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Belo Horizonte
2019
Capa
Folha de rosto
Créditos
Prólogo
Capítulo 1
Capítulo 2
Capítulo 3
Capítulo 4
Capítulo 5
Capítulo 6
Capítulo 7
Capítulo 8
Capítulo 9
Capítulo 10
Capítulo 11
Notas
1994
— Gianni, Gianni, adivinha só? A tia Helga vem brincar com a gente
hoje! — disse Pietro assim que entrou no quarto, com um sorrisão
estampado no rosto.
Gianni era a forma como ele chamava o irmão mais velho desde que
aprendeu a falar. Tinham dois anos de diferença e, mesmo querendo chorar,
Giovanni riu de seu entusiasmo. O pai tinha avisado, mais cedo, que depois
do almoço iria para o acampamento, então brincar com Helga estava fora de
questão. Desde os dois anos que ele passava as férias longe de casa. Sabia
que Pietro sentia sua falta, mas ninguém lhe dava opção.
Assim que Pietro reparou na bolsa de viagem com a logo do grupo de
escotismo ao lado da cama, o seu sorriso se apagou.
— Ah, não. Você vai pra lá de novo?
Giovanni deu de ombros.
— Não queria ir, você sabe.
Pietro se aproximou chateado e sentou-se ao lado do irmão. Era um
menino magrinho e batia no ombro dele. Enquanto Giovanni era um
menino forte, de cabelos pretos e olhos claros, Pietro era miúdo, tom de
pele mais morena, cabelos castanhos e os olhos pretos.
— Droga! Eu preferia ir com você, mas eles nunca deixam.
— Eu sei, também queria que fosse comigo. — Ele escovou os cabelos
do irmão num carinho e se deitou na cama olhando para o teto e lamentando
mais um período de férias longe de Pietro.
Pietro então se sentou na cama e baixou a cabeça, com os olhos
marejados. Notando sua tristeza, Giovanni se sentou ao lado dele e falou:
— Ei, qual a palavra mágica de hoje?
— Não tem uma. Estou chateado.
— Não fica. Vai, fala uma palavra mágica pra mim, anda! — Aquela era
uma brincadeira dos dois. Sempre que um chorava, o outro dizia uma
palavra mágica para afastar a tristeza. Foi o avô quem lhes ensinou.
— Hum... sorvete! Serve essa?
— Serve. Então tá, quando eu voltar, a gente vai pedir a tia Helga pra
nos levar numa sorveteria. Combinado?
— Combinado! — exclamou, já se animando.
Os pais entraram no quarto e pediram a Pietro que saísse. O menino
reclamou, mas Ângela o empurrou porta afora.
— Por que não se arrumou ainda? — A mãe perguntou ríspida para
Giovanni.
O menino não respondeu. Olhou para Rogério, sem entender por que o
pai o detestava tanto. Tinha dez anos e nunca recebeu um elogio ou um
carinho por parte dele. E a mãe pouco se importava com ele.
Não queria acampar, queria ficar com o irmão, mas sabia que não
adiantava protestar. Assim que o período escolar terminava, Rogério sempre
o arrastava até o carro e o jogava lá dentro como se fosse um fardo. Chamá-
lo de pai ficava cada vez mais difícil. Talvez fosse mais fácil engolir uma
pedra.
“Vai ser escoteiro para aprender a ser gente”, era o que repetia.
— Mas por que não posso ficar com meu irmão?
— Eu já disse que não é não!
— Vocês não podem me obrigar!
— Vou mostrar se não.
A mãe saiu do quarto enquanto o pai abria a fivela do cinto. Giovanni
nem cabia em si de tanta humilhação e raiva. Mais raiva sentia cada vez que
a mãe se omitia. Não queria chorar, ainda assim não segurava. Rogério não
viu quando Pietro entrou e meteu o cinto sem piedade. O irmão pulou na
frente e levou uma cintada na boca. Ele caiu sobre Giovanni com o impacto.
Seus lábios rasgaram e o sangue começou a escorrer.
Ele se levantou e gritou para o pai, as lágrimas descendo:
— Chega disso, seu monstro!
Rogério olhou para ele assustado e Giovanni entendeu que, embora
nunca tivesse se incomodado com sua dor, bater em Pietro doía nele.
Ver o irmão se ferir por sua causa foi o fim do mundo e ele sabia que
para o pai também foi doloroso, pela primeira vez ele viu através dos olhos
do Pietro o que aquele homem era de verdade: um covarde.
Em Giovanni, ele batia onde ninguém veria. Nas coxas, no traseiro, nas
costas. Nunca demonstrou afeto pelo filho mais velho, mas com o caçula
era diferente. Nunca encostou nele.
Pietro empurrou o pai e saiu do quarto. Giovanni foi atrás dele. Ele
desceu as escadas correndo. Saiu pela porta da frente que estava aberta.
Correram pelo jardim. Ele foi tão rápido que o irmão não conseguiu
alcançar.
O portão estava aberto, porque o motorista esperava para levar Giovanni
ao ponto da excursão.
Os pais saíram de casa atrás dos dois. O motorista também saiu do
carro. Agora corriam todos pela rua. Pietro saiu da rua residencial onde
moravam e seguiu na direção da avenida.
Giovanni virou a esquina a tempo de ver o sinal abrir, mas Pietro não
parou nem quando ele gritou. Estavam a poucos metros e Giovanni não
conseguiu impedir que ele avançasse. Ouviu a freada, o impacto... o menino
foi jogado longe por um táxi.
Giovanni se ajoelhou no chão e se encolheu, tampando os ouvidos. Viu
o motorista se aproximar, depois os pais. Uma multidão se formava no
passeio. Sirenes, ruídos, os pais imploravam por um médico, gritavam por
socorro, mas, pela forma como o corpo dele bateu no asfalto, ele sabia que
o irmão nunca mais voltaria pra casa.
Urla, 2002
Meses depois...
Giovanni perdeu o chão. Fazia tão pouco tempo da morte do avô e uma
bomba como aquelas desabava sobre sua cabeça. Perder o amparo de Helga
era como perder o chão.
Ao chegar à casa dos pais, num condomínio fechado na cidade de Urla,
interior do Rio de Janeiro, ainda não podia acreditar no que aconteceu.
Respirou fundo. Entrava na sala quando a mãe veio abraçá-lo aos prantos.
Esquivou-se do contato, que não suportava, e ela, obviamente ignorando
sua reação, disse:
— Estamos em choque. Pobre Helga. Tão jovem, tão linda. Não tinha
nem 40 anos, ainda não consigo acreditar em tamanha fatalidade.
— Acho que a minha ficha ainda nem caiu. E a menina, mãe? Estou
aflito por notícias da Lila desde que saí de Porto da Onça. Nica não sabia
dizer nada.
— Sobreviveu. Coitadinha, estava com a babá.
Giovanni respirou aliviado e os olhos ficaram marejados.
— Fique tranquilo. Seu pai já mandou o motorista buscar as duas.
— Que bom.
— Eu fico me perguntando o que vai ser dessa criança, pobrezinha.
— Como assim? — Incrédulo, o rapaz fixou a mãe e a viu esboçar um
sorriso sem graça.
— Veja bem, meu filho, a Lila ficou órfã.
Só de pensar no que passava pela cabeça da mãe, Giovanni se arrepiou.
— Sim, mas somos a família dela, certo?
— O que quer dizer com isso?
— Eu que peço, seja clara comigo, o que está pensando fazer?
— Entregá-la a uma assistente social, claro. Já criei meus filhos. Não
tenho vocação e nem disposição para cuidar de outra criança.
— Isso eu sei melhor do que ninguém. — Por um instante, algo de
vulnerabilidade passou pelos olhos da mãe, mas logo ela ergueu a cabeça e
assumiu a postura altiva. Estava sempre vestida de forma impecável e
maquiada. Como se a elegância formasse uma barreira entre ela e o resto
dos mortais. Ele se incluía nisso. Mesmo assim, ainda não tinha perdido a
capacidade de se chocar.
— Quer dizer que pretende se livrar dela como se fosse um fardo?
— Sejamos honestos, Giovanni. A gente gostava muito da Helga, mas a
bem da verdade, a menina não tem nosso sangue.
— Mas o Davi não tinha ninguém e a Helga só tinha a gente.
— Filho, depois vamos sentar e conversar melhor sobre o que fazer.
Não podemos tomar nenhuma atitude sem consultar seu pai e sua irmã. A
menina tem oito anos. Está grandinha, é verdade, mas pagando bem
podemos até encontrar alguém que queira adotá-la. Quem sabe o padrinho?
— Vou fingir que não ouvi. Seja o que for, não vou deixar minha
priminha ser criada por ninguém que não seja da família.
— Ela não é sua prima.
— Nem sei por que ainda me surpreendo com sua frieza. Estamos
vivendo as consequências de uma tragédia, falando sobre o futuro de uma
criança, uma menina que vimos nascer...
— Você está nervoso com o que aconteceu, é natural. Vá se acalmar!
Depois conversamos.
— Não estou nervoso. Independentemente de qualquer laço de sangue,
ela é minha prima. Afinal, quando precisei, só a tia Helga me estendeu a
mão e nunca vou me esquecer disso.
Irritado com a postura da mãe, subiu as escadas em direção ao quarto
que ocupava quando ali vivia. Um quarto tão impessoal quanto a casa em
que cresceu, pois, embora fosse luxuosa, arejada e espaçosa, tinha o dom de
sufocá-lo. E o pior, aquele quarto estava povoado de lembranças que o
faziam sofrer.
Amigos do casal e colegas de trabalho compareceram ao enterro com
expressões pesarosas. Heitor, amigo de Helga e padrinho de Lila, estava
muito abalado. Giovanni notou o desconforto de Ângela ao cumprimentá-
lo. Ele sabia que os dois cresceram próximos em Porto da Onça, mas por
algum motivo que desconhecia a mãe o desprezava.
Era um sacrifício para os pais permanecerem ali até o fim, mas para
aqueles dois, valia tudo em prol das aparências. Cansado de tanta falsidade,
se despediu rapidamente de Heitor e se afastou.
Não lidava muito bem com a morte, pensou ao deixar o cemitério de
Urla. Já tinha lhe levado Pietro, o nonno e agora Helga. Suas perdas não
foram poucas até ali. Sequer suportava funerais. Não via sentido no ritual
fúnebre. A sepultura lembrava-lhe uma espécie de prisão e almas não
podiam ser aprisionadas. Ainda mais uma alma tão leve e iluminada como a
de Helga. Quando chegasse sua vez, preferia ser cremado, que suas cinzas
fossem atiradas ao mar. Livres sob o céu azul e o frescor da água... No
embalar suave das ondas. O fato é que tinha problemas de se despedir dos
entes queridos. Principalmente em se tratando de duas pessoas tão jovens e
cheias de vida.
Talvez a falta de sentido fosse o estranho sentido de tudo. O silêncio, o
escuro, o frio... Como Helga costumava falar: “tudo se trata de ciclos,
encerramos um e logo vem outro”. Ela acreditava na vida após a morte. No
recomeço de quem desencarna e na evolução de quem ainda pode seguir em
frente e viver com coragem, vontade e atitude. Na oportunidade de quem
pode fazer uma escolha diferente todo dia.
“Quem não muda, Gianni”, dizia ela, “é porque se acomoda. Achar que
não vai dar conta é uma ótima desculpa para os acomodados, que depois
ficam cobiçando o que os outros conquistaram a duras penas. Ver os
resultados é fácil, difícil é obtê-los, então é igualmente fácil invejar o que é
bom. Quem subestima o sucesso do outro subestima a própria capacidade
de vencer na vida, mesmo sem se dar conta disso. Além de ser um enorme
desperdício de potencial.”
Ainda com as palavras da tia na mente, caminhou vagarosamente sobre
a relva verde, até atravessar o grande portão de ferro e fez uma prece pela
alma de todos que ali descansavam.
Meados de dezembro. Lila agradecia a Deus por ter lhe enviado Tomaz.
Ele era um jovem estudante de biblioteconomia, aspirante a poeta, amante
dos livros, que contratou um mês após abrir a livraria.
Não foi difícil confiar nele. Negro, tinha 1,70m de altura, não muito
magro, bonito por fora e por dentro. Ele usava um cavanhaque
meticulosamente aparado, era muito cheiroso e sua roupa estava sempre
impecável. Sorriso contagiante, a afinidade entre eles foi imediata. Ele tinha
um namorado no Rio, o Jean, filho de franceses e estudante de Medicina.
Era loiro e de olhos verdes, mais alto que Tomaz e com um corpo de
modelo, também simpático, Jean era de família rica e visitava o namorado
dois fins de semana por mês, já que tinha um loft na ilha.
Tomaz era sério, pontual e ótimo filho, o que comprovou quando
conheceu sua mãe e as duas irmãs. Ficou órfão de pai aos 14 anos e foi mais
um ponto em que se identificaram. Ele a ajudava muito e a incentivou a
cursar a faculdade on-line de Letras. Lila logo sentiu que podia confiar nele
e se matriculou antes que ele completasse três meses de experiência. O
primeiro semestre voou.
Além de se sair bem no primeiro período do curso, venderam muito
para o Natal e estava super-realizada, porque a livraria superou suas
expectativas.
Meses atrás trouxe algumas novidades para a ilha, como saraus e
contação de histórias. Também enriqueceu o estoque da loja com biscuits,
lentes, lupas, lunetas, sacolas coloridas, marca-páginas artesanais, além de
artigos de papelaria, dos quais a vila carecia, como cartões e papéis de
presentes, que fizeram sucesso entre os clientes e alavancaram as vendas
dos livros.
Naquela manhã esteve com o contador de Heitor, que viu um futuro
promissor para ela como empreendedora. Ficou orgulhosa. Despediu-se de
Tomaz com inúmeras recomendações, pois ele ainda tinha uma semana de
trabalho pela frente, antes do Natal, já ela precisaria se ausentar uns dias.
Almoçaria no chalé a convite de Nica e depois seguiria para Urla com
Giovanni, para o casamento de Sabrina.
Fazia um tempo que não ia ao chalé. Aprontou-se rapidinho, reforçou o
protetor solar, pegou a mala e dirigiu sentindo o sol e a brisa gostosa do mar
contra o rosto. Assim que estacionou o jipe em frente à varanda de
Giovanni, o próprio veio recebê-la. Vestia-se de forma descontraída, com
uma bermuda de sarja xadrez e camiseta branca. Estava de chinelo.
Ela se perguntou como ele conseguia ficar delicioso mesmo estando tão
à vontade.
Antes que pusesse os pés na areia, ele começou com a lenga-lenga de
que não fazia sentido uma jovem herdeira como ela continuar em Porto da
Onça, quando podia estudar nas melhores faculdades do exterior se
quisesse.
“Cancela o delicioso, ô falta de paciência com esse homem, Meu
Deus!”, Lila pensou, mas respirou fundo e respondeu:
— Oi pra você também, Gianni. Continua adorável como sempre. Posso
saber onde estão suas loiras peitudas antiestresse?
Ele fechou a cara, mas ela nem se importou e respondeu:
— Precisa delas, porque nem me esperou sair do carro e já veio me
doutrinar.
— Engraçadinha. Se estou estressado, a culpa é sua. Ainda não desisti
de ampliar seus horizontes. Tudo o que eu falo é para o seu bem.
— Eu sei, eu sei... Faz um ano que está pegando no meu pé. É que, se
ainda não percebeu, temos ideias diferentes sobre nossos horizontes e o
meu está promissor, colorido, letrado e feliz. Acredita que a Casa da Cultura
me procurou para ser curadora da primeira Feira Literária da Ilha?
— O Carlos — que era o contador do Heitor — esteve lá na empresa
mais cedo e me contou. Também informou que as suas vendas de fim de
ano foram excelentes.
— Então mereço parabéns, não acha?
— Eu nunca duvidei da sua capacidade, Lila, mas saber disso me
deixou mais preocupado, porque agora sei que não vai mais sair desta ilha.
É um desperdício de talento. E é querer muito pouco da vida.
— Querer pouco da vida? Não concordo. Com a minha idade você
também veio pra cá.
Ele baixou os olhos.
— Minha história com a ilha é diferente.
Ela saltou do jipe e respondeu:
— Olha, eu preferia que me abraçasse e me desse um beijo, só isso.
Vamos deixar claro: você não é meu pai e não é mais meu tutor. Insistindo
assim, tudo que vai conseguir é me afastar. Tente entender que estou feliz
onde estou. Não preciso estudar em Harvard pra me sentir realizada. Não
preciso morar em Nova York para ser antenada. Embora, confesso, algum
dia possa fazer algum curso por lá. É que eu amo esta ilha. Amo os livros e
amo... — Ela quase disse amo você, mas não teve coragem. Mordeu o lábio
inferior e murmurou: — Esquece. Não adianta mesmo argumentar com
você. Vou dar um beijo na Nica.
Só então ele notou que ela usava uma calça cigarrete preta e justa e um
top amarelo de tirar o fôlego, porque os seios atraentes praticamente
saltavam para fora daquele pedaço mínimo e indecente de pano. Nos pés
uma sapatilha preta. O único acessório eram os brincos de capim dourado
em forma de notas musicais. Ela estava linda e muito adulta para seu gosto.
Engoliu seco, mas não desistiu.
— Lila, ainda não acabei.
— Mas eu sim.
Ela entrou irritada no chalé. Abraçou Nica, conversaram alguns
instantes. Almoçou pouco, Giovanni tão calado quanto ela, nitidamente
contrariado.
— Vocês têm que viajar daqui a pouco. Sugiro que desamarrem essas
caras. Sabrina vai se casar e precisa de energia boa e convidados felizes.
“I threw a wish in the well
Don't ask me, I'll never tell
I looked to you as it fell
And now you're in my way...”1
Carly Rae Jepsen
Gianni e Lila fizeram a travessia sem trocar mais do que três palavras.
Lila respirou aliviada quando soube por Nica que, na véspera, Carolina se
despediu do namorado para cumprir seu ritual de beleza de dois dias num
SPA. Aturá-la na travessia seria insuportável.
Enquanto avançavam pelo mar, no iPod ela ouvia Call me maybe,
olhando para ele cada vez que o via distraído e distante.
Se gênios das lâmpadas existissem, seu primeiro pedido seria “eu quero
Gianni pra mim”. Não com aquele papo chato de tutor, ela queria o homem.
Aquele 1,80m de masculinidade. Aquele cabelo macio e cheiroso. Aqueles
olhos de tirar o fôlego.
Uma música, duas músicas, uma playlist inteira se foi. Era uma tortura
sentir o cheiro dele, estar ao lado dele e não poder tocá-lo. De uns tempos
pra cá ficar perto dele era quase como levar seu chocolate favorito na bolsa
sem poder provar.
Finalmente a tortura de ficarem tão distantes mesmo estando lado a lado
acabou. O motorista de Ângela os esperava na estação das barcas, com um
Freelander cor de chumbo.
Não demorou e estavam no condomínio de luxo. O casamento da irmã
de Giovanni realizar-se-ia na mansão dos pais, por imposição da própria
Ângela que, frequentemente, fulgurava na coluna social de Urla. Para o
evento, contrataram um buffet renomado e investiram fortunas na decoração
do jardim. Mesas ornamentadas com flores do campo e microrrosas
vermelhas se espalhavam pelo gramado, dispostas ao longo de um palco
improvisado. No centro do palco, sob uma iluminação digna de contos de
fadas, um altar.
Tanto Ângela como Rogério cumprimentaram Lila com um oi frio,
nitidamente desinteressados em sua presença. Foi a governanta, Laura, que
lhe informou que o antigo quarto que ocupava ainda estava à sua
disposição. Ela agradeceu e subiu as escadas para se aprontar sem olhar
para Giovanni, que acompanhava cada um de seus passos atentamente.
Uma hora depois, Lila já havia tomado banho e estava passando uma
loção hidratante no corpo, quando Giovanni entrou na suíte sem bater. Algo
nada usual em seu comportamento. Lila o encarou surpresa. Sua única peça
de roupa era uma calcinha branca de renda e levou um susto, o que a fez
cobrir os seios com as mãos. Não tinha o hábito de trancar a porta e
Giovanni nunca foi de entrar sem pedir licença.
Ele ficou perplexo, sem conseguir desviar os olhos da peça minúscula
de lycra, que mal lhe cobria o sexo. Murmurou um pedido de desculpas
antes de se retirar. Ele bateu a porta e ela pôde ouvi-lo resmungar. O rosto
dela pegou fogo, mas não podia negar que seu constrangimento ao
surpreendê-la praticamente nua lhe divertia.
Quando a ficha caiu, jogou-se na cama rindo gostosamente. Pelo menos,
agora ele sabia que não era mais uma menina, porque se tinha uma coisa de
que se orgulhava era sua comissão de frente.
Acabava de se arrumar quando ouviu a voz de Ângela no quarto ao
lado: o quarto de Sabrina. Curiosa, quis ver a noiva. Gostava de Sabrina,
apesar de criticar sua submissão à vontade da mãe. Era uma moça doce e
gentil, apesar de completamente manipulada. Ao entrar, surpreendeu-se
com o vestido digno de uma princesa.
— Uau! Você está maravilhosa, Bri!
— Obrigada, Lila, mas se soubesse como estou nervosa...
— Não é hora para nervosismos, Sabrina! — repreendeu a mãe.
— Sei que concordei com este casamento, mãe, mas estou insegura...
Eu não sei se está certo, não gosto do Marcos como deveria gostar.
— Não me venha com chiliques. Agradeça a Deus por se casar com um
homem como o Marcos. Ele é rico, bonito, e o mais importante, escolheu
você como esposa. Esse negócio de amor não passa de ilusão. Não existe. A
gente pode perder uma vida inteira esperando uma cumplicidade que não
vem, o que só resulta em frustração. Amor só serve para nos fazer baixar a
guarda e causar estragos. Acredite, filha, quando a gente se apaixona, a
única coisa que faz é meter os pés pelas mãos.
Lila não concordava, mas não podia abrir a boca sem comprar uma
briga com a “Malvadângela” e não era o momento. Sempre achou Marcos
muito frio e grosso com a noiva. Como não queria guerra, forçou-se a
fechar a boca.
— Mesmo assim me sinto péssima. Não foi o que eu sonhei.
— Ah, claro, posso imaginar com o que sonhou. Deixe de ser imatura.
Não acha tarde demais pra me falar esse tipo de coisa?
— Desculpa, não posso evitar. Estou me casando porque sei que é a sua
vontade e a do papai, mas parece tão errado, não estou feliz. Não consigo
pensar em como será minha vida a dois. E na intimidade? Como vou
suportar?
— Bobagem. Sua vida será como a de todas as mulheres de nossa
família. Uma vida de requinte e conforto, um marido fino e galanteador.
Sonhos são sonhos, querida. Um bom casamento é tudo na vida real.
Depois, o Marcos é sócio do seu pai. Estamos em crise, você sabe. Não
podemos perder a garantia de um genro como ele. E na intimidade, lembre-
se, não importa o que você sente, mas o que demonstra sentir.
Contrariada e completamente enojada com o discurso de Ângela, Lila
sentiu pena de Sabrina. Sabia que ela só teve um amor na vida, porque ela
mesma contou. O filho do ex-jardineiro, seu Nestor. Alberto era um rapaz
negro, bonito, porte atlético, humilde e muito inteligente. Infelizmente, um
dia Nestor abandonou o emprego sem deixar rastro e Alberto sumiu sem dar
qualquer satisfação para a namorada. Sabrina ficou arrasada.
O que Lila não sabia é que Ângela os flagrou certa manhã. Não fez nada
num primeiro momento. Então, sem alarde, obrigou o empregado de anos a
se mudar para uma fazenda em Minas Gerais, propriedade que herdou da
família e que o irmão mais novo administrava para ela, onde ele prestaria o
mesmo serviço. Quando ele alegou que não queria sair de Urla, ameaçou
toda sua família, e deixou claro que nunca mais Alberto poderia se
aproximar de Sabrina novamente. Destacou dois seguranças para
acompanhá-los na mudança e o pobre jardineiro não teve escolha.
Sem desconfiar que a mãe descobriu seu namoro, Sabrina nunca soube
por que o rapaz sumiu sem se despedir. Certo dia ouviu boatos entre as
empregadas de que ele teria engravidado uma moça no interior e por isso se
mudou da cidade. Sequer imaginou que as intrigas faziam parte de um
plano perverso da mãe para separá-los. Desiludida, anos depois aceitou
aquele relacionamento imposto pelos pais.
— Não sei se vou aguentar a pressão. Já não durmo há quatro noites.
Mesmo o make up não disfarçou minhas olheiras.
— Ora, pare com esse pânico. O que é isso agora? Espere! Tenho uma
coisinha que vai te acalmar.
Ângela se retirou dos aposentos. Instantes depois retornou com um
pequeno frasco nas mãos.
— O que tem aí? — perguntou Sabrina, aflita.
— Um sedativo milagroso. Quando tiver insônia ou se sentir muito
ansiosa, tome quatro gotinhas e a vida vai parecer mais leve. Só não tome
mais do que a dosagem indicada, porque faz a gente apagar completamente.
Insegura, a moça colocou o frasco na penteadeira. Então, a mãe pingou
quatro gotas na água e deu para ela.
Não se passou um minuto e Rogério veio avisar que o fotógrafo havia
chegado. Mãe e filha deixaram o quarto apressadas. Querendo proteger
Sabrina, Lila levou o frasco para o próprio quarto. Perguntou-se como uma
mãe podia influenciar a filha de forma tão negativa.
A cerimônia, apesar do calmante e da atmosfera romântica, foi um
suplício para Sabrina, constatou Lila. Para quem a conhecia e notava seu
sofrimento, também não foi fácil de suportar.
Não entendia por que Giovanni não fez nada para impedir a irmã de
entrar em uma união sem amor. Quase protestou perante todos quando a
jovem emitiu um trêmulo e inseguro sim que confirmou o compromisso,
mas se conteve a tempo, já que ninguém da família se importava com o
desconforto e a tristeza da noiva.
Quando a festa começou, Lila quis voltar sozinha para Porto da Onça,
mas àquela hora não tinha balsa. No dia seguinte sairia bem cedo. Mais uma
vez percebia como era importante ter sua independência e agradecia a Deus
pela atitude que tomou, quando se mudou para a ilha. Preferia o cheiro de
peixe podre do lixo da Cia. Del Mare a ter que ficar sorrindo para aquela
gente hipócrita e esnobe. E aquilo ainda duraria algumas horas.
As amigas de Ângela se aproximavam dela como se representasse mais
um dos objetos decorativos dos Souza Velasco, o interesse, claro, era
avaliar a educação que a “pobre órfã” recebeu e xeretar sobre sua vida na
ilha.
— “Saco!” — murmurou com impaciência, após uns esboços de sorriso
fingidos e alguns ois e tchaus.
Esgueirando-se pela casa, acabou por se refugiar na biblioteca. Mas se
enganou ao pensar que estaria sozinha. Mal fechou a porta, deu de cara com
Giovanni.
— Você aqui?
— Não me diga que também está fugindo da festa? — perguntou ele.
— Nem me fala... Coitada da Bri! Parece que engoliu um cabo de aço.
Ela não queria se casar. Foi difícil ver o esforço que fez para se manter
naquele vestido. Fiquei enjoada se quer saber.
— Eu também. Tentei falar com ela quando ficou noiva, mas me
ignorou. Não temos muita afinidade. O que me irrita é ver que ela não teve
força de vontade pra lutar contra a imposição dos pais.
— Seus pais, né? Você não ajudou em nada. Aliás, sempre foi muito
distante da sua irmã. Nunca entendi o motivo. Ela é tão doce, tão diferente
de todos aqui.
Lila corou ao perceber que era ofensivo falar da família dele daquele
jeito, mas não se desculpou.
Giovanni franziu a testa e apenas respondeu:
— Tive meus motivos.
O rosto dele se fechou em sombra. Ela podia ver que algo se escondia
atrás daquela rejeição que ele sentia por Urla. E doía saber que, mesmo com
aquela resistência, ele lhe mandou viver sob a tutela dos lobos. Aturou não
foi pouco naquela casa.
— Desculpa, mas não dá pra entender seus motivos.
— A Sabrina é maior de idade e fez a escolha dela. Era uma guerra
perdida.
— Não estou tão certa. Acho estranha sua omissão.
— O que quer dizer?
— Também fiz minha escolha há um ano e você não me deixa em paz
com a opção de viver na ilha, então, isso que falou não faz sentido.
Ele ficou momentaneamente sem palavras e ela continuou:
— É triste você dar de ombros para sua única irmã. E triste a Bri não ter
reagido. Desde que vim morar aqui percebi o modo como sua mãe a
controlava. E falo por experiência própria, ela sabe ser sufocante. Essa
dominação que ela impõe às pessoas é uma espécie de jogo e a Ângela sabe
muito bem como movimentar as peças.
— Nossa, Lila, não acha que está sendo muito dura com a minha mãe?
— perguntou ele, sabendo que estava sendo cínico.
— Não acho. E não faça essa cara cínica. Sei bem que por trás dessa
cara de lobo mau bate um coração de manteiga.
Giovanni inclinou a cabeça pra trás e riu com gosto. Depois respondeu
bem sério.
— Está enganada, Pimentinha. É que pra você nunca mostrei as garras.
Lila pareceu um tanto amargurada. Não suportava o apelido carinhoso
porque a fazia se sentir no jardim de infância. Ela baixou os olhos
marejados e, vendo sua angústia, ele foi sincero:
— Eu sei como Dona Ângela consegue ser egoísta e autoritária e
lamento por Sabrina.
— Não acho que seja exatamente por maldade. Ela é assim e nem se dá
conta. E até hoje ninguém foi capaz de enfrentá-la. Como você, que não
moveu um dedo para ajudar sua irmã a se livrar do compromisso com o
Marcos.
Envergonhado, Giovanni desviou o olhar. De fato tinha sido indiferente
com a irmã. Sentiu-se mal durante a cerimônia ao ver como ela estava
abatida. Detestava as discussões com os pais e sempre se esquivava delas.
Na realidade, se esquivava deles. Tinha seus motivos e pensar neles era
doloroso. Ergueu os olhos e respondeu Lila com uma pergunta:
— Acho que você é jovem demais para se preocupar tanto, Lila.
— Posso ter 19 anos, mas a vida me tirou muitas coisas. Isso faz a gente
crescer na marra.
O olhar dela se nublou e Lila caminhou até a janela buscando o ar
fresco da noite. Olhou os convidados no jardim sem nenhum interesse, a
não ser disfarçar algumas lágrimas que teimavam em cair.
Giovanni então se lembrou do episódio no quarto e clareou a garganta.
— Antes que eu me esqueça, desculpa pelo que aconteceu mais cedo,
Lila. Entrei no seu quarto sem bater, fui muito inconveniente.
Ela secou os olhos úmidos e se virou para ele sorrindo. Um ar
debochado substituiu a tristeza.
— Hum... Foi mesmo. Gostou do que viu? — quis provocar, mas ele
ficou sério.
— Pare com isso, não tem graça.
Lila queria provocar ainda mais. Não teve coragem.
— Tá bom, esquece. E a Carolina? Por que não está lá fora ao lado da
sua namorada? — perguntou.
— Porque eu precisava de um tempo sozinho. Ela não se importa. Está
se divertindo, quando me afastei ela estava combinando um fim de semana
num resort recém-inaugurado com as amigas da minha mãe: Fátima
Alencar, Tatiana de Souza e Daniela Amaral.
— Aff, o trio Peruete High Society! Conheço bem aquelas três...
preguiça.
Ele não se segurou e gargalhou.
— Só você pra inventar esses apelidos. Não se cansa de ser moleca?
— Não. Estou feliz por estar aqui com você, Gianni. Só assim pra gente
trocar umas palavras sem discutir por que moro sozinha, tenho uma livraria
e faço um curso à distância. E, claro, sem a sua namorada me engolir por
receber atenção privilegiada em meio a uma festa.
— Ok, eu me rendo. Desculpa por estar sendo tão chato e insistente nos
últimos tempos. Tenho muito orgulho de você, Lila!
— Uau! Que coisa boa de se ouvir.
Ela ergueu a sobrancelha esquerda e completou:
— Boa e inesperada.
Giovanni riu. Aproximando-se, a abraçou. Sentiu então o calor do corpo
feminino e o perfume suave. Alguma coisa que ele não entendia tinha
mudado naquele contato, porque não conseguia mais ver a menina de antes
e se repreendia por isso.
Lila usava um vestido de seda azul-claro e um salto prateado. O decote
revelava mais do que devia dos seios redondos e naturais que viu mais cedo
e o tecido fino delineava o corpo atraente. O cabelo estava preso num
penteado que emoldurava a face delicada com perfeição. A maquiagem
suave realçava a pele morena. Ele não resistiu e depositou um beijo em suas
faces, mas ela virou o rosto na mesma hora e o beijo pegou no canto da
boca. Os lábios cheios deixando uma espécie de eletricidade nos dele.
Atrevida, viu a oportunidade e mordiscou seu lábio superior, roçando o
corpo no dele. Giovanni lembrou-se então da calcinha de renda minúscula
que ela usava quando entrou no quarto, dos seios lindos e sentiu sua ereção
pressionar a cueca.
Precisava se afastar, sabia disso, mas ela o impediu, segurando-o pelos
ombros e olhando firme em seus olhos. Aqueles olhos eram os únicos
capazes de baixar sua guarda. Sempre foram. A respiração dela, o cheiro
dela, aquilo fez com que sua libido acordasse de uma forma assustadora. O
que era aquele desejo louco? O corpo dele estava reagindo de forma
traiçoeira à presença de Lila e aquilo não era nada bom.
Não podia corrompê-la, porque Lila era a única pessoa da família,
talvez a única pessoa no mundo por quem tinha consideração. Isso o levava
a pensar em que perdeu, o avô, Helga e Pietro, cuja passagem foi tão breve
pela vida. Pensar em Pietro foi como jogar um balde de água fria em cima
dele.
Deus, o que estava acontecendo? Não podia se sentir atraído por Lila.
Chegava a ser incestuoso. Foi com dificuldade que a afastou. Viu que ela
baixou os olhos frustrada. Ele murmurou um pedido de desculpas e saiu da
biblioteca apressado. Decepcionada, a moça permaneceu ali ainda algum
tempo. Por um instante sentiu que Giovanni a queria. Mas foi só um
instante e ele fugiu de novo.
“Mesmo quando isso não é certo
Onde há desejo, haverá uma chama
Onde há uma chama,
Alguém está sujeito a se queimar...”2
Try – Pink
Foi uma noite turbulenta e Giovanni custou a dormir. Sua cabeça deu
um nó. Caminhou pelo quarto que Lila costumava ocupar. Viu o diário dela
na mesa de cabeceira. Ao abri-lo, o marcador de páginas caiu.
“No amor e na guerra vale tudo”. Lembrou que era de Helga. Não foi
uma nem duas vezes que o viu com ele nas mãos. Será que por amor vale
tudo?
Estava muito confuso. Não gostava de ser manipulado. Principalmente
por alguém em quem confiava cegamente. Precisava de um tempo.
Precisava mesmo.
Ok.
Lila jogou o celular longe depois de responder. Queria fala rum monte
de desaforos, mas se segurou. Como ele podia ser tão canalha?
Nos dias que se seguiram, ela concentrou suas energias na livraria,
esperou qualquer contato durante a semana que passou, mas ele não ligou.
Então ela entendeu. Aquela noite ele tinha bebido demais e só por isso
ficou com ela. A verdade é que não a perdoou pela mentira.
Lila continuou se desculpando por mensagens, escreveu e-mails
apaixonados, ligou várias vezes, mas Giovanni não retornou nem as
mensagens e nem os telefonemas. O celular dava caixa postal e as
secretárias só sabiam dizer que ele estava em reunião. Após ser ignorada
por quinze dias apelou. Telefonou para o padrinho e marcou um encontro.
Sempre presente em sua vida, Heitor era o único que poderia ajudá-la.
Lila encontrou Heitor na cafeteria da ilha. Contou que o casamento ia
mal. Omitiu o que fez para se casar com Giovanni por constrangimento e
informou apenas que eram incompatíveis como marido e mulher e que
queria se separar.
Surpreso, Heitor a convidou para passar alguns dias com ele e a esposa
e esfriar a cabeça. Lila ia voltar para o apartamento, já que continuar no
chalé não era uma opção, mas acabou aceitando. Era bom se sentir acolhida
naquele momento.
Já estava na casa do padrinho há uma semana quando Heitor chegou do
Rio acompanhado de seu novo assistente, um advogado recém-formado.
Para surpresa de Lila, ela reconheceu Alberto, o filho do ex-jardineiro da
mansão, que sempre foi muito simpático com ela.
— Meu Deus! Não acredito que é você, Alberto!
Ela o abraçou e foi o padrinho que explicou:
— O mundo dá voltas, Lila. Alberto estudou em Minas Gerais e, por
coincidência, os pais dele trabalham para um cliente meu. Ele me ajudou
num caso recente que peguei por lá e foi tão competente e prestativo que o
contratei. Estou muito feliz que ele tenha aceitado me acompanhar.
Lila não podia acreditar. Conversou bastante com o rapaz. O viu
algumas vezes ainda menina e sabia que foi namorado de Sabrina.
Acabaram saindo na tarde seguinte, ela o levou para conhecer a Cia.
Del Mare, a prainha e a vila. Almoçaram juntos e ele acabou contando o
motivo pelo qual se afastou de Sabrina.
A prova da maldade de Ângela só fez Lila sentir ainda mais mágoa
daquela família. Ela também contou do casamento com Giovanni, eles se
tornaram facilmente amigos porque ambos conheciam a dor de um coração
partido.
Semanas foram passando e Nica não aceitava o fato de Lila ter saído de
casa na ausência de Giovanni, mas nada do que disse a trouxe de volta para
o chalé. Lila estava muito magoada. A caseira pedia a Deus que Giovanni
não demorasse muito a voltar. Sabia que ele sofreria se Lila realmente
decidisse se afastar. Pensando nisso, foi até a livraria visitá-la.
— A loja está ainda mais linda do que eu me lembrava, filha!
Lila apresentou Tomaz para Nica e depois a chamou para irem ao
apartamento. Já na sala de estar, sentou-se diante dela.
— Fiquei uns dias com o padrinho, você sabe, mas já voltei pra cá.
— Trabalhar tudo bem, Lila, mas não acho certo se mudar enquanto seu
marido está ausente. Por que não espera ele voltar?
— Nica, o Gianni está fora há um mês. Fiz de tudo para falar com ele e
nem uma vez se dignou a responder minhas mensagens, simplesmente
ignorou minhas ligações. Acho que deu tempo suficiente de refletir sobre o
que aconteceu e se ainda não voltou é porque não faz questão nenhuma de
me ter na vida dele.
— Isso não é verdade. Ele sempre se importou com você.
— É diferente agora, Nica. Eu sei que errei, mas ele também errou
fugindo assim. O problema é que ele é orgulhoso, teimoso, cheio de
bloqueios que não consegue superar. Eu sei que mesmo me querendo ele
acha errado ficar comigo; se torturou tanto, que me evitou por semanas após
o casamento. E depois que contei a verdade, ele perdeu a consideração e o
respeito que tinha por mim. Ele nunca vai me perdoar pelo que fiz. Ele não
tolera mentiras. Amo aquele teimoso, amo você e o Tarso e amo a prainha,
mas já que não posso viver lá, quero ficar aqui no meu cantinho, onde me
sinto bem-vinda, útil e feliz.
— Lila, não se termina com um casamento por impulso. Já chega o
modo como se uniram. Vocês mal ficaram juntos e já está recuando. Se
queria tanto o Gianni pra você, por que está desistindo tão fácil?
— Não tem sido nada fácil. Eu sei que forcei a barra, fui impulsiva,
manipulei os sentimentos dele, poxa, eu sei... mas ele preferiu se afastar em
vez de conversar. Ele não quis me dar uma chance. Se quer saber, já pedi ao
padrinho pra cuidar do nosso divórcio.
— Minha Nossa Senhora! Como pode isso, nem vai consultar o marido?
— O padrinho vai, já que ele nem se deu ao trabalho de me dar um
telefonema. Depois, ele não gosta de mim, nunca gostou, e isso não vai
mudar.
— Claro que gosta.
— Não como mulher, Nica, você me entendeu. Ele sempre foge de
mim. Eu forcei uma situação, não me orgulho do que fiz, mas agi como agi
porque achei que ele me desejava, ainda acho, mas o problema é que a
nossa história e a diferença de idade o impedem de me aceitar como esposa.
Nica baixou os olhos. Apesar de tão jovem, Lila entendia muito bem os
sentimentos de Giovanni.
— Fui impulsiva e agora estou pagando o preço, mas isso não significa
que eu não possa dar um novo rumo à minha vida e libertá-lo deste inferno.
Estou muito animada com a livraria e até penso em ampliar meu negócio
com um cybercafé. Minha mãe me deixou bem financeiramente, então,
dinheiro não é o problema. O que eu quero mesmo é uma vida nova.
— E seus estudos?
— Continuo com eles. A faculdade a distância é bem flexível. O Tomaz
é meu braço direito aqui.
— Tem resposta pra tudo, menina.
— Quem dera, só faço o melhor que eu posso.
Assustada com a determinação de Lila, Nica não sabia o que dizer.
Despediu-se e voltou resignada para o chalé. Mais tarde, Giovanni ligou e
ela contou que Lila tinha saído de casa e que pediu a Heitor para cuidar do
divórcio. Giovanni desligou irritado. Já estava em São Paulo há semanas.
Depois daquela noite em que agiu como um animal com Lila precisou se
afastar. Viajou para fechar alguns negócios e colocar a cabeça no lugar.
Acabou ficando mais do que devia, porque um negócio sempre levava a
outro. Pra piorar, por orgulho, ignorou todas as mensagens de Lila. Agora
ela devia estar uma fera com ele.
Tinha tanta coisa na cabeça. Estava decepcionado com Lila e com ele
mesmo. Seu coração estava uma bagunça, a consciência pesada e no meio
disso tudo, os negócios exigindo atenção.
Além do escritório que herdou do avô, tocava a construtora que Helga
deixou para Lila e para ele e que estava na melhor fase. Não podia
simplesmente ir embora e virar as costas para suas obrigações. Ao mesmo
tempo, sabia que agiu mal ao deixar a situação como deixou. Não retornou
uma só mensagem ou telefonema da esposa. Agora ela queria o divórcio.
Mais uma atitude impulsiva.
Não sabia se devia se sentir aliviado ou com raiva. Soube pela secretária
que Lila andou visitando a Del Mare na companhia de um rapaz. Decerto já
tinha encontrado alguém para ajudá-la a superar o que houve entre eles.
Que fosse. Embora sentisse raiva só de pensar em outro homem com ela,
sabia que seria inevitável. Ela era tão jovem, obviamente nem sabia o que
era amor e cedo ou tarde ele seria trocado.
Enfim, tudo que Lila fazia ultimamente era só pensando em si. Pela
primeira vez, ele também se daria o direito de ser egoísta.
Naquela noite Lila não pregou os olhos. Sabia que Sabrina foi
apaixonada por Alberto e, coincidentemente, mesmo sem saber, os dois
agora estavam tão próximos. Só podia ser o destino. Quem sabe poderiam
reatar pelo menos a amizade? Uma coisa era certa: ela ia ajudar a passar
aquela história a limpo.
No dia seguinte saiu bem cedinho para comprar pão fresquinho na
padaria perto de casa. Qual não foi sua surpresa ao se deparar com a foto de
Giovanni e Carolina estampada numa revista de fofoca da Banca da Ilha.
Ao vê-los se beijando, sentiu como se tivesse levado um chute no
estômago. Tirou a própria aliança furiosa e enfiou na carteira.
Quem era ela para julgar Sabrina, se fez o que fez para envolver Gianni
contra a vontade? Pelo visto, o que viveram juntos não significou nada para
ele e muito menos o fez esquecer a ex-noiva.
Custou a engolir o café da manhã. Mostrou a revista para Sabrina, que
franziu a testa, mas ficou calada. Lá pelas onze da manhã, as duas foram se
encontrar com Heitor.
Lila ficou na companhia de Ester e Sabrina foi com o padrinho fazer
exame de corpo delito, depois seguiriam até a delegacia da mulher para
denunciar Marcos, já que a Lei Maria da Penha existe exatamente para
coibir a violência doméstica, tanto no aspecto físico quanto psicológico.
Justamente naquela manhã, Alberto apareceu procurando Heitor.
Cumprimentou Lila com um abraço, que logo o informou que Sabrina
estava em Porto da Onça, contando por alto os últimos acontecimentos.
Sabrina estava com Lila há uma semana e Heitor já tinha dado entrada
no pedido de anulação do casamento, que nunca se consumou.
— Bri, tem alguém que pediu para conversar com você hoje.
— Quem é, Lila?
— O assistente do meu padrinho. Ele é recém-formado em Direito e
chegou aqui em Porto da Onça há alguns meses.
— Mas o Heitor não prometeu cuidar do meu caso pessoalmente?
— Sim, e vai. O que o rapaz quer conversar com você não tem nada a
ver com seu divórcio.
— Então não entendo.
— Vai entender.
Meia hora depois Alberto chegou. Lila abriu a porta para ele e o
conduziu até a sala onde Sabrina estava, ela por sua vez, encarou o ex-
namorado chocada.
— Ele é o assistente do Heitor?
— É, Bri, pra você ver que mundo pequeno. Olha, como eu sei que
vocês dois têm muito que conversar, vou deixá-los a sós.
E Lila soprou um beijo para os dois, pegando a bolsa e saindo em
seguida.
Sabrina olhava para o ex-namorado ainda sem acreditar. Alberto sempre
foi bonito, mas agora estava elegante, refinado.
— Alberto! Nunca imaginei te reencontrar aqui na ilha — disse ainda
impactada com o reencontro.
— Imagino, faz seis anos que a gente não se vê. Posso te dar um
abraço?
— Claro. Desde que não seja por pena de mim.
— Nunca senti pena de você, raiva do seu ex certamente eu sinto.
Muita. Mesmo sem conhecê-lo.
Ele a abraçou e Sabrina não conseguiu evitar as lágrimas. Estar nos
braços de Alberto era como voltar para casa depois de enfrentar uma
tempestade. Foi o único homem que amou na vida, a única fase em que se
permitiu sonhar e ser feliz. Sentiu o cheiro do perfume cítrico, seus braços
fortes contra o corpo e teve dificuldade em se afastar.
— Por que me abandonou, Alberto? Nunca entendi. Foi horrível. Sofri
demais.
— Eu sei, linda, nunca me perdoei por isso, mas na época não tive
escolha.
— Como assim?
Então ele contou sobre as ameaças de Ângela.
— Meu Deus! Minha mãe consegue ser ainda pior do que eu pensava.
Eu nunca nem pensei que ela sabia de nós. — Sabrina chorou mais ao saber
a verdade.
— Mas sabia. Nunca te esqueci, Sabrina. E se quer saber, estou aliviado
que você esteja aqui agora, sozinha, porque ainda tenho esperanças de te
reconquistar.
— Mesmo depois do que a minha mãe fez? Mesmo depois de todo esse
tempo?
— Pode apostar.
Ela enxugou as lágrimas e o abraçou novamente. Então o beijou. Eles
tinham muito que conversar, mas tudo que ela queria agora era estar nos
braços dele nem que fosse por alguns momentos e esquecer o mundo lá
fora.
Lila aproveitou e foi até o chalé. Estava com saudade de Nica, de Tarso
e da prainha. Queria aproveitar e pegar umas últimas peças de roupa e
alguns porta-retratos que deixou para trás. Bateu à porta, mas ninguém
respondeu. Como ainda estava com a chave entrou. O telefone estava
tocando e atendeu num impulso.
— Alô!
— Lila, é você?
Ao ouvir a voz de Giovanni ela buscou fôlego para responder.
— Claro que sou eu.
— Não tinha saído do chalé?
— Saí. É que eu vim buscar o resto das minhas coisas. Pode voltar pra
casa agora, se quiser. O motivo para se afastar não existe mais. Ah, e não se
esqueça de trazer a Carolina com você. Tudo o que precisa fazer é assinar o
divórcio e estará livre para desfilar com ela. Ah, foi mal — ironizou —,
esqueci que já andam desfilando juntos. Da próxima vez que agarrá-la em
público, não se esqueça de tirar a aliança, eu já tirei a minha.
— Claro que tirou, como sempre você já decidiu por mim.
— Pelo menos eu enfrento as consequências do que faço e não me
envergonho do que sinto, tem gente que prefere fugir do que faz e do que
sente. E pior do que fugir é mandar recado pelas revistas de fofoca. — Ela
então bateu o telefone na cara dele e Giovanni sentiu o sangue ferver.
Tentou ligar novamente, mas ela não atendeu.
Heitor chegou à Urla no dia seguinte. Era pouco mais de oito da manhã
quando Ângela o recebeu.
— O que quer comigo? Se veio falar da sua afilhada, vou deixar claro
que sou completamente a favor do divórcio e que estou muito feliz ao saber
que meu filho recuperou a sanidade e está longe daquela ratinha miserável.
— Não, Ângela. Eu vou ignorar suas ofensas e ir direto ao ponto. Como
teve coragem de me esconder a vida toda que o Giovanni é meu filho?!
— De onde tirou isso?
— Talvez dos olhos dele, talvez da marca de nascença que ele tem nas
costas ou talvez porque chegou o momento de a vida me revelar a verdade,
o que importa é que agora eu sei. Sempre sonhei com um filho e você
escondeu de mim que eu já tinha um. Preciso mesmo pedir um DNA para
que seja honesta comigo ao menos uma vez na vida?
Ângela estremeceu e precisou sentar, pois a ameaça de um teste de
paternidade era praticamente a eminência de um escândalo.
— Por que este interesse depois de tantos anos, o que isso muda?
— Muda tudo, Ângela. Você sempre foi egoísta e manipuladora, mas eu
não fazia ideia do quanto pôde ser cruel. Pensar que um dia eu me
apaixonei e acreditei que teríamos um futuro em comum.
— Sempre foi um tolo, um ingênuo. Se não fosse pelo meu pai, não
seria ninguém.
— Eu realmente devo muito a seu pai, que ao contrário de você era
gente.
— Era pobre de espírito, isso sim. O que pretende fazer agora que sabe
a verdade?
— Não sei, Ângela, mas obviamente você será informada. Passar bem.
E ele saiu da mansão como se precisasse de ar. Aquela mulher era tão
fria, tão manipuladora que ele não sabia o que dizer ou como se comportar
diante dela.
No mesmo dia, ele voltou para São Paulo. Ligou para Giovanni e
marcou com ele no Apart. Anoitecia quando finalmente se encontraram.
Heitor, ainda abalado, contou a verdade para Giovanni, que o escutou
estarrecido e consentiu em fazer um exame de DNA. Se por um lado estava
surpreso com tudo que Heitor lhe contou, por outro em muito lhe agradava
a ideia de não ter laços de sangue com Rogério, que tanto mal lhe fez na
infância. Se as suspeitas de Heitor fizessem sentido, dava para entender
porque foi tão rejeitado na infância. Desabafou com Heitor os maus-tratos
que sofreu no passado, a culpa com a morte do irmão e o alívio quando foi
morar com o avô. Heitor ficou arrasado. Quando Ângela o trocou por
Rogério, ele foi estudar em São Paulo e soube do casamento pelas colunas
sociais, mas nunca desconfiou de que ela pudesse estar grávida dele.
Lila caminhou mais de uma hora na prainha e decidiu que o único modo
de esquecer aquele casamento desastroso era viajar um tempo para longe da
ilha, quem sabe aceitar a sugestão que Ester lhe deu e ir para o exterior.
Precisava ver coisas novas. Precisava tirar Giovanni da cabeça e ali seria
praticamente impossível.
Ao mentir para ele na noite do casamento de Sabrina, ela agiu com
ímpeto, estava zangada com Ângela, com a vida, mas a verdade é que usou
a única arma de que dispunha para apostar suas fichas no amor. Quem pode
atirar uma pedra quando agimos guiados pelo coração? Ela era jovem e ser
imprudente não é um traço da imaturidade?
Depois, se “na guerra e no amor vale tudo”, o que fez foi lutar sem
pudores. Se manipulou e mentiu foi para ficar com o homem dos seus
sonhos. Não conseguiu, mas estando certa ou errada, não permitiria que
ninguém a julgasse, nem Giovanni.
Secou as lágrimas com as costas das mãos. “Triste é olhar para trás e
lamentar o que a gente não faz”, leu certa vez num romance e concordava
plenamente. Perdeu muita coisa na vida e sabia que o chão pode sumir num
instante, então não sobrava tempo para se arrepender.
Giovanni tinha o direito de escolher outra mulher para dividir a vida
com ele. Carolina estava certa quando disse que ele se casou com ela por
pena, por senso de dever. Pois que fosse. Se ele não podia aceitá-la como
mulher, se não a desejava, que ficasse com aquela megera.
Não queria mais se enganar. Também não se arrependia. A verdade é
que faria tudo de novo para ficar com ele se ainda acreditasse que existia
uma chance de ser correspondida.
Lila saiu para se encontrar com Heitor e Ester, quando então foi
surpreendida com as revelações do padrinho sobre o passado com Ângela e
a suposta paternidade de Giovanni. Ela conhecia a marca de nascença e
realmente não dava para negar que era idêntica. O padrinho estava sempre
de terno e transitando entre escritórios, motivo pelo qual nunca reparou na
tal marca.
Ester reagiu bem aos fatos e apoiou o marido no teste de paternidade.
Em breve teriam a confirmação. Heitor aceitou com alegria a ideia de ser
pai de Giovanni. Ela pensou que estranha coincidência da vida, porque, se o
exame de laboratório confirmasse a gravidez, Heitor logo seria avô de um
filho seu.
Com a ausência de Lila naquela tarde, Sabrina aproveitou e ligou para
Giovanni. Estava na hora de seu irmão ouvir umas verdades.
— Bri, é você?
— Sim, sou eu mano.
— Pelo prefixo está me ligando de Porto da Onça. O que aconteceu?
— Muitas coisas. A gente precisa conversar.
— Agora não, Bri. Vou entrar num avião em dez minutos.
— Eu tenho tempo pra esperar dez minutos, mas você não.
— O que quer dizer com isso?
Então ela contou sobre Marcos, as agressões que sofreu e o casamento
de aparências, fez questão de falar de Lila e a forma carinhosa como a
acolheu em Porto da Onça. Contou também sobre o que Ângela fez para
separá-la de Alberto. Falou muitas verdades para as quais se calou durante
muito tempo. E terminou dizendo que, por um orgulho besta e um
preconceito descabido, ele estava perdendo uma mulher maravilhosa, que
mesmo tão jovem superava Carolina em caráter e maturidade.
Giovanni desligou o telefone perplexo com tudo que ouviu da irmã.
Então Lila pretendia viajar para a Europa?
O resultado saiu naquela manhã e Heitor foi em São Paulo para abrir o
laudo junto com Giovanni. Entrou no loft com o envelope na mão.
Giovanni o recebeu ansioso.
— Eu quero que você abra — pediu Heitor.
E não havia dúvidas, Heitor era mesmo seu pai biológico. Eles se
abraçaram emocionados. Giovanni sentiu um peso sair de seu peito. Era
simplesmente libertador não ser filho de Rogério.
Pela primeira vez sentia-se em paz.
Pensou em Pietro.
Uma lágrima saiu de seus olhos, depois outra e chorou como há muito
tempo não fazia.
— Sei que você já é um homem feito, Giovanni, mas eu não poderia
escolher um filho melhor. Espero que me dê a oportunidade de fazer parte
da sua vida daqui pra frente.
— Claro que sim. Agora eu preciso ver a minha mãe. Ela me deve
muitas explicações.
— Vou com você.