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COPYRIGHT © 2020 by Power Words

É proibida a reprodução, transmissão ou distribuição não autorizada de qualquer parte desta história.
Os direitos da autora foram assegurados. Plágio é crime.
Esta é uma obra de ficção. Nomes, personagens e acontecimentos descritos aqui são frutos da
imaginação da autora. Qualquer semelhança com acontecimentos reais é mera coincidência.
Esta obra segue as regras do Novo Acordo Ortográfico.

Capa: Larissa Chagas


Diagramação: Power Words
Revisão de Texto: Maria Eduarda Ribeiro
Para meus leitores do Wattpad, por
terem transformado um sonho em realidade
Sumário
Prólogo
01 | Primeiro dia
02 | Vulnerabilidade excessiva
03 | Um perigo em potencial
04 | Dificuldades
05 | Objetivos e esquemas
06 | Uma genuína tortura
07 | Humor volátil
08 | Maldito Mustang
09 | Brincadeiras perversas
10 | O baile
11 | Aos negócios
12 | Ruína
13 | Guarda compartilhada
14 | Acordando de um transe
15 | Medo e culpa
16 | Sorte de principiante
17 | Comemorações e presentes
18 | Faltas frequentes
19 | Uma vida injusta
20 | Tarde para voltar atrás
21 | Significados intensos
22 | Às escondidas
23 | Simplesmente mais viva
24 | Uma simples denúncia
25 | Um novo começo
26 | Sendo feita de idiota
27 | Salvador da pátria
28 | Quando tudo melhorou
29 | Nada além de amor
30 | A pior punição possível
31 | Mar de nada
32 | Com o mais sincero amor
33 | Projetando ilusões
34 | Um sonho tão perfeito
35 | Perguntas e respostas
36 | Fantasmas do passado
Epílogo
Bônus
Prólogo

MONIQUE PRICE

Sempre me considerei uma pessoa esperta. Esperta até demais. Porém, isso até me mudar para
essa maldita cidade, onde caí na maior cilada que o diabo poderia preparar para mim.
Que ele poderia preparar para mim.
Tive minha inocência, minha felicidade e minha esperança de uma vida melhor descartadas pela
pessoa a qual confiei de olhos fechados, pela pessoa a qual me apaixonei.
O seu jogo malicioso contra mim me derrubou completamente. Mas, afinal de contas, como
poderia ganhar se nem mesmo sabia que eu era uma jogadora e que ele era meu pior adversário?
E, nessa brincadeira perversa, eu também perdi o que nunca tivera: o amor. O garoto tinha em
mente cada possível consequência de seus atos e ainda assim não hesitou em me derrubar de modo
dilacerante e quase deplorável.
Ao fim, James sempre tivera cada peça de seu quebra-cabeça montado, cada pequeno fragmento
de seu plano doentemente bem delineado em seu devido lugar; sabia exatamente como e quando seria
sua vitória sobre mim. Contudo, ele só não fazia ideia de quais seriam as consequências de sua
também autodestruição.
01 |
Primeiro dia

MONIQUE PRICE

— Animada para o seu primeiro dia de aula? — meu pai, Josh, questionou enquanto eu abria a
geladeira, e foi inevitável torcer o nariz diante da pequena menção do que eu estava prestes a
enfrentar.
Soltei o ar pela boca na falha tentativa de aliviar a tensão que percorreu toda extensão de minha
pele naquele segundo.
— Claro — respondi enfim, a contragosto, já pegando a caixa de leite e me sentando à mesa.
Mudar de escola no último ano do ensino médio realmente seria maravilhoso.
De fato, “nervosa” seria eufemismo para definir meu estado atual.
Eu mal conseguia pensar no restante do ano letivo que estava prestes a enfrentar sem querer
chorar, afinal, isso sempre trazia pensamentos os quais eu tentava evitar com tanto afinco. Eu não
conhecia ninguém naquela cidade e também não teria nenhum de meus amigos por perto para me
apoiar na transição mais difícil pela qual poderia passar, principalmente a levar em consideração
tudo que já tinha encarado em menos de dois meses.
— Bom dia, filho. — A voz do meu pai finalmente me trouxe de volta à realidade, e foi só então
que percebi que Tyler havia adentrado na cozinha, trajando ainda uma calça de pijama.
Ao contrário de mim, meu irmão não se preocupou em tornar o ambiente mais agradável, como
o usual. Ele simplesmente pegou a caixa de cereal do armário e voltou para o seu quarto, batendo a
porta com uma força maior que o necessário.
Por um instante, perguntei-me pela provável centésima vez o que Tyler ainda fazia sob o mesmo
teto que nosso pai. O garoto já era maior de idade e não continha obstáculos para deixar o lugar;
sobretudo, ele ainda cultivava um rancor ainda maior que o meu por tudo que Josh havia feito — ou o
que não havia feito. Tudo estava a favor de sua saída, mas ele continuava insistindo em permanecer.
Por fim, apenas desisti de tentar entender o garoto. Era basicamente impossível.
— Quer que eu te leve? — Josh indagou após alguns minutos, assim que eu terminei de tomar
meu café. — Você pode ser perder, já que ainda não conhece o lugar direito.
— Não precisa, mas obrigada — balbuciei, pondo-me de pé em seguida.
Não me despedi quando segui para a sala. Apenas peguei a mochila que havia deixado no sofá e
fui em direção à saída, mas parei assim que me deparei com o espelho próximo à porta.
Prendi a respiração quando analisei meu reflexo, aflita.
Não havia dúvidas de que o luto também tinha afetado diretamente minha aparência.
Olheiras profundas e escuras se encontravam sob meus olhos castanhos, consequência das
incontáveis noites de insônia com a qual lutava veementemente; minha pele se encontrava pálida e
seca, colando-se à maior parte de meus ossos como resultado da perda de apetite. Cada um de meus
outros pequenos detalhes também pareciam se encontrar desprovidos de vida, o que causou uma dor
instantânea em meu peito por um segundo.
No entanto, logo me obriguei a prestar atenção em meus cabelos. Os fios loiros acinzentados
ainda caiam em perfeita harmonia sobre meus ombros, e me dei por satisfeita por ao menos não estar
totalmente destruída por fora quanto estava por dentro.
Não demorei a sair e adentrar no Toyota Corolla que havia ganhado em meu aniversário de
dezesseis anos. Dei partida enquanto as palavras de meu pai me vinham à mente.
Sorri por um instante, pensando que seria basicamente impossível me perder naquela cidade.
Era pequena demais.
Entretanto, o sorriso não demorou a morrer dentre meus lábios quando pensamentos nada
agradáveis ocuparam minha mente de modo inevitável.
Se estivesse na minha antiga cidade, tudo certamente seria bem diferente. Estaria animada para
todas as atividades do último ano do colégio e também mal poderia esperar para reencontrar todas as
pessoas com quem havia crescido. De fato, eu estaria realmente feliz com minha antiga e monótona
vida.
Porém, ao invés disso, eu estava presa em um lugar que não conhecia e com pessoas totalmente
diferentes das com que eu convivia, dentre elas o meu pai.
Naquele momento, eu era uma pessoa vivendo uma vida escolhida por outros. Bem, mais
especificamente, uma vida escolhida por minha mãe, ainda que indiretamente. Sua inconsequência
havia mudado os rumos de minha vida e da de Tyler de uma forma irrevogável e tão
assustadoramente permanente.
Dei-me ao luxo de deixar que as lágrimas escorressem por minhas bochechas. Não estava
apenas de luto pela minha mãe, mas também pela minha agora distante realidade.
Naqueles últimos meses, minha única companhia era a própria solidão. Não achava que
ninguém além de Tyler entendia o que eu estava passando, mas meu irmão se recusava a dirigir
qualquer coisa a mim senão desprezo.
Era como se eu estivesse isolada do mundo, e nada era mais agonizante que isso.
Quando percebi que estava prestes a chegar no estacionamento, não hesitei em levar minhas
mãos até as bochechas a fim de enxugar as lágrimas. A última coisa que queria era ficar com cara de
choro em meu primeiro dia por aqui.
Bem, tarde demais.
Pelo retrovisor, pude ver que meus olhos já estavam completamente vermelhos e inchados.
Inspirando fundo, lancei a atenção ao lugar em que estudaria pelo próximo ano. Sem sombra de
dúvidas, a minha antiga escola era três vezes o tamanho da que se encontrava à minha frente agora, o
que fez com que eu pensasse que provavelmente não haveria tantas pessoas do meu ano para se
conhecer.
Talvez isso fosse algo bom. Ao menos, não seriam tantas pessoas que presenciariam em
primeira mão minha ruína interior e, no momento, também exterior.
Quando tomei alguma coragem de sair do carro, não me dei ao trabalho de conferir a mim
mesma mais uma vez, afinal, eu estava certa de que continuaria não gostando do que encontraria ali.
Atravessando o estacionamento, notei quando alguns dos olhares das pessoas ali presentes se
voltaram para mim.
Após passar algum tempo nessa cidade, já era de se esperar que eu estivesse mais acostumada
com a situação, mas não era bem isso que tinha acontecido.
Após minha tentativa de ir em um mercado sozinha para comprar qualquer porcaria e ter
encontrado ao menos meia dúzia de pessoas com olhares tão curiosos perguntando como estava
sendo minha adaptação e se eu estava gostando da cidade, eu havia desistido de ter alguma vida fora
da casa de Josh, afinal, nem mesmo me sentia forte o suficiente para conseguir forçar um sorriso.
Não duvidava de que a maior parte dessas pessoas já sabia que eu era a filha abandonada do
juiz que estava de volta à cidade por algum motivo que ainda não lhes era conhecido. Era uma
cidade, de fato, minúscula, e não era novidade que isso era um fator estimulante para o espalhamento
de fofocas.
Assim que adentrei na escola, dei uma rápida conferida nos estudantes que me cercavam no
corredor. A escola ali abrangia somente o ensino médio, o que, juntamente ao fato de eu não ter
crescido com nenhum deles, fazia com que os alunos parecessem um pouco mais maduros do que as
pessoas com quem eu antes estudava.
O sinal ecoou pelo local e todos começaram a tomar rumo em direção às suas respectivas
classes, e só então me apressei a pegar o horário que a secretária havia me dado no dia da minha
matrícula.
Acelerei o passo quando vi que minha próxima matéria seria sociologia e seria dada na sala 37.
Percorrendo a extensão do corredor, não demorei a perceber que a escola parecia ser maior por
dentro do que por fora. Pois é, eu tinha mesmo um péssimo hábito de julgar mal os mais diferentes
aspectos.
Demorei ao menos dez minutos para finalmente localizar a sala, o que foi consequência da
minha terrível teimosia. Não negaria que seria mais fácil parar qualquer pessoa e pedir por uma
localização, mas eu ainda andava fugindo da possibilidade de me deparar com mais algum olhar
inconveniente.
Relutante, abri a porta da que parecia ser a minha sala, prendendo a respiração
involuntariamente.
Conforme todas cabeças se viraram para mim, amaldiçoei a mim mesma por não ter saído de
casa mais cedo, e, em seguida, a autoflagelação mental foi substituída por puro pavor.
Arregalei os olhos quando percebi que as mesas tinham lugares para duas pessoas, e logo me
dei conta de que eu certamente havia feito algo de errado para o universo para que nada na minha
vida acontecesse ao meu favor.
— Você deve ser Monique, certo? — o professor perguntou antes que eu tivesse a chance de
repassar silenciosamente todos meus próprios pecados, e eu me obriguei a assentir. — Entre, por
favor — acrescentou com um sorriso acolhedor, fazendo um gesto para que eu me aproximasse.
— Desculpe-me pelo atraso — balbuciei enquanto fechava a porta atrás de mim, antes de
caminhar até o homem de meia-idade.
— Sem problemas. Você não perdeu muita coisa. Espere só um segundo que pegarei seu
material — ele disse enquanto se curvava sobre sua mesa para pegar algo em sua bolsa, posta ao
chão.
Aproveitei a oportunidade para dar uma espiada em toda turma, que, em grande parte, já havia
se dispersado em conversas sonoras.
Percorri cada pessoa com o olhar, memorizando cada rosto em uma das minhas ridículas e
frequentes tentativas de me distrair das vozes do meu inconsciente, as quais andavam meio caóticas
ultimamente.
No entanto, meus olhos não tiveram a chance de vagar por mais de dez segundos, não quando se
depararam com um estudante que parecia ser genuinamente digno de uma atenção maior.
Era um garoto, sentado à penúltima mesa de sua fileira. Ele era o único que não estava entretido
comigo ou com alguma conversa ao seu redor; ao invés disso, apenas mantinha o olhar distante, e
algo em seu semblante parecia transparecer raiva.
Tinha algo mais masculino nele, quase como se fosse mais homem quando comparado aos
outros garotos da turma. Talvez fosse o cabelo castanho desgrenhado que caía de uma forma caótica e
estupidamente fascinante sobre sua testa; talvez fosse também os braços definidos que estavam
flexionados e apoiados à mesa, ou até os desenhos negros que decoravam a maior parte visível de
sua pele bronzeada.
Não me lembrava se algum dia já tinha me sentindo atraída por alguém quanto naquele
momento.
Eu provavelmente devia estar encarando demais, pois seu olhar não demorou a me encontrar.
Um arrepio percorreu toda minha espinha naquele mesmo instante, mas não tive como desviar minha
atenção dele. Algo naquelas íris esverdeadas simplesmente me impediu de fazer qualquer coisa
senão ficar completamente absorta.
O garoto me analisou de cima a baixo sem escrúpulo algum, e após os segundos se confundirem
com horas, ele sorriu. Dentes alinhados e brancos formavam o sorriso mais cativante e perigoso com
o qual já havia me deparado em toda minha vida.
Não fazia ideia de quanto tempo havia se passado quando por fim me senti capaz de desviar o
olhar de suas feições esculpidas.
— Aqui. — O professor enfim me entregou uma pequena apostila. — Procure qualquer lugar
para se sentar.
Murmurei qualquer coisa em resposta e segui para o fundo da sala, percebendo que as últimas
mesas estavam completamente vazias. Agradeci mentalmente ao universo por isso e me desculpei por
tê-lo amaldiçoado assim que adentrei na sala.
Como uma escolha inconsciente, sentei-me à mesa atrás daquele garoto, e me senti um tanto
quanto ridícula por estar mais satisfeita por poder espiá-lo sem ser pega outra vez.
De qualquer modo, ele parecia ter se esquecido de minha existência, pois não havia me lançado
nenhuma atenção sequer quando eu passara ao seu lado.
— Então, como estava dizendo — o professor se levantou, aproximando-se da turma —,
chamo-me Alex, mas para vocês sou o Sr. Zane. Como vocês já devem ter percebido, sou o professor
de sociologia, ou, mais especificamente, o estudo da sociedade. Para não perdermos muito mais
tempo, serei sucinto quanto à dinâmica da minha aula: prezo muito pelo convívio de toda uma
sociedade e considero vocês como uma pequena amostra da mesma. Portanto, ao trabalharmos
estudos de culturas e costumes, nada mais fundamental que nos depararmos com isso na prática. Acho
crucial que vocês aprendam a conviver com as mais diversas opiniões, e, por isso, pelo resto do
semestre, colocarei vocês para trabalharem em dupla nas provas, trabalhos e deveres.
Simples assim, eu havia voltado a amaldiçoar o universo.
Gritos em comemoração ecoaram por todo o lugar antes que Sr. Zane intervisse.
— Porém, seu parceiro não será de sua escolha.
Murmúrios em descontentamento substituíram a euforia, e eu apenas me mantive em silêncio
enquanto esperava as instruções.
— Alunos sentados à direita, tomem o lugar à sua frente. Alunos à esquerda, continuem em seus
lugares.
Com aquelas palavras, cada átomo que compunha meu corpo se alarmou em puro caos.
Eu estava sentada à direita. O garoto, à esquerda e também à minha frente.
Não só como o universo, eu também amaldiçoei a minha própria curiosidade. Eu certamente não
devia ter escolhido aquele lugar para me sentar apenas por parecer ilogicamente interessada em uma
pessoa que nem conhecia.
No entanto, após um par de segundos, eu também me perguntei o motivo de estar com medo.
Inspirando todo o ar ao meu redor, coloquei-me de pé e peguei a minha mochila, parando ao
lado da garota que ainda não tinha se levantado do lugar em que eu deveria estar.
Pisquei um par de vezes em sua direção, sem saber o que fazer, pois ela ignorava minha
presença por completo.
— Blake, vamos logo. Não temos o dia todo — o professor soprou após pouco tempo, mas a
garota não fez o que fora indicado imediatamente.
Seu maxilar simplesmente se apertou com uma força excessiva, e, quando ela enfim se levantou,
seu olhar em minha direção não tinha sido nada agradável. Forcei-me a desviar a atenção da morena
enquanto me sentava.
Lancei o olhar ao garoto ao meu lado na esperança de dar um "oi" e afastar os vestígios de
constrangimento que ainda me afligiam, mas ele ainda continuava me ignorando por completo.
Continuei o fitando na esperança de que ele logo me notaria, mas, quando percebi que o moreno
estava inabalável com seus olhos fixos em seu livro, meu olhar recaiu sobre a lateral de seu pescoço,
onde havia uma rosa negra com alguns nítidos espinhos.
Era bem bonito. O desenho.
Ele também.
— Quer tirar uma foto?
Sua voz me tirou de meu transe, e uma segunda onda de arrepios invadiu toda extensão de minha
pele. Tinha algo de perturbador naquele som rouco. Era puro perigo misturado à sedução.
Quando voltei a fitar seus olhos, percebi que ele ainda continuava a ler sem sinal algum de
preocupação.
— Como?
Foi só então que aqueles olhos penetrantes se voltaram a mim.
— Tenho certeza de que uma imagem te ajudaria a apreciar melhor e em uma maior quantidade
de tempo.
Ok, ele estava debochando.
Desviei o olhar de imediato, corada, enquanto cruzava os braços em frente ao meu peito.
Pela minha visão periférica, pude ver que o garoto voltou a dar atenção ao seu livro como se
nada tivesse acontecido.
— Pronto, podemos começar. — O professor se acomodou atrás de sua mesa após longos
minutos, quando todas as duplas já estavam formadas. — O primeiro trabalho de vocês será um
relatório sobre seu parceiro para que comecemos com o pé direito. Tentem pesquisar um pouco sobre
suas vidas e achem coisas em comum e também contrárias. O trabalho deverá ser entregue na
próxima aula, na quinta, mas podem iniciá-lo nesse restante de aula que ainda temos.
Assim que Sr. Zane finalizou as instruções, todos ao nosso redor começaram a conversar com
seus respectivos parceiros, o que subitamente fez com que eu me perguntasse como raios eu faria
isso.
Após abrir meu caderno, gastei algum tempo longo demais para tomar a devida coragem para
voltar a encará-lo quando ficou óbvio que o garoto não iria tomar a iniciativa, e fiz o possível para
não ser distraída por qualquer um de seus singulares detalhes outra vez.
Não precisei de muito para perceber que ele já escrevia algo em seu caderno.
— O que você está fazendo? — indaguei, incerta.
— Não é tão óbvio?
Não, não era, afinal, ele não podia estar fazendo o trabalho sem me fazer pergunta alguma.
Ainda assim, ignorei o sarcasmo quando perguntei:
— Qual o seu nome?
— James.
Expirei lentamente, questionando-me se ele dificultava as coisas por querer.
— Nome inteiro, por favor.
O garoto então largou a caneta em sua mesa e se recostou em sua cadeira, dando-me toda sua
atenção.
Não me senti tão bem por isso.
Ele esboçou um sorriso travesso dentre os lábios enquanto me analisava, como se eu fosse
alguma espécie de entretenimento.
— James Mitchell — respondeu enfim, e fiquei aliviada por poder fugir de seu olhar
intimidador ao escrever seu nome no papel.
— Não vai perguntar o meu? — questionei após alguns segundos, também largando minha
caneta.
James simplesmente soltou um riso nasalar, balançando a cabeça negativamente.
— Acredito que, a essa altura, todos já saibam seu nome, Monique Price.
Fiz meu melhor para não me mostrar tão afetada exteriormente quanto estava interiormente.
— Só meu nome não é suficiente para fazer um relatório. O que você escreveu aí? — soprei,
desviando o olhar para seu caderno, onde uma folha já estava preenchida até sua metade.
De algum modo, o sorriso perfurante de James se alargou
— Monique Price, uma garota um tanto quanto presunçosa e também esnobe do exterior, cujo
pai é o juiz Price, teve uma vida feliz em uma das grandes cidades da California. — Ele nem sequer
olhava para seu caderno enquanto pronunciava as palavras afiadas. — Mas isso até retornar à
pequena cidade de Healdsburg, a qual, para sua mente meticulosa e pequena, representa o fim de sua
vida de cômoda de benefícios.
Meus olhos ganharam vida ao se arregalarem enquanto James voltava a sustentar uma postura
relaxada em sua cadeira, de olho em cada uma de minhas expressões assustadas.
— Qual o seu problema? — sussurrei após gastar longos segundos tentando disfarçar o misto de
surpresa e abalo diante daquelas palavras, em vão.
— Acha que não dá pra notar esse seu ar arrogante enquanto anda pelas ruas da nossa cidade?
Em qualquer lugar daqui? — James arqueou as sobrancelhas. — Meu único problema é trabalhar
com uma princesa como você, Monique.
Arrogância?
Tristeza, sim, arrogância, nunca.
Por um momento, perguntei-me de onde ele tinha tirado tais conclusões. Nunca havia visto
James antes, a levar em consideração que me lembraria caso já o tivesse feito.
— Não é nada disso — balbuciei o óbvio. — Você não sabe nada de mim.
Ele não fazia ideia das coisas pelas quais passei. Ninguém daquela cidade fazia, não quando
Josh fizera questão de mascarar o que mais importava.
— Ah, está bem enganada, Monique Price. — James ergueu os cantos dos lábios enquanto
jogava uma mecha rebelde de meu cabelo atrás de meu ombro. — Eu te conheço melhor do que você
imagina.
Encarei-o por mais alguns instantes, sem palavras.
O sinal então tocou, dando fim à aula, antes que eu tivesse a chance de retrucar qualquer coisa a
mais.
O garoto, ainda tranquilo, guardou seus materiais enquanto eu apenas continuei imóvel, apenas
pensando no que poderia ter feito de tão ruim para ser alvo de tais pensamentos. Antes do moreno
enfim sair, ele me lançou um último olhar.
E, se tudo que eu antes queria era um olhar desprovido de pura curiosidade sobre minha vida,
eu tinha conseguido.
Dessa vez, havia a mais pura prepotência naquelas íris, a qual era totalmente direcionada a
mim.
Não percebi que estava segurando o ar até o garoto sumir de meu campo de visão.
Então era isso o que as pessoas pensavam de mim?
— Você tá bem? — Uma voz feminina chamou minha atenção, e, assim que levei o olhar em sua
direção, vi uma garota com feições doces, cuja pele castanho dourada brilhava com a luz do sol.
— Sim — forcei-me a afirmar após algum tempo, diante de suas feições preocupadas. — Eu
acho — acrescentei.
— Foi o James, né? Não se preocupa, ele é assim mesmo. É só não dar confiança. — Ela deu
um sorriso sincero enquanto brincava com sua trança.
— Vou me lembrar disso — disse, forçando um sorriso que mais saiu como uma careta enquanto
guardava minhas coisas na mochila. — Obrigada.
— Quer que eu te ajude a encontrar a sala da sua próxima aula? — ela perguntou assim que me
coloquei de pé, esperando pacientemente.
— Se você puder. — Dei de ombros, e a garota assentiu.
Consegui ficar um pouco aliviada a partir de então. Ao menos, havia alguém sendo gentil
comigo.
— Aliás, me chamo Kate — ela enfim se apresentou enquanto me acompanhava até a porta.
— Sou Monique. Mas acho que você já sabe disso.
Segundo James, todos sabiam.
02 |
Vulnerabilidade excessiva

MONIQUE PRICE

Após passar a tarde inteira de quarta-feira fazendo meus deveres, finalmente comecei a
preparar o jantar.
Nas últimas semanas, vínhamos comendo apenas porcarias, já que Josh normalmente ficava no
fórum até tarde e eu não podia contar muito com Tyler se tratando de cozinha ou qualquer outra coisa.
Bem, eu não tinha um dom culinário extraordinário ou coisa assim, e o auge do estado de minha
comida provavelmente estaria no âmbito "comestível". Ainda assim, eu não estava de total irritada
por estar em frente ao fogão.
Na realidade, pequenos serviços domésticos haviam se tornado meus maiores aliados se
tratando de distração. E sim, eu sabia que era meio patético, mas, honestamente, eu não ficava muito
frustrada por isso. Havia métodos de superação ainda piores do que os meus, e meu irmão era
somente um exemplo disso.
Não achava que ficar em meu quarto a tarde inteira e festejar toda a noite seria o ideal para se
livrar da dor.
— Oi, filha — Josh cumprimentou assim que adentrou na cozinha, e um súbito arrepio
percorreu boa parte da extensão de minha pele.
Filha.
Mesmo após meses juntos, ainda não havia conseguido me habituar com aquela expressão
saindo de sua boca.
Eu e meu pai nunca fomos exatamente próximos. Eu e Tyler havíamos morado com nossa mãe
por quase uma vida inteira e somente nos encontrávamos com o juiz para alguma viagem em nossas
férias de verão. Contudo, logo após a puberdade de meu irmão, que fora quando ele começara a se
rebelar, os encontros presenciais passaram a ficar quase inexistentes, e a partir daí Josh passara a
fazer somente as supostas obrigações paternas: oferecer uma pensão generosa e realizar ligações em
datas festivas.
Portanto, era óbvio que aquela situação não era muito melhor para Josh do que para mim ou
Tyler, mas eu tentava ao menos ficar grata por ele nunca ter demonstrado isso.
— Oi — murmurei por fim, na tentativa de não ser tão incômoda quanto meu irmão. — O jantar
está pronto — acrescentei, colocando a massa em cima da mesa.
— Não quero que se preocupe com essas coisas, Monique. Eu que devo cuidar de vocês, não o
contrário. Sei que muita das vezes chego tarde do trabalho, mas ainda posso fazer tudo isso quando
vocês quiserem — ele soprou enquanto retirava a gravata, sentando-se em seguida.
— Eu não ligo, mesmo. Não tinha nada melhor para fazer de todo jeito.
Josh forçou um sorriso pesaroso, mas felizmente não continuou a discutir. Ele apenas começou a
se servir, o que foi minha deixa para me retirar.
— Acho que vou para meu quarto. Deixa tudo em cima da mesa. Tyler deve vir daqui a pouco.
— Você não vai comer? — indagou instantaneamente, desviando sua atenção para mim outra
vez.
— Mais tarde. Não estou com muita fome agora.
Eu nunca estava com fome.
Lancei-me para fora da cozinha antes que Josh me repreendesse, e assim que a solidão veio ao
meu encontro em meu quarto, comecei a listar automaticamente tudo que poderia fazer ali.
Bem, meus livros e cadernos já estavam todos devidamente organizados em minha escrivaninha
e estante, minhas roupas, dobradas e separadas por cores, os deveres já estavam todos feitos. Ou
quase isso.
Soltei o ar pela boca quando, mais uma vez, lembrei a mim mesma de que ainda havia uma
atividade não muito agradável a ser feita, uma que, infelizmente, eu não poderia fazer sozinha.
Eu não tinha visto James desde o primeiro horário de segunda-feira e também tinha me recusado
a procurá-lo desde então. Depois de tudo aquilo, não queria ser a primeira a buscar uma solução
para o trabalho, mas, agora, estava nítido que eu estava ficando sem outras alternativas.
A próxima aula de sociologia seria amanhã, e já estava tarde o suficiente para saber que James
não estava preocupado em ganhar aqueles pontos.
No entanto, eu estava.
Mesmo após tanto em minha vida ter mudado, meu sonho continuava exatamente o mesmo. Eu
ainda queria ir para uma boa faculdade de Artes Plásticas, e um bom histórico escolar seria chave
fundamental para isso.
Tentando não pensar muito nas futuras hipóteses catastróficas da minha decisão instantânea,
peguei meu celular e procurei pelo contato de Kate.
Eu: Vc tem o número do James? Tô precisando acabar o relatório da aula de sociologia
Joguei o celular de lado e tentei fazer qualquer outra coisa senão pensar no garoto.
De fato, eu havia feito um esforço até grande demais para evitar que ele viesse à minha mente
nos últimos dias. Chegava a ser um pouco vergonhoso como tão pouco tempo ao seu lado tinha me
afetado tanto, e não tinha ideia se isso se devia à sua aparência cativante ou comportamento
insolente. Talvez fosse os dois.
Poucos minutos mais tarde, o celular finalmente vibrou em resposta, então prendi a respiração
quando meus olhos localizaram a mensagem com o número do garoto seguido por um "boa sorte".
Realmente, eu iria precisar.
Levei mais tempo que considerava necessário para clicar em "chamar". Honestamente, eu ainda
estava com um pouco de medo das consequências que aquele pequeno ato poderia trazer.
Por fim, levei o aparelho ao ouvido enquanto me perguntava se queria que ele atendesse ou não.
— Alô? — Reconheci sua voz através da linha, a mesma que me causava calafrios estranhos, e
mais alguns barulhos abafados ao fundo.
Inspirei fundo por um segundo para organizar os pensamentos tumultuados.
— Oi, é a Monique — soprei, tentando soar firme, e logo me limitei a esperar por uma
resposta.
— Quem? — Sua voz soou tediosa, o que fez com que eu franzisse o cenho imediatamente.
— Pensei que você e todos soubessem quem eu sou — retruquei então, somente para escutar
uma gargalhada divertida de James.
Ele já sabia quem era.
— Quer dizer que você andou procurando meu contato por aí?
— Não por vontade própria — resmunguei, irritada com a menção. — Nós temos um trabalho
juntos que, por acaso, é para amanhã. Preciso que você responda minhas perguntas.
— É só inventar qualquer coisa — ele respondeu simplesmente, não parecendo se importar em
muito.
Cerrei os dentes.
— Nós correríamos o risco de levar zero — murmurei, fechando os olhos bruscamente. — Não
vou tomar muito do seu tempo. Posso enviar as perguntas por mensagem e você responde dentro de
uma hora.
Um riso nasalar ecoou pela linha.
— Acho que não.
— Prefere vir até minha casa?
— Também não.
Era assustador o quanto ele podia ser difícil.
— James, eu não sei se você entendeu muito bem, mas eu me importo com esses pontos, ok?
Vamos entrar em um acordo de uma vez para acabar com isso logo.
Não sei como, mas de algum modo, eu pude pressentir que ele sorria do outro lado da linha.
— Tudo bem, então. Me encontra no Hell's Bar.
Pisquei um par de vezes.
— O quê?
— Coopero com o trabalho desde que você venha me encontrar. Não vou parar o que eu estou
fazendo por sua causa.
— E o que você está fazendo de tão importante?
— O que pessoas fazem em um bar?
Revirei os olhos automaticamente.
— Eu não vou te encontrar em um bar — disse o óbvio, escutando mais uma de suas risadas em
seguida.
— Foi o que pensei — ele soprou, tranquilo.
Era óbvio que ele estava apenas caçoando desde o início.
— Te desejo sorte com o trabalho, amor.
E, antes que eu tivesse a chance de protestar contra aquilo, a chamada havia sido encerrada.
Simples assim, não me restava mais dúvidas de que James Mitchell era um belo de um filho da
puta.
Tendo apenas irritação e obstinação em minha mente, peguei um casaco e minha bolsa ao lado
de minha porta e desci as escadas, sem pensar muito no que eu estava prestes a fazer.
Não poderia ser tão ruim, certo?
Eu não gastaria mais do que dez minutos naquele lugar. Poderia até gravar suas respostas para
anotar as respostas depois.
Ao fim, pelo menos eu teria aqueles pontos.
— Estou saindo, pai — gritei quando me aproximei da porta de entrada, afobada.
— Espera, aonde você vai? — Escutei sua voz vinda de seu escritório.
Respirei fundo.
— Assassinar alguém — balbuciei, já passando pela porta.
Quando enfim parei o carro no pequeno estacionamento do bar, não demorei a perceber que o
ambiente era ainda menos agradável do que eu imaginava.
Por um instante, perguntei a mim mesma se estava mesmo no endereço que Kate havia me dado,
mas logo minha visão localizou a placa vermelha em que um "Hell's Bar" brilhava intensamente, a
qual caía aos pedaços.
Engolindo em seco, permiti-me dar mais uma olhadela no local.
O bar parecia mais se confundir com uma cabana, com pedaços de madeira velhos que não se
encontravam em seu devido lugar e com uma varanda que contornava toda sua extensão. Algumas
garrafas de cerveja decoravam o gramado malcuidado à sua frente, e um leve temor me invadiu
quando me questionei se seu interior seria tão sórdido quanto o exterior.
Convencendo a mim mesma de que já era tarde demais para voltar atrás, peguei minha bolsa e
saí de meu carro, já tomando rumo em direção à varanda com passadas ágeis e largas. Ignorei os
olhares curiosos e quase repulsivos que os três homens de meia-idade, apoiados ao parapeito frontal,
me lançaram.
Adentrando no bar, percebi que havia fumaça por todo seu interior e que a clientela era, em
grande parte, composta por homens.
Imóvel, percorri todo o lugar não tão grande com o olhar, mas após longos segundos ainda não
tinha encontrado quem eu queria.
Ignorando ainda o temor, atravessei o local até chegar no balcão, chamando o homem barbudo
que servia as bebidas em seguida.
— Não servimos bebidas para menores de vinte e um anos — ele anunciou assim que se
aproximou, um tanto quanto impaciente.
— Não vim para beber — rebati, tão impaciente quanto. — Você conhece James Mitchell?
— Depende de quem procura. — Ele arqueou as sobrancelhas grisalhas.
— Eu sou colega de turma dele. Ele disse que eu poderia encontrar ele aqui. — Ainda que
provavelmente não estivesse falando sério.
O homem me olhou de cima a baixo por alguns instantes, com uma carranca, antes de ceder por
fim.
— Ele está lá embaixo. Só descer aquelas escadas — respondeu enquanto apontava para o
fundo do bar.
Agradeci de modo apressado enquanto já me virava para tomar rumo em direção ao lugar que
fora indicado.
Chegando no começo dos degraus, parei abruptamente no mesmo lugar, avistando uma porta
fechada ao fim.
Péssima ideia.
Troquei o peso de uma perna para outra, repassando em minha cabeça quantos documentários já
havia visto que mostravam o fim de garotas como eu em lugares como esse.
Analisei rapidamente minhas alternativas.
Ou eu perdia a batalha mental que havia formado em minha mente e voltava para casa, ou
conseguia meus malditos pontos e também começava a retomar o controle de minha vida que havia
perdido há muito, correndo o risco de ser trancafiada em um lugar que nunca me achariam.
Definitivamente, segunda opção.
De todo modo, Kate sabia onde eu estava, já que fora ela a responsável por me dar as
coordenadas do lugar, ainda que com objeções. E James também não deixaria que algo acontecesse a
uma... conhecida.
Ou deixaria?
Afastei o pensamento quando por fim desci os degraus, relutante.
Assim que abri a porta, deparei-me com um grupo de garotos, que aparentavam ter cerca de
vinte anos, organizados ao redor de uma mesa de baralho. Todos me lançaram olhares instintivos
naquele mesmo segundo, e não demorei a localizar os olhos penetrantes de James dentre eles.
Não havia tanta confiança naquelas íris quanto na última vez em que tínhamos nos visto. Pelo
contrário, ele parecia surpreso, quase incerto.
Era óbvio que ele realmente não achava que eu viria.
Contudo, toda aquela surpresa não demorou a se tornar algo a mais. Um sorriso travesso se
esboçou dentre seus lábios, deixando claro que o moreno começava a se divertir.
— Veio brincar com a gente, gata? — um dos garotos questionou. — Me divertiria muito mais
com você do que com esses panacas.
Ignorei o som das risadas sonoras, centrando-me em James.
— Podemos conversar a sós?
— Olha, eu não sei quanto ele tá te pagando, mas eu posso pagar o dobro — um outro garoto
soprou, provocando ainda mais risos.
Algo similar à repulsa percorreu cada centímetro de meu interior.
— Tudo bem, já chega — James enfim disse, e apesar do divertimento estar implícito em seu
tom de voz, também havia alguma espécie de autoritarismo ali. — Tenho que dizer, não achei
realmente que você fosse ter a coragem — o moreno acrescentou assim que se virou para mim, de
forma que somente eu pudesse entender o que ele queria dizer.
— Você disse que faria o trabalho se eu viesse até aqui — murmurei com a voz ridiculamente
falha, cruzando os braços.
James então soltou um riso nasalar, assentindo uma vez.
— Tem razão. Trato é trato, ainda que não um muito bom. — Ele jogou suas cartas na mesa e se
colocou de pé, voltando a atenção aos colegas. — Podem terminar sem mim.
O garoto se virou e seguiu em direção a um pequeno cômodo, e, de algum modo, sabendo que eu
não estava o acompanhando, alertou, ainda de costas para mim:
— Acho melhor vir logo. Acredite se quiser, mas é preferível ficar comigo do que com esses
pervertidos.
— Vai se foder — alguns deles murmuraram em resposta subitamente.
Aquilo fez com que eu deixasse a hesitação de lado e fosse atrás do garoto.
Caminhando a alguns passos de distância dele, analisei suas roupas. O moreno trajava uma
calça jeans surrada e uma jaqueta de couro preta. Tentei ignorar o quão bem aquelas peças ficavam
em seu corpo.
James fechou a porta assim que entramos no minúsculo quarto, e, de repente, senti que o ar ali
não seria suficiente para meus pulmões. Eu certamente precisaria de oxigênio extra se quisesse
manter minha racionalidade perto dele.
Ao passo que me escorei na escrivaninha precária do lugar, James se jogou no sofá a pouco
mais de dois metros de mim, que estava rodeado por caixas de papelão fechadas.
— E então, o que quer saber sobre mim? — indagou apressadamente, parecendo não querer
perder muito tempo.
Soltei um suspiro pesado.
— Eu não sei. Me conta os pontos mais importantes da sua vida — respondi, pegando uma
agenda e um lápis em minha bolsa.
— Sinto muito, Monique, mas você vai ter de ser mais específica com isso — ele retrucou, sem
nenhum vestígio de gentileza de fato.
Revirei meus olhos.
— Me fala o que você mais gosta de fazer, então — especifiquei, a contragosto.
James pensou por um par de segundos, levando o olhar até o teto em um gesto entediado.
— Hum... Sexo?
— Isso é sério? — rebati de modo instantâneo, semicerrando os olhos, e ele apenas riu de uma
forma genuína, divertindo-se.
— Quase isso — respondeu simplesmente, dando de ombros em um falso gesto inocente. — Só
estou tentando descontrair, já que você parece estar séria o suficiente por nós dois — ele
acrescentou, sarcástico.
Reprimi os resmungos que começavam a se formar em minha garganta.
— Inferno, apenas relaxe um pouco. Acharei outra resposta — disse casualmente, mesmo que
isso já parecesse algo improvável para mim estando ao seu lado. — Bem, não acho que qualquer um
dos meus hobbies seja apropriado para ser colocado em um trabalho como esse, então vamos para a
próxima pergunta.
Engoli em seco.
— Ok, então... Tem algo importante que você tenha feito nos últimos anos?
— Não tem nenhuma pergunta fácil para me fazer? — ele soprou, esboçando um sorriso indócil.
— Essas são perguntas fáceis.
— Tudo bem, podem até ser, mas te garanto que não acontece o mesmo com as respostas.
— É tão difícil assim achar algo de significativo que você tenha feito no ano passado ou neste
ano? — questionei, incrédula.
— Considerando que eu fui para um reformatório aos dezesseis anos e saí apenas há alguns
meses, é, sim.
Desviei o olhar de minha agenda para ele, perguntando se devia estar assustada por isso.
— Por que você foi mandado para um reformatório? — As palavras saíram antes que eu as
detivesse, e James estalou a língua em pura desaprovação.
— Pessoal demais, amor. Vai ter que conquistar minha confiança antes para que eu consiga me
abrir tanto com você — ele sibilou enquanto me lançava uma piscadela.
Senti um rubor tomar conta de minhas bochechas de repente, então me apressei a mudar de
assunto, ainda nervosa:
— O que você faz no dia a dia?
— Pode escrever que eu estudo o dia todo.
— Tenho certeza de que isso não é verdade — murmurei, não muito contente.
— Você realmente está me julgando pela aparência? — soprou, alargando o sorriso perverso.
— Vejam só, Monique Price finalmente mostra as garrinhas.
— Não é o que estou fazendo — protestei, embora não estivesse cem por cento certa disso.
Ainda assim, não me sentia nem um pouco culpada, afinal, o moreno fazia exatamente o mesmo
comigo.
— Está, sim, Monique — rebateu, firme. — Você está finalmente comprovando ser a pessoa que
descrevi há poucos dias.
Inspirei fundo em mais uma tentativa de não deixar que James entrasse em minha cabeça.
— Amigos? — Segui com as perguntas, rezando silenciosamente para que tudo aquilo
terminasse logo.
— Sou mais do tipo solitário.
Pergunta besta.
— Bem, até perguntaria se você tem namorada, mas não acho que seja fácil encontrar qualquer
garota que esteja disposta a resistir a seu humor, então...
— É o que você acha? — Ele arqueou as sobrancelhas de imediato, rindo. — Ah, Monique,
você certamente se assustaria com o quanto elas podem gostar do... tempo que passam comigo. Mas
você ao menos está certa em achar que eu não namoro. Não acho que eu tenha muito tempo para algo
além de físico.
Ignorei a sensação de queimação que seu olhar causava em minha pele.
— Honestamente, ainda acho que você seja o problema.
Infelizmente, aquelas palavras apenas serviram para alargar o sorriso malicioso do garoto.
— Isso é um desafio? — soprou, relaxado. — Tudo bem, então. Acho que dou conta.
Não tive muito tempo para tentar descobrir sobre o que diabos ele falava, pois James logo se
colocou de pé para se aproximar de mim. Prendi a respiração quando seus braços me cercaram
contra a escrivaninha, seus olhos febris a poucos centímetros dos meus. A proximidade deixava claro
que ele era ao menos vinte centímetros mais alto do que eu, o que não me ajudava muito a manter
total sanidade.
E, se antes eu achava que ele me deixava intimidada, eu não podia estar mais enganada. Nenhum
momento anterior poderia se igualar a esse, com sua respiração contra minha bochecha e toda sua
atenção fixada em cada centímetro de meu rosto.
O moreno ainda sorria quando disse:
— Sabe, você tem olhos lindos, Monique. Há um vazio neles que é estranhamente cativante.
Você também tem um corpo capaz de fazer qualquer homem duvidar de sua própria racionalidade,
além de ter cabelos que praticamente pedem para ser tocados. Contudo, são esses lábios que
realmente chamam a atenção.
James, com o olhar já febril preso à minha boca, colocou uma mecha rebelde de meu cabelo
atrás de minha orelha antes de envolver minha nuca ardente com sua mão, e então não demorei a
sentir seu dedo áspero acariciar a base de meu maxilar com tamanho esmero.
Peguei-me apreciando de modo involuntário o modo como meu coração bombeou duas vezes
mais sangue para cada um de meus músculos e a forma como um fogo ainda maior passou a me
consumir lentamente de dentro para fora. No entanto, em um instante, aquelas mesmas sensações
ridiculamente complexas já eram dissipadas por palavras tão amargamente simples:
— É mesmo uma pena que seu interior anule qualquer atrativo que você venha a oferecer por
fora.
Encarei o garoto incrédula por alguns segundos antes de enfim recuperar a razão, empurrando
seu peito para longe de mim.
Piscando os olhos repetidas vezes enquanto tentava entender o que diabos tinha acontecido ali,
não demorei a achar uma resposta.
James apenas tinha comprovado de que podia fazer com que eu me sentisse atraída por ele para
retirar tudo de mim depois.
E, pela segunda vez desde que eu o conhecera, eu acabava de cair em seu maldito jogo.
Não hesitei em pegar minha bolsa e jogar minhas coisas nela, girando os calcanhares para
deixar o lugar, mas nãos sem antes dizer:
— Vai para o inferno, James.
— Só se for com você. — Escutei suas palavras estranhamente sérias no segundo em que passei
pela porta.
Atravessei o pequeno porão, assim como o bar, sem me dar ao trabalho de dar qualquer atenção
para as pessoas ali presentes, e, assim que adentrei em meu carro, pisei fundo no acelerador na
tentativa de ir para longe daquele lugar o mais rápido possível.
Lágrimas já começavam a cair de meus olhos quando dobrei a primeira esquina.
Eu odiava me sentir vulnerável. Após aqueles dois meses, aquele era o sentimento que eu mais
abominava dentre todo o misto aterrorizante.
E eu tinha acabado de o sentir novamente, mas por um motivo que não tinha como ser mais
estúpido.
Após tudo pelo que eu havia passado, era de se esperar que eu estaria mais forte. No entanto,
não era o que tinha acontecido. Eu continuava a me sentir fraca e não fazia ideia do porquê de um
desconhecido como James fazer com que a sensação se tornasse ainda mais forte. Também não sabia
porque deixava com que ele se aproveitasse de minha vulnerabilidade excessiva.
Quando enfim estacionei frente à minha casa, saí do automóvel em busca do meu quarto.
Tudo que eu mais precisava naquele momento era do escuro, onde eu normalmente conseguia
esquecer a maior parte do que acontecia à minha volta.
Entretanto, não tive a chance de sequer avançar para as escadas quando passei pela porta, pois
me deparei com meu pai sentado no sofá, à minha espera.
— Aonde você foi? — Pela primeira vez desde que me mudara, a voz de Josh soava
verdadeiramente irritada.
Tentei manter a calma quando respondi a primeira coisa que me veio à mente:
— Para a casa de uma colega para pegar algumas anotações.
— Não minta para mim, Monique. Se fosse mesmo isso, você poderia pegar amanhã na escola.
Você nem está carregando nada — ele rebateu, severo. — Eu não quero que a situação de Tyler se
repita com você, ok? Eu posso deixar seu irmão fazer o que bem entende porque ele é maior de idade
e nitidamente não consegue lidar com tudo tão bem quanto você, mas ele não é um exemplo a se
seguir dentro dessa casa. Antes que você saia, quero explicações com antecedência, fui claro?
— Por que, agora, você se importa? — As palavras não passavam de meros sussurros.
Josh simplesmente arqueou as sobrancelhas, confuso, e vi que ainda tinha a chance de voltar
atrás no que dissera.
Contudo, não era o que eu queria.
Eu ainda estava irritada o suficiente com o mundo para guardar qualquer incômodo para mim
mesma, como geralmente fazia.
— Você nem sequer ligava para mim ou para Tyler antes, então, por que agora seria diferente?
— soprei, as palavras falhas enquanto mais uma vez as lágrimas tomavam conta de meus olhos. —
Que eu saiba, você nunca fez por merecer esse respeito que parece exigir agora. Não foi você que me
criou, não foi você que me ensinou a andar de bicicleta ou me ajudou em meus deveres de casa. Não
foi você sentou ao meu lado e me disse para não ter medo dos monstros embaixo da minha cama, não
foi você que segurou em minha mão enquanto eu aprendia a viver nos mais diversos sentidos,
portanto, não tente ser um pai que você nunca foi. Não pretendo passar muito mais tempo aqui depois
de me formar, então não se dê ao trabalho de tentar ser o que eu precisei somente anos atrás.
Não me preocupei em ver se minhas palavras tinham afetado Josh de algum modo. Ao invés
disso, virei-me e subi as escadas, não demorando a adentrar em meu quarto.
Por fim, apenas me deitei em minha cama e disse a mim mesma que amanhã seria um novo dia,
ainda que soubesse que não poderia ser um muito diferente.
03 |
Um perigo em potencial

MONIQUE PRICE

— Bom dia, irmãzinha. — Escutei a voz de Tyler assim que acabei de descer as escadas, e foi
inevitável perguntar a mim mesma se não estava sonhando.
Contudo, piscando os olhos repetidas vezes, tudo me pareceu bem real. Meu irmão realmente
tinha me lançado as primeiras palavras depois de meses de silêncio.
Não o respondi de imediato. Apenas continuei encarando o garoto que estava jogado no sofá,
atônita.
— Sabe, eu escutei a briga de você e Josh ontem à noite e não podia deixar de te dar meus mais
sinceros parabéns — acrescentou após poucos segundos, soltando uma risada divertida.
A menção fez com que eu franzisse o nariz. Estava me saindo bem em esquecer todos os
malditos acontecimentos da noite passada, até agora.
— Não sabia que você estava em casa — balbuciei por fim, passando direto por ele enquanto
evitava seu olhar.
— Ah, ainda bem que estava. Não podia ter perdido isso por nada — ele rebateu, e senti o
sorriso por trás de sua voz. — Quando Josh escuta isso da minha boca, ele pensa que não passa de
revolta. Agora, com você, acho que ele até ficou meio que magoado. Se é que é possível.
Soltei o ar pela boca, sem saber o que sentir diante daquelas palavras.
Eu não estava muito orgulhosa de mim mesma pelo que tinha feito ou falado para Josh, mas não
estava ao todo arrependida.
Havia guardado aqueles pensamentos comigo por mais tempo do que consideraria saudável,
então achava que fora algo bom colocá-los para fora.
No entanto, não estava especialmente feliz pelas consequências disso.
— Então quer dizer que você voltou a falar comigo? — indaguei, na tentativa de desviar o
assunto.
De repente, um silêncio desconfortável se instalou entre nós, um ao qual já estava mais do que
acostumada.
Já sabia a resposta antes mesmo que Tyler a verbalizasse.
— Não seja idiota. Você sempre será a culpada, Monique — ele respondeu, e, ainda que triste,
eu não estava surpresa. Aquelas íris cristalinas, uma cor a qual era completamente diferente das
minhas e de qualquer um dos meus pais, passaram a me analisar com a mais pura indiferença.
Obriguei-me a pegar uma maçã na cozinha e me apressei a ir para longe de meu irmão. De
algum modo, as memórias pareciam ficar um pouco mais vívidas quando ele se comportava daquele
jeito.
Assim que entrei no carro, não hesitei em dar partida, pisando fundo no acelerador.
Tentei manter minha cabeça vazia durante o trajeto, e em questão de minutos, eu já estacionava
frente à escola.
Bem, ao menos hoje eu estava adiantada.
Saindo do automóvel, atravessei o estacionamento e fui direto para o refeitório, sentando-me a
uma mesa vazia na consciência de que ainda faltava pouco mais de quinze minutos para o início das
aulas.
Dei a primeira mordida em minha maçã enquanto pegava meu fone, colocando-o em seguida,
ansiosa para que minha única salvação desse mundo adentrasse em meus ouvidos.
Em dias como aquele, a música se tornava minha melhor aliada se tratando de distração.
Tive tempo de escutar quase uma canção inteira antes de Kate se sentar à minha frente,
assustando-me por um segundo.
— Quero detalhes sobre ontem à noite. Por que você estava no Hell's Bar? Lá só tem drogado
— ela soprou, nem mesmo se dando ao trabalho de me cumprimentar primeiro.
Soltei um riso nasalar diante da afobação. Honestamente, eu já sentia como se Kate fosse minha
amiga há anos.
— James não facilitou muito as coisas para mim na hora de terminar o relatório. Disse que eu
tinha de ir até lá se quisesse ter minhas perguntas respondidas.
Foi então que a garota basicamente escancarou o queixo.
— Não acredito que ele mandou você ir lá! Podia ter acontecido algo com você, sua maluca. O
lugar não tem boa fama.
— Na verdade, eu não acho que ele estava falando muito sério quando disse que eu devia ir até
lá. Tenho quase certeza de que ele não estava achando que eu teria mesmo a coragem.
— Então isso faz de você ainda mais louca — ela rebateu, balançando a cabeça em descrença.
— Bem, pelo menos agora você conhece o lugar. Se eu fosse você, não voltava mais lá.
Antes que eu tivesse a chance de dizer que Kate estava certa, um de seus amigos, Luke, que me
fora apresentado em meu primeiro dia de aula, sentou-se ao meu lado.
— Bom dia, meninas — ele disse, passando a mão pelos cabelos loiros enquanto eu e Kate o
cumprimentávamos de volta. — Então, se importam de eu perguntar sobre o que vocês estavam
falando? Suas caretas estavam visíveis desde o pátio.
— Sobre James. Ele é a dupla de Monique na aula de sociologia — Kate não hesitou em
responder, dando de ombros.
— Sinto muito por isso — Luke murmurou em puro sarcasmo, virando-se para mim.
Soltei um suspiro pesado.
— É, eu também — balbuciei, mais para mim mesma.
— Ele deve estar dando trabalho mesmo, né? Nem sei o porquê de ele ainda estar estudando —
ele acrescentou, o que fez com que eu franzisse o cenho imediatamente, confusa.
— Como assim?
— Ele esteve no reformatório por um tempinho. O cara nem vai ter um futuro mesmo.
Suas palavras um tanto quanto arrogantes me fizeram lembrar de um comentário específico
saído da boca de James, algo do qual tinha me esquecido após o restante dos acontecimentos
tumultuados.
Um calafrio percorreu minha espinha instantaneamente.
— Vocês sabem o porquê disso? — Por algum motivo, minhas palavras não passaram de meros
sussurros.
— Tráfico de drogas, eu acho — Kate respondeu, e eu arregalei os olhos inevitavelmente.
Antes que eu pudesse fazer mais qualquer outra pergunta, o sinal soou, deixando claro que já
devíamos tomar rumo em direção às classes.
— Quer que eu te acompanhe para a sua aula? — Luke me perguntou enquanto nos
levantávamos, e eu assenti, sabendo que aquela seria uma boa chance de ter James fora de minha
cabeça.
Conforme caminhávamos, Luke comentava sobre o time de futebol da escola do qual fazia parte
e das vitórias do semestre passado, e fiz meu melhor para prestar atenção até chegarmos à minha
sala.
— Quais são suas próximas aulas? — ele questionou assim que paramos em frente à porta.
— Física dois e sociologia — respondi, a última palavra saindo falha.
Ainda assim, agradeci mentalmente por ter apenas duas aulas na semana com James.
— Minha sala do terceiro horário fica perto da de sociologia — ele soprou, dando um sorriso
gentil. — Te encontro para te acompanhar novamente. Até lá.
Despedi-me também antes de adentrar na sala de aula e, no momento em que me sentei à mesa,
todos os pensamentos que vinha tentando evitar desde a noite passada tomaram minha mente de uma
só vez, mas agora com uma informação nova.
O garoto era definitivamente jovem demais para estar metido com drogas, então não demorei a
me perguntar onde diabos seus pais estavam.
Não tinha ideia se James fazia isso por necessidade ou apenas por ter um dinheiro extra, mas de
todo jeito, aquilo era mais um motivo para eu manter distância dele. Nem mesmo podia ter certeza se
ele também era usuário.
Ao fim, foi inevitável sorrir ao imaginar Josh descobrindo onde e com quem eu estava ontem.
Como juiz, ele certamente surtaria, e mesmo que achasse um pouco de graça, isso na prática não seria
nada legal.
Com o turbilhão de pensamentos em minha mente, a primeira aula, assim como a segunda,
passaram rapidamente, e ao final acabei me dando conta de que não tinha ideia de qual conteúdo os
dois professores haviam explicado.
Afinal, o quão estúpido era eu ter minha concentração sequestrada por um garoto que mal
conhecia? James tampouco merecia minha atenção, o que fez com que eu me sentisse genuinamente
estúpida por pensar tanto nele.
Pouco antes de entrar na sala de sociologia, escutei a voz de Luke me chamando e
imediatamente me lembrei de que ele havia dito que me acompanharia até minha próxima aula.
Como era meio que tarde demais para ele me acompanhar pelos corredores, o garoto adentrou
em minha sala comigo, sabendo que ainda tinha alguns minutos antes do sinal o obrigar a se dirigir
para sua próxima aula.
— Então, eu estava aqui pensando — ele disse enquanto se sentava no lugar de James —, você
gostaria de sair um dia desses? Como você é nova na cidade, acho que seria legal sair para conhecer
um pouco mais dela.
— Tipo, com você e seus amigos?
— Honestamente, acho que seria melhor se fôssemos só nós dois.
Arqueei as sobrancelhas, pensando sobre isso por alguns segundos.
Aquilo mais me parecia como um encontro, e eu não tinha certeza se estava pronta para estar
com alguém desse modo após tantos acontecimentos conturbados em minha vida.
Eu ainda me considerava instável e confusa sobre os mais diferentes aspectos, o que
automaticamente me deixava com dúvidas se deveria estar com alguém com segundas intenções.
— Com licença, você está sentado em meu lugar. — Uma voz nada gentil que eu já conhecia
muito bem me tirou de meus pensamentos, e assim que desviei meu olhar para cima, vi James parado
logo ao lado de Luke.
— Pois é, parceiro. Acontece que a aula ainda não começou oficialmente, então não acho que
tenha problema eu continuar aqui até o sinal tocar — Luke soprou em um certo tom de impaciência.
— Bem, eu tenho um problema com isso, parceiro — o moreno retrucou, o rosto impassível, e
eu engoli em seco instintivamente.
— Então acho que isso seja uma pena, porque não vou sair daqui somente por você.
— Ah, acho que vai, sim — James murmurou, a firmeza em sua voz causando arrepios em toda
extensão de minha pele. — Porque, você sabe, não tenho muito problema em te tirar daí com minhas
próprias mãos. Não me importo muito em tomar uma suspensão por uma suposta briga, mas estou
certo de que o mesmo não acontece com você. Problemas com o papai, certo? — Ele sorriu com as
últimas palavras.
Surpreendentemente, Luke não rebateu de imediato. Ele apenas estreitou os olhos, o rosto
começando a ganhar um tom avermelhado.
Por fim, o loiro se colocou de pé, pondo-se à frente de James.
— Vai à merda, cara — ele balbuciou, virando-se para mim em seguida. — Nos vemos depois,
Monique.
James nem mesmo esperou Luke sumir de nossas vistas antes de se sentar ao meu lado.
Minha respiração ainda estava pesada quando perguntei:
— Por que você fez isso? Que eu saiba, você não é exatamente o meu fã para querer passar o
máximo de tempo comigo.
— Ah, Monique. De onde tirou isso? — ele soprou, virando-se para mim enquanto um sorriso
travesso tomava conta de seus lábios. — Eu nunca perderia a chance de passar alguns minutos a mais
com você.
— Sabe, quando uma pessoa odeia a outra, ela geralmente tenta manter distância — ralhei,
irritada, e James apenas franziu o cenho, forjando uma falsa confusão.
— Sério? Mas onde ficaria a diversão nisso tudo?
Não me restava mais dúvidas de que ele estava simplesmente amando tudo isso, assim como na
noite anterior.
Tendo em mente que estava disposta a não seguir meu próprio último exemplo, virei-me para
frente para evitar seu olhar enquanto cruzava os braços frente ao peito.
— Olha, para mim já chega. Não faço ideia de qual seja seu problema comigo ou com o mundo,
mas não estou disposta a aguentar algo a mais de você. Espero que se divirta sozinho.
Uma risada ecoou até meus ouvidos, e cerrei os dentes com uma força excessiva para conter a
reação ao som que se propagava em meu interior.
— Ah, estou certo de que vou.
Se nas aulas anteriores eu já tivera dificuldade em manter minha concentração, agora estava
sendo basicamente impossível.
Exatamente trinte e dois minutos mais tarde — sim, eu estava contando os minutos que estava
sendo obrigada a ficar ao seu lado —, James finalmente fez algo que chamasse minha atenção, e a
partir daí foi ainda mais difícil esquecer sua existência a menos de meio metro de distância de mim.
Senti seu braço se apoiar no encosto de minha cadeira e o calor de sua pele atravessar o tecido
fino de minha blusa, fazendo com que meu corpo reagisse àquela proximidade de um modo
involuntário.
Ainda não entendia ao certo o porquê de meu físico não atender a nenhum comando racional de
minha mente. Não gostava nem um pouco da possibilidade de o moreno perceber que minha pele se
arrepiava ou que eu sentia um calor excessivo quando estava próxima a ele.
— Sabe, tenho de dizer que fiquei meio decepcionado por você ter saído tão cedo ontem. Estou
certo de que teríamos nos divertido muito caso tivesse ficado um pouco mais — ele soprou enfim, de
modo que eu pude sentir sua respiração em minha orelha. Engoli em seco.
— Não sei se você percebeu, mas estamos em aula — retruquei, firme.
— É, eu percebi, loira. — Ele soltou um riso nasalar, e quase cheguei à conclusão de que
aquela foi sua primeira risada sincera, mas logo me lembrei de que isso não podia ser muito
possível. — Acontece que eu também já percebi há um tempinho que você não estava prestando
atenção. Achei que ao menos poderia te distrair um pouco. Vai que o tempo passa mais depressa
assim, certo?
— E como você pode ter tanta certeza de que eu não estava prestando atenção? — sussurrei de
modo irritado, mas não demorei a me dar conta de que essa era a última pergunta que eu devia ter
feito, afinal, eu não estava mesmo prestando nem um pouco de atenção no Sr. Zane.
E, se James mencionara isso, era porque eu definitivamente não era tão boa quanto pensava em
esconder quaisquer sensações ou pensamentos.
— Bem... — ele começou, tranquilo como o usual — sua pele parece estar um pouco mais
corada do que o normal, e eu não acho que isso se deva a alguma queda por Platão. Você também está
remexendo em sua caneta como se fosse escrever algo, mas ainda não o fez em nenhum momento, e
suas pernas me parecem um tanto quanto inquietas, apertando-se de modo excessivo. Então, não,
você não está prestando atenção na aula, Monique.
Foi estranho como, de tudo que ele tinha falado, eu havia me concentrado apenas em uma
pequena menção.
Um calafrio percorreu minha espinha quando me perguntei se ele podia mesmo estar
observando minhas pernas.
— Me diz, isso é alguma reação ao playboy?
Levei algum tempo até perceber que ele se referia a Luke.
Honestamente, o garoto tinha sido a última coisa em que poderia ter pensado na última meia
hora, mas não pretendia admitir isso a James, então apenas permaneci calada até o moreno enfim
estalar a língua diante do silêncio.
— É, acho que não — ele respondeu quando não obteve uma resposta, entretendo-se ainda
comigo. — Ele é filhinho de papai demais para provocar qualquer efeito parecido com os que você
tem agora.
Mantive meu olhar ao professor, trincando o maxilar com uma força excessiva.
— Então, vai me dizer o que estava dentro dessa cabecinha para tê-la deixado assim? Gostaria
muito de confirmar minhas suspeitas.
Virei meu rosto abruptamente em sua direção, e por uma fração de segundo fiquei assustada com
meu próprio ato em reflexo.
— Está sugerindo alguma coisa? — soprei, minha voz soando assustadoramente dura.
— Não sei. Estou? — retrucou, alargando seu sorriso, o que fez com que eu revirasse os olhos
instintivamente. — Tudo bem. Somente devo lembrá-la de que cada um pensa no que lhe convém.
— Vai à merda, James.
— Sr. Mitchell e Srta. Price — Sr. Zane chamou nossa atenção, e não hesitei em voltar meu
olhar à frente da sala conforme todos os rostos se viravam em nossa direção. — Algum de vocês
poderia me explicar a Alegoria da Caverna?
Arregalei os olhos quase que instantaneamente, já nervosa, afinal, eu realmente não tinha ideia
do que ele explicara nessa aula.
— É uma hipótese proposta por Platão em que dois homens, acorrentados a uma caverna,
somente podem ver sombras, em uma parede do fundo, das pessoas ou animais que passam por detrás
deles — James começa a dizer, chamando toda a atenção da sala para si —; assim, tudo que eles
acham que conhecem no mundo seria apenas uma mentira, uma fantasia de seus sentidos onde eles
supunham o que as imagens significavam. Quando soltos, ao virem que tudo que acreditavam não era
a própria realidade, eles provavelmente prefeririam voltar à caverna, para aquilo a que estavam
acostumados, mesmo tendo em mente a mentira. É basicamente uma besteira de comparação entre a
caverna e nosso entendimento limitado através dos sentidos, os homens acorrentados à massa e a
saída da caverna à busca pelo conhecimento racional.
De primeira, eu me senti um pouco estúpida assim que James finalizou a explicação, afinal,
tinha praticamente presumido após as palavras de Luke que o moreno não tinha muito futuro na
escola.
Depois, acabei me sentindo genuinamente mal por tê-lo julgado, já que agora estava claro que
ele sabia muito mais do que eu poderia imaginar. Não gostei muito de pensar que James estava certo
ao me acusar de julgar pela aparência.
Observei Sr. Zane avaliando-nos de modo cauteloso, soltando o ar pela boca. Mesmo não o
conhecendo, eu já podia ter a certeza de que ele era uma pessoa calma, mas também nem pestanejava
antes de fazer o que julgava ser necessário.
— Fico feliz que saiba no que consiste a matéria mesmo sem prestar atenção, Sr. Mitchell — o
professor disse, parecendo sincero. — Contudo, não acho que as pessoas ao seu redor tenham a
mesma facilidade de aprender a matéria ao terem sua atenção desviada.
— Desculpe-me — James murmurou simplesmente, sem parecer muito culpado. — Prefere que
eu saia para que todos retomem a suposta atenção?
Risinhos se espalharam por toda a classe, e Sr. Zane imediatamente soltou um suspiro pesado,
as feições já se contorcendo em severidade.
— Sr. Mitchell e Srta. Price, por favor, esperem-me na direção. Passo lá ao fim dessa aula.
— O quê? — balbuciei de imediato, ao mesmo tempo que toda a sala voltava a ficar em
silêncio. — Eu não...
— Por favor, Srta. Price — o professor me cortou, e mesmo que houvesse educação em seu tom
de voz, também havia o mais puro autoritarismo.
James não precisou de mais para se levantar e caminhar até a porta como se nada tivesse
acontecido, e após isso todos voltaram os olhares a mim, esperando que eu fizesse o mesmo para que
a aula continuasse.
Prendendo a respiração, finalmente me levantei também, tentando manter o olhar distante de
todos enquanto deixava a classe.
— Sabe, mesmo não te conhecendo muito, eu já posso te odiar mais do noventa e nove por
cento do resto do mundo — balbuciei assim que fechei a porta por trás de mim, vendo que James já
estava a alguns passos à minha frente.
— Eu sei — ele retrucou, soltando um breve riso enquanto não se obrigava a fazer mais do que
virar a cabeça ligeiramente em minha direção.
— Sério, qual o seu problema? — soprei de imediato, sem saber se estava mais frustrada ou
irritada. — Você está mesmo rindo? Você pelo menos sabe que acabamos de ser expulsos da aula?
— Cacete. Se você não tivesse falado, nunca iria perceber — ele retrucou sarcasticamente, e
mesmo que estivesse de costas, pude senti-lo revirando os olhos.
Isso fez meu sangue ferver.
— Já deu pra perceber que isso claramente não é grande coisa para você, mas, adivinhe, para
mim, é. Eu sempre fiz meu melhor para manter um bom histórico escolar, e, mesmo que você já tenha
deixado claro que não gosta de mim, poderia ter o mínimo de decência e me manter longe dessas suas
brincadeiras porque definitivamente não é algo em que eu queira entrar.
— Você tá realmente fazendo drama por isso? Pelo amor de Deus, o máximo poderíamos
receber seria uma advertência.
— Uma advertência? — repeti as palavras, parando de o seguir no mesmo instante.
Eu não podia receber uma advertência.
Depois de tudo, a única coisa a que eu ainda me apegava era ao meu sonho, e sua concretização
seria apenas consequência dos meus esforços, portanto, eu estava, mais do que tudo, centrada no meu
histórico escolar. Aquela era a única coisa que me fazia levantar da cama de manhã e seguir em
frente, afinal, era o que me dava alguma perspectiva de que tudo melhoraria. Eu ainda tinha a chance
de seguir ao menos um caminho que eu e minha mãe sempre havíamos planejado, e esse também era o
único caminho que estava sob meu controle.
Não podia deixar que qualquer outra coisa mudasse algo a mais em minha vida, não podia me
dar ao luxo de não me preocupar com essas pequenas coisas depois de tudo que já havia perdido.
Após alguns segundos, James pareceu enfim se dar conta de que eu não o acompanhava mais,
pois parou de andar enquanto virava a cabeça em minha direção.
Abaixei o olhar quase que imediatamente, envergonhada por estar tão afetada. Eu certamente
odiava quando algo insignificante acarretava situações de maiores proporções em minha mente, o que
era algo que vinha acontecendo bastante ultimamente.
— Inferno — James resmungou baixinho enquanto se aproximava alguns passos. — Por favor,
apenas me diga que você não vai chorar por isso — ele murmurou enfim, sua voz ganhando uma
cautela que eu nunca tinha presenciado.
— Não estou chorando — retruquei, mas as palavras saíram mais falhas que o planejado.
Mesmo que eu não estivesse de todo chorando, eu ainda estava chateada o suficiente para
conseguir me controlar por completo.
— Ok, hum... Escuta — ele balbuciou em um misto de contragosto e uma preocupação estranha,
passando as mãos pelo cabelo —, não vai acontecer nada com você, tá legal? Vou falar com Alex,
prometo. Relaxe um pouco, agora.
Arqueei as sobrancelhas em sua direção, surpresa.
Por um segundo, perguntei-me se James realmente tinha acabado de ser gentil comigo, mas não
soube como chegar a uma conclusão concreta.
— Melhor? — ele perguntou após alguns segundos, observando-me com atenção.
Engoli em seco, e, involuntariamente, assenti.
Também não soube ao certo porque estava confiando em suas palavras. James apenas parecia
transparecer a certeza de que resolveria as coisas, e, surpreendentemente, eu estava acreditando.
— Hum... Obrigada? — balbuciei enfim, tão desconfortável quanto confusa.
O moreno então soltou o ar pela boca, e ainda que suas feições transparecessem alguma espécie
de zelo, ele logo adotou a indiferença com o qual estava habituado.
— Só não vai se acostumando — murmurou de mau grado, não hesitando em girar os
calcanhares e voltar a se distanciar.
Respirei fundo enquanto também me forçava a seguir em frente, tentando entender o que diabos
tinha acabado de acontecer ali.

James realmente cumprira com sua palavra. Como, eu não sabia ao certo.
Sr. Zane e ele tinham conversado em particular por quase dez minutos antes do moreno deixar a
direção, e, por fim, o professor apenas me dissera para não me deixar ser levada por James, já que
sabia bem o quão volátil o garoto podia ser às vezes.
Não fiz muito mais do que assentir até enfim ser dispensada e, após o incidente, tentei ficar um
pouco mais centrada nas aulas que se seguiram, mesmo que tivesse sido algo genuinamente difícil.
Chegando ao estacionamento, escorei-me em um muro à espera de Kate, já que a garota tinha me
pedido se podia pegar carona comigo alguns dias da semana. Sua casa era no caminho da minha,
então não precisei pensar muito antes de concordar.
— Monique? — A voz masculina chamou minha atenção, e assim que virei minha cabeça para o
lado, vi Luke se aproximando. Não tínhamos nos encontrado desde aquele pequeno desentendimento
que ele tivera com James. — Tá fazendo o que aí parada?
— Esperando a Kate. — Dei de ombros.
— Ok, então vou ser breve antes que ela chegue — ele soprou, sorrindo. — Queria saber se
você pensou sobre sairmos algum dia.
Desviei o olhar quase que de imediato enquanto me dava conta de que não gastara mais que dez
segundos pensando no convite. Senti-me mal por um instante, pois Luke, além de Kate, era o único a
ser gentil comigo naquela escola. Bem, com exceção do pequeno colapso que James tivera hoje mais
cedo.
Não demorei a inspirar fundo, tentando entender o porquê de minha mente andar direcionando
cada assunto para James desde o início do dia. Era um pouco ridículo.
Centrando-me em Luke, finalmente cheguei à conclusão de que não faria mal sair com ele. Eu
ainda não tinha saído para nenhum canto da cidade, e aquela era uma boa chance de me afastar da
minha pequena bolha de tragédia, ainda que somente por algumas horas.
— Eu adoraria conhecer a cidade melhor — respondi por fim, fazendo o possível para que ele
entendesse que eu não pensava naquilo como um encontro.
— Ótimo. Sábado está bom para você?
Assenti, e antes que qualquer um de nós disséssemos algo a mais, Kate apareceu ao nosso lado.
— Oi, gente — ela cumprimentou, sorridente como sempre, antes de se virar para mim. —
Desculpa a demora. Estava tirando algumas dúvidas com o professor. Está pronta?
— Te pego às oito da noite? — Luke questionou antes que eu respondesse Kate.
— Ok — soprei, e a garota ao meu lado imediatamente lançou um olhar de interrogação para
mim.
— Tchau, Luke — ela se despediu, já me puxando em direção ao meu carro.
— Que foi? — indaguei após poucos segundos, confusa com o puxão relativamente forte e suas
feições contorcidas.
Kate não disse nada até que estivéssemos dentro do carro.
— Olha, eu preciso de te dizer uma coisa antes que você saia com ele.
Pisquei um par de vezes em sua direção, esperando por uma explicação.
— O que foi? — murmurei por fim, quando tive a certeza de que ela estava hesitando.
— É que... Bem, eu nunca vi nada e não tenho nenhuma certeza do que vou te dizer, mas eu já
escutei um boato de que Luke havia alterado a bebida de uma garota.
Arregalei os olhos instantaneamente.
— Isso é sério? E a garota? Ela tá bem?
— Acho que as coisas não foram muito longe. Quer dizer, nem dá mesmo para saber se foi
verdade, já que boatos assim rolam com frequência. Eu conheço o Luke desde minha infância e
nossos pais são muito amigos, então não tenho muita certeza de que ele seria capaz disso, mas, de
todo jeito, achei melhor te alertar.
Assenti imediatamente enquanto dava partida, perguntando-me se Luke era capaz de algo assim.
Não o conhecia, mas ele sempre me parecera mais gentil do que a maioria dos caras com quem
tinha saído, ainda que não fossem muitos.
E, infelizmente, eu tinha alguma ideia de que o ensino médio não era especialmente fácil para a
maioria de nós. Era inevitável controlar fofocas e boatos fantasiosos acerca dos mais diferentes
aspectos.
— Só... não se esqueça de tomar cuidado, ok? — Kate balbuciou após algum tempo, retirando-
me de meus pensamentos.
— Vou tomar — respondi honestamente, ainda que não estivesse muito certa de que Luke fosse
um perigo em potencial.
04 |
Dificuldades

MONIQUE PRICE

— Você está me escutando? — Kate perguntou através da linha enquanto eu acabava de fazer
alguns cachos em meu cabelo.
— Estou — soprei, ainda que não fosse totalmente verdade.
Havia parado de prestar atenção quando ela começara a dizer pela terceira vez os cuidados que
eu deveria tomar.
— Mentirosa! — a garota não hesitou em acusar.
— Kate, nós vamos para um parque de diversão — murmurei enquanto segurava o riso. — Não
acho que muita coisa possa acontecer em um lugar desses, ok? Pode ficar tranquila, sério.
Mesmo pelo viva-voz, escutei Kate bufar e então não precisei de muito para saber que ela ainda
não estava muito contente.
— Tá bom — ela disse a contragosto, cedendo por fim. — Se eu não tivesse esse estúpido
jantar em família, eu iria com vocês.
— Isso seria ótimo. Acho que se você fosse, as coisas ficariam mais claras sobre o não
encontro — balbuciei, já deixando o babyliss em cima de minha escrivaninha, estando enfim pronta
para sair. — Agora tenho que ir, Kate. Depois eu te ligo para te contar como foi.
— Não, não. Eu vou te ligar de meia em meia hora para ter a certeza de que está bem. Nunca me
perdoaria se algo acontecesse por estarmos descartando o pior.
Soltei um riso nasalar.
— Tudo bem, então. Até daqui meia hora — despedi-me e encerrei a chamada em seguida.
O relógio do celular já marcava quase oito horas, e como as coisas entre mim e Josh ainda não
estavam resolvidas por completo, decidi que seria melhor que eu esperasse por Luke na sala, afinal,
se meu pai abrisse a porta primeiro, as coisas poderiam sair um pouco do controle.
Contudo, não saí de meu quarto até me dar uma última conferida no espelho. Havia colocado
uma saia preta que chegava quase até a metade das coxas que combinava com a blusinha de alcinhas
e um tênis casual, suspeitando que ficaria mais confortável assim ao experimentar os brinquedos.
Também estava um pouco feliz com a leve maquiagem que usava, já que ela tampava minhas olheiras
quase por completo e dava um pouco mais de cor em meu rosto pálido. Sentia-me quase bonita, algo
que não acontecia há algum tempo.
Descendo as escadas por fim, logo vi Josh em seu escritório pela porta aberta. Assim que
cheguei na sala, soube que ele também tinha me visto, pois se levantou e se escorou ao portal.
— Aonde você vai? — ele questionou enquanto eu me sentava no sofá, o tom de voz calmo.
— Para o parque. É o seu último dia na cidade.
— Com quem?
Hesitei diante daquela pergunta, já que não tinha ideia de qual seria sua reação se dissesse que
eu iria com um garoto. Estava acostumada a passar por situações como essa com minha mãe, e não
com Josh.
— Escute, Monique — ele disse após alguns segundos de silêncio, parecendo ciente da minha
relutância —, você tem toda a razão de ficar chateada comigo. Eu tenho completa consciência de que
não fui um pai presente, um pai que você e Tyler mereciam, mas estou tentando mudar as coisas
agora. Não me importava com sua segurança tanto quanto agora porque sabia que vocês estavam
seguros com sua mãe, que ela se preocupava o suficiente com vocês por nós dois, mas agora as
coisas mudaram. Eu estou mesmo tentando cuidar de vocês e, mesmo que seja tarde demais, eu
apenas quero vê-los bem.
Prendi a respiração instantaneamente, como fazia na maior parte das vezes em que me deparava
com qualquer menção a alguns aspectos específicos de meu passado.
Era de se esperar que, a essa altura, eu já tivesse superado ao menos alguma parte do que
acontecera há anos, como o abandono, mas não era o que tinha acontecido de fato.
Ainda me sentia um pouco amargurada com tudo isso, um sentimento o qual não me orgulhava
em muito.
Felizmente, a campainha não demorou a tocar, então não hesitei em me colocar de pé, já ansiosa
para sair daquele lugar que acabara de se tornar sufocante.
— Não precisa se preocupar. Vou só sair com um amigo da minha escola. Volto cedo —
anunciei apenas, já indo em direção à saída antes que ele tivesse a chance de dizer algo mais.
— Caramba! Você está linda — Luke disse assim que abri a porta, e forcei um sorriso antes de
agarrar sua mão para puxá-lo em direção ao seu carro.
— Obrigada. Vamos!
Abri a porta do banco do passageiro antes que o garoto tivesse a chance de fazê-lo por mim,
ainda temerosa pela possibilidade de ele realmente achar que estávamos saindo como qualquer coisa
senão amigos.
— Tá tudo bem? — ele questionou quando também adentrou no automóvel, dando partida.
— Tudo — respondi em um tom abafado, desviando o olhar.
— Não é o que parece.
— Bem, são só alguns problemas com meu pai. Não é nada de mais.
— É, sei como é. Também tenho alguns problemas com o meu.
Pelo resto do caminho, Luke monopolizou a conversa ao falar sobre algumas complicações de
sua relação com o pai, e, honestamente, fiquei quase aliviada por não ter de falar muito, já que minha
mente parecia nebulosa demais para que eu pensasse em qualquer assunto na tentativa de jogar
conversa fora.
Nela havia, sobretudo, questionamentos acerca de meu pai, como nos últimos anos, e memórias
sobre minha mãe, como nos últimos meses. De vez em quando, havia algo — ou alguém — a mais
que ocupava minha cabeça involuntariamente, mas tentava ignorar isso até que eu me distraísse com
qualquer outra coisa.
Por fim, Luke parou o carro no estacionamento já cheio do parque, e soube imediatamente que o
lugar estaria lotado. Não desanimei mesmo assim, já que fazia algum tempo que não ia a um lugar
como esse.
O garoto continuou falando enquanto caminhamos em direção à entrada, mas dessa vez fiquei
entretida demais com o cheiro de algodão-doce e pipoca para prestar atenção em qualquer coisa que
saía de sua boca.
De repente, senti uma certa euforia com a qual, a partir de algum momento, tinha me
desacostumado.
Eu estava quase feliz por estar em um lugar que parecia não ter outro objetivo senão a alegria
das pessoas. Bem, também tinha a parte do dinheiro, mas não liguei muito com isso.
Enquanto tomávamos rumo em direção ao centro do parque para comprar algumas fichas, o
celular tocou em minha bolsa, e logo avistei um grande "Kate" estampado na tela inicial.
Desliguei a chamada subitamente.
— Quem era? — Luke questionou em seguida, arqueando uma sobrancelha.
— Só meu pai — menti, já que não queria responder uma provável pergunta sobre o que Kate
poderia querer ao me ligar agora.
Após um par de segundos, o aparelho passou a tocar outra vez, e então tive a mais pura certeza
de que Kate não pararia até que eu a tranquilizasse.
Encerrei a chamada uma segunda vez antes de me virar para Luke.
— Tudo bem se eu deixar você aqui? Josh está um pouco preocupado por eu não conhecer a
cidade direito, então queria ir a um lugar mais silencioso para acalmá-lo sem muitas interrupções.
— Claro. Podemos nos encontrar em frente ao carrinho de bate-bate? Também preciso passar
em um lugar.
— Ok — concordei, sem hesitar, enquanto abria minha bolsa em busca de dinheiro.
— O que você está fazendo?
— Você precisa pagar as fichas
— Não, eu vou pagar para você.
— Não vai, não — rebati, já estendendo minha mão com as notas. Luke negou com a cabeça,
relutante. — Por favor, Luke. Não vou deixar você pagar minha parte. — Ou seja, isso não é um
encontro.
O garoto somente pegou o dinheiro quando eu fiz uma cara feia, deixando claro que não haveria
alguma outra saída para ele.
— Até daqui a pouco — disse por fim, já me distanciando.
Comecei a discar o número de Kate, mas achei melhor esperar para dar início à ligação até que
estivesse em um lugar mais reservado, afinal, não queria que mais alguém escutasse nossa conversa
sobre as suspeitas de Kate em relação a Luke.
Após caminhar por alguns minutos, finalmente encontrei um trailer em um lugar mais afastado, à
margem do parque, e me dei por satisfeita ao tomar rumo em sua direção. No entanto, assim que me
aproximei um pouco mais, notei que eu não estava realmente sozinha ali.
Logo atrás do trailer, havia duas pessoas, e mesmo no escuro, pude perceber que, pelas
silhuetas, pareciam ser homens.
Demorei apenas um par de segundos analisando a cena a poucos metros de mim, onde ambos
conversavam algo, e então girei os calcanhares, já apressada para sair dali enquanto um calafrio
subia pela minha espinha.
Entretanto, não tive a chance de dar mais do que três passos antes de ser detida pelo toque de
meu celular.
Quase pulei de susto quando o barulho familiar chegou aos meus ouvidos e, de algum modo,
tive a mais completa certeza de que não estava mais invisível aos dois homens.
Levei minha mão apressadamente até a bolsa para desligar o aparelho, e, pela minha visão
periférica, vi um dos dois caras entregar algo para o outro e sair com passadas largas e desordenadas
em seguida.
Engoli em seco enquanto me preparava para tornar a tomar rumo pelo caminho de onde tinha
vindo, mas então fui interrompida novamente, mas agora, o som familiar que chegava aos meus
ouvidos não era proveniente de meu celular.
— Monique?
Eu devia estar imaginando coisas. O contrário seria muita maluquice.
No entanto, logo me dei conta de que, a levar em consideração o caos em que minha vida
andava ultimamente, nada mais realmente seria impossível, então tomei coragem para me virar em
direção à voz conhecida.
Foi inevitável arregalar os olhos assim que localizei James, que já vinha em minha direção
enquanto guardava algumas notas amassadas no bolso.
— Se você estivesse me seguindo, você me falaria, certo? — ele soprou assim que se
aproximou, o sorriso sarcástico já dentre os lábios
— O que você estava fazendo? — questionei quase que em disparada, não demorando a sentir o
rubor em minhas bochechas em seguida.
— A informação terá alguma utilidade no trabalho de sociologia? — ele retrucou, arqueando as
sobrancelhas.
Como sempre, estava caçoando.
E, bem, aquilo realmente não era do meu interesse. Contudo, eu ainda estava curiosa.
O que diabos James poderia estar fazendo com um homem em um canto afastado e escuro como
aquele?
Minha respiração travou quando meu cérebro achou uma possível resposta para a pergunta.
Fiquei apenas parada por alguns segundos, impassível, enquanto pensava na possibilidade.
— Qual o problema? — James não demorou a questionar, cruzando os braços frente ao peito
quando notou a mudança em meu estado.
Forcei-me a olhar em seus olhos.
— Você... hum... — Hesitei, procurando o jeito certo de perguntar isso até chegar à conclusão
de que simplesmente não havia jeito certo, pois isso não era da minha conta.
A única coisa que eu precisava fazer era manter distância do garoto.
Girei os calcanhares quase que de imediato, mas não saí do lugar em que estava, não quando a
mão pesada de James afundou em meu antebraço com tanta agilidade.
— Responda a minha pergunta antes de sair — ele soprou, tranquilo.
— Você realmente... — Engoli em seco, ainda tendo em mente que não deveria verbalizar
nenhum dos meus pensamentos.
— Eu realmente...?
Ok, dane-se. Eu precisava ter a certeza.
— Você realmente tá se vendendo?
James não deve ter entendido de imediato sobre o que eu falava, pois ele franziu o cenho assim
que acabei de pronunciar aquelas palavras. Entretanto, não mais de um par de segundos depois, a
perplexidade inundou seus olhos enquanto ele me analisava. A reação também não perdurou por
muito tempo.
Uma risada logo se formou em sua garganta e suas feições se contorceram na mais pura
diversão, e, mesmo confusa, aproveitei a oportunidade para desvencilhar meu braço de seu toque,
pois já sentia estranhas faíscas abstratas inundando meu interior como consequência.
Trinquei o maxilar enquanto via, pela primeira vez, um James genuinamente casual, alegre. Não
me lembrava de já tê-lo visto tão bonito quanto agora.
— Ah, meu Deus — ele balbuciou, esfregando sua mão na testa enquanto continuava a me
encarar, rindo. — Você tá mesmo me acusando de ser um prostituto?
Falando assim, parecia até ridículo, mas não deixei me levar.
— Dois homens juntos no escuro e um deles ainda paga o outro no final. Desculpe-me pelos
fatos já deixarem tão pouco para a imaginação — rebati sarcasticamente, firme.
— Puta merda, Monique — sibilou, parando de rir enfim, ainda que continuasse a esboçar um
sorriso. — Sabe, eu devia estar ofendido com isso, mas, honestamente, acho que nunca me diverti
tanto com alguma acusação.
— Então o que vocês estavam...
Não cheguei a terminar a frase, não quando uma memória de uma conversa específica invadiu
minha mente de forma tão branda e clara.
Tráfico de drogas.
Levei meu olhar a ele instantaneamente.
— Você estava vendendo drogas, não é?
James não respondeu minha pergunta. Ao invés disso, seu olhar se endureceu enquanto ele
trincava o maxilar, com a postura impenetrável já de volta, como o usual.
Não precisei de mais para ter a certeza de que eu estava certa.
Isso me machucou por um instante, mesmo que eu não soubesse ao certo o motivo por trás do
sentimento. Eu não conhecia aquele garoto, mas, ainda assim, parecia ser inevitável ficar apreensiva
por ele.
— Você é maluco ou o quê? — questionei então, aflita. — Você ao menos sabe que pode estar
jogando seu futuro no lixo ao fazer isso? Pelo amor de Deus, James. Você já foi pego uma vez, e
estou certa de que na próxima não vai voltar para um reformatório. Caramba, isso é...
— Não me venha falar sobre o que não sabe, Monique — ele me cortou de forma dura, o tom de
voz simplesmente cortante. — Você acha que me conhece? Acha que sabe alguma coisa do meu
passado ou o que eu possa ter para meu futuro? Pelo amor de Deus, você não tem ideia alguma de
quem eu sou.
— Eu não...
— Quer saber? Você pode ir à merda com toda essa hipocrisia — continuou, e mesmo com a
voz amena, eu ainda identificava a mais pura frustração por trás daquelas palavras. — Você não faz
ideia do que é passar dificuldades, então não fique aí me julgando quando você não precisa fazer
absolutamente nada para ter o que tem hoje. Você não sabe quem eu sou, não sabe meus motivos e
tampouco poderia entende-los se eu estivesse disposto a desenhá-los.
Inacreditável.
Fiquei parada, apenas o observando, enquanto assimilava as palavras pesadas e quase
sufocantes.
De repente, me encontrei cansada do mundo. Cansada das suposições de todos ao meu redor,
cansada de ser uma pessoa que não era aos olhos de cada um ao meu lado.
— Você quer mesmo falar sobre hipocrisia? — soprei sem me obrigar a pensar muito, exausta.
— Você quer mesmo falar sobre hipocrisia quando, desde o começo, foi você quem veio me julgar
sem saber uma fração do que eu passei nos últimos meses ou anos da minha vida? Quer saber, eu
estou cansada dessa arrogância sem fundamento, principalmente por você não ser o único a ter
problemas. Acha que eu não passei por dificuldades apenas por não me encontrar na mesma situação
que a sua? — Soltei uma risada sem humor, sem encará-lo. — Minha mãe se matou há pouco mais de
dois meses no quarto ao lado do meu, meu próprio irmão nem conversa comigo por me culpar por
toda essa situação e agora estou morando sob o mesmo teto de um homem que nunca se importou de
verdade com os filhos. Mas, claro, você tem razão quando diz que eu não tenho ideia do que é
passar por problemas.
Não me deixei ficar surpresa por, pela primeira vez, presenciar um James quieto.
— A única diferença entre mim e você é que eu ao menos consigo concentrar em meu futuro,
pois sei que um dia vou conseguir superar tudo pelo que estou passando. Estou com minha
consciência tranquila por estar fazendo o melhor que posso por mim mesma e não acho que você
possa dizer o mesmo sobre você. — Soltei um suspiro pesado, fechando as mãos em punho para
controlar toda a ira que se formava em meu interior. — Ok, foda-se. Faça o que quiser da sua vida,
eu não me importo. Nem sequer te conheço. Mas mantenha suas merdas consigo e comece a me
deixar fora disso a partir de hoje.
Não demorei mais um segundo sequer naquele lugar. Apenas me virei e deixei que meus pés me
conduzissem para longe de James, que parecia genuinamente afetado pela primeira vez desde que nos
conhecemos.
05 |
Objetivos e esquemas

JAMES MITCHELL

Merda.
Talvez, e apenas talvez, Monique não fosse tudo aquilo que eu tinha imaginado, o que
automaticamente gerava um problema para mim.
Se a garota não fosse frívola, insolente e até indiferente com tudo ao seu redor, ela
provavelmente sairia magoada demais. Bem mais do que eu havia planejado.
E, se Josh Price realmente não se importava muito com ela como fora mencionado segundos
atrás, meu propósito se tornava não mais que um absoluto fracasso. Machucaria apenas ela, a pessoa
errada, e não quem eu pretendia atingir de fato.
Situação do caralho.
— Que porra a garota estava fazendo aqui? — Tobias questionou assim que Monique sumiu de
vez de minha vista, saindo de um canto escuro a poucos metros de distância.
Soltei o ar pesado pela boca, virando-me para ele.
— Pensei que você tivesse ido embora — murmurei apenas, escorando-me no trailer precário
enquanto tentava organizar os pensamentos caóticos.
— Eu ia, mas quando escutei você chamar o nome dela, parei na hora — ele rebateu como se
fosse óbvio. — E, cara, tenho que dizer que seus atos não estão condizendo nem um pouco com seus
objetivos. Ela já parece te odiar.
Foi estranho como a pequena menção de minhas intenções fez com que uma certa náusea me
invadisse.
— Ah, cacete. Você não tá pensando em desistir, né? — o garoto soprou em após alguns
segundos, analisando minhas expressões com a mais pura atenção.
Não soube exatamente como o responder, mas tinha em mente que tudo que pensava em fazer
podia não ter mais algum sentido.
— Aquele filho da puta ferrou você, James — Tobias sussurrou diante de meu silêncio, o que
somente fez com que a frustração se alastrasse ainda mais sob toda extensão de minha pele.
— Você escutou a garota. O pai dela nunca se importou com ela, então do que adiantaria essa
porra toda? — rebati, cerrando os dentes.
— Cai na real, James. Todo pai liga com a filha, nem que seja um pouco. Eles vivem sob o
mesmo teto, é impossível ele não sentir nada.
— Não sei, não — balbuciei, confuso.
Eu não sabia mais ao certo como poderia prosseguir com um plano que machucaria ainda mais
uma pessoa que já teria de arcar com o peso de um suicídio de uma mãe por toda a vida.
E pensar que todos nessa cidade não faziam ideia da realidade por obviamente pura intervenção
do juiz... Claro que ninguém poderia saber os segredos podres por trás de sua vida perfeita.
— Você não pode estar se esquecendo do que aconteceu com você e seu irmão — Tobias
murmurou enfim, cético. — Há quase dois anos você tenta descobrir onde ele está e o trazer de volta,
e agora que tem realmente uma chance concreta de o fazer, você vai jogar fora?
Esfreguei minhas têmporas, tentando apenas colocar a porra do cérebro para funcionar.
Infelizmente, Tobias sabia o meu ponto fraco. Sabia o que era mais importante para mim.
Eu ainda faria o que fosse preciso.
— E, caramba, cara. Isso não vai ser nenhum sacrifício. Você não tinha me falado que ela era
gostosa.
— Vê se cala a boca, Tobias — não hesitei em dizer, e o garoto apenas levantou as mãos em um
gesto inocente, cauteloso. — E eu não desisti de nada ainda, ok? Vou fazer o que for necessário para
ter Jack de volta.
— Bem, então acho melhor você aprimorar essas suas artes da conquista o mais rápido
possível. Não acho que a coisa esteja muito boa para o seu lado.
— Pois é, e eu acho melhor você vazar logo. Tem muita merda pra vender ainda.
Tobias fez uma careta, mas concordou por fim.
— Me liga quando tudo tiver acabado.
— Beleza — concordei subitamente e, sem querer perder ainda mais tempo, tomei rumo em
direção à multidão do parque, afinal, não era só Tobias que tinha muito a vender ainda.
Noites cheias como essa eram as melhores para o negócio, sobretudo por um parque ser um
lugar ideal para tantos jovens. Esperava, até o fim da noite, faturar ao menos o dobro do que vinha
conseguindo no último mês, e estava genuinamente animado por isso, afinal, advogado nenhum
trabalharia para mim de graça.
Pouco mais de uma hora depois, eu já havia conseguido mais de quinhentas pratas. A noite
estava genuinamente boa para as vendas, afinal, havia policiais de menos para pessoas demais, o que
fazia com que eu passasse despercebido em quase cem por cento do tempo. O parque também era
grande o suficiente para que eu conseguisse ter ao menos seis pontos diferentes e seguros para a
transação.
Naquele momento, eu esperava pelo próximo cliente, perto da roda-gigante, quando o celular
vibrou em meu bolso.
— Agora não dá para falar — soprei para Tobias assim que atendi a chamada. — Retorno
quando eu acabar aqui.
— Espera, James — ele disse, agitado, o que me impediu de encerrar a ligação naquele mesmo
instante. — Eu... eu meio que fiz merda, cara.
— Depois nós conversamos. Eu estou quase...
— O Luke me procurou — ele me cortou, e eu soltei o ar pela boca, impaciente.
— E daí?
— Ele queria Valium — Tobias respondeu, e então eu soube exatamente qual era o problema.
Meus dedos agarraram o celular com mais força contra meu ouvido.
— Tobias, se você fez o que estou pensando que fez, eu juro por tudo que é mais sagrado que eu
acabo com você — eu ameacei de imediato, rezando silenciosamente para que minhas suposições
estivessem erradas.
— Ele ofereceu muito dinheiro, cara. Foi mal, mesmo — ele murmurou, hesitante.
Foi então que eu fechei os olhos abruptamente, tentando mais do que tudo conter a raiva que já
ameaçava me invadir naquele segundo.
— Puta que pariu, Tobias. Qual a porra do seu problema? Eu já te falei o que ele faz com isso,
mas que merda do caralho — eu disse, já saindo do meio de toda aquela multidão, sabendo que teria
que achar Luke antes que ele tivesse a chance de dopar alguém com a droga. — Quer saber, para mim
já deu, cacete. Hoje é sua última noite, entendeu bem?
Tobias podia ser mais velho do que eu, mas sua maturidade não condizia com sua idade, o que
podia foder com tudo.
— E por que você tá me contando isso agora? — indaguei após poucos segundos, quando o
pensamento de que caso não tivesse algum motivo, ele continuaria mantendo a boca fechada, ocupou
minha mente. O garoto permaneceu em silêncio, e instantaneamente soube que aquilo não queria dizer
boa coisa. — Acho melhor você contar logo o que aconteceu — exigi enfim, meu tom de voz ainda
mais duro do que poderia ter planejado.
— Eu juro que não sabia que ele estava com ela, até agora.
— Puta merda. Me fala a porra que aconteceu antes que eu perca a paciência.
— Eu o vi com a filha do juiz, cara — ele disse então, a preocupação implícita em suas
palavras. — Eu não queria ferrar com seu esquema, eu...
— Que se foda a porra do esquema. Você tá realmente pensando nisso quando se tem a
possibilidade ele foder com ela apagada? — Já longe da aglomeração central, foi inevitável conter
os gritos.
Eu podia ser um completo filho da puta por querer usá-la na tentativa de chegar ao seu pai, mas
o que Luke poderia fazer seria mil vezes pior.
Pelos segundos de silêncio de Tobias, percebi que ele finalmente tinha se dado conta da
gravidade da situação.
— Eu acabei de ver os dois caminhando em direção a saída. Acho que estavam indo para o
estacionamento. Ela não parecia muito bem, cara. Acho melhor você... — Encerrei a chamada antes
que Tobias tivesse a chance de pronunciar o óbvio, e então não demorei um segundo a mais para
começar a correr até o estacionamento
Esbarrei na grande maioria que encontrava em meu caminho, sendo recebido por olhares
raivosos.
Como se eu desse a mínima.
Assim que cheguei no estacionamento, meus olhos desorientados percorreram todo o local, mas,
mesmo após quase um minuto, eu ainda não fazia a menor ideia de onde estava o carro do
desgraçado.
Havia uma enorme quantidade de automóveis no local, o que, junto à iluminação precária,
praticamente tornava minha busca impossível.
Desisti de ficar parado e comecei a caminhar dentre os carros, olhando através das janelas
enquanto tentava andar o mais depressa possível e com o máximo de atenção aos detalhes.
Quando pensei no que poderia acontecer caso eu demorasse um pouco mais, bile subiu pela
minha garganta, então me apressei em localizar qualquer carro sem alarme. Assim que o fiz, subi em
cima dele, finalmente tendo uma visão mais ampla do estacionamento.
Percorri todo o local com o olhar até enfim achar algo que prendeu minha atenção. Não soube
se devia ficar aliviado ou nauseado com a cena que encontrei a tantos metros de distância.
Ao fundo do estacionamento, pude ver que Luke abria a porta de um automóvel, aparando a
garota que só podia ser Monique.
Sem pensar duas vezes, desci do carro em um pulo e sai correndo em sua direção o mais rápido
que consegui, sem querer imaginar o que seria capaz de fazer com o garoto caso eu chegasse tarde
demais.
Em questão de segundos, pela janela do carro pelo qual procurava, avistei Luke, e a partir daí
minha mente ficou totalmente nebulosa.
Instintivamente, abri a porta do banco de trás e puxei o garoto pela gola da camisa, o jogando
para fora enquanto meus olhos buscavam por Monique. Pude vê-la, ainda vestida, com os olhos
pesados, alheia ao que acontecia ao seu redor, e, tendo certeza de que ao menos seu físico estava
bem, não hesitei mais em me voltar para Luke.
Não soube ao certo o que fiz para jogá-lo ao chão, mas o fiz. O barulho de seu corpo
encontrando o concreto foi quase ensurdecedor.
— Eu não ia fazer nada — ele praticamente gritou, a voz completamente falha, enquanto eu o
prendia contra o chão, impedindo-o de levar a mão até seu ombro que parecia ter se deslocado.
— Você tá zoando com a porra da minha cara? — soprei, batendo sua cabeça contra o chão
mais uma vez, não usando nem metade da força que gostaria, mas ainda assim, suficiente para fazê-lo
sofrer um pouco. — Você é um nojento do cacete, Luke — eu disse em seguida, segurando seu rosto
para que ele pudesse observar a verdade em meus olhos enquanto pronunciava as seguintes palavras:
— Escute bem, seu desgraçado, porque só vou falar isso apenas uma vez: se eu te pegar fazendo
qualquer coisa parecia com essa, eu juro que te mato. Porra, se você sequer pensar em fazer algo
com ela novamente, você vai desejar estar morto.
Agarrei sua garganta com uma força excessiva, ainda obrigando-o a me encarar.
— Você me entendeu?
— Entendi, eu juro — ele balbuciou entre os grunhidos de dor, e, com alguma dificuldade,
finalmente joguei-o no chão por uma segunda e última vez. Por enquanto.
Levantei-me de imediato e fui em direção ao seu carro mais uma vez, levando minhas mãos até
a cintura de Monique e a puxando até que ficasse de pé. Ela ainda não estava inconsciente por
completo, pois vi que continuava lutando contra as pálpebras na tentativa de mantê-las abertas.
Coloquei ela em meus braços e comecei a me distanciar dali o mais rápido possível, parando
apenas após alguns minutos, sentando-me em uma calçada distante do parque com Monique ainda em
meu colo para que eu pudesse ligar para Tobias.
— E aí? Tá tudo bem com ela? — ele questionou assim que atendeu a ligação, afobado.
Não me preocupei em responde-lo.
— Preciso que você pegue seu carro e venha me pegar na rua à direita da saída principal. Não
posso pegar meu carro no estacionamento com Monique inconsciente. Alguém pode nos ver e achar
suspeito.
— Te pego em cinco minutos — ele respondeu, e a ligação foi encerrada um segundo depois.
Pela primeira vez, tive a chance de analisar Monique mais precisamente, já mais calmo. Em seu
rosto, não havia vestígio algum do que acabara de ocorrer. Pelo contrário, suas feições transmitiam
uma paz irreconhecível para mim, e com seus olhos já fechados, ela parecia sonhar com os mais
belos sonhos. Observá-la durante aquele tempo, ainda dentre meus braços, me ajudou a exterminar o
restante da ansiedade.
Eu realmente esperava que ela não pudesse se lembrar de muito quando acordasse.
Tobias, como o prometido, não demorou a aparecer, e suspirei em um alivio estranho enquanto
me levantava, colocando Monique no carro com cuidado e adentrando ali em seguida.
— Ela tá mesmo bem? — Tobias questionou no momento em que fechei a porta, já dando
partida.
— O que você acha? — soprei em um misto de irritação e sarcasmo enquanto apoiava a cabeça
da garota em meu ombro. — Só me leva para minha casa, ok?
— Foi mal, de verdade, James. Eu não sei o que estava pensando.
— Agora não faz mais diferença — murmurei enquanto tentava respirar fundo para manter a
calma.
— O que você quer dizer? — ele questionou de imediato, me observando pelo retrovisor.
— Eu não vou correr esse risco com você de novo, Tobias. Algo pior não aconteceu hoje por
pouco, e eu não estou disposto a te dar uma milésima chance.
— Ei! Nada do tipo vai acontecer de novo, eu juro. Eu pensei que, após sua última conversa
com Luke, ele pararia com isso. Não sabia que ele ia tornar a usar a droga com outra garota — ele
explicou, a voz vacilante. — Nós nos conhecemos desde nossa infância, cara. Eu preciso do
dinheiro, você sabe.
Desde sempre, Tobias era o mais próximo que eu tinha de um amigo, e eu também sabia que ele
andava juntando algum dinheiro para comprar uma casa melhor para que ele e sua mãe pudessem
morar. Contudo, isso não mudava o fato de ele quase ter mudado drasticamente a vida de uma garota
de modo irrevogável.
— Depois conversamos sobre isso — disse por fim, sem ter ideia de que falava sério ou não.
— Valeu. — Ele suspirou, aliviado. — E você tem certeza de que é uma boa ideia levar ela pra
sua casa? Ela vai ficar muito confusa quando acordar, pode te acusar do que aconteceu e tudo mais. E
sem contar que ela descobriu sobre as drogas.
— Você quer que eu faça o quê? Deixá-la na porta de sua casa, desacordada? — murmurei,
cético.
Pelo retrovisor, pude ver Tobias me lançar um olhar como se tentasse entender o porquê de
aquilo ser uma má ideia.
— Talvez?
Bufei.
— Primeiro, o pai dela vai ficar puto demais, e se ao acordar, nossa conversa for a última coisa
que ela se lembrar e contar para Josh, tudo acaba pra mim. Segundo, ela pode ficar desesperada sem
saber exatamente o que aconteceu, portanto, deixá-la em sua casa nesse estado está fora de cogitação
— disse o óbvio. — Se tiver alguma ideia melhor, estou aberto a sugestões.
— Quem decide é você — ele balbuciou apenas, o tom de desaprovação explícito em sua voz.
Não me importei com isso nem por um segundo sequer.
Passamos o resto do caminho em silêncio, e meus pensamentos inevitavelmente voltaram a
Luke. Honestamente, eu ainda nutria um desejo obscuro de matá-lo desde que soubera o que ele fez
com uma garota de outra cidade com a droga que eu tinha fornecido, ainda que o pior tivera sido
impedido.
Ainda desejava também, mais que tudo, vê-lo por trás das grades, mas, infelizmente, a justiça só
funcionava para pessoas como eu.
— Tem certeza disso? — Tobias questionou após alguns minutos, assim que estacionou seu
carro em frente à minha casa.
Obriguei-me a manter a boca fechada, já colocando Monique de volta aos meus braços.
Abri a porta do carro com alguma dificuldade devido ao peso e finalmente saí do automóvel,
seguindo em frente então.
Fiz o menor barulho possível ao abrir a porta de entrada, ciente de que acordar Susan era a
última coisa que gostaria no momento.
Passando pela sala, vi a mulher dormindo em uma das poltronas com um pote de calmantes ao
seu lado. Com toda certeza, estava dopada. Bem, ao menos, eles não eram fornecidos por mim.
Minha tia havia vindo morar comigo desde que meu pai fora preso, tomando a guarda de mim e
de Jack. Contudo, ela não tinha arcado com suas responsabilidades nem por um minuto sequer, e esse
era o principal motivo por não ter meu irmão junto a mim hoje.
Ao menos, faltava muito pouco para que eu fizesse dezoito anos, e, por conseguinte, também não
faltava muito para expulsar a pessoa mais oportunista que havia conhecido para fora de minha casa e
lutar pela guarda de meu irmão.
Passando pelo pequeno corredor, finalmente adentrei em meu quarto, tendo consciência de que
o cômodo nem mesmo chegava aos pés do que Monique devia ter em sua casa. No entanto, ela teria
de se contentar com isso, ao menos por algumas horas.
Coloquei-a em minha cama com cuidado e retirei seus sapatos enquanto pensava na reação que
ela teria ao acordar. Ser reconfortante não era exatamente minha especialização, então, sabia que
tranquilizá-la não seria muito fácil. Respirando fundo, tentei pensar em como conseguiria não ser um
babaca completo, ainda que o fator babaquice já tivesse grandes chances de estar em minha genética.
Após alguns segundos, cobri Monique com o edredom fino de minha cama. Seus cabelos
dourados estavam espalhados pelo travesseiro e seu rosto ainda permanecia sereno, deixando-me,
novamente, em dúvida sobre meus planos. Pela segunda vez na noite, sua aparente pureza me fazia
duvidar de minha própria capacidade.
Por fim, apenas desviei meu olhar de uma vez. Não podia deixar que isso me afetasse.
Que ela me afetasse.
Peguei alguns cobertores e coloquei no chão, deitando-me ali enquanto me forçava a repassar
novamente tudo que ainda teria de fazer para chegar em meu propósito final.
06 |
Uma genuína tortura

MONIQUE PRICE

Flechadas fortes de sol invadiram meus olhos assim que minhas pálpebras foram abertas, e tive
de piscar repetidas vezes até que minha visão se acostumasse com a intensa iluminação.
Após longos segundos, finalmente pude avistar melhor o lugar em que me encontrava. Era um
quarto pequeno e simples, sem nenhuma decoração marcante. Tinha móveis comuns e uma cama de
solteiro, onde me encontrava.
Não reconheci nenhum detalhe do que estava ao meu redor, e foi aí que um certo desespero
começou a tomar conta de mim. Eu não fazia ideia de como tinha chegado ali.
Nem sequer me lembrava de muito após ir sair do carrinho de bate-bate com... Luke.
Não soube ao certo como respirar depois que a lembrança vaga ocupou minha mente, trazendo à
tona as palavras de Kate quase que de imediato.
Os boatos acerca do garoto podiam estar certos, e eu também podia ter sido uma de suas
vítimas.
Meus olhos dispararam, eufóricos, para a porta, mas antes que eu tivesse a chance de sair da
cama e correr para longe de onde quer que eu estivesse, localizei algo que não o fizera antes. Ou
melhor, alguém.
Pisquei um par de vezes enquanto observava James, deitado em cima de algumas cobertas no
chão, dormindo com uma tranquilidade que, naquele momento, eu desejei ter para mim.
Foi aí, quando eu tive a mais completa certeza de que não podia nem mesmo imaginar o que
devia ter acontecido comigo, que lágrimas invadiram meus olhos.
Um sentimento de puro terror atravessou todos os ossos de meu corpo enquanto, mais uma vez,
tentava lembrar de algo significativo em relação a Luke ou James. Após alguns instantes de uma
genuína tortura, ainda não podia me lembrar se havia acontecido algo com meu corpo ou como havia
parado aqui.
Um soluço abafado finalmente acordou James, e fiquei petrificada enquanto o observava piscar
seus olhos nebulosos, sem parecer saber muito bem o que estava acontecendo.
Por fim, quando seu olhar me encontrou, algo reluziu em suas íris, e, pela minha visão
embaçada, pude ver que ele tinha tomado sua total consciência.
Em um gesto calmo, o moreno não hesitou em se levantar e se sentar na beirada da cama,
mantendo alguma distância de mim como se tentasse fazer com que eu me sentisse mais segura.
Não funcionou.
Ainda me sentia mais vulnerável e assustada do que nunca.
— Você está bem, ok? Eu juro a você que não aconteceu nada — James disse por fim, o tom de
voz calmante.
Ainda assim, meu cérebro não se preocupou em assimilar as palavras. O pavor diante das
hipóteses nauseantes ainda me assombrava enquanto lágrimas percorriam minhas bochechas em um
ritmo frenético.
— Ei, ninguém fez nada a você. Eu sei que as coisas possam estar parecendo confusas agora,
mas você... você tem que confiar em mim. Está tudo bem.
Eu riria da menção acerca da confiança caso não estivesse tão apavorada.
— Eu não me lembro de nada — balbuciei, as palavras se formando antes mesmo que eu me
deixasse pensar muito sobre elas. — O que eu estou fazendo aqui? O que... o que você está fazendo
aqui? — questionei em seguida, ainda sem conseguir conter as lágrimas.
Eu ainda nem mesmo sabia se poderia acreditar em James.
Fitei o garoto enquanto ele hesitava por alguns segundos, como se tentasse pensar com cuidado
na resposta para minhas perguntas. Isso fez com que os pensamentos obscuros de minha mente se
exaltassem ainda mais.
— Pouco depois que tivemos aquela conversa no trailer, o Luke te dopou. Ele tentou te levar
para o carro dele, mas te encontrei antes que acontecesse algo a mais, tá bom? Mas você ainda estava
inconsciente, então achei melhor trazer você para cá para que eu pudesse te explicar tudo que
aconteceu quando acordasse.
James se manteve em silêncio para que eu pudesse absorver toda a informação. Contudo, minha
mente ainda se encontrava caótica, e lembranças da noite passada iam e vinham com uma força cada
vez maior.
— Ele... ele não pode ter me dopado. Eu não peguei nada da mão dele — murmurei, mais para
mim mesma, como se uma parte de mim ainda tentasse descartar o pior.
— Você estava tomando alguma coisa? — James indagou então, arqueando as sobrancelhas.
— Um refrigerante, mas estava fechado quando eu peguei.
— Luke deve ter alterado quando você desviou sua atenção. Não é algo difícil assim, Monique.
Minha respiração se acelerou diante daquelas palavras.
— Ele realmente... — Não consegui terminar a frase.
A situação era terrível demais para sequer ser verbalizada.
— Ah, meu Deus! — balbuciei de modo inevitável, mais uma vez imaginando como seria ser
violentada por Luke, ter meu corpo invadido de forma tão agonizante. — Ele poderia... poderia ter...
— É, mas nada aconteceu — James reforçou antes que eu tivesse a chance de finalizar minhas
palavras, o que, honestamente, acalmou-me tanto quanto foi possível no momento.
— Eu devia ter escutado Kate — murmurei para James, ainda que ele não pudesse saber do que
eu estava falando. — Eu devia ter tomado mais cuidado ou... Caramba, eu nem devia ter ido àquele
lugar com ele.
— Monique, tenta se acalmar — o moreno disse firmemente, e de modo tão estranho para mim
quanto para ele, seus dedos se entrelaçaram aos meus. Esqueci-me de tudo por um segundo conforme
sentia seu toque. — Nada dessa merda foi culpa sua. Luke é o único culpado de tudo que aconteceu,
entendeu?
Respirando fundo, assenti de imediato, o que foi um gesto automático.
Por fim, limitei-me a apenas concentrar em suas palavras.
Eu estava bem.
Nada tinha acontecido.
Gastei longos minutos repetindo-as mentalmente para mim mesma até me sentir menos enjoada.
Também fiz meu melhor para não pensar mais em tudo que podia ter acontecido, e sim no fato de eu
estar o mais segura possível naquele instante.
De algum modo, James parecia exercer um efeito quase tranquilizante em mim, o que não fazia
muito sentido, afinal, nossa última conversa não tinha sido exatamente harmônica.
— Como você sabia onde eu estava? — questiono enfim, com os pensamentos mais em ordem,
enquanto enxugava minhas bochechas úmidas.
— Longa história — ele murmurou simplesmente, balançando a cabeça negativamente como se
tentasse dizer que aquela não era hora para esse assunto.
Desviei o olhar então, mantendo-me em silêncio por mais alguns segundos até James questionar:
— Em que você está pensando?
— Não consigo entender qual o problema dele — respondi, voltando a encará-lo. — Luke sabe
que meu pai é um juiz, então por que ele se colocaria tão em risco assim?
— Pessoas sem memória podem ser facilmente manipuladas, Monique. — James deu de ombros
em meio a uma careta de nojo. — Ao acordar, você provavelmente acreditaria em qualquer coisa que
ele dissesse, já que seu inconsciente presumiria o melhor. Além do mais, nada realmente poderia
acontecer com ele. O pai dele é dono da metade dessa maldita cidade.
Soltei um suspiro pesado enquanto pensava sobre o que faria quando me encontrasse com Luke.
— Você está bem? — James arqueou as sobrancelhas por fim, e foi só quando retirou sua mão
da minha que percebi que ela tinha estado ali por todos aqueles minutos anteriores.
Eu tinha me acostumado com o calor de sua pele contra minha.
Obriguei a mim mesma a esquecer aquilo, pensando apenas em sua pergunta.
— Vou ficar — respondi enfim, sincera. — Obrigada. Por tudo isso.
— É. Faria isso por qualquer uma — ele murmurou simplesmente, levantando-se então.
Quase tive a certeza de que parte de sua personalidade usual tinha retornado.
— Vou preparar algo pra você comer — ele anunciou enquanto ia em direção à porta. — Acho
melhor você conversar com seu pai enquanto isso. Seu celular não parava de tocar durante a
madrugada, então mandei uma mensagem em seu nome para ele falando que você ia dormir na casa
de uma amiga, mas acho que não adiantou de muita coisa — acrescentou e saiu do quarto antes que eu
dissesse algo a mais.
Engoli em seco enquanto pegava meu celular na pequena mesa de cabeceira, logo avistando a
notificação das quase vinte ligações perdidas de Josh.
Afinal, onde diabos estava toda essa preocupação nos meus últimos dezessete anos?
Ainda não me considerava bem o suficiente para me preocupar também com meu pai, então
apenas mandei uma mensagem para Kate, que também parecia preocupada, e desliguei o aparelho
antes de o deixar de lado.
No silêncio, não dei a oportunidade para que os pensamentos sombrios viessem à tona outra
vez, então me apressei em levantar e fazer qualquer outra coisa que não fosse ficar parada.
Minutos depois, eu já me encontrava no pequeno banheiro da casa, distraindo-me em arrumar
meu cabelo desgrenhado e a maquiagem derretida, escovando os dentes com o dedo logo em seguida.
Quando me olhei no espelho uma última vez, ignorei o fato do vazio em meus olhos parecer
estar mais destacado. Saí para o corredor com pressa
Cheiro de café inundou minhas narinas imediatamente, e o segui até encontrar James na cozinha,
de costas para mim.
Pela primeira vez no dia, reparei em suas roupas.
Ele trajava uma calça jeans surrada e uma camisa cinza de mangas curtas, a qual deixava as
tatuagens dos braços à mostra. Duas delas captaram a maior parte de minha atenção: uma coruja em
seu tríceps direito e uma cobra enrolada em seu antebraço esquerdo. Eu nunca tinha sido exatamente
uma fã de tatuagens, mas aqueles desenhos negros eram realmente de tirar o fôlego.
Meu olhar logo se desviou para suas costas, onde o fino tecido destacava os músculos enquanto
ele movimentava os braços rapidamente. Era estranho como cada um de seus detalhes me fascinava
nos mais diferentes aspectos.
James era, definitivamente, atraente demais.
— Esse é seu novo hobby? — Sua voz fez com que eu voltasse à realidade.
— Como?
— Me observar. Você anda fazendo isso bastante desde que nos conhecemos — esclareceu, e
mesmo que ainda estivesse de costas, pude ter a mais completa certeza de que um sorriso sacana se
esboçava dentre seus lábios.
Enquanto me perguntava como raios ele sabia que eu o observava, sentei-me ao estreito balcão
que ficava no meio da cozinha.
— Não sabia que você era território proibido para meus olhos. — Arqueei as sobrancelhas,
ignorando o fato de que tinha acabado de me entregar por completo.
— É, você tem razão. Não posso fazer nada se seus olhos gostam de mim. — Ele soltou um riso
nasalar.
De primeira, estranhei um pouco o fato de ele estar me tratando de forma casual, já que a maior
parte de nossas conversas anteriores envolvia as mais diferentes catástrofes.
Contudo, não demorei a me dar conta de que ele provavelmente estava com pena de mim. Ainda
assim, não estava ansiosa para voltarmos à nossa interação habitual.
— Não tenho muitas opções aqui. Foi mal! — ele soprou assim que colocou dois pratos em
cima do balcão, cada um com duas torradas.
— Está ótimo. Obrigada — agradeci, já pegando a xícara de café que ele havia me empurrado.
Não tinha percebido até aquele momento que estava faminta.
— Você está melhor agora — ele ponderou quando eu dei a segunda mordida na torrada, e eu
apenas dei de ombros, sem querer voltar ao assunto anterior.
Ainda estava o ignorando, e continuaria a fazer o mesmo até que estivesse sozinha em meu
quarto, onde sabia que seria inevitável pensar na noite anterior.
— Você também, ao menos no quesito gentileza — retruquei apenas.
James então passou a me encarar com uma maior intensidade, prendendo-me àqueles malditos
olhos esverdeados. Havia algo de singular neles, ainda que eu não soubesse exatamente o quê.
Nunca havia me entretido tanto com meras íris quanto o fazia agora.
— Quero me desculpar por ontem — ele disse enfim, o que me deixou perplexa quase que
imediatamente.
James Mitchell não podia estar mesmo se desculpando.
— Hum... Pelo quê? — balbuciei, cautelosa. Pelo que eu sabia, aquela ainda podia ser uma de
suas brincadeiras nada divertidas para mim.
— Pelo jeito que te tratei ontem — ele respondeu, parecendo genuinamente sincero. — Eu
realmente não fazia ideia das coisas pelas quais você tinha passado, Monique. Não teria a tratado
desse modo se o fizesse.
— Ah! — Foi a única coisa que saiu de minha boca.
Aquela tinha sido a primeira vez que falava sobre o que de fato tinha acontecido com minha
mãe, então me senti um pouco estranha quando tomei total consciência daquelas memórias.
Desconfortável, somente me permiti dizer:
— Acho que você não deveria precisar saber de tudo pelo que as pessoas passam para tratar
elas bem. Todos lutamos alguma batalha interna.
— Você está certa — ele não hesitou em dizer, assumindo total culpa.
O gesto me confundiu um pouco até, por fim, eu decidir aceitá-lo.
— Peço desculpas também. Não deveria ter me intrometido daquele jeito na sua vida — soprei
então, sabendo que não tinha o direito.
Ainda achava errado o que ele fazia, claro, mas não sabia seus motivos para se meter naquilo.
— Sobre isso, eu realmente apreciaria muito se você não comentasse com ninguém, sobretudo
com seu pai. Eu não planejo continuar com essa merda por muito tempo.
— Eu não vou falar nada, prometo — esclareci honestamente. — Você pode só me responder
uma coisa?
— Devo ficar com medo? — ele murmurou enquanto arqueava as sobrancelhas, e me perguntei
se ele estava mesmo fazendo uma brincadeira inofensiva.
Por não saber ao certo o que pensar, ignorei a pergunta.
— Você é usuário também? — indaguei, sem esperar por mais.
James apenas soltou um breve riso, dando uma mordida em sua torrada.
— Claro que não — o moreno respondeu, ainda esboçando um sorriso divertido. — Quer dizer,
isso se baseado não contar. — Ele me lançou uma piscadela em seguida.
Antes que eu pudesse dizer algo a mais sobre isso, o som de uma porta se abrindo ecoou pelo
corredor, fazendo com que as feições de James se contorcessem no mesmo instante.
— Desculpa por isso — ele murmurou, os olhos completamente impenetráveis.
Quando estava prestes a perguntar pelo quê, uma mulher miúda, aparentando ter em torno de
quarenta anos, adentrou na cozinha, então fechei a boca de modo imediato enquanto observava seu
cabelo negro desgrenhado e as olheiras profundas.
— Amiga nova, James? — ela perguntou enquanto me analisava, recostando-se à janela da sala,
a qual ficava de frente para a cozinha.
— Acordou cedo, Susan — James disse simplesmente, as expressões esboçando algo parecido
ao desprezo.
— Alguém me acordou — a mulher rebateu enquanto acendia um cigarro, sorrindo. — Não vai
me apresentar a garota?
Ele ignorou a pergunta, concentrando-se em mastigar sua torrada.
— Sou Monique — respondi diante do silêncio, o que fez com que o sorriso estranho da mulher
se alargasse.
— É um prazer te conhecer, querida.
— Ok, já estamos de saída, Susan — o moreno anunciou subitamente, colocando-se de pé e
deixando seu prato na pia.
— Tão rápido? É a primeira garota que você traz aqui que não vai embora antes de eu acordar.
Não seja estraga-prazeres.
— Vamos pegar suas coisas, Monique — James me chamou, ignorando a mulher.
— Está vendo como sou tratada, querida? — Susan virou-se para mim então, estalando a língua
uma vez. — Sou simplesmente desprezada por uma pessoa que lutei tanto para criar.
— Pelo amor de Deus — ele resmungou, a impaciência implícita em sua voz.
— Você deveria me valorizar mais, garoto. Com o drogado de seu pai mofando na cadeia, você
não tem ninguém além de mim.
O moreno então soltou uma risada sem humor, a mais pura ira refletindo em seus olhos.
— Pois é. Já vi que o problema com as drogas é de família — retrucou, o tom de voz mais
cortante e amargo do que nunca.
Ainda imóvel, observei James sumir no corredor e voltar pouco tempo depois, trajando uma
jaqueta de couro e segurando meus sapatos com a mão esquerda enquanto minha bolsa era sustentada
por seu ombro.
— Aproveite esse teto enquanto você o tem, tia, porque, acredite em mim, seus dias por aqui
estão contados. — O moreno lançou um olhar frio para Susan, que desfez o sorriso medonho no
mesmo segundo. — Vamos embora — James balbuciou para mim por fim, indicando com a cabeça
para saída enquanto estendi sua mão. Como se fosse um ato instintivo, agarrei-a sem nem pestanejar.
O garoto me conduziu para fora de sua casa, e, assim que chegamos na garagem aberta, localizei
dois carros ali estacionados: um volkswagen gol city 1.0 e um Mustang antigo, que parecia estar em
conserto.
Tive a súbita reação de perguntar se o Mustang funcionava, mas a reprimi de modo instantâneo,
tendo total consciência de que James estava verdadeiramente irritado.
Por fim, adentramos, ainda em silêncio, no volksvagen, e James deu partida em seguida,
segurando o volante com uma força excessiva.
— Onde é sua casa? — ele indagou após alguns segundos, pouco antes de voltar a trincar o
maxilar.
— Fica oito quarteirões atrás da escola — respondi, e James continuou a manter os olhos fixos
à frente. James mantém os olhos fixos à frente. — Você tá bem? — perguntei por fim, hesitante.
O moreno soltou o ar pela boca, suavizando sua pegada no volante antes de lançar um rápido
olhar para mim. Pude ver sua fúria se dissipar em cada um de seus pequenos gestos, e isso me
aliviou de uma forma singular.
— Estou, não se preocupe — respondeu, o tom de voz já mais calmo — Sinto muito por ter
presenciado isso.
— Eu não ligo — balbuciei sinceramente, afinal, após os últimos meses, eu já estava habituada
com algum drama familiar. — Você mora com ela faz tempo?
— Na real, ela que mora comigo. — E, pela primeira vez desde a pequena discussão, ele foi
capaz de esboçar um ligeiro sorriso. — Ela se mudou para cá pouco depois de meu pai ser preso —
respondeu em seguida, de forma vaga, o que fez com que eu decidisse me manter em silêncio.
Aquele era um assunto o qual eu não sentia estar no direito de me intrometer, então me afundei
no banco, esperando até chegarmos à minha casa.
Com exceção das informações que eu dei para que James localizasse meu endereço, não
falamos nada durante o restante do trajeto.
— Tudo bem se eu te deixar aqui? — James questionou, parando o carro algumas casas atrás da
minha.
Pisquei um par de vezes, confusa.
— Ok — concordei enfim, ainda que achasse isso estranho. — Bem, obrigada mais uma vez.
Ele assentiu como se não tivesse feito nada de mais.
— Tem certeza de que vai ficar mesmo bem?
— Vou — respondi, ainda que não estivesse totalmente certa da resposta. Vinha tentando evitar
pensar em Luke desde que saíra do quarto de James, então não fazia ideia do que aconteceria quando
os pensamentos específicos voltassem à tona. — Só espero que Luke mantenha distância de mim na
escola — disse apenas, nervosa.
— Sobre isso... — James esboçou um sorriso travesso. — Ele não vai aparecer tão cedo.
Arregalei os olhos instantaneamente.
— O que você fez?
— Nada além do que ele merecia — respondeu vagamente, dando de ombros.
Já sabendo que James podia ser bastante determinado quando não estava disposto a me dar uma
resposta, apenas deixei pra lá, já podendo ter alguma ideia do havia acontecido. A suposição me fez,
de certa forma, um pouco mais satisfeita.
— Hum... Te vejo na segunda? — soprei enfim, ainda que não quisesse me distanciar de James.
Entretanto, alguma parte de mim sabia que aquele era um mal necessário.
Ainda não confiava em muito no garoto.
— Acho que não — ele respondeu antes que eu tivesse a chance de sair do carro. — Fui
suspenso.
A informação fez com que eu arregalasse meus olhos em sua direção.
— O quê? Por quê?
— Alex foi responsável pela minha terceira advertência. Três dão suspensão. — Deu de
ombros, tranquilo.
Vagueei com o olhar até uma memória específica ocupar minha mente.
— Foi por causa da cena da última aula, não foi? — disse enfim, mais para mim mesma, e
James assentiu. — Mas nada aconteceu comigo.
— É, eu sei.
Franzi o cenho diante das simples palavras.
— Como você sabe? — questionei, e ele deu de ombros uma segunda vez. — O que você falou
com ele? — acrescentei em seguida, tendo a certeza de que James tinha algo a ver com minha falta de
punição.
— Pode-se dizer que adentramos em uma pequena discussão, e, por incrível que pareça, ele
perdeu um pouco de sua paciência. Ele com certeza acabou se esquecendo de você depois disso — o
moreno respondeu, esboçando um sorriso que não devia.
Arqueei as sobrancelhas, surpresa.
— Você brigou com nosso professor para que nada acontecesse comigo?
— Não precisa achar que foi grande coisa — ele se apressou a dizer, como se tivesse
reconhecido o tom de agradecimento em minha voz. De algum modo, James parecia sempre preferir a
versão fria de si mesma, aquela que não se importava em corresponder às expectativas. — De
qualquer forma, duvido muito que ele pudesse fazer algo a você — acrescentou de uma forma quase
indiferente.
Engoli em seco, tendo em mente que aquela sua personalidade afável não poderia durar por
muito tempo, de todo modo.
Abri a porta do carro enfim, sem me preocupar em despedir, mas antes que eu saltasse para fora
do automóvel, James passou o braço por mim, fechando a porta com agilidade.
Desviei o olhar para ele, assustada com o gesto, e logo me deparei com seus olhos a uma menor
distância quando comparada a segundos atrás.
— Desculpa — ele murmurou, o rosto perto o suficiente para que eu pudesse sentir seu hálito
fresco em minha pele. — Não foi minha intenção ser rude.
James quase parecia estar se divertindo comigo, correndo seu olhar por cada centímetro de meu
rosto a fim de observar minha reação. Mesmo que meus olhos ainda estivessem presos aos seus, pude
sentir um daqueles sorrisos cativantes se esboçar dentre seus lábios.
— Então, aceita minhas desculpas? — Ele arqueou as sobrancelhas, genuinamente interessado
em minha resposta.
Por um momento, perguntei-me como diabos poderia não o perdoar.
Não soube exatamente como explicar o que aconteceu em seguida. Apenas senti um misto de
impulso e desejo tomar conta de cada pequena parte de mim, e em um par de segundos, eu já havia
levado minha boca à sua.
Foi estranho como James nem hesitou diante do gesto, quase como se já estivesse esperando por
isso.
Senti sua língua abrir caminho para o interior de minha boca com um estranho misto de
suavidade e determinação pouco antes de o beijo obter um ritmo mais frenético, necessitado, ao
passo que seu aroma doce de nicotina e hortelã adentrava em minhas narinas, estimulando-me ainda
mais.
Escorei-me na porta, ainda segurando sua nuca contra mim, enquanto suas mãos afundavam com
uma força intensiva em minha cintura, cada um de seus gestos esboçando a mais pura urgência.
Sua língua continuava a explorar minha boca com a mais pura lascívia, e, após poucos
segundos, seus dedos percorreram caminho até por baixo de minha blusa. A sensação de sua pele
calejada e áspera contra mim imediatamente fez com que eu praticamente levitasse.
Assustei-me com o modo com o qual ele podia fazer com que eu me sentisse desejada.
Após um tempo que não pude determinar muito bem, um barulho ecoou da rua, o que fez com
que eu me petrificasse por um segundo, imaginando o que meu pai faria caso me encontrasse aqui,
fazendo o que estava fazendo.
Em reflexo, minhas mãos desceram até o peitoral de James, afastando-o com os vestígios de
força e sanidade que ainda continha.
O moreno então se afastou alguns centímetros e me observou com cautela, parecendo querer ter
a certeza de que eu estava bem, então retornou ao seu banco enquanto penteava os cabelos castanhos
desgrenhados.
— Foi mal — ele balbuciou antes que eu dissesse qualquer coisa, e só então percebi que sua
respiração estava tão acelerada quanto a minha.
— Pelo quê? — questionei, a voz falha devido aos últimos minutos.
— Você ainda está confusa. Não devia ter me aproveitado desse jeito — ele explicou, franzindo
o cenho, o que fez com que eu piscasse os olhos repetidas vezes.
— Você não fez isso — rebati por fim, firme. — E eu não estou confusa. Sabia muito bem o que
estava fazendo.
— Não tenho certeza disso. — Ele soltou um riso nasalar, arqueando uma sobrancelha. — Você
me odeia, lembra?
Sua pergunta fez com que eu me perdesse em meus próprios pensamentos por alguns instantes.
Sim, eu tinha odiado seu comportamento quando o conheci. Também tinha odiado a imagem que ele
tinha de mim e como ele podia me tratar. Contudo, não podia o odiar de verdade, principalmente por
nem ter tido tempo de conhece-lo de fato.
Algo me dizia que eu ainda queria mais tempo com ele, mesmo que provavelmente não fosse
algo muito racional a se fazer.
— Não hoje — murmurei por fim, encontrando seus olhos.
James me encarou com fogo em suas íris fascinantemente esverdeadas, e por mais alguns
segundos, permanecemos imóveis, somente perdidos nos olhar um do outro.
Fui eu que quebrei o contato visual enfim, temerosa diante da possibilidade de perder o
controle de mim mesma novamente.
— A gente se vê em breve — eu disse, já saindo do carro e fechando a porta, mas, ainda assim,
tive quase certeza de que um "em breve" também saiu de sua boca, como se fosse uma promessa.
Quando seu carro se distanciou, instantaneamente tive a consciência de que, a partir daí, seria
muito mais difícil lidar com meus sentimentos acerca dos últimos acontecimentos, mas ainda não
soube exatamente porque essa falta de equilíbrio próprio parecia ter algo a ver com o afastamento
inevitável de James Mitchell.
07 |
Humor volátil

MONIQUE PRICE

Eu estava nervosa e sabia bem o motivo por trás disso.


Felizmente, a sensação não tinha muito a ver com Luke, o qual andava tendo relação direta com
minha constante náusea nos últimos dias. Desde segunda, eu estava genuinamente temerosa com a
possibilidade de encontrá-lo pelos arredores da escola. Contudo, após quatro dias sem nenhum
vestígio do garoto, eu já me sentia mais segura acerca da promessa que havia me sido feita no
domingo. Parecia que eu realmente não precisaria vê-lo tão cedo.
Esperava que, durante esse intervalo de tempo, eu fosse capaz de colocar minha cabeça no lugar
e descobrir como poderia ficar frente a frente com Luke outra vez.
— Jesus! Qual o seu problema? — Kate questionou ao meu lado, chamando minha atenção.
Naquele momento, estávamos sentadas em uma das escadas dos corredores enquanto esperávamos o
sinal que daria início à próxima aula. — Você não para de remexer essa perna. Tá nervosa por quê?
Por causa dele? — acrescentou, preocupada.
Desde o início da semana, Kate se recusava a pronunciar o nome de Luke, o que, honestamente,
deixava-me mais aliviada.
— Não — respondi de imediato, tranquilizando-a, enquanto me sentia um pouco mais contente.
— Não se preocupe, não estou pensando nele.
E, mesmo com o nervosismo, eu ainda fui capaz de sorrir por um segundo diante do pensamento
de finalmente ter achado um ponto bom nessa cidade. Uma amiga.
Kate tinha sido bem importante para mim nos últimos dias, importando-se verdadeiramente
comigo e estando ao meu lado em todos os momentos de quase crise desde que eu a contara sobre
tudo — ou quase tudo. Havia deixado de fora a parte em que James tinha feito mais do que apenas me
ajudar.
Eu realmente estava feliz por ter finalmente achado um ponto bom nessa cidade. Uma amiga.
— Ok, então o problema é com seu pai?
Fiz uma careta inevitável com a menção.
Josh não estava muito contente comigo por ter passado a noite fora sem avisá-lo. Nem de longe.
Basicamente, eu estava de castigo, ainda que o juiz não soubesse ao certo o que deveria fazer
para me castigar, afinal, ele era novo na profissão pai.
No entanto, naquele momento, também não estava pensando em Josh, então discordei com a
cabeça.
— Então o que é? — ela soprou, e eu hesitei de imediato.
Ainda que já confiasse em Kate mais do que tudo, sentia-me relativamente envergonhada para
que pudesse admitir que estava nervosa porque, em poucos minutos, eu tinha grandes chances de ver
James pela primeira vez desde domingo, pois ele enfim parecia ter voltado de sua suspensão. Já o
tinha observado hoje, mais cedo, sem que ele se desse conta.
— Oi? Estou esperando por uma resposta ainda.
Engoli em seco diante do lembrete.
— Eu...
Não tive a chance de finalizar a frase, pois o sinal logo ecoou pelos corredores. Fiquei feliz por
não precisar parecer ridícula para minha amiga.
— Nos vemos no refeitório — murmurei para Kate sem hesitar enquanto jogava a mochila em
meus ombros, já disparando em direção à minha próxima aula com pressa.
Contraditoriamente, aquela euforia se dissipou no instante em que me aproximei da porta pela
qual devia passar, afinal, eu realmente não fazia ideia do que podia encontrar lá dentro.
Era bem óbvio para mim que eu tinha pensado naquele beijo muito mais do que James poderia o
fazer, então as chances de ele voltar a me tratar como antes, como se aquilo não tivesse significado
muito, eram altas.
Seu humor volátil também já estava claro para mim. O garoto tinha me tratado como um
simplório obstáculo em seu caminho durante toda a semana passada, mas no fim de semana fora
capaz de fazer com que eu me sentisse até especial, e, infelizmente, fora a última impressão que tinha
ficado. As palmas de minhas mãos suavam e um frio ainda se instalava em minha barriga toda vez em
que me recordava das sensações que ele me fizera sentir naquele maldito carro.
Sentindo-me estúpida mais uma vez por deixar alguém que não conhecia direito exercer um
efeito tão grande sobre mim, obriguei-me a seguir em direção à classe outra vez.
Caso voltássemos à estaca zero, isso não poderia significar muito. Eu apenas teria que achar um
jeito de controlar os sentimentos imbecis e sem fundamento que, a partir de algum momento
indefinido, eu passara a sentir ao seu lado, certo?
Enfim adentrando na sala, perdi toda a coragem quando vi James já sentado à nossa mesa,
trajando uma jaqueta de couro surrada. Ele parecia entediado enquanto rodava um lápis dentre seus
dedos, o olhar fixo no nada à sua frente enquanto alguns fios de seu cabelo levemente desgrenhado
caíam em seus olhos. Como sempre, estava genuinamente lindo.
Balancei a cabeça um par de vezes para espantar a atração súbita, forçando-me a tomar rumo
até a cadeira vaga ao seu lado, fazendo meu melhor para manter meu olhar longe enquanto
caminhava. Ainda assim, pude sentir quando James se deu conta de minha presença.
— Bonita — ele sibilou no segundo em que me aproximei, chamando meu olhar para si
novamente.
— O quê? — balbuciei em reflexo enquanto me acomodava em minha cadeira, sem poder
retirar o olhar de suas íris intensas.
— Você. — Ele sorriu. — Está bonita — acrescentou então, dando-me toda sua atenção.
Por um instante, perguntei a mim mesma se tinha ouvido bem.
— Não estou, não, mas obrigada — eu murmurei assim que cheguei à conclusão de que aquelas
palavras saídas de sua boca eram surpreendentes demais até para serem fruto de minha imaginação.
Ignorei o rubor que tomou conta de minhas bochechas.
— Estou falando sério, Monique. Algo mudou em você.
É, algo também tinha mudado nele.
— Então eu não era bonita antes? — A pergunta saiu antes que eu a impedisse, e pude ver seu
sorriso se alargar instantaneamente.
— Não me leve a mal, nunca neguei sua beleza. Contudo, quando te conheci, você tinha um
olhar vazio. Era um vazio lindo, como me lembro bem já ter mencionado, mas essa estranha
exaltação que agora parece ter tomado conta de seus olhos... Nada pode se comparar a isso, Monique
— ele esclareceu, e meu coração automaticamente começou a bombear duas vezes mais sangue para
todo meu corpo. — Portanto, sim, hoje você está simplesmente fascinante.
Por um segundo, tentei me recordar da última vez em que me haviam me dito algo parecido.
Não me lembrei de nenhuma.
— O que você tem? — questionei por fim, um pouco relutante em aceitar suas palavras.
— Como assim? — James arqueou as sobrancelhas.
— Sei lá... Acho que ainda estou confusa com essa mudança de humor — murmurei, na
defensiva, e ele não hesitou em soltar uma risada sincera.
— Apenas decidi parar de ser um babaca. Bem, ao menos com você. — Ele deu de ombros
simplesmente. — Sabe, andei pensando muito em você nesses últimos dias, e acabei chegando à
conclusão de que eu realmente gostaria que fôssemos... amigos.
— Amigos? — repeti, incrédula.
— Se não tiver problema para você, é claro — ele acrescentou seriamente, e então fiz um
esforço excessivo para colocar os pensamentos caóticos em ordem.
— Não sei, não. — Balancei a cabeça negativamente após alguns segundos. — Você pode
querer isso agora, mas duvido muito que em algum tempo continuará a ser... assim.
Além do que, depois do que tinha acontecido, não acreditava que conseguiria ser sua amiga. No
entanto, não disse nada acerca disso.
— Posso te dar a minha palavra que não vou mais te ofender ou repetir qualquer outra merda
que eu tenha feito na última semana, ok? Quer dizer, não intencionalmente. — Um lindo sorriso de
lado se esboçou dentre seus lábios, como se James já soubesse exatamente o que fazer e quando o
fazer para me ver cedendo. — Vamos lá, eu só preciso de uma segunda chance. Prometo que você
não vai se arrepender.
Bem, ele quase parecia sincero.
Entretanto, eu não acreditava muito que não fosse me arrepender. Pelo contrário, isso
certamente seria algo improvável. Ainda assim...
— Tudo bem — balbuciei, ainda incerta. — Eu acho — não demorei a acrescentar.
Antes que algum de nós dissesse algo a mais, Sr. Zane finalmente adentrou na sala, sendo
recebido por um silêncio instantâneo.
Ainda absorta enquanto a aula se iniciava, pensei um pouco mais sobre sua proposta.
Eu realmente gostaria muito que a... interação entre mim e James continuasse a mesma que a de
hoje. E se, para isso, tivéssemos que estabelecer uma suposta amizade, por mim tudo bem.
Mesmo assim, eu duvidava muito de que eu mesma conseguiria manter o controle sobre mim
mesma por todo tempo ao seu lado. Também não estava muito certa de que James não tivesse
segundas intenções. Ele não teria me beijado do jeito que o fizera caso contrário.
Talvez por causa da suspensão ou por causa da minha reação quando o professor nos expulsara
da sala de aula, James permaneceu calado por todo o restante da aula, o que fez com que os minutos
passassem de forma quase entediante.
Ao final, Sr. Zane apenas passou um trabalho sobre Anarquismo, Socialismo e Comunismo e
seus efeitos na sociedade, o qual deveria ser entregue na próxima aula.
— Podemos fazer na minha casa, se quiser — eu disse para James assim que a aula foi
finalizada, transferindo o olhar para o garoto.
— Não vai dar — ele murmurou, sem me dar muita atenção.
— Por quê?
Pude jurar que o vi hesitar por um momento, mas logo me convenci de que estava imaginando
coisas.
— Estou mexendo no meu carro — respondeu vagamente, arqueando as sobrancelhas. — Pode
ser na minha casa amanhã à tarde, Susan não vai estar lá. Posso fazer as duas coisas ao mesmo
tempo.
— Tudo bem, então — concordei, perguntando-me se James se referia ao Mustang. Esperava
que estivesse certa.
— Nos vemos em breve — James disse por fim, esboçando um sorriso logo antes de se
distanciar, sem esperar por uma resposta.
A sós com meus pensamentos, guardei meus materiais enquanto repreendia a mim mesma na
tentativa de não ficar tão ansiosa.

Enquanto trocava de roupa no vestiário feminino para a educação física, amaldiçoei


mentalmente minha completa falta de coordenação motora, algo que geralmente fazia antes de
qualquer exercício.
Eu não era exatamente uma pessoa muito promissora se tratando de esportes.
Após alguns minutos, segui as outras meninas que ainda não conhecia até adentrarmos no
ginásio e não demorei a localizar aos garotos ali presentes.
Soltando um suspiro pesado, parei assim que me aproximei da massa de alunos, nada feliz com
a enorme quantidade de pessoas que poderia presenciar minha falta de jeito.
— Bom dia a todos! — o treinador disse assim que todos os alunos se encontraram reunidos no
meio do local. — Por causa da chuva, o campo está ensopado, então todos vocês farão a educação
física juntos hoje — esclareceu, e gritinhos animados ecoaram por todo canto. — Vamos lá, a
atividade de hoje é queimado. Podem se alongar antes de começarmos.
Revirei os olhos automaticamente, nada ansiosa para sentir a dor de ter uma grande quantidade
de bolas me acertando de uma só vez.
— Você está bem? — Uma voz masculina soou ao meu lado, e eu pulei de susto imediatamente.
Já ruborizando, virei-me em sua direção e logo me deparei com um garoto alto de feições
harmônicas. — Foi mal! Não queria te assustar — ele esclareceu diante da minha reação, segurando
um riso.
O fato de ele estar se divertindo comigo fez com que os cantos de minha boca se erguessem.
— Não tem problema — soprei, dando de ombros. — E eu estou bem, sim. Só não sou uma
grande fã de esportes. Você se assustaria com a quantidade de hematomas que aparecem em meu
corpo após qualquer aula como essa.
— Eu posso te cobrir, se quiser — ele disse, ainda sorrindo. Nem pestanejei antes de assentir.
— Você é Monique, certo?
— Sim — concordei, um pouco surpresa pela especificidade. — E você é...?
— Steve. Fico feliz de termos alguma aula juntos.
Arqueei as sobrancelhas.
— É que é bom conhecer gente nova — ele se apressou a se explicar, parecendo um pouco
envergonhado com as palavras anteriores. — Como há só uma escola para ensino médio aqui na
cidade, todos conhecem todos.
— Ah. — Sorri, assentindo mais uma vez. — Bem, é um prazer te conhecer.
— Steve e Blake, podem começar a escolher os times — o treinador disse após um par de
segundos, e Steve deu uma piscadela para mim antes de encontrar a garota, que parecia ser Blake, no
meio do ginásio.
Ambos jogaram cara ou coroa. Steve venceu.
— Monique — ele chamou sem hesitar, pegando-me de surpresa. Não me lembrava de alguma
vez em que tinha sido a primeira a ser escolhida para algum time.
Recompondo-me, apressei-me a ir para seu lado, já tendo em mente que o garoto não demoraria
a se arrepender de ter me colocado para jogar consigo.
Após os dois grupos estarem devidamente organizados, cada um tomou seu respectivo lado do
ginásio.
— É só ficar atrás de mim — Steve disse, já ao meu lado.
Por fim, o treinador deu início ao jogo, e as inúmeras bolas começaram a ser lançadas por todo
lugar.
Deixei que Steve me cobrisse pelo tempo que se seguiu, ansiosa para que as pessoas logo
fossem eliminadas para que o jogo tivesse fim. Se as bolas não fossem tão pesadas, eu
definitivamente deixaria que me queimassem rapidamente.
Após alguns minutos, poucas pessoas sobraram no ginásio. Do meu time, apenas eu, Steve e
mais duas pessoas, e, do outro, cinco no total.
Decidi ajudar então, saindo de trás de Steve e pegando uma bola no chão, jogando-a em
seguida. Fiquei surpresa quando ela bateu na coxa de Blake, que não tinha notado minha presença até
aquele mesmo instante.
A garota então ficou imóvel, lançando-me um olhar furioso.
— Blake, fora — o treinador gritou após alguns segundos, e foi só então que ela se obrigou a
deixar o time com passadas duras.
— Boa, Monique! — Steve comemorou com um sorriso largo
Estava prestes a responde-lo quando uma bola bateu em meu ombro com força, pegando-nos de
surpresa.
— Opa, foi mal. Me distraí. — O garoto fez uma careta enquanto eu começava a massagear meu
ombro.
— Tudo bem — soprei, rindo. — Uma preocupação a menos para você — acrescentei antes de
seguir em direção ao grupo de pessoas que foram eliminadas.
— Qual a porra do seu problema? — Escutei uma voz feminina perto até demais assim que
cheguei à lateral do ginásio. Virando-me em sua direção, vi Blake se aproximando de mim com
expressões nada convidativas.
— Te machuquei? — questionei de imediato, confusa. Não achava que tinha lançado a bola com
força em sua direção, mas, ainda assim, murmurei: — Desculpe, não foi minha intenção.
— Conheço muitas do seu tipo — ela continuou, ignorando minhas palavras. A morena, que era
bem bonita, avançou mais alguns passos até apontar seu dedo em direção ao meu nariz, a centímetros
de mim. — Se fazem de bobas, mas no fundo não poderiam saber melhor o que fazem.
Franzi o cenho.
— O quê?
Blake soltou uma risada sem humor.
— É exatamente disso que estou falando — soprou, as palavras quase saindo em gritos. —
Quer saber, vê se fica longe de mim e das minhas coisas. Não acho que você faça bem o tipo de
James.
Minhas coisas... James?
Pisquei os olhos repetidas vezes, aturdida, enquanto tentava descobrir do que diabos ela estava
falando, já que tinha ficado meio óbvio que não conseguiria uma resposta através da própria garota.
No entanto, não demorei a me recordar de Blake, mais de uma semana atrás, levantando-se do
lado de James na aula de sociologia para que eu ocupasse seu lugar.
Bufei de imediato. Era um pouco nítido demais o que estava acontecendo ali.
— Não estou fazendo nada disso que você pensa, Blake — murmurei por fim, pronta para me
distanciar dela.
Não tive a chance de dar nem o primeiro passo para longe, pois logo ela agarrou meu punho,
impedindo-me de sair.
Foi a partir daí que comecei a perder a paciência.
— Já disse que eu não caio nessa. Vai ficar longe de nós dois ou não?
Pessoas começaram a se aglomerar ao nosso redor, curiosos para ver o que estava acontecendo,
e, por um segundo, meu sangue ferveu.
Mal podia acreditar que estávamos chamando tanta atenção por algo tão tosco.
— Ok, eu realmente não tenho nada a ver com isso, então acho melhor você ver com James se
ele vai conseguir ficar longe de mim — eu disse, sem pensar muito nas minhas palavras, enquanto
tentava desvencilhar meu pulso de seus dedos compridos.
Sua mão enfim parou de me segurar, mas apenas para subir até minha bochecha esquerda em um
choque estrondoso.
Meu rosto se virou bruscamente para o lado diante da dolorosa colisão, e senti a ardência se
espalhando cada vez mais conforme os segundos passavam.
Fiquei atônita demais para fazer qualquer coisa senão encará-la.
— Que porra foi essa, Blake? — Escutei a voz de Steve pouco antes de vê-lo em minha frente,
analisando toda extensão de minha pele provavelmente avermelhada. — Jesus, o que deu em você?
— Deixa pra lá, Steve — resmunguei, ainda irritada com toda a atenção que estávamos
recebendo.
Eu ainda teria de aprender a ser menos impulsiva caso quisesse melhorar o andamento de minha
própria vida, a qual nitidamente não andava muito bom desde que eu chegara nessa escola.
— Blake, já para a diretoria — o treinador disse assim que se aproximou, aliviando-me
instantaneamente.
Contudo, a garota não deixou o lugar até se voltar para mim e dizer:
— Isso ainda não acabou.
08 |
Maldito Mustang

MONIQUE PRICE

Assim que parei meu carro em frente à pequena casa de James, não demorei a localizar o
garoto. Como já mencionara no dia anterior, ele estava mexendo em seu Mustang, com metade do
corpo debaixo do automóvel.
Estava quase certa de que ele sabia que eu tinha chegado ao me escutar estacionando, mas não
se incomodou em sair para observar.
Ainda não estava muito confiante de que James manteria sua promessa acerca de se comportar
ao meu lado. Entretanto, logo me forcei a pegar meus cadernos e descer do carro para tomar rumo em
sua direção.
Quando adentrei em sua garagem, finalmente observei James reagir à minha presença. Ele
deslizou o skate que estava sob seu corpo para trás, e foi só então que pude perceber melhor as
roupas que trajava: um jeans com rasgos ocasionais e uma regata branca. Ambas peças sujas de
graxa.
Ele se sentou quando cheguei mais perto enquanto um ligeiro sorriso se esboçava dentre os
lábios.
Contudo, algo mudou em suas feições assim que ele me observou melhor. Instantaneamente, o
moreno fechou uma carranca e se levantou, vindo em minha direção em seguida.
— Que porra é essa? — Ele segurou meu maxilar com um misto de cuidado e determinação e
virou meu rosto para a direita para provavelmente analisar o fraco hematoma deixado por Blake em
minha bochecha.
Um súbito arrepio percorreu minha espinha quando seus dedos ásperos roçaram minha pele.
— Hum... Pensei que você já estivesse sabendo — murmurei com a voz falha, a qual era reação
tanto de seu toque quanto de sua proximidade.
Boatos tinham ecoado pela escola inteira durante essa manhã sobre a pequena discussão na
educação física, mesmo que ninguém aparentasse saber ao certo o motivo da briga.
— Sabendo do quê? — James soprou de modo quase irritadiço, ao passo que eu segurei seu
pulso para fazer com que ele soltasse meu rosto.
Não estava conseguindo respirar muito bem com a falta de distância entre nós.
— Nada — murmurei por fim, enquanto me dava conta de que James provavelmente não tinha
exatamente as amizades necessárias para saber de meras fofocas.
— Conta outra, Monique — ele balbuciou, virando meu rosto uma segunda vez para que meus
olhos encontrassem os seus, de modo que ficássemos frente a frente. Ainda sentia sua respiração um
pouco alterada em minha pele quando ele questionou: — Quem fez isso?
Hesitei por um instante, e James continuou a esperar pela minha resposta sem nem mesmo
movimentar nem um de seus músculos.
Soltei o ar pela boca quando percebi que ele não estava muito disposto a ficar sem uma
resposta.
— Blake — resmunguei então, e o garoto finalmente recolheu sua mão, mas não se preocupou
em se distanciar ainda.
— Blake? — ele repetiu seu nome, as feições se contorcendo em um sentimento que não pude
identificar muito bem. — Foi Blake que fez isso? — acrescentou em uma quase incredulidade, mas
não esperou por uma resposta. — Que merda aconteceu?
— Foi uma briga na educação física. Acabei eliminando-a do jogo, daí acho que ela não gostou
muito e...
— Sério que você vai continuar mentido para mim? — ele me cortou em um tom impaciente,
arqueando as sobrancelhas.
Respirei fundo enquanto cruzava os braços.
— Acho que ela estava com ciúmes de você, ok? — cedi enfim, não muito contente.
James revirou os olhos, mas algo me indicou que o gesto não se devia a mim.
— Você bateu de volta? — indagou, ainda sério.
Soltei um riso nasalar de imediato.
— O quê? — balbuciei inevitavelmente. — Não, é claro que não bati de volta.
— Você tá de brincadeira com a porra de minha cara? — soprou, penteando o cabelo com os
dedos. Tentei segurar o riso ao ver que ele parecia estar genuinamente frustrado. — Isso não tem
graça, Monique. Você devia saber que não pode deixar as pessoas fazerem o que bem entendem com
você.
— Pessoas tipo você? — retruquei, franzindo o cenho. Sua frustração pareceu aumentar. — E
eu não deixo as pessoas fazerem o que quiserem comigo, tá legal? Só que isso não quer dizer que eu
precise bater nelas para resolver as coisas.
— Meu Deus, mulher. — Ele fez cara de tédio. — Larga de ser inocente. Se alguém inicia uma
briga, você termina à altura.
Foi a minha vez de fazer cara de tédio.
— Tudo bem — o moreno sibilou após alguns segundos, nada satisfeito, enquanto voltava para
seu carro. — Parece-me que eu vou ter que cuidar disso, então.
— O que você vai fazer? — questionei de imediato, vendo-o ir sumir debaixo do automóvel
outra vez. — Você não vai machucar ela, vai?
Em um movimento súbito, James deslizou o skate para que pudesse me observar, as expressões
deixando um ceticismo óbvio.
— Primeiro você me acusa de ser um prostituto e agora presume que eu seria capaz de bater em
alguma mulher?
Troquei o peso de uma perna para a outra, desconfortável.
— Cacete. Eu devo te causar uma impressão e tanto, não é? — Ele soltou uma risada nasalar, e
o som fez com que eu me acalmasse instantaneamente. — Não, Monique. Eu não vou machucá-la, ok?
Nunca faria algo do tipo, então pode ficar tranquila. Mas, me faça um favor, tente parar de me
ofender a partir de agora, tá legal?
— Desculpa — eu disse diante das últimas palavras sérias, e ele desapareceu do meu campo de
visão sem dizer algo a mais.
Envergonhada, sentei-me em um banco perto do Mustang, já empilhando meus cadernos sobre
meu colo.
Um silêncio estranho se instalou ali, e assim que senti o rubor desaparecendo de minhas
bochechas, alguns pensamentos indevidos começaram a ocupar minha mente.
— Blake... hum... tem alguma motivação concreta para ter brigado?
— O que você quer dizer?
— Vocês são namorados? — questionei, direta.
Disse a mim mesma que, a partir do momento que a mão da garota tinha se deparado contra meu
rosto, aquilo passara a ser da minha conta. Não me convenci em muito.
Uma risada divertida ecoou até meus ouvidos.
— Não, eu e Blake não temos nada — ele respondeu como se fosse óbvio.
Corei mais uma vez, ignorando a onda de alivio inoportuna e sem sentido que também me
invadiu naquele instante.
— Então, podemos começar o trabalho? — indaguei em seguida, na tentativa de disfarçar a
curiosidade imprópria.
— Você quem manda — ele respondeu, tranquilo. No entanto, não saiu do lugar.
Bem, ao que tudo indicava, seria eu a responsável por todo o trabalho manual.
Abri meu caderno e alguns livros nas partes em que precisaríamos para o trabalho.
Pela próxima hora que se seguiu, escrevi à mão todo o relatório, mas, surpreendentemente, foi
James quem organizou a maior parte da estrutura do texto. Com as informações dadas por mim, ele as
juntou em parágrafos genuinamente metódicos, acrescentando algumas palavras que até mesmo eram
desconhecidas por mim.
Não era certo, mas eu continuava a ficar surpresa toda vez que o garoto demonstrava ser ou
saber mais do que deixava aparente. Ele era inteligente. Parecia, no fundo, ser uma boa pessoa
também.
Eu sabia que ele teria um futuro brilhante caso optasse por melhores escolhas. Entretanto, não
disse nada acerca disso, afinal, na última vez em que eu fizera informações pessoais, as coisas não
terminaram muito bem.
Com o trabalho finalizado, faltando apenas passar o rascunho a limpo — algo que faria em casa
—, fechei meus cadernos e então observei mais atentamente o Mustang pela primeira vez.
O automóvel tinha uma cor azul marinho, a qual já estava fosca, provavelmente em
consequência do excesso de uso. Havia alguns arranhões bem visíveis em sua lataria, e uma de suas
janelas estava sem vidro. Ainda assim, era visível que era um belo carro.
— Ele vai funcionar? — indaguei após poucos segundos, ansiosa.
— Deposito todas as minhas esperanças que, em duas semanas, já vai estar andando. Bem, com
algumas falhas, é claro, mas vou ir arrumando aos poucos.
Perguntei-me se eu teria a chance de vê-lo ao final do trabalho, mas não tive a coragem de
verbalizar a pergunta. Ao invés disso, apenas me levantei e me aproximei de James, sentando-me no
chão.
— Onde você está mexendo agora?
— Na tubulação do fluxo de ar.
— Quer ajuda?
— Não acho que você dê conta — ele murmurou, e, ainda que não tivesse sido rude, soltei o ar
pela boca inevitavelmente.
Ao que tudo indicava, aquela estava sendo sua forma mais gentil de dizer que tínhamos acabado
tudo que precisávamos.
— Então tá. Acho que já vou indo — murmurei, mas antes que eu pudesse me levantar, James
deslizou para fora.
— Espera — soprou quase que imediatamente. — Você conhece o nome das ferramentas
básicas?
Arqueei as sobrancelhas.
— Sim.
— Pode me entregá-las quando eu pedir, então. Tudo bem para você?
Assenti, já pegando sua caixa de ferramentas e a colocando perto. Surpreendentemente, tudo ali
estava bem organizado.
— Eu não tive a chance de perguntar ontem, mas você está bem? — Escutei sua voz ecoar após
alguns instantes, e, diante de meu silêncio, ele explicou: — Sobre Luke e tudo mais.
— Ah. — Engoli em seco, algo que geralmente fazia quando escutava seu nome. — Defina
"bem".
— Isso era pra ser engraçado? — ele disse, como se estivesse ciente da minha tentativa de
desviar do assunto. — Porque, só pra esclarecer, não foi. Estou preocupado com você.
— Eu estou bem, sim. Mas não gosto muito de falar no assunto — respondi enfim, na defensiva.
— Você sabe que conversar sobre isso pode ser uma solução melhor do que guardar tudo para
si, certo?
— Sei — respondi a contragosto.
— Aconteça o que acontecer, se quiser falar sobre isso, estarei aqui.
Pisquei um par de vezes.
— O que poderia acontecer?
James se manteve em silêncio por um par de segundos antes de responder:
— Nada.
Não parecia ser nada para mim, mas preferi ficar calada.
— E então, seu pai ficou puto por ter desaparecido na noite de sábado? — questionou, mudando
de assunto, e eu pensei um pouco sobre a pergunta.
— Não sei ao certo. Ele me deu, sim, um sermão, mas ainda não consigo distinguir peso na
consciência por nunca ter cuidado de mim da verdadeira preocupação. Às vezes, ele só estava
fazendo o que achava que um pai deveria fazer diante de um sumiço de uma filha.
— Torquímetro, por favor — ele pediu, e em um instante coloquei a ferramenta em sua mão
estendida. — Vai ver ele realmente se importa. Talvez só não agia assim antes porque não sabia o
que rolava com você antes de morarem juntos.
— Não sei, não — balbuciei, confusa.
A verdade era que eu não sentia conhecer Josh o suficiente para poder confiar nele, e toda a
situação que ainda nos encontrávamos era tão estranha para mim quanto para ele.
Nós dois ainda estávamos tentando nos habituar com a vida que agora levávamos.
— Merda — James resmungou, retirando-me de meus pensamentos, e então vi uma chave de
fenda ser jogada com uma força excessiva para longe do carro.
— O que foi? — soprei assim que o moreno deslizou para fora, limpando as mãos com um pano
posto ao seu lado em seguida.
— Parece que preciso dar mais uma passada no ferro velho — ele respondeu, não muito
contente, enquanto se sentava ao meu lado. — Esse caralho é perda de tempo — acrescentou,
impaciente, e retirou um cigarro de seu bolso, acendendo-o após um par de segundos.
Voltei meu olhar ao Mustang.
— Não acho que seja perda de tempo — rebati, firme. — Mesmo agora, já dá pra ver que é um
carro muito bonito. Tenho certeza de que, quando finalizado, vai parecer incrível.
— Isso se eu conseguir finalizar — retrucou, fechando os olhos por um momento enquanto
tragava o cigarro.
Assim que suas pálpebras foram abertas, James pareceu perceber que eu o encarava, pois seu
olhar foi direto para mim.
— O que foi? — ele questionou, arqueando as sobrancelhas.
Hesitei então, sem saber se deveria pedir o que queria.
— Fale logo, Monique.
Engoli em seco.
— Posso experimentar? — indaguei, piscando um par de vezes, e ele franziu o cenho até
entender a que me referia.
— Isso? — Ele colocou o cigarro entre nós dois, encarando-me com curiosidade.
— Sim. — Assenti.
O porquê disso?
Eu não sabia muito bem, mas queria. Talvez fosse porque o cigarro caía tão bem dentre os
lábios de James.
— Acho que não — ele murmurou, soltando um breve riso. — Não quero ser o responsável
pelo seu desvio de comportamento. Sinto muito.
Revirei os olhos.
— A não ser que seja um cigarro de maconha, não acho que seja algo significante o bastante
para provocar um suposto desvio de comportamento.
— Cigarro de maconha — ele sibilou lentamente, rindo. — Fala-se baseado, loira.
Ignorei-o.
— Eu nunca tive a chance de experimentar. Quero ver como é só uma vez.
Pelo modo que ele estreitou os olhos, pude ver que ele pensou um pouco mais sobre o pedido.
Observei-o com pura expectativa, e, quando o moreno encontrou meus olhos, pude ver que algo
mudou em suas expressões.
James soltou o ar pela boca em questão de segundos. Tinha cedido.
Em silêncio, ofereceu-me o cigarro e eu o peguei sem hesitar, com medo de que ele mudasse de
ideia.
Contudo, antes que eu o levasse à boca, o garoto repreendeu:
— Devagar. Não vai querer se engasgar com a fumaça.
Segui suas instruções, tragando o cigarro lenta e profundamente, soltando a fumaça em seguida.
Franzi o cenho.
— E então? — ele questionou, mas fiz um gesto com a mão para que ele esperasse, tragando
uma segunda vez.
— Não gostei muito — disse por fim, entregando o cigarro.
Aquilo era estranhamente amargo.
— Você não gostou? — ele sibilou vagarosamente, um sorriso divertido já se esboçando dentre
os lábios.
— Achei que isso tivesse algo de especial — esclareci, sem me importar se parecia ridícula.
— Talvez o cigarro seja só superestimado.
— Ah, tenho de discordar. — Ele balançou a cabeça negativamente, rindo.
— Considerando que eu acabei de experimentar, acho que posso afirmar que é, sim —
balbuciei, arqueando as sobrancelhas.
James soltou um último riso nasalar antes de me observar com um olhar, de certa forma,
ambicioso. Estava pensando em algo.
— Posso tentar uma coisa? — ele indagou após longos segundos, esboçando um de seus
sorrisos travessos.
— O quê? — soprei de imediato, sem saber se deveria ficar temerosa.
— Apenas me dê a permissão, Monique.
Sim, eu deveria ficar temerosa, meu cérebro me alertou.
No entanto, uma parte de mim estava genuinamente interessada no que ele podia estar prestes a
fazer. Essa parte era a mesma que se sentia atraída por ele a cada maldito segundo em que eu passava
ao seu lado.
Por fim, sem pensar muito no que estava fazendo ao certo, assenti.
James deu um largo sorriso, satisfeito, e não esperou por mais.
Ele levou o cigarro à boca e deu uma longa tragada, porém não soltou a fumaça, levando sua
mão à minha nuca em seguida. Aproximou-se então, envolvendo sua boca na minha, que foi aberta
por um ato reflexivo. Foi somente aí que ele soltou a fumaça, fazendo com que, junto ao calor de seu
hálito, eu também a sentisse.
O moreno enfim se afastou cerca de dois centímetros, permitindo que a fumaça saísse.
— Ainda superestimado? — ele questionou, arqueando as sobrancelhas, o sorriso chegando aos
olhos.
— Não — sussurrei, fazendo o possível para ao menos soar audível. — Não assim —
acrescentei, um segundo antes vê-lo se aproximar outra vez. Contudo, essa vez foi diferente. Agora,
havia o mais puro desejo destilando dele.
Sua língua forçou entrada em minha boca, provocando um efeito instintivo em mim. Em
instantes, eu já estava em seu colo, minhas mãos pressionando seu rosto contra o meu enquanto seu
cheiro de hortelã e nicotina que já me era familiar inundava minhas narinas.
De algum modo, pareceu certo que meu corpo estivesse junto ao seu daquela maneira. Era quase
como se fôssemos duas peças de um mesmo quebra-cabeça que agora parecia completo.
Diferentemente também da outra vez em seu carro, James reagiu com mais anseio. Suas mãos
não se contentaram em se fixar em apenas um lugar específico, percorrendo boa parte de meu corpo
com suas mãos ágeis e pesadas enquanto sua língua explorava minha boca com a mais pura avidez e
lascívia.
Toda extensão de minha pele já se arrepiava àquela altura.
Não soube ao certo quanto tempo se passou até que ele distanciasse seus lábios dos meus,
apenas para que pudesse levá-los ao meu pescoço. Arfei quando o garoto começou a chupar a pele
ardente dali vagarosamente.
Não me lembrava de algum dia ter sentido um êxtase como o que o moreno provocou em mim
naquele instante.
No momento em que James puxou meu cabelo com uma certa força para o lado para que tivesse
a lateral direita de meu pescoço todo exposta, comecei a me esfregar em cima dele em uma genuína
necessidade, então não demorei a sentir um gemido sair da garganta do garoto e ser abafado por meu
pescoço.
Senti minha pele toda se arrepiar com aquela pequena vibração.
— Cacete, você ao menos tem alguma ideia do quanto é tentadora? — Escutei sua voz rouca
ecoar enquanto ele continuava a traçar um caminho bem elaborado em minha pele com a língua, seus
dedos afundando em minhas coxas com força suficiente para deixar hematomas. — Vamos, me peça
para parar. Você tem que me pedir para parar, Monique — sussurrou, pouco antes de sua boca voltar
a se fechar à minha. Nem mesmo cheguei a cogitar seu pedido enquanto sentia seus lábios se
movimentarem com o mais puro fervor junto aos meus.
Não havia possibilidade alguma de eu o pedir para parar.
Entretanto, não mais que um par de minutos depois, James enfim se afastou.
— Inferno. — Escutei-o resmungar no mesmo momento em que abri meus olhos. Ele não
demorou a encontrá-los. — Acho melhor pararmos por aqui.
Olhei para ele com a mais pura decepção, ainda ofegante.
— Não estou certa se eu quero parar — rebati, sem fazer menção alguma de me afastar.
— Puta merda, Monique. Não me olhe assim, ok? — Ele pousou as mãos em minhas pernas, que
ainda o envolviam, mas não afundou os dedos como antes. — Não sei se sou capaz de me controlar
se continuarmos e, honestamente, não confio nem um pouco em mim tendo você assim, tão perto.
De alguma forma, vi a excitação reluzir em seus olhos.
— Estou falando sério. Não acho que você queira que eu faça tudo que tenho em mente nesse
exato momento. Ao menos, não ainda.
Na verdade, eu queria. Queria muito.
Mas, ainda assim, James podia ter razão. Estávamos expostos ali, e, se as coisas continuassem a
tomar o mesmo rumo de instantes atrás, iríamos transformar a garagem em um provável show.
Mesmo relutante, saí de cima dele.
— Vai continuar aqui? Ainda preciso de ajuda com as ferramentas — ele soprou assim que
percebeu que eu ainda estava um pouco chateada pelo que não podíamos fazer.
De algum modo, aquelas palavras fizeram com que borboletas voltassem a se agitar em meu
estômago outra vez.
— Acho que sim — concordei enfim, por mais que ainda preferisse fazer uma outra coisa ao
invés de mexer no maldito Mustang.
09 |
Brincadeiras perversas

MONIQUE PRICE

Tinha chegado à escola ao menos meia hora antes das aulas começarem, o que, a partir de algum
momento, se tornara algo rotineiro. Andava me sentindo um pouco sufocada pelo ambiente da casa
em que agora morava, afinal, não era exatamente fácil conviver com um irmão que me ignorava e
com um pai que agora parecia me olhar de um modo quase desapontado.
Kate não precisava de carona essa manhã, então me encontrava sozinha perambulando pelos
corredores, que ainda não continham muitos alunos.
Não queria ficar sentada, pois as manhãs após noites turbulentas e de pesadelos eram
genuinamente terríveis. Precisava esfriar minha cabeça, então fiquei dobrando cada canto da escola
como uma idiota.
Não me importava de parecer ridícula. Estava melhor assim.
Enquanto andava, ao menos tive coisas boas em que pensar. Ainda estava imersa nas memórias
vívidas de três dias atrás, e ficava feliz em repassá-las em minha mente a cada segundo que podia.
Não me sentia tão viva assim havia meses.
Fui capaz de sorrir ao caminhar, o que durou por alguns minutos antes de que eu visse Steve ao
fim de um corredor, que já tinha se dado conta de minha presença.
Ele acenou assim que olhei para ele, e retribuí o gesto sem nem pestanejar.
— Oi, Steve — cumprimentei quando ele se aproximou, e um sorriso se iluminou dentre seus
lábios.
— Seu rosto está melhor — ponderou, e eu assenti.
Não havia mais sinal algum de hematoma que antes ocupara minha bochecha.
— Então, o que está fazendo aqui tão cedo? — questionei, sabendo que ainda faltava cerca de
vinte minutos para a primeira aula.
— Peguei carona com minha mãe. Ela normalmente precisa sair mais cedo para o trabalho. E
você?
— Gosto de caminhar de manhã — respondi, sem pensar muito, e Steve me olhou como se eu
tivesse batido minha cabeça em algum lugar.
Soltei um riso nasalar.
— Andar me ajuda a me distrair quando estou com a cabeça cheia — expliquei, arqueando as
sobrancelhas. — Quer tentar?
— Andar?
— Andar pela escola. Você sabe, passar pelo mesmo corredor umas quatro vezes. Pode parecer
entediante, mas te juro que é bem saudável psicologicamente.
— Meu Deus, você é doida. — Ele riu, mas não demorou a me acompanhar.
Fiquei feliz por ter uma companhia.
Jogamos conversa fora por quase quinze minutos antes de Steve parar de andar, virando-se para
mim com expressões mais sérias.
— Tudo bem? — indaguei assim que ele coçou a nuca, parecendo estar desconfortável.
— É, eu... — Ele se atrapalhou com as palavras, e arqueei as sobrancelhas enquanto esperava
pacientemente. — Bem, eu queria te perguntar uma coisa.
— Ok — murmurei, curiosa.
— Você sabe que vai ter um baile de boas-vindas esse fim de semana, certo? — o garoto
perguntou, e eu assenti de imediato. Tinha sido impossível ignorar os gritinhos estridentes e
animados de meninas na última semana, que eram consequência desse mesmo baile que se
aproximava. — Então... eu... hum... queria saber se você gostaria de ir a esse baile comigo. Quer
dizer, se você não tiver um par ainda.
Pisquei um par de vezes, assimilando a informação.
A pergunta fez com que eu me lembrasse de Luke inevitavelmente, pois fora em algo parecido
com um encontro em que as coisas deram tão errado.
Não me considerava estar pronta para sair com um garoto ainda. Bem, eu não tinha pensado
muito a respeito em sair com qualquer outro garoto após o que acontecera, então, mesmo que
estivesse pronta, não saberia.
— Você já tem um par, não é? — Steve indagou assim que observou minhas expressões
relutantes, e eu me apressei em negar com a cabeça.
— Não é isso, Steve — discordei, mas, por algum motivo, ainda precisava de mais algum
tempo para conseguir negar o convite.
Steve parecia mesmo ser bom. Ok, Luke também parecia, mas o garoto que estava à minha
frente parecia ser ele mesmo, sem nunca forçar nada comigo ou com qualquer outra pessoa. Talvez
fosse sua personalidade genuína que estivesse dificultando um pouco as coisas ali.
Desviei o olhar para pensar um pouco melhor em como o dispensaria de um modo mais gentil,
pois eu parecia já gostar de conversar com ele. Steve seria um bom amigo.
No entanto, não pensei no garoto por mais de um par de segundos, pois logo minha atenção foi
captada para uma cena específica.
Semicerrei os olhos na tentativa de ter a certeza de que estava mesmo enxergando bem.
Após poucos instantes, tive a certeza de que era James quem estava de pé ao pátio, frente à
Blake, que estava sentada em uma das mesas ali espalhadas.
Por um momento, perguntei-me se ele poderia estar falando sobre algo relacionado à briga
minha e da garota, como parecia ter mencionado que faria.
Entretanto, esse com certeza não parecia ser o foco do assunto, não quando James esboçou um
largo sorriso em sua direção.
Inconscientemente, prendi a respiração diante do pequeno gesto.
Em segundos, vi o garoto se aproximar e cochichar algo no ouvido de Blake. Vi-a assentir logo
depois, sorrindo também.
Definitivamente, o garoto não me parecia tão irritado com ela quanto dias atrás.
Só retirei minha atenção dos dois quando James tomou, provavelmente, rumo em direção à aula
de sociologia que começaria em poucos minutos.
Fechei os olhos bruscamente quando um pensamento brusco tomou conta de minha mente.
Eles podiam apenas... estar brincando comigo.
Pensar na possibilidade ambos estarem se divertindo com meus próprios sentimentos me deixou
enjoada.
— Monique? — A voz de Steve me tirou de meus pensamentos, e foi só então que me lembrei
de que ele ainda estava à minha frente. — Você tá legal?
Concordei com a cabeça, sabendo que não seria capaz de dar uma resposta afirmativa com
palavras.
— E então? — Ele arqueou uma sobrancelha, e eu franzi o cenho.
— O quê? — balbuciei, ainda aturdida pelo que havia acabado de ver.
— Você vai? — ele sibilou, e eu pisquei meus olhos na tentativa de organizar meus
pensamentos. — Ao baile. Comigo.
— Ah. — Dei-me conta de imediato do assunto, encarando-o enquanto repassava a questão uma
última vez.
Bem, eu não parecia ter problema algum em estar com James mesmo após o que tinha
acontecido com Luke, certo?
E James não merecia uma chance mais do que Steve. James nem sequer parecia querer uma
chance.
Idiota, idiota, idiota.
Com o sangue ainda quente, cheguei à conclusão de que eu ainda merecia dar uma chance a mim
mesma e com alguém que fosse mais parecido com Steve.
— Eu vou ao baile com você, Steve — respondi por fim, mas as palavras pareceram
infinitamente mais erradas na realidade do que em minha cabeça.
Aquilo não era dar uma chance a mim mesma, afinal, eu ainda não queria essa chance também.
Eu estava simplesmente tentando esquecer James.
Estava pronta para voltar atrás no que dissera, mas o sorriso triunfante de Steve me impediu de
completar a tarefa.
Soube de imediato que não teria a coragem necessária para voltar atrás.
Em silêncio, segui para minha próxima aula enquanto Steve voltava a me acompanhar, já
mudando de assunto.
Dessa vez, não pude prestar atenção em uma só palavra que saía de sua boca. Minha mente
estava dividida somente entre o baile e James, o último não sendo tão fácil de ignorar. Eu o
encontraria em questão de minutos.
Bem, o tempo, infelizmente, não demorou para passar. Após o que mais me pareciam segundos,
eu já tinha chegado à sala de sociologia, mas não me forcei a entrar ali de imediato.
Ao invés disso, parei para escutar Steve um pouco mais, decidindo que só iria enfrentar James
quando fosse, de fato, obrigada. Entretanto, como a manhã estava contra mim naquele dia específico,
o professor também não demorou a chegar.
Soltei o ar pesado quando vi Sr. Zane se aproximando, então me despedi do garoto à minha
frente, que se aproximou em seguida para me dar um beijo suave na bochecha e saiu por fim.
Fiquei paralisada por alguns segundos, surpresa com o pequeno gesto, antes de adentrar na
classe.
Não olhei para James enquanto me aproximava, ainda que, de algum modo, eu já tivesse total
certeza de que ele me esperava com o mais puro afinco.
Sentei-me em minha cadeira, ainda ignorando sua presença, e, pela minha visão periférica, pude
ver seus olhos, de certa forma irritadiços, vidrados em mim, como se esperasse que eu dissesse
alguma coisa. Não o fiz.
— Quem era o mauricinho? — ele questionou após alguns segundos, cedendo. Não pude
identificar ao certo o sentimento por trás de seu tom de voz, mas era nítido que ele não estava nada
feliz.
Continuei ignorando-o, colocando meus materiais na mesa a abrindo meu livro na página que
acaba de ser indicada pelo professor em seguida.
Não tive a chance de chegar na parte proposta, pois logo sua mão pesada apoiou-se no livro.
— Eu estou falando com você, Monique — ele disse, as palavras cortantes.
Revirei os olhos enquanto engolia em seco, empurrando sua mão para longe. Fiquei satisfeita o
tanto quanto era possível quando o moreno ao menos não insistiu em me atrapalhar.
— Tá legal, apenas me fale logo o que eu fiz para que eu possa consertar, ok?
Ainda não entendia muito bem o que James estava fazendo.
Talvez o moreno continuasse a se fingir de inocente para que eu caísse em alguma espécie de
jogo perturbador do qual ele e Blake pudessem rir mais tarde.
Por um instante, arrependi-me de ter contado partes de minha vida a ele. James, agora, não
parecia ser alguém tão digno de confiança.
— Quer continuar fazendo as coisas assim? — ele questionou por fim, a impaciência crescente.
— Tudo bem. Também posso voltar a ser quem eu era, então — acrescentou, deixando sua espécie de
gentileza, a qual adquirira na última semana, de lado. — Sabe, eu realmente não me lembro de ter
feito nada para te irritar. Inclusive, na última vez em que nos vimos, você sentia o completo oposto
de irritação, se não me engano.
Babaca.
— Olha, James, eu não sei exatamente o que você quer de mim, mas sei que isso não está dando
nem um pouco certo. Acho que uma tarde em que nos demos bem não resolve nossos impasses, então,
minha proposta é a seguinte: ao final da aula, pediremos para que o Sr. Zane nos mude de parceiros,
alegando nossa incapacidade de comunicação.
— Então você não vai mesmo me contar o que supostamente fiz? — Ele me ignorou completo,
então fiz o mesmo.
— Vai contribuir comigo diante do professor ou não?
— Negativo, amor. Já me apeguei.
— Sem problemas. — Bufei, cruzando os braços. — Eu resolvo sozinha, então.
— Isso tem algo a ver com o idiota com quem conversava há poucos minutos? — ele insistiu.
— O que ele disse?
— Não fale assim de Steve — retruquei, fazendo meu melhor para manter o tom de voz baixo.
Tudo que eu menos queria era ser expulsa da aula por causa de outra discussão com James.
— Ah, ótimo. Além de tudo, você também defende Steve — o moreno murmurou, frustrado. —
Considerando que você esteve em meu colo não faz muito tempo, acho que tenho o direito de saber se
há algo rolando entre vocês dois.
Arregalei os olhos em sua direção.
Ok, talvez eu realmente não fosse expulsa por discutir com o garoto à minha frente. Dessa vez,
eu poderia ser colocada para fora por assassinato.
— Não que seja da sua conta, mas ele é meu par para o baile de boas-vindas — respondi em
pura provocação, e apenas me dei conta do que havia acabado de falar tarde demais.
O que diabos eu estava fazendo? Ou melhor, o que nós estávamos fazendo?
As feições de James formaram uma careta em uma fração de segundo.
— Você vai mesmo a esse baile estúpido com ele?
— Algum problema? — questionei, arqueando as sobrancelhas. — Ou você deve perguntar
para Blake antes de me dar uma resposta?
Fechei os olhos imediatamente.
Afinal, será que eu tinha um botão liga-desliga que parasse com toda aquela estupidez?
— Blake? Por que estamos falando da...
Soltei o ar pela boca assim que soube que ele tinha se dado conta de toda a situação.
— Ok, o que especificamente você acha que viu mais cedo? — ele indagou enfim, tendo a
certeza do que tinha acontecido.
— Não sou ignorante, tá legal? — resmunguei, irritada. — Não gosto de ser um simples objeto
de diversão para vocês dois. Para mim, já deu.
Um silêncio desconfortável recaiu entre nós, e afundei em minha cadeira enquanto James
pensava.
De alguma forma, eu sabia que o assunto ainda não tinha sido finalizado.
— Você acha que eu e Blake estamos brincando com você? — ele ponderou após longos
segundos, tenso.
— Sim, acho.
— Sabe, eu pensei que você tinha decidido parar de me ofender — ele não hesitou em retrucar,
e não tive uma resposta pronta para isso. — Acha mesmo que eu sou tão mau-caráter a esse ponto?
Estranhamente, James pareceu mais ofendido com aquilo do que com qualquer outra acusação
que eu antes fizera.
Não soube como responder ao questionamento.
— Jesus, Monique. Eu nunca brincaria com você dessa forma.
Arqueei as sobrancelhas, encarando-o.
— Então você poderia brincar comigo de uma outra forma?
Em um segundo, ele não pareceu mais ofendido. Perguntei-me se estava vendo coisas quando
James quase pareceu culpado diante da minha pergunta.
— Não foi isso que quis dizer — o moreno sussurrou enfim, soltando um suspiro frustrado.
O assunto tinha acabado por ali.
Voltei o olhar ao quadro, onde o professor fazia algumas anotações, mas não dei minha atenção
à matéria por um segundo sequer.
Ainda pensando no que tinha acabado de acontecer, não soube se deveria me sentir mal por
presumir o pior do garoto.
De repente, não tive mais tanta certeza de que o garoto estava brincando comigo.
Contudo, havia ao menos uma coisa óbvia por ali: com exceção de alguns momentos, James não
me fazia bem estando ao meu lado. Ou talvez, eu não fazia bem a mim mesma estando ao seu lado.
Andava nutrindo algo por ele que obviamente era errado, e isso precisava acabar antes que eu me
machucasse mais do que já estava machucada.
Não estava preparada para enfrentar uma segunda autodestruição.
Assim que o sinal soou, permaneci sentada em meu lugar, esperando até que todos se
encontrassem fora da sala de aula.
— Boa sorte para você ao tentar se livrar de mim tão fácil. Acho que vai precisar — James
soprou antes de tomar rumo em direção à saída, e percebi que ainda havia vestígios de tensão em sua
voz.
Não me deixei pensar muito no garoto, na tentativa de não ficar hesitante sobre o que estava
prestes a fazer.
Um par de minutos depois, com todos os alunos fora de meu campo de visão, aproximei-me da
mesa do professor, onde ele ainda se encontrava.
— Sr. Zane, eu gostaria de falar sobre James.
— Pois não, Monique? — ele soprou enquanto retirava seus óculos, dando-me toda sua atenção.
— Eu... hum... queria que o senhor nos trocasse de parceiros — murmurei com uma hesitação
que não estava ali quando repassei as palavras em minha mente nos últimos dez minutos de aula. —
Eu e James somos... incompatíveis como pessoas. Trabalharmos em conjunto é extremamente difícil,
e falta cooperação por parte dele em certos aspectos — expliquei, fazendo com que o professor
arqueasse as sobrancelhas. — Se o senhor preferir, pode me colocar com alguma pessoa que
necessita de ajuda com a nota. Posso me comprometer a monitorá-la constantemente.
— Sinto muito, Monique, mas receio isso não vá ser possível — ele discordou, parecendo nem
mesmo pensar no assunto. — Apesar do nosso impasse na semana retrasada, sei que James é um
garoto com grande potencial e que apenas precisa de um empurrãozinho na direção certa, algo que já
observei parecer estar conseguindo com você. Sei que nem sempre é fácil lidar com ele, mas, com
um certo esforço e paciência de sua parte, as coisas logo melhorarão para ambos, tudo bem? E nunca
se esqueça de que o diálogo pode ser a cura vital de quaisquer incompatibilidades.
— Mas...
— Por favor, Monique. Não mudarei de ideia — ele cortou, dando um sorriso acolhedor. —
Estou apostando todas minhas fichas em você.
— Tudo bem — eu disse por fim, a contragosto. — Obrigada, Sr. Zane — acrescentei, mesmo
que não tivesse nada a gradecer.
Girando os calcanhares, fui em direção à saída com passadas duras, que foram interrompidas
pelo susto que se propagou em mim quando deparei-me com James parado ao lado da porta.
— Seu plano fracassou? — ele questionou sem nem pestanejar, arqueando uma sobrancelha
enquanto analisava minhas feições nada contentes.
— Parece que sim — resmunguei, já seguindo em frente. Não demorei a escutar os passos de
James se aproximando. — Será que dá para me deixar sozinha? — questionei em seguida, sem me
dar ao trabalho de observá-lo.
Aquela manhã estava sendo esgotante para mim, e tudo que eu mais queria era um tempo para
reorganizar meus pensamentos e suposições.
— Não até você acreditar em mim — ele respondeu, firme, ainda me acompanhando.
Bufei.
— Tanto faz, James.
De repente, senti meu braço ser puxado para a direita, e em instantes, já me encontrava em um
espaço pequeno e pouco iluminado entre os armários, recostada na faixa estreita da parede com
James de frente a mim, cercando-me com os braços também apoiados à parede.
— Você está louco? — indaguei assim que encontrei minha voz, atônita.
— Não me faça perguntas de respostas óbvias, Monique. — Ele deu um sorriso travesso, e tive
que me repreender para não prestar tanta atenção em seus lábios.
— Você está mesmo se divertindo com isso? — murmurei enfim, incrédula, mas as palavras não
passaram de meros sussurros.
— Monique, me escuta, eu não tenho nenhum motivo para mentir. Eu não estou com Blake, não
tenho nada com Blake e muito menos estou me divertindo com ela às suas custas.
— Eu não tenho motivos para confiar em você — disse, mais para mim mesma.
— Sério? — ele soprou, quase decepcionado. — Quer dizer que impedir Luke de fazer o que
ele pretendia fazer não é motivo suficiente para você confiar em mim?
A menção fez com que meu coração se apertasse no peito. Não soube o que responder ao certo.
— A única coisa que há entre mim e Blake são negócios, ok? — ele insistiu, e uma sinceridade
exalou de cada um de seus pequenos gestos.
Quis perguntar que tipo de negócios, mas, ao invés disso, balbuciei:
— O que vocês têm não é da minha conta.
— Não, não é — ele concordou, e, mesmo que não soubesse ao certo o motivo, fiquei chateada
com sua resposta. — No entanto, me importo o suficiente com você para me explicar.
Pisquei um par de vezes, assimilando a informação.
Bem, se James podia estar mesmo me manipulando, eu tinha de admitir que ele era excelente no
que fazia.
Uma ardência se espalhou em todo meu corpo diante daquelas palavras, uma sensação a qual
não foi bem-vinda. Ao que tudo indicava, eu não podia ter total controle sobre mim mesma quando
James estava por perto.
— Você estava falando sério quando disse que ia ao baile com Steve? — ele perguntou após eu
ter mantido um completo silêncio e aproximou seu rosto ao meu enquanto esperava por uma resposta.
O aroma doce de sua loção pós-barba fez com que eu levitasse por um segundo, mas então me
apressei a olhar em seus olhos numa tentativa de manter toda minha racionalidade.
— Estava — respondi, a voz malditamente falha enquanto eu sentia sua respiração em minha
bochecha.
— Cancele com ele. Quero que vá comigo — ele sussurrou então, sem rodeios.
Levei um tempo maior que o necessário para ter a certeza de que aquelas palavras realmente
tinham saído de sua boca.
Engoli em seco.
— Não era um baile estúpido? — retruquei, sem conseguir de fato dar a resposta que fazia mais
sentido.
— Nada nesse mundo poderia ser estúpido com você ao meu lado.
Maldito.
Prendi a respiração quando James se aproximou, dando uma leve mordiscada em minha orelha
em seguida. Meu coração bombeou duas vezes mais sangue para meu corpo quando senti sua boca
descer para meu pescoço, fazendo círculos dolorosamente lentos com a língua sob minha pele.
— E então? — ele soprou, os lábios ainda contra meu pescoço, deixando claro que ainda
esperava por minha resposta.
Não, meu cérebro me alertou.
Contudo, meu coração e meu corpo gritavam uma resposta totalmente contrária.
Perguntei-me em como diabos James podia ser uma pessoa tão difícil a se resistir. Cada um de
seus gestos, cada detalhe de sua aparência e cada uma de suas palavras pareciam ser feitas para
matar.
Ele era minha aniquilação pessoal, estava claro.
Entretanto, eu não estava pronta ainda para ser aniquilada por completo, ainda que isso
parecesse tão torturantemente delicioso.
— Não, James — disse enfim, acumulando todas as forças que ainda me restavam para fazer o
que tinha de fazer. Observei James se distanciar para me olhar nos olhos. — Eu sou uma pessoa, não
um brinquedo que você pode fazer o que quiser ou usar quando quiser. Steve é excelente, e não vou
dispensá-lo só porque você acha que eu devo. Se quiser mesmo sair comigo, coisa que acho
improvável, tem que me mostrar que é seguro o suficiente para que eu possa estar ao seu lado sem
receio algum antes. Você tem que me mostrar o que realmente quer de mim. Caso contrário, não vou
estar disponível para você. Ao menos, não mais.
Não esperei mais para me esquivar de seus braços, voltando para a multidão que andava
apressada pelos corredores enquanto sentia um vazio estranho tomar conta de meu coração e a
sensação de estar fazendo o certo tomar conta de todo o resto.
10 |
O baile

MONIQUE PRICE

Os dias passaram de modo lento e quase doloroso, e, com eles, também a minha certeza de ter
tomado a decisão certa.
Ainda me perguntava o que aconteceria nessa noite caso tivesse aceitado a proposta de James.
Talvez eu dançaria com ele. Talvez eu sentisse todas aquelas coisas que somente sentia quando era
beijada por ele. Talvez...
Balancei a cabeça rapidamente, tentando afastar todas as suposições imbecis.
Eu não iria com James ao baile nessa noite. Eu iria com Steve.
E tudo, até o momento, estava indo mais do que bem.
O garoto tinha sido gentil comigo por toda a semana, acompanhando-me nos horários entre as
aulas e me tratando como uma pessoa normal trata o próximo, ao contrário de James, que, apesar de
me parecer me observar muito, não tinha trocado palavra alguma comigo nos corredores e na aula
que tínhamos juntos, na quinta.
Steve nem sequer se ofendera quando eu disse que preferia ir com Kate ao baile e encontrá-lo
apenas lá, mesmo que não soubesse o verdadeiro motivo por trás disso. Eu me sentia mais à vontade
com minha amiga, que tinha se oferecido para ficar de olho em todo momento, caso algo também
desse errado nessa noite. A possibilidade parecia distante, mas ainda estava com um pouco de medo,
então aceitei.
Soltando o ar pela boca, retirei o olhar do teto do quarto de Kate e transferi minha atenção à
garota, que ainda se arrumava.
Ela estava linda.
Os cabelos cacheados estavam em um coque bem elaborado pouco acima da nuca; o vestido
branco que trajava envolvia suas curvas com perfeição e a cor destacava o tom de sua pele; a
maquiagem, a mesma que também tinha feito em mim, parecia cair ainda melhor nela.
— Acordou do transe? — ela questionou para mim, olhando-me através do espelho.
— Não sei do que você está falando — rebati, inocente. Ainda assim, sorri.
— Besteira! — ela retrucou, firme. — Você está distante desde que chegou. Ou melhor, desde o
começo da semana.
Soltei o ar pela boca.
Bem, estava mesmo sendo difícil manter meus pés no chão, principalmente quando também
ainda tentava descobrir se estava mesmo errada por ter desconfiado de James.
Por fim, quando observei minha amiga mais uma vez, soube que não podia mais manter meus
problemas escondidos dela.
— Ok, você está certa. Tem algo acontecendo — admiti por fim, sentando-me em sua cama.
A garota parou de ajeitar o seu vestido e me deu toda sua atenção, com um misto de curiosidade
e preocupação.
— Eu ando tendo... dificuldades com James ultimamente — murmurei, sem nem mesmo ter ideia
de como explicar a situação em que me encontrava, parte dela existindo apenas em minha mente.
— Dificuldades do tipo ele ser sua dupla na aula de sociologia?
Soltei um suspiro frustrado.
— Não exatamente — discordei, envergonhada. — Eu acho... Bem, acho que eu talvez possa
estar sentindo algo por ele, entende?
Ruborizei quando Kate arregalou os olhos em minha direção.
— São sensações estranhas, sabe? Me sinto fraca toda vez que ele se aproxima demais. Meu
coração se acelera e eu perco parte do meu raciocínio lógico. E eu também não paro de pensar nele
quando estou longe, mesmo tentando evitar isso ao máximo — forcei-me a continuar falando, mesmo
relutante. — Eu nunca senti nada dessas coisas antes, então não faço ideia de como fazer parar.
— E por que você quer fazer isso parar? — ela questionou, o tom de voz calmante.
Engoli em seco.
— Porque tudo me leva a crer que ele não sente o mesmo que eu sinto. Isso está me fazendo
mal, Kate — expliquei, sincera. — Você por acaso... hum... saberia como me ajudar?
Kate então se sentou ao meu lado, olhando-me nos olhos com um certo pesar transparecendo por
suas feições.
— Não tenho mais experiência nessas coisas que você, Monique — a garota esclareceu
enquanto balançava a cabeça negativamente. — Nunca encontrei pessoa alguma que me fizesse sentir
algo do que você acabou de me descrever, e acho até que você é sortuda por ter encontrado alguém
que pode provocar isso em você, mesmo que esse alguém seja James.
Desviei o olhar para o chão, melancólica.
— Apesar de tudo, presumo que essas sensações são muito boas. Não acho que você deva
tentar fazê-las parar até ter a certeza de que é o que deve fazer. Você ainda não pode ter certeza de
que James não sente por você o mesmo que sente por ele, certo?
Estava prestes a discordar, mas algo impediu que eu o fizesse. Ainda assim, era improvável que
o garoto sentisse qualquer coisa por mim.
— Ok, vou presumir isso como um sim — Kate soprou diante do meu silêncio. — Espere ter
total consciência da situação de vocês antes de fazer algo estúpido, ok?
Revirei os olhos, mas ainda assenti.
Kate então se forçou a sorrir, levantando-se em um gesto animado.
— Enquanto isso não acontece, vamos nos divertir nessa noite. Vamos dançar e esquecer de
todos nossos problemas nas próximas horas, daí te dou a permissão de pensar um pouco melhor
sobre James.
Como se eu já não tivesse pensado o suficiente sobre o garoto.
— Vamos? — ela acrescentou, erguendo sua mão para mim.
Ao fim, Kate tinha razão.
Eu ainda achava que merecia me divertir, e faria o possível para isso acontecer nessa noite.
Pegando em sua mão, deixei que ela me conduzisse até meu carro.
Não gastamos mais do que dez minutos até chegarmos à escola, e, parando ao estacionamento já
cheio, tomei um tempo para mim mesma para respirar fundo enquanto Kate saiu do carro para
encontrar com seu par.
Não podia ser tão difícil assim se divertir, certo?
Saindo enfim do automóvel, fui tomei rumo até o lugar onde Steve disse que estaria me
esperando.
— Caramba! — Steve exclamou assim que me viu, avaliando-me de cima a baixo. — Você está
linda.
Bem, eu não me sentia exatamente bonita ao extremo.
Estava usando um vestido que havia vestido no último baile em minha última escola, então,
devido à minha perda de peso, ele não abraçava mais minhas curvas com tanta precisão, e nem
mesmo o decote estava como devia estar. Apenas a cor me deixava satisfeita, que era um vermelho
que dava um pouco mais de vida à minha palidez.
Nem sequer tinha ajeitado meu cabelo devidamente. Ele estava somente liso e solto, afinal, não
achei que valeria a pena me arrumar tanto, pois sabia que, ao fim, não poderia realmente me sentir
tão bem-apresentada.
— Você também está bonito — respondi Steve por fim, correspondendo seu abraço desajeitado.
De fato, Steve estava maravilhoso. O Smoking caía perfeitamente bem em seu corpo, dando a
ele um ar de elegância.
— Mal posso esperar todos os olhares invejosos em minha direção — ele murmurou em um
bom humor enquanto me oferecia seu braço.
— Não exagere — rebati, forçando um sorriso enquanto pegava em seu braço para seguirmos
em direção ao ginásio.
— Foto? — Steve apontou para o pequeno lugar reservado a fotos profissionais quando
chegamos na entrada do ginásio.
— Talvez mais tarde — respondi em uma careta. Já não andava gostando muito de espelhos,
portanto, sabia que fotografias não seriam muito melhores.
— Você quem manda! — Steve sorriu, andando em frente.
Assim que entramos, algumas pessoas vieram em nossa direção para cumprimentar Steve, e
então me peguei aproveitando a oportunidade para procurar alguém em especial.
Reprimi a mim mesma um par de segundos depois.
— Eu falei que todos iam estar com inveja — Steve soprou assim que se livrou de alguns
garotos, mas decidi não perguntar como ele sabia disso, dando apenas um sorriso amarelo em
resposta. — Acho que preciso uma bebida pra aguentar isso tudo. — Ele riu então, conduzindo-me
em direção à mesa à lateral do local.
— Você sabe que as bebidas não tem álcool, certo? — questionei, soltando um riso nasalar, e
então suas feições se contorceram em desgosto.
— Na real, tinha me esquecido — Ele deu de ombros.
— Monique! — Escutei uma voz frenética, e logo localizei Kate se aproximando. — Já
consegui uma mesa para a gente — ela avisou, pouco antes de se virar para cumprimentar Steve.
Também cumprimentei seu par, um garoto tímido, mas que ainda parecia ser legal. No entanto,
eu sabia não ser a pessoa ideal para Kate, afinal, não tinha me esquecido do que ela confessara mais
cedo.
Ainda assim, sabia que a garota logo acharia uma pessoa que gostaria de verdade.
Em poucos minutos, tomamos rumo em direção à mesa que Kate tinha arranjado, passando por
todos os corpos dançantes na pista central do ginásio.
Ao sentarmos, adentramos em uma conversa tranquila sobre qualquer coisa que víamos pela
nossa frente.
Durante a próxima hora que se seguiu, consegui ficar contente por tudo estar correndo bem, sem
nada ser muito forçado. Apesar de que não estivesse de fato me divertindo, eu conseguia estar à
vontade com a situação, não fazendo muito mais do que falar, ouvir e beber.
Bem, isso até a primeira música lenta da noite ser iniciada, que foi quando Steve anunciou:
— Se me permitem, gostaria de tirar Monique para dançar agora.
Kate e seu par assentiram de imediato, e então o garoto se levantou, estendendo a mão para
mim.
Ao que tudo indicava, eu não tinha muita saída.
Soltando o ar pela boca, peguei em sua mão e deixei que ele me conduzisse até a pista de dança,
onde inúmeros casais já estavam distribuídos.
— Não sei dançar muito bem, mas, se for para ficar perto de você assim, vou tentar dar o meu
melhor — Steve soprou enquanto eu colocava minhas mãos ao redor de seu pescoço.
— Já é o suficiente — disse, de certa forma, sincera.
Não estava desconfortável com Steve, como tanto temia. Nem de longe.
Contudo, também não sentia o que queria sentir por ele. Era como se eu estivesse... com um
amigo.
O problema provavelmente estava em mim.
Dançamos quase uma música e meia até Steve afastar seu rosto um pouco do meu, a fim de me
observar melhor.
— É cedo demais para falar que realmente gosto de você? — Steve arqueia as sobrancelhas,
esboçando um sorriso doce.
Desviei o olhar de imediato, arrependida por ter aceitado seu convite de repente. Era óbvio que
eu estava passando a ideia errada ali.
Evitei contato visual enquanto pensava no que podia dizer para esclarecer as coisas do melhor
modo possível. Steve não merecia o que eu estava fazendo, mesmo que fosse de modo indireto.
Entretanto, não pude refletir acerca disso por mais de alguns segundos, não quando meu olhar se
deparou com um par de olhos tão singulares.
Perdi todo meu ar quando avistei James recostado na parede ao fundo do ginásio, trajando
apenas uma camisa social preta de mangas compridas, as quais colavam a seus braços com precisão,
e um jeans simples. Seu cabelo estava penteado para trás, deixando-o mais sexy que o normal, se é
que fosse possível.
Mesmo com roupas informais, ele era, de longe, o garoto mais bonito de todo o ginásio.
O moreno estava imóvel, limitando-se apenas a levar seu cigarro à boca de momento em
momento. Mesmo a tantos metros de distância, não podia ter mais certeza de que ele mantinha seu
olhar fixo a mim enquanto um sorriso exibicionista já começava a se esboçar dentre seus lábios
tentadores.
— Devia ter mantido minha boca fechada, né? — A voz de Steve me trouxe de volta à
realidade.
Pisquei um par de vezes enquanto retomava minha sanidade.
— Não, Steve, não é isso — apressei-me a discordar, fazendo o possível para prender minha
atenção a ele.
— O que é, então? — ele questionou, confuso.
Soltei o ar pela boca, tentando colocar os pensamentos em ordem para fazer o que tinha de
fazer.
— Steve, me desculpa, mas... — Ainda assim, não consegui achar as palavras certas.
— Com licença. — A voz de James fez com que eu fechasse minha boca instantaneamente, e eu
e Steve nos viramos em sua direção em um gesto surpreso. — Poderia ter uma dança com a moça? —
ele indagou em seguida, para Steve.
Steve transferiu o olhar a mim, sem saber ao certo o que dizer, enquanto James ainda
permanecia ao nosso lado, de forma quase intimidante.
— Monique? — James então se virou para mim quando não obteve uma resposta do garoto, e eu
engoli em seco subitamente.
Péssima ideia. Certamente, a pior de todas.
Então, por que ela ainda parecia tão certa?
Por um instante, uma espécie de saudade de sua presença inundou todo meu interior, e foi então
que disse:
— Só uma dança.
Mesmo que tivesse sido um ato quase instintivo, não me arrependi por completo de minha
decisão.
James parecia ter algo para falar, e eu realmente queria ouvi-lo.
— Te encontro em alguns minutos, Steve?
— Tudo bem — o garoto balbuciou, hesitante, lançando um olhar confuso para James pouco
antes de tomar rumo para fora da pista de dança.
— Tenho que confessar que estou surpreso de você ter aceitado, loira — James soprou na
mesma fração de segundo que Steve se distanciou, já prendendo suas mãos firmemente em minha
cintura, aproximando-se. — Já tinha preparado uma série de motivos ao meu favor para te convencer
caso não aceitasse.
— É, eu também estou surpresa por ter aceitado — retruquei, tentando me manter firme com a
falta de distância entre nós enquanto sentia meu coração já sofrer um efeito estranho.
— Hum, acho que não — o moreno discordou, sorrindo. — Você não parecia muito confortável
com Steve, e tenho quase certeza de que fui seu herói da noite.
— Você é tão desagradável. — Revirei meus olhos, tentando evitar o sorriso que fazia de tudo
para se colocar dentre meus lábios.
James estalou a língua em desaprovação.
— Isso não foi uma negativa — retrucou, fixando o olhar em meus olhos. — Você realmente
estava querendo fugir, não é?
Por um segundo, perguntei-me em como diabos ele podia saber o que eu parecia ou não querer.
Não fui capaz de responder sua pergunta, e, pela intensidade que domou suas íris naquele
momento, foi óbvio que James tomou o silêncio como uma afirmação.
— Quer dizer que finalmente se deu conta de que é bonita demais para ele? — ele indagou
então, erguendo os cantos de seus lábios, o que fez com que eu o olhasse com uma cara nada
convidativa. — Não falei por mal, Monique. Inferno, você é bonita demais até para mim.
— Pare com isso, James — murmurei, sentindo minhas bochechas ruborizarem.
— Não consigo evitar. — Sua mão deslizou até a base de minhas costas a fim de me manter
mais próxima. — Porra, você não faz ideia do quanto está me excitando desde que botei meus olhos
em você.
E, simples assim, pela primeira vez na noite, eu me senti como se estivesse realmente bonita,
ainda que aquele não fosse um elogio costumeiro.
James tinha um jeito singular com as palavras e seu olhar que fazia com que eu me sentisse
única.
— Você veio com Blake? — apressei-me em questionar, nervosa por ceder a ele. Por mais que
estivesse me sentindo genuinamente bem ao seu lado, isso não mudava o fato de que ainda não podia
ter completa certeza de que ele não estava brincando comigo.
— Cacete, mulher. Você não pode dar um único tempo de toda sua desconfiança? — Ele revirou
os olhos. — É claro que eu não vim com Blake. Não vim com ninguém, aliás. Eu estou aqui apenas
para resolver as coisas com você.
Arqueei as sobrancelhas, atordoada.
— Como assim?
— Você me disse para te mostrar que realmente é seguro estar ao meu lado, então é o que vou
fazer: esclarecer as coisas para que você possa confiar em mim.
— Ainda não sei se estou entendendo — resmunguei, confusa.
— Eu gosto de passar o tempo com você, Monique — ele continuou, e só então percebi que ele
estava mesmo ali para esclarecer sua situação. — Eu meio que acho que gosto pra caralho de estar
ao seu lado e também de conversar com você, ok?
Prendi a respiração enquanto assimilava suas palavras.
— E nesses últimos dias longe de você, e até mesmo hoje ao te ver nos braços de Steve, algo
que, devo dizer, foi difícil pra caramba, eu pensei muito e cheguei à conclusão de que gostaria muito
que você me desse uma chance. Sei que você, de fato, não tem muitos motivos para acreditar em
mim, mas estou sendo sincero quando digo que quero ter a possibilidade de te conhecer direito, de
descobrir o que sinto por você. Quero que você também tenha a possibilidade de saber o que pode
sentir por mim. — Ele então respirou fundo antes de prosseguir. — Eu estou mesmo disposto a me
comprometer a fazer o que estiver ao meu alcance para fazer com que você se sinta segura ao meu
lado, mas, para isso, ainda preciso que você pare de esperar o pior de mim, Monique.
Só lembrei a mim mesma de respirar quando James acabou de pronunciar aquelas palavras tão
dolorosamente intensas.
E, mesmo sem oxigenação suficiente em meu cérebro, eu tive a certeza de que estava disposta a
fazer tudo que ele precisasse.
Entretanto, não tive a chance de verbalizar qualquer resposta, pois logo o celular de James
tocou em seu bolso.
— Merda — James resmungou de imediato, retirando uma de suas mãos de minha cintura antes
de pegar o aparelho. Ele então encarou a tela inicial por um segundo, o olhar ganhando um quê de
preocupação.
— O que foi? — ele soprou quando enfim levou o celular ao ouvido, mas sem diminuir o ritmo
da dança. — Porra, agora? Tá de sacanagem? — questionou após um par de segundos, e, não muito
tempo depois, a chamada foi encerrada.
— Tá tudo bem? — não hesitei em questionar, arqueando as sobrancelhas.
— Foi mal, Monique. Tenho que ir, agora. Depois nós continuamos essa conversa, tudo bem?
— O quê? — sussurrei, já retirando minhas mãos de sua nuca.
— É importante, Monique. De verdade. — Ele me lançou um olhar culpado. — Sinto muito.
E, antes que eu dissesse algo a mais, James se distanciou, tomando rumo em direção à saída.
Não sei exatamente por quanto tempo fiquei imóvel na pista de dança, tentando assimilar tudo
que tinha acabado de acontecer, quando Steve apareceu em minha frente.
— Monique? Tudo bem?
Não, eu não estava bem. Não estava nem perto disso.
Eu estava, sobretudo, frustrada. Não achava que James ou qualquer um tivesse o direito de
aparecer para mim, dizer coisas como essas, e desaparecer um segundo depois como se nada tivesse
acontecido.
Como diabos ele achava que eu conseguiria prosseguir com minha noite depois disso?
— Hum... eu... acho que não estou me sentindo muito bem — sussurrei após alguns segundos,
sincera.
— Você quer que eu te leve para casa? — ele logo questionou, preocupado, mas eu neguei com
a cabeça.
— Não, tudo bem. Consigo dirigir até lá. Desculpe, Steve, mas eu tenho que ir agora — soprei,
a voz falha, e quando o vi assentir, não demorei a seguir em direção à saída.
Enquanto caminhava para o estacionamento com passadas largas e desordenadas, mandei uma
mensagem para Kate, perguntando se ela poderia pegar um táxi na volta. Um minuto depois, recebi
uma mensagem positiva, e foi então que entrei em meu carro e me deixei desabar por um segundo.
Mais uma vez, senti-me sem total controle de tudo que acontecia à minha volta. Senti-me
flutuando à beira-mar, sem rumo e sem direção. Tudo simplesmente me parecia inconstante e volátil,
e estava simplesmente cansada de nem sequer tentar ter domínio sobre minha própria vida.
Por fim, quando as palavras de Kate ecoaram em minha mente, dizendo que eu tinha de me dar a
chance de ter consciência de minha situação, dei partida no carro.
No entanto, não tomei rumo em direção à minha casa.
Dez minutos depois, eu já parava em frente à casa de James, e, mesmo que seu carro não
estivesse ali, eu saltei para fora de meu automóvel.
Bati na porta de entrada repetidas vezes, sem saber ao certo o que estava fazendo. Apenas não
me deixei pensar muito, pois aquilo não me tinha trazido nenhum resultado bom.
— Puta que pariu. Eu já estou indo. — Escutei uma voz abafada de dentro da casa, e, em poucos
segundos, Susan apareceu na janela, trajando apenas um roupão. — O que você quer? — questionou
rudemente, franzindo o cenho.
— Só quero saber onde James está, Susan.
— James não é mais criança, querida. Não tenho que saber onde ele anda e o que faz.
Soltei o ar pela boca em pura frustração.
— Não tem, mas deveria. Que espécie de tia é você? — soprei, sem me importar muito com o
que tinha acabado de dizer.
Apenas me virei e voltei para meu carro, sabendo que aquele era um provável sinal para que eu
fosse para casa.
A ideia não prosseguiu por muito, pois logo me dei conta de um lugar a mais que ele devia
estar.
Hell's Bar.
Entrei em meu carro uma segunda vez e pisei no acelerador em direção ao bar, que não era
muito longe de sua casa.
Assim que cheguei, apenas fui direto em direção ao porão, sem nem mesmo me importar em
perguntar por James.
E, no momento em que abri a porta ao fim das escadas, avistei James remexendo em algumas
caixas ao lado da mesa de sinuca um segundo antes de se dar conta de minha presença.
— Monique? — James arregalou os olhos instantaneamente em minha direção, e seu rosto
pareceu ganhar um tom avermelhado. — O que você acha que tá fazendo? — ele acrescentou então,
fechando as mãos em punhos.
— O que eu acho que estou fazendo? — repeti as palavras, incrédula. — Bem, eu estou
tentando tomar as rédeas da minha vida pela primeira vez em algum tempo.
— Você não pode...
— Você tem alguma ideia da inconstância pela qual passei nos últimos meses? — cortei-o,
minha voz saindo estrangulada enquanto eu me aproximava. — Você tem alguma noção do que é viver
uma vida que você nunca planejou, que você nem sequer teve chance antecipada de imaginar como
seria? — questionei, mas não esperei por uma resposta. — Bem, acho que não, porque, caso
soubesse, você não traria ainda mais irregularidade para mim como tem feito desde o início.
— Monique...
— Eu estou falando sério, tá legal? Eu cansei de tudo isso. Eu estou simplesmente... esgotada.
E você só parece piorar as coisas para mim. Você não tem o direito de pedir para que eu confie em
você e ser tão impersistente comigo um segundo depois, não depois de todo o mar de inconstância
pelo qual passei. Isso não é o que eu preciso, não é o que eu...
— Monique, eu sinto muito por tudo isso, e eu vou explicar toda essa merda depois — ele
disse, levantando a voz para que eu o escutasse enquanto sua mão envolvia meu pulso. — Mas,
agora, você tem que sair daqui, tá legal?
Ele então começou a me conduzir em direção à saída do porão, e a firmeza com a qual me
segurava não era o bastante para me machucar, mas ainda suficiente para me incomodar.
Assustada, comecei a tentar desvencilhar meu pulso, mas ele não afrouxou a pegada nem por um
instante.
— Me desculpa, Monique, mas eu tenho que fazer isso. É para o seu bem — ele explicou com
um certo pesar, sabendo que eu tentava me soltar, mas não diminuiu o passo.
— James...
Não pude finalizar a espécie de protesto que ameaçava sair de minha garganta, pois fui pega de
surpresa quando o moreno parou de andar abruptamente. Foi só então que, em meio ao silêncio, pude
escutar passos se aproximando da porta por onde havia entrado.
Desviei o olhar instantaneamente na direção de James, mas ele apenas continuou a encarar o
nada à sua frente, as feições retorcidas em puro terror.
— James? — sussurrei, em busca de alguma explicação, mas tudo que ele fez foi me olhar.
Havia o mais puro caos reluzindo naquelas íris.
Instantes depois, a porta enfim foi aberta com uma força excessiva ao mesmo tempo que fui
empurrada para trás por um ato que pareceu instintivo por parte de James.
A partir daí, tive a mais completa certeza de que tinha me metido em problemas.
11 |
Aos negócios

JAMES MITCHELL

Empurrei Monique para trás na mesma fração de segundo em que vi a porta se abrir. Malcolm
entrou logo atrás de Aaron e Caleb, e algo se alarmou em meu interior em puro instinto.
Eu estava definitivamente fodido pra um caralho.
Malcolm franziu o nariz enquanto analisava o lugar, um gesto com o qual eu já estava
acostumado. Contudo, suas feições mudaram no instante em que seus olhos pararam em Monique. Um
sorriso repugnante se esboçou dentre seus lábios, o que fez a mais pura repulsa percorrer toda a
extensão de minha pele em arrepios.
— Com companhia, James? — ele questionou então, sem parar de encará-la, e senti a mão
suada da garota agarrar a minha de imediato.
Engoli em seco.
— Ela já estava de saída — respondi friamente, e Monique, entendendo o recado, saiu de trás
de mim em após um par de segundos.
— É um prazer, senhorita. — Malcolm estendeu sua mão para Monique, impedindo-a de
avançar mais, e ela olhou para mim em seguida, como se estivesse em busca de alguma instrução. —
Vamos lá, eu não mordo, meu bem — ele murmurou sarcasticamente ao vê-la hesitar. — Bem, a não
ser que você peça — acrescentou e alargou o sorriso nojento, deixando um de seus dentes de ouro à
mostra.
Também relutante, assenti uma vez para Monique, e foi aí que ela enfim cedeu. O homem pegou
sua mão e levou à boca, dando um beijo demorado na pele delicada.
— Qual seu nome?
— Monique — ela respondeu com a voz embargada, que apenas serviu para que Malcolm se
divertisse ainda mais. — Hum... Acho que já vou indo — balbuciou em seguida e tentou passar pelo
homem, que se colocou à sua frente de modo súbito.
— Mas nós acabamos de chegar, linda.
— Isso não é necessário, Malcolm — eu disse rapidamente, puxando Monique pela mão para
que ficasse ao meu lado outra vez. — Estou certo de que você não tem muito tempo a perder, então
deixe a garota ir embora para que possamos resolver nossos assuntos pendentes o mais rápido
possível.
— Sim, claro — concordou, assentindo. — Mas uma distração dessa não seria nenhuma perda
de tempo, não acha?
Senti uma veia de meu pescoço saltar enquanto eu segurava a mão da loira com uma força ainda
maior.
— Então, podemos começar? — Malcolm transferiu o olhar para mim, arqueando as
sobrancelhas, e eu assenti.
— Sim. Só vou acompanhar Monique até a saída.
— A garota fica — ele rebateu, a voz áspera e repleta da mais pura autoridade.
— Acho que não — murmurei, o tom tão cortante quanto o seu. Aquilo não era um jogo para
mim, e pretendia deixar isso claro para Malcolm.
— Por favor, James. Sejamos razoáveis. Você sabe que não tem muita chance nessa discussão
— ponderou, e em reflexo analisei os outros dois homens parados ao seu lado, atentos a mim e à
Monique. — Garanto que não machucaremos a garota. Quer dizer, a não ser se a coisa ficar feia por
aqui, o que pode acontecer caso você continue com essa graça.
Era uma ameaça, o que automaticamente fez com que adrenalina invadisse todos meus vasos
sanguíneos.
No entanto, ela era desnecessária, não quando não havia chance alguma de escaparmos dali.
Eu e Monique não chegaríamos muito longe se tentássemos sair, não com os dois malditos
capangas ali presentes prontos para reagir a qualquer momento.
Malcolm então pareceu notar que eu enfim havia me dado conta de que não tinha alternativas
senão seguir suas regras, pois os cantos de sua boca logo voltaram a se erguer.
— Então, vamos aos negócios — anunciou então e seguiu para o cômodo com o qual ele já
estava familiarizado, e Aaron e Caleb foram logo atrás, já sem a preocupação com a possibilidade
de sair pela porta por onde entraram.
Quando os três se distanciaram por alguns metros, virei-me para Monique, que ainda tinha olhos
arregalados em direção aos homens.
Inspirei lentamente na tentativa de não perder a cabeça, pois definitivamente não podia deixar
que ela visse que eu também estava com medo.
— Ei, olhe para mim — sussurrei, meu rosto a poucos centímetros do seu. Monique levou
alguns segundos para assimilar meu pedido, mas enfim, ainda que com alguma relutância, seu olhar
encontrou o meu. — Vai ficar tudo bem, ok? Prometo que tudo isso vai acabar rápido — soprei e
esperei por algum sinal de compreensão de sua parte, mas ela apenas continuou me encarando. —
Você entendeu? — indaguei enfim, com suavidade, e só então que a garota foi capaz de assentir.
Seu lábio inferior tremeu um pouco em puro pânico.
— Tá tudo bem, não vou deixar nada te acontecer. Apenas não saia do meu lado, aconteça o que
acontecer — eu disse, fazendo meu melhor para transparecer segurança.
— Tudo bem — ela sussurrou de modo quase inaudível. — Desculpa — acrescentou após um
segundo, piscando um par de vezes.
Soltei um suspiro frustrado quando me dei conta de que ela provavelmente estava se
desculpando por aparecer ali.
Não era sua culpa, não quando eu sabia os riscos que as pessoas que se aproximavam de mim
corriam.
— Não tem pelo que se desculpar — murmurei por fim, sincero. — Vem — balbuciei, sabendo
que Malcolm não nos esperaria por muito mais tempo.
Ainda com minha mão à sua, conduzi-a até o quarto onde os três homens se encontravam.
Assim que ali adentrei, vi Malcolm sentado no sofá com um cigarro já entre seus dedos e seus
homens parados em pé ao lado da pequena janela do local.
Sentei-me no sofá à sua frente, com Monique ao meu lado.
— E então, qual o motivo disso tudo? Você esteve aqui há menos de duas semanas, então já
deve saber que não vou precisar de mais mercadoria por mais um tempo — comecei a dizer, já
ansioso para o fim de toda aquela merda.
— Pois é — ele soprou, tranquilo. — Acontece que nós tivemos um pequeno contratempo. Um
dos meus sócios fugiu com grande parte de minha poupança, entende?
— Sinto muito por isso, Malcolm, mas isso ainda não explica a visita. Meu pagamento está em
dia.
— Sim, sim. Eu sei disso, James. Mas vim em busca de um pequeno favor em nome de nosso
tempo de amizade.
Tive de fazer um grande esforço pra não rir diante de suas palavras.
Amizade era o rabo dele.
Ele me vendia o que eu precisava e eu pagava o preço justo. Fim da linha.
— E que favor seria esse? — questionei por fim, impaciente, e ele sorriu diante da pergunta
pela qual tanto esperava.
— Quero que você compre a quantidade de metanfetamina que me resta.
Fechei minhas mãos em punho.
— Eu não vendo essas merdas, Malcolm. Você sabe que eu só compro parte dos alucinógenos e
calmantes — eu disse o óbvio.
— Monique, querida, você poderia pegar um pouco de conhaque para mim? — Malcolm me
ignorou, e soltei o ar pela boca, puto.
— Tudo bem, Monique. Está na primeira prateleira daquele armário — avisei para a garota,
que tinha permanecido quieta até aquele momento.
Ela enfim se levantou e foi em direção ao lugar indicado por mim com passos incertos.
— Eu não estou pedindo muito, James — Malcolm voltou sua atenção a mim. — Eu preciso
voltar aos eixos, e para isso tenho que vender meus últimos estoques.
— Mesmo se eu quisesse, seria improvável que eu conseguisse seu dinheiro. Meu negócio é
pequeno, e metanfetamina não é algo pelo qual meus clientes frequentes procuram.
— Isso é simples. Procure novos ares.
— E arriscar ser pego outra vez? — retruquei, cínico.
Monique voltou com um copo entre suas mãos trêmulas e parou ao lado de Malcolm, que pegou
a bebida com uma mão e puxou a loira com a outra, de modo que ela estivesse sentada ao seu lado
em um segundo.
Levantei-me instantaneamente.
— Eu não sei se você está me entendendo bem, James. — Ele passou o braço no encosto atrás
da garota aterrorizada. — Eu pretendo vender isso, e se não conseguir do modo fácil, vai ter que ser
pelo difícil. Contudo, não acho que você vá gostar muito da última opção. — O homem então deu
mais um de seus sorrisos repulsivos enquanto brincava com uma mecha do cabelo de Monique, que
permanecia petrificada.
— Porra, Malcolm, você tá achando que eu estou pra brincadeira? — Minha voz saiu em um
rugido rouco enquanto eu avançava em sua direção.
Puxei Monique para mim de imediato, mas, em uma fração de segundo, Aaron a puxou pela
cintura enquanto Caleb me puxava para o lado oposto.
Foi então que a briga inevitável começou.
Levei minha mão em um punho até o nariz do homem que me segurava por instinto, e quase pude
sentir seu nariz sendo quebrado contra os nós de meus dedos. Caleb cambaleou para trás, e quando
eu estava prestes a dar mais um golpe, o punho de Aaron se chocou contra minha bochecha com uma
força suficiente para fazer com que eu perdesse meus sentidos por um momento.
Somente recuperei total consciência quando escutei um grito abafado de Monique.
— Tudo bem, eu compro — gritei imediatamente, cuspindo o sangue que tinha inundado minha
boca em seguida. Levantando meu olhar, percebi que o grito de Monique provavelmente se devia ao
próximo murro que Aaron estava prestes da me dar. — Deixa ela em paz agora, cacete — eu soprei
por fim, sem conter o desespero, assim que vi que a garota tinha o antebraço envolvido pela mão de
Malcolm, que agora estava em pé.
Malcolm encarou Monique por um instante, provavelmente indeciso, mas enfim a deixou livre.
A garota então veio em minha direção com passadas largas e apressadas. Segurei-a com um dos
braços quando ela chegou até mim.
— A mercadoria chega amanhã de manhã. Certifique-se de que tenha alguém para receber. As
informações do pagamento estarão com ela. — Malcolm sorriu, satisfeito. — Foi bom fazer negócios
com você, James. E espero ver você em breve, Monique — acrescentou antes de se virar para porta,
lançando um último olhar para a loira.
Só pude soltar o ar que prendia inconscientemente quando os três homens saíram do porão,
sumindo de meu campo de visão de uma vez.
Quando puder transferir toda minha atenção à Monique, percebi que ela ainda tinha os olhos
vidrados na porta pela qual eles tinham acabado de sair, como se ainda temesse que pudessem voltar
a qualquer momento.
Virei-a e a puxei para mim, tentando fazer com que ela desviasse o olhar dali. Logo senti seus
braços contornarem minha cintura com força.
— Tá tudo bem, eles não vão voltar — sussurrei contra seu ouvido, ignorando a dor
despontante no interior esquerdo de minha boca. — Eu sinto muito por isso, tá legal? Já acabou —
disse, sem saber ao certo quais palavras seriam as ideais para aquela merda de situação.
Passei a mão pelos seus cabelos enquanto o sentimento de culpa me dominava por completo,
como na maior parte do tempo em que passava com ela, mas, de algum jeito, ainda pior.
Após algum tempo que não soube determinar muito bem, Monique enfim se desvencilhou de
meus braços, e pude ver que ela não estava chorando. Suas feições deixavam transparecer que ela
ainda estava assustada, mas não tão apavorada.
Perguntei-me se as situações pelas quais tinha passado nos últimos meses, assim como nas
últimas semanas, fizeram dela alguém mais forte. Era improvável que a resposta fosse negativa.
Ainda assim, senti-me genuinamente mal por trazer ainda mais merdas à sua vida. Ela não
merecia isso.
— Como você vai pagar isso, James? — a loira questionou enfim, sem me encarar, enquanto
abraçava seu próprio corpo que parecia tão frágil.
— Eu vou dar um jeito, Monique. Eu sempre dou. Não quero que pense nisso, entendeu?
— Isso é culpa minha — ela continuou, sem parecer me escutar.
Soltei o ar pela boca.
— Você não foi responsável por nada que acabou de acontecer, loira — soprei, sincero, e
levantei seu queixo até que seus olhos encontrassem os meus. — Malcolm teria me convencido de
uma forma ou de outra, e provavelmente seria de um modo que envolvesse uma costela ou um braço
quebrado. — Tentei sorrir, mas minha bochecha ainda latejava com a dor insistente.
As feições de Monique se contorceram quando ela fitou meu rosto, e tentei esconder toda aquela
dor.
— Acho que é melhor eu ir embora agora — murmurou, o olhar ainda mais triste que o habitual.
Meu coração se apertou no peito diante da cena, e, por um momento, quis fazer com que ela se
sentisse melhor.
Definitivamente não queria que ela ficasse sozinha depois de tudo que tinha acontecido. Não
queria que ela se lembrasse de Luke diante de tudo que Malcolm tinha feito e, estranhamente, ainda
não queria que ela fosse para longe de mim.
Foi então que perguntei:
— Ei, o que acha de irmos a um lugar?

— O que estamos fazendo no meio do nada? — Monique questionou assim que estacionei meu
carro no meio de um campo verde e deserto, pouco pra frente dos limites da cidade.
Era a primeira vez em que eu levava alguém comigo àquele lugar.
— Você vai ver — respondi, já saindo do carro, enquanto continuava a manter a pequena bolsa
de gelo, o qual tinha pegado no bar, contra minha bochecha.
Caminhei em frente e me deitei no capô de meu carro, esperando até que Monique deixasse a
usual teimosia de lado e se juntasse a mim.
Não demorei a escutar seus passos se aproximando.
— Você é muito estranho — ela murmurou enfim, o tom de voz definitivamente melhor do que
meia hora atrás.
Esbocei um sorriso tão grande quanto os vestígios de dor me permitiram.
— Você não faz ideia, amor — balbuciei, fazendo com que os cantos de sua boca se erguessem.
Fiquei satisfeito com a pequena reação.
— Então, você me trouxe aqui para se vingar da última hora? Você sabe, me assassinar e jogar
meu corpo em um buraco qualquer antes que ninguém veja? — soprou, enfim se deitando ao meu
lado. Pude então sentir seu aroma específico adentrando em minhas narinas, uma mistura doce de
rosas.
Aquilo surtiu algum efeito peculiar em meu corpo.
— Antes de fazer isso, quero te mostrar uma coisa — respondi, ignorando meu desejo súbito de
tomá-la para mim, e transferi meu olhar para cima, fazendo com que Monique seguisse meu olhar.
Pela minha visão periférica, pude observar os olhos maravilhados de Monique analisando as
constelações que clareavam o céu negro.
— É incrível — a loira balbuciou após alguns minutos de silêncio, e pude ter a certeza de que
tinha atingido meus objetivos.
Monique tinha esquecido, ao menos naquele momento, o que havia acontecido no bar.
— Não é? — Obriguei-me a voltar o olhar para as estrelas, mesmo que eu achasse que a beleza
delas nem pudesse se comparar a de Monique naquela noite. Ou em qualquer outra. — Longe da
iluminação da cidade, as luzes delas ficam mais brilhantes.
Um silêncio confortável recaiu entre nós, e então ficamos apenas apreciando o que parecia estar
tão alcançável e ao mesmo tempo tão inalcançável.
— Eu quero morar em um lugar assim, um dia — ela admitiu por fim, as palavras não passando
de sussurros.
— Assim como? — Voltei a encará-la.
— Longe de tudo. — Ela soltou um suspiro pesado e voltou a me encarar. — Um lugar calmo,
longe do barulho e de toda aquela agitação das pessoas da cidade. Quero algo calmo para meu futuro,
acho.
Pisquei um par de vezes, assimilando a informação enquanto esperava pacientemente por
Monique acabar de dizer o que parecia querer.
— Acho que acabei me cansando de tudo. Da rotina, da urbanização. Não acho que eu esteja
completa com toda essa... bagunça que parece refletir em minha mente. Quero poder acordar em paz.
Quero fazer o que gosto em paz, quero ter paz depois de tudo que já enfrentei — admitiu, analisando
minhas expressões em seguida. — É bobo, eu sei.
— Não é bobo, Monique — rebati, sério. — Eu também escolheria essa vida serena em um
piscar de olhos, se pudesse.
— E por que você não pode? — Ela arqueou as sobrancelhas, confusa.
— Ficar longe de tudo é complicado. Longe de seu próprio trabalho, dos amigos e até da
família.
— Bem, eu acho que conseguiria trabalhar aqui — ela balbuciou, e reprimi a vontade de
perguntar o que ela queria para sua vida, já que parecia estar tão certa. — Também acho que não
seria tão difícil ficar longe de meu pai e meu irmão.
— Não sentiria falta da sua família?
— Minha única família já se foi — ela respondeu, a voz dolorosamente vazia.
— Você sente falta dela, né?
— A todo momento. — Ela piscou os cativantes olhos em minha direção, e imediatamente
reconheci a mais pura saudade neles, um sentimento que reconhecia melhor do que ninguém.
Felizmente, eu ainda podia recuperar a única pessoa que amara em minha vida, e saber que
Monique não poderia fazer o mesmo pareceu me quebrar por um segundo.
Em um ato instintivo, envolvi a garota em um abraço, e ela apoiou sua cabeça em meu ombro
sem nem hesitar. De algum modo, enquanto voltávamos a observar a noite, aquela me pareceu a
primeira vez que estive verdadeiramente íntimo a alguém em um bom tempo.
A partir daí, foi inevitável pensar que eu talvez pudesse, talvez quisesse ser o que Monique
parecia tanto necessitar: uma pessoa para amar.
No entanto, para isso, eu teria de optar por ela ao invés de minha família, e aquela era uma
escolha que eu definitivamente não podia fazer.
12 |
Ruína

MONIQUE PRICE

Eu encarava a pagina limpa do caderno em meu colo na esperança de que algo fluísse de meu
cérebro pela primeira vez em algum tempo quando escutei um som estilhaçante.
Desviei meu olhar imediatamente para a porta de minha varanda, de onde parecia ter saído o
barulho. Após um par de segundos, observei uma pedra se chocar contra o vidro, provocando o
mesmo ruído.
Levantei-me de imediato, deixando o caderno em minha escrivaninha, e caminhei até a sacada
em passos largos e rápidos, como se, inconscientemente, eu já soubesse o que estava prestes a
encontrar.
Foi inevitável conter o sorriso quando avistei James no jardim.
— E aí, Julieta? — ele soprou, alto o suficiente apenas para que eu fosse capaz de escutá-lo, e,
mesmo com tantos metros nos separando, também pude identificar o sorriso dentre seus lábios.
— O que você está fazendo aqui? — questionei, ignorando as borboletas, que antes estavam em
repouso, agitarem-se na boca de meu estômago.
— Vou subir até aí, ok? — o moreno ignorou minha pergunta, e um instante depois ele já se
apoiava no muro que contornava minha casa, subindo nele de um modo que não pude identificar
muito bem, e, pouco tempo depois, já contornava o parapeito de minha sacada.
Encarei-o, impressionada por um momento, ao mesmo tempo que seu olhar me percorreu de
cima a baixo.
James logo sorriu de modo mordaz, arqueando as sobrancelhas.
— Que gracinha — soprou, lançando-me uma piscadela, e, sem esperar por uma resposta,
adentrou em meu quarto sem precisar de convite.
Corei de imediato quando avaliei minha roupa. Havia unicórnios e coraçõezinhos rosas
espalhados por todo o tecido.
Fechei as pálpebras subitamente, um pouco acanhada, mas logo me apressei a segui-lo.
Enquanto fechava a porta da varanda por trás de mim, James analisava cada detalhe de meu quarto
com atenção, e me sentei em minha cama para esperar até que ele acabasse, pois realmente parecia
imerso em sua avaliação.
Mesmo após a última semana, meu coração não parecia ter se acostumado com sua
proximidade.
Surpreendentemente, eu e James havíamos nos dado bem em todos os últimos dias. Não houve
briga alguma em nenhuma das duas aulas que tínhamos juntos, e, ocasionalmente, eu o tinha ajudado
com o Mustang em sua casa nas tardes livres, a seu pedido. Não soube se o garoto fazia questão de
me ter por perto por tentar provar que era mesmo seguro estar ao seu lado ou se era porque não
queria que eu ficasse por muito tempo sozinha após o que tinha acontecido no Hell's Bar, há
exatamente uma semana. Eu ainda podia notar o pesar em seu olhar desde o acontecido com seu
fornecedor, ainda que não tivesse sido sua culpa.
Bem, no fim, eu nem mesmo andava me lembrando de Malcolm, não com James por perto.
Ainda que não tivéssemos feito nada de mais, pois, por algum motivo, o moreno parecia estar
sentindo algo próximo à preocupação em relação a mim, eu podia me sentir estupidamente bem
somente com sua companhia.
— Isso definitivamente não é o que eu esperava — ele anunciou enfim, virando-se para mim
com as mãos na cintura.
Pisquei um par de vezes enquanto era trazida de volta à realidade.
— O quê?
— Seu quarto — murmurou como se fosse óbvio. — Não tem pôsteres. Não tem quadros e
nenhuma daquelas bobagens decorativas — esclareceu por fim, arqueando as sobrancelhas como se
esperasse por alguma explicação.
Ainda não sentia que aquele fosse meu lar, então não me preocupei em decorá-lo como um.
Contudo, não estava muito à vontade a dar a resposta verdadeira, apenas me limitei a perguntar:
— Por que está tão surpreso? Andou pensando muito no meu quarto?
Os cantos de sua boca se ergueram automaticamente, e seus olhos ganharam uma intensidade
maior que o normal.
— Ah, Monique. Nós já falamos sobre você não precisar me fazer perguntas de respostas
óbvias.
Engoli em seco, perguntando-me por um segundo o porquê de ele andar imaginado meu quarto.
Não quis me iludir, então apressei-me em mudar de assunto, ansiosa para me distrair de meus
próprios sentimentos sórdidos.
— Então, você vai me falar o que veio fazer aqui ou não?
— Vim te levar para uma festa — respondeu simplesmente, como se não fosse grande coisa,
enquanto se jogava em minha cama sem nem mesmo retirar os sapatos antes de colocar os pés ali.
— Primeiro, as pessoas não aparecem assim para levar outras a algum lugar sem um convite
antecipado — rebati, empurrando suas pernas para longe de meu cobertor. — Segundo, você podia
ter sido pego pelo meu pai. Se Josh visse você invadindo o jardim por minha causa, ele faria com
que nós dois fôssemos mantidos em prisão domiciliar.
— Não sou estúpido, Monique — ele retrucou, sorrindo enquanto recostava a cabeça em suas
mãos entrelaçadas. — O carro de seu pai não estava na garagem.
Bem, Josh realmente não estava em casa. Tinha saído para jantar com alguns amigos do fórum,
mas, ainda assim, questionei:
— E como você sabe qual é o carro de Josh?
As feições divertidas de James ficaram um pouco mais sérias de repente, mas logo ele apenas
disse:
— É uma cidade pequena, e seu pai é um juiz. Meio difícil mantê-lo fora do radar.
Revirei os olhos.
— Ok, mas meu irmão podia ter te visto.
— Eu o vi pela janela da frente. Estava vendo televisão na sala, então o caminho estava livre.
— Acho que a perspicácia não cai muito bem em pessoas como você — murmurei então,
fazendo uma careta.
James soltou um riso nasalar.
— Pessoas como eu?
— É. — Dei de ombros, segurando o riso. — Aspirantes a stalkers.
— Tá legal, Price. — Ele semicerrou os olhos, fazendo cara feia. — Estou ignorando você
porque ainda estou determinado a continuar com o nosso armistício, mas saiba que, na próxima, você
não vai se safar tão fácil assim.
Minhas feições se contorceram em puro cinismo.
— Agora, se arruma logo. Ainda temos uma festa para ir.
— James, eu não posso ir à festa alguma — eu disse, já mais séria. — As coisas entre mim e
meu pai não estão muito boas, e, se ele souber que saí para algum lugar escondida, tenho certeza de
que fico de castigo até me formar.
— Então não vamos deixar que ele descubra — ele murmurou simplesmente, pegando um
ursinho de pelúcia em minha cama e se distraindo com ele.
— Você mesmo acabou de dizer que Tyler está na sala. Se eu sair, estou certa de que ele não vai
hesitar em fazer com que Josh descubra apenas para se divertir com minhas consequências.
— Cacete, Monique — balbuciou, revirando os olhos. — Sua falta de criatividade é quase uma
ofensa. Nós também podemos sair por onde entrei.
— Muito engraçado — sibilei, mas foi somente quando observei suas feições que vi que James
não parecia estar se divertindo nem um pouco. — Você não tá falando sério, né? — indaguei então, e
o moreno apenas arqueou as sobrancelhas como se dissesse silenciosamente que aquela era uma
pergunta de resposta óbvia. — Eu não vou fazer isso! Nós podemos cair e morrer, James.
Foi então que uma risada sincera escapou da garganta de James.
— Nós quebraríamos alguns ossos, no máximo — ele retrucou, ainda rindo.
— Nossa. Muito tranquilizante — disse sarcasticamente, cruzando os braços.
— Troque de roupa logo, Monique. É sábado à noite, e eu realmente gostaria de passar um
tempo com você agora. Prometo que vamos nos divertir.
Aquelas malditas palavras me deixaram sem reação por um segundo.
Eu certamente odiava o fato de James ser capaz de exercer um efeito tão grande em mim ao
ponto de me fazer duvidar de minhas decisões.
Soltei o ar pela boca.
— Eu... hum... não gosto muito de festas — murmurei então, sincera.
Não tinha ido a muitas durante minha adolescência, afinal, preferia passar o tempo desenhando
ou pintando.
No entanto, algo lembrou a mim mesma que, mesmo se eu deixasse de ir com James hoje, eu
provavelmente não conseguiria fazer o que mais amava.
— Você vai gostar dessa — James soprou, firme.
— E o que essa festa tem de diferente de qualquer uma outra? — Franzi o cenho, e a pergunta
fez com que James esboçasse um sorriso travesso.
— Eu — respondeu, virando o ursinho que ainda se encontrava em seu colo para mim e
brincando com os bracinhos.
Ok, talvez eu realmente não pudesse negar algo que saísse daquela maldita boca.
— Preciso trocar de roupa — resmunguei por fim, e James apenas sorriu ao saber que tinha
ganhado a disputa.
— Ok.
Arqueei as sobrancelhas, esperando que ele me desse alguma privacidade, mas não foi o que
aconteceu. O moreno simplesmente permaneceu me observando, a diversão implícita no olhar.
— James, eu preciso que você me dê privacidade — disse o óbvio por fim, e ele fez uma cara
inocente.
— Eu não tenho lugar para ir.
— Varanda — sibilei.
— Mas aí algum vizinho poderia me ver e contar para seu pai.
Estreitei os olhos.
— Você não pensou nisso quando subiu até aqui.
— Pois é. Já abusei muito da minha sorte, não acha? — murmurou, erguendo os cantos de seus
lábios.
Não soube se quis xingá-lo pela cara de pau ou apenas rir dele.
Por fim, eu disse:
— Tá bom. Pelo menos levanta daí e se vire, ok?
Ele contorceu as feições em pura frustração.
— Você sabe mesmo como acabar com toda diversão — resmungou, com um fundo de
sarcasmo, mas fez o que eu tinha pedido.
— Se você olhar, não vou a lugar nenhum, entendeu? — adverti assim que ele chegou perto da
escrivaninha, já de costas para mim.
— Sua confiança em mim é tão pequena assim para que você precise recorrer a ameaças?
— É — respondi, sem rodeios.
Escutei uma breve risada escapar de sua garganta.
— Bem, acho que não posso te culpar.
Sem esperar por mais, caminhei até meu guarda-roupa e peguei uma calça jeans e um suéter
mais justo, pois sabia que a noite estava fria.
Troque de roupa em questão de um minuto, ainda com medo de que James pudesse me espiar, e
apenas passei um rímel por fim.
Calçando minhas botas de cano curto, avisei:
— Já acabei.
Entretanto, James não se virou para mim, e só então percebi que ele tinha sua atenção presa a
alguma outra coisa.
Assim que me encontrei completamente pronta, caminhei em sua direção, e logo vi que o garoto
folheava meu caderno de desenhos, que havia deixado em minha escrivaninha pouco antes dele
aparecer.
— O que você acha que tá fazendo? — questionei dentre dentes, fazendo menção em pegar o
caderno.
— Hum... Tentando me distrair do fato de você ter ficado quase nua a menos de um metro de
mim sem que eu pudesse fazer nada? — soprou, escondendo o caderno atrás de si antes que eu
pudesse pegá-lo.
— James, isso é pessoal. — Fiz um esforço enorme para não gritar enquanto continuava a tentar
retirar o amontoado de papéis de suas mãos.
— Por que você não me disse que desenha assim? — ele questionou tranquilamente, ignorando-
me.
— Porque eu desenhava assim. No passado, entendeu? — respondi, irritada, e foi só então que
consegui ter meu caderno de volta, e vi que ele estava aberto no último desenho em que tinha feito,
que fora um dia depois da minha vida sofrer as consequências da escolha de minha mãe.
O ceifador me encarava de modo zombeteiro, quase como se soubesse exatamente que tinha
sido minha última criação verdadeira.
Joguei o caderno em minha cama, tentando esquecer a imagem que tinha saído de minha própria
mente meses antes.
— Desculpe — James murmurou após alguns segundos, parecendo sincero. — Não quis invadir
seu espaço.
— Não importa — balbuciei, ainda irritadiça, enquanto tentava passar por ele.
Seus dedos envolveram meu braço de forma delicada antes que eu desse um segundo passo.
— Não foi minha atenção — insistiu, a voz carregada de uma seriedade maior. — Mas, ainda
assim, gostaria muito de terminar de vê-los quando você se sentir pronta para me mostrar.
— Se eu fosse você, esperaria sentado. — Desvencilhei-me de seu toque e segui para a
varanda, virando-me para ele poucos segundos depois. — Vai me ajudar aqui ou vou ter que descer
sozinha?

— Tudo bem, vamos às regras básicas: — James disse enquanto adentrávamos no gramado já
cheio de pessoas da casa precária onde ocorria a festa — não aceite bebidas abertas de ninguém e
não deixe seu copo exposto, não vá para nenhum canto escuro, não aparente ser vulnerável e,
sobretudo, não converse com nenhum garoto senão eu. — James parou em minha frente, correndo o
olhar em minhas expressões em busca de alguma compreensão.
— O último é para o bem de quem, especificamente? — indaguei, arqueando as sobrancelhas.
O moreno fingiu pensar por um par de segundos.
— Espertinha — soprou apenas, erguendo os cantos dos lábios antes de girar os calcanhares e
começar a andar outra vez.
Com seus olhos longe de mim, analisei mais uma vez o quão bem a jaqueta de couro que
envolvia seu corpo.
— Vai vir ou não? — ele gritou, sem se virar.
Forcei-me a desviar o olhar e o segui, fazendo um esforço excessivo para conseguir
acompanhá-lo.
Assim que adentramos na casa não muito grande, comecei a sentir as vibrações da música
eletrônica que ecoava por todo lugar. James começou a cumprimentar várias das pessoas ali
presentes, e não pude reconhecer nenhuma delas; estava certa de que sua maioria tinha saído da
escola já há alguns anos.
Enquanto passávamos dentre todos os corpos dançantes, James entrelaçou seus dedos aos meus
para que eu não me perdesse, mantendo-me perto de si o máximo possível. Fiquei exultante com o
pequeno gesto.
— Que demora, cara! — Uma voz masculina mais alta que a música soou logo atrás de nós em
poucos segundos, e James se virou bruscamente em sua direção.
Suas feições se suavizaram de imediato, e, assim que segui seu olhar, vi um garoto pouco mais
velho que James. Era bonito.
— Tive alguns pequenos imprevistos — o moreno disse em um bom humor, apontando para mim
com a cabeça. — Tobias, essa é Monique — apresentou-me em seguida, e as feições de Tobias então
se contorceu em algum sentimento que não pude reconhecer muito bem, mas ele logo se recompôs.
— Bem, já era hora de nos conhecermos. — Ele ergueu a mão de forma descontraída, e eu a
apertei. — Então é você quem está ajudando no caso perdido?
— Caso perdido? — repeti, confusa.
— O Mustang — esclareceu, rindo.
— Ah. — Sorri instantaneamente. — Acho que "ajudar" não seria bem a palavra ideal. Fico só
supervisionando enquanto James faz praticamente tudo — respondi, dando de ombros.
Tobias soltou mais uma risada. Parecia sincera.
— Vamos pegar algumas bebidas, Tobias. Depois a gente se fala — James anunciou antes que o
garoto dissesse algo mais, já fazendo menção em continuar me conduzindo em frente.
— Espera. — Tobias segurou seu braço antes que saíssemos. — Temos que separar os lotes.
Não queria ter entendido a que ele se referia.
— Não agora. Depois te procuro — James respondeu simplesmente, e, sem esperar por mais,
puxou-me até chegarmos à cozinha.
O moreno logo abriu a geladeira e pegou uma das inúmeras garrafas de vodca e um refrigerante.
Em seguida, pegou um copo e colocou um pouco da bebida alcoólica e encheu o restante com o outro
líquido.
— Aqui. — James empurrou o copo para mim, e eu franzi o cenho.
— Você vai beber o quê?
— Infelizmente, vou ter que me contentar apenas com uma cerveja, já que sou seu motorista da
noite — respondeu, já pegando uma garrafa de vidro fechada na geladeira. — Não vai experimentar?
— questionou, apontando para a bebida dentre minhas mãos.
Após um bar de segundos, beberiquei um pouco do líquido, que queimou minha garganta por um
instante.
Fiz uma careta inevitável, e James soltou uma breve risada.
— Você é mesmo dramática, não é? — ele soprou, ainda rindo. — Noventa por cento do seu
copo é refrigerante. Nem tá forte.
Quando abri a boca para protestar, uma voz feminina nos interrompeu:
— James! Não sabia que você viria.
E então a garota jogou os braços ao redor de seu pescoço, e James ficou sem reação por um
segundo enquanto absorvia a surpresa.
— Oi, Abby. — Ele riu, finalmente retribuindo o abraço. — É bom te ver também.
— Convidada sua? — Ela logo se distanciou, virando-se para mim com um sorriso doce.
— Essa é Monique — o moreno anunciou, apoiando a mão em minha lombar como se fosse um
gesto casual, afundando um pouco a extensão dos dedos em minha pele.
Quase tive um espasmo diante do toque simplório.
Soprei um "oi", sem ainda saber o que esperar da garota. Estava um pouco temerosa que ela
fosse alguém como Blake, querendo marcar algum território abstrato.
Contudo, assim que ela sorriu de modo meigo e me abraçou também, foi inevitável colocar
minhas dúvidas de lado. A garota parecia gentil.
— Me chamo Abigail, mas meus amigos me chamam de Abby — ela se apresentou assim que
retirou os braços de mim, ainda sorridente.
— É muito bom te conhecer, Abigail.
— É Abby pra você também, bobinha! — Ela me lançou uma piscadela. — Também sou amiga
de James, mas, hum... de um jeito diferente do tipo de amizade que acho que vocês têm.
Lancei um olhar para James em busca de alguma explicação, mas o moreno apenas deu de
ombros.
— Estou falando de tensão sexual, só pra esclarecer — ela explicou quando viu minhas
expressões, e eu corei de imediato.
James riu ao meu lado, mas não se importou com isso nem por um segundo.
— Abby, leva a Monique para conhecer o pessoal, tá legal? Preciso resolver algumas coisas
com Tobias — James murmurou então, mais sério.
— Sem problemas.
— É pra realmente ficar de olho nela — ele reforçou quando notou as feições relaxadas da
garota.
— Eu não sou criança, James. — Revirei os olhos, impaciente, mas o moreno nem mesmo se
deu ao trabalho de desviar o olhar a mim.
— Eu já entendi — Abby balbuciou, fazendo cara de tédio.
Um par de segundos depois, James enfim se distanciou, e, enquanto eu fingia não estar
decepcionada, Abigail segurou minha mão e me conduziu dentre a pequena multidão da festa. Em
poucos minutos, eu já me encontrava sentada ao lado de algumas pessoas as quais tinha sido
apresentada por Abby, e, bebericando minha bebida, tentei prestar atenção em suas conversas.
No entanto, não demorei a me sentir um pouco deslocada ali, então, por fim, apenas me recostei
e não fiz muita coisa além de esperar por James.
Bem, ao fim, eu havia ficado no aguardo por muito tempo além do ideal.
Após quase uma hora de conversas aleatórias das quais eu apenas podia escutar, dois copos de
refrigerante com vodca e algumas cantadas dos garotos ao meu redor, James ainda não tinha chegado.
Foi aí que acabei me entediando e deixei que Abby, na sua provável quinta tentativa, me levasse
para a pista de dança improvisada com uma de suas amigas.
Observei os movimentos que as duas garotas faziam com seus respectivos corpos e tentei fazer
igual. Não achava que tinha tanta coordenação em meus quadris e braços quanto elas, mas, após
algumas músicas, eu finalmente pude parar de pensar muito. Apenas esvaziei minha mente, fechando
os olhos enquanto deixava o remix me conduzir sem muitas regras.
Consegui, de fato, relaxar por algum tempo. Mas isso foi até sentir duas mãos segurarem minha
cintura por trás.
Virei a cabeça bruscamente, já prestes a me desvencilhar, mas então meu olhar encontrou um
sorriso que eu já conhecia muito bem.
— Eu avisei que você ia se divertir, não foi? — James soprou em meu ouvido, uma espécie de
presunção implícita em seu tom de voz.
Revirei os olhos, mas não disse nada em protesto, pois, no fim, eu achava que realmente tinha
começado a me divertir ali.
Ainda ignorando o comentário, virei-me para ele e apoiei minhas mãos em sua nuca enquanto
sentia os seus dedos descendo até pararem em meus quadris, afundando ali com força.
Nossos corpos passaram a se movimentar com uma certa sincronia quase assustadora em meio
ao ritmo acelerado das músicas. Eu ainda ficava impressionada com o quão bem cada um de nós
entendia o outro, ao menos se tratando de aspectos físicos.
Por um momento, estando em seus braços e colada a ele, eu me senti completa. Não soube ao
certo se deveria temer tal sensação súbita.
— Eu realmente acho que você ainda pode ser minha ruína, sabe disso? — ele sussurrou apenas
para que eu fosse capaz de ouvir, e toda a extensão de minha pele se arrepiou instantaneamente.
James retirou parte do cabelo grudado de suor da lateral de meu pescoço e se aproximou ainda
mais, mas não o suficiente para que eu sentisse seus lábios. Ao invés disso, senti sua respiração
acelerada e pesada contra minha pele quente, o que me estimulou ainda mais.
No entanto, seguindo aquele ritmo frenético, eu não demorei a me cansar.
Não soube ao certo quantas músicas se passaram até que eu, sem forças, disse para James:
— Acho que eu preciso me sentar.
James, notando o cansaço em minha voz, soltou um riso nasalar.
— Tudo bem — ele murmurou, ainda rindo, enquanto me levava para fora da multidão.
Assim que chegamos perto de uma escada, em uma área mais afastada do tumulto, sentei-me no
primeiro degrau, exausta.
— Acho que preciso de um banho depois disso — soprei enquanto puxava meu cabelo para um
coque improvisado, tendo consciência de que toda minha pele brilhava em suor.
James me observou com uma atenção peculiar durante alguns segundos.
— Você fica absolutamente sexy assim — disse então, e eu franzi o cenho.
— Suada?
Ele riu.
— Suada e descontraída — respondeu, e eu corei de imediato.
James se sentou ao meu lado, e só então percebi que algumas gotas de suor também trilhavam
sua pele e que parte de seu cabelo estava molhado.
Era simplesmente... excitante demais.
— E então, o que quer fazer agora? Quer ir no beer pong? Podemos apostar nossas roupas. — O
moreno lançou uma piscadela para mim, divertido.
Estava prestes a dizer que parte da proposta me parecia boa, mas fui interrompida por uma voz
que, de certa forma, eu já conhecia:
— James? Estou com um pequeno problema.
Desviando o olhar, logo me deparei com Tobias parado diante de nós, e, pela minha visão
periférica, pude ver o sorriso de James se desfazer no mesmo instante.
— Que porra, Tobias. Você não consegue fazer nada sozinho? Eu estou ocupado agora.
— Eu tentei me virar, cara, mas... hum... — O garoto me encarou, não sabendo se deveria
terminar a explicação comigo presente.
James então soltou um suspiro frustrado, passando as mãos pelos cabelos.
— Me dá um minuto — pediu por fim. — Daqui a pouco te encontro.
Tobias assentiu, girando os calcanhares e nos deixando sozinhos.
— Olha, eu preciso...
— Vender drogas — completei, arqueando as sobrancelhas, e a tensão se espalhou por suas
feições.
— Vou te levar de volta para ficar com Abby.
— Não precisa — balbuciei, desviando o olhar. — Eu mesma procuro ela.
— Não. Eu vou te acompanhar até...
— Não preciso de babá, James — cortei, também frustrada.
O moreno então pareceu insatisfeito com aquelas palavras, mas logo se colocou de pé.
— Não demore muito aqui, então — retrucou, nada contente. Sabia que, se não estivesse com
pressa, ele não cederia tão fácil. — Qualquer coisa, me liga. Vou tentar não demorar muito tempo
dessa vez, ok?
E antes que eu o respondesse, James se distanciou.
Com ele já longe, não me apressei em me levantar também.
Honestamente, eu não queria voltar a me sentir deslocada pela provável próxima hora inteira.
Também não queria gastar mais tempo apenas esperando a única pessoa que conhecia de verdade ali
enfim ficar disponível para mim.
Por fim, apenas soltei o ar pela boca antes de me colocar de pé e caminhar até a saída,
esbarrando em ao menos duas dúzias de corpos durante o trajeto.
Já de fora da festa, continuei seguindo pelo caminho que lembrava que James tinha tomado
enquanto pegava o celular de meu bolso para poder enviar uma mensagem para o garoto avisando
que estava indo embora e, posteriormente, chamar um táxi.
Entretanto, assim que encontrei o contato do garoto, o aparelho desligou subitamente.
Gastei ao menos cinco minutos tentando ligar o celular até me dar conta de que ele tinha
descarregado, afinal, não sabia que ia sair dez minutos antes de o fazer, então não tive o maldito
tempo de colocar alguma carga no aparelho.
Chutei uma pedra que estava em meu caminho, irritada.
O universo realmente andava me odiando nos últimos meses.
Parei de andar por um momento para tentar me decidir se deveria seguir em frente ou voltar
para a festa, que já estava um pouco distante àquela altura.
Após um par de minutos, convenci a mim mesma que, se acelerasse o passo, poderia chegar em
minha casa em pouco mais de vinte minutos, então continuei seguindo em frente.
Bem, eu só não tinha contado que eu me perderia no meio do caminho.
Ok, péssima ideia.
Analisando a rua pela qual passava, eu não tinha memória alguma de James ter passado por ela
duas horas antes.
Fechei minhas pálpebras bruscamente, amaldiçoando a mim mesma. Eu certamente não devia ter
saído de casa.
Fui mais para o lado da calçada, onde estava mais escuro, na tentativa de não ser vista por um
psicopata em potencial e ser puxada para um carro qualquer.
Continuei a andar, fazendo um esforço excessivo para reconhecer algum detalhe das ruas pelas
quais passava.
Um barulho de um carro soou enquanto eu tentava me decidir entre virar para a esquerda ou
direita de uma esquina, então me espremi um pouco mais na lateral do passeio em que me encontrava
para me esconder até que ele passasse.
Contudo, o ritmo do automóvel diminuiu, o que me deixou um pouco aflita.
Entrei em um desespero maior quando o carro parou ao meu lado.
Estava pronta para começar a correr quando a voz tão familiar chegou aos meus ouvidos:
— Monique?
Quando olhei para o lado, James já dava a volta em seu carro e vinha em minha direção.
— Puta que pariu, você tá de brincadeira com a minha cara? Qual a porra do seu problema? —
ele soprou assim que se aproximou, visivelmente alterado.
Não respondi de imediato, pois ainda assimilava aquele tom nada aprazível usado por James.
O garoto então pegou em meu braço na tentativa de me levar para seu carro, mas me
desvencilhei antes que ele cumprisse seu objetivo.
— Ei. O que deu em você? — questionei, já irritada, enquanto afagava a região em que seus
dedos tinham estado.
James me olhou como se eu fosse louca.
— O que deu em mim? Sério? — Ele soltou uma risada sem humor. — Você está mesmo me
perguntando isso quando foi você quem saiu sozinha de uma festa em plena madrugada para ir
embora a pé?
— Eu ia chamar um táxi, mas... — Interrompi minha frase no mesmo segundo em que me dei
conta de que não devia explicações para ele.
— Tá legal, pelo menos explica o que está acontecendo aqui. Por que diabos você saiu sem
avisar nada, cacete? Você tem noção de que eu quase surtei quando percebi que você não estava na
festa? Gastei a última meia hora te procurando, porra.
— James, para primeiro de conversa, o que eu estava fazendo lá? — retruquei, cruzando os
braços frente ao peito. — Se fosse para me deixar sozinha em noventa por cento do tempo em um
lugar que eu não conheço com pessoas que não conheço, você não devia ter insistido em me levar.
Fala sério, você estava vendendo drogas lá, bem debaixo do meu nariz.
Pude ver a ira de James se dissipar um pouco diante de minhas palavras, e ele logo esfregou a
testa enquanto engolia em seco.
— Eu não sabia que a noite ia ser tão movimentada, tá legal? E, se você estava puta com isso,
devia ter me dito isso lá, e não ser tão imprudente ao ponto de tentar voltar para a casa por um lugar
que nem conhece.
— Você me deu alguma chance de dizer que eu estava irritada? — rebati, incrédula. — Na
segunda vez em que seu amigo te chamou, você não esperou meio minuto para sair novamente.
— Sabe, eu estou realmente começando a achar que você é maluca — ele soprou, semicerrando
os olhos. — Já percebeu o quanto você ama achar motivos para brigar?
Encarei-o, cética.
Certamente, eu e James nunca poderíamos ser compatíveis como pessoas.
— Vai à merda — balbuciei após longos segundos, minha respiração acelerada diante de toda a
raiva que sentia.
— Ah, digo o mesmo para você, amor — ele retrucou, ainda com uma certa fúria, enquanto
contornava o carro uma segunda vez. — Entra logo que eu vou te deixar em casa.
— Acredito que você não vá querer uma maluca a menos de um metro de distância.
— Entra. Logo.
— Não vou com você. Me empresta seu celular que eu chamo um táxi para mim.
— Não vou te emprestar a merda do meu celular.
Bufei.
— Ótimo.
— Ótimo.
Revirei os olhos, sem saber ao certo o que fazer.
— Monique, eu estou falando sério pra caralho. Se você não entrar nesse carro em dois
segundos, eu vou te deixar aqui.
Fechei as mãos em punhos, insatisfeita com o tom intolerante.
Não tinha muita opção senão entrar naquele carro, mas, no momento, aquela era a última coisa
que queria fazer.
James não esperou por minha resposta. Ele apenas abriu a porta do banco do motorista, e eu
fiquei petrificada enquanto o observava prestes a adentrar no automóvel.
Estava me perguntando se ele realmente seria capaz de me deixar sozinha ali quando vi um
carro se aproximar na rua à minha frente.
Sem nem pensar duas vezes, estendi a mão para que o motorista parasse, e, para minha surpresa,
foi o que aconteceu.
Deixando James para trás, aproximei-me do automóvel, vendo o vidro do motorista ser
abaixado rapidamente.
— Por favor, você poderia me emprestar seu celular para que eu...
Não tive a chance de finalizar a frase, pois enfim pude ver o senhor de meia idade
completamente.
Ele tinha feições caídas e um olhar quase hediondo que me avaliava com precisão
Meu corpo se arrepiou em puro nojo.
— Quer que eu te leve a algum lugar, princesa? — ele questionou após uma fração de segundo,
passando a língua pelo lado inferior.
Fiquei sem reação por um momento.
— E você quer levar um soco na cara, imbecil? — escutei a voz dura de James logo atrás de
mim.
O homem então, pela primeira vez, se deu conta da presença do garoto a poucos metros de mim.
— Cai fora — James não hesitou em acrescentar.
Em instantes, o carro já não se encontrava mais em meu campo de visão.
Ainda atordoa, girei meus calcanhares, mas antes que eu dissesse qualquer coisa, James
murmurou:
— Por favor, você pode entrar no carro agora?
Não tinha sido o tom mais suave do mundo. No entanto, pelos seus olhos fechados, vi que ele
realmente estava lutando para manter a calma.
Entrei no automóvel em silêncio.
Nenhum de nós dois falou algo durante todo o trajeto, e quase tive a certeza de que ele ainda
tentava se tranquilizar na mesma intensidade em que eu o fazia.
Após quase dez minutos, James enfim estacionou pouco atrás de minha casa, mas ainda se
manteve em silêncio.
Nenhum de nós dois disse ou fez qualquer coisa por mais um tempo.
Imaginei que aquele seria o momento apropriado para sair do carro, mas algo ainda me
segurava lá.
Eu ainda continuava com o olhar fixo à frente quando por fim quebrei o silêncio:
— Você ia mesmo me deixar lá?
Escutei o suspiro pesado de James, e, pela minha visão periférica, pude vê-lo cruzar os braços
frente ao peito, também com o olhar longe de mim.
— Um dia você vai mesmo parar de duvidar do meu caráter? — resmungou de volta,
insatisfeito. — Não, Monique, eu não ia te deixar lá. Eu apenas estava tentando fazer com que você
entrasse no maldito carro antes que algo acontecesse.
— É, mas foi o que pareceu. Você parecia estar bem irritado.
— Ah, Monique, acredite em mim, eu estava irritado pra cacete. Ainda assim, não te deixaria
sozinha no meio do nada.
Sem dizer mais nada, remexi-me no banco de modo desconfortável, mas toda aquela tensão
estranha se dissipou no segundo em que escutei uma risada rouca de James.
Transferindo o olhar a ele em um misto de confusão e surpresa, vi-o esfregando os olhos
enquanto achava graça de algo.
— O que é tão engraçado? — questionei enfim, ansiosa.
— Puta merda — ele balbuciou, mas foi mais para si mesmo. Após um par de segundos, o
moreno apoiou o cotovelo na janela, penteando o cabelo com os dedos. — Você, Monique Price, está
mesmo mexendo comigo.
Franzi o cenho.
— Como assim?
Os cantos de sua boca se ergueram, mas seus olhos ainda se encontravam genuinamente sérios.
— Acabei de perceber que, até te conhecer, estava mais acostumado a tirar as pessoas do sério
do que ser tirado do sério.
Arqueei as sobrancelhas.
— Só pra constar, não gosto nem um pouco da sensação — acrescentou.
— É, eu também não gosto muito de ser provocada por você, então diria que o sentimento é
plenamente recíproco.
James então não hesitou em alargar o sorriso de um modo torturantemente delicioso. Em um
segundo, eu já amaldiçoava a mim mesma por me deixar sentir afetada pelo gesto que era tão
inofensivo e ao mesmo tempo tão estranhamente perigoso
— Merda. Nós realmente nascemos um para o outro, não acha?
Ignorei a frase sarcástica, soltando o ar pela boca enquanto tentava acumular coragem para
pedir o que precisava.
— Hum... É meio constrangedor precisar de você agora, mas não consigo subir para meu quarto
sem ajuda.
— Eu sei. Estava esperando você pedir.
Soltei um grunhido de frustração, mas logo saí do carro.
Percorremos a lateral da minha casa em silêncio até chegarmos ao jardim.
O moreno subiu na churrasqueira e, em seguida, no muro ao lado do meu quarto. Fiz o mesmo,
e, dentro de poucos instantes, vi-o pegando impulso e parar em minha varanda.
— Pronta? — James questionou para mim enquanto oferecia suas mãos. Assenti antes de ceder
as minhas.
Ele então me puxou para cima, e, com alguma dificuldade, finalmente me encontrei parada de
fora do parapeito.
Suas mãos logo pararam em minha cintura para que eu fosse para o lado de dentro em
segurança. Contudo, quando enfim me encontrei no interior da sacada, o garoto não fez menção em se
afastar.
Meus olhos logo encontraram os seus, e qualquer vestígio de minha irritação anterior se extingui
quase que imediatamente. Perguntei-me por um instante se ele sentiu o mesmo.
Seus lábios se aproximaram dos meus, e eu travei a respiração em reflexo quando pensei que
ele fosse me beijar. No entanto, a luz de um dos quartos da casa vizinha se acendeu naquela mesma
fração de segundo, chamando nossa atenção.
— Melhor entrarmos. Alguém pode nos ver — James sussurrou, tomando suas mãos para si.
Tentei não aparentar estar tão decepcionada quando abri a porta e entrei para meu quarto com
passos rápidos.
James fez o mesmo, e fechei a porta assim que ele entrou, temerosa quando enfim pude pensar
mais claramente na possibilidade de ser pega com um garoto tarde da noite.
Fechei as cortinas em seguida, agitada, mas não demorei a paralisar totalmente assim que girei
os calcanhares, encontrando o garoto a poucos centímetros de distância.
— Desculpe-me por hoje — soprou então, e imediatamente passei a sentir sua respiração
pesada contra minha bochecha. — Não fazia ideia de que ia ter de ficar tanto tempo longe quando te
chamei para ir comigo. Eu estou tendo que acelerar o ritmo das vendas para que eu consiga pagar
Malcolm. Posso me meter em problemas se não o fizer antes do prazo que fora me dado.
Meu coração se apertou no peito quase que imediatamente diante da memória que invadiu minha
mente.
— Me desculpa também — sussurrei, engolindo em seco. — Eu não devia ter saído sem te
avisar. Bem, talvez eu nem devesse ter saído daquela festa, para primeiro de conversa.
James assentiu, relativamente sério.
Entretanto, aquelas feições fechadas não levaram muito tempo até se transformarem em algo
mais.
Mesmo com somente a iluminação fraca proveniente casa vizinha que passava pelas cortinas
finas, eu pude ver a intensidade resplandecendo em seus olhos e uma espécie de desejo impetuoso se
iluminar em suas expressões.
O moreno levou a mão ao meu rosto, e foi inevitável não fechar as pálpebras por um par de
segundos quando as pontas ásperas dos dedos rasparam em minha bochecha.
— Monique? — ele chamou, atraindo meu olhar para si mais uma vez.
Abri os lábios na tentativa de dizer algo em resposta, mas simplesmente não encontrei minha
voz. James então, parecendo ciente do efeito provocado em mim, ergueu os cantos dos lábios.
— Eu realmente gostaria muito de fazer algo agora, algo que não sai da minha mente desde que
botei meus olhos em você pela primeira vez hoje — ele soprou por fim, sabendo que eu não tinha
forças suficientes para responde-lo. — No entanto, não posso fazê-lo sem seu consentimento.
De repente, o calor, que antes se encontrava em cada canto de meu corpo, acumulou-se na
região entre minhas pernas.
— E então? Eu o tenho? — sussurrou após alguns segundos de silêncio, descendo a mão até
meu quadril e fazendo círculos angustiantemente lentos com os dedos sobre minha calça.
Já ofegante, esforcei-me a enfim verbalizar o que meu corpo parecia pedir.
— Sim, você o tem.
James então sorriu, mas não de uma forma doce. Parecia mais como um sorriso felino, quase
arisco.
— Deite-se — ele disse, o tom de voz numa linha tênue entre a delicadeza e o autoritarismo,
enquanto inclinava a cabeça em direção à minha cama.
Não hesitei em fazer o que fora me pedido — ou ordenado. Caminhando de um modo
desordenado diante da completa bambeza, cheguei à cama e me deitei ali, já apoiando os cotovelos
no colchão para que ainda pudesse observar James com nitidez.
Eu sentia um misto extático de nervosismo e ansiedade quando ele se aproximou, um segundo
depois.
O moreno retirou a jaqueta de couro e a deixou em minha mesa de cabeceira, e não fiz nada
além de fitar cada um dos traços negros que me pareciam tão atrativos de seus braços definidos.
Meu coração ficou ainda mais agitado quando o garoto se ajoelhou diante de mim, as pernas
postas uma de cada lado de meus quadris. Ele então levou as mãos para debaixo de meu suéter,
fazendo que minha pele se arrepiasse, e retirou o tecido de meu corpo, deixando o sutiã preto simples
à mostra.
— Quer saber uma coisa, Monique? — sussurrou assim que jogou o suéter no chão de meu
quarto, finalmente se inclinando até mim. — Eu nunca conheci uma pessoa tão impulsiva ou caótica
quanto você. Nunca nem mesmo estive com alguém com uma capacidade tão grande de me fazer
perder a paciência quanto a que você parece ter.
Meu peito subia e descia em um ritmo frenético quando ele firmou os cotovelos a cada lado de
minha cabeça, aproximando seu rosto do meu de modo que eu não tivesse escolhas senão sustentar
seu olhar.
— Mas, de algum modo, acho que também nunca estive com alguém que me atraísse tanto
quanto você o faz — James não demorou a acrescentar, afundando os dedos no meu cabelo enquanto
envolvia meu pescoço com a mão. — Você ao menos tem alguma ideia de que ando ficando louco
com toda essa bagunça que você representa para mim?
Tentei esquecer por um segundo de seu toque nas mais diferentes áreas do meu corpo quando
perguntei:
— No bom ou mau sentido?
Foi aí que James voltou a sorrir, mas de um modo ainda mais selvagem que antes.
— Ambos.
O garoto não me deu a chance de dizer algo a mais.
Em um instante, sua mão passou para minha nuca e me inclinou até que nossos lábios se
encontrassem. Senti sua língua adentrar em minha boca de modo necessitado e ganancioso ao mesmo
tempo que seu aroma doce penetrou em minhas narinas.
De repente, todos meus sentidos estavam tomados por James, e não tive outra alternativa senão
me deliciar com eles. Não havia percebido até agora o quanto andara necessitando daquela
proximidade na última semana.
O moreno logo segurou minha cintura e me inclinou até que eu parasse em seu colo, e então não
hesitei em envolver seus quadris com as pernas enquanto ele aprofundava o beijo. Todas aquelas
sensações fizeram com que um prazer estranho dominasse todo meu corpo; contudo, eu não sentia que
toda aquela satisfação era suficiente para mim naquele momento em específico.
Eu achava que precisava de mais e tinha a completa certeza de que James ainda estava prestes a
me dar isso.
E, como se o moreno soubesse o que se passava em minha mente, ele levou uma de suas mãos
até o fecho de meu sutiã, não demorando a libertar meu corpo da pequena peça cruciante. Em um
segundo, seus dedos encontraram meus mamilos, que já estavam rígidos antes do toque, e um gemido
escapou de minha garganta quase que de imediato, sendo abafado pelos lábios ainda colados aos
meus.
James passou a segurar meus seios com uma firmeza estimulante enquanto circulava minhas
aréolas rosadas com os polegares pouco antes de passar a pressioná-los de modo indócil.
A dor imediatamente se misturou ao prazer, mas minha atenção logo se distanciou do misto
fascinante de sensações quando o garoto privou minha boca da sua.
Estava prestes a protestar contra aquilo quando o vi levar a língua até meu mamilo esquerdo
enquanto seus dedos continuavam a dar atenção ao direito.
Não tive mais nenhuma queixa em mente.
— Você está tão linda agora, tem alguma noção disso? — ele murmurou antes de lamber a
aréola de uma forma tentadora, fazendo com que eu me inclinasse ainda mais até sua boca. James
soltou um riso nasalar quando percebeu minha ânsia, e o som se dissipou em pura vibração contra
meu seio.
Soltei mais um gemido inevitável.
Após um par de segundos, sua boca pareceu ficar mais ávida, tomando todo o mamilo para seu
interior e chupando-o com um misto estranho de delicadeza e impetuosidade.
Devido à minha total concentração estar voltada no efeito que a língua de James causava mim,
somente fui perceber que seus dedos haviam descido até o cós de minha calça quando a escutei ser
desabotoada, pouco tempo depois.
O garoto retirou os lábios de minha pele para que seus olhos pudessem encontrar os meus.
Havia a mais pura lascívia brincando em suas íris.
— Se for demais, me fale, ok? — ele soprou, e antes que eu perguntasse a que ele se referia,
senti sua mão direita adentrar em minha calcinha e dois dedos me penetrarem em um só gesto súbito.
James tampou minha boca com a mão livre, abafando o gemido ocasionado pelo ardor repentino
e tão quente.
— Inferno, você está mesmo pronta para mim, não é? — ele balbuciou contra meu ouvido,
explorando meu interior pouco antes de começar a movimentar os dedos em círculos.
Após poucos segundos, quando meus músculos enfim começaram a se acostumar com os
movimentos, toda a ardência, misturada à sensação da palma de sua mão esfregando-se contra meu
clitóris, se transformou em algo mais.
Fechei meus olhos em puro prazer quando também comecei a me esfregar contra sua mão na
tentativa de aprofundar todas aquelas sensações assustadoramente boas, e, naquela mesma fração de
segundo em que comecei a me movimentar em seu colo, James soltou um grunhido rouco onde sua
excitação também estava implícita.
Após poucos segundos, senti meu cabelo ser entrelaçado por seus dedos antes de ser puxado
com uma certa força brusca para trás, e abri minhas pálpebras imediatamente enquanto sentia James
começar a ser um pouco mais bruto.
Aquilo, de alguma forma, pôde me excitar ainda mais.
— Você gosta disso, Monique? — ele questionou em um tom de voz ainda rouco enquanto
passou a meter os dedos em mim ao mesmo tempo que acariciava minha região mais sensível com
uma força ainda maior.
Um calor passou a me consumir, lentamente, de dentro para fora, e não pude fazer nada além de
gemer em resposta.
— Me diga como é a sensação de ser fodida pela minha mão, amor.
— Eu... James, isso é... — Não soube como raciocinar as palavras, não quando minha mente
estava tão centrada nas brasas que pareciam estar presentes em cada centímetro de minha pele.
A sensação que ele era capaz de me provocar era quase inexplicável.
— Vai mais forte — o pedido saiu em uma súplica, e, apesar de minha visão embaçada pelo
prazer, pude vê-lo alargar o sorriso que já esboçava dentre os lábios.
— Quer mais rápido também?
Ele não esperou pela resposta, afinal, já sabia qual seria.
James passou a me penetrar com movimentos ainda mais indômitos, fazendo com que a dor,
ainda ali presente, aumentasse um pouco. No entanto, ardência era assustadoramente boa, quase
alucinante.
Retirei as pernas de seus quadris e as apoiei na cama, ficando de joelhos para suportar tudo que
o moreno me fazia sentir, mas ainda sem sair de cima dele. Sem conseguir manter minhas pálpebras
abertas, fechei os olhos enquanto sentia o calor entre minhas pernas se intensificar.
Senti sua mão soltar meus cabelos um segundo antes de seus dedos passarem a brincar com um
dos meus mamilos uma segunda vez, envolvendo-o e o puxando, como se James já soubesse
exatamente o que fazer para me dar o que eu tanto parecia querer.
Em instantes, o ápice do meu êxtase consumiu cada pequeno centímetro de meu corpo, e então
senti os lábios de James voltarem aos meus na provável tentativa de não deixar com que meus
gemidos acordassem a casa inteira.
Seus dedos continuaram a me penetrar com vigor, prolongando assim meu clímax, e continuei a
sentir sua mão acariciar meu seio enquanto as brasas acabavam de me aniquilar.
Quando enfim o prazer se dissipou quase que por inteiro, James retirou a mão da minha
calcinha, o que fez com que eu abrisse meus olhos instantaneamente.
Minha visão ainda estava um pouco escura quando o vi levar ambas mãos em meu cabelo,
organizando os fios desgrenhados. Alguns de seus dedos estavam molhados.
— Você gostou? — Ele arqueou as sobrancelhas, os cantos de sua boca já se erguendo.
James sabia que estava fazendo uma pergunta de resposta óbvia.
— Isso foi... — comecei a dizer, mas não fazia ideia de como terminar. — Eu não sei se
consigo achar palavras para... isso.
O garoto então riu, recolhendo suas mãos de mim contra minha vontade.
— Acho melhor você ir tomar um banho agora — ele disse após alguns segundos, lançando-me
uma piscadela.
Corei instantaneamente.
— Você... hum... não quer que eu...
— Não — ele negou, já sabendo a que me referia. — Por hoje, isso já foi suficiente para você.
Faremos algo do tipo novamente outro dia.
Havia uma espécie de promessa explícita em suas últimas palavras.
Tentando não parecer tão ansiosa para o dia em questão, forcei-me a sair da cama, e, ignorando
a dor presente entre minhas pernas, retirei a calça.
James manteve completa atenção em mim enquanto eu jogava a peça para longe do meu corpo,
mas não disse nada.
Vesti um roupão e caminhei até a porta que dava para o corredor em silêncio, ainda assimilando
o que tinha acabado de acontecer, tudo que James fizera acontecer.
No entanto, não fui em direção ao banheiro imediatamente. Ao invés disso, tornei a olhar para
minha cama, onde James estava deitado e com os olhos ainda atentos a mim, os cabelos desgrenhados
de um modo tão atraente.
— Você ainda vai estar aqui quando eu voltar? — a pergunta soou mais como um sussurro.
Um sorriso se esboçou dentre seus lábios pouco antes de responder:
— Não vou sair dessa cama.
Saí de meu quarto com um sorriso ridículo no rosto.
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MONIQUE PRICE

— Acho que você está sendo um pouco precipitada. — Escutei a voz de Kate pelo celular, o
que fez com que eu soltasse o ar pela boca imediatamente.
— Não sei, Kate — retruquei, incerta. — Ainda me sinto um pouco... usada? — A explicação
mais saiu como uma pergunta.
Eu não falava com James havia dois dias. Não tinha ligado para ele porque... bem, eu não
queria ser a primeira de nós dois a procurar o outro depois do que tínhamos feito.
Contudo, ele também não me ligou. Não me mandou mensagem alguma também.
Era difícil evitar ficar um pouco chateada e até confusa, sobretudo por ele também ter saído
antes que eu acordasse, no sábado.
Eu nunca tinha ficado tão próxima de um garoto daquele modo, então não sabia o que esperar,
mas ainda tinha alguma ideia de que uma fuga sorrateira e um posterior sumiço eram gestos típicos de
pessoas que realmente usavam outras para o sexo — ou algo próximo disso.
Bem, eu estava mesmo tentando não duvidar mais do caráter de James, mas aquilo estava sendo
um pouco difícil.
— Ainda tá aí? — Kate me tirou de meus pensamentos, e eu pisquei um par de vezes enquanto
voltava à realidade.
— Estou — balbuciei, forçando-me a guardar meus cadernos na minha mochila para a aula que
começaria em menos de meia hora.
— Pode ficar tranquila, ok? Vai dar tudo certo. James pode ser o que for, mas nunca o vi fazer o
que geralmente faz com pessoas como você.
— Pessoas como eu? — Arqueei as sobrancelhas.
— É. Pessoas mais... inocentes? — respondeu, um pouco hesitante. — Então, ele deve saber
que você não é qualquer garota que ele pode se divertir a qualquer hora e descartar depois, certo?
Engoli em seco.
Não soube o porquê, mas aquilo fez com que eu me sentisse um pouco pior.
Após poucos segundos, estava prestes a pedir desculpas para Kate por enchê-la com meus
assuntos pessoais tão cedo, mas, antes que eu o fizesse, o bipe contínuo vindo de meu celular chegou
aos meus ouvidos.
— Quem é? — Kate questionou no mesmo segundo em que meus olhos localizaram o nome
exposto na tela do aparelho.
Senti meu coração bombear duas vezes mais sangue que o normal quase que instantaneamente.
— James — balbuciei, nervosa.
— Eu te falei! — a garota deu um grito quase estrondoso, o que apenas serviu para que eu
ficasse ainda mais paralisada.
— Mas o que ele quer? — questionei, mais para mim mesma. — Nós temos aulas juntos em
menos de meia hora. O que ele tem para falar que não pode esperar esse tempo?
— Hum, sinto em te dizer, mas meu sexto sentido amanheceu defeituoso hoje — Kate respondeu
sarcasticamente, e eu bufei. — Larga de ser paranoica e atende logo.
Soltei o ar pela boca.
— Tudo bem. Te pego daqui a pouco — murmurei.
Apressei-me então a desligar sua chamada e atender a de James.
— Seu pai está em casa? — Sua voz soou através da linha antes que eu dissesse qualquer coisa,
e franzi o cenho subitamente.
— Por quê?
— Só responda minha pergunta, Monique — soprou em um certo tom autoritário, o que fez com
que eu rolasse os olhos. — E não revire os olhos.
— O quê? Você está me vigiando? — questionei de imediato, já indo em direção à varanda para
procurá-lo.
Parei quando escutei sua gargalhada ecoar.
— Já convivi com você tempo suficiente para saber de suas manias, loirinha — o garoto
rebateu em um bom humor. — Agora, desembucha. Ele está aí ou não?
Estava prestes a revirar os olhos outra vez, mas repreendi a mim mesma antes de, de fato, o
fazer.
— Escutei ele sair há uns quinze minutos. Já deve estar no trabalho a essa altura. Pode me falar
o motivo agora?
— É uma surpresa.
— Odeio surpresas.
— Vai gostar dessa. Desça assim que puder. Vou estar te esperando em frente à sua casa —
anunciou, e, antes que eu perguntasse algo mais, a chamada foi encerrada.
Soltei um grunhido em pura frustração.
Odiava ficar curiosa.
Sem hesitar, peguei minha mochila e a levei até meus ombros, logo antes de disparar em direção
à escada enquanto pensava no quão inconstante o garoto realmente era.
Sumir por um fim de semana inteiro e aparecer absolutamente do nada era a típica coisa que
correspondia à sua personalidade. Seria mais fácil para mim tentar parar de entendê-lo, mas ainda
não sabia como fazer isso.
Não me preocupei em perder meu tempo com o desjejum.
Assim que abri a porta da frente, meus olhos se depararam com uma cena específica suficiente
para me paralisar.
— E então? — James gritou, empolgado, o que me tirou do transe em que estava imersa nos
últimos segundos.
Obriguei-me a analisar pela provável vigésima vez o Mustang logo atrás do garoto. Perguntei a
mim mesma se aquele podia ser o mesmo carro.
Apesar de que a cor da lataria ainda estivesse um pouco desbotada, seu polimento quase dava
um ar de seminovo ao automóvel. Até mesmo os grandes arranhões, que antes se encontravam na
porta direito do passageiro, passaram a ser inexistentes. Os vidros também pareciam terem sido
trocados.
— Meu Deus, James! — exclamei por fim, pasma, enquanto finalmente me aproximei do garoto,
que estava recostado no capô.
— Foda, né? — ele murmurou, orgulhoso.
— É sério, como você fez isso? Na última sexta, o carro estava completamente destruído.
— Bem, você me ajudou a consertar ele quase que por inteiro na última semana, o que me
adiantou alguns dias de trabalho. No final de semana, só faltava ajeitar mais alguns detalhes para que
ele enfim pudesse andar sem muitas preocupações, e arrumei tudo no sábado. E então, ontem, um
amigo me ajudou com a parte exterior.
Pisquei um par de vezes.
— Então... hum... foi isso que você andou fazendo no fim de semana?
James franziu o cenho de imediato, semicerrando os olhos em minha direção.
— O que você quer dizer com isso?
Não sei porque o fiz, mas dei um passo para trás.
— Nada — respondi rapidamente, forçando um sorriso.
— Besteira! — retrucou, aproximando-se um pouco de mim. — Qual é o problema?
Troquei o peso de uma perna para outra, desconfortável.
— Não posso falar.
James então soltou um riso nasalar, mas havia uma espécie de incredulidade em suas feições.
— E por que não?
— Porque eu disse que ia parar de duvidar do seu caráter.
— Você acabou de admitir que duvidou do meu caráter, só não disse o porquê — rebateu,
arqueando as sobrancelhas enquanto segurava o riso.
Soltei um suspiro pesado.
— É que você meio que saiu sorrateiramente do meu quarto e então não nos falamos depois
disso. Desculpe, mas você me deixou um pouco confusa.
As expressões de James então ficaram um pouco mais sérias, e ele me observou com atenção,
voltando a se recostar no carro.
— Não me peça desculpas por isso — ele disse então, passando as mãos pelos cabelos. — Não
foi minha intenção ser esse tipo de cara para você. Não pensei na possibilidade de você se sentir
desse modo até você mencionar, sinto muito.
De algum modo, James pareceu nutrir um pesar no olhar.
— Eu saí mais cedo porque queria ir embora antes que seu pai acordasse e não te acordei
porque você realmente parecia estar dormindo de um jeito... genuinamente tranquilo. Sei que também
não é desculpa, mas não mandei mensagem alguma depois disso porque passei grande parte do fim de
semana fora para ajeitar as coisas do carro.
— Tudo bem — balbuciei, dando de ombros.
Eu não estava chateada. A partir daquele momento, eu apenas estava... aliviada.
— Inferno. Eu fodi mesmo com a surpresa, não é?
Arqueei uma sobrancelha.
— Que surpresa?
— Vou te levar para a escola hoje, mas já vi que, graças a mim, você está menos empolgada do
que em meus planos.
De um modo inevitável, eu acabei sorrindo.
— Você veio me buscar, então? — questionei, e os cantos de sua boca se ergueram.
— Por que você acha que andei tão ansioso nos últimos dois dias para acabar de consertar o
carro? — soprou, lançando-me uma piscadela. — Você parecia mesmo animada para ver o resultado
dessa ex-lata velha, então quis acelerar o processo para que ele ficasse pronto hoje.
Não soube ao certo como esconder a surpresa em minhas expressões.
— E então, estraguei tudo ou você ainda quer ser a primeira depois de mim a andar nessa
preciosidade? — Ele deu dois tapinhas na lataria.
Revirei os olhos diante de sua luxúria.
— Devo agradecer a honra? — indaguei sarcasticamente, ainda um pouco incrédula.
— Não precisa — ele respondeu, fingindo assumir a pergunta como séria. — Você merece o
privilégio. É quase mãe do Freddie.
Foi a partir daí que não pude mais segurar o riso.
— Meu Deus. Você deu mesmo um nome para o carro?
— Não pude evitar. — Ele ergueu as mãos em um gesto inocente. — Tenho passado muito
tempo com esse carinha aqui para não ter me apegado. Agora pare de rir, senão vai ferir os
sentimentos dele — disse de uma forma assustadoramente séria, já abrindo a porta do banco do
passageiro para que eu entrasse.
Não levei muito tempo para ceder.
— Isso é ridículo! Você é ridículo — murmurei por fim, ainda me divertindo enquanto entrava
no carro.
Pude escutar uma risada abafada escapar da garganta de James logo antes de ele fechar minha
porta e contornar o carro.
Assim que o moreno deu partida no automóvel, um barulho estrondoso chegou aos meus
ouvidos. Pulei no banco diante do susto.
— Música para os ouvidos, né? — ele questionou, e, por um momento, pensei que o garoto
estava apenas sendo sarcástico. Contudo, logo percebi que, apesar do sorriso dentre os lábios, suas
feições entregavam sua seriedade. — Isso aqui, Monique, é o barulho que carros de verdade fazem.
— Não sei, não. Tá meio alto demais — rebati em uma careta enquanto ele começava a tomar
rumo em direção à escola.
— Ah, você apenas acha isso porque está acostumada com esses carrinhos automáticos de
merda.
— Não há nada de errado em praticidade — retruquei, fazendo cara de tédio.
Entretanto, não demorei a me animar um pouco mais antes de perguntar:
— Posso dirigir ele depois da aula?
James desfez seu sorriso no mesmo instante.
— De jeito nenhum.
— O quê? Por quê? — Cruzei os braços, nada satisfeita. — Você mesmo me disse que eu te
ajudei muito com o carro. Acho que certamente mereço ficar no banco do motorista por uns
minutinhos.
— Você não sabe dirigir carros manuais, Monique — ele rebateu como se fosse óbvio.
— É só você me ensinar.
— Sinto muito, amor, mas o Freddie é um recém-nascido. — Ele balançou a cabeça
negativamente, ainda estupidamente sério. — Não vou deixá-lo correr esse risco estando em tamanho
nível de fragilidade.
Simples assim, passei a não ter mais ideia de quando James estava zombando e quando estava
mesmo falando sério.
Ainda assim, insisti:
— Como mãe, exijo guarda compartilhada.
Pronto, agora eu estava parecendo tão ridícula quanto ele.
— Vai ter que entrar na justiça antes de conseguir tais regalias, meu bem.
— Ah, Jesus! Apenas me deixe dirigir o maldito carro. Você vai estar ao meu lado o tempo todo
— soprei, e o moreno soltou o ar pela boca, frustrado.
— Sabe, eu podia estar errado sobre muitas coisas a seu respeito, mas o fato de você ser
absolutamente mimada não está nessa lista.
— Isso é um sim? — Arqueei as sobrancelhas.
— Preste atenção, se eu ver que você representa um por cento de perigo, eu te tiro do volante a
força; se você bater esse carro, você rouba o dinheiro de seu pai para mandar para o conserto; se
você...
— Tá, tá. Eu já entendi — retruquei, impaciente, mas ainda sem deixar de sorrir. — Não
esquece de me esperar depois da aula para...
Ah, merda.
Kate.
— James! — Virei-me para ele instantaneamente. — Você tem que voltar e pegar Kate na casa
dela. Eu normalmente dou carona para ela e a casa dela estava a...
— Eu já cuidei disso — ele me cortou, tranquilo, enquanto ria de meu desespero.
Minhas feições se contorceram em pura confusão.
— Como assim?
— Eu perguntei para Kate na noite passada se teria como ela arranjar alguma carona hoje.
Queria ter calma para andar no Freddie com você.
— Ontem? — repeti, estreitando os olhos enquanto repassava nossa conversa matutina em
minha cabeça.
Kate já sabia por todo esse tempo o que James andava fazendo e nem sequer se importou em
abrir a boca para amenizar meus surtos.
— Algum problema? — James questionou, bem-humorado.
— Nada de importante.
Bem, se um futuro homicídio doloso não for considerado importante.
Assim que adentramos no estacionamento da escola, todos os alunos ali presentes encararam o
Mustang. Pelas suas expressões, pude ver que alguns estavam maravilhados com o automóvel e
outros assustados com o barulho.
Pela minha visão periférica, pude ver James sorrindo.
— Todos estão olhando — murmurei o óbvio, enquanto continuava a observar as pessoas. A
maior parte não se contentava em analisar somente o exterior do carro. Ao invés disso, elas
lançavam olhares firmes para o interior, fixando-os em mim e James por mais tempo que o
considerado ideal.
— E...?
Dei de ombros.
— Acho que, nesse mesmo segundo, ao menos noventa por cento dessas pessoas estão se
perguntando se estamos juntos — disse diante das pessoas que se aproximavam das outras para
sussurrar algo enquanto indicavam com a cabeça em nossa direção, e realmente não achava que toda
aquela aparente confusão se devesse a um carro novo.
— Ok, e...? — questionou de novo, enfim estacionando o carro.
— Hum... Você quer isso? — indaguei, afinal, James e eu nunca mencionamos algum
compromisso sério.
— E por que não iria querer? — ele retrucou, finalmente desviando a atenção para mim.
— Bem, se as pessoas, de algum modo, assumirem que nós estamos... Você sabe, namorando,
isso não atrapalharia... é... seus outros... lances? — soprei vagamente, curiosa, não muito contente
em pensar naquilo.
Contudo, apesar de ser a contragosto, eu tinha consciência da reputação não muito boa de James
diante da maior parte das pessoas do sexo feminino após escutar tanto de Kate e de seus amigos.
O garoto levou alguns segundos para entender o que queria dizer, mas, quando enfim se deu
conta, ele não fez muito mais do que franzir o cenho e simplesmente dizer:
— Não me lembro de ter ficado com alguém além de você nas últimas semanas, portanto, não
acho que você precise se preocupar com isso.
James nem sequer percebeu o efeito que aquela informação exerceu em mim, pois logo
questionou:
— Pronta?
Não pude dar uma resposta, pois o garoto logo sair do carro e o contornou, abrindo a porta para
mim.
— Espero mesmo que goste de atenção, amor. — Ele pegou a mochila de meu colo e a levou até
seu ombro enquanto um sorriso exibicionista se esboçava dentre seus lábios enquanto eu passava a
caminhar ao seu lado.
Sorri também, sem me importar mais com todos aqueles olhares que continuavam a ser lançados
em nossa direção.

Parte da manhã tinha sido genuinamente peculiar, e, mesmo no último horário, eu ainda estava
estranhando um pouco os olhares que eram lançados em minha direção, mesmo sem James ao meu
lado.
E eu meio que perdia minha coragem estando longe do moreno, então, enquanto os times da
educação física eram divididos, eu tentava me manter escondida do restante das pessoas.
O pior de tudo era que, a sensação de me sentir exposta se duplicava com Steve estando no
mesmo lugar que eu.
Eu havia tentado conversar com o garoto em quase todos os dias da última semana, mas ele
parecia fugir de cada uma de minhas tentativas de me aproximar, e isso era algo que também fazia
agora. Estava óbvio que Steve estava chateado com minha falta de reciprocidade.
Ainda assim, eu sabia que era eu a culpada de toda aquela situação. Não devia ter deixado as
coisas chegarem àquele ponto, afinal, eu sempre soube que nunca pensei em Steve como mais do que
um amigo.
De todo modo, eu não estava muito disposta a continuar protelando a tensão que havia se
estabelecido entre nós.
No entanto, como o universo ainda continuava brigado comigo por algum motivo desconhecido
por mim, eu e Steve saímos de times opostos, o que não facilitou muito minha missão.
Após poucos minutos, começamos a praticar o esporte proposto pelo treinador em campos
separados, e, como o novo habitual, Steve ignorou minha presença por completo.
Conforme o tempo passava, a contrariedade ganhava intensidade em meu interior.
O fim da aula chegou rapidamente, e, claro, eu ainda não tinha solucionado nada do que
pretendia.
Steve girou os calcanhares no mesmo segundo em que o treinador finalizou o jogo, e, em
instantes, o garoto já passava pelo portão de ginásio.
Não hesitei em forçar minhas pernas a irem em sua direção. Com alguma dificuldade, dentro de
um minuto, eu enfim me aproximei, então me apressei em chamar:
— Steve!
Ele ainda não havia olhado para trás, então chamei uma segunda vez enquanto continuava a
correr.
Agradeci mentalmente a ninguém em específico quando o garoto olhou em minha direção.
— Ah, oi, Monique — murmurou assim que cheguei mais perto, forçando um sorriso. — Tudo
bem? — ele questionou em seguida ao ver que eu lutava para recuperar o ar de meus pulmões.
— Só preciso de um instante. — Inspirei profundamente enquanto apoiava as mãos no joelho, e
Steve logo soltou um risinho
— Sedentária, em? — ele brincou, e, mesmo ofegante, sorri quase que imediatamente, feliz por
ele ter se importado o suficiente para aliviar o clima.
— Steve, eu quero pedir desculpas pela noite do baile — disse após longos segundos,
recuperada à medida do possível. — Devia ter feito isso antes, mas não tive a oportunidade.
— Tudo bem... — Steve começou a falar, mas interrompeu a frase abruptamente quando eu ergui
a mão para cima.
— Não está nada bem. Eu fui uma completa idiota por ter ido embora de repente e nem posso
colocar em palavras o quanto me sinto culpada por isso. Você é maravilhoso, Steve, de verdade.
Você não mereceu isso. Por favor, me desculpa.
— Não quero que peça desculpas, Monique. Claro que fiquei chateado na hora, mas sei que não
posso competir com James. — Ele deu de ombros, e eu o encarei, confusa.
— O quê? Não foi bem isso que...
— Você ficou mal depois de ter dançado com ele — rebateu, ainda calmo. — Não acho que
tenha sido uma coincidência.
— Mas eu...
— Você não tem que me dar explicações, Monique. Está tudo bem — ele me cortou, dando um
sorriso gentil.
Soltei um suspiro frustrado, trocando o peso de uma perna para outra.
— Ainda não acho que as coisas estejam bem — retruquei, procurando seus olhos. — Sabe, eu
sei que ferrei com tudo, mas queria que você soubesse que eu ainda gostaria muito de que fôssemos
amigos. Eu realmente gosto de você, Steve.
— Não sei se isso seria possível, Monique — ele discordou, mas deve ter notado a decepção
que tomou conta de meu olhar, pois logo se apressou a acrescentar: — Não por sua causa. É que eu
não conseguiria ser só seu amigo. Sinto muito.
Continuei o encarando, sem saber direito o que fazer. Não estava esperando que Steve fosse ser
tão sincero daquele modo.
— Bem, talvez não agora — ele balbuciou em seguida, provavelmente por pena, porém fiquei
aliviada demais para me importar.
— Eu posso esperar. — Dei de ombros, dando um pequeno sorriso.
— Tudo bem. — Ele assentiu, mas logo suas expressões ganharam uma seriedade maior. —
Monique, só... tome cuidado, tá bem?
— Com o quê?
— James. Não acho que ele seja uma boa companhia ou...
— Não acredito que Monique tenha algo com o que tomar cuidado, Steve. — A voz de James
nos pegou de surpresa, fazendo com que nós dois arregalássemos os olhos em sua direção enquanto
se aproximava.
Continuei observando o moreno até ele parar bem ao meu lado, as feições relativamente
severas.
James e Steve então passaram a trocar olhares estranhamente intensos por alguns segundos em
meio ao silêncio que ali havia se instalado. Fiquei apenas parada, observando os dois enquanto
tentava descobrir o que diabos estava acontecendo e o que eu poderia fazer para encerrar aquilo.
— Você sabe que isso não é verdade — Steve rebateu por fim, fazendo com que o garoto ao
meu lado travasse o maxilar com uma força excessiva.
A tensão se espalhou por cada centímetro de meu corpo, mas, felizmente, o suspiro mais leve
que James soltou fez com que eu relaxasse instantaneamente.
— Está pronta? — James então se virou para mim, ignorando a presença de Steve.
— Sim — respondi rapidamente, mais ansiosa do que tudo para sair dali.
— Até mais, Steve — James se despediu sem vestígio algum de ressentimento em sua voz
enquanto já colocava sua mão em meu ombro, não hesitando em me conduzir até a saída.
14 |
Acordando de um transe

JAMES MITCHELL

— Tá bom assim? — questionei quando acabei de ajeitar o banco do motorista onde Monique
já se encontrava. Vi a garota assentir ansiosa, e insisti: — Tem certeza?
— Para de enrolação, James. — Ela revirou os olhos, a impaciência explícita no gesto
simplório.
— É só por garantia — resmunguei, já contornando o carro em direção ao banco do passageiro
enquanto sentia o arrependimento por ter cedido a ela me domar por inteiro. O automóvel
provavelmente seria estragado em seu primeiro dia.
Eu só podia estar louco para concordar com esse absurdo.
Entrei no carro prestes a voltar atrás de minha decisão; contudo, no momento em que vi
Monique esboçando o mais bonito sorriso que eu um dia vira, não tive outra alternativa senão
desistir.
Bem, eu ao menos esperava que me lembrasse disso quando ela enfiasse o automóvel em uma
cova qualquer.
Comecei a listar as inúmeras instruções sobre a troca de embreagem e a caixa de câmbio,
fazendo com que Monique repetisse as informações logo em seguida. Pude ver seu rosto se contorcer
em desgosto quando comecei a dizer tudo pela segunda vez, mas, ainda assim, manteve-se em
silêncio.
— Tudo bem, tudo bem — ela soprou, agitada, quando comecei a explicar tudo pela terceira
vez. — Eu já entendi. Não é tão diferente de um carro automático.
— É totalmente diferente. Você com certeza não está pronta. Vamos deixar isso para outro dia
— disse de imediato, soltando o ar pela boca.
— Não! — ela protestou, quase pulando no banco, o que fez com que minhas feições se
suavizassem. Não pude conter um riso nasalar. — Eu estou mais que pronta, é sério.
Penteei meu cabelo com os dedos, frustrado. No entanto, esse sentimento pouco tinha a ver com
a teimosia da garota.
Eu estava frustrado comigo mesmo por simplesmente não conseguir negar nada que saísse
daquela maldita boca.
— Prova para mim, então — murmurei, cedendo por completo enfim, e ela voltou a sorrir
instantaneamente.
Coloquei o cinto de segurança, temeroso, enquanto observava Monique seguir minhas instruções
para ligar o carro. Tudo terminou em um completo fracasso.
— Monique, você tem que...
— Psiu. Você está me atrapalhando — ela me cortou, as expressões translucidando a mais pura
concentração.
Após um par de minutos, quando a garota enfim conseguiu dar partida, o automóvel morreu
quase que imediatamente. O mesmo aconteceu nas próximas duas vezes.
Soltei o ar pesado pela boca.
Ótimo. Iríamos todos morrer.
Na quarta tentativa, o carro finalmente andou por um pouco, e Monique me lançou um olhar em
uma genuína alegria.
— Eu te disse! — ela soprou, orgulhosa de si mesma.
Foi inevitável conter o sorriso dentre meus lábios.
— Nunca duvidei de você. — Ok, talvez só um pouco.
— Mentiroso. — Ela riu, mas ainda mantinha sua atenção na direção enquanto saía do campo
em que estávamos e adentrava numa estrada deserta que levava à cidade mais próxima.
— Tudo bem, peço as mais singelas desculpas. Eu estava apenas temeroso por Freddie, não
pode me culpar por isso — disse em um bom humor, o que provocou uma sincera gargalhada na
garota, e, pela segunda vez no dia, tive a estranha sensação que tinha tomado a decisão certa. Tive a
sensação de que um provável acidente valeria a pena.
— O Freddie é forte. — Monique deu uma careta ao usar o nome do carro enquanto dava leve
batidinhas no volante. — E então, vamos ver até onde ele aguenta?
Arregalei os olhos subitamente.
— De jeito nenhum — respondi sem nem pestanejar, sério.
No entanto, a garota não pareceu assimilar minhas palavras, e logo vi o ponteiro, que antes
indicava quarenta quilômetros por hora, chegar a sessenta.
— Monique Price, eu acho melhor você parar por aí, está me entendendo? — exigi após uma
fração de segundo, a tensão já implícita em meu tom de voz.
— Relaxa um pouco, James.
Relaxar.
Eu riria de suas palavras se aquela situação não fosse desesperadora pra cacete.
— Monique, puta que pariu. Eu não quero nem ser você quando descermos dessa merda de
carro — soprei, desviando o olhar do ponteiro em constante movimento para a estrada enquanto
sentia a rajada de vento que entrava pela janela aberta ficar mais forte.
— Bem, então é melhor aproveitar agora, certo? — ela balbuciou após um par de segundos, e
não tive dúvidas de que ela estava mesmo se divertindo com aquilo.
Estava prestes a repreendê-la por sua diversão inconsequente quando percebi que estávamos a
cento e dez por hora.
Entrei em alguma espécie de desespero quando percebi que a possibilidade de um genuíno
desastre se aproximava cada vez mais.
— Que droga, Monique! Diminui a porcaria da velocidade. Você não tá entendendo que pode
provocar o caralho de um acidente?
— Você dirige nessa velocidade o tempo todo — ela rebateu, semicerrando os olhos em minha
direção.
— Olha pra estrada — disparei, e Monique soltou um riso nasalar antes de fazer o que fora
induzido. — E eu estou acostumado com carros manuais e também a conduzir um nessa velocidade.
Você nem mesmo... — Fechei os olhos abruptamente por um segundo, sem nem mesmo terminar a
frase. Dizer todas aquelas merdas obviamente não estava me ajudando em muito.
Bufei enquanto voltava a abrir as pálpebras, pensando em algo que a fizesse parar o carro. No
entanto, antes que eu chegasse a alguma conclusão, me dei conta do que ela fazia — ou não fazia.
— Ah, Jesus Cristo. Você nem mesmo está trocando a marcha, puta merda — disse, apavorado,
enquanto levava minha mão à caixa de câmbio.
Foi só então que ela pareceu se dar conta de toda a situação, pois seus olhos logo emitiram uma
espécie de alerta que não estava ali antes.
Soltei um suspiro em alívio quando finalmente a vi diminuir a velocidade enquanto começava a
conduzir o carro em direção a uma planície vazia na lateral da estrada.
— Espero que você tenha aproveitado bem esses últimos minutos, porque foi a última vez que
você encostou nesse volante, escutou? — soprei na mesma fração de segundo em que ela estacionou,
e não hesitei em sair do automóvel para recuperar todo o ar que tinha esquecido de colocar em meus
pulmões diante do desespero.
— Admita, James! Foi incrível. — Escutei sua voz eufórica ecoar logo depois do barulho da
porta do motorista se abrir.
Não olhei para Monique enquanto ela se aproximava. Apenas continuei de olhos fechados
enquanto andava de um lado para o outro na tentativa de controlar toda a ira que havia se instalado
em meu interior.
— Ah, acredite, isso não passou nem perto de ser incrível, cacete — soprei, já procurando o
maço de cigarros em meu bolso.
— Caramba, foi demais! — ela exclamou, ainda me ignorando por completo. — Eu não sentia
essa adrenalina há tanto tempo. Parece que eu... sei lá, acordei de um transe em que estava imersa
nos últimos dois meses.
Estava prestes a soltar uma outra repreensão, mas, assim que assimilei suas palavras, tudo que
fui capaz de fazer foi transferir o olhar à garota enquanto comprimia os lábios subitamente.
Monique ainda sorria, e suas feições transpareciam uma genuína leveza que não era algo muito
frequente nela.
Pela primeira vez desde que entramos no Mustang, fui capaz de soltar o ar pela boca mais
tranquilamente, sentindo um alívio estranho me consumir de dentro para fora.
Porra, como diabos eu conseguiria ficar bravo com ela?
Continuei a encarar seu rosto tão feliz quanto sereno enquanto largava o maço de cigarros em
meu bolso. Simples assim, eu parecia não precisar mais da nicotina para me acalmar.
— Que foi? — Monique questionou quando percebeu que eu a observava, arqueando as
sobrancelhas enquanto tentava reprimir o sorriso vibrante. — Ok, me desculpa, tá legal? Eu sei que
fui inconsequente, mas apenas não consegui parar. Não fique bravo comigo por isso.
— Eu não estou bravo com você — murmurei, já tranquilo. — Foi mal por ter sido um pé no
saco, tudo bem?
Vi o sorriso da garota se dissipar em um segundo.
— O que tem de errado com você? — ela soprou sem nem hesitar, analisando-me
cautelosamente.
Soltei um riso nasalar diante de seu temor.
— Não tem nada de errado comigo, Monique — tranquilizei-a, aproximando-me e envolvendo
seu rosto com minhas mãos para que ela me observasse com atenção. — Estou feliz por você ter se
divertido.
— O quê? — ela balbuciou, estreitando os olhos em minha direção enquanto pensava.
— Eu venho tentando fazer com que você se descontraísse um pouco há algum tempo, Monique,
e, agora, parece que finalmente consegui ver você mais leve. Não vou ser o filho da puta que vai te
culpar pelo modo com que conseguiu isso.
— Você é realmente alguém muito temperamental — ela balbuciou, franzindo o cenho. —
Hum... Já que é assim eu tenho direito de dirigir o Mustang novamente? — questionou em seguida,
arqueando as sobrancelhas enquanto relaxava novamente.
Os cantos de minha boca se ergueram.
— Não abuse da sorte, amor. Seu belo traseiro não vai sentir o acolchoado do banco do
motorista tão cedo.
Monique me encarou em puro desafio.
— É o que veremos...
Antes que eu conseguisse rebater, meu celular tocou no bolso de minha calça, e, assim que o
peguei, notei uma espécie de tensão se espalhar nos olhos da garota.
— Algum problema? — questionei, não atendendo ainda.
— Bem... Depende se a ligação te obrigar a ir embora.
Oscilei o olhar entre ela e o aparelho.
— Acho que posso retornar a chamada quando voltar — anunciei por fim, e suas feições
voltaram a se iluminar. — Vou colocar no silencioso para não sermos mais atrapalhados.
Tirei todo o volume do celular, e, antes que pudesse colocá-lo de volta em meu bolso, Monique
o pegou de minha mão em um movimento ágil.
— Por garantia, acredito que ele vai ficar mais seguro comigo — ela me cortou, pegando o
celular.
— Ainda estou esperando pelo dia em que você vá confiar plenamente em mim — retruquei,
mas a garota nem sequer me deu atenção.
Foi só quando percebi seus olhos vidrados no aparelho que me dei conta da foto que se
encontrava na minha tela inicial.
Trinquei o maxilar enquanto pegava meu celular de volta, fazendo com que a garota desviasse
seu olhar para mim rapidamente.
— Quem era aquele? — ela questionou seriamente, aproximando-se um pouco. — Você tem um
irmão, James?
Mantive-me em silêncio.
Eu não podia deixar com que as coisas passassem dos limites.
— Por que você nunca me contou? — ela sussurrou após poucos segundos, tomando minha
quietude como consentimento.
— Sinto muito, mas não acho que isso seja da sua conta, Monique — soprei, tenso, enquanto
girava os calcanhares para tomar rumo em direção ao banco do motorista.
— Não, James. — A garota segurou meu braço com uma força maior do que eu acharia ser
possível, colocando-se em minha frente. — Eu entendo se você não quiser me falar sobre seus
problemas familiares, mas então me fale que não está confortável ao invés de fugir assim. Não é
justo, não quando eu já me abri tanto sobre meus problemas pessoais com você.
Cerrei os dentes, encarando-a.
— Eu ao menos posso saber o porquê de eu nunca o ter visto? — ela questionou em seguida,
cautelosa.
E, por um instante, aquele olhar sereno que ela sustentava fez com que eu quisesse responder
suas perguntas e, sobretudo, fez com que eu não quisesse decepcioná-la ao decidir continuar
mantendo tantos segredos.
Ok, foda-se.
Se eu contasse apenas uma parte da história, as coisas continuariam sobre controle, certo?
— Porque meu irmão está em Nevada, Monique — respondi por fim, soltando um suspiro
enquanto caminhava em direção ao capô, sentando-me ali em seguida.
— Mas por quê? — ela indagou sutilmente, e eu hesitei por alguns segundos até perceber que
realmente queria que a garota soubesse parte da história.
— Assim que prenderam meu pai por tráfico, há pouco mais de três anos, minha tia ficou com a
guarda minha e de meu irmão e foi morar conosco. Entretanto, Susan, como a bela oportunista que é,
nunca foi responsável o suficiente para colocar comida dentro de casa ou cuidar de qualquer uma de
nossas necessidades. Por fim, eu acabei sendo burro o suficiente para adentrar nos negócios do meu
pai. Parecia uma boa oportunidade na época, entende? Afinal, os empregos normais não me dariam
dinheiro o bastante para sustentar a mim, a Jack e à minha tia. Apesar de Susan não passar de uma
oportunista, eu ainda precisava cuidar dela para que ainda tivéssemos uma pessoa para manter eu e
meu irmão juntos, sob tutela legal — expliquei lentamente, fazendo meu melhor para não me perder
na amargura que aquelas memórias me traziam. — Após pouco mais de dois meses, o negócio passou
a correr surpreendentemente bem. Estava até mesmo conseguindo juntar algum dinheiro para a
faculdade de Jack, caso ele quisesse ir para uma. Estávamos bem assim. Contudo, após algum tempo,
a polícia bateu em minha porta. Naquela época, eu guardava a mercadoria e todo o dinheiro na
casinha dos fundos, no solo. Achava que estava bem escondido, mas, de algum modo, eles
conseguiram encontrar e repreender tudo. Até parecia saber exatamente onde procurar, quase como
se alguém tivesse me denunciado.
Monique estava imersa na história, então esperei por um tempo para que ela absorvesse tudo até
continuar:
— Enfim, acabei sendo mandado para um reformatório, e, dada a situação, o conselho tutelar
passou a ficar de olho em Susan. Claro que eles não demoraram a perceber que ela não tinha
condições de ficar com Jack. Acabaram o mandando para um orfanato em Nevada. Ele foi adotado
por um casal de lá após pouco tempo, até onde sei.
— Até onde sabe? — ela soprou, fazendo um esforço excessivo para entender cada informação.
— Você não conversou com ele depois de ter sido levado?
Neguei com a cabeça.
— O juiz responsável pelo caso determinou que eu e minha família representávamos um perigo
à educação de Jack, mesmo sabendo porque eu fiz o que fiz. Não posso ter acesso algum aos detalhes
do processo de adoção.
A garota então engoliu em seco, nitidamente afetada.
Inspirei fundo enquanto um curto silêncio ali se instalou, lutando para manter a cabeça no lugar.
— Onde seu pai está? — Monique indagou por fim, voltando o olhar a mim.
— Em uma prisão a quase duzentos quilômetros da cidade.
— Você pode ver ele?
— Sim, mas não o visito mais do que uma vez a cada dois meses. Ele não era exatamente um
bom pai também. Virou um drogado assim que minha mãe nos abandonou, quando Jack tinha dois
anos.
Aquela informação em específico passou a entristecê-la ainda mais.
— E... você tem alguma chance de encontrar seu irmão novamente?
Assenti.
— Assim que eu fizer dezoito anos, vou entrar na justiça com um pedido legal de sua guarda.
— Mas e o advogado?
— Por isso eu ainda vendo as malditas drogas, Monique. Estou juntando dinheiro para o
processo.
Escutei o suspiro pesado que a garota soltou logo antes de dizer:
— Eu sinto muito. Por tudo isso.
Dei de ombros apenas, tentando não me demonstrar tão abalado exteriormente quanto estava
interiormente. Não queria que Monique ficasse ainda mais chateada com minhas merdas.
A garota virou o rosto para encarar a paisagem à nossa frente, pensativa. Fiz o mesmo, sem me
importar em atrapalhar toda aquela quietude que se estabeleceu novamente entre os dois.
Após alguns minutos, consegui sorrir diante das memórias minhas e de meu irmão que
invadiram minha mente. Eu certamente faria o que pudesse para tê-lo de volta ao meu lado.
— Jack e James — Monique soprou, quebrando o silêncio enfim. — Como ele é? — Seus
olhos escuros voltam a me encarar.
— O jeito dele é parecido com o seu — respondi, sem conter o sorriso. — Vocês têm a mesma
personalidade doce. Ele é bom, sabe? Certamente melhor do que eu. Sempre confiava nas pessoas,
acreditando no melhor delas, justamente como você o faz. Chegava a ser tanto idiota como você
também.
— Tenho certeza de que não somos idiotas. — Ela semicerrou os olhos, mas soltou um riso
nasalar.
— Ele também é a pessoa mais inteligente que eu já conheci — continuei, alargando o sorriso.
— Com cinco anos, ele já fazia seus próprios brinquedos e chegava com algumas medalhas estúpidas
sobre ser o primeiro da turma. Hoje ele está com catorze anos, e certamente deve ser inteligente
demais para os garotos de sua idade.
— Que nem o irmão. — Ela arqueou as sobrancelhas.
— Ah, espero para o bem dele que não — retruquei, rindo, e ela revirou os olhos enquanto
fazia uma cara feia.
— Gostaria de o conhecer um dia — ela soprou em seguida, já mais séria.
Pensei brevemente na possibilidade, e meu coração se apertou no peito por um momento.
— Um dia — concordei ao fim, sem de fato saber se estava sendo realmente sincero ou não.
15 |
Medo e culpa

MONIQUE PRICE

Eu estava em uma das mesas do refeitório, com meu caderno de anotações aberto logo à minha
frente e um lápis dentre meus dedos.
James havia faltado e Kate tinha deixado o intervalo mais cedo para procurar algum professor,
portanto, aproveitava a curta solidão para dar uma adiantada em meus deveres.
Contudo, eu não parecia nem um pouco focada nas matérias das aulas. Ao invés disso, eu estava
distraída em meus próprios pensamentos, e só fui me dar conta de que estava desenhando
coraçõezinhos na beirada de uma das páginas alguns minutos depois.
Retirei a ponta do lápis contra a folha quase que imediatamente, assustada com os atos da minha
inconsciência, e, após longos segundos, ainda não soube me decidir se deveria me sentir um pouco
patética ou se deveria estar feliz por algo enfim ter fluído de meu cérebro, mesmo que fossem
esboços simples e quase idiotas.
Por fim, apenas me limitei a ficar satisfeita por me sentir como uma adolescente ridiculamente
normal. Fazia algum tempo que não me sentia leve, e eu estava determinada a não me sentir mal com
o que — ou quem — tinha me levado a ficar assim. Também estava aliviada por minha mente estar
dando sinal de vida acerca de ilustrações.
Quando o sinal bateu, coloquei meus materiais em minha mochila e me levantei para tomar rumo
em direção à minha próxima aula.
Percebi que estava mesmo contente quando tive de me segurar para não saltitar no meio dos
corredores, e, por um instante, perguntei-me se eu podia mesmo estar apaixonada. Não sabia muito
bem qual era a sensação, mas imaginava que teria algo a ver com querer sorrir sem algum motivo
visível ou sentir uma espécie de euforia interior estranhamente boa.
E, bem, eu achava que, dado os últimos acontecimentos dos últimos meses, aquele era meu
ápice de bem-estar em algum tempo. Sentia-me genuinamente... viva. Muito. Mas isso até meus olhos
se deparem com um rosto o qual não pensava há semanas.
Um desespero começou a corroer meus ossos outra vez a partir daí.
Paralisei no mesmo segundo em que localizei Luke ao lado de alguns armários enquanto
conversava com alguns de seus amigos em um ato malditamente relaxado.
Não levei muitos segundos para perceber que meu estômago se encontrava embrulhado e que
minha pele já havia começado a suar.
O garoto parecia bem. Havia uma pequena cicatriz em sua bochecha e uma tala sustentando seu
braço; entretanto, não havia mais nenhum outro vestígio do que realmente havia acontecido no
parque.
Senti-me mal por isso, por ele não sofrer as consequências que merecia. Ainda nem mesmo
entendia como Luke podia sorrir ou agir como se não tivesse feito nada de mais, como se quase
tivera feito algo que arruinaria minha vida para sempre.
De repente, tudo que eu havia feito tanto esforço para esquecer voltou à tona de uma só vez.
Ainda sentia o gosto da amargura de quando acordei na cama de James sem ter ideia do que tinha
acontecido com meu próprio corpo.
Foi como se eu perdesse o controle da minha vida novamente, e foi inevitável segurar as
lágrimas que começaram a se acumular em meus olhos.
Não soube exatamente quanto tempo fiquei petrificada até algo chamar a atenção de Luke em
minha direção.
As sensações agonizantes pareceram se duplicar quando seus olhos encontraram os meus.
Seu sorriso sumiu no mesmo instante, e aquilo foi capaz de fazer com que eu girasse os
calcanhares e seguisse para a direção oposta que antes tomava com passos tão caóticos quanto
desesperados.
Agora, eu procurava a saída.
— Monique, espera! — Escutei a voz nauseante de Luke chegar aos meus ouvidos, o que apenas
serviu para que eu acelerasse o passo.
Assim que saí daquele lugar sufocante, a brisa fria penetrou cada um de meus poros em uma
sensação aliviante, e eu me senti quase livre ao pensar que em breve estaria o mais longe possível da
pessoa mais repulsiva que um dia poderia conhecer.
No entanto, fui impedida de continuar. Quando os dedos pesados afundaram em meu antebraço,
impedindo-me de avançar, eu já sabia de quem se tratava.
Não fazia ideia de como não vomitei naquele mesmo instante.
— Monique, eu só quero conversar com você. — Ele se colocou em minha frente, e tudo que eu
queria fazer era gritar. Infelizmente, não achei minha voz em nenhum lugar. Apenas continuei ali,
vendo-o tão próximo de mim a ponto de fazer com que eu revivesse todos meus pesadelos. — Eu não
sei o que James falou que ocorreu naquela noite no parque, mas eu quero me explicar — soprou, a
voz assustadoramente calma enquanto minha respiração ficava cada segundo mais alterada. — Não
precisa ficar com medo de mim, Monique. Eu nunca te machucaria, entendeu? Naquela noite, você
passou mal. Você praticamente desmaiou no meio daquela gente, e eu só te levei para meu carro para
te levar para casa. Mas então James chegou e entendeu tudo errado. Eu não sou esse tipo de monstro
que ele com certeza deu a entender.
Segurei seu pulso para tentar me desvencilhar de seus dedos cravados em minha pele, mas isso
só serviu para que a pegada ficasse ainda mais forte.
— Você não está me escutando, Monique. Eu não encostei um dedo em você, não nesse sentido
que você acha.
E, por um segundo, toda sua hipocrisia, toda aquela facilidade horrenda em mentir ou manipular
fez com que parte do meu desespero fosse substituída pela mais pura raiva.
Ainda não podia entender como ele tinha coragem de simplesmente... ser quem ele era.
— Eu não vou ficar aqui escutando nenhuma de suas mentiras — sussurrei enfim, e, apesar das
palavras terem soados de um modo falho, soube que Luke não tinha como ter me entendido melhor
quando suas feições se contorceram na mais pura incredulidade.
— Não estou te contando mentira alguma, Monique — ele se apressou em rebater. — Você
realmente vai continuar acreditando na palavra daquele merdinha quando eu estou aqui, parado à sua
frente, te explicando como tudo aconteceu?
— Merdinha? — repeti, piscando um par de vezes enquanto continuava a tentar entender se
uma pessoa como Luke podia ter limites.
— Sim, um merdinha qualquer — o garoto soprou como se fosse óbvio. — Ele é a porra de um
traficante, pelo amor de Deus. James não passa de um invejoso do caralho. Ele só quer o que eu
tenho, você não vê?
Foi então que dei um arranque em meu braço com uma força maior que Luke podia suportar,
finalmente me soltando dele.
Lágrimas ainda insistiam em invadir meus olhos, mas não me incomodei com isso. Apenas me
forcei a me distanciar um passo para o encarar com precisão enquanto juntava toda a pouca força que
ainda me restava para dizer o que era necessário.
— O único merda aqui é você, Luke — soprei após um par de segundos. Pela primeira vez, meu
tom de voz pareceu ser genuinamente firme. Eu pareci ser mais forte do que, de fato, era. — James é
mil vezes mais homem do que você um dia poderá ser. E quer saber do que mais? Eu me pergunto
como fui tão idiota a ponto de não ver o fracassado que você é antes de aceitar seu convite — cuspi
as palavras, e, mesmo com medo de toda aquela raiva que acabava de ocupar os olhos do garoto,
forcei-me a continuar. — Você é um lixo, Luke. Não consegue conseguir uma garota que te queira por
livre e espontânea vontade, então as droga para preencher esse seu vazio imundo e tão assustador.
Tudo que eu sinto por você nesse momento é nojo, ouviu bem? E o pior, eu sei que eu não sou a
primeira pessoa que você drogou, mas eu realmente espero que tenha sido a última, porque, acredite,
se eu souber que você fez isso com mais alguma garota, eu vou acabar com a sua vida, seu filho da
puta.
Não esperei para ver sua reação diante das últimas palavras.
Somente segui em frente enquanto finalmente permitia as lágrimas rolarem por minhas
bochechas sem obstáculo algum.
Também não me dei ao trabalho de olhar para trás enquanto entrava em meu carro. Dando
partida, rezei silenciosamente para que minha visão embaçada ou a angústia que corria meus ossos
naquele instante não me provocassem um acidente enquanto eu tomava rumo em direção à minha
casa.

As horas se confundiam com os minutos no escuro de meu quarto.


Minha cabeça doía a ponto de latejar com todo o choro contínuo e também com todas as
perguntas que eu fazia a mim mesma, as quais nunca conseguia resposta alguma.
Como poderia olhar para o rosto de Luke em todos os dias que se seguiriam?
Como eu agiria como se nada tivesse acontecido?
Eu continuava a encarar o teto de meu quarto enquanto mais e mais perguntas ocupavam minha
mente sem consentimento direto.
Por que tudo tivera que mudar de forma tão drástica em minha vida?
Por que eu ainda estava vivendo uma vida que em tanto fugia de meu controle?
Honestamente, às vezes eu ainda esperava que tudo aquilo não passasse de um horrível
pesadelo. Era inevitável ter esperanças de que eu acordaria em breve e tudo voltaria a ser como
antes. Tudo voltaria a ser simples.
Após algum tempo que não soube identificar muito bem, batidas na porta me tiraram de meus
pensamentos obscuros, mas não tive forças de me levantar para ver de quem se tratava.
Ainda estava deitada em minha cama em posição fetal quando escutei a porta se abrindo, e,
quando me forcei a lançar o olhar em sua direção, não vi absolutamente ninguém.
Estava começando a me perguntar se tinha começado a ficar realmente louca quando escutei
uma voz com a qual já parecia estar tão habituada:
— Monique?
Virei-me para o outro lado instantaneamente e só então vi James ao lado da porta da varanda.
Ele voltou a fechar as cortinas que tinham sido abertas em sua entrada enquanto me observava com
um misto de cautela e preocupação.
O garoto não disse mais nada. Apenas seguiu em minha direção em seguida e se sentou em
minha cama ao mesmo tempo em que me puxava para um abraço.
Não sei o porquê, mas meu corpo reagiu tão bem ao seu que foi quase como se eu tivesse
esquecido por um segundo de tudo que acontecia à minha volta.
Senti sua mão afagar meus cabelos enquanto a outra me pressionava contra si com o que parecia
toda força do mundo. Senti-me segura ali, em seus braços.
— Ei, pode me falar o que aconteceu? — o moreno sussurrou enfim, distanciando-se apenas
para que pudesse encontrar meus olhos. Suas mãos continuaram em mim.
— Você não sabe? — balbuciei, enxugando meus olhos que, mesmo após tanto tempo, ainda se
encontravam úmidos. Eles ardiam um pouco.
James negou com a cabeça antes de dizer:
— Kate percebeu que você não estava na aula e me ligou para saber sobre você. Ficamos
preocupados.
Inspirei fundo, preparando-me para dizer o que tinha acontecido em voz alta.
— E então? O que...
— Luke, ele... voltou — soprei, engolindo em seco em seguida. Aquelas palavras soavam
simplesmente... amargas.
— Luke? — James balbuciou, parecendo cético por um instante. A raiva não demorou a se
estampar em suas expressões. — O Luke estava na escola hoje? — Ele arqueou as sobrancelhas
enquanto travava o maxilar com uma força excessiva, e eu assenti. — Ele te fez alguma coisa? Ele te
encostou ou...
— Ele só quis conversar. Disse que não tinha feito nada de errado e que você tinha mentido
para mim.
— Filho da puta — o garoto sibilou, tirando suas mãos de mim e as levando até os cabelos. —
E o que você respondeu?
Soltei o ar pesado pela boca.
— Eu disse que sabia exatamente o que tinha feito e que, se ele fizesse isso com mais alguém,
eu ia acabar com a vida dele.
James arregalou os olhos em minha direção por um par de segundos, mas então soltou uma
gargalhada que me pareceu bem sincera.
— Essa é a minha garota. — Ele esboçou um sorriso orgulhoso, mas logo o desfez diante de
minhas feições tristes. — Monique, ele não vai encostar mais um dedo em você, está me escutando?
Luke pode ser muitas coisas, mas burro não está nessa lista. Ele sabe que haverá consequências
piores do que as últimas caso faça o que fez mais uma vez. Não precisa ter medo — disse,
envolvendo meu rosto com ambas as mãos para que eu observasse a confiança em seus olhos.
— Eu não tenho medo, James. — Me desvencilhei de suas mãos, desviando o olhar. — Você
não entende. Como você acha que eu conseguirei olhar a pessoa que quase me estuprou pelo restante
do ano? Como você acha que eu vou conseguir viver com a constante lembrança do que quase me
aconteceu?
— Tente esquecer isso, Monique. Nada aconteceu de fato.
Meu coração pareceu parar por uma fração de segundo diante daquelas palavras.
Forcei-me a encontrar seus olhos mais uma vez, incrédula.
— Você acha que é tão simples assim? — Pisquei repetidas vezes, ainda tentando entender seu
pensamento. — Você acha que eu escolho estar sentindo isso? Que eu gosto disso?
— Meu Deus, Monique — ele soprou, nitidamente confuso. — É claro que não foi isso que quis
dizer. Posso imaginar que tudo isso seja uma merda para você, mas se forçar a reviver tudo isso
somente vai piorar as coisas. Não estou dizendo que vá ser fácil, mas você tem que tentar superar
isso. Eu vou estar ao seu lado durante o processo, ok? Você tem pessoas te apoiando e ao seu lado
para o que precisar.
Cerrei os dentes, frustrada. Mal acreditava que ele ainda dizia para que eu superasse como se
fosse algo simples, como se fosse uma espécie de obrigação.
— Vamos lá, não fique brava comigo — o garoto logo murmurou, tentando levar suas mãos até
mim outra vez. Desvencilhei-me.
— É, você tem razão — resmunguei, tentando não chorar outra vez. — Não adianta eu ficar
irritada com você, afinal, você não pode entender pelo que eu passei ou estou passando. Se você
entendesse, você não venderia drogas que podem provocar isso.
— Você tá falando sério? — o moreno balbuciou, incrédulo, pouco antes de se colocar de pé.
— Eu não sou o vilão aqui, Monique, e você sabe muito bem. Fui eu quem impediu que toda aquela
merda acontecesse com você.
— Mas aquela droga veio do seu estoque, James. Você acha que alguma outra droga sua não
pode ter causado algo pior?
— Puta merda, é sério mesmo isso? — Ele ainda continuava a fazer um esforço para assimilar
minhas palavras irrevogáveis, e foi só então que comecei a me sentir mal com a situação que eu
mesma tinha causado. — Você sabe muito bem o porquê de eu vender drogas. E eu não sou estúpido
o suficiente para não procurar saber quem são as pessoas para quem vendo, tá me
entendendo? Inferno, por que acha que eu parei de vender para o merda do Luke? — As palavras de
James fizeram com que eu comprimisse meus lábios fortemente enquanto eu me perguntava o que
diabos eu tinha feito e como tinha deixado que toda minha dor me transformasse em uma pessoa tão
amargurada. — Ok, quer saber? Que se foda — Sua voz se alterou por um pouco, e pude identificar
o ressentimento implícito em suas palavras. — Parece que não adianta de nada tentar ser uma pessoa
melhor, afinal, sempre haverá mais motivos para pensarem o pior sobre mim, para você pensar o pior
sobre mim, certo, Monique?
Não tive a chance de dizer que aquilo não era verdade, pois James logo girou os calcanhares e
deixou meu quarto com passos largos e pesados, sumindo em minha varanda em seguida.
Mais uma vez, tentei lidar com toda aquela angústia que me corroía e que parecia estar
acabando comigo aos poucos.
16 |
Sorte de principiante

MONIQUE PRICE

Três dias se passaram sem que eu tivesse a devida coragem de pisar na escola uma outra vez, e,
fora as frequentes ligações de Kate, as quais eu nem mesmo tinha tido coragem de atender, mais
ninguém parecia ligar com meu desaparecimento repentino.
Bem, eu estava um pouco melhor em relação a Luke, à medida do possível. Tinha tido mais de
setenta e duas horas para ao menos me conformar que eu teria de conviver com ele pelo restante do
ano letivo. Contudo, eu não planejava ficar longe. Pelo contrário, eu planejava ficar ainda mais
próxima e de olho em cada um de seus passos.
Portanto, meu estado ainda caótico não se devia mais em sua maioria a Luke. Devia-se a outro
alguém.
Honestamente, eu me sentia envergonhada. Um pouco magoada comigo mesma também. Ainda
repassava minhas últimas palavras direcionadas a James de minuto e minuto, e era inevitável me
sentir mal em toda pequena vez em que o fazia. Queria ter tido coragem nesses últimos dias de ao
menos ligar para o garoto, mas não foi exatamente o que aconteceu. Ao invés disso, ficava cada vez
mais temerosa a cada momento em que considerava que ele realmente estivesse decepcionado
comigo.
Eu sabia que James tinha se aberto para mim e que isso não podia ser algo muito comum para
ele. E, bem, eu não me importei com isso e com os seus motivos antes de deixar que minha tristeza se
transformasse em uma raiva voltada a ele, que não era o culpado de toda a situação pela qual eu
vinha passando.
Tinha sido injusta. Eu tinha sido injusta com ele, e eu sabia. No entanto, ter consciência disso
não facilitava o fato de que o moreno parecia ter deixado que seu ressentimento fosse maior que sua
preocupação por mim. A falta de mensagens ou ligações de sua parte me machucava um pouco.
Por fim, vozes do andar de baixo chamaram minha atenção, fazendo com que a confusão
substituísse minha angústia.
Perguntei-me quem estava lá embaixo, afinal, Josh trabalhava fora todas as tardes e Tyler nunca
havia convidado algum de seus amigos para cá.
Continuei deitada no chão de meu quarto na espera de que as vozes desaparecessem, o que não
aconteceu.
Soltando o ar pela boca enquanto a curiosidade me vencia, coloquei-me de pé, já escutando
todos os duzentos e seis ossos de meu corpo estalarem devido à minha enorme fadiga nos últimos
dias.
Abri a porta de meu quarto cuidadosamente, e logo senti as flechadas fortes de luz invadirem
meus olhos de uma só vez, fazendo com que eu ficasse tonta quase que imediatamente. Após longos
segundos, enfim me obriguei a caminhar em direção à escada.
Meus olhos não demoraram a localizar os donos das vozes ruidosas no andar debaixo assim que
cheguei perto do parapeito.
Kate e Tyler pareciam manter uma conversa quase casual, como se realmente fossem amigos.
Ambos soltavam risos de segundo em segundo e também estavam bem próximos um do outro.
Continuei a observar a interação por mais algum tempo, mesmo não conseguindo escutar o que
de fato falavam.
Ainda me perguntava o que diabos estava acontecendo ali quando algo atraiu o olhar de Kate
em minha direção. Seu sorriso se desfez instantaneamente ao me localizar, sua boca já formando um
perfeito “o”.
— Jesus Cristo — ela balbuciou, o que fez com que Tyler seguisse seu olhar. — Você está
horrível!
Resmunguei algo inaudível até mesmo para mim enquanto começava a descer a escada.
— Foi um prazer te conhecer, Kate — Tyler murmurou assim que cheguei ao primeiro degrau e
logo voltou para seu quarto. A garota não pareceu ligar com a mudança de humor repentina, pois seus
olhos continuavam vidrados em mim.
— Por que você não atende minhas ligações? — Ela cruzou os braços após alguns instantes,
visivelmente irritada.
— Eu te mandei uma mensagem, Kate — rebati, dando de ombros.
— “Estou bem” e “não se preocupe comigo” nem podem ser consideradas palavras ideais de
comunicação. — Ela bufou enquanto estreitava os olhos em minha direção. — Passei aqui ontem
duas vezes, e ninguém me atendeu também.
— Desculpa, Kate. Não ouvi — menti.
A verdade era que tinha escutado a campainha tocar, mas ainda não achava que tinha forças
suficientes para ver de quem se tratava.
— Ainda bem que seu irmão abriu a porta para mim. Acredite, se ele não tivesse o feito, eu
teria invadido sua casa sem nem pestanejar.
Surpreendentemente, consegui sorrir pela primeira vez em alguns dias.
— É, eu tenho mesmo certeza de que você seria capaz de fazer isso.
— Não venha com graça para cima de mim — Kate retrucou, forçando uma espécie de
autoridade, enquanto revirava os olhos. — Monique, o que realmente aconteceu? — questionou em
seguida, assumindo uma paciência maior.
Soltei o ar pesado pela boca.
— Ah, Kate. A lista é grande demais — balbuciei, sincera.
Se eu realmente começasse a listar tudo, começaria pela minha mãe.
— Você sumiu por causa do Luke, não foi?
— Foi — respondi por fim. — Acho que precisava de um tempo para absorver isso tudo. Na
verdade, eu nem me importei em me preparar antes para quando Luke aparecesse na escola, então
tudo pareceu... caótico demais para mim quando o vi.
— Ah, Monique! — ela soprou, abraçando-me por alguns segundos. — Você sabe que tudo vai
ficar mais fácil, certo? — questionou então, e eu assenti pouco antes de ela me puxar para sentar ao
seu lado no sofá. — E então, James ficou com você esse tempo todo? — indagou casualmente, e eu
lancei a ela um olhar confuso.
— Como assim? — indaguei, e foi a sua vez de ficar confusa.
— Ué, ele também não apareceu na escola em nenhum desses dias, então cheguei à conclusão de
que ele estava com você — respondeu como se fosse óbvio.
— O quê? — balbuciei, tentando organizar os pensamentos desordenados que começaram a se
acumular em minha mente. Talvez James tivesse ficado irritado o suficiente para não querer me ver
por todos esses dias.
— Você não viu nem mesmo minhas mensagens? — Kate me fuzilou com o olhar, e eu me limitei
a apenas dar de ombros. — Então ele realmente não veio aqui depois que você sumiu? Eu liguei para
ele para...
— Ele veio — cortei-a, já sabendo o que ela pretendia dizer. — Mas nós acabamos brigando.
Bem, eu acabei brigando com ele.
— É sério? — Ela piscou os olhos um par de vezes enquanto tentava assimilar minhas palavras.
— Por quê?
— Eu praticamente o acusei de ser o culpado pelo que Luke fez — respondi em um resmungo,
tensa.
— Meu Deus, Monique.
— Eu sei, eu sei — soprei, recostando-me no sofá enquanto fechava minhas pálpebras
fortemente. — Eu estava com a cabeça cheia e acabei não pensando muito na hora de falar, entende?
— E você não tentou falar com ele depois da briga? — Kate questionou subitamente, e eu
neguei com a cabeça. — Monique, se você acha que está errada, você tem que pedir desculpas.
Cruzei os braços frente ao peito, hesitante.
— Não sei se quero mesmo ter a certeza de que ele está bravo comigo.
— Larga de ser boba, garota. — Kate revirou os olhos, impaciente uma outra vez. — James
realmente parece gostar de você, então não tenho muitas dúvidas de que ele vá te perdoar. Todo
mundo erra, e ele precisa entender que você estava em um momento péssimo quando disse o que
disse.
— Não sei, não — resmunguei, ainda incerta.
— Monique, levanta esse traseiro daí agora e vai se ajeitar para ir falar com ele. Você precisa
arcar com suas responsabilidades, ok? — ela exigiu por fim, o tom de voz nada convidativo. — Eu
não vou sair daqui enquanto não te ver limpa.
— Eu estou limpa! — rebati enquanto semicerrava os olhos.
— Você vai querer mesmo entrar em uma discussão sobre isso? Porque estou certa de que eu
tenho mais fatores ao meu favor. — Ela segurou o riso enquanto eu revirava os olhos.
— Tudo bem, eu vou. Mas, se algo der errado, saiba que você vai ser a culpada — cedi por
fim.
— Tenho certeza de que nada dará errado — ela retrucou com total convicção, e eu desejei com
todas minhas forças que Kate estivesse certa.

Eu ainda estava dentro de meu carro, o qual estava estacionado em frente ao Hell’s Bar e ao
lado do Mustang de James, enquanto tentava tomar a devida coragem para enfim encontrá-lo, e, nesse
curto intervalo de tempo, foi inevitável manter uma memória específica longe de minha mente.
Lembrava-me como se fosse ontem a primeira vez em que estive ali, e logo soltei um riso
nasalar ao me dar conta de que as coisas realmente tinham mudado.
Há mais de um mês, James parecia fazer questão que eu o odiasse. Ou, pior, parecia me odiar,
mesmo que não me conhecesse de fato.
Bem, cerca de cinco semanas não deveriam parecer muito tempo, mas era o que acontecia, ao
menos em minha mente. Tudo que havia vivido ao lado de James parecia intenso o suficiente para
que aquelas semanas se confundissem com meses. Era complicado, inconstante e irregular. Contudo,
eu parecia gostar dos sentimentos que só eram provocados por aquele garoto. Podia ser difícil, mas,
sobretudo, tudo aquilo fazia com que eu me sentisse viva. Julgava ser uma sensação necessária após
tudo que havia vivido nos últimos tempos.
Tentando não pensar que, em algum momento, James pudera passar a ser essencial para algum
aspecto de minha felicidade instável, forcei-me a sair de meu automóvel.
O bar estava definitivamente fechado, a levar em consideração a falta de barulhos e iluminação,
então bati na porta um par de vezes. Algum tempo depois, eu ainda não tinha tido resposta, então
empurrei a maçaneta.
A porta abriu sem muitos obstáculos.
Eu ainda suava frio quando atravessava o interior do local desprovido de sinais de vida. Ele
parecia até pior do que na noite em que Malcolm visitara James.
Desci as escadas do fundo com passos ágeis e quietos, afinal, se houvesse mais alguém ali, eu
poderia fugir sem ser percebida.
Entretanto, pela fresta da porta entreaberta que dava para o porão, a única pessoa que encontrei
foi quem eu justamente procurava.
James não tinha se dado conta de minha presença.
O moreno estava sentado na beirada da mesa de sinuca, a cabeça apoiada em suas mãos
enquanto ele parecia fitar o chão. Seus músculos estavam totalmente imóveis e distendidos, como se
a tensão estivesse presente em cada centímetro de seu corpo. James estava nitidamente apreensivo.
Por um instante, fiquei genuinamente preocupada diante da cena.
— James? — sussurrei após alguns segundos, abrindo a porta só por um pouco.
Ele levantou o rosto instantaneamente, e suas expressões foram tomadas por um misto de
confusão e surpresa quando seus olhos me localizaram.
— Oi, Monique — balbuciou após um par de segundos, o tom de voz surpreendentemente
calmo.
— Hum... Posso entrar? — questionei, um pouco relutante. Ainda não sabia se ele me queria
aqui e também me recordava bem da última vez em que ele me mandara sair e eu fiz justamente o
contrário. As consequências não tinham sido nada boas.
James assentiu enquanto forçava um sorriso fraco, mas pude perceber que a inquietação ainda
estava presente em seus olhos.
Mesmo ainda estando hesitante, adentrei no porão e me escorei na parede ao lado da porta.
— Você está melhor? — Ele arqueou as sobrancelhas enquanto me observava com atenção. Seu
tom de voz tinha sido suave, quase cauteloso demais, o que fez com que eu contorcesse minhas
feições de forma inevitável. — Aconteceu alguma coisa?
— Não — soprei subitamente, balançando a cabeça.
— Qual o problema, então? — ele não hesitou em questionar, os olhos ainda atentos em cada
uma de minhas feições.
Engoli em seco enquanto pensava em sua pergunta.
— Acho que não tenho nenhum problema. É meio que o contrário, na verdade. Eu
provavelmente estava esperando que você fosse um pouco rude comigo — expliquei enfim, sincera,
enquanto dava de ombros em um gesto desconfortável.
— E por que eu seria rude com você? — O moreno franziu o cenho, parecendo relativamente
incerto.
Soltei um suspiro pesado.
— Você sabe, James — balbuciei, desviando o olhar. — Pelo jeito que te tratei naquele dia,
pelas coisas que falei... Você teria razão de estar com raiva de mim.
— Caramba, Monique. Deus sabe que eu nunca seria capaz de sentir raiva de você — ele disse
como se fosse óbvio.
— Para com isso, James — resmunguei. — Você pode falar o que está pensando.
— Eu não estou bravo com você — ele insistiu, soltando uma risada nasalar em seguida. O som
era fraco, mas, ainda assim, foi capaz de aquecer meu coração por uma fração de segundo.
— Mas então por que você sumiu? Você não foi à escola por todo esse tempo. — Minhas
palavras não passavam de sussurros.
— Eu só queria te dar um tempo. Imaginei que iria dificultar as coisas para você depois de tudo
o que aconteceu. Encontrar a mim e Luke em um mesmo espaço não me pareceu uma boa ideia.
— Eu também não fui à escola nos últimos dias — retruquei o óbvio.
— O quê? — ele balbuciou, confuso, enquanto passava as mãos pelos cabelos. — Mas por
quê?
— Por vários motivos, acho — respondi, trocando o peso de uma perna para a outra. — Você
provavelmente sendo o principal deles.
— Desculpa — ele murmurou sinceramente. — Devia ter mandado uma mensagem falando que
não ia aparecer enquanto você não quisesse.
— Meu Deus, James. Eu não faltei porque não queria te ver. Eu faltei porque estava com medo
de te encarar.
— Você estava com medo de mim — ele ponderou, travando o maxilar.
— Não...
— Eu não quis gritar com você — James continuou antes que eu conseguisse explicar. — Eu
nem sequer posso dizer o quanto me arrependo de ter terminado aquela conversa daquela maneira.
Você estava chateada, e com razão. Não devia ter levado suas palavras tão para o pessoal.
— James, eu sei que as coisas que eu falei para você foram horríveis. Eu não te culpo pelo jeito
que você correspondeu a elas — eu disse, procurando seus olhos. — Eu me arrependo muito das
coisas que disse, mesmo. Eu admiro muito tudo que você faz pelo seu irmão, ok? Você faz tudo que é
preciso por uma pessoa que ama, e isso é algo para se orgulhar — acrescentei, honesta, antes de
hesitar por mais alguns segundos para tomar a coragem de questionar o que era necessário. — Então,
hum... você me desculpa?
— Não tenho o que desculpar — ele respondeu sem nem mesmo precisar de tempo para
assimilar minhas palavras.
Uma onda de alívio invadiu todo meu interior de uma só vez, e me senti mais leve pela primeira
vez em dias.
Não soube exatamente como, mas em segundos eu já sentia os braços de James me prendendo
com uma força reconfortante contra si enquanto seu cheiro familiar adentrava em minhas narinas.
— Eu senti sua falta — balbuciei após algum tempo indefinido, e subitamente senti sua mão
acariciar meu cabelo.
— Eu também, Monique. De algum modo, você realmente aprendeu como fazer alguma
diferença estranhamente genuína em minha vida.
Quando por fim me afastei dos braços de James, notei os vestígios da mesma preocupação em
suas feições de quando cheguei.
— Você está com problemas, não é? — questionei, mas ele permaneceu em silêncio, apenas me
encarando. — Pode me falar — sussurrei, firme.
— Não é nada de mais. — Ele sorriu de modo superficial, como se quisesse me tranquilizar.
— Não me parece nada de mais — insisti, arqueando as sobrancelhas.
— É só o mesmo de sempre: problemas com o prazo de pagamento. Nada que eu não resolva —
respondeu enfim, e pude ver que ele fazia um esforço excessivo para transmitir uma confiança
inexistente. — E então, quer fazer algo ou precisa ir para casa? — questionou em seguida, como se
estivesse apressado para mudar de assunto.
Estava prestes a insistir para continuar no assunto, mas logo cheguei à conclusão de que isso
provavelmente não seria uma boa ideia. Considerei que seria melhor fazer James esquecer dos
problemas por algum tempo, considerando que eu tivesse mesmo tamanho efeito sobre ele.
Por isso, apenas respondi:
— Não tenho que ir para casa ainda.
O moreno assentiu, sorrindo de uma forma mais autêntica, como se enfim estivesse sendo ele
mesmo.
— Me fale o que quer fazer, então. Minha tarde é toda sua.
Fiquei contente diante de suas palavras, e logo me apressei em pensar em algo que poderíamos
fazer.
Não levei mais que alguns segundos para chegar a uma resposta concreta, afinal, ela estava bem
na minha frente.
— Podemos jogar sinuca? — questionei, esperançosa, enquanto um sorriso já se esboçava
dentre meus lábios.
James torceu o nariz.
— Não é tão legal quando um tem uma grande vantagem sobre o outro.
— Não tem problema, eu posso facilitar pra você — retruquei com um misto de sarcasmo e
sinceridade.
James semicerrou os olhos em puro ceticismo, mas soltou um riso nasalar. Pareceu-me
verdadeiro.
— Tem certeza de que quer mesmo jogar? — Ele arqueou as sobrancelhas, um pouco mais
interessado, e eu assenti subitamente. — Tudo bem, mas não esqueça de que foi você quem pediu —
soprou então, já se colocando de pé.
— Não vou. — Meu sorriso se alargou.
— Apostas? — ele questionou enquanto retirava as bolas da gaveta do canto da mesa.
— Com certeza — concordei, animada. — Você primeiro.
— Então tá... — O garoto pareceu pensar por alguns segundos enquanto organizava as bolas em
um triângulo. — Quando eu ganhar...
— Se você ganhar — apressei-me em corrigir.
— Quando eu ganhar — James insistiu, o sorriso divertido já dentre seus lábios —, quero que
você desenhe algo para mim — anunciou, e minhas expressões se fecharam em uma carranca
instantaneamente. — É a minha condição — ele declarou inocentemente, e eu hesitei por um
momento, mas logo me lembrei de que não havia chance alguma de ele me vencer.
Eu estava longe de ser inexperiente na sinuca. Antes de Tyler declarar a guerra silenciosa contra
mim, eu já havia começado a ganhar dele na maior parte de nossas partidas realizadas em casa. Bem,
minha antiga casa.
— Feito — concordei por fim, confiante outra vez.
— E você, amor? Vai querer o quê? — O moreno indagou enquanto reprimia um sorriso,
nitidamente cético de minha capacidade.
Sem me deixar abalar sobre sua falta de fé em mim, pensei um pouco sobre o que eu queria.
Não precisei de muito tempo para chegar a uma conclusão. Uma memória invadiu minha mente
quase que imediatamente, o que fez com que um rubor se instalasse em minhas bochechas.
— Se eu ganhar... — comecei dizendo, ignorando o nervosismo — você vai ter que cumprir o
que me disse em meu quarto na semana passada.
— E o que eu disse a você? — ele questionou, recostando-se na mesa enquanto me encarava
com total atenção.
— Que continuaríamos o que havíamos começado — respondi, tão ansiosa quanto
envergonhada.
James então piscou um par de vezes enquanto tentava se lembrar do que dizia. Ele esboçou um
sorriso travesso no mesmo segundo em que se deu conta do que se tratava.
— Ah, Monique. Você realmente não sabe fazer apostas, não é? Assim eu vou acabar ganhando
de todo jeito. — Ele soltou um breve riso enquanto, por um instante, corria meu corpo com o olhar.
Minha pele ardeu em resposta. — Ok, as damas primeiro. Ou você quer que eu te mostre como se
joga primeiro? — soprou assim que se recompôs, obrigando-se a desviar seu olhar de mim.
— Eu me viro — respondi por fim, pegando o taco que ele estendeu para mim.
Senti-me nostálgica quando me posicionei na ponta da mesa. Mirei a bola branca no triângulo à
minha frente e logo acertei bem em sua ponta frontal, espalhando assim todas as bolas nas mais
diferentes posições.
Lancei o olhar para James em um movimento súbito. Suas feições se contorciam em surpresa, e
ele parecia quase impressionado. Quase.
O garoto não demorou a fazer questão de se mostrar indiferente, posicionando-se para sua
tacada em um par de segundos.
— Sua confiança está abalada, amor? — questionou assim que derrubou uma bola ímpar na sua
boca mais longe, preparando-se para fazer outra jogada em seguida.
— Nem um pouco — respondi com convicção enquanto ele derrubava a segunda bola ímpar.
Em sua terceira tacada, James tentou me impressionar mais uma vez ao fazer a jogada na boca
mais longe da bola, o que acabou em um completo fracasso.
— Hora do show — murmurei, sem conseguir conter o sorriso.
Posicionei-me em frente à bola branca enquanto analisava calmamente minhas melhores opções,
que, por sorte, eram todas.
Pela minha visão periférica, foi inevitável notar o olhar de James vidrado em mim, o que fez
com que eu questionasse automaticamente:
— Gostou do vestido?
— Gostarei mais dele quando estiver fora de seu corpo.
Imediatamente, acertei duas bolas pares na mesma boca. Virei-me para James então, que agora
continua o olhar fixo na mesa.
— Sua confiança está abalada, amor? — repeti a mesma frase pronunciada por ele há alguns
minutos, fazendo meu melhor para reprimir o riso.
— Você escondeu o jogo — ele ponderou, semicerrando os olhos em minha direção.
— Talvez. — Dei de ombros, já a caminho para minha próxima jogada.
Durante o tempo que se seguiu, passamos a sustentar um silêncio confortável, apenas nos
concentrando em nossas jogadas. Ambos parecíamos orgulhosos demais para perder, o que gerou
uma disputa, de certa forma, acirrada.
— Você já chegou mais longe que qualquer mulher chegaria. Não fique triste quando perder —
James soprou sarcasticamente quando apenas a bola oito se encontrava na mesa, como se estivesse
tentando me irritar na tentativa de fazer com que eu perdesse minha concentração.
Não me importei nem por um segundo com a provocação.
— Pois essa mulher aqui vai te dar um banho, meu querido. — Sorri enquanto me preparava
para minha tacada, fechando um olho para mirar melhor. A bola preta se encontrava no centro da
mesa, o que fez com que eu tivesse a maior parte das bocas como possibilidades de acerto, ainda que
a porcentagem não fosse tão boa, a levar em consideração a distância.
Inspirei fundo antes de levar o taco à boca branca.
Um segundo depois, um sorriso vitorioso se esboçou dentre meus lábios. A jogada certamente
tinha saído melhor do que havia imaginado em qualquer momento anterior.
Triunfante, girei os calcanhares em direção a James, que continha feições inexpressivas
enquanto tentava assimilar minha vitória.
— Sorte de principiante — murmurei ironicamente, orgulhosa de mim mesma, enquanto
entregava meu taco para ele.
— Bem, tenho que admitir, isso foi sexy pra caralho. — Ele deu um sorriso ardiloso por fim,
guardando os tacos em seguida. — Mas se você contar isso para alguém, saiba que negarei até a
minha morte.
— Não se preocupe. Um dia ainda jogarei com cada um de seus amigos e também ganharei de
todos eles.
— Ah, não duvido nem um pouco disso — disse honestamente enquanto soltava um risinho,
voltando para mim novamente. — Vai me contar como você sabe jogar?
— Outra hora — respondi, arqueando as sobrancelhas, o que só serviu para que seu sorriso
ganhasse uma intensidade ainda maior.
— E então, campeã, qual o pedido especial do dia? — questionou com uma espécie de
diversão, fazendo com que eu hesitasse por alguns instantes. — Estou sob seu total domínio —
acrescentou então, continuando a se aproximar até me obrigar a ficar encostada na mesa de sinuca.
Um calor se instalou em minhas bochechas quando pensei sobre sua pergunta.
— Quero fazer o mesmo que você fez comigo.
— Acho que vai ter que ser mais específica que isso, amor — James soprou, tão perto ao ponto
de fazer com que eu sentisse sua respiração pesada contra minha bochecha.
— Quero te tocar.
E foi aí que os vestígios de diversão de seu sorriso sumiram. Agora, havia somente lascívia
reluzindo ali.
— Você não se cansa de me surpreender, não é?
Não tive tempo de respondê-lo.
Em uma fração de segundo, James afundou a mão pesada sobre o cabelo em minha nuca e me
puxou contra si. Nossas línguas se encontraram em um misto de instinto e necessidade, como se
nossos corpos correspondessem um ao outro em puro reflexo.
O moreno logo pegou em minha cintura firmemente e me sentou na mesa, sem se importar em
afastar os lábios dos meus. E, quando ele enfim se encaixou entre minhas pernas, a fricção de sua
virilha contra a minha provocou um arrepio arrebatador em toda extensão de minha pele.
— Tem certeza? — ele sussurrou quando levou a boca até minha orelha antes de instalar um
beijo molhado em meu pescoço. Arfei quando senti sua barba por fazer raspar contra minha pele
ardente.
— Você sabe que sim — eu respondi, as palavras falhas. No entanto, a voz fraca em nada se
devia a uma suposta incerteza, e sim às sensações que James era capaz de provocar em mim com
simples toques.
O garoto parecia ter completa noção disso, pois logo soltou um riso nasalar. Sua voz também
estava rouca.
Fechei os olhos por um instante para aproveitar melhor os beijos que ele alastrava pelo meu
pescoço, e então senti sua mão pegar a minha, que já estava trêmula, e levar até si.
Abri as pálpebras pesadas instantaneamente quando senti sua ereção já se destacando pelo
jeans que trajava.
James soltou um gemido baixo contra minha pele quando comecei a acariciá-lo sobre o tecido
grosso, e não esperei por mais para desabotoar sua calça, sem evitar conter a dificuldade no
processo provocado pelo nervosismo. No fundo, eu queria proporcionar a ele o mesmo prazer que
havia sido me dado noites antes, mas não estava certa se seria capaz.
Se o garoto notou os movimentos incertos de meu dedo, não mencionou. Ao invés disso, ele
apenas distanciou sua boca de mim e se limitou apenas a me encarar com um olhar curioso e paciente
enquanto eu finalmente conseguia abrir seu zíper.
Tive de engolir em seco quando enfim observei o volume notável evidente sob o contorno da
cueca boxer, e subitamente senti o calor de toda minha pele passar a se acumular na região entre
minhas pernas.
Assim que abaixei a peça escura, sua ereção subiu em um estalo, e foi então que perdi todo meu
ar.
Àquela altura, eu já estava certa de que James não podia ter defeito algum. Ao menos, não em
aspectos físicos. E, honestamente, era difícil de acreditar que eu tinha aquele homem diante de mim,
para mim.
O garoto voltou a segurar minha nuca, mas não me puxou contra si outra vez. Ele apenas me
acariciou com o polegar enquanto seu olhar ainda queimava em mim. Ainda assim, não consegui dar
atenção alguma àquelas íris instigadas em cada uma de minhas reações.
Envolvi-o com a palma suada, e logo ouvi mais um grunhido rouco escapar de sua garganta.
— Assim — ele soprou enquanto pousava sua mão sobre a minha, movimentando-a por toda sua
extensão.
A pele quente e rosada se deslizava sob meu toque, e comecei a explorar toda aquela maciez
sem pudor algum.
No momento em que outro gemido ecoou chegou aos meus ouvidos, subi o olhar até os olhos de
James, e não foi difícil identificar o desejo e a satisfação brilharem ali na mesma intensidade.
Senti-me mais confiante quando tive a certeza de que eu era mesmo capaz de provocar tais
sensações no garoto a poucos centímetros de mim.
Ainda que mantivesse concentração em minha mão, não desviei a atenção de suas feições
ávidas, e tive de me esforçar para manter minhas pálpebras abertas quando seus dedos ásperos
afundaram nas laterais de minhas coxas sob meu vestido.
Suas mãos não se contentaram em se fixar naquela região.
Enquanto continuávamos a encarar o prazer um do outro, uma de suas mãos se encaixou sob uma
de minhas nádegas enquanto a outra deslizava para entre minhas pernas.
James me apalpou sobre a calcinha já molhada, e me apoiei na mesa com a mão livre para não
me deixar sucumbir à ardência que o mísero toque me causou.
— Vai mais forte, loira — James pediu, ofegante, apertei o toque um pouco mais enquanto seus
dedos continuavam a acariciar minha abertura em pura provocação, sem ainda adentrar no tecido
fino.
O moreno estava me incitando, e, de algum modo, aquilo era ainda mais estimulante.
Quando abri um pouco mais minhas pernas para mostrar ao garoto que eu queria mais do que
ele estava me dando, James recolheu sua mão.
Estava prestes a protestar contra aquilo quando sua mão subiu até meu pescoço, passando a
contornar meus lábios com o polegar. Diante de seu olhar ambicioso, deixei meu êxtase de lado de
imediato.
Mais interessada em seu bem-estar, chupei seu dedo quando ele tocou minha língua, e então
soltei um gemido baixo, que foi provocado apenas pela cobiça que reluzia de cada detalhe do homem
à minha frente.
— Você é simplesmente viciante pra caralho, sabe disso? — ele murmurou quando retirou o
dedo de minha boca, levando sua boca à minha.
Contudo, James não me beijou. Ele se aproximou apenas o suficiente para fazer com que nossas
respirações alteradas se misturassem por completo.
A partir do momento em que o moreno deixou que suas pálpebras pesadas se fechassem em
meio ao êxtase, não soube diferenciar os segundos dos minutos, não quando eu estava tão absorta
pelas suas sensações que eram consequência apenas de mim, e apenas fui retirada da espécie de
transe quando sua mão voltou a envolver a minha, conduzindo-me a acelerar o movimento.
— Porra, eu vou gozar, ok? — James sussurrou com a voz ainda mais rouca do que antes,
trincando o maxilar com uma força excessiva enquanto apoiava uma mão na mesa.
Seu rosto ficou estupidamente lindo em meio às feições tensas.
Não desprendi meu olhar de suas expressões quando senti um líquido sendo jorrado em minha
mão, pois eram aquelas expressões contorcidas em puro êxtase que me faziam ficar ainda mais
excitada.
Só pude voltar a respirar normalmente quando o moreno se afastou, ainda que contra minha
vontade.
— Foi... hum... bom? — questionei, ruborizando, e perdi o ar mais uma vez quando o vi esboçar
um sorriso travesso enquanto seus dedos penteavam seus cabelos.
— Tá de brincadeira? — ele soprou sem nem hesitar. — Se quer saber, eu diria que foi ainda
melhor do que em qualquer sonho que andei tendo nas últimas semanas.
Meu coração saltitou no peito instantaneamente.
— Você anda sonhando comigo?
Um riso doce escapou de sua garganta.
— Mais do que consideraria saudável. Bem mais.
Não consegui nem mesmo piscar enquanto absorvia a informação tão satisfatória.
— E o que eu faço nesses sonhos? — indaguei em um sussurro, inevitavelmente.
Foi então que James alargou o sorriso.
— Na verdade, eu posso te mostrar o que eu faço com você nesses sonhos — respondeu em
uma luxúria singular, observando-me com toda sua atenção. — O que acha?
Mesmo sem força alguma, consegui sorrir também.
— Você já sabe a resposta.
Todo o restante de meu oxigênio escapou de meus pulmões quando James se ajoelhou diante de
mim e retirou minha calcinha.
17 |
Comemorações e presentes

MONIQUE PRICE

— Estamos chegando? — questionei, já sentindo a venda que estava em meus olhos começar a
me incomodar.
— Quase — James soprou simplesmente, o tom de voz irritantemente tranquilo.
Soltei o ar pela boca.
— E agora, chegamos?
— Puta que pariu, mulher. — O garoto soltou um riso nasalar ao mesmo tempo que eu fiz uma
cara feia.
— Eu já falei pra você que não gosto de surpresas.
— Eu sei.
— Então por que você está insistindo?
— Pode-se dizer que eu simplesmente gosto de vê-la irritada.
— Sádico — resmunguei em um misto de impaciência e diversão.
— Está mais para masoquista. Quase sempre sou eu que sofro quando você se estressa — ele
rebateu, e pude ter a mais completa certeza de que um sorriso travesso se encontrava dentre seus
lábios.
— Você é ridículo, sabe disso? — soprei por fim, reprimindo um sorriso que também ameaçava
tomar conta de meus lábios, e então escutei um breve riso ecoar de sua garganta. Eu certamente
adorava esse som.
Poucos minutos depois, finalmente escutei o barulho de motor cessar, e então me dei conta de
que, onde quer que estivéssemos, parecíamos ser os únicos presentes, afinal, fora alguns sons
incessantes de grilos, eu não podia identificar algum barulho que desse outro sinal de vida.
— Agora chegamos, certo? — questionei, aliviada.
— Não.
— O quê?
— Calma, estou só brincando. — Ele riu, e então ouvi o garoto abrir a porta ao seu lado. De
fato, não havia dúvidas de que James realmente gostava de me ver irritadiça.
Um segundo depois, minha porta também se abria, e James logo levou suas mãos até mim,
ajudando-me a sair do automóvel. Tinha quase certeza de que tinha pisado em um gramado.
Em instantes, o moreno conduziu-me até que eu estivesse sentada em uma... lataria.
Eu estava em seu Mustang.
Sem dizer nada, James simplesmente tirou a venda que cobria meus olhos.
— Surpresa — ele soprou instantaneamente enquanto eu piscava repetidas vezes para me
acostumar com a única iluminação proveniente dos faróis.
Franzi o cenho no mesmo momento em que me dei conta de onde estávamos.
— Você me fez arrumar inteira para ser trazida a esse campo? — indaguei, confusa, enquanto
me lembrava de sua mensagem pedindo para que eu me aprontasse de modo mais formal antes que
ele fosse me pegar.
Eu me lembrava bem da visão das estrelas dali, afinal, tínhamos vindo nesse mesmo lugar
pouco depois do incidente com Malcolm, mas a paisagem não era motivo bom o suficiente para que
eu colocasse um vestido mais meticuloso e ajeitasse todo meu cabelo impecavelmente.
— Mas é claro que não — o moreno respondeu como se fosse óbvio, erguendo os cantos de sua
boca. — Eu te fiz arrumar inteira para mim. Inclusive, vou aproveitar a menção para dizer que você
está simplesmente linda pra cacete.
Ignorei a agitação em meu coração.
— Hum... Obrigada. Mas acho que ainda não entendi direito o porquê disso tudo. O que viemos
fazer aqui, então? — balbuciei, afinal, era uma terça-feira simples.
Foi então que o sorriso de James se alargou.
Sem dizer nada, o garoto se afastou e caminhou em direção ao interior do carro. Observei-o
com atenção enquanto pegava algo no banco de trás.
Quando ele enfim voltou para meu lado, sentando-se também no capô, vi que segurava uma
garrafa de champanhe e dois copos de plástico.
— O que estamos comemorando? — Arqueei as sobrancelhas, curiosa.
James se manteve em silêncio, mas ainda sorria enquanto enchia os dois copos.
— James! — soprei, impaciente, na tentativa de obter uma resposta.
— Desculpa pelos copos. Não tenho taças ou algo do tipo — ele disse simplesmente enquanto
estendia a bebida para mim.
— Me conta logo o que está acontecendo, seu idiota. — Semicerrei os olhos, o que fez com que
ele soltasse uma risada genuína.
— Hoje eu faço dezoito anos, loirinha — respondeu enfim, e eu fiquei sem reação por alguns
segundos.
— É sério? — balbuciei, tentando colocar os pensamentos em ordem.
O moreno assentiu, observando-me com atenção.
— Agora pega esse copo antes que... — Antes que ele pudesse completar a frase, eu levei meus
braços até ele, envolvendo-o enquanto sentia grande parte do champanhe ser derramado em mim.
— Feliz aniversário! — soprei em um tom maior que o necessário.
James pareceu um pouco surpreso com a reação, mas logo correspondeu ao abraço enquanto
soltava mais um riso.
— Obrigado, Monique — murmurou então, ainda me prendendo contra si.
— Então você vai finalmente poder tentar conseguir a guarda de seu irmão? — indaguei assim
que me afastei, e imediatamente vi um brilho refletir em suas írises.
— Já irei procurar por um advogado nessa semana — respondeu em um misto de orgulho e
alivio.
Sorri, feliz por ele.
— E você também vai resolver as coisas com sua tia?
— Não ainda. No momento, quero me concentrar em Jack o máximo possível — respondeu,
enchendo os copos de champanhe novamente. — Não derrama esse, ok? Acredite em mim, o preço
dessa coisa está totalmente fora do meu orçamento — disse em um bom humor em seguida,
entregando-me um dos copos.
Enquanto pegava a bebida, dei-me conta de que não tinha tido a chance de comprar nada para
James, o que fez com que eu contorcesse minhas feições em pura decepção quase que
instantaneamente,
— O que foi dessa vez? — ele questionou assim que desviou o olhar a meu rosto, e eu torci o
nariz.
— Por que você não me contou sobre seu aniversário mais cedo? Eu teria comprado algo para
você.
— Eu não disse nada justamente por isso.
— Mas é seu aniversário! Eu tenho que te dar um presente, James.
— Ah, eu sei bem disso. — O garoto então passou a esboçar um sorriso malicioso. — Eu nunca
disse que não queria um presente, e sim que não queria que você comprasse algo para mim.
Franzi as sobrancelhas.
— Como assim?
James não me respondeu. Ao menos, não com palavras. Ele simplesmente apoiou seu copo no
capô do carro e foi em direção ao banco do motorista.
Vi-o abrir o porta-luvas e pegar algo ali, e só pude perceber o que era quando ele tornou a se
aproximar.
— Não — balbuciei sem nem pestanejar, observando o caderno e alguns materiais de desenho
em suas mãos.
— Qual é, Monique?! — O moreno se sentou ainda mais próximo de mim do que se encontrava
há alguns minutos. — Você mesma disse que eu tenho que ganhar um presente, e eu escolho um
desenho — esclareceu, calmo.
Travei o maxilar, nada satisfeita.
— Vamos lá, você pode desenhar o que quiser. Eu só quero que você deixe que a folha fique
comigo.
— James, você não entende... Eu não desenho nada significativo há meses. Eu não consigo fazer
isso.
— Estou certo de que não há nada nesse mundo que você não consiga fazer, Monique — ele
rebateu apenas, firme.
— Bem, você está enganado.
— Não estou, não — James discordou, o olhar ainda fixo em mim.
Por um instante, a confiança em seus olhos me fez hesitar novamente, mas por outro motivo.
Aquela fé que ele parecia botar em mim me fez duvidar de que eu não era mesmo capaz.
— Por favor? — ele sibilou, esforçando para esboçar um sorriso ridículo.
Soltei o ar pela boca.
— Eu não prometo nada — murmurei por fim, pegando os materiais de suas mãos.
Eu iria tentar. Queria tentar. Mas ainda não tinha a certeza de que conseguiria algo produtivo ao
final, pois já havia me acostumado com a frustração de se esforçar tanto para absolutamente nada.
— Tenho certeza de que vai ficar perfeito — ele retrucou, ainda com total convicção, enquanto
eu ligava o flash de meu celular para iluminar o papel.
Revirei os olhos em resposta, o que fez com que James soltasse uma risada sonora.
— Ok, agora pode admitir, eu realmente tenho um alto talento de persuasão, não acha?
— Eu acho que você tem um alto talento para ser um babaca, e só — rebati, comprimindo os
lábios para que um sorriso não se instalasse ali.
— Ainda assim, você não consegue ficar longe, não é?
Não consegui discordar, então apenas questionei:
— Quer que eu consiga desenhar algo aqui ou não?
O moreno ergueu as mãos em um gesto inocente, assentindo enquanto sorria.
— Então cala a boca — soprei, e ele reprimiu um riso, assim como eu.
Voltei a me concentrar no caderno em meu colo, mas, ao contrário dos últimos meses, não
precisei forçar tanto meu cérebro na tentativa de fazer com que algo fluísse dali.
Surpreendentemente, eu não parecia estar vazia como o meu mais novo habitual.
Uma espécie de inspiração que me passou a ser tão estranha em algum momento me tomou por
inteira, e comecei a rabiscar a página em branco em movimentos súbitos.
Sorri com aquela sensação vibrante. Tinha sentido saudades de sentir a ponta do lápis lutando
no papel para construir algo que, ao menos para mim, parecia fazer a diferença.
Senti-me completa enfim.
Por quase uma hora, trabalhei detalhadamente para dar vida à imagem tão realista em minha
mente, e, a cada um de meus movimentos, sentia o olhar de James queimar em mim, como se ele
tivesse concentrado em minha própria concentração.
Por fim, quando o desenho parecia estar finalizado, oscilei o olhar entre ele e o moreno ao meu
lado para compará-los.
— Acabou? — ele questionou subitamente, mas não o respondi de imediato.
Ainda analisava cautelosamente o papel em meu colo.
Após alguns segundos, finalmente cheguei à conclusão de que o esboço estava genuinamente
bom. Melhor até do que eu podia ter imaginado.
James e Jack se encontravam abraçados, como se pousassem para alguma foto, com Freddie
logo atrás.
Não sabia ao certo se a ilustração do caçula tinha ficado tão boa, afinal, só me lembrava de
suas feições pela foto que vira no celular de James. No entanto, o desenho de James tinha ficado bem
próximo à realidade, o que fez com que eu me sentisse genuinamente orgulhosa de mim mesma.
Eu tinha conseguido.
— Espero que goste — eu disse por fim, entregando o caderno para o garoto.
Um longo silêncio se instalou enquanto James analisava o desenho, os olhos vagueando em cada
centímetro da folha.
Esperei, nervosa, pela sua opinião.
— Não gostou? — questionei após alguns minutos, não conseguindo mais reprimir a
curiosidade diante de suas feições inexpressivas.
Foi só então que o garoto lançou o olhar a mim, piscando um par de vezes em uma espécie de
incredulidade.
— Se eu não gostei? — ele balbuciou, quase abismado. — Pelo amor de Deus, Monique. Tá
de brincadeira? Isso... Porra, isso ficou basicamente perfeito. Você é mesmo talentosa pra caralho.
Minhas bochechas ruborizaram.
Não estava muito acostumada com esse tipo de elogio saindo da boca de alguém senão minha
mãe.
— Obrigado — soprou enfim, dando um breve beijo em meus lábios.
Sorri diante do gesto, mas logo bocejei, o que fez com que James assumisse um olhar mais
sério.
O moreno deu uma olhada em seu relógio de pulso e então arrancou a folha do caderno
cuidadosamente, dobrando-o com cautela antes de guardar no bolso de seu jeans.
— Acho melhor irmos agora. Amanhã temos aula — ele anunciou assim que se colocou de pé,
estendendo a mão para mim.
Não queria ir embora, mas também sabia que precisava dormir.
Por algum motivo indefinido, nessas últimas semanas, minha insônia tinha desaparecido quase
que por completo, e normalmente ficava feliz em precisar suprir a necessidade de simplesmente
dormir após tanto tempo de sentir uma inquietação horrível que nem mesmo me deixava fechar os
olhos.
Esses pequenos sinais me deixavam esperançosa, afinal, eu parecia estar recuperando a mim
mesma aos poucos.
Peguei na mão de James e deixei que ele me conduzisse até o banco do passageiro.
Durante o caminho de volta, acabei pegando no sono em algum momento, e somente fui acordar
com os dedos ásperos de James roçando minha bochecha de leve.
— Monique? — Escutei seu sussurro, o que fez com que eu abrisse os olhos rapidamente. —
Chegamos.
Esfreguei os olhos por alguns segundos, na tentativa de me alertar, e então saí do automóvel.
James fez o mesmo.
Atravessamos a lateral de minha casa cautelosamente, mas, assim que chegamos ao jardim,
paramos de andar instantaneamente.
Tyler estava sentado em uma das cadeiras do jardim, e pude identificar, com alguma
dificuldade, uma garrafa de vodca em sua mão. Contudo, a iluminação não era suficiente para que eu
soubesse se ele tinha ou não os olhos abertos.
— Tá tudo bem — sussurrei para o garoto ao meu lado, que tinha adotado uma postura rígida.
— É só meu irmão — acrescentei, e o vi soltar o ar pela boca rapidamente.
Avançamos mais alguns passos, e só então percebi que Tyler não poderia estar mais alerta, pois
ele logo virou o rosto em nossa direção em um movimento súbito.
Já estava acostumada com o seu silêncio, então não me importei em dizer algo a ele. Meu irmão
provavelmente não se importaria.
Quando eu e James finalmente chegamos perto do muro de minha varanda, escutamos a risada
ruidosa de Tyler, o que nos fez parar mais uma vez.
Girei os calcanhares em direção a meu irmão a tempo de vê-lo jogar a garrafa no chão e se
levantar em um movimento embriagado.
Comecei a suar frio subitamente. Se fizéssemos muito barulho, eu sabia que Josh não levaria
muito tempo para acordar.
Cerrei os dentes enquanto via Tyler se aproximar, ainda rindo.
— Então é isso que você anda fazendo até tão tarde da noite? — ele cuspiu as palavras assim
que se aproximou, e pude sentir o cheiro de álcool exalar até de seus poros.
— O que você quer dizer com isso, Tyler? — sussurrei após alguns segundos, soltando um
suspiro derrotado em seguida. Como sempre, eu estava entrando em seus joguinhos.
— Sabe, eu esperava tudo de você, Monique, menos que você fosse uma puta.
— Acho melhor você tomar cuidado com que fala, cara — James disse em um misto estranho de
tranquilidade e autoridade, pondo-se ao meu lado. Pela minha visão periférica, pude identificar a
tensão tomar conta de cada um de seus músculos.
— E eu acho melhor você não se meter em assunto de família, cara. — Tyler fuzilou James com
o olhar por um segundo, mas logo se voltou a mim. — Afinal de contas, parece mesmo que você
superou tudo rápido demais, não é?
Travei o maxilar enquanto absorvia suas palavras frívolas.
— Você sabe que isso não é verdade — retruquei por fim. Eu não iria começar uma discussão,
não naquele horário e não naquele lugar.
— É, tem razão. Você nem tem o que superar, certo, Monique? Afinal, se ligasse de verdade,
teria cumprido com sua obrigação.
— Pelo amor de Deus, nossa mãe estava dormindo quando eu deixei o quarto dela. Nenhum de
nós dois ou ninguém no mundo conseguiria evitar o que aconteceu, Tyler. Seria impossível vigiá-la
vinte e quatro horas por dia para que ela não fizesse besteira alguma — eu disse, já fechando os
olhos bruscamente na tentativa de conter as lembranças traumáticas. — E, se quer saber, eu sinto a
falta dela tanto quanto você o faz. Talvez até mais. No entanto, eu não sinto remorso algum, então,
sinto muito se é isso que você queria. Eu sei que fiz o que pude para ajudá-la. — Inspirei fundo,
abrindo os olhos por fim para observá-lo com precisão. — Se alguém tem que sentir remorso aqui,
esse alguém é você. Nossa mãe estaria decepcionada com a pessoa que você se tornou.
E, em um movimento mais rápido do que eu era capaz de assimilar por completo, Tyler ergueu
sua mão direita, e fechei os olhos instintivamente para aguentar a dor que se seguiria.
Entretanto, ela não chegou.
Assim que me forcei a abrir as pálpebras, um par de segundos depois, deparei-me com James
segurando firmemente o pulso de Tyler enquanto ambos se encaravam com pura ira em seus
respectivos olhares.
Minha respiração parou no instante em que James cravou seus dedos ainda mais na pele de meu
irmão e girou seu pulso no sentido horário.
— Você perdeu a cabeça, porra? — Pude identificar o esforço que James fazia para controlar o
tom de sua voz na tentativa de não acordar toda a vizinhança.
— James — sussurrei, apoiando a mão em seu ombro assim que vi as feições de Tyler se
contorcerem em dor.
O moreno não pareceu me dar muita atenção.
— Preste bem atenção, Tyler, porque eu não vou repetir duas vezes: você nunca mais vai falar
desse jeito com sua irmã e não vai mais sequer pensar em encostar um dedo nela outra vez — James
disse, o tom de voz assustadoramente cortante —, porque, acredite em mim, se eu souber que você
fez alguma dessas coisas, eu vou transformar sua vida num inferno. Monique é boa demais para fazer
alguma coisa a seu respeito, mas saiba que eu não. Longe disso, aliás. — O garoto então soltou o
braço de Tyler, que cambaleou para trás no mesmo instante enquanto levava os dedos na região
dolorida.
James não hesitou em levar sua mão até a minha, conduzindo-me em direção ao muro outra vez.
Senti-me um pouco mal por deixar meu irmão para trás naquele estado, mas, no fundo, sabia que
aquilo era necessário.
Em um par de minutos, quando adentramos em meu quarto, fechei a porta da varanda
imediatamente, como se quisesse deixar tudo que acabara de acontecer definitivamente para trás.
— Me desculpa por isso — disse para James assim que também fechei as cortinas.
— Você não precisa pedir desculpa por nada, Monique — ele retrucou, tranquilo, como se
realmente nada tivesse acontecido.
Inspirei fundo.
— Não, eu tenho. É seu aniversário, e não foi muito justo você ter tido que passar por toda essa
confusão — balbuciei, sentando-me em minha cama.
— Como você aguenta isso, Monique? — James questionou, ignorando minhas palavras,
enquanto começava a ficar um pouco mais irritado. — Quer dizer, puta que pariu, ele ia te bater.
— Tyler anda tendo dificuldades com o luto, James. Claro que é difícil para mim, mas acho que
ele ainda está tentando achar um jeito de lidar com tudo. Ele era um bom irmão antes de... Bem, antes
da morte de nossa mãe.
O moreno então passou as mãos pelo cabelo enquanto fechava os olhos por um par de segundos,
tentando se acalmar novamente. Por fim, ele apenas soltou o ar pela boca, sentando-se ao meu lado.
— Se importa se eu perguntar o que aconteceu para aquele idiota te culpar por toda essa
situação de merda?
— Hum... Acho que não — respondi, sincera. Eu realmente não parecia me importar em dizer o
que fosse para James. De algum modo, eu já confiava nele. — Minha mãe, Elizabeth, sempre teve
alguns... problemas. Ela foi diagnosticada com Transtorno de Bipolaridade quando eu ainda era
pequena — comecei a explicar, transferindo o olhar para o chão. — Tinha alguns ápices da sua
doença, sabe? Quer dizer, por alguns meses, ela era uma pessoa normal, a melhor mãe que poderia
existir. Mas, por outros, ela mal conseguia levantar da cama para comer. Quando Josh se separou
dela, nós nos mudamos para a cidade natal da nossa mãe, pois eu e Tyler éramos muito novos para
que ela conseguisse cuidar de nós dois sozinha.
Observei James por um segundo, e assim que vi que ele mantinha total atenção em mim,
obriguei-me a prosseguir:
— Mas, quando Tyler fez doze anos, nossa avó morreu, e ela era a única pessoa com quem
minha mãe podia contar. A partir daí, meu irmão passou a cuidar dela e de mim nos momentos ruins,
e, quando cresci, também passei a ajudá-lo com minha mãe. Não era tão difícil, afinal, não era
sempre que ela estava mal. Contudo, há uns seis meses, ela pareceu piorar. Não sei o porquê direito.
Doenças psicológicas são, no mínimo, imprevisíveis, você deve saber. Os médicos então passaram a
aumentar a dose dos medicamentos, só que, ao invés de melhorar, ela pareceu piorar. Eu e Tyler
passamos a nos revezar para não a deixar sozinha por nenhum momento quando ela passou a dizer
que nós estaríamos melhores sem ela. Ela amava mesmo a gente, então acho que se sentia culpada
por achar que sua doença era um fardo para nós dois. — Soltei o ar pesado pela boca, parando para
organizar as lembranças conflituosas por um segundo. — Em uma noite, Tyler saiu com seus amigos,
então era eu quem deveria ficar com ela. Mas minha mãe acabou adormecendo... Ou fingiu
adormecer, e eu fui para meu quarto por um instante para fazer minhas tarefas da escola. Não sei
como, mas acabei dormindo em algum momento. Somente fui acordar com os gritos de Tyler. Acabei
o encontrando com minha mãe, que já estava morta em seus braços por overdose.
Não soube ao certo por quanto tempo ficamos em silêncio a partir daí.
James parecia fazer um esforço excessivo para assimilar as informações, e quase pude
identificar algum tipo de dor em suas feições.
Aquelas memórias ainda doíam, mas eu já havia me habituado com elas. De alguma forma, eu
havia aprendido a conviver com elas. Então, apenas esperei que o garoto acabasse de absorvê-las
por completo.
— Sabe o que eu acho? — o moreno soprou por fim, finalmente buscando pelos meus olhos.
Arqueei as sobrancelhas, curiosa.
— Eu acho que você pode ser a pessoa mais forte que já conheci e que um dia poderei
conhecer, Monique — ele sussurrou, e fui capaz de sorrir enquanto ele me puxava para o abraço mais
forte que um dia já tinha recebido.
Surpreendentemente, eu não estava triste com tudo à minha volta. Pelo contrário, eu estava
realmente feliz.
— Você está bem? — James questionou assim que se afastou, após longos minutos, enquanto
continuava a alisar meu cabelo.
— Estou. Acho que só preciso dormir agora.
— Quer que eu fique? — ele indagou, e os cantos de meus lábios se ergueram quando eu
assenti.
O moreno também sorriu por uma fração de segundo, mas pude ver que era um sorriso, de certa
forma, pesaroso.
Em segundos, nós dois já nos encontrávamos debaixo das cobertas, sentindo o calor um do
outro. Me perdi em um efeito calmante sob seu cheiro doce, a textura de sua pele contra a minha e o
som de sua respiração pesada.
Estava quase dormindo quando o escutei chamar:
— Monique?
Sonolenta, abri os olhos vagarosamente, soltando um grunhido arrastado em resposta.
— Você me promete que se Tyler ou qualquer outra pessoa tentar te machucar, sendo do jeito
que for, você vai me contar? — ele sussurrou, e, pela minha mão em seu peito, pude sentir o ritmo
frenético que sua respiração tinha adotado. — Porque eu não acho que posso suportar a ideia de você
enfrentar tudo sozinha nessa merda de mundo. Você é boa demais para ele, Monique.
Forcei-me a pensar um pouco sobre suas palavras antes de responder, já fechando os olhos
outra vez:
— Você não pode me proteger de tudo, James.
Não soube se estava sonhando ou não quando a voz rouca de James ecoou pela minha mente:
— Não, mas eu posso tentar.
18 |
Faltas frequentes

MONIQUE PRICE

— Monique, você pode vir aqui por um instante? — Sr. Zane questionou, em voz alta, assim que
acabou de anotar o exercício proposto no quadro.
Pisquei um par de vezes, confusa, enquanto todos da classe transferiam o olhar para mim.
Mesmo relutante, coloquei-me de pé e caminhei até sua mesa enquanto me perguntava o que
diabos eu podia ter feito para ter me metido em encrenca.
— Hum... Algum problema? — questionei assim que me aproximei do professor, ainda nervosa.
Percebi que, a partir daquele segundo, toda a turma ficou em silêncio em uma provável tentativa de
escutar nossa conversa.
— Não com você — Sr. Zane respondeu calmamente antes de se virar para os alunos e dizer:
— E o resto de vocês, lembrem-se que o exercício deve ser entregue ainda hoje.
Imediatamente, todos voltaram a atenção aos seus respectivos cadernos.
— Eu quero falar sobre James, Monique — o professor anunciou então, e eu franzi o cenho. —
Honestamente, eu estou um pouco preocupado com seu sumiço. Acabei conversando com os outros
professores e percebi que suas faltas andam bem mais frequentes do que eu imaginava — começou a
explicar, e eu cerrei os dentes subitamente. Eu sabia que James andava faltando em algumas aulas
para que conseguisse resolver seu problema com Malcolm. Ele estava trabalhando, se é que vender
drogas pudesse mesmo ser considerado um trabalho. — Liguei para a casa dele ontem, mas ninguém
atendeu. E, como ambos sabemos, James não é exatamente uma pessoa muito aberta, então quero
saber se você sabe de algum problema pelo qual ele está passando.
Comprimi os lábios, sem saber o que dizer. Eu queria mesmo dar um jeito de melhorar a
situação do garoto, mas não fazia ideia de como, afinal, não podia ser sincera quanto a suas
dificuldades.
— Monique? — Sr. Zane chamou minha atenção após alguns segundos, e eu voltei a encará-lo.
Soltei o ar pesado pela boca.
— Desculpe, mas não sei de nada.
— Por favor, Monique. Eu vejo vocês pelos corredores da escola juntos. Você deve saber de
algo. Se ele está com algum problema, também é função da escola intervir — ele disse seriamente, e
eu hesitei. — Isso se trata do futuro dele. James é um garoto brilhante, mas nada disso adiantará se
ele não levar a escola a sério. Se as coisas continuarem assim, ele poderá reprovar por faltas.
— Eu sei — soprei subitamente. — James leva a escola muito a sério, acredite em mim. Ele só
deve estar doente.
O professor me lançou um olhar cético por um instante.
— Tudo bem — ele murmurou por fim, não muito satisfeito. — Mas, se ele não aparecer na
próxima semana, te mudarei de parceiro. Não é sua obrigação fazer os trabalhos por dois.
— Não — eu disse, a palavra saindo quase em um grito. Tomei um segundo para inspirar fundo
na tentativa de me acalmar. — Eu e James trabalhamos juntos em todos os exercícios. Sempre
resolvemos tudo, mesmo quando ele falta — expliquei, e, pela primeira vez, fui honesta por
completo.
Sr. Zane arqueou as sobrancelhas.
— Não foi você que havia me procurado algumas semanas atrás para falar que faltava
cooperação de James nos trabalhos?
Engoli em seco.
— Hum... É. Mas isso foi antes. James mudou, e muito.
— Sinto muito, Monique, mas já está decidido. Pode voltar para seu lugar agora — ele disse
calmamente.
Ainda estava contrariada quando girei os calcanhares e voltei para minha mesa.
Não consegui prestar atenção no restante da aula, pois simplesmente não conseguia parar de
pensar em James. Eu estava mesmo preocupada com ele.
Ao menos, hoje eu sabia que sua falta não se devia às malditas drogas. Ontem, o garoto tinha me
dito que falaria com um advogado na cidade pela manhã, então imaginava que, nesse mesmo horário,
ele estaria resolvendo a situação de seu irmão.
Assim que o sinal tocou, joguei meus materiais em minha mochila e disparei para o corredor, já
ligando para o número de James. Contudo, a chamada caiu direto na caixa postal, o que
automaticamente me deixou angustiada. Talvez, se eu conseguisse alertá-lo sobre o problema com as
faltas em breve, ele pudesse vir para ver o restante das aulas.
Tentei ligar para ele mais duas vezes, mas em ambas obtive o mesmo resultado da primeira.
Por fim, apenas mandei uma mensagem para o garoto, pedindo para que ele me ligasse assim
que pudesse. Convencendo-me de que a provável reunião em que se encontrava logo acabaria,
guardei meu celular no bolso na expectativa de que logo ele me retornaria.

Na sexta, James também não apareceu na escola, o que automaticamente fez com que eu
beirasse ao desespero. Minhas ligações tinham sido totalmente ignoradas também na última tarde,
então não fazia ideia do que diabos estava acontecendo.
Após uma grande lista de prós e contras, finalmente decidi sair da escola para procurá-lo. Tinha
noção de que podia estar agindo quase como uma neurótica — e, sinceramente, eu preferia isso a
algo mais sério —, mas aquilo realmente me parecia estranho demais, até mesmo para James. O
garoto nunca tinha sumido por todo esse tempo, não sem alguma briga entre nós acontecer antes.
Depois de entrar em meu carro, não demorei mais que dez minutos para chegar em sua casa.
Surpreendi-me quando vi os dois automóveis do garoto em sua garagem, afinal, já estava preparada
para tomar rumo em direção ao Hell’s Bar, onde ele geralmente se encontrava.
Convencendo a mim mesma do fato de James se encontrar em sua própria casa não podia ser
algo estranho, desci de meu carro.
Em segundos, já batia em sua porta com uma força excessiva, esperando ansiosa pelo momento
em que o moreno abriria a porta e comprovasse que toda minha neurose não passava de uma estranha
loucura.
Soltei um suspiro em puro alivio assim que a porta foi aberta. No entanto, a sensação não durou
por mais que um par de segundos, pois logo meus olhos localizaram alguém completamente diferente
de quem eu esperava.
— Tobias? — murmurei assim que lembrei o nome do garoto que se encontrava à minha frente,
o qual tinha conhecido em uma festa há algum tempo.
— Oi, Monique — ele soprou calmamente enquanto se colocava entre mim e o interior da casa.
Arqueei as sobrancelhas diante do gesto que não passou nada despercebido.
— Onde James está? — As palavras saíram rapidamente, mas não me importei muito em
parecer rude. Eu apenas precisava vê-lo.
Tobias hesitou um pouco, mas logo respondeu:
— No quarto.
Ainda assim, o garoto continuou impedindo minha passagem.
— Eu preciso conversar com ele — disse o óbvio após alguns segundos, quando ficou óbvio
que Tobias não me deixaria entrar.
— Ele está dormindo, Monique.
— Tenho certeza de que ele não irá se importar de ser acordado — rebati enquanto me
perguntava qual era o motivo de todo esse drama. Eu realmente estava fazendo um esforço gigante
para não perder a cabeça ali.
— Hum... Na verdade, James está bem cansado. Mas falo para ele te ligar assim que acordar —
ele soprou por fim, já fazendo menção em fechar a porta em minha cara. Contudo, fui ágil o suficiente
para impedi-lo.
Empurrei a madeira com uma força maior e dei alguns passos para frente, esbarrando no ombro
de Tobias com força para que eu pudesse entrar de vez.
— Sinto muito, mas não posso esperar — balbuciei para o garoto que parecia ter sido pego de
surpresa.
Em um segundo, senti sua mão segurar meu braço, mas eu realmente estava determinada a não
me deixar ser impedida de fazer o que tinha vindo fazer. Desvencilhei-me de seu toque em um
movimento súbito.
Percorri o curto corredor da casa com passos acelerados, escutando Tobias vir logo atrás de
mim. Após poucos instantes, eu já abria a porta do quarto de James com uma pressa assustadora.
No entanto, toda aquela avidez se dissipou no mesmo momento em que meus olhos localizaram
o moreno.
Perante a entrada do pequeno cômodo, eu simplesmente paralisei enquanto eu me obrigava a
avaliar todo o... estrago.
James se encontrava deitado em sua cama e trajava apenas uma simples calça de moletom,
deixando assim inúmeros ferimentos expostos. Grande parte da lateral direita de seu abdômen se
encontrava coberta por um roxo profundo, o qual era forte o suficiente para se confundir com os
desenhos negros ali presentes. Um de seus braços estava com uma tala improvisada, mantendo-o
imóvel, e seu rosto... Meu Deus, o rosto estava simplesmente destroçado com inúmeros cortes,
hematomas e inchaços.
O pior de tudo era que eu nem mesmo tinha conseguido encontrar ponto algum em nenhum de
seus cortes feios.
— Que droga, Tobias — James resmungou por fim em um tom de voz assustadoramente fraco.
Aquilo serviu para que eu saísse de meu pequeno transe, mas não para melhor. Eu simplesmente
estava começando a ficar apavorada.
— Desculpa, cara. Ela foi entrando, não deu pra impedir — Tobias logo murmurou, na
defensiva.
James soltou o ar pesado pela boca.
— Tudo bem — ele balbuciou por fim, sentando-se na sua cama com um esforço doloroso de se
ver. — Apenas nos deixe sozinhos, por favor.
Não demorei a escutar a porta se fechando atrás de mim. Mas, ainda assim, continuei assustada
demais para me mover. No fundo, eu ainda tinha esperanças de que aquilo fosse apenas um pesadelo.
O primeiro em algumas semanas.
— Ei, tá tudo bem. Eu estou bem — o moreno disse diante de minhas expressões aterrorizadas.
Não me senti melhor. — Vem aqui. — Ele bateu na lateral da cama com a palma de sua mão boa.
Não soube exatamente como, mas fui capaz de caminhar em sua direção. Contudo, ainda não era
capaz de encontrar forças suficientes para dizer algo. Nem mesmo parecia ter energia para respirar
corretamente.
Sentei-me ao seu lado com cuidado, temerosa pela possibilidade de machucá-lo ainda mais.
James segurou minha mão fortemente enquanto eu corria os olhos por todos aqueles machucados
horríveis pela segunda vez. Ainda tentava, com todas minhas forças, assimilar o que parecia mesmo
ser realidade.
Foi difícil ter de contentar com sua mão, mesmo tendo em mente que não poderia abraçá-lo sem
causar alguma dor.
— O que aconteceu com você, James? — questionei por fim em um tom de voz que não parecia
ser meu. Havia a mais pura angústia explícita nele.
— Acho melhor não falarmos sobre isso, loirinha. — Ele forçou um sorriso, que não durou por
mais que uma fração de segundo, afinal, seu lábio inferior também estava machucado.
— Você tá brincando? — balbuciei, séria. — Pelo amor de Deus, você tem que me contar,
James.
Pude ver James engolir em seco, nitidamente descontente com a ideia. Entretanto, não estava
disposta a ficar sem uma resposta. Eu precisava saber.
— Eu tive de adiar o prazo estipulado por Malcolm para o pagamento algumas vezes, Monique.
Não consegui vender nem um terço da metanfetamina — ele explicou enfim, derrotado. — E, bem, o
cara não é a pessoa mais paciente do mundo. Ele acabou se cansando, e, bem... — O garoto deu de
ombros, o que imediatamente fez com que suas feições se contorcessem em dor.
— Meu Deus, James — sibilei, fazendo um esforço excessivo para não chorar. — E você não
foi ao hospital? — indaguei então diante da nítida falta de precauções com os ferimentos.
— Eu não posso ir ao hospital. Isso foi uma agressão, então a polícia entraria no meio — ele
respondeu como se fosse óbvio.
Meu olhar se perdeu após escutar aquelas palavras.
Não era justo. Nada daquilo era.
— E agora? E se eles voltarem? — questionei após poucos segundos, assim que o pensamento
agonizante tomou conta de minha mente.
— Eles não vão — James retrucou calmamente, balançando a cabeça.
— E como você pode ter tanta certeza?
Foi então que eu vi algo se perder em seus olhos. Era a esperança se dissipando aos poucos.
— Porque eu já paguei Malcolm.
Não queria saber a explicação para isso. Não queria, mesmo. Contudo, eu sabia que não
poderia fugir daquilo.
Inspirei fundo enquanto um tremor se espalhou por todo meu corpo, e fechei os olhos quando,
por fim, perguntei:
— Com que dinheiro?
Houve um curto silêncio torturante a partir daí.
— Com o dinheiro do advogado, Monique.
Não consegui mais segurar as lágrimas. Elas começaram a cair no mesmo instante em que me
forcei a olhá-lo.
— Mas por que eles fizeram... isso com você?
— Eu só entreguei o dinheiro depois.
— O quê? Mas por que você esperou?
Não obtive resposta para essa pergunta.
James apenas soltou um suspiro frustrado, desviando o olhar de mim.
Senti o pior aperto no peito do mundo diante daquele pequeno gesto.
— Você pode me contar — balbuciei, tentando, em vão, forçar um tom de voz firme.
O moreno ainda não tinha retornado o olhar a mim quando disse:
— Eu não pretendia entregar o dinheiro a eles até... — ele engoliu em seco, e, pela primeira vez
desde que o conheci, parecia genuinamente assustado — até eles deixarem claro que, assim que
acabassem comigo, procurariam por você. Eles sabiam seu endereço, Monique.
Levei a mão à boca em um ato instintivo.
— Tá tudo bem. Esquece isso, Monique. Já passou — o garoto soprou após um par de
segundos, sério.
— Não — discordei, entrando em um desespero ainda maior enquanto me levantava da cama,
sem conseguir mais ficar parada. — Você não devia ter feito isso, James. É da sua família que
estamos falando aqui. Eu também poderia aguentar qualquer coisa que eles fizessem comigo. Como
você acha que eu me sinto sabendo que eu sou a razão de você não ter mais a oportunidade de ver seu
irmão?
— Porra, Monique. Você não entende nada da situação. Você acha que eu conseguiria viver
comigo mesmo se você fosse agredida, machucada, e até estuprada por aqueles animais por culpa
minha? — As palavras de James fizeram com que eu parasse de andar instantaneamente.
Inevitavelmente, assustei-me com a situação hipotética. — Você acha que o fato de eu poder ver meu
irmão novamente apagaria tudo que eles poderiam ter feito com você?
— Não, James, mas... — Não encontrei mais palavra alguma. Não pude achar alguma solução
realmente viável para nada daquilo.
— Cacete, Monique. Você é impossível — ele sussurrou enfim, passando a mão pelos cabelos.
— Tudo é o que é. Eu que escolhi entrar nesse caralho, e agora só tive o que mereci.
— Você não merece nada disso — rebati em um sussurro de imediato, sentando-me ao seu lado
novamente e tomando sua mão. — Eu vou dar um jeito.
— Você não pode dar um jeito nisso. — O moreno soltou uma risada sem humor.
— Eu posso — retruquei, séria.
— Puta merda, você é incrivelmente teimosa — balbuciou, revirando os olhos.
James claramente não estava me levando muito a sério, então decidi deixar o assunto para lá.
Ao menos, por enquanto.
— Vem aqui. — James estendeu seu braço para que eu deitasse em seu ombro livre de
hematomas, e assim eu fiz. Senti seus músculos se contraírem pela dor, mas o garoto não reclamou
nem por um instante.
Sentindo o calor de James contra minha pele, comecei a repassar todas as possibilidades que
meu pai podia usar como palavras-passe.
19 |
Uma vida injusta

MONIQUE PRICE

Eu encarava a tela do notebook de Josh na esperança de que todas aquelas exigências


simplesmente desaparecessem.
O sistema de segurança do site do Centro Judiciário era, com toda certeza, muito mais
complexo do que eu esperava, exigindo que a senha usada tivesse letras maiúsculas e minúsculas,
números e pelo menos um carácter especial.
Ou seja, minhas esperanças tinham sido completamente estilhaçadas e jogadas no lixo.
Tentei não entrar em pânico diante daquela situação. Apenas inspirei fundo enquanto me
recostava na cadeira, na tentativa de pensar em uma outra alternativa para localizar o irmão de
James.
Bem, havia também a possibilidade de buscar o arquivo físico do processo de Jack no fórum;
contudo, somente pessoas autorizadas tinham o acesso, o que automaticamente significava que seria
mais difícil de conseguir que o arquivo digitalizado.
De fato, eu estava mesmo perdida.
Era isso. James não teria a chance de encontrar Jack até que o irmão completasse dezoito anos.
Não pude fazer nada para impedir tal consequência e também não poderia fazer nada para consertá-
la.
Essa era a vida. Injusta com pessoas justas.
Tudo pelo que James tinha batalhado tanto tinha sido simplesmente em vão.
Tive vontade de gritar diante de toda a raiva súbita que senti do maldito universo. As coisas
não deviam ser assim. Apenas... não podiam.
— O que está fazendo? — A voz de Tyler fez com que eu pulasse na cadeira, assustada, e
fechasse o notebook de Josh uma fração de segundo depois.
Quando finalmente lancei o olhar a meu irmão, percebi que ele me encarava com curiosidade
enquanto sustentava expressões calmas.
Comprimi os lábios diante da cena, desconfiada, afinal, aquele rosto sereno certamente não
podia significar boa coisa. Era estranho demais.
Por fim, quando o garoto percebeu que não obteria resposta alguma, ele adentrou no escritório e
se sentou na cadeira atrás da mesa.
— Eu quero conversar com você, Monique — ele soprou em seguida, procurando por meus
olhos.
Engoli em seco, ainda sem entender muito o que estava acontecendo ali. Ainda me perguntava
se deveria fugir do escritório antes que uma briga iminente entre nós dois eclodisse.
— Bem, na verdade, eu queria tê-la procurado antes, mas não sabia ao certo como dizer o que
preciso dizer — continuou, fechando os olhos bruscamente. Pude ver que Tyler realmente parecia
tenso, o que fez com que eu franzisse o cenho.
Meu irmão sempre parecia irritadiço ou rancoroso; tenso, nunca.
— Ok, vou ir direto ao ponto — murmurou diante de meu silêncio, o qual só se devia à minha
própria confusão. — Eu nunca devia ter falado aquelas coisas para você, Monique e, principalmente,
não devia ter levantado minha mão para você. Eu só... — Tyler hesitou por um momento, parecendo
organizar seus pensamentos. — É uma péssima desculpa, mas é tão difícil controlar a raiva. Não
raiva de você, e sim por tudo o que vem nos acontecendo. Eu não devia fazer isso, mas parece quase
inevitável descontar todo esse misto horrível de frustração e ira na primeira coisa que vejo, na
primeira coisa que... parece conveniente.
Arqueei as sobrancelhas enquanto assimilava suas palavras. Pareciam ser as primeiras honestas
em um bom tempo.
— Naquela noite em que fiz o que fiz, acho que passei dos limites. Na verdade, tenho total
certeza. Você não merecia isso. Droga, eu sei que você não merece nenhuma parte de meu ódio.
— Você me odeia? — balbuciei, sem poder evitar. Era óbvio que Tyler vinha me tratando com
alguma espécie de desprezo, mas, ódio... era algo muito forte.
Meu irmão soltou o ar pela boca, encarando-me por longos segundos em meio a um silêncio
agonizante.
— Não, eu não te odeio — ele respondeu por fim, e só então percebi que estava segurando o ar
por todo o tempo em que esperei por suas palavras. — Mas acho que odeio um pouco a facilidade
com o que você lidou com a morte de nossa mãe. Você parecia tão centrada e...
— Você acha que eu tive alguma facilidade em lidar com isso? — cortei-o, atônita. — Tyler, os
últimos meses foram os mais difíceis de toda minha vida. Pensei que isso fosse óbvio. Meu Deus, ela
também era minha mãe.
— Merda, eu sei — o garoto disse rapidamente, esfregando sua testa. — É só que você sempre
parecia apenas triste e nunca com... raiva.
— Raiva? Do que você está falando?
— Estou falando que eu fico puto a todo momento com nossa mãe. O que ela fez não foi justo
conosco, e ela devia saber isso. Quer dizer, ela nem mesmo pensou em como nós ficaríamos depois
do suicídio ou como teríamos que suportar todo esse peso pelo resto de nossas vidas.
De primeira, eu fiquei triste com aquelas palavras, afinal, ainda doía falar sobre sua morte e
sobre o jeito com que tudo aconteceu. Eu havia me conformado com sua falta, com minha nova vida
sem ela, mas me conformar era diferente de me esquecer. De alguma forma, eu sempre me lembraria
da dor que senti ao perdê-la.
No entanto, junto com a tristeza, naquele momento também senti o mais puro alívio. Aquela era
certamente a primeira vez em que Tyler falava sobre seus sentimentos em relação aos últimos meses,
e eu não podia estar mais feliz por esse pequeno e tão significativo passo de meu irmão.
— Ela era doente, Tyler — eu murmurei após algum tempo, procurando por seus olhos. — Mais
que tudo, ela estava infeliz e pensando que também fazia com que nós fôssemos infelizes. Nossa mãe
tentou viver, e você sabe o quanto. Mas acho que ela... simplesmente não podia mais.
Meu irmão desviou o olhar de mim, assimilando minhas palavras, ainda que eu não tivesse dito
nada que ele já não soubesse.
— Sabe, você pode achar que não, mas eu sei mesmo pelo que você está passando. Esse
buraco, esse vazio sempre vão nos acompanhar para onde formos. Mas, junto deles, também haverá o
amor e a gratidão. Sua perda sempre vai nos machucar, mas a lembrança de sua presença também
sempre vai fazer com que nós nos sintamos sortudos por tê-la ao nosso lado, por tudo o que ela foi e
pela marca que ela deixou em nossas vidas — eu disse, sentindo meu coração se apertar no peito. —
Vai ficar mais fácil. Para nós dois.
Tyler trincou o maxilar por um momento, inerte. Esperei pelo seu tempo sem dizer mais nada, e,
por fim, ele murmurou:
— Tem certeza de que eu sou o irmão mais velho aqui?
Havia lágrimas em seus olhos quando ele apertou minha mão por cima da mesa.
A umidade logo ocupou também meus olhos, mas não por tristeza. Eu estava feliz por ter meu
irmão de volta.
— Me desculpa por ter sido um completo imbecil — ele soprou, e, em um segundo, eu já me
encontrava em seus braços.
— Eu senti sua falta — sussurrei sem nem pestanejar enquanto sorria diante do toque tão
familiar.
— Eu também, Monique. — Tyler então deu um beijo no topo de minha cabeça antes de se
afastar.
— Então... isso quer dizer que você não vai mais me ignorar a partir de agora?
— Acho que está na hora de eu crescer, certo? — Ele sorriu enquanto me lançava uma
piscadela, o que me fez soltar um breve riso.
— Acho que sim. — Dei de ombros, satisfeita.
— Agora você pode me dizer o que está fazendo no escritório do Josh?
Meu sorriso morreu no mesmo instante em que tornei a me lembrar de James e Jack.
— Hum... Não é nada de mais — respondi, e Tyler franziu o cenho.
— Não se mente para um mentiroso, Monique. Eu já estive nessa mesma cadeira antes de você.
Contudo soube esconder melhor — ele rebateu, e, antes que eu pudesse impedir, o notebook já se
encontrava em suas mãos.
Tentei tomá-lo de volta, mas meu irmão foi certamente mais ágil que eu.
— Por que você está tentando acessar a conta de nosso pai? — ele indagou, ainda me
impedindo de tomar o aparelho de volta. — Você está querendo ferrar com Josh?
— O quê? — murmurei, perplexa. — Mas é claro que não. Estou fazendo um favor para um
amigo. Bem, eu estava tentando.
— Um amigo? — Ele arqueou as sobrancelhas, desviando o olhar para mim. — O que está
acontecendo?
— Eu só queria ter acesso às informações de um processo de adoção. Como eu disse, não é
nada de mais.
— Não me parece ser nada de mais — Tyler retrucou, continuando a me encarar de modo que
deixasse claro que ele não desistiria até obter uma informação significativa.
Soltei um suspiro pesado.
— Tudo bem, é sobre o irmão de James — balbuciei a contragosto, cruzando os braços.
— James? Aquele cara que...
— Que te deu uma lição no outro dia?
— É, que seja. — O garoto revirou os olhos, e eu me apressei para reprimir o riso.
— Sei que você deve não gostar de James, mas o irmão é muito importante para ele, Tyler —
murmurei enfim, já mais séria.
— Eu acho que não tenho motivos para não gostar dele. Na verdade, eu sou um pouco grato por
ele ter me impedido de... Você sabe. — A vergonha tomou conta de cada uma de suas feições.
— Isso é passado, Tyler.
— Não, Monique. — Ele balançou a cabeça. — Eu estava errado, e não só nesse dia como em
todos os anteriores. Preciso me redimir com você, e acho melhor começar bem agora.
— Você é muito estranho — eu resmunguei, sem entender sobre o que ele falava.
Tyler apenas deu um sorriso divertido e voltou sua atenção ao notebook, inclinando-se para
digitar algo ali.
— Espero que faça bom uso — o garoto soprou após poucos segundos, virando a tela para mim.
Desviei meu olhar de imediato para a tela, e gastei um tempo maior que o necessário para
assimilar o que meu irmão tinha feito.
— Meu Deus, Tyler — balbuciei, levando a mão à boca. — Como? — questionei apenas, sem
conseguir dizer algo a mais diante do site já logado.
— Descobri sua senha há um tempo, quando estava tentando foder com Josh. — Ele deu de
ombros, forçando uma falsa inocência. — Por fim, acabei desistindo de postar pornografia nos
arquivos digitalizados que ele cuida, afinal, provavelmente todo mundo saberia que eu era o
responsável mesmo.
Foi só então que fui capaz de sorrir.
— Você realmente não presta.
— Eu sei — ele murmurou, também esboçando um sorriso pouco antes de ir em direção à porta
do escritório.
— Tyler? — chamei antes que ele saísse.
— Que é?
— Obrigada, mesmo. Você não tem ideia do quanto isso significa para mim.
Meu irmão apenas fez um gesto com a mão como se aquilo não fosse grande coisa antes de
fechar a porta do cômodo.
Sozinha outra vez, não hesitei em buscar pelo arquivo “Jack Mitchell” enquanto um sorriso
grande demais tomava conta de meus lábios.
Já estava na hora do universo começar a cooperar comigo.
20 |
Tarde para voltar atrás

JAMES MITCHELL

Eu filava meu terceiro cigarro do dia enquanto colocava um pouco mais de uísque em meu
copo.
— Quer mais? — ofereci a Tobias, que estava sentado ao meu lado do balcão do Hell’s Bar.
— Não, valeu. Tenho que sair daqui a pouco para buscar minha irmã na escola, e se eu dirigir
bêbado... Bem, você sabe como minha mãe é.
Soltei um riso nasalar, ignorando os vestígios de dor que o corte em processo de cicatrização
de meu lábio causou.
— É, eu sei — murmurei, dando um gole em minha bebida.
— E, falando nisso, você não vai mesmo fazer nada a respeito de seu irmão? — Tobias repetiu
a pergunta pela provável quinquagésima vez desde que Malcolm tinha me visitado.
— Que merda, Tobias. Eu já disse que não — resmunguei, nada contente em ter que admitir isso
em voz alta outra vez.
O fato era que eu não tinha mais chance. Advogados cobravam por hora e processos de adoção
normalmente eram longos, e, agora, todo meu dinheiro possivelmente já estava em um dos malditos
cofres de Malcolm.
— Cara, eu sei que tudo isso é complicado pra cacete, mas você não pode desistir. Eu também
me importo com Jack.
— E você acha que eu quero desistir? — soprei, já puto. — Não existe ninguém nesse mundo
que gostaria de recuperar o irmão mais do que eu, acredite. Então, se eu estou desistindo, é porque
não tenho a porra de outra saída. Agora pare de tocar nessa merda de assunto. Eu já me sinto mal o
suficiente por ser esse lixo inútil, e não preciso de você para me lembrar disso a cada minuto.
— Foi mal, cara. Não era minha intenção — o garoto balbuciou honestamente, e eu voltei a fitar
minha bebida enquanto cerrava os dentes com uma força excessiva. — O que eu estou tentando dizer
aqui é que você ainda pode ter alguma outra alternativa com o Price.
Puta merda.
Tobias definitivamente não sabia a hora de calar a boca.
Inspirei fundo, já fechando os olhos na tentativa de não me deixar irritado. Ao menos, não mais
do que eu já me encontrava.
— Tobias, para fazer o que eu pretendia fazer com o juiz, eu precisaria do dinheiro. Não se
entra em um processo sem advogado, imbecil — eu disse o óbvio. — Além do mais, meu plano era
falho. Não haveria certeza de que Josh seria o juiz encarregado do caso, então minhas chances
sempre foram... mínimas.
— Tudo bem, mas você nunca considerou que também poderia conseguir algum dinheiro com a
chantagem. Mesmo se ele não for o juiz, pelo menos você vai ter a grana necessária para o processo.
— Sério, Tobias, só... cala a boca.
— Sabe, eu não entendo o porquê de você estar voltando atrás. Há algumas semanas, você
aproveitaria a chance que fosse para recuperar seu irmão. O que aconteceu? Por que diabos você
nem mesmo está cogitando a possibilidade?
— Já chega. Isso não é da merda da sua conta — soprei enfim, fuzilando-o com o olhar.
Fiquei aliviado quando o garoto pareceu finalmente fechar sua boca após se dar conta de
minhas feições nada convidativas.
Um longo silêncio começou a perdurar entre nós, mas, ainda assim, as palavras de Tobias
continuaram a ecoar em minha mente sem permissão direta.
Eu também não entendia muito bem porque não estava mais disposto a aproveitar cada pequena
chance de ter Jack de volta.
Bem, talvez fosse porque, agora, eu sabia que nem todos os fins justificavam os meios.
Talvez fosse porque eu enfim soubesse o que estava em jogo ali e quais seriam as
consequências de meus atos.
Eu amava meu irmão mais do que tudo. Ele era minha família, minha única família.
No entanto, para usufruir daquela quase insignificante chance que Tobias mencionara desse
certo, eu teria de machucar Monique, e eu não sabia mais se poderia fazer isso.
Imaginei que meu erro tinha sido me aproximar demais, conhecê-la demais, e já era tarde para
voltar atrás. Seria improvável que eu esquecesse de quem a garota era e de tudo que havia enfrentado
até aquele momento.
Também seria basicamente impossível ignorar tudo o que eu era ao seu lado.
Eu não sabia identificar ao certo o que Monique fazia comigo, mas eu sabia que gostava.
Pateticamente, eu gostava de estar ao seu lado. Gostava de conversar com ela, de beijá-la, de tocá-la.
Sobretudo, eu gostava da pessoa que ela achava que eu era. Aos seus olhos, eu parecia ser bom
e genuinamente capaz de qualquer coisa.
A partir de algum momento não específico, eu tinha cometido o erro irrevogável de deixar que
Monique entrasse, e, agora, eu não estava mais tão determinado a deixá-la ir com tanta facilidade,
não quando era aquela garota que continha o efeito mais arrebatador e extasiante de todas as drogas
que eu já havia conhecido.
Apenas sua presença era capaz de elevar meu grau de endorfina, serotonina e dopamina.
Seu cheiro, a sensação de sua pele contra a minha, o som de sua voz eram como pequenos
fragmentos de uma substância seduzente feita especialmente para mim, estimulando-me mais a cada
segundo em que me encontrava ao seu lado.
E, ao mesmo passo, sua ausência parecia me causar alguma espécie de abstinência. Eu
simplesmente parecia necessitar dela.
De algum modo, Monique Price tinha passado a ser meu único vício, e eu sabia que não teria
como eu estar mais fodido por isso.
Entretanto, eu ainda não tinha me decidido por completo se isso era motivo suficiente para que
eu jogasse tudo pelo que vinha lutando no lixo.
Apesar das circunstâncias, Jack ainda podia precisar de mim, e nada me machucava mais do
que esse pensamento.
— Cara, olha quem acabou de chegar. — A voz de Tobias me tirou de meus pensamentos de
uma só vez, e soltei o ar pesado pela boca antes de me obrigar a olhar para a entrada do bar.
Blake sorriu no mesmo segundo em que meus olhos encontraram os seus, e eu não demorei a
voltar a fitar meu copo na esperança de que ela entendesse que eu não estava a fim de muita
conversa.
— Ela está vindo para cá — Tobias murmurou após poucos segundos, fazendo com que eu
soltasse um grunhido de frustração instantâneo. — Vou deixar vocês sozinhos. A gente se vê depois
— disse, já se levantando, e, em instantes, Blake já se encontrava ao meu lado.
— O banco está ocupado?
Dei uma longa tragada em meu cigarro, sem me dar ao trabalho de olhá-la.
— Vou entender isso como um não — balbuciou de modo que eu pudesse sentir o sorriso por
trás das palavras enquanto se sentava. — Posso te acompanhar? — a garota indicou com o queixo
para minha bebida.
— Prefiro beber sozinho, Blake — digo simplesmente, mas ela me ignorou por completo e
pediu uma cerveja para o barman.
— E então, vai me contar o porquê desses roxos na sua cara?
— Por que quer saber?
— Nossa, gato! — Blake fingiu estar ofendida. — Eu me preocupo com você. Além do mais,
quero saber se isso tem alguma coisa a ver com minha dispensa repentina.
Inspirei fundo.
— Você não trabalha mais com essa merda e pronto — eu disse apenas, firme.
Blake entregava algumas drogas para mim de vez em quando, mas, após Malcolm ameaçar
Monique, imaginei que ele também seria capaz de fazer o mesmo com a garota ao meu lado, e eu
certamente não estava disposto a deixar mais alguém correr algum risco por minha causa.
— Tudo bem, eu mudo de assunto então — ela sibilou por fim. — O que está fazendo aqui? Sei
que é sábado, mas não são nem cinco da tarde. Não tá meio cedo pra beber?
— É, acho que sim — balbuciei secamente, sem me importar.
— Bem, pelo menos agora estou aqui pra compartilhar o porre da vida com você, certo?
Em meio à risada escandalosa de Blake, escutei a porta do bar se abrir a poucos metros, e meu
olhar foi atraído instintivamente para lá, como se eu já sentisse de quem se tratava.
Monique não demorou a contorcer suas feições angelicais em pura confusão assim que seus
olhos encontraram a mim e a garota ao meu lado.
— Cai fora, Blake — sibilei sem hesitar, e ela franziu o cenho. Entretanto, assim que seu olhar
seguiu o meu, se deu conta da situação.
— Sério mesmo que você está me trocando por ela? — A garota se voltou para mim.
— Eu não vou falar duas vezes — eu disse, ignorando suas palavras.
Blake travou o maxilar, irritadiça, mas logo desocupou o banco.
Quando voltei a fitar Monique, percebi que ela me observava desconcertada, como se tentasse
decidir se devesse mesmo entrar ou dar meia-volta e ir embora.
Estava prestes a me levantar e ir em sua direção, mas antes que o fizesse, a garota se recompôs
e veio até mim com passos relutantes.
— Oi — ela balbuciou em um tom baixo enquanto se sentava.
— Eu sei o que pareceu, mas não foi nada disso — murmurei, sem rodeios.
— E o que pareceu? — questionou então, arqueando as sobrancelhas.
— Eu não vim com ela, Monique.
— Hum... Tudo bem. — Ela deu de ombros, mas a pequena ruga entre as sobrancelhas ainda se
encontrava ali.
— Sério? Porque não é o que parece — soprei, e a garota desviou o olhar, hesitante.
— É a segunda vez que encontro vocês assim, tão próximos. É um pouco estranho — respondeu
enfim, e, bem, ela estava certa. Monique tinha razão de estar desconfiada, mas pelo motivo errado.
Eu e Blake já havíamos ficado juntos ocasionalmente, mas tudo terminara muito antes de
Monique chegar à cidade. A partir daí, mantivemos contato apenas por causa do trabalho. Bem, eu
mantive contato com ela apenas por causa do trabalho.
Blake era uma garota legal, mas a única coisa que um dia senti por ela foi atração física.
— Ok, me responda o seguinte: nesse tempo juntos, eu nunca te dei um motivo para duvidar de
mim, certo?
Monique piscou um par de vezes, pensativa, mas então balbuciou:
— Certo.
— Então acredite em mim quando eu digo que não estou ficando com mais ninguém além de
você. — Um sorriso inevitável se esboçou dentre meus lábios, e imediatamente pude ver os lindos
olhos escuros da garota abaixarem a guarda. — E eu também não gosto das morenas, ok? Ao menos,
não mais. Agora eu só gosto desse tom de loiro específico — soprei enquanto minha mão subia para
uma mecha de seu cabelo para brincar com os fios macios.
Meu sorriso se alargou quando os cantos de sua boca se ergueram.
— Tudo bem, eu confio em você — ela cedeu enfim, mesmo ainda estando um pouco relutante.
— Eu acho — acrescentou.
— Eu estou ignorando essas últimas palavras. — Revirei os olhos, e ela soltou um riso nasalar.
— O que você está fazendo aqui a essa hora, James? — questionou, já mais séria, enquanto eu
acabava com a bebida em meu copo.
— Eu só estava cansado de ficar em casa, e como boa parte da dor cessou, decidi vir para cá
— expliquei, já me servindo mais uísque.
— Eu ainda acho que você devia ir ao hospital. Os cortes em seu rosto foram profundos.
— Os curativos que você fez estão ajudando — rebati, tocando no pequeno band-aid em minha
sobrancelha. — Meu rosto nem está mais inchado, loirinha. Pare de se preocupar.
— Ok, então — ela sibilou a um visível contragosto, mas um sorriso logo ocupou seus lábios.
— O que foi? — indaguei, curioso diante do brilho em seu olhar.
— Tenho um presente para você — respondeu enquanto tateava em sua bolsa na busca de algo.
— Como assim, Monique? Você já me deu aquele desenho, e certamente não preciso de mais
nada — retruquei, sério, mas logo me apressei em corrigir: — Bem, talvez eu precise, mas só quando
nós dois estivermos sozinhos dentre quatro paredes.
— Você é ridículo — a loira sibilou, segurando o riso. Desviei meu olhar do decote de sua
regata para seus lábios.
Por um segundo, considerei o banheiro do bar como possibilidade para realizar meus desejos
não muito inocentes. Contudo, logo me lembrei que eu ainda tinha de ir devagar com as coisas, por
mais difícil que isso fosse.
— Você vai gostar desse presente, acredite em mim — Monique disse, chamando minha
atenção. Só então percebi que ela segurava alguns papéis grampeados em minha direção. — Pega
logo — ela soprou após alguns segundos, vendo que eu ainda hesitava.
Cedi por fim, não muito contente. Não queria mais presente algum.
Entretanto, esqueci de qualquer objeção assim que meus olhos localizaram o nome na parte
superior da folha, que vinha logo após a numeração do caso.
Jack Mitchell.
Meu olhar desceu automaticamente para o resto do papel, captando pequenas informações de
um modo rápido e ansioso. Todos os detalhes de processo estavam ali, desde sua ida para o orfanato
até sua adoção, a qual fora realizada por um casal de Sparks, em Nevada.
Não pude fazer nada além de sorrir feito um completo idiota enquanto tentava assimilar o que
estava mesmo em minhas mãos.
Eu finalmente soube onde Jack estava.
— Puta merda, Monique — balbuciei, e nem pestanejei antes de deixar os papéis no balcão e
me inclinar em busca de seus lábios.
A garota foi pega de surpresa por um segundo, mas logo retribuiu o beijo dentre sorrisos.
— Eu não te mereço — eu disse o óbvio assim que me afastei. — Puta que pariu, esse mundo
não te merece!
Instantaneamente senti os olhares de todos presentes se voltarem em nossa direção devido ao
meu tom de voz eufórico, mas simplesmente não me importei com isso nem por um segundo sequer, e
muito menos Monique, já que soltava um riso quase tão feliz quanto o meu.
— Você pode ligar para a casa dele se quiser — ela disse, ainda dando o sorriso mais lindo que
já havia visto em toda minha vida. — Tem o número do telefone, o endereço e tudo que você quiser
na segunda página.
— Tem informações sobre o casal? — perguntei enquanto folheava as páginas.
— Tem quatro relatórios da assistente social. — Monique abriu as páginas indicadas para mim.
— Eles parecem ser bons, James. Jack deve estar feliz lá. Você não precisa se preocupar quanto a
isso.
Meus olhos correram pelas letras miúdas dos relatórios das constantes visitas no início da
adoção. Todas as conclusões eram as mesmas: Jack havia se habituado facilmente com seus pais
adotivos e parecia feliz em todas ocasiões.
Logo cheguei nas informações pessoais dos pais, que constavam que a mulher, de trinta e cinco
anos, era dentista, e o homem, de trinta e sete anos, era um engenheiro agrônomo. Observações
particulares deixavam claro que ambos eram responsáveis.
— Eu vou tentar ligar para lá — eu disse, apressado, enquanto pegava meu celular. — Você vai
me esperar aqui? — Virei-me para Monique.
— Claro. — A garota sorriu de orelha a orelha, então dei um beijo em sua testa antes de ir em
direção à saída.
Já fora do bar, disquei o número residencial indicado rapidamente, e, enquanto a chamada era
iniciada, não pensei em nada a mais além de ter conseguido.
Apesar de não ter a guarda de Jack, eu ainda podia visitá-lo.
Porra, eu poderia pegar meu carro amanhã mesmo e vê-lo poucas horas depois. Eu finalmente
poderia ver a única família que havia me restado.
Senti como se meu coração fosse explodir enquanto um misto extasiante de alívio, felicidade e
euforia me consumia de dentro para fora, aos poucos.
Contudo, assim que passei a prestar atenção nos bipes que me pareciam tão intermináveis, um
pensamento inoportuno ocupou minha mente.
Afinal de contas, o que diabos eu falaria caso um dos pais adotivos atendesse?
"Olá, sou o irmão traficante de Jack, e gostaria de falar com ele" com certeza não ia colar.
Quando estava prestes a encerrar a chamada para pensar em um plano melhor na tentativa de
fazer com que o casal concordasse com uma visita minha sem chamar nenhum órgão de segurança,
alguém finalmente atendeu.
— Alô? — Não precisei de mais para reconhecer a voz por trás da chamada, afinal, aquela era
exatamente a mesma voz petulante que me acordava quando eu não queria ser acordado, que me
irritava quando eu já não podia estar mais impaciente e que falava que me amava a cada noite antes
de dormir.
Aquela era a voz de meu irmão, ainda que um pouco mais madura.
Imediatamente, comecei a pensar em tudo que havia perdido nesses últimos dois anos. Seus
trabalhos de escola e dificuldades em matérias novas, as fases chatas da puberdade, todos os amigos
pré-adolescentes insuportáveis, as primeiras festas e até as namoradinhas...
Bile subiu pela minha garganta.
— Oi? — Escutei a voz de Jack ecoar pela linha novamente, e só então fui capaz de me
acalmar.
Forçando-me a inspirar fundo, quis pedir para ele falar e falar sem parar, pois ouvi-lo era tudo
que eu parecia necessitar. No entanto, não encontrei minha voz para o fazer.
— Foi mal, mas não está dando para escutar — ele disse em seguida, e aquele tom calmo, o
mesmo de sempre, fez com que eu sorrisse instintivamente. Jack sempre tinha sido o contrário de
mim, ele sempre fora o irmão bom, e estava nítido que as coisas não estavam muito mudadas. Eu
estava feliz por isso. — Se você quiser falar com minha mãe ou meu pai, é só ligar no telefone
celular deles, ok?
Mãe e pai.
Meu sorriso morreu no mesmo instante.
Mãe e pai?
— Eu vou desligar, tá legal? — o garoto murmurou, e ainda não consegui encontrar forças para
pronunciar algo. — Tchau.
E, quando a chamada foi encerrada, não pude evitar que os angustiantes questionamentos
invadissem minha mente.
Afinal, que merda eu esperava?
Que Jack ainda precisasse de mim? Que eu também fosse sua única família após tudo que
aconteceu?
E, no fim, o que um traficante poderia oferecer perto de uma dentista e um engenheiro?
Meu pai não pôde cuidar de Jack.
Minha mãe não pôde cuidar de Jack.
E, o mais importante, eu não pude cuidar de Jack.
E agora ele chamava outros de "mãe" e "pai", e estava certo em o fazer.
Meu estômago se embrulhou diante do pensamento, de que meu irmão agora tinha uma outra
família, de que ele não necessitava de mim tanto quanto eu havia fantasiado. Jack simplesmente não
precisava ser salvo por mim.
Tudo indicava que o garoto estava sendo amado por duas pessoas desconhecidas por mim e que
também as amava. O seu tom de voz, os relatórios e até as palavras usadas por ele... Estava nítido
que Jack estava levando uma vida boa, uma a qual eu nunca poderia dar a ele.
Meu irmão merecia ser feliz, e sua felicidade devia ser sem preocupações e estupidamente
normal, própria de um garoto de treze anos.
Por uma fração de segundo, deixei que o mais puro alivio substituísse minha frustração por eu
não ser mais a única pessoa importante na vida de Jack. Se meu irmão estava feliz, eu também estava
feliz. Ele agora tinha pais de verdade, que provavelmente se importavam com suas notas, com a
alimentação e com cada um de seus sentimentos. Jack agora era um filho, e, ainda melhor, um filho
amado.
E, por mais que eu ainda quisesse vê-lo mais do que tudo, eu sabia que podia e que devia
esperar. Ao menos, até seus dezoito anos, quando ele estivesse maduro o suficiente para me ver.
Pela primeira vez em muito tempo, eu finalmente senti uma paz completa que fez com que eu
levitasse por um segundo.
Apesar de minha saudade por Jack ser maior que qualquer outra coisa que poderia sentir, agora
eu estava certo de que Jack estava bem. Ele estava com pessoas completamente opostas a uma mãe
ausente e um pai indiferente.
Inspirei fundo na tentativa de me recompor, algo que não foi exatamente fácil. Acreditava que
demoraria meses para assimilar toda a nova vida de Jack, mas, ainda assim, eu precisava começar a
seguir em frente, pois sabia que isso seria o melhor para todos, ainda que doesse no início.
Assim que finalmente passei pela porta do bar, paralisei por uma segunda vez, mas não em
razão a algo que tivesse relação com Jack. Dessa vez, as reações de meu corpo sumiram diante da
cena à minha frente, a poucos metros de distância.
Observei Blake empurrar Monique com força, que bateu a cabeça no balcão antes de cair no
chão abruptamente. Entretanto, a loira foi esperta o suficiente para chutar o rosto da morena no
momento em que ela começou a se aproximar para um segundo golpe.
Atordoada, Blake cambaleou para trás, mas se recuperou dentro de instantes e foi em direção à
Monique novamente, e isso foi suficiente para fazer com que eu fosse trazido de volta à realidade.
Atravessei o bar em questão de segundos, colocando-me em frente à Monique antes que Blake
chegasse até ela.
A morena parou de se aproximar imediatamente diante de minha interrupção, então não precisei
de mais para me virar e levar minhas mãos até a cintura de Monique para colocá-la de pé.
Apressei-me em analisar todo o rosto de Monique com precisão em busca de algum ferimento
grave, mas tudo que encontrei foi um corte superficial que havia se aberto em sua bochecha.
A garota estava bem, mas ter a certeza disso não foi suficiente para que eu me acalmasse.
Girei os calcanhares em direção à Blake instantaneamente, e só então percebi que seu nariz
sangrava.
— Eu acho que não fui bem claro da primeira vez, Blake — soprei, o tom de voz alto o
suficiente para que eu não tivesse que explicar tudo por uma terceira vez. — Você simplesmente não
pode passar por cima das pessoas assim e fazer o que bem entende, tá me entendendo, cacete? Você
não pode desrespeitá-las e achar que todos vivem em sua função, porque, adivinhe: você não é
ninguém na porra desse mundo. E, se você um dia quiser mudar isso, te aconselho a se tratar, e o mais
rápido possível, pois tenho completa certeza de que todos, assim como eu estou fazendo agora, irão
deixá-la à deriva somente por cansarem dessa toxicidade que você insiste em exalar — eu disse, já
pegando na mão de Monique para deixar o lugar. Contudo, não o fiz antes de intimar em alto e bom
som: — E, a partir de agora, espero que você fique bem longe de mim e de minha namorada, caso
contrário, não acho que você vá gostar das consequências.
Não esperei para ver sua reação.
Apenas segui em frente, com meus dedos ainda entrelaçados aos da loira logo atrás de mim.
Diminuí o ritmo de meus passos assim que nos aproximamos do Mustang, e logo abri a porta do
passageiro para Monique, que ali adentrou rapidamente.
Quando também entrei no automóvel, lancei o olhar a ela em um ato instantâneo, a fim de
analisá-la melhor. Porém, ao invés de focar em algum machucado, seu sorriso que chamou minha
atenção.
— Por que você está sorrindo, Monique? — indaguei na mesma fração de segundo, preocupado.
Inferno, talvez ela tivesse batido a cabeça com força demais.
— Monique, o que está acontecendo? — insisti quando não obtive resposta alguma, o que
apenas serviu para que seu sorriso duplicasse de tamanho.
— Você se referiu a mim como sua namorada — ela esclareceu enfim, e só então pude respirar
normalmente enquanto passava as mãos por meus cabelos.
— Não é isso que você é? — balbuciei após recuperar o fôlego, encontrando seus olhos
novamente.
Monique franziu o cenho.
— Você nunca tinha dito isso antes. Não tinha como eu saber.
Foi aí que um sorriso se esboçou dentre meus lábios.
— Bem, vamos fazer as coisas direito, então — soprei, e, sem conseguir pensar em nada além
de suas expressões felizes, questionei: — Ok, isso vai soar meio... hum... ridículo demais, mas... que
se foda. Quer namorar comigo?
Surpreendentemente, não me importei nem por um segundo em parar para pensar nas
consequências daquele pedido, não quando sua resposta veio em questão de instantes.
Monique colou seus lábios aos meus, mas foi minha língua que procurou o interior de sua boca
primeiro, como se aquela fosse uma resposta já natural a ela.
Seu riso doce vibrou contra meus lábios enquanto aprofundávamos o beijo por um pouco mais.
Entretanto, não deixei que aquilo fosse longe demais, afinal, não queria que sua primeira vez fosse
em um carro, algo que não estava muito longe de acontecer se seguíssemos por aquele caminho.
Por algum motivo indefinido, ficava cada vez mais difícil me controlar perto dela.
— Você é completamente maluca, sabia? — murmurei assim que me obriguei a me distanciar
com um esforço quase maior do que eu podia suportar.
A garota apenas riu novamente, e foi inevitável notar aquele brilho tão diferente em seus olhos.
Imediatamente me arrependi por não ter esclarecido as coisas entre nós antes.
Quantas vezes poderia ter feito ela feliz desse jeito.
— E então, vai me explicar por que vocês estavam brigando ou não? — questionei por fim, sem
deixar de sorrir.
— Foi só Blake sendo Blake. — Monique revirou os olhos, mas não pareceu se importar
verdadeiramente com isso. — Foi mais ou menos outra crise de ciúme, aí eu me levantei para
encarar ela, e ela me bateu de novo. — Ela deu de ombros ao passo que eu tornei a ficar irritado uma
outra vez.
— E o que você fez?
— Bati de volta — respondeu enquanto suas bochechas ganhavam um tom avermelhado
fascinante, o que fez com que eu me acalmasse subitamente.
Não pude conter o riso que se formou em minha garganta diante de sua genuína vergonha.
— Essa é a minha garota — soprei entre as gargalhadas, orgulhoso, enquanto dava partida no
carro.
Monique sorriu por um instante, mas suas expressões logo ficaram mais sérias.
— Você falou com seu irmão? — ela indagou, esperançosa, e a menção fez com que eu também
parasse de sorrir.
Engoli em seco.
— Não — menti, tendo uma completa noção de que, caso eu dissesse a verdade, Monique faria
de tudo para me convencer a ir atrás de Jack, já que, em sua cabeça, eu seria bom o suficiente para
que meu irmão ficasse melhor ao meu lado do que com sua nova família. Infelizmente, a garota não
tinha como entender o tipo de vida que pessoas como eu estavam fadadas a ter, e eu não podia deixar
que Jack enfrentasse minhas consequências por puro egoísmo de o querer comigo. — Ninguém
atendeu.
— Ah.
Assim que vi a tristeza refletir em suas feições, soube exatamente o que tinha de fazer para
mudar isso.
— Bem, acho que minha namorada merece escolher aonde vamos por ter se metido em sua
primeira briga, certo? — Fiz uma careta instintiva diante da palavra com a qual ainda não estava
acostumado, mas um sorriso logo a substituiu quando notei o brilho tão único invadir os olhos de
Monique outra vez.
Não me lembrei da última vez em que estive tão feliz.
21 |
Significados intensos

JAMES MITCHELL

— Tem certeza de que não quer ajuda? — Escutei a voz ansiosa de Monique ecoar da sala de
minha casa.
— Acho melhor você não dar um passo em direção a essa cozinha, Price — eu disse seriamente
enquanto arrumava a mesa da cozinha e não demorei a escutar o riso da garota.
— Você vai me matar de curiosidade, James.
— Espero mesmo que você não esteja criando altas expectativas, pois, só pra esclarecer, você
iria se decepcionar.
De fato, uma lasanha estava longe de ser a melhor das opções para um jantar de agradecimento;
contudo, eu definitivamente não havia nascido com dons culinários, então isso teria de servir.
Escutei o forno apitar duas vezes e então atravessei o pequeno cômodo, agitado. Em poucos
segundos, minha mão já avançava para a forma em seu interior.
— Porra — resmunguei enquanto retirava minha mão instintivamente, já sentindo a ponta de
meus dedos arderem.
Lancei um olhar instintivo para a lasanha, que estava equilibrada em sua metade, e logo
agradeci mentalmente a ninguém em específico por não ter fodido com tudo.
— O que aconteceu?
Transferi minha atenção à garota à espreita da porta imediatamente e foi inevitável que eu me
esquecesse de minha própria dor.
Monique estava linda. E, sobretudo, gostosa pra caralho.
A loira trajava uma calça jeans simples, mas justa, e uma blusa lisa com um decote canoa. Era
notável que, nas últimas semanas, ela havia ganhado um peso a mais, e, ainda que seu corpo fosse
bonito de qualquer modo, agora parecia estar em seu peso ideal.
De algum modo, eu ainda não tinha me acostumado com ela. Sempre quando meus olhos
pousavam sobre cada centímetro de sua pele, eu me sentia como um maldito adolescente na
puberdade, e, honestamente, era meio cansativo todo o esforço que tinha de fazer para não
ultrapassar os limites e fazer tudo que vinha querendo fazer com a garota desde que a conheci.
— James! — Sua voz me trouxe de volta à realidade, e foi só então que percebi que ela tinha se
aproximado para analisar o estrago feito por mim.
— Que merda, Monique, não era para você ter entrado — murmurei, descontente, enquanto ia
até a pia para lavar as leves queimaduras.
— Como se não bastasse todos os ferimentos em seu corpo e rosto, agora você também tem que
queimar a mão, e por puro orgulho — a garota retrucou levemente irritada, e os cantos de meus
lábios se ergueram enquanto eu observava cada uma de suas feições esculpidas. — Que foi? — Ela
logo arqueou as sobrancelhas diante de meu olhar nada discreto.
Não me importei em esconder a verdade.
— É só que você fica sexy pra cacete quando está brava.
Monique então revirou os olhos, mas um sorriso de esboçou dentre seus lábios
instantaneamente.
— Ok, você tem fetiches estranhos — ela disse sarcasticamente, encarando-me com um misto
de diversão e lascívia, e eu soltei um riso nasalar.
— Na verdade, acho que não — retruquei, arqueando as sobrancelhas. — É mais simples que
isso: tudo em você apenas me atrai.
Não soube exatamente como, mas em uma fração de segundo, nossos lábios já se encaixavam
perfeitamente enquanto minha língua já começava a acariciar a sua.
Não hesitei em segurar suas coxas e levá-la até a mesa, encaixando me entre suas pernas
enquanto induzia mais intensidade no toque úmido e ardente de nossas bocas.
A loira me pressionou contra si em um ato que quase tive certeza ser instintivo e necessitado, o
que fez com que um gemido escapasse de minha garganta imediatamente.
Simples assim, a garota estava me levando ao limite mais uma vez, ainda que
inconscientemente.
Monique nunca sequer conseguiria imaginar o efeito que exercia sobre mim.
Afastei-me em reflexo no instante em que o forno apitou mais uma vez, e não soube se deveria
ficar grato por ser interrompido ou puto pelo mesmo motivo.
— Puta merda, mulher, não me distraia — soprei assim que fui retirado da neblina de excitação,
dando-me conta da lasanha que ainda estava no forno.
— Você que começou — a garota rebateu, e assim que lancei um rápido olhar a ela, vi que suas
bochechas estavam coradas. Voltei a sorrir. — E eu cuido da lasanha enquanto você cuida de sua mão
— ela acrescentou em seguida, vindo em minha direção.
— De jeito nenhum — eu sibilei, já pegando um pano e retirando a lasanha, que,
surpreendentemente, parecia quase apetitosa.
— Como alguém pode ser tão teimoso assim? — Monique resmungou enquanto cruzava os
braços.
— Bem, eu só não ganho de você — respondi, colocando a forma no centro da mesa. — Vai ver
é por isso que nos damos tão mal de um modo tão bom. — Lancei a ela uma piscadela.
De alguma forma, tive a mais completa certeza de que Monique tinha entendido o que eu queria
dizer.
— E então, não vai elogiar o meu trabalho sensacional? — apontei para a mesa perfeitamente
posta — à medida do possível — acrescentei poucos segundos depois.
Foi só então que Monique desviou sua atenção de mim, e pude ver seus olhos brilharem.
— Está tudo incrível, James. — Ela sorriu de imediato. — Não precisava ter feito isso por
mim.
— Tem razão, eu precisava ter feito mais. — Soltei o ar pesado pela boca. — Eu quero que
você entenda, Monique, que o que você fez significou muito para mim e que a porcaria de uma
lasanha não chega nem perto de demonstrar o quanto sou agradecido por você ter feito o que fez.
— Bem, teria feito mais diferença se alguém da casa de Jack tivesse atendido. — A garota deu
de ombros, e imediatamente me senti culpado pelas mentiras que vinha contando.
— Tá legal, sem assuntos pesados nessa noite. Nós definitivamente precisamos de uma folga
depois de tudo que vem acontecendo em nossas vidas — apenas disse por fim, já puxando uma
cadeira para que ela se sentasse.
— É, acho que você está certo — Monique balbuciou enquanto se sentava, olhando-me com
uma espécie de alivio. Talvez fosse por eu estar dando a ela um tempo que tanto merecia.
Estava servindo o vinho tinto em seu copo quando ela soltou um breve riso.
— O que foi?
— Bem, é que, se alguém me falasse em meu primeiro dia de aula que você faria um jantar para
mim em dois meses, eu provavelmente morreria de rir na mesma hora.
— Acho que muita coisa mudou, não foi? — murmurei, sabendo que a coisa era muito mais
ampla do que a que Monique se referia.
— Eu meio que acho que tenho que te agradecer, sabe? — a loira balbuciou, e lancei um olhar
mais sério a ela assim que me sentei.
— Me agradecer pelo que, loirinha?
— Desde a morte da minha mãe, eu... hum... sinto que finalmente estou me recuperando aos
poucos, e é impossível não relacionar essa espécie de avanço a você. Você simplesmente... parece
estar me ajudando a me sentir como eu mesma novamente, a me sentir um pouco mais leve enfim —
ela explicou, mas logo suas bochechas ruborizaram. — Sinto muito se pareceu meio ridículo ou
precoce demais dizer algo assim. Não acredito que você possa me entender muito.
Meu coração se apertou no peito diante de todas aquelas palavras. Não demorei a apertar sua
mão sobre a mesa, procurando por seus olhos precisamente.
— Não me pareceu nem um pouco ridículo, Monique — eu disse, não tendo como ser mais
sincero. — É difícil expressar em palavras, mas acho que você provavelmente significou mais para
mim nessas últimas semanas do que a maior parte das pessoas que conheci em toda minha vida, pois
você não apenas fez com que eu me sentisse como eu mesmo. Você fez com que eu me sentisse
alguém melhor.
A garota conseguiu sorrir, mas vi lágrimas invadirem seus olhos. Também havia uma espécie de
tristeza em meu interior quando segurei seu queixo e disse:
— Ei, estamos de folga, se lembra?
Pelo restante do jantar, esforcei-me para sempre auxiliar a conversa a um rumo mais leve.
Também fiz meu melhor para arrancar a maior quantidade possível de sorrisos sinceros do rosto da
garota ao meu lado.
Àquela altura, eu já havia aprendido a identificar quando Monique estava realmente feliz e
quando apenas tentava transmitir isso. Sabia que, na maior parte dos dias, ela tentava disfarçar algo
constante que parecia a incomodar, e também tinha em mente que isso se devia ao luto que ainda
lutava para superar. Contudo, naquela noite, a garota realmente parecia realizada, quase radiante.
Por um segundo, perguntei-me mesmo se podia ter um efeito tão grande sobre ela quanto tinha
mencionado anteriormente. Não estava tão certo de que de fato tinha a capacidade de fazê-la feliz.
Pelo contrário, isso parecia-me quase improvável.
Não acreditava que um dia poderia ser o suficiente em qualquer sentido para aquela mulher e
tinha quase certeza que ela logo perceberia isso. Entretanto, eu sentia que não poderia me distanciar
até que Monique o fizesse, até ser obrigado a isso.
— Filme? — Arqueei as sobrancelhas assim que acabamos de comer, e a loira deu mais um de
seus sorrisos que exerciam total poder sobre mim.
— Eu escolho? — ela retrucou assim que acabou de tomar seu vinho, levantando-se
rapidamente.
— Se você conseguir pegar o controle primeiro...
Monique me lançou um olhar confuso por um segundo, mas logo soltou um riso e correu em
disparada para a sala. Fiz o mesmo.
Antes que ela pudesse chegar ao sofá, puxei-a pela cintura e peguei o controle agilmente, sem
conseguir conter as risadas.
— Isso não é justo! Você trapaceou, seu idiota — ela resmungou enquanto tentava tomar o
controle de minha mão, o que apenas serviu para que eu duplicasse o tamanho do meu sorriso.
— Ah, pare de drama. Você, mais do que ninguém, sabe que a vida não é justa — rebati, e foi
então que suas feições relaxaram um pouco.
— Não faça piadinhas perversas diante de nossas situações — Monique protestou, mas um
sorriso voltava a se instalar dentre seus lábios.
— Por quê? A vida pode dar o troco? — questionei sarcasticamente. — Ah, espera. Ela já deu.
Ela revirou os olhos, mas soltou um riso nasalar.
— Tudo bem, apenas escolha um filme bom — ela cedeu por fim, sentando-se no sofá.
Joguei-me ao seu lado, já na busca por um filme.
— Não vou ver terror — ela balbuciou assim que adentrei naquele setor na Netflix.
— Você não conseguiu pegar o controle, portanto, não é seu local de fala, amor — rebati, meu
olhar ainda fixo à tela.
— Ok, eu não posso escolher o que vou ver, mas posso escolher o que não vou ver.
Revirei os olhos.
— Tudo bem, eu já esperava que isso não fosse ser tão fácil. Já convivi tempo o suficiente com
você para saber que dificilmente conseguimos resolver nossas diferenças rapidamente.
— Na realidade, é simples resolver as coisas rapidamente. Nesse caso, você pode apenas me
dar o controle.
Soltei uma risada genuína.
— Honestamente, gosto mais do caminho mais difícil, afinal, qual seria a graça do contrário?
— soprei o óbvio.
— A graça seria de poupar o meu e o seu tempo.
— Hum, não tenho nada melhor para fazer mesmo.
— Na verdade, você tem — ela rebateu sem hesitar, e pude ver seu tom ficar mais sério de
repente. — Como, você sabe, voltar para a escola.
Certo.
Voltaríamos nesse assunto novamente.
Monique andava relativamente irritada comigo por eu não ter mais comparecido às aulas desde
o incidente com Malcolm, e eu também estava fugindo do assunto a cada menção.
Soltei o ar pela boca.
— Eu vou voltar — balbuciei simplesmente, mesmo que não fosse verdade.
A verdade era que eu não planejava voltar para a escola, mas Monique simplesmente surtaria se
soubesse disso, afinal, ela não entendia meus motivos — ou a falta deles.
Eu simplesmente não tinha mais o porquê de continuar estudando, pois, antes, eu apenas o fazia
para que tivesse uma probabilidade maior de conseguir a guarda de Jack, já que eu estava tentando
aparentar ter uma boa conduta.
Minhas chances de saírem dessa maldita cidade sempre foram quase nulas; eu não tinha
dinheiro ou inteligência o suficiente para entrar em alguma faculdade e me manter lá, então não
perderia mais meu tempo com a escola.
Eu apenas não tinha perspectivas de um futuro bom, e seria melhor para mim se eu aceitasse
isso o quanto antes.
— Eu só estou tirando um tempo para mim. Vou voltar em breve — disse por fim, a fim de
restaurar a tranquilidade de Monique.
No entanto, senti seu corpo ficar ainda mais tenso ao meu lado, quase como se ela soubesse que
aquilo não era verdade.
Não demorei a sentir seus dedos afundarem em meu queixo, auxiliando meu rosto até estar rente
ao seu.
— Jura? — a loira sussurrou, e seus olhos tão intensos passaram a quase me perfurar por
inteiro enquanto ela esperava por minha resposta.
Abri a boca para respondê-la, mas não encontrei minha voz em nenhum lugar. Foi a partir daí
que soube que não tinha mais forças para continuar com mais mentiras além das inúmeras que já dizia
à garota.
Então, ao invés de dizer algo, apenas me limitei a puxá-la contra mim, fazendo com que nossas
línguas se encontrassem pela segunda vez na noite. Contudo, agora, havia mais ganância no contato
quase simplório perto do que ansiávamos.
Deixando que aquela necessidade insaciável tomasse conta de mim por inteiro, levei minhas
mãos até sua cintura e a conduzi até meu colo, já afundando meus dedos em sua pele macia enquanto
escutava um gemido baixo escapar de sua garganta.
Instintivamente, levei meus dedos até a manga de sua blusa, puxando-a para baixo ao mesmo
tempo que me distanciava, ansioso para ter minha boca em seu mamilo já rígido.
Monique começou a se esfregar em mim no segundo em que minha língua começou a acariciá-la,
e foi aí que soube que seria apenas questão de tempo até que as coisas fugissem totalmente do
controle. Mesmo tendo consciência disso, não consegui me afastar. Ainda estava à mercê da loira,
fazendo o que ela me estimulava a fazer e esperando para parar apenas quando ela o quisesse.
— James... — ela balbuciou, e pude identificar a onda de desejo por trás da voz fraca. — Eu
quero você.
Foi só aí que consegui me distanciar, mesmo que não por muito.
Não soube o que fazer diante daquelas palavras que tinham um significado tão intenso.
Eu fitava seus olhos nebulosos e árduos enquanto tentava ser racional, o que não era algo muito
fácil com sua seminudez a tão poucos centímetros de distância.
Eu não podia fazer isso.
Mais que tudo, eu não devia fazer isso, não quando Monique merecia simplesmente mais do que
eu poderia oferecer a ela.
Entretanto, o que eu não podia e não devia fazer em nada compactuava com o que eu queria, e
foi aquela urgência, juntamente ao seu olhar tão suplicante, que apenas sussurrei:
— Você quer mesmo que eu seja o primeiro?
— E o último.
E, simples assim, eu soube que seria egoísta o suficiente para não a deixar ir para longe de mim
tão facilmente, não quando um misto único de realização física e emocional me domou de modo tão
arrebatador e extasiante, e eu não me importava nem um pouco com o fato de que ela sempre seria
boa demais para mim.
Que se foda.
Eu faria tudo por ela.
Eu daria tudo por ela.
Eu seria tudo para ela.
22 |
Às escondidas

MONIQUE PRICE

Eu sentia o aroma doce de sua loção pós-barba adentrar em minhas narinas, sentia seus dedos
calejados afundando contra a pele de minha cintura e sentia sua respiração pesada contra um de meus
seios expostos quando James disse:
— Última chance para voltar atrás.
Foi inevitável sorrir diante daquelas palavras.
— Eu não vou.
— Merda. — Seu sorriso se espelhou no meu instantaneamente, e a mais pura excitação reluziu
em seus olhos. — Você realmente faz com que eu perca a cabeça assim, Price. Não estou me
responsabilizando pelos meus atos a partir de agora.
— Assim espero — sussurrei e, uma fração de segundo depois, eu já era levantada do sofá com
uma força estranhamente segura. — O que você está fazendo? — questionei, meu rosto a poucos
centímetros do seu enquanto era carregada pelo corredor.
James apenas alargou seu sorriso.
— Vou precisar de mais espaço do que um sofá pode oferecer.
Minha pele se arrepiou instantaneamente enquanto meu coração começava a bombear duas
vezes mais sangue para todo meu corpo.
Em menos de um minuto, eu já era colocada na beirada de sua cama cuidadosamente, e James se
distanciou após me dar um breve beijo.
Observei, quieta, o garoto caminhar até sua porta e trancá-la. Quando ele se virou para mim, já
não sustentava mais um sorriso, e nem eu.
Agora, já parecíamos ser levados pelo desejo, e a única euforia presente em nossas correntes
sanguíneas era consequência somente da excitação.
— Tire sua roupa — James disse após poucos segundos, observando-me atentamente.
Não hesitei em fazer o que tinha me sido incitado.
Comecei pela blusa, puxando-a para cima e a jogando no chão em seguida, e logo meus dedos
desceram para o cós de minha calça enquanto o moreno continuava a me dar toda sua atenção, ainda
recostado na porta.
Minha pele ardia com aquele olhar de pura tentação em mim.
Assim que joguei meu jeans também no chão, esperei por mais alguma instrução.
— Tira toda a roupa, Monique — o garoto murmurou enfim, descendo os olhos para minha
calcinha.
Meus dedos trêmulos desceram para a única peça que ainda restava em meu corpo ao mesmo
tempo que James se obrigou a ir em direção à sua cômoda para pegar algo em uma das gavetas.
Já me encontrava totalmente nua quando ele se voltou para mim, e levei minhas mãos até meus
seios em um gesto instintivo, pois era inevitável me sentir tão exposta. Eu e James já havíamos feito
algumas coisas antes, mas eu nunca havia estado tão... evidenciada daquela maneira quanto agora.
Nem com ele ou com qualquer outra pessoa.
— Ei — ele soprou assim que se aproximou, colocando a camisinha de lado e pegando em
minhas mãos. — Você não tem que se esconder de mim, ok? Nunca.
Engoli em seco, mas deixei que o garoto impedisse que minhas mãos continuassem a tampar
parte de minha nudez, e assim que sua boca tornou a encontrar a minha, meu nervosismo pareceu se
extinguir por inteiro.
Enquanto o moreno me beijava com tanta veemência, eu me senti confortável. Mais que isso, eu
me senti genuinamente desejada.
James, sem retirar os lábios dos meus, inclinou-se em minha direção até que eu estivesse
deitada, e só então se afastou, levando seus dedos até meu cabelo para retirar os fios que estavam em
frente meu rosto para ter completa visão de meus olhos.
— Você é a coisa mais linda que já vi em toda minha vida, então não tente me privar de sequer
poder observá-la.
Meu coração se agitou em meu peito quando ele me deu um último beijo na testa e se colocou
de pé.
O moreno então tirou a camisa em um gesto ágil, deixando as tatuagens que decoravam boa
parte de seu abdômen definido à mostra. Era lindo.
Apoiei-me nos cotovelos para observá-lo melhor, sentindo um calor já me consumir de dentro
para fora, e James soltou um riso nasalar em resposta.
— Ansiosa? — ele questionou diante de minhas expressões.
— Honestamente, sim — balbuciei, realmente agitada.
Era como se meu corpo já quisesse reivindicá-lo por completo.
— Ótimo. — Os cantos de seus lábios se ergueram. — Abra as pernas para mim, amor.
E assim o fiz, sem mais vestígio de pudor algum.
James ajoelhou no chão à minha frente uma fração de segundo depois, o que me fez franzir o
cenho.
— Você não vai... — Procurei pela palavra certa, mas, assim que notei a perversão brincar nos
olhos de James, soube que não havia necessidade de terminar a frase.
— Sim, Monique. Eu ainda vou fodê-la. Mas, antes, vou fazer com que você fique mais à
vontade — ele soprou enquanto seus dedos começaram a acariciar as laterais de minhas coxas. —
Tudo bem por você? — O garoto sorriu então, como se já soubesse exatamente qual seria a resposta.
Também foi inevitável para mim, conter o sorriso diante daquelas palavras e, sobretudo, com
sua boca a tão poucos centímetros da região entre minhas pernas.
— Tudo. — Foi a única coisa que consegui dizer, pois eu já começava a perder minhas forças
com toda a euforia que brincava em meu interior.
James não esperou por mais, exterminando parte do restante da distância entre nós enfim, o que
fez com que eu arqueasse minhas costas em pura expectativa no mesmo instante. O garoto então
soltou um risinho diante da minha reação involuntária.
Estava prestes a soltar um grunhido frustrado quando senti seus dedos afundarem em minha coxa
com uma força maior, afastando minhas pernas ainda mais até que eu estivesse completamente
exposta a ele, então não demorei a sentir sua língua percorrer vagarosamente toda minha abertura.
Soltei um gemido alto demais com o toque tão úmido e estimulante.
James me segurou com um pouco mais de firmeza quando comecei a me contorcer em pura
necessidade, e então aproximou os lábios de meu clitóris dando um beijo suave ali antes de começar
a dar uma atenção mais intensa na região.
Arqueei minhas costas uma segunda vez assim que ele começou a me chupar sem suavidade
alguma.
Meu primeiro instinto foi de fechar os olhos enquanto uma sensação dolorosamente extasiante
tomava conta de mim, mas me obriguei a manter minhas pálpebras abertas apenas para continuar a ter
aquela visão estimulando meus sentidos tão pujantes.
Era impossível ignorar aqueles olhos lascivos e ardentes fixos em cada uma de minhas feições
contorcidas em puro prazer enquanto sua boca continuava a dar total atenção à minha boceta.
Uma de suas mãos logo deixou minha coxa e subiu para meu seio direito, e logo senti seus
dedos começarem a pressionar meu mamilo ao mesmo tempo que ele passou a atritar os dentes em
minha região mais sensível.
Calor irradiou de minha pele em resposta a cada um de seus gestos assustadoramente
necessitados por mim. Era quase como se James soubesse exatamente a intensidade do que deveria
fazer, assim como quando, para que meu corpo chegasse ao ponto de levitar.
Meus gemidos aumentaram a frequência assim que senti um calor maior se acumular dentre
minhas pernas quando o moreno começou a oscilar a me dar sua atenção com os dentes, língua e
lábios, e, por um segundo, fui capaz de agradecer mentalmente por estarmos sozinhos naquela casa,
ainda que não tivesse muita certeza de que os vizinhos não eram capazes de me escutar.
Quando enfim seu polegar adentrou em mim de uma só vez, não pude mais adiar o ápice de meu
prazer, e minhas pernas lutaram para se fechar no mesmo instante em que a sensação me domou por
inteira.
Contudo, James logo retirou a mão de meu peito e voltou para minha coxa, a fim de manter
minhas pernas abertas enquanto sua língua continuava a acariciar e seu dedo começava a entrar e sair
de mim com uma força ainda maior.
Minha visão se escureceu de uma só vez quando senti o mais puro e completo prazer tomar
conta de cada centímetro de meu interior, e foi inevitável me contorcer de modo tão agitado em cima
dos lençóis já molhados de meu suor.
Ainda não tinha me recuperado por completo quando senti James se afastar de mim.
— Já está mais à vontade? — ele sussurrou então, e, pela minha visão ainda embaçada, vi-o se
aproximar.
Senti seus lábios, ainda molhados, chegarem ao meu queixo para um beijo rápido, e foi só então
que consegui balbuciar:
— Como você fez isso?
As palavras não faziam sentido algum, mas, em minha defesa, meus pensamentos e sensações
também não estavam em ordem.
Escutei a risada genuína de James ecoar pelo quarto, o que fez com que eu obrigasse a
recuperar meus sentidos apenas para apreciar o som.
— Vou levar isso como um sim — soprou, mas então vi suas feições ficarem um pouco mais
sérias enquanto o garoto buscava por meus olhos. — Está pronta para terminar o que começamos?
Assenti subitamente, o que fez com que James esboçasse um leve sorriso antes de se sentar na
beirada da cama.
Voltei a me apoiar nos cotovelos para observar o garoto se livrar dos jeans surrados, deixando
sua ereção completamente exposta.
Senti uma segunda onda de calor se acumular entre minhas pernas, mas também fiquei um pouco
nervosa outra vez, pois só então me dei conta de que eu não poderia receber o tamanho do moreno
sem dor alguma.
No entanto, mesmo com o súbito temor, eu não quis voltar atrás nem por um segundo sequer.
Pelo contrário, diante de James também exposto a mim, eu apenas quis ainda mais seguir em frente.
Quando o garoto enfim se encontrou sem peça alguma, ajoelhei-me na cama e peguei a
camisinha que havia sido deixada de lado.
— Posso? — questionei para James, que soltou um riso rouco enquanto uma espécie de fome já
invadia seus olhares novamente.
— Deve.
Não hesitei em rasgar a embalagem, e o barulho foi estranhamente como música para meus
ouvidos.
James imediatamente desviou sua atenção para meus dedos levemente trêmulos, e me ajoelhei à
sua frente para deslizar o látex pela sua extensão.
O moreno travou o maxilar fortemente diante do toque, e tentei memorizar seu rosto tentador
pelos segundos que se seguiram.
Por fim, sentindo a nova neblina de ganância se instalar entre nós dois, não esperei por alguma
de suas instruções. Simplesmente fui para o meio da cama e me deitei, abrindo as pernas uma outra
vez em convite.
Escutei um grunhido pesado escapar da garganta do garoto no mesmo segundo.
James me observou por tentadores instantes, como se também tentasse memorizar cada pequeno
centímetro de minha pele totalmente aparente, e enfim se aproximou, ajoelhando-se entre minhas
coxas.
— Isso provavelmente vai doer — ele sussurrou enfim, e pude ver uma certa preocupação
tomar conta de suas feições.
— Eu sei — respondi, e só então o moreno apoiou os cotovelos a cada lado de minha cabeça.
Seus olhos ainda estavam fixos aos meus quando senti um de seus dedos acariciarem meu
clitóris, que ainda estava sensível. Apesar de um pouco mais dolorosa, a sensação também foi boa.
Quando senti James se aproximar um pouco mais, meu corpo se tensionou em reflexo, e a
respiração do garoto ficou mais pesada contra minha bochecha.
— Apenas relaxe, Monique.
Meu corpo pareceu virar líquido após as palavras tão calmas.
James também ficou menos tenso diante de minha tranquilidade repentina, e então senti seus
dedos descerem até minha abertura para me abrir, e, um segundo depois, ele adentrou em mim de uma
só vez, ainda que de modo suave.
Segurei em suas costas instintivamente enquanto uma ardência forte se instalava em resposta.
O garoto não se moveu mais, esperando até que eu me habituasse com a sensação, o que
demorou por longos e angustiantes segundos.
Ainda doía quando eu lembrei a mim mesma de soltar o ar que tinha prendido.
— Tudo bem — murmurei enfim, sentindo meus músculos se acostumarem aos poucos com
James.
— Tem certeza? — ele soprou, e, pelas suas sobrancelhas franzidas, pude ver que o moreno
estava fazendo um esforço grande para conter a si mesmo.
Assim que assenti, James se ajoelhou na cama, ainda sem sair de mim, e então puxou minhas
pernas para que eu ficasse mais próxima.
Enfim, ele começou a sair e entrar em movimentos suaves, e, conforme as estocadas
aumentavam, o restante da dor ficava mais suportável, então pude me concentrar mais no prazer que
também me era causado.
Dois de seus dedos continuavam a contornar minha região mais sensível enquanto o garoto
passava a meter com uma força maior, e inclinei meu quadril para que as sensações se
intensificassem um pouco mais.
— Puta merda — ele balbuciou, segurando um dos meus seios com uma força maior que
anteriormente enquanto aumentava o ritmo. — Quer tentar vir por cima?
O questionamento fez com que eu sorrisse.
— Quero.
E, em instantes, já me encontrava em seu colo, meu rosto rente ao seu enquanto James afundava
as mãos em minhas nádegas para me conduzir sobre seu pau.
Contornei meus braços na nuca do garoto quando suas mãos adquiriram um ritmo mais violento
contra meus músculos, passando a gemer contra seu ouvido ao mesmo tempo que o atrito em meu
clitóris também ficava mais forte.
A partir de algum momento, o prazer enfim começou a ficar maior do que toda ardência, e não
me lembrei de ter experimentado alguma sensação tão boa quanto aquela antes.
— Quer saber de uma coisa? — James sussurrou também contra meu ouvido enquanto puxava
meus cabelos suados para trás. — Você me parece quente como o inferno, amor.
Imediatamente, não precisei mais da condução de suas mãos para passar a afundar em James
com uma rapidez e força maior.
Não era mais o garoto que estava buscando pelo prazer ali com toda a intensidade. Eu também
estava.
Consegui retirar uma das mãos da nuca também já molhada de suor do garoto para levar até
mim mesma, e, em instantes, meus dedos instáveis acariciavam meu clitóris enquanto continuava a me
concentrar na intensidade das estocadas que eu passara a conduzir.
O moreno passou a gemer em uma tonicidade maior, e aquele som torturantemente delicioso,
junto com a sensação de sua extensão em meu interior e sua pele em chamas contra a minha, eu deixei
que brasas consumissem todo meu interior pela segunda vez na noite.
— Cacete, Monique — Em meio a todo meu caos interior, ainda pude escutar James sibilar. —
Eu posso senti-la gozando em meu pau.
De repente, eu estava deitada na cama outra vez enquanto James assumia o controle de nossos
corpos em função de seu êxtase, passando a meter em mim em seu próprio ritmo outra vez.
Quando os vestígios de meu prazer enfim passaram, fui capaz de abrir meus olhos para ver as
feições de James enquanto ele chegava no ápice de seu prazer.
Suor brilhava em todo seu cabelo desgrenhado, e suas pálpebras estavam fechadas ao mesmo
tempo que seus lábios carnudos se encontravam entreabertos e veias saltavam de seu pescoço.
— Você tá legal? — o garoto questionou assim que recuperou a razão, apressando-se para sair
de cima de mim para me avaliar.
Mesmo sem força ou energia alguma, consegui sorrir.
— Não poderia estar melhor — eu disse, minha voz nitidamente debilitada. — Eu... hum...
deveria te agradecer? — Soltei um riso nasalar.
— Honestamente — ele murmurou, colocando-se de pé. —, seria mais correto se eu te
agradecesse.
Ainda sorria quando James abriu a porta de seu quarto, atravessando o corredor e indo até o
banheiro. Fiz um coque improvisado em meu cabelo embaraçado na tentativa de fazer com que
alguma ventilação chegasse à minha nuca encharcada.
Um par de segundos depois, ouvi o toque de meu celular em algum lugar do quarto, e logo me
lembrei que o aparelho estava no bolso de minha calça.
Não me importei em atender, não quando ainda estava tão imersa nas sensações que James
havia acabado de causar em mim.
Contudo, assim que o moreno voltou ao quarto, já sem o preservativo, ele lançou uma olhadela
instintiva para o celular jogado no chão do quarto e o pegou antes que eu tivesse a chance de dizê-lo
para deixar para lá.
— É Tyler — ele anunciou instantaneamente, o que fez com que eu franzisse o cenho, já que eu
sabia muito bem que meu irmão não me ligaria àquela hora da noite sem algum motivo.
Relutante, peguei o aparelho da mão do moreno assim que ele se aproximou.
— Alô? — soprei assim que atendi a chamada, e James me lançou um olhar preocupado em
razão ao meu tom de voz tenso antes de me limpar com a pequena toalha que trouxera do banheiro.
Estava prestes a me distanciar do toque áspero em minha região hipersensível em instinto
quando enfim escutei a resposta de Tyler.
Paralisei diante das palavras, mas logo me apressei a dizer:
— Estou aí dentro de dez minutos.
— O que aconteceu? — o garoto ao meu lado indagou, preocupado.
Senti meu coração se acelerar em meu peito quando juntei todas minhas forças para dizer:
— Josh sabe que eu não estou em casa.

— Você acha que ele vai fazer alguma coisa? — James questionou assim que estacionamos em
frente à minha casa, e eu trinquei o maxilar por um instante diante da pergunta.
— Não sei — disse sinceramente.
Imaginava que Josh já estava se perguntando em quantas noites mais havia saído escondida, sem
dar a ele nenhuma satisfação. Estava um pouco temerosa com as consequências, pois ainda não tinha
convivido com o homem tempo o suficiente para saber o modo com o qual ele lidava com as coisas
que fugiam de seu controle.
Bem, levando em consideração o cargo de meu pai, eu conseguia presumir que ele sabia muito
bem como manter seu poder.
— Obrigada, James — murmurei então, apressada. — Te ligo depois.
Por um segundo, fiquei genuinamente irritada por Josh ter atrapalhado uma noite que realmente
havia significado muito para mim em todos os sentidos.
Soltei o ar pesado pela boca enfim e logo saí do carro. Contudo, não pude dar um segundo
passo em direção à minha casa, não quando também escutei uma segunda porta do automóvel se
fechar.
— O que está fazendo? — indaguei assim que vi o moreno se aproximar de mim.
— Eu vou com você — ele respondeu como se fosse óbvio.
— O quê? De jeito nenhum. Você pode piorar a situação. Josh vai surtar quando ver você.
— Eu não vou simplesmente te deixar aqui sem ter ideia do que seu pai irá fazer com você.
Pelo amor de Deus, nem mesmo você pode ter certeza de que ele não vai te machucar, Monique.
Estava prestes a protestar contra sua presença por uma segunda vez quando ouvi a porta de
entrada de minha casa se abrir.
— Você tá brincando com a porra da minha cara, Monique? — Josh vinha em nossa direção
com passos largos enquanto feições nada convidativas tomavam conta de seu rosto.
Dei um passo para trás em instinto, mas James continuou firme em seu lugar.
— Que merda é essa? — meu pai soprou assim que se aproximou por completo, oscilando o
olhar entre mim e o garoto ao meu lado. — Você anda saindo às escondidas, e ainda por cima para se
encontrar com um garoto? — O desprezo estava nitidamente implícito em suas palavras. — Você
sabe as coisas que se passaram na minha cabeça quando não te vi em casa? Você tem ideia do quanto
fiquei preocupado? E o que você acha que as pessoas falariam pelas minhas costas caso te vissem
fora nesse horário da noite? Jesus Cristo, eu sou um juiz, e você sendo minha filha deveria ser ao
menos decente e não sair escondido para encontrar um... — Josh finalmente deu uma maior atenção a
James, e ele paralisou subitamente enquanto seu olhar corria cada centímetro do rosto do moreno.
Um desconfortável silêncio se instalou enquanto o garoto e meu pai se encaravam intensamente
até Josh parecer se dar conta de algo.
— Puta que pariu, Monique, você sabe que esse moleque é um traficante? — Josh se voltou
para mim, e lancei um olhar instintivo para James, que mantinha seu maxilar travado em pura tensão.
— Ele não é ninguém.
— Vamos conversar lá dentro, por favor — murmurei rapidamente, espantando as perguntas que
surgiram em minha mente. Não podia me dar o luxo de pensar em como Josh sabia tanto sobre a vida
de James com uma briga ocorrendo bem à minha frente.
Não demorei a escutar a risada sem humor ecoar da garganta de meu pai, que logo se aproximou
de James.
— Eu acho melhor você ficar longe da minha filha a partir de agora, seu verme.
— Meu Deus, pai, para! — Entrei entre o garoto e o homem enquanto rezava silenciosamente
para que James continuasse a manter seu controle. — A culpa não é dele. Eu já sou grande o
suficiente para tomar minhas próprias decisões.
— Você não sabe o que está falando, garota. — Josh segurou em meu braço com uma força
excessiva, e eu tentei me esquivar do toque doloroso rapidamente.
— Seu problema não é com ela. Apenas comigo — o moreno disse em um tom de voz cortante,
e meu coração parou quando o vi retirar a mão de meu pai de mim. — Por favor, Monique, entre na
sua casa agora.
Não me importei em assimilar suas palavras, pois estava paralisada demais ao analisar a falta
de distância dos dois homens à minha frente.
— Sabe o que eu acho, garoto? — Josh, ainda mais irritado com a intromissão, ergueu seu dedo
rente ao rosto de James. — Acho que você não passou tempo o suficiente naquele reformatório, mas
não se preocupe, na próxima vez não cometerei o mesmo erro. Você vai apodrecer atrás das grades,
só que dessa vez em uma prisão, justamente como o seu pai. A porra da família de traficantes vai
estar unida, não é mesmo?
Meu coração quase parou em meu peito.
Ele fora o juiz.
Meu pai fora o juiz.
Sem que eu tivesse mais tempo para pensar, James deu um golpe aniquilador no maxilar de
Josh, que cambaleou para trás na mesma fração de segundo. O moreno avançou novamente em sua
direção, mas antes que ele tivesse a chance de fazer algo a mais, segurei em seu braço com a maior
força que consegui juntar.
— Para, James!
O corpo do garoto se enrijeceu imediatamente, e ele levou alguns segundos para enfim se virar
para mim.
Quando seus olhos encontraram os meus já úmidos, não pude mais evitar questionar em um
sussurro:
— Por que você não me contou?
Antes que James pudesse me responder, escutamos uma risada de Josh ainda mais assustadora
que a anterior.
— Obrigado, garoto. Agora tenho um motivo para te prender. Violência à autoridade é
realmente um bom motivo, não acha?
Pela primeira vez, vi de modo tão explícito o quão terrível meu pai podia ser.
Senti-me nauseada por um momento, mas ignorei a sensação assim que o homem retirou o
celular de seu bolso, discando algo ali em seguida.
Não hesitei em ir em sua direção impulsivamente e retirar o aparelho de sua mão.
— Se você fizer isso, eu juro por tudo que é mais sagrado que você nunca mais vai me ver —
eu disse, e, apesar das lágrimas em meus olhos, eu ainda conseguia sustentar um tom firme. — Já
chega! Eu me recuso a acreditar que você é essa pessoa tão desprezível que acabou de aparentar ser.
Você não pode simplesmente prender alguém por sua filha não seguir suas regras estúpidas.
Josh hesitou por um momento, mas, ainda assim, indagou em uma certa incredulidade:
— Você acha que ele pode arrastar você por onde quiser e não sofrer as consequências?
— Você não entende que eu não sou mais uma criança? Eu fiz minhas escolhas por conta
própria, ele não me obrigou a nada. Se você quisesse ditar como eu deveria seguir minha vida, devia
ter me procurado anos atrás.
Josh oscilou o olhar entre mim e James, parecendo ceder enfim, ainda que a mais pura raiva
brilhasse em seu olhar.
— Faça o que quiser, Monique, mas saiba que esse garoto nunca será a pessoa que você tanto
necessita. Ele nunca será bom o suficiente, mas acho que você irá perceber isso, ainda que do pior
modo. Pelo menos sei que isso não levará muito tempo — disse com as palavras mais duras que um
dia tinha escutado de sua boca, e então se virou, deixando-nos sozinhos, mesmo que a contragosto.
Assim que pude me voltar para os olhos esverdeados do moreno, foi inevitável evitar que as
lágrimas voltassem a cair.
— O que você estava fazendo comigo esse tempo todo, James? — Finalmente dei voz aos meus
pensamentos mais temerosos. — É nítido que você nunca gostou do juiz encarregado pelo seu caso,
e, se você sabia que ele era o meu pai, o que você realmente queria comigo?
O garoto hesitou por uma fração de segundo, eu tive certeza. Entretanto, logo se apressou em
dizer:
— Josh não tem nada a ver com o que temos, Monique.
Dei um passo para trás quando James tentou se aproximar.
— Então por que você nunca me contou? Por que você nunca disse que ele era o juiz quando me
contou sobre você e seu irmão?
A mais pura e genuína tristeza me ocupou por completo a partir daí.
Senti um amargor inexplicável ao pensar que fora Josh que não entendera a situação tão difícil
de James ao sentenciar que ele devesse manter distância de sua única família; mais que tudo, senti o
amargor por James também ter escondido isso de mim, por nunca ter sido claro o suficiente comigo.
Por um instante, duvidei de seus sentimentos em relação a mim.
— Ele era o seu pai. Como esperava que eu te contasse isso? — Ele penteou o cabelo com os
dedos em um gesto frustrado. — Por favor, Monique, você tem que acreditar em mim. Deus sabe que
eu sinto por você é verdadeiro, e você também. — O garoto deu um passo em minha direção mais
uma vez, e não tive forças para me desvencilhar quando suas mãos envolveram meu rosto. — Nós
não passamos todo esse tempo juntos por nada, o que tivemos hoje não foi por nada. Eu sei que tudo
está confuso agora, mas você tem que acreditar em mim. Só... só não perca a fé em mim, não quando
todo mundo já o fez.
Um misto de desespero e angústia se instalou em mim diante de suas palavras tão dolorosas,
mas logo me apressei a fechar meus olhos para pensar com alguma clareza.
Nada que James pudesse vir a falar mudaria o fato de ele ter escondido informações tão
importantes de mim.
— Eu não sei — balbuciei, enfim indo para longe de seu toque. — Eu preciso de um tempo para
pensar em tudo isso, para pensar sobre nós. — Enxuguei as lágrimas que insistiam em cair.
Dor se espalhou pelos olhos do garoto enquanto ele assimilava minhas palavras por um tempo
maior que o necessário.
Por fim, ele apenas fechou as mãos em punho, e sua respiração ainda estava acelerada quando
disse:
— Tudo bem, eu vou te dar o tempo que você precisa, mas não pense nem por um segundo que
vou desistir de você.
Eu ainda sofria quando lancei um último olhar para suas expressões atormentadas, pouco antes
de juntar toda minha coragem para ir para longe dele, do homem que eu amava.
23 |
Simplesmente mais viva

MONIQUE PRICE

— Kate? — chamei assim que me sentei ao seu lado no refeitório, um pouco hesitante.
— Ah, oi, Monique. — A garota forçou um sorriso fraco, mas logo voltou a fitar seu suco acima
da mesa.
Engoli em seco.
— Está acontecendo alguma coisa? — questionei enfim. — Você não atendeu minhas ligações, e
quando passei na sua casa hoje para te pegar, você já tinha saído.
— Desculpa — ela murmurou, ainda sem me encarar. — Esqueci de avisar que ia de ônibus.
— Hum, tudo bem. Só fiquei preocupada — disse sinceramente, sem mais saber o que dizer.
Kate vinha se distanciando de mim cada vez mais durante aquelas últimas semanas, e presumi
que ela apenas estava ocupada com os estudos. Contudo, comecei a desconfiar de algo mais a partir
de dois dias atrás, quando a garota não atendera nenhum dos meus telefonemas, os quais realizava
para apenas querer conversar com a única pessoa com quem podia ser sincera.
Passei as últimas quarenta e oito horas após o incidente com meu pai e James ainda pior por
sentir que algo estava errado entre mim e minha melhor amiga.
Lancei um último olhar à garota ao meu lado, e, quando tive total certeza de que ela não estava
mesmo muito interessada em conversar, decidi manter o silêncio que havia se instalado entre nós.
Eu realmente entendia que Kate devia ter seus próprios problemas e que ela tinha o direito de
não ter dias tão bons, assim como eu. Entretanto, ainda tentava descobrir o porquê de sua frieza
repentina.
Era inevitável considerar que talvez eu tivesse feito algo de errado com ela, ainda que não
fizesse ideia do quê. Não me lembrava de tê-la ofendido de algum modo.
Por fim, decidi ignorar os pensamentos acerca de Kate, ao menos por enquanto. Estava um
pouco cansada de revirar minhas memórias e não achar nada que desse alguma pista do que podia ter
acontecido para que nossa amizade esfriasse.
Passei a me concentrar então em engolir o lanche que havia trazido de casa enquanto,
involuntariamente, revirava o refeitório com o olhar na esperança de encontrar James.
Apesar de nosso distanciamento, eu ainda esperava que ele fosse cumprir sua palavra dada há
algumas noites. No entanto, o garoto não parecia estar na escola naquela segunda-feira.
Soltei o ar pela boca quando, mais uma vez, sentia uma saudade genuína de James enquanto
também começava a me perguntar, pela provável centésima vez, o que poderia estar acontecendo
entre nós.
Mesmo após dias sem fazer nada além de pensar, eu ainda não entendia o porquê de James não
ter sido completamente sincero comigo, afinal, não fazia muito sentido para mim que ele tivesse
escondido a verdade apenas porque Josh era meu pai. O moreno sempre soubera de minha relação
familiar, então não seria como se, ao saber da verdade, eu não fosse acreditar nele ou fosse ter
alguma expectativa quebrada quanto a Josh.
E agora eu também podia ver o motivo de seu ódio diante de mim quando eu o conheci, mas não
estava certa de que o fato de ser filha do juiz de seu caso justificava o fato de James saber tanto de
minha vida antes sequer de que nos víssemos, não se suas intenções comigo fossem totalmente
límpidas.
Ainda tendo em mente todos os fatos de nossa situação, era difícil esperar o pior de James
quando fora ele quem tanto me ajudara nos últimos meses a me reerguer, quando fora ele quem fizera
tanto esforço para simplesmente estar ao meu lado.
Quando o sinal enfim soou, indicando para que voltássemos às aulas, levantei-me e comecei a
caminhar em direção à saída, pois não tinha certeza de que conseguiria ficar intacta diante dos
caóticos pensamentos que insistiam em permanecer em minha cabeça.
No fim, tinha sido idiotice pensar que a escola seria uma distração, afinal, ela apenas fazia me
lembrar ainda mais de James e de sua falta e ter total consciência de estar sendo ignorada por Kate.
Com passos largos e agitados, não demorei a atravessar o estacionamento e a entrar em meu
carro, e foi só então que permiti que lágrimas rolassem pelas minhas bochechas pelo quarto dia
consecutivo.
Eu me sentia perdida. Solitária também. E, o pior, não tinha ideia da coisa certa a fazer para
mudar isso.
Meus olhos estavam fechados quando escutei uma batida no vidro do banco do passageiro, e
pulei com o susto no mesmo instante.
No entanto, um segundo depois, a visão de Steve do lado de fora fez com que eu me acalmasse,
e enxuguei as lágrimas rapidamente antes de destravar o carro, já que ele parecia querer entrar.
— O que aconteceu? — Steve fixou os olhos receosos em mim enquanto entrava no automóvel,
e não soube ao certo como responder aquela pergunta. — Monique, o que foi? — insistiu novamente
diante de meu silêncio.
— O que você está fazendo aqui, Steve? — sussurrei apenas, desviando o olhar.
— Eu vi você correndo pelo corredor e fiquei preocupado — explicou, e seu tom de voz calmo
surtiu um efeito bom em mim, à medida do possível. — Me fala o que está acontecendo. Estou
preocupado com você.
Quando continuei não sendo capaz de encontrar palavra alguma que descrevesse meu estado
interior, baixei meu olhar em um de desistência, e não demorei a sentir os braços de Steve me
envolverem.
Levei alguns segundos para absorver a surpresa, mas logo retribui o abraço enquanto um misto
de calmaria e alívio passava a tomar conta de meu coração, substituindo a sensação horrível de
solidão.
Por fim, talvez eu não estivesse tão sozinha assim.
— Por que você está chorando? — o garoto questionou cautelosamente quando se afastou,
alguns minutos mais tarde, a fim de olhar em meus olhos ainda úmidos.
— É só que... às vezes me sinto como se toda minha vida estivesse errada — expliquei, dando
de ombros. — Quer dizer, fazia um bom tempo que não me sentia assim, mas agora a sensação voltou
de uma só vez e ainda mais forte. Minha melhor amiga nem olha direito na minha cara, e James, a
única pessoa em que me senti capaz de confiar meus sentimentos nesses últimos meses, parece estar
escondendo algo de mim.
— Você e Kate brigaram? — Steve franziu o cenho, parecendo estar tão confuso quanto eu.
— Honestamente, eu não faço ideia. — Soltei o ar pela boca, tentando mais uma vez organizar
meus pensamentos. — Ela simplesmente tem me ignorado pela última semana inteira, e eu não me
lembro de ter feito algo com ela.
— Isso não parece a cara de Kate.
— Eu sei — concordei, sem hesitar. — Eu perguntei o que estava acontecendo, e ela agiu como
se não fosse nada, mas eu sei que tem algo de errado, sabe?
— Às vezes, ela apenas está enfrentando alguma dificuldade particular e não esteja muito a fim
de conversar. — O garoto deu de ombros. — Dê um tempo para ela. Se no final, ela ainda estiver
assim, tente ser sincera sobre o que sente com ela.
Engoli em seco, mas assenti enfim.
Talvez Steve tivesse razão, e, honestamente, eu torcia por isso.
— Você quer falar sobre o que aconteceu com James? — ele indagou em seguida, ainda
cauteloso, e meu coração se apertou no peito com a menção.
— É tudo complicado demais — sussurrei, fechando os olhos por um momento. — Eu não sei
mais o que pensar sobre James e eu.
Por mais que Steve parecesse esperar por mais, eu sabia que não poderia contar toda a história,
afinal, era a vida pessoal de James que também estava em jogo ali.
Apenas mantive-me em silêncio até escutar a respiração pesada do garoto ao meu lado, pouco
antes de ele procurar meus olhos.
— Ainda que eu não possa entender o que realmente está acontecendo entre vocês dois, eu acho
que devo te dizer que... — Ele hesitou por um segundo, como se organizasse as palavras em sua
mente. — Monique, eu tenho observado vocês na escola nesses últimos meses, e, no começo, eu
confesso que não colocava muita fé na relação de vocês, já que James... Bem, ele não chega nem
perto de ser uma pessoa estável. Contudo, após algumas semanas, eu acho que passei a notar algo
diferente entre vocês dois. Eu não sei, pode ser apenas coisa da minha cabeça, mas foi quase como
se você tivesse o mudado um pouco. Não me lembro de ter visto James sorrir tanto antes de te
conhecer ou ter aquela calma em cada um de seus gestos quando estava ao seu lado.
Fiquei grata quando Steve fez uma pequena pausa para que eu assimilasse as informações que
me pareciam ser tão intensas.
— Você, por sua vez, também pareceu mudar em cada pequeno aspecto — o garoto continuou a
dizer, ainda encarando-me com precisão. — Nunca nos falamos muito, mas, ainda assim, desde nossa
primeira conversa, eu pude ver que você carregava muita coisa em seu interior, que você suportava
um peso que não deveria suportar. Mas, quando você e James passaram a ficar juntos, foi impossível
notar que você passou a ficar simplesmente mais viva. Você passou a ser apenas uma garota de
dezessete anos, como era pra ser. — Ele esboçou um sorriso acolhedor, e isso, junto a suas palavras,
fez com que eu quase perdesse todo o ar de meus pulmões. — E, sabe, antes eu tinha esperança de
que, quando James te magoasse, talvez eu pudesse ter uma chance com você, mas não demorei a
perceber que nem eu ou ninguém mais causaria o mesmo efeito em você que aquele o faz. Eu percebi
enfim que vocês parecem se completar, entende? E é de um jeito muito bonito de se ver.
Subitamente, soube que as lágrimas que passaram a invadir meus olhos outra vez não eram
consequência de mágoa alguma, não como anteriormente. Dessa vez, elas eram causadas pelas
memórias e pelo sentimento de completude que as palavras de Steve tinham resgatado.
— Eu sei que você é nova, mas eu sempre acreditei que podemos saber quando encontramos a
pessoa capaz de nos fazer incondicionalmente felizes, capaz de nos fazer esquecer todo o resto, todo
o peso da vida para que possamos sorrir verdadeiramente — Steve disse seriamente, e pude ver um
brilho intenso reluzir em seus olhos. — E, então, Monique, você acha que James é essa pessoa para
você?
Foi estranho como não precisei pensar duas vezes para responder aquela pergunta.
— Sim, ele é.
— Agora, o que resta saber é se vocês dois vão ser capazes de superar tudo pelo que estão
passando agora para serem felizes um ao lado do outro — ele disse então, analisando cada uma de
minhas expressões. — Você acha que será capaz?
Para essa pergunta, eu já não sabia exatamente a resposta.
Apesar de estar perdida e irrevogavelmente apaixonada por James, eu não tinha certeza se isso
seria suficiente para ficarmos juntos, não quando ainda não sabia da magnitude do que ele parecia
esconder de mim carregava.
24 |
Uma simples denúncia

JAMES MITCHELL

— Alô? — Escutei a voz de Abby através do celular, e hesitei, sem saber ao certo como dar
início àquela conversa. — James? Tudo bem? — ela logo soprou diante de meu silêncio.
— Hum... Não exatamente — respondi vagamente.
O fato era que eu precisava de um conselho, e a garota era a única pessoa que conhecia que
tinha a cabeça em seu devido lugar.
Ou quase isso.
— Ok, estou escutando. — Sua voz soou tranquila, o que me fez me sentir calmo por um
momento, o que me foi um pouco estranho.
Nos últimos quatro dias sem Monique, tudo que havia sentido fora impaciência e ansiedade,
então estava estranhando aquela sensação serena. Bem, infelizmente, toda a calmaria se dissipou
assim que me obriguei a dizer.
— Eu fiz merda, Abby. Muita merda.
— Você vai ter que ser mais específico que isso.
Soltei o ar pesado pela boca.
— Escuta, você tem que prometer que nenhuma palavra que direi sairá daqui — esclareci, mas
não esperei por uma resposta antes de esclarecer: — E eu não preciso de sermão nenhum, e sim de
ajuda, porque tô perdido pra caralho.
— Que merda, James. Fala logo — a garota resmungou, já ansiosa.
— Você lembra da Monique?
— Claro que sim — respondeu sem nem hesitar. — Vocês ainda estão juntos?
— Eu não sei.
— Jesus Cristo. Você vai me contar tudo de uma vez ou...
— Abby, o juiz que me colocou no reformatório e que mandou Jack para longe é o pai da
Monique — eu disse antes que ela tivesse a chance de finalizar a ameaça, e não demorei a escutá-la
soltar um suspiro, de certa forma, irado.
— Puta que pariu — ela murmurou, e um pequeno silêncio se instalou enquanto ela pensava. —
Tá legal, apenas me fale que você não está com ela por causa disso e que há algo a mais por trás
desse relacionamento de vocês.
— Não — respondi subitamente, mas então fechei as pálpebras de modo brusco enquanto o
peso na consciência começava a entrar em ação. — Bem, não mais — corrigi, relutante.
— Não mais? — Pude sentir sua genuína raiva mesmo através da linha. — James Mitchell, eu
não acredito que...
— Caralho, vou poder acabar a história ou não? — cortei-a, e Abby enfim se manteve calada,
mesmo que a contragosto. — Eu estava desesperado para ter meu irmão de volta, ok? E, com
Monique, eu vi uma chance de trazer Jack de volta para meu lado. Como Josh foi o juiz encarregado
de nosso caso, havia uma grande chance de ele cuidar de meu processo novamente caso eu entrasse
com um pedido de custódia de meu irmão, então... eu planejava chantageá-lo, e, puta merda, eu sei
que isso soa horrível, mas, mesmo se Josh não fosse o juiz encarregado, ao menos eu ainda teria a
possibilidade de fazê-lo sentir na pele como é ter toda sua família desintegrada de uma só vez.
Porém, isso tudo foi antes de eu conhecê-la, entende? — Passo a mão instintivamente em meu bolso à
procura de um cigarro, porém logo me lembrei de que já havia fumado o maço inteiro. — Depois
desses meses em que passei com ela, eu percebi... Eu percebi que a amo — admiti por fim,
recostando-me em meu sofá, derrotado.
— E agora vocês não estão juntos porque ela descobriu tudo — a garota ponderou.
— Não tudo. Monique descobriu, sim, que o pai dela foi o juiz que cuidou de meu caso e agora
acha que não fui totalmente sincero com ela diante do porquê de eu ter estado com ela
— Mas você não foi.
— Cacete, eu sei. — Bufei. — Mas ela nunca me perdoaria se eu contasse tudo para ela. Eu sei
que Monique nunca confiaria em mim novamente. E, além do mais, eu não quero causá-la ainda mais
dor com o que não é mais minha verdade. Ela já sofreu o suficiente em sua vida, Abby.
— James, nada disso importa. Se ela descobrir isso por outra pessoa, tudo ficará mil vezes
pior, incluindo a dor. Você tem que contar para Monique, entendeu bem?
— Pois é. Acontece que tá meio que tarde demais pra isso.
— O quê? Por quê?
— Porque eu já disse que o pai dela não tem nada a ver com o que nós tínhamos.
— Mas que inferno do caramba, James. Você tem algum problema? — ela praticamente gritou,
ainda mais frustrada. — Por que diabos você não contou a verdade toda para ela de uma vez? Você
tem noção que piorou tudo ao insistir na mentira, mesmo após ela ter desconfiado?
— Eu simplesmente não consegui ser sincero, tá legal? Não sabendo que, a partir daí, eu
poderia foder com a única coisa boa que me aconteceu em um bom tempo — rebati, na defensiva.
— Então você tem que contar agora.
— Eu não sei se posso fazer isso — balbuciei o óbvio.
— Preste atenção, James, você me procurou porque queria um conselho, e aí vai o meu: você
tem que contar para ela antes que seja tarde demais.
Cerrei os dentes com uma força excessiva quando Abby pronunciou as mesmas palavras que
ecoavam em meu inconsciente.
— Mas talvez ela nunca descubra — balbuciei após alguns segundos, mais para mim mesmo.
No fim, eu ainda tentava driblar minha própria opinião.
— Você vai mesmo jogar contra a sorte, mesmo sabendo que, caso ela descubra por outra
pessoa, as chances de Monique nunca mais voltar a confiar em você serão muito maiores?
Minha respiração passou a ficar mais pesada a partir daí.
— Ela nunca mais confiará em mim se souber disso, e não importa se as palavras saírem de
minha boca ou da de qualquer outra pessoa.
— James, se você tem tanta convicção disso, por que me ligou? — ela questionou, e não tive
uma resposta pronta para isso. — Sabe o que eu acho? Que você sabe exatamente que deve contar
para ela, mas também quer acreditar que há uma outra opção — Abby disse diante de meu silêncio,
adotando uma certa calma outra vez. — E eu sinto muito por isso, mas não há uma outra opção senão
contar toda a verdade para ela, e você me ligou porque precisava ouvir isso.
Antes que eu conseguisse arranjar mais alguma desculpa sem sentido, escutei batidas
apressadas em minha porta, e imediatamente soube de quem se tratava.
— Tenho que desligar, Abby.
— James? — Sua voz me impediu de encerrar a chamada. — Você não pode fugir das
consequências de seus atos. Não se esqueça disso.
Fechei os olhos por alguns segundos, sendo torturado por suas palavras.
— Eu sei — eu sussurrei sinceramente, e logo dei fim à ligação.
Sim, eu tinha consciência que eu dificilmente teria outra saída senão contar toda a verdade para
Monique.
Entretanto, isso não era algo tão fácil assim.
Simplesmente não havia um jeito certo de dizer para a loira que eu estava com ela apenas por
causa de seu pai, e, principalmente, não havia um jeito certo de contar à Monique sobre meus planos.
Fui afastado de meus pensamentos dolorosos assim que escutei novamente as batidas na porta.
Forcei-me a caminhar em direção à porta, já apressado para terminar resolver as coisas com
Tobias o mais rápido possível para que pudesse voltar a pensar sobre o que diabos faria em relação
à Monique.
— Que demora, cara — o garoto disse em um visível mau humor assim que eu abri a porta.
— Não enche, Tobias. — Revirei os olhos, mas abri espaço para que ele entrasse.
Em segundos, cheguei ao pequeno armário do canto da sala e abri uma das gavetas, já pegando
a bolsa que usara para guardar os comprimidos que não havia vendido antes.
— Se alguém reclamar, avisa que logo o preço volta ao normal — soprei assim que entreguei a
bolsa para Tobias.
— Só tenta não demorar para achar outro fornecedor. O preço desse aí não tá dando.
— Tráfico em minha casa? — A voz de Susan ecoou pelo corredor ao mesmo tempo que o
barulho da porta de seu quarto se abrindo.
Fechei as mãos em punho em uma resposta involuntária.
— Sua casa? — repeti as palavras desprovidas de fundamento. — Não se faça de sonsa, Susan.
A casa ainda é do meu pai — eu disse o óbvio.
— Ah, é? — a mulher balbuciou com um risinho enquanto caminhava até o sofá, jogando-se ali
com um sorriso debochado dentre os lábios em poucos instantes. — Pena que ele não está aqui para
aproveitar, certo?
Estava prestes a dizer algo a resposta, mas me perguntei o motivo de ainda me dar ao trabalho
antes que o fizesse. De fato, eu ainda não tinha ideia do porquê continuava me obrigando a lidar com
minha tia.
Eu simplesmente não estava mais sujeitado a viver sob o mesmo teto que ela, não desde que eu
completara dezoito anos.
— Quer saber de uma coisa, Susan? — Fui capaz de sorrir enfim. — Arruma suas merdas,
porque você vai sair dessa casa hoje.
A mulher apenas soltou uma risada genuína, como se eu tivesse acabado de ter feito a melhor
piada do mundo.
— Quem você acha que é para decidir isso, garoto?
— Cai na real, Susan. Você não é mais minha guardiã legal — eu disse, o tom de voz cortante, o
que fez com que seu sorriso se desfizesse no mesmo instante. — Você não pode mais ficar aqui contra
a minha vontade.
Foi então que suas feições se fecharam em um semblante já mais sério, quase ameaçador.
— Posso, se você estiver na cadeia — sibilou após longos segundos, e foi a minha vez de rir.
— Ah, sério? E como exatamente você pretende fazer isso?
— Uma ligação pode transformar vidas, James. — Um sorriso terrível voltou a se esboçar
dentre seus lábios ao passo que eu desfazia o meu. — Com você sendo preso novamente por tráfico,
ninguém mais vai me impedir de continuar aqui.
— Você acha mesmo que isso vai dar certo? — questionei em um misto de ceticismo e irritação.
— Por que não? — ela murmurou em alto e bom som, analisando-me com diversão. — Já deu
uma vez.
E foi quase como se meu sangue começasse a ferver enquanto aquelas palavras tão pungentes
continuavam a ecoar em minha mente.
Já deu uma vez.
— Que porra você tá querendo dizer com isso? — Assim como minha respiração, minha voz se
alterou de modo incontrolável, o que fez com que Tobias se colocasse ao meu lado instantaneamente
possivelmente na tentativa de conter alguma suposta crise.
— Sabe, foi bem fácil na primeira vez, James — Susan disse, quase que entediada. — Uma
simples denúncia minha, e pronto, você e seu irmão já tinham sumido de minha vista. Então, vou
repetir, se eu fiquei com a casa para mim na primeira vez, por que não ficaria agora?
Imediatamente, meus joelhos fraquejaram e um arrepio de puro terror percorreu cada centímetro
de minha espinha.
Susan fora a responsável por absolutamente tudo.
Pela minha prisão e, principalmente, por Jack ter sido tirado de mim. Minha tia, sangue do meu
sangue, tinha sido a causa de eu ter perdido uma das únicas alegrias genuínas que já tive em minha
vida.
Um misto horrível de raiva, desesperança e desolação me domou por inteiro, cegando-me por
um instante.
— Eu vou te matar, sua filha da puta.
Não consegui chegar até seu pescoço enrugado, pois logo mãos firmes me empurraram para trás
bruscamente.
— Você tá louco, James? — A voz de Tobias chegou aos meus ouvidos, mas não me dei ao
trabalho de assimilá-las.
— Você tem noção do que fez? — indaguei perplexo, enquanto sentia os dedos de Tobias
afundarem ainda mais em meus braços. — Você tem noção que foi você a culpada por terem separado
meu irmão de mim? — Então, ao dizer aquelas palavras em voz alta, não pude mais evitar as
lágrimas. — Você separou a minha única família de mim, porra.
— James, se acalma. — Tobias aumentou seu tom de voz, mas tudo que eu ainda podia prestar
atenção era no rosto repulsivo e agora aterrorizado de Susan.
— Vai, me denuncia, e me denuncia o quanto antes, porque assim que eu tiver a primeira
oportunidade, vou acabar com tudo que você tem, Susan. Vou tirar tudo de você, exatamente como
você fez comigo.
A partir daí, Tobias não pôde mais me conter.
— Você deveria ter medo de mim, Susan — eu disse em quase um rugido na mesma fração de
segundo em que meu rosto se encontrou a centímetros do seu. — Pois, acredite em mim, alguns anos
na cadeia não são suficientes para te manter segura de mim. — Meu tom de voz ainda soava
tempestuoso, um tom raivoso o suficiente para fazer com que os olhos de Susan refletissem o mais
puro medo que sentia naquele momento. — Na verdade, alguns anos apenas me dariam um tempo
maior para eu pensar em tudo que vou fazer com você, então, acho bom você se preparar nesse
tempo, porque, quando eu sair, eu vou te encontrar, e não duvide nem por um segundo que vou te fazer
desejar estar morta.
— Que porra, James. — Tobias me jogou para trás uma segunda vez e se virou para a mulher
em um ato instantâneo. — Se eu fosse você, Susan, sairia daqui agora e pensaria bem antes de ligar
para a polícia, porque, caso James seja preso, eu não vou fazer esforço algum para detê-lo ao te dar
tudo que você merece assim que sair.
— Sua desgraçada do...
— Se acalma, cacete. — O garoto voltou a me empurrar com uma força excessiva antes que eu
acabasse de pronunciar as palavras tão perturbadoras.
Susan então disparou até seu quarto e, em questão de segundos, já corria em direção à saída
com uma bolsa nos ombros.
— Você nunca vai poder fugir de mim, você está me entendendo? — gritei antes que ela
passasse pela porta, lançando algo quebrável em uma das paredes.
— James, se você não parar, seus vizinhos vão chamar a polícia — Tobias alertou, e uma risada
angustiantemente infeliz saiu de minha garganta.
— Você acha que eu ligo com isso depois de tudo que me aconteceu? — eu soprei, sem me
importar com o outro objeto que lançava no chão. — Que me prendam, que façam o que quiserem
comigo. Não podem tirar mais nada de mim, porque nada mais me resta, caralho.
Nada poderia ser pior do que isso, do que a sensação do luto por tudo que eu tinha perdido, por
tudo que tinha sido tirado de mim à força.
Pela minha visão embaçada, pude ver Tobias pegar meu celular, talvez na tentativa de impedir
que eu o quebrasse, e saiu em disparada da casa, mas não parei para pensar nem por um segundo
nisso.
Tudo que eu apenas podia fazer naquele momento era tentar extravasar toda a ira desesperadora
que ocupava cada centímetro de meu interior, quebrando tudo que via pelo meu caminho.
Nada daquilo valia coisa alguma para mim.
Nenhum material podia preencher o vazio de minha vida ao estar longe das pessoas mais
importantes para mim.
Eu não tinha Jack comigo por ter sido estúpido o suficiente para entrar no mesmo negócio de
meu pai e não tinha Monique ao meu lado por ter sido imbecil o suficiente por querer tentar controlar
o destino com alguma chantagem ilógica.
E, agora, meu irmão estava vivendo a milhas de distância com pessoas melhores do que um dia
eu seria capaz de ser e a garota que eu amava nunca poderia me perdoar quando soubesse toda a
verdade, quando conhecesse a pessoa tão repulsiva quanto Susan que eu era.
Eu não tinha nada porque eu simplesmente não era nada. Nunca seria bom o suficiente para as
pessoas que mais importavam em minha vida.
Não soube ao certo quanto tempo se passou até que a sala e a cozinha estivessem totalmente
destruídas, mas tinha plena consciência que aquilo não tinha sido suficiente para que toda a raiva que
me domava cessasse. Pelo contrário, ela somente parecia aumentar.
Saber quem eu era e o que tinha feito apenas servia para que eu ficasse ainda mais puto.
Estava puto pra cacete com o futuro que tinha traçado para mim mesmo, e não fazia ideia do que
fazer para que tudo simplesmente melhorasse, para que eu fosse uma pessoa melhor.
— James?
Ignorei a voz de minha cabeça. O som tão doce apenas não podia ser real.
Contudo, antes que eu partisse para o próximo objeto a ser quebrado, o toque quente em um dos
meus braços me fez paralisar enquanto todo o ar de meus pulmões escapava no mesmo instante.
Ainda estava incerto sobre o que era real e o que era apenas ilusão, provável fruto de meus
desejos, quando girei meus calcanhares lentamente e encontrei o rosto frequente em meus melhores
sonhos.
Senti meu coração se apertar no peito diante dela.
Levei meu dedo à sua bochecha macia, buscando senti-la. Eu precisava ter a certeza de que a
única luz que podia me tirar da escuridão tinha se acendido para mim.
— Você está mesmo aqui — sussurrei após um tempo maior que o necessário, e foi só então que
permiti que uma estranha paz tomasse conta de mim, substituindo toda a ira de minutos atrás.
Monique estava ali para mim, por mim.
— Eu prometi que ficaria, não foi? — Sua voz viciante e tão aliviante chegou aos meus ouvidos
mais uma vez, e logo a vi forçar um sorriso que nada condizia com suas expressões preocupadas.
— Pra sempre? — questionei sem poder evitar, sentindo esperança.
Meu coração se apertou no peito quando a garota me lançou um olhar tão frágil.
— Desde que você sempre seja honesto comigo... — Ela hesitou, mas então deu a resposta que
eu tanto precisava: — Sim.
Foi então que eu soube.
Enquanto a puxava para mais perto novamente na tentativa de adentrar naquela neblina de paz,
tive a mais completa certeza de que não podia deixar que Monique soubesse do que uma vez eu
planejara fazer com ela, nem por mim, e nem por ninguém mais.
Eu não podia correr o risco de ficar sem ela outra vez.
25 |
Um novo começo

MONIQUE PRICE

Eu atravessava o estacionamento de minha escola enquanto pensava em como seriam as


próximas horas.
Ao que tudo indicava, eu continuava sozinha. Kate ainda não respondia minhas mensagens, e,
mesmo após quase uma semana do incidente com Susan, James ainda parecia estar tomando um
tempo para se recompor. Eu não o julgava, afinal, saber que fora traído por sua própria família não
devia ser nada fácil; ainda assim, era inevitável ficar um pouco chateada por ele estar deixando as
responsabilidades de lado.
Bem, como consequência do desaparecimento das pessoas mais próximas de mim nos mais
diversos sentidos, eu tinha consciência de que me sentiria solitária por boa parte da aula.
— Tudo bem? — A voz de Steve me retirou de minha neblina de melancolia, e ele logo se
juntou a mim ao pé da escada. — Pela sua cara, suponho que as coisas não se resolveram. Estou
errado?
— É complicado. — Dei de ombros, soltando o ar pela boca. — As coisas entre mim e James
voltaram ao normal, mas, com Kate, tudo ainda permanece o mesmo.
— Não fique preocupada com isso, Monique — o garoto soprou, calmo. — As coisas vão se
resolver cm ela quando você menos esperar.
Assenti, mesmo que eu não estivesse somente pensativa diante de minha amizade com Kate.
Eu também estava incomodada com Josh e sua reclusão. O homem simplesmente não falava
comigo mais do que era necessário. E eu não podia negar que a situação de James somente serviu
para me entristecer ainda mais nos últimos dias.
Nossas vidas eram um completo desastre, e, às vezes, eu só queria que eu e o garoto apenas
tivéssemos vidas normais com problemas normais.
Mas, por um segundo, lembrei-me que talvez fosse todo o caos em que estávamos imersos o
responsável pelos nossos sentimentos um pelo outro, afinal, quem nós éramos era nada mais que o
resultado das dificuldades pelas quais passamos.
— Tudo vai ficar bem — Steve disse por fim, esboçando um sorriso acolhedor. — Acho melhor
subirmos agora. Faltam poucos minutos para a aula começar.
Comecei a acompanhar o garoto em direção à entrada da escola; no entanto, antes que eu
pisasse no segundo degrau, meu celular vibrou no bolso de minha calça, e o retirei por instinto.
Meu coração se agitou no peito quando vi a mensagem estampada na tela inicial.
James: Olhe para trás
Girei os calcanhares instantaneamente, e meus olhos não demoraram a localizar aquelas íris
esverdeadas tão únicas.
O moreno se encontrava recostado em seu Mustang no outro lado do estacionamento enquanto
um sorriso travesso se esboçasse dentre seus lábios.
— Te vejo depois, Steve — despedi-me do garoto, já eufórica, antes de começar a me
distanciar.
Atravessei o estacionamento em questão de segundos e então não hesitei em pular em seus
braços, genuinamente mais relaxada do que minutos antes.
— Acho que não posso ficar longe daqui por muito tempo. Com você sozinha, os abutres já
começam a agir — James soprou em um visível bom humor antes de me dar um rápido beijo e me
colocar de volta no chão.
— Não é nada disso. — Revirei os olhos, tendo em mente que ele se referia a Steve, mas logo
um sorriso voltou a vigorar em meu rosto. — E mal posso acreditar que você vai finalmente voltar!
Imediatamente, um arrepio em alívio percorreu toda minha espinha, e não somente por James
enfim estar na escola.
Eu também era alguém simplesmente mais feliz quando estava ao lado do garoto, e era quase
como se meus problemas desaparecessem por completo apenas por poder ouvir sua voz.
— Não estou aqui exatamente pela aula, loirinha — o moreno disse tranquilamente enquanto me
analisava com cautela, e meu sorriso morreu subitamente. — Calma, eu vou voltar amanhã. Mas antes
preciso fazer... — ele hesitou por um segundo — algo muito importante.
— Algo importante? — sibilei, incrédula.
— Isso mesmo. — Ele assentiu, e, apesar do sorriso divertido, pude identificar a seriedade
reluzindo em seus olhos. — Se importaria de perder a aula hoje? Gostaria muito de tê-la ao meu lado
no que preciso fazer.
— Não sei, não — balbuciei, distanciando-me um pouco. — Seria melhor se você visse a aula
de uma vez. Já está aqui mesmo, além do que, você me disse que voltaria. Duas vezes.
— Eu sei, eu sei — o garoto disse rapidamente. — E eu prometo que venho amanhã se você
aceitar ir comigo agora.
— Você tá me chantageando? — Franzi o cenho.
— Hum... Talvez? — Ele fez uma cara de inocente, e perdi o ar por um momento diante de suas
feições estupidamente atraentes.
Amaldiçoei a mim mesma por ceder tão fácil a ele.
— Tudo bem — murmurei por fim, fazendo meu melhor para sustentar minhas expressões nada
convidativas. — Mas, se você não estiver aqui amanhã, eu mesma mando uma denúncia anônima à
polícia.
Escutei o riso nasalar de James enquanto eu atravessava o carro para entrar no banco do
passageiro.
— E então, vai me falar para onde vamos? — questionei assim que o garoto também adentrou
no automóvel.
— Não — ele respondeu como se fosse óbvio enquanto dava partida.
— O mínimo que você pode fazer por me colocar no mau caminho é me contar o nosso destino
— resmunguei, cruzando os braços.
— Mau caminho? — James soprou, arqueando as sobrancelhas em um gesto confuso.
— É. Você me fez matar aula.
— Puta merda. — Ele soltou uma risada verdadeira, lançando-me uma rápida olhadela. — E eu
esquecendo do quão dramática você é.
Dei um empurrão em seu ombro.
— Eu estou falando sério. Me diz logo.
— E teimosa também. — O moreno revirou os olhos, mas continuou a esboçar um lindo sorriso.
— Tudo que vou falar é: estou querendo recomeçar, e o que vamos fazer é um jeito de marcar essa
decisão.
— Recomeçar? O que você está querendo dizer, James?
— Quero dizer que estou cansado de ser escravo de meu passado, das péssimas decisões que
tomei e dos erros que pessoas próximas a mim cometeram — ele respondeu, já mais sério. — Eu
quero um novo começo para mim, quero mais do que tive nesses últimos anos, entende? Mais que
tudo, quero melhorar, quero dar a mim mesmo a chance de fazer com que meu futuro seja diferente do
que venho vivendo até aqui. Eu preciso ter perspectivas, Monique.
Aquelas palavras me causaram um aperto repentino no peito.
Tomei a mão de James para mim por um instante, o que fez com que ele olhasse em minha
direção instantaneamente.
— Obrigada.
James então voltou a sorrir.
— Pelo que, loira?
— Por estar compartilhando isso comigo — respondi, sincera. — Eu fico contente de você me
deixar ficar ao seu lado em momentos como esse.
Um brilho estranho tomou conta de seus olhos, e o garoto me encarou intensamente por longos
segundos antes de levar minha mão até sua boca para um beijo suave.
— Não há ninguém nesse mundo que gostaria de compartilhar cada detalhe de minha vida mais
do que com você — ele disse, e aquelas palavras fizeram com que meu coração bombeasse duas
vezes mais sangue para todo meu corpo.
— Eu sou mais feliz quando estou com você, sabe? — soprei, não pensando muito em minhas
palavras.
Ainda assim, não me arrependi de tê-las dito, pois aquilo era realmente como eu me sentia, e
achava que James merecia saber disso.
Era quase como se meu dia mudasse da água para o vinho a partir do momento em que ele se
fazia presente.
— Eu sempre vou estar com você, Monique. Não importa o que aconteça, eu sempre vou cuidar
de você.
Não disse mais nada, pois estava imersa demais em aproveitar aquela peculiar sensação de me
sentir tão completa, como se tudo em minha vida se encaixasse quando James estava ao meu lado.
Não soube se já tinha me sentido tão realizada ou preenchida como aquele modo antes.
— Chegamos — James enfim anunciou após algum tempo, tirando-me de meus pensamentos, de
certa forma, extasiantes, enquanto estacionava o carro.
Forcei-me a analisar o local e, após alguns segundos, ainda não tinha notado nada em especial.
Estávamos apenas em uma rua simples, próxima ao centro da cidade.
— Aonde nós vamos? — questionei, confusa, mas ele ignorou minha pergunta por completo ao
sair do carro.
Também saí logo em seguida e fui em direção à calçada oposta, onde o garoto já se encontrava.
Segui-o por mais alguns instantes até pararmos em frente a um lugar específico, e James então
girou os calcanhares para me observar.
— Você vai fazer alguma tatuagem? — questionei, já franzindo o cenho.
— Ao que tudo indica, sim. — O garoto soltou um breve riso.
— Que tatuagem?
— Caramba, mulher. Você nunca se cansa de me fazer tantas perguntas? — ele soprou, bem-
humorado, e pegou em minha mão para me conduzir até o interior do local.
Assim que passamos pela porta, analisei o estúdio, que, apesar de pequeno, era bem
aconchegante. A sala principal possuía uma grande variedade de desenhos espelhados pela parede e
algumas poltronas de cores escuras. A decoração era, em sua maior parte, negra, com exceção de
alguns tapetes coloridos.
— Dói muito? — indaguei enquanto acompanhava James em direção ao balcão, já começando a
ficar um pouco empolgada.
— Na real, não. Só é meio incomodante. — Ele deu de ombros. — Por quê? Está interessada?
— o moreno perguntou sarcasticamente, arqueando uma sobrancelha.
— Na verdade, eu sempre tive vontade — respondi, ignorando seu tom nada sério. — Mas
quero achar algo que tenha algum significado para mim primeiro antes de enfiá-lo em minha pele
para todo sempre.
— E você nunca achou nada?
— Honestamente, não sei — respondi, soltando o ar pela boca. — Nada nunca me pareceu
certo o suficiente para que eu pensasse em eternizá-lo em meu corpo.
James estava prestes a dizer algo a mais quando um garoto de cerca de vinte anos saiu da porta
por trás do balcão, interrompendo-nos. O garoto possuía uma grande quantidade de tatuagens
coloridas espalhadas por cada centímetro de seu corpo e exibia um número assustador de piercings
no rosto.
— James? — ele soprou, surpreso, mas logo esboçou um sorriso caloroso. — Bem, quem é
vivo sempre aparece, não é? — murmurou em puro humor enquanto cumprimentava o garoto ao meu
lado, que soltou uma risada divertida. — E quem é a princesa? — questionou enfim, virando-se para
mim.
— Monique. — Estendi a mão ao lhe cumprimentar, mas, ao invés de um aperto, o garoto a
pegou e a beijou vagarosamente.
— Joe, às suas ordens.
— Opa, opa, acho que já é o suficiente. — James soltou um riso nasalar enquanto tomava minha
mão para si.
Joe oscilou o olhar entre nós dois em um gesto confuso antes de rir outra vez.
— James Mitchell namorando? — o garoto sibilou como se fosse a melhor piada do mundo.
— Pois é. Pode parar de fazer hora com a minha cara agora — o moreno rebateu, ainda bem-
humorado.
— Foi mal, cara. É só que eu não esperava. — Joe deu de ombros. — Bem, suponho que ela
seja alguém especial, se foi capaz de te prender.
Senti a mão de James apertar a minha com mais força.
— É, acho que sim — respondeu, sem hesitação alguma, e eu não pude conter o sorriso que se
esboçou dentre meus lábios.
— E então, quer fazer uma tatuagem? — Joe questionou enfim, já mais sério.
— Eu sei que não avisei que viria, mas é coisa rápida.
— Sem problemas. O movimento tá fraco hoje — o garoto disse tranquilo, antes de se voltar a
mim. — Você também vai?
— Não — James respondeu por mim.
— Talvez — corrigi, e o moreno me lançou um olhar confuso que me fez rir. — O quê? Posso
achar algum desenho ou coisa assim que tenha um significado para mim. Estamos aqui mesmo.
— Para depois eu ouvir mais reclamações sobre eu te colocar no mau caminho? Você não vai
fazer uma tatuagem sem antes pensar muito bem, amor. Sinto muito — ele retrucou, cínico.
— Ainda bem que a decisão é minha, certo? — Sorri sarcasticamente.
James abriu a boca para provavelmente reclamar da teimosia, mas Joe soltou uma sonora
gargalhada e se apressou a dizer:
— Tudo bem, tudo bem. Vamos fazer a sua primeiro, James, e enquanto isso ela pensa melhor.
O garoto então seguiu para uma pequena sala, e James forçou uma cara feia para mim antes de
segui-lo. Fiz o mesmo.
— Qual e onde? — Joe questionou enquanto aprontava o pequeno kit em cima da mesa ao lado
da maca.
— Olhe para lá, Monique.
— O quê? Eu não vou olhar para lá — eu rebati o óbvio. — Me deixa ver.
— Vou deixar, mas não agora. — Sua voz autoritária em nada condizia com o sorriso
deslumbrante dentre seus lábios. — Vire-se logo.
— Eu. Não. Vou. Me. Virar.
— Tudo bem, então. — James começou a se aproximar, e, quando vi que ele estava prestes a me
colocar em seus ombros para me levar para longe, dei um pulo para longe de seus braços.
— Tá legal, tá legal — eu disse rapidamente, agitada. — Pronto, já me virei — resmunguei a
contragosto no segundo em que girei os calcanhares.
— Vocês são malucos. — Identifiquei a voz de Joe por trás de mim, quase como se ele dissesse
isso mais para si mesmo.
Poucos segundos depois, eu já escutava o celular de James sendo bloqueado, e tive de reprimir
subitamente o instinto de olhar em sua direção, afinal, sabia que, caso o fizesse, eu seria mesmo
expulsa dali.
Os dois garotos logo começaram a discutir sobre a fonte da letra, o que me deixou ainda mais
curiosa, pois soube que se trataria de palavras ao invés de algum desenho.
— Pronto — James anunciou após alguns minutos.
Quando enfim me virei em sua direção, vi o moreno já deitado na maca e sem sua camisa
enquanto Joe limpava a região da costela esquerda.
— Isso é ridículo.
Soltei um suspiro frustrado enquanto ia me sentar no sofá. Ao que tudo indicava, eu nem sequer
ia poder ver a tatuagem sendo feita, afinal, apenas a costela direita de James se encontrava em meu
campo de visão.
— Você reclama pra caralho, sabe disso? — James murmurou, divertindo-se comigo.
— Porque você me dá motivos, sabe disso? — retruquei, semicerrando os olhos.
— Nada de brigas no meu estúdio. — O humor também ficava óbvio na voz de Joe. —
Monique, tem umas revistas aí do lado com algumas tatuagens femininas bem legais. — Ele apontou
para a mesa ao meu lado em seguida, e eu as peguei, já um pouco animada.
Notei o olhar curioso de James em minha direção, mas o ignorei por completo.
Comecei a folhear uma das revistas rapidamente, mas parei assim que vi um desenho de uma
meia lua simples. Não tinha significado algum para mim, mas, ainda assim, mostrei-a para James.
— O que acha dessa?
— Bonita — James disse, parecendo honesto.
Continuei a folhear algumas páginas e encontrei mais algumas tatuagens que chamavam minha
intenção, mesmo quase insignificantes. Ainda assim, continuei a mostrar todas para o moreno, que
apenas respondia um “bonita”.
— E essa? — indaguei enquanto mostrava uma espécie de estampa de onça.
— Bonita.
— James! — Bufei enquanto fechava a revista. — É horrorosa. Quer me falar logo qual o
problema?
— O quê? — ele balbuciou, nitidamente confuso.
— Você disse “bonita” para todas, seu idiota.
— Que mania de criar caso por tudo. — Ele riu. — Monique, não importa se você fizer a
tatuagem mais feia do mudo. Tudo ficaria bem em você.
— Nem vem. — Revirei os olhos.
— Puta merda, você é complicada pra cacete — o garoto disse entre as risadas, mas eu
continuei séria. — Tudo bem, eu não estou dando minha opinião sincera porque sei que você não vai
fazer nenhuma dessas tatuagens — ele cedeu enfim.
— E como você pode ter tanta certeza?
— Porque sei que você ainda não conseguiu encontrar nada que significasse tanto para você.
Abri a boca para respondê-lo, mas a fechei em seguida quando me dei conta de que James tinha
razão.
— Tudo bem, casal, já acabei — Joe anunciou após alguns segundos, e o barulho irritante da
agulha cessou imediatamente.
— Posso ver? — questionei de modo súbito, já me levantando.
— Espere um minuto, mocinha. — James se sentou de costas para mim e analisou a tatuagem
primeiro.
— E então? — Joe questionou.
— Exatamente como eu queria — o moreno balbuciou, e quase pude sentir o sorriso por trás de
suas palavras.
— Tudo bem, vou deixar vocês sozinhos agora. — Joe esboçou um sorriso orgulhoso antes de
deixar a sala em que nos encontrávamos.
— Eu vou poder ver ou não? — questionei impaciente, e James riu mais uma vez.
— Inferno. Você me deixa louco. — Ele finalmente se levantou e veio em minha direção,
virando-se de lado em seguida.
Todo o ar escapou de meus pulmões assim que acabei de ler a frase, e tive de reprimir o
impulso de tocá-la para ter mesmo a certeza de que era real.
Se alguém em sua vida te faz esquecer o passado, esse alguém é certamente seu futuro.
Imediatamente soube que nunca tão poucas palavras haviam definido tanto nossas vidas.
Eu ainda percorria a tatuagem com o olhar pela provável décima vez quando James enfim se
abaixou para que seus olhos ficassem rente aos meus, que já estavam úmidos.
— Eu quis tornar definitiva essa nova etapa da minha vida. Esse tempo todo eu venho vivendo
em meu passado e sofrendo por causa disso. Isso não é o que eu quero mais, e você me mostrou isso,
Monique. Você me fez viver a melhor fase de minha vida, e quero que continue fazendo isso. Eu
quero que você seja meu futuro.
Foi então que as lágrimas passaram a percorrer minhas bochechas de modo frenético.
— E eu quero que você seja o meu, James — consegui sussurrar enfim, sem hesitar em o puxar
para mais perto.
Em questão de instantes, nossas línguas encontraram passagem para a boca um do outro, dando
lugar a um beijo carregado de mais sentimentos que qualquer outro.
Foi a partir daí que tive a mais completa certeza de que nunca ninguém mais faria me sentir tão
preenchida quanto aquele garoto o fazia. Era quase como se eu tivesse nascido apenas para ele, como
se minha vida apenas fosse certa ao seu lado.
— James — eu disse, ainda com a voz fraca, quando me forcei a me afastar por poucos
centímetros. —, eu quero fazer uma igual.
O moreno então recuou um pouco mais diante daquelas palavras, nitidamente hesitante.
— Eu estava falando sério quando disse que não queria que você fizesse algo tão precipitado,
Monique. Você pode se arrepender disso depois, confie em mim — ele soprou, sério, mas eu
discordei com a cabeça rapidamente.
— James, aconteça o que acontecer, nada nunca vai apagar o fato de que foi você quem me
ajudou a superar tanto de meu passado. Eu nunca poderei me arrepender da decisão que estou
tomando agora — eu disse, meu tom de voz surpreendentemente ganhando um tom mais firme. — Eu
estava quebrada quando me mudei para essa cidade e pensava que uma parte de mim sempre estaria
perdida de modo irrecuperável. Mas você me mostrou que eu não poderia estar mais errada,
entende? Com você ao meu lado... Meu Deus, com você ao meu lado eu me sinto total e plenamente
viva outra vez, me sinto como se eu enfim estivesse vivendo a vida que nasci para ter. — Inspirei
fundo, envolvendo seu rosto com minhas mãos a fim de que James olhasse no fundo de meus olhos.
— Eu quero que essas mesmas palavras também estejam gravadas em minha pele, porque sei que
nada nunca poderá significar mais para mim do que elas o fazem agora. Quero me lembrar, toda vez
que olhar para essa tatuagem, que nada nunca está perdido o suficiente a ponto de não poder ser
encontrado.
E foi então que, pelos seus olhos, vi James ceder por completo. O garoto sorriu enfim, e era o
sorriso mais puro que já tinha visto em toda minha vida.
— Jesus, não acredito que vou mesmo deixar você fazer isso — ele soprou enquanto seu sorriso
continuava a se alargar cada vez mais e logo se aproximou para um último beijo antes de ir em
direção à porta. — Joe, nós vamos precisar de você novamente.
26 |
Sendo feita de idiota

MONIQUE PRICE

A paisagem à minha frente era uma mistura de cores quentes, que, surpreendentemente, pareciam
conduzir com meus sentimentos.
Eu me sentia genuinamente contente enquanto misturava um par de cores na tentativa de obter o
verde daquele jardim.
Era simplesmente extasiante voltar à ativa após tanto tempo sem conseguir desenhar
absolutamente nada. Eu estava enfim recuperando a parte de mim que tinha se perdido quando minha
mãe se fora, aquela que era viva o suficiente para conseguir criar algo.
Eu ainda sorria enquanto fazia leves rabiscos para retratar o gramado quando escutei um
barulho proveniente da cozinha, o que despertou minha atenção instantaneamente.
Meu pai estava fora para resolver um caso de segunda instância, então, apesar de saber que o
som era provavelmente proveniente de Tyler, eu ainda não tinha ideia do que ele estaria fazendo
acordado a essa hora.
Não passava das oito da manhã de domingo, e meu irmão, com toda certeza do mundo, não era
uma pessoa muito matutina.
Joguei o pincel na pequena vasilha de água ao meu lado e me levantei, já indo em direção à
porta da cozinha, que ficava de frente para o jardim onde me encontrava.
— Puta merda! — Tyler resmungou assim que adentrei na casa, assustado, mas logo se apressou
a recuperar o ar. — O que você está fazendo acordada?
— O que você está fazendo acordado? — Arqueei as sobrancelhas, já analisando sua bermuda e
camisa social, assim como seu cabelo cuidadosamente penteado para trás. — Aonde você vai? —
questionei enfim, e ele pareceu ficar um pouco desconcertado.
— Bem, sair. — O garoto deu de ombros, ainda desconfortável.
— Isso eu já percebi, seu pateta. — Soltei um riso nasalar enquanto dava um leve tapa em sua
cabeça.
— Não me chame de pateta, pateta. — Tyler me devolver o tapa, e eu forcei uma cara feia.
— Tinha me esquecido do quanto você é infantil. — Revirei os olhos. — Quer que eu prepare
um café antes de você sair? — indaguei em seguida, e ele assentiu vigorosamente.
— Sim, por favor.
— Ótimo. Agora você vai ter tempo de me contar para onde vai — retruquei, reprimindo o
sorriso enquanto já ia para o lado da cafeteira.
— Ah, Cristo! — balbuciou, sentando-se ao balcão. — Desista, Monique. Não vou te contar.
— Você é ridículo — retruquei, nada contente.
— É, vai ver o defeito é de genética. — Ele fez uma careta, mas logo ficou um pouco mais
sério. — Ok, hum... Eu posso te fazer uma pergunta?
— Claro — respondi enquanto colocava a água para ferver.
— Hipoteticamente, como um genro deve chamar o sogro?
— O quê? — Virei-me para Tyler subitamente para ter a certeza de que ele tinha mesmo falado
o que achava ter escutado.
— Devo tratar pelo nome ou somente por senhor? Ou devo...
— Espera aí, você está namorando? — questionei em disparada em um misto de surpresa e
susto, fitando-o com atenção.
— Eu disse “hipoteticamente”. — Ele bufou, cruzando os braços frente ao peito.
— Ah, meu Deus! Você está. — Foi então que uma sonora risada escapou de minha garganta, a
diversão substituindo qualquer vestígio de desorientação. — Você tem uma namorada.
— Será que dá pra parar de caçoar com a porra da minha cara? — Tyler murmurou, mal-
humorado, mas não contestou minha afirmação.
— Desculpa. — Levei minha mão à boca para tentar disfarçar os risos. — É só que eu não
esperava isso tão cedo.
— Tá bom, tá bom. — Ele gesticula com as mãos em um gesto impaciente. — Agora, você pode
responder logo a merda da pergunta? Estou prestes a passar a tarde inteira com o pai da minha
namorada e não faço ideia do que fazer.
Inevitavelmente, explodi ainda mais em gargalhadas.
Eu ainda levaria um tempo até me acostumar com a palavra “namorada” saindo da boca de meu
irmão.
— Deixa pra lá. — Tyler se levantou da cadeira, e eu corri para o impedir de se distanciar.
— Já parei, já parei — disse às presas, fazendo meu melhor para manter as feições sérias. —
Depende, Tyler. Se apresente a ele primeiro e veja como ele também vai se apresentar.
O garoto pareceu pensativo enquanto voltava a se sentar.
— E então, o que você vai fazer com eles nesse tempo todo? — indaguei enfim, curiosa.
— Eu vou para o sítio deles, aqui perto — ele disse a contragosto. — Odeio campo —
resmungou, esfregando sua testa.
— Acho bom você não dizer isso para seu sogro — retruquei, segurando o riso mais uma vez
enquanto colocava café em duas xícaras. — Não vai me dizer quem é a garota?
— Não agora. — Ele desviou o olhar, e eu franzi o cenho diante do gesto.
— Ei, isso não é justo! Eu prometo que não vou fazer nada para te envergonhar, se é isso do que
você tem medo. Só quero dar um oi.
— Não é isso, Monique — Tyler balbuciou em uma espécie de careta, mas antes que dissesse
algo a mais, seu celular vibrou no balcão. — Tenho que ir — anunciou no segundo em que seus
olhos localizaram a tela do aparelho.
— Ela está aqui? — questionei, esperançosa, e tive minha resposta quando meu irmão hesitou.
Sorri. — Sinto muito, Tyler.
Imediatamente tomei rumo em direção à porta de entrada enquanto sentia uma euforia tomar
conta de mim. Eu certamente precisava conhecer quem seria corajosa o suficiente para assumir um
compromisso com meu irmão.
— Espera, Monique. Não é a hora. — Escutei a voz agitada de Tyler logo atrás de mim, mas
não me importei muito, afinal, eu realmente não faria nada para envergonhá-lo.
Contudo, assim que passei pela porta, não encontrei ninguém parado ali em frente.
— Não tem ninguém. Entra, por favor. — Tyler segurou meu braço para me puxar para dentro,
mas me desvencilhei do toque agilmente.
— Por que você está agindo assim? — resmunguei, estreitando os olhos. — Você está muito...
Não tive a chance de terminar a frase, não quando algo atraiu meu olhar para o fim da rua.
— Merda — Tyler resmungou ao meu lado, mas minha atenção ainda estava fixa no carro ali
estacionado, pois me perguntava se o automóvel poderia de fato ser o mesmo que o dos pais de Kate.
Bem, não precisei pensar muito para chegar a uma conclusão, pois a garota logo saiu do carro,
com os olhos já fixos em mim.
Lancei um olhar instintivo para meu irmão, que observava Kate com o mais puro conhecimento,
não estando, nem de longe, tão surpreso quanto eu.
Perdi todo o ar de meus pulmões por um instante.
— O que está acontecendo aqui? — sussurrei para ninguém em específico, piscando um par de
vezes enquanto tentava assimilar o que acontecia à minha volta.
— Desculpa — a garota soprou, ainda a alguns metros de distância, e suas expressões
entregavam a vergonha que sentia.
Kate tinha acabado de se entregar.
— Vocês... — comecei a dizer, mas logo fechei as pálpebras bruscamente quando as palavras
de James invadiram minha mente.
Não faça perguntas de respostas óbvias, Monique.
Lutei para organizar meus pensamentos caóticos para enfim questionar:
— Por que vocês não me contaram?
Ignorei a mágoa que tinha ficado explícita em meu tom de voz.
— Nós não sabíamos como, Monique — Kate foi a primeira a falar, chamando a atenção de
meu olhar. — Bem, eu não sabia como.
— Nós íamos contar logo — meu irmão acrescentou rapidamente, pondo-se ao lado da sua mais
nova namorada.
De repente, eu não estava mais apenas chateada. Eu também estava frustrada.
— Há quanto tempo vocês estão saindo? — indaguei, forçando um tom seco na falha tentativa
de não me deixar parecer tão afetada.
— É meio complicado. — Kate deu ombros, mas meu olhar quase decepcionado a obrigou a
continuar: — Praticamente, desde quando você resolveu as coisas com o James depois de briga por
causa de Luke. Depois que eu te obriguei a ir vê-lo, liguei para sua casa mais tarde para saber o que
tinha acontecido já que você não atendia seu celular. Você ainda estava fora, e seu irmão atendeu. Ele
me chamou para sair naquela noite.
— Isso foi há quase dois meses, Kate. — Tive de fazer um esforço excessivo para não gritar.
— Eu sei — ela balbuciou rapidamente, na defensiva, e seus olhos logo começaram a
lacrimejar. — Mas só começamos a namorar oficialmente há três semanas, juro.
— Ah, sim, porque isso melhora tudo — retruquei, usando o sarcasmo como defesa
inevitavelmente. — Pelo amor de Deus, esse foi o tempo que você praticamente ignorou minha
existência. Eu estava pensando que tinha feito algo para te chatear por todo esse tempo, você tem
noção disso?
— Kate não tem culpa. Ela só tinha medo de como você ia reagir. Você é a melhor amiga dela
— Tyler interveio, o que apenas serviu para piorar as coisas para mim.
— E como eu poderia reagir? — indaguei, incrédula.
— Exatamente desse modo — meu irmão respondeu, sem hesitar.
Cerrei os dentes de imediato, sentindo uma onda de raiva se formar em meu interior. Não
gostava nem um pouco da sensação e tampouco estava acostumada com ela. Não estava habituada a
ficar irada daquele modo, então não fazia ideia de como conter tudo aquilo.
— Estamos querendo dizer que você pode ser instável quando quer, Monique. Você, mais do
que ninguém, sabe que é uma pessoa impulsiva, então não tínhamos ideia do que aconteceria caso
soubesse que sua única amiga na cidade estava... bem, estava comigo — meu irmão continuou diante
de meu silêncio. — E, infelizmente, você não está agindo melhor que nossas expectativas.
— Jesus Cristo — soprei, mas não me importei em reprimir os gritos dessa vez. — Eu estou
“agindo desse modo” por vocês terem escondido as coisas de mim pela droga de dois meses. Como
vocês acham que eu deveria estar após descobrir que estava sendo feita de idiota por todo esse
tempo?
Ambos ficaram em silêncio diante de minha pergunta retórica.
— Eu precisei de você, Kate. Precisava apenas conversar com alguém, porque, acredite, eu
passei por algumas coisas nada fáceis nessas últimas semanas em que você me tratou como se eu não
fosse nada — soprei, pouco antes de me virar para meu irmão. — E eu realmente pensei que nós
enfim tínhamos superado todos nossos problemas. Pensei que você tinha voltado a confiar em mim,
Tyler, mas vejo que não é o caso.
Estava prestes a continuar com minhas palavras frustradas, mas logo percebi que eu não estava
muito longe de chorar.
— Quer saber, vocês podem continuar com esse relacionamento, mas longe de mim a partir de
hoje — eu murmurei enfim, e, por um segundo, perguntei-me se aquelas poderiam mesmo ter sido as
palavras mais rancorosas que já tinha pronunciado em toda minha vida.
Não pensei muito sobre isso, afinal, não estava muito disposta a me sentir culpada caso a
resposta fosse positiva.
Sem esperar por mais, girei os calcanhares para tomar rumo em direção à minha casa.
— Monique, espera. — A voz de Kate ecoou atrás de mim.
— Deixa ela — Tyler não hesitou em murmurar.
Adentrando em minha casa, peguei as chaves de meu carro e meu celular, já sabendo muito bem
do único lugar em que queria estar — ou com quem.
Assim que saí novamente, pela minha visão periférica, pude ver que Kate e Tyler ainda estavam
parados na calçada, como se não soubessem muito bem o que fazer. Ignorei ambos.
Adentrando em meu carro, nem pestanejei antes de dar partida enquanto pegava meu celular e
discava seu número automaticamente.
— Monique? — James soprou em uma visível preocupação assim que atendeu a chamada. — O
que tá fazendo acordada nessa hora?
— Onde você está? — ignorei sua pergunta.
— No Hell's Bar. O que aconteceu?
— Eu posso ir aí?
— Você sabe que sim, loirinha — ele disse como se fosse óbvio. — Agora vai me falar o que
aconteceu ou não?
— Daqui a pouco — respondi e então encerrei a ligação, afinal, eu não conseguiria dividir
minha atenção entre minha raiva, James e a estrada, e não estava nem um pouco a fim de ter um
acidente piorando ainda mais meu dia.
Cheguei ao estacionamento do bar em questão de minutos e saí do carro em disparada, já
fechando a porta por trás de mim com uma força excessiva.
Também não demorei a chegar ao porão do bar, mas não encontrei James em nenhum canto da
sala principal.
— Estou aqui. — Sua voz ecoou do mesmo quarto em que estive em minha primeira vez aqui.
Assim que entrei no cômodo, deparei-me com James deitado no pequeno sofá. Ele arqueou as
sobrancelhas assim que localizou minhas feições contorcidas em um misto de sentimentos não muito
bons.
— O que você tem? — questionou com a voz estupidamente calma.
— Bem, por onde começar? — Bufei enquanto começava a andar de um lado para o outro,
inquieta. — Mágoa, raiva e, principalmente, frustração.
— É, eu geralmente exerço esse efeito nas pessoas — o moreno murmurou, descontraído.
Fiz uma cara feia para ele.
— Isso é muito sério, James. Meu Deus.
— Caralho, quanto estresse — ele sibilou lentamente.
— Estresse não chega nem perto do que eu estou sentindo. Sabe o que eu descobri hoje? —
questionei retoricamente, sem esperar por sua resposta. — Eu descobri que meu irmão e Kate estão
saindo há quase dois meses, James. Eles estão saindo há dois meses e não me contaram nada.
— Bem, então descobrimos o motivo da Kate estar estranha nas últimas semanas — o garoto
balbuciou mais para si mesmo James murmura mais para si mesmo. — E como eles te contaram?
— Acontece que eles não me contaram. Eu tive de descobrir isso sozinha — soprei, ignorando
a súbita vontade que tive de chorar diante das lembranças.
— Mas por que eles esconderam? — James questionou de um modo tranquilo, como se
estivéssemos em uma conversa casual, o que, honestamente, me irritou um pouco.
— Eles disseram que tinham medo de como eu reagiria. Ao que tudo indica, eu sou uma pessoa
instável na visão deles. — Minhas palavras provocaram um risinho em James, mas o garoto logo se
apressou em reprimi-lo quando passei a fuzilá-lo com o olhar. — Alguma coisa engraçada, James?
— Não. — Sua voz saiu falha diante do sorriso que ainda tentava conter. — Não — disse
novamente, tentando soar mais firme dessa vez. — É só que... — ele hesitou, como se estivesse
tentando escolher as palavras certas — você realmente fica meio impossível quando está nervosa.
— Vai à merda, James.
— E esse é um exemplo perfeito — o moreno não fez mais questão de segurar as risadas.
— Mas essa não é a questão — trovejei, o que fez com que ele parasse de rir. — Como eles
puderam achar que eu seria egoísta o suficiente ao ponto de ficar irritada pela felicidade deles?
— Mas você não está mesmo irritada? — James indagou, relativamente confuso.
— Eu não estou irritada por causa do namoro — respondi o óbvio, soltando o ar pela boca. —
Estou irritada por eles terem escondido o relacionamento de mim por tanto tempo.
— Eles só estavam com medo, Monique.
— É, medo de mim — balbuciei, e falar aquilo em voz alta me machucou mais ainda.
— Tá legal, por que você não se senta um pouco? — O garoto arqueou as sobrancelhas, ainda
relaxado.
— O que você tem? — Fiz a mesma pergunta que James tinha me feito assim que passei pela
porta, afinal, sua serenidade estava, de fato, estranha demais.
— Como assim?
— Aliás, o que você está fazendo aqui? — Cheguei para mais perto para olhar em seus olhos
com mais precisão. — Você está vendendo drogas de novo, James? — questionei, afinal, após os
problemas com Malcolm, eu automaticamente pensei que ele tivesse parado.
— Não — ele respondeu instantaneamente, e uma seriedade maior tomou conta de suas
expressões. — Não é o que eu estou fazendo aqui — corrigiu em seguida, o que me deixou hesitante
por um segundo.
— Ok, o que é então?
— Eu não posso simplesmente ficar cansado de minha casa? — O garoto fez uma cara de tédio.
— Você é bem neurótica de vez em quando, sabia?
— E você é bem sem noção de vez em sempre, sabia? — Só que hoje, mais do que nunca.
— Você fica linda com esse bico de irritação. — Ele esboçou um largo sorriso enquanto se
sentava, mantendo toda sua atenção em mim. — Vamos lá, loirinha, não fique brava comigo também.
Aquilo definitivamente não estava normal. James não estava normal.
O garoto estava simplesmente... calmo demais.
E, quando analisei o garoto de modo mais cauteloso enquanto me perguntava o que diabos
estava acontecendo, seus olhos levemente avermelhados enfim fizeram com que eu me desse conta da
situação.
— James! — exclamei, exasperada. — Jesus, você está drogado!
— Eu não estou drogado. — O moreno revirou os olhos, e eu não hesitei em lançar meu pior
olhar a ele. — Bem, “drogado” não é exatamente a palavra mais apropriada — corrigiu então, na
defensiva.
— Ah, sério? E qual seria a palavra correta, então? — indaguei em puro cinismo.
— Chapado — respondeu casualmente, e eu semicerrei os olhos em sua direção, irritadiça. —
Relaxa, Monique. Maconha nem é realmente uma droga.
Levei minha mão à testa, sem saber o que fazer.
Era isso.
Não achava que minha manhã poderia ficar ainda pior.
— Você é um péssimo namorado, James Mitchell — eu me limitei a resmungar por fim, pois
sabia que um sermão de nada adiantaria. O garoto continuaria a se divertir com qualquer palavra
raivosa que saísse de minha boca.
Soltando um suspiro frustrado, caminhei até a escrivaninha e me sentei ali, derrotada.
— Ok, e você é uma péssima mentirosa — ele retrucou, rindo.
— Você nem sequer está me levando a sério. Eu estou mesmo chateada, e você nem consegue
me escutar.
— Tá legal — ele cedeu enfim, mas um sorriso travesso tomou conta de seus lábios. — Acho
que um bom namorado faria mais do que apenas escutar.
— Ah, é? Como o quê? — balbuciei, cética.
— Como fazer você esquecer seus problemas.
E foi só quando seus olhos percorreram centímetro por centímetro de meu corpo em pura
lascívia que me dei conta do que ele dizia.
— Eu não vou transar com você drogado, seu idiota.
— Ainda bem que não estou drogado, certo? — O moreno arqueou uma sobrancelha, as
expressões ainda maliciosas.
Estava prestes a protestar contra aquilo, mas seu sorriso ridiculamente atraente fez com que eu
esquecesse de absolutamente tudo por um momento.
Contudo, recuperei minha consciência assim que ele se levantou, já ficando alarmada.
— Acho bom você não dar mais nenhum passo em minha direção — adverti, apressada, afinal,
sabia que, caso James se aproximasse demais, eu perderia toda minha racionalidade em questão de
segundos.
— Sua mente diz uma coisa, mas seu corpo diz outra. — Ele parou e arqueou as sobrancelhas,
tendo plena noção do efeito que causava em mim. — Tem certeza de que vai escolher ouvir a razão
ao invés do desejo?
Eu tinha?
Assim que James notou a hesitação estampada em minhas feições, ele soube exatamente que
possuía passe livre para voltar a se aproximar. De fato, não me opus dessa vez.
— Vamos lá, amor. Eu só quero ver sua tatuagem — o moreno sussurrou assim que segurou
minhas coxas com uma força excessiva para se colocar entre elas.
E, bem, isso era o que James sempre vinha falando nos últimos dias desde que passamos a ter
as mesmas palavras cravadas em nossa pele; contudo, dificilmente o moreno se contentava em apenas
observar e eu em apenas ser observada.
Eu já sabia o rumo pelo qual estávamos indo, mas não tinha forças suficientes para impedir e
tampouco queria tê-las.
O garoto puxou a blusa que eu trajava para cima, dobrando-a até se estabilizar acima de meus
seios, e passou a segurar meu tronco exposto com firmeza enquanto seus olhos desciam
automaticamente para as letras miúdas e cursivas enquanto toda a extensão de minha pele já se
arrepiava por completo.
Ele então se afastou um pouco para ter uma vista melhor, e não demorei a sentir as pontas
ásperas de seus dedos percorrerem precisamente centímetro por centímetro de minha tatuagem.
Foi inevitável me sentir como a mulher mais sortuda e especial do mundo quando seus olhos
brilharam ao mesmo tempo em que um sorriso extasiante se esboçou dentre seus lábios. Aquilo tudo
era para mim, por mim.
— E então? Ainda quer que eu fique longe? — o moreno questionou enfim, voltando sua
atenção aos meus olhos. Suas íris continham um ardor intenso.
Engoli em seco.
— Não — ele soprou enquanto seu sorriso se alargava ainda mais e suas mãos voltavam a
envolver meu tronco com mais precisão. — Você tem que me dizer, Monique.
— Eu não quero que você fique longe — eu disse em um resmungo, a voz já falha diante da
tentação.
Contudo, James não me deu o que eu queria. Pelo contrário, assim que me inclinei para
exterminar o restante da distância entre nós, suas mãos me puxaram para trás em um gesto firme.
— Eu ainda não estou convencido. — Ele arqueou uma sobrancelha, divertido.
De primeira, tive vontade de mandá-lo à merda, mas então me dei conta de que isso exigiria um
tempo que eu não estava disposta a perder.
— Eu quero você — eu soprei, não me envergonhando por minhas palavras mais soarem como
uma súplica, enquanto tirava sua jaqueta de couro e puxava sua camisa para cima em poucos
segundos, deixando seu abdômen definido coberto por tatuagens, dentre elas, uma feita especialmente
para mim. — Eu quero você dentro de mim, James. Por favor.
As últimas palavras foram suficientes para que James se esquecesse do prazer em me ver
implorar e focasse no prazer que nossos físicos nos trariam.
— Está mesmo gananciosa hoje, não é, amor? — ele questionou contra minha boca assim que se
livrou de vez de minha blusa, ainda com os últimos vestígios de seu humor.
— Hoje, sim — eu murmurei, e seu riso doce e ao mesmo tempo excitado vibrou em meus
lábios um segundo antes do garoto se afastar.
Estava prestes a protestar contra o afastamento repentino, mas, antes que eu tivesse a chance,
James me colocou de pé agilmente e me virou em um só gesto até que eu estivesse de costas para ele.
Gemi diante do meneio.
Senti o calor de seu corpo se juntar ao meu outra vez, assim como sua respiração pesada bater
na pele ardente de minha nuca. James então envolveu meu corpo com os braços para desabotoar o
cós de minha calça, e, em instantes, o jeans já se encontrava abaixado até metade de minhas coxas,
assim como minha calcinha.
Minhas pernas bambearam no segundo em que seus dedos encontraram meu clitóris e a outra
mão adentrou em meu sutiã, segurando um dos meus seios com uma força que apenas serviu para me
deixar ainda mais excitada.
Sem aviso prévio, o moreno logo enfiou um de seus dedos em mim, torcendo-o ali lentamente.
O grunhido que escapou de minha garganta foi mais estridente dessa vez.
— Acho que você tem razão — James soprou, sua voz sendo abafada pelos meus cabelos. —
Você não precisa mesmo de preliminares hoje, não é, Monique?
Soltei um outro gemido em resposta quando ele retirou o dedo de mim bruscamente, levando-o
até minha boca. Chupei o líquido salgado dali, e um grunhido rouco escapou de sua garganta quase
que instantaneamente.
Sua mão livre logo saiu de dentro do meu sutiã, e então escutei o cós de sua calça sendo aberta.
James afundou os dedos meus quadris e me puxou um pouco mais para trás logo em seguida, e
tive de espalmar as mãos na escrivaninha para que pudesse me equilibrar.
— Não se mexa — ele sussurrou com um certo autoritarismo contra meu ouvido, e, um segundo
depois, eu já não sentia mais a sensação de sua pele aquecendo a minha.
Fiquei tentada a me virar para olhar o que o garoto fazia, mas suas últimas palavras inflexíveis
ainda ecoavam em minha mente com afinco.
Contudo, não demorei a escutar o barulho de uma embalagem se abrindo e seus dedos voltarem
a se afundar em meus músculos.
— Você fica linda assim, sabe disso? — James disse, ainda rouco, e o senti dar um beijo suave
em uma das minhas nádegas enquanto sua mão segurava a outra com firmeza.
Soltei o ar pesado pela boca, consequência da mais pura excitação que corroía centímetro por
centímetro de meu corpo.
Dois de seus dedos entraram em mim outra vez, mas pude sentir que havia uma intenção a mais
naquele toque além do exploratório. O garoto estava me abrindo para si.
Foi inevitável conter o grito que se formou em minha garganta quando ele penetrou em mim
fundo, de uma só vez.
— Tudo bem? — o moreno questionou com um estranho misto de tentação, diversão e quase
preocupação.
Fui capaz de soltar um riso nasalar, que saiu em uma espécie de gemido.
— Mais do que bem.
Foi estranho como tive a plena certeza de que ele sorria por trás de mim.
— Quer forte?
— Forte e rápido — respondi, e, após ter tantos momentos como aquele divididos com James,
eu já não sentia mais rubor algum de vergonha.
Eu já não possuía desinibição alguma com aquele garoto. Pelo contrário, achava que ele era a
pessoa com quem mais eu me sentia à vontade em todo esse mundo.
James não hesitou em me dar o que havia pedido.
Em movimentos brutos e ágeis, ele começou a meter em mim, e tive de segurar na escrivaninha
com uma força ainda maior para me sustentar no lugar.
A partir de algum momento, os sons de meus gemidos e o seus passaram a se misturar com o
barulho brusco do atrito de minhas nádegas contra sua virilha, e tive de fechar os olhos para apreciar
com mais afinco aquela espécie de sonância excitante. Também passei a me concentrar na sensação
do tato quando seus dedos calejados cravaram ainda mais fundo em meu quadril e sua mão livre
envolveu minha nuca para me manter imóvel diante das estocadas indóceis.
Enquanto James me preenchia, eu me esforcei em me equilibrar com apenas uma mão e levei a
outra até a região entre minhas pernas, começando a esfregar meu clitóris para dar mais intensidade
ao meu próprio prazer enquanto o moreno se concentrava no seu.
Estava excitada o suficiente para não precisar de muito para chegar ao ápice de meu êxtase, e o
garoto atrás de mim pareceu se dar conta disso, pois logo inclinou meu tronco, e, ainda dentro de
mim, conduziu-me para frente até que eu estivesse ereta, recostada à escrivaninha.
James pressionou seu corpo contra o seu com firmeza, de modo que o suor de seu abdômen se
misturasse ao suor de minhas costas, enquanto seus dedos substituíram passaram a substituir os meus,
e, de algum modo, ele parecia saber como me dar o que eu queria mais do que eu mesma.
Enquanto seu dedo médio pressionava meu clitóris, ele puxou meu cabelo completamente para o
lado e passou a chupar a pele fervente da lateral de minha nuca, e, essas sensações, juntas ao ardor
de suas estocadas mordazes, fizeram com que brasas ocupassem todo meu interior em questão de
poucos segundos.
Minha visão ficou embaçada enquanto o mais puro êxtase percorria cada milímetro de meu
corpo em espasmos ardentes.
— Quer continuar no sofá? — James questionou quando os vestígios da sensação de
completude começaram a desaparecer enquanto diminuía o vigor de seus movimentos dentro de mim.
Ainda que não tivesse certeza de que teria forças para continuar, soltei um grunhido em
concordância ao mesmo tempo que rezava silenciosamente para que meu corpo não tivesse um limite
de prazer a aguentar.
Não soube exatamente como, mas, em segundos, eu já estava deitada no sofá e apenas de sutiã.
Minha visão ainda estava um pouco embaçada quando James voltou a se impulsionar dentro de
mim, e, apesar da sensibilidade de meu sexo, uma leve onda de prazer voltou a tomar conta de mim.
Enrosquei minhas pernas em torno de seus quadris para mantê-lo ainda mais perto, como se
nenhuma proximidade do mundo entre nós dois fosse suficiente para mim.
Trilhei suas costas encharcadas com minhas unhas, arrancando um gemido mais forte de James
que os anteriores. Observei um leve sorriso tomar conta de seus lábios antes do garoto afundar a
cabeça na curva de meu pescoço e apoiar uma de suas mãos no braço do sofá, atrás de mim.
Com a base de seu pescoço exposta a mim, não hesitei em levar minha boca a ela, chupando sua
pele salgada. Tanto seu gosto quanto o outro grunhido rouco que arranquei dele serviram para me
estimular ainda mais.
Quando James enfim se satisfez, murmúrios roucos em meu nome ecoaram até meus ouvidos, e
então cheguei ao ápice de meu prazer junto a ele, fechando os olhos bruscamente para conseguir lidar
com a onda de completo êxtase ainda mais exacerbada que a primeira.
Após ambos sairmos de nossa neblina de sensações violentamente vívidas, o garoto se
desmontou em cima de mim, e seu peso brusco me sentir tão completa psicologicamente quanto
estava fisicamente.
— Se você antes tinha dúvidas, acho que agora pode admitir que acabo de ser elevado à
categoria de um excelente namorado, não acha? — Seu sussurro tão exausto quanto divertido chegou
aos meus ouvidos.
Tudo que tive energias para fazer foi soltar um riso nasalar em resposta.
27 |
Salvador da pátria

JAMES MITCHELL

Após gastar longos minutos parado em frente à porta da casa de Monique, enfim tomei a devida
coragem para tocar a campainha.
Não fazia ideia se pioraria ou não a situação em que a garota se encontrava, mas sabia que
precisava ao menos tentar tirá-la da angústia pela qual eu era o responsável, e eu não me importava
se haveria a possibilidade de eu ir preso por isso.
Assim que a porta foi aberta, avistei a figura esbelta de Josh. Suas feições se contorceram em
uma visível carranca no segundo em que ele me localizou, e então não hesitou em se colocar no
pequeno vão que dava para o interior da sua casa enquanto seus olhos paravam na roupa formal que
eu trajava, como se tentasse adivinhar o que significava.
Esperava que o homem soubesse que aquilo tudo não era para ele.
— O que você quer, garoto? — Seu tom de voz era quase perfurante, mas, ainda assim, foi uma
reação melhor que o esperado. Eu jurava que homem tentaria me expulsar no segundo em que me
visse.
— Acho que nós precisamos conversar, Josh — eu disse enfim, tão firme quanto ele.
Uma risada sem humor escapou de sua garganta.
— Eu não tenho nada para falar com você, Mitchell.
— Estou certo de que isso não é verdade. Deixe-me entrar, e então você vai poder me dizer
tudo que deseja, assim como eu.
O homem então me olhou como se eu fosse louco, mas não me dei por vencido ainda.
— Sei que ela está em casa, então vai ser melhor se não arranjarmos uma cena bem aqui — eu
disse, e Josh trincou o maxilar fortemente enquanto me encarava com olhos semicerrados.
Estava começando a pensar no que diabos podia fazê-lo ceder quando ele enfim abriu espaço
para minha entrada, ainda que a um visível contragosto.
— Por aqui — murmurou em um tom baixo, provavelmente não querendo chamar a atenção de
Monique.
Segui-o até um espaçoso cômodo do primeiro andar e subitamente soube que estávamos em seu
escritório.
Havia uma extensa mesa de madeira ao fundo, com detalhes bem trabalhados, e prateleiras e
mais prateleiras que cercavam as paredes do cômodo, todas lotadas de livros de códigos penais.
Josh fechou a porta por trás de mim e caminhou até sua mesa, sentando-se atrás dela com puro
ar de autoridade.
Não precisei de muito para saber que ele incorporava o juiz na nítida tentativa de me intimidar.
Bem, vai ter que se esforçar mais, Price.
Sentei-me em uma das cadeiras contrárias à dele sem nem pestanejar.
— Se você veio em busca de algum tipo de permissão minha, James, veio em vão.
— Eu não estou aqui por seu consentimento — eu rebati o óbvio. — E tampouco preciso dele.
Josh não ficou nada satisfeito com minha resposta. Pelo contrário, seu rosto pareceu ficar
levemente vermelho, provável consequência de sua irritação.
— Esclareça as coisas, então, moleque.
— Estou aqui pela sua filha — eu disse, ignorando a provocação, e vi a menção de Monique
afetá-lo um pouco novamente. — Acho que ambos sabemos o quanto essa situação a machuca. Eu
vejo isso no olhar dela todos os dias e não posso deixar que isso se prolongue ainda mais.
— Você não pode deixar? — ele repetiu as palavras, irado. — A filha é minha. Você não tem
que deixar absolutamente nada.
— A filha pode ser sua, mas você não parece estar exercendo muito bem seu papel como pai,
Josh — retruquei o óbvio, e sua respiração se alterou instantaneamente. — Não importa o que eu
penso de você, mas Monique acha que você está se esforçando. Ou pelo menos achava. — Arqueei
as sobrancelhas enquanto o homem engolia em seco. — Ela é a melhor pessoa que conheci, Josh.
Mesmo você tendo a abandonado, Monique...
Fui interrompido pelo som proveniente do choque bruto de sua mão contra a mesa.
— Eu não abandonei...
— Mesmo você tendo a abandonado — continuei, aumentando um pouco o tom —, Monique
não sente raiva de você, por incrível que pareça. Contraditoriamente, ela continua a te defender com
tanto afinco e a acreditar que você está mesmo se esforçando para reconstruir a família, e você não
merece isso, Josh. Você não a merece. Seu papel é apoiá-la em qualquer situação, mas isso é a última
coisa que você está fazendo no momento. Você nem mesmo parece se importar com os sentimentos de
sua filha — cuspi as palavras, enojado.
— Bem, você acha que eu não a mereço? Por mim, tudo bem, mas pelo menos estou tentando
fazer com que ela encontre alguém que a mereça, ao contrário de você.
— Eu sei que não a mereço, Josh, e, acredite, eu penso nisso a cada momento de cada santo dia.
Mas é a mim que ela quer, e, enquanto isso continuar, eu não vou sair do lado dela. Não importa o
que você ache, o que os outros acham. Eu vou ficar do lado dela independentemente de qualquer
opinião enquanto Monique assim quiser.
Josh cerrava os dentes com uma força excessiva, mas ainda mantinha toda sua atenção em mim.
— Então, vou ser mais claro aqui: você não precisa aceitar nossa relação, mas é sua obrigação
ficar ao lado de Monique. Você entende que, ao fazer justamente ao contrário, você apenas está sendo
o responsável por fazê-la sofrer ainda mais? Mais do que ter de lidar com a morte da mãe? — eu
soprei em pura incredulidade, e foi só então que o homem desviou o olhar. Perguntei-me, por um
segundo, se ele se sentia realmente envergonhado. — Então, não, eu não estou aqui em busca de sua
autorização para poder continuar saindo com sua filha, porque isso acontecerá independentemente do
que você disser aqui. A única coisa que quero, que preciso, é que você passe a tentar ser o pai que
Monique merece, que fique ao seu lado, coisa que você não fez em nenhum momento até agora.
— E você espera que eu fique sentado, apenas observando enquanto minha filha é desvirtuada
por você? — ele questionou de modo quase automático, e não pude conter a risada que ecoou de
minha garganta diante daquelas palavras, de certo modo, absurdas.
— Pelo amor de Deus. Se você realmente a conhecesse, saberia que nem eu e nem ninguém
pode fazê-la se distanciar do esplendor ao qual está destinada — eu rebati e então me forcei a ficar
mais sério para acrescentar: — E, ainda que não seja da sua conta, eu vou para uma universidade.
Vou lutar para tentar ser alguém na vida e vou fazer isso por ela.
Eu cumprira a promessa que havia feito à Monique. Tinha voltado à escola no dia seguinte ao
dia em que fizemos as tatuagens, há algumas semanas. Apesar de o processo não estar sendo muito
fácil devido aos professores na minha cola e todos os trabalhos pendentes, eu estava mesmo focado
em recuperar o tempo perdido. Daria meu melhor para conseguir uma bolsa para uma boa faculdade,
pois enfim tinha me dado conta de que deveria ao menos começar a tentar ser o homem que Monique
merecia se ainda quisesse que ela fosse meu futuro.
Josh soltou o ar pesado pela boca enquanto esfregava sua testa em um gesto tenso. Por fim, o
homem cruzou os braços frente ao peito, apenas fitando a mesa à sua frente. Estava pensando, e quase
me dei por satisfeito por ele ter assimilado minhas palavras.
— Independentemente do que você fale ou faça, eu nunca, escute bem, nunca concordarei com
essa situação — o juiz enfim disse, e prendi minha respiração inconscientemente. — Você nunca
poderá ser bom o suficiente para Monique, James.
Ainda que as palavras fossem superiores, eu assenti. Eu sabia disso.
— Contudo, já percebi há algum tempo que não fará diferença alguma se eu estou de acordo ou
não — acrescentou, e eu franzi o cenho. — Mas, como pai, eu ainda tenho o direito de fazer algumas
exigências se você quer mesmo que eu consiga mesmo respeitar minha filha em suas decisões.
Não consegui esboçar um sorriso satisfeito quando ficou claro que Josh tinha cedido.
— A partir de agora, você não vai sair com minha filha quando bem entender, Mitchell. Vocês
somente sairão aos fins de semana e quero que Monique me avise com antecedência sobre qualquer
que seja o compromisso, então se assegure de que isso acontecerá. Também não vou permitir que
você a traga depois da meia noite. E, se o desempenho dela na escola abaixar pelo mínimo que for,
considere meu apoio anulado.
— Entendido — soprei sinceramente.
— E tire esse sorriso do rosto. Não estou fazendo nada disso por você, moleque.
Assenti, mas ainda não consegui controlar meus lábios.
— E, só mais uma coisa: espero que você aceite alguns minutos como um bom tempo de
antecedência ao menos hoje.
— O quê? — ele balbuciou, irritadiço.
— Vou levar sua filha para jantar agora. Mas não se preocupe, não vou trazê-la tarde.
Josh bufou, mas não disse nada. Apenas seguiu para fora de seu escritório com pisadas duras, e
eu fiz o mesmo — apesar de estar com o humor oposto ao seu.
Contudo, paralisei assim que chegamos à sala, pois meus olhos logo encontraram os seus.
Monique estava parada em frente ao parapeito do segundo andar, observando-nos de modo
genuinamente preocupado, e foi inevitável correr meu olhar em cada centímetro impecável de sua
figura.
A garota trajava um vestido branco e justo que ia até pouco acima dos joelhos, o tecido
envolvendo cada uma de suas curvas com precisão o suficiente para que eu pudesse imaginá-la nua
sem muito esforço; seus cabelos estavam soltos e cacheados, emoldurando delicadamente o rosto
esculpido, e os lábios grossos estavam entreabertos em pura tensão, fazendo com que tudo que eu
mais desejasse naquele segundo fosse reivindicá-los para mim.
Por um instante, perguntei-me se algum dia poderia me cansar de sequer observá-la. Não
precisei de muito para saber que a resposta era negativa.
De algum modo, soube que sempre me sentiria o homem mais sortudo da porra desse mundo
apenas por tê-la ao meu lado, para mim.
— O que está acontecendo? — Monique questionou enfim, oscilando o olhar hesitante entre
mim e seu pai.
A loira estava nitidamente confusa quanto ao fato de eu ter entrado pela porta principal, afinal,
ela certamente esperava que, quando eu tinha a mandado uma mensagem dizendo que iríamos sair,
com certeza seria pela sua varanda.
Mal sabia ela que aqueles tempos acabam de ser encerrados.
Sorri quando Josh se jogou no sofá, derrotado, e respondeu a uma visível aversão:
— James vai te levar para jantar.

— Surpresa?
— James — Monique balbuciou, assustada, quando eu parei o carro no estacionamento
específico. — Meu Deus, você não pode fazer isso — soprou enfim, observando o restaurante
vidrado à nossa frente.
— Como assim? — Franzi o cenho.
— Esse é um dos restaurantes mais caros da cidade, você tem noção disso?
— Eu preciso mesmo responder isso? — questionei, cínico.
— Então como você planeja pagar?
— Puta que pariu, mulher. Eu sei que não tenho as mesmas condições financeiras que as suas,
mas também não sou mendigo algum. Eu posso continuar te dando a vida com a qual está acostumada
e a última coisa que eu quero é que você fique preocupada em como faço isso.
— James, você não está entendo as coisas aqui — ela murmurou, fixando seu olhar em mim. —
Eu não me importo com todas essas coisas luxuosas e caras. Na verdade, eu nem mesmo quero
continuar com a vida com a qual estava acostumada, pois nada nela me fazia feliz como você o faz.
Você é a única coisa que me importa, então, sim, eu estou preocupada com isso. — A garota
gesticulou com a mão em direção ao restaurante. — Por favor, apenas me diga que você não voltou a
vender drogas.
Bem, considerando que eu ainda tinha que manter minha casa e comida em minha mesa, eu
nunca tive a chance de parar. Contudo, não queria que Monique soubesse disso, então apenas me
limitei a continuar mascarando mais mentiras:
— De novo isso?
Monique soltou o ar pela boca, como se estivesse se sentindo culpada pela menção, afinal, ela
já havia a feito dezenas de outras vezes. A resposta era sempre negativa.
— Tudo bem, me desculpa por desconfiar de você.
Apressado, saí do carro, e Monique fez o mesmo, então seguimos em direção ao restaurante
sofisticado.
A tensão não demorou a se instalar em meu interior, afinal, sabia que Monique não ficaria
tranquila por muito mais tempo, não diante de quem estava lá dentro, e por minha causa.
— Não fica bravo comigo, James — a loira resmungou ao meu lado, e então me apressei a
forçar um sorriso.
— Eu não estou bravo com você, loirinha — retruquei o óbvio, dando um rápido beijo em seus
lábios avermelhados antes de enfim entrarmos.
Assim que chegamos ao balcão frontal, a atendente abriu um sorriso caloroso.
— Posso ajudar?
— Eu fiz uma reserva para hoje.
— Qual o nome?
— James Mitchell.
A atendente moveu os dedos agilmente no pequeno tablet em sua mão e então anunciou:
— Por aqui.
Eu e Monique seguimos a jovem; contudo, a loira ao meu lado não demorou a paralisar assim
que seus olhos localizaram o casal familiar ao fundo do restaurante.
A tensão então se espalhou pelos meus ombros pelos longos segundos que se seguiram de puro
silêncio.
— Você não fez isso, James — a garota enfim se virou para mim, o misto de acusação e
ceticismo explícito em seu olhar.
— Você se recusa a falar com ela há mais de uma semana, Monique — rebati, na defensiva, o
que apenas serviu para deixá-la ainda mais raivosa.
— É, porque eu tenho motivos. Você não tinha o direito de intervir nisso.
— Bem, ver você chateada com toda essa situação certamente me dá o direito — eu disse o
óbvio, procurando pelos seus olhos irritadiços. — É nítido que tanto você quanto Kate estão
chateadas com essa distância. Já tá na hora de vocês conversarem abertamente sobre seus problemas.
— Quando eu queria fazer isso, Kate não fez.
— Mas agora ela está mais do que disposta a falar com você.
— Depois de ter me feito de idiota, é claro que está.
— Vamos lá, loirinha. Você não é essa pessoa rancorosa. Na verdade, você é a pessoa mais
aberta a perdoar que eu conheço. Por que agora seria diferente?
A contragosto, pude ver que Monique assimilava as minhas palavras.
Diante do silêncio, continuei:
— Além do mais, não é só você que tem problemas para superar. Meu último encontro com seu
irmão também não foi nada agradável, está lembrada? Se até eu estou disposto a resolver meus
assuntos pendentes, você com certeza também deve estar.
A loira travou o maxilar com uma força excessiva, ainda hesitante.
— Sinto muito, mas não vou te deixar sair daqui sem ao menos escutar o que sua melhor amiga
tem a dizer. É para seu bem.
— Decidiu virar o salvador da pátria agora, James? — ela retrucou instantaneamente,
arqueando as sobrancelhas em uma certa incredulidade.
Sorri.
— Ah, amor. Fico feliz que tenha reparado.
E o pior era que eu não estava sendo totalmente sarcástico. Estava falando sério quando queria
ser alguém melhor por Monique.
A garota logo revirou os olhos em resposta, nada contente, mas então seguiu em frente com
passos duros.
Meu sorriso não demorou a se alargar.
Assim que nos aproximamos da mesa, Kate e Tyler se deram conta de nossa presença
imediatamente e então endireitaram a postura.
A loira se sentou em um completo silêncio, evitando contato visual.
— Oi — Kate quebrou a tensão após um par de segundos, mas Monique ainda estava
nitidamente relutante em lidar com a situação.
— Oi, Kate. Tyler — cumprimentei quando a garota ao meu lado se recusou a dizer algo.
Eu sabia que, no fundo, Monique não estava com raiva. Ela estava apenas triste, o que era ainda
pior.
— Você vai mesmo ficar aí sentada sem falar nada, Monique? — Tyler arqueou as
sobrancelhas, recostando-se em sua cadeira.
— Engraçado você dizer isso, Tyler, já que foi você quem passou meses sem trocar uma palavra
comigo. Isso, sem falar na última semana — ela retrucou, e apesar do tom ameno, era óbvio que
estava irritada.
— Pega leve — sussurrei, bebericando um pouco da água já servida enquanto pousava minha
mão em sua perna.
Ela pareceu se forçar a inspirar fundo então.
— O que eu exatamente poderia ter falado na última semana, Monique? Você vem agindo como
uma criança que não sabe superar por todos os últimos dias.
— Não abusa da minha paciência, Tyler — intervim, ríspido. — Se eu fosse Monique, iria
querer pelo menos um pedido de desculpas.
— Não vou me desculpar por estar com alguém que eu goste. — Ele fez uma cara de tédio.
— Não de faça de idiota. Você sabe muito bem que não estava nada certo na hora de escolher as
palavras após ter escondido seu relacionamento por todo esse tempo.
— James tem razão, Tyler — Kate disse suavemente. — Você está errado, e sei que odeia ter
que admitir isso, mas é verdade. — Surpreendentemente, aquelas palavras pareceram surtir algum
efeito no garoto.
— Você pediu desculpas, Kate, e parece que não adiantou de muita coisa.
— Eu não sou você, Tyler — Monique disse enfim, cruzando os braços. — Eu não estou
ignorando Kate. Eu já havia dito a ela que queria um tempo para assimilar algumas coisas quando
veio me procurar.
O garoto trincou o maxilar enquanto voltava sua atenção à irmã.
— Eu não quero um pedido de desculpas, então fique despreocupado. Você não precisa fazer
esse sacrifício — a loira continuou, firme. — Eu sei como você é, e nunca esperei que se redimisse.
A única coisa que quero é que você saiba que me entristece você fazer a mesma coisa toda vez. É
como se você se fechasse como um punho toda vez em que você fica irritado. Você ficou meses sem
falar comigo por causa da mamãe e nem ligou para isso. Pensei que tudo tivesse mudado, mas você
não pensou duas vezes antes de se isolar de novo. Machuca saber que eu não faço diferença na sua
vida quando você faz tanta na minha.
E pela primeira vez na noite, Tyler finalmente pareceu se afetar um pouco.
— Nada disso é verdade, Monique — ele balbuciou, sincero. — Você é a única família que me
restou, e eu não poderia me importar mais com você. Já pedi desculpas por ter te tratado do jeito que
tratei depois da morte de nossa mãe. Eu realmente sei que estava errado em lidar com o luto daquele
modo e, acredite, me arrependo disso mais do que tudo. Mas, dessa vez, sinto muito, não sou só eu
que estou errado. Eu e Kate erramos ao esconder que estávamos saindo, só que você também não é
nenhum mártir. Você sabe que não está certa ao preferir guardar rancor de Kate do que superar e
aceitar a felicidade de sua suposta amiga.
— Puta que pariu — sibilei, penteando meu cabelo com os dedos em um gesto tão frustrado
quanto impaciente. — Qual a porra do problema em apenas pedir desculpas?
De certa forma, lidar com Josh tinha sido inúmeras vezes mais fácil do que lidar com aquele
garoto.
— Se não se importa, James, esse é um problema familiar. Fica na sua.
— Vai à merda, Tyler. Não vou ficar parado enquanto você fica sendo um imbecil com a minha
namorada — eu retruquei, frívolo, enquanto já começava a me arrepender de ter submetido Monique
àquela merda.
— Já chega, vocês dois — Kate disse, levantando a voz pela primeira vez na noite. — Nós
estamos aqui para melhorar as coisas, não para piorar, tá legal, Tyler? — Ela fixou seu olhar nele. —
Se acalma, por favor.
— Foi mal — Tyler balbuciou, mas era perceptível que ele havia falado isso somente para a
namorada.
— Eu começo então. Me desculpa, Monique — Kate soprou. — Eu...
— Você já fez isso, Kate. Está tudo bem, eu não estou brava — Monique a cortou enquanto
fitava a mesa.
— Vocês não está bem e nem eu — ela discordou, firme. — Eu sinto muito a sua falta. Eu sinto
saudades da minha melhor amiga, mesmo. Eu errei muito e sei que devia ter sido totalmente sincera
com você semanas atrás. Me arrependo muito por isso, de verdade.
Monique soltou um suspiro pesado pela boca.
— Eu sei — a loira murmurou, finalmente levantando o olhar.
— Você me perdoa? — Os olhos de Kate então começaram a lacrimejar, assim como os da
garota ao meu lado.
Houve alguns segundos de silêncio até Monique por fim colocar sua mão sobre a da amiga, logo
acima da mesa.
— Só se você me perdoar por ter te evitado nesses últimos dias. — Ela sorriu, e então as duas
passaram a trocar olhares intensos, provavelmente passando algo por eles que somente ambas
podiam entender.
— Tá legal, tá legal — Tyler soprou após poucos instantes, um pouco desconfortável. — Eu
também sinto muito por ter te chamado de instável. Eu não meço as palavras quando estou irritado.
— É, eu sei — Monique murmurou em um humor um pouco melhor, dando de ombros.
— E eu prometo tentar... hum... tentar melhorar meu modo de lidar as coisas. Na próxima,
tentarei resolver as coisas cara a cara ao invés de te ignorar. Bem, isso se você cooperar.
— Vou tentar — a loira murmurou, mas vi que tentava reprimir um sorriso.
— E foi mal, cara. — Tyler se virou para mim. — Sei que você só está tentando ajudar. Fico
feliz pela minha irmã ter você.
— É, eu também — eu disse sinceramente, lançando um olhar inevitável para a garota ao meu
lado.

— Eu quero dirigir — Monique anunciou assim que nos aproximamos de Freddie.


— Pena que querer não é poder, amor.
— É sério, James — ela protestou, teimosa como o usual. — Você me trouxe até aqui contra
minha vontade. Tem que me dar algo em troca agora.
— Nada de chantagem emocional para cima de mim, mulher. Tudo apenas se acertou por minha
causa, então, se alguém merece um prêmio, esse alguém sou eu — disse com um misto de sarcasmo e
sinceridade, lançando a ela uma piscadela.
De fato, sua relação com a amiga já estava mais leve, e, mesmo que a situação com o irmão
ainda estivesse um pouco pesada, eu sabia que, com o tempo, eles logo se acertariam por completo,
afinal, eram família. Tudo tinha realmente corrido relativamente bem durante o jantar.
— É, mas isso não muda o fato de você ter mentido — a garota continuou a contestar, o que fez
com que eu soltasse uma risada nasalar.
— Boa tentativa, mas a resposta ainda é não.
— Por favor — ela balbuciou, levando as mãos até minha nuca.
Tive de fechar os olhos por um par de segundos para manter minha racionalidade, porque,
porra, Monique era cheirosa pra caralho, o que mexia ainda mais com minha cabeça.
— Qual é, Monique?! Essa discussão só está me atrasando. Tenho que te deixar em casa antes
da meia noite.
— Mas ainda falta meia hora para meia noite. — Ela se afastou de repente, um pouco frustrada.
— Não quero ir pra casa agora.
— Tudo bem, aonde você quer ir, então, espertinha?
— Quero ver as estrelas — murmurou como se fosse óbvio, voltando a sorrir.
Arqueei as sobrancelhas, um pouco incrédulo.
— Monique, não faz sentido. Ficaríamos no máximo quinze minutos lá.
— Quinze minutos são suficientes para mim — a loira rebateu em um bom humor enquanto se
aproximava para um beijo. Ou quase isso, porque a garota, ao me ver distraído, não hesitou em pegar
as chaves de minha mão agilmente.
— Monique Price, eu não vou entrar no Freddie com você no volante — apressei-me em dizer
enquanto ela já entrava no automóvel.
— Boa sorte com o táxi então — ela gritou antes de fechar a porta e ligar o motor.
E, puta que pariu, a garota realmente sabia como tirar o que queria de mim.
Soltei o ar pela boca antes de enfim adentrar no Mustang.
— Ok, coloca o cinto, então — eu murmurei, tentando não prestar atenção em seu lindo sorriso
triunfante.
Monique revirou os olhos.
— Você é tão obcecado por segurança — soprou, mas fez o que lhe foi indicado.
— Só com a sua — resmunguei, ainda não muito contente em estar no banco do passageiro.
A loira voltou a sorrir quando deu partida e logo disse:
— Adoro dirigir o Freddie.
— Então aproveite a viagem, porque de jeito nenhum que você vai dirigir na volta — respondi,
reprimindo o riso enquanto a frustração tomava todas suas expressões.
Durante todo o trajeto, Monique se manteve dentro do limite de velocidade, dirigindo,
surpreendentemente, quase tão bem quanto eu. Contudo, não disse a ela quando enfim chegamos ao
nosso destino, afinal, o orgulho de si mesma já reluzia em cada uma de suas feições.
— Sabe, você precisa confiar mais em mim — ela sibilou assim que estacionou o carro.
Forcei uma cara de tédio.
— Me desculpe por desconfiar de você após ter quase nos metido na porra de um acidente na
última vez que dirigiu o Freddie — rebati sarcasticamente.
— Águas passadas — sibilou simplesmente, sem se dar o trabalho de se mostrar ofendida. — O
que importa é que o amor de sua vida está totalmente ileso — ela acrescentou, dando leves batidas
no volante.
Foi então que não pude mais segurar o riso.
— Ah, Monique — balbuciei com um fundo de ceticismo enquanto meu sorriso se alargava. —
O único amor da minha vida será você com meu sobrenome.
Suas íris brilharam enquanto um sorriso deslumbrante se esboçou dentre seus lábios, mas nada
disso durou mais do que poucos segundos.
— Não faz isso — ela sussurrou enquanto se forçava a desviar o olhar para frente.
— Isso o que, Monique? — questionei, um pouco mais sério, enquanto segurava seu queixo e
virava seu rosto em minha direção novamente.
— Dizer essas coisas. Elas significam muito para mim, James, e na maioria das vezes você nem
percebe isso.
Antes que eu pudesse dizer algo, Monique saiu e tomou rumo em direção ao capô.
Por um segundo, perguntei-me como diabos ela podia pensar que eu não falava sério.
Monique deveria saber que eu nunca brincaria com seus sentimentos dessa forma. Ao menos,
não mais.
Apenas inspirei fundo enfim, antes de sair do automóvel, decidindo deixar o assunto para lá,
afinal, não faltava muito para que Monique soubesse que nada nunca fora tão sério em minha vida
quanto ela.
— Obrigada — a garota disse assim que me aproximei, e não demorei a notar que um sorriso já
estava de volta em seu rosto.
— Pelo quê? — questionei assim que me sentei ao seu lado, passando minha mão pela sua
cintura para puxá-la para mais perto.
— Por hoje — ela respondeu como se fosse óbvio. — Por enfrentar meu pai, e, principalmente,
por ter me enfrentado quando eu estava com medo demais para fazer as pazes com as pessoas que
mais amo.
— Você não tem que agradecer, Monique. Fiz isso por nós.
— Por nós? — Ela arqueou as sobrancelhas, levemente confusa.
— Eu fico feliz quando a vejo feliz, Monique, então, sim, eu fiz isso por nós.
Monique passou a me observar de um modo mais intenso pelos instantes que se se seguiram, e,
por um momento, soube que eu daria tudo para saber o que se passava em sua mente.
Por fim, ela analisou cada centímetro de meu rosto enquanto esboçava um sorriso simples e
genuinamente... feliz.
— Eu te amo, James — a loira sussurrou então, e imediatamente me perguntei se tinha mesmo
escutado bem. — Você não precisa se sentir na obrigação de dizer o mesmo, de verdade. Eu só quero
que você saiba que o que eu sinto por você é forte e é intenso, e eu amo o que você me faz sentir. Eu
amo cada parte disso, cada pequena parte de você.
Precisei lembrar a mim mesmo de respirar devidamente na tentativa de organizar os caóticos
pensamentos que se acumularam em minha mente, e não soube exatamente quando tempo gastei
apenas para assimilar as palavras mais bonitas que já tinha escutado em toda minha vida.
E, cacete, aquilo parecia definitivamente real. O aqui e o agora.
A mulher por quem eu estava apaixonado me amava, e absolutamente nenhuma sensação do
mundo poderia se igualar a essa. Nada nunca superaria o que estava sentindo agora.
— Diz de novo. — Envolvi o rosto de Monique com minhas mãos para ter a última
comprovação de que aquilo era real, de que aquilo, de que ela era minha vida.
— Eu amo você, James Mitchell. — Ela não sorriu dessa vez, mas seus olhos se iluminaram de
uma forma ainda mais vívida que anteriormente. Eles estavam mais fervorosos do que nunca.
Simples assim, soube que o que eu sentia era exatamente a sensação de estar no paraíso e não
tive mais dúvidas de que eu era a porra da pessoa mais sortuda em todo o mundo.
Eu estava no céu sem nunca ter morrido e eu havia conhecido um anjo sem ter de passar para
outra dimensão. Sobretudo, eu parecia ter esse anjo só para mim.
— Eu amo você, Monique Price. Eu amo você como jamais amei ninguém — eu disse na mesma
fração de segundo em que me dei conta de que já havia perdido muito nessa vida estando longe dela
e que não deixaria que isso se repetisse. Dei-me conta, principalmente, de que, sem ela ao meu lado,
nada nunca faria sentido para mim.
Sem ela, eu ficaria vazio e perdido novamente.
Sem ela, nada e nem ninguém seria capaz de fazer com que eu sentisse o que sentia naquele
exato momento.
Era por isso que eu nunca poderia deixar que aquela garota fosse para longe de mim. Sobretudo,
era por isso que eu tinha de ter um plano caso ela descobrisse o que tanto me esforçava para
esconder.
Monique não me deixaria se tivesse um anel envolvendo seu dedo anelar.
28 |
Quando tudo melhorou

JAMES MITCHELL

— Honestamente, ainda acho que poderíamos ter feito uma exposição melhor do que essa — eu
murmurei diante de uma escultura estranha no meio do salão, e então me virei para Monique enquanto
um sorriso travesso se esboçava dentre meus lábios. — Você sabe, com várias posições diferentes e
tudo mais.
Não demorei a sentir uma pontada de dor em meu ombro, consequência do tapa pesado da
garota.
— Ai — balbuciei, afagando a área em meio a um drama excessivo. — Que foi? Eu não estou
mentindo, estou?
— Você é tão idiota. — Ela revirou os olhos, mas vi que fazia seu melhor para reprimir um
sorriso. — Não fale essas coisas aqui. Pessoas podem escutar.
— É, você tem razão. Todas essas pessoas de oitenta anos poderiam sofrer um infarto ao
escutar sobre como eu amaria te... — Não tive tempo de descrever meus desejos sórdidos, pois logo
senti uma segunda pontada de dor.
— Não tem só pessoas de oitenta anos aqui — ela protestou, forçando uma carranca.
Bem, apenas 99%, com nós dois sendo o 1% restante.
Contudo, não disse nada acerca disso.
Monique parecia mesmo estar apreciando a exposição, ainda que fosse uma artista muito melhor
do que qualquer um responsável por alguma obra exibida naquele local.
De fato, a exposição em que estávamos não era composta por trabalhos totalmente singulares ou
excepcionais, mas Healdsburg era uma cidade pequena, então já era de se esperar que os eventos
daquele tipo não fossem tão renomados. Mas, surpreendentemente, a garota ao meu lado conseguia
achar algum detalhe em cada escultura ou pintura para elogiar, o que era loucura para uma mente
leiga diante àqueles aspectos como a minha.
— E esse? — Monique soprou quando paramos em frente a um quadro totalmente branco e com
apenas alguns respingos de vermelho.
— Também não gostei muito — disse exatamente as mesmas palavras da última meia hora que
gastei respondendo perguntas como aquela.
No entanto, apesar de realmente não estar gostando muito dos trabalhos dali, eu ainda apreciava
mais do que tudo às expressões exultantes da loira toda vez em que seus olhos localizavam alguma
arte ridiculamente estranha.
Não me arrependia de ter me oferecido para trazê-la à exposição. Nem de longe.
— Eu acho que gostei — ela murmurou enquanto inclinava a cabeça para observá-lo.
— Sério? — Torci o nariz. — Não consigo ver nada de mais aí.
— É abstrato. Serve para que cada um de nós compreenda como quiser — explicou, séria. —
Eu achei meio intenso.
— Não é seu estilo — balbuciei, lembrando-me dos desenhos que já havia visto em um de seus
cadernos. A maioria retratava temas mais realísticos como paisagens e algumas pessoas com feições
realmente expressivas.
— Não, não é — Monique concordou, assentindo. — Acho que gostei porque faz o estilo de
minha mãe.
— Sua mãe pintava? — eu questionei, desviando minha atenção a ela.
— Às vezes. Foi ela que despertou meu interesse para a arte — ela respondeu, também
encontrando meus olhos. — Elizabeth sempre dizia que pessoas com muitos pensamentos deveriam
achar uma válvula de escape para expressá-los, então ela pintava quando passava por alguns
períodos difíceis. Também retratava temas abstratos como esse. — Ela indicou para o quadro com a
cabeça. — Era geralmente caótico, como os sentimentos dela, acho.
Pisquei algumas vezes enquanto assimilava a informação.
— Foi por isso que você começou a pintar? Para expressar seus pensamentos?
— Acho que sim. Mas depois vi que também gostava de eternizar memórias, lugares e pessoas,
sabe? Tudo parece estar sempre se modificando, então passei a tentar deixar tudo mais...
permanente, ao menos de algum modo. — Ela deu de ombros enquanto fazia uma careta. — Sei que é
estranho, mas quando eu era menor, tudo parecia muito inconstante. O humor de minha mãe fazia com
que eu e Tyler vivêssemos de um modo um pouco incerto, então desenhar normalmente me ajudava
deixar as coisas um pouco mais constantes.
— Não acho nada disso estranho, Monique — eu respondi, sincero. — E você continua com
essa necessidade, então? De tornar os mais diversos aspectos permanentes?
— Nos três primeiros meses após a morte de minha mãe, não — soprou, sem rodeios. — Acho
que estava triste o suficiente para, mesmo que inconscientemente, não querer fazer nada que me
trouxesse lembranças do sentimento — ela explicou, e, mesmo sendo confuso, eu ainda pude entendê-
la. — Você já sabe que tudo melhorou quando você apareceu. Aos poucos, comecei a me sentir
inteira novamente, comecei a me sentir bem o bastante para começar a querer pintar outra vez. Agora,
não acho que eu queira esquecer tudo pelo que estou passando tão cedo, então não só o desejo, mas
também a necessidade de retratar as coisas ao meu redor finalmente voltou para mim.
Aquelas palavras fizeram com que meu coração se apertasse no peito, e me perguntei se era
mesmo capaz de fazer Monique tão feliz daquele modo. Ainda me parecia pouco provável de que eu
pudesse ser suficiente para aquela mulher tão linda, inteligente e talentosa.
Continuamos a andar em frente em silêncio com nossas mãos entrelaçadas, e, a cada pequeno
instante que se passou, eu fiquei genuinamente grato por tê-la ao meu lado.
— Você acha que um dia alguma obra minha poderá entrar em alguma exposição desse tipo? —
Monique questionou após alguns minutos, envolvendo minha cintura com um braço enquanto
andávamos.
— Não.
A garota parou de andar imediatamente, lançando-me um olhar desesperançoso, o que fez com
que eu quisesse rir por um momento.
— Não, Monique. Não acho que alguma obra sua poderá estar em uma exposição como essa —
reforcei então, virando-me para ela. — Não acho isso porque estou certo de que cada uma de suas
criações é boa demais para o lugar em que estamos agora. De alguma forma, sei que você competirá
com os artistas mais renomados desse país, e não com artistas pequenos e locais como os daqui.
Você, mulher, é a porra de um prodígio, e não duvido muito de que em poucos anos você será um Van
Gogh da nossa geração.
— Não quero ser um Van Gogh — ela retrucou enquanto um sorriso largo demais se esboçava
entre seus lábios. — Ele arrancou a própria orelha. Não quero ficar sem minha orelha, James.
— Inferno — balbuciei, revirando os olhos. — Você entendeu o principal, não entendeu?
Pelo brilho em seu olhar, pude ver que a resposta era positiva, mas só me contentei quando ela
assentiu.
— Mas eu ainda quero ser um Da Vinci da nossa geração.
— Ah, loira. Te garanto que você será quem você quiser nesse mundo — soprei com toda
convicção do mundo, não hesitando em puxá-la para perto de mim uma outra vez.
— Hum... Eu estava pensando — ela sussurrou entre os beijos, envolvendo minha nuca com as
mãos. — Já que meu pai não tá na cidade, talvez eu poderia dormir em sua casa. O que acha?
Finalmente.
— Depende — eu me forcei a responder apenas com uma seriedade falsa. — Quando você diz
dormir, está querendo dizer no sentido literal da palavra ou está me dando passe livre para te botar
em todas posições com as quais vim me distraindo nessa maldita exposição?
Foi então que seu sorriso se alargou.
— Você sabe a resposta.
— É, acho que sei — soprei enquanto buscava seus lábios outra vez, já reprimindo um riso em
pura felicidade, uma felicidade que, no fundo, eu sabia ser boa demais para poder ser tão
permanente.
Contudo, eu ainda tinha esperanças, e o que eu estava prestes a fazer era apenas uma tentativa
de fazer com que elas não fossem vãs.
29 |
Nada além de amor

MONIQUE PRICE

Flechadas fortes de sol invadiram meus olhos de uma só vez, e tive de piscar repetidas vezes
para me acostumar com a claridade.
Assim que minha visão ficou um pouco mais nítida, imediatamente me dei conta de que ainda
estava no quarto de James e então não demorei muito mais para saber que a dor muscular que sentia
se devia a toda a agitação da noite anterior após a curta visita à exposição.
Ainda assim, não pude deixar de sorrir, não quando aquela dor era apenas um lembrete de um
prazer físico tão intenso e vívido, o qual também levava a uma satisfação psicológica igualmente
extasiante. Fechei os olhos novamente somente para apreciar melhor aquele misto cativante de
sensações e memórias.
Na procura do motivo de todo aquele bem-estar emocional, levei minha mão ao lado da cama,
mas esqueci de James por um segundo quando senti algo fixo em meu dedo. Seu peso era quase
imperceptível, mas ainda era suficiente para fazer com que meu coração se apertasse no peito.
Abri minhas pálpebras ao mesmo tempo que estendi minha mão, mas minha visão não foi o
bastante para me fazer acreditar que aquilo podia mesmo ser real.
Um anel simples, prata com um pequeno rubi ao meio, envolvia meu dedo anelar de modo
assustadoramente perfeito.
Passei meu polegar em volta da liga metálica a fim de chegar a alguma conclusão concreta e
realística, em vão.
No mesmo instante em que pensei em me beliscar em mais uma estúpida tentativa de separar
sonho da realidade, meus olhos localizaram James na beirada da cama, trajando apenas uma calça
jeans surrada. Ele ainda não parecia ter se dado conta de que eu estava acordada.
Seu queixo se encontrava apoiado em uma de suas mãos enquanto seus cotovelos eram
sustentados pelos joelhos, a tensão explícita em cada um de seus músculos rígidos. O moreno
movimentava uma perna em um ritmo constante e silencioso, nitidamente ansioso, e mantinha o olhar
fixo à nossa frente.
Instintivamente, meu olhar se voltou à minha mão esquerda, e, surpreendentemente, a miragem
continuava ali, persistente e teimosa.
Não soube ao certo quanto tempo se passou até algo em minha direção atrair a atenção de
James. Não pude fazer nada além de observar uma certa hesitação se espalhar por suas feições antes
de um sorriso de lado se esboçar dentre seus lábios.
— Droga, loirinha, não era para você ter acordado agora — ele murmurou após alguns
segundos, e passou a oscilar o olhar entre mim e o chão ao meu lado. — Bem, acho que é tarde
demais — resmungou enfim, mais para si mesmo.
O moreno então se apressou a vir em minha direção e a se sentar ao meu lado, e suas mãos
quentes logo tomaram a minha. O peso do anel passou a ficar mais evidente devido à pressão
calorosa.
— Isso é... hum... real? — as palavras fracas não passavam de meros sussurros, e os cantos de
seus lábios se ergueram ainda mais.
— Ah, Monique. Acredite em mim, eu sou a última pessoa que pode afirmar isso com total
convicção — ele soprou, e suas íris brilhavam como nunca antes, quase como se ele também se
perguntasse se não estava sonhando.
Em um gesto necessitado, levei minha mão livre à sua bochecha e arfei inevitavelmente no
segundo em que seu calor entrou em choque com o meu.
Honestamente, aquilo realmente parecia real demais. Contudo, uma parte de mim ainda insistia
em não me deixar acreditar por completo nisso, afinal, ainda havia uma pequena chance de aquilo
não passar de uma simples utopia, e eu sabia que seria completamente destruída ao ter minhas
expectativas estilhaçadas no momento em que acordasse.
— Casa comigo. — Sua voz soou alta e clara, ao contrário de meus pensamentos, que ainda
pareciam inteligíveis.
Abri a boca para provavelmente dizer algo sem sentido algum outra vez, mas o moreno foi
rápido em levantar sua mão em protesto. Comprimi meus lábios imediatamente na esperança de que
alguém me acordasse antes que fosse tarde demais.
— Por favor, me deixe continuar. — Ele apertou minha mão com uma força ainda maior. Era
reconfortante. — Se você me interromper, provavelmente não me lembrarei de tudo que tenho para te
dizer — explicou, e então suas feições adotaram uma seriedade maior enquanto o garoto inspirava
fundo. Seus olhos ainda brilhavam como nunca antes. — Primeiramente, sei que nós somos jovens e
que não nos conhecemos há muito mais do que alguns meses. Sei muito bem que não tenho nada além
de poucos dólares no bolso e que, por enquanto, não posso te dar mais do que meu coração.
Principalmente, sei que sou completamente egoísta para estar fazendo esse pedido, pois você,
Monique, merece mais do que eu e do que posso te oferecer. E antes de me dar uma resposta, quero
que você pense bem sobre isso, porque, apesar de te fazer feliz ser a coisa que mais desejo no
mundo, apenas você poderá saber se eu serei suficiente em sua vida. — James analisou cada
centímetro de meu rosto em busca de compreensão, mas ainda não era capaz de fazer muito mais do
que apenas fitá-lo com toda a atenção do mundo. — Apesar de não ter total convicção de sua
felicidade, eu ainda posso dizer com toda certeza do mundo que você não apenas me faz feliz, como é
minha felicidade, Monique. Eu não poderia ter mais consciência de que foi você a luz que me tirou
da escuridão, que me fez perceber que, antes, eu não passava de uma pessoa fria e vazia. Não acho
que você vá ser capaz de entender, mas, ao seu lado, eu simplesmente me sinto como a melhor versão
de mim mesmo. Eu me sinto capaz, me sinto bem e, mais que tudo, me sinto completo. É você quem
me completa, loira. E, puta merda, Deus sabe que eu quero continuar sentindo tudo que somente você
é capaz de provocar por muito mais tempo; quero continuar sentindo o prazer que sinto em te tocar,
em te observar, e, sobretudo, em te fazer sorrir. Eu quero dividir minha vida com você, entendeu
bem? Porra, eu quero que você seja minha vida. — Àquela altura, já sentia um certo tremor em todo
meu corpo, mas ainda tentava me concentrar mais que tudo em meu processo de memorização de
cada uma das palavras tão doces que saíam de sua boca. — Então, novamente, Monique, eu não tenho
nada além do meu amor para te dar, mas te dou a mais completa certeza de que, se você disser sim,
ele sempre será constante e concreto. Acordarei todos os dias de minha vida te amando, todos os
dias tentando ser melhor por você e dando meu melhor para você. De algum modo, eu nasci te
amando e sei que morrerei te amando, Monique Price.
Não soube exatamente quando as lágrimas começaram a se formar, mas, agora, era impossível
ignorá-las rolando vigorosamente pelas minhas bochechas. No fundo, eu sabia que eram lágrimas da
mais límpida e genuína realização pessoal.
E, diante daquelas palavras, diante daqueles inebriantes sentimentos tão únicos que me
consumiam de dentro para fora, eu soube que era ele.
Era James a pessoa que eu havia nascido para amar.
Mesmo se aquilo ainda fosse um sonho, eu não ligava. Eu me entregava a ele completa e
irrevogavelmente.
— Casa comigo — ele repetiu as palavras tão deleitantes então. — Me escolha. Me deixe ser o
homem mais sortudo do mundo simplesmente pelo fato de tê-la unicamente para mim — continuou, o
suor de suas mãos se misturando ao meu. — Nós faremos do seu jeito. Se você quiser um casamento
pequeno e íntimo, você vai ter. Se você quiser um casamento grande e luxuoso, eu farei isso
acontecer. Não importa se você quiser se casar nessa mesma semana ou daqui a cinco anos. Tudo
que...
— Sim — eu sussurrei, sem conseguir esperar por mais. Era quase como se eu nem fosse capaz
de aguardar uma fração de segundo a mais sem saber que James era exclusivamente meu e que eu era
exclusivamente sua.
O moreno então passou a me encarar por longos e angustiantes instantes, encarando-me de modo
preciso enquanto assimilava a simples resposta.
— Sim? — ele soprou quando por fim absorveu minha simplória palavra por completo, e logo
vi o sorriso mais largo que já havia presenciado tomar conta de seus lábios.
— Sim. — Comecei a rir pela mais imaculada felicidade que domava por inteira. — Sim, sim,
sim. — E, sem conseguir mais conter a distância entre nós, pulei em seus braços, sem me incomodar
nem por um momento com minha completa nudez. James não demorou a me pressionar contra si com
uma força excessiva, como se nunca fosse me deixar me distanciar novamente.
E, apesar de querer mais do que tudo pronunciar mais mil sins, tudo que conseguia fazer
naquele momento era rir diante da total euforia que sentia.
Enquanto o calor de nossas peles se mesclava em um só, escutei nossas risadas também se
misturando em uníssono, dando ainda mais ênfase em minha plena satisfação emocional.
Absolutamente nada poderia se comparar àquela sensação de completude, de finalmente estar
com a única pessoa que poderia me trazer aquele sentimento de plenitude. Ao seu lado, eu
simplesmente era a pessoa que sentia ter nascido para ser.
Quando James enfim se afastou, suas mãos envolveram minhas bochechas firmemente enquanto
ele começava a distribuir beijos frenéticos por todo meu rosto, fazendo com que minhas risadas
ganhassem uma intensidade ainda maior.
— Inferno, você vai ser a noiva mais linda que já existiu — o garoto disse, ainda extasiado,
enquanto seus lábios continuavam a encontrar minha pele em uma sensação deliciosa. — Porra, você
vai ser a esposa mais linda desse universo. E com a aliança mais linda já feita. Duas, aliás. Eu juro
que essa não vai ficar por muito tempo no seu dedo, assim que juntar...
— Não — eu o cortei, exasperada. — Essa é perfeita. — Levei minha mão contra meu peito,
como se a aliança pudesse ser tirada de mim a qualquer momento. — Ficarei com ela para sempre.
— Nem vem, loira. Eu vou te dar outra...
— De jeito nenhum — insisti enquanto me sentava em seu colo, já sentindo seus dedos
afundarem em minha cintura com uma força extática. — Eu não ligo para o valor da aliança. Para
mim, tudo que mais importa é seu significado, e nenhum outro anel no mundo tem um significado mais
do que esse para mim.
Um sorriso grande demais voltou a se esboçar dentre meus lábios enquanto eu tornava a
analisar meu dedo anelar.
Imediatamente, não tive mais dúvidas de que aquele era o dia mais feliz de toda minha vida.
James colocou algumas mechas rebeldes atrás de minha orelha enquanto soltava um riso
nasalar.
— Jesus Cristo. Você é certamente a pessoa mais teimosa que eu já conheci.
— Bem, se quiser mesmo se casar comigo, acho que vai ter que se acostumar com isso.
— Acredite em mim, Sra. Mitchell, eu já estou mais do que acostumado.
Senhora Mitchell.
As palavras ecoaram em minha mente subitamente, e, mesmo que parecesse impossível, senti o
tamanho de meu sorriso se duplicar.
— Nós seremos realmente muito felizes, não é? — soprei mais para mim mesma, um pouco
mais calma, mas não menos feliz.
— Fico louco só de pensar. Ter você somente para mim pelo resto de minha vida é tudo que eu
sempre sonhei. — O garoto riu mais uma vez enquanto passava as mãos pelos meus cabelos. — E
crianças. Imagine nossas crianças, Monique. Puta que pariu, mal posso esperar para fazer filhos com
você — ele disse enquanto me tirava de seu colo e me deitava na cama em um só gesto tão brusco
quanto cuidadoso, parando em cima de mim. — Quero pequenas Moniques correndo por toda nossa
casa.
— E pequenos James — acrescentei o óbvio enquanto a cena se formava em minha mente
involuntária e perfeitamente.
— Ah, eu certamente não quero uma pequena versão de mim mesmo — ele retrucou em uma
careta. — Quero apenas meninas como você, loira — disse, voltando a sorrir.
Segurei o riso.
— O problema é seu. Não há nada melhor que eu possa pensar do que pequenas versões de
você só para mim — rebati, sem nem mesmo conseguir imaginar o tamanho da felicidade que
sentiria, se é que pudesse ser maior do que a que sentia agora.
— Ah, confie em mim, Price, não há nada pior. Se tivermos um garoto, eu vou entregar para a
adoção sem que você saiba — o moreno murmurou em puro humor, e nem hesitei antes de dar um
murro em seu ombro.
— Não fale isso nem brincando, seu idiota. — Minhas palavras apenas fizeram com que ele
risse ainda mais.
— Bem, a decisão é sua, então — soprou sarcasticamente por fim. — O “eu te avisei” virá
mais tarde.
— É o que veremos — balbuciei, confiante.
Seus olhos ainda brilhavam quando James se desmontou ao meu lado.
Ambos, com sorrisos estupidamente bobos, passamos a apenas encarar fixamente o teto do
quarto enquanto desejos e fantasias tomavam nossas mentes por completo.
— Você não se esqueceu que eu quero morar no campo, certo? — questionei após alguns
minutos, e escutei seu breve riso.
— Mas é claro que não — ele respondeu como se fosse óbvio enquanto virava a cabeça em
minha direção. — Pode demorar, Monique, mas eu juro por tudo que é mais sagrado que te darei um
lar. Pode demorar, mas construirei uma casa com tudo que você quiser, com quartos para seus
desenhos e com um conforto que nunca tive para nossos filhos.
Lágrimas voltaram a invadir meus olhos quando James tomou minha mão e a levou até sua boca
para um beijo em meu dedo com a pequena aliança.
Estava prestes a dizer como tudo aquilo parecia um sonho quando batidas frenéticas na porta de
entrada nos tiraram de nossas neblinas fantasiosas, fazendo com que eu e James nos entreolhássemos
confusos.
— Quem será? — indaguei, franzindo o cenho.
— Não faço ideia e nem sei se quero descobrir — ele resmungou, não muito contente por
sermos interrompidos. — O que acha de não atendermos?
As batidas fortes e impacientes soaram mais uma vez, e fiz uma careta inevitável.
— Acharia perfeito, mas acho que correríamos o risco de a porta ser arrombada — respondi,
sem saber se estava mesmo brincando por completo.
O garoto soltou um suspiro frustrado, parecendo concordar comigo.
— Não demorarei mais do que alguns segundos para expulsar quem quer que seja — ele
murmurou enquanto se levantava, saindo em busca de uma camisa.
Sentei-me na cama também.
— E odeio dizer isso, mas você vai ter que se vestir. Vou te levar para ter um café da manhã
digno de um dia de noivado.
— Mas eu queria ficar aqui com você — resmunguei, arqueando as sobrancelhas.
— Ah, não se preocupe. Não planejo ficar muito tempo fora com você — ele esclareceu
enquanto esboçava um sorriso em pura lascívia, comendo-me com o olhar por um momento. —
Apenas quero que você coma um pouco para ter energia suficiente para aguentar tudo que pretendo
fazer com você pelo resto da tarde.
Minha respiração se alterou um pouco, e James logo se aproximou para dar um rápido beijo em
minha testa antes de, relutante, deixar o quarto.
Também me forcei a me levantar em seguida para me vestir, afinal, sabia que, quando mais cedo
saíssemos, mais cedo voltaríamos.
Enquanto pegava minha calça, enfim escutei a porta sendo aberta e passadas duras ecoarem
logo em seguida.
— James Mitchell, você não vai fazer isso. — Escutei uma voz que me parecia familiar, mas
ainda não consegui reconhecê-la por completo. — Você não pode...
— Abby, espera — James a cortou em um tom baixo, e imediatamente me recordei de que era a
garota que havia ficado ao meu lado em uma festa em que James tinha me levado. — Vamos
conversar lá fora. — Sua voz, apesar de quase inaudível, era quase autoritária.
— Eu não vou ir lá para fora, caramba! — O contraste entre a altura das vozes era brusco.
— Porra, então pare de gritar. O que você está fazendo aqui para início de conversa?
— O que eu estou fazendo aqui? — ela soprou de modo frenético. — Estou tentando fazer você
cair na real, seu imbecil.
— Abigail, a Monique...
— Ah, e isso se trata justamente de Monique — ela o cortou instantaneamente. — Tobias me
contou o que você planeja fazer, James. Você só pode estar louco.
Naquele instante, passei a blusa pela minha cabeça de forma apressada e fui em direção à porta
na tentativa de escutar o diálogo confuso com mais clareza.
— Tá legal, já chega. — James aumentou o tom de voz então, e me perguntei se era desespero
implícito naquelas palavras.
— Qual o seu problema, James? Cacete, me solta — Abby quase gritou, histérica. — Você acha
que pode pedir Monique em casamento sem contar o que fez antes?
— Puta merda, Abigail, não aqui. A Monique está...
— A Monique merece saber o que você planejava fazer antes de se entregar a você.
Imediatamente, senti minhas pernas bambearem enquanto um aperto terrível tomava conta de
meu peito e o mais puro horror revirava minhas entranhas.
O que James planejava fazer?
Sem conseguir mais me conter, saí para o corredor, e, sem que os dois ainda se dessem conta de
minha presença, observei James segurando o braço de Abby firmemente enquanto a conduzia para
fora da casa, mas a garota foi esperta o suficiente para se desvencilhar do toque.
— Você tem que contar quais eram suas verdadeiras intenções no começo. Ela tem que saber
que estava sendo usada antes de aceitar dividir a vida justamente com quem a usou.
E, subitamente, o olhar aflito de James enfim cruzou o meu, fazendo com que meu corpo
paralisasse no mesmo segundo.
Abby também não demorou a seguir seu olhar, virando o rosto em minha direção.
Soube que, se eu não estivesse tão aterrorizada com tudo aquilo, a situação seria quase cômica.
Ambos me encaravam com olhos arregalados, sem ter ideia do que dizer, e não precisei de
muito para saber que eu fazia exatamente o mesmo.
Meu corpo ainda se arrepiava em puro pânico quando me forcei a perguntar:
— O que você fez, James?
30 |
A pior punição possível

JAMES MITCHELL

Não.
Não.
Não.
Essa porra não podia estar acontecendo. Não hoje, não agora.
O que eu fiz?
— Me responda, James — Monique exigiu em um tom mais alto, e aquelas palavras
continuaram a ecoar e ecoar em minha mente de um modo simplesmente aterrorizante. Não fui capaz
de fazer nada a mais do que tentar conter o pânico que começava a me domar por completo quando
comecei a me perguntar como poderia dizer o que havia feito sem machucar a garota à minha frente.
— Do que vocês estão falando, Abigail? — Ela enfim se virou para Abby, que permaneceu tão
paralisada quanto eu. — Parem de me tratar como uma idiota.
— Ninguém está te tratando como uma idiota, Monique — Abby rebateu, dando alguns passos
em direção ao corredor, onde Monique estava. — Me desculpa por isso tudo. Não era minha intenção
fazer você descobrir desse jeito. Eu não sabia que...
— Nos deixe sozinhos, Abigail — intervim instintivamente, o tremor nítido até mesmo em
minha voz.
— Descobrir o quê? — a loira insistiu, e o seu desespero fez com que eu perdesse todo o ar de
meus pulmões por um instante. — O que você fez, James?
O que eu fiz?
Senti minhas mãos estremecerem instantaneamente e toda extensão de minha pele começar a
suar frio.
Ainda tentava forçar meu cérebro a pensar mais claramente em como eu poderia consertar
minhas próprias merdas quando Abigail enfim nos deixou sozinhos. Não me senti muito melhor
quando fiquei sozinho com Monique, pois ela enfim pôde manter sua atenção por completo em mim.
E, meu Deus, naquele instante em que seus olhos passaram a se fixar somente nos meus, eu
soube que nunca poderia esquecer desesperança que tomou conta de suas íris. Eu havia a quebrado e
teria de conviver com essa culpa pelo resto de toda minha vida.
Fechei os olhos por um momento para me forçar a desviar minha concentração de sua dor,
afinal, eu não podia me dar o luxo de entrar em desespero, de perder o controle. Eu tinha em mente
que minhas próximas palavras teriam de ser escolhidas com o máximo de precisão, pois seriam elas
que definiriam meu futuro, se é que minha estúpida falta de senso já não o tinha feito.
— Monique, eu não te conhecia. Não sabia quem você era e, principalmente, não fazia ideia do
quanto você ia significar para mim.
Foi então que lágrimas começaram a rolar de sua bochecha, e não pude fazer nada além de vê-
las caindo.
O que eu fiz?
— Por favor, tente se lembrar de tudo pelo que nós passamos. Lembre-se de que estamos
noivos, Monique — minhas palavras saíram em uma angustiante súplica enquanto eu dava um passo
em sua direção, e meu coração se partiu um pouco mais quando ela se distanciou em instinto.
— Me fala o que você fez, James — a garota disse outra vez, mas agora com mais firmeza. Uma
angústia ainda maior me invadiu quando me dei conta por completo de que o momento que tanto
andei temendo nos últimos meses havia chegado.
— Eu não vou te contar até que você me diga que ainda se lembra das palavras que trocávamos
há poucos minutos atrás.
— Meu Deus do céu — Monique balbuciou enquanto passava as costas das mãos por suas
bochechas bruscamente, quase como se estivesse irritada consigo mesma por chorar. — Você não
está em posição de exigir nada de mim, você não entende?
O que eu fiz?
— Eu só preciso que você me fale que não é o que estou pensando, James — ela quase
implorou, o mais puro horror implícito em cada uma de suas palavras. — Eu preciso que você me
diga que você não mentiu quando falou que não estava comigo pelo meu pai.
— Eu não menti — não hesitei em dizer, exasperado. — Eu juro por tudo que é mais sagrado
que, naquele momento, eu não estava mentindo. Naquele instante, eu já não estava mais com você por
causa de Josh.
— Naquele instante? — a garota repetiu as palavras imediatamente enquanto seus olhos
voltavam a ficarem úmidos. Ela levou a mão à boca quando enfim ligou todos os pontos. — Santo
Deus. Como fui idiota. Como fui uma imbecil de ter confiado em você.
— Monique, por favor, você tem que acreditar em mim, eu não...
— E eu sabia esse tempo todo — Monique continuou murmurando para si mesma, sem me dar
ouvidos. — Eu sabia que tinha algo de errado, eu só não quis acreditar. — Ela envolveu seu próprio
corpo com os braços trêmulos, sem se importar em enxugar as lágrimas dessa vez. — Você não me
deixou acreditar, James. Você... você mentiu para mim.
O que eu fiz?
— Monique, essa não foi minha intenção por muito tempo — eu assegurei enquanto finalmente
atravessava o corredor na esperança de que meu toque a fizesse voltar para mim. — Assim que te
conheci, de algum modo, eu soube que te amaria mais do que tudo nesse mundo.
— Não me toca — Monique gritou com a voz vacilante no segundo em que minhas mãos
chegaram ao seu rosto. — O que você pretendia fazer, James? — ela questionou assim que se
distanciou, ainda decidida a descobrir toda a verdade.
— Como assim? — soprei enquanto passava as mãos em meu cabelo em uma tentativa de
mantê-las longe de Monique.
— Não me enrole, James! Já está na hora de você ser sincero comigo.
Sim, estava. Mas eu ainda não fazia ideia de como dizer as palavras para ela, dizer a verdade
que ela merecia.
— Por favor, loirinha...
— Só responde minha pergunta. — Sua voz saiu dentre soluços, deixando óbvio que ela estava
aterrorizada com o que poderia vir a ser minha resposta. Foi aí que senti meus olhos se
umedecerem.
— Eu era outra pessoa. Pelos céus, Monique, eu era a porra de um fodido, mas eu mudei, e isso
graças a você.
— Qual era seu plano, James? Em? — A garota nem se deu ao luxo de assimilar minhas
palavras. — Ela nem sequer se dá ao luxo de digerir minhas palavras. — O que você pretendia fazer
comigo? O que você queria de Josh?
Minha visão se escureceu quando cheguei à conclusão de que nunca poderia ter feito algo pior
em toda minha vida. Eu havia dado um jeito de apagar a única luz genuína e intensa que já
presenciara, eu havia conseguido fazer com que a mais singela pureza com a qual já me deparara
fosse substituída por uma vívida raiva, a qual era própria de meu mundo. Eu havia acabado de
destruir Monique.
— O que você teria sido capaz de fazer? E com qual intuito, James? — ela continuou com as
palavras mais dolorosas que uma vez já havia escutado. — Você queria acabar com meu pai? Queria
me usar e me chutar depois que cansasse de me foder? Ou talvez...
E, desejando mais que tudo que aquela flagelação tivesse fim, eu enfim disse:
— Porra, eu ia gravar.
Fechei os olhos bruscamente, sabendo que agora não teria mais volta.
— Eu teria feito o que fosse necessário caso eu tivesse a possibilidade de ter meu irmão de
volta para mim, Monique. Eu estava desesperado.
E, quando enfim tomei coragem para abrir minhas pálpebras, observei o mais puro pânico tomar
conta de cada pequeno aspecto da garota que eu amava.
Ela, assim como eu, estava sem chão.
O que eu fiz?
— Como você pôde? — ela disse após longos e cruciantes segundos, as palavras soando quase
inaudíveis. — Então tudo que tivemos realmente não passou de sexo e um plano idiota para recuperar
Jack?
Abri a boca para dizer a única resposta óbvia, mas Monique foi mais rápida em continuar com
as perguntas que ainda me matavam aos poucos.
— E esse anel, James? — Ela retirou a liga metálica do dedo e o segurou com força. — Onde
ele entra nisso?
— O quê? Não, Monique. Inferno, não, não — balbuciei de modo caótico diante dos piores
pesadelos que se tornavam realidade. Monique estava duvidando de cada pequena decisão que havia
tomado, de cada uma de minhas palavras ou gestos e, sobretudo, de que ela era a mulher da minha
vida. — Eu entendo que você esteja confusa sobre tudo isso, mas o agora é real. Meu amor por você
é mais real do que qualquer outro sentimento que já experimentei. O que temos, tudo pelo que
passamos até aqui foi verdadeiro, e não duvide nem por um segundo disso. Pelo amor de Deus, eu te
amo mais do que tudo e...
— Não. — Seu grito ecoou de modo tão amargo por cada centímetro da sala que agora parecia
tão angustiantemente obscura. — Pare de me manipular. Pare de mentir para mim. — Suas palavras
falharam enquanto ela ameaçava jogar o anel para longe de si.
— Não faz isso — eu supliquei, sem conseguir evitar que meus joelhos cedessem diante
daquela cena. Inevitavelmente, caí aos seus pés, assim como minhas lágrimas. — Eu te amo — repeti
as palavras mais verdadeiras que poderia pronunciar, sem mais saber o que dizer.
— Você não mente para as pessoas que ama — Monique rebateu sem nem hesitar, e então,
quando pensei que ela por fim jogaria o anel para longe, a garota vacilou. Seus olhos se fecharam
bruscamente enquanto ela levava o anel até o peito, segurando-o ali de uma forma assustadoramente
firme. — Você tem noção do que fez, James? — Ela se ajoelhou à minha frente, sem se dar ao
trabalho de abrir suas pálpebras para poder me encarar. — Você tem noção de que eu me entreguei
completamente a você? Eu te dei tudo de mim, absolutamente tudo, você não entende?
— Por favor, só... — Procurei as palavras em minha mente, sem ainda ter ideia do que poderia
dizer para reverter toda aquela situação. — Só não faz isso. Não questione meu amor por você.
— O que mais era mentira? — Monique questionou com a voz carregada de uma aflitiva tristeza
no instante em que abriu os olhos fundos. — As drogas? Você parou de vender?
Estava prestes a mentir quando meu coração se apertou no peito. Já não havia mais volta, então
não encontrei motivos para esconder a verdade.
— Não — eu respondi em um sussurro, sem ter mais força alguma para me defender.
— E Jack, James? Você realmente vem conversado com ele por ligação como me disse nessas
últimas semanas?
— Não. Eu tive que manter distância.
Ela soltou um soluço abafado então, e o som foi terrível o suficiente para fazer com que um
arrepio apavorante se alastrasse por toda minha pele.
— Por quê? — ela se forçou a questionar, procurando pelos meus olhos.
— Eu só atrapalharia a vida dele, Monique. Jack está feliz agora, e sem mim.
— E como você queria se casar comigo com todas essas mentiras, James? Como você queria
construir uma vida comigo sem me deixar saber com o que estava lidando aqui? — Ela piscou
rapidamente na falha tentativa de conter as lágrimas insistentes. — Como eu posso saber agora o que
é real e o que não é? Como eu posso ter certeza se cada palavra que sai da sua boca não é uma
mentira total?
— Porque não é — eu disse, a cada segundo ainda mais desesperado, enquanto envolvia seu
rosto com as mãos para que Monique visse a verdade em meus olhos. — Você é a mulher com quem
quero passar o restante da minha vida, Monique. Eu nunca brincaria com uma coisa dessas. Cada
palavra que eu disse mais cedo é verdadeira, tudo que eu quero dar a você, tudo que quero
conquistar com você. Meu pedido era real, e você disse sim.
— Eu disse — ela concordou, a dor reluzindo de modo insistente em suas íris. — Eu disse sim
para dividir a minha vida com a pessoa que achei que você fosse.
— Eu sou essa pessoa. Nenhuma dessas mentiras muda o que eu sinto por você, o que vivemos
juntos até aqui.
— Eu já não sei mais. — A garota desvencilhou o rosto de minha mão.
O que eu fiz?
— Por favor, Monique — implorei, já praticamente sem voz. — Eu não posso viver sem você,
não mais. Nós podemos superar isso. Se você me perdoar, eu posso mudar. Porra, você me ama. Você
não pode desistir de mim, de nós assim.
— Por que você simplesmente não me disse a verdade, James? — Ela enterrou o rosto em suas
mãos, os sentimentos abissais que a domavam sendo quase palpáveis.
O que eu fiz?
— Eu estou dizendo agora.
— Não é suficiente. — Monique inspirou fundo antes de voltar a me encarar com os olhos
vermelhos e dolorosamente inchados. — Eu deveria te odiar, James — ela sussurrou enfim, cada
palavra perfurando fundo meu coração. — Eu deveria estar te odiando com todas minhas forças
nesse exato minuto, mas eu simplesmente não consigo, e é por isso que eu não posso te perdoar. Não
posso correr o risco de você me magoar novamente, porque eu vou continuar permitindo que isso
aconteça de novo e de novo.
— Não, não, não. Nós podemos consertar isso, eu só preciso de uma chance. Eu nunca vou te
magoar novamente, eu...
— Eu não posso fazer isso comigo mesma. Não por agora.
— O quê?
— Eu não posso me colocar em segundo lugar, James. Se eu o aceitar, eu estarei a sua mercê,
minha felicidade estará à sua mercê, e isso é algo que eu não posso permitir. Eu não posso deixar que
as coisas continuem fugindo do meu controle, não posso continuar deixando que minha vida não me
pertença, não mais. Eu tenho que recuperar o controle que perdi desde a morte de minha mãe.
Infelizmente, não fui capaz de assimilar todo o desespero de Monique por trás daquelas
palavras, não quando mal conseguia lidar com o meu.
— Não me deixe, Monique. Sem você, eu estarei perdido. Sem você... — vagueei todo o
cômodo com o olhar, sem ter a mínima ideia de como um dia seria capaz absorver toda aquela dor.
— Sem você, eu estarei sozinho.
— Eu não posso correr o risco de ser dilacerada novamente. Eu não vou aguentar. — Ela então
fechou os olhos mais uma vez, segurando o anel contra o peito com uma força ainda maior que
qualquer momento anterior enquanto tomava coragem para fazer o que achava que devia fazer.
Não tive forças para impedi-la de se distanciar quando enfim deu as costas para mim de forma
tão apavorante, e não tive outra saída senão observá-la ir para longe de mim enquanto sentia o mais
genuíno sofrimento tomar conta de cada angustiante centímetro de meu interior.
E, assim que Monique passou por aquela porta, tive a mais completa certeza de que ela levava
cada pequena parte de meu coração consigo, e soube imediatamente que aquela era a pior punição
que eu poderia receber pelos meus pecados.
Sobre o que eu havia feito?
Eu simplesmente tinha fodido com todas minhas chances de ser feliz.
31 |
Mar de nada

JAMES MITCHELL

— Quase duas semanas. A porra de duas semanas. Você está me dizendo que devo continuar
dando um tempo sendo que todo esse tempo já se passou?
— Sim, James, estou — Tobias respondeu como se fosse óbvio. — Se ela não entrou em
contato com você ainda é porque ainda não se sente bem para isso.
— Você não está me entendendo, Tobias — soprei, exasperado, enquanto andava de um lado
por outro em minha sala. — Tem algo errado. Muito errado.
— Tipo ela ter descoberto que você tem mentido para ela esse tempo todo? — O garoto
arqueou as sobrancelhas, inocente.
Ignorei o sarcasmo.
— Eu estou falando sério pra cacete. Não é somente seu silêncio que está estranho, entendeu?
Eu também não a vi em nenhum momento por todo esse tempo, nem nas aulas e nem em sua própria
casa.
— Você tem vigiado a casa dela, James? — ele questionou em um misto de acusação e
perplexidade
— Só na última semana — balbuciei, na defensiva, e finalmente me sentei, algo incomum
também nos últimos dias. A ansiedade vinha me dominando por inteiro desde o pior dia da merda da
minha vida, e eu simplesmente não fazia ideia de como lidar com ela. Não fazia ideia de como lidar
com o fato de não poder fazer nada além de dar à Monique o tempo que parecia precisar. — Eu sei
que tem algo errado. Eu simplesmente sei. Ela nunca perderia semanas de aulas, ainda mais tão perto
de se formar. Ela nem sequer apareceu na varanda de seu quarto, Tobias.
— Cara, eu acho melhor você se acalmar. Ela provavelmente só está tirando um tempo pra si.
Com certeza não deve estar sendo nada fácil para ela processar isso tudo, e você sabe.
— É claro que eu sei. — Bufei enquanto me perguntava quando diabos eu tinha começado a
pedir conselhos a Tobias. Bem, ao que tudo indicava, o mundo realmente dava voltas.
Contudo, meus pensamentos não ficaram centrados em meu amigo por muito tempo, pois, como
o meu mais novo habitual, eu logo comecei a ser torturado pelo sofrimento da mulher que amava.
Me machucava mais do que tudo saber o que tinha feito a ela, e isso era algo incansável e
inevitável. Pesadelos daquela manhã me assombravam no segundo em que eu fechava os olhos, e
memórias também continuavam a me afligir em cada pequeno instante que passava acordado.
Sobretudo, as lembranças de suas próprias palavras me matavam aos poucos.
Como você pôde fazer isso?
Você tem ideia do que fez comigo?
Eu dei tudo de mim a você.
De algum modo, eu sabia que a dor que vinha sentindo em cada minuto desses malditos dias era
a pior que poderia experimentar. Nem mesmo o sentimento aterrorizante de perder meu irmão se
comparava a essa sensação dilacerante pela qual estava sendo obrigado a passar, afinal, quando Jack
se fora, eu tinha consciência de que eu ainda teria alguma chance de tê-lo em meus braços outra vez.
Entretanto, em relação à Monique, eu não estava de todo certo sobre a possibilidade de tê-la de
volta para mim. No fundo, eu sabia que seu perdão estava longe demais para que eu sequer sonhasse
com isso, e, ao fim, sem ela, eu estaria quebrado de todas as formas imagináveis e inimagináveis por
dentro de minha alma, se é que eu fosse capaz de ter uma.
Monique era o ar que eu respirava, e, naquele momento, eu estava sendo sufocado pela
distância desoladora que havia entre nós.
E, além do mais puro sofrimento, eu também passava por um temor desesperador. Eu tinha medo
de que a podridão de meu mundo a atingisse, mudando assim sua pureza e gentileza. Estava
simplesmente aterrorizado com a possibilidade desse mundo fodido perder a mais bela pessoa, em
todos os sentidos, que uma vez já conheci.
Ao fim, eu sabia que, se soubesse que ainda havia uma parte límpida de Monique consigo, uma
que eu não tinha sido capaz de exterminar, eu seria capaz de seguir em frente e para longe dela caso a
garota assim desejasse, mesmo que isso significasse que eu teria de lutar contra esse amargor abissal
de perdê-la por cada dia restante de minha vida.
— Quer saber, que se foda — eu disse enfim, levantando-me antes que pudesse deter a mim
mesmo. — Eu não posso mais fazer isso. Toda essa merda de dar um tempo já foi longe demais.
Eu apenas precisava saber que ela estava bem.
Antes que Tobias tivesse a chance de protestar contra o que estava prestes a fazer, lancei-me
para fora de minha casa.
Entrei no Mustang e dei partida, já tomando rumo em direção à casa de Monique. Era um plano
terrível, afinal, não fazia ideia do que faria quando ali chegasse, mas ao menos tinha em mente que
ninguém seria capaz de me impedir de vê-la.
Com meu pé no fundo do acelerador, o trajeto não levou mais do que cinco minutos. No entanto,
assim que estacionei ao lado de sua calçada, parte de minha pressa se dissipou instantaneamente.
Ao lugar de minha adrenalina, a apreensão começou a correr por meus vasos sanguíneos.
Talvez, as lembranças amargas daquela manhã ficassem mais vívidas em sua memória assim
que seus olhos me localizassem, e tudo que eu mais queria evitar era que ela sofresse ainda mais. E,
sobretudo, talvez meus sentimentos por ela e minha necessidade de simplesmente estar ao seu lado se
sobressaíssem à minha realidade no segundo em que ela se encontrasse tão perto de mim.
Afinal, como eu poderia me controlar perto dela? Perto da mulher que sempre foi e sempre
seria a minha pessoa?
Respirei fundo antes de finalmente sair de meu carro, sem pensar muito na possibilidade de ter
de enfrentar a mim mesmo para deixar que Monique fosse plenamente feliz.
Não hesitei em pressionar a campainha do casarão com toda força que continha assim que ali
cheguei.
Comecei a ficar desinquieto conforme os segundos passavam e não demorei a também bater à
porta com uma ansiedade crescente.
Estava desesperado ao ponto de começar a cogitar a arrombar a casa quando a porta enfim foi
aberta de modo brusco.
— Cai fora, Mitchell — Tyler disse em um tom cortante assim que me localizou, nem
pestanejando antes de se posicionar no pequeno espaço entreaberto.
— Cadê ela? — questionei, não me importando nem por um segundo com sua visível irritação.
Não pretendia sair dali da mesma forma que estava perdido em um completo mar de nada.
— Não é da porra da sua conta.
— Eu só preciso ver ela, Tyler. Eu não pretendo piorar as coisas para nenhum de nós dois — eu
retruquei, e uma espécie de súplica ficou implícita em minhas palavras. Também não me importava
com o modo que usaria para chegar à Monique, e, se tivesse de me humilhar, assim seria.
— Olha só, James, eu não faço ideia do que você fez para Monique, mas sei que você fez algo
que deve ser ruim o suficiente para que eu nem sequer seja capaz de imaginar, pois sei que, para
minha irmã não conseguir o perdoar, suas merdas com toda certeza tiveram de ser sérias pra caralho
— ele cuspiu as palavras, as feições nada convidativas. — Não quero você nem mesmo perto de
minha irmã, entendeu? Eu não a vejo desse jeito desde a semana da morte de minha mãe, e não
pretendo deixar que você a machuque mais do que já fez.
Meu coração pareceu quebrar por mais um pouco quando tive a certeza de que Monique
realmente sofria por mim.
— Tyler, acredite em mim, eu também não quero machucá-la mais... mais do que já fiz. — Tive
de fechar os olhos para pronunciar as palavras em voz alta. — Tudo que eu quero é ouvir a voz dela,
por favor. Assim que eu o fizer, eu deixo essa casa... suas vidas definitivamente, eu te dou minha
palavra.
— Vai embora, James — Tyler disse duramente, sem se deixar abater, e fez menção em fechar a
porta, mas fui rápido o suficiente para colocar meu pé como obstáculo.
— Sinto muito, Tyler. Eu não vou embora sem vê-la — eu soprei no segundo em que empurrei a
porta com uma força excessiva, passando direto pelo garoto. Segui em frente com a maior agilidade
possível, afinal, não queria que Tyler me alcançasse. Não queria ter de machucá-lo, mas não hesitaria
em o fazer caso ele tentasse me impedir de entrar no quarto de sua irmã.
Contudo, para a minha surpresa, ele não se dou ao trabalho de correr atrás de mim enquanto eu
subia as escadas apressadamente.
Tentei não pensar no fato de que, para que Tyler não me seguisse, algo estava errado pra cacete.
Mais errado do que qualquer coisa que eu podia ter chegado a cogitar em todos esses dias.
Assim que cheguei ao quarto de Monique, deparei-me com a porta fechada, e,
surpreendentemente, não a abri de imediato. Não fui capaz de o fazer quando um tremor em um
genuíno pânico percorreu toda minha espinha.
No fim, talvez eu realmente não saísse dali do mesmo jeito que havia chegado.
Talvez eu saísse pior.
Após longos e cruciantes segundos, obriguei-me antes de empurrar a maçaneta, e, bem, nada no
mundo poderia me preparar para o que estava prestes a encontrar ali.
Ou, mais especificamente, não encontrar.
Meus joelhos fraquejaram no momento em que me dei conta do nada que assombrava o quarto
que uma vez fora de Monique.
Os inúmeros cadernos de desenho que antes ocupavam sua escrivaninha já não se encontravam
mais lá; as prateleiras, que antes continham inúmeros livros, agora não passavam de tábuas sem
graça e empoeiradas. Nenhuma de suas roupas ou materiais de pintura estavam mais jogados pelo
quarto, e, até a roupa de cama que antes era uma das poucas coisas que a garota fazia questão de que
fosse de seu gosto, agora era totalmente branca e simples.
E, puta merda, eu só podia estar enganado.
Eu tinha de estar enganado.
Não esperei por mais tempo para me lançar até seu guarda-roupa a abrir cada uma de suas
portas.
Não.
Não.
Não.
— Que porcaria é essa, Tyler? — gritei em um pavor assustador enquanto insistia em procurar
por alguma prova de que aquele quarto já pertencera à Monique, de algum vestígio de algum
momento de que eu já havia pisado ali inúmeras vezes antes.
— Para com isso, James. — Escutei a voz quase piedosa de Tyler à porta.
— Que porra aconteceu aqui? — Continuei a lançar o olhar aterrorizado em cada canto do
cômodo, ainda sem acreditar da situação à minha volta.
— Sinceramente, o que você acha? — ele murmurou, soltando um suspiro frustrado. — Agora
que você já viu que ela não está aqui, já pode ir embora.
Ela não estava ali.
E, porra, eu já sabia que tinha algo errado, mas aquilo... aquilo era demais.
Como eu podia ter deixado que Monique fosse para longe de mim daquele modo?
— Para onde ela foi? — Nem mesmo reconheci minha voz por trás da angústia daquelas
palavras enquanto minhas mãos agarravam a gola de Tyler instintivamente. — ME FALA, PORRA.
— Não vê que é tarde demais? — Tyler sibilou, entediado e, por um segundo, me dei conta do
quão patético eu parecia. Não me importei. Nada mais importava. — Você tem que ir embora agora.
— Ele me empurrou então, e minhas pernas, já bambas, cambalearam para trás em pura desordem.
Tarde demais.
— Não, não, não — balbuciei, desejando mais do que tudo que eu acordasse daquele pesadelo
em breve.
Como você pôde fazer isso?
As palavras de Monique voltaram a ecoar em minha mente mais uma vez, apenas para acabarem
de estilhaçar o restante de meu coração.
Você tem ideia do que fez comigo?
Eu realmente não tinha ideia do que havia feito com ela. Não até agora.
E eu não estava preparado para isso. Eu iria para longe dela, e não o contrário. Eu não poderia
lidar com o fato de nunca saber onde ela estaria. Eu não sobreviveria a isso.
Monique não podia fazer isso. Eu não poderia deixar que ela fizesse isso.
Não tentei tirar mais respostas de Tyler. Sabia que não as conseguiria.
Não fiz questão de o olhar por uma última vez antes de tomar o caminho pelo qual entrei. Não
tinha mais tempo a perder, não depois de dias sentado sem fazer porra nenhuma.
Assim que entrei em meu carro, pisei no acelerador com uma força maior do que qualquer uma
usada anteriormente enquanto a desesperança me cegava por completo.
De um modo ou de outro, eu teria de achá-la.
Eu seguiria Monique até o fim do mundo se fosse preciso, pois aquela mulher... Céus, aquela
mulher era toda minha felicidade.
O que eu sentia por Monique sempre seria forte, sempre seria intenso, sempre seria imutável.
Eu vivia para sentir o que só ela me provocava, eu havia apenas nascido para tocá-la, para vê-la,
para ouvi-la, para senti-la em todos os outros aspectos possíveis, e, sobretudo, para satisfazê-la.
No fim, “amar” nunca seria expressão boa o suficiente para descrever o que eu sentia por
Monique, e ela sabia disso, pois, no fundo, achava que aquela garota sentia o mesmo por mim.
Também sempre sentiria.
Após os mais longos minutos de toda minha vida, enfim cheguei ao meu destino, e, em um piscar
de olhos, eu já saía de meu automóvel e tomava rumo em direção à casa específica com passadas que
não me pareciam rápidas o suficiente.
Toquei a campainha em um ritmo constante, sem ser capaz de esperar um segundo a mais
naquele breu de perdição horrendo. Ainda desejava mais do que tudo que aquela dor tivesse fim.
— James? — Kate balbuciou assim que atendeu a porta, os olhos assustados já fixos em mim.
— Me fala onde ela está, Kate — implorei, sentindo o bater acelerado de meu coração
quebrado. — Eu preciso saber. Inferno, eu preciso ter a chance de vê-la por uma última vez.
— Eu não posso. — Suas palavras vacilaram. — Você precisa ficar longe dela.
Imediatamente percebi que ela sabia de tudo. Kate sabia de tudo que eu havia feito.
— Eu a amo, Kate — eu soprei, exasperado, sem mais saber o que dizer ou fazer. — Eu a amo
com todo meu coração. Você precisa saber que tudo que eu pensei em fazer foi antes de conhecê-la,
foi antes de eu me apaixonar completamente por ela. Você sabe que o que tivemos foi real. Você
presenciou o que eu e Monique vivemos.
— Eu sei, James — ela sussurrou sem nem hesitar, e também pude identificar a dor por trás de
suas palavras. — Eu sei.
— Então me fale para onde ela foi. Eu sei que você também quer que ela volte. Me deixe ao
menos tentar trazê-la para perto de nós novamente.
Kate ficou um pouco relutante então, e seu olhar triste vagueou por trás de mim por um par de
segundos.
— Eu não posso, James, porque eu também não sei para onde ela foi — a garota admitiu por
fim, e foi só quando seus olhos começaram a lacrimejar que minha ficha caiu por completo.
Tudo estava absolutamente perdido.
Eu nunca mais teria Monique por perto. Nunca mais sentiria as sensações que somente ela
provocava em mim, nunca mais experimentaria os efeitos daquela droga feita especialmente para
mim.
E pelo resto de minha vida, eu viveria em uma angustiante e desesperadora abstinência, sem
haver algum tratamento ou melhora.
A partir de agora, aquele sentimento vazio sempre seria irremediável, torturante e constante.
— Ela sabia que eu te diria — Kate disse por fim, a voz mais fraca do que nunca. — Ela sabia
que eu te ajudaria a trazê-la de volta.
— Tyler tem que te dizer, Kate — eu retruquei, uma pequena parte de mim ainda relutante em
acreditar no que agora era minha realidade. — Você tem que convencê-lo a...
— Eu já tentei, James — ela me cortou, fechando os olhos por um momento. — Eu já tentei de
tudo, mas ele está firme quanto à sua decisão.
Simples assim, a dor emocional passou a se tornar uma dor física.
Meu coração também passava a doer de modo estranho e quase alucinante, e doía de um modo
que nunca achei ser possível.
— Eu tenho uma coisa para você — Kate soprou por fim enquanto enxugava suas lágrimas, e
nem me dei ao trabalho de dizer algo a mais antes que ela sumisse no interior de sua casa.
Não tinha mais forças para nada.
Sentei-me na entrada de sua casa antes que meus joelhos cedessem por completo enquanto
perguntas intermináveis invadiam minha mente.
Como eu seria capaz de viver sem ter ideia de onde Monique estava?
Como lidaria com aquela escuridão, sem nunca saber se a única mulher que amei estava
saudável e segura?
Como poderia suportar o fato de nem mesmo ter alguma ideia de que ela estava viva, porra?
Não demorei a escutar as passadas leves de Kate por trás de mim antes de ela se sentar ao meu
lado com algo dentre suas mãos o qual minha visão embaçada não foi capaz de identificar.
— Eu não devia entregar isso agora, mas com certeza não é certo fazer com que você espere
mais — a garota disse em um sussurro quase inaudível, e só então percebi que ela segurava uma
carta.
32 |
Com o mais sincero amor

JAMES MITCHELL

Caro James,
Sinceramente, não faço ideia de como começar essa carta. Ainda que eu saiba exatamente
que tenho que me despedir, não conheço um jeito certo de como o fazer, então peço desculpas caso
as palavras a seguir fiquem um pouco confusas. Bem, na verdade, tudo já deve estar muito confuso
agora mesmo.
Eu queria mais do que tudo ter tido a chance de conversar com você uma última vez, James.
Acredite, não poderia desejar mais algo do que te dizer adeus, mas não pude permitir isso a mim
mesma. Eu me conheço bem o suficiente para saber que eu não teria forças para te deixar assim
que eu te visse.
Então, sinto muito, mas essa carta vai ter que ser o suficiente para nós dois. Infelizmente,
por mais que seja difícil, tenho que me contentar com isso.
Primeiro de tudo, quero que você saiba que eu acredito em você, James. Não sei se isso é
correto ou não, mas me recuso a me convencer de que o que vivemos foi uma mentira.
Você esteve ao meu lado enquanto eu passava por tanto, enquanto eu sofria tanto, e você nem
pareceu hesitar antes de me ajudar com todas as dificuldades que tive de enfrentar nos últimos
meses, e é por isso que, de algum modo, ainda creio, com todo meu coração, que eu posso ter
significado tanto para você quanto você significou para mim. Mais do que isso, eu também
acredito que cada mínimo dia que estive com você, foi a coisa mais real que eu poderia ter
experimentado em toda minha vida.
Em todos esses momentos juntos, eu vi a sua dor, assim como você viu a minha. Eu presenciei
a sua euforia e tantas de suas risadas em momentos bons, e você presenciou o mesmo em mim,
principalmente pela maior parte desses sentimentos tão maravilhosos terem sido causados
justamente por você. Tudo que vivi apenas por sua causa foi intenso e foi vívido demais para ter
sido apenas parte de um plano, eu sei. Contudo, não pense nem por um segundo que chegar a essa
conclusão foi um processo fácil para mim.
Doeu, James. Apesar de estar certa de que o que vivemos não foi uma mentira, isso não
muda o fato de você ter mentido para mim. E foi essa sua decisão de me esconder tanto que me fez
duvidar de quem você era por dias torturantes até eu enfim conseguir manter minha mente limpa
para chegar a um raciocínio lógico, até eu me deixar aceitar a ajuda de Abby. Tive uma longa
conversa com Abigail, onde ela realmente me fez enxergar todos os lados do que vivemos, e é por
isso que afirmo com toda certeza do mundo que sua amiga foi essencial para que eu soubesse tudo
que sei agora, então também estou aqui para te pedir que a perdoe. Por favor, o faça por mim.
Considere esse pedido como um dos últimos que farei a você.
Céus, enquanto enxugava minhas lágrimas percebi que gastei tantas palavras para dizer tão
pouca coisa. Parece que vai ser impossível escrever tudo que eu quero que você saiba, então acho
melhor começar logo.
Eu quero te agradecer, James. Eu sou tão grata a você por ter me concedido esse tempo ao
seu lado. Apesar de tudo, eu não me arrependo de absolutamente nada.
Se eu pudesse voltar no tempo, escolheria te conhecer sem nem pensar duas vezes. Eu
escolheria ter todos esses momentos que passamos juntos novamente, escolheria sentir tudo o que
senti ao seu lado mais uma vez, mesmo que isso significasse que eu teria que passar por todo esse
sofrimento de novo. Eu ainda escolheria isso tudo com o maior sorriso existente. Aqueles
momentos foram simplesmente bons demais para que eu deixe que essa dor apague tudo. Eu
repasso e repasso cada segundo que tive ao seu lado em minha mente, e eu ainda consigo sorrir,
James, e é justamente por conseguir sorrir em meio a tanto caos que eu sei que fui absurdamente
feliz, então, obrigada, meu amor.
Você é o motivo de eu ser uma pessoa tão sortuda. Eu finalmente sei como é amar alguém
incondicionalmente, e quantas pessoas realmente podem dizer que já experimentaram tal infinito
em forma de sentimento? Quantas pessoas podem dizer que já amaram tanto alguém a ponto de só
esse sentimento bastar para sobreviver?
E, por último, obrigada por ter me feito renascer, James. Você me fez recuperar uma parte de
mim que havia sido perdida após a morte de minha mãe. Sobretudo, você me fez voltar a viver.
Nesses últimos meses, eu vivi a vida que nasci para viver, eu me senti completa com você, e,
caramba, eu daria tudo para continuar sentindo essa sensação de plenitude a qual só você é capaz
de provocar, mas Deus sabe que não posso.
Deus sabe que tenho muitos e muitos problemas, e eu preciso resolver isso, e sozinha. Você
me ajudou a reencontrar uma parte de mim, e agora eu preciso reencontrar a outra parte por mim
mesma.
Não pense que estou indo para longe somente por você, pois isso não é verdade. Tudo que
aconteceu entre nós me fez enxergar sim que eu não posso continuar vivendo apenas por uma
pessoa, apenas por você, mas há mais motivos por trás dessa escolha.
Eu preciso ter um tempo para processar todos os problemas que venho tentado esquecer. As
suas mentiras, a morte de minha mãe e, principalmente, todo o sofrimento que essa cidade me
causou. Eu preciso ir para longe de Luke, longe de meu pai. Não me entenda mal, eu não sinto
raiva alguma de Josh. Eu só preciso de um tempo para que toda essa dor de meu coração vá
embora, e preciso fazer isso longe de todos que uma vez já me fizeram mal. Eu preciso me tratar,
preciso tomar o controle de minha vida, algo que venho tentando fazer há tempos, James, e esse é
um fardo somente meu. Mesmo se eu tentasse esquecer tudo que você fez comigo e seguisse em
frente ao seu lado, isso não seria justo. Como nós teríamos um relacionamento saudável sendo que
eu mesma estou longe de estar saudável? Eu não posso deixar que minha felicidade dependa
unicamente de você, entende?
Então, mesmo que a mais pura e genuína tristeza corroa cada centímetro de meu corpo a
ponto de eu achar que não sairei viva dela, ainda assim sei que preciso fazer isso. Necessito de ir
para longe para a minha própria saúde mental e física, assim como para a saúde de todos ao meu
redor.
Por mais que seja difícil de até eu mesma acreditar nisso agora, eu vou ficar bem. Preciso
que você acredite nisso mesmo quando eu duvido, porque você, James, mais do que ninguém,
sempre acreditou em mim, e foi sempre isso que meu deu tanta força e energia para enfrentar
qualquer obstáculo à minha frente. Você deve crer que eu conseguirei superar toda essa bagunça
que há dentro de mim. Eu vou estar com familiares, então, não se preocupe quanto a isso e nem se
dê o trabalho de procurar por mim. Por mais que doa, e meu Deus, como eu sei que dói, nós temos
que nos separar. Se você realmente me ama como eu acho que ama, você tem que me deixar ir.
Você tem que deixar que eu deixe você ir.
Não importa quanto o tempo passe e quão grande a distância seja entre nós dois, eu sempre
te amarei. Um amor tão forte e tão árduo como o que eu sinto por você nunca morre e nunca
desaparece, a estranha ligação que eu já havia sentido por você desde a primeira vez em que te vi
nunca poderá vir a ser nada, e é por isso que, não importa o que aconteça, eu sei que você sempre
será a pessoa que eu nasci para amar de modo incondicional.
Não se esqueça, James, quando duas pessoas estão destinadas a ficar juntas, elas sempre
encontrão um jeito de voltar uma para a outra. Se realmente tivermos de ficar juntos, isso
acontecerá no tempo certo. Quando nós estivermos bem com nós mesmos e com todos à nossa
volta.
Seja feliz, James. Por favor, acredite em você mesmo. Você é a pessoa mais inteligente que já
conheci, e você é capaz de tudo, se assim quiser. Você, assim como eu, merece muito mais do que
esse mundo de drogas e sofrimento. Eu desejo do fundo do meu coração que você se dê a chance
de sonhar, de ter perspectivas para seu futuro, e desejo mais ainda que você tenha a oportunidade
de me contar sobre a trajetória que você traçará a partir de agora em um futuro próximo.
Shakespeare já dissera uma vez: "Jornadas terminam no encontro dos amantes".
Com o mais sincero amor,
Monique Price
E era isso.
Tão simples e ao mesmo tempo quase impossível.
Se eu realmente a amava, eu tinha que deixá-la ir.
33 |
Projetando ilusões

MONIQUE PRICE

4 anos depois

— De jeito nenhum! — apressei-me em dizer. — Esses quadros não vão.


— Ah, qual é, Monique?! — Liz insistiu. — Essas pinturas merecem ser apreciadas. Olha só
isso. — Ela retirou os quadros, um por um, da pilha bagunçada no chão de minha sala de pintura.
— Não dá mais tempo. A exposição já é hoje à noite, e você sabe — rebati com as primeiras
palavras que surgiram em minha mente.
— Mas é claro que dá.
Bufei.
Era exatamente em momentos como aquele que eu me perguntava se matar uma de minhas
melhores amigas me faria me sentir muito culpada.
— Tá legal, tive uma ideia — ela murmurou casualmente enquanto se jogava no pequeno sofá
do canto do cômodo. — Você me diz o verdadeiro motivo de não querer mostrar as obras, e então eu
te deixo em paz. — Seus olhos se estreitaram de imediato, e não precisei de mais para ter a completa
certeza de que Liz apenas estava fazendo o que fazia de melhor: vasculhando questões mais
profundas acerca de minha vida de um modo indireto, mesmo já tendo alguma ideia de que não
obteria uma resposta concreta.
Soltei o ar pesado pela boca e me obriguei a lançar uma olhadela nas pinturas agora
enfileiradas no chão.
Simplesmente não havia um jeito de explicar à Liz minha frustração acerca daquelas imagens.
Normalmente, eu pintava para tentar eternizar memórias numa tentativa de me sentir bem.
Contudo, eu não sentia exatamente algo bom em relação àqueles quadros específicos, afinal, eles só
me lembravam de que imagem alguma nunca poderia fazer jus àquelas lembranças mais intensas que
eu insistia em manter comigo mesma de modo tão vívido. No fundo, eu sabia que nada, nem mesmo
um pincel e algumas tintas, seriam capazes de recriar o que uma vez já havia vivido.
— Ah, Liz, elas só são sem graça demais — balbuciei por fim, sentando-me ao seu lado
enquanto desviava o olhar. — O que as pessoas podem achar demais em um céu estrelado ou em um
campo sem graça? — Elas não são capazes de ver os sentimentos por trás de cada
pincelada, acrescentei mentalmente.
— Ei, são todos lindos, Monique — retrucou, não muito satisfeita. — Não sei como você não é
capaz de ver isso.
— Não são, não — discordei, já me encolhendo no sofá na esperança de que Liz percebesse
que já estava na hora de encerrar o assunto.
— Essa é a última exposição antes de você se formar, Monique! — a garota soprou
impacientemente. — Já está mais do que na hora de você mostrar essas pinturas que vem escondendo
por todos esses anos.
— Caramba, Liz, eu só não quero. Deixa pra lá, ok?
— Meu Deus, não sei do que você tanto foge. — Ela revirou os olhos.
— Eu não fujo de nada — eu disse sinceramente, afinal, sabia muito bem que evitar falar de
algo que já superei por não querer sentir a dor da saudade não podia ser mais diferente do que querer
esquecer as partes dolorosas de certos aspectos.
E eu tinha isso em mente porque já havia anos que eu parara de querer fugir de meus problemas,
de ignorar o que me machucava para fantasiar que estava bem. Infelizmente, eu tive de aprender a
lidar com tudo que mais me feria interiormente da pior forma possível, mas hoje eu era grata por
isso, afinal, se não tivesse sido obrigada pelas circunstâncias mais dolorosas a enfrentar meus
próprios demônios, talvez eu estivesse vivendo em um manicômio nesse exato minuto.
Fora um processo longo para dissipar todas as mágoas mais profundas e involuntárias que
sentia em relação às pessoas à minha volta, às pessoas responsáveis por tais mágoas, mas então
finalmente aprendi que tinha de processar tudo o que havia me feito mal para enfim conseguir
perdoar de modo verdadeiramente genuíno. Eu tivera que reviver tudo que me fazia chorar por noites
e noites para conseguir sorrir autenticamente.
— Quem perde é você mesmo — Liz sibilou por fim, dando-se por vencida, e se colocou de pé.
— Tenho que ir para a aula. Me manda alguma mensagem se arranjar algum problema na exposição,
tá legal?
— Tudo bem. Obrigada, Liz — eu soprei, e ela me lançou uma piscadela antes de sumir do meu
campo de visão.
Não consegui evitar o sorriso que se esboçou dentre meus lábios assim que a porta por trás de
Liz bateu. Apesar de que realmente houvesse momentos os quais eu quisesse esquartejá-la em
pedacinhos, eu amava aquela garota com todo meu coração. Liz fora uma das primeiras amigas que
eu fizera assim que entrara na faculdade, e, desde então, éramos praticamente irmãs. Não éramos
quase nada parecidas, mas isso fora algo bom, pois me obrigara a sair completamente de minha zona
de conforto. Fora ela a responsável para que eu me divertisse sem peso algum na consciência pela
primeira vez desde que saíra de Healdsburg.
Healdsburg.
As lembranças de minha antiga cidade me vieram à mente automaticamente, e meu sorriso se
desfez no mesmo instante, algo que sempre acontecia quando meus pensamentos vagueavam no lugar.
Havia quatro anos que eu nem sequer pisava no lugar em que morara pelos meses mais
significativos de minha vida.
Quatro anos atrás, eu tivera que ser mais forte do que nunca para enfrentar o que estava à minha
espera.
E, sobretudo, há quatro anos, eu deixava quem eu mais amava para trás.
E, principalmente, havia quatro anos que eu não via ele e nem sequer escutava seu nome, e por
um medo irreal e inconsciente.
Quatro anos.
Um período que parece ser tão longo, mas na realidade, tão curto. Bem, ao menos, para mim.
Ou talvez eu fosse apenas uma psicopata por não deixar que memórias não fossem mais que
memórias por todo esse tempo, por permitir que as lembranças ainda fossem, de alguma forma, meus
desejos mais profundos.
Talvez.
Soltei um longo suspiro antes de sair da pequena sala, mantendo os olhos fixos à porta na
tentativa de não me deixar olhar uma outra vez para os quadros ao chão que nunca seriam pendurados
em parede alguma.
Deixei as recordações insistentes para a noite, mais especificamente antes de dormir, como o
usual, e então fui em direção à cozinha, já pegando meu celular de cima da mesa.
Havia muito o que certificar sobre a exposição que aconteceria horas mais tarde. Era a primeira
que faria sozinha, então tinha de duplicar minha atenção em praticamente tudo.
Quando estava prestes a verificar se as flores que eu tinha encomendado já haviam chegado no
salão da exposição, a ligação de Tyler pelo Skype surgiu na tela do celular.
— Espero que você já não esteja enlouquecida — meu irmão soprou em um bom humor assim
que apareceu com o cabelo todo desgrenhado.
— Só um pouquinho — eu disse, sem de fato saber se havia um fundo de sinceridade em minhas
palavras.
— Não se preocupe, sei que vai dar tudo certo. — Ele esboçou um sorriso acolhedor. — Sinto
muito por não poder estar aí.
— Tudo bem — balbuciei honestamente. — Sei que as coisas andam apertadas na faculdade
para você — acrescentei, sabendo que o garoto estava fazendo as últimas provas de seu também
último semestre da faculdade.
— Nem me fala. — Tyler não hesitou em revirar os olhos. — Deveria ir vender minha arte na
praia junto com você — disse em seguida, rindo da própria piada, e foi a minha vez de revirar os
olhos diante do deboche.
— Bem, não é você que já teve matérias publicadas sobre seu talento, não é? — retruquei,
soltando um risinho tão debochado quanto suas palavras enquanto me lembrava das matérias da
internet acerca de algumas de minhas obras.
— É, você me pegou. — Ele levou as mãos ao peito em um gesto dramático, sem conseguir
evitar as risadas ainda mais calorosas.
— Posso saber o que é tão engraçado? — Kate apareceu por trás de Tyler com um sorriso de
orelha a orelha.
— Sua amiga sendo uma completa esnobe — meu irmão respondeu antes de dar um rápido beijo
na garota.
— Seu namorado que me provocou — protestei, inocente.
— Meu Deus, quando vocês vão crescer? — ela questionou sarcasticamente, já mais séria. — E
então, já está tudo pronto para hoje? — indagou então, já mais séria, e se sentou ao lado do noivo.
— Quase tudo. Os quadros já estão todos posicionados, mas ainda falta alguns detalhes da
decoração e do buffet.
— Tem certeza de que não precisa de ajuda? Se eu sair daqui agora, ainda dá tempo de chegar
aí antes do horário marcado.
— Está tudo certo, Kate — tranquilizei-a. Por mais que realmente quisesse que minha amiga
estivesse ao meu lado hoje, eu sabia que ela levaria horas em uma viagem de carro até chegar até
aqui. — Já tá tudo praticamente pronto. Mas na próxima exposição, quero vocês aqui pelo menos um
dia antes.
— Combinado — ela soprou, animada. — Preciso mesmo de férias.
— Mas você começou o estágio hoje — eu disse o óbvio em uma careta.
— Ah, sério? Passou tão devagar — a garota retrucou em um falso pesar.
— Mas é claro. Formou na escola pra voltar pra escola de novo. É de se esperar que se canse
rapidamente — Tyler interveio, e Kate nem pestanejou antes de dar um peteleco em sua testa.
— É, mas eu quero dar aula na faculdade, não na escola.
— Olha, se serve de consolo, dar em escolas não deve ser muito diferente de dar aulas na
faculdade. Olha só o Tyler, por exemplo. Ele tem a idade mental de um garoto de treze anos —
murmurei, fingindo seriedade, e Kate soltou uma sonora risada.
— Que eu saiba, você ainda tem que cuidar de uma exposição por aí, Price — o garoto soprou,
estreitando os olhos.
— É, você tem razão — balbuciei enquanto me lembrava de meus compromissos. — E você
sabe onde Josh está? Ele não atendeu minhas ligações hoje cedo.
— Ah, ele mandou te avisar que foi pescar com alguns caras do fórum. Ele também te ligou à
noite, mas você não o atendeu.
Revirei os olhos, pois meu irmão parecia saber mais de nosso pai do que eu.
No fim, o mundo realmente dava voltas.
— Tudo bem. Depois arranjo um jeito de falar com ele. Preciso ir agora, ok?
— Boa sorte hoje — Tyler disse, voltando a sorrir.
— E não esquece de mandar fotos — Kate exigiu instantaneamente.
Soltei um riso nasalar antes de me despedir e encerrar a chamada.
Assim que a tela inicial do celular apareceu, a preocupação me domou por completo. Havia três
chamadas perdidas de Bryan, que estava me ajudando com as preparações para aquela noite. Ele,
junto a mim, estava no último período de artes plásticas de Stanford, mas era bem mais experiente
que eu se tratando de exposições.
Disquei seu número automaticamente enquanto prendia minha respiração.
— Caralho, Monique — Bryan soprou em um tom nada convidativo assim que me atendeu.
— Desculpa, desculpa. Eu estava em uma chamada com meu irmão, não vi suas ligações. O que
aconteceu?
— Teve uma pequena confusão com os responsáveis pelo buffet. Você lembra exatamente dos
detalhes do pedido?
Ah, não.
— Não, mas eu tenho anotado — respondi enquanto me levantava para procurar minha
caderneta que reservava para registros como esse.
— Acha aí e vem para cá. Você precisa ver a ordem dos quadros também — o garoto
murmurou, agitado.
— Ok — eu disse apressadamente e logo joguei o celular em cima do sofá.
Corri até meu quarto e então comecei a jogar todos os cadernos de minha escrivaninha de lado,
já aflita.
O desespero me invadiu por completo quando acabei de vasculhar as gavetas e não achei o fino
caderno.
Quando enfim desisti da escrivaninha, comecei a procurar em minhas mochilas e bolsas,
jogando todos os objetos que ali estavam no chão, e, após meu quarto já estar totalmente revirado,
fechei os olhos para tentar amenizar o início do pânico que se formava em meu interior. Era óbvio
que eu não acharia a maldita caderneta. Eu nunca achava absolutamente nada quando mais precisava.
Forcei-me a inspirar fundo enquanto tentava procurar por outra solução, e Liz logo me veio à
mente. Minha amiga provavelmente seria minha única outra solução, pois fora somente ela, além de
Bryan, que me ajudara com os detalhes do evento.
Talvez ela se lembrasse do pedido do buffet. Era minha chance.
Corri de volta à cozinha, vesti minha jaqueta de couro preferida que estava jogada na mesa e
peguei as chaves de meu carro enquanto já procurava pelo nome de minha amiga em meus contatos.
Quando cheguei ao fim das escadas de meu apartamento, a segunda chamada já havia sido
perdida, o que não deixava dúvidas de que a garota tinha entrado para a aula.
Depois do que pareceram mil anos, finalmente adentrei em meu carro, não hesitando em pisar
fundo no acelerador enquanto tomava rumo em direção ao campus.
Afundando os dedos no volante com uma força excessiva, tentei me lembrar de quais comidas
havia pedido, quais quantidades e para qual horário. E claro, em vão. Eu não fazia a mínima ideia,
afinal, estava obviamente mais preocupada com minhas obras do que com os outros detalhes
ridículos.
Bufei.
Na próxima exposição, eu certamente anotaria cada aspecto da organização em ao menos duas
cadernetas e em meu celular.
Isso se houvesse uma próxima exposição.
Assim que entrei no campus, estaciono meu carro na primeira vaga livre e desci em um pulo, já
me lançando em direção ao prédio que se encontrava do outro lado da praça central.
Enquanto dava passadas largas pelo gramado, peguei meu celular para tentar ligar para Liz
outra vez, mas, antes que eu sequer tivesse a chance de iniciar a chamada, esbarrei bruscamente em
alguém, e então o aparelho se espatifou no chão em um piscar de olhos.
Foi inevitável cerrar meus dentes com uma força excessiva enquanto observava o que uma vez
já fora meu celular, já sentindo lágrimas ameaçarem escapar de meus olhos.
— Caramba, desculpa. — Escutei uma voz masculina em um resmungo, mas não tive forças
suficientes para identificar seu dono e muito menos para respondê-lo.
Passei minhas mãos pelos meus olhos em um gesto irritadiço, pois sabia que, àquela altura,
chorar não me ajudaria em absolutamente nada.
Com minha visão um pouco mais nítida, observei um mapa e alguns papéis ao chão sendo
organizados pelo garoto em que esbarrei.
Me dei ao luxo de amaldiçoar o universo por uma fração de segundo.
— Me desculpa, eu não te vi — balbuciei com a voz falha enquanto me agachava para ajudá-lo
a reunir suas coisas.
— Não, tudo bem. Eu que estava com os olhos colados nessa coisa. — Seu dedo parou no
mapa, e logo vi que retratava todo o campus. — Eu posso pagar pelo celular — ele acrescentou
então, tranquilo, quando eu passei a analisar a tela completamente rachada do aparelho.
— Não precisa — eu respondi em um sussurro, e então me apressei a respirar mais
precisamente para retomar o controle de mim mesma. Eu ainda tinha de achar Liz o quanto antes, e
continuar me lamentando apenas seria tempo perdido.
O garoto se levantou assim que acabou de organizar seus objetos, e eu fiz o mesmo enquanto
segurava alguns papéis que consegui pegar antes de voarem.
— Foi mal mesmo, eu... — E, antes que eu conseguisse completar a frase, cada músculo de meu
corpo paralisou quando meus olhos se fixaram ao rosto do desconhecido. Ou nem tão desconhecido
assim.
Perdi todo o ar de meus pulmões quando, instintivamente, passei a analisar cada centímetro de
suas feições quase familiares enquanto imagens do passado me vinham à mente.
Engoli em seco diante da possibilidade de meu cérebro estar projetando ilusões.
Eu só podia estar louca. Era a única explicação plausível.
Estava em puro pânico com toda a pressão do evento que aconteceria em poucas horas, era
óbvio. Meu cérebro tinha entrado em uma espécie de curto circuito.
Pisquei os olhos repetidas vezes na tentativa de me tirar da fantasia que, de modo involuntário,
tinha criado, mas as expressões insistiam em esboçar o mesmo rosto esculpido.
Enfim estreitando os olhos, as feições ainda não se alteraram. Contraditoriamente, elas ficaram
ainda mais realistas do que antes.
Aquelas feições agora pareciam ainda mais parecidas com as que uma vez eu já vira em uma
foto. Aquelas mesmas expressões, ainda que mais maduras, continuavam a ser idênticas as que uma
vez já desenhei.
— Tudo bem? — A voz cautelosa do garoto me tirou de meu transe, e quis rir daquela pergunta
subitamente, mas meus músculos se recusavam a obedecer a quaisquer comandos de minha mente.
Era óbvio que eu não estava bem. Eu estava louca, caramba.
Meu olhar vagueou atrás do jovem garoto na esperança de encontrar outra coisa incomum ou
fora do lugar, algum vestígio de que eu estava sonhando, porém, segundos mais tarde, ainda não havia
localizado nada de estranho ou absurdo fora o que estava bem à minha frente.
Voltei a encarar suas expressões desordenadas, e só então me dei a primeira chance de acreditar
na possibilidade que ainda me parecia tão impossível.
— Ok, hum... Você não me parece nada bem — ele murmurou mais para si mesmo enquanto seus
olhos preocupados me analisavam. — Você quer que eu...
— Jack? — sussurrei na mesma fração de segundo que encontrei alguma força em meu interior
para verbalizar meus pensamentos insensatos. — Jack Mitchell?
O garoto então arqueou as sobrancelhas, parecendo quase surpreso, enquanto ele passava a me
fitar com uma certa incerteza.
Travei o maxilar ao considerar que agora não era só eu que me achava louca.
Esperei ele dizer que eu havia me enganado e que sentia muito para que enfim pudesse dar as
costas e voltar a cuidar dos preparativos de minha exposição, mas não foi isso que aconteceu.
Após os mais torturantes e longos instantes de minha vida, pude ver a desordem enfim se
dissipar por completo em suas íris quando o moreno me observou com uma precisão maior, uma
precisão quase intensa, e a partir daí foi inevitável me perguntar se eu realmente podia estar certa, se
aquilo, se ele podia ser de fato real.
E se Jack Mitchell realmente estivesse em minha frente, a poucos centímetros de distância?
E, principalmente, se fosse mesmo verdade, aquilo faria alguma diferença? Jack provavelmente
não fazia ideia de quem eu era e nem mesmo tinha alguma lembrança concreta de seu irmão.
Não soube exatamente se foi meu corpo reagindo a uma possível ameaça ou se foi o medo me
domando por inteiro, mas apenas girei os calcanhares e comecei a tomar rumo pelo caminho por
onde havia vindo de modo automático, sem sequer poder assimilar por completo o que eu fazia,
sentia ou pensava.
— É um prazer te conhecer, Monique. — Meu corpo travou por inteiro quando a voz firme de
Jack soou atrás de mim após não mais que um par de segundos.
E foi então que não tive mais nenhum vestígio de dúvida.
O irmão de James estava diante de mim.
34 |
Um sonho tão perfeito

MONIQUE PRICE

— Você realmente não está bem — Jack disse, ainda preocupado, enquanto eu me sentava no
primeiro banco da praça que encontrara.
— Só preciso de um segundo — eu murmurei, não sem um grande um esforço.
Forcei-me a me concentrar em minha respiração e a abaixar a cabeça, na tentativa de fazer o
sangue circular em meu maldito cérebro para que eu não desmaiasse bem ali, afinal, precisava fazer
todas as perguntas caóticas que se acumulavam cada vez mais em minha mente.
Quase ri por um segundo ao me lembrar que, até mesmo poucos minutos atrás, minha maior
preocupação era a comida de porcaria da exposição.
Passei minha mão instintivamente pelo bolso de minha calça jeans na procura de algo que me
acalmasse, porém, logo me lembrei de que havia deixado os cigarros em casa.
Merda de pressa.
— Como? — indaguei por fim, ainda com a voz falha. Simplesmente não podia mais me dar ao
luxo de recuperar todas minhas forças para ter as respostas que eu tanto parecia necessitar.
— Como o quê? — o garoto questionou com um certo tom cauteloso enquanto se sentava ao meu
lado.
— Como você sabe quem eu sou? — soprei o óbvio enquanto levantava a cabeça, mas, ao invés
de encontrar os olhos de Jack, pareci me deparar com as íris de alguém que uma vez já fora tão
próximo de mim.
— Isso não é tão óbvio?
Sim, era, mas isso não tornava a informação mais fácil de ser digerida.
Se Jack realmente me conhecia, ele havia se reencontrado com o irmão.
— Quando? — fiz a pergunta correta então, e observei o garoto ao meu lado inspirar fundo
diante de minhas palavras, como se estivesse se lembrando de algo.
— Na manhã do meu aniversário de dezoito anos — respondeu após um par de segundos,
fazendo com que eu arfasse instantaneamente.
Então era verdade.
E, mesmo que eu não tivesse recuperado toda minha racionalidade ou energia, fui capaz de
esboçar um breve sorriso.
Ele havia conseguido.
— Bem, foi há poucos meses — ele acrescentou quando eu fiquei em silêncio. — Mas estamos
bem próximos desde então. E, de uma certa forma, sempre estivemos. James e eu nunca nos
separamos de alma.
James.
Seu nome imediatamente provocou um arrepio em toda minha espinha em uma sensação estranha
e única, uma sensação da qual sentira saudades.
Podia jurar que, nesses quatro anos, não havia escutado aquele nome tão singular da boca de
absolutamente ninguém, nem mesmo da minha. No começo, todos apenas pareciam evitar falar sobre
ele, mas depois, acho que simplesmente haviam se esquecido. Todos, menos eu.
— Sabe, tenho pensado muito desde que encontrei James no que te diria assim que te
encontrasse.
— Assim que me encontrasse? — Pisquei um par de vezes, confusa.
— Sim — ele concordou, assentindo firmemente. — Sabe, não acho que o destino erre em uma
vez que seja.
Destino.
Perguntei-me se ainda acreditava tanto nisso quanto o fazia há quatro anos.
— Estranho, eu só pensei que teria mais tempo — Jack murmurou mais para si mesmo,
franzindo o cenho por um instante. — Bem, de todo jeito, quero te agradecer, Monique. Mesmo que
indiretamente, você me deu o melhor presente de aniversário que poderia ter ganhado.
Foi então que soube que não podia fazer ideia do que James havia ou não contado para o irmão.
— Então ele te contou que soube onde você estava por mim?
— Isso e outras coisas — ele respondeu de uma forma vaga, encarando-me com atenção.
De repente, tudo me pareceu irreal uma outra vez.
Parecia-me tão pouco provável a possibilidade de eu estar mesmo sentada ao lado de Jack, de
James ter contado alguma parte de nossa história para o irmão.
— Respire, Monique. Você está ficando pálida novamente.
E, pela calmaria que o olhar do moreno exalava, soube que James não havia exagerado em nada
sobre o que me contara do irmão.
Jack realmente parecia ser uma boa pessoa.
— Tudo isso é bizarro demais — balbuciei após alguns instantes, fechando os olhos para
recuperar parte de minha sanidade.
— Sim, é. — Ele soltou um risinho. — Acho melhor darmos um tempo.
— Como assim?
— E então, você estuda aqui? — Jack perguntou casualmente, e só então entendi o que quis
dizer.
Surpreendentemente, fiquei grata pela mudança ligeira de assunto, ainda que eu não planejasse
manter a conversa leve por muito tempo.
— Estudo. — Assenti enquanto olhava ao redor para me distrair por ao menos um pouco.
— Artes plásticas? — E, com aquelas palavras, não pude evitar virar o rosto em sua direção de
modo brusco.
No fim das contas, o que exatamente James havia dito sobre mim?
Ou melhor, quanto?
— Desculpa, não foi intencional. — Jack pareceu sem graça pela primeira vez em nossa
conversa totalmente estranha.
— Sim, eu faço artes plásticas — respondi, na tentativa de melhorar seu constrangimento por
ter dito demais. — Me formo no fim desse semestre.
— Logo antes de eu começar — ele soprou com um riso.
— Você vai estudar aqui? — questionei, quase atônita. Contudo, não me deixei ficar surpresa
por muito tempo, afinal, James sempre dissera como o irmão era inteligente, e Stanford era uma das
melhores faculdades da Califórnia.
— Vou. Vim conhecer a faculdade e fazer minha matrícula.
Soltei o ar pesado pela boca, recostando-me no banco enquanto um curto e confortável silêncio
recaía entre nós.
De fato, eu não estava sabendo lidar muito bem com o fato de estar confrontando tanto de meu
passado, e Jack parecia saber muito bem disso, afinal, esperava pelo meu tempo de modo paciente.
Até agora, eu não fazia ideia de onde ou como James estava. Nem sequer sabia se ele
continuava em Healdsburg ou se havia se formado, se havia saído da vida que não o merecia.
Era quase como se eu tivesse delongado esse momento por toda minha vida por puro medo de
descobrir o pior, de descobrir que, em quatro anos, James tinha sido capaz de seguir com sua vida,
de ter achado outra pessoa que o amasse quando eu nunca conseguira o fazer. Honestamente, me doía
um pouco saber que aquela possibilidade podia ser real, pois, no fundo, eu tinha em mente que eu
nunca poderia achar alguém que eu pudesse amar tanto quanto um dia amei aquele garoto de jaqueta
de couro, que eu nunca poderia ser atraída por outro alguém quanto o fui por ele. Após quatro anos,
eu ainda podia ter certeza disso, porque já havia tentado mais que consideraria ideal achar alguém
que preenchesse o vazio que James tinha deixado em minha vida, sem êxito. De algum modo, o amor
que eu havia sentido por ele sempre seria único e incomparável.
Mas, mesmo sabendo que o moreno sempre seria único para quem eu era, eu também sabia que
ele era passado. Agora, ele era apenas uma parte de quem eu havia me tornado, e, mesmo que ainda
doesse, eu tinha aprendido a lidar com isso. Tive anos para o fazer, tive anos para lidar com as
consequências de minhas escolhas, e estava em paz com isso.
Contudo, mesmo que James não fosse mais meu presente, foi inevitável não querer saber tudo
sobre ele, sobre sua vida atual, e foi por isso que enfim perguntei:
— Você sabe de tudo, Jack?
— Sobre o que aconteceu entre vocês? — ele indagou, e eu assenti. — Bem, sei que você foi
crucial para ele ter se tornado o que é hoje.
— E o que ele é?
— Isso você deveria perguntar a ele, não acha? — O garoto arqueou uma sobrancelha,
pegando-me completamente desprevenida.
— Eu não o vejo há quatro anos, Jack — eu disse o óbvio, sentindo um tremor horrível
percorrer todo meu corpo. — Talvez seja melhor deixar tudo como está. Tudo o que vivemos foi há
muito tempo — acrescentei, sem pensar muito. Era quase como eu estivesse sendo domada por um
medo interior e insensato de me deparar com o que uma vez já fora minha vida.
— Você sabe que isso não é verdade.
Engoli em seco involuntariamente.
— Eu sou passado na vida dele — insisti em um sussurro.
— Sim, é, mas isso não significa que James não queira saber como você está hoje. Sei que ele
realmente quer descobrir como anda sua vida agora, e, pelo jeito, você parece desejar exatamente o
mesmo.
De repente, eu já me encontrava sem ar por uma vez.
James podia mesmo querer saber sobre mim tanto quanto eu queria saber sobre ele?
— Seria muito estranho falar com ele por telefone, Jack — soprei enfim, ainda na defensiva, e
Jack esboçou expressões confusas.
— Telefone? — ele repetiu, franzindo o cenho. — Não, Monique. Você não me entendeu. James
está aqui.
E pela provável trigésima vez no dia, pensei que eu ia desmaiar.
Minha visão se escureceu subitamente, e tive de lembrar a mim mesma e expirar e inspirar
vagarosamente.
— Foi James que me trouxe até aqui. Estamos hospedados em um hotel aqui perto, e tenho
certeza de que ele está lá até agora.
Pensamentos inoportunos ocuparam minha mente, e diante do temor ainda maior, pensei
involuntariamente em ir para longe de Jack o mais rápido possível, mas logo fechei as pálpebras
abruptamente.
Eu não era mais essa pessoa que fugia do passado, que fugia dos problemas e da dor.
Sobretudo, eu não era mais a menina que vivia encolhida sob seus próprios fantasmas. Eu havia
passado muito tempo de minha vida lutando para me tornar alguém verdadeiramente forte, e era essa
pessoa que eu tinha de ser agora.
Eu precisava fazer isso por mim mesma.
— Você me empresta seu celular? — questionei em disparada, temerosa de voltar atrás da
decisão que havia tomado repentinamente.
— Claro — Jack respondeu sem nem hesitar antes de tirar o aparelho de seu bolso e me
entregar.
Disquei o número de Liz rapidamente, e então meus dedos se moveram agitadamente pelo
pequeno teclado.
Eu: Liz, é a Monique. Preciso q vc tome conta da exposição pra mim, ok? Eu tenho q fazer algo,
e tem q ser agora. Faça o que tiver de fazer e n deixe Bryan surtar.
Cerrei os dentes enquanto enviava a mensagem, e em seguida acumulei todas as forças
possíveis para pronunciar as palavras tão difíceis:
— Onde ele está?

Minha coragem começou a se esvair quando me dei conta de que aquela era certamente uma
péssima ideia.
Definitivamente, a pior de todas.
O que diabos eu estava pensando quando concordei em fazer isso?
O que eu poderia dizer assim que a porta à minha frente se abrisse?
E, no fim, qual seria a reação de James assim que me visse? Ele, assim como eu, não teria ideia
do que fazer, dizer ou pensar.
Quando o pânico invadiu cada centímetro de meu interior, cogitei em ir embora agora mesmo,
afinal, Jack nunca saberia onde me encontrar. Eles deveriam ir embora em poucos dias, e tudo então
voltaria a ser como antes. Seria mais simples caso eu optasse por fugir.
Entretanto, algo me impediu de girar os calcanhares e tomar rumo pelo caminho que tinha vindo.
No fundo, eu também desejava mais do que tudo saber se James estava feliz, se ele estava
vivendo seus sonhos, algo o qual uma vez tinha desejado em uma carta. Mais do que tudo, eu
precisava me dar a chance de ver parte de minha felicidade que havia escolhido deixar há tantos
anos.
Inspirei fundo antes de dar duas batidas rápidas na porta, e então meu corpo paralisou por
completo.
Não havia mais volta.
O medo, agora mais do que nunca, corroía cada um de meus ossos. Agora, mais do que nunca,
meu medo era real.
Antes, o reencontro meu e de James era apenas uma possibilidade, mas agora, ele era algo
iminente, o que tornava a situação completamente diferente.
Era aterrorizante.
Eu sabia que não estava preparada para ter tudo que eu havia deixado para trás voltando para
mim em um período de tempo tão curto. Eu não tinha me dado tempo suficiente para me preparar para
isso.
Involuntariamente, dei um passo para trás em pura hesitação.
Eu não tinha a mínima ideia de como poderia ficar frente a frente com o homem que mais havia
amado em toda minha vida sem surtar completamente. Eu precisava ir.
Contudo, infelizmente, não tive a chance de dar um terceiro passo, não quando a porta se abriu
de um modo tão torturantemente lento.
E, após cruciantes segundos, eu enfim tive a mais completa certeza de que nenhum tempo do
mundo poderia ter me preparado para o que surgiu a pouco menos de um metro de mim.
Meus joelhos ameaçaram ceder enquanto um turbilhão de pensamentos, sensações e sentimentos
tomavam conta de mim.
Imediatamente, eu não era mais uma garota de vinte e um anos com tantas responsabilidades
sobre minhas costas.
Agora, eu era simplesmente uma jovem de dezessete anos que estava diante do homem que
amava.
E, mesmo com toda a neblina caótica em que me encontrava, eu ainda podia ter a certeza de que
o que eu estava vivendo era real, de que cada segundo daquele dia era e fora real, afinal, nenhum
sonho meu nunca fora tão perfeito daquele modo.
Em meus sonhos, James nunca parecera tão ele mesmo quanto agora.
35 |
Perguntas e respostas

MONIQUE PRICE

Os segundos se confundiam com horas enquanto cada um de nós encarava o nosso próprio
passado, ambos com olhos assustados e incertos e sem forças suficientes para dizer algo.
Diante de James, minha mente era cada vez mais inundada por memórias que eu nem mesmo
sabia que tinha. Eram lembranças de pequenos momentos ao seu lado, detalhes que, com o passar dos
anos, eu havia me esquecido. Por um instante, perguntei-me como tinha sido capaz de esquecer cada
uma daquelas recordações que pareciam ser tão importantes para mim.
O garoto estava um pouco diferente. Suas feições estavam mais adultas e ele sustentava uma
barba por fazer. Seu porte também parecia um pouco maior, e, pelos braços expostos na camisa de
mangas curtas, era óbvio que seus músculos estavam ainda mais definidos do que antes. James estava
absurdamente lindo, bem mais do que eu me lembrava, se é que fosse possível.
Contudo, apesar de todo aquele efeito surtido após quatro anos, eu diria que James continuava a
ser exatamente o mesmo. Ele ainda era o mesmo garoto com quem passei os melhores meses de
minha vida, o mesmo garoto por quem me apaixonei, o mesmo garoto com quem tinha aceitado me
casar e o mesmo que deixara anos atrás. Sobretudo, parte de mim sentia como se ele ainda fosse
minha casa.
Um murmúrio inaudível de James finalmente me trouxe de volta à realidade, e então inspirei e
expirei o ar lentamente na tentativa de organizar os pensamentos caóticos em minha mente.
— Oi — obriguei-me a dizer por fim enquanto fazia um esforço excessivo para sorrir.
Surpreendentemente, eu não parecia tão nervosa quanto antes, o que fez com que eu também me
perguntasse se, após todo aquele tampo, James ainda realmente tinha um efeito calmante sobre mim.
Após alguns segundos, o garoto ainda permanecia em silêncio e me encarando de modo fixo,
fazendo com que eu voltasse a ficar um pouco incerta.
Involuntariamente, comecei a pensar na possibilidade de James estar pensando em algum jeito
de me expulsar de sua frente. Ou pior, na possibilidade de que ele estivesse formulando todos os
piores xingamentos guardados em sua mente.
— Eu sei que isso deve parecer meio estranho — continuei, mantendo meu olhar preso à rosa
de seu pescoço para não me perder em minhas próprias palavras diante de seu olhar tão intenso e
indecifrável. — Eu esbarrei com Jack no campus mais cedo e o reconheci. Conversamos um pouco, e
ele disse que seria uma boa ideia caso eu decidisse vir te ver.
Após acumular o restante de minha coragem, levantei meu olhar até seu rosto. Seus olhos
continuavam a analisar cada centímetro de meu rosto enquanto seu maxilar se encontrava fortemente
trincado. Também foi impossível ignorar sua respiração pesada.
A partir daí, tive enfim a certeza de que eu não devia ter vindo.
— Desculpa, acho que não foi uma boa ideia — sussurrei, quase que decepcionada.
Afinal, o que eu esperava?
— Eu acho melhor ir embora — eu disse então, voltando a fitar o chão enquanto dava um passo
para trás, mas sem energias suficientes para de fato dar as costas.
Era quase como se todos meus instintos gritassem para ficar, para insistir. Eles diziam para não
deixar o garoto que eu tanto amara mais uma vez.
Ignorei-os quando dei um segundo passo.
— Não. — O murmúrio rouco e tão arrebatador me impediu de mover mais qualquer um de
meus músculos, e quando subi o olhar, vi que James tinha avançado um passo para o corredor.
Ele estava ainda mais perto agora, e aproveitei a falta de distância para memorizar mais uma
vez aquelas íris esverdeadas tão vívidas e cada um de seus fios castanhos graciosamente
desgrenhados. Mais que tudo, fiz meu melhor para tentar manter minha sanidade estando a
centímetros de distância do homem pelo qual me sentia mais atraída em todo esse mundo.
— Desculpa — James soprou após longos instantes enquanto se forçava a se distanciar, e não
soube se devia ficar grata por isso ou simplesmente amaldiçoar o gesto. — Eu só... — Ele hesitou
então, penteando o cabelo com os dedos, deixando claro que aquilo ainda era um gesto habitual
diante de momentos difíceis. — Bem, é só que... eu não esperava.
— É, eu sei — balbuciei, sabendo exatamente o que o garoto queria dizer.
— Eu... — o moreno tentou continuar, mas, assim como eu, ele parecia estar se perdendo em
tantos pensamentos. — Cacete, eu nunca imaginaria que fosse te encontrar hoje... assim — murmurou,
quase perplexo, mas em seguida se obrigou a suavizar as expressões antes de dizer: — É muito bom
te ver, Monique.
Meu coração bombeou duas vezes mais sangue para cada parte de meu corpo diante daquelas
palavras que me pareciam tão firmes e sinceras.
— É bom te ver também, James — eu disse, sem conseguir manter minha voz tão firme quanto a
dele.
— Por favor, entra. — Ele saiu de frente da porta, e eu hesitei enquanto pensava se essa era
uma boa ideia.
No fim, me dei conta de que não tinha sentido rejeitar a oferta e muito menos ainda estar com
medo. Mesmo tento consciência disso, foi inevitável continuar ansiosa com toda a situação.
Quando finalmente adentrei ali, fiquei maravilhada com cada canto do local. O quarto era
genuinamente sofisticado, desde roupas de cama até o acabamento de paredes e chão. A vista da
grande janela também era de tirar o fôlego, certamente a segunda melhor vista com a qual já havia me
deparado.
— Lindo, né? — Escutei a voz de James por trás de mim, o tom grave causando arrepios em
minha espinha.
— Sim — respondi enquanto me virava, e logo percebi que o garoto não mantinha o olhar fixo à
janela como eu há poucos segundos. Seus olhos estavam vidrados em mim.
Mesmo após ter sido pego, o garoto continuou a me encarar de modo preciso enquanto se
recostava na parede, deslizando as mãos para os bolsos de sua calça.
— O que foi? — questionei por fim, e ele piscou um par de vezes, parecendo perceber que eu
tinha ficado um pouco sem jeito com o olhar intensivo e sem escrúpulos.
— Desculpe. Estava tentando separar a ilusão da realidade — ele soprou vagamente, dando de
ombros sem parecer realmente culpado.
Troquei o peso de uma perna para outra.
— Conseguiu?
— Na verdade, não sei ao certo — James disse, sincero, enquanto fechava os olhos por um
momento e esfregava a testa. — Faz realmente muito tempo.
E como.
— Eu sinto muito por aparecer assim, do nada. Pensando bem, acho que devia ter pedido para
Jack te avisar que eu viria.
— Honestamente, acho que não teria mudado muita coisa.
— Talvez teria te dado a chance de fugir antes. — Dei de ombros, tentando aliviar o clima,
ainda que a maior parte da tensão fosse proveniente de mim.
Apesar de James ainda parecer um pouco ansioso, ele já se encontrava relativamente mais
tranquilo. Consegui admitir a mim mesma que tinha sentido falta de seu jeito mais sereno diante de
momentos tão complexos como aquele.
— Não, eu nunca faria isso. — Ele soltou um riso nasalar, e tive de desviar o olhar para que
aquele sorriso não tirasse toda minha racionalidade.
Comecei a andar pelo quarto na falha tentativa de me distrair um pouco de sua presença a
poucos metros de mim.
— Você mora aqui? — ele questionou após poucos segundos, de modo casual.
— Sim. Faço faculdade aqui.
— Artes Plásticas? — indagou então, e quando meus olhos encontraram os seus outra vez,
deparei-me com esperança.
Assenti.
— Merda. Eu sabia — ele murmurou, sorrindo mais para si.
— Sabia? — balbuciei, arqueando as sobrancelhas.
— Imaginava — corrigiu, e me peguei perguntando silenciosamente a frequência com a qual ele
andou pensando em mim nos últimos anos. — Acho que temos muito que conversar, não é?
— É, acho que sim — concordei sem nem pensar duas vezes. — Primeira vez na cidade? —
questionei, e ele assentiu. — Então quer conversar enquanto caminhamos? Posso te levar a algum
lugar legal — eu soprei então, mascarando meu medo de ficar em um lugar fechado como esse quarto
com James, mas, assim que localizei uma mala arrumada ao lado do quarto, apressei-me em
acrescentar: — Isso se você tiver tempo, claro.
— Tudo bem, meu voo é só amanhã de manhã — ele respondeu, e me peguei aflita diante das
palavras por um segundo. — Quer ir agora?
O quanto antes.
— Se você puder — murmurei apenas.
James assentiu mais uma vez e caminhou até sua cama, pegando uma jaqueta de couro jogada
ali. Antes que ele a vestisse, percebi que, em seus braços, não havia mais tatuagem nova alguma, e eu
tinha certeza disso porque havia memorizado cada um de seus traços negros, um em sua costela em
especial. Um rápido rubor se espalhou por minhas bochechas quando o garoto percebeu que eu o
encarava, e desviei o olhar rapidamente.
Talvez para meu conforto, o moreno logo fingiu que não havia notado.
Saí para o corredor assim que James pegou suas chaves e carteira, pois eu já suava em puro
nervosismo por estar em um ambiente fechado com ele ao meu lado. Por mais que eu tentasse me
enganar diante da conversa casual, meu inconsciente sabia que aquela não era uma situação normal.
Nem de longe.
— E então, como você se encontrou com Jack? — ele questionou enquanto fechava a porta de
seu quarto, talvez para quebrar o gelo. Fiquei grata pela possível tentativa.
— Eu estava correndo pelo campus enquanto tentava ligar para alguém, daí acabei esbarrando
nele sem querer. Derrubei os papéis de sua matrícula e seu irmão quebrou meu celular.
James riu, e o gesto caloroso fez com que eu perdesse um pouco mais do controle sob o qual me
mantinha. Não havia dúvidas de que o garoto ainda exercia um efeito grande o suficiente em mim
para me deixar quase desequilibrada. Entrei em uma espécie de pânico quando adentramos no
elevador e a porta se fechou à nossa frente.
— Então você o reconheceu no mesmo segundo? — o moreno questionou em seguida, mas não
fui capaz de respondê-lo.
Pela sua proximidade excessiva, eu já não podia nem sequer respirar normalmente.
Merda.
— Monique? — Pela minha visão periférica, vi James virar o rosto em minha direção, porém,
não pude fazer nada além de lutar com todas minhas forças para conseguir me manter em pé.
James não demorou a parar logo à minha frente, a preocupação evidente em cada um de seus
traços. Trinquei o maxilar com uma força excessiva.
— Monique, o que aconteceu? — ele questionou, mantendo o olhar tenso em mim. Tive de
fechar as pálpebras enquanto lembranças de tantos momentos como aquele, de momentos em que
James parecia se preocupar verdadeiramente comigo, invadiram minha mente de uma só vez.
Quis pedir para que o garoto se afastasse, para que mantivesse o máximo de distância possível.
Contudo, ou por falta de coragem, ou por falta de domínio sobre mim mesma, não fui capaz de
expulsar as palavras de minha mente.
Esperei calada para que James percebesse o que estava errado, mas ele não o fez. Ao invés
disso, o garoto ergueu sua mão para tocar minha testa, e foi então que mostrei meu primeiro sinal de
vida.
Antes que eu pudesse sentir seu toque, dei um passo para trás de modo brusco, o que fez com
que ele recolhesse sua mão instantaneamente.
Felizmente, um par de segundos depois, a porta do elevador enfim se abriu, e, quando me dei
conta, já atravessava o longo saguão com os passos mais ágeis possíveis.
Somente pude respirar mais precisamente quando passei pela porta principal, e mantive meu
olhar fixo às arvores que cercavam o grande hotel na tentativa de tomar consciência de que o
ambiente agora era grande o suficiente para todas as questões não resolvidas entre mim e James.
James.
Porra, onde ele...
— Puta merda, Monique, enlouqueceu? — Escutei sua voz por trás de mim, e soltei um suspiro
em alívio quando me virei e o vi se aproximando.
— Desculpa — murmurei, envergonhada, quando ele parou a pouco mais de um metro de
distância, parecendo ter em mente que eu precisava de espaço.
— Porra, se você não quiser fazer isso, é só me falar. Eu vou entender — ele soprou então, e
sua voz se encontrava um pouco mais calma, ao contrário de suas expressões, que demonstravam uma
leve frustração.
— Não, não é por isso que... — comecei a dizer, mas não consegui terminar a frase. Afinal de
contas, o que eu tinha acabado de fazer?
— Então por que está fugindo de mim?
— Eu não estou fugindo de você.
— Então o que foi isso tudo?
— Eu... — Hesitei, sem ainda saber ao certo o que dizer ou o que pensar. — Cacete, eu não sei
o que me deu, ok? É só que isso — gesticulei com as mãos — que estamos fazendo é simplesmente
loucura. Quer dizer... — Esfreguei os olhos, à beira de uma histeria. — Nós estamos nos vendo pela
primeira vez em quatro anos, e eu não sei como isso é para você, mas para mim, ficar até mesmo tão
próxima de você, é difícil demais.
Soltei o ar pela boca, sabendo imediatamente que tinha falado demais.
— Merda, agora você deve estar me achando ainda mais maluca do que antes, não é? —
sussurrei após poucos instantes, derrotada.
— Não, Monique — James se apressou em responder. — Na real, eu meio que te entendo. Pra
caralho — acrescentou, forçando um sorriso, e fiquei grata por ele estar tentando me acalmar como
já fizera tantas e tantas vezes. — Vamos fazer o seguinte: eu mantenho ao menos um metro de
distância de você até que você se sinta confortável com toda essa... situação. Tudo bem para você?
Assenti, inspirando fundo mais uma vez.
— Está mais tranquila agora?
Bem, quase.
— Eu sei que é meio estranho, mas você tem um cigarro?
Imediatamente, James pareceu ter levado um murro de minhas palavras.
— Desde quando você fuma? — ele questionou, cético.
— Há quatro anos. E então, você tem? — insisti, e após um momento de confusão, James soltou
uma genuína risada que me fez perder o fôlego outra vez.
— Eu parei há quatro anos. — Ele deu de ombros enquanto parava ao meu lado, ainda
mantendo a distância combinada.
— Você realmente mudou — eu disse em um suspiro assim que começamos a andar pela
calçada.
— É você quem está pedindo um cigarro — ele retrucou como se fosse óbvio.
— Fumar me ajuda com o nervosismo — eu disse, na defensiva.
— Porra, nem me fale — o moreno balbuciou, pensativo. — No fim das contas, acho que nós
dois mudamos.
— Parece que sim — concordei enquanto me virava na esquina em direção à minha cafeteria
preferida da cidade. — Hum... Quer fazer uma coisa?
— Depende do quê. — James arqueou uma sobrancelha, e, por um momento, eu fiquei feliz por
ele parecer estar se esforçando para manter a circunstância em que nos encontrávamos o mais
confortável possível.
— Acho que cada um de nós podia fazer uma pergunta de cada vez para o outro. Assim vamos
saber melhor o quanto mudamos — expliquei, e o garoto fez uma ligeira careta, mas permaneceu em
silêncio. — Tudo bem, eu começo, então. Como foi o encontro de você e Jack?
James ficou um pouco relutante com a pergunta, mas enfim respondeu:
— Foi em seu aniversário de dezoito anos.
Assenti de imediato, lembrando das palavras de Jack.
— Não tem muito o que saber. — Ele dá de ombros.
— Não foi muito fácil, no começo. Quem me atendeu foi o seu pai adotivo, e então quando eu
expliquei quem era, ele não gostou muito da visita. Pelos papéis de adoção, ele já sabia sobre nosso
passado. Não o culpei por querer proteger Jack. O cara é mesmo um bom pai.
— E aí? — indaguei, curiosa.
— Conversamos por quase uma hora do lado de fora de sua casa. Eu disse que havia esperado
até que Jack fosse maior de idade justamente por não querer fazer nenhuma interferência inadequada
em sua vida, afinal, eu sabia que ele estava levando uma vida feliz.
— Como você sabia que ele era feliz lá, James? — questionei, sem conseguir evitar, e vi o
garoto ficar um pouco mais tenso com a pergunta.
— Sei que faz muito tempo, mas você se lembra de quando me entregou os papéis da adoção de
Jack? — soprou por fim, procurando por meus olhos.
— Claro que sim — respondi o óbvio.
— Eu conversei com ele naquele dia. Bem, eu o escutei, para falar a verdade.
— O que você quer dizer? — Franzi o cenho.
— Eu disse para você que ninguém havia atendido, mas não foi verdade. Jack me atendeu, e eu
soube imediatamente que ele estava bem sem mim. Meu irmão já havia se habituado em seu lar, isso
estava nítido até mesmo sem seu tom de voz. Me lembro claramente dele se referindo ao casal que o
adotara como “mãe” e “pai”. Não me senti no direito de tirar isso dele, de tirá-lo da família que o
merecia.
— Mas isso não significa que ele não sentia sua falta, James.
— Eu sei que não, mas, pela primeira vez, ele tinha uma família de verdade, entende? Eu
poderia esperar por ele. Eu poderia esperar que ele vivesse uma adolescência normal para enfim
procurar por ele — ele explicou calmamente.
— E por que você não me contou na época?
— Eu sabia que você tentaria me convencer do contrário. — Suas feições se contorceram em
puro pesar. — E, no final, você acabaria conseguindo, e eu não podia deixar que isso acontecesse.
Sinto muito.
Antes que eu pudesse intervir sobre a informação, obriguei-me a pensar um pouco mais sobre o
assunto.
Conhecia-me bem o suficiente para saber que eu realmente tentaria fazer com que James ao
menos visitasse Jack, mas, agora, também podia entender o ponto de vista de James. Talvez, se eu
fosse o garoto ao meu lado, também gostaria que minha família fosse feliz, mesmo que isso
significasse que eu tivesse de manter distância.
— Tudo bem — balbuciei por fim, soltando o ar pesado pela boca. — Fico feliz que, no final,
tudo tenha dado certo.
Nenhum de nós dois disse mais nada a partir daí. Ambos respeitamos o espaço um do outro,
afinal, ainda precisávamos de algum tempo frequente para assimilar tudo que estava acontecendo.
Após longos minutos perdidos em nossos próprios pensamentos, finalmente viramos a última
esquina antes do café, e então chegamos a um dos meus lugares preferidos da cidade.
— É aqui — eu disse após longos minutos, finalmente parando em frente à cafeteria na qual
passara grande parte dos últimos anos.
Assim que adentramos no local, o aroma viciante da cafeína adentrou em minhas narinas, e não
pude evitar sorrir diante do lugar tão familiar.
— Boa tarde, Larry — eu cumprimentei o dono do lugar quando me sentei à mesa arredondada
perto do balcão.
— O que você está fazendo aqui, garota? — O homem robusto imediatamente saiu de trás do
balcão e se aproximou. — Você não tem uma exposição pra organizar? — ele questionou, e James me
lançou um olhar confuso no mesmo instante.
— Larry, esse é James — apressei-me em apresentar o garoto, ignorando sua pergunta, e o
homem analisou o moreno por um par de segundos antes de esboçar um sorriso satisfeito.
— É, já estava na hora — murmurou então, arqueando as sobrancelhas. — Ela nunca trouxe
nenhum rapaz para conhecer o velho aqui — disse para James em seguida.
— Ah, ele não é meu namorado — intervim envergonhada, e Larry oscilou o olhar entre nós
dois, esperando por uma explicação.
— Ex-namorado. — James deu de ombros por fim, e fiquei grata por ele não ter mencionado o
quase noivado.
O homem ao meu lado fez uma cara feia instantânea enquanto se voltava para mim.
— Francamente, Monique, na próxima vez que for trazer um garoto, vê se traz um decente.
Arregalei os olhos.
— Meu Deus, Larry! James é decente — eu disse, constrangida.
— Não se a senhorita se separou dele — ele retrucou seriamente, semicerrando os olhos.
— Não é bem...
— Na verdade, acho que ele tem razão — James me cortou enquanto se recostava em sua
cadeira, e não tive ideia se ele estava apenas se divertindo ou falando sério. Talvez os dois.
— Tudo bem, eu vou querer o de sempre — apenas disse por fim, sem querer continuar com o
assunto anterior.
— Um café preto, por favor — o moreno pediu em seguida, e Larry se distanciou sem se dar ao
trabalho de dizer algo mais.
— Ele provavelmente vai cuspir em seu café — comentei após alguns segundos, sem saber se
estava brincando por completo.
— Não o culparia. — Ele soltou um riso nasalar enquanto desviava o olhar preocupado para o
balcão, como se estivesse temeroso da possibilidade de Larry tê-lo escutado. — Se conhecem daqui?
— Sim — respondi. — Eu frequento o lugar desde que comecei na faculdade.
— O café deve ser mesmo bom, então.
— Honestamente, acho que venho aqui mais por Larry. Ele é uma pessoa maravilhosa.
— Acho que ele pensa o mesmo de você — o garoto soprou sinceramente. — E o que ele disse
sobre uma exposição?
— Bem, é a minha exposição — expliquei, e James pareceu atônito por um par de segundos.
— Você está fazendo uma exposição? Hoje à noite?
— Não é nada de mais. — Desviei o olhar, um pouco envergonhada por nenhum motivo
específico.
— Parece muita coisa para mim — ele rebateu sério. — Você realmente conquistou tudo que
queria, não é?
No fundo, eu sabia que aquilo não era verdade. Contudo, não me deixei dizer nada acerca disso.
— Sabe, eu estou mesmo orgulhoso de você, Monique. Mais até do que você possa imaginar.
Fiquei grata quando Larry chegou com nossos pedidos, pois não saberia exatamente como
responder as palavras tão sinceras do garoto à minha frente. Estava afetada o suficiente para o fazer.
O dono da cafeteria me entregou um capuccino e colocou o café de James na mesa com uma
força desnecessária. Ele ainda estava nitidamente irritado.
— Acho que agora é minha vez — murmurei quando o homem se distanciou, e James fez uma
careta.
— O quê? Eu ainda não fiz minha pergunta — ele protestou, nada satisfeito.
— Você me perguntou sobre a exposição. Cada um tem direito a uma pergunta por vez —
ponderei o óbvio, segurando o riso.
O moreno ainda não estava muito feliz, mas se deu por vencido por fim.
Imediatamente, comecei a repassar tudo que mais desejava saber sobre James em minha mente,
mas, de todas as perguntas que me faziam perder o sono tantas e tantas vezes, parecia ser impossível
escolher uma só. Portanto, logo me obriguei a escolher a pergunta que mais temia:
— Você saiu de Healdsburg?
Cerrei os dentes na espera da resposta de James, mas, ao invés disso, tudo que recebi foi uma
sonora gargalhada.
— Me responde, James — resmunguei, ansiosa, após alguns segundos enquanto ele continuava a
rir.
— Eu sairia de lá nem que fosse morto, Monique — ele respondeu como se fosse óbvio. — Eu
fui embora assim que me formei no colegial.
E, naquela mesma fração de segundo, uma onda de puro alívio percorreu cada pequeno
centímetro de meu corpo.
A sensação de saber que James não estava mais cercado por todas aquelas drogas e brigas foi
quase extasiante.
— E para onde você foi? — As palavras saíram rapidamente.
— Pensei que cada um tivesse direito a uma pergunta por vez — ele soprou, arqueando as
sobrancelhas, e eu forcei uma carranca. — Eu fui para faculdade, Monique — cedeu então, como se
ainda estivesse acostumado com minha teimosia.
— Faculdade? — repeti, piscando um par de vezes enquanto assimilava a informação
exultante. — Qual faculdade?
— Minha vez. — Ele balançou a cabeça negativamente. — Para onde você foi depois de sair de
Healdsburg?
— Para a cidade de minha mãe — respondi, apressada. — Fui morar com minha tia. Como
faltavam poucos meses para me formar, eu não teria de ficar muito tempo com ela, então ela não se
opôs.
— Você nunca me falou dela — James disse enquanto dava um gole em seu café.
— Você também nunca me falou sobre muitas coisas — rebati, sem pensar muito, mas me
arrependi de minhas palavras imediatamente quando algo similar a dor se espalhou por suas feições.
— E então, qual faculdade? — questionei em seguida, afobada tanto para desviar do assunto quanto
para de fato ter a resposta para minha pergunta.
— Engenharia Mecânica. — Ele deu de ombros. — Nunca tive um sonho de curso como você,
pois nunca realmente achei que poderia ir para faculdade. Mas, no fim, essa foi uma boa escolha,
ainda que de última hora. Sempre gostei de consertar coisas.
E então foi a minha vez de ficar orgulhosa.
— É, eu me lembro bem do Mustang.
— Ainda é Freddie — retrucou, forçando seriedade.
— Freddie — corrigi, sem conter o riso. — Fico feliz por você, James. Sempre soube que você
era capaz.
— Obrigado. — Seu olhar transpareceu um misto de sinceridade e real gratidão. — Acho que é
minha vez agora.
— É, acho que sim.
— Por que você não está cuidando da exposição?
— Porque estou com você — eu disse o óbvio.
— Você esperou quatro anos para estar comigo, Monique, então por que não pôde esperar
somente mais algumas horas até que a exposição acabasse? — ele insistiu, mais sério, e um arrepio
súbito se alastrou por toda extensão de minha pele.
— Porque isso é mais importante, James — sussurrei enquanto passava a fitar a mesa. — Eu
não conseguiria fazer outra coisa sabendo que você estava tão perto de mim assim.
— Desculpe, só é meio confuso — ele murmurou, parecendo mesmo querer entender a situação.
— Se é tão importante para você me ver, por que esperar tanto tempo? Nós poderíamos ter pelo
menos conversado há muito tempo, se você assim quisesse.
— Não é tão simples...
— Por favor, me deixe continuar. — O garoto fez um gesto calmo com a mão para que eu o
deixasse falar. — Eu realmente entendo você ter ido embora, mas nem sequer me ligar para dizer
como estava? Sinto muito, mas isso eu não consigo entender.
E, pela primeira vez desde que havíamos nos encontrado, senti que estávamos sendo
verdadeiramente diretos um com o outro. James, pela primeira vez, me dizia o que estava na parte
mais profunda de sua mente.
— Eu deixei bem claro na carta que isso não aconteceria, James.
— Não, você não deixou — retrucou, e, mesmo que ainda mantivesse o tom de voz ameno, pude
ver que ele estava mesmo frustrado. — Você disse que estava indo embora, mas não disse por quanto
tempo, nunca especificou se voltaria ou para onde iria. Você me deixou no escuro, Monique.
— O que você esperava depois de tudo o que aconteceu entre nós, James?
— Depois de tudo que aconteceu entre nós, tudo que eu fiz por você e você fez por mim, eu
esperava por uma despedida melhor do que uma simples carta, onde eu não tive opção nenhuma de
fazer algo senão aceitar as únicas informações escassas que você deixou para mim — respondeu,
penteando o cabelo com os dedos. — Pelo amor de Deus, eu passei muito tempo preocupado com
você. Eu não fazia ideia de onde você estava, como estava. Você tem alguma ideia do que passei, das
coisas que se passaram pela minha cabeça naquele ano?
Perdi parte de meu ar diante daquelas palavras tão sinceras e sentidas, e, por um momento, me
perguntei quando aquilo tinha virado uma discussão.
— Porra, eu pensei que você tivesse morrido, Monique.
— O quê? Por quê?
— Por que você acha?
As palmas de minhas mãos começaram a suar no mesmo segundo em que me dei conta do que
ele falava.
— Eu nunca faria o que minha mãe fez — eu disse o óbvio.
— E como eu poderia ter tanta certeza disso? Eu não fazia ideia de quem estava ao seu lado
para cuidar de você.
A mágoa implícita em sua voz também me machucou. Doeu ver que eu não havia causado tanto
sofrimento somente a mim mesma ao decidir partir.
— O ponto em que eu quero chegar é que eu realmente te amei, Monique, e não foi nada fácil
para mim ser obrigado a deixar você partir, principalmente quando se era um tiro no escuro. Uma
ligação teria bastado para fazer com que eu seguisse com minha vida mais facilmente.
Amei.
No passado.
Não devia ser assim, mas as palavras me atingiram como um tiro.
Afinal, o que eu esperava?
— Eu não planejava voltar, não na época — obriguei-me a explicar após angustiantes segundos,
juntando toda minha coragem para olhá-lo nos olhos. — Eu tinha que cuidar de mim mesma, e achei
que cortar o que quer nós tivemos de uma só vez seria mais fácil para nós dois. Não acho que você
vá conseguir entender, mas, por mais que uma despedida por uma carta não tenha sido mais fácil para
você, foi para mim. Eu estava machucada, James. Doía amar a pessoa pela qual eu tanto tinha sido
ferida, e sequer escutar sua voz apenas serviria para aumentar meu sofrimento diante desse paradoxo.
Eu somente fiquei bem o suficiente para me sentir capaz de falar com você muito tempo depois, mas
aí parecia ser tarde demais.
— Não era. Nunca poderia ter sido tarde demais — ele sussurrou sem parecer pensar muito, e
ambos nos perdemos um no olhar doloroso do outro.
Não estava muito longe de começar a chorar quando um toque de celular nos interrompeu.
Desviei minha atenção do garoto quando ele retirou o aparelho do bolso de sua calça e fechei
os olhos por alguns segundos para recuperar a minha capacidade de sequer raciocinar precisamente.
— Alô? — James soprou com a voz rouca enquanto esfregava uma têmpora com a mão livre. —
Sim — murmurou após um instante e logo ergueu o celular em minha direção. — Para você.
Franzi o cenho, confusa, mas peguei o celular, evitando contato direto com seus dedos.
— Vou pagar a conta — ele anunciou antes de se levantar e se distanciar.
— Quem é? — questionei assim que levei o aparelho ao ouvido, e percebi que minha voz ainda
se encontrava fraca.
— Onde raios você está? — Imediatamente reconheci a voz de Bryan.
— Como descobriu esse número? — indaguei, ignorando sua pergunta, e pude escutar o suspiro
impaciente do garoto através da linha.
— Liz ligou para o número que você mandou aquela mensagem — respondeu simplesmente. —
Você sabe que tem que aparecer na sua própria exposição, certo?
— É claro que eu sei, Bryan.
— Pois não é o que parece. Você nem sequer viu como está tudo aqui. Essa é a sua exposição,
Monique.
— Bryan, me desculpa, mesmo, mas o que estou fazendo é mais importante. Tudo que você e Liz
decidirem, está perfeito. Eu vou estar aí antes do horário previsto para o início do evento, prometo.
Tenho que ir agora. Sinto muito.
Encerrei a chamada antes que Bryan tivesse a chance de protestar.
Fiquei com algum peso na consciência por um instante por entregar minhas responsabilidades
para meus amigos, mas ainda sabia que eu não tinha outra saída. Eu nunca poderia deixar James em
segundo plano.
Levantei-me e segui em direção ao caixa da cafeteria, mas me detive assim que localizei James
e Larry em um diálogo que me parecia ser sério. Não precisei de muito para saber que aquela
proximidade não se devia à conta.
Comecei a caminhar até eles com o máximo de rapidez que consegui, afinal, provavelmente
seria melhor para mim que aquela conversa terminasse o quanto antes.
Larry não precisou de muito tempo para notar minha presença. O homem logo se calou quando o
fez e pegou o troco de James.
— Tudo bem aqui? — perguntei assim que me aproximei, entregando o celular para James.
— Sim, sim — Larry respondeu de modo apressado, sem me olhar nos olhos. — Aqui. — Ele
entregou o dinheiro para o garoto ao meu lado antes de se virar para mim. — E espero que dê tudo
certo hoje, Monique.
— Eu também — balbuciei sinceramente, mas não soube ao certo se eu estava mesmo me
referindo à exposição.
— Obrigado, Larry — James soprou, e me perguntei se ele estava agradecendo somente pelo
troco. Não pude chegar a uma conclusão concreta. — Podemos ir? — O garoto logo desviou sua
atenção para mim, nitidamente mais tranquilo.
Assenti antes de me despedir de Larry e segui-lo para fora da cafeteria.
— Me desculpa — James disse poucos segundos mais tarde enquanto abria a porta para que eu
saísse primeiro. — Não fui muito gentil lá dentro.
Sua aparente sinceridade fez meu coração se apertar no peito.
— Você só disse o que pensava. Não te culpo por isso — eu rebati enquanto começávamos a
caminhar.
— Não, não foi certo. Nós não nos vemos há tanto tempo, e quando enfim temos uma chance de
conversar, eu não hesito em começar uma briga.
— Bem, paciência nunca foi um de seus pontos mais fortes — eu murmurei em mais uma
tentativa de aliviar o clima.
Uma agitação percorreu meu interior quando ele soltou um breve riso.
— É, acho que não. — Deu de ombros. — Podemos continuar com as perguntas? — indagou em
seguida, nitidamente tentando voltar para o diálogo mais leve.
— Acho que me esqueci de quem é a vez agora.
— Pode começar novamente. Você merece por aturar minha completa babaquice.
— Tudo bem — murmurei, ainda que não tivesse concordado com suas últimas palavras. James
provavelmente não agia como um babaca desde a primeira semana em que havíamos nos conhecido.
Vagueei com o olhar enquanto pensava no que poderia perguntar agora, mas minhas opções
eram limitadas. Não queria questionamento algum que nos auxiliasse de volta à pequena discussão de
momentos atrás, então não poderia escolher nada muito carregado.
— E então, como eu estou? — indaguei por fim, e ele franziu o cenho em minha direção.
— O que quer dizer, Monique?
— Você sabe, nós falamos sobre tantas coisas que mudaram em nossas vidas, mas não dizemos
um ao outro como mudamos fisicamente.
— Ah. — Os cantos de sua boca se ergueram em diversão enquanto ele passava a me olhar de
cima a baixo.
De repente, não soube se aquela havia sido uma pergunta apropriada a se fazer, afinal, me senti
verdadeiramente exposta aos seus olhos. Estava desacostumada com a sensação.
— Na verdade, não acho que você tenha mudado muita coisa — ele respondeu enfim, voltando
a olhar em meus olhos com o que pareceu um esforço excessivo.
— Não?
— Não. — O garoto soltou um riso nasalar.
— Não foi uma resposta tão específica.
— É isso que você quer? Uma resposta específica? — Ele arqueou as sobrancelhas, e eu passei
a hesitar com a seriedade um pouco maior que suas feições passaram a sustentar.
Contudo, apesar do medo repentino, não neguei, e James pareceu notar que, ao ficar em
silêncio, eu estava consentindo.
O garoto continuava a caminhar quando disse:
— Você ainda tem um olhar fascinante e um corpo de tirar o fôlego, Monique. E seus cabelos
ainda pedem para ser tocados. E seus lábios... Bem, não acho que eu tenha mais permissão para falar
sobre eles.
Vestígios de seu sorriso sumiram quando seus olhos encontraram os meus de um modo mais
arrebatador do que qualquer momento anterior.
— Você ainda continua linda. Mais do que antes, se é que é possível.
As borboletas em meu estômago, que há muito tempo haviam morrido, pareceram se ressuscitar
naquele mesmo instante, ficando mais fortes e eufóricas do que nunca.
Engoli em seco enquanto começava a sentir faíscas abstratas correrem por todos meus vasos
sanguíneos.
— Minha vez — James anunciou após poucos segundos enquanto desviava o olhar, sem parecer
se dar conta do efeito que suas palavras exerceram sobre mim. — As coisas entre você e seu pai
melhoraram?
A pergunta me pega de surpresa por um momento, fazendo com que eu tomasse parte da
racionalidade que havia se perdido há poucos minutos.
— Se for pessoal demais, não precisa responder.
— Não, tudo bem — eu disse rapidamente. — Eu e Josh quase temos uma relação normal
agora. Eu precisei de algum tempo para o perdoar totalmente, e ter ido embora de Healdsburg na
época foi algo fundamental para isso, entende? Quer dizer, eu precisava de espaço para respirar e
para processar tudo, e eu não estava lidando bem em viver sob o mesmo teto de meu pai com tantas
feridas abertas depois que minha mãe morreu — expliquei, e James assentiu enquanto assimilava o
que eu dizia. — Hoje em dia, Josh sempre me visita quando pode. E também conversamos por
ligação quase todos os dias, assim como Tyler e Josh.
— Caramba, isso é bom, Monique. Muito bom.
— Sim, é — concordei, esboçando um sorriso satisfeito;
— Sua vez agora — o garoto avisou em seguida, e, mais uma vez, pensei em minha pergunta.
Correndo o olhar por tudo à nossa volta enquanto estava perdida em meus pensamentos, logo
notei que não faltava muito para o sol se pôr, o que me causou uma dor quase que psicológica.
— Você gostaria de ir para meu apartamento? — indaguei sem pensar muito, e, quando ele me
lançou um olhar confuso, apressei-me em explicar: — É que eu preciso me arrumar para a exposição,
mas não quero me despedir de você.
James hesitou por um momento.
— Tem certeza?
Arqueei as sobrancelhas.
— Por que não teria?
— Honestamente, não quero causar problemas para você. Se você fosse... hum... Bem, se você
ainda fosse minha namorada, eu certamente não gostaria muito de saber que você levou outro cara
para seu apartamento sem me dizer nada. — James então travou o maxilar, parecendo um pouco
frustrado, e eu pisquei algumas vezes enquanto tentava entender o que ele queria dizer.
— Eu não tenho namorado — balbuciei por fim, ainda um pouco confusa, e o garoto franziu o
cenho.
— O cara do telefone...
— Ah — soprei, parando de andar. — Bryan é meu amigo. Ele está cuidando da exposição para
mim.
James também parou de andar imediatamente, procurando por meus olhos, e em seguida pude
ver a tensão em sua postura se dissipando aos poucos.
— Bem, se estiver tudo bem então, eu realmente gostaria de ir com você.
Ignorei o calor que passou a me consumir de dentro para fora.
Não consegui dizer mais nada. Apenas fui para a beirada da calçada para conseguir um táxi.
Após alguns minutos, quando por fim conseguimos um, adentramos no automóvel em silêncio e
nos sentamos nos lados opostos. Dei meu endereço ao motorista e então abri a janela do carro, pois
ainda sentia como se eu fosse desmaiar estando tão próxima ao moreno.
— Acho que ainda é a minha vez — murmurei, e James negou com a cabeça subitamente.
— De jeito nenhum. Você me perguntou se eu gostaria de ir para o seu apartamento, então agora
é a minha vez.
— O quê? — sibilei, segurando um riso involuntário. — Isso não conta.
— Kate e Tyler ainda estão juntos? — ele questionou, sem ligar nem por um segundo para meu
protesto.
— Eu não vou responder.
— Acontece que eu só vou responder sua próxima pergunta quando eu tiver a minha resposta.
Revirei os olhos, mas não pude conter o ligeiro sorriso que se esboçou dentre meus lábios.
Também tinha sentido falta daquelas pequenas desavenças.
— Você continua sendo o mesmo idiota, não é? — cedi, fazendo com que ele risse por um
segundo. — Sim, Tyler e Kate ainda estão juntos. Eles fazem faculdade no mesmo lugar e morar
juntos agora.
— Então...
— Como Jack sabe quem eu sou? — eu o cortei antes que ele fizesse mais alguma pergunta.
— Eu contei a ele sobre você, Monique.
— Mas ele me reconheceu. Como?
— Ah. — O garoto finalmente entendeu a pergunta por completo. — Eu ainda tenho algumas
fotos nossas e outras somente suas, tiradas quando você não estava olhando.
— Você tem mesmo fotos minhas? — questionei inevitavelmente, lutando para recuperar o ar.
— Sim, claro. — Deu de ombros, tranquilo. — Eu normalmente transfiro todos meus arquivos
para Pen Drives e aí os guardo. Jack ficou curioso para saber como você era, então fez com que eu
achasse algumas de suas fotos.
Nenhum de nós dois disse mais nada. Apenas nos contentamos em ficar em silêncio mais uma
vez.
Eu estava um pouco melhor. Sentia-me um pouco mais confortável com James, pois, a cada
segundo que eu passava ao seu lado, mais detalhes familiares de si eu encontrava. Aquele garoto
ainda continha uma certa instabilidade, ainda não se preocupava tanto em dizer o que pensava.
Também ainda havia uma espécie de casualidade exalando em cada um de seus gestos e também
alguma preocupação implícita em cada palavra que ele dirigia a mim.
Contudo, apesar de estar mais à vontade por James ser o mesmo, um sentimento desagradável
continuava a me dar náuseas angustiantes. Perguntava-me se aquilo se devia ao fato de o garoto não
ser mais meu.
— Chegamos. — A voz do motorista me trouxe de volta à realidade, e percebi que já estávamos
parados em frente ao prédio em que eu morava.
Peguei algumas notas em meu bolso agilmente e as entreguei para o homem, não dando a chance
de James retirar sua carteira.
— Bonito — o moreno balbuciou assim que paramos lado a lado na calçada, analisando o local
diante de nós.
Soltei uma resposta em concordância antes de seguir para seu interior. James me seguiu em
silêncio e assim continuou quando eu optei pelas escadas ao invés do elevador.
Chegamos ao terceiro andar em questão de poucos minutos e logo adentramos em meu pequeno
apartamento.
James correu o olhar por cada centímetro de minha sala enquanto eu fechava a porta, e então o
vi sorrir.
— O que foi? — perguntei, e ele deu de ombros.
— Seu quarto na casa de Josh não parecia ser realmente seu, mas, esse apartamento... Isso sim
parece seu.
Também analisei o local.
James não estava errado. Meu apartamento havia quadros e também havia cores, ao contrário de
meu quarto antigo, onde não havia feito questão de sequer decorar.
Talvez, no fundo, eu sempre soubesse que não poderia durar muito tempo em Healdsburg. Ao
menos, não na época.
— Então, você enfim se sente em um lar? — ele questionou, mais sério, e eu pensei um pouco
sobre a pergunta.
— Acho que não — eu respondi, e foi estranho como aquelas palavras saíram de modo tão
automático. — Faz algum tempo que eu não me sinto tendo um lar.
— Desde que teve de sair da casa em que você e sua mãe moravam? — Arqueou as
sobrancelhas, confuso.
Surpreendentemente, também não senti que a casa de minha mãe havia sido meu lar.
Soltei o ar pela boca quando me dei conta de qual tinha sido a última vez que eu tinha estado em
casa.
— Não, a casa da minha mãe não foi meu último lar — sussurrei por fim, pois James ainda
esperava por uma resposta.
— Qual foi seu último lar então, Monique?
— Não qual, e sim quem.
Não precisei nem de um segundo para saber que eu tinha falado demais. Fechei os olhos
abruptamente enquanto minhas bochechas ruborizavam, perguntando-me o que havia me dado para
expulsar as palavras de minha mente.
— Eu preciso trocar de roupa, ok? Volto daqui alguns minutos. Você pode pegar qualquer coisa
na geladeira, se estiver com fome — soprei após poucos instantes, mas sem de fato olhar para o
garoto. Não queria saber se ele tinha visto os sentimentos por trás da minha resposta.
Sem esperar por uma resposta, segui para meu quarto, e, uma vez dentro, não hesitei em correr
para abrir minha janela.
Simples assim, eu não estava mais tão à vontade. Pelo contrário, eu estava ficando cada vez
mais louca com a mudança de sentimentos paradoxais que eu experimentava desde aquela manhã.
E era por esse caos pelo que passava que eu sabia que, diferentemente do que pensara por todos
os últimos quatro anos, James não era apenas passado. De algum modo, eu sempre nutriria
sentimentos por aquele garoto e ele sempre afetaria forte e imutavelmente minha vida nos mais
diferentes aspectos, e era por isso que James Mitchell também era meu presente e meu futuro.
Forcei-me a inspirar fundo, tentando colocar ordem em mim mesma, a mesma ordem que já
havia perdido tantas e tantas vezes ao longo do dia.
Tentei manter minha mente vazia enquanto retirava um vestido branco que havia separado em
meu guarda-roupa. Analisei a peça por um instante, que era requintada não somente para um evento
importante para minha carreira, mas também para o dia que poderia mudar drasticamente os dias que
esperavam por mim.
Ao contrário dos quatro anos anteriores, talvez, a partir de hoje, eu enfim poderia seguir em
frente por completo, pois saberia que James enfim vivia a vida que merecia. A partir de hoje, talvez
eu enfim daria fim à história inacabada entre nós dois por finalmente ter a chance de me despedir do
garoto apropriadamente.
Por que isso não fazia com que eu me sentisse melhor?
Não demorei a retirar a roupa de meu corpo, pois sabia que não tinha muito tempo a perder,
afinal, o voo de James já seria amanhã, e, mesmo que fosse difícil, eu ainda queria aproveitar cada
segundo possível ao seu lado.
Quando minha roupa se encontrou fora do meu corpo, peguei-me observando meu corpo seminu
em frente ao meu espelho enquanto me perguntava se eu realmente podia não ter mudado muito ao
longo dos anos como o moreno alegara. Mais do que tudo, também queria saber se estava tão
diferente da garota que ele amara há algum tempo.
Sem conseguir chegar a alguma resposta, vagueei com o olhar involuntariamente, o que não
durou por mais que uma fração de segundo, pois meus olhos logo encontraram algo incomum.
Senti o ritmo de meu coração se acelerar brutalmente quando, pelo reflexo do espelho, vi James
tão paralisado quanto eu a pouco mais de um metro da porta entreaberta, os olhos fixos em um lugar
específico de meu corpo.
Esperei que a sensação de desconforto me invadisse como acontecera tantas vezes nas últimas
horas, mas não foi o que ocorreu.
Contraditoriamente, fui domada por uma sensação quase familiar, uma sensação serena e
tranquilizadora.
Era como se eu ainda fosse a única mulher de seus olhos.
Os olhos de James continuavam fixos à minha costela esquerda quando seus lábios se mexeram
vagarosamente em um murmúrio inteligível, e, após poucos segundos, ele levou as mãos até as
pálpebras e as esfregou com uma força excessiva. O garoto não demorou a sumir de meu campo de
visão.
Antes mesmo que eu assimilasse meus próprios movimentos, passei o vestido pela minha
cabeça e minhas pernas se lançaram em direção ao corredor em gestos desordenados e apressados.
Um tremor se alastrou pelo meu corpo diante da possibilidade de James ter ido embora para sempre.
— Minha pergunta. — Sua voz rouca fez com que eu interrompesse as passadas largas no
segundo que cheguei à sala, e logo percebi que o garoto se encontrava perto da porta de entrada,
como se estivesse pronto para sair a qualquer momento. — Por que você não removeu a tatuagem?
— Por que eu removeria?
— Essa não é uma resposta. — Ele balançou a cabeça, mais severo do que qualquer momento
anterior. — Se você queria tanto me esquecer e esquecer tudo que já te fez mal, por que deixar algo
que te lembrasse de seu passado cravado em sua própria pele?
— É isso que você acha? Que eu queria te esquecer? — questionei, perplexa. — Puta merda, eu
nunca quis isso, nem mesmo no dia em que descobri cada uma de suas mentiras.
— Essa ainda não é a resposta para minha pergunta — ele insistiu, fazendo com que eu
hesitasse. — Responda, Monique. Por que ela ainda continua aí? — Seu tom passou a aumentar
conforme as palavras duras saíam de sua boca. — Por que você simplesmente não as apagou, assim
como me apagou de sua memória? Por que você simplesmente não deixou tudo que nós vivemos ir
embora assim como me deixou ir? Por que você... — Não fui capaz de absorver o restante do que ele
dizia, pois logo lágrimas começaram a rolar por minhas bochechas enquanto meu peito começava a
doer diante da mágoa que James parecia exalar.
— Porque eu não fui capaz, tá legal? — eu o cortei em meio ao choro quando senti que não
poderia mais aguentar a mágoa explícita em sua voz. — Porque eu me sentia segura com cada uma
dessas letras, porque quando as tocava, eu não me sentia só e vazia. Porque, quando eu olhava para
esses pequenos traços pretos, eu me lembrava do amor que uma vez já havia dado e recebido, e isso
me enchia de vida. Isso me fazia seguir em frente toda santa vez em que pensava em desistir. Eu não
as apaguei porque era a única lembrança concreta de sua existência. Era isso que você queria ouvir?
James tensionou a mandíbula imediatamente quando passou a assimilar minhas palavras, e
também pude ver que sua respiração, assim como a minha, estava mais pesada do que nunca.
— Minha vez — eu sussurrei enquanto enxugava minhas lágrimas, ainda que soubesse que elas
continuariam insistindo em cair. — Quando você desistiu de seu plano, James? Quero saber
exatamente o momento em que você percebeu que realmente me amava, quero saber quais momentos
que vivemos que foi real.
— Ah, qual é, Monique! — Ele penteou o cabelo com os dedos, passando a andar de um lado
para o outro em um ato desinquieto e quase desesperado.
— Eu pergunto, e você responde. — Os gritos saíram antes que eu conseguisse evitar.
— Porra — balbuciou então, e vi um desconsolo maior tomar conta de cada uma de suas
feições. — Se você quer saber qual parte do que vivemos foi mentira, aqui está a resposta: nenhuma.
Eu me apaixonei por você no momento em que te vi, eu só demorei a perceber isso. Desde que você
se mudou para aquela maldita cidade, eu te observava por tantos momentos sem que você se desse
conta. Algo dentro de mim se alegrava quando eu a via sorrir, quando eu tinha a sorte de sentir o
calor de sua pele contra a minha e até quando eu escutava o som de sua voz. Entretanto, eu só fui
descobrir que esses sentimentos incomuns eram consequência do amor que sentia por você semanas
mais tarde, Monique. — A partir daí, não soube exatamente como colocar algum ar para dentro de
meus pulmões, e suspeitava que James sentia o mesmo, mas, ainda assim, ele se obrigou a continuar:
— Então não, eu nunca planejei levar o plano a sério. Ainda que inconscientemente, minhas segundas
intenções se dissiparam no momento em que te vi entrar naquela droga de sala de sociologia. Desde
o começo era o real. Eu não menti quando disse que você era a coisa mais linda que já havia visto na
noite do baile, eu não menti quando concordei sobre você conhecer Jack na primeira vez em que
você dirigiu meu carro, eu não menti quando disse que nunca seria capaz de sentir raiva de você
naquela tarde no Hell's Bar e não menti quando disse que queria que você fosse meu futuro na manhã
em que pedi em casamento. Quer que eu continue te lembrando de tudo vivemos foi real?
— Se você sentisse tudo que alega sentir nesse exato minuto, não seria capaz de ter guardado
tanta raiva de mim nesses últimos anos — sussurrei entre soluços, já sem forças. Àquela altura, eu
estava esgotada.
— Cacete, você não entende? — o moreno soprou, ainda mais exasperado do que nunca. —
Essa raiva não se deve você. Essa raiva é pelo que você fez. — A derrota então ficou clara por trás
de sua voz. — Você nos separou, Monique. Puta que pariu, eu entendo que você precisava de um
tempo, mas quatro anos? Você nem sequer me deu a chance de me despedir antes de me deixar.
— Você acha que eu não queria ter te deixado desse jeito, James? Acha que eu também não
pensava em você tanto quanto você pensou em mim nos dias em que se seguiram? Você pode não
querer acreditar, mas eu demorei para me curar. Muito. E nisso, o tempo passou e passou, e quanto
mais passava, mais era tarde, maiores eram as chances de você ter seguido com sua vida e maior era
meu medo do que eu poderia encontrar. Era isso que você queria escutar? Que eu não era forte o
suficiente para sequer conseguir vê-lo?
— Então ao invés de encarar a verdade, você simplesmente optou por seguir com sua vida
como se eu nunca tivesse existido?
— Meu Deus, eu nunca segui completamente com minha vida.
Eu havia seguido com minha vida no que se tratava de minha família, estudos e sanidade, mas
uma parte de meu coração sempre esteve com James.
— Sim, você seguiu, Monique. Você deixou passar quatro anos, então sim, você seguiu em
frente. Você nem sequer...
— Como eu posso ter seguido em frente sendo que nunca deixei de te amar? — As palavras
saíram, sonoras e claras, antes que eu conseguisse as impedir.
Observei o garoto a poucos metros de distância tensionar cada um de seus músculos quase que
imediatamente, e foi só quando seus olhos carregados de anarquia e perplexidade encontraram os
meus que me dei conta da gravidade do que havia acabado de admitir.
Quando caí em mim, eu já passava por James, indo em direção à saída de meu próprio
apartamento.
36 |
Fantasmas do passado

JAMES MITCHELL

Não continue sendo o fantasma do qual ela tanto foge.


As palavras de Larry continuavam a ecoar em minha cabeça de modo insistente e quase
cruciante enquanto minhas pernas vagueavam perdidamente pelo tempo e pelas ruas de Palo Alto.
Venho observado essa garota por boa parte dos últimos quatro anos, então acredite quando
eu digo que ela tem algo quebrado em seu interior. Mas hoje, eu vi algo mudar. Aquele brilho em
seu olhar é algo que nunca havia presenciado, e se eu pudesse apostar, diria que ele está ali por
sua causa.
Não havia acreditado em nenhuma palavra sequer. Porra, nem mesmo após nossa última
conversa, eu podia acreditar por completo.
E, considerando que aquilo fosse mesmo verdade, no fim das contas, como eu poderia não ser o
fantasma do qual ela tanto foge? Como poderia impedir que ela fosse para longe de mim outra vez?
Talvez, se eu não houvesse tido a ideia estúpida de procurar por um banheiro, não teria visto as
mesmas palavras que eu continha em minha costela esquerda, estampadas também na sua, e então,
ainda estaríamos tendo uma conversa quase que civilizada onde eu continuaria a fazer perguntas
sobre sua vida as quais passara os últimos quatro anos fazendo a mim mesmo.
Contudo, talvez, se eu tivesse tomado alguma decisão diferente das que eu tomara horas antes,
Monique não teria dito que ainda me amava.
E, puta merda, quais outras informações poderiam se comparar a essa?
Nem em mil anos, nada nunca seria mais importante do que as últimas palavras doces e ao
mesmo tempo tão angustiantes que saíram de sua boca.
Eu passara tampo demais de minha vida tentando esquecê-la, tentando me conformar que nunca
sentiria o que sentira ao seu lado, e todo esse esforço parecia ter sido jogado pelo ralo no instante
em que aquelas três palavras chegaram aos meus ouvidos.
Ainda te amo.
Naquele segundo, foi como se não houvesse peso algum dos últimos quatro anos perdurando
entre nós. Mais do que tudo, naquele segundo, eu voltara a ser apenas um garoto de dezoito anos, uma
criança imprudente e inexperiente na vida, a versão mais feliz de mim mesmo.
Não havia levado muito tempo para me lembrar que eu agora era um homem. Já tinha vinte e
dois anos e com responsabilidades de um adulto nas costas.
No entanto, apesar de ter consciência das minhas, das nossas circunstâncias, de que já éramos
anos mais velhos, eu ainda sentia um sentimento juvenil e leve sendo nutrido em meu interior.
Monique ainda parecia ser a mesma garota que eu amara há tanto. Ela agora continha uma boca
mais suja e também estava um pouco mais segura de si. Entretanto, a loira ainda era doce, paciente e
sincera. No fundo, aquela garota ainda parecia ser minha tanto quanto eu parecia ser dela, quase
como se a paixão que sentíamos um pelo outro não tivesse envelhecido nem por um segundo sequer.
No momento em que a vi parada perante minha porta, eu soube que Monique sempre fora e
sempre seria a mulher de minha vida. Tive a mais completa certeza disso quanto na manhã em que a
pedi em casamento, como se fosse um sentimento constante e realmente imutável, e também tive
consciência de que, no segundo em que a deixasse entrar naquele maldito quarto de hotel, eu estaria
doentemente perdido.
Bem, por uma fração de segundo, eu pensara que eu ficaria feliz em entrar na mais pura
perdição por ela.
No instante em que meus olhos localizaram os seus, uma certa euforia que eu já não sentia há
muito se despertou em meu interior, e foi quase como se eu estivesse inteiro novamente, como se eu
fosse eu mesmo outra vez. Imediatamente, eu senti que estava vivendo dia após dia no automático até
então. Eu estudara, saíra de Healdsburg direto para uma faculdade comunitária antes de conseguir
uma bolsa para uma universidade melhor, conseguira estágios bem remunerados, encontrara Jack...
Tudo tão rápido e planejado.
Pareci apenas estar vivo quando um simples “oi” saíra daquela boca que, inconscientemente, eu
tanto havia sentido falta.
A cada segundo que se seguiu a partir daí, a certeza de que Monique ainda exercia um efeito
arrebatador demais sobre mim foi só aumentando, e, agora, eu não podia estar mais certo de que
ainda a amava. Eu amava aquela garota de modo incansável e imprudente. Sempre amei.
E era justamente por isso que sabia que estava com problemas.
Se mesmo após quatro anos nada que eu sentia por ela tinha mudado, como eu poderia lidar por
uma segunda vez com a dor de ter de me separar dela caso ela assim optasse?
Monique já tinha ido para longe de mim sem nem mesmo se dar ao trabalho de escutar tudo,
deixando-me no escuro outra vez.
Enquanto continuava a vagar pelas ruas, me perguntava o que deveria fazer com aquele misto
estranho de raiva, esperança, sofrimento e amor, como se tudo que eu havia reprimido nos últimos
anos voltasse à tona de uma só vez.
Não fazia ideia se devia deixar que Monique seguisse com a vida que havia construído sem
mim ou se devia me dar uma segunda chance ao procurá-la e dizer tudo que não havia conseguido
dizer nas últimas horas juntos. Não podia adivinhar quais das duas opções nos traria menos
sofrimento.
Quando o toque do celular em meu bolso me trouxe de volta à realidade, me dei conta de que já
era noite e que não tinha a mínima consciência de onde estava.
— Alô? — soprei enquanto meus olhos vagavam pelo local denso de gente onde me
encontrava.
— Onde você tá? — Reconheci a voz de meu irmão imediatamente.
— É uma boa pergunta — murmurei derrotado, e parei em uma esquina desconhecida.
— Como assim? Você está com a Monique?
— Não mais. — Percorri meu cabelo com os dedos, aflito. — Eu acho que fodi com tudo, Jack.
— Eu tenho certeza de que isso não é verdade.
— Ah, eu tenho certeza de que é. Eu... Puta que pariu, Jack, eu meio que perdi a cabeça lá. Eu
disse tudo que não devia, eu vi o que não devia, eu senti o que não devia.
— Se acalma, James — ele retrucou em pura paciência, e instantaneamente soube que, como o
usual, estávamos em papéis invertidos. Jack bancava o irmão mais velho, e eu, o caçula que só se
metia em confusão. — Nada nunca é tão ruim quanto parece.
— É, você tem razão. Isso tudo é bem pior do que parece. Pra caralho.
— Caramba, James, se é tão ruim assim, dá um jeito de consertar. Não é isso que você sempre
faz?
— A questão é que eu não tenho como consertar essa merda toda. Monique não deve nem querer
olhar para minha cara agora, assim como esses anos todos. Eu a pressionei lá, tá legal? Foi ruim pra
cacete — eu expliquei, em um certo desespero. Mais uma vez, não tinha ideia do que fazer.
— Sabe, você às vezes vê, mas não enxerga. Cai na real, James. Monique que te procurou, não
o contrário, então como que ela poderia não querer ver você?
— Isso não vem ao caso. Ela...
— Eu não acabei. — Escutei o garoto bufar pela linha, o que fez com que eu me calasse
subitamente. De fato, não eram muitas as vezes em que Jack se irritava, então não pude conter a
surpresa que se alastrou sobre mim. — Mesmo que a possibilidade de ela não querer te ver seja real,
no fim das contas, isso não importa, porque você precisa ver ela. Vocês precisam descobrir de uma
vez o que sentem em relação um ao outro, ter em mente a situação em que se encontram para saber se
devem colocar um ponto final nessa história, que está nitidamente inacabada, ou se desejam dar mais
uma chance de tentar de novo, tá legal? E eu não vou deixar que você pegue o voo sem ter cem por
cento de certeza de que não deixou nada para trás, de que não irá se arrepender de nada assim que
pousarmos.
Porra.
Infelizmente, como o habitual, Jack parecia ter a porcaria da razão.
— E então, James, o que você vai fazer? — meu irmão questionou por fim, aderindo à calma
rotineira.
Inspirei fundo antes de pronunciar a única resposta possível:
— O que for preciso para encontrá-la outra vez.

Eu estava apavorado.
Mas, dessa vez, o motivo era pior.
Eu não fazia ideia de onde Monique estava, e, pelo visto, nenhum de seus amigos também fazia.
No momento em que havia ligado para Bryan — que, para meu súbito e estranho alívio,
realmente não parecia ser seu namorado — na tentativa de descobrir onde diabos aconteceria a
exposição para que eu pudesse encontrar a loira, a primeira coisa que o garoto fez foi me perguntar
se ela ainda estava comigo em pura preocupação.
Era por isso que, enquanto eu passava pela porta de entrada do sofisticado salão que, ao final
da ligação, me fora indicado, eu praticamente perdia a porra da minha cabeça.
Lancei um olhar instintivo para cada canto da galeria bem iluminada na esperança de Monique
enfim ter chegado enquanto amaldiçoava a mim mesmo por tê-la deixado sair de seu apartamento
naquele estado.
Tantas possibilidades em aberto que podiam ter acontecido a ela ao ter pisado nas ruas naquele
estado, e tudo por culpa da droga de minha ainda falta de controle. Como eu podia ter sido tão
estúpido para não ter controlado minhas palavras após quatro anos sem vê-la?
E, diante da possibilidade de um acidente, eu desejei ter aceitado que o pai de Jack levasse o
garoto para conhecer a faculdade ao invés de ter insistido para que eu o fizesse, afinal, se as coisas
assim tivessem acontecido, era provável que eu não causaria mais mal algum à Monique, não a faria
sofrer mais do que já havia feito.
Era provável que, ao esbarrar com Jack, a garota começaria um diálogo curto e sem risco algum
onde saberia que eu estava bem e, por conseguinte, quando meu irmão me ligasse para me informar
sobre o encontro estranho, eu também saberia de seu estado atual, mas a milhas de distância.
Mas, puta que pariu, isso seria suficiente?
Deveria ser.
Mas, no fim, nem o fato de eu ter me reencontrado com ela após anos de espera valeria a pena
se Monique tivesse se machucado ou se algo pior tivesse acontecido a ela, algo que eu nem mesmo
podia ser capaz de cogitar sem me sentir completamente nauseado.
Eu não me importava se ela não estivesse comigo, não me importava se ela preferisse viver sem
mim. Àquela altura, tudo que eu conseguia pensar era no seu bem-estar, em sua felicidade, pois, no
fundo, eu sabia que poderia lidar com todo o sofrimento por uma segunda vez se a luz que havia me
tirado da escuridão não tivesse se apagado. Sua vida era tudo que me importava.
Imediatamente soube que daria tudo para ter a certeza de que ela estava bem naquele segundo.
Eu ainda percorria o salão com passadas largas na busca do rosto familiar dentre tantos
desconhecidos, porém, ao fim, o que me fez parar não havia sido o que eu buscava.
Por uma fração de segundo, pude esquecer de tudo que me cercava assim que meus olhos
focalizaram uma fileira peculiar de grandes quadros fixados do lado direito da galeria.
Forcei-me a inspirar fundo antes de seguir em sua direção, e, conforme chegava mais perto,
maior era a certeza de que as pinturas eram basicamente idênticas ao que uma vez eu já presenciara.
Nas quatro obras logo à minha frente, um campo verde e um céu estrelado específico eram
retratados com uma precisão quase perfeita, mas de diferentes ângulos. Estava certo de que um deles
era de onde eu sempre estacionava o Mustang.
O ar escapou de meus pulmões quando me dei conta de que, mesmo em desenhos, aquela era a
primeira vez em que eu via aquele campo desde que Monique se fora.
Tive de me sentar em um dos bancos estreitos perto de mim para que eu pudesse assimilar o
misto de memórias que, pela provável centésima vez no dia, me invadiu de uma só vez. Contudo,
após poucos minutos, pensei na possibilidade de, a partir de agora, Monique não passaria de simples
lembranças, e foi aí que entrei em um pânico ainda maior.
Talvez o pior estivesse acontecendo com ela naquele exato minuto enquanto eu estava sentado
inutilmente, não fazendo nada além de esperar.
Não poderia conviver com isso, e foi então que soube que deveria fazer o que fosse preciso
para encontrá-la. Eu tinha de tentar achar o que possivelmente ainda era a mulher da minha vida.
— Não são tão bonitos quanto a realidade. — A voz que mais me era familiar dentre todas
ecoou até meus ouvidos antes que eu me levantasse, e então girei a cabeça bruscamente em sua
direção.
Lágrimas ameaçaram cair de meus olhos no momento em que tive a certeza de que não era
apenas minha mente projetando meus maiores desejos. Monique estava realmente em pé ao meu lado
direito, ainda mantendo o um metro de distância combinado, e foi inevitável impedir que a massa de
sentimentos caóticos se explodisse dentro de mim.
O salão começou a rodar à minha volta ao mesmo tempo em que repetia a mim mesmo
silenciosamente que a garota estava bem, que estava viva.
Enquanto observava seu rosto, absorvendo e memorizando cada um de seus traços vívidos numa
tentativa falha de fazer com que eu me acalmasse, reprimi o impulso de tocar seu rosto levemente
corado, de exterminar a distância que havia entre nós e abraçá-la com toda minha força.
Mais que tudo, quis prendê-la em meus braços para que eu nunca mais tivesse a sensação de
que Monique faria apenas parte de minhas lembranças. Eu ainda parecia querer com todo meu
coração que a mulher ao meu lado fosse meu futuro.
— Pensei que tivesse perdido você — ela disse por fim, tirando-me de minha própria maré de
caos, enquanto se sentava na ponta oposta do banco.
— Me perdido? — Minha voz se encontrava relativamente fraca, mas não me dei ao luxo de me
preocupar com isso. Ainda estava concentrado demais na garota ao meu lado.
— É. — A loira deu de ombros, fixando o olhar ao meu, e logo percebi que o rímel não fora
suficiente para disfarçar o inchaço nas pálpebras provocado pelas prováveis horas de choro. — Eu
voltei ao meu apartamento e você não estava lá. Depois voltei à cafeteria e também ao seu hotel, mas
você tinha sumido. Pensei que tivesse ido embora. — De algum modo, seu tom ainda se encontrava
mais falho que o meu. — Me desculpa por ter saído daquele jeito. Eu ainda tenho algumas
dificuldades em enfrentar certos problemas.
— Cacete, não me peça desculpas, Monique — eu disse sem nem pestanejar. — Meu Deus.
Você não sabe as coisas que se passaram em minha cabeça. Eu pensei que tivesse a perdido.
A garota baixou o olhar por um instante antes de lançá-lo às telas à nossa frente, parecendo um
pouco culpada.
Mesmo após tanto tempo, eu ainda me sentia mal por vê-la mal, e foi por isso que soube que
precisava tirar a atenção de seus próprios sentimentos.
— E elas são tão lindas quanto o campo verdadeiro — discordei assim que me lembrei de suas
palavras ditas há poucos minutos.
— Não são, não — balbuciou, balançando a cabeça vigorosamente. — Elas nem deviam estar
aqui, pra falar a verdade. Pedi para uma amiga cuidar da exposição e ela acabou os trazendo sem
minha permissão.
— Arrependida?
— Não. — Ela virou o rosto em minha direção novamente, e vi a honestidade reluzir em cada
uma de suas feições. — Se isso que teve que acontecer para que eu pudesse estar com você outra
vez, que seja. Eu realmente não me importo.
— Aí está você. — Uma voz frenética nos tirou de nossa neblina particular, e lançamos o olhar
simultaneamente para a dona da voz. — O que deu em você, Monique? Já passou da hora de você
cumprimentar todos que estão aqui. Tem gente importante, e não sei se você percebeu, mas alguns de
seus professores também vieram.
— Tudo bem, me dê só um minuto, Liz — a loira murmurou, e as expressões da garota ao nosso
lado logo se fecharam em uma carranca.
— Não te dou nem mais um segundo. Você está mais de três horas atrasada. Não sei se você
esqueceu, mas essa exposição pode fazer uma diferença enorme na sua carreira.
— Caralho, eu já vou — a garota cedeu enfim, não muito satisfeita, antes de se virar para mim.
— Você não vai sair daí, né?
— Eu vou espera-la bem aqui, Monique — respondi com toda sinceridade do mundo.
— Promete? — indagou, quase temerosa, mas antes que eu a respondesse, ela foi puxada para
longe de mim.
Forcei a mim mesmo a transferir a atenção para as pinturas familiares à minha frente enquanto,
no fundo, desejava mais do que tudo que Monique soubesse que eu a esperaria para todo sempre.

Após quase cinco horas de espera, o extenso salão finalmente começava a se esvaziar.
Eu andava de um lado para o outro sem vestígio de sono algum enquanto esperava por Monique.
Era como se meu corpo produzisse adrenalina a cada segundo, fazendo com que eu ficasse mais
disposto do que nunca.
Por isso que, uma vez ou outra, eu me obrigava a parar para apenas observar as obras ali
presentes, pois, surpreendentemente, os desenhos eram capazes de exercer algum efeito calmante
sobre mim, ainda que não durasse por muito.
O estilo de pintura de Monique ainda me era familiar. Cada traço estava um pouco mais
aperfeiçoado quando comparado aos desenhos de quatro anos atrás, mas a maior parte continuava a
retratar suas memórias. Isso tinha a capacidade de me reconfortar um pouco, pois me sentia mais a
par de sua vida por todo esse tempo em que tive de manter distância.
Também me sentia orgulhoso por a garota ter se tornado a artista que sempre pensei que seria.
Ao fim das contas, ela conseguira se sobressair, e eu não podia deixar de ficar genuinamente
feliz por isso. Apesar de tudo que Monique enfrentara, ela tinha conseguido se sair bem em sua vida.
Ela parecia ter tudo que queria, e, com esse pensamento, foi inevitável me perguntar se eu ainda
poderia fazer tanta diferença em sua vida quanto ela ainda fazia na minha.
— Tudo bem?
Surpreendentemente, sua voz não me pegou de surpresa. Pelo contrário, aquele som fez com que
uma espécie de serenidade substituísse a adrenalina em minha corrente sanguínea.
Quando encontrei seus olhos, vi que Monique estava um pouco preocupada diante de minhas
expressões pensativas.
— Sim, estou bem — respondi então, mesmo não tendo completa certeza da resposta. — Já
acabou?
— Já. — Ela assentiu. — O pessoal que sobrou está aqui para organizar o salão.
— Você pode ir embora, então?
— Hum... Posso, mas não quero. Tem algo bem aqui que gostaria de te mostrar.
— Ok — soprei, curioso, e então a loira não hesitou em caminhar para o fundo do salão, e eu
me apressei a segui-la.
Ao fim, ela abriu uma porta de vidro que dava para um pequeno jardim, e então continuou a
seguir em frente.
— Aqui. — Monique se sentou no gramado verde em meio à escuridão, e então eu fiz o mesmo,
mantendo a distância combinada horas antes. — A iluminação da cidade ofusca um pouco a luz das
estrelas, então a visão daqui não é tão chamativa que nem a do campo em que costumávamos ir, mas
é bonita mesmo assim.
— Sim, é — concordei quando segui seu olhar, observando as pequenas estrelas espalhadas
pelo negro da noite.
Naquele momento, quase pude voltar à primeira vez em que estivemos no campo específico de
Healdsburg. Pude me lembrar como se fosse hoje, de quando Monique havia me dito que gostaria de
morar em um lugar campo como aquele e em como queria paz. Pude me lembrar dela se deitando ao
meu lado no capô de meu Mustang, assim como me recordava tão bem de seu vestido usado no baile
horas antes, que era quase tão lindo quanto o que ela trajava naquele exato momento. Ao fim das
contas, nada parecia ter mudado tanto quanto deveria.
— Foi tudo bem lá? — questionei por fim, tendo em mente que não faltava tanto tempo para
meu voo. Logo amanheceria, então sabia que não tinha muito tempo para jogar fora.
— Sim. Consegui vender nove quadros, ao todo — respondeu em um sorriso enquanto
começava a retirar suas sandálias de salto. — Alguns críticos também vieram, e a maior parte me
elogiou bastante. Acho que tem grandes chances de algumas matérias saírem ao meu favor.
— Puta merda, Monique. Isso é realmente incrível pra cacete — eu não hesitei em dizer, mais
feliz do que conseguiria expressar.
Monique estava prestes a dizer algo, mas comprimiu os lábios em uma linha reta antes que algo
saísse de sua garganta. Logo percebi que ela tinha cortado um dedo na fivela de seu sapato, e uma
leve e involuntária preocupação tomou conta de mim imediatamente. No entanto, o sentimento foi
substituído por diversão uma fração de segundo depois, quando a garota resmungou um palavrão.
— O que foi? — ela questionou assim que eu comecei a rir, levando o dedo à boca enquanto
forçava uma cara feia para mim.
— Desculpe — soprei, ainda sem parar de rir. — Acho que ainda não me acostumei com
palavrões saindo de sua boca — eu expliquei sincero, antes de ficar um pouco mais sério. — Quando
isso aconteceu?
Monique também não demorou a ficar mais séria. Ela desviou o olhar mais uma vez enquanto
pensava sobre minha pergunta. Peguei-me apreciando o rubor que se instara em suas bochechas.
— Acho que depois que saí de Healdsburg, eu assimilei um pouco de você — ela explicou após
longos segundos, parecendo um pouco envergonhada por admitir isso. — Você sabe, o jeito de falar,
de vestir. Comecei a fumar porque também sentia saudade até do seu cheiro. Foi difícil pra mim, no
começo. Senti muito a sua falta. E, mesmo após um tempo, não consegui me livrar desses hábitos.
Imediatamente, me recordei de como tinha sido a situação para mim quando ela fora embora. De
algum modo, fora tão difícil como eu havia pensado que seria.
Principalmente no ano seguinte à sua partida, tinha vivido em uma abstinência que me parecia
interminável e cruciante, de modo que meus outros vícios nem mesmo fizessem mais sentido em
minha vida. Nicotina, álcool e até mesmo maconha não exerciam mais efeito algum sobre mim. Havia
largado todos.
Por um instante, perguntei-me se enfrentaria aquela mesma dor ao pegar meu voo quando
amanhecesse.
— Bem, acho que é a minha vez agora — Monique anunciou enfim, quebrando o curto silêncio
que havia se instalado entre nós dois. — Por que você também não foi embora quando eu deixei meu
apartamento? Por que você também não me deixou?
— Eu nunca conseguiria ter feito isso, Monique — respondi o óbvio. — Ao menos, não depois
do que você havia me dito.
Mesmo que não fosse minha intenção, a garota pareceu desconfortável com minhas palavras.
Soltei o ar pela boca antes de fazer minha próxima pergunta, sabendo que eu ainda não tinha o aval
para insistir no assunto.
— Você é feliz aqui, Monique?
A incerteza então substituiu o desconforto naquele mesmo instante, e esperei pacientemente até
que ela descobrisse a resposta.
— Eu não sei — Monique sussurrou por fim. — Há dias realmente bons. Eu me sinto feliz com
tudo que conquistei até aqui. Eu curso algo que realmente gosto, estou bem comigo mesma e tenho
uma relação saudável com todos ao meu redor — esclareceu enquanto seu olhar vagueava pelo céu.
— Mas há dias em que algo parece faltar. Eu não sei exatamente como explicar, é só um sentimento,
sabe? É como se eu não me sentisse totalmente realizada. Honestamente, acho que dói um pouco me
manter tão longe de parte do meu passado. — E então, foi inevitável me perguntar se ela estava me
incluindo naquilo. — Mas, ainda assim, eu não me arrependo de nada que eu fiz. Por mais que eu
sinta falta de muitas coisas, foi necessário eu vir para longe. Sobre o que você disse mais cedo...
— Por favor, esqueça tudo o que eu disse mais cedo, Monique — eu a cortei, e ela balançou a
cabeça negativamente.
— Não, tá tudo bem. Você está certo em sentir raiva, mas eu quero que saiba que eu fui para
longe por muitos outros fatores além de você, James. Eu não tive a chance de esclarecer tudo em
apenas uma carta, então me escute, por favor. — A loira finalmente localizou meus olhos, e mantive
toda minha atenção nela. — Muita coisa aconteceu naquele ano, entende? Tanto coisas boas quanto
ruins, e você fez parte da primeira opção, e é justamente por isso que eu não te dei a chance de se
despedir. Eu não queria que você me convencesse a ficar, eu não poderia me deixar pensar que você
compensaria tudo que estava de errado porque uma parte de mim continuaria sofrendo caso assim
fosse. Havia muito que me fazia mal. Eu me sentia sufocada pelo rancor que sentia de meu pai, e eu
odiava isso com todas minhas forças. Eu não queria sentir nada daquilo, mas foi impossível, afinal,
eu nunca tive a chance de me acostumar com a ideia de viver com ele, afinal, tudo aconteceu tudo
rápido demais depois da morte de minha mãe. Acredite, eu queria mais do que tudo perdoá-lo por ter
sido um pai ausente, mas parecia tão impossível na época. O fato de ele tentar ser responsável pela
primeira vez na vida, todos os seus sermões sobre minhas saídas e até os pequenos xingamentos
serviam como motivo para eu ficar ainda mais magoada, mesmo tendo uma completa noção de que
ele finalmente estava tentando agir como um pai, e é por isso que eu precisava de um tempo longe. Eu
precisava ter espaço para perdoá-lo, para poder deixar que ele fosse minha família.
Assenti quando ela procurou por algum sinal de que eu estava a ouvindo, o que fez com que a
garota inspirasse fundo antes de continuar.
— E também tinha o Luke, James. Ah, isso era o pior de tudo. Toda vez que eu o via pelos
corredores do colégio me lembrava do que ele poderia ter feito comigo, e eu sentia tanto ódio. Eu
sentia raiva por ele poder andar livre naqueles corredores sem que nada tivesse acontecido com ele,
e às vezes sentia raiva por mim mesma por não o denunciar apenas por não querer lidar com mais
dificuldades em minha vida. Eu conseguia me sentir bem longe dele, mas, de algum modo, doía
quando eu o via naquela maldita escola, pois então eu me recordava de tudo. Eu sabia que não seria
capaz de sentir aquilo por muito tempo.
— Eu entendo, Monique, Deus sabe que sim. É só que foi tudo muito confuso quando você
apareceu em minha porta, e não soube lidar com tudo da forma certa, da forma que você merecia —
eu disse sinceramente, e ela concordou com a cabeça, os olhos ainda fixos aos meus. — E, se ajuda
de alguma coisa, Luke está preso.
— O quê? — balbuciou instantaneamente, piscando repetidas vezes para assimilar a
informação.
— Não foi por tentar dopar alguma garota nem nada. Acho que ele realmente parou depois de
ter sido pego por mim. Mas ele começou a usar algumas drogas pesadas após se formar na escola,
pelo que Tobias me contou. Enfim, ele acabou se metendo em algumas confusões e está preso desde o
ano passado.
— Meu Deus. Eu não fazia ideia — murmurou, quase aliviada.
— Acho que agora ele se torna definitivamente passado, não é?
— É, acho que sim — a loira sibilou, e me mantive em silêncio para que ela absorvesse a
informação por completo.
E, durante aquele pequeno intervalo de tempo em que Monique se distraiu, permiti-me observá-
la sem pudor algum.
Os lábios grossos e entreabertos, as íris castanhas e tão intensas quanto anos atrás, os cabelos
loiros e que chegavam até as costas, o corpo que ainda mexia com meus sentidos mais do que eu
considerava ideal... De fato, aquela garota ainda era a mais bonita que já havia visto e que um dia
poderia ver.
— Bem, é a minha pergunta agora — ela anunciou enfim, mas não tornou a me olhar. — Você se
apaixonou por alguém?
— Você sabe que sim, Monique — respondi sem nem mesmo precisar pensar duas vezes.
— Eu quis dizer depois de mim — sussurrou enquanto suas bochechas ruborizavam outra vez.
— Não. — Não precisei pensar muito novamente. — Eu tive poucos relacionamentos depois
que você se foi, e em todos não precisei de mais de um mês para saber que não teriam futuro.
— Por quê? — forçou-se a questionar então, mesmo que estivesse um pouco relutante.
Bem, talvez porque nenhuma delas era você.
— Acho que você deixou expectativas altas — eu disse após alguns segundos, o que fez com
que ela apoiasse o queixo no joelho enquanto soltava um suspiro pesado, parecendo sofrer por um
pouco.
— Foi muito tempo, não é? — As palavras continuavam a sair em sussurros. — Quatro anos.
Monique logo fechou os olhos, mas isso não foi suficiente para impedir que lágrimas rolassem
por suas bochechas, fazendo com que meu coração se apertasse no peito imediatamente.
— Por favor, não chora — eu disse, a voz já falha em meio à dor de vê-la chorando. —
Monique, só me fala o que você quer. Se quiser que eu vá embora, eu vou. Só me fala o que eu
preciso fazer para que você fique bem, e eu faço.
Monique não me respondeu de imediato. Pelos segundos que se seguiram, ela apenas se limitou
a fechar as pálpebras com uma força ainda maior enquanto abraçava os próprios joelhos de um modo
angustiante de se ver.
— Lembra quando você me disse que manteria um metro de distância de mim enquanto eu
achasse necessário? — indagou enfim, a voz quase inaudível.
— Sim, eu me lembro.
Foi somente então que ela abriu os olhos. As íris cativantemente escuras foram em minha
direção instintivamente.
— Eu acho que não preciso mais dele.
Merda.
E como poderia reagir a isso?
Eu tinha total convicção de que a partir do momento em que a deixasse se aproximar
fisicamente, eu sofreria ainda mais quando fosse obrigado a deixá-la. Contudo, no momento em que
observei seu corpo tão encolhido em meio à brisa fria da madrugada e seu rosto congelado como
pedra em um possível temor da minha reação diante de seu pedido, qualquer sentimento senão o mais
puro desejo de apará-la se dissipou por inteiro e, mais uma vez, perguntei-me como diabos eu
poderia negar qualquer coisa que saísse daquela boca.
Imediatamente soube que aqueles quatro anos realmente não haviam nos mudado tanto quanto
deveriam.
Eu, pelo menos, ainda continuava o mesmo.
Eu ainda faria tudo por ela.
Eu ainda daria tudo por ela.
Eu ainda seria tudo para ela.
Cacete, eu ainda só existia por ela.
Sem poder manter distância por mais um segundo sequer, aproximei-me de seu corpo encolhido,
e assim que meus braços a envolveram, senti a eletricidade proveniente do toque tão único percorrer
cada centímetro de toda extensão de minha pele, e, instantaneamente, não tive ideia de como podia
ter sobrevivido por tanto tempo sem experimentar aquela mesma sensação.
Esforcei-me ao máximo para memorizar cada detalhe daquele momento. O aroma adocicado de
uma mistura de rosas, que não havia mudado em absolutamente nada, a sensação extasiante do calor
de sua pele irradiando sobre a minha, o sentimento de que eu poderia protegê-la de tudo e todos, de
que poderia mantê-la segura para sempre em meus braços... Queria ter essas lembranças em todos os
dias que ainda se seguiriam em minha vida.
— Sabe, mais cedo, quando eu disse que senti sua falta, não era totalmente verdade. Eu ainda
sinto sua falta — a garota disse enquanto uma de suas mãos agarrava meu braço com a maior força
que poderia exercer, como se ela também não quisesse que eu fosse para longe.
— Eu também, Monique — sussurrei enquanto afundava minha mão em seus cabelos. —
Inferno, você não conseguiria imaginar o quanto.
Nesse mesmo instante, ela apoiou a testa na minha, e continuei a acariciar seu cabelo enquanto
lágrimas ainda caíam de seus olhos.
— Minha vez — eu disse, sem me obrigar a afastar de seu toque, enquanto juntava todas minhas
forças restantes para fazer a pergunta que tanto temia, para fazer a pergunta cuja resposta tinha a
capacidade de mudar drasticamente o rumo de minha vida. — Você foi sincera quando disse que
nunca deixou de me amar?
Foi a partir daí que as lágrimas começaram a sair de seus olhos com uma intensidade maior.
— Fui.
Não pude evitar que minha visão se escurecesse bruscamente quando o sussurro mais uma vez
quase inaudível escapou de sua boca.
Subitamente, passei a não sentir mais a pressão suave de sua testa contra a minha, mas ainda
não fui capaz de, de fato, vê-la se afastar ou impedir o gesto. Ao invés disso, fiquei preso naquela
inevitável escuridão enquanto tentava ter a certeza de que Monique realmente podia ter dito o que eu
pensava ter ouvido.
Eu ainda não era capaz de ter completa convicção de que Monique tinha acabado de confirmar
que me amava, não era capaz de saber se isso não era mesmo um sonho. O melhor que poderia
sonhar.
— Merda, agora você deve achar que eu sou uma completa idiota. — Sua voz rouca enfim me
trouxe de volta à realidade, e só então consegui perceber que ela, a alguns centímetros de distância,
fechava as pálpebras fortemente outra vez enquanto enxugava suas bochechas úmidas.
— O quê? — balbuciei enquanto, aos poucos, minha visão voltava completamente ao normal,
assim como minha própria racionalidade. — Santo Deus, Monique, por que eu acharia isso?
E quando a loira enfim voltou a abrir os lindos olhos para mim, ela me olhou como se eu
acabasse de ter feito a pergunta mais estúpida da face da Terra.
— Porque eu passei esses quatro anos de minha vida te amando e porque eu nunca pude deixar
você para trás por completo. Porque quando eu disse que faltava algo em minha vida, eu me referi a
você.
E, puta merda, como ela podia não entender?
Como ela podia não saber que a única coisa em que conseguia pensar diante de suas palavras
tão afáveis era no completo êxtase que tomava conta de mim?
Como ela sequer podia não saber que o que ela havia acabado de admitir simplesmente fazia de
mim o homem mais feliz da porra do planeta inteiro outra vez?
— Você realmente não consegue entender, não é? — verbalizei meus pensamentos enquanto
roçava meu polegar na pele macia de sua bochecha corada, ainda tendo a necessidade de senti-la. —
Na manhã em que te pedi em casamento, eu não podia ter sido mais sincero quando disse que
acordaria todos os dias da minha vida te amando. Mais do que tudo, eu estava sendo mais honesto
como nunca antes quando afirmei que morreria te amando. — A partir daí, foi inevitável conter as
lágrimas que escapavam de meus olhos. — Então, se você é uma idiota, eu também sou, Monique,
pois eu nunca deixei de te amar e estou certo de que nunca deixarei. Não importa o quanto eu mude, o
quanto você mude, o quanto toda a droga do mundo mude, nada nunca, e escute bem, nunca mudará o
que eu sinto por você, entendeu?
Rapidamente vi algo mudar nas expressões da garota à minha frente.
Agora, ela era a mesma jovem de quatro anos atrás.
Ou talvez não.
Talvez Monique ainda pudesse sentir o mesmo amor que havia sentido quando tinha dezessete
anos, mas, dessa vez, diferentemente daquela época, ela estava realmente se sentindo, enfim,
preparada para viver as consequências do sentimento tão interminável, tão intenso e tão purificante.
Agora, havia uma esperança de que ela estivesse bem consigo mesma para que pudesse ser feliz
ao meu lado, e nós dois estávamos preparados para verificar se tal possibilidade era concreta.
Antes que eu tivesse a chance de dizer qualquer coisa a mais, de reforçar novamente que eu
sempre estaria ao seu lado, não importando como, Monique se aproximou de mim outra vez, e nossas
bocas não demoraram a se encaixar em perfeita harmonia, como se tivéssemos esperado por isso por
todos aqueles anos.
Mal pude me recordar da última vez em que senti um sentimento de completude tão grande, da
última vez em que me senti verdadeiramente vivo.
Ao passo que nossas línguas se movimentavam em um desejo cru do toque um do outro, em uma
necessidade primitiva de compensar todo o tempo perdido, nossas lágrimas passaram a se misturar
em nossas bochechas, e imaginei que aquela era exatamente a sensação de sermos um só.
A partir daquele segundo, soube que nada no mundo seria capaz de nos separar novamente.
Quando Monique se obrigou a se afastar por fim, apenas por poucos centímetros, ela correu o
olhar por cada centímetro de meu rosto, e imediatamente tive a certeza de que ela estava fazendo o
mesmo que eu fizera tantas e tantas vezes nesse mesmo dia.
Monique estava fazendo o possível para ter total confiança de que cada segundo entre nós era
real, de que tudo que ela sentia, via ou ouvia fazia parte de sua mais nova realidade.
— Está amanhecendo — a garota soprou assim que finalmente se deu por satisfeita, passando a
observar a claridade que se estendia ao horizonte, uma luz quase tão bela e pura quanto o que eu
sentia pela mulher que agora se encolhia entre meus braços.
— Eu sei.
— Você vai perder seu voo. — Monique então lançou mais um olhar para mim, avaliando
cautelosamente cada uma de minhas expressões.
Abracei-a com uma força ainda maior.
— Eu sei. — Não pude evitar sorrir com essas últimas palavras.
Epílogo

JAMES MITCHELL

1 ano depois

Querida Monique,
Algum tempo atrás, você escrevera uma carta para mim. Uma carta de despedida, e agora
faço exatamente o mesmo. Bem, quase o mesmo. Mas antes do adeus, há coisas que preciso dizer.
Primeiramente, eu quero te agradecer, Monique, simplesmente por você ser quem é. Eu sou
tão grato por você ter me dado a chance de te conhecer, por ter me deixado ficar ao seu lado
mesmo quando eu não a merecia, e, sobretudo, sou grato por você ter acreditado em mim em uma
época que ninguém foi capaz de o fazer, nem mesmo eu. Você foi a primeira a me mostrar que eu
podia seguir em frente mesmo quando eu nem sequer conseguia pensar nessa possibilidade, que eu
podia me dar a chance de correr atrás de meus sonhos. Então, obrigado, meu amor, por ter trazido
o melhor de mim para esse mundo, pois é somente por isso que agora vivo a vida que nasci para
viver.
Você nem mesmo é capaz de imaginar o quanto me sinto realizado e completo ao seu lado,
porque, puta merda (me desculpe pelo palavreado, estou tendo dificuldades de me expressar aqui),
nada me deixa mais feliz do que ver seu sorriso, ouvir suas risadas, presenciar sua pureza e sentir
sua alegria diante de momentos tão bobos que, de algum modo, conseguem ser tão lindos em sua
forma de ver. Hoje, eu sei que sou o homem mais sortudo que já pisou nesse mundo apenas por
você me permitir tê-la para mim. Você é a pessoa por quem eu esperei todos os dias desde que
nasci, e agora eu pretendo que você seja a pessoa com quem passarei o resto dos meus dias. Bem,
dito isso, espero que você tenha noção da escolha que fez, pois, a partir de agora, não vai ser tão
fácil assim fugir de mim, e sabe por quê?
Porque eu pretendo ser o único homem de sua vida, Monique. Porque vai ser eu quem vai
estar ao seu lado nos momentos bons e ruins. Porque, quando você estiver com medo, vou ser eu
quem segurará sua mão e dirá que tudo vai ficar bem. Porque eu pretendo dar o melhor de mim
apenas para poder fazer você feliz todos os dias a partir de hoje.
Eu quero te fazer sorrir enquanto eu viver. Eu quero acordar todos os dias ao seu lado, quero
vê-la abrindo seus olhos vagarosamente pela manhã, quero desesperadamente ser a primeira
coisa que você verá quando acordar e a última antes de dormir. Eu quero continuar me
apaixonando cada dia mais por você, Monique. Eu quero envelhecer ao seu lado assim como vê-la
envelhecer ano após ano, pois sei que nada nesse mundo poderá ser mais bonito que isso.
Nada nesse mundo poderá ser mais bonito do que tê-la comigo, pois você é a mulher da
minha vida, e eu não poderia estar mais certo disso porque eu amo absolutamente tudo em você,
até mesmo as partes que eu deveria odiar. Eu amo o jeito que você me faz pedir desculpas mesmo
quando eu acho que estou certo, eu amo quando você revira os olhos em meio às nossas brigas, e,
Deus, sua teimosia me deixa louco, mas eu também a amo mais que tudo.
Então, o "eu a amarei pelo resto de nossas vidas" não é suficiente. Eu amarei você intensa e
incansavelmente por toda a infinidade de tempo, pois nenhum sentimento tão forte quanto o que
eu nutro por você poderá, um dia, ter fim. Eu vivo por você e eu morro por você, Monique.
Bem, acho que já passou da hora de me despedir, certo?
Eu quero dizer adeus à vida que levava antes de você, antes de sermos um só. Eu quero me
despedir da vida a qual não fazia sentido algum, aquela em que eu ainda não era merecedor o
suficiente para ter o que mais me fazia feliz ao meu lado. Eu quero me despedir da jornada que me
levou até você, Monique Mitchell, pois, como você bem já sabe, jornadas terminam no encontro
dos amantes.
Com todo meu amor,
James Mitchell
Quando finalmente acabei de pronunciar as palavras mais sinceras de toda minha vida, lancei o
olhar à pequena aglomeração sentada às mesas à frente do palco. Meus olhos percorreram de modo
superficial cada um deles, desde novos e velhos amigos a familiares, até eu enfim me deparar com os
olhos dela. Aqueles lindos olhos castanhos.
Pela provável centésima vez na noite, não pude evitar ficar sem ar com o que via. Ela, agora
minha mulher, toda de branco, como se fosse, de fato, um verdadeiro anjo.
Puta que pariu.
Ainda me parecia impossível acreditar que aquela agora era a minha esposa.
Minha esposa.
Meu sorriso se alargou instantaneamente enquanto repassava as palavras silenciosamente em
minha mente.
Sem conseguir esperar mais um segundo sequer longe de Monique, desci as escadas do palco e
segui em sua direção com as passadas mais ágeis que uma vez já tinha dado, ignorando todos ali
presentes.
Conforme me aproximava, passava a notar melhor seus olhos levemente avermelhados devido
ao choro, e, mesmo com a maquiagem já levemente borrada, era inevitável pensar que ela ainda era,
de longe, a mulher mais linda do salão.
Porra, ela era a mulher mais linda desse mundo.
Assim que cheguei na mesa central, a loira já se encontrava de pé à minha espera, um sorriso
que somente ela sabia dar dentre seus lábios.
Em uma urgência de suprir parte de minha necessidade de tê-la por completo, não hesitei em
levar meus lábios aos seus, e, a partir daí, as pessoas ao nosso redor não mais existiam.
Naquele momento, Monique era a única dominante de meus sentidos, e o misto de sensações
que somente ela era capaz de provocar, mais uma vez, parecia impossível de ser descrita. Explicar o
tamanho do amor que eu sentia por aquela loira seria o mesmo que explicar o tamanho do infinito.
Com ela em meus braços, enfim tive a sensação de ter um lar, porque, no fim, Monique sempre
fora e sempre seria minha casa.
— Eu te amo — a garota sussurrou em meio aos aplausos de todos os convidados assim que se
afastou, e pude ver que ainda esboçava o mesmo sorriso que eu amava tanto, o mesmo sorriso
plenamente feliz.
— Eu te amo — sussurrei de volta sem nem pensar duas vezes, dando um último beijo em sua
testa antes de adotar uma seriedade maior. — E sinto em dizer, mas agora temos que ir.
— Nosso voo é só daqui quatro horas — ela disse então, confusa.
— Tem algo que quero te mostrar antes. Vamos só nos despedir...
— Mostrar o quê? — Monique me cortou, e soltei um riso nasalar diante de sua usual teimosia.
— Cacete, mulher, é uma surpresa — retruquei, ainda entre risos, o que fez com que suas
feições se fechassem em uma carranca.
Nisso, ela realmente nunca iria mudar.
— E antes que você diga que odeia surpresas, estou certo de que isso não se aplicará no que
temos para fazer — acrescentei, e Monique revirou os olhos, mas ainda estava feliz demais para
iniciar uma discussão, o que, de certa forma, era uma pena. Eu ainda certamente amava mais do que
tudo irritá-la.
—Tudo bem, eu só preciso tirar esse vestido — cedeu por fim, e eu balancei a cabeça
vigorosamente.
— Não temos tempo para isso.
— Mas...
— Não agora — soprei antes que ela terminasse sua queixa, um sorriso travesso já se
esboçando dentre meus lábios. — Mas não se preocupe, teremos muito tempo para isso em poucas
horas.
— James! — Monique deu um leve tapa em meu ombro enquanto olhava ao nosso redor para ter
a certeza de que ninguém mais me escutara. Sorri ainda mais quando vi que ela tentava conter um riso
de um modo notoriamente árduo. — Você realmente não presta.

— Você sabe que eu vou querer aquela carta para mim, certo? — a loira indagou, sorridente,
assim que dei partida no Freddie.
— O fato de você ser agora minha mulher não muda o fato de que querer não é poder, amor.
— Ah, James. Acho que você vai querer repensar melhor sobre isso, principalmente porque,
quando a carta estiver em minhas mãos, isso servirá mais para seu bem do que para o meu.
— E como isso poderia ser para meu próprio bem, Sra. Mitchell? — Arqueei uma sobrancelha,
tentando conter o sorriso sacana.
— Bem, ao que parece, estou presa a você pelo resto de minha vida, o que automaticamente
quer fizer eu me irritarei muito nos anos que se seguirão — ela explicou com um misto estranho de
drama e seriedade. — Por isso que, quando eu estiver muito muito muito brava com você, o que,
explicando ainda melhor, acontecerá em uma frequência rápida demais, talvez, e só talvez, eu pense
em ler sua carta, e então haverá uma pequena possibilidade de eu me acalmar um pouco.
— Você sabe muito bem que não há possibilidade alguma de você ficar brava comigo por muito
tempo, esposa. Eu sou irresistível.
— Vai nessa — ela retrucou sarcasticamente, sem segurar o riso.
Observei seu rosto se iluminar novamente, e então o tempo pareceu parar por alguns instantes.
De fato, não havia chance alguma de eu não ser o homem mais feliz de todos ao lado daquela
mulher.
Quando enfim me obriguei a desviar o olhar para a estrada, entrelacei os dedos de minha mão
livre aos seus e levei sua mão à minha boca, dando um beijo demorado em sua pele quente e macia
enquanto já passava a sentir os dois anéis em seu dedo anelar. Não contive uma careta então.
Monique insistira em usar o anel de noivado que guardara de cinco anos atrás, mesmo eu tendo
insistido em dar a ela um melhor.
“Não, esse é perfeito”, ela batera o pé com a maldita teimosia habitual, e eu, com a vontade de
sempre de apenas vê-la feliz, acabei cedendo.
Ao menos, eu ainda teria alguma chance de sumir com ele enquanto ela estivesse no banho.
— Ei, pode ir parando — Monique soprou enquanto retirava sua mão de perto de mim.
— Parar com o quê?
— Parar de pensar em como vai retirar o anel de meu dedo — respondeu como se fosse óbvio,
segurando a mão fortemente contra o peito como se eu pudesse tomar a pequena liga metálica a
qualquer momento. — Vai ter que cortar meu dedo fora se quiser ter ele.
— Eu não estava pensando nisso — menti, fazendo minha melhor cara de inocente.
— Mentiroso! — ela não hesitou em acusar. — Se você fizer isso, eu sumo com outra coisa que
você gosta muito.
— Como o quê? — indaguei, sem mais conseguir evitar rir.
— Algo que você não viveria sem. — A loira arqueou as sobrancelhas enquanto descia o olhar
malicioso para o cós de minha calça. Ri ainda mais.
— Ah, puta merda! — balbuciei enquanto lágrimas de pura diversão tomavam conta de meus
olhos. — Eu realmente casei com uma mulher louca, não é?
— Arrependido? — Os cantos de sua boca se ergueram instantaneamente. Não precisei pensar
muito diante da pergunta.
— Nunca.
Após poucos minutos, finalmente chegamos ao limite de Healdsburg, e enfim estacionei no lugar
já familiar.
— Você não me deixou trocar de vestido só por que não ia dar tempo de ver as estrelas? — a
garota ao meu lado questionou, perplexa.
— Isso e porque não estava preparado para vê-la sem esse vestido de noiva — eu disse,
sincero. Sorri ainda assim.
— Você é tão idiota. — Ela revirou os olhos enquanto saía do carro e ia em direção ao capô.
Não me obriguei a sair também, pois estava entretido demais observando-a pela milésima vez na
noite.
O vestido rendado que trajava deixava suas costas à mostra e envolvia com uma precisão
impressionante cada uma de suas curvas, deixando, assim, o corpo pelo qual eu morria ainda mais
irresistível. Seu cabelo cacheado caía sobre seus ombros em perfeita harmonia ao passo que a tiara
delicada e brilhante no topo de sua cabeça apenas servia para acentuar ainda mais o ar angelical da
garota.
Fiz uma anotação mental de procurar cada pequeno vídeo de nosso casamento assim que
chegasse da lua de mel, pois aquela realmente era a visão do paraíso.
Meu coração bombeou duas vezes mais sangue para todo meu corpo quando me dei conta de
que ela agora era meu paraíso particular.
Após algum tempo que não me parecia suficiente para exaltá-la, enfim desci do carro e logo me
sentei ao seu lado, já passando a mão pela sua cintura a fim de trazê-la junto a mim, como se
nenhuma proximidade do mundo nunca fosse suficiente para nós dois.
— Tá bom, eu admito, é muito bom estar aqui — ela soprou, genuinamente feliz outra vez.
— É, eu já sabia. Não costumo errar muito antes de tomar uma decisão.
Monique revirou os olhos mais uma vez, e eu fiz meu melhor para reprimir a risada que se
formava em minha garganta enquanto lançávamos nossa atenção ao céu.
Hoje, as estrelas pareciam brilhar mais do que nunca, quase como se quisessem desejar as mais
singelas felicidades pela nossa união.
O universo nos parabenizava naquela noite.
— Acha que nossos filhos vão gostar dessa vista tanto quanto nós? — Monique questionou
enquanto ainda se maravilhava com cada detalhe acima de nós.
— As garotas?
— Garotas e garotos. — Ela fez cara feia. — Admita, James. Você vai adorar ter um garotinho
para dividir todos seus projetos. O Freddie pode até ganhar um irmãozinho. — A loira deu leves
tapas na lataria, nitidamente se divertindo.
Ao fim, não pude discordar de Monique. Ao menos, não mentalmente.
— Tá legal, mas acho que somente um já é o suficiente — provoquei, querendo me divertir um
pouco mais. — E eu realmente espero que todos eles gostem dessa vista, porque é a que verão toda
noite — eu disse por fim, analisando cautelosamente cada um de seus traços.
Monique desviou o olhar para mim de forma instintiva.
— Como assim, James?
— Você me entendeu — respondi, minhas bochechas já doloridas como consequência de meu
sorriso grande demais.
— Você... — Ela hesitou, como se ainda assimilasse a informação e tentasse chegar à conclusão
de que tinha entendido bem.
— Sim, eu comprei, Monique. Isso tudo agora é nosso. Essa vista agora é somente pertencente a
nós — eu disse, tentando facilitar as coisas para ela. — Já posso imaginar as crianças correndo no
gramado ao fundo enquanto nós observamos da varanda. Cacete, posso até mesmo nos imaginar dia
após dia em nosso jardim, sem nunca nos cansarmos do céu todo estrelado e... — Antes que eu
conseguisse terminar de falar sobre todas minhas expectativas, a boca da garota encontrou a minha, e,
conforme meus dedos afundaram em seus cabelos e seu aroma estimulantemente doce penetrou
minhas narinas, senti-me começar a cair em uma perdição viciante e intensa.
— Continua falando — Monique basicamente implorou enquanto levava os lábios até meu
pescoço e sua mão puxava minha gravata em pura lascívia.
De fato, aquela mulher ainda seria minha morte.
— Talvez mais tarde, Sra. Mitchell, porque agora não consigo pensar em mais nada além de
começar nossa lua de mel mais cedo — eu sussurrei, já imaginando tudo que poderia fazer com
minha esposa no banco de trás de meu carro naquele exato momento.
— A carta primeiro. — Ela se obrigou a se distanciar por poucos centímetros para avaliar
minha reação, um sorriso perverso já tomando conta de seus lábios.
— Puta que pariu. Você sabe mesmo como conseguir o que quer, não é?
— Eu consegui você? — Ela arqueou as sobrancelhas claras, o brilho ardente e cheio de paixão
reluzindo em seus olhos.
Sorri.
— Isso não é tão óbvio, loirinha?
Bônus

JAMES MITCHELL

12 anos depois

— Ele melhorou, ué — Matt respondeu, como se fosse a coisa mais simples e óbvia do mundo.
Fechei os olhos bruscamente para contar até cinco silenciosa e vagarosamente, tentando manter
a calma. Era um gesto que andava fazendo muito nos últimos anos.
— Ele — gesticulei com as mãos para a área atrás da janela, indicando o motor velho que
estava guardado há anos e que agora parecia estar surpreendentemente funcionando — é um objeto
inanimado, Matt, e objetos inanimados não melhoram de um dia para o outro.
— O que acha, papai? — Uma voz doce me interrompeu, e imediatamente lancei minha atenção
à garotinha de seis anos ao lado de Matt, que balançava um papel todo rabiscado de giz para mim.
Meu coração derreteu por um segundo. — Tá parecido com os desenhos da mamãe?
Sorri.
— Idêntico, querida. — Nem um pouco. Mas foda-se. Era a coisa mais linda do mesmo jeito.
Balancei a cabeça rapidamente para escapar daquela neblina estranha de fascínio paterno.
Quando Elizabeth voltou a atenção ao seu desenho, desviei o olhar para o garoto ao seu lado,
um pouco mais calmo.
— Ok, faremos um acordo: você admite o que fez e eu faço o possível para que você não
precise ir à aula hoje.
Foi então que ele mordeu o lábio inferior, hesitante.
— Hum... Ainda não sei do que você está falando, pai. — Ele desviou o olhar, balançando as
pernas no ar enquanto tomava seu cereal.
Era um sinal que eu teria que melhorar a barganha.
— Tudo bem, eu deixo você faltar de sua aula hoje e não conto para sua mãe o que está
acontecendo.
— Ah, pai. A mamãe iria me matar.
— É, eu sei bem disso.
Tive de fazer um esforço grande pra caralho para não rir diante de suas feições temerosas.
Matt soltou um suspiro pesado por fim.
— Eu... é.... posso ter ajudado um pouco o motor a melhorar.
— Ah, eu sabia. — Levei a mão à testa, exasperado. Ainda não fazia ideia de como diabos ele
tinha achado minhas ferramentas no vigésimo esconderijo que eu tinha arranjado. — Cacete, Matt.
Você tem onze anos. Não pode ficar mexendo com essas coisas. Você pode se queimar com um ferro
de solda ou levar um choque feio, entendeu?
— O que é "cacete"? — Elizabeth tirou a atenção de seu desenho outra vez, e eu me xinguei
mentalmente no mesmo instante.
Era difícil lembrar a mim mesmo de segurar a boca quando Monique não estava ao meu lado
para me lançar um olhar acusatório.
— "Cacete" é uma espécie de "caramba" pra adultos, Elizabeth — expliquei, cauteloso.
— Legal — ela soprou enquanto abaixava a cabeça novamente, e deixei por isso mesmo.
— Eu já vi você fazendo essas coisas inúmeras vezes — Matt retomou o assunto, cruzando os
braços, e, por um momento, me perguntei de quem ele tinha puxado toda aquela teimosia. — Eu dou
conta.
— Esse não é o caso aqui. É perigoso o que você...
Eu e o garoto que obviamente tinha meus genes congelamos no segundo em que escutamos um
som ecoar dos degraus.
Matt olhou para mim como se suplicasse ajuda, e, mesmo que ele não pudesse identificar isso,
eu fiz exatamente o mesmo. Sua mãe também me mataria se soubesse que Matt tinha achado minhas
ferramentas e consertado qualquer coisa que precisasse melhorar. De novo.
Pois é, eu estava mesmo criando um gênio. Um gênio do mal.
Forcei um sorriso no rosto um segundo antes que minha mulher adentrasse na cozinha. Contudo,
no instante em que a vi, não precisei de muito esforço para manter os cantos de meus lábios erguidos.
Mesmo com os cabelos loiros desgrenhados devido às horas de sono, os olhos avermelhados
pelo mesmo motivo, as manchas de tinta de em lugares de sua pele que eu não fazia ideia de como
tinham parado ali e as pequenas e fracas linhas ao redor dos olhos vívidos acarretadas devido aos
seus trinta e quatro anos, Monique certamente ainda era a mulher mais bonita que já havia conhecido.
Perguntava-me se um dia poderia mudar de ideia quanto a isso. Estava certo de que não.
— Olha, mamãe. — Elizabeth ergueu o papel com a espécie de desenho abstrato para sua mãe
imediatamente, e Monique deu um largo sorriso assim que analisou o desenho. — Papai disse que
está idêntico aos seus quadros — acrescentou em um segundo, orgulhosa de si mesma.
Segurei o riso quando a mulher arqueou as sobrancelhas em minha direção, lançando-me um
olhar divertido.
— Ah, seu pai realmente não podia estar sendo mais sincero — ela concordou então, dando um
beijo em suas bochechas. — Bom dia, querido — Monique soprou também assim que se aproximou
de Matt, dando-lhe um beijo no topo da cabeça antes de bagunçar seus cabelos, mas o garoto
permaneceu em silêncio. Ainda estava com medo de que eu o entregasse.
Monique lançou a ele um rápido olhar de interrogação antes de vir em minha direção, já
arqueando uma sobrancelha.
— Aconteceu alguma coisa? — ela questionou baixinho enquanto Matt voltava a tomar seu
cereal.
Soltei o ar pela boca.
— Lembra quando te falei que não queria ter meninos?
Foi aí que ela estreitou os olhos em minha direção, nada contente.
Fiz minha melhor cara de inocente.
— Eu não podia estar mais enganado. — Sorri enquanto a puxava pelas cordinhas do short de
pijama. — Bom dia, loira — sussurrei contra a pele macia de sua bochecha quando ela se sentou em
meu colo, e imediatamente senti um sorriso também tomar conta de seus lábios.
— Você ainda continua sendo o mesmo idiota de sempre, não é? — ela sussurrou, e meu
coração se agitou no peito quando identifiquei o brilho tão único em seu olhar. Era de felicidade.
— Algumas coisas nunca mudam — rebati, cínico, enquanto a puxava para um beijo.
— Mais tarde — ela murmurou em aviso antes que eu fizesse sequer um décimo do que eu
queria, sabendo que ainda tínhamos crianças à nossa frente.
— Vou cobrar — sussurrei, sério. — Com juros.
Em um segundo, pude ver a excitação substituir a felicidade naquelas íris.
Ela saiu de cima de mim antes que as coisas piorassem.
Um segundo depois, Matt já pigarreava à minha frente de um jeito nada disfarçado, fazendo com
que eu me lembrasse do acordo não muito justo.
— Então, hum... loira — comecei, tomando um gole do meu café. — Matt quer saber se pode
faltar de aula hoje.
— O quê? — ela soprou, oscilando o olhar entre nós dois. — De jeito nenhum. Não. Nunca. Na
última reunião de pais, a professora dele já chamou minha atenção pelas trinta faltas do último
bimestre, e eu nem fazia ideia da metade delas.
Me senti culpado por um instante diante do olhar acusatório que pairou sobre mim. Mas, porra,
o que eu poderia fazer?
O moleque gostava de me ver trabalhar na empresa automobilística em que agora estava, e que
pai negaria um desejo inocente do filho de apenas observá-lo porque queria ser igual a ele? Além do
mais, eu teria que aproveitar essa fase o máximo possível. A adolescência estava chegando, e, bem...
Podia se dizer que, se seu comportamento naquele período fosse um pouco sequer parecido com o
que eu tivera, eu certamente estaria em apuros em breve.
As feições de Matt se contorceram em decepção, o que fez com que eu soltasse um suspiro.
— Acho que meu melhor charme não foi suficiente, campeão — sibilei silenciosamente para
minha mini versão.
Estava com dó, ainda que não tivesse esquecido do que ele havia aprontado. Esconderia as
ferramentas debaixo de minha cama naquela mesma noite.
Coloquei-me de pé após pouco tempo, sabendo que teria de levar Matt para a escola antes de ir
para o trabalho, mas, me atrapalhei com a xícara, que caiu na mesa em um piscar de olhos.
— Cacete — Elizabeth soprou assim que respingos de café se espalharam na pedra, e paralisei
instantaneamente.
— Elizabeth! James! — Monique soprou em pura acusação, oscilando o olhar entre nós dois.
— Que foi? — questionei, tentando esconder a careta enquanto limpava o líquido derramado
com um pano.
Minha esposa sibilou um “idiota” silencioso para mim antes de se virar para nossa filha.
Mantive-me em silêncio enquanto Monique explicava com toda paciência do mundo e
certamente de um modo melhor que o meu o porquê de certas palavras não poderem ser ditas.
Felizmente, a garotinha de lindos cachos dourados não repetiu minha explicação imbecil de
minutos atrás.
— Matt, pegue suas coisas. Estamos atrasados — eu disse para o garoto segundos depois, que
se levantou de um modo não muito determinado. Ainda estava chateado.
— Você também, Elizabeth. Vou te deixar com seus tios daqui a pouco. Pode ir escovar os
dentes que eu já subo, tudo bem? — Monique soprou, e a garota desceu de sua cadeira em uma
euforia desigual. Sempre ficava animada para brincar com a prima de quase mesma idade.
— Hum... Por que você vai deixá-la com Tyler e Kate mesmo? — questionei, inocente, e ela se
virou para mim no mesmo instante enquanto estreitava os olhos.
— Você se esqueceu?
Arqueei as sobrancelhas.
— Me esqueci do quê?
Infelizmente, não pude sustentar a mentira por muito mais tempo, não quando suas feições se
contorceram em pura irritação de um jeito que eu tanto adorava. Soltei um riso inevitável.
— Não, não me esqueci. Apenas...
— Gosta de me ver irritada — completou, revirando os olhos. E, puta merda, eu ainda amava
quando ela fazia aquilo tanto quanto anos atrás. Se não mais.
E era óbvio que eu já sabia que ela teria que arrumar as coisas para a exposição.
— E, sinto em dizer, loirinha, mas me deixa um pouco magoado você me perguntar se me
esqueci de sua exposição. Já me esqueci de alguma, por acaso?
Um rubor se espalhou por suas bochechas imediatamente.
— Não.
— Mesmo depois de tanto tempo, ainda dúvida de meu caráter... — Apoiei-me no balcão
enquanto ela se aproximava. — Devo lembrá-la de que já sou seu marido?
— Você me lembra isso toda noite — ela murmurou, apoiando as mãos em minha nuca.
Sorri.
— Não me parece suficiente. Acho que vamos ter que treinar um pouco mais essa sua confiança
em mim. Sabe, tenho alguns excelentes exercícios para isso em mente.
— Bem, falando em confiança, estou pondo todas expectativas que você não vai fugir de Josh
com as crianças como fez na última exposição.
Fechei os olhos bruscamente.
— Porra, mulher — balbuciei, apoiando a cabeça em seu ombro. — Precisava me lembrar de
seu pai justo agora?
— Precisava. — Ela riu. — Para quem precisa ir trabalhar em dois minutos, você estava
ficando muito animado para meu gosto.
— O que posso dizer? É meio difícil me controlar tendo você como esposa, Sra. Mitchell.
Monique esboçou um lindo sorriso que só ela sabia dar.
Eu não tinha dúvidas de que ainda era interminavelmente apaixonado por cada gesto daquela
mulher.
— Mamãe! — A voz de Elizabeth ecoou até a cozinha uma fração de segundo depois, e, como
se não fosse suficiente, Matt anunciou que estava pronto quase que ao mesmo tempo.
Crianças....
Eu e Monique enfim saímos da cozinha com uma certa relutância e fomos para a grande sala
cercada tanto de quadros de Monique quanto de seus artistas preferidos, apenas para encontrar uma
garotinha ao pé da escada com a boca toda suja de pasta de dente e um pré-adolescente nada feliz.
Soltamos um suspiro ao mesmo tempo.
Monique levou Elizabeth para o banheiro do primeiro andar para limpar toda a bagunça
enquanto eu pegava minhas coisas para enfim sair para o trabalho.
— Ei, Matt? — chamei, colocando a carteira em minha pasta. Senti a atenção do garoto
reverberar em mim. — Por que você não vai para o carro ligar para o tio Jack e falar que não vai
precisar que ele te busque na escola hoje?
Mesmo pela minha visão periférica, pude vê-lo se agitar por completo. Um brilho se instalou
em seus olhos imediatamente, um brilho que era exatamente igual ao da mãe.
Fiquei feliz simplesmente por fazê-lo feliz. Tinha essa mesma sensação sempre quando o
mesmo acontecia com Elizabeth ou Monique. Por fim, eu havia achado meu lugar no mundo, minha
casa. Estava mesmo vivendo a vida que eu havia nascido para viver.
Meu lugar era ao lado de minha família, e acordaria todos os dias da minha vida sabendo disso,
sabendo o que e quem me trazia aquela sensação de estar completo.
— Obrigado, pai. — Ele se levantou em um só segundo, disparando em direção à saída.
Interrompi-o antes que atravessasse a porta:
— E, Matt? Se você contar isso para sua mãe, eu também conto que não fui eu quem consertou a
torradeira na última semana, estamos entendidos?
Era uma chantagem infantil? Era.
Eu era um pai infantil? Também era.
Eu me importava? Nem um pouco.
— Sim, senhor — meu filho respondeu, o sorriso largo ainda dentre os lábios enquanto ele
voltava a correr em direção à garagem.
— Caramba. Ele tá tão estranho hoje — Monique murmurou assim que saiu do banheiro, vendo
o garoto desaparecer no carro com um humor definitivamente melhor que antes.
— Pré-adolescentes... — disse simplesmente, revirando os olhos.
Aproximei-me de Elizabeth, que ainda estava com a mão ainda entrelaçada à de Monique, e
agachei para dar repetidos beijos por todo seu rosto. Dei o mais largo sorriso quando seu riso doce
ecoou pelos meus ouvidos.
— Tenho que ir trabalhar agora, prodígio mirim. Te vejo à noite, ok? Amo você. — Baguncei
seus cabelos macios antes de me levantar, já buscando os olhos de minha mulher.
— Não se atrase para a exposição — Monique advertiu antes de levar os lábios aos meus.
Ou tentar.
Sorrindo, distanciei-me apenas um centímetro para sussurrar:
— Ah, isso só se você me prometer que depois chegaremos em casa a tempo de ver as estrelas,
amor.
E, finalmente levando minha boca à sua, soube exatamente qual foi a resposta rouca e tão
reconfortante que reverberou contra meus lábios:
Sempre.
Agradecimentos

Fiquei por dias pensando no jeito certo de começar essa nota até enfim chegar à conclusão de
que meu sentimento de gratidão nunca poderia ser expresso por simples palavras. Por isso que já vou
deixar claro que nenhum termo que se seguirá será suficiente para transmitir minha felicidade e
realização própria simplesmente por ter vocês em minha vida, ok?
Como não poderia ser diferente, primeiramente quero agradecer aos meus leitores do Wattpad.
Há pouco mais de dois anos, eu passava por um período difícil de minha vida e encontrei a escrita
como um dos meus refúgios mais importantes. Contudo, eu só não esperava que, ao começar a
publicar histórias provenientes de minha imaginação caótica, eu conseguiria muito mais do que
apenas extravasar meus sentimentos e pensamentos confusos: mais importante do que tudo, eu
consegui uma família. Penso e me importo com vocês mais do que podem imaginar, e, de algum
modo, vocês são meu maior porto-seguro. Eu não poderia ter mais consciência de que foram vocês
que me deram forças nessa trajetória, que fizeram com que eu continuasse mesmo quando o que eu
mais queria era desistir. Apesar de não conhecer pessoalmente a maioria, saibam que cada um de
vocês tem um lugar guardado em meu coração. Por favor, sintam-se amados por mim.
Quero agradecer também a todos meus amigos pessoais — não vou citar nomes, mas eles vão
saber muito bem quem são. Obrigada por me aturarem ao reclamar incansavelmente de comentários
sem noção, do meu ocasional cansaço ao conciliar minha vida social e acadêmica com a escrita, e
por ouvirem pacientemente cada um de meus surtos (bons ou ruins) sempre quando uma ideia nova
surgia em minha cabeça. Sobretudo, obrigada simplesmente por serem quem são. Eu sou minha
melhor versão ao lado de vocês.
E agora, para minha mãe: obrigada por ter aceitado ser extorquida com tanta facilidade, ok?
Prometo que pago os prejuízos que essa publicação te deu assim que eu for uma escritora best-seller
(mas que fique claro que isso pode demorar um pouco). Também te dou minha palavra de que em
breve te deixo ler meu livro, então pode parar com o usual drama do qual eu tanto puxei. Te amo
mais do que tudo nesse mundo.
Um outro agradecimento à minha amiga mais antiga (que gosta ainda mais do anonimato do que
eu), por ter me mostrado o mundo do Wattpad e por ter comemorado comigo cada uma de minhas
conquistas, que foram desde o primeiro comentário no meu primeiro livro publicado gratuitamente
até meu primeiro milhão de visualizações, e também à Mari, minha beta, ômega, alfa, vampira e tudo
mais que eu pudesse precisar, por ter me ajudado de modo tão cuidadoso com esse livrinho aqui.
Por último, mas nunca menos importante, agradeço a Deus, Que me proporcionou mais do que
eu mereço para que eu pudesse chegar até aqui.
A todos vocês: que vocês possam encontrar em breve as pessoas às quais nasceram para amar.
Com o mais sincero amor,
Power
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