quando você e sua esposa acabam de se recuperar, certo?
Empurro o desprezo pelo que ela escolhe fazer quando me lembro de que
o buraco é muito mais fundo do que uma manhã cobrindo seus hematomas.
Minha mãe foi ensinada a aguentar coisas assim.
É quem ela é. Quem ela acha que precisa ser, para manter as coisas em
harmonia.
— Exagerando como a senhora exagerou na maquiagem essa manhã? —
retruco, cuspindo as palavras. — Ou como você mal pode respirar sem sentir
desconforto desde a última surra que ele deu em você?
Meus berros saem mais altos do que deveriam e mamãe abaixa a cabeça,
escondendo as lágrimas. Eu me sinto mal imediatamente, o que é raro e penso
em pedir desculpas, mas por que pediria por dizer a verdade? Eu já estou
cansado de ignorar tudo que acontece aqui. De ser o “bom” rapaz, o “bom” filho.
Alguém que tenta agradar alguém que claramente não quer ser agradado.
Alguém que não vale a pena obedecer.
— Luca. — O chamado de Leonardo puxa minha atenção da figura frágil
de nossa mãe e eu sigo com meu olhar na direção para a qual ele aponta. — Por
Amanda, pare com isso. Por favor.
Seu pedido é claro. E acaba tendo o efeito de uma ordem, pois faz todos
na mesa olharem na direção de Mandy. Ela está encolhida contra sua poltrona e
Marcus acaba de colocar os braços ao redor de seu corpo minúsculo, tentando
protegê-la da cena na qual transformei nosso café da manhã. Sendo ainda mais
frágil do que nossa mãe, minha irmã chora e eu sei que falei demais por ver o
rosto inchado e avermelhado. Pietro está no colo da babá, que não sabe se corre
ou fica para tentar lidar com esse incêndio.
— Eu quero você fora da minha casa! — Meu pai berra e eu viro meus
olhos para o seu rosto. Sua respiração é controlada e noto o modo como fecha
seus punhos. Imagino o quão gostoso ele pense que seria moê-los contra meu
rosto agora — E eu quero agora.
— Mas… Para onde ele vai, Tony? — Rosalind pergunta, aproximando-
se dele.
— Não me importa! Eu quero esse moleque atrevido fora! Ou eu juro por
Deus e pelo meu nome, Luca, que irei fazê-lo sangrar como nunca fiz!
— Não seria exatamente uma novidade, pai — rio, arrancando uma
reação de revolta de sua parte. — A única coisa diferente dessa vez é que eu não
vou apanhar quieto. E que não vou permitir mais que foda a cabeça dos meus
irmãos do mesmo jeito que fez comigo!
Ele dá passos firmes e rápidos até onde estou, no lado direito da mesa.
Em seguida, gruda seu peito contra o meu e aponta o dedo na minha cara. Seu
olhar não exprime nada além de ódio e eu entendo a sensação. Com sua
respiração quente batendo contra meu rosto, e meu corpo praticamente
implorando para que eu dê um fim a isso e lhe mostre que o homem que ele criou
e quebrou com tanto empenho não é de se curvar, ceder ou aceitar qualquer
merda, eu vejo que odeio meu pai mais do que odeio qualquer outro homem que
já andou por essa terra e sofreu em minhas mãos — ou está destinado a sofrer.
E esse é o tipo de ódio que faz dívidas e promessas.
— A única coisa que me impede de acabar com a sua raça agora, seu
moleque desgraçado do caralho, é que eu teria trabalho demais limpando as
mãos por estourar a sua cabeça e fazê-lo engolir sua língua afiada do cacete —
rosna, cuspindo as palavras em meu rosto. Eu não me encolho, tampouco me
acovardo.
Poderia aguentar uma briga com ele. Poderia aguentar muitas.
— Tenta — praticamente imploro.
Estive guardando energia para isso por toda vida.
Mas ele não parece pronto para se livrar de mim ainda. Por isso, não me
bate. Não faz nada. Ou talvez, num surto de consciência, não queira que Amanda
veja isso.
Oh, que gracinha. O papai ainda quer impressionar os filhotes? Mal sabe
que todos nós, eventualmente, nos deparamos com a sua podridão. E não há
escapatória disso.
— Some daqui, seu bosta, antes que eu faça sua mãe chorar com motivo!
Tiro meus olhos dele quando menciona Rosalind e encontro seu olhar
preocupado fixo sobre nós dois. Mamãe sabe que sou mais forte do que meu pai
agora, além de estar no auge do meu treinamento, mas ela também sabe que ele
tem mais poder do que qualquer um de nós nesta sala. E que poderia acabar
comigo sem precisar mover as mãos.
Dou um passo para trás e evito olhar para o rosto furioso de Antônio.
Encaro Enzo e Donatella por um segundo, passando a eles a responsabilidade de
manter as coisas por aqui sob controle. Observo Amanda por mais tempo do que
preciso para memorizar a agonia que minha pequena parece estar sofrendo e
tomo um pouco disso como culpa minha também.
Faço outra promessa a mim mesmo ao ver o que a realidade suja fez com
a nossa menina e encaro meu pai pela última vez como seu filho submisso do
caralho, antes de começar a andar na direção da porta, decidido a lidar com as
coisas de uma maneira bem diferente a partir de hoje.
Tony não vai mais manchar suas mãos com meu sangue e me ter
submisso às suas ordens e vontades, aceitando as surras. Não vai mais me ter
quieto. E se quiser me matar por isso, que tente.
Certamente não vai ser o primeiro, nem o último.
Não sentirei saudades de morar nesta casa e por cristo, acho que fiquei
por mais tempo do que deveria.
Puxo apenas o suficiente da porta para passar e preciso dizer que não é
uma surpresa encontrar Rebecca parada atrás dela. Tem os olhos arregalados e
entrega o que estava fazendo ao pular para longe da madeira como se tivesse
levado um choque.
Então me lembro de que preciso levá-la comigo.
Foda-se.
Essa merda de fingir que as coisas ao meu redor não estavam
acontecendo já durou tempo demais.
— Pegue o que conseguir carregar — anuncio. — Estamos indo embora
dessa merda.
Acostumar-se com o silêncio parece ser um requisito para ser a esposa de
Luca. No banco de carona do seu carro, encolhida contra o estofado de couro
claro e abraçada ao meu próprio corpo, eu penso se deveria falar alguma coisa.
Ou se pelo menos há algum espaço para isso.
Luca parece longe de ser alguém que gostaria de escutar qualquer
besteira agora. E eu definitivamente não gostaria de receber um sermão da parte
dele.
Ele apenas conduz seu carro no piloto automático, sem qualquer interesse
no que acontece ao seu redor, concentrado demais na própria mente, e eu me
sinto grata por não ter sido abandonada, após ele praticamente incendiar o
terreno na casa de seus pais. Não gostaria de ficar para trás e ter de lidar com
tudo que ele causou.
Mas não sei se não seria melhor do que estar num carro que nem mesmo
sei para onde vai com um homem que não fala comigo há pelo menos um mês e
prefere fingir que não existo.
Felizmente, uma hora ele tem que parar. E eu reconheço a garagem para
onde me trouxe há alguns meses. Estamos no subsolo do prédio onde fica sua
cobertura.
Há uma semana, desde que os mais novos aceitaram dormir comigo,
tenho minhas dúvidas sobre a relação de Antônio e Rosalind. A gritaria desta
manhã foi o suficiente para confirmar minhas suspeitas a respeito do que se
passa depois que eles se recolhem em seu quarto e com lástima, consigo me
lembrar do olhar perdido de Amanda enquanto a aconchegava em minha cama e
a cuidava até pegarmos no sono.
Era o olhar de uma menina conformada.
Mas Luca tem privilégios que nenhuma de nós jamais terá. Por isso, ele
pode erguer a voz para seu Capo e defender a mãe. Saiu vivo de lá, por ser o
futuro da organização, mas... O que perdeu? Ele não se importa com isso?
A lealdade aos seus parece estar acima de qualquer privilégio ou lugar
especial no coração de seu pai. A relação que os dois mantêm me intriga e penso
se havia ao menos qualquer coisa para se perder.
Quando ele estaciona o carro na sua vaga, abre a boca pela primeira vez
desde o tempo em que saímos da mansão:
— Amanhã peço que tragam o resto das suas coisas — comenta, como se
fosse um mero detalhe o fato de estarmos nos mudando.
É ainda mais estranho escutá-lo se direcionando a mim depois de quase
um mês sem me reconhecer como algo digno de sua atenção.
— Então viemos para ficar?
— Você escutou a conversa — resmunga, recolhendo a carteira e a chave
do carro. — Acha que meu pai pretende nos receber na sua casa novamente?
Ele desce sem esperar pela minha resposta e eu aceito que ele não virá
abrir a porta para mim. Tudo bem. Eu posso abrir minha própria porta.
Desço do carro e o sigo até pararmos na frente do elevador. Luca enfia as
mãos nos bolsos e mantém seu olhar grudado na porta metálica.
Ele se mantém em silêncio durante toda subida e tira um molho de
chaves do bolso quando paramos em frente à porta da sua casa.
Nossa casa.
Minha mente tola, acostumada com filmes demais, espera que ele me
pegue no colo e entre com o pé direito, mas nada disso acontece e ele entra sem
se preocupar em ver se estou indo atrás.
Mas pensando bem, que opção eu teria?
Estou presa com ele.
— Oferecerei a Fiona uma vaga fixa — anuncia, indo até as cortinas.
Puxa uma corda e a vista panorâmica de Nova York se revela, iluminando a sala
e arejando o espaço. — Precisaremos de alguém agora.
Eu assinto, grata por ele não pensar que irei servi-lo. Fui criada numa
casa com uma equipe gigantesca de empregados. O pouco que sei fazer, é por
obrigação.
O céu está cinzento essa manhã e eu me distraio com a paisagem,
cruzando a sala ampla. Por isso não percebo — ou escolho não ligar — quando
Luca deixa a sala. No entanto, noto com certo agrado, que minha bolsa não está
mais sobre o sofá.
Pelo menos isso.
O lugar é vazio e frio em comparação ao coro de vozes e movimento da
mansão Accorsi, mas subindo as escadas, com a visão total da sala e da entrada
para a cozinha, vejo que pode se tornar melhor com algumas pequenas mudanças
e ajustes. Um pouco mais de cor seria ótimo. Algo com menos preto.
Vou na direção do mesmo quarto onde fiquei na última vez e ao empurrar
a porta, enrugo meu rosto ao ver que minhas coisas não estão aqui.
Eu esperava que…
Oh.
Carregada de surpresa e um pouco de medo, faço o som dos meus
sapatos ecoarem pelo corredor, indo até a suíte principal. Ela é duas vezes o
tamanho do quarto de hóspedes e tem uma cama gigantesca no centro. O jogo de
cama é preto e as paredes são cinza-claro. O som do chuveiro é forte, por isso,
meus passos provavelmente não são ouvidos enquanto caminho até a cama e
toco na minha bolsa, que surpreendentemente, está aqui.
Depois de três semanas sem falar comigo.
Algo dentro de mim se acende com um misto de ansiedade e incômodo.
Ele pensa que será assim? Eu apenas ignorarei o que disse e o que não disse?
Mas de novo, que escolha eu tenho?
Correr para perto de Donatella não é mais uma opção.
Irritada e com as tiras da sandália apertando meus dedinhos, sento na
beirada da cama como se fosse a de um estranho e as puxo para fora. Se é minha
casa, não preciso disso.
Coloco os pés no tapete e fico feliz de sentir algo confortável. Da bolsa,
puxo um par de rasteirinhas que me servem muito bem.
Estou distraída puxando minhas roupas da bolsa quando o som do
chuveiro cessa. Essa roupa foi pensada para um café da manhã com a família e
agora já não se faz mais necessária.
Sua presença passa despercebida por mim, até mesmo quando abre a
porta do reservado e penso se apenas espera que eu abra a boca para me
expulsar, arrependido da sua escolha.
Mas não é exatamente o que acontece.
Enrijeço minha postura ao sentir duas mãos colocadas sobre minha
cintura e logo, sinto seu corpo atrás do meu. Lentamente, levanto o rosto da mala
e olho para as janelas à nossa frente. Seu reflexo está colocado atrás do meu, o
que me faz engasgar numa respiração prolongada e extremamente tensa.
Tudo só piora quando sua respiração bate contra a minha nuca e ele
coloca o meu cabelo para o lado.
— O que você está fazendo?
Minha pergunta parece soar como uma afirmação de que estou gostando
disso para ele, que me rodopia, apenas para poder olhar melhor para o meu rosto.
Eu cometo o erro de deslizar os olhos pela única parte dele que a toalha branca
enrolada em sua cintura não esconde e me arrependo imediatamente ao enxergar
sua barriga trincada e molhada. É como algo esculpido por mãos muito
habilidosas.
Felizmente, meus olhos são treinados e voltam para cima imediatamente.
O azul de suas íris está escuro e parece responder diretamente a mim e aos meus
movimentos, como se ele apenas ansiasse o certo para poder agir.
— Estou me aproximando — murmura, umedecendo os lábios. As mãos
continuam posicionadas na minha cintura e a sensação é de estar sendo
espremida por elas. — Iremos ser apenas eu e você agora, Beca, e eu estou
cansado de ter que deixar a minha mão em carne viva no banheiro por causa das
nossas birras.
Das suas birras, corrijo mentalmente.
— Não sei se você chega a pensar no quanto estamos perdendo sendo
infantis…
Você está sendo infantil, penso novamente. Mas meus olhos não dizem
nada disso e eu sinto os dedos de Luca buscarem por mais tecido, cavando
minha pele, a fim de pegar mais e mais.
— Você fingiu que eu não existia — sopro as palavras. — De novo.
Ele ignora minha fala e toca meu pescoço. O toque é bruto, menos
delicado do que foi na praia, totalmente mais assertivo e me faz olhar dentro dos
seus olhos, numa posição favorecida por ele, que inclina meu rosto para cima.
— Eu nunca poderia fazer isso, senhora Accorsi — sussurra. — Estamos
presos um ao outro.
— A culpa da bomba não foi minha.
— Nem minha.
— Então por que agiu como se fosse? Como se eu quisesse machucar a
mim mesma?
Luca faz círculos com o polegar na pele sensível do meu pescoço e eu
detesto sentir que o toque me relaxa. Quando ele tenta pressionar seu peito
contra o meu, cometo o erro de espalmar as minhas mãos em seu abdômen,
mantendo-o numa distância segura para meu corpo em clamas.
Mais especificamente, o meio das minhas pernas. O centro de minhas
coxas responde a ele, sem dificuldade nenhuma e me sinto latejar, como se
doesse.
— Acha mesmo que eu seria tão estúpida?
Ele bufa.
— Não acho nada sobre você, Rebecca — murmura. — Eu não conheço
você.
— Sou sua esposa — afirmo, encarando-o com mais agressividade do
que ele. — Não uma sirigaita que você catou na rua. Não durmo com uma faca
para matá-lo e sou leal a minha palavra. Sou leal a você.
Um sorriso desponta em seus lábios.
— Mesmo que não me conheça e me ache detestável na maior parte do
tempo?
— Mesmo assim — confirmo. — Como disse, estamos presos um ao
outro. Se toda vez que algo der errado em sua vida, me culpar por não confiar
em mim, nunca chegaremos a lugar nenhum.
— E onde poderíamos chegar Rebecca? — O aperto se torna mais forte.
Ele está fazendo de propósito agora e a ponta dos seus dedos puxa meu cabelo.
— O que você vê para nós dois?
Minha respiração falha por um instante e cometo o erro de piscar. É lento
e muito sofrido ter de abri-los e me deparar com a imensidão que se estende
dentro de seus olhos. É como levar um choque.
— Não vejo muito, mas torço que cheguemos a um lugar melhor do que
estamos agora com discussões imbecis e acusações tolas — murmuro, lutando
para desviar a atenção dos seus lábios. Ele mal me dá escolha, mas ao firmar a
mão na base do seu pescoço, tenho sua atenção total e eu digo:
— Eu espero ser a esposa de um homem que possa lidar comigo, não de
um garoto.
Ele sorri como se eu tivesse dito a melhor coisa que poderia ouvir e vejo
em seus olhos como a raiva pode ser motivadora de coisas perigosas.
— Seu desejo é uma ordem, senhora Accorsi.
Com um empurrão nada delicado, ele me joga contra a cama que está
atrás de nós dois e eu caio do jeito que ele pretendia.
Estou apoiada em meus cotovelos, olhando diretamente para ele, quando
permite que sua toalha caia e eu veja o quanto está louco para afirmar suas
palavras com gestos.
— Você está prestes a descobrir quão bem eu posso lidar com você,
Rebecca. E o quão bem eu posso fazer você se sentir.
Minha garganta seca, mas quando ele encosta em mim, esqueço de tudo.
O ar parece pesado, grosso e meus pulmões reclamam um pouco pelo esforço,
mas eu sou silenciada quando ele passa sua mão por baixo da minha blusa e toca
meus seios por baixo do tecido fino. Com um pouco de força, rompe a costura e
mal posso me conter fechada em minhas roupas.
O diabo não poderia ter planejado isso melhor do que meu marido.
Seus dedos instigam e provocam o interior das minhas coxas e o toque
me incendeia. É…. bom. Como se aos poucos, minha pele formigasse,
respondendo ao que ele faz. É satisfatório o suficiente para me fazer esquecer
por um instante quem é o crápula entre minhas pernas.
Quando ele passa os dedos através do tecido suave e delicado da
calcinha, eu contraio os músculos abaixo da cintura, sentindo-o profundamente
por causa disso. Então, ele usa seu polegar para fazer pressão no topo da minha
vagina e mordo minha boca, enquanto desejo e raiva se misturam dentro de mim
com a mesma intensidade. Minha visão está enevoada pelo movimento lento dos
seus dedos contra minha pele sensível e eu contenho a vontade de pedir que ele
afaste a calcinha e faça o que eu preciso.
Não sou capaz de abrir a boca quando ele procura o centro do meu calor,
levando seus dedos até meu núcleo um pouco molhado e totalmente sensível. O
súbito movimento me faz fechar as coxas com força e ele se apressa em afastá-
las, estimulando meu corpo a produzir o líquido que encharca seus dedos, e eu
posso senti-lo umedecendo minhas coxas por dentro.
Com um estalo satisfeito, ele observa meu rosto enquanto controlo cada
célula dentro de mim para não ceder totalmente ao que ele faz lá embaixo. Seu
dedo me toca e descobre, então ele pressiona um de meus seios, aumentando a
sensação boa que domina meu corpo e me faz suspirar sem fôlego.
— Boa garota… — sussurra, e desce sua mão do meu busto, indo até a
saia. Ela parece ser sua maior inimiga agora, e a minha também. — Você sempre
fica pronta assim quando estou perto de você, Beca? Sempre fica molhada
quando escuta a minha voz?
O tom rouco que escapa da sua boca me eleva a alguns níveis, onde eu
desisto de tentar me conter quando ele puxa a saia para baixo e me deixa apenas
em minha calcinha. O toque é mais bruto agora, mais eficiente. A pressão me
toma de assalto e eu sinto seus dedos roçando no interior das coxas, espalhando
a água que meu corpo produz e aumentando o calor na área, forçando um
pequeno sorriso brincalhão entre meus lábios. Quando ele se inclina sobre mim,
posso sentir a ponta do seu membro roçar contra minha entrada e engasgo num
suspiro de susto, mas ele apenas ri, alcançando minha mão e a puxando na
direção do seu corpo. A posiciona sobre a toalha e eu respiro, tentando não
engasgar, ao senti-lo por baixo do tecido grosso.
— Porque eu fico assim quando penso em foder você.
Ele não espera minha resposta e se afasta para ficar de joelhos, levando
as mãos para os lados da minha cintura e puxando a saia até que ela seja apenas
um amontoado de tecido na minha cintura. Minha calcinha está a mostra e eu só
entendo qual seu objetivo quando ele a puxa para baixo e coloca seus lábios
sobre os meus, tomando meu corpo num beijo que, de vez, incendeia tudo que
ainda havia para ser alcançado pelo fogo.
Minha boca trava aberta por mais de um segundo e eu estremeço debaixo
do poder da sua língua, enquanto ela descobre minhas dobras e faz carinho em
meu clitóris. Ele suga minha pele nos pontos certos e espalma sua mão no centro
da minha barriga, me mantendo deitada e à mercê de seu controle. A sensação é
de estar sendo devorada pelos seus olhos, pois ele os mantém sobre meu rosto o
tempo todo, avaliando minha reação descontrolada ao que ele faz lá embaixo.
Usa sua língua para me cobrir inteira e eu suprimo um gemido alto
quando meu corpo sente os resultados disso, tornando-me nada além de sua
refém. Luca leva sua outra mão para a área e quando esfrega o dedo contra o
botão inchado no topo das minhas pernas, é o suficiente para que eu levante os
joelhos e grite, permitindo que ele me prove por inteira. Há fome em seus olhos
quando estou gozando e meu corpo inteiro estremece, sentindo-o prolongar a
sensação com o dedo que coloca dentro de mim e dobra, tocando no ponto certo
para me incentivar a continuar, enquanto tenho pequenos espasmos e o ar que
recebo se torna escasso, prendendo-me na bolha de calor da minha respiração e
de seus beijos molhados contra minha pele.
Quando abro os olhos de novo, Luca está beijando a área do meu pescoço
e eu tomo a iniciativa de puxar sua boca para cima da minha. Preciso disso,
preciso dele.
A sua língua encontra a minha e eu sinto meu gosto ali. Não é a melhor
coisa que já provei, mas tudo fica mais excitante quando me lembro da imagem
dele entre minhas pernas, saboreando-me. Luca apoia as mãos na minha bunda e
a aperta, puxando meu corpo contra o seu. O encaixe é eficiente e ele precisa de
um pequeno ajuste, se livrando da toalha, para se afundar dentro de mim,
metendo até o fundo num suspiro aliviado e ofegante, com a boca entreaberta
grudada contra a minha pele suada e os olhos fechados.
Eu não contenho meu prazer, nem os gemidos, quando o recebo e apoio
minhas mãos ao redor do seu pescoço, cravando as unhas em sua nuca. Luca me
cobre e quando está dentro, entra num ritmo bom o suficiente para fazer a cama
ir junto, acompanhando o movimento e a sede de seu quadril. Eu estou seca por
dentro — totalmente — e quando ele enrola seu punho em meus cabelos e puxa
minha cabeça para trás, fervo em polvorosa, querendo mais dele e mais desse
sentimento que me toma por completo, esvaziando minha mente e me fazendo
acreditar que isso é tudo que importa no universo.
Luca abaixa o rosto e olha para o ponto onde nós dois nos encontramos
com um sorriso que rasga seus lábios e aperta ainda mais minha bunda, causando
pressão com as unhas curtas. Sei que ficará marcado e não ligo. Tudo que ligo é
em receber o que quero.
E recebo, antes mesmo dele, que tem um fôlego incrível. Estou gozando
enquanto ele acaricia minha boceta com o dedo e a fode, tomando-a por cima e
por baixo. Aperto meus seios e mordo minha boca, tentando prender a sensação
por mais tempo do que me é devido. Luca vem logo atrás e quando termina, seu
sorriso é largo, e o cheiro que emana do seu corpo é delicioso. Nosso suor se
misturou, mas ele acaba de sair do banho e eu poderia lambê-lo inteiro, com
certeza.
Por Deus, talvez eu queira…
Estou prestes a me levantar quanto ele pede um segundo. Sai de dentro
de mim, se abaixa e puxa a toalha caída que antes cobria sua cintura. Eu solto
um suspiro de susto quando usa a ponta dela para limpar entre minhas coxas
grudentas e contenho meu sorriso ao ver sua concentração. Termina e descarta a
toalha num rolinho para o canto do quarto.
— Talvez devêssemos começar a usar camisinha — murmura pensativo e
vai até o armário que há no quarto. Tem uma porta para o closet, mas ele
encontra o que precisa ali e cobre sua bunda.
Eu busco minha calcinha do chão e tento não me sentir tão atordoada ou
ter a sensação de que andei numa montanha-russa de cabeça para baixo nos
últimos trinta minutos.
Mas é impossível.
— Luca…
— Fale — pede, sem olhar diretamente para mim.
Então eu penso em falar. Realmente falar sobre não querer que o único
momento em que nos conectamos seja no sexo, mas a fala fica presa no mesmo
lugar onde reprimi todos meus desejos e opiniões por dezessete anos, quando ele
se vira e vejo o brilho diferenciado em seus olhos, acompanhando de um sorriso
leve, sem pressão.
Ele não me olha assim desde a tarde na praia. E droga, como eu gosto de
ser olhada dessa maneira… Como se eu fosse tudo que ele sempre sonhou, tudo
que ele precisa. Tudo que ele aprova.
E eu não quero estragar isso agora.
— Nada. — Sorrio tímida e tento ajeitar meus cabelos sem espelho. Ele
continua me olhando e eu fujo para o banheiro.
Lá eu posso desfazer o sorriso e tento pensar no que tudo isso significa.
Horas depois de pegar no sono, sou acordado pela fome.
Meu estômago está roncando enquanto me desloco até o telefone deixado
no aparador e confirmo que já são quatro da tarde e nem eu ou Rebecca
almoçamos adequadamente.
Ela, aliás, dorme serenamente na mesma cama que eu e ao passar os
olhos sobre sua figura, enrolada no lençol branco que a cobre, sinto o gosto do
seu beijo de novo e penso que bela visão é observá-la no pós-sexo. A pele está
corada e o cabelo uma bagunça, mas parece renovada. Como se nunca tivesse
descansado tão profundamente.
Eu a observo dormindo por mais tempo do que deveria antes de decidir
que é um pouco estranho fazer isso e me levanto para ir conseguir alguma coisa
para comer. Coloco qualquer roupa, calço meus sapatos e pego apenas o
essencial antes de deixar a cobertura.
Penso, no caminho, se Deus está sendo bom comigo só porque amanhã é
meu aniversário, mas não sei se há espaço no coração dele para me abençoar
com alguma coisa. Tenho sido um mau menino tempo o suficiente para saber
disso.
Então vou dar o mérito de ter fodido a minha esposa satisfatoriamente
bem ao único cara responsável por isso.
Eu.
Paro no restaurante italiano da esquina e me acomodo num dos bancos do
fundo para esperar pela comida. Estou acostumado a vir aqui e preciso de cinco
minutos para averiguar o espaço e garantir que não há nenhuma surpresa
desagradável. A arma está bem colocada em minha cintura e seria uma lástima
precisar usá-la enquanto sinto tanta fome.
Encerro minha análise assim que o telefone toca e vejo o nome de Max
no visor. Mas me arrependo de atender assim que ele me recebe com um berro.
— Faz mais de três horas que estou tentando falar com você, seu merda
do caralho! O que diabos você estava fazendo?
— Comendo a minha esposa.
Imagino Max revirando os olhos. Ou atirando fogos de artifício.
— Meus parabéns, Luca. Parece que você finalmente tomou uma
atitude!
Relevo isso.
— Aliás, também fiquei sabendo que enfrentou seu pai… — murmura.
— Já era hora.
— Ele me expulsou de casa por isso.
— Outra coisa que já estava na hora… Sério, que mania esquisita a de
vocês ficarem todos grudados. Na primeira oportunidade, eu tô caindo fora. Já
falei isso pra coroa.
— O modo como ele trata minha mãe todos esses anos… — suspiro. —
Fui covarde de não ir contra ele antes. Precisei que meus irmãos recorressem a
Rebecca para entender o nível do problema.
— Que história é essa?
Eu respiro fundo, mas não me recuso a contar.
— Amanda e Pietro precisaram dormir com ela para conseguir dormir.
Só com isso, ela fez mais do que eu consegui em vinte anos. — Minhas palavras
soam como lamúrias. — Estive concentrado demais em mim. Acabei deixando
todo resto passar.
— Ok, cara, tudo bem. Não precisa se autoflagelar agora. Está crescendo.
Seu pai é nosso Capo. Quando soube que ele não iria enrolar uma corda ao redor
do seu pescoço, você foi capaz de defender a sua família. Ninguém julga você
por isso.
Aceito suas palavras como um pequeno mantra.
— Mas enfim, o que você queria comigo?
— Tenho novidades — responde. — Consegui falar com um dos meus
informantes de dentro. E parece que os irmãos de Romeu estão na cidade junto
com ele.
Eu me aprumo imediatamente no banco ao ouvir isso.
— Irmãos?
— Rodrik e Diana. — Max fala com normalidade, o que me indica que
está num ambiente seguro. Esse não é o tipo de informação que pode ser
espalhada. — A última informação que havíamos tido é de que o irmão estava
preso. Mas aparentemente, o bosta russo mexeu uns pauzinhos e o trouxe para
perto. A irmã veio com as crianças da família, aliás.
— Então a casa está cheia — suspiro, a mente fervilhando de ideias. —
O que significa que algo importante vai acontecer.
— Ou talvez ele apenas saiba que iremos controlar os voos que entram e
saem a partir de agora e quer garantir que estejam todos juntos. — Ele toma uma
pequena pausa. — Não somos os únicos inimigos dos Ivanov.
Com certeza não.
— Você vai levar essa informação ao meu pai?
— Já estou a caminho da mansão.
— Certo. — No fundo, tenho o desejo de pedir a ele que não leve. Mas
sei que Tony precisa saber, pois ele é o único com poder suficiente para agir. —
Me ligue depois e diga o que resolveram.
— Que eu saiba você ainda está de repouso.
— Que eu saiba você deveria cuidar da sua vida. — Minha resposta vem
tão rápido que tudo que ele faz é rir. Desligamos juntos e eu permaneço ansioso
por atualizações.
Com a família Ivanov completa em nossa casa, as coisas ficam mais
divertidas.
Ele quis atacar a minha esposa?
Veremos o que ele vai achar quando eu explodir a porra da sua família
inteira.

Chego em casa pouco depois de uma hora, após resolver mais algumas
pendências na rua. Uma chuva fraca cai pela cidade e minha roupa está úmida,
mas vou direto para a cozinha, colocando os sacos de papel em cima da
bancada.
O apartamento está silencioso, mas sei que Beca está acordada pelo som
do chuveiro. Há alguns minutos, enviei uma mensagem para Fiona sobre a vaga
de emprego. Ela é ágil, eficiente e principalmente: sabe manter a boca fechada.
Fora que não podemos comer fora todos os dias.
E eu não confio que minha esposa ao menos saiba acender o fogão.
Controlo o impulso de ir até Rebecca avisar que já cheguei com o almoço
tardio e me sento numa das banquetas em frente à ilha de mármore. Evito olhar
na direção da sua refeição enquanto desembalo a minha e inspiro o cheiro
delicioso de lasanha. É uma das minhas comidas favoritas.
Passa-se algum tempo até que eu ganhe companhia e Rebecca aparece,
pisando suavemente, como se não quisesse perturbar, ignorando o fato de que é
sua casa também. Os cabelos estão molhados e o castanho dos olhos parece
aceso, como chocolate derretido. É uma grata surpresa ver que ele usa um
vestido leve, de ombros caídos. Posso ver o suficiente dela para me lembrar com
prazer da manhã que tivemos.
Este talvez seja o motivo pelo qual ela se encolhe ao aproximar-se da
ilha, do outro lado.
— Boa tarde — sopro o cumprimento na sua direção, mastigando. Ela
levanta os olhos das sacolas e tenta erguer os ombros, mas falha. — Trouxe seu
almoço.
Ela evita olhar muito para o meu rosto e pega a sua embalagem de
comida. Tão silenciosa quanto um fantasma, anda até o micro-ondas e volta
minutos depois, com o prato fumegante, sentando-se à minha frente. Observo
todo o processo até que ela coma a primeira garfada.
— Arancino — reconhece com prazer após morder um dos bolinhos
fritos e recheados com ragu de carne que a moça falou serem típicos da Sicília.
— É uma das minhas comidas favoritas. Obrigada.
— Eu não sabia disso. — Me apresso em dizer, como um verdadeiro
idiota. Ela arqueia as sobrancelhas, confusa. — A atendente recomendou.
O sorriso trêmulo de Beca falha por um instante.
— É claro que sim — concorda, puxando outro até a boca.
Boca que é gostosa pra caralho, assim como ela.
E que rouba minha atenção da farta lasanha por alguns segundos, até ela
me flagrar e a situação se tornar um pouco constrangedora.
Para ela.
— Tivemos uma manhã… atípica — comenta, com o sotaque carregado
na última palavra. — Eu nem vi o tempo passando.
— É, isso acontece quando você está se divertindo.
Aposto cem dólares que ela acaba de morder a língua pela careta que faz.
— Você gostou?
Se fazendo de desentendida, franze o rosto, esperando que eu complete a
sentença.
— De transar comigo, Rebecca — completo, com um leve tom de
impaciência. — Você se divertiu?
— Hm, sim… foi ótimo.
— Ótimo — suspiro. — Eu não costumo fazer aquilo, sabe.
— Aquilo o que?
— Chupar buceta.
O bolinho voa para fora da sua boca e eu engasgo numa risada. Ela
parece prestes a explodir e sem perguntar, rouba meu copo d’água.
— Qual é, Rebecca… Você sabe que é isso que você tem no meio das
pernas, né?
— Não costumo chamá-la por um nome tão chulo em voz alta.
— O que tem de chulo nessa palavra?
— Tudo.
— Não acho.
Ela não responde e devolve minha água. Agora pela metade.
— Eu vou continuar chamando assim.
— Contanto que eu não esteja comendo quando fizer isso.
Rio.
— A roupa de puritana não combina mais com você, linda — Sorrio. —
Não depois de hoje.
Beca me encara por um longo segundo antes de dizer:
— Não a quero mais, de qualquer jeito.
A afirmação me traz certo alívio.
— Fico feliz em ouvir isso — murmuro.
Ficamos em silêncio por algum tempo, até ela se sentir confortável o
suficiente para puxar assunto comigo.
— Você gosta de lasanha?
— Não. Detesto.
Minha ironia não é percebida e ela franze o cenho, me encarando como
se eu fosse louco.
— Estou brincando, Rebecca.
— Ah.
— Você realmente não é adepta do sarcasmo?
— Costumamos falar o que pretendemos de onde eu venho.
— Interessante jeito de viver — comento, despretensiosamente. — Mas
deveria aprender um pouco mais sobre isso, já que vive aqui agora.
— Para me defender das suas piadinhas?
— Para sobreviver a elas, esposa — pisco. Tudo que ela faz é continuar
se servindo.
Acabamos ficando em silêncio pelo resto da refeição.

Max liga pouco depois do final do almoço e eu atendo no mesmo instante


em que Rebecca pega meu prato. Seu perfume passa pelo meu nariz e eu a
encaro com a mesma fome de mais cedo quando meu primo me cumprimenta do
outro lado da linha.
Ela nota e se apressa para fugir de mim.
— Fale — peço, cortando a vontade de desligar na sua cara.
— Seu pai decidiu não fazer nada sobre isso.
— Como?!
— Ele me deu ordens explícitas de não fazer porra nenhuma até que isso
seja discutido, Luca. Inclusive, não contar para você.
Eu preciso respirar por um segundo para não ir até a mansão e cortá-lo
em pedaços.
— O que exatamente ele espera? Que fiquemos sentados, esperando que
eles venham para cima de nós com tudo? Que porra é essa, Max?
— Eu não sei qual é a estratégia do seu pai. Sério. Eu já esgotei todas as
opções que tinha em mente…
— E que porra nós vamos fazer sobre isso? — indago, escutando o som
da água que corre enquanto Rebecca lava os pratos. — Não vou esperar.
— Se formos contra as ordens dele…
— Ele quer que a gente morra — afirmo, espalmando a mão contra a
pedra de mármore da bancada. — Não tem como apoiar uma merda dessas.
— Eu não consigo pensar em nada agora. — Max bufa. — Vou averiguar
a situação. Ver se consigo alguma coisa. Passo na sua casa mais tarde, certo?
— Certo. Mas Max?
— Sim?
— Bata antes de entrar.
Ele ri do outro lado.
— Safado pervertido do caralho…
E desliga.
— O que aconteceu?
A voz suave de Rebecca me cumprimenta de volta ao presente e eu
respiro fundo, tentando espantar a tensão de saber que meu fodido pai, mais uma
vez, está optando pelo caminho mais fácil.
Sabendo da fragilidade de Romeu ao receber a família por aqui, seria a
hora certa de agir. Com todos os soldados, numa megaoperação. Iríamos
aniquilar qualquer ameaça em uma semana. Mas ele prefere sentar e esperar?
Que porra de ideia é essa? Eu já estou inteiro e posso ir para o combate. Minhas
mãos coçam por um pouco de ação e eu adoraria derramar um pouco de
sangue.
Talvez ele só esteja fazendo isso para me castigar.
— Luca?
Minha mente voa longe e mais uma vez, Beca me chama de volta.
Perdido, busco pelo seu rosto e a encontro parada do meu lado. As mãos estão
molhadas e noto que ela estragou à frente do seu vestido com… molho?
— Você se sujou — murmuro, distraído. Ela olha para baixo e parece
envergonhada ao notar a mancha, então corre com um pano para limpá-la. — Ei,
espera. Sei o jeito mais fácil de resolver isso.
Ela me encara na expectativa de que eu realmente saiba e eu fico de pé,
me colocando atrás do seu corpo. Ela é tão pequena que dá pena. E me torna
ainda mais instintivo ao seu redor. O tanto de coisas que meus inimigos
adorariam fazer contra essa garota…
Apenas para chegar até mim.
Toco a bainha do vestido que ela colocou depois do banho e num
movimento rápido, o puxo para cima. Ele passa pela sua cabeça e eu rio quando
ela nota o que fiz e gruda sua barriga contra a pedra de mármore da ilha.
— Que…
Eu giro seu corpo e espalmo a mão sobre sua barriga lisa. Os ossos
saltam de uma maneira um pouco exagerada, e me lembro dela ter mais curvas
antes. Mas os seios continuam fartos e o olhar de garotinha inocente me carrega
a novos níveis de insanidade. Toco seu braço e deslizo a mão até a sua,
encontrando seus dedos. Os levo na direção das minhas calças, amando o olhar
de espanto que assume seu rosto quando faço isso e ela arfa ao sentir quão duro e
carregado estou apenas com a visão de seu corpo quase nu em nossa cozinha.
— Talvez nós precisemos conversar antes de… hm, você sabe — diz,
umedecendo os lábios secos. O olhar castanho recai sobre meu corpo e eu ergo
seu queixo, enfrentando seu olhar inibido.
— Você não quer transar?
— Não é isso, é só que…
— O que é, então?
— Talvez fosse melhor se…
Eu não espero que ela termine de falar e agarro os dois lados da sua
cintura. Coloco sua bunda sobre a bancada e ela solta um gritinho de surpresa. A
puxo pelas pernas mais para frente e roço os lábios contra seu pescoço, vendo o
quanto ela se contrai ao receber minha boca contra sua pele.
— Se?
— Me conte o que fez nas últimas três semanas — pede, quando mordo o
lóbulo delicado da sua orelha. Eu me afasto para olhar em seu rosto e seguro a
risada. — É sério. Eu gostaria de saber.
— O que é isso, Rebecca?
— Quero conversar com você — murmura. Eu mantenho as duas mãos
pousadas sobre suas coxas. — Precisamos conversar.
— Mas eu não quero conversar com você.
A revelação a pega de surpresa.
— Não?!
— Não… Mas se você precisa mesmo saber o que fiz nas últimas três
semanas, posso te contar.
Ela se endireita na bancada e eu pressiono meus lábios para impedir que
uma risada escape pelo modo atento como ela se prepara para me escutar. É tão
irritante, quanto adorável. E eu não estou acostumado a lidar com coisas assim.
— Sonhei com você — confesso, e toco seu sutiã. É delicado como
qualquer coisa que ela usa, especialmente pensado para seu corpo. A taça abraça
bem o seio e o tecido é branco. Eu gosto dele. — Pensei em você.
Levo a mão até a alça da peça e chego na parte de trás. Não estou
levando isso para o lado que ela provavelmente pensou, mas sei o que precisa
escutar agora para permitir que eu entre no meio das suas pernas de novo.
— Senti raiva de você — emendo e deixo o sutiã cair entre nós dois.
Seus olhos acompanham o movimento e eu coloco meus dentes num dos
mamilos rosados e enrijecidos para um beijo, afastando-me para continuar a
falar. — Muita raiva, Rebecca, porque eu estava tendo que evitar você e a cada
dia, você só parecia mais e mais tentadora, como um desafio...
Meu toque perfura cada defesa que ela tenta levantar e eu toco seus
peitos, puxando-os e massageando-os. Seu olhar analisa meu rosto, fixado sobre
ele e eu tenho o magnífico pressentimento de que ela quer me beijar.
— E você deve imaginar, o quanto eu não gosto quando o que é meu…
— Subo uma das mãos e a passo para trás do seu pescoço, segurando sua nuca.
O cabelo cobre minha mão e ela deita seu rosto no ombro, cedendo aos poucos
ao meu controle. — Não está nas minhas mãos, querida.
Beca solta um suspiro sofrido quando passo minha língua do seu peito ao
seu pescoço. Paro ali e chupo. Seu corpo desejoso e atiçado roça contra o meu
em vários cantos e eu moo meu corpo contra suas pernas. Ela sente meu pau
rígido contra suas coxas e eu me surpreendo quando a sua mão vai até minha
cueca e passa para dentro dela.
A gatinha tem garras.
Ela não sabe bem o que fazer, mas o básico é o suficiente. Enquanto beijo
seu pescoço, ela cobre a cabeça do meu pau e fecha meu eixo em seus dedos
macios, fazendo-me gemer baixinho entre dentes. A mente falha por um
segundo, então volto mais aceso, mais esperto e ela desce a mão pela extensão
do meu membro, endurecendo-me ainda mais.
— Você gosta dele, amor? — O apelido a faz respirar fundo e eu sorrio,
puxando sua orelha com os dentes. Já posso imaginar o estado da sua boceta
rosada e como ela deve estar se contraindo para poder ficar calma e contida. —
Gosta do meu tamanho?
Ela não responde, mas sei que minha voz está causando euforia dentro do
seu peito. O movimento de suas mão ganha ritmo e eu mordo meu lábio,
contendo um gemido alto, que a tiraria de seu transe. Beca tem os olhos fechados
e a boca escondida contra meu pescoço. Seu cheiro está me intoxicando e eu
quero tomá-la agora, não importa como.
— Quer colocá-lo na sua boca, linda?
Ela abre os olhos e se afasta alguns centímetros, permitindo que eu veja
sua expressão entorpecida.
Boas garotas são as que melhores escondem sua parte suja e eu gosto de
descobrir que minha esposa está a fim de descobrir a sua quando desce da
bancada e fica em seus joelhos. A mão desliza pela minha barriga, arranhando
meu abdômen e ela fecha uma mão na base do meu pau, arrancando um gemido
firme de mim. Apoio as mãos na bancada atrás dela e me curvo sobre sua
cabeça, assistindo o momento em que ela me guia para dentro da sua boca e me
recebe com o calor da sua língua.
Perco o sentido, o ar e qualquer porra que estivesse sobrando nos
primeiros trinta segundos. Estou perdido, entorpecido e entregue nas suas mãos e
na boca mais macia e limpa em que já estive, principalmente quando ela engasga
nele e cospe, sem nem saber como isso é bom, colorindo suas bochechas de
vermelho.
— Devagar — alerto, embora vê-la tentando engolir inteiro seja
maravilhoso. Beca sobe os olhos do pau duro na sua frente e eu mergulho no
castanho de suas íris, amaldiçoando a carinha de boa menina enquanto suga
minha cabeça e sobe e desce com as mãos pelo meu comprimento. — Devagar,
porra…
Ela não parece ligar muito para minhas instruções e eu a seguro pelo seu
cabelo. Puxo mais sua raiz do que deveria e sinto cada fibra em meu corpo
reclamar por mais, até que eu esteja instintivamente investindo contra sua boca.
Beca não reclama e crava as unhas em minhas pernas. Eu contraio cada
músculo em meu corpo quando isso acontece e sinto o fogo me consumindo.
Continuo segurando seu cabelo com uma mão e decido descobrir até onde ela
vai. Fodo sua boca com gosto a partir disso e ela encontra com meu olhar, tão
faminta quanto eu, recebendo o que lhe dou.
Vadia safada do caralho.
— Você vai engolir? — pergunto, rouco, perdido. Sua boca se fecha
perfeitamente ao redor da minha cabeça e meu ritmo está inconstante. Beca não
precisa dizer mais nada para que eu saiba que ela está disposta a aceitar até a
última gota. Então eu gozo na sua bela, doce e bonita boca, e a faço sentir meu
gosto até que ela não possa aguentar mais. Os cantos da sua boca estão sujos
quando ela se afasta e eu bato em sua bochecha com meu pau por último, indo
até o meio dos seus peitos e rio da bagunça que eu fiz na menina imaculada que
me deram.
A pego pela mão e quando ela está de pé, vou até a sua perna e levanto
sua coxa. Beca está aberta, sensível e manchada pela minha porra. Que visão.
Estimulo meu pau contra a sua entrada e ela geme contra meu ombro,
rendida ao que faço. Eu sorrio, porque sabia que seria exatamente assim. Com a
diferença em nossas alturas, posso apoiar minha boca no topo da sua cabeça e o
faço, no mesmo instante em que entro nela, preenchendo-a onde faltava.
É a primeira vez que Rebecca grita e eu a toco lá embaixo, encontrando
sua bocetinha molhada. Realizo que ela ficou assim apenas por me ter na boca.
Isso me dá mais fôlego e afundo nela com tudo, quase dobrando-a ao meio. Seus
gemidos são altos e ecoam pelo apartamento vazio, e me pergunto por que não
sai de casa antes. Porque não falei com ela antes.
Por que não me casei com essa mulher antes?
Seguro sua coxa por baixo e a mantenho aberta, enquanto a fodo. Beca
entra em combustão pouco depois disso e eu empurro seu corpo, fazendo-a sentir
até o último segundo. Meu corpo só cede quando ela já fez o mesmo e eu fecho
nossos corpos, possuindo até o último canto da minha bela e doce esposa.
Quando acaba, o único som na cozinha é o de nossas respirações
enquanto se alinham e o movimento de nossos peitos enquanto se acalmam.
E eu considero este um belo jeito de chegar em casa.
Max chega no apartamento algumas horas depois do nosso momento na
cozinha. Eu tomei outro banho, assim como Luca e estou na sala principal
quando o loiro aparece, acompanhado de Lorenzo e Donatella. A irmã de Luca
corre até mim e eu recebo seu abraço aliviado, como se ela mal pudesse acreditar
que continuo de pé.
Atrás dela, duas malas que parecem recheadas são carregadas com pouco
esforço por Lorenzo.
— Recusei a ajuda da governanta só para poder enfiar tudo mais rápido
— explica-se, após se afastar. — Sinto muito se estiver tudo uma bagunça.
Passei o dia inteiro tentando arrancar informações do meu irmão sobre você —
conta, segurando minhas mãos. Penso se as marcas que ele deixou em minha
pele aparecem no pescoço. Soltei o cabelo para esconder, mas não sei se foi o
suficiente. — Mas você deve imaginar que não é fácil arrancar nada dele.
Ela nem imagina o quanto.
— Estou bem, Dona. — Sorrio, feliz pela preocupação. — De certa
forma, é bom termos nossa própria casa.
— Eu concordo. Se eu pudesse, morava longe há anos... — fala, me
fazendo rir. Luca aparece da cozinha com um vinho que deve ter vindo da adega
climatizada que há nos fundos e eu tiro meu olhar dele quando para e
cumprimenta sua irmã. Sinto minhas bochechas esquentando e não sei por que
me sinto tão sensível ao seu redor, até que meus olhos encontram a sua boca e eu
me lembro dos dedos, seguindo pelo caminho dos braços que levam ao peito e...
Enfim.
— Posso dizer que a casa já está pior sem você? — Donatella fala, me
puxando dos meus pensamentos, que estão maliciosos demais, uma vez que
temos visitas. Por sorte, Luca não olha para o meu rosto ou poderia enxergar
claramente o que estou sentindo, ainda sensibilizada por tudo que fizemos mais
cedo.
Tesão.
Aquela palavra esquisita que descreve a pressão no meio das pernas e o
calor que sobe em consequência disto como ninguém, a qual eu aprendi em
algum livro lido sem grandes objetivos durante o meu período no colégio
interno. Era isso que a personagem principal usava para descrever o que seu
corpo sofria quando o mocinho se aproximava.
— Pode, mas eu não volto para lá nem morto — Luca diz ao se afastar.
Cumprimenta Max e Lorenzo com apertos de mão e coloca o vinho sobre a mesa
de centro. Seu cabelo está molhado e posso ver o sorriso sugestivo de seu primo
quando se falam. Me preocupa que ele saiba o que fizemos apenas de olhar para
ele.
Eles trouxeram comida, o que é um alívio, considerando que não há nada
em nossos armários. Sei que isso provavelmente ficará sob minha
responsabilidade, mas ainda não falamos sobre isso.
Não falamos sobre nada.
Confesso que ter tentado durante o sexo não foi a melhor das ideias, mas
é o único momento em que sinto que ele presta o mínimo de atenção sobre mim.
O único momento em que me torno alguém em sua visão distante e onde quis me
fazer notável.
Não consegui.
Pelo menos, não do jeito que eu gostaria.
— Beca?
Tiro meus olhos da taça de vinho que Donatella acaba de colocar em
minhas mãos contra minha vontade e olho para o rosto de Luca. É novo escutá-
lo falando meu apelido desta forma, tão casual, leve, despreocupado...
— Sim?
— Seu telefone está tocando. — Há um leve toque de curiosidade no seu
aviso e eu busco pelo som. O deixei sobre a bancada da cozinha e atendo com
um sorriso ao ver que é Luna. Na sala, eles riem por algum motivo e eu tento
não ficar curiosa em relação a isso.
— Eu tenho uma surpresa para você!
O tom de voz animado de Luna do outro lado da linha faz com que eu
anseie por qualquer coisa que me arraste dessa realidade onde me sinto um
pouco perdida.
— Oi, amiga! É bom falar com você também.
— Você sabe que sempre é bom falar com você, Beca e nossa relação já
passou da fase de precisarmos dizer oi. — Posso sentir sua risada através da
linha. — Agora, me diga, você está sentada?
Olho em volta, tentando ver se estou louca ou não.
— Não, Luna, estou de pé no meio da cozinha...
— Ok. Só me garanta que não vai cair para trás.
— Me conte logo o que está planejando.
— Por que você acha que eu estou planejando alguma coisa?
— Porque eu te conheço — murmuro, rindo junto da minha amiga. É
familiar fazer isso de novo. — Alguma coisa aconteceu? Precisa de ajuda ou...?
— Não! Per Dio, Beca, por que você sempre pensa no pior? Apenas abra
a sua porta!
— Por que eu…
A campainha toca no mesmo instante em que vou terminar a fala. Escuto
a movimentação na sala para ir atendê-la e deixo a cozinha, com medo do que
Luna pode ter enviado. Ela é grande adepta de gracinhas e bem me lembro da
vez que me deu um cachorro de aniversário.
Um do qual meu pai se livrou apenas um dia depois.
Saudades, Bart.
Antes que eu chegue até a porta, Max está de pé na frente dela e ao abri-
la, acaba revelando algo mais especial do que qualquer presente que a bendita
Luna Bellucci poderia enviar para mim.
Ela.
Em carne e osso, Luna está no hall de entrada, molhada até o último fio
de cabelo, provavelmente pela chuva que está caindo lá fora. Ela tem o telefone
apoiado no ouvido e um sorriso largo que toma conta do seu rosto magro,
iluminando os olhos mais verdes que já vi na vida.
— Surpresa!
— Meu Deus do céu, a Itália não fica do outro lado do oceano? — Max
grunhe, apoiando a cabeça contra a porta. — O que essa menina está fazendo
aqui?
Ela passa reto por ele e solta sua mala na entrada, ignorando o que o loiro
diz. Alguns riem, mas Luca permanece sério. Eu não sei o que pensar disso.
— Luna, per Dio, o que está...
— Desculpe chegar sem avisar — se adianta em dizer —, mas eu passei
na mansão antes. Rosalind Accorsi me disse que haviam se mudado.
— Você não deveria estar em casa?
— Me faço a mesma pergunta! — Max indaga. Não sei bem o que
aconteceu entre os dois, mas não me parece ter sido muito bom. Foram nosso
casal de padrinhos juntos.
— Papai me liberou para vir ver como você ficou depois do atentado. Eu
fiquei tão preocupada, Becky, mas precisei esperar que me dessem permissão...
— Ela tira o casaco pesado e o joga no chão. Penso o que Luca pensará sobre
isso e os danos da água contra seu piso perfeito. Mas se pensa alguma coisa, não
fala, guardando para si e ocupando a boca com sua taça cheia de vinho. — E eu
deveria ter avisado, sei que sim, mas quis fazer surpresa! Então... surpresa!
Ela grita mais uma vez e abre os braços. Sempre mais solta do que eu,
apenas esperando a chance de se libertar, minha amiga não dá a mínima para os
olhares atentos dos outros quatro presentes. Nem o que eles podem estar
pensando.
— É realmente uma grande surpresa... — Luca resmunga e eu corro
meus olhos para o rosto dele. Não expressa qualquer reação negativa, no entanto,
também não há nenhuma positiva.
Luna desmancha o sorriso no mesmo instante.
— Eu posso ir se…
— É claro que não! — Me apresso em dizer e meu marido olha para
mim, arqueando uma sobrancelha, surpreso com o tom alto que utilizo para me
manifestar. — Lu, eu fico muito feliz de te ter aqui! Seja bem-vinda!
Ela finalmente se liberta de toda a roupa molhada e se aproxima, me
prendendo entre seus braços. Rimos como duas crianças e eu ofereço o banheiro
para que ela se troque. A guio no corredor de cima e desço para ver o que sua
chegada significará no humor sensível do meu marido. Já na ponta das escadas,
ele me alcança.
— Ela não avisou mesmo? — Luca pergunta. Os outros três estão
envolvidos demais em conversas e rodadas de cerveja para prestar atenção em
nós dois. Ou talvez apenas finjam bem.
— Não. Tudo que fez foi me ligar agora.
Ele não diz nada.
— Isso… te incomoda? — Minha voz sai trêmula e baixa, como um
segredo. Me preocupo que ele possa fazer qualquer grosseria contra Luna. Eu
prefiro que faça comigo.
— Não me incomoda que tenha amigos, se é o que está perguntando —
murmura, me encarando como se eu fosse maluca. — Mas ela deveria ter
avisado se pretende ficar aqui.
— Ela pode...
— Especialmente porque eu tinha planos com você que envolviam um
tanto de silêncio e muita privacidade — argumenta, interrompendo todos os
meus pensamentos por um segundo. — Mas tudo bem. Iremos contornar isso.
Suavemente, ele faz um carinho lento no pé da minha barriga. A sensação
é de um leve formigar, que me faz ficar tensa ao mesmo tempo em que amoleço.
E Luca sabe, por isso se aproveita da privacidade para me manter sob suas
rédeas e sutilmente, sem alarde, escorrega a mão para baixo... e para baixo...
Ele passa da cintura e me faz pular ao sentir sua mão invadindo a parte
debaixo da saia.
De onde estamos, de costas para as escadas e virados para a frente,
qualquer um pode enxergar. Se Luna descer sem avisar, se Max, Lorenzo ou
Donatella apenas se virarem...
Mas ele não liga.
E nem meu corpo.
— Esses são os privilégios de ter sua própria casa, Beca — sussurra
contra meu ouvido, mordendo o canto da orelha. Quando arfo, amolecida pelo
que seus dedos fazem, ele me joga contra a parede e ri, beijando meu queixo e
roçando seus lábios contra minha boca. — A gente pode fazer o que quiser, a
hora que quiser.
— Sua família e...
Ele afunda o dedo entre minhas coxas. Ou estou suada ou estou úmida,
não sei, mas o negócio é que não tenho nenhuma resistência. Ele toca a calcinha
e eu respiro fundo, escondendo a boca na curva cheirosa do seu pescoço.
— Quer subir?
— Não podemos. — Me apresso em dizer, com a boca cheia de vontade
de apenas deixar que ele faça o que quiser. — Você os chamou para cá. Você
precisa atendê-los.
— Prefiro atender a minha esposa. — Sorri lascivamente, me prensando
ainda mais contra a parede. O modo como fala esposa entrega um tom levemente
possessivo que me agrada. E bem no fundo, me aquece. — Não quer descobrir
mais um pouco sobre o que fizemos hoje?
Estou prestes a dar todos os tipos de respostas erradas a um homem que
adoraria apenas uma chance para me ter por completo, do mesmo modo como
fez mais cedo, quando os passos de Luna ecoam na escadaria e ele é obrigado,
pelo meu olhar de espanto, a se afastar sutilmente, permitindo que eu respire e
que minha amiga não presencie mais do que deveria.
Eu só tenho tempo de ajeitar a saia do vestido, enquanto ele dá as costas
para nós duas e sai, sem maiores explicações. O olhar que lança sobre mim ao
sair, no entanto, diz o suficiente.
— Amiga... Tudo bem mesmo eu ficar aqui assim do nada? — Luna
questiona, terminando de trançar os cabelos. Eles são loiros e longos, alcançando
abaixo dos seus seios. Ela usa uma camiseta branca e shorts jeans, que
certamente não usaria em casa. Mostra perna demais para uma moça solteira e
tenho certeza de que ela sabe disso, mas não se importa. — Meu pai permitiu por
que eu fiz todo um drama, mas se eu precisar voltar...
— Lu, eu amo o fato de você estar aqui. — Sorrio, sem mentira
nenhuma. — Faz tão pouco tempo que te vi e já tem tanta coisa para te contar
que você nem vai acreditar!
Na sala, eles entraram em algum assunto que não parece nos dizer
respeito. Luca está sentado na borda do sofá, enquanto Max discursa sobre
alguma coisa, no centro da sala. Só de espiar, pela expressão séria de Lorenzo —
que sempre é sério — sei que eles não esperam companhia por agora.
— Venha, podemos atualizar uma à outra na cozinha! — Digo e minha
amiga concorda, entendendo o mesmo que eu: estão tendo conversas de adulto
na sala.
A puxo pelo braço e juntas, devoramos um terço dos salgadinhos e Luna
pega mais uma garrafa de vinho da adega de Luca (coisa que eu nem sei se
poderíamos fazer...), enquanto rimos sobre o nosso mundo, deixando que os
adultos tenham suas conversas sérias e profundas.
E eu adoro a sensação de voltar a ser a antiga eu por um certo tempo.

Em determinado momento, as conversas se misturam. Donatella nos


chama e nos acomodamos na sala junto deles. É estranho, e gostoso ao mesmo
tempo, ter Luna envolvida no novo núcleo da minha vida e eu gosto de assistir
enquanto ela e Donatella interagem, conhecendo uma à outra. Lorenzo parece
interessado em saber mais sobre o trabalho e vida do seu pai — que é
Consigliere do meu — e Max apenas bebe, sem comentários. Luca, sentado ao
meu lado, parece calmo demais para ser o Luca que conheço e eu imagino o que
se passa na sua cabeça.
A campainha toca quando a sala faz silêncio e Max se levanta para ir
atender. Duas pessoas entram e uma reconheço como Fred, o amigo do
casamento. E a outra está grávida.
Opa.
— Óbvio que você não ia faltar... — Max comenta, cumprimentando o
amigo. A moça parece tímida, mas acena e sorri para todos. Está espetacular em
um vestido branco de tecido fino, que chega até seus pés, com os cabelos
castanhos soltos sobre os ombros finos. É toda franzina, pequena como uma
boneca.
— Então isso é o que chamamos de inauguração de casa nova hoje em
dia? Os gêmeos, esposas, vinho e uma grávida?
— Vai se foder, Fred! — Donatella diz e vejo Luna arregalar os olhos
para o linguajar da garota. Eu engasgo com minha água, mas disfarço bem.
— Você era mais legal quando nem sabia andar, pirralha... — Ele
devolve, após cumprimentar ao seu irmão gêmeo. — Esta é Beth, minha noiva.
Noiva?
Eu a encaro com ainda mais curiosidade agora, decidida a entender como
e por quê.
Com certeza, a barriga redonda e cheia deve ser um dos maiores
motivos.
— Prazer, Beth. Eu sou o Max, o cara mais legal presente nessa sala. —
Max fala, beijando a mão da garota. Luca se esforça o suficiente apenas para
acenar e eu fico de pé, agindo como a anfitriã que fui ensinada a ser. Com dois
beijinhos, consigo sentir seu perfume adocicado e lhe parabenizo pela gravidez.
Ela sorri, meio sem graça e indico que se sente no lugar onde eu estava antes.
Isso faz com que eu me force a encontrar espaço ao lado de Luca e ao me
sentar, sinto a sua mão agarrar-se na lateral do meu corpo. É uma sensação nova,
senti-lo de perto, mas ele não diz nada em relação a isso. Sinto em seguida os
olhos de Luna presos sobre nós dois e sei que ela vê o que eu vejo, mas
certamente não compreende o meu espanto.
— Onde se conheceram? — Lorenzo pergunta, tornando a conversa mais
redonda e ampla.
— Beth é francesa. Estivemos juntos por lá durante minha missão —
simplifica e aceita uma das cervejas que Max acaba de trazer da cozinha. —
Então existiram algumas surpresinhas e adiantamos as coisas. Enfim... Espero
que possam tratá-la bem, mesmo que ela não entenda 100% do que falamos.
— Eu entendo perfeitamente bem, Frederico. Não se faça de bobo. —
Ela despreza o companheiro e rimos da sua revirada longa de olhos. — E posso
me apresentar.
— Bem-feito, otário! — Max diz e rindo, se afasta do moreno antes que
ele o alcance para estapeá-lo. Parece ser o charme de Maximus, ser a graça de
toda sala. Ele é um homem feito, provavelmente treinado em todos os tipos de
habilidades e não se importa nenhum pouco em deixar sua personalidade
brincalhona escapar nas horas vagas.
Há tantas diferenças entre ele e Luca, que permanece sério e concentrado
a conversa inteira... E quando ri, parece servir apenas para que não o confundam
com uma máquina.
Será que isso é mesmo tudo que ele é?
— Tudo certo para o aniversário amanhã, então? — Fred questiona,
algum tempo depois, quando a sala já bebe o suficiente para que as risadas
fiquem cada vez mais altas e ininterruptas.
— Desiste dessa merda... — Luca murmura, afastando-se de mim. Eu
sinto falta de sua mão, mas tento não transparecer isto.
— De jeito nenhum! — Max intercede. — Falta apenas uma hora para os
seus vinte anos, Lucão! Olha que foda que é isso! Ninguém esperava que você
fosse chegar tão longe e eu estou, honestamente, comovido!
— Credo, você está velho, hein, Luca... — Lorenzo comenta, rindo.
— Isso só significa que nenhum bastardo foi bom o suficiente para me
matar — diz, erguendo sua taça. Os homens riem junto dele, incluindo
Donatella. Eu gosto de como ela se mistura sem esforços e se sente à vontade
entre os meninos do mesmo jeito que se sente entre às meninas. Ela é
praticamente uma camaleoa, o que é raro demais em um universo como o nosso.
Normalmente, você se fixa ao nicho designado e segue nele até o final de sua
vid.
Mas ela é uma alma livre o suficiente para fazer as próprias regras.
— Há chances de conseguirmos cancelar as coisas na mansão, Dona? —
Luca indaga, chamando a atenção para cima dele.
— Hm... óbvio que não?! — franze seu rosto, encarando o irmão como
se ele fosse louco. — A mamãe planejou as coisas a semana inteira. Primeiro, o
jantar e depois festejaremos na Delirium.
— Eu preferia que fosse no Madame... — Max comenta e eu não sei a
que se refere. Luca e Fred compartilham um olhar demorado e eu entendo ainda
menos. — Mas certo. Vamos respeitar as senhoras. E vou ir pegar mais cerveja
por que... — Ele busca por um motivo, mas não parece encontrar nenhum que
justifique sua sede infinita. Então, apenas deixa os ombros caírem e suspira. —
Por que sim.
Sem maiores explicações, Max sai da sala e a conversa diminui de
volume. Um toque suave na minha coxa chama minha atenção e eu olho para o
rosto do meu marido.
— Podemos conversar lá em cima por um instante?
Sem notar qualquer coisa de errado, afirmo e o acompanho na direção
das escadas. Luna acena para mim, como se quisesse confirmar alguma coisa e
logo Beth a chama para descobrir alguma coisa. Elas se dão bem, no final, e eu
me sinto tranquila o suficiente para apenas seguir meu esposo até o quarto.
E não vou mentir dizendo que esperava pouco, porque não esperava. Mas
o muito que vem também não era o que minha inocente mente conseguia
imaginar.
Assim que pisamos na suíte, Luca me puxa pela cintura e nos joga na
direção da cama. Estou em seu colo antes que possa entender o giro e ele ajeita
minhas pernas do lado das suas, trazendo a sua boca até a minha. Eu arfo de
alívio e prazer quando sua língua desliza para dentro de meus lábios e meu corpo
se aquece por inteiro, numa onda de calor poderosa.
A mão dele cava na minha perna e invade o limite do vestido. A saia fica
na altura da minha cintura e quando ele agarra minha bunda, eu me ajeito
involuntariamente em seu colo, encostando no membro rígido entre suas pernas.
— Eu fiquei pensando em te comer durante todo tempo que me forçou a
fazer sala — confessa, e deixa meu corpo ardendo de dentro para fora. — E você
sabia disso, certo?
— Na verdade, fiquei pensando que estivesse bravo... — Deixo escapar e
ele alisa as mãos para cima, chegando aos meus seios. É uma sensação nova e
satisfatória sentir que eles enchem suas mãos e ver o brilho desejoso em seu
rosto, mostrando exatamente o que ele quer.
A mim.
— Eu não sou exatamente o tipo de homem que gosta de coisas como
essa, Rebecca... — diz, puxando a mão por baixo da coxa. Me sobe ainda mais e
quase não há ar entre nós dois. — Nem de perder tempo com essas merdas.
— Sua família?
— Eles sabem que devem respeitar o meu espaço — diz em tom de alerta
e eu interrompo o beijo.
— Isso é um aviso para mim também?
Ele retorce os lábios e beija meu busto antes de puxar o vestido inteiro.
— Entenda como quiser.
Estou prestes a abrir a boca quando ele desiste da posição em que
estamos e me coloca debaixo do seu corpo, sobre a cama.
— Somos casados, Luca, eu não...
Ele estala a língua na boca, fazendo uma careta.
— Por que você ainda acha que é uma boa ideia puxar assunto comigo
quando estamos fazendo sexo?
Seu tom seco me pega de surpresa e eu fico imóvel por um instante. Luca
acaba de puxar a camiseta e seu peito reluz com o suor do calor que
provavelmente se espalha dentro dele também. O cabelo está bagunçado, com a
boca rosada e cheia, enquanto o olhar azul demora-se em cada parte do meu
corpo.
— Eu não precisaria se falasse comigo em qualquer outro momento —
argumento, sem me deixar levar pela beleza à mostra.
— Já pensou que eu talvez não queira falar com você?
Agora meu fogo se confunde com outra coisa e eu espalmo as mãos em
seus ombros, impedindo-o de me beijar novamente.
Raiva.
— Então por que acha que pode transar comigo?
Luca está parado assim como eu agora. A boca está entreaberta como se
pudesse começar a despejar todo tipo de merda sobre mim por desafiá-lo dessa
maneira e eu me sinto totalmente exposta, apenas de sutiã e calcinha, com as
pernas separadas pelo seu corpo.
Ele pode ver tudo e eu não posso ver nada.
E isso está começando a ser um problema.
— Você precisa começar a entender a diferença entre puta e esposa, Luca
Accorsi.
Sem que ele mexa, eu decido ficar de pé. Movo minhas pernas para o
lado e estou longe da cama antes que Luca se vire. Busco meu vestido e estou
passando ele pela cabeça quando me lembro de que ele não desiste tão fácil
assim.
Num movimento rápido demais para alguém como eu apenas pensar em
fugir, Luca passa seu braço ao redor do meu quadril e me prende contra seu
peito, chocando nossos corpos de uma maneira não tão agradável.
— Me ensine então — diz, em tom de ordem, quase de desafio.
— Certamente não serei eu a te ensinar isso...
Ele me aperta com mais força ao redor da cintura. Mal respiro com seus
braços me fechando e seus olhos grudados nos meus.
— Então quem? Prefere que eu aprenda na rua? Por que acredite,
Rebecca, eu posso...
Meu corpo inteiro é tomado pela cólera e eu nem mesmo espero que ele
termine, encarando-o da maneira que ele me força a fazer, demonstrando a raiva
pela coloração avermelhada das bochechas e a respiração apressada.
— Então vá — digo, carregada por uma impulsividade que nunca existiu
antes.
Ele respira fundo e vejo algo muito perto do ódio mútuo cintilando entre
nós dois. Luca tem força o suficiente para me manter paradinha exatamente onde
quer e eu nem ouso me mexer, olhando dentro dos seus olhos, sem nem piscar.
Meu peito ainda ferve de raiva pelo que disse antes, mas na mesma medida, meu
corpo pisca e praticamente implora que ele apenas continue o que fez mais cedo,
acariciando meu clitóris com um pouco mais de vontade, pressa e esforço.
Talvez com um pouco de raiva também.
Eu quero aquela sensação gostosa de novo ao mesmo tempo em que
quero arranhar toda sua cara e mandar que nunca mais encoste um dedo em
mim. E ele percebe isso, utilizando-a como uma bela maneira de me superar.
— Você não quer mesmo que eu vá, não é, mia cara?
O apelido em italiano é jogo sujo, exatamente como ele. Movendo uma
mecha do meu cabelo para trás, Luca revela mais a vermelhidão do meu rosto e
me coloca na última posição em que queria estar.
De vulnerabilidade.
— Você quer que eu fique...
Ele volta a descobrir a linha abaixo da minha cintura. Os dedos ansiosos
e discretos me deixam quase taquicardíaca.
— E quer que eu te foda bem gostoso para te ensinar que não deve ir
contra mim, certo?
Ele me empurra com a cintura e bato contra a parede. O baque é leve e
ele não demora para cobrir a distância entre nós dois. Puxa uma de minhas mãos
para cima da minha cabeça, então a outra. Estou rendida e ele é um maldito.
— Ou que talvez seja exatamente o que você deve continuar fazendo,
certo, por que acaba me deixando assim, Beca...
O beijo que deposita na minha bochecha é capaz de incendiar todo meu
corpo.
E eu amoleço.
— Totalmente louco de vontade de enfiar o pau na sua boceta e te fazer
gritar a noite inteira.
Luca agarra meu rosto e puxa meu rosto para cima do seu depois da sua
afirmação que não precisa de resposta. Meu corpo, entregue à sua força, arde
com mais força, menos cautela e totalmente rendido. A raiva é forte o suficiente
para me manter ciente do que foi dito, mas não posso enganar o que meu desejo
exige.
Estou fazendo isso por mim, não por ele.
Segurando-me perto do seu rosto, Luca usa a outra mão para abrir o zíper
da calça. O som dela caindo contra o chão me faz abrir os olhos e eu o encontro
brilhando, pronto e rosado, roçando contra minhas pernas. A tentação me faz
afastar as coxas devagarinho, mas ele quer mais. E quer me mostrar mais.
Segurando os dois lados da minha cintura, Luca me gira e prende meu
corpo contra a parede. Sem o vestido, tudo que o atrapalha são a calcinha e o
sutiã — o que logo deixa de ser um problema.
Ele apoia a mão na base da minha coluna e me empurra até que eu fique
na posição certa, com a bunda inclinada na sua direção. Minha boca seca e ele
fecha uma mão na parte de trás do meu pescoço. Porra.
Quando desliza para dentro de mim, há o silêncio momentâneo que é
preenchido apenas pelos grunhidos de prazer que escapam de nossas bocas. Sou
tocada por dentro de pouquinho em pouquinho, até que ele esteja todo dentro de
mim e seguro o suficiente para puxar e voltar várias vezes, chocando seu corpo
contra o meu.
Eu fecho a boca e me esforço para cobri-la quando ele me pressiona
contra a parede e intensifica o ritmo. Meu corpo desliza encostado no seu e
aperto meus seios, ansiosa por mais, até o momento em que ele agarra meu
cabelo e o puxa, enrolando-o no seu pulso. Puxa meu couro cabeludo e estala um
tapa na minha bunda que me faz morder o lábio com força.
— Porra, Luca! — Deixo escapar, imersa no que ele me faz sentir agora.
A intensidade com que entra e sai causa o choque e eu sacudo, meu corpo inteiro
prestes a entrar em combustão toda vez que a cabeça do seu pau precisa
encontrar o lugar certo novamente, espalhando meu próprio suco em minhas
dobras. Em algum momento, ele passa o dedo entre elas, deslizando com
facilidade, e mela minha cintura com os dedos molhados.
Luca é duro, firme, e não sei se faz isso por mim ou por ele. Talvez seja
assim que ele queira fazer desde o começo. Talvez seja apenas sua raiva se
manifestando da maneira que pode. Talvez seja apenas a raiva que sentimos da
situação de merda na qual fomos metidos finalmente escapando e extrapolando
os limites de nossa mente.
E é quando sua mão volta a cobrir minha boceta inteira que eu me curvo
e deixo que os gemidos escapem em alto e bom som. Luca ri atrás de mim, como
se isso fosse tudo que ele quisesse ouvir desde o começo e puxa uma de minhas
pernas para cima. Aberta, totalmente bamba e odiando meu marido mais do que
nunca, eu gozo e fico presa no breu entre o aqui e o lugar aonde vamos quando
nosso corpo atinge o ápice do prazer por mais tempo do que pensei que fosse
possível. Meus olhos estão virados, minha boca seca de tanto gemer e gritar, e
Luca continua até que seja sua vez de despejar seu gozo dentro de mim.
Ele sai de perto depois de urrar de prazer, cobrindo minhas costas com as
suas e eu levo alguns minutos para recobrar minha consciência e fôlego. Ainda
estou de costas para o quarto quando ele volta e me gira mais uma vez. O pau já
está curvado, aparentemente satisfeito, mas ele me beija como se pudesse
começar tudo de novo e eu permito que faça. Dou o que sua boca exige e sinto
meu peito ferver com coisas que nunca me imaginei sentindo.
É desesperador o tanto que quero permanecer grudada em seus lábios,
perdida no gosto bom e no cheiro que sua pele tem. Toco seu rosto e prendo a
mão entre seus cabelos, querendo tocar e sentir mais do homem com o qual devo
dividir minha vida, mas quando ele sente que está demais, interrompe o que
fazemos e olha no fundo dos meus olhos.
— Isso é o que somos. Nada de conversa, nada de ladainha. — O tom
bruto me puxa para fora da bolha. Meu peito desce, o calor diminui e sua frieza
me alcança. — Você está aqui para me servir e não o contrário. Se quiser
continuar sentindo isso, então vai aprender a falar apenas nas horas em que for
certo. Beleza?
Eu não respondo. Fico quieta como se não tivesse capacidade de
formular qualquer sílaba e vejo no rosto de Luca quem ele realmente é e como
está falando sério. Não há nenhuma brecha para pedir por mais, para querer
saber mais. Luca é fechado e continuará assim.
Eu não sou nada diferente das mulheres que encontra na rua.
Mergulhada no silêncio e no amargor de meus pensamentos, eu não noto
os passos no corredor e sou puxada de volta para a realidade onde ainda
existimos como homem e mulher presos no quarto há mais de quarenta minutos
pelas batidas insistentes na porta.
— Eu não acredito que você subiu para foder antes de dar meia-noite só
para escapar dos parabéns, seu bosta!
É Max, claro, e eu nem consigo ficar envergonhada por ele saber o que
estávamos fazendo. Eu só me sinto suja por ter permitido que ele me tocasse da
forma que o fez.
Que me dobrasse exatamente como queria.
Movo meus olhos para cima do relógio na parede antes de dar meu
primeiro passo. Com um sorriso pesado, carregado de uma dúzia de coisas que
eu preferia não estar sentindo neste dia quatorze de abril, abro a boca para
cumprir com meu dever de boa esposa.
— Feliz aniversário, Luca.
E escapo para o banheiro antes que ele me olhe de novo.
Quando o motorista estaciona o carro na frente da mansão, eu me
arrependo de ter saído da cama na manhã de hoje.
Há mais carros do que o esperado, mais pessoas entrando do que eu
pretendia ver tão cedo e mais luzes e decoração do que eu gostaria de ter em
homenagem a mim.
No começo, minha mãe prometeu apenas um jantar comum. Talvez algo
apenas entre família, aberto para os mais íntimos. Mas eu deveria saber que
Rosalind nunca perderia a oportunidade de comemorar meus vinte anos do seu
jeito.
E o seu jeito é assim.
Ignorando a raiva crescente, puxo o cinto e espero que os soldados
ajudem minha esposa e sua amiga a descer. Eu vou por último e abotoo o casaco
do smoking enquanto observo a movimentação exagerada. Rebecca não se
esforça para olhar para o meu rosto e Luna a ajuda a ajeitar o vestido, sem
grandes comentários.
Isso tudo, claro, se deve ao fato de não nos falarmos desde que a lembrei
o que somos antes que ela criasse ideias demais sobre o homem que poderia
descobrir por baixo de tudo isso. Ser sincero nem sempre é a melhor opção, mas
é a única que eu conheço e com Rebecca, quero as coisas bem definidas.
Tudo só se complica com sentimentos — e mais complicação é tudo de
que menos preciso agora.
Por isso, ignoro a birra infantil da minha esposa e entrelaço o braço ao
dela, mesmo contra sua vontade. Luna aceita a ajuda do guarda-costas e
seguimos em frente, até a entrada da casa.
Conhecidos me cumprimentam com felicitações e eu as respondo,
sorrindo para alguns, ignorando a maioria. Rebecca cumpre seu papel e acena
com um sorriso para todos aqueles que atravessam nosso caminho e nos
reconhecem. Alguns, dos quais eu duvido que ela saiba até mesmo o nome, ela
permite que segurem sua mão e eu sou obrigado a cumprimentá-los também.
Não entendo se está fazendo isso de propósito, mas não perco meu tempo
tentando descobrir e começo a puxá-la na direção da única pessoa que pretendo
agradar na noite de hoje.
Eu.
— Não cumprimentamos a sua mãe — avisa, como se eu não soubesse.
Parado na frente do bar, peço a dose mais forte que tiverem de uísque. Rebecca
recusa qualquer bebida. — Ela…
— Ela está com meu pai. A cumprimentaremos depois.
Meu tom não abre portas para discussões e Rebecca se silencia
novamente. A boca é uma linha fina de tanto que aperta e eu vejo em seus olhos
o quanto gostaria de me responder à altura. Mas a tensão entre nós é ainda maior
do que a raiva que sente por mim, então ela faz a escolha certa em manter-se
quieta.
— Olhem só, se não é o meu aniversariante!
A voz de Donatella me faz colocar os olhos sobre ela e eu me esforço
muito para não enforcar minha irmã agora mesmo.
— Gostando da festa?
— Eu vou matar você, Donatella — digo baixinho. — A qualquer
momento.
Ela não dá a mínima para a minha breve ameaça e me abraça, como se eu
fosse inofensivo. E para ela, realmente sou, mas não é como se devesse sair
espalhando.
Vejo nos olhos de Beca o quanto acha isso confuso. Não dou a mínima.
— Para diminuir sua raiva por mim, a maior parte da festa foi
esquematizada pela mamãe. Ela achou que não seria de bom tom comemorar seu
aniversário de vinte anos com nada menos do que um jantar para sessenta
talheres…
Eu bufo, ignorando a quantidade de pessoas que estão presentes. Peço
mais uma dose e o barman consegue com agilidade.
— Foda-se essa merda. Eu só quero sair daqui, encher a cara e só acordar
depois que esse dia de merda tiver terminado.
Rebecca se move um tanto incomodada depois da minha afirmação e eu
não me preocupo em descobrir de onde vem isso.
— E você está simplesmente espetacular, Rebecca… Nossa! — Dona
diz, sorrindo para minha esposa do jeito que eu provavelmente deveria estar
fazendo. — Me sinto insignificante perto de você.
Rebecca realmente está linda e isso não posso negar. O vestido escolhido
por ela é num tom escuro de vermelho-carmim e combina com o vermelho que
colocou na boca. Os cabelos estão presos num coque sofisticado e eu nunca vi
maquiagem mais bonita. Com o caimento justo do modelo, suas curvas estão em
exposição e eu sei que todos veem com gosto o que só eu conheço.
— Não seja boba, Dona... — responde, toda sem jeito, como se não
soubesse o mulherão que é.
Mas se ela sabe ou não, isso não importa, porque quando Liliana Morelli
se aproxima, eu vejo o semblante de Rebecca se transformar numa carranca que
lhe serve muito bem.
— Luca! Meus parabéns, lindo!
Sem perguntar se pode, Liliana me puxa para um abraço. É rápido,
desconfortável e eu encaro Rebecca durante todo processo. Donatella toca
sutilmente o ombro da amiga como sinal de apoio.
— É errado eu falar que me ainda me lembro de quando éramos apenas
dois garotinhos na casa de campo e…
— Já somos todos adultos agora, Liliana. — Donatella diz, talvez
esquecendo do fato de que tenha apenas dezesseis anos. A loira olha na direção
dela com nada além de um breve incômodo. — Pode abandonar as memórias de
infância.
— Ah, oi Dona. Não vi você aí. Nem você, Rebecca… Ou deveria dizer,
senhora Accorsi? — O tom é carregado de malícia ao falar o sobrenome. —
Nossa, você está incrível nesse vestido. Que maravilha. O tempo com Luca
realmente te fez bem, certo?
Minha esposa não se presta a agradecer e acho que sua educação
exemplar não agrega a todos.
— Agradeça o elogio, Rebecca — peço, vendo a expressão de surpresa
da loira. Reclamações à Bernardino não seriam úteis agora.
A italiana me olha como se eu tivesse ordenado que ela se ajoelhasse no
milho.
— Agora — peço novamente, estudando o modo como ela se move. Os
ombros estão tensos, a respiração controlada e tenho medo de que ela tenha um
ataque de raiva no meio de todos. Mesmo assim, não digo nada para que
melhore.
Ela deveria saber como seguir minhas ordens.
— Obrigada, Liliana. Mas certamente não sou nada em comparação a
você… — E eu sei a quem essa direta é direcionada. Tentando esconder a raiva
pela sua petulância atrás de um sorriso, bebo mais um pouco. Donatella me
encara como se pudesse me ler perfeitamente bem e detestasse o que vê. — Com
licença. Dona, você poderia me mostrar onde fica o banheiro?
Ela morou aqui por um mês. Ela sabe perfeitamente onde fica o banheiro.
— É claro, Becky. — Minha irmã responde e a tira de perto antes que
tenha a chance de dizer mais. Liliana, motivada por isso, apenas se vira para
mim a fim de continuar a conversa como se nada houvesse acontecido.
Mas muito aconteceu.
Eu provavelmente consegui mais uma guerra para o meu currículo.
— Ela…
— Com licença, Liliana — digo antes que ela possa terminar. Deixo o
bar e minha bebida e passo por todos os associados e membros da máfia me
esquivando de seus cumprimentos demorados. No meio do salão, quando já não
sei mais para onde ir, Marcus me alcança e me puxa pelo casaco.
— Oi para você também? — cumprimento, sem entender a afobação do
meu irmão.
— O pai quer falar com você.
— Notícia boa você não me traz? — resmungo, encarando o pirralho em
seu smoking amassado. Ele tem a pele menos pálida da nossa mãe e seus cabelos
escuros também. Os olhos são idênticos aos dela. Eu chamo isso de sorte. —
Nem um feliz aniversário antes da bomba, cara…
— Não sabia que você era sensível — resmunga e totalmente
desajeitado, me abraça. Ao fazer isso, o vejo por cima e posso enxergar sua
nuca, além do início de suas costas. E ali, vejo o início de um hematoma roxo
que com certeza, desce pelas suas costas. E que parece recente. — Feliz
aniversário, Luca.
— Onde você conseguiu isso?
— Isso o quê? — Se faz de desentendido e eu o agarro pelo colarinho.
Marcus reclama, mas não tem mais força do que eu. — Me diz agora.
— Isso não é nada, Luca, para… A gente está no meio da festa, cara.
— Foi ele, não foi?
Ele corre com os olhos para longe de mim. Aí, ele se entrega como um
péssimo mentiroso. Ou alguém que apenas não foi treinado o suficiente ainda.
— Quando, Marcus?
— Para, Luca!
— Quando?
Ele tenta se esquivar e eu o puxo de volta. Chamamos um pouco de
atenção dos convidados ao redor e eu o mantenho perto, olho no olho.
— Eu fiz merda, ele só quis me ensinar e…
O que um garoto de doze anos pode ter feito para ganhar um roxo
daqueles?
Comigo sim, tudo bem, eu fui o primeiro. Fui o que ele precisava para
não ter de descontar a raiva nos outros. Mas com eles? Com todos eles?
— Onde ele está, Mark? — Solto meu irmão e deixo que arrume seu
casaco. Coço meu nariz e tento parecer menos descontrolado, menos afogado em
qualquer memória que não me faça bem agora. Mark nota o terror em meus
olhos, mas não diz nada, murmurando qualquer coisa sobre o seu escritório.
Eu sigo reto depois disso, movido apenas pelo que sinto em meu interior.
É uma confusão de sentimentos que provavelmente causariam enjoo na maioria
das pessoas, mas que em mim, são familiares. Melhores do que o vazio rotineiro,
é reconfortante para mim sentir raiva. É ela que me move, ela que me tira da
cama e ela que mantém minha vida acontecendo. Ela me dá um motivo para
acordar todos os dias.
E eu não seria nada sem ela.
Encontro a porta do escritório que tanto me acostumei a enfrentar e não
bato. A empurro e encontro Tony sentado em sua cadeira de sempre, as mãos
pegajosas e asquerosas divididas entre segurar o uísque e o charuto. Engolindo
em seco, marcho até onde ele está, sob o olhar cuidadoso que está fixado em
mim desde que cheguei.
E que exprime verdadeiro horror quando o pego pelo pescoço e chuto a
cadeira, colocando-o contra a estante que tem no fundo da sala.
O uísque cai sobre suas pernas e o charuto vai ao chão. Eu não me
importo com nenhuma dessas merdas e o mantenho na minha frente, fechando
mais e mais a mão.
Tony se agarra em meus ombros e tenta me empurrar para longe, mas
bêbado e destreinado, eu sou mais forte. Ainda mais quando é com os meus
irmãos que ele está mexendo.
— Eu te deixei relar a mão em mim a vida inteira, Antônio, pensando
que isso significaria que você não estava tocando nos meus irmãos — começo,
imobilizando-o com meu corpo. — Mas surrar um dos seus filhos não foi o
suficiente, não é, seu porco desgraçado?
Eu não bato nele. Não sou louco de fazer isso. Minha mão presa contra
seu pescoço, seu corpo submetido a força do meu, e é o suficiente. O pavor em
seus olhos me mostra que ele não esperava por nada disso, de todo o jeito.
Não esperava nunca que eu fosse contra ele, como seu fodido filho de
merda covarde. Exatamente do jeitinho que ele me vê.
Mas não sou assim.
Não vai mais ser assim.
— De que merda você está falando, seu filho da puta?
O puxo e novamente bato seu corpo contra a madeira. Alguns livros
caem, infelizmente, nenhum no topo da sua cabeça.
— Marcus tem um roxo nas costas — digo, e vejo seu olhar se acender
em reconhecimento. — O que ele fez de errado, pai? Olhou para o outro lado
quando você passava? Acordou um minuto depois do horário?
— Marcus é meu filho, Luca, não seu — diz, piamente, sem uma gota de
preocupação em seu corpo agora que se acostumou com a forma como
conversamos. Ele sabe que não corre risco de verdade. Ainda acha que é
intocável. — Eu o educarei da forma que…
Então eu acerto um soco no seu queixo e o faço tombar para trás. O som
é delicioso e faz Antônio grunhir de dor, com certeza nenhum pouco acostumado
a ela. Um sorriso rasga meus lábios e eu limpo o suor sobre minha boca,
observando-o absorver o baque.
— Você não vai encostar um dedo nos meus irmãos a partir de hoje —
afirmo, voltando a me aproximar do merda que chamo de pai. — Nem Lorenzo,
nem Donatella, nem Leonardo, Marcus, Amanda ou Pietro. Está me entendendo,
porco?
— Você está se achando muito corajoso essa noite, Luca… — Ri, como
se meus movimentos guardassem alguma piada. — Se esquece de quem eu sou?
Se esquece de como posso arrancar tudo que você tem e te fazer viver no lixo,
seu bastardo desgraçado?
— Eu resolvo meus problemas com você sem dificuldade. Se é o que
você precisa para sentir que não é nada além de um porco velho sentado numa
cadeira que já não te pertence mais, tudo bem, desconte em mim. Eu aguento
qualquer merda que você jogar, Tony. Mas nunca mais, e eu estou jurando pela
minha palavra, nunca mais, encoste neles!
Meu dedo está apontado para seu rosto e ele me analisa de cima a baixo,
sempre me encarando como se eu fosse menos do que pareço. Mas nenhum
movimento é dado da sua parte e de maneira relaxada, pergunta:
— E o que você vai fazer se eu quiser dar uma lição em meus filhos,
Luca? Vai tentar matar seu pai? Seu Capo?
— Você me criou, pai — lembro e finalmente vejo algo verdadeiro
cintilar em seus olhos frios. — O que você acha que eu seria capaz de fazer?
Ele claramente prefere não responder a isso, porque sabe que as
possibilidades são infinitas. Sabe que eu sou o bastardo sádico que queria desde
o começo, sabe que em meu corpo não há uma gota de afeição por ele e que
entregaria sua bunda maldita a quem quer que fosse na primeira oportunidade.
Tony finalmente encontrou seus motivos para me temer.
E eu imagino sua felicidade ao saber que todos são culpa dele.
— Nunca mais encoste em mim de novo, garoto — diz, cuspindo no
tapete. Eu ajeito os punhos das minhas mangas e sorrio.
— Não se dê ao trabalho de me ameaçar, pai — continuo, o sorriso bem
definido e a guerra que eu poderia travar com ele declarada em meus olhos. — O
que você pretende fazer comigo, eu poderia fazer mil vezes pior com o senhor.
E surpreendentemente, quando saio da sala, estou vivo. E não há um
pingo de medo dentro de mim pelo que acabei de fazer.
É, eu acho que é realmente meu aniversário.
— Você está mesmo bem? — apoiada em mim, Donatella faz essa
pergunta, enquanto nos mantemos afastadas do centro da festa e principalmente
do cenário onde meu marido me força a agradecer o elogio de alguém como
Liliana, que estimula todas as partes raivosas de mim desde nosso primeiro
encontro.
Ele foi longe demais.
— Estou ótima — minto, aceitando uma taça de champanhe do garçom
que acaba de passar. Ela faz o mesmo. — Foi só um pequeno mal-estar. Acho
que está calor essa noite.
Eu viro a taça inteira.
— Não tanto assim...
Solto o copo na primeira mesa de apoio que vejo e abraço minha bolsa
com mais força. É estranho ter toda essa quantidade de raiva dentro de mim uma
vez que nunca senti nada disso. Nunca me senti tão furiosa, tão irritada, com
tanta vontade de socar alguma coisa.
Socar a cara do meu marido.
— Querida!
A voz de Rosalind me impede de ir atrás do aniversariante, que há muito
sumiu do salão e me faz abrir um sorriso forçado capaz de enganá-la.
Ou pelo menos eu acho que sim.
— Você viu Luca?
— Ah, ele acaba de sair daqui, mãe... — Dona diz, sendo uma excelente
atriz.
— Para ir aonde?
— Acho que Marcus o pegou na entrada do corredor para alguma coisa
há alguns minutos. — Donatella explica coisas que nem eu havia visto. Também,
olhar para Luca não iria me trazer nenhum bem agora.
Eu o odeio.
— E o seu pai?
— Também não o vi...
Então a máscara de anfitriã cai por um segundo ao se deparar com a
realidade de uma mãe que se preocupa. Eu olho para Donatella quando o sorriso
de sua mãe murcha e com a mão trêmula, ela se vira, buscando por alguma coisa
específica no salão lotado. Convidados acenam e ela força sorrisos de vez em
quando, mas para isso, precisa apoiar a mão no braço da filha, cravando as unhas
contra a pele pálida de Dona.
— Rosalind, está tudo bem?
— Ele vai matar o meu filho — murmura, parecendo quase grogue. O
penteado esconde um pouco do rosto, os cabelos num tom de castanho-claro se
misturando ao pavor que ela aparenta ao não encontrar Luca entre os
convidados. — Ele vai matar o meu filho se ficar sozinho com ele...
— Mãe, ele não vai fazer nada.
— Tony? — pergunto à toa, pois a resposta é óbvia. — Acham que Tony
poderia fazer algo contra o próprio filho na noite do seu aniversário?
Com um sorriso demorado e irônico, resultado de alguma piada de mau
gosto, a matriarca desta família, que se revela mais a cada segundo, me encara.
— Você não o conhece, Rebecca.
Busco pela expressão de Donatella e me sinto um pouco menos irritada e
mais nervosa quando não encontro nenhuma resposta para o pânico da mãe ali.
Ele poderia matar Luca? Isso não... Eu não sei como as coisas funcionam nessa
família, mas isso seria demais. Seria...
Não consigo imaginar.
E por sorte, não preciso, pois segundos antes de Rosalind enviar todos os
reforços Accorsi numa busca desenfreada pelo filho, ele aparece.
E o que eu nem sabia que estava tão agitado dentro de mim, se acalma
imediatamente, mesmo que ele não pareça nenhum pouco diferente por me
enxergar aqui.
Sua mãe o encara como se ele fosse tudo o que importa em seu mundo,
mas não faz diferença, por que ele não enxerga isso. Luca atravessa o salão e
quando se aproxima, com a expressão nebulosa e o olhar enviesado, agarra
minha mão.
— Vamos embora daqui.
— Luca, meu querido... — Rosalind diz, com o olhar se enchendo d’água
aos poucos. — Onde você...
Mas ele a corta como se sua preocupação não valesse de nada.
— Agora, Rebecca.
E me encara como se eu fosse apenas mais um empecilho.
Sem escolha, eu vou com ele. Tudo que sai da minha boca é uma
despedida breve e apressada para as mulheres que abandonamos e na porta, me
lembro da minha amiga.
— Luna não está aqui!
Luca nem mesmo vira para me responder.
— Max irá levá-la — anuncia, e faz sinal para que Roger abra a porta. É
a última coisa que se presta a falar antes de se acomodar no canto do carro, os
olhos vidrados do lado de fora e a atenção muito longe daqui e de mim.
Contrariada, me acomodo ao seu lado.
Demoram quase quinze minutos para que eu olhe na sua direção
novamente, mais tentada do que centrada. Sua postura está completamente tensa
e ele bate com os dedos contra a perna. O movimento é ritmado o suficiente para
me fazer ver que ele está controlando isso, assim como procura controlar todos
os aspectos de sua vida.
Eu não sei o que o fez sair tão rápido da festa que montaram para ele —
nem sei se estamos indo para casa ou outro lugar —, mas sei que foi ridícula a
forma como ele nem mesmo se dignou a responder sua mãe. Com que motivo
fez algo assim?
— Sua mãe estava desesperada atrás de você — comento, sem conseguir
me segurar. — Você podia ter pelo menos a cumprimentado.
Lentamente, ele se vira para me encarar, a expressão de quem não
acredita que eu realmente me dei ao trabalho de abrir a boca e perturbar sua
santa paz. Como se eu não devesse usar minha voz sem sua permissão.
— Você nem deixou ela te desejar feliz aniversário — completo,
sacolejando com o movimento instável da SUV. O motorista e o soldado sentado
ao seu lado não dizem nada, mal se movem e sei que Luca não dá a mínima para
nenhum dos dois.
Nem para mim e minhas opiniões não solicitadas.
— E desde quando isso é problema seu, Rebecca?
— Eu vi como...
— Foda-se o que você viu! — esbraveja, dando um tapa no assento vago
entre nós dois. Eu estremeço pelo susto causado pelo movimento repentino. —
Foda-se o que você pensa! A mãe é minha, a família é minha e os problemas são
meus! Cuide da porra dos seus próprios problemas!
— Isso é meu problema! Você é meu problema! Nós somos um casal,
queira você ou não e o modo como você a tratou...
Ele solta uma risada frouxa.
— Você é muito mais agradável quando está usando a boca para chupar o
meu pau, Rebecca — murmura, transtornado. — Então... vamos fazer um
acordo, certo? Você só fala quando estiver se engasgando com a minha porra, do
contrário, não.
Não há como definir a raiva que borbulha dentro de mim e rapidamente,
me consome. Meus olhos se enchem d’água, a emoção escapando como resposta
ao invés do tapa que tenho vontade de virar no seu rosto, enquanto sinto meu
rosto esquentar e tudo dentro de mim colapsar.
— Você é um idiota!
No seu canto, ele volta a rir. Abrindo os botões do smoking, vejo como
ele não dá a mínima para o ódio que causa em mim e nem mesmo se importa que
eu esteja aqui. Luca Accorsi só se importa com ele mesmo.
— Você é podre! Ridículo! Imbecil!
— Isso, continue — incentiva, mordendo o canto da boca ao me encarar
de novo. — Quem sabe eu possa usar toda essa motivação que está me dando
quando for te foder contra a parede de novo, do jeito que você gosta, sua vad...
Então eu viro o tapa que estava guardando e o silêncio no carro é
doloroso.
Os homens na frente nem mesmo respiram e eu vejo a ira faiscar em seu
olhar, espalhando-se pelo seu corpo como cólera. Deixo que minhas lágrimas
caiam e sinto a palma da mão ardendo, mas não reajo, nem me encolho. Ele não
fala nada e apenas se mantém parado, praticamente lutando contra seus músculos
e todos os seus instintos. Imagino que seja difícil para um homem como ele não
estar com as duas mãos ao redor do meu pescoço agora, mas... Ele não vai fazer
isso.
Ele apenas se vira e olha para a frente, fuzilando os dois soldados com os
olhos. Eu viro para o outro lado e esfrego minhas lágrimas, tentando não parecer
mais afetada do que ele.
Eu queria muito que não tivesse chegado a isso.
Mas eu me casei com um monstro.

Quando o carro para e não é no estacionamento de casa, me surpreendo.


O silêncio sepulcral continua presente no carro e eu pisco para enxergar melhor
o letreiro neon da boate à nossa frente.
Delirium é o que está escrito no painel numa cor púrpura. Um
movimento grande de entrada e saída faz com que carros quase se choquem na
frente do clube e eu avalio o local, sem entender onde me colocar entre as
garotas de vestido curtinho e os homens tropeçando de bêbados.
Luca não espera por mim para descer do carro e eu soluço, tentando não
quebrar por completo num choro compulsivo.
Tento enxergar alguma coisa pelos vidros escuros, mas não há nada e eu
encaro os soldados pelo espelho. Mathias, o motorista, parece apenas esperar que
eu desça para ir estacionar e Roger se mantém em silêncio, como uma estátua.
Tudo que eu menos quero é descer desse carro. Tudo que menos quero é
encarar todas essas pessoas e ter de parecer uma noiva feliz ao lado de um
homem estúpido como o que tenho como marido.
— Vocês podem me levar para casa? Eu não quero ficar aqui. — A
confissão pesa no meu peito e eu vejo o olhar duro de Mathias me encarar de
volta.
— Luca não nos deu ordens para fazer isto, senhora Accorsi. Sinto
muito.
Tentando não chorar ainda mais, assinto, como se não fosse nada. É
claro que eles não fariam nada sem a autorização dele. São seus soldados, afinal.
E eu sou apenas a sua maldita esposa.
E estamos todos rendidos à sua vontade.
— Tudo bem — murmuro e puxo as maquiagens da bolsa. Limpo
embaixo dos olhos, reaplico corretivo, pó e rímel. Reaplico o batom usando a
câmera do telefone e não dou a mínima, assim como os soldados não dão, para
tudo que acontece a nossa volta.
Minha mãe não me criou para ser uma esposa fraca. Nem uma mulher
fraca.
Eu olho na direção dos soldados apenas mais uma vez antes de descer e
respiro fundo ao apoiar meus pés no asfalto. Os flashes da entrada me cegam por
um breve instante e todas as vozes e música que escapa lá de dentro me deixam
zonza por um instante. Ignoro todo o resto além do caminho certo e presto
atenção no som dos meus passos. Enquanto os ouvir, saberei que não caí na
frente de toda essa gente de tão nervosa.
Enxergo duas garotas posicionadas na porta e as analiso rapidamente.
Uma delas é loira e tem um corpo lindo, bem definido num vestido justo e curto.
A outra é ruiva, mais baixa e menos sorridente. Ao lado delas, cumprindo suas
funções de guarda, estão dois soldados cujo rosto já vi, por isso, não me presto a
parar e prestar qualquer explicação.
Mas então a loira toca meu braço e me impede de continuar.
— Sem penetras — fala, me mantendo presa à sua frente. Rapidamente, a
olho de cima a baixo e tento entender se é uma pegadinha ou...
— Eu não sou uma penetra.
— Linda, nós conhecemos muito bem o seu tipo... Quer descolar um
dinheiro fácil essa noite, mas aceite, este clube não está aceitando novatas hoje.
Ache outro ponto.
De nariz empinado, a mulher que eu acredito ser uma das garotas da
máfia Accorsi, realmente acha que está fazendo o seu trabalho e elevando a si
mesma ao me impedir de entrar na festa de aniversário do meu próprio marido.
Eu não me reconheço dentro da vontade urgente que surge em mim de
colocar ela em seu devido lugar.
— Eu já falei que não sou penetra.
A ruiva, entediada com a cena e preocupada com a fila atrás de mim,
levanta o tablet que tem em mãos e revira os olhos ao perguntar.
— Então nos dê o seu nome.
Meu sorriso é gigantesco e estou prestes a soletrar letra por letra, quando
sinto uma mão posicionar-se em minha cintura. Me viro assustada com o
movimento e me sinto aliviada ao reconhecer Max, acompanhado de Fred e
Beth. O pensamento de que Luna deveria estar junto com ele me toma por um
segundo, mas é interrompido pela expressão confusa de Maximus, enquanto
reveza sua atenção entre mim e as garotas à nossa frente, tentando entender a
dinâmica presente aqui.
— O que está acontecendo? — Ele pergunta, usando um tom divertido
que parece conter uma dose de ameaça. A loira abusada parece surpresa ao
reconhecê-lo.
— Só mais uma penetra tentando entrar. — A ruiva diz, desinteressada.
— Estávamos pedindo para que ela nos dissesse seu nome.
— Penetra? — Fred replica, risonho, puxando Beth para mais perto. Eu
noto a ruiva deslizando os olhos sobre ele, como se o conhecesse. Max também
parece notar isso e me pergunto como ele teve coragem de trazê-la até aqui.
— Se ela é uma penetra na festa do Luca, o que nós somos? — Fred
continua, fazendo Max gargalhar. As duas garotas se entreolham e eu vejo o
exato momento em que descobrem que fizeram merda.
— Você já disse seu nome a elas, Becky? — Max pergunta, tirando sua
mão de proteção da minha cintura, impondo-se sutilmente ao meu lado. Eu
balanço a cabeça, estudando a expressão de pavor das duas. — Então diga.
Aproveite e diga quem é o seu marido. Garanto que a Madalena aqui adorará
saber.
Eu sinto um pouco de pânico ao escutar seu pedido. Não esperava ter de
dizer quem era meu marido. Na verdade, nem pretendia usar o sobrenome
Accorsi. Mais do que nunca, gostaria de ser uma Fioderte e nada além disso.
Não quero ser reconhecida como a esposa daquele verme nem aqui, nem na
China. Mas de que adianta pensar assim, se sempre serei a esposa dele? Onde
quer que for, eu serei dele, por que ele me tomou, me marcou e me possui. E é
assim que o mundo me vê. Assim que o mundo me aceita.
— Eu sou Rebecca Accorsi. Esposa do Luca.
A loira, quem eu chuto ser Madalena, parece chocada ao escutar o nome
saindo da minha boca. Ela arregala os olhos e vejo o pânico atravessando as íris
azuis. Seu olhar foge para cima de Max e depois para a companheira de trabalho,
que parece tão perdida quanto ela.
Mas essa, diferente de Madalena, consegue esconder seu choque e abaixa
o tablet, emendando num pedido de desculpas humilhante. Elas sabem que
podem morrer pelo que fizeram hoje. Madalena, de algum modo quase doentio,
talvez preferisse mesmo morrer.
— Bem, já que resolvemos isso... vamos entrar logo. O cheiro do álcool
está me chamando com força hoje à noite! — Max exclama, me empurrando
para dentro, sem se importar com as putas do bordel. Fred e Beth vêm logo atrás
e eu tento não pensar muito em nada do que acaba de acontecer.

Maximus nos guia para um camarote reservado por Donatella muito


similar ao em que estive na Yorker, no dia em que Luca matou um homem na
porrada apenas por se comunicar comigo. As lembranças não são boas e eu
preciso de um segundo para me sentir confortável o suficiente para me acomodar
em um dos bancos de estofado preto. Beth se senta ao meu lado e com a
desculpa de que irão pegar bebidas, os dois homens saem, deixando dois
soldados em nossa porta.
A festa está recheada de pessoas que nunca vi, bem mais jovens do que
os adultos que normalmente se encontra nos eventos oficiais da organização,
mas eu posso distinguir facilmente as garotas que estão sendo pagas para estar
aqui, e duvido que seja coisa de Donatella. É repugnante a ideia de que se
vendam por dinheiro e ainda mais triste que precisem. Moro em um castelo de
privilégios sangrentos, mas não sou cega e entendo que nem todas têm as
mesmas escolhas que eu, embora até mesmo as minhas sejam limitadas.
Estamos todas só tentando sobreviver num mundo de homens.
— Você já esteve em um lugar como esse? — A francesa pergunta,
deixando um tanto do seu sotaque escapar. Eu a olho e pensando bem, nego. —
Oh, graças a Deus. Nem eu, pelo menos não num como esse. Todas essas luzes e
perfumes…
Lembro que ela está grávida e olho para a sua barriga. Como Fred pôde
trazê-la para cá, e deixá-la sozinha, para fazer o que quer que seja lá embaixo?
— Preferia estar em casa — solto, jogando verde. Um garçom vestido de
gravata borboleta e com os dois olhos presos no chão deixa um balde de gelo na
nossa frente. Ali dentro, enxergo garrafas das mais variadas bebidas.
— Eu também, mas quis fazer companhia ao Fred. Não quero que a
gravidez seja um fator que nos distancie, sabe?
Distraída, concordo e por erro, passo meus olhos pela multidão lá
embaixo, sabendo exatamente do que estou em busca. Sei que a sensação que
obtive durante todo esse tempo ao seu lado foi de falsa segurança, e sei que não
devo ir atrás de coisas que prefiro não enxergar quando me sinto tão vulnerável.
É melhor evitar ainda mais decepções.
— Eu beberia uma garrafa inteira de vodca agora… — Beth murmura à
toa, com as duas mãos apoiadas sobre a barriga. Rindo, noto a expressão
desejosa dela e penso em que vida tinha antes de se unir a Fred. Provavelmente,
não foi criada como nós. Era apenas uma garota normal…
E o amor a trouxe para cá, por vontade própria…
Numa situação que me parece longe da ideal, mas que nem parece
incomodá-la. Talvez ignorar a realidade seja mais fácil mesmo, mas eu não sei se
consigo. Não sei, porque não amo o homem com quem estou e não estou
disposta a me sacrificar por alguém que me jogaria fora na mesma hora.
Eu vou lutar pelo que acredito mesmo que não seja o que eu deveria
fazer. Eu prometi que seria um novo começo para mim como Rebecca e o
silêncio já não me cabe.
Meu telefone apita sobre a mesa e eu busco por ele.
Donatella: B, não se preocupe. Estou chegando em quinze minutos com
a sua amiga!
O alívio é em duas partes. Uma, por Luna estar segura e confortável.
Duas, por Donatella estar vindo. Ela é uma companhia bem desejada num
momento como esse, principalmente se seu irmão aparecer novamente.
— E você, Rebecca? Por que não está se embriagando? Tem alguma
coisa no forno também?
O espanto me assume imediatamente ao pensar sobre a pergunta de Beth
e nego veementemente.
— Eu só não costumo beber muito…
— Sério? De que mundo você vem, senhora Accorsi? — diz em tom de
piada e eu rio, refletindo o mesmo que ela.
Eu tenho todos os motivos para estar enchendo minha cara hoje. Meu
marido é um imbecil, estou presa numa festa que não queria estar, não me sinto
bem comigo mesma e preferia não existir.
— O pior é que eu não sei…
Eu mereço algum descanso. Mereço me sentir normal, leve e feliz. E se a
bebida for minha única saída essa noite, é por ela que vou optar.
Eu faço sinal ao garçom que passa na hora e peço que abra a garrafa de
champanhe para mim. De boa vontade, ele faz isso e enche minha taça. Com um
sorriso de aprovação, Beth continua a me encarar e parece passar em seu rosto a
ideia de que demorou tempo demais para que eu tomasse essa atitude.
E realmente demorou.

Quando Donatella chega, acompanhada de Luna e Angelina, além de


Lorenzo, eu já estou sorrindo mais do que deveria. Animadamente também, eu
conversava com Beth sobre os músculos do braço do garçom simpático chamado
Tom até eles chegarem, mas cortamos o assunto ao ter companhia.
Luna praticamente arregala os olhos ao enxergar a minha segunda
margarita presa entre meus dedos.
— Ora ora, quem é essa Rebecca que eu não conheço…
— Lu! Que bom que você chegou! — Com gritinhos histéricos, me
penduro no pescoço da minha amiga e a recebo no camarote. Beth já provou
todos os drinks não alcoólicos do cardápio e sorri para os recém-chegados. —
Pensei que Dona tivesse sumido com você!
— Ela me salvou, na verdade… Me resgatou no meio daquele mar de
gente e me disse que você tinha vindo mais cedo com Luca.
Ela solta sua bolsa sobre a mesa e cumprimenta Beth.
— Onde está o meu estúpido irmão, aliás? — Dona questiona, servindo-
se um pouco da bebida que resta no balde.
— Não sei e não me importo… — cantarolo, sorrindo. — Tomara que
tenha explodido em algum canto.
Falo sem filtrar minhas palavras como sempre faço e a sensação é boa
demais, mesmo que Lorenzo me encare espantado, como se eu fosse uma nova
Rebecca. Luna, no entanto, parece preocupada como eu nunca vi e se aproxima
de mim para sussurrar em meu ouvido.
— Beca, você não pode falar assim na frente dos irmãos dele… — diz,
espiando sobre os ombros. — O que aconteceu? Você está bêbada?
— Não, Luna, é óbvio que não! Eu estou apenas feliz! Vivendo a vida,
pela primeira vez! Upiiii!
Levanto os braços e acabo deixando um pouco de bebida cair no vestido
da minha melhor amiga. Ela se surpreende, mas não parece irritada. Donatella ri
e Angelina pega uma bebida para ela. Elas parecem já ter começado a
experimentar no carro.
— Essa música é TÃO boa! — grito. — Alguém quer ir para a pista
comigo?
Estou de pé antes que qualquer uma delas possa dizer alguma coisa.
Angelina, a mais animada depois de mim, também fica e entrelaça o braço ao
meu.
— Eu adoraria!
Donatella gargalha e fica de pé junto conosco. Elas não se preocupam
nem um pouco com o fato de Luca não estar aqui, porque não o temem. Eu não
me preocupo porque não quero. Mas Luna se preocupa porque não o conhece e
deve imaginar o mesmo que todos os outros — o que é, de fato, verdade.
Que ele é um crápula.
— Becky…
— Vamos aproveitar a noite, Lulu!
Sem mais delongas, deixamos o camarote e vamos para o andar debaixo,
proibido para mim quando eu era apenas a noiva.
Eu sempre adorei ouvir as músicas que Matteo tocava em suas reuniões
íntimas nos fundos da nossa casa. Eram cheias de palavras de duplo sentido,
gírias proibidas e toda sujeira que me era proibida.
Eu nunca imaginei que fosse escutá-las em alto e bom som numa festa,
acompanhada de amigas, dançando sem vergonha alguma, porque minha razão
está enfiada em um buraco bem fundo. Eu me sinto liberta, o que é delicioso. E
rio, porque nunca vivi assim, sem me preocupar com o que pensam, o que acham
e o que esperam de mim como mulher, filha e esposa.
Donatella se move como quem sabe o que faz e Angelina ri, gravando
tudo. Eu encontro minha forma de fazer dar certo e não posso negar que sinto a
atenção dos homens fixas sobre nós enquanto nos mexemos. Mas não dou a
mínima. Eu quero que eles olhem. Quero que Luca saiba que eu não estarei à
mercê da sua boa vontade, que eu poderia ter qualquer um aqui e que eu posso
ser mil versões de mim mesma, não apenas a boa garota que fui obrigada a
parecer por toda minha vida.
Angelina se afasta em determinado momento e volta com água. Eu
aceito, rindo e sou puxada quando dois homens chegam na roda.
— Finalmente te achei! Rebecca, o que você pensa que está fazendo????
Luna parece espantada e eu apenas pisco, tentando encontrar o foco no
seu rosto.
— Dança comigo, Lu! — suplico e a abraço. Eu a coloco entre mim e
Dona, que acaba de enxotar os homens mais velhos com meia dúzia de palavras
e desço até o chão, adorando a voz de Drake na música que estoura nas caixas de
som. Luna se irrita nesse momento e me puxa para cima, cessando meus
movimentos e a diversão do bando de homens atrás de mim.
— Chega, Beca! — ordena e agora vejo que não está brincando. Me
segura pelos braços e me mantém parada. — Vamos tomar uma água!
— Eu não quero água, Luna!
— Mas você vai ir tomar! — reordena e me empurra pelos ombros,
murmurando alguma coisa para Donatella que apenas concorda. Quando saímos
do foco da pista de dança, acabo tropeçando e dois braços me impedem de ir ao
chão. Subo o rosto e encontro olhos verdes tão famintos quanto me sinto ao
reparar na beleza do desconhecido.
— Oi, bonitão…
— Ah, Rebecca, pelo amor de Deus! Sai, garoto! Você sabe quem ela é?
Luna empurra o homem para longe e continua me guiando. Eu gargalho,
e sou forçada a me sentar numa das banquetas quando ela pede uma garrafa
d’água e joga o dinheiro na direção do barman.
— Essa não é você, Rebecca — xinga, e coloca a garrafa na minha boca.
Eu a aceito e tomo bons goles, recuperando o fôlego e a umidade da minha boca.
Suor está escorrendo pelo meu rosto e o vestido está mais grudado do que
nunca.
— Como você sabe quem eu sou, se nem eu sei, Luna? — digo
entredentes, rindo da minha derrota. Termino a água e minha amiga pede uma
para ela.
— Você certamente não é a mulher que tentou parecer ser lá naquela
pista — fala com a sinceridade de quem me conhece a vida inteira. — O que era
aquilo? Uma tentativa de chamar atenção? Tem noção do que seu marido poderia
fazer ao te encontrar daquele jeito? Com todos aqueles homens em volta?
— E desde quando você se importa com isso? Você que não parece você,
protegendo os interesses de um homem que nem conhece ao invés dos meus!
Irritada, ela apoia a mão em meu ombro e chama minha atenção.
— Eu me preocupo com você. Não quero que sofra. E sei bem como…
— Não, Luna, você não sabe de nada! Desista! Só eu sei o que eu passo
todos os dias, só eu sei com quem eu me casei! Então cala a boca e me deixa ter
uma noite antes de precisar voltar a ser a garota perfeita que todo mundo quer
ver! Só uma noite!
Meus berros fazem minha amiga engolir em seco, imóvel em seu lugar, e
talvez o choque de que estejamos em barcos diferentes agora a atinja de vez.
Sou eu quem sofre todos os dias longe da minha casa e de minha família.
Sou eu que tem de se acostumar com um homem que não se abre, não dorme
comigo e não presta atenção em mim a menos que tenha seu pau dentro da
minha boceta. Eu quem sinto medo e não tenho para onde correr e me pergunto
se estou falando a coisa certa toda vez que abro a boca, com medo das
retaliações.
— Você não tem o direito de me julgar por uma noite, Luna — digo. —
Não tem.
Como sempre, as lágrimas inúteis escorrem pelo meu rosto e eu roubo
um guardanapo para limpá-las. Luna continua em silêncio e eu sou apenas uma
bagunça ambulante, tentando recolher os pedaços.
— Eu não escolhi a forma certa de me expressar, amiga — começa. —
Me desculpa por isso.
Balanço a cabeça e aceito mais uma garrafa d’água. O barman parece ter
pena de mim e me pergunto se ele sabe quem sou.
— Só fique quieta da próxima vez que não souber o que falar, Luna.
E me afasto sem prestar maiores explicações do porquê prefiro ficar
sozinha agora.
Ando o suficiente para que meus pés comecem a doer e me apoio contra
uma parede. A garrafa d’água já está na metade e eu gostaria muito de estar na
minha casa agora. Penso se consigo chegar até ela sozinha, talvez com a ajuda de
um táxi, antes que reparem que eu sumi ou se tem olhos em mim o tempo todo e
se nem adiantaria tentar.
Calculo se devo ir até o camarote ou apenas ficar por aqui, mas não
consigo chegar à conclusão do meu questionamento quando meu pulso é
agarrado e me choco contra um peito duro o suficiente para me fazer grunhir
pela dor do baque.
Subo os meus olhos apenas para ter certeza do que estou vendo e
amaldiçoo mentalmente os olhos azuis de Luca, que agora, parecem pegar fogo.
— Você vem comigo. — Ele diz, sem afrouxar o aperto em meu braço.
— Agora.
Mas eu puxo meu braço e me afasto.
— Eu não vou para lugar nenhum! Muito menos com você, Luca
Accorsi!
Então ele agarra meus dois pulsos. O cheiro de uísque voa no ar ao nosso
redor e sua roupa está aberta. O olhar não apresenta espaço para paciência e o
modo como me encara…
Sutilmente, ele aproxima a boca manchada de bebida do meu rosto e
sussurra as próximas palavras como se fossem a última chance que terei.
— Você prefere que eu diga tudo que estou pensando aqui?
Eu não respondo a isso e ele entende como um não. Me puxa mais uma
vez e dessa vez, eu vou. Ele praticamente me arrasta e me impede de tropeçar
todas as vezes em que quase caio. Está tão obstinado que só para quando
chegamos em frente a uma porta, depois de pegar um elevador na direção do
terceiro andar.
Eu nem sabia que havia um terceiro andar.
Ele tira uma chave do bolso e empurra a porta, revelando um quarto.
Quando solta meu pulso, respiro aliviada e o acaricio, tentando aliviar a dor.
Em silêncio, ele nos tranca aqui dentro, enquanto eu tento entender onde
estamos. É obviamente uma suíte, com um banheiro e espaçoso o suficiente,
como um quarto de hotel. Tropeçando em meus próprios pés doloridos, me sento
na beirada da cama e olho para as saídas, tentando entender como eu poderia
escapar.
— Eu não quero ficar aqui — choramingo. — Quero voltar para perto
das outras meninas.
Sem prestar atenção em mim, meu marido se livra do casaco pesado do
seu smoking e o larga em cima das poltronas no centro. Com um sorriso frouxo,
ele finalmente me encara novamente e eu sinto todos os pelos em meu corpo se
arrepiarem pelo contato.
— Você vai ficar onde eu mandar que você fique.
— Não se—
— Não se o quê, Rebecca? Você ainda acha que tem moral para decidir
qualquer coisa aqui?
Eu respiro fundo.
— Quero ir para casa, então! Quero ir desde que chegamos neste maldito
lugar! Eu estou cansada e…
— É claro que você deve estar cansada — sorri, erguendo a ponta dos
lábios. — Dançar como uma puta deve cansar.
Meu corpo inteiro arde em fúria e eu fico de pé. Seu olhar acompanha
meu movimento e eu tento não me sentir pequena em relação ao homem que
preenche quase todo quarto com seu tamanho e ego inflado.
— Mas não é desse jeito que você gosta?
Ele passa a língua sobre os lábios.
— Você sabe bem do que eu gosto. E sabe bem a mulher que deveria ser.
Mas mais uma vez você optou pela saída mais fácil para chamar atenção e
termina assim, patética, como uma desesperada que se arrepende do que fez…
Dou um passo à frente.
— Eu não me sinto nenhum pouco desesperada, Luca! E não estou
escutando qualquer pedido de desculpas saindo da minha boca!
Sorrio.
— Então você sabe o que isso significa, certo?
Dou outro passo e ele nota minha ousadia. Seu corpo permanece parado e
eu gostaria que ele se movesse para ver como não vou me encolher ou humilhar
dessa vez.
— Que eu não me arrependo de uma gota do que fiz essa noite.
Então ele decide se mover e coloca as mãos em cima de mim. Sacode
meu corpo como se eu fosse uma boneca e eu mantenho os dentes cerrados,
travando minha expressão. Ele não me assusta.
— Você quer me enlouquecer? É isso que você quer, maldita?
— Eu quero que você vá para o inferno! — digo, sem me arrepender de
nada. Luca analisa minha face de perto, sem piscar e não há espaço para que eu
finja qualquer sentimento. Nem quero. — Você e a sua insensibilidade, a sua
distância, a frieza que coloca em tudo que faz e no modo ridículo como trata
todos a sua volta! Como se não fôssemos nada para você!
— Você não é nada para mim — diz, me causando repulsa. — Por que se
considera tão importante assim? Quando dei a entender que você era?
— Se não sou importante, por que está aqui comigo e não lá fora se
divertindo? É seu aniversário, afinal. E eu sou apenas sua esposa patética que
não merece nada além de algumas repreensões e um pouco de castigo, certo? A
vadia que você gosta de foder quando não tem nada para fazer?
Novamente, ele me agarra. Com a sua força, faz meu corpo inteiro se
mover e eu estremeço, ainda mais perto do seu olhar agora. Mas não me
acovardo, nem me calo.
— Cala a boca, Rebecca!
— Há várias garotas lá fora que adorariam ter a sua atenção agora, Luca!
Várias! Então por que não vai lá e aproveita?
— Cala a boca, Rebecca!
Ele berra alto o suficiente para fazer minha cabeça doer. Eu recuo, pela
primeira vez desde que entrei no quarto e encolho meus ombros, vendo as
sombras se moverem por cima do seu olhar concentrado. Me falta reação para o
modo como me trata agora.
— É isso que você quer? Atenção? Me irritar? Ver até onde eu vou?
Você quer me testar, Rebecca e acha que eu não estou percebendo? Hein? Ou
você só quer que eu perca o controle e te dê motivos para me chamar de monstro
de verdade?
Fico em silêncio. Minha expressão fala mais por mim do que minha boca
jamais poderia.
— Isso é baixo para uma mulher bem-educada como você — cospe as
palavras, encarando-me de cima a baixo. — É humilhante.
— Então me olhe! — berro de volta e me desfaço do aperto das suas
mãos — Olhe para mim pela primeira vez na sua vida, Luca e veja o que está
fazendo comigo! Está me humilhando todos os dias porque não consegue falar
comigo! Porque não consegue ser algo além do que te forçaram a ser!
Ele se presta a sorrir.
— Nem todo mundo cresce num conto de fadas, Rebecca. Nem todo
mundo quer viver em um.
— Você acha mesmo que a minha vida é um conto de fadas, Luca?
Mesmo? Acha que ser casada com um homem como você é o que qualquer
mulher iria querer? Para ser tratada feito lixo, reduzida a uma acompanhante e a
um enfeite? Acredita mesmo que ter o seu sobrenome é uma dádiva tão grande
assim para que nada mais importe?
— Para de colocar palavras na minha boca! — esbraveja, me encarando
sem paciência alguma. — Para de ser tão irritante, cacete!
Ele atira o primeiro copo que vê na direção da parede e o vidro se
espalha pelo quarto. Eu grito e pulo para trás para escapar dos cacos. Mas ele
não se importa e atravessa o cômodo, pisoteando o vidro e decidido como o
inferno a vir para cima de mim.
E eu o temo pela primeira vez.
— O que você quer de mim, mulher?
Luca é grande, forte e alto. Tem mais poder do que eu jamais
experimentarei, jamais sonharei em ter. Mesmo assim, não consegue se
manifestar da maneira certa. Nem colocar para fora o que sente. Nem mesmo sei
se ele entende o que sente, se consegue assimilar toda raiva que corre dentro
dele, se algum dia sentiu algo além de raiva por tudo e todos.
— Eu só quero que você tente — desato a chorar quando a confissão
escapa dos meus lábios e abaixo as mãos, descobrindo meu rosto. Ele continua
de pé, o peito subindo e descendo num ritmo apressado. — É difícil demais
apenas tentar?
O silêncio perdura por um segundo e posso escutar apenas os meus
soluços, sentindo meu peito apertado.
— Eu estou tentando todos os dias, Rebecca... — devolve, afastando-se
um passo, então outro. Eu me sento na cama, totalmente aberta ao que quer que
esteja vindo na minha direção agora. Devo estar horrível, parecendo uma
bagunça, mas ele também já esteve mais bonito.
Nós somos apenas o resultado de nossas ações agora. O resultado do que
sentimos e do que somos.
Uma bagunça.
— Não vou machucar você — sussurra, com o olhar perdido sobre o
chão — Nunca. Não importa o que aconteça.
— Eu não…
— Porque é uma promessa que fiz a mim mesmo — entrega, voltando a
me olhar. A força com que faz isso me rouba a atenção. — Eu não sou o tipo de
homem que você está tentando pintar, Rebecca, mas eu também não vou ser o
cara dos seus sonhos. Se ainda espera por isso, então eu recomendo que acorde.
— Esperar que você se preocupe em saber quem eu sou é sonhar?
— É pedir mais do que sou capaz de dar.
A revelação escapa dos seus ombros com peso, mas chega aos meus com
o dobro. Luca está sentado em sua poltrona, colocando para fora coisas que
nunca deve ter dito a mais ninguém, mas em nenhum momento deu o braço a
torcer. Em nenhum momento se esforçou para fazer o que eu lhe pedi. É tudo
sobre ele, ele e ele. Nunca nós. Nunca eu.
Ele.
Por que ele prefere pensar que está sozinho? Por que não pensa nos
outros? Por que somos todos como nada para ele? Por que ele apenas não
FALA?
De pé, movida por mais força e vontade do que eu pensei que tivesse,
com lágrimas cheias escapando dos meus olhos sem que eu me dê mais ao
trabalho de impedi-las, me aproximo do homem sentado no centro do quarto e
me ajoelho à sua frente. Sinto alguns cacos contra meus joelhos, mas não me
importo com eles agora e agarro o rosto de Luca dos dois lados.
Ele não luta contra o que faço, pelo contrário, cede ao meu controle e
fecha o olhar no meu, permitindo que eu fale e seja tudo no que presta atenção.
Em seu rosto, uma máscara de fúria que não lhe cabe mais ainda esconde o que
sente. O que pensa. Quem é.
— Por que você prefere se manter longe ao invés de apenas dar uma
chance para isso? Para o que nós somos? Para Luca e Rebecca? Meu Deus do
céu, por que eu sou tão descartável para você a ponto de que nem mesmo se
esforce para prestar atenção em mim?
Ele demora apenas um segundo antes de me responder.
— Porque eu não confio em você.
E dói como se ele tivesse dito muito mais.
Mas também…
Diz muito sobre quem ele é.
— É mais fácil não me enganar se eu não souber quem você é —
sutilmente, empurra minha mão do seu rosto. — É mais seguro para quem eu sou
e quem preciso ser. E é melhor para você também, se eu não deixar que se
apegue a alguém como eu.
— Você é meu marido.
— Isso não significa nada, Rebecca.
— Para mim, significa muito!
Ele fica de pé e eu fico também. Todo tempo, parece que estamos
duelando. Ou talvez dançando. É como uma dança cansativa que nunca tem fim.
— Eu disse uma vez e direi de novo: sou leal a você. Sou a esposa que
você tem. Sou a mulher que carregará os seus filhos e te acompanhará pelo resto
da vida. O mínimo… o mínimo é que você consiga olhar para mim e entenda que
eu sou parte da tua família, Luca! Que eu sou alguém com o qual você se
importa se vive ou se morre!
Fraca, cansada e muito sentida por toda essa luta incansável, eu
posiciono a mão sobre o seu peito. O coração dele bate forte, imagino que pela
tensão que corre em suas veias. O seu olhar encontra o meu e eu sinto que todo o
mundo se reduz a isso, ao aqui e ao agora. A nós.
— Você não quer saber como é se importar com um homem como eu,
Rebecca...
— Pare de me dizer o que eu quero. Pare de tentar encontrar motivos
para se manter distante. Só… pare, por favor.
Eu volto a chorar. E dessa vez, com mais força. Tudo em mim está
tentando escapar através das lágrimas e eu me sinto absurdamente emotiva a
ponto de afundar o rosto em seu peito, tentando me segurar a alguma coisa. Luca
continua parado, os braços caídos ao lado do próprio corpo, até o momento em
que se rende e os passa ao meu redor. Ele me abraça forte o suficiente para que
eu sinta seu cheiro e me sinta segura, pela primeira vez em todo esse maldito dia,
aceitando que ele é o que tenho, enquanto ele parece chegar à mesma conclusão.
Eu mantenho minha bochecha grudada no lado esquerdo do seu peito e
tento secar minhas lágrimas no tecido da sua camisa. As mãos dele acariciam
minha coluna e eu cravo as minhas nas suas costas.
O silêncio fala muito mais do que qualquer palavra nesse momento.
E tudo que eu preciso é que ele fique e tente.
O que é exatamente o que ele faz.

— Venha — diz, quando o silêncio já não é mais o suficiente. Eu me


afasto dele e acho que ficamos unidos por mais de cinco minutos, mergulhados
em nossas próprias consciências, mais do que conscientes acerca um do outro.
Meus olhos estão inchados e ele toca meu rosto com uma sutileza que nunca
existiu antes, limpando a água que mancha minha pele.
— Aonde?
A sua mão desliza até a minha e ele me conduz. Vamos para a lateral da
cama, então ele senta e pede que eu faça o mesmo. Ele se acomoda e relaxa o
corpo contra o colchão macio, estendendo seu braço para mim e reservando um
canto em seu peito. Eu deito contra ele e encolhida, tento não pensar em toda dor
que vejo refletida nos seus olhos quando me fecha na segurança dos seus braços.
Não dizemos mais nada depois disso.
Alguns dias depois do meu aniversário, ainda me sinto estranho. Há algo
fora do comum, longe do esperado — algo que escapou do meu controle.
E eu sei muito bem que é Rebecca.
Desde o último sábado, dormimos juntos. Não há muita conversa durante
todo dia, muito menos todo o bate-papo que ela tanto parecia querer, mas toda
vez que dormimos, estamos na mesma cama e eu sei que ela aprecia dormir com
o rosto apoiado no meu peito, sentindo que estou por perto. Por isso, eu fico,
mesmo que fechar os olhos ao lado de alguém ainda seja difícil para mim.
Quase impossível.
Não fui treinado para ficar mais do que o necessário, nem gastar meu
tempo com outras pessoas. Toda vida foi apenas sobre fazer o trabalho e sair, em
missões e especialmente com mulheres. Nunca me dei ao luxo de pensar como
seria se um dia eu precisasse me dedicar a conhecer uma delas ou me dedicar a
ter mais do que suas pernas abertas e um bom tempo a sós.
Eu nunca pensei que…
Droga, nunca pensei que chegaria longe o suficiente para precisar me
preocupar com qualquer uma delas ocupando minha cama.
Mas agora que estou aqui, agora que essa realidade me alcançou e me
vejo mergulhando no vazio, vejo que não adiantou de nada nunca ter me
preparado para isso. Eu só adiei o inevitável, só fiz parecer mais difícil e embora
nunca vá admitir em voz alta, só compliquei as coisas para Rebecca.
Mas, porra, o que eu posso fazer se não sou o príncipe que uma mulher
merece? Nem o monstro que ela queria que eu fosse para poder me odiar sem
culpa? Eu sou algo no meio disso tudo e do meu próprio jeito, me importo com
os que são importantes e os mantenho a salvo, custe o que custar.
No entanto, Rebecca quer mais do que um protetor. Rebecca quer um
marido, quer que eu seja aquele que está 100% ali por ela, na felicidade e na
tristeza, em qualquer puta ocasião.
E quem sou eu se nem mesmo tentar oferecer à minha esposa o que meu
pai nunca ofereceu a minha mãe?
Eu prometi a mim mesmo que nunca seria igual a ele. Nunca.
Por isso, quando mais uma noite de semana chega, eu decido fazer mais.
E usar palavras dessa vez.
Acabo de sair de uma reunião longa com capitães de diversas bases
afetadas pelo crescimento do tráfico russo no Brooklyn, no pequeno bairro que
“roubaram” para si, mas não deixo que o cansaço de passar um dia inteiro na
presença de meu pai e outros trinta homens me derrube. Após o banho, consigo
vestir uma camisa social branca e até mesmo os malditos sapatos de ponta fina
que minha mãe sempre nos força a usar.
Rebecca acaba de voltar de uma tarde no shopping com Beth, Luna e
Donatella — na companhia de Mathias e Roger — e acaba de sair do banho,
vinda do outro banheiro, quando me encontra pronto em frente à cama.
— Vai sair? —pergunta, usando uma camisola até os joelhos. O cabelo
está molhado e ela o enxuga com a toalha.
— Nós vamos — corrijo, talvez trocando as primeiras duas palavras da
semana com ela. Ainda não me sinto confortável o suficiente fazendo isso, como
se ela enxergasse mais do que deve, mas pigarreio e continuo. — Vista alguma
coisa.
Ela parece ter odiado a surpresa, mas eu não me abalo. Provavelmente é
apenas pelo trabalho de não saber o que vestir. Pense assim, Luca.
— Para onde?
Não me dou ao trabalho de respondê-la e sigo na direção do closet. Fiona
mantém as coisas arrumadas e separou nossos lados. No dela, uma seleção de
vestidos incontáveis, dos mais simples aos mais refinados. Na bancada no
centro, suas joias e meus relógios dividem o espaço, mas é seu perfume que
domina cada cantinho do lugar. Chega a ser irritante.
Passo meus olhos sobre os cabides e vou no que me chama mais atenção.
É longo, mas fino como seda. Vermelho, penso nele distribuído sobre suas
curvas, principalmente em seus quadris. Linhas finas se cruzam nas costas nuas e
o decote é reto, mas sei que ficará lindo nela…
— O que você está fazendo?
Sua voz rouba minha atenção do vestido e eu a observo se aproximar.
— Vista isso — peço, tentando não soar autoritário demais. Nunca soube
controlar isso, mas sei que receber ordens não é exatamente o que ela quer
agora.
Sem lutar contra meu pedido, Rebecca se aproxima e pega o vestido das
minhas mãos. Suas mãos deslizam contra as minhas e eu observo seu olhar
enquanto analisa a peça.
— É justo demais — diz, como se isso devesse ser um problema.
Mantenho minha atenção nos seus olhos. — Se me disser aonde vamos, eu
posso…
— Você vai estar comigo. Pode vestir o que quiser.
E Deus queira que seja isso, penso, cuidando da sua reação à minha
afirmação.
Rebecca, por sorte, opta por não contrariar meu pedido e vai na direção
das gavetas. Eu a impeço quando está puxando um sutiã sem alças e ela me
encara novamente, como se eu estivesse maluco.
— Não precisa disso num vestido como esse.
— Eu sempre preciso disso — reforça, como se fosse óbvio. — Luca, o
que você…
— Me permita.
Impeço que ela recue e toco as alças do seu pijama. Ela apenas observa,
sem reagir e eu aceito isso como uma permissão para continuar. Empurro as duas
alças e ela fica nua, a não ser pela calcinha fina que usa.
Sem malícia, sem segundas intenções, eu puxo a calcinha também.
Ela não diz nada.
— O tecido é fino — explico, como se justificasse tudo. Rebecca não
treme ou expressa qualquer reação adversa aos meus movimentos e eu pego o
vestido de suas mãos. Me abaixo, e espero que ela coloque um pé, depois o
outro. Subo tudo e o silêncio praticamente pinica contra minha pele. Ela passa as
alças dos braços e eu fecho o zíper. Tudo isso, sem uma palavra ser proferida.
Acho que ela não entende o que eu estou fazendo, nem eu. E é melhor assim.
Quando tudo que falta são os nós das linhas atravessadas das costas, ela
se vira. Eu toco suas costas e odeio a sensação de que quero mais. Seu cheiro
está impregnado no meu nariz, na minha casa e na minha vida, e seu cabelo
molhado exala o perfume do seu xampu importado. Eu sempre fico lendo o
verso, treinando meu italiano. Ela o trouxe de casa, com certeza. Assim como
trouxe o travesseiro que usa para dormir toda noite e a maioria dos seus livros,
que agora estão espalhados no aparador ao lado da cama. A maioria, romances.
Combinam com ela.
E talvez eu esteja reparando demais...
Fecho os nós com mais força do que talvez precisaria e uma fenda se
revela na sua perna esquerda. O vestido é mais tentador do que eu pensei que
pudesse ser. E meu autocontrole está sendo mais desafiado do que nunca.
Porra.
— Preciso me maquiar — fala no tom de um segredo, encontrando meu
olhar novamente. Estamos nervosos e ansiosos um ao redor do outro, o que é
estranho.
Estranho porque eu não sei o que fazer com isso.
— Tudo bem. Te espero lá embaixo.

Meia hora depois, Rebecca desce e eu a conduzo até o carro. Ela pintou
seu rosto e sua pele parece marfim, com os lábios pintados num tom de
vermelho escuro que praticamente me tira do chão, mas não fez nada nos cabelos
além de ajustá-los com uma delicada presilha de brilhantes. Os cachos se
formam nas pontas e eu gosto de vê-la assim, ao natural.
Eu vou dirigindo e tenho Mathias e Roger num carro de apoio. Rebecca
parece nervosa durante todo caminho, até que eu estacione em frente ao melhor
restaurante que conheço.
— É da família da minha mãe — explico, entrelaçando seu braço ao
meu. Todos na rua viram para olhar quando ela desce do carro e eu deixo que
olhem a bela mulher que me acompanha essa noite. — Os Gianotti.
— É um belo restaurante — diz, ainda sem jeito. Eu me pergunto se não
é porque a deixei sem sutiã e calcinha. Ou se é apenas por estar ao meu lado.
A hostess nos conduz até uma das salas reservadas. Não sei se ela gosta
disso ou não, mas é a melhor opção se eu perder o controle e precisar estar sobre
ela antes de chegarmos em casa.
E para que ninguém mais tenha acesso ao tipo de beleza que me
acompanha essa noite. Uma desmedida, incomparável, quase irreal.
Uma que estou enxergando pela primeira vez.
— Você pede?
Afirmo, e ela nem se digna a olhar o cardápio. Quando faço os pedidos,
apenas pede uma taça de água para acompanhar o vinho. O garçom se retira e
promete voltar logo.
— Então… — começo, abrindo os últimos botões do terno.
— Então... — responde, escondendo um breve sorriso atrás da máscara
impessoal. — Obrigada por me trazer para jantar.
— Pensei que seria a melhor forma de conversarmos.
— Fora de casa? — Arqueia a sobrancelha, confusa.
— E de me desculpar — emendo, antes que ela tire todas as conclusões.
O garçom volta com o vinho e nos serve. Tomo um gole antes de continuar e o
aprovo. Ele a serve depois disso. — Pelo que disse na noite do meu aniversário.
— Não sabia que você pretendia se desculpar por aquilo — diz,
desconfortável, ajeitando as pulseiras Cartier nos pulsos. Ela usa três. Eu tenho
vontade de lhe dar mais uma, pois não gosto de números ímpares. — Pensei que
tinha ficado para trás.
— E ficou. Mas aquilo não é jeito de falar com uma esposa.
— Não é jeito de se falar com mulher nenhuma — corrige, e vejo o
brilho incômodo no canto dos seus olhos. Ela bebe um gole de vinho para
ignorar isso e eu me ajeito na cadeira.
— Naquela noite… — bufo, me perguntando como falar dessa merda.
Acho que não tem jeito além de expulsar tudo que der. — Eu tive uma discussão
com o meu pai. E foi a primeira vez que o enfrentei.
Isso capta a atenção dispersa de Rebecca e eu vejo que quer saber tudo
sobre isso.
— Você nunca…
— Ele bateu no meu irmão — interrompo antes que pergunte. — E foi…
porra, foi demais para mim. Talvez já tenha ficado óbvio que eu sou um pouco
fodido, Beca, mas eu sou assim porque apanhei a vida toda. Apanhei para
aprender e para que ele não tocasse neles, entende? Fiz o que eu tinha que fazer
e pagava o preço para que nenhum deles fosse nem um terço do que eu sou hoje.
Meu pai me ensinou a não confiar e muito menos me sacrificar pelos outros,
porque eles me trairiam na primeira oportunidade, e eu cresci tendo que lidar
com esses dois lados. O lado que se preocupa e o que não enxerga ninguém
além dos meus próprios objetivos e das minhas próprias vontades, por que eu fui
ensinado a ver as merdas desse jeito, ok?
Bufo. As palavras se complicam quando ficam pessoais demais e eu
odeio a sensação de urgência que elas me oferecem. Como se eu precisasse
correr antes de meu peito explodir.
— Então você não é a primeira a achar ruim que eu não me dedique a te
entender, Rebecca — digo. — Minha família teve de conviver com essa parte da
minha personalidade por toda vida e acredite, foi tão difícil para eles quanto é
para você. Mas… nunca houve realmente nada que eu pudesse fazer para mudar
isso. Nada que eu quisesse fazer.
— Eu não quero te forçar a fazer coisas que você não quer. — Se apressa
em dizer, encarando-me como um caso de pena.
— Ninguém me força a fazer o que eu não quero, Beca — afirmo, com
certeza. — E nem vão.
— Eu só gostaria que você quisesse me ter do seu lado — explica,
tentando defender a si mesma e suas vontades. — Eu não… Não queria colocá-
lo num lugar tão complicado de se estar.
— Linda, você não está me colocando em lugar nenhum... — Minha fala
sai acompanhada de um sorriso fraco, que eu nem mesmo sei de onde vem, mas
vem. E faz com que me encare com algo que se parece menos como pena e mais
como compreensão. — Nós só estamos começando. E embora você tenha me
irritado pra caralho, e dado um tapa na minha cara, coisa que nenhuma mulher
nunca fez — ressalto com uma pausa. Ela ri, um pouco intimidada. Eu acho
bonitinho. —, foi um bom jeito de me arrancar da minha zona de conforto. Dou
isso a você.
Ela deixa escapar uma risadinha.
— Eu me arrependo de ter batido em você — confessa.
— Não mente, Rebecca. O tapa foi merecido.
Ela ri de novo.
— Você pode bater mais, se eu merecer, aliás. Não é como se eu já não
tivesse sentido coisa pior.
Estou indo alcançar minha taça quando sou surpreendido pelo toque da
sua mão contra a minha. É surpresa e eu a encaro, tentando entender o que
significa o fato dela estar me tocando.
— Eu sinto muito que tenha passado por isso — diz, num suspiro
cansado. Os olhos exprimem mais do que pena, algo que não entendo ao certo.
Talvez seja compaixão. Talvez seja carinho. Talvez seja… algo no meio disso.
— Ninguém nunca deveria ter de passar por isso. Nem você, nem seus irmãos,
nem os meus, nem eu…
— Eu não o culpo por me bater, Rebecca — murmuro, passando longe
da imagem de garotinho ressentido. — Nem acho que não tenha merecido,
mas…
— Ninguém merece apanhar, Luca. Ninguém. E o fato de você ter
defendido seus irmãos e enfrentado o seu pai, assim como eu o vi enfrentando
para defender sua mãe, é importante. E significa que você também acha o
mesmo do que eu.
Ela se endireita na sua cadeira, mas não tira a mão da minha. Na verdade,
ela apenas a fecha ainda mais ao redor dos meus dedos.
— Violência é algo que devemos usar fora de casa, não dentro dela —
diz, a voz suave o suficiente para me fazer relaxar os ombros. — Algo com o
qual você se acostumou, mas que não deve estar presente em todos os
relacionamentos que têm. Algo que alguém como um pai certamente não deveria
usar para punir os próprios filhos. E algo que te tornou o que você é hoje, mas
que não precisa te definir pelo resto da vida.
Eu aperto sua mão de volta.
— Algo que não vai te definir pelo resto da vida — reafirma.
Sua voz sai forte e eu penso que gosto dessa mulher. Gosto dessa versão
dela, disso que se demonstra sendo agora. Da mulher que está do meu lado e
estará por todo tempo. E me pergunto o que gostar dela representa para tudo que
tento suprimir há tanto tempo.
Acho que não vai adiantar mais.
— Você é melhor do que eu pensei que seria, Rebecca Accorsi..
Ela faz um carinho suave contra minha mão.
— E você é menos complicado do que eu esperava, Luca Accorsi…
Sua resposta é o suficiente para mim. Ela solta minha mão e o jantar
chega. É uma boa noite.
Um bom começo.

Na volta para casa, no entanto, não estou mais tão controlado quanto
estava na ida. Bebemos mais de uma garrafa de vinho e o corpo de Rebecca
parece mais tentador do que antes — se é que isso é possível.
Eu estaciono o carro e no estacionamento do prédio mesmo, encontro
meu caminho até o meio das suas pernas. Rebecca geme gostoso quando meus
dedos entram na sua boceta e eu quero rasgar seu vestido.
— Você sabia que esse era o meu plano a noite toda, certo? — sussurro
no pé do seu ouvido.
Ela sorri, e vejo refletido nos seus olhos o mesmo brilho selvagem que
aparento nos meus.
— Você ainda não é nenhum santo — diz e busca meu rosto com fome,
espalhando seu gosto e calor pelos meus lábios, enquanto bombeio meus dedos
para dentro do seu corpo. Eu sinto suas mãos no meu cabelo e rindo, a puxo do
banco, trazendo-a para o meu colo, ansioso para tê-la.
— Nós temos uma cama lá em cima… — murmura, grunhindo ao sentir
minha língua quente passear em seu pescoço. — Vamos para lá.
— Eu posso resolver tudo aqui mesmo. Tudo mesmo.
E afundo ainda mais meus dedos.
Ela fecha as pernas, contraindo as coxas e eu sinto sua mão tocando meu
pau por cima das calças.
Acho que aqui não vai ter espaço para tudo que eu quero fazer com ela.
— Foda-se. — Desisto de ser jovenzinho e deixo o carro. Ela ainda está
no meu colo e gargalhando, prende as pernas ao redor do meu corpo enquanto
caminho até o elevador. Travo o carro sem olhar duas vezes para trás e quando a
cabine abre as portas, prendo seu corpo contra o espelho. Rebecca ri, como uma
menina travessa e eu mordo sua boca, sugando seus lábios. Ela mói seu corpo
contra o meu e eu seguro firme abaixo da sua bunda, apertando-a até que sinta
que não há mais espaço para isso.
— Nós chegamos no andar, Luca — diz, sem fôlego e eu seguro debaixo
das duas pernas. Chuto a porta de casa, não ligo para a porra nenhuma e vou reto
em direção a escada. Beca desfaz os nós das costas sem olhar e quando a deito
sobre a cama, o tecido cai e me revela tudo que preciso para ser feliz.
Seus mamilos estão duros e eu os coloco na boca, pressionando meu
corpo contra o seu. Beca geme apenas pelo contato entre nossos sexos e eu passo
as mãos por dentro do vestido que me tenta há tempo demais. Ele rasga nos
lados e Beca grunhe irritada, mas não há nada que ela possa fazer.
— Eu compro outro — resumo a história e concluo o serviço. Sua pele
está a mostra para mim e eu beijo dos seus seios ao fim da barriga, tocando tudo
que posso, sentindo tudo que posso. É mais sobre necessidade do que vontade.
Eu preciso do seu corpo.
Porra, o que essa italiana fez comigo?
Vou mais pra baixo e beijo a fenda entre suas coxas, mas ela me impede
de continuar e me puxa pelos ombros para cima.
— Me fode logo.
Eu engasgo numa risada.
— O que você disse?
— O que você ouviu — resmunga irritada e eu beijo o canto da sua boca.
— Seu desejo é uma ordem, linda.
Empurro as calças e tudo entre estar fora dela e dentro passa em branco.
Rebecca me recebe com o calor com o qual já me acostumei e eu vou relaxando
conforme entro, sentindo seu corpo me abraçar com força. Ela espalma as mãos
no meu peito e eu seguro os seus seios. A mistura é um pouco caótica, mas
quando encontro o ritmo, é delicioso estar envolvido nessa bagunça fodida com
ela.
Rebecca geme alto o suficiente para provavelmente alertar nossa visita
— Luna — de que estamos tendo o tempo de nossas vidas, mas não parece se
importar de que ela saiba o que fazemos. E eu adoro que ela não dê a mínima.
Minha mão vai por trás do seu pescoço e seguro seus cabelos, mantendo-
a rente à cama. O suor escorre por toda sua pele banhada apenas pela luz natural
que invade pela janela aberta e eu não prolongo as coisas. Gozo antes e não me
arrependo. A ajudo a encontrar seu clímax com os dedos e minha respiração
ofegante pertinho do seu ouvido. Ela recebe seus espasmos de prazer com alívio
e se agarra a mim como se sua vida dependesse disso. Eu gosto da sensação das
suas unhas cravadas contra minha pele.
— Porra…
Ela está rindo e prestes a abrir a boca para falar alguma coisa quando o
som de algo se quebrando no andar debaixo interrompe tudo e nos traz de volta à
realidade.
— Você escutou isso? — indaga e eu me afasto do seu corpo, subindo o
jeans. Correndo, ela puxa o lençol e cobre seus seios, sentada na cama
bagunçada. Eu estou de pé antes que ela se mova novamente e puxo a
semiautomática do aparador, recarregando-a sem tirar os olhos da porta. —
Luca…
— Fica aqui.
Estou longe de ser o garoto despreocupado de minutos atrás quando
deixo o quarto. Descalço, ando devagar o suficiente para não ser notado. O
corredor está escuro e vazio, pois já passa da meia-noite. Tudo que tenho é a luz
que vem das vidraças e quando chego ao topo das escadas, sem enxergar nada,
desço.
O apartamento só tem uma entrada.
Chego ao primeiro andar e noto que tudo está no mesmo lugar. Tudo
menos o vaso da mesa de centro.
Esse está espatifado no chão.
Eu empunho a arma com mais firmeza e coloco as coisas numa nova
perspectiva. Mas de nada adianta pensar por ela, pois sou atingido na nuca antes
de conseguir conter a ameaça.
Caio, mas não apago. A pancada foi forte o suficiente para me deixar
zonzo, mas consigo lidar com essa sensação e chuto quem quer que esteja atrás
de mim. O chute acerta seu joelho, e o homem fraqueja, curvando-se por um
segundo, me permitindo acertar outro chute no topo da sua garganta. Ele engasga
e cai contra as escadas.
Eu rolo para longe dos degraus e puxo minha arma de vez, mirando-a no
seu pescoço. O homem é pálido como o inferno e tem os ombros lotados de
tatuagens.
— Quem é você e o que quer na minha casa?
— Surpresa, filho da puta — responde, exibindo um sorriso sangrento.
Eu o acertei no queixo também, com o chute. Sua voz sai fraca e quase rouca.
Meu dedo raspa o gatilho e eu vou atirar quando o calor de um cano no
meu ouvido me faz parar. Arregalo os olhos e os subo lentamente, espiando a
lateral de um corpo que não me é estranho, embora eu nunca o tenha visto
pessoalmente.
— Abaixe a arma, Accorsi e nos poupe de todo esse trabalho.
O sotaque forte de Romeu Ivanov me faz gelar pela primeira vez em
muito tempo.
Meus olhos imediatamente buscam pela escada e penso se Rebecca teve
tempo de se esconder. Mas os gritos que ecoam do segundo andar são o
suficiente para me mostrar que não.
Porra, porra, porra.
— Vai abaixar ou quer que meu irmão a traga aqui embaixo para que sua
amada assista eu explodir a sua cabeça?
Irmão.
Rodrik Ivanov.
Jogo a arma nos meus pés e subo as mãos. O homem à minha frente
ainda sorri, como se o sangue lhe animasse e fica de pé. Quando se sustenta nas
duas pernas, seu pé encontra o caminho até meu estômago e eu rolo para longe
depois do chute, até bater na parte de trás do meu sofá. Romeu permite que o
homem passe e circule a área da sala, virando-se para mim.
Eu respiro fundo, engulo a dor e me apoio nos cotovelos para ficar de
pé.
— Como vocês entraram aqui?
— Bela performance lá em cima, amigão. — Romeu volta a dizer e cada
sílaba que diz me enjoa. O seu capanga ri. — Aposto que ela ainda está
lubrificadinha, né? Rodrik vai gostar…
Eu estou de pé tão rápido que é inútil que seu capanga se aproxime. Eu
chego até Romeu e minha mão acerta seu pescoço. Ele engasga, mas não se
rende. O ajudante me puxa pelos ombros e torce meu braço até que o som do
meu osso sendo fodido ecoe pela sala.
Eu urro e recebo os gritos de Rebecca de volta. Ela sabe que estou
ferrado também agora.
Porra.
— Se você encostar um dedo na minha esposa…
— Ah, Luca, não vamos fingir falsa moralidade agora. O que vocês têm?
Um mês de casamento? Nem isso? Não finja que se importa com a puta italiana
que está lá em cima.
Eu assimilo a dor do braço e me levanto, sentindo cada fibra em meu
corpo se dedicando a me manter de pé. Romeu admira o esforço.
Ele é mais alto do que eu, mais forte também. A idade com certeza tem
fator decisivo nisso. Seu cabelo loiro é raspado, o maxilar é duro e os olhos
verdes brilham na minha direção com diversão.
— Foi uma pena que eu não tenha ido à cerimônia. Sinto muito por isso,
aliás. Mas acho que vocês receberam meu presente de casamento, certo? Era o
do pacote vermelho. Foi bem caro…
Rebecca está sozinha com o irmão dele.
Rebecca.
— Vá se foder, Romeu — cuspo as palavras. — Me diga o que quer de
uma vez e suma daqui.
— O que eu quero? Ah, Luca, você é muito engraçado pessoalmente para
achar que você vai conseguir me dar o que eu quero… E certamente pensa muito
de si mesmo.
— Se livre do seu guardinha de merda e me deixe te mostrar como eu
sou o que dizem que sou por aí, Ivanov — rio, mesmo que meu braço doa como
o inferno, minha arma esteja no chão e minha esposa esteja sozinha com o irmão
de Romeu.
O irmão psicopata de Romeu.
— Acha que está na posição de fazer exigências, Luca?
Ele guarda sua arma no coldre em sua cintura e eu calculo quantas armas
deve ter. Cinco, provavelmente. Eu teria seis, mas ele não deve ser tão
inteligente.
E se estou vivo ainda, significa que não pretende me matar.
— Veio aqui apenas olhar para mim, seu imbecil, ou vai fazer alguma
coisa?
— Já fiz — antecipa. — Já fiz muito. Assim como você, italiano. E
confesso… Pensei que seria capaz de mais para proteger a cidade tão adorada de
vocês.
— Ah, por que você não enfia suas opiniões na…
Seu capanga surge antes que eu termine e acerta um soco na minha
bochecha. Não posso revidar, não com Rebecca em jogo. Não posso fazer porra
nenhuma e isso é o que me deixa louco.
Caralho!
— Mas tenho uma proposta para você, caso já esteja tão cansado quanto
eu estou de toda essa merda.
Ele passeia pela minha sala e vai até o carrinho de bebidas. Analisa
umas, faz cara feia para outras e no final, volta a me olhar.
— Cancele a aliança com Vittorio Fioderte e se junte a mim.
— Eu sou casado com a filha dele — digo, em um tom que beira a graça.
— Me desculpe, Ivanov, mas não vou largá-la para comer a sua bunda. Não é
meu tipo de coisa.
— Continuará até mesmo se meu irmão já tiver começado a fodê-la da
maneira que estava ansioso para fazer? Até sangrar, doer, implorar que ele e a
mate... — sorri. E eu sinto o mesmo tipo de calafrio que preenche pessoas em
salas de espera na busca de soluções impossíveis. Meu corpo inteiro treme e meu
olhar está super focado agora. — Entende que não está em posição de escolher
aqui, certo?
— Entendo que você está desesperado para que não coloquemos o
exército Fioderte atrás de você, mas não viu que isso já é uma realidade. Se fosse
esperto o suficiente, já estaria longe daqui.
— Eu não tenho medo de vocês, Luca.
— Nem eu de você, Ivanov — grunho. — Então por que não sai da
minha casa, deixa minha esposa em paz e resolvemos nossos problemas em
outro momento? Apenas eu e você, como homens de verdade.
— Não preciso de rituais tão imbecis de autoafirmação, Accorsi — ri. —
Eu só preciso vencer no final.
Um sorriso rasga meus lábios e eu ignoro a dor por um instante.
— Isso não vai acontecer.
Ele sorri.
— Veremos.
Rebecca grita de novo. E sua voz ecoa pelo apartamento inteiro.
E reverbera em meus ouvidos, pois não sei do que se trata. Não sei o que
está acontecendo lá em cima.
Porra.
E ele enxerga toda parte de mim que se contorce em agonia por imaginar
o que está acontecendo lá em cima, sem poder ir ao seu socorro, sem poder
explodir a maldita cabeça de Romeu até que não sobre nada do homem que
ousou invadir minha casa e perturbar minha esposa.
— Sabe que uma vez que o adversário sabe sua fraqueza… — murmura,
divertido com as manifestações vindas do segundo andar. — O jogo se torna
dele, certo?
Uma gargalhada alta escapa dele.
— Esse é o meu jogo agora, Luca. Então tudo só se torna uma questão de
quem irá dar a última jogada.
Não respondo. Não preciso disso. Dessa disputa de ego do cacete.
— Ou fode ou sai de cima, Romeu.
E ele ri, rodopiando os dedos no ar. Mais seis homens surgem dos
corredores e eu penso que chegou finalmente o momento de conhecer o capeta.
Certo, eu já o provoquei várias vezes demais. Já chega para mim. Até que
durou bastante.
Mas os homens apenas fazem uma formação ao lado do chefe. Todos
altos como paredes, tatuados e brancos até o osso. Me detestam por respirar e
poderiam fazer cacos de mim bem agora, sem esforço nenhum.
Mas ficam parados. E observam.
— Não derrubo quem já está no chão. — Romeu volta a dizer e eu escuto
passos nas escadas. Dali, um homem que se parece muito com ele desce. E seu
nariz está sangrando. Pingando, na verdade, quase jorrando sangue, que mancha
toda sua camiseta.
Rodrik.
Romeu revira os olhos ao ver o estado do irmão, mas eu comemoro. Até
ver a braguilha da sua calça aberta.
— Então apenas considere isso como um aviso do que realmente está em
jogo aqui. — O fodido russo volta a sorrir. A boca faz uma curva no rosto cheio
de alegria e eu queria rasgar cada um dos seus dentes para fora.
— Eu a deixei quentinha para você. — É tudo que seu fodido irmão diz.
Eu fico de pé, abandono a razão e vou para cima dele. Mas me impedem de
chegar perto e sou atirado contra meu sofá novamente. Um dos capangas saca a
arma e a aponta para a minha cabeça.
Ele só precisa da ordem.
— Nos acertamos na próxima, Luca. — O Pakhan russo diz, declarando
o fim da sua visita. — Tenha uma adorável noite.
Romeu bate em retirada e tudo que resta é a dor, o nervosismo e a
incerteza de que encontrarei a mesma mulher que deixei lá em cima.
Luca desce rápido o suficiente para que eu nem escute seus passos
ecoando pelo andar de cima. Eu continuo parada, escondida pelo lençol,
torcendo que não seja nada. O impulso de colocar a mesma camisola que deixei
pendurada nos cabides antes me invade e eu a coloco, voltando para cima da
cama.
Penso em fechar os olhos, mas o impulso passa quando me convenço de
que não vai ser necessário.
Não vai ser nada. Luca vai voltar aqui para cima e…
Oh, Deus... Luna.
O som de algo caindo no andar debaixo me ativa todos os alarmes
possíveis. Eu grito e busco pelo meu telefone na cama. Mas não chego a
encontrá-lo, pois desisto quando escuto sons de passos no andar que estou.
— Luna? — chamo, sem dar um passo. Todo meu corpo está fervendo
em antecipação e Deus, como eu espero que seja apenas a minha amiga, tão
assustada quanto eu…
Mas não é.
Eu pulo para trás e choco minhas costas contra a cabeceira quando um
homem que nunca vi antes invade nosso quarto.
Ele é alto, mais alto do que eu jamais vi alguém ser e têm cicatrizes feias
no rosto. O cabelo é loiro num tom quase cinza de tão claro. E há algo doentio
no modo como olha em minha direção, passeando com os olhos pela cama que
ocupo, parando, finalmente, sobre mim.
— Oi, gracinha.
O som de seus coturnos contra o chão faz com que eu me encolha ainda
mais. O lençol é grande o suficiente para me cobrir, mas não é proteção
nenhuma. Lágrimas irrompem pelos meus olhos com força antes que eu pense
sobre isso e soluço, tentando me esconder do que já me viu.
— Quem é você?
— O seu amor, linda... — ri, caminhando na direção da cama. Ele faz
isso devagar, como se apreciasse o medo que eu expresso sem saber ao certo o
que ele pretende. — Vim continuar o que Luca não terminou.
— Saia da minha casa agora! — berro. Mas isso só lhe faz sorrir. — Saia,
maldito!
Alcanço o vaso no aparador e atiro na sua direção. Ele se abaixa e não é
atingido. Eu grito ainda mais quando ele corre, e finalmente me alcança. Toca
minha perna e eu o chuto, enojando-me da forma como grunhe e rosna,
praticamente latindo, ao tentar tocar mais e descobrir tudo.
Luto sem enxergar direito e rolo na cama quando ele puxa um canivete
do bolso e acerta o lençol branco. O rasga no meio, bem onde eu estava e caída
no chão, ao lado da cama, tento raciocinar para onde ir.
Antes que eu pense em chegar até a porta, ele fica entre mim e ela e sorri.
— Não seja difícil, Rebecca… Me deixe descobrir que gosto você tem.
Ou como é a sua cara quando está comigo dentro de você.
Eu grito mais e alcanço o que quer que seja para acertá-lo. Quando não
há mais nada em meu alcance, corro para trás e tento me encolher contra a
parede. Não consigo. Não consigo fazer nada.
Só consigo gritar e quando ele vem para cima de mim, o acerto com
tapas e arranhões, mas nada é o suficiente.
— Por que se fazer de difícil quando você quer tanto, Rebecca?
— SAI DE CIMA DE MIM!
Meu berro é mais forte, mais potente, mas quase não tem efeito.
— Meu nome é Rodrik, aliás. — Ele toca meu queixo e beija minha
bochecha. Na verdade, ele a lambe. Eu choro e soco seu peito. Soco tanto que sei
que está doendo, mas ele parece ser resistente a isso — E você é ainda mais
bonita do que eu pensava.
Ele se afasta para olhar em meu rosto e quando tenta me beijar, fecho
meu punho e acerto seu rosto. A mão que estava prestes a tocar minha barriga é
recolhida para conter o sangue e eu corro para longe, até chegar ao banheiro. Lá,
na primeira gaveta, pego uma tesoura.
Escuto os passos dele no quarto e sua risada. Lá embaixo, Luca grita. Eu
choro ainda mais por pensar que já o pegaram e grito por socorro, sem parar.
— Becaaaaa! — Rodrik chama meu nome num tom de voz estranho. —
Não torne isso mais difícil!
Procuro por mais alguma coisa na bancada e encontro um alicate. E a
gilete da barba de Luca. Puxo a navalha para fora, corto a ponta dos dedos
fazendo isso, mas quando Rodrik chega ao banheiro, eu o ameaço com isso.
— Você ia gritar bem mais do que fez com o seu marido, querida. Não
quer saber como isso seria? Como seria ter um homem de verdade?
Ele toca na sua braguilha e eu rosno, olhando para seu rosto. Ele está
doente. Doente ao ponto de achar que o que fala, é a verdade.
— SOME DA MINHA CASA!
— Sabe o que meu irmão já fez com o seu marido a essa altura?
Transformou ele em pó. Em adubo. Então seja uma boa garota, abaixe as armas e
aceite que sua vida nova é comigo.
Eu grito e num impulso, vou para cima dele. A navalha corta ainda mais
minha mão e eu a afundo onde posso, bem no meio do seu rosto. Ele grunhe pela
dor instantânea, mas consegue segurar meu rosto e me jogar contra a bancada.
Bato com tudo contra o mármore e espalho tudo que estava em cima da pia,
sujando meus pés.
Filetes grossos de sangue escapam e ensopam sua camiseta cinza, mas
não são o suficiente para fazê-lo desistir.
Até que algo apita no seu ouvido e ele para, com um sorriso avaliador.
— Eu não terminei ainda, Romeu.
Russo. Ele está falando russo. Língua que eu entendo, porque meu pai
me fez aprender.
Saber a língua do inimigo é essencial, Rebecca.
E Romeu… Rodrik…
A família Ivanov.
Os russos estão aqui.
— Não, porra!
Ele para e escuta o que quer que o irmão tenha a dizer.
— Vá se foder com suas promessas idiotas! — grunhe e toca no ouvido,
desligando o fone. Então sorri de novo para mim.
— Eu te vejo de novo em breve, florzinha. Espero que melhore o jeito
como me recebe até lá.
E sem mais nem menos, ele deixa o banheiro e em seguida, o quarto.
Tenho alguns minutos depois disso para absorver o baque e não consigo. Não
consigo assimilar nenhuma gota do que acaba de acontecer. Tudo que faço é cair
de joelhos, chorando copiosamente, enquanto meu corpo inteiro parece trabalhar
para se livrar de toda adrenalina que corre em minhas veias e me mantém alerta
a tudo. Minhas mãos estão tremendo e eu vejo tudo duplo, sem conseguir
discernir os móveis ou quem quer que tenha acabado de entrar.
Há sangue em meus braços. Sangue daquele monstro.
Eu preciso me limpar.
— Beca?
A voz de Luca soa rouca quando me encontra e ao ficar de pé, o vejo
chegando no banheiro. Seu braço está torto, na melhor das definições, sua boca
inchada e vejo que não teve nada fácil lá embaixo. Mesmo assim, parece melhor
do que eu.
— Beca, o que ele fez a você?
Eu continuo a chorar. E muito. Tanto que escondo meus olhos e tento não
tremer por inteira, mas é impossível. Tudo em mim está em colapso agora.
O jeito que aquele homem me olhou… o que ele queria fazer… o que se
achou no direito de fazer.
— Beca, me responde, por favor…
Luca enfim se aproxima de mim e parece deixar o próprio medo de me
tocar para fora. Suas mãos encontram meus ombros e mais uma vez, estou
escondida contra seu peito, enquanto o choque de uma vida fora da proteção
integral de meu pai me atinge. Uma realidade dura, onde eu não sou mais
intocável. Onde nenhum de nós é.
— Eu preciso saber o que ele fez, Rebecca…
Agora ele parece estar apelando, mas eu ainda não consigo falar. Não
quero dizer. Luca sabe o que ele pretendia ter feito. Sabe que riscos um homem
representa para uma mulher. E teme que a pior das coisas tenha acontecido
comigo, sem se preocupar com o braço que praticamente pende em seu corpo ou
os inchaços em seu rosto cansado.
— Ele não conseguiu fazer nada… — confesso, me encolhendo ao
lembrar das expressões do homem. Do modo predatório como se divertiu me
caçando em meu próprio quarto. Em minha casa.
Os ombros de Luca relaxam um tanto ao escutar as palavras. E ele me
abraça mais forte, embora mal possa mover os ombros.
— Mas ele encostou em mim… Ele… ele queria me…
— Está tudo bem — responde, alisando minhas costas. — Está tudo bem
agora. Ele nunca mais vai respirar no mesmo lugar que você. Nunca mais. Por
Deus, se depender de mim ele não chega vivo ao dia de amanhã, Beca…
— Não — clamo, chamando sua atenção para cima de mim. — Eu não
quero você perto dele… Não, não, não…
O choro volta. E volta com o dobro de força. Eu estou tremendo e Luca
me encara como se não soubesse o que fazer, como se nunca tivesse pensado
sobre chegar em algum lugar como esse.
— Becky…
Então eu colapso de vez, enxergando o sangue em meus dedos, sentindo
o fantasma das mãos nojentas de Rodrik em cima de mim e o despreparo de
Luca em lidar com uma mulher em pânico. Choro e choro alto. Extraio toda
energia que há em mim e sucumbo ao chão do banheiro.
Choro tanto e canso tanto, que apago. Mas eu não sei se por exaustão ou
se é apenas meu corpo tentando me livrar de todas as sensações ruins que me
inundam agora.
Como se não enxergar nada fosse muito melhor do que ver alguma coisa.

Quando acordo, não é meu marido que está ao meu lado. Donatella
segura a minha mão com força e me encara com uma doçura que é nova em sua
expressão sempre tão decidida. Noto o rosto inchado e me pergunto se é de sono
ou de choro. Não consigo chegar a uma resposta exata.
— Oi, Becky…
— Oi — respondo e até mesmo tento sorrir. Ao puxar meu braço, sinto
uma fisgada no braço. Há algo na minha veia. — O que é isso?
— O médico achou que fosse bom te dar algumas coisas… hm, Luca
também pensou que seria melhor se você dormisse mais um pouquinho.
— Me doparam? — questiono, com a voz escapando rouca, bem
baixinha. Não dói falar, mas sinto meu corpo pesado. É difícil até mesmo abrir
os olhos.
Ela não nega, nem concorda.
— Tudo bem.
— Como você está se sentindo?
— Só cansada… — E mesmo assim, tento me sentar. Donatella não
aprova minha decisão, mas me ajuda, afofando o travesseiro em minhas costas.
— Obrigada pelos curativos nos dedos.
Noto como as pontas dos meus dedos estão cobertas e gosto de ver que o
anel ainda está presente. Ninguém tocou nele.
— Onde está o Luca?
Sua irmã se ajusta na poltrona que arrastou para perto da cama e não
entendo ao certo o que se passa em sua cabeça. Se é preocupação ou medo que
vejo.
— Onde ele está, Donatella?
— Ele saiu para ver algumas coisas, hm… mas eu vou avisar que você
acordou. — Puxa o telefone do aparador e digita rapidamente. Parece mais
jovem do que nunca agora e eu me lembro de que têm apenas dezesseis anos. —
Ele vai voltar logo.
— Dona, o que ele saiu para fazer?
— Ele está com Max, Beca. Vai ficar tudo bem.
— Eu pedi que ele não fosse atrás de ninguém.
— Ele não… Beca, com o que eles fizeram contra vocês…
— Nenhum deles fez nada contra nós dois. Rodrik não encostou em mim.
Eu não deixei que fizesse. E deixaram Luca vivo quando saiu. Não há motivo
para ele estar lá fora os caçando ao invés de estar aqui…
— Há questões que superam a relatividade de se estar vivo ou não, Beca.
Questões que você talvez não entenda, mas eu, que nasci e cresci com Luca,
posso enxergar claramente… — Ela respira fundo. — Ele não vai sossegar até
que você seja vingada.
— Mas eu não quero! Eu não preciso disso! Eu preciso que ele esteja
aqui!
Meus gritos são quase histéricos e Dona se espanta.
A porta é aberta e sem mais força nenhuma para chorar, enxergo Luna se
aproximando. Ela, que provavelmente não estava aqui na hora que tudo
aconteceu.
Mas que me olha como se preferisse estar no meu lugar.
— Becky…
Minha amiga me dá um abraço tão apertado que sinto partes de mim nas
quais não havia prestado atenção reclamarem pela pressão. Talvez ele tenha me
apertado, talvez tenha tocado mais do que realmente notei…
Me sinto suja.
— Eu sinto tanto, tanto, tanto por não ter estado aqui, amiga… — Chora
em meus ombros e eu apenas a abraço de volta, me afastando quando ela escolhe
fazer o mesmo.
— Foi apenas um ataque. — O segundo, como minha mente faz questão
de lembrar. — Eu sobreviverei.
Eu sobrevivi.
— E fico feliz que você estivesse longe na hora… — sorrio, sendo mais
do que sincera. O que Romeu e Rodrik poderiam fazer ao encontrar alguém tão
valioso para a Cosa Nostra como a filha solteira de seu Consigliere? As coisas
que fariam com ela… — Onde estava, aliás?
Seu olhar corre pelo quarto e com um sorriso tímido direcionado para
Donatella, sei na mesma hora que vai mentir.
— Fui visitar uma amiga que mora aqui. Você a conhece, certamente.
Massima.
— Massima? — Eu nunca ouvi esse nome em toda a minha vida.
— Massima Fiore… uma querida. Sobrinha da minha tia.
— Então ela é sua prima? — Donatella questiona, tão curiosa quanto eu.
Luna procura pelo rosto dela com uma expressão terrível de quem foi pega no
pulo.
— Não, é da parte do marido dela.
Fingindo que caiu nesse teatro terrível, Donatella concorda e nos pede
licença. Luna ocupa a poltrona na qual ela estava antes e segura minha mão da
mesma forma carinhosa.
— Você é uma péssima mentirosa — digo, feliz em não ser o tópico de
conversa agora. O rosto fino de Luna enrubesce e eu tento encontrar alguma
pista do que está acontecendo na sua postura. — O que você fez, Luna?
— Não é o momento de falarmos sobre isso.
— Pelo contrário. Aceito qualquer coisa que não me faça pensar sobre o
que aconteceu. Ande, fale.
Com o olhar baixo e insegura de um jeito que eu nunca vi, Luna expulsa
todo ar dos seus pulmões e ri como uma criança travessa, como se estivesse
guardando uma ótima piada. Ou uma brincadeira de muito mau gosto.
— Eu dormi com Max.
— Max?!
— Max.
Estou lenta pelos remédios, então preciso de um minuto inteiro até
entender o que suas sobrancelhas arqueadas querem me dizer.
— MAX?
Meu Deus.
— Luna…
— Eu sei.
— Não, você não sabe!
— Acredite, eu sei — reforça, torcendo os lábios. — Fiz a maior merda
da minha vida.
— Per Dio! Você é… meu Deus, você era… Luna, você…
— Sinceramente, eu preferia não falar sobre isso, mas vou apenas dizer
que aconteceu na noite do aniversário de Luca. Você me deixou sozinha, eu bebi
um pouco demais, ele me ajudou com algumas coisas que aconteceram na pista
e… é.
— Você dormiu com alguém antes do casamento!
Minha melhor amiga sorri.
— Um ponto para o livre arbítrio — pisca, mostrando que não se
arrepende de nada. Ou pelo menos não tanto quanto deveria.
Oh, céus, o tamanho da bagunça que isso pode se tornar…
Max.
O primo do meu marido.
Meu primo Max.
Ela dormiu com Max.
— Se o seu pai souber…
— Ele nunca saberá — diz, recobrando a consciência num repente. —
Nunca, Beca.
Meu peito se aperta por um segundo.
— E meu irmão? Luna, Matteo talvez pretendesse casar com você…
— Eu transei, Rebecca, não jurei amor eterno. Por favor, não faça eu me
sentir mais culpada do que já me sinto…
Com seu pedido, prefiro guardar para mim tudo que ainda possa haver a
ser dito e tomo um instante para assimilar e respirar fundo. Esse é o tipo de
notícia que pode mudar tudo.
Tudo mesmo.
Antes que possamos retomar o assunto, no entanto, a porta do quarto é
aberta e todo meu mundo volta a girar ao redor de apenas uma pessoa.
Luca.
Ele entra no quarto como uma força da natureza, rápido e decidido. Luna
está de pé antes que ele se aproxime da cama e seus olhos registram mesmo que
eu: o sangue que mancha as roupas de meu esposo, que me pergunto se existem
chances de o líquido escarlate pertencer a ele. Mas está seco. E a tipoia de tecido
na qual seu braço está imobilizado.
Ele não aparenta nenhuma dor quando se aproxima, ocupando a lateral da
cama.
— Eu vou deixar vocês dois sozinhos. — É tudo que minha amiga diz
antes de deixar o quarto. O barulho da porta se fechando é o único durante algum
tempo, enquanto Luca apenas me observa.
Ele levanta a mão do braço bom e a coloca no meu queixo, então vira
meu rosto para um lado, depois para o outro. Não fala nada, apenas me analisa,
buscando por alguma coisa. Sua mão escorrega pela minha clavícula e chega aos
braços. Ele estuda cada um deles cuidadosamente e quando está prestes a puxar a
coberta, o impeço.
— O que está fazendo?
— Quero ver como você está.
— Então me pergunte como estou — falo, em tom de obviedade. É a
primeira vez que seus olhos encontram os meus desde que entrou. — Eu estou
bem.
— Não minta para mim.
— Eu estou bem, Luca.
— Ele tocou em você.
E ele fala isso com a certeza de quem sabe do que está falando. Talvez,
quando o doutor veio, ele tenha estado junto. Talvez tenha visto coisas que não
vi e nem quero ver.
— Isso é culpa minha.
— Quê? — grunho em choque. — Luca, não fala besteira…
— Eu deveria ter te protegido. Eu não consegui fazer isso e você teve de
ficar sozinha com aquele fodido. Rebecca, eu nunca vou me perdoar por isso.
— Luca, você me protegeu. Você foi emboscado. Está tudo bem.
— Eu fiz um juramento. — Volta a dizer, cerrando os dentes. — Um
juramento onde eu prometi cuidar de você. Para que coisas assim nunca
acontecessem.
— Luca…
— Você pode me culpar por isso, assim como pode me odiar. Eu aceito
isso. Aceito o que for que vier de você depois de falhar desse jeito e…
Sou eu quem segura seu rosto agora e puxo sua atenção até que seus
olhos estejam concentrados apenas nos meus e em nada mais. O seu peito desce
e sobe num ritmo inconstante e o olhar azul parece tão exausto quanto
desesperado. Não tem uma expressão de glória, como a que costumo enxergar
todos os dias. Muito pelo contrário. Luca parece derrotado.
— Você nem mesmo tomou banho depois do ataque — falo, indo para
uma direção diferente.
— Beca, isso não é…
— Por que você não tomou banho?
— Você não precisa se preocupar comigo.
— O que fizeram com o seu braço?
Ele olha na direção da tipoia. Olha como se nem mesmo tivesse
percebido que a colocaram.
— Isso não importa.
— Importa para mim — falo, enchendo meu peito de ar, ignorando a dor
e as lágrimas. — Por que foi por minha culpa que você não pode se defender do
jeito que precisava, certo?
Ele me encara por trás dos cílios longos. Tão longos que eu os invejo
toda vez que olho para seus olhos.
Ele não nega.
— O que significa que estamos empatados, se precisamos mesmo buscar
culpados pelos ferimentos um do outro dentro deste quarto.
— As coisas não funcionam assim. É minha responsabilidade manter
você segura, não o contrário.
— Me desculpe, mas se não me engano, fizemos o mesmo juramento,
Luca. — Minha resposta o pega de surpresa e vejo um punhado de quem ele é,
retornar à superfície. O olhar se acende como se tivesse gostado da resposta. —
E o manteremos até o final.
Meu marido não é do tipo que chora e nem eu espero que faça isso.
Também, porque ele não parece nenhum pouco triste. Ele parece apenas…
compassivo. Visual que lhe cai bem, e me permite ver um novo lado de sua
personalidade, que a cada dia, se expande mais. Vejo um pouco de carinho no
modo como me olha e com certeza vejo alguma importância pelo jeito como se
culpa e ao lembrar de como me olhou quando me encontrou…
Eu sou alguém para ele. E ele é o mesmo para mim.
E estamos aqui um pelo outro.
— Você é mais teimosa do que eu esperava, Rebecca Accorsi.
O nome parece trazer orgulho a ele.
— E você é menos do que eu temia, Luca Accorsi.
Então como se houvesse um novo acordo onde abraços são comuns, ele
me puxa para perto do seu corpo e me fecha ao redor de seus braços. O sangue
que suja sua roupa não me incomoda e nem o preocupa. E eu apenas permito que
me sinta aqui, viva e segura.
Parece ser o que ele precisa.
— Eu nunca mais te deixarei sozinha.
Quando Rebecca caiu no banheiro, eu não soube direito o que fazer. Um
pavor bem diferente de tudo que já senti assumiu o controle e eu apenas tive a
reação de impedir que ela batesse sua cabeça contra o piso frio. Toquei seu rosto
o suficiente para deixar marcas nas suas bochechas, na esperança de que me
respondesse e dissesse que estava tudo bem, até eu ter a capacidade de virar a
chavinha e permitir que o meu outro lado assumisse.
Só vendo pelo lado lógico, fui capaz de pegar o telefone e discar o
número de Max. Ele fez todo o resto e uma hora depois, um médico examinava
minha esposa, após Donatella limpar e cuidar dos ferimentos pequenos em suas
mãos. Quando trocou a roupa dela, eu vi o roxo que o combate deixou em seu
quadril e eu só esperei que o doutor terminasse sua avaliação para escoltá-lo até
a porta e não voltar mais até aquele quarto.
E eu não voltei até ela acordar, porque não havia descoberto um modo de
controlar minha raiva. Eu precisei escapar do apartamento, sem banho mesmo,
acompanhado apenas por Max. Eu rastreei cada canto ao redor do nosso
apartamento e soquei alguns idiotas no caminho. Exigi mais dos meus soldados.
Exigi nomes. Exigi saber como Romeu soube meu endereço e como ele entrou
em minha casa. Max apenas acompanhou, sendo meu apoio e talvez meu limite
para não ir tão longe assim e não passar da linha invisível que nos mantém
conectados aquele pequeno pedaço de humanidade que ainda nos resta.
Pedaço este que faz com que eu me preocupe mais do que deveria com a
mulher deitada à minha frente, dormindo depois de nossa conversa. E motivo
pelo qual eu abandonei tudo que estava fazendo na rua para vir até aqui uma vez
que minha irmã me avisou do fato dela ter despertado.
Eu não sosseguei até ver com os meus próprios olhos, porque, por um
momento naquele banheiro, eu me perguntei o que eu faria se ela não voltasse.
Se Rodrik tivesse a matado. Se Romeu tivesse dado a ordem definitiva.
Se tivesse feito alguém tão puro pagar pelos erros de homens imundos...
Eu acho que perderia esse pequeno pedaço que ainda resta e tenho medo
do que viria de um Luca que só enxerga as trevas.
Mas agora, enquanto a observo dormir, de banho tomado, penso se não é
ainda mais perigoso que eu sinta que a última pontinha de luz que resta em mim
tenha se apegado tanto à menina que dorme na cama à minha frente.
Sabe que uma vez que o adversário sabe sua fraqueza… O jogo se torna
dele, certo?
Foi o que Romeu disse. O que ele falou pensando no desespero óbvio em
meus olhos ao saber que Rebecca estava sozinha com o seu irmão, no que ele
poderia fazer contra ela.
Contra a mulher que eu deixei desprotegida.
Os juramentos são sérios para nós. Definem quem somos, o que fazemos
e o que defendemos. E quando falhamos com eles, falhamos com alguém. Ou
com nós mesmos, ou com aqueles que dependem de nós. E eu nunca havia
falhado dessa forma. Nunca havia permitido que alguém sob minha proteção
ficasse tão vulnerável a qualquer coisa.
Principalmente porque, até o dia de hoje, todos com os quais me
preocupei, eram membros da minha família. Me iludia pensando que mamãe
estava segura com a frota de guardas e sempre preferi pensar que eu estava
apanhando no lugar dos meus irmãos, para que eles não precisassem. Mas eu
falhei com isso tudo também, não é?
Uma puta fraude.
Dizer que ver minha esposa em risco acordou um lado de mim que
estava dormente há muito tempo, é um exagero. Ver que meus irmãos foram para
sua cama, numa tentativa de escapar dos gritos da mãe, foi o início. Ver as
marcas em Rosalind, a continuação. E o roxo em Marcus… o estopim. Agora,
encarando Beca dormir, apenas me sinto mergulhado numa onda tão profunda de
cólera, ódio e fúria que me sinto cego em relação à maior parte das coisas.
E metade dessa raiva é direcionada a mim.
Eu estou de pé, mas a que custo?
Permitindo que todos ao meu redor caiam todos os dias? Me fechando
para o exterior, preferindo me preocupar apenas com o que posso controlar? E
com que motivo?
Fugir da ira do papai?
Ser o melhor soldado possível?
Orgulhar meia dúzia de velhos que irão caçar minha cabeça na primeira
oportunidade?
Porra, não. Nada disso deveria importar mais do que não ter de ver
aqueles que confiam em mim para protegê-los bem, seguros e felizes.
Com este pensamento, deixo o quarto nos mesmos passos leves de antes.
Rebecca nem mesmo se move na cama e eu acho melhor assim.
Não gostaria que ela me pedisse para deitar ao seu lado essa noite.
Encontro a sala cheia, o que talvez não seja minha coisa favorita em todo
mundo, mas é o que preciso hoje. Max está soprando a fumaça de seu cigarro,
enquanto Lorenzo estuda alguns relatórios e mapas, concentrado. Donatella
mexe no telefone, distraída, e na poltrona da ponta, Luna parece perdida dentro
de uma xícara de chá.
— Ei, cara… como ela está? — Maximus é o primeiro a me enxergar e
eu me sento ao lado dos gêmeos. Na verdade, bem no meio deles.
— Dormindo — simplifico. — Os remédios fizeram efeito.
— Um ponto para o doutor açougue. — Dona diz, engatando numa
risadinha sem graça. — Ela vai ficar bem, Lu.
Será?
— Eu estou estudando algumas rotas possíveis pelas quais Romeu
poderia ter entrado aqui sem ser notado pela segurança. — Enzo diz, a cabeça
sempre à frente. — Mas o prédio tem apenas duas entradas e não há jeito desse
filho da puta ter usado um helicóptero para descer aqui.
— Ele pode ter os meios.
— Não, é apenas uma questão de logística… Luca não viu equipamentos
de escalada em lugar nenhum. E os viu sair. Além de que, seria uma péssima
ideia de discrição.
— Então ele já deveria estar aqui antes — comento, tentando entender o
monte de linhas que Enzo rabiscou sobre plantas do prédio e da minha casa. —
Alguém facilitou a entrada dele.
— Ficam guardas nas duas entradas. Toda noite. Todo dia. Você acha
que…
— Acho que é óbvio que traidores já não são mais casos isolados dentro
dessa merda de organização — resmungo, e assumo uma das plantas. —
Facilitaram no Havaí, facilitaram aqui.
— Vocês têm um alvo nas costas. — Max conclui a sentença, resumindo
o que todos já entendemos a este ponto. Vejo a melhor amiga de Rebecca se
mexer pelo canto do olho e fixo minha atenção nela.
Luna não estava aqui.
— Onde você estava essa noite?
A pergunta parece puxá-la de supetão de um monte de pensamentos que
não envolviam nossa conversa e eu endureço a postura ao ver sua expressão de
espanto.
— Eu?
— Algum problema em responder?
Seus olhos passeiam pela sala e param sobre Maximus. Eu sigo, sem
entender por que ela recorreria a ele.
— Eu não…
— Ela estava comigo. — Ele diz, sem enrolação. Apaga o cigarro no
cinzeiro em cima da mesa e balança os ombros, despreocupado. — Não foi
responsável por furar a sua segurança e ameaçar Rebecca. Acalme-se.
— Vocês estavam… juntos? — Lorenzo pergunta e parece ser o único
chocado.
Eu sabia que esse filho da puta não ia aguentar muito tempo sem fazer
merda.
Mas a italiana boazinha e solteira, filha do consigliere da Cosa Nostra e
afilhada do Capo? Que porra…
— Isso não vai dar certo. — Dona verbaliza o que todos pensamos e eu
encaro a boa menina no canto da sala. Os cabelos loiros podem até passar um ar
de inocência, mas ela não engana. Não a mim, pelo menos. — Nenhum pouco.
— Eu pensei que vocês não se suportassem. — Enzo volta a falar,
sempre prezando pelo óbvio. Max ri.
— Quem sabe guardem as opiniões para vocês? Eu e Luna acertaremos
isso.
Burro.
— Tudo bem, então… — respiro fundo. Não tem espaço dentro de mim
para se preocupar com os problemas de todo mundo. — Meu pai já foi avisado
do que aconteceu aqui essa noite?
— Os soldados repassaram a ele. — Dona fala, já que Max está ocupado
demais conversando por olharzinho com sua nova diversão. — Marcou uma
reunião.
— Já? Que surpresa…
— Você está fora do tempo que te deram para se recuperar. As coisas
podem acontecer agora. Podemos ir contra eles e fazê-los pagar por se meterem
conosco.
As palavras de Max me despertam para isso e alívio passa por minhas
veias pela primeira vez ao realizar que poderei me vingar. Que poderei fazê-los
sentirem-se tão impotentes quanto fizeram comigo.
E de que me divertirei muito fazendo isso.

Já amanheceu quando eu, Lorenzo e Max deixamos Rebecca, Luna e


Donatella (de má vontade) na cobertura, para irmos até a reunião. A segurança,
embora não seja mais tão confiável quanto eu pensei que pudesse ser, é reforçada
e eu juro cada um dos filhos da puta antes de sair, prometendo a eles um novo
tipo de dor caso ousem se meter com as garotas dentro daquela casa.
E acho que eles entendem o recado.
Chegamos ao Galpão junto da maioria dos outros convocados. São
principalmente Capitães preocupados com seus pontos de venda e poucos
subchefes, o que deve se dar pelo pouco tempo entre o aviso da reunião e sua
realização. Ocupamos três cadeiras ao redor da mesa de vidro e esperamos que
tenha início.
Todos têm a mesma cara de impaciência e insatisfação, e quando uma
secretária passa oferecendo café, mal secam o corpo da pobre coitada que
precisa sobreviver servindo a um monte de degenerados — o que indica que não
estão a fim de brincadeira.
— Obrigada a todos por virem com tanta pressa. — Tony diz quando
chega na sala. Usa uma jaqueta de camurça pesada e me pergunto de onde vem
tanto frio. — Imagino que tenham ouvido falar sobre o ataque que meu filho
sofreu esta noite.
— Um absurdo! — Revello, o subchefe da Virgínia, diz.
— É patético que Romeu tenha acesso a um de nós com tanta facilidade!
— Barone, capitão de uma das bases de maior renda da cidade, fala.
— A situação poderia ser pior, mas Luca controlou tudo bem. — Max
diz, se adiantando em me defender, quando nem mesmo pensei sobre estar sendo
criticado. Meu braço dói um pouco agora e eu queria uma dose de uísque, não
café. — Romeu não tinha intenção de matá-lo, de qualquer jeito.
— Como sabe disso? — Carlos Mancini questiona.
— Estou aqui vivo, não é? — retruco, encarando Mancini, um novo
capitão. Ele foi promovido há pouco tempo, mas é mais velho do que eu. Uns
cinco anos talvez. É o suficiente para achar que é melhor em tudo que faz.
— Mas se ele entrou uma vez, pode entrar de novo. — Tomazzi comenta
o óbvio. Ele é de Baltimore. — O que faremos sobre isso?
— Espero que finalmente estejamos aqui para falar sobre isso, não para
receber convites sobre mais um casamento que não nos traz nada de concreto. —
Algum deles resmunga e eu nem mesmo me dou ao trabalho de olhar para quem
quer que seja. Meu pai grunhe, claramente incomodado com a indireta. —
Precisamos agir, senhor. Antes que eles dominem tudo.
— Caso todos vocês consigam calar a boca, acho que terei êxito em
explicar o que preciso. — Antônio fala, e o silêncio se faz na sala de reuniões.
Alguns têm expressões adversas, mas nenhum se opõe a ordem.
— Nossos homens foram capazes de reunir algumas informações sobre a
localização dos encontros da organização. É um prédio abandonado em Brighton
Beach. Foi comprado por Romeu sobre um nome de fachada, para disfarce, é
claro. Mas também foram capazes de descobrir a localização onde o maldito está
ficando com a sua família.
— Família? A família dele está aqui? — Mancini questiona, torcendo os
lábios.
— Não sabia nem mesmo que o maldito tinha família. — Abramo
Revello murmura.
Bernardino pigarreia e assume a conversa:
— Rodrik Ivanov e Diana Ivanova. São mais novos do que ele, mas o
garoto já tem uma passagem de três anos por um reformatório psiquiátrico. As
informações obtidas são de que ele talvez seja o elo instável na relação da
família…
— E a irmã?
Max cuida atentamente de cada movimento meu desde que o nome de
Rodrik foi mencionado. Eu também presto atenção em tudo, principalmente no
modo como meu sangue ferve e minha mente voa longe dessa sala, indo até o
subsolo, onde eu pretendo extrair cada gota do bastardo louco.
— Insignificante, casada com algum filho de político russo… — Meu pai
diz, subestimando qualquer um que não mereça sua atenção. — O fato de sua
família estar aqui indica que tem ponto certo. E segurança o suficiente para se
fixarem.
— Se estão seguros, não nos servem de nada. Ainda mais se esperam que
os ataquemos.
— Isso é uma afronta! — Alguém berra. Bernardino bate na mesa,
ordenando que se cale.
— E filhos? O maldito tem filhos?
Noto meu primo se mexer desconfortável ao meu lado quando o assunto
é trazido à tona. Isso acende alguns alertas dentro de mim. A maneira como Max
consegue suas informações não é a mesma como meu pai e Bernardino
conseguem as suas. Ele é mais sujo na busca por informações, tem contatos
menos respeitáveis e confiáveis, mas ele consegue saber de tudo. As pessoas que
menos têm geralmente são as que mais estão desesperadas para serem
recompensadas por algo e entregam tudo ao loiro.
Então, se ele que é contra qualquer ataque a crianças, se mexe
incomodado sob a suspeita de que Romeu Ivanov possa ter filhos, eu presto
atenção.
E ele nota.
— Depois — avisa num sussurro. Bingo.
— Há relatos de pequenos casos, mas nenhuma vulnerabilidade… E se
tem filhos, escondeu muito bem. Se o maldito ao menos se importar com alguma
coisa, serão os irmãos.
— Ele explodiu nosso futuro Capo, depois invadiu a casa dele.
Deveríamos fazer o mesmo com qualquer filho da puta que tenha o mesmo
sangue maldito dele, fazendo-o sentir o gosto de toda essa merda! — Tomazzi
diz, claramente enfurecido.
— Romeu está tentando nos encurralar, colocando toda sua força contra
os nossos. Há duas noites, um ataque me custou quinze homens! — Um capitão
diz, gesticulando furiosamente. Todos eles berram e duvido que saibam esperar a
vez do outro falar. São todos tão cheios de si que acho que nem notam que
existem outras pessoas presentes. — Querem lucro e poder. E se não fizermos
nada, conseguirão triunfo às nossas custas.
— Nada vai acontecer. — Tony fala, e de repente, está bravo. As
bochechas estão coradas, a paciência parece ter sumido e acho que papai não
gosta de ser subjugado. — Estamos tomando todas as providências para que
nenhuma dessas porcarias se repita.
— Quais são os planos de Luca, então? — Um dos subchefes mais
antigos, mais grisalho do que meu pai, diz, chamando minha atenção. — A
vingança deve ser dele.
E meu pai não gosta nada disso.
— Eu estou no comando aqui, Morelli.
O subchefe, pai de Bernardino, o encara por trás de um olhar duro, que
diz o suficiente sobre suas opiniões.
— Confiamos que Luca saberá a forma correta de arrancar dor e
vergonha dos ratos, Tony. É apenas uma questão de honra, no final.
Isso infla o meu ego o suficiente a ponto de me fazer abrir um tímido
sorriso no canto da boca. A fúria silenciosa que cobre o rosto de meu pai é o
suficiente para me tornar o homem mais feliz nesta sala, embora meu braço doa
e eu tenha vingança pra caralho na qual trabalhar.
Mas vê-lo notando que é um dos poucos que ainda me subestima… É
gostoso demais.
— E eu irei — afirmo, coçando meu queixo. A atenção da sala vira para
mim e vejo os ombros de Max ficarem tensos. — E tenho um plano de como
acertá-los no lugar certo.
— Diga-nos então, garoto! Não nos mate com o suspense!
Todos estão angariados ao redor da mesa e eu me aprumo na cadeira.
Tony e Bernardino não parecem como alguém que realmente tinha um plano,
mas posso escutar o som de seu orgulho sendo esmagado. Os homens preferem
me ouvir, a ouvir a ele. E eventualmente, irão preferir me seguir a seguir a ele.
É apenas questão de tempo.
Sorrindo com a pequena vitória, abro minha boca e começo a contar os
detalhes de meus planos.

Na saída, Max me acompanha até o estacionamento em silêncio. Não


tenho nada para resolver com qualquer um dos outros e fumar um cigarro parece
ser tudo que ambos precisamos depois de duas horas confinados numa sala de
reunião com homens deploráveis.
Meu primo puxa o isqueiro do bolso, em seguida o maço de cigarros. Ele
acende o meu, depois o dele e quando já demos algumas tragadas, não consigo
mais empurrar a curiosidade para longe.
— Me dê a verdadeira versão agora — digo, encarando-o de lado. Seu
cabelo balança com o vento forte e acho que vai chover. Estamos parados no
meio do estacionamento, entre os carros e não há qualquer um ao nosso redor.
Max parece profundamente preocupado com isso desde que estávamos na sala.
Que qualquer passo em falso fosse denunciar o que ele sabe. — E nem tente
mentir para mim, Maximus.
— Por que você acha que eu sei de alguma coisa?
Trago mais uma vez e sorrio.
— Ah, Max…
Meu primo nem tenta continuar. Irritado, puxa a chave da sua Mercedes e
a abre, para conseguir puxar do porta-luvas um pacote amarelo para me entregar.
Eu jogo fora meu próprio cigarro e desfaço o lacre.
Dali, puxo vários papéis e fichas. Há fotografias também, que acabam
chamando minha atenção, principalmente a primeira. É uma menina de cabelos
ruivos, com não mais do que cinco anos. Um bebê, tecnicamente. Nova demais.
— Natasha Svetlana Ivanova. Vai fazer quatro anos em setembro. Filha
de Romeu Ivanov e mãe desconhecida. Nasceu na Rússia em 2013, mas não
mora mais lá. Os boatos são de que a tia é a responsável pela educação dela e das
outras crianças. Como uma tutora.
— Das outras crianças?
Max puxa a foto de Natasha e me faz enxergar os outros. Uma menina de
cabelos castanhos claros e dois meninos.
— Nadine e Nikolai. A menina é filha de Rodrik e tem dois anos. O outro
é filho da mulher com Omar Zaitsev e tem um aninho.
— Puta merda, Max!
— Eu sei…
— Isso é ouro, cara. Ouro puro!
Eu abro um sorriso tão grande ao analisar as fotos que poderiam pensar
que faço isso por algum motivo justo o suficiente. Mas não é.
— Isso não é nada. — Mas então Max puxa os arquivos das minhas mãos
e cessa com minha breve alegria. — Era por isso que eu não queria te mostrar…
— Quê? Ah, não vai me dizer que…
— Crianças não tem nada a ver com a guerra de seus pais, Luca — diz. E
é óbvio que ele ia dizer isso. — Nenhum deles vai apontar uma arma contra nós.
— Não hoje — reforço, notando a irritação aparente nos movimentos
rápidos de Max. Ele acaba de jogar o pacote para dentro do carro e apenas revira
seus olhos, evitando me encarar. — Uma é filha do cara que jurou vingança
contra todos nós. A outra é filha do homem que tentou estuprar minha esposa. É
impossível que você não veja o que eu vejo, Max. São inimigos!
— A mais velha só tem dois anos a mais do que Pietro, Luca — devolve,
franzindo o cenho numa careta feia. — O que acharia se envolvessem seu irmão
numa merda dessas?
— Pietro já está envolvido por ter nosso sangue. Eu não posso mudar
isso. E nem Romeu pode.
— É baixo. Até mesmo para você. Até mesmo para nós.
— Rebecca também não tem culpa de ter sido perturbada por aquele
verme, se estamos falando sobre isso… E se essa for a única forma de agir
contra os homens que nos ameaçaram em nossa casa, sinto muito, Max, mas eu
vou precisar fazer.
Meu primo exibe um sorriso curto.
— Não vai conseguir nenhuma gota de honra de volta matando uma
criança de quatro anos, Luca. E duvido que Rebecca vá se sentir vingada se tiver
ideia de que você fez isso.
— Ela não precisa saber dos detalhes — dou de ombros. — E eu nunca
faria uma criança sofrer, Max.
— Se você encostar nos fedelhos, eu vou ser o primeiro a contar para
Rebecca, Luca.
— Isso é uma ameaça?
— Isso é um aviso — retruca, sem exibir medo nenhum na troca de
olhares. Max não se curva, assim como eu também não. — Há limites que nem
mesmo você pode ultrapassar, certo? Então essas crianças ficam de fora do jogo.
— Você não vai para o céu por estar fazendo isso, Max… — cantarolo,
assistindo-o contornar seu carro para chegar até a porta do motorista. Eu bato no
vidro quando ele senta no banco e me encara debochadamente, fazendo minha
raiva da sua cara aumentar substancialmente. — Max…
— Os atingiremos de outra forma, Luca — devolve, abaixando apenas
uma fresta do vidro. — É um pedido meu para você: me obedeça pelo menos
uma vez na sua maldita vida!
E quando ele sai, o pior é que estou mais do seu lado do que do meu, o
que é um inferno para minha consciência e me deixa preso no limbo entre estar
certo ou não.
Só espero que eu não me arrependa dessa decisão no futuro.

Duas semanas depois, ainda estou me acostumando com a sensação de


não fazer nada. De saber que Romeu tem uma filha e que ela está fora do meu
alcance. De que meu primo a mantém fora do meu alcance, por valores aos quais
não compartilho. Por valores nos quais não acredito.
Mas também preciso me acostumar com a sensação de que minha esposa
não está mais igual à antes — e nem eu.
Rebecca passou por um grande trauma. Teve a vida colocada em risco e
foi tocada, mesmo que superficialmente — graças a sua luta — por alguém que
não queria. Foi posicionada num papel de vulnerabilidade ao qual nunca havia
estado — pelo menos, não antes de se casar comigo — e precisa, depois do
choque, aprender a superá-lo, o que não vem se demonstrando de forma alguma,
uma coisa fácil.
Não. É a coisa mais difícil de todas para alguém como ela.
Acontece que Rebecca sente demais. Ela é do tipo que tem sentimentos.
Ela pensa nisso e não evita. Tenho certeza de que seu cérebro passa o dia inteiro
revivendo o momento e como ela se sentiu, além de forçá-la a chorar
copiosamente nas madrugadas em que acorda de um pesadelo onde Rodrik está
no quarto com ela novamente. Entendam, esse é o problema dessas pessoas.
Elas não têm como fugir quando guardam toda sua dor num lugar que as
acompanhará para sempre.
E se há uma pessoa que não sabe como lidar com essa merda toda de
sentimentos, choro e angústias, sou eu.
Eu venho fugindo disso a minha vida inteira, para ser sincero. Meus
confrontos são diretos e minha mente encontrou uma maneira segura e
confortável de manter todos os meus demônios longe o suficiente para que não
me consumissem.
Eu simplesmente não penso sobre eles. Eu apenas foco na raiva que me
dão e a uso como combustível. Combustível para, em seguida, foder com a vida
do filho da puta que ousou se meter comigo.
O que é exatamente o que eu estou guardando para Romeu. Todo o meu
fôlego, toda a minha força de vontade e certamente, todo o meu ódio.
Ódio por fazer com que uma mulher que aos poucos ia se descobrindo, se
fechasse novamente, com medo até mesmo de pisar fora da sua casa. Ódio de
fazê-la pensar que não está segura nem quando eu estou por perto. Ódio do seu
irmão, por pensar que poderia encostar numa mulher que não pediu por isso. E
ódio do merda do meu pai e do meu primo, que me forçam a ficar sentado
enquanto assisto Rebecca aprender a lidar com a sensação de imponência que
tanto detesto.
Para ajudar, Luna adiou sua volta para casa e se prontificou a passar
todas as horas que eu não consigo ao lado da amiga. Donatella também aparece,
e até mesmo Beth, o que é uma surpresa. Isso permite que eu continue
trabalhando, sem me preocupar apenas em manter Rebecca estável, embora este
seja o pensamento no topo durante todo tempo em que estou longe dela.
Eu nunca me preocupei tanto com o fato de alguém ter almoçado ou não
antes. Ou ter saído da cama. Ou ter ido até a janela. Ou ter pedido por mais um
pouco de sorvete. Ou ter achado boa a ideia de ir até o shopping. Ou gostar de
filmes de ação, mas com pouco sangue. Ou preferir dormir com o rosto grudado
no meu peito ao invés de escondido nos travesseiros, como se apenas o fato de
eu estar ali, fosse o suficiente para mantê-la tranquila.
Essa sensação é nova. Nova e surpreendentemente não assustadora. Me
mantém tranquilo, também, saber que não repulsa minha presença. Que não
aceitou o que lhe ofereci — alguém para culpar e odiar — e permite que eu
descubra como ajudá-la a superar toda merda que atiraram sobre nós.
E é pensando nisso e em maneiras de abandonar o passado, trabalhando
com o que temos em mãos, que eu decido marcar uma viagem inesperada antes
do final de semana do seu aniversário. Por sorte, culmina com o momento em
que meu pai acha uma boa ideia me desafiar na frente de todos os seus homens e
me leva para longe dele por alguns dias, forçando-me a manter as mãos longe do
seu maldito pescoço.
O destino da viagem é a casa de campo da família. Uma propriedade
situada na beira do lago, construída de madeira escura e rodeada por árvores e
nada além da natureza por pelo menos cinco quilômetros.
E eu sei que não é o lugar ideal, especialmente quando estamos em
guerra e meu braço ainda está um pouco fodido, o que não me torna a melhor
opção de segurança, mas me parece essencial que deixemos Nova York por um
instante, assim como todas as lembranças que amargam os corredores da nossa
casa.
Parece essencial que Rebecca veja que existe mais vida do que aquela à
qual se prendeu.
Para manter meu pescoço com Donatella, que ficou irritada ao saber que
eu estaria — em suas palavras — sequestrando minha esposa na data do seu
aniversário, eu prometi que a levarei de volta na manhã de domingo, dia dez,
quando completa dezoito anos. Assim, todos podem ter um pedaço da
celebridade da família.
— Chegamos — anuncio quando o carro para em frente a imponente
entrada da “simples” mansão de férias. Há um deque e uma passarela de
madeira, na parte mais baixa do terreno, que levam até o lago e apenas a visão
dele sob a luz forte e quente do sol, é algo a se admirar.
Beca parece encantada com o espelho d’água e eu sinalizo para que os
seguranças levem as malas.
Roger e Mathias foram os escolhidos para a segurança do final de
semana. Depois de uma limpa em fichas, a grande maioria em geral,
inconclusivas, decidi que eles eram os mais próximos a se ter de pessoas de
confiança. E sem querer criar alardes ou avisar possíveis traidores, mobilizei
uma pequena equipe para ajudar a nos manter vivos nestes dias.
Felizmente, eles também conseguem deixar Rebecca tranquila, o que se
demonstra essencial.
— Faz tempo que vocês não vêm aqui? — Rebecca questiona enquanto a
conduzo até as escadas, a mão apoiada na curva de sua coluna. Ela sobe e eu
analiso a fachada rústica, os móveis de madeira clara e a porta de vidro aberta,
que permite que o ar circule e me traga todas as memórias de infância através do
perfume da casa.
— Anos — confesso, reconhecendo os riscos na madeira da entrada. Um
suspiro, seguido de uma risada, escapa quando toco a régua improvisada na
parede para medir nossa altura. O último risco foi o meu, aos quinze anos. Um
ano depois, entrei para a organização. E é até estranho pensar no menino que
era quando permiti que Donatella marcasse minha estatura ali, como uma
criança.
Eu nem mesmo lembro como era não ser um homem feito.
— Vínhamos todo verão quando éramos mais jovens… Pietro nem
existia ainda. E era divertido pra caralho.
— Como uma fuga da realidade — diz, quando enfim pisamos no hall de
entrada da casa. Eu a olho e contrariado, concordo.
— É. Exatamente como uma.
Lembro das tardes à toa no lago e de como meus irmãos eram mais
felizes aqui. Andando pela sala recheada de fotografias antigas, me questiono
por que paramos de vir, mas não preciso pensar muito sobre isso, quando meus
olhos encontram uma foto do meu pai.
Rebecca se afasta de mim e vai até a lareira revestida de pedras escuras,
sorrindo ao encontrar todas as fotos que mencionei. Ela pega uma na qual eu,
Lorenzo e Dona estamos sentados no deque, com o lago de pano de fundo. É
uma bela fotografia e éramos todos pequenos. Eu, quatro anos mais velho, já
parecia magro o suficiente para agradar a Tony. Não me lembro em que época
isso ocorreu, mas o desejo absurdo de não me lembrar me acontece.
E é foda que todas as minhas memórias de infância acabem
inevitavelmente misturadas no mesmo sentimento de impotência e raiva que
esta.
Então, ela pula de foto e vai para uma ainda pior. A do dia do casamento
de meus pais.
Eles se casaram no dia 25 de outubro de 1996, numa cerimônia
gigantesca, no maior hotel de Nova York. A união dos Gianotti e dos Accorsi,
tudo do que a sociedade mafiosa da época poderia falar, comentar e viver por. E
todos ignoraram veementemente o fato de que Rosalind Gianotti tinha apenas
quinze anos, enquanto Antônio Accorsi tinha vinte e já era um homem. Com
facilidade e um pouco de dissimulação, passaram por cima disso e os uniram.
E um ano depois, eu nasci.
— Sua mãe está sorrindo na foto. — Rebecca diz, como se fosse uma
surpresa. E realmente é.
Felizmente, na próxima, um pouco do peso diminui e encaramos um
retrato de família. Minha mãe está com Pietro no colo, o que significa que é
recente e eu tenho um olho roxo. Talvez estivéssemos no Natal e ao fundo,
certamente é a nossa casa.
Na próxima, estão apenas Tony, Ricardo e Bernardino, com copos de
uísque e meios-sorrisos. São eles as cabeças da nossa organização e parecem
orgulhosos disso na fotografia.
Na penúltima, sem surpresas, ela vê Max, Angelina e até mesmo o quieto
Giovanni, que não sorri, em frente a um enorme prédio. E na última, apenas
Angelina, Donatella e Amanda, no que parece uma foto recente, sorrindo
abraçadas na frente da casa. As únicas meninas.
— Vocês parecem uma família normal através destas fotos — comenta,
despretensiosamente.
— Minha mãe deve mandar o caseiro atualizá-las — digo, voltando com
meus olhos para cima da foto de família. — Essa foi tirada há dois anos, se não
me engano.
— Você parece bem mais jovem aqui — responde, franzindo a testa. Eu
sorrio torto.
— Dois anos dentro da organização são o equivalente a dez fora dela. Aí,
eu era como um bebê, perto do que sou hoje.
Volto meu olhar para a prateleira.
— A do casamento dos meus pais é pavorosa. Veja, ele já tinha barba e
ela mal parecia ter parado de brincar de boneca… — comento, tentando ignorar
o enjoo. — E dois anos depois dessa foto, meu avô morreu e ele virou chefe.
— Você já era nascido?
— Uhum. Minha mãe me deu à luz aos dezesseis — digo isso com um
gosto amargo na boca. Rebecca nota.
— Seu pai se tornou chefe jovem — comenta e sou obrigado a concordar.
— Talvez isso explique por que ele é tão…
— Monstruoso?
— Eu iria apenas dizer não-humano, mas a sua definição é melhor —
concorda com uma risadinha franca.
— Meu pai sempre foi um monstro, Beca. Pelo jeito como me tratou a
vida inteira, não consigo associar o cargo ao seu caráter. Ele é ruim mesmo. E
com o poder, ficou pior. Talvez porque tenha ensinado a ser assim, mas…
Eu também fui. E não me vejo sendo um terço do maldito que Tony
Accorsi é.
Com o olhar atento de quem está acostumada a observar as nuances de
tudo que sai da minha boca, Rebecca se vira para mim e num tom de voz
profundo, pergunta:
— Você gostaria que ele morresse?
— Quando ele morrer, eu serei o Capo — lembro a ela. Mas ela não
parecia precisar de lembrete. — Isso não te assusta?
— Por que me assustaria?
— Eu posso me tornar tão monstruoso quanto ele quando for o chefe.
Ela precisa de um instante inteiro em silêncio antes de me dar uma
resposta. Apruma sua postura, respira fundo e corre com o olhar para longe do
meu, como se a resposta fosse capaz de colocá-la numa posição difícil.
— Você não vai.
— E por que pensa isso?
— Não tem em você.
— O quê?
— O mesmo ódio que tem no olhar dele — responde, sacudindo os
ombros pequenos. — Pelo menos, não por quem importa. Então, nós estaremos
seguros com você.
— Nós?
— Sua família — diz naturalmente e eu gosto do rubor nas suas
bochechas. Há semanas, não via algo assim. E gosto da sensação boa que me
envolve ao perceber que ela confia em mim.
Ainda.
Me afasto das fotos e vou em direção ao carrinho de bebidas. Está bem
preenchido, o que me faz ver que o caseiro sempre sabe como nos esperar. Pego
uma dose de Bourbon e aprecio o sabor, enquanto Rebecca conhece a área.
— Por que quis me trazer para cá? — pergunta em determinado
momento, quando estamos cruzando o corredor e indo conhecer a cozinha.
Seguindo atrás dela, dou de ombros, mesmo que ela não consiga ver.
— Achei que seria bom para você, sair do apartamento.
— E da cidade?
— Também.
Chegamos à cozinha e lá, Rebecca cumprimenta as empregadas que
contratei para nos ajudarem esta semana. Merida e Daniela, que sorriem e nos
recebem com chá gelado, enquanto terminam de preparar o almoço. Eu convido
Rebecca para conhecer o resto da casa e seguimos.
— Você fez isso por que…
— Acho que ficar presa no apartamento não está fazendo bem a você.
Acho que não faria bem a ninguém.
Ela pensa por um segundo.
— Acha que estou diferente?
— Mudamos um pouco mais todos os dias, Rebecca.
Minha resposta não é o que ela quer ouvir.
— Eu só… Não sei. — Desiste de andar e para, com as mãos grudadas
nas laterais do corpo. Eu paro alguns passos à frente, após passar por ela e olho
em seu rosto. A angústia silenciosa que a acompanha desde o ataque está
presente. Como se ela estivesse em risco a todo momento. Como se tivesse
noção desse risco. É como se ela finalmente levasse em conta tudo que pode
perder. — Sinto como se estivesse o desapontando todos esses dias desde que o
ataque aconteceu. Como se estivesse sendo um fardo que você não deve aturar
e… Sabe, eu não queria, mas é tão difícil continuar agindo como se tudo fosse
igual e aquele homem não tivesse tentado…
Então ela desmorona bem no meio do corredor. Literalmente, no meio,
escondida em seu cardigã de lã pesada e com o cabelo meio amassado pela longa
viagem até aqui. E eu fico parado, o copo de vidro pendendo da mão e todas as
incertezas do mundo inteiro correndo na minha cabeça.
Eu nunca me senti tão despreparado. Nunca me senti tão…
Porra.
— Rebecca…
Ela começa a fungar, respirando fundo, tentando atropelar o choro. A
situação fica ainda pior, o desespero está óbvio e eu solto meu copo.
— Beca.
Ela não para de chorar e seu corpo inteiro vibra, então, preciso me
aproximar. A seguro pelos pulsos antes que consiga se afastar e chamo seu nome
baixinho, até que minha esposa abra os olhos e eu possa enxergá-los marejados.
Seus lábios tremem como se ela estivesse com frio e eu seguro seu rosto,
espalmando minha mão em sua bochecha fria.
— Pare de chorar.
— Eu não consigo… Eu só… Eu queria ter feito mais.
— Você fez o que podia — digo, empurrando seu corpo para perto de
uma das portas. Conheço as equipes de empregados. Sei o que eles fazem e sei
que fofocam. E não quero ninguém falando sobre ela. — Ei, pare. Você se
defendeu. Você fez aquele filho da puta recuar, Rebecca. Você fez o que podia.
— Então por que me sinto assim? — Chora de volta, abrindo os olhos
para me enxergar por completo. Eu puxo a tranca e entramos de vez numa
pequena sala, que abriga um escritório informal. — Por que me sinto suja, Luca?
— Porque tentaram violá-la, Becky, mas eu juro por toda a minha vida…
Nunca mais você estará em perigo. Nunca mais ninguém encosta em você sem
que permita.
— Você não pode prometer isso… Ninguém pode… Sempre estarei em
risco. Sempre estaremos em risco. Aquele homem sempre vai…
Eu reafirmo o aperto na sua nuca e fecho seu olhar no meu. A fala
seguinte usa cada fibra de raiva presente em meu ser e respiro fundo, jurando
entre palavras coisas às quais não tenho capacidade de dizer diretamente.
— Aquele homem vai morrer assim que eu colocar os olhos em cima
dele — prometo, captando tudo que ela me devolve. A forma como relaxa os
ombros ou acalma seu choro. A forma como vai se desarmando aos poucos e
como seu corpo vai entendendo que não está em risco aqui e que não estará em
risco nunca mais se estiver comigo. Se eu estiver vivo.
E eu pretendo viver o bastante para que ela nunca mais tenha de se
preocupar em um único maldito dia em sua vida.
Foda-se o que isso significa.
— E nós vamos triunfar no seu maldito sangue, mia cara… — sorrio,
sendo o único a ver beleza na manta de escuridão que se estende a nossa frente.
— Eu prometo.
Beca não sorri, mas concorda, acenando com o rosto inchado e
lacrimoso. Não sou o suficiente para reparar interiormente a dor que ela sente ou
os resultados da violência que sofreu, mas em meu mundo, quando temos
problemas, quando temos dívidas, há apenas uma forma de pagar e uma forma
de conquistar sua vingança.
E é o único jeito que eu conheço de honrar minha palavra e meu
juramento.
Fazendo-os sangrar.

Após a conversa, Rebecca pede um tempo para se recompor e eu permito


que suba sozinha. Ela vai fungando, tentando se recuperar do choro e eu fico
para trás, pensando se não falei demais, se não me expressei da maneira errada.
Aqui, refletindo, me preocupo que ela ainda esteja fragilizada demais para ver
meu outro lado em ação, este que exige sangue e dor em retorno ao que nos
causaram.
Talvez não haja forma da minha esposa algum dia entender que o que ela
tanto teme, é uma parte de mim, e por isso, não temo a possível escuridão que
demonstre em seus olhos ou a falta de ânimo em seus movimentos. Muito menos
a sua mudança de uma mulher que nunca teve medo de muito, para uma que vê o
perigo que nos espreita.
Isso a aproxima da realidade, a aproximará de quem somos e
inevitavelmente, a aproximará de mim.
E eu estranhamente gosto da ideia disso.
Nos encontramos apenas no almoço, e ela volta de cabelos molhados,
usando uma calça de ginástica e uma blusa mais leve. Eu gosto do perfume que
evade dos seus fios, mas tento não me distrair com isso enquanto comemos.
Merida, a cozinheira, nos serve e dividimos a refeição num silêncio um tanto
desconfortável, que parece ocupar lugar entre nós dois.
Quando termina, não sei quem tem mais pressa para sair da mesa.
Ela, infelizmente, ganha a disputa.
— Quero pentear meus cabelos antes que sequem. — Se desculpa, e
nossa senhora, que desculpa péssima. Ela só não quer estar no mesmo cômodo
que eu, provavelmente. E eu não entendo o porquê disso, mas não estou numa
posição onde eu queira saber mais sobre o que causa repulsa sobre mim. — Nos
vemos mais tarde.
— Certo — confirmo com um menear sútil e ela sai, em passos rápidos.
Sozinho, dou um jeito de terminar toda garrafa de vinho que foi servida para nós
dois e ignoro a vontade de ir descobrir por que Rebecca Accorsi está fugindo de
mim como o diabo foge da cruz. As minhas palavras foram duras, mas não são
motivo para isso. Não tinham objetivo de afugentá-la.
Após o almoço, peço que Mathias monte um estande improvisado nos
fundos. O meu dedo está coçando por um pouco de ação e em últimos
confrontos, minha mira falhou várias vezes para que eu me considere em forma.
Meu pai diria que eu amoleci.
Mas eu não quero pensar que estou fazendo isso por causa dele.
Tomo um banho rápido e em roupas mais leves, vou até o quintal. É
amplo, cercado por árvores. Há uma jacuzzi em uma superfície de madeira e
uma piscina pouco usada, pequena em comparação ao lago que se estende à
frente dos nossos olhos, após uma leve inclinação de terra, que poderíamos
chamar de barranco. De onde o soldado montou o estande, posso enxergar a
ondulação suave da água e quando o tiro ecoa, seco, me amaldiçoo por errar o
alvo central do boneco e os pássaros abandonam as árvores com medo do
barulho.
Nem Mathias ou Roger dizem alguma coisa. Eu recarrego, toco, penso e
atiro de novo. No torso agora. Mas eu queria na cabeça.
Porra.
Enfraqueceu, Luca? Está tão frouxo que nem consegue mais acertar
onde quer?
Merda de homem.
Merda de soldado.
Merda de filho.
Toda vez que erro, sinto o gosto do sangue. É fodido, eu sei, mas
acontece. Minha cabeça associou a falha à dor e é péssimo que seja assim, mas é
o modo como posso me forçar a evoluir, a ser mais, a fazer o que preciso.
A ser o melhor.
Você não quer ser o melhor, Luca? Não quer ser o Capo que acha que eu
não sou?
Respiro mais fundo, me concentro e atiro. Duas vezes.
Na cabeça.
Então eu sorrio e uso todo cartucho na merda do alvo. E repito. E repito.
E repito. Até que minha mão esteja doendo e os soldados estejam cansados de
me acompanhar e trocar os alvos. O dia se vai, à tarde dá oi e o sol está quase se
despedindo quando tenho nova companhia não anunciada e a percebo antes
mesmo que se anuncie.
— Você sabe que pode se aproximar — falo, e escuto o som dos passos
despreocupados de Rebecca, agora que sabe que tenho consciência de que ela
está aqui. — Não há motivos para ter medo de mim.
Abaixo a arma e meu ombro tem descanso. Estou um pouco ofegante
pelo esforço e todas as formas como treinei meu ângulo, então me viro para ela e
a observo, apoiada contra uma das maiores árvores do quintal. É uma bela cena,
ela no meio da natureza. Como se ambos fizessem sentido juntos.
Beleza intocada.
— Não queria atrapalhar — diz, como se confessasse um segredo. — Eu
estava apenas…
— Bisbilhotando — digo simplesmente e abro um meio sorriso. Rebecca
não nega e estica os lábios. O modo como ela deixa uma distância de três metros
entre nós dois me perturba e eu penso em como trazê-la para perto.
E eu não sei por que quero tanto isso a ponto de abrir a boca e perguntar:
— Quer tentar?
— O quê?
— Isso — indico, vendo a surpresa passar pelo seu rosto. — Quer?
— Eu não acho que…
Ela pisa num monte de folhas ao tentar recuar e eu sorrio.
— Não precisa de permissão para fazer isso se sou eu quem te oferece —
simplifico, porque deveria ser óbvio a esse ponto. — Mas se quiser, eu dou.
Rebecca pensa muito pouco sobre isso, o que me indica que talvez ela já
tivesse essa vontade dentro dela. A ideia de que isso derive-se do ataque me
atinge num ponto muito específico onde eu não sou o suficiente para protegê-la
em sua cabeça.
Mesmo assim, permito que ela se aproxime, viro a arma e a ofereço o
cabo.
— Já segurou uma arma alguma vez? — Eu fito seu rosto e noto o
quanto ela parece perdida. Posso ver a tensão em seus ombros.
— Eu e minhas irmãs seguramos uma vez… Meu pai havia deixado ela
em cima da mesa e nós revezamos para ver como era… Talvez tivesse uns nove
anos. Eu a deixei cair no meu pé.
— Poderia ter morrido nessa brincadeira idiota — falo, e ela me encara
espantada. — Não deve tocar numa, se não tiver nem força para segurar,
Rebecca. Agora tente.
Sem mais avisos, posiciono a arma na mão delicada e macia e espero que
ela solte, mas não o faz. Com uma certeza preocupante, fecha os dedos ao redor
do cabo.
— Agora toque. Não vou te dar uma aula sobre, mas você precisa saber o
que cada parte faz.
Como se segurasse todo peso do maldito mundo, Beca sobe a arma e
fecha os dedos ao redor do cabo com firmeza. Eu empurro a mira para o chão,
protegendo meu estômago de um acidente e ela me encara como se tivesse feito
coisa errada. Por um segundo, desvio o olhar dos seus dedos e encaro a aliança
grossa de ouro branco em sua mão.
A ideia do simbolismo do ouro contra a arma em sua mão me pega de
surpresa. A aliança. Então era sobre isso. Nossa união é isto. Sangue, armas,
tudo reluzindo, com uma pitada de ouro, de luxo, de bons modos que disfarçam
as criaturas sombrias que se disfarçam atrás dos nossos olhos e intenções.
Vivemos em eterna contradição, em conflito com nossa natureza e nossas
decisões. E agora, me deparo com Rebecca sendo o produto perfeito do que me
refiro.
Presa entre dois mundos: aquele no qual ela foi ensinada a viver e aquele
que eu lhe apresento. Aquele que tentaram lhe esconder, aquele da qual tentaram
lhe proteger.
Mas às vezes, é apenas mais fácil aceitar quem somos.
Por inteiro.
Sem mais mentiras ou máscaras.
— Tudo bem… — Ela toma uma pausa para respirar fundo, então
empunha a arma. Sua postura é uma bagunça e eu sorrio entre os dentes,
examinando minha doce esposa com a atitude de uma leoa. — Como é que eu
mato alguém com isso?

Temos três horas de aula e quando acabamos, Rebecca tem a capacidade


de mirar — e então com um pouco mais de concentração, mirar certo —,
carregar uma arma, descarregá-la e destravá-la, mas seu dedo não afunda no
gatilho.
Ela não consegue atirar. Simplesmente trava quando digo que pode tentar
e angustiada, abaixava a arma toda vez, parecendo decepcionada consigo
mesma.
Quando digo que talvez ela precise de um descanso, ela parece cansada,
mais mentalmente do que fisicamente e eu apenas respiro fundo, tentando liberar
toda tensão de uma longa aula improdutiva que se acumulou sobre meus
ombros.
Eu não gritei, não reclamei, muito menos xinguei. Apenas… fui o
professor que deveria ter tido quando era minha vez.
— Eu queria…
— Tudo bem, Rebecca.
— Não! Não está tudo bem, Luca!
Ela deixa a arma cair sobre seus pés, sob a grama verde e o trecho de
terra marcada pelos pés que já passaram por aqui, e eu observo a cena.
— Eu não conseguiria atirar nem se fosse para salvar a minha própria
vida desse jeito! Que merda de mulher eu sou?
— É a sua primeira vez. Ninguém espera que seja perfeita.
— Eu espero! Eu esperava poder ser boa em pelo menos uma coisa para
me manter segura sem precisar que me salvassem, Luca!
— Você esquece que foi capaz de se salvar sozinha da última vez?
— Então por que ainda me sinto como lixo? Por que sinto que poderia ter
feito mais? Que deveria ter me defendido melhor, que aquele homem podre saiu
impune por que eu fui fraca demais?! Me diga, Luca, se você acha que eu fui tão
capaz assim de me defender!
— Porque você não quer ver o quão capaz é de fazer tudo que precisa. —
Cruzo meus braços e seu olhar paira sobre meu rosto. — E foda-se, eu não
entendo por que quer se diminuir tanto. Você foi capaz de se defender, Rebecca e
por isso, não se sente pior agora. Muitas mulheres não conseguiram, mas não
acredito que qualquer um seja menos por isso. Eu não sou o tipo de crápula que
acha alguém menos valioso porque é torturado, maltratado ou atacado. Eu só sei
que sempre haverá alguém mais forte e me preparo para ser o mais forte — dou
de ombros. — Às vezes, Beca, nós apenas temos que aceitar que a realidade é
fodida o suficiente para que cada vitória conte, entende? E levar em conta que,
enquanto estivermos vivos, estamos ganhando.
Minha esposa se encolhe como um gatinho de rua e eu estalo a língua,
enfurecido, segurando seu rosto. Ela estremece sob meu toque e a sensação não é
boa, mas eu não recuo. Seguro-a pelo queixo e forço com que me encare.
— Você é Rebecca Accorsi. E enquanto um Accorsi está de pé, ele
comemora. Ele se orgulha. E ele luta.
Rebecca não responde ao que digo, sua expressão mal se movimenta.
Mas vejo que assimila tudo, pois seus olhos não conseguem mentir. E a lágrima
que escorrega do seu olho, pela lateral do seu rosto, muito menos.
— Você está lutando e você está de pé. Então, apenas comemore um
pouco e honre o sobrenome que dei a você, esposa. O sobrenome que você
merece.
Então, finalmente, sua expressão de ferro quebra num belo sorriso tímido
que alcança partes demais dentro de mim e me faz sorrir também.
Nem todos têm o mesmo tipo de força. Alguns, como ela, precisam
aprender a esconder isso por tanto tempo, que não sabem como lidar quando ela
tem de sair. Que não sabem como lidar com a própria raiva, nem com os
instintos. Rebecca foi podada e moldada por seu pai a vida inteira.
Mas eu…
Eu não quero ser como Vittorio Fioderte foi para ela, nem como meu pai
foi para mim — um maldito monstro. Eu quero que ela encontre a própria força,
se descubra como mulher, exista além do papel a que foi designada.
Talvez eu queira que sejamos mais do que meros personagens de um
acordo que não escolhemos. Talvez eu veja mais futuro para mim e para a
chorona à minha frente do que cinquenta anos de boa convivência. E talvez eu
queira que ela também veja mais do que isso.
É esse o sentimento estranho que vem se instalando dentro de mim aos
poucos, né? Essa porra, essa coisa esquisita…
Essa coisa com a qual não sei lidar. Com a qual nunca precisei lidar.
Nunca houve escolhas sobre isso. Tudo sempre foi imposto. Mas
agora…
Agora eu preciso escolher se é o que quero.
Antes que eu abra a boca, o barulho do meu telefone me desperta do
olhar emocionado de Rebecca e eu abaixo o rosto, puxando o aparelho do bolso
no automático. O ar ao nosso redor parece pesado, escasso e eu pigarreio,
enquanto ela corre para se arrumar, como se algo estivesse errado com sua
aparência.
Desesperado para fugir dessa bola de ar quente, que quase me sufoca, eu
atendo a ligação sem nem ver quem chama e peço licença ao reconhecer a voz
de Max.
— Olá, primo. Como vai a vida no meio da porra do mato?
Eu me afasto de Rebecca após pedir licença e ela caminha na direção da
casa. Sinto que muito ficou por dizer entre nós dois, mas não quero voltar a isso
agora. Recolho a arma e vou na direção do lago.
— Complicada — simplifico. — A casa continua a mesma.
— A velha casa do lago… Tantas memórias, certo? Betina, Carol,
Sarah… puta merda, e a Jessica, então? Porra. Que saudades…
— Você me ligou para repassar a sua lista de fodas, Maximus?
Ele ri do outro lado da linha e me pergunto se já está bêbado. É sexta-
feira, quase de noite. Não esperaria diferente.
— Eu não iria querer perturbar você com tudo que eu tive e você não
pode ter mais, querido primo. Sabe que não é do meu feitio, certo?
— Vai se foder.
— Ih. Alguém está nervoso. Pelo visto não está tendo a mesma sorte que
eu entre essas paredes, hein?
— Eu já mandei você se foder?
Por instinto, olho sobre meu ombro. Não há nada ali. Rebecca entrou.
— Diga para que ligou antes que eu desligue — termino.
— Ok, certo! Eu liguei apenas para compartilhar que descobri duas
coisas. Primeiro, seu pai comprou um grande lote de reforço de armamentos. O
plano está em ação, baby!
— Estou ciente. O ajudei com a compra.
— Queee? Vocês dois?
— Ainda sou seu soldado mais experiente e responsável pela sua
próxima missão, Max. Não é como se eu tivesse a opção de nunca mais olhar
para ele.
Max ri do outro lado, mas não prolonga o assunto. Entende sobre meus
compromissos.
— E segundo, tenho informações de que Romeu está ansioso. Talvez ele
planeje outro ataque. Mas não há pistas de onde.
— Quem te disse isso?
— Eu nunca revelo meus contatos, Luca, você sabe disso.
— Então como saberei que são confiáveis?
— Confie, gatinho, eles são. Por isso, recomendei o aumento de
segurança em todos os pontos Accorsi. Talvez o Madame Martino feche neste
final de semana, o que é uma lástima, mas…
— Você vai superar.
— Talvez. A amiga de Rebecca vem sendo uma ótima companhia, de
todo jeito.
— Não me diga que ainda está com as mãos em cima da filha do maldito
Lourenço Bellucci, seu imbecil! — rosno no telefone, furioso só de pensar que
Max esteja fodendo a única que ele não deveria estar.
— Certo. Eu não estou com as mãos na filha de Lourenço Bellucci. É
isso que você quer ouvir?
Respiro fundo.
— Você quer morrer?
— Fazendo o que faço, pode-se dizer que sim…
— Isso vai dar merda. Você deveria parar enquanto o consigliere de
Vittorio não—
— Escute, primo: eu te digo quando se preocupar, certo? Estamos bem
por enquanto. E eu liguei apenas para isso. Vou te deixar ter seu momento
Tarzan agora.
— Vá se foder, Max. De novo.
Ele ri.
— Estou indo…
Desligamos e eu o amaldiçoo mentalmente quando penso nas
consequências de um envolvimento entre ele e Luna. Só merdas surgem como
sugestão em minha cabeça e eu empurro esses pensamentos para longe.
Max é grandinho, Luna também. Eu não preciso me preocupar com mais
dois inconsequentes neste mundo.
Eu levanto os olhos do telefone e noto que já escureceu de vez. E estou
mais perto do lago do que pretendia, quase de pé na passarela de madeira que
leva até o deque. E olhando para ele agora, noto como a noite está bonita.
E eu talvez precise respirar um pouco antes de entrar novamente.
Caminho na direção do deque e antes que possa passar dos limites do
lago, enxergo a pequena cabana de apoio aos barcos, que fica próxima a água.
Em homenagem aos velhos tempos, eu vou na direção dela e sou inundado por
memórias de uma infância não tão agressiva assim, preso aqui, para me esconder
dos treinos absurdos.
Eu empurro a porta de madeira apodrecida e com pouca força, ela se
abre. Uma nuvem de poeira sobe e eu tusso até meus pulmões arderem. Para
completar o visual de abandono, há teias de aranhas gigantes nas paredes e as
estantes entulhadas de caixas e ferramentas estão cobertas por uma grossa
camada de pó. A única luz é a que vem da grande janela, de frente para a água, e
eu não me surpreendo ao ver que não há lâmpadas funcionando.
Acendo o pequeno isqueiro que sempre carrego e o uso para andar entre
as estantes. Há cacarecos, coisas de jardim, utensílios para navegação, boias e
até mesmo remos. Me lembro da maldita vez em que Lorenzo inventou que
queria andar de caiaque e quase morreu afogado. Donatella quem precisou
resgatá-lo.
Uma caixa preta, tímida, escondida entre as primeiras da fileira, chama a
minha atenção e eu me abaixo, puxando-a da parede. Eu passo os dedos sobre a
tampa e sorrio ao ver as minhas iniciais sobre ela. Por um segundo, me questiono
se poderiam ser de Lorenzo ou Leonardo, mas não restam mais dúvidas quando
eu a abro.
Brinquedos antigos, revistas antigas — algumas com capas que podem
trazer problemas a um homem casado — óculos de sol quebrados e várias coisas
deste tipo, que apenas uma criança poderia se interessar em guardar. Mas com
uma lembrança certeira, eu enfio a mão no fundo da caixa e puxo o que eu
imaginava que estivesse aqui.
Meu primeiro canivete.
Tem o cabo vermelho e uma lâmina, agora, enferrujada. Mas é limpo.
Totalmente limpo. Nunca viu sangue, nem me acompanhou em qualquer dos
horrores que eu tenha causado ou presenciado.
Eu era apenas um moleque quando brincava com isso. Atirava em
árvores, cortava frutas e me sentia sinistro por fazer todas essas merdas. Como
se isso fizesse de mim o grande mafioso que um dia orgulharia meu pai.
Porra nenhuma.
Eu era só um idiota, tentando impressionar Antônio por todos os motivos
errados — principalmente, para não levar uma surra. Eu só queria ser valorizado
e para isso, eu precisei abandonar o canivete e aprender a mexer com armas de
fogo. Manusear facas afiadas o suficiente para cortar gargantas e me certificar de
nunca falhar.
Eu não posso dizer que um dia fui puro até a alma. Isso seria uma baita
mentira. Todos os Accorsi nascem e morrem com sangue nas mãos, não importa
o que façam ou o que digam. Mas talvez não tenhamos todos nascido com a
maldade que nos é forjada e necessária durante a vida. Eu certamente não a tinha
quando era aqui que eu me escondia com esse canivete velho e as antigas
revistas da Playboy, deixadas pelos homens mais velhos perdidas por aí.
Eu puxo o carrinho vermelho que está sobre o monte de itens e testo a
ponta do canivete na sua lataria de plástico, com as mesmas perguntas ainda
rondando minha mente.
Será que eu poderia ter sido diferente?
Será que tudo poderia ter sido diferente?
Não sei.
E de certa forma, nunca saberei.
Talvez seja melhor assim.
A noite está agradável o suficiente aqui fora para que eu não me
mantenha presa dentro de casa. Todo ar que eu preciso para acalmar meus
pulmões está aqui e eu o respiro cuidadosamente, tentando não surtar com a
avalanche de sentimentos e sensações que tomaram conta de mim nos últimos
minutos.
Primeiro, não saber atirar. Não conseguir. Ser impedida por medos que
não fazem sentido, nem contribuem em nada para a mulher que sou e quero me
tornar. Medos que apenas me paralisam, me mantém no lugar e disparam minha
vulnerabilidade ao limite. Talvez, por dentro, eu nunca queira deixar de ser
apenas a boa menina, a bonequinha, a garota que senta e aceita, e segurar uma
arma, dispará-la, provavelmente esteja em conflito direto com a mulher que fui
criada para ser e a mulher que preciso ser, sendo a esposa de Luca Accorsi.
E aqui, sentada na varanda dos fundos, observando Luca se afastar e
caminhar em direção ao lago com o primo no telefone, eu penso se não pode
haver uma ponte entre essas duas. Se é tão difícil assim que coexistam. Se é tão
difícil que eu me descubra mais do que pensei ser a vida toda. Que eu assuma os
riscos e pela primeira vez, não deixe que os outros decidam o que sou ou não
capaz de fazer.
Escondo meu rosto entre as mãos e tento segurar as lágrimas insistentes
de alguém que está cansada de viver assim, cheia de expectativas e frustrações e
acabo me perdendo em mais pensamentos, nos outros motivos que roubaram
toda minha capacidade de raciocínio antes de nos separarmos no quintal.
Luca.
Luca é…
Inexplicável.
Com várias camadas, eu nunca pensei que veria mais do que todos veem.
O homem poderoso, ardiloso, o futuro Capo da máfia Accorsi. Mas agora, ao me
deparar com alguém que se demonstra humano no toque, nas palavras e no olhar,
me preocupo que todas as opiniões que eu tenha formado a respeito dele, sejam
mentira. Que haja espaço dentro dele para gostar de mim, me respeitar e quem
sabe um dia… me amar.
Esse talvez seja o sonho mais louco de todos. Ou o mais impossível, pois,
como alguém que é forjado com tanta dor e ódio, pode ser capaz de me dar o
tipo de amor que espero? Pode ser capaz de demonstrar o que sente?
Talvez tudo que eu tenha visto ali, hoje, fosse mais um papel. Mais uma
mentira. Eu sempre disse o quão bom ele é em falar o que o outro quer escutar.
O quão experiente é em passar exatamente a imagem que precisa em
conversações.
Respiro fundo novamente. Não, não pode ser.
Porque olhares não mentem.
E o modo como ele me olhou… O modo como vem cuidando de mim
durante as últimas semanas, como se preocupa, como manifesta sua
preocupação, nada disso pode ser apagado ou fingido. Até porque ele não teria
por que fingir, ele não teria por que estar presente. Ele o faz porque quer; porque
quer estar comigo. E porque sabe que eu preciso do seu apoio mais do que
nunca.
Fico de pé novamente e expulso todos os pensamentos que me
mantiveram escondida aqui. Ele sumiu entre os arbustos, mas só pode ter ido
para o lago. E é para lá que eu vou atrás de respostas.
Eu caminho até o deque e não o vejo. Sou tomada por um monte de
ideias amaldiçoadas da minha imaginação, mas todas somem quando encontro a
pequena cabana de madeira com a porta entreaberta e vou na direção dela.
Encontro Luca sentado no chão, de costas para a porta, com um canivete
na mão e uma… Playboy na outra.
A insegurança me assume disfarçada de um leve tremor, mas meu corpo
é rápido o suficiente para me defender dela e eu acabo rindo do quão cômica é a
cena. De quão cômica é nossa maldita realidade.
— Você me deixou sozinha para vir ler revistas de pornografia, Luca
Accorsi?
Ele se vira na mesma hora e eu vejo o susto pela interrupção se
transformar em algo mais brando conforme me reconhece, encostada contra o
batente da porta apodrecida.
— Não é o que você está pensando — diz, com um sorriso divertido no
canto dos lábios ao ficar de pé. Ele sacode toda poeira de suas pernas e eu rio da
sua cara de pau.
— Tem coragem de mentir na minha cara? — brinco de volta e ele deixa
a revista cair. Agora resta apenas o canivete.
— Meu primeiro canivete. A única coisa que interessa desse monte de
velharia.
— E as pernas daquela moça…
— Já vi melhores.
Sua resposta vem de imediato e eu coro, por costume. Não sei se se
refere a mim, mas pelo modo como seu olhar brilha em afirmação na minha
direção…
Por sorte, ele mesmo dá seguimento ao assunto:
— Desculpe por deixá-la. Max tinha novidades.
— Algo importante? — Rezo para que não.
— Apenas informações de rotina. Nada com o que precise se preocupar.
Assinto e um silêncio terrível nos abate. Não sei bem o que fazer ou o
que dizer depois do que ambos parecemos ter experienciado naquele maldito
jardim. Mas eu também não quero ir para longe dele. Eu só quero… não sei.
Mas pelo modo como ele me observa, talvez ele saiba.
— A lua está linda e o lago é incrível de se observar à noite… Gostaria
de ir lá fora?
Agradecendo a sutileza de suas palavras e por sua língua esperta, que
sempre sabe o que dizer, aceito e ele caminha na direção da porta. No entanto, ao
passar por mim, resgata todo fôlego que eu havia prendido ao segurar minha
mão, conduzindo-me para onde quer que achar que deve.
E eu confio.

Faz duas horas que estamos sentados na parte principal do deque de


madeira, sob o lago. Ou talvez mais do que isso. Para ser sincera, eu perdi um
pouco da noção de tempo quando Luca trouxe vinho.
E minha bunda dói pra caramba sentada contra as tábuas duras, mas
também estou rindo feito nunca, de todas as histórias malucas que saem da boca
de Luca. Coisas que eu nunca acreditei que pudessem realmente acontecer, o
homem ao meu lado relata com detalhes que tornam cada história ainda mais
verídica e pessoal, e eu adoro escutar. Adoro que ele queira compartilhar comigo
um pedaço de quem é e do que já viveu.
Junto do vinho, ele pediu que Merida nos trouxesse comida também. A
empregada, por iniciativa própria, nos trouxe tudo em uma cesta carregada de
piquenique e uma toalha, sobre a qual estamos sentados, o que transformou isso
numa espécie clichê de piquenique à luz da lua — o que não pareceu incomodar
Luca.
Ele apenas parece leve, contando detalhes de sua infância e adolescência,
mil vezes mais interessantes do que as minhas e eu gosto de ver seus lábios
manchados pelo vinho.
E eu tenho a estranha sensação de que me sinto tão leve quanto ele. Tão
sagaz. Tão cheia de vida. Bebi algumas taças, o suficiente para colorir meu rosto
de vermelho, mas certamente não o suficiente para sentir esse aperto estranho no
peito. Como um calor. Como se meu coração estivesse batendo diferente, mais
rápido, com mais vontade. E como se meu sorriso dependesse do dele para
aparecer também.
— Além de Lorenzo, a própria Donatella já quase se afogou neste lago…
Mas ela era pequena. Deveria ter uns dez anos e inventou de ir buscar a boneca
que caiu. Eu tive que puxá-la do fundo.
Ele olha com um certo tipo de carinho para a água a sua frente. O reflexo
da lua a deixa mais clara, além do brilho das estrelas também. É uma noite como
nenhuma outra, com pouco vento e apenas o som da água e dos grilos ao redor,
além do farfalhar das folhas.
É cheia de paz.
— Ela sempre foi impulsiva assim? — indago.
— Sempre. O que você vê hoje, é a versão melhorada de alguém muito
teimoso — rimos. — Mas, acima de tudo isso, ela também sempre foi a única
que tentou ver mais do que todos nós em toda essa merda. Ela costuma achar que
existem chances de felicidade por aí, apenas esperando que as encontremos.
— E você acha que não existe?
Ele me espia por um segundo e eu o encaro de volta.
— Acho que sim. Mas pode ser difícil acreditar que podemos ser felizes
depois de tanta merda…
Sua resposta é uma incógnita e eu assinto em concordância, deixando a
taça de vinho sobre a toalha. O assunto parece ter nos deixado desconfortáveis e
eu me esforço para buscar outra coisa.
— Você gosta muito dos seus irmãos, não é?
Não pude ignorar o brilho que surgiu nos seus olhos toda vez que
mencionou um deles.
— Mato e morro por todos eles — diz, com aquela intensidade que nunca
abandona o olhar de um homem feito quando fala sobre sangue. — A qualquer
momento.
— Eu faria o mesmo pelos meus. — E com um aperto de saudade, penso
em Matteo, Bianca e Petra. Ele nota e meu peito incha ao encarar seu rosto
iluminado apenas pela luz da lua, com a água de fundo. Uma pintura poderia ser
feita desse momento.
— Amar nossa família é parte de quem somos. A única complicação é
quando entendemos diferentes tipos de linguagem como amor.
— Se refere ao seu pai? — questiono, sem vergonha nenhuma.
O sorriso que ele exibia, assim como a leveza, somem.
— Não amo o meu pai, Rebecca, se é isso que você quer saber — diz
com todas as letras. — Mas um dia eu me importei com ele, sim.
Luca se vira para pegar mais vinho e eu suspiro, beliscando minhas
pernas a fim de manter minha boca fechada. Mas quando ele me encara através
dos cílios grossos e eu vejo o brilho de seus olhos azuis praticamente me
cutucando a continuar a perguntar, não resisto.
— Isso parou quando ele começou a maltratá-lo?
Luca sorri como se já esperasse que eu fosse perguntar isso.
— Homens como ele se apoiam na violência porque foi tudo que
conheceram. Foi a maneira dele me tornar mais forte e bem, não é como se
algum dia ele tivesse sonhado em ser pai… Homens como nossos pais, só
querem produtos. Ou Legados para assumirem sua posição no futuro. Eu pude
entender isso desde cedo e parei de vê-lo como pai.
Ele toma uma pequena pausa.
— Aliás, hoje eu me questionei se eu seria diferente se não tivesse
passado por toda merda que passei crescendo com ele — confessa. — Mas
cheguei à conclusão de que eu provavelmente seria ainda pior, porque, me
tornando seu foco, eu permiti que todos os meus irmãos crescessem sem essa
pressão horrorosa de nunca ser bom o suficiente para Tony. Eu os dei uma vida
normal, Becky e se algumas porradas foram o preço por isso, tudo bem. Meu pai
pode fazer o que quiser comigo, como sempre fez. Eu aguento. Mas eles…
O final de sua frase fica subentendido. Eles não aguentariam. Não
aguentariam passar pelo que ele passou. Talvez ninguém no mundo poderia.
Ninguém no mundo entenda como é ser torturado pelo próprio pai, como é ter de
apanhar para que seus irmãos não precisem.
Talvez eu nunca tenha o visto de maneira tão clara quanto vejo agora.
E eu choro por causa disso.
Luca não fala sobre preocupação, seu afeto e o que sente pelos outros,
por que nunca aprendeu a demonstrá-lo dessa forma.
Aprendeu a demonstrar apenas se sacrificando por aqueles que ama. A
protegê-los. A mantê-los seguros, de sua forma.
E talvez porque em algum momento ao longo da sua jornada, tenha
aprendido que se preocupar é uma fraqueza. Que amar é idiotice. Que confiar é
se sacrificar.
— Você não precisa sentir pena de mim, Beca…
— Não é pena — digo em meio às lágrimas, vendo seu sorriso despontar
entre os lábios. — É ódio. Raiva. Você era apenas uma criança, Luca e o que ele
deve ter feito com você…
Eu já vi as cicatrizes. Eu posso imaginar. Mas apenas isso. Quem sentiu
foi ele. Quem sabe é ele. Ninguém mais.
Quando ele segura minha mão, imediatamente olho para seus olhos. Eles
brilham como não brilharam a noite inteira.
— Tony é um monstro. Ele deveria estar…
— Não chore por mim, linda — pede num murmuro quase inaudível,
limpando as lágrimas que escorrem dos meus olhos. — Isso tudo já passou. Está
no passado. Tony Accorsi nunca mais vai colocar as mãos em mim ou em
ninguém.
— Como você sabe?
— Porque ele sabe que criou um monstro. — Ele ri. Ri como se não se
importasse, quando eu posso ver claramente o peso de tais palavras em seus
ombros e em seu rosto. O modo como ele se vê como menos pelas coisas que foi
forçado a fazer, o modo como foi criado.
Desespero me atravessa ao pensar no que ele acha de si mesmo e num
movimento impulsivo, seguro os dois lados do seu rosto. Luca arregala seus
olhos e toca sutilmente meus braços, tentando me acalmar, mas já estou em seu
colo e ele não pode mais se livrar do meu aperto.
— Nunca mais repita isso — ordeno, cessando as lágrimas e qualquer
insegurança. — Você não é um monstro. Você não é o que Tony queria que
fosse. Você é mais. Muito mais, Luca. Você é… Você é um homem do qual deve
se orgulhar. Alguém que defende os seus, alguém que se sacrificou a vida inteira
pelos irmãos e alguém que eu valorizo muito por ser o homem que está do meu
lado. Você é o produto de dois lados. E nunca, nunca mesmo, será como seu pai.
— Não diga coisas que não sabe, Rebecca…
— Eu sei. E eu tenho certeza.
Apoio minha testa contra a sua e sinto sua mão viajar abaixo da minha
cintura, mantendo-me de pé, rente, grudada ao seu corpo. Mal respiro, e fecho os
olhos, enquanto nossas respirações se combinam e meu peito pesa com a
verdade que coloco para fora:
— Você é o homem que eu vou amar um dia, Luca. E nada além disso.
Ele não diz nada depois disso. Mas ele faz.
E eu entendo perfeitamente o que seu beijo significa.
Eu também vou amar você um dia.
E com força, eu o beijo de volta. O beijo até que mal possa diferenciar
minha língua da sua, seu gosto de vinho adocicado do meu e quando suas mãos
já não podem mais esperar para tocar meu corpo, para mostrar o que sente, para
mostrar o que lhe causo. Meu corpo arde em chamas e eu preciso de um segundo
para respirar. É quando Luca puxa a alça do vestido branco que estou usando e
deixa minha pele livre, a mostra, iluminada pela luz natural que vem da lua. Ele
beija meu ombro e desce pelo meu busto, a boca incessantemente procurando
formas de se fazer notar, de me fazer sentir.
Ele puxa o outro lado e o decote cai, revelando minha barriga e minha
falta de sutiã. Seu toque, sua língua e sua atenção me fazem suspirar, quando
aperta um de meus seios e puxa minha boca num beijo ardente, que rouba todo
meu ar e concentração. Meu cabelo cai ao redor de nós dois e eu me ajeito em
seu colo, sentindo algo apontar entre minhas pernas, além da minha própria
antecipação líquida.
Eu passo as mãos ao redor do seu cabelo e seguro sua nuca, puxando-o
ainda mais contra mim. Não há mais espaço entre nós dois, muito menos ar.
Tudo é consumido pelo nosso desejo enquanto buscamos um ao outro.
Ele passa por baixo da saia fina do vestido e me toca nos pés da minha
barriga. Seu pau duro faz pressão contra minhas coxas e eu suspiro, sentindo-o
roçar contra mim, me tentando. Luca puxa meus lábios e eu sorrio quando tira
meu vestido por inteiro, jogando-o para o lado.
— Você não vai mais precisar disso — alerta e eu não poderia deixar de
concordar mais. Minhas costas estão nuas e tudo que resta é a calcinha. Sua
camisa se torna um problema na minha visão e eu a tiro, revelando o abdômen
definido e suado do homem a quem me entrego com tanto prazer e confiança. Eu
arranjo suavemente minhas unhas contra seu peito e beijo seu pescoço, enquanto
ele invade minha calcinha e desliza seu dedo contra minha carne, reconhecendo
a umidade que me causou. Eu chupo sua pele, e deixo marcas, sem me importar
que vejam.
O marido é meu. Eu marco a hora que eu quiser.
Ele segura meu cabelo pela raiz e curva minha cabeça, liberando meu
pescoço. Seu beijo é lento, marcando minha pele devagar. Eu estremeço e ele
desce com a língua até meu seio, subindo-o apenas um pouco para que alcance
sua boca. É quando o coloca ali, que enfia seu dedo na minha boceta e me faz
contrair as coxas, desesperada para prendê-lo lá dentro.
Seus dedos são grossos o suficiente para que eu os sinta e o sorriso que
desponta em sua boca me faz arfar. Sua boca inchada faz carícias contra meu
peito, sua língua brincando com meu mamilo e eu seguro seu rosto, tentando me
concentrar em um ponto fixo, enquanto minha cintura rebola instintivamente
contra sua mão, roçando contra ela, desejando mais e mais.
Eu senti saudades do seu toque, do seu cheiro e do seu gosto. De nossos
corpos misturados no suor que criamos. Da sua boca grudada na minha, do seu
toque ávido contra meu clitóris e sua forma de me foder gostoso apenas com o
dedo.
Ele sobe a mão da minha calcinha e a lambuza com sua saliva. Quando
volta a me tocar, estou sensível a ponto de interromper meus pensamentos e
apenas desejar que ele vá mais rápido, mais fundo, mais direto.
Acabo esbofeteando seu rosto por impulso e estremeço ao pensar que ele
não gostou disso. Mas ele ri. Ri como o maldito safado pervertido que é e afunda
seu dedo com vontade dentro de mim.
— Luca… — Quase peço desculpas, mas entre me dedicar a deliciar o
calor que sobe das minhas coxas e fazer isso, não consigo.
— Pode bater se quiser, amor. Sou todo seu para você fazer o que quiser.
Eu gozo com essas palavras. Meu corpo inteiro treme e minha mente vai
a Marte e volta. Estou fraca, por dentro e por fora, tomada por uma alegria
intensa que não tem nome, que se derrama entre minhas coxas e faz meu marido
sorrir enquanto abre o cós da sua calça e toca seu pau duro e rígido, preparando-
se para entrar em mim.
Guiada por ele, que me segura pela cintura, sou posicionada sobre seu
membro e quando abaixo, meu corpo estremece novamente ao senti-lo me
preencher, me impondo o pensamento de que não vai caber. Mas cabe. E quando
ele reforça o aperto em meu quadril, começo a subir e descer, os peitos batendo
contra seu rosto, enquanto sua respiração sai do compasso, assim como a minha.
Luca não precisa fazer nada, apenas assistir enquanto cavalgo em seu colo, com
ele cravando os dedos ansiosos e esfomeados na minha bunda, com meu corpo
implorando por mais e mais, até que não haja mais espaço para pensar em outra
coisa.
Meus seios pulam conforme me movimento e Luca desliza seu dedo até
minha boceta, fazendo carinho bem acima do ponto onde nossos corpos se
conectam. O toque é elétrico e faz com que todos os pelos do meu corpo se
arrepiem. Me tira do eixo por um instante e ele assume o comando, virando-me
contra as tábuas. Reviro os olhos ao sentir sua língua quente contra minha pele
fria, banhada pelo vento e pela lua, e fecho as pernas ao redor da sua cintura,
aproveitando o silêncio e a privacidade para gritar quando ele se afunda dentro
de mim por inteiro, sem deixar brechas. Sua boca se fecha e eu arranho seu
peito, buscando por mais. Luca ri, e segura meu rosto, fechando a mão em torno
do meu pescoço para me manter parada enquanto me fode, tornando meu corpo
todo refém da sua vontade e força.
Estou tão sensível que basta que ele toque em meu clitóris por dois
segundos para que eu me desmanche inteira, derramando meu prazer sobre ele.
Estou no ar, então estou nas nuvens e toco a maldita lua, revirando meus olhos,
quando ele chega pouco depois de mim a esse lugar maravilhoso do cacete. Ele
praticamente rosna nas últimas estocadas, usando toda força que há em seu
corpo para me fazer sentir prazer até a última gota e quando goza, cai para frente
e cobre meu corpo com o seu, me aquecendo ainda mais, sem nem perceber,
fazendo-me desejar começar tudo do início.
Então nós começamos.

Quando acordo no dia seguinte, espero enxergar o lago, as árvores e


talvez um grupo de passarinhos tentando entender o que dois loucos nus fazem
jogados sobre um deque em pleno amanhecer, totalmente nua, mas não é nada
disso que recebo.
Não estou mais no deque onde peguei no sono. Estou na cama, no quarto.
Coberta por lençóis, usando uma camisola. E Luca dorme ao meu lado,
serenamente, de uma maneira que nunca vi, mesmo que o relógio do aparador já
marque mais de meio-dia.
Ele nunca dormiu mais do que eu. Nunca pareceu confiar o suficiente
estar de olhos fechados quando eu já estou acordada. Mas agora…
Eu me sento na cama e observo sua expressão serena, sua calma, a
tranquilidade que escapa da sua respiração ritmada e como ele parece bonito
quando dorme. Ele parece tão jovem…
A memória do que eu disse quando estávamos na beira do lago me atinge
num rompante e eu dou um jeito de me afastar antes que o acorde e veja que foi
tudo um sonho e que aquele Luca não está mais aqui. Que eu delirei. Que foi
mentira.
Você é o homem que eu vou amar um dia. Foi isso que eu disse.
Pensando agora, não foi tão pesado assim. Não para que eu me sinta tão
carregada de incertezas quanto me sinto ao pensar que extrapolei, que passei dos
seus próprios limites, exigindo demais após saber de todos seus traumas.
Antes de sair do quarto, buscando um lugar que não tenha seu cheiro ou
sua presença, eu visto o roupão de seda por cima da camisola fina, também para
esconder as marcas deixadas em minha pele caso encontre alguém.
Mas me surpreendo ao encontrar a casa vazia quando desço as escadas e
chamo por alguém. Não há sinal de soldados, nem das empregadas e minha
barriga dá giros de fome. Sigo na direção da cozinha que conheci brevemente
ontem e encontro tudo limpo, perfeitamente colocado no seu lugar. Num
impulso, vou até a geladeira e separo poucos ingredientes, mas valiosos o
suficiente de você souber o que fazer — é o que a minha mãe diria.
Talvez esteja com mais saudades de casa do que deveria hoje e por isso,
me dedico a fazer um belo macarrão. Um clássico, sem nada da besteira
americana que conheci nos últimos meses. Faço desde o molho de tomate aos
acompanhamentos e agradeço a minha memória afetiva por isso. Também torço
para que esteja bom.
A bagunça que faço durante o processo é gigantesca, de qualquer jeito. E
eu acabo cortando meu dedo em certo momento, o que me força a buscar por um
curativo. Estou suando pelo calor das panelas e me amaldiçoo em voz alta por
ser uma estúpida.
É quando Luca chega.
— Não sabia que você ao menos sabia ligar o fogão. — Eu me viro num
pulo, assustada pela companhia repentina. Acabo batendo contra a faca,
colocada de qualquer jeito no balcão, que quase caí bem em cima do meu pé.
Mas que é pega por ele na metade do caminho antes que aconteça e me
faz ficar calma.
— Cuidado — alerta, colocando a faca totalmente sobre a ilha de
mármore no centro da cozinha. Eu sorrio meio atrapalhada e puxo meu cabelo
para longe dos meus olhos, tentando enxergar melhor a bagunça que fiz.
— Eu acordei com fome e não achei ninguém, então…
Mais passos ecoam no corredor e Luca se vira ao mesmo tempo que eu
para encontrar Merida chegando. A empregada parece chocada ao colocar os
olhos sobre nós dois, mas parece pior ainda quando enxerga o que causei a
limpeza cirúrgica da sua cozinha.
— Eu só fui buscar um pouco de sal na despensa, senhora Accorsi… —
diz quase chorando. — Eu não…
— Está tudo bem, Merida. Não se preocupe em me dar explicações.
— Mas a senhora—
— Ela disse que está tudo bem, Merida. — Luca reforça e a empregada o
encara em submissão total. — Comeremos o que ela fez por hoje. Você está
dispensada.
— O senhor tem…
— Sim — diz, nenhum pouco incomodado em se sacrificar desta forma
por uma comida que nem sabe se é comestível. Ele é corajoso. — Pode ir e leve
com você todos os outros. Quero seguranças apenas nos portões. A casa fica
vazia.
Eu arregalo os olhos e baixo o pano de prato que vinha usando para
enxugar as mãos, tentando decifrar o que o homem à minha frente pretende.
Merida não tem espaço para dúvidas e se despede, saindo às pressas da
cozinha, como lhe foi solicitado. Luca, rindo da minha reação de espanto, se
aproxima do fogão e tira a tampa de uma das minhas panelas.
— Minha comida não é nada como a dela. Se arrependa enquanto há
tempo e—
Então ele se vira e noto sua respiração controlada, assim como seu olhar
baixo, lento, cuidadoso, passeando sobre mim. Vendo coisas que outros não
devem ver. Que ele não quer que outros vejam.
Minhas palavras somem depois disso.
— Não achou que nós tínhamos terminado lá fora, certo?
Suas palavras me enchem de antecipação e eu viro um grande cozido de
um monte de sensações avassaladoras. A boca seca, as pernas bambeiam e acho
que esqueci totalmente o que estava fazendo antes dele me puxar contra o seu
corpo, enfiar a mão contra o meu roupão e dividir minhas coxas, afundando sua
palma entre elas, me incendiando e encharcando automaticamente novamente.
Sua pegada é mais forte agora, suas atitudes mais claras. Eu sinto o
aperto em minha cintura e grunho, sentindo seus dedos cravados contra minha
pele. Mas ele não se afasta. E eu não quero que faça.
— Você me deu algo que eu não provava há muito tempo, Becky. E eu
quero de novo.
Ele arrasta sua boca até meu ouvido e eu espalmo as mãos em seus
ombros, tentando lutar contra o ímpeto de me entregar a força de seus dedos
deslizando contra a dobra entre minhas pernas, dedilhando meu clitóris e
acariciando meus lábios, enquanto minha boceta chora de vontade de tê-lo
dentro novamente, contraindo-se a cada movimento, a cada respiro.
— Até você me implorar para parar, amor.

Nós transamos em cada canto da casa.


Na cozinha, na sala de estar, no quarto, no corredor e até mesmo debaixo
do chuveiro, quando eu decido que preciso de um banho.
Luca devorou cada parte de mim e no final do dia, resta pouco e tudo dói.
Rebecca Fioderte provavelmente colapsaria com as memórias que tenho do dia
de hoje e levarei para vida, mas Rebecca Accorsi ama que tenha sido capaz de
fazer tantas posições e tenha revirado os olhos tantas vezes a ponto de mal poder
mover suas pernas.
Por isso, estamos jogados no chão da enorme sala de estar — agora
limpos e vestidos, embora Luca faça carinho demais na parte interna da minha
coxa para me manter controlada — e não pretendemos nos mover.
Seu gosto ainda está na minha boca, mesmo depois de nos limparmos e
eu sorrio, ainda ofegante, gostando da ideia de ter sido marcada. De ter marcado.
De ser inesquecível.
Meus cabelos se espalham no tapete abaixo de nós e Luca acende um
cigarro. Eu nunca o vejo fumando, mas não me incomodo.
— Já está escurecendo — lembro, olhando pela janela. — Os
empregados e os—
— Quando eu digo que eles estão dispensados, eles estão dispensados,
Rebecca — fala, em tom de impaciência, mas não parece ser comigo. — Eles
são capazes de entender uma ordem.
— Então ficaremos sem segurança a noite toda? Isso não é perigoso?
— Considerando que eu sou eu e você está comigo, não. Nenhum pouco.
— Luca diz isso acompanhado de uma risada e eu me sinto estranha. Ele nota.
— Não acredita que eu seja capaz de manter segura?
— Talvez seria melhor se pudesse contar com ajuda imediata…
Dito isso, me sento e olho em volta. É estranho saber que não há
ninguém em volta, ninguém impedindo que a casa caia sobre nossa cabeça.
Luca imita meu movimento e olha no fundo dos meus olhos, tentando
pescar alguma coisa.
— Confia mais nos seus guarda-costas do que em mim?
— Eu nunca disse isso. Não coloque palavras na minha boca — afirmo.
— Só acharia interessante se pudéssemos dormir descansados. Só isso.
Irritada pela sua desconfiança exacerbada e a pressão que coloca sobre
mim agora, fico de pé e deixo a sala. Luca não demora em fazer o mesmo e me
segue até a cozinha. Vejo seu rosto se contorcer numa careta quando puxo o
resto da massa de mais cedo da geladeira, mas ele não diz nada.
— Eu me preocupo em colocar outras coisas na sua boca, meu anjo, não
palavras. E de qualquer jeito, eu sei o que você quis dizer. Não sou burro.
Ele vai até a geladeira e volta sem nada além de frustração. Acho que
minha massa não o agradou — e faz sentido, ela ficou grudenta. Mesmo assim,
ele pega dois pratos e quatro talheres e se junta a mim na bancada. Revoltado,
começa a se servir.
— Você está sendo um babaca, isso sim — disparo e ele para o que
estava fazendo apenas para me encarar. Eu estava me sentindo tão calma antes…
por que ele tinha que testar cada um dos meus botões?
— Uau. Você me xingou de quê? Babaca? — Ele ri. — Quantos anos
você tem? Doze?
— Teimoso, cabeça-dura, idiota? — continuo despejando os adjetivos
enquanto ele se vira para esquentar a comida.
— Nossa, você está realmente me ofendendo desse jeito... — debocha e
eu bufo, tentando encontrar espaço longe dele na cozinha. O máximo que
consigo é dar a volta na ilha e sou obrigada a encarar suas costas. — Está prestes
a fazer dezoito anos, Beca. Já pode usar xingamentos de gente grande agora.
Embora seu deboche seja irritante, não é ele que chama minha atenção na
conversa.
Mas é só quando ele termina de esquentar sua comida e se vira para mim,
com a expressão serena de quem não se perturbou nem um pouco, que eu me
digno a perguntar.
— Você sabe que meu aniversário é amanhã?
— É claro que sei… Eu sou o seu marido, não sou, babacona?
Meu peito se aquece ao saber disso e não posso esconder o brilho de
felicidade em meus olhos por ele se lembrar que faço aniversário no dia dez de
maio. Foi assunto de nossa primeira conversa, há quase um ano.
Sem perguntar, ele pega meu prato e o coloca no micro-ondas também.
Enquanto faz isso, eu aproveito para me recompor, sem parecer uma tola
apaixonada.
Apaixonada.
Oh.
— Estaremos de volta em Nova York cedo, então não se preocupe em
ficar sozinha comigo o dia inteiro. Donatella certamente está preparando alguma
coisa para você.
A comida termina de esquentar e ele dá a volta para se sentar ao meu
lado nas banquetas. Alcança meu prato e se acomoda.
— Eu nunca me preocupei com isso — digo, sem mentiras. Ele para com
as mãos nos talheres e sorri para mim, entendendo perfeitamente o que quero
dizer. — Mas se você continuar brigando comigo por motivos que cria apenas na
sua cabeça, estaremos em Nova York antes de amanhecer.
— Certo. Vou me segurar. Mas qualquer coisa, Mathias pode vir te
salvar, certo?
Eu reviro os olhos.
— Idiota.
E ele rouba um beijo antes de começarmos a comer a pior massa que já
vi na vida.
Mas mantemos um sorriso durante todo o tempo.
— Feliz aniversário, Beca.
São exatamente estas palavras que saem da boca de Luca quando o
relógio bate meia-noite e o dia dez começa. Ele está dentro de mim, do mesmo
jeito que esteve quando chegamos ao seu aniversário e quando a manhã chega,
ainda estou sorrindo, anestesiada por todas as memórias dos primeiros minutos
dos meus dezoito anos.
Luca já não está mais na cama ao meu lado, então eu me permito um
segundo de pura excitação e animação, com gritos abafados pelo travesseiro.
Ninguém nunca havia me dito que sexo poderia ser tão bom. Que poderia
haver prazer em tantas coisas, que uma mulher poderia querer mais e comandar a
cena.
As expectativas realmente não eram essas, mas fico mais do que feliz em
ter sido surpreendida.
Em ter sido surpreendida por Luca.
Sentando na cama, me lembro de tudo que vivemos neste final de semana
e sorrio mais um pouco no meu caminho até o banheiro, onde escovo os dentes.
Ele realmente é uma maldita caixinha de surpresas. E eu sou casada com essa
caixinha.
O que a maldita vida ainda pode reservar para um casal tão complexo
quanto este?
Eu não consigo ver a linha de chegada para nós dois e a sensação de que
só iremos para cima agora, me inunda de um tipo de felicidade muito semelhante
a paz de sentir que estou no lugar certo.
Mas essa paz é cutucada quando me recordo de que é dia dez de maio e
não estou com a minha família. Os Fioderte, quero dizer. Normalmente, a essa
hora, eles já teriam invadido o quarto. Matteo cantando parabéns como se
estivéssemos num estádio de futebol e minhas irmãs carregando o café da manhã
e balões.
Uau.
Esse é meu primeiro aniversário longe deles.
O primeiro de muitos.
A felicidade e animação são trocadas por um desespero para saber se elas
mandaram mensagem e eu vou até meu telefone, desleixadamente deixado sobre
o aparador. E me surpreendo quando vejo que não há nada.
Nada.
Nem mesmo de Matteo, Luna, Serena, Nina… minha mãe.
Não se lembraram de mim?
É possível que todos tenham esquecido?
Sem querer pensar nisso por mais um segundo, pego a primeira roupa
que vejo no cabideiro e deixo o quarto, seguindo em passos apressados atrás de
Luca. Não o encontro no segundo andar, mas escuto sua voz vinda da cozinha,
onde conversa animadamente com Merida. Ela está no comando do fogão e ele
come panquecas.
— Minha neta é ótima no que faz, senhor Accorsi. Sabe, ela só precisava
mesmo é de uma oportunidade.
— Se você está dizendo, mande-a para um endereço que lhe darei depois,
durante a semana, para fazer um teste. E diga que Luca a indicou.
— Você está falando sério, senhor Accorsi? — Animada, ela desliga o
fogão e se vira. Neste momento, me enxerga na porta. — Oh, bom dia, senhora
Accorsi!
Isso avisa Luca de que cheguei e ele se vira para mim. E eu sinto um
tantinho de calor quando seus olhos se demoram nas minhas coxas descobertas e
vão subindo e subindo, até chegarem ao meu rosto. Ele exibe um sorriso sujo o
suficiente para me fazer contrair as pernas e molda algumas palavras bem-
colocadas em sua boca:
— Olá, querida. — O tom é baixo e malicioso o suficiente para que me
faça notar que ele já acordou.
Estende o braço na minha direção e eu agarro sua mão, desconfiada de
que meu marido tenha sido trocado por um alienígena em algum momento. Ele
me puxa até seu colo, pouco se importando com a presença da empregada e
sento em uma das suas pernas, enquanto Luca apoia uma mão por dentro da
camiseta que uso — que só agora notei ser sua — e aperta minha bunda.
— Não tinham pijamas lá em cima para você?
— Eu mal procurei qualquer coisa. Não gostou dessa?
— Ah, eu adorei… Mas tem coisas que você deve reservar para quando
estivermos sozinhos, linda, ou eu terei que cegar todos os meus homens.
— Eles estão de volta? — indago, surpresa. Por um momento, pensei que
ele iria se livrar de toda a guarda.
— Mais tranquila assim? — Sua mão faz carinhos circulares na minha
pele e eu sorrio, concordando. A sensação de borboletas voando no estômago é
péssima e eu flagro o olhar curioso de Merida sobre nós dois.
— Feliz aniversário, senhora Accorsi! — Ela deseja e eu agradeço com
um meneio de cabeça, um pouco tímida por estar tão exposta assim. Luca volta a
comer, mantendo uma mão espalmada em minhas costas e a outra no prato. —
Que seja muito feliz ao lado do senhor Accorsi… Ele é um homem de ouro!
Acredita que vai conseguir um emprego para minha neta?
Ok, Luca não é tão bondoso assim.
— Ah, sério? O que sua neta faz, Merida?
Eu me apoio em Luca e passo os braços sobre seus ombros, unindo as
mãos atrás de sua nuca. Ele não se importa e passo os dedos na linha da sua
nuca, sentindo os fios ralos que crescem aqui. É gostoso, estar tão perto.
— Ela é dançarina.
Ah, sim.
Imagino onde um homem como ele poderia encaixar uma nova
dançarina.
Luca esconde um sorrisinho atrevido por trás da comida e eu tento não o
xingar na frente da senhora.
— Que ótimo, Merida. Espero que ela consiga.
Luca belisca minha bunda e eu seguro um grunhido.
— A senhora deseja algo para o café da manhã?
— Ah, não, eu estou…
— Sirva o mesmo que eu, Merida, por favor.
Ela não demora a cumprir a ordem.
— Eu não estou com fome, Luca — contesto.
— Saco vazio não para em pé — repete a frase com um sorriso entre
dentes e eu reviro meus olhos. — Gastou energia o suficiente ontem à noite,
esposa, e precisamos estar na estrada em até uma hora para o almoço em Nova
York.
— Almoço?
— Sim. Dona preparou um para você.
— Ah.
Não posso deixar de estar surpresa.
Merida coloca um prato na minha frente e um copo com suco de laranja.
Eu agradeço e ela sai, deixando-nos a sós. Eu sento na banqueta ao lado de Luca
e ele mantém a mão fechada sobre minha coxa, enquanto pega seu telefone e se
concentra em ler alguma notícia, após ter terminado seu café da manhã.
Seu perfil é lindo, assim como todas as partes do seu corpo. E pela
manhã, com o rosto ainda um pouco inchado de dormir, a boca cheia de tanto me
beijar e provar e os músculos a mostra, pela falta de camisa, me conquistam de
uma maneira que faz com que minhas panquecas estejam frias antes de dar a
primeira mordida.
Então eu percebo que este final de semana foi mais do que um momento
de descanso. Foi o começo de algo novo. Algo bom.
Algo espetacular.
Nós dois.

São dez da manhã quando pegamos a estrada. E a volta é infinitamente


melhor do que a ida, com Luca conversando tranquilamente comigo sobre todos
os detalhes do caminho e amenidades. E sua nova mania de manter sempre uma
mão apoiada sobre minha perna, apertando, mesmo sem qualquer segunda
intenção por trás disso, é confortável o suficiente para me tornar feliz durante
todo caminho.
— Sua família te ligou? — pergunta quando passamos pela placa que
indica que chegamos a Nova York. Mathias dirige e Roger ocupa o banco de
carona, ambos desatentos a qualquer conversa entre nós dois.
Eu levanto a cabeça do apoio do banco e nego, tentando não parecer
desanimada.
— Ainda estamos no começo do dia. Eles ligarão — afirma, e eu entendo
que não consegui disfarçar bem minha tristeza.
— Quem sabe? — devolvo, sem muitas esperanças e apoio meu rosto em
seu ombro. Luca aceita isso, felizmente, e entrelaça os dedos de sua mão à
minha, sem falar mais nada.
Depois de um tempo, começo a reconhecer a rua e avistamos a mansão
Accorsi a nossa frente, imponente como sempre.
O carro para depois de passarmos pelo portão de ferro e nós descemos.
Eu uso um vestido vermelho, de corte reto, que vai até os meus joelhos e sapatos
de salto. Luca investiu numa jaqueta de couro e calças, e eu gosto da mistura que
nossos visuais passam um do lado do outro. Nos imagino numa capa de revista.
Ele não bate na porta e me leva para dentro.
— Alguém aí? — chama, mas não há resposta e nem nada no hall de
entrada.
Nada além de um trilhão de arranjos de flores.
— Acho que essas são para você — diz, dando de ombros e eu me
aproximo de um arranjo gigante de rosas brancas. Puxo o cartão que tem meu
nome assinado.
Feliz aniversário, querida! Que ainda possamos ter muitos encontros e
felicidades e que seu dia seja doce como você!
É de Julieta, tia de Luca e irmã de Rosalind. A lembrança me faz corar e
eu vejo Luca sorrir no canto da sala, acompanhando enquanto descubro todos os
cartões.
— Na sala de estar, Luca! — Alguém grita e reconheço a voz de
Donatella. Ele responde que estamos indo e me pega pela mão.
— Mandarei que levem para nossa casa. — Ele avisa.
Eu adoro flores e mal posso esperar para encontrar um cantinho especial
para cada uma delas em nossa casa, que já ficou cinza por tempo demais.
Luca me conduz até a sala de estar, que tem as portas duplas fechadas.
Ele solta minha mão e indica a entrada.
— Abra.
Eu não espero nada e empurro os dois lados, sendo recebida por gritos de
SURPRESA! Junto disso, também há serpentinas voando e apitos
ensurdecedores.
Eu preciso fechar os olhos quando uma chuva de confetes cai sobre mim
e gargalho feito criança ao ver que todos estão aqui.
Todos mesmo.
Até mesmo minha família.
— Surpresa, Becky!
Eu me viro perplexa para Luca e o encontro sorrindo como o cretino que
é.
— Você sabia que eles viriam?
Noto ele encolher os ombros quando diz:
— Eu os convidei.
Eu não consigo dizer nada. Nada mesmo. Eu estou presa nesse lugar
onde Luca fez algo por mim que diz mais do que qualquer palavra jamais
poderia. Presa nesse lugar mágico onde somos mais do que jamais esperei.
— É importante ter o apoio daqueles que importam para você para curar
as feridas, Becky — sussurra, depositando um beijo na lateral do meu rosto antes
de se afastar e dar espaço para que me cumprimentem. — Aproveite.
Eu não posso perguntar mais a ele sobre isso, pois sou abraçada e presa
por minhas irmãs, que me apertam tão forte a ponto de me fazer sentir que vou
quebrar, mas suas palavras não me abandonam, nem escapam da minha atenção.
Nem o seu sorriso tímido ao ver quão feliz eu me pareço.

O almoço é um momento como nenhum outro há meses. Em harmonia,


ambas famílias conversam e convivem. Os Capos deixam de lado suas
obrigações e me brindam com belas palavras — inclusive o meu pai, que parece
orgulhoso o suficiente para se manifestar positivamente a meu respeito pela
primeira vez em certo tempo. Talvez o fato de Luca não parecer obrigado a me
arrastar pelos cabelos para cima e para baixo, como um homem das cavernas e
termos nossos dedos entrelaçados debaixo da mesa durante toda refeição,
permitam que ele veja que não sou a pior esposa do mundo.
Mas estou curiosa, portanto espero até que esteja sozinha com minhas
irmãs durante uma subida discreta até o quarto que ocuparão na mansão pelos
próximos três dias — a viagem não é apenas de um dia, como pensei — para
cessar minhas dúvidas.
— Quando Luca fez o convite a vocês? — indago, após encostar a porta.
Petra está atrás do telefone e Bianca precisa trocar os sapatos de salto por algo
mais confortável.
Os outros estão lá embaixo numa espécie de coquetel organizado por
Rosalind, junto de Donatella. Há bebidas cor-de-rosa e flores o suficiente para
pensar que andamos por um jardim no alto do verão, embora seja maio e o
tempo esteja nublado.
Elas se esforçaram para alegrar meu dia e fico feliz por isso. Feliz por
tudo que fizeram para que eu me sentisse em casa aqui, neste país estrangeiro —
inclusive trazer minha casa até mim.
— Se não me engano, na segunda… — Bianca responde em italiano e eu
aprecio o som da minha língua ressoando em meus ouvidos.
— Ele ligou para o papai, todo sério, dizendo que seria bom se
estivéssemos aqui para sua comemoração — Petra comenta,
despretensiosamente. — Ele mencionou que você andava deprimida desde o
ataque e achou que poderíamos te ajudar.
— Luca disse isso? — pergunto quase engasgada. — Para o nosso pai?
— Sim. E nosso pai falou para a nossa mãe, que ajeitou tudo em dois
dias. E aqui estamos! — O sorriso de Petra chega a ser obsceno de tão malicioso,
como se ela pudesse enxergar tudo que está por trás da atitude de Luca.
De qualquer forma, eu enxergo e sei bem que a motivação para sua
atitude não se limita ao significado de intimidade que minha irmã de quinze anos
tem em mente quando pensa em casamento.
E sei que é por que na segunda-feira, eu chorei feito uma criança porque
fiquei sozinha. Porque ele não estava lá. E quando chegou do seu treinamento,
ele me encontrou no chão do quarto, com uma faca escondida debaixo da perna.
Eu estava apenas aguardando que Rodrik aparecesse, como faz em meus
pesadelos, e me tomasse de vez, arrancando tudo que deixou vivo dentro de mim
e roubando tudo que eu consegui proteger durante o ataque.
Luca me acolheu e ajudou. E em nenhum momento depois que tudo se
acalmou, tocou no assunto.
Mas esse é o jeito dele, certo? Ele não vai vir até mim e dizer o quanto
possivelmente se preocupou ao me encontrar daquele jeito. Ele vai buscar fazer
algo que melhore, sem nunca deixar claro o quão ligado está no que se passa
dentro de mim.
O quanto se preocupa com o que acontece comigo.
Sinto um calor diferente quando este pensamento irrompe em mim e fico
em silêncio por alguns minutos, enquanto as meninas se ajeitam, apenas
encarando meus pés, sem ideia nenhuma do que está se passando dentro de mim
agora.
Eu acho que eu quero gritar.
Ou talvez dar pulinhos de alegria.
Chorar talvez combine também.
Luca se importa.
Ele se importa.
O quão doido é isso? O quão doido é pensar que não estou sozinha? Que
tenho ao meu lado alguém que me enxerga, alguém que sabe exatamente o que
poderia ajudar, mesmo sem perguntar?
E que essa pessoa é o homem a quem fui prometida sem conhecer?
Aquele que detestei até o limite em nossos primeiros momentos juntos, mas que
agora, ao se revelar como mais do que a máquina, do que o soldado, o mafioso,
me surpreende. Me prende.
Me deixa sem palavras.
Há bondade naqueles olhos. Há um bando de sentimentos aos quais ele
nunca dará nome, mas Luca não é apenas escuridão, dor ou sofrimento. Luca não
é o que Tony talvez pretendesse que fosse e por isso, eu sou grata agora.
Grata por realizar que estou casada com um homem e não um monstro.
Minhas irmãs falam algo sobre conhecer o Empire State, afirmando que
Matteo ficará com elas como supervisor (sem erros dessa vez!) e para resolver
alguns negócios pessoais na cidade e eu apenas concordo com tudo, sem me
aprofundar em qualquer assunto.
Estou distraída demais para meu próprio bem e quando descemos as
escadas, sou puxada pelo braço pela minha mãe, que ainda se acha no direito de
apenas fazer isso, sem maiores explicações.
Em seus olhos, a manhã toda, pude notar a presença indiscreta da
surpresa ao me ver inteira. Com certeza, ela não esperava por isso. Não comigo
casada com alguém como Luca Accorsi, conhecido por infinitas coisas, nenhuma
delas capaz de torná-lo o candidato ideal.
Mesmo assim ela, como meu pai, não viu problemas em me entregar
numa bandeja dourada a ele.
Não estariam em posição de reclamar caso eu fosse um completo
desastre.
Nem de sentirem qualquer orgulho por quem sou hoje.
— Posso ajudá-la em alguma coisa, mamãe?
— Você parece bem, querida — diz, no tom de voz comedido de sempre.
Os cabelos tão castanhos quanto os meus estão presos num coque alto, a
maquiagem forte o suficiente para esconder sua idade. Somos parecidas, mas
não há semelhanças no modo como encaramos uma à outra ou no castanho-claro
em nossos olhos. — Como foi o primeiro mês? Ficamos tão preocupados ao
saber sobre o ataque…
— Mas não vieram me ver — retruco e vejo sua surpresa exibida nos
pequenos detalhes. — Estou ótima, mãe.
— Seu pai achou que seria melhor não atrapalharmos sua adaptação e
tampouco que seria prudente trazer suas irmãs a um território tão hostil. Sabe,
elas são apenas meninas ainda… E são nossa prioridade.
— Tiveram medo de que Bianca e Petra se assustassem ao ver a realidade
do que acontece quando nosso mundo trata mulheres como objetos e
propriedades? — Rio pelo nariz. — Tanto medo que não apareceram?
— Rebecca, você é uma mulher casada agora… Não é de bom tom que
chore por não ter recebido colo da sua mamãezinha. — Verônica tem a coragem
de ironizar o que digo e eu sorrio, segurando qualquer gota de sentimento que eu
tenha sentido no último instante, seja ele bom ou ruim. Eu fico apenas no limbo,
encarando sua expressão zelosa, mas nada maternal. — Você ficou bem. E seu
marido deve tomar conta de você agora, não nós.
— Ele está tomando — digo, firme, sem pestanejar.
— Percebo… A mudança de comportamento certamente é resultado de
todo esse cuidado, certo? — Sua fala tem um tom sujo, como se eu fosse menos
por estar satisfeita e próxima do homem com quem sou casada e eu não suporto
o seu nariz em pé.
Se meu pai não faz o que deveria, não é problema meu.
— Só porque ele não me manda calar a boca toda vez que tento falar, não
significa que está fazendo algo de errado, mamãe. — Do mesmo veneno que ela
usa, eu me aproveito e as palavras saem, cortando minha boca e tudo no
caminho, na direção ao seus ouvidos.
Verônica parece perplexa por um segundo e eu vejo o modo como aperta
sua bolsa, os dedos coçando, a mente trabalhando para tentar entender como meu
atrevimento a afeta e de que modo poderia me castigar.
Mas não há.
Quebramos essa ponte quando me tornei a senhora de um homem como
Luca.
Seu nome me protege de qualquer um que saiba quem somos.
E eu me sinto radiante ao usá-lo da maneira que deve ser usado.
— Garotinha insolente…
— Você me dá licença, mãe? — interrompo antes que ela continue e meu
olhar desliza na direção da figura que me aguarda nos pés da escada, a pose
protetora e a atenção totalmente fixada em mim. — Acho que chegou a hora dos
parabéns.
Saio sem esperar que ela permita e em passos rápidos, me aproximo de
Luca. Ele apoia a mão na base das minhas costas ao me guiar para longe de
Verônica.
— Tudo certo? — questiona, a atenção captando todos os detalhes sobre
os quais não falo. Me sinto nua sob seu olhar.
— Sim, tudo ótimo — respondo e meu sorriso é extremamente falso.
Acho até que estou me tremendo um pouco.
Eu nunca a respondi daquela forma.
Eu nunca respondi ninguém daquela forma.
Luca não volta no assunto pois logo chegamos à sala onde o bolo está,
mas sei que ele não apagou a tensão que exibia em meus ombros ao falar com a
minha mãe. E sei bem que o brilho em seus olhos não era apenas de suspeita,
mas de certeza.
— Não acredito que prepararam tudo isso para mim… — elogio, me
aproximando da mesa de doces com um bolo redondo de no mínimo cinquenta
fatias no centro.
Dona, que observa minha reação, sorri.
— Você merece, cunhadinha — fala, apertando meu ombro. — Isso e
muito mais, claro.
Eu tenho várias lágrimas acumuladas mas não solto nenhuma, me
controlando com perfeição diante da surpresa de Dona.
Meio tímida pela quantidade gigantesca de olhares que me acompanham,
eu dou a volta na mesa e sem que eu precise pedir, Luca acende as velas e se
posiciona ao meu lado. Toda sua família observa a cena.
O feliz aniversário é cantado em inglês, então em italiano, com todos
entoando Tanti Auguri aos quatro ventos e batendo palmas, assobiando e
sorrindo. Eu me sinto tonta diante de tudo isso, com os olhos cheios de lágrimas
insistentes.
Eu me inclino para soprar as velas e sinto a mão protetora de Luca sobre
minha cintura. Ele não se afasta em nenhum momento e vejo seu olhar travar
uma rápida batalha com Matteo, do outro lado, antes de virarem-se para mim
novamente quando termino de soprar as velas e oficialmente chego aos dezoito
anos.
— O que você pediu? — Luca pergunta, com a mão apoiada sobre meu
quadril. Rindo, olho em volta e a resposta é tão óbvia que dói.
Mas eu estou orgulhosa, estou feliz e tenho esperanças. Isso é tudo que
eu poderia precisar.
— Isso — falo, rindo como uma criança. — Exatamente isso.
Então meus olhos se chocam contra os dele novamente e num
movimento impensado, ele me beija. Um beijo sem língua e casto, perto do que
trocamos normalmente e segura meu rosto, mantendo-me grudada enquanto
todos comemoram a cena.
E eu tenho a certeza de que não teria como pedir por nada além disso.
Nada.
DEZANOSATRÁS
Quebrado no chão, é difícil pensar em qualquer coisa que não na dor que
se espalha por todos os membros do meu corpo e me toma por completo, me
tornando inútil no chão.
Meu maior objetivo no momento é ficar de pé, mas isso parece estar fora
de cogitação, pela forma como sinto meu braço latejar numa dor maçante, que
causa pontos brancos em minha visão.
Meu pai não teve pena dessa vez. Nenhuma.
E ao sair, não se preocupou em me arrastar junto. Muito menos em
ordenar que qualquer um de seus soldados me erguesse, exercendo uma mísera
gota de misericórdia. Ele apenas me deixou aqui. Como nada. Como merda.
No entanto, nem todos conseguem ser tão ruins quanto deveriam. Quanto
se esperava que fossem.
O som de passos contra o chão da sala de lutas do Galpão me puxa para
longe da escuridão na qual estava prestes a mergulhar, considerando que mal
posso sustentar mais um segundo de dor e eu abro os olhos, buscando pelo dono
dos sapatos de bico fino que cruzam a sala, da porta até aqui.
Por um segundo, temo que seja meu pai, vindo apenas para me massacrar
um pouco mais, mas quando sinto a pressão de duas mãos em minhas axilas, me
colocando de pé, sei que não pode ser ele.
Ele nunca viria me juntar.
— Ei, garoto… Fique acordado. Vou te levar até a sua mãe, certo?
A voz de Estevan Ramirez, um primo distante do meu pai, me faz tentar
murmurar alguma coisa, mas nada muito conexo sai. Ele não liga para isso e me
levanta sem esforço algum, carregando-me em seu colo. A luz da sala já está
apagada e não posso ver sua expressão enquanto faz isso, mas acho melhor
assim.
Eu não gostaria de ver nenhum terço de pena ou deboche em seu rosto
por ter de carregar o futuro Capo da Accorsi para casa nos braços. O fraco filho
de Antônio, o merda que ele abandonou.
Como se Estevan tivesse calculado tudo, não encontramos ninguém nos
corredores. Alterno entre abrir os olhos e fechá-los, mas mantenho minha
consciência e tento não demonstrar estar todo ferrado por dentro para que
Estevan não pense que preciso de ainda mais ajuda.
— O meu pai… — tento falar quando ele me coloca no banco de trás do
seu carro e me trata como a criança que sou, passando o cinto. Aos nove, sou
muito menor do que ele, um soldado perfeitamente treinado, um dos melhores
homens do meu pai. Alguém que não deveria ir contra suas ordens.
— Não se preocupe com ele, garoto — responde e fecha minha porta.
Logo está no banco de motorista e meu corpo relaxa aos poucos, permitindo que
a dor assuma e me derrube. Fazendo o que nunca mais deveria fazer, confio que
Estevan me levará exatamente para onde disse que iria e apago, sem aguentar
mais um segundo de agonia.

Quando chegamos em casa, minha mãe nos recebe na garagem. Seu rosto
não demonstra nada além do mais óbvio terror e eu tento parecer um pouco
melhorzinho quando ela coloca suas mãos ao meu redor, abraçando-me como se
tivesse a certeza de que nunca mais iria me ver.
Seu choro é estrangulado, quase sufocante e eu vejo a expressão de
Estevan, ainda sentado no banco de motorista, observando a cena. Observando o
alívio de Rosa.
— O que ele fez com você, meu bebê? — Ela toca meu rosto como se
fosse de vidro e eu vejo um pouco do meu sangue manchar seus dedos,
escorrendo entre seus anéis. A aliança de casamento continua ali, intacta e
brilhante. — O que aquele monstro teve coragem de fazer a você, meu filho?!
Eu entro em estado de alerta imediatamente e corro meus olhos para o
soldado fiel de Antônio. Ela não deve se arriscar desta forma.
— Estou bem, mãe…
— Antônio o deixou na academia após uma lição, Rosalind — A voz de
Estevan se sobressai as nossas. — Deu ordens de que não deveríamos tirá-lo de
lá, a menos que…
O soldado não termina sua explicação e eu vejo no rosto temperado em
fúria de minha mãe que não precisa. Todos sabemos o que Tony deve ter dito.
A menos que ele morra.
— O sangue me preocupou e sinceramente, acho que quebrou o braço. —
O soldado continua. — O seu…
— Já chamei o médico. Ele está a caminho, eu só… Por favor, me ajude
a tirá-lo daqui. Preciso colocá-lo em seu quarto.
— Tony está? — Estevan pergunta e eu pareço ter me tornado mero
coadjuvante diante dos olhares que ambos oferecem um ao outro. Não entendo
bem o que acontece, mas há algo aqui. Algo como confiança. Algo como…
— Hoje é dia de estar com Mikaela. — Rosalind diz em desprezo e me
liberta do cinto. Mesmo tendo nove anos, já sou grande demais para seu corpo
frágil e ela não consegue me carregar.
Vendo seu esforço, Estevan desce do carro e me toma nos braços antes
que ambos despencássemos contra o chão da garagem silenciosa.
O soldado me carrega nos braços sem esforço nenhum e eu vejo minha
casa passar num borrão até estarmos no segundo andar, onde ele me deita sobre
minha cama. Grunhidos tímidos de dor escapam da minha boca quando meu
corpo se acostuma com a nova superfície e engulo o choro, vendo como meu
braço está ferrado.
Mas minha mãe chora como se a dor fosse nela.
— Eu vou matá-lo — fala, com um tom decidido o suficiente para me
fazer arregalar os olhos. — Eu juro por Deus, Luca, por você e por seus irmãos,
que eu vou matá-lo..
— Mãe, não diga coisas como essa na frente de um soldado, por favor…
— choramingo, temendo que Estevan saia daqui e vá direto até ele, contar tudo.
Ganharia uma estrelinha por entregar a esposa do Capo dessa forma. Talvez
ganhasse até a chance de dar o tiro de misericórdia em seu corpo depois que meu
pai a castigasse. — Ele vai machucar a senhora…
— Não tenha pensamentos como esse, Rosalind, por favor. — Estevan
pede, a voz calma, terna, de um jeito que nunca escutei antes. Mamãe dá voltas
no quarto e eu me pergunto onde estarão Lorenzo e Donatella, ou os bebês
Leonardo e Marcus, de três e um ano. Se estão seguros. — Mantenha a calma.
— É o meu filho que está nessa cama, Estevan! O meu filho! E Tony
acha que pode… Acha que pode fazer isso com uma criança? Acha que pode
machucá-lo dessa forma por não cumprir suas ordens maníacas desgraçadas?!
Eu tento falar, mas não consigo. Está doendo demais e agora eu só quero
chorar, não importa o quão fraco isso me torne. O quanto Estevan nunca vá me
respeitar como seu futuro chefe depois de me ver nesse estado. Eu não me
importo.
Eu só tenho nove anos e meu pai me bateu. Eu quero chorar.
Então eu choro. Copiosamente, sem fôlego, sem pausa, eu choro,
derramando toda minha dor sobre os ferimentos, tornando o rosto da minha mãe
num espelho da minha própria dor, enquanto ela se aproxima e tenta me acalmar,
me puxando para seu abraço, esquecendo toda raiva que a dominava há um
segundo.
— Vai ficar tudo bem, amore mio… vai dar tudo certo. Irá parar de doer
em um segundo, a mamãe promete…
— Eu não quero que ele te machuque, mãe… — falo, soluçando e me
agarro nela com um braço só, não importa o quanto dia fazer isso. — Por favor,
mãe, não faça nada…
Ela me abraça com ainda mais força depois disso.
— A mamãe não vai a lugar nenhum, amor… está tudo bem.
— Ele vai fazer o mesmo que fez comigo a senhora… — murmuro,
chorão, engasgado em lágrimas — Porque eu fui fraco, mãe. Porque eu não… eu
não consegui me levantar do chão e Estevan precisou me tirar de lá… E eu sou
uma vergonha, mamãe. Eu o envergonho e coloco a senhora em perigo… E eu…
— Ei, Luca… Luca? Pare com isso! Agora!
Ela me segura pelos ombros, estrategicamente onde não dói e eu tento
parar de chorar, mas ainda não consigo. Então ela sobe as mãos até meu rosto e
com carinho, cuidado e uma atenção que nunca esquecerei, faz carinho sobre os
machucados de uma forma que não doam, esfregando minhas lágrimas para
longe.
— Escute bem o que vou dizer a você agora, ok? Não importa o que seu
pai disse, não importa o que saia da boca daquele homem… Não há vergonha
nenhuma em precisar de outras pessoas. Vergonha nenhuma em confiar em outra
pessoa. E não há erro nenhum em se permitir sentir as coisas. Está certo? O seu
pai não passa de um monstro cuja alma foi levada há muito tempo, Luca, mas
você é o meu filho. E eu não vou permitir que ele destrua tudo de bom que vejo
em você, meu amor.
— Eu deveria ter me cuidado sozinho…
Ela toca minha nuca e esconde meu rosto na curva do seu pescoço. A
essa altura já não sei se Estevan ainda está aqui ou não. Parece que somos apenas
nós dois e eu aceito isso. Aceito seu amor, seu carinho e seu cuidado.
— Não há problema nenhum em precisar que os outros cuidem de nós às
vezes. É para isso que a família deve servir. Sempre.
E eu faço questão de não esquecer desse conselho.
— Você fez mesmo tudo aquilo por mim?
A pergunta de Rebecca assim que cruzamos a porta da cobertura me pega
de surpresa e desatento, olho para seu rosto, tentando entender de onde vem a
curiosidade. Sou capturado pelo seu olhar no primeiro instante e fujo logo
depois, me dedicando a livrar-me da jaqueta pesada — um pouco molhada da
chuva que pegamos ao sair da mansão — e tiro os sapatos.
— Não fiz nada demais.
— O que…? Luca, você fez algo incrível!
A sua voz expressa encanto e algo além, que me incomoda. Admiração.
Como se eu fosse digno disso…
— Chamou toda minha família porque sabia que eu precisava vê-los, não
é?
Eu não respondo. Ao invés disso, caminho até o sofá, onde pedi que
Mathias deixasse o que reservei há alguns dias.
Rebecca me segue, mantendo uma distância controlada.
— O que é isso? — pergunta, conduzindo toda a conversa, enquanto eu
pego o pacote com um laço rosa, separando-o do segundo, um pouco maior.
— São meus presentes para você — explico, cuidando de sua reação.
— Você não precisava gastar dinheiro comigo…
— Sério mesmo que você acha que dinheiro é um problema? — penso
por um segundo. — É por isso que não usa os cartões que te dei?
Há algumas semanas, os cartões que pedi na lua de mel chegaram. Eu os
entreguei em sua mão, mas tudo que Beca faz é gastar no débito e quantias
mínimas. Quantias que certamente não se adequam ao padrão de vida que
sempre teve e deve continuar tendo agora.
— Eu não quero usar algo que é seu…
— Nosso, Rebecca. O meu dinheiro é o nosso dinheiro — corrijo, um
pouco irritado demais para o momento. Ela se encolhe. — Me incomoda que
pense que não posso te comprar um presente ou que não possa gastar no que
quiser. Eu pareço pobre para você?
— Não. Longe disso…
— Então aceite o que tenho a te oferecer — falo, num tom próximo de
ordem. Se ela se ofende, não demonstra e eu realmente espero que não tenha,
pois não foi com essa intenção que falei. Apenas quis deixar claro.
Me sento no sofá e a entrego o primeiro pacote.
— Primeiro esse — indico e como uma criança que foi malcriada, Beca
se aproxima e senta ao meu lado, aceitando o presente. Eu tento não rir da sua
cara de quem fez merda e a observo desfazer o laço. — Sem bombas dessa vez
— garanto e vejo sua careta se abrir num sorriso.
Só dois perturbados para rirem de uma situação como essa, mas é bom
ver leveza em seus ombros. Pelo lado positivo, saímos vivos. Não há motivos
para remoer aquilo.
— E para que eu não seja egoísta e leve todo o crédito... — Ela me
encara rapidamente e posso ver o que diz através dos seus olhos “como se isso
fosse problema pra você”. —, Donatella me ajudou a escolher.
Ela sorri ainda mais depois disso, como se fosse especial ter duas pessoas
teimosas discutindo qual seria o melhor presente para ela e ao abrir a tampa da
caixa larga de veludo, parece encantada e imagino Donatella ao saber que a
minha escolha foi a melhor.
É uma gargantilha de diamantes, fina, e delicada, mas que não deixa de
ter custado uma fortuna. Ainda assim, sem problemas. Teria pagado o dobro para
vê-la usando o que fosse que a fizesse feliz.
Merda.
Tentando me distrair rápido, não penso nas implicações do que acabo de
pensar.
— É tão linda, Luca… — suspira, como se estivesse sem fôlego. Seus
dedos passam por cima das pedras e ela analisa uma a uma, com cuidado e
atenção. — Tão, tão linda…
— Donatella falou que as mulheres sempre deveriam receber três coisas
em seu aniversário…
Eu me inclino e pego o segundo pacote. Aquele que estava atrás dela.
Beca acompanha meu movimento e ambos prestamos atenção na caixa de
madeira marcada com seu nome.
Rebecca Accorsi.
Mas seu sorriso some assim que abre a pequena fechadura da caixa e
enxerga, envolvida por espuma, uma arma.
Mais especificamente, uma Beretta 9mm, preta, para que não se destaque
de tudo que leva em sua bolsa.
— … as primeiras duas coisas são joias e armas — continuo a frase e a
vejo tocar o cabo da arma, tirando-a da caixa. Me lembro dos berros de
Donatella sobre a não necessidade de personalizá-la com um cabo rosa e vejo
sentido nisso agora. Foi um inferno fazer compras com a minha irmã, mas nisso
ela tinha razão. Talvez o rosa assustasse Beca.
— Você me deu uma arma — diz, em choque. — E eu nem sei atirar,
Luca…
Seu rosto inteiro se contorce em algo que me diz que está indo de volta
às memórias do que aconteceu no outro dia, quando ela não conseguiu disparar.
Eu me apresso em puxá-la para longe deste momento.
— Você sabe o básico. Carregar e mirar. Também sabe para que serve o
gatilho — indico cada parte da arma e ela acompanha meus dedos. — E terá
aulas com Estevan, um de nossos soldados, no Galpão.
O seu olhar procura o meu no mesmo instante e me preocupo em ver algo
que me desaprove dentro deles, mas por sorte, não encontro. Há apenas algo que
não reconheço. Ou que talvez prefira não enxergar na maioria dos dias.
Medo.
— Eu não…
— Ele ensinou Dona, Max e Lorenzo e ensinará aos meus outros irmãos.
É um ótimo professor.
— Ele não foi o seu professor? — questiona, com a suspeita clara no
modo como franze o rosto. A arma continua em suas mãos.
— Tive lições com Antônio — simplifico e ele não procura saber mais.
Sem precisar dizer, concordamos em não estragar o bom clima que nos rodeia
agora.
— Ele vai querer me matar quando ver que não sou nem mesmo capaz de
atirar — despreza a si mesma e eu balanço a cabeça, negando no mesmo
momento.
— Ele é o melhor soldado e o melhor professor. Contanto que você não
faça como Max, que acertou seu pé na primeira aula, ficará tudo bem.
Não conto a ela que Estevan é o melhor por motivos que vão além da
concepção que qualquer um fora da bolha tem de um bom soldado. Além de ser
habilidoso, por tudo que já fez, é possível saber que tem algo que falta em
muitos de nós: empatia.
— Max fez isso?
Eu rio.
— Max era péssimo, Beca. Ele demorou uns seis meses para conseguir
acertar um alvo parado. Sinceramente, Estevan fez milagre…
Minha esposa ri, reagindo como se descobrir que Max é capaz de falhar
mesmo sendo um de nós, assim como todos os seres humanos podem, fizesse-a
se sentir bem.
E eu gosto de ver como seu rosto se abre quando ela sorri sem se
importar com nada, nem com quem está ao redor. Rebecca foi criada para agir
como a dama perfeita na frente de todos e saber que comigo, ela se permite
deixar sair o que realmente sente, é bom. Bom de um jeito que me deixa
intrigado. Bom de um jeito com o qual não estou acostumado.
É isso que eu quero ver.
Grande parte da hipocrisia do nosso mundo está em querer manter as
mulheres comportadas, reprimidas, caladas, enquanto soltamos nossos demônios
diariamente e entregamos a elas o fardo de carregar o nome da família com
honra, como se fosse sua responsabilidade purificar-nos, como um homem de
verdade nunca deveria fazer.
Não que eu queira que ela saia do que se é esperado. Que ela se rebele.
Mas quero que ela seja feliz, pelo menos em momentos como este, quando
estiver apenas comigo, quando formos apenas nós dois e nada além disso
importar.
Eu nunca desejei uma mulher como a desejo e ao mesmo tempo em que
isto me anima, me assusta. E eu não estou acostumado a ficar assustado.
O que significa me sentir inteiramente conquistado pela mulher que está
a minha frente?
O que significa não conseguir desejar nenhuma outra, nem pensar que
seria capaz de deixá-la desprotegida ou sozinha a qualquer minuto?
O que significa sentir que minha única missão nessa vida fodida do
cacete, desde o dia em que coloquei um bendito anel em seu dedo, é torná-la a
mulher mais feliz da porra do mundo inteiro, sem permitir que nada lhe alcance,
nem perturbe?
Fodido.
Eu estou fodido, porque me apaixonei pela mulher com quem me casei.
E não sei como devo lidar com isso.
— Já podemos ir dormir agora? — Beca pergunta, depois de falar uma
série de coisas com as quais apenas concordei. Acho que me perdi dentro dos
seus olhos em algum momento. — Tudo que eu quero é um banho.
— Ainda falta um presente.
Ela parece chocada por um segundo, até entender que as aulas foram um
complemento do segundo. Decidido, então, a não deixar o que se aquece dentro
de mim e revira tudo que mantive calmo por tanto tempo, suma, eu tiro os
presentes da sua mão e a seguro, puxando-a para longe do sofá.
— O que mais você poderia me dar hoje, Luca? — pergunta, como se o
mundo fosse tão pequeno assim, e eu não fosse um filho da puta do cacete capaz
de colocá-lo todo aos seus joelhos apenas para vê-la sorrir.
No entanto, eu não respondo até estarmos no segundo andar e depois,
dentro do nosso banheiro. Posiciono Rebecca no centro do cômodo e vou até o
chuveiro. O box é de vidro e ela pode me ver enquanto giro o registro,
permitindo que a água caia.
— Sexo — digo e a resposta soa tão leve e sincera, que a faz rir,
chacoalhando os ombros. Eu chuto os sapatos e puxo a camisa, jogando-a longe.
Beca acompanha o trajeto da camisa com as bochechas virando.
— Donatella quem sugeriu que isso seria um ótimo presente também?
— Nah, nesse eu pensei sozinho. — Sorrio, vendo o modo como seu
corpo dá pequenos sinais em reação a mim. Os mamilos enrijecem, não
consegue manter as pernas separadas, a boca se abre e o olhar foca, as íris acesas
como fogo. — E gostaria de levar todo crédito.
Usando apenas a calça, me aproximo da minha bela esposa, que ainda
está toda escondida em seu bonito vestido de aniversário, parecendo a garota
comportada que gosta de ser e a garotinha que seus pais adoraram ver, sem ter
ideia do monstro que eu tiro da jaula aos poucos.
O sorriso guloso em seu rosto quando me aproximo e toco sua cintura,
espalhando o toque dos meus dedos sobre sua carne ansiosa para me sentir,
entrega isso.
— Mas se você estiver muito cansada…
— Não — fala, fazendo meu corpo reagir. — Você pode começar a pedir
pelos créditos.
Então eu faço exatamente o que ela pede e levo meus dedos até a parte de
trás do vestido. A umidade da água quente começa a subir pelas paredes e eu
poderia dizer o mesmo de seu corpo. Posso sentir a antecipação, a respiração
entrecortada quando minha mão invade o tecido fino do vestido após abrir o
zíper lateral, forçando caminho até seus seios pesados e suculentos.
Os peitos mais lindos que já vi.
Beca não se move e eu empurro o vestido, revelando uma peça fina de
renda, que em nada me agrada, embora contribua para a beleza da visão. Eu a
tiro, colando meu peito no dela e atiro longe a lingerie, para o inferno, que seja.
Sua respiração bate contra a minha nuca e eu subo a outra mão, que não está
apertando e tocando seu peito, para sua cabeça, agarrando seus cabelos. Ela
grunhe quando puxo forte demais e eu deposito um beijo na pele descoberta,
chupando-a com a minha língua, enquanto sinto seu calor começar a se espalhar
por seu corpo e emanar para o meu.
Com o pau duro, preciso me controlar, mas sua boceta quente me atrai e
eu passo meus dedos por cima da calcinha. Ainda não sinto a umidade que eu
gostaria e faço círculos sobre seu grelo, sentindo seu corpo responder ao meu
com leves gemidos baixos.
— Você pode gritar, se quiser, amor.
A voz de Beca falha.
— Então me dê motivos — arrisca de volta e meu corpo se enche de um
tipo muito perigoso de chama, aquela que combina perfeitamente bem com meu
orgulho.
Roubo um beijo de sua boca avermelhada e quando ela responde a ele,
consumindo-me com o mesmo desejo com que a provo, me afasto, deixando-a
com os lábios inchados entreabertos e praticamente implorando por mais apenas
com os olhos.
Me ajoelho à sua frente e escorrego meus dedos pela sua barriga,
levando-os até a barra da sua calcinha. É branca, fina e mal cobre os pelos que
ela prefere manter. Eu não me importo com eles e quando roço os dedos contra
eles, sei que ela sente.
Volto para sua calcinha e a puxo pra baixo, passando o tecido pelas suas
coxas grossas que poderiam me sufocar até a morte — e eu agradeceria —,
terminando em seus pés, com as unhas pintadas de vermelho.
Gosto como tudo em Rebecca é provocativo quando se observa os
detalhes, as nuances, e as camadas, mas nunca óbvio. É a calcinha fina, o sutiã
quase transparente, as cores ousadas que escolhe de batom ou esmalte e o modo
embriagado como me olha quando estou afundando a boca na sua boceta e a
cumprimentando com minha língua gentil, deslizando por toda extensão de sua
fenda, chupando-a com vontade absurda de sentir seu gosto e fazê-la gozar na
minha cara.
Sua respiração falha no primeiro segundo e eu agarro suas coxas,
escorregando até sua bunda, quando ela corre para se recostar contra a parede e
eu subo uma de suas pernas para meu ombro. Minha língua suga cada canto que
encontra e eu a beijo com vontade o suficiente para que enfim grite.
E meu corpo inteiro se aquece com isso.
Porra, que doença é essa de ficar excitado por que minha parceira está
excitada? Que porra de vontade do caralho é essa de querer que ela berre até se
esgoelar, com as pernas bambas e o corpo inteiro suado, comigo dentro, perto ou
apenas a lambendo, como faço agora?
Italiana desgraçada do caralho.
Fodeu a minha vida e agora está fodendo a minha cabeça.
Chupo com mais vontade, mais força, mais motivação. Cravo as mãos na
sua bunda grande e a trago para mais perto, assistindo seu corpo se encher, seu
peito inflar e sem conseguir me conter, aperto um de seus seios, enquanto minha
língua gira sobre seu clitóris e faço pressão o suficiente até que goze, acariciando
seu mamilo rosado e duro, com sua boceta doce na boca.
Quando fico de pé de novo, seu corpo reflete o suor que causei e ela mal
pode manter os olhos abertos. Gosto disso e gosto ainda mais quando ela me
puxa para frente e fecha a boca na minha, permitindo que eu suba suas pernas até
encontrarem minha cintura. Meu pau duro lateja contra sua boceta quente e
molhada e eu quero fodê-la tanto e tão forte que preciso de um segundo antes de
gozar sem nem ter lhe sentido direito.
Era só o que faltava daí...
Finalmente, caminhamos até o box e eu coloco nossos corpos debaixo da
água. Aperto sua bunda, estapeio um dos lados e ela grita e ri, passando a mão
sobre meu cacete duro, adorando senti-lo assim.
Beca ri, feliz pela grata surpresa e enrola a mão ao redor da minha cabeça
rodada, lambuzada do líquido que sai antes de gozar. Eu sinto sua mão macia
escorregar por todo o meu comprimento e pressiono meus dedos contra sua
boceta, investindo, deslizando por seus lábios, enquanto ela geme e arfa com as
costas arqueadas contra a parede e os olhos entreabertos. A água caí entre nós
dois e falha em tentar conter o fogo antes que ele nos consuma.
— Você é tão grande, amor… — sussurra contra meu ouvido e meu
corpo inteiro entra em pane. Eu rosno, investindo contra o centro das suas pernas
pela primeira vez. Meu pau desliza e ela geme, mordendo o lábio. — E eu gosto
tanto quando você me chama assim… — diz, ronronando contra meu ouvido, a
boca escorregando contra minha pele. Chorosa, quase implorando que eu a foda,
ela fecha os braços ao redor do meu pescoço e beija meu peito.
— Eu gosto tanto de você, Luca… — confessa e eu ignoro a resposta do
meu corpo a isso. Ignoro sua confissão de olhos entreabertos, ignoro o que
significa que ela goste de mim. Ignoro o peso de saber que irei destruir essa
garota se me tornar quem estou destinado a ser.
Porra.
Fecho a mão ao redor dos seus cabelos mais uma vez, deixando o seu
rosto livre para mim e subo seu rosto para que ela possa me enxergar
completamente quando digo:
— E eu gosto de você, Rebecca.
Como se estivesse embriagada, ela ri, e eu me afundo nela, empurrando
meu pau até o fundo, fechando a boca ao sentir seu calor me receber, sua boceta
molhada me apertando com força.
Ela geme contra meu ouvido, agora de verdade e por completo, como se
eu lhe desse tudo que sempre quis e eu fecho a boca em seu ombro, tentando
controlar as batidas do meu coração e a minha vontade de ir até o fim. Ela geme
em um grito quando aumento a velocidade e rindo, enquanto geme, diz:
— A água do planeta vai acabar…
Sorrindo, viro seu corpo e ela bate contra a parede. Agarro seu cabelo e
ela geme, empinando a bunda, na qual eu bato, apenas porque posso, porque
quero, porque é meu.
— Que se foda o planeta.
Desesperado para senti-la, entro nela por trás e Beca grita seu gemido,
com minhas bolas batendo contra sua bunda.
Ela curva seu corpo contra a parede e a água cai em minhas costas, mas
que se foda toda essa merda. Eu a fodo do jeito que quis desde o início e ela
amolece, quase grata por isso. Seu corpo me recebe e eu passo a mão sobre sua
boceta, feliz demais em senti-la molhada enquanto me afundo nela, fazendo-a
gritar.
Invoco todos os palavrões que me lembro, penso em qualquer porra,
tento não encarar sua bunda gostosa sacudindo com meu pau passando no meio
dela, mas nada adianta e eu gozo, liberando-me por inteiro dentro dela. Beca
ainda está gemendo e eu a ajudo a atingir o clímax com os dedos, sentindo o
exato momento em que derrama seu prazer para fora.
E é uma bela forma de encerrar o dia.
O dia seguinte amanhece diferente e eu gosto de acordar com leveza, me
sentindo feliz sem nenhum motivo específico além de ter fodido e festejado com
minha esposa.
Eu acordo antes dela e posso enxergar sua beleza calma enquanto dorme.
Penso em acordá-la com um pouco mais de diversão, mas minha fome ganha do
meu tesão e eu deixo a cama sem perturbar Rebecca e seu sono precioso.
É bom estar em casa e eu desço as escadas sem esperar nada fora da
rotina que criamos. Mas não é nada disso que recebo, pois encontro Max sentado
em minha cozinha.
Comendo meu cereal.
Sem camisa.
— Que porra—
Ele levanta o rosto e sorri ao me reconhecer.
— Oi, primo.
— Que merda você está fazendo aqui, Max? — Confiro o relógio na
parede. — Não são nem dez da manhã, seu psicopata!
Eu caminho até a geladeira e pego um galão de leite. Puxo uma tigela dos
armários e roubo meu cereal de volta.
Parecendo meio desnorteado, além de vítima de uma ressaca, ele coça
sua nuca e foge com o olhar do meu.
— Hmm, eu meio que… dormi aqui.
— Quê? Por que você…
Um. Dois. Três.
Demoram três segundos até que eu junte dois mais dois.
— Vai se foder, Max.
— Eu posso explicar como aconteceu!
— Você acha que eu quero saber como aconteceu?
— Eu só estava trazendo-a da casa dos seus pais, eu juro! Só que ela
tropeçou ao sair do carro e eu precisei carregá-la até aqui em cima, porque nem
você, nem sua esposa atendiam ao telefone, e… — Ele parece frustrado ao
chegar à conclusão óbvia. — Porra, as coisas acabaram acontecendo.
— Acha que “as coisas acabaram acontecendo” é uma boa desculpa,
seu fodido do cacete?
Ele encolhe os ombros.
— Acho?
— Vai se foder. De novo. Burro do cacete. Idiota. Estúpido. Você fodeu a
filha do consigliere da Cosa Nostra. Pela segunda vez!
Ele tosse e eu sei que vem bomba.
Sempre vem.
— Ah, não, Max…
— Você passou dias fora! Ela ficou sozinha na cidade! O que você
pensou que ia acontecer?
Jogo todas as frutas da cesta em cima dele. Consecutivamente. E acerto a
maioria.
— Ei, porra! Para! — esbraveja, mas essa duas vezes antes de me contra-
atacar. — Você tem que pensar pelo lado bom: não é como se eu pudesse romper
o hímen dela duas vezes, certo?
— Você é um homem morto — dou de ombros. — Espero que saiba
disso.
— Vai ter valido a pena — responde e seu sorriso é podre de tão
malicioso e sujo.
— Espero que já tenha separado o smoking, então, por que você vai ser
obrigado a se casar com ela assim que o pai dela descobrir.
— Vira essa boca para lá, seu idiota!
Eu como algumas colheradas de cereal e o ignoro. Ele não faz o mesmo e
parece estar me analisando, como o filho da mãe enxerido que é.
— Se bem que você parece bem satisfeito como um homem casado…
Eu preciso analisar seu rosto por um segundo para entender onde quer
chegar.
— Vocês nos escutaram?
— Acho que o quarteirão todo escutou, primo.
Eu sorrio.
— Que bom.
— Podre — ri.
— É você, fodendo garotas que não deveria.
Rindo, como o idiota que é, sem medir nenhuma consequência, ele ergue
sua tigela e bate contra a minha.
— Um brinde a nós dois, então, primo, caindo no encanto dessas
italianas ardilosas…
E eu prefiro deixar todo o estresse para depois do almoço.
— Rebecca! Rebecca! Amiga! Oi! Per Dio, eu preciso muito que você
acorde! E preciso que seja agora…
Sabe quando você está dormindo e no fundo, escuta uma voz te
chamando? Como se você ainda estivesse sonhando, preso dentro da sua própria
cabeça com um eco que não vai embora e atrapalha o seu sono, até se dar conta
de que a voz não vem de dentro, mas sim de fora, te forçando a abrir os olhos
para entender o que está acontecendo?
É exatamente assim que me sinto quando Luna vem ao meu quarto e me
desperta, empurrando minha perna, como um cachorro insistente. Preciso piscar
algumas vezes, me situando ao universo, a luz do sol que invade pelas janelas
abertas, consciente do frio que me cobre de repente e a minha noção imediata de
que estou nua por baixo do lençol branco.
Antes que Luna possa ver mais do que deve, agarro a borda do tecido e o
puxo para cima. De todo jeito, ela não está nenhum pouco consciente da minha
nudez e eu entendo por que quando enxergo seus olhos inchados, o cabelo preso
num coque que se desmancha mais a cada segundo e o uso de uma camisola
meio amassada, que não indica, de forma alguma, que teve uma boa noite de
sono.
— O que houve? Algo aconteceu?
Me sento na cama de imediato e continuo segundo o pano contra meus
seios. Meu cabelo cai sobre meus ombros e eu me sinto leve de um jeito
esquisito, enquanto tento me concentrar na expressão chorosa da minha amiga.
— M-Max… — fala, gaguejando.
— Max? O que tem ele?
— E-e-eu e e-ele, nós… — Ela funga com o nariz e coça. Os olhos
castanhos brilham com as lágrimas e eu não entendo nada.
— Desembucha, criatura!
— Nós transamos, amiga…
Então ela começa a chorar copiosamente e eu preciso de alguns segundos
em silêncio enquanto absorvo a bomba que ela joga sobre meu colo, assim, sem
aviso. Acho que não consigo nem somar dois mais dois agora, mas Luna falou
como se eu fosse capaz de entender que diabos ela fez.
Max.
— Você ficou com o Max? De novo?
— S-s-sim… — chorando, encolhe os ombros, reconhecendo a burrada
que acaba de fazer. — Eu precisei que ele me ajudasse a subir e nós acabamos
ficando. E eu nem sei como isso aconteceu!
— Per Dio… — Tento ajeitar meu penteado ou descobrir que horas são,
olhando em volta, mas não consigo nenhum dos dois. Então, enquanto minha
amiga chora e eu não faço a mínima ideia do que fazer, um pensamento imediato
me ocorre.
— Meu irmão está na cidade.
Luna chora ainda mais.
— Eu seeeei….
E eu entendo do que o choro se trata.
— Estive com ele ontem à noite, na sua festa, hm… Nós conversamos. E
eu me senti tão mal por apenas olhar nos olhos dele, Beca… Como se eu o
estivesse enganando depois de tudo! Como se eu fosse… menos. Menos do que
ele me toma como.
— Não havia motivos para isso, Luna, não há como ele saber que você se
deitou com outro antes do casamento…
— Claro que não havia! — Ela limpa mais algumas lágrimas e olha para
meu rosto antes de derrubar a bomba final: — Por isso que eu contei!
— Você fez o quê?!
— Não sou eu que irei enganar o herdeiro da Cosa Nostra e fazê-lo
acreditar que sou a futura esposa dos seus sonhos ou uma mulher que não toma
suas próprias decisões… Eu apenas fui honesta. Com ele e comigo. Fiz o que
deveria fazer.
— E ele? — Estou tão concentrada agora que é difícil pensar que estava
dormindo há menos de dez minutos.
O sorriso triste de Luna fica ainda mais deprimido quando exprime sua
dor, sua ofensa e sua memória na resposta que pedi:
— Disse que eu era uma vagabunda.
Oh.
Eu não esperava isso.
Por um segundo, fico sem resposta. Nem reação. Eu apenas encaro Luna,
minha melhor amiga, chorando após contar ao meu irmão sobre ter dormido com
meu primo, sobre ter feito suas próprias escolhas antes de permitir que fizessem
por ela, assim como tomaram por mim.
E ele a xingou.
Pensando em quem Matteo é, no meu Matteo, é difícil acreditar nisso.
Mas além de ser meu irmão mais velho, aquele que sempre me protegeu para
que eu fosse a melhor dentre todas as outras garotas da minha idade, Matt
também é o filho de nosso pai, um homem criado sobre os limites rígidos da
Cosa Nostra e um futuro Capo.
— Eu sinto muito, Luna — digo, pois qualquer outra palavra seria em
vão, mentira ou enganação. E não precisamos disso entre nós duas.
Reconhecemos a situação pelo que ela é. — Talvez ele tenha dito de cabeça
quente. Talvez hoje ele se arrependa e—
— Você sabe que eu sei que ele sempre gostou de mim, certo? E que o
sonho da minha mãe era que eu me casasse com ele? Que fosse mãe dos seus
filhos? — continua a chorar, mas agora, consegue dialogar, como se doesse
menos — Mas nunca foi o meu, Becky… Nunca foi meu sonho me tornar a
esposinha perfeita que alguém como Matteo precisa e deseja. Ficar presa, sem
conhecer o mundo, sem sentir a vida! Eu sempre quis isso, sabe? O poder de
fazer o que diabos eu quisesse. De ser minha própria dona.
Eu apenas a observo enquanto fala.
— Então, me diga, por que eu me sinto tão culpada por ter feito isso? Por
que sinto que fiz tudo errado?
— Porque talvez você saiba, assim como eu, que Matteo te aceitaria de
qualquer jeito. Com perfeição ou sem.
Minha confissão pesa o clima ao nosso redor e eu vejo o quanto minha
amiga concorda comigo quando se debruça sobre mim e me abraça, procurando
por conforto.
— Eu estraguei tudo… — diz, agarrada em mim.
E eu não discordo.

Como havíamos marcado na noite passada, eu vou almoçar com meus


irmãos. Mas o que era para ser um almoço tranquilo de reencontro, conosco
compartilhando novidades dos três meses que passamos separados, reparando
nas pequenas diferenças e apenas aproveitando o momento em um dos melhores
restaurantes da cidade — indicação direta de Luca, que pavimentou toda a
calçada com seguranças e colocou Mathias grudado à minhas costas — se torna
um momento esquisito com a presença de um fantasma sobre o qual não sei
como entrar em discussão com meu irmão.
Nunca falamos dessas coisas antes, pelo menos não diretamente, e eu
posso imaginar o quão delicado seria apenas perguntar a ele como está se
sentindo após descobrir o que descobriu sobre Luna. Ele nunca falou diretamente
sobre gostar dela, mas também não esperava que fizesse (nem precisava). Um
homem feito gosta de uma maneira diferente, sei disso, hoje mais do que nunca.
Mas todos os sinais estavam presentes, de qualquer jeito e a confusão
talvez tenha sido apenas o estopim disso. Ou a frustração de ter seus planos
alterados pelas vontades alheias, pelos desejos alheios.
E esperando a chance perfeita, eu acabo a recebendo direto em meu colo,
quando minha irmã me dá a deixa sem nem perceber, após uma leve conversa
sobre nossa casa.
— Pensei que Luna fosse se juntar a nós hoje. — Bianca diz,
descontraída e nenhum pouco preocupada com o modo como Matteo enrijece o
maxilar, transformando seu olhar em algo tão cortante quanto vidro. — Pelo
menos ela disse que iria.
Estou prestes a abrir a boca, mas Matt abre antes.
— Deve estar ocupada — murmura, despretensiosamente, como se eu
não o conhecesse perfeitamente bem para ver o quão irritado está.
Oh, Deus.
— Ouvi dizer que Nova York pode ser tentadora — continua. — A
cidade do pecado.
— Ouviu isso aonde, Matteo? — Petra indaga, quase rindo. Todos sabem
que sua impressão sobre nosso irmão é de que ele é careta.
— Por aí… — Ele responde, distraído e folheia o cardápio.
— Infelizmente, ela acordou indisposta — comento, passando os olhos
sobre a expressão dura de meu irmão. — E me disse ontem à noite sobre como
está se sentindo cansada da cidade grande. Sente saudade de casa.
— Duvido. Luna sempre foi louquinha para sair de lá… — Petra diz,
complicando um pouco as coisas. Eu a olho tão feio que ela faz uma careta,
ainda sem entender.
— Mas só é preciso ir para longe para sentir saudade do que é familiar —
comento.
— Ou perder para notar o que realmente importava... — Matteo
cantarola.
— Ela nem mesmo sabia que havia algo para ser perdido…
Ele ri.
— Ah, ela sabia sim — diz. — Nem todas são como você, irmã e
aguentam esperar pelo casamento para ter uma verdadeira noção do que
acontece do lado de fora.
— Algumas precisam descobrir o que querem antes de se comprometer
pelo resto da vida com uma coisa só, Matteo — explico.
— Rodando entre cidades, sem pouso, sem honra, sem qualquer gota de
respeito por si mesmas?
— O corpo é dela, Matteo.
— É o nome da nossa família que ela carrega para cima e pra baixo
enquanto se diverte, Rebecca. Diferente de você, que parece achar esse tipo de
merda comum agora que é uma Accorsi, Luna ainda faz parte da Cosa Nostra. E
deve seguir nossas regras, se quiser ser respeitada entre os seus.
— O que quis dizer com isso?
— O que você entendeu — responde, as bochechas ficando vermelhas.
Atrás de mim, perto da parede, Mathias pigarreia. Matteo sobe os olhos até ele e
o desafia a se aproximar.
— Você não pretende delatá-la, certo?
— Ei, esperem… Isso não é mais sobre Luna estar longe de casa, certo?
— Petra questiona e ambos movemos nossos olhares para cima da caçula. É toda
resposta que ele precisa, pelo nervosismo exibido em ambos nossos olhares.
— Isso é sobre a vida, Petra — diz, irônico de uma maneira que nunca vi.
— E sobre como ela transforma pessoas que pensávamos conhecer em
completas desconhecidas.
— Você não precisa perdoá-la pois duvido que ela tenha te pedido
desculpas, mas você deveria pelo menos respeitá-la, irmão.
— Eu respeito minha família e meus costumes — finaliza, cruzando seu
olhar com o meu. A raiva que vejo cintilando neles me faz recuar, colando as
costas a poltrona do restaurante movimentado, chocada com o que essa
discussão se tornou. — Putas podem se foder.
— Per Dío, Matteo! — Bianca fala, tomada de espanto, e eu deixo meu
silêncio como resposta.
Eu nunca havia parado para pensar em como é um homem feito com o
orgulho ferido, mas posso ver agora, perfeitamente, desenhado na silhueta de
braveza do meu irmão, o quão irracional um homem acostumado a ter tudo, se
torna, quando as coisas fogem do seu controle.
E temo que o buraco apenas se torne mais fundo daqui para a frente.

Após o desastre que chamamos de reunião familiar, Matteo se despede de


nós três e mente (porque está na cara que foi mentira) sobre ter compromissos na
cidade. E eu guio minhas irmãs para conhecerem minha casa.
Elas adoram a vista da janela — que também é minha parte favorita — e
detestam, como eu, o exagero de móveis cinza, branco e preto. Eu falo sobre
estar pesquisando arquitetos e elas ficam mais tranquilas.
Depois do reconhecimento do local e delas analisarem cada canto do
apartamento, nos reunimos nos sofás da sala principal e eu busco os potes de
sorvete que Fiona comprou especialmente para mim. Minhas irmãs, felizmente,
se sentem em casa e eu fico feliz de vê-las esparramadas em meu sofá.
Bem, Petra, pelo menos. Bianca ainda age como se estivesse visitando a
rainha da Inglaterra. Eventualmente, Luna se junta a nós três e ninguém toca no
assunto surto do Matteo no almoço. Julgo ser melhor assim e sabemos separar
bem as coisas.
— Então é assim que é estar casada? — Petra questiona, enfiando sua
colher no sorvete de baunilha. — Uma casa bonita, silêncio, paz, visitas e
sorvete?
— Não se esqueça da pele bonita. — Luna diz, de pernas cruzadas ao
lado de Bia. Minha irmã mais nova ri, mas Bianca parece ter perdido o fio da
meada.
— O que isso tem a ver?
— Nada, Bia. Luna está falando besteira. — digo e olho feio para minha
amiga. É bom ver que ela recuperou sua força de vontade e saiu da cama, além
de ter se maquiado e arrumado, mas não é engraçado que ela introduza essas
coisas cedo demais. Petra já é doida o suficiente. — E bem, não são só flores,
mas… Está sendo bom, principalmente agora.
— Eles foram para uma viagem romântica na casa de campo da família
dele… — Luna conta, me fazendo corar um pouquinho. — Por isso ela está com
essa carinha de apaixonada, aí.
— Eu estou?
— Quando fala no Luuuca — Petra debocha e eu atiro uma almofada
nela. —, sim, você fica.
— Não fico nada…
— Anda, amiga, nos fale… Como é estar apaixonada? — Luna ri, como
uma adolescente da idade de Petra e motiva minhas irmãs a fazerem o mesmo
enquanto dividem o sorvete. Eu as detesto. — É bom como nos filmes e nos
livros?
Considero o assunto delicado pelo momento em que Luna está passando,
mas sua curiosidade não parece prejudicial. Apenas uma forma de descontrair.
Ou uma forma de pensar que mesmo nos piores casos, pode acabar dando certo.
— É melhor — assumo. — É… mágico. Como algo que eu nunca senti
antes. Por ninguém.
— Espera: então você realmente gosta dele?
Não nego, mas meu olhar escapa da pressão do olhar de Petra. Acho que
não preciso responder isso.
— Nossa, eu realmente não esperava que isso fosse acontecer… —
completa, e me faz rir.
— Ele não é tão ruim…
— Para você — Luna diz. — Eu ainda sinto como se ele fosse me
devorar toda vez que me vê abrindo a geladeira de vocês. Como o maldito lobo
mau, farejando o que entra no seu território.
— Na pele da Vovózinha. — Petra completa e as três compartilham
risadinhas. — Por que, ô, homem bonito…
— Petra! — Bianca exclama e atira uma almofada de alerta na mais
nova. Eu rio, sem disfarçar a vermelhidão das bochechas.
— Eu estou mentindo por acaso?
— Não deveria falar assim do marido da nossa irmã…
— Não é como se eu fosse roubá-lo, Bianca, se acalme!
— Está tudo bem — digo, intercedendo. — Eu reconheço como ele é
bonito. E como pode ser assustador. Mas…
— Mas está tão caidinha que nem se afeta por ser casada com o demônio
de Nova York. — Bianca diz, e me faz rir.
Demônio.
Eu nunca o chamaria assim, mas entendo o apelo embora nunca o tenha
visto nas ruas, no seu habitat natural.
— Então já devemos esperar pelos sobrinhos? — Petra se adianta e eu
entro em alerta pela primeira vez na conversa.
Minha mente trava pela primeira vez e eu a encaro embasbacada,
tentando reordenar meus pensamentos.
— Nós não… — Não chego a terminar a resposta, pois Lu me
interrompe.
— Não querem filhos agora? — Luna questiona, mais curiosa do que
deveria.
— Não, nós nunca falamos sobre isso… Talvez seja algo que apenas
estamos deixando para o destino. — suspiro, de repente, aturdida com tantas
vozes e pensamentos.
Minha mente não havia ido tão longe.
— Então não deve ser surpresa quando um filhotinho aparecer. — Luna
fala, sorrindo, como se fosse uma coisa totalmente boa e esperada. Como se não
fosse algo que minha cabeça ainda não havia calculado. Um futuro muito
próximo, considerando tudo que acontece entre nós. E como acontece. — Aí,
amiga, vai ser tão lindo…
— Se já estiver planejando, deveria buscar a médica na qual mamãe disse
que deveria marcar consulta após o casamento. — Bianca, como sempre a mente
e o sinônimo de organização em nosso grupo, lembra, me fazendo ver que estive
off por tempo demais. Desligada do mundo real, praticamente a parte.
Minha irmã pesca tudo sobre meu desligamento apenas pela minha
expressão perdida e num bufo, chama minha atenção:
— Você não foi em nenhum dos médicos, não é, Becky?
— Eu nem mesmo pensei sobre isso. — Nem se deveria procurar
métodos para adiar um pouco as coisas, para tornar o sexo mais seguro, se
Luca pensa que tomo algo e por isso mantém as coisas tão ativas entre nós. Se é
seu plano ter filhos agora. Se é um bom momento para não estarmos tomando
nenhuma precaução.
— Per Dío, Beca!
— Scusa…
— Eu os marcarei por você hoje mesmo. Uma mulher casada também
tem de se cuidar, Rebecca!
Dito isso, minha irmã fica de pé e bem mais adulta do que eu, certamente
o orgulho de nossa mãe e a personificação do que uma adulta deveria ser — uma
adulta como eu — ela agenda todos os médicos possíveis e impossíveis,
começando com uma ginecologista. O nome da especialidade faz Luna sorrir
para mim e notando o quanto estou tensa, toca em meus ombros, como se lesse
perfeitamente meus pensamentos — como se fosse a única capaz de saber como
é estar entre a espada e a cruz.
— Não se preocupe com nada, amiga — fala. — Isso é apenas sua irmã
querendo tomar conta de você porque está longe. Ela é como uma mãezona
disfarçada.
É.
Talvez seja apenas isso.
E não o meu sexto sentido me mostrando que há surpresas no caminho.
— Mais forte!
Eu bato de novo.
— Mais forte, porra!
Meu olhar voa para a expressão concentrada de Estevan e no modo como
se movimenta, desviando de meus golpes, com o rosto vermelho e a respiração
ofegante, oferecendo as mãos para que eu golpeie no equipamento estofado.
Ele não se importa que já estejamos treinando há quarenta e cinco
minutos e meu corpo esteja implorando por uma pausa, nem se importa que meu
suor pingue ou se afeta pela vermelhidão das minhas juntas de tanto acertar o
alvo.
Estevan sabe do que sou capaz e quer treinar o melhor em mim; não há
nenhuma gota de pena ou misericórdia no homem que um dia, há muito no
passado, precisou me levantar do chão e levar até a minha mãe.
Ele me vê como eu quero que todos me vejam hoje.
Como um homem capaz de fazer o que precisa ser feito.
Ao nosso lado, Max treina com Jada, que também é responsável pelo
treino de Donatella, ocupada com algumas barras no canto. Maximus gosta de
provocar a guarda-costas porque acredita que ela gosta dele. Eu duvido muito,
especialmente ao enxergar a marca dos golpes que ela deixou na pele clara dele.
Diria que isso é tudo menos amor.
— Mais uma vez!
Eu bato de novo. Estevan grunhe e me ataca de volta. Com um pé, me
derruba e eu caio de costas no piso. Minhas costas reclamam e meu braço ainda
está dolorido depois de tudo que aconteceu envolvendo os russos, mas eu
consigo prender sua perna e o derrubo, girando até estar com ela atravessada,
pronta para dar o golpe final e foder seus ossos de um modo que o impediria de
andar por um bom tempo.
Ele reconhece isso e dá tapinhas nas minhas costas, permitindo que eu o
libere.
— Melhor, mas você poderia ter sido mais rápido — lembra e eu
concordo. Tempo é tudo quando se está lutando pela sua vida.
Finalmente, fico de pé e posso tomar um pouco d’água. Max e Jada
terminam ao mesmo tempo.
— Na próxima, eu te derrubo. — Maximus diz, piscando para a soldada
como se pudesse haver qualquer fundo malicioso (ou vontade dela de escutar
uma merda dessas).
— Isso nunca aconteceu ou vai acontecer, Maximus. Supera.
Dito isso, ela se afasta e eu posso rir da cara de tacho do meu primo em
paz. Ele me mostra o dedo do meio.
— Ei, garoto. — Estevan chama e eu corto a interação com Max. —
Você me falou sobre as aulas com sua esposa. Quando ela virá?
Estevan tem no máximo quarenta anos, um físico que dá surra em muitos
dos soldados que temos treinado por aqui e uma disciplina invejável. É o que há
de melhor quando falamos em soldados leais, além de ser quase família, pelo
parentesco distante de sua mãe com o nosso pai, nascida de alguma linhagem
Accorsi que não a nossa, prima em algum grau. Diferente da maioria dos
homens que temos, ele tem ascendência latina, pelo lado paterno, mas nunca
houve um momento em que isso foi questionado, muito menos sua lealdade. Ele
está conosco.
E por isso, sei que é o melhor que poderia escolher para treinar Beca ou
ao menos, lhe dar algum norte. Sei o quanto ter confiança se um dia precisar
disparar fará bem para minha esposa e não me sinto nenhum pouco afetado por
isso.
Estranhamente, confio em Estevan.
— Ela está recebendo os irmãos. Começará no final da semana.
Ele assente e se afasta novamente, indo conversar com outro grupo de
soldados. Ele é como um mentor para a maioria.
— Ei, do que vocês perdedores estão falando? — Dona se aproxima após
terminar sua série de exercícios e eu acompanho o olhar de todos os soldados
que passam, vendo se a olham de qualquer maneira que não seja respeitosa. Ela
nota minha postura protetora quando se aproxima em suas roupas de academia.
— um top ousado pink e leggings coladas — e revira os olhos.
— Pare, Luca.
— Só estou cuidando de você — simplifico, dando de ombros.
— Ou sendo um maníaco protetor… — Max cantarola.
— Quero que me chame assim quando Angelina estiver metida no meio
de um bando de homens de moral questionável em roupas grudadas e suadas de
academia, Max. — resmungo e ele murmura algo como tanto faz.
— Eu perguntei sobre o que estavam falando, não pedi uma análise do
meu visual ou do ambiente, Luca. — Minha doce irmã diz.
— Max estava tentando levar Jada para a cama novamente e eu acabo de
marcar as aulas de Rebecca com Estevan.
— Ah, é? — Sorri, parecendo animada. — E ela gostou do presente?
— Não sei se gostou é a palavra certa — digo, sem saber exatamente
como definir sua reação a arma.
Donatella percebe minha confusão e arqueia a sobrancelha,
questionando:
— Tudo bem entre vocês?
— Sim.
— Sério mesmo?
— Por que não estaria?
— Eu poderia listar uma série de motivos considerando que te conheço
desde que nasci, mas acho melhor manter o decoro — pisca, me fazendo rir de
forma leve.
— Se vai te deixar mais calma, estamos transando bastante, Dona. Isso é
bom o suficiente para você?
Minha irmã nem se esforça em parecer chocada. Acho que está fácil de
notar, de qualquer jeito.
— Isso é ótimo! — Ela se apoia em meus ombros. — E quem sabe, já
deveria esperar por um sobrinho? Um lindo menininho de olhos claros como os
nossos, cabelo castanho e um sorrisinho incrível! Eu adoro o nome Bernardo
para meninos. Acho que seria incrível.
— Por que acha que Luca seria pai de menino? — Max indaga. — Está
na cara que esse brocha vai ser pai de menina. E dos que superprotegem. Talvez
ela nunca nem se case porque ele não deixa.
— Quem sabe ao invés de darem palpite na minha vida, vocês possam se
preocupar em arranjar seus próprios filhos? — disparo da boca para fora, sem
intenção de que Donatella realmente busque ter um filho. Não vejo isso
acontecendo por pelo menos dez anos. — Mas arranjem uma esposa e marido
antes. Pelo amor de Deus…
A postura de Donatella endurece de repente e eu vejo Max assobiando,
como se essa possibilidade passasse longe dos seus planos agora. E realmente,
deve passar. Foder com a filha de um Consigliere italiano realmente não
contribui muito com a ideia de se assentar e constituir uma família.
— Ei, Dô, relaxa… — Toco seu braço e noto como o olhar vagou para
longe. — Foi apenas uma brincadeira.
Uma brincadeira idiota, penso comigo mesmo. Há anos, o medo de
minha irmã em ser casada contra sua vontade é óbvio para mim. Com a
puberdade, os homens do círculo a olham de maneira diferente. Veem valor nela.
E nosso pai certamente não será o homem a evitar qualquer acordo lucrativo
apenas para não magoar a filha.
— Eu sei, eu só não… Eu não gosto muito desse assunto.
— Está certo.
O silêncio se torna pesado como uma pedra entre nós três e Max me
encara por alguns segundos, tentando dizer algo que não entendo. Ele é péssimo
em mímica, mas eu consigo compreender que se refere ao estado de Dona. Toda
confiança que exalava pós-treino sumiu.
E eu fui o responsável por isso.
— Ei, Dô?
— Hm? — responde, com pouco da atenção sendo direcionada para cima
de mim. Então eu tomo a atitude mais estranha de todas para qualquer um que
me conheça, principalmente um irmão e me aproximo o suficiente para puxá-la
para meus braços.
Resistente, ela demora a ceder ao abraço e eu apoio meu queixo em sua
cabeça, mantendo seu corpo grudado ao meu. Posso ver que ela encara Max,
talvez tentando descobrir se está tudo certo comigo hoje, mas o loiro parece tão
consternado quanto ela, observando o ato.
Alguns soldados também encaram, mas não dizem nada, é claro. Minha
vida não é da sua puta conta.
— Ninguém nunca irá te maltratar enquanto eu viver, irmã — prometo.
— Não se preocupe com isso.
— O que você está fazendo? — pergunta, a boca abafada contra meu
ombro.
— Te abraçando.
— Tipo… de verdade?
— Não está sentindo meu suor grudadinho em você?
— Eca, nojento! — Ri, e tenta se afastar. Eu não deixo.
— Confie no que eu digo, Dona. Você tem a mim. E sempre terá.
Numa respiração mais demorada e profunda, e de certa forma, mais
verdadeira e sincera, Dona relaxa os ombros e me abraça de volta, finalmente,
aceitando o que esse novo Luca é capaz de fazer e as demonstrações que é capaz
de dar.
— Eu sei, irmão. Obrigada por isso.

No dia seguinte, Rebecca ainda está envolvida com seus irmãos e eu dou
espaço para que eles aproveitem a companhia um do outro, antes de todos eles
— inclusive Luna, graças a Deus — embarcarem para casa também.
Isso me faz buscar atividades fora de casa e por sorte, minha rotina está
cheia de motivos para treinar cada vez mais, melhorando minha pontaria e
resistência. Por isso, na terça à tarde, estou no estande de tiro dentro do Galpão
quando Max interrompe meu treino e retira meus fones de ouvido no momento
em que meu dedo raspa no gatilho.
— Reunião. Agora.
Eu retiro também os óculos de proteção e abaixo a arma, amaldiçoando
meu primo por me interromper.
— Que porra?
— Uma reunião de última hora foi convocada no Madame Martino há
dez minutos.
— Com quem, caralho? Eu estava ocupado!
Ele revira os olhos, desprezando o que eu digo. Tenho vontade de
afundar minha arma na sua goela.
— Seu pai, meu pai, Bernardino, os subchefes. Reunião da alta cúpula.
Até mesmo Donatella e Lorenzo já foram.
Torço meu nariz.
— Isso cheira a merda.
— E das grandes — complementa.
Não preciso de mais convencimento para abandonar meu posto no centro
de treinamento e o acompanho para o lado de fora, pegando meu casaco antes de
deixarmos o prédio. Max decide vir comigo e deixa seu veículo no Galpão, por
velocidade, mas também por segurança. As recomendações são de que sempre
andemos em dupla ou com segurança, quando possível. Os ataques vêm se
tornando mais corriqueiros e as coisas estão ficando cada vez mais selvagens.
— Não houve nenhuma indicação do que se trata? Houve alguma
ameaça? Ou finalmente decidiram a data para colocarmos o plano em ação?
Eu quase sorrio ao imaginar que a hora de enfiar a bala na cabeça dos
Ivanov se aproxima. Meu sangue ferve em antecipação e é quase difícil me
controlar no trânsito.
— Ninguém disse nada. Tudo que meu pai disse é que era urgente
quando me ligou. Pode ser qualquer coisa, cara… — Max fica em silêncio por
um minuto, então volta, a postura altamente interrogatória. — Não falou para
ninguém sobre o que descobri das filhas de Romeu e Rodrik, certo?
— Nem me lembre dessa merda… — Filhos. Não há maior
vulnerabilidade do que isso, ainda mais se são crianças. Ter essa carta e não usar
é burrice. — Você me pediu que não falasse nada, Max, então é óbvio que não
falei.
— Bom. Ou talvez essa reunião pudesse ser apenas uma votação sobre
como gostaríamos de torturar uma menina de quatro anos por crimes que não
cometeu.
Estalo a língua e ignoro seu papinho de boa moral.
Max têm seus limites, como já destaquei e os tem bem estabelecidos
desde que se uniu a organização de maneira oficial. Crianças estão simplesmente
fora dos limites, sempre que possível. E sua lealdade pela família é
inquestionável. E quando digo família, somos nós — seu sangue.
Max daria de tudo pelos Accorsi, mas tenho minhas dúvidas se faria o
mesmo pela organização. Ou se apenas se juntou a ela por obrigação.
Nem todos gostam do sangue, nem todos aprovam o modo como
conduzimos as coisas, mas eu aprecio como meu primo pode detestar o quão
podre somos e ainda irá celebrar cada vitória e triunfo sobre sangue inimigo.
Porque é isso que um Accorsi faz. Ele defende o que é seu e tem orgulho de
quem é.
E nós somos a sujeira, a escuridão e os demônios que mantêm crianças
acordadas a noite. É assim que mantemos o respeito e assim que conseguimos
manter as coisas funcionando.
Chegamos ao Madame em quinze minutos e eu estaciono o carro em
frente ao bordel, que não funciona durante o dia. O único movimento é dos
seguranças e dos outros carros a nossa volta. As garotas, obviamente, foram
dispensadas. Não são exatamente ouvintes nas quais você pode confiar.
— Talvez tenha algo a ver com as armas que seu pai comprou. Quem
sabe, finalmente, as coloquemos em uso. — Max continua jogando sugestões e
eu cumprimento alguns homens pelos quais passamos. Pela imediaticidade da
reunião, meu pai conseguiu reunir um bom número de subchefes.
Cruzamos a área comum e chegamos até o escritório no segundo andar. É
grande o suficiente para receber todos os homens, mas eu e Max optamos por
ficar de pé, perto da porta, assim, temos visão total do que acontece e podemos
premeditar qualquer ataque.
Tony ocupa a poltrona atrás da mesa de mogno escura e Bernardino e
Ricardo assumem suas laterais. O Consigliere conversa com o subchefe da
Carolina do Sul e eu aceno para Dona. O tom das vozes começa a subir e o calor,
consequentemente, também. Há uma troca intensa de opiniões e quando isso
acontece, geralmente há descontrole.
Homens como estes não estão acostumados a discutir sem empunhar suas
armas e convocarem seus soldados.
— Luca. — Meu nome se sobressai a bagunça e eu encaro Antônio, que
me convoca. Max permanece no lugar enquanto eu me aproximo e cumprimento
os três no comando.
— O que está acontecendo? — indago, analisando as expressões sólidas
deles. Pedras poderiam substituí-los e não saberíamos nada.
— Iremos propor algo que muitos não irão aprovar. Preciso saber que
terei seu apoio. Como futuro chefe. — Meu pai quase engasga em suas próprias
palavras e eu espero que continue, de braços cruzados e as costas viradas para o
público. — É importante. Eles irão considerar sua opinião.
Não só por ser o futuro chefe. Mas porque eu sou o melhor que temos
também.
Mas é claro que meu pai não vai pontuar isso.
Acima dele? Só ele mesmo.
— Por que não vão gostar do que irão propor?
— É arriscado, caro e coloca seus homens em jogo. — Bernardino
explica, o tom de voz calmo e tranquilo. — Mas é nossa melhor chance de
causar danos nos esquemas de Romeu. Ele está ganhando força e isso é um
problema.
— Mais algum ataque relatado?
— Tem homens infiltrando-se até em Staten Island. — Ricardo diz,
expressando sua fúria. Ele sempre se controla, o que significa que o caos está
quase completo, armado sobre nossas cabeças. — E não há maneira efetiva de
combatê-los. É como se cortasse uma cabeça apenas para crescerem muitas
mais.
— Reunimos muitos inimigos ao longo dos anos — lembro, focando meu
olhar na expressão não tão serena de meu pai. Ele olha sobre meu ombro, vendo
a frente. — Eles devem estar fortificando a causa dos Ivanov.
— O problema é que estamos passando como covardes para outras
organizações. — Bernardino volta a dizer, em tom baixo, cuidando quem está ao
redor. Max, notando os semblantes carregados dos homens, decidiu se aproximar
e está ao meu lado, se inteirando da conversa com o pai. — Há boatos da
Califórnia estar interessada em cortar conosco, já que talvez sejamos superados
pelos russos. Nossos próprios aliados! E se ele tocar na polícia…
— Há esse risco? — Max indaga, pesquisando nos olhares perdidos de
todos que deveriam ter as respostas. Ele parece tão irritado quanto eu, bufando,
— Pensei que a polícia fosse nossa. E que você fosse o responsável por
mantê-la sob controle, Bernardino — falo, encarando o consigliere. Meu tom é
de indignação e ele nota, aprumando sua postura quando meu olhar cruza com o
seu e o coloca na posição de interrogado.
Se for sua culpa, sua incompetência já chega a níveis alarmantes e espero
que meu pai esteja ciente dessa merda.
— Romeu está oferecendo o dobro de qualquer valor que coloquemos na
mesa. — Sua resposta soa confiante, sem maiores problemas, nem culpa.
— Que superemos as ofertas deles, então. — Max diz, simplesmente, as
mãos apoiadas na cintura.
— O número de clientes está em queda, Maximus. — Ricardo responde,
encarando o filho. — A guerra diminui os pontos e com todos com medo de
estarem no meio do fogo cruzado ao se envolverem em nossos negócios,
perdemos dinheiro em todos os segmentos. Não querem nossas putas, nem nossa
droga. E Romeu acaba ficando com o lucro.
— Pensei que havia reforços na segurança. Eu mesmo cuidei disso há
algumas semanas. — Max diz — E nossos clientes fiéis?
Ele não desiste, assim como eu.
— O medo atinge a todos quando se espalha, Max. — Tony diz, tentando
retomar o controle da conversa, de certa forma. Ele pareceu distante durante a
maior parte. — Cagões de merda — resmunga e se endireita na poltrona.
— E não há medo ou confiança nenhuma da parte deles que nós
ataquemos? — questiono e não recebo a resposta que esperava. Então se torna
óbvio.
Eles não nos temem.
Acham que estamos condenados.
Acham que é nosso fim.
São ratos que abandonam o barco antes de afundar.
— Ah, filhos da puta… — murmuro e soco a mesa. O silêncio se faz na
sala e eu preciso de um instante para me controlar, buscando a calma e a
racionalidade — Então iremos atacar. Avise a todos. Enfiar balas na cabeça
desses ratos de merda é tudo que quero. Estou dentro de qualquer plano que
envolva isso.
— E eu também. — Max diz, tão consciente quanto eu da situação de
merda em que nos encontramos.
E de como precisamos cavar nosso caminho até o topo.
Bernardino, com um aceno, concorda com o que precisa ser feito e
recebe nosso apoio com aprovação. Em seguida, ele pede o silêncio de todos os
presentes para que o chefe fale.
E ele começa.
Quando acordo na quarta-feira e desço para tomar café da manhã, é
estranho encontrar a mesa vazia e montada só para uma pessoa. Luca já saiu e
Luna foi embora ontem à noite, junto dos meus irmãos, partindo da mansão onde
nos despedimos, após um jantar oferecido por Rosalind, atenciosa como sempre.
Eu me sento na cadeira da ponta e é impossível não me sentir
extremamente sozinha, observando a cadeira em que me acostumei a ver minha
amiga sentada todos os dias. Eu nem havia notado o quanto havia me apegado à
sua presença na minha rotina.
Fiona, a empregada, até mesmo parece estar sentindo pena de mim e vem
várias vezes perguntar se preciso de alguma coisa. Eu fico tentada em convidá-la
a se sentar comigo, mas penso que ela poderia se sentir coagida e mantenho a
proposta para mim. Acabo comendo sozinha e tenho oportunidade de me
lembrar da última noite que tive com Luca, que pareceu muito grato por
finalmente ter a casa apenas para nós dois.
Foi demais. E eu nem sei como estou sentada agora. Ele foi forte, quase
selvagem, como se quisesse aproveitar, marcar e provar cada canto do meu corpo
antes de ter que acordar e enfrentar a vida lá fora.
E embora nossos momentos estejam sendo mais intensos do que jamais
me vi experienciando, eu adoro. Gosto da sensação magnífica que é vê-lo
entrando dentro de mim, com força e vontade, além da sua voz rouca toda vez
que me chama de apelidos que variam, entre besteiras e coisas doces, ou me dá
boa noite com um simples beijo, que para ele, talvez não passe apenas de uma
formalidade, mas para mim é a expressão de muitas coisas. Eu nunca imaginei
que Luca se dedicaria a me beijar apenas porque quer, porque é o certo. Não
esperava nada além da frieza que vi entre tantos casais ao longo dos anos,
principalmente em meus próprios pais. Mas conosco é diferente.
Nós queremos estar juntos. Não estamos cumprindo nenhum
compromisso, nem agenda, estamos apenas fazendo o que nossos corpos pedem,
o que nossas mentes desejam.
Luca está se saindo um marido tão bom que é estranho me lembrar de
onde começamos, de como eu o temia, de como ele se recusava a dividir a cama
comigo e de como eu não via nenhuma perspectiva de melhora em qualquer
momento da nossa jornada para nós dois. Mas depois do que passamos juntos,
depois do que senti, é como se o laço que formamos estivesse se endurecendo, se
firmando, crescendo e se desenvolvendo com o tempo.
São mais do que estes anéis, são as palavras, os gestos, os atos, as
carícias no meio da noite e o modo como só existe ele para mim em qualquer
ambiente, em qualquer sala e em qualquer lugar.
O compromisso.
A esse ponto, sou como uma boba apaixonada, e tenho consciência disso,
pois apenas pensar em seu nome faz com que eu me arrepie. E me leva a todos
os momentos em que Luca demonstrou que eu sou algo além de uma obrigação.
E eu gosto de você, Rebecca Accorsi.
As palavras ainda moram em minha cabeça e não pretendem sair nunca.
Embora gostar seja a parte mais básica na escadinha da vida, eu não me
incomodo. Os sentimentos de alguém como o meu marido foram forjados e de
certa forma, impostos sobre ele. Luca foi treinado para não ter fraquezas e ao se
permitir apegar-se e preocupar-se comigo, ele renuncia a uma série de proteções
que, talvez, o tenham mantido invicto até aqui. Mas não há sensação mais
gostosa do que saber que eu, Rebecca Accorsi, sou a única capaz de derreter
pedra.
De qualquer jeito, preciso me manter realista e consciente. Em meio a
tudo isso, temo que meus sentimentos possam se expandir, enquanto os dele
mantêm-se básicos, e eu não gostaria de descobrir como é amar mais do que ser
amada.
Embora eu nem mesmo saiba se o amo ainda…
É tudo tão confuso, tudo tão novo… E nenhum de nós dois parece ter a
mínima experiência, o que só torna as coisas ainda mais emocionantes.
Mas enfim, de uma coisa eu sei e dessa eu tenho certeza (embora também
fuja do meu controle): tesão. Isso eu sinto todos os dias, sempre que olho para o
deus grego que é o homem com quem me casei, sempre que estou perto dele e
sinto seu aroma ou apenas o observo após sair do banho, com a toalha pendendo
da cintura e as gotas d’água fazendo todo caminho sobre seu abdômen sarado.
Luca é… quente. Forte. Gostoso. Grande.
E puta merda, eu queria que ele estivesse aqui agora. Queria muito.
Queria tanto que, assim que termino o café da manhã, deixo a mesa e
subo as escadas de maneira apressada. Meu rosto praticamente pega fogo
enquanto caminho até meu banheiro e me livro da camisola, ainda sentindo o
suor que restou da noite passada sobre mim. Ainda sentindo seu cheiro. Suas
mãos. Sua fome. Seu corpo.
Eu entro debaixo do chuveiro rindo e me convenço de que não
conseguirei esperar até a noite para sentir tudo que Luca me proporciona. Eu
preciso sentir agora.
Debaixo da ducha quente, onde ele já me comeu contra a parede,
marcando-me ainda mais, eu escorrego a mão pela minha barriga, após descer
pelos meus seios cheios e chego até minha vagina. Fecho os olhos e me recordo
dos seus beijos pelo meu corpo, da maneira como seus olhos me fitam quando
está me provando, me dizendo o quão delicioso é meu gosto.
Nunca fiz isso antes, mas Luca fez em mim e posso reconhecer os
movimentos que me proporcionam pequenos choques. Giro meu indicador em
movimentos circulares, no pequeno botão onde Luca dedica muito de seu tempo
e minha boca deixa escapar um gemido contido, quando grudo minhas costas na
parede do box e me lembro da sensação dele deslizando por entre minhas coxas,
dedilhando minha carne até separar meus lábios e chupá-los.
Mordo minha boca e separo minhas pernas, deslizando meu dedo um
pouco mais pra baixo e mais pra baixo, até chegar lá. Com receio, brinco na
parte úmida e quando uso meu dedo, contraio os músculos e grunho de verdade,
voltando com o toque na parte de cima. Meus seios são banhados pela água do
chuveiro e meu cabelo está úmido, uma bagunça contra a pedra da parede,
enquanto meu rosto pega fogo, assim como todo o meu corpo.
Pensando nele.
E eu não sei bem mais o que estou fazendo, em determinado momento
meu corpo assume as rédeas de meus movimentos e eu apenas me dedico a
aproveitar ao máximo o que estou sentindo, o que estou proporcionando a mim
mesma, o quanto sou capaz de me dar prazer. Estou soltando gemidos
consecutivos agora, com a boca entreaberta e os olhos fechados, tentando
segurar essa sensação até o limite, até não conseguir mais e sentir a força do
espasmo que me tira do eixo por looongos segundos, suspendendo a vida e todos
os seus sentidos até que eu retorne, com o peito aberto, ofegante e as mãos
meladas com meu gozo.
Uau.

Quando eu, aos dezesseis anos, tive o meu primeiro contato com uma
ginecologista – quando minha mãe obviamente já estava me preparando para um
casamento do qual eu ainda nem tinha ideia –, fiquei assustada com todas as
explicações e com os desenhos detalhados de como uma vagina era. Cheguei em
casa, estranha por ter deixado uma mulher aleatória ver a minha parte mais
preciosa, como minha mãe sempre chamou, e fui para a internet pesquisar sobre
tudo que ela havia dito.
E lá, eu encontrei muitas coisas sobre as quais ela não havia falado, como
a masturbação. De fato, eu não deveria esperar que a mulher que era médica da
minha mãe há trinta anos, desde que ela se casou com o meu pai, fosse tão
liberal a ponto de me falar sobre isso ou qualquer outra. Mas eu esperava que ela
fosse sincera comigo, que me contasse tudo, não que me enchesse de exames e
chamasse minha vagina de bonitinha.
E bem, eu fiquei tão assustada depois de ver um vídeo de uma mulher
fazendo isso, se tocando, e gostando disso, que fechei todas as abas do
navegador, desliguei o computador e fui chorar debaixo das cobertas com medo,
como uma besta, uma adolescente protegida demais do mundo real e seus
desejos.
Mas agora…
Eu me sinto bem. E bem demais.
Eu me tornei a mulher do vídeo (com um pouco menos de gritos,
certamente).
Uma mulher sexualmente ativa que consegue se proporcionar prazer
sozinha. E isso é simplesmente demais. A minha versão do passado certamente
ficaria assustada se visse a cena, mas tudo que eu consegui sentir após terminar e
sair do banho, foi alívio, alegria e relaxamento.
Enquanto seco os meus cabelos, cantarolo e me sinto animada para que
Luca chegue de uma vez, como me informou por mensagem, para me buscar
para minha primeira aula.
Estou tão ansiosa quanto temerosa em relação a usar meu presente.
Tenho medo de congelar na hora que Estevan, o tal professor, me mande fazer
algo. Medo de fazer tudo errado. Medo de nem mesmo conseguir segurar a
arma.
Imagino que Luca não vá gostar caso eu fuja das aulas. Talvez me julgue
fraca e se decepcione, talvez veja que não sou tudo o que ele pensou que eu
poderia ser.
E eu não quero que isso aconteça.
Termino de me arrumar em alguns minutos e assim que finalizo, pego
meu telefone e mando mensagem para Donatella, que ficou de ir ao médico
comigo na sexta-feira. Ela confirma que irá e eu agradeço.
Descobri, no jantar de despedida das minhas irmãs, que Bianca havia
marcado consulta com a mesma médica que cuida de Dona. E ela disse que é
uma ótima doutora, que sabe manter a privacidade das pacientes. Isso me deixou
mais tranquila, admito. Embora eu não tenha nada a esconder, considerando que
sou uma mulher casada.
É, certamente já não sou mais aquela menininha assustada…
Depois de falar com Dona, tento me entreter com algum programa sobre
culinária na televisão mas não tenho sucesso, já que sou péssima na cozinha.
Ainda me lembro da massa horrenda que forcei Luca a comer. Que
desastre. Eu poderia ter matado o pobre coitado com um veneno daqueles.
Inspirada, penso em pedir algumas aulas à Fiona sobre isso. Eu gostaria
de ser útil, de alguma forma, sabendo colocar as mãos na massa. Quando tiver
filhos, seria bom poder preparar suas refeições, como me lembro de minha mãe
fazendo conosco. Sua comida sempre foi melhor do que a das outras cozinheiras,
tinha um tempero especial.
Eu gostaria que meus filhos pudessem sentir o mesmo na minha
também.
Me distraio com todas as ideias e memórias de uma infância que há
muito se foi, quando a porta do quarto é aberta e eu coloco meus olhos sobre
Luca. Estou esparramada sobre a cama, usando a roupa mais básica que pude
encontrar, mas meu marido chega se parecendo como um modelo masculino da
Calvin Klein, com um terno escuro e o cabelo num novo corte.
Um novo corte que me faz surtar internamente.
Puta merda.
Me lembro de que seu cabelo estava grande, mas não notei que estava tão
grande assim. Ele trocou o corte sem sentido por algo mais jovem, com o cabelo
mais raspado nos lados, mas não no número zero da máquina e aparado o topo,
realçando a beleza e o brilho do seu cabelo loiro-escuro. Também destacou seus
olhos azuis, que agora me observam com uma curiosidade quase obscena.
E ele também fez a barba.
Oh.
Eu poderia ir ao chuveiro de novo.
— Por que você está me olhando desse jeito? — pergunta, com uma
risada presa entre os dentes.
— Você cortou o cabelo — eu respondo.
— Ah, isso. Max me forçou a ir ao barbeiro com ele. Você gostou? — ele
pergunta enquanto caminha até o espelho que toma toda uma parede do quarto
para se enxergar.
— Eu poderia falar o que pensei, mas acho que o horário não permite —
suspiro e vejo um sorriso brotar nos seus lábios.
Ele me olha de canto e sei que ele percebeu a malícia explícita no
comentário. E parece tão animado quanto eu ao constatar o quanto estou disposta
a ter pelo menos trinta minutos de diversão.
— Obrigada pelo elogio descaradamente sexual, senhora Accorsi. Você
conseguiu me deixar de pau duro antes de uma reunião com o meu pai, para a
qual já estou quase atrasado.
Choramingo.
— Isso significa que não temos tempo?
Ele ri.
— Não, querida, nós não temos.
A contragosto, fico de pé e desisto do chuveiro, da cama ou até mesmo
do chão do quarto.
— Você já está pronta? — Ele pergunta, soltando um longo suspiro após
ajeitar suas calças. Eu desvio os olhos do volume, porque de nada vai adiantar
ficar cobiçando o que não posso ter agora.
Eu afirmo e vou até o closet pegar meus tênis.
— Pronta — respondo, pegando o celular de cima do criado-mudo e o
enfiando no bolso traseiro da calça jeans com um largo sorriso entre os lábios.
Tudo parece se tornar mais animador, mais alegre, quando ele está por perto. Eu
já nem mesmo me lembro da sensação de estar sozinha antes.
— Ótimo. Então vamos antes que eu mande meu pai se danar e te dê o
que você queria.
Luca nos conduz através da cidade por um carro que gosto de chamar de
Pavoroso. O Pavoroso tem o símbolo famoso do cavalo de fundo amarelo e
segundo meu marido, que diz isso com graça, faz mais de 320 km/h. Não que ele
chegue a essa velocidade nas ruas engarrafadas de Nova York, mas apenas saber
que estou presa num bicho de ferro capaz de correr tanto, é tenebroso.
Então, quando ele enfim estaciona o carro, no andar subsolo do que é um
grande prédio espelhado quase no centro de Manhattan, eu sinto que posso
respirar pela primeira vez desde que saímos do apartamento.
— Nem foi tão ruim assim — provoca ao descer. Eu vou em seguida.
— Meu sonho é que você compre uma minivan.
Nos aproximamos no caminho até o elevador e duas coisas acontecem.
Primeiro, Luca ri, de uma maneira leve que me dá cócegas no pé da barriga e
segundo, ele une sua mão a minha como se isto fosse nossa naturalidade, me
guiando na direção dos elevadores.
— Você nunca me verá dirigindo uma minivan, Rebecca.
Ele não diz nada sobre a mão, muito menos eu. Apenas aproveito a
sensação de ter seus dedos entre os meus e o conforto surpreendente que isso
traz.
— E onde nós estamos, afinal? — questiono, quando o apito soa e as
portas metálicas se abrem. Não há soldados em volta, mas sei que fomos
escoltados até aqui.
Eu entro primeiro, depois ele.
— No Galpão.
— Espera… Esse é o Galpão? O lugar no qual você treina todo dia?
— Exato. — Me olha de lado, como se eu fosse louca. — Qual o
problema?
— Eu pensei que esse lugar fosse um casebre! Não um prédio como este,
no meio da cidade!
— Por que nós passaríamos o dia no meio do mato?
— Para manter as coisas discretas, é claro. — Dou de ombros, como se
fosse óbvio. Agora pensem: eu, dando aulas a Luca sobre discrição. Ele. Luca
Accorsi.
Luca.
Rindo da minha presunção, eu imagino, ele se vira para a frente e se dá
ao trabalho de explicar:
— Antigamente, nossos homens treinavam nos galpões dos portos.
Dominamos as cargas há muito tempo, desde a década de trinta, então era mais
fácil que permanecêssemos por perto. Com o tempo, as coisas se aprimoraram e
quando meu avô ainda era vivo, construiu este prédio para manter as operações
mais… refinadas. — Este é o seu jeito de me dizer com pouco sangue. — Nossa
academia mais equipada fica aqui, assim como as salas de luta e o melhor
estande de tiro. Estou te levando até lá.
— E os russos sabem sobre este lugar?
Sua postura fica tensa quando pergunto, mas não posso evitar. Se ele está
pretendendo me deixar aqui sozinha, preciso saber.
— Entenda, Beca, que não temos motivos para nos esconder de ninguém.
Esta é a nossa cidade. Se tivéssemos, não teríamos um terço do que temos hoje.
Nem seríamos quem somos.
Suas palavras não parecem ser a brecha para uma discussão ou espaço
para qualquer tipo de contra-argumento e eu respeito isso, optando pelo silêncio.
É um pouco incômodo, mas ainda sei quais são seus limites.
As portas do elevador se abrem depois de um tempo em silêncio e ele me
guia para fora. Não memorizo o andar em que estamos, mas ao andar no
corredor posso ver que é alto, já que enxergo a maioria dos prédios em volta de
cima.
O corredor é majoritariamente cinza, com paredes escuras, num material
que se parece muito com borracha. Há salas amplas em ambos os lados, com
sons altos que ecoam para fora e fazem com que eu me encolha. Estamos prestes
a dobrar no final, quando o som de um homem derrubando outro no chão faz
Luca parar de andar e consequentemente, eu.
Em um tom que foge do meu conhecimento, meu marido os encara como
se fossem ratos.
— Saiam.
E eles se apressam em sair do caminho, recolhendo e reprimindo
qualquer que sejam suas dores.
— Ignore. São animais que não sabem o que fazem.
Não olho para trás com medo de ver sangue e Luca se mantém na rota.
Seus ombros são largos o suficiente para esconder qualquer coisa que esteja à
nossa frente e ele só para quando chegamos a portas duplas escuras. Ele empurra
um dos lados e meus olhos imediatamente voam para todos os alvos, espaços,
estandes e o som abafado dos tiros que são disparados pelos mais variados
homens. Há poucas mulheres no ambiente agressivo, mas eu reconheço a
silhueta de Donatella, que se vira ao escutar o assovio de Luca, como se o
reconhecesse.
— Ahhhhh! Eu não acredito que você está mesmo aqui!
Sem se preocupar com muito, ela derruba a arma com a qual disparava
perfeitamente bem e eu analiso o seu alvo.
Todos os pontos principais foram acertados.
Ela pula em cima de mim com seu cheiro de suor e pele pegajosa, rindo
como se fosse manhã de Natal. Dona é mais baixa do que eu, mas sua forma
física é perfeita. Ela poderia derrubar um homem adulto.
Quem sabe, poderia derrubar até mesmo Luca.
— A coisa que eu mais queria era outra Accorsi andando por aqui! —
Pisca para o irmão, que não lhe dá muita bola. Eu curto sua animação.
— Ela só veio treinar a mira com o Estevan, Donatella. Nada além.
Seu tom de seriedade alerta Donatella de que são ordens, não
recomendações e ela revira os olhos, com certeza, o julgando estúpido
mentalmente.
— Não é como se fôssemos colocar fogo no lugar, Luca, relaxa —
despreza. — Sua esposa perfeita ainda será sua esposa perfeita no final do dia.
Dito isso, ela pisca para mim e eu tento não me animar muito com as
chances de quebrar algumas regras com Dona, surpresa com esse lado meu.
— Onde está Estevan? — Luca pergunta, cumprimentando todos que
passam. Eles acenam para ele como se fosse uma autoridade. Eu reconheço o
respeito que tem e me aproximo ainda mais do homem ao meu lado.
— No estande privado — explica, me dando frio na barriga. — Posso
levar Beca até lá. Sei da reunião que tem.
O tom de voz de Donatella demonstra certa acidez quando fala na
reunião e eu olho para Luca ao mesmo tempo em que olha para mim. Espero por
um beijo na boca, mas tento não parecer decepcionada quando ele beija minha
bochecha.
— Seja uma boa garota enquanto estou longe, certo? — pede e eu
assinto, olhando no fundo dos seus olhos. São tão azuis e parecem tão calmos
quando estão dentro dos meus. Gosto de imaginar que não se parecem tão
serenos para mais ninguém. — Nos vemos mais tarde.
Ele solta minha mão pela primeira vez desde que deixamos o carro e eu
sorrio, acompanhando-o se afastar após se despedir de Dona. Não posso deixar
de me sentir levemente tristinha ao vê-lo sumindo no corredor.
— Meeeeeeeu Deus! Vocês dois são… — Donatella ri, como uma
criança implicante e bufa. — Grudentos.
Eu tento não corar e minha cunhada ri, passando o braço ao redor dos
meus ombros.
— Vamos para a aula de uma vez antes que você vá correndo atrás do
meu irmão e implore que ele nunca mais saia do seu lado.
— Não seja patética, Dô… — apenas acompanho seus passos e tento não
pensar no que me aguarda atrás da porta. — Por que você também não foi à
reunião?
Sua animação some conforme andamos e eu noto que nenhum homem
olha em nossa direção. Não sei se temem mais ao meu marido, seu pai ou a sua
irmã, que me soa tão perigosa quanto todos os outros homens aqui presentes.
— É uma reunião sobre a missão de sexta — explica, como se eu tivesse
conhecimento sobre algo. — E eu não estou convocada para a missão de sexta.
— Por quê? Pelo que eu vi ali, você é excelente no que faz…
Tímida, de um jeito que nunca vi, com um sorriso muxoxo entre os
lábios finos, Dona recebe o elogio que não parece lhe dizer nada.
— Porque eu sou uma mulher, Beca. E Antônio não quer sua filha metida
em coisas fora do seu interesse.
— Mas ele permite que você treine…
Dona respira fundo.
— Ele tem seus motivos para permitir isso. Mas ainda tenho limitações.
Não sou como Luca ou Lorenzo. Tony apenas me dá algo para que me ocupe
enquanto não me vende como carne.
Ouch.
Tento não me ofender, mas é esquisito sentir que sua crítica se relaciona
diretamente ao que aconteceu comigo.
E ela percebe.
— Aí, B, eu sinto muito…
— Tudo bem — forço um sorriso de canto e coloco a mão sobre a
maçaneta do estande privado. — Está em seu direito de reclamar.
— Mas não de ofender você — suspira e me impede de empurrar a porta
ao tocar meu ombro. — Saiba que é a melhor coisa que poderia ter acontecido ao
meu irmão. E sou muito grata de ter você por aqui agora, por que, se não, com
quem eu iria poder reclamar?
— Angelina.
— Ela não entende. Diz que minhas críticas são sem sentido porque
podemos usar vestidos bonitos e usar maquiagem cara — fala, totalmente contra
cada uma dessas ideias. — Angel é… conformada. Ela não vê as coisas do
mesmo jeito que nós duas.
— E como vemos as coisas?
Dona respira fundo e seus olhos cintilam ao olhar para mim novamente,
como se a verdade fosse feia demais para ser vista.
— Como quem já foi vítima dela.
Sem me dar direito a resposta, ela abre a porta e eu olho para dentro,
encontrando o professor a quem Luca designou meu caso.
Ele é alto, mas mais velho do que eu pensei que fosse ser. Expressa
maturidade no olhar e de braços cruzados, mostra sua força. Ele é gigante. Há
cicatrizes longas nos braços tatuados e uma barba rala escura. Eu chutaria que
tem ascendência latina, pelo tom de pele e traços fortes.
— Estevan!
O grito de Donatella o faz virar os olhos escuros, num tom profundo de
castanho, para cima de nós duas e eu me encolho, oprimida demais pela força
que vejo na expressão carregada.
Não parece ser raiva, ele só é… sério.
— Garotinha. — Mas aí ele sorri para Donatella, cumprimentando-a com
um aceno respeitoso e eu tento entender quem ele é de verdade. — E esta deve
ser a senhora Luca Accorsi.
Sorrio e ergo uma mão.
— Culpada.
— Não é uma tarefa fácil carregar um nome como esse, menina. — Ele
caminha em nossa direção, mas para no único estande ocupado. Há uma arma
sobre ele.
A minha arma.
— É bom que esteja preparada para tudo.
— Não a assuste, Estevan… — Donatella fala, revirando os olhos e o
homem ri para ela. — Becky, Luca te contou que foi ele quem ensinou a maioria
de nós a atirar?
— Uhum.
— Então já te adianto que não precisa ter medo. Ele tem essa cara de
bravo, mas não morde. Nem late.
— Diga isso na frente de alguém que se preocupe e irei me complicar
com o seu pai, Donatella — rindo, o homem parece leve. Eu diria bonito, mas
não quero ir tão longe assim. — Aproxime-se, senhora Accorsi.
— Pode me chamar de Rebecca — adianto e me afasto de Donatella.
Ando sozinha até ele e estendo minha mão. Ele a aperta, menos forte do que sei
que pode. Anoto a gentileza.
— E você pode me chamar de Estevan. Começaremos aqui. Coloque
seus óculos e o fone de proteção.
Ele olha para cima.
— Irá nos acompanhar, Donatella?
A garota dá de ombros.
— Se me permitem…
— Você quer que ela fique, Rebecca?
— Quero — digo, mas tento não passar qualquer receio em relação a
Estevan no tom de voz. De qualquer jeito, acho que ele entende que não me sinto
segura sozinha com desconhecidos que parecem máquinas de matar altamente
treinadas e não se afeta com isso.
— Certo. Mas fique em silêncio.
Donatella assente e passa um zíper nos lábios.
Eu me dedico a colocar as proteções que ele mencionou e ao encarar a
arma, tento não tremer.
— Meu marido falou algo sobre mim para você?
Estevan arqueia uma das sobrancelhas.
— Ele deveria ter me dito alguma coisa?
— Não, eu só…
— Não quero que se preocupe com nada que aconteceu fora desta sala a
partir de agora, Rebecca. Nem com o que pode ter acontecido com você antes
quando segurou uma arma ou precisava de uma, mas não a tinha.
Então ele sabe.
Com uma olhadela, afirmo, tentando passar confiança.
Mas eu simplesmente sei que ele sabe que não sinto nenhum pingo disso.
— Somos apenas você, eu, um alvo e sua cunhada enxerida.
— Ei…
— Silêncio — ordena e Dona ri no fundo. Eu gosto do modo como é
descontraída ao redor dele.
— Pegue a arma — indica e eu me assusto.
— Já?
— Já tentou aprender a andar de bicicleta sem bicicleta, Rebecca?
Sua ironia me pega de surpresa e eu penso se devo corrigi-lo pelo
desrespeito.
— É o que veio aqui fazer. Agora, pegue.
O tom parece mais autoritário e eu alcanço o cabo cromado numa
respiração só. Eu deslizo os dedos para a empunhadura, sentindo o metal frio
contra minha mão. É uma sensação ruim.
Fecho os olhos, tentando lidar com ela e tento mantê-la parada.
— Já começou errado. — Estevan se apressa em dizer e com certo
cuidado, toca meu rosto e o levanta. — Nunca pegue uma arma e feche os olhos.
Eu abro os meus no mesmo instante.
— Você precisa saber onde está mirando e garantir que não esteja na sua
própria cabeça. E depois, se não houver alvo, a mantenha abaixada. É mais
seguro para todos.
Ele puxa meu ombro e cola meu braço na lateral do meu corpo. Embora
decididos, os toques são sutis e nada ameaçadores.
— Pare de tremer, menina.
Suspiro.
— Eu não consigo.
— Do que é que você tem medo?
Eu olho para os olhos chocolate dele e tento pensar claramente.
— Não quero falhar — sussurro, com medo de que Donatella escute isso
e me julgue ridícula. — Não posso falhar.
— Então você pelo menos tem que tentar, não é?
Não respondo e mantenho meu olhar concentrado no que seguro. Estevan
respira fundo e quando sinto que vai mandar que eu saia da sua aula, dá novas
ordens:
— Destrave a trava de segurança. Polegar e indicador, puxe a corrediça
de volta e mantenha atenção no que está fazendo.
Eu sei o nome e localização de cada peça graças às aulas de Luca e por
isso, faço o que pede, ignorando a moleza dos movimentos.
— Sabe o nome de cada parte da arma? — Ele parece surpreso.
— Luca me ensinou.
— Ótimo.
Ele não gasta muito tempo com elogios.
— Cano para baixo, dedo fora do gatilho. — Eu obedeço. — A arma na
mão não-dominante, então abra a outra.
Obedeço mais uma vez.
— Agora, posicione a empunhadura na pele que fica entre seu indicador
e polegar. É o lugar certo.
Tento, mas não consigo me ajeitar. Estevan me ajuda.
— Polegar de um lado e os outros dedos em volta do cabo, abaixo do
gatilho.
Exercito minha respiração e mantenho o controle.
— Segure-a como se fosse apertar minha mão. Você precisa mostrar que
é forte e consegue, certo? Então, faça força até que pare de tremer. Ótimo.
Assim… aos poucos. Perfeito.
— Vai, Beca!!
— Quieta — Ele chia e Dona fica em silêncio de novo. — Agora aponte
— ordena.
Eu aponto como um robô e tento não pensar em quão ridícula pareço
para ele.
— Abra as pernas na largura dos seus ombros.
Respiro fundo.
— Isso não parece tão difícil nos filmes…
— Não é tão fácil segurar aquilo que tem força o suficiente para arrancar
uma vida, Rebecca. Esse tipo de coisa exige regras.
A fala de Estevan é séria e eu não ouso discordar do que está fazendo.
Mantenho minha boca fechada e escuto sua lição super demorada sobre miras.
Ele também me faz refazer a posição perfeita — os pés abertos na largura dos
ombros, a postura reta mas um pouco inclinada para a frente — mais de cinco
vezes.
Quando enfim permite que eu coloque o dedo no gatilho, já estou
cansada.
— Você vai coordenar o tiro com a sua respiração. Toma fôlego, expira e
atira. Simples assim.
— Simples assim?!
— Você entendeu o que eu quis dizer — murmura. — Agora, foco.
Eu foco no que está acontecendo e respiro fundo, cuidando na hora de
expirar. Mas é como se houvesse um alarme que me faz parar, entrando em
guerra contra minhas vontades. Estou estagnada e não consigo disparar. Meu
estômago dá voltas dentro da minha barriga e eu gostaria de um chá de
camomila.
— Ok… Agora eu preciso que você dispare, Rebecca.
Eu respiro de novo e penso com confiança no que preciso fazer. No que
vou fazer. É agora. Lembro de todas as regras, táticas, técnicas e ao expirar, sei
que não vou mais chegar ao final disso. Abaixo o braço antes de disparar, com
meu corpo em alerta máximo e frustrada, puxo os óculos e os atiro longe.
— Me desculpe, eu não—
— Chega de choro. Pegue os óculos e endireite sua postura.
— Mas eu não—
— Óculos e postura, Rebecca. Agora.
— Eu não quero.
— Sim, você quer. Só está com medo. Agora endireite-se.
O esporro faz com que eu me sinta uma criancinha e procuro apenas um
motivo para xingá-lo, mas não encontro. Ele não está mentindo.
— Lembro de pedir a você que ignorasse tudo que aconteceu antes, mas
já vi que não vai funcionar assim. Você não é impulsiva como os maníacos que
treinei. Você precisa de um bom motivo. Então pense no pior que tem. Na coisa
que mais te dá ódio. No que você quer destruir.
O nome de Rodrik surge como um pisca-pisca em minha mente. O
maldito que ousou encostar em mim. Que me cobiçou. Que invadiu minha casa,
meu quarto, com seu irmão desgraçado que machucou meu marido e explodiu
uma bomba em nosso quarto. Ele fez com que eu me sentisse fraca. Suja.
Indigna.
Fez com que eu fosse menos do que sou.
E isso não…
Isso nunca.
Eu sei o meu valor, sei do que sou capaz e sei que bastardos desgraçados
como aquele não deveriam mais ter a chance de andar por aí e fazer o mesmo
que causaram a mim com outras pessoas.
E de onde eu venho, de onde sou, e no mundo em que me encaixo, coisas
como essa são resolvidas com sangue.
Por isso, quando aperto o dedo no gatilho e o tiro ecoa, é a primeira coisa
na qual penso. O som se espalha seco pelo ambiente e Donatella comemora atrás
de nós dois, enquanto vejo Estevan sorrir de aprovação, mesmo que eu não tenha
acertado nada de interessante.
Mas eu espio mesmo assim e quando estou prestes a comemorar o quanto
sou péssima, o impulso do vômito chega a minha garganta e eu me debruço
contra a proteção, despejando tudo que escapa da minha boca no chão a nossa
frente.
Enquanto caminho na direção do meu carro após a reunião, penso e
concluo, sem dúvidas, que acabo de sair das piores duas horas e meia de toda
minha vida.
Caminho o mais rápido que consigo para escapar do olhar atento do meu
pai ou dos elogios desesperados dos subchefes, que chupariam meu pau por
qualquer migalha de atenção. Os berros e desavenças dos homens dentro da sala
de reuniões do Madame Martino ainda ecoam na minha cabeça e o modo como
tive de desarmar um deles para impedir que uma fodida guerra civil começasse
me tira do eixo.
Um bando de crianças. Crianças com poder, para ser mais exato. Não
possuem a mínima compostura, assim como seu chefe. E a presença de Mikaela
nos arredores, sendo cumprimentada por todos… Sendo reconhecida por meu
pai.
Como podem confiar num homem que nunca respeitou a mulher? Que
mantém a outra tão perto, tão assumida, tão cheia de si, sem dar a mínima para a
reputação da minha mãe, que já está cansada da porra do seu comportamento de
merda?
Fodido do caralho.
Aguentar tudo isso de cara limpa foi pior do que tortura. Pior do que
qualquer castigo que eu poderia imaginar. E felizmente, agora estou livre.
Entro no meu carro e como Max me alertou sobre ir para casa com seu
pai, eu deixo o estacionamento do maldito bordel antes de ser perseguido por
Madalena, que ficou me cuidando desde que entrei. Não tenho nada a conversar
com a garota. Só espero que ela tenha uma boa vida.
Dou a volta o mais rápido possível e logo estou voando pela avenida, me
questionando se ser parado pela polícia é uma possibilidade, agora que há
instabilidade no comando. Agora que Romeu quer comprar nossa parte. Agora
que Romeu tem chances de fazer isso.
O sangue ferve em minhas veias só de pensar no que significaria não
estar no topo. O que significaria perder nossa cidade.
Mas na sexta, tudo mudará. Nosso plano entrará em ação e faremos o que
for necessário para reafirmar o comando sobre nossa casa. O pegaremos de jeito,
de um jeito que ele nunca previu e do qual dificilmente poderá se recuperar.
Assim que colocar minhas mãos sobre Romeu, não haverá cansaço que
me pare. Eu arrancarei cada pedaço da sua maldita pele marcada pelas tatuagens
de sua organização adorada e o farei assistir enquanto disseco seu puto irmão por
ousar tentar encostar na minha esposa. Eu o farei implorar por clemência. Eu
terei seu sangue nas mãos e irei rir.
Irei triunfar sobre a porra do seu cadáver.
É com isso que sonho há certo tempo.
Antes de pegar o caminho para casa, desvio para o Galpão e confiro
novamente se houve alguma tentativa de ligação no tempo em que estive fora.
Nada. Nem mensagem. O que só pode significar que ou as coisas foram muito
bem ou muito mal.
Minha mente tende a ir para o lado mais pessimista, então imagino que
vá encontrar Rebecca encolhida no canto aos prantos. A ideia me incomoda até o
último fio de cabelo, apenas em pensar que ela pode estar vulnerável num lugar
onde não estou. Onde todos são predadores treinados.
Porra.
Talvez não tenha sido uma boa ideia colocá-la para treinar sem a minha
supervisão. Mesmo Donatella poderia ser derrubada.
Tudo que eu menos queria era mais uma preocupação para minha lista
infinita, mas é como se eu não tivesse escolha sobre como me sinto em relação
às responsabilidades que sinto ter com a menina de olhos castanhos mais
sinceros e gentis que já vi.
Olhar para eles é como anular tudo que vem de fora. Me dá uma
sensação de calma que nunca experienciei em nenhum lugar e sinceramente, me
vicia, me faz querer mais. Mais olhares, mais sorrisos, mais beijos, mais
momentos em que somos apenas nós dois e toda feiura dessa merda de mundo
não nos atinge.
Rebecca é minha prioridade número um e é esquisito pensar que sou
capaz de assumir isso assim, tão fácil.
Ela quase me faz desejar que nada disso existisse. Que eu não fosse quem
sou. Que eu fosse apenas um homem justo, honesto e que a merece. Que não a
deixa em perigo.
Talvez eu não seja o certo. Talvez ela estivesse melhor com outro. Talvez
fosse mais justo se sua vida fosse rodeada de belezas, como a minha nunca foi,
nem será. Mas…
O que seria de mim sem ela?
Me sinto mais humano do que nunca fui em vinte anos. Mais propenso a
estar presente. Mais propenso a ser alguém que nunca fui permitido ser.
Eu gosto da minha versão quando estou perto dela. Gosto de quem sou
quando estou com ela.
E não permitirei que ninguém ameace isso ou me tire o privilégio de ter
Rebecca Accorsi.
Eu mataria para deixá-la segura.
E morreria também.

Chego ao Galpão vinte minutos depois e estaciono, subindo


imediatamente até o andar de treino. Cumprimento os soldados e espero ouvir
qualquer coisa sobre Rebecca, apenas para poder socar suas caras até sangue
jorrar, mas não há nenhuma menção ao fato de minha esposa estar aqui.
Sorte a deles.
Os corredores estão silenciosos pelo horário avançado e pelo fato da
maioria dos soldados estarem em treino para a próxima missão, por isso vou
direto ao ponto e chego à sala de tiros.
No entanto, não encontro ninguém aqui. E ao entrar na sala privada, onde
indiquei que eles deveriam treinar, tudo que vejo é Estevan limpando alguns
cartuchos, com a postura concentrada de soldado, assobiando alguma música.
— Estevan — chamo seu nome com certo apelo e ele ergue seu rosto. —
Onde está minha esposa?
Por um segundo, minha cabeça calcula o que farei se ele disser que ela
apenas saiu e foi embora. Sei que ele nunca permitiria isso, mas…
E se?
— Pensei que tinham avisado você. Ela foi embora com Donatella há
uma hora.
Eu respiro fundo ao receber a notícia.
— Pensei ter deixado claro que gostaria de receber qualquer atualização.
— Donatella disse que ligaria —responde, sem se encolher. Eu valorizo
isso nos homens que falam comigo. Sua capacidade de me encarar mesmo
quando meu humor não é dos melhores. — Rebecca vomitou após a aula e sua
irmã achou melhor que ela estivesse em casa. Voltei apenas para fechar a sala.
— Espera, então ela passou mal e ninguém achou que seria interessante
me avisar? — Puxo o telefone do bolso e digito uma mensagem que diz o
suficiente para minha irmã.
Ela nem mesmo recebe.
— Foda-se — resmungo e saio sem dizer mais nada. Estevan vai
entender e se não entender também, azar o dele.
Eu vou matar Donatella.
Desço pelas escadas e chego ao meu carro com pressa. Se Dona a tiver
levado para um hospital sem segurança, vou gritar tanto que ela vai ficar surda.
São tantas possibilidades e todas parecem levar as duas direto para as mãos
ansiosas de Romeu.
Tento ligar para as duas mais de cinco vezes e desisto, socando a droga
da buzina para que os carros na minha frente andem mais rápido. Há a sensação
de que tenho de chegar o mais rápido possível, por isso, pouco me importo com
as sinaleiras.
Ao chegar em casa, estaciono e subo. Aperto várias vezes no botão até as
portas se abrirem e desço em casa, numa cobertura silenciosa demais para estar
ocupada.
— Donatella!
Meu berro ecoa e corta o silêncio.
— Aqui!
Sua resposta vem como um copo d’água gelada para alguém derretendo e
eu subo as escadas, me aproximando do quarto, onde as encontro no banheiro.
E o cheiro inconfundível de vômito.
Torço meu nariz e analiso a cena em que Donatella segura os cabelos de
uma Rebecca enjoada, debruçada sobre a privada.
— Que porra…
— Ela está enjoada. — Minha irmã diz, alisando as costas nuas de Beca.
— E não poderia me avisar? Eu fui até a merda do Galpão atrás de vocês
duas.
Noto que Beca não usa as mesmas roupas de antes, mas sim uma
camisola. E tem os cabelos molhados. Sua cara não é das melhores, mas está
segurando melhor o vômito quando aceita minha ajuda para ficar de pé.
— O que houve com você?
Seus olhos estão meio desfocados, as bochechas sem cor e a boca seca.
Dá alguns passos até chegar à pia e escova os dentes, enquanto eu exijo uma
resposta de Donatella apenas pelo olhar.
Ela, tão atentada e amaldiçoada pelo mesmo sangue que eu, não dá a
mínima e ri, cruzando os braços, ao analisar minha expressão:
— Você veio correndo na hora que soube que ela estava mal, não é
mesmo, Luca? — Sua risada me causa úlceras.
— Vai se f—
— Não fale assim com a sua irmã, Luca, por favor... — Rebecca pede e
usa a toalha para enxugar a boca. — Ela não ligou porque eu não deixei. Não
queria preocupar você por nada.
— Por nada? Você parece um zumbi.
Dona assovia baixinho e Beca me encara por um minuto inteiro.
— Muito obrigada, querido.
— Eu não falei com essa intenção…
Ela murmura algo que não entendo e deixa o banheiro. Dona mostra a
língua para mim e eu vou atrás.
— Donatella me disse que a reunião era importante. E o vômito foi
apenas pelo nervosismo.
Rebecca se senta na beirada da cama e prende os cabelos num coque
rápido. Eu observo toda cena e puxo o casaco de meu terno para fora, me
sentindo sufocado.
— Eu teria ido te buscar de qualquer jeito, Rebecca.
Posso sentir o sorriso que minha irmã abre do outro lado do quarto e
evito olhar na sua direção.
Ela sempre foi tão irritante assim?
— Que bonitinho…
— Vai se f...
Me interrompo assim que Beca olha para mim com um quê a mais no
olhar. Ela tem pavor do modo como nos ofendemos. Parece que sua relação com
os irmãos é diferente.
Então, engulo as palavras e sorrio na direção da minha relativa sanguínea
no cômodo, forçando minha paciência.
— Você já pode ir, querida irmã. Obrigada.
— Ótimo. Preciso de um banho. Eu dei remédios para a dor no estômago
e ela precisa tomar água. Bastante. Preste atenção nisso.
— Acha que eu não sei que alguém que vomita precisa de água?
— Acho que você é idiota o suficiente para se esquecer disso,
irmãozinho. — Ela sorri e fica na ponta dos pés para beijar minha bochecha. —
Cuide bem dela ou eu conto para a mamãe.
— Ela é a minha esposa, Donatella. Eu cuido dela — sussurro para que
apenas ela escute a reprimenda.
— Acredite, irmão, todos na cidade podem sentir o quanto ela é sua. E
não seriam loucos de tentar roubá-la. — Eu não entendo exatamente o que ela
quer dizer e não me importo em perguntar. Brevemente, se despede de Rebecca
com um abraço e sai sem mais delongas.
Eu respiro profundamente novamente e volto a encarar Rebecca. Levanto
as mangas da camisa branca e me aproximo, encostando as costas da mão em
sua testa.
Sua pele está ainda mais pálida, como papel.
— Você está com febre.
Ela desconversa.
— Ela está furiosa com vocês, sabe?
Arqueio as sobrancelhas, mantendo a mão em seu rosto.
— Quem?
— Dona.
— E por que ela estaria brava conosco?
— Por causa da reunião. É injusto que ela não tenha sido convocada,
Luca.
— Eu ainda não tomo as decisões, linda. — O apelido sai naturalmente
de meus lábios. — E meu pai a quer longe dos russos para sua segurança.
— Eu a vi atirando hoje. Ninguém poderia derrubá-la.
— Sim, mas…
— Sabe que isso é apenas machismo da parte de todos vocês, né?
Mantenho minhas sobrancelhas arqueadas e rio, encarando-a com certo
tom de graça.
— Você quer discutir sobre o machismo da organização agora, senhora
mal posso manter o que como dentro de mim?
— Só quero que você se atente a sua irmã e, se possível, incentive que a
deixem participar. Seria importante para ela…
— Certo, senhora Accorsi. Mais algum pedido?
Ela divide os lábios num sorriso demorado, meio relaxado, totalmente
despreocupado.
— Você não precisava vir correndo… — diz, meio grogue, o que me faz
questionar quanto remédio Dona deu a ela.
Sua intenção era dopar um cavalo?
— Mas eu fico feliz que tenha vindo.
Claro que vim. Minha prioridade é cuidar de você. Meu juramento é
estar com você.
As palavras ficam entaladas em minha garganta quando ela pede para se
deitar e eu trago um balde para perto da cama.
— Vai ficar aqui comigo? — pergunta, quando tiro a camisa e me
acomodo ao seu lado.
Concluindo algo importante, respondo, num fôlego só:
— Aonde mais eu iria?
Rebecca aproveita a deixa para pegar no sono depois disso e eu
acompanho sua respiração até que se estabilize. Toda aflição de mais cedo some
quando meu corpo constata que ela está bem, que eu estou aqui e que nada irá
alcançá-la enquanto eu viver.
Quando eu acordo no dia seguinte, o sol está batendo contra meu rosto e
o esquentando até o limite. Tenho poucas memórias do horário em que dormi,
mas pelas dores nas costas, sei que foi há bastante tempo. Isso geralmente
acontece quando passo tempo demais na cama.
A dor de cabeça, felizmente, passou e o embrulho que havia em meu
estômago também. Luca não está mais ao meu lado, mas já me acostumei com
isto. Ele acorda com as galinhas todos os dias.
Mas, com um alívio inesperado, eu sorrio quando vou escovar os dentes e
o encontro tomando banho.
Eu paro na soleira da porta e aproveito para observá-lo sem ser notada.
Suas costas malhadas estão molhadas e eu me pego descendo os olhos até as
covinhas sobre sua bunda, as quais já arranhei muito. Aliás, Luca tem uma bela
bunda. O excesso de treinos contribui e muito para que seu corpo seja perfeito,
como uma escultura, algo perto do irreal.
Eu aproveito sua distração para escovar meus dentes e lavar meu rosto,
assistindo-o lavar os cabelos. Parece distraído, coisa que raramente acontece,
mas eu não confio que ainda não tenha me notado. Luca fareja alguém chegando
há quilômetros de distância.
Assim, o desejo de entrar com ele e surpreendê-lo surge. Preciso de um
banho assim como preciso de um beijo seu, não importa o quão grudento isso
seja. Se eu estiver certa, e ele estiver de saída agora, será o único momento em
todo dia que poderemos nos ver.
Isso me motiva a puxar a camisola abarrotada e jogar longe a calcinha e o
sutiã. Eu caminho até o box e empurro o vidro para o lado. Neste momento, ele
olha sobre o ombro e abre um sorriso esperto no canto da boca, observando
enquanto eu nos tranco aqui dentro.
— Você sabia que eu estava aqui, não é? — pergunto, sentindo a água
quente salpicar na frente do meu corpo. Luca ocupa boa parte do espaço, mas eu
não reclamo. Ele é grande.
— Senti o seu perfume.
— De vômito? — ironizo, e ele se vira. De frente é ainda mais lindo.
Maior. O peito aberto, as tatuagens sutis nos braços, o cabelo molhado e cheio de
sabão, os olhos azuis brilhando como duas joias…
— Está se sentindo melhor?
— Bastante — afirmo, acompanhando o caminho da espuma do seu
xampu. Eu impeço que um pouco entre no seu olho e passo água sobre seu rosto.
— Posso terminar para você?
Mordo a boca enquanto espero pela resposta, encarando a bagunça que é
o topo da sua cabeça. Luca, cheio de sujeira na mente, ri.
— Linda, você precisa me dizer ao que está se referindo…
— Ao cabelo, Luca — digo, como se fosse óbvio e ele revira os olhos,
murmurando algo como “claro”.
Ergo os braços e passo água sobre os fios sempre tão cheirosos. Já
cheguei a usar os seus produtos apenas para ficar com o cheiro por mais tempo
por perto. Esfrego e passo os dedos, sumindo com os poucos nós. Meus seios
estão grudados contra seu peito e eu sinto sua mão apoiada na minha cintura,
provavelmente para que eu não caia por estar na ponta dos pés.
Ele é atencioso assim sem nem fazer esforço.
Quando fica excitado pela proximidade, eu sinto, mas não digo nada.
Nem ele. Seus olhos estão fixados na minha boca, como se ela fosse a coisa mais
interessante em todo meu rosto e estou ocupada acariciando seu cabelo,
empurrando a espuma para trás da sua cabeça, permitindo que me encare
enquanto faço isso.
Inconscientemente, me aproximo ainda mais e me encaixo entre suas
pernas. Péssima ideia. Ou a melhor de todas, sinceramente, pois posso sentir
todo seu comprimento contra minhas coxas, tentando-me um pouco, admito,
assim como seu olhar, que praticamente me desafia a não fazer alguma coisa.
— Você dormiu bem? — pergunto, sem me importar com sua
necessidade urgente. Ele pigarreia antes de responder.
— Perfeitamente bem.
— Hmm… Que bom.
— Rebecca?
— Hm?
— Tira essa espuma da minha cabeça.
— Já tirei quase tudo.
Ele suspira.
— Então por que está enrolando?
Sorrio.
— Quero ver até onde você aguenta…
Ele respira fundo.
— Nem mais um segundo.
E segura minha nuca para me beijar no segundo seguinte.
Sua boca se fecha sobre a minha com fome o suficiente para que eu
apenas a deixe, sem me importar com o resto. Fecho os olhos, embriagada pelo
gosto bom que escapa de seus lábios e meu corpo se acende ao ser prensada
contra a parede.
Estou em polvorosa e ele coloca a mão sobre minha barriga, iniciando o
caminho tortuoso até o centro das minhas coxas, quando o interrompo e abro os
olhos.
— Me deixa ver como você está — pede, num sussurro, apoiando a testa
contra a minha.
Eu decido inverter nossas posições e ele me analisa com cuidado.
— Me deixe ver você primeiro.
Então eu fico de joelhos, deslizando as mãos pela sua barriga e Luca ri,
como se tivesse ganhado um presente. Segurando seu membro por baixo, ele o
alcança para mim e sou capaz de enfiá-lo até a metade da boca, assumindo o
controle de seu prazer. Passo a língua na cabecinha rosada e sinto o gosto
salgado do líquido que antecede o gozo, espalhando-o por todo seu comprimento
com ajuda da minha língua. Luca vibra sobre meu controle e a pressão das
minhas mãos, enquanto o faço sentir o calor da minha boca.
Vou até o final e volto, engasgando um pouco com seu tamanho e chupo,
preenchendo minha boca. Ao estimular junto com as mãos, ele perde a firmeza
das pernas por um segundo e se apoia na minha cabeça, fechando a mão em meu
cabelo. Eu gosto da sensação dele puxando aos poucos e permito que continue,
cuspindo sobre seu pau duro e cheio de veias para facilitar meu trabalho.
Encontro seu olhar em algum momento, no meio disso e vou mais rápido, me
deleitando com seus olhos revirados e a força com que pressiona os dentes
contra seus lábios.
— Vai sair, Beca…
Quando ele goza, é como um jato. E eu não me movo, embora o gosto
não seja dos melhores. Eu tiro seu membro da boca aos poucos e o sinto deslizar
do meu rosto até meus seios, onde despeja o final, gemendo e xingando com
força.
Eu o encaro por alguns segundos até que me puxe para cima pelos pulsos
e jogue contra o vidro resistente. Minhas coxas deslizam com facilidade pela
umidade entre elas e ele as separa com a mão, fazendo-me gemer pela força dos
movimentos.
Meu gemido o estimula e depois de alguns beijos, está duro novamente,
investindo contra minha barriga, me fazendo ansiar.
— Calma… Você vai levar tudo. Até a última gota.
Ele encaixa seu pau na minha boceta e quando se afunda dentro de mim,
tenho a sensação de estar sendo partida ao meio. Luca, sem poupar esforços ou
se preocupar com sua resistência, coloca minhas duas pernas ao redor da sua
cintura e apoia minhas costas contra o vidro, confiando em si mesmo o suficiente
para me manter erguida.
Eu deixo.
Suas mãos seguram minha bunda e a apertam, como se fosse sua, me
incentivando a fechar-me contra ele. Estou pendurada em seu pescoço e ele me
fode, testando o vidro atrás de nós dois com muita coragem e pouco juízo.
Praticamente grito em seu ouvido quando intensifica o ritmo e fecho a boca ao
redor do seu ombro, escutando-o me chamar das palavras mais não adoráveis da
face da terra.
Vadia. Gostosa. Deliciosa.
Luca fode com força e puxa meu cabelo para o lado, liberando meu
pescoço para sua boca, que chupa minha pele, na intenção de deixar marcas. Eu
deixo e arranho sua pele com minhas unhas, cravando até sentir que não há mais
onde apertar. Somos uma mistura confusa e turbulenta, mas é bom. É ótimo.
Estou fraca, meio mole, prestes a me entregar ao ápice e suas maravilhas
quando ele diminui o ritmo, indo mais devagar, quase parando…
— Você quer gozar, Beca?
— Luca…
— Me diz, Rebecca. Você quer?
— Quero — choramingo, sentindo sua mão fechada em torno do meu
pescoço. Luca me alcança em todos os sentidos e não há um pedaço do meu
corpo que não esteja marcado por ele, sua mão e seu desejo.
— O que você quer?
Não respondo, concentrada demais em aproveitar o que ele me dá. O
movimento lento de nossos corpos, a mistura que fazemos, o som de suas bolas
contra minhas coxas suadas e molhadas.
— Quero…
Me perco por um segundo e quase gozo, mas ele para.
— Fala o que você quer e eu te dou.
— Gozar, Luca…
— E onde você quer gozar, linda?
— Aqui…
— Em quem?
— Em você…
— Todinha em mim?
Afirmo com a cabeça, escondendo o rosto na dobra do seu pescoço. Não
sei o que mais esse maldito quer, mas se ele acha que vou implorar está tão
enganado.
— Então eu vou te dar o que você quer, Beca — diz, rindo, excitado de
uma maneira perigosa apenas com a fome que vê em meus olhos. — Uma surra.
E das boas.
Ele me desce do seu colo e com a mesma facilidade com que me manteve
levantada, me conduz até a pia e me debruça sobre ela.
Maldito desgraçado do caralho.
Estou perdida e molenga o suficiente para que nada mais importe, nem
faça diferença, mas vejo Luca puxar algo como uma embalagem de uma das
gavetas e espalhar em sua mão. Depois disso, ele sobe minha perna direita o
suficiente para que meu joelho fique sobre a pia, pensando que sou uma
contorcionista do caralho.
Mas eu fico quieta, gemendo quando ele desliza na minha entrada.
E sem aviso, logo depois disso, ele entra e vai fundo. Fundo o suficiente
para me fazer gritar, agarrando-me contra a pedra fria. Estou de bunda empinada,
praticamente de quatro, e ele entra até o talo, colando as bolas na minha bunda,
fazendo-me engasgar em meu próprio gemido histérico.
Ele toca minha boceta com os dedos e se lambuza, incentivando-me a
querer mais e ir mais longe. Luca prolonga a sensação pelo máximo de tempo
possível e eu aproveito cada segundo dela, sentindo-o até o fundo, enquanto ele
também me sente, me come, me devora.
Porra.
— Porra!
Quando gozo, é mágico. É tudo. É como encontrar a porra do pico mais
alto e gritar que estou sendo bem-servida. Que meu homem é incrível. É lindo, é
gostoso e é meu. Todo meu.
Meu corpo inteiro se arrepia em espasmos e é como receber vários
choques. Estou tão zonza que ele me mantém de pé, enquanto meu corpo se
recupera, após gozar também. Sinto seu calor entre minhas pernas e meu peito
sobe e desce, mostrando o que ele fez comigo.
O que fizemos um ao outro.

Descemos trinta minutos depois do banho, quando já conseguimos tomar


o segundo e de alguma forma, sei que até mesmo Fiona pode sentir a harmonia
que banha nós dois esta manhã.
É como mágica.
Como nos filmes.
Chegamos de mãos dadas à mesa de café e embora ainda esteja sensível
para comida, aceito um pouco de suco e panquecas. Luca parece aprovar isso,
assim como aprovou quando o deixei lavar meus cabelos, após lavar o seu. Ele
retribuiu o favor por completo, aliás.
Agora, olhando para meu marido com seu cabelo molhado, com as
marcas de minhas unhas por debaixo da gola azul de sua camisa social, com os
lábios inchados de tanto me beijar, em cima e em baixo, me pergunto apenas
quando poderemos fazer de novo. E de novo. E de novo.
Eu estou obcecada por esse homem.
— O que você tem para fazer hoje? — questiono, enrolando com uma
panqueca. Ele me olha de soslaio, claramente curioso.
— Ir ao Galpão, acertar alguns últimos detalhes para amanhã.
— O que tem amanhã?
— Iremos a uma missão.
— Donatella mencionou algo sobre, mas não sei exatamente do que se
trata.
— Nada com o que precisa se perguntar — fala, mas não tenho certeza.
— Tem certeza do que está dizendo?
— Absoluta.
Eu rio.
— Você é um bom mentiroso, Luca Accorsi.
Ele retribui o sorriso.
— Obrigada. É o que eu faço para viver.
Ele bebe seu café, mas não tira os olhos de mim e eu me sinto
incentivada a continuar falando. A ser eu mesma. A me soltar cada vez mais, por
que essa versão de mim — a única, a real — é a que mais lhe agrada.
— Você precisa mesmo ir até o Galpão?
Ele pondera por apenas um instante.
— Não.
Continua me olhando.
— E nem quero.
Graças a Deus.
— Então fique comigo.
— Para?
Posso ver sua mente borbulhar em ideias.
— Poderíamos fazer algo diferente, como ir ao cinema.
E o vejo murchar na mesma hora.
— Cinema? Sério, Beca?
— O que tem de errado com o cinema? Eu adorava ir quando morava na
Itália.
— Temos uma casa linda, vazia e aconchegante para passarmos o dia. Só
eu e você, sem mais ninguém. E você quer se enfiar numa sala apertada com
mais cem pessoas para ver um filme?
— É um passeio de casal, Luca. E depois poderíamos ir jantar fora.
Luca torce o nariz.
— Parece horrível.
— Garanto que não pode ser tão ruim quanto você imagina.
— Acredite, eu tenho uma tendência a sempre acertar quando é se
perguntar o quão ruim uma situação pode ficar…
— Pois eu aposto que vai ser divertido — digo, cheia de uma confiança
que não me pertence. Acho que roubei dele.
Sorrindo como se eu tivesse dito as palavras certas, Luca volta a me
encarar.
— Você aposta?
— Uhum.
— E aposta o que?
Dou de ombros.
— O que você quiser.
Ele ri como um tubarão.
— Isso é perigo demais para você, Becky…
— Confio em você, Luca. E confio que será ótimo sairmos como um
casal. Sem bombas, nem perseguições. Apenas eu e você.
Comovido pelas minhas palavras (eu acho), Luca revira os olhos e bufa,
dando-se por vencido.
— Certo. Então parece que é isso que iremos fazer hoje.

Pegamos a sessão das seis horas e eu obrigo Luca a pegar o maior balde
de pipoca, além dos copos mais generosos de refrigerante da bomboniere, não
importa o quanto ele reclame sobre não poder exagerar pela missão de amanhã.
Eu não estou nem aí, ele não deveria estar também. Ainda pego um monte de
balas quando estamos no caixa, sem me preocupar com nada além de quão
gostosas se parecem.
Meu marido paga por tudo e nos encaminhamos para a pequena fila que
há para entrar na sessão. Ele mantém sua atenção ao redor como se qualquer um
que circula por perto fosse uma ameaça e eu cuido das posições estratégicas de
Mathias e Roger. Eles sempre estão por perto, embora pareçam como sombras, o
que me deixa mais segura.
— Então, o que vocês realmente vão fazer amanhã?
Luca desvia os olhos do casal à nossa frente e me encara. Ele é tão
grande, sério e exibe tanta confiança apenas no modo com que se porta, que se
diferencia de todos os outros. De longe, você pode saber que ele é alguém com
quem não deve se meter e por consequência, eu também.
Eu me sinto mais segura com meu marido do que jamais me senti em
toda vida. Imagino se ele sente isso.
— Eu falei a você que…
— Eu gostaria de saber — interrompo, antes que tente me enrolar de
novo. — Para não ficar preocupada.
Minhas palavras são exigentes e ele nota isso. Ainda assim, parece
receoso.
— Vai ser justamente o contrário.
— Então devo apenas esperar que você volte, sem saber de onde ou para
que saiu?
Luca não gosta de ser cobrado e tudo bem. Mas eu sou sua esposa. Eu
preciso saber se devo esperar que volte vivo.
— Não falamos sobre negócios onde outros podem nos ouvir, Rebecca.
— E falará quando não puderem?
Ele torce os lábios e vejo o desprezo pelo modo com que falo agora.
— As coisas são mais fáceis se você se mantiver longe dessa merda —
sussurra, a mão protetoramente colocada na minha cintura. — E se quer mesmo
que continuemos em público, por favor, não me irrite.
— Por quê?
— Eu não sou uma boa companhia quando estou irritado, Rebecca.
Não sinto medo pelo que diz, bem pelo contrário. Sinto raiva que ele
esteja optando por me manter de fora. Durante o caminho, conversamos sobre
minha aula e compartilhei tudo sobre meu dia. Por que ele não pode fazer o
mesmo?
Engulo minhas palavras de raiva e viro para o lado. Neste momento, me
arrependo de ter decidido sair de casa ao colocar os olhos sobre a última pessoa
que gostaria de ver quando pareço estar em maus lençóis com meu esposo.
Liliana Morelli.
— Oh, meu Deus! Eu não acredito que vocês estão aqui!
Endureço minha postura na mesma hora e desinteressado, Luca se vira
para acompanhar o som.
Os cabelos loiros estão ondulados e usa um vestido rosa justo. Me sinto
feia em meu modelo preto, simples demais em comparação ao brilho que sua
pele produz cheia de maquiagem e joias.
Maldição...
— Liliana. — Luca se encarrega de cumprimentá-la em meu lugar e eu
sorrio, acenando para as duas amigas que a acompanham. As reconheço do meu
casamento, mas não sei seus nomes, nem quero saber. — Como vai?
— Muito bem. E vocês? Parecem felizes!
Seu olhar desce por nós dois e eu me endireito, abrindo ainda mais meu
sorriso para ela. Se acha que parecemos felizes, eu a mostrarei o que é
felicidade.
— E estamos. — Engancho meu braço no de Luca e ele me encara com
um sorriso no canto da boca, com toda certeza se lembrando da pequena
discussão de antes. Idiota. Eu o farei engolir esse sorrisinho mais tarde. — Muito
bem também.
— Que ótimo! Fico feliz por vocês dois, especialmente por você, Luca…
Meu irmão andou me falando sobre os problemas pelos quais a empresa está
passando. Imagino o estresse que esteja sentindo.
— Estamos bem, Liliana, obrigada — responde, sem dar confiança.
Admiro isso. Ele poderia me provocar um pouco mais falando de qualquer outro
jeito com ela. — Diga a Benito parar de espalhar mentiras sobre nós. É o que
está fazendo as coisas ficarem piores.
Liliana não gosta da repreensão e eu noto como ela muda. Talvez
esperasse um Luca mais simpático, mais aberto, menos satisfeito, na melhor das
definições.
Mas eu estou cuidando bem do meu homem. E ela pode ver isso apenas
no modo como me mantenho em silêncio, sem necessidade alguma de
competição.
As palavras de Julieta me cobrem agora e me enchem de uma confiança
tão nova e agradável que é bom ser Rebecca. E não há nenhum aspecto no qual
eu perca para Liliana ou me sinta ameaçada.
Luca sendo o homem fiel que prometeu ser também me ajuda nisso.
Sem mais delongas, ela se despede e eu e Luca ficamos apegados num
silêncio pavoroso, até que ele irrompe numa risada que me força a rir também,
da sua cara estúpida.
A fila já andou e continuamos parados.
— Você é maravilhosa, sabia? — diz, em tom de graça e aperta minha
cintura. Eu empurro seu peito com meu cotovelo.
— Idiota.
Finalmente, entramos na sala de cinema e eu me surpreendo ao ver todas
as poltronas vazias. Luca escolheu as poltronas lá de cima e nós vamos até o
limite, acomodando-nos em seguida.
Cinco minutos depois, quando as luzes se apagam e a tela acende, eu
olho para ele e tento entender se tem algo a ver com o fato de não haver ninguém
na sala conosco.
Luca está apoiado em sua cadeira, o rosto apoiado na mão, rindo
despretensiosamente, evitando olhar para mim.
— Você não fez isso…
— O quê?
— Onde estão todas as outras pessoas da sessão, Luca?
— Devem ter esquecido…
Eu rio, incrédula.
— Você é ridículo, Luca Accorsi.
— Eu? Ridículo?
— Você comprou todas as poltronas da sessão, não comprou?
Os trailers estão rolando e meu marido ri, roubando uma pipoca.
— Você tem provas disso? — desafia.
— Você está rindo como um culpado.
— Linda, eu nunca entrego a culpa… Vai ter que ser melhor do que isso.
— Eu sei que você fez isso, Luca.
— Se eu tiver feito, o que é apenas uma possibilidade, o que tem de mal?
Você tem seu cinema e eu garanto nossa segurança. Nenhum enxerido ou fodido
que eu tenha que surrar por nos incomodar.
— Essa não é a intenção da coisa…
— A intenção é que você se divirta no seu teatrinho de que somos um
casal normal. E esse é o nosso normal.
— Não podemos conviver?
— Temos dinheiro o suficiente para isolar qualquer canto dessa cidade.
Trabalhamos para garantir que possamos fazer isso. E há um motivo.
— Não há perigo em tudo e todos, Luca.
Ele ri como se eu tivesse contado uma piada.
— Para mim, há — diz, concluindo o assunto. — E para você também.
Opto pelo silêncio e me recolho com minha pipoca. Teimoso como eu,
ele nem mesmo parece estar respirando enquanto o clima de lua-de-mel passa e
fura nossa bolha.
Eu entendo que seja perigoso, mas ele irá me proteger do mundo para
sempre? Fará justamente como meu pai?
Sei da vida que levamos, sei dos riscos que correndo, mas após ser
atingida e atacada dentro dos lugares nos quais mais me senti segura, não vejo
por que não devo viver, se posso morrer a qualquer instante. Se ele pode morrer
amanhã, fazendo o que quer que seja.
O filme já começou e eu não entendo porcaria nenhuma sobre ele, nem
quero saber. Como toda pipoca e não dou nem um grão para ele.
E é só quando o casal principal está prestes a morrer, que ele dá o braço a
torcer — notando que eu certamente não irei — e toca minha perna.
— Você não vai mesmo falar comigo?
— Eu estou falando com você — minto.
— Você está brava porque eu comprei a sala inteira.
Olho para seu rosto.
— Então você admite.
— Nunca neguei.
Reviro meus olhos e tento evitar sua expressão convencida. Luca
consegue ser muito irritante. Não sei se ele tem noção de como seu ego é
inflado.
— Por que ao invés de se preocupar com pessoas que não fazem
diferença, que só iriam fazer barulho e te incomodar, você não pensa pelo lado
bom?
— E qual seria o lado bom disso, Luca?
Ele aproxima o rosto do meu pescoço e empurra meu cabelo para o lado.
Eu odeio como me arrepio quando sua respiração bate contra a minha pele e me
mantenho parada, fingindo costume.
— Estamos sozinhos.
— Sempre estamos sozinhos…
— Você queria o romance de uma sala de cinema, Becky. Eu dei isso a
você. Do jeito que eu consigo.
Continuo em silêncio.
— Se há melhor opção ou melhor homem, eu sinto muito, mas eu sou o
que você tem. E essa é a nossa realidade. Gosto de salas vazias, gosto de me
certificar que ninguém vai nos incomodar e prefiro te ver brava do que saber que
alguém pode te fazer alguma coisa. Se ainda acha que isso é ruim…
— Pare de ser tão dramático, Luca… Eu nunca disse nenhuma dessas
coisas.
— Eu leio bem as pessoas, Rebecca.
— Então você só não consegue ler a mim — esbravejo, virando para
encará-lo.
Ele não responde a isso. O filme continua rolando. Mas, sinceramente,
que se foda o filme.
— Eu estou feliz, Luca. Eu confio em você. Eu aceito o que temos e
cresci no mesmo mundo em que estou hoje. Eu só não quero sentir que estou
sendo enganada, nem quero que você me presenteie com falsos teatros como se
eu fosse uma criança. Também não quero ficar de fora do que acontece com
você, mesmo que signifique que não irei dormir esperando que chegue.
— Eu não sou o tipo de homem acostumado a compartilhar as coisas,
Beca…
— Mas eu sou sua esposa. E quando Liliana olhar para nós dois, quero
que ela sempre nos veja como um maldito casal feliz.
— Isso tudo é por que encontramos Liliana? — pergunta em tom de
graça e eu desfaço minha cara de brava, odiando-o por ser tão bom. Sua boca
raspa na minha bochecha e eu entendo a diferença sobre estarmos sozinhos e
acompanhados.
Ele é assim quando estamos sozinhos. O meu Luca. E talvez priorize
isso, talvez goste de quem se permite ser quando somos apenas nós dois.
— Isso tudo é porque me casei com você — falo, deixando o ar escapar
enquanto ele segura meu rosto. — E você é…
— Espetacular?
— Não.
— Incrível?
— Não.
— O dono da sua…
— Nem termine — ordeno e ele ri. — Seu tempo com Max está
começando a se tornar preocupante.
— Ele te mataria por te escutar reclamar do nosso tempo juntos… — rio.
— Você não o deixaria fazer isso.
— Não, não deixaria mesmo. — E assim, ele consegue que a brabeza
suma e me puxa para um beijo.
Eu o odeio ainda mais por beijar tão bem. Por ser tão bom com o que diz.
Por ser o único homem que eu me vejo confiando, querendo, cuidando, gostando
e…
É.
Amando.
Eu o amo. E sei disso há mais tempo do que admitiria, porque entendo as
complicações em colocar meus sentimentos nas mãos de alguém como ele,
alguém que leva a vida que ele leva. Suas intenções podem ser boas comigo, mas
a organização sempre estará em primeiro lugar. E eu sempre serei apenas sua
esposa.
Só Deus sabe o que o futuro nos guarda, mas em meu peito e em minha
mente otimista, eu torço para que sejam apenas coisas boas. E para que este frio
na barriga que ele me causa toda vez que me olha ou me beija nunca passa, nem
a sensação de que estou exatamente no lugar certo na hora certa com a pessoa
certa.
Eu amo Luca.
E estou aberta para tudo que isso for trazer, contanto que sempre
terminemos deste jeito.
Juntos.

Embora Luca não me conte o que fará na sexta, nem abra brecha para
que o assunto surja, o fim de nossa noite é bom e calmo, do jeito que
precisamos. Após o jantar, como manda o figurino e o roteiro de “como ser um
casal normal” escrito por mim, ele me leva para jantar numa cantina italiana e eu
gosto de pensar que nos pequenos detalhes, Luca está tentando me tornar
confortável.
A noite está tão estrelada quanto o meu olhar enquanto o admiro
escolhendo o vinho e então conversando com o garçom por mais de dez minutos
sobre os pratos, porque ele tem que ser o melhor em tudo sempre. De qualquer
jeito, ele tinha razão, porque a Tagliata está deliciosa e eu sinto que estou
comendo nas nuvens.
No final, ele vai dirigindo e a voz de Frank Sinatra numa rádio antiga que
eu encontro zapeando entre as estações, nos leva para casa. É tão agradável
quanto um filme poderia ser e eu penso que, de algum jeito, estou tendo meu
conto de fadas.
Principalmente quando ele beija todo meu corpo e me deixa ofegante
sobre a nossa cama mais uma vez, derramando todo seu desejo e sua vontade
sobre mim, tornando-me mais sua do que poderia imaginar, me encantando e
roubando mais e mais a cada segundo que passa na minha companhia. Quando
terminamos, minhas pernas estão moles, e ele continua por perto, a boca
perigosamente próxima da minha, os olhos fixados no meu e sua mão fazendo
carinho na minha cintura, deslizando para minha bunda de vez em quando, por
que Luca é Luca e eu nunca esperaria bom comportamento dele.
Ele é perfeito do jeito que é.
E eu sou louca por gostar até das imperfeições.
— Você também sente? — ouso perguntar, interrompendo o silêncio que
é mágico, que nos permite vermos um ao outro com tanta clareza, que é um
crime perturbá-lo.
Falamos mais no silêncio do que jamais falaremos ao abrir a boca. Eu
vejo tanto de Luca quando me olha assim, depois de estar comigo, depois de
dedicar seu tempo e atenção a mim, que mal posso me lembrar de como era não
conhecer Luca Accorsi, não me interessar por cada canto de sua personalidade,
por seu humor, por seus problemas…
É como se não existisse uma Rebecca antes dele.
— O quê? — pergunta, me encarando de volta, a mão subindo da minha
cintura para meu queixo.
— A calma — digo, tocando seu peito e indo até onde as cicatrizes
marcam seus ombros. Luca usa uma corrente fina esta noite, prateada. Ela fica
bem contra sua pele bronzeada, combina demais com seu cabelo mais claro e é
distração o suficiente enquanto espero por sua resposta.
— Com você? — afirmo e ele respira fundo — Sempre.
E sua resposta me dá vontade de nunca mais sair daqui, nunca mais
escapar deste abraço e nem ser atingida ou ver a feiura do lado de fora. A feiura
que seu olhar preocupado quer esconder de mim quando me dá boa noite e apaga
as luzes. E a feiura com a qual sonho a noite toda, rastejando sobre meus pés,
corroendo-me por dentro e por fora…

No dia seguinte, desperto com um gosto azedo na boca, como se algo


tivesse apodrecido dentro de mim durante a noite. É tão ruim que chego ao
banheiro e vomito antes mesmo de pensar em escovar os dentes. E quando
penso, vomito mais.
Pelo menos, Luca não está em casa. E eu sei disso porque ele obviamente
já teria subido ao me escutar colocar as tripas para fora e convocado até mesmo
a SWAT para nos evacuar do prédio até o hospital.
Com calma, depois do surto do meu estômago revoltado com a comida
de ontem à noite, eu consigo me limpar e pareço melhor depois do banho. Ainda
tenho uma espécie de queimação na garganta, mas a ignoro quando me dou
contando horário e recebo uma mensagem de Donatella avisando-me sobre estar
a caminho.
São quase onze da manhã e temos consulta com a médica. A bendita
médica.
Jesus.
Pensando no que devo fazer primeiro, se me trocar ou comer alguma
coisa, sento na cama e vou atrás da minha carteira, que tirei da bolsa há alguns
dias. Nessa procura, meus olhos acabam topando com um pedaço de papel sobre
o aparador que chama minha atenção.
E ao esticar-me para alcançá-lo, abro um sorriso ridículo de tão bobo ao
conhecer a caligrafia apressada, mas obviamente caprichada do meu marido.
“Não quis te acordar antes de sair. Volto pela madrugada, mas não se
preocupe. Não é minha primeira vez fazendo isso. Me ligue se qualquer coisa
acontecer no médico.
Obrigada pelo dia de ontem. Mal posso esperar para repeti-lo,
especialmente a última parte.”
Luca
Me sinto tão tola que fico por mais tempo do que deveria apenas
observando suas palavras, as relendo e as guardando num cantinho muito
especial dentro de mim. O imagino sentado, escrevendo isso, em seu terno, com
pressa para sair, mas preocupado com o que eu poderia pensar ao acordar e não o
encontrar.
Luca tem muitas camadas. Muitas.
Eu me casei mesmo com uma maldita caixinha de surpresas.
Quando minha cunhada chega, ainda não estou totalmente pronta e desço
apenas quinze minutos depois, usando meu vestido favorito de estampa floral e
uma sandália baixa. Tentei enganar minha palidez com uma boa dose de
maquiagem e não sei se aprovo totalmente o calor que alcança Nova York hoje.
Encontro Dona conversando com Fiona na cozinha, roubando um pouco
do meu café da manhã e rio da sua camiseta que diz, em letras garrafais, EU
PRECISO DE FÉRIAS. Usa jeans rasgados nos joelhos e o seu óculos de sol
está sobre a cabeça, contribuindo para o visual não estou nem aí para a sua
opinião.
— Ah, finalmente, bela adormecida…
— Ainda estamos no horário — lembro, guardando meu telefone na
bolsa.
— Não vai comer antes de sair, senhora Accorsi?
— Não, Fiona. Estou meio estranha do estômago.
— Hm… Não melhorou nada desde aquele dia? — Donatella pergunta
isso mordendo um grande pedaço da panqueca deliciosa que apenas Fi faz.
— Um pouco, mas tudo voltou hoje de manhã — falo. — Acho que foi
algo que comi ontem à noite.
— Pode perguntar sobre para a médica hoje — diz, descontraída. —
Aliás, vamos indo, porque eu odeio chegar atrasada.
Nos despedimos de Fiona e descemos. Mathias e Roger nos esperam
junto dos guarda-costas de Donatella, dois homens altos o suficiente para
fazerem todos nós parecermos anões de jardim. Eles se dividem entre os carros e
eu vou no banco de trás ao lado dela.
— Luca saiu cedo hoje… — comento, notando a tensão explícita em sua
postura. É difícil não notar que um Accorsi está furioso.
— Papai e Lorenzo também — responde, batucando com os dedos contra
sua coxa. — Com toda certeza tinham muito a resolver antes de fazerem o que
tem de fazer.
— E você sabe o que é? — tento não parecer curiosa demais.
— Algo perigoso demais para mulheres, certamente — ironiza e eu pego
a insatisfação no ar.
— Não contaram a você também?
— Quando meu pai não quer que eu saiba de alguma coisa, eu não sei —
diz, simplesmente. — Todos são seus capachos, Beca, inclusive meus irmãos.
Irmãos estes, que, em nenhum momento, tentaram convencê-lo a me deixar
participar.
— Devem ter seus motivos, Dô. Quem sabe só queiram proteger você?
— Eu não preciso que me protejam — responde de imediato. — E eles
bem sabem que eu não preciso disso. É apenas a forma deles me manterem
submissa a suas vontades, Becky, quer você veja ou não. Sou um brinquedinho
nas mãos deles. E sempre serei.
Não tenho como ir contra as palavras de Donatella uma vez que as
assimilo e por isso, opto pelo silêncio. Há assuntos nos quais nem todos podem
opinar, principalmente quando não é a sua dor.
Então eu permito que ela a amargue dentro de si durante o caminho, mas
quando chegamos ao consultório, eu a puxo para perto assim que descemos do
carro e a abraço tão forte que sinto que ela me odeia. Mas não ligo para isso.
Mathias, Roger e os outros formam um círculo ao nosso redor, agindo
como uma matilha de lobos e Dona se afasta de mim com um sorriso meio
azedo.
— Você é a garota mais incrível que eu conheço, Donatella Accorsi —
confesso. — Então não deixe que isso tudo te afete mais do que deve. Ignore o
que estes homens idiotas pensam de você e foque no que quer. Foque no que
você ainda pode conquistar e esfregue na cara de cada um deles.
Ambas rimos e eu vejo a contradição da qual ela acha graça. Estamos
cercadas por homens que não tem poder nenhum para falar qualquer coisa sobre
o que acabo de dizer, não importa o quão afetados tenham se sentido.
Isso é poder.
Isso é o que temos.
E ela vê isso agora.
— Certo, cunhadinha… Você tem um bom ponto — devolve, indicando
para os homens que devemos seguir. — Agora vamos ir ver essa pepeca e
descobrir o motivo desses vômitos.

A sala da doutora Alice Turner é clara demais e tem cheiro de álcool gel.
Há quadros com desenhos de vulvas, dos mais variados tipos e paredes rosinhas,
altamente sugestivas.
Assim que me sento na poltrona no consultório, eu me sinto meio tonta
pela quantidade de informações dispostas sobre a mesa e foco na figura atrás da
mesa, me encarando com um sorriso gentil, embora um pouco aterrorizante.
Donatella veio antes, por ter mais familiaridade e me confessou que
Alice é a pessoa na qual mais confia com seu corpo. Eu me vejo propensa a fazer
o mesmo, especialmente considerando que ela sabe sobre o que Donatella já fez
e se mantém calada.
— Então você é a esposa de Luca Accorsi?
Alice tem um sorriso largo, cabelo cacheado e parece simpática. Não
deve passar dos quarenta anos de idade, pois parece mais jovem do que a minha
mãe.
— Eu mesma. — Sorrio.
— Meus parabéns pelo casamento.
— O conhece? — questiono, com medo do que possa dizer.
— Há alguém que more nesta cidade e não conheça Luca Accorsi,
querida? — Seu tom foge da intimidade. É apenas um comentário, de alguém
que tem consciência de quem são os Accorsi e provavelmente, o que fazem.
Afinal, foi aprovada por eles.
Eu respondo com um sorrisinho envergonhado e ela nota. Não estou
acostumada a ser famosa.
— Vamos dar início às coisas, então, certo? O que te trouxe aqui,
Rebecca?
Eu respondo e ela dá seguimento a conversa, mantendo as coisas num
tom leve. Eu me sinto confortável o suficiente para falar sobre tudo, por que de
nada adianta mentir para alguém como uma ginecologista, mas as coisas mudam
de figura quando chegamos a parte mais delicadas
— Você faz uso de algum método contraceptivo?
— Não — respondo, com certo pesar de culpa. Não sei por quê.
— Hm… E vem sentindo enjoos, como relatou?
— Começaram há dois dias. Acho que comi alguma coisa que…
— Está tentando engravidar, senhora Accorsi? — Ela continua
deslizando sua caneta sobre o papel, sem qualquer julgamento. Eu ainda me
sinto estranha em relação a não ter minha mãe aqui policiando tudo que digo.
— Não é como se eu estivesse evitando — falo num suspiro relaxado,
tentando não tensionar os ombros.
— Ótimo… Isso é bom. Significa que já está preparada.
— Para? — Me endireito na cadeira, agarrando minha bolsa. — Para o
que estou preparada, doutora?
Então ela me dá um sorriso doce.
— Para o bebezinho que provavelmente está dentro de você, senhora
Accorsi.
A concentração de homens para a missão de hoje no Galpão é tão
radioativa quanto Chernobyl após a explosão, exagerando na dose de tensão e
piadas sujas o suficiente para que qualquer mulher ou ser com um terço de
consciência pense duas vezes antes de se aproximar do prédio.
Meu pai está sentado no canto, perto de dois subchefes mais próximos,
que estão aqui por causa dos soldados que disponibilizaram para a operação de
hoje. Além deles, Bernardino e Ricardo conversam com alguns dos homens, que
preparam as armas e se certificam de que tudo está certo para funcionar daqui
um par de horas.
De longe, acompanhado de Max, Lorenzo e Fred, eu observo como meu
pai é bom em lidar com suas preocupações ou melhor dizendo, em ignorá-las. Eu
não almejo ser como ele, em nenhum aspecto da minha vida, mas não posso
dizer que ele tem capacidade de enganar a todos e muito bem, manipulando-os e
os colocando exatamente onde precisa, como fez com todos os seus homens na
reunião em que definimos este ataque.
Tony é um péssimo pai, péssimo marido e péssimo homem, mas do seu
jeito, consegue dar certo com seu cargo de chefe, fazendo o mínimo possível.
Não que haja qualquer mérito nisso, no fato de meu pai ser medíocre na maioria
das áreas da sua vida, mas é surpreendente ver que em pelo menos uma área de
sua vida, ele se dedica.
— Ei, Luca. — Max me chama e puxa minha atenção de cima de
Antônio. Eu considero isso um presente. — Quando pegarmos Romeu, posso ter
cinco minutinhos antes de você colocar as mãos nele?
Ele já usa o colete à prova de balas e o coldre está carregado.
— Então eu perderia o privilégio de saber que é só do meu rosto que ele
se lembra no inferno — digo, e Max ri. Ele com certeza entende. — Mas eu
posso te entregar ele, se me der Rodrik.
— Isso é um trato feito, primo — acena.
Eu sinto falta da presença notável de Donatella e noto que talvez não seja
o único, considerando o silêncio de Lorenzo enquanto recarrega suas armas e
garante que estejam funcionando. Eu perguntei a Tony do porquê não a ter
convocado, mas é claro que não consegui nada além de um monte de merda
saindo da sua boca. E merda mentirosa.
Todos sabemos que Donatella tem capacidade de fazer muito. E até
mesmo melhor do que nós. Podemos tentar nos convencer do contrário por que
acreditar que ela está segura em casa, assim como nos acomodamos a pensar em
nossas mulheres e irmãs, é mais confortável, mas não há um soldado nesta sala
hoje que não reconheça a capacidade de Donatella Accorsi em usar o gatilho ou
arrancar sangue.
E é injusto que ela não possa estar aqui hoje.
— Mal posso esperar para irmos de uma vez. — Fred diz, escondendo as
mãos nos bolsos da calça jeans. Ele parece mais cansado, mais velho e um pouco
menos concentrado do que deveria estar, agitado demais para o meu gosto, mas
foi convocado porque é bom no que faz. Sua vida pessoal não é da minha conta,
a menos que se torne um problema.
— Lembrem-se: temos ordens explícitas para não matar ninguém antes
de conseguirmos informações. — Enzo diz, sendo o careta de sempre. — Até
mesmo os Ivanov.
Reviro meus olhos e rio, treinando a mira na parede a frente. Não
disparo, mas a alinho.
— Espero que diga isso quando estiver com ele sob a sua mira, Enzo —
digo e todos riem. Menos ele. Lorenzo tem uma tendência sinistra a seguir
ordens.
A conversa segue e meu irmão ignora as provocações. Eu termino de me
preparar e quando nosso pai fica de pé e chama a atenção de todos, o silêncio se
faz.
Ele passa as instruções finais e termina com um brinde. Um brinde do
qual não compartilhamos, pela necessidade de estarmos em nosso melhor foco
essa noite.
Quando somos dispensados, antes de seguir com minha equipe para o
carro, meu telefone vibra e eu peço um segundo.
Paro nas escadas de incêndio e me sento num dos degraus para atender
Rebecca.
— O que houve? Como você está?
— Ahn, oi, Luca… — Ela gagueja é isso nunca é bom sinal. —
Donatella me falou que está quase na hora de vocês saírem. Eu achei bom ligar,
para, ahn, você sabe…
Eu passei o dia inteiro sem falar com ela. Agora já é tarde, quase onze da
noite. No meio de tanta merda para resolver e verificar, acabei esquecendo de
saber da minha esposa.
— Ah, sim. Para garantir que ainda estou vivo?
Ela estala a língua do outro lado da linha.
— Não fale uma besteira dessas!
— Não é besteira estar preocupada com o seu marido incrível.
Posso imaginá-la revirando os olhos. É divertido.
Me sinto menos tenso do que me senti durante todo dia.
— Eu liguei para desejar boa noite e sorte no que quer que vá fazer.
Donatella me pediu para fazer o mesmo por ela, aliás, só que não de verdade…
Ela está aqui, aliás. Vai dormir comigo esta noite.
— Entendi. Isso é ótimo. Agradeça a ela por mim.
Beca murmura algo como hm-hm no telefone e eu checo meu relógio.
Estou dois minutos atrasado, mas ninguém vai morrer por isso.
— E como foi o médico?
Seu silêncio é um pequeno alarme e eu escuto atentamente o que não é
dito também.
No fundo, acho que posso ouvir Donatella dizer algo como “quero só ver
a reação dele” e isso me alarma.
— Rebecca?
— Hm?
— Eu perguntei como foi o médico — repito e fico de pé. Posso escutar
os homens indo na direção dos elevadores, ignorando as escadas por saberem
que estou aqui.
— Foi tudo bem. Hm, fiz apenas um exame de sangue.
— Por qual motivo?
Outra pausa, e então a resposta.
— Coisas de rotina — simplifica, mas tenho certeza de que há mais por
trás. Quem sabe ela esteja doente? Porra, isso seria péssimo. — Já está de saída?
— Sim. Preciso ir.
— Tudo bem…
— Tem alguma coisa que não está me dizendo, não tem?
— Não. Não há nada. Eu só quero que você se cuide.
Achando graça de sua preocupação, eu rio, permitindo que minha
respiração escape e me sinta menos tenso.
— Eu não vou fazer nada que já não tenha feito.
— Não me importa o que já fez. Nós…
— Luca.
O chamado pelo meu nome me dispersa da chamada e eu olho para o
topo das escadas, encontrando meu pai parado ao lado da porta.
— Quero falar com você — diz e não é um pedido.
Eu aceno.
— Preciso ir, Beca. Nos vemos quando eu chegar em casa, certo?
Não espero que ela responda e desligo. A sensação de que algo ficou por
dizer me perturba, mas será apenas mais uma motivação para fazer logo o que
tenho de fazer e voltar para casa.
— Esposa preocupada em casa? — Tony pergunta, em tom de
descontração e eu o encaro de cima a baixo, tentando entender que porra ele
acha que vou responder.
Somos amiguinhos de repente?
— Não há nada a dizer sobre Rebecca — encerro qualquer outro
comentário de merda com o quão ele poderia surgir e foco meu olhar no seu.
Estou alguns degraus abaixo, então preciso olhar para cima. É péssimo. — Do
que você precisa, senhor?
— Quero garantir que temos os interesses da missão de hoje à noite
alinhados. Você será meu representante em campo. Preciso que esteja pronto
para fazer o que deve.
— Nunca o decepcionei em campo antes, não será agora que isso vai
acontecer.
— Lorenzo me falou sobre não ter visto você no treino de ontem. E
verifiquei com Estevan sobre as horas que vem passando nas salas de treino.
Elas diminuíram.
Eu rio. É claro que isso nunca seria apenas mais uma conversa.
— Está me perseguindo, senhor?
Minha resposta irônica faz um meio sorriso se abrir entre seus lábios.
Tony desce dois degraus e para mais perto, seu perfume de cigarro e bebida
preenchendo todo ar das escadarias, enquanto eu estufo o peito, encarando-o da
mesma forma que faz comigo.
— É ótimo que esteja se entendendo com a sua esposa, mas bocetas são
diversão, não nossa prioridade. E irresponsabilidades geralmente cobram seu
preço.
Ah, não me diga?
Aposto que sua puta de estimação cobra caro pela exclusividade.
Grunho, me esforçando muito para engolir tudo que eu poderia dizer para
ele agora em relação aos seus achismos sobre meu casamento. Eu não posso
socar seu estômago, nem acertar seu pescoço com a faca que penduro em minha
cintura. Seria difícil esconder o corpo e o sangue, e certamente me matariam por
fazer isso.
— Entendido.
— E nós não queremos problema nenhum que me faça ver que trazer
Rebecca para essa família não foi uma boa ideia, não é?
A ameaça está clara no seu olhar. E eu entendo o que cada uma de suas
palavras quer dizer.
Sou soldado. E devo ser sempre isso, em primeiro lugar.
— Não se envolva em meu casamento — alerto, sem conseguir manter o
tom amigável ou a expressão de obediência que ele exige. — E não se preocupe
com meu desempenho. Posso derrubar quem for e fazer tudo que preciso. Não se
esqueça de que esta é a minha missão.
— E não se esqueça de que fui eu quem o treinei, Luca.
Me batendo.
Me surrando.
Fodendo a minha cabeça até eu não confiar nem mesmo na minha própria
sombra.
— Sei os seus pontos fracos, filho. E saberei como usá-los se não for o
homem que eu preciso que seja.
Sua mão aperta meu ombro e eu cuido o movimento com o mesmo
cuidado que analisaria a aproximação de um predador. Não há nada de paternal
entre nós dois, nem porra de laço nenhum. Tony me destruiria se precisasse e eu
com toda certeza farei o mesmo com ele, assim que a oportunidade surgir.
É apenas uma questão de esperar pelo momento certo para nós dois.
Ele se retira antes de mim e eu passo mais alguns instantes nas
escadarias, acendo uma cigarro e espero que meu corpo volte ao normal, que
minha mente entre no lugar certo é que a raiva não seja tudo que vejo. Preciso
entrar na missão de hoje de cabeça fria.
E é isso que eu farei.
As cicatrizes que meu pai me deu durante toda vida não irão me alcançar
hoje.

Quando o carro deixa a garagem do Galpão, tenho em minhas mãos um


fuzil de assalto, uso o colete à prova de balas e a balaclava. Em missões
rotineiras, não usamos tantas coisas, muito menos tantos apetrechos, mas em
especiais, como a de hoje, é necessário estar equipado e preparado para o que
vier.
Há duas semanas, nosso pessoal mantém toda sua atenção direcionada
sob os imóveis e investimentos da família Ivanov. Monitoramos casas de festa,
bordéis, bases de soldados e as diversas propriedades nas quais Romeu Ivanov já
foi visto, embora as mantenha em nomes de laranjas.
Com a ajuda dos contatos de Max, tivemos acesso a outro nível de
informações em relação a rotina de Romeu e dando o valor certo a eles,
conseguimos a maior joia de todas.
A localização de sua casa segura.
Uma casa segura, nada mais é do que o esconderijo de pessoas como
Romeu. É um lugar cujo endereço apenas os de confiança sabem, pois é onde, na
maioria das vezes, mantida a família do criminoso.
De acesso remoto, há duas horas de Nova York, fica em North Haven,
Connecticut. Utilizando drones e com a ajuda dos aviões “alugados” que
utilizam a rota, conseguimos ter acesso à planta e com um pouco de estudo, foi
possível entender as trilhas de fuga utilizadas na mata que circunda a
propriedade de quase dois mil hectares.
É uma casa antiga, com aspectos e características que remontam ao
século passado, o que indica que está na família há tempos. Na última reunião,
foram compartilhadas imagens de Romeu chegando à casa, assim como Rodrik e
para finalizar, a cereja do bolo, Diana, sua irmã.
E todos estão aqui hoje à noite.
Por isso, quando descemos do helicóptero há vinte minutos de distância
da propriedade, a tensão começa a surtir efeitos no modo como nos
comunicamos. Max e Fred, experientes em missão de alto risco como esta,
conversam animadamente sobre o quanto querem foder os russos e deixá-los
engasgados no próprio sangue, mas Lorenzo, sem sua metade, parece calado o
suficiente para que eu saiba que não se sente seguro para o que temos de fazer
hoje à noite.
No momento em que trocamos o helicóptero pelos carros blindados, eu
me aproximo do meu irmão e o puxo por um segundo. Max e Fred seguem,
enquanto eu aproveito a privacidade para falar com ele.
— Fique perto de mim hoje, certo? — peço, estudando o modo como se
adapta a escuridão ao nosso redor. — Donatella e a mamãe me matam se você se
machucar.
— E então Dona me mata por ser burro a ponto de levar um tiro — diz,
claramente nervoso. — Ela deveria estar aqui — confessa, olhando para a
frente.
— Sim, deveria.
— Eu não funciono bem sem ela. Porra, as chances de que eu morra hoje
à noite sem Dô na retaguarda são…
— Você não vai morrer comigo por perto, Enzo — digo, pois é uma
certeza. — Apenas se certifique de fazer o que sabe e o que precisa. E além do
mais, eu já disse a você que não pode confiar toda sua vida a uma pessoa.
— Eu sei.
— Então por que continua cometendo o erro de achar que não consegue
se virar sozinho? — disparo a repreensão num tom forte, que o faça entender o
que quero dizer. — Precisa ser o único no qual confia para sobreviver, irmão.
Eu não sei se ele pretende me responder ou não, porque quando termino a
frase, nossa atenção é chamada pelos fones de intercomunicação e a ordem de
que nos dispersemos é dada.
Estamos de frente para a mata que circunda a propriedade e devemos
seguir em pequenas equipes a pé agora, com concentração total.
Eu seguirei liderando Max, Fred e Lorenzo, e devemos conquistar a
entrada dos fundos, por onde pretendemos ter acesso a casa. A entrada principal
será como uma isca para os soldados de Romeu e no entorno, nossos homens
derrubarão quem quer que esteja no caminho, encontrando também os postos de
controle que mantém a cerca elétrica ligada.
Eu assumo a frente e faço sinal para que minha equipe siga. A nossa
esquerda e a nossa direita, os outros soldados se dividem e seguem. Barulhos de
tiro são ouvidos assim que adentramos mais a fundo e posso reconhecer as
pegadas no terreno. É quando nos deparamos com o primeiro grupo inimigo.
Fred, com o dedo ligeiro, derruba dois e eu preciso acertar um que mira
em Lorenzo, o elo mais fraco. Minha mira acerta sua mão, mas eu preciso
terminar o serviço com a faca, que o deixa no chão. Max assume uma luta com o
último e eu escuto quando quebra seu braço e estoura seus miolos com a ajuda
do silenciador.
Rápido e silencioso, como ordenado. Não devemos permitir que eles
comuniquem a casa principal.
— Em frente — ordeno e empurro Enzo, colocando-o ao meu lado.
Nosso pai nunca perdoaria a fraqueza que vejo impressa em seus olhos agora. As
consequências disso seriam cruéis.
Mas por sorte, não sou meu pai.
Com o caminho traçado em nossas mentes, perfeitamente estudado por
homens durante toda semana, conseguimos chegar à grade de segurança em oito
minutos, cronometrados no relógio. O rádio de comunicação de um dos homens
que derrubamos lá atrás está pendurado em minha cintura, mas entender russo
não é algo que esteja no meu currículo.
De qualquer jeito, Max traduz as conversas relaxadas dos homens com o
pouco que sabe e garante que eles não têm ideia de que estamos aqui.
Então, quando a energia é desligada, podemos ouvir na própria linha
deles o massacre que nossos homens conduzem no posto de controle.
A permissão para cortar a cerca vem e eu permito que Enzo faça isso com
o alicate que trouxemos. Cria um buraco no arame e podemos entrar, finalmente
pisando na grama verdinha dos Ivanov, tendo a visão da propriedade que se
ergue à nossa frente, iluminada e serena, intocada em sua paz momentânea.
Dois soldados dividindo um cigarro guardam a porta dos fundos,
distraídos com uma conversa animada que envolve riso e gritaria.
Sinalizo e nos esgueiramos pelas sombras, perto da borda. Então quando
ordeno que façam, os soldados que assumiram o posto de controle e nos mantém
num tempo apertado antes que todos os homens de Romeu percebam, desligam a
chave geral da mansão e nos entregam a escuridão que faz nosso melhor lado
aflorar.
O da selvageria.
O breu encobre nossos movimentos e nos permite derrubar os dois
homens com cortes lisos na garganta, arrombando a porta dos fundos com
chutes. A discrição já deixou de ser uma necessidade, uma vez que é óbvio para
quem quer que seja que estamos aqui.
Gritos ecoam pelas paredes decoradas em papel de parede vermelho da
casa e é hora de nos dividirmos ainda mais. Há corredores demais e seguirmos
juntos seria um erro considerando a área da mansão.
— Enzo vem comigo. — É tudo que digo antes de seguir em frente com a
arma em punho. Então eu a destravo e faço o que sei de melhor.
Destruo.
Um grupo de cinco soldados russos vem do caminho principal e eu
preciso renunciar à segurança de Lorenzo para focar neles. Meu irmão usa mais
sua arma do que o combate mano a mano, mas eu garanto que alguns estejam
desarmados antes de entrarem no seu campo de visão. Um deles afunda sua faca
de caça em meu braço e eu grunho, absorvendo a dor. Chuto seu rosto forte o
suficiente para que colida contra a parede e uso a mesma faca para cravar seu
pescoço maldito. Seu sangue mancha sua pele e escorre até meus pés, fazendo-
me deixar pegadas pelo tapete.
— Luca, você está… — Não permito que Enzo termine, se preocupando
com o que não importa.
— Em frente, Lorenzo! — berro e recarrego a munição.
No rádio, em meu ouvido, posso escutar a voz de Oliver.
— Avistamos a família Ivanov, senhor. Segundo andar.
— Quantos deles?
— Rodrik e Romeu, senhor. Estão lutando contra os nossos.
E sorrio como se fosse manhã de Natal.
Escuto os passos de Lorenzo ecoando atrás de mim e me mantenho
atento a qualquer surpresa que possa surgir no caminho. Três surgem e uma
delas é derrubada pelo meu irmão com um golpe ligeiro de faca, que me dá
orgulho.
O sangue mancha seu rosto e por um segundo, é mais parecido comigo
do que deveria para o seu bem, mas há coisas que não posso controlar. Coisas
que nem mesmo ele pode esconder quando não está usando uma bela gravata e
sapatos de bico fino.
O sangue Accorsi sempre vence. Sempre supera. Sempre se mostra.
Somos perigosos porque somos os melhores e para ser o melhor, você
não pode ter restrições quando está em campo, quando é sobre viver ou morrer.
— Para o segundo andar — ordeno e meu irmão acena, seguindo minhas
ordens. Eu subo na frente, passando por um hall de entrada desolado. Há corpos
estirados, nossos e deles, mas Oliver Young indica que o caminho está liberado.
Nossa equipe supera o número de homens que Romeu mantinha como
segurança neste lugar. Aparentemente, sabe que não deve confiar em grande
número de seus soldados. E tentou se manter seguro.
Mas foi idiota por pensar que não o encontraríamos.
Atrás da casa, um rio amplo se estende e podemos sentir a brisa
atravessar os corredores com as vidraças abertas, algumas perfuradas por tiros. O
caminho se demonstra surpreendentemente quieto e eu vejo que meus homens
são mais eficientes do que imaginava.
Então, sou pego de surpresa quando um soco me acerta diretamente no
maxilar e me derruba. Um soldado acaba de surgir da porra do corredor à nossa
frente e foi mais rápido do que eu ao puxar o gatilho, mas felizmente, erra
quando empurro o cano da arma. Caio contra a parede e quando o homem que
tem pelo menos um e noventa de altura tenta acertar meu pescoço com seu pé, o
seguro.
Gritos soam no fone e são pedidos de ajuda. Lorenzo não sabe se segue
ou fica e eu o detesto por ao menos pensar que eu precisaria de ajuda. Ele tem
um objetivo, tem ordens. Eu não sou a porra da sua prioridade aqui.
— VAI, PORRA! — grunho, quase perdendo o foco. — Eu me viro aqui!
Ele ainda pensa duas vezes antes de ir e eu urro, reunindo forças para
girar meu adversário que sacou duas lâminas. Eu consigo agarrar sua perna e o
atiro no meio do corredor. Ele é um bom lutador e fica de pé antes que eu me
aproxime. Ainda estou meio zonzo, sentindo que meu rosto inteiro vibra pela
porrada bem dada.
— Levante e vamos terminar isso, certo? — debocho e o homem grita ao
vir para cima de mim com as facas apontadas. Me joga contra a parede e eu
acerto sua barriga com o joelho, segurando seu braço aberto quando tenta me
esmurrar. Nem se move, mas eu gosto do desafio. Acerto seu rosto com uma
sequência de socos dos quais ele não pode se defender por estar ocupado demais
tentando se livrar do aperto e é nesse momento que invertemos nossas posições e
eu uso uma das facas que pude roubar dele para acertar o espaço entre suas
costelas. O homem engasga em sua respiração e eu cravo a faca de novo.
E de novo.
E de novo.
Ele cai com o peito aberto, o sangue escorrendo e eu deixo a lâmina cair
aos seus pés. Recupero meu fôlego por um segundo e disparo numa corrida
urgente. Homens parecem estar em falta para suprir a demanda e eu penso se é
possível que tenhamos deixado os irmãos escaparem.
Então eu vou até o limite do corredor e não encontro nada. Há vidraças
quebradas, homens mortos e sangue, mas nada de movimento. Nada de Romeu.
Eu invado um quarto e chego até a varanda. Ali, eu posso enxergar que a
ação está acontecendo lá embaixo.
Porra. Porra. Porra.
Tiros estão sendo trocados e eu preciso descer os degraus pelos quais
subimos, sem ter ideia de como todos desceram tão rápido e por outro caminho.
Outros caminhos.
Rotas de fuga.
Eliminamos a mata, mas há o rio. E tantas portas…
Eu chego à porta principal da mansão e encontro um confronto digno de
TV. Meus olhos encontram Romeu, o destacam de todos os outros e eu não
espero nada para disparar na direção dos seus homens. Ele também me vê
quando chego e noto como se mantém perto de…
Rodrik.
Meu sangue ferve, o coração quase escapa da porra do peito e eu juro que
cuspo fogo pelas ventas.
Rodrik.
Ele está no chão, perto de um dos carros. Mas o carro não saiu. E está
disparando, como todos os seus homens.
Ele não foge da luta, então?
Hm.
Nem eu.
— Luca!
Não fico parado atrás das barricadas improvisadas e avanço. Max passa
como um flash ao meu lado e escuto seu berro pelo meu nome.
— Ele é meu!
Não dou a mínima para as balas que voam na minha direção, apenas me
esgueiro e tento me manter vivo, enquanto devolvo tudo que consigo, sem perder
meu alvo.
Romeu já está esperando por mim e eu vejo seu sorriso quando me
reconhece dentre todos os homens.
— Abaixe essa merda e vamos resolver as coisas como antigamente,
Ivanov! — esbravejo num grito forte, que arranca toda minha força e faz com
que todos escutem. Com que ele sinta o quanto estou louco para torná-lo
picadinho.
— Você não sabe porra nenhuma sobre nada, Luca Accorsi! — grita de
volta, visivelmente abalado pela surpresinha de hoje. — É só um menino! Um
menino que se acha grande!
Ele para e recarrega sua arma. Os soldados estão ocupados demais
duelando entre eles mesmos, ou apenas respeitam meu desejo de ser o
responsável por arrancar seu sangue. Max tem os olhos em mim e sei que cuida
dos movimentos de Rodrik.
Minha sombra, sempre.
— Então venha me ensinar alguma coisa, rato — devolvo, com as costas
escondidas num carro blindado. — Ou prefere morrer como um covarde? Como
seu pai?
O silêncio se faz por sua parte e eu sei que atingi o que deve ser seu
ponto fraco. Rio sozinho e examino, espiando sobre meu ombro. É quando vejo
seu rosto, olhando diretamente para mim, a ira enfeitando cada canto de sua
figura.
— Você vai se arrepender de dizer isso.
Com raiva, impetuoso como um trovão, Romeu atira sua arma no chão e
eu escuto seu irmão gritar algumas merdas em russo que não me chamam
atenção nenhuma.
Eu atiro minha arma também e gosto quando ele começa a andar na
minha direção.
Vai ser muito melhor terminar com sua raça na porrada.
Sentir sua vida deixando o corpo com meus próprios punhos.
Nos encontramos no meio e Romeu tenta me acertar um soco. Eu grito e
o agarro, derrubando o maldito Ivanov no chão antes que possa reagir de
maneira melhor.
Como cães de rua, ele agarra minha nuca e nos gira, demonstrando sua
força superior à minha. E eu recebo o soco que me dá com leveza, anestesiado
pela adrenalina do momento.
Sinto o gosto do meu sangue preencher minha boca e sorrio, exibindo os
dentes avermelhados. Ele está em cima de mim e eu preciso reunir força para
inverter essa merda.
Apenas a proximidade entre nós dois me dá ânsia.
Eu empurro Romeu e fico de pé, girando para parar sobre meus próprios
pés. Ele faz o mesmo e nos encaramos de longe, os peitos ofegantes.
— Se arrepende de ter desistido da arma, pivete?
— Se arrepende de ter deixado a Rússia, velho?
Ele sorri, exibindo algo que costumo ver no espelho.
Nenhum remorso.
— Vou adorar te entregar numa caixa para o seu pai.
— E eu vou achar incrível te ver enterrado ao lado do seu. — Estralo os
dedos e desisto dessa porra de conversinha de merda.
Vou para cima dele de novo e o empurro contra o carro. Minha mão
encontra o caminho até seu estômago e eu o acerto. Ele recebe o golpe, mas ri
em um segundo.
— Você bate que nem moça, Accorsi — retruca. Não sei a que horas
anda o confronto, mas posso apenas viver o que está acontecendo aqui.
E meu desejo é de arrancar sangue.
Romeu ri e eu acerto seu nariz, ouvindo o crack. Acerto de novo, e
escapo de um dos seus golpes. Ele tenta me chutar, mas eu sou mais rápido.
Nenhum dos nossos soldados tenta se meter. Eu recebo um soco que
passa despercebido e lambo o sangue de meus lábios, adorando a adrenalina que
corre cada vez mais rápido, mais forte, me motivando a cansá-lo dentro do
próprio jogo.
Mas é aí que eu recebo uma surpresa.
O tiro passa raspando ao lado da minha cabeça e eu paro, imobilizado
pelo som cortante. Romeu ri, com o sangue caindo sobre sua pele pálida e
machucada.
Os Accorsis jogam limpo, mas não os Ivanov.
— Sai de perto do meu irmão agora e eu posso pensar em te deixar sair
vivo daqui, filho da puta!
O cano frio da arma de Rodrik se choca contra minha cabeça e eu engulo
em seco, observando o que o olhar de Romeu mostra agora.
O tiroteio parou e não há mais balas sendo trocadas. Apenas uma olhada
para o lado e eu enxergo que porra aconteceu.
Reforços.
Reforços vindos não sei de onde, porra!
Tínhamos as entradas cobertas, a mata, mas não poderíamos controlar a
casa. Não ao todo, não com um confronto desses acontecendo.
Corredores subterrâneos.
Só pode ser.
Porra, porra, porra!
Max e Fred estão no chão. Homens russos apontam fuzis para suas
cabeças e ao lado, eu preciso pensar um pouco para não sair atirando para todos
os lados ao encontrar Lorenzo de joelhos, com as mãos na cabeça e um soldado
Ivanov posicionado atrás dele.
Por um segundo, penso em arriscar e puxar Rodrik para o chão, mas
Romeu está na minha frente e meu irmão de dezesseis anos tem uma maldita
arma apontada para sua cabeça inexperiente de merda!
E Max… Caralho!
Até mesmo o merda do Fred.
O gosto amargo da derrota passa por cima de mim e me condiciona a um
lugar no qual nunca quis estar.
O de vítima.
Derrotado, ergo as mãos em sinal de rendição e sinto Rodrik pressionar o
cano frio da arma com mais firmeza.
— Você achou que poderia vir a nossa casa e nos foder desse jeito,
Accorsi? Achou que daria tudo certo?
Ele empurra minha cabeça com mais força e eu grunho, me virando para
encarar a expressão furiosa e mista de Rodrik. Seus olhos aparentam loucura,
insanidade e descontrole e eu preciso respirar muito fundo para não acertar o
meio da sua cara e esquartejá-lo pelo que pretendia fazer com a minha esposa.
Rebecca.
Um sorriso desinibido enfeita seus lábios quando enxerga o que eu
penso. Do que me lembro.
— Oi, maridinho… — sussurra, a boca curvada, os olhos claros cheios
de uma podridão que repugna até a mim. — Como vai a nossa garota? Com
saudades?
Meu corpo reage ao que ele diz e eu vou para a frente. Seu dedo raspa no
gatilho e meu sangue esfria quando a sensação de que vai disparar ocorre. Seu
irmão, por algum motivo, intercede.
— Pare agora, Rodrik!
— Irmão, deixe-me matá-lo agora… — pede, quase implora. — Agora e
acabamos com isso. Podemos voltar para casa, Diana pode…
Diana.
A irmã.
Onde está?
— Morremos se o matar, estúpido! — esbraveja, o descontrole falando
mais alto do que a personalidade travessa, o costume de brincar com as palavras.
— Os seus homens estão parados porque temos os seus líderes marcados, mas
isso não irá durar muito mais tempo! Teremos outra oportunidade, Rodrik, eu
prometo a você!
— Você já disse isso antes…
— VAMOS AGORA, RODRIK! — grita e eu desafio o louco a ficar
apenas mais um pouquinho. A me enfrentar de verdade. A ver o que sou capaz
de fazer pelo que ele ousou pensar sobre minha esposa.
Minha mulher.
Ele ousou encostar na minha mulher.
O irmão mais novo demora, mas desiste e decide acatar a ordem do
chefe. Vejo a rebeldia em sua postura quando tira o dedo do gatilho da arma e
noto o quanto gostaria de ser ele o cara lutando comigo. Fazendo pior do que
pretendo fazer com ele.
Não, isso não.
Eu pretendo fazer muito pior a ele.
Muito, muito pior.
— Vamos nos encontrar de novo, russo e eu vou fazer você pagar. Por
tudo.
Ele sorri.
— Mal posso esperar por isso, Luca.
E então ele sobe sua mão e a abaixa, acertando minha cabeça com o cano
frio da arma.
A porta de casa se abre no mesmo momento em que o sol se mostra
completamente no horizonte. Brilha como a bola de fogo incandescente que é, e
de certa forma, rouba meu sono, energizando-me com seu calor.
Mas perde minha atenção e não me alcança mais da mesma maneira
quando viro para encontrar meu marido entrando em nossa casa.
Coberto em terra, sangue, com as roupas rasgadas, o semblante exausto e
os passos esforçados, que parecem levar cada gota da energia que o resta, Luca
se arrasta para dentro do apartamento e eu fico de pé, empurrando o sono e a
preocupação para bem longe de mim, onde já não são mais importantes.
Porque ele está aqui.
Ele chegou.
Ele está vivo.
Meu peito bate mais forte e embora ele pareça derrotado, estou feliz por
vê-lo e meu corpo se aquece apenas pela ideia de que não precisarei dizer adeus.
Talvez eu devesse ter dormido, esperado que ele voltasse descansando,
mas não consegui. Foi impossível me deitar na cama que dividimos todas as
noites e imaginar pelo que poderia estar passando. Por isso, passei a noite no
sofá, diferente de Dona, que conseguiu dormir e ocupa um dos quartos lá em
cima. Esperei por qualquer ligação ou mensagem e me mantive aqui, inteira,
devota e ansiosa por qualquer coisa que pudesse vir dele.
Nada veio e vendo seu estado, eu entendo por quê.
— Luca…
Eu corro tão rápido que não me importo em ver onde dói, onde sangra e
por que ele parece tão acabado. Porque ele cheira a sangue, pólvora e terra, e não
tem seu perfume habitual.
O abraço e permito que a sujeira grude em mim. Luca grunhe e não sei se
há dor ou incômodo, por isso me afasto correndo, avaliando-o de cima a baixo.
Ele está horrível.
O rosto, sempre tão bonito, está inchado em vários pontos, os olhos
encobertos por sangue e sujeira, com um deles roxo. Seus braços, descobertos
pela camisa preta de mangas curtas, exibem cortes vermelhos e alguns profundos
demais para estarem tão descuidados.
E meu Deus, eu só posso imaginar o que deve haver por baixo da sua
camisa…
— O que aconteceu com você?
— Nada.
Andando como se cada parte dele doesse um pouco mais a cada passo,
Luca se afasta da entrada e vai na direção das escadas.
— Eu só preciso de um banho… — diz, mancando. Eu vou atrás,
tentando não me atrapalhar em meu robe ou nos passos apressados e
impensados.
— Você mal pode ficar de pé, Luca!
Ele não me responde e começa a subir. Não sei exatamente em que parte
dói, então interpreto por mim mesma que é simplesmente o corpo todo.
Mesmo assim, como uma mula teimosa, sobe e eu vou atrás. Não tenho
espaço para falar nada e ele apenas continua caminhando, até chegarmos ao
nosso quarto. Entramos no banheiro, ele ainda andando como se os seus ossos
estivessem desconectados uns dos outros, e eu ganho a frente, indo até o
chuveiro.
Viro o registro e deixo a água cair sobre o box.
— Me deixe te ajudar a tirar a roupa — digo, quando ele indica que irá
subir a blusa.
— Eu não preciso da sua ajuda… — murmura, meio grogue. A que ponto
as porradas que recebeu na cabeça o afetaram? Por que está todo sujo de terra?
Que merda aconteceu? — Eu estou acostumado a fazer toda essa merda sozinho.
— Eu sou sua esposa, Luca. Estou aqui para isso.
— Para ver a merda de homem que eu sou? — pergunta em um riso
entrecortado, falhando em subir os lábios num sorriso.
— Pare de ser tão teimoso, eu estou aqui para…
— Eu faço sozinho — rosna e eu recuo, tirando a mão de seu braço. Ele
se vira para a frente e apoia-se na bancada de mármore que sustenta a pia.
Olhando-se no espelho, parece frustrado, a linha do maxilar tensa, como
se repugnasse o que vê. A extensão dos ferimentos é assustadora. Mas ele só
parece raivoso.
Usa as mãos para desabotoar a calça e a empurra para baixo, usando os
pés para tirá-las do corpo, assim como os coturnos manchados até o topo. Cada
movimento parece doer mais do que o anterior, mas ele não se rende, nem pede
minha ajuda.
Mas nem precisa, pois quando vai tirar a camiseta e seus braços falham,
fazendo-o grunhir pela dor lacerante que deve atravessá-lo neste momento, eu
intercedo e a puxo por mim mesma.
O sangue acumulado no tecido mancha meus dedos e eu a puxo com
delicadeza, mas firme o suficiente para que Luca veja que não vou desistir de
ajudá-lo. Ele é mais alto, então preciso estar na ponta dos pés para passá-la pela
sua cabeça e o faço, atirando o pedaço de pano longe.
O cheiro do sangue é horrível e me enjoa até o fundo, mas nada vai me
impedir de diminuir a dor que está sentindo.
— Na saúde e na doença — reforço e com isso, o conduzo até o
chuveiro, puxando-o pela única parte em sua barriga que não está tomada por
hematomas. Ainda assim, dói, e ele reclama.
Luca parece uma criança teimosa, que não gosta de aceitar ajuda, mas eu
não me abalo por isso e piso dentro do box com ele, de pés descalços e
camisola.
— Rebecca, eu não sou nenhum inválido… — Ele tenta desviar das
minhas mãos cobertas em xampu, mas não deixo e alcanço seu cabelo. — Você
não precisa me lavar, porra!
— Cale a boca e me deixe te ajudar!
É a primeira vez que falo assim com ele depois de muito tempo, primeira
vez que sou tão incisiva em minhas palavras e eu preciso avaliar seu rosto para
saber se não ultrapassei a droga dos limites aqui. Mas ele parece longe de se
importar com isso e finalmente se cala, aceitando que eu tire toda sujeira que
cobre sua pele e me causa agonia.
É quando vejo em seus olhos algo que nunca vi, nem imaginei ser capaz
de ver algum dia.
Desistência.
Deixa seus ombros caírem também e eu me preocupo que o resultado da
noite não tenha sido o que esperava, que as coisas tenham sido piores do que
planejavam, que alguém tenha sido ferido e ele só não tenha tido coragem de me
dizer ainda…
Luca não se parece como o homem vitorioso e cheio de certezas que saiu
daqui e a falta de emoção que vejo em seu semblante é o que mais me preocupa,
acima de qualquer hematoma físico que possa ter.
— Se vire, querido — peço e ele o faz, sem relutância. Uso a esponja
para esfregar suas costas e faço com todo cuidado. Minha camisola está
encharcada e estou toda molhada, mas não me importo.
Por um momento esta noite, pensei que nunca mais fosse vê-lo. Pensei
que seríamos apenas eu e…
É.
Apenas eu e um bebê.
Antes que os pensamentos que me mantiveram agitada por todo dia
voltem num momento em que não posso lidar com eles, o deixo no chuveiro por
um instante e vou atrás da toalha. Eu a passo ao redor da sua cintura e estou
prestes a pegar outra para secar seu abdômen, quando ele me impede e a pega de
minhas mãos, numa maneira não tão gentil de se afirmar como autossuficiente.
— Vai querer me secar também, caralho?
Não me apego a este detalhe e o deixo ali, indo até o quarto. Arrumo a
cama que baguncei e tento mesmo não pensar em nada, nem trazer qualquer
sentimento ruim à tona, mas é impossível.
Mudo de roupa e coloco um pijama de duas partes, prendendo o cabelo
numa toalha.
Eu volto para o quarto e o encontro sentado na beirada da cama.
Como se precisasse fazer esforço para isso, sobe seu rosto e me observa
quando vou até a penteadeira atrás do secador.
O silêncio é mais do que a falta do que dizer agora, pelo contrário, é a
presença de muito que precisa ser dito.
E Luca só se dá conta disso quando pergunta:
— Desculpe por gritar.
— Está tudo bem — Não, não está tudo bem. Meu marido saiu de casa
pela manhã normal e bem e voltou como se tivesse perdido um pedaço.
— Eu não… — Ele se perde antes de encontrar qualquer palavra e o
encaro pelo espelho. Parece um garoto, não mais do que um adolescente, sentado
e de cabeça baixa, totalmente derrotado. Sua postura não inspira nenhum
sentimento negativo em mim e tenho consciência de estar me deparando com
uma parte de Luca que nunca havia conhecido.
— Eu não consegui fazer o que eu deveria ter feito — completa, o olhar
perdido, buscando pelo meu no meio da claridade que o amanhecer oferece. —
Eu falhei, Beca. Eu fiz merda. Romeu fugiu e—
— Então foi ele quem fez isso a você?
Minha pergunta atravessa suas palavras e ele me olha como se eu me
apegasse a muito pouco.
— Os machucados são o de menos — despreza.
— São os machucados que poderiam ter matado você — reforço,
assistindo-o encher os pulmões de ar. — Porque você poderia estar morto, Luca.
Morto.
— Se tivessem me matado teria sido melhor do que me sentir o merda
que sinto agora, por ter fracassado — devolve e eu congelo. As mãos sobre a
penteadeira, o batimento cardíaco saindo do controle, toda minha atenção em
cima do homem decepcionado em cima da cama. — Eu deveria pegar Romeu e
Rodrik. Deveria fazê-los sofrerem e deveria defender a porra da minha família
com o sangue deles. Deveria vingar você. E nem isso eu consegui. Não consegui
porra nenhuma, porque fui fraco como um imbecil e deixei que fugissem!
Desisto de secar o cabelo e fico de pé. A respiração de Luca está um
pouco mais rápida e de fato, os ferimentos parecem pouco em relação a tudo que
vejo no homem que acaba de dizer tudo que disse.
Ele não está chorando, porque eu simplesmente acredito que ele não faça
isso — como política pessoal — mas posso ver o quanto está quebrado,
fragilizado e vulnerável.
Vulnerável.
Um homem como este nunca fica vulnerável, mas aqui está ele, exibindo
todos seus achismos acerca do seu caráter para mim.
Vou até a cama e me sento ao seu lado. Luca tem a cabeça baixa e eu
puxo seu rosto pela nuca, prendendo-o entre meu abraço. Ele é tão grande, tão
homem, que mal cabe no meu aperto, mas ignora a dor dos movimentos e passa
um braço em minha cintura, prendendo-me contra seu peito, permitindo que eu
entre na bolha que ele parece estar abrindo pela primeira vez.
— Me desculpe… — diz, com a boca abafada contra minha pele, seu
cheiro de sabonete invadindo meu nariz e me deixando mais calma. Sua
respiração me fazendo chorar, porque só agora posso sentir o alívio verdadeiro
de tê-lo aqui comigo. — Me desculpe por não conseguir fazê-lo pagar por isso.
Mas ele tinha Lorenzo e Max sob a mira da arma e eu não—
— Tudo que importa para mim é que esteja aqui agora, Luca — digo, e
não há mentira nenhuma no que sai da minha boca. Não há mentira nenhuma na
força com que o mantenho em meus braços e sou o apoio que precisa, quando
sua mente está enevoada e tudo que é parece não ser o suficiente para convencê-
lo de que é o homem mais honrado e forte que já conheci. O único homem que
respeito, que vejo completamente, que entendo e pelo qual faria tudo. Tudo. —
Comigo.
— Você merecia alguém melhor, Rebecca — diz, a voz mais grossa, as
intenções quase claras. Eu acabo com o abraço para olhar em seus olhos e o
encaro, vendo o azul cintilar com algo muito perto da raiva. — Eu não sou
homem o suficiente para te manter segura.
Fecho os dedos em seu queixo e impeço que seu olhar fuja do meu.
— Nunca mais fale uma besteira dessas! — Ordeno, num tom autoritário
o suficiente para que se fixe em sua cabeça, em suas ideias — Nem ouse pensar
coisa parecida. Você é tudo que eu preciso, Luca. E o único que pode me manter
segura, está entendendo? Eu confio minha vida a você e o que mais precisar para
entender o quanto estou falando sério.
Ele ri, mas não tem nenhum humor no movimento. Apenas sacode os
ombros, como se houvesse pressão demais e ele só precisasse soltar de alguma
forma a pena que sente de si mesmo e o quão patético se acha.
— Sou ainda mais covarde por falar essas merdas na sua frente… —
adiciona.
— Você seria covarde se não contasse. Se me deixasse acreditar que está
tudo bem. Não há covardia nenhuma em me dizer o que se passa na sua cabeça,
Luca. Não há covardia nenhuma em ter escolhido seu irmão ao invés da
vingança. Isso só mostra quem você é. Exatamente a pessoa que quero do meu
lado.
Para tudo.
Minhas palavras surtem efeito e vejo seu rosto se abrir num sorriso
tímido, de canto, enquanto examina meu rosto e toda verdade que exibo nele.
Parece gostar da decisão que vê em meus olhos ou do modo resignado como me
abro para ele também, colocando tudo que sinto muito claro, para que ele apenas
junte as peças e entenda o que quero dizer.
— Você é uma Accorsi das raras, Beca.
E eu aceito isso como um bom elogio.

Dormimos juntos na cama que nunca pareceu tão boa, tão macia e tão
grande demais, pois não há necessidade alguma de tanto espaço, uma vez que
encontro o conforto em seu peito e ele parece fazer o mesmo em mim.
Quando acordo, Luca não está mais debaixo de mim, mas sei que está em
casa pelo som leve da água do banheiro correndo. Encontro esparadrapos soltos
pelo aparador e gazes com sangue, além de alguns anti-inflamatórios e
analgésicos. Vou recolhendo as pistas até chegar ao banheiro e o encontro saindo
do banho.
— Bom dia… — digo, examinando-o de longe. Seu corpo continua
lindo, mas machucado, chega a me dar dor no coração. Uma sensação ruim. —
Como você está hoje?
— Bem — mente. É óbvio que tudo isso só pode estar doendo. —
Lorenzo passou aqui mais cedo. Trouxe remédios o suficiente para dopar um
elefante.
Olho para a janela do banheiro e tento descobrir que horas são.
— São três da tarde, B — diz, lendo meus pensamentos, enquanto sofre
para colocar sua cueca. Consegue sem minha ajuda de qualquer jeito.
— Já?
Nossa.
Que bela enfermeira eu me saí.
— Por que você não me acordou?
— Depois da noite que teve, pensei que seria bom descansar. — Ele
grunhe ao movimentar os braços e eu vejo que alguém costurou os cortes mais
profundos.
— Quem cuidou de você? — Não pretendo soar ciumenta, nenhum
pouco, mas quando ele me olha, parece ser exatamente isso que encontra.
— Donatella remendou o que podia…
— Deveria ter me acordado — afirmo, cruzando os braços. Não sei se é
ridículo que eu pense em mim como alguém que deveria estar lá até mesmo para
segurar a mão de Luca enquanto ele é costurado, coisa que ele obviamente não
precisa, mas não importa. Eu queria estar com ele. Queria mostrar que estou
disponível para o que der e vier.
— Estou bem agora.
Sua afirmação parece ser tanto para mim, quanto para ele. Não procuro
discordar disso e o encaro pelo reflexo do espelho acima da pia, o qual ele
encara.
Então minha boca formula a pergunta que esteve morando na minha
cabeça desde que ele chegou.
— O que foi que aconteceu afinal, Luca?
E ele vê que não tem mais como fugir da explicação.
— Nós invadimos a casa de Romeu Ivanov em North Haven. É o que
vínhamos planejando há algumas semanas. Tinha tudo para ser o plano perfeito
de execução. Tínhamos tudo controlado, Becky. Mas não contávamos com a
velocidade com que os reforços chegariam. Não esperávamos que houvesse
espécies de túneis subterrâneos para trazerem-nos direto onde estávamos. Então,
eu enfrentei Romeu e… bem, considere sorte que não estou morto. Ele poderia
ter feito.
— Ele tinha você sob a mira dele? — Só de falar, meu peito gela. Aliás,
eu estou toda gelada e acho que minhas mãos tremem. É como se uma onda de
agonia assumisse forma dentro de mim, revirando tudo.
— Rodrik tinha — anuncia e as coisas só pioram. Um choro involuntário
brota de meus olhos e droga, acho que agora meu peito simplesmente afundou.
— Mas Romeu me quis vivo. Então, eles apenas nos apagaram e acordamos no
meio do nada. Tinha minhas mãos amarradas e meu corpo doía como se apenas
tivessem me jogado de um barranco. Encontrei Lorenzo alguns metros depois e
conseguimos voltar até a cidade.
— Meu Deus…
— Não precisa ficar assustada.
— Ele te tinha desacordado, Luca? Ele poderia… Meu Deus…
Me falta força para materializar as palavras e meu marido deixa de lado a
toalha com a qual secava o cabelo para vir até onde estou, apoiando as mãos em
meus braços. Seu olhar encontra o meu num apelo silencioso para que eu pare de
tremer, mas não há força dentro de mim para isso. Todo pânico me abraça de
novo e ele precisa agir antes que eu me entregue completamente ao choro.
— Ele não o fez.
— Mas poderia! — esbravejo, histérica. — Tem noção de como se
arriscou? De como esteve em perigo? E por uma vingança que não—
— Não é só por vingança — reforça, o olhar mais duro, as palavras bem
colocadas. Me encara com a mesma intensidade que encararia um de seus
soldados — Eles ousaram mexer conosco, Rebecca. E ninguém faz isso e
continua vivo. É por nossa honra também.
— Não adianta de nada se ter honra e estar morto, Luca!
— Foi o juramento que fiz, Beca. A Accorsi é o que sou. E se uma parte
de mim está em risco, nada além de me doar completamente para impedir que
nos prejudiquem faz sentido.
— Mesmo que o preço seja a sua vida? — Essa pergunta eu faço com dor
no coração. Uma bem específica, que reflete em mais do que meu medo de não
ter mais aquilo com que me acostumei, aquilo que faz com que eu me sinta
segura.
Reflete também no filho que está na minha barriga. Aquele do qual ele
ainda não sabe. Aquele do qual não tenho coragem de contar ao homem que
parece longe de qualquer lugar feliz no momento, focado em riscos, vitórias e
derrotas.
Como eu encaixo uma criança no meio disso?
— Mesmo que o preço seja a minha vida — suspira em confirmação,
retirando a mão do meu rosto. Eu não posso impedir a lágrima que cai diante de
suas palavras e o choque terrível que nunca calculei.
O de não ser a prioridade na vida dele. O de ser apenas mais uma parte.
Me casei com um homem feito, um mafioso, um homem de guerra e
sangue, e em nenhum momento me dei conta de que isso poderia acontecer.
Eu me dar conta de que tudo é tão instável que parece que corremos
contra o tempo em tudo que fazemos. Que vamos contra a sorte, que jogamos
com a boa vontade de Deus, nos mantendo vivos por mais tempo do que
deveríamos.
A tristeza se reflete em meu olhar e ele vê. Mas a interpreta por todos os
motivos errados.
— Você estaria bem cuidada, Rebecca. Para o resto da vida. É nova,
poderia se casar de novo, mas eu tenho bens que iriam para você. Você não
precisa se…
Eu me afasto dele na mesma hora.
— Do que você está falando?
Choque passa por seus olhos, mas não fica. Ele acha que está certo. Acha
que lê a situação da maneira certa.
— Você tem medo de que eu morra, não é? Mas não precisa. Você não
iria ficar desprotegida.
— Acha que isso é com o que me preocupo?
Um instante de silêncio, então, ele sacode os ombros.
— Penso que é o óbvio. O com que toda mulher em sua posição se
preocuparia.
— Minha posição?
Ele fecha os olhos e respira fundo.
— Você me entendeu…
— Não, é lógico que eu não te entendi!
— Por que você está complicando as coisas?
— Por que você está complicando as coisas?
Ele finca sua atenção em cima de mim.
— O que você quer dizer com isso? — E parece cansado demais para que
eu dê seguimento a esta conversa do modo que ele merece.
E então eu penso. As palavras chegam à ponta da minha língua e meu
corpo inteiro parece implorar que eu apenas alivie a tensão de estar guardando
um segredo como esse é despeje tudo, revele a ele que apenas alguns exames me
separam de confirmar o que já sei há certo tempo. O que minha ginecologista
soube assim que tocou em mim.
Mas não consigo. Não quero. Não posso.
Não agora.
Eu não quero falar agora.
— Não importa — falo, deixando o ar sair e a tensão escapar aos poucos,
enquanto meu corpo se prepara para acomodar o segredo por mais um tempo. —
Nada importa.
— Você parecia como alguém que tinha algo a dizer, Rebecca… Então
por que não corta esse drama do cacete e apenas diz de uma vez?
— Eu não tenho nada para falar com você! — Ressalto, rindo com
escárnio de sua expressão ofensiva — Nada!
— Vai preferir ficar brava? Sem falar comigo? É essa a solução que
encontra para tudo no final, não é?
— É melhor do que gastar meu tempo com alguém que não consegue
nem mesmo entender do que tudo isso se trata!
Dou as costas para ele, mas isso é sempre um erro. Luca chega tão rápido
até onde estou, que sou parada bruscamente pela força com que segura meu
braço, me puxando na direção do seu corpo.
— E do que tudo isso se trata, Rebecca? Hm? Me diga, Beca! Que porra
você está escondendo de mim?
— A questão é justamente essa, Luca! — sorrio. — Eu não estou
escondendo nada de você. Só não vê por que não quer. Porque talvez nunca
tenha visto. Porque talvez não queira ver!
Ele respira fundo, examinando meu rosto com atenção total a cada
detalhe, a cada coisa que não quero passar, a cada segredo que estou tentando
guardar. Sua armadura parece enfraquecer quando se dá conta da coisa mais
óbvia de todas. Daquilo que já não é mistério há um tempo.
— Vê agora? — pergunto, mergulhada em uma mágoa que me atravessa
ao enxergar seu espanto e o modo como recua, afrouxando o aperto em meu
braço. — Consegue enxergar que o problema é que eu amo você?
A revelação escapa amarga de meus lábios e eu puxo meu braço do seu
aperto. Estou chorando como uma criança, como alguém que não tem para onde
correr e Luca apenas me encara, a atenção parecendo focada em milhares de
coisas que não aqui, que não eu, que tola, ainda espero escutar algo que não vai
vir. Uma confirmação que não existe, porque eu me deixei levar por coisas que
talvez tenha criado apenas na minha cabeça, coisas que me tornaram essa idiota
que chora na frente de um homem que não está nem aí agora.
Merda, merda, merda.
— Rebecca, isso…
Ele franze seu rosto e eu limpo minhas lágrimas, tentando reencontrar
meu autocontrole, mas não há como. Eu só quero fugir daqui agora.
— Não importa, como eu disse, Luca. Você não precisa fingir que sim.
— Eu nunca…
— Não importa! — berro, porque tudo que ele diz só piora o que sinto.
Só piora como me sinto. — Nada disso importa, Luca!
Deixo o quarto antes que ele se dê ao trabalho de falar mais uma vírgula
e não me arrependo de não olhar para trás.
Eu acho que não encontraria nada lá de qualquer jeito.
Tensão. Aquele sentimento que te deixa em alerta, que te faz pensar que
está enxergando o mundo do jeito errado e que tudo que vem de fora é uma
ameaça. Que deixa pronto para os que vier, mas que não te prepara realmente
para o que você vai receber. Que apenas te deixa mais vulnerável, mais aberto,
mais consciente dos riscos.
Se eu não tivesse relaxado tanto ao redor de Rebecca, agora, a tensão não
teria permitido que as coisas fossem tão longe. Que a menina revelasse seus
sentimentos em gritos, que me colocasse num lugar para o qual eu não me sinto
pronto. Para o qual eu sinto que não pertenço, embora meu corpo todo pareça
mais do que alinhado para corresponder às suas expectativas e entregar-lhe o
conto de fadas que merece, minha cabeça é melhor do que isso e vê as coisas de
forma clara.
A pior coisa que eu poderia fazer é admitir para Rebecca que a amo de
volta.
Por ela e por mim.
Por que os riscos… Os riscos são de me tornar cada vez mais fraco, de
me decepcionar cada vez mais, de decepcionar a Tony, de não ser o homem que
preciso ser fora desta casa e dessa bolha que construímos, como se ela pudesse
nos fortalecer para o que há lá fora, quando faz justamente o contrário.
Quando nos enfraquece.
Confiar é fraquejar.
Amar é perder.
E eu não estou disposto a perder mais nada.

Eu não a vejo depois da cena do banheiro e de certa forma, me sinto


grato por isso, quase aliviado quando o telefone toca com o chamado pelo qual
espero desde que Romeu me deixou apagado num canto escuro de matagal. A
chamada me convoca para a mansão, onde meu pai quer me encontrar. Isso me
dá justificativas plausíveis para sair de casa e assim o faço, sem me despedir de
Beca.
Fiona é minha informante e peço que me comunique sobre qualquer
coisa.
Faço todo o caminho até a mansão sem pensar nela, me mantendo longe
o suficiente para que seja apenas uma memória amarga e me blindo mentalmente
ao passar pelos portões da casa onde cresci, que agora, parece me receber com
dentes e garras afiadas prontas para me mastigarem e cuspirem.
Como de costume, não bato na porta e simplesmente entro. O hall de
entrada está estranhamente vazio e silencioso, e sigo para a sala de estar, onde
normalmente encontro todos, mas a situação é diferente desta vez, pois tudo que
presencio é a cena em que Donatella afunda o punho no rosto desavisado de
Lorenzo no corredor e o faz tropeçar, se chocando contra a parede.
— Ei! Ei! Eiiii, porra!
Eu corro rápido o suficiente para impedir que ela acerte mais um golpe
no irmão, que parece distraído demais para quem acaba de levar um golpe de
direita perfeito e a agarro pela cintura para mantê-la longe do alvo.
— VOCÊ É ESTÚPIDO, LORENZO! ESTÚPIDO!
Enzo, que me visitou mais cedo, conseguiu foder o ombro e usa uma
tipoia.
De tão brava, Donatella chuta o ar e eu preciso desviar de seus golpes.
Meus braços feridos doem, mas não demonstro, a contendo.
— Que porra é essa, Donatella? — Sacudo seus ombros e a encaro,
esperando que se acalme.
— Esse chorão fodido do cacete teve a coragem de vir até mim, HOJE,
me dizer que queria que eu estivesse lá!
O seu rosto está tão vermelho que sinto que ela poderia explodir. O
cabelo revolto está preso numa trança posicionada de lado e eu tenho medo do
tipo de mulher que ela vai se tornar quando chegar a maturidade.
Se aos dezesseis já é assim…
— O que tem de errado em admitir isso, criatura?! No que eu errei para
você me acertar desse jeito?
— O problema é que você é hipócrita, Lorenzo Accorsi! Como todos os
outros! Porque você fala que me valoriza, fala que eu sou sua parceira, mas
quando chega a hora de me apoiar, é o primeiro que some! Você nunca sugeriu
ao nosso pai que deveria me deixar ir junto porque é um maldito covarde do
caralho que não vai contra as ordens do papaizinho!
— Acha que ele iria mudar de ideia só comigo pedindo? Você está
colocando sua raiva no lugar errado, Donatella!
— A raiva é minha e eu coloco onde eu bem entender! Especialmente a
você, que é a droga do meu irmão gêmeo e pouco se fodeu para o que acontecia
comigo!
— Isso não justifica nada… — Enzo diz, assumindo uma postura de
derrota óbvia. Sabe que fez merda. Até eu sei que ele fez merda.
— Justifica tudo!
Ela reúne força e me empurra pelo peito, as duas mãos espalmadas contra
minha pele.
— Vocês são todos hipócritas que merecem todos os machucados idiotas
que receberam sem mim por perto!
Eu relaxo e me afasto um passo dela, relevando quaisquer que sejam suas
ofensas. Entendo que está com raiva de todos nós e faz sentido, se olharmos pelo
seu lado.
Será que as coisas seriam diferentes se ela estivesse lá?
Ela sai a passos fortes na direção contrária do corredor e eu olho na
direção de um Lorenzo ainda abatido, com as costas grudadas não parede.
— Ela está muito brava, cara — comenta, despretensiosamente, fechando
os olhos por um segundo.
— Ah, você jura? — ironizo. — Que merda, hein…
— Vai se foder, Luca.
— Já estou fodido — pisco. — Se esqueceu de que vim aqui encontrar o
nosso pai?
Ele bufa, expressando saber bem a que me refiro.
— Eu sei. Devo entrar com você.
Porra.
— Que merda… — comento, pois ambos sabemos que ele vai comer
nossos órgãos com uma colherinha e depois fazer de novo até que sobrem só os
ossos. Ou menos do que isso.
— Vai ser melhor do que ir atrás da Donatella para tentar resolver as
coisas — diz, dando de ombros. Eu sou obrigado a rir e concordar.
— Pelo menos isso…
Lorenzo se endireita e fica de pé, ajeitando a tipoia com mais força antes
de seguirmos na direção do escritório onde nosso pai nos espera.
Eu respiro fundo antes de empurrar a porta e quando faço, não me
surpreendo ao encontrar apenas ele no centro, posicionado em frente à sua mesa,
com um copo de uísque nas mãos e o olhar pairando diretamente sobre nós dois,
avaliando-nos por inteiro assim que nos tornamos parte do seu pequeno reino.
Ele não usa o casaco do terno, mas a camisa social branca está bem
passada e a gravata bem-ajustada em um tom de vermelho-sangue.
— Boa tarde, pai. — Lorenzo cumprimenta e acena, aproximando-se. Eu
não me dou ao trabalho e apenas aceno, indo na onda do mais novo.
— Sentem-se — ordena e vira seu copo na boca, girando para ir para trás
da mesa. Acompanhamos ele dar a volta e então me sento ao lado de um Enzo
aparentemente preocupado.
Não é de menos.
— Vocês têm noção do quanto eu me sinto enganado agora?
— Pai…
— Eu vou falar, Lorenzo. E você vai escutar. — Ralha e vejo a
agressividade óbvia em seus movimentos.
Como o bom garoto que é, Lorenzo se cala.
— Meu um e dois… Meus filhos mais velhos… Duas decepções. Dois
desperdícios. Duas merdas que não conseguem trazer para casa nem o mínimo a
ser pedido depois de tudo que já fiz por vocês! — Ele termina sua frase berrando
tão alto que acho que estou surdo. Preciso fazer uma careta na intenção de
proteger meus ouvidos.
— Ele—
Lorenzo pensa em começar a falar mas eu chuto sua canela antes que
termine e assumo as rédeas da conversa.
— Sim, senhor — afirmo, para aliviar o lado deles. Como sempre.
Como eu faria por todos.
— E quanto a você, Luca? Eu o treinei para ser simplesmente o melhor
entre os melhores… Mais rápido, mais forte, mais letal. — Sentado, Tony apoia
as mãos sobre a mesa a sua frente e nos encara de pertinho. — Me dediquei a
você como nunca me dediquei aos outros! Tudo para que você pudesse vencer
todos, derrubar todos e ser o maior, para que pudesse lutar por nossas batalhas e
comandar a todos um dia, retribuindo a organização que foi capaz de te dar tudo,
desde suas cuecas às suas coberturas milionárias no centro da porra da cidade!
Eu me mantenho calado, o rosto baixo e os punhos cerrados. É a forma
de conter toda a raiva e impedir que mais estragos sejam feitos.
Eu sabia que seria assim.
— Entende, Luca? Eu não tentei pegar algo que era ruim e transformar
em alguma merda. Eu quis fazer diferente. Te dei mais do meu tempo que dei a
qualquer outro filho.
Graças a Deus. Pelo menos os outros não precisam carregar as mesmas
cicatrizes que eu, não são devotos desta necessidade de agradá-lo até o fim, não
sentem que não valem de nada quando o olhar de decepção assume forma no
rosto à nossa frente.
— Você deveria me representar um dia, seu pequeno pedaço de merda…
Mas como vou confiar tudo que construí, tudo que mantive de pé, nas suas
mãos?
Então, levanto meu rosto e tenho força o suficiente para encará-lo. Os
olhos de Antônio brilham como duas armas perigosas, indicando risco de
explosão a qualquer instante, mas eu não recuo diante disso.
Ele está indo longe demais agora.
— Sou o primogênito. O lugar é meu.
Ele ri.
— Eu tenho sete filhos, Luca. Você acha mesmo que é tão especial
assim?
Umedeço minha boca enquanto minha mente trabalha em todos os
motivos pelos quais ele não deveria estar questionando meu direito ao lugar para
o qual sou preparado desde que não tinha nada além de alguns quilos sobre os
ossos fracos que ele quebrou várias vezes, mas ao encará-lo com mais atenção,
superando a raiva que inibe minha razão, vejo que não vai adiantar de nada listar
qualquer coisa.
Que sua cabeça já está muito à frente da minha e que nenhum motivo
poderia me poupar de sua inspeção demorada, tampouco de sua análise
problemática.
Tony só quer me provocar. Ver até onde vou. Do que sou capaz.
Ganhar um motivo para enfiar duas balas na minha cabeça e se livrar
daquele que parece ser seu pior inimigo — eu.
Ele me odeia tanto quanto o odeio. Talvez, pelo que represento. Pelo que
se passou na cabeça de todos quando me viram nascer, quando souberam que
Rosalind tinha dado à luz a um menino.
O tempo de Antônio Accorsi já acabou.
Ele odeia o quanto lhe faço parecer fraco, o quão melhor do que ele sou.
Odeia como sou tão bom, de um jeito que ele nunca foi, nem será.
Odeia como eu serei um Capo incrível. O Capo que fará com que todos
se esqueçam dele.
— Não vai dizer mais nada, putinha? Prefere o silêncio, a resposta dos
fracos?
Umedeço meus lábios mais uma vez e respiro fundo, enchendo os
pulmões e estufando o peito. Então, um sorriso brota entre meus lábios aos
poucos, enquanto ele me analisa, sabendo diferenciar exatamente o momento em
que meu corpo não se submete mais às suas ordens e qualquer traço de medo
deixado em mim pelo antigo Luca, some da minha vida.
— Não tenho nada a dizer.
Tony fica em silêncio por um minuto inteiro depois disso. Seus olhos
perseguem os meus, em busca de qualquer falha ou indicativo de travessura. Mas
não há nenhuma dessas porras aqui.
Estou sendo a máquina que ele me criou para ser.
O homem que não teme ninguém e só é temido.
— Puta fraca dos infernos… — comenta ao ficar de pé, cuspindo as
palavras, me encarando com toda raiva presente em seu corpo, me tornando
satisfeito só de senti-la escapar por cada um de seus poros.
— Vai me matar? — pergunto em tom de ironia e vejo Lorenzo suar frio
ao meu lado. Ele se agarra aos braços da poltrona dura e tenho medo de que saia
chorando a qualquer instante. Mas ele só não vê ainda, que eu quem estou no
controle aqui agora.
— Se for fazer isso, recomendo que corte aqui sem tremer — passo o
dedo sobre o pescoço, testando cada um de seus limites como homem, chefe e
pai. — Quero estar bonito.
Prevejo o movimento que faz com seu braço ao me puxar para cima pela
gola da camisa, mas permito que me segure bem perto do seu rosto, a ameaça
explícita no modo como respira e se porta. Me segura forte o suficiente pelo
tecido para que eu mal consiga colocar os pés no chão e eu tenho a coragem de
rir, encarando-o bem nos olhos, tão idênticos aos meus que se torna cômico.
Cômico, porque nunca seremos a mesma coisa.
As semelhanças físicas foram apenas a forma do cara lá de cima jogar
um pouco conosco.
— Se acha que me afronta com seu comportamento infantil, está muito
enganado, Luca. Se acha que é ameaça para mim, está se vendo como muito
mais do que é agora, levando mais uma mijada por ser um incompetente do
cacete até mesmo quando é a honra da sua mulher que está em jogo!
O sorriso diminui e eu o encaro por completo quando entra no campo que
pretende.
— Aliás, é ela, não é? A putinha italiana que está te dobrando. Te
fazendo enfraquecer. Te tornando menos homem do que já era. A puta é a
responsável por te fazer pensar que é alguém, seu bosta, não é? Você se sente
dono do mundo quando ela está chupando o seu pauzinho de merda, pirralho do
caralho? Ou talvez você prefira ter como motivação a ideia de ter outros homens
enfiando tão fundo na porra da boceta da sua doce esposa que ela não vai mais
sentar. Nem respirar. Ela vai ser rasgada de dentro para fora, Luca, e você vai
presenciar cada segundo dessa tortura... E se me afrontar desta forma
novamente, se não cumprir com a porra das suas responsabilidades como meu
soldado, serei eu o primeiro a destruir o que você conhece, se é que entende do
que estou falando...
Não há mais sorriso algum em meu rosto.
Tony ri e aproxima o rosto do meu, os narizes quase grudados.
— E você sabe como é que eu gosto de tratar as minhas garotas, não é,
filho?
A raiva transborda de mim agora. A agonia. O ódio. A angústia. A porra
da sensação de impotência.
Eu vou matá-lo.
E vou fazer isso agora.
— Luca, não!
Mas a voz de Lorenzo me impede de terminar de levantar a mão, que já
tinha engatado o canivete que carrego debaixo da manga para cortar sua maldita
garganta, depois arrancar seus olhos e destruir sua língua.
— Ele vai matar Rebecca se fizer isso.
— Não se estiver morto — respondo, ainda sendo contido por meu pai,
que agora parece interessado em saber até onde nosso joguinho pode ir. Parece
interessado em saber se poderá colocar as mãos em Beca. Se irei forçá-lo a fazer
isso, com meu temperamento. Seria contradição o suficiente para que Tony se
vingasse.
— Que gracinha… Você acha que você e sua vagabunda viveriam muito
mais do que eu? — Ri, o cheiro de cigarro vindo contra meu rosto. Meu olhar
permanece imóvel sobre sua face — A cadeira ainda é minha, imbecil. E a
Accorsi respeita quem a comanda. Iriam atrás de vocês no minuto seguinte a
isso… E iriam fazer ainda pior com sua mãe, seus irmãos, irmãs…
Rosalind. Lorenzo. Donatella. Leonardo. Marcus. Amanda. Pietro. Max.
Rebecca.
Se eu terminar o que pretendo, todos morrem. Inclusive eu. A
organização nos caçaria até no final da porra do mundo. E eu nunca cairia sem
lutar, sem condenar Rebecca a um sofrimento inesgotável…
Fique, Luca. Recue, Luca. Acalme-se, Luca.
O olhar de Lorenzo é ansioso sobre mim, temendo cada respiração que
dou, esperando que elas representem a chegada iminente do fim de todos nós.
Mas porra, em nenhuma existência eu seria capaz de condenar todos nós.
Não por ele.
Nunca por ele.
Abaixo as duas mãos e estendo os dedos, mostrando que não carrego
armas. Tony vê isso e Lorenzo respira pela primeira vez desde que tudo se
desenrolou.
— Ainda mais fraco do que eu pensei que fosse… — Antônio fala entre
gargalhadas e afrouxa o aperto ao redor do meu pescoço.
Mantenho minha cabeça baixa novamente e respiro muito fundo. Conto
até mil. Penso nos rostos de todos os meus irmãos, em especial Amanda e Pietro,
que não conhecem muito da vida. Penso no sorriso da mulher que amo, mas que
não deveria. Penso em tudo que ainda não disse a ela, em tudo que queria
conseguir demonstrar.
E não faço nada.
— Estão dispensados. — Nosso pai diz, com desdém. — Já chega de
olhar para suas caras patéticas por hoje.
Não preciso que ele diga duas vezes ou volte atrás em sua ideia de me
deixar ir embora e corro para fora da sala. Não olho para trás, mas espero que
Enzo também tenha fugido.
Cruzo os corredores da casa tão rápido que mal enxergo qualquer merda
posta sobre meu caminho e bato contra alguns funcionários, sem parar para pedir
desculpas. Meu peito pega fogo, que se espalha para cada terminação nervosa
em meu corpo. E eu só preciso acalmar tudo isso.
Me enfio na primeira porta que vejo aberta e tranco ao reconhecer o
banheiro social. Vou até a pia e a abro, enchendo de água o suficiente para que
possa me afogar ou apenas mergulhar meu rosto e conter a respiração. Conter os
pensamentos. Conter a droga da minha mediocridade.
Merda, merda, merda, merda.
Levanto o rosto e bato, descontando a raiva na primeira porcaria que
enxergo. Em mim. A maior delas.
Mas não adianta. Fodo ainda mais meu rosto e não adianta. Nada adianta.
Até eu afundar meu punho no espelho à minha frente, aquele responsável
por me mostrar o quão miserável me pareço.
Sangue escorre entre meus dedos assim que os estilhaços voam e eu
amaldiçoo tudo que me envolve. Deixo que o sangue pingue na droga do chão e
jogo mais água contra meu rosto, tentando conter a respiração acelerada.
Mas não consigo e ela fica ainda mais forte. Forte a ponto de me deixar
sem ar porque não consigo administrar os dois.
Sozinho não consigo porra nenhuma.
Nem por mim, nem por eles, nem por ela.
Um merda que deveria morrer sozinho.
Que deveria usar um desses estilhaços, se fosse capaz, se não fosse um
covarde fraco do cacete.
Mas que não consegue.
Preciso de alguns minutos. Longos minutos. Não posso mais me ver no
espelho e agradeço por isso, quando minha respiração volta ao normal e meu
corpo se recupera do choque.
Lavo as mãos novamente e puxo os cacos de vidro, deixando-os
escorrerem com a água avermelhada. Não fico pensando no ferimento por muito
tempo e uso uma das toalhas perfeitamente brancas da minha mãe para conter o
sangue. A levo comigo e deixo o banheiro assim que sinto ser capaz de dar um
passo depois do outro.
Depois, saio da casa e não olho para trás.
Nenhuma vez.
Do mesmo jeito que Luca sai, ele volta.
Seu silêncio, no entanto, não é a parte mais perturbadora de tudo. É o
modo resignado com que anda e existe ao meu redor. E quando a noite chega, é
sua ausência que me deixa preocupada.
Tão preocupada que me esqueço do que aconteceu antes.
Não penso em como chorei a tarde inteira, nem em como senti meu peito
arder durante todo tempo em que fiquei sozinha, aflita, pensando se ele tinha me
deixado, se toda essa porcaria tinha ido longe demais e agora, teria de me virar
com um filho — o seu filho — porque extrapolei e fui além do que ele poderia
lidar.
E tão preocupada quanto possível, ignoro toda razão que tenta me
prender em nossa cama tão vazia e vou atrás dele, em passos leves, nem de perto
tão resignados ou pesados quanto os seus. Cruzo os corredores silenciosos da
casa que já me pareceu muito mais acolhedora e desço as escadas. Já passa da
meia-noite, Luca não está em lugar nenhum e faz um frio absurdo em Nova
York.
Mesmo assim, não volto. É maior do que eu, muito mais forte do que
minha vontade de ser a garota que apenas fica brava, furiosa e não fala com ele.
É uma preocupação que tem base, fundo e sentido, considerando que Donatella
me ligou para falar sobre o estado em que Luca saiu de sua casa após conversar
com seu pai. Do vidro que ele quebrou. Do rastro de sangue que deixou.
Então eu continuo, apenas pensando no meu dever. No que jurei ser e
fazer.
Sua esposa, nas horas boas e ruins.
Amá-lo e cuidá-lo, mesmo que não o faça de volta, nos termos da
organização.
Então, meu peito pesa quando coloco os olhos sobre ele. Está na varanda,
de frente para a sala. A porta da sacada está aberta e posso vê-lo, escorado contra
a grade de proteção, a camisa branca manchada com um pouco de sangue na
gola e fumaça saindo da sua boca enquanto fuma.
Luca parece longe de perceber qualquer parte da realidade ou até mesmo
reconhecer minha presença e insignificância, mesmo assim, eu me aproximo.
Eu me odeio por isso.
Quando piso na varanda, que é ampla o suficiente para que estejamos em
pontos totalmente opostos, ele desliza os olhos para cima de mim, a atenção
passando da vista iluminada da cidade para a esposa toda encolhida à sua frente.
E eu não sei o que se passa em sua cabeça, mas não parece bom. Ele desvia no
próximo segundo e expulsa a fumaça novamente.
— Eu não sabia que você ainda fumava. — Meu comentário quebra o
silêncio imposto pelo distanciamento óbvio que há entre nós dois. É difícil estar
aqui de pé agora, mas eu permaneço, mesmo sentindo que meu coração se torna
areia na sua presença.
— Só quando preciso — completa, sem olhar para mim. A frieza dos
movimentos em nada se assemelha ao Luca com que me acostumei a conviver.
Em nada se assemelha com algo que eu gostaria de encontrar.
Dou mais um passo para dentro do espaço. Luca retesa sua postura
quando faço isso e paro imediatamente, abraçando meu corpo, tentando me
manter aquecida sem precisar da sua atenção ou de qualquer espécie de calor.
A frieza vai nos bastar essa noite.
— O que aconteceu com você?
Me refiro à mão que vejo suja de sangue, mas não sei se ele pode encarar
isso de outra maneira. Sinto não saber nada sobre ele agora.
— Nada aconteceu comigo. — Ele pausa e gira seu rosto. — E com
você?
Estou, possivelmente, com 99% de certeza, grávida.
Disse que te amava. Você não respondeu nada.
Você está sangrando e me preocupo mais com a sua saúde do que com o
meu orgulho.
— Nada aconteceu comigo também — respondo, dando de ombros. O
movimento é tão falso quanto as palavras.
— Então estamos bem — define, como se fosse o dono da razão e
fôssemos tão básicos assim.
— Ou talvez nada esteja bem.
Luca traga seu cigarro mais uma vez.
— Não estou com paciência para essas merdas de trocadilhos, Rebecca…
— E você acha que eu estou?
— Parece ter bem mais tempo livre do que eu para pensar em besteiras.
— O que quer dizer com isso?
Ele bufa e joga o cigarro longe. Ele cai pela sacada.
— Nada, Rebecca.
— O que aconteceu com a sua mão? — Minha pergunta quase ecoa pelo
silêncio. Ele não olha para mim, nem fuma ou se move.
— Soquei um espelho.
— A troco de quê?
Aí ele explode.
— Porque eu quis, porra!
Respiro fundo, tentando não me apegar a detalhes. Mas é bem difícil. Ele
não me dá muita vontade de ignorar qualquer coisa.
— Não grite comigo — afirmo, mordendo o interior da boca. — Não é
isso que vai te ajudar a resolver seus problemas.
Enfim, ele olha para mim. Mas não é nem de longe do jeito que eu
gostaria.
— Já terminou?
— Eu vim até aqui porque me preocupei com você após saber da sua
irmã que as coisas com o seu pai não foram tão bem assim. Não para receber
suas grosserias. Se vai me tratar assim, vou voltar para o meu quarto.
Não espero muito e me viro, os pés tomando o caminho sozinhos, a
mente bem longe, o coração batendo bem rápido. Coração este que me força a
parar quando sua voz ecoa no silêncio noturno e privado da cobertura.
— Ou veio por que esperava ouvir aquilo que eu não te disse antes?
Me viro a ponto de vê-lo acendendo outro cigarro, com um isqueiro
prateado e a postura descontraída de quem não se importa com muito.
— Porque se é o que você queria — para e coloca o cigarro entre os
lábios após molhar a ponta com saliva —, veio ao lugar errado.
— Eu não espero nada de você, Luca — rio entre os dentes, buscando
algum alívio no jeito como falo — Não mais.
— Apenas não escutar o que queria, Beca, já te fez desistir de mim? —
Ri, como se não fosse novidade, nem surpresa. O sorriso é enjoativo, me dá
náuseas. Não é algo que venha realmente dele. — Bom saber que tipo de mulher
você é.
— Sou o tipo de mulher que está disposta a dar a cara a tapa, Luca. A que
está aqui, mesmo depois de ter sido humilhada. E uma que, diferente de você,
não precisa de rodeios para falar o que pensa.
Ele fuma e expulsa a fumaça de novo. O cheiro me irrita, mas é sua
indiferença que incomoda mais.
— E você acha que conquistou isso sozinha?
Descruzo meus braços e o encaro quando a raiva toma forma.
— Ou entende que só é a mulher que é agora por que eu te coloquei
nesse pedestal do cacete, minha linda? — Fuma de novo. — Por que eu te dei
coragem o suficiente para ser alguém?
— Desde quando isso virou um ataque contra mim, Luca? — gesticulo, o
peito aberto e os sentimentos a flor de pele demais. Ele pode entender isso como
vulnerabilidade, eu só vejo como eu sendo eu mesma. — O que eu fiz a você?
Acha que tenho culpa pela sua missão ter falhado? Por seu pai ser o que ele é?
Ri, separando os lábios.
— Ninguém tem culpa disso. Ninguém além dele.
— Então por que está me falando essas merdas, tentando me diminuir? É
por causa do que eu disse a você antes? Por que eu fui capaz de—
— Não tem nada a ver com aquilo, Rebecca, não seja estúpida. Acha que
seu amor por mim é algo até mesmo perto de um problema? Acha que é a
primeira que sente esse tipo de merda por um cara como eu?
Pisco algumas vezes, tentando encontrar minha resposta e meu lugar
diante da sua fala. É pretensiosa até o último fio.
— Eu só deveria ter avisado a você, desde o começo, que não seria uma
boa ideia.
— Então é sobre isso…
Minha resposta aberta chama sua atenção e ele a fixa sobre mim.
— Te incomoda que eu goste de você, por que sente o mesmo, não é?
Ele petrifica.
— E porque preferia não sentir.
— Em que momento entramos nessa discussão, Beca?
— No momento em que decidiu me menosprezar e tentar me afastar,
pensando que conseguiria, apenas porque seu pai talvez tenha colocado ainda
mais ideias problemáticas na sua cabeça que te impedem de pensar por si
mesmo ou de até mesmo assumir o que você pensa e o que deseja!
É ele quem caminha agora. Após atirar o segundo cigarro, Luca atravessa
a varanda e para na minha frente. Meus gritos talvez não tenham sido a forma
mais prática de abordá-lo, mas surtiram efeito. Sua boca não passa de uma linha
comprimida agora e eu respiro fundo, tentando acalmar os sentimentos dentro de
mim, tudo que se revira quando ele chega perto.
— E por que você seria o que eu desejo, Rebecca Accorsi?
Sua fala me subestima. Talvez subestime até mesmo a ele, enquanto me
olha, me enxerga e tenta me entender, como se eu fosse um quebra-cabeças
muito complicado, no qual faltam peças.
Mas não sou.
E ele consegue me ler tão bem, que não pode fugir disso. Não pode fugir
do que eu sinto e demonstro porque sente exatamente o mesmo dentro de suas
amarras e limitações.
Só por esse motivo ele ainda está aqui.
Mas não é o suficiente para que ele fique.
— Porque eu sou a única que consegue te deixar assim — respondo, o
corpo lotado de uma coragem que nunca me pertenceu antes, mas que agora, faz
parte de cada fibra em meu corpo.
— Furioso?
— Descontrolado.
A escolha de palavras não é aleatória.
Luca perde o controle ao meu redor. Não sabe o que dizer, como agora,
quando tudo que faz é olhar em meus olhos e esperar que a resposta salte para
ele, entregando todos os mistérios e segredos que não consegue resolver
sozinho.
E isso o assusta.
Não saber o que fazer o assusta.
Ele toca meu rosto com a ponta dos dedos e eu fecho os olhos ao sentir
seu toque áspero contra minha bochecha.
É uma droga, uma maldição.
Ele dá mais um passo e nossos peitos estão colados. Sua respiração se
encontra com a minha e a mistura é o suficiente para me fazer arfar, tornando
tudo uma bagunça.
E eu quero tanto falar, tanto dizer a ele o que está acontecendo comigo, o
que está prestes a acontecer conosco, mas há uma trava. Há algo que o impede
de vir para cá e me impede de ir para lá.
Algo que eu não consigo tirar do caminho.
As lágrimas molham meu rosto e eu beijo sua mão. Luca não diz nada, o
olhar fica concentrado demais em mim e penso se ele tenta descobrir o que estou
pensando, o que me faz chorar.
Se ele se preocupa.
Mas só posso imaginar, uma vez que ele não diz mais nada, e apenas
beija o topo da minha cabeça como forma de despedida.
— Fique bem, certo? — repete o gesto. — Eu volto.
Eu balbucio algumas palavras, mas não chegam a formar uma frase. De
qualquer jeito, demoro demais e ele sai antes de ouvir, sem prestar satisfações,
cruzando a sala tão rápido que me pergunto se não passou de uma alucinação.
De um delírio.

Luca não aparece durante todo final de semana.


Somos apenas eu e Fiona na cobertura imensa, cheia de espaço
desnecessário para alguém tão pequeno quanto eu. A funcionária não deixa meu
lado em nenhum momento e se dispõe a fazer tudo que preciso, mas o detalhe é
que eu não preciso de nada.
Só dele.
Mas ele não volta.
Não liga.
Não me atende.
Troco algumas mensagens com Max durante o sábado e o domingo, mas
todas voltam inconclusivas e sei que o loiro está me enganando. Ele é bom
nisso.
Donatella sabe muito menos do que o melhor amigo do meu marido e
Lorenzo, se sabe, não diz, quando ambos vêm me visitar na segunda.
Aparentemente, os boatos de que seu irmão sumiu já correm à solta, mas
nenhum deles parece preocupado.
Como se já devêssemos esperar isso.
— E você ainda não contou a ele, não é mesmo?
Donatella me faz essa pergunta quando Enzo nos deixa na mesa para ir
ao banheiro. Ou atender o telefone.
Eu realmente não estou prestando muita atenção.
— Não… — Tomo um gole demorado de suco de uva. Queria beber
vinho, mas… — Deveria, mas com o resultado do exame de sangue as coisas se
tornam mais críveis. Achei que deveria esperar por ele. Bem, pelo menos até seu
irmão sumir…
E me deixar sozinha.
— Já é segunda. Você fez o exame na sexta. Que demora toda é essa?
— O fiz justamente em um lugar onde demoraria a sair.
Donatella estala a língua.
— Isso tudo é medo?
— Medo do que não existe? Do que não vejo? — sorrio, mas não há
humor nenhum em minhas palavras. — Seu irmão nem mesmo foi capaz de ficar
e conversar comigo e você acha que eu deveria estar levando isso numa boa?
Que deveria estar feliz por estar carregando o filho de um homem — sussurro
essa última parte, limpando a boca — que não se preocupa?
— Ele se preocupa, Rebecca. O problema não é esse…
— E qual é então? — Coloco as duas mãos sobre a mesa. A aliança se
destaca ofensivamente entre os dedos. — Se puder, me diga, por que parece que
todos vocês sabem do que isso se trata, enquanto eu permaneço no escuro, como
uma tonta!
Dona respira fundo e se concentra em seu prato. Fiona fez algo como um
carpaccio, e está muito bom, mas todas as comidas meio que tem o mesmo gosto
nos últimos dias. Só como por que…
Por que sim.
— Luca às vezes precisa de um tempo. Isso não é novidade. É apenas
quem ele é.
— Alguém que foge?
— Ele nunca foge de nada. — Sua afirmação vem carregada com uma ira
desconhecida por mim. Penso que fui longe demais. — E, como poderia fugir de
algo que não sabe? Você nem mesmo contou a ele que está grávida! Espera que
adivinhe?
— De mim, ele foge, Donatella! — Digo, sem recuar. A Accorsi abre as
narinas, respirando fundo. Pareço irritá-la ao desconfiar do irmão. — Você não
entende…
— É claro que eu entendo. Ele é Luca. Todos entendemos ele.
Especialmente quando nosso pai está envolvido.
— Ele nem mesmo me disse algo sobre a conversa… Não deu abertura
nenhuma para que eu pudesse ajudá-lo…
— Beca… Luca não é alguém que dá abertura. Muito menos que aceita
ajuda. Ele foi criado para ser assim. Independente. O líder, num estilo bem
macho alfa. O que ele entende por sentimentos é o básico do básico. Acho que
amar, durante a vida toda, ele só amou a família, se é que gosta da gente tento
assim. Isso tudo é tão novo para você, quanto para o meu irmão, B e ainda mais
difícil para ele. O nosso pai…
Ela aperta a madeira da mesa e bufa.
— Ele pode ser duro. E com Luca, pode ser o dobro. Ele é cobrado todos
os dias. Se não entrega a perfeição, é uma falha. Então pense, na cabeça de
alguém como ele, o que é ter alguém como você declarando?
— O que tem eu?
— Beca, em comparação a todos nós, você é um anjo — Ela diz isso
rindo, mas nunca pareceu ser mais sincera. — É rara, especial e doce. Vê o
mundo de um jeito que nós nunca vamos ver. E isso não é algo que nós
estejamos acostumados a ter por perto.
— Eu seria diferente se pudesse — afirmo, com a boca meio travada. —
Mais durona, menos emotiva…
— E aí qual seria a graça?
— Seu irmão estaria aqui comigo. Eu não teria deixado meus
sentimentos dominarem tudo. Estragar tudo.
— Ei, não, você está me entendendo errado… — Chama minha atenção e
eu paro para escutar. — Não é porque justifico as atitudes de Luca, que as julgo
corretas. Muito menos que sejam o suficiente para o resto da vida. Bem pelo
contrário. Eu torço para que Luca se abra com você. Para que sejam felizes. Para
que você consiga tornar a vida dele um pouco mais fácil, principalmente quando
as coisas se tornarem ainda mais complicadas, porque, Becky, de um jeito muito
esquisito e eu diria até cômico, vocês completam um ao outro de um jeito bonito
demais de ver.
Eu acabo rindo.
— É sério… Vocês são tão bonitos juntos que me dão ânsia!
Nós duas rimos agora.
— E o filho de vocês vai ser simplesmente…
— Rebecca está grávida?!
A voz grossa de Lorenzo interrompe a conversa e eu subo os olhos de sua
gêmea, encontrando o semblante espantado do menino perto da entrada da sala
de jantar.
Donatella cora como se tivesse dito algo errado e eu sinto minhas
bochechas esquentarem também.
— Surpresa! — falo, balançando as mãos.
Em algum momento, ele saberia de qualquer jeito.
Todos saberão.
— Puta merda… — Deixa escapar e Dona olha feio para ele. — Quero
dizer, que incrível! Meus parabéns, Beca!
— Obrigada. — É estranho receber parabenizações quando seu irmão
ainda não sabe. Sinto como se estivesse o traindo.
— Isso é… — O garoto parece falhar na busca por palavras. — Luca já
sabe?
Sua pergunta é repentina demais.
— Hm, não. Eu não tive a chance de comentar com ele.
— Ele vai pirar….
— Lorenzo! — Donatella o repreende ao mesmo tempo em que ele se
senta.
— Mas ele vai mesmo!
Mentalmente, eu concordo.
Não sei quem não seria capaz de pirar com uma notícia dessas.

Chego a quinta ainda sem notícias, mas é quando a sexta bate na porta
que sinto que perdi tudo.
Nenhum dos membros da sua família têm notícias, nem mesmo sua mãe,
o que é um problema. Donatella me garantiu que Max não está mentindo. Mas só
Deus sabe o que se passa na minha cabeça.
Ele com certeza foi me trair. Só pode ser isso.
O que tínhamos, acabou antes mesmo de se firmar. De uma forma muito
contraditória, eu o afastei com meu amor. Revelei a pior parte dele: a que não
sabe aceitar sentimentos bons. E agora me encontro assim. Sozinha.
Mas mesmo que esteja sozinha, preciso continuar e não é esperando Luca
voltar, me agarrando à nossa cama como se ela fosse um bote salva-vidas que
isso vai acontecer. Por isso, não declino quando Beth Hayes, a noiva de Fred, o
soldado Accorsi, me convida para um almoço em sua casa.
Me arrumo mais do que fiz durante toda a semana e faço questão de estar
em sapatos de salto alto. Penteio o cabelo e o deixo liso, a maquiagem um pouco
mais escura do que de costume. Uso a gargantilha que ganhei de aniversário e
tento não pensar em como as coisas mudaram tão rápido desde então.
Deixo o apartamento escoltada por Mathias, Roger e mais três soldados
aos quais não lembro o nome. Por sorte, nenhum deles me fala uma vírgula sobre
ordens deixadas por Luca, o que significa que elas não existem.
Ele nem se preocupou em me prender dentro de casa.
Talvez esteja apenas esperando que os russos me alcancem em algum
lugar e o livrem de uma vez de ter que conviver comigo. Será mais fácil do que
ter uma conversa com sua esposa.
Aviso a Mathias que vamos para a casa de Beth e Fred Hayes e ele
concorda, comunicando alguma coisa a alguém no rádio de intercomunicação da
segurança. Roger vai no banco de carona e mantém os olhos na cidade.
E eu também olho, me dando conta de que é a primeira vez que saio
sozinha em muito tempo.
Nova York ainda parece a mesma, mas quando você a vê por tanto tempo
de cima, consegue parecer menor. Menos aterrorizante. E sendo uma Accorsi,
pode ser facilmente considerada algo que você domina.
Não tenho medo das ruas, nem das pessoas que andam apressadas entre
as calçadas, todas parecendo ter um lugar para ir. Gosto do movimento, pois é
bem melhor do que o silêncio sepulcral da minha casa. Me distrai dela. Me faz
pensar que ainda há alguma vida por aí.
Não demora muito para chegarmos até o apartamento de Beth. Os
soldados me escoltam do estacionamento até o andar e quando a francesa abre a
porta, eu sorrio ao ver sua barriga quase explodindo.
— Bem-vinda! — Comemora, me puxando para dentro. Com um aceno,
me despeço dos soldados, que guardam a porta. Ela a fecha depois que eu entro.
— Beth, você está—
— Gigante? — Seu tom de voz não é dos melhores, mas ela não parece
nada além de radiante.
— Linda! — Corrijo.
Seu apartamento é menor do que o meu, mas a decoração é
extremamente superior. Posso ver o bom-gosto francês em cada detalhe. É
decorada em tons mais sóbrios, com excelentes livros sobre arte e esculturas que
parecem feitas sob encomenda pelo modo perfeito como se encaixam com a
decoração.
— Mas você não está cansada demais para me receber? — comento,
acompanhando-a se mover pelo extenso corredor da casa. — Eu deveria ter
recusado…
— Ne dites pas de bêtises! Eu tenho nove meses de gestação, Beca… Já
não aguento mais ficar sentada. Só estou esperando a hora de pop! — Ela imita o
som de um estouro com a boca e eu sorrio, tentando não me sentir
inconveniente.
Seus cabelos estão lisos, como os meus, mas são mais escuros, perto do
preto. E mais finos também. Beth tem cabelo até a cintura e é magra, enquanto
eu tenho mais curvas.
Não que exista comparação entre nós duas.
É só minha mente tentando me sabotar.
— Eu não vejo a hora de ter meu corpo só para mim… — Faz carícias na
barriga ao se sentar na cadeira em frente à mesa de almoço, lindamente
decorada. — Pardonne moi, Lucie.
— Escolheram o nome? — Pergunto, baseada em meu raso
conhecimento em francês.
— Sim! Lucy, como a minha mãe! — Abre um sorriso orgulhoso e eu
acho a homenagem linda. — Que, aliás, está bem saltitante hoje… — faz mais
carinhos e eu cumprimento a equipe que nos serve o almoço. — Ela deve gostar
de você.
— É uma das poucas — brinco, mas minha amiga não parece ver tanta
graça quanto eu. Ocupo minha boca com o copo d’água que me é servido. Tanta
sede de repente…
— Algo de errado aconteceu? — pergunta, arqueando a sobrancelha.
— Não…
— Está tudo bem entre você e Luca?
Não quero mentir agora, mas também não vou revelar a ela que sinto que
meu casamento acabou.
Tento mudar de assunto.
— Fred se juntará a nós?
Ela nota.
— Hm, não… Ele raramente está em casa nessa hora.
Sorrio em concordância.
— Luca também não…
Luca não vai mais para casa há uma semana.
— Você é uma péssima mentirosa, italiana, mas não perguntarei
novamente — comenta, sorrindo para mim. É o melhor que pode fazer.
Seguimos o almoço depois disso. Ela me apresenta pratos franceses que
não conhecia, eu gosto da maioria e detesto um deles que me anoja até o último
fio de cabelo e me força a segurar o vômito. Peço mais água do que deveria e
recuso o vinho que ela me oferece. Minto que é para acompanhá-la.
Mas é claro que Beth percebe.
Depois do almoço e da sobremesa — na qual eu não como muito —
vamos para o sofá da sua sala de estar em tons de creme e terracota.
É um ambiente de paz completa.
Sua funcionária nos oferece café, chá ou água e eu aceito uma boa xícara
de chá, para que me ajude na digestão que simplesmente parece não estar
acontecendo.
— Certo… — Beth começa depois que nos acomodamos. — Agora você
vai me contar o que há, ou ainda prefere fingir que está tudo certo?
Beth é dois anos mais velha do que eu. Não posso dizer que é muito mais
madura, mas parece estar num local muito mais seguro do que eu em relação a
sua vida, seu relacionamento e sua família.
— Como você reage quando Fred sai para missões?
A pergunta parece acertá-la precisamente.
— Do pior jeito possível — responde, me atraindo diretamente para sua
conversa. — É a pior parte.
— Mas como você aceita isso? Como consegue lidar? Eu… —
inconscientemente, posiciono as mãos sobre a barriga, unidas sobre ela. — Eles
tiveram aquela grande missão na última sexta. E eu, bem, reagi da pior forma
possível…
— É simples: eu não aceito. Não há como fazer isso, se você se importa.
Eles saem todos os dias e prometem que não vão morrer, que não vão nos deixar,
mas não é humanamente possível prometer uma coisa dessas.
— Mas é o trabalho deles. É como os conhecemos.
— Claro, não podemos ser hipócritas… Mas, B, essa preocupação não é
ruim se os motiva a voltar para casa. Eu penso que é minha preocupação e o
nascimento de Lucy que farão com que ele volte para nós. Que ele tenha um
motivo para isso. Se fingíssemos costume, é como se mostrássemos que ele não
tem pelo que lutar.
Eu me endireito no sofá, levemente incomodada, como se as palavras de
Beth cutucassem no fundo da minha alma. Ou talvez muito.
— E se nossos sentimentos apenas os afastarem? Se eles não tiverem
como lidar com o que sentimos e preferirem apenas… — Penso por um
segundo. — Não lidar?
Beth me avalia com atenção.
— Tenho para mim que apenas sentimentos ruins afastam. Tudo que é
bom, vem e fica. Faz alguma diferença. O que pode acontecer é apenas uma
mudança para a qual não estamos preparados. Algo que muda o eixo.
Eu respiro fundo e ignoro os calafrios. Minha boca treme um pouco e eu
tiro os olhos dela para ter coragem de colocar para fora:
— Eu disse a Luca que o amava. E ele não reagiu bem. Nós não… —
Fungo um pouco pelo nariz, tentando manter o controle. — Ele não está em
casa.
— Por que você disse que o amava? — Estranha, franzindo seu rosto. Eu
afirmo, em silêncio, tremendamente envergonhada. — Becky, isso é…
— Isso é Luca — simplifico.
Beth ignora o que eu disse, como se nunca tivesse falado.
— O seu medo é que ele não te ame de volta?
Eu rio e deixo uma lágrima escapar.
— O meu medo é que ele não volte. Pelo menos, não por mim. Que eu
não seja motivo o suficiente para trazê-lo de volta para casa.
Ela suspira.
— E que ele não volte nem mesmo ao saber que você está grávida?
Eu a encaro em espanto.
— Como você…
— Seu nariz está gigante. Você não para de tocar na barriga. Não bebeu,
mal comeu e dá para ver que tem algo te incomodando. Agora entendo o que.
Estranhamente, me dá vontade de rir. E eu rio, junto dela. A situação é
tão ridícula e cômica que não há nada a fazer além de rir.
— É apenas uma suspeita, até ter o resultado dos testes, mas... — Eu rio
mais um pouco, perdida em minha própria situação. — Que desastre… —
murmuro, me ajeitando no sofá.
— Eu considero apenas o início de uma bela história — comenta e se
inclina, me puxando para os seus braços. — Parabéns, Rebecca. Você será uma
ótima mãe.
— Mesmo que… — Não termino.
— Ele vai voltar, B. E você sabe.
Fique bem. Eu volto.
Foi o que ele disse.
Eu volto.
Mas quando?
Meu telefone toca e me distraio da conversa. Peço um segundo para
Beth, que concorda e atendo sem nem ver quem é. Poucas pessoas têm meu
número. E duvido que o telemarketing vá ser um problema.
As palavras são apressadas e eu apenas balbucio, respondendo ao que me
é dito e concordando com o que é contado para mim.
Me afastei apenas alguns passos de Beth, então quando abaixo o telefone,
ela pode ver tudo que mostro em meu rosto e como meu corpo reage a
confirmação do que eu já sabia.
Grávida de um mês.
— Estou mesmo grávida — confirmo, pois meu exame de sangue indicou
isso, confirmou isso.
E agora não há mais fuga.
Puta merda.
Então é verdade mesmo...
Estou grávida.
Não aguento mais.
Nenhum segundo, nenhum momento, nenhum instante.
Eu não aguento mais um mísero minuto vivendo dentro da minha cabeça.
Depois de vinte anos, eu pensei que talvez já estivesse acostumado com
os pensamentos auto sabotadores e toda merda que há por trás de cada um deles,
mas não. A verdade é que estou cada minuto mais longe de saber lidar com a
quantidade de besteira que sou capaz de produzir apenas para me colocar num
lugar que julgo merecer.
Apenas para me derrubar a cada segundo mais.
Sou o meu pior inimigo e posso afirmar isso com todas as letras, sem
nenhuma mentira. Não há ninguém acima do que eu mesmo tenho capacidade de
fazer contra mim.
Ninguém que poderia me destruir tanto.
Por isso, durante a semana em que estou fora de casa, forçado por ideias
que criei em minha mente, paranoias que me afastaram de qualquer grau de
felicidade que eu possa ter sentido, precisei recorrer a todos os tipos de porcarias
que pudessem me colocar apenas um pouco fora de foco.
Bebi, fumei, cheirei… Só não beijei. Muito menos cobicei qualquer
outra.
Isso nunca. De jeito nenhum.
Também, porque nenhuma das mulheres com as quais cruzei caminho,
especialmente aqui no Madame Martino, onde estou com Fred e Max em mais
uma noite, me chamaram a atenção.
Nenhuma delas tem aquilo que meu corpo inteiro procura, aquilo que
parece estar faltando.
Não são nada perto dela.
E isso talvez explique minha cara de rabo, assim como minhas respostas
balbuciadas a qualquer pergunta feita para mim pelos dois homens com quem
divido o camarote.
— Aposto cinquenta pratas que ele se alegraria rapidinho se deixasse
uma dessas meninas chegar perto. — Fred comenta, sua risada fazendo com que
eu me arrepie. Ele está para além de bêbado, estirado sobre um sofá. Batom
mancha sua camisa e ele fede a perfume de quenga.
Belo pai você arranjou para sua filha, Beth.
Pena que não dá para se arrepender agora.
Na frente dele, no telefone, está Max, que digita muito e fala pouco. Ele
não está no melhor dos termos comigo, mas está me deixando ficar em um
apartamento que comprou há muito tempo e não usa. Ninguém nem sabe que
aquele lugar existe, o que torna mais fácil passar despercebido.
Eu só não quero nenhuma atenção enquanto preciso aprender a lidar com
tudo que está mudando dentro de mim.
Tudo que me vejo sentindo de repente, toda raiva que preciso deixar de
lado, tudo a que tenho de me permitir se quiser estar de corpo inteiro na frente de
Rebecca para dizer a ela o que merece escutar.
— Aposto que eu me divertiria bem mais arrancando a sua língua para te
impedir de falar merda — rebato, saciando meu uísque. O gosto é familiar o
suficiente a ponto de nem ser sentido ao todo.
Ele estremece diante da ameaça que de vazia não tem nada e me ignora,
pegando mais uma cerveja. Depois disso, ele puxa Didi, uma das garotas que nos
rodeia, para o seu colo e a beija como se o mundo fosse acabar amanhã.
E não preciso dizer que não há nada que eu odeie mais nesse mundo do
que traição. É o que meu pai fez com a minha mãe durante todos esses anos.
Algo que me lembra dele e do nojo que sinto pelo homem que nunca valorizou a
família ou a esposa.
Repugnando a cena, me viro para o outro lado e bebo mais. Max abaixa o
telefone pela primeira vez e se aproxima ao notar meu desconforto.
— Ei, cara… Você não pode ficar assim para sempre, sabe? — Dispara,
ignorando a nojeira que Fred faz, assim como eu. — Nem beber todo estoque do
Madame.
Ele tira a garrafa de bebida pela metade que ainda estava em minhas
mãos e grunho, irritado por sua audácia. Max nem dá bola, como se eu não
passasse de um pinscher irritado.
— Isso não está te fazendo bem, cara. E para início de conversa, nem sei
por que estamos aqui.
— O lugar mais privado da cidade — resumo, pois ele entende que não
quero ser visto. E se tem uma coisa que o Madame Martino promete, é o sigilo.
— Está de fugitivo por acaso, porra?
— Estou a porra que eu quiser, Max!
— Não, não. Já deu. Esse rolê todo de autopiedade já está insuportável.
Te dei a semana toda para beber e tirar isso de você, mas já chega. Estou te
levando para casa.
Ele agarra meu braço e eu puxo de volta.
— Vai se foder. Eu pareço bêbado para você?
— Você parece na merda para mim — responde e eu contenho a vontade
de socar sua cara.
Fred interrompe a sessão de amassos com Didi e nos encara.
— Ei, caras, ei… Vocês estão arruinando o momento. Eu já falei: tudo
que Luca precisa é de um pouco de carinho. E ele vai encontrar isso exatamente
na…
— Vai se foder, Fred! — Gritamos em uníssono e o moreno ri, tão
bêbado quanto poderia às três e meia da tarde.
— Isso não pode continuar, Luca — resmunga, focando o olhar
esverdeado em mim. — Rebecca me liga todos os dias. Eu não posso mais
mentir para sua esposa por você.
— Não sabe mais mentir, seu idiota? O quê? Quer tanto assim ir para o
céu?
— Fugir nunca foi seu lance. O que foi que Tony te disse que—
— Foda-se Tony — respondo, batendo meu copo contra a mesa de
centro. — E foda-se R…
— Você sabe que não quer dizer isso. — Me interrompe, colocando um
pouco de juízo em mim antes que eu fale besteira. — E eu te conheço bem o
suficiente para saber que preferia mil vezes estar com ela ao invés de estar aqui
se embriagando enquanto assiste Fred trair a noiva. Então, me diga, por que nós
estamos aqui, Luca? Como penitência?! Só tem tarados e pervertidos aqui a essa
hora, cacete!
Rosno, deixando a raiva de lado por um instante.
— Eu não tenho mais para onde ir, Max.
— Luca, essa bosta é mentira e você sabe. A mulher me ligou a semana
inteira atrás de você! Todos estão atrás de você!
— Ela não merece alguém como eu…
— De onde você está tirando essa porcaria, Luca?
— Eu só estou dizendo o que penso — dou de ombros. — Se é melhor
para Rebecca que eu não apareça mais, então eu não apareço.
— Meu Deus, isso é a droga falando? A bebida? Ou você só perdeu o
juízo, degringolou de vez?
— Vai se fo—
— Vai se foder você, Luca! Para de falar merda! Para de pensar nessas
merdas! Acha que deixar Rebecca lá sozinha é a melhor opção? Nunca. Isso é só
a sua parte afetada pelo Tony falando e nós todos sabemos que essa parte não
tem credibilidade nenhuma.
Não respondo, me limitando a encarar o fundo do bordel com raiva. Max
está falando porcaria demais.
— Se a mulher disse que ama você, é porque ama. Eu não sou o cara que
vai levantar a tua bola e falar que o amor é uma coisa bonita e toda essa
ladainha, mas vou te dizer o que eu entendo por essa porra, certo? Entendo que é
estar com a pessoa, até quando ela está na merda. Entendo que é dividir esse
fardo que você carregou a vida inteira, de tentar ser o melhor para um cara que
nunca mereceu porra nenhuma, com quem você sabe que vai aguentar. E sabe
por que ela vai aguentar você ser esse pacote de merda e cheio de defeitos,
Luca? Porque ela te aaaaaama, seu idiota! Ama!
— Meu conceito de amor é diferente do seu, Max — digo, rindo entre os
dentes.
— É diferente porque você cresceu com um pai fodido que te fez
enxergar a si mesmo como um pedaço de bosta. Mas pense na sua mãe, certo?
Algum dia ela te deixou mesmo sabendo dos seus defeitos? Mesmo sabendo do
monte de problemas que você traz, dos defeitos que você tem? Não, né? Ela não
fez.
— Rebecca não é a minha mãe…
— Porra, Luca, para de se fazer de burro! Olha o que você já me fez
falar! Nós parecemos dois idiotas aqui falando sobre amor enquanto Fred fode
uma puta! Não é isso que a gente faz, cara…
— Então o que você acha que deveríamos fazer?
— Acho que você deveria recolher os caquinhos do que sobrou e ir até a
mulher que você ama, porque pela fossa que você está, tá na cara que você não
consegue mais viver sem aquela italiana! Aí, você pede perdão por ser um trouxa
do caralho que precisou de uma semana inteira longe para descobrir o que você
já sabia. E torce muito para que ela te aceite de volta, porque se ela não aceitar,
não sei o que vai ser de você.
Eu olho diretamente para Max pela primeira vez desde que essa maldita
conversa se iniciou.
— Você acha que ela vai…
— Óbvio que ela vai, Luca. É a Rebecca. Ela não faria mal a uma mosca.
Muito menos a você.
E então eu não respondo, por que não há o que responder. Nem como
rebater. Max está falando da mulher que conheço bem e eu sei que ela nunca me
largaria à própria sorte, mesmo se tivesse opção. Por que isso simplesmente não
faz parte de quem ela é.
Perdoar, aceitar e remendar faz parte de quem ela é.
E deixá-la sozinha, fugindo ao primeiro sinal de embate, de complicação
ou problema, não pode mais fazer parte de quem eu sou.
Não se eu quiser manter a garota.
Fico de pé e vejo um sorriso orgulhoso e aliviado brotar no canto da boca
de Max. Ele me imita e fica de pé também, mas nós dois paramos quando um
telefone toca.
É o de Fred, por sorte. Quando ele vê o nome de Beth, decide atender e
pede licença para a garota.
Nós a acompanhamos sair pelo olhar e algo me prende quando ele atende
o telefone.
Algo me diz para ficar e escutar do que se trata.
— Alô? Oi, querida. Sim… Está tudo bem. Não. Hm, claro… Por que ele
estaria comigo? Ah, certo… Eu posso descobrir. Sim. É urgente? Não, Beth, está
cortando. Eu não escutei… Acho que o sinal aqui é ruim. Quê? Você pode
repetir? Beth? Oi? Por que você está chorando? BETH! Beth! Porra!
Ele abaixa o telefone na mesma hora e não sei se está sóbrio ou se
esforça para ficar, mas está de pé de repente. E o semblante expressa
nervosismo.
— O que houve, Fred? — Max indaga, com a mão protetoramente
colocada sobre meu ombro, como se eu pudesse desistir a qualquer instante e
voltar para o limbo de onde ele precisou me puxar.
— Beth… — fala seu nome e fica sem ar por um segundo, passando a
mão sobre o rosto suado, tentando se livrar de tudo. Como se essa merda fosse
sumir com o suor, o cheiro de puta, a bebida e a droga — Porra, eu acho que
Beth está parindo!
Não sei como, mas chegamos. Max dirigiu, porque segundo ele, um de
nós estava bêbado demais e outro tremia, mas o caminho não deixou de ser tenso
só porque o mais concentrado estava no volante.
Ele estaciona de qualquer jeito no meio-fio e eu contenho o impulso de
perguntar o que diabos estamos fazendo aqui, por que eu não faço a mínima
ideia de como fazer a droga de um parto, por ver que talvez Fred só precise de
apoio.
No entanto, talvez quem vá precisar de apoio seja eu.
E isso porque quando chegamos ao seu apartamento, é Rebecca quem
está chorando, encolhida no sofá, enquanto Beth tenta acalmá-la, parecendo
ainda mais nervosa.
Minha esposa, tudo que me importa, está com o rosto escondido numa
almofada e soluça, parecendo sem ar de tanto que chora. Quando pisamos, de
vez, na sala de estar, ela levanta o rosto e parece uma bagunça ainda pior.
E eu me sinto imediatamente culpado por isso.
— Beth! Puta merda, o que aconteceu?
Fred entra gritando e por pouco não pula os móveis. Se aproxima da
noiva e a segura pelo rosto, o qual ela franze ao sentir seu cheiro de bebida.
Eu ainda estou imóvel ao lado da porta.
— A cabeça já está saindo? Você já pode senti-la?
— Que cabeça, Frederico? Tá maluco?
— Mas, querida, você não…
— Eu liguei porque Rebecca começou a chorar! E muito! Você disse que
iria sair com os meninos, então pensei automaticamente que Luca estivesse
junto… E estava! Você mentiu para mim, Fred!
— Nós quase morremos no caminho porque eu pensei que você estivesse
parindo, mulher!
— Não é o caso, Fred — diz a contragosto. — Mas agradeço a
preocupação. Tenho certeza de que um pai bêbado iria ajudar muito.
Fred não liga muito para suas palavras. Ou só não está com paciência
para lidar com ela.
— Se você não está parindo, por que Beca está chorando? — Max
questiona, mais capaz do que eu de falar o nome dela.
Nenhum de nós consegue se mover. Estamos concentrados demais no
rosto um do outro. Ela, com um sentimento que não me passa despercebido. Eu,
com a maior cara de idiota, enquanto tento acalmar meu corpo e não disparar em
sua direção, tentando arrancar o que aconteceu, tentando descobrir quem causou
essas lágrimas a ela.
Apenas para ter um motivo para quebrar minha própria cara.
O silêncio de Beth pesa e ela encara seu noivo.
— Talvez seja melhor que eles fiquem sozinhos… — anuncia e não
precisa ser gênio para entender que se refere a nós dois.
A tensão é óbvia.
— Venham. Explico a vocês na cozinha.
Ela toma a frente e Beca parece grata pela atitude da amiga. Eu ainda não
sei ao certo o que dizer, se agradeço ou reclamo.
Mas quando ficamos sozinhos, tenho coragem de ir para perto.
De me sentar ao seu lado.
De olhar para o seu rosto.
E perguntar:
— Quem fez isso com você?
Ela não tenta se esconder e me encara de volta no primeiro instante. Eu
cerro meus punhos e tento não transparecer tudo que sinto.
— Você.
Agora, ela tenta se esconder e eu a impeço, prendendo seu queixo entre
meu polegar e meu indicador, impedindo que fuja de mim. Seu rosto é tão
delicado e em contato com a minha mão, parece ainda mais puro.
Eu não a mereço.
— Não se esconda de mim — peço, quase imploro. Seus olhos estão
inchados como bolinhas de gude. Eu me odeio por sentir que causei isso. — Por
favor.
— Você sumiu, Luca.
— Eu disse que voltaria.
— Mas não disse quando — murmura. — Você me deixou…
— Eu nunca te deixei, B. Nunca seria capaz disso.
— Você me deixou sim, Luca! Você me deixou quando eu mais precisei
de você e agora ressurge do nada e acha que eu… Acha que eu…
— Eu já cansei de perder tempo, Beca. Já cansei de brigar, de fugir, de
toda essa merda… — Passo o polegar em sua bochecha e tento limpar as
lágrimas que molham seu rosto tão bonito. — Eu gosto tanto de você, que não
consigo mais viver sem você por perto. Gosto tanto de você, Rebecca, que a vida
parece sem sentido quando não estou com você. E te amo tanto, a ponto de me
achar indigno para alguém tão puro e doce como você amar de volta.
Suas lágrimas aumentam. Agora sim está soluçando ainda mais. E eu não
sei se disse a coisa certa ou a errada.
Ela chora de todo jeito.
— Sua doçura não combina com o meu mundo, Rebecca.
— Mas eu não quero fazer parte do seu mundo, Luca… — suspira, me
encarando tão a fundo que não há para onde fugir — Eu só queria que você me
deixasse entrar.
— Mas eu deixo! Porra, Becky, para ser sincero eu nem tenho escolha.
Você já está em cada parte de mim. Em todo canto do que eu sou. Eu sou todo
seu, mulher. Do início ao fim.
Seguro seu rosto com mais afinco, tentando fazer com que pare de
chorar, tentando melhorar o que sente e o que sinto. Me sinto responsável por
cada gota d’água que escapa dos seus olhos. Me sinto responsável por tudo de
ruim que já aconteceu e ainda acontecerá a essa garota estando comigo.
— Eu te am—
— Eu estou grávida — dispara, com a mesma leveza de um míssil sendo
atirado.
E eu paraliso.
Por um instante, acho que nem respiro.
Eu morro e revivo.
Minha vida inteira passa diante dos meus olhos e eu entendo muito
pouco, absorvendo muito menos. Chego a enjoar, sentindo o gosto da minha
própria bile.
Até um piiiiiiiiiiiii eu escuto no fundo. Sinto que fiquei surdo. Que não
escuto mais nada.
— Hã?
— Eu estou…
— Hm, não… Certo. Eu entendi essa parte. Eu só…
— Tem um bebê na minha barriga — diz.
— Certo.
O zumbido fica ainda mais forte.
— O nosso bebê… — adiciona. — O que você acha disso?
— O que eu deveria achar?
Ela funga com o nariz e tenta se ajeitar.
— Se for me deixar de novo, deveria dizer agora. Será melhor se eu não
criar qualquer expectativa baseado no que disse antes de saber e se eu souber,
posso dar um jeito de—
— Beca, por Deus, você não vê que eu só estou em choque? —
respondo, gesticulando, as mãos sem pouso certo. Há energia demais correndo
dentro de mim. — Eu não… Nada mudou. Nada mesmo.
— Então você não vai embora?
Como poderia?
— Nunca mais — afirmo.
— Nem ao saber que…
Um sorriso invade meu rosto e eu ignoro qualquer coisa que esteja saindo
da sua boca neste instante. Já não faz mais diferença. Ela só está tentando
sabotar isso, assim como eu fiz. E eu não permitirei que mais nada estrague essa
família.
Família.
Um filho.
— Beca, saber disso só torna as coisas ainda mais fáceis… E só mostra
como eu tomei a decisão certa.
— Que decisão?
— A de amar você, italiana.
DOISMESES
DEPOIS
A mansão Accorsi parece ainda maior depois de dois meses sem vê-la.
Ao descer do carro, posso notar que Rosalind mudou a cor das esquadrias
da janela e renovou a decoração do paisagismo.
Luca me conduz pela mão e leva a sacola de presente que levamos duas
horas para escolher na noite passada. Ele parece tenso, como eu já deveria
esperar, mas está reagindo bem a estar pisando aqui depois de ter prometido que
nunca mais o faria.
Por sorte, aniversário de nove anos de Amanda o fez mudar de ideia.
Não há nada que ele não faria pelos irmãos. Até mesmo enfrentar o pai
novamente.
Oito semanas depois do ocorrido, posso entender melhor que o que quer
que tenha sido discutido naquele dia, foi o suficiente para fixar algumas ideias
que Luca já tinha dentro de si há muito tempo. E que fez mais mal do que bem,
mas que em conclusão, conseguiu libertar uma parte dele que estava se
mantendo sufocada por tempo demais.
A parte que se importa.
E que não se incomoda em mostrar a todos.
Desde que descobriu sobre a gravidez, Luca me trata como se fosse de
vidro. Se preocupa além da conta em diversas situações e se pudesse, me
manteria enrolada em plástico bolha para que ninguém viesse tocar ou me
importunar. De preferência, para que nem lembrassem que eu existo.
Mas não é assim que as coisas funcionam e aos três meses de gestação,
felizmente, já estou lidando melhor que no começo. Os enjoos diminuíram
consideravelmente, consigo comer — embora tenha emagrecido um pouco pelos
vômitos — e a vida pode se manter normal, na medida do possível.
E eu digo isso porque, de certa forma, nada está normal.
Minha família ficou extasiada com a novidade. Tão extasiada que eu
nunca fui tão bem tratada pela minha mãe ou pelo meu pai, que se dignou a
mandar um presente através do maldito oceano para o futuro neto. E falo no
masculino, porque para Vittorio, não é como se houvesse outra possibilidade.
E para ser sincera, nem para Luca. Todos me olham como se eu estivesse
prestes a ser a galinha de ouro da família Accorsi, entregando-os a continuidade
da linhagem de chefes.
Não sei se isso me deixa tão tensa quanto relaxada.
— Você poderia sorrir um pouco. Pelo menos ao cumprimentá-la —
digo, encaixando meu braço no dele pois uso sapatos de salto, mesmo a
contragosto do meu marido e da médica. — Ela vai gostar de ver que está aqui,
Luca.
— Poderíamos muito bem parabenizar Amanda em outro dia. Em nossa
casa. Ou eu poderia até mesmo alugar um maldito castelo para ela.
— O aniversário dela é hoje, querido. E você é o seu irmão mais velho.
Agora, sorria.
Indo contra o comportamento com o qual me acostumei, Luca aperta a
campainha e nós esperamos que alguém abra. Já não aparecemos nos almoços de
domingo clássicos há muito tempo. Luca ignora todos os convites com um
empenho exemplar e não cedeu nem mesmo quando sua mãe caiu da escada e
torceu o tornozelo. Sua fúria ficou ainda mais explícita neste momento, porque
ele esteve convicto de que não foi isso que ocorreu. E ninguém se esforçou em
tentar fazê-lo pensar o contrário.
Ainda assim, felizmente posso recebê-los em nossa casa. Rosalind é uma
ótima companheira e vem me ajudando muito neste período inicial da gravidez.
Não coloca as mesmas expectativas que todos colocam sobre mim e me ajuda a
manter a sanidade, pois já esteve em meu lugar. Donatella não para de comprar
roupinhas em tons de amarelo, porque não quer forçar nada nem a mim, nem ao
sobrinho — que ela insiste para que se chame Bernardo ou Isabella, nomes de
seu agrado — e até mesmo Lorenzo parece mais afeiçoado a mim, mais aberto.
Aliás, os dois voltaram a se falar pouco mais de um mês depois de toda briga
sobre a qual Luca me contou. Ambos parecem melhor-humorados agora que
convivem novamente.
— Vocês vieram! — Rosalind diz em um suspiro surpreso, ao nos
encontrar no corredor. Não posso deixar de notar a emoção em seus olhos
quando analisa o filho de expressão de ferro. Eu o cutuco suavemente.
— Oi, mãe — responde e se inclina para beijar seu rosto. Ela relaxa
quando o puxa para um abraço e eu sorrio, amando a interação.
Luca evoluiu, mas ainda há um longo caminho por vir no que se refere a
deixar as pessoas entrarem.
— Onde está Mandy?
— Lá fora — indica e Luca volta a segurar minha mão. Não sei se para
apoio ou proteção. — Ela está super ansiosa para encostar na casinha do bebê de
novo.
Rosalind se vira e nos conduz na direção do quintal. É amplo, como se
nunca tivesse fim e hoje está dominado por crianças com asinhas de fada,
saltando pelo gramado. Há um castelo inflável cor de rosa e uma gigantesca
parede de rosas, onde uma fada atende as crianças para fotos. É verão, e isso
explica o moço que distribui sorvetes a todos que se aproximam.
Tudo fica ainda mais encantador quando coloco os olhos na
aniversariante, que vem de encontro a nós dois, atravessando o gramado.
Amanda tem o cabelo preso num coque justo e usa um vestido lilás, junto de
gigantes asas de fada com glitter, que a deixam ainda menor. Ela está tão linda e
arrumada que sinto vontade de chorar.
— Luca!!! Você veio!
Seu berro alcança o irmão e ele a pega no colo quando se aproxima. Eu
abro um sorriso ainda maior, vendo como ela se agarra a ele. Nem mesmo o
homem de gelo do meu lado pode se manter duro quando isso acontece.
É a primeira vez que o vejo sorrir desde que pisamos aqui.
— Feliz aniversário, fadinha…
— Você estava demorando! — Amanda responde, encarando o irmão.
Não são tão parecidos quanto Luca e Dona, mas há certa similaridade no perfil.
A pele de Mandy é mais bronzeada.
— Você sabe como as mulheres demoram para se arrumar, certo, cuore?
Ele chamá-la de coração é a cereja do bolo para mim. Luca não parece
nem perceber que fez isso, colocando-a no chão.
— Especialmente Beca, que demora três vezes mais… — implica e eu o
olho feio, mas não tenho tempo de desenvolver nenhum argumento contra sua
mentira, pois agora a aniversariante está se agarrando a mim.
— O bebê ainda está aí dentro? — O brilho juvenil de encanto em seus
olhos me faz sorrir. Eu pareço uma boba afirmando. — Posso tocar?
Eu permito e ela coloca as duas mãozinhas sobre a minha barriga. Luca
sorri mais uma vez acompanhando a cena e eu gostaria de ter um retrato dessa
cena guardada para sempre.
— Ele ainda é muito pequeno para responder, mas logo você vai poder
senti-lo chutar — adianto, e ela me olha.
— Sério? Você me avisa quando isso acontecer?
— Claro que sim! Ele vai adorar conversar com você, querida. — Ela me
abraça mais uma vez. — Buon compleanno, principessa!
— Grazie!
Ela agradece, me mostrando que seu italiano está em dia e não demora
muito mais para voltar a se divertir, correndo para o amontoado de crianças que
a recebem com sorrisos e comemorações.
E é observando-os, enquanto Luca me leva até uma mesa, que penso
sobre como será quando houver uma criança minha e dele correndo junto das
outras. Se brincará com Amanda, embora tenham a diferença de nove anos, ou se
curtirá apenas com Pietro, que têm apenas dois. Fora eles, ele tem tantos outros
tios… Não imagino Dona permitindo que ele respire sem estar por perto. E ainda
há Marcus e Leonardo, que são novos, mas estão igualmente animados com a
ideia de um novo membro.
Será que meu bebê gostará de ter um monte de tios? Uma família assim
tão grande? Pode se sentir sufocado… Pode até mesmo acabar não gostando
tanto assim de todos nós ou do que seu pai faz.
Penso se poderia estar gerando alguém capaz de odiar o próprio sangue e
me reteso, tentando escapar de meus pensamentos ao tocar minha barriga. É bom
sentir que está seguro e quentinho aqui dentro de mim e que nenhuma dessas
paranoias do mundo real pode atingi-lo ainda.
O manteria sempre assim, se pudesse.
— Quer comer alguma coisa? — Luca pergunta, chamando o garçom.
Ele usa uma gravata-borboleta pink e eu acho o máximo.
— Não, estou bem. Apenas água.
Ele pede uma dose de uísque e minha água. Recebemos ambos em tempo
recorde.
— Já viu Beth por aqui? Estou louca para ver Lucy.
Lucy é a coisinha mais linda de todo mundo. Tem olhos castanhos e
parece um pacote. Já nasceu tem um mês e ainda não paro de me sentir
encantada pela menina cujo apadrinhamento Fred e Beth confiaram a mim e
Luca. Eu achei incrível. Meu marido apenas reagiu como se fosse mais um
compromisso a ser riscado da lista. Ainda assim, toda vez que a segura, sei que
ele se contém muito para não derreter. Especialmente quando ela aperta seus
dedos.
— Ainda não. Fred chegou tarde, talvez eles demorem.
— Saiu ontem à noite?
— Estivemos juntos. Então, ele foi para o Madame Martino com Max.
— Ele acabou de ter uma filha e continua indo até lá? O que tanto há
para se fazer no—
Luca ri.
— Não seja inocente, amor, não combina mais com você.
— Ele vai trai-la?
— Não é óbvio?
Eu permaneço em choque por um instante. Fred parece sempre tão
apaixonado. Tão dedicado.
— Aquele lugar está infestado de homens que escondem a aliança, linda.
Não fique tão perplexa.
— Eu só… — Novamente, levo as mãos à barriga. Se tornou um reflexo
involuntário a este ponto. Como se o bebê me desse calma.
— Não se preocupe com isso… — Luca murmura, provando sua bebida.
— Mas ela não deveria saber?
— Não é problema nosso, Rebecca. — Ele ajeita as mangas da camisa
azul-claro e eu o analiso. Não parece nem de longe preocupado que Beth tenha
seu nome arrastado na lama todos os dias.
Indiferente, até, eu diria.
— Ela é minha amiga…
— Não é problema nosso — repete, menos paciente. E eu também me
sinto menos disposta a aceitar isso quieta agora. — Eu apenas comentei porque
você perguntou. Esqueça disso.
A contragosto, fecho minha boca. Apenas pensar na cara cretina de Fred
está me dando ânsia, mas Luca está certo, não é correto que eu chegue me
metendo no casamento dos outros. Ainda devo saber meu lugar como esposa e
mulher. As coisas não mudaram tanto assim.
Bato meu pé contra o gramado e aceno para conhecidos, reconhecendo as
tias de Luca e todos seus primos distantes. São muitos, pois sua família tem uma
quantidade infinita de parentes espalhados pelo globo, como ele já me disse.
Ele faz o mesmo, se esforçando muito para permanecer aqui, um pouco
mais a cada segundo. Por sorte, não avistamos seu pai em nenhum momento.
Depois de provar alguns petiscos e tomar água o suficiente, fico de pé e
ele entra em estado de alerta como se tivessem ordenado evacuação imediata do
local.
— O que é, Luca?
— Vou com você — anuncia, como meu guarda-costas particular.
— Eu vou ao banheiro.
— Certo.
— E vou sozinha — reforço, arqueando uma sobrancelha. Meu marido,
quase duas vezes o meu tamanho, faz o mesmo. — Estamos em uma festa de
aniversário, querido. Vá conversar com os convidados. Não há perigo. Ou
ameaças.
— Não gosto da ideia de você andando sozinha neste pesadelo —
resmunga, olhando com desprezo na direção da mansão.
— Eu vou ao banheiro, Luca. E você vai encontrar algo para fazer longe
de mim. Certo?
— Algum problema com a minha companhia?
— Nunca! — afirmo, ajeitando a gola de sua camisa. — Mas você já está
sendo paranoico, querido. E eu preciso respirar. Volto logo.
Dou um beijo na sua bochecha e me afasto, sentindo o olhar das outras
mulheres presentes sobre mim, todas provavelmente se questionando o que foi
que eu fiz, ou se eu não temo pela minha integridade. Há um pouco de
julgamento no modo como me encaram também, como se eu fosse algo que não
se encaixa.
Uma peça adjacente.
Mas, se acham isso, sinto muito. Eu vim para ficar, de qualquer jeito. E
Nova York, a esse ponto, já é quase minha casa.
Luca é minha casa.
Chego ao banheiro e sou rápida. Faço xixi várias vezes ao dia agora,
graças ao bebê dentro de mim, mas não acho ruim. Gosto de me movimentar e
com todo cuidado exagerado de Luca, não é como se eu andasse tendo chances
de fazer isso.
Então aproveito toda que surge.
Seco as mãos e deixo o banheiro quando outras mulheres entram. Elas
me parabenizam pela gravidez e eu agradeço, evitando que suas mãos ansiosas
toquem minha barriga.
Ele é meu.
Só eu toco.
Estou caminhando de volta para a festa ou ao menos tentando, quando
recebo companhia em meu percurso. Há poucos passos da porta de saída, Tony
surge de um dos corredores e seu olhar se acende de uma maneira incômoda ao
me enxergar atravessando uma de suas salas de estar.
Esta é mais adaptada para as necessidades daqueles que vêm do lado de
fora. Há menos relíquias ou objetos caros. Funciona como um corredor de
passagem, quase neutro.
— Ora, ora, se não é a mãe do meu neto quem eu encontro por aqui…
Eu não sei como ele soube, mas já deveria ser óbvio que Antônio saberia.
Ele é o chefe de todos os chefes, afinal.
Por todos os Deuses, se Luca me encontrar sozinha com seu pai, terá três
infartos. Então sair correndo não vai ajudar em nada. Eu só preciso ser simpática
e me afastar antes que ele se aproxime.
Sorrindo, aceno para meu sogro e o acompanho parar do outro lado do
sofá branco que nos separa. Me sinto naturalmente espreitada por ele.
— Boa tarde, senhor Accorsi. — Não temos intimidade alguma (ainda
bem?), então não serei eu que o chamarei pelo primeiro nome. Ainda é um
Capo, embora Luca me passe uma visão totalmente nova do homem que ocupa o
cargo.
— Que milagre estar aqui, Rebecca… — murmura, ignorando minhas
palavras ou tom cordial de falar. — O meu filho finalmente deixou de ser um
maldito malcriado?
— Não poderíamos deixar de felicitar Amanda. — Sorrio o sorriso mais
podre de todos. Minhas mãos estão ansiosas e todo meu corpo me diz para correr
antes que ele se aproxime. — Parabéns pelo aniversário da filha, aliás.
Um silêncio difícil se constrói.
— Luca estar aqui pela pequena Amanda pode acabar fazendo com que
todos pensem que ele se importa com os irmãos, afinal… — comenta em um
tom tão venenoso que me dá reação.
Eu engasgo na minha própria saliva e franzo meu rosto novamente,
prevendo uma quantidade alarmante de rugas.
— Me desculpe, mas Luca gosta muito dos seus irmãos. Ele e os gêmeos
estão—
— Sempre juntos me decepcionando? — diz ao me interromper. — É
óbvio que sim. Como você acha que os mais novos aprenderam a ser tão
patéticos? — termina sua fala com uma risada e eu sinto uma sensação nova de
ódio tomando conta de mim. É algo mais profundo, algo que pude deixar
guardado por certo tempo, mas não agora, quando este homem desprezível tem a
coragem de vir até mim e criticar meu marido.
Se eu tivesse minha arma em mãos agora, eu atiraria. Porque toda minha
raiva está canalizada em de que forma eu poderia fazer Antônio Accorsi pagar
pelas palavras danosas que profere sobre seu filho.
As aulas de tiro com Estevan foram suspensas há um mês, por ordem de
Luca e seus cuidados (já falamos sobre eles…), mas eu tive considerável avanço.
E por isso, eu digo que consigo disparar. Estevan me ensinou a canalizar toda
raiva para um ponto só, não a deixar me dominar, nem afetar. E me contou que,
quando bem utilizada, a raiva é muito útil.
E se não pode ser por ações, que seja pelas palavras.
— Você terá de me perdoar, senhor Accorsi, mas…
Uma mão desliza sobre minha cintura de forma protetora o suficiente
para que seja facilmente reconhecida. Eu contenho minha língua neste momento,
pela surpresa e encontro o olhar preocupado de Luca posicionado sobre nós dois,
a postura levemente mais agressiva do que quando estávamos apenas os dois.
— Beca, o que está fazendo aqui dentro?
O aperto em minha cintura se torna mais marcante quando ele encontra o
olhar de Tony. É protetor e agressivo ao mesmo tempo.
— Eu estava vindo do banheiro e…
— Aproveitei a companhia da sua esposa para discutir pontos
importantes sobre você, filho. Por exemplo, o de como pode se demonstrar cada
vez mais um fracasso. Felizmente, Rebecca foi capaz de concordar em diversos
aspectos.
É a primeira vez que vejo Luca sem resposta. Quase despreparado, como
se Tony soubesse exatamente onde jogar para desarmá-lo, como um maldito
doente que estudou a presa por tempo demais. Que a testou por tempo demais
para saber exatamente como ela reage.
E em seus olhos, posso ver a dúvida florescendo, a insegurança. Pensa,
por um segundo, que concordei com seu pai.
Então eu pigarreio e deixo claro que nunca, em um milhão de anos,
concordaria com alguém tão podre.
— Como eu estava dizendo antes, Tony, terá de me perdoar, mas não
concordo com nada do que sai da sua boca. Meu marido é um excelente soldado,
marido e irmão. E quando chegar a feliz hora, será um magnífico Capo, sem
dúvida nenhuma. O único fracasso que eu conheço, está na minha frente e é o
senhor, que além de fracassado, ainda é mentiroso.
Termino de falar com um peso a menos no peito. Luca está em estado de
choque, Tony quer me enforcar com as próprias mãos. Eu passei de todos os
limites agora. Todos mesmo.
Eu enfrentei o Capo.
Quem eu acho que sou?
Respiro fundo e piro por dentro, enquanto as peças desse maldito
tabuleiro vão se encaixando na mente de ambos os homens que me cercam e a
respiração de ambos se torna lenta, ritmada.
Adrenalina pura corre pelas minhas veias quando meu sogro abre a boca.
— Você sabe quem eu sou, garota? — pergunta isso com um sorriso
ácido entre os lábios pálidos. Eu engulo em seco, mantendo o silêncio. — Sabe o
que acabou de fazer?
— Mas ela não falou nenhuma mentira, né, pai?
Luca se impõe sobre mim e agora sou mero acessório, pois ele assumiu a
briga.
— Você se lembra da ameaça que fiz a você? — Tony devolve, os olhos
fixados no filho, pois isso nunca deixou de ser um jogo dos dois. Eu só
representei meu lado. — Sabe que eu aproveito ainda mais as atrevidas, certo?
A raiva é substituída por nojo. Um nojo profundo, que toca partes
desconhecidas de mim, ou ao menos, esquecidas. Nojo que envolve medo,
repulsa, insegurança. Tony passa o olhar frio sobre meu rosto e vejo pontos de
reconhecimento que me levam a expressão sedenta de Rodrik Ivanov.
Eu estremeço e Luca nota.
— Faça isso e eu serei capaz de fazer muito pior com a puta que mantém
guardada naquele puteiro podre, Antônio.
Agora quem parece estremecer é o Capo. Mas sua raiva não é facilmente
reconhecível como a nossa. Ele parece ter bem treinada essa parte de si mesmo,
a ponto de mantê-la imperceptível para qualquer um. Ainda assim, praticamente
posso sentir que ele irá abrir a boca e chamar os soldados que nos levarão para
os porões, onde seremos torturados até não sobrar mais nada.
Mas como um anjo da morte — porque de angelical esse homem não tem
nada — Bernardino, seu Consigliere, surge e vem apressado até seu ouvido,
tornando-nos meros coadjuvantes da conversa que se desenrola aos sussurros.
Então a expressão do chefe se torna menos divertida.
— Agora? — pergunta.
— Sim. Ela está no escritório.
Luca rapidamente entende que se trata de algo e se atenta a conversa.
— Ricardo?
— Está junto. Max se juntou neste momento. Rosalind está cuidando de
Olívia.
Ricardo, Olívia… São os tios de Luca, pais de Max, Angelina e
Giovanni.
— Então vamos até ele antes que Maximus faça alguma merda — diz aos
berros e os dois saem em passos mais do que apressados, quase correndo para
dentro da mansão. Eu permaneço imóvel, ainda em choque por tudo que
aconteceu e Luca chama minha atenção com sua voz.
— Rebecca, eu preciso descobrir o que aconteceu. Encontre minha mãe
ou Dona. Fique perto delas até que eu volte.
Eu balanço a cabeça, liberando-o e ele sai ainda mais rápido do que os
outros dois, seguindo o mesmo caminho.
Eles tentaram.
Tentaram revidar o que fizemos atacando sua casa há dois meses e foram
certeiros em seu alvo. Mas como nós, também falharam e é apenas por causa
disso que Angelina está viva na nossa frente, cheia de escoriações e arranhões
por ter pulado do carro em movimento quando este foi sequestrado.
Era para ela estar morta, foi a primeira coisa que passou pela minha
cabeça quando me inteirei da história, escutando seu relato. E isso veio como
alívio para todos os presentes, porque de todos os cenários, este é o melhor.
Ela está viva.
Os malditos Ivanov tentaram foder com mais uma Accorsi, mas não
conseguiram.
— Ricardo, eu preciso que você se acalme… — pede o desgraçado do
meu pai, apoiando a mão sobre o ombro do irmão. — Ela está conosco. Está
tudo bem.
O médico chamado com urgência acaba de injetar algo em seu braço e
dou a ele o crédito por Angel estar dormindo. É melhor para ela, do que ter de
acompanhar a bagunça que é esta sala com seu pai e irmão à beira de um ataque
de nervos, Donatella chorando e meu pai falando merda.
— Óbvio que não está tudo bem, Antônio! Os filhos da puta tentaram
pegar minha filha! Minha Angelina!
— E nós vamos devolver isso a eles. Você sabe que sim.
— Quando? Daqui alguns meses, como fizemos quando eles explodiram
uma fodida bomba no quarto de Luca e Rebecca? — Subo meus olhos até o
rosto de meu primo. — Ou vamos esperar que eles tentem matar Donatella para
ter motivo o suficiente para você mover sua bunda da cadeira?
A reclamação de Max vem em alto e bom som e todos nós viramos para
ele. Sua raiva não é nenhum pouco silenciosa. Pelo contrário, sai fazendo
estrago.
Ele está com raiva o suficiente para parar de raciocinar, enquanto observa
a irmã inconsciente, dopada para não sentir dor — ou surtar.
— Se estivesse com ela, sabe que nada disso teria acontecido, certo,
Maximus? — Ricardo diz, mais bravo do que o vejo há um bom tempo. — A
culpa é sua por priorizar qualquer outra besteira ao invés da sua família! Eu
ordenei que andassem juntos!
— Ela estava com dois seguranças! Eu pensei que estaria segura!
— Seu pensamento não impediu que sua irmã quase morresse! Então não
me serve de nada!
— Vê, Luca, o que tempo em exagero na sua companhia pode causar a
todos? Transformou Max em outro merda imprestável que não consegue nem
mesmo proteger a própria família. — Eu não quero nem ver no que será de um
filho seu.
— Pai, para quê…
— Calada, Donatella! — Ele ralha, a mão levantada. Vejo, pelo canto do
olho, Lorenzo apertar seu ombro.
Eu opto pelo silêncio, porque nada do que eu poderia dizer a ele agora
seria bom para o nervosismo de meu primo e eu prefiro apoiá-lo, a entrar em
mais uma discussão inconclusiva.
— Oliver — Ele chama o soldado de sua confiança, que está presente na
sala. — Coloque Angelina em um quarto. Doutor, fique com ela e se certifique
de que se mantenha calma. Já basta meu irmão e seu filho tendo um ataque de
nervos do cacete.
— Eu levo minha filha. Fique longe dela. — Ricardo ordena para o
soldado que já se prontificava a carregá-la e vai para perto da adolescente,
puxando-a para seus braços. Parece desesperado para abandonar essa sala e o
faz, escoltado pelo médico e Oliver.
— Todos vocês já podem ir também! — Tony acena com a mão e senta
em sua cadeira. — O show já acabou.
— O que faremos? As coisas não podem ficar assim… — Lorenzo diz,
recebendo a atenção de nosso pai. Eu ainda acompanho os movimentos de Max,
introspectivo demais.
— O ataque à casa dos russos nos deu uma baixa significativa. Ainda
estou tentando recuperar os homens que Luca guiou para a morte certa. Angelina
está viva, então ganhamos tempo para…
— A máfia tem regras, tio. — Max ressurge na conversa e fica de pé. —
Todo ataque deve ser vingado. Ainda mais quando se ataca a família.
Tony o encara como se não passasse de uma criança.
— Garoto, hoje realmente não é o dia que você vai escolher para me
irritar mais do que já irritaram… — E sei que ele se refere a Rebecca.
Eu preferia que ele não se lembrasse do que ela falou.
— Se contestar mais uma vez minhas decisões, haverá consequências e
você…
— Eu o quê? Não tenho medo nenhum das suas consequências.
— Max… — chamo, tentando ser o sensato dessa vez. — Não, primo.
— Não, Luca, deixe o garoto falar. Talvez você possa aprender como ser
um homem e dizer o que pensa com ele. Ande, Maximus, me diga o que está na
sua mente, querido sobrinho… — Tony sorri, como o puto sádico que é. — Isso
é uma ordem.
Porra…
— Penso que não tenho medo nenhum de você.
— Deveria — Tony responde, simplesmente.
— E por que isso? Já está na cara que sua capacidade como chefe é
reduzida. Que não consegue nos livrar desse problema. Que todo dia estamos
sendo mais e mais cercados em nossa própria cidade por uma ameaça que não
tem poder para conter. Então que nos deixe fazer o que sabemos, que nos deixe
agir, ao invés de esperar que nos dê uma ordem!
Meu pai fica em silêncio por um loooongo minuto depois da fala de Max
e eu mantenho meus braços cruzados, pronto para tudo. Meu primo não
demonstra medo nenhum. E meu pai ri, quando faz um sinal para Bernardino
com os dedos e cochicha algo em seu ouvido.
O Consigliere sai um segundo depois e deixa a porta aberta.
— O que ele foi fazer? — Enzo questiona.
— Vocês verão. — Tony responde.
Quando Bernardino retorna, Tony fica de pé e todos observamos o
retorno de Oliver, que como já disse, é aquele no qual ele mais confia. Seu
soldadinho de chumbo, pau-mandado do cacete.
Tony dá a volta na mesa e para no centro da sala. Então acena na direção
de Max e eu acompanho os movimentos decididos do soldado, que não tem
remorso nenhum quando puxa o loiro pela gola e o atira no chão com um soco
capaz de quase nocauteá-lo.
Max não reage.
Donatella grita e Lorenzo amaldiçoa em voz alta. Eu começo a andar na
direção deles e sou parado pela mão do Capo.
— Será melhor se ficar de fora dessa, garoto — resmunga de qualquer
jeito e eu fico parado.
Por que Max não está reagindo?
Oliver está socando seu rosto como um saco de pancadas, sem dó, sem
parar. Consegue arrancar um pouco de sangue, mas todos sabemos que pode ser
ainda mais.
— Oliver, a arma, por favor. — Em tom de paz total, Tony pede e o
soldado saca sua semiautomática da cintura com um movimento rápido. Está
com o pé no peito de Max e todos observamos a cena quando ele mira na sua
cabeça, apenas esperando a permissão.
Eu não vou ficar parado assistindo a isso.
Dou outro passo e ele destrava a arma.
— Mais um passo e eu mato o loirinho. — Antônio diz, atrás de mim.
Então eu paro.
— Pai! Que merda é essa—
Donatella começa, mas não termina.
— Mais uma palavra e eu mato o loirinho e o seu irmão.
— É assim que espera que eu tema você, tio? — Max cospe um pouco de
sangue no tapete e todos observamos. — Mandando seu soldado bater em mim
por que não tem capacidade de fazer isso você mesmo?
Pelo amor de Deus, cale a boca, Maximus!
Seu peito sobe e desce rápido demais e agora há bastante sangue,
manchando seu queixo e sua roupa.
— É óbvio que não. Eu quero que você tenha consciência de que deveria
cuidar melhor suas palavras, porque eu sou o cara que tem poder para matá-lo
apenas com uma palavra.
O silêncio continua.
— O que é algo que alguém como você, nunca terá, fedelho. Porque é
fraco, Max… Como seu pai. Aquele que nunca alcançou o posto de chefe, nem
de porra nenhuma. Que está condicionado a ser o segundo pelo resto da vida. E
tem de se dobrar aqueles que realmente tem voz para alguma coisa.
Mas é o silêncio de Max que mais incomoda. Apenas sua respiração
ruidosa pode ser ouvida, enquanto Oliver permanece com aquela arma apontada,
sem ver nada além das ordens da qual é servo.
— Espero que entenda o quão fácil teria sido para que eu matasse você,
garoto… E que entenda que não vou fazer isso, apenas porque é parte da minha
família. E em respeito ao meu irmão.
Todos respiramos novamente.
— Saia, Oliver.
O soldado recua e recolhe a arma.
Eu não sinto raiva dele. Sinto raiva de quem está por trás.
Max apoia as mãos no chão e posso ver que o terror de morrer dessa
forma o alcançou também. Disfarça bem para todos os outros, mas não para
mim. Eu o conheço.
— Aprenda essa lição e nós nunca mais teremos problemas.
O loiro fica de pé e eu vejo o quanto a surra o afetou. Ele limpa um
pouco do sangue que escorre com as costas da mão e mantém o olhar enviesado,
a raiva fazendo morada nele.
Então ele cospe no rosto do meu pai.
— Eu vou fazer festa no teu enterro, filho da puta!
E sai.
Nenhum de nós quer ficar na sala depois disso e saímos antes que meu
pai se dê conta do que aconteceu.
Eu fico sozinha por pouco tempo antes de ser resgatada por Rosalind. Ela
tem o rosto inchado, mas eu não adereço isso, sendo guiada para a sala onde
todas as mulheres parecem estar reunidas.
O que pode ser um pesadelo para alguém como eu.
O tópico principal da conversa? Minha vida.
— Engravidou em tão pouco tempo… — Uma das mulheres comenta. —
Que sonho. Eu demorei tanto…
— O nojo que eu sentia por Fabrício no início do casamento foi o
suficiente para me fazer repugná-lo. — Outra diz, rindo. As demais
acompanham e eu enrugo meu rosto.
— Não sinto nojo de Luca.
E pareço pegá-las totalmente de surpresa.
— Ah, não? — Parecem observar uma criança delirante. Mirella e
Julieta, suas tias, são as únicas que não parecem tão chocadas.
— Nem medo?
Nego.
— Nada. Eu o amo, para ser sincera.
O efeito é o mesmo de ter soltado uma bomba de gás.
— Isso é… — Uma delas começa, claramente sem saber o que dizer.
Não sei se o que vejo é inveja, admiração ou temor por uma menina que admite
amar um homem tão terrível para todas ouvirem.
— Incrível, Rebecca, querida. — Rosalind diz, tocando minha mão.
Olívia se mantém em silêncio ao seu lado, totalmente introspectiva e eu ainda
me pergunto o que está acontecendo. — Luca não é como os outros, senhoras.
Meu filho é diferente e muito especial.
— Certamente não é o que seu marido acha… — murmuro
despretensiosamente e todos os olhares se voltam para mim novamente.
— O que quis dizer com isso? — Mirella questiona, inclinando-se para
ouvir melhor a história.
Eu concluo que falei demais quando todas fazem a mesma coisa.
Penso em algo para falar e ensaio em minha mente, abrindo a boca para
continuar, mas me interrompo quando Rosalind pede.
— Olhe como o tempo voa… Já está quase na hora do parabéns.
Rebecca, querida, talvez possa me ajudar na cozinha por um instante?
Seu chamado é quase uma ordem de fuga e eu concordo. Ela pede, em
sequência, para que Mirella leve Olívia para o andar de cima e Julieta se oferece
para ajudar. As outras seguem em manada para o lado de fora e nós duas nos
separamos, indo para a cozinha.
— Ao que se referia ali na roda? — Ela pergunta, caminhando devagar
do meu lado.
— Ahn, me desculpe por mencionar qualquer coisa na frente das suas
convidadas...
— Tudo bem. Só não faça de novo ou elas irão pensar que há algo errado
— diz, rindo, e tento descobrir se ela está sendo irônica ou não. Não consigo.
— Tony chamou Luca de fracassado. E que ele não se importa com os
irmãos.
— Quando?
— Antes de você me encontrar e todos correrem para apagar algum
incêndio…
Rosalind estala a língua na boca.
— Isso é besteira. Luca é o seu melhor soldado. E sempre está disponível
para os irmãos.
Aceno em concordância.
— As coisas mudaram desde o ataque aos russos…
Rosalind respira fundo como se entendesse ao que me refiro. Me
pergunto se Tony dividiu com ela o que pensou do filho após sua falha.
Atravessamos um pequeno corredor até chegarmos à gigantesca cozinha
da casa. Com o conhecimento de dona, Rosalind vai direto até uma das gavetas e
começa a procurar por algo.
— Tony nunca soube valorizar os filhos que têm… — Murmura,
vasculhando as próprias gavetas.
Eu me aproximo do balcão e me acomodo em uma das banquetas,
observando-a girar entre os móveis.
Rosalind parece muito mais nova do que Tony, pois, claro, é obrigada a
se manter sempre impecável. Além disso, pelo que Dona me disse, têm apenas
trinta e seis anos, enquanto o Capo tem quarenta e um.
O cabelo levemente acobreado da primeira-dama está preso em um coque
e seu vestido é lindo, num tom de verde pastel que realça seus olhos castanhos.
Tudo em sua postura grita que teve aulas infinitas de boa etiqueta antes de se
casar — assim como eu — e que as levou para a vida.
Não há ninguém mais educado e gentil do que ela.
Mas sua felicidade parece tão forçada… Como se fosse apenas um show.
Como minha mãe, está presa em um casamento com um homem que
nunca escolheria se tivesse escolha.
E não tem fuga disso.
— Por que você continua com ele? — pergunto, de repente, tomada por
uma curiosidade profunda.
— De quem você está falando, querida? — Ela continua de costas para
mim.
— De Tony. Ele não é… hm, exatamente o melhor marido do mundo,
certo?
Rosalind ri e continua mexendo nos utensílios de cozinha.
— Longe disso…
— Então por que…
— Você sabe muito bem que não existe divórcio de onde viemos.
— Não, mas… Existem outras coisas. Coisas nas quais já deve ter
pensado. Por que você não…
— Estamos juntos há vinte e um anos. Nada do que está vendo agora é
novidade para mim. Inclusive a rigidez com Luca.
Ela se vira.
— Que já é um homem e pode cuidar de si mesmo — argumenta. — Por
que espera que eu me separe de meu marido por causa disso?
Não encaro suas palavras como grosseria. É apenas uma pergunta, sem
fundo maldoso. Rosalind não seria capaz.
— Não estou falando por Luca. Estou falando por você. Me perdoe,
Rosalind, mas Tony é um monstro. E você não merece alguém como ele.
O seu sorriso agora é forçado.
— Me desculpe se soarei indelicada, mas como pode saber o que mereço,
Rebecca?
Ok, agora ela é um pouco indelicada.
— Qualquer um pode — dou de ombros. — Você é superior a ele.
Ela fica em silêncio por um longo instante e se aproxima do balcão e de
mim.
Deixa os ombros caírem e relaxa, mordendo a boca.
— Agradeço as doces palavras, mas… Eu não posso, nem gostaria de me
separar dele, Rebecca.
E em separar, ambas sabemos que nos referimos a mais do que isso. Até
que a morte os separe.
— Por quê?
Falta de coragem é um dos motivos nos quais penso, mas quando
Rosalind puxa a faca que procurava, vejo que não é isso. É algo muito mais
profundo.
— Ele tiraria os meus filhos de mim.
O sorriso com que me encara depois disso é fraco, triste e sincero. Como
o sorriso de alguém que acaba de revelar seu maior medo.
— Ele não—
— Luca, Lorenzo e Donatella já são praticamente adultos. Mas e os
outros? Leonardo, Marcus, Amanda e o jovem Pietro… Pode imaginar como
todos eles ficariam sem a mãe?
Ela parece prestes a chorar só de pensar em não poder estar perto dos
filhos.
— Eles me dão força para seguir todos os dias. Me fazem ignorar tudo
que há de ruim. Com Tony, eu tenho eles e nada mais importa. Posso aguentar o
que for, se significar que nunca iremos nos separar.
— Mas se você…
— Pedirei a você que pare de surgir com sugestões impossíveis, Rebecca
— interrompe com uma risada nervosa. — Meu marido é um homem de poder.
E um homem que sabe brincar com ele. Se ao menos souber que estamos
falando sobre isso…
Eu suspiro e me calo, acatando seu pedido.
— Ele não é um bom homem, Rosalind.
— Não, claro que não… Nenhum deles é.
Estou prestes a abrir a boca de novo, para perguntar se ela inclui Luca
nesta lista, quando gritos e sons de correria nos despertam de nossa pequena
conversa melancólica. A matriarca Accorsi deixa a faca sobre o balcão e dispara
na minha frente, enquanto eu a sigo com meus passos cautelosos. Tropeçar não
seria uma boa ideia.
Chegamos à sala principal, no hall que divide a casa em alas e possui as
escadas principais para o segundo andar e avistamos o início de uma confusão
que tem como peça central Max, com sangue escapando do nariz e manchando
sua camisa branca.
Luca está logo atrás dele.
Eles descem as escadas e passam correndo por nós duas. Donatella e
Lorenzo, afobados, vem atrás.
— Max, aonde você vai? — Donatella grita e todos nós acompanhamos o
loiro em sua corrida. Até mesmo eu.
— Dar um aviso! — grita, já do lado de fora. Há milhares de carros
estacionados em frente à mansão, mas ele encontra o seu facilmente.
— O seu pai disse que você não deveria sair dessa casa! — Lorenzo
esbraveja.
— Foda-se o que meu pai disse! — Berra de volta e eu nunca vi Max tão
irritado. Lorenzo e Donatella, sem precisar de mais avisos ou explicações,
seguindo seus instintos, descem as escadas e eu vejo o gêmeo roubar uma das
chaves dos carros de segurança.
E Luca já está quase dentro do veículo quando eu chamo por ele.
— LUCA! — Meu berro faz com que ele pare. — Onde você está indo?
Ele está na base dos degraus, mas os sobe novamente para falar comigo.
— O que está acontecendo? — indago, minha pressão com certeza mais
acelerada do que deveria estar.
— Não tenho tempo para explicar agora ou Max vai fazer merda sozinho.
Eu digo tudo a você quando voltarmos. Só fique perto da minha mãe! Por favor!
Não respondo nada, pois não tenho a chance. Ele deposita um selinho
rápido em meus lábios e sai correndo novamente, puxando o telefone da cintura.
Max já está dando ré em seu veículo conversível e sai cantando pneu na direção
dos portões. Luca acaba indo no carro dos irmãos.
— Que Deus os proteja…
É tudo que Rosalind tem capacidade de dizer.
Max está louco.
Fodidamente louco.
Como alguém que acaba de fugir do hospício.
Dirige a mais de 100 km/h em rodovias que não suportam esse tipo de
velocidade e certamente quer provocar um acidente.
Lorenzo, banhado em cautela, falha em acompanhá-lo rápido o suficiente
e eu peço reforços a torto e a direito, pois sei exatamente para onde meu primo
está indo.
Falar com Romeu.
E não é que eu tenha medo disso, mas as chances não estão do nosso lado
quando ele decide fazer coisas assim, impensadas. Entrar no território que os
Ivanov reivindicaram é arriscado. É como pedir para que afundem uma bala na
nossa cabeça.
Mas como eu sei que ele não vai parar, também não há escolha para mim.
Estamos juntos nessa, porque ele faria o mesmo por mim e me seguiria até o
inferno.
Quarenta minutos depois, seu carro para, atravessado na rua de pouco
movimento. O cheiro de areia e mar, há alguns metros de distância, pinicam o
nariz e é fácil ver que estamos em Brighton Beach. Tudo fede a russo, a peixe e
tem seu alfabeto estampado.
Pequena Odessa é outro apelido para essa parte de Nova York que
preferimos esquecer.
— Max! — Chamo seu nome assim que desço do carro, enquanto
Lorenzo ainda estaciona. Donatella prepara suas armas e eu estou mais nervoso
do que estaria se estivesse aqui sem os dois.
O loiro acaba de descer do conversível e eu o alcanço antes que caminhe
na direção da casa de festas, que parece reunir todos os russos do bairro. A
segurança obviamente já sabe que estamos aqui e temos pouco tempo antes de
sermos abordados.
— Você precisa decidir como quer que isso aconteça — falo, o braço
prensando seu pescoço contra o carro. O seu sangue mancha minha pele e eu me
esforço para controlar sua respiração. — Devemos ter menos de dois minutos
antes deles saírem. Romeu deve estar sendo avisado agora. Qual o seu plano?
Ele deixa de lado a postura impulsiva e parece calcular por um segundo.
Sua mente sempre foi boa, sua noção muito melhor do que a minha, mas agora
preciso forçá-lo a usar os malditos neurônios.
— Não vamos matar ninguém — diz, precisando de muita força para
uma afirmação dessas. Eu concordo. — Eu só quero conversar.
— Vamos bancar os inocentes, então?
— Acha que ele acreditaria nisso?
— Acho que podemos fazer funcionar — explico, com minha adrenalina
subindo, atingindo novos níveis a cada instante. As luzes da casa de festas estão
mais fortes, o som dos passos dos homens de Romeu mais perto.
Lorenzo e Dona acabam de descer do carro e eu faço sinal para que
parem.
— Abaixem as armas — ordeno, encarando Max uma última vez. Agora
encaro meus irmãos. — Abaixem!
— Isso é loucura, Luca, olhe onde estamos e—
— Eu dei uma ordem, Donatella — repito e o barulho da porta sendo
aberta é o que me faz virar.
E um rosto que eu reconheço é o que enxergo.
— O que um bando de italianos imundos faz na nossa porta?
Alexei Ostarkov.
O fodido que esteve no Havaí conosco. O fodido que implantou uma
bomba no meu quarto e da minha esposa.
Ele abre caminho para uma verdadeira tropa. Romeu está no centro e do
lado direito, Rodrik. Ambos sorriem. Há pelo menos seis homens para cada e
todos armados até os dentes.
E eu mandei meus irmãos baixarem as armas...
— Ora, ora, se não é uma bela surpresa que recebo a essa hora… —
Romeu diz. Meu peito sobe e desce num ritmo controlado. Mas posso ver pelo
canto do olho a raiva que Dona exala no seu modo de olhar para os irmãos.
Ela nunca os tinha visto pessoalmente.
— O Natal chegou mais cedo?
Fodido arrombado do cacete.
— Eu quero conversar com você. — Max fala, alto o suficiente para que
sua voz ecoe na rua. Tudo parece ter se calado para este momento, toda atenção
do bairro concentrado nos invasores.
Sei que deve haver no mínimo quatro atiradores nos telhados, mirando
em cada um de nós.
Cada movimento precisa ser calculado.
— Gostou do meu presente, imagino? — Romeu responde, a boca
formando um sorriso maldoso e sujo até o osso. Eu calculo o que precisaria para
acertar seu pescoço com minha faca daqui.
— Posso falar a você o quanto gostei se aceitar conversar comigo como
um homem.
— Não está exatamente na posição de fazer demandas, não é, Maximus
Accorsi?
Max ri.
— Será que não estou mesmo, Romeu?
E todos podem ver que há mais no seu movimento do que ele entrega de
cara. Eu entendo imediatamente a que se refere, mas é só quando ele puxa o
telefone que os irmãos Ivanov entendem do que se trata.
E eu julgo que meu primo pode ser um maníaco tão bom quanto eu.
— Diana, Natasha, Nadine e Nikolai. Reconhece algum desses nomes?
Rodrik é quem fala primeiro.
— Filho da puta.
— Atualmente localizados no número 500 da rua Clarence, em Brighton
Beach. Há menos de doze quilômetros daqui, eu diria…
— Como você sabe disso, maldito? — Romeu questiona e vejo uma
queda na postura de confiança de Alexei. Ele é o elo mais fraco, o fodido mais
alcançável.
— Não importa como eu sei. — Max responde, dando destaque a arma
que pende em sua cintura. — O que importa é que eu tenho a informação. E que
sua irmã, sua filha e seus sobrinhos não estão seguros. Especialmente agora,
quando você achou tão divertido se meter com a minha.
— Pedi que a tratassem com carinho. Não é minha culpa se ela achou
melhor saltar a seguir viagem. — O russo ri, como se fôssemos uma maldita
piada. Os outros o acompanham e vejo em suas mentes sujas, o que gostariam de
ter feito à minha prima. Do que sua coragem a salvou.
De como Max está certo em usar todas as cartas que têm agora.
— Cem mil dólares. — Meu primo diz, de repente. Romeu parece
confuso, assim como todos nós. — É a mixaria que preciso pagar para que meu
homem acerte a cabeça da sua irmãzinha agora e a mande para o inferno. Ou,
trezentos, se quiser que ele acerte a de um dos fedelhos imundos dela ou do
pervertido que é o seu irmão.
Max ri.
— Consegue adivinhar quanto vale a cabeça da sua filha?
Romeu reforça sua postura, tensionando os ombros. Ah, então ele
realmente se preocupa com a sua criança.
Engraçado.
— Cinco milhões.
O silêncio se faz do outro lado. Donatella e Lorenzo estão parados logo
atrás de mim e eu mantenho minha mão parada sobre minha arma.
— Mais barato ainda, considerando a porcaria da qual eu estaria livrando
o mundo.
Romeu dá um passo à frente e toda sua segurança faz o mesmo. Eu ando
também, parando ao lado de Max.
Seus olhos registram minha presença pela primeira vez.
— Acha que está me intimidando falando sobre valores, mas se esquece
de que me custaria zero acertar a sua cabeça agora. Ou, quem sabe, a da
bonitinha metida a macho ali no canto…
Todos os olhos se viram para Donatella de repente e nem se eu pedisse,
ela manteria sua arma baixa.
— Tire os olhos da minha irmã antes que eu os arranque! — Lorenzo
quem fala, não eu. O que é uma considerável surpresa.
E das boas.
Ele parece até mesmo crescer depois de defender Donatella e vejo seu
olhar de admiração sendo direcionado para ele.
— Ah, o certinho sabe falar… Deve ser Lorenzo, certo? O irmão gêmeo
da gracinha ao seu lado… — Romeu abre um sorriso ainda maior, tirando a
atenção da conversa com Max. — Agora posso ver por que meu informante
gosta tanto de você, Donatella Accorsi.
Minha irmã franze o rosto, tão perdida quanto nós, mas não há tempo
para desenvolvermos esse sentimento, pois Max acaba de disparar numa
caminhada até a frente do clube, onde todos estão posicionados.
As armas vão se fechando a sua frente e antes que alcance os três no
centro, um soldado o para, o cano grudado na sua cabeça. Max nem pisca.
Eu o odeio por isso.
— Deixe-o passar. — Romeu ordena, sucumbindo à própria impulsão. —
Está dando uma de homem hoje, no lugar do primo, que deve ter perdido as
bolas depois da última vez…
Todos riem do outro lado. Eu mantenho minha expressão impassível.
Então meu primo anda até ele e o peita.
— Você acha que deve ter medo de Luca ou do meu tio, mas não sabe
quem está por trás de todas as informações que eles têm sobre você e sua família
imunda, Ivanov. — Max diz, a voz calma, a postura firme. Um verdadeiro
homem feito. Moldado no sangue, fortalecido pela guerra. — Eu poderia te
destruir agora sem mover um dedo, seu fodido do cacete. Poderia explodir essa
porcaria que você chama de clube e todas as casas que possui. Poderia mandar
que meus homens cortassem sua filha em pedaços e a espalhassem pela cidade.
Mas não o faço.
Romeu permanece em silêncio e a sensação de vê-lo calado é deliciosa.
— E sabe por quê?
Max dá mais um passo e ele poderia beijar Romeu agora. A respiração
dos dois se combina e eu cuido atentamente dos movimentos de Rodrik. Alexei é
apenas um cabrito temeroso, mas o irmão mais novo é perigoso.
Uma piscada e eu o derrubo.
Só uma.
— Porque o pior está por vir. E quando você cair, vai ser tão delicioso,
que tudo que mencionei aqui agora vai parecer brincadeira de criança.
O russo não reage.
— Apenas espere pelo que está vindo no seu caminho, Romeu.
Dito isso, meu primo dá as costas para os guardas armados e anda de
volta até seu carro. Acena para mim, que faço sinal para que Lorenzo e
Donatella voltem aos seus. Eu opto por ir com Max, porque será mais fácil nos
defendermos se formos dois em cada carro.
Romeu, Rodrik e todos os seus homens continuam parados quando entro
no carro, dando uma última olhada neles. Donatella dirige agora e dispara na
nossa frente, enquanto vamos na retaguarda.
Só quando Brighton Beach já está para trás é que qualquer um de nós
consegue falar alguma coisa.
— Não estão mesmo vindo atrás da gente? — Max questiona, as mãos
firmemente colocadas sobre o volante. Rindo, por um alívio que eu nunca pensei
que fosse sentir, nego, revisando os espelhos retrovisores.
Então quem ri é Max.
— Puta que pariu, cara, eu pensei que fosse morrer!
Minha vontade é de socar sua cara até tirar sangue pelo que nos fez
passar.
— Vamos sumir daqui antes que eles mudem de ideia — aviso e ele
concorda.
*

Quando piso em casa, agradeço por estar vivo.


Max me deixou aqui na frente quando liguei para minha mãe e descobri
que Rebecca havia preferido vir para casa a ficar na mansão. Este é outro motivo
de alívio dentro de mim. Quanto menos tempo ela passar perto do meu pai,
melhor.
Seria perfeito se ela nunca precisasse ver sua cara maldita, mas não posso
esperar que o mundo simplesmente atenda a todos os meus desejos.
Ele já está sendo bom demais em me manter vivo para que possa ver meu
filho nascer.
Aliás, ele é um dos motivos que reduziram meu tempo na rua, socando
caras aleatórias e apenas caçando russos para socá-los até a morte. Rebecca é
jovem, mas a sua médica pediu para acertarmos sua pressão. E não é voltando
ensanguentado para casa todo dia que ajudo nisso.
— Eu já estava indo ligar para a polícia.
Essa é a primeira coisa que minha esposa, enrolada em um chambre de
seda, sentada em uma das banquetas da cozinha, diz, quando me vê chegar.
— Não acho que eles seriam de grande ajuda, querida — respondo,
chutando meus sapatos. Há poeira sobre eles e todo meu corpo está fedendo
aquele cheiro insuportável de peixe.
Por sorte, não há sangue.
Eu me sento na beirada da mesa que usamos quando somos apenas os
dois e a observo me observar.
— Onde diabos você se meteu, Luca?
Dou dois tapinhas na minha coxa e ela entende isso como o convite para
se aproximar. Faz tão rápido que eu acabo rindo de seu desespero quando me
abraça, escondendo o rosto no meu pescoço como se eu tivesse o melhor cheiro
do mundo, mesmo depois de tudo que passei.
— Fui ajudar meu primo — simplifico, descendo a mão sobre suas
costas, numa carícia lenta.
— No quê? Ele parecia prestes a matar alguém! E você junto!
Eu descanso a mão sobre sua perna e respiro fundo, sabendo
perfeitamente que ela não vai deixar isso de lado. Rebecca se tornou ainda mais
teimosa depois da gestação.
— Angelina foi atacada pelos russos. Precisou pular do carro para se
salvar. Max brigou com o meu pai. Fomos até a maldita Brighton Beach para
confrontar Romeu e meu primo foi foda pra caralho ameaçando até as crianças
daquela família podre. Pronto. É isso. Já posso te dizer o quanto gostaria de…
— Meu DEUS do céu, Luca Accorsi!
Ela dá um pulo e eu abandono minhas esperanças de receber ao menos
um beijinho.
Seu olhar expressa a mais clara confusão e penso na sua maldita pressão,
porque é isso que nos tornamos agora.
— TUDO isso aconteceu e vocês ainda foram até a CASA desses
malditos novamente?
— Não fomos até a casa. Na verdade, nem entramos… As coisas foram
bem simples e rápidas, para ser sincero.
— Luca, pelo amor de deus! — Ela se joga contra a cadeira à minha
frente. — Você poderia pelo menos ter me avisado!
— Não sei se você notou, mas meu primo estava numa vibe meio caçada
mortal e eu precisei ir atrás dele. E com toda merda que aconteceu antes com o
meu pai…
— Aimeudeus! Nem me fale sobre isso! — Rebecca bate os dedos contra
a mesa de madeira. — Você escutou o que eu disse? Luca, eu surtei! Ele poderia
ter me matado ali mesmo!
— Eu não teria deixado, amor... — Sorrio, fazendo um carinho rápido no
seu queixo sujo de iogurte. Ela fica vermelha quando percebe o que fiz. Bobinha.
— Sério que você ainda sente vergonha? Querida, eu coloquei um bebê dentro
de você…
Rebecca revira seus olhos.
— Só das pequenas coisas. Elas ainda são… — Se remexe na cadeira,
evitando meu olhar. Eu acho ainda mais graça do seu comportamento de menina,
quando o que vejo todos os dias é a mulher capaz de mandar e desmandar na
minha vida, me montando do zero. — Novas para mim.
— São para mim também — respondo, totalmente encostado contra a
cadeira. Eu a observo de longe e gosto do que vejo. É tão linda que nem percebe.
Mesmo na cozinha iluminada, sem maquiagem e usando um maldito chambre, a
coisa mais cafona e broxante de todas… Suas bochechas coradas são um
charme, as poucas sardas que têm perto do nariz também e nem me deixe
começar a falar sobre os olhos cor-de-mel.
Eu os odeio tanto que quero sempre estar perto.
E talvez isso me torne um tolo, um idiota, um babaca, um fraco, mas me
afasta cada dia mais de Antônio, aquele que eu nunca quero ser.
Nem para minha esposa, nem para meu filho.
— Agora já podemos subir? Eu só preciso de um banho.
— E precisa da minha ajuda para isso?
Meu sorriso fica ainda maior.
— Preciso de toda ajuda que você conseguir me dar, linda.
TRÊSMESES
DEPOIS
Minha mãe só precisa de vinte minutos dentro da minha casa para
começar a praguejar, reclamar e oprimir todos os meus funcionários, instalando
um cenário de caos e terror no melhor estilo matriarca italiana acostumada com
a excelência. E para o azar de Fiona, sua chegada coincidiu com meu desejo
matinal número um: panquecas de chocolate.
Coisa a qual eu não deveria, de jeito nenhum, na perspectiva da minha
mãe. Nem da minha sogra. Nem da obstetra. Nem da nutricionista.
— Sua governanta vai pedir demissão até o final do dia, desse jeito, B!
— Petra fala, sentada ao meu lado na mesa. Mamãe confiscou meu prato de
panquecas e ainda estou esperando que me traga o café da manhã ou corro sérios
riscos de começar a comer a toalha de mesa.
— Mamãe está exagerando tanto… — comento, olhando na direção da
entrada da cozinha. Fiona apenas concorda, enquanto ela parece estar colocando
os armários abaixo.
— É preocupação por você estar grávida e longe de casa. Veio o caminho
inteiro falando sobre como você deveria estar comendo muito açúcar e de como
seu neto poderia nascer com o peso acima da média...
— Eu como tudo que tenho que comer! E o bebê não poderia estar
melhor!
Aos seis meses, eu sei que ainda há muito mais a se crescer, mas estou
enorme. A barriga redonda como uma melancia. Minhas costas doem dia e noite.
E não entro mais em nenhuma calça.
— Você conhece a mãe que tem… — Petra sussurra e todas nós nos
viramos quando ouvimos passos vindos da cozinha.
É ela, que acaba de colocar um prato com os mais variados tipos de
salada na minha frente.
— Panquecas não te darão força! Isso dará!
— Isso não vai me permitir nem ficar em pé, mamãe — resmungo,
mordendo um pedaço da melancia que colocou ali. — Isso é loucura.
— Loucura é o que tem na sua geladeira! — Ela se acomoda na cadeira à
minha direita. — Nada saudável! Como espera que seu bebê nasça forte deste
jeito?
— O bebê está bem, mãe. Tem o peso e o tamanho esperados para a
idade e…
— Não acreditarei em nada do que diz até irmos a médica esta tarde.
Mamãe e minhas irmãs chegaram a Nova York hoje cedo. A visita foi
marcada há pelo menos duas semanas e não posso mensurar o quanto me senti
feliz quando as vi chegando. Mas agora, penso se não me acostumei demais a
tomar minhas próprias decisões e ser minha própria dona para conviver na
mesma casa que uma obcecada por controle.
Matteo deveria ter vindo junto, mas com tudo que está acontecendo,
precisou ficar para proteger os interesses da Cosa Nostra.
A guerra está a todo vapor.
Luca mal para em casa, tão envolvido com os desenrolares de tudo que se
passou desde o nosso casamento para cá. Todos os dias, soldados Accorsi são
mortos e eles precisam retaliar, se enfiando em buracos cheios de russos imbecis
para proteger sua cidade.
Se você é um Accorsi, não é seguro nem mesmo respirar do lado de fora
da janela. Por este motivo, vivo em minha casa, enclausurada, com poucas horas
de sol por dia, sempre sob o olhar atento de Mathias ou Roger, que já são quase
minhas sombras à essa altura.
Minhas poucas saídas são para ir a consultas ou passar as tardes com
Rosalind, Amanda e Pietro, que são companhias maravilhosas. Depois da
conversa que tivemos, sinto que meu relacionamento com a minha sogra
melhorou a ponto de vermos amigas uma na outra. Gosto, principalmente, de
fazer com que Luca a visite pelo menos uma vez, em horários difíceis de
encontrar Tony, pois notei que é isso que a faz feliz.
Estar com os filhos.
E tudo que eu puder fazer para ajudar aquela mulher a ter alguma
felicidade, farei.
— Você não precisava dizer todas essas coisas para Fiona, mãe… —
digo, alisando um guardanapo.
— Mas é claro que precisava. Se Rosalind Accorsi não se dedica a cuidar
de você, eu preciso fazer alguma coisa.
— Rosalind cuida muito bem de mim, mãe…
— Não estou vendo nem um terço do cuidado que deveria, então,
assumirei a partir de agora — responde e eu corro meus olhos para cima de
Bianca e Petra, como sempre, caladas. Precisam estar.
Mas eu não preciso.
— Sei cuidar de mim mesma, mãe, obrigada.
Verônica arqueia uma sobrancelha e olha para mim. Minhas irmãs estão
congeladas.
— Ah, é? E desde quando, Rebecca?
Sorrio.
— Desde que você me largou aqui e disse para eu me virar, mãe.
O silêncio agora é incômodo, mas para ela. Totalmente para ela.
— Então me deixe comer o que eu quiser, não grite com meus
funcionários, nem critique o que não conhece. Essa é a minha casa. E peço que
você respeite isso.
Não há nenhuma menção de resposta nem dela ou de nenhuma das
minhas irmãs. Elas continuam comendo normalmente e cinco minutos depois,
Fiona me traz novas panquecas, me cumprimentando com uma piscadela tímida
de apoio.
Engordei dez quilos desde o início da gestação e já me senti mal o
suficiente com isso. Pensei no que minha mãe diria quando me visse, no que ela
acharia dos meus peitos maiores, da minha cintura cheinha, mas agora, tendo-a
aqui, não faz mais diferença pensar em tudo isso.
Porque essa sou eu.
E se Luca, que é meu marido, não mente quando me diz todas as noites o
quão gostosa estou, não há motivo nenhum para me importar com meu maldito
peso ou com o que eu como na minha fodida casa!
Nossa. Eu amadureci e vejo o quanto agora.
Menos de um ano fora de casa e já sou uma pessoa completamente nova.
Não havia me defrontado com isso até agora, mas é incrível ver do que
sou capaz quando não me acovardo, não recuo, nem me calo. E de como os
outros precisam aceitar que eu também sou alguém, que também tenho opiniões.
É incrível ver minha mãe quieta depois de dezoito anos ouvindo suas
opiniões inconvenientes sem parar.
Então meu telefone toca e eu preciso pausar o gostinho da vitória para
atender à Luca.
— Querido, oi — cumprimento, escapando do olhar intenso e nada gentil
da minha mãe.
— Tudo certo? — ele responde e posso escutar som de buzinas atrás de
sua voz.
— Sim, na medida do possível. Já está a caminho?
— Pensei que a consulta era apenas as três…
Pigarreio, sorrindo forçadamente para minhas companhias.
— Sim, mas seria interessante se você viesse antes. Mamãe gostaria de
ver você.
Minha mãe balança a cabeça, nem concordando, nem discordando.
Aposto que ela não vai criticar Luca.
Já ele, entendendo tudo, ri do outro lado do telefone.
— Ahhhh, já entendi… A monstra atacou de novo?
Eu continuo com meu sorriso forçado.
— Não, querido, é claro que não…
— Aposto que atacou sim. Você quer que eu vá para aí para limpar sua
barra.
— Seria ótimo se isso acontecesse…
— Que garotinha sem vergonha…
Sua risada me irrita até o estômago e eu preciso disfarçar o nervosismo
de todo jeito. Para mamãe, tudo tem que parecer perfeito. Principalmente uma
conversa com o meu marido.
— Estamos te esperando, certo?
— Claro, querida. Às três da tarde. A mãe é sua, sinto muito.
— Oh, que pena… A laranja está tão docinha. Você ia adorar provar.
Disfarçadamente, sorrio para minha família e sibilo “ele ADORA
laranja!”.
— O que você quer dizer com isso?
— O que você acha, querido?
Uma pausa longa e agora ele ri, mas não acha mais tanta graça assim.
— Você não está me chantageando com sexo, Rebecca Accorsi… Você
não teria a coragem.
— Fiona me disse algo sobre nosso fornecedor não ter mais lotes
disponíveis para essa semana. Talvez só daqui algumas semanas tenhamos
algumas igualmente saborosas…
Ok. Agora Bianca e Petra simplesmente acham que estou louca.
Mamãe tem certeza.
— Você está falando da sua boceta. Eu já entendi.
— Eu não falaria dessa forma, mas sim, querido. Posso ver semelhanças
nas duas.
— Ah, Rebecca… Você vai pagar por isso.
— Espero que não. Eu gosto muito de berinjela. Você acha que pode
entrar em falta também?
Petra se engasga com seu pedaço de pão e tenho certeza de que ela
entende. Bianca e nossa mãe ainda patinam, mas vejo no olhar divertido da
minha irmã caçula que ela sabe ao que me refiro.
— Talvez possamos substituir com cenoura.
— Você não é louca de substituir meu pau com qualquer coisa, Beca.
Há semanas, venho discutindo com Luca sobre comprar um vibrador. Foi
algo que vi em alguma série à toa no Netflix e que me chamou atenção. Grávida,
fiquei um pouco mais foguenta do que era antes. E a ideia de ter dois…
Luca se negou a usar um.
Mas eu sei que ainda irei convencê-lo.
— Mas há tantas no mercado… — choramingo.
Luca bufa do outro lado.
— Eu já estou indo para casa, Rebecca. Espero que tenha sobrado
alguma laranja.
— Sim! — Sorrio. — E bem molhadinhas, você vai adorar. Pedirei que
guardem para você.
Luca quase morre de rir do outro lado e eu preciso controlar meu riso,
sob o olhar intenso da minha mãe.
— Você é doida, mulher…
— Também amo você. Até logo!
E desligo, tentando manter minhas bochechas no tom normal e minhas
pernas fechadas.

Depois de um almoço muito mais tranquilo do que o café da manhã, com


Luca sendo o genro que minha mãe pediu a Deus, nos encaminhamos para a
consulta e estou bem mais calma com ele do meu lado, funcionando como uma
parede entre mim e Verônica.
Ainda assim, quando chegamos ao consultório, peço que todos entrem.
Ela pode ser insuportável, intrometida e controladora demais, mas ainda é minha
mãe e cruzou o oceano para descobrir qual o sexo do bebê que estou carregando.
Coisa que descobriremos hoje, se O Coisa — como Luca chama — parar
de ser teimoso e permitir que vejamos o que é.
Aos seis meses, já deveria estar com o enxoval todo pronto, mas teimoso
e endemoniado como o pai — palavras de Rosalind — não deixou.
Então, quando a médica passa o gel em minha barriga e Luca segura
minha mão, levando-a até a boca para dar um beijo, eu me preencho de
expectativas e sorrio ao ver as expressões ansiosas de minhas irmãs, ainda mais
satisfeita depois de ver as lágrimas tímidas que escorregam dos olhos de
Verônica quando o sexo é revelado para todos nós.
Um menino.
Um belo, saudável e grande menininho.
Luca vibra como se fosse a Copa do Mundo e eu sorrio, mergulhada em
lágrimas como minha mãe, sendo a manteiga derretida que sou.
Um garoto!
Isso é tão…
— Meus parabéns, mamãe, papai e família. É um menino teimoso, mas
saudável e no tamanho esperado para os seis meses.
A doutora avisa, limpando a meleca da minha barriga. E eu entro num
pequeno transe, enquanto assisto a felicidade silenciosa de Luca, pelo fato de
nosso filho ser um menino.
Seu herdeiro.
Seu primogênito.
O futuro chefe da Accorsi.
Luca o transformará em um chefe, assim como seu pai o transformou e
muitos o fizeram antes dele.
Mas não como Tony, claro. Luca nunca seria nada perto do que Tony é.
E meu filho nunca será nada mais do que isso. Meu filho. Eu o amarei
não importa o que aconteça. Não importa ao que esteja destinado.
Ele é parte de mim e sempre será.
Alargo meu sorriso e aperto a mão do meu marido de volta. Quando ele
olha para meu rosto, parece que entramos em nossa bolha novamente, sem os
comentários da médica ou as perguntas da minha mãe. Somos apenas os dois,
nosso bebê e um futuro brilhante à frente.
UMASEMANA
DEPOIS
No final de semana, há uma grande celebração marcada na agenda de
todo círculo social da Accorsi.
E este grande evento, é claro que é algo terrível o suficiente para me dar
ânsia.
O aniversário de casamento dos meus pais.
Este ano, estão completando vinte e um anos. E farão uma grande festa
na mansão, com presença obrigatória para todos nós.
Inclusive eu.
Mas, num panorama geral, essa não é nem de longe minha preocupação
número um agora. Foda-se que meus pais fazem de sua própria vida um circo
para agradar os outros.
Romeu matou cinco dos nossos homens ontem à noite e espalhou seus
pedaços pela cidade. A polícia está investigando. Uma cabeça foi entregue na
frente do Madame Martino.
Então, podem imaginar como anda o ânimo geral.
Parecemos soldados derrotados pós-guerra.
E isso me deprime.
Max sabe que seu ato foi a cereja do bolo para que Romeu derramasse
toda sua raiva sobre nós e ele certamente não está poupando energia para nos
foder em nossa própria casa. Mas por sorte do meu primo, meu pai parece ter
passado por cima de tudo que aconteceu há três meses. Ainda assim, andamos
sob cacos de vidro com ele e convivemos com as enormes chances de que um
dia ele simplesmente pegue sua arma e saia aniquilando todo mundo.
Mas enquanto esse dia não chega…
Continuamos como soldados que precisam estar no auge da sua força e
foco e treinamos todos os dias. Com nossos últimos resultados, fomos
rebaixados na visão de Tony, que colocou Estevan para nos supervisionar todo
dia. Ele está literalmente arrancando nosso sangue pois acham que não somos
bons o suficiente.
— Mais forte!
Max está na minha frente e lutamos um contra o outro. Ambos estamos
sem camisa e exibimos os resultados de uma tarde movimentada. Já não
aguentamos mais estar de pé e ainda assim, Estevan quer que nos esforcemos.
Maníaco do caralho.
Lorenzo e Fred também combatem um ao outro, mas o último parece
especialmente estranho nos últimos dias.
Talvez a pressão de ser pai finalmente o tenha atingido e ele esteja
buscando melhorar. Ou apenas está fodido da cabeça, porque em todas as visitas
às quais Rebecca me força para ver nossa afilhada — o que ainda acho ser uma
doideira do caralho — ele não está ou se está, não parece realmente estar ali.
E eu não sei por que me interesso tanto em saber o que ele anda fazendo
com tanto tempo livre.
— Já deu dessa porra por hoje, Estevan! — berro, quando falho em me
defender de Max. Os cabelos do meu primo, mais longos agora, chegando
abaixo da orelha, pingam com seu suor e eu odeio essa nojeira toda.
— Está no chão. Que momento oportuno para desistir, Luca…
— Vai se foder!
A força da raiva me dá força para empurrar Max com o joelho e ele cai
ao meu lado.
Penso em ir para cima dele, mas foda-se, não tenho mais força para isso.
— Deu dessa merda por hoje — sentencio e meu primo apoia, mostrando
um joinha.
Lorenzo também parece aliviado que estejamos finalizando e Fred se
despede rapidamente de todos nós.
Finalmente, sinto que posso voltar para casa e apenas cair na cama, mas a
surpresa é grande quando mando mensagem para Rebecca e descubro que ela e
todas as meninas da família ainda estão escolhendo vestidos para a festa de
sábado em nosso apartamento.
O que fizeram a tarde inteira.
Porra…
Acabo de sair do banho e minhas coisas já estão reunidas na mochila.
Uma ideia para matar o tempo surge e eu alcanço Max e Lorenzo no elevador.
— O que acham de irmos tomar umas? As garotas ainda estão na minha
casa — explico.
Sem nada melhor para fazer, ambos concordam e é assim que paramos
num bar menor, mas no domínio da Accorsi. Cumprimentamos os soldados na
porta e o atendente do bar, que serve uma dose de uísque para cada.
A realização contente de que é a primeira vez em que saio para beber
com o meu irmão me faz rir ao vê-lo provar um dos uísques mais amargo. Ele,
que é sempre tão certinho, parece ainda mais cansado do que todos nós e vira o
copo de primeira, terminando com uma careta.
Felizmente, desde todo escândalo no aniversário de Mandy em julho, ele
parece menos conectado ao nosso pai. Menos propenso a segui-lo cegamente. E
mais próximo de nós dois. Gosto da ideia disso, de tê-lo longe daquele
psicopata.
A ideia de que mais um filho seja exatamente tudo que aquele maldito
não quer que seja me alegra.
E por isso bebemos o bar inteiro.

— Então vocês ainda estão fazendo aquilo? — Lorenzo pergunta,


enquanto Max ri sozinho, com uma cerveja entre os dentes.
— Aquilo o quê, Enzo? — Abaixo minha própria cerveja e olho para
meu irmão, que já bebeu pra caralho também.
Somos um trio bêbado, para ser sincero.
— Acho que o pirralho quer saber se vocês ainda estão fornicando,
amado primo. — Max fala, dando tapinhas nas costas de Lorenzo. — Ele só
ficou com vergonha de perguntar, não é, Lorenzinho?
— É que com ela grávida…
— Sim, irmão. Eu ainda transo com a minha esposa.
— E com o bebê lá dentro? — Ele parece enojado, mas eu apenas rio.
Max faz o mesmo. — E não toca na cabeça da criança?
— É claro que não — respondo, acertando um tapa na sua nuca. Max
ainda está rindo, quase sem ar. — E tenho a dizer para você, meu irmão, que
mulheres grávidas são ainda mais difíceis de serem satisfeitas…
— Não está dando no couro, Lucão? — Max questiona e eu o encaro
como se pudesse chutá-lo daqui até Marte. — Olha que o…
— Olha que o quê?
Meu primo se cala quando vê que não estou sorrindo.
— Nada, nada… — murmura, voltando a beber. Melhor assim.
— E já pensaram em nomes? — Enzo volta a falar, pedindo outra garrafa
de cerveja ao homem do outro lado. Ninguém se importa que ele tenha dezesseis
anos, é óbvio.
— Hm, para ser sincero, não… — digo, me dando conta disso apenas
agora.
— Quê? A criança não tem nome ainda, Lucão? — Max balança a
cabeça, os olhos brilhando que nem estrelas embriagadas. — Que mancada…
— Se você me chamar de Lucão de novo, eu vou estourar tua cara nessa
mesa.
— Uiiiiiiii! Prefere Luquinhas? Ou quem sabe daddy? — Max ironiza.
— Sabe, algumas garotas adoram quando pedimos para ser chamados assim,
papai…
Eu ameaço ir para cima dele e Lorenzo impede, me colocando de volta
na banqueta. Max está rindo, porque ele é um maldito palhaço e eu faço o
mesmo, porque ainda me deixo cair nas merdas que ele fala.
— De qualquer jeito, é impossível que Beca não tenha pensado num
nome… — Lorenzo comenta.
— Ou só pensa que ele não está nem aí para o nome do coitado… Que tal
Maximus II?
— Puta nome feio — resmungo, escutando Lorenzo rir junto de mim.
— É, porque Luca é bem original… Tem só quinze ali na próxima
esquina.
Atiro uma pedra de gelo nele, que ri.
— Idiota.
— Você deveria se preocupar em escolher o nome do seu filho, Luca.
Mulheres são loucas, hein…
— Assino embaixo disso. — Lorenzo fala, deixando os ombros caírem
para frente. Eu anoto isso na minha lista de pendências.
— Aliás… Fiquei sabendo que você transou com Luna de novo, na vez
que ela veio aqui, há algumas semanas. É verdade?
O risinho de Max diminui consideravelmente e Lorenzo também está
olhando para ele agora.
— É, comi…
— E tudo certo? Beca não me disse se ela a procurou chorando dessa vez
de novo…
Lorenzo ri junto de mim. Max faz careta e nos chama de idiotas.
Que seja.
— Foi foda pra caralho, assim como das outras vezes, Luca, é isso que
quer saber? Que a loirinha me deixa de perna bamba, depois acorda, se acha uma
vadia e depois diz que eu sou um merda, como se a culpa dela gostar de montar
no meu pau fosse toda minha?!
Oh.
— Queria que ela ficasse para dormir de conchinha com você, Max? —
questiono.
— Não, cara… Eu só queria que ela parasse de ser tão doida da cabeça.
Ou que decidisse o que quer da vida. Eu não sou o palhaço dela, não. Tenho mais
o que fazer e muito mais gente para foder.
— Mas não é por essas outras que está chorando numa mesa de bar, né?
— Enzo diz em tom de ironia e faz Max ficar quase congelado, olhando para nós
dois como se tivesse acabado de descobrir que dois mais dois são quatro.
— Vai se foder, Enzo… — termina dizendo, a expressão claramente
carregada de um monte de sentimentos aos quais ele não quer discutir. E tudo
bem. Eu entendo o quão complicados eles podem ser. — Você fala demais para
alguém que nunca apresentou mulher nenhuma. Até virgem você deve ser.
E o silêncio se faz.
Se faz tanto que temos a resposta que queríamos bem aí, no fato de
Lorenzo afundar a cara na bebida e virá-la inteira, sem pausa.
Parece quase ansioso, visivelmente nervoso.
Eu e Max nos entreolhamos na mesma hora, chegando a mesma
conclusão juntos.
— Puta merda!
— Você ainda é? — Toco no seu ombro.
— Aos dezesseis anos? — Max indaga.
— Não, cara, não é possível… — murmuro, chocado.
Lorenzo não é feio. Não é pobre. É um Accorsi. Tem muitas mulheres à
disposição.
E nunca fez nada?
— Irmão, você é gay? — pergunto, encarando-o fixamente. — Pode nos
dizer se for. Tá tranquilo.
— Eu não sou gay, Luca…
— Então o que você é?
— Um cabaço — revela, dando de ombros e eu não sei se quero rir ou
chorar.
Chega a ser triste.
— E por quê? — Max pergunta. Estamos fazendo isso no estilo pingue-
pongue.
— Porque eu não achei ninguém que fosse interessante o suficiente.
— Quê? Lorenzo, vai se foder! Que papo é esse?
— Isso que vocês ouviram.
Ele bebe ainda mais.
— Que tragédia…
— Você nunca nem tocou em uma? Nadinha? Nem perto?
— Já recebi uns boquetes em festas. E já toquei numa, claro. Eu não sou
o imbecil que vocês pensam. Eu só não… — respira fundo. — Sexo é algo
pessoal. Não quero sair fodendo qualquer uma.
— Mas essa é a graça!
— Para vocês! — devolve, parecendo levemente alterado. — Eu acho
que existe coisa melhor para se fazer do que transar para matar tempo.
— Caralho, o moleque nunca teve um orgasmo para estar falando essa
besteira… Não é possível. Para você ter noção, eu transei pela primeira vez aos
treze anos. Meu pai me levou até o Madame e me deu uma dança com a Laila, a
melhor garota daquela época. E foi o melhor aniversário da minha vida — Max
diz, finalizando num suspiro entristecido. — Infelizmente, Laila morreu há uns
dois anos e nunca pudemos repetir.
Eu rio me lembrando de Laila, que era horrível, tão feia quanto um
cavalo.
— O pai me pagou uma puta quando eu tinha doze — digo, pigarreando.
Não é uma memória exatamente feliz. — Nem lembro o nome dela.
Lorenzo parece um pouco chocado com essa informação e eu apenas
meneio a cabeça, concordando com o que quer que venha em sua cabeça. Espero
que tenha notado o quão doente é nossa sociedade.
— Tá, mas peraí, você nunca nem quis pegar nenhuma garota? — Max
continua, realmente investido na conversa.
Eu acompanho.
Lorenzo fica quieto tempo suficiente para sabermos que sim, já quis.
— Quem é? — pergunto, pedindo outra rodada para nós três.
Meu irmão parece um tanto inseguro de dar nome aos bois, mas depois
de um instante em silêncio, uma longa respiração profunda e com uma dose de
coragem, consegue.
— Bibiana Smith.
O nome não me é estranho, mas…
— A esposa do nosso contato em Chicago? — Max fala, quase caindo
para trás na cadeira. Eu, então, associo o nome ao rosto e me lembro da morena
belíssima que sempre acompanha o nosso traficante número um. Ele cuida de
um número considerável de laboratórios e faz uma espécie de consórcio na área
para nós. Sua droga é coisa boa.
Nunca tivemos problemas com ele e já estivemos juntos, claro. Em
festas, eventos, celebrações, reuniões…
Sua esposa, no entanto, veio poucas vezes. Mas pelo visto, foi tudo que
precisou para se tornar a deusa dos sonhos do meu irmão.
— Caralho, moleque, tu também não sonha pequeno né…
— Eu nunca nem mesmo falei com ela, mas… — suspira, parecendo
quase derrotado. É humilhante. — Mas sei que tem vinte anos. Guardo a sua
ficha, junto de uma foto sua, do lado da cama e a vejo de vez em quando…
Dessa vez, é bem difícil segurar a risada.
Difícil do tipo impossível.
Eu e Max quase nos esgoelamos, rindo tudo que devemos e não
devemos. Lorenzo apenas bebe em silêncio.
— Lorenzo Crispino Accorsi, pelo amor de Jesus, isso não pode ser
verdade…. Você está querendo me dizer que não fodeu ainda por que seu pau só
levanta pensando numa garota de Chicago? Casada com um traficante? De quem
você guarda uma FOTO, como um maldito pervertido?
Lorenzo estala a língua.
— Eu nunca usei a foto para nada disso. Não seja nojento.
Deus, que bagunça.
— E você pretende… hm… esperar por ela? — pergunto, tentando ser
compreensivo. Até toco em seus ombros, lhe oferecendo apoio do meu jeito.
— Eu não sou idiota a esse ponto, Luca — resmunga, empurrando minha
mão. — Eu vou transar quando sentir que for a hora. Agora, temos muito mais
para nos preocupar, como a fodida guerra que está destruindo nossa cidade.
Deixem meu pau longe dos seus pensamentos, por favor.
— Eu vou manter ele nas minhas orações, Enzo, não se preocupe. Você
sair dessa, primo. Estamos com você.
Eu acordo no sábado sentindo que minhas costas pedem socorro. Meus
pés parecem pães de tão inchados e sinto todo meu corpo latejar aqui e ali, em
partes que nem sabia existir. Pelo menos, Luca está dormindo ao meu lado e
parece bem longe de acordar, com o rosto afundado no travesseiro.
A parte boa dele voltar exausto para casa é essa. Acordo primeiro todos
os dias, porque nosso filho simplesmente não quer me deixar dormir e posso
observá-lo sem culpa, como a esposa encantada que eu sou.
Ele é maravilhoso dormindo, assim como é acordado. Mas nessa
manhã… Ele está especial. Talvez sejam os hormônios de gravidez ou apenas
seu cheiro funcionando em mim, eu não sei. Mas sua boca parece mais atraente,
seus braços maiores e eu gostaria muito que acordasse para que eu pudesse
beijá-lo (mesmo com nossos bafos matinais).
Então o bebê chuta, eu me assusto e isso resolve o problema, pois
desperta o seu pai, que já abre os olhos em estado de alerta.
— Quê? Que foi? Está tudo bem?
Eu rio da sua confusão mental e mantenho as duas mãos sobre nosso
menino.
— Acho que ele só queria dar bom dia para o papai.
Luca deita a cabeça de novo e solta uma longa respiração, relaxando os
músculos. Como é possível, já acordar tenso?
— Bom dia, querida — sussurra, abrindo os olhões azuis para me
encarar. Eu amo ser a primeira a vê-los.
Será que o bebê vai ter seus olhos?
— Bom dia, querido.
Abusada, roubo um selinho dele. Ele ri e se senta na cama.
— Nada como o seu doce bafo matinal, senhora Accorsi…
— Obrigada. Guardei só para você, marido.
O bebê chuta fraquinho e eu rio.
— Ele não gostou que você falou de mim.
— Ah, é? — Luca ri e bagunça seu cabelo. Então, faz a coisa que mais
amo em todo mundo e se aproxima da minha barriga, puxando a camisola para
cima. — Não seja abusado. Eu ainda sou seu pai, mesmo que ela vá ser sua
favorita.
— Não ameace o menino, Luca… — digo, rindo.
— Não é ameaça. É minha forma de mostrar que estou aqui mesmo que
você passe o dia inteiro falando de mim para o garoto.
— Ninguém mandou você falar sobre meu bafinho…
Ele ri.
— Você está sendo delicada demais agora, linda.
Eu relevo sua opinião idiota e ele se abaixa, beijando bem acima do meu
umbigo.
— Bom dia para você também, filho.
É o suficiente para me fazer lacrimejar, como a tonta que eu sou. Mas eu
disfarço bem e logo estamos entrando e saindo do banho, com um dia cheio pela
frente.
No café da manhã, estamos apenas os dois e ele estranha.
— Sua mãe e suas irmãs já foram para o salão? — indaga, e eu assinto,
tomando longos goles de suco.
— Sim, acabamos nos atrasando um pouco… Elas foram antes.
— Sem problemas. Eu te levo até lá. Aliás, pode ser uma boa chance
para discutirmos um nome.
— Nome? — questiono, desentendida.
— Para o bebê, Rebecca… Ele ainda precisa de um.
Oh.
Meu Deus.
— Eu também tinha esquecido… — comenta, despreocupado. — Mas
não conte a ele ou você vai deixar de ser a favorita, mamãe.
No caminho para o salão, começamos a sugerir nomes. É um longo
caminho e não somos tão indecisos assim. Não parece ser a maior das questões
para nós, embora seja algo bem decisivo.
Terminamos o trajeto com três opções.
Nathanael, Nicholas ou Gabriel.
Luca gosta dos três, mas eu tenho uma paixão inexplicável por
Nathanael.
— Me ligue quando estiver pronta. Eu venho buscá-la.
Ele me leva até a entrada do salão no Upper East Side e reconheço os
seguranças da minha família, que já estão parados na frente do estabelecimento,
junto de outros soldados Accorsi. Roger e Mathias param ali também.
— Não vai treinar hoje?
— Não. Preciso estar inteiro para as fotos daquele fodido circo.
— Ei…
— Eu sei, eu sei. Família e tudo mais.
Assinto com a cabeça e ele me dá um beijo antes de sair. É leve,
despreocupado e carinhoso.
— Se cuide.
— Você também.
Ele abre a porta para que eu entre e aceno em despedida. Só sai da frente
do estabelecimento quando estou sentada na cadeira.

Horas depois, estou me sentindo surpreendentemente bonita em meu


vestido. Me admiro no espelho no modelo em um tom clarinho de dourado, com
pedras costuradas no busto em formato de coração. A saia é leve o suficiente
para que eu não pareça nem um bolo, nem uma melancia e com a maquiagem
impecável, não poderia me sentir nada além de linda.
Não passa das seis da tarde e todas as meninas também estão prontas,
rindo e tirando fotos. Dona tira várias comigo e Angelina e eu puxo minhas
irmãs também. Rosalind e Verônica foram para casa há algumas horas, para
verificar as coisas, por isso somos apenas nós, nos divertindo como mulheres
normais.
— Quando o bebê for grande, ele vai amar ver como a mãe dele estava
linda com ele dentro da barriga! — Angelina diz, sorridente. Eu concordo e
julgo todas as fotos como lindas.
É bom ver que ela já está recuperada, aliás. Não ficou nem de longe tão
mal quanto eu após o ataque, o que faz com que eu me pergunte para quais
terrores foi preparada durante a vida.
Passo a mão sobre a barriga após sentir mais um chute tímido e sorrio,
sentindo meu menininho. A ansiedade de ver seu rosto mal me deixa dormir a
esse ponto. Quero o ter nos braços, sentir seu cheirinho, vê-lo perto de Luca…
Com toda certeza ele vai se derreter quando ver o filho pela primeira vez.
Meu telefone apita e eu o puxo da bolsa. É Luca, avisando que está aqui
na frente.
— Luca chegou! Nos vemos na festa, meninas!
Meu anúncio faz com que todas se despeçam, exceto Petra e Bianca que
vem junto conosco. Saímos do salão com uma verdadeira parede de segurança
dos dois lados, formando uma fila até o carro e eu sorrio ao ver meu marido
escorado contra sua caminhonete, lindo de um jeito despreocupado, sem nem
fazer esforço.
Minhas irmãs o cumprimentam e vão no carro de apoio. Eu vou no
principal com ele. Será mais seguro, em caso de ataques.
Me aproximo e ele coloca as mãos em minha cintura, puxando-me para
perto.
— Você está planejando me matar linda desse jeito? — sussurra, me
fazendo corar. A calçada parou para nos ver. Os espertos dão meia-volta ao ver
os homens armados — Romeu não tem nem chances de me atingir perto de
você, Beca.
— Você é muito besta… — brinco, espalmando as mãos em seu peito.
— É, mas você me ama, sendo besta ou não…
Ele me rouba um rápido selinho e abre a porta do carro. Atrás de nós,
Donatella e Angelina riem da cena. Ele acena para as parentes.
— Vamos para casa. Preciso me arrumar se quero ser o cara certo para
acompanhá-la nessa noite.
Eu entro primeiro e ele vem em seguida. Meu estômago está cheio de
borboletas e sei que não são pela velocidade com que dirige. São por causa dele.
Por causa do que se tornou. Por causa do que sempre teve capacidade de ser.
E eu duvido que um dia me acostume a ver quão sortuda eu fui.

Uma hora depois de chegarmos em casa, Luca está pronto. E lindo.


Eu queria que fosse assim para nós mulheres também.
— Eu gosto de Gabriel também… É um nome forte — opino,
terminando de ajeitar o casaco do seu smoking. — Nathanael não parece filhinho
da mamãe demais para você?
— Nathanael é perfeito, Becky. Nathanael Accorsi. Consegue imaginar a
força que um nome como esse terá nas ruas?
Ele sorri feito bobo.
— E vamos ser sinceros, você vai mimar esse garoto de qualquer jeito…
— Como é?
— Todos sabemos exatamente o tipo de mãe que você vai ser, B. Não
precisa fingir. Superprotetora até o talo. Não vai deixar o moleque toque numa
arma antes dos dez.
Engasgo numa tosse preocupada.
— Eu nem sabia que isso era uma opção válida na sua cabeça, querido…
— rio, olhando para seus olhos. — Meu filho não tocará em nenhuma arma letal
antes de ter capacidade de saber o que é uma.
— Hm, me desculpe, mas não… Pode atrasar a iniciação dele. Fazer com
que ele seja inferior aos primos. Max com toda certeza vai treinar os seus desde
a barriga e Nate será o chefe. Precisa ser melhor do que todos os outros.
— Max vai ser pai? — pergunto num tom de voz esganiçado. Posso jurar
estar suando frio agora só de imaginar quem poderia ser a mãe.
— Claro que não.
— Espera, então você está criando uma competição do nosso filho, que
existe, que está na barriga, com filhos imaginários de Max que ainda nem
saíram do corpo dele?
— Exato.
— Você percebe como isso é apressado, Luca? Quase desesperado, eu
diria…
— Tudo que eu percebo é como você é a mulher mais linda de todas.
— Não seja um puxa-saco. Não vai adiantar.
— Não estou puxando saco. Estou te elogiando. E claro, tentando te levar
a crer que nosso filho vai se dar muito melhor se iniciar os treinamentos com
faca aos sete anos…
— Há! Jamais, Luca! Jamais!
Vou até a cama e pego minha bolsa. Ele fica rindo atrás de mim, como o
idiota que é.
— Estou brincando…
— É bom que esteja mesmo.
Vou até o espelho e ele vem atrás. Luca tem essa mania quando estou
brava, de ficar me rodeando.
— Não vai nem dizer o quão bonito eu estou?
Bufo.
— Você também está muito bonito, Luca.
Ele gruda seu peito nas minhas costas e fecha as mãos sobre minha
barriga.
— E isso faz com que eu me pergunte… Será que o mundo está pronto
para um filho nosso, senhora Accorsi? — respira fundo. — Será que não nos
precipitamos?
— O que você quer dizer com isso?
— Beca, pense comigo… — ele me gira e apoia as mãos sobre a minha
bunda. — Comigo como pai, você como mãe… O que sairá da sua cabeça em
poucos meses será simplesmente a criança mais linda do país inteiro. O mundo
pode não estar preparado para isso, linda. Temos de pegar leve com eles.
Eu tento segurar minha risada, enquanto decido se ele fala sério ou não,
mas não consigo.
— Eu já falei que você é um besta hoje?
Dá de ombros.
— Sim. Mas já escutei coisa pior. E continuo sendo um besta com um
DNA incrível.
O modo descontraído como ri e fala comigo me dá vontade de beijá-lo e
é isso que eu faço quando o silêncio se faz presente. Passo os braços ao redor
dos seus ombros e grudo nossas bocas, conduzindo a dança das nossas línguas.
Luca se responsabiliza por aumentar a intensidade do carinho e me puxa
para ainda mais perto, mantendo Nate entre nós, protegido. Eu penso que terei de
retocar meu batom, mas não me importo.
Sua boca é macia o suficiente para que se torne minha prioridade e
quando o ar se torna escasso, ele toma a decisão de nos afastar. Eu noto o pau
rígido marcando na calça fina e sorrio, mordendo a boca.
— Acho melhor irmos indo…
— Antes que você me leve para a cama?
Ele ri, assumindo a culpa.
— Exato. Não sairíamos hoje dali.
E se não saíssemos? Perder uma festa insuportavelmente longa seria
ótimo. Meus pés agradeceriam
— Concordo… — digo, meio incerta. Então ele se responsabiliza por nos
conduzir para fora do quarto e eu concluo que nunca poderemos descobrir o que
teria acontecido se apenas tivéssemos decidido ficar em casa.

Descemos de elevador até o subsolo e reconheço os carros de sempre.


Roger e Mathias estão na frente deles, conversando com outros rapazes da
segurança que já conheço, mas se viram em total estado de alerta quando outro
carro se junta a reunião.
Luca aperta minha mão com mais força e analisa o veículo até que pare a
nossa frente.
E Max desça.
Vestido num smoking belíssimo, com os cabelos penteados para trás e
um sorriso cretino de quem não vale nada.
— Oi, casal! E nossa senhora, que coisa mais linda é essa que eu vejo
aqui?
Ele me cumprimenta com um beijo grudento na bochecha.
— Parabéns, Rebecca. Você está nota dez nesse vestido. Arriscaria até
um doze…
— Pare de olhar para minha mulher — Luca rosna. — O que você está
fazendo aqui, Maximus?
— Lembra das recomendações? Devemos andar em pares. Meu pai
praticamente me forçou a ser o seu.
— Pensei que se garantisse sozinho — arrisco e vejo o loiro sorrir. Nossa
relação melhorou muito ao longo dos meses. Ele é o melhor amigo/alma gêmea
do meu marido, no final das contas.
— Você sabe perfeitamente que sim, italianinha, mas você vale por dois.
E Luca é um homem só, pelo amor de Deus! Deixe-me ajudá-los! Parem de ser
tão chatos!
Luca revira seus olhos e coloca a mão em minha cintura.
— Tanto faz.
— Ótimo! Vamos logo. Mal posso esperar para ver as filhas dos
subchefes… quantas vocês acham que eu consigo pegar hoje?
— Nenhuma, se elas tiverem amor-próprio — provoco. Ele ri.
— Você sabe muito bem que elas não têm, prima…
Ele ri ao fechar minha porta e ir para seu carro e eu concluo que será uma
noite divertida.
*
O silêncio no carro durante o trajeto é tão confortável quanto
desconfortável. Os guarda-costas vão na frente e como de costume, mal parecem
estar respirando, alheios a tudo que acontece atrás, entre nós dois.
E posso dizer que há muito acontecendo.
Luca tem sua mão por dentro da saia do meu vestido, a boca
perigosamente grudada no meu ombro. Estou suando por inteira e acho que devo
estar uma bagunça, mas os dedos do meu marido fazem sua mágica, deslizam
pelos meus lábios e me fazem amaldiçoá-lo mentalmente por ser tão sortuda.
— Nós sempre podemos desviar e—
Ele começa, mas eu não o deixo terminar.
— Aniversário de casamento dos seus pais, Luca.
Interrompo em um sussurro indiscreto e me afasto, tentando me
recompor. Ele puxa sua mão de volta.
— Eu torço pela separação há anos. Ou para que ele apenas caia morto e
nos livre da sua infeliz companhia.
Eu me acomodo no banco.
— Iremos pela sua mãe e ninguém além dela.
Ele não pode ir contra isso, porque sabe que eu não vou voltar atrás, nem
ele tem opção de fazer isso.
Alguns minutos depois, o seu telefone toca e ele resmunga alguma coisa,
puxando-o do bolso.
— É Max — comenta, confuso. Eu olho para o espelho, assim como
todos os homens presentes no carro, e tento ver se ele ainda está atrás de nós.
Mas não o encontro.
Luca coloca o telefone no viva-voz, dado minha curiosidade alta.
— Max? Alô?
— Oi, cara. Então, é o seguinte… Nós temos um problema.
Sua voz parece estranhamente tensa para ele. Estranhamente tensa para
que tudo ainda esteja bem.
— O que houve? Onde você está? Não vejo mais o seu carro.
Silêncio.
Então ouvimos o que não queríamos.
— Olá, Luca.
Romeu.
Beca me encara com uma confusão que é explícita. Pelo seu bem, tiro do
viva-voz e trago o telefone até o ouvido.
— Que porra você está fazendo dessa vez, seu filho da puta?! Onde está
o meu primo?
— Do meu lado. Mas admito, a boneca está um pouco nervosa hoje.
No fundo, posso ouvir meu primo gritar.
Algo como eles estão com Angelina. Algo perto do nosso pior pesadelo.
— Angelina? O que… Max!
O som de um soco é ouvido por mim. Puta merda.
Que pesadelo do cacete.
— Deveria investir mais em segurança, Luca. — Romeu diz, assumindo
o controle da chamada. — Os soldados que colocou para proteger sua prima…
tsctsctsc. Lamentável.
Eu fecho meus punhos e calculo o que pode ter acontecido. Havia
segurança em dobro no salão… Dona estava com Angel…
Porra, Dona…
— Ligue para Donatella, Rebecca — ordeno e minha esposa puxa o
telefone, meio atrapalhada.
— Ah, não se preocupe. A outra Accorsi ficou. Eu cumpro com a minha
palavra, Luca.
— Que palavra, seu fodido do cacete? Que porra de psicopatia é essa
pela minha prima? Você não tem mais o que fazer, seu cuzão do caralho? Acha
que vou ficar com medo de você porque toca na minha família? Saiba que só vai
me dar mais motivos para arrebentar a sua cara de merda.
— Belo discurso. Emocionante, até. Max certamente está chorando
aqui… Já Angelina é um pouco mais durona. Bela garotinha que o seu tio criou,
hm… — Ele pausa como se estivesse avaliando alguma coisa. — Acho que
matar meu pai deu a ele mais coragem para ser um homem.
— Não toque nela.
Minha ameaça parece tão vaga, sem conseguir ver o que está
acontecendo, sem saber como ela está, se meu primo está a um passo da morte
certa, se ele teve a coragem de encostar em Angel…
Meu corpo ferve e eu faço dois sinais para o motorista.
— E chega desse circo. Onde devo encontrá-lo?
Porque é óbvio que é sobre isso.
— Hm… Você tem cinco minutos para chegar até os portos de onde sua
família despacha sua cocaína. Acha que consegue? Seu primo não tem mais do
que isso.
Porra.
Não vou ter tempo de colocar Rebecca em nenhum lugar seguro.
Caralho, caralho, caralho.
— Eu vou destruir você.
Romeu gargalha como se fosse uma piada.
— Vou adorar ver você tentar, americano.
E desliga.
— Para o Porto, Mathias. Agora. Eles têm Max e Angelina.
O motorista afunda o pé no fundo do acelerador e Nova York se torna um
borrão no fundo. Rebecca mantém a mão sobre o peito e é claro que está
chorando. Eu também estaria no seu lugar.
— Lu…
— Você vai ficar no carro, certo? Nem um passo para fora daqui. Mathias
e Roger ficarão com você. Chamem reforços.
Ambos assentem e uma série de chamadas tem início.
— Luca, mas você…
— Eu vou ficar bem, Beca.
Puxo a arma que guardava na calça e a destravo. Outra da cintura.
Recarrego. Então me livro do casaco do smoking e subo as mangas da camisa.
Porra, porra, porra…
O porto se torna visível em menos de dez minutos, o que é uma
vantagem. Romeu sabia que não chegaríamos no tempo estipulado e sabe que
isso só vai foder ainda mais com minha cabeça.
Mal consigo pensar quando o carro para atravessado em um dos galpões
vagos, onde ordeno que fiquem com Rebecca. Há caixas altas de carga ao nosso
redor e ela ficará bem.
Ficará.
Tem que ficar.
Estou me virando para descer do carro quando ela agarra meu braço e me
impede. Está tremendo por inteira, os olhos arregalados, com a boca entreaberta
como se lhe faltasse ar.
— Becky…
— Luca, por favor, não vai. Você pode… eles… hm, os soldados e… os
reforços…
Eu seguro seu rosto e tento fazer com que olhe apenas para os meus
olhos.
— É a minha família, Rebecca. Eu não posso deixar isso na mão de
qualquer outro. Eu não confio em ninguém além de mim para tirá-los de lá.
— Eu sei, querido, eu sei… — vejo em seu rosto que em nenhum
momento acreditou que eu não iria — Eu só quero que você volte. Por favor.
Eu abro um sorriso no canto da boca e escondo qualquer que seja o
sentimento ruim que me domina a cada instante, apavorando-me até o osso,
— Você nem vai perceber que eu saí.
Então eu empurro a porta do carro e desço.

Consigo ouvir apenas os sons dos meus próprios batimentos cardíacos


enquanto atravesso o porto vazio. Romeu certamente deu um jeito nos homens
daqui e interrompeu o funcionamento das coisas.
Como ninguém pode ter percebido?
Sozinho, posso ser ainda mais cauteloso, enquanto averiguo os galpões
vazios. Não sei em qual encontrarei minha família, nem tenho um plano para
conseguir pegá-los, mas preciso continuar. Cada minuto aqui é um minuto a mais
que eles passam no domínio de um maníaco que não tem motivos para não os
matar.
E eu nunca me perdoaria por isso.
Ordenei que os soldados movessem Rebecca para longe, aliás, e espero
que já tenham saído. Talvez ela reclame, mas não posso fazer o que preciso se
souber que ela está aqui perto dessa desgraceira toda.
Depois de meses de combates e ataques, dois lados brigando por uma
cidade, explosões e invasões, é cômico ver que tudo pode terminar aqui, comigo
sendo meu próprio exército, tendo apenas uma arma e nenhum reforço.
Diminuo meus passos conforme me aproximo de um dos últimos
galpões. O som seco de um soco me faz parar definitivamente e ao escutar o
barulho de um corpo sendo jogado contra o chão, me esgueiro até a porta,
espiando o que acontece lá dentro.
Avisto um círculo formado por homens armados até os dentes, a maioria
de costas para a entrada. No centro, algo está acontecendo — alguém está
apanhando.
Há caixas nas entradas, o que permite que eu continue indo, chegando
mais perto. Desse jeito, posso ver que quem está no centro, jogado no chão, é
Max. Angelina está logo atrás, amarrada numa cadeira, amordaçada, sem ter
como pedir ajuda. Os olhos estão inchados, lágrimas deslizam pela sua face e
todo golpe que Max leva, parece doer nela.
— Vai ficar só espiando, Luca? — Romeu fala meu nome do centro e
ajeita as mangas, sem se dignar a virar para me procurar.
O que deve significar que sabe exatamente onde estou desde que entrei.
— Ou vai se juntar à festa?
Ele se inclina e puxa Max pelo rosto. O seu rosto está inchado, sangrando
por todo canto e posso ver que ele apanhou como um fodido cachorro. Romeu
descontou toda sua raiva nele.
Eu não faço a mínima ideia de como ainda está acordado.
— Solte-o — digo, andando na direção do caminho que permite que
todos me enxerguem. Meus passos são firmes, o único som em todo galpão,
quem sabe em todo porto, e Romeu se vira, ainda mantendo Max sob seu
domínio, para me oferecer um sorriso de boas-vindas. — Solte-o e eu resolvo as
coisas com você. O seu problema é comigo.
— Não, querido. O meu problema é com o fodido que resolveu que
matar meu pai era um direito seu.
Ele me olha.
— E você sabe muito bem que o fodido que fez isso foi Ricardo Accorsi.
Não o porco gordo do seu pai.
Eu encaro Maximus. Não sei o que ele parece querer dizer com seu olhar,
muito menos tenho qualquer noção de como sairemos dessa bagunça sem que
eu, ele ou Angelina sejamos pegos, mas não desistirei antes de todas as
possibilidades serem esgotadas.
— Eu fico no lugar dele.
— Não fala merda, Luca! — Meu primo esbraveja do chão e eu analiso
seu estado. Talvez mal possa correr. Se eu for até ele, provavelmente terei que
carregá-lo.
— Ah, Luca… — Romeu ri, aceitando um pano para limpar as mãos.
Eu me pergunto onde está Rodrik pela primeira vez.
— Por que eu me contentaria com um, se posso ter todos?
Ensaio algo para dizer, minha mente funcionando a mil por hora, mas não
tenho chances de realmente falar, pois algo acerta minha nuca e me derruba. Um
golpe forte o suficiente para me deixar no chão e manter as coisas zonzas por um
instante. Tentando não ceder, apoio minhas mãos no chão úmido e praguejo,
sentindo a dor se expandir e se reproduzir em vários pontos das minhas costas.
Erro de principiante.
Burro!
Então uma corda é passada entre minhas mãos por alguém que me
mantém no chão com o pé sobre a minha cabeça e sou içado para cima, arrastado
até o centro do galpão.
Foda-se essa merda.
Me atiram ao lado de Max, de joelhos na frente do seu chefe.
— Gosto mais de você assim, americano… — Romeu murmura, um
sorriso insistente decorando sua boca. — Em silêncio.
— Deixe a minha prima ir e te daremos o que quiser.
— Não seja tolo, Luca… Você não pode me dar o que eu quero. Nem seu
primo imbecil. Mas ela… Ah, eu posso pensar em uma ou duas coisas que a
doce Angel poderia me dar.
Ele faz sinal e um soldado se aproxima dela. É o suficiente para fazer
Max rosnar e se debater, disposto a rasgar a própria carne para se livrar das
amarras que o impedem de proteger a irmã. Eu tenho os pés livres, mas não
adianta de nada se não poderei disparar.
Então preciso esperar.
E assistir enquanto Romeu puxa minha prima pela cintura e tira a
mordaça da sua boca.
Ela usa o vestido de festa, aquele que usava quando me despedi dela no
salão, mas sua maquiagem está borrada. Culpo o medo e o temor pela própria
vida por isso. O cabelo loiro está solto, bagunçado com todo seu corpo exalando
o mais puro terror pela proximidade do inimigo. Se encolhe, tentando fugir do
controle dele e não consegue.
Max não consegue se soltar.
Eu não consigo pensar.
— Era o nome da sua avó, certo? É uma homenagem realmente especial,
Angelina… — Ele ousa tocar no rosto dela e desliza seu dedo imundo por sua
pele. Minha prima soluça, sua boca treme. — Você deveria se sentir feliz,
querida. Por que chora tanto?
Seu sotaque me enjoa, a ideia de que ele cobice minha prima me mata
por dentro e tenho certeza de que faz pior ao seu irmão.
Max começa a urrar, a única coisa que consegue fazer com a boca presa e
eu olho para ele, tentando entender o que diz ou o que me pede.
— Eu poderia cuidar muito bem de você, pequena, você sabe disso?
— Eu só q-quero ir para casa… — gagueja. Nunca pareceu mais jovem
do que agora, na frente de um homem com quase o dobro da sua idade. Angel só
tem quinze anos, porra.
Porra.
Max volta a urrar e caí para a frente. Todo preso, rasteja e eu decido que
já chega dessa merda.
Romeu também parece irritado.
— Tire a mordaça dele. Quero ouvir o que ele tem a dizer sobre mim e
sua irmã. Certamente fazemos um bom par, não é? Pode imaginar como seria ter
nossos sangues misturados?
O mesmo soldado que me derrubou se aproxima e rasga o pano da boca
de Max com uma faca. Meu primo gira e fica em seus joelhos novamente, o
rosto marcado pela força com que foi preso.
— Você é um homem morto — determina, nunca tendo falado com mais
certeza do que agora.
Mas Romeu ri, como se já tivesse escutado isso milhares de vezes.
— Você não vê? É o que todos somos, Max. É por isso que as leis
humanas não se aplicam a nós. Por isso que sua irmã agora será o que diabos eu
quiser e tudo que você pode fazer é rastejar para tentar salvá-la.
— Se não tivesse medo do que posso fazer, não teria me amarrado,
Romeu.
O chefe russo pragueja em sua língua e vira com um chute certeiro no
peito de Max. Meu primo rola e cai perto dos meus pés.
— Como eu disse… Rasteja, filho da puta.
O som da raiva de Max pode ser escutado, mas agora preciso que ele use
a cabeça. Olho na sua direção e dou a sorte de receber sua atenção. Um olhar é
tudo que ele precisa.
— Agora… Onde estávamos, princesa?
Angelina ainda tenta fugir, se encolhe, tremendo sob o toque invasivo e
pegajoso do homem que a mantém cárcere, mas não tem chance nenhuma contra
a força dele. Por isso, Romeu Ivanov consegue colar sua boca na da nossa
prima.
Por isso ele consegue fazer com que eu espume de raiva.
Depois que seus lábios se afastam dos dela, no entanto, tudo acontece
muito rápido. O elemento surpresa está ao nosso lado e após Max alcançar a faca
enfiada por dentro do meu sapato e cortar as cordas dos pulsos que estavam
cobertos por seu corpo, sem que ninguém visse, ele consegue se erguer e crava a
faca na coxa do homem atrás de nós dois, girando todo seu corpo.
Romeu grita alguma coisa e tiros são disparados. Eu faço o mesmo
movimento que Max, rolando com toda força que consigo até sumir atrás de uma
pilha de caixas. Os tiros atravessam a madeira e eu me mantenho abaixado.
Meu primo está do outro lado do galpão, cravando a faca no pescoço do
soldado que derrubou e roubando suas armas, então eu preciso me libertar do
meu jeito.
Respiro fundo e desloco o dedo. A dor é fodida para cacete, mas as
cordas escorregam depois disso. Não é como se meus ossos fossem todos bem
cuidados e novinhos de qualquer jeito.
Com as mãos livres, posso sacar minhas próprias armas e revidar os
soldados. Um deles está perigosamente perto e eu acerto seu joelho, então ele cai
e eu atinjo sua cabeça.
Aproveito o segundo de folga e busco por Angel. Ela não foi atingida, é
claro, pois é o trunfo de Romeu. Acompanho o movimento dos soldados, em
formação conhecida, e reconheço a figura do chefe russo no meio deles.
— Precisamos chegar até aquele carro antes que eles saiam! — grito,
minha voz se fazendo mais alta do que o som dos tiros. Maximus dispara com
eficiência máxima, o rosto escondido por uma máscara fria que o mantém
racional.
Muito está em jogo agora.
— Eu vou por aqui, você por ali — anuncia, tomando a frente e eu
assinto, correndo para o outro lado.
O galpão é amplo, mas é dividido por caixas que o diminuem, tornando-o
um verdadeiro labirinto. No centro, os homens de Romeu foram capazes de abrir
espaço, chutando algumas cargas para longe, mas nas extremidades, ainda
existem caixas o suficiente para que possamos passar ao lado delas sem sermos
vistos, ganhando vantagem sobre os soldados que vem do lugar no qual estavam
concentrados.
Me enfio no estreito espaço entre as caixas e a parede e corro, mantendo
a cabeça erguida e a arma empunhada. Atiro a qualquer sinal de movimento e
sou fechado por dois soldados. Eles fazem o mesmo que eu, mas sou mais rápido
e posso acertar a mão de um, enquanto desvio do tiro de outro e o derrubo em
seguida, descarregando meu pente na sua cara de merda.
O caminho é árduo até estarmos no meio aberto, porque os homens de
Romeu não param de vir, mas com alívio, logo avisto Max e ele acena para mim,
seguindo para fora.
A noite nos recebe com um vento frio e nossos olhos funcionam como
detectores de movimento, tentando prever de onde vêm os próximos disparos.
— LUCA! NO CHÃO!
Então meu primo me empurra pelo ombro e nós dois escapamos de
disparos de uma fodida submetralhadora, arma que está nas mãos de Romeu, que
acaba de reaparecer. O carro está logo atrás dele e sabemos que Angel está ali.
Mas dei com tudo no chão e agora todo meu corpo reclama.
— Não ousem matá-los no meu lugar! — Romeu berra, se sentindo o
fodido dono da noite ou coisa parecida.
Eu vou destruir cada pedacinho dele.
— O que houve com seu braço? — Max pergunta, enquanto temos um ou
dois segundos de folga. Ignoro a dor, mordendo minha boca até arrancar sangue
e recarrego a arma. Ele tem uma submetralhadora, mas que se foda. Eu o
enfrentaria até mesmo se tivesse apenas uma faca de pão.
É sobre coragem, no final das contas.
— Está fodido, mas foda-se. — Faço o resumo da ópera em meia frase e
me viro, atento aos movimentos de Romeu. Ele anda de peito aberto, estufado,
como se não temesse nada. — Eu não vejo Rodrik.
— Ele estava aqui antes. Saiu quando você chegou.
— Quê?
— Talvez tenha ficado com medo. — Max diz, ainda achando este um
momento oportuno para gracinhas.
Mas minha cabeça agora só consegue pensar em Rebecca.
Por Deus, que ela tenha saído daqui.
— Vamos resolver essa merda — digo, mais decidido do que antes a sair
e apenas estar ao lado da minha esposa, ignorando toda essa porcaria.
Eu só preciso saber que ela está bem.
— Certo. Mas me diga como vamos fazer isso, sendo dois homens contra
vinte? E o fodido chefe psicopata deles tem uma metralhadora!
Então nós ouvimos.
E olha, vou ser sincero, eu nunca acreditei muito em Deus, ainda mais
vendo o tipo de coisa que vejo todo dia, mas quando o som de uma verdadeira
tropa é escutado por todos nós logo após a pergunta de Max, fazendo com que os
soldados de Romeu recuem, atirando contra outro ponto que se movimenta, eu
penso que existe sim, alguém cuidando de todos nós. E que esse alguém
realmente não quer me receber tão cedo.
Com alívio, reconheço Lorenzo na frente da equipe de mais de trinta, que
se espalham pelo espaço, dominando tudo aos poucos. Donatella está logo ao seu
lado, vestida em trajes de luta da cabeça aos pés e atira com a mesma destreza
que é esperada de um Accorsi. Meu sangue ferve em resposta a dominada deles
e posso ver que temos chances. Que Romeu não perde por esperar pelo final que
receberá por se meter conosco.
— Aí está a sua resposta — digo e então nos juntamos à disputa. Meus
olhos buscam por Romeu na confusão, mas como um rato, ele já sumiu. Me
dedico a derrubar todos que consigo.
— Luca! — Donatella atravessa o pequeno espaço até nós dois
disparando e acertando três homens numa corrida digna de filme, então se abaixa
ao nosso lado. — Por que não nos chamaram antes, porra? Que droga é essa?
— Que porra, Donatella? Eu pedi que Mathias e Roger chamassem
vocês! — berro, sentindo que quem vai morrer de pressão alta aqui sou eu.
— Não recebemos nenhuma chamada! Descobrimos que deveria estar
aqui quando recebemos alertas de disparos na área!
— Impossível, porra… Eu mandei que eles saíssem daqui com a Beca.
Eles deveriam ter avisado. Eles só não fariam isso se—
A expressão de Max e Dona passa de preocupação para algo pior.
— Rebecca. Ela não chegou até a mansão?
Como se a situação não pudesse ser pior, minha irmã balança a cabeça,
negando e confirmando meu pior medo.
O desespero toma conta do meu peito e eles assumem a disputa,
enquanto recalculo todas as rotas em minha maldita cabeça.
Mas mando qualquer cálculo para o inferno quando gritos vêm da
direção oposta e me distraem de qualquer puta combate de merda.
— É ela. — É tudo que digo antes de disparar numa corrida sem
precedentes, nem qualquer proteção. Max e Dona berram, Lorenzo se desloca de
onde está para cobrir minha retaguarda e eu apenas continuo, jogando as
malditas armas sem munição no chão para correr ainda mais rápido.
Eu poderia me tornar medalhista olímpico agora.
E estou tão concentrado em chegar no galpão onde deixei minha esposa,
que não noto que ganho companhia. Soldados de Romeu estão atrás de mim,
correndo com o mesmo empenho que eu e amaldiçoo o maldito dia de seus
nascimentos.
Um deles, o mais magro, me alcança com algum fôlego e eu preciso
parar para lidar com isso. Me puxa pelo colarinho e ambos rolamos no maldito
chão quando tropeço, usando seu corpo como colchão. Escuto o som de seu
braço se partindo em dois e chuto sua cara tão forte com o bico do pé que sangue
é a coisa mais simples que consigo.
O segundo, menos desenvolto, apela para a arma e eu sorrio pela sua
coragem de sacar algo assim tão perto do meu rosto. Reverto a situação tão
rápido que meu pai teria orgulho de mim e volto a correr, após derrubá-lo com
os olhos esbugalhados.
Os gritos de socorro estão cada vez mais perto e tudo em mim pede que
eu apenas siga mais e mais rápido. Já não tenho mais forças, os ferimentos novos
reclamam e me atrasam, mas sigo até chegar aonde ela está.
Até encontrá-la com Rodrik.
E Romeu.
Ambos estão armados e de pé e minha esposa está entre eles. O vestido
está uma bagunça, sujo com sangue, amassado e cortado em certas partes. Sua
maquiagem está terrivelmente borrada e ela chora como se não houvesse
amanhã.
Como isso foi acontecer?
Meus olhos encontram a resposta um instante depois, quando encontro
Mathias estirado no chão, ao lado de Roger.
Ambos estão mortos.
— Finalmente, Luca. Até que demorou…
Rodrik fala, respirando e existindo perto da minha esposa. Da minha
doce Beca.
— Luca… — Ela chama, choramingando, parecendo usar toda sua força
para permanecer de pé agora. Aliviado de certa forma, entendo que o sangue não
é seu. Que é dos meus homens. Aqueles que foram mortos por estes irmãos para
protegê-la.
— Não se preocupe, querida — sussurro. — Eu vou tirar você daqui,
certo?
— Owwwwwn, Romeu, olhe! Ele está chamando essa vadiazinha de sua
querida. Que lindo!
Eu dou um passo à frente e assisto as ações de Romeu com cuidado,
estremecendo quando Rodrik abaixa a arma que mantém ao lado da cabeça de
Beca e aproxima seu rosto do dela, tocando sua pele com sua boca nojenta,
respirando no pé do seu ouvido.
Seus dedos sujos de sangue, como as mãos de um assassino, raspam no
queixo dela e a vejo tremer, menos firme a cada instante que se passa.
— Por que você nunca contou ao seu marido o jeito como você gosta
mesmo de ser tratada, Beca? Me entristece ver que você não disse a ele a vadia
malvada que você é. Que ele não sabe do jeito que você gosta…
Ele respira ainda mais fundo no cangote dela e eu não consigo mais
assistir sequer um minuto disso.
Taco o foda-se para Romeu e vendo que ele não pretende me
interromper, ocupado demais observando a cena, empurro Rodrik para longe de
Rebecca e ele tropeça para trás, rindo, como se isso fosse exatamente o que ele
queria.
— Eu te disse que você nunca mais ia fazer isso — falo e acerto o
primeiro soco.
No segundo, consigo sangue de seus dentes. No terceiro, sei que ele está,
de fato, se divertindo com isso.
— Foi um pedido meu, sabia? — ri, mostrando os dentes
ensanguentados. — Poder acabar com você assim.
— Fodam-se seus pedidos.
Então vou acertá-lo novamente, mas ele se defende dessa vez, surgindo
com uma maldita faca que vai de encontro a minha mão e atravessa minha
palma. A dor é excruciante e Beca está berrando, Rodrik está rindo e Romeu se
mantém afastado, observando a gargalhada histérica do louco que chama de
irmão. Noto, com o canto do olho, que está mancando.
Então alguém, de fato, o acertou.
Puxo a faca da minha mão e sinto cada pedaço de mim chorar em agonia,
mas a adrenalina me mantém de pé, firme, lutando pelo que quero e preciso
proteger.
Becky.
Preciso tirar Becky daqui.
O resto não importa.
Meu sangue pinga no chão podre deste galpão imundo e eu pressiono o
ferimento contra minha barriga, empunhando a faca que ele me deu de tão boa
vontade, girando-a entre meus dedos bons. Ainda tenho a coragem de sorrir,
rindo de toda essa merda patética.
— É engraçado como você pode apelar, Rodrik… — sorrio. — Seu papai
não te ensinou a jogar limpo antes de morrer?
Ele aponta o dedo para o meu rosto.
— Limpe sua boca antes de falar do meu pai.
— Que fofo… Você ainda sente falta do papai, Ivanov?
Ele não responde, mergulhado em uma raiva que parece mais profunda
do que qualquer coisa, superior a tudo que alguém controlado pode sentir
— Deixe-me fazer o favor de te mandar até ele, então.
Giro a faca habilmente entre meus dedos e ele acompanha o movimento,
mas cai no simples golpe de fingir que irei acertá-lo em cima, para, na verdade,
puxar outra faca da minha cintura e acertá-lo no estômago.
Ele se engasga no mesmo segundo e vejo o brilho característico que
assume seu olhar. Está assustado pela dor, mas ainda não se rede, embora eu
imagine o que a facada deve estar lhe causando por dentro. A dor agonizante que
deve estar sentindo.
— Irmão…
Ele chama, estremecendo aos poucos.
Romeu não se move.
Rodrik grunhe de dor e eu giro a faca, arrancando cada gota de sangue
que posso do seu corpo. Sua boca se fecha em um círculo e posso ver a vida
deixando-o aos poucos. Posso me divertir muito com isso, enquanto o faço pagar
pelo que fez à minha esposa…
Esposa.
Um clique me lembra de que ela ainda está aqui e desvio minha atenção
do sangue, encontrando a arma que Romeu aponta na direção dela agora.
— Afaste-se do meu irmão, Luca.
Ele não está perto dela, mas o tiro pode acertá-la de qualquer jeito. Ela
não poderia correr rápido o suficiente de qualquer jeito, nem eu. E duvido que
Romeu seja o chefe com uma mira ruim.
Não.
Não.
A morte já estava tão perto…
— Me ouviu, garoto? Afaste-se ou eu mato a vadia e seu filho de merda.
Continuo parado, tentando calcular as saídas. Eu não posso deixar que
Rodrik sobreviva a isso. Não posso perder o triunfo de matá-lo de novo.
Mas de nada valerá ter essa vitória e perdê-la.
— Ou talvez ela não importe tanto assim, certo? Talvez o gosto de
derrubar um inimigo seja melhor.
Romeu ri, banhado em uma insanidade que me arrepia. A mesma que
cobre os olhos de Rodrik e imagino que o tenha alcançado também.
— Essa frieza é demais até mesmo para mim, Luquinha…
Eu me afasto de Rodrik no último segundo, quando ele parece disposto a
concretizar sua ameaça e escuto o choro alto da minha esposa.
Então as coisas acontecem ainda mais rápido.
Solto a faca e Rodrik se responsabiliza por manter a si mesmo vivo.
Romeu ri disso e eu vejo o momento em que seu dedo desliza no gatilho.
Mas eu corri rápido o suficiente para chegar até aqui. E posso alcançá-lo
antes que me tire o amor de minha vida.
Disparo tão rápido que ele é pego pelo choque. Beca, num instinto, se
joga contra o chão e eu o derrubo com a força do meu corpo, batendo sua cabeça
no concreto.
Ele está embaixo de mim e o tiro acerta o teto de madeira. Eu soco seu
maldito rosto, buscando força em cada parte de mim e esmago sua cara de
merda, com ainda mais raiva do que os ferimentos que causei em Rodrik. Sou
apenas eu e meus punhos, pois já não me restam armas. Mas tenho força. E
raiva.
Muita raiva.
E ele tenta reagir, mas nada pode ser páreo para o tipo de ódio que me
domina agora, apodrecendo cada canto de mim, me tornando minha pior versão.
A única capaz de combater um monstro.
Eu só paro quando o choro de Beca se torna mais alto do que a respiração
ruidosa do mafioso. Quando meus punhos estão mergulhados em seu sangue e
seu rosto é uma massa de sangue e ossos.
Mas ele ainda respira.
Ainda luta, mesmo que talvez nunca mais enxergue ou respire direito e
não desiste.
Ótimo. Eu quero que demore.
— Becky… — chamo, rastejando até ela. Meu corpo implora por um
segundo. Meu peito implora para saber como ela está. A alcanço e toco seus
braços, manchando-a com o sangue que arranquei por ela. — Becky, meu
amor…
— Eu estou bem, Luca… Está tudo bem… — diz, o rosto suado,
totalmente abalada por tudo que viu. Eu toco seu rosto e vejo se não há mentiras,
tenho coragem de manchá-la com tudo que me suja. Mas ela precisa me perdoar
por ser quem sou. Foi tudo por ela.
Tudo por ela.
Inclusive dar as costas ao inimigo quando ele ainda não morreu.
— O QUE VOCÊ FEZ AO MEU IRMÃO? — É o berro de Rodrik que
me desperta, tirando minha atenção de minha esposa e do meu filho que ainda
vive lá dentro.
Das coisas mais importantes da minha fodida vida.
Rodrik ainda mantém a faca parada e se aproxima. Mancando, fraco e
pálido não é realmente um adversário, mas ele força com que me afaste de
Rebecca e eu vou, disposto a terminar com tudo isso agora.
Eu sorrio, achando seu desespero meu maior presente. Seu sofrimento, a
coisa mais linda que já vi. Seu corpo está a um passo de colapsar e ele ainda
acha que pode me enfrentar.
Aceito o soco que me dá por pena e cuspo o sangue na direção de seu
irmão, que aos poucos, engasga no próprio sangue, perdendo a capacidade de
engolir, de respirar, de enxergar.
De defender seu pequeno psicopata de estimação.
— Ele foi ver o papai, Rodrik… Você já está atrasado.
O psicopata ri e me atira contra as caixas.
— A faca não foi tão funda assim, Accorsi.
Então se joga sobre mim e para me defender, abro brechas demais,
abraçando seu corpo para mantê-lo longe. E nisso, ele consegue o que queria, me
acertando com uma porrada forte o suficiente para deslocar minha fodida
clavícula, já sensível da queda de antes.
Eu grito e caio no chão, a cara contra o piso. A dor é terrível e em
conjunto com o maldito rasgo na palma da minha mão, se parece com um
pesadelo. Estou num pesadelo. Imobilizado pela dor dos ferimentos, não consigo
levantar, não consigo ver Rebecca, não consigo pensar num jeito de reagir, pois
não consigo nem mesmo ficar de pé.
Rodrik me chuta no chão como cachorro morto e eu grunho, sentindo a
dor se espalhar. Minha visão pisca com pontos pretos e uma dose de morfina
seria ideal agora, pois sinto todos os ferimentos se unirem para me manter
embaixo, parado, sem conseguir superar os pontos pretos que tomam minha
visão.
Mas é só quando ele puxa sua arma, escondida na parte de trás da calça,
que eu entendo que não precisarei de morfina.
Porque eu vou morrer agora.
E nas suas mãos.
Tudo que eu faço enquanto ele posiciona a arma sobre minha cabeça,
acertando a mira, é rezar para quem quer que esteja lá em cima, para que seja
bom com Beca e o filho que carrega.
E aceito meu destino.
Diferente da minha esposa.
Que ficou de pé.
E que acaba de…
Disparar diretamente contra o peito de Rodrik, que vira em reação e atira
sem ver onde, deslizando o dedo no gatilho enquanto cai, sangrando, quase
morto.
Mas Beca sabe onde quer acertar.
Então atira.
Uma, duas, três vezes.
Atira até ter feito um buraco em seu peito, até ter tirado tudo que ele era.
Até tê-lo matado.
Rodrik cai sobre meus pés e eu me sento, tentando lidar com a dor que
sinto e o alívio que me invade por ver que estou vivo, que saímos juntos dessa,
que não é agora que eu vou conhecer o capeta e deixar minha mulher sozinha,
torcendo para que esse medo nunca mais seja real dentro de mim. Para que isso
nunca mais seja uma possibilidade.
Mas toda essa felicidade cai por terra quando me viro e coloco os olhos
sobre Beca.
E sobre os tiros que a acertaram na barriga.
Disparos estes, que a derrubam apenas um segundo depois, acabando
com tudo que eu um dia jurei ter como garantido.
Tudo que um dia sonhamos.
Tudo que um dia amei.
Naquela noite, Luca segurou minha mão. Até que a lua sumisse e o sol
aparecesse.
Tenho vagas memórias depois de acordar do sedativo, dele ali, parado do
meu lado, com o braço praticamente dormente e os olhos abertos, como se cada
respiração minha anunciasse um risco diferente para o qual ele deveria ficar
atento.
Nos primeiros dois dias, meu marido não saiu do meu lado. Tomou
banho no mesmo banheiro que eu, recebeu toda comida no quarto e recusou
qualquer ligação ou convocação, colocando seu pescoço em risco por algo maior
do que qualquer outro poderia entender.
Quando seu pai nos visitou — a contra-gosto e sem convites —, na
companhia de Rosalind, ele perguntou por que ainda estávamos no hospital.
Então, com toda pompa e indiferença de um estranho, Antônio Accorsi disse que
essas coisas aconteciam. E que deveríamos apenas nos preocupar em produzir
“um mais forte”.
Um mais forte.
Como se toda vida de Nate estivesse definida na oportunidade que lhe foi
roubada. No ato cruel que o arrancou de nossas mãos antes mesmo que os
conhecêssemos e eu pudesse dizer a ele o quanto o amei no tempo limitado que
tivemos. O quanto o desejei mesmo sem saber como seria e o quanto seu pai
estava ansioso em conhecer um novo lado de si mesmo ou o quão preparado
estava para segurá-lo em seus braços, tornando-se disposto a fazer de tudo para
sua proteção.
Disposto até mesmo a morrer, como esteve naquele dia, para que
tivéssemos alguma chance.
Mas como poderíamos ser felizes sem ele? Como eu poderia viver,
sabendo que não havia lutado pela vida do meu marido? Que não havia feito
tudo em meu alcance para protegê-lo?
Fiz o mesmo juramento que ele.
Até que a morte nos separe.
E quando me levantei e empunhei aquela arma, não era minha intenção
que ela chegasse para qualquer um de nós três. Não era minha intenção que…
Nate.
Meu pequeno e esperado Nate.
Que não resistiu aos ferimentos do tiro disparado pelo inimigo.
Não permitiram que eu o visse. Uma cesárea de emergência foi feita e
pelos relatos do médico, eu quase não sobrevivi também. Foi uma situação do
tipo eu ou o bebê, mas a tomada de decisão foi feita pelo próprio médico. E eu
fico muito feliz que este não seja mais um peso nas costas de Luca.
Ele já vêm carregando tantos nos últimos seis meses.
Lidar com o meu luto se tornou sua preocupação número um e oh, como
eu exigi mais do que deveria de um homem que também precisou aprender a
lidar com suas dores, pela primeira vez na vida. Mas em nenhum momento ele
soltou a minha mão.
Exatamente como naquela noite.

ANTES
— Luca?
Minha voz escapa tão seca quanto minha boca se parece agora. Mas ele
consegue me escutar e fica de pé para aproximar-se da maca.
Já acordei algumas vezes desde que voltei da cirurgia e em todas,
chamei seu nome. Ele sempre atendeu. Sem cara feia, nem demonstrando
qualquer reação além da mais carinhosa ternura nos olhos azuis. Mas mesmo
eles não foram capaz de disfarçar a tristeza impressa em seu rosto.
— Oi, meu amor — diz, num sussurro arrastado. Ainda usa a camisa
branca com a qual lutou pela minha vida, pela sua e pela de…
— Luca, ele…
— Está tudo bem, minha linda — suspira, tocando minha mão com o
dobro de força. Seus dedos calejados raspam contra minha palma macia e eu
faço esforço para devolver o carinho, mas falho.
A luz do quarto está muito forte. E me sinto mole, mole, mole… O rosto
de Luca está um tanto torto, também. Embaçado. Não o vejo com clareza, mas
posso enxergar os acessos e a pulseirinha de identificação em meu pulso. Estou
pálida, como se todo meu sangue tivesse sido drenado. Mas ele continua me
olhando como se eu fosse a única coisa na qual seus olhos conseguem focar.
Confirmando isso, ele puxa minha mão até sua boca e beija os nós de
meus dedos.
— Ele está bem agora, Becky — suspira. — Por que você não descansa
mais um pouco, hm?Eu cuido de você.
Balanço a cabeça, concordando com o que quer que seja que ele diz. Ele
mantém minha mão perto do rosto e aos poucos, apago de novo.

ATUALMENTE
Ele esteve ali em todas as vezes que acordei. E quando eu despertei de
verdade, esteve ali para me abraçar. Me cuidar. Me proteger. Luca nunca foi tão
meu quanto naquelas horas onde eu precisei assimilar tudo. Tampouco imagino
que tenha se doado tanto a alguém.
Mesmo sem nosso filho presente, eu vi o outro lado do meu marido e tive
a chance de conhecer o que a personalidade de Luca conseguiu esconder por
tanto tempo. O que Tony fez com que ele guardasse dentro de si mesmo até se
sufocar com tudo que nunca teve a chance de dizer.
Vi o quanto ele se preocupa.
E o quanto está disposto a fazer de tudo para que aqueles que ama sejam
bem-cuidados, protegidos e amados.
Exatamente como ele não foi.
Exatamente como nosso filho não teve a chance de ser.
Por isso, agora, quando dançamos em uma noite agitada do verão de
Capri, apenas nós dois, eu entendo o quanto ele quer que eu me sinta bem e por
que insistiu tanto que viéssemos para essa viagem. O quanto insistiu para que
deixássemos Nova York, nem que fosse por uma, duas, três, quatro ou infinitas
semanas…
Meu marido não parece ter pressa para voltar pra casa e eu entendo por
que.
Aqui, não estamos rodeados por memórias. Não estamos nos afogando
no que poderia ter sido e podemos ser apenas isso.
O que somos.
Luca e Beca. Beca e Luca.
Um casal improvável, que superou tantas coisas quanto possíveis para
chegar onde estamos agora. Um casal que, embora improvável, está se mantendo
firme. Um casal que vê as dores do outro e as compreende.
Essa dor… Ela sempre estará presente. Não há qualquer magia ou
tratamento de choque que poderá mandá-la embora. Ou que irá permitir que nos
esqueçamos de quem Nathanael Accorsi foi. De quem ele poderia ter sido. De
quem somos, hoje, por causa dele.
Não há remédio no mundo que vá tapar o buraco que sua ausência deixou
em nosso peito.
Mas não podemos permitir que ela nos consuma. Ou que nos mantenha
acorrentados. Temos que… aprender a conviver com isso. Aprender que, às
vezes, o amor não é linear, muito menos segue regras. E que nem tudo que
amamos precisa estar fisicamente conosco.
Por que eu vou amar Nate até o final dos meus dias.
Assim como amarei Luca.
E não há qualquer regra no mundo que me impeça de fazer os dois.
Beca está melhor hoje do que esteve nos últimos seis meses. E talvez seja
o clima de Capri, o ar italiano, a proximidade de casa. Ou talvez sejam apenas as
estrelas que a mantém animada e a leveza que a praia traz causando o efeito
desejado em seu humor, assim como eu torcia para que fizessem.
Com o agito de um verão como o daqui, ela mal pode pensar em
qualquer coisa e eu aprecio que isso traga o brilho dos seus olhos de volta. Que
me permita enxergar a minha Rebecca.
Foram meses difíceis.
Tão difíceis que eu ainda me pergunto como estamos de pé.
Mas… estamos.
Talvez seja pelo pirralho que nós nunca chegamos a conhecer.
Talvez seja por que somos todo apoio que temos no meio do caos que
nossa vida se tornou.
Ou talvez — só talvez — seja pela raiva que me mantém de pé e
seguindo em frente, com um único objetivo em mente.
Fazer com que Romeu Ivanov pague pelo que seu irmão fez.
Sim, por que o filho da puta não desistiu. Não se rendeu.
Enquanto eu acudia Rebecca, e garantia que meus irmãos chamassem a
ambulância, o rato fugiu.
E nunca mais foi visto.
Brighton Beach se parece com uma cidade quase fantasma agora, por que
as forças russas se retiraram em peso. Segundo relatos de Max, restam
pouquíssimos soldados pela cidade. E os estamos aniquilando sempre que
possível.
Mas nada disso é o suficiente para amenizar a agonia que me toma de
assalto todos os dias desde que Rodrik — esse morto, felizmente — tirou meu
filho de mim.
Só o sangue de Romeu derramado sobre meus pés será.
Só o fim da linhagem Ivanov será.
E por isso eu vou lutar até o final dos meus dias.
Por que só assim, Beca estará segura. Só assim eu não terei de me
preocupar com os perigos que a rodeiam vinte e quatro horas. Só assim eu terei
paz.
E só assim…
A morte do meu filho não consumirá mais de mim a cada dia.
E a culpa pela escolha que Beca foi obrigada a fazer, quando era eu ou
ele, irá pesar menos. Custar menos.
Me destruir menos.
E permitirá que um dia eu consiga focar apenas no motivo principal de
estar disposto a mover o céu e o inferno para que a justiça seja feita.
Rebecca.
Minha Rebecca.
A única razão de eu não ter desistido.
A única razão para que a vida, finalmente, tenha algum sentido além do
sangue.
A única razão para que a raiva que eu sinto todos os dias não consiga —
embora se esforce — dominar tudo que sou.
Ela.
Que encanta meus dias sem nem saber e me faz ver que…
Rodrik não me tirou tudo.
Não se eu ainda a tenho.
E eu juro, pela minha vida, meu sangue e minha honra que ninguém
nunca irá ameaçá-la novamente.
— Por que está me olhando assim? — pergunta, enquanto caminhamos
de volta para o quarto após nos esgotarmos na pista. Sua mão está dentro da
minha e ela guia o caminho, caminhando de costas para a nossa frente, com os
olhos grudados nos meus.
Eu cuido do que vem à frente.
Com o cabelo mais curto, o rosto aparece mais. As sardas estão se
destacando na pele bronzeada e eu gosto de como ela não se importa com o que
há ao redor, por que ainda acredita que eu seja capaz de mantê-la segura. Ou
confia que eu nunca erraria duas vezes.
— Por que você é… — suspiro, me perdendo nas palavras por um
instante. — Você é incrível, B. E eu estou me perguntando o que eu devo ter
feito para merecer você... Uma mulher que me faz sentir tão...
— Forte? — sorri, mostrando as covinhas. Eu as adoro. Adoro tudo que
vem dela. Tudo que ela é e representa.
Uma vez, Antônio me ensinou que o amor nos torna fracos. Que confiar
nos leva a lugares ruins.
Mas…
Não.
Não com ela.
— É. — Sorrio, sem forçar. — Exatamente assim, minha linda...
Ela sorri mais uma vez e me puxa para perto.
Nossos corpos estão grudados e eu aproveito o silêncio e a privacidade
para encostá-la contra a parede. Não é um movimento inteiramente malicioso,
não é completamente sujo e não pretendo apenas arrancar suas roupas. É apenas
a forma como fazemos as coisas agora. Olho no olho, mão na mão.
Eu sou totalmente dela.
E ela é totalmente minha.
— Não se esqueça, Luca Accorsi, de que foi o amor que te trouxe até
aqui — fala e com certeza não é capaz de enxergar o quanto essa frase se
encaixa.
Nem o quanto faz sentido.
— É, Beca… Certamente foi.
E é ele que continuará a me guiar a partir de agora.
Tudo por ela.
Tudo por ele.
TRUST não é um projeto que foi feito sozinho. Aliás, sozinho a gente
não chega a lugar nenhum e eu aprendi isso nesses últimos (quase) oito meses.
Então eu quero agradecer às minhas meninas! As minhas consultoras oficiais de
assuntos Accorsi — que tem hora que sabem muito mais do que eu — e as que
aguentam meus surtos, sejam eles na madrugada ou em qualquer outro horário:
Julia Andrade e Geovanna Vasques vocês são tudo para mim! Muito, muito,
muito obrigada por serem as melhores que eu poderia ter comigo durante toda
essa jornada e por me defenderem, ajudarem e (às vezes) surtarem junto comigo
com todo amor do mundo! Amo vocês!
Também quero agradecer as meninas que leram os primeiros capítulos do
livro e me deram suas opiniões sinceras e que também me dão o MELHOR
apoio do mundo todiiiinho (espero que estejam prontas por que a gente ainda
tem mais CINCO livros pela frente): Ana Clara, Maria Isabela e Carolina
(Carola pros íntimos), vocês são DEMAIS! Obrigada mesmo!
E quero deixar meu muito obrigada também à todas as minhas leitoras e
leitores. Seja você do Wattpad, seja você aquela que me manda mensagem
surtando no instagram (coisa que eu AMO!), aquela que tá no grupo do
Telegram e também aquelas que me acompanham de longe, mas sempre tão ali,
só esperando o próximo capítulo. Ah, e a você que tá chegando agora! Seja bem-
vinda! Somos loucas, mas somos legais! Prometo!
Obrigada por acreditarem que o que essa doida (a doida sou eu!) escreve
é bom! Vocês são parte da família Accorsi também!
Quando eu postei esse livro no Wattpad, em 2016, eu só queria poder
compartilhar minhas histórias e nem me preocupava se alguém fosse ler ou não.
Mas aí, vocês surgiram. Muitas e muitas de vocês e foram chegando. E eu
descobri como é bom quando alguém gosta do que a gente faz. Como é bom
quando amam aquilo que a gente também ama. E descobri que eu não conseguia
mais viver sem ler aqueles comentários de surto, sem discutir teorias, sem me
sentir a mais maldosa das autoras e ver vocês se descabelando porque os
Accorsis simplesmente tiram a sanidade de qualquer um (acreditem, até a
minha!).
Já faz cinco anos desde o dia em que eu postei TRUST no Wattpad. E
desde então, a gente percorreu um longo caminho, né, mores? Mas agora,
estamos começando tudo de novo e posso dizer? O frio na barriga é o mesmo.
Eu espero que, assim como quando vocês leram pela primeira vez,
tenham se emocionado, se apegado e escolhido seus favoritos (e os odiados). E
que tenham ficado curiosas e ansiosas pelo que ainda temos pela frente.
Sentir é o que nos diz que uma história é boa. E que ela cumpriu seu
propósito. E eu espero — de verdade — que TRUST tenha conquistado espaço
no coraçãozinho de vocês. E que não me odeiem tanto depois desse final hehe
(um pouquinho pode!). Prometo que nem sempre tem tanta lágrima envolvida!
rsrsrsrs
A gente se vê no próximo, tá combinado?
Com todo amor do mundo,
Malu Tenácio
@autoramaluu
(Olha o spoiler do livro 2 na próxima página! hehehe)
O próximo livro é RUN, onde veremos a história da Donatella e do Lorenzo (os gêmeos) com seus
respectivos pares. Ele tem previsão de lançamento para 2022 e aqui você já pode ver a capa!
Me acompanhe nas redes sociais!
TWITTER: @autoramalut
INSTAGRAM: @autoramaluu

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