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Copyright © 2022
Autora: Yvis Writer
Título: Entre o Amor e a Honra (Volume 1)
Capa e Diagramação: Will Nascimento
Revisão: Pat Sue - Revisão e Copidesque

Conforme a Lei 9.610/98, é proibida a reprodução total e parcial ou
divulgação comercial sem a autorização prévia e expressa do autor (artigo
29). Esta é uma obra de ficção. Nomes, personagens, lugares e eventos
descritos são produtos da imaginação do autor. Qualquer semelhança com
evento real é mera coincidência.

Todos os direitos reservados.
Prólogo

Como todas as manhãs, Gabriela se levantou antes do dia raiar. Ajoelhou-se


sobre um pequeno tapete, fechou os olhos e fez sua prece matinal. Em
seguida, abriu os olhos, fixou-os na imagem à sua frente e, com a mão, fez o
sinal da cruz.
— Amém. Obrigada, mãezinha, por mais este dia! — inclinou-se e
beijou respeitosamente os pés da santa.
Os fios rebeldes e vermelhos de seus cabelos caíram sobre seu rosto,
formando um véu cor de fogo. Com delicadeza, a ruiva os prendeu em um
coque. Em seguida, abriu o pequeno armário para pegar uma saia que a
cobriria até os tornozelos e uma camisa de mangas longas com decote
fechado. Sobre a penteadeira, estava seu crucifixo das Irmãs Filhas de Maria
Auxiliadora. Ela o pegou e o colocou no pescoço.
Desde os 17 anos, a mulher trocava a vida comum de uma jovem por
uma de regras, orações e trabalhos voluntários. Há quatro anos, ela se
preparava para o voto de pobreza, castidade e obediência proposto pela
Igreja Católica.
Sua trajetória de vida tinha uma ligação estreita com o catolicismo.
Ela frequentava o ambiente religioso desde cedo, sempre ao lado da avó, uma
velha beata fervorosa e fanática ao extremo.
Gabriela deixou seu quarto nas dependências da congregação onde
residia e seguiu para a capela, onde outras jovens noviças se encontravam.
Depois de um breve instante de silêncio, iniciou-se um coro de diferentes
vozes, recitando versos bíblicos.
Era assim que começavam todos os dias no Noviciado Nossa Senhora
das Graças, da Congregação Religiosa das Filhas de Maria Auxiliadora. No
entanto, hoje a rotina seria um pouco diferente — um jovem padre viria rezar
a missa dominical.
As noviças se espalharam pelos bancos de madeira, com a madre, as
freiras educadoras e as demais que viviam na congregação.
A noviça acompanhou com os olhos a entrada do religioso. Seu
coração disparou e sua respiração se acelerou.
— Bom dia, irmãs… — Sorriu para todas, mas de forma diferente
para Gabriela.
Ela abaixou os olhos, envergonhada e culpada. Não queria ter aqueles
sentimentos; lutava contra isso, mas, toda vez que via o padre, perdia o
equilíbrio e esquecia o que a levara até aquele lugar.
“Toda escolha na vida implica em renúncias.”
Gabriela fizera sua escolha e não se arrependia dela. Então por que se
sentia dessa forma quando ele aparecia na congregação?
“Por Deus, o que estava acontecendo?”
Ela não sabia a resposta àquela pergunta. Simplesmente sentia o
coração explodir em seu peito e as pernas ficarem moles. Uma alegria
repentina invadia sua alma.
Padre Túlio sabia o que provocava naquela noviça e, de certa forma,
fazia-o de modo consciente. Sempre muito atencioso e carinhoso,
extremamente interessado em tudo que dizia respeito à moça.
Ele sabia que nenhum dos dois podia ceder àquela atração maligna.
Mas o Diabo o tentava. Quando via aquela ruiva de olhos enigmáticos, ele
esquecia seus votos à Igreja Católica; esquecia tudo. Ela o enfeitiçara; era a
única explicação.
O jovem sacerdote seguiu para o altar e começou a cerimônia
eucarística.

†††

Padre Túlio falou suas últimas palavras e finalizou a missa.


A madre que estava ao lado de Gabriela pousou a mão sobre a perna
dela.
— Vá lá, querida, e ajude o padre a arrumar as coisas…
Ela sorriu, nervosa, pois planejava deixar a capela imediatamente.
Cada minuto que passava com aquele homem era uma tortura à sua fé e ao seu
voto de fidelidade a Cristo. Mas não havia como recusar, fazia parte de suas
atividades. Por isso, levantou-se e foi até o altar. Ele a fitou e sorriu.
— Pensei que não me ajudaria hoje…
— Quis dar a oportunidade a outra noviça, é sempre uma honra para
nós poder servi-lo, padre.
Aos poucos, a capela foi se esvaziando, até que ficassem apenas os
dois. Gabriela o ajudou a levar para a sacristia os objetos usados durante a
missa. Com a ajuda de Gabriela, o padre despiu as vestimentas da cerimônia,
mostrando suas roupas comuns, apenas uma calça jeans e uma camisa.
— Como você está? — indagou. — Senti saudades de você, não via a
hora de voltar à congregação para vê-la… — cochichou e a olhou de modo
sorrateiro.
Ela engoliu em seco.
— Padre, isso não é certo… — disse, agitada. — Por favor, pare de
ficar me dizendo essas coisas.
— Não consigo controlar o que sinto por você, Gabriela… —
sussurou. — É mais forte do que eu…
— Você está confuso… — retrucou. — É isso…
— Nunca senti por nenhuma mulher o que sinto por você. Nunca me
senti confuso. Sempre tive certeza de minha vocação. Mas, desde que a vi
pela primeira vez… — Pousou sua mão sobre o rosto da noviça e o acariciou
com o polegar. — Não tenho certeza de mais nada.
Gabriela mordeu os lábios.
— Por que está fazendo isso comigo? — murmurou. — Por favor,
pare…
— Você me enfeitiçou, sou capaz de qualquer coisa por você. —
Lentamente, o padre se aproximou e roçou seus lábios nos da moça. — Até
mesmo largar a batina…
A jovem sentiu seu coração se dissolver. O que era apenas uma brasa
se tornou um incêndio, e as labaredas atingiram seu corpo, sua alma, seu
coração.
Ela se esqueceu de tudo, de todas as promessas, de todas as escolhas,
de todas as consequências. Tudo ao seu redor foi reduzido àquele momento.
Suas mãos acariciaram o rosto do padre; e as mãos dele, seu corpo.
No começo, apenas um toque tímido, mas aos poucos a paixão tomou conta
dos dois.
A jovem sabia que aquilo era errado, tentou resistir, tentou se
esquivar, mas a paixão foi maior. Ela sentiu sua saia ser levantada e a mão do
homem acariciar sua pele nua, que queimava como fogo enquanto ela ofegava.
— Por favor, padre… — sussurrou. — Vamos parar…
Ele voltou a beijá-la e acariciá-la; vagarosamente, encostou-a em um
móvel. Sua mão levantou a saia da jovem, roçou seu sexo. Ela sentiu algo
duro em sua entrada.
— Não podemos, padre… — afirmou, assustada.
— Confie em mim… — disse em seu ouvido. Forçou sua entrada e a
penetrou. — Eu amo você…
Lágrimas brotaram em seus olhos, e toda a realidade veio à tona. Mas
não havia mais o que fazer, nem como voltar atrás.
— Gabriela… — ele gemeu em seu ouvido. — Oh, Gabriela… —
Ele se movimentou dentro dela com pressa e desespero.
Mas a bolha que os havia circundado foi estourada por um barulho
repentino de ranger de portas.
— Oh, meu Deus!
Os olhos da moça se arregalaram de terror, e ela pôde ver a madre
olhando-os horrorizada.
— Oh, meu Deus! — a madre repetiu.
Os dois se separaram abruptamente.
— Madre… — Gabriela gemeu.
— Madre, eu posso explicar… por favor, eu posso explicar… — o
padre dizia e repetia várias vezes. — Ela me enfeitiçou, não sei o que
aconteceu comigo… Meu Deus, ela foi enviada pelo Diabo para me
destruir…
A noviça olhou para o homem ao seu lado e não podia acreditar no
que ouvia. Ele disse que a amava…
Seus olhos se inundaram de lágrimas. Medo, vergonha e
arrependimento a sufocaram.
— Saia, Gabriela, preciso conversar com o padre — a madre ordenou
com um olhar severo.
Ela abaixou a cabeça e saiu a passos largos, quase correndo, em
direção ao prédio onde ficavam, e quando alcançou as outras noviças, não
soube o que dizer.
— Vamos jogar um pouco, Gabriela? — uma noviça a convidou
alegremente.
— Depois, vou ao banheiro.
Minutos depois, ela trancou a porta do banheiro e se recostou nela.
— Meu Deus, o que fiz? — As lágrimas voltaram abundantes. — Me
perdoe… — Caiu de joelhos e cobriu o rosto. — Me perdoe meu, Deus… —
soluçou e chorou.
Mas não havia perdão para o que ela tinha feito. Tudo estava acabado.
Um
Dois anos depois

Apesar de não estar mais no convento e de não ser mais uma noviça,
Gabriela ainda mantinha alguns dos antigos hábitos adquiridos nos anos que
estivera na congregação. Orar várias vezes ao dia era um deles.
Seu quarto de pensão era simples, sem adornos, luxos ou conforto.
Apenas uma cama, um guarda-roupa e um oratório.
Ela abriu os olhos, fixando-os na imagem à sua frente e, com a mão,
fez o sinal da cruz.
— Amém. — Gabriela beijou os pés da santa com respeito e se
levantou.
O emprego como educadora no ensino infantil de um colégio religioso
tinha sido conseguido não fazia muito tempo.
Depois de seu desligamento da Congregação Religiosa, Gabriela
passou um longo período numa espécie de depressão. Havia construído sua
vida baseada no princípio de que serviria a Cristo. A repentina interrupção
desse sonho lhe trouxera muitas consequências emocionais. Mas a doença da
avó a fizera voltar à realidade. Ela precisava reagir caso não quisesse morrer
de fome.
Depois de um banho rápido, a jovem prendeu os cabelos em um coque
alto. Vestiu uma camisa de algodão de mangas longas com decote fechado e
uma saia que ia até seus calcanhares. O antigo crucifixo da ordem das Irmãs
Filhas de Maria Auxiliadora continuava com ela e foi escondido por debaixo
de suas vestimentas.
Alguns minutos depois, a jovem professora já estava pronta para mais
um dia de trabalho.

†††

O frenesi dos alunos preencheu o grande pátio do colégio religioso


onde Gabriela lecionava. Pacientemente, ela reuniu seus pequenos em uma
fila indiana.
— Bom dia, meus amores! — cumprimentou-os com sua voz doce. —
Vamos nos acalmar e subir para a sala de aula?
Madeleine, uma linda garotinha de cinco anos, com cabelos e olhos
pretos como ébano, correu de encontro à professora e a abraçou pelas pernas.
— Bom dia, tia Gabi. — Olhou para cima com sua carinha de criança
e abriu um sorriso radiante.
— Bom dia, minha princesa, dormiu bem? — Acariciou seus
cabelinhos sedosos e brilhantes.
Ela balançou a cabeça positivamente.
— Meu pappa me trouxe hoje, tia, olha ele ali… — Apontou em
direção à entrada do colégio.
Gabriela virou seu rosto e viu um homem de presença forte e
intimidadora olhando em sua direção. Ao seu lado, e como de costume, havia
dois seguranças.
Giovanni Bennedetti definitivamente não era o pai mais simpático que
Gabriela já tinha visto, no entanto, e com certeza, ele era o mais bonito. Alto
e forte, e com cabelos negros que reluziam como diamantes.
O homem moveu sua cabeça em um aceno discreto, e seus lábios
formaram um sorriso controlado. Constrangida, ela desviou seus olhos e
voltou sua atenção aos seus pequenos alunos.
— Acho melhor subirmos, já está na…
Um som grave, aveludado e masculino chegou aos seus ouvidos,
causando-lhe um misto de susto e apreensão. Gabriela já tinha ouvido falar
muitas coisas sobre Giovanni Bennedetti, entre elas, que era um homem muito
rico, poderoso — e perigoso.
— Bom dia, professora — ele disse com um sotaque estrangeiro
carregado.
Com o coração aos pulos, Gabriela ergueu a cabeça e se deparou com
um homem enorme e bastante másculo. Parecia que de perto ele ficava ainda
mais alto e forte.
— Bom dia, Sr. Bennedetti.
Os capangas do homem surgiram com sua cara amarrada, formando
uma espécie de cerco ao entorno de seu chefe.
Madeleine, radiante com a presença do pai, levantou seus bracinhos
para que ele a pegasse no colo. O rosto do homem desfez sua expressão séria
e contida, e ele abriu um sorriso terno.
— Gostaria de agradecer pessoalmente pelo excelente trabalho que
vem fazendo com minha filha. Desde que começou aqui no colégio, ela tem
evoluído muito…
A jovem professora tentou ser indiferente à sensação estranha que
teve na presença daquele homem. Sua masculinidade se emanava pelos seus
poros e se fazia vista em seus olhos incrivelmente negros, misteriosos e
sedutores.
— Não há pelo que agradecer… — Gabi olhou com carinho para a
linda menina. — Madeleine é uma ótima aluna. Obediente, educada e
interessada…
— Ainda assim, eu e minha esposa estamos muito satisfeitos com sua
influência sobre ela. — Acariciou com brandura o rosto da filha. — Made
fala muito de você… — Ele olhou para as mãos cruzadas de Gabriela à frente
do corpo. — Ou devo chamá-la de senhora?
A timidez aplacou o rosto de Gabriela, tornando-a um pimentão em
forma de gente.
— Senhorita, não sou casada — retificou, envergonhada.
Ele sorriu, pareceu divertir-se com a timidez da mulher.
— Preciso ir, minha principessa — disse com carinho para a menina.
— Você vem me buscar, pappa? — A garotinha segurou o rosto do pai
e o olhou ansiosa.
— Eu e a mamãe viajaremos esta noite, está lembrada? — Sorriu,
afetuoso. — Voltamos logo, tudo bem?
Madeleine fez um bico e uma careta.
— Eu quero ir com vocês, pappa!
— Já conversamos sobre isso… — Tentou tirá-la do colo, mas
Madeleine se agarrou a ele como carrapicho. — Madeleine, por favor, não
vamos começar…
A pequena criança tentou atingir o coração do pai com lágrimas, mas
Sr. Bennedetti não era dado a sentimentalismos.
— Venha Madeleine — Gabriela interveio com carinho, pegando-a
em seu colo. — Tenho uma brincadeira nova, sabia? Quer que eu lhe mostre?
Os lindos olhos negros de Madeleine se abriram de curiosidade.
— Quero, tia…
— Então se despeça de seu pai, deseje boa viagem e vamos brincar.
Giovanni encarou seriamente a mulher à sua frente, num misto de
gratidão e respeito. Parecia que a professora era a única que conseguia lidar
com sua pequena filha. Sua própria esposa não era capaz disso.
— Boa viagem, pappa, ficarei com saudades… — Os olhos da linda
menina se embaçaram com as lágrimas.
— Eu também, mia bambola, mas volto logo… — acariciou
novamente os cabelinhos da garotinha. — Você se despediu da mamãe hoje
pela manhã?
— Sim, pappa. Ti amo!
Apesar da expressão dura no rosto, foi impossível não notar a emoção
que as palavras causaram no italiano.
— Eu também, mia bambina. — Voltou a olhar para Gabriela. —
Senhorita… — Enrugou a testa interrogativamente.
— Gabriela… Gabriela Nessa.
— Senhorita Gabriela, foi um grande prazer conhecê-la. — Meneou a
cabeça com educação e seguiu altivo em direção à saída do colégio.
Por alguns minutos, Gabriela se perdeu naquela cena. Enquanto o
lindo homem caminhava com elegância, seus capangas aceleraram o passo e,
como gângsteres, verificaram se a saída do chefe estava segura.
Muitos diziam que o italiano era um gângster perigoso, outros que era
mafioso, traficante, ladrão de bancos, enfim… Para a escola, ele era apenas
um empresário bem-sucedido que pagava a mensalidade ultrajante com um
ano de antecedência e que fazia doações generosas para as obras sociais da
madre superiora. Para Gabi, só o que importava era que Giovanni Bennedetti
era um pai presente, afetuoso e cheio de mimos com sua pequena herdeira.
— Tia Gabi…
— Oi, querida… — Gabi despertou de seu devaneio, sorriu, segurou
a pequena mão de Madeleine e a levou consigo.
Dois

Giovanni saiu do banheiro e, enquanto enxugava os cabelos, admirou o


corpo escultural da esposa.
— Parece exausta, cuore mio. — Aproximou-se da cama e acariciou
as pernas longas e torneadas dela.
Patrícia sorriu manhosa.
— Culpa sua, meu garanhão… — Estendeu sua mão para o marido. —
Não vá ainda, é tão cedo, deite-se aqui mais um pouquinho.
Giovanni sorriu, segurou o pé de Patrícia e o levou até seus lábios.
— Quero levar Madeleine para a escola. Ela está triste com nossa
viagem. Tem certeza de que não podemos levá-la? — Virou levemente o
pescoço e sorriu.
Patrícia fechou os olhos devagar, um pouco sem paciência com a
insistência do marido. Era importante que sua pequena filha não fosse à
viagem que haviam planejado, mas o marido tinha uma dificuldade imensa de
se afastar dela.
— Gio, ela sempre nos acompanha nas viagens. Desta vez, será uma
viagem só nossa. Você me prometeu que seria nossa segunda lua de mel.
Giovanni abaixou a cabeça e sorriu. Tratando-se de sua pequena
Madeleine, nem sempre ele cumpria com suas promessas.
— Tudo bem — levantou-se, exibindo seu corpo grande e musculoso.
— Preciso ir, não quero que ela se atrase. — Seguiu nu pelo quarto. —
Arrume nossas malas e me encontre no hangar onde fica nosso avião. Pedirei
ao Ângelo para deixar tudo pronto para seguirmos viagem assim que chegar.
Tenho uma reunião no final da tarde, talvez me atrase um pouco, cuore mio.
— Oh, Gio, por favor, não se atrase ao menos hoje. Temos hotel
reservado…
Giovanni a olhou por sobre seu ombro e sorriu.
— Serei só seu por longos dias, cuore, mas, até lá, os negócios me
chamam.

†††

Ele ajeitou sua pistola Taurus G3c no coldre oculto em seu tórax,
colocou o colete de seda e seu terno Armani por cima. Olhou para o espelho
de corpo inteiro e ajeitou a gravata.
Hoje era um dia importante, um negócio valioso seria fechado, e, por
esse motivo, Giovanni estava um pouco tenso.
— Não há com o que se preocupar, Giovanni, está tudo sob controle!
— disse para si mesmo. Expirou com força e deixou seu closet, abriu a porta
do quarto e viu Madeleine esperando-o.
— Pappa! — Jogou-se em seus braços. — Gosto tanto quando me
leva para a escola.
Giovanni a levantou nos braços e a beijou com amor.
Não havia nada mais precioso para ele do que sua família. Patrícia e
Madeleine. Elas eram as únicas coisas que verdadeiramente importavam em
sua vida.
— Então vamos, bambina, seu pappa não pode se atrasar hoje, tenho
uma reunião importante.
Com a filha em seus braços, desceu as escadas.
— Você sempre tem reuniões importantes, pappa — Madeleine cerrou
seus olhos bonitos e esbravejou.
— Essa é ainda mais importante do que a última — sorriu, afetuoso.
— Conte-me como estão suas aulas.
— Minha professora é muito legal e linda, pappa. Ela tem cabelos
vermelhos, sabia?
O pai sorriu, entretido. As observações da filha sempre causavam
espanto nele.
— Sério? Que interessante — Giovanni desconversou. — O que
mais? — perguntou, interessado.
— Ela nos ensinou a rezar.
Os dois chegaram à entrada da casa, onde os seguranças o
aguardavam.
— Bom dia, senhor!
Giovanni meneou a cabeça levemente.
— Bom dia. Hoje levarei minha filha à escola — avisou, apressado.
— Sim, senhor.
Durante o caminho, Madeleine contou as diversas histórias que sua
professora lhe contara. Todas religiosas, é claro.
Giovanni era um homem crente em Deus, educado e criado sob os
rígidos preceitos da Igreja Católica Romana. Todavia nem sempre seguia os
ensinamentos religiosos ao pé da letra.
— Você gosta muito dela, não é mesmo, Made?
— Eu adoro a tia Gabi, ela é tão boazinha, pappa!
Giovanni riu.
— Que bom! — Acariciou os cabelinhos pretos de sua filha, e a
aconchegou junto a si. — Eu e sua mamma vamos tirar férias, você ficará
com sua babá e dona Rute. Mas será por pouco tempo.
Madeleine arregalou os olhos.
— Mas, pappa…!
— Made, você não ficará sozinha, tem a…
Madeleine o interrompeu, nervosa.
— Não gosto da babá, da dona Rute, nem daqueles moços feios que
ficam atrás de mim o dia inteiro, não gosto de ninguém! — As lágrimas
começaram a rolar por seu rosto.
Ele bufou, contrariado. Não queria deixá-la, mas havia prometido a
Patrícia que seria uma viagem de lua de mel.
— Já decidimos, Madeleine, não insista — disse, mais duro do que
costumava ser.
A filha se encolheu no assento do carro, com a cabeça baixa e os
braços cruzados.
Desde o nascimento da filha, o casal nunca mais viajou sozinho.
Talvez mais por culpa dele do que da esposa. Giovanni não confiava em
ninguém, muito menos em relação ao seu pequeno tesouro. No entanto, ele
tinha que engravidar sua esposa, e um período sozinhos era o que o italiano
utilizaria para convencê-la de que precisavam ter mais um filho. Era mesmo
imprescindível que ele a engravidasse, e preferencialmente de um menino.
Precisava de um herdeiro homem para levar adiante seus negócios. Aliás,
Giovanni tinha planos de ter muitos filhos homens, ele só precisava que sua
linda esposa concordasse com isso.

†††

Minutos depois, o carro estacionou em frente ao colégio da filha.


— Vou descer, Ângelo, quero conhecer a professora de Madeleine —
Giovanni avisou ao seu segurança particular.
— Vou pedir aos rapazes para descerem, senhor.
Rapidamente, os seguranças que faziam a escolta dele desceram dos
carros e se posicionaram ao redor do Rolls-royce do chefe.
— Pode entrar, Made, papai ficará observando você.
Madeleine se despediu do pai e saiu correndo em direção a uma
mulher, possivelmente a professora de que tanto falava.
— Aquela é a professora de minha filha? — Giovanni perguntou ao
seu segurança.
— Sim, senhor. Já fizemos uma averiguação na vida da moça, não
oferece perigo.
— Certo, vou até lá conhecê-la.
Com passos largos e decididos, ele alcançou a professora.
— Bom dia, professora.
A mulher se virou, e seus grandes olhos o miraram assustados. De
longe, ele jurava tratar-se de uma senhora. As roupas cafonas e muitíssimo
sérias diziam isso, mas ao deparar-se com seu rosto, Giovanni viu ser uma
mulher jovem e, se não fosse pelo modo como se vestia, muito bonita e
atraente. Ela tinha um ar angelical, puro e… Ele não soube descrever o que
viu naqueles olhos de um azul absoluto, ou melhor, violeta; sim, os olhos da
moça eram de um tom violeta.
— Bom dia, Sr. Bennedetti.
— Gostaria de agradecer pessoalmente pelo excelente trabalho que
vem fazendo com minha filha…
Talvez Patrícia devesse fazer isso, não ele. Mas Giovanni era
controlador demais para deixar a cargo da esposa a segurança de sua filha. E,
lá no fundo, sabia que Patrícia não era o tipo de mãe que se preocupava com
isso.
Minutos depois, ele já havia deixado o colégio. Mas a imagem da
jovem professora não saía da sua cabeça.
— A moça é uma freira, Ângelo? — perguntou inesperadamente,
sentado no banco traseiro de seu Rolls-royce.
O homem olhou para trás, confuso.
— De quem está falando, chefe?
— Da professora.
— Não, mas se deseja saber mais sobre ela, peço para lhe enviarem
um relatório.
Giovanni balançou a cabeça negativamente.
— Estou com muitas preocupações para olhar relatórios sobre uma
professora. Era só curiosidade. Ela se veste como uma freira…
Pegou seu celular para checar as mensagens. Um navio repleto de
mercadorias estava encalhado em um canal do outro lado do mundo. Segundo
a mensagem, a previsão era que demorasse aproximadamente 30 dias para
desencalharem-no; adicionalmente, uma multa milionária deveria ser paga.
— Ma che cazzo! — Esmurrou o estofado de couro. — Bando de
incompetentes.
Rapidamente, ligou para seu escritório. A ligação foi completada e
Giovanni se esqueceu dos bons modos. Estava demasiado irritado.
— Preciso falar com Otávio.
— Sr. Bennedetti, bom dia. Ele está numa ligação…
— Peça para desligar essa porra e me atender.
A ligação emudeceu e a voz de seu assistente surgiu no telefone.
— Sr. Bennedetti, já estou resolvendo a situação da embarcação…
— Tenho certeza de que sim, nem que tenha que empurrar o navio
pelo canal de Suez a nado.
— Estou contratando uma empresa… — o homem tentou se explicar,
mas não conseguiu.
— Não quero saber! — interrompeu-o sem paciência. — Eu disse
para não seguir com a embarcação por esse canal, por que não me
obedeceram?
— As outras rotas são perigosas, repletas de piratas…
— Também somos perigosos. Para que temos armas, cazzo?! Matem
os piratas! — esbravejou.
— Senhor…
— Não quero saber. Resolva isso, caso não queira ter seu pescoço
pendurado em praça pública.
Desligou.
três

Gabriela definitivamente odiava seus cabelos, em especial o modo como os


fios se enrolavam e formavam um emaranhado de pequenas molas. Odiava
também a cor deles, pois, segundo sua avó, as ruivas eram queimadas vivas
na antiguidade por serem consideradas bruxas, feiticeiras. A herança de seu
pai não era algo do que se orgulhava.
Pacientemente, ela tentou unir os fios rebeldes em um coque elegante
e simples. Aliás, tudo nela era simples e singelo. Nada na linda moça
exprimia vaidade ou ostentação.
Com dez anos, Gabriela decidira que seria freira. De fato, sua avó a
conduzira para isso. Desde seus tenros anos de vida, a garotinha frequentara a
igreja, ajudara a avó nas atribuições de beata e aprendera um pouco mais
sobre como seria sua vida depois que fizesse o voto perpétuo de castidade.
Durante bons anos, ela tivera certeza de qual seria o seu futuro.
Quisera servir a Deus, à Igreja, cuidar dos pobres e dos necessitados. Mas,
enfim, as coisas não deram muito certo.
Ajoelhada em frente ao seu oratório, ela fez sua oração e saiu para
sua visita semanal à avó. A velha mulher tinha uma saúde debilitada e vivia
numa clínica para idosos. Apesar de não ganhar muito, Gabriela se esforçava
para manter a avó num lugar simples, mas no qual era bem assistida.
Talvez a velha não merecesse tanto sacrifício, mas Gabriela era boa e
caridosa demais para pensar o contrário. De fato, ela ajudaria até mesmo o
seu pior inimigo.
Depois de alguns minutos, o ônibus parou próximo ao local. Ela
acelerou o passo, o horário de visitas estava perto de acabar. Em pouco
tempo, estava no corredor dos quartos. Parou em frente ao dormitório da avó
e bateu. Como sempre, a velha não respondeu. Ela abriu a porta e tentou ser
agradável.
— Vovó, sou eu, posso entrar?
A mulher carrancuda a olhou de soslaio.
— Chegou atrasada, Gabriela, estava com algum macho por aí?
A ruiva abaixou os olhos, envergonhada.
— Estava no trânsito, vovó. Além disso, só há uma linha de ônibus
que vem até aqui. — Sentou-se em frente a avó e entregou uma trouxinha de
pano para ela. — Trouxe seu bolo preferido. Quer comê-lo comigo?
— Não, deixe aí. Diga-me, o que anda fazendo?
— O de sempre. Dou minhas aulas, vou à igreja. Enfim, nada demais.
— E deixam você entrar na igreja?
Gabriela abaixou a cabeça novamente e tentou não sucumbir aos
ataques ferrenhos da avó.
— Ninguém me conhece, e, além disso, uso um véu em minha cabeça.
De todo modo, não sou uma criminosa para me proibirem de entrar na igreja
— Levantou-se e foi até a janela. — Quer que eu a leve para tomar um pouco
de sol? O dia está bonito hoje.
— Você é uma pecadora, então nunca mais deveria pisar em uma
igreja.
Gabriela fechou brevemente seus olhos. Por mais que tentasse
esquecer seu passado, enquanto vivesse, sua avó faria questão de trazer seus
erros à tona.
— Todos merecemos perdão, vovó, não sou eu quem está dizendo
isso, está na bíblia… por favor…
A avó a interrompeu.
— Vá embora, Gabriela, já disse que não é bem-vinda aqui. Não a
considero mais minha neta. Saia!
As palavras duras e insensíveis da avó eram como uma apunhalada
em seu coração. A idosa nunca se cansava de proferi-las.
— Eu só queria saber se está bem, se precisa de alguma coisa. Só
temos uma à outra… — Seus olhos lacrimejaram.
— Você morreu pra mim. Vá embora.
Ela respirou profundamente e, desconcertada, moveu-se até a porta.
— Fique bem, vovó, voltarei semana que vem. Mesmo que não me
queira bem, eu a quero.
Depois que fechou a porta, permitiu-se chorar um pouco. Ela já ouvira
dizer que as lágrimas limpavam o coração e acalmavam a alma. Era nisso que
acreditava.

†††
Era possível ver, logo na entrada da escola, a imagem imensa da
Virgem Maria. Gabriela tinha o costume de parar por alguns segundos em
frente a ela, fazer sua oração e começar seu dia.
Naquele dia não foi diferente.
Em pouco tempo, suas crianças já estavam reunidas, mas quem
chamou sua atenção foi sua aluna preferida, Madeleine.
A linda garotinha tinha um encanto diferente das demais, e a conexão
das duas se dera desde o primeiro dia de aula.
A professora cria na existência de pessoas que tinham um efeito de
bálsamo sobre as outras. Madeleine era assim para Gabriela. Com a
garotinha ela se sentia inteira, pura e sem pecados.
Gabriela se agachou em frente à menina.
— Oi, minha querida, você não me parece bem hoje. — Acariciou as
bochechas redondinhas dela. — O que houve?
— Papai e mamãe viajaram, e ninguém me ligou para dar boa noite ou
bom dia. Eles me abandonaram, tia — Seus olhos se encheram de lágrimas.
Gabriela se emocionou. Imediatamente passou seus braços pelo
corpinho frágil e delicado da garotinha e a abraçou com amor.
— Não, não é verdade. Eles devem estar sem celular, às vezes
acontece…
— Não com o meu pappa, tia… Ele nunca se esqueceu de mim.
Mais um abraço apertado.
Gabriela pensou no que poderia fazer. Talvez ligar para sua família,
apenas para acalmar o coração da criança.
— Quer que ligue para eles?
A linda garotinha abriu um sorriso enorme.
— Sim, tia. — Com desenvoltura, pegou de dentro da sua mochila um
caderninho e a entregou para a professora. — Aqui está o telefone do papai e
da mamãe.
Gabriela abriu o caderno e discou o número de sua mãe
primeiramente. Mas nada aconteceu.
Um sorriso nervoso se formou em seus lábios finos. Gabriela não
queria ligar para o Sr. Bennedetti. Ela se sentia acuada e estranha ao pensar
no pai da menina.
Insistiu mais uma vez.
— Vamos tentar de novo, ela não deve ter ouvido. — Permaneceu
sorrindo, sem graça.
— Liga para o papai, tia, a mamãe nunca atende.
Ela suspirou, desanimada.
— Sim, querida. Farei isso.
Com os dedos inseguros, ela digitou o número. Começou a chamar.
— Está chamando! — cochichou, nervosa.
Com os olhos atentos e curiosos, Madeleine esperava.
Quando Gabriela já estava tentada a desligar, aquela voz masculina
grave e sedutora, embora rude, surgiu.
— Quem é você, e o que quer?
Gabriela enrugou a testa.
— Sou a professora de Madeleine…
O homem a interrompeu abruptamente.
— O que aconteceu à minha filha? — Sua voz saiu praticamente em
um berro.
— Nada, senhor, se acalme. Sou a professora dela. Ela pediu para
ligar para você e sua esposa, está sentindo falta de vocês. É só isso, me
desculpe…
— Oh, eu que peço desculpas, estou nervoso. Madeleine está bem?
— Sim, está. Quer falar com o senhor.
— Pode colocá-la na linha, por favor?
Gabriela entregou o telefone para a menina e observou a alegria com
que ela conversava com o pai. No final da conversa, ela voltou o telefone
para a professora.
— Papai quer falar com você, tia.
A moça virou os olhos.
— Pois não?
— Srta. Gabriela, uma tragédia aconteceu em minha família. Minha
esposa acabou de falecer em um acidente de avião… — Gabi ficou muda e
sem ação. — Não sei como contar isso a Madeleine.
— Sinto muito, senhor… — sussurrou. — E-eu não sei o que dizer.
— Me ajude a contar para ela. Talvez a senhorita tenha mais
sensibilidade para isso.
— Oh, não sei… — titubeou.
Um estrondo na porta da escola chamou a atenção dela, que,
assustada, acabou deixando o telefone de lado.
— O que foi isso, tia? — A garotinha olhou assustada para a entrada
do colégio.
Subitamente, vários homens armados invadiram o pátio.
— Oh, meu Deus!
Sem pensar muito, Gabriela enfiou o celular no bolso da saia, pegou
Madeleine no colo e saiu correndo com ela por um caminho contrário ao dos
homens.
Tiros foram ouvidos, o que causou ainda mais terror às duas.
Madeleine gritou assustada, mas Gabriela tentou acalmá-la e seguiu sem
pensar. Uma força estranha e misteriosa a conduziu em meio à escuridão.
Havia uma onda de terror no colégio, gritos e disparos foram ouvidos.
Quando finalmente Gabriela conseguiu sair por uma porta dos fundos, ela mal
sabia o que fazer.
— Tia, estou com medo — a garotinha disse.
Gabriela forçou um sorriso.
— Não precisa ter medo. Está tudo bem, vamos para a minha casa,
podemos brincar lá.
Sem que a menininha tivesse tempo de responder, Gabriela levantou
seu braço e pegou o primeiro ônibus que viu na frente.
— Eu nunca tinha andado de ônibus, tia — Madeleine disse, mais
tranquila.
— É legal, não é? — gaguejou a professora.
A menina concordou com a cabeça.
Mais calma, Gabriela se lembrou do pai da criança, mas quando
pegou seu celular, ele estava descarregado.
Droga!
— Para onde estamos indo, tia?
— Passear um pouco, meu bem — respirou fundo e tentou processar o
que estava acontecendo. — Vai ficar tudo bem, não deixarei nada fazer mal a
você.
Madeleine deitou seu rosto sobre o peito de Gabriela, que a aninhou
em seus braços, num gesto de proteção e acolhimento.
Com os olhos fechados e com movimentos de lábios, Gabi fez uma
oração silenciosa de agradecimento.
Por algum motivo, ela pensava ter salvado a vida da menina. Ao
menos uma vez em sua vida, Gabriela acreditava ter feito a coisa certa.
Quatro

Como imaginado pelo italiano, a reunião que deveria ser rápida avançou
noite adentro.
— Não abrimos mão do controle e distribuição das mercadorias, Max
— Giovanni reiterou, inflexível.
O homem à sua frente se remexeu. Giovanni sabia todos os podres da
família Maximiliano e de seus pontos fracos. Eles estavam quebrados, e
precisavam do dinheiro dele para não ir à bancarrota.
— Durante anos, tivemos o controle da operação, Giovanni. Nos
conhecemos há tantos anos… temos uma relação antiga de amizade,
cordialidade e respeito.
Giovanni sorriu com cinismo. As únicas palavras que não conhecia no
mundo dos negócios eram amizade, cordialidade e respeito. Ele era uma
raposa esperta, comendo as ovelhinhas que se dispersavam do grupo.
— Sim. Estou aqui por esse motivo. No entanto, amizade e negócios
são assuntos que não combinam.
A porta se abriu e o segurança de Giovanni o olhou com uma
expressão séria.
— Tem um minuto senhor?
O velho homem que estava na sala se levantou.
— Preciso de alguns minutos, Giovanni, para conversar com meus
advogados.
Giovanni bufou contrariado e olhou para seu Rolex. Sua viagem
romântica com sua bela esposa estava arruinada, eles não poderiam seguir
hoje.
— Tudo bem, também preciso de alguns minutos. — Levantou-se e
seguiu em direção ao segurança. — Qual é o problema, Ângelo?
— Podemos ir a uma sala? O assunto é urgente.
Giovanni enrugou a testa e seguiu para uma sala próxima. Entrou e
fechou a porta.
— Espero que seja algo importante, Ângelo, estou no meio de uma
negociação.
— Sr. Bennedetti, o senhor não deve ir à viagem com sua esposa —
afirmou, categórico.
O italiano riu para dentro.
— Que história é essa, homem?
— Conseguimos interceptar ligações de sua esposa com Giacomo
Bianchi. Ela planeja levá-lo para fora do país, onde ficará mais vulnerável.
Sra. Patrícia está aliada ao seu primo… está levando-o para uma emboscada.
O coração de Giovanni disparou e a musculatura inteira de seu corpo
se retesou de tensão.
— Deve haver algo de errado… — Virou-se de costas e respirou
forte. — Ela não me trairia.
— Sr. Bennedetti, estou rastreando sua esposa há algum tempo. Estava
em dúvida, por isso não o avisei. Mas, agora, tenho certeza. Ela tem um caso
com o Giacomo. Planeja matar o senhor, assim ela e o seu primo poderão
assumir os negócios da sua família. Sinto muito, senhor. Eu não queria lhe dar
essa notícia.
Ele se sentou e cobriu o rosto.
Não, não podia ser verdade, devia haver alguma confusão. Patrícia
não faria isso. Ela o amava.
— Você está certo disso, Ângelo? — indagou, abalado. — Você sabe
o que acontecerá, não posso cometer enganos.
— Estou com as gravações aqui, por favor, ouça… — Entregou um
celular para o italiano.
Giovanni olhou para o aparelho e titubeou. Era difícil admitir que a
mulher que amava o estava traindo com seu arqui-inimigo. Ele olhou para a
mão do segurança, pegou o celular e começou a ouvir as gravações. Quando
terminou o último áudio, ele arremessou o celular com toda a força contra a
parede.
— Stronza![1] — gritou, enfurecido.
— Quais são as ordens, senhor? — o segurança indagou friamente.
Giovanni pegou seu celular e ligou para a esposa. Ela atendeu de
imediato.
— Oi, querido, já está vindo? Estou ansiosa para iniciarmos nossa
viagem…
— Não, cuore mio, me desculpe, mas preciso fazer uma pequena
alteração em nossos planos…
— Não, Giovanni, dessa vez, não…
— Ouça, Patrícia… — disse, num tom sério e duro. — Estou
fechando um grande negócio, não posso fazer isso com pressa. Estou pedindo
para o comandante levá-la para a nossa ilha particular. Seguiremos para a
Grécia em seguida.
Ele a ouviu bufar, mas ela não retrucou. Já conhecia demais o marido
para saber quando não seriam permitidos questionamentos.
— Está bem, o esperarei para o jantar.
Giovanni sorriu, satisfeito.
— Chegarei a tempo, cuore mio. Prometo.
— Eu amo você, Gio.
— Eu também, eu também…
Giovanni desligou o celular e olhou para o segurança.
— Simule uma queda de avião, não deixe pistas. — Levantou-se e
seguiu para a porta. — Seja discreto, não quero chamar atenção.
— Certo, senhor… E o seu primo?
O italiano riu com amargura.
— Eu nunca confiei nele, mas nela, sim. Eu vou acabar com ele… mas
agora, não. — Fechou a porta e saiu.

†††
Eram 21 horas quando Giovanni e Maximiliano apertaram as mãos.
— Negócio fechado, você venceu, Bennedetti — o velho empresário
afirmou com desânimo. — Você fica com o controle e distribuição, mas quero
ter direito a recomprar sua parte no futuro.
O italiano sorriu. Em pouco tempo teria todas as ações da empresa de
Maximiliano, e, finalmente, o velho estaria arruinado. O tempo mostraria que
nunca deveria ter pedido ajuda a um Bennedetti.
— Como quiser… — Giovanni não conseguiu terminar a frase. O
segurança entrou na sala, e meneou a cabeça. — É isso, Max, em breve nos
falamos.
Giovanni esperou todos irem embora, e voltou sua atenção ao
segurança.
— O que aconteceu?
— Está feito, senhor…
A mandíbula de Giovanni se travou de tensão.
— Chame uma aeronave, me leve até o local.

†††
As labaredas de fogo ainda ardiam quando o helicóptero com
Giovanni Bennedetti chegou ao local onde seu avião particular havia caído.
Giovanni cobriu os olhos. Deus sabia que ele não queria ter feito
aquilo.
— Conseguimos tirar os corpos da tripulação e de dona Patrícia, mas
a maioria já estava sem vida — Ângelo explicou com naturalidade.
A aeronave pousou no terreno, Giovanni abriu a porta e pulou. Sua
linda esposa, com seus cabelos dourados como o Sol, estava deitada inerte no
chão, coberta por sangue.
— Por que fez isso comigo, Patrícia? — murmurou para si mesmo.
Ele olhou para o segurança e ordenou:
— Vamos colocá-la no helicóptero e levá-la para um hospital. É
preciso ter uma certidão de óbito confiável. Avise nossos amigos policiais
para virem para cá. — Virou-se e seguiu para a aeronave.

†††
O dia já tinha amanhecido quando um médico se aproximou de onde
Giovanni estava. O italiano se levantou e olhou ansioso para o cirurgião.
— Então, como Patrícia está?
— Fizemos tudo que estava ao nosso alcance, Sr. Bennedetti, mas os
ferimentos eram demasiadamente graves, ela não resistiu…
Ele balançou a cabeça negativamente.
— Não, não é verdade…
— Sinto muito, senhor.
— Minha pobre esposa. Que desgraça! — Virou-se e seguiu pelo
corredor. Era preciso manter as aparências. Ninguém poderia desconfiar do
verdadeiro causador da morte de Patrícia.
Mais à frente, seu segurança o aguardava.
— E então, senhor?
— Está acabado — declarou, com o semblante triste. — Avise meu
assistente, peça para tomar as providências necessárias.
— Certo…
No mesmo momento que disse isso, Madeleine veio à sua mente.
— Minha filha… preciso contar a ela. — Esfregou o rosto.
— Ela está na escola, senhor, eu a levei pessoalmente.
— Vamos para lá. Preciso pegá-la, contar o que aconteceu…
Cinco

— Salve… Alô… professora? Está escutando? Porca miseria[2] —


Giovanni olhou nervoso para o celular.
— O que houve, senhor? — Ângelo olhou para trás, confuso.
— Ela desligou. A disgraziatta desligou. Che palle[3]! — bradou,
possesso.
— Desligou? — seu segurança perguntou. — Como assim?
— Sim, eu pedi sua ajuda para contar a Madeleine… — Esfregou o
rosto. — E ela desligou.
— Tente ligar para o número, senhor… deve ter caído a ligação. O
sinal nessa parte da cidade é ruim…
Bennedetti olhou para o último número em seu celular, mas ele estava
oculto. Nervoso, jogou o celular pelo assoalho do automóvel.
— Está oculto… — bufou. — Há algo de errado, Ângelo!
Uma aflição no peito o torturava.
Antes que o fiel segurança respondesse, o telefone do carro tocou.
— São os seguranças que dão apoio aos guarda-costas de Madeleine
— o homem avisou.
— Atenda! — ordenou.
Giovanni fechou os olhos e soltou o ar. As últimas horas foram as
piores da sua vida. Ele nunca pensou que seria traído pela esposa. Nunca
pensou que ela se uniria a Giacomo para matá-lo.
Ângelo pegou o telefone e atendeu.
— Olá, como estão às coisas por aí?
O italiano olhou atentamente para o guarda-costas e viu novamente a
expressão perturbada em seu rosto. Ele não pensou duas vezes, arrancou o
telefone da mão do homem.
— É o Bennedetti, o que está acontecendo?
— Os guarda-costas da Srta. Madeleine estão mortos… homens
encapuzados invadiram a escola…
O coração do italiano explodiu no peito. Todos os pelos de seu corpo
(e eram muitos) arrepiaram-se em sinal de alerta. Ele apertou os olhos,
temeroso, e perguntou:
— Seja breve e objetivo, eles pegaram minha filha?
— Ela sumiu, senhor. Não está no colégio, procuramos por toda
parte…
— Estou indo até aí. — Desligou o telefone. — Vá para o colégio de
Madeleine, quero todos os nossos seguranças cercando aquele prédio. —
Pegou seu celular e olhou para o número oculto. — Você tem os dados dessa
tal professora?
O homem olhou para trás. Ele já tinha visto seu chefe nervoso, mas
nada parecido com o que via agora.
— Sim, senhor…
— Peça que os enviem para mim agora, quero saber tudo sobre essa
mulher. Ela está com minha filha, e deve estar envolvida com Giacomo —
expirou pesadamente. — Possivelmente, Madeleine será o próximo alvo dele,
se é que já… — Parou de falar, angustiado. — Acelere, Ângelo!

†††
A área do colégio foi vasculhada milimetricamente, entretanto
Madeleine e sua professora não foram achadas.
Bennedetti tentou manter o controle enquanto a madre superiora
explicava o que acontecera: a invasão do colégio; a morte dos guarda-costas;
os tiros para o alto; e os funcionários mantidos como reféns. Muitos policiais
estavam no local, mas ele não se importava com isso. A polícia era corrupta,
e ele sabia muito bem como mantê-la a uma distância segura de seus
negócios.
— Eles queriam sua filha, Sr. Bennedetti. Não sei se conseguiram
levá-la. Aqui estão as coisas dela. Encontramos jogadas pelos corredores —
a madre relatou, abalada.
Giovanni pegou a mochila da filha e pressionou a mandíbula para
conter a emoção.
— Obrigada, madre. E a professora?
— Ela sumiu no meio da confusão. Tentamos falar em seu telefone,
mas não atende. Não sabemos se algo terrível aconteceu a Gabriela.
Ele balançou a cabeça em entendimento, antes de seguir a passos
firmes e vigorosos para a saída do colégio.
— Vamos à casa da moça, Ângelo. Se ela estiver com minha filha
como refém, eu a matarei pessoalmente.
— Como o senhor quiser…

†††
O motorista estacionou o modelo Rolls-royce blindado em frente a
uma casa antiga e caindo aos pedaços.
— Cazzo, o que é isso, Ângelo? — Giovanni olhou com espanto para
a edificação degradada.
— É o endereço da professora, senhor. Pelo que levantamos, ela mora
nesse lugar. É uma pensão para moças solteiras.
— Avise os homens que iremos invadir a espelunca. Ela deve ser uma
espiã do Giacomo e está disfarçada de professora. Essa casa compõe seu
disfarce. Tenho certeza de que a cagna[4] trabalha para o lazarento de meu
primo bastardo.
— Será, senhor? — Ângelo perguntou, relutante.
— Sim, tenho certeza.
Rapidamente, os homens de Giovanni invadiram o casarão. Muitos
gritos e mulheres desmaiando para todos os lados. Até que conseguiram
trazer a dona da pensão.
Giovanni olhou para as calças da mulher, completamente mijadas.
— Por favor, senhor, não tenho nada. Sou apenas uma cristã que ajuda
essas pobres moças…
— Estou procurando Gabriela Nessa, uma mulher de cabelos ruivos e
olhos azuis…
— Oh, Gabriela! Ela fica no segundo andar, quarto número 4… mas o
que Gabriela fez de errado?
Giovanni não respondeu, foi em direção as escadas, seguido de seus
homens.
— Senhor, por favor, o que Gabriela fez? Eu a achava uma moça tão
boa, devota da Virgem Maria…
Ele estava demasiado nervoso para prestar atenção no que a mulher
dizia. Então, a certo momento, já não a escutava mais. Ouvia apenas o
barulho do ranger do assoalho velho sob seus pés e os passos apressados de
seus homens atrás dele.
Finalmente chegaram à porta de número 4. Ele olhou para trás. Um
dos homens se aproximou e, com um golpe de pés, derrubou-a com estrondo.
Giovanni foi o primeiro a entrar no aposento, arma em punho, pronto
para matar quem fosse que estivesse mantendo sua filha como refém. Mas o
que viu o desarmou. Madeleine estava agarrada à professora, assustada e
chocada com a cena.
— Madeleine! — sussurrou, emocionado.
— Pappa! — Ela saiu do colo da professora e foi correndo para os
braços do pai. — Você demorou tanto, pappa. Estava com tanto medo.
Giovanni fechou os olhos e abraçou forte seu pequeno tesouro.
Quando os abriu, viu a mulher ruiva sendo amarrada por seus capangas.
— Para quem trabalha, zoccola[5]? — indagou, descontrolado.
Os grandes olhos violetas da ruiva estavam ainda maiores do que de
costume. Além disso, seus cabelos estavam soltos, revoltos, o que dava um ar
selvagem à mulher.
Dio Santo, como ela era linda!
— Para o colégio Menino Jesus — ela respondeu, trêmula.
O homem estava demasiado nervoso, então colocou sua filha no colo
de um dos seguranças, aproximou-se dela e rosnou perigosamente:
— Col Cazzo[6]! Não tente me enganar, puttana[7]. O que faria com
minha filha?
Mas a voz de Madeleine o tirou do transe.
— Pappa, tia Gabriela me salvou daqueles homens maus. Por que
está falando com ela desse jeito?
Antes que Giovanni tivesse tempo de raciocinar, a velha mijada
entrou no quarto e viu a cena: a ruiva amarrada e sendo mantida por dois
seguranças, enquanto Bennedetti apontava uma arma para a sua cabeça.
— Minha Virgem Maria! — a velha se benzeu. — Ela mantinha uma
criança nesse quarto, e eu nem sabia? — Aproximou-se de Gabriela e a olhou
com desprezo. — Sua mundana, pensou que me enganaria por quanto tempo?
— Olhou para os homens de preto e sorriu. — Se não fossem esses policiais,
o que seria de mim? — Voltou a olhar para a ruiva. — Não a quero mais aqui,
vagabunda!
A mulher seguiu até o guarda-roupa de Gabriela, começou a tirar suas
roupas e jogá-las pela janela.
— Eu lhe suplico, senhora, eu não fiz nada! Este homem é maluco. —
Debateu-se, tentando se livrar das mãos fortes dos seguranças. — Me soltem,
não fiz nada!
— Pappa, faça alguma coisa! — sua filha disse, nervosa.
O italiano olhou para seu segurança e ordenou:
— Reviste a moça!
Gabriela arregalou ainda mais seus olhos.
— Não me toquem, senão… senão…
Ângelo se remexeu desconfortável. Ele era um homem vivido,
experiente; sabia que a pobre moça não tinha feito nada.
— Senhor, não podemos revistar uma moça… ela é quase uma freira
— cochichou em seu ouvido.
O sangue do italiano ferveu.
— Desde quando é moralista, bugiardo[8]?
— Deve haver um engano, senhor, eu li os relatórios sobre ela…
Mas Giovanni estava sem paciência, colocou sua arma no coldre,
aproximou-se da mulher e começou a apalpá-la à procura de uma arma.
— Pare, seu, seu… monstro — Gabriela se debatia, furiosa.
Mas, Giovanni perdeu o foco de seu objetivo (achar uma arma) e
começou a perceber muito mais curvas no corpo da mulher do que havia visto
por cima de suas vestimentas horríveis. Quadris redondos, seios firmes,
coxas macias…
Cazzo! Como a professora era gostosa!
Nervoso com seu deslize, ele se recompôs e se afastou.
— Ela está limpa. — Olhou para a moça e viu seus olhos cheios de
lágrimas. — Não é nada pessoal, mulher, mas você fugiu com minha filha.
— Eu fugi por causa daqueles homens… — retrucou, exasperada.
Apesar de o homem não gostar de admitir quando tinha palpites
errados, talvez tenha sido o caso. A moça não era uma inimiga.
— Solte-a. — Aprumou-se em seu terno. — Por que não me ligou
para avisar o que estava acontecendo? — indagou seriamente.
— Não tinha um carregador para o celular, ficou em minha bolsa na
escola. Estava tentando arrumar um…
— Certo… — Giovanni se agitou. — Vamos, homens, vamos levar
Madeleine para casa.
Giovanni virou-se e, sem falar mais nada, seguiu para o corredor.
Seis

Até algumas horas atrás, Gabriela acreditava ter feito a coisa certa ao trazer
a linda garotinha para seu quarto, mas, agora, ao ver suas roupas sendo
arremessadas pela janela, talvez tivesse feito uma grande bobagem.
Uma das regras da pensão era: proibido crianças.
Ela empurrou o brutamonte que estava à sua frente. No caso, o Sr.
Bennedetti. O desgraçado teve a coragem de apalpá-la em todas as partes do
seu corpo, inclusive onde não precisava.
Ao chegar à frente da pensão, ela viu tristemente suas roupas
espalhadas no chão sujo do local.
— Não me volte mais aqui, sua pistoleira — a dona da pensão
esbravejou na porta da entrada.
As lágrimas caíram pelo seu rosto, ao mesmo tempo em que tentava
resgatar as poucas peças de roupa que tinha.
— Não chore, tia! — Madeleine ajoelhou-se com a professora e a
ajudou a recolher suas roupas. Enquanto isso, Sr. Giovanni olhava a cena e,
de algum modo, soube que tinha culpa do que tinha acontecido à mulher.
— Talvez o senhor devesse dar acolhimento para a senhorita… — seu
fiel segurança cochichou. — Ela foi expulsa da pensão por nossa culpa.
— Eu não tive culpa, quem mandou fugir com minha filha? — O
homem voltou a andar até seu carro. — Madeleine, venha!
Mas Madeleine era caridosa demais para deixar sua professora
naquela situação.
— Venha comigo, tia. Dorme no meu quarto, é bem grande! — Sorriu,
amável.
Gabriela, mesmo arrasada, sorriu e acariciou o rosto da pequena
menina.
— Não, vou dar um jeito. Sra. Geni é uma boa pessoa, ela vai me
entender quando eu explicar…
Não deu tempo de terminar a frase, Gabriela teve que se afastar
rapidamente, pois a velha jogou todos os santinhos de seu altar pela janela,
espatifando-os no chão.
— Não volte mais aqui — a mulher gritou uma última vez.
— Ela não é tão bondosa, tia! Espera um pouco… — Madeleine se
levantou e correu em direção ao pai. — Pappa, quero levar tia Gabriela para
a nossa casa. Ela dormirá no meu quarto.
— Não, bambola[9]… — o homem respondeu com rispidez.
Mas Madeleine não se deu como vencida. A garotinha tinha o gênio
do pai, era obstinada e corajosa.
— Então quero falar com a mamãe.
Imediatamente, a expressão de Giovanni mudou. Ainda havia isso
para resolver, e ele não sabia como fazê-lo.
— Made, preciso lhe contar uma coisa…
— Agora não, pappa. Quero falar com a minha mamma. —
Madeleine cruzou os braços e olhou desafiadoramente para o pai.
Devagar, Gabriela se aproximou de Madeleine, agachou-se à sua
frente e acariciou seu rosto.
— Lembra-se que um dia lhe contei sobre a casa do Papai do céu…?
Madeleine sorriu, afetuosa.
— Lembro, tia…
— Lembra também que disse que, algumas vezes, o Papai do Céu
escolhe pessoas muito especiais para ajudá-lo em sua tarefa de cuidar da
humanidade?
— A-hã…
— Tá lembrada também dos anjos, e de como, apesar de não os
vermos, eles permanecem ao nosso lado, nos protegendo e cuidando da
gente?
De novo, a garotinha concordou com a cabeça.
Delicadamente, Gabi acariciou os cabelinhos de Madeleine.
— Às vezes, Madeleine, o Papai do Céu nos chama para uma grande
tarefa. Ele não nos avisa com antecedência nem deixa que nos despeçamos de
quem amamos.
A expressão do rosto de Madeleine começou a mudar.
— Mamãe foi chamada, tia?
— Sim, porque ela era muito especial, e o Papai do Céu precisava
dela para fazer grandes coisas…
As primeiras lágrimas surgiram, e Gabriela as enxugou com
delicadeza.
— Ela sempre estará ao seu lado, mesmo que você não a veja. Não
fique triste. Sua mamãe virou um anjo, um lindo anjo.
— Mas por que ela, tia?
— Porque ela era muito especial. — Gabi, de joelhos, abraçou a
menina com ternura. — Não chore, ela ficará triste com isso. Ela está nos
vendo agora, lá em cima.
E elas olharam para o céu.
— Todas as noites, você poderá vê-la no céu, brilhando mais que
todas as estrelas.
Um soluço foi ouvido, Gabriela levantou a cabeça e viu o Sr.
Bennedetti se esvaindo em lágrimas.
— Isso é lindo, muito bonito mesmo! — ele disse em meio a um
fungado de nariz.
— Sentirei tantas saudades da mamãe, tia!
Gabriela, lentamente, acariciou os fios sedosos do cabelo de
Madeleine, um carinho, um afago. Ela tinha um dom especial de amenizar a
dor das pessoas; talvez, seu maior dom fosse esse.
— Eu sei, querida!
— Quero que vá para a minha casa, tia! Mamãe iria querer isso.
Giovanni olhou sem jeito para Gabriela.
— Sim, srta. Gabriela. Talvez eu lhe deva isso.
Sem muitas opções, Gabriela decidiu que aceitaria a proposta, mas
apenas por uma noite. No dia seguinte arrumaria um lugar para ficar.
— Aceitarei, Sr. Bennedetti, apenas por essa noite. Não tenho para
onde ir.

†††
Gabriela nunca tinha visto tanto luxo e ostentação. A casa da família
Bennedetti era enorme, com pés direitos imensos, suportados por colunas
robustas, envolvidas em mármore da melhor qualidade. Havia também uma
linda escada sinuosa que levava ao piso superior, feita de um material que
reluzia feito ouro e que se abria em duas direções.
Madeleine segurou a mão da professora e sorriu.
— Aqui é minha casa, tia. Gostou?
— Sim, querida, é muito linda. — Gabriela apertou, com timidez,
suas roupas contra o peito.
— Vamos para meu quarto, quero mostrá-lo a você. — A garotinha
tentou levá-la consigo, mas o pai a interrompeu.
— Srta. Gabriela ficará num quarto de hóspedes, Made —
determinou, com dureza.
— Mas, pappa…
Gabriela interveio.
— Melhor assim, querida, não quero tirar seu conforto.
Madeleine fez um bico, mas não retrucou.
Alguns minutos depois, uma empregada levou Gabriela para um
quarto, enorme, confortável e cheio de luxo. Aliás, nada naquela casa era
singelo ou simples.
Sem pressa, Gabriela se sentou na cama coberta por uma colcha de
matelassê, branca feito neve. Colocou suas roupas sobre ela e começou a
sacudi-las e dobrá-las.
Lá no fundo de sua alma, a lembrança de cena semelhante povoou sua
mente perturbada. Quando foi expulsa da congregação das irmãs. De algum
modo, parecia que a humilhação era algo que prometia persegui-la para
sempre. Ser chamada de mundana, vagabunda e pistoleira lhe feria a alma.
Durante os últimos anos, a única coisa que tinha feito foi tentar limpar sua
honra e sua dignidade.
Um toque na porta a fez levar um susto. Ela abriu-se e Sr. Bennedetti
surgiu com sua presença inquietante. Ele era um homem enorme e ameaçador.
Sua postura era altiva e um tanto quanto arrogante. O terno caro envolvia seu
corpo como se fosse feito sob medida — marcava seus ombros largos, o
tórax protuberante e os braços roliços, que pareciam toras de uma árvore. Se
não fosse tão cristã, diria que Sr. Bennedetti era um daqueles deuses gregos
da mitologia que desceram à Terra para aterrorizá-la.
— Desculpe incomodá-la… — disse, gentil.
Gabriela juntou suas mãos sobre o colo e as apertou.
— Tome um banho e venha jantar conosco. Não quero que Made sinta
falta da mãe, talvez sua presença nos ajude com isso.
Por um breve momento, a casca dura e insensível da face do homem
foi substituída por uma expressão de dor.
O coração de Gabi amoleceu. Ela não suportava ver alguém sofrer,
nem mesmo uma formiguinha, ou um touro bravo.
— Sinto muito, Sr. Bennedetti. Deus há de amenizar sua dor. — Ela se
levantou e foi até ele. — Ore muito por ela, para que sua alma descanse em
paz. — Gabriela esqueceu quem era aquele homem, segurou suas mãos e as
apertou. — Podemos rezar juntos para sua esposa, para que tenha uma
passagem rápida e indolor para o mundo dos mortos.
Confuso, Bennedetti se deixou levar pela atmosfera de paz e conforto
que sentiu se formar ao redor da jovem desconhecida.
Gabriela fechou os olhos e começou uma oração em voz baixa. O
homem fez o mesmo, e aquilo o fez se sentir bem: amenizou sua dor e trouxe
paz para seu coração. Quando tudo terminou, eles ainda estavam de mãos
unidas.
— Amém, que ela descanse em paz.
— Amém — ele repetiu.
Abriram os olhos e encararam um ao outro, como num transe. O preto
dos olhos do homem era profundo, misterioso e sedutor. Gabriela foi
capturada por eles, como se estivesse hipnotizada. Ao mesmo tempo, o
homem mergulhou no azul-violeta dos olhos da linda mulher. Ele nunca havia
sentido tanta paz em um olhar.
Gabriela despertou da hipnose e se desvencilhou das mãos dele.
Afastou-se constrangida e remexeu suas roupas.
— Desculpe, senhor, mas não tenho roupas adequadas para me sentar
com vocês à mesa. — Olhou para as peças em cima da cama, amassadas e
sujas.
— Por favor, senhorita. Faça isso por minha filha…
Oh, aquele tom de voz era capaz de fazer Gabriela se jogar da
primeira ponte que encontrasse. Como ela poderia se negar a ajudar um pobre
homem que acabara de perder a esposa?
— Então ficarei com as mesmas roupas. — decidiu, encabulada.
— Pedirei à governanta para ajudá-la com suas roupas… — Sacodiu
as mãos de um jeito engraçado. — Elas estarão prontas em algumas horas. —
Ele meneou sua cabeça, virou-se e a deixou sozinha.
A pobre moça fechou os olhos e inspirou pesadamente. Por algum
motivo, ela tinha certeza de que estava se metendo em uma grande confusão.
Mas fazer o quê? As confusões pareciam persegui-la.
Sete

No horário de sempre, Giovanni se sentou à cabeceira da mesa. Como num


reflexo, olhou para a posição ao seu lado direito, onde a esposa costumava se
sentar, e sentiu uma tristeza profunda.
Ele nunca iria perdoá-la pelo que fizera.
Um barulho na sala o fez despertar de seu pesadelo. Madeleine entrou
sorridente com a professora, as duas de mãos dadas.
Com um olhar atento, ele as acompanhou até ambas se sentarem, uma
ao lado da outra.
— Estou tão feliz que tia Gabi esteja aqui, pappa!
Giovanni tentou sorrir.
— Eu sei, tesoro mio!
Logo os empregados surgiram com os pratos, não que o italiano
tivesse fome. Ele estava tentando manter as aparências apenas por sua filha.
— Conseguiu falar com a madre superiora, professora? — ele
perguntou.
— Sim, senhor! Obrigada por me deixar usar seu telefone.
A humildade daquela mulher o incomodava muito. Suas roupas, seus
gestos, a forma como baixava os olhos ao olhar para ele.
Ela continuou.
— Madeleine não terá aulas nos próximos dias, a escola estará
fechada, quebraram muitas coisas… — Segurou as mãos. — Já descobriu
quem eram os homens, senhor?
— Bandidos. — Deu de ombros. — Eles queriam levar coisas de
valor do colégio, só isso. — Desviou seus olhos da moça e esfregou uma
têmpora. Não havia condições de retornar Madeleine ao colégio, não
enquanto ele não descobrisse quem tinha feito aquilo e os matasse. — Made
terá que ficar alguns dias em casa. Ela não poderá voltar ao colégio.
Madeleine olhou indignada para o pai.
— Pappa, por quê? Eu não quero ficar em casa novamente. Não gosto
de ter aulas particulares… Por favor, pappa, me deixe voltar ao colégio! —
suplicou.
Madeleine teve uma infância difícil. Em função dos inimigos do pai, a
garotinha foi mantida protegida em seu lar por muito tempo. Giovanni achou
que esses tempos ruins tinham passado, mas estava enganado. Por sua causa,
Madeleine nunca poderia ter uma vida normal.
Ele não queria e nem podia perder sua única filha.
— Made, eu preciso que entenda…
Raivosa e rebelde, a pequena menina jogou o guardanapo no chão e
saiu batendo pé pela enorme sala de jantar.
— Madeleine! — berrou, furioso. Porém a filha não o atendeu.
Gabriela tentou se levantar para acudi-la, mas o homem segurou sua
mão.
— Deixe-a! Ela precisa entender…
— Ela é só uma criança! — Gabi retrucou.
Giovanni balançou a cabeça em entendimento. Surgiu uma ideia em
sua mente perspicaz.
— Gostaria de contratá-la para ser a professora particular de minha
filha … Não sei quanto tempo terei que mantê-la em segurança.
Gabriela abriu levemente a boca, e Giovanni olhou para seus lábios.
Eles eram finos e delicados, rosados e bonitos.
Dio Santo, como ela era linda!
— Oh, senhor, sinto muito, mas, não posso… faz pouco tempo que
consegui esse emprego, não posso perdê-lo… — Sorriu. — Mas posso lhe
recomendar alguém muito confiável e competente. Existem muitas professoras
gabarita… — Ela parou de falar ao ver o homem balançando sua cabeça
negativamente.
— Outra pessoa não serve, tem que ser você, pois ela gosta e confia
em você.
A moça acuou, mas não podia concordar com isso. Seria uma loucura
aceitar a proposta de dar aulas a Madeleine. Ela precisava se afastar dessa
família antes que fosse tarde demais.
— Sinto muito, senhor Bennedetti… eu realmente não posso.
A expressão dele endureceu. Giovanni lera o relatório da jovem
professora e descobrira curiosidades surpreendentes sobre ela. Curiosidades
que ele poderia usar a seu favor. Ele precisava da moça, e não se absteria de
usar os segredos da linda ruiva para benefício próprio.
— Você contou à madre superiora sobre seu passado, srta. Nessa?
Gabriela se afastou da mesa, assustada.
— Sobre o que está falando Sr. Bennedetti? Não tenho nada o que
esconder da madre.
— Ela sabe que foi expulsa da congregação onde era noviça?
Os olhos violeta de Gabriela se arregalaram. Como ele sabia de seu
passado?
— Eu cometi um erro, paguei por ele. Não tenho do que me
envergonhar — disse, emocionada.
Giovanni não era um homem piedoso. Ele era prático e objetivo, e
guardava suas emoções apenas para as pessoas que amava.
A professora era importante para sua filha e, portanto, também era
importante para ele. Não abriria mão dela.
— Não a estou julgando, Srta. Nessa, estou apenas perguntando se a
madre sabe sobre seu passado.
— Está fazendo uma ameaça, Sr. Bennedetti? — A moça levantou seu
narizinho pequeno e arrebitado.
Ele sorriu com cinismo.
— Não, não sou um homem de ameaças. Eu ajo, senhorita. Se não
aceitar minha oferta, entregarei um dossiê à madre. Talvez ela não goste
muito da sua história, talvez demita você. — Deu de ombros. — Ou, talvez,
ela seja misericordiosa. Realmente, não sei…
A moça se levantou bruscamente, derrubando talheres e virando
copos.
— O senhor é um homem muito mau. — As lágrimas começaram a
descer pelo seu rosto. — Como pode usar meu passado para me manter aqui?
Giovanni se levantou também.
— Eu sou um homem mau, srta. Gabriela. Nunca disse o contrário.
Mas se me ajudar com Madeleine, será muito bem gratificada. Não precisará
mais viver em espeluncas, terá um salário descente, uma casa para morar,
motoristas, tudo! Tudo o que precisar. Sou muito generoso com meus
colaboradores.
— Mas eu não quero nada disso! — respondeu, exasperada. — Sou
feliz com o pouco que tenho… — Fechou os punhos com raiva. Aliás,
Gabriela nunca tinha sentido tanta raiva de alguém. Nem de quem desgraçara
sua vida.
— Impossível. — Ele riu. — Duvido que não queira viver numa
mansão como esta. Ter luxo, roupas caras…
— Não me confunda, Sr. Bennedetti — replicou, indignada. — Não
sou como o senhor. Preciso de pouco para ser feliz. — A mulher se virou e
seguiu irada pela sala.
Mas Bennedetti não era alguém que aceitava derrota. Ele virou sua
cabeça de lado e sorriu.
— SINTO MUITO, SRTA. NESSA, MAS NÃO CONSEGUIRÁ
MAIS ARRUMAR EMPREGOS. ARRUINAREI SUA VIDA. ACEITE
MINHA PROPOSTA OU MORRERÁ DE FOME — gritou.
A ruiva parou, soltou o ar vagarosamente e virou em sua direção.
— Por que está fazendo isso? Existem tantas pessoas mais
qualificadas do que eu para dar aulas a sua filha. Sou uma pobre professora,
não sei línguas estrangeiras, não sei dar aulas de boas maneiras, piano,
flauta… não tenho muito a oferecer a sua filha, Sr. Bennedetti. Por favor, me
deixe ir — implorou.
Bennedetti a olhou por minutos intermináveis. Ela estava enganada.
Sua aparência era apenas uma casca, ela era grandiosa e inabalável.
Poderosa e perfeita.
— Você tem muito a oferecer a Madeleine, srta. Nessa. Amor é o mais
importante. Ela perdeu a mãe, ela precisa de alguém como a senhorita.
Alguém que a ame e a queira bem. Seja misericordiosa. Aceite minha oferta.
Se havia alguma arma melhor para usar, não sei, mas Giovanni
escolheu a mais poderosa de todas. Gabriela foi acertada diretamente no
coração. Ele sentiu isso. Ele sentiu seu arrefecimento. Ele conseguiu
convencê-la.
— Não conte a ninguém sobre meu passado, por favor! Eu me
envergonho muito dele.
— Não contarei a ninguém, eu prometo! — Devagar, Giovanni se
aproximou da moça e, num gesto impensado, pegou sua mão e a levou aos
lábios, beijando-a delicadamente. — Não se envergonhe de seu passado, srta.
Nessa, não há nada para se envergonhar.
O coração de Gabriela disparou. Ela retirou sua mão, constrangida.
— Preciso ver como Madeleine está. Talvez ela fique mais contente
ao saber que serei sua professora — declarou.
Giovanni moveu seus lábios de lado, em um sorriso discreto.
— Sim, faça isso. Pedirei à empregada para levar o jantar de vocês
no quarto. Faça-a comer.
Com um aceno de cabeça, Gabriela se retirou.
Oito

Mesmo contra todos os avisos que sua mente lhe enviou, Gabriela aceitou a
proposta do italiano petulante e covarde, que prometera espalhar para Deus e
o mundo o que havia acontecido anos atrás.
Bem, Deus já sabia de tudo, e ela esperava com fervor que tivesse
sido perdoada. Mas, talvez, o maior perdão que ela esperasse fosse dela
mesma. Gabi sabia que o único homem para o qual deveria ter amor e
devoção era Jesus Cristo, porém ela pecara e, mesmo depois de tanto tempo,
ainda pecava em pensamento ao lembrar-se daquele desgraçado.
O primeiro açoite a fez encolher-se de dor. Mas logo veio o segundo,
o terceiro, o quarto… A pele fina e delicada de suas costas começou a ficar
vermelha e cheia de vergões. Todavia a dor a lembrava do pecado que
cometera; também a relembrava de que o simples fato de ainda lembrar-se
dele — e sentir o coração palpitar — era merecedor de castigo. Enquanto seu
coração batesse por aquele homem, a penitência seria necessária.
Esgotada de tantas chibatadas, Gabriela desabou em posição de
penitência, ajoelhada sobre os pés, com o tronco sobre as coxas. E ficou
assim por longos minutos, tentando esquecer a dor e a ardência da pele.
— Me perdoe, meu Deus. Perdoe-me por decepcioná-lo — disse num
sussurro. — Prometo não pensar mais nele, nunca mais. — Lágrimas
abundantes caíram de seus olhos, formando uma poça úmida no chão de
madeira onde estava.
Minutos depois, já recuperada, Gabriela se levantou e seguiu para sua
cama. Tentou colocar a camisola grande e larga, mas ela grudava nas feridas
que se formaram em sua pele e fazia a dor voltar. O único jeito foi deitar-se
nua. Sem cobertores, lençóis, nada. Suas costas estavam em brasa, e ela
podia sentir uma febre tomar conta de seu corpo.
Fazia muito tempo que Gabriela não se penitenciava dessa forma.
Houve um tempo que, para amenizar a dor de sua alma, Gabriela açoitava-se
todos os dias. Mas chegara um dia em que ela pensara estar curada do amor
doentio que alimentava por aquele homem…
Talvez ela estivesse enganada e tivesse que conviver para sempre
com esse sentimento vergonhoso.
Sua noite foi terrível, a dor das feridas não a deixou adormecer. Mas,
quando o sono a venceu e os olhos se fecharam, cansados, os sonhos vieram
atormentá-la. Lembranças de quando ainda era uma noviça, quando vivia na
congregação, e de tudo o que acontecera.
Gabriela estava presa em seu pesadelo, ofegante e suada, quando
despertou assustada. Abriu seus olhos, e quase morreu do coração.
Seus olhos arregalaram-se de terror, vergonha e indignação. Como
por um reflexo, puxou os lençóis e cobriu seu corpo atrapalhadamente.
— O que o senhor está fazendo no meu quarto?
O italiano a fitou, desconcertado. Respirou fundo e soltou o ar.
Pigarreou algumas vezes e se aprumou.
— A senhorita estava gemendo, falando coisas… eu a ouvi do
corredor — Virou-se de costas e andou pelo quarto. — Adicionalmente,
talvez tenha perdido o horário. Madeleine a espera na biblioteca, para ter
aulas… — Voltou a olhá-la, agora com os lençóis cobrindo-a até o nariz. —
A senhorita está se sentindo bem? Parece pálida.
Gabriela estava envergonhada demais para conseguir responder.
Talvez, ela nunca mais conseguisse olhar nos olhos daquele homem, não
depois de ele tê-la visto nua.
— Estou bem, por favor, saia… — disse num sussurro.
— Desculpe-me entrar, mas achei que estivesse…
— Saia, Sr. Benedetti, o senhor não tem o direito de entrar em meu
quarto. Ou melhor, sou eu quem não deveria estar aqui. Conte a quem quiser o
que sabe sobre mim, não me importo mais. Minha honra já foi destruída há
muito tempo. Não ficarei nem mais um segundo em sua casa.
O homem cobriu seu rosto e o esfregou energicamente.
— Neste exato momento, srta. Nessa, vim avisá-la que me ausentarei,
pois tenho que enterrar minha esposa. — Ele sorriu amargo. — Espero que
não esteja pensando que entrei no seu quarto para vê-la nua. Apenas pensei
que estivesse passando mal, algo do tipo. — Cerrou as mãos ao longo do
corpo. — Faça o que quiser, ou o que mandar sua consciência. — Com um
movimento brusco, seguiu até a porta e saiu.
Gabriela fechou os olhos e expirou pesadamente.
Sua consciência era seu maior inimigo. Esta nunca a deixava fazer o
que planejava, sempre a deixava cheia de dúvidas.
— Preciso rezar e pedir orientação à Virgem Maria — falou baixo,
apenas para si mesma.

†††
Madeleine — com apenas cinco anos —, já conseguia escrever e ler
algumas palavras. Ela era demasiadamente esperta para sua idade. Um
pequeno prodígio.
Sentadas no chão da biblioteca, brincando com peças e formando
palavras, as duas passaram as primeiras horas do dia.
Gabriela não conseguiu cumprir com sua ameaça, não depois de ver
que Madeleine a esperava na porta do aposento onde dormia.
A moça não sabia o porquê, mas a criança tinha adoração por ela.
Não que se sentisse merecedora de tanto amor e afeto; ela apenas sentia que,
de alguma forma, era importante demais para alguém, para Madeleine.
— Vamos descansar um pouco, Madeleine?
— Sim, tia! — A garotinha sorriu alegremente para Gabriela,
parecendo alheia a tudo a seu redor, até mesmo à morte da mãe.
As duas organizaram as coisas e saíram de mãos dadas pela casa.
Mas a governanta surgiu elegante em um terninho escuro e as interpelou no
caminho.
— Fiz um lanchinho para você, querida! Vá tomá-lo na mesa de jantar.
— Vem, tia — Madeleine tentou levá-la consigo.
— Não, querida, vá à frente, quero acertar algumas coisas com srta.
Nessa. — A mulher ordenou, ríspida.
Madeleine olhou novamente para Gabriela, procurando apoio.
— Pode ir, irei em seguida.
Quando as duas ficaram sozinhas, a governanta voltou a olhar para
Gabriela.
— Sr. Bennedetti me avisou que a senhorita será a nova professora
particular de Madeleine. Ele foi ao enterro de nossa querida patroa —
respirou fundo. — Estamos todos arrasados. Dona Patrícia foi a melhor
patroa que já tive. Gentil, educada, boa mãe, boa esposa. Será difícil Sr.
Giovanni superar a perda da esposa, ele era muito apaixonado por ela.
Gabriela abaixou a cabeça e apertou as mãos junto ao corpo. De
alguma forma, ela sentiu como se a governanta estivesse dando algum recado
a ela.
— Não se aproveite desse momento de dor na vida dos dois para tirar
proveito, srta. Nessa.
Cada vez mais Gabriela sentia-se deslocada naquela casa. Ela não
queria estar ali, mas o que fazer com Madeleine?
— A senhora não me conhece o bastante. Não sou do tipo que tira
proveito do momento de dor de uma família. Irei embora assim que
Madeleine puder voltar à escola. Estou aqui a pedido de Sr. Bennedetti, não
foi uma escolha minha.
A mulher sorriu com cinismo. Parecia não acreditar em nada que a
ruiva dissesse.
Sem uma palavra, a governanta se virou e começou a seguir em
direção à sala de jantar, mas Gabriela a interrompeu.
— Senhora… por favor, preciso de minhas roupas. Elas já estão
prontas? Caso não estejam, pode deixar que eu mesma as lavarei e passarei.
— Tentou sorrir e ser gentil, como sempre. — Não aguento mais ficar com as
mesmas peças, elas estão sujas e… malcheirosas! — abaixou a voz,
envergonhada.
A mulher se virou e sorriu de um jeito estranho.
— Eu as queimei ontem.
— C-como?! — Gabi abriu sua boca, exasperada.
— Sr. Bennedetti pediu que as queimasse e comprasse roupas novas
para a senhorita. O novo guarda-roupa deve chegar hoje à tarde. — Sem
maiores explicações, a mulher se virou e voltou a caminhar.
Mas Gabriela estava indignada.
Como assim, queimaram suas roupas? Com a permissão de quem
fizeram isso?
Nervosa, ela seguiu apressada atrás da mulher e a segurou.
— Queimaram minhas roupas, sem minha permissão? — indagou,
furiosa. — Não quero roupas novas, quero minhas roupas!
A mulher olhou com repreensão para a mão que segurava seu braço.
— Só cumpro ordens, srta. Nessa. — Tirou seu braço das mãos de
Gabriela e sumiu no corredor.
Gabriela fechou seus olhos e tentou conter a raiva que tomou conta de
si.
Quem esse homem pensava que era para virar sua vida de ponta-
cabeça?
— Tia Gabi! — A voz de Madeleine a tirou de seu momento de raiva
e a fez voltar a respirar.
— Sim, Madeleine… já estou indo.

†††
Gabriela mal podia acreditar na montoeira de caixas que foram
colocadas em seu quarto. Ela tentou respirar fundo e controlar a raiva que
aquilo lhe causava.
Anos atrás, ela havia assumido que, mesmo tendo sido expulsa do
convento, continuaria com seus votos de pobreza e obediência a Cristo. Sem
luxos, vaidades ou ostentações. Mas como manter seus votos de pobreza
diante de tantas roupas luxuosas?
Seu modo de vida estava sendo destruído, sem que ela pudesse opinar
sobre isso.
Ela ainda estava tentando controlar-se quando ouviu barulho de saltos
altos, levantou seu rosto e viu a governanta na porta de seu quarto.
— Sr. Giovanni não a quer mais usando essas roupas — meneou a
cabeça em direção ao seu corpo. — Enquanto der aulas a nossa menina,
deverá se vestir de acordo com o gosto de nosso patrão.
— Seu patrão é algum tirano? Por que devo me vestir como ele quer?
Sou apenas a professora da menina, não sou alguém da família, não sou
obrigada me vestir como ele deseja.
Gabriela não sabia explicar o que acontecia com ela no que dizia
respeito àquele homem. Ele a enervava demais. Nem mesmo conclamando
por Jesus Cristo o dia inteiro conseguia manter a calma.
— Pergunte a ele, srta. Nessa. Não sei os motivos pelos quais Sr.
Giovanni a quer vestida adequadamente. Por mim, poderia continuar usando
seus trapos velhos. — Riu para dentro. — Entretanto todos aqui obedecemos
ao Sr. Bennedetti. Se deseja continuar trabalhando para ele, sugiro que faça o
mesmo. — Virou-se em seus calcanhares, mas, antes que saísse, voltou sua
atenção à Gabriela. — Ele a quer com Madeleine na sala de jantar, às 20
horas. Não se atrase.
Gabriela cobriu seu rosto com as mãos e inspirou profundamente.
Meu Deus, me dê paz e tranquilidade para passar por mais essa
provação.
Nove

Giovanni se sentou em uma das fileiras de cadeiras onde seria realizada a


cremação de sua esposa. Ao seu lado, seu fiel segurança. Na outra fileira, a
família de sua esposa. Eles nunca gostaram dele. Agora teriam mais um
motivo para não gostar.
O italiano tentou manter sua atenção na cerimônia, mas a imagem da
ruiva nua sobre a cama não o deixava em paz.
Dio mio, como ela era linda!
Giovanni se benzeu pela milésima vez. Talvez aquela mulher fosse
uma feiticeira. Desde que a viu pela primeira vez, só desgraças tinham
acontecido em sua vida. E o mais surpreendente era que ele não conseguia —
e nem queria — livrar-se dela.
Sim, ela era uma bruxa! Uma feiticeira!
Ele tinha certeza de que precisava se livrar da moça. Giovanni via a
desgraça tomar conta de sua vida caso não se livrasse da ruiva de olhos
violeta. Mas ele estava amarrado, preso em uma teia de aranha. Gabriela
Nessa era a aranha e estava devorando sua alma.
— Senhor, está tudo bem? — Ângelo cochichou em seu ouvido.
Bennedetti puxou a gravata apertada. Sentia-se sufocado. Eram tantos
sentimentos que o perturbavam: raiva, vingança, tristeza e um desejo louco
por aquela ruiva.
Ele se benzeu pela vigésima vez e chegou à conclusão de que estava
enfeitiçado.
— Preciso de um padre, Ângelo!
O homem se aproximou e perguntou confuso.
— O quê, senhor?
— Um padre… arrume um padre.
Imediatamente, o homem se levantou e sumiu nos corredores do
crematório.
Em alguns minutos a cerimônia terminou, e o corpo de sua esposa
entrou na câmera de cremação.
Estava acabado.
Giovanni fechou os olhos e relembrou o relacionamento deles desde
que a viu pela primeira vez. A jovem advogada de cabelos loiros e corpo
estonteante o deixara sem fôlego. Ela fora agressiva e destemida, ele se
apaixonara imediatamente.
Um mês depois, casaram-se; nove meses depois, sua linda filha
chegara ao mundo.
Ele segurou a emoção.
Por que fez isso comigo? Por que me traiu com meu pior inimigo?
O italiano respirou fundo e se levantou. Seus sogros fizeram o mesmo;
vieram em sua direção e apontaram o dedo em riste em seu nariz.
— Foi sua culpa. Ela ainda estaria viva se não tivesse se envolvido
com um bandido.
Em outra ocasião, ele poderia ter reagido, mas não hoje.
Giovanni passou por eles e seguiu para fora da sala de cerimônias.
Antes que cruzasse a porta, porém, ouviu:
— Assassino! Você vai pagar pelo que fez à nossa filha!
Ele fechou os olhos, soltou o ar e se virou devagar.
— Pensem duas vezes antes de fazerem alguma ameaça sem terem
provas. Poderão se arrepender disso — declarou.
Eles tentaram aproximar-se, xingá-lo, ofendê-lo, mas os seguranças
fecharam um cerco ao redor do chefe e o tiraram do local.
Logo, Giovanni estava dentro de seu Rolls-royce. Em sua mão, a
aliança de casamento que mandou fazer em Roma para Patrícia.
Ele decidira guardá-la e dá-la a Madeleine quando a menina
crescesse. Todas as joias, ele guardaria tudo para ela. A filha nunca saberia
da traição da mãe. Queria que ela tivesse somente lembranças boas de
Patrícia.
— Arrumei um padre, senhor! Se quiser, o levo até ele. O religioso é
confiável.
O italiano balançou a cabeça e riu.
O que ele queria com um padre? Ele odiava padres.
Mas já que o segurança arrumara um…
— Me leve até ele.

†††
Sentado em um pequeno cubículo, Bennedetti percebeu quando o
padre entrou no confessionário. Eles estavam separados por uma parede de
madeira vazada, onde era possível vislumbrar a presença do sacerdote.
— Sim, filho, estou ouvindo-o. Diga-me, o que o perturba?
— Não sei exatamente por que estou aqui… Não acredito na Igreja
Católica, muito menos em padres…
— Seu coração o trouxe aqui. Siga em frente, filho.
— Minha mulher me traiu, e eu a matei.
O padre o olhou através dos vãos existentes na madeira e arregalou os
olhos.
— Não a matei com minhas próprias mãos, mandei derrubar o avião
onde ela estava. Eu a amava, mas, no mundo em que vivo, não é permitido
traições. Não existem ex-traidores. Uma vez traidor, sempre traidor. É
preciso eliminá-los, para sempre.
O padre ficou mudo por um breve instante.
— Entendo… Talvez, o senhor deva…
Giovanni o interrompeu.
— O senhor acredita em feiticeiras, padre?
O padre voltou a olhá-lo. O homem de sotaque forte e carregado
estava dando um nó em sua cabeça.
— Sim, elas existem desde a era medieval. Durante anos, foram
perseguidas e mortas. Mas isso foi deixado de lado ao longo do tempo. Sua
mulher era uma feiticeira?
— Não. Minha mulher era uma vadia desgraçada. E eu não me
arrependo de tê-la mandado para o inferno! — exclamou, raivoso.
Giovanni pensou em Gabriela Nessa.
— A feiticeira da qual estou falando é angelical, doce e terna. Eu não
consigo parar de pensar nela. E depois que a vi nua…
O padre fechou os olhos, indignado. Era cada um que vinha se
confessar!
— Reze, meu filho, reze. O senhor precisa de muitas orações. Está
muito perturbado.
— O que faço em relação a essa mulher? Nunca sentiu isso antes,
padre? Será que estou enfeitiçado?
O padre o olhou diretamente.
— O senhor seguirá o que eu lhe disser agora. Vá até o banco da
igreja, e reze. Depois que finalizar as orações, acenda uma vela para sua
esposa, e outra para a feiticeira. Garanto que após ter feito isso, o feitiço da
bruxa será desfeito. E o senhor se arrependerá de seus pecados. Inclusive de
ter matado sua esposa.
Giovanni sorriu maquiavélico.
— Nunca, padre, eu a mataria de novo se ela não tivesse morrido.

†††
Bennedetti cumpriu com a penitência e rezou as dezenas de pai-nossos
e ave-marias, e mais outras tantas orações que o padre o convenceu a rezar,
na promessa de libertá-lo do feitiço que o acometia. Quando finalizou suas
preces, Giovanni já estava se sentindo melhor. Ele sorriu para si mesmo. Só
precisava de um exorcismo. Só isso. Gabriela Nessa não seria mais um
problema para ele.

†††
Quando chegou à sua casa, já era noite.
Depois que saiu da igreja, Giovanni foi direto para seu escritório,
havia muitos assuntos importantes para resolver.
Ele abriu a porta da mansão, fechou os olhos e massageou sua testa.
— Que dia, Dio santo!
Quando abriu os olhos, o pesadelo voltou à sua vida.
Maldito padre charlatão!
A professorinha malvestida que havia conhecido não existia mais. A
mulher à sua frente era linda. As roupas e sapatos que havia comprado
chegaram — ele os escolhera pessoalmente —, e, Dio mio, ela estava ainda
mais estonteante do que antes.
— Srta. Nessa… — meneou a cabeça, educado. — A senhorita está
muito elegante.
— Por que pediu para queimar minhas roupas, Sr.Bennedetti? —
perguntou com indignação.
Ele voltou a caminhar pelo hall de entrada.
— Achei que merecia roupas melhores, espero que tenha gostado. —
Olhou discretamente para seu corpo. A cintura marcada pelo vestido, os seios
empinados e marcados pelo tecido delicado, os braços nus e brancos feito
neve.
Dio santo, a feitiçaria não se quebrara. Cazzo!
Giovanni passou por ela e seguiu apressado para as escadas.
— Sr. Bennedetti, o senhor não tinha direito de mandar queimar
minhas roupas. Olhe, essas roupas não têm nada a ver comigo. O senhor não
tem o direito de dizer como devo me vestir.
— São só vestidos, srta. Nessa. Suas roupas estavam parecendo
trapos. Não posso permitir que a professora de minha filha se vista feito uma
mendiga.
— Se não gostava de minhas roupas, deveria ter chamado outra
professora mais chique. Sou assim, Sr. Bennedetti. Fiz juramente de pobreza e
obediência a Jesus Cristo. Sinto-me uma pecadora por ostentar roupas tão
caras.
Giovanni esfregou seu rosto.
— Srta. Nessa, tive um dia difícil… — Obstinado a livrar-se daquela
tentação em forma de mulher, Giovanni seguiu pelas escadas.
Mas a professorinha não se deu como vencida, ela seguiu em seu
encalço, para seu desespero.
— Eu sei, senhor, eu sei que não é o momento certo para falar sobre
esse assunto. No entanto, gostaria que adiantasse uma parte de meu salário,
pois gostaria de comprar roupas de meu gosto. Eu agradeço muito, mas não
posso ficar com estas peças.
O italiano teve vontade de sacudir o corpo da pequena mulher. Como
ela podia ser tão burra?
Ele seguiu pelo corredor dos quartos, abriu a porta dos seus
aposentos e aguardou ansioso que a ruiva o deixasse em paz. Tolo engano,
quando olhou para trás, lá estava os olhos violeta que tanto o perturbavam.
— Estou esperando sua resposta, Sr. Bennedetti. Não preciso de
muito, as roupas que uso são relativamente baratas.
Giovanni girou os olhos.
Como alguém podia gostar de se vestir de modo tão cafona?
Ele sacudiu a cabeça negativamente.
— Não faço antecipações de salário, srta. Nessa. — Tirou o terno e o
jogou sobre uma poltrona. — Já tive problemas com colaboradores que não
voltaram depois disso, — O colete também foi tirado e se juntou ao terno. —
Sinto muito, não é nada pessoal. Use as roupas que lhe dei. — Retirou sua
arma e o coldre e colocou sobre um móvel. Voltou a olhar para a mulher e a
viu olhando para a arma com espanto.
— O senhor anda com uma arma? — indagou, assustada.
O italiano afrouxou a gravata e a jogou junto ao monte que se formava
na poltrona. Com destreza impressionante, começou a desabotoar a camisa.
— É preciso, senhorita, tenho muitos inimigos, preciso me precaver.
— Sem maiores cerimônias, tirou a camisa e a jogou sobre a poltrona.
A linda ruiva arregalou os olhos maravilhosos e abriu levemente a
boca.
— Oh, meu Deus! O senhor está nu — cobriu, envergonhada, seu
rosto.
Ele riu da situação, virou-se e andou até sua cama.
— Nu eu estaria se estivesse sem as calças. No caso, estou seminu.
Mas não precisa fazer tipo, srta. Nessa. Você já esteve com um homem.
Gabriela tirou as mãos do rosto e o olhou exasperada.
— O senhor não sabe nada sobre mim, seus relatórios não contam o
que realmente aconteceu entre mim e aquele homem. Não faço tipo, Sr.
Bennedetti. Eu nunca vi um homem nu.
Giovanni torceu seus lábios, confuso, seguiu até a mulher e a olhou
profundamente.
— Desculpe-me, srta. Nessa. A julgar pelo que li, achei que…
— Achou errado… — A expressão da mulher era de indignação. —
Quer saber sobre mim, pergunte, não mande pessoas vasculharem minha vida.
— Peço desculpas. — Olhou-a profundamente e, num gesto
espontâneo, segurou um fio de seu cabelo, que se desprendera do seu coque,
colocando-o atrás de sua orelha. — Seu coque está se soltando… —
Admirou os cabelos vermelhos da moça. — Deveria deixá-los soltos,
senhorita, eles são tão bonitos…
Como se estivesse enfeitiçado, puxou o grampo que prendia o coque,
deixando os cabelos rebeldes se soltarem. Eles formaram uma cortina
espessa de fogo.
— São tão bonitos… — Afagou-os entre os dedos.
Assustada com o gesto, Gabriela se afastou do homem. Seu peito
subia e descia. O homem à sua frente a perturbava demais.
— Não gosto deles, são muito rebeldes… — Tentou prendê-los
novamente, mas era impossível. — Gostaria que fossem lisos… — disse,
sem graça.
— Podemos resolver isso, pedirei à dona Rute para chamar uma
cabeleireira para arrumar seus cabelos.
— NÃO! — A professora balançou a cabeça energicamente. — A
vaidade é um erro, um pecado. Eu já expliquei para o senhor que…
Giovanni a interrompeu.
— Nem tudo que a igreja prega deve ser levado tão a sério, senhorita.
— O senhor não acredita em Deus?
— Acredito em Deus. No entanto, não acredito no que o homem fez
com os ensinamentos que ele nos deixou. Em nome de Deus, mataram e
torturaram pessoas; roubaram e julgaram inocentes. A igreja nos fez acreditar
em pecados, sendo que os maiores pecados foram cometidos por ela. Ser
vaidosa não é um pecado; arrumar-se, ficar bonita. Nada disso tirará da
senhorita sua essência, seus valores, sua pureza.
A jovem admirou por alguns minutos aquele homem singular. Tão
contraditório, mas tão profundo e cheio de ensinamentos.
— Eu, eu… melhor ir… — Sem saber o que falar, virou-se e
começou a seguir para seu quarto. O italiano tocou suas costas, causando-lhe
uma dor aguda. As chibatadas haviam deixado sua pele ferida, e um simples
toque era capaz de fazê-la curvar-se de dor. — Aiiii…
— O que houve? — Ele postou-se em sua frente, verificando seu
rosto. — O que fiz?
— Nada… — Gabriela aprumou sua postura. — Bati minhas costas,
estão doloridas. — Sorriu tentando disfarçar a dor.
— Talvez precise de um médico. Pelo seu gemido, deve ser algo
grave.
— Não. — Sorriu novamente. — Não há necessidade. Vou descer e
aguardar o senhor e Madeleine. Com licença.
Durante minutos, Giovanni acompanhou a mulher com um olhar atento.
Parecia levemente curvada, como se algo a incomodasse nas costas. Mas,
diante da negativa em ver um médico, ele apenas balançou a cabeça e voltou
para seu quarto.
Dez

Gabriela ainda tentava controlar as batidas aceleradas de seu coração


quando ouviu passos nas escadas. Ela fechou os olhos e tentou respirar
pausadamente.
Deus sabia o quanto ela queria esquecer a visão daquele homem sem
roupa. Claro, ele não estava completamente sem roupa, ela sabia disso. Mas
metade dele estava, e era algo inesquecível.
Uma mata virgem de pelos negros e espessos cobriam seu peito e
descia em um caminho perigoso que levava para dentro de suas calças. Eram
brilhosos e pareciam tão macios. Ela sentiu vontade de tocá-los. Aliás, ela
sentiu vontade de sentir os músculos pujantes de seu tórax em seus dedos,
descer as mãos por seu abdômen e sentir a ondulação dos músculos
abdominais salientes.
Ele era o homem mais perfeito que ela já tinha visto.
A moça apertou os olhos mais uma vez. O que estava acontecendo
com ela?
Gabriela queria de verdade esquecer aquela cena. Mas ela estava
gravada em sua memória, como se tivesse sido colada em seu cérebro.
Sr. Bennedetti era perfeito demais para ser humano. Desenhado a mão
por algum artista da antiguidade. Talvez Da Vinci, ela pensou. Quando ele
surgiu na sala de jantar com Madeleine, foi impossível não o olhar em sua
camisa branca impecável e relembrar sua anatomia perfeita.
— Boa noite, senhorita! — ele disse com um sorriso contido. —
Demoramos um pouco, não é, Made? — Sorriu afetuoso para a menininha ao
seu lado.
— Não demoraram, está tudo bem — aquiesceu com os olhos baixos,
vergonhosos com seus pensamentos.
Definitivamente, Gabriela acreditava não haver mais perdão para si.
Ela sucumbira ao pecado da luxúria.
Quantas chibatadas seriam necessárias para penitenciar-se por
desejar um homem que acabara de ficar viúvo?
Imaginou umas cem. No entanto, nunca conseguiria desferir em si
mesma essa quantidade. Na certa estaria morta antes disso.
Os empregados entraram na sala com travessas em inox reluzente. O
cheiro era maravilhoso, tudo naquela casa era um convite a todos os pecados
que ela pudesse imaginar: gula, luxúria, preguiça…
Imediatamente, sua avó veio à sua mente. Ela queria saber o que a
velha mulher pensaria se soubesse o que andava fazendo, como estava vestida
e o que sua mente desejava. Sabia a resposta, mas era melhor não se focar
nisso agora.
— Coma, senhorita… — o homem de voz grossa e aveludada
ordenou.
Gabriela acordou de seus pensamentos, levantou os olhos e sorriu.
— Sim, claro! — Virou a cabeça em direção a Madeleine. — Coma
você também, querida!
— Você está linda, tia!
Um calor subiu pelo seu corpo e se depositou em sua face. Ela
imaginou que naquele exato momento seu rosto estaria da cor de seus cabelos.
— Obrigada… — Pegou o guardanapo e tentou disfarçar seu rubor
colocando-o contra os lábios.
Com o rabo dos olhos, a mulher tentou ver o rosto do homem à sua
frente. E o que viu a deixou ainda mais nervosa. Ele estava sorrindo.
— Diga para sua professora, Madeleine, ela fica muito melhor assim
do que com suas antigas roupas ....
— Papai tem razão, tia.
Gabriela aquiesceu com a cabeça. Era muito vexame para um único
dia.
O jantar seguiu em silêncio, apenas o barulho dos talheres batendo
contra os pratos. Ela voltou a olhar para o homem e viu tristeza em seu rosto.
Ele certamente estava sofrendo, e aquilo fazia com que ela sentisse
necessidade de tocá-lo, de amenizar sua dor.
— O senhor está calado, Sr. Bennedetti.
— Tive um dia difícil… — Depositou os talheres no prato. — Estou
um pouco cansado. Se não se importar, irei me retirar.
Madeleine olhou tristemente para o pai.
— Posso dormir com você, pappa? Estou sentindo falta da mamãe.
Sr. Bennedetti aquiesceu com a cabeça, pegou a menina no colo e,
com um aceno de cabeça, deixou a mesa.
Gabriela se levantou e começou a caminhar pela sala. Em cima de um
móvel, a foto deles juntos. A mãe — uma mulher deslumbrante — abraçada
ao marido e com a filha em seus braços.
— Eles pareciam tão felizes! — disse em voz baixa.
Tentou lembrar-se da mãe de Madeleine na escola, em reuniões de
pais. Entretanto, concluiu que dona Patrícia não era uma mulher muito
presente nas atividades da filha. Talvez fosse uma daquelas mulheres muito
ocupadas, executivas, enfim… As poucas vezes que tiveram contato foram
por telefone. Ela fora gentil e educada, uma mãe como qualquer outra.
Um pigarro a assustou, ela se virou e viu a governanta olhando para
ela.
— Procura algo, srta. Nessa?
Gabriela juntou as mãos à frente do corpo, como de costume.
— Estava vendo as fotos da família.
— Já viu. Então volte para seus aposentos. A senhorita é uma
funcionária nesta casa, não deve ficar circulando como se fosse uma
moradora.
— A senhora está certa. Desculpe-me… — disse com humildade,
abaixou a cabeça, passou pela mulher e seguiu para seu quarto.

†††

Semanas Depois

O dia amanheceu através das cortinas transparentes de seu quarto. O


brilho do sol tocou seu rosto, trazendo o calor da manhã para sua face.
Gabriela acariciou seu travesseiro. Macio e cheiroso. Será que o
paraíso era assim, tão aconchegante e sereno?
Aos poucos, ela começava a sentir que aquela vida estava
influenciando seu caráter. Antes, qualquer cama serviria; lençóis ou toalhas.
Agora, parecia que a vida não poderia ser a mesma se não houvesse aqueles
pequenos mimos.
Ela afastou aquele pensamento com veemência. Quando chegasse o
momento, ela se despediria de tudo sem sentir falta.
Vagarosamente, colocou os pés no tapete fofinho e peludo. Até aquilo
era bom.
Ela passou em frente ao espelho de corpo inteiro, viu sua imagem
refletida e sentiu vergonha de se achar bonita na camisola cara que ganhara
do Sr. Bennedetti. Ele a havia presenteado até mesmo com camisolas.
Gabriela se virou de lado e puxou as alças. Pôde ver os ferimentos
cicatrizados. As marcas demorariam a sumir, mas a dor já não existia.
Respirou fundo e ficou feliz ao concluir que nunca mais havia pensado
no desgraçado. Quem sabe a cura não estivesse acontecendo em sua alma?
Minutos depois, a professora já estava na biblioteca com Madeleine.
— Meus avós estão vindo me visitar, tia!
— Que ótimo. Eles são os papais de quem, da mamãe ou do papai? —
a professora perguntou, enquanto coloria um desenho com Madeleine.
— Do meu pappa! Eles moram na Itália, sabia? — declarou,
orgulhosa. — Toda família do meu pappa mora na Itália. Papai só ficou aqui
por causa da mamãe, talvez ele resolva voltar para seu país, já que a
mamãe… — parou de falar, com tristeza na voz.
— Eu gostaria de ir à Itália e conhecer o Papa. — Sorriu, sonhadora,
mas também tentando distrair a criança. — Você sabe quem é o Papa, Made?
— Sei, sim. Papai me levou para vê-lo. — Voltou a pintar seu
desenho com capricho.
As duas estavam entretidas quando a porta se abriu e a governanta
mal-humorada entrou no ambiente.
— Srta. Nessa, sua cabeleireira chegou.
Gabriela levantou a cabeça e a olhou, confusa. Mas o sorriso
sarcástico da mulher deixou claro o quanto aquilo a estava incomodando.
— Eu… bem… não chamei uma cabeleireira — explicou, mas já
imaginando que aquilo era coisa de seu patrão enxerido.
— Sr. Bennedetti disse que a senhora queria cuidar de seus cabelos.
Vamos, a profissional não tem o dia inteiro.
Madeleine olhou sorrindo para a professora.
— Posso ir com você, tia?
— Claro, mas irei dispensar a moça. Realmente não preciso de uma
cabeleireira.
— Não faça isso! — A mulher encheu o peito de ar, parecendo uma
pomba. — A senhora irá arrumar seu cabelo, nem que eu tenha que amarrá-la
à cadeira.
A professora enrugou a testa. A governanta estava deixando a jovem
irritada com seus modos rudes.
— Não precisa me amarrar, não sou uma selvagem. — Passou pela
governanta com o nariz arrebitado. — Venha, Made, pedirei para ela arrumar
seu cabelo também.

†††
Em frente ao espelho de seu quarto, ela olhou para o resultado do
penteado feito pela cabeleireira.
— Gostou, querida? — indagou, alisando as madeixas longas,
vermelhas e reluzentes que caíam sobre seus ombros e costas.
Gabriela mal se reconhecia no espelho. Os cabelos rebeldes se
transformaram nas mãos da profissional.
— Nem parece o meu cabelo — disse, tímida. — O que a senhora fez
com eles?
— Eles estavam muito secos, precisava de hidratação, um bom
shampoo e um spray para controlar o frizz. A escova ajudou a controlar os
cachos, deixei-os apenas nas pontas.
— Não entendi nada, mas tudo bem — respondeu com bom humor.
— Eu a ensinarei a cuidar de seus cabelos. Eles são lindos.
— Sou muito grata, senhora. Nunca tive muito jeito para isso. Não sou
muito vaidosa.
A mulher sorriu.
— Pronto, a senhorita está muito bonita.
Gabriela abriu a boca para responder, mas a porta abriu e a
governanta entrou em seu quarto.
— Sr. Bennedetti pediu para descer, seus pais chegaram, e ele
gostaria que os conhecesse.
— E-e-eu? — gaguejou. — Diga que agradeço, mas ficarei aqui.
— Isso é uma ordem, srta. Nessa, não é um convite. Desça comigo,
agora! — rosnou.
A ruiva conclamou por Jesus Cristo. Aquela mulher não era de Deus.
Que o senhor a perdoasse por aquele pensamento.
Ela puxou o ar e se levantou.
— Gostaria de lhe dar uma boa gorjeta, mas ainda não recebi meu
pagamento. Sabe como professoras ganham mal — riu, sem graça.
— Srta. Nessa, Sr. Bennedetti pagou uma pequena fortuna para essa
senhora vir arrumá-la. Ela não precisa de sua gorjeta. Vamos logo, o patrão
não tem a vida inteira para esperá-la.
Virgem Maria a perdoe por ser tão insuportável!
— Muito obrigada — aquiesceu com a cabeça e seguiu atrás da
governanta.

†††
A jovem professora desceu as escadas vagarosamente. Quando se
aproximou da sala de estar, viu Sr. Bennedetti e Madeleine sentados perto de
dois senhores.
Todos se levantaram ao vê-la, mas o italiano foi ao seu encontro,
sorriu e a olhou demoradamente.
— Você ficou… — Limpou a garganta. — Ótima.
Ela mexeu constrangida nos cabelos lisos.
— Ficaram diferentes, lisos… — riu com timidez.
— Não era assim que os queria? — cerrou seus olhos sedutores,
fazendo seu coração bater mais forte.
— Sim, mas ainda os estou estranhando. — Respirou profundamente.
— Sou muito grata, Sr. Bennedetti, mas não quero que gaste dinheiro comigo.
— Por favor, deixe-me cuidar de você. — Ele a olhou profundamente,
e isso a desnorteou. Talvez não tenham sido as palavras, mas, sim, o jeito que
as disse. — A profissional virá toda semana.
— Eu…
Gabriela não conseguiu terminar a frase, o senhor que estava sentado
se levantou e foi até ela.
— Sono Salvatore Bennedetti, lieto di conoscerla.
A ruiva sorriu sem jeito e olhou para o italiano.
— Meu pai, Salvatore Bennedetti, está encantando em conhecê-la.
— Diga que sinto o mesmo, Sr. Bennedetti.
Giovanni traduziu e voltou a olhar para a jovem.
— Vamos jantar. A senhorita nos acompanha?
— Oh, não, fiz um lanche agora há pouco. Agradeço o convite.
A senhora, que estava sentada, levantou-se e estendeu a mão para a
jovem.
— Beatrice Bennedetti. Che bella maestra ha scelto mio figlio. Sei
single?[10]
Gabriela sorriu e olhou para o italiano, na esperança que traduzisse o
que a senhora dissera.
— Minha mãe, Gabriela. Seu nome é Beatrice. Ela também está feliz
em conhecer você.
— Obrigada. Também estou feliz — a jovem respondeu, sorridente,
olhando para a italiana à sua frente.
— Cos'ha detto, figliolo, è single[11]? Sarebbe una moglie
bellissima.[12]
— Andiamo a cena, sto morendo di fame.[13] — Giovanni se
apressou, ignorando as perguntas indiscretas da mãe.
Gabriela sorriu ao vê-los seguindo em direção à sala de jantar. Estava
com o estômago dando voltas de fome, mas, por nada nesse mundo, se
sentaria com a família.
Ela respirou fundo e seguiu para as escadas.
Onze

Salvatore Bennedetti já tinha passado dos sessenta anos, mas seu vigor físico
e saúde eram admiráveis. O velho homem ainda trabalhava, conduzia os
negócios da família na Itália. Na verdade, o italiano tinha negócios com a
máfia italiana e mantinha uma organização criminosa na região da Sicília.
Giovanni era o único herdeiro de Salvatore. E o velho planejava
muito em breve passar o controle de seus negócios criminosos para o filho.
Após jantarem, todos seguiram para uma sala íntima. Havia muito que
conversar, e Giovanni não queria que os empregados ouvissem. Infelizmente,
como bons italianos, eles não sabiam controlar o tom de voz. A conversa era
toda em seu idioma materno, de fato, mas sempre havia a dúvida de que
alguém já houvesse aprendido sua língua.
— Foi isso, papai, essa é a história triste de meu casamento. —
Terminou de contar sobre a traição da esposa.
— Diga, meu menino, como está se sentindo? — a senhorinha
indagou, acariciando o rosto dele.
— Estou bem, mãe! — Tentou disfarçar o quanto estava abalado.
— Você sabe que eu não gostava daquela moça…
Giovanni se levantou, aborrecido. Queria esquecer Patrícia. Esquecer
o que viveram, o amor que sentira por ela e, ainda mais, sua decepção.
— Por favor, mãe, ela está morta. Não vamos falar sobre Patrícia. —
Passou a mão pelo rosto.
O pai segurou o braço da mãe e a fez se calar.
— E agora, Giovanni? — o pai perguntou. — O que fará?
O homem olhou confuso para o pai.
— O que quer dizer com isso? — indagou, cansado.
— Você precisa de um herdeiro, Giovanni. A família Bennedetti não
pode se resumir a uma linda menininha. Madeleine não poderá conduzir
nossos negócios. Você precisa ter meninos para levar adiante nossa
organização… — Sr. Salvatore afirmou incisivo.
Giovanni esfregou o rosto.
— Acabei de enterrar minha mulher, pai… — retrucou, indignado. —
Me dê um tempo para organizar minha vida.
— Aquela puta enrolou você durante cinco anos. Você já deveria estar
com esta casa cheia de meninos.
O italiano olhou para a mãe. Ela tinha razão. A maldita o enganara
todos esses anos, mas ele queria esquecê-la.
O pai levantou e se aproximou do filho.
— Ouça, Giovanni, você já está com quase 40 anos. Ainda não temos
um herdeiro para conduzir nossos negócios. Cacete! O que fizeram esses anos
todos que não produziram um menino? — seu pai indagou, exasperado.
Ele esfregou os cabelos fartos e negros. Em parte, seu pai tinha razão.
Ele e Patrícia já deviam ter ao menos cinco filhos.
— Ela não queria mais filhos. — Esfregou o rosto. — Estava tentando
convencê-la a engravidar. Inclusive, essa viagem tinha esse objetivo.
— Cachorra! — sua mãe praguejou.
— Acabou, mãe. Pare com isso! — esbravejou.
— Chega, Beatrice! — Sr. Salvatore ordenou.
O italiano tentou retomar o autocontrole. Voltou a se sentar, respirou e
concluiu:
— Me casarei de novo e farei herdeiros.
O pai sorriu, satisfeito.
— Escolha uma bela moça e encha esta casa de meninos — o velho
afagou o ombro do filho. — Estava pensando em Antonella…
Giovanni levantou a cabeça.
— Pai, eu escolherei minha próxima esposa, não vocês — afirmou,
categórico.
— Sua prima continua solteira, ela sempre foi apaixonada por você
— tentou mais uma vez. — Ficaria tudo em família, e as chances de termos
outra interesseira seria diluída. Patrícia só estava interessada em seu
dinheiro, você nunca enxergou isso, Giovanni. Nós o alertamos tanto…
— Eu sei, deveria tê-los ouvido…
— A professora, filho, gostei dela. O sorriso é sincero, parece uma
mulher de respeito. Ela lhe daria belos meninos. — A velha sorriu. — Ela
parece irlandesa, Salvatore, imagine como seriam lindos…
O pai não deixou a mãe terminar a frase.
— Não, Beatrice, Giovanni deveria casar-se com Antonella. Ela é
uma jovem adorável, confiável. Além disso, ama nosso filho desde que eram
crianças.
— Não! — respondeu. — Não quero Antonella.
— Por quê, Giovanni? Sua prima é adorável — o velho reiterou. —
Eu acho Antonella uma bela jovem, e lhe daria belos filhos.
— Pai, por favor… — suspirou. — Arrumarei uma esposa e farei
meus herdeiros. Posso ser morto a qualquer momento. Se Ângelo não tivesse
me impedido… — Soltou o ar. — A essa hora, Giacomo estaria sentado em
minha cadeira, conduzindo nossos negócios e dormindo na minha cama. —
Travou a mandíbula.
Sua mãe arregalou os olhos e se benzeu com fervor.
— Credo! Não diga isso, meu filho!
Seu pai ficou sério.
— Giovanni, você sabia com quem estava lidando. Giacomo não tem
honra, muito menos dignidade, palavra ou respeito por ninguém. Nem mesmo
pelo pai dele. Não foi novidade estar envolvido com Patrícia, apesar de ter
sido novidade que a miserável estivesse envolvida com ele. Escolha melhor
quem colocará dentro da sua casa, com quem dormirá e com quem fará seus
próximos filhos.
O italiano balançou a cabeça.
— Sim, sei disso.
— Tome cuidado, Giovanni… — Sr. Salvatore reiterou, preocupado.
— Não cometa enganos. Não se apaixone, o coração é um inimigo. Não o
siga! — Olhou-o intensamente.
— Eu sei… — Tentou sorrir. — Me contem um pouco sobre como
estão as coisas na Sicília.

†††
Depois que todos foram se deitar, Giovanni permaneceu mais um
tempo no piso inferior da casa. Ele pegou uma bebida e ficou olhando a noite
através dos vidros que emolduravam a linda casa.
A lua estava redonda, clara e glamorosa, iluminando as árvores
através de um feixe de luz.
Um barulho de sapatos o tirou de seu devaneio, ele imaginou que
fosse o pai. Virou-se e viu a linda ruiva descendo as escadas.
Giovanni a admirou enrolada em um robe de seda. Os cabelos agora
estavam comportados, apenas alguns cachos formavam-se nas pontas.
Gabriela Nessa era uma mulher deslumbrante. Uma joia rara.
Enquanto a linda mulher caminhava a passos delicados pela casa, ele
pensou no que a mãe dissera. “Casar-se com a professora…”.
Era loucura demais para ele. Apesar de sentir uma atração absurda
pela mulher, Giovanni sabia que ela nunca aceitaria. Gabriela era quase uma
freira. Uma freira feiticeira, mas uma freira.
Ele sorriu, caminhou devagar até alcançá-la na cozinha. A professora
estava assaltando a geladeira.
Isso o fez rir.
— O que faz aqui a essa hora, srta. Nessa?
Ela arregalou seus olhos violeta e parou a mão onde havia um
sanduíche enorme de presunto de Parma e queijo. Assustada, a ruiva
atrapalhou-se com o prato que carregava e derrubou tudo no chão.
Giovanni gargalhou. A linda mulher tinha o poder de fazê-lo se
esquecer dos problemas.
Ela cobriu a boca cheia de pão.
— Eu estava com fome — agachou-se e começou a pegar as diversas
coisas que havia colocado no prato.
Giovanni também se abaixou para ajudá-la.
— Não jantou, srta. Nessa? — Olhou-a com divertimento. — Ficou
com vergonha de jantar conosco?
— Não, é que estava sem fome — Engoliu tudo de uma vez, e foi
possível ver o bolo descendo por sua garganta.
Giovanni estreitou os olhos. Ela era tão atrapalhada.
— Assim você morrerá engasgada. — Pegou um copo de suco e
ofereceu para ela.
A moça pigarreou até conseguir terminar de engolir tudo. Sorriu para
disfarçar e começou a deixar a cozinha, mas Giovanni segurou seu braço.
— Sente-se e coma, srta. Nessa. Eu não mordo.
“Quer dizer…”
Em sua mente, ele a imaginou nua. A pele branca e delicada, os seios
redondos, os mamilos rosados e os pelos ruivos cobrindo sua intimidade. Ele
queria morder cada pedacinho de seu corpo delicioso.
Cazzo![14]
Ele não queria desejá-la. Mas era tarde demais. Desejava-a com
todas as suas forças. Principalmente aquela parte que ficava em suas calças.
Ele sentiu seu membro enrijecer, ganhar volume e ficar duro.
Dio mio!
A moça já estava com o rosto vermelho. Era engraçado como isso
acontecia com certa frequência. A timidez dela o fascinava.
— Sente-se — repetiu.
Timidamente, a jovem se sentou, pegou seu lanche e voltou a comê-lo.
Entretanto, agora sem a pressa de antes.
Giovanni fez o mesmo, sentou-se com uma taça de vinho e a observou
enquanto comia.
— Diga-me, srta. Nessa, quais são os seus planos, sonhos… —
bebericou o vinho licoroso.
— Planos, sonhos…? — repetiu.
— Isso, o que sonha para si?
Gabriela se perdeu em pensamentos.
— Desde que era criança, sonhava em me tornar uma das esposas de
Cristo, uma freira. Perdi-me no meio do caminho, falhei e fui expulsa. Perdi
minha dignidade e o respeito das pessoas que amava. Meu sonho era retomar
isso. Voltar à congregação e obter a consagração.
— Mas isso não é mais possível, srta. Nessa. — Segurou seu queixo.
Ela abaixou a cabeça, parecia envergonhada de si mesma.
— É, acho que não… Mas resolvi fazer isso do meu jeito. Estou
cumprindo minha própria penitência, e, quando chegar o momento, Jesus
Cristo me perdoará. Existem mulheres que seguem com as mesmas promessas
de pobreza, fidelidade a Jesus Cristo e às regras da igreja, mesmo não
estando no convento.
Giovanni fechou brevemente os olhos. Aquilo parecia loucura.
Educado nos dogmas da Igreja Católica Romana, logo cedo descobriu as
hipocrisias da santa fé. Descobriu também que os religiosos distorciam os
ensinamentos de Cristo em benefício próprio; que a Igreja Católica era
corrupta; e que os padres eram grandes safados.
— Ele era padre? — perguntou cuidadoso. Havia lido no dossiê
sobre um padre, mas, ainda assim, não acreditava naquilo.
Os olhos dela se desviaram dos seus. A presunção da culpa foi seu
silêncio.
— Melhor subir… — Tentou se levantar, mas Giovanni segurou sua
mão.
— Sou mais velho que você, srta. Nessa. Sem falsa modéstia, tenho
mais experiência de vida que a senhorita. Então gostaria de lhe dar um
conselho.
Ela o olhou, curiosa.
— Seu tempo de freira ou noviça já passou. Talvez a senhorita não
tivesse tanta vocação quanto achava.
— O senhor está me julgando como todos me julgaram. Não sabe nada
sobre minhas vocações. — Seus lindos olhos se encheram de lágrimas.
— Não há problema nenhum em admitir que cometeu um engano —
ele disse, ultrajado. — Que sentiu desejo e se entregou para um homem. Que
não tem vocação para a castidade.
— Ele se aproveitou da minha inocência. Fez-me acreditar nele,
confiar nele, me fez amá-lo. — Lágrimas abundantes banharam seu rosto. —
Nunca o julgaram pelo que fez, somente a mim. Fui expulsa, e ele continuou
sendo um padre.
Giovanni sentiu o peso do que ouviu. Um maldito padre acabou com o
sonho de uma jovem inocente. Ele sempre odiou a hipocrisia e a ganância da
Igreja Católica, mas agora seu ódio tinha um objetivo. Ele queria acabar com
aquele azia ta monaca[15].
— Quem é ele? Em qual a igreja que…?
Gabriela o interrompeu.
— Não tenho a menor ideia onde esteja.
— Qual é o nome dele? — insistiu.
— Que diferença isso faz? — ela o questionou com tristeza. — Não
há como consertar o que foi feito. — Levantou-se. — Peço desculpas por
invadir sua cozinha.
— Não peça desculpas, isso me ofende. Aqui agora é sua casa.
Ela riu sem vontade.
— Não tenho uma casa, senhor, estou aqui de passagem. Quero ajudá-
lo neste momento difícil, mas pretendo seguir meu caminho.
Por algum motivo que Giovanni não saberia explicar, aquelas
palavras o enervaram muito. Ele não queria que ela fosse embora.
Levantou-se e usou sua presença forte para intimidá-la.
— Poderíamos fazer um acordo, senhorita. Eu lhe devolvo sua honra,
dignidade, e você…
Giovanni titubeou. Como propor a uma moça que sonhava ser freira
que lhe desse um filho?
— Qual seria minha parte do acordo, Sr. Bennedetti?
— Me dar um filho.
A jovem não reagiu. Ficou segundos olhando-o perplexa.
— Não entendi, Sr. Bennedetti.
— Case-se comigo e me dê um filho. Preciso dar prosseguimento à
minha família, ter um filho homem. Se não tiver um menino, minha linhagem,
meu nome, tudo que minha família é, morrerá comigo.
— O senhor está me ofendendo, não sou uma prostituta! — disse
indignada. — Não emprestarei meu corpo para o senhor!
— Srta. Nessa, o padre a fez de prostituta, eu a tornaria minha esposa.
A mão da mulher acertou com força o rosto de Bennedetti.
— Nunca mais ouse falar comigo desse jeito! — Ela tentou fugir, mas
Bennedetti a segurou pelos braços, trazendo-a para junto de si.
— Acorde, srta. Nessa. Olhe para sua vida e o que está fazendo com
ela por causa de um sonho de menina. A igreja, as irmãs, o seu padre, todos
viraram as costas para você. Ninguém a quer. Você mentiu para a madre para
conseguir o emprego de professora. A senhorita morre de medo que
descubram que foi pega transando com o padre dentro da sacristia…
Gabriela se debateu furiosa, ela odiava aquele homem.
— Me solte, quem é o senhor para falar de mim? O senhor é um
mafioso, alguém mau e cheio de pecados nas costas.
— Fodam-se meus pecados. Estou em paz com eles, diferente da
senhorita.
Os dois se encararam raivosos.
— Solte-me, irei embora dessa casa!
— Não irá, sabe por quê…? — Ele riu. — Irei atrás da senhorita até
ao inferno.
— Você é louco!
O olhar de Giovanni ficou selvagem. Seu coração se acelerou, e seus
instintos sexuais tomaram conta dele.
— Você me deixa louco… — Sem que a ruiva tivesse tempo de
reagir, o homem segurou seus cabelos e invadiu seus lábios com os dele.
Hostis e cheios de desejo.
E ele a beijo de um jeito primitivo, sem controle, algo que Bennedetti
nunca sentiu antes. Com um furor e uma paixão que não pensou que haveria
mais em sua vida. E o mais impressionante de tudo: ela correspondeu.
Doze

Os lábios do homem sugavam os seus. Quentes e famintos. Gabriela tentou


resistir, mas seu corpo não obedeceu ao seu comando, transformou-se em uma
massa mole e moldável. Onde Sr. Bennedetti era o artista, e estava moldando-
a para seu bel-prazer.
Todas as partes de seu corpo reagiram aquele beijo: profundo, sensual
e envolvente. A jovem professora não queria corresponder com tanta paixão,
no entanto, foi isso que fez. Ela acariciou os cabelos fartos do homem, e o
deixou sugar sua língua, morder seus lábios e descer os beijos pelo seu
pescoço. Quando se deu conta, o robe de seda estava sendo tirado por seus
ombros.
Assustada com as reações que aquele homem causava nela, Gabriela
o empurrou, e respirou ofegante.
— Pare!
Ele estava tão ofegante quanto ela. Seus olhos escuros e profundos
mostravam um homem completamente tomado pelo desejo, puro e carnal.
Gabi já tinha visto esse olhar antes e as consequências seguintes foram
terríveis.
— Me desculpe, perdi a cabeça — ele disse, confuso.
— Sim, perdemos a cabeça — ela concordou. — Melhor ir. —
Gabriela tentou sair, mas o homem a segurou.
— Srta. Nessa, eu estava falando sério quanto a casarmos.
— Não nos amamos, senhor Bennedetti — retrucou, perturbada.
— Por isso que dará certo. Darei a você uma família, uma casa,
devolverei a você sua honra e dignidade. Eu a protegerei. Cuidarei de você e
dos filhos que teremos.
A mulher balançou sua cabeça. Aquilo era loucura. Os laços do
matrimônio não poderiam ser feitos assim. Ela acreditava no casamento, mas
aquele nascido do amor.
— Não posso me casar com alguém que não ame — repetiu, confusa.
— Também não a amo. Mas a respeitarei e a farei feliz.
— O que está me pedindo é loucura. Não podemos nos casar, não
assim.
— Então, como gostaria que fosse? Um amor feito o do padre, que te
abandonou quando mais precisava dele?
Ela se virou para não mostrar o quanto esse assunto a abalava. Mas
Bennedetti estava decidido a conquistá-la. Então, aproximou-se de suas
costas e cheirou seus cabelos perfumados, passou o nariz por sua orelha e
pescoço. Definitivamente, ele sentia-se enfeitiçado por aquela mulher.
Mesmo que não a amasse, estava disposto a se casar com ela, ter filhos e
viverem juntos.
— Estou confusa — declarou Gabriela. — Não sei se consigo ter
intimidades com outro homem. Não sei se poderei dar filhos ao senhor.
Talvez não possa — afirmou, mesmo não sabendo de nenhum problema físico
que a impedisse. — Tenho certeza de que poderá encontrar uma mulher do
seu feitio, senhor Bennedetti. Não serei uma boa esposa, uma boa mãe…
Ele continuou com seus lábios fazendo um caminho de beijos pela
pele do pescoço e ombros…
— Não quero outra, quero você, Srta. Nessa. — Afastou os cabelos
de sua nuca e depositou beijos naquela região.
Gabriela ofegou de desejo. Aquele homem a enlouquecia de um jeito
que não sabia explicar. Entretanto, pensamentos negativos e contraditórios
poluíram sua mente. Ela cresceu ouvindo que qualquer intimidade com um
homem era sujo e vergonhoso. Na verdade, a avó a educou como se o mundo
fosse uma fonte inexorável de pecado, luxúria e outras coisas vergonhosas.
Ela tinha sido educada para ser uma freira e não uma mulher. Contudo,
ninguém a avisou que apesar de tudo seus instintos de fêmea iriam aflorar e
ela sentiria desejo, paixão e muitas outras coisas. Aos 24 anos, a jovem não
sabia como lidar com a avalanche de emoções e sentimentos que a
preenchiam.
Bennedetti desceu as alças de sua camisola e parou de acariciá-la.
— O que são essas marcas, Gabriela?
Rapidamente, ela levantou seu robe e cobriu as costas.
— Nada! — respondeu, envergonhada.
Ele a olhou de lado, parecia tentar ler sua mente, entrar nela e
vasculhar seja o que fosse que tivesse feito.
— Essa é a penitência que disse aplicar em si mesma?
A jovem ficou atordoada.
Como ele consegue saber o que são estas marcas? Pensou.
— São marcas antigas — afastou-se —, de nascença.
Ele cerrou os olhos, Bennedetti era um homem experiente, vivido e
perspicaz. Ele sabia o que as marcas em suas costas significavam. Ele tinha
conhecimento que muitos religiosos faziam isso como autopenitência,
purificação e como uma forma de se livrar de seus pecados.
Seu primeiro instinto foi abraçá-la, ele não deixaria que ela fizesse tal
ato, nunca mais.
— Não faça mais isso, Gabriela, nunca mais… não se machuque
desse jeito.
A moça apertou os olhos para não chorar. Havia uma agonia em seu
peito, uma dor que não passava.
Ele a apertou em seus braços, e ela sentiu o perfume delicioso que o
homem exalava de seu tórax. O calor do corpo dele invadiu o seu, quando
ouviu as batidas potentes, fortes e poderosas do coração dele.
O mundo poderia ser um lugar perigoso e desumano. Mas ao lado
daquele homem ela se sentia segura, tranquila e em paz. Gabriela sentiu
vontade de nunca mais sair daqueles braços, mas seu instinto a lembrou que
aquilo era errado e perigoso. Vagarosamente, a professora se afastou.
— Preciso pensar sobre o assunto — declarou, confusa.
— Pense, mas não demore muito…
— Sim, agora preciso dormir. — Olhou sem graça para o homem e
saiu.
Treze

Giovanni ajeitou seu terno em frente ao espelho, pegou seu celular e saiu de
seu quarto. Andou alguns passos e parou onde ficava o quarto da linda ruiva,
levantou seu punho, mas parou.
O que diria para a professora? Que tem pressa em sua resposta,
pois está louco para fodê-la ou que tem um sexto sentido que diz que
morrerá cedo e que precisa fazer um herdeiro?
Fechou os olhos e balançou sua cabeça.
Desde a traição de Patrícia o cérebro do homem não estava
funcionando bem. Ele nunca tinha visto a morte tão de perto. De repente,
sentiu que havia perdido muito tempo da sua vida com romantismos idiotas.
Ele que sempre foi um homem objetivo e prático, havia se rendido ao amor e
se tornado um imbecil completo.
O italiano odiava seu lado romântico. Mas a traição de Patrícia tinha
servido de algo, ele não entregaria seu coração a mais ninguém. Nunca mais.
Ele estava obcecado pela jovem professora, mas apenas sexualmente
e também porque via nela a mulher perfeita para ser a mãe de seus filhos.
O homem já havia desistido de bater à porta da ruiva, no entanto, ela
foi aberta e a jovem quase o atropelou.
Ela o olhou assustada.
— O que faz na porta do meu quarto? — Franziu o cenho.
Giovanni levou a mão à testa e fingiu ter esquecido o assunto.
— Eu tinha algo a lhe dizer, mas esqueci. — Dito isso, deixou-a
passar. — Talvez, só quisesse desejar bom-dia a senhorita.
Ela o olhou sobre os ombros.
— Bom dia para o senhor também. — Voltou a caminhar com leveza
pelo assoalho de madeira.
— Quer tomar café comigo? Ainda tenho alguns minutos.
Giovanni sabia de seu poder de sedução. Antes de casar-se com
Patrícia, teve dezenas de amantes. Nunca foi um problema para ele conquistar
uma mulher, não seria agora que se decepcionaria com a sua performance.
— Vou acordar a Madeleine — ela declarou, mas ele a segurou pelo
braço e a fez parar.
— Depois você a acorda, me dê o prazer de sua companhia.
Gabriela concordou com a cabeça e o seguiu em direção às escadas.
Minutos depois, os dois sentaram-se à mesa, um de frente para o
outro, e se entreolharam.
— Já tem uma resposta, Srta. Nessa? — Bebericou seu café.
— Não posso decidir o meu futuro em uma única noite — afirmou,
com um olhar cortante.
Ele sorriu da ousadia dela. Para uma ex-noviça, até que a moça tinha
uma língua afiada.
— Às vezes, tenho que tomar decisões em questão de horas ou até
mesmo minutos, sabia? — Olhou-a profundamente.
— Eu, ao contrário, às vezes, demoro meses para decidir algo. —
Sorriu provocativa.
Ele riu.
— Eu esperaria você por meses, senhorita, acredite. Mas não estou
com muito tempo. — Levantou-se e foi até ela. — Qual a sua dúvida? —
Colocou a mão em seu pescoço e aproximou seu rosto do dela. — Você não
se arrependerá de ser minha esposa. — Fixou os olhos nos lábios da mulher,
inclinou-se um pouco mais e a beijou.
Como da primeira vez, Gabriela correspondeu. Ela o queria, o
italiano sentiu isso em seu beijo, mas ela tinha medo.
De fato, Giovanni queria mostrar para ela outras razões para se casar
com ele. O homem estava disposto a ensiná-la tudo que um homem e uma
mulher podiam fazer juntos, e não necessariamente apenas beijar um ao outro.
Os lábios da moça eram macios, doces e viciantes na medida certa.
Giovanni esqueceu onde estava e foi lembrado da pior forma possível.
— Pappa?
Ele afastou-se abruptamente dos lábios da jovem, e olhou para a filha.
— Made, buon giorno[16]! — Foi até ela e a pegou no colo. —
Acordou cedo, bambola[17]?
— Acordei. — A menina olhou para a professora, estava confusa e
assustada com o que viu. — O senhor estava beijando a tia Gabi?
Ele riu, tossiu, pigarreou e finalmente a colocou no chão.
— Você gosta da tia Gabi, não gosta?
A garotinha olhou para a professora e sorriu. Enquanto isso, Gabriela
queria um buraco profundo para se esconder e não sair de lá nunca mais.
— Gosto! — Deu de ombros.
— É que eu e a Srta. Nessa… — Ele não conseguiu continuar, a
professora o interrompeu.
— O senhor não estava atrasado?
— Estava? — Cerrou os olhos.
— Sim, o senhor disse que estava… Vá, caso não queira se atrasar
mais para seu compromisso.
— É, eu estava — concordou a contragosto. — Bom dia, principessa,
obedeça à Srta. Nessa. — Olhou para a professora, meneou a cabeça e deixou
a sala.

†††
Giovanni estava compenetrado, analisando um relatório trazido por
seu assistente, quando seus seguranças abriram a porta.
— Seu primo Giacomo está aqui, senhor.
O italiano remexeu-se nervoso. Ele e o primo tinham um
relacionamento tempestuoso e nada amigável desde crianças.
— Revistem-no e o deixem entrar… sozinho — disse, com um olhar
perigoso.
Alguns minutos depois, a porta foi aberta novamente e o primo
bastardo entrou sorrindo.
— Quanto tempo, Giovanni!
— Não o bastante para sentir falta de você — respondeu Giovani,
rispidamente.
O primo riu.
— Sinto falta de sua hostilidade. Posso me sentar ou devo ficar em
pé?
— Você não irá se demorar, então é melhor ficar em pé mesmo.
O primo queria irritá-lo, por isso se sentou.
— Estou com a bandeira branca hasteada, cugino[18]. Vim aqui por
causa da morte de Patrícia, estou scioccato[19]. Queria trazer minhas
condolências para você e para Madeleine.
Budiúlo[20].
— Và fancullo[21], Giacomo. A quem quer enganar? — Olhou-o
nervoso. — Eu poderia matá-lo agora e enterrá-lo aqui mesmo em minha
sala…
O homem gargalhou.
— Mas meus seguranças poderiam querer saber onde me enfiou,
cugino.
— Eu explicaria que tenho um canal direto com o inferno aqui mesmo
e que você queria visitar seu pai. Depois meus homens matariam os seus,
enfiaríamos todos em uma caçamba e jogaríamos no mar. — Giovanni
segurou seu queixo e o coçou. — Neste exato momento meus homens estão
preparados para matar os seus, e então eu o mataria pessoalmente. — Pegou
sua pistola e a alisou com os dedos. — Onde prefere o tiro, na têmpora ou no
peito? Talvez no peito, assim não assustaria seus filhos no velório.
— Ela que queria te matar, não eu. Prometi ao meu pappa respeitar
nossa família, por isso estou aqui… — Levantou-se. — Ela pediu minha
ajuda, queria contatos na Grécia, enfim, ela aprendeu muito com você, mas,
infelizmente, não tinha os melhores contatos. Então, me procurou e parecia
carente...
Giovanni teve vontade de voar no pescoço do pezzo di merda[22] e
matá-lo. Seu sangue ferveu de ódio. Se ele não saísse de sua sala, ele o
mataria.
— Saia, Giacomo. — Apontou a arma para ele.
— Ela queria assumir seus negócios. — Olhou ao redor e sorriu. —
Patrícia era ambiciosa. Ela me convidou para essa empreitada, e é lógico que
disse que não. Somos uma família, cugino! Só passei os contatos que tenho na
Grécia e falei para ela se virar. Eu sabia que você descobriria, você tem uma
equipe boa, cazzo! Admiro seus homens.
— O que quer aqui, farabutto[23]?
— Dar meus pêsames e desejar que a família dela não prove que você
que a matou. Eles estão doidos atrás de provas. — Seguiu para a porta. —
Lembranças a Madeleine, meu bambino adora a cugina. Talvez possam se
casar no futuro.
— Né da te del mio cadavere![24].
O homem gargalhou.
— Ah, Kiara está grávida de novo. Mais um menino, cugino. —
Sorriu provocativo, abriu a porta e deixou a sala.
Giovanni esmurrou a mesa, furioso.
— Gabriela Nessa, não te darei nem mais um dia — rosnou. — Você
precisa me dar um filho.

†††

Em um galpão vazio, Giovanni e seus homens esperavam


pacientemente que o maledetto[25] dissesse o que sabia.
O italiano tirou seu paletó, arregaçou as mangas da camisa, e,
pessoalmente, segurou os cabelos do homem, puxando-os e rosnou furioso.
— Diga o que sabe, antes que perca o pouco de paciência que ainda
tenho. Quem eram os homens que invadiram o colégio da minha filha?
— Não sei de nada, vocês pegaram o cara errado — choramingou.
Giovanni desferiu um soco em seu estômago, fazendo-o inclinar-se de
dor e vomitar a bile.
— Diga! — gritou, e desferiu outro soco. — Voglio insegnare a
questo stronzo una lezione che non scorderà mai[26].
Mas seu telefone particular tocou, e ele só tocava quando coisas
terríveis aconteciam em sua vida.
— Cazzo! — pegou o telefone. — Acabem com esse saco di merda.
Ele saiu andando pelo local, apertou a tecla e atendeu.
— Si!
— Sr. Bennedetti, desculpe ligar para o senhor…
Ele interrompeu a governanta, nervoso.
— Diga logo, mulher!
— A professora saiu, eu acho que ela foi embora.
Ele arregalou seus olhos negros.
— Como assim?
— Madeleine a procurou pela casa toda, está desesperada atrás da
professora. Oh, senhor, aquela maldita mulher. Pobrezinha da nossa menina
se apegou tanto a ela.
Giovanni cobriu seus olhos. Ele não podia acreditar que a jovem
tivesse feito isso com ele e com Madeleine.
— Se ela aparecer, me avise. — Desligou a ligação, e gritou: —
Ângelo!
O homem largou o que estava fazendo e saiu apressado até seu chefe.
— O que foi, senhor, algum problema?
— Srta. Nessa saiu sem dizer onde foi, veja se algum dos homens a
seguiram.
— Sim, claro. — Afastou-se, pegou seu celular e falou com alguém,
poucos minutos depois voltou. — Eles a seguiram, ela está no colégio onde
trabalhava.
Giovanni pegou seu celular e ligou para a madre superiora.
— Madre, como vai? Fiquei sabendo que Gabriela Nessa está em seu
colégio.
— Que honra, Sr. Bennedetti. Avisaram-me que ela quer falar
comigo, mandei-a esperar e estou tentando falar com o senhor há alguns
minutos.
— Não estou no escritório. Estou resolvendo alguns assuntos
complicados fora da empresa. — Sorriu. — A senhora sabe o que ela quer?
— Minha assistente disse que ela veio atrás de trabalho. Mas, eu
tenho um acordo com o senhor, não vou contratá-la. Fique tranquilo.
— Pedi a Srta. Nessa em casamento. Ela é encantadora e eu preciso
de uma mãe para minha filha. Se possível, incentive-a a aceitar meu pedido.
— Oh, que garota de sorte… com certeza a incentivarei. — Ela
pigarreou. — Tivemos muitos custos com aquele episódio aqui no colégio,
Sr. Bennedetti… o senhor sabe o quanto luto para manter essa instituição
em pé.
— Mande a conta para o meu assistente. Pagarei tudo.
— Oh, o senhor é um homem…
Ele a interrompeu.
— Atenda-a e seja gentil, madre. Mas não dê esperanças. Ela não
voltará a dar aulas. Estou indo para a escola. Avise-a que estou esperando.

†††
O Rolls-Royce estacionou em frente à escola.
— Pronto, senhor, o que faremos? Quer que traga a moça a força? —
Ângelo indagou, apressado.
Giovanni riu.
— Não, Ângelo, nada de violência com mia donna e sua futura
signora.
— O senhor quer mesmo casar com essa moça? — indagou, com
preocupação.
— Eu não quero, eu vou.
Abriu o celular e começou a checar suas mensagens.
Quatorze

Gabriela terminou sua aula com Madeleine. Esperou a babá vir buscá-la,
seguiu para seu quarto, pegou sua bolsa e desceu as escadas.
Ela estava decidida a arrumar um emprego. Ela não podia continuar
naquela casa. A ideia de se casar com o belo italiano era tentadora demais,
mas tudo na vida tinha um preço.
Tudo que vem fácil, vai fácil…
Sua história com o italiano não seria um conto de fadas, mas sim um
acordo de conveniência para um homem rico e poderoso. Ele queria uma
barriga de aluguel, não uma esposa.
Ela lembrou-se da escolha errada que havia feito em sua vida e de
como isso se refletiu em seu futuro. Certa vez, ela havia confiado em um
homem. Um padre. Ele a seduziu e a fez acreditar num amor que ultrapassaria
todas as barreiras. E veja só o que aconteceu com sua vida…
Não, ela não acreditaria naquele homem, ele era como todos os
outros. Só queria seu corpo e quando enjoasse a jogaria fora.
A jovem precisava ir embora daquela casa. Talvez, se fosse até o
colégio e pedisse para voltar, a madre a aceitaria de volta.
Gabriela chegou ao final das escadas e se deparou com a governanta.
— Boa tarde… — Fingiu ignorá-la, passando por ela e seguindo em
direção à porta.
— Aonde vai, Srta. Nessa?
Gabriela fechou os olhos e bufou.
— Preciso comprar algumas coisas pessoais. — Sorriu confiante e
continuou sua caminhada.
— Sr. Bennedetti está sabendo?
A moça expirou com força.
— Já terminei minha aula e preciso de algum tempo para minhas
coisas pessoais. Se ele perguntar sobre mim, diga que já volto. — Abriu a
porta e saiu.

†††
Gabriela sentou-se num banco ao lado da sala da madre superiora e
esperou.
A cada professora que passava, ela acenava sem jeito. As pessoas a
olhavam com estranheza, talvez por causa de suas roupas e do seu cabelo.
Finalmente, a porta foi aberta, e a madre moveu os lábios em um
sorriso estranho.
— Boa tarde, madre! Obrigada por me receber.
— Sente-se…
Gabriela sentou-se, e esperou a madre sentar-se à sua frente.
— Como está Madeleine?
— Bem, muito bem. Ela é adorável…
— E o Sr. Bennedetti?
A professora disfarçou.
— Acho que bem.
— Pois não, Gabriela. No que posso ajudá-la?
— Quero voltar a dar aulas no colégio… sinto falta da minha turma…
— Já contratamos uma professora para sua vaga. Mas, me diga, o Sr.
Bennedetti a dispensou?
— Não, na verdade, não. Eu que queria voltar ao meu emprego.
Aceito ser assistente enquanto não surgir uma vaga.
— Prometi ao Sr. Bennedetti não contratá-la enquanto a menina
estiver em casa. Ele é um homem muito bom. Ele nos ajuda muito e devo
muito a ele. Então, a não ser que ele a dispense, não posso contratá-la.
A moça mordeu seus lábios, nervosa.
Eu odeio esse homem. Pensou Gabriela.
— Madre, uma pessoa não deveria ser obrigada a trabalhar para
alguém que não quer, estou sendo obrigada a trabalhar para ele, por favor, me
ajude.
A madre riu para dentro.
— Queria alguma das nossas professoras ter a oportunidade de cair
nas graças daquele homem. Você é uma mulher de sorte, Gabriela. Ele a pediu
em casamento! — comentou, com alegria.
— O que disse? — Arregalou os olhos.
— Eu já sei de tudo…
— De tudo o quê? — indagou, exasperada.
— Que o Sr. Bennedetti quer se casar com você. Ele me ligou e
contou a novidade, disse que se encantou com sua ternura, delicadeza e a
maneira como trata Madeleine. Foi uma grande desgraça a morte de dona
Patrícia, mas, enfim, nosso Senhor tinha planos secretos para vocês. Você
será muito feliz com o Sr. Bennedetti e não precisará trabalhar. Oh, ele é
muito rico e generoso…
A jovem balançou a cabeça energicamente.
— Não, não irei me casar com ele. Preciso de um emprego. Ajude-
me, madre — suplicou.
— Não, não posso. Sr. Bennedetti a está esperando na porta.
Gabriela cobriu seu rosto.
— Eu não irei casar com ele, com ninguém. — Levantou-se furiosa.
— A senhora é como as outras, não se importa comigo só com os benefícios
financeiros que terá sendo fiel aquele homem.
— Você não tem moral para me questionar, Gabriela, e nem para dar
aulas neste colégio.
Seus lábios tremeram, as lágrimas brotaram e ela não soube o que
responder. Virou-se e seguiu para a porta. Mas antes se virou e disse:
— Eu me perdi por amor, e a senhora perdeu-se pelo quê? Pelo
dinheiro, madre?
A mulher levantou-se e a encarou furiosa.
— Não insinue isso que está pensando…
— Eu não insinuo, eu afirmo que se uniu àquele homem que é dito
como perigoso e envolvido com coisas ilícitas apenas para ter dinheiro no
seu cofre todos os meses. Vocês todos são nojentos. — Abriu a porta e a
bateu com raiva.

†††
Assim que colocou os pés na rua, ela viu o carro enorme e luxuoso do
italiano parado em frente ao colégio. Mas ela o ignorou e seguiu na direção
oposta.
— Gabriela! — ele gritou.
Ela o ignorou. Moraria na rua até arrumar um emprego… Ela
precisava de um emprego agora, senão seria impossível continuar pagando a
clínica da avó.
O desespero a fez começar a chorar.
— Gabriela! — repetiu o homem, agora tão próximo que ela podia
sentir seu perfume delicioso.
— Me esqueça, Sr. Bennedetti… — Continuou caminhando.
— Para onde vai, Gabriela?

— Procurar um emprego. Deve haver um emprego pra mim nessa


cidade.
— Você tem um emprego. Você é a professora de Madeleine. Por
favor, Gabriela, volte comigo.
Ela virou-se furiosa.
— Você prometeu que não contaria nada a ninguém — afirmou, aos
prantos.
— Eu cumpri com a minha palavra. Só disse que a pedi em
casamento. Que quero que seja minha esposa e a mãe da Madeleine.
— Mentira, ela insinuou que sabia do meu passado — retrucou,
nervosa.
— Talvez ela saiba, não é tão difícil descobrir.
— Não importa. Eu já decidi — declarou. — Não irei me casar com
o senhor. Eu amo sua filha, mas não o senhor. Não me casarei para ter uma
casa, dinheiro e essas coisas que tanto valoriza. Muito menos para que você
tenha seu herdeiro. Não sou uma barriga de aluguel, Sr. Bennedetti. Eu me
perdi no meio do caminho, mas eu ainda tenho dignidade. Não venderei meu
corpo…
— Não quero seu corpo, Gabriela, quero uma mãe para minha filha. E
se não for tão difícil para você, quem sabe me dar um filho. Será que sou tão
asqueroso assim? — Deu de ombros, parecia tão ofendido.
— Não, o senhor não é asqueroso. Não é isso. Mas não me casarei
com você e nem com nenhum outro homem. Não serei tocada por outro
homem.
Ele balançou sua cabeça e olhou para o chão, mexendo seu maxilar
como se mordesse seus dentes.
— Está certo. Então, volte para casa e continue dando suas aulas a
Madeleine. Eu encontrarei outra mulher boa o bastante para ser a mãe da
minha filha. — Forçou um sorriso. — Está bem assim? Não precisa arrumar
um emprego, você tem um. — Estendeu sua mão para a moça. — Venha
comigo, Gabriela.
Gabriela cobriu os olhos e tentou não chorar.
— Venha comigo — insistiu, pegou em sua mão e a puxou em direção
a ele.
Ela olhou para os lados e viu seus seguranças. Eles a encaravam em
repreensão, como se dissessem que era muito feio o que tinha feito. Contudo,
ela não estava nem aí para eles.
Em pensamento, Gabriela começou a listar em sua mente a quantidade
de pecados que havia cometido apenas em algumas horas e considerou que
era o suficiente. Ela precisava se redimir.
Quinze

Gabriela entrou no carro e se sentou em frente ao Sr. Bennedetti.


— Ângelo, me deixe no escritório e a leve para casa.
Ela o olhou de soslaio, e viu as linhas de seu maxilar marcadas pela
tensão. Ele estava bravo com ela. Mas a jovem não podia fazer nada. Não se
casaria com ele apenas para vê-lo feliz.
Com sorte, Sr. Bennedetti escolheria uma mulher maravilhosa para
substituir a falecida. Com certeza a nova esposa não ia querer ela mais como
professora, deste modo, estaria livre para viver sua vida.
Ela sorriu através do vidro do carro ao ver uma pequena criança
brincando no parque. Sua grande paixão sempre foram as crianças. Como
noviça, ela havia participado de muitos projetos sociais com crianças
carentes. Aos finais de semana, Gabriela e as amigas noviças iam às
comunidades, davam aulas de reforço, ajudavam a criar hortas comunitárias,
auxiliavam as mães nos cuidados com os filhos.
Enfim, ela havia sido tão feliz.
Seus olhos inundaram.
Qual é o meu projeto de vida agora? Sobreviver? Pensou Gabriela.
Ela suspirou.
— O que tanto suspira? — Ele cerrou os olhos em sua direção.
— O senhor não entenderia. — Voltou a olhar para as crianças
malvestidas e sujas, brincando no campinho de barro.
— Me explique, então. — Remexeu-se nervoso.
— Sinto falta de minha antiga vida. — Olhou-o de canto de olho. —
De ajudar as pessoas, de me dedicar a uma causa nobre. Minha vida agora é
mesquinha e medíocre. Só penso em mim mesma e em meus problemas.
Ele respirou fundo e bufou.
— Você é complicada demais, Srta. Nessa. — Balançou sua perna,
repetidas vezes. — Você não é mais uma noviça, quando entenderá isso?
— Não sei. — Desviou seus olhos dos dele.
— Está na hora. Quanto tempo faz que foi expulsa?
Ela o olhou, envergonhada.
— Aproximadamente dois anos.
— Vinte e quatro meses, aproximadamente 720 dias, e sei lá quantas
horas. Está na hora, não acha?
— Não sei o que fazer da minha vida. Desde criança eu planejava me
tornar uma freira. É difícil recomeçar, Sr. Bennedetti. Ainda estou presa ao
passado — declarou, amargurada.
— Estou te dando uma chance de recomeçar. — Segurou sua mão. —
Será um bom recomeço. — Beijou o dorso dela e a olhou, provocando um
gelado em seu estômago. — Serei paciente com você, prometo! — Pulou de
banco, sentando-se ao lado dela. — Aceite. — Esfregou seu nariz em seus
cabelos, fazendo os pelos do corpo dela se arrepiarem. — Faremos tudo no
seu tempo. — Passou os lábios em sua orelha. — Confie em mim…
Ela apertou seus olhos. Essa frase tinha um efeito devastador em seu
coração e funcionava como uma maldição em sua vida. Talvez, ela nunca
mais fosse confiar em nenhum homem.
— Eu já dei minha resposta. — Afastou-se, e ele a olhou furioso.
— Sim, você já deu sua resposta. — Voltou para seu assento, pegou
uma revista e começou a folheá-la, nervosamente.

†††

Dias Depois

Ela alisou o vestido bonito e vestiu um casaquinho de caxemira para


cobrir os braços. Passou os dedos pelos cabelos e rezou em silêncio. O seu
maior desejo era ter o perdão da avó. Ela de fato era sua mãe, já que a mãe
biológica morreu em seu parto. O pai formou uma nova família e a abandonou
com a velha neurótica. Gabriela a amava, era sua única família e era
importante demais ter seu perdão.
Ela desceu as escadas e procurou pela governanta.
— Senhora Rute, estou saindo.
— Aonde vai? — indagou, com rispidez.
— Visitar minha avó, demorarei entre duas e três horas. Depende do
trânsito e do ônibus não demorar muito. Já avisei a Madeleine. — Virou-se e
seguiu para a porta.
— Espere, Sr. Bennedetti pediu para não sair sozinha. Vou avisar os
rapazes que a acompanhem.
Gabriela balançou sua cabeça negativamente.
— Não vou fugir, não precisam me tratar assim. Que coisa, eu preciso
da minha liberdade.
A mulher revirou os olhos.
— Deveria ter pensado nisso quando resolveu trabalhar para o Sr.
Bennedetti. A partir de agora sua liberdade pertence a ele.
Gabriela respirou fundo.
Ela não queria se estressar com a mulher. Desejava apenas visitar sua
avó, o que já era algo muito estressante em sua vida.
Mas logo um rapaz surgiu na sala e sorriu para ela.
— Pois não, senhorita. Onde deseja ir?
— Para o inferno. — Passou por ele bufando.

†††
Gabriela bateu à porta e respirou fundo.
— Vovó, sou eu! — Abriu a porta e enfiou a cabeça através da fresta
e viu uma enfermeira cuidando da senhora. — Olá, atrapalho? — perguntou.
— Não, claro que não. Entre, Gabriela. — A enfermeira olhou-a com
atenção. — Como está bonita, nem parece a mesma pessoa. — Sorriu.
Imediatamente, a avó virou o rosto ao encontro da jovem.
— O que significa isso? — Apontou a mão em sua direção. — Que
roupas são essas?
A professora sentiu seu rosto corar, como se fosse uma criança e
tivesse feito algo muito errado.
— Estou trabalhando para uma família como professora de uma
garotinha de cinco anos, eles me pediram para usar essas roupas. — Apertou
o caxemira contra o corpo, tentando esconder o modelo que valorizava seus
seios e a cintura fina.
A velha se livrou da enfermeira e caminhou até Gabriela. Mexeu em
seus cabelos e puxou com violência o casaquinho que cobria seu vestido,
mostrando seu corpo.
— Está vestida feito uma vagabunda! — esbravejou.
Gabriela olhou para a enfermeira, envergonhada.
— É só um vestido, vovó!
— Não é só um vestido, é a roupa que o diabo mandou vestir para
chamar a atenção dos homens — disse, furiosa.
— Não sou mais uma noviça, qual o problema de me vestir como as
outras moças, só tenho 24 anos? — Seus olhos lacrimejaram. — Não é
pecado ficar bonita, vovó.
Imediatamente, Gabriela teve consciência que essa foi a frase de seu
patrão. Aos poucos, Sr. Bennedetti estava mudando seus valores e suas
crenças. Talvez para benefício próprio, não para o dela.
No mesmo instante, ela se arrependeu do que disse. Um tapa certeiro
e violento atingiu seu rosto. Ela se desequilibrou com o susto e caiu no chão.
— Você está se tornando uma messalina[27].
— Não me chame disso! — rosnou entredentes, apoiou-se na cama e
levantou. — Uma roupa não me faz uma vagabunda ou prostituta. Sou a
mesma pessoa, apenas com roupas novas.
Ela pegou nos cabelos da Gabriela e os puxou.
— Tem certeza, Gabriela? Quem é o homem que a está sustentando?
Você não ganha o suficiente para isso. Diga? — gritou. — Você se tornou uma
puta? Está vendendo seu corpo em troca de favores?
— Não! — berrou, e as lágrimas começaram a descer pelo seu rosto.
Com um puxão, a velha rasgou seu vestido.
— Se não é uma prostituta, volte a usar as suas roupas, aquelas são
roupas de uma mulher de respeito, descente e honrada, não isso. — Pegou
uma parte da saia e a puxou com força, fazendo-a se rasgar.
— Pare! — Gabriela se afastou, horrorizada. — O que pensa que está
fazendo?
— Tornando-a uma mulher de respeito. Nenhum homem a respeitará
se vestindo como se fosse uma puta. Aliás, nenhum homem vai querer você.
Nunca! Nenhum homem vai se casar com uma pecadora que desencaminhou
um homem de Deus. Você está possuída pelo diabo, Gabriela, ele está te
tentando de novo. Assim como o fez aquele dia. — Sacudiu-a com violência.
— Solte-me! — Tentou se livrar da avó, mas a velha começou a bater
nela. Bateu em seu rosto, braços, costas e cabeça. Gabriela reviveu seu
passado, quando a velha dizia que ela estava possuída pelo diabo.
Muitos funcionários surgiram no quarto e socorreram Gabriela.
Conseguiram injetar um calmante na idosa, que a fez dormir.
Envergonhada demais, Gabriela saiu correndo pelo corredor do lugar,
refugiou-se num canto e começou a chorar.
— Senhorita, o que houve? — O rapaz que a acompanhava estava a
sua frente, olhando-a como se ela tivesse dois chifres.
— Problemas familiares. — Enxugou as lágrimas e seguiu pelo
corredor.
— Posso fazer alguma coisa. — Segurou seu braço. — Sua roupa está
rasgada. — Tirou o terno e colocou sobre seus ombros. — Pronto, assim está
melhor. Quer que ligue para o Sr. Bennedetti?
— Não, não quero que ligue para ninguém. — Abaixou a cabeça e
continuou a caminhar. — Não conte a ele o que viu ou ouviu.
O rapaz meneou a cabeça. Mas não pareceu muito convencido a
esconder algo de seu chefe. Afinal, se o italiano soubesse por outra pessoa,
ele corria o risco de perder sua língua.
Dezesseis

Giovanni abriu abruptamente a porta da mansão. Seus cabelos estavam


revoltos, os olhos furiosos e o maxilar marcado pela tensão.
A governanta estava a espera dele, correu ao seu encontro e começou
a falar de maneira atrapalhada.
— Ela já chegou, senhor...
— Onde ela está?
A governanta o acompanhou pelo hall de entrada.
— Em seu quarto… foi muito estranho, Sr. Bennedetti, ela chegou com
as roupas rasgadas, com os cabelos em desalinho e chorava muito…
Giovanni parou e olhou assustado para a mulher.
— O que ela disse para a senhora?
— Ela não quis conversar…, mas o segurança disse que ela brigou
com a avó. Ele ouviu xingamentos, parece que ela e avó se pegaram aos
tapas. — Revirou os olhos com descaso.
Ele fechou os olhos, estava furioso.
— Por que não foi com ela? — esbravejou, fazendo a governanta se
encolher de medo.
— Não sou a babá dela, minha obrigação é com a Srta. Madeleine —
retrucou, exasperada.
— Dá próxima vez você irá e não permitirá que a avó coloque a mão
nela.
— Mas, senhor, que absurdo está me pedindo…
Ele ignorou suas reclamações, deixou a mulher para trás, e seguiu
para o quarto da moça, ao abrir a porta ficou surpreso com o que viu.
Encolhida na cama feito um feto e usando suas antigas roupas, a jovem
professora o olhou assustada.
— Me deixe sozinha, Sr. Bennedetti — sussurrou.
— O que faz com essas roupas, não mandei queimá-las? — indagou,
irritado.
— O senhor não manda em mim e nem nas roupas que uso. Caso não
esteja satisfeito com o modo que me visto, me mande embora.
Giovanni tinha tido um dia ruim e não esperava ter que discutir com a
moça sobre suas vestimentas. Na verdade, ele queria acabar com toda aquela
baboseira, levá-la para cama e fazer logo um filho nela.
Che palle[28]! Por que tudo com aquela donna tinha que ser difícil?
Ele esfregou seu rosto, foi até a cama e se sentou. Definitivamente, o
italiano era um che cullo![29]
— O que houve, Gabriela?
Ela virou seu rosto, estava com os olhos vermelhos e inchados.
— Nada.
Ele pegou sua mão e a acariciou.
— Não minta para mim. O que houve, por que saiu do quarto da sua
avó com a roupa rasgada? Ela foi violenta com você?
Ela levantou seu corpo e se sentou. Seus lindos cabelos estavam
presos em um coque. Ele odiava coques.
— Ela tem surtos… é isso. Fica violenta, mas ela é uma boa pessoa.
Giovanni olhou-a com atenção. Por algum motivo, sentia-a diferente.
Apesar do pouco tempo que a conhecia, já sabia decifrar aquela mulher.
— Como foi a visita, por que ela teve esse surto?
Ela desviou os olhos.
— Mal conversamos, ela estava… aborrecida. Não quis conversar.
— Voltou a deitar. — Poderia me deixar sozinha, Sr. Bennedetti?
— Me chame de Giovanni, Gabriela!
— Não consigo.
— Por que está triste? — perguntou, incomodado. Ela era
transparente como água cristalina, e Giovanni era capaz de ver sua alma
atormentada.
— Estou bem, um pouco cansada. — Fechou os olhos. — Preciso
dormir.
— Eu enxergo você, Gabriela, eu vejo sua alma. Eu sei que tem algo a
incomodando. Diga-me o que é. — Acariciou seu rosto com ternura. —
Deixe-me ajudá-la.
Giovanni sentiu como se fosse capaz de matar alguém por aquela
mulher, ela era tão frágil e indefesa.
Ela abriu os olhos.
— Estou indisposta, já tomei um remédio. Daqui a pouco desço para
acompanhar Madeleine em seu jantar.
Ele bufou e desistiu. Ela era como um paredão de gelo, densa,
resistente e intransponível. Era bobagem insistir, a jovem professora nunca o
deixaria penetrar em seu mundo e em seu coração.
— Tudo bem. — Levantou-se. — Tenho um compromisso, se puder
jantar com Madeleine ficarei grato. — Forçou um sorriso. — Melhoras,
Gabriela.

†††
Ele entrou no restaurante e olhou entre as mesas. Logo a linda mulher
levantou sua mão e acenou para ele.
Giovanni sorriu e seguiu até onde ela estava. Aproximou-se e beijou
sua mão.
— Como vai, Luiza?
— Com saudades de você. — Abaixou os olhos. — Sinto muito pela
Patrícia. Foi uma morte tão precoce. Muito triste. Pobrezinha da Madeleine.
Ele balançou sua cabeça.
— É muito triste perder a mãe tão cedo, mas ela está bem. Crianças
superam rapidamente as perdas.
A mulher segurou a mão dele entre as suas.
— Você está bem? Parece abatido. — Acariciou seu rosto.
— Sobrevivendo. — Levantou o braço e pediu uma bebida. — E você
como está? Já se casou com aquele senador? — Olhou para o solitário em seu
dedo e desanimou.
Luiza tinha sido um antigo caso do italiano. Ele pensou que poderia
retomar o que tiveram e, quem sabe, fazer finalmente seu herdeiro. Mas o
tempo passou…
— Sim, faz alguns meses. Tentei esperar você, mas achei que seria
burra se o fizesse. Se soubesse que iria ficar viúvo, teria esperado mais. —
Olhou-o por sobre seus cílios.
Giovanni torceu seus lábios. Uma a menos para a lista de candidatas a
serem mãe de Made.
— Bom, tem um lado positivo nisso tudo. Como esposa do senador,
terei uma aliada mais poderosa. — Sorriu otimista.
Ela girou os olhos.
— Só sirvo para isso? — Lançou-lhe um olhar penetrante.
— Depende do quanto é fiel ao seu marido. — Esboçou um riso
sedutor.
— Por você, muito pouco fiel. — Aproximou-se e olhou para os
lábios do homem. — Se fosse com você eu seria absolutamente fiel, mas para
aquele velho caquético, nenhum um pouco. — Mordeu o lábio inferior do
italiano.
Baldracca[30].
— Quer jantar em outro lugar, mais íntimo? — indagou em seu
ouvido.
— Na sua suíte presidencial? — Riu. — Aquela que me levou na
última vez que nos vimos?
— Já te levei nela? — Vasculhou sua mente. Eram tantos casos que
ele já tinha perdido a conta.
Ela jogou sua cabeça para trás e riu.
— Está ficando velho e gagá, Sr. Bennedetti — debochou. —
Esqueceu há quanto tempo somos amantes, baby? — Passou sua unha
vermelha pelos lábios do homem.
— Só lembro o que é importante. — Remexeu-se impaciente. —
Então, vamos? Preciso que cure minha recente viuvez.
— Claro, estou morrendo de saudades de você. — Aproximou seus
lábios dos dele e o beijou.
Dezessete
Semanas Depois

Gabriela ouviu um toque à porta, levantou-se dá cama, arrumou os cabelos e


respondeu:
— Pode entrar…
A maçaneta se mexeu e a porta foi aberta. Era Madeleine.
— Oi, tia! Posso entrar? — indagou, com uma vozinha triste.
Gabriela sorriu.
— Claro, Made. Venha. — Abraçou-a e cochichou em seu ouvido: —
Que carinha é essa?
— Dona Rute disse que papai trará uma moça para jantar conosco.
Segundo o que me disse, ela será a futura esposa do meu pappa.
— Esposa? — Gabriela indagou, com surpresa.
— Sim, papai disse que precisa de uma esposa para cuidar de mim e
para me dar um irmãozinho.
O coração de Gabriela acelerou. Sr. Bennedetti finalmente havia
desistido dela. Isso deveria deixá-la feliz, mas não era isso que demonstrava.
A professora se sentiu estranha com aquela notícia. No entanto, ela tentou
disfarçar sua decepção e mostrar animação para a criança.
— Você vai ter uma nova mamãe, Made! Sinta-se feliz, querida. E
também, seu papai merece ser feliz de novo.
— Eu não preciso de uma nova mamãe, eu tenho você, tia —
choramingou. — Você é como se fosse minha mamãe!
A professora agachou-se emocionada e beijou longamente a testa da
garotinha.
— Eu sei meu amor, mas… — pensou, confusa —, sou sua
professora, não sua mamãe. Um dia você voltará a escola, e eu terei que
deixar essa casa. Com isso não poderei mais cuidar de você.
Uma lágrima rolou pelo rosto de Madeleine.
— Não, eu não quero. Você não vai embora, tia! Por favor! — Era
difícil para uma criança de 5 anos entender a bagunça que os adultos faziam
em sua vida.
Gabriela suspirou. Ela não queria estressar a menina com aquele
assunto. No momento certo, ela entenderia.
— Depois conversamos sobre isso. Agora, você precisa descer para
jantar com seu pai.
A garotinha bufou.
— Só se você for comigo — propôs, emburrada.
A moça torceu seus lábios. Ela não queria presenciar seu patrão com
seu novo amor. Por algum motivo que não conseguia explicar, ela não queria
vê-lo com ninguém.
— Made, melhor não, querida! Vou levá-la até as escadas, tudo bem?
A garotinha relutou, mas segurou a mão da professora e seguiram
juntas.
No mesmo momento que Gabriela e Madeleine alcançaram o final das
escadas, Giovanni e uma linda mulher adentraram a mansão.
A primeira reação da ruiva foi tentar fugir, esconder-se em seu quarto.
Mas, não houve tempo, eles a viram.
Ela tentou sorrir e ser agradável.
— Olá, boa noite!
— Boa noite! — Giovanni respondeu com uma expressão séria. —
Melissa, essa é a professora de Madeleine, Srta. Gabriela Nessa.
Gabriela estendeu sua mão.
— Prazer… bem, eu só vim trazer a Madeleine, já estou subindo.
Madeleine não a deixou prosseguir, pegou em sua mão e a puxou.
— Não, tia Gabi, fica comigo — choramingou, fazendo sua carinha
mais linda.
— Made, nós combinamos — sussurrou a ruiva para a menina.
A mulher que estava com Giovanni olhou para Madeleine e sorriu.
— Que linda sua filha, Giovanni. Ela é sua cara. Qual a idade dela?
— Cinco anos — ele respondeu, apressado. — Acho que já podemos
nos sentar.
Todos o ignoraram.
— O que você ensina para ela nessa idade? — Melissa olhou para
Gabriela e franziu a testa. — Ela é muito pequena para ter aulas particulares!
— Trabalho de uma forma lúdica, mas Madeleine é muito inteligente,
ela já sabe ler e escrever algumas palavras. — Gabriela olhou para a menina,
afetuosa. — Não é, Made?
— Eu sou muito inteligente! — disse a garotinha, num tom de
arrogância infantil. — Meu pappa e tia Gabi me elogiam muito, moça.
Gabriela se remexeu impaciente.
— Bem, vou deixá-los à vontade. — Tentou se desvencilhar da
mãozinha da garotinha, mas não teve sucesso.
— Você mora aqui? — Melissa franziu a testa curiosa.
— Sim, Melissa, a Gabriela mora conosco — respondeu Giovanni,
ríspido. — Vamos pra sala de jantar? — insistiu mais uma vez.
— Que estranho! — A convidada para o jantar o ignorou. — Nunca
soube de nenhuma professora que morasse na casa do aluno.
Gabriela interveio.
— Não é que more aqui, estou temporariamente. Devo me mudar em
breve. — Sorriu forçado.
— Do que está falando, Gabriela? — Giovanni indagou, irritado. —
Como assim se mudar?
Gabriela não conseguiu responder, Madeleine a atropelou.
— Pappa, não deixe a tia Gabi ir embora… ela disse que vai embora
se você se casar! Por favor, pappa, não se case de novo!
Gabriela arregalou seus olhos, e o italiano esfregou os cabelos.
O que aquela pestinha estava falando?
— Você disse isso pra ela, Gabriela? — Ele semicerrou seus olhos
perigosamente.
— Não disse isso, eu disse… — Madeleine não deixou a ruiva
terminar. A garotinha era uma raposinha como o pai e sabia muito bem
manipular os adultos.
— Eu não preciso de outra mãe, pappa, eu já tenho a tia Gabriela, por
favor. Não quero que case com essa moça. — Olhou para a mulher e começou
a chorar. Chorar não, ela fez um verdadeiro berreiro.
Giovanni esfregou o rosto, nervoso.
— Giovanni, não achei que sua filha fosse tão mimada — declarou
Melissa, aborrecida.
— Ela não é mimada! — ele retrucou, exasperado.
— Então, é a professora que está ensinando péssimos modos. —
Encarou Gabriela, como se a culpasse por toda aquela confusão.
Gabriela arregalou seus lindos olhos.
— Eu? Ela só está assustada com a ideia de ter uma substituta para
sua mãe, seja compreensiva, senhora, ela é uma criança de 5 anos —
declarou a ruiva, indignada.
— Eu compreendo. — Sorriu. — Ela precisa se relacionar com outras
crianças. Ir para uma escola fará bem a Madeleine. Ela acabou se apegando
muito a professora. Isso não é bom pra ela, Giovanni. Conheço um colégio
maravilhoso.
Giovanni levantou sua mão, fazendo-a parar.
— Não se preocupe com a Madeleine. — Pigarreou nervoso. —
Podemos jantar?
Gabriela aproveitou o momento e seguiu para as escadas, seguida de
Madeleine. Mas não deu muito certo, Giovanni as viu saindo de fininho e
esbravejou furioso:
— Vocês duas, voltem aqui agora!
Gabriela bufou e revirou os olhos, pegou na mãozinha de Madeleine e
seguiram juntas para a sala de jantar.

†††
O clima a mesa de jantar da mansão dos Bennedetti não era dos
melhores. A presença da convidada de Giovanni deixou o ambiente um pouco
– ou muito – tenso.
Gabriela tentou parecer transparente, mas a visitante parecia
incomodada com a sua presença. A todo o momento olhava em sua direção,
observando-a, e perguntava-se qual era o real papel daquela moça na casa.
Talvez fosse uma amante de Giovanni. Melissa conhecia o italiano há algum
tempo e sabia de sua fama de garanhão. Na certa, mantinha a professorinha
como um estepe para as horas de tédio.
Melissa pensou que talvez devesse mostrar aquela ruiva idiota que
seus tempos de amante haviam acabado. Ela não deixaria o italiano escapar
de novo. Já havia o perdido uma vez para sua falecida esposa. Não o
perderia para uma professora de jardim de infância. Então, aproximou seus
lábios da orelha do italiano e cochichou sensualmente:
— Talvez queira me mostrar seu quarto quando terminarmos aqui. —
Desceu sua mão pela coxa do italiano e acaricio seu membro.
Giovanni sorriu sem graça. Não era sua intenção acelerar as coisas. E
isso incluía levar Melissa para seu quarto. Sua intenção era só testar o
terreno. E ver como Madeleine reagiria a uma possível namorada do pai.
Infelizmente, o resultado não tinha sido satisfatório.
Ele olhou de esguelha para a filha e a viu encarando a candidata a
madrasta.
— Hoje está complicado, Melissa — retrucou.
— Tem certeza? — cochichou novamente. E tentou seduzi-lo com um
roçar de pernas por debaixo da mesa.
— Pappa!
Giovanni levantou os olhos e viu Madeleine o encarando brava.
— Sim, bambola! — respondeu, atrapalhado, segurando a perna da
mulher que se enroscava a sua.
— Não estou me sentindo bem, pappa! Posso dormir com você hoje?
Gabriela olhou preocupada para a menina. Madeleine estava estranha
de muitos modos. Mas a professora era inocente demais para perceber que
era apenas ciúme do pai.
— O que está sentindo, meu amor? — Colocou a mão em sua testa. —
Quer que te leve para o quarto?
— Não sei, tia. — Olhou manhosa para o pai. — Quero meu pappa,
tia! — Desceu da cadeira e deu a volta na mesa.
Giovanni olhou a cena, confuso. Madeleine nunca ficava doente. Ele
sentiu-se aflito com a possibilidade de ela ter contraído alguma doença.
— Ela quer chamar sua atenção, Giovanni! Não dê corda —
cochichou Melissa no ouvido do italiano, irritada com a manha da menina.
Madeleine se aproximou do pai e subiu em seu colo. Passou os braços
por seu pescoço e grudou no homem feito uma planta trepadeira.
— Posso ficar em seu colo, pappa? Não estou muito bem hoje. —
Fechou os olhinhos e sorriu contra o pescoço do pai. — Será que estou com
catapora, pappa?
Melissa bufou e quis matar aquela fedelha.
Ele beijou a testa da filha e olhou para Gabriela.
— O que acha que ela tem, Gabriela?
— Não sei, Sr. Bennedetti, ela passou bem o dia todo.
— Talvez seja ciúme do pai — sugeriu Melissa, já não suportando
mais aquela palhaçada. — Crianças são manipuladoras, sua filha está fazendo
um joguinho sentimental com você. Não ligue, isso passa com o tempo.
O homem se irritou com aquela conversa. Madeleine estava doente e
aquela mulher ficava falando bobagens.
Imagine, chamar seu pequeno tesoro de manipuladora.
Giovanni levantou-se com Madeleine em seu seus braços.
— Vou pedir para o motorista levá-la para casa, Melissa. Não há
condições de fazermos mais nada hoje.
— Mas, Giovanni. — A mulher olhou-o indignada. — Você disse que
me levaria a apresentação no Teatro Municipal.
— Não sei o que Madeleine tem, mas por via das dúvidas, ficarei
com a minha filha. — Ele seguiu até Gabriela e entregou Madeleine para ela.
— Leve-a com você, Gabriela. Daqui a pouco estarei de volta. —
Olhou para Melissa. — Venha, Melissa, vou te acompanhar até o carro.
Madeleine olhou para a mulher através dos cabelos da professora e
sorriu.
Ninguém iria roubar seu pappa dela.
Dezoito

Giovanni levantou-se e andou por sua sala.


Ele havia desistido de se casar com Gabriela. Na verdade, a moça o
fez desistir. Ele não era homem de se rastejar por uma mulher. Não seria
agora que faria isso. No entanto, as duas mulheres que escolheu para ter um
relacionamento não tinham dado certo. Luiza era uma piranha interesseira e a
Melissa uma desalmada que só sabia criticar seu pequeno tesoro.
O italiano esmurrou sua mesa e gritou:
— Ângelo!
A porta foi aberta em um impulso.
— Sim, senhor Bennedetti, qual o problema?
— Entre, cazzo! Sente-se.
O homem fez o que ele mandou e o olhou curioso.
— Aquelas duas mulheres não deram certo, precisamos arrumar
outras.
O segurança coçou sua careca. Até onde lembrava sua função não era
de casamenteiro.
— Já pensou em se inscrever nestes sites de relacionamentos, senhor?
Os rapazes dizem que chovem mulheres. — Riu animado, mas desanimou ao
ver a carranca de seu chefe.
— Não fale besteiras, Ângelo! — Bufou. — E eu lá sou homem de
procurar por mulheres em sites?
— Foi um palpite, senhor — disse, envergonhado. — Poderia fazer
uma lista de suas ex-namoradas, o que acha? — Sorriu. — Faço uma
varredura na vida delas, se estiverem limpas, o senhor convida para sair.
Giovanni coçou sua barba.
— Já estão velhas, possivelmente casadas e com filhos. — Esfregou
os cabelos, irritado.
— A Srta. Gabriela não aceitou se casar com o senhor? — indagou,
cuidadoso. O chefe andava de péssimo humor ultimamente e o segurança tinha
a impressão de que era tudo culpa da ruivinha.
— Não, talvez não me ache bom o bastante — rosnou —, ou esteja
esperando o padre desistir da batina para se casar com ela.
— Eliminamos o padre, chefe, está resolvido — retrucou, confiante.
— Não, não quero que seja desse jeito. É como se assumisse que
estou sendo a segunda opção. Não sou a segunda opção de ninguém, Ângelo.
Já me chega ter sido chifrudo da puttana [31]de minha mulher.
— Está certo, senhor — concordou, embaraçado.
— Pode ir. Vou pensar melhor sobre o negócio dos sites.
Ângelo levantou-se e seguiu até a porta, cobriu os lábios e riu.

†††
Júlia Macedo era uma das jovens executivas que trabalhava para
Bennedetti. O italiano gostava de contratar mulheres, elas eram mais
confiáveis do que os homens. No entanto, elas tinham um problema. Elas se
apaixonaram pelo chefe com muita facilidade.
A linda moça sorriu ao vê-lo entrar na sala.
— Oi, Júlia, quanto tempo não a vejo.
— Continuo no departamento de exportação, Sr. Bennedetti.
— Ando muito ocupado ultimamente. — Sentou-se e pegou os
relatórios que ela trouxe.
— Sinto muito pela morte de dona Patrícia.
— Foi uma tragédia, mas a vida continua… desejo me casar de novo,
formar uma nova família. Minha filha precisa de uma mãe.
— Ela tem quantos anos? — indagou, visivelmente interessada.
— Cinco. — Folheou o relatório com cuidado.
— Deve estar linda. Lembro-me da última vez que a vi numa festa da
empresa. Ainda era bem pequena.
— Sim, ela está linda. — Sorriu pela primeira vez no dia. Madeleine
tinha esse poder sobre ele, de fazê-lo esquecer dos problemas.
— Adoro crianças.
Giovanni levantou o rosto e a olhou sobre seus cílios.
— Desejo ter muitas quando me casar — continuou a moça, confiante.
— Mas preciso primeiramente arrumar um marido.
Um alerta acendeu na mente de Giovanni. Ele levantou a cabeça,
relaxou em sua cadeira e prestou um pouco mais de atenção na jovem. Ela
devia ser um pouco mais velha do que Gabriela. Tinha um sorriso bonito,
cabelos sedosos. O corpo precisava checar com mais cuidado.
Talvez ela servisse…
— Não tem um relacionamento sério, Júlia?
Ela sorriu sedutora.
— Não, Sr. Bennedetti, estou disponível.
— Quer jantar hoje à noite? — indagou sem rodeios.
— Seria um prazer.
— Envie seu endereço para Otávio. Passarei em sua casa, depois das
21h.
A moça suspirou.
— Pode ir, preciso analisar esses relatórios com mais atenção.
Qualquer dúvida, eu te chamo.
Ela levantou-se.
— Sim, estarei à sua disposição. — Virou-se vagarosamente e seguiu
rebolando até a porta.
Giovanni segurou seu queixo e a analisou. Talvez fosse um pouco
magra demais para seu gosto. Não tinha quadris, muito menos bunda. Mas era
bonita e atraente. Parecia meiga… e disse que gostava de crianças.
Pegou o telefone e ligou para o seu segurança.
— Ângelo, faça um relatório sobre nossa funcionária Júlia Macedo.
Quero saber tudo sobre ela.
— Pois não, senhor!
Ele desligou.

†††
O italiano abriu a porta de sua mansão e viu sua filha brincando com
uma boneca, no living.
— Buonanotte, piccola mia[32]! — Pegou-a no colo e sorriu.
— Buonanotte, pappa!
— Onde está… sua professora? — perguntou, constrangido. Afinal,
por que tinha a mania de sempre perguntar da maledetta[33] da professora?
— Ela disse que iria tomar banho e já voltava, mas está demorando
muito, pappa. — Virou seu pescoço de lado. — Será que a tia Gabi está
bem?
Giovanni franziu seu cenho.
— Por que ela não estaria bem, bambola? — Colocou-a no chão,
preocupado.
— Ela não estava bem hoje. Acho que a tia Gabi tá dodói, pappa!
— Eu vou lá ver — disse, apressado. — Não se preocupe, vá brincar.
Ele subiu os degraus de dois em dois. Chegou à frente do quarto da
moça e bateu duas vezes.
Ela não respondeu.
Giovanni resolveu chamá-la.
— Gabriela! — Bateu à porta. — Ei, Gabriela! — Aumentou o tom de
voz.
Nada.
Preocupado, ele virou a maçaneta e abriu a porta. De longe, ele pôde
ouvir o barulho de água caindo do chuveiro.
— Gabriela! — Chamou-a novamente e se aproximou da porta do
banheiro.
Nada.
— Gabriela… — Bateu à porta sem paciência.
Nada.
Preocupado, ele empurrou a porta e adentrou ao local e seu coração
disparou. Gabriela estava caída dentro do boxe, com a água caindo sobre ela.
— Dio Santo! — Correu até ela, desligou a água e chamou-a
novamente. — Gabriela, per favore, alzati[34].
Giovanni a pegou em seus braços e levou-a para o quarto. Colocou-a
sobre a cama, e com uma toalha enxugou seu corpo.
— Acorde, Gabriela! — Acariciou seus cabelos e a observou por
alguns segundos. — Acorde — repetiu, em desespero. — Per favore…
Vagarosamente os olhos da moça se mexeram.
O homem olhou-a com atenção, até que suas pálpebras abriram
totalmente.
— Grazie Dio Santo! — Suspirou aliviado. — Você está bem?
Ela o olhou, confusa.
— Você estava caída embaixo da ducha. Estava desmaiada.
Gabriela levou a mão até sua cabeça.
— Está doendo? Deve ter batido quando caiu — ele constatou,
preocupado.
— Eu senti uma tontura, meus olhos ficaram escuros… não sei o que
aconteceu.
Giovanni acariciou seu rosto. Ela estava pálida.
— Made disse que você está doente. — Olhou-a apreensivo.
— Eu tenho isso todos os meses. — Enrubesceu. — Coisas de
mulher…
O homem demorou um pouco a compreender, mas então caiu a ficha.
— Coisas de mulher, entendi. E você desmaia quando está assim?
— Minha pressão cai. — Finalmente Gabriela deu conta de como
estava. Completamente nua, com um homem maravilhoso debruçado sobre
ela.
Definitivamente, não havia mais pudor entre ela e aquele homem. Era
impossível ter.
O italiano percebeu o constrangimento dela, levantou-se e foi até onde
seu robe de seda estava. Pegou-o, mas antes de entregá-lo, fez questão de
olhar a obra de arte que aquela mulher era.
Dio del cielo, com'era bella[35].
Finalmente, ele entregou o robe para ela, que se cobriu envergonhada.
— Não precisa ter vergonha de mim, já te vi nua uma vez. E, também,
já vi muitas mulheres nuas, você não será a primeira e muito menos a última.
— Isso não quer dizer que não deva me envergonhar. Nunca fiquei nua
na frente de um homem. — Apertou o robe entre seus dedos.
Os dois se encararam.
— Eu sei disso, Gabriela. Só quis diminuir seu constrangimento.
— Agradeço, Sr. Bennedetti. — Tentou sorrir. — Não ficarei brava
porque entrou em meu quarto sem autorização.
Ele riu.
— Deveria tê-la deixado no boxe, morrendo de frio.
— Oh, eu não estava sentindo frio, estava desmaiada.
Ele balançou sua cabeça e riu.
— Já está boa. Voltou sua hostilidade comigo.
Ela cerrou seus olhos bonitos.
— Não sou hostil com o senhor.
— Às vezes, você é.
— Não, eu não sou — disse, sorrindo.
Ele balançou os braços em sinal de derrota.
— Talvez devêssemos ir até o médico, você bateu a cabeça! —
sugeriu, agitado.
Ela colocou a mão no local e fez uma careta.
— Fez um galo — declarou Gabriela. — Aprendi que quando faz galo
não há perigo.
Ele voltou a se sentar na cama ao seu lado. Ela era como um ímã. Ele
não conseguia ficar longe daquela mulher.
— Onde aprendeu isso? — Olhou para o tecido fino que cobria o
corpo dela, insinuando suas curvas e os mamilos intumescidos de frio. Ele
sentiu seu membro enrijecer.
Lei sembrava una dea.[36]
— Na escola… para o caso de algum aluno cair e bater a cabeça.
— Interessante — respondeu, enfeitiçado.
Ela sorriu contida.
— Preciso me vestir.
Que pena!
— Talvez seja melhor ficar deitada um pouco mais. Você pode se
sentir mal novamente…
— Será? — Franziu a testa, preocupada.
— Oh, sim com certeza. Vamos esperar um pouco mais, eu fico aqui
com você, é melhor para o caso de se sentir mal de novo.
Ela moveu os lábios timidamente.
— Parecerá estranho, nós dois… aqui. — Olhou para si. — Eu, desse
jeito.
— A saúde em primeiro lugar, você não acha? — Fingiu uma
preocupação inexistente, ele só queria ficar ali com ela. Admirando-a em
toda sua beleza.
Giovanni a queria tanto que chegava a doer seu membro.
— Não estou atrapalhando o senhor? — Olhou para a camisa dele. —
Você está molhado. Desculpe-me, foi minha culpa.
Ele olhou para seu peito e viu a camisa grudada ao seu corpo. Pensou
em tirá-la, mas aí que as coisas sairiam do controle. Não que ele não quisesse
isso, mas Gabriela não iria gostar.
— Não tem problema. — Ajeitou-se na cama, suas bolas estavam
cheias e doloridas. — Você sempre desmaia? — perguntou feito um stupido.
— Não, mas tenho pressão arterial baixa. Acho que estou melhor. —
Ergueu um pouco o corpo e sem perceber deixou um dos seios à mostra. Ela
tinha seios lindos, mamilos que pareciam botões de rosas. E sua pele era alva
e linda.
O italiano respirou ofegante, levantou-se e virou de costas.
— Levante-se devagar, ficarei aqui, de costas, caso precise de ajuda.
Ele ouviu-a se movimentar.
— Pronto, Sr. Bennedetti.
Ele virou-se e a encontrou enrolada em seu robe. Mas parecia pálida
de novo.
— Você não parece bem ainda — disse e se aproximou.
— A tontura voltou. — Fechou os olhos e iria cair de novo, no
entanto, ele a segurou pela cintura e a levou para a cama. — Me desculpe,
não sei o que tenho hoje — choramingou.
— Acho que vou chamar um médico particular que temos, para casos
de emergência. — Pegou o celular e procurou pelo contato.
— Não, não há necessidade. — Fechou os olhos e cobriu a testa com
a mão.
— Só um instante, já está chamando.
Minutos depois, ele desligou o celular e voltou a olhar para ela.
— Daqui a 40 minutos ele estará aqui.
Ela sorriu fraco.
— Desculpe lhe dar trabalho.
Ele acariciou os cabelos molhados dela.
— Eu gosto de cuidar de você, não percebeu ainda. — Encarou-a
profundamente.
Ela segurou a mão dele e a acariciou.
— Obrigada. O senhor é um homem muito bom.
Bennedetti respirou fundo. Talvez se a pedisse em casamento agora.
Contudo, um estrondo na porta o desconcertou.
— Pappa, pappa, o que aconteceu com a tia Gabi?
Ele girou seus olhos.
— Oh, meu anjinho, não é nada. Só não estou muito disposta para
brincarmos, tá bom? — Gabriela explicou-se imediatamente.
Giovanni se levantou da cama e suspirou.
— Cuide da sua tia Gabi, enquanto tomo um banho. Não a deixe se
levantar, combinado? Daqui a pouco eu volto. — Olhou uma última vez para
Gabriela e seguiu para o corredor dos quartos.
Antes que alcançasse seu quarto o telefone tocou. Ele o pegou e viu
uma mensagem da moça que havia convidado para jantar.

Olá, Sr. Bennedetti. Apenas para


confirmar nosso jantar. O senhor virá?

Ele olhou em seu relógio. Já passava das 21h.


Não, ele não deixaria Gabriela doente para ir a um encontro que
possivelmente não daria em nada.

Desculpe-me, tive um contratempo.


Marcamos outro dia.

Ela respondeu:

Tudo bem.

O homem bufou e seguiu para seu quarto.


Dezenove

Gabriela acordou com um barulho na porta. Ela ergueu os ombros e viu


aquele homem lindo olhando para ela.
— Oi, Sr. Bennedetti. — Sentou-se e tentou ajeitar os cabelos
rebeldes. Eles deviam estar parecendo um ninho de ratos. — Perdi a hora, foi
isso?
— Bom dia, Gabriela! — disse, com um sorriso irônico.
— Bom dia. — Passou as mãos pelos olhos. — Que horas são?
— Você não está atrasada. — Entrou pelo quarto e parou em frente a
sua cama. — Queria que fizesse algo diferente hoje. Que levasse Madeleine
para passear um pouco. Leve-a para tomar um sorvete, passear no shopping.
Façam compras, divirtam-se… Vocês precisam sair um pouco de casa.
Ela ainda estava tonta de sono. Aquele homem parecia que não
dormia, estava sempre arrumado e lindo.
— Certo, mas eu adoro ficar em casa — bocejou morta de sono. —
Onde devo ir, não conheço nada?
— O motorista levará vocês, não se preocupe. Dona Rute irá junto, já
deixei algumas recomendações para ela. — Sorriu. — Bom dia pra você, e…
gosto de quando acorda, dos seus cabelos. — Remexeu as mãos próximas da
cabeça, como se dissesse que ela estivesse descabelada.
— Não deboche de mim. — Bufou e ele fechou a porta rindo.

†††
Gabriela e Madeleine desceram as escadas apressadas e rindo.
— Vamos, tia. — A garotinha sorriu animada e a puxou para a porta.
— Dona Rute nos levará para passear, Made. Vamos tomar sorvetes e
fazer umas comprinhas para você. — Gabriela olhou para a governanta, que
as esperava, e riu.
A mulher revirou os olhos e as seguiu.
Minutos depois, as três estavam a caminho do shopping, num carro
imenso, com dois capangas enormes junto com elas.
Logo chegaram ao shopping, caminharam por lojas, compraram
roupas e brinquedos para Madeleine. De volta para o carro, Madeleine
lembrou a governanta do compromisso delas com a sorveteria.
O motorista parou num lugar sofisticado. E enquanto as duas tomavam
sorvetes, conversavam e riam, os dois homens ficavam em pé em frente a elas
e dona Rute ao redor.
Gabriela não gostava daqueles homens atrás delas. Da governanta que
não parava de dar palpites, mas ela tinha que concordar. O passeio estava
sendo delicioso. Fazia tempo que não se sentia tão alegre.
— Sr. Bennedetti vai querer saber o que comprou para você, Srta.
Nessa. Como direi que não comprou nada?
Gabriela enquanto degustava o sorvete, olhou-a de rabo de olho.
— Não sou uma pessoa que compra por comprar. Só compro o que
preciso — retrucou, indiferente.
— Está explicado porque andava com aqueles trapos velhos. —
Bufou. — Sua noção de necessidade é pior do que de São Francisco de
Assis.
— Amo a história de São Francisco, você conhece, dona Rute? —
indagou, animada com a possibilidade de ter algo em comum com aquela
mulher tão desagradável.
— Não, só sei que fez voto de pobreza, mas não sou religiosa, Srta.
Nessa. Sou cética, não acredito em nada.
A professora revirou os olhos, ignorou a provocação e prometeu a si
mesma que faria uma oração a alma penada daquela mulher.
Terminada a guloseima, as três seguiram para o carro. No meio do
caminho, Gabriela viu uma linda capela. Fazia tanto tempo que não ia à casa
do Senhor. Ela resolveu que estava na hora de fazer as pazes com Deus.
— Pode parar naquela capelinha, senhor? — pediu ao motorista.
Ele diminuiu a velocidade, mas antes que parasse a governanta
enxerida interveio.
— Não, não pare!
Gabriela olhou-a indignada.
— Como assim? Por favor, pare, moço! Eu quero fazer uma oração.
O homem olhou confuso para trás.
— Não pare, ordens do Sr. Bennedetti — ordenou a governanta.
— Pare! — Gabriela disse, nervosa, fazendo o homem parar
bruscamente.
A governanta a encarou raivosa.
— Eu sigo ordens do meu patrão, e ele pediu para não deixá-la ir à
igreja.
A moça respirou fundo.
— Como assim, não me deixar ir à igreja? — perguntou, exasperada.
— Se seu patrão tem problemas com igrejas, eu não tenho. Irei àquela linda
igrejinha, inocente e segura! — Tentou abrir a porta, mas ela estava trancada.
— Senhorita, sinto muito, entretanto, preciso pedir permissão ao
chefe. — Balançou os ombros, constrangido.
Ela bufou.
— Ligue então para o italiano mandão, e diga a ele que vou àquela
linda capelinha. — Apontou para o local. — Ele queira ou não. — Sorriu.
O homem pegou seu celular e começou a falar, ou melhor, ele só dizia
sim, claro, pois não, não senhor, sim senhor, talvez senhor…
Isso a irritou.
— Qual o problema, moço, por que a demora? — intrometeu-se no
meio da conversa. — Deixe-me falar com seu chefe.
Ele olhou para trás e pediu para esperar.
Gabriela olhou para Madeleine e sorriu.
— Seu pappa é tão exagerado, né, meu amorzinho!
— Pappa é assim mesmo, ele é muito preocupado, tia!
Ela era linda e fofa, que Gabriela tinha vontade de apertar suas
bochechas o dia inteiro.
Finalmente, o segurança desligou.
— Okay, senhora. Espere, estou pedindo um apoio.
Ela arregalou os olhos.
— Apoio para o que, meu Deus? — questionou, sem paciência. — Só
farei uma oração, moço!
O homem a ignorou. Pegou o celular e fez uma ligação. Minutos
depois, dois carros chegaram, com mais Mastodontes[37] a bordo.
— Olha só a confusão que arrumou, Srta. Nessa! — declarou a
governanta em repreensão.
Gabriela cobriu seu rosto, desanimada. Realmente, era muita confusão
para uma simples ida à igreja.
— Sempre tive o costume de ir à igreja, ao menos uma vez por
semana. Sinto falta disso, dona Rute. Mas a senhora não deve entender o que
sinto, afinal não acredita em nada, não é mesmo?
A mulher virou o rosto e a ignorou.
O segurança abriu a porta para elas e Gabriela seguiu com Madeleine.
Entrou no local e sentiu uma sensação de paz invadi-la.
Ela sabia que Deus estava em todos os lugares, mas dentro de uma
igreja ela sentia essa sensação única de paz.
A moça se benzeu e foi em direção aos bancos, quando se sentou com
Madeleine, sentiu duas pessoas sentarem-se junto a elas, uma de cada lado.
Meu Deus, os seguranças rezarão em minha companhia. Pensou
Gabriela.
— Senhor, me dê paciência! — falou em silêncio.
Respirou fundo e começou a rezar.
Vinte

A porta da sala de reuniões foi aberta, e Giovanni viu seu assistente entrar
apressado.
O rapaz se aproximou e sorriu.
— O senhor tem um minuto?
Giovanni fez uma cara feia para o rapaz.
Que mania do coglione[38] tinha de interrompê-lo.
— Depois, Otávio, acabamos de começar a reunião. — Otávio foi
ignorado.
— Estou com um problema com a professora de Madeleine… ela
quer ir a igreja.
O italiano se levantou bruscamente. As palavras igreja e Gabriela
causavam certo furor dentro dele.
Ele pegou no braço do assistente e o arrastou para fora da sala.
— Do que está falando? — rosnou entredentes.
— O segurança ligou dizendo que a moça quer parar em uma
capelinha. A senhorita quer rezar, mas parece que o senhor deu ordens a
governanta para não deixar a moça ir à igreja. Isso faz sentido, Sr.
Bennedetti?
A situação parecia bem ridícula, e o idiota do assistente tinha um
sorrisinho cretino no rosto.
Giovanni pegou o celular que o rapaz trazia em sua mão e atendeu de
forma brusca e mal-educada.
— Qual o problema, cazzo?
Rapidamente, o segurança explicou a situação.
— Tudo bem, deixe-a descer do carro e fazer suas orações. Mas,
antes, chame apoio para dar cobertura na parte de fora da igreja. Vocês
devem entrar com ela e ficar o tempo todo ao seu lado. Se aparecer um padre,
pode matá-lo.
— Como, senhor? — indagou, confuso, o segurança do outro da
linha.
Giovanni respirou.
— Okay, só o mate se ele levá-la para alguma sacristia ou coisa do
tipo. A Srta. Nessa não está autorizada a fazer confissões a padres. Ficar
sozinha com eles ou com qualquer outro homem. Fui claro?
— Sim, senhor.
— É só para ela rezar, está claro?
— Sim, está claro.
— Nada de padres por perto. Estamos entendidos?
— Copiado, senhor!
— Não reze enquanto ela rezar. Fique atento, ainda não sabemos quem
entrou no colégio de minha filha e o que queriam com ela.
— Perfeito, senhor! Eu não rezo.
— Acho que é isso… — expirou com força.
— Obrigado, senhor.
Giovanni desligou e devolveu o telefone ao assistente.
— Srta. Nessa é muito religiosa — explicou, sem jeito. — Vou fazer
uma capela para ela rezar em segurança — pensou alto. — Chame uma
arquiteta para projetar uma capela no jardim de casa, Otávio. Quero algo bem
bonito.
O rapaz franziu a testa.
— O senhor tem certeza de que vai querer uma capela no jardim de
sua casa? — indagou o assistente, sem entender nada. — O senhor odeia
igrejas, capelas e padres.
— Tá surdo, Otávio? — esbravejou. — Faça o que eu pedi, será um
presente para a professora de minha filha. Ela é uma pessoa muito especial,
cuida da minha filha, a educa… — gesticulou com as mãos, agitado. —
Enfim, não lhe devo satisfações.
O rapaz franziu ainda mais sua testa. O chefe andava bem estranho
desde a morte da esposa. Mas o chefe não era alguém muito normal, então ele
relevou.
— Sim, Sr. Bennedetti.
Giovanni voltou à sala de reuniões.
— Desculpe, Sheila, um inconveniente. — Sorriu sem graça. — Do
que estávamos falando mesmo?
— Iríamos começar a reunião no exato momento que Otávio entrou e
disse que a professora de sua filha queria rezar. — A mulher estreitou seus
olhos.
— Sim, problemas domésticos, sem uma esposa agora tenho que
resolver tudo. — Remexeu-se apressado na cadeira. — Qual era o assunto da
reunião, mesmo?
— Faz quanto tempo que Patrícia morreu? — Olhou-o lânguida.
— Acho que três meses, por que o interesse?
— Então, não está mais de luto? — indagou, maliciosa.
Giovanni sorriu sem graça. A linda mulher tinha sido sua amante no
começo de seu casamento. Nesta época Giovanni ainda tinha dificuldades em
manter uma única mulher em sua cama. Mas o encanto já havia acabado há
muito tempo. Aliás, nenhuma mulher mais o encantava, com exceção da…
Balançou a cabeça para esquecer a ruiva feiticeira.
— Não, não estou, e preciso de uma mãe para minha filha. Também
quero ter outros bambinos. — Mexeu nos papéis à sua frente.
— Eu poderia ser a mãe de Madeleine e de seus outros filhos… estou
aqui, Giovanni, estive aqui o tempo todo!
Oh, ele odiava a carência afetiva da ex-amante. E não compreendia
qual parte ela não havia entendido que não a queria mais.
Ele pigarreou. Deveria tê-la demitido naquela época, mas a moça era
realmente uma excelente profissional, dedicada e fiel.
— Já estou com alguém em vista. — Encarou a mulher. — Vamos
seguir com a reunião, estou com pressa.
— Tudo bem — respondeu, desapontada. — Quem é, e onde a
conheceu? — voltou ao assunto.
Ele bufou e pensou em Gabriela.
— Você não a conhece — desconversou.
Ela riu.
— Por acaso é a professora de Madeleine, a que queria rezar? —
desdenhou. — Você já foi mais exigente com relação à mulheres, Sr.
Bennedetti. Uma professora do jardim de infância, que coisa mais patética
para um homem como você.
— Pois é, estou ficando velho e menos exigente. — Levantou-se
irritado. — Remarque a reunião, estou com assuntos importantes me
esperando.
Seguiu para a porta, mas a moça correu e se colocou na frente dele.
— Que tal um jantarzinho íntimo essa semana? Com certeza a
professorinha não notará sua ausência.
Ele riu.
— Não vai dar. Mas só para te lembrar, ainda sou à moda antiga,
prefiro quando eu faço o convite, Sheila. — Tirou-a da porta e saiu.

†††
O italiano bufou nervoso.
— Como que depois de tanto tempo ainda não temos uma pista de
quem entrou no colégio da Madeleine, Ângelo? Tenho certeza de que foi o
bastardo do meu primo! Aquele farabutto[39]! Foi ele.
— Não há como provar. Pegamos uns cem caras que poderiam estar
envolvidos. Nenhum leva ao seu primo, chefe!
— Quem são eles, porca miseria? — rosnou furioso.
— Conseguimos uma pista, um idiota tentou vender um computador
que levou da escola. Estamos atrás dele. O desgraçado é mais liso que
quiabo. Já o perdemos mais de uma vez.
— Encontre o cornuto[40]! Quero falar com ele pessoalmente.
— Sim, senhor! — Levantou-se.
— Ângelo. — O italiano o chamou. — Achou o padre?
O segurança ficou sem graça. Matar padres não era seu forte. Ele tinha
certo respeito por eles, ou, talvez, medo de ser punido por Deus. Mas o
problema é que o chefe os odiava.
— Sim, Sr. Bennedetti
— Por que não me avisou, cazzo? — indagou, furioso.
— O padre foi enviado para uma paróquia em uma cidade bem
distante. Ele ficou por lá muito tempo, mas parece que foi trazido de volta à
cidade. Mas não se preocupe, ele e a Srta. Nessa… — Pigarreou, Ângelo já
havia percebido que a história do padre com a professora deixava o chefe
bem nervoso. — Não se viram mais.
Giovanni saiu de sua mesa e foi até o segurança, segurou seu
colarinho e esbravejou.
— Quero saber onde o figlio de puttana está. Qual a igreja, paróquia,
capela. Descubra! — ordenou, raivoso. — Eu não quero que ele chegue perto
de Gabriela, estamos entendidos?
— Sim, senhor! — O homem se ajeitou a poltrona, temeroso. O
italiano andava impossível.
Bennedetti respiro fundo e tentou se acalmar.
— A cerimônia organizada pela mãe de Patrícia será neste final de
semana. Preciso de todo nosso pessoal à espreita. Estarei com minha família
na igreja. Nada pode dar errado — ele disse, preocupado.
— Os homens já estão sendo avisados. Já estudei a igreja e estou com
um mapa onde nossos homens ficarão. A igreja inteira estará sendo
monitorada em tempo real. Os homens estarão com câmeras acopladas e
estarão vestidos à paisana. Fique tranquilo, senhor. Dou minha palavra, nada
acontecerá.
Giovanni confiava em seu homem. Ângelo era um ex-guerrilheiro.
Acostumado com combates, espionagem e segurança. Ele nunca havia
falhado.
— Perfeito. — Arranhou a garganta. — O segurança que está com
Gabriela te ligou avisando se deu tudo certo na capela? Pedi para ele mantê-
lo avisado.
— Sim, senhor. Ficaram pouco tempo na capela, tempo necessário
apenas para a senhorita fazer uma oração.
— Okay, Ângelo. Tente infiltrar alguém na organização de Giacomo.
Não confio naquele farabutto. Tenho medo de que esteja com algum plano
contra mim e minha filha.
— O último que mandamos foi executado, senhor. É perigoso, já
perdemos muitos homens.
— Cazzo! — Esmurrou a mesa. — Vá Ângelo. Preciso resolver
coisas importantes da empresa.
O segurança meneou sua cabeça e saiu.
Giovanni sabia que só teria sossego em sua vida o dia que matasse
seu primo. No entanto, ele era um homem de palavra. Ele prometeu ao seu tio
respeitar a família.
A palavra de um homem era algo que não podia ser em vão. A única
coisa que o diferenciava de seu primo era isso. Ele tinha princípios, caráter,
palavra e respeitava a família.
Quando o tio morresse, o caminho estaria livre para Giovanni.
Vinte e Um

Gabriela ajeitou o vestido novo ao corpo. Era algo sóbrio e bonito e


combinava com o tom de pele dela. Os cabelos ficaram presos em um coque.
Ela adorava mantê-los assim. Apesar de que, o Sr. Bennedetti tinha uma
mania de puxar os grampos para soltá-los.
Ela sorriu para o espelho ao pensar nisso. E respirou fundo.
Parecia estranho ir à missa da falecida esposa do patrão, mas o
italiano teimoso insistiu que ela fosse. Disse que era por causa de Madeleine.
Para dar apoio a ela.
Enfim, o relacionamento dela com a família tornou-se algo muito mais
profundo do que pretendia que fosse.
A porta foi aberta e Madeleine apareceu em um vestidinho alegre.
Gabriela abaixou-se e ajeitou o vestido da menina.
— Você está linda. — Puxo-a para perto e roçou o narizinho dela com
o seu. — Você está bem? — indagou, preocupada.
Made não falava de seus sentimentos, não falava da mãe e muito
menos dizia se sentia sua falta. Era tudo tão estranho, que a jovem mulher
sentiu-se inquieta.
— Estou, tia! Eu sinto falta dela. — Balançou a cabeça. — Mas a
mamãe estava sempre em compromissos, ficávamos tão pouco tempo juntas.
— Abaixou os olhos com tristeza. — Às vezes, não parece que ela morreu só
que está em algum compromisso.
Gabriela teve dó da pequena menina. Ela acariciou os cabelos de
Madeleine.
— Eu entendo. Melhor assim, né?
— Sim. E você tá aqui, tia. Você tá sempre comigo. É tão bom.
Elas se abraçaram.
Definitivamente, Madeleine era a culpada por tudo que havia
acontecido na vida de Gabriela nos últimos tempos. A ruiva estava ali, por
ela. E por mais que desejasse ir embora, não conseguia se imaginar sem
aquela criatura linda e meiga.
— Podemos ir? — A voz grossa do italiano reverberou em seus
ouvidos.
Ela olhou para cima e o viu lindo em um terno escuro. Havia uma
barba rala crescendo, isso o deixava ainda mais másculo e com cara de mal.
Para a jovem mulher, o italiano ficava cada dia mais lindo. Se é que era
possível.
— Sim — concordou rapidamente. — Tem certeza de que devo ir? —
Tentou de novo. — Preferia ficar — sussurrou.
Ele nem a respondeu, pegou Madeleine no colo e seguiu para o
corredor.
XXXXX
O lindo italiano passou o caminho inteiro em seu celular. Ele falava
tão baixo que Gabriela não conseguia ouvi-lo.
Giovanni estava tenso e nervoso, e isso estava deixando Gabriela
ansiosa.
Ela e Madeleine ficaram de mãos dadas o caminho inteiro. Vez ou
outra falavam alguma besteira uma para a outra. Quando Gabriela estava com
a menina, ela transformava-se numa criança.
Minutos depois, o carro imponente que estavam estacionou em frente
a uma igreja. Gabriela olhou para cima e ficou emocionada. Ela adorava
igrejas. A arquitetura era gótica e a construção grandiosa. Havia muitos
carros sendo estacionados na porta, muitos fotógrafos e seguranças.
A jovem mulher se assustou. Ela achou que seria apenas uma missa e
não um grande evento.
Seu coração disparou de apreensão.
— Vamos — ele disse.
Ela olhou-o apreensiva.
— Está cheia. Achei que seria uma cerimônia íntima.
Giovanni não respondeu, saiu do carro, pegou sua filha no colo e
segurou a mão de Gabriela.
Rapidamente, os seguranças fizeram um cerco ao redor deles e juntos
caminharam igreja adentro.

†††
Ao entrarem no santuário, Gabriela percebeu todos os olharem
voltaram-se para eles. As pessoas cochichavam, torciam o nariz e
arregalavam os olhos. Foi estranho e perturbador.
Quando finalmente se sentaram, Gabriela tentou relaxar. Em poucos
minutos, as portas da igreja foram fechadas e o barulho cessou.
O guarda-costas de Giovanni, um homem alto, forte e mal-encarado,
posicionou-se ao lado do chefe. Ele era praticamente a sombra de Giovanni.
Onde o italiano estava, ele estava junto.
A jovem professora não passou despercebida pelas pessoas,
principalmente pela família da esposa do patrão. A sogra do italiano só faltou
comer o coração dele ao vê-lo com uma nova mulher ao seu lado. Ela não
sabia quem era, mas tinha certeza de que o homem já havia substituído sua
linda filha. A mulher o odiava com todas as forças e agora tinha mais uma
razão para odiá-lo. Sua filha estava morta por causa dele, e o desgraçado não
teve o respeito de ao menos esperar o luto passar.
Gabriela sentiu-se mal, a senhora de cabelos loiros não parava de
olhá-la.
— Minha ex-sogra, ela deve ter te achado bonita — ele cochichou em
seu ouvido, com sarcasmo.
— Obrigada por avisar, estou bem mais confortável agora —
retrucou, indignada.
— Ela deve achar que você é minha nova esposa — cochichou de
novo, tão próximo que ela sentiu seus lábios tocando sua orelha.
Imediatamente, um arrepio subiu pelo seu corpo e um calor a invadiu.
Gabriela fechou os olhos e tentou se concentrar no que o padre dizia.
Mas a mão de Giovanni cobriu a sua e a apertou entre seus dedos. No mesmo
instante, ela sentiu uma energia estranha e envolvente tomar conta dela. Seu
coração acelerou e suas pernas formigaram.
Por Deus, o que ele pensava que estava fazendo?
Finalmente, a missa começou, era uma homenagem à Patrícia
Bennedetti. A cerimônia inteira foi dedicada a ela. Com direito a falas de
familiares e amigos.
— Eu iria falar, tinha até feito um discurso bonito pensando em Made.
Mas a minha sogra não me deixou subir ao púlpito. Ela não gosta de mim e
antes que você me pergunte, eu não fiz nada para ela.
Gabriela olhou-o de lado e ele sorriu. Por alguns segundos, ela se
esqueceu de todos naquela igreja e só conseguiu olhar para os lábios dele,
para o sorriso lindo que ele tinha, para os seus dentes perfeitos e para
aqueles olhos bem negros. Seu coração parou de bater por um segundo.
— O que foi? — Ele crispou os olhos.
— Nada, estava pensando no que disse. Foi mesquinho por parte dela,
com a neta, é claro — disfarçou.
— Ela não está nem aí para a neta. É uma velha mesquinha e
interesseira — rosnou.
— É uma pena. — Gabriela desviou seus olhos do homem e olhou
para a pequena criança ao seu lado. — Você está bem, meu amor? —
Acariciou os cabelinhos de Madeleine.
A garotinha sorriu de leve.
— Sim, por que o pappa não fala da mamãe também? — Ela olhou
para o altar, onde um estranho falava coisas que a garotinha mal entendia.
— Ele prefere falar só pra você! — confidenciou em seu ouvido, e
sorriu. — Às vezes, não é necessário que todos saibam o que sentimos… o
que vale, é o que está dentro do nosso coração.
As duas se entreolharam.
— As pessoas falam coisas da minha mãe que não entendo… —
Madeleine declarou aborrecida. — Parece que não é da minha mamãe que
estão falando.
Gabriela beijou a cabecinha da garotinha.
— Adultos gostam de falar — disse, com um sorriso. — Não preste
muita atenção.
A advogada era alguém bem-quista pela sociedade. Uma socialite
bem articulada, com muitos amigos e relações sociais importantes.
Gabriela sentiu-se pequena e invisível. Em nada se assemelhava a
dama que teria sido a esposa do Sr. Bennedetti.
Talvez, Giovanni tenha sentido a inquietação no coração de Gabriela.
Ele se inclinou novamente e revelou em seu ouvido:
— Ela não era tudo isso… era mesquinha e egoísta, como a mãe. —
Virou seu rosto e travou seu maxilar. Parecia insatisfeito com todo aquele
discurso.
De fato, Patrícia não era tudo aquilo que as pessoas diziam. As
pessoas eram hipócritas. E estava sendo difícil para Giovanni entender o
porquê a transformaram em uma semideusa. Ele a tinha amado, mas não era
cego. A mulher o havia decepcionado em muitos aspectos, mesmo antes de
saber de sua traição, já estava desapontado com ela. Giovanni queria formar
uma família e ter muitos filhos. Ela, por outro lado, só pensava em viajar,
fazer festas e ter amigos influentes.
A jovem advogada era arrogante e preconceituosa. Odiava pobres,
animais, crianças e velhos.
Ela mal tinha tempo para a filha. Como podiam tratá-la como
alguém perfeita?
Giovanni se irritou com aquilo.
— Vamos embora. — Pegou na mão de Gabriela, que trouxe a
garotinha com ela.
O casal seguiu pelas laterais da igreja, o que não foi uma boa ideia.
Giacomo – o primo odiado de Giovanni –, estava nesse local.
O homem mal viu Giovanni e já começou a sorrir. Mas não era
alegria, mas sim de despeito. O primo era invejoso e mau-caráter. Ele sempre
quis ter tudo que o primo mais velho tinha, inclusive as suas mulheres.
— Giovanni, minhas condolências novamente. — Estendeu sua mão,
mas o italiano a ignorou. — Quem é a linda mulher, a babá de Madeleine? —
indagou, com malícia.
— Non ti import, budiùlo[41] — rosnou Giovanni.
Gabriela, não sabendo da briga eterna dos primos e o que o italiano
havia dito, tentou ser educada e estendeu a mão para o homem.
— Muito prazer, Gabriela Nessa.
O primo foi beijar a mão da ruiva e teve a mão quase decepada pelo
italiano.
— Non mettere la tua lurida bocca su di lei[42].
O homem gargalhou.
— Non sei cambiato affatto, Giovanni. Patrícia era ancora calda
quando ha coperto il corpo della rossa [43]?
Giovanni perdeu a cabeça e desferiu um murro na cara do primo. Os
dois se atracaram feito dois touros e se não fossem os seguranças, teriam se
matado.
Enquanto isso, Madeleine e Gabriela foram protegidas por seguranças
enormes e cobertos de armas. O chefe os mataria se algo acontecesse as duas.
Giacomo tinha o sangue mais quente que Giovanni, ou, talvez, fosse
apenas um idiota completo, e, ainda por cima, burro. Com a arma em punho
ele a apontou para Giovanni.
— Vou te matar, saco di merda! — esbravejou o homem.
Imediatamente, dezenas de homens cercaram Giovanni e apontaram
suas armas para a cabeça do homem. O primo talvez não tivesse previsto,
mas o italiano tinha mais seguranças na igreja do que convidados. De fato,
Giovanni era muito mais rico e poderoso que Giacomo. Talvez, o problema
do primo com ele fosse esse.
— Me mate, farabutto. Mostre o quanto é corajoso! — Giovanni
debochou do primo.
O homem tremia de nervoso. Ele tinha um ódio mortal pelo primo,
desde que eram crianças.
Mas, subitamente, o pai do Giovanni surgiu entre os homens. Ele e sua
esposa tinham vindo da Itália especialmente para a missa da falecida.
— Che sta succedendo qui?[44] — questionou o velho homem,
nervoso. — Questa è una chiesa, non un anelo![45]
— Abbiamo finito, babbo! [46]— Giovanni limpou o sangue do nariz,
segurou a mão da Gabriela e saiu nervoso entre a multidão que se formava.
— Ci vediamo a casa[47].
Gabriela viu o sangue escorrendo do nariz dele e se apavorou.
— Giovanni, você está machucado.
— Não foi nada! Vamos, não quero ficar mais um segundo aqui. —
Colocou-a na frente de seu corpo, enquanto homens abriam caminho para
eles.
Vinte e Dois

A construção da capela no jardim da mansão dos Bennedetti estava


finalmente finalizada.
A jovem professora seguiu com Madeleine pelo jardim florido e
arborizado da mansão. Era a primeira vez que estava andando livremente
pelo terreno que compunha a linda casa. E ela se sentia encantada com a
beleza do lugar.
As duas pararam primeiramente em uma balança para crianças e se
divertiram alguns minutos ali. Depois, continuaram a caminhada e
encontraram um dos seguranças. Ele levava com ele um cachorro grande,
forte, e, para alguns, aterrorizante.
Gabriela se aproximou de mãos dadas com a garotinha e
cumprimentou o funcionário.
— Bom dia, senhor! Que belo dia, não? — Olhou para o cachorro e
sorriu. — Que lindo. Qual o nome dele? — Aproximou-se um pouco, tentada
a acariciá-lo.
— Não se aproxime muito, senhorita… ele é um cão de guarda e pode
atacá-la.
O cachorro abriu a boca, mas de um modo amistoso e parecia sorrir
para a moça. Isso foi o suficiente para ela. Levou a mão até a cabeça do bicho
e o acariciou.
— Adoro cães… de todos os tipos, mas os grandalhões são meus
preferidos.
O animal que parecia selvagem, com dentes grandes e afiados, deitou-
se diante de Gabriela, num sinal de submissão. O segurança ficou estarrecido.
— Oh, olha como ele é dócil, Made! — Gabriela agachou-se para
acariciar o cão. — Menino lindo! — Fez vozinha doce com o bicho, que
dengoso ofereceu a barriga para um carinho. — Oh, Made, ele não é fofo? —
Afagou a barriga do cão grandalhão.
O segurança não se conformou. Como que o líder da matilha,
selvagem e indócil, poderia se reduzir a um pet de madame perante àquela
moça.
— Tome cuidado, senhorita, ele é perigoso — reiterou. — Pode
machucar vocês — repetiu em pânico.
Gabriela não deu bola para o comentário. Ela estava convencida de
que o cão valentão era um poodle inofensivo. Afinal, ele estava se
desmanchando de amores por ela.
O segurança viu a cena, desanimado. Tantos meses de treinamento de
ataque a estranhos, foram reduzidos a nada. O cão tornou-se um bobalhão
perante a moça. O segurança não entendia o que havia acontecido.
Lúcifer era o cão mais temido da casa. Apenas o segurança que o
treinou conseguia mantê-lo sob controle. E agora, aquela moça frágil e
delicada também.
A linda mulher era uma incógnita para todos que trabalhavam para
Giovanni Bennedetti. Ela havia chegado do nada e conquistado o italiano.
Ninguém entendia o que ela tinha feito com o chefe, ele estava de quatro pela
moça. Quer dizer, talvez agora entendessem. A mulher enfeitiçava os seres
que queria. Era a única explicação plausível.
— Por favor, solte-o, moço. É desumano mantê-lo com essas garras
no pescoço. Isso deve machucá-lo. — Segurou o focinho do animal,
encostando seu focinho gelado a seu rosto. — Ele é tão bonzinho, não merece
ficar preso desse jeito.
— Senhorita, ele é um cão de guarda! — explicou o homem,
exasperado. — Não posso soltá-lo.
Gabriela não ligou para o que o homem disse, ela puxou a coleira que
o prendia a guia e deixou o bicho livre.
— Vá, vá, menino. Seja feliz — disse, encantada pelo cão grandalhão.
O cachorro saiu correndo pelo jardim, feito um bobo, pulando e
brincando, parecia fazer graça para ela.
O segurança cobriu seu rosto estarrecido.
O que aquela mulher tinha feito com o sanguinário Lúcifer?
— Vem, bebê, vem! — Gabriela se abaixou, para abraçar e beijar o
animal. — Gostou de ficar livre, gostou, bebê?
— Ele se chama Lúcifer, Srta. Gabriela… não é bebê — retrucou o
segurança, ofendido, afinal ele havia dado o nome para o cão.
Gabriela riu, riu e muito.
— Lúcifer, o senhor está brincando? — Olhou para o cão. — Eu sou
bonzinho demais para um nome tão cruel — disse, com voz de criança, como
se fosse a voz do cão. — Vou te chamar de Lulu. — Beijou a cabeça do
bicho. — Vamos passear com a gente, Lulu? — E o cão a acompanhou até a
capela, como se fosse seu mascote.
XXXXX
Giovanni tinha mandado fazer algo singelo, mas incrivelmente bonito.
Gabriela ficou emocionada ao ver a pequena capela.
— Olhe, Made, que lugar lindo seu papai mandou fazer.
— Ele fez pra você, tia. — A menininha sorriu em cumplicidade. —
Meu pappa gosta muito de você!
Os olhos da mulher inundaram de emoção.
— Seu pappa é um homem muito generoso, Made! — Fungou.
Elas entraram no lugar e olharam ao redor, maravilhadas.
— Tia… — disse a garotinha de mansinho, quando se sentaram lado
ao lado em um banco.
— Sim, meu amor — respondeu, aérea, olhando os detalhes da
construção.
— Por que você não se casa com o papai?
Gabriela arregalou seus lindos olhos.
— Ma-ma-de… — gaguejou. — Não é assim que funcionam as
coisas.
— E como funcionam, tia? Papai gosta de você, você gosta do papai,
o que mais precisa?
A professora abriu a boca, mas fechou. Tentou pensar algo inteligente
e esclarecedor. Entretanto, não teve sucesso. Aquele tiquinho de gente
perguntava coisas que a deixavam sem respostas.
— Made, seu papai está procurando uma esposa, em breve ele achará
uma.
Madeleine não a deixou terminar.
— Papai não vai casar com ninguém, só com você, tia! — Sorriu
serelepe. — Se você casar com o papai, seremos uma família e você a minha
mamãe. E eu poderei ter irmãozinhos. E nunca mais precisará ir embora.
A moça mordeu seus lábios.
De onde ela tirou essas ideias?
— Made, esse assunto é muito sério para uma criança. — Olhou para
as vidraças. — Olhe aqueles vitrais, não são lindos?
Madeleine cruzou os bracinhos, aborrecida, mas Gabriela estava
decidida a não prosseguir com o assunto.
— Vamos rezar, Made? — A moça ajoelhou-se, seguida da garotinha.
Lúcifer sentou-se ao lado de sua nova dona e ficou de vigia enquanto
a bela moça rezava com fervor.

†††
Do outro lado da cidade, o telefone de Giovanni Bennedetti tocou. O
segurança da mansão estava apavorado e achou melhor avisar ao chefe que a
jovem professora estava com Lúcifer, o cão dos infernos, responsável por
quase amputar o braço de seu treinador, a perna do segurança e a mão do
jardineiro. O bicho estava completamente solto, como se fosse um Luluzinho
de Pomerânia[48].
— Prendam-no agora, budiúlos — berrou, nervoso.
— Não consigo, chefe. A Srta. Gabriela está com ele na capela. Ele
não sai do lado dela — choramingou o segurança.
— Como assim? — Descabelou-se. — Vá lá agora e prenda a fera —
esbravejou. — Se algo acontecer a Gabriela ou Madeleine, eu mato você —
ameaçou.
— Vou tentar, senhor, mas não prometo.
O homem tentou se aproximar do cão e da sua nova dona, mas recebeu
de volta um rosnado aterrorizante, com direito a caninos expostos e uma baba
horrorosa entre os dentes.
O homem retornou a ligação.
— Estamos com um problema, senhor. O cão não me obedece mais.
Giovanni desligou a ligação apavorado, e avisou o assistente.
— Preciso ir para casa, agora.

†††
Giovanni pisou na porta da capela e se arrepiou inteiro. O rottweiler
treinado para inibir a entrada de estranhos na mansão, estava deitado ao lado
do banco onde estavam Madeleine e Gabriela.
Ele se benzeu e rosnou para o segurança ao seu lado.
— Tire ele dali, agora!
— Ele rosna pra mim, senhor! — O homem gemeu.
— Você vai rosnar e gemer quando eu tirar seus ovos com os dentes
— retrucou o italiano, com raiva. — Como deixou esse bicho se soltar? —
indagou, exasperado.
— A moça o soltou… — grunhiu. — Ela é doida.
Giovanni esfregou seu rosto.
Como tiraria Gabriela e a filha da capela sem que o animal
selvagem e traiçoeiro as mordesse?
Ele decidiu chamá-las.
— Gabriela, Madeleine.
As duas olharam para trás e sorriram, fazendo o coração do italiano
se derreter, mas o cão levantou-se num pulo, virou-se para os intrusos e
arreganhou os dentes.
— Não se movam, vou ter que atirar nele. — Giovanni enfiou a mão
dentro do colete, mas Gabriela gritou.
— Não faça isso! — Entrou na frente do cão. — Ele é inofensivo.
— Você viu o tamanho dos dentes dele, Gabriela? — indagou, furioso.
— Fique quieta, vou acertar a cabeça dele e vocês estarão salvas. — Voltou a
apontar a arma para o animal, mas a mulher era louca por cachorros e jamais
permitiria isso.
Ela se abaixou, acariciou a fera e pareceu cochichar em seu ouvido.
— Vai ter que me matar para matá-lo, Sr. Bennedetti. Ele é um animal
adorável.
Giovanni olhou a cena e quase se matou. Lúcifer lambia o rosto de
Gabriela, parecia um Luluzinho e não um cão Rottweiler.
— O que você fez com ele? — indagou, estarrecido.
— Nada, ele é assim, vocês que não o tratavam com amor — disse,
enquanto o bicho a lambia inteira.
— Não o deixe te lamber, isso é nojento, Gabriela! — Giovanni
protestou, com cara de nojo.
— Vem aqui, deixe-me te mostrar como ele é bonzinho. — A ruiva
sorriu sedutora.
— Acho que não. — Guardou sua arma. — Você consegue dominá-lo?
Então, coloque a coleira nele e o entregue para o segurança — ordenou.
A linda professora fez um biquinho encantador, deixando o italiano
morto de vontade de agarrá-la, beijá-la e fazer outras coisas com ela.
— Não posso ficar com ele, Sr. Bennedetti? Existem outros cães na
casa, não? Gostamos tanto dele.
— Ficar com ele, como assim? — Bennedetti arregalou os olhos.
— Levá-lo para casa. — Acariciou a cabeça do bicho. — Made não
tem um mascote. Poderia ser esse, né, Made? — Sorriu para a menina, que
também acariciou o animal.
— Não temos um cachorrinho para brincar, pappa, deixe-nos ficar
com o Lulu!
— Lulu? — Giovanni repetiu. — Ele morde, filha, você sabia disso?
Ele morde e muito.
— Não morde, pappa! — Abraçou o bicho, fazendo Bennedetti dar
um passo em desespero.
— Saia daí, Made! — grunhiu.
— Oh, pappa, como pode ter medo do Lulu, ele é tão bonzinho! —
Esfregou o nariz no pelo do animal. — Ele tem cheiro de chulé. — Riu
graciosa. — Eu e a tia Gabi podemos ficar com ele.
O italiano olhou indignado para a moça.
— Você viu o que fez, agora Made acha que ele é um bichinho de
estimação?
— Mas ele é. — Sorriu e caminhou até Bennedetti, chamou o cão e
disse. — Passe a mão nele, eu garanto.
Giovanni levantou uma das sobrancelhas e olhou para sua ruiva
preferida.
— Se ele arrancar minha mão, o que posso fazer com você? —
rosnou.
— O que quiser — respondeu, sedutora.
Ele fechou os olhos e colocou a mão na cabeça do cachorro, quando
os abriu viu que sua mão ainda estava inteira.
— Viu, ele é um ser incompreendido.
— Ou enfeitiçado? — Virou seu pescoço de lado.
— Me chamou de bruxa, Sr. Bennedetti? — Estreitou os olhos de um
jeito que a deixava ainda mais linda.
— Não, strega[49]! Nunca a chamaria de bruxa. — Riu malicioso.
— O que significa strega! — Gabriela repetiu divertida.
Ele sorriu e mudou de assunto.
— Gostou da capela?
A professora abriu um sorriso enorme.
— Muito. Não sei como agradecê-lo.
— Eu sei. — Sua voz saiu rouca.
— Como, me diga — retrucou, assertiva.
O italiano pensou um pouco, mas não teve coragem de dizer. Ele
imaginou milhares de formas da professora pagar sua dívida com ele. Todas
em sua cama, com os dois nus.
— É um presente, você pode pagar como quiser, com um abraço, um
beijo. — Deu de ombros.
Gabriela sorriu, aproximou-se dele e o abraçou demoradamente,
sentindo a musculatura forte e rígida do homem contra seu corpo, seu perfume
delicioso e o calor que ele emanava. Ela ficaria assim por sua vida inteira, no
entanto, era preciso manter as aparências.
Ela se afastou, ficou na ponta dos pés e beijou carinhosamente a
bochecha dele.
— Obrigada, eu adorei, ficou linda. — Voltou a sua postura, deixando
o italiano com cara de bobo.
— Que bom que gostou. — Remexeu-se nervoso.
— Podemos levar o Lulu, pappa?
Bennedetti torceu seus lábios e olhou para o cachorro.
— Venha, Made, ainda não estou muito confiante com esse cachorro.
Mas se a Srta. Nessa disse que o domina, vamos tentar. — Sorriu para a filha.
— Oba! — A garotinha levantou os braços e vibrou.
— Mas amanhã esse bicho tem que tomar um banho, ele tá fedendo.
— Segurou o nariz, fazendo a filha rir.
Gabriela passou por eles e chamou o cachorro.
— Vem, bebê, vamos conhecer sua nova casa.
— Bebê, Gabriela? — Giovanni perguntou, indignado, mas foi
ignorado pela ruiva.
— Senhor, o que eu faço? — cochichou o segurança para o patrão.
— Fique por perto, qualquer coisa atire nele.
— Tudo bem.
Vinte e Três

Salvatore e Beatrice aproveitaram a vinda ao país e resolveram ficar alguns


dias na casa do filho.
A primeira visita foi às pressas, pois eles receberam a notícia da
morte da nora, mas não puderam ficar por muito tempo. Desta vez, Salvatore
e Beatrice planejavam ficar alguns dias com Giovanni, eles sentiam que o
filho estava precisando de apoio.
A família Bennedetti era do tipo que se envolvia na vida dos filhos,
no caso, do único filho. Por este motivo, Giovanni resolveu viver no Brasil,
longe da interferência de sua família.
— O que pensou que estava fazendo, Giovanni? — Salvatore
esbravejou. — Era a missa de sua mulher, cazzo!
— Ele me deixou nervoso, babbo! — Levantou-se e andou pela sala.
— Mas o que ele fez ou falou que te deixou nervoso? Você é um
homem de negócios, um Bennedetti, não é possível que ainda perca a cabeça
por causa daquele coglione!
Giovanni voltou para sua cadeira. Ele não queria dizer ao pai que foi
por causa de Gabriela.
— Deixe pra lá, babbo! Eu estava nervoso, aquela cerimônia me
deixou irritado. A mãe da Patrícia organizou aquilo para me atacar. Foi por
isso, fique tranquilo, isso não se repetirá. — Relaxou em sua cadeira.
— Eu vou embora, deixei Beatrice sozinha com Madeleine. — Riu.
— Ela está doida para conversar com a maestrina. Preciso chegar logo antes
que ela faça alguma besteira.
Giovanni cobriu seus olhos. Sua mãe era um caso perdido.
O italiano ouviu um toque à porta.
— Entre.
— Senhor, tem um minuto? — perguntou seu assistente.
— Tenho, entre.
— Já estou indo, Giovanni, nós nos vemos em casa. — Salvatore
despediu-se.
— Até logo, babbo. — Acenou, ajeitou seu corpo na cadeira, e pegou
os documentos que o assistente lhe oferecia.
— Esses são os documentos que tornam a Bennedetti & Co. acionista
majoritária da Maximiliano.
Giovanni se debruçou sobre os documentos.
— Colocaram o aditivo que mandei? — Folheou os papéis.
— Nosso jurídico disse que não há legalidade neste aditivo. —
Torceu os lábios sem graça.
O italiano voltou a se recostar a cadeira e sorriu.
— Quem é o dono desse schifo[50], Otávio?
— O senhor, mas é que eles disseram…
Bennedetti rasgou o documento.
— Mande fazer outro. Com o aditivo… Não estou preocupado com a
legalidade desse contrato. Eu faço as leis aqui. Mande o advogado subir e
falar comigo. — Virou sua cadeira e abriu seu computador pessoal.
— O novo advogado, senhor?
Bennedetti o olhou com descaso.
— Sim, o novo advogado. Preciso explicar algumas coisas sobre as
empresas Bennedetti. O rapazinho parece meio confuso. Vou elucidar seus
pensamentos… ou demiti-lo. — Riu. — Só dependerá dele.
— Esse será o quinto demitido. A diretora do RH pediu para o senhor
controlar seus nervos.
Giovanni jogou sua cabeça para trás e gargalhou.
— Diga a diretora que meus nervos estão bem calmos. Pode ir,
Otávio, e não demore com o contrato, preciso assiná-lo antes que o Max
desista da transação.
— Sim, senhor.
— Ah! — Interrompeu-o. — Peça para o advogado subir, preciso
explicar a ele como trabalhamos.
†††
A porta foi aberta, e o assistente de Giovanni surgiu através dela. Ao
seu lado, o novo advogado da empresa.
Giovanni sorriu amigável.
— Entre, Alberto, e sente-se.
O assistente fechou a porta e o rapaz sentou-se em frente ao seu chefe.
— Pois não, Sr. Bennedetti? — indagou, desconfortável. O advogado
já imaginava o motivo de ter sido chamado.
Em pensamento, o rapaz concluiu que talvez tivesse cometido um erro
ao aceitar a proposta milionária de assumir o departamento jurídico da
empresa do italiano. Ele já sabia de sua fama. Nada legalista, corrupto e
envolvido com a máfia italiana. Ele respirou fundo e concluiu que devia estar
maluco quando assinou o contrato.
O italiano levantou-se e andou por sua sala. O homem era grande e
forte, o que causava um enorme desconforto no advogado franzino.
— Lembra-se de quando o contratei, Alberto?
Alberto engoliu em seco, pigarreou e respondeu com a voz baixa:
— Sim, claro que lembro.
— Você foi muito bem recomendado por nossa diretora de RH. O
melhor aluno do curso de direito, a melhor faculdade do país e o primeiro
colocado no concurso para magistrado do estado. — Virou-se e olhou para o
rapaz. — Seu currículo é invejável, caro Alberto.
O rapaz se mexeu nervoso.
— Obrigado, senhor.
— Eu ofereci a você um salário milionário, não ofereci? — Levantou
uma de suas sobrancelhas.
— Sim, o salário é realmente — concordou, nervoso. — Fantástico.
Giovanni puxou a poltrona ao lado do homem, cruzou suas pernas e
girou entre os dedos a pequena argola que mantinha em sua orelha.
— Pago os melhores salários aos meus colaboradores, sabe por que,
Alberto? — Estreitou seus olhos negros.
— O senhor é um homem generoso. — O advogado riu sem graça. De
fato, ele morria de medo do patrão. Diziam que ele já havia matado alguns
homens, talvez, muitos.
O italiano riu.
— Não, não sou generoso. Eu pago bem porque não quero que se
sintam tentados a me roubar, porque quero manter meus colaboradores de
confiança comigo e o mais importante de tudo; porque quero que trabalhem
para mim e não para o governo, para clientes ou para inimigos.
— Eu entendo, senhor.
— Você trabalha para quem, Alberto, para mim, ou para o
Maximiliano? — Enrugou sua testa e o olhou perigosamente.
— Para o senhor, claro! — Riu preocupado.
— Então por que porra disse que o aditivo é ilegal? — Esmurrou com
força a poltrona.
O jovem advogado pulou na cadeira, trêmulo.
— Se-se-senhor — gaguejou, assustado. — O que o senhor quer
impor é…
— Não fale essa palavra de novo, Alberto. — Interrompeu-o furioso.
Giovanni levantou-se novamente, estava agitado e nervoso. Odiava
advogados covardes e fracos.
— Você conhece todas as leis, não conhece, Alberto? — Inclinou-se
sobre a cadeira do homem e segurou os apoios laterais da poltrona.
— Acho que co-co-conheço…
— Você vasculhará a legislação vigente e achará uma forma de
colocarmos o tal aditivo em nosso contrato. Quero que use sua inteligência e
encontre falhas nela. Toda lei tem uma brecha e será nela que nos apoiaremos
para colocar o aditivo. Você tá me entendendo? — Olhou feroz em direção ao
advogado.
— Si-si-sim, senhor.
O italiano afastou-se do homem, ele teve a impressão que o advogado
estava prestes a se borrar todo. Na verdade, ele sentiu um cheiro ruim, talvez
o advogado arruso[51] tenha se borrado.
— Quero deixar claro, Alberto, que sou um legalista, respeito as leis,
os tribunais, os juízes, advogados, o governo, pago meus impostos e emprego
muitas pessoas. — Sorriu. — Sou um empresário como qualquer outro.
Chego a pensar que sou um dos empresários mais honestos desse país!
O homem meneou a cabeça, apavorado.
— Sim, claro, senhor.
— Muitos dizem que sou corrupto. Você me acha corrupto, Alberto?
— Na-na-não...
— Realmente não sou, eu apenas uso a lei a meu favor, uso o governo
a meu favor. Sabe quem são os corruptos, Alberto? — Colocou as mãos no
bolso e parou em frente ao homem.
— Os corruptos? — perguntou o advogado confuso.
— Sim, os corruptos que aceitam grana para facilitar as coisas.
Agentes públicos, juízes, promotores, delegados, policiais, fiscais e
presidentes da república. Eles são corruptos. — Socou sua mesa. — Você tá
entendendo agora por que precisa fazer a lei trabalhar a nosso favor e não a
favor dos outros?
— Sim, sim, claro, o senhor tem razão. — Apoiou-se na poltrona e
começou a levantar. — Vou fazer isso agora.
Giovanni sorriu largamente. Ele adorava quando o entendiam
rapidamente.
— A partir de agora, Alberto, espero não precisar lembrá-lo de que
lado está.
— Não precisará, senhor. Obrigado pela oportunidade de trabalhar
para o senhor. Com sua licença. — Deixou a sala quase correndo.
O italiano bufou.
Budiùlo[52]!

†††
Giovanni olhou em seu relógio de pulso, já havia passado do seu
horário de ir embora. Infelizmente, não chegaria a tempo de jantar com
Madeleine e com seus pais.
Ele pegou o telefone e avisou seu assistente:
— Avise aos meus homens que estou indo embora.
— Certo, senhor.
Ele respirou fundo. Seu dia tinha sido cansativo. Queria ter ânimo
para ligar para alguma donna e quem sabe alongar sua noite. Entretanto, não
sentia vontade de estar com nenhuma mulher.
A porta foi aberta e seu segurança entrou.
— Estamos prontos, senhor!
Giovanni colocou seu terno.
— Okay, então vamos.

†††
Ele abriu a porta do quarto de Madeleine e a viu dormindo.
Aproximou-se da cama e beijou seus cabelos.
— Buona Notte, mi bambola! [53]
Deixou o quarto da filha e seguiu pelo corredor, olhou para o quarto
de Gabriela e teve vontade de vê-la, falar com ela. Ele levantou o punho, mas
parou ao ver seu pai na porta de seu quarto, olhando-o.
Disfarçou e fingiu coçar a cabeça.
— Buonasera, babbo! — Acenou e seguiu para seu dormitório.
Minutos depois, Giovanni desceu as escadas e seguiu para uma sala
íntima. Ele não estava com sono, pelo contrário, estava agitado. Pegou uma
taça e uma garrafa de vinho e resolveu relaxar um pouco.
Com o controle remoto acionou um DVD player, e aproveitou para
acender a lareira. O dia estava frio e olhar para o fogo o acalmava.
Ele encheu a taça e bebericou o líquido de vermelho intenso.
Imediatamente, sentiu o aroma frutado marcante e o sabor intenso do vinho.
Ele adorava a sensação que ficava na boca, o sabor demorava a sair,
permitindo-o desfrutar por mais tempo da bebida.
Giovanni gostava de ouvir as músicas de sua terra. Ele gostava dos
cantores clássicos como Andrea Bocelli e Luciano Pavarotti. Contudo,
também apreciava daqueles mais populares, como Tiziano Ferro. Ele olhou
as músicas no álbum. Havia uma letra que o despertava, na verdade, o fazia
pensar em Gabriela. O italiano a colocou para tocar e começou a cantar
baixinho.

Há empezado todo, era tu capricho


Yo no me fiaba, era sólo sexo
Mas qué es el sexo, uma actitud, como el arte em general
Así lo he compreendido, estoy aqui
Escúchame si trato de insistir
Aguanta soportándome
Mas te amo, te amo, te amo…

Giovanni ouviu um barulho, olhou em direção à porta e viu Gabriela


olhando-o.
— Desculpe, não quis interrompê-lo — ela disse, constrangida.
Ele levantou-se surpreso.
— Não me interrompe. — Sacudiu os ombros. — Estava tomando
vinho e ouvindo música — explicou.
— Vim buscar uma água. — Mostrou o copo. — Então, eu ouvi uma
música tocando e fiquei curiosa. — Sorriu tímida.
— Quer me fazer companhia? — indagou, animado.
— Não quero te atrapalhar.
— Você não me atrapalha. — Sorriu e meneou a cabeça. — Venha,
sente-se aqui.
Gabriela caminhou vagarosamente em sua direção e Giovanni a
admirou em seu robe de seda. O tecido flutuava ao redor de seu corpo,
insinuante e sedutor, não mostrando nada, mas permitindo que a imaginação
criasse muitas possibilidades. Ela sentou-se no sofá e bebericou sua água.
— O que está ouvindo?
— É um cantor italiano, não é muito conhecido por aqui, mas eu gosto
das músicas dele.
— A melodia é boa, pena que não entendo nada. — Riu descontraída.
Não era muito comum vê-la assim. A professora era sempre tão arredia e
desconfiada. Especialmente quando estavam sozinhos. Então, aquele momento
era de muitos modos especial.
— Posso traduzir se quiser? — Olhou-a intensamente.
— Sim, seria ótimo, já me basta ouvir você falar coisas em italiano e
não entender. — Abaixou os olhos timidamente.
Giovanni aquiesceu com a cabeça e recomeçou a música.
— Vamos lá, vou tentar não destruir a melodia com a minha tradução
simultânea.
Ela sorriu e ficou atenta a ele.
A música iniciou, Giovanni a olhou fixamente e começou a traduzi-la
na melodia da música.
— Tudo começou por um capricho seu… eu não confiava, era apenas
sexo…, mas o sexo é uma atitude… como a arte, em geral… e talvez eu tenha
entendido e estou aqui… Desculpe, sabe, se tento insistir… Me torno
insuportável, eu sou… — O italiano sorriu com isso. Aquela música tinha
tantos aspectos que se encaixavam na história dos dois. — Mas te amo, te
amo. — Gabriela abaixou os olhos. — Vamos rir, está bem, é antiquado, mas
te amo.
Ela levantou-se nervosa, seguiu até o fogo e se abaixou.
— A letra é muito bonita. — Olhou para as chamas, parecia sem
graça. — Existem músicas que são ótimas, no entanto, quando traduzidas são
péssimas e sem sentido. Mas essa não é assim.
— É verdade! — Ele bebeu um gole longo de vinho e a olhou por
cima da taça. — É uma letra bem profunda, romântica.
A moça desviou seus olhos agitada, olhou ao redor e mudou de
assunto.
— Aqui está gostoso. Essa sala é bem aconchegante. A casa está fria
hoje e mesmo assim esse ambiente está ótimo.
— Também gosto — concordou e riu consigo mesmo. Estava claro o
desconforto da ruiva em ficar sozinha com ele, e isso o divertiu. — Não fique
muito perto, às vezes, voam fagulhas e podem te queimar — avisou.
Gabriela se afastou e seguiu para o sofá onde ele estava.
— O que está bebendo?
— Vinho tinto, já bebeu antes?
— Nunca, nenhuma bebida alcoólica, na verdade.
Ele franziu a testa.
— Que desperdício. — Sorriu sedutor. — Vinho é a bebida de Cristo,
nenhum cristão deveria ficar sem experimentar.
Gabriela olhou a taça. Ela já havia superado tantos medos e quebrado
tantos tabus desde que conhecera aquele homem.
Por que não experimentar aquela bebida? Se até Jesus Cristo já
havia experimentado, qual seria o mal?
— Deixe-me experimentar.
— Vou pegar uma taça para você. — Ele fez menção de se levantar,
mas ela o segurou.
— Não, bebo em sua taça mesmo, se não for incômodo, é claro!
O homem sorriu satisfeito. Era bom vê-la baixando sua guarda.
— Não me incomodo. — Ofereceu a taça para ela e a observou.
A boca da professora tocou timidamente a taça e deixou apenas um
pouco do líquido tocar seus lábios.
— Hum, é forte! — Fez uma careta e pigarreou. — Mas depois o
gosto fica bom.
— É isso mesmo. É preciso acostumar o paladar.
Ela entregou a taça para ele.
— Gostei — disse, com um sorriso. — Vou tentar me acostumar, já
que disse que é a bebida de Cristo.
Giovanni riu descontraído.
— Sim, Cristo pegou um barril de água e o transformou em vinho.
Quer melhor razão para gostar de vinho?
A jovem balançou a cabeça e riu.
— Você encontrou uma boa razão para eu não me sentir uma pecadora
— ela comentou, descontraída. — Se minha avó me visse bebendo vinho me
condenaria até a imortalidade.
Giovanni concluiu que a avó da moça era o demônio em pessoa.
— Quer experimentar mais uma vez? — ele indagou. — O segundo
gole é sempre melhor que o primeiro — incentivou.
Ela o olhou, desconfiada.
— Você quer me embebedar? — Sorriu de um jeito sedutor. Talvez
ela não tivesse noção o quanto era sedutora, e isso a fazia ainda mais
especial.
— Juro que não. Só quero introduzi-la a um vício — retrucou, num
tom divertido.
Gabriela riu com o bom humor do italiano.
— Okay, uma vez que já pequei dando o primeiro gole. — Gabriela
pegou a taça e bebericou novamente. — Hum. — Fechou os olhos. — Sim,
agora o gosto ficou mais suave.
Ele riu, estava adorando conhecer o lado corajoso e rebelde da linda
ruiva.
— Até terminarmos essa garrafa você achará que estamos bebendo
suco de uva — brincou o italiano.
A professora arregalou seus lindos olhos.
— Não vou ajudá-lo a beber uma garrafa de vinho.
— Não, claro que não, eu bebo sozinho, fique tranquila. — Piscou e a
olhou por sobre a borda do copo.
Vamos ver, Gabriela, talvez você esteja enganada.
Vinte e Quatro

Gabriela não achou normal aquele calor que estava sentindo. Também
estranhou a vontade de rir de tudo que o italiano falava. Ela estava lenta e
sentiu sua voz mole.
— Acho que bebi demais, Sr. Bennedetti. — Soluçou e colocou a taça
em cima da mesa.
— Ainda nem finalizamos a garrafa — ele declarou, divertido,
enchendo novamente a taça.
— Não, não posso beber mais — ela protestou, sentindo uma moleza
deliciosa em seu corpo.
Ele gargalhou, e ela adorou ouvir sua risada em seus ouvidos. Aliás,
adorava tudo que ele fazia. O jeito que se movia, que falava, que ria e que
enchia a taça de vinho.
Gabriela se perguntava o que deu em sua cabeça para ficar sozinha
com aquele homem, e, mais ainda, por que resolveu beber?
Giovanni se aproximou dela e ofereceu um copo de água.
— Você não está bêbada, só um pouco alegre. Beba um pouco de
água, vai se sentir melhor.
Ela segurou o copo que ele ofereceu, mas não conseguiu tirar os olhos
dele. Giovanni Bennedetti era o homem mais fascinante que ela já conhecera.
— Obrigada Sr. Bennedetti — declarou, nervosa. O olhar do italiano
havia mudado, estava intenso e profundo, havia fogo e paixão neles. — Mas
acho melhor eu voltar para o quarto.
O italiano se aproximou, o ar ao redor deles ficou denso e pesado.
— Não vá ainda — ele sussurrou, com os olhos vidrados nos dela.
Gabriela olhou para os lábios dele. Jesus sabia o quanto ela tinha sido
forte até aquele momento. Fugindo dele, evitando-o, dizendo para si mesma
que não o queria, que não podia. Entretanto, talvez, aquela bebida tenha
levado embora sua consciência.
Ela queria tanto o italiano e não aguentava mais resistir aquele
homem.
— Eu… — Ela acariciou o rosto dele, olhando-o detalhadamente. Sua
barba crescida, seu nariz bem feito, os lábios grossos, o maxilar grande e
forte, e até uma argola discreta em sua orelha. — Você usa brincos.
O homem riu.
— Faz tempo, você nunca viu?
A jovem sentiu os lábios dele em seu pescoço.
— Eu adoro seu cheiro, Gabriela — cochichou em seu ouvido, roçou
sua orelha com os lábios e os mordeu de leve.
Gabriela arrepiou-se inteira e sentiu seu sexo contrair de desejo.
— Eu também gosto do seu. — Segurou o rosto dele e o encarou. —
Estou insegura, Sr. Bennedetti.
Ele beijou seus lábios com sofreguidão.
— Não faremos nada que se arrependa, eu prometo!
A jovem fechou os olhos e deixou o homem distribuir beijos por seu
pescoço. Aquilo era delicioso, e ela adorava sentir a língua dele em sua pele.
Gabriela não soube dizer em que momento ele a deitou no sofá e nem
quando ficou sobre ela. Mas os dois estavam de roupas, ele apenas a beijava
e distribuía beijos por seu pescoço, colo, acariciava seu corpo, suas pernas e
suas coxas.
A mulher se perdeu nas sensações que as mãos e os lábios do italiano
causavam em seu corpo. Ele era carinhoso, gentil e em nenhum momento
ultrapassou as linhas tênues de sua intimidade…, mas ela desejou isso.
Gabriela queria que ele ultrapassasse seus limites, que a invadisse e a
tomasse. Desejava ser dele.
A jovem correspondeu aos beijos exigentes e urgentes dele. Ela o
abraçou, enroscou as pernas nele e o membro do homem roçou seu corpo,
exercendo pressão sobre seu sexo e mostrando a ela o quanto estava excitado.
Gabriela ofegou de desejo.
Subitamente, Giovanni afastou seus lábios dos dela. Ele estava
ofegante e seus olhos pareciam em chamas.
— Não podemos continuar, pois não terei mais controle.
Ela respirou, também ofegante. Gabriela sentia-se quente como brasa,
molhada, latente e louca para ser possuída por ele.
— E se eu quiser que perca o controle? — indagou fora de si,
completamente tomada pela luxúria.
— Não quero que seja assim… quero que tenha total consciência do
que estamos fazendo. Não suportaria que me dissesse que se entregou porque
havia bebido mais do que devia. — Os olhos do italiano eram de súplica, ele
queria, mas sabia que não podia. Não daquele jeito e muito menos naquelas
condições.
Gabriela balançou sua cabeça positivamente.
— Você tem razão. — A consciência voltou de súbito. — Sim, eu
realmente bebi demais.
Ele riu.
— Eu adorei nossa noite, queria que sempre bebesse demais e me
deixasse entrar em seu mundo, Gabriela. — Giovanni a olhou intensamente.
Ela acariciou os cabelos dele e o beijou mais uma vez.
— Eu também adorei — disse, lânguida, contra os lábios dele. —
Será que consigo subir as escadas? — indagou, ao mesmo tempo em que ria.
— Acho que estou bêbada.
Em um impulso Giovanni a levantou em seus braços.
— Eu a levo, principessa.
Gabriela sorriu, pois adorava quando ele falava em italiano. Ela
achava a voz dele linda, seu sotaque e a rouquidão que, às vezes, apresentava
na voz.
Logo o homem a deitou sobre a cama dela. Ele tentou tirar seus
braços, mas ela o segurou.
— Deite-se aqui comigo — implorou, completamente tomada pelo
desejo.
A respiração do italiano acelerou.
— Gabriela, não faça isso comigo — suplicou, quando se afastou e a
olhou profundamente.
— Case-se comigo, eu a farei minha só se aceitar se casar comigo.
Não serei como o padre que te possuiu e te deixou, quero você para sempre.
Os olhos da moça se encheram de lágrimas, mas não era de tristeza e
sim de felicidade. Ela sempre achou que depois de ter se perdido com o
padre que nunca mais seria respeitada por outro homem. Sua avó tinha dito
isso, que nenhum outro homem iria querê-la. Mas Giovanni Bennedetti a
queria e isso era maravilhoso.
— Tenho medo de não ser suficiente… Que se decepcione comigo,
que não me ache boa o bastante — disse, amedrontada.
Ele riu.
— Como você é tola, Gabriela. Você é perfeita, mia strega! —
Beijou-a com paixão. — Diga que se casará comigo.
Apesar da bebida, Gabriela tinha consciência daquela proposta e das
consequências de sua resposta.
Mas não havia mais como voltar atrás. Ela queria ser dele, para
sempre.
— Sim, eu me casarei com você.
Ele sorriu de um jeito lindo.
— Nós nos casaremos amanhã. E então você será minha. Só mais um
dia, mia strega. Você é muito especial para cortar etapas.
Ela suspirou. Não sabia se amanhã se arrependeria da escolha que
fez, mas era tarde demais.
— Amanhã? — repetiu, surpresa.
Giovanni se afastou.
— Sim, amanhã. Não esperarei mais nenhum dia. Espero que amanhã
não volte atrás em sua resposta.
— Não, não vou voltar. — Ela sentou-se na cama. — Onde
casaremos?
Ele franziu a testa.
— Na sua capela, está bom assim?
— Sim, está ótimo. — Sorriu. — Teremos um padre para nos casar?
— perguntou, curiosa.
— Padre? — Ele fez uma careta. — Precisa mesmo de um padre?
— Sim, casamento sem padre não é abençoado.
— Tá, eu dou um jeito. Buona notte, mia incantatrice.[54] — Sorriu.
— Amanhã será um grande dia. — Ele foi até a porta e acenou, apagou a luz e
a fechou.
Gabriela sorriu no escuro.
— Eu irei me casar com ele, meu Deus. Será que estou sonhando?
Ela fechou os olhos e rezou, pedindo a sua santa protetora que ela não
se arrependesse de sua escolha.
Vinte e Cinco

O homem deslizou sua mão em seu membro duro e ereto. Não foi preciso
muito sacrifício para que o alívio viesse. Ele estava muito excitado quando
entrou embaixo da ducha fria.
Com a testa apoiada no azulejo, Giovanni respirou ofegante, gemeu e
expeliu seu esperma. Sua mente estava povoada por imagens de sua ruiva,
pelo gosto dela em seus lábios e pelo cheiro dela que não havia saído de seu
nariz.
O italiano sorriu sozinho.
— Finalmente você será mia! Mia moglie.
O homem desligou o chuveiro e se enxugou. Apanhou seu Rolex e
olhou o horário.
— Um pouco tarde, mas… — Pegou o celular e ligou para seu
segurança.
Ângelo atendeu no segundo toque.
— O que aconteceu, senhor? — atendeu o homem, apavorado.
— Se acalme, homem, não quero que morra do coração. — Riu bem-
humorado. — Vou precisar daquele padre, amanhã no final da tarde.
— Desculpe perguntar, senhor, mas para quê?
— Para me casar…
O homem ficou mudo por um instante, mas logo se recuperou.
— Arrumou finalmente uma esposa, senhor? No site de
relacionamentos, foi? Eu tinha certe…
Giovanni o interrompeu.
— Com a Srta. Gabriela.
— Oh, sim, que bom, estou realmente feliz, Sr. Bennedetti.
— Nós nos casaremos aqui em casa, na capela que fiz para ela.
Amanhã cedo, passe o contato do padre para Otávio, pedirei para ele entrar
em contato com o religioso.
— Pode deixar, senhor. Amanhã cedo resolverei isso.
— Boa noite, Ângelo. Obrigado.
— Boa noite, senhor.
Giovanni desligou e discou para um novo contato. Agora para seu
assistente.
O rapaz atendeu depois de alguns toques.
— Sim, Sr. Bennedetti — disse, com a voz rouca de sono.
— Otávio, irei me casar amanhã, preciso que acerte tudo para que a
cerimônia seja realizada no final da tarde. Arrume um juiz de paz, já tenho um
padre. Preciso de um contrato matrimonial entre mim e Srta. Gabriela Nessa.
Enviarei por mensagem o que quero que conste no documento.
— Casar, amanhã? — repetiu, confuso.
— Acorde, homem. Entendeu o que disse?
— Sim, sim, entendi. O senhor vai se casar com a professora de sua
filha, amanhã, no final da tarde.
— Exatamente. Ângelo te passará o contato do padre, ofereça um bom
dinheiro para ele. Eu preciso desse homem amanhã. Será às 18h. Não
esqueça.
— Certo. Mais alguma coisa?
— Pedirei a dona Rute que organize o restante da cerimônia. Se ela
precisar de alguma coisa, ajude-a.
— Tudo bem. Posso dormir agora?
— Só pensa em dormir, cazzo! Não consegue agilizar nada agora? —
perguntou, impaciente.
— Acho que está um pouco tarde, Sr. Bennedetti. Estão todos
dormindo, com exceção do senhor.
Bennedetti franziu o cenho. Ele pensou que seu assistente estava
ficando irônico, e isso o estava irritando.
— Chegue mais cedo amanhã, Otávio. Está muito novo para dormir
tanto. Espero que não se esqueça de nenhum detalhe.
— Não esquecerei, senhor. Boa noite.
†††
Era cedo quando Giovanni bateu à porta do quarto de Gabriela e
entrou.
Ele sorriu ao vê-la dormindo com os braços para trás, os cabelos
vermelhos espalhados pelo travesseiro branco e seu rosto angelical com uma
expressão serena. O homem se aproximou, inclinou-se e beijou suavemente
seus lábios.
A moça se mexeu um pouco, mas não acordou. Ele a beijou de novo e
sorriu ao vê-la abrir vagarosamente seus olhos violetas.
— Bongiouno, principessa!
Ela piscou algumas vezes e bocejou.
— Bom dia.
— Sabe que dia é hoje?
— Quarta-feira? — indagou, confusa.
— Não. A resposta correta é… hoje é o dia do nosso casamento. —
Sorriu.
Gabriela se amparou em seus cotovelos e tentou acordar. Aquele
homem a deixava zonza.
— Lembrou-se da nossa noite ou precisarei beijá-la novamente para
lembrar? — Giovanni questionou, bem-humorado.
— Eu me lembro, aceitei me casar com o senhor.
— Isso mesmo. — Levantou-se e arrumou seu terno. — Dona Rute a
ajudará com os preparativos. Já arrumei um padre. — Seguiu para a porta.
— Como devo me vestir? — perguntou, indecisa.
— Peça para dona Rute ajudá-la com isso. Peça o que quiser para ela.
Preciso ir para o escritório, mas voltarei antes da cerimônia. — Abriu a
porta.
— A que horas será? — Levantou-se nervosa e seguiu até onde o
homem estava.
— Às 18h, tesoro mio. — Segurou seu rosto e beijou-a apressado. —
Arrivederci[55],mia principessa.

†††
A porta de seu escritório foi aberta, e Salvatore Bennedetti entrou
sorrindo.
— Que grande notícia, Giovanni. — Seguiu até o filho, abraçou-o e
beijou seu rosto. — Estou muito feliz com a notícia de seu casamento com a
professora.
O italiano sorriu satisfeito.
— Eu disse para o senhor não se preocupar.
— Não estava preocupado, apenas ansioso. Quero que tenham muitos
bambinos. Vamos encher aquela casa de meninos.
— Sim, claro, pai. Gabriela é diferente de Patrícia, tenho certeza de
que teremos um casamento muito feliz.
O pai cruzou as pernas e encarou seriamente o filho.
— Filho, preciso te perguntar uma cosa?
— Diga, pai? — Giovanni, respondeu feliz.
— Você não está apaixonado pela garota, ou está?
Giovanni remexeu-se nervoso na cadeira.
— Claro que não, pai!
—Assim fico mais tranquilo. Você sabe que não pode haver amor,
caso contrário, seu casamento será um desastre e ela irá destruí-lo, assim
como Patrícia quase o fez. Você precisa de uma esposa para te dar filhos, não
para amá-la.
Giovanni levantou-se.
— Não precisa me lembrar disso, não sou um garoto — esbravejou.
— Mas parece, caralho! Aquela vadia o enganou porque era
apaixonado por ela. Se estiver apaixonado por essa garota estará condenado
ao fracasso. Em nosso mundo não cabem relacionamentos românticos,
Giovanni. Precisamos ser frios e calculistas. O amor nos fragiliza, nos torna
fracos e vulneráveis.
— Por que ainda está casado com minha mãe, pai? — questionou,
exasperado.
— Eu não a amo, nunca amei. Nosso casamento foi um acordo de
conveniência entre nossas famílias. Beatrice precisava de um esposo, e eu de
uma mulher para me dar filhos. Não foi uma escolha muito feliz, afinal ela
não conseguiu encher nossa casa de bambinos, mas tenho você, filho. E você
é forte, inteligente e capaz. E comandará nossos negócios muito melhor do
que mim. Beatrice é uma boa companheira, mas eu sempre tive outros
relacionamentos e ela sempre soube disso. Eu já te expliquei como funcionam
as coisas em nossa família, Giovanni. Você se tornou um homem rico e
poderoso, porque eu o ensinei. Você só é quem é, por minha causa.
Giovanni remexeu-se nervoso. Ele não gostava quando o pai falava
com ele daquele modo. Quando queria dirigi-lo ou dizer o que deveria fazer.
— Por que está nervoso, filho? Disse alguma mentira?
— Não estou nervoso, só não gosto que se meta em minha vida. Que
me diga o que devo fazer. — Giovanni bufou.
Salvatore estava preocupado com o filho. Aos poucos, Giovanni
estava se afastando do caminho traçado para ele. Era preciso que o rapaz
entendesse como funcionavam as coisas. A vinda de Giovanni para o Brasil
fora um erro. Ele se apegou demais ao país latino e agora se negava a assumir
os negócios do pai.
— Giovanni, está na hora de vir comigo para a Sicília e assumir a
nossa organização — declarou o velho, incisivo.
— Pai, o senhor tem muita saúde e energia. No momento certo
assumirei os negócios da Sicília. Por enquanto, deixe-me cuidar de meus
negócios.
Giovani não sonhava com a vida que o pai havia destinado para ele.
O italiano construiu seu próprio império e não desejava assumir os negócios
escusos do pai.
— Não fuja de seu destino, Giovanni! — Encarou-o seriamente. —
Os verdadeiros negócios da nossa família estão na Sicília. Preciso de você
para dar prosseguimento a nossa organização.
O italiano inspirou pesadamente. Ele sempre soube que seria assim.
Seu pai tinha razão. O casamento com Gabriela tinha um único propósito, dar-
lhe um filho homem –ou muitos. Não teriam uma história de amor, mas sim um
contrato matrimonial. Ele havia deixado isso claro a ela a primeira vez que a
pediu em casamento. Não havia do que reclamar.
— Filho, não se esqueça de deixar claro para a moça as condições
desse casamento. Deixe claro o que acontecerá caso queira se separar de
você. Ela não ficará com os filhos que tiverem.
— Si, si — concordou, irritado.
— Sugiro que coloque no contrato que ela não terá direito a nada que
é seu. Assim, não haverá motivos para querer matá-lo.
Giovanni consentiu com isso. Não havia motivos para confiar em
ninguém. O dinheiro corrompia e destruía o coração das pessoas.
— Si, si.
— O contrato está pronto, posso dar uma olhada? — Salvatore
indagou, desconfiado.
— Não confia em mim, pai? — sondou, furioso.
— Não confio no seu coração. Ele é seu maior inimigo, Giovanni! —
retrucou, com dureza.
— Era meu maior inimigo, não é mais. — Sentou-se e encarou o pai.
— Está tudo sob controle. Não se preocupe.
O pai sorriu.
— Confio em você, filho. — Levantou-se. — Já vou embora. Vemo-
nos mais tarde. — O homem saiu.

†††
A cerimônia de casamento preparada para a união de Giovanni e
Gabriela não era em nada parecida com a que o uniu a esposa falecida. Não
havia glamour, luxo, ostentação ou convidados. Apenas uma decoração de
flores ao redor da capela, sua filha, seus pais de testemunhas e seus
funcionários.
Ele sentiu falta de não ter feito por Gabriela o que fez por Patrícia. O
que a jovem professora estava fazendo por ele e Madeleine, era muito mais
do que sua falecida esposa fez nos 5 anos que estiveram juntos.
Gabriela Nessa era a mulher mais generosa que já havia conhecido.
O barulho de saltos altos chamou sua atenção, ele virou o rosto e viu
o que poderia ser comparado a um anjo. Ela estava magnífica. A noiva mais
linda que ele já tinha visto.
Os olhos negros dele encontraram o azul-violeta dela, e ele não soube
explicar o que sentiu. Seu coração disparou e explodiu em uma felicidade
inconveniente. Ele não devia estar tão feliz.
Giovanni abaixou sua cabeça e tentou disfarçar o furacão de emoções
que ela causava. Pois estava fazendo aquilo por sua filha, pelo futuro dela e
pelo futuro do sobrenome Bennedetti. O italiano restabeleceu sua postura e
foi ao encontro de sua futura esposa.
— Sei belíssima. — Segurou a mão da moça e a beijou com brandura.
Gabriela meneou a cabeça e sorriu.
Os dois seguiram em silêncio até onde o juiz e o padre os esperava.
— Boa noite, casal. Estou muito feliz em poder celebrar seu
matrimônio, Sr. Bennedetti — disse o padre, animado com a nova amizade
com o italiano.
— Eu que agradeço, padre. Per favore, seja breve, okay? — Giovanni
declarou, impaciente, afinal estava sendo uma tortura ter que passar por
aquilo.
— Como assim? — Gabriela cerrou seus olhos.
Giovanni se inclinou e cochichou em seu ouvido.
— Tesoro mio, arrumei seu padre, mas não me faça passar por
sermões eclesiásticos.
— Ah, entendi — retrucou, decepcionada.
O padre sorriu para os dois e começou a cerimônia. Ele já tinha um
relato detalhado sobre o italiano. O assistente de Giovanni já tinha rezado a
missa para o sacerdote. Sr. Bennedetti não gostava de religiosos, igrejas ou
qualquer assunto relacionado à religião. No entanto, o italiano estava aberto a
negociações com a igreja, com Roma e com o Vaticano. Na verdade, a família
Bennedetti tinha bons relacionamentos com os clérigos de Roma.
Minutos depois…
— … convido vocês, Giovanni e Gabriela, a repetirem comigo os
votos de consentimento. Unam suas mãos e repitam comigo. Sr. Bennedetti.
Eu, Giovanni Bennedetti, aceito você, Gabriela Nessa, como minha legítima
esposa e prometo amar-te e respeitar-te na alegria e na tristeza, na saúde e na
doença, na riqueza e na pobreza, por todos os dias da minha vida, até que a
morte nos separe.
Giovanni desviou seus olhos por um instante. A intensidade do olhar
de Gabriela o desconcertou. Aquelas promessas mexiam com ele. Não queria
ter que prometer nada, pois o italiano tinha sérios problemas com pactos.
Eles o perseguiam e não o deixavam seguir em paz.
Giovanni voltou a olhar para Gabriela, ela estava sorrindo.
— Não esqueci as alianças, mia principessa! — Sorriu culpado.
Tirou do bolso as alianças que havia comprado para eles. Abriu a caixinha de
joias, pegou a aliança de diamantes e a deslizou no dedo da moça. —
Prometo fazê-la feliz. — Olhou-a profundamente.
— Eu acredito em você.
Vinte e Seis

Gabriela andou de um lado para outro em seu quarto. Roeu as unhas e teve
vontade de arrancar os cabelos.
Ela pensou na avó. Queria que ela estivesse presente neste dia tão
especial de sua vida. Mas nada que fizesse faria com que a avó a enxergasse
como alguém digna, ela sempre seria a jovem noviça que se perdeu com um
padre. Aquela que destruiu sua honra e dignidade diante das pessoas que mais
considerava importantes.
A jovem era uma desonrada perante sua avó. Isso nunca mudaria.
Então, tanto importava o que fizesse com sua vida miserável. Sua avó não
saberia de seu casamento, pelo menos, por enquanto.
Gabriela respirou fundo.
A professora decidiu que se entregaria para o diabo. O lindo italiano
era definitivamente o anjo caído conhecido como Lúcifer. Aquele homem
tinha mais pecados nas costas do que qualquer pessoa, no entanto, parecia
feliz com eles. Até mesmo orgulhoso.
A porta do quarto foi aberta, e Madeleine olhou confusa para a
professora.
— Oi, querida, o que foi?
— Papai disse que você será minha mamãe, é verdade? — indagou,
exultante.
O coração de Gabriela disparou. O medo de ser julgada pela pequena
criança lhe travou a língua. Ela não aguentaria mais esse julgamento, não
vindo de alguém tão inocente.
— Não irei substituir sua querida mamãe, apenas tentarei fazer o que
ela faria por você.
Madeleine se aproximou, olhou para cima e sorriu.
— Estou tão feliz, tia Gabi.
A moça se inclinou e acariciou o rosto da menina.
— Obrigada por me aceitar. — Abraçou-a com amor. — Prometo
fazer meu melhor por você, ser a mãe que merece, amá-la e cuidar de você
como sua mamãe cuidava.
Madeleine se afastou e acarinhou o rosto da professora.
— Eu amo a minha mamãe, mas ela nunca cuidou de mim.
A ruiva ficou desconcertada, então disfarçou.
— Tudo bem, então eu cuidarei, prometo.
— Você me dará irmãos e irmãs? Eu pedi muitas vezes para a mamãe,
porém, ela disse que não queria mais bebês.
Definitivamente, aquilo era tudo que Gabriela precisava saber, sua
decisão tinha sido a melhor que poderia fazer em sua vida.
— Sim, darei, se Papai do Céu me permitir.
— É a cegonha, não o Papai do Céu, tia! — Virou o rosto de lado,
repreendendo a professora.
A moça balançou a cabeça, divertida.
— Oh, como pude esquecer, essa parte é da dona cegonha. Vou
mandar uma cartinha para ela, está bem?
Madeleine sorriu e abraçou a professora.
— Eu já mandei, tia — cochichou em seu ouvido.

†††
À medida que as horas passavam, Gabriela ficava mais nervosa.
Faltavam apenas algumas horas para o casamento dela com o italiano.
Já fazia horas que estava em seu quarto, não havia descido para o café
da manhã e nem para o almoço. Seu estômago estava dando voltas de
nervoso.
Um toque à porta a despertou.
— Entre.
Ela olhou em direção à porta e viu a governanta entrar.
— Sr. Bennedetti pediu para trazer seu almoço. Disse para se
alimentar, caso não queria desmaiar como aquele dia. — A mulher parecia
ainda mais mal-humorada do que de costume.
— Obrigada, Sra. Rute, não precisava se incomodar.
— Tire essas roupas, levarei para a lavanderia.
Gabriela recuou.
Restavam apenas duas peças de suas antigas vestimentas, e a jovem as
guardava com carinho. Elas traziam certo conforto para a moça. E a fazia
pensar que sua vida ainda estava sob seu controle.
— Não, elas estão limpas. — Alisou a saia.
A mulher foi até uma mesinha e colocou a bandeja. Pegou um robe de
seda que estava pendurado e segurou com as pontas dos dedos.
— Tire. — Levantou as sobrancelhas. — E vista seu robe. Daqui a
pouco a pessoa do salão de beleza virá para arrumá-la.
Gabriela olhou para o espelho da cabeceira, e ajeitou os cabelos com
as mãos.
— Estou ótima, não quero que ninguém venha me arrumar.
A mulher fechou os olhos, bufou, aproximou-se de Gabriela e a olhou
de cima a baixo.
— Precisarei tirar esses farrapos da senhora ou devo chamar o Sr.
Bennedetti para fazer isso?
A professora lançou um olhar raivoso para a governanta.
— Eu mesma tirarei, mas não entregarei a você. Parece que existe
alguém nessa casa que queima minhas roupas.
A mulher bufou, virou-se e seguiu para a porta.
— Sr. Bennedetti pediu para ajudá-la com o vestido de noiva.
Solicitei alguns modelos para a antiga boutique onde dona Patrícia
encomendava suas roupas. Daqui a pouco chegarão os vestidos. Espero que
goste de algum.
— Obrigada pela preocupação, Sra. Rute.
A mulher a ignorou.
Gabriela olhou para uma caixa que estava sobre sua cama. Sr.
Bennedetti queria comprar até mesmo suas calcinhas. Bem escandalosas por
sinal.
— Sra. Rute, por favor, devolva as roupas de baixo que foram
compradas, elas não me servem. — Torceu seu nariz.
A governanta cobriu os lábios e riu.
— Cabem sim. Acostume-se com elas, pois queimei todas as suas
antigas peças. Antes que reclame, o Sr. Bennedetti que mandou. Com licença.
— Saiu, deixando a moça em polvorosa.
Gabriela cobriu o rosto e esbravejou. Aliás, ela nunca esbravejou
tanto em sua vida.
Olhou para a caixa de lingeries, e prometeu a si mesma que nunca
vestiria aquilo. Andaria sem peças íntimas, mas não vestiria aquilo.

†††
Ela olhou para o espelho e teve vontade de chorar. Ela estava linda de
um jeito que não sabia explicar.
Seu colo e braços estavam cobertos por uma renda branca delicada. O
restante do vestido, feito de um tecido luxuoso e brilhante, era ainda mais
bonito.
Gabriela nunca imaginou que seria uma noiva de verdade, de um
homem de verdade. Seu sonho era ser noiva de Cristo, mas isso ficou para
trás, assim todo o resto de sua vida.
Ela havia prometido a si mesma fazer o melhor em seu novo papel. Se
tudo em sua vida tinha dado errado até agora, ao menos poderia ser uma mãe
amorosa e boa para Madeleine, e, quem sabe, para os outros filhos.
Ela respirou fundo.
Essa parte ainda estava muito confusa em sua cabeça. Deitar-se com
aquele homem, fazer sex… Ela não conseguiu terminar a frase em sua mente.
Era certo que não era mais virgem, ela sabia que perdera seu hímen
em uma relação sexual conturbada, onde não teve o prazer, apenas dor e
culpa.
Oh, como ela se arrependia daquele dia. Pensou Gabriela.
— Está pronta, podemos descer? — perguntou a governanta.
— Não estou muito maquiada? — especulou com timidez, ao ver seus
lábios pintados de rosa, os olhos esfumados e o rosto mais corado do que de
costume.
— Fiz como pediu, Gabriela. Você não está maquiada, apenas realcei
seus olhos e lábios.
Ela riu sem graça.
— Não estou acostumada. — Respirou fundo, e virou-se para a
governanta. — Madeleine, onde está?
— Com o pai, eles esperam você na capela. O padre e o juiz de paz já
chegaram, só falta você. A não ser que queira desistir, ainda dá tempo. — Riu
maliciosa.
— Eu nunca faria isso com a Madeleine. — Seguiu nervosa pelo
quarto, virou o pescoço e sorriu para a profissional. — Agradeço
imensamente pela paciência comigo. Não tenho nenhum dinheiro aqui, senão
lhe daria uma gorjeta.
A moça riu.
— Vamos, senhora, o Sr. Bennedetti não costuma ser muito paciente.
A jovem respirou profundamente.
— Estou pronta.
Vinte e Sete

Finalmente, o sacerdote concluiu:


— Confirme o Senhor, benignamente, o consentimento que
manifestastes perante a sua igreja e se digne enriquecer-vos com a sua
bênção. Não separe o homem o que Deus uniu, eu vos declaro marido e
mulher. — O padre sorriu. — Pode beijar a noiva.
O italiano segurou o rosto da jovem e beijou sua testa num gesto de
respeito. Ela abaixou os olhos e sorriu ao ver Madeleine batendo palmas.
O juiz de paz aproximou-se dos dois e sorriu.
— Preciso que assinem o contrato matrimonial. — Sorriu. — De fato,
apenas esse os faz casados.
Gabriela sorriu para Giovanni.
— Onde devo assinar? — Olhou confusa para o calhamaço de folhas
à sua frente.
Giovanni soltou o ar com força. Ele não havia mostrado o contrato
para a noiva, com antecedência. Talvez por covardia, por medo de ela
desistir da união, ou talvez, por desonestidade, porque não queria que ela
soubesse em quais condições estavam se casando. Mas, era fato, o homem
sentia-se um verme por estar enganando-a.
— Leia o contrato, principessa, o juiz não está com pressa. — Sorriu
nervoso. — Será sua última chance de se livrar de mim.
Ela olhou novamente para o maço de folhas. Gabriela era uma moça
inocente demais para pensar que ali haveria algo do qual poderia se
arrepender.
— Demorarei muito para ler tudo isso e também não entendo nada de
contratos matrimoniais. — Sorriu. — Onde assino? — Olhou para o juiz.
O homem virou as páginas e mostrou o local.
Giovanni fechou os olhos e suspirou. Estava feito.

†††
Um garçom surgiu com uma bandeja de bebidas. Giovanni aproveitou
a distração do juiz que conversava com ele e cochichou no ouvido da esposa.
— Agora você é só minha, ex-Srta. Nessa, agora Sra. Bennedetti. —
Mordeu sua orelha e riu.
Ela escondeu um sorriso por trás de seus dedos, voltou a olhar para
ele e cochichou:
— Isso se aplica a mim também, Sr. Bennedetti?
— Sim — rosnou. — Sou só seu. Não vejo a hora de mostrar o
quanto.
Gabriela enrubesceu, e Giovanni virou o champanhe na garganta.
Ele não via a hora de possuí-la.

†††
Depois da cerimônia simbólica, Giovanni convidou o juiz e o padre
para jantar com eles. Gabriela parecia feliz com a presença do padre, decerto
achava que a presença do sacerdote poderia abençoar a união dos dois.
Giovanni não acreditava naquilo. Era tudo um jogo, ele fingia que acreditava
na igreja e a igreja fingia que suas doações eram por caridade.
Ele beijou pela milésima vez a mão da esposa e sentiu que já estava
na hora de partir para o que importava.
Chiavare[56]!
O italiano queria beijar o corpo inteiro dela e não somente sua mão.
— Vamos subir, mia Dea[57]?
— As pessoas… — Riu nervosa. — Não podemos deixá-las.
Ele não a deixou terminar a frase, levantou-se e a puxou com ele.
— Agradeço imensamente a presença de vocês. Mas eu e mia
[58]
moglie estamos cansados.
Os dois homens levantaram-se simultaneamente, deixando suas taças
de vinho sobre a mesa.
— Nós que agradecemos, Sr. Bennedetti. — O padre se aproximou e
beijou sua mão, próximo ao anel enorme de ouro que carregava a insígnia da
família. — O senhor é um homem muito bondoso.
Giovanni puxou sua mão e a limpou no terno.
— Si, si, eu sou. Foi um prazer, padre.
Despediu-se de todos e puxou a esposa para as escadas. Com sorte,
hoje mesmo faria seu bambino, o primeiro de muitos.
A primeira regra ao casamento surgiu quando alcançaram o corredor
dos quartos. De certo, a partir de agora, os dois deveriam ir para a suíte do
italiano. Entretanto, para que tudo desse certo, eles não poderiam dormir no
mesmo quarto. Tudo teria que continuar como antes, como exceção de alguns
detalhes.
Ele seguiu para o quarto dela, trancou a porta e olhou para a bela
ragazza.
— Posso lhe pedir uma coisa, Sr. Bennedetti?
— Qualquer coisa, mia dea. — Tirou o terno e jogou sobre uma
poltrona.
Ela se afastou.
— Podemos ficar com as luzes… apagadas?
Giovanni riu. Ele deveria imaginar que nem tudo seria fácil neste dia.
— Não, eu quero vê-la. — Olhou-a faminto, tirou o colete e partiu
para os botões da camisa.
— Por favor, Sr. Bennedetti, isso é importante para mim.
Ele tirou a gravata, a camisa e puxou seu cinto. A moça recuou mais.
O italiano respirou fundo, não era nenhum bruto, ao contrário, ele
faria tudo que ela quisesse, pois era importante que a primeira vez deles
fosse especial.
— Uma luz fraca, apenas para vermos nossas silhuetas. Não precisa
ter vergonha de mim, sou seu marido.
Ela caminhou até um abajur e o acendeu. Giovanni desligou o
interruptor que iluminava o quarto, deixando o ambiente na penumbra.
— Está bom assim? — ele indagou.
Ela sorriu nervosa.
— Sim, vou tirar meu vestido, o senhor poderia virar de costas?
Ele bufou, isso era demais. Mas ele faria qualquer coisa que ela
pedisse nessa noite. Mesmo que o aborrecesse muito.
O italiano virou de costas e respirou fundo.
— Não precisa de ajuda? — perguntou.
— Não, eu consigo tirar sozinha.
Enquanto esperava, Giovanni tirou os sapatos.
— Estou pronta.
O homem deu meia-volta e a viu na cama, coberta até o pescoço. Ele
riu, já era de imaginar que ela faria isso.
Com uma destreza impressionante tirou sua calça e a ereção explodiu
em sua cueca. Gabriela imediatamente fechou os olhos, o italiano aproveitou
para tirar tudo e deitar-se na cama.
— Pode abrir os olhos, ragazza. Acostume-se a me ver assim, pois
será muito mais comum do que imagina. — Os dois se entreolharam
intensamente. De repente, toda a expectativa do dia estava resumida àquele
momento. — Posso tocar seu corpo, Gabriela? — sussurrou, rouco de desejo.
— Sim — concordou, com a voz entrecortada. Tão baixa que ele
quase não a ouviu.
Ele foi com sua mão grande por entre os lençóis e sentiu a pele
aveludada sob seus dedos. Ela estava gelada.
Giovanni a puxou para que ficasse mais próxima de seu corpo.
— Você está gelada, deixe-me esquentá-la. — O corpo quente dele
tocou a pele gelada da mulher e seu membro reagiu imediatamente, ficando
ainda mais ereto.
Ele acariciou suas costas, beijou seus ombros, seu pescoço e a ouviu
ofegar. Vagarosamente, suas mãos começaram a explorar o corpo da mulher,
conhecendo suas curvas e seus pontos sensíveis.
Giovanni estava a ponto de explodir, mas ele sabia que tinha que ser
perfeito essa noite.
Gentilmente, ele tirou o lençol sobre o corpo dela e viu a nuance de
seu corpo, os peitos redondos e pontudos, a cintura fina e o caminho de Vênus
entrecortado por pelos ruivos. Ele saboreou com os olhos aquela visão do
paraíso.
— Quero beijá-la em cada parte de seu corpo. — Beijou-a no
pescoço. — Conhecer seu gosto. — Desceu seus lábios para seu colo, parou
nos mamilos e rodeou-os com sua língua.
Gabriela segurou os ombros do ombro e gemeu.
— Sr. Bennedetti.
— Giovanni, chama-me de Giovanni — rosnou, e engoliu os mamilos
dela entre seus lábios, sugando-os.
— Ohhhh. — Ela se contorceu nos lençóis.
Ao ver o desespero da ragazza, o italiano desceu sua mão por sua
barriga e entrou no meio de sua mata virgem de pelos.
A moça ficou tensa e abriu os olhos.
— O que está fazendo?
Ele continuou com os dedos em meio aos seus lábios, roçou em seu
ponto de prazer e viu os lábios da jovem se entreabrirem de prazer.
— Isso, você nunca se tocou, Gabriela?
— Eu…
Ela fechou os olhos. O italiano enfiou um dedo dentro dela, friccionou
seu clitóris e a viu se contorcer, inclinar seu corpo e gemer de prazer.
Ele sorriu, segurou seus cabelos e invadiu sua boca. Beijou-a com
urgência, saboreando seus lábios com uma fome insana. Separou os lábios
dos dela e a olhou através do feixe de luz.
— Você fica linda quando goza! — Beijou-a de novo. — Quero sentir
seu gosto.
Desceu pela cama, mergulhando seu rosto no meio dos pelos ruivos e
ralos. Lambeu-a e rosnou excitado.
— Você é deliciosa. — Olhou pela penumbra e viu os olhos da mulher
flamejantes como uma fogueira. — Quero consumar nosso casamento, agora
— rosnou, cobriu o corpo da mulher e a encarou. — Serei gentil, mia dea,
não fique tensa.
Gabriela meneou a cabeça em silêncio. Giovanni voltou a beijá-la, e,
gentilmente, adentrou o côncavo quente e lubrificado da mulher. Puxou uma
de suas pernas e acomodou seu membro dentro dela.
Ele sabia que era grande, espesso e que ela sentiria o desconforto da
primeira vez entre eles. Por isso, espero-a se acostumar com o volume, para
só então começar a se movimentar. No começo devagar, cuidadoso,
enchendo-a de beijos e carícias. Quando viu que ela estava tão excitada
quanto ele, soltou o leão que estava enjaulado em suas entranhas e começou a
fodê-la com vigor, em estocadas fortes e profundas, movendo seu corpo
contra o dela, fazendo-a se agarrar nele e chamá-lo pelo nome.
E subitamente ele parou, sentindo que não aguentaria mais.
— Eu vou gozar, Gabriela! — gemeu e expeliu seu sêmen dentro da
mulher, em jatos fortes e vigorosos. — Ohhhh, ohhhh.
Seu corpo inteiro estremeceu de prazer e ele desabou sobre a mulher.
Ofegante e suado.
A consciência começou a voltar aos poucos, e Giovanni sorriu no
meio dos cabelos da sua deusa.
A primeira vez deles tinha sido perfeita, ao menos para ele.
Lentamente, ele saiu de dentro da mulher, e jogou-se cansado ao lado
da cama. Virou o pescoço e encontro os olhos violetas, olhando-o.
— Fui gentil com você? — Acariciou o rosto delicado e bonito da
moça.
Ela segurou a mão dele e fez carinho na palma da mão.
— Foi, foi muito gentil. — Ela sorriu.
Ele virou-se de lado e a puxou para junto dele.
— Você gostou? — Estreitou seus olhos escuros.
— Gostei. — Sorriu novamente.
— Que bom, pois faremos isso muitas vezes — afirmou e voltou a
beijá-la.
Vinte e Oito

Gabriela despertou com um raio de sol entrando através das cortinas. Ela
apertou os olhos e tentou ignorar que já era dia.
O homem ao seu lado se mexeu, acomodando-a mais ao seu peito. A
jovem mulher aspirou o cheiro masculino, misturado a alguma fragrância, e
esfregou seu rosto nos pelos macios. Eles eram macios e cheirosos como ela
havia pensado. Ela sorriu para si mesma, e acariciou com delicadeza o tórax
do homem.
A moça nunca imaginou que sua primeira vez com o italiano poderia
ser tão maravilhosa. Sua experiência sexual anterior tinha sido desastrosa e
horrível de todas as formas possíveis. Ela achou que sempre seria assim,
dolorosa e sem prazer, mas o Sr. Bennedetti mostrou que o sexo entre um
homem e uma mulher era algo divino. Perfeito demais para ser sujo e
vergonhoso.
A mulher olhou para cima, observando o rosto másculo e bonito do
homem que se casou. Ele estava lhe mostrando tantas coisas novas e bonitas.
Como conseguiria não se sentir encantada por ele? Se fosse tão
cruel quanto diziam, como poderia ser tão bom e generoso com ela? Pensou
Gabriela.
Não, ela não queria saber a resposta. Queria apenas desfrutar um
pouco de tudo de bom que estava acontecendo em sua vida. Talvez, Gabriela
estivesse possuída pelo diabo – como a avó dizia –, e seria castigada em
dobro, mas a jovem não queria pensar nisso. Ela passou sua vida inteira se
podando de prazeres, como se todos eles fossem proibidos e indignos. Se
fosse punida por estar tão feliz ao lado desse homem, teria valido a pena.
Ela cochilou novamente, e acordou sentindo aqueles lábios quentes e
macios sobre os seus.
— Buongiourno, mia dea![59]
Sem querer, ela sorriu. A jovem adorava ouvi-lo falar palavras em
italiano. Nem sempre entendia o que significavam e talvez não quisesse
entender. Muitas foram faladas no meio do ato com o homem tomado pelo
desejo.
Ela sentiu algo acontecer no meio de suas pernas. Sua vagina latejou e
um calor subiu por seu corpo. Desde que entraram em seu quarto, ele esteve
mais tempo dentro dela do que fora.
Seus olhos abriram lânguidos e viram os dele. O italiano sorriu.
— Boungiourno, tesoro! — repetiu, ao beijar seus lábios novamente,
adentrando sua língua em sua boca e explorando-a como quem vasculha a
procura de algo.
Gabriela colocou sua mão sobre o rosto dele e sentiu sua barba mais
áspera do que ontem. Mas gostava de vê-lo assim. Era impressionante como
conseguia ficar bonito até mesmo com a barba por fazer. Ela subiu seus dedos
para os cabelos e os acariciou lentamente.
Giovanni passou seus braços pelas costas dela e a puxou mais para si,
apertando-a contra seu tórax. Fazendo-a sentir seu membro duro contra seu
corpo.
— Voglio scoparti la fica tutto il giorno[60]! — ele sussurrou em seu
ouvido, arrepiando-a inteira.
— Eu não entendo o que disse. — Suspirou e sentiu o membro do
homem no meio de suas pernas.
Ele riu em seu ouvido.
— Disse que vou foder sua boceta o dia inteiro.
Gabriela enrubesceu, e sentiu vergonha por isso, afinal não havia mais
do que se envergonhar, pois ela era casada com ele.
— Eu gosto de ouvi-lo falar em sua língua — comentou, inebriada
pelos beijos, pelas carícias, pela sensação estranha e embriagante que sentia
quando estava com aquele homem.
Ele levantou seu corpo, distanciando-os e a olhou profundamente.
— Vou lhe ensinar muitas coisas, mia donna! Inclusive minha língua
materna.
Ela acariciou os cabelos dele e sorriu.
— Estou pronta, mio donno! — brincou com o idioma.
Ele riu.
— Não é assim que se diz, é mio uomo, mio marito!
— Não vou esquecer. — Olhou para os lábios do homem e teve
vontade de beijá-lo, mas ainda era constrangedor ter qualquer iniciativa.
Estava tímida e sem jeito.
Giovanni puxou as cobertas que cobriam os dois, expondo os corpos
nus. Gabriela se retraiu envergonhada.
— Já fizemos tantas coisas juntos. Não sinta vergonha de mim. —
Olhou para o corpo da moça e acariciou sua pele com as pontas dos dedos.
— Sei un capolavoro[61]!
Gabriela iria perguntar novamente, mas não conseguiu. A sensação de
prazer e luxúria que sentiu ao perceber a língua dele em sua intimidade a
deixou louca.
O que é isso que ele faz que me deixa sem chão? Pensou Gabriela.
— Oh, Giovanni, o que… está… fa-zen-do? — indagou em
soquinhos, e sem que tivesse consciência começou a remexer seu quadril. Ela
queria aquela sensação, a mesma que a fez sair da terra e sentir uma sensação
deliciosa, porém, viciante.
E a sensação veio, amortecendo tudo, e ela não conseguiu segurar os
gemidos e a respiração ofegante.
O italiano voltou a se posicionar sobre ela, e a beijou, fazendo-a
sentir um gosto agridoce em seus lábios. Mas era tudo tão bom e delicioso,
que não importava, ela o queria.
Ele ergueu seu corpo e a preencheu, enorme e duro como aço. Na
primeira vez, a jovem achou que seria rachada ao meio. Ele era forte demais
e vigoroso, todavia, gentil e carinhoso.
Oh, ele é perfeito! Pensou Gabriela.
O ato começou devagar e foi ganhando intensidade, até que o homem
já estava tomado pela paixão e desejo.
— Gabriela. — Chamou-a uma vez. — Oh, Gabriela — repetiu. —
Ahhhhh, Ga-bri-e-la. — Seu corpo se moveu contra o dela uma última vez e
caiu sobre a moça.
Ele a abraçou, ofegante e ambos aproveitaram um silêncio
momentâneo.
Gabriela aproveitou a quietude do homem para lhe acariciar. Os
cabelos, ela adorava os cabelos dele. Depois as costas. Ela se impressionou
como eram duras e fortes. E por último seus braços, grandes e roliços.
A jovem se sentiu pequena e magra perto dele.
Vagarosamente, o italiano levantou o rosto e a olhou com um sorriso.
Estava todo descabelado, ela bagunçou seus cabelos no meio do frenesi do
ato.
— Você me deixará magro e fraco, Sra. Bennedetti.
Ela sorriu, tímida.
— Eu sei que acabamos de nos casar, mas não posso me ausentar da
empresa. Estamos no meio de negociações importantes, e também. — Saiu de
seu corpo e se levantou, mostrando toda sua nudez.
Gabriela ofegou, ele era lindo demais.
Ela cobriu o corpo com o lençol e se sentou.
— O que você faz, Giovanni?
Ele a olhou por sobre seu ombro e sorriu.
— Muitas coisas, tesoro mio!
— São coisas sujas e desonestas? — indagou, corajosa.
Ele deu meia-volta e colocou as mãos na cintura. E ela enrubesceu ao
olhar para seu membro.
Era aquilo que entrava nela? Perguntou para si mesma.
Por um momento, ela teve o ímpeto de se benzer. Mas se segurou e
tentou disfarçar.
— Você saberá tudo sobre mim, Sra. Bennedetti, mas aos poucos. —
Seguiu até ela e beijou seus lábios. — Por enquanto, confie em mim e não
ouça o que as outras pessoas dizem. Sujeira e desonestidade são coisas
relativas. Depende do ponto de vista que se olha. Eu poderia te dar exemplos
de coisas que parecem limpas e honestas, mas que, na verdade, são sujas e
desonestas.
Ela aquiesceu com a cabeça.
Giovanni colocou sua calça e jogou a camisa por cima dos ombros.
Gabriela lembrou-se que precisava saber se permaneceriam naquele
quarto. A governanta queria saber se devia levar suas coisas para a suíte do
italiano.
— Giovanni…
Ele parou na porta e virou-se.
— Si, principessa. — Sorriu.
— Posso levar minhas coisas para seu quarto ou peço para dona Rute
trazer suas coisas para este daqui?
O sorriso do italiano desapareceu.
— Bem… não vamos dividir o mesmo quarto. Este é o seu quarto e
aquele o meu. Virei passar algumas noites com você, mas, de modo geral,
dormiremos em quartos separados. Não quero que perca sua privacidade —
Tentou sorrir, no entanto, não pareceu muito convincente. Talvez por ver a
expressão de decepção da esposa. O olhar perdido e desamparado.
— Sei. — Abaixou os olhos e mexeu nas cobertas.
Gabriela não sabia dizer se achava aquilo bom ou ruim. Apenas sentiu
uma decepção imensa em seu coração. Ela achava que seriam como qualquer
casal, talvez tenha romantizado demais.
— Está bem. — Enrolou-se no lençol e seguiu para o banheiro.
Vinte e Nove

Giovanni olhou em seu relógio de pulso e resolveu que estava na hora de ir.
Pegou o telefone e avisou seu assistente:
— Já estou indo, Otávio. Avise os seguranças.
— Certo, mas tínhamos algumas coisas para tratar ainda.
— Hoje não, preciso ir embora. — Desligou.
Ele respirou fundo. Sabia que sua rotina de trabalho costumava ser
mais longa. Normalmente, ele deixava o escritório muito tarde. Mas queria
embora, chegar cedo em casa, ficar com sua bambina e com sua dai capelli
rossi[62].
Ele sorriu animado.
Estava louco para vê-la, levá-la para cama e chiavare[63] a noite
inteira.
Seu segurança logo chamou a sua atenção.
— Estamos prontos, senhor!
Giovanni colocou seu terno.
— Okay, vamos.

†††
Ele abriu a porta do quarto de Madeleine e a viu brincando com suas
bonecas sobre a cama.
Cumprimentou com a cabeça a babá e sorriu para a filha.
— Buona Notte, mi bambola! [64]
A garotinha pulou da cama e se jogou no colo do pai.
— Chegou cedo, pappa!
Ele a levantou no colo e a beijou nas bochechas.
— Estava com saudades de você, por isso cheguei cedo! — disse,
sorrindo.
— Posso te contar meu dia? Fiz tantas coisas com a tia Gabi.
— Pode, mas não agora, vou tomar um banho, e… — Pigarreou. —
Onde está a Gabriela? — Colocou-a no chão.
— A tia Gabi foi tomar banho. — Pegou sua boneca e voltou a
brincar.
— Tudo bem, farei o mesmo, depois você me conta o que fez. —
Virou-se e saiu com pressa para o corredor. Parou em frente ao quarto de sua
esposa e o abriu.
Sua ruiva estava em frente ao espelho de corpo inteiro, usava uma das
lingeries que havia encomendado, ela estava com seus seios nus e com seus
lindos cabelos soltos, cobrindo parte dos seios e de suas costas.
Quando o viu, ela imediatamente cobriu os seios e tentou pegar seu
robe de seda.
— Não, não se cubra. — Ele fechou a porta e a trancou. — Deixe-me
ver como ficou com as lingeries que comprei para você — Aproximou-se e a
olhou faminto.
A lingerie de renda, pequena e delicada, caiu como uma luva no corpo
perfeito da mulher.
Giovanni tinha um olhar clínico para mulheres, sabia de longe qual o
número que usavam e o que melhor combinava com elas. Quando ainda não
era casado, costumava presentear seus casos com vestidos luxuosos, joias e
lingeries.
Ele posicionou-se em suas costas, colocou as mãos em seus quadris e
brincou com as fitas que seguravam o lingerie.
— Ficou perfeito em você — cochichou em seu ouvido, e brincou
com seus lábios na orelha dela. Em seguida, desceu sua mão por sua barriga e
entrou com ela dentro da calcinha.
Gabriela prendeu o ar e ficou imóvel em frente ao espelho. A cena
que via era demasiadamente obscena para ela. No entanto, isso a excitou, a
mulher sentiu a umidade crescer entre suas pernas, respirou ofegante e o
coração disparou.
Os dedos dele entraram em sua intimidade, roçaram entre seus pelos
púbicos e alçaram seu ponto sensível.
Ela fechou os olhos e gemeu.
— Giovanni… — Tentou dizer que não podia ou não queria, ou não
sabia, enfim, não conseguiu falar nada, apenas gemeu e rebolou na mão do
italiano. — Giovanni. — Chamou-o novamente.
— Diga, mia strega[65]! — Chupou o pescoço da mulher, passando
seus dentes e sua língua em sua pele. — O que quer? — perguntou, ofegante,
esfregando seu membro contra o corpo dela e a levando à loucura.
— Ahhh, Ohhhhh!
Ele finalmente parou, virou-a de frente e invadiu seus lábios com os
seus. Beijando-a com urgência, com fome de seus lábios e com fome dela.
— Você me deixa louco, mia donna! — Afastou seus lábios e a olhou
com luxúria. — Tire minha roupa, Gabriela! — ordenou, excitado.
A jovem demorou um pouco para compreendê-lo. O homem à sua
frente era intenso e a deixava tonta.
Então, o italiano pegou as mãos dela e as colocou sobre os botões da
camisa.
— Tire minha roupa, tudo, mia donna!
Com as mãos trêmulas, Gabriela começou a abrir os botões e quando
todos já estavam abertos, olhou o peito coberto de pelos.
— Você gosta? — ele perguntou, com os olhos em chamas.
Ela sorriu e os acariciou.
— Sim, gosto, acho lindo! — Beijou-o no tórax.
Ele riu.
— Continue, tire minha roupa — repetiu, apressado.
Ela foi com suas mãos pequenas para o cinto da calça, olhou-o entre
os cílios e soltou a fivela.
— O botão, tesoro mio! — incentivou.
A ruiva abriu o botão e desceu o zíper com cuidado. Giovanni se
apressou e tirou os sapatos.
— Continue — insistiu.
Ela o olhou titubeante, mas obedeceu, descendo as calças entre seus
quadris e puxando por suas pernas.
— Isso. — Jogou a calça longe. — A boxer, tire-a — ordenou.
A moça olhou-o ofegante, entrelaçou seus dedos ao elástico e puxou o
tecido com cuidado.
Ele sorriu da timidez dela, quando viu sua ereção, grande e poderosa.
— Venha aqui, tesoro mio! — Segurou sua mão e a levou até a cama.
Sentou-se e a puxou pela cintura. — Coloque-o em sua boca.
— Eu-eu… — gaguejou, nervosa.
— Você vai gostar, acredite em mim.
Ela agachou-se à sua frente, colocando o membro grande e grosso em
sua boca. Giovanni fechou os olhos e gemeu de tesão.
— Oh, Gabriela, continue tesoro mio! Fammi um bocchino[66]. — Ele
segurou seus cabelos e a conduziu no movimento, mantendo seus olhos nela,
no que fazia, no vai e vem de seus lábios em seu membro. — Passa sua língua
nele — rosnou, com a voz rouca e gutural.
Gabriela não tinha muita noção porque fazia tudo que aquele homem
pedia, ela apenas se sentia embriagada de paixão quando estava com ele.
O italiano segurou com força seus cabelos, enterrou novamente seu
membro em sua boca e não aguentou.
— Pare, não vou aguentar… — disse, ofegante, tenso e excitado.
Levantou-a e a beijou com brutalidade, raspando seus dentes em seus
lábios e sugando sua língua.
— Incline-se sobre a cama, de costas pra mim — mandou, virando-a
contra seu corpo e a posicionando de bruços sobre a cama. — Figone[67]! —
grunhiu e a penetrou. — Oh, mia incantratice! — Segurou seus cabelos e
procurou por seus lábios, beijou-a com paixão, movendo seu corpo contra o
dela em movimentos rápidos, fortes e vigorosos.
Os gemidos da mulher o enlouqueceram, como um canto de sereia,
convidando-o para mais e mais.
— Gabriela — gemeu seu nome alto, enterrou seus dedos nos quadris
da mulher e explodiu seu gozo dentro dela. — Oh, Gabriela. — Tentou se
mover de novo, mas não conseguiu.
Giovanni sorriu. Cada vez que transava com ela sentia-se mais louco
pela professora. Entretanto, era apenas sexualmente. Ele não queria se
apaixonar, nunca mais, queria apenas que ela engravidasse, dando-lhe filhos
bonitos e saudáveis.
Ele formaria uma família com ela, mas nunca a amaria como fez com
Patrícia. Giovanni nunca mais cairia na armadilha do amor. Ele nunca mais
seria enganado.
Ele se deitou e a trouxe para seus braços.
— Foi demais, tesoro — cochichou no ouvido da professora.
Ela olhou para ele e sorriu.
— Para mim, também!
Giovanni pegou a mão da ruiva e entrelaçou seus dedos aos dela.
— Conte-me o que aconteceu entre você e o padre. — Giovanni sabia
que não deveria tocar nesse assunto, mas era importante saber a verdade, a
verdade vinda de Gabriela, e não de um relatório de sua equipe de segurança.
Gabriela sentou-se desconfortável e cobriu seus seios com o lençol.
— Eu tinha 21 anos…
Trinta

Gabriela não tinha a intenção de voltar ao passado e relembrar o que tinha


acontecido naquele trágico dia. Mas seu esposo parecia ser a única pessoa na
face da Terra que não a julgava pelo que fez. Então, ela decidiu contar.
— Eu tinha 21 anos, faltava pouco tempo para minha consagração...
O homem ao seu lado apertou sua mão, incentivando-a a continuar.
— Eu estava certa sobre o que queria e não me sentia confusa ou
indecisa. Desde meus 10 anos eu vinha me preparando para aquele
momento… — Respirou fundo e sentiu vontade de chorar. Era difícil
relembrar seu passado. Os anos de dedicação.
Ele não a interrompeu, deixou que tomasse coragem e continuasse.
— Então, ele apareceu… — Gabriela remexeu nervosamente a colcha
da cama. Ela sentiu o coração prestes a acelerar, mas ela fechou os olhos e se
concentrou. — Era um jovem padre, muito bonito, alegre e cativante… —
Ofegou. — Iniciamos uma amizade despretensiosa. A madre gostava de
chamá-lo para fazer as missas de domingo em nossa capela, comecei a ajudá-
lo… — Uma lágrima surgiu em seus olhos e ela a enxugou. — Fomos nos
aproximando aos poucos, tornamo-nos amigos, mas quanto mais tempo eu
passava com ele, mais eu gostava dele e da sua companhia… — Ela parou
durante um segundo. — Eu contava coisas íntimas sobre a minha vida e ele
fazia o mesmo, com isso descobrimos que éramos muito parecidos em muitas
coisas. — Gabriela sorriu fraco ao se lembrar disso. — Um dia ele acariciou
meu rosto, num outro minha mão e começaram os olhares mais intensos, até
que tudo mudou entre nós, havia um fogo que ardia todas as vezes que olhava
para ele e então num belo dia ele me beijou. Foi apenas um toque de lábios,
mas daquele dia em diante tudo mudou entre nós. Ele roubava mais beijos e
jurava que me amava. Dizia que iríamos ficar juntos para sempre. Mesmo
confusa, eu confiava nele e permiti que me guiasse pela escuridão. Mas o fim
do túnel chegou. Num dos dias que ele foi celebrar uma missa na congregação
das freiras, ficamos sozinhos no final da cerimônia, ajudei-o a arrumar as
coisas e acabou acontecendo. — A jovem fechou os olhos, envergonhada.
Giovanni sentou-se com a testa franzida.
— Mas como aconteceu dentro de uma sacristia, onde fizeram? —
perguntou, confuso.
— Em pé, de roupas, não aconteceu da mesma forma que fizemos há
pouco, foi diferente — explicou, constrangida.
— De roupas? — indagou o italiano, que parecia indignado com a
resposta da jovem.
— Sim, de roupas, apenas afastamos… você sabe! — Olhou para o
homem, envergonhada.
— Que coisa mais sem graça — ele disse. — Ao menos poderia ter
feito direito. — Levantou-se e pegou suas roupas.
— O que importa se fizemos direito ou não? — questionou a ruiva,
nervosa. — Nós não poderíamos ter feito nada, nem mesmo nos beijar, muito
menos… — Fechou os olhos. — Oh, como me arrependo!
Giovanni estava irritado com aquela história. Sentiu raiva do padre,
da inocência da mulher e mais ainda dele próprio por ter pedido para ela
contar sua história.
O italiano voltou a olhar para a ruiva.
— E foi bom? Quero dizer, o padre ao menos a fez gozar?
Gabriela arregalou seus olhos.
Como aquele homem poderia pensar naquilo?Pensou ela.
— Não, Sr. Bennedetti, a única coisa que senti foi dor, culpa e
vergonha. Estava apaixonada. Acreditei que ele me amasse, eu nunca tinha
amado ninguém. Não soube o que fazer com o que sentia, entreguei minha
vida aquele homem e achei que ele se preocupava comigo. Fui tola, inocente
e burra — disse, nervosa.
Ele abotoou a camisa com irritação.
— Espero que não o ame mais — declarou, raivoso.
— Não mandamos em nosso coração. — Enrolou-se no lençol e
seguiu para o banheiro.
Ele foi atrás. Seu brio de homem estava ferido. Ele não podia
imaginar que ela fizesse sexo com ele e pensasse no padre azia ta
monacca[68]. Ele não pensava na falecida esposa. Não admitiria que ela
pensasse em outro homem.
Nunca!
O italiano segurou o braço dela e a fez olhar em sua direção.
— Pensi ancora a quel cazzo di prete[69]? — indagou em italiano.
Quando ficava nervoso não pensava em português, só em italiano.
Ela tentou se livrar dele, no entanto, não conseguiu.
— Eu não sei o que está falando. Fale em minha língua, por favor! —
ordenou, nervosa.
— Você ainda pensa no padre filho da puta? — esbravejou, furioso.
— O que isso importa para o senhor? Não estou aqui apenas para lhe
dar um filho? — indagou, com indignação. Ela estava magoada com ele, por
não dividirem o mesmo quarto.
O italiano ficou furioso com o que ela disse, mas estava nervoso
demais para falar. Ele não sabia conversar quando estava nervoso, só sabia
xingar, esbravejar, amaldiçoar Deus e o mundo inteiro.
Ele virou as costas e seguiu indignado para a porta. Mas Gabriela não
havia terminado ainda.
— Trancarei meu quarto. Não entrará nele quando bem entender. Eu
tenho algum direito nesse casamento de mentira, não tenho? Como o senhor
mesmo disse, preciso ter minha privacidade.
Ele fechou os olhos com força e tentou controlar seu temperamento
explosivo. Segurou a maçaneta, e respondeu:
— Não é um casamento de mentira, casamos de verdade, você é
minha esposa. — Olhou-a furioso. — E eu sou seu marido. Você goste ou não
é comigo que irá se deitar de agora em diante. E se eu souber que foi atrás
desse maldito, eu mato você e ele. — Abriu a porta e saiu.

†††
Gabriela fingiu não ter ouvido a porta sendo aberta. Na verdade, ela
se lembrou que deveria tê-la trancado. O italiano não a tomaria quando bem
entendesse. Ela mandava em seu corpo e precisava tomar as rédeas de sua
vida.
— Senhora, o jantar já foi servido. Sr. Bennedetti e seus sogros a
estão esperando — disse uma jovem simpática, a única que a tratava com
respeito, timidamente. Os outros funcionários a odiavam por ter se casado
com seu patrão.
Gabriela sentou-se na cama, e tentou ser gentil com a funcionária.
— Estou indisposta. Enxaqueca. — Esfregou a testa. — Tenho muitas
enxaquecas. Avise seu patrão que preciso descansar.
A moça meneou a cabeça, ensaiou um sorriso e saiu.
Ela fechou os olhos e achou que teria sossego, mas a próxima que
abriu a porta foi a insuportável da governanta.
— Senhora, se não quiser que o Sr. Bennedetti venha buscá-la
pessoalmente, desça agora. Ele está nervoso demais hoje. Talvez saiba o
motivo, não é mesmo? — indagou, com sarcasmo.
Gabriela cobriu os olhos com a mão. Sua vida tinha se tornado um
verdadeiro inferno.
Ela se sentou sem vontade, calçou os sapatos e ajeitou seus cabelos.
Olhou para a governanta com irritação, e respondeu:
— Saia do meu quarto e comece a bater antes de entrar.
A governanta riu pelo nariz.
— Está começando a colocar as asinhas para fora. Vamos ver até
quando Sr. Bennedetti vai querer você aqui. Dê um filho a ele, e no outro dia
será enviada para um lugar bem distante. — Virou as costas e saiu batendo a
porta.
“O que ela quer dizer com isso?”
Gabriela bufou, aquela mulher a odiava e ela nem sabia o motivo. Era
melhor não dar atenção ao que dizia, caso contrário, ficaria louca.
Ela respirou fundo e se levantou.

†††
Gabriela mal tinha entrado na sala de jantar e todos já estavam
olhando para ela. Com exceção do Sr. Bennedetti, que abaixou os olhos ao
vê-la.
Madeleine correu até a professora e segurou sua mão.
— Senta comigo, tia…
A pobre garotinha não teve tempo de terminar a frase, a voz grossa de
seu pai reverberou pela sala.
— Não, ela ficará ao meu lado, bambola! — rosnou.
Madeleine olhou para o pai, temerosa, largou a mão da professora e
foi se sentar ao lado da avó.
— Por que está bravo, pappa? — indagou, chateada.
— Não estou bravo, bambola! — Mexeu os lábios a contragosto.
Gabriela olhou para os dois senhores e sorriu.
— Boa noite…
O velho senhor levantou-se, foi até ela e beijou o dorso de sua mão.
— Sono molto felice del tuo matrimonio con mio figlio…
A moça sorriu sem jeito, ela entendeu apenas a palavra matrimônio.
Mas não havia clima para pedir a tradução da frase ao seu nobre marido.
Portanto, meneou a cabeça e sentou-se.
— Ele está feliz com nosso casamento — Giovanni traduziu.
Gabriela meneou a cabeça novamente. De fato, não sabia o que estava
fazendo numa mesa onde todos falavam italiano, menos ela. Até mesmo a
pequena Madeleine sabia a língua estrangeira.
Ela bufou.
— Anche io sono felice. Non vedo l'ora di avere un sacco di nipoti.
— A linda senhora disse sorridente.
— Vovó tá feliz também, tia, ela quer muitos netos — traduziu
Madeleine, com alegria, olhando para a avó e para a professora
simultaneamente.
Gabriela sorriu, contudo, não havia alegria. Somente agora ela
compreendia o peso da decisão que havia tomado. Ele se casou apenas para
que ela lhe desse filhos. Por um breve momento, a moça achou que ele
poderia estar…
Não, ele não estava. A hipnose que a fez embarcar naquela loucura
havia acabado. Ela olhou para todos à mesa e não se sentiu parte daquilo. A
moça decidiu que não colocaria filhos no mundo apenas porque aquele
italiano ignorante queria. Ela não queria que seus filhos fossem infelizes
como ela tinha sido sua vida inteira.
— No que está pensando, Gabriela? — perguntou seu marido em um
rosnado.
Ela olhou para ele e sorriu com falsidade.
— O senhor não manda em meus pensamentos. Eles me pertencem —
murmurou.
— Meus pais estão curiosos para conhecê-la. Eles não falam
português, mas eu traduzirei para eles o que queira falar. Seja agradável com
eles. Ninguém precisa saber que está infeliz e que mesmo aqui ainda pensa no
seu padre.
Ela virou o rosto na direção do marido, indignada.
— Nem todos meus pensamentos incluem um homem, Sr. Bennedetti
— retrucou, exasperada.
— Então, aja como uma esposa e não como uma múmia — replicou,
com aspereza.
Ela riu, e garfou alguma coisa em seu prato.
— Não sei como uma esposa age. Não fiz curso para ser esposa. Ah,
sim, eu sei como uma esposa de Cristo age. — Ela riu de novo. — Mas não
sou um exemplo nesse quesito. — Olhou de lado para o marido e sorriu. —
Traduza para seus pais o que disse. Não se esqueça de contar a eles que me
perdi com um padre, que fui expulsa da congregação e que seu filho escolheu
uma mulher indigna para lhe dar filhos.
Ele esmurrou a mesa com raiva. No mesmo momento, todos
arregalaram os olhos e olharam assustados.
Gabriela olhou para todos e riu.
— Meu marido é um tipo muito nervoso. Peço desculpas, quero dizer,
acho que uma boa esposa faz isso, não faz, marido?
Seus sogros a olharam curiosos.
— A tia Gabi disse… — A garotinha tentou traduzir, mas o italiano
mal-educado esmurrou a mesa de novo.
— Não traduza, bambola. — Pigarreou e voltou a olhar para os pais.
— Scusa, ho avuto una giornata difficile oggi, sono un po' nervoso.[70]
— Si, si, mi amore! — Beatrice disse, com carinho. — Ma sii gentile
con tua moglie[71].
Giovanni riu com sarcasmo.
— Mamãe pediu para ser gentil com você, Gabriela. Você acha que
devo ser gentil com você?
Ela o olhou de lado e moveu seus lábios ligeiramente.
— Não sei, Sr. Bennedetti. Acho que se eu fosse a sua amada Patrícia
você seria gentil comigo. Mas sou apenas a mulher que lhe dará seu tão
esperado filho, não sou sua amada esposa. — Olhou para os lados. — Veja,
existem fotos dela por toda parte. Ela ainda é a esposa aqui e eu a amante.
Ele ficou sério.
— Pedirei para tirar as fotos. — Remexeu-se na cadeira. — Não foi
proposital manter as fotos dela pela casa. Pedi para mantê-las por causa de
Madeleine, Gabriela. Entenda.
— Não, não se preocupe, mantenha as fotos da sua amada esposa pela
casa. Todos só falam dela, do quanto era gentil, caridosa, boa mãe, boa
esposa e o quanto você a amava. — Gabriela remexeu a comida e,
subitamente, a constatação daquele fato a deixou muito infeliz. — Veja como
somos parecidos, você se deita comigo, mas faz amor com a sua falecida.
Ele a olhou de lado e franziu a testa.
— Você está louca? — Bufou. — Isso é tipo uma tensão pré-
menstrual, não é? Sim, existem mulheres que enlouquecem nesse período.
Você deve ser uma delas. Amanhã dona Rute a levará a uma ginecologista.
Você precisa tratar isso.
Gabriela não aguentou e soltou uma gargalhada fora de hora.
A jovem reconheceu que o pior de si estava aflorando naquela casa.
Talvez, Deus tenha causado todo aquele estrago em sua vida de noviça, pois
já sabia que o gênio da mulher era destemperado demais para uma freira.
Anos tendo que ser comportada e submissa a tornaram alguém que não
conhecia.
— Ninguém me levará a lugar nenhum. Tenho duas pernas, uma boca e
se precisar irei sozinha — retrucou, decidida.
— Não ouse sair dessa casa sozinha! — O italiano voltou a elevar a
voz.
— Pappa!
Giovanni e Gabriela olharam simultaneamente para a garotinha.
— Oi, bambola! — rosnou.
— Parem de brigar.
Ele arregalou os olhos.
— Não estamos brigando, bambola!
— Estão, pappa. Por favor, faça as pazes com a tia Gabi — suplicou,
com os olhinhos carentes.
Giovanni olhou para Gabriela e sorriu.
— Me desculpe. — Sorriu e voltou ao seu prato.
— Faltou dar um beijo para ficarem de bem.
Gabriela arregalou seus olhos, olhou para a bonequinha à sua frente e
a viu sorrindo maquiavelicamente.
— Não precisa, princesinha, eu e seu pappa só estávamos
conversando, é que ele fala sempre num tom de voz meio… — Revirou os
olhos e remexeu sua cabeça, fazendo a menina rir.
— Por favor, tia, só um beijinho. Mamãe falava que um beijinho
curava tudo. — Olhou para a avó e sorriu.
Gabriela passou a mão pela testa. Ela estava com muita raiva daquele
italiano grosseiro, dar um beijo nele não estava em seus planos. Mas pela
Madeleine ela faria isso, aliás, era por Madeleine que estava ali.
Gabriela virou-se de lado e beijou a bochecha do homem num
relâmpago.
— Pronto, querida, estamos de bem. — Sorriu e fingiu voltar a comer.
Contudo, seu estômago já estava retorcido de nervoso.
— Não, não, não.
Gabriela olhou para a pequena menina e a viu balançando a cabeça de
cá para lá, energicamente.
— O que foi agora, minha querida? — indagou, em desespero.
A garotinha fez um biquinho e bateu seu dedo indicador nos lábios.
— Beijinho de verdade, tia.
A mulher ficou roxa de vergonha. Mas antes que decidisse o que fazer,
o italiano grosseiro segurou seu rosto, virou-o em sua direção e a beijou
profundamente. Fazendo-a esquecer da raiva, da irritação e da vontade de
matá-lo.
A língua dele procurou a sua, macia e quente, e seus lábios exigentes
buscaram os dela. Envolvendo-os num beijo terno e amoroso.
Vagarosamente, ela sentiu-o se afastar, abriu seus olhos e encontrou os
dele, incandescente como lava.
Gabriela se afastou e tentou sorrir, mas foi constrangedor demais ver
todos a olhando.
— Brindiamo agli sposi[72]! — A senhorinha sorriu e levantou sua
taça.
Não havia mais o que fazer, ela apenas levantou sua taça e brindou,
mesmo sem saber a razão do brinde.
Trinta e Um

Giovanni girou a maçaneta do quarto da esposa, mas estava trancada. Ele


bufou, esfregou os cabelos e resolveu bater.
Ele deu dois toques à porta, porém, não obteve resposta. Bateu de
novo e nada. Com raiva, ele a chamou.
— Gabriela, abra! — rosnou. — Abra, Gabriela — repetiu, mas não
obteve resposta.
Ele iria fazer um escândalo, no entanto, viu a mãe parada na porta do
quarto de hóspedes onde estava dormindo, olhando-o curiosa.
— Buonasera, madre! — Acenou de longe e disfarçou, afastando-se
da porta do quarto de Gabriela.
O italiano virou em seus calcanhares e desceu as escadas. Parou em
frente ao quarto da governanta e bateu.
A mulher apareceu em segundos, descabelada e enrolada em um
roupão lilás.
— Pois não, meu senhor. Algum problema? Está com fome? Quer que
faça algo para comer?
— Acalme-se mulher! — retrucou, irritado. — Quero a chave reserva
do quarto da Gabriela.
Ela virou o rosto de lado, parecia estar vendo um cavalo com duas
cabeças.
— As chaves, dona Rute. — Estendeu a mão.
— Ela perdeu a chave? — perguntou, bisbilhoteira.
— As chaves, dona Rute — repetiu, impaciente e um tanto quanto
envergonhado com a situação.
Desde quando precisava entrar no quarto da esposa com chaves
reservas?Pensou irritado.
— Sim, claro. — Voltou para o interior de seu quarto, em minutos
voltou e lhe deu um molho de chaves. — Aqui está. Mandarei fazer novas
chaves, no caso dela perder essas também.
— Isso, faça isso. — Virou-se nos calcanhares, mas lembrou-se de
algo. — Dona Rute, leve Gabriela a uma médica para mulheres. Ela precisa
se consultar.
— O senhor quer saber se a senhora Gabriela está grávida?
Ele pensou por um instante.
— Seria conveniente saber, mas acho que ainda é muito cedo. —
Seguiu pelo corredor a passos relutantes. Parou e voltou a olhar para a
mulher. — A senhora sofre com aqueles surtos que mulheres têm antes da
menstruação?
Ela fez uma careta.
— Surtos?
— Isso, as mulheres ficam nervosas, irritadas e algumas agem com
violência… — coçou o queixo — , outras não querem saber do marido.
— Não, senhor. Por quê? A dona Gabriela está desse jeito que
relatou?
— Ela tá meio esquisita.
— Eu a acho esquisita. Talvez, dona Gabriela seja assim. Estou para
falar para o senhor, não gosto do jeito dela…
Giovanni levantou a mão. Não admitiria fofocas da esposa.
— Dona Rute, ninguém é perfeito, isso se aplica a Gabriela. —
Tentou virar-se para ir embora, mas a mulher continuou.
— Dona Patrícia era perfeita. Tão elegante, educada e refinada. —
Sorriu com admiração. — Decerto, seja isso que esteja sentindo falta. Dona
Gabriela não está no nível do senhor.
Patrícia não era perfeita e ele não sentia sua falta. Em contrapartida,
não podia ficar difamando-a para as pessoas, isso poderia levantar hipóteses
sobre a sua morte.
Ele resolveu ignorar o que a governanta disse.
— Quero que leve Gabriela a uma ginecologista, com urgência —
repetiu, decidido. — Acompanhe a consulta, veja se está tudo bem com ela e
se está apta a me dar filhos.
— Mas o senhor não deveria ter feito isso antes de se casar com ela?
— Virou o rosto de lado.
Giovanni torceu os lábios, confuso. A governanta não estava de toda
errada. No entanto, ele tinha certeza de que Gabriela era a mulher certa para
ele. Apesar de andar um pouco rebelde nos últimos tempos.
— Certifique-se de que a doutora não prescreva anticoncepcionais
para ela. — Mexeu nervoso nos cabelos. — Não permita que Gabriela saia
sozinha, dona Rute — mandou, nervoso, ao lembrar-se da história do padre.
— Se isso acontecer, você será responsabilizada.
A mulher abriu a boca, parecia horrorizada com a incumbência.
— Mas, senhor, ela não é uma criança para cuidar dela! — reclamou.
— Ela é a sua senhora, cuide dela, respeite-a e a faça se sentir em
casa. Tire as fotos da Patrícia dos ambientes e guarde em meu escritório. E o
mais importante, não quero que Gabriela saia sozinha. Muito menos vá à
igreja ou visite padres. — Coçou a cabeça. — Ela está proibida de se
encontrar com padres. Estamos entendidos?
— Acho que sim. — Franziu a testa.
A mulher o olhou com descrédito. Por um momento, pensou que o
chefe tivesse exagerado no vinho. Ele não estava falando coisa com coisa.
— Fique atenta as necessidades dela. Pergunte o que ela deseja, ela é
a sua patroa agora. Gabriela é minha esposa, a Patrícia está morta. Boa noite,
dona Rute.
A governanta o acompanhou com o olhar. Ela nunca iria entender o
que aquele homem magnífico viu naquela jovem de cabelos vermelhos. Para
ela, ninguém nunca iria substituir sua antiga patroa. Era só uma questão de
tempo, logo o patrão se livraria daquela menina insuportável.

†††
Ele girou a chave na fechadura e ela abriu.
Como um larápio, Giovanni esgueirou-se no quarto escuro. Ligou a
luz do celular e a viu deitada na cama. Parecia um anjo.
— Ciao, mia bella ragazza![73]
O homem sorriu e começou a tirar suas roupas, ficou nu, e se deitou
ao lado de sua feiticeira.
Ele nunca iria forçá-la a fazer sexo com ele, no entanto, não admitiria
que ela trancasse o quarto. Ela era sua esposa.
Giovanni aproximou seu corpo do dela, cheirou seus cabelos e teve
que se controlar. Ele a queria.
Dio santo, como ele a queria!
Com o membro duro e latejando, o italiano teve que se contentar em
sentir o cheiro de sua esposa, mas sem poder tocá-la.
Ele fechou os olhos e tentou dormir.

†††
Ainda era muito cedo quando a luz do dia adentrou o quarto. Gabriela
tinha uma mania de dormir com as persianas abertas, o que atrapalhava o
sono do homem. Ele tentou virar-se de lado e fugir da luz, mas percebeu que
estava sendo abraçado por ela.
Ele sorriu, satisfeito.
Para quem não o queria no quarto, era surpreendente a forma como a
bela mulher estava abraçando-o.
Giovanni a aconchegou em seus braços e voltou a dormir.
Horas depois, ele pulou da cama, assustado. A maluca estava
encarando-o feito uma psicopata.
— Mi hai quase spaventato a morte[74].
— O que faz aqui, Sr. Bennedetti? A porta estava trancada. Você
entrou pela janela, por acaso? — Olhou para a janela confusa.
— Deve ter entre 10 a 20 metros de altura, cara Sra. Bennedetti.
Como imagina que subi até aqui, com cordas de alpinismo? — Esfregou os
olhos, sonolento. — Se acalme tesoro, sol o sono il suo marito[75]. — Pegou
em sua mão e tentou fazê-la deitar.
— Você não respeitou minhas condições. — Encarou-o furiosa. — Eu
digo quando pode me visitar e até mesmo entrar no meu quarto.
O homem se apoiou nos cotovelos e a encarou.
— Está fora de cogitação você trancar seu quarto para que não durma
com você. — Deitou-se novamente e tentou voltar a dormir.
— Você é um tirano, isso sim. — Levantou-se e abriu a porta do
quarto. — Saia, Giovanni, você tem um quarto, esse é meu.
Ele riu de seu jeitinho nervoso. Ela ficava bonitinha assim. Ele achou
divertido vê-la brava.
— O que custa me deixar dormir com você? Diga-me? Não vamos
fazer nada, a não ser que você queira. — Estreitou seus olhos negros. — Eu
estou sempre pronto para você, mia donna. — Levantou os lençóis e mostrou
sua ereção.
Gabriela cobriu seus olhos, feito uma criança.
— Cubra isso.
— Não fale assim dele, tesoro! Você brincou tanto com “ele”. — Riu
com cinismo.
Gabriela bufou, fechou a porta e procurou por um lugar bem distante
dele para se deitar. Giovanni olhou a cena e riu.
Ele sabia que ela se renderia. Era só uma questão de tempo.
O italiano se ajeitou nos travesseiros e voltou a dormir.
Trinta e dois

Gabriela despertou novamente, a primeira vez tinha sido com a sensação de


estar dormindo com um ursinho de pelúcia. Ela sentiu pelos macios e
abundantes sob seus dedos, os acariciou e acordou assustada. Havia um
homem lindo em sua cama, e o nome dele era Giovanni Bennedetti. Ela havia
trancado seu quarto e não sabia como ele havia entrado. Mas, passado esse
episódio, agora a sensação era diferente, havia beijos molhados e quentes em
suas costas, em sua nuca, pescoço… e uma mão que ia e vinha no meio de
suas pernas.
Por Deus, aquele homem não existia!
Ela tentou se decidir se valia a pena contê-lo, ou, simplesmente,
render-se àquele momento.
— O que está fazendo? — perguntou por perguntar, ela sabia o que o
italiano dos infernos estava fazendo. — Eu não disse se podia — argumentou
em vão, em meio a sussurros e gemidos.
Giovanni continuou a esfregar seus dedos entre os lábios vaginais da
mulher, ele sabia exatamente o lugar que aquilo tornava a experiência
espetacularmente deliciosa.
— Me beije — ela pediu, já sem nenhuma moral, afinal já esfregando
seu traseiro no homem, portanto, não havia motivos para fazê-lo parar.
Ele a beijou, continuando com os dedos e com os beijos, até que
Gabriela já não sabia de mais nada, a não ser gemer e se contorcer de prazer.
— Giovanni. — Chamou-o. — Oh, Giovanni — insistiu de olhos
fechados, sentindo uma sensação deliciosa e embriagante.
— Schizzare, mia donna[76] — sussurrou em seu ouvido.
Gabriela segurou seu rosto e o beijou com paixão. Puxando seus
cabelos e esfregando seu corpo no dele.
Ela o queria dentro dela. E que Deus a perdoasse, mas estava viciada
no que faziam juntos.
— Quero você, Giovanni. — Olhou-o de perto.
Gabriela estava tomada pela luxúria. Aquele Lúcifer dos infernos
tinha acabado com todas suas reservas de moralidade.
Ele sorriu, cobriu seu corpo com o dele e a penetrou.
— Assim que você me quer, mia donna?
Ela puxou a cabeça do homem ao encontro da sua e o beijou com
desespero. Seu corpo estava em brasa e apenas o italiano poderia arrefecer
esse fogo que tomava conta dela.
— Sim, Giovanni. — Esfregou-se em sua ereção. — Eu o quero
assim. — Voltou a beijá-lo.
Os olhos do homem tornaram-se uma fonte de lava incandescente.
— Mia Incantatrice. — Beijou seu pescoço. — Mi sogno! — Sugou
seus seios com desespero. — Mia streghetta, preferita!
Os dois se beijaram e se moveram juntos, num misto de paixão e
entrega. Eles esqueceram as diferenças e se entregaram um ao outro, de um
jeito que nunca tinham feito antes.
— Gabriela. — Ele parou, fechou os olhos e gemeu por segundos
intermináveis. — Cazzo!
Ela riu, fazendo-o despertar de seu êxtase.
— Por que está rindo? — perguntou, confuso.
Ela o puxou para próximo dela.
— Pare de falar em italiano, eu quero saber o que diz. — Acariciou
os cabelos do italiano.
— No, mia donna. Você que aprenda italiano! — Levantou-se,
deixando para Gabriela a bela visão da virilidade do homem.
— Me ensine — pediu, manhosa.
Ele começou a vestir-se.
— Só vou ensinar as sacanagens. — Riu. — Vou arrumar uma
professora para você. Preciso ir, tesoro, estou atrasado.
Aproximou-se e a beijou, em seguida seguiu para a porta, mas ela o
interrompeu.
— Preciso sair hoje, Giovanni… preciso de dinheiro para as minhas
despesas. — Revirou os olhos, constrangida.
Ele estreitou seus olhos, e a olhou sobre seu ombro. Não daria
dinheiro para ela. Ainda não confiava o bastante na esposa para lhe entregar
cartões de banco e tudo que ela tinha direito. Ele tinha medo de que ela fosse
embora e nunca mais voltasse.
— O motorista te levará, em relação às suas despesas, dona Rute
comprará tudo que precisa. — Sorriu sem vontade.
Ela levantou-se com o lençol cobrindo seu corpo.
— Por favor, não posso depender daquela mulher, ela me odeia. —
Bufou. — Giovanni, você está me obrigando a arrumar um emprego. Eu tenho
despesas pessoais que preciso honrar.
— Eu pagarei todas as suas despesas, diga-me o que é.
Gabriela se retraiu. Estava confusa quanto a isso. Ela queria ter seu
dinheiro e poder pagar por suas despesas.
— Eu sei que não devo cobrar para dar aulas a Madeleine, então
pedirei a madre que me deixe voltar ao colégio.
— Quanto precisa, tesoro? — Acariciou o rosto dela. — Não é
seguro voltar ao colégio. Cuide de Madeleine para mim e eu cuidarei de
você.
— Minha avó está numa casa de repouso, preciso pagá-los —
explicou, sem jeito.
Ele sorriu.
— Farei isso, peça a dona Rute para ligar para o meu assistente e
passe para ele suas despesas. — Estreitou seus olhos. — Você não deveria
me apresentar a sua avó?
Gabriela ficou tensa.
A avó escorraçaria os dois de seu quarto. E ainda por cima a
chamaria de tudo aquilo que já sabia. Não, ela não queria ser humilhada na
frente daquele homem.
— Não temos um bom relacionamento… ela não o trataria bem!
Desculpe-me.
Giovanni balançou a cabeça.
— Não temo maus-tratos! Posso ir com você na próxima visita?
— Não seria uma boa ideia — reiterou, constrangida.
Ele se aproximou.
— Não contará que se casou comigo? E que possivelmente estará
grávida muito em breve? — Encarou-a a centímetros de distância.
Gabriela sorriu com tristeza.
— Giovanni, tenho um relacionamento complicado com a minha avó.
Ele segurou-a pelo pescoço e a trouxe para seus lábios. Beijou-a
devagar e de um jeito diferente.
— Eu irei com você, quero conhecer a sua família.
— Só tenho ela.
Ele sorriu.
— Pois bem, então quero conhecê-la. — Afastou-se, seguiu para a
porta e acenou. — Boun giourno, mia strega.
Ela riu e correu até a porta.
— O que disse?
— Tenho um dicionário na biblioteca. Traduza! — Seguiu rindo para
sua suíte.

†††
A porta da biblioteca, onde Gabriela e Madeleine estudavam, foi
aberta e a governanta entrou.
— Temos um compromisso, senhora! — Segurou suas mãos a frente
do corpo, parecia um general.
Gabriela riu.
— Temos? Não sabia. — Continuou ajudando Madeleine com os
exercícios que tinha passado.
— Sr. Bennedetti pediu para levá-la a uma ginecologista. A senhora
precisa cuidar de sua saúde, afinal será mãe dos filhos dele.
Gabriela bufou.
— Não posso sair agora, eu e Made estamos no meio de nossa aula.
— Olhou para a enteada e sorriu. — Deveria ter me perguntado quando
poderia ir.
— Quer que ligue para o patrão e diga que não irá? — indagou com
seu jeito intolerável.
Gabriela bufou.
— Made, continuamos depois. — Pegou na mão da enteada e a levou
com ela. — Made irá conosco, ela precisa passear um pouco.
A garotinha sorriu animada. A mulher bufou e as seguiu pela casa.
Minutos depois, as três estavam a caminho da clínica.
Logo chegaram ao consultório, Gabriela foi atendida e examinada por
uma médica, que pediu exames mais completos sobre sua saúde.
— Ela está grávida, doutora? — perguntou dona Rute.
Gabriela estreitou seus olhos.
— Eu pedi um exame de sangue para saber se está grávida.
— Se puder, me prescreva o nome de uma pílula, para caso decida
evitar — cochichou.
— Não, doutora, sem anticoncepcionais. Primeiramente, vamos ver
como está a saúde da senhora e se está apta a dar filhos ao Sr. Bennedetti.
— A senhora é o que dela? — perguntou a médica, confusa.
— Nada, absolutamente nada. Por isso, não a ouça — retrucou
Gabriela, irritada.
— Bem, não irei prescrever anticoncepcionais sem antes saber se está
grávida. Depois que os exames estiverem prontos, você volta e conversamos.
Está bem assim? — A médica sorriu.
— Sim, claro. — Gabriela cruzou as mãos sobre o colo, estava
nervosa.
E se estivesse grávida?
Ela sentiu medo.
— Meu patrão também a está achando bastante irritada. Ele acha que
a moça tem TPM. — Estreitou os olhos. — O que dá para ser feito quanto a
isso?
— Nada! — A médica riu. — Quase toda mulher tem TPM, é difícil
mesmo. Peça para o seu patrão se acalmar e não irritá-la durante esse
período.
Gabriela vibrou. Ela tinha adorado a médica.
Trinta e Três

Conforme o tempo passava, o relacionamento de Giovanni e Gabriela


tornava-se mais intenso e íntimo.
A timidez e o constrangimento deram lugar a ousadia e desembaraço.
Gabriela se sentia livre com o italiano. Livre de um jeito como nunca havia
se sentido.
Ele a colocou ajoelhada entre suas pernas, fazendo-a sentar em seu
membro rijo e ereto.
— Isso, minha amazzone[77]. Galoppo sul mio cazzo[78]
Gabriela esqueceu as inibições e se deixou levar pela atmosfera de
prazer e sedução que o italiano a conduzia. Com ele era tudo diferente.
Intenso, selvagem e rodeado de prazeres.
Não havia mais como voltar atrás, Gabriela estava totalmente
entregue àquele homem. Na verdade, ambos estavam entregues um ao outro.
Minutos depois, o silêncio tomou conta do ambiente, com exceção do
barulho das respirações ofegantes de ambos.
— Mia donna, lei è deliziosa[79]! — Giovanni sussurrou no ouvido da
esposa.
Ela sorriu contra a pele do pescoço dele e depositou um beijo no
local.
— Entendi apenas “deliziosa”. — Riu. — Você continua me
enganando com suas frases em italiano.
— Te garanto que irá gostar do que te digo. — Beijou a testa dela.
— Espero que sim. — Sorriu. — Amanhã irei visitar a minha avó —
informou, com timidez. — Você disse que gostaria de ir, mas acho que não
vem ao caso. Eu contarei sobre nosso casamento.
— Eu irei, combinamos isso — afirmou, com os olhos cerrados.
Ela acariciou o tórax dele, pensando o quanto seria constrangedor o
encontro. No entanto, ela já conhecia um pouco o jeito do italiano e sabia que
ele não a deixaria ir sem sua companhia.
— Tudo bem, só pensei que não pudesse ir, até porque é muito
ocupado. — Beijou seu peito. Ela adorava ficar com ele. De fato, ela o
adorava, mais do que imaginou que seria capaz.
— Pra você eu sempre tenho tempo — disse, sedutor, empurro-a
contra o colchão e cobriu o corpo da mulher com o seu.

†††
O Rolls-Royce de Giovanni foi estacionado em frente a casa de
repouso onde dona Joaquina estava internada.
O italiano nunca embarcava em uma empreitada sem antes saber tudo
sobre onde estava se metendo. A visita à avó de Gabriela não foi diferente.
Ele já tinha um relatório completo sobre a velha. Uma beata fervorosa,
fanática e obcecada pela igreja. Sua meta de vida foi transformar a neta em
uma freira. O não cumprimento da sina que destinou a Gabriela, transformou-
a em alguém algoz, capaz de atos cruéis contra a própria neta.
— Pronto, mia donna! — Abriu a porta do carro, saiu e estendeu a
mão para a esposa.
— Ela é mal-educada. Possivelmente, me xingará de muitas coisas —
declarou, constrangida.
Giovanni não respondeu nada. Ele já sabia o suficiente para não
precisar questionar a esposa.
Eles seguiram por um corredor. Gabriela manteve-se calada o tempo
todo. Não parecia confortável com a situação, muito pelo contrário. De fato,
ela protelou a visita muitas vezes e buscou informações da avó apenas pelo
telefone. A jovem professora temia a avó, como temia o diabo.
Ela parou em frente a uma porta.
— É aqui — avisou.
— Va bene! — Ele sorriu e a deixou bater.
Gabriela aproximou-se, bateu e abriu a porta.
— Olá, vovó! Trouxe uma visita.
A velha não a deixou terminar a frase.
— Oh, até que enfim ela apareceu, e pelo que vejo não aprendeu a
lição, pois continua vestindo as mesmas roupas, até parece que…
Giovanni percebendo a situação, rapidamente surgiu por trás da
esposa e sorriu para a senhora.
— Com licença. — Seguiu até a cama. — Prazer, signora Joaquina,
sou Giovanni Bennedetti, marido de Gabriela.
A mulher não soube o que dizer. Ficou olhando para a mão de
Giovanni, para o anel enorme de ouro que ele tinha em seu dedo.
— O que disse? — indagou, confusa.
Ele pegou na mão de Gabriela e a trouxe para junto dele.
— Peço desculpas, nosso casamento foi inesperado. Pedi-a em
casamento em um dia e no outro já estávamos casados. A signora sabe,
quando se encontra a mulher de sua vida não se pode deixá-la escapar. —
Olhou para Gabriela e sorriu.
O italiano era um grande ator. Aquilo tudo era um teatro. Ele
precisava convencer a velha rabugenta que a neta estava bem casada e que
todo o seu passado tinha ficado para trás.
De fato, Giovanni tinha um objetivo. Ele tinha prometido a Gabriela
recuperar sua honra e dignidade, e era isso que faria. O primeiro passo foi
dado, ela era a nova Sra. Bennedetti, a esposa do empresário italiano mais
bem-sucedido do país latino. Mas ela seria muito mais que isso. Ele a
transformaria em uma dama da sociedade, sendo assim todos os que a
subestimaram iriam se arrepender do que fizeram a ela um dia.
No entanto, a velha não entendeu nada. Pensou que estivesse drogada
pelos remédios que a davam todos os dias. Gabriela casada era um insulto a
sua inteligência. Ainda mais com um homem bem-sucedido. Quem iria querer
aquela pecadora, aquela Madalena arrependida?
— Quando se casaram? — Olhou para a mão esquerda de Gabriela,
onde havia um solitário enorme com uma pedra que reluzia como um
diamante.
Giovanni respondeu de pronto, não deixando a esposa se embaralhar
com as datas.
— Por que não me contou, Gabriela? — indagou, ríspida. — Por que
escondeu de mim? Sou sua avó — esbravejou, nervosa.
— Eu… eu… — a moça gaguejou. Não havia pessoa a quem a jovem
mais temia do que aquela mulher.
Giovanni observando a situação embaraçosa, resolveu assumir a
culpa. Ele era um cavalheiro, jamais deixaria sua esposa passar por um
constrangimento.
— Signora Joaquina, mi scusi[80]. Foi minha culpa, quis fazer uma
surpresa para Gabriela, ela não sabia do nosso casamento — mentiu.
A mulher estreitou os olhos.
— Estranho. — Estreito os olhos. — Diga-me, o que o senhor faz?
Ele foi até uma cadeira e sentou. Chamou Gabriela com um olhar e a
segurou pela cintura.
— Tenho muitos negócios, signora. Compro empresas falidas e as
vendo depois. Tenho negócios imobiliários, empresas de extração de
minérios, negócios envolvendo a compra e venda de pedras preciosas, hotéis,
entre outras coisas. — Beijou a mão da esposa. — Gosto de diversificar
meus negócios. — Olhou para Gabriela e sorriu. Ele prometeu contar a ela
sobre o que fazia, de alguma forma, estava começando a fazer isso.
No entanto, Giovanni ainda estava traumatizado pelo que aconteceu
com a Patrícia. Por sua traição. O homem nunca mais confiaria em nenhuma
mulher. Mesmo que essa mulher fosse Gabriela.
— Hum, o senhor é um homem rico. E onde Gabriela o conheceu? —
Encarou-o cismada.
— Ela era a professora de minha filha, tenho uma garotinha de 5 anos.
Conheci Gabriela através dela. — Voltou a olhar intensamente para a esposa.
O casamento deles tinha um propósito maior, mas dona Joaquina não
precisava saber.
— Desquitado? — perguntou, rabugenta.
— Viúvo, espero que isso não me desmereça para ser o marido de sua
neta. — Olhou para Gabriela e sorriu. — Sua neta é muito especial para mim.
— Minha neta não é nenhuma joia rara. — Olhou-a com desdém. —
Espero que não se arrependa desse casamento e queira devolvê-la. Não a
aceitarei de volta.
Gabriela desviou o olhar e disfarçou seu mal-estar. E Giovanni teve
vontade de matar aquela mulher. Ela fazia questão de desmerecer a neta,
como se fosse um pão amanhecido, velho e bolorento.
— Para mim, ela é. — Giovanni encarou a velha. — Tenho muita
sorte de ter me casado com essa mulher meravigliosa[81]! — Segurou a mão
de Gabriela contra seus lábios e a beijou. — Ela é um diamante raro, o mais
valioso de todos.
A velha girou os olhos.
— Sei, sei. Gabriela lhe contou sobre seu passado? Sobre…
A professora a interrompeu.
— Sim, ele já sabe. — Piscou algumas vezes, nervosa. — Giovanni é
um homem muito ocupado, vovó, só viemos para falar sobre o casamento, ele
precisa voltar para sua empresa.
A mulher riu com descaso.
— Si, si, Gabriela tem razão. Preciso ir. — O italiano levantou-se
prontamente, ele estava de saco cheio daquela velha. Seguiu apressado até a
cama e estendeu sua mão novamente. — Foi um prazer conhecê-la, signora.
Dona Joaquina olhou para os dois.
— O prazer foi meu. Gabriela é uma mulher de sorte, arrumou um
belo partido, apesar do que fez.
— Eu que sou um homem de sorte, signora! — Meneou a cabeça e
seguiu para a porta. — Vamos, tesoro.
A ruiva olhou para a avó.
— Falei com as enfermeiras, me disseram que está muito bem.
Precisa de algo, vovó?
— Agora que é rica, poderia me tirar desse lugar e me levar para sua
casa.
O italiano se benzeu em pensamento. Deus o livrasse daquela cobra.
— É… talvez… — gaguejou, nervosa.
— Vamos, tesoro — repetiu Giovanni, impaciente.
Ela olhou para trás e sorriu.
— Preciso ir, vovó, fique bem, em breve venho vê-la.
— Não demore.
— Sim. — Virou-se e seguiu para onde Giovanni a esperava.
Já no corredor, Giovanni olhou para Gabriela e sorriu.
— Como me saí, tesoro?
Ela riu.
— Muito bem, você é um grande ator, Sr. Bennedetti — respondeu,
com sarcasmo.
Ele parou e segurou o rosto dela. Encarou-a seriamente e disse:
— Não atuei, falei a verdade a maior parte do tempo, especialmente
quando falei de você.
Os lindos olhos de Gabriela o encararam profundamente. O azul-
violeta deles parecia ainda mais intenso do que antes. Ela tinha um jeito de
olhar expressivo, que demonstrava toda a sua emoção.
— Obrigada. Eu adorei o que disse.
Giovanni queria lhe dizer muitas outras coisas que sentia por ela, mas
ele não podia.
— Fico feliz. — Inclinou-se e a beijou.

†††
Giovanni sentou-se com Ângelo em uma sala de reuniões. O homem
tirou uma foto de um envelope e mostrou para o italiano.
— Encontramos o cara, Sr. Bennedetti, mas ele estava morto.
O italiano cobriu seus olhos com as mãos, a única pista para
descobrirem quem entrou na escola de sua filha era o rapaz, no entanto, agora
estava morto.
— Como deixaram isso acontecer, Ângelo? — questionou, nervoso.
— Acho que temos gente infiltrada, não havia como saber que
estávamos atrás do cara.
— Giacomo? — indagou em voz alta. — Ele está nos vigiando. Che
Cazzo! — Esmurrou a mesa.
— Fique tranquilo, chefe, tenho meus meios para descobrir essas
coisas. Ele tem métodos nada honrosos para chantagear nossos homens. Ele
pega mulheres e crianças, tortura e mata, só assim consegue que eles façam o
que ele quer. Seu primo é um maldito e merecia morrer, senhor! — grunhiu,
com os dentes travados.
Ângelo tinha febre de vingança. O primo do chefe era o pior tipo de
criminoso que conhecia. Ele não merecia viver, mas para matá-lo precisava
do aval do chefe.
Sr. Bennedetti não era como seu primo, e isso era uma pena. O chefe
da segurança do italiano queria vingar as mortes de seus homens. Das
mulheres estupradas e das crianças que haviam sido aterrorizadas por aquele
monstro.
— Eu posso matá-lo, senhor, só me dê a ordem. Serei silencioso e
discreto. Ninguém saberá quem foi. Giacomo tem inimigos por todos os
lados, ninguém poderá culpá-lo.
— Mas eu saberei que desonrei a promessa que fiz ao meu tio. Não
posso. Sou um homem de palavra, Ângelo — rosnou.
— Sim, senhor. Eu o respeito muito por isso. — Abaixou a cabeça,
respeitoso. — Peço licença, senhor. Tenho que dar alguns comandos ao nosso
pessoal.
— Sim, só mais uma coisa. Quero quatro homens na segurança da
Gabriela. Um carro será de apoio e ficará à espreita. Não deixe o carro que a
levará saber que terá alguém os vigiando. Giacomo tentará se aproximar dela,
eu tenho certeza disso.
— Sua esposa pouco sai, senhor, ele não terá sucesso. Mas farei o que
pediu. — Meneou a cabeça e saiu.
Trinta e Quatro

Giacomo era o filho mais velho de Giuseppe Bianchi com Carlotta


Bennedetti. O pai de Carlotta não queria que a filha se casasse com o italiano.
Ele era pobre e não tinha berço. Mas os dois se apaixonaram e tiveram que se
casar às pressas, depois que Giuseppe levou a ragazza pra cama e fez um
filho nela. Nove meses depois, Carlotta deu à luz a Giacomo.
Mau-caráter, trapaceiro e invejoso, o bambino deu mais tristezas aos
pais do que alegrias. Todavia, era tradição que os filhos mais velhos e
homens assumissem os negócios da família. Isso não foi diferente na família
Bianchi.
Giuseppe tinha um pequeno negócio na Itália, ele não era de todo
honesto e estava envolvido com a máfia italiana. Mas o filho queria mais,
então seguiu para a América Latina, onde o primo mais velho já estava
instalado há alguns anos. O rapaz era desonesto, trapaceiro e desleal. Em
pouco tempo montou um negócio grande e lucrativo.
Giuseppe Bianchi invejava seu cunhado Salvatore. Ele queria que
Giacomo tivesse o caráter e a capacidade intelectual de Giovanni. Mas,
enfim, ele precisou se contentar com o filho idiota, afinal depois dele só
vieram meninas.
Giacomo jogou uma baforada de seu charuto na cabeça do motorista
enquanto observava através do vidro escuro de seu carro Giovanni beijando
sua linda ruiva, em frente a um restaurante.
— Farabutto! — xingou com ódio. — Ela é ainda mais linda que
Patrícia, mais jovem e poderá dar a ele muitos filhos. — Maldição! — Socou
o banco do carro.
— Calma, chefe, vamos acabar com a festa do desgraçado de seu
primo — disse o segurança que estava no banco ao lado do motorista.
— Pegaram o homem dele? — perguntou, com um sorriso
maquiavélico.
— Sim, nossos homens o levaram para o galpão, estão nos esperando.
— Moveu os lábios com sarcasmo.
— Vamos pra lá, avise nossos homens para continuarem observando a
ruiva — ordenou o italiano.
— Está difícil, chefe, ela pouco sai e quando o faz, sai uns quatro
homens a acompanham.
— Meu priminho tá cuidadoso com a sua principessa. Parece com
medo de perder mais uma esposa. — Gargalhou.
— Talvez tenha sido ele quem eliminou a loira, chefe. — O segurança
olhou para o italiano e meneou a cabeça.
— Tenho certeza de que sim. Ele descobriu que a vacca tinha planos
de matá-lo, e a mandou conhecer o inferno. — Riu diabólico. — Eu conheço
meu primo, ele é uma raposa, nada passa por seus radares. — O homem o
amaldiçoou em pensamento. — Foi uma pena, a essa hora eu estaria sentado
na cadeira do meu priminho, ajudando a zoccola [82]a comandar os negócios
dele. — Baforou o charuto novamente. — Patrícia era importante demais para
os meus planos. Foi uma perda inestimável. Che palle[83]!
— O que pretende fazer, senhor?
— Quero a ruivinha pra mim. — Deu um meio-sorriso malicioso. —
Uma ex-noviça deve ser bem gostosa de comer, não acha, Rambo? —
debochou.
O segurança torceu os lábios e olhou para a mulher com desejo.
— Ela é bem gostosa, senhor. Seria um prazer.
— Depois que me cansar, deixo você experimentar.
Os homens riram com prazer. Giacomo era um ser desprezível, imoral
e capaz de fazer atrocidades com as mulheres de seus inimigos. Entretanto,
ele precisava primeiramente matar Giovanni. Uma missão que parecia
impossível.
— Seu primo tem bom gosto, senhor, suas mulheres são lindas!
O italiano enrugou sua testa.
— Che coglione[84]! Elogie novamente o cornuto[85] que terei o maior
prazer de arrancar sua língua e depois comê-la no almoço — retrucou, com
raiva. — Vamos logo para o galpão, quero resolver logo essa merda.

†††
Quando as portas do galpão foram abertas, o carro que levava
Giacomo adentrou o local em alta velocidade. Eles mantinham aquele lugar
para desova de corpos, interrogatórios, torturas, execuções e para esconder
as mercadorias roubadas. O lugar era seguro e Giacomo sentia-se livre ali
para fazer suas maldades.
Seus homens desceram primeiramente, checaram se o local estava
seguro e, então, abriram a porta para o chefe.
O italiano arrumou seu terno, os cabelos e jogou o charuto no chão.
— Onde está o budiùlo?
— Logo à frente, Sr. Bianchi — respondeu um homem e apontou o
local.
Giacomo seguiu logo atrás dos seguranças, e riu quando viu o homem
de seu primo ensanguentado.
— Começaram sem mim, idiotas?
— Foi preciso, senhor, ele é corajoso e deu trabalho…
Giacomo desferiu um soco no estômago do homem, fazendo-o expelir
sangue pela boca.
— Esse soco é de boas-vindas ao inferno, seu frocio[86]!
O homem tossiu.
— Me matem logo, não vou trair o Sr. Bennedetti, nunca!
Giacomo socou o rosto do homem.
— Tragam-na! — gritou com ódio.
De dentro do porta-malas do carro, os homens dele tiraram uma
menina, ela devia ter no máximo 12 anos. Estava assustada e chorando.
Quando viu o pai ela gritou:
— Paiiiiiii!
O coração do segurança acelerou, ele se debateu para sair da cadeira
que estava amarrado e amaldiçoou aquele homem com todas as suas forças.
— Não toquem nela, desgraçados.
Giacomo acariciou o rosto da criança.
— Ela é linda, uma bambola! — Sorriu diabólico para a menina. —
Você gosta de virgens, Rambo?
O segurança de apelido Rambo se aproximou e mediu a garota. Ele
era um pedófilo, estuprador e violentador de mulheres.
— Não sabe o quanto, chefe.
— Ela será sua se nosso amigo aqui não colaborar. — Olhou para o
homem amarrado. — Quer sua filhinha em segurança, então vai ter que
trabalhar para o titio aqui. — Riu com sarcasmo.
— Deixem-na em paz, eu faço o que quiserem, mas não toquem nela
— suplicou o homem.
Giacomo sorriu, satisfeito.
— Levem a menina, e a deixem onde encontraram.
— Se tocarem nela o Sr. Bennedetti saberá, e ele virá atrás de
vocês…
O italiano gargalhou.
— Não tenho medo do idiota do meu primo.
— Deveria ter, Sr. Giacomo, ele é bem mais inteligente que o senhor
— retrucou, corajoso.
— Fale de novo isso e estouro sua cabeça. — Apontou a arma para a
têmpora do homem e rosnou.
— Soltem-na e a deixem em segurança. — Fechou os olhos. — Farei
o que quiserem.
Giacomo meneou a cabeça para seus homens, que pegaram a menina e
a colocaram no carro.
— Pronto, farabùtto! Agora, é sua vez de colaborar.
— O que quer saber? — indagou, com tristeza. Ele daria sua vida
pelo chefe, mas não a vida da filha. Ele seria um traidor, no entanto, somente
até conseguir deixar sua filha em segurança.
— Tudo! — O italiano baforou um novo charuto na cara do homem.
— Não sei de tudo, sou apenas um segurança. Recebo ordens e as
executo.
— Conte-me da nova esposa do chefe. — Sentou-se em frente ao
homem.
— Ela era professora da Srta. Madeleine, foi contratada para ser a
professora particular da garotinha depois que invadiram a escola. Sr.
Bennedetti decidiu se casar de novo e a pediu em casamento. Não sei de mais
nada.
— O que aconteceu com a dona Patrícia? Giovanni que derrubou o
avião para se casar com a ruiva? — Giacomo blefou. Apesar de ter certeza
de que o primo tinha mandado matar a esposa, ele precisava de uma
confirmação. Isso o ajudaria a prejudicá-lo.
— Não, ele não descobriu ainda quem fez isso. Ele acha que foi você.
— Oh, então é isso que ele está dizendo por aí. — Gargalhou o
italiano. — O farabutto mata a mulher e quer jogar a culpa em mim… é isso,
budiùlo?
O homem fechou os olhos. Todos os homens de Bennedetti sabiam que
seu primo era um maluco psicopata. Mas agora o homem tinha certeza.
— Não sei, como disse, não sou o guarda-costas dele. Ângelo é o
homem de confiança de Sr. Bennedetti. Você pegou o cara errado, não
conseguirei ajudá-lo. — Remexeu-se nervoso.
— Você me ajudará e muito. Primeiramente, você precisa se tornar um
dos seguranças particulares da nova esposa do meu primo. Quero saber todos
os passos da ruivinha.
— Você quer matá-la? — perguntou, preocupado.
— Não, claro que não. Não mato mulheres. — Riu. — Gosto de
comê-las. Uma ex-noviça deve ter um gosto diferente. Talvez Giovanni esteja
cansado de comer donna alegra.[87]
— O que quer, Sr. Giacomo? Por que não deixa a família Bennedetti
em paz — rosnou, furioso.
O italiano pegou na garganta do homem e a pressionou, até que o
segurança ficasse sem ar.
— Quero tudo que é dele. Quero destruí-lo — soltou, colérico.
— Sr. Bennedetti é mais protegido que o presidente dos Estados
Unidos. Esqueça isso, Sr. Giacomo.
O italiano sorriu com sarcasmo.
— Eu tenho um plano, idiota. Patrícia Bennedetti iria executá-lo para
mim, mas, enfim, a bella donna foi morta tragicamente antes que pudesse
eliminar seu marito. Mas, tudo bem, planos não me faltam. — Virou-se e
começou a caminhar em direção ao carro. — Você ficará com um celular da
organização, iremos monitorá-lo dia e noite. Quando receber uma ligação
nossa, siga as instruções. Se falhar, pegaremos sua filha. — Entrou no carro.
— Arrivederci[88].
Trinta e Cinco

Gabriela olhou o sangue em sua calcinha e fechou os olhos. Ela nunca


imaginaria que um dia desejasse engravidar, até conhecer aquele homem. Por
Giovanni Bennedetti ela havia mudado, largado seus antigos valores e
assumido uma nova vida. Ela queria dar um filho a ele. Seu tão esperado
herdeiro.
Mas não era por amor e sim por gratidão. Ele devolveu a ela a
dignidade e o respeito da avó. Ela precisava dar a ele um filho.
Uma lágrima rolou de seus olhos.
Gabriela pegou o protocolo dos exames e titubeou. Ela estava há dias
postergando a visita ao site, por medo de saber o resultado. Mas agora não
havia mais necessidade de olhar o resultado do exame de sangue. Ela não
estava grávida. Amassou o papel e o jogou no lixo.
A moça seguiu para o banheiro e se trocou, olhou-se no espelho e
respirou fundo.
— Ele entenderá — disse para si mesma.
A ruiva deixou seu quarto e seguiu em direção à sala de jantar. No
caminho, pôde ouvir as vozes de Giovanni e Madeleine. Eles conversavam
animados, riam e pareciam tão felizes.
— Boa noite! — ela disse ao entrar na sala.
O italiano a olhou e sorriu.
— Boa noite, tesoro. — Ele estendeu sua mão. — Demorou a descer,
eu e Made estamos morrendo de fome.
— Desculpem. — Olhou para Madeleine e sorriu. — Onde estão seus
pais?
— Tinham um compromisso, com um casal de italianos que moram na
cidade.
— Tudo bem. Ouvi os risos de vocês lá das escadas. O que
conversavam?
— Made me contou que Lúcifer colocou a governanta para correr.
Gabriela cobriu os lábios e riu.
— Ela quis colocá-lo para fora, foi culpa dela.
Gabriela ouviu patinhas no chão, olhou em direção à porta e viu
Lúcifer abanando seu rabo.
— Vem, bebê, fique aqui ao meu lado.
Giovanni fez uma careta. Ele gostava de cachorros, mas Gabriela era
um pouco exagerada.
— Gabriela, é hora do jantar. Odeio comer com esse bicho olhando
para mim.
A moça acariciou a cabeça do cão e sorriu.
— Ele gosta de você, por isso fica te olhando — ironizou. — Sente-
se, bebê.
O homem revirou os olhos.
— Bebê? Você sabe qual o nome dele? Lú-ci-fer — ponderou,
vagarosamente.
— Nós trocamos o nome dele, pappa. Agora é Lulu. — Madeleine
olhou para o cachorro. — Né, Lulu, meu bonitinho.
O cão abriu a boca, animado. No seu jeito animalesco de sorrir.
Os funcionários entraram na sala de jantar com as travessas. Logo
estavam jantando.
— Como foi seu dia, tesoro? — perguntou o italiano, carinhoso.
Ela lembrou-se de que precisava contar a ele sobre sua menstruação.
Ele estava ansioso pelo resultado do exame de sangue. Não era justo protelar
a notícia.
— Bem, estou um pouco indisposta hoje… — Apertou o guardanapo.
— Minhas regras… desceram… — cochichou.
Ele estreitou os olhos.
— Regras?
— Estou menstruada — murmurou. — Tenho cólicas neste período.
Fico indisposta.
O sorriso do italiano se desfez, e Gabriela sentiu a decepção em seu
olhar.
— Tudo bem, às vezes demora um pouco para a mulher engravidar —
disfarçou.
Ela baixou a cabeça.
— Sim. Não entendo muito, mas deve ser.
— Precisarei sair depois do jantar, tesoro. Tenho um compromisso,
com um cliente — declarou, desconfortável, levando a moça a crer que ele
estava mentindo.
Gabriela olhou-o por sobre os cílios.
Será que ele procurava por outras mulheres?
A ruiva sentiu um aperto em seu coração.
Definitivamente, eles não tinham um casamento normal. Eles
continuavam a dormir em quartos separados. Nem sempre Giovanni vinha
deitar-se com ela. Parecia querer evitá-la ao máximo. Parecia manter uma
distância segura entre eles.
No entanto, quando estavam juntos, sozinhos, era sempre maravilhoso.
Ele não era distante quando faziam amor ou quando a beijava. Ele era
perfeito.
A jovem respirou fundo.
— Tudo bem.
Ele a olhou por sobre os cílios e fingiu sorrir.
Gabriela teve certeza, ele estava mentindo para ela.

†††
Todas as quartas-feiras Gabriela tirava o período da tarde para visitar
sua avó.
Por causa do humor inconstante da velha, a jovem preferiu ir sozinha,
deixando Madeleine com a sua babá.
Naquele dia não foi diferente.
O motorista estacionou em frente ao local, o segurança que a
acompanhava desceu do carro e verificou seu arredor, logo em seguida abriu
a porta para a moça e acenou para o carro que os seguia.
— Esperarei pela senhora aqui.
Gabriela enrugou a testa.
— Pensei que iria me acompanhar, como sempre!
O segurança pigarreou.
— O lugar é seguro, senhora, mas se tiver algum problema, me ligue.
Irei imediatamente.
— Está tudo bem. — Sorriu. — Só estranhei, pois você nunca sai do
meu lado.
— Quer que vá com a senhora? Se sente melhor com minha presença?
— indagou, com preocupação
— Não, não tenho medo de andar sozinha. Nem sei por que tenho que
andar com todos vocês. — Sorriu sem graça e seguiu para o prédio.
A jovem professora não entendia o porquê de tantos homens com ela.
Afinal, não era importante o bastante para aquilo. Uma barriga de aluguel não
merecia tantos cuidados, principalmente quando ainda nem estava grávida.
De repente, ela se sentiu deprimida. Talvez, porque não tinha
conseguido engravidar. Ou em razão de ver o marido saindo todos os dias e
também porque percebia que estava sendo ignorada.
Gabriela entrou no local e caminhou de cabeça baixa pelo corredor.
Sua mente estava inquieta. Muitas dúvidas rondavam seus pensamentos, entre
elas, se Giovanni desistiria dela se não conseguisse engravidar.
Ela ouviu passos e viu um homem vindo em sua direção.
— Desculpe, seu rosto não me é estranho — ele afirmou, com
simpatia.
Gabriela vasculhou sua mente e se lembrou do primo do marido. Sim,
ele era o homem que Giovanni esmurrou na igreja.
Ela sorriu pouco a vontade.
— Sou Gabriela, a… es-po-sa… — falou sem muita confiança — , de
seu primo, Giovanni.
— Oh, sim, claro. Como pude esquecer. — Estendeu sua mão. —
Giovanni estava um pouco nervoso aquele dia, teve uma reação
inesperada…, mas não levei muito a sério. Giovanni sempre foi nervosinho.
— Sorriu. — Giacomo Bianchi, acho que não me apresentei apropriadamente
a você.
Gabriela apertou sua mão e o olhou com atenção. Ele era um homem
bonito, no entanto, não chegava aos pés de Giovanni. Era mais magro, baixo e
tinha uma expressão estranha, algo que não conseguia decifrar.
— Vim visitar minha avó — disse, incomodada. — Estou em cima da
hora da visita.
— Oh, sim, eu também, tenho um parente próximo internado nesta
clínica… vim visitá-lo, também.
A jovem olhou-o curiosa. Aquele lugar era simples demais. A não ser
que o primo de Giovanni fosse pobre como ela.
— Oh, que bom. — Olhou para o corredor, apressada. — Preciso ir,
foi um prazer…
Ele a interrompeu.
— Gostaria de tomar um café comigo? Acho que ficou com uma
imagem ruim de mim, gostaria de desfazer isso.
Ela remexeu os lábios, nervosa.
— Um café? — repetiu.
— Sim, um café, tem uma cafeteria no final do corredor.
— Não posso demorar, acabei de chegar — explicou, nervosa.
— Cinco minutos, prometo.
Ela sorriu e o seguiu pelo corredor.
— Fiquei feliz em saber que meu primo se casou novamente. Ele é um
cara difícil, mas desejo que seja feliz.
Gabriela moveu os lábios sem vontade.
Eles sentaram-se a uma mesa e o homem pediu dois cafés.
— Meu primo tem bom gosto, você é uma mulher muito bonita —
disse, em tom galanteador.
A moça bebericou o café e não respondeu ao elogio.
— Ainda estou chocado com a morte de Patrícia.
Gabriela voltou a olhá-lo.
— Ela era uma mulher maravilhosa. Desculpe, não deveria falar
sobre isso com você.
A jovem meneou a cabeça negativamente.
— Não, pode falar. Todos na mansão falam muito dela.
— Não quero deixá-la constrangida…, mas é que eu conhecia a
Patrícia e fiquei muito triste com sua morte.
— Foi uma tragédia, eu sinto muito por Madeleine — comentou
Gabriela, desconfortável.
— Sim, pobrezinha. Mas muitos dizem que não foi uma tragédia,
talvez o acidente tenha sido provocado.
Gabriela levantou seus olhos e o olhou com atenção.
— Provocado?
— Sim, porém, esse assunto é complicado, pois envolve seu marido.
— Balançou a cabeça. — Não quero assustá-la.
Ela colocou a xícara no pires e o encarou.
— Do que o senhor está falando?
Ele a encarou intensamente.
— Por que se casou com o Giovanni, Gabriela, não me parece o tipo
de mulher que se envolve com um tipo de homem como meu primo?
Ela se remexeu incomodada. De fato, Gabriela não sabia nada sobre o
marido. Ele disse a sua avó sobre seus negócios, mas nunca disse nada a ela.
— Que tipo de mulher o senhor acha que sou? — questionou,
embaraçada com a conversa.
— Do tipo que merece ter um homem que a ame, a respeite, enfim. —
Acariciou sua mão. — Meu primo é um homem frio e calculista. Eu conhecia
bem a Patrícia. Ela estava muito infeliz nos últimos tempos, pois não
conseguia engravidar e Giovanni queria muito ter filhos, então… — Ele
bufou, fechou os olhos, e voltou a olhá-la. — Dizem que foi Giovanni que
explodiu o avião.
A jovem mulher arregalou os olhos, incrédula.
— Ele não faria isso — ela afirmou. — Ele a amava.
Talvez, ainda ame. Pensou com amargura.
— Giovanni faria, claro que faria. Ele é um cara inescrupuloso, você
não tem ideia com quem se casou. Ele já tentou me matar diversas vezes.
Gabriela prendeu o ar. Aquele homem a estava assustando.
— Oh, senhor Giacomo, eu realmente preciso ir. — Levantou-se.
— Desculpe se te assustei. — Levantou-se junto com ela. — Sou um
homem do bem, Gabriela, se puder te ajudar em algo, ficarei honrado.
— Não, está tudo bem, obrigada por se preocupar comigo. — Tentou
se afastar, mas ele segurou seu braço.
— Fique com meu telefone, se precisar de alguma coisa… —
Entregou para ela um cartão. — Qualquer coisa, me ligue. Sinto muito, você
me parece uma mulher tão especial. — Ele a olhou intensamente.
— Eu te ligo se precisar de ajuda, Sr. Giacomo — retrucou,
perturbada.
— Giovanni é um cara perigoso. Se precisar de proteção, me ligue.
Se resolver deixar o Giovanni, te darei apoio, um lugar para ficar, enfim… eu
realmente estou preocupado com você. Eu conheço meu primo e sei do que
ele é capaz.
O coração de Gabriela acelerou. Ele estava deixando-a com medo.
— Obrigada… eu… bem… preciso ir.
— Sim, claro. Foi um prazer te conhecer. — Meneou a cabeça e saiu.
Gabriela sentiu uma tontura. Sentou-se e cobriu os olhos com a mão.
— Oh, meu Deus, não posso acreditar que fiz tudo errado de novo.
Que escolhi o homem errado. E que tudo que vivi com ele foi uma grande
mentira.
De repente, ela sentiu seu estômago embrulhar. A moça levantou-se
apressada e correu para um banheiro, inclinou-se e devolveu tudo que tinha
no estômago.
— Fique calma — disse para si mesma. — Respire, Gabriela.
Ela estava nervosa, quando isso acontecia sua pressão caía e se sentia
mal.
Sim, era isso. Ela só precisava se acalmar.
Trinta e Seis

Salvatore Bennedetti desceu do táxi e olhou para a fachada do restaurante


italiano onde havia marcado um encontro com a ex-amante do filho. Tempos
atrás, Giovanni tinha a mulher como advogada de seus negócios. O homem
queria arrancar algumas informações da bela moça, já que o filho mantinha
seus negócios longe dos olhos do pai.
— Sto aspettando la signorina Heloísa Valente. Ha prenotato un
[89]
tavolo. — Salvatore informou a recepcionista.
A moça sorriu e o levou até onde uma mulher alta e morena aguardava
pelo homem.
Ela sorriu ao vê-lo, levantou-se e o cumprimentou em italiano.
— Que prazer vê-lo, Sr. Bennedetti.
— O prazer é meu — respondeu galanteador.
Ambos sentaram-se e olharam simultaneamente um para o outro.
— Como estão as coisas, Sr. Bennedetti? Há quanto tempo não nos
vemos, não é mesmo?
— Sim, sim. Faz muito tempo — O homem sorriu, chamou o garçom e
pediu um vinho. — Tem visto, Giovanni? — perguntou, interessado.
— Menos do que queria. Não sei se sabe, mas não trabalho mais para
ele há muito tempo.
— Não sabia. — Olhou-a surpreso. — Giovanni não me fala muito de
seus negócios. Você o conhece bem, meu filho não gosta que dê palpite em
seus assuntos.
Ela sorriu fraco.
— Sim, seu filho tem uma personalidade forte. Faz alguns anos que
Giovanni vem legalizando seus negócios, Sr. Bennedetti. Foi um movimento
lento, no entanto, atualmente quase tudo que faz é legalizado. Ele escolheu
uma equipe de advogados de primeira linha para apoiá-lo, e esses juristas
mantêm todas as suas atividades dentro das leis. Enfim, não sirvo mais para
as atividades de seu filho no país, afinal minha forma de atuação é outra.
O homem enrugou sua testa.
— Está me dizendo que meu filho agora é um empresário honesto?
A mulher gargalhou.
— Não vamos exagerar. Contudo, agora ele está amparado nas leis. E
pelo que sei, Giovanni nunca mais teve nenhuma ordem de prisão contra ele.
Seja pelo governo ou por clientes. Ele é uma raposa muito esperta, ninguém
consegue pegá-lo. — Sorriu.
O homem remexeu o líquido na taça e ficou pensativo.
— Você sabe, Heloísa… os verdadeiros negócios de Giovanni estão
na Sicília. Ele será meu sucessor na organização, me preocupa o apego dele a
sua empresa aqui no Brasil.
— A Bennedetti & Co. é o grande orgulho de seu filho. Vou ser muito
sincera, Sr. Bennedetti. Ele não tem interesse na sua organização. Giovanni
mudou desde que sua filha nasceu. A mudança de foco nos negócios teve
como objetivo trazer segurança para sua família. Uma pena que Patrícia era
uma vadia interesseira, pois ele sempre pensou nela e em Madeleine.
— Eu sei. — Sorriu fraco. — Foi por isso que te liguei. Preciso de
sua ajuda, Heloísa.
Ela sorriu animada.
— O que posso fazer pelo senhor?
— Preciso acabar com o casamento de Giovanni e levá-lo de volta à
Itália. A prima dele o está esperando, faremos um casamento entre nossas
famílias. Uniremos forças e teremos o nome Bennedetti preservado. A mulher
que ele escolheu não serve para o futuro que tracei para ele. E o meu filho
está cometendo os mesmos erros do passado.
A moça riu.
— Não gostou de sua nova nora, Sr. Salvatore? Ouvi dizer que é tão
doce — debochou.
Ele bufou pelo nariz.
— Meu filho é um imbecil, está caidinho pela professora. —
Balançou as mãos, irritado. — Ele não pode se apaixonar pela moça.
— O que quer que faça? — Olhou-o intensamente.
— Convide-o para sair, leve-o para cama e destrua seu casamento. —
O italiano segurou as mãos da moça. — Eu lhe compensarei por isso. Você
está convidada para trabalhar em nossa organização. Gosto muito de você,
Heloísa. — Sorriu. — E faço gosto que continue como amante do meu filho.
Um homem de respeito não pode ter uma única mulher.
Heloísa riu satisfeita. Tudo que ela queria era retomar seu caso com o
italiano.
— Terei o maior prazer em ajudá-lo. Principalmente, se o pagamento
for seu filho. — Sorriu.
O velho pegou sua taça e a levantou.
— Estamos combinados. — Brindou com a moça e sorriu. — Ao
futuro.

†††
Não era comum ver um Bennedetti visitar a organização de Giacomo
Bianchi. No entanto, Salvatore Bennedetti tinha passagem livre. Ele era o tio
de Giacomo. E apesar do ódio que o italiano tinha pelo primo Giovanni, ele
gostava do tio.
— Tio Salvatore, que prazer recebê-lo em minha humilde empresa.
Salvatore o abraçou e beijou. Era costume dos italianos tais
cumprimentos.
— Como está, filho? — indagou o homem, fazendo o italiano voltar
ao passado, quando ainda era criança. Giacomo sempre desejou ser o filho de
Salvatore e não de Giuseppe. Giuseppe era pobre e fraco, enquanto o tio era
poderoso e forte.
— Bem, muito bem. Trabalhando muito — respondeu, com sarcasmo.
— Sente-se, quer um café ou um uísque?
— Estou velho, traga-me um chá! — Gargalhou.
Passados os primeiros momentos, os dois sentaram-se e se olharam
constrangidos. Não era comum o tio visitá-lo. E isso trouxe desconforto para
Giacomo.
— Em que posso ajudá-lo, tio!
— Você sabe que o tenho como um filho.
— Sei, tio Salvatore, o senhor me ajudou muito — disse, com
humildade.
— Eu sei que você e Giovanni não se dão bem, mas quero reiterar o
acordo que fizemos há muitos anos.
— Giovanni está vivo, tio, isso quer dizer que eu estou respeitando
nosso acordo. — Bebeu um gole de uísque, contrariado com o rumo da
conversa.
— O que aconteceu entre você e Patrícia não poderá se repetir —
disse o homem, num tom duro e assertivo.
— O senhor está enganado. Não fiz nada contra seu filho. Patrícia me
pediu ajuda para acabar com ele, e não o contrário. Neguei-me a ajudá-la, no
entanto, a vadia me pediu contatos na Europa, e eu passei. Isso não quer dizer
que eu tenha culpa da puta ter um plano para matar Giovanni.
— Você se juntou a ela para destruir Giovanni… não sou idiota,
Giacomo! — Bateu na mesa. — Se souber que está envolvido em algum plano
para matar meu filho, eu destruo você e sua organização. Entregarei você para
a máfia e eles te decapitarão em praça pública. A máfia não gosta de caras
como você. Está me entendendo, Giacomo? — Estreitou seus olhos,
perigosamente.
— Entendi, tio Salvatore. — Sorriu malicioso. — Mas e se o seu
filho tiver um plano para me matar, e eu tiver que me defender, como faço
neste caso?
— Nesse caso você me liga que resolvo a questão. Afaste-se da
minha família, Giacomo. Quero cumprir com a promessa que fiz a minha irmã
de não matá-lo. Contudo, não mexa com Giovanni e Madeleine.
— Fique tranquilo. Seu filho sabe se defender, tio. — Riu debochado.
— Ele não é nenhum menino. Giovanni tem uma bela organização aqui no
Brasil, ninguém mexe com ele. — Tamborilou os dedos na mesa. — Sou grato
por sua visita, tio. Entretanto, tenho muitas coisas a fazer.
Salvatore levantou-se.
— Não pretendia me demorar. Beatrice está me esperando em casa.
Estou passando uns tempos com meu filho.
— Isso é ótimo, tio. Vá nos visitar, Kiara gosta muito do senhor.
Assim, aproveita e conhece meus meninos.
— Quantos filhos tem, Giacomo? — perguntou, curioso.
— Cinco meninos — falou, orgulhoso. — Pretendo ter mais, Kiara
está grávida. — Sorriu satisfeito. — Giovanni está meio atrasado, não é
mesmo, tio. Poxa, é uma pena, não é mesmo? Sinto muito pelo meu primo.
Nenhum menino para levar adiante seu legado.
— Não sinta, Giacomo. Meu Giovanni ainda terá muitos filhos… Ele
se casará com Antonella.
— Com Antonella, e a ruiva? — Estreitou os olhos, debochado.
— A professora não serve para meu filho. Em breve Giovanni voltará
para a Sicília, se casará com Antonella e assumirá a nossa organização.
Giacomo levantou as sobrancelhas.
— Qual o problema com a ruiva, Giovanni não gostou dela?
— Nenhum problema, eu que não a acho boa o bastante para meu
filho. Mas esse é um assunto de família. — Meneou a cabeça. — Adeus,
Giacomo.
— Adeus, tio. Mande lembranças minhas a Giovanni.
Trinta e Sete

Giovanni estava sentado no bar já fazia algum tempo quando viu a linda
mulher adentrar o lugar. Ele se remexeu nervoso, olhou para sua aliança e a
girou em seu dedo.
Ele tentou se lembrar de que seu casamento com a ruiva era apenas de
conveniência, não era um romance de verdade. Era preciso se conscientizar
disso, caso não quisesse estragar os seus planos.
A morena sentou-se e sorriu.
— Obrigada por ter aceitado meu convite — disse, com um olhar
lânguido.
Ele sorriu.
— Queria relaxar um pouco, você sempre foi uma boa companhia —
retrucou, sedutor.
— Se gosta da minha companhia por que se casou com aquela mulher,
Giovanni? Conhecemo-nos há tanto tempo, seria tudo mais fácil comigo.
— Não daria certo, você não aceitaria as condições que impus a ela.
— Bebeu um gole de seu uísque. — Você é advogada, lembra-se? — Sorriu
sem vontade.
— E quais foram as condições em que se casou com a professora? —
Virou seu pescoço de lado.
— Ela não tem direito a nada que é meu, se quiser se separar de mim,
sairá tão pobre quanto entrou. Se quiser me matar para ficar com o meu
dinheiro, ficará decepcionada.
— Bem, eu sou rica, não preciso de seu dinheiro — Pegou a bebida
do homem e a bebeu vagarosamente. — O que mais colocou no contrato
nupcial de vocês.
Giovanni não queria falar sobre aquele assunto, mas Heloísa era mais
que uma amante, era uma grande amiga. Eles se conheciam há muito tempo.
Heloísa o ajudou a aprender a língua estrangeira e foi sua advogada. Durante
este período, a moça o ajudou a camuflar seus negócios ilegais e muitas vezes
impediu que fosse preso. Mas o tempo passou e o italiano mudou seu jeito de
trabalhar. No entanto, a amizade entre eles continuou, assim como o sexo
casual.
— O filho que ela tiver será meu… se ela quiser me deixar, terá que
desistir de seu filho.
— Que possessivo, meu italiano lindo! — Olhou-o intensamente. —
Me conte um pouco mais de suas maldades com a professorinha idiota. —
Pegou a mão dele e a entrelaçou a sua. — Adoro seu lado cruel, sabia?
Ele se sentiu culpado. Disfarçou e tirou sua mão da dela.
— O que quer, Heloísa? Por que me convidou para sair? — Deu um
gole longo em sua bebida.
— Quero saber como está? Como está seu casamento. E se ela já está
grávida? — Olhou-o de lado. — Eu me preocupo com você.
Giovanni olhou para a mulher através de seus cílios, e lembrou-se da
notícia que Gabriela deu no horário do jantar.
— Estou bem, meu casamento também, mas ela ainda não está
grávida. — Remexeu a bebida, desesperançado. Ele queria tanto que
Gabriela estivesse grávida.
— Giovanni, eu acho que cometeu um engano ao se casar com essa
mulher. — Passou sua perna por entre as pernas do homem. — Largue aquela
idiota e fique comigo. Somos iguais, Giovanni.
— Não, não me separarei da Gabriela. Se for este o motivo que me
ligou, perdeu seu tempo. — Levantou o copo e pediu uma nova dose de
uísque.
O italiano respirou profundamente. Ele não sabia o que estava
havendo com ele. Mas toda sua objetividade tinha ido pelo ralo desde que
conheceu Gabriela.
Talvez se estivesse mais lúcido, desistiria de seu casamento e ficaria
com a Heloísa. Contudo, Giovanni sentia-se como se estivesse drogado. Ele
sabia como funcionavam as drogas. Elas viciavam, tornavam a pessoa
dependente, e, por fim, destruíam-na. Gabriela era uma espécie de droga.
Quanto mais ficava com ela, mas viciado se sentia. O italiano concluira que
precisava se afastar da ruiva. Ficar um tempo longe dela. Se relacionar com
outras mulheres.
Já fazia alguns dias que estava tentando fazer isso. Ele saía sem
destino, ia a bares, boates e clubes para homens. Passava a noite bebendo e
depois voltava para casa embriagado.
Decerto, Heloísa o ajudasse a colocar as ideias em ordem. Se
relacionar com outra mulher poderia lhe dar alguma lucidez.
Sim, ele tinha certeza de que uma trepada com a linda morena seria
bom para seu casamento. Afinal, eles não tinham um casamento por amor, mas
sim por conveniência. Ela lhe daria um filho, e ele, estabilidade, uma família,
proteção e segurança.
Isso era tão simples, mas por que não estava funcionando entre
eles?
Giovanni virou o copo de uísque, e levantou-se.
— Podemos ir para sua casa? — perguntou, decidido.
A mulher levantou-se e sorriu.
— Gosto desse italiano, não daquele relutante e moralista.
Giovanni colocou uma nota sobre a mesa, pegou a mão da mulher e
seguiu para onde estava seu carro.

†††
Ângelo olhou para trás e estreitou os olhos para a mulher ao lado do
chefe.
— Para onde, senhor?
— Diga seu endereço, Heloísa — ordenou, nervoso.
A morena disse o endereço, sentou-se de lado e acariciou os cabelos
do italiano.
— Você está tenso, amore mio. — Massageou o pescoço do homem,
sensualmente.
— Meu dia não foi dos melhores. — Inclinou-se em direção a um bar
disposto dentro do carro, pegou uma garrafa de uísque e um copo. Encheu-o e
tomou um gole.
— O que houve, desabafe comigo, como nos velhos tempos? —
Inclinou-se sobre ele e beijou seu pescoço. — Hum, adoro seu perfume,
sabia?
Giovanni se remexeu desconfortável. Pegou o copo e deu um novo
gole na bebida.
Ela esfregou seus seios no braço dele.
— Olha como eles estão, Gio! — gemeu no ouvido dele.
Ele fechou os olhos e tentou ser o garanhão que já tinha sido um dia.
Entretanto, a única coisa que surgiu em sua mente foi sua donna.
— Gabriela — ele sussurrou, a bebida começava a fazer efeito.
A mulher parou com as carícias.
— O que disse?
Giovanni balançou a cabeça, confuso.
— Nada.
Heloísa voltou a acariciá-lo. E o italiano tentou se concentrar no que
a mulher fazia, nos beijos em seu pescoço, nas mãos que acariciavam seu
corpo, mas seu pau se negava a reagir.
Ele a afastou e tomou mais um gole de uísque.
— O que você tem? — perguntou, irritada.
— Nada, já disse — repetiu, nervoso.
A morena segurou seu membro e tentou excitá-lo, mas nada aconteceu.
Giovanni estava ali, mas seus pensamentos estavam em sua ruiva.
— Me beije, Giovanni — sussurrou em seu ouvido. A linda mulher
não se conformava com a falta de apetite do italiano por ela.
Giovanni tentou, ele queria acabar logo com isso. Mas a mulher não o
excitava.
Ele se afastou frustrado.
— O que há com você, Giovanni? — repetiu.
— Estou cansado, é isso. Vamos marcar outro dia.
— Vamos para minha casa, eu farei uma massagem relaxante em você.
Ele olhou em seu Rolex. Ele precisava voltar para casa.
— Eu preciso ir, Heloísa… fica para outro dia.
A morena olhou-o perplexa.
— Não iríamos para minha casa? — perguntou, indignada.
— Outro dia.
O motorista estacionou o carro. Foi até a porta da mulher e a abriu.
— Obrigado pela companhia, Heloísa… eu ligo para você.
Ela arrumou sua roupa e desceu frustrada.
O motorista fechou a porta e voltou para o piloto.
— Fico feliz que não tenha ido adiante, senhor. Dona Gabriela não
merece isso.
O italiano o encarou indignado.
— Não me encha, cazzo!

†††
Em frente ao quarto da Gabriela, o cão enorme e mau dormia feito um
poodle. Ele se concentrou para não acordá-lo, abriu a porta e quase
desmoronou no meio do quarto.
Cazzo! Por que tinha bebido tanto?
Com muito sacrifício conseguiu chegar até a cama, e se esparramou
nela.
O cheiro de sua ruiva invadiu seus sentidos. Ele se aproximou e a
abraçou.
— Cheguei, tesoro! — Esfregou seu nariz no pescoço da esposa. Ele
adorava o cheiro delicado dela.
Gabriela era diferente de todas as mulheres. Diferente e melhor que
todas.
— Estou com saudades, tesoro! — Sentiu seu membro endurecer em
contato com as curvas deliciosas de sua esposa.
Ela acendeu a luminária e olhou para ele. Giovanni cobriu os olhos,
incomodado.
— Que cheiro é esse? — Enrugou a testa.
— Uísque, bebi algumas doses — respondeu, contrariado.
— Não, é um cheiro doce. — Sentou-se na cama.
— Cheiro de uísque, uísque é meio doce. — Beijou o pescoço dela,
acariciou suas pernas e tentou levantar sua camisola, mas Gabriela levantou-
se, foi até o interruptor e acendeu a luz.
Giovanni fechou os olhos e bufou.
Que porra, por que não podiam ter uma noite de sexo e pronto?
— O que é isso em seu pescoço? — A voz dela saiu esganiçada.
O homem girou seus olhos. Estava levemente bêbado e com nenhum
saco para discussões.
— Não sei, tesoro, que cazzo! — Bufou. — Estamos há dias sem
transar e você tá preocupada com o que tenho no pescoço!
Ela se aproximou e puxou sua camisa.
— É marca de batom, Sr. Bennedetti. A mulher que estava não foi
muito discreta, ela encheu sua camisa de marcas de batom… saia daqui! —
Afastou-se bruscamente. — Saia daqui! — gritou.
Ele puxou a camisa para ver a maldição do batom.
Maldita, Heloísa!
— Eu não estava com ninguém, mas a cliente me abraçou para se
despedir e deve ter encostado seus lábios em minha camisa. — Torceu os
lábios, crente de que ela não acreditaria e foi isso que aconteceu.
— Mentiroso! — berrou com a voz embargada. — É isso que faz
todas as noites?
— Gabriela, não, não é o que está pensando… eu saio para beber. —
Aproximou-se e tentou abraçá-la, mas Gabriela empurrou-o com raiva.
— Você não vai mais tocar em mim — disse aos prantos. — Ouviu!
— gritou.
— Pare, Gabriela! — disse, nervoso. — Eu não estava te traindo.
A porta do quarto foi aberta e o pai do italiano apareceu no quarto.
— Cosa succede qui[90]?
Ele já estava de saco cheio do pai.
Por que o pai não voltava para a Sicília e o deixava viver sua vida?
— Niente, papà, per favore vattene[91]. — O italiano foi até a porta e
a fechou na cara do pai.
Ele voltou a olhar para Gabriela, ela estava transtornada. Ele respirou
fundo e tentou espantar o efeito da bebida em sua cabeça.
— Não estava com outra mulher, não do jeito que está pensando. Ela é
uma amiga de longa data, já tivemos negócios juntos — começou a explicar,
mas parou.
Que merda estava fazendo? Ela nunca entenderia seu
relacionamento com Heloísa. Muitos menos seus negócios com ela.
— Saia do meu quarto. — Passou por ele e seguiu para o banheiro. O
italiano foi atrás, segurou a porta e não a deixou fechá-la.
— Não transei com ninguém, Gabriela! Ouça-me! — exclamou,
nervoso. — Desde que nos casamos tenho sido fiel a você.
Ela apoiou as mãos na pia e respirou ofegante. Estava muito nervosa.
Ele não queria vê-la assim e muito menos magoá-la.
— Eu juro, pela saúde da minha filha. — Aproximou-se e acariciou
seu braço. — Scusa mi, tesoro. — Beijou os cabelos da moça. — Sono uno
stronzo[92]. — Passeou seu nariz pelos ombros dela, cheirando e beijando sua
pele.
A bebida o deixava emotivo, mole e amoroso. Ele não devia ter
bebido.
Gabriela virou-se e o encarou.
— Tire essa camisa, não estou suportando o cheiro desse perfume.
Giovanni desabotoou a camisa apressado e a jogou no cesto de roupas
sujas.
— No lixo — ela disse entredentes.
O italiano obedeceu. Ele nunca tinha visto sua ruiva tão brava e
mandona.
— Pronto, vamos esquecer isso. — Voltou a se aproximar dela e
começou a distribuir beijos pelos seus lábios, rosto e pescoço. — Faça amor
comigo, tesoro! — sussurrou em seu ouvido.
— Não podemos. Estou sangrando.
— Eu não me importo… ho bisogno di te[93]. — Beijou-a com
urgência, mas Gabriela empurrou-o, virou seu rosto e tentou sair de seus
braços, no entanto, Giovanni não desistiu. Ele nunca desistiria dela. Ele nunca
a perderia. Ela sempre seria dele. — Per favore, Gabriela. — Segurou seu
rosto, forçou seus lábios contra os dela e finalmente a ruiva deixou a língua
do italiano adentrar sua boca. E ele sentiu a maciez de sua língua, o quente de
sua boca e a delícia que eram seus lábios.
Ele a beijou com paixão, pois era isso que sentia por aquela mulher.
Ele estava embriagado de paixão por ela.
Giovanni puxou a camisola da mulher e abocanhou seus seios. Ele
adorava sugar os mamilos rosados dela.
— Oh, Giovanni! — murmurou a mulher em meio aos beijos quentes,
intensos e apressados do italiano.
— Mia donna! — exclamou com paixão. — Voglio scoparti[94], mia
donna!
Enroscou os dedos na calcinha da esposa e a desceu. Pegou-a no colo
e a pressionou contra a parede.
— Scusa, mi tesoro! Nunca mais acontecerá isso… io sono il tuo,
mia adorata. [95]— Voltou a beijá-la, desceu suas calças e a penetrou de uma
vez, fazendo-a gemer alto. — Oh, la mia rossa sexy[96]! — Moveu seu
membro com força dentro dela.
— Ahhh, Giovanni. — Gabriela tentou se controlar, mas o italiano
fazia amor de um jeito intenso demais. Ele causava uma explosão de
sensações na mulher.
— Gabriela. — Chamou-a com o corpo incendiado pela paixão.
Segurou os quadris da mulher e a fodeu com desespero, querendo senti-la por
inteiro, como se pudessem se tornar um só. Giovanni poderia ter a mulher que
quisesse. Mas apenas aquela ruiva o levava à loucura.
— Sto venendo[97], mia donna! — ele gemeu alto e um som gutural
saiu de sua garganta.
Os dois ficaram abraçados, silenciosos e ofegantes. Eles podiam ter
muitos problemas, mas o sexo entre eles era perfeito. Havia química, paixão
e entrega.
Giovanni abriu os olhos e sorriu. Ele sentia-se completo quando
estava com ela.
— Foi delicioso, mia donna!
— Pra mim, também! — Ela o abraçou forte. Queria senti-lo e ter
certeza de que ele era só dela. — Prometa-me que nunca mais sairá à noite,
Giovanni — sussurrou em seu ouvido, afastou-se e voltou a olhá-lo. — Por
favor — implorou.
Giovanni titubeou. Ele sabia que se concordasse com aquilo estaria
assinando o fracasso de seus planos de um casamento por conveniência. No
entanto, como conseguiria resistir àqueles olhos violetas?
Infelizmente, Gabriela já o tinha por completo.
— Prometo, tesoro mio. — Voltou a beijá-la.
Trinta e Oito

Gabriela se sentou no colo de Giovanni e tomou um gole do vinho que ele


lhe ofereceu.
— Você está ficando viciada nisso. — Ele beijou seu pescoço,
deixando-a toda arrepiada.
— A culpa é sua. — Afastou a taça e o beijou longamente.
— Quer subir, tesoro? — indagou o homem, excitado.
Gabriela jogou sua cabeça para trás e riu.
— Não quero subir, quero ficar aqui namorando você.
Giovanni estreitou seus olhos.
— Podemos namorar no quarto.
Ela deitou sua cabeça no ombro dele e olhou para as labaredas de
fogo que queimavam na lareira.
Uma linda música italiana tocava ao fundo, tornando o momento ainda
mais especial.
— Adoro esse ambiente. Adoro essa lareira. — Ela levantou os olhos
e o encarou.
Ela queria dizer que o adorava também, mas não teve coragem de
confessar seu amor pelo italiano. Na verdade, a jovem vivia numa corda
bamba. Desde sua conversa com o primo do homem ela não estava em paz.
No entanto, o que sentia por Giovanni era mais forte e se sobressaía as
desconfianças levantadas pelo homem chamado Giacomo.
— O que está pensando, tesoro? — O homem bebeu um pouco do
vinho.
— Nada em especial. — Abriu os botões de sua camisa, beijou e
acariciou seu peito. Ela adorava sentir os pelos macios dele. — Eu adoro
quando ficamos assim.
— Scusi mi se não tenho muito tempo para você…
Ela olhou-o demoradamente.
— Não precisa se desculpar. — Acariciou seu rosto. — Conte-me
sobre você, Giovanni.
Gabriela o sentiu titubear. Mas manteve seus olhos fixos nos dele. Ela
queria conhecer o homem que se casou, e que amava.
— O que quer saber? — Segurou-a pela cintura e a levantou. Seguiu
até a lareira, agachou-se e começou a recolocar lenha no fogo.
— Por que veio para o Brasil, como começou com seus negócios…
Enfim, queria te conhecer.
Ele olhou para o fogo, pigarreou e começou a falar:
— Eu tinha 26 anos quando vim para o Brasil. — Virou levemente o
rosto e a olhou de rabo de olho. — Antes disso trabalhei com meu pai, ele
tem negócios na Itália…
Ela sorriu.
— Ele faz o quê? Quero dizer, são os mesmos negócios que os seus?
— Não, eu comecei minha empresa do zero. Meu pai me mandou para
cá, pois ele tinha interesse em entender como funcionavam as coisas na
América Latina. — Remexeu a lenha, pensativo. — Eu gostei do país e quis
ficar. Gostei das brasileiras. — Olhou para Gabriela e sorriu.
— Como começou seu negócio, quero dizer, você disse que faz tantas
coisas.
— Emprestando dinheiro.
— Um banco? — Ela franziu a testa.
— Não, agiota mesmo.
Gabriela cobriu os lábios e riu. Ela não entendia por que estava rindo.
Talvez de desespero. Ela estava casada com um agiota.
— Você é ainda agiota? — perguntou, cuidadosa.
Agora foi a vez de ele rir.
— Melhorei o negócio, agora tenho um banco, sou um agiota
regulamentado.
A moça pensou que talvez devesse parar de perguntar, pois poderia
não gostar de ouvir tudo que ele tinha a dizer.
Ele continuou:
— Através dele financio empresas que estão com problemas
financeiros. Os empresários vêm até mim atrás de dinheiro, mas não
conseguem pagar, então tomo as empresas deles. Reestruturo suas finanças e
revendo por dez vezes mais.
Ela balançou a cabeça em entendimento.
— Também tenho uma empresa de exploração de minérios; ouro,
cobre, estanho e pedras preciosas. Eu os exporto. Alguns para Europa, mas
também para a Ásia e Oriente Médio… É um negócio perigoso, nossos
navios são atacados por piratas. Geralmente os matamos, mas às vezes eles
nos matam e levam a nossa mercadoria.
Gabriela arregalou seus olhos.
— Vocês os matam? — repetiu.
— Sim, é matar ou morrer. — Sorriu de lado. — Não há escolha,
tesoro!
Ela expirou.
— Meu Deus!
— Tenho uma rede de hotéis e não preciso matar ninguém para mantê-
lo. — Ele a olhou de lado e riu.
— Oh, que alívio. — Gabriela riu do deboche dele.
Giovanni levantou-se e caminhou para onde estavam. Sentou-se e
bebericou seu vinho.
— O que mais quer saber? — Passou o braço por seus ombros e a
trouxe para junto dele.
— Você é um mafioso? — Encarou-o intensamente.
Ele riu.
— Não. Não sou mafioso, tesoro! Sou um empresário como qualquer
outro.
Ela inclinou-se sobre ele e acariciou sua barba.
— Por que dizem que você é mafioso?
— Talvez, porque ando com seguranças e sou italiano. — Pegou uma
mecha do cabelo da ruiva e colocou atrás de sua orelha. — As pessoas
gostam de criar estereótipos para as pessoas.
— Mas por que você precisa de tantos seguranças? — perguntou feito
uma criança curiosa.
— Às vezes, irrito pessoas, contrario interesses, além do mais, em
alguns momentos meus parceiros de negócios não são pessoas legais e
honestas. Algumas delas se sentem prejudicadas por mim, não aceitam os
fatos, então tentam se vingar. Fiz muitos inimigos, tesoro, muita gente não vai
com minha cara — disse, debochado.
— Já tentaram te matar? — perguntou, preocupada.
— Muitas vezes.
— Por quê? — indagou, assustada.
— Porque tomo as suas empresas, suas casas, carros, ou seja, tudo
que eles têm. Não faço caridade, eu empresto dinheiro e depois quero o
pagamento.
Gabriela o olhou, apavorada. Ela não queria mais saber de nada.
— Não precisa contar mais nada, eu já entendi.
Giovanni colocou a taça de lado, levantou-se e puxou-a para junto
dele.
— Vamos dançar.
Gabriela riu com timidez.
— Eu não sei dançar.
Giovanni segurou sua mão e com a outra apoiou em suas costas.
— É só me acompanhar. — Olhou-a intensamente.
— A melodia dessa música é linda! — declarou, embalada pelo ritmo
delicioso que tocava.
— Eu também gosto. — Inclinou-se em direção a esposa, enfiou os
dedos entre os cabelos dela e puxou-a para os seus lábios.
Gabriela deliciou-se com os lábios do marido nos seus. Ele a beijava
de um jeito que a deixava mole e excitada.
— Mi scusa…
Eles se separaram surpresos, ao verem o pai do italiano parado na
porta da sala íntima.
Podia ser impressão, mas Gabriela achava que o homem não gostava
dela. Talvez a forma como a olhava ou a forma como sempre estava
interrompendo o casal. Ela não sabia explicar, entretanto, havia algo estranho
na forma como o italiano agia quando Gabriela e Giovanni estavam juntos.
— Che ci fai sveglio così tardi[98]? — Giovanni estreitou os olhos e
indagou contrariado.
— Pensei que estivesse sozinho — o pai respondeu em italiano. —
Queria conversar com você.
Giovanni bufou.
Não, ele não queria conversar. Ele queria subir e fazer amor com a
esposa.
— Desculpe, pai… estou cansado, já iríamos subir. Amanhã cedo
conversamos, tudo bem?
O pai sacudiu os ombros, contrariado.
— Tudo bem, amanhã conversamos.
— Boa noite, pai! — Giovanni pegou na mão da esposa e seguiu para
as escadas.
Quando chegaram ao hall dos quartos, ele seguiu para a sua suíte.
— Aonde vamos? — Gabriela o olhou, confusa. Eles nunca dormiam
juntos em seu quarto.
— Vamos dormir em minha suíte. — Sorriu de lado, abriu a porta e
entrou.
Trinta e Nove

Giovanni acordou abraçado a sua ruiva. Eles tinham passado a primeira


noite em seu quarto.
Ele sorriu ao lembrar-se de tudo que tinham feito, e o quanto Gabriela
havia evoluído desde que se casaram. Apesar de jovem e inexperiente, ela o
satisfazia inteiramente na cama. O sexo entre eles era incrível, delicioso e…
O homem sentiu seu membro enrijecer. Giovanni fechou os olhos
cheios de tesão. Mas estava fora de cogitação acordar a esposa apenas para
satisfazer seu desejo. Afinal, a noite tinha sido longa e extenuante para
ambos.
Ele beijou os lábios dela e se afastou. Levantou-se e seguiu para o
banheiro.
O italiano precisava admitir para si mesmo que estava perdendo o
controle sobre seus sentimentos. Gabriela estava penetrando nele lentamente.
Invadindo e tomando as rédeas de seu coração.
Ele esfregou a toalha em seu rosto, olhou-se no espelho e tentou
esquecer a promessa que havia feito a si mesmo.
— Vaffanculo! La voglio ogni giorno nel mio letto[99]
Minutos depois, estava na sala de jantar.
— Bom dia, dona Rute! — Bebericou seu café, e sorriu para a
governanta. — Leve as roupas da Gabriela para a minha suíte. — Pigarreou
sem jeito. — Ela passará a dormir no meu quarto a partir de hoje. Quero
dizer, desde ontem.
A mulher levantou as sobrancelhas surpresa. Por algum motivo,
causava-lhe extremo prazer ver a jovem professora excluída da cama do
chefe, como se fosse uma amante.
— Sim, meu senhor! Mas gostaria de avisá-lo que ela tem o costume
de deixar aquele bicho fedorento entrar em seu quarto.
Giovanni sorriu e levantou-se.
— Ela é a patroa, ela quem manda, dona Rute. Bom dia para a
senhora. — Pegou seu terno e saiu.

†††

Dias Depois

O italiano sentou-se com o seu conselho de administração para


discutir os próximos passos de sua empresa. Nem sempre foi assim, mas
pouco a pouco Giovanni transformava seus negócios em atividades sérias e
legalizadas.
Vez ou outra ainda era necessário molhar a mão de juízes, políticos e
promotores públicos que o perseguiam desde que pisou no país. Mas, pela
primeira vez, depois de muitos anos o homem sentia-se em paz consigo
mesmo.
Ele queria um futuro limpo para sua família, para Madeleine e para os
outros filhos que viessem. Giovanni queria que seus filhos tivessem uma vida
normal, como qualquer criança.
Todavia, ele sabia que não era santo e que sempre teria alguém
querendo matá-lo. Havia uma lista grande de pessoas que o odiavam,
principalmente seus devedores.
— Está certo, senhores, agradeço a presença de todos. — Levantou-
se. — Otávio enviará a Ata de Reunião para vocês. — Acenou e seguiu pelo
corredor.
O assistente acelerou o passo e o alcançou.
— Preciso sair mais cedo, Otávio. Temos algo urgente que precise de
minha interferência?
— Existem documentos a serem assinados. Mas nada que não possa
esperar até amanhã. — Pigarreou. — O senhor tem estado muito calmo
ultimamente.
Giovanni virou seu rosto e o encarou.
— Está sentindo falta de algo, Otávio? — Cerrou os olhos.
O rapaz riu.
— Dos seus gritos, senhor! De prometer cortar meu pescoço, ou de
querer expô-lo em praça pública.
O italiano o olhou de canto de olhos e segurou um riso.
— Obrigado por me lembrar… não esquecerei da próxima vez que
fizer rovinare tutto[100] de relembrá-lo de que sua cabeça está por um triz.
Otávio riu, depois de vários anos trabalhando para o italiano, já
dominava a língua italiana, aliás, ele dominava os palavrões italianos.
O homem abriu a porta de sua sala, e o assistente foi para sua mesa.
— Eu o avisei que um novo navio foi atacado, senhor?
Giovanni bufou. Ele odiava os malditos corsários, esses bandidos do
mar infernizavam seus negócios marítimos. Entretanto, ele havia aprendido a
combater os farabuttos. Seus navios pareciam embarcações de guerra e não
de mercadorias.
— Mataram os piratas? — estreitou os olhos.
— Sim, todos, mas perdemos alguns homens. Em contrapartida, a boa
notícia é que pegamos a carga deles. Estão trazendo para cá, porém, o nosso
navio foi bem danificado. Talvez demore um pouco para consertá-lo.
— Mande reforço, engenheiros e o pessoal da manutenção para
ajudar. Quero saber qual a carga que ganhamos. — Sorriu malicioso.
De fato, Giovanni gostava dessa parte de seu negócio. Ele tinha alma
de mafioso, gostava do mundo obscuro e cinzento da máfia italiana. No
entanto, ele amava mais sua filha e não queria a infância sombria que tinha
tido para sua bambina. Ele pensou em Gabriela e na família que queria
formar com ela. A máfia não fazia parte de seus planos com a professora.
— Precisaremos molhar a mão dos fiscais da alfândega. Não teremos
notas fiscais para os presentes que recebemos dos corsários, Sr. Bennedetti.
— O assistente sorriu.
— Os farabuttos nos cobram até mesmo das mercadorias que temos
notas fiscais. Grande novidade ter que molhar a mão daqueles pezzi di merda.
Avise os seguranças que já estou indo.
— Sim, senhor! — Otávio sorriu aliviado. — Não se esqueça o
evento da Câmara Italiana de comércio hoje à noite. Confirmei o seu nome e
de dona Gabriela.
— Não esquecerei. — Sorriu e fechou porta.
†††
O motorista parou o Rolls-Royce dentro da mansão, e Giovanni viu
Madeleine correndo em seu encontro. Ele abriu a porta e sorriu para a filha.
— Pappa, pappa, estou brincando de esconde-esconde com a tia
Gabi… não a deixe me ver.
Ele a pegou no colo e beijou suas bochechas.
— Onde está a Gabriela? — O italiano cerrou seus olhos negros e
olhou ao redor.
— Ela acha que estou na capela, ela foi até lá — cochichou.
— Vá se esconder o Ângelo vai brincar com você, Gabriela tem um
compromisso com o seu pappa. — Virou-se para o segurança e ordenou: —
Vá brincar de esconde-esconde, Ângelo.
Ângelo arregalou seus olhos.
— Mas, Sr. Bennedetti…
O italiano o ignorou, colocou Madeleine no chão e seguiu para onde
ficava a capela da esposa.
Ao se aproximar viu seu contorno pelos vitrais do local. Ele se
esgueirou, entrou na capela feito um gatuno, agarrou-a pela cintura e cobriu
seus lábios para que não pudesse gritar.
— Ti ho preso, la mia rossa[101]… — sussurrou em seu ouvido.
Gabriela virou seu rosto e riu com os olhos. Giovanni a soltou e
sorriu também.
— Te peguei, tesoro! Como é a brincadeira? Ganho o que por te
achar? — Segurou-a pela cintura e a puxou para junto de seu corpo.
Gabriela passou seus braços pelo pescoço dele e o abraçou.
— Ganha um beijo e um abraço — cochichou em seu ouvido, voltou a
olhá-lo e beijou os lábios do italiano.
Giovanni empurrou-a contra a parede e a encarou faminto.
— Só isso, tesoro? — Beijou seu pescoço e o mordiscou.
— O que mais queria? — indagou a moça, sensualmente, entregue as
carícias do marido.
— Preciso falar, ou você já sabe? — Levantou seu vestido e acariciou
suas nádegas.
Ela arregalou seus olhos.
— Não podemos aqui! — disse, incisiva.
Giovanni esfregou seu membro no corpo da mulher. Ele estava
completamente excitado, o que não era nenhuma novidade. Ele vivia excitado
quando o assunto era sua ruiva.
— Por que não? — Enfiou a mão no meio das pernas da mulher e
verificou o que já sabia. Ela estava molhada, quente e pronta para ele.
— Aqui é uma… — Parou de falar ao sentir o dedo do marido entrar
em suas entranhas. — Giovanni — gemeu, e sem pudor se esfregou em seus
dedos. — Por que faz isso comigo? — sussurrou de olhos fechados e os
lábios entreabertos.
Ele invadiu os lábios dela com os seus, beijando-a com sofreguidão.
Ergueu-a em seus braços e a levou para um canto discreto, abriu suas calças e
a penetrou.
— A pergunta certa é… por que me deixa assim, mia rossa? Pazzo di
te [102] .
— Oh, Giovanni! — Gabriela se esqueceu de onde estava, e Giovanni
já não se importava com isso fazia tempo.
Minutos depois, a calmaria voltou, quer dizer, os corações
continuaram acelerados.
— Giovanni. — Ela o chamou.
O italiano encostou sua testa a da esposa e respirou seu perfume.
— Si, mia rossa!
— Não deveríamos ter feito isso.
— Onde está escrito que não podemos, tesoro? — indagou, devagar e
preguiçoso.
— Não é óbvio?
Ele beijou o pescoço dela.
— Não, não é óbvio… acho aqui perfeito. Nós nos casamos aqui e
estamos abençoados. Tenho certeza de que Deus nos apoia nisso.
Ela riu, e beijou os cabelos do marido.
— Você me levará para o inferno.
Ele se afastou e arrumou suas roupas.
— Não, quero te levar para o paraíso. — Riu debochado. —
Mudando de assunto, comprou o vestido?
Ela se ajeitou e tentou esquecer o que tinha feito dentro de uma
capela, repleta de imagens sagradas.
Gabriela estava certa de que iria para o inferno.
— Sim, a moça trouxe alguns modelos para eu ver. Escolhi o mais
discreto, espero que goste.
— O mais importante é que você goste e se sinta bem. — Acariciou
seu rosto. — Vamos, precisamos nos preparar? — Pegou em sua mão e a
conduziu pelo jardim.
— Made irá conosco? — perguntou, curiosa.
— Não, não é um lugar adequado para crianças. Haverá somente
adultos, bebidas e charutos caros.
Gabriela revirou os olhos. Certamente, ela teria seu debute no
purgatório. Mas, enfim, sua introdução já havia começado poucos meses
atrás. Quando decidiu trabalhar para o italiano.
Quarenta
Gabriela sentou-se em frente a uma linda penteadeira. Pegou uma
escova e penteou seus cabelos longos e ruivos. Eles estavam lisos e
ajeitados. A pessoa do salão de beleza tinha vindo mais cedo arrumá-la.
Ela olhou através do espelho para o quarto do marido. Incomodava-a
um pouco pensar que tudo aquilo tinha sido dividido com a falecida esposa.
Mas, por outro lado, ela estava feliz com a evolução que tiveram desde que
se casaram. Agora eles dividiam o mesmo quarto, banheiro e closet.
A moça deslizou a escova em seus cabelos e sorriu para si mesma.
Um pouco temerosa, ela olhou para o espelho e experimentou passar o batom
que a moça tinha deixado para ela. Era vermelho e realçava sua pele. Havia
também a máscara para cílios e um blush.
A profissional havia se tornado amiga da professora e a ensinou a
fazer uma maquiagem básica, apenas para realçar o que era naturalmente
perfeito.
O rosto da moça era lindo e não havia muito que retocar.
A ruiva colocou um vestido preto, justo e abaixo de seus joelhos. Ele
caiu perfeitamente em seu corpo. O decote não era ousado, no entanto, os
braços e as costas ficavam nus. O que a incomodou um pouco.
Giovanni saiu do quarto de se vestir e a olhou pelo espelho.
— Stai benissima. — Abraçou-a pela cintura e beijou seu pescoço.
— Tenho um presente para você.
O homem afastou-se e sorriu, foi até um móvel e pegou uma caixa.
Abriu-a e Gabriela viu um conjunto de brincos e colar de tirar o fôlego.
Seus olhos brilharam.
— Que lindos! — exclamou, com timidez.
O italiano os pegou e se aproximou da esposa. Passou o colar pelo
pescoço dela e o fechou.
— Não sei colocar brincos, me ajude, tesoro!
Gabriela os segurou um pouco trêmula e com cuidado colocou os
brincos delicados. Ela virou-se para o espelho e se olhou.
— São lindos, Giovanni! — Sorriu emocionada. — Obrigada.
Ele segurou o rosto da mulher e beijou seus lábios de modo gentil.
— Adorei o batom.
A moça riu e limpou os lábios dele que haviam sujado.
— Estou bem assim? — perguntou, tímida.
— Belíssima. — Segurou a mão dela e a beijou. — Vamos, mia rossa,
não quero chegar atrasado.

†††
O segurança estacionou o carro do italiano em frente a uma antiga
mansão. Um dia o local tinha sido a morada de um rico italiano, agora era a
sede da câmara de comércio dos imigrantes italianos no país.
Gabriela ficou admirada com a quantidade de pessoas no grande salão
onde entraram. O lugar estava lotado de pessoas, todas muito elegantes e
bem-vestidas. Mas isso não era de se admirar. O evento mais lotado que a
jovem tinha frequentado em toda sua vida foram as missas.
Giovanni passou o braço por sua cintura e a conduziu no meio das
pessoas. Ângelo estava junto com eles, aquele homem era uma sombra
discreta e silenciosa. A moça já tinha se acostumado com sua presença, já
nem se incomodava mais.
O italiano era conhecido. A cada dez passos que davam o homem era
parado por alguém. Geralmente falavam em italiano, e Gabriela concluiu que
era melhor assim. Era mais prazeroso ouvir o idioma de seu marido do que os
assuntos que falavam.
Giovanni era um dos empresários italianos mais conhecidos no país.
Jovem, agressivo e com um histórico invejável de processos contra ele. O
lindo italiano era motivo de admiração e de despeito. Muitos que estavam
naquele evento o odiavam, já outros tinham um respeito enorme pelo jovem
empresário. O homem construiu um império, e até onde sabiam, sem nenhum
dinheiro da máfia italiana.
Gabriela estendeu sua mão e sorriu para o décimo casal de italianos
que conhecia. Ela foi apresentada a tantas pessoas que começou a ficar tonta,
cansada e com fome. Aliás, ela andava com muita fome nos últimos tempos.
A jovem olhou ao redor atrás de um garçom. Havia um cheiro
delicioso no ar e aquilo instigou suas papilas gustativas.
— O que foi, tesoro, o que procura?
— Esse cheiro, não é delicioso? — indagou, distraída.
— Você tá falando do cheiro de camarões? — Franziu sua testa.
— Sim, parecem deliciosos, não?
O homem franziu novamente sua testa. Gabriela andava meio esquisita
nos últimos tempos, ele só não sabia dizer o que era exatamente.
— Vou pegar para você. — Ele sorriu e se afastou.
Gabriela bebericou o vinho branco que estava tomando, olhou ao seu
redor e admirou as pessoas que conversavam, gesticulavam e riam
alegremente. Então, ela viu uma mulher alta com os cabelos negros e lisos até
o meio das costas, observando-a.
A estranha acenou, e a ruiva estreitou seus olhos. Ela jurava que
nunca a tinha visto em sua vida. Entretanto, a mulher sorria como se fossem
amigas íntimas.
— Será que ela era uma noviça? — balbuciou para si mesma.
A mulher começou a caminhar em sua direção, ela estava usando um
vestido vermelho justo ao corpo. Parecia tão segura e dona de si. Gabriela a
invejou por isso.
À medida que a morena se aproximava, Gabriela notou que não era
tão jovem e por isso não havia como terem sido amigas. Ela devia ter por
volta de 30 anos. Não havia como tê-la conhecido.
— Ciao[103], sou Heloísa Valente.
A ruiva estendeu sua mão com educação.
— Sou Gabriela Ne… quero dizer, Gabriela Bennedetti — disse, um
pouco tímida, ainda não estava acostumada a usar o sobrenome do marido.
A mulher sorriu.
— Oh, sim. Quando vi os cabelos vermelhos tive certeza de que era a
esposa de Giovanni, somos amigos — explicou-se rapidamente. — Por que
está sozinha, onde está o italiano? — Olhou ao redor.
— Ele foi… — a professora parou de falar constrangida. — Foi
pegar uma bebida ou algo do tipo.
— Claro. — Heloísa encarou a ruiva como se a analisasse. — Até
que enfim te conheci.
Gabriela ficou sem graça. Sorriu, bebeu seu vinho e olhou ao redor a
procura do marido. A moça não estava acostumada a eventos sociais, muito
menos a papos frívolos em salões de festas.
— Você conhece Giovanni de onde? — ensaiou um assunto.
— Trabalhei para ele durante muitos anos, era sua advogada e… —
virou a cabeça de lado —, amiga, éramos muito amigos…
A resposta soou estranha, mas a jovem era inocente demais para
perceber do que se tratava a amizade da bela mulher com o seu marido.
— Que ótimo! — Sorriu nervosa.
— Como está o casamento com o Giovanni? Já se acostumou com ele,
o italiano costuma ser um pouco exigente, não é mesmo? — indagou, com
malícia.
Gabriela cerrou os olhos.
— Exigente? — repetiu a pergunta. — De que modo, Heloísa?
A mulher riu exagerada.
— Deixe pra lá. — Revirou os olhos. — Qual sua idade, parece
muito jovem ainda?
A moça iria responder, mas ela sentiu uma mão em suas costas e o
cheiro dos camarões em seu nariz.
— Pronto, tesoro, aqui está?
Heloísa olhou para o que Giovanni trazia e riu.
— Oi, Giovanni, agora você é garçom, querido?
— Para mia donna sou muitas coisas, inclusive garçom. O que faz
aqui, Heloísa? Como conheceu Gabriela? — Estreitou seus olhos.
— Vi uma foto dela numa revista de fofocas. Ela estava com você na
missa de Patrícia. Sua nova esposa tem uma beleza singular, difícil esquecer-
se de seu rosto.
Gabriela que estava mordendo seu camarão delicioso parou de comê-
lo ao perceber o olhar venenoso da mulher nela.
— Parece com fome, querida.
A ruiva limpou seus lábios, envergonhada. Talvez a fome e a vontade
de comer camarões a tenha deixado um pouco – ou muito – mal-educada.
— Me desculpe, você está servida? — indagou com seu jeito doce e
simpático. — Não jantei ainda e meu estômago está dando voltas —
respondeu a jovem, com simplicidade. Ela não estava acostumada ao deboche
e muito menos sabia como lidar com ele.
— Ela não está servida, mia rossa! — Giovanni cochichou em seu
ouvido. — Se ela quiser que vá buscar. Esse é seu.
A jovem disfarçou, cobriu os lábios com o guardanapo e riu.
— Fiquei sabendo que era uma noviça, é isso mesmo?
Giovanni estreitou os olhos para a amiga. Ele não a queria perto de
sua esposa. Heloísa era um tipo perigoso. Ele não confiava nela.
— Eu… — Gabriela olhou discretamente para o marido.
— Gabriela é professora — respondeu o italiano de pronto. — Vou
pedir licença, Heloísa, mas preciso cumprimentar um velho amigo que
encontrei no caminho. Tenho medo que ele suma de novo. — Sorriu com
falsidade.
— Ah, claro! Depois conversamos com mais tranquilidade. Se quiser,
podemos marcar um jantar. Leve sua esposa, será ótimo conhecê-la melhor!
— Olhou-o intensamente.
— Sim, quem sabe.
Gabriela olhou uma última vez para a morena e se despediu.
— Foi um prazer te conhecer, Heloísa! — disse, educada.
Heloísa se aproximou, beijou o rosto de Gabriela e sorriu com
cumplicidade.
— O prazer foi meu. Esposa do meu amigo é minha amiga também.
Quando a mulher se afastou, Gabriela sentiu um cheiro adocicado em
seu nariz. Era algo enjoativo, mas muito marcante.
Por um breve momento aquele cheiro viajou em seu banco de
memórias.
Dá onde ela conhecia aquele perfume?
O marido segurou sua mão e a conduziu entre as pessoas. E enquanto
caminhavam ela vasculhou sua mente. O perfume havia grudado nela e a
estava enjoando.
De repente, a boca começou a salivar, ela sentiu um mal-estar e parou.
— Não estou me sentindo bem, Giovanni! — declarou, nervosa.
— O que você está sentindo?
— Um mal-estar. — Colocou a mão sobre sua testa.
— Maldito camarão — esbravejou, nervoso. — Vou processar esses
malditos.
— Me leve ao banheiro.
Rapidamente Giovanni a conduziu pelo salão. E a sorte é que os
banheiros estavam próximos. Gabriela entrou apressada, seguiu para uma
cabine e vomitou.
Recuperada ela seguiu para os lavatórios, jogou água em seu rosto e
lembrou-se…
O perfume era o mesmo que sentiu quando Giovanni chegou em casa
com a marca de batom em sua camisa.
Ela era a amiga de longa data. Era com ela que ele esteve aquela
noite. Gabriela se olhou no espelho, mas não viu a si mesma e sim a mulher.
Seu coração acelerou.
— A senhorita está se sentindo bem? — questionou uma mulher,
preocupada.
— Já passou. — Sorriu fraco. — Obrigada.
Logo que chegou à saída do banheiro, Giovanni a estava esperando.
— Está melhor, tesoro? Você está pálida — Franziu a testa.
— Estou estranha, mas melhorei. — Tentou sorrir a fim de não
estragar o evento do marido.
Ele segurou seu rosto entre suas mãos, e a encarou.
— Quer ir embora? Não precisamos ficar, já cumprimentei quem eu
queria.
— Quero, preciso me deitar.
Giovanni gesticulou para Ângelo. O homem estava a alguns passos do
chefe e se apressou, chamou outro segurança que fazia a retaguarda deles, e
juntos seguiram para a saída.
Em poucos minutos, estavam dentro do carro.
Gabriela encostou sua cabeça no peito do marido.
— Giovanni. — Chamou-o com a voz fraca.
— Si, tesoro!
— Era com essa mulher que estava aquela noite… que chegou com a
camisa com marcas de batom?
Ele se remexeu nervoso. Bufou e pigarreou.
— Sim, era com ela. Tomamos um drink juntos, levei-a para casa e foi
nesse momento que ela me sujou de batom. Ângelo pode confirmar essa
história.
Gabriela levantou sua cabeça e o olhou profundamente.
— E ele entregaria o chefe, caso estivesse mentindo?
— Ele gosta de você, acho que sim!
Gabriela estava muito enjoada para retrucar, brigar ou se apegar ao
que aconteceu aquele dia. Afinal, daquele dia em diante Giovanni mudou.
Passou a dormir com ela todas as noites e não saiu mais..
— Okay, eu acredito em você. — Voltou a deitar seu rosto em seu
peito. — Vou tentar dormir.
Ele acariciou as suas costas.
— Pode dormir, eu a acordo.
Quarenta e Um

O médico sentou-se ao lado de Gabriela e a examinou.


— Não me parece que sua esposa esteja com uma intoxicação
alimentar, Sr. Bennedetti. Nestes casos, existem dores abdominais, diarreias,
enfim. — O velho homem levantou-se. — Acho que o problema dela é
outro… — O doutor olhou para Giovanni com um sorriso de canto de lábios.
— Venha comigo.
Os dois se afastaram da cama onde Gabriela estava deitada. A jovem
professora estava péssima, cheia de náuseas e vômitos. O rosto estava pálido
e os olhos sem brilho. Os últimos dias tinham sido os piores de sua vida. Ela
nunca tinha vomitado tanto.
Giovanni sentia-se culpado, afinal ela estava daquele jeito desde o
dia que foram ao evento da Câmara Italiana. Ele queria matar quem preparou
o maldito camarão que adoeceu sua esposa.
— Qual seria o problema dela, doutor? — perguntou o italiano,
preocupado. — Estou preocupado, talvez deva levá-la ao hospital.
O velho médico deu dois tapinhas no rosto de Giovanni e sorriu. Ele
era um médico experiente. Já passava dos 70 anos, e conhecia as doenças
muito antes dos exames chegarem.
— Ela está grávida, Sr. Bennedetti…
O italiano parou de respirar por um momento.
— Grávida? — indagou com a voz presa em sua garganta. — Meu
Deus! — Cobriu o rosto e riu. — Como tem certeza, doutor? Não é melhor
fazer um exame?
O médico começou a arrumar sua maleta.
— Conheço grávidas a quilômetros de distância. — Riu exagerado.
— Faça o exame nela para se sentir mais confiante. Contudo, a única doença
que Sra. Gabriela tem é um lindo bebê em sua barriga. Eles fazem um estrago
enorme em suas mães. — Riu mais. — Parabéns, Bennedetti. — Apertou a
mão do italiano, que ainda estava em estado de choque. — Finalmente seu
herdeiro está a caminho.
— Como sabe que é um menino? — Arregalou os olhos.
— Essa parte não conto, um anjo assoprou em meu ouvido. — Sorriu.
O italiano franziu o cenho. Talvez o velho médico já estivesse
batendo os parafusos. Dona Rute insistia que o médico já era idoso demais,
mas Giovanni tinha um respeito enorme por ele desde que curou sua filha de
uma doença respiratória que parecia querer levar sua pequena bambola.
O doutor acenou para Gabriela e deixou o quarto. Giovanni o seguiu.
— Tem certeza, doutor? — insistiu.
— Tenho. — Bateu em seu ombro e entregou as receitas. — Parabéns.
— Seguiu para as escadas.
Giovanni ficou parado algum tempo no mesmo lugar. Parecia estar em
estado de graça.
— Meu bambino está a caminho — disse pra si mesmo.
Ele voltou para o quarto e olhou para a sua esposa.
— Tesoro. — Chamou-a. Sentou-se na cama e acariciou seus cabelos.
— Ele receitou algo, não aguento mais sentir isso — reclamou a
moça.
— Talvez demore a passar, tesoro. Segundo ele, uns 9 meses. —
Abriu seus lábios em um sorriso genuíno.
— Nove meses? — Arregalou seus lindos olhos.
O italiano deslizou sua mão até a barriga de sua ruiva e a acariciou
ternamente.
— Você está grávida, mia rossa!
— Grávida? — exclamou com exaltação.
Giovanni inclinou-se sobre a barriga da esposa e depositou beijos
nela.
— Si, mia moglie, você está esperando um figlio mio, um lindo
bambino. — Riu feito um bobo.
Gabriela se emocionou. Parecia pouco provável que estivesse
grávida, afinal seus sangramentos tinham acontecido há pouco tempo. Mas o
que explicava aqueles enjoos matutinos, a aversão a cheiros e os mal-estares
diários?
— Será mesmo, Giovanni? — indagou, assustada.
— O doutore disse que sim — Beijou os lábios da mulher de um jeito
apaixonado, afastou-se e sorriu. — Você irá à médica amanhã para se
certificar disso. Mas o dr. Edwiges é implacável, ele nunca erra. O homem
tem 40 anos de medicina — disse, eufórico. — Está feliz, mia rossa?
Teremos nosso bambino em breve.
— Estou assustada. — Riu nervosa. — Nunca me imaginei grávida.
Giovanni voltou a aproximar-se da cama. O homem estava eufórico
demais e tinha vontade de berrar pela janela que sua esposa estava esperando
um filho seu.
Ele sentou-se e acariciou o rosto dela, os cabelos, os braços, a
barriga… ele queria devorar sua esposa por inteira. Fazer amor com ela e
comemorar o tão sonhado herdeiro.
— Desde que a vi eu sabia que me daria um filho — declarou-se. —
Estou feliz demais, Gabriela, você não tem ideia do quanto esperei esse
momento.
A emoção dele podia ser sentida por Gabriela. Aquele olhar intenso e
verdadeiro. Aquela alegria genuína.
Ela sentiu-se contagiada por ele.
— Estou assustada, mas feliz! — declarou, com os olhos
embaralhados pelas lágrimas. Segurou o rosto do marido e trouxe para junto
do seu, abriu seus lábios e devorou os lábios dele.
— Quero você, mia rossa! — ele rosnou contra os lábios da moça. —
Ainda mais do que antes. — Abraçou-a, sufocando-a em seus braços, em seus
lábios e com a sua língua faminta.
— Também te quero, Giovanni.
Minutos depois, os dois estavam se amando apaixonadamente.
Quarenta e Dois

Um mês depois da descoberta da gravidez, Gabriela ainda convivia com os


mal-estares diários. No entanto, aos poucos, parecia que o pior tinha passado.
Ela deslizou a mão sobre o pequeno volume que se sobressaía em sua
barriga. Aos 3 meses de gravidez, ainda não dava para notar grande
diferença, mas o pouco que via já nutria muitas expectativas na jovem mãe.
— Podemos ir, tesoro? — Giovanni entrou no banheiro e indagou
para a esposa. Ele já estava impaciente com a sua demora.
— Minha barriga cresceu um pouquinho, você não acha? —
perguntou, olhando-se de perfil no espelho.
O italiano estreitou os olhos.
— Um pouquinho, mia rossa. Mas não dá pra notar de roupas.
Ela sorriu para o espelho.
— Eu noto, Giovanni! Olhe como está grande. — Estufou a barriga.
Giovanni rolou os olhos. Gabriela era bem teimosa quando queria.
Principalmente, em relação ao tamanho de sua barriga.
— Vamos perder o horário de visitas de sua avó, Gabriela — disse,
impaciente.
— Tudo bem, vamos! — respondeu, alegremente. — Será que ela
ficará feliz com a minha gravidez?
Giovanni segurou sua mão e a levou com ele.
— Não estou preocupado com a opinião de sua avó. Eu estou feliz e
isso me basta — respondeu, mal-humorado.
A avó da esposa era um tipo intolerável. Era com muito sacrifício que
Giovanni estava acompanhando a esposa. Na verdade, ele queria garantir que
a velha rabugenta não falasse grosserias para sua ruiva.
Assim que chegaram à entrada da mansão, Ângelo abriu a porta do
Rolls-Royce e esperou os patrões entrarem.
— Para onde vamos, Sr. Bennedetti?
— A clínica de repouso da avó de Gabriela.
— Vou dar a notícia de minha gravidez, Ângelo! — Gabriela
complementou a informação com um sorriso.
— Ela ficará muito feliz, dona Gabriela! — O segurança olhou a
patroa pelo retrovisor e sorriu.
Giovanni girou os olhos novamente. Ele duvidava. A velha rabugenta
não ficava feliz com nada.
O carro saiu da mansão, escoltado por mais dois carros.

†††
Minutos depois da saída dos carros, o telefone de Ângelo tocou. Ele
falou baixo, discreto. Era costume receber ligações das equipes de
seguranças que davam apoio. O primeiro carro já tinha chegado ao local e os
seguranças viram algo suspeito.
Ângelo desligou a ligação e olhou de rabo de olho para o chefe.
— Temos um problema, senhor — informou, preocupado.
Bennedetti estreitou os olhos.
— O que houve?
— Um carro suspeito está estacionado em frente à clínica. Os homens
desconfiam que seja o carro de Giacomo Bianchi.
Giovanni pulou no banco do carro.
— Descubram isso a-go-ra! — rosnou, furioso.
— Giovanni. — Gabriela o chamou, tensa. Ela queria contar ao
marido que o homem tinha um parente na clínica, mas o marido estava muito
nervoso.
Ele levantou a mão, como se pedisse para ela se calar.
— Agora não, tesoro!
— É que…
— Não — ratificou, com rispidez.
Gabriela se calou. Ela já havia aprendido como o marido funcionava.
Quando estava nervoso, perdia totalmente a paciência.
O guarda-costas parou o carro alguns metros distantes da entrada da
clínica.
— É o carro do maledetto, chefe! — Ângelo informou.
— Mande os homens atirarem no carro. Destruam-no — ordenou, com
raiva.
Gabriela arregalou os olhos.
— Mas, Giovanni!
— É blindado, tesoro! Não vamos matar ninguém — respondeu, com
deboche. — Só quero avisá-lo que aqui é território meu.
— E se ele tiver algum parente internado aqui? — indagou a moça,
exasperada.
Giovanni gargalhou.
— Não, ele não tem, tesoro! Acredite em mim.
Gabriela ouviu um estouro, seguido de outro, outro e outro. Os
homens de Giovanni apontaram suas armas grandes e poderosas para a
Mercedes e descarregaram seus cartuchos de projéteis.
A moça cobriu seus ouvidos e abaixou sua cabeça. Ela não estava
preparada ainda para presenciar a ira do esposo.
Quando tudo terminou, os homens do italiano tiraram os seguranças do
carro, jogaram-nos ao chão e os amarraram. Giovanni desceu do Rolls-Royce
e caminhou até onde os capangas de Giacomo lambiam o chão.
— O que fazem aqui, farabuttos? — O italiano apontou sua pistola
para a cabeça deles.
Gabriela cobriu seus olhos. Aos poucos conhecia um pouco mais
sobre o marido, e isso a assustava bastante.
— Ângelo, o que Giovanni está fazendo, pelo amor de Deus?
— Calma, senhora, ele só quer assustar esses homens. Giovanni e
Giacomo são inimigos. O primo sabe que não deve se aproximar da senhora.
Ele não deveria estar aqui.
A jovem professora tremia de nervoso.
— Mas e se ele estiver com um parente internado, Ângelo! Ele tem
direito a visitá-lo…
— Senhora, confie em seu marido. Ele sabe o que está fazendo.
Gabriela apertou suas mãos no assento e observou o marido.
— Sr. Bianchi está visitando um parente, Sr. Bennedetti — respondeu
um dos homens amarrado, temeroso. Os homens de Bianchi temiam o primo
do chefe.
Giovanni colocou a sola dos sapatos sobre o rosto do homem e a
apertou.
— Mentira, disgraciatos! — Olhou para seus seguranças e ordenou:
— Tirem as armas, celulares e os joguem dentro do porta-malas.
Giovanni olhou para seu carro e gritou para o guarda-costas.
— Vou entrar, chame reforço. — Seguiu até seu carro e estendeu a
mão para a esposa. — Venha, tesoro, vamos visitar sua avó.
Gabriela balançou a cabeça negativamente.
— Não quero mais, Giovanni. Quero ir embora.
Ele estreitou seus olhos, confuso.
— Por que isso? Está tudo bem.
Para a jovem professora não estava nada bem.
— Quero ir embora. Por favor. — Cruzou os braços determinada a
não sair do carro.
Ele entrou no veículo e tentou entender a esposa.
— O que foi, mia rossa? — Segurou a mão de Gabriela, notando o
tremor e a temperatura fria delas. — Está assustada?
— Não gosto de violência! — disse, abatida pelo que viu. — Não
gosto de armas, tiros, homens sendo amarrados e jogados em porta-malas. —
Acariciou o ventre, preocupada com o futuro bebê. — Quero ir pra casa.
O italiano esfregou sua testa.
— Me desculpe. Não queria assustá-la. — Olhou para o segurança e
declarou aborrecido. — Vamos, Ângelo…
— E o Giacomo, Sr. Bennedetti?
— Peça para nossos homens furarem os pneus do carro e jogarem as
chaves fora. — Riu diabólico. — Talvez mio cugino [104]tenha que chamar
um táxi para ir embora.
Gabriela desviou seus olhos do marido e olhou para o carro repleto
de marcas de balas. Respirou fundo e fechou os olhos. A cena ainda a
aterrorizava.
Em silêncio ela começou uma prece. Nem em seus piores sonhos ela
tinha sonhado com isso. O homem que tinha casado dizia não ser um mafioso,
mas se parecia muito com um.
Quarenta e Três

Giovanni e Ângelo sobrevoaram o galpão da Bennedetti & Co. onde


guardavam as mercadorias destinadas à exportação. As labaredas de fogo
estavam altas e sem controle, destruindo tudo que estava no local.
— Maledetto[105]! — Giovanni esbravejou, furioso.
— Foi a revanche pelo carro destruído, os homens amarrados e a
polícia que cercou o local. Ele foi levado para a delegacia, deve ter sido
constrangedor ao bandido se explicar para a polícia.
— Fanculo Lui [106]. Não ficará assim, Ângelo — rosnou, com os
dentes trincados pela tensão.
— Senhor, se me permite opinar. — Olhou seriamente para o chefe.
— Vamos recuar. Sua esposa está grávida, ele pode tentar se vingar através
dela.
Giovanni esfregou os cabelos, ele estava uma pilha de nervos.
— Ela não pode ir a lugar nenhum, sozinha. Está me ouvindo, Ângelo?
Quero dois carros escoltando-a onde quer que vá. — Balançou a cabeça. —
Eu mato o Giacomo se tentar chegar perto da Gabriela novamente. —
Respirou ofegante.
— Sua senhora não quis sair de casa desde aquele dia. Está muito
assustada. Ela não é como a dona Patrícia, Sr. Bennedetti.
— Eu sei disso. — O italiano abaixou a cabeça e inspirou
pesadamente. Ele não pensou nas consequências de fuzilar o carro do primo
com a esposa ao seu lado. Desde então ela estava tensa e arredia com ele. —
Vamos embora, não há mais nada a fazer.

†††
Giovanni sabia do poder das joias sobre as mulheres. Não havia nada
mais estimulante para uma mulher do que ganhar uma bela joia. E, também,
não havia mais nada que pudesse fazer para que sua linda esposa o perdoasse
por fuzilar um carro na frente dela.
— Gostou, mia rossa? — Olhou-a ansioso.
Ela sorriu fraco e deslizou os dedos com leveza pela linda corrente de
ouro branco com um crucifixo cravejado de diamantes.
— É lindo, Giovanni!
O homem ficou mais animado.
— Deixe-me colocar em você. — Passou o colar pelo pescoço da
mulher e a admirou através do espelho. — O que achou?
— Já disse que gostei. — Segurou os lábios, contendo um sorriso.
Ele beijou seu pescoço.
— Só isso, mia rossa? — Passou sua língua pela orelha dela, e a
ouviu suspirar.
— Obrigada! — sussurrou.
— Quero seu perdão, tesoro! — Segurou seu rosto e começou a beijá-
la. — Sou um homem impulsivo, temperamental e muito territorialista. —
Puxou a camisola da esposa deixando-a só de roupas íntimas. — Não gosto
que cheguem perto da minha donna — rosnou, excitado. — Não quero que
Giacomo chegue perto de você. — Parou de beijá-la e a encarou. — Nunca,
Gabriela! Nunca se aproxime dele. Estamos entendidos?
Ela o encarou ofegante. O marido a assustava de muitos modos, mas,
ao mesmo tempo, ele a fascinava.
— Eu nunca me aproximaria dele — sussurrou, assustada.
— Eu sei, mia donna! — Tentou sorrir, para não assustá-la com seu
jeito intenso e furioso. — Mas ele foi aquele lugar para encontrá-la. E isso
me deixou furioso.
— Você o mataria se estivesse naquele carro? — ela perguntou,
temerosa.
Giovanni beijou seu pescoço, seus ombros e sua nuca. Ele não queria
assustá-la com seus planos para o primo.
— Não… só queria avisá-lo para nunca mais se aproximar de você.
— Pegou-a no colo e a levou para a cama. — Não tenha medo de mim, mia
rossa! — Beijou-a com sofreguidão. Tão intenso e tão apaixonado que foi
impossível para Gabriela não se render àquele homem, violento.
— Às vezes tenho medo de você, Giovanni! — sussurrou a moça em
meio aos beijos apaixonados do marido.
Giovanni olhou-a intensamente.
— Sei que somos diferentes de muitos modos, Gabriela. E que não
sou nenhum santo. Mas estou me esforçando para ser o homem que merece.
Ela sorriu e acariciou a barba macia do italiano.
— Você é maravilhoso para mim, mas um pouco violento com os
outros…
— Meu único compromisso é com você, mia rossa! — Giovanni
declarou com um olhar intenso. Desceu seus lábios pelo corpo da mulher,
sugou seus mamilos rosados e macios, acariciando seus seios. — Com
Madeleine. — Deslizou suas mãos pela cintura fina e parou ao olhar para sua
barriga. — E com nosso filho. — Enterrou seu rosto na pele macia da barriga
da mulher, beijou-a e a acariciou enfeitiçado. — Sempre serei fiel a vocês
três, eu prometo! — Encarou-a novamente.
Os olhos dela lacrimejaram de emoção.
— Eu também. — Ergueu o corpo, segurou o rosto do marido e o
beijou cheia de amor.
Os dois se afastaram e se olharam intensamente, mas não tiveram
coragem de declarar o que sentiam um pelo outro. Ao contrário, eles
preferiram demonstrar o que sentiam em gestos, atos e muita paixão.
Giovanni mergulhou seus lábios no sexo da mulher. Afastou seus
pelos pubianos e deslizou sua língua em seu ponto de prazer.
— Giovanni! — Gabriela segurou seus cabelos e gemeu alto.
— Isso, mia rossa! — Continuou enlouquecendo-a, até que os
gemidos da mulher inundaram seus ouvidos. — De quatro, mia donna, voglio
scopare con te[107]!
Rapidamente, o homem tirou sua roupa. Ela se segurou na cama e
sentiu o marido preenchê-la por inteiro.
— Oh, mia fidone[108]!
Giovanni admirou-a por um instante. Sua pele branca, seus quadris
redondos, assim como o volume macio e perfeito de suas nádegas.
— Come sei, bella! — Enfiou seu membro grande e espesso,
movimentando-se devagar, sentindo-a pequena e apertada. Isso o fez gemer de
tesão. Puxou seus cabelos e indagou em seu ouvido.
— O que fez comigo, Gabriela? — indagou em seu ouvido, lambendo
e mordiscando sua orelha.
Ela virou seu pescoço e olhou-o apaixonada.
— O mesmo que fez comigo, Giovanni — retrucou, e sentiu o corpo
do marido chocar-se contra o seu, os lábios dele em seu rosto e os dentes
raspando sua pele, como se quisesse devorá-la por completo.
E o prazer veio para os dois ao mesmo tempo, envolvendo-os em um
espiral delicioso de gemidos, sentidos e contentamento.
— Oh, Gabriela! — Ele a chamou, deleitando-se com as sensações do
gozo.
— Oh, Giovanni — A moça suspirou cansada, satisfeita e feliz. — Eu
amo você — sussurrou tão baixo que ele não a escutou.
— O que disse, tesoro? — indagou, ofegante.
— Nada… — Virou seu rosto e sorriu. — Disse que quero um beijo.
— Quantos beijos quiser, mia donna. — Sorriu e voltou a beijá-la.
Quarenta e Quatro
Dois Meses Depois

Gabriela deitou-se na cama e Madeleine se juntou a ela.


— Vamos ver se ele se mexe agora? — disse a ruiva à enteada,
aconchegando-a próxima a sua barriga.
A mãozinha de Madeleine pousou sobre a barriga da madrasta, ficou
com os olhinhos atentos e as mãos tensas aguardando por um movimento.
— Mexeu, tia.
Gabriela sorriu, o bebê estava especialmente agitado naquele dia.
— Não combinamos para não me chamar mais de tia, Made! Eu sei
que sua mamãe será sempre a Patrícia, mas me chame só de Gabi.
— Eu esqueço… — Fez graça, e voltou a observar os movimentos do
bebê. — Como vamos chamá-lo, Gabi.
A professora deslizou seus dedos pelos cabelos da enteada.
— Vou deixar o papai decidir.
Madeleine levantou seu rosto e fez uma careta.
— Mas e eu, Gabi? Não posso escolher o nome do meu irmãozinho?
A madrasta riu.
— Combina com o seu pappa, Made! Ele está tão ansioso para
escolher o nome de seu bambino! — debochou, fazendo a menina rir.
— Vai demorar a sair de sua barriga? — A garotinha olhou ansiosa.
— Um pouquinho, mas vai passar rápido. — Acariciou sua
barriguinha redonda. — Precisamos comprar roupinhas para ele, sabia? —
indagou, feliz.
Para Gabriela, parecia mentira que teria um bebê em alguns meses.
Que se tornaria mãe. Ela se sentia como se estivesse em um sonho.
A porta do quarto foi aberta e seu lindo italiano adentrou o local,
sorrindo.
— O que minhas meninas fazem aqui? — Aproximou-se da cama,
beijou o rosto da filha e os lábios da esposa.
— Estamos conversando com o Gustavo, pappa! — Madeleine
declarou, serelepe.
Giovanni estreitou os olhos e virou seu pescoço de lado.
— Quem é Gustavo? Não conheço ninguém com esse nome. — Tirou
seu terno e o jogou sobre uma poltrona. — Conheço o Matteo. — Olhou para
Gabriela e sorriu.
— Matteo é feio, pappa! Eu gosto de Gustavo.
— Já está decidido, bambola. O próximo bebê chamará Gustavo.
Combinado?
Gabriela levantou as sobrancelhas.
— Vocês fazem muitos planos envolvendo minha barriga —
debochou.
Giovanni sentou-se na cama, beijou e acariciou a barriga da esposa.
— Nossa barriga. tesoro!
— O que acham de Matteo Gustavo? — Gabriela se empolgou com a
ideia de atender a ansiedade de seus dois amores.
— Que horrível, mia rossa. Que tal Matteo Giovanni Bennedetti.
Nossa, ficou belíssimo esse nome. — Riu exagerado.
Madeleine ficou brava, subiu em cima do pai e tentou fazê-lo parar de
rir.
— Feio, feio, muito feio esse nome.
Ele a derrubou na cama e encheu-a de cócegas.
— Pare, pappa, pare! — disse Made em meio aos risos e
gargalhadas.
— Matteo, Matteo, Matteo — ele zombou da filha.
Cansados, os dois deitaram ao lado de Gabriela e olharam para ela.
— A mamãe decidirá o nome — declarou Giovanni.
Havia um sorriso maroto em seu rosto. Como se dissesse que ela
deveria resolver o impasse. Mas de fato não era isso que o italiano queria.
Ele apenas desejava dar voz a sua esposa. Visto que ela até o momento não
tinha tido oportunidade de escolher o nome do filho.
— Enrico Gustavo Bennedetti, o que acham? — Gabriela indagou e
ouviu uma vaia do marido.
— O próximo bebê, tesoro! — Levantou-se e beijou seus lábios. —
Vou tomar um banho. Enquanto isso, conformem-se com o nome do nosso
bambino. Matteo Giovanni Bennedetti. — Sorriu e saiu caminhando para o
closet.
— Pappa é muito mandão. — Madeleine cruzou os braços,
aborrecida.
Gabriela a abraçou e beijou suas bochechinhas redondas.
— Não fique brava. Pode ser que o próximo bebê seja outra menina,
aí seu pappa terá que se conformar com o nosso nome. Vamos escolher um?
— indagou, empolgada.
— Vamos. — Bateu palmas, feliz.

†††
Gabriela acompanhou o marido e a enteada para a sala de jantar. Na
mesa, já estavam presentes os sogros da moça. Ela sorriu educada e usou o
pouco que tinha aprendido em italiano.
— Buonanotte!
— Buonanotte! — responderam os sogros com um aceno educado.
Já fazia muito tempo que os dois estavam no Brasil, e a moça já havia
concluído que estavam morando com eles. A diferença é que por não falar
italiano, ela pouco tinha contato com os pais do marido. Além do mais, eles
saíam muito. Às vezes, passavam dias fora, e Gabriela já nem perguntava
onde estavam.
Madeleine pediu ajuda a madrasta para se alimentar, enquanto isso
Giovanni e seu pai começaram uma conversa. Pelo tom de voz do marido, o
assunto não parecia muito agradável. Ele estava irritado e alterou a voz com
o pai.
Gabriela acariciou a perna do marido, e cochichou discretamente:
— Por que está nervoso?
— Depois te falo. Mas não se preocupe. — Aproximou seu rosto da
esposa e beijou sua testa. — Camarões de novo, mia rossa? — Sorriu
carinhoso.
A ruiva cobriu os lábios e riu.
— Risoto de camarão, a receita é diferente — explicou, divertida.
Ela tinha se descoberto fã de camarões desde que soube que estava
grávida. E pedia a cozinheira todos os tipos de pratos possíveis com o
crustáceo.
— Eu adorei esse prato. — Garfou o risoto e o colocou na boca. —
Também gosto de camarões. — Piscou.
O jantar seguiu num clima tenso. Principalmente entre o italiano e seu
pai. A mãe era alguém quase transparente. Pouco falava, pouco opinava e
parecia sempre feliz. O sorriso era algo quase tatuado em seus lábios.
Gabriela achou estranho, mas optou por não perguntar ao marido
sobre sua família. Havia coisas mais importantes para se importar.
O jantar terminou e os dois seguiram para a suíte do casal, junto com
Madeleine. Agora a menina tinha o costume de adormecer no quarto deles e o
pai tinha que levá-la para sua cama.
Ele voltou rápido, tirou sua roupa e se deitou com a mulher.
A jovem acariciou os cabelos do marido. Ele havia deitado sua
cabeça sobre o peito dela, abraçado seu corpo e se aconchegado a sua
barriga. Agora ele tinha esse costume, Gabriela se sentia tão amada e querida
que não fazia diferença se o italiano nunca falasse a palavra amor. Ela sentia
e isso era o suficiente.
— Você parece tenso — ela disse, suavemente. Não queria estragar
aquele momento de quietude.
— Não estou mais. — Levantou o rosto, amparou-se em seu cotovelo
e deslizou os dedos pelos cabelos da esposa. — Uma prima virá passar
alguns dias em nossa casa. — Pigarreou. — Espero que não se importe.
Ela sorriu.
— Claro que não. Pena que não poderei falar uma palavra com ela. —
Riu com bom humor. — Não aprendi quase nada com aquela professora.
Acho que Made e você me ensinam mais do que ela.
Ele sorriu fraco.
— Não ficaremos aqui, vamos viajar! — Levantou-se em um pulo. —
Quero que conheça um lugar muito especial, fica numa praia paradisíaca.
Gabriela sentou-se animada. Ela só tinha ido uma vez à praia junto
com as outras noviças e madres, numa espécie de caravana da fé. Mas o
passeio não incluiu mergulhos, apenas pés descalços na areia.
— Mas e sua prima? Não é falta de educação não estarmos aqui
quando chegar?
— Não, é uma prima distante. Dona Rute a receberá, junto com os
meus pais. Iremos na sexta-feira à noite, mas não diga isso a ninguém. Quero
fazer uma surpresa para a Made.
— Estou animada, só fui uma vez à praia — declarou, feliz.
O italiano voltou para cama.
— Eu também estou animado. — Beijou seu pescoço e a puxou pelos
quadris para junto dele. — Voglio trombare, mia rossa.
A ruiva fechou os olhos e ronronou feitou uma gata manhosa. Gabriela
chegou a pensar que o marido só a procurava para fazer seu bambino. Sua
teoria se mostrou errada. Ela já estava bem grávida e o apetito sexual dele
continuava o mesmo.
Não havia do que reclamar, Giovanni era muito mais do que a moça
havia imaginado para ela. Um marido perfeito demais para ser de verdade.
— O que significa isso? — sussurrou em meio as carícias. — É uma
sacanagem? — indagou, envergonhada.
Giovanni levantou a cabeça e a admirou com os olhos cheios de
desejo.
— Quero te foder, minha ruiva… essa é a tradução. — Ele desceu sua
mão para as nádegas da mulher, apertando e acariciando seu corpo. —
Existem outros modos de falar a mesma coisa, quer saber? — Passou os
dentes pelo seu maxilar.
— Quero. — Ela fechou os olhos e se deixou levar.
Quarenta e Cinco

Giovanni desceu as escadas da mansão apressado. A decisão de viajar com


a esposa e a filha, repentinamente, tinha trazido alguns problemas de ordem
prática. Havia assuntos na empresa que ele teria que adiar.
— Senhor Bennedetti, o café da manhã! — Dona Rute o chamou.
— Estou com pressa, dona Rute. — Parou por um instante. — Leve o
café da manhã de sua patroa na cama. — Sorriu. — Ela não está muito
disposta hoje.
A mulher girou os olhos.
— Ah, dona Rute, uma prima virá da Itália para cá. Deixe um quarto
de hóspedes pronto para ela. Mas será por pouco tempo, devo enviá-la para
meu hotel. Lá ela terá mais conforto.
— Sim, claro. — Caminhou com ele até a porta. — Dona Gabriela
quer visitar a avó, quer fazer compras para o bebê, enfim… o que faço, Sr.
Bennedetti?
Giovanni torceu os lábios.
— Transferimos a avó para outro lugar. Não há preocupações quanto
a isso. Peça para ela me ligar e combinamos o melhor dia para Gabriela ir.
Quanto as compras do bebê, combine com o Ângelo. Ele irá com vocês.
— Tudo bem, senhor!
O italiano entrou em seu carro e seguiu para seu escritório.

†††
Seu telefone tocou e Giovanni viu o nome de Heloísa no display. Ele
titubeou por um instante, existiam pessoas que o homem queria eliminar de
sua vida. Uma delas era sua ex-amante. Ele pegou o telefone e a atendeu.
— Olá, Heloísa! Como vai?
— Bem, meu italiano! — disse, sedutora. — Deixei um recado para
você, por que não me retornou?
O homem bufou.
— Esqueci. São muitos recados todos os dias. Mas, me diga, o que
quer?
— Estou com saudades, vamos almoçar? Jantar? Ou algo a mais se
quiser…
Ele riu debochado.
— Por que não vem até aqui e tomamos um café juntos? Estou com a
semana corrida para almoços ou jantares.
— Nossa, que homem ocupado. Tudo bem, vou dar um pulo em seu
escritório. Beijos.
Giovanni suspirou cansado. Virou sua cadeira e voltou-se ao seu
computador.
Minutos depois, ele ouviu um toque à porta e seu assistente a abriu.
— Sra. Heloísa Valente está aqui, Sr. Bennedetti. Ela disse que
marcou um café com o senhor. Não vi nada em sua agenda.
— Peça para entrar, não é nada demorado. Peça para o Jeremias
trazer café, vou dispensá-la rapidamente. — Piscou.
O italiano levantou e ajeitou seu terno. Não demorou muito a mulher
adentrou sua sala. Ela estava linda como sempre.
— Que honra me receber, Sr. Bennedetti — disse, com deboche. —
Seu assistente disse que agora só com hora marcada.
Ele puxou uma cadeira em frente à mesa de reuniões e a ajudou a
sentar.
— Otávio estava com dificuldades em organizar minha agenda, com
tantas reuniões inesperadas. Dei carta-branca para ele organizar minha vida.
É preciso confiar nas pessoas.
A mulher riu exagerada.
— Nossa, quem te viu, quem te vê. Está muito civilizado, meu
italiano!
— Estou fazendo aulas de bons modos — debochou, relaxando-se na
cadeira e segurou seu queixo. — Diga-me, o que a trouxe aqui?
— Saudades! — Olhou-o lânguida. — Você não me procura mais.
Gostava quando me ligava e ficávamos falando horas. Ou quando me
convidada para almoçar, jantar e transar. Sinto falta disso.
Ele franziu o cenho.
— Isso faz tempo, não faz?
Heloísa girou seus olhos. Parecia que tinha perdido o jeito com o
italiano. Não havia mais nada que dissesse que o homem achasse graça ou o
seduzisse. Ela se sentia uma completa idiota com ele.
— Mais ou menos. Não faz tanto tempo que tomamos um drink. —
Deu de ombros. — Diga-me, como está seu casamento?
— Bem. — Olhou para a porta e viu o garçom entrar. — Obrigado,
Jeremias.
— Ela é boa de cama… como eu? — cochichou, e cruzou suas pernas
insinuando-se para o homem.
O italiano balançou a cabeça.
— O que você acha? Pareço satisfeito? — Riu com cinismo.
Heloísa remexeu-se nervosa. As coisas não estavam saindo como
esperado. Se fosse em outra época, ela já estaria em cima da mesa do italiano
e os dois estariam fazendo sexo como dois animais.
Heloísa tentou mudar a tática.
— E o bebê? Tudo bem com a gravidez da…
— Gabriela. Sim, ela está bem e ele também. E você, como está,
Heloísa?
Heloísa se arrumou desconfortável na cadeira. A frieza do homem era
desconcertante, até mesmo para uma mulher experiente como ela. Ele havia
mudado muito desde que se casou com a ruiva. E isso a deixava ainda mais
irritada.
— Bem, super bem. E os seus negócios, como estão? Os advogados
estão dando conta de…
Giovanni não a deixou terminar.
— Meus negócios são limpos, Heloísa. Os advogados apenas me dão
aparato legal em questões complicadas ou contratos mais trabalhosos. A
jurisdição brasileira é muito confusa e os agentes públicos ainda mais. Não é
fácil ser empresário neste país. — Sorriu de lado, num jeito sedutor que tinha
de arrebatar o coração das mulheres.
A moça gargalhou.
— Não exagere. Seu discurso de empresário honesto não cola
comigo.
— Mas eu sou honesto! — disse, exagerado. — Te desafio a
encontrar fraudes em meus negócios.
Ela girou os olhos.
— O seu negócio pode ser legal, no entanto, a forma como age
continua sendo de um mafioso da Sicília. Olhe a sua aparência de mafioso,
isso está em sua alma. Não queira mudar, Giovanni. Parece patético para um
homem como você querer passar por alguém comum. A freira no caso é a sua
esposinha, não você. Não me cause tédio. — Levantou-se exasperada. — O
que quer, Giovanni? Enganar a sociedade, ou a você mesmo?
Ele segurou seu queixo e estreitou os olhos.
— Nenhum dos dois. Sou um homem decidido, Heloísa. Um dia disse
a você que queria construir um negócio limpo para minha família. Eu fiz isso.
Não obrigarei os meus filhos a serem mafiosos. Meu pai fez isso comigo. Eu
não farei isso com eles — disse, duro e objetivo.
— A ruivinha doce e inocente sabe com quem está casada? Sabe que
seu pai mantém uma organização criminosa ligada à máfia italiana? Não, com
certeza não. Duvido que aquela moça com olhar angelical aceitasse se casar
com um homem como você.
Giovanni levantou-se furioso.
— Os assuntos relacionados a mim e a minha família não interessam a
você. — Seguiu até a porta e a abriu. — Foi um prazer te ver.
Heloísa seguiu altiva em seus saltos. Mas antes de sair, olhou para
trás e sorriu para o homem. Era humilhante ser mandada embora daquele
jeito. Principalmente depois de tudo que tinham vivido juntos. Contudo, ela
ainda não tinha desistido de acabar com o faz de conta do homem que amava.
O italiano fechou a porta com raiva. E prometeu a si mesmo que
ninguém atrapalharia os seus planos.
Quarenta e Seis

A vinda da prima de Giovanni para o Brasil era mais uma tentativa de


Salvatore Bennedetti de impedir que o casamento do filho desse certo.
A ideia de usar a ex-amante não foi bem-sucedida. O filho do velho
italiano não parecia achar a mulher atraente o bastante para trair a esposa. Na
verdade, Salvatore concluiu que a jovem professora, apesar de sonsa, devia
ter muito mais talentos do que apenas ensinar crianças. A linda ruiva havia
enfeitiçado seu filho.
O homem tinha que concordar que a doçura e a beleza dela
encantavam até mesmo o mais distraído dos homens. No entanto, ele tinha
planos muito mais ousados para o filho do que ser o esposo de uma
professora primária.
Salvatore havia criado Giovanni para comandar sua organização
criminosa. Giovanni estava pronto, e o velho cansado. Ele não poderia deixar
a condução dos negócios na Sicília sem colocar um sucessor. Havia muitos
Bennedettis que queriam aquele cargo. A famiglia Bennedetti estava na máfia
desde que o homem era uma criança. Eles controlavam a metade da Itália. Até
mesmo o Vaticano tinha negócios com eles.
O homem sorriu e baforou o charuto.
— Está feliz, meu marido? — perguntou a esposa, amistosa. Os dois
estavam sentados no jardim da mansão do filho.
Ele tinha que concordar que a vida do filho era muito mais tranquila
do que a dele na Sicília. No Brasil ele vivia como qualquer outro. Não havia
a necessidade de se preocupar com tentativas de assassinato a todo o
momento.
— Pensando na vida… — Olhou para a sua companheira de uma vida
inteira. — Antonella já está a caminho?
— Sim… — Sorriu fraco. — Por que insiste em casar o nosso filho
com Antonella? Ele está feliz, Salvatore. Deixe-o em paz.
— Não se meta em meus planos, Beatrice. Se tivéssemos mais filhos,
talvez Giovanni pudesse seguir com a sua vida. No entanto, você me deu
apenas ele. Preciso dele, pois será o chefe de nossa organização.
A mulher abaixou a cabeça em sinal de submissão. As mulheres dos
homens de honra da máfia eram afetuosas, discretas e nunca falavam demais.
Além do que, elas eram movidas por uma devoção sem limites por seus
maridos.
— Ele é meu único filho, apenas desejo sua felicidade.
Ele levantou a mão.
— Não se meta! Apenas me ajude com a Antonella. Preciso que a
ruiva o veja com ela, em cenas íntimas. Giovanni era apaixonado pela prima.
— Quando eram crianças, Salvatore! — retrucou, impaciente.
— Não, ele sempre gostou dela. Não deram certo porque Antonella se
envolveu com o Giacomo.
A mulher bufou.
— Estou cansada de estar aqui! — Levantou-se. — Podemos voltar
para casa, Salvatore?
— Ainda não terminei os meus planos. — Jogou o charuto no chão e o
amassou com o pé. — Tenho um compromisso agora, fique com a Madeleine.
— Aonde vai? — perguntou, arredia.
— Tenho um almoço importante.

†††
Apesar de o plano com Heloísa não ter dado certo, Salvatore ainda
contava com a mulher como sua aliada. Ela conhecia o filho muito bem, sabia
de seus pontos fracos e podia ajudá-lo muito ainda.
A linda mulher adentrou o restaurante. Quase todos os homens
viraram seus pescoços para olhá-la passar. Heloísa era neta de italianos,
tinha traços fortes e bonitos. Além do que, seu jeito de andar era confiante e
isso instigava os homens.
Salvatore concluiu que ela teria sido uma esposa perfeita para
Giovanni. Pena que o filho tinha péssimo gosto para mulheres. Não no quesito
beleza, é claro. Isso o filho tinha puxado a ele.
Ele levantou-se e a recebeu com simpatia. O italiano era um homem
experiente e sabia cativar as pessoas que lhe interessavam.
— Prazer te ver, Sr. Bennedetti. Adorei receber um novo convite para
almoçarmos.
— O prazer é meu, Heloísa. Está linda como sempre! — elogiou.
— São seus olhos — Bebeu seu vinho, e o homem pode notar o
quanto era sedutora. Ele não conseguia entender como Giovanni não tinha se
submetido a noite de sexo prometida pela mulher. Por muito menos ele teria
ido.
— Não estou decepcionado com você, se é isso que acha.
— Isso é bom. Talvez não seja tão fácil separá-los. Isso tomará mais
tempo que imagina. E não serei eu que farei isso. Ele está apaixonado pela
ruiva. Isso ficou claro para mim na última vez que o vi.
— Meu filho é um tolo.
— Ela está grávida, Sr. Salvatore. Era isso que ele queria.
A moça parecia desanimada. O velho percebeu imediatamente.
— Trouxe para o Brasil uma prima dele, eles eram apaixonados na
infância. Não acho que ele vá se apaixonar por ela novamente, mas ela pode
estragar o casamento dos dois. Um beijo entre eles já seria o suficiente para a
professora sucumbir a traição. A ruiva é tola e inocente. Será fácil, Heloísa.
Ela levantou sua taça e bateu na do italiano.
— A nossa sorte, Sr. Bennedetti. Vamos torcer para dar certo.
— Vai dar, mas se não der partiremos para o próximo plano. —
Sorriu. — Quero que use suas fontes para descobrir mais sobre a professora.
Talvez tenhamos munição e nem saibamos. — Riu confiante.
— Sei que foi noviça. Giovanni comentou certa vez. Posso descobrir
mais coisas sobre ela.
— Seria muito bom, Heloísa. Não posso me demorar por aqui. Estou
tentando comandar as coisas na Sicília, pelo Brasil. Mas você sabe, quando o
gato sai os ratos tomam conta.
— Se quiser, eu posso cuidar de tudo para você. — Sorriu animada.
— Sabe que tenho muito interesse em acabar com esse relacionamento. Ele
está me evitando, mas sei que só está fazendo isso porque deseja construir
uma nova vida com a professora. Giovanni está tentando se enganar, Sr.
Salvatore. Ele está tentando se livrar do seu passado. Ele quer ter uma vida
nova e limpa. Mas nós dois sabemos que ele é um Bennedetti. Os Bennedettis
não são homens que têm vidas comuns.
— Pois bem. Vamos ver se conseguimos algo com a Antonella.
Enquanto isso, vasculhe a vida da professora.
— Perfeito.
Os dois levantaram suas taças e brindaram.

†††
Beatrice e Antonella levantaram-se quando Salvatore chegou à
mansão do filho.
— Minha querida, como está bela! — Abraçou e beijou seu rosto de
um jeito caloroso. — Chegou cedo.
— Sim, eu fiquei muito animada quando recebi a ligação de tia
Beatrice. Como Giovanni está? — indagou, com tristeza. — Fiquei arrasada
por sua esposa.
Salvatore pegou em seu braço e a levou para o sofá. Sentou-se e a
olhou profundamente.
— Giovanni é um Bennedetti. Ele já se casou novamente.
— Nossa! — A mulher olhou para a tia desanimada. — Não sabia.
Talvez, nem devesse ter vindo.
— Não, não, é um casamento por conveniência. Ele queria um filho,
eu o pressionei para isso. Você sabe, ele fará 40 anos em breve e até agora só
tem uma menina. A moça, inclusive, já está grávida.
— Bem, então…
O velho não a deixou desanimar.
— Antonella querida, o filho que está na barriga da mulher nos
pertence. É um Bennedetti. Não se preocupe com isso. Preciso que estrague o
relacionamento deles. Quero Giovanni comigo na Sicília, comandando os
nossos negócios. Ele se casará com você e tudo ficará em família.
Ela balançou a cabeça.
— Ele guarda mágoa de mim, tio. Desde aquele beijo no maldito do
Giacomo.
— Roube um beijo de Giovanni e faça com que a professora veja. O
resto deixe comigo.
— Vou tentar. — Sorriu e abraçou o tio.
Quarenta e Sete

A governanta entrou na suíte de Gabriela e Giovanni e a viu arrumando as


malas do casal.
— Aonde vai, senhora?
Gabriela levantou os olhos e ajeitou as costas. Aos poucos o bebê
começava a fazer diferença em seu corpo.
— Vamos viajar hoje à noite — respondeu, animada. — Mas é uma
surpresa para Made, então não comente com ela.
A mulher adentrou o quarto sorrateiramente.
— Sr. Bennedetti não me disse nada. Apenas que a prima chegaria em
breve, e de fato chegou. Ela está na sala de estar com os seus sogros.
Gabriela torceu seus lábios.
— Não pensei que chegaria tão cedo.
— O que devo fazer, senhora? Não falo italiano.
— Eu também não. — Riu. — Vou ligar para meu marido e pedir sua
opinião. — Suspirou, desanimada. — Não tenho roupas de banho, dona Rute.
Será que o pessoal da boutique poderia me enviar alguma coisa?
A mulher sorriu sem vontade.
— Com certeza, ligarei para eles. Que tipo de roupas de banho
gostaria?
— Decentes! — Cobriu os lábios e riu. — Não estou acostumada a ir
à praia, a me expor. Não sei se me entende.
A governanta encheu seu peito de ar. Ela tinha essa mania quando
queria parecer superiora.
— Direi a gerente que quer algo discreto.
— Muito obrigada. Peça um chapéu, também. Sou muito branca. —
Riu bem-humorada. — Preciso disso com uma certa urgência. Poderia ver
isso agora, dona Rute? — solicitou. educada e humilde.
— Sim, claro, senhora. — Aquiesceu com a cabeça. — Já arrumei o
quarto da prima do Sr. Bennedetti. Vou tentar me comunicar com eles. Com
licença.
Gabriela meneou a cabeça e olhou para o celular. Talvez devesse
avisar o marido que sua prima havia chegado.
Pegou o celular e ligou para o marido.
— Si, tesoro… — Ele a atendeu no primeiro toque.
— Desculpe se te atrapalho — disse, timidamente.
— Você nunca me atrapalha. Diga…
— Sua prima chegou. — Sorriu embaraçada. — Não consigo fazer as
honras da casa, sinto muito, Giovanni. Espero em breve poder falar algo mais
útil em italiano.
— Não se sinta mal por isso — retrucou, gentil. — Arrume as nossas
malas, pedirei para o Ângelo buscar você e Madeleine. Sairemos daqui do
meu escritório. Não terei tempo para voltar para casa. Combinado?
Gabriela enrugou sua testa.
— Mas e sua prima? Não irá cumprimentá-la?
— Não. Ela está em boas mãos. Fique tranquila — explicou,
carinhoso. — Vá até meu armário, vou te dizer o que quero que coloque em
minha mala.
— Certo. — Gabriela sorriu e seguiu para o closet.

†††
O guarda-costas de Giovanni colocou as malas no Rolls-Royce do
chefe, e sorriu para Gabriela e Madeleine.
— Prontas, senhora e senhorita, podemos ir?
— Cosa sta succedendo qui, dove stanno andando[109]?
A moça olhou para trás e viu o sogro olhando-as, nitidamente
nervoso.
— Não sei falar italiano — retrucou, desanimada.
— Para onde estamos indo, Gabi? Vovô quer saber — questionou a
garotinha.
Sem que Gabriela tivesse tempo de responder, Ângelo o fez.
— Non lo som signore, sto seguendo gli ordini del sig. Giovanni[110].
— Abriu a porta do carro para Gabriela, e a ajudou a entrar no carro, seguida
de Madeleine.
O italiano esbravejou nervoso, e entrou na mansão.
— O que disse, Ângelo? — perguntou a moça, curiosa.
— Que não sabia para onde estamos indo. — Olhou para trás e sorriu
para Madeleine. — É segredo! — cochichou, fazendo-a rir.
— Ah, conte, Ângelo. — Made pulou no banco.
— Signore Giovanni me mata se contar o segredo — disse, bem-
humorado.
— Você sabe, Gabi. — A menina pendurou-se no pescoço da
madrasta.
— Não sei. — Sacudiu os ombros. — Seu pappa não me contou para
onde vamos. Eu só sei que vamos para seu escritório agora, e de lá para
algum lugar muito legal.
— Obaaaaa! Adoro ir ao escritório do meu pappa! — Ajeitou-se ao
banco do carro. — Podemos cantar enquanto não chegamos, Gabi?
— Claro! Qual música você quer cantar? — indagou, interessada.
— Eu quero aquela…
As duas começaram a cantar alegremente. Enquanto isso, Ângelo
sorriu no banco da frente. Ele nunca tinha visto a filha de seu patrão tão feliz.

†††
Ângelo entrou com o carro num prédio de escritórios. Na frente dele
um letreiro enorme dizia Bennedetti & Co.
O motorista estacionou e os três seguiram até um elevador, entraram e
ficaram calados enquanto a caixa metálica subia. Pelo que a moça percebeu,
iriam até o último andar.
Assim que a caixa metálica se abriu, Madeleine saiu correndo em
direção a uma recepção, abriu uma porta e gritou:
— Pappa, pappa!
Gabriela torceu os lábios.
— Ela está com saudades do pai.
Ângelo riu e caminhou ao lado da moça, apresentando-a para um
rapaz que estava sentado.
— Essa é a Sra. Gabriela Bennedetti. Acho que ainda não a conhece
pessoalmente, Otávio.
O rapaz levantou-se sorrindo, foi até Gabriela e estendeu sua mão.
— Muito prazer, Sra. Bennedetti.
— O prazer é meu… Otávio — disse, tímida.
— Sr. Bennedetti está esperando vocês. — Seguiu até a porta,
abrindo-a para a esposa do patrão.
Gabriela passou por ele, quando viu Giovanni sentado em uma
cadeira grande e confortável. Em seu colo, seu verdadeiro tesouro.
Madeleine conversava e acariciava o rosto do pai.
Giovanni a viu, e sorriu.
— Venha, tesoro!
Gabriela aproximou-se vagarosamente. O marido puxo-a pela cintura
e beijou seus lábios.
— Preciso apenas de alguns minutos. Já estou terminando aqui. —
Tirou Madeleine do colo e a colocou no chão. — Sentem-se naquele sofá.
Não vou demorar.
A jovem olhou ao redor, admirando o escritório do marido. Era
estranho vê-lo naquele ambiente, mas, ao mesmo tempo, tornava-os ainda
mais próximos. Pouco a pouco ela o conhecia mais. E isso era cada vez mais
excitante.

†††
Ela fechou os olhos quando a aeronave alçou voo. Um frio na barriga
a fez segurar o ar. A sensação era a mesma de quando ia a lugares altos, com
uma diferença. A altura agora era muito maior.
Finalmente abriu os olhos e viu tudo escuro ao seu redor. Olhou para
o marido e perguntou:
— Vai demorar muito?
— Não, tente relaxar. — Olhou para a barriga da esposa e a
acariciou. — Daqui a pouco chegamos.
Ela voltou a fechar os olhos e dormiu. Quando abriu os olhos,
Giovanni estava pegando-a no colo e descendo da aeronave.
— Chegamos, mia rossa!
Ela olhou ao redor e viu uma praia completamente deserta. Havia
alguns postes de luz ao redor, mas pareciam estar longe da civilização. Ela
virou a cabeça e viu uma casa de vidro toda iluminada. Era linda e moderna.
Madeleine saiu correndo para a praia, entrou no mar até o ponto que a
água cobria seus joelhos.
— Made! — Gabriela chamou-a apavorada. — Não entre, meu amor.
— Venha, Made, depois o papai te traz aqui. Vamos entrar e comer
alguma coisa — disse o italiano, apressado, segurando a mão da esposa.
— Onde estamos, Giovanni? — Gabriela questionou-o confusa, mas,
acima de tudo, maravilhada com o lugar.
— É uma ilha particular. Só nossa, de mais ninguém. — Sorriu
sedutor. — Amanhã iremos explorá-la. Não é muito grande…, mas usamos
um iatepara visitar o outro lado.
Ela levantou as sobrancelhas.
— Ah, estamos numa ilha particular, usaremos um iate e chegamos de
helicóptero.
— Isso, mia rossa, vamos, quero tomar um banho antes de jantarmos.
— Acelerou o passo, seguido da esposa.

†††
Assim que Gabriela abriu os olhos se deparou com as cortinas
brancas e transparentes esvoaçando no ritmo da brisa morna que invadia o
quarto.
Ela se espreguiçou lentamente, olhou para seu lado a procura do
marido, mas ele já havia saído.
Vagarosamente, desceu da cama e caminhou até as janelas de vidro
que emolduravam grande parte do quarto. A visão era paradisíaca como o
marido havia dito. O azul do céu se confundia com o azul do mar e era
retocado pela areia dourada que recebia as ondas calmas do oceano. A visão
era espetacular. Era impossível não se sentir tentada a molhar os pés e sentir
o sol em sua pele.
Seu devaneio foi quebrado ao sentir o olhar de Giovanni sobre ela.
Gabriela olhou em sua direção e o viu acenando. Ele estava estendido em
uma cadeira de praia.
Ela acenou e gesticulou que já estava indo. Seguiu até sua mala e
pegou a roupa de banho que a boutique havia trazido. Era um conjunto de
duas peças, mas havia uma espécie de vestido que fazia conjunto. Talvez ela
não conseguisse tirá-lo. Apenas a ideia de ficar com duas peças numa praia já
a deixava constrangida. De qualquer modo, despiu-se e colocou o conjunto.
Olhou-se no espelho e sorriu para si mesma.
Parecia tão natural ficar assim na frente do marido, mas havia outras
pessoas. Como, por exemplo, seguranças e funcionários da casa.
Ela bufou e seguiu para o banheiro.

†††
Gabriela acenou para Madeleine. A garotinha estava a alguns metros
do pai e brincava de construir formas com a areia. Ela se aproximou do
marido, inclinou-se sobre ele e beijou seus lábios.
— Buongiorno, marito!
Ele colocou a revista que lia sobre uma mesa e sorriu.
— Buongiorno, mia moglie! — Puxou-a pela cintura e a fez deitar
sobre seu corpo, e a beijou profundamente.
Um simples beijo era capaz de causar um incêndio entre eles.
Imediatamente, Gabriela sentiu o membro duro do marido entre suas pernas.
Ele segurou seu bumbum e a apertou contra seu corpo. Fazendo-a sentir o
quanto ele estava excitado. Ela tentou não sucumbir às sensações que aquele
homem causava nela. Os dois viviam em um espiral delicioso de luxúria e
prazer.
Gabriela recobrou o autocontrole, afastou-se e cobriu o corpo do
marido com uma toalha, por fim se sentou ao seu lado.
— Não podemos aqui — cochichou, envergonhada, e olhou ao redor.
— Ninguém estava olhando, tesoro! — Ajeitou-se na cadeira. — Já
tomou seu café da manhã? — Giovanni pegou uma uva e colocou sobre os
lábios da esposa.
— Ainda não, quando acordo me sinto enjoada. — Mastigou a fruta.
— Por que não me acordou quando levantou? — Acariciou os cabelos negros
do marido.
Giovanni pegou um morango e colocou sobre os lábios dela.
— Coma, mia rossa, Matteo deve estar com fome. — Acariciou a
barriga da esposa. — Você estava cansada, dormimos tarde ontem. — Enfiou
outra uva em sua boca. — Você precisa se alimentar, caso contrário, nosso
bambino nascerá magrinho.
Ela riu e mastigou a uva.
— Matteo está bem gordinho, sabia? — ela indagou. — A médica
disse que ele será grandão como você.
Giovanni enfiou mais frutas na boca da esposa. Havia uma travessa
cheia delas ao lado dele, até parecia que estavam esperando a ruiva para
serem degustadas.
Gabriela pegou um morango e colocou sobre os lábios do marido.
— Agora é sua vez, você está muito fraquinho! — ironizou.
O italiano mordeu o morango e sugou os dedos da mulher.
— Poderíamos fazer isso em nosso quarto, você não acha? — disse o
italiano, com sua voz aveludada e sedutora, enquanto delineava os lábios da
esposa com um morango.
— Depois, Sr. Bennedetti. — Ela se afastou sorrindo, colocou o
chapéu e seguiu para onde a enteada estava. — Agora vou brincar com a
Made.
— Você não pode ficar no sol, Gabriela. Vai virar a comida que mais
gosta. — Riu debochado.
Ela virou seu rosto de lado e estreitou os olhos.
— Você está me chamando de camarão, marito? — indagou, bem-
humorada.
— Um camarão bem gostoso, mas bem vermelhinho — debochou.
— Lembrarei disso quando sair daí… não é porque tem todos esses
pelos que não ficará vermelho. Estou com um bloqueador solar, sabia? —
explicou, divertida.
— Sou como os jacarés, tenho a pele grossa, tesoro. — Cruzou os
braços atrás da cabeça e se esparramou. — Se precisar de ajuda me chame,
vou tirar uma soneca. — Colocou os óculos escuros e relaxou.
Gabriela ajoelhou-se na areia com Madeleine e sorriu.
— Bom dia, meu amor! Não está muito quente para você?
— Papai passou protetor solar em mim. — Sorriu satisfeita.
— Eu nunca fiz castelos, vamos fazer um? — indagou a professora,
empolgada.
Madeleine sorriu encantada. Sua mãe nunca tinha brincado na areia
com ela.
— Vamos, Gabi, eu te ensino.
Quarenta e Oito

Giovanni colocou um pedaço grande de salmão na frigideira, refogando-o


junto a manteiga e ao alho. Numa outra panela colocou o talharine fresco e
cobriu a massa com creme de leite.
Madeleine e, principalmente, Gabriela, admiravam a destreza do
italiano na cozinha.
— Desde quando cozinha? — Gabriela perguntou encostada ao
balcão onde o marido trabalhava.
— Desde sempre. — Olhou para ela e sorriu. — Mas confesso que
andava meio preguiçoso. — Soprou o molho branco numa colher e deu para a
esposa experimentar. — O que acha do gosto?
Ela fechou os olhos, deliciada com o sabor.
— Maravilhoso. — Ficou na ponta dos pés e beijou os lábios do
homem. — Estou com água na boca.
— Está quase pronto. Arrume a mesa para nós.
Rapidamente, Gabriela e a enteada arrumaram uma mesa que havia na
cozinha. Não era o lugar mais luxuoso da casa. Ao contrário. Contudo,
Giovanni tinha dispensado a cozinheira, e dito a esposa que iria cozinhar para
eles. E foi o que fez.
Com desembaraço o italiano serviu os pratos, ralou um queijo sobre a
massa, e declarou:
— Buon apetito, mie ragazze[111]! — Sentou-se em frente a elas e
sorriu satisfeito.
— Hum, está delicioso! — declarou a sua ruiva, faminta.
— Adorei, pappa, agora só quero comer sua comida.
Ele sorriu satisfeito.
Aquele final de semana estava sendo um dos melhores de sua vida.
Poucas vezes o italiano permitiu-se dispensar os compromissos profissionais
e dedicar-se à família. E isto o fez pensar o quanto era bom esses momentos.
— Vamos fazer isso mais vezes… prometo a vocês — declarou,
empolgado.
— Nós vamos cobrar o papai, né, Made? — Gabriela afirmou com
um sorriso nos lábios.
— Podem cobrar. — Sorriu.
Giovanni olhou para a mulher, sentindo-se completo e feliz. A jovem
professora era tudo que ele tinha sonhado para uma esposa. Calma, gentil,
carinhosa e companheira. Gabriela tornou a vida dele e de sua filha feliz e
descomplicada.
O celular dele tocou sobre o balcão.
— Mi escusi, tesoro… — Levantou-se, seguiu até o local, e viu o
nome do pai no display. Olhou para a esposa e sorriu. — Vou atender, é o meu
pai. — Deixou a cozinha e foi até a varanda que ficava ao redor da casa.
— Olá pai…
— O que pensa que está fazendo, Giovanni? Onde você está?
Antonella está aqui para visitá-lo, quanta falta de consideração com a sua
prima.
Ele girou os olhos e concluiu que o pai estava começando a caducar.
Sua ideia de trazer a prima para o Brasil era completamente descabida. Ele
não iria receber a prima, pois já sabia o que o pai tinha em mente.
— Pai, estou viajando com a minha família e não sei quando volto.
Espero que quando retornar, ela não esteja mais em minha casa… Eu disse
para não trazê-la para o Brasil — disse, furioso —, o senhor está passando
dos limites.
— Ela não irá embora. Antonella quer dar seus sentimentos a você
pela morte de Patrícia.
Giovanni gargalhou.
— Diga que estou comovido, mas que dispenso os sentimentos. —
Olhou para a esposa e a filha rindo à mesa da cozinha. — Preciso ir… ah,
meu assistente mandará um motorista buscá-la e levá-la para um dos meus
hotéis. Não a quero em minha casa, não irei repetir, pai. Mande um beijo para
a minha mãe. — Sem vontade de prolongar o assunto, Giovanni desligou sem
se despedir.
Imediatamente, ligou para o assistente.
— Olá, Sr. Bennedetti, como está de viagem?
— Bem, Otávio… Preciso que reserve hospedagem para uma prima
de nome Antonella Bernardi. Mande um motorista buscá-la em minha casa e
levá-la para o hotel.
— Hoje, senhor? — indagou, confuso.
— Não, na segunda-feira.
— Quando o senhor retorna?
— Ainda não sei… Mas, estou com meu computador pessoal aqui,
trabalharei remotamente. Quero tirar uns dias com minha família.
— Perfeito, senhor. Aproveite a viagem.
— Obrigado.
Os dois desligaram. O italiano retornou à cozinha e sorriu.
— Espero que tenham me esperado. — Sentou-se, feliz por estar em
família.
— Sim, com muito sacrifício — retrucou Gabriela, com seu rosto
corado pelo sol.
Ela estava ainda mais linda. Seus cabelos pareciam mais vermelhos
na praia, os olhos muito claros, brilhantes e a pele estava levemente corada.
A ruiva levantou-se para pegar um suco, dando a oportunidade para o
italiano admirá-la por inteiro. A gravidez estava progredindo mais rápido do
que ele imaginava. A barriga da esposa estava redonda e pontuda, destoando
do resto de seu corpo. Seu filho estava chegando e ele mal podia acreditar
nisso.
— Você quer um pouco de suco? — ela perguntou, com sua barriga
roçando seu braço.
Ele virou-se e acaricio-a sobre o tecido leve do vestido de praia.
— Não, quero vinho, mia rossa. — Beijou ternamente a barriga da
esposa. — Deixe que pego, sente-se.

†††
Giovanni desceu as mangas do vestido de praia da esposa,
desamarrou seu biquíni e deixou que caísse sobre o banco. Vagarosamente,
beijou os seios dela e os admirou. O italiano os achava lindos, delicados;
como rosas desabrochando. O corpo dela havia mudado, parecia ainda mais
feminino e sensual do que antes.
Enquanto desenhava com a língua um traçado sinuoso ao redor de suas
aréolas, as mãos do italiano acariciavam seus quadris, seu bumbum macio e
suas coxas grossas.
— Sobe e desce, mia rossa! — rosnou, excitado, já dentro dela.
Ela gemeu e movimentou-se devagar. O peso da barriga havia tirado
um pouco do desempenho de sua esposa. Mas isso não era um problema para
o italiano, ele ajudou-a na tarefa. Movendo seu corpo para cima e para baixo,
ao mesmo tempo em que segurava os quadris da esposa, ele a ajudou a chegar
ao prazer.
— Ahhhh, Ahhh, Giovanni.
— Goze, mia donna!
Minutos depois, montado em cima da esposa, Giovanni chegou ao
orgasmo.
— Gabriela! — gemeu em seu ouvido.
Os dois deitaram-se exaustos sobre o banco do iate e olharam para o
céu coberto de estrelas. Já era noite, e os dois estavam longe da praia.
— Gostou, mia rossa? — indagou, sorrindo.
Ela olhou para ele e riu.
— Gostei. — Virou-se de lado e passeou os lábios pelo rosto do
marido. — Mas estou exausta. — Riu baixinho em seu ouvido.
Ele passeou suas mãos pela barriga da esposa. Giovanni sabia que
precisava diminuir o ritmo sexual entre eles, o problema é que não conseguia.
Ele era viciado naquela mulher, no cheiro dela, no gosto dela e no sexo que
faziam juntos.
— Mas já, mia donna? — reclamou baixinho. — Pensei que
transaríamos a noite inteira.
— Esse bebê pesa. — Ela acariciou sua própria barriga. — Será que
não faz mal para ele? — Olhou-o sobre seus cílios.
— Não, não faz. — Procurou pelos lábios da mulher e a beijou cheio
de desejo. — Eu não canso de você, sabia?
Gabriela segurou seu rosto e o olhou profundamente. Parecia querer
falar algo, mas apenas sorriu.
— A Made deve estar sentindo nossa falta… passamos o dia fora. —
Ofegou ao sentir os beijos do homem que amava em seu pescoço.
— A babá está com ela, não se preocupe. — Beijou os lábios da sua
ruiva. — Ela não nos deixa em paz. — Riu contra os lábios da mulher.
— Engraçado, mas sinto falta dela — declarou, culpada.
— Daqui a pouco voltamos. — Pegou a taça de champanhe e
bebericou a bebida, derrubou sobre os seios da esposa e os chupou.
— Oh, Giovanni, sua boca está gelada — ronronou, tomada pela
luxúria.
— Eu sei, quer experimentar. — Deu mais um gole na bebida e beijou
os lábios da esposa. — Gostou? — Olhou-a completamente tomado pela
paixão.
— Adorei, faz de novo.
— Com todo prazer, mia donna!
Quarenta e Nove

Depois de uma semana em uma ilha paradisíaca, era impossível voltar para
casa sem sentir falta do mar azul e da areia dourada.
— Quando podemos voltar? — Gabriela perguntou, preguiçosa, e
tentou abraçar o corpo do marido. Entretanto, sua barriga já tinha se tornado
um estorvo em alguns aspectos.
Ele olhou para ela e riu.
— Acabamos de voltar, tesoro.
— Mas eu queria morar lá — disse, feliz, aliás, ela nunca tinha se
sentido tão feliz em toda sua vida.
— Vou pensar em seu caso. — Beijou-a carinhoso e levantou-se. —
Chega de moleza, tesoro. Você tá me deixando preguiçoso.
— Eu sinto tanta preguiça — declarou, manhosa. — Tanto sono.
Giovanni inclinou-se e beijou a barriga da esposa.
— Culpa do Matteo, ele te transformou num bicho preguiça. — Seguiu
para o banheiro.
— Vou visitar a minha avó hoje — ela informou apressada, sentando-
se na cama.
O italiano olhou para trás. Se pudesse, ele colocaria sua ruiva numa
bolha de vidro e não a deixaria sair de casa. Ao passo quea gravidez
avançava ele ficava mais temeroso. Na verdade, neurótico.
— Ângelo irá com você.
— Mas temos o motorista aqui e também…
Ele não a deixou terminar.
— Enquanto estou no escritório, ele pode te levar. Ligue para o
Otávio e avise o horário, ele mandará o Ângelo vir buscar você. Ah, dona
Rute te acompanhará. — Sorriu para relaxá-la. — É isso, mia rossa, preciso
me apressar.

†††
Ângelo e dona Rute andaram lado a lado de Gabriela. O que a fazia se
sentir literalmente escoltada.
Havia também dois outros homens que ficavam no corredor onde
ficava o quarto da avó. Era uma espécie de operação de guerra visitar a
idosa, o que desanimava um pouco a ruiva. Ela odiava certos aspectos do
casamento com Giovanni Bennedetti. Especialmente, os que incluíam
seguranças e armas.
— Pode ficar aqui, Ângelo, não precisa entrar — disse, temerosa,
afinal a presença do guarda-costas poderia assustar a avó.
— Ficarei na porta, no entanto, preciso revistar o quarto… ordens do
Sr. Bennedetti. — Levantou as sobrancelhas.
— Seu patrão tem mania de perseguição, Ângelo. — Gabriela girou
os olhos e bufou. — Seja simpático, caso contrário, minha avó arremessará
algo em sua cabeça.
Ele bateu à porta e disse:
— Boa tarde, senhora, faço parte da equipe de segurança da clínica.
Preciso verificar se o sistema de segurança está em ordem.
— Sistema de segurança? — indagou a velha.
— Sim, para evitar que meliantes entrem no quarto e machuquem os
pacientes.
Minutos depois, o homem se despediu da senhora e saiu.
— Pronto, dona Gabriela, pode entrar.
— Obrigada, Ângelo. — Sorriu e entrou. — Olá, vovó.
A mulher olhou para Gabriela e arregalou os olhos.
— Como sua barriga cresceu, Gabriela!
— Sim, cresceu bastante. — Alisou a barriga volumosa. — Faltam
apenas 2 meses para nascer, vovó. — Sentou-se, enquanto dona Rute ficava
em pé na porta.
— Quem é ela mesmo? — cochichou a velha.
Dona Rute que tinha ouvidos supersônicos não precisou ajuda para
responder.
— Sou a dama de companhia de dona Gabriela. Sr. Bennedetti quer
que a acompanhe em todos os lugares. — Arrebitou o nariz.
A avó torceu os lábios.
— Ela é petulante — declarou a velha. — Deveria demiti-la,
Gabriela. Você não é a patroa?
— Ela é uma boa pessoa — sussurrou Gabriela. — Está tudo bem por
aqui, vovó?
— Ah, sim, essa clínica é bem melhor que a outra…
A mulher começou a relatar tudo que havia de bom na nova clínica.
Não parecia a mesma pessoa. Desde que a neta apresentou seu marido rico a
velha, ela mudou completamente.
Gabriela e dona Rute passaram algumas horas com a idosa. Levaram-
na para passear e tomaram chá com ela. Horas depois, já estavam no carro a
caminho de casa.

†††

Um Mês Depois

Gabriela ajeitou os últimos bichinhos de pelúcia nas prateleiras do


quartinho do bebê e olhou ao redor.
Era estranho como tudo parecia perfeito demais. Acostumada a uma
vida cheia de percalços, dificuldades e privações, a jovem mulher sentia-se
estranhamente aflita.
O quartinho do bebê era lindo demais, na verdade, parecia ter saído
de uma capa de revista. Literalmente.
A sensação de ter tudo o que quisesse lhe causava ansiedade, medo e
insônia. Era como se um sexto sentido avisasse que aquele castelo de vidro
poderia se despedaçar de um dia para o outro.
A ex-noviça era sensível e sentia quando algo ao seu redor estava em
desequilíbrio.
Ela fechou os olhos e rezou em silêncio. A única coisa que queria é
que o filho nascesse em segurança. E que tivesse seu pai e mãe para amá-lo.
Algo que ela infelizmente não tinha tido.
Gabriela estava de olhos fechados, compenetrada em sua oração,
quando o marido a abraçou pelas costas e sussurrou em seu ouvido:
— Um camarão pelos seus pensamentos.
A jovem abriu os olhos e riu. Olhou sobre seu ombro e viu o rosto do
marido com um sorriso lindo.
— Estava fazendo uma oração. — Acariciou sua barriga. — Para que
ele nasça em segurança, que seja muito amado e feliz.
— Mas ele já é, tesoro! — Esfregou sua barba no rosto dela,
depositando beijos carinhosos em sua pele. Enquanto isso, suas mãos
acariciavam a barriga volumosa da esposa. — Nunca deixarei nada acontecer
a vocês, eu prometo! — sussurrou em seu ouvido.
Gabriela virou-se devagar, segurou o rosto do marido entre suas mãos
e o olhou profundamente.
— Eu acredito em você, na realidade, sempre acreditei, sabia? Você
prometeu me fazer feliz e está me fazendo a mulher mais feliz do mundo. —
Seus olhos inundaram-se de emoção.
Ele inclinou-se e beijou apaixonadamente os lábios dela.
— Vamos para nosso quarto? — Giovanni aprofundou o beijo,
sugando a língua da esposa, enroscando-se a ela e querendo tê-la por inteira.
Ela sorriu em meio aos lábios do marido.
— Vamos.

†††

Semanas Depois

As primeiras dores começaram no meio da noite. No começo eram


pontadas finas, e as dores apenas incomodas. Mas conforme as horas
passavam, as dores ficaram mais intensas e desconfortáveis.
Gabriela levantou-se pela décima vez e foi ao banheiro. Sua barriga
estava dura, e uma pressão absurda em sua vagina a fazia levantar de cinco
em cinco minutos para fazer xixi.
Seu instinto a avisou que estava chegando o momento, e isso a deixou
apavorada. Ela tentou dormir um pouco, estava exausta. Mas Giovanni a
abraçou, beijou seu pescoço e sua nuca.
— Boungiorno, tesoro. — Esfregou seu membro duro em seu traseiro.
Gabriela bufou. Naquela manhã, até mesmo os carinhos do marido a
deixavam irritada. Ele não entendia que ela estava enorme, cheia de dores nas
costas e que não havia mais posições sexuais que a deixassem confortável.
O problema era que o desejo sexual do homem parecia só crescer, ao
invés de diminuir.
— Giovanni, não estou bem hoje — choramingou.
Ele apoiou-se em seu cotovelo e acariciou os cabelos da esposa.
— O que você tem, mia rossa? — Enrugou sua testa.
— Acho que chegou a hora, não dormi a noite inteira sentindo dores.
— Seus olhos lacrimejaram. — Me leve para o hospital.
— Si, si, claro. — Levantou-se apressado. — Sua mala está pronta?
— Sim, está tudo pronto. — Amparou-se e tentou levantar, mas parou
e respirou pausadamente. Uma dor angustiante tomou conta de toda sua
barriga. — Não estou aguentando, Giovanni, me leve agora.
— Oh, Dio Santo. — Esfregou os cabelos, nervoso. — Calma, mia
rossa, eu vou levá-la.

†††
Gabriela não tinha ideia de como era ter um filho.
Durante os minutos – que pareceram eternos – em que se espremeu,
gritou e chorou para que seu Matteo nascesse, ela pensou que nunca mais teria
filhos.
Na verdade, Gabriela jurou a si mesma que não teria mais filhos. As
dores eram demasiadas para um ser humano. E ela pensou que não
sobreviveria ao nascimento de Matteo.
— Força, mia rossa… — Giovanni sussurrou, segurando sua mão
com tanta força que chegava a incomodá-la.
Ela abriu os olhos, embaçados pelas lágrimas.
— Não consigo mais, Giovanni.
— Consegue, mi amore.
Ela respirou profundamente, buscou forças em seu âmago, travou os
dentes e usou toda a força que havia em seu corpo delicado. E o alívio veio,
como se alguém tivesse tirado sua dor com as mãos.
O choro agudo e forte preencheu seus ouvidos, ao mesmo tempo em
que Gabriela sorriu e chorou de emoção.
Seu Matteo havia nascido, finalmente.
Cinquenta

Giovanni não havia participado do nascimento de Madeleine. Ele se sentia


culpado por isso. Por este motivo prometeu a si mesmo que nada o impediria
de estar no nascimento de seu novo herdeiro. No entanto, isso não queria
dizer que o homem estava preparado para o que viria. Giovanni quase morreu
de nervoso. Ele chegou a pensar que a esposa não conseguiria colocar seu
filho no mundo.
Quando a enfermeira mostrou Matteo a ele, mesmo sendo duro e
controlado, não conseguiu segurar as lágrimas. Seu filho era a coisa mais
linda que já tinha visto. Um garotão grande, forte e com um choro que dava
para ouvir da outra esquina.
— Mio, Matteo. — Pegou-o no colo com cuidado, sorriu e chorou ao
mesmo tempo. — Mio, bambino. — Embalou-o em seu colo. Parecia mentira
que tinha finalmente realizado seu tão sonhado sonho.
Mas sua bolha foi desmanchada. Ele ouviu a voz delicada e doce de
sua mulher.
— Deixe-me vê-lo, Giovanni — pediu ainda fraca, consequência de
tanto esforço.
Rapidamente, Giovanni o colocou ao lado dela.
— Veja só o que fizemos juntos, tesoro! Ele não é lindo e perfeito? —
Tentou conter a emoção. — Obrigado, obrigado por trazê-lo ao mundo.
Gabriela fez um carinho delicado no rostinho do filho com a ponta dos
dedos. O marido tinha razão, ele era lindo.
— Nosso Matteo, Giovanni. — Olhou para o italiano com os olhos
embaçados pelas lágrimas. — Ele é lindo e forte. — Beijou a testa do filho.
— Obrigada, meu Deus… — balbuciou as palavras, mais para si mesma.
Ela se sentia fraca e sonolenta.
— Preciso descansar — declarou, exausta.
Giovanni beijou sua testa.
— Descanse, estarei ao seu lado quando acordar. — O italiano
depositou um beijo em seus lábios, e entregou o filho para a enfermeira. — Ti
amo, Gabriela — sussurrou, mas ela já estava dormindo.

†††
O quarto onde Gabriela e seu filho foram colocados estava repleto de
flores. Giovanni pediu ao seu assistente que comprasse todas as flores que
havia na cidade. Eram tantas que mal cabiam no quarto da esposa. Não que
ele fosse pequeno. A esposa de Giovanni Bennedetti foi colocada no melhor
quarto do melhor hospital da cidade. Não era um quarto, mas sim um
apartamento inteiro.
O italiano estava impaciente, Gabriela estava dormindo há horas.
Ele beijou sua mão pela vigésima vez. Giovanni queria que ela
acordasse, aquela sonolência estava deixando-o com os nervos à flor da pele.
Talvez o italiano não tivesse noção do esforço físico que a esposa
tinha feito para colocar seu filho de quase quatro quilos no mundo.
Impaciente, o homem foi até um local, pegou a garrafa de uísque e
colocou uma dose em um copo. Bebeu um gole e tentou relaxar.
Havia muitas pessoas esperando para visitar seu filho. No entanto,
Giovanni não permitiu que ninguém subisse ao quarto. Ele queria ter certeza
de que a esposa estava bem e recomposta.
A porta do quarto foi aberta, e a enfermeira surgiu com seu filho. Por
alguns minutos o homem esqueceu-se de tudo.
— Vou deixá-lo aqui — disse a enfermeira. — Dona Gabriela deve
acordar daqui a pouco.
— É normal dormir tanto? — perguntou, preocupado.
— Sim, senhor. É exaustivo demais colocar um filho no mundo. —
Sorriu fraco. — Quando sua esposa acordar, me chame. Eu a ajudarei a
colocá-lo para mamar.
— Si, si, eu avisarei quando acordar. — Sorriu e pegou o filho no
colo. Colocou-o contra seu peito e ficou assim por longos minutos. — Mamãe
precisa acordar, né, Matteo? — Olhou para o filho e sorriu. — Preciso
mamar, mamãe — disse, com uma voz baixa e suave.
Como se Giovanni tivesse adivinhado, o filho começou a emitir sons.
Eram resmungos, que rapidamente tornaram-se grunhidos e depois berros.
O italiano estava para ver um bebê para berrar tanto.
— Calma, bambino! — Sacudiu o filho sem muito sucesso. — Chi,
chi…
Quanto mais ele tentava acalmá-lo, mais ele gritava.
— Dio santo, como você grita, figliolo! — esbravejou, impaciente.
Mesmo que a esposa estivesse exausta, foi impossível continuar
dormindo com aquele bebê se esgoelando.
Ela acordou assustada, no entanto, mais alerta do que nunca.
— Giovanni. — Chamou o marido.
— Oh, tesoro! Gracie a Dio! Ele precisa mamar, mia rossa, não tenho
tetas e isso é um grande problema…
Ela riu fraco, achou engraçado o nervosismo do marido.
— Dê ele pra mim. — Estendeu os braços. — Mamãe tem o que você
quer, vem, Matteo.
Giovanni sorriu com a calma dela. Como mulheres podiam saber lidar
com aquele momento tão prontamente. Enquanto ele, que dirigia uma empresa
com milhares de funcionários, mal sabia como acalmar um bebê.
O italiano colocou o bebê nos braços da esposa e observou a forma
como o instinto materno aflorava em sua ruiva. Mesmo sem nunca ter tido um
bebê, ela abriu sua camisola e ofereceu o peito para seu bambino. Que
esfomeado, abocanhou o mamilo e sugou sem pestanejar.
Gabriela levantou os olhos e sorriu.
— Ele está mamando. — Seus olhos encheram de lágrimas. — Como
é lindo vê-lo mamar.
Ele se aproximou, sentou-se na cama e limpou as lágrimas do rosto
dela.
— Si, é lindo vê-lo mamando. — Beijou a testa do filho e olhou para
a esposa. — Você fica linda de mamãe, sabia? — Olhou-a apaixonado. —
Eu…
Giovanni queria dizer que a amava. Era muito difícil para um homem
que já havia sido cruelmente traído pela esposa conseguir se entregar
novamente. Todavia, ele estava muito emocionado com o nascimento do filho,
tal bênção deixou sua guarda baixa e de coração mole. Mas a bendita porta
foi aberta, e ele ficou surpreso ao ver o pai e a mãe.
— Olá, pai… o que fazem aqui? — indagou em italiano.
— Seu assistente me avisou que sua esposa estava em trabalho de
parto. Pegamos o primeiro voo. — Aproximou-se e abraçou o filho. —
Parabéns, Giovanni. — Olhou para Gabriela com a criança no colo. — Qual
o nome dele?
— Matteo… pai! Matteo Giovanni Bennedetti — disse, orgulhoso.
— Que belo nome, mas poderia ter dado o nome de seu avô. — Bateu
nas costas do filho. — Graças a Deus, agora temos o nosso herdeiro para
levar adiante a nossa organização.
O sorriso de Giovanni se esvaiu.
Ele não queria um filho para ser o chefe de uma organização
criminosa. Ele queria outro futuro para seu menino
— Pai, me desculpe, mas esta é a primeira vez que Gabriela está
amamentando nosso filho. A presença de vocês pode constrangê-la.
O pai olhou para o filho e franziu a testa. Há tempos o velho italiano
não estava gostando a forma com que o filho queria exclui-lo de sua vida. A
ruiva de olhos violetas era a culpada. O italiano havia se apaixonado por ela
e isso era um grande problema.
Agora que o filho deles tinha nascido, ele poderia seguir adiante com
os seus planos.
— Sim, claro, vamos esperar lá fora. Chame-nos quando ela terminar.
Quero pegar meu neto, em meu colo!
A mãe de Giovanni o abraçou e acenou para Gabriela. Os dois saíram
do quarto e Giovanni bufou.
— Desculpe, tesoro… não sabia que tinham chegado.
— Não precisa se desculpar. Eles devem estar curiosos para conhecê-
lo. — Sorriu para o marido. — Venha aqui.
Giovanni se aproximou da esposa, inclinou-se sobre ela e beijou seus
lábios.
— Obrigado, mia rossa.
— Você não precisa agradecer, nós fizemos ele juntos.
— Quero fazer muitos como ele — cochichou em seu ouvido, e a fez
rir.
— Não estou preparada para falar sobre isso.
— Eu sei. — Beijou sua cabeça, sentou-se ao seu lado e esperou o
bebê terminar de mamar.
Cinquenta e Um

Os primeiros dias de Gabriela e seu filho foram tranquilos. Havia muitas


enfermeiras para ajudá-la nos cuidados com o bebê, e ele parecia um anjo.
Pouco chorava ou dava trabalho.
Madeleine talvez fosse a principal preocupação da ruiva. Ela estava
ansiosa, carente e arredia.
Gabriela sabia que a pobrezinha estava morta de ciúmes e que isso
tendia a melhorar com o tempo.
Ela pegou o bebê no colo e caminhou com Giovanni pelos corredores
do hospital. Finalmente poderia ir para casa.
— Estou louca para chegar em casa e mostrar o quartinho para ele —
disse, encantada pelo seu bebê.
— Ele não entende ainda, tesoro!
A jovem mãe olhou para seu filho e sorriu.
— Mas ele vai acostumar e gostar, né, Matteo? — Sorriu para o seu
bebê.
Giovanni passou seu braço pelos ombros dela e a conduziu pelo
hospital. Junto a eles, quatro seguranças faziam a escolta do casal. Logo
chegaram ao estacionamento, onde Ângelo estava aguardando-os. Ele abriu a
porta do carro e sorriu.
— Parabéns, dona Gabriela. Deus abençoe o filho de vocês.
— Obrigada, Ângelo. Amém.
O italiano sentou-se no banco e abraçou a esposa.
— Made está ansiosa para vê-la — confidenciou. — Acho que está
enciumada com a chegada do bebê — declarou sem jeito, algo inusitado
tratando-se do italiano.
— Eu sei, darei muita atenção a ela. Nada mudará. Não se preocupe.
Giovanni beijou os cabelos da esposa.
— Eu sei, mia rossa. Você é melhor que uma mãe para a minha filha.
— Ela é minha filha, também. — Olhou para o italiano e sorriu. — Eu
amo a Made.
Ele inclinou-se e beijou apaixonadamente os lábios da esposa.
— Sei una donna meravigliosa!
Ela sorriu e voltou a olhar para seu filho. Gabriela não conseguia
parar de olhar para seu bebê.
Giovanni se ajeitou no banco. Finalmente, ele poderia ter uma noite
inteira de sono.

†††
Alguém devia ter avisado Gabriela que o bebê iria mamar de três em
três horas. E que isso não seria necessariamente uma regra. Às vezes, de duas
em duas horas. Às vezes, de quarenta em quarenta minutos.
No final da primeira noite com o seu bebê, Gabriela mal conseguia
ficar com os olhos abertos.
Giovanni entrou no quarto dele e a viu cochilando com o bebê em seu
colo. Ele se aproximou e pegou o filho, colocou-o no berço e a chamou:
— Tesoro, venha dormir no nosso quarto.
Gabriela não respondeu, apenas seguiu o marido pelo corredor,
deitou-se na cama e desmaiou.
Mas isso durou pouco. Matteo voltou a chorar, e Gabriela já nem tinha
forças para levantar.
Giovanni novamente interveio. Ele acordou a esposa e ajeitou o filho
no peito dela.
— Tesoro, preciso tomar um banho e ir para o escritório — disse,
cansado, a noite para ele também não tinha sido fácil. — Não durma, ele
pode cair.
Gabriela arregalou os olhos e se ajeitou nos travesseiros.
— Não vou dormir.
— Eu sei. — Sorriu. — A primeira noite é difícil, lembro-me de
quando Made nasceu. Depois melhora.
— Espero que sim, estou um trapo. — Riu cansada.
Ele beijou os lábios dela e seguiu para o banheiro. Minutos depois, o
bebê já tinha mamado e estava dormindo. Gabriela o deitou ao seu lado e
também dormiu.

†††

Um Mês Depois
Madeleine se encaixou ao corpo da madrasta e ficou olhando o irmão
mamar.
— Por que ele mama tanto, Gabi? — perguntou, enciumada.
— Ele é um bebê, Made. Quando tinha a idade dele, você mamava
também. — Riu e beijou a cabecinha da enteada.
— Mas ele mama o dia inteiro, só chora e faz cocô. Ele é chato. —
Fez um bico encantador.
— Oh, Made, tenha paciência. Ele vai crescer logo e você poderá
brincar com ele. Por enquanto, você me ajuda a cuidar do seu irmãozinho?
A garotinha girou os olhos.
— Você brinca comigo depois?
Gabriela torceu seus lábios. Sua vida estava virada de ponta-cabeça.
Pouco tempo lhe restava para brincar com a enteada. No entanto, era preciso
fazer um sacrifício.
— Brinco.
A garotinha sorriu feliz, encaixou-se ao braço da madrasta e dormiu.

†††
A jovem mãe sabia que devia tomar cuidados especiais para não
engravidar.
Teoricamente, ela precisava esperar um pouco mais para voltar a vida
sexual com o seu marido. O problema era que o italiano não tinha paciência
com quarentenas. Giovanni tinha o sangue quente como o inferno.
Gabriela estava penteando seus lindos cabelos vermelhos quando o
marido entrou no banheiro, pegou a escova e começou a escová-los.
— Eu adoro seus cabelos. — Cheirou-os lentamente. — Não os
prenda, agora você está sempre com coques. — Cerrou os olhos. — Odeio
coques.
Ela riu.
— Por que odeia coques?
— Me lembra de quando a conheci. — Riu malicioso. — Era muito
séria, parecia uma freira.
— Oh, que coincidência. Quando me conheceu, não fazia muito tempo
que era uma noviça, sabia?
Ele afastou seus cabelos, expondo a nuca da esposa.
— Não gosto dessa parte de sua história. — Deu um beijo molhado
em seu pescoço, deixou a escova de lado e passou seus braços pelo corpo da
mulher.
— Essa parte de minha história, faz parte de mim, Giovanni. —
Olhou-o seriamente pelo espelho.
Ele acariciou o corpo da mulher, enquanto olhava-a pelo espelho.
— Não digo com relação a ter sido uma noviça, estou falando do
resto. — Acariciou os seios dela, fazendo-a fechar os olhos.
— Do que está falando? — sussurrou, excitada.
— Do maldito padre — rosnou, ciumento, e a olhou pelo espelho.
Ela virou-se em sua direção e o encarou.
— Por que está falando sobre isso? É passado, Giovanni.
Giovanni virou-se e seguiu para o quarto.
O italiano não gostava de cenas de ciúme. Entretanto, aquele verme
sempre assombrava seus pensamentos. A traição de Patrícia tinha deixado
marcas profundas em seu coração. Agora nem mesmo a dedicação de
Gabriela era capaz de aplacar suas desconfianças de ser traído novamente.
Ele a amava, e isso se tornou um grande problema.
Gabriela segurou seu braço e o fez olhá-la.
— Você não me respondeu.
— Ainda pensa nele, Gabriela?
Ela riu nervosa.
— Não, Giovanni.
— Tem certeza? — Semicerrou seus olhos de um jeito perigoso.
A ruiva recuou. Às vezes, ela sentia medo do marido. Principalmente,
quando ficava nervoso. Seu olhar mudava e ele parecia outra pessoa.
— Tenho — respondeu com a voz fraca. — Às vezes, sinto medo
quando me olha assim.
— Mi scusi. — Afastou-se constrangido com o seu próprio
descontrole. Havia momentos que seu passado ressurgia para assombrá-lo. E
Giovanni voltava a ser quem ele era e revivia suas raízes, aquela que queria
esquecer, de um homem violento e perigoso. Ele seguiu até a porta e iria sair,
mas ela o interrompeu.
— Me abrace, Giovanni. — Gabriela fechou os olhos e grudou seus
braços ao pescoço do homem. Ela queria senti-lo e ter certeza de que ele era
a mesma pessoa que havia se apaixonado.
Ele a abraçou forte.
— Não quero que tenha medo de mim. — Afastou-se e a olhou
profundamente. — Nunca farei mal a você.
Ela sorriu para espantar a tempestade. Giovanni era como o oceano,
profundo e revolto, mas fascinante e lindo de se contemplar.
— Eu acredito em você, por isso estou aqui e nunca sairei do seu lado
— ela parou de falar, pois estava emocionada. — Não desconfie de mim, isso
me machuca. — Lágrimas desceram pelo seu rosto.
Giovanni enxugou-as com delicadeza. Ele a amava profundamente, tal
sentimento o deixava inquieto e selvagem.
— Quero fazer amor com você — declarou, com a voz rouca e
carregada de desejo. — Não aguento mais esperar, tesoro. — Beijou seus
lábios com desespero.
— Faltam apenas 10 dias. — Ofegou em seus lábios.
— Vaffanculo [112]esses 10 dias. — Puxou a camisola da mulher e a
levou para cama. — Quero você hoje, agora, Gabriela — declarou, com seu
olhar selvagem, completamente tomado pelo desejo e pela volúpia.
Ela tentou pensar com racionalidade, mas era impossível com aquele
homem beijando-a por inteiro.
Gabriela buscou forças e tentou uma última vez. Segurou-o em sua
loucura de beijá-la. Deitou-o e ficou sobre ele.
— Vamos com calma, meu italiano.
Ele segurou seus quadris e olhou-a tomado pelo desejo.
— O que vai fazer, mia donna?
— Te dar prazer. — Riu maliciosa, beijou o pescoço dele e seu peito
cheio de pelos. Ela adorava cheirá-los e acariciá-los. Desceu seus lábios até
a barriga do marido e depositou mais beijos.
— O que está fazendo, mia donna? — Segurou seus cabelos e a fez
olhá-lo.
— Fammi um bocchino! — Riu envergonhada de sua ousadia.
— Aprendeu direitinho a lição — disse, malicioso. — Então, chupa
meu pau, mia strega!
Ela desceu mais um pouco, abocanhando o membro duro e ereto do
marido. Moveu seus lábios vagarosamente, deliciando-se e dando prazer ao
homem que amava.
— Oh, Gabriela! — Puxou seus cabelos com força e a fez parar. —
Não quero gozar assim, quero chiavare[113], bem forte, até você pedir para
parar. — Trouxe-a para seus lábios e a devorou descontrolado. Virou seus
corpos e a penetrou. — Ohhhh, que saudades da sua fica[114] — gemeu alto,
com os olhos fechados. — Oh, como você é deliziosa! — Moveu-se
lentamente, tentando não machucá-la com a sua brutalidade.
— Vo-cê in-te-rrom-pe, Giovanni? — indagou . Tentando se
concentrar no que falava. Mas era impossível com o marido sugando seus
seios, movendo-se dentro dela, acariciando seu corpo e falando coisas em
italiano.
Ele a deixava em brasa e era difícil pensar quando estava assim.
— Si, si — ele respondeu, mas não parecia muito atento ao que
falava. O italiano estava tomado pela paixão e quando estava assim não
pensava muito.
Subitamente, o homem parou e soltou um rugido digno de um leão.
— Ohhh, Gabrielaaa.
Gabriela não teve forças para pará-lo, ela o queria dentro dela e
desejava senti-lo até o fim. Era maravilhoso fazer amor com o italiano. A
sensação mais incrível que já havia sentido.
Quando ele finalmente se recuperou e olhou para ela. Gabriela
lembrou-se do combinado.
— Você não interrompeu. — Acariciou o rosto dele. — E se eu
engravidar de novo?
— Você não está ovulando ainda, quando a mulher amamenta não
engravida, tesoro!
— Como você sabe? — perguntou, lânguida, sentindo os beijos dele
em seu pescoço.
— Já fui casado, lembra? — comentou, matreiro. — Foi gostoso,
tesoro? — Lambuzou sua orelha com sua saliva, mordiscando e passando sua
língua nela.
Gabriela sorriu e esfregou sua perna na perna peluda de seu homem.
Provocando-o.
— Delicioso. — Mordeu a orelha do marido. — Se não vou
engravidar, então quero de novo.
Ele levantou sua cabeça e a olhou selvagem.
— Você nunca me decepciona, mia strega! — Sorriu e voltou a beijá-
la.
Cinquenta e Dois

Giovanni deitou em sua cama e colocou o filho sobre seu peito. O bebê já
estava com três meses, estava esperto, grande e forte.
A pior fase havia passado. Aos poucos a vida dele e de Gabriela
estava voltando ao normal. Normal era o jeito de dizer, ele sabia que a vida
com os filhos nunca seria muito normal. Na verdade, o italiano não via a hora
que o filho crescesse e que pudesse ensinar a ele várias coisas.
Ele sorriu e beijou os cabelinhos do Matteo.
— Fa' il bravo bambino e dormi[115]… — Giovanni disse para o
filho.
— Pappa!
Giovanni levantou o rosto e viu Madeleine observando-os da porta do
quarto. Sua bambina não estava lidando bem com a chegada do irmãozinho.
Estava ciumenta e ansiosa.
— Vem aqui, mia bambola. — Abriu os braços e a recebeu junto ao
seu peito. — Va tutto bene[116]?
— Si, si… por que ele está dormindo com você, pappa?
— Estou colocando ele para dormir. Assim a Gabi pode tomar banho,
hai capito[117]?
— Eu também posso dormir aqui? — Olhou-o carente.
Giovanni riu.
— Pode, mia bambina. — Beijou seus cabelinhos. — Quer dormir
comigo e com a Gabi hoje?
Seu rosto se iluminou.
— Quero, pappa. — Abraçou-o forte. — Adoro dormir com você e a
Gabi, mas agora que ele nasceu, só ele pode! — Torceu seu narizinho.
— Made, ele ainda é um bebê e precisa da mamãe dele — explicou,
paciente.
— E eu? Eu também sou um bebê.
Giovanni riu divertido e fez cócegas nela.
— Você é mia bambola, mi amore, proprietario del mio cuore![118]
Madeleine gargalhou com as cócegas do pai e com as declarações de
amor dele.
— Vamos fingir que estamos dormindo, assim a Gabi não te levará
para sua cama? — confabulou.
— Si, pappa! — A garotinha fechou os olhos com força e obedeceu
ao pai.

†††
O telefone tocou sobre sua mesa.
— Si, Otávio!
— Sr. Bennedetti, é uma ligação da Itália. Parece ser sua mãe, ela está
nervosa, e não consigo entender o que está falando.
Giovanni enrugou a testa, preocupado.
— Passe a ligação — ordenou.
— Mãe?
— Sim, Giovanni. Preciso que venha para cá, seu pai não está bem.
O italiano levantou-se agitado. Apesar de suas diferenças com o pai,
ele o amava incondicionalmente.
— O que ele tem mãe?
— Ele passou mal, foi levado para o hospital, por favor, meu filho.
Venha logo, preciso de você.
— Si, si, madre, arrivo subito[119].
Giovanni desligou o telefone e foi até a mesa do assistente.
— Preciso de uma passagem para a Itália para ontem. Meu pai está
doente.
Otávio levantou-se assustado.
— Claro, senhor. Dê-me alguns minutos.
— Estou indo para casa arrumar as minhas malas. Ligue-me quando
tiver a passagem.

†††
Giovanni beijou os lábios de Gabriela.
— Não vou demorar — disse, com seu olhar intenso. — Só preciso
saber se meu babbo está bem.
— Tudo bem — disse Gabriela, nervosa. — Me ligue assim que
chegar à Itália. Dê notícias.
Ele a beijou de novo. Cheirou e beijou os cabelinhos de seu filho.
Agachou-se e pegou Madeleine em seu colo.
— Papai volta logo, cuide do Matteo e não o deixe fazer bagunça —
brincou para relaxá-la.
— Não demore, pappa…
— Si, si, não vou demorar. — Colocou a garotinha no chão e segurou
a mão da esposa. — Enquanto estiver fora, tome cuidado e evite passeios
desnecessários. De qualquer forma, Ângelo estará aqui e cuidará de vocês.
— E você ficará sem seu guarda-costas? — indagou, aflita.
Giovanni não podia contar a Gabriela que haveria dezenas deles
esperando-o na Itália. Quando pisasse na Sicília, ele não seria mais o
empresário Giovanni Bennedetti, mas sim o filho do chefe da máfia local e o
provável substituto do pai.
— Não precisarei disso na Itália. — Beijou sua testa. — Cuide de
nossos filhos. — Sorriu.
— Eu cuidarei. — Acenou, enquanto Giovanni entrava em seu carro.
— Deus te acompanhe e proteja, meu amor — ela sussurrou, apenas para si
mesma.

†††
Horas depois, o avião pousou no aeroporto Falcone Borsellino, em
Palermo. Giovanni andou pelos corredores do local, até que viu um dos
homens do pai esperando-o. Ele se aproximou.
— Ciao, sono Giovanni Bennedetti.
O homem sorriu.
— Olá, eu o reconheci, senhor. Vamos, temos um carro à sua espera.
Giovanni o seguiu até a entrada do aeroporto, onde havia mais homens
esperando-o. Quando o viram, fizeram uma reverência com a cabeça. Todos
sabiam que caso Salvatore Bennedetti morresse, seu filho, Giovanni, seria o
novo chefe da organização. E por esse motivo, todos o respeitavam.
Ele entrou no carro, pegou o celular e ligou para a esposa.
Ela atendeu prontamente.
— Giovanni?
— Si, tesoro. Já cheguei.
— Seu pai está bem?
— Estou a caminho da casa de meu babbo. Não sei em qual hospital
está. Vou encontrar minha mãe. Fique tranquila. Depois ligo para você.
— Tá, se cuide…
— Você também. Ciao, mia donna! — Desligou e fechou os olhos. —
Ti amo, mia rossa.

†††
O antigo mordomo da residência dos Bennedettis veio recebê-lo na
porta.
— Sr. Giovanni, que prazer vê-lo. — Abaixou sua cabeça em
respeito.
— O prazer é meu, Mario. — Cumprimentou-o um pouco tenso. —
Onde está minha mãe, combinei de irmos juntos ao hospital.
— Sr. Salvatore já está em casa, graças a Deus, foi apenas um susto.
Giovanni expirou mais tranquilo.
— Graças a Deus, Mario. Onde eles estão?
— Na sala íntima.
— Pode deixar, irei até lá. — Ele deixou suas coisas na entrada da
sala e seguiu pela casa.
Os Bennedettis moravam em uma casa tipicamente siciliana,
conhecida como Bagli. A construção era toda formada por pedras de lava –
era grande e confortável –, e tinha sido totalmente restaurada pelo pai de
Giovanni anos atrás a fim de receber a família.
O italiano andou pelos cômodos e relembrou sua infância. Quando
criança a casa estava sempre cheia. A família de seu pai e de sua mãe se
reunia nas datas festivas no pátio fora da casa. Havia muitos primos e primas.
Tios e tias. Eles eram uma família grande e barulhenta.
Ele sorriu ao ver uma foto onde estavam todos reunidos. Era
aniversário de seu nonno. Infelizmente, meses depois ele foi morto.
Giovanni respirou fundo.
Ele cresceu em meio a violência. Logo cedo teve que conhecer o
poder de uma arma. O tio foi morto dentro do carro onde estavam. Para
sobreviver, Giovanni com apenas 13 anos, pegou a arma do tio e matou os
criminosos. Daquele dia em diante o pai o iniciou na organização. Havia
muitas facções que disputavam o poder sobre a região que moravam. Com a
morte do avô e dos tios, o pai de Giovanni assumiu a organização.
Estar naquela casa trazia lembranças que Giovanni não queria mais
reviver. Ele havia ido para o Brasil para esquecer essa vida de violência,
crimes e mortes. Mas era difícil se livrar dessa herança maldita que o pai
havia guardado para ele.
Ele entrou na sala, e viu o pai sentado em frente a uma lareia. Sobre
suas pernas, uma coberta.
— Pai. — Chamou, temeroso.
O velho virou o rosto e abriu um sorriso genuíno.
— Filho, você veio.
Giovanni aproximou-se do pai, beijou e o abraçou demoradamente.
— Qual a dúvida, pai? Sempre que me chama eu venho. — Sentou-se
na poltrona ao seu lado, esfregou as mãos para aquecê-las e olhou para o
fogo. — O que houve, por que foi hospitalizado?
— Foi a pressão, tive um pico altíssimo, e o médico solicitou alguns
exames. Parece que pode ser do coração, não sei direito.
Giovanni olhou-o preocupado.
— O senhor está abatido. — Cerrou os olhos.
— Talvez, estou velho, Giovanni… já não sou mais o mesmo. —
Ajeitou-se a poltrona. — Dr. Lorenzo pediu para parar com as minhas
atividades. Disse que não tenho mais idade para isso.
O italiano esfregou seu rosto.
— Pai, eu sei que dirá que preciso assumir.
O velho levantou a mão.
— Não quero conversar sobre isso. — Sorriu. — Conte-me como está
Matteo.
O humor de Giovanni mudou bruscamente.
— Está lindo, pai. Um garotão forte e cheio de vida. O senhor tinha
que vê-lo chorando. — Riu. — Ele acorda a casa inteira. — Pegou o celular
e colocou algumas fotos do filho. — Gabriela está cansada, ele mama dia e
noite.
— Que belo, menino, ele parece com você quando era um bebê. Sua
mãe não me deixaria mentir, você parecia um touro. — Riu animado.
— Eu o acho parecido com a Gabriela, os olhinhos são claros. —
Olhou para uma das fotos, onde o filho estava mamando na mãe. — Ela é uma
mulher maravilhosa, pai.
O homem se levantou. E Giovanni se surpreendeu com a sua
desenvoltura. Ele não parecia tão doente. Estava forte.
— O senhor parece bem — disse, confuso.
— Melhorei um pouco, acho que foram os remédios que tomei no
hospital. — Pegou o telefone e voltou a poltrona. — Queria aproveitar que
está na Sicília e marcar alguns encontros. Preciso te apresentar a algumas
pessoas.
Giovanni levantou-se nervoso.
— Não vim até aqui por causa da organização. Vim até aqui para ver
como está. — Olhou ao redor. — Onde está a minha mãe, preciso conversar
com ela e saber o que precisamos fazer a seu respeito. Talvez levá-lo a um
centro médico em Roma.
— Não, não, meu médico é Dr. Lorenzo. Ouça-me, Giovanni, o que
custa conversar com algumas pessoas importantes de nossa organização?
Você precisa estar a par das coisas, imagina se eu morro de uma hora para
outra.
Giovanni esfregou os cabelos, estressado. Ele não queria deixar o pai
nervoso. Era preciso saber exatamente o que o homem tinha, antes de tomar
qualquer atitude.
— Pai, não quero brigar com o senhor. Mas estou preocupado com a
sua saúde. Que se foda a organização. Eu não preciso dela, eu tenho uma
empresa, a minha vida é no Brasil com a minha esposa e filhos.
— Cale-se Giovanni. Você é o melhor, o mais competente e o mais
preparado para assumir a organização. Você é o único que poderá me
substituir. Não deixarei nossa organização não mãos de qualquer um. Se
insistir nessa história, Giacomo será o novo chefe.
Giovanni olhou-o exasperado.
— Giacomo? — repetiu, indignado. — Como pode pensar em colocar
aquele verme como seu substituto? Vincenzo, pai. — Animou-se. — Ele é
leal e confiável, além de ser um Bennedetti.
— Vincenzo é fraco e covarde, os homens não o respeitarão. Você é
muito mais poderoso do que pensa, Giovanni. Nossos homens o respeitam e o
admiram. Esqueça aquela merda de empresa que construiu no Brasil, nossa
organização gera bilhões de euros todos os anos. Mas se não aceitar o
comando, acabará com o nosso nome. Será um desertor e nunca mais poderá
pisar na Sicília. Eles te matarão.
Giovanni remexeu-se atônito.
— Foi para isso que me chamou, pai? Para me colocar contra a
parede? — Respirou feito um touro.
— Quero colocar um pouco de juízo em sua cabeça. Você não é um
homem comum, nunca será! — Esmurrou a poltrona. — Você tem um passado,
Giovanni. Ele sempre te perseguirá.
— Eu enterrei meu passado, construí uma nova vida e não devo nada
a ninguém. — Seguiu para a porta, parou e refletiu. — Me deixe seguir o
caminho que escolhi para mim, pai. Deixe-me ser feliz com Gabriela e meus
filhos.
— Ser feliz com aquela mulher? — Riu com deboche. — Por acaso
você contou a ela quem você é de fato? Ela sabe quantas pessoas já matou,
Giovanni? E que os Bennedettis são criminosos na Sicília?
Ele bufou furioso.
— Não, ela não sabe e nunca saberá, a não ser que você conte, pai! —
Encarou-o nervoso.
— Eu não contarei. — Bufou. — Nunca faria isso com você,
Giovanni, mas mulheres não são confiáveis e não merecem todo esse
sacrífico. Na primeira oportunidade ela te abandonará. E, então, você verá o
preço que pagou por causa de mais umaputa.
— Não fale assim da Gabriela — rosnou.
— Falo, pois ela é exatamente a cópia de Patrícia. Vil e traiçoeira.
Ela te trairá e sabe por que, Giovanni?
O italiano respirou ofegante.
— Ela não te ama. Ela só casou com você porque não tinha nada, nem
ninguém. Você foi um bote de salvação para aquela moça. É do seu dinheiro
que ela precisa e não de você.
— Vou procurar por minha mãe, sinceramente, não sei o que estou
fazendo aqui.
Virou-se e saiu desnorteado.
†††
A respiração de Giovanni saía em tufos de ar fortes e pesados. Toda a
sua ira estava à flor da pele.
Ele havia sido enganado pelo pai e pela mãe. Não existia doença,
muito menos hospital. Havia apenas o desejo de seu pai pelo poder de uma
organização criminosa. Ele queria mantê-la com os Bennedettis,
independentemente do que isso significasse ao seu filho.
— Giovanni.
Giovanni olhou para trás e viu Antonella.
Era muita merda para um único dia.
Ele a ignorou e seguiu por entre os cômodos.
— Giovanni, só um momento. — Ela correu até ele e o segurou. —
Ei, não tenho nada a ver com os problemas seus e de seu pai. Sou uma peça
no tabuleiro dele com meu pai. Eles me querem casada com você, não eu…
Giovanni olhou para trás e tentou não descontar todo o seu ódio em
sua prima. Ele não a odiava. Eles tiveram juntos uma infância feliz. Antonella
tinha sido seu primeiro amor. Mas tudo na vida passava e apesar dela ter se
tornado uma mulher linda, a moça já não significa nada para ele.
— O que faz aqui, Antonella? — indagou, ríspido.
— Tia Beatrice disse que viria. Pensei em vê-lo, dizer o quanto sinto
pela morte de Patrícia.
— Eu a matei, não sinta por isso — retrucou, sem remorsos. — Ela e
Giacomo planejaram me matar. — Riu amargurado. — Você sabe o que
fazemos com traidores, não sabe?
A moça riu com tristeza.
— Sei, sou filha de um mafioso, como você… sei como funcionam as
coisas. — Remexeu-se impaciente. — Que tal tomarmos um vinho, você está
nervoso e o dia está frio…
Giovanni respirou profundamente.
Ele não poderia voltar para o Brasil assim, de súbito. Era melhor se
acalmar, conversar com sua mãe, em seguida voltar para casa.
— Sim, vamos, mas não aqui. Preciso me acalmar primeiro.
— Que tal irmos à Cantina Ramaddini? Imagino que esteja com fome
— sugeriu, com simpatia.
— Um pouco. — Remexeu-se nervoso. — Tudo bem, vamos.
†††
Os dois remexeram suas taças e aguardaram enquanto suas massas não
eram servidas.
— Soube que se casou de novo — comentou Antonella, displicente.
— Casei-me, meu filho está com 3 meses. — Sorriu sem vontade.
— Fiquei sabendo que a moça é uma ex-noviça, por muito pouco não
foi uma freira. — Moveu os lábios, desconfortável.
Giovanni riu pelo nariz.
— Engraçado com as notícias correm rapidamente em nossa família.
— Você sabe que sou muito próxima aos meus tios, a tia Beatrice é
minha segunda mãe.
— Eu sei, eles gostam muito de você. — Deu um gole em seu vinho.
— Diga-me, por que se envolver com alguém tão diferente de você?
Ela é seu oposto, suponho! — Levantou as sobrancelhas. — Deus e o diabo
na mesma casa não combinam.
O italiano riu.
— Claro que combinam, um controla o outro. — Girou a taça entre
seus dedos.
— Fale sério, primo. O que procura nessa moça? Por que ela e não
uma como nós?
Ele inspirou profundamente.
— Porque ela resgata o que há de melhor em mim. Porque com ela eu
posso ser quem eu quero e não quem meu pai me obrigou a ser.
Os dois olharam-se demoradamente. Antonella conhecia Giovanni em
sua essência. Ela sabia mais sobre ele do que qualquer outro Bennedetti.
— Você não quer assumir a organização, não é mesmo?
— Não, Antonella. Fui para o Brasil para ter uma vida diferente da
que tinha aqui. Não é fácil recomeçar, a violência corre em minhas veias.
Mas desde que a minha filha nasceu eu prometi a mim mesmo que não a faria
viver como vivi. Estou lutando contra a minha essência, Antonella… Não
posso voltar, senão retomarei tudo que deixei para trás e em consequência
disso perderei Gabriela. Ela não me aceitaria se soubesse que tipo de homem
eu fui. Você me entende? — Abaixou os olhos e respirou profundamente.
— Entendo. — Ela acariciou a mão do homem. — Queria que tivesse
vindo me buscar, eu adoraria recomeçar minha vida com você, em outro
país… sem passado, só um futuro lindo e promissor para nós.
— Seu pai mandaria alguém ao Brasil para me matar. — Riu com
tristeza. — Ele nunca me deixaria levá-la comigo.
— Mas você me levaria com você se pudesse? — Virou seu pescoço
de lado.
— Não. — Encarou-a profundamente. — Eu queria me livrar de tudo
que me lembrava da Sicília.
Ela riu sem vontade.
— Eu nunca te esqueci.
Giovanni empertigou nervoso.
— Éramos muito novos, Antonella.
— O que importa, você foi e sempre será o amor da minha vida.
Ele olhou ao redor a procura do garçom.
— Eu sei, você não quer falar sobre isso. — Ela riu com tristeza. —
Mas quero que saiba que se tudo der errado com a sua Gabriela, estarei aqui,
Giovanni.
O italiano levantou-se de súbito.
— Vou ao banheiro.
Ele pegou o celular no bolso e ligou para seu amor.
— Ciao, tesoro!
— Oi, como estão as coisas? Seu pai está bem? — indagou,
preocupada.
— Si, si, ele está bem. Foi só um susto. Volto amanhã. — Sorriu. —
Já estou com saudades de vocês.
— Nós também, a Madeleine pergunta de você a cada cinco minutos
— comentou.
Giovanni ouviu um resmungo ao fundo e sorriu.
— Matteo está em seu colo?
— Sim, está na hora de ele mamar! — Ela bufou. — Ele está
irritado hoje. Chorou o dia inteiro.
— Devem ser as cólicas — disse Giovanni.
O resmungo virou um grunhido, que logo se transformou em um choro
forte e agudo, escutar seu bambino fez Giovanni sorrir mais.
— Pode ir amamentá-lo, tesoro, depois nos falamos.
— Tudo bem, estou te esperando.
— Em breve estarei em casa. Ciao, mia donna!
Giovanni desligou e inspirou pesadamente.
— Não te perderei Gabriela, nunca!
Cinquenta e Três

Gabriela remexeu-se incomodada. Havia um vazio em sua cama, mas isso


foi subitamente preenchido. Mesmo mergulhada em seu sono, ela sentiu a
presença dele.
Um toque macio em seu braço e os beijos em seus ombros,
misturaram-se ao seu sonho. A sensação era deliciosa, familiar e única.
Sem que tivesse noção, ela mexeu seu corpo a procura do marido.
— Giovanni — balbuciou, sonolenta, o nome do italiano.
— Si, mi amore, estou aqui. — Ele acariciou suas curvas por debaixo
das cobertas, juntou os corpos e tentou acordá-la. — Boungiourno, mi tesoro.
A mulher estava exausta depois de uma noite terrível com seu bebê
chorando por causa das malditas cólicas. Talvez por esse motivo demorasse
tanto a ter certeza da presença do marido.
Giovanni já estava quase desistindo quando ela finalmente abriu os
olhos e o olhou assustada.
— Giovanni! — Sentou-se bruscamente.
— Si, sou eu, em carne e osso. — Sorriu.
Ela agarrou-o pelo pescoço, distribuiu beijos em suas bochechas e
lábios. Havia uma alegria genuína no rosto da ruiva, em seus beijos e na
forma como sorria.
— Você chegou! — disse, extasiada.
— Peguei o avião às 19h de ontem, cheguei agora de manhã. — Ele a
olhou demoradamente, havia uma euforia em seu peito por revê-la, uma ânsia
em tomá-la em seus braços e nunca mais se separar dela. As longas horas
longe da mulher só provaram o que já sabia. Ele a amava loucamente.
Apesar do pouco tempo longe um do outro, a sensação que tinham é
que havia passado semanas.
— Estou morta de saudades de você. — Ela sorriu e beijou-o
novamente. — Eu sei que foram algumas horas, mas senti tanta sua falta. —
Voltou a beijá-lo.
— Eu também, tesoro mio! — Puxou-a para junto de seu corpo,
esmagando-a contra seu peito.
O italiano deitou-a na cama e levantou sua camisola. Com os lábios
começou a distribuir beijos e lambidas por seu corpo. Brincou com os seus
mamilos, acariciou suas pernas, seu sexo…
Gabriela não queria esperá-lo terminar com aquela tortura. Ela puxou-
o e começou a abrir os botões de sua camisa.
Giovanni ajudou a tirá-la e os dois seguiram apressados para a calça.
Em pouco tempo, Giovanni estava nu.
A ruiva deitou-se e o chamou, estava morta de desejo. Ela o queria
dentro dela. Sentir o corpo grande e pesado do marido sobre o seu.
Havia uma união carnal entre eles, no entanto, não era só isso. As
almas estavam conectadas estranhamente, como se sempre tivessem sido um
do outro.
— Vem, Giovanni.
Ele sorriu malicioso e deitou-se sobre o corpo da esposa. Gabriela
passou as pernas pelos seus quadris e se encaixou na ereção do marido.
O italiano se moveu lentamente. Ele queria desfrutar da sensação
deliciosa de estar dentro da esposa.
— Estava com saudades dele, mia donna? — indagou, sedutor, entre
beijos e mordidas, no pescoço, lábios e seios da esposa.
— Muitas. — Ela fechou os olhos e mexeu os quadris. A mulher
queria sentir o membro do marido em seu ponto de prazer.
Giovanni pressionou mais seu corpo contra o corpo dela, se mexeu,
friccionou e a ajudou a chegar ao prazer.
— Ah, Giovanni! Isso! Ah! Hum!
— Mussa, Gabriela! Goze pra mim, mia donna!
Gabriela chegou ao clímax, seguida por seu homem. Barulhento,
intenso e selvagem.
— Oh! — Ele respirou ofegante. — Irei viajar mais vezes. — Riu no
pescoço da moça.
— Não, não quero que viaje. — Ela grudou os braços ao corpo do
marido. — Não suporto ficar longe de você.
Giovanni sorriu satisfeito.
— Eu também não, Gabriela. — Encarou-a com seus olhos negros e
misteriosos. — Não consigo mais viver sem você.
Ela sorriu emocionada. Gabriela queria dizer o quanto o amava. Mas
havia sempre a dúvida do que era realmente feito seu relacionamento com o
italiano.
Seria apenas uma conveniência para ele?
O quanto era verdadeiro tudo aquilo que havia entre eles?
Um peso sobre seu peito a sufocou. Um medo. Um sentimento ruim.
Ela não entendia o que eram aquelas sensações que a inundavam
quando a felicidade a tomava por completo.
— O que foi, por que está me olhando assim? — Ele acariciou seu
rosto.
— Nada. — Tentou sorrir. — Às vezes, me sinto tão feliz que tenho
medo.
Giovanni balançou a cabeça e sorriu.
— Não tenha medo, eu estou aqui, mia rossa. — Apertou-a em seus
braços. — Sempre estarei.
Ela fechou os olhos com força e o abraçou mais.
Gabriela queria ter certeza de que tudo que estava vivendo com
aquele homem não era um sonho. Ela queria ter certeza de que finalmente
tinha sido perdoada pelo que tinha feito no passado e que poderia ser feliz.
— Eu sei, e confio em você.

†††

A babá olhava impaciente enquanto a patroa dava banho, trocava e


arrumava o bebê. Ela ainda não tinha certeza qual era a sua função na casa. A
moça de cabelos vermelhos não a deixava fazer nada.
Bem, quando a patroa dormia ela podia cuidar da criança, mas apenas
nesses momentos.
— Quer ajuda, dona Gabriela. Eu coloco a roupinha nele. — Sorriu
sem jeito.
A jovem mãe olhou para trás e sorriu. Não era um sorriso falso, mas
sim um terno e feliz.
— Não precisa, eu agradeço muito, mas eu adoro cuidar dele! —
Olhou para o bebê como se estivesse enfeitiçada. — Você acha que essa
roupinha está boa para o batizado?
A babá sorriu. Ela nunca tinha conhecido uma patroa tão rica e, ao
mesmo tempo, humilde.
— Está lindo, dona Gabriela. Ele parece o menino Jesus.
Gabriela inclinou-se sobre o bebê e o encheu de beijos. Na barriga,
nas pernas e nas bochechas. Ela era exagerada no amor que sentia pelo seu
filho.
O bebê riu deliciosamente.
— Gabi.
Gabriela olhou para trás e viu sua enteada. Ela parecia uma noivinha.
Por um milagre a ruiva colocou o bebê no colo da babá e foi ao
encontro da sua garotinha.
— Oh, como você está linda, Made! — Abraçou-a e encheu suas
bochechas de beijos. — Mia bambola — imitou o pai da menina, fazendo-a
sorrir.
A jovem estava em um dia muito especial de sua vida. Ela iria batizar
seu filho. E isto a estava deixando em estado de graça.
— O pappa está chamando-a, Gabi! Ele disse que vamos nos atrasar.
Gabriela levantou-se apressada, arrumou sua roupa e inspirou.
— Estamos prontos. — Pegou o bebê, segurou a mão da enteada e
seguiu para as escadas.

†††
Giovanni havia concordado com muito sacrifício em batizar o filho. O
italiano há muito tempo não acreditava na igreja Católica. No entanto, ele não
conseguiu decepcionar sua ruiva. Gabriela valorizava cada uma daquelas
cerimônias: casamentos, batizados, missas, etc.
O italiano vivia entre o bom e o mau. O bom era aquela mulher que
ele escolheu para ser sua esposa. Ela era o verdadeiro sentido para todas as
mudanças que haviam acontecido no homem. Por ela ele faria tudo, até
mesmo virar as costas para o pai. O mau era o que habitava em seu interior.
Havia sangue em suas mãos, crimes e violência. Mas Gabriela era sua
rendição, ele não queria mais nada disso para sua vida.
O velho padre que abençoou seu casamento era o mesmo que estava
batizando seu filho.
Gabriela segurou Matteo e deixou que o padre banhasse sua cabeça
com a água benta. Matteo berrou com a água fria sobre sua pele, mas logo o
padre a enxugou, terminando a cerimônia.
Giovanni pegou o filho no colo e andou agitado pelo lugar. Igrejas o
deixavam nervoso. Ele queria terminar logo aquilo e ir embora.
— Vamos, tesoro!
Gabriela olhou para ele e sorriu.
— Vou aproveitar para conversar um pouco com o padre.
— Sr. Bennedetti, deveria frequentar com mais regularidade nossa
paróquia. Sua esposa sente falta.
Giovanni girou os olhos.
— Ela tem uma capela só dela, padre. — Riu com sarcasmo.
Gabriela olhou ao redor.
— Aqui é diferente, a sensação que tenho é diferente — ela disse,
com os olhos sonhadores. — Gosto de missas. Nossa capela é linda, mas é só
um lugar para orações.
Ele bufou. O homem não suportava aquele olhar perdido que ela fazia.
Ele a privava de tantas coisas. Não era justo fazer isso com a esposa.
— Pode vir uma vez por semana, tesoro.
Os lábios da moça se abriram em um sorriso encantador.
— Sério? Posso vir assistir as missas dessa paróquia?
— Sim, uma vez por semana, está feliz agora? — indagou, satisfeito.
Ela o abraçou e beijou.
— Sim, muito.
Gabriela virou-se para o padre e beijou sua mão.
— Obrigada, padre, nós nos veremos em breve.
Em alguns minutos eles estavam no carro do italiano.
— Vamos almoçar no restaurante de um dos nossos hotéis — ele
avisou. — Acabamos de inaugurar. Quero que conheça, tesoro.
— Oh, nosso dia hoje está cheio de novidades — afirmou,
empolgada.
Ele beijou sua mão e a olhou por sobre seus cílios.
— Sim, hoje estou bonzinho. Aproveite! — Piscou.
Em minutos, Ângelo estacionou o carro no hotel do chefe.
Gabriela olhou ao redor extasiada. O hotel era enorme, luxuoso e
devia custar um absurdo para se hospedar.
— É seu, Giovanni? — indagou, confusa, olhando para os lustres
imensos que pendiam na entrada do hotel.
— É nosso, mia rossa. — Sorriu satisfeito.
— É lindo. — Sorriu encantada com o lustre que brilhava a sua
cabeça. Milhares de pequenos cristais ofuscavam seus olhos com seu brilho.
Ele pegou em sua mão e a conduziu até os elevadores. Enquanto isso,
Madeleine caminhou ao lado da babá, que carregava o carrinho do bebê.
— Eu tenho uma surpresa para você — disse ele, misterioso.
Ela olhou-o sorrindo.
— Uma surpresa para mim, aqui? O que seria? Um almoço regado a
camarões gigantes — ironizou.
— Oh, você só pensa naqueles bichos vermelhos. — Giovanni sorriu,
matreiro.
— Que surpresa poderia me fazer em um almoço? — indagou,
descontraída, e fingiu pensar.
O elevador abriu suas portas. Era um andar inteiro para o tal
restaurante. Na entrada do lugar havia um letreiro feito em letras douradas.
— Mia rossa. — Gabriela leu pausadamente. — Mia rossa é o nome
do restaurante? — Olhou-o confusa.
— O antigo nome era outro, eu mudei para homenageá-la.
Gabriela olhou para o marido em descrença.
— Não. — Soltou uma risada nervosa. — Você está mentindo, quer
me enganar. Você não faria isso.
No mesmo instante um maître veio recebê-los, ele sorriu e meneou
sua cabeça.
— Seja bem-vindo, Sr. Bennedetti, que honra tê-lo aqui.
— Obrigado, Martin. Trouxe minha família para conhecer o novo
restaurante.
— Ficou magnífico, os clientes não cansam de elogiar — disse o
homem, orgulhoso.
— Qual era o antigo nome mesmo, Martin? — Franziu sua testa.
— O maestro, mas acho que Mia Rossa é melhor. — Olhou para a
mulher ao lado do italiano. — Prazer, senhora, seja bem-vinda.
Gabriela mal conseguiu responder.
— Obrigada.
O italiano olhou para ela e sorriu.
— Venha, mia rossa, este restaurante é seu.
— Obrigada, Giovanni. — Seus olhos embaçaram. — Que
homenagem linda.
Ele segurou seu rosto e a beijou.
— Você merece isso e muito mais. — Olhou-a intensamente. —
Vamos, existe um prato especial chamado mia rossa, é o seu preferido em
nossa casa.
Ela cobriu os lábios e riu.
— Você é louco.
— Por você. — Estreitou os olhos e a conduziu pelo restaurante.
Cinquenta e Quatro

Heloísa Valente não era uma advogada comum. Ela só trabalhava para
criminosos, políticos e empresários corruptos. Ela era conhecida como a
advogada do crime, e sentia-se orgulhosa do título que havia conquistado com
muito trabalho e dedicação.
Dra. Valente não era simplesmente boa, mas sim a melhor. Contudo,
infelizmente, a mulher usava todo o seu talento para safar criminosos de pagar
seus impostos, sair da cadeia e viabilizar negócios fraudulentos.
Ela e Patrícia haviam se conhecido na faculdade, elas foram amigas
de turma, se formaram juntas e tinham em comum o desejo de trabalhar na
empresa do jovem empresário italiano Giovanni Bennedetti.
Óbvio que naquele tempo, as duas já sabiam que tipo de negócios o
italiano lindo e sexy tinha. Ele contrabandeava produtos, roubava cargas,
emprestava dinheiro a taxas exorbitantes, fraudava o governo e, quando havia
desavenças, matava seus inimigos.
O nome do italiano foi mencionado pela primeira vez na vida das
duas amigas na aula de direito criminal. O jovem empresário estava sendo
acusado por promotores públicos de formar uma organização criminosa no
país. Na época, o caso tomou conta de todos os jornais, por conta da
visibilidade foi trazido para a sala de aula para uma discussão ampla entre
professores e alunos.
As duas amigas ficaram fascinadas pelo italiano. Não importava que o
homem estava sendo processado por dezenas de crimes e que os promotores
públicos o queriam atrás das grades. Não havia uma mulher na face da terra
que não queria abrir as pernas para aquele homem. Ele era lindo, sexy, rico e
poderoso. Impressionante como todos esses adjetivos juntos eram capazes de
transformar o mais miserável dos homens no mais desejável.
Quando Heloísa e Patrícia pisaram pela primeira vez no escritório do
italiano, ela sentiu que nunca mais seria a mesma. Seria inútil lutar pelo que
sentiu pelo homem. Entretanto, Giovanni Bennedetti mal conseguiu olhar para
a candidata a estagiária, pois só tinha olhos para sua amiga Patrícia.
Ele se apaixonou por ela à primeira vista, e Heloísa se apaixonou por
ele também. Com relação a Patrícia, ela não tinha se apaixonado pelo
italiano, mas sim pelo que ele era e representava. Patrícia se apaixonou pelo
poder, pelo dinheiro e pelo homem perigoso que Giovanni era.
Heloísa se tornou a estagiária de Giovanni, enquanto Patrícia, sua
amante.
Neste momento, a amizade das duas amigas acabou e o
relacionamento com Giovanni Bennedetti começava.
Heloísa olhou através do vidro de seu carro para a Mercedes que
trazia Gabriela Bennedetti. O segurança parou o carro e estacionou em frente
a uma paróquia singela.
Ela sorriu.
— Quando achei que estava tudo acabado, olha só a surpresa que
recebo — disse para si mesma.
Heloísa pegou o celular e escolheu um contato.
— Ciao, Heloísa. Vá bene, bella ragazza?
— Sim, tenho novidades, Sr. Salvatore.
— Conte-me.
— Sua nora agora frequenta semanalmente uma singela paróquia.
Estou acompanhando-a há algumas semanas. Queria ter certeza de que isso
era uma rotina. Agora tenho certeza. Acho que chegou o momento de
colocarmos nosso plano em ação, Sr. Salvatore.
— Que boa notícia, pode dar andamento.
— Já tenho o nome do padre que ela se envolveu. Já sei a paróquia
onde ele é sacerdote. Agora, o próximo passo é transferi-lo para a que a ruiva
frequenta.
— Me passe o nome do padre e sua paróquia, falarei com os meus
contatos na igreja. Não será difícil pedir a transferência.
Heloísa torceu os lábios. Ela já havia vasculhado a vida do sacerdote
local, sabia que o clérigo era respeitado e amado por sua comunidade. Isso
poderia ser um problema.
— O sacerdote da paróquia é muito antigo aqui. Ele é muito querido.
Não sei se a comunidade ceitará sua retirada. Lembro-me de que quando era
criança um padre foi transferido da nossa paróquia, mas a comunidade o
adorava e reverteu a transferência.
— Neste caso o matamos, não há jeito para reverter a morte, minha
querida! — Gargalhou.
Heloísa levantou suas sobrancelhas.
— Sr. Salvatore, sou uma advogada e não uma assassina.
— Eu sei, querida. Você fará algo para mim, contatará Giacomo e
contratará a morte do clérigo.
— Não é melhor o senhor fazer isso? — indagou, confusa. — Ele é
seu sobrinho.
— Não, não quero que ele saiba que estou envolvido nisso. Seja
discreta, não o deixe saber detalhes do nosso plano. Giacomo não é de
confiança. Avise-me quando o serviço estiver feito, pois imediatamente
ligarei para um amigo cardeal em Roma e indicarei o sacerdote para a
paróquia.

†††
Heloísa não gostava de Giacomo Bianchi. Talvez isso tenha sido
reflexo de anos trabalhando para Giovanni. Ela sabia o quanto o primo
odiava o bastardo e isso se transferiu para ela.
Ela entrou em seu covil. Essa não era a primeira vez que estava na
organização de Giacomo. Ela era uma advogada e estava onde os clientes a
chamavam. Todavia, Heloísa era fiel a Giovanni e por esse motivo declinou
da proposta do primo de contratá-la para livrá-lo de suas falcatruas.
— Dra. Heloísa Valente, que prazer imenso em vê-la — disse o
verme assim que a mulher entrou em sua sala.
— O prazer é meu, Sr. Bianchi. — Sorriu sedutora.
— A que devo a nobre presença da advogada do meu cugino?
— Posso me sentar? — indagou, com um olhar sexy.
— Oh, que falta de educação a minha. — Levantou-se apressado e
puxou uma cadeira para a mulher. — Sente-se. — Aspirou seu perfume na
nuca. — Adoro seu perfume, Dra. Valente.
— Quer o nome, para caso queira comprar para alguma de suas
amantes? — questionou, com deboche.
Ele gargalhou.
— Adoro seu senso de humor, Dra. Valente. — Sentou-se e riu. —
Diga-me, qual o problema? Giovanni está me processando por algo? — Riu
com cinismo.
— Não trabalho mais para Giovanni Bennedetti, Sr. Bianchi… isso já
faz muito tempo.
Ele coçou sua testa.
— Que boa notícia, então quer dizer que agora pode trabalhar para
mim?
— Sim, claro. Mas o que me trouxe aqui é outro motivo. Preciso
contratá-lo, tenho um serviço para você.
Ele segurou seu queixo e a olhou intensamente.
— O que seria, Srta. Heloísa, já aviso que cobro caro.
— Preciso que mate um sacerdote.
Ele jogou sua cabeça para trás e gargalhou.
— Só isso?
— Sim, mate-o e terá seu pagamento.
Ele coçou seu queixo.
— Por que quer matar um padre? — Estreitou os olhos.
Ela riu.
— Ah, não posso abrir informações confidenciais de meus clientes.
Giacomo levantou suas sobrancelhas.
— Entendo. — Levantou-se e andou ao redor dela. — Dê-me o nome
e a paróquia do padreco. Darei um jeito nele. — Parou nas costas da
advogada e massageou seus ombros. — Quanto ao pagamento.
Heloísa como era astuta, levantou-se bruscamente.
— Pagarei em dinheiro assim que for eliminado. — Virou-se em seus
saltos e seguiu até a porta. — Obrigada, Sra. Bianchi. Foi um prazer revê-lo.
Antes que a mulher saísse, o homem indagou:
— O que isso tem a ver com Giovanni? — Aproximou-se. — Sou uma
raposa esperta, Dra. Valente. Eu sinto cheiro de retaliação por um amor não
correspondido. — Riu com deboche.
Heloísa titubeou nervosa.
Não havia como aquele verme saber de seus planos. A não ser que ele
estivesse seguindo-a.
— Nem todos os meus pensamentos incluem Giovanni Bennedetti, Sr.
Bianchi. Diferente do senhor. — Virou seu pescoço de lado. — Parece-me
que está tendo alucinações com Giovanni. Enxerga-o até onde não está.
Ele riu pouco à vontade.
— Me passe os dados do padre. Estudarei seus hábitos e assim que
der, eu o elimino.
Heloísa ficou nervosa. Giacomo não poderia ver Gabriela na
paróquia. Isto estragaria seus planos.
— Você tem até o final de semana para eliminá-lo. Tenho pressa. Meu
cliente tem negócios que não podem esperar. Um novo sacerdote está a
caminho.
— Hum, assuntos do Vaticano? — debochou.
— Sim. — Sorriu, seguiu até a porta e se despediu. — Confio em
você para que tudo seja feito com discrição. Simule um assalto ou algo do
tipo. Não deixe pistas.
— Não me diga como fazer o meu trabalho, Dra. Valente. O chefe aqui
sou eu.
Ela sorriu sedutora.
— Sim, eu sei. Tenho essa mania de mandar.
— Adoraria vê-la mandar em mim, mas na cama. Costumo ser
submisso nessas situações.
Ela riu discretamente, abriu a porta e saiu.
Cinquenta e Cinco

Gabriela pegou seu bebê e seguiu para o carro que a esperava. Junto dela
estavam a governanta e a Madeleine.
Era o dia da visita semanal a avó. Nem sempre esse dia tinha sido
motivo de alegria para a jovem, mas há algum tempo as idas à clínica
tornaram-se momentos prazerosos.
Todas entraram no carro e seguiram para o passeio.
Minutos depois, o guarda-costas de Giovanni estacionou o Rolls-
Royce, ligou para os outros seguranças que faziam a escolta e acompanhou a
patroa até o interior da clínica.
Logo que a avó viu Gabriela entrar com o bebê, levantou-se animada.
— Oh, Gabriela, eu estava com saudades dele, que bom que o trouxe
hoje. — Beijou a neta e pegou a criança em seu colo. — Ei, italianinho, você
está cada dia mais bonito, sabia? — disse a velha, carinhosa.
— A senhora parece tão animada hoje, fico tão feliz quando a vejo
assim. — A ruiva sentou-se ao lado da avó, num sofá bonito e confortável
que havia em seu dormitório.
— Deve ser o tratamento, os médicos daqui são excelentes. —
Segurou as mãozinhas do bebê e brincou com elas. — Ele está tão lindo,
Gabriela.
Gabriela sorriu apaixonada. Ela era suspeita para falar, afinal a moça
considerava o filho o mais bonito do mundo.
— Vem, Made, sente-se aqui no meu colo — Chamou a enteada e
sorriu. — Minha bebê também está linda, não está, vovó? — brincou com
Madeleine.
— Ela é uma menina linda, parece muito com o seu marido.
A ruiva a apertou em seus braços.
— Ela é nossa bambola!
— Oh, não fale em italiano que não entendo.
Gabriela e Madeleine riram.
A tarde passou agradável. A clínica da idosa ficava num lugar bonito.
Havia um bosque para os internados passearem, lanchonete para os visitantes,
salas aconchegantes para ler, assistir tv e conversar. Não era difícil passar o
tempo com a avó.
Horas depois, elas retornaram para casa.

†††
Gabriela colocou uma roupa mais sóbria, pegou seu terço, um véu que
gostava de colocar sobre a cabeça e seguiu pelas escadas.
Ela entrou na cozinha, e perguntou pela governanta:
— Dona Rute, onde está?
— Ela foi ao mercado com o motorista, dona Gabriela — explicou a
cozinheira. — Ela não voltou ainda. A senhora quer alguma coisa?
— Oh, acho que ela esqueceu que iríamos à missa hoje. — A moça
remexeu-se nervosa.
A cozinheira torceu os lábios.
— Ela saiu faz tempo, já deveria ter voltado.
Gabriela inspirou profundamente.
— Bem, terei que ir sem ela.
— Eu aviso que a senhora seguiu sozinha, quer que chame um dos
seguranças para levá-la?
Eram apenas alguns minutos de missa e a governanta odiava
acompanhá-la. A mulher era ateia e não acreditava em nada que era falado
pelo padre.
A moça sorriu.
— Eu vou sozinha, caso contrário, não chegarei a tempo. Daqui a
pouco estou de volta. Made e Matteo estão cochilando.
— Está certo. Vou chamar o outro segurança, ele a acompanhará.
— Obrigada.
Gabriela seguiu para a sala, em alguns minutos um rapaz foi encontrá-
la.
— Pois não, Sra. Gabriela.
— Oi, Carlos. — Ela sorriu amável. — Dona Rute se esqueceu de
mim, você me leva a missa, por favor?
— Claro, vou pedir para um outro colega nos acompanhar.
Os dois seguiram para a garagem onde ficavam os outros carros do
italiano. Gabriela entrou em um modelo Mercedes e aguardou enquanto o
segurança retornava. Minutos depois, eles estavam a caminho da igreja.

†††
Logo na entrada do santuário, a jovem percebeu um clima diferente.
Algumas mulheres cochichavam, outras se reuniam em rodinhas. A moça não
tinha amizade com ninguém, então resolveu seguir até um banco e se sentou.
Os seguranças que a acompanhavam deixaram o local e se
posicionaram na frente da igreja. Aos poucos, Gabriela conquistava sua
liberdade. Não havia mais seguranças sentados ao seu lado. Esse era um
momento só dela, onde podia orar e conversar com Deus.
Ela ajoelhou-se e fez a sua oração. Quando voltou a se sentar, uma
mulher estava ao seu lado. Gabriela sorriu e cumprimentou-a.
— Boa tarde.
— Infelizmente, não poderei dizer que é uma boa tarde — declarou,
com tristeza.
— Oh, me desculpe.
A mulher olhou-a curiosa.
— Pelo visto você ainda não está sabendo.
— Sobre o quê? — ela indagou, com as sobrancelhas arqueadas.
— O nosso padre sofreu uma tentativa de assalto, está entre a vida e a
morte. — A mulher fungou nervosa.
O coração de Gabriela disparou de apreensão.
— Meu Deus, quando foi isso?
— Não tenho certeza, ontem não tivemos missa e a igreja ficou
fechada o dia inteiro. — Limpou os olhos com um lenço. — Parece que já
enviaram um novo padre para celebrar as cerimônias. Não sabemos muita
coisa. Ninguém fala nada.
Gabriela olhou atônita para o altar. Ela adorava o sacerdote, eles se
tornaram amigos.
Ela ainda estava em estado de choque quando ouviu uma voz familiar
pelo microfone. Levantou os olhos e levou um susto.
Era o padre pelo qual havia sido apaixonada.
— Boa tarde, irmãos e irmãs, meu nome é padre Túlio, fui enviado a
essa paróquia para substituir o antigo padre. — As palavras saíram
engessadas, mecânicas, não havia emoção. Ele não parecia o mesmo homem
que Gabriela havia conhecido anos atrás. — Eu sei que estão todos curiosos
para saber o que houve com o antigo sacerdote, mas eu ainda não tenho
informações.
— Disseram que ele foi assaltado, que está entre a vida e a morte —
disse uma mulher, exaltada.
— Irmã, peço desculpas, mas eu realmente não sei. Vamos iniciar a
missa? — Sorriu com dificuldades.
Gabriela remexeu-se nervosa. Sua vontade era levantar-se e ir
embora. Mas chamaria muito a atenção e isso era a única coisa que não
queria fazer.
Com o véu sobre a cabeça, ela tentou seguir oculta entre as pessoas,
no entanto, havia poucos fiéis na igreja. E quando menos esperava, ela o viu
olhando em sua direção
Seu coração disparou. Entretanto, não era como antes. Não havia mais
aquela paixão avassaladora e proibida. Gabriela não sentia mais nada por
aquele homem. Na verdade, ela sentia…
Nojo.
Com que moral ele subia aquele altar e proferia as palavras de
Deus? Como ele conseguia colocar as vestimentas sagradas de um padre
depois de desvirginar uma mulher?
Gabriela teve nojo e raiva dele.
Ela abaixou a cabeça. Era difícil permanecer naquele local depois de
revê-lo.
Padre Túlio era uma mentira, e ela tinha vontade de gritar para que
todos ouvissem o que tinha a dizer.
A missa seguiu diferente. Havia algo de errado. Mas Gabriela
resolveu esperar até o final. Essa seria a última vez que viria a essa igreja.
Gabriela esperou a cerimônia terminar e quando se levantou para sair,
ele se aproximou.
— Olá, Gabriela. Que coincidência encontrá-la aqui. — Sorriu
forçado.
— Sim, foi… bem… dá licença, padre, eu preciso.
Ele a interrompeu.
— Eu sei que guarda muitas mágoas de mim, eu sinto esse peso em
minhas costas todos os dias quando me levanto.
A moça olhou ao redor preocupada.
— Pensei muitas vezes em procurá-la para pedir perdão.
— Padre, não temos nada para conversar. — Tentou sair, mas ele a
segurou discretamente.
— Preciso de apenas um minuto, Gabriela, preciso te dizer algumas
coisas para seguir em paz, minha vida tem sido um inferno. Por favor, venha
comigo.
Nervosa com a possibilidade das pessoas ouvirem aquela conversa.
Ela assentiu, seguiu com ele até uma porta e entrou.
— Desculpe, Gabriela, eu nunca tive a intenção de prejudicá-la.
— Não peça desculpa a mim, peça a Deus, padre Túlio — retrucou,
furiosa. — Você deveria ter vergonha de usar essa batina. Você é uma
mentira, e eu tenho nojo de você — desabafou com ódio.
Ele sorriu. Mas não era de alegria e sim um sorriso estranho.
Gabriela recuou, temerosa. Ela sentiu como se um vento frio tivesse
passado por ela, arrepiando seus pelos e gelando sua espinha.
— Eu preciso ir. — Virou-se em direção à porta, mas alguém a
agarrou pelas costas, cobriu seu rosto com um pano e um fedor de éter
invadiu seu cérebro.
Ela se debateu, tentou gritar e resistir, mas não foi capaz. Suas pernas
vagarosamente perderam a firmeza, sua visão escureceu e ela desmaiou.
Cinquenta e Seis

O assistente de Giovanni se sentou em frente à sua mesa, abriu sua agenda e


começou a despachar com o chefe.
— Seu pai ligou novamente, Sr. Bennedetti. — O rapaz olhou-o
constrangido.
Giovanni levantou os olhos e pensou por um segundo.
Ele não poderia ignorar o pai. Apesar de que a vontade era essa. A
mentira que o levou até a Sicília foi a gota d´água.
— Tudo bem, Otávio, depois eu retorno… O que mais? Estou com
pressa.
O italiano olhou no relógio. Eles iriam a um concerto de música
clássica. Seria o primeiro de Gabriela e ela estava muito ansiosa.
O rapaz entregou para ele alguns relatórios.
— O gerente financeiro entregou esses relatórios. São referentes ao
fechamento do mês.
— Si, si… eu que os solicitei. Vou analisar mais tarde.
— Existem também esses contratos para o senhor analisar. O jurídico
gostaria de saber se está de acordo com as cláusulas.
Giovanni sorriu. Finalmente o advogado contratado estava entendendo
como funcionavam as coisas.
— Okay. Deixe-os aí, preciso ler com calma.
— Dra. Heloísa Valente ligou também. Ela gostaria de marcar um
almoço, jantar, ou… — Pigarreou sem graça. — O senhor tem alguns dias
disponíveis, mas somente no jantar.
— Sem compromissos à noite, Otávio. Limite-se a almoços, cafés e
no máximo um happy-hour. Mas somente com os clientes. — Remexeu-se
nervoso. — Diga a Dra. Heloísa que estou sem agenda.
— Okay, senhor. — Anotou algo. — A reunião mensal com os líderes
está marcada para o final do mês. Posso confirmá-la?
— Sim, pode. Mande-me um lembrete.
— Só mais um assunto, Sr. Bennedetti, preciso começar a planejar as
comemorações de final de ano.
— Tudo bem — concordou apressado.
— O senhor tem alguma ideia do que pretende fazer?
— Não, converse com a Gabriela, talvez ela queria te ajudar com
isso. — Sorriu. — Acabamos?
— Sim, sim. — Arrumou os óculos, levantou-se e seguiu até a porta.
— Precisa de mais alguma coisa, senhor?
— Não, está tudo bem. Vou analisar esses relatórios e tentar ler os
contratos até o final do dia. — Meneou a cabeça. — Obrigado, Otávio.
O rapaz olhou curioso para o chefe. Ele andava tão civilizado que
chegava a deixar o rapaz saudoso dos tempos de selvageria do italiano.
— Por nada, senhor…

†††
Giovanni olhou para o celular piscando sobre a mesa e ficou tenso.
Eram os seguranças da mansão. Normalmente, os homens ligavam para o
chefe deles, o Ângelo, não para ele.
Ele pegou o celular e atendeu.
— Bennedetti falando.
— Olá, Sr. Bennedetti, é o Carlos, o segurança da mansão. — O
homem pareceu nervoso. — Estou com um problema.
Giovanni levantou-se de súbito. Ele odiava a palavra problema.
— Qual o problema, diga logo? — Passou as mãos pelos cabelos.
— Eu e outro segurança trouxemos dona Gabriela à igreja.
O italiano o interrompeu nervoso.
— Como assim, você e outro segurança? Onde estão os seguranças da
Gabriela?
— O segurança de dona Gabriela havia saído com a governanta.
Eles não chegaram a tempo de levá-la a missa, então sua esposa me pediu
para trazê-la.
Che cazzo!
— Desembucha, farabutto!
— Senhor, sua esposa sumiu.
— O que disse? — berrou.
— A missa terminou e ela não saiu da igreja. Procuramos por toda
parte. Dona Gabriela não está aqui.
O coração do italiano disparou.
— Ela não pode ter desaparecido — disse entredentes. — Procure-a
na sacristia, ela deve estar conversando com o padre.
— Sr. Bennedetti, vasculhamos a igreja inteira, não a achamos —
afirmou, nervoso.
— Fale com o padre, cazzo! — gritou.
— Não há nenhum padre aqui, senhor!
— Como assim, o velho nunca sai da igreja? — Esfregou os cabelos.
— Disseram que o antigo padre sofreu um assalto e está
hospitalizado. Um novo padre veio rezar a missa, mas não o encontramos.
Os olhos do italiano triplicaram de tamanho. Uma sensação ruim
tomou conta de seu peito.
Ele respirou ofegante.
— Qual o nome desse padre? — indagou quase num sussurro.
— Túlio, padre Túlio. Ele veio substituir o antigo padre.
Giovanni não conseguiu continuar. Ele desligou a ligação, pegou seu
terno e saiu desnorteado de sua sala.
— Sr. Bennedetti. — O assistente correu atrás dele. — O senhor está
indo embora?
— Chame o Ângelo, estou aguardando-o no carro — rosnou.
— Onde o senhor está indo?
Giovanni virou-se e o encarou furioso. Ele não parecia a mesma
pessoa de agora há pouco. Seu rosto estava transformado em algo animalesco.
— Ligue para o Ângelo, agora!
— Sim, senhor.

†††
Ângelo estacionou o Rolls-Royce em frente a paróquia, olhou para
trás e não reconheceu seu chefe.
A face do italiano estava transformada. Havia ódio, raiva, mas não
era só isso. O homem parecia uma bomba prestes a explodir.
— Chegamos, senhor.
Giovanni não sabia bem o que estava fazendo em frente aquela igreja.
Talvez, ele ainda tivesse alguma esperança de que sua ruiva fosse aparecer
subitamente. E explicasse que esteve este tempo todo no banheiro.
— Pensei que tivesse mandado matá-lo, Ângelo — afirmou o italiano,
com o olhar distante e perigoso.
O segurança abaixou sua cabeça. Pela primeira vez ele tinha falhado
com seu chefe.
— Eu falhei, Sr. Bennedetti. Achei que seria um erro matar um homem
que não estava incomodando-o. Não gosto de matar pessoas sem ter um
motivo real. Sou um homem religioso, senhor. Eu cometi um engano, tomei
uma decisão errada e devo ser punido por isso.
— Fanculo il tuo senso di colpa[120]. Eu quero que os ache, agora! —
berrou, nervoso. — Quero vê-los juntos, pois assim será mais fácil matá-los
pessoalmente.
— Sim, senhor. Daqui a alguns minutos estarei com o endereço do
padre.
O italiano olhou para a porta da igreja, mas ele não viu nada. Havia
só ódio e vingança em seus olhos.
O amor poderia tornar-se ódio com a mesma velocidade de um
foguete. Todo o amor que havia sentido por aquela mulher tinha se
transformado em ódio.
Ele iria acabar com ela assim como havia acabado com a Patrícia. As
duas eram iguais. Seu pai havia dito isso e ele não acreditou.
O telefone do segurança tocou.
— Estou com o endereço, Sr. Bennedetti.
— O que está esperando para ir até lá, che palle[121]? — indagou,
furioso.
O segurança ligou o carro e saiu em alta velocidade.

†††
Giovanni olhou para a casa simplória, abriu a porta do carro e tirou
sua pistola do coldre.
— Peça para os homens entrarem pela parte de trás, não quero
barulho ou estardalhaço, quero pegá-los em flagrante — ordenou, sem
emoção.
Enquanto seus homens invadiam a casa por todos os lados, o italiano
reviveu seu passado. A frieza e objetividade haviam voltado. Ele não estava
sentindo nada, parecia amortecido pelos acontecimentos ou apenas
machucado demais até mesmo para sofrer.
Subitamente um dos homens apareceu por uma porta e gesticulou para
o guarda-costas.
— Pronto, senhor, já podemos entrar — avisou Ângelo.
Giovanni abaixou a cabeça e respirou fundo.
Até mesmo para um homem como ele, frio e calculista, era difícil dar
o próximo passo. Ele iria matar a mulher que amava com as próprias mãos.
Em sua mente, ele reviveu as palavras do pai: As mulheres não são
confiáveis, elas são vis e traiçoeiras.
O italiano se arrependeu do que fez ao pai.
Ele só queria meu bem. Ele sabia o que estava falando.
O homem apertou a arma em sua mão e seguiu adiante.
Havia um corredor lateral, eles seguiram por ele. O italiano entrou
pela porta que o segurança havia aberto.
— Onde eles estão? — indagou, com a respiração entrecortada.
— Atrás, num quarto — respondeu o segurança.
Giovanni seguiu na frente, suas pisadas eram fortes e determinadas.
Conforme se aproximava do local onde dois seguranças faziam a guarda, seu
coração acelerou, acelerou tanto que parecia sufocá-lo.
Eles abriram a porta num solavanco, o padre pulou da cama só de
cuecas e olhou apavorado para o italiano. Gabriela estava com o lençol sobre
seu corpo e dormia como um anjo, um anjo diabólico.
— Ciao, padre Túlio, eu estava louco para conhecê-lo — Aproximou-
se, pegou em seu pescoço, e o apertou até que não tivesse forças para falar.
— Está pronto para conhecer o criador, pezzo di merda?
— E-u, e-u, e-u não fiz nada, ela que quis… sou um homem fraco…
um pecador…
O italiano olhou novamente para sua ruiva. Ele queria que ela visse
aquilo. Ele queria matar aquele figlio di puttana na sua frente.
Por que a desgraçada dormia como se estivesse morta?
— Acorde-a! — berrou, descontrolado.
Ela pulou na cama e olhou para os lados como se estivesse perdida.
— Sua puttana! — Giovanni jogou o padre no chão com violência e
seguiu até ela. — Levem o testa di cazzo daqui. Quero falar com ela a sós.
Os homens de Giovanni arrastaram o padre aos chutes e pontapés.
Quando ficaram sozinhos, ele olhou para a esposa.
— Não conseguiu ficar muito tempo longe do seu amante, Gabriela?
— Segurou-a pelos cabelos e a levantou.
Ela gemeu de dor.
— Giovanni, não sei o que está acontecendo.
Ele apertou seus cabelos entre os dedos. A vontade que tinha era de
espancá-la até a morte. Havia tanto ódio dentro dele, mas ele não conseguiu.
O italiano a jogou sobre a cama.
— Acredite em mim, Giovanni, eu não fiz nada. — Soluçou.
— Mentirosa! — Ele a pegou pelo braço e a jogou sobre o chão.
Gabriela agarrou-se ao lençol. Ela estava completamente nua.
— Você é uma piranha interesseira. Você é como a Patrícia. — Riu
amargurado. — Eu te contei sobre a minha ex-mulher? Ah, você precisa saber
sobre isso, Patrícia se juntou ao meu pior inimigo, eles eram amantes. Ela
planejou me matar quando chegássemos a nossa segunda lua de mel, pois
pretendia ficar com meu dinheiro. Sabe o que fiz com ela, Gabriela? — Ele
estreitou seus olhos. — Mandei derrubarem seu avião.
Os olhos da mulher arregalaram-se de terror.
— Você não fez isso — ela afirmou, aterrorizada. — Você não a
matou. Você não é um assassino.
— Eu a matei, sabe por quê? Porque eu sou um criminoso. —
Enfatizou a frase. — E não aceito que me enganem e me traiam.
Giovanni pegou sua arma e apontou para a cabeça dela.
Gabriela olhou para ele desolada.
— Você vai me matar, Giovanni? — Lágrimas de tristeza desceram
pelo seu rosto.
Ele titubeou. Os olhos violetas o encararam com tamanha força e
determinação que o italiano fraquejou. Giovanni se sentiu um desgraçado. Ele
não era capaz de apertar o gatilho. Ele a amava demais para tirar sua vida.
— Não, não vou matá-la, quero que seja feliz com o seu antigo amor.
— Eu não amo esse homem, eu amo você. — Seus lábios tremeram de
emoção. — Eu não sei como vim parar aqui. — Soluçou. — Eu não me
lembro de nada. Por favor, acredite em mim, eu nunca te trairia, me ouça.
Ele não a deixou falar.
— Não te quero mais, Gabriela. — Ele seguiu arrasado até a porta.
— Você seguirá comigo até a mansão, pegará suas roupas e deixará a minha
casa.
Ela olhou para o homem que amava e não conseguiu articular uma só
palavra. Um nó se formou em sua garganta. Sufocando-a.
— Vista-se. — Ele abriu a porta e saiu.
Cinquenta e Sete

Gabriela deixou a casa do padre e não viu Giovanni. Havia apenas um carro
em frente a casa. O segurança saiu dele e abriu a porta para ela.
Ela seguiu até o veículo como se estivesse drogada. Havia uma névoa
sobre sua mente. A jovem não se lembrava das coisas, de como tinha chegado
aquele lugar, quem havia tirado sua roupa e o mais importante, se aquele
homem horrível havia violado seu corpo enquanto estava inconsciente.
Mas não havia ninguém a quem pedir ajuda.
Gabriela cobriu o rosto e começou a chorar. E com as lágrimas
vieram os soluços, e seu corpo se sacudiu inteiro em espasmos de dor. Seu
coração estava dilacerado.
Aquele monstro conseguiu acabar com a sua vida duas vezes. A
primeira ela deixou, mas a segunda…A jovem nunca havia sentido tanta
vontade de matar alguém. Naquele exato momento, o ódio que sentiu foi
maior que o juízo. Ela queria ter uma arma para acabar com a vida daquele
homem.
Minutos depois, o carro estacionou na mansão. Na porta principal, a
governanta a olhou com superioridade.
— Senhor Bennedetti me orientou a levá-la até seu quarto, a pegar
suas coisas e deixar a casa imediatamente.
— Eu quero falar com ele, onde ele está? — Empurrou-a em
desespero.
— Pare, dona Gabriela, ele não quer falar com você. — A mulher
tentou impedi-la, mas Gabriela estava cega e surda. Ela seguiu até a
biblioteca e a abriu. Giovanni estava em pé, de costas para a porta. Em sua
mão havia um copo cheio de uísque.
— Giovanni, por favor, me ouça. — Ela colocou a mão sobre seu
braço, mas ele o retirou com brutalidade.
— Você tem meia hora para arrumar suas malas e deixar minha casa
— disse, com um tom cortante e um olhar gélido, não havia emoção, ele
estava vazio de sentimentos.
Gabriela segurou as lágrimas.
— Não tenho para onde ir, eu preciso de um tempo. — Mordeu os
lábios para não chorar. — Eu e Matteo.
— Matteo não irá com você. — Ele jogou sobre a mesa um calhamaço
de folhas. — Em nosso contrato nupcial tratamos sobre isso. Leia se estiver
em dúvida. Se houvesse traição você sairia dessa casa como entrou, ou seja,
sem nada. E o filho que tivéssemos ficaria comigo. — Virou-se e a encarou.
— Pegue suas roupas e vá embora.
Gabriela olhou desnorteada para aquele documento.
— Você colocou essas coisas nesse documento? — Seus olhos
perderam-se nas letras miúdas à sua frente. — Você planejou isso? Você
planejou me tirar meu filho? — Olhou-o indignada.
— Você assinou porque quis. Eu insisti para que lesse o contrato.
Você que não quis lê-lo. — Pegou o copo e o virou no gargalo.
— Eu confiei em você. — Sua voz embargou. — Eu acreditei que não
seria desonesto comigo.
— Você foi burra. Nunca deveria assinar algo sem ler antes. —
Passou por ela e seguiu para a porta.
Gabriela cobriu seus lábios. Uma dor dilacerante tomou conta dela.
— Eu confiei em você, seu maldito! — gritou, descontrolada.
— Você nunca deveria ter confiado em mim. — Ele riu debochado. —
Eu queria um filho, não uma esposa. Você me deu um filho, agora pode ir
embora.
Ela perdeu a cabeça. Voou no homem e começou a esmurrá-lo com
raiva. Mas ela era pequena e fraca. Com pouco sacrifício o italiano a
imobilizou, jogou-a no chão e esbravejou furioso.
— Eu acreditei em você também, Gabriela. Acreditei que era honesta
e fiel a mim. Mas você é uma vadia. Saia da minha casa agora e vá atrás de
seu padre. Vocês se merecem. — Saiu da biblioteca, deixando-a caída no
chão.
Gabriela se encolheu como um feto e sussurrou para si mesma:
— Eu odeio você, Giovanni Bennedetti. Eu odeio todos os homens.

†††
Quando saiu da biblioteca havia seguranças para todos os lados. A
cena poderia ser cômica, se não fosse trágica. A ex-noviça agora era tratada
como uma ladra.
Ela seguiu pelas escadas sob o olhar atento de meia dúzia de
seguranças, parou em frente a porta do quarto do filho e respirou fundo.
Colocou a mão na maçaneta, mas estava trancado.
Um soluço de dor escapou de sua garganta e as lágrimas banharam seu
rosto.
Gabriela apoiou a cabeça na porta e chorou feito uma criança.
Entretanto, foi por pouco tempo, logo um segurança se aproximou e se postou
na porta, impedindo-a de chegar perto do filho.
Ela fungou, limpou o rosto e seguiu para seu quarto. Sobre a cama que
tinha sido dela e do italiano, muitas malas estavam abertas. A governanta
fazia o serviço de preenchê-las com suas roupas e pertences.
— Pegue suas coisas pessoais. Sr. Bennedetti não a impediu de levar
as joias — disse a governanta, arrogante. — As malas já estão prontas, se
quiser conferir, fique à vontade.
Ela olhou para as malas sobre a cama e sentiu-se novamente a garota
miserável que havia chegado naquela casa há aproximadamente um ano e
meio.
Tudo tinha sido um jogo. Ele a usou desde a primeira vez que a viu.
As roupas, as aulas para Madeleine… Tudo. Nada foi de verdade.
De fato, nada daquilo a pertenceu algum dia. Ela nunca teve nada. Ela
foi apenas uma peça do jogo de xadrez do italiano desgraçado.
Gabriela respirou fundo, limpou suas lágrimas e seguiu até o closet.
No fundo de uma gaveta, ela achou suas antigas roupas. Era apenas um
conjunto de saia, camisa e um par de sapatos velhos.
Ela quis guardar aquilo para nunca se esquecer da onde tinha vindo.
Da sua essência.
A jovem pegou as peças da gaveta e levou até o banheiro. Tirou suas
roupas caras e sofisticadas, vestindoas que lhe pertenciam.
Ela não levaria nada daquela casa.
Quando passou pela governanta, a mulher a olhou confusa. Contudo,
ela não se ateve a isso. Abriu sua caixinha de joias, tirou os brincos e colares
que usava, devolvendo-os para o lugar. Pegou seu antigo crucifixo da ordem
das irmãs e colocou-o sobre o pescoço.
Gabriela fechou os olhos para conter as lágrimas. Pegou sua bolsa e
seguiu para a porta.
— Dona Gabriela, pegue suas malas, eu não as levarei para você.
Não sou mais sua empregada.
Gabriela virou-se lentamente e a encarou.
— Nada disso me pertence. Diga ao seu patrão que estou devolvendo
tudo que me emprestou durante minha estadia aqui. Não quero nada dele. —
Virou-se em seus sapatos velhos e seguiu pelo corredor. Olhou para o quarto
de Madeleine e chorou.
Quando chegou ao living viu os funcionários olhando-a num misto de
dó e desprezo.
— Obrigada por tudo. Sou muito grata a vocês. — Respirou fundo e
seguiu com o nariz erguido.
Olhou para o seu cachorro e afagou sua cabeça.
— Tchau, meu grandão. Eu amo você. Cuide da Made e do Matteo
para mim.
Continuou andando altiva em direção ao portão, mas parou ao ouvir
seu nome.
— Sra. Gabriela.
Ela virou-se e viu Ângelo com o carro parado ao seu lado.
— Adeus, Ângelo. Obrigada por tudo.
— Entre, eu levo a senhora.
Ela riu de nervoso. Levar, levar para onde? Se ela nem sabia para
onde iria.
— Não, eu agradeço. — Sorriu com sinceridade, meneou a cabeça e
deixou a mansão.

†††
Gabriela parou em frente a um portão de ferro enferrujado. Tocou a
campainha e esperou ser atendida.
Uma mulher de meia-idade abriu a porta e a olhou demoradamente.
— Ele não está, já saiu para o trabalho. Você deveria saber. Seu pai é
guarda-noturno.
— Eu sei. — A ruiva abaixou a cabeça e mexeu nervosamente em
suas mãos. — Preciso de um lugar para ficar essa noite. Amanhã quando meu
pai chegar, irei embora.
Ela moveu seus lábios em um sorriso falso.
— Veio atrás de dinheiro? A velha a mandou aqui atrás de dinheiro?
— Riu. — Não, ele não tem dinheiro para você. — A mulher começou a
fechar a porta, mas Gabriela suplicou.
— Por favor, me deixe passar a noite aqui, não tenho onde ficar. —
Seus olhos lacrimejaram. — Dormirei em qualquer lugar, não vou incomodá-
la.
A mulher respirou profundamente e olhou para Gabriela. No entanto,
não era um olhar gentil ou piedoso. Era o olhar de alguém mesquinho e sem
coração.
— Apenas hoje. — Abriu o portão. — Não tenho lugar para receber
visitas.
Gabriela olhou para a casa onde um dia sua mãe havia morado.
Segundo sua avó, ela e o pai moraram nela durante cinco anos. Mas logo que
a mãe morreu o pai a colocou junto com a avó para rua e a amante para morar
com ele.
Os homens eram assim. Impiedosos e imorais. O pai não era diferente,
ele a abandonou com poucos dias de vida. Nunca a visitou, nunca a ajudou em
nada. Ele assumiu os filhos da amante, mas nunca a assumiu.
— Está com fome?
Gabriela a olhou assustada. Sua cabeça estava a mil por hora.
— Não quero incomodá-la.
A mulher foi até a geladeira e tirou um prato. Nele havia um pedaço
de pizza, mas o alimento estava desidratado. Possivelmente, já estava há dias
na geladeira e pelo cheiro agridoce, estava azedo.
— Tenho isso aqui, está boa ainda. — Sorriu. — Coma, essa pizza é
deliciosa.
O estômago de Gabriela embrulhou.
— Não estou com fome. Apenas uma água, por favor.
A madrasta girou os olhos com desdém, pegou a pizza e jogou no lixo.
Entregou o copo de água para a moça e a olhou de soslaio.
— Já é uma freira?
A moça abaixou os olhos, envergonhada.
— Não, não sou. — Pigarreou. — Estou cansada, Magda, tive que
andar um longo trecho a pé. Perdi-me algumas vezes, não lembrava mais
como chegar aqui. Se puder me dizer onde posso dormir.
— Na sala, mas no chão, pois o sofá é novo e o moço da loja avisou
que não é bom que deitem nele. Para não estragar o estofado.
A ruiva olhou para a sala e viu o cachorro da mulher esparramado no
tal sofá novo.
— Okay, pode me arrumar um travesseiro e algo para me cobrir. Está
frio hoje. — Esfregou os braços.
A mulher seguiu até a sala e tirou a colcha que cobria o sofá, pegou
algumas almofadas e jogou tudo no tapete.
— Aqui está, querida. O tapete te manterá quentinha.
— Obrigada, Magda. Deus lhe pague por isso. — Gabriela ajoelhou-
se sobre o tapete, ajeitou as almofadas e deitou-se.
Ela ouviu a mulher se afastar, então fechou os olhos e deixou as
lágrimas descerem.
O animalzinho que estava no sofá se aproximou, lambeu seu rosto e se
aconchegou ao seu corpo. Ela o acariciou lentamente e pensou em sua vida.
— Eu sempre acreditei em Deus. Eu sempre achei que havia uma
razão para tudo. E que havia um plano superior dele para cada um de nós. —
Ela olhou para o cãozinho. — Mas não existe. Não existe Deus e muito menos
um plano superior. Existe apenas um destino. O meu começou miserável
quando minha mãe se foi. Daquele dia em diante meu destino estava traçado.
— Suspirou com tristeza. — Estou cansada, cachorrinho. — Virou-se de
lado. — Preciso dormir, pois amanhã serei colocada na rua novamente.

†††
A jovem olhou para cima e viu seu pai com as mãos na cintura,
olhando-a deitada no chão.
— Olá, Gabriela, o que faz aqui?
Gabriela levantou-se atrapalhada, esticou as roupas e arrumou os
cabelos.
— Como vai, papai? Quanto tempo não nos vemos, não é mesmo? —
indagou, com sarcasmo.
— Sim, faz muito tempo. Se veio aqui com a intenção de pedir
dinheiro, não tenho! — Virou-se e andou pela sala.
Ela respirou fundo, colocou de lado seu orgulho.
— Preciso de ajuda, não tenho dinheiro e nem onde morar —
confessou, envergonhada.
Ele riu.
— Você já é uma mulher… por que não larga essa história de
convento e arruma um homem para te sustentar. Que inferno, Gabriela! —
Bufou nervoso. — A vida inteira você só fez me pedir dinheiro.
Gabriela abaixou os olhos, constrangida.
— Para comer, papai. — Ela engoliu as lágrimas. — Eu era uma
criança, minha avó uma idosa doente e você me abandonou quando nasci.
— Eu não te abandonei — retrucou, indignado.
Gabriela não estava com paciência para aquela conversa.
— Pois bem, como preferir. — Riu amargurada. — Preciso de algum
dinheiro apenas para alugar um quartinho. Arrumarei um emprego e não virei
mais aqui incomodá-lo.
— Não tenho dinheiro.
— Preciso de pouco, pai — implorou. — Apenas para o primeiro
mês de aluguel.
— Eu ganho pouco, você sabe. — Andou pela sala. — Se der o que
tenho, não conseguirei comprar a cozinha que Magda tanto quer.
Gabriela fechou os olhos. Como lhe doía pedir ajuda aquele homem
mesquinho e egoísta.
— Sim, ela precisa de uma cozinha nova.
— Você sabe como ela é, gosta de tudo arrumado, novo e bonito. —
Sorriu.
Gabriela pegou a bolsa sobre o sofá e seguiu para a porta.
— Compre a cozinha para sua esposa, ela deve estar precisando mais
do que mim. — Abriu a porta e iria sair, mas ele a interrompeu.
— Espere, Gabriela. — Tirou a carteira do bolso, pegou algumas
notas e entregou para ela. — Veja o que consegue com isso. É o máximo que
posso te dar. Na comunidade aqui perto eles cobram baratinho pelos quartos.
Tenho um amigo que mora lá. O lugar é bom e decente. — Adeus, filha, que
nosso Senhor a acompanhe.
Ela riu. Todos usavam o nome de Deus para justificar suas
mesquinharias, seus egoísmos e suas maldades.
— Amém, pai, que Ele esteja com o senhor também. — Virou as
costas e saiu.

[1] Desgraçada.
[2] Maldição
[3] Que merda
[4] Puta
[5] Prostituta
[6] Caralho
[7] Puta
[8] Mentiroso

[9] Boneca
[10] Que linda professora meu filho arrumou. A senhorita é solteira?
[11] O que ela disse, filho, é solteira?
[12] Ela daria uma bela esposa.
[13] Vamos jantar, estou morto de fome.
[14] Caralho
[15] F.d.p.
[16] Bom dia
[17] boneca
[18] primo
[19] chocado
[20] idiota
[21] Vá tomar no cu.
[22] Pedaço de merda
[23] Filho da puta.
[24] Nem por cima de meu cadáver.
[25] Maldito
[26] Eu quero ensinar a esse maldito uma lição que nunca vai esquecer.
[27] Mulher cujos costumes são considerados dissolutos; mulher
considerada libertina, prostituta.
[28] Que saco.
[29] Pessoa com pouco sorte.
[30] Cachorra.
[31] Vadia.
[32] Boa noite minha boneca!
[33] Maldita.
[34] Por favor, acorde.
[35] Deus do céu, como ela era linda.
[36] Ela parecia uma deusa.
[37] Objeto de proporções extremamente avantajadas
[38] Idiota
[39] F.d.p.
[40] Corno.
[41] Não te interessa, idiota!
[42] Não coloque sua boca nojenta nela
[43] Você não mudou em nada, Giovanni. Patrícia ainda estava quente
quando cobriu o corpo da ruivinha gostosa com o seu, não foi?
[44] O que está acontecendo aqui?
[45] Estamos numa igreja, não um ringue.
[46] Já acabamos.
[47] Nos vemos em casa.
[48] Cãozinho pequeno e peludo.
[49] Feiticeira.
[50] Porcaria
[51] bundão
[52] Idiota
[53] Boa noite minha boneca
[54] Boa noite, minha feiticeira.
[55] Até logo.
[56] Meter
[57] Deusa
[58] Esposa
[59] Bom dia, mia deusa.
[60] Vou foder sua boceta o dia inteiro.
[61] Você é uma obra-prima.
[62] Ruiva
[63] Meter
[64] Boa noite minha boneca
[65] Minha feiticeira
[66] Chupa meu pau
[67] Gostosa
[68] Filho da puta.
[69] Você ainda pensa no padre filho da puta?
[70] Desculpem-me, tive um dia difícil hoje, estou um pouco nervoso.
[71] Mas, seja carinhoso com sua esposa.
[72] Vamos brindar aos noivos
[73] Oi, minha bela menina.
[74] Você quase me mata de susto.
[75] Sou seu marido.
[76] Goze, minha mulher
[77] Mulher forte.
[78] Galopa em meu pau
[79] Você é deliciosa.
[80] Desculpe-me.
[81] Maravilhosa.
[82] Vadia
[83] Que merda.
[84] Idiota.
[85] Corno.
[86] Bicha, gay, viado.
[87] Mulher da vida.
[88] Adeus.
[89] Estou esperando senhorita Heloísa. Ela reservou uma mesa.
[90] O que está acontecendo aqui?
[91] Nada, pai, por favor, saia.
[92] Sou um idiota.
[93] Eu preciso de você.
[94] Quero te foder.
[95] Eu sou só seu, meu amor.
[96] Oh, minha ruiva gostosa.
[97] Vou gozar.
[98] Oi, pai, o que faz acordado?
[99] Foda-se. Eu a quero todos os dias em minha cama.
[100] Cagadas.
[101] Te peguei, minha ruiva.
[102] Louco por você.
[103] Oi.
[104] primo
[105] Desgraçado.
[106] Foda-se ele.
[107] Quero te foder.
[108] Mulher gostosa.
[109] O que está acontecendo aqui. Para onde elas estão indo?
[110] Não sei, senhor, estou seguindo ordens do Sr. Giovanni.
[111] Bom apetite, minhas meninas.
[112] Foda-se
[113] Meter.
[114] Boceta
[115] Agora seja um bom menino e durma.
[116] Está tudo bem?
[117] Entendeu?

[118] Dona do meu coração.


[119] Sim, sim, já estou indo.
[120] Foda-se sua culpa.
[121] Caralho.
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Sobre a Autora

†††
Yvis Writer é o pseudônimo escolhido pela autora para assinar suas obras.
Paulistana, casada e mãe de duas filhas, se formou em Economia, e trabalhou
a maior parte de sua vida na área financeira.
Apesar do gosto por exatas, sua verdadeira paixão sempre foram as
palavras e o poder que elas tem sobre as pessoas. O desafio de escrever uma
obra é conseguir transmitir em palavras a emoção de um personagem, a
beleza de uma cena, ou simplesmente a paixão em palavras. Encantada com a
possibilidade de emocionar, tocar o coração e alma das pessoas apenas com
um emaranhado de palavras, Yvis Writer começou a escrever livros.
O tempo passou e em 2016, conheceu uma plataforma on-line de livros
gratuitos, onde leitores e autores interagiam. Gostou da experiência e sem
nenhuma pretensão, começou a publicar seus primeiros manuscritos. A
receptividade dos leitores foi enorme, então, influenciada por eles, foram
surgindo novas
histórias.
O primeiro romance publicado fisicamente, Atração Irresistível, foi um
sucesso, com mais de 1,2 milhão de leituras on-line (disponível em e-book e
livro físico). Depois foram surgindo outros livros, alguns já estão disponíveis
na Amazon Kindle.

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