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Copyright © 2022
Autora: Yvis Writer
Título: Entre o Amor e a Honra (Volume 2)
Capa e Diagramação: Will Nascimento
Revisão: Pat Sue - Revisão e Copidesque

Conforme a Lei 9.610/98, é proibida a reprodução total e parcial ou
divulgação comercial sem a autorização prévia e expressa do autor (artigo
29). Esta é uma obra de ficção. Nomes, personagens, lugares e eventos
descritos são produtos da imaginação do autor. Qualquer semelhança com
evento real é mera coincidência.

Todos os direitos reservados.
Um

Giovanni olhou para o padre com ódio. Ele havia decidido descarregar toda
sua raiva pela traição da esposa no desgraçado do amante. E isso incluía
muito mais sofrimento do que simplesmente matá-lo com um tiro na testa.
Ele chutou o estômago do homem com força, fazendo-o se curvar de
dor. O padre estava nu, com pés e mãos amarrados, jogado no chão frio e
molhado de um armazém abandonado.
— Ligue essa merda! — Giovanni ordenou, furioso.
O segurança virou a chave e descarregou choques elétricos no corpo
do padre. Ele gritou, chorou e pediu clemência a Deus.
— Desligue. — Giovanni se aproximou. — Dio não está aqui, pezzo
de merda… — Ele segurou os cabelos do homem e olhou nos olhos. — Ele
está cansado de você e me mandou para fazê-lo se arrepender dos seus
pecados. — O italiano riu, diabólico. — Muito prazer em conhecê-lo. Io sono
il diavolo[1].
— Socorro! — gritou o padre.
— Mais choques, senhor? — perguntou o segurança.
— Não, caso contrário, o farabutto vai morrer… — Agachou-se e o
encarou, o prisioneiro estava chorando feito uma criança. — Eu não quero
que morra, disgraziato, eu quero que sofra…
A imagem de Gabriela surgiu em sua mente. De algum modo,
Giovanni estava se vingando em seu nome. Mesmo que não admitisse isso
para si mesmo, ou para qualquer outra pessoa. Ela não saía de seus
pensamentos. Fazia uma semana que tudo havia acontecido. O italiano
dormia e acordava pensando na esposa. Ele estava desnorteado desde aquele
dia.
— Me solte pelo amor de Deus… — implorou o padre com a voz
fraca, era quase um gemido. — Peço perdão por ter sido fraco e não ter
respeitado meus votos a Deus. Peço perdão por todas as mulheres que seduzi,
desvirginei, pelos filhos que mandei tirar ou que não assumi. Solte-me, por
favor… — suplicou.
— Ainda não, padre figlio di puttana — sussurrou Giovanni próximo
ao ouvido do homem. — Você vai pagar pelo que fez. Por ter se deitado com
minha mulher… — rosnou entredentes. — Sabe o que a máfia faz com os
homens que dormem com nossas mulheres? A gente tira seu cavolo[2] e enfia
em seu culo.
— Eu fui obrigado… — balbuciou as palavras. — Eu fui obrigado…
eu não queria fazer aquilo.
Giovanni arregalou os olhos negros.
— O que disse?
— Me obrigaram a fazer aquilo...
O corpo do homem começou a tremer como se tivesse tendo uma
convulsão.
— Quem te obrigou? — gritou, furioso, porém, o padre fechou os
olhos. — Acorde, disgraziato…
Os homens o colocaram sobre uma mesa, cobriram o corpo com
cobertores e começaram a tentar reanimá-lo.
— Ele não tem batimentos cardíacos — disse Ângelo, nervoso. —
Vamos, massageiem o peito dele.
Os seguranças de Giovanni usaram todos os métodos que conheciam
para reanimar o homem, mas após quinze minutos, eles olharam para o chefe
e declararam:
— Ele está morto, chefe.
Giovanni virou de costas e amaldiçoou o universo. Finalmente, o
homem havia resolvido falar alguma coisa, no entanto, morreu.
— Ângelo! — gritou, furioso.
— Sim, senhor — respondeu o guarda-costas, temeroso.
— Descubra quem está por trás disso — ordenou.
— Eu descobrirei, senhor. Com licença.
†††
Giovanni entrou no quarto da filha, a fim de verificá-la e acariciou
seus cabelos.
— Como ela está? A febre abaixou? — indagou para a babá.
— Ela vai e volta. É emocional...
O italiano não deixou a moça terminar a frase. Ele já sabia que a filha
estava daquele jeito por causa de Gabriela. Assim como o filho, que se
negava a tomar o leite em mamadeiras, com isso berrava dia e noite.
O homem estava em frangalhos.
Fazia dias que não dormia. Ele passara a noite olhando para sua cama.
Para as coisas que ela havia deixado.
Ele a odiava, mas a amava na mesma proporção.
Giovanni virou o copo de uísque. Ele queria que a bebida fizesse o
efeito desejado. Que o relaxasse e o fizesse dormir.
Ele andou pelo quarto, pegou a camisola dela e a cheirou.
— Gabriela, mia rossa, tesoro mio — sussurrou, com os olhos
marejados. O cheiro dela ainda permanecia impregnado em suas roupas,
trazendo para o italiano a lembrança tão recente de tudo que tinham vivido.
— Ti amo, ti amo così tanto, Gabriela!
Com raiva de sua fraqueza, ele jogou o copo no espelho onde ela se
arrumara. Pegou a camisola e a rasgou até que só restassem farrapos.
— Disgraziata! — Cobriu os lábios e chorou. — Você me destruiu,
sua maldita. Você me destruiu…
Ele se sentou no chão com a garrafa ao lado e permaneceu ali.
Giovanni nunca tinha sofrido tanto por uma mulher. Nem mesmo por
Patrícia, com quem foi casado por cinco anos.
Giovanni descobriu que o verdadeiro amor tinha sido o que viveu com
Gabriela. Todo resto era pequeno perto do que sentia por ela.
— Eu vou te esquecer, disgraziata…

†††

Fazia um mês que tudo havia acontecido. Aos poucos, Giovanni


tentava retomar sua vida.
O italiano e seu guarda-costas adentraram a biblioteca. Giovanni
encheu um copo de uísque e deu um gole.
— O que descobriu? — indagou, displicente.
— A transferência do padre Túlio para aquela paróquia foi uma
recomendação de um cardeal de Roma.
Giovanni ergueu as sobrancelhas.
— Desde quando padres são recomendados por cardeais?
— Esse foi, e o mais importante… a recomendação ocorreu antes
mesmo que o velho sacerdote fosse baleado no peito e levado para o hospital.
— Ângelo virou sua cabeça de lado. — Está na cara que foi uma cilada e não
um assalto.
— Quem recomendou o farabutto, eu preciso do nome? — Encarou o
guarda-costas, furioso. — Eu preciso saber quem tinha o interesse de
aproximá-lo de Gabriela e por quê? — Giovanni levantou-se. — Isso não
mudará minha decisão em relação a ela. Gabriela me traiu e não a perdoarei.
Nunca! — Esmurrou a mesa.
— Eu sei, senhor… estou tentando obter o nome, contudo, assuntos
relacionados ao Vaticano não são fáceis.
Giovanni esfregou os cabelos.
— Se for preciso irei até lá. O que mais conseguiu? Alguma imagem
que esclareça algo?
— Todas as imagens da igreja foram apagadas. Existem câmeras na
rua, mas ainda não conseguimos hackeá-las. O sistema de câmeras é da
polícia e nosso informante não está tendo sucesso.
— Che cazzo! — Bufou, esgotado, fechou os olhos e indagou: —
Você já sabe onde ela está?
— Não, ainda não… como o senhor sabe, ela não me permitiu levá-la
aquele dia. Sei apenas que pegou um ônibus para a periferia. Estou mandando
um homem vasculhar cada parada de ônibus, mas é como procurar agulha em
um palheiro.
— Continue procurando-a. Eu quero saber onde ela está? — Cerrou
os olhos. — Mande mais homens, achem-na!
— Sr. Bennedetti, por que quer saber onde dona Gabriela está?
Giovanni parecia desnorteado.
— Eu preciso saber onde ela está. Apenas procure e me diga quando
achá-la. — Seguiu até a porta e saiu.
Dois

Gabriela entrou no pequeno quarto. Olhou ao redor, desanimada. O lugar


mal cabia uma cama.
— Gostou, mocinha? Esse é o último, se não quiser já tenho outra
pessoa interessada.
— Gostei, claro que gostei! — Forçou um sorriso. — Eu vou ficar.
— O pagamento é adiantado… — Estendeu a mão.
— Como disse, não tenho tudo agora, porém, vou arrumar um
trabalho e lhe darei o restante o quanto antes.
O homem fechou a cara.
— Não trabalhamos assim...
— Se não pagá-lo até o próximo dia 15, o senhor pode me despejar.
Tudo bem? — Tentou animá-lo. — Eu sou honesta, senhor. Estou passando
por um momento difícil. Mas em breve estará tudo bem, com isso pagarei o
que devo.
— Tudo bem. — Pegou o dinheiro que ela oferecera e o guardou no
bolso. — Barulho somente até às 22h. — Seguiu até a porta e saiu.
Gabriela fechou a porta e sentou-se na cama. O quarto fedia a mofo, o
colchão estava sujo e havia um buraco no meio. O banheiro mal cabia uma
pessoa. No entanto, ela tentou se animar.
— Com o tempo eu o deixarei bonitinho. — Sorriu com tristeza, em
seguida sentiu pontadas incômodas nas mamas.
O horário da amamentação já havia passado. Suas mamas estavam
cheias e doloridas. Isso a fazia se lembrar do filho. Gabriela cobriu o rosto
com as mãos e começou a chorar.
— Não vou desistir de você, Matteo. Eu lutarei, filho. Eu prometo.

†††

Gabriela andou pela feira. O cheiro de frutas invadiu suas narinas e


encheu sua boca de água. Contudo, ela não tinha dinheiro suficiente para
fazer compras.
Ela pegou uma maçã e perguntou o valor:
— O quilo é cinco reais, belezura.
— Não, eu quero apenas uma. Quanto custa?
— Sei lá, não vendo por unidade.
Gabriela pegou uma moeda e entregou para o homem.
— Acho esse valor justo. — Sorriu.
— Abrirei uma exceção apenas porque tem os olhos mais lindos que
já vi — falou, galanteador, pegando o dinheiro e entregou a fruta. — Não se
acostume, princesa.
— Obrigada, senhor. — Limpou a fruta na saia e a mordeu com tanta
gula que a saliva escorreu pelos lábios.
A maçã estava deliciosa, mas não matara a fome. Ela parou na banca
de bananas e fez a mesma proposta. No entanto, o feirante fora mais
generoso. Pegou algumas frutas passadas, amassadas e soltas do cacho e as
entregou para ela.
— Não precisa pagar nada. Leve-as.
— Deus o abençoe. Muito obrigada.
Gabriela sentou-se na calçada e comeu as bananas como se fossem a
melhor comida do mundo.
O pouco dinheiro que o pai tinha lhe dado não daria por muito tempo,
ela precisava arrumar um trabalho.
Com a fome saciada, ela seguiu pela avenida onde havia algumas
escolas. Gabriela olhou-se na vidraça de uma loja e desanimou. Os cabelos
estavam despenteados, a roupa amassada e um pouco suja. O cheiro que
exalava do corpo não era dos melhores. Ela se parecia mais com uma
mendiga, do que professora. Se a julgassem pela aparência ela nunca mais
arrumaria um trabalho.
A moça respirou fundo e entrou no quarto colégio que encontrara na
vizinhança. Apresentou-se na secretaria e esperou pela diretora.
Uma mulher elegante entrou na sala e a olhou de cima a baixo.
— Pois não?
— Boa tarde. Sou professora do ensino fundamental. Estou
procurando por uma vaga.
A mulher sorriu sem vontade.
— Você tem um currículo?
— Cu-cu-currículo? Bem, não, minha casa pegou fogo, perdi tudo. —
Sorriu constrangida. — Inclusive minhas roupas. Desculpe se não estou
vestida apropriadamente. Só meu restaram essas peças — mentiu,
envergonhada.
A mulher torceu os lábios. Parecia com dó dela.
— Você tem referências de onde trabalhou, querida?
— Referências? — Gabriela indagou, preocupada.
A madre e ela não tinham terminado o relacionamento de uma forma
muito amigável. Aliás, a religiosa era um dos capachos do marido.
Possivelmente, se pedisse ajuda, a madre avisaria Giovanni.
— Não tenho referências… formei-me quando estava numa
congregação religiosa. Fui noviça no Noviciado Nossa Senhora das Graças,
da congregação religiosa das filhas da Maria Auxiliadora. Não me tornei
freira. Porém, a senhora poderá ligar lá e pedir referências sobre mim. Fiz
muitos trabalhos voluntários junto a crianças carentes, aulas de alfabetização
e de reforço. Se me der uma oportunidade, posso mostrar minha capacidade.
— Sorriu. — Eu amo crianças, posso ser ajudante, auxiliar… preciso muito
de um emprego.
— Serve de faxineira? Tenho somente essa vaga disponível.
— Faxineira? — A jovem inspirou profundamente. — Sim, eu tenho
interesse.
— Venha comigo… vou levá-la ao departamento pessoal.

†††

Gabriela vestiu as roupas de trabalho que recebera do colégio e seguiu


a pé até o trabalho. Suas roupas sociais estavam em péssimo estado. Ela tinha
conseguido um pedaço de sabão e as lavou. Mas ainda estavam úmidas.
Havia apenas um varal, que ficava embaixo de um telhado.
O estômago roncou. Sua última refeição tinha sido há muitas horas.
Ela estava se sentindo fraca e debilitada.
Gabriela parou numa padaria e comprou um pãozinho. Sentou-se
embaixo de uma marquise e se deliciou com o alimento. Aquela seria sua
única refeição.
De fato, ela não sabia como conseguiria chegar até o dia do
pagamento. Em breve não teria mais nenhum tostão.
A moça cobriu o rosto. Estava exausta de todas as formas possíveis.
Ainda mais, emocionalmente. Seu coração estava em pedaços. Mas Gabriela
prometera a si mesma que Giovanni não a destruiria como padre Túlio fez.
Ela lutaria, venceria e teria o filho de volta.
Minutos depois, ela chegou ao colégio e começou sua rotina de
trabalho.

†††

Gabriela sorriu ao ver as crianças gritando e correndo pelo pátio. Isso


a fez se lembrar de Madeleine, o que lhe causou uma tristeza profunda.
Em uma semana, Made começaria em um novo colégio. Gabriela
escolhera pessoalmente a escola, além de prometer a garotinha que estaria
com ela no primeiro dia de aula.
A jovem sabia que a enteada estava sofrendo. As duas eram muito
próximas. Havia muito amor na relação que construíram.
Gabriela pegou o celular e titubeou.
O contato da babá estava gravado. Talvez se ligasse para a mulher...
Sorriu animada, escolheu o contato e ligou.
A ligação tocou duas vezes e a mulher atendeu.
— Paula, é a Gabriela… por favor, não desligue.
— Oi… — respondeu, nervosa.
— Não quero prejudicá-la. Mas preciso saber do meu filho. Se ele
está bem. E se possível, queria falar com Madeleine. Por favor, Paula, eu sei
que Made está sofrendo.
— Não posso dar informações sobre as crianças. Desculpe-me, dona
Gabriela. Eu queria muito ajudá-la, mas não posso, além de que, preciso
desse emprego. — A linha ficou muda, ela desligou.
†††

Gabriela olhou de longe para o portão da escola, nesse mesmo


momento viu Madeleine e o pai. Os olhos embaçaram de emoção.
Apesar de a dor que Giovanni causara nela, o amor por ele continuava
intocado e poderoso. O coração acelerou e sentiu as pernas ficarem bambas.
Ela o amava mais do que imaginou ser possível.
Enxugou os olhos e tentou pensar em um modo de falar com Made. O
colégio era enorme, caro e bem frequentado. Ela nunca passaria por uma
mãe… por mãe, não, mas por uma faxineira, quem sabe!
Seguiu até uma portaria de serviços, sorriu para o porteiro,
cumprimentou-o e tentou entrar.
— O seu crachá. — O moço apontou para seu peito.
— Oh! — Gabriela fingiu procurá-lo.
Mexeu nos bolsos da roupa, depois olhou para dentro da roupa e
bufou.
— Oh, meu Deus, acho que o perdi! — Cobriu a testa, fingindo estar
nervosa.
Ela era uma moça linda. Os homens se encantavam com sua doçura e
beleza.
— Vou deixá-la entrar, mas vá ao RH e peça outro. Não poderei fazer
isso de novo. — Sorriu e abriu o portão.
— Obrigada, vou fazer isso agora. — Apressou o passo, seguindo
para a entrada do colégio. Com sorte, pegaria Made antes que ela entrasse na
sala de aula.
Gabriela olhou para o portão e viu Madeleine entrando de cabeça
baixa. Ela estava magrinha e abatida.
— Minha bonequinha linda! — sussurrou, emocionada.
Ela se apressou, fingiu checar se um lixo estava vazio e quando,
finalmente, Made entrara na escola, aproximou-se.
Com o coração aos pulos, Gabriela interpelou-a:
— Seu cadarço está desamarrado, mocinha…
Madeleine virou-se bruscamente e olhou assustada para Gabriela.
— Gabi…
A moça colocou os dedos sobre os lábios e pediu para que não fizesse
estardalhaço. Agachou-se e fingiu arrumar os cadarços da enteada.
— Gabi… — falou, nervosa. — Por que você foi embora? Por que me
abandonou?
Os olhos de Gabriela inundaram-se de lágrimas.
— Eu não te abandonei, Made, eu nunca faria isso. Tive que ir
embora. Não foi uma escolha, entende?
Ela disfarçou, limpou as lágrimas e fingiu arrumar os sapatos da
menina.
— Você brigou com o papai? Ele não quis fazer as pazes?
Gabriela olhou ao redor. Ela não poderia ter aquela conversa com a
criança. Isso chamaria a atenção.
Olhou intensamente para a enteada e disse:
— Eu prometi que estaria com você no primeiro dia de aula, portanto,
aqui estou. — Acariciou o rosto da menina. — Eu te amo, Made. Sempre
amarei.
— Eu também te amo, Gabi. — As lágrimas desceram por seu rosto.
— Deixe-me ir com você…
A ruiva limpou o rosto da enteada, com carinho.
— Não posso, querida. Não conte a ninguém que me viu. Virei
sempre te ver, tá bom, meu amor? Agora, vá para sua sala e boa sorte. Faça
muitos amigos, mia bambola.
Gabriela levantou-se e olhou ao redor.
— Não vá, Gabi, fique comigo. — Segurou a mão da moça com
urgência.
— Estarei por perto. Pode ir, eu sempre estarei com você. Ti amo —
sussurrou, mandando um beijo com os dedos e seguiu discretamente. Parou
em outra lixeira e disfarçou.
Logo uma professora se aproximou de Madeleine, pegou em sua mão
e a levou. Gabriela até tentou segurar as lágrimas, mas não conseguiu.
Três

Giovanni entrou no quarto de Madeleine e sorriu.


— Buongiorno, bambola!
— Boungiorno, pappa!
Madeleine não o olhou nos olhos. Ela estava com raiva do pai. Por
causa dele, sua amada madrasta tinha ido embora. A garotinha sentia-se
traída. Ele lhe deu uma mãe, mas a tomou em seguida.
— Cadê meu beijo? — Sorriu afetuoso, carente. Se não bastasse
perder o amor de sua vida, agora a filha também não o amava mais.
Ela beijou-o com pressa e saiu correndo para o quarto do irmão.
Giovanni fechou os olhos com força. Ele merecia aquilo. A decisão de
trazer Gabriela para sua casa foi um erro. Ele agiu por impulsivo e não
pensou, apenas seguiu o instinto. Ela sempre amou o padre, e isso ele sabia.
O homem respirou fundo e levantou-se, seguiu para o quarto do filho
e viu Madeleine cochichando em seu ouvido. Ela estava sorrindo, isso era
bom. A filha não sorria mais, passava o dia e a noite no quarto. Estava triste e
abatida.
— O que está contando para o Matteo, bambola? — Aproximou-se e
pegou o filho no colo. — Posso saber?
— Nada, pappa… — retrucou, séria e nervosa. — Vamos, pappa, eu
quero ir para a escola.
Giovanni beijou demoradamente a testa do filho. A separação de
Gabriela tinha trazido muito sofrimento para as crianças. Isso estava
acabando com ele.
— Você não queria ir para a escola, Made, por que quer agora? —
indagou, curioso. — Gostou do colégio, filha?
— Sim, muito. Vamos, pappa, não quero me atrasar.
O italiano levantou as sobrancelhas. Madeleine estava estranha, mas
concluiu que todos estavam estranhos naquela casa. Inclusive ele.
Colocou o filho no berço.
— Ciao, figliolo! Ti amo. — Olhou para a babá. — Ele está aceitando
a mamadeira?
— Sim. Graças a Deus.
— Que bom. Vamos, Made...
A filha saiu correndo para as escadas.
— Ela gostou do colégio, Sr. Giovanni. — A babá sorriu. — Estava
tão feliz quando chegou em casa.
— Sim, estranhamente. Mas isso é uma boa notícia.
Ele acenou e saiu.

†††

Madeleine saiu correndo em direção ao interior da escola, sem se


despedir do pai. A garotinha estava ansiosa demais para ver a madrasta.
— Ciao, Made! — gritou o pai, mas ela já estava longe.
Giovanni esfregou o rosto, estressado.
— Ela está magoada comigo — desabafou com o guarda-costas. —
Ela e Gabriela se amavam muito.
— Sim… talvez devesse procurar dona Gabriela, propor um acordo,
senhor. Os casais fazem isso. O senhor divide com ela a guarda das crianças.
Giovanni estreitou os olhos perigosamente.
— Nunca! — rugiu. — Eles a esquecerão.
— Sr. Bennedetti...
Ele não deixou seu fiel escudeiro falar.
— Eu não a matei, Ângelo, e isso já é uma grande coisa. Agora,
permitir que veja meus filhos como se nada tivesse acontecido, é demais para
mim. Eu a peguei na cama com outro homem… — rosnou, furioso. — Você
acha que isso é pouco? — esbravejou.
— Não, senhor, claro que não. Eu estava pensando nas crianças, só
isso.
— Eles ficarão bem… Made já está mais feliz. — Tentou sorrir. — A
escola veio num bom momento.

†††

Um mês depois

Giovanni desembarcou no aeroporto de Palermo com os filhos. Ele


tinha vindo à Itália visitar os pais, mas também com o intuito de começar a se
familiarizar com a organização.
Finalmente desistira de seus antigos planos. Retornaria à Itália e
assumiria a posição do pai. O italiano concluíra que nunca poderia ter uma
vida normal. Ele era um criminoso e decidira seguir seu destino. Casaria com
sua prima Antonella. Ela o ajudaria a cuidar dos filhos. Mas, para isso,
precisava da separação. Ele e Gabriela ainda não estavam separados
legalmente.
Em alguns minutos, o carro que os levava estacionou em frente à casa
do pai.
— Meu menino! — Sua mãe o abraçou e beijou de maneira
exagerada. — Você está magro… — Olhou-o preocupada e acariciou seu
rosto. — Vou cuidar de você. Não gosto de vê-lo com esse semblante triste…
Ele sorriu, beijou e abraçou a mãe.
Apesar de ser uma mulher submissa e de aceitar todas as condições do
marido, ela tinha sido uma boa mãe.
— Ti amo, madre...
O pai não gostava dos rompantes de amor da esposa com o filho. Ele
tinha criado Giovanni para ser um dos “homens de honra” do primeiro
escalão da organização. No entanto, Giovanni mostrava ser muito mais
parecido com a mãe do que desejara. Seu coração era mole e traiçoeiro. Um
verdadeiro capo della famiglia não podia ser conduzido por sentimentos, ele
precisava ser frio, calculista, duro e insensível.
O pai o segurou pelo braço e o levou com ele.
— Vou lhe apresentar aos principais integrantes da nossa famiglia.
Marquei uma reunião com eles aqui. Achei mais seguro.
— Tudo bem, pai. — Sentou-se e aceitou a taça de vinho que o pai
lhe oferecera.
— Você a eliminou? — perguntou o velho de costas para o filho.
— Apenas o padre — respondeu, com um semblante sombrio.
— Por que não a eliminou, Giovanni? — rosnou. — Você sabe quais
são os nossos códigos de honra. Você sabe que um homem de honra não pode
escolher entre matar ou não um traidor.
— No Brasil não vivo sob as regras da máfia ou seus códigos de
honra, pai. Eu a coagi a se casar comigo… eu sempre soube que ela amava
outro homem. Eu tirei o filho dela, e a deixei na miséria. — Balançou a
cabeça. — Ela seguirá com sua vida, e eu com a minha. Nossa história
acabou, pai… deixe-a em paz.
— Você tem certeza de que a história de vocês acabou? — Estreitou
os olhos.
— Tenho. — Levantou-se. — Irei me mudar para a Itália, mas
necessito de um tempo. Preciso achar alguém para conduzir minha empresa
no Brasil. Assim que estiver tudo organizado, mudo-me para a Itália e
assumo minha posição de capo della famiglia… Até lá, pai, você continua no
comando.
— Pappa!
Giovanni se virou bruscamente e viu Madeleine, observando-os.
— Made, já disse que não pode ouvir a conversa dos adultos — disse,
com aspereza.
— Não vamos mudar para a Itália, não é mesmo, pappa? Não quero
vir morar aqui… per favore, pappa! — implorou, chorosa.
— Cale-se, criança. Seu pai sabe o que é melhor para você — disse o
avô num tom de voz rude, no entanto, a criança não estava acostumada com
aquilo. Giovanni era um pai terno e amoroso.
— Não fale assim com ela, pai. — Giovanni estreitou os olhos, seguiu
até a filha, agachou-se e falou baixo:
— Você terá seu vovô e vovó próximos, você tem muitos primos aqui
e os colégios são muito legais. Eu tenho uma prima que quero que a conheça,
ela cuidará de você, o nome dela é Antonella…
— Não quero! — gritou, nervosa. — Quero voltar para minha casa.
— Começou a chorar. — Você tirou tudo de mim, pappa. Você não me ama.
— Desvencilhou-se do pai e saiu correndo.
Giovanni esfregou o rosto, estressado.
— Ela é uma criança, não ouça o que diz…
O italiano olhou para o pai com tristeza.
— Crianças têm sentimentos, pai. Lembro-me de quando era criança e
que não queria ser um criminoso. Mas o senhor não me ouviu. Disse que eu
tinha que ser. Pois fazíamos parte da poderosa famiglia Bennedetti, e os
Bennedetti tinham uma tradição na máfia siciliana. Não quero que seja assim
com meus filhos. Eu sou um criminoso, mas eles escolherão o que querem
ser. — Deixou o copo sobre uma mesa e caminhou para a porta.
— O que quer dizer com isso? Que se curvará as vontades de uma
menina mimada?
Giovanni fechou os olhos. Madeleine era o maior tesouro que tinha na
vida. Por ela mudou, reinventou-se e tornou-se um empresário honesto… Ele
não queria perder seu amor.
— Não, apenas não quero que ela me odeie.
— Ela não te odiará, aliás, adorará viver na Itália. Apresente-a aos
primos. Ela será mais feliz aqui. — Sorriu e bateu no ombro do filho.
O italiano balançou a cabeça.
— Assim espero.

†††

Pouco a pouco os homens foram deixando a sala. Cada um deles era


responsável por um território. Eles ajudavam o poderoso capo[3] Salvatore
Bennedetti a coordenar e controlar os negócios locais. Adicionalmente, esses
homens de honra[4] impediam que quadrilhas rivais invadissem seus
territórios, com isso garantiam a hegemonia da Cosa Nostra[5] na Sicília. A
máfia era uma grande empresa. Organizada, hierárquica, poderosa e muito
violenta. Com tentáculos que saíam do espectro criminoso e avançavam em
instituições públicas, privadas e políticas.
— A reunião foi boa, Giovanni. — Bateu nas costas do filho. O velho,
enfim, realizaria o desejo de colocar o filho no comando de seus negócios. —
Em pouco tempo será o novo chefe de nossa organização. — Sorriu
grandemente.
— Sim — concordou, sem muita empolgação. — Pai, amanhã irei ao
Vaticano. Preciso que me ajude a ser recebido por algum de seus amigos
cardeais.
O pai cerrou os olhos.
— O que quer no Vaticano?
— Antes de morrer, o padre disse que tinha sido obrigado a se
encontrar com Gabriela. — Giovanni andou pela sala. — Descobri que o
desgraçado tinha sido indicado por um cardeal. Essa história não está me
cheirando bem. Quero descobrir quem está por trás disso. — Estreitou os
olhos.
— Ligarei para meu amigo e pedirei para recebê-lo. Mas eu acho que
deveria esquecer essa história e focar no que interessa. Esqueça essa mulher e
siga adiante, Giovanni.
Giovanni esfregou o rosto. De fato, ele estava exausto mentalmente.
Talvez devesse seguir o conselho do pai. Ele precisava esquecer Gabriela e
tudo que a envolvia.
— Vou tomar um banho… estou cansado, quero dormir mais cedo.
— Sim, vá repousar, filho. Amanhã conversaremos.
Quatro

Gabriela caminhou depressa para o banheiro mais próximo. Ela não queria
que as pessoas a vissem chorando. Isso poderia chamar a atenção para sua
presença na escola.
Ela entrou numa porta. Havia uma cabine ocupada e sobre a pia
alguns pertences da pessoa.
Gabriela se aproximou da pia e se olhou no espelho. O rosto estava
abatido, havia olheiras enormes abaixo dos olhos, os cabelos estavam
desgrenhados, sujos e sem brilho.
A moça jogou uma água no rosto e viu o crachá da funcionária à sua
frente. A dona do crachá era loira e de algum modo se parecia com ela.
Principalmente, naquele momento em que estava tão descuidada.
A jovem nunca tinha cometido roubos, mesmo que fossem pequenos e
inocentes. E isso incluía roubar crachás. Mas se pretendia ver Madeleine de
novo, ela precisava de um desses.
Gabriela pegou o crachá e enfiou dentro da roupa. Pediu perdão em
pensamento e saiu o mais rápido que podia.

†††

Ela fez sinal para o ônibus e subiu apressada. Pelo relógio do coletivo
ela chegaria ao colégio da enteada em 30 minutos.
A moça sentou-se e aguardou ansiosa pelo encontro. Apenas o fato de
ver a menina já a deixava feliz. No entanto, o que mais a fazia sofrer era não
poder ver o filho.
Gabriela fungou e controlou o choro. Fazia tempo que estava
chorando todos os dias, ela precisava parar de se lamentar e agir.
Enfim, o ônibus estacionou, ela seguiu para a portaria de funcionários,
sorriu para o porteiro, mostrou o crachá e entrou.
O coração estava disparado. Definitivamente, Gabriela nunca tinha
feito tantas coisas erradas em sua vida.
Um pouco mais tranquila, ela seguiu para o pátio onde as crianças
aguardavam o início das aulas. Parou em uma lixeira e fingiu arrumá-la.
Enquanto isso, os olhos vasculharam a entrada dos alunos. Em alguns
minutos, viu sua princesinha.
Madeleine abriu um sorriso lindo. Gabriela se controlou, olhou-a com
firmeza, e indicou o banheiro.
Elas não poderiam ser vistas em público. Era perigoso demais.
Gabriela entrou no sanitário feminino, seguida por Madeleine. A
moça sorriu, agachou-se e apertou a enteada nos braços.
— Que saudades de te abraçar, Made!
— Eu também, Gabi…
A madrasta encheu a enteada de beijos e a olhou de um jeito
profundo.
— Estou feliz que possamos nos ver, meu amor! Mas não posso vir
todos os dias. Eu tenho um trabalho e não posso me atrasar.
— O que faz, Gabi? Por que veste essas roupas tão feias?
Gabriela torceu os lábios.
— Meu trabalho é muito legal… eu cuido da limpeza de um colégio
— disse, mostrando empolgação.
— Isso não é legal. Por que não é professora?
Gabriela respirou fundo.
— Estou procurando algo melhor. Mas, por enquanto, é isso que
tenho. E apesar de não parecer legal, é um trabalho que tenho muito orgulho.
— Eu sei, Gabi. Desculpe. — A garotinha abaixou-se em direção à
sua mochila, pegou um recipiente e entregou para a ruiva. — Eu trouxe para
você. São aqueles biscoitinhos que você gosta. Pedi para a cozinheira fazer.
Pegue, Gabi.
Gabriela se emocionou. Pegou o recipiente e abraçou a menina.
— Obrigada, meu amor. Vou comer na hora do meu lanche. Agora…
eu preciso ir e voltarei só na sexta-feira. Tudo bem?
— Tudo bem. Ficarei com saudades.
A ruiva a abraçou mais uma vez.
— Eu também… — Inspirou com tristeza. — Matteo está bem?
— Ele não fala, então não sei.
A moça riu.
— Dê um beijo nele por mim. Estou com saudades dele. — Os olhos
embaçaram-se com as lágrimas.
— Vou dar. Eu contei pra ele que vi você. Ele sorriu, Gabi. Mas só o
Matteo sabe.
— Tá bom. Preciso ir. — Acariciou os cabelinhos de Madeleine. —
Vá, Made, daqui a pouco alguém virá atrás de você.
A menininha a abraçou.
— Ti amo, Gabi.
— Eu também.

†††

Gabriela se sentou um pouco afastada do grupo de funcionárias que


faziam sua refeição. Faltavam alguns dias para receber o pagamento. Ela não
tinha mais dinheiro para nada. Nem mesmo para um pãozinho.
Ela olhou para o monitor do celular. Viu as fotos de seu bebê e
chorou.
— Oi, amiga, não vai almoçar?
Gabriela guardou o celular e olhou para o lado. Uma das faxineiras
sorria para ela.
— E-u, e-u… esqueci minha marmita. Saí atrasada e me esqueci de
pegá-la.
— A única coisa que não esqueço é da marmita. — Olhou para seu
corpo. — Talvez por isso esteja tão gorda. — Riu divertida. — Quer um
pouco da minha comida? Eu trouxe muita...
— Não, não quero. Na verdade, estou sem fome — declarou,
envergonhada.
— Não seja mentirosa. Venha aqui e compartilhe comigo o meu
almoço. Eu preciso emagrecer, me ajude com isso… — A mulher pegou um
prato e dividiu a comida. — Coma, não sou boa cozinheira, mas dá para
matar a fome.
Apesar de o constrangimento, a fome era maior. Gabriela pegou o
prato e o devorou.
— Obrigada, sua comida é deliciosa — disse de boca cheia.
— Você que estava com muita fome. Ninguém gosta da minha
comida. Nem meus filhos.
Gabriela riu.
— Há quanto tempo não comia?
A ruiva abaixou os olhos, constrangida.
— Já passei por isso, amiga, não tenha vergonha de mim.
— Dois dias… não tenho mais dinheiro. — Os olhos turvaram-se com
as lágrimas. — Mas quando receber meu pagamento ficará tudo bem.
— O que aconteceu? Você não tem família?
— Não...
— Você era casada?
— Era, mas ele me colocou para fora. Perdi meu filho e minha
enteada.
— Que desgraçado! — disse a mulher, com raiva.
— Sim, ele é.
— Você já procurou a justiça? Ele não pode tirar seus filhos de você.
— Não tenho dinheiro para pagar um advogado. Ele é um homem
muito rico. Será difícil competir com ele.
— Eu coloquei meu ex-marido no "pau". Agora ele tem que pagar a
pensão para as crianças. Eu te levo no lugar que consegui um advogado.
Gabriela a olhou, animada.
— Sério? Eu estava pensando nisso, mas não sei nem por onde
começar.
— Deixe comigo. Vou te levar na Defensoria Pública. É de graça. —
Piscou.

†††

Gabriela esticou suas antigas roupas no corpo. Porém, o tecido estava


amarrotado, visto que não tinha um ferro de passar. Os cabelos – apesar de
presos em um coque – estavam em desalinho. Ela tinha feito o que podia,
mas sua apresentação não era das melhores. A jovem seguiu por um corredor,
virou à esquerda e entrou na sala onde um advogado a esperava.
— Bom dia, doutor.
— Bom dia, Sra. Gabriela, sente-se.
Depois dos primeiros minutos de esclarecimentos, onde Gabriela
falou sobre seu problema, o advogado fez suas considerações.
— Você tem uma cópia desse contrato matrimonial, para que possa
analisar a legalidade dele?
Gabriela soltou o ar. Era impressionante como tinha sido burra,
inocente e alienada.
Quem assina um contrato matrimonial sem lê-lo? A resposta é…
Gabriela Nessa. A mulher mais burra do mundo. Repreendeu-se Gabriela.
— Não, doutor.
— Bem, eles deveriam ter entregado uma cópia para você. Deste
modo, houve má-fé de seu marido e do advogado dele.
— Ele pediu para eu ler antes de assinar, mas era muito tola e assinei
completamente cega. Eu confiei nele.
O rapaz balançou sua cabeça. Parecia entender a situação.
— Vamos entrar com o pedido de divórcio e, assim, tentar pleitear a
guarda das crianças.
— Apenas o bebê é meu, a garotinha é filha dele.
— Tudo bem, vamos ver o que conseguimos. — O rapaz fechou sua
pasta. — Você receberá uma convocação para a audiência. Não falte.
— Sim, não faltarei. — Levantou-se, despediu-se do rapaz e saiu.
Fora da sala, sua nova amiga a olhou apreensiva.
— E aí?
— Agora é esperar, serei convocada para uma audiência e ele
também.
— Vai dar tudo certo...
Entrelaçaram os braços e seguiram para casa.
Cinco

O motorista de Giovanni estacionou o carro em frente a um tribunal e olhou


para trás.
— Pronto, senhor. Peço para os seguranças fazerem sua escolta?
— Não vou descer. Alberto me representará na audiência. — Olhou
para o advogado. — Não aceito acordos. Nem dividir com ela a guarda das
crianças. Se Gabriela quiser, que leve para o litigioso. — Segurou o queixo e
olhou pelo vidro do carro.
— Mas o senhor não disse que queria a separação, pois pretende se
casar na Itália? — indagou o advogado, confuso.
Giovanni pigarreou. Ele não esperava que Gabriela pedisse o
divórcio. O homem fora pego de surpresa.
— Sim, eu quero a separação… — Ajeitou-se ao banco. — Mas não
abro mão do meu filho…
— Ela só quer dividir a guarda das crianças. Ela pediu de Madeleine
também. Dona Gabriela não está tentando tirar seus filhos, só quer estar com
as crianças algumas vezes na semana… É razoável, Sr. Bennedetti. Ela é a
mãe.
— Ela assinou o contrato, ela abriu mão dos filhos e do meu dinheiro.
Não voltarei atrás de nada — rosnou, nervoso.
— Geralmente os juízes são sensíveis a questões como essa. O senhor
é um homem poderoso, já ela, uma faxineira…
Giovanni levantou os olhos e encarou o advogado.
— Faxineira? — indagou, confuso.
— Foi o que ela colocou como sua atividade atual. Ela trabalha numa
escola, como ajudante de limpeza.
O peito do italiano se apertou. Ele queria ser insensível àquela
traidora, mas ele não conseguia.
— Ofereça dinheiro para ela, Gabriela deve estar interessada em uma
pensão. — Respirou nervoso. — Ofereça uma pensão gorda. No final das
contas é o que todas querem. No entanto, não abro mão do acordado em
contrato. Matteo não terá contato com ela. Nunca!
O advogado se afastou assustado.
— Ela não quer dinheiro, Sr. Bennedetti. A única coisa que pede é
para ver as crianças.
— Não, Alberto! — disse, duro e insensível.
O advogado inspirou e expirou. Era difícil trabalhar para aquele
italiano. E se não ganhasse bem por isso, já teria desistido. Ele abriu a porta
do carro e desceu, deixando o homem sozinho.
— Podemos ir embora, Sr. Bennedetti? — indagou o guarda-costas.
— Não, espere…
Giovanni olhou ao redor do prédio. Ele queria vê-la, mesmo que fosse
a distância.
— Veja, Sr. Bennedetti, a senhora Gabriela está chegando a pé…
O italiano se remexeu nervoso, procurou por ela e a achou. Mas se
assustou com sua aparência. Ela estava tão magra e malvestida, que quase
não a reconheceu.
— Sra. Gabriela está diferente… — mencionou o segurança com
pesar na voz.
Giovanni fechou os olhos. Ele não queria sentir-se culpado. No
entanto, o homem sabia que tinha sido perverso ao jogá-la na rua sem nada.
— Peça para um dos homens segui-la. Descubra onde mora e onde
trabalha.
— Tudo bem, senhor.
— Vamos embora, Ângelo.

†††

Giovanni e Otávio estavam reunidos em uma sala há algumas horas.


O italiano analisou cada um dos currículos e separou os melhores candidatos
a CEO de sua empresa.
— Marque uma entrevista com essas pessoas. — Devolveu os
currículos para o assistente.
— Quando pretende ir para a Itália, senhor?
Otávio estava com o italiano desde o início. A Bennedetti & Co não
era uma empresa comum, mas sim o resultado da mente brilhante de seu
proprietário. Eles não seguiam um modelo de administração daqueles
ensinados em cursos de MBA em negócios, a Bennedetti & Co pulsava no
ritmo do coração de seu CEO.
O fiel assistente deduziu com tristeza que, com a saída de Giovanni
Bennedetti do comando dos negócios, a empresa iria acabar.
— Assim que achar uma pessoa para me substituir. — Levantou-se.
— Sim, entendo. — Otávio o seguiu pelo corredor. — Posso manter
sua festa de Réveillon? Ela é um evento muito esperado. — Tentou sorrir.
— O baile de máscaras. — O italiano riu sem vontade. — Não era um
evento meu, era de Patrícia. Ela que gostava de fazê-lo.
— Bem, a festa ficou conhecida, muitas pessoas me ligaram
perguntando se está confirmada. — O rapaz abaixou a cabeça. — Se permitir
dar minha opinião…
Giovanni aquiesceu com a cabeça.
— Faça a festa, será uma oportunidade de se despedir do Brasil.
O italiano deu de ombros.
— Certo, dê prosseguimento, faça os convites e envie para dona Rute.
Ela possui a lista de convidados de Patrícia.
O assistente sorriu.
— Farei isso… com licença, senhor. — Meneou a cabeça e saiu.

†††

Giovanni esmurrou a mesa.


Gabriela não aceitara sua oferta de pensão vitalícia. E isso era
razoável, considerando a índole da ex-noviça. Mas a coisa estava saindo do
controle. Uma nova intimação havia sido enviada. Giovanni fora convidado a
prestar esclarecimentos à juíza. Segundo a ex-mulher, o italiano pretendia
mudar-se com as crianças para a Itália sem seu consentimento.
— Como ela soube que irei embora do país com meus filhos? —
indagou, nervoso.
O advogado sacudiu os ombros.
— Não sei… talvez ela tenha um informante na mansão.
O homem coçou a cabeça. Dona Rute não faria isso, ela era fiel ao
italiano. Os seguranças também. Havia um código de honra entre eles, e o
não cumprimento significava a execução do traidor.
O celular da babá era monitorado. Ela recebeu apenas uma ligação de
Gabriela, e isso foi o suficiente para que o italiano ameaçasse matar sua
família inteira.
Os empregados morriam de medo do patrão. Era impossível que
qualquer um deles tivesse se voltado contra ele. O que o diferenciava de
outros chefes, era justamente conseguir manter a lealdade dos subalternos.
Ele usava o método que aprendera com o pai nos anos que fora um soldado
da máfia.
Giovanni voltará às suas raízes. A breve trincheira que o tinha tornado
um homem civilizado e gentil acabara com a separação do casal. O italiano
voltou a ser quem sempre fora; um mafioso.
— Não consigo pensar quem pode ter contato com a maledetta! —
esbravejou, nervoso.
O homem sentou-se, segurou o queixo e pensou.
Devagar e de maneira meticulosa, Giovanni analisou a atitude de cada
um dos moradores de sua casa.
— Madeleine! — Levantou-se de súbito. — Ela está se encontrando
com Madeleine — repetiu, nervoso.
— Mas como, Sr. Bennedetti?
— Não sei, mas eu vou descobrir… pode ir, Alberto.
O advogado se despediu. E Giovanni chamou o chefe da segurança.
— Sente-se, Ângelo! — ordenou, impaciente. — Conseguiram
descobrir onde ela está morando?
— Sim, senhor. Numa comunidade pobre no subúrbio, em um quarto,
numa espécie de cortiço.
— Quero um homem vinte e quatro horas observando-a. Da hora que
acorda até o horário que dorme. Quero saber seus hábitos, quero um relatório
da rotina dela — rosnou, mordaz.
— Tudo bem, colocarei um homem a partir de amanhã…
— Hoje! — rugiu. — Agora!
— Sim, senhor… — O guarda-costas levantou-se acuado.
— Ah, Ângelo… vamos voltar à investigação.
— Qual delas, senhor?
— Do dia em que ela se encontrou com o padre.
O segurança bufou. O italiano andava impossível. Pena que iria
embora. O guarda-costas gostava do chefe, ele era mais que um segurança
pessoal, se tornara um amigo daquele homem.
— Sim, senhor! — O homem deixou a sala.
— Eu vou te pegar, Gabriela… — rosnou.

†††

Giovanni abriu o jornal e leu a notícia…


Uma operação gigantesca, cujo codinome era “mãos limpas”,
pretendia desmantelar a rede de influências da máfia italiana. Um
promotor e um juiz, ambos sicilianos, considerados incorruptíveis,
estavam comandando a operação.
O italiano parou de ler a reportagem e pensou no pai.
Salvatore Bennedetti era considerado um dos mais poderosos Capi [6]
da máfia siciliana. Há anos, juízes e promotores antimáfia tentavam pegá-lo.
Mas Salvatore era poderoso. Ele tinha influência sobre a polícia, judiciário e
políticos corruptos.
Dificilmente essa empreitada daria certo. Entretanto, a notícia o
preocupou. Havia um grupo de integrantes da máfia chamados de
arrependidos, os quais prometiam entregar o esquema de operação da máfia,
seu modus operandi e seus principais chefes.
Giovanni pegou o telefone e ligou para o pai.
— Tudo bem, pai?
— Sim, e você, Giovanni? Já encontrou um novo chefe para sua
empresa?
— Estou bem. Gostei de dois candidatos. Já marquei entrevistas,
vamos ver se encaixam em minha proposta.
— Que ótimo, filho!
— Pai, eu estava lendo La Repubblica, o senhor sabe que tenho
costume de acompanhar o noticiário da Itália… — Sorriu. — Vi uma notícia
que me preocupou… — Pigarreou. — Aquele juiz voltou às investigações da
Cosa Nostra. Parece que já tem informações importantes sobre o esquema da
máfia, integrantes, capi, etc.
— Aquele idiota não chegará a lugar nenhum. Vamos mandá-lo pelos
ares, Giovanni. Nossos homens estão monitorando-o. Vamos pegá-lo e
eliminá-lo. Não se preocupe.
— Certo… — O homem tamborilou os dedos na mesa. Giovanni
estava nervoso. Ele tinha ouvido falar que o tal juiz não era um homem
qualquer. Sua integridade e lealdade ao estado era algo similar ao que os
mafiosos tinham pela Cosa Nostra. O italiano sentiu que o cerco estava se
fechando. Salvatore Bennedetti não suportaria ser preso. — Por que não
deixa a Itália por uns tempos, pai? Se chegarem até você, será julgado e
preso.
— Tenho amigos no judiciário. Mesmo que me prendam, consigo
sair. Fique tranquilo, filho.
— Tudo bem, pai… era isso.
Giovanni se despediu e voltou ao trabalho.
Seis

Gabriela deixou o terreno onde ficava seu quarto, entrando em uma rua
estreita e malcuidada do bairro onde morava.
O lugar era pobre, as construções precárias e não havia rede de
saneamento. Era um bairro em construção. Pessoas humildes o procuravam
para começar sua vida. Quase todos os terrenos eram invadidos, as
edificações irregulares e fora dos padrões da prefeitura.
O quartinho onde morava ficava numa dessas construções. Um
sobrado construído precariamente, dividido em dezenas de pequenos quartos,
onde, muitas vezes, moravam famílias inteiras.
Era um lugar triste de muitos modos, mas feliz, ao mesmo tempo. A
luta e a coragem daquelas pessoas faziam com que Gabriela não desistisse.
Sua vida era ruim, no entanto, daquelas pessoas era muito pior.
Ela agachou-se perto de algumas crianças e conversou com elas.
A comunidade era repleta de crianças. Em sua maioria malcuidada e
entregue à própria sorte. Gabriela gostava de conversar com elas. Isso a fazia
relembrar sua vida quando era uma professora.
A moça se despediu e seguiu pela rua estreita e sinuosa. Olhou para
trás algumas vezes, preocupada.
Faltou dizer que o lugar era perigoso. Muitos traficantes exerciam seu
poder violento sobre o local. Explorando e sufocando os comerciantes locais
com suas taxas de proteção e extorsão.
Havia um poder paralelo. Onde a lei quem ditava não era o estado,
mas sim os traficantes e milicianos.
Se existia um inferno na terra, aquele era o endereço.
Ela segurou a bolsa com força e caminhou o mais rápido que podia.
Havia um homem atrás dela. Ele mantinha certa distância, mas o fato de
acompanhá-la em sua trajetória até o colégio a estava preocupando.
Quando finalmente chegou ao colégio, inspirou aliviada.
Gabriela subiu até o primeiro andar da escola e colocou o uniforme.
Olhou por uma pequena janela e viu o estranho encostado em um poste.
Ela franziu a testa.
— O que foi, amiga?
A ruiva virou-se e sorriu.
— Bom dia, Edi. — Olhou novamente pela janela e o viu comendo
um cachorro-quente. — Aquele homem, ele me seguiu até aqui…
A outra mulher olhou através da janela.
— Será que é um tarado? Eles perseguem a mulher até que consigam
pegá-la num lugar escuro.
— Passei por muitos lugares escuros, ele não me pegou…
— Vamos observar, talvez tenha sido só coincidência.
Gabriela saiu da janela e seguiu para sua rotina.

†††

Dias Depois

A moça olhou para trás mais uma vez. Aquele homem continuava
seguindo-a.
Um sexto sentido a avisou que era um dos homens de Giovanni. Isso
lhe causava medo e apreensão. Gabriela já não sabia mais quem era o ex-
marido.
Ela se lembrou do que ele disse naquele dia fatídico. Sobre a morte da
falecida esposa.
Talvez Gabriela soubesse desde o início quem era Giovanni. No
entanto, preferiu se enganar.
O italiano lindo e sedutor em nada se parecia com um criminoso. O
amor a cegou. Então, ela preferiu se ater ao cavalheiro gentil, protetor e
carinhoso, mas não ao que as pessoas diziam que ele era.
A jovem aproveitou a confusão do ponto de ônibus e despistou o
rapaz.
Ele não poderia vê-la chegando à escola de Madeleine. Isso faria com
que seus planos fossem por água abaixo, e as duas nunca mais poderiam se
ver.
Gabriela sorriu para si mesma.
Era divertido pensar como tinha se tornado esperta desde que fora
jogada na rua pelo homem que amava.
Gabriela descobrira que enganar um homem era muito mais fácil do
que imaginava. As lojas cheias, os comércios de rua ou mesmo um policial,
bastavam para que seu perseguidor se atrapalhasse e sumisse.
— Obrigada, Sr. policial… — Sorriu sedutora. — Devo virar à direita
e depois à esquerda, é isso?
— Sim, senhora… quer que a acompanhe?
— Não, imagine. Eu consigo chegar lá. — Sorriu mais uma vez,
deixando o policial encantado. — Um ótimo trabalho para o senhor e muito
cuidado. Essa rua está cheia de bandidos.
— Para a senhora também. Pode deixar, estamos de olho neles.
Pronto, ela tinha arrumado um amigo, ou melhor, um inimigo para
seu amigo oculto.
Em poucos minutos, a ruiva já estava dentro do colégio. Em
segundos, ela e Madeleine estavam escondidas, abraçando-se e matando as
saudades.
Gabriela a apertou tanto que a garotinha reclamou.
— Chega, Gabi. Assim fico sem ar. — Riu cheia de graça.
— Eu adoro te apertar, apertar, apertar até virar uma paçoca.
A menina riu mais. Abriu a mochila e tirou um envelope.
— O que é isso? — Gabriela indagou, confusa.
— Um convite…
A moça enrugou a testa.
— Para quê? — Pegou o envelope e o abriu, puxou o papel prateado e
leu… — Baile Anual de Réveillon… — O que é isso, meu amor?
— Papai vai fazer uma festa em casa. Peguei esse convite para você.
Gabriela olhou para Madeleine. Talvez a garotinha estivesse com
febre.
Como ela poderia ir a um baile na casa de seu pai? O homem a
expulsaria.
— Made, não posso ir…
— É de máscara, Gabi… ninguém vai ver você — disse, serelepe,
dando a entender que a madrasta estava lenta no raciocínio. — Eu te ajudo a
ver o Matteo.
A moça arregalou os olhos, e pensou: a enteada devia ser uma
daquelas crianças com a inteligência acima da média. Ela era esperta demais
para sua idade.
— Oh, Made, é perigoso… e se seu pai me ver?
— Ele não vai ver, Gabi. Ouvi dona Rute dizendo que muitas pessoas
irão.
— E a babá? — perguntou a moça para a garotinha. Como se ela
fosse a adulta da história. — Como vou despistá-la?
— Eu distraio a babá. Deixe comigo. Ela é boba! — Riu travessa.
— Não sei, Made… não tenho uma máscara ou roupas…
— Por favor, Gabi. Eu prometi para o Matteo. Eu disse que traria
você — suplicou, com sua vozinha doce, o olhar meigo e apaixonante.
Gabriela riu.
— Você é um gênio, sabia? — Agarrou-a e a encheu de beijos. — Eu
vou tentar, prometo. Tá bom!
— Tá bom. Eu e o Matteo vamos esperar por você.
— Você está me saindo melhor que a encomenda.
As duas se abraçaram e curtiram mais um pouco, o pouco tempo que
ainda tinham.

†††

Gabriela sorriu feliz ao saber que a juíza de seu caso solicitara os


passaportes de Madeleine e Matteo. Giovanni não poderia mais levar seus
filhos para fora do país. Aquele maldito italiano queria separá-la para sempre
de suas crianças, mas ele não conseguiria.
A ruiva nunca tinha sentido tanta gana, vontade e perseverança. Ele
podia tirar tudo dela, mas seus filhos, não. Madeleine e Matteo eram seus
filhos e ela exigia poder vê-los.
Ela desligou a ligação e sorriu para sua amiga.
— Consegui, Edi. Os passaportes das crianças foram confiscados. —
Riu vencedora.
A mulher vibrou.
— Então… você vai ou não invadir o cafofo do italiano desgraçado?
O sorriso de Gabriela evanesceu. Ela tinha medo de que desse errado.
E que acabasse numa vala funda e escura.
— Não sei, Edi. Tenho medo.
— Olha só, eu consegui a roupa e a máscara. É coisa fina… Tenho
uma colega que trabalha na casa de uma madame. A mulher colocou muitas
coisas para doação e minha colega guardou, tá tudo na casa dela. Vamos lá
experimentar?
Gabriela bufou preocupada. Fechou os olhos e respirou
profundamente.
Agora, era tudo ou nada.
— Vamos. Mas se não tiver nada que me sirva, eu desisto. Não posso
aparecer lá feito uma mendiga. O primeiro segurança que me vir, me
expulsará do lugar.
— Combinado… — A mulher sorriu. — Arrumei isso aqui. — Tirou
de um saco plástico uma peruca loira. — Vamos ver se te serve...
A ruiva gargalhou.
— Tá louca? Não vou colocar isso.
— Claro que vai. Ou quer entrar lá com esses cabelos cor de fogo?
Você sabe que essa cabeleira chama a atenção, né? Dá para te ver a
quilômetros de distância.
Gabriela riu mais. Sua amiga de trabalho era a pessoa mais divertida
que já tinha conhecido. Além de generosa, amiga, companheira… Pela
primeira vez em sua vida, Gabriela tinha uma amiga de verdade.
— Dá isso aqui, me ajude a colocar.
Em poucos minutos, Gabriela se olhou no espelho e riu.
— Será que não acharão que estou de peruca? — indagou, confusa.
— Estou me sentindo tão esquisita.
— Não, está perfeita. Aliás, você fica melhor de loira do que ruiva —
gargalhou.
— Bruxa má, é isso que você é…
As duas ouviram passos no corredor, guardaram rapidamente a peruca
e fingiram limpar o banheiro.
— Meninas, parem de enrolar. O banheiro dos meninos está bem pior
do que este. Vamos lá…
As duas torceram os narizes e saíram com seus baldes na mão.

†††

A casa de sua amiga estava enfeitada com simplicidade. Edilene – a


amiga de Gabriela – vivia em um bairro vizinho, numa casa simples. A moça
dividia o espaço com a mãe, os filhos e um namorado. Era tudo muito pobre,
mas cheio de vida. Era um lar de verdade.
Havia um peru delicioso sobre a mesa, arroz à grega, salada de
maionese e uma farofa. O cheiro estava maravilhoso, ou era apenas a fome. O
estômago de Gabriela estava dando voltas.
Ela já tinha ganhado o primeiro salário, mas havia tantas coisas para
comprar que a jovem não pôde se dar ao luxo de esbanjá-lo em refeições.
Todavia, a generosidade da amiga não a deixou passar o Natal sozinha.
A ruiva pulou de susto quando o namorado de Edi estourou um
espumante, barato, e encheu as taças.
— Feliz Natal! — ele gritou, alegremente. O homem era um baiano
cativante.
— Feliz Natal — Gabriela repetiu as palavras de maneira tímida, e
seus pensamentos foram para bem longe.
Ela pensou em Madeleine, em Matteo e em Giovanni. No fundo do
coração, ela gostaria de estar com eles. Mas a vida era assim. Tudo podia se
transformar em um instante de momento.
A amiga a abraçou carinhosa e afetuosa.
— Está pensando em Madeleine e Matteo? — indagou, discreta.
— Sim… — Respirou fundo. — Entreguei para ela uma bonequinha
de presente, mas era tão simples que Made já deve ter colocado no monte de
brinquedos que não usa. Eu só queria que ela tivesse algo para se lembrar de
mim.
— Você tá no coração dela. Esqueça isso, venha se divertir com a
gente. — Pegou em sua mão e a levou para um quintal comunitário, onde
pessoas dançavam e riam ao som de músicas populares.

†††
Gabriela girou o corpo em um vestido prateado, e se olhou no
espelho.
— Ficou perfeito em você, Gabi — afirmou a amiga. — Gostaria
tanto de emagrecer um pouco para caber nesses vestidos — choramingou.
Gabriela torceu os lábios.
— É lindo, mas fico tão exposta. — Virou de costas e se olhou pelo
espelho. As costas estavam nuas, assim como braços, ombros, colo…
— Mas qual o problema? — Edi indagou. — Você está linda e
elegante. Era o que precisava para passar despercebida. Coloque a máscara
— ordenou, apressada.
A ruiva encaixou a máscara ao rosto e se olhou no espelho. Apenas os
olhos e lábios ficavam expostos. Além dos cabelos loiros, é claro.
— Você está irreconhecível.
Gabriela concordou com a amiga. Ninguém conseguiria reconhecê-la.
A moça respirou fundo.
— Seja o que Deus quiser. — Benzeu-se. — Reze para que não seja
descoberta.
— Você não será. — Pegou uma bolsa prateada e entregou para a
ruiva. — Vamos, o Baiano está nos esperando.

†††

Um automóvel antigo, barulhento e caindo aos pedaços estacionou


próximo à mansão dos Bennedetti. Gabriela saiu com a ajuda da amiga,
pegou a bolsa, o convite e ajeitou o vestido.
— Vamos esperar sua ligação para virmos te buscar, tá, Gabi?
Qualquer B.O[7], me ligue.
Gabriela respirou e expirou para controlar o nervosismo.
— Tudo bem. Deseje-me sorte! — Abraçou a amiga. — Se não te
ligar, já sabe… ele me jogou no canil dos cachorros…
A amiga riu, não achara que a ruiva estivesse falando sério. Mas ela
estava…
Gabriela firmou os pés no salto quinze, emprestado, e tentou não virar
o tornozelo na calçada malconservada. Ela teria que caminhar alguns metros
até a entrada da mansão. A rua estava bastante movimentada. Carrões
luxuosos e caros passavam a todo o momento trazendo convidados.
Ela acenou para os amigos e seguiu adiante. Apenas a ideia de rever
seu bebê a fez sorrir e ganhar mais confiança.
Ela se benzeu e acelerou o passo.

†††

Gabriela entregou o convite para o segurança e estremeceu de medo.


O rapaz era um dos homens que fazia sua escolta, mas ele não a reconheceu e
nem conseguiria, com os cabelos loiros e a linda máscara que cobria o rosto.
Ela segurou a bolsa com as duas mãos – a frente do corpo – e seguiu
nervosa para dentro da mansão.
Uma sensação estranha a invadiu. Um déjà vu dos tempos que viveu
ali. Ela tinha muitas lembranças felizes daquele lugar. Lembranças que
guardaria para sempre.
Os olhos lacrimejaram.
Gabriela respirou fundo e tentou focar em seu objetivo. Ela e
Madeleine combinaram que deveria subir ao quarto de Matteo a meia-noite.
Quando todos estivessem ocupados com os brindes, fogos, etc.
Enquanto isso, ela teria que se distrair na festa.
Gabriela olhou ao redor. A mansão estava cheia. Muitas pessoas
elegantes povoavam o lugar com suas roupas de estilistas famosos, seus
sapatos caros e suas joias lindíssimas. Ela se sentiu deslocada.
Mas sua ida à festa de Giovanni tinha um propósito muito maior. Ela
não estava ali para se divertir, mas sim para ver o filho.
Um garçom se aproximou e ofereceu uma taça de champanhe.
Gabriela aceitou a bebida, respirou fundo para ganhar coragem, e seguiu
entre as pessoas.
Sete

A festa de Natal na mansão de Bennedetti foi um fiasco.


Madeleine estava triste e desanimada, mal olhou para os presentes que
o pai tinha deixado embaixo da árvore de Natal.
— Gostou, Made? — Giovanni indagou, ansioso.
— Gostei, pappa… obrigada! — Deixou o presente sobre o sofá e
seguiu até uma boneca simples e sem graça. — Vou dormir, pappa! —
Esfregou os olhinhos, sonolenta.
— Vamos cear juntos, bambola!
— Não quero, pappa, vou dormir… — Seguiu pela sala agarrada à
boneca.
Antes que a menina chegasse às escadas, o italiano a interrompeu,
curioso.
— Quem te deu esse presente? — Estreitou os olhos, intrigado.
— Ah, foi a… professora…
— Tá bom… Buonanotte, amore mio!
— Buonanotte, pappa, ti amo!
Giovanni sorriu.
— Ti amo também, mia bambina.
O italiano esperou a filha subir e seguiu para a sala de jantar. Olhou
para a mesa posta, mas não teve vontade de comer. Pegou uma garrafa de
vinho e seguiu para sala íntima.
Logo no primeiro gole o homem entendera o que estava fazendo ali.
Aquele lugar o fazia se lembrar dela e dos momentos felizes que tiveram
naquele cômodo.
Em breve tudo ficaria para trás. Depois do Réveillon, Giovanni
pretendia ir para a Itália.
Virou a garrafa em sua garganta e se deixou embriagar. Esse seria o
último porre que tomaria por causa de sua ruiva.
— Felice Natale, Gabriela…

†††

A mansão estava linda, toda decorada em tons prata. No jardim, uma


banda tocava músicas alegres e dançantes.
A maioria dos convidados já havia chegado. A casa estava cheia e
barulhenta, do jeito que Patrícia gostava, não Giovanni.
Heloísa Valente era uma das convidadas. A mulher estava vestida em
um traje que a tornava a mulher mais linda da festa. O vestido era quase
transparente, deixando à mostra parte de sua lingerie, ousado e extremamente
sexy.
Ela se aproximou de Giovanni e o abraçou o mais demorado que
pode.
— Feliz Ano-Novo, meu italiano! — disse, lânguida e sedutora.
Giovanni sorriu de lado.
— Já bebi bastante, mas não estou bêbado ainda. Não me lembro de já
estarmos no Ano-Novo.
Ela se despendurou no pescoço do homem. Finalmente o italiano
estava livre, e Heloísa estava pronta para retomar seu posto de amante.
— Não gosto de convenções. Eu desejo feliz Ano-Novo quando
quiser… — Riu alegremente.
O italiano se livrou de seus braços, e pegou uma nova taça de
champanhe.
— Tudo bem… — Levantou a taça. — Feliz Ano-Novo, Heloísa
Valente, a mulher mais linda da festa — disse, galanteador, mas não estava
tão empolgado quanto tentou sugerir. De fato, o italiano queria disfarçar o
desânimo que estava sentindo.
— Quero passar minha noite com você — sussurrou no ouvido do
homem. — Só eu e você…
Giovanni se afastou incomodado. Apesar de separado, não se sentia
livre para envolver-se com outra mulher. Ele disfarçou, olhou ao redor e viu
uma loira caminhando delicadamente pelo salão.
Balançou sua cabeça, confuso. Por um momento achou que estivesse
vendo coisas. Aquela mulher andava como Gabriela. Havia uma delicadeza
em seus modos, uma suavidade em seus passos…
— Ei, italiano, estou falando com você. — Heloísa puxou seu rosto.
— Estou te ouvindo. — Bebericou mais uma vez o champanhe e, pelo
canto dos olhos, espiou a mulher de cabelos loiros.
— Bem, eu estava pensando em ir para a Itália com você… seu pai
me convidou para trabalhar na organização…
— Si, si… você quem sabe, Heloísa — disfarçou, e olhou mais uma
vez em direção à loira.
Havia uma mesa de crustáceos. Em coqueteleiras estavam sendo
servidos camarões graúdos, embebidos em um molho. A moça se aproximou,
pegou uma das taças, e mordeu com delicadeza a iguaria.
Giovanni a admirou. Não havia pressa em se deliciar com o petisco.
Era como se estivesse comendo a melhor comida do mundo.
O italiano só conheceu uma mulher que degustava camarões daquele
jeito.
— Gabriela — murmurou.
— O que disse?
Giovanni pigarreou nervoso.
— Que vou até ali e já volto… dê uma volta, depois conversamos
sobre sua ida para a Itália.
A mulher sorriu, mas estava decepcionada com a frieza do italiano.
— Tudo bem...
Giovanni disfarçou, cumprimentou algumas pessoas e se aproximou
da loira. Ela estava na segunda taça de camarão e, pelo visto, iria para a
terceira.
— Eles parecem deliciosos — cochichou, discretamente, pegou uma
taça para não ser deselegante e esperou que a moça se virasse.
Devagar, a loira se virou em sua direção. Ele viu seus olhos através da
máscara, e ficou mudo.
Eram os olhos de Gabriela. Enormes, de um azul profundo e de
inquestionável beleza.
— Sim, estão. — Moveu os lábios num sorriso nervoso.
O italiano deduziu que a bebida já estivesse fazendo efeito. Ele
encarou a mulher por segundos intermináveis. Desceu os olhos pelo seu
corpo. Ela era linda. Não havia outra mulher no mundo com aquele corpo,
com aquela pele…
Ele se sentiu embriagado. Parecia até mesmo que o cheiro dela era de
sua ruiva.
— Com licença… — Ela tentou sair, mas ele segurou seu braço.
— Não estou me lembrando de você, nós nos conhecemos? —
indagou, confuso.
— Acho que não, estou acompanhando uma amiga — disse com a
voz meio embolada.
Ele a encarou através da máscara.
— Só conheci uma mulher com esses olhos.
A moça piscou algumas vezes, deixou o coquetel de lado e limpou a
garganta.
— Quem era essa mulher?
Giovanni balançou sua cabeça. Ele devia estar louco. Ela tinha a voz
de sua esposa.
— Sr. Bennedetti. — Alguém o chamou. Giovanni virou-se e viu a
governanta vindo em sua direção. — Já está quase na hora…
— Certo, peça para os empregados avisarem aos convidados que
haverá uma chuva de prata no jardim, diga para todos saírem.
— Sim, com licença. — A governanta saiu apressada.
Giovanni virou-se bruscamente, mas a desconhecida não estava mais
lá.
Ele olhou para todos os lados. Começou a andar entre os convidados e
todos os cabelos loiros que via, pensava ser a desconhecida.
— Onde você foi, disgraziata? — praguejou, nervoso.
O homem pensou que estivesse ficando louco. Ele precisava achá-la.
Então, olhou para as escadas da mansão e resolveu subir. Quando
chegou em frente ao dormitório de Matteo, o abriu e tomou um susto.
A desconhecida estava lá, mas, naquele momento, sem a máscara.
— É você — declarou Giovanni, exasperado. — Nunca achei que
fosse tão corajosa.
Ela respirou ofegante, segurando Matteo contra seu peito, os olhos
estavam brilhantes e cheios de lágrimas.
— Eu só queria vê-lo. — Seus lábios tremeram de emoção. — Pegá-
lo no colo, sentir seu cheirinho de bebê…
A respiração do italiano também estava ofegante. Ele poderia esperar
muitas coisas, menos que Gabriela invadisse sua casa para ver o filho.
Ele remexeu-se nervoso, virou-se de costas para se acalmar e se
sentou.
— Tudo bem, fique à vontade, Gabriela. Mas eu ficarei aqui. —
Cruzou as pernas e a encarou.
Ela sentou-se cuidadosa com o bebê no colo, olhou-o por longos
minutos, como se quisesse decorar cada linha de seu rosto. Acariciou e beijou
sua face, a cabecinha e seus cabelinhos. Beijou as mãozinhas da criança e
lentamente afastou o decote do vestido, oferecendo seu peito para ele.
Giovanni era um homem duro, insensível e em muitos aspectos vil.
No entanto, aquela cena o desmontou.
Gabriela tinha esse poder sobre ele. De tirar todas as suas armaduras.
De expor todas as suas fragilidades. De fazê-lo sentir-se miserável.
Os fogos de artifício começaram a explodir ao longe. Gabriela
protegeu os ouvidos do filho, enquanto ele sugava seu peito com calma.
A cena era linda de muitas maneiras.
— Pensei que não tivesse mais leite — disse baixo, apenas para si
mesma.
— O que pretende com isso, Gabriela? — indagou, nervoso.
— Já te disse… — Tirou delicadamente o bebê do seu peito, levou-o
até o berço. — Eu só queria ver meu filho. — Limpou as lágrimas, arrumou
seu vestido, pegou sua máscara e seguiu apressada para a porta.
Giovanni levantou-se de súbito e a seguiu. Alcançou-a no corredor,
segurou seu braço e a encarou furioso.
— Como tem coragem de vir até minha casa depois do que fez
comigo, Gabriela? — rugiu.
— Eu não o traí, Giovanni. Eu não fui para a cama com aquele
homem. Acredite em mim. — Soluçou, com a voz embargada pelas lágrimas.
Ele segurou os dois braços dela e a sacudiu com raiva. Seus olhos
pareciam duas bolas de fogo.
— Eu vi, Gabriela! Ninguém me contou, eu vi você nua na cama com
aquele farabutto…
— Foi uma armação. Doparam-me… eu não fiz aquilo. — Soluçou.
— Eu te amo, Giovanni, acredite em mim — implorou, caindo de joelhos aos
pés do italiano. — Eu não fiz aquilo, eu não o traí… por favor, acredite em
mim. — Cobriu o rosto e chorou copiosamente.
Giovanni esfregou seu rosto.
Por tudo que já vivera, nunca pensou que poderia se sentir tão
perdido.
Gabriela era tão sincera, tão verdadeira em suas palavras.
O italiano a levantou do chão, limpou suas lágrimas, e a encarou por
alguns segundos.
O homem lembrou-se de quando a conheceu. De como se sentiu
enfeitiçado. E do quanto se sentia agora. Na verdade, o feitiço nunca passou.
Ele não conseguiria esquecê-la. Ele a amava demais.
Sem medir as consequências, ele a tomou em seus braços, invadiu
seus lábios e a beijou: lenta e intensamente, explorando cada centímetro de
sua boca. Sentindo seu gosto, sua maciez, mordendo seus lábios e sua língua.
Ele queria devorá-la, fundir-se a ela e nunca mais deixá-la partir.
Giovanni a ergueu em seus braços e caminhou para seu quarto. Abriu
a porta e entrou.
— Giovanni… — Gabriela tentou falar, mas ele não a deixou.
Continuou beijando-a com urgência, ao mesmo tempo em que tirava seu
vestido e a deixava nua.
Ele a deitou na cama e começou explorar seu corpo com os lábios,
com a língua. O italiano queria relembrar cada parte do corpo de sua amada,
cada cheiro e cada gosto.
Gabriela puxou-o para si, e sem que falassem nada, tiraram as roupas
que sobravam e voltaram a se amar.
O italiano a penetrou com pressa, seu corpo se chocou com força
contra o de sua amada. Ele queria possuí-la logo. Sentir seu membro
preenchê-la e ter certeza de que Gabriela era só dele.
Giovanni a beijou com sofreguidão, mordeu e lambeu seu pescoço,
devorou seus mamilos e já sem forças derramou o sêmen em seu útero.
Seus gemidos ecoavam pelo quarto, como uivos de um animal
desesperado. Havia um sentimento inquietante dentro do italiano. Ele a
amava com todas as forças, mas não poderia perdoá-la.
Nunca mais seria igual. Por mais que ele quisesse. Por mais que
tentasse. Eles nunca mais seriam os mesmos.
Exausto, ele se jogou ao lado da esposa.
Por alguns minutos, a mente esvaziou. Restou apenas a quietude que
vinha depois do amor. E a sensação de paz que sentia ao lado dela.
Porém, aos poucos, a consciência voltou, junto com a inquietação e as
lembranças do dia fatídico. Ele não poderia perdoá-la. Ele a pegou na cama
com outro homem.
Giovanni se levantou de súbito.
— Vou pedir para alguém levá-la. — Resgatou suas roupas e
começou a vesti-las.
— Você não acreditou em mim, não é mesmo? Você não acredita na
possibilidade de ter sido drogada e levada para aquele lugar?
— Não… — Seguiu para a porta, parou com a mão na maçaneta,
fechou os olhos e inspirou. — A deixarei ver seu filho, você será avisada em
quais condições. — Fechou a porta e saiu.
Quando alcançou o final das escadas, Heloísa o estava esperando.
— Onde esteve, por que não estava na queima de fogos, na hora do
brinde?
Giovanni não respondeu. Pegou o celular e ligou para o guarda-
costas.
— Preciso de um homem para levar Gabriela para casa… sim, eu
disse Gabriela. — Bufou, nervoso. — Rápido, estou aguardando-o no hall de
entrada da mansão.
— Gabriela? — indagou a ex-amante, exasperada. — Você a
convidou? Como teve coragem depois do que ela fez a você? Como pôde
perdoá-la?
Heloísa não conseguiu disfarçar a falta de controle. Pensou que
deveria ter acabado com a professorinha desgraçada e a mandado para o
inferno.
— Eu não a convidei, mas ela está aqui. A história é longa. — Olhou
impaciente para as escadas.
— Vocês estavam juntos? Você transou com ela? Por isso está assim,
em desalinho?
Giovanni não respondeu. Sua mente estava uma bagunça. Ele não
sabia mais viver sem Gabriela e somente a ideia de deixá-la ir, atormentava-
o.
Ele ouviu passos na escada, virou-se e a viu descendo. A peruca loira
foi deixada de lado, assim como a máscara, sua cabeleira vermelha estava
solta e selvagem. Ela parecia uma deusa. A mulher mais linda que o italiano
já tinha conhecido.
— Vadia! — Heloísa disse com ódio.
Gabriela ignorou-os, passou por eles e seguiu adiante. Todo o seu
poder estava no fato de não se deixar ser subjugada. Ela empinou o nariz e
seguiu sem olhar para trás.
— Gabriela, espere. — Giovanni seguiu apressado até ela. — O
motorista irá levá-la.
— Não precisa, meus amigos virão me buscar. — Tentou sair, mas ele
a segurou.
— Que amigos são esses? — rosnou.
— Pessoas que conheci, e que tem me ajudado a passar por esse
momento… Graças a eles estou aqui.
— Gabi!
Giovanni e Gabriela olharam assustados para trás, e viram Madeleine
descendo correndo as escadas.
— Gabi. — A garotinha se jogou nos braços da madrasta. — Não vá
embora, fique comigo! — Olhou para o pai. — Deixe-a ficar, pappa, per
favore! — suplicou, com os olhos marejados.
A madrasta a abraçou, beijou e cochichou algo em seu ouvido.
— Te amo… — Beijou as pontas dos dedos e saiu.
Giovanni pegou a filha no colo e a consolou.
— Per favore, pappa… não me afaste dela… ela é minha mãe!
— Não vou afastá-la, eu a deixarei vê-la. — Limpou as lágrimas de
seu rosto. — Mas eu e Gabriela não seremos mais casados.
— Por quê?
— Um dia você vai entender, Made. Vamos, vou colocá-la para
dormir.
Ele olhou de canto de olhos para Heloísa.
— A festa acabou pra mim, Heloísa. Boa noite.
Oito

Heloísa andou de um lado para o outro em seu apartamento. Arrancou o


vestido bonito e teve vontade de rasgá-lo inteiro.
Tanto tempo dedicado para estar perfeita na festa de Réveillon do
italiano. E ele a ignorou mais uma vez.
Ela não sabia mais o que fazer para seu ex-amante voltar a se
interessar por ela. O homem parecia enfeitiçado pela professora desgrenhada.
Oh, como ele poderia olhá-la daquele jeito, como se a ruiva fosse a
mulher mais linda do mundo. Pensou Heloísa, indignada.
Heloísa riu descontrolada com um copo de uísque na mão.
— Mulher cafona, nem sabe se vestir… — Bebeu um gole. —
Vestido mais démodé[8]. Horrível — esbravejou, bêbada. — Ela é horrível…
branquela sem graça… lagartixa nojenta… — Mais um gole. — Água de
salsicha asquerosa.
Cansada de blasfemar contra a concorrente. Escolheu um de seus
brinquedinhos eróticos e começou a se masturbar.
— Giovanni… Ah, Giovanni… Oh! — Chegou ao orgasmo e
começou a chorar.
A linda mulher estava abalada com o que viu na mansão. Giovanni
Bennedetti estava completamente apaixonado pela ruiva. Não havia nada que
pudesse fazer para reverter à situação.
Quer dizer, existia um modo...
— Eu vou acabar com você, Gabriela… e agora, em definitivo.
†††

Heloísa voltou ao quartel-general de Giacomo.


Talvez se estivesse mais lúcida, ela não o procuraria. O primo de
Giovanni não era o tipo de homem a quem deveria confiar, e ela sabia disso.
Giacomo mantinha uma organização criminosa nos moldes da máfia
italiana, com uma diferença. A máfia tinha sua honra e regras. Giacomo era o
tipo de bandido capaz de qualquer coisa por dinheiro.
Ela sentou-se e tentou manter o ar de superioridade. Para lidar com
homens como Giacomo era preciso ter sangue-frio. Qualquer deslize poderia
ser o fim. Ele perceberia sua fragilidade e a destruiria.
— Dra. Valente — disse, debochado. — Espero que não tenha vindo
para reclamar de nosso último serviço… — Baforou o charuto.
— Bem, vocês falharam, o homem permaneceu vivo...
Ele a interrompeu.
— Terminamos o serviço no hospital, doutora. — Riu com cinismo.
— O padreco já está no céu faz tempo, ou inferno! — gargalhou.
— Não vim reclamar, está tudo certo, inclusive o pagamento, correto?
— indagou, com as sobrancelhas arqueadas.
— Tudo certo. — Cruzou as pernas e relaxou na cadeira. — Qual o
objetivo de sua visita? Estou curioso para saber…
— Preciso que me ajude a achar uma pessoa — declarou,
desconfortável.
— Certo, essa pessoa tem nome ou terei que adivinhar? — Riu
debochado.
— Gabriela Bennedetti… lembra-se dela?
Giacomo estreitou os olhos.
— A ruiva gostosa, esposa de meu cugino? Ah, eu me lembro dela, e
como. — Riu. — Agora, não estou entendendo por qual motivo quer que eu a
encontre. Qual a dificuldade, doutora?
— Eles estão separados, ela o traiu…
Giacomo não a deixou terminar. O homem gargalhou de satisfação.
— Cornuto disgraziato… — disse, satisfeito. — Você quer achá-la
para quê? — Segurou o queixo curioso.
— Quero que a encontre, depois que encontrá-la te direi quais são os
próximos passos.
— Tudo bem, mas o preço sobe, doutora. Estarei invadindo o
território de Giovanni, o que torna tudo mais complicado. — Uma nova
baforada. — Meu cugino pode não gostar disso…
— Ele não saberá. Giovanni está deixando o Brasil, ele irá para a
Itália com seus filhos. Ele pediu a separação, no entanto, ainda não saiu. O
Sr. Bennedetti deixará o comando da organização e Giovanni assumirá o
posto de capo della famiglia…
Giacomo balançou sua cabeça. Parecia intrigado com a notícia, talvez
temeroso. Isso tornaria Giovanni ainda mais poderoso na Sicília. Na verdade,
em qualquer lugar. Havia braços da Cosa Nostra espalhadas pelo mundo
todo. Se Giovanni quisesse encomendar sua morte, não seria nada difícil.
Quando um capo ordenava a morte de um traidor aos homens de honra da
máfia, eles o caçariam até no inferno. Giacomo era um traidor, ele havia
matado homens importantes da organização para aumentar seu território de
atuação.
O italiano concluiu que estava na hora de eliminar Giovanni. Ele não
poderia ascender a capo da Cosa Nostra. Ele tinha que acabar com o primo
antes que o homem embarcasse para a Itália. De quebra, Giacomo ficaria com
sua viúva e todo o império que o primo tinha construído no Brasil.
O homem levantou-se.
— Quando ele irá?
— Bem… não sei… — Heloísa naquele momento percebeu que tinha
falado demais. Como uma aliada de Giovanni nunca poderia ter entregado
segredos da famiglia a um inimigo. Ela estremeceu.
Giacomo segurou os braços da poltrona onde ela estava sentada e a
encarou perigosamente.
— Não sabe, ou não quer falar?
— Realmente não sei. Ele está se preparando, não sou mais advogada
de Giovanni. De fato, mal nos falamos. — Sorriu, nervosa.
— Quero que descubra… — Estreitou os olhos. — Quero saber
quando.
— Tentarei descobrir, mas não prometo, Giacomo. Giovanni não
confia mais em mim — afirmou, temerosa.
O italiano se afastou e coçou o queixo.
— De qualquer forma, você já foi de bastante utilidade para mim…
fico feliz que meu cugino esteja alçando novos voos, ele merece. — Riu com
deboche. — Quanto a moglie dele, sinto muito. Mas não tenho interesse em
seu serviço. Preso muito mia famiglia.
Heloísa bufou. Ela teria que fazer isso do seu jeito. A mulher
levantou-se e andou sedutora pela sala.
— Obrigada pelo seu tempo.
— Por nada, bella donna, quando decidir ir para a cama comigo,
poderei ser mais colaborativo com a senhora. — Riu cafajeste.
Heloísa não iria para cama com aquele homem, ela o considerava um
verme. A advogada era fiel ao seu italiano. Apenas o desespero a faria descer
tão baixo.
— Sonhe, Sr. Bianchi, mas tome cuidado para não cair da cama.
Ele virou o pescoço de lado.
— Costumo ter pesadelos, Dra. Valente — debochou. —
Normalmente, com pessoas mortas…
Heloísa se arrepiou inteira.
Foi um grande erro ter procurado Giacomo. Ela precisava acabar com
Gabriela o quanto antes, embarcar com Giovanni para Itália e assumir o posto
de advogada da Cosa Nostra. Com isso, ela estaria protegida pela máfia e
Giacomo nada poderia fazer contra ela.
— Passar bem. — Deixou a sala e esbravejou sozinha: — Merda,
terei que fazer isso com minhas próprias mãos.

†††

Dias Depois
Heloísa olhou para o endereço que o detetive tinha lhe passado, e
confirmou a informação.
A professorinha trabalhava agora como servente de limpeza.
A advogada gargalhou. Giovanni realmente tinha se superado. Ele até
podia ser apaixonado pela ruiva horrorosa, mas seu lado maldoso falava
sempre mais alto.
A mulher de Giovanni Bennedetti estava comendo o que o diabo
amassou. E ela sentia-se orgulhosa de ter participado da derrocada da plebeia.
Heloísa quase desistiu de acabar com a ex-noviça. Ela estava
abandonada à própria sorte. Giovanni a deixou desamparada. E isso era muito
satisfatório. Mostrava o quanto o amor dele estava ferido.
Todavia, a ruiva era perigosa. Ela exercia fascínio sobre o italiano.
Heloísa não poderia deixar espaço para recaídas.
Como Sr. Bennedetti dizia, o coração de Giovanni era seu grande
inimigo. O italiano era adorável quando estava apaixonado, mas o amor o
enfraquecia. Patrícia descobriu seu ponto fraco e quase o destruiu.
Aliás, a advogada odiara a amiga. Ela tinha tido tudo que ela sempre
quis, mas não ficou satisfeita.
Entretanto, Gabriela era diferente. Uma jovem adorável, doce,
delicada e sonhadora. E para piorar, apaixonada por Giovanni.
Isso sim era um grande problema para Heloísa.
A advogada a esperou sair da escola e a seguiu a certa distância. O
lugar onde morava era horrível. A pobreza e a miséria eram gritantes. Não
entendia como alguém conseguia viver num local como aquele.
A advogada se lembrou de seu apartamento duplex, da jacuzzi
quentinha e de seus lençóis de seda.
Definitivamente, a mulher não tinha nascido para ser pobre. Mesmo
que para isso tivesse que trabalhar para criminosos.
Ela viu a moça entrar em um terreno de terra batida. Numa edificação
mal construída onde havia inúmeras portas.
Heloísa segurou sua arma, mas desistiu de tentar eliminá-la ali
mesmo. Teria que ser algo mais discreto. Na rua, por exemplo.
A advogada fez o retorno.
— Amanhã cedo, queridinha… vou acabar com seu sofrimento.
Nove

Gabriela olhou ansiosa para os carros que passavam na rua onde ficava a
mansão de Giovanni.
Ela estava arrasada de muitas formas. Primeiramente, por ter ficado
tão pouco tempo com o filho. Segundo, por ter chegado tão perto de
convencer o marido de que tudo tinha sido uma armação. Entretanto, ele
nunca acreditaria nela. Era inútil insistir, não havia provas. Apenas sua
palavra, contra uma cena completamente esclarecedora.
Ela tinha certeza de que tinha sido dopada. Ela lembrava-se das
últimas palavras que disse para o padre Túlio, do seu sorriso estranho, mas de
repente tudo se apagou.
Ela fechou os olhos, relembrando o amor que fizeram e do quanto
tinha sido maravilhoso.
O gosto e o cheiro de Giovanni estavam em seu corpo, em seus lábios.
Ela se deixou embriagar. Não haveria outra vez, ela não permitiria. Se o
italiano não a queria mais como esposa, então ela não seria sua amante.
Uma buzina chamou sua atenção, e o carro velho e barulhento do
namorado da amiga piscou os faróis, ou melhor, um farol. O outro estava
apagado.
A amiga abriu a porta e arregalou os olhos.
— Você é doida? Não deveria ter tirado a peruca.
— Ele descobriu, Edi. — Sentou-se desolada.
— Oh, meu Deus! Você não conseguiu ver o seu menino?
Gabriela sorriu fraco.
— Eu o vi. Está tão lindo, forte, no entanto, foi muito pouco.
Giovanni desconfiou de mim e veio atrás. Ele me pegou no quarto de Matteo.
— Pelo visto não arrancou nenhuma parte de seu corpo… isso é um
bom sinal. — Riu debochada.
A ruiva estava exausta. Então, preferiu não contar que fizeram sexo, e
que sim, ele tinha levado parte de seu corpo, na verdade, o coração.
— Estou cansada… — reclamou. — Ainda assim, feliz. Eu vi Matteo
e Madeleine. Agora não sei quando isso se repetirá. Mas ele me disse que me
deixará ver meu filho, disse que entrará em contato com os termos sobre a
visita.
— Que bom, Gabi. Vai dar tudo certo. Ele está magoado, por isso está
fazendo essas coisas. É difícil para um homem aceitar uma traição…
— Eu não o traí, lembra-se? — indagou, raivosa.
— Mas para ele você o traiu, Gabriela… eu também não acreditaria
em sua versão, é muito espetaculosa, sabe? — disse Baiano.
— Espetaculosa? — ela indagou, furiosa. — Espetaculosa vai ser sua
morte, Baiano.
Baiano gargalhou.
— Estou sendo sincero, ruiva. Que homem não acharia que foi traído
ao ver a esposa na cama com um homem.
— Eu sei — concordou —, mas é que eu nunca trairia o meu marido.
É duro ser chamada de infiel quando não se fez nada. É revoltante.
— Nós sabemos, amiga. Eu acredito em você… e o Baiano também.
— Edi socou o braço do namorado. — Vamos, meu nego… estou morta,
dessa vez a gente se superou, né? — indagou, maliciosa. — Fomos num
motel, ruiva. Foi uma loucura! — Riu escandalosa.
Gabriela girou os olhos.
— Não me conte, não quero saber. — Encolheu-se no banco do carro
e tentou dormir.

†††

Gabriela saiu de seu quarto e seguiu pelo terreno que compunha o


cortiço onde morava.
O homem que a seguia dia e noite estava acuado em um canto.
A ruiva bufou. Ela queria entender qual era o objetivo de Giovanni ao
manter aquele homem atrás dela.
Ela entrou na rua e olhou para ele.
— Bom dia, acordou cedo hoje — afirmou, com sarcasmo, pegou um
pacote que carregava e jogou na direção do homem.
Sua mania de ser misericordiosa não a havia deixado, apesar de seus
laços com Deus estarem temporariamente estremecidos.
Dentro do pacote havia um lanche de frios. Gabriela morria de pena
daquele homem. Por causa dela ele passava frio, calor, chuva e talvez fome.
— Bom dia, obrigado — ele gritou, mas não deixou de manter uma
distância razoável entre eles.
A rua estava vazia, era muito cedo. O sol ainda nem havia
despontado. Era uma daquelas manhãs cinzentas, em que o sol demorava a
aparecer. Havia uma névoa no ar. Tornando o cenário um pouco sombrio e
fantasmagórico.
Gabriela riu.
O desconhecido era uma sombra silenciosa, mas, ao mesmo tempo, a
fazia sentir-se mais segura. Ela já estava começando a gostar dele.
Gabriela virou a esquina e entrou numa viela. Apertou a alça da bolsa
contra suas mãos e respirou fundo.
Ela odiava aquela rua.
Gabriela acelerou o passo e sem querer, olhou para trás para ver se o
acompanhante estava próximo. O homem sempre acelerava o passo quando
entravam numa rua, e não foi diferente.
Mas um carro preto virou a esquina.
O coração de Gabriela acelerou, por algum motivo ela sentiu um frio
percorrer sua espinha.
Ela diminuiu as passadas, olhou para os lados, e teve certeza de que
algo ruim iria acontecer.
De repente, o homem que a acompanhava correu em sua direção. O
carro parou e uma arma apareceu pelo vidro do motorista. Gabriela congelou.
Não conseguiu se mover.
Foi tudo tão rápido que a jovem não teve tempo de processar os fatos.
Ela viu a arma apontada para ela, sentiu um puxão e o desconhecido
protegeu-a com seu próprio corpo. Os tiros começaram, Gabriela se encolheu
atrás do homem. Estava aterrorizada.
— Corra, Gabriela! — ele gritou. — Fuja…
Confusa, ela começou a correr. Mas quando olhou para trás, viu o
homem caído e o carro preto saindo em alta velocidade.
Ela não conseguiu seguir adiante. A moça voltou, agachou-se e viu
um ponto de sangue espalhar-se pela camisa do homem.
— Eu falei para correr, moça — rosnou.
Gabriela pegou seu telefone e iria ligar para a polícia, mas ele segurou
sua mão.
— Não gosto de policiais, pegue meu celular e ligue para o último
número. — Ele apertou o lugar que sangrava. — Deixe que eu falo, só
ligue…
Com as mãos trêmulas ela fez o que ele pediu. Quando alguém
atendeu ela colocou no ouvido do homem.
— Fui baleado, tentaram matá-la. Preciso de reforço — disse
entredentes. — Ela está comigo… sim, está bem. Venham logo. — Fechou os
olhos e os apertou. Parecia sentir muita dor.
Gabriela tirou o casaquinho que vestia e colocou sobre a mão do
homem.
— Use meu casaco para estancar o sangue. Parece que ajuda, eu vi em
filmes…
O homem tentou sorrir.
— Obrigada, senhor. E me desculpe por ter sido baleado.
— Não me agradeça… não sou um amigo, apenas um soldado do Sr.
Bennedetti.
— Sim, eu sei. Mas eu gosto de agradecer. Não quero que morra por
minha causa. Então, não morra, por favor.
— Vou tentar, senhora…
Ela colocou a mão sobre o ferimento e o ajudou a apertá-lo. Fechou
os olhos, para tentar fazer as pazes com Deus.
Não o deixe morrer, Senhor. Caso isso aconteça, me sentirei culpada
para sempre. Implorou Gabriela em silêncio.

†††

Gabriela se remexeu no estofado do carro onde foi colocada. Ela


estava lá por muito tempo.
Depois do incidente com seu protetor, dois carros apareceram em
seguida. Cada um foi conduzido para um carro.
Gabriela olhou para o celular.
— Senhor, eu preciso ir embora. Deixe-me ir agora — ela solicitou ao
motorista.
— Não posso. Estou esperando ordens do chefe.
Ela bufou nervosa.
— Eu tenho um emprego, eu disse que tive um problema, mas que
tentaria ir para o trabalho. Eu não posso ser demitida — disse, preocupada.
Ele a olhou de canto de olho. Escreveu uma mensagem no celular e
esperou.
— Tudo bem. Vou deixá-la em seu emprego. Ficarei na porta,
aguardando-a.
— Que ótimo, então, vamos.
O homem ligou o carro e começou a guiá-lo devagar. Parecia que seu
objetivo era chegar apenas no dia seguinte.
Um bip tocou, o homem pegou o celular e olhou novamente.
— Mudança de planos, senhora.
— Como assim?
— Não posso dar detalhes. Apenas se acalme. Vou levá-la para um
lugar seguro.
Ela fechou os olhos e inspirou. Pegou o celular e enviou uma
mensagem para sua amiga.

Não conseguirei ir.


Diga que estou na delegacia.
Que preciso prestar esclarecimentos.

A amiga fez várias perguntas, mas Gabriela preferiu falar pouco. Ela
sabia que a vida do marido era recheada de pontos cegos, coisas que ela não
entendia e que não queria entender.
Ela cochilou, quando abriu os olhos estava no hotel onde Giovanni a
havia trazido. Cujo restaurante chamava-se Mia Rossa.
— A senhora ficará aqui. — Ele deixou o carro, deu a volta e a ajudou
sair. — Vou levá-la até seu quarto.
O segurança a conduziu pelo hotel. Entrou no elevador e selecionou o
último andar.
— A senhora não poderá sair daqui. Não é uma prisão, no entanto, a
senhora não poderá sair. Alguém tentou matá-la. Então, não saia! — ordenou,
ríspido.
Ela respirou e inspirou.
— Quem tentou me matar?
— Ainda não sabemos. Mas vamos descobrir. — Sorriu sem vontade.
O elevador chegou, o homem abriu uma porta e Gabriela se viu numa
espécie de apartamento. Era lindo, luxuoso e impecável.
— Fique à vontade, senhora Gabriela. Aqui é sua nova casa.
— E minhas coisas? — indagou, preocupada.
— Depois traremos. — Seguiu até a porta. — Para sua segurança, não
saia. Tudo que precisar poderá ser solicitado pelo interfone. Ficarei de
segurança. Se precisar de mim, me chame. — Abriu a porta e saiu.
Gabriela cobriu seu rosto e bufou esgotada.
— Era só o que me faltava.
Dez

Giovanni pegou o celular e ligou novamente para o guarda-costas.


— E, então, ela já está em segurança?
— Sim, o segurança acabou de deixá-la no hotel.
O italiano suspirou aliviado.
— Ele ficou com ela?
— Sim, Sr. Bennedetti — explicou-se rapidamente. — Quais os
próximos passos?
— Encontre quem fez isso e o mate.
— Sim, senhor.
— E nosso homem, o que fazia a guarda de Gabriela? Ele está bem?
— Giovanni perguntou, preocupado.
— Foi operado e está bem.
— Oh, isso é muito bom. Irei pessoalmente vê-lo e agradecer pelo que
fez. É um verdadeiro homem de honra.
— Sim, ele estava muito grato a dona Gabriela, também… ela é uma
mulher muito corajosa. Ficou com ele até que os homens chegassem.
Giovanni inspirou profundamente.
— Sim, ela é. — Remexeu-se nervoso. — Ache quem fez isso e o
mate.
— Perfeito.
Os dois desligaram.
†††

Giovanni pegou o telefone e ligou para o assistente.


— Peça para o Alberto subir e trazer com ele a minuta que trata de
minha separação com Gabriela.
— Sim, senhor.
Ele olhou para sua sala. O italiano ainda estava muito apegado a tudo
aquilo. Ele precisava começar a desapegar de sua empresa e assumir que não
fazia mais parte de sua nova vida.
No entanto, não era uma tarefa fácil, pois o italiano se sentia muito
orgulhoso de tudo que construíra. Não era só pelo dinheiro e poder. Mas por
saber que foi capaz de se reinventar. Ele deixou para trás o ambiente violento
e sanguinário da Sicília, tornando-se um empresário de sucesso.
Dificilmente um homem da máfia conseguia deixar o crime.
Todavia, quando um soldado era convocado pela organização, ele
precisava ir. Giovanni tinha sido convocado por seu pai. Era desonroso não
assumir um posto oferecido por uma figura importante da Cosa Nostra.
O seu destino o estava chamando. Ele não poderia recusar.
A porta foi aberta, Otávio o avisou que o advogado estava presente.
— Mande-o entrar.
O advogado entrou temeroso. O homem morria de medo do italiano.
— Sim, senhor Bennedetti. Se for a respeito da separação de vocês, já
estou com o documento pronto.
— Sente-se, Alberto. Vou fazer algumas alterações.
— De novo, senhor? Já alteramos isso milhares de vezes.
— Non mi rompere le palle![9] Farei milhões de alterações se preciso.
— Desculpe, Sr. Bennedetti, foi força de expressão.
— Sente-se, coglione! — Bufou. — Gabriela é mãe do meu filho. Ela
também é a madrasta de Madeleine — disse, pausadamente. — Preciso
mantê-la em segurança. Permitir que visite meus filhos não é o suficiente. Ela
é importante demais para eles, por isso preciso protegê-la.
— Sim, senhor — concordou o homem, temeroso. — O que pensa em
fazer?
— Hoje ela sofreu um atentado. O segurança que faz sua guarda
poderia não ter sido o suficiente caso o inimigo estivesse bem preparado.
Mudaremos tudo, Alberto. — Abaixou a cabeça com tristeza. — Abrirei mão
de meus filhos e cederei à guarda a Gabriela. — Levantou-se abalado. —
Mas eu preciso que eles estejam em segurança. Então, a mansão ficará para
ela. Quando vier ao Brasil, ficarei em meu hotel.
— Sim, muito sensato de sua parte, Sr. Bennedetti.
— Não sei o que encontrarei na Itália. Não posso e nem quero,
colocar meus filhos em perigo.
— Sim, senhor. Dizem que a máfia está especialmente violenta este
ano. Um juiz implacável está levando-os para a cadeia e isso está gerando
uma situação tensa na região de Palermo.
— Fiquei sabendo — concordou, com a mais cara deslavada possível.
— Os negócios do meu pai estão na Sicília, por isso minha preocupação.
— O que ele faz mesmo, Sr. Bennedetti? — perguntou o advogado de
forma tão inocente, que o fez rir.
— Ele exporta produtos comestíveis, entre outras coisas…
— Entendo…
— Bem, então, refaça o documento e envie para o advogado do
estado que a está assistindo. — Andou nervoso pela sala. — Naturalmente, eu
a manterei, assim como meus filhos. Óbvio que se ela se casar novamente
tudo muda. Então, coloque essa cláusula.
— Certo… mais alguma coisa?
— Não, imprima as vias e envie ao advogado dela, imediatamente.
— Providenciarei para que o senhor assine antes, já reconhecemos as
assinaturas.
— Não, eu assino por último. Mas ela já pode tomar posse de minha
casa, assim que eu partir para a Itália.
— Fiquei confuso, Sr. Bennedetti… quando irá assinar?
— Viajo amanhã, veja se consegue fazer tudo a tempo. Caso
contrário, você enviará os documentos para a Itália.
O advogado bufou. O italiano fazia uma confusão dos infernos.
— Não dará tempo…
Giovanni riu.
— Eu sei… pode ir, Alberto. Obrigado.
O advogado balançou sua cabeça e saiu.
Giovanni tamborilou seus dedos na mesa. De fato, ele ainda não
estava preparado para se separar legalmente de Gabriela. Ele precisava de
mais tempo para abrir mão do amor de sua vida.
Mas o tempo era o melhor remédio para tudo. O tempo e a distância.
O italiano suspirou consternado e voltou ao que estava fazendo.

†††

Escolher um substituto fora uma das coisas mais difíceis que


Giovanni já tinha feito.
Não poderia ser um tipo como ele, ou seja, uma mistura de mafioso
com empresário honesto. Definitivamente, não havia profissionais como esse
perfil no mercado. Mas, também, não servia um CEO bundão. Afinal, os
negócios do italiano não eram muito convencionais.
Atravessar o Atlântico, combater piratas e entregar carregamentos de
joias no outro lado do mundo não era para qualquer um.
— Essa parte me preocupa, Sr. Bennedetti. Não tenho experiência
com a condução de situações de risco.
— Otávio o ajudará com isso. Ele é experiente. — Esfregou os
cabelos, nervoso.
O italiano levantou-se e caminhou pela sua sala.
— Guedes, eu quero que conduza essa empresa como se fosse sua e
de sua família.
— Sim, senhor...
— Eu a construí para meus filhos, netos, etc. — Gesticulou nervoso
com as mãos. — Se algo me acontecer, o sustento de minha família virá
dessa empresa — disse, exagerado, afinal o italiano tinha bens para sustentar
várias gerações.
— Claro, farei meu melhor...
Giovanni o encarou de uma maneira perigosa.
— O melhor qualquer um faz. Eu o escolhi porque vejo que tem
capacidade para se superar. É jovem, ambicioso, mas cauteloso e inteligente.
Nasceu pobre e se superou. Construiu uma carreira de sucesso por mérito
próprio. E isso me fez vê-lo diferente.
— Agradeço a oportunidade — disse, tímido. — Não irei decepcioná-
lo.
O italiano aquiesceu com a cabeça.
— Irei embarcar amanhã. Tire as dúvidas que quiser agora, pois,
depois, não estarei mais disponível.
O homem engoliu em seco. Pegou um caderno e começou a fazer
perguntas ao italiano.

†††

O italiano acordou com uma notícia que não o agradou.


— Você tem certeza, Ângelo? — reiterou a pergunta.
— Sim, foi ela, Sr. Bennedetti. Heloísa Valente dirigia aquele carro.
Pelas câmeras de segurança de uma loja a identificamos. Depois da tentativa
de assassinato, ela entrou com o automóvel em seu prédio. Minutos depois,
pegou um táxi.
Giovanni esfregou o rosto.
— Você sabe o que tem que fazer. Não a deixe escapar. Ela tentará de
novo. Quero Heloísa morta.
— Sim, senhor...
— Ah… — Giovanni se levantou. — Pegue Gabriela e a leve ao
fórum. O advogado lerá para ela as minhas novas condições. — Mexeu
nervoso nos cabelos. — Quero que de lá, você a traga para a mansão. A partir
de hoje, ela será sua patroa. Você será o guarda-costas dela. Você será meus
olhos, Ângelo. Não deixe nada acontecer com a minha família.
— Será uma honra, Sr. Bennedetti. Mas não chegarei a tempo de
levá-lo ao aeroporto.
— Pedirei para outro homem me levar. Não quero estar aqui quando
ela chegar… — Fechou os olhos. — Adeus, amigo.
— Adeus, signore. Foi uma honra ser seu guarda-costas. Boa sorte e
se cuide.
Os dois ficaram emocionados.
— Me cuidarei…
Desligou a ligação.
Onze

Gabriela andou de lá pra cá no quarto do hotel. O lugar poderia ser bem


aconchegante, mas não era sua casa. Era horrível sentir-se presa a um lugar
que não o seu.
Ela abriu a porta e viu o segurança navegando em seu celular.
— Oi, desculpe, dá licença — disse, tímida.
Ele se aprumou em suas pernas, guardou o celular e a olhou curioso.
— Sim, pois não, senhora?
— Estou há um dia aqui. Eu preciso voltar a minha vida.
— Hoje à tarde a senhora irá ao fórum. Aguarde, por favor, as coisas
estão quase resolvidas. — Sorriu mecanicamente.
Ela levantou as sobrancelhas, irritada.
— Quase… isso é ótimo para quem não tem contas para pagar. —
Bufou. — Aquele rapaz baleado… ele está bem? — indagou, temerosa.
— Sim. — Balançou a cabeça. — Está fora de perigo.
— Que bom. — Virou-se em seus calcanhares e voltou para o quarto.

†††

Uma mensagem do advogado do estado avisou Gabriela que ela


deveria estar no tribunal às 15h.
Uma hora antes, a campainha de seu quarto tocou. Gabriela correu até
a porta, abriu e viu Ângelo.
— Oi, Ângelo, quanto tempo — saudou, animada.
— Boa tarde, dona Gabriela. Vim buscá-la, vou levá-la ao encontro
do advogado no fórum — avisou, seriamente. Mas não era num tom
impessoal, fazia parte de seu jeito de ser.
— Sim, estou pronta… — Correu em sua calça jeans e uma camisa de
uma loja barata, até a cama, e pegou sua bolsa. — Pronto.
Os dois caminharam silenciosos até o elevador, entraram e se
mantiveram assim por algum tempo. Mas Gabriela estava ansiosa, ela queria
saber notícias de Giovanni.
— Giovanni está bem, Ângelo?
Ele levantou os olhos.
— Sim. — Sorriu sem graça. — Sr. Bennedetti está bem.
Ela queria perguntar mais coisas, mas o homem não deu abertura para
isso. Ela se calou e esperou até chegarem ao local de destino.

†††

Gabriela se sentou ao lado de seu advogado. Do outro lado da mesa,


havia um homem franzino, com óculos grandes e olhos esbugalhados. Ele era
o advogado de Giovanni.
— Boa tarde, Sra. Gabriela, temos uma nova proposta. — Ele abriu
uma pasta e pegou um calhamaço de papéis. — Sr. Bennedetti está cedendo
para a senhora a mansão onde mora, assim como a guarda das crianças…
agora, definitivamente. A partir de hoje, a senhora poderá se mudar para lá.
Sr. Bennedetti está deixando a mansão.
Os olhos de Gabriela inundaram-se de emoção.
Ele continuou...
— Ele custeará todos os seus gastos, assim como das crianças. A
senhora terá à sua disposição seguranças, empregados e todas as
comodidades necessárias para seu bem-estar. Todavia, caso se case de novo,
essas condições não valerão mais. — Olhou-a seriamente. — Caso aceite-as,
poderemos seguir com o divórcio, é só assinar aqui. — Apontou para o local.
Gabriela olhou para a caneta titubeante. Ela não queria o divórcio.
— Eu aceito as condições, entretanto, posso levar esse documento
para leitura?
O advogado se remexeu nervoso. Pelo visto, nunca conseguiria
concluir essa separação.
— Pode, senhora… — Entregou o calhamaço de folhas. — De
qualquer forma, a senhora já pode tomar posse da mansão e da guarda das
crianças.
Gabriela moveu os lábios em um sorriso genuíno. Ela não esperava
pela notícia. Em nenhum momento achou que Giovanni cederia à guarda dos
filhos para ela.
Os advogados acertaram os últimos detalhes do processo, o homem de
nome Alberto levantou-se e seguiu para a porta, mas Gabriela o chamou.
— Diga a seu chefe que gostaria de conversar com ele… se possível,
hoje.
— Não será mais possível, neste momento o Sr. Bennedetti está a
caminho do aeroporto.
Ela enrugou a testa.
— Quando ele volta? — indagou, ansiosa.
— Sr. Bennedetti fixará residência na Itália. Ele virá para o Brasil
quinzenalmente para ver as crianças. Mas, não se preocupe, ele ficará em seu
hotel. — Sorriu, virou-se e saiu.
“Itália...”
Gabriela pegou sua bolsa e correu até onde Ângelo estava.
— Preciso falar com Giovanni…
— Acho que não será possível, dona Gabriela. — Ele olhou em seu
relógio. — Ele já está a caminho do aeroporto.
Ela cobriu o seu rosto, respirou e tentou pensar.
— Certo, quero ir até o aeroporto. Preciso falar com ele — disse,
decidida. Era sua última tentativa. Ela precisava dizer o quanto o amava, que
o padre nunca representou nada em sua vida e que iria provar sua inocência.
O segurança bufou desanimado.
— Tudo bem, a senhora quem manda. A partir de hoje, recebo ordens
da senhora, não mais de Sr. Bennedetti. — Aquiesceu com a cabeça. —
Vamos, senhora!

†††

O motorista pegou uma estrada larga e longa. Pelas placas, Gabriela


viu a sinalização indicando Aeroporto Internacional.
Ela remexeu-se nervosa.
— Está muito longe, Ângelo?
— Alguns quilômetros…
— Acelere um pouco, por favor!
— Sim, senhora.
O Rolls-Royce ganhou mais velocidade, mas alguns quilômetros à
frente os carros começaram a parar. Faróis piscantes surgiram por todos os
lados e labaredas de fogo despontaram mais adiante.
O coração de Gabriela disparou.
— O que está acontecendo, Ângelo?
Ângelo não respondeu, isso era um mau sinal. Rapidamente, ele fez
manobras na pista, avançou por uma área proibida, assim ela pôde ver com
mais nitidez os carros à frente.
Pessoas saíam de seus carros com extintores e ajudavam a apagar o
fogo, que se propagava por dois carros pretos.
“Giovanni...”
— Pare, Ângelo… Pare! — gritou em desespero.
— É perigoso, senhora… espere...
— Pare esse carro — ordenou, desesperada.
Ele parou. Gabriela saiu correndo entre os carros. Aproximou-se e viu
o amor de sua vida, deitado no chão.
Parte de sua roupa estava queimada, expondo sua pele gravemente
ferida. Assim como o rosto, sujo de sangue.
Gabriela achou que iria desmaiar.
— Giovanni! — gritou, aflita. Em seguida, correu e empurrou
pessoas, quando se ajoelhou ao seu lado, não conseguiu aguentar, lágrimas
inundaram seu rosto. — Giovanni… — Acariciou seu rosto. — Não morra,
Giovanni… — Chorou copiosamente.
Devagar, os olhos negros do italiano se abriram.
— Gabriela — sussurrou. — Preciso te dizer uma coisa… — falou
com dificuldades.
— Não fale, guarde suas energias. — Acariciou seus cabelos. —
Você não vai me deixar, você prometeu cuidar de mim… lembra-se?
Uma lágrima surgiu nos olhos dele.
— Eu te amo, mia rossa… cuide dos nossos filhos, okay?
— Eu também te amo, mais do que já amei alguém em minha vida…
não me deixe, Giovanni, fique comigo! — suplicou.
Ela ouviu um barulho forte e, ao mesmo tempo, uma aeronave
começou a pousar na pista. Homens desceram correndo, abriram uma maca
ao lado de Giovanni e com cuidado começaram a removê-lo.
— Para onde irão levá-lo? — perguntou, nervosa, seguindo-os ao
longo da pista.
— Para um hospital, senhora, dê passagem…
— Irei com ele, sou a esposa…
O homem balançou a cabeça, negativamente.
— Não sairei do lado dele, chamem a polícia se quiser. Eu irei onde
ele for — protestou, furiosa.
O homem aquiesceu com a cabeça, colocaram-no na aeronave, e
começaram a conectá-lo a aparelhos. Gabriela entrou e segurou sua mão.
— Eu estou aqui, meu amor — sussurrou. Aproximou sua cabeça e
cochichou em seu ouvido. — Não vá embora, fique comigo, lute, meu
amor… não chegou sua hora, preciso ainda te dar muitos meninos, lembra-
se? — Sorriu emocionada. — Eu te amo, Giovanni, não me deixe!
O capitão deu a ordem de partida e assim alçaram voo.
Doze

Gabriela ajoelhou-se na pequena capela que havia dentro do hospital, rezou


e suplicou, pedindo perdão a Deus.
— Eu preciso do Senhor, não me abandone agora! — disse, em meio
às lágrimas. — Não o leve de mim, me dê mais uma chance…
Ela estava há horas naquela posição, como se estivesse em penitência.
Gabriela orou com tanto fervor que entrou em uma espécie de transe. Sua fé,
que há tempos estava abalada, ressurgiu e agarrou-se a ela.
— Perdoe-me por duvidar de sua existência — balbuciou novas
palavras, e assim prosseguiu, até que alguém tocou seu ombro. Ela deu um
pulo e olhou assustada para trás. — Ângelo. — Respirou ofegante.
Seus olhos violetas estavam grandes e brilhantes. E suplicavam por
uma boa notícia.
— A cirurgia acabou, senhora. Não pude obter informações, somente
a esposa.
Ela levantou-se de súbito. Limpou o rosto e respirou.
— Sim, vamos.
Quando finalmente chegaram à recepção, ela titubeou.
— Não suportarei perdê-lo, Ângelo.
— Seja forte, dona Gabriela. Pergunte!
Ela tomou coragem, seguiu até a recepção e perguntou:
— Sou esposa de Giovanni Bennedetti… gostaria de saber como ele
está?
— Preciso entregar para a senhora os pertences de seu marido. —
Pegou um pacote grande e entregou para ela. — Só um minuto, vou chamar o
médico...
Gabriela apertou as coisas do marido, entre suas mãos, e aguardou.
Alguns minutos se passaram, até que um médico saísse da sala. O
homem parecia exausto.
— A senhora é a esposa de Giovanni Bennedetti?
— Sim — retrucou, receosa.
— Foi uma cirurgia difícil, mas ele resistiu…
— Graças a Deus! — disse as palavras com fervor.
— No entanto, a recuperação de seu marido será muito difícil. Ele
teve muitas queimaduras pelo corpo, além de diversos ferimentos. Não vou
mentir, senhora, ele ainda corre risco de vida.
Seu coração se apertou.
— Ele vai conseguir — afirmou, categórica. — Giovanni é muito
forte...
O homem não respondeu.
Gabriela estava atordoada. Mas, pela primeira vez em sua vida, sua
mente estava clara e objetiva.
— Seja honesto comigo… o que posso fazer para aumentar suas
chances. Devo transferi-lo para outro hospital? Contratar especialistas?
Ajude-me, doutor, eu não posso perdê-lo — suplicou.
O homem suspirou.
— Vamos esperar as próximas horas. Ele precisa estar estável. Se o
seu marido conseguir, a senhora deve levá-lo para um centro de referência…
eu farei o encaminhamento. Todavia, neste momento, ele não poderá ser
removido.
— Ele vai conseguir — reiterou, fervorosa.
— Tudo bem… qualquer novidade, entramos em contato.
Gabriela fechou os olhos e buscou em sua fé, a certeza para suas
dúvidas. Olhou para o lado e viu Ângelo. O homem estava abalado e abatido.
Ela se aproximou e afogou seu ombro.
— Não vamos perdê-lo.
— Eu deveria estar com ele… — O homem fechou os olhos. — Eu
deveria ter insistido em levá-lo...
— Isso não importa agora, Ângelo. — Segurou os ombros do fiel
escudeiro e o fez olhar em sua direção. — O que aconteceu, Ângelo? Não
havia uma batida de carros no local, não havia outros carros envolvidos.
Apenas o carro de Giovanni, da escolta e ambos estavam incendiados.
— Um atentado, possivelmente uma bomba… talvez tenha sido
arremessada de fora do carro, ou plantada por algum infiltrado.
— Você vai descobrir. — Arregalou seus olhos violetas. Havia algo
diferente em Gabriela. Algo que ela nunca havia sentido. — E nós vamos
vingá-lo.
— Sim, senhora… — concordou com as energias renovadas.
— Você é o homem de confiança de Giovanni, você conhece seus
inimigos e sabe quem teria motivos para matá-lo. Quem são essas pessoas?
— Giacomo, seu primo… não vejo outro homem que poderia fazer
algo tão bárbaro. Ele usa os métodos da máfia, no entanto, ele é apenas um
bandido cruel e sem honra — rosnou o homem, furioso.
Gabriela esfregou o rosto e tentou pensar.
— Ângelo, eu preciso que me ajude a pensar. O que precisamos fazer
para proteger o Giovanni. Seu primo tentará de novo, não tentará?
— Quando souber que o Sr. Bennedetti ainda está vivo. Ele mandará
seus homens até aqui. Vamos colocar seguranças no andar.
— Sim, apenas os confiáveis. — Andou de um lado para o outro.
— Sim, senhora. Selecionarei os melhores homens.
— Ele vai conseguir, Ângelo, e o levaremos para outro hospital. E
manteremos segredo do local. Se possível, quero que Giacomo ache que
Giovanni morreu, combinado?
— Sim, senhora… — Aquiesceu vigorosamente com a cabeça.
— Você acha que estamos seguros na mansão?
— Sim, senhora. A mansão é uma espécie de banker[10]… eu e o Sr.
Bennedetti desenhamos o sistema de segurança para mantê-los seguros.
— Certo… — Ela cobriu os olhos. Estava exausta emocionalmente.
— Não quero deixá-lo, mas eu preciso ver nossos filhos. — Seus olhos
embaçaram-se. Ela estava tentando ser forte, mas estava muito difícil.
— Se acalme, dona Gabriela.
— Não está sendo fácil… — Deixou as lágrimas caírem livremente.
— Primeiro, aquele carro que tentou me matar e agora o Giovanni. —
Fungou desolada.
— Preciso que saiba, dona Gabriela, que já sabemos quem tentou
matá-la. Estamos atrás de Heloísa Valente, a antiga advogada do Sr.
Bennedetti. Por algum motivo que não sabemos, foi ela a culpada pelo
atentado.
Gabriela arregalou seus olhos.
— Mas, por quê?
— Não sabemos. Mas vimos pela câmera de segurança de uma loja, o
carro dela passando depois da sua tentativa de assassinato. Sr. Bennedetti deu
ordem para matá-la, mas ela percebeu que estávamos em seu encalço e
buscou abrigo na organização de Giacomo. Tenho certeza de que foi ela que
deu ao primo do Sr. Bennedetti as informações sobre sua partida para a Itália.
Vadia desgraçada. Pensou Gabriela.
Gabriela bufou furiosa.
— Qual o plano, Ângelo? Não sei o que fazer — declarou em
desespero.
— Há tempos tenho pedido permissão ao Sr. Bennedetti para eliminar
seu primo. No entanto, ele é um homem muito honrado. Ele fez uma
promessa ao pai de Giacomo, que não o mataria. Se já tivéssemos eliminado
esse verme. Nada disso teria acontecido. — Bufou furioso.
A mulher respirou profundamente. Ela não tinha condições de
comandar uma chacina. Não era de sua natureza.
— Ângelo, violência gera violência, tenho medo das consequências
disso. Eu preferiria colocar esse homem numa cadeia e deixá-lo mofar...
— A justiça brasileira é muito branda, senhora. Ele sairia em pouco
tempo. Se estivesse na Itália, talvez fosse condenado pela justiça ou pela
Cosa Nostra. Aqui, as chances são mínimas.
A moça pensou...
— Não entendo nada desses assuntos.
Ângelo bufou.
— Precisamos avisar ao pai do Sr. Bennedetti, ele com certeza irá se
vingar.
— Sim, vamos ligar para o Sr. Salvatore… mas, você fala, eu não
consigo me comunicar com nenhum deles.
— Vou pedir para os seguranças virem para cá. Então, podemos
deixar o hospital e entrar em contato com o Sr. Salvatore. Não posso deixá-la
ir sozinha. Eu prometi ao Sr. Bennedetti que cuidarei de sua família. E eu o
farei.
— Tudo bem, Ângelo! Preciso descansar um pouco. — Seguiu até
uma poltrona e tentou dormir.
†††

Quando Gabriela chegou à mansão, Madeleine e Matteo – no colo da


babá – a aguardavam em frente à porta de entrada.
Ela se agachou e abraçou Madeleine primeiramente.
— Meu amorzinho… — disse, emocionada. — Eu voltei, agora para
sempre, não vou deixá-los mais.
A enteada chorou de felicidade.
Quando as duas já estavam recuperadas, Gabriela levantou e pegou
seu bebê no colo.
— Oi, meu bebê… que saudades de você! — Chorou e sorriu ao
mesmo tempo. — Mamãe nunca mais ficará longe de vocês. — Olhou para
Madeleine, mais uma vez. — Eu prometo...
— Meu pappa foi viajar, Gabi. Ele disse que ficará um tempo na
Itália, mas que você viria cuidar de nós. Eu queria tanto que ele estivesse
aqui.
O coração de Gabriela se apertou. Ela não soube o que dizer.
Madeleine já havia sofrido demais com a morte da mãe.
— Ele vai estar em breve. Depois, quero ir à nossa capela e rezar para
que o papai esteja bem. Tá bom?
— Sim, Gabi.
Ângelo surgiu ao seu lado. Parecia tenso, e isso a deixou preocupada.
— Entrem. Preciso falar só uma coisa com o tio Ângelo — brincou.
Ela entregou o bebê para a babá e esperou Madeleine entrar.
— O que houve, Ângelo? Por que está com essa cara?
— Sr. Salvatore acaba de ser preso. Existe um movimento grande na
Itália para prisão dos chefes da máfia e o Sr. Salvatore era um dos mais
importantes. Sr. Bennedetti estava preocupado com ele.
— Giovanni é procurado também, Ângelo? — indagou, preocupada.
— Existe o risco de pedirem sua prisão?
— Faz dez anos que o Sr. Bennedetti deixou a máfia. Seu retorno era
uma imposição do Sr. Salvatore. Ele queria que o filho assumisse sua
organização criminosa.
— Fico mais aliviada com essa informação. Mas isso não nos ajudará
muito, não é mesmo?
— Não. Preciso que me diga o que quer que faça, dona Gabriela...
— Ângelo, não estou com cabeça para pensar sobre isso, cuide para
que estejamos em segurança. Preciso, primeiramente, ter certeza de que
Giovanni está fora de risco.
— Eu entendo, dona Gabriela. Fique tranquila… — ele pediu licença
e saiu.
Gabriela inspirou. Ela precisava de alguns minutos com os filhos.
Depois, ela pensaria o que era o melhor a fazer.
Treze

Giacomo jogou-se de lado e respirou ofegante.


— Foi uma bela chiavata[11], Dra. Valente.
Heloísa não respondeu. O homem a estava mantendo em um quarto
como uma prisioneira sexual. Com certeza, entregar-se para os homens de
Giovanni era o mais honroso a se fazer.
— Me deixe ir. — Sua voz embargou. — Por favor, Giacomo, você já
teve o que queria...
O italiano pegou um charuto e o baforou no quarto estreito e sem
janelas. Havia apenas uma cama no local e um banheiro.
— Por que deveria deixá-la ir, puttana? — Puxou seus cabelos e
olhou para seu rosto. — Os homens do meu falecido primo estão à espreita,
eles vão te matar. Por que é tão burra, Dra. Valente? Por que achou que
conseguiria matar a ruiva sem minha ajuda?
— Eles virão matá-lo também… — Soluçou. — Por que o matou?
Por que fez isso? — Chorou copiosamente.
— Você sabe por qual motivo o matei. Além do mais, agora, os
homens do Giovanni estão sem comando… a última ordem que o cugino deu
foi para eliminar sua advogada traidora. — Riu com sarcasmo. — Agora,
somos eu e você, não estou satisfeito, ainda, e talvez meus homens queiram
experimentar um pouco também. Enfim, doutora, você é burra demais, nunca
deveria ter pedido ajuda a mim.
Heloísa tentou livrar-se das cordas que a amarravam na cama.
— Preciso pensar num jeito agora de me aproximar da ruiva. Ela deve
estar bem desorientada. Precisando de apoio. — Fingiu-se de solidário. —
Estou pensando em fazer uma visita a ela. — Pegou a camisa e começou a
colocá-la.
— Me solte que te digo o endereço dela… — A advogada blefou
novamente.
— Ah, isso eu consigo, Dra. Valente… — Acariciou o corpo nu da
mulher. — Vou deixá-la descansar, depois volto.
— Me solte, desgraçado! Me solte...
Ele gargalhou e saiu.

†††

O motorista de Giacomo estacionou o carro em frente ao cortiço onde


Gabriela morava.
Ele desceu do carro, olhou ao redor e riu.
— Aqui é a residência da Sra. Bennedetti, tem certeza?
— Sim, senhor.
— Okay, invadam a espelunca e achem a ruiva. Vamos levá-la
conosco. Sra. Bennedetti é muito importante para meus negócios…
Os homens avançaram no terreno. Abriram quartos, invadiram,
bateram em pessoas e quebraram coisas. Mas não acharam quem queriam.
Giacomo olhou para os homens, confuso.
— Onde está a mulher, cazzo?
— Disseram que não a viram mais e que alguns homens entraram no
quarto e pegaram suas coisas.
— Fancullo! — esbravejou, nervoso. — Ele a tirou daqui antes de
planejar deixar o país. — Disgraziato.
— E agora, senhor?
— Descubram onde está a ruiva do Giovanni — ordenou, furioso. —
Esqueça, eu mesmo farei isso. — Entrou no carro e digitou um número. —
Olá, sou parente do Sr. Giovanni, eu poderia falar com sua esposa?
Os homens olharam-no curiosos.
— Meu nome? Ah, sim, Vincenzo Bennedetti, sou um primo da
Itália...
— Só um momento, senhor… — A linha ficou muda.
Alguns minutos passaram e a voz de Gabriela surgiu na linha.
— Olá, pois não?
— Olá, sou Vincenzo… primo de Giovanni…
— Olá, Sr. Vincenzo. No que posso ajudá-lo?
— Fiquei sabendo que meu primo sofreu um gravíssimo acidente…
Estamos todos arrasados, per favore, senhora, em nome de nossa famiglia,
gostaria de lhe oferecer meu apoio.
— Sim… claro.… agradeço ao apoio, Sr. Vincenzo. Mas, agora, não
estou podendo falar…
Antes que ela desligasse, ele perguntou:
— Quando será o sepultamento? Gostaria de oferecer minhas
condolências pessoalmente, em nome de nossa família.
A mulher ficou muda. A ligação foi interrompida.
Ela desligou.
Giacomo olhou para o telefone.
— A zocolla desligou. — Esmurrou o banco, nervoso. — O figlio di
puttana está vivo.
— Impossível, senhor, incendiamos os carros…
— Por que acha que ela não quis dar detalhes sobre o sepultamento,
coglione? O disgraziato continua vivo… Descubram onde ele está e acabem
com ele!

†††

Dias Depois

Giacomo aproximou-se da recepção do hospital e sorriu.


— Olá, vim visitar um primo hospitalizado, seu nome é Giovanni
Bennedetti.
A mulher checou em seu computador.
— Não temos nenhum paciente com esse nome.
A expressão do italiano mudou. Ele não tolerava ser insultado.
— Olhe direito, moça, eu tenho certeza de que ele está neste hospital
— rosnou, furioso.
A mulher olhou para um segurança.
— Não estou com o nome desse paciente em meu sistema, senhor!
Sinto muito… — Afastou-se.
Giacomo pegou o celular e discou um número.
— Farabutto… ele não está aqui!
— Tenho certeza de que ele foi transferido para este hospital, Sr.
Bianchi. Os socorristas que o atenderam confirmaram essa informação.
Disseram que o estado dele era muito grave, mas que ele ainda estava com
vida.
— Okay, entrem pelas escadas e sigam para a área de UTI. Vou fazer
a passagem de meu cugino ser mais rápida.
Bianchi disfarçou, andou pelo hall de entrada do hospital, esperou que
a mulher estivesse distraída e seguiu para os elevadores.
No dia do acidente, Giovanni fora trazido para um hospital público.
No entanto, a segurança do lugar era precária. Não havia catracas, então foi
fácil para o italiano invadir o local.
Ele olhou para o painel do elevador, viu o andar da UTI e o
selecionou. Quando desembarcou, ficou confuso com os vários corredores. O
lugar era enorme.
— Merda! — Bufou.
Ele ligou novamente para seus homens.
— Achem-no, esse lugar é enorme. — Desligou e saiu caminhando
pelo lugar.
Entrou e saiu de corredores, procurou pela UTI, e finalmente parou
em uma recepção.
— Queria notícias de Giovanni Bennedetti. Sou primo dele, por favor,
estamos desesperados por notícias.
A mulher franziu a testa.
— Ele foi transferido deste hospital essa manhã, senhor!
— Transferido? — bradou. — Para onde?
— Não tenho essa informação…
— Como não tem essa informação? — indagou, rispidamente. —
Deve ter anotado em algum lugar para onde ele foi transferido.
— Não, não temos. Quando a família decide fazer uma transferência,
não somos informados. Apenas damos baixa no registro do paciente e a
autorização para a remoção.
— Porca miseria! — Esmurrou com raiva o balcão.
— Se acalme, senhor, caso contrário, terei que chamar um segurança.
Giacomo tentou se controlar.
— Quem foi o médico que o atendeu? Quero o nome dele — ordenou
entredentes.
— Eu estava de folga… não sei… mesmo porque, são dezenas de
médicos que atendem neste hospital. Centenas de pacientes entram e saem —
explicou, nervosa. — Saia agora...
Um homem pegou no braço de Giacomo.
— Vamos comigo, senhor…
Giacomo se livrou das mãos do homem e mexeu em sua arma na
cintura.
— Estou bem, amigo, só não toque em mim. — Andou alguns passos
de costas. — Agradeço a atenção. — Sorriu com deboche e saiu.
Pegou o celular e ligou.
— Cancelem essa merda, ele não está aqui.
Quatorze

Apesar de Gabriela não poder mais amamentar – não havia mais leite em
suas mamas – ela aninhou o bebê ao seu seio, apenas para sentir o prazer de
tê-lo ali.
— Sinto muito, filho. Eu adorava amamentá-lo. — As lágrimas
escorreram de seus olhos. — Mas essa mamadeira é bem gostosa. —
Esfregou o bico em seus lábios. — Vamos, meu gorducho… vamos comer
para ficar grande e forte, igual ao papai.
Ela pensou em Giovanni e o coração apertou.
— Papai ficará muito orgulhoso de saber que mamou toda a
mamadeira. Eu vou contar para ele. — Acariciou os cabelinhos do bebê. —
Vou vê-lo hoje… — Ela apertou os olhos e chorou. — Vai dar tudo certo,
filho. Papai vai voltar para casa em breve.
Seu bebê olhou fixamente em seus olhos. Ele tinha nascido com os
olhos de Gabriela, mas de algum modo, ele se parecia com Giovanni.
Ele moveu seus lábios em um sorriso discreto.
— Está feliz, meu Matteo? Eu também, meu amor. Papai passou por
mais um desafio, hoje o levaremos para outro hospital. Mamãe não vai
desistir dele, nunca!
Ela inspirou e se deixou relaxar.
As últimas horas tinham sido as piores de sua vida. Gabriela não
conseguiu pregar os olhos a noite inteira. Estava preocupada com a saúde de
Giovanni, mas não era só isso, estava preocupada com sua segurança.
Matteo acabou sua mamadeira. Gabriela levantou-se e caminhou com
ele pelo quarto. Esperou que o bebê arrotasse e o colocou no berço.
— Mamãe precisa ir agora. Volto mais tarde — Beijou sua testa e
saiu.
A jovem caminhou até o quarto da enteada a fim de checar se ela
estava brincando.
— Oi, minha gatinha…
A garotinha levantou a cabeça e veio correndo ao encontro da
madrasta.
— Vou sair um pouco, mas volto antes do anoitecer.
— Posso ir? — indagou, sorrindo.
— Hoje não. Mas prometo que em breve poderemos passear. —
Acariciou os cabelos da garota. — Made, estamos passando por um momento
delicado. Seu papai não está aqui e existem pessoas más que querem fazer
mal a nós…
— Eu sei, Gabi. Papai já me explicou essas coisas.
Gabriela tentou sorrir.
— Tá… por este motivo, precisamos tomar cuidado, mas vai ficar
tudo bem. — Beijou sua testa. — Agora, preciso ir...
— Onde você vai? — Pegou a boneca que ela a presenteou e penteou
seus cabelos.
— Resolver alguns problemas, deseje-me sorte.
— Sorte, Gabi.
A ruiva sorriu, virou-se e seguiu para o quarto. Em cima da cama
estava a arma de Giovanni, que fora entregue com seus pertences. Ela a
pegou com cuidado e a observou. Não era uma arma grande, era uma pistola
de cano curto, discreta e que se encaixava com perfeição em sua mão.
Gabriela ensaiou segurá-la numa posição de tiro. Isso fez o coração
disparar. Imediatamente, a devolveu para a cama e ficou indecisa sobre o que
deveria fazer. Apenas a ideia de usar uma arma lhe causava arrepios. Mas ela
estava com medo. E o medo provocava mudança nas pessoas.
Se aquele homem surgisse do nada, ela precisava estar preparada.
A jovem pegou a pistola e a colocou dentro de sua bolsa. Seguiu para
o banheiro e foi terminar de se aprontar.

†††
A governanta a seguiu até a porta.
— Não se esqueça, dona Rute, se alguém ligar para saber sobre
Giovanni diga que não está autorizada a dar informações sobre seus patrões.
— Sim, senhora! — disse, obediente.
Desde o retorno de Gabriela, a governanta estava diferente. Talvez,
mais humilde.
— Qualquer problema, me ligue, dona Rute. Por favor.
— Não se preocupe, dona Gabriela. Tome cuidado, e se puder, diga
ao Sr. Bennedetti que estou orando por ele.
Gabriela lembrou-se que a mulher disse ser ateia. No entanto, não
valia a pena questionar sua fé neste momento.
— Eu direi… — Segurou suas mãos e as apertou. — Em breve ele
estará em casa.
— Amém, senhora, amém…
A ruiva virou-se e seguiu com firmeza até onde Ângelo a esperava.
Entrou no carro e partiu com ele para o hospital onde Giovanni estava
hospitalizado.
— Ângelo, certifique-se de que ninguém está nos seguindo —
solicitou, temerosa.
Ângelo olhou pelos retrovisores, ligou para os carros que os
acompanhavam e respondeu.
— Não, senhora…
— Da próxima vez iremos de helicóptero — afirmou, estressada. —
Eu deveria ter pensado nisso antes, alguém poderá nos seguir...
— Se acalme, estamos tomando todos os cuidados possíveis. Temos
drones ao redor da mansão vigiando o perímetro. Estamos saindo em quatro
carros iguais, cada um está indo em uma direção.
— Sim, eu sei, mas acho que o helicóptero será mais seguro.
— Tudo bem, dona Gabriela. — Ele se calou ao ver que a mulher
estava muito nervosa.
Minutos depois, o carro estacionou no hospital.
Gabriela e Ângelo seguiram apressados pelos corredores. Havia uma
equipe de seguranças no andar onde Giovanni estava internado. Mesmo
assim, Gabriela estava receosa.
Ela segurou a bolsa com a arma e respirou fundo. Se fosse preciso, ela
a usaria.
Na recepção, ela conversou com a enfermeira de plantão.
— Como ele passou a noite? — perguntou, aflita.
— Ele está estável. Seus sinais vitais estão normais. Ele é um homem
forte. — Sorriu amável.
— O doutor está, preciso conversar com ele.
— Sim, vou chamá-lo.
Gabriela virou-se e viu Ângelo reunido com os seguranças. Ela olhou
ao redor e a cada pessoa que entrava no local, o coração acelerava.
Era tanta tensão que ela sentiu uma tontura forte. Seguiu até uma
poltrona e se sentou.
— Se acalme, não vá ter um chilique agora — disse para si mesma.
Logo o médico surgiu na porta da UTI. Ela levantou-se apressada e
seguiu até ele.
— Olá, doutor. Como ele está?
— Estável. Conversei com meus colegas da UTI e achamos que ele
pode ser removido hoje. Liguei para o hospital de referência que te falei. Pedi
para reservar uma vaga para ele.
— Sim, obrigada. Doutor, meu marido sofreu um atentado — disse,
seriamente. — Ninguém pode saber para onde ele está sendo transferido.
— Senhora…
— Não, me ouça — afirmou —, nós vamos transferi-lo hoje e ficará
tudo bem. Só não diga para ninguém para onde estamos levando-o.
— Tudo bem… a senhora quer vê-lo?
Ela mordeu os lábios.
— Sim, quero, quero muito. — Seus olhos embaralharam-se com as
lágrimas.
Os dois seguiram por um corredor, entraram em uma sala, e Gabriela
pôde vê-lo. Havia ataduras em várias partes de seu corpo, além de aparelhos
conectados e medicamentos, mas o rosto estava descoberto, com pequenos
cortes que pareciam terem sido causados por vidros estilhaçados.
Ela se aproximou emocionada, segurou delicadamente sua mão e o
chamou.
— Giovanni…
— Ele está sedado. As queimaduras causam muita dor. Tivemos que
enxertar algumas partes. Mas ele é um homem grande e havia pele para
reconstruir os ferimentos mais graves. Fizemos o melhor que pudemos, mas
ele precisa de cuidados especiais.
— Oi, meu amor… estou aqui! — conversou com ele, mesmo
sabendo que estava sedado. — Vamos levá-lo para outro lugar. Mais seguro,
continue lutando… você é um guerreiro. — Aproximou seu rosto do dele e
beijou seus lábios. — Eu te amo — sussurrou em seu ouvido.
Suas pálpebras se mexeram.
— Ele não está consciente, mas o subconsciente responde a estímulos
— explicou o médico.
— Quanto tempo levará para ele ficar bem? — Acariciou ternamente
o rosto do marido.
— Até um ano de tratamento, mas isso depende de cada pessoa.
— Não tem problema, ele está conosco e é isso que importa.
— Sim, ele teve sorte, é difícil sobreviver a um acidente como esse.
— Ele é um guerreiro — disse Gabriela, com os olhos atentos ao seu
rosto. — O senhor pode verificar se está tudo certo para a transferência? Vou
ficar um pouco com ele.
— A aeronave da UTI já está preparada. Só vou assinar os
documentos, então o levamos para o heliponto. Dá licença.
Gabriela depositou pequenos beijos em sua face. Acariciou seus
cabelos e deslizou seus dedos pelas ataduras. Ela nunca o vira tão frágil e isso
a assustava.
Giovanni precisava dela como nunca precisou.
O médico retornou ao quarto.
— Pronto, dona Gabriela, vamos aprontá-lo para a transferência.
— Sim, doutor. É seguro mesmo? Não há risco?
— É seguro, serão poucos minutos fora do ambiente hospitalar.
Chegando lá, haverá uma equipe esperando-o.
— Obrigada. Obrigada por tudo. Deus tem anjos na terra, e o senhor é
um deles.
O homem sorriu, Gabriela depositou um beijo no rosto de Giovanni e
se afastou.
— Irei junto com ele, na aeronave.

†††

Gabriela sentou-se na área de espera e aguardou. Não havia nada que


pudesse fazer. Giovanni ficaria longas horas sob cuidados. A nova equipe de
médicos queria avaliá-lo.
Os ferimentos causados pelas queimaduras poderiam causar graves
infecções. Além disso, o corpo estava sujeito a outros diferentes problemas.
O caso de Giovanni era grave, o médico a avisou.
A jovem cobriu o rosto e chorou. No entanto, alguns minutos de
descontrole foram o suficiente para que Gabriela soubesse que precisava ser
forte.
— Vou à capela, Ângelo, preciso rezar um pouco.
— Sim, senhora. — Ele levantou-se e a seguiu. Antes, gesticulou para
os seguranças. Havia meia dúzia deles monitorando a entrada de pessoas na
sala onde Giovanni estava.
Os dois caminharam em silêncio. Novamente as dúvidas rondavam a
mente de Gabriela. Ela sabia que apenas Deus deveria punir e sacrificar
pessoas. Mas o ódio estava rondando seu coração.
Aquele desgraçado havia colocado Giovanni naquela situação.
Enquanto seu marido lutava para viver, o outro gozava de liberdade, talvez
fazendo maldade e destruindo outros lares.
Era difícil ser pacífica quando o homem que amava sofria. Ela
precisava fazer algo.
Subitamente, ela levantou-se e olhou para o guarda-costas.
— Preciso falar com o advogado da empresa.
Ângelo olhou-a confuso, mas concordou.
— Então, vamos agora. — Pegou a bolsa sobre o banco e seguiu para
a saída.
Ela não perderia mais tempo.

†††

O assistente de Giovanni recebeu a esposa do chefe com alegria.


— Seja bem-vinda, senhora.
— Obrigada, Otávio.
— Como está o senhor Bennedetti? — indagou, com preocupação.
— Estável… — Suspirou. — Por favor, não deixe ninguém saber
sobre o estado de Giovanni. Se perguntarem dele, diga que está na Itália.
— Sim, senhora.
Gabriela sorriu fraco.
— Preciso falar com o advogado do Giovanni.
Ele a olhou confuso.
— Claro. — Abriu a porta da sala do chefe e deu passagem para ela.
— Fique aqui, dona Gabriela. O outro CEO está ocupando outra
dependência. Vou chamar o Dr. Alberto.
Ângelo começou a deixar a sala, mas Gabriela o chamou.
— Fique, Ângelo, ajude-me com essa conversa.
— Tudo bem, senhora.
Gabriela olhou para a sala do marido. De algum modo ela tinha a cara
do italiano. A ruiva olhou os objetos e admirou um quadro. Era um painel
imenso, que tomava quase que a parede inteira.
— É a Sicília, onde Sr. Bennedetti nasceu — explicou Ângelo.
Ela olhou para trás e aquiesceu.
— Acho que ele colocou o painel aqui para relembrar sua terra —
comentou, contemplativa. — Parece um lugar lindo…
— Eu não conheço, mas o Sr. Bennedetti disse que é o lugar mais
lindo do mundo. — Ângelo sorriu.
— Exagerado. — Tentou sorrir.
A porta se abriu, e o homem franzino entrou.
— Boa tarde, dona Gabriela…
— Boa tarde. Sente-se, Dr. Alberto — ordenou, impaciente, sentou-se
em frente ao homem e começou. — Vou direto ao assunto… Giovanni sofreu
um grave atentado.
O homem arregalou os olhos.
— Essa informação é confidencial. Tudo bem? — ratificou a moça.
Ele anuiu com a cabeça.
— Nós sabemos quem fez isso. — Ela olhou para o guarda-costas. —
Possivelmente, se meu marido estivesse em condições, ele mandaria acabar
com o primo. Porém, ele não pode ordenar nada, pois está entubado e
inconsciente. — As lágrimas vieram aos seus olhos. — Não me sinto capaz
de pedir ao Ângelo para dar fim àquele monstro. Não quero fazer o papel de
Deus, mas eu quero acabar com ele, usando as leis dos homens.
O homem olhou-a atentamente.
— Ele é um bandido perigoso, talvez, até mesmo procurado pela
polícia.
Ângelo a interrompeu.
— Pela justiça italiana, senhora. Ele matou muitas pessoas no país
dele, inclusive magistrados.
Ela sorriu.
— Exatamente. Quero que descubra um modo de mandar esse homem
para a Itália, ou para os quintos do inferno.
— Desculpe, senhora.
— Não me peça desculpas, doutor. Imagino que Giovanni confie em
você e por este motivo está aqui. Essa é uma ordem da esposa de Giovanni
Bennedetti. Acione os órgãos internacionais, fale com a polícia, com o Papa,
mas enfie esse homem atrás das grades — disse, furiosa e decidida. — Temos
dinheiro, não temos?
Ele aquiesceu.
— Vamos gastá-lo colocando Giacomo Bianchi na cadeia. Eu quero
vê-lo mofando.
— Na Itália seria melhor. Possivelmente, os chefes da máfia
mandariam matá-lo — disse Ângelo, com satisfação. — Sr. Giovanni ficaria
feliz com isso.
— Que seja… estamos combinados, Dr. Alberto? — indagou,
impaciente.
— Tentarei, dona Gabriela.
— Não, o senhor não tentará, o senhor conseguirá. Vamos ser
positivos. — Arregalou seus olhos violetas.
— Claro… a senhora está bastante parecida com seu marido. — Riu
sarcástico.
— Preciso melhorar em algumas questões. Porém, ele é um ótimo
professor. — Sorriu sem vontade. — Obrigada, doutor. Avise-me se tiver
alguma novidade.
— Sim, senhora. Dá licença.
Gabriela fechou os olhos e inspirou.
— Vamos, Ângelo. Preciso ficar um pouco com as minhas crianças.
Quinze

Gabriela remexeu-se nervosa na cama. Era mais um daqueles pesadelos


horríveis que tinha com o marido. Havia fogo, sangue e o rosto do marido no
meio das chamas. Entretanto, dessa vez, a morena que estava com Giovanni
na noite de Réveillon estava no sonho. Ela ria e falava coisas para Gabriela.
Mas a ruiva não conseguira entender.
Ela acordou de súbito. Estava suada e com o coração aos pulos.
— Eu preciso falar com Heloísa Valente.
A jovem seguiu para o banheiro e se enfiou embaixo da ducha. Ela
estava exausta, mas não teria paz enquanto Giovanni estivesse em perigo.
Era muito cedo, ainda assim, foi até o closet e escolheu um de seus
vestidos. Eles haviam sido guardados, assim como seus sapatos e joias, o que
foi um alívio. As roupas que trouxera do cortiço eram horríveis.
A jovem pegou o vestido e seguiu para seu quarto, mas no meio do
caminho sentiu uma tontura, um mal-estar. Ela o jogou sobre a cama e correu
para o banheiro, inclinou-se sobre o vaso sanitário e vomitou.
Quando se olhou no espelho, estava pálida.
— Meu Deus. — Colocou a mão sobre a barriga e teve certeza. —
Estou grávida.
Ela chorou e riu ao mesmo tempo. Respirou fundo e tentou controlar a
euforia que sentia.
— Giovanni, você precisa sobreviver. — Emocionou-se. — Você
precisa ver seus filhos crescerem.
†††

A visita ao hospital foi frustrante. Os médicos não deixaram Gabriela


entrar na UTI.
— Ele teve muita febre essa noite. Há uma infecção instalada em seu
organismo. Precisamos combatê-la antes que atinja órgãos importantes,
evitando assim também um choque séptico.
Gabriela cobriu os lábios para conter o tremor.
— Ele piorou? — indagou, arrasada.
— Sim… preciso ir agora, senhora. Dá licença.
Ela cobriu os olhos e chorou.
— Como Sr. Bennedetti está, dona Gabriela? — Ângelo perguntou,
ansioso.
— Pior… — Respirou profundamente. — Eu quero falar com Heloísa
Valente…
Ângelo a olhou confuso.
— Ela está com Giacomo, nas dependências da organização dele.
Você quer que a tiremos de lá?
— Isso. Eu a quero viva. — Enxugou as lágrimas. — Você consegue
tirá-la de lá?
— Consigo, teremos que invadir o local, mas tenho homens para isso.
Se Giacomo estiver lá, podemos matá-lo. O que acha, senhora?
— Não queria matá-lo, queria que sofresse como Giovanni está
sofrendo.
— Podemos torturá-lo…
Gabriela balançou sua cabeça, exasperada.
— Não, Ângelo. Por favor, o sofrimento que quero dar a ele é outro.
Peguem Heloísa… Irei conversar com ela na empresa. — Seguiu até uma
poltrona, sentou-se e começou a rezar.

†††

Quando Gabriela entrou na antiga sala de Giovanni ela se assustou.


Heloísa Valente estava vestida com verdadeiros trapos, os cabelos estavam
sujos e desgrenhados, o rosto machucado, os lábios inchados e cortados.
Ela sentiu pena da mulher.
A jovem puxou uma poltrona e sentou-se em frente à advogada.
Havia dois seguranças ao lado dela e Ângelo que tinha acabado de entrar na
sala com Gabriela.
O corpo de Heloísa estava exposto, os trapos mal cobriam seus seios e
o resto do corpo.
— Algum dos cavalheiros poderia ceder o terno para a moça? — ela
indagou, com firmeza.
— Claro, senhora. — Um dos rapazes tirou o terno e colocou sobre os
ombros da mulher.
— Obrigada. Vou pedir para esperarem lá fora. — Meneou a cabeça e
sorriu.
Quando estavam somente os três na sala, Gabriela voltou a olhar para
Heloísa.
— Eles bateram em você? — perguntou, gentilmente.
— Eles me violentaram, estupraram e bateram. — Riu com tristeza.
— Sinto muito, Heloísa…
A mulher cobriu o rosto e começou a chorar.
Gabriela foi até a mesa de Giovanni e pegou um copo de água que o
assistente tinha deixado para ela. Colocou em frente à advogada e ofereceu.
— Beba, Heloísa, não iremos machucá-la. Não somos como Giacomo
Bianchi.
Ela pegou o copo com as mãos trêmulas, sujas e machucadas, e bebeu
a água.
— Eu traí Giovanni, eu mereço isso.
Gabriela respirou profundamente.
— Por que tentou me matar, Heloísa? Por que traiu Giovanni?
A mulher ergueu sua cabeça. De repente, sua altivez havia voltado.
— Eu sempre amei seu marido, por isso aceitei ajudar o Sr. Salvatore
Bennedetti a afastá-la de Giovanni.
A ruiva levantou suas sobrancelhas.
— Do que está falando? O que Sr. Salvatore Bennedetti tem a ver
com isso?
— Ele pediu para ajudá-lo a acabar com o casamento de vocês. Por
sua causa, Giovanni não queria ir para a Sicília assumir a organização
criminosa do pai. Ele estava apaixonado, não iria deixá-la para se tornar um
criminoso e assim perdê-la para sempre.
Os olhos de Gabriela inundaram-se de emoção.
— Então Sr. Salvatore pediu para descobrir um modo de afastá-los.
Eu investiguei seu passado. Vi que tinha sido apaixonada por um padre e que
havia sido expulsa do convento por causa dele. Com base nisso, Sr. Salvatore
solicitou a transferência desse padre para a paróquia que frequentava. Um
contato importante dele em Roma viabilizou a transferência. — Mexeu em
suas mãos. — Contratei Giacomo para matar o antigo sacerdote e, por fim,
subornei o padre Túlio, prometendo destruir sua reputação caso não
colaborasse conosco. No dia em que você o acompanhou à sacristia, fui eu
quem cobriu seu rosto com um pano embebido em éter. Eu a fiz desmaiar,
com a ajuda do padre a colocamos em meu carro e a levamos para a casa
dele. Tiramos sua roupa e a deixamos lá. Ele não tocou em você. Não se
preocupe. Só queríamos que Giovanni a visse na cama com ele. O plano deu
certo, ele te mandou embora, porém, logo tiveram uma recaída, vocês
transaram na noite de Réveillon. E naquele dia eu vi que era impossível
mantê-lo longe de você. Ele a amava muito mais do que amou Patrícia.
Precisava eliminá-la para sempre, caso quisesse ter Giovanni de volta.
Por alguns minutos, Gabriela não soube o que dizer. Ela levantou-se e
andou atordoada pela sala.
O pai de Giovanni que tinha destruído o casamento deles. Gabriela
estava arrasada.
— Termine o que seu marido mandou fazer, Gabriela. Peça para os
homens dele me matarem. Eu sou uma traidora. Giovanni não aceita
traidores, com exceção de você. Incrivelmente, ele não quis matá-la. Apesar
de vê-la nua na cama com outro homem. — Riu sem vontade. — Você nunca
mais será amada por um homem, como foi por ele.
Gabriela perdeu a cabeça, seguiu até a mulher e bateu com força em
seu rosto.
— Sua desgraçada. Você acabou com nossas vidas. — Respirou
ofegante. — O que mais você fez? Entregou para Giacomo os planos de
Giovanni de voltar para a Sicília?
— Ele me obrigou, eu não queria fazer isso.
— Mentirosa… — Bateu de novo em sua cara. — Você fez porque é
uma maldita. Como pôde dizer que o amava destruindo sua vida?
— Você não conhece os métodos de Giacomo Bianchi, freirinha.
Você não sabe do que ele é capaz — rosnou, furiosa.
— Você merecia morrer, Heloísa. No entanto, não nasci para tirar a
vida de ninguém…
Ângelo a interrompeu.
— Não se preocupe, dona Gabriela, farei isso pela senhora.
— Não, Ângelo, deixe a desgraçada viver com esse peso em seu
coração. — Encarou a mulher a centímetros. — O seu sofrimento não chega
perto do que Giovanni está sentindo. Viva com sua traição e com o mal que
fez a mim e a ele. — Afastou-se bruscamente. — Leve essa mulher daqui.
— Matem-me — suplicou. — Eu prefiro morrer…
— Não, quero que viva e morra aos poucos. — Virou-se de costas, e
só voltou a olhar para trás quando ouviu a porta bater. — Meu Deus, de onde
saíram tantas pessoas más.

†††

Gabriela deitou-se na cama, ao seu lado estava Madeleine e Matteo.


Ela beijou as bochechas dos dois, acariciou os filhos e pensou em Giovanni.
— Você vai conseguir, vai voltar para casa — sussurrou.
Ela ainda não tinha tido coragem de contar a verdade para Madeleine.
A madrasta não queria que a enteada sofresse como ela estava sofrendo.
Gabriela acabou adormecendo com os filhos. Mas no meio da noite
acordou, andou pelo quarto, cheirou as roupas do marido e rezou… rezou,
rezou até cair de cansada.
Era cedo quando Matteo começou a balbuciar seus primeiros sons.
Ela sentiu seu cheirinho, os dedinhos em seu rosto e sorriu.
— Buongiorno, bambino! — cochichou. — Venha, não vamos
acordar Made. — Pegou o bebê no colo e o levou para seu quarto.
Minutos depois, os primeiros enjoos surgiram, os vômitos e tudo
recomeçou. Como se fosse uma reprise de quando ficou grávida de Matteo.
Gabriela sorriu e acariciou sua barriga.
— Seja bem-vindo, meu bebê… não vejo a hora de contar para o
papai. Ele queria tanto ter muitos bambinos e bambinas, sabia? — Sorriu.
Um toque à porta a tirou de seus pensamentos.
— Entre...
A governanta abriu a porta.
— Seu desjejum está pronto, senhora. Não vai descer?
— Estou indisposta. — Sentou-se na cama. — Estou grávida, dona
Rute. — Olhou-a com lágrimas nos olhos.
A mulher juntou suas mãos.
— Que notícia maravilhosa. Sr. Giovanni ficará muito feliz… Talvez
mesmo inconsciente ele consiga ouvi-la. Conte a notícia, isso o fará lutar
mais.
Ela concordou.
— Quer que vá visitar sua avó? Já estamos nos dando bem. Ela já até
fica feliz quando me vê.
Gabriela riu.
— Não contou a ela nada sobre Giovanni, não é mesmo? Não quero
que muitas pessoas saibam. Estamos tentando manter tudo em sigilo. Existem
pessoas que querem matá-lo, dona Rute. Por favor, tome cuidado...
— Fique tranquila, disse que vocês viajaram, ela anda esquecendo as
coisas. Nunca lembra o que contei na última visita.
Gabriela esfregou a testa.
— Tudo bem. Já vou descer. Avise o Ângelo que daqui a pouco
saímos.
— Com licença...

†††

Um Mês Depois

Gabriela entrou na aeronave que a levaria para o hospital onde o


marido estava hospitalizado. Ao seu lado, Ângelo se sentou e colocou seus
fones de ouvido.
— Heloísa Valente se jogou de seu prédio — ele disse sem maiores
rodeios. — Está morta.
A ruiva arregalou seus olhos.
— Vocês não fizeram isso, não é mesmo?
— A senhora me mandou jogá-la de algum prédio? — Ele a encarou.
— Não...
— Então, não fomos nós. Eu só cumpro as suas ordens, senhora.
Gabriela voltou a olhar para frente, mas ela estava abalada com a
notícia.
— Ela não aguentou a culpa… não sinta pena, dona Gabriela.
— Sim, ela merecia morrer. No entanto, não desejei isso para ela.
— Eu sei. Seu coração é bom demais.
Gabriela riu.
— Ensine-me a atirar, Ângelo.
O guarda-costas a olhou assustado.
— O que disse?
Ela abriu a bolsa e mostrou a arma de Giovanni.
— Eu a carrego comigo, mas não sei usá-la. Melhor aprender, não é
mesmo?
— Sim, senhora. Faremos isso o mais urgente possível.
Ela sorriu e voltaram a ficar em silêncio.

†††

Gabriela entrou no quarto onde Giovanni estava. Olhou para sua cama
e o viu sem os aparelhos que o mantinham entubado.
Uma alegria repentina se apoderou de seu coração. Ela acelerou o
passo e se aproximou de sua cama. Deixou a bolsa ao seu lado e acariciou seu
rosto.
— Giovanni, estou aqui! — Seus olhos encheram-se de lágrimas. —
Você não está mais entubado. Graças a Deus! — Chorou de emoção.
Uma enfermeira chegou perto de Gabriela e a cumprimentou.
— Olá… — A ruiva sorriu. — Ele não está mais com os aparelhos.
— Sim, os médicos resolveram tirar. Ele venceu a infecção e os
exames dele melhoraram bastante. Ele está conseguindo vencer.
Gabriela abraçou a enfermeira e chorou feito uma criança. Afastou-se
e sorriu.
— Rezei tanto, você não tem ideia.
— Ah, eu tenho sim… quer me ajudar a limpá-lo? É muito bom para
o paciente sentir a presença das pessoas que ama. Ele sabe que você está
aqui.
— Eu adoraria — concordou Gabriela, emocionada.
As duas mulheres prepararam as esponjas, sem seguida começaram a
higienizar o corpo do homem. Gabriela viu suas feridas e chorou.
— Elas ficarão mais bonitas depois — disse a enfermeira, bem-
humorada. — Estão feias agora, mas com o tempo melhoram… já vi casos
piores.
— Não ligo para a aparência, mas para a dor que isso causa nele.
— Ele está tomando analgésicos potentes… conforme o tempo passa
e a cicatrização acontece, a dor melhora.
— Eu quero que ele saia daqui logo, eu vou cuidar dele. — Acariciou
os cabelos do marido.
— Oh, quanto amor, eu sinto daqui. — Riu, pegou as coisas e deixou
Gabriela sozinha.
— Eu o amo demais — disse, olhando para seu rosto. — Você me
ouve? — Beijou seus lábios demoradamente. — Volte pra mim, Giovanni…
volte para seus filhos.
Ela sentou-se ao seu lado da cama, pegou sua mão e colocou sobre
sua barriga.
— Tem um bebezinho aqui, sabia? — Acariciou a mão dele sobre a
sua barriga. — Estou grávida, vamos ter mais um italianinho ou italianinha…
Ele não reagiu, e isso a deixou arrasada.
Gabriela aproveitou o pequeno espaço que tinha ao lado da cama,
deitou-se espremida, e segurou a mão dele.
— Eu preciso contar para Made que você está hospitalizado, mas só
queria fazer isso quando já pudesse falar com ela. Não quero assustá-la.
Então, se você quiser me ajudar e parar de dormir um pouco… — Riu com
tristeza. — Acorde, amor, estou com saudades dos seus beijos… de ouvi-lo
me chamar de mia rossa. — Fechou os olhos. — Estou tão cansada. —
Enxugou as lágrimas que molharam o rosto. — Vou dormir um pouco, tá
bom!
Giovanni mexeu seus olhos, mas Gabriela já estava dormindo. Aos
poucos, a sedação estava indo embora, e o cérebro do homem começava a dar
os primeiros sinais de consciência.
— Mia rossa — ele balbuciou as palavras com dificuldades. Mas ela
não ouviu.
Dezesseis

Giacomo andou nervoso por seu escritório.


— Quem comandou essa operação, cazzo? — Esmurrou a mesa.
— Não sabemos, senhor… talvez o guarda-costas do Sr. Bennedetti
— tentou explicar o segurança.
Ele esmurrou a mesa com mais força.
— Não, ele não faria isso sem uma ordem. Foi meu maldito primo!
— Senhor Bianchi, o homem já deve estar morto, explodimos uma
bomba embaixo de seu carro… — disse o homem, indignado. — Ele não
pode ter sobrevivido.
— Será que a ruiva deu ordens para que os homens de Giovanni
invadissem a organização e resgatassem a vadia da advogada? — Giacomo
indagou para si mesmo.
— Não sei, senhor...
— Puttana disgraziata… — esbravejou, furioso. — Quantos homens
eles mataram?
— Cinco… e alguns feridos. Eles estavam bem preparados, senhor.
Sabiam dos nossos horários e troca de turnos. Eles nos pegaram
desprevenidos.
O italiano andou nervoso pela sala. Sua vontade era invadir a casa de
Giovanni e matar todos. No entanto, ele não podia fazer isso. A casa de
Giovanni era uma fortaleza.
— Precisamos descobrir onde colocaram Giovanni — disse, mais
calmo. — Ele não pode se salvar. Quando ele estiver morto, será mais fácil
me aproximar da ruiva. Quero que procurem em todos os hospitais da cidade.
Vasculhem essa merda de cidade! — gritou, nervoso.

†††

Um Mês Depois

Ele olhou para a lista de hospitais onde não conseguiram informações.


— Qual o plano, senhor?
— Podemos invadir a UTI de cada um deles, matar os pacientes e
pronto — sugeriu outro segurança bastante burro.
— Cale a boca, idiota. Quer chamar a atenção da polícia, é isso?
O homem se calou.
— Podemos contratar alguém para invadir os computadores desses
hospitais, Sr. Bianchi...
— Esses malditos nerds cobram muito caro. — Giacomo bufou. —
Mas tudo bem… descubra quem faz isso e coloque em contato comigo.
— Tudo bem, senhor. — O homem acenou e saiu da sala.
— Continuem monitorando a residência dele. Sigam os carros, quero
saber de toda a rotina da família.
— Apenas a governanta sai, e toda a vez que o faz está acompanhada
de vários seguranças. Todos os dias um helicóptero parte da mansão. Mas é
impossível saber para onde vão.
— Deve ser a zocolla, a ruiva de Giovanni. Ela deve estar indo visitá-
lo.
Giacomo esfregou o rosto.
— Vão… vão idiotas, descubram alguma coisa.
Ele sentou-se, cobriu o rosto e tentou pensar.
— Onde você está, disgraziato? Você não vai ficar vivo. Não falharei
da próxima vez.

†††
Era início da manhã quando policiais da Força Federal invadiram a
casa de Giacomo.
O homem pulou da cama com o celular tocando e ao som de tiros.
— O que está acontecendo, budiúlos? — gritou, nervoso ao telefone.
— Policiais Federais invadiram sua casa, Sr. Bianchi. Pegue a saída
secreta, vamos resgatá-lo no telhado.
O homem xingou furioso, seguiu para o closet e começou a pegar
roupas.
— O que está acontecendo, Giacomo? — perguntou a esposa,
assustada.
— A polícia… — colocou a camisa e a calça. — Vou sumir por uns
tempos. Não abra a boca, Kyara. Se souber que disse alguma coisa sobre
mim, eu te mato!
A mulher, cuja barriga estava enorme, a poucos meses do bebê
nascer, encolheu-se na cama.
Giacomo abriu uma porta falsa dentro da suíte do casal, subiu
algumas escadas e saiu no telhado da mansão. Uma aeronave já estava
sobrevoando o local. Ela desceu alguns metros e fez um resgate
cinematográfico do italiano, com direito a cordas e balas de fuzis nos
policiais que tentavam impedir que a aeronave subisse.
Quando Giacomo finalmente sentou-se. Seu advogado estava dentro
da cabine.
— O que está acontecendo? Por que esses desgraçados invadiram
minha casa? Que merda andou fazendo, cazzo?
— O senhor foi denunciado para a justiça italiana. Os promotores de
seu país solicitaram ao governo brasileiro sua extradição. A Polícia Federal
está caçando-o, senhor.
Giacomo arregalou os olhos.
— O que está dizendo, budiùlo? Quem me denunciou?
— O advogado de Giovanni Bennedetti entrou em contato com um
promotor italiano e o entregou. A ruiva do seu primo o quer atrás das grades,
Sr. Bianchi. Existe uma recompensa para quem der informações sobre seu
paradeiro.
— Disgraziata! — gritou, enfurecido. — Matem essa mulher, acabem
com a família inteira.
— Sr. Bianchi, o senhor precisa ir para um dos esconderijos. Não
podemos chamar a atenção da polícia. Depois o senhor mata a ruiva. Agora,
vamos escondê-lo. Se for pego será extraditado para a Itália e morto pela
máfia.
Giacomo respirou ofegante. Quando veio para o Brasil achou que
tinha se livrado dos processos que havia contra ele. Antes de fugir da Itália,
Giacomo explodiu um carro com três magistrados que estavam tentando
condená-lo. Ele nunca achou que um dia teria que pagar por isso.
Disseram para ele que o Brasil era o lugar certo para se esconder. E
Giacomo tinha certeza disso. A impunidade reinava no país latino. A justiça
era corrupta, assim como os agentes públicos.
Ele olhou furioso para o advogado.
— Ajude meus homens a acharem Giovanni. Ele está escondido em
algum hospital da cidade.
— O que pretende, Sr. Bianchi? Preocupe-se com a sua segurança
agora. Esqueça seu primo.
— Se ele estiver vivo, ele mandará me matarem. E tenha certeza de
uma coisa. Os homens dele não falharão como os policiais — disse, nervoso.
— Encontre onde ele está, mande os homens para lá e o matem.
O advogado bufou.
— Sim, Sr. Bianchi. Mas preciso de dinheiro… preciso tentar abafar o
caso, comprar o juiz que autorizou a ação que tentou pegá-lo.
— Meus homens levarão até você. Enquanto isso, tente negociar.
O homem balançou a cabeça negativamente.
— Sem dinheiro, sem negociações, Sr. Bianchi. Somente os relógios
trabalham de graça. Preciso de muito dinheiro para calar as pessoas. E vamos
rezar para o juiz de seu caso ser corrupto. Caso contrário
Giacomo o interrompeu.
— Caso contrário, mando alguém matá-lo. E você, como meu
advogado, indicará o novo juiz do caso. — Sorriu com deboche. — Eu que
mando aqui, não você.
O homem bufou nervoso.
O italiano olhou para o guarda-costas e ordenou.
— Quero que me mantenha informado enquanto estiver no
esconderijo. Se falharem de novo. Eu mesmo irei matar meu primo.
Dezessete

Com a arma em punho, a moça mirou no objeto colocado pelo guarda-costas


e atirou.
O primeiro tiro foi um desastre. O segundo, um pouco melhor.
Entretanto, à medida que ela praticava, a mira começava a sair perfeita.
Ela gritou de felicidade quando atingiu, em cheio, a mira colocada
pelo segurança.
Ângelo riu, aproximou-se e pegou a arma.
— A senhora melhorou bastante… leva jeito! — Fez uma cara
engraçada. — Troque o cartucho, vamos ver se aprendeu.
Gabriela removeu o antigo cartucho e colocou um novo. Checou a
arma, e a entregou para o guarda-costas.
— Veja se está certo.
— Não, veja a senhora mesma, posso não estar no momento que for
preciso.
Gabriela checou a arma novamente, balançou a cabeça e olhou para o
homem.
— Sim, está certo.
— Então, atire no próximo objeto, mas mire onde pintei de vermelho.
Quero ver se está pronta.
Ela segurou a arma com as duas mãos, fechou um olho e atirou. O
objeto caiu no chão. Ângelo foi até ele e o pegou, olhou para Gabriela e riu.
— A senhora é praticamente uma sniper.
— O que é isso? — riu.
— Um atirador de elite.
— Não exagere, Ângelo. Vamos descansar agora? Estou cansada de
matar essas pobres garrafas.
Ele pegou tudo e colocou numa caixa.
— A senhora está pronta. Mas vamos a algumas dicas. Nunca fique
de costas para seu inimigo. Nunca segure a arma com uma mão só. Nunca se
aproxime muito dele, pois ele poderá tirar a arma de sua mão. Se ele duvidar
de você, atire. Se titubear, ele matará você. E, por fim, carregar a arma em
uma bolsa pode não ajudá-la na hora do apuro. Precisamos arrumar um coldre
para a perna. Como usa vestidos, esse tipo de suporte é o mais recomendado.
— O que é um coldre?
— Um suporte para colocar a arma ao corpo. Sr. Bennedetti usava um
no tórax, lembra-se.
Ela balançou sua cabeça em concordância.
— Ah, sim. Arrume um, Ângelo. Mas espero nunca precisar usá-la.
— Eu também… gosto mais da senhora com um terço na mão.
Eles olharam um para o outro e riram.
— Segurarei o terço junto com a arma. Talvez isso faça com que a
minha atitude seja legítima perante Deus, e ele não me mande para o inferno.
Os dois riram de novo, pegaram suas coisas, e seguiram em direção à
mansão.

†††

Gabriela sentou-se. Do outro lado da mesa estava o advogado de


Giovanni.
— A Polícia Federal já está atrás dele, senhora. Agora, é esperar para
ver — disse o homem, satisfeito.
Ela olhou para Ângelo e sorriu.
— Acho que vai dar certo, Ângelo.
— Tomará, senhora, mas Giacomo tem muitos esconderijos. Se bem o
conheço, ele já deve estar em algum deles.
Gabriela bufou desanimada.
— Você conhece os esconderijos dele, Ângelo? — ela perguntou,
interessada.
— Alguns, mas não adianta passar para a polícia. Eu só uso minhas
informações quando a operação é conduzida por mim. Deixe a polícia tentar
capturá-lo. Se não conseguirem, então entramos no circuito.
Ela olhou para o advogado.
— Ótimo trabalho, Sr. Alberto. Ofereça uma recompensa para a
polícia, um prêmio, algo que os estimulem a procurar o bandido. Não
podemos deixá-lo escapar.
— Vou conversar com o juiz e ver o que podemos fazer. Com licença,
senhora. — Ele levantou-se e saiu.
— O que acha, Ângelo?
— Eu o pegaria de graça, dona Gabriela. — Bufou. — Mas já que
quer fazer as coisas dentro da lei… — Deu de ombros.
— Não quero que suje suas mãos com aquele homem. Proteja-nos e
apenas se não houver outro jeito, mate-o. Mas, lembre-se, não somos como
ele. Não somos bandidos, certo, Ângelo? — indagou, com firmeza.
— Sim, senhora! — balançou a cabeça energicamente.
— Vamos… — levantou-se, agitada. — Preciso ver Giovanni.

†††

A ansiedade sempre antecedia cada visita que Gabriela fazia a


Giovanni. Naquele dia havia um motivo a mais. Sem os medicamentos que o
faziam adormecer profundamente, Giovanni deveria acordar a qualquer
momento.
Ela seguiu pelos corredores do hospital junto com o guarda-costas,
quando chegaram à antessala do local, ela cumprimentou os seguranças e
entrou no ambiente onde o marido ficava isolado.
Ele estava sozinho e parecia dormir profundamente.
Gabriela aproximou-se, acariciou seu rosto e beijou seus lábios.
— Oi, meu amor, cheguei um pouco atrasada. Mas foi por uma boa
causa. — Inclinou-se e beijou carinhosamente sua bochecha. — Estava com
saudades de você. — Olhou-o profundamente. — Em breve, tudo estará bem,
Giovanni… estou tentando fazer as coisas da melhor forma possível. Espero
que se orgulhe de mim. — Beijou sua testa, acariciou seu rosto, seus cabelos.
— Você está corado hoje. — Sorriu. — Eu trouxe seu creme de barbear e
também o pós-barba. — Tirou tudo da bolsa e colocou sobre um local. — Eu
vou te barbear hoje… prometo não te cortar — disse, sorrindo.
Ela afastou-se um pouco, apenas o suficiente para preparar o produto.
No entanto, tomou um susto quando sentiu uma mão segurar a sua. Sem
querer, ela deixou tudo cair no chão, virou-se de súbito e o viu segurando-a.
— Giovanni… — sussurrou com o coração disparado.
Ele remexeu as pálpebras, movimentou os globos oculares, e
vagarosamente um pequeno feixe de seus olhos pôde ser visto através de seus
cílios.
— Oi — ela disse, com lágrimas nos olhos. — Bom dia, meu amor.
Ele abriu suas pálpebras por completo, finalmente estava acordado.
Gabriela não conteve a emoção. Ela o abraçou, mesmo sabendo que
ele estava machucado em muitos lugares.
— Giovanni, graças a Deus.…
— Mia rossa — ele sussurrou. — Isso dói um pouco — disse, com a
voz rouca e fraca.
Ela se afastou atrapalhada. Acariciou o rosto do homem que amava e
tentou acreditar que tudo fosse verdade.
— Nem acredito que você está aqui comigo… obrigada por lutar, por
não nos deixar, Giovanni.
Devagar, ele levou sua mão até o rosto dela e limpou suas lágrimas.
— Sou ciumento demais para te deixar. — Olhou-a intensamente.
Ela riu com o rosto molhado de lágrimas. Segurou a mão dele contra
seu rosto e a beijou.
— Você nunca confessou ser ciumento — disse, emocionada.
— Eu sou… — Fez uma cara de dor. — Sou bastante.
— O que está doendo? — Olhou-o preocupada.
— As costas — gemeu.
— Você tem uma queimadura grande nas costas… você lembra o que
te aconteceu? — Pegou um rolinho de travesseiro e tentou arrumá-lo.
— Lembro-me de estar na estrada a caminho do aeroporto — disse,
fraco. — Um carro se aproximou bruscamente, jogou algo em nossa direção e
então uma explosão aconteceu. — Tossiu e seu rosto se contorceu de dor. —
Não lembro de mais nada...
Gabriela tocou a campainha da enfermeira.
— Depois, quando estiver melhor, conversamos sobre isso. —
Aproximou seu rosto do dele. — Eu amo você demais, Giovanni.
— Eu também, mia rossa… — ele sussurrou.
A jovem aproximou seus lábios dos dele e o beijou delicadamente,
repetidas vezes.
— Te amo, te amo tanto, Giovanni.
— Isso é assédio, ragazza — ele disse, debochado. — Mal consigo te
abraçar.
— Eu assediei você todos os dias e você nem lembra. — Ela riu
contra os lábios do italiano.
— Você se aproveitou de mim, é mesmo? — indagou, num tom
malicioso.
Ela sorriu feliz, depois de muito tempo podia ouvir a voz de seu
amado.
— Eu queria, mas não pude. — Olhou-o atentamente. — Não se
canse, você está fraco ainda.
— Estou me sentindo muito cansado. — Fechou os olhos. — Mas
estou feliz. — Segurou a mão dela. — Você está aqui comigo…
— Eu vou avisar a enfermeira. Espere um momento.
Gabriela seguiu radiante pelo corredor. Finalmente, seus dias de
agonia tinham acabado.
Dezoito

Gabriela segurou a colher e colocou delicadamente nos lábios de Giovanni.


— Chega, mia rossa, não quero mais...
Ela afastou a colher e limpou os lábios dele.
— Você comeu bem hoje… em breve terá recuperado seu peso.
— Pena que essa sopa é horrível — disse, resmungão. — Traga
amanhã Made e Matteo, quero vê-los…
Gabriela sorriu.
— Made está ansiosa para vê-lo, principalmente depois que disse que
está machucado. Ela queria vir hoje, mas pensei em conversar contigo
primeiro.
Giovanni segurou a mão de Gabriela e beijou os nós de seus dedos.
Ele queria ter forças para beijá-la inteirinha. Cada parte de seu corpo. Sua
quase morte tinha mostrado a força do que sentia pela esposa.
Em sua jornada pelo inferno, foi Gabriela que o resgatou. Era sua voz
que o trazia para a realidade. Era seu cheiro que o fazia querer voltar.
O italiano tinha certeza de que tinha ido visitar seu criador. Fogo, dor
e uma febre no corpo que não passavam, as sensações mais intensas que já
tinha sentido em toda sua vida.
Mas havia o bálsamo e a sensação de paz, que sempre vinha
acompanhada da voz doce de sua esposa, de seus carinhos e beijos. Da sua
presença renovadora.
Com certeza Gabriela era seu anjo da guarda. O anjo de cabelos
vermelhos que o tinha resgatado da escuridão, do medo e da morte.
— Pode trazer, mas explique o que ela verá. — Franziu a testa. — Me
deixe apresentável, devo estar horrível. — Riu bem-humorado.
Ela sorriu e acariciou seu rosto barbudo.
— Eu te acho lindo de qualquer jeito.
— Já fui melhor, mia rossa, tô pele e osso.
Gabriela foi até uma mesinha e mostrou o kit de barba.
— Aqui está o que vou fazer com você.
— Um bom começo. — Alisou a barba que tomava conta de seu
rosto. — Você também está magra, mia rossa. — Olhou-a com atenção. —
Não está comendo direito?
Ela riu de um jeito tímido.
— Que sorriso de Monalisa é esse, Gabriela Bennedetti? — indagou
ao vê-la vindo em sua direção.
— Estou tendo muitos enjoos… vômitos… e tonturas!
Giovanni olhou-a confuso.
Gabriela sentou-se ao seu lado e o encarou de um jeito diferente.
— Estou grávida. — Acariciou sua barriga. — De oito semanas
aproximadamente.
Ele sorriu, nervoso.
— Que presente maravilhoso, mia rossa. — Estava tão surpreso que
não soube como agir. — Estou muito feliz, mas assustado — disse, nervoso.
— Mesmo assim, feliz acima de tudo.
De fato, Giovanni e Gabriela ainda tinham muitas arestas para acertar.
O homem estava tentando ignorar os fatos que desencadearam sua ida para a
Itália e a separação do casal. Mas, lá no fundo, havia a desconfiança de que o
filho não fosse dele.
Todavia, depois de tudo que tinha passado e da dedicação de sua
amada, como retomar um assunto que os machucava tanto?
Gabriela sentiu as desconfianças de Giovanni brotarem naquele
momento, por isso resolveu abrir o jogo.
— Gostaria que conversasse com Ângelo. Eu sei que você está cheio
de dúvidas ao meu respeito, inclusive em relação a esse filho que estou
esperando.
— Não, Gabriela, não estou desconfiando de você — retrucou,
nervoso. — Apenas, estou surpreso.
— Você tem direito a desconfiar de mim, o que viu foi muito
revelador — disse, seriamente. — Mas descobri a verdade, Giovanni.
— Conte-me então — ordenou, ansioso.
— Gostaria que Ângelo fizesse isso. Ele estava comigo e com Heloísa
Valente…
— Não mataram aquela desgraçada? — indagou, furioso.
— Agora ela está morta, mas tivemos que resgatá-la da organização
do Giacomo. Ela nos contou como arquitetou o plano para nos separar, mas
ela não estava sozinha nisso. Havia outra pessoa…
— Quem, Gabriela, me diga? Não precisa chamar o Ângelo, eu
acredito em você.
— Seu pai. — Abaixou os olhos. — Eu estava atrapalhando os planos
dele para você assumir os negócios dele na Itália, então seu pai pediu para
Heloísa descobrir um jeito de nos separar. Ela descobriu sobre o padre Túlio,
o convenceu a ajudar com ameaças de destruir sua reputação, foi seu pai que
conseguiu a transferência dele para a paróquia que frequentava. Os dois
encomendaram a morte do antigo sacerdote com Giacomo. E foi ela quem
cobriu meu rosto com um pano embebido em algo forte que me fez desmaiar.
— Gabriela mexeu no tecido da saia. — Ela disse que o padre não me tocou,
que era apenas uma encenação. O único objetivo era você me abandonar,
talvez me matar pela traição. Se eu tivesse engravidado dele, eu estaria de uns
cinco meses. Estou de dois.
— Não precisa explicar isso, eu sei quando tudo aconteceu —
respondeu, nervoso.
Seu rosto, que estava pacífico e feliz, tornou-se algo obscuro e
perigoso.
— Meu pai fez isso? — Ele fechou seus olhos. — Eu deveria ter
desconfiado, eu sou um stronzo mesmo.
— Você o ama e acreditava nele… não se culpe. — Ela acariciou seu
rosto.
— Na minha vida toda, Gabriela… meu pai nunca escolheu o melhor
para mim. — Seu olhar ficou perdido. — Ele era um homem duro e cruel,
muito fiel a sua organização e, acima de tudo, a máfia siciliana. Ele nunca me
deu alternativas, ele me obrigou a ser um criminoso como ele. Quando vim
para o Brasil, vi uma oportunidade de sair daquele mundo obscuro e violento
que vivia. Não escolhi ser quem eu sou, mas luto todos os dias para me tornar
alguém melhor, mais honesto e correto. — Suspirou estressado.
— Eu sei disso, por isso estou aqui, Giovanni. Por este motivo me
casei com você, porque reconheço em você tudo aquilo que espero de um
homem.
Ele acariciou o rosto dela e sorriu fraco.
— Eu deveria ter desconfiado dele. Mas fiquei cego de ciúme. Porque
ti amo, Gabriela, e foi demais te ver com outro homem. Não consegui
raciocinar e fiquei enlouquecido. Você me entende? — indagou, angustiado.
— Entendo. — Aproximou seu rosto ao dele e encostou suas testas.
— Eu não te culpo, juro! Eu sei que foi enganado.
— Me perdoa, mia rossa. — Fechou os olhos. — Te fiz sofrer tanto…
fui tão cruel com você…
— Eu já te perdoei. — Fechou os olhos, também, e tentou esquecer
todo o sofrimento que viveu. Os dias de fome, de frio. Mas, acima de tudo, a
falta que sentiu de Giovanni e dos filhos. — Não quero mais falar sobre isso,
só quero esquecer.
— Eu também quero esquecer. — Ele entreabriu os lábios e adentrou
sua língua na boca de sua amada, sentindo a língua doce e macia dela. — Ti
amo, mia rossa — sussurrou. — Eu demorei em te dizer isso, pois achava
que amava aquele maldito padre — declarou, envergonhado.
Ela sorriu contra seus lábios.
— Nunca amei aquele homem, foi uma paixão de menina, algo
platônico. — Olhou-o profundamente. — Amor é o que sinto por você. Só
por você, por mais ninguém.
Ele sorriu satisfeito, aproximou seus lábios dos dela, e voltou a beijá-
la.
Dezenove

Gabriela agachou-se e olhou seriamente para Madeleine.


— Está pronta para visitar o papai?
— Sim, Gabi. — Sorriu alegremente. — Estou com tantas saudades
do meu pappa! — Pulou de ansiedade.
— Como te disse, seu pappa sofreu um acidente e se feriu bastante,
mas ele já está bem. Não se impressione quando vê-lo enfaixado, é para
proteger os ferimentos.
— Tadinho do pappa! — Abaixou os olhos, chateada.
— Seu pappa é muito forte… um touro! — disse, animada. — Ele
está um pouco magro e abatido. Mas estou cuidando muito dele. — Sorriu.
— Em breve ele virá para casa, tá bom?
Ela bateu palmas.
— Ele não vai mais para a Itália?
— Não, ele vai ficar com a gente! — Abraçou-a. — Nunca mais o
papai ficará longe de nós, viu!
— Então, podemos ir, Gabi? — Madeleine indagou, apressada.
— Sim, deixe-me pegar o Matteo. Vem, vamos ao quartinho dele.

†††

Gabriela cumprimentou os seguranças com a cabeça e seguiu em


direção à ala onde Giovanni estava internado. Em seus braços estava Matteo
e segurando sua mão, Madeleine.
— Bom dia, dona Gabriela. — Um dos seguranças que ficava no
acesso à ala de Giovanni a cumprimentou educado. — Bom dia, crianças.
Papai está esperando por vocês.
Madeleine escondeu seu rostinho no vestido de Gabriela, e riu
envergonhada.
— Ele está bem, Lucas?
— Sim, muito animado. Eu e Antônio trocamos de posição, mas há
pouco estava lá dentro e conversei um pouco com Sr. Bennedetti.
Gabriela sorriu e caminhou apressada. Passou pela primeira porta e
seguiu por um corredor. O quarto de Giovanni era o último da ala. O mais
reservado, e ainda havia mais um segurança para protegê-lo.
— Bom dia, Antônio. — Cumprimentou-o rapidamente, abriu a porta
e viu seu amado na cama. Seu corpo estava bem inclinado, quase sentado. Ele
estava com um aspecto ótimo. A cada dia que passava sua aparência parecia
mais saudável.
Ele abriu um sorriso lindo para os filhos.
— Pappa! — Madeleine correu até a cama e esforçou-se para escalá-
la.
— Vamos com calma, Made, lembre-se de que o papai está
machucado — disse Gabriela, preocupada.
A garotinha subiu cuidadosa e olhou para o papai demoradamente.
— Ciao, mia bambola...
Os olhinhos da menina encheram-se de lágrimas.
— Você está todo machucado, pappa… dói muito?
— Um pouquinho, mas logo estou bem. Me dá um abraço, estou com
saudades de você.
Gabriela olhou a cena emocionada. A relação de Madeleine e o pai
era algo lindo de se ver.
Ela sentou-se do outro lado da cama e esperou os dois matarem a
saudade.
Quando Giovanni se separou da filha, seus olhos estavam úmidos.
— Olha quem quer abraço do papai, também. — Ela mostrou o filho
para o pai, aproximou-se e beijou seus lábios.
— Ciao, mio bambino. — Acariciou os cabelinhos do filho. — Você
cresceu, sabia? Seu babbo não vai conseguir segurar você. — Mostrou o
braço enfaixado. — Mas em breve vou estar bem e poderei pegá-lo no colo.
O bebê sorriu e estendeu os bracinhos para o pai. Giovanni sorriu
angustiado. Ele estava debilitado ainda. O longo período entubado tinha feito
seus músculos atrofiarem. Algumas queimaduras tinham comprometido seus
movimentos, tecidos e músculos. Sua reabilitação ainda levaria um tempo
para devolver a ele toda a força e disposição de antes. Isso o angustiava e o
deixava nervoso.
Para não frustrar as expectativas do marido, Gabriela colocou o bebê
sobre seu peito, e o segurou para o marido. Com dificuldades, Giovanni
colocou a mão nas costas do filho e o acariciou. Inclinou a cabeça e beijou a
cabecinha dele.
— É bom ter vocês aqui comigo — disse, emocionado.
— É bom ter você de volta — sussurrou Gabriela. — Né, Made? —
Olhou para a enteada, que estava sentada ao lado do pai, curiosa e confusa.
Ela não entendia muito bem por qual motivo seu pai estava cheio de ataduras
pelo corpo.
— É, pappa… eu vou cuidar de você...
— Isso é bom, Made, a enfermeira daqui não cuida bem de mim. —
Fingiu-se de vítima.
— Eu vou contar para ela que está reclamando, Sr. Bennedetti —
brincou Gabriela, sentou-se numa poltrona, e deixou Madeleine matar as
saudades do pai.
Deus tinha dado uma segunda chance para eles, ela não iria
desperdiçar.

†††

Gabriela digitou o número da clínica da avó e esperou completar a


ligação.
— Olá, é a Gabriela. Queria falar com minha avó, dona Joaquina.
— Claro, querida. Ela perguntou de você hoje pela manhã. Você
sabe, a cabecinha dela está falhando um pouco, mas ela sente sua falta.
Gabriela suspirou chateada.
— Estou com um problema familiar, então, não posso ir
pessoalmente. Mas, assim que as coisas se resolverem, irei. Consigo falar
com ela? — indagou, impaciente.
— Sim, um momento...
Minutos se passaram, e então ela ouviu a voz da avó.
— Gabriela? — perguntou a idosa.
— Sim, vovó. Sou eu, estou com muitas saudades de você.
— Como está aí na congregação?
Gabriela levantou as sobrancelhas, confusa.
— Não estou mais na congregação, vovó. Lembra-se, eu casei com
Giovanni, o italiano...
— Casou? Como assim?
Oh, meu Deus! Pensou Gabriela.
— Vamos mudar de assunto. Como a senhora está?
— Bem, mas quero ir para casa. Não sei quem me trouxe para cá.
Você viu sua mãe hoje?
Gabriela cobriu seus olhos. A senhora estava piorando a cada dia.
— Não, vovó. Não posso ir visitá-la, mas todos os dias rezo por você.
Te amo, vovó.
— Eu também, meu bem! Não vejo a hora que se torne uma freira.
Era meu sonho desde que era uma menininha. Você se lembra quando te
levei para conhecer o convento?
— Lembro — afirmou, com amargura.
— Você será uma freira maravilhosa. — A velha desandou a falar
coisas sem sentido. Da época que Gabriela ainda era uma criança.
Ela limpou os olhos. Era triste ver sua avó perder a memória, bem
quando tudo estava indo bem entre elas.
— Preciso desligar, vovó. Em breve vou te ver. Tá bom.
— Tá, meu bem… Traga aquela sua amiga noviça, ela é tão
simpática.
Gabriela sorriu com tristeza.
— Tchau, vovó. Fique com Deus. — Desligou.

†††

Desde o acidente de Giovanni, Gabriela não conseguia dormir


tranquilamente. Ela tinha muitos sonhos com o marido. Mas daquela vez
tinha sido diferente. Ela viu Giacomo no hospital, ele estava vestido com
roupas de médico. A cena era real e angustiante. O homem abriu a porta e
sorriu quando viu Giovanni. Puxou uma arma da cintura e atirou...
Gabriela pulou na cama e se sentou com o susto. Ela tinha ouvido o
barulho do tiro, como se fosse real.
Seu coração disparou.
— Oh, meu Deus! — Ela tirou as cobertas e saiu desesperada da
cama. Pegou seu celular e ligou para o guarda-costas.
— Ângelo! — disse, esbaforida.
— Sim, senhora! O que houve?
— Vá até o hospital, veja se está tudo bem com Giovanni.
— Senhora, você viu as horas?
— Eu sonhei com ele. Eu sonhei que Giacomo tinha entrado no
hospital. Foi muito real… Por favor, vá até lá...
— Tudo bem. Acalme-se… daqui a pouco ligo dando notícias.
— Obrigada. — Desligou e colocou o celular contra seu peito. —
Giovanni, não aguento mais tê-lo nesse hospital. Você precisa vir para casa!
Ela sentou-se na cama e esperou acordada. Sua cabeça estava a mil
por hora. Havia uma angústia em seu peito. Uma sensação ruim. Talvez, tudo
que foi dito sobre ser uma bruxa fosse verdade. Ela tinha premonições desde
pequena.
— Ele descobriu onde Giovanni está, eu tenho certeza! — disse para
si mesma. — Eu preciso tirá-lo de lá. — Fechou os olhos e tentou se acalmar.
Não demorou muito, seu celular tocou.
— Oi, Ângelo! — atendeu com o coração aos pulos.
— Está tudo bem, senhora! Ninguém entrou aqui. Sr. Giovanni está
dormindo feito um anjo.
Ela fechou os olhos e deixou as lágrimas de alívio descerem por seu
rosto.
— Obrigada, Ângelo… estou com pressentimentos… você me
entende?
— Deve ser a tensão de tudo que está acontecendo, dona Gabriela.
Acalme-se, a senhora está grávida...
Ela mal escutou o que o homem disse. Levantou-se e andou pelo
quarto.
— O que estou sentindo é diferente, Ângelo. Algo mudou. Giacomo
descobriu — disse com uma certeza tão absoluta, que o guarda-costas
titubeou. — Reforce a segurança — ordenou, decidida. — Ninguém estranho
pode entrar no quarto dele, coloque mais homens, à paisana e sem os ternos
pretos característicos.
— Senhora, vão achar que somos malucos.
— Que achem — retrucou, nervosa, mexeu nos cabelos, e decidiu. —
Vou tirá-lo desse hospital amanhã. Ele poderá terminar o tratamento em casa.
Contratamos pessoas especializadas para cuidar dele.
— Sim, acho uma boa ideia. Ele não precisa mais de um hospital.
— Montamos a estrutura que ele precisa em casa. A reabilitação, a
fisioterapia e até mesmo os cuidados médicos — sentenciou, enérgica. —
Mas, por enquanto, preciso que fique Ângelo, não saia daí… cuide de
Giovanni para mim.
— Dona Gabriela, eu prometi ao Sr. Bennedetti cuidar da senhora! —
retrucou, ultrajado.
— Eu estou segura. Irei de helicóptero para o hospital com o Elias e o
Dimas. Pedirei a liberação de Giovanni logo que chegar. Vai dar tudo certo.
Não há mais ninguém neste mundo que possa impedir que alguém mate meu
marido que não seja você.
— Okay, senhora! Não deixarei nada acontecer ao Sr. Bennedetti.
Ela inspirou para se acalmar.
— Chame homens para reforçar a guarda. Reviste-os se preciso for.
— Sim, senhora.
Talvez, o segurança não estivesse tão certo sobre as ordens da patroa.
Ela era exagerada ao extremo. Mas ele não desobedeceria uma ordem dada
por ela. De imediato, ele pegou o telefone e começou a convocar outros
homens.
Era uma espécie de operação de guerra. Se a patroa estivesse certa,
era melhor estar preparado.
Vinte

Giacomo olhou pela fresta da janela da casa onde se mantinha escondido.


Ele estava em um sítio localizado em um bairro afastado da cidade. Cujo
acesso era ruim, impedindo assim sua localização.
O carro do advogado entrou na estrada de cascalhos. Ele viu seus
homens aproximando-se do automóvel, revistando-o e, por fim, liberando a
entrada do advogado na casa.
Giacomo saiu de trás da janela e foi recebê-lo.
— Dr. Guilherme, que bom revê-lo — disse, em tom de deboche.
— Como está, Sr. Bianchi? — Estendeu a mão, mas o italiano o
ignorou.
— Mal… não sou barata para viver escondido. O que conseguiu? —
Andou nervoso pelo ambiente.
— Não tenho boas notícias… pegamos o pior juiz do tribunal. Ele é
amigo dos magistrados que fazem parte do megaprocesso que levou vários
mafiosos para a cadeia. Inclusive, ele já deportou alguns compatriotas seus,
não estamos com sorte, Sr. Bianchi. Não há a menor chance de subornar esse
homem.
— Mate-o...
— Tentei, mas ele tem uma equipe de segurança, que em minha
opinião é a melhor. O senhor não será o primeiro a tentar matá-lo. Nem o
último.
— Para que merda pago você? Livre-se desse processo de deportação
ou você pagará a conta. — Tirou a arma da cintura e apontou para o homem.
O italiano estava fugindo feito um rato, e isso estava mexendo com
seu autocontrole.
— Me mate e não terá ninguém para defendê-lo. Preciso de dinheiro,
Sr. Bianchi. Estou tentando comprar os agentes da Polícia Federal que estão
atrás de você. Se conseguir, acabamos com isso.
— Quanto, farabutto? Quanto dinheiro mais você quer?
— Alguns milhões.
— De jeito nenhum… — virou-se de costas.
— Então eles o pegarão, senhor. Não poderei fazer nada. Esse é o
terceiro esconderijo que o colocamos.
— Disgraziatos. — Esfregou os cabelos. — Deixe que venham.
Estaremos preparados para matá-los.
O advogado bufou. O italiano era o pior tipo de cliente que ele já
tinha defendido. Um tipo avarento, que não reconhecia a importância de seu
trabalho. Ele só não o largava, pois sabia que seria morto em seguida.
— Tenho novidades sobre Giovanni Bennedetti.
O italiano virou-se de súbito.
— Até que enfim uma boa notícia. Fale logo.
— Consegui descobrir o hospital que ele está. Mas ele está muito bem
protegido. Não há como nos infiltrarmos na camada de seguranças que ele
mantém no andar que está hospitalizado.
Giacomo riu pela primeira vez, depois de semanas.
— Você tem certeza de que não conseguimos, doutor?
— São seis seguranças, eles estão divididos nas portas de acesso ao
andar. Existe um na entrada da ala onde ficam os quartos e outro na entrada
da suíte onde Bennedetti está internado. Se quiser chegar até lá, terá que usar
roupas das equipes de enfermeiros ou médicos. Não é permitida a entrada de
pessoas não autorizadas. — O advogado sentou-se. — Consegui o contato da
lavanderia que higieniza os uniformes dos funcionários. Podemos roubar um
dos furgões que fazem entregas, é a melhor forma de conseguirmos entrar no
hospital.
— E os acessos? — perguntou o italiano, pensativo. — Não haverá
problemas com os acessos aos andares?
— Posso subornar o responsável pelos acessos, ele nos fornecerá
alguns crachás e pronto. Colocamos seus homens para dentro do hospital.
Giacomo sorriu satisfeito.
— Por isso lhe pago bem, doutorzinho. Você é um gênio! — Foi até o
homem e o cumprimentou. — Se conseguir viabilizar a operação, lhe darei
um milhão de reais para o senhor passear com sua patroa. O que acha?
— Fechado. — O homem sorriu satisfeito. — Chame o chefe da
segurança. Precisaremos coordenar a operação. Aconselho a colocar pontos
de escuta em algum dos homens. Seus capangas não são os mais inteligentes,
Sr. Bianchi. Melhor conduzi-los para não haver falhas.

†††

Dias Depois

Giacomo sentou-se ao lado de um de seus seguranças. Eles tinham


com eles uma espécie de rádio, eles usariam o equipamento para manter o
contato com alguns dos seus homens.
Giacomo ligou o aparelho e tentou fazer o primeiro contato.
— Rambo, onde vocês estão? — perguntou.
— Já entramos, chefe. Passamos pelos primeiros acessos, agora
vamos para o andar do seu primo. Por enquanto, tudo okay.
— Sejam rápidos, a operação toda tem que levar 15 minutos no
máximo.
— Okay, chegamos ao andar — cochichou o homem.
O italiano tinha mandado seus melhores homens para a operação.
Rambo era o mais violento deles, por isso iria liderar o grupo de mais quatro
homens. Eles estavam armados, mas a ideia era matar Giovanni apenas com
uma dose cavalar de um medicamento que pararia seu coração na hora. Os
homens tinham que entrar e sair sem chamar a atenção dos seguranças. No
entanto, se desse tudo errado, eles matariam a todos.
Giacomo colocou os fones de ouvido e ficou atento aos sons, logo
ouviu a primeira conversa.
— Sou o novo enfermeiro do turno da manhã, preciso entrar para dar
os medicamentos ao paciente Giovanni Bennedetti… — era a voz de Rambo.
— Qual o seu nome? — alguém perguntou.
O homem de Giacomo disse um nome qualquer. Possivelmente o que
arrumaram para ele no crachá.
— Não está autorizado a entrar nessa ala. — Novamente a voz de
algum dos seguranças de Giovanni.
— Você deve estar enganado, o paciente precisa tomar seus
medicamentos, senhor! — disse, educado. — Deve ter havido alguma
confusão. Trocamos os turnos, por isso meu nome não deve estar no
prontuário.
Subitamente, outra voz masculina surgiu ao fundo.
— Qual o problema?
— Ele disse que é o novo enfermeiro do turno diurno, o nome dele
não está na lista.
— Precisamos revistar você — disse o homem.
Giacomo levantou-se nervoso.
— Porra, eles vão descobrir quem somos. Avise o outro segurança,
mande matar os seguranças do Giovanni. Merda, deu tudo errado! —
Esmurrou a mesa. — Matem todos e acabem com Giovanni.
Uma confusão de vozes e tiros tomou conta dos alto-falantes do
aparelho.
Giacomo gritou algumas vezes para seus homens, mas era impossível
falar com eles.
— Rambo, Rambo — gritou, gritou, mas nada do homem retornar. —
Chame os outros, porra, cadê os outros homens?
O segurança que estava no comando do aparelho chamou, chamou,
mas ninguém respondeu.
— Não respondem, senhor… talvez… estejam mortos.
— Impossível… continue tentando. — Andou de um lado para o
outro. — Mande um carro até lá… Cazzo! — Esfregou os cabelos, nervoso.
— Vá, figlio di puttana, descubra o que aconteceu… disgraziatos!
Vinte e Um

Giovanni acordou em um sobressalto. Algo havia o despertado. Ele olhou ao


redor, porém, estava sozinho. Gabriela ainda não havia chegado e isso
causava certa ansiedade nele.
O homem tentou se levantar, mas seu corpo não obedeceu. Ele ainda
estava fraco, assim como seus músculos.
Ele fechou os olhos e tentou se acalmar. Era preciso ter calma, pois
seu tratamento era longo e difícil.
Ele ouviu novamente um barulho fora do quarto. Havia um frenesi
que Giovanni não conseguiu decifrar.
Isso começou a deixá-lo nervoso.
— Antônio! — Giovanni chamou pelo segurança. Mas não houve
resposta.
Giovanni tentou pegar seu celular, contudo, não conseguiu.
O italiano xingou e esmurrou o colchão estressado.
Para um homem como ele, respeitado e temido, estar deitado
praticamente inválido, era muito indigno.
— Antônio! — gritou mais uma vez. — Porca miséria — esbravejou,
nervoso.
Ele bufou, pegou a campainha da enfermeira e apertou. Os minutos
passaram sem que um enfermeiro viesse atendê-lo. Giovanni começou a ficar
preocupado.
O homem respirou profundamente para se acalmar. Havia algum
problema, mas ele teria que esperar. Olhou de novo ao seu redor, procurando
por sua arma. Mas, obviamente, ela não estava com ele.
Gabriela veio aos seus pensamentos. Giovanni já não se preocupava
mais com ele. Sua preocupação era com a esposa e os filhos. Ele nunca
imaginou que seu pior inimigo fosse o pai. Salvatore Bennedetti quase
destruiu sua vida e, ainda, apesar de estar na prisão de Palermo, ainda poderia
fazê-lo.
A vida de Giovanni não estava fácil.
A porta do quarto abriu-se de súbito. Ângelo apareceu, estava
respirando ofegante e sua arma estava em punho.
Giovanni teve certeza, coisas ruins estavam acontecendo.
— Onde está, Gabriela? — indagou, estressado. — O que aconteceu a
ela. Diga! — gritou, enfurecido.
— Ela está bem, senhor… nada aconteceu a dona Gabriela. Mas
tivemos um pequeno problema. Giacomo mandou seus homens para terminar
o serviço.
Giacomo!
O italiano estava farto de ouvir esse nome em sua vida. Estava na
hora de acabar logo com isso.
— A situação está controlada? — indagou o italiano, preocupado.
— Sim, matamos todos...
— Nossos homens… alguma baixa?
— Escoriações e um baleado na perna. Estão bem. — O homem
sentou-se e abaixou a arma e a cabeça. — Dona Gabriela sabia que isso iria
acontecer, ela me alertou. — Olhou para o chefe assustado. — O senhor disse
um dia que ela era uma bruxa. Acho que tem razão.
Giovanni riu nervoso.
— Não a chame de bruxa, cazzo! Era só um modo de dizer, mas
conte-me isso. Como ela sabia?
— Ela me acordou de madrugada, pediu para vir para o hospital.
Tinha tido um sonho com o senhor. Em seu sonho, Giacomo aparecia no
quarto vestido de médico. Ela exigiu que viesse para cá, aumentasse o
número de homens com ordens de revistar todos os funcionários — contou,
cansado. — Homens vestidos de enfermeiros apareceram no andar. Queriam
entrar, mas eu me lembrei do que ela disse… revistei o maldito, e veja só o
que aconteceu. Os desgraçados se infiltraram, senhor, e por pouco não
entraram em seu quarto. Se ela não é bruxa, não sei o que é.
Apesar de assustado, Giovanni riu. Ela era especial demais, ele
sempre soube disso.
— Onde ela está? Por que a deixou sozinha? — indagou, nervoso. —
Eu te disse...
Ângelo o interrompeu.
— Vocês precisam entrar em um acordo, Sr. Bennedetti. Dona
Gabriela me manda cuidar do senhor, e o senhor o contrário. Sou um só, não
consigo cuidar dos dois ao mesmo tempo. — Bufou estressado.
— Eu que mando — retrucou, prepotente.
— Ela disse que ela que manda.
Giovanni gargalhou.
— Eu sabia que ela colocaria suas asinhas para fora. Estou quase
inválido…
Ângelo riu.
— O senhor iria se surpreender o quanto sua esposa está diferente. Ela
mandou o Dr. Alberto entrar em contato com a justiça italiana, e entregar
Giacomo para os promotores de Palermo. Policiais Federais estão atrás dele.
Ele tem um mandado de busca e deportação. — O homem riu. — Não sei no
que vai dar, mas ela é decidida.
O italiano sorriu orgulhoso de sua ruiva. No entanto, ele não tinha
paciência com a justiça. Ele queria aquele verme queimando no inferno.
— Acabe com ele, Ângelo. Agora, quem está dando a ordem sou eu.
Quero ver esse verme queimando, assim como eu queimei. Faço-o pagar pelo
que fez a mim.
O guarda-costas sorriu. Sr. Bennedetti falava sua língua. Ele não
gostava dos métodos de dona Gabriela, apesar de admirá-la e respeitá-la.
— Com o maior prazer, Sr. Bennedetti.

†††

A porta abriu em um solavanco.


O dia estava muito agitado, e as pessoas do hospital bem estressadas.
Antônio estava em pé dentro do quarto, mas havia outro homem na parte de
fora. O guarda-costas era precavido, por isso tinha reforçado a segurança na
entrada do quarto do chefe.
Mas, no caso, era apenas a ruiva de cabelos revoltos que tinha
roubado o coração do italiano.
— Tesoro, por que demorou tanto? — Giovanni perguntou, carente.
Era vergonhoso para um homem de 1,90m, depender tanto de uma
mulher de 1,70m. A vida era estranha e surpreendente.
Ela jogou sua bolsa na poltrona e o abraçou apertado.
— Você está bem? — Ela segurou seu rosto e o olhou preocupada.
Ele sorriu.
— Estou, amore mio! Você me salvou, não é mesmo?
Gabriela não respondeu. Mas encheu o rosto do homem de beijos.
Giovanni não era um homem manhoso, contudo, ele estava
começando a ficar. A mulher o mimava tanto que o italiano estava ficando
feito cachorro de madame.
— Oh, Giovanni, não aguento mais isso! — Ela o olhou, decidida. —
Vou te tirar daqui, você vai para casa.
Ele franziu a testa.
— Mas já me deram alta? O médico não disse nada.
— Eu assinei o termo de responsabilidade para retirá-lo do hospital.
Por isso demorei… — Andou enérgica pelo quarto. — Já pedi uma cama
hospitalar e liguei para uma clínica especializada em reabilitação de
queimados. Vamos cuidar de você em casa.
— Gosto da ideia. — Ele sorriu. — Quando vou sair.
— Hoje, agora. — Aproximou-se e acariciou seus cabelos. — Não
quero mais me preocupar com sua segurança. Estou ficando louca com isso.
Vamos contratar todos os profissionais necessários para seu tratamento, mas
será feito em nossa casa.
— Claro, mia rossa. — Puxou-a pela cintura. — Não a quero
preocupada comigo. — Olhou-a preocupado. — Como está nosso bebê? —
Acariciou sua barriga. — Você está se cuidando?
Gabriela sorriu e acariciou sua própria barriga.
— Ele está bem, mas preciso descansar mais… estou muito cansada.
— Nós vamos resolver isso… ti amo, tesoro. — Cheirou seus
cabelos. — Estou muito orgulhoso de você.
Ela se afastou e sorriu.
— Não sei resolver as coisas como você, mas estou tentando fazer o
melhor que posso.
— Você está se saindo muito bem. — Colocou a mão em seu rosto e
o trouxe até os seus lábios. — Não vejo a hora de podermos. — Beijou os
lábios dela com desejo. — Estou louco de vontade… — sussurrou em seus
lábios, e sentiu seu membro latejar.
Ela riu.
— Você não pode ainda...
— Che palle! Não aguento mais de saudades de você — disse e a
beijou. — Quero tirar sua roupa e te beijar inteirinha.
— Não vejo a hora, te amo, Giovanni! — Abriu os olhos e o olhou
profundamente.
— Também ti amo, mia rossa!
Os dois ouviram um pigarro, afastaram-se e viram um enfermeiro.
— Vamos preparar o Sr. Bennedetti para ir embora. O médico quer
conversar com a senhora, dona Gabriela.
Gabriela sorriu.
— Já volto, meu amor!
Vinte e Dois

Gabriela ajeitou os travesseiros de Giovanni e o ajudou a se deitar. Fazia


algumas semanas que ele estava em casa. Porém, ainda estavam se adaptando
ao novo tratamento. Todavia, com certeza, era bem mais acolhedor do que o
hospital e isso estava se refletindo na aparência do italiano. Ele estava a cada
dia mais forte.
— Está bom assim? — ela perguntou, preocupada.
Giovanni sorriu.
— Poderia melhorar…
Gabriela enrugou sua testa.
— Quer mais travesseiros?
— Não, eu quero você. — Enfiou os dedos entre os cabelos da esposa
e a puxou para seus lábios. — Pare de fugir de mim, tesoro. — Ele a beijou
exigente e faminto.
Ela se afastou.
— Amor, tenho medo de machucá-lo.
Ele abaixou as alças da camisola dela.
— Faremos com cuidado, tire sua roupa para mim, quero te ver nua.
Gabriela sorriu, levantou-se e tirou todas as suas peças.
— Satisfeito agora? — Colocou a mão na cintura, exibindo seu corpo
esguio e um volume arredondado em sua barriga.
— Mia bella donna! — Ele sorriu sedutor, pegou sua mão e a puxou
para a cama.
— Ainda não estou satisfeito, nenhum pouco.
— Giovanni, eu faço em você, como aquele dia.
— Eu adorei aquele dia, mas eu quero foder você. — Puxou-a pelos
quadris. — Você fica em cima e conduz. Você continua no comando, mia
rossa.
Gabriela estava temerosa em machucá-lo. Mas, ao mesmo tempo,
estava em brasa. Só satisfazer o marido não resolvia seus problemas.
Ela tirou a boxer do marido com cuidado e viu a ereção enorme que
ele exibia.
— Fammi um bocchino — sugeriu, malicioso.
— Assim, meu amor? — Gabriela sorriu, em seguida engoliu o
membro grande e grosso do marido. Chupou-o com gula, levando o homem
quase ao orgasmo. Ele segurou seus cabelos e a olhou tomado pela paixão.
— Cavalcate, mia amazzone…
Gabriela passou suas pernas pelos quadris do marido e ficou inclinada
sobre ele. Beijou seus lábios, seu pescoço, seu peito…
— Te amo, Giovanni!
— Eu também, amore mio! — Segurou seu rosto e a beijou
apaixonado.
Gabriela encaixou-se em sua ereção e gemeu com o prazer que sentiu.
— Saudades dele, mia rossa? — indagou o italiano em seu ouvido.
— Você não sabe o quanto. — Moveu-se devagar. — Diga se doer
suas costas, tá bom...?
— Não está doendo nada, só mio cuore. De amor por você.
Ela jogou a cabeça para trás e riu.
Giovanni admirou-a. Quanto mais o tempo passava, mais linda a
esposa parecia. Ele a considerava uma deusa.
Com as mãos o italiano acariciou os seios da ruiva, com as pontas dos
polegares brincou com seus mamilos. Inclinou seu tronco e envolveu os seios
da esposa com os lábios, sugou-os devagar, passando sua língua, e levando a
mulher à loucura.
— Giovanni — ela gemeu, mexendo os quadris e começou a deslizar
sua vagina no membro duro do marido.
— Isso, mia rossa. — O italiano a beijou faminto. — Trombare, mia
rossa...
Ele segurou os quadris dela e a ajudou a subir e descer. Giovanni
queria que ela gozasse primeiro, mas estava difícil controlar o desejo que
sentia.
— Oh, Giovanni — ela choramingou, barulhenta e sensual. Do jeito
que Giovanni gostava de vê-la.
— Isso, mia rossa… vou gozar com você. — Ele apertou os quadris
dela com força e rugiu. — Oh… Gabriela… mia rossa, ti amo, Gabriela.
Minutos depois, Giovanni sorriu satisfeito. Não tinha sido como ele
queria. Sua vontade era tomar a mulher de todos os jeitos possíveis, mas era
um bom começo. Ele tirou o véu de cabelos vermelhos de seu rosto e olhou
para sua ruiva.
— Não foi tão ruim, não é mesmo, amore mio?
— Foi ótimo! — Ela se moveu contra o membro ainda duro do
marido. — Está doendo algo? — Beijou-o lentamente, dengosa e preguiçosa.
— Não, não tem nada doendo. — Sorriu malicioso. — Pra mim
também foi bom, seria ótimo se eu pudesse te foder com força.
— Vamos com calma, Sr. Bennedetti, você está começando a
exagerar em seus desejos.
Giovanni a puxou para perto, beijou e mordeu seu pescoço.
— Podemos tentar de quatro. Acho que consigo — sussurrou em seu
ouvido.
— Hoje não — retrucou, preocupada. — Não vamos exagerar, você
está se recuperando.
— Ele tá duro ainda, mia rossa! Tô igual adolescente.
Gabriela riu alegremente. De fato, Giovanni parecia que estava na
puberdade, em especial, no quesito juízo.
— Giovanni, não! Você está pior que adolescente.
— Eu já estou bem, tesoro mio — ele choramingou. — Vamos, você
é meu remédio.
Ela fechou os olhos e deixou as preocupações de lado. Era bom
demais tê-lo de volta.

†††

Uma Semana Depois

Gabriela entrou no quarto e viu o fisioterapeuta trabalhando o


fortalecimento dos músculos de Giovanni.
— Tudo bem por aí? — perguntou, satisfeita.
— Não, ele está acabando comigo. — Giovanni fez uma careta e
xingou o homem de algum palavrão em italiano.
Ela riu divertida.
— Não ligue, amigo, ele está adorando suas sessões. Ontem mesmo
disse que não via a hora que viesse…
— Bugiarda[12]! — ralhou, bravo.
O celular vibrou no bolso da saia. Ela o pegou e viu que era da clínica
da avó.
— Quem é tesoro?
— Da clínica — retrucou, preocupada. Eles não eram de ligar para
ela, e isso a preocupou. — Vou atender, já volto.
Gabriela saiu do quarto e seguiu até uma espécie de sala íntima que
havia no andar. Sentou-se na poltrona e atendeu.
— Alô!
— Dona Gabriela?
— Sim, ela mesma. Algum problema com minha avó?
— Bem, eu preciso… — gaguejou. — Que venha a clínica — disse,
com mais firmeza. — Sua avó não está bem…
O coração de Gabriela disparou.
— O que ela tem? Já chamaram o médico? — Levantou-se.
— Sim, ele pediu para chamá-la, por favor, venha agora… é
importante.
A jovem colocou a mão sobre o peito e sentiu algo ruim. Eram seus
pressentimentos.
— Mas ela está bem? — repetiu.
— Por favor, preciso que venha pessoalmente…
— Okay, estou indo. — Desligou e seguiu apressada para a suíte.
Giovanni olhou-a preocupado.
— O que foi, tesoro? Que cara é essa?
— Minha avó, parece que ela não está bem, preciso ir até lá. O
médico que pediu.
O italiano se remexeu nervoso. Ele queria acompanhá-la, mas não
podia.
— Avise o Ângelo, vá com ele.
— Sim, vou trocar de roupa. — Seguiu apressada para o quarto se
vestir. Pegou um vestido e olhou para o coldre com a arma.
Desde que Giovanni veio para casa, a arma tinha sido deixada de
lado. Gabriela pegou-a e titubeou.
Não havia motivos para levá-la. Ângelo estaria com ela.
Gabriela tirou sua roupa, colocou outro vestido, calçou os sapatos
altos e antes que saísse voltou a olhar para o coldre.
Ela não queria mais andar com uma arma, mas algo em seu íntimo
estava impulsionando a colocá-la.
— Será a última vez. — Levantou a saia do vestido e colocou o coldre
em sua coxa. Encaixou a arma e disfarçou com o tecido do vestido. — Que
loucura, Gabriela! — disse para si mesma. — Agora, virou um costume sair
armada. — Revirou os olhos e bufou, pegou a bolsa e saiu para o quarto.
— Me ligue quando chegar à clínica — ordenou Giovanini, aflito.
Gabriela aproximou-se e beijou os lábios do marido.
— Eu ligo… — Acenou para o rapaz. — Tchau, até logo.
— Me ligue, Gabriela, não esqueça — gritou o italiano.
Ela saiu apressada, ligou no celular do guarda-costas e avisou que o
estava esperando.
Em alguns minutos, os dois já estavam a caminho da clínica.
— A senhora está nervosa. Aconteceu alguma coisa?
— Parece que minha avó não está bem — disse, com os olhos
úmidos.
Ele olhou-a com pesar. Verificou os retrovisores, e acelerou o carro.
— Ângelo, alguma notícia de Giacomo? — indagou, apreensiva.
Ele olhou para trás.
— Não, senhora. Chegamos perto. Encontramos o esconderijo dele no
meio de um matagal, ele estava lá. Mas seus homens deram cobertura e ele
fugiu num carro. No entanto, não se preocupe, vamos pegá-lo.
Gabriela balançou a cabeça. Ela estava com uma aflição no peito. Mas
era devido à notícia da avó.
Minutos depois, os carros que a acompanhavam pararam junto com o
Rolls-Royce onde estava.
Ângelo saiu do carro, olhou para os lados, e deu instruções aos
seguranças. Abriu a porta para a patroa e a seguiu pelos corredores da clínica.
Quando abriram a porta do quarto da idosa, havia uma funcionária nele. Ela
dobrava roupas.
— Minha avó, onde está? — indagou, assustada.
— Sinto muito, dona Gabriela…
— Como assim? O que aconteceu?
— Ela faleceu.
Gabriela cobriu os lábios.
— Não é possível, ela estava bem até outro dia. O que houve com
ela?
— O médico está esperando-a, ele irá explicar o que aconteceu. Eu
não entendo muito bem esses termos técnicos.
— Onde ela está? — questionou, em meio às lágrimas.
— No necrotério, a sala do médico fica ao lado. Você poderá vê-la se
quiser.
Ângelo afagou seu ombro.
— Sinto muito, dona Gabriela?
A jovem virou-se e abraçou o segurança. Mais calma, enxugou o rosto
e solicitou a funcionária:
— Pode me levar até ela, quero vê-la?
Os três deixaram o quarto da idosa, seguiram por um corredor, no
final dele, a mulher virou-se e olhou para o segurança.
— Desculpe, senhor, mas somente a parente pode prosseguir. O
senhor pode aguardar no corredor, por favor? Tem uma sala de espera logo
ali. Fique à vontade. — Sorriu gentilmente.
Ângelo se remexeu nervoso. Mas era uma situação complicada. Ele
precisava deixar a patroa sozinha com a falecida.
Gabriela afagou seu ombro.
— Estou bem, Ângelo. Me dê alguns minutos, tá! Obrigada. — A
mulher abriu uma porta e Gabriela entrou.
Havia um corredor e, ao longo dele, várias salas. Em uma delas estava
escrito necrotério. Ela sentiu um frio na espinha.
— Ela está aqui, gostaria que a visse antes de falar com o médico. Ela
morreu tranquilamente, parecia feliz. — Sorriu ao abrir uma porta de aço, e
Gabriela sentiu um frio congelar sua alma.
Ela olhou para trás, mas a porta fora fechada. Olhou ao redor e viu um
corpo numa maca, sobre ele um lençol branco. Seu coração apertou.
— Vovó! — Seus olhos inundaram-se. Ela aproximou-se
vagarosamente. Puxou o lençol e viu o rosto da avó desfigurado. Gabriela
cobriu os lábios e gritou: — Oh, meu Deus!
— Desculpe, mas a velha é corajosa… ela lutou até a morte.
Gabriela arregalou seus olhos, virou-se lentamente, e o viu.
— Olá, ruiva gostosa. Saudades de você.
Os lábios de Gabriela secaram, seu coração disparou violentamente, e
ela sentiu suas pernas fraquejarem.
— O que faz aqui? — sussurrou.
— Vim visitar sua vovozinha. Ela andava meio largada aqui na
clínica. Precisei matá-la para você visitar a pobre mulher — disse Giacomo,
debochado.
— Seu monstro maldito!
Ele puxou uma arma da cintura e apontou para ela.
— Fique quieta, nem um piu, zocolla! — Aproximou-se, e Gabriela
recuou.
— O que você quer? — indagou a jovem, em pânico.
— Tenho uma lista de coisas, tipo desejos de Natal. Primeiro, quero
foder seu corpinho gostoso, depois vou te matar e mandar sua cabeça para
meu priminho entalhar e guardar de recordação. Depois, vou matar seu
marido, seus filhos, enfim, não tenho uma ordem muito certa para as coisas.
— Você será pego, desgraçado, eu quero que apodreça na prisão —
ela rosnou, com ódio.
— Eu gosto quando sinto esse ódio no olhar das minhas vítimas, tudo
fica mais gostoso. — Avançou em sua direção e num movimento rápido
aplicou uma gravata em seu pescoço.
Gabriela se debateu, mas o homem era forte, e o movimento a
sufocou.
— Shi… quanto mais lutar, mais rápido ficará sufocada. Não vou usar
a arma com você, vou matá-la asfixiada. Não gosto de trepar com mulheres
ensanguentadas. — Riu em seu ouvido.
Ela fechou os olhos e tentou se acalmar. Ela tinha uma arma e se
conseguisse pegá-la…
Gabriela tirou a mão que estava segurando o braço dele e começou a
levantar seu vestido.
— Isso, ruiva, fique calma! Podemos chegar num acordo se quiser,
não preciso matá-la…
— Qual acordo? — sussurrou, com a voz sufocada.
— Traga Giovanni até aqui… não quero você, quero ele — mandou
com raiva.
Ela tentou pensar.
— Certo, então, me solte. — Sua mão alcançou a arma. Entretanto,
ela estava de costas para o homem, não tinha como usá-la.
Vagarosamente, o italiano tirou o braço de seu pescoço, Gabriela se
afastou.
— Ligue para ele — Giacomo ordenou.
Ela agachou-se e pegou a bolsa no chão. Se a arma estivesse na bolsa
seria mais fácil.
— Pegue o celular — ele disse. — Ligue agora.
A mente da mulher estava a 200 por hora. Ela pegou o celular, mas ao
invés de ligar para o marido, ela ligou para a polícia. O policial atendeu…
— Polícia militar… no que posso ajudá-lo?
— Oi, amor, não fique nervoso, mas estou com Giacomo Bianchi. Ele
está com uma arma, mas prometeu não me matar se você vier até aqui…
— Onde a senhora está? Consegue falar? — indagou o policial,
seriamente.
— Na clínica para idosos Nossa Senhora de Fátima, onde a vovó
estava internada. —Olhou temerosa para o homem. — Não demore, amor…
O italiano estreitou os olhos, desconfiado, e Gabriela sentiu o coração
gelar.
— Me dê o telefone, vadia, quero falar com meu cugino. — Tirou o
telefone bruscamente de sua mão, olhou para o monitor e viu o número. —
Disgraziata!
Gabriela jogou a bolsa em sua cara, fazendo o italiano se atrapalhar
por um breve instante. Imediatamente, ela puxou a arma de sua coxa, segurou
com firmeza com as duas mãos e apontou para ele.
— Não se mexa que eu atiro. — Andou para trás.
Ele riu.
— Oh, você acha que tenho medo de você, freirinha! — Tentou
mover seu braço, mas Gabriela se lembrou do que Ângelo disse: “se ele
duvidar de você, você estará morta.”
Ela mirou em sua coxa e atirou.
O homem gritou de dor e deixou a arma cair.
— Azia ta monaca! Puttana disgraziata! — Segurou sua perna e
gemeu.
Apesar de trêmula, e com o coração disparado, ela não esmoreceu.
Manteve a arma firme e apontada para ele.
— Chute sua arma em minha direção e não atirarei em você…
Gabriela se esqueceu de que estava lidando com um bandido
perigoso. Aquela cena não era de um filme policial.
Giacomo se recuperou da dor, num movimento rápido pulou em cima
dela.
— Disgraziata, da próxima vez atire no coração!
Ele segurou a mão dela e a socou contra o piso até que Gabriela
soltasse a arma. Ele pegou a arma e deu uma coronhada em sua cabeça.
Gabriela gemeu de dor, por um breve instante viu sua visão escurecer.
Mas ela se lembrou de seus filhos e de seu marido.
Eu não posso desmaiar. Repetia Gabriela como se fosse um mantra
— Era para ser algo bem simples, puttana! Ninguém mandou você
complicar.
— Ângelo! — ela gritou.
— Vadia, ele não vai ouvir, a porta é de aço. — Ele bateu com força
em seu rosto, com a palma da mão cobriu os lábios dela. — Você vai
aprender com quem está lidando. — Com a mão livre o homem levantou o
vestido da moça, em seguida tentou abrir o zíper de sua calça.
Desesperada, Gabriela remexeu seu rosto de um lado para o outro, até
que seus lábios conseguiram se abrir, enfiou os dentes na pele da mão do
homem, e o mordeu violentamente.
— Porca puttana! — Afastou sua mão e gritou de dor.
Ela se livrou do corpo dele, arrastou-se pelo chão, pegou a arma e
atirou de novo, mas errou.
— Fique onde está, Giacomo! — Apontou a arma, encolhida num
canto da parede.
Ele avançou em sua direção, sua expressão era de alguém capaz de
coisas horríveis.
Gabriela apertou o gatilho e atirou de novo. Mas foi só de raspão. Ela
estava muito nervosa e não conseguia aplicar o que aprendeu com o guarda-
costas.
Ele colocou a mão no sangue que escorria de seu ombro, em seguida
seguiu furioso em sua direção.
— Vou acabar com você, sua vadia!
Ela fechou os olhos.
Ajude-me meu Deus! Pediu Gabriela em silêncio.
Vinte e Três

Giovanni se remexeu impaciente na cama. Havia eletrodos ligados a ele.


Uma de suas pernas tinha sofrido uma queimadura séria, o que comprometeu
seus movimentos. As sessões de fisioterapia estavam ajudando-o a recobrar a
força e o movimento dos membros atingidos. No entanto, além das
queimaduras, havia também o comprometimento dos músculos pelo tempo
que ficara acamado em excesso. Foram quase dois meses em coma.
Ele sabia que tinha tido sorte. Apesar das queimaduras sérias, dos
enxertos necessários e da necessidade de novas cirurgias de reconstrução. Foi
um milagre ter conseguido se salvar.
Por um breve momento, a imagem do acidente voltou à sua mente.
Era uma espécie de pesadelo que o rondava dormindo ou acordado.
A explosão causada por uma possível granada, ou algo do tipo,
causou um incêndio na parte da frente de seu carro. Desesperado, Giovanni
tentou abrir a porta, mas não conseguiu. Quando olhou para o motorista, viu
que o homem estava em chamas, a cena era forte demais.
O italiano apertou seus olhos e tentou esquecer o que viu.
Por sorte, os seguranças que o escoltavam conseguiram escapar, eles
que resgataram Giovanni e apagaram as chamas que tomavam conta de suas
roupas. Apesar de a ação rápida de seus homens, partes de seu corpo tinham
sofrido queimaduras, algumas mais leves, outras mais sérias. O mesmo não
aconteceu ao seu motorista. Infelizmente, o homem não resistiu aos
ferimentos.
— Isso vai demorar, Luis?
— Restam ainda alguns minutos, Sr. Bennedetti.
Ele olhou para a porta, onde há pouco Gabriela tinha saído. Ela estava
aflita e isso estava deixando-o agoniado.
Que tipo de homem deixava a esposa sozinha num momento como
este? Perguntou-se Giovanni.
O italiano esmurrou a cama.
— Toglimi questa dannata cosa di dosso[13]— esbravejou o italiano,
nervoso.
— Como? O que disse?
Sem paciência, o italiano começou a arrancar os fios de sua perna.
Livre, ele levantou-se e seguiu em direção ao closet.
— Sr. Bennedetti, não terminamos ainda — reclamou o
fisioterapeuta.
— Terminamos, pode ir embora.
Ele seguiu mancando até onde suas roupas estavam penduradas.
Pegou uma camisa e colocou-a com cuidado. Uma região de suas costas tinha
sido gravemente atingida, um enxerto de pele foi feito às pressas, mas o
ferimento ainda não estava cicatrizado.
Queimaduras de terceiro grau eram as mais severas. Essas atingiam
camadas profundas da pele, chegando aos músculos, vasos sanguíneos e
ossos. O ferimento das costas e o da coxa eram os mais preocupantes. O
italiano sabia que devia evitar sair de casa, era preciso descansar e evitar
esforços. Mas ele não podia controlar o que sentia. Era seu inconsciente
impulsionando-o a ir atrás da esposa.
Giovanni protestou nervoso. A dor da ferida o deixava irritado. Ele
precisaria passar por uma nova cirurgia, porém, não era hora de pensar nisso.
O pequeno esforço de se vestir o deixara cansado e ofegante.
Ele xingou e amaldiçoou Giacomo. O verme havia desaparecido, mas
o italiano não desistiria de pegá-lo. Giovanni tinha uma lista de maldades que
iria aplicar no maldito primo. Antes de matá-lo, claro.
Já devidamente vestido, seguiu apressado para as escadas. Sem
paciência para chamar um dos homens, seguiu para a garagem.
Um segurança se aproximou.
— Sr. Bennedetti, aonde vai?
— Vamos sair...
Logo os carros saíram da mansão, em direção à clínica da avó de
Gabriela.

†††

Ele entrou na recepção e olhou para os lados. Pegou o celular e ligou


para o guarda-costas da esposa.
— Ângelo, estou aqui na clínica. Onde estão?
— Senhor, não deveria ter saído de casa...
Giovanni revirou os olhos e começou a caminhar com certa
dificuldade pelo corredor.
— Já tenho uma esposa que me diz isso o tempo todo. Onde está,
cazzo?
— Estou indo encontrá-lo. Onde está?
— No corredor principal da clínica.
— Já estou a caminho. — Desligou.
Giovanni parou e esperou pelo segurança. Em poucos minutos, ele
apareceu, mas estava sem Gabriela.
— Onde está Gabriela? — indagou, ansioso.
— A avó dela morreu, senhor. O médico pediu para conversar com
ela.
O italiano saiu caminhando pelo corredor.
— Por que a deixou sozinha? — questionou ao guarda-costas,
nervoso.
— A enfermeira disse que somente a parente poderia entrar —
explicou, seguindo-o pelo corredor. — É um momento delicado, achei
melhor deixá-la sozinha.
— Col cazzo. Onde fica essa merda? — perguntou, irritadiço. — Não
deveria tê-la deixado sozinha
— Dona Gabriela parecia tranquila, Sr. Bennedetti…
— Duvido… diga onde elas foram.
O segurança mostrou o caminho, quando chegaram à porta onde
Gabriela tinha entrado, os dois pararam.
— Elas entraram aqui, Sr. Bennedetti.
— Vou atrás dela. Fique aqui, Ângelo. — Abriu a porta e olhou para
o corredor.
Havia portas ao longo do labirinto, era um lugar inóspito, e Giovanni
não se perdoava por tê-la deixado vir sozinha.
A dor na ferida de suas costas começou a aumentar, o que o fez se
lembrar de que sexo era bom, mas que esfolava a maldita da ferida.
Ele arrastou a perna machucada. Seu corpo não obedecia a sua pressa.
Ele estava parecendo um velho de 80 anos.
— Diavolo[14]! Esqueci-me de tomar o medicamento — esbravejou,
furioso. — Por isso, essa merda não para de doer.
Giovanni olhou para as placas.
— Necrotério, sala de medicamentos, almoxarifado, onde fica a sala
do médico. Ma cavolo! [15]— bradou, nervoso.
Ele virou-se e olhou para a porta que dizia sala de medicamentos.
— Certo, vamos começar por aqui. — Segurou a maçaneta e a abriu.
Nada.
O homem passou as mãos pelos cabelos, seguiu até uma nova porta e
a abriu.
Nada.
Giovanni ouviu um barulho. Ele virou-se de súbito e olhou para a
porta que dizia necrotério.
— Ela está lá. — Fechou os punhos para controlar a dor que sentia,
respirou fundo e forçou o corpo a caminhar mais depressa. Segurou a
maçaneta e abriu a porta. Seu corpo se retesou.
Gabriela estava caída no chão. Seu rosto estava sujo de sangue. Ela
arregalou seus lindos olhos.
— Giovanni — sussurrou.
O coração do homem disparou. Como reflexo seguiu com a mão para
o local onde costumava carregar sua arma, mas o italiano lembrou-se de que
não estava com sua pistola.
— Seja bem-vindo, cugino, estava esperando por você. — Giacomo
surgiu subitamente, e desferiu um soco em seu rosto, pegando Giovanni de
surpresa.
O italiano cambaleou, perdeu o equilíbrio e quase caiu.
— Disgraziato! — Giovanni esbravejou, mordaz, olhou para a mão
do primo e viu uma arma apontada em sua direção. — Só é corajoso com
uma arma na mão, não é, pezzo di merda?
Giacomo riu com deboche.
— Seu pacto com o diabo está funcionando, cugino. Nem mandando
explodir seu carro você morreu, mas sinto em te dizer que o diavolo não
poderá fazer mais nada por você.
— Pois é, codardo[16]. Eu nunca deveria ter aceitado a promessa que
seu pai me pediu. Eu deveria ter te matado faz tempo.
O homem riu de novo.
— Cheio de códigos de honra. Não estamos na Sicília, cugino. Quem
faz as leis por aqui somos nós. Estou cheio de você, Giovanni. Vou começar
acabando com sua linda esposa. — Ele apontou a arma para Gabriela, mas
Giovanni aproveitou a distração e pulou sobre o primo, segurou seu braço e
tentou tirar a arma dele.
— Saia, Gabriela! — gritou o italiano.
A moça olhou para os dois homens. Giovanni estava fraco, e aos
poucos o primo estava conseguindo ganhar a quebra de braços entre eles. Ela
desistiu de escapar, não podia abandonar seu marido.
— Saia! — ele gritou novamente, e sentiu que não conseguiria mais
conter o primo. Ele estava debilitado demais para uma luta corporal.
Num movimento rápido Giacomo conseguiu imobilizar Giovanni.
O italiano olhou para o lado e viu o amor de sua vida. Gabriela não se
movia, parecia em choque.
Giovanni buscou o resto de forças que tinha e tentou lutar com o
primo. Os dois caíram no chão, ele conseguiu tirar a arma da mão de
Giacomo, mas o desgraçado segurou seu pescoço e começou a sufocá-lo.
— Vou matá-lo como se mata uma galinha, cugino. — Riu diabólico.
— Você não é mais o mesmo. Lute, pezzo di merda!
— Solte-o agora, caso contrário, eu o matarei, Giacomo. — Giovanni
ouviu a voz de Gabriela, mas a falta de ar estava tirando sua consciência.
— Você não tem coragem, ruivinha, é fraca como seu marido!
Giovanni ouviu dois tiros. A mão que estava sufocando-o soltou-se de
seu pescoço, o primo o olhou com as pupilas dilatadas.
Ainda tonto pela falta de ar, ele sentiu o peso de Giacomo ser tirado
de cima dele, e seu anjo apareceu.
Ela apontou a arma para Giacomo. Os lindos olhos violetas estavam
escuros e cheios de ódio. Giovanni nunca a tinha visto daquele jeito.
— Morra, seu maldito! — Ela disparou de novo, de novo e de novo.
Finalmente, Giacomo estava morto.
A linda ruiva de olhos violetas estava em choque. A arma que estava
em sua mão foi derrubada aos seus pés e ela se ajoelhou ao lado do italiano.
— Eu não queria matá-lo, mas se não fizesse isso. — Chorou. — Que
Deus me perdoe…
— Você fez o que tinha que ser feito. — Acariciou o rosto molhado
de lágrimas da esposa e sorriu. — Sei una donna molto coraggiosa!
— Você está bem, meu amor?
Giovanni riu.
— Esqueça-se de mim, tesoro mio, é com você que estou preocupado.
— Estreitou seus olhos e a olhou preocupado. — Ele te machucou? — Foi
com a mão até sua cabeça, e sentiu a umidade entre seus dedos. — O que
significa esse sangue?
— Ele bateu com a arma em minha cabeça, mas estou bem.
— Disgraziato. — Giovanni olhou para o corpo imóvel do primo e
teve vontade de ressuscitá-lo para acabar com ele pessoalmente.
Gabriela o abraçou.
— Ele matou minha avó. — Olhou para Giovanni, emocionada. —
Pobrezinha…
— Sinto muito, tesoro! — Puxou-a para seus braços. — Me perdoe,
eu falhei com você, não protegi sua avó e nem a você.
— Não, você não teve culpa. — Gabriela segurou seu rosto. —
Acabou. Giovanni. — Ela olhou para o lado. — Agora poderemos viver em
paz.
O italiano acariciou o rosto da esposa.
— Sim, amore mio! — Abraçou-a com força. — Acabou.
Vinte e Quatro

Gabriela esgueirou-se nas pontas dos pés e tentou alcançar o galho mais alto
da árvore de Natal. Mas não conseguiu. No entanto, braços fortes envolveram
sua cintura e a levantaram.
Ela olhou para trás e sorriu, esgueirou-se mais um pouco e pendurou a
bola dourada.
— Pronto, tesoro? — Giovanni colocou-a no chão e olhou para a bela
árvore que a esposa tinha enfeitado. — Juro que nunca vi árvore tão bonita.
A linda ruiva riu alegremente, pegou uma nova bola e olhou para o
marido.
— Essa é a última, prometo.
Giovanni a ergueu mais uma vez, esperou-a colocar o enfeite e a
colocou no chão.
— Você está compulsiva, tesoro! — disse, debochado. — Está há um
mês enfeitando essa árvore, e olhe só, é noite de Natal!
Gabriela abraçou seu pescoço e o beijou apaixonada.
— Feliz Natal, meu amor! Cheguei a pensar que nunca teríamos
oportunidade de comemorar essa data juntos. — Os olhos lacrimejaram.
— É preciso ter fé, não é mesmo?! — indagou, sarcástico, afinal o
italiano não era dado a esse tipo de sentimento.
— Sempre tive. — Acariciou seu rosto, e o olhou com suas pupilas
hipnotizantes. — Fé que você acreditaria em mim, que se salvaria e que
seríamos felizes… para sempre!
— Sua fé me move, principessa… você é o meu milagre!
Gabriela sorriu radiante, abraçou e beijou o marido com sofreguidão.
O acidente de Giovanni os tinha unido ainda mais do que antes.
Mas um pigarro os desconcertou. Os dois separaram seus lábios e
olharam em direção ao barulho. A governanta estava parada em frente a eles
e os olhava sem graça.
— Vittorio acordou, senhora — avisou, sacudindo a criança em seus
braços.
— Claro, é hora de ele mamar.
A moça seguiu apressada até seu bebê e pegou-o com carinho.
— Oi, querido, está com fome? — Olhou para a governanta e sorriu.
— Obrigada, dona Rute. — Seguiu até uma poltrona e ajeitou o vestido,
tirando um dos seios para o bebê sugar. — Onde estão Made e Matteo, eles
estão demorando?
— A babá está acabando de arrumá-los. Madeleine estava ensinando
Matteo a pintar, então, imagina o que aconteceu com os dois. — Riu
discretamente.
Ela olhou ansiosa para Giovanni.
— Amor, veja o que está acontecendo, eles já deveriam ter descido.
Edileusa e sua família estão chegando.
— Deixe comigo, amore mio… trarei os dois pelas orelhas! — disse,
bem-humorado, deixando-a sozinha com o filho.
A ruiva olhou para seu bebê e sorriu. Seu segundo filho era uma cópia
do primeiro. Forte, grande e faminto. Os filhos de Giovanni Bennedetti
prometiam esvair a mãe de tanto que mamavam.
— Se acalme, Vittorio Giovanni Bennedetti, assim você vai se
engasgar — ralhou, diante do desespero do bebê.
O barulho nas escadas chamou sua atenção, ela olhou e viu Madeleine
e Matteo no colo do pai, um de cada lado de seu braço.
— Pronto, tesoro… aqui estão seus bambini!
— Deixe-me ver como ficaram com as roupas novas — disse,
animada.
O marido os colocou no chão e os dois saíram correndo em sua
direção. Ela cobriu os lábios e riu. Chegava a ser engraçado ver pai, filhos e
mulher com roupas quase iguais. Gabriela e Made estavam com um vestido
vermelho com a barra enfeitada de motivos natalinos. Giovanni e Matteo
estavam com uma camisa vermelha com os mesmos enfeites, já Vittorio
vestia um macacão de bebê combinando com os pais e irmãos.
— Vocês estão fofos! — exclamou, extasiada.
— Eu me sinto um tanto quanto ridículo! — Giovanni riu. — Mas
tudo bem. O que não faço pela mia bella donna!
— Não se esqueça de que temos ainda os pijamas. — Cobriu os
lábios. — Você vai ficar lindo, Giovanni...
— Sim, ficarei lindo, parecendo um...
Gabriela olhou feio para ele.
— Parecendo um Papai Noel, era isso que iria dizer. — Sorriu
sedutor. — Vou pegar um vinho, mia rossa…
A jovem olhou para o chão e sorriu. Matteo estava em cima do
Lúcifer, fazendo-o de cavalinho ou carrinho. Ela não sabia ao certo.
— Cuidado, Matteo, não machuque o Lulu.
Lúcifer olhou para a dona com a língua de fora, parecia tão feliz no
meio das crianças.
— Né, Lulu, diga a esse bebê que suas orelhas não foram feitas para
servirem de volantes.
— Gabi, nós vamos colocar a roupinha no Lulu? — Made indagou,
serelepe.
Gabriela olhou para a roupinha vermelha que Made tinha pedido para
comprar para o cachorro, e riu. Era impossível colocar a peça no cão. Ele já
tinha rasgado duas outras.
— Peça para o papai, meu amor, vamos ver se ele consegue colocá-la
no Lulu.
A garotinha saiu correndo para a sala de jantar.
— Pappa! Pappa! — gritou, enquanto atravessava a sala.
Gabriela riu.
— Vamos ver se o papai tem coragem, meninos. — Olhou para os
filhos.
Matteo abriu um sorriso lindo para a mamãe.
— Vá lá, Matteo, chame o papai, ele precisa vestir o Lulu.
O lindo garotinho levantou e saiu correndo pela casa.
— Pappa… Pappa… Pappa...
Ela mexeu nas mãozinhas do bebê.
— Só falta você, Vittorio, para deixar papai maluco. — Riu. — Não
vejo a hora.
†††

A sala estava vazia. Apenas Giovanni e Gabriela ainda estavam


acordados. Seus convidados já tinham ido para seus quartos e as crianças
adormeceram logo depois da meia-noite.
Uma música italiana tocava ao fundo, enquanto o casal dançava
apaixonado no centro da sala.
— Por que não colocou seus presentes? — ele cochichou em seu
ouvido, roçando os lábios na orelha da esposa.
— Estava com medo de machucar Vittorio com o bracelete. Vou
colocá-los agora. —Seguiu até a caixinha que Giovanni tinha deixado
embaixo da árvore de Natal, para que pudesse colocar as joias.
O homem se aproximou e a abraçou pelas costas, beijou seu pescoço,
e sussurrou em seu ouvido:
— Gostou, mia rossa? Mandei fazer especialmente para você!
Ela virou seu rosto e beijou os lábios do marido.
— Amei, são maravilhosos! — Olhou para o dedo onde havia um
lindo anel com uma pedra rara de diamante vermelho, e para o pulso onde um
bracelete de ouro, cravejado com a mesma pedra do anel, que reluzia as luzes
piscantes da árvore de Natal. O conjunto era lindíssimo e custara algumas
centenas de dólares. Todavia, Gabriela não era muito fã de joias, muito
menos sabia valorizar uma pedra rara e de valor milionário. — E você,
gostou do meu presente?
— Adorei. — Virou-a em sua direção e passou a mão pelo suéter de
tricô que a esposa tinha feito. — Estou lindo, não estou? — debochou.
— Não deboche. — Fez um bico. — Você não sabe o quanto demorei
em fazer isso.
Ele segurou a cintura da esposa e a trouxe para perto.
— Juro que adorei, você é muito talentosa. Como conseguiu fazer
essas renas? — Olhou para seu peito, onde pequenas renas brancas alegravam
o suéter vermelho. — Parece impossível conseguir fazer isso com aquelas
agulhas enormes.
Gabriela cobriu os lábios e riu.
— Faço milagres com aquelas agulhas. Minha avó que me ensinou a
tricotar, fazer crochê e bordar. Segundo ela, toda mulher deveria dominar
essas artes manuais. — A moça torceu o nariz. — Concordo em parte, eu
vejo isso como uma terapia. — Acariciou o peito do marido. — Quero te
pedir mais um presente. — Sorriu maliciosa.
— Quantos quiser, mia rossa. — Beijou o pescoço da esposa. —
Diga-me, o que quer? Qualquer coisa.
— Uma linda bebê...
Giovanni se afastou e levantou as sobrancelhas grossas.
— O que disse?
— Uma menina, bem linda, como Made! Quero que Made tenha uma
irmãzinha para ser sua companheira.
O homem virou o pescoço de lado, confuso.
— Amore mio, estou surpreso que queira mais um bebê, mas, acima
de tudo, molto felice. Vamos encher essa casa de bambini. — Ele pigarreou.
— Entretanto, não consigo te prometer uma menina, talvez venha outro
bambino!
Ela passou os braços pelo pescoço do esposo e o beijou sedutora.
— Ouvi algumas crenças populares, algumas dicas para que nosso
próximo bebê seja uma garotinha. Eu prometi a Made dar uma irmãzinha
para ela. Podemos tentar? — choramingou.
Ele sentiu seu membro endurecer. Apenas a ideia de fazer amor com a
esposa o deixava duro. Gabriela tinha um poder sobre ele, que o próprio
homem desconhecia.
— Podemos tentar o que quiser. — Segurou-a pelas nádegas e a
pressionou contra seu membro excitado. — Quer começar agora?
Ela riu contra seus lábios. Gabriela tinha visto ao menos meia dúzia
de simpatias e dicas de como engravidar de uma menina. Eles precisariam
testar todas e precisavam começar hoje, já que uma das simpatias sugeria
fazer amor três dias antes de seu período fértil.
— Quero. — Olhou lânguida para o marido. — Você tem três dias
para me engravidar — declarou, bem-humorada. — De uma menina, é claro!
Giovanni riu barulhento.
— Então, vamos logo fazer nossa bambina. — Ele a pegou no colo e
seguiu apressado para as escadas.
Vinte e Cinco

O elevador abriu-se no andar da presidência. Giovanni olhou ao redor e


sorriu. Fazia muito tempo que estava afastado. Sua recuperação foi
demorada. No entanto, aos poucos, ele já havia retomado o controle sobre os
negócios de sua empresa, através de sua casa.
Ângelo entregou a ele uma bengala. A perna esquerda ainda não
estava totalmente reabilitada. A última cirurgia prometia restabelecer os
movimentos de seu joelho, gravemente afetado pelas queimaduras. Mas
enquanto isso, a bengala o ajudaria a não forçar o membro.
Seu fiel assistente o viu chegar.
— Sr. Bennedetti, que prazer tê-lo de volta. — O rapaz afastou-se de
sua mesa e seguiu apressado para receber o chefe. — Sentimos muita falta do
senhor.
Giovanni sorriu. Ele era um homem vaidoso. Sentir o carinho do
funcionário enalteceu seu ego.
— Quem sentiu falta, Otávio? — debochou. — Eu infernizo a vida de
vocês.
— Eu senti, Sr. Bennedetti, estou acostumado com seu jeito. — Riu
encabulado. — Posso dizer que já não me importo com seus berros. Eles me
estimulam. — Pigarreou. — O atual CEO era muito calmo e educado, mas
isso me deixava entediado.
O italiano gargalhou.
— Suas preces foram ouvidas, Otávio. — Bateu nas costas do
funcionário. — Estou de volta, cheio de energia...
— Isso é muito bom, dona Gabriela e as crianças, estão bem? —
indagou, respeitoso.
— Sim, estão todos bem. Ela fez um suéter para você. Está com essa
mania agora, fez suéter até para o Ângelo. — Olhou para trás e viu o guarda-
costas rindo. — Você trouxe o suéter do Otávio, Ângelo?
— Sim, dona Gabriela estava animada para que entregasse seu suéter,
Otávio. Ela é muito talentosa. O suéter do Sr. Bennedetti é o mais bonito —
disse, sarcástico.
Giovanni levantou uma das sobrancelhas, e encarou o segurança.
— Algum problema com meu suéter, figlio di puttana?
O segurança não se conteve e gargalhou barulhento, como poucas
vezes o fizera.
— Não, senhor. Eu adorei as renas que sua senhora fez em seu suéter!
— Cobriu os lábios para disfarçar o riso.
— Renas? — Otávio indagou, divertido. — Seu suéter tem renas, Sr.
Bennedetti?
— Col cazzo, vai al diavolo farabuttos[17]! — Seguiu até sua sala e a
abriu.
Havia um lindo arranjo da flor copo de leite sobre a mesa de reuniões,
acompanhado de uma garrafa de um vinho italiano. O preferido de Giovanni.
O arranjo não era nada grotesco, mas o homem torceu seu nariz.
— O que significa isso, Otávio? — indagou, desconfiado.
— O pessoal do escritório queria lhe desejar um bom retorno. Foi
ideia do Alberto.
Giovanni riu.
— Alberto está me desejando boas-vindas, ou um bom funeral? —
perguntou, sarcástico. Pegou o vinho e olhou o rótulo. — Excelente safra.
Otávio, pegue algumas taças e chame o pessoal para brindarmos! — Seguiu
até sua mesa e se sentou. — Hoje é um dia muito especial. Achei que nunca
mais voltaria aqui — disse, pensativo.
Ter visto a morte tão de perto tinha dado ao italiano uma nova visão
da vida, das pessoas e do que realmente importava.
— Eu sempre achei que voltaria, Sr. Bennedetti — retrucou Ângelo,
seriamente. — Aqui é o seu lugar, sua casa e seu país.
O italiano levantou-se, foi até o guarda-costas e o abraçou.
— Sim, meu amigo! Você está certo. — Afastou-se emocionado. —
Ajude o Otávio, e venha brindar conosco.
O segurança sorriu agradecido e foi apressado ajudar o assistente do
chefe.

†††

Já era quase o horário de almoço quando Otávio conseguiu reunir


todos os líderes da empresa.
Giovanni levantou sua taça. Ao redor dele estavam seus principais
executivos e o guarda-costas, que não podia faltar.
— Agradeço pelo presente de boas-vindas, pessoal. A safra do vinho
é excelente. — Olhou para o advogado e sorriu. — Os copos de leite são
bonitos. Mas, confesso, me lembram um pouco um funeral.
Todos à sua volta riram. Era bem típico do italiano o sarcasmo e o
deboche. Contudo, as pessoas que o cercavam já sabiam que esse era seu jeito
de ser e de mostrar sua gratidão.
— Quero aproveitar essa oportunidade para agradecer. É uma pena
que Gabriela não esteja aqui — disse, timidamente. — Pois sem minha
esposa, talvez eu não tivesse conseguido. — Abaixou a cabeça, pensativo. —
Ela não desistiu de mim em nenhum momento. Mesmo quando eu já tinha
desistido. Trocou-me de hospitais para me manter seguro. Procurou por
especialistas para que tivesse o melhor atendimento. Aguentou meu mau
humor durante a pior fase do tratamento. Limpou, cuidou e curou minhas
feridas do corpo e da alma.
— Ouvi dizer que ela matou o homem que tentou assassiná-lo, Sr.
Bennedetti. É verdade? — perguntou uma executiva, bisbilhoteira.
As pessoas arregalaram seus olhos.
— Sim. Foi muito difícil para ela. Gabriela é uma mulher gentil e que
respeita as leis… — Giovanni olhou seriamente para o vinho em sua taça. —
Ela desejava que Giacomo Bianchi fosse deportado e preso pela justiça
italiana. No entanto, a polícia não conseguiu capturá-lo. Ele foi atrás dela,
matou sua avó e depois tentou matá-la.
— Ela agiu em legítima defesa, Sr. Bennedetti — argumentou
Alberto.
Um silêncio pesado tomou conta do ambiente.
— Sim, mas isso é passado. — Sorriu para amenizar o clima. —
Prosseguindo… eu iria agradecer ao rapaz que deixei como CEO, mas ele
abandonou o posto antes que retomasse minhas atividades. — Olhou para o
assistente. — Contudo, percebi a tempo que o responsável pelo sucesso de
Guedes, na verdade, foi o Otávio. Meus olhos, meus ouvidos e parte de meu
cérebro estiveram presentes aqui por meio desse profissional admirável.
Otávio, sem graça, olhou para os lados. Não parecia ser para ele os
elogios. A não ser que o acidente tivesse atingido parte da massa encefálica
do chefe.
— Você mesmo, Otávio — disse o italiano, divertido.
— Eu? — Apontou pra si mesmo. — Imagine, Sr. Bennedetti… só fiz
meu trabalho.
— Demorei a admitir que você é a minha outra metade.
Otávio arregalou os olhos, e Bennedetti gargalhou.
— Isso não é uma cantada, Otávio. Sei que é comprometido com…
qual o nome dele mesmo?
— Roger, Roger, senhor — gaguejou, nervoso.
De fato, o assistente tentava a todo custo manter as aparências.
Assumir sua homossexualidade era um tabu para ele. Principalmente, em um
ambiente que cheirava a testosterona.
Apenas o chefe sabia disso. E ele não contou de livre e espontânea
vontade. Giovanni Bennedetti era perspicaz demais, e percebeu na entrevista
de emprego a preferência sexual do assistente.
— Muito obrigado por ter mantido as coisas sob controle durante
minha ausência. Fiquei sabendo que sem você, Guedes teria se borrado todo,
é verdade?
Otávio riu tímido.
— Os negócios marítimos assustavam um pouco o ex-CEO. Os
ladrões do mar o deixavam nervoso...
— Isso é coisa de macho, não é mesmo, Otávio?! — Riu em
cumplicidade.
O assistente enrubesceu.
— É, senhor...
— Eu… — Giovanni continuou —, pensei muito durante esse tempo
fora. — Pigarreou. — Minha família cresceu, e preciso ter mais tempo para
eles. — Olhou para o assistente. — Otávio, gostaria de convidá-lo a ser meu
vice-presidente.
O rapaz arregalou os olhos, pestanejou nervoso, abriu e fechou a boca
algumas vezes.
— Oh, meu Deus! Claro, Sr. Bennedetti. Será uma honra.
O italiano foi até o rapaz e o abraçou.
— Parabéns. Você merece todo o meu respeito.
— Obrigado, senhor… — Sorriu emocionado. — Muito obrigado.
Passado o momento, o italiano continuou.
— Alberto! — Olhou para o advogado. — Agradeço todo o esforço
junto a justiça italiana e brasileira, para a deportação de meu primo. Você foi
fabuloso. Gabriela cobriu-o de elogios.
O advogado sorriu sem graça.
— Ela é uma mulher muito gentil, Sr. Bennedetti. Fiz o melhor que
pude. Mas, infelizmente, não tivemos tempo hábil para capturá-lo.
— Está tudo bem. Você foi muito competente. Obrigado.
Giovanni tinha a intenção de elogiar cada um de seus executivos, mas
a porta foi aberta de supetão e uma ruiva maravilhosa surgiu por trás dela.
Giovanni sorriu, mostrando todos os dentes. Brancos e alinhados.
Num sorriso genuíno de felicidade.
Ela estava linda em um vestido lilás, com pequenas flores no tecido.
O decote tomara que caia, deixava-a ainda mais sensual e a gravidez também.
Seus seios estavam maiores e suas curvas mais generosas. O italiano adorava
vê-la grávida, isso o deixava ainda mais apaixonado pela esposa.
Ao ver tantas pessoas reunidas, ela arregalou seus lindos olhos
violetas.
— Oh, desculpe, não sabia que estavam em reunião.
— Entre, tesoro, não é uma reunião, apenas uma comemoração. —
Estendeu a mão para a esposa, mas antes que a recebesse, sua ninhada de
filhos invadiu o escritório.
— Pappa! Pappa! Pappa!
Primeiramente, sua linda garotinha. Que pulou no colo do pai, quase
arruinando seu joelho. Depois, Matteo – agitado e barulhento –, e, por fim,
Vittorio. Que já começava a ensaiar os primeiros passos.
Durante alguns minutos, Giovanni se deixou levar pela satisfação de
receber os filhos em sua empresa. Mas Gabriela apressou-se em tirá-los do
colo do pai.
— Não force seu joelho, amor! Só viemos dar um oi, não é mesmo,
crianças? Não queremos atrapalhá-lo.
Giovanni segurou o rosto da esposa entre as mãos e a beijou
apaixonadamente, sem constrangimentos. Alheio aos olhares indiscretos dos
funcionários.
Na verdade, o casamento com Gabriela o rejuvenescera uns 10 anos.
Ele sentia-se como se tivesse voltado aos seus trinta anos.
— Não aguentou ficar longe de seu italiano, amore mio? —
cochichou, malicioso.
Ela arreganhou seus lábios finos e bem-feitos num sorriso encantador.
— Estou sentindo como se faltasse algo. A casa fica estranha sem
você — declarou, emocionada.
— Talvez esteja com a solução a caminho. — Virou-se para o
assistente e declarou animado. — Acabei de nomear Otávio como meu vice-
presidente. Assim terei mais tempo para vocês quatro…
— Cinco, lembra? — ela cochichou.
— Ah, sim. — Elevou a voz. — Serei pai de novo, temos mais um
herdeiro ou herdeira a caminho.
Os funcionários aproximaram-se animados. Alguns já haviam
apelidado o italiano de coelhão da Sicília.
— Já sabe o gênero, dona Gabriela? — Otávio indagou, curioso.
— Não, mas tenho certeza de que será uma menina. — Sorriu
confiante, acariciando sua barriga. — Fiz algumas simpatias. — Piscou em
tom de confidência.
Giovanni torceu seus lábios. Algo lhe dizia que ele e Gabriela só
gerariam meninos. Apesar de todos os esforços, das bruxarias e simpatias que
ela fizera. Mas ele não queria frustrar as expectativas da esposa e da filha. As
duas já tratavam o feto como menina. Já tinha até nome!
O italiano achou melhor dispensar o pessoal, mas antes, era preciso
terminar a comemoração.
— Certo, pessoal. Como estava dizendo… agradeço a cada um de
vocês pelo empenho em manter os negócios da Bennedetti & Co do jeito que
sempre foram. A cada um de vocês, meu muito obrigado! — Levantou a taça
e propôs um brinde. — Ao sucesso da nossa empresa!
Epílogo

Meses Depois

As primeiras férias em família dos Bennedettis foram planejadas para o país


de origem de Giovanni.
Na verdade, era muito mais que uma simples férias. O italiano tinha
pendências familiares a resolver.
Giovanni, Gabriela e as crianças, juntamente com o fiel segurança e
duas babás, desembarcaram no aeroporto internacional Leonardo Da Vinci.
Depois, seguiram para um dos melhores e mais caros hotéis de Roma.
Próximo aos vizinhos famosos como Fontana Di Trevi [18]e o Pantheon.[19]
Apesar de estar localizado no centro histórico de Roma, sua
arquitetura era contemporânea. Com direito a uma varanda com vista
indescritível de Roma.
— É maravilhoso, Giovanni! — Gabriela exclamou, emocionada. —
Quando poderemos ver o Papa?
Giovanni riu bem-humorado.
— Tenho lugares mais interessantes para te mostrar, além do Papa,
mia rossa!
— Oh, mas eu preciso ver o Papa, tenho esse sonho desde criança.
— Veremos o Papa, amore mio! Acalme-se! — Beijou sua testa. —
Eu tenho que encontrar um primo. Ele já deve estar me esperando.
A ruiva virou seu rosto de lado.
— Sério, mas você não irá nos apresentar a ele?
Ele acariciou o rosto de sua bela esposa. Vincenzo não era o tipo de
familiar que pudesse apresentar a sua família. Ele era um criminoso perigoso.
Depois da prisão do pai, o primo assumiu a organização. Com isso,
Vincenzo passou a ser o novo capo della famiglia Bennedetti.
Bem, na verdade, isso só aconteceu depois de um telefonema do
primo ao Vincenzo. Giovanni coordenou sua posse ao cargo de capo della
famiglia Bennedetti, quando ainda estava acamado e sem que a Gabriela
tivesse conhecimento.
Giovanni esperava que essa fosse sua última interferência na
organização do pai. Todavia, ainda havia uma última a fazer.
— Gostaria de apresentá-la a ele, mas não hoje, amore mio. Preciso
resolver alguns assuntos de família… Tutto benne?
— Está bem. — Passou os braços por seu pescoço e o olhou
profundamente. — É seguro o que irá fazer?
— Si, si. — Sorriu para tranquilizá-la. — Preciso resolver três
assuntos pendentes. Primeiramente com Vincenzo, meu primo, outro com
meu babbo e, por último, mandarei buscar mia madre, conforme
combinamos. Ela aceitou morar conosco no Brasil.
Gabriela sorriu, mas o fato de o marido rever seu pai e primo
provocara muito medo nela.
— Tem certeza de que será seguro visitar essas pessoas? Não estou
muito tranquila com isso.
— Encontrarei Vincenzo dentro do Vaticano. Não há nada mais
seguro, te asseguro, amore mio!
Gabriela franziu o cenho. Ela odiava essa parte de seu casamento.
Mas era preciso acreditar e confiar em seu marido. Ele prometera se afastar
de tudo que envolvia a máfia.
— Meu pai está preso, irei visitá-lo na penitenciária de Palermo. Eu
preciso fazer isso. É importante para mim — disse, visivelmente emocionado.
— Sim, claro. Desculpe-me. É que tenho medo de perdê-lo —
declarou, com os olhos marejados.
— Não tenha medo. Vincenzo é o novo chefe da organização de meu
pai. Quero garantir que nossa estadia em Roma seja tranquila. Por isso irei
vê-lo. Confie em mim, tesoro!
Ela segurou o rosto do marido e o beijou apaixonada.
— Volte logo, está bem?
— Si, Si, antes que pense, estarei de volta! Aproveite o dia quente e
leve as crianças à piscina. Ou, vá ao SPA e fique ainda mais bela. — Acenou
e seguiu para seu compromisso.

†††

Diferente de Giacomo, Giovanni e Vincenzo haviam sido como


irmãos na infância.
Os dois meninos cresceram juntos. Partilharam brinquedos, segredos
e até mulheres.
Os dois jovens foram iniciados na organização na mesma época, com
praticamente a mesma idade. O tio morto na presença de Giovanni fora
justamente o pai de Vincenzo. Isso os aproximou muito.
Mais tarde, os primos tornaram-se soldados da Cosa Nostra e fizeram
parte da organização criminosa da famiglia Bennedetti, cujo capo era o pai de
Giovanni.
Vincenzo estava esperando por Giovanni num lugar reservado e
seguro no estado do Vaticano. Os Bennedetti tinham amigos influentes na
igreja católica, graças a doações generosas da família a Santa Fé.
Logo que viu o primo, Vincenzo levantou-se e foi ao seu encontro.
Sorriu e abraçou-o longamente.
— Quanto tempo, primo!
Giovanni afastou-se e sorriu.
— Sim, deve fazer uns cinco anos, não?
— Acho que sim. Desde que se casou com a loiraça que virou sua
cabeça.
Giovanni abaixou sua cabeça e lamentou o tempo perdido com a
falecida esposa. Mas lembrou-se de que tudo tinha um propósito na vida.
Através dela nasceu Madeleine e por causa dela conheceu Gabriela.
— Sim, depois que minha filha nasceu decidi construir uma vida
diferente no Brasil… — Sorriu tímido. — E você, meu amigo, como está?
— Você sempre foi diferente, primo. — Olhou-o com admiração. —
Inteligente demais para essa merda toda. Você não nasceu para viver no
submundo. Sempre achei que deveria ser advogado, médico. — Riu
descontraído. — Eu não. Nasci pra isso. Não sei fazer outra coisa — disse,
amargo. — Estou bem. Só as coisas na Sicília estão bem confusas. Você deve
ter lido nos noticiários.
Giovanni aquiesceu e lamentou em pensamento nunca ter tentado
salvar o primo dessa vida de violência e mortes. No entanto, as leis da
sobrevivência no mundo do crime não permitiram isso.
— Você é bom, Vincenzo. O melhor homem de honra que já conheci.
O homem abaixou a cabeça e mexeu os pés nos sapatos.
— Zio Salvatore não compartilha desta opinião. Chegou a me dizer
que preferia Giacomo a mim. Que era fraco e que nunca chegaria a chefe de
coisa nenhuma.
Giovanni sentiu a mágoa nas palavras do primo.
— Pois eu sempre acreditei em você, primo. E, agora, você é o chefe
da família Bennedetti. — Giovanni bateu com força em suas costas.
— Zio Salvatore deve estar se remoendo de ódio de mim e de você.
— Vincenzo riu com vontade.
— Eu quero que ele se dane! — Giovanni bufou. — Preciso visitá-lo.
— Esfregou a testa.
— Vá tranquilo, você é um cidadão italiano honesto e limpo.
Ninguém o impedirá.
— Preciso de um favor. — Olhou-o seriamente. — Estou com minha
nova esposa e meus filhos num hotel da cidade...
— Não existia lugar melhor para sair de férias, desgraçado? —
indagou, com deboche. — Caramba!
Giovanni riu.
— Gabriela, minha esposa, sonha em ver o Papa.
— Sério? Uma católica fervorosa? — indagou, debochado. — Meu
Deus, Giovanni!
— Uma ex-noviça, na verdade.
Vincenzo cobriu os lábios e deu uma risada estrondosa. Chamando a
atenção dos religiosos que passavam pelo local.
— Filho da puta! Primeiro uma loira safada, depois uma santa. —
Gargalhou com vontade.
Giovanni balançou a cabeça.
Por ter sido tão idiota com Patrícia, ele merecia ouvir isso.
— Pois é, preciso me redimir dos meus pecados. — Pegou o celular e
escolheu uma foto que tirou de Gabriela com os três filhos. — Essa é minha
esposa e meus três filhos. A garotinha é do casamento com Patrícia. Mas
Gabriela a trata como filha.
— Que bela mulher! — Vincenzo disse, respeitoso. — Que linda
família, primo. Parabéns!
Giovanni ficou sério e guardou o celular no bolso.
— Tenho medo de que alguém saiba da minha estadia em Roma. A
máfia não perdoa desertores...
— Eles já te esqueceram, primo. Faz dez anos que deixou a Sicília.
Zio Salvatore pode ter muitos defeitos, mas ele sempre te defendeu perante a
máfia.
— Já não confio muito em meu pai, Vincenzo! — declarou, temeroso.
— Eu o decepcionei. Não aceitei ser o novo chefe da organização. Talvez ele
me entregue para a máfia.
— Entendo. O que quer que faça?
— Preciso de alguns de seus homens guardando o hotel onde estou.
Não ficarei muito tempo. Dois ou três dias, no máximo. — Bufou. — Além
disso, preciso de um carro e proteção para ir à prisão em Palermo.
— Não se preocupe. Deixe-me falar com algum dos meus homens. —
Afastou-se com o celular em mãos.
Giovanni olhou ao redor e prometeu a si mesmo que nunca mais
voltaria àquele lugar.
— Pronto, primo! — Sorriu. — Daqui a pouco o carro chega. Farei
sua escolta.
— Não, amigo. Não há necessidade — negou com veemência.
— Fique tranquilo. Serei discreto.
Giovanni apertou a mão do primo.
— Como nos velhos tempos? — Passou o braço pelos ombros do
primo e seguiram para a saída.

†††
A prisão de Palermo era o destino para os grandes chefes da máfia
siciliana. Salvatore Bennedetti passara a ser um de seus “hóspedes”.
Giovanni se identificou e foi conduzido até a sala onde os presos
recebiam visitas.
Sentou-se a uma mesa e aguardou impaciente.
Quando ouviu passos, levantou a cabeça e viu seu pai. Com as mãos
algemadas à frente de seu corpo, o velho homem usava um uniforme roto do
presídio. Na face, um ar cansado e descontente. No entanto, quando viu
Giovanni, abriu um sorriso largo e acelerou o passo em sua direção.
— Giovanni, meu filho!
Giovanni levantou-se e o abraçou. Mas estava rígido. Era difícil estar
com o pai depois de saber que havia conspirado contra ele.
— Como o senhor está?
— Uma merda. — Riu bem-humorado. — E você, meu menino? —
Olhou para o filho atentamente. — Sua mãe disse que foi um milagre ter se
salvado. Aquele desgraçado…
— Ele está morto, pai.
— Quem matou o maldito? Diga-me que irei parabenizá-lo!
— Gabriela, ela o matou.
A expressão do homem mudou.
— Você voltou com a vadia, não é mesmo?
Giovanni esmurrou a mesa.
— Nunca mais a chame assim.
O velho riu com sarcasmo.
— Ela o colocou contra mim. E irá destruí-lo.
Giovanni o interrompeu.
— O senhor tem noção do que fez? — perguntou, exasperado. — Do
sofrimento que causou a mim e a Gabriela?
— Fiz isso para o seu bem. Porque o amo… e quero o melhor para
nossa família.
— Não, o senhor não me ama. Se me amasse não teria feito o que fez.
O senhor ama sua organização, a máfia e o poder — afirmou, cheio de
mágoa.
— Me tire daqui — ordenou Salvatore, agitado. — Arrume o melhor
advogado da Europa. Não posso deixar a organização na mão daquele
imbecil.
— Prometa-me que não voltará à organização e que deixará Vincenzo
como capo. Então, o tirarei daqui — declarou, decidido.
— Não me faça rir, Giovanni. Já que trocou a honra de ser um
integrante da Cosa Nostra pelo amor de uma mulher, serei eu a honrar nosso
sobrenome. — Encarou-o. — Você é um desertor e uma desonra para nossa
família.
Giovanni travou as mandíbulas.
— Não me sinto em dívida com você, pai. Pois não foi minha escolha
ser um criminoso, o senhor me obrigou a ser um soldado da máfia quando era
apenas um menino — disse Giovanni, com tristeza. — Sempre odiei essa
vida de merda e o futuro sombrio coberto de sangue e mortes que me
prometera. Fui para o Brasil para fugir do senhor e da organização.
O homem mudou sua expressão. E Giovanni já a conhecia.
Para homens como Salvatore – fiéis às regras e costumes da Cosa
Nostra – a atitude de Giovanni era uma traição, uma desonra.
Aos traidores da máfia só havia uma sentença: a morte. Todavia, às
vezes, o traidor poderia ter uma sentença ainda mais dolorosa: a morte de sua
família.
Giovanni decidiu que não esperaria para ver.
— Sinto muito, pai. — Levantou-se e seguiu a passos firmes em
direção à saída da penitenciária.
— Você vai se arrepender, Giovanni… Você é um traidor.
O italiano não olhou para trás. Chegou ao carro onde o primo estava e
entrou.
— Como foi, primo? Pela sua cara, a visita não foi muito boa.
— Mate-o, Vincenzo… esse é meu último pedido.
Os homens se entreolharam.
— Você tem certeza? — Vincenzo indagou, seriamente.
— Sim, tenho. Hoje — ordenou. — Antes que ele consiga se articular
e mande matar a mim ou a minha esposa.
O homem gesticulou a cabeça lentamente, pegou seu celular e fez
uma ligação. Quando desligou, tinha um olhar feroz.
— O colega de cela de seu pai fará o serviço. Em contrapartida, você
pagará um bom advogado para ele.
— Não quero meu nome envolvido com a máfia. Mandarei uma
quantia razoável para o advogado e para você. Seguirá na próxima
embarcação que enviar ao Mediterrâneo. Eu o aviso.
— Tudo bem. — Sorriu satisfeito.
— É isso, Vincenzo, adeus, amigo — disse, taciturno.
O primo afagou seu ombro.
— Você está fazendo a coisa certa. Ele nunca o deixará em paz. Nem
a você e a sua família.
Giovanni meneou a cabeça.
— Eu sei. Obrigado, irmão. — Abriu a porta e seguiu para o outro
carro. — Avise-me quando tudo estiver acabado.
O italiano inspirou profundamente.
Era uma decisão muito difícil, no entanto, somente assim ele poderia
viver em paz com Gabriela.

†††

Madeleine cutucou o braço do pai, e o fez olhar para a entrada da


linda capela que tinha feito para a esposa, há aproximadamente vinte e cinco
anos.
Os lábios do italiano abriram-se em um sorriso largo. Parecia que o
tempo não havia passado para sua ruiva. O mesmo vestido, os meus cabelos
vermelhos e selvagens, o mesmo sorriso gentil junto aos olhos violetas que o
havia fascinado.
Gabriela estava linda de noiva. Só que agora eles só estavam
renovando os votos de casamento. Vinte e cinco anos juntos.
— Por que ela não comprou um novo vestido, Made? — cochichou o
italiano, confuso. — Esse aí não é o vestido que casamos?!
— Babbo, é romântico usar o primeiro vestido que se casaram, e a
mamãe não mudou nada, parece que continua com 25 anos.
A filha era sua grande fã. Madeleine tinha devoção pela madrasta.
O italiano se emocionou ao ouvir o filho do meio tocar violino,
enquanto a mãe entrava. Pietro era um grande violinista, conhecido e
aclamado ao redor do mundo.
Na verdade, todos os filhos eram um grande orgulho para Giovanni e
Gabriela. Madeleine e Matteo tornaram-se o braço direito do pai na
Bennedetti & Co. O italiano escolheu a filha para substituí-lo, e a estava
preparando para assumir a presidência da empresa. Vittorio foi incumbido de
administrar a rede de hotéis da família. Giancarlo ingressou na Marinha
Brasileira e Tommasso… Bem, Tommasso ainda não sabia ao certo o que
queria da vida; além de viajar e gastar o dinheiro da família.
Gabriela estava nervosa como da primeira vez. Os lábios estavam
trêmulos e o buquê de flores balançava levemente em suas mãos.
Não demorou muito para que ela alcançasse o pequeno altar, onde um
sacerdote celebraria a renovação de votos dos dois.
Na frente da mãe, a pequena Valentina – de apenas 10 anos – jogava
pétalas de rosas no chão.
O pai sorriu orgulhoso. A linda garotinha tinha sido o último feito do
casal. Antes dela vieram: Pietro, depois Giancarlo e Tommasso, o último
menino. O casal já havia desistido de ter uma menina quando foram
agraciados com Valentina.
Foi uma grande surpresa.
Ele segurou a mão da esposa e a levou aos lábios. Enquanto beijava o
dorso de sua mão a olhou como se fosse a primeira vez.
O tempo não havia passado para eles. O mesmo amor, a mesma
devoção e o mesmo respeito que os havia unido.
— Amore mio, você continua linda. O tempo não passou para você,
sabia?
— Passou sim — cochichou. — Olhe para minhas rugas.
Ele riu.
— Não, você não tem rugas. E eu continuo com a aparência de um
galã italiano — debochou, bem-humorado.
Ela cobriu os lábios e riu.
Os dois seguiram até o sacerdote e a cerimônia começou. Era algo
íntimo e singelo. Apenas os filhos e seus pares. Entretanto, em seguida,
haveria uma grande festa na mansão. Com a presença de amigos e
funcionários.
O casal trocou as alianças e se beijou apaixonado perante os filhos.
Quando se afastaram, estavam emocionados.
Giovanni segurou a mão da esposa e pigarreou.
— Essa data é muito especial para mim e para a mãe de vocês. Foram
25 anos de amor, amizade e cumplicidade, de partilha e dedicação. — Virou-
se para a esposa e disse: — Parabéns pelas bodas de prata, amore mio! Que
os nossos próximos 25 anos sejam feitos de momentos tão fantásticos e
bonitos quanto esses que já vivemos!
— Os últimos 25 anos foram os melhores da minha vida. Faria tudo
igual, não mudaria nada. Te amo demais, meu amor — sussurrou.
— Ti amo demais, mia rossa! — Segurou o rosto da esposa e a beijou
com sofreguidão.
Os filhos bateram palmas calorosas.
— Chega, babbo, chega! — Matteo gritou, enciumado. Dos meninos,
era o mais apegado à mãe. Não que os outros não fossem, mas o italianinho
era exagerado em seus sentimentos. Ele parecia-se fisicamente com a mãe,
mas tinha a personalidade do pai.
— Vão pro quarto! — disseram Vittorio e Pietro, alegremente.
— Olha a indecência na frente dos filhos! — debochou Tommasso.
— Ei, babbo, você não tem mais idade para isso — brincou
Giancarlo.
Giovanni e Gabriela afastaram-se rindo.
— Vai a cagare piccoli mocciosi[20]— esbravejou o pai bem-
humorado.
Madeleine aproximou-se.
— Parabéns pelos 25 anos de união, pappa, madre! Vocês foram os
melhores pais do mundo — disse emocionada.
Gabriela acariciou a barriguinha da enteada, que começava a
despontar no vestido.
— Você também será uma mamãe maravilhosa, Made!
— Amo demais vocês. — Madeleine abraçou os pais, seguida da
irmãzinha de 10 anos, depois do Matteo, Vittorio, Pietro, Giancarlo e
Tommasso.
Quando finalmente se separaram, estavam todos com as faces
molhadas e vermelhas.
— Vamos, babbo! Andiamo a ubriacarci[21]! — Tommasso, o mais
festeiro dos filhos, chamou o pai.
Gabriela segurou o braço do marido e cochichou:
— Você tem 65 anos, querido, eles vinte e poucos. Não exagere!
— Claro, tesoro mio. — Beijou sua testa e seguiu com os filhos para a
mansão.
Gabriela olhou para Madeleine e revirou os olhos.
— Hoje é um dia muito especial, deixe-os comemorarem, madre! —
Abraçou a mãe e a irmã, depois seguiram para a festa que as esperava na
mansão.
FIM

[1] Eu sou o diabo.


[2] Cacete.
[3] Chefe.
[4] Homem já iniciado na máfia, e responsável por executar as ordens da
Comissione.
[5] Cosa Nostra é uma sociedade criminosa secreta que se desenvolveu na
primeira metade do século XIX na Sicília, Itália.
[6] Chefes
[7] Problema.
[8] Que saiu de moda.
[9] Não encha meu saco.
[10] Carro forte.
[11] Trepada.
[12] Mentirosa.
[13] Tire essa porcaria de mim.
[14] Inferno.
[15] Que merda.
[16] Covarde.
[17] Vão para o inferno, malditos.
[18] A maior e mais famosa fonte de Roma.
[19] Construído entre os anos de 118-128 a.C., o templo foi construído
como um local dedicado ao culto de todos os deuses romanos.
[20] Vão a merda fedelhos.
[21] Vamos encher a cara.
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Sobre a Autora

†††
Yvis Writer é o pseudônimo escolhido pela autora para assinar suas obras.
Paulistana, casada e mãe de duas filhas, se formou em Economia, e trabalhou
a maior parte de sua vida na área financeira.
Apesar do gosto por exatas, sua verdadeira paixão sempre foram as
palavras e o poder que elas tem sobre as pessoas. O desafio de escrever uma
obra é conseguir transmitir em palavras a emoção de um personagem, a
beleza de uma cena, ou simplesmente a paixão em palavras. Encantada com a
possibilidade de emocionar, tocar o coração e alma das pessoas apenas com
um emaranhado de palavras, Yvis Writer começou a escrever livros.
O tempo passou e em 2016, conheceu uma plataforma on-line de livros
gratuitos, onde leitores e autores interagiam. Gostou da experiência e sem
nenhuma pretensão, começou a publicar seus primeiros manuscritos. A
receptividade dos leitores foi enorme, então, influenciada por eles, foram
surgindo novas
histórias.

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