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Caminhos Cruzados

Copyright © 2019 K. F. Pereira


1ª EDIÇÃO – BRASIL – 2019
Todos direitos reservados.

Edição – Camila Silva


Revisão Final – Norma Maria De Oliveira
Diagramação digital e Capa – K. F. Pereira

Texto de acordo com as normas do Novo Acordo Ortográfico da Língua


Portuguesa (Decreto Legislativo nº 54, de 1995)

Nenhuma parte deste livro pode ser utilizada ou reproduzida sob quaisquer
meios existentes sem autorização por escrito da autora.
DEDICATÓRIA

Para meu esposo e filha, minhas mais sinceras desculpas pelo tempo
que me ausentei para escrever essa história incrível. Eu os amo muito mais pelo
apoio que me deram, não foi fácil, mas sobrevivemos.
Para minha primeira Beta, minha sobrinha Chay, que suportou
todos meus devaneios lá no primeiro manuscrito (eu escrevi cinco até chegar a
esse).
Como mensurar essa amizade improvável? Como alguém que nunca
vi ou toquei, foi acima de tudo uma companheira constante na aventura que é
finalizar um livro. Com o título de Grilo Falante, Camila (pois é, alguém tão
admirável só poderia ter esse nome), você foi minha voz na consciência me
orientando para o melhor e o melhor para esse livro do qual você é madrinha.
Para Norma, que fez a revisão final, sua paciência e bondade é algo
que levarei para todo sempre, seu apoio foi fundamental para eu conseguir
chegar até aqui.
Aos meus Betas finais, vocês foram imensamente importantes, pois
pela visão de vocês pude limpar o caminho para que meus leitores tenham uma
maravilhosa viagem ao ler esse livro.
Todas as pessoas que dediquei acima são a prova de que ainda
existem pessoas boas nesse mundo. Amém a todos vocês!
A cada um que cedeu seu tempo para ler o meu livro, obrigado!
SUMÁRIO
DEDICATÓRIA
PRÓLOGO
CAPÍTULO 1
CAPÍTULO 2
CAPÍTULO 3
CAPÍTULO 4
CAPÍTULO 5
CAPÍTULO 6
CAPÍTULO 7
CAPÍTULO 8
CAPÍTULO 9
CAPÍTULO 10
CAPÍTULO 11
CAPÍTULO 12
CAPÍTULO 13
CAPÍTULO 14
CAPÍTULO 15
CAPÍTULO 16
CAPÍTULO 17
CAPÍTULO 18
CAPÍTULO 19
CAPÍTULO 20
CAPÍTULO 21
CAPÍTULO 22
CAPÍTULO 23
CAPÍTULO 24
CAPÍTULO 25
CAPÍTULO 26
CAPÍTULO 27
CAPÍTULO 28
CAPÍTULO 29
CAPÍTULO 30
CAPÍTULO 31
CAPÍTULO 32
CAPÍTULO 33
CAPÍTULO 34
CAPÍTULO 35
CAPÍTULO 36
CAPÍTULO 37
CAPÍTULO 38
CAPÍTULO 39
CAPÍTULO 40
CAPÍTULO 41
CAPÍTULO 42
CAPÍTULO 43
CAPÍTULO 44
EPÍLOGO
SOBRE A AUTORA
PRÓLOGO

— Ela não fala, deve ter algum problema! — Eles voltam a brigar. A
pequena criança está em pé no corredor ouvindo-os, sem ser notada. — Deus do
céu! Será que é pedir demais, por uma filha perfeita. — Lamuria o pai. — De
todos, logo eu tenho que ficar com a criança defeituosa.
— O médico disse que ela não tem nenhum problema, ela irá falar no
tempo dela. — A mãe fala com a voz sem esperança.
— E o quê? Ficaremos com uma criança retardada, as pessoas já
estão falando sobre ela. E eu não quero ser o pai de uma aberração. — Salienta.
A criança limpa as lágrimas que corre por seu rosto pequeno.
Não era a primeira vez que ouve seus pais se referindo a ela com
essas palavras, mas a dor nunca diminui não importa quantas vezes escuta.
— O que você quer fazer? — Eles decidem tudo apenas com um
olhar, para eles isso deveria ter sido feito muito antes, concordam mútua e
silenciosamente. — Mariah? — A mãe chama e não percebe a menina parada do
seu lado, tão pequena e indefesa, quanto uma criança de cinco anos pode ser. —
Vamos fazer um passeio.
A criança treme amedrontada, pois eles são tudo que ela tem e
conhece no mundo.
“Não conseguia te olhar nos olhos, você é como um anjo.
Você é especial pra caralho.
Mas eu sou insignificante, eu sou um esquisitão”.
(Creep – Radiohead)
CAPÍTULO 1
LED

Poderia ser mais uma criança ficando órfã, mas não era. Poderia ser
seu primeiro pesadelo, mas também não era.
Desse momento em diante tudo que conhece, ele assiste ruir diante
de seus olhos, com tão pouca idade, mesmo que ainda não saiba o significado da
palavra ruir. Sente o último toque e vê o último suspiro, ela não irá mais voltar,
ninguém precisa lhe contar, simplesmente sabe. Sua mãe dormiu para nunca
mais acordar.
Fica sentado ao lado dela no hospital, até que os enfermeiros o tiram,
mas do corredor assiste quando desligam cada aparelho ligado a ela, uma por
uma as luzes se apagam, o silêncio impera. O último enfermeiro levanta o lençol
que cobre por completo o corpo morto, em seguida a leva por um corredor de
milha infinita.
Permanece sentado na cadeira desconfortável, os braços abraçam os
joelhos e os olhos encaram o chão sem exatamente vê-lo, quando um par de
sapatos de couro preto para em sua linha de visão, focando-o vagarosamente
levanta os olhos para olhar quem os calça.
— Vamos. — O homem de olhar de gelo comanda.
Sem ter outra opção o menino levanta-se e o segue, no fim do
corredor olha para trás uma última vez para ver a milha infinita e a porta para
onde sua mãe foi levada.
— Se apresse, eu não tenho a noite inteira.
Assusta-se e encolhe-se sentindo a voz gélida penetrar em seus
ossos.
A criança conhece esse senhor de olhar frio, ele frequenta sua casa
constantemente e apesar dos esforços de sua mãe para esconder o menino podia
ver as marcas que o homem deixava nela, sozinho e sem opção ele obedece.

— Papai quem é ele?


Em pé no último degrau da escadaria, da grandiosa casa onde havia
chegado, um menino de cabelos e olhos escuros, mas gélidos, assim como do
pai, não para de encarar a recém chegada criança assustada, junto dele está a
mulher com feições tão frias quanto a do homem que o trouxe.
— Ele morará aqui. — Foi tudo que o homem diz enquanto sobe a
escada, ignorando por completo o ânimo pesado de todos a sua volta.
— Por que trouxe esse lixo para minha casa? Já não basta tudo que
tenho que suportar, ainda tenho que conviver com essa aberração! — A mulher
esbraveja.
O menino assustado se encolhe com as palavras direcionadas a ele.
O homem se aproxima, e, por instinto ela vira o rosto fechando os
olhos, ele sorri satisfeito. — Foi o que pensei, agora cale-se. — Profere voltando
a subir a escadaria.
— O que será feito dele? — O menino mimado com a voz estridente
não para de encarar do último degrau a outra criança, gostando cada vez mais de
ver o medo estampado no rosto do menino.
— Você não queria um animal de estimação, pois bem, ele é seu. —
O pai fala com desdém.
O sorriso diabólico do menino cresce, enquanto o pai fica
indiferente.
— Mas ele é um menino. — O mimado afirma o óbvio.
— Então, mate-o se você não o quer.
O garoto espera seus pais se afastar enquanto observa com olhar
maníaco a criança assustada a sua frente.
— Nunca vi olhos dessa cor, não… Espera, meu pai teve um irmão
assim como você, ele morreu ainda jovem, enfim. Seus olhos são estranhos, mas
então, você é inteiro estranho, até o cabelo é branco igual um homem velho. —
Ele desce o degrau que os separa, circula, examinando-o de cima a baixo. —
Ouviu o papai, você é meu para fazer o que eu quiser, como um bom animal irei
nomeá-lo, vou te chamar de Led[1]. — Olha para um dos funcionários da casa. —
Leve ele para o canil. — Ordena, rindo, tomado pelo mal.
Um homem grande empurra o menino para andar.
— E Led? — O menino para na metade do passo, mas não olha para
o pequeno demônio. — Você vive a partir de hoje, por que eu quero assim, não
se esqueça.

CINCO ANOS DEPOIS…


A água gelada o molha por inteiro.
— Acorda animal! — Assustado abre os olhos e tenta se levantar,
mas não consegue porque ainda está acorrentado a cama sem colchão com
apenas os estrados farpados. — Levanta, você tem que ir para escola, papai disse
que você não deve faltar. — Solta as correntes. — Se contar a alguém, ou se
deixar que vejam suas marcas novamente o castigo será muito pior do que teve
está noite. — Adverte o menino, que já não é mais tão menino assim.
A cada ano o demônio fica mais sádico, os métodos só pioram, as
torturas são de privações de sono, comida e água, sem mencionar as violências
físicas. Dia após dia o garoto desejou ter morrido naquele hospital com a mãe,
em vez de ser enviado direto para o inferno onde vive. Ele chora sozinho durante
as noites para morrer e não por suas dores. Ele percebeu ainda cedo que chorar
não ajuda em nada, além de aumentar mais as munições de seu carrasco, mas
quando o demônio parte as lágrimas brotam silenciosamente em seus olhos.
Não entende porque havia nascido com o único objetivo de vida: ser
sofrer.

TRÊS ANOS DEPOIS…


A garota teve seu pescoço quebrado além das várias lesões no corpo.
Seu erro? Ter cruzado o caminho do Nikolai.
— Some com ela. — É tudo que diz antes de sair do quarto sem nem
ao menos olhar para trás.
Era questão de tempo isso acontecer, Nikolai continua mimado, mas
agora está em um nível diferente, ele se tornou intocado, seu pai e toda máfia em
São Petersburgo o protege das consequências de suas ações. O menino mimado
cresceu forjado no mal, se tornando a personificação dele.

O menino órfão agora é um homem, um homem que ao dormir


deseja nunca mais acordar, a morte nunca veio, apesar dele cortejá-la com
frequência.

ARREDORES DE SÃO PETERSBURGO…

A Arena treme com a multidão gritando e vaiando, o chão vibra com


a batida incessante dos pés, o lugar ilegal está explodindo de pessoas que não
conseguem acreditar no que testemunhavam: Uma mulher desafia o campeão da
casa.
Todas as apostas foram contra ela, sua morte é esperada por todos
essa noite.
Ela parece não se importar com o barulho ao redor, os grandes olhos
verdes dela encontram os de Nikolai e sua boca de contorno bonito sorri com
malícia e provocação enquanto tira sua blusa de capuz, revelando um top preto
que marca os seios severamente apertado, o demônio ajeita a calça assistindo ela
tirar suas roupas para iniciar, seu suicídio, nunca ninguém entrou para lutar
livremente no ringue em forma de jaula, exceto ela, claro, a calça dela cai no
chão revelando suas pernas torneadas apertadas em um short pequeno para
exercícios, ela dobra as roupas de modo despreocupado e metódico, a cada
protelar dela mais os gritos se elevam-se e o chão treme. Ela passa a mão no
cabelo curto e antes de entrar na jaula vira apenas o rosto e pisca um dos grandes
olhos verdes para o demônio, agora excitado com a provocação.
A dose perfeita de sensualidade com loucura, pois somente um louco
entra na jaula por vontade própria.
O oponente dela obtém vantagem, mas o que tem em força e
tamanho, ela tem em agilidade e exatidão seus golpes acertam pontos
importantes deixando-o cansado e irritado enquanto é incapacitado lentamente.
Em um excesso de raiva o gigante corre para ela a fim de dar o golpe final, com
destreza ela pula usando a grade da jaula que os cerca e desvencilha do golpe
que a levaria para morte certa e contra-ataca com um golpe que o acerta no nariz
fazendo-o sangrar excessivamente por ele.
Mas a luta não termina com um nariz quebrado, a luta acaba
quando um dos lutadores dentro da jaula morre.
O oponente puxou-a pela perna, a joga no chão com toda sua força,
ela grita com o baque do golpe, levando os espectadores as faces da loucura,
todos gritam para o gigante finalizá-la. Seguindo a voz do povo, o gigante
cansado e ensanguentado comprime as mãos iniciando o golpe fatal de
estrangulamento.
O demônio grita e esbraveja por não ter tido tempo com a mulher
que está morrendo na sua frente. — É uma pena! — Lamenta.
Como se não tivesse poder para parar a luta e dar à mulher uma
chance.
Não falta muito para ela morrer.
O rosto está avermelhado pela falta de ar, ela luta para respirar. Se o
público não estivesse prestando atenção, jamais acreditaria, pois repentinamente
com um golpe tão rápido quanto possível, ela acerta a garganta do oponente, que
cambaleia para trás ficando de joelhos enquanto tenta respirar arduamente, já
visto que o nariz quebrado dificulta o processo vital, numa fração de segundos,
ela levanta com impulso rápido das pernas, cruza as mãos em torno da cabeça do
oponente girando fortemente.
Não podia ouvir aquele, CRACK, final, mas ele aconteceu, com toda
certeza que sim.
O silêncio perdura a Arena, pode se ouvir o som do corpo gigante
batendo no chão sem vida.
BUM!
O inacreditável acontece aos olhos, quem poderia acreditar que uma
mulher, muito menor e com menos da metade do peso, pode derrotar o campeão
invicto da casa, vencedor de mais de trinta lutas com os golpes fortes e ataques
fatais de violência desmedida.
Ela passa por cima do corpo esparramado no chão, sinaliza para
abrirem a jaula, sai e não olha para o que deixa jogado e morto no chão. Tão fria
e imponente quanto um iceberg à deriva, pega as suas roupas que dobrou
cuidadosamente, antes do início do que parecia ser sua morte certa e se afasta
das pessoas como se eles fossem a escória e ela a realeza.
— Eu quero ela! — O demônio anuncia sentado em seu trono, como
um imperador autoproclamado.
Logo chegará o dia em que ela desejará ter morrido hoje, Led
pensou.
— Limpe isso e me encontre no vestiário. — Ordena.
Essa se tornou a principal função do Led, limpar a bagunça do
menino mimado, no começo eram as garotas que ele se descontrolava e acabava
fodendo as coisas e não de um jeito bom. E lá estava Led, limpando a merda,
depois vieram os devedores, concorrentes e associados da máfia que brincaram
em serviço, foi assim que aprendeu desde sempre, como a máfia realmente é e
como trata quem pisa na bola.
Nikolai levanta, indo para o vestiário onde provavelmente a mulher
estaria.

Com a obrigação finalizada, Led entra no vestiário para encontrar


seu próprio demônio conjurado. Os gritos podem ser ouvidos do lado de fora,
depois da luta todos dispersaram fazendo com que os sons ecoassem ao redor
como fantasmas presos nas paredes, não precisa ser um gênio para saber que é a
mulher lutadora que grita.
Led vacila ao entrar, sabe o que está acontecendo, contudo, sem
opção de escolha caminha direto para onde os gritos ecoam, pois, o não cumprir
de uma ordem resulta em dor.
Nikolai havia imobilizado a garota que grita ao mesmo tempo que
luta contra o opressor que a fodia com aspereza, ele lambe o sangue do lábio
cortado, o rosto arranhado e a roupa completamente bagunçada, até esse
momento não há como negar que ela lutou, Nikolai bombeia nela aumentando o
ritmo e a força enquanto ela tenta em vão se soltar.
Led evita olhá-los, um vacilo que não passa despercebido.
— É para você olhar Led, veja como eu sempre tenho o que eu
quero! — A mão direita toma impulso e a esbofeteia pesadamente, em resposta
ela tenta chutá-lo. — Você é minha e logo irei quebrá-la. — Profetiza.
— NUNCA!! — Ela ruge.
Ele chega ao clímax gozando em sua barriga, como um animal
marcando território. Sorri diabolicamente vendo seu feito cheio de orgulho
profano.
— Cuide dela, leve-a para o apartamento que foi desocupado
ontem…
O que ele quer dizer com desocupado, é que ontem Led enterrou a
antiga moradora.
— …não devo dizer, que não deve tocar em meus brinquedos, ela é
sua responsabilidade. — Avisa com arrogância, passa a mão no lábio inchado,
aprecia mais uma vez o estado dela. — Devo alertá-la em não tentar fugir esta
cidade é minha, não tem um único lugar em que eu não tenha olhos, irei te
encontrar, e então, hoje terá sido apenas um aperitivo para o que eu posso fazer.
— Fecha a calça e sai encarando Led com a vitória flamejando dos seus olhos.
Ela fica onde está sem se mexer em silêncio, Led evita olhá-la pois,
ela ainda está nua e sangrando entre as pernas, ele espera, os minutos passam e
ela não se mexe, achando que havia desmaiado olha apenas para perceber que
ela está acordada olhando para o nada com seus olhos verdes desfocados.
— Posso te ajudar? — Pergunta com paciência que nunca havia
usado antes, ela o olha notando-o pela primeira vez sua presença no vestiário
vazio, com cheiro de sujeira e violência irradiando das paredes.
— Não, eu posso cuidar de mim mesma, — levanta-se, — vou tomar
um banho. — Entra no box a sua frente, liga a água entrando em baixo dela,
antes mesmo que tivesse aquecida.
Ele vira de costas dando a ela o mínimo de privacidade, não pode
sair e deixá-la sozinha facilitando assim sua fuga, alguns minutos depois o
chuveiro desliga, ela passa por ele e veste o que sobra das roupas.
— Posso passar em minha casa antes de ser levada para esse
apartamento?
Com certeza é uma forma de tentar fugir.
Ela levanta uma sobrancelha em expectativa.
— Prometo que não fugirei, é que preciso de roupas. — Aponta para
seu corpo profanado.
— Só não tente nada, ou ambos seremos castigados, Nikolai tem no
bolso cada cargo de poder desta cidade, mais da metade deve a ele e o restante
tem medo.
Ela se contenta com sua pequena vitória.
O apartamento dela não é distante da Arena, Led sobe com ela as
escadas até o segundo andar. — Moro aqui.
Entram no pequeno apartamento com ele seguindo-a todo o
momento.
Não tem nada ameaçador no apartamento de um quarto com cozinha
e um banheiro ao lado, uma cama e armário, um teclado é o que compõe sua
mobília.
— Pegue apenas o que acha necessário, Nikolai gosta de controlar o
que suas mulheres vestem, então acho que você não usará isso por muito tempo.
— Eu não sou mulher dele. — Ela bufa, coloca as roupas em uma
mala que estava dentro do armário. — Pode me chamar de Maya.
— Led.
— Mas esse não é seu nome? — Ela sorri.
Como uma criança pega cometendo uma travessura, o que é
controverso, apesar do doce sorriso angelical, nos olhos uma profundeza
sombria no tom mais escuro de verde.
— Esse também não é o seu? — Permanece impassível.
— Isso tudo é uma ilusão. — Responde emblemática.
— O que? — Pergunta sem entender, mas notando o leve sotaque
que ele não reconhece.
— Tudo e todos, você e eu somos ilusões de algo, projeção de
qualquer coisa que o mundo quer que sejamos, hoje escolhi ser a vítima e você
foi destinado ser o meu carrasco, mas sabemos… não sabemos? Que esses não
são nossos papéis originais. — Ela pisca um olho conspiratório e pega a mala.
— Está pronta? — Pergunta impaciente e incomodado com suas
palavras.
— Posso levar o meu teclado?
Meneia um sim, ela desmonta o suporte do teclado coloca o
instrumento no case, em uma mão ela leva a mala com as roupas e na outra o
teclado e o suporte, liderando o caminho de volta, Led prefere não ajudar para
dificultar uma possível fuga, como levar a ovelha para o abate.
Porém, parece até que ela quer ser abatida.
— Hoje vi em primeira mão que alguns boatos sobre Nikolai são
verdadeiros e os outros também são? — Especula decidida.
— Vai por mim é melhor não querer saber. — Ela o olha de soslaio.
— Ok. Então, como isso funciona? — Continua a conversa.
— Isso o que?
Ela o confunde com suas perguntas corriqueiras, quando na verdade
deveria tentar fugir.
O que estranhamente até agora ela não fez.
— Eu, essa coisa que estamos fazendo, serei mantida em cárcere ou
poderei sair? Posso falar com meus amigos, ou acabou a comunicação? — Entra
no carro.
— Você é louca?
— Eu não sei, ninguém nunca fez um diagnóstico sobre meu
psicológico. — Sua resposta é séria e por um momento ela parece
verdadeiramente preocupada com a questão.
— Você deve conversar com ele sobre suas dúvidas.
— Ok. Você ficará comigo o tempo todo?
— Você tentará fugir?
Somente a luz do painel ilumina, os olhos dela reflete a luz formando
um brilho fantasmagórico e enigmático como o de um gato.
— Não, mas também não prometo. — Sorri de canto.
— Você não pode falar que irá fugir, eu posso contar para ele. —
Conjectura, apertando com força o volante.
— Você vai contar? — Questiona com curiosidade.
Atenta com seus olhos verdes, ela o encara de volta sem vacilar.
— Não, mas você fugindo o deixará furioso e nós dois poderemos
pagar por isso. — Alertou apreensivo.
— Entendo, tentarei fazer isso apenas quando não estiver em sua
guarda. — A banalidade na voz dela o confunde.
Será que ela entende o que está acontecendo?
— Você ouviu o que ele disse. Ele tem olhos em todos os lugares. —
Led a alerta.
Ela olha para janela encerrando assim a conversa estranha.

— O apartamento é esse, a direita fica a suíte principal que será a


sua, aqui a sala de estar, à esquerda a de jantar e a cozinha, fico no quarto de
empregados depois da cozinha. — Aponta para porta, — não tente fugir o
edifício é vigiado por câmeras e na portaria por capangas do Nikolai. —
Aconselha.
— Tem câmeras aqui dentro? — Seus olhos parece arrolar tudo ao
redor.
— Não, apenas da porta para fora.
— Isso parece bom, de quem era esse apartamento? — Ela caminha
olhando ao redor.
— Sempre foi do Nikolai.
— A decoração foi ele? — Ela dá alguns passos para centro da sala.
— Acho que quando ele se apossou desse apartamento ele já estava
decorado.
— Os proprietários mereciam morrer por isso. — Sorri com escarnio
olhando para o sofá de couro preto. — Isso é horrível olha essas cortinas e esse
sofá. — Faz careta. — Isso foi legal na década passada, mas agora… — Balança
a cabeça em negativa.
— Já morreram. — Led conta, olhando a sua volta vendo o que
exatamente ela não gostou, para ele parece bom, mas quem é ele par opinar
sobre decoração.
— Isso acontece com todos um dia. — Maya passa o dedo pela mesa
de centro. — A limpeza é feita por quem?
— Tem uma faxineira que vem uma vez por semana.
— Cozinheira? — Ele faz que não. — Quem faz as compras?
— Você me informa o que quer, eu providencio e o mercado entrega.
— Menos mal, você cozinha? — Ela anda curiosa para a janela
olhando para fora de onde se pode ver o Rio Neva e as cúpulas da Catedral do
Sangue Derramado.
— Não, geralmente me alimento na rua.
— Isso não parece saudável, eu cozinho. — Afirma, ele dá de
ombros, sem saber como responder.
— Ele costuma dormir aqui quando vem visitar?
— Não, ele nunca dorme fora. — Informa enquanto a observa andar
de um lado para outro.
— Ótimo, tem outro quarto além do principal?
— Tem, mas é menor. — Reponde intrigado sem saber onde ela quer
chegar.
— Tudo bem só dormirei lá, mas caso ele pergunte eu durmo no
principal, ok? — Ela olha para dentro de seus olhos aguardando a resposta não
se acovardando diante do tamanho dele.
— Acho que sim. — Desde que fique no apartamento, foda-se onde
ela dorme. — Preciso do seu celular e qualquer equipamento eletrônico que
tiver? — Ele tenta soar amigável, pois esse sempre foi um momento difícil
quando as amantes entendem no que verdadeiramente se meteram.
Ela aperta mais a alça do case do teclado junto do corpo.
— Ele quebrou meu celular no vestiário e, não tenho nada a não ser o
meu teclado. — Consterna.
— Fique com o instrumento, mas não deixe que ele o veja, Nikolai
destrói tudo que possa ser minimamente importante para alguém se souber que
isso pode te afetar de alguma forma. — Ela assente com a cabeça e começa a se
afastar. — Porque estava no Arena hoje? — Ela olha por cima do ombro.
— Era o único jeito. — Confessa. — Obrigado por hoje, mas se me
der licença preciso dormir, vejo você amanhã. — Deu as costas e caminha para o
quarto, Led segue para o dele, em completa confusão.

— Olá sou o Destino, é para mim de suma importância


acompanhar o decorrer da vida dessas pessoas, pois admito.
Eu falhei, mas estou em meu caminho para reparar meu erro.
"Por que você não descobre por si próprio, então você verá o
vidro escondido na grama.
Estou doente de coração é assim que as coisas são".
(Why Don't You Find Out For Yourself – Morrissey)
CAPÍTULO 2
LED

O cheiro que vem da cozinha é mágico, baunilha adocicado, ele


levanta e segue o aroma como se fosse um desenho animado voando com a
névoa aromatizada. Maya está desformando o bolo recém-assado e na mesa tem
uma cesta de pães e a máquina de café apita, parece quase uma miragem.
— Bom dia! Já estava indo te chamar. — Ela fala enquanto coloca o
bolo na mesa.
Ele pisca hesitante.
— Por que, faltou alguma coisa?
Tudo parece em ordem, procura por algo errado.
— Não, para você tomar café da manhã. — Maya sorri obsequiosa.
Suas sobrancelhas levantam com surpresa, duvida e desconfiança.
Muita desconfiança.
— Como? — Pergunta confuso.
— Sente-se. — Aponta a cadeira, com receio Led senta, ela se serve
de uma fatia do bolo. — Gosta de café?
— Sim.
Ela levanta pega uma das xícaras e o café da máquina.
— Quanto de açúcar? — Pergunta.
Que porra é essa!
Os punhos cerram nervosamente. Ela fica impassível à espera de
resposta desarmando-o.
— Sem açúcar? — Responde entre dentes.
Ela franze o nariz delicado.
— Café adoçado já não me agrada imagina sem. — Serve ele a
xícara cheia e depois volta a sentar, começando a comer enquanto Led fica
olhando conjeturado. — Não gosta de bolo? Tem ovos, posso lhe fazer uma
omelete se quiser?
— Que porra você está fazendo? — O rosto endurece chegando a seu
estopim.
— Não se deve falar assim a mesa, — ela respira fundo, — bom…,
se não gosta de bolo e não quer uma omelete, o que você quer comer no seu café
da manhã? — É notável o esforço dela para a voz sair calma e controlada.
— Se você está fazendo isso em troca de ajuda para fugir, é perda de
tempo.
Ela o olha com os olhos indecifráveis, então sorri.
— Não quero sua ajuda, estou onde preciso estar, quero apenas lhe
servir um café da manhã decente. Se por gentileza você falar o que deseja comer,
irei prepará-lo sem pedir nada em troca. — Por um instante apenas mira seus
olhos com paciência.
Led suspira, pondera e dá a ela o benefício da dúvida.
— O bolo parece ótimo.
Ela sorri agradecida, corta uma fatia e o serve, em nada se parece
com a mulher da noite passada, Led dá uma garfada no bolo e o sabor explode
na língua, nunca ninguém serviu a ele nada tão bom, sem que esteja pagando.
— Bom? — Ela dá uma garfada também e bebe o que parecia ser
achocolatado em sua xícara, ele faz que sim de boca cheia. — Nikolai costuma
ligar para avisar quando virá?
— Sim, ele faz, para que se possa cuidar da segurança.
Ela come mais.
— Então, ele nunca vem sem aviso? — Se atenta.
Led come mais e bebe o café, saboreando sua primeira refeição
caseira em muito tempo.
— Nunca aconteceu.
Ela reflete a resposta dele.
— Com que frequência você tem folga?
— Nunca.
— Mas você disse que não ficará comigo a todo momento. — Diz
incerta.
— Tenho cobranças para fazer para Nikolai duas vezes por semana.
Ela levanta a sobrancelha.
— Você corre algum risco fazendo isso? — Pega um pão.
— Sempre tem o risco. — Ele pega mais bolo.
— Tome cuidado. — Ele congela com o tom de preocupação. —
Preciso de alguém para treinar, você poderia me ajudar? — Sua voz é doce e
afetuosa.
— Acho que sim.
Depois que terminam o café, Maya informa que como cozinhou ele
limpa, se esse é o preço pela primeira refeição caseira que tem em anos, onde foi
tratado como igual e não como um animal em muito tempo, pagará com prazer.
Led a ajuda treinar por quase duas horas, vendo-o que não sabia lutar
corretamente, de sparring passa a aluno, ela ensina vários golpes e posições de
defesa, os golpes rápidos muitas vezes o confunde e com paciência ela repassa
cada um deles até ele aprender.
— Apesar de falar bem a minha língua, eu não reconheço o seu
sotaque, de onde você é?
Ela desfere um golpe, ele esquiva.
— Do mundo. — Responde enquanto o golpeia.
— Seus amigos, ontem você mencionou sobre se comunicar com
eles?
Ela dá a volta nele e tenta golpear por trás, ele consegue se esquivar
e contra-ataca.
— Parece que não farei isso por um tempo, não é? — Ela salta na
intenção de chutá-lo alto, ele segura sua perna com as duas mãos, mas não vê a
outra perna o enredar e rapidamente ela está agarrada a ele. — Não subestime
seu oponente. — Ficam cara a cara, mirando os olhos brilhantes e o sorriso dela.
— Você é rápida. — Ele a mantém na mesma posição.
— É a vantagem do meu tamanho.
A mão dela corre o rosto dele, lembrando-o remotamente um
carinho, mas há muito tempo ninguém o acaricia, ele não teria como identificar o
pequeno gesto.
— Está bom para hoje, treinaremos mais amanhã. — Com um
impulso ela se solta e volta ao chão.
Deixando-o abalado.

O aroma da carne sendo preparada enche a casa, o estômago de Led


grita por atenção, Maya está na cozinha preparando o maior bife que ele já viu.
— Como você gosta do bife?
— Como assim? — Olha confuso para ela.
— Malpassado ou bem passado? — Ela joga algum tipo de tempero
na carne.
— Por que você está fazendo isso! — Grita.
Ela não tem o direito de mexer assim com a sua cabeça, já é
castigado o suficiente, pensa com dor.
— Fazendo o quê? Preparando a sua comida?
Faz que sim por que se falar, tudo desmorona.
— Ninguém nunca te preparou nada?
Fez que não.
— Bem se acostume com isso.
— Porquê? — Sussurra.
Por que ela continua fazendo isso?
Quando em breve será ele a matá-la ou enterrá-la quando aquele
demônio se enjoar de mais um brinquedo.
— Eu sei o que você está pensando e, não se preocupe comigo agora,
no momento certo você pensa no que deve ser feito. — Sorri complacente, em
seus olhos um brilho indefinido. — Agora se você gosta de bife malpassado,
perdemos a chance, — ela tira a carne do fogo e coloca no prato, — fiz salada,
gretchka[2] e batatas para acompanhar espero que goste. — Ela o serve e indica a
cadeira para sentar à sua frente.
Depois se serve e começa a comer, corta o bife enquanto ele ainda
olha para ela tentando decifrar o que se passa em sua cabeça, por fim, ele corta
um pedaço do bife e leva a carne a boca, o sabor estava além de delicioso.
— Está muito bom!
Ela sorri satisfeita.
— Você não imagina como isso me alegra.
Mesmo que ela ganhe sua confiança, ele não pode salvá-la.
— Nikolai tem muitos inimigos?
— Muitos, como você percebeu, ele não é o tipo de homem que
arrebata corações. — Continua comendo.
— Mesmo entre a família mafiosa existe rivais? — Ela cortou outro
pedaço do bife e leva a boca com displicência.
— Eu vejo olhares, mas ninguém com bolas suficientes para tentar
algo.
Ela fez cara feia por causa de sua escolha de palavras.
— Entendo. — Continua comendo. — E fora da família?
Led para de comer.
— Porque quer saber?
Ela não vacila o olhar.
— Come antes que esfrie. — Ele pega um pouco de salada. — Quero
saber, porque minha vida depende de saber onde estão os meus inimigos, que no
caso são os inimigos dele, uma vez que estou sendo mantida presa aqui com
você, a mando dele. Sou um alvo.
— Ninguém nunca se aproximou dos brinquedos dele, você deveria
se preocupar com ele e não com os outros. — Alerta.
— Não é como se estivesse em posição de poder escolher, eu só não
quero ser pega no fogo cruzado. — Ela volta a comer. — Ele tem muitas outras?
— Sim ao menos mais duas. — Também volta a comer a comida,
que está muito boa para desperdiçar.
— Algumas delas é oficial? — Ela bebe o suco servido em copo
bonito.
— Não.
— Elas moram neste edifício ou em outros lugares?
— Em outros, cada uma em um endereço diferente.
Ela come e mastiga com calma e até mesmo com beleza.
— Suponho que ele dorme em algum lugar fixo?
— Oh sim, o merd… — Maya levanta a sobrancelha em aviso, ele
reformula. — Ele ainda dorme na casa que era de seus pais. Ele faz parecer que a
casa está desabitada, mas é para lá que ele vai toda noite. — Termina o bife.
— Coma mais salada. — Oferece.
Ele come a salada, que para ele está boa mesmo com essa porção de
verde que não costuma comer.
— Onde está sua família?
— Não tenho. — Responde ríspido.
— Sinto muito.
Com isso cessaram as perguntas e comem em silêncio.
Pouco depois do almoço, as novas roupas dela chegam, e são
colocadas no quarto onde ela finge dormir.
Para o jantar ela prepara um caldo e pão que ela assou com folhas
verdes em cima.
— Eu não tenho costume de comer nada pesado durante a noite, mas
se isso te incomodar posso preparar alguma coisa para você, talvez um
sanduíche? — Oferece, franzindo a testa incerta.
— Não, isso parece ótimo.
Ela o serve novamente.
— Tem uma adega aqui, pode pegar o que quiser dela. — Led
oferece.
Ela contempla seu olhar, por um momento hesitante.
— Prefiro não beber.
— Por quê?
Lembra-se das outras que praticamente se jogavam na adega, como
única forma de escape, isso quando não imploravam por alguma droga ou
cessavam com suas vidas elas mesma, quando não conseguiam mais suportar as
atrocidades de Nikolai.
— Sugiro que você também não beba, isso atrapalha seu poder de
reação e te deixa lento. — Maya o alerta.
— As outras não pensavam desta forma. — Diz.
— As outras não me importam — Maya responde. — Você cuidava
delas também?
— Não, mas era obrigado a participar. — Responde e sente o
estômago apertar e formar nós.
— Por que você está com ele?
Foca o olhar nela, o verde está claro deixando-os penetrantes, como
se pudessem enxergar além.
— A morte é a única que pode me libertar. — Fala sua verdade. —
Você não imagina como é ter uma vida em completa escuridão. — Algo nela o
faz querer falar coisas que não gosta nem de lembrar.
— Eu não preciso imaginar para saber como é.
Terminam de comer em silêncio.
— Nikolai virá hoje. — Avisa.
— Faz uma semana, pensei até que havia me esquecido. — Ela
caminha para o quarto e para antes de entrar. — Obrigado.
Ele meneia levemente a cabeça, tentando não visualizar o que está
preste a acontecer com ela.
O demônio chega por volta das nove horas e foi embora por volta da
meia-noite, Led ouviu os gritos que vinham do quarto principal e tentou se
manter distante.
— Ei, Led? — Ela adentra o quarto dele sem bater na porta.
— O que foi, você está bem?
Olha para o corpo e nada parecia fora de lugar ou machucado, mas
Nikolai aperfeiçoou a arte de torturar sem deixar marcas, mas que fosse o
suficiente para causar dor, muita dor.
— Sim estou, ele me deixou sair amanhã para fazer compras, disse
que te avisaria, você sabe onde iremos? — Sonda.
— Geralmente as mulheres dele fazem compras no shopping Galeria
no centro ele tem as principais grifes e essas coisas de moda.
— Ok, sei qual é, podemos ir amanhã depois do almoço? —
Pergunta indecisa.
— Acho que sim. — Ela sorri em resposta.
— Podemos ir no Hermitage também? — Claro que pelo sotaque ela
não é local, mas não imaginou que Maya fosse uma típica turista.
— Não seria uma boa idéia, Nikolai não aprovaria. — Ele nota a
decepção no olhar dela.
— Tudo bem, obrigado, Boa noite! — Ele nota nos olhos dela o
mesmo brilho indecifrável que vira antes.
— Boa noite! — Responde vendo-a sair com passos seguros e
decididos, talvez Nikolai não a quebre tão facilmente. Talvez.
O que só torna pior a vida dela, porque ele a matará tentando.
No caminho para o Galeria Led fez questão de passar pelo
Hermitage, não poderia parar e levá-la para um passeio completo no museu, mas
poderia fazer um desvio para que ela veja a opulência do que um dia foi o
palácio de inverno da aristocracia russa.
Maya admirou atentamente tudo que podia ver, fazendo uma
pergunta ou outra sobre os lugares que passavam.
— Como as compras funcionam? — Ela pergunta quando ele
estaciona o carro.
— Como assim?
— Você me segue em todos os lugares sempre ao meu lado ou
mantém uma distância? — Levanta a cabeça para olhar em seus olhos.
— Eu posso manter distância, as pessoas geralmente ficam
assustadas ao meu lado.
Ela encara os olhos roxos dele como se eles fossem a porta para um
novo mundo.
Ou talvez um mundo conhecido ele não sabe o que espera dela e isso
nunca lhe aconteceu.
— Por que você está fazendo isso? — Estavam lado a lado.
— É só mais uma forma dele me torturar. — A dúvida prolifera seu
olhar. — Faz tanto tempo que vivo nesse inferno que nada que ele faz me atinge,
mas no momento que hesitei em olhar para vocês no vestiário na primeira noite,
foi o suficiente para ele.
— Porque hesitou em olhar? — Seus olhos se encontram.
— Não sei, você estava lá indefesa mesmo tendo derrotado o cara na
jaula, eu reconheci a dor em seus olhos e de alguma forma isso foi demais,
mesmo para mim que vivi uma vida maldita. Não era certo, não era… — A mão
dela toca a dele de leve, permanecendo em silêncio por um tempo.
— Porque você falou que as pessoas ficam assustadas? — Ele não
queria falar o óbvio, mas ela não sairia sem uma resposta.
— Minha aparência, me acham assustador. — Confessa tentando
parecer indiferente, enquanto sente a dor do golpe e da possível rejeição dela.
— Idiotas, você não é assustador, no entanto por causa do seu
tamanho físico deva intimidá-los, mas definitivamente não é feio. Não deixe que
esse tipo de coisa chegue em você, nesse cenário é você que detém o poder e não
o contrário. — Com isso ela sai do carro.
Por mais que Led tente manter a distância, Maya fica ao seu lado,
param em uma loja de roupas femininas, ela olha alguns vestidos quando outra
cliente se aproxima dela e começa a conversar sobre as roupas que estão vendo,
foi rápido, mas Led notou a mulher entregar a Maya o que parecia ser um
embrulho pequeno junto com algumas roupas.
— Eu vou experimentar essas peças. — Ela avisa a Led, a mulher
segue para o caixa com algumas peças de roupas, ele fica na posição onde
poderia ver a cabine de prova e a mulher que sorri e conversa com a caixa
enquanto paga, logo ela sai segurando suas sacolas.
— Maya? — Led, chama de fora do provador.
— Aqui! O zíper do vestido emperrou, você pode ajudar? — A porta
abre e ela sai de costas com o vestido meio aberto, rapidamente ele olha a cabine
não encontra nada suspeito, com um puxão fecha o zíper. — Obrigado. — Ela se
olha no espelho. — Gostei, agora abre o zíper, para que eu possa tirar. — Ele
abre o zíper, ela volta a cabine e fecha a porta, Led tem a certeza que viu alguma
coisa, mas nada parecia fora do lugar e ela ainda estava com ele.
Passam a tarde entrando de loja em loja ela conversa com todos de
forma aberta e despreocupada, a desconfiança passa a ser o terceiro membro
deste passeio.
— Podemos comprar algumas coisas para você, algumas roupas que
realçaram sua beleza?
— Não é necessário eu não quero tomar seu tempo.
Led se olha no espelho a frente e avalia o reflexo, calça jeans e
camiseta, a calça está disforme e a camiseta parece muito larga em seu corpo,
mas com o tamanho dele e falta de atenção que os vendedores lhe oferecem,
fazer compras nunca foi prioridade.
— De forma alguma, adoraria ajudar você. — Sua voz é calma e
seus olhos estavam claros e brilhantes. — Adoro fazer compras, vamos a uma
loja de roupas masculinas.
Tomado pelo ânimo contagiante dela, Led segue ao seu lado.
Ela escolhe uma infinidade de roupas desde de as mais casuais até
algumas sociais mais apresentáveis das que ele tem no armário.
— Agora sapatos, você precisa de sapatos melhores e mais
confortáveis!
Seguem para próxima loja, onde ela escolhe sapatos e mais sapatos,
ele nunca gastou tanto do seu dinheiro com esse tipo de coisas, mas ela faz tudo
parecer divertido, suas dicas do que combina com que, mesmo que não estivesse
prestando atenção o fez sentir não inferior, um raro momento de humanidade.
— Vamos, tem um último item que você precisa desesperadamente.
A loja de cosmético tem cheiros de todos os tipos, ao entrar foi como
levar um tapa com fragrâncias diferentes, ela conversa com uma atendente e
ambas olhavam-no e voltavam a conversar, foi no mínimo incomodo, a
atendente sorri para ele, que olha para trás achando que era para outra pessoa, o
que fez as duas rirem mais, deixando-o envergonhado e enraivecido.
— Pronto, a atendente forneceu tudo que precisamos.
— Acabou. — Led fala de forma dura.
— O que foi? Por que está assim? — Maya parece genuinamente
preocupada.
— Olha, eu não sou um macaco de circo ou um bicho de zoológico.
— Cada palavra sai, uma mais afiada que a outra.
— Sim, eu sei e, por que você acha que é um? — Pergunta confusa.
— Você e aquela atendente. — Respira, segura as sacolas com tanta
força que seus dedos e mãos protestam. — Esquece, se você terminou, podemos
voltar?
Por um momento ele havia deixado ela entrar em sua pele, fazendo-o
sentir minimamente algo.
— Não estávamos rindo de você, mas para você, ela ajudou a
escolher alguns produtos. Vamos já terminamos.
Voltam em silêncio todo o caminho até dentro do apartamento, Led
ajuda a levar as compras dela até seu quarto, de mentira.
— Olha essas coisas são para você. — Ela entrega a sacola da loja de
cosmético. — São xampu e condicionador para seu cabelo, vai ajudar a deixar
ele natural e em um branco bonito. Você por ser albino não pode usar qualquer
produto no cabelo e sua pele precisa de cuidado especiais, a vendedora também
colocou filtro solar e hidratantes corporais para te ajudar, se você não gostar ela
informou que é para voltar lá e verificar outros produtos que goste. É isso,
obrigado por hoje.
Ela está de frente a ele e parecia chateada, Led por sua vez sentia-se
um idiota por ser aquele que tirou seu sorriso do rosto.
Eles têm tão poucos momentos sem dor.
— Desculpa não quis estragar seu dia, eu nunca fui tratado como
você me trata, sempre fui o estranho e o pária, por isso achei que estavam rindo
de mim.
Ela levanta a mão e toca seu rosto com ternura.
— Não sei por quanto tempo você tem se visto desta forma, mas
você não é estranho e muito menos um pária, não deixe chegar até você. Seja o
senhor do seu mundo e leve apenas o que você deseja e deixa o que você não
quer. Agora se abaixe? — Ele se abaixa duvidoso e ela lhe dá um beijo no rosto.
— Você é muito alto. — O sorriso imantado dela acaba por atrair o dele. — Olha
só, ele sabe sorrir, é lindo!
Mesmo tentando segurar, o sorriso impertinente não quis voltar de
onde veio, sem jeito Led dispara do quarto com pressa e sem ar.

Nikolai
Brincando de fazer compras?
Ela é minha!
Lembre-se o que acontece com quem toca no
que é meu.
03:27 pm

A mensagem brilhou até a tela apagar, nada nunca pode ser bom.

Uma rotina foi instaurada dentro do apartamento da cobertura,


quando não tem as visitas do demônio, esse se tornou seu lugar preferido do
mundo, Maya muitas vezes toca o teclado para ele ouvir, conversavam sobre
qualquer coisa. Ela reclama do frio extremo do inverno, da falta de luz solar no
meio da tarde e por ficar presa no apartamento, ela pergunta sobre os lugares que
ele gosta de ir, Led conta para ela cada detalhe que lembra e de como gosta de
andar nas margens do Rio Neva, queria poder contar mais, mas assim como
Maya ele também está aprisionado e muito do que vê não seria divertido de
contar. Quando ela está no auge do seu aborrecimento por estar enclausurada,
empurra os moveis da sala para as extremidades, coloca música para tocar e com
muita insistência o convence a dançar e como é com ela, é divertido, mesmo
resistindo Led não pode evitar que ela entrasse pelas frestas em sua barreira,
Maya é a mulher mais forte que já conheceu, mesmo assim ela é doce, afetiva e
em alguns momentos delicada.

— Olá, eu voltei! O que Led não sabe é que aos poucos


também entrou pelas frestas da barreira de Maya e está
enraizando-se em um território inexplorado.
Quando se é criando em um molde específico, quebrar as
barreiras que te cercam parece ser algo quase impossível,
mas não é, tudo é uma questão de escolha. Mesmo quando se
perde a esperança.
“Assim como todo policial é um criminoso e todos os
pecadores são santos, assim como cara é coroa, simplesmente
me chame de Lúcifer”.
(Sympathy for The Devil – The Rolling Stones)
CAPÍTULO 3
LED

— Led, amanhã será seu dia de folga? — Maya pergunta com


diversão nos olhos, o garfo que ele está levando à boca para no meio do
caminho.
— Por quê?
Ela sorri esperta com olhos indecifráveis.
— Quanto menos souber melhor. Então? — Levanta a sobrancelha
incitando-o a não seguir por esse caminho.
— Sim, terei que fazer algumas cobranças e não estarei por aqui por,
pelo menos, umas dez horas. — O garfo de Led finaliza o trajeto.
Ela sorri.
— Ótimo, espero que não goste de quem ficará em seu lugar
amanhã. — Bebe um pouco do suco em uma golada leve, os olhos verdes olham
além da janela.
— Você sabe que não será somente ele a ser prejudicado, não é? —
Led levanta seu copo de suco e dá um grande gole e olha diretamente para ela.
Tudo que enxerga é uma incógnita, como um criptograma que ele
não consegue resolver.
— Eu sei e calculei isso também. — Maya levanta da mesa, leva o
prato para pia. — Como cozinhei, você limpa. — Sorri.
O que essa mulher não tem em tamanho, tem em loucura, ele termina
a refeição e lava a louça. Deveria informar ao Nikolai sobre seus planos para
amanhã, o que faria com que ele batesse o inferno nela, dos dois jeitos ela
sofrerá.
Que diferença faria se contar?
Dentro do clausuro de seu quarto ele toma vários comprimidos para
dormir, já que um ou dois não faria efeito, combina com uma dose generosa de
whisky, logo o sono chegaria.

São duas horas da tarde quando o alarme da fuga dela vem por
mensagem, ao ser questionado negou conhecimento, pela primeira vez Led fica
minimamente contente em ver Nikolai ser desafiado debaixo de seu nariz.
Nikolai diante da insolência dela, mobiliza todos para procurá-la,
unicamente para mostra-lhe poder quando a achar.
Porque ele a acharia.
Ao entrar no apartamento pela área de serviço, ouve os gritos e
ofensas, não entra onde eles estão e deixa que os seguranças da portaria avise a
Nikolai que ele chegou, pois sabe que a informação só chegará quando estivesse
indo embora e, assim não será obrigado assistir.
Do seu quarto Led ouve tudo que dizem e pelos sons sabe
exatamente o quanto Nikolai bate nela e até os momentos em que ela revida,
cada som do punho a acertando é como voltar ao passado e reviver o quanto ele
mesmo fora espancado e violentado desde criança, como sendo nada além de um
objeto. Cada vez que revidou sofreu mais agressões, privações extremas, ou tudo
de uma vez, com o tempo simplesmente parou e aceitou. Nikolai regozija em vê-
lo tão completamente quebrado, ainda mais por que o tamanho e força de Led
supera o dele, parecia fazê-lo gostar ainda mais de castigar e subjugá-lo.
Sem poder revidar, Led passou a descontar sua impotência em um
ringue, logo Nikolai viu potencial e o colocou na jaula do Arena, ainda
adolescente Led já brigava constantemente por sua vida. Aceitou tudo de cabeça
baixa, um dia o demônio se cansou da brincadeira, desde de então, Led vive à
margem para sobreviver um dia após o outro com o inconstante sadismo de
Nikolai à espreita.
— Sua cadela! Espero que tenha aprendido a lição, esta cidade é
minha. Eu controlo todos nessa maldita cidade e não há um único lugar para se
esconder de mim!
A porta bate e o silêncio perdura por toda casa, Led entra na sala e à
encontra jogada no chão olhando para o corpo morto do capanga designado a
vigiá-la. Os hematomas já começam a ficar em seu tom mais escuro, seu rosto o
contraste perfeito e imaculado se comparado com o resto do corpo.
Ela sorri calmamente.
— Esse cara era um idiota perfeito. — Refere-se ao capanga morto e
de jeito desordenado levanta-se nua coberta de hematoma e resquícios de
sangue.
— Espero que tenha valido a pena. — Com as mãos oferece ajuda,
mas ela se afasta negando com a cabeça.
— Não imagina o quanto.
Mancando e tropeçando cambaleia até o quarto, deixando o morto e
Led na sala, que agora exala por suas paredes a tensão do confronto sucedido
entre elas.
— Louca. — Ele olha o morto. — Você era um idiota mesmo, foi
tarde. — Chuta-o no estômago do recém-falecido.
Como a ordem é nunca deixá-la sozinha solicita o serviço de limpeza
para darem um jeito com o corpo, não demora muito eles chegam e limpam.
Led encerra a noite e antes de ir para cama ingere vários
comprimidos junto com whisky, ao fechar os olhos podia ouvir os gritos dela
misturados com o dele e no fundo os risos diabólicos de Nikolai. Dormiu um
sono pesado, não o tipo de sono depois de um dia trabalho de uma pessoa
comum, o dele vem acompanhado de um rio de torturas, destinado a poucas
pessoas no mundo, implorou ao divino que durante seus sonos não houvesse
sonhos, pois de nada adiantaria vislumbrar o que não se tem e de pesadelos já
basta a sua vida, esses poucos dias com ela e já não será capaz de voltar em
como era antes.
O que torna tudo muito pior.
Às vezes deseja que Maya o trate como todos fazem, assim a dor
será menor quando ela se for, ou pior quando for ele a dar o golpe final que à
libertará do mundo, mundo esse que Led não entende porque fizera isso com ele.
Nunca entendeu porque é tanto penalizado, se o que dizem de carma é verdade,
ele deve ter sido o diabo a andar na terra em outra vida.
Dias se passaram até que Maya estivesse melhor, as visitas de
Nikolai se tornaram constantes, como se não fosse capaz de se afastar dela, até
mesmo liga para ter relatórios diários, quanto mais bate mais ela revida e mais
ele vicia. Cruel como é, muitas das vezes obriga Led assistir, Maya não chora e
nem implora por sua vida, algumas vezes Led intervém, alertando Nikolai sobre
o quão perto está de matá-la nesse momento, torna-se seu alvo.
A violência de Nikolai não tem um tipo ou preferência, tudo que ela
quer é se alimentar.

MAYA

Nesses poucos dias com Led, a real motivação dela mudou


drasticamente.
Maya relutou com o desejo de mudança, mas não importa o quanto,
ela sempre perde essa batalha. Um novo tipo de força cresce nela, um desejo de
cuidar e proteger. Ela achou ser impossível tal sentimento brotar, estava tão
quebrada que aceitou o buraco negro que suga tudo dela, até mesmo sua vontade
de viver.
Contudo em Led ela o enxergou como igual, os sinais da
autodestruição nele é tão evidente quanto os dela, inicialmente sabia que ele
seria um alvo fácil para realizar seus objetivos, mas agora…

LED

Ele sofre cada golpe violento por Maya, que está deitada no chão
assistindo à demonstração de poder de Nikolai sobre ele.
Ela passa força através de seus olhos, quase que um pedido
silencioso para aguentar o quanto podia por ela.
— Obrigado. — Ela sussurra e se arrasta até ele, depois que a porta
bate com força, dando fim a mais uma noite de terror.
Led permite que ela se aproxime, pela primeira vez não está sozinho
na escuridão e mesmo machucada a luz dela brilha para ele, como um farol
sinalizando o caminho de volta, ele a enjaula em seus braços com cuidado, ainda
que a segure como se ela fosse sua tábua de salvação.
— Por que você faz isso…? Chegará o dia em que ele não irá parar.
— Respira fundo e com dificuldade, uma costela ao menos está quebrada.
— Porque preciso. — Foi a resposta de Maya, ele a aperta mais e ela
segura os braços dele com os dela.
Teme por ela, por não ser forte o suficiente para ajudá-la a fazer o
que for preciso para conseguir fugir, nunca houve ninguém que chegou tão perto
de conquistar a liberdade do mundo em que vive, mas se alguém tem uma
chance esse alguém é ela,
Nem que para isso ele tenha que ser o sacrifício.
Ficam assim por quase uma hora, quando se levantam para irem
lamber suas feridas no clausuro de seus quartos, eles se olham, em cada olhar
uma promessa. Nos dela a liberdade e nos dele o sacrifício. Eles tem metas que
nunca tiveram antes e mesmo perdendo para que a salve é a maior e melhor das
vitórias.
Em seu quarto Led toma mais comprimidos e duas doses de whisky,
não está longe o dia em que ele não voltará, mas nesse momento ele deseja ter
apenas mais alguns dias, então, no fim a morte pode levá-lo de vez.

— Amanhã é sua folga, correto? — Eles mal se curaram da surra que


tiveram há duas semanas.
— Você deve parar ou morrerá se continuar assim. — Led alerta.
— Ainda não. Sabe estamos nesse lugar há três meses e não sei
quase nada sobre você, conte-me o que gosta de fazer, quando não está socando
algo como se fosse a cabeça do Nikolai? — Maya coloca as duas mãos em volta
do seu rosto, parecendo uma criança ávida por uma história.
— Não sei, assisto algum jogo, alguma merda da TV, e você? —
Devolve enquanto admira o grande par de olhos verdes a sua frente.
— Eu toco, leio muito, assisto a merdas da TV, mas esse último só
faço se valer a pena, se não, é uso desnecessário da minha memória. — Ela sorri.
— Já assistiu Games of Thrones? — Pergunta animada.
— Não, é um filme novo?
Sua risada o fez sorrir também.
— Não seu tolo, — riu, — é uma série baseada nos livros de George
R.R. Martin, chamado as Crônicas de Gelo e Fogo a obra ainda está inacabada,
mas a série é ótima. — Levanta da mesa, levando a louça do café da manhã para
a pia.
— Se você quiser podemos assistir depois que limpar a cozinha.
Ele nunca viu um sorriso tão iluminado nela a ponto de chegar a seus
olhos, que estão claros quase cinza.
— Tem certeza? — Pergunta em dúvida.
— Nikolai não vem hoje, portanto podemos assistir. — Ele confirma.
Ela se anima e ele também.
— Enquanto arruma a cozinha, vou arrumar a sala para assistirmos,
você gosta de pipoca? Deixa, eu vou fazer de qualquer jeito.
Seu ânimo o contagia causando a sensação de aquecimento que
nunca sentiu.
Sentir não era uma opção, mas por ela, ele se permitiu um pouco.

Começam a assistir, parando apenas entre um episódio e outro para ir


ao banheiro.
— Esse Ned Stark é foda! — Led afirma com a boca cheia de
pipoca, ela ri a ponto de sair lágrimas dos olhos. — O que foi?
— Nada… é que a piada nunca perde a graça… — Mais risos.
— Não! — Ele grita quando menino Bran é jogado da torre. — Mas
que merda, eles são irmãos! — Sua testa vinca em aversão a cena na televisão,
Maya se arruma melhor ao redor dele. — Joffrey e Viserys, poderiam ser filhos
do Nikolai. — Led fala enquanto arremessa pipoca na boca da Maya. — Ele era
desse jeito quando criança e só piorou.
— Você passou todo esse tempo com ele? — Os olhos dela se
arregalam, ele faz que sim com a cabeça.
— Tem algumas vidas que não consigo entender a motivação dela na
terra. — Led expôs a questão que martela em sua cabeça com frequência. —
Coitada da loba. — Arfa.
— Meu lobo preferido é o Fantasma, — ela o olha com espanto, —
você…
— Eu o quê? — Tony olha a volta, limpa a boca com restos de sal da
pipoca incomodado com o olhar estranho dela.
— Você lembra o Fantasma! — Notando o sorriso fraco dele, ela se
explica apressada. — Ele se tornará importante ao longo da narrativa, será o
melhor aliado e protetor do Jon na Muralha e além dela, como os outros lobos
ele é confiável, valente e extremamente leal.
Um sorriso acanhado escapa dele ao ouvir as palavras que se
assentam e grudam como concreto no seu interior.
— E você quem é nessa série?
Seus olhos brilham.
— Ninguém. — Sorri austera e enigmática. — Com certeza sou uma
Stark. Você também pode ser a personificação Rhaegar Targaryen, se deixar o
cabelo crescer um pouco mais ficará tão lindo, quanto falam dele nas canções
que o homenageiam. — Ela parece adorar vê-lo encabulado.
— Obrigado, eu acho. — A noite se aproxima e não se importaram,
se fosse morrer hoje ao menos teriam tido um bom tempo, um tempo somente
deles, dentro de uma bolha perfeita delicadamente construída em um mundo
imperfeito.
— Hoje não! — Maya fala.
Ele vira para encará-la. — O que? — Escapa de seu devaneio.
— É o que se deve falar para a morte. — Aponta para TV, que
mostra a cena da personagem Arya com o tutor de esgrima, por um momento ele
pensou que ela sabia o que estava pensando, bagunça o cabelo dela.
— Não!!!! — Passa as mãos pelo rosto. — Como você pode fazer
isso? Me apaguei a ele, agora ele perdeu a porra da cabeça! E você não avisou!
— Led protesta. — Por isso estava rindo… — Ele a ataca fazendo cócegas que
os faz cair no chão, em meio a risos e pedidos de clemência, devidamente
ignorados. As dores em seus corpos parecem ter dado a eles o dia de folga.
Mas também pode ser o fato de que se acostumaram com elas, é um
risco. Quando se apanha com muita frequência a resistência se sobrepõe até
mesmo sobre dor.
— Não podia atrapalhar sua viagem. — Maya responde rindo. — Os
impactos são a maior coisa dessa série.
— Ao menos o Rob irá vingá-lo? — E novamente ela começa a
gargalhar e a chorar de tanto rir. — Ele não vai? — Pergunta confuso e em
negação, enquanto ela sorria cada vez mais.
— Sabe, uma pena mesmo é o Khal Drogo, eu meio que gosto dele.
— Maya fala deixando-o horrorizado.
— Agora é oficial você é mesmo louca. — Joga pipoca nela que bate
em seu rosto e cai no chão.
— Já disse, eu não tive diagnóstico sobre qualquer tipo de transtorno
psicológico. — Fala séria, mas franze o nariz mostrando que não é tão sério
assim, sem resistir por mais tempo ele toca o nariz franzido dela como se ele
fosse um botão delicado.

O aviso de fuga veio logo pela manhã, Nikolai parece adorar as fugas
de Maya, para ele se tornou uma preliminar para suas punições e abusos, todos
foram mobilizados, horas se passaram e ela não havia dado notícia e Led ainda
não havia terminado as cobranças, mas deseja que enfim ela tenha conseguido
partir, mesmo que isso significasse que ele voltaria para sua vida solitária e
dolorida.
— Se afasta ou matarei seu capanga!! — Ela grita com voz gélida.
Led entra na sala para se deparar com Maya segurando uma faca na
garganta do homem que o substituiu na segurança dela hoje.
— Eu não ligo, sua cadela fujona, — Nikolai exibe um brilho
demoníaco nos olhos com expectativas de vê-la fazer o que dizia, — você
matando-o, só prova que somos iguais, faça isso! Faça! Quando eu te vi, sabia
que seria minha a qualquer custo, sabe como sei? Porque somos iguais, sua
cadela fria. — Ele instiga.
— Senhor ela não é o que você pensa, eu sei o que… — A faca
talhou de uma ponta a outra da garganta do homem fazendo jorrar sangue por
todo o chão e pelo sofá como uma fonte medonha de sangue.
— Seu filho da puta desgraçado! Eu quero ir embora!! — Maya grita
descontrolada agitando a faca ensanguentada na mão, parecendo um maldito
anjo vingador. — Eu não pararei de tentar!
Nikolai sorri para ela em sua maior onda de excitação, nota Led
parado na porta.
— Desarme ela. — Comanda.
Led se aproxima a passos cautelosos e com calma tenta desarmá-la,
ela o golpeia e ele se defende como ela o havia ensinado, estava claramente
deixando-o vencer, golpeando-o fracamente, os olhos dele estreitam nos dela.
Maya deixa a faca cair fazendo-o parecer que ele a tinha golpeado.
Com a faca longe Nikolai a puxa pelo cabelo e a estapeia com força
em seu rosto, depois soca suas costelas, ela por sua vez soca seu rosto fazendo
ele sorrir e atacar de novo e de novo até que ele a imobiliza e a joga no chão em
meio ao sangue e o corpo drenado, ele a penetra com força duro e cruel,
enquanto ela tenta escapar fazendo ele mais violento e excitado, como se ela
fosse a gasolina para seu fogo.
Led assiste a cena sem entender como Nikolai não percebe que está
quebrando algo tão lindo, Maya é a pessoa mais linda que já conheceu de todas
as formas, vê-la sendo constantemente abusada por mais que seja forte, nada a
preparou para o que aconteceria no interior deste apartamento, ela nunca chora
uma única lágrima sequer.
Porra, seus olhos nem marejados ficavam.
Mas estava lá, no fundo de seus lindos e grandes olhos verdes, a dor,
a fúria, o ódio e o pesar todos guerreando entre si, para ver quem leva a melhor
sobre ela, por fora Maya aparenta a indiferença e altivez, Led é o único que pode
ver a guerra que seus olhos dissimula.
— Implora para que eu pare! — O demônio grita.
— Não! Seu monstro, você nunca terá o que quer de mim!
Led evita ao máximo olhá-los, mas jamais a deixaria sozinha.
— Sua Puta, vou quebrar você e quando terminar, você passara a ser
minha cadela de estimação. — Ameaça.
— Nunca acontecerá!!!
Nikolai sorri, ainda montando ela como um animal de procriação,
pressionando a cabeça dela no tapete ensanguentado, assim que termina olha
para ela no chão, admirado com a obra de arte a sua frente, a mulher deitada
inquieta ao lado do cadáver de olhos abertos com o sangue vermelho fresco
fazendo sua margem transitando por ela como um rio tentando achar seu
caminho.
— Eu não vou desistir. — Afirma.
— Nem eu. — Maya sussurra.
Rindo como diabo cobrando uma de suas dívidas, parte plenamente
satisfeito como nunca havia acontecido em sua vida.
Maya ainda fica no chão em meio ao sangue, as marcas em seu corpo
começam a aparecer e a se misturar com as outras que ainda não se curou.
— Pelo menos assim, trocaremos esse sofá horroroso, pena o sangue
não chegar às cortinas. — Ela mira o corpo ainda com o olho aberto que está a
centímetros do dela. — Hoje foi por pouco, esse merda, quase ferrou com tudo.
— Levanta segurando suas feições não demonstrando a dor, que muito
provavelmente sente. — E você, está bem? — Ela encara os olhos de Led.
Ele beija sua testa com ternura.
— Sim eu estou bem, o que você quis dizer com ele quase ferrou
com tudo? — Olha em seus olhos verde escuro perdidos de dor.
Pega-a em seus braços e leva-a para a banheira colocando-a sentada
enquanto enche de água.
— Não se preocupe com isso. — Seus olhos não deram nada além de
vazio. — Você já jantou? — Pergunta enquanto limpa o sangue de seu corpo.
— Você não está com dor? Isso tudo é arriscado, ele não vai parar até
conseguir o que quer. — Led alerta com pesar. — Ele te trata diferente de
qualquer outra que já vi, todas que tentaram fugir morreram no mesmo dia, mas
você?… Parece até que ele gosta, não… parece que ele espera que você faça
isso. E depois vocês lutam. Isso… — passa as mãos no cabelo com impaciência,
— porra! É tão fodidamente louco, você é louca! Não entende, ele vai matá-la ou
pior fará com que eu faça isso. Eu simplesmente não posso, não posso… —
vocifera deixando a dor fluir pelas palavras.
— Eu sei, eu sei. — Ela se aproxima e o abraça com seu corpo
pequeno e braços meio ensanguentado e molhado. — Ficará tudo bem. — Suas
mãos massageiam as costas de Led e o rosto pequeno se enterra no peito largo
dele, Led a aperta com tudo que tinha, como se quisesse fundi-la a seu corpo,
para que pudesse tomar suas dores para ele. — Está machucando. — Maya
protesta com choramingo.
Rindo afrouxa seu aperto sem propriamente soltá-la.
— Achei que fosse imune a dor. — Brinca.
— Eu sei, somente um tolo se recusa a pedir ajuda. — Ela sorri.
— Então por que? — Nos olhos dela, Led não identifica nada, além
da dor escondida no mais profundo oceano verde.
— Ele não merece, enquanto não fizer ficarei viva, é assim que eu o
prendo a mim. — Insanamente preciso, Led pensa. — Eu preciso mesmo comer,
não gosto de tomar remédio com o estômago vazio e hoje tomarei muito deles
para dor. — Solta-a e termina de banhá-la.
Se tinha dúvida de que ela escondia algo, hoje se confirmou.

— Vamos as compras!? — Ela ainda está com o corpo cheio de


grandes manchas de hematomas ainda por curar.
— Não acho que seria bom. — Alerta servindo uma xícara de café.
— Eu tenho que ir às compras. Não posso fugir em outro dia de folga
seu ou parecerá obvio, então iremos as compras, por favor…, por favorzinho…
— Seus olhos resplandecem o verde como um lago calmo.
O que será que ela esconde?
— Vamos as compras então. — Bebe um grande gole de café.

Entram em várias lojas de roupas, ela está escolhendo uma calça


quando a mesma cliente suspeita da primeira vez que fizeram compras, passa por
ela indo direto para provador.
— Vou experimentar. — Maya avisa levando duas calças com ela.
Ele a segue até o provador parando na entrada pois o provador era
separado por sexo, pouco tempo depois a mulher sai segurando algumas peças
de roupas e caminha para algumas araras de roupas em seguida para o caixa.
— Não gostei destas vou olhar outras. — Sua voz vem por trás quase
assustando-o, passa por ele indo pegar outras roupas. — Tem um Spa no final da
avenida, podemos ir lá?
— Não sei, acho melhor voltarmos, Nikolai pode não gostar. —
Alerta, se o tempo poderia sinalizar que algo não estava bem, com certeza, a
brisa gelada que lhe causa arrepio é um presságio agourento.
— Temos que ir ao Spa. — Desta vez não foi um pedido, pode ter
parecido aos olhos e ouvidos de quem está próximo, mas a ele a ordem estava
clara como cristal.
— Olha! Talvez seja melhor fazermos essas coisas de beleza em
casa, como você tem feito nesses últimos meses. — Sugere inquieto com a
tensão que o rodeia.
— Algumas coisas não são possíveis fazer em casa. — Ela se
aproxima. — Tenho que ir, confia em mim assim é melhor, com você junto
Nikolai não vai reclamar. — Ela sorri.
— Não se coloque em perigo. — Aconselha.
— Não vou. E muito menos o colocarei. — Ela pega algumas roupas
aleatórias e segue para o caixa onde efetua o pagamento com um dos cartões que
Nikolai deu a Led para essa finalidade.
O carro estaciona em frente ao Spa, ele a segue para dentro. O
ambiente é normal para um Spa, não que ele frequentasse muitos, ela escolhe
uma série de massagens e tratamentos de pele e tudo levaria cerca de quase três
horas.

Nikolai
Onde ela está?
02:20 pm

Led
No Spa em frente ao shopping.
02:21 pm

Nikolai
Não tenho acesso a esse lugar, se você a perder
você sabe o que acontecerá.
02:25 pm

Estava começando a digitar a mensagem de resposta, quando a


mulher da loja entra na mesma sala em que Maya está, seu coração para e o
sangue gela e, se tudo que ela fez foi para ela conseguir fugir, ela poderia morrer,
ninguém foge de Nikolai ele sabe, muitas foram as suas tentativas e só
permaneceu vivo, para que Nikolai pudesse fazê-lo lembrar que era o animal de
estimação dele. Apressadamente entra na sala.
— Maya?
Ela está deitada nua em uma cama de massagem e a outra mulher
está em outra mesa, do lado oposto ainda de roupão sentada de costas para ele,
as massagistas estão arrumando o que parecia ser óleos em um tipo de jarra de
vidro.
— Aqui. — Ela senta em sua mesa nua, ele olha ao redor e não
encontra nada de suspeito. — Eu não me importo com você na sala, mas esta não
é uma sala privada. — Led olha seus olhos que estão escuros, Maya percebe a
relutância dele para sair, caminha até onde está enraizado na porta. — Se abaixa.
— Como se fosse um comando automático, ele faz, como sempre faz quando
estão em casa, ela beija sua bochecha com carinho lhe dando a calma e
segurança que precisa. — Eu não vou sair do prédio, mas eu preciso que você
fique onde estava. — Ele procura qualquer sinal nela e tudo que viu foi
segurança, ela acaricia o rosto dele.
— Ele sabe que estamos aqui. — Alerta.
— Isso é bom por que estamos aqui, não estamos? Então, não há o
que temer. — Pisca com diversão. — Agora volte lá e termine de assistir a
Breaking Bad no Netflix, em poucas horas voltarei para você.
Antes de sair observa as massagistas que ainda arrumam seus
equipamentos e para a mulher da loja que continua a observar com curiosidade
estampada em sua cara, seu olhar demora um pouco mais nela, encara
novamente Maya que sorri docemente, com um aceno se despede dela e sai da
sala fechando a porta as suas costas.

Led
Ambiente seguro, ela não tem
como fugir.
02:30 pm

Nikolai
Eu vejo como você a olha, não se esqueça ela é
minha, assim como você é.
Quem sabe, antes do fim eu deixo você se
divertir com ela.
02:31 pm

Ele encara o celular até que a tela perde o brilho, morreria para que o
fim dela nunca chegue. A vida dele pode não importar, mas a dela era
importante. A pequena mulher conseguiu invadir seus muros de proteção e
chegou onde nunca ninguém esteve. Onde não tinha nada, agora tem ela e nada a
colocaria em risco.
As horas passam, Led vigia a porta, não havia demorado muito
depois dele sair e as massagistas também saíram, deixando Maya e a mulher
sozinhas na sala, a porta permaneceu fechada e ele não deixou seu posto, poderia
não saber o que acontecia lá dentro, mas também não deixaria que ninguém
soubesse.

— Led faria tudo por Maya e mesmo sem saber, ela está
no caminho de fazer tudo por ele.
As vezes não sabemos o que procuramos, até que se
encontra algo que não se pode viver sem.
“Nós vimos brilho quando o mundo estava adormecido. Se
um momento é tudo que somos. Quem se importa se mais
uma luz se apagar? Bem, eu me importo”.
(One More Light – Link Park)
CAPÍTULO 4
LED

— Hei, acorda! Por que você fez isso? — Maya esbraveja assustada.
Led mal pode ouvi-la. A voz dela fica cada vez mais distante.
Apressada Maya vira o corpo entorpecido dele de lado, ela limpa seu
rosto, tirando o cabelo de sua testa, enquanto ele jorra uma mistura de bile, jantar
e whisky. Sente de longe a urgência dos toques quente como brasa queimando
por onde ela toca.
— Led!! — Grita. — Acorda! — Ulula. — Por favor…
A voz dela se aproxima, cada vez mais com dor e urgência em seus
gritos ou toque.
— Maya, perdão eu tentei… — A escuridão que o rodeia tece seu
encanto e alimenta o desejo de segui-la, para usufruir da sensação de alívio e o
cessar de todas as dores e males. — Eu quero ir…
— Para morrer? — Maya fala com a voz engasgada.
— E se for… você não entende eu não aguento mais…
Por que ela não me deixa, eu quero descansar…
O entorpecimento o carrega.
— Que porra você tem a ver com isso, segue seus planos e me deixa,
eu quero descansar! — Não sabe ao certo se tais palavras saíram de sua boca ou
se entorpecimento impediu.
Led não queria que sua voz saísse endurecida, o machuca mais ainda
saber que ele poderia feri-la.
— Não!! — Foi a última coisa que ouve ao longe.
MAYA

— Não!! — Assevera com o corpo desacordado de Led. — Eu não


vou deixar você ir, sem ao menos ter tido um dia de liberdade.
Vira-o de lado novamente, para que ele não volte a se afogar com o
próprio vômito, enquanto corre para seu quarto pegar o telefone que mantém
escondido junto com um computador e alguns outros aparelhos eletrônicos que
levou escondido no case de seu teclado.
Com os dedos trêmulos ela tecla o número, 2, de sua discagem
rápida.
— Pai! — Ofega.
— Princesa, o que foi? — Podia senti-lo em alerta.
— Led não está bem, preciso de ajuda mandarei uma lista de
medicamentos que preciso, traga o quanto antes. — Escuta o silvo de espanto e o
ignora, essa não era a hora para explicação.
— Porque se preocupa com ele? — Seu pai não deixaria passar em
branco.
— Apenas faça o que eu pedi. — Desliga e volta para o lado de Led,
digitando a lista de medicamentos do que precisa para mandar ao seu pai.
Como havia previsto Led vomitou e agora a cama está toda forrada
de vômito, sem hesitar inicia a limpeza a sua volta enquanto aguarda os
medicamentos.
— Não, eu não posso deixar você morrer. — Assegura a si mesmo.
Não era esse o plano, mas os planos mudam e as rotas se
recalculam. Ela o tem e jamais deixaria ele ir, pois se deixar ficará sem nada.
A campainha do elevador de serviço toca, tirando-a da sua vigília, ela
abre a porta e seu pai a encara de cima a baixo, com preocupação.
— Por que? — Pergunta, enquanto ela pega de forma brusca a sacola
com medicamentos de suas mãos grandes, ele entra na cozinha e a segue até o
quarto do homem entre a vida e a morte.
— Vou levá-lo também. — Afirma ela.
— Você não deve. — Aconselha.
— Eu vou. — Corta ele cheia de segurança.
— Até quando você se colocará em perigo, nada nunca é suficiente,
salvamos você da morte certa, mas ao menor descuido você acha um novo jeito
de se pôr em perigo, essa é a última vez. Acabou! Ouça o que eu digo, você
nunca mais fara nada minimamente parecido, nem que para isso tenha que te
trancar em casa. Sua mãe ficou assustada com os hematomas que ela viu em
você. — Ele passa a mão pelo pescoço irritado.
— Eu estou bem, os riscos foram analisados e quando disse que daria
conta, eu quis dizer isso. — Afirma.
Ela prepara o medicamento e injeta no Led ainda desacordado.
— Ele está morrendo de overdose, deixe ele arcar com as
consequências das escolhas que tomou.
Ela olha decepcionada pela primeira vez para o homem que chama
de pai.
— Quando você me resgatou, era minha escolha estar onde estava e
morrer daquele jeito, mas você não deixou. Então nunca mais repita o que
acabou de dizer. — Fala com dureza, fazendo seu pai um homem muito maior
que ela, recuar um passo sentindo as pontas afiadas de suas palavras.
— Você se apaixonou por ele? — Ele olha para homem deitado na
cama.
— Não dessa forma, paixão acaba e eu não posso perdê-lo. — A voz
sai baixa espantando até ela mesma por tal afirmação.
— Filha, ele pode não querer ficar com você. Você sabe o que ele faz
e a forma com que lida com os problemas, ele é instável. E a prova disso é ele
aqui… — aponta para Led ainda desmaiado, — …quase morrendo de overdose.
Maya eleva a cabeça, ainda se recuperando do choque de suas
palavras, olha direto no rosto de seu pai.
— Ele pode querer seguir em outra direção, mas ao menos terá o
direito de escolha. — Se volta para o triste homem adormecido. — Por favor,
ajuda-me a levá-lo para o outro quarto?
Seu pai o pega se esforçando para levantá-lo nos braços e a segue
pelo apartamento até a suíte principal e o despoja na cama limpa e seca.
— Como será o plano a partir daqui? — Pergunta.
— Será o mesmo, mas o manteremos vivo. Coloque a mamãe na
guarda dele e não deixe que ele seja ferido. — Solicita.
— Seu irmão está finalizando com todas as contas, logo tudo chegará
ao fim. — Assegura.
— Ele precisará de documentos, peça ao Naveen para providenciar
tudo e colocar em conjunto com as minhas contas. — Os olhos de seu pai se
abrem em alarme.
— Ele não deveria ter acesso ao seu dinheiro. — Afirma com
severidade.
— É a minha decisão, mas acima disso, ele o merece. — Declara
com firmeza.
— Ele não é da nossa confiança. — Seu pai se opõe veemente.
— Se estou aqui, você deve a ele por ter me mantido viva, ele foi a
diferença se eu continuava ou não respirando. — Declara.
As mãos ansiosas de seu pai volta a coçar o pescoço, a força que
emana é tanta que podia ser sentida em forma física no quarto.
— Você deve ir, arrume para que ele tenha um dublê para nossa
saída. — Maya o acompanha até a porta da área de serviço.
Ele a puxa para um abraço apertado e beija o topo de sua cabeça,
com relutância à solta, quando na verdade queria pegá-la e levá-la para a
segurança de casa.
— Você sabe que nós te amamos?
— Eu sei pai, também amo todos vocês, logo iremos todos para casa.
— Assegura.

LED

Mãos frias tocam seu rosto.


— Olha só, quem eu não deixei morrer. — Com olhos ainda turvos,
não deixa de reparar no grande par de olhos verdes escuros e o sorriso que
chegava a eles dando-lhes brilho e encarando-o de muito perto.
— O quê? Por quanto tempo apaguei? — Tenta levantar, mas não
consegue de tão desorientado que está.
— Vinte cinco horas, trinta sete minutos e quinze segundos. — A
mão pequena e delicada acaricia seu rosto e, com força o estapeia.
— Ai! Que porra é essa? — Sente formigar o lado esquerdo do rosto.
— Isso é pelo que você fez. — Ela levanta e vai ao banheiro, ligar a
água da banheira. Ele percebe que não está em seu quarto e sim na suíte
principal. — Você consegue se levantar sozinho?
A voz cadenciosa é um contraponto sobre suas ações. Seu rosto ainda
está pinicando.
— Acho que sim. Por que estou aqui? — Devagar começa a levantar
dando tempo para seu corpo acostumar, seu cérebro se orientar e fazer tudo parar
de rodar.
— Bom, depois de algum tempo apagado, você meio que se soltou,
enfim eu limpei o que pude, mas sua cama não estava mais habitável, por isso
estamos aqui.
Foi reconfortante saber que alguém estava lá por ele, ao mesmo
tempo foi constrangedor saber que existia alguém em um momento tão
humilhante.
— E o Nikolai? — Senta e nota que não veste nada por baixo dos
lençóis, ficando ainda mais constrangido, não que ambos já não tivesse visto a
nudez um do outro é só que, mediante a circunstância ele não poderia se sentir
confortável.
— Enquanto era sua enfermeira, aparentemente eu peguei uma
virose e estou de cama com febre e muito, muito vômito. Até mandei uma foto
real de vômito para ele. Espero que não se incomode por usar seus dejetos para
uso pessoal, mas medidas precisavam ser tomadas.
Sem nenhuma roupa por perto ele se levanta, ela observa seu corpo
parecendo não se incomodar com a nudez, mas observando cada cicatriz da qual
Nikolai o presenteou ao longo dos anos.
— Por que fez isso? — Pergunta incrédulo.
Ela caminha na sua direção, ficando muito próxima, se inclina para
trás para olhar em seus olhos, dá um passo para o lado e começa a tirar os
lençóis da cama.
— Sabemos o que ele faria com você, se soubesse o que faz em seus
momentos de recreação. — Embola os lençóis e os joga no chão perto da porta.
— Vá se limpar e antes que pergunte eu joguei tudo fora. O apartamento está
limpo e seu quarto também. Essa merda não irá se repetir enquanto eu estiver
aqui, quero você limpo, atento e acima de tudo vivo. — Vira-se para ficar de
frente com ele encara-o. Led sente no seu âmago o arrebentar de uma represa. —
Porra! Seu egoísta do caralho! — O dedo indicador de Maya pressiona seu peito
nu, o assustando com a explosão súbita. — É você e mais ninguém que fica entre
mim e a morte, não posso fazer isso sozinha. Eu preciso de você! — Estoura, o
tom de voz apesar de duro, parece doer para proferir cada palavra.
Tantas verdades para ambos sendo declaradas em uma frase tão
pequena.
— Isso tudo então, é sobre te proteger.
Led sente que a preocupação não era por ele e sim por ela? Isso o
abalou, pois achava que como ela havia entrado em sua muralha, ele ao menos
estava próximo da dela. Perceber que não existia reciprocidade o feriu mais que
um dia de tortura com Nikolai.
— Não! Seu idiota, eu não preciso de sua proteção contra ele, acho
que deixei bem claro que sei me proteger sozinha. Isso é sobre você tentar se
matar e me deixar aqui sozinha, nesse mundo de merda, achei que fosse mais
forte, achei que você se importava comigo. — A última frase foi tão baixa, um
sussurro dolorido de se ouvir.
— Você não sabe nada sobre mim! — Grita, não é só ela que tem o
direito de explodir. — Não haja como se importasse comigo. PORQUE VOCÊ
NÃO SE IMPORTA! — Passa as mãos pelo rosto. — Vivi no inferno por toda
minha vida, você não imagina o que Nikolai fez, e o que fui obrigado fazer. — A
vontade de quebrar todo o maldito quarto com seus punhos aumenta
consideravelmente.
— Eu me importo. — Maya se aproxima. — Só aguenta mais um
pouco, eu me importo com você. — Seus braços o enredaram. — Não sei pelo
que passou antes de eu chegar, mas estou com você aqui e eu vi e dividi com
você parte deste inferno. — Seu rosto encosta no peito trêmulo dele, seus braços
apertam-no. — Não posso mudar o passado, mas juro mudar o seu futuro.
Ele a segura em seus braços, chorando por suas palavras que o rasga
de dentro para fora, abrindo feridas antigas, mas não cicatrizadas.
— Aguenta um pouco mais.
Ele quebra com suas palavras, ela se importa com ele e nunca,
ninguém se importou. Ele beija o topo da cabeça dela, as lágrimas constantes
derramam-se sobre ela, suas promessas por motivos de segurança não podiam
assentar em parte alguma dele. Toda vez que teve um motivo de esperança foi
mais que suficiente para avançar em um novo círculo do inferno, doí pensar que
ela é apenas mais um círculo e, talvez o pior de todos eles.
Ela o solta enquanto ele a segura um pouco mais.
Depois do banho, Maya mostra as mensagens que Nikolai mandou e
suas respostas para ele.
— Vou preparar algo para comermos, então, vamos fazer uma sessão
cinema. — Se anima enquanto sai correndo pelo quarto afora.
Ela prepara uma sopa servida dentro de um pão, Led nunca comeu
nada tão delicioso, assistiram alguns filmes e quando voltou a ter febre, ela o
ajudou, quando enjoou não o largou, nem mesmo quando estava vomitando no
banheiro.
— Isso vai passar, é a desintoxicação. Aguente firme. — Acaricia as
costas de Led, enquanto ele vomita mais e mais.
Nikolai liga e Led o atende, depois de ouvir todas as suas, ‘não’,
preocupações para com a saúde deles, Nikolai informa que voltará apenas
quando estivessem melhor da saúde, pois não queria ser contagiado também.
Isso foi um presente dos deuses, não ter que se preocupar com uma visita dele.
Foram dias sendo desintoxicado, nas noites que Led não conseguia
dormir Maya ficou com ele, ela colocou o teclado no quarto principal e tocava
até que ele pegasse no sono.
Uma vez Led acordou de um pesadelo e ela estava lá, ao pé da cama
olhando-o como um anjo da guarda, nessa noite ela deitou ao seu lado e o
abraçou, cantarolando até ele voltar a dormir, o pesadelo nessa noite não voltou.
A abstinência dos remédios deixou seu corpo letárgico e dolorido,
por insistência de Maya, treinaram mais pesado forçando cada músculo, doeu
cada célula do corpo dele, mas de alguma forma o fez se sentir melhor. Ao fim
dos dias estava tão cansado que quando se deitava na cama dormia pesadamente.
Led não queria sentir esperança, mas estava sentindo tão fortemente cada ação,
cada carinho, tudo referente a Leo o fazia bem. Na noite que teve outro pesadelo
ela foi para sua cama e deitou-se ao seu lado novamente, ela vestia camisola
branca que ia até seu joelho com renda delicada no final, Led a abraçou
apertado, o rosto ficou na curva do pescoço dela, seu cheiro familiar o acalmou e
lhe confortou, fazendo se sentir em casa como nunca havia sentido antes.
Começou com um roçar de lábios no pescoço subindo para o rosto. A
pele dela se arrepiando, foi o incentivo que precisava para continuar explorando
a pele macia e sedosa.
— Não. — Maya sussurra, quando os lábios de Led chegam aos dela,
ele congela. — Não podemos. — Mais direto, impossível.
Entristecido levanta-se da cama indo ao banheiro com vergonha por
ser rejeitado. Uma confusão de sentimentos desconhecidos e outros familiares
acontece em sua cabeça. Dez minutos depois, abre a porta do banheiro rezando
ao divino para que ela não esteja no quarto.
Grande engano.
Maya está sentada na cama de frente para ele.
— Eu gosto de você. Mais até do que poderia imaginar ser possível,
mas eu não posso dar esse passo. Não quando você viu tudo o que ele me fez,
não quando posso imaginar através das suas cicatrizes, o que ele te fez. Eu senti
desejo também, mas eu só não posso tê-lo desta forma. — Ela levanta e dá um
passo hesitante em direção a ele, então recua, e vira-se para porta.
Vê-la se afastando dói mais do que ela o rejeitando.
— Fique! Desculpa, eu confundi as coisas, isso não irá mais se
repetir. — Ela o olha com dúvida, enquanto ele segura a respiração. Ela sorri um
sorriso pequeno e discreto. Ele respira aliviado.
Deitam juntos, não de conchinha. Ela coloca a cabeça em seu peito o
braço direito o abraçando, enquanto o braço direito dele a cerca, a respiração
dela fica lenta e profunda, assim ele volta a dormir.
Nikolai liga logo depois do almoço avisando que irá vê-la, pela
primeira vez em meses, ela não tem sequer uma mancha em sua pele, Led queria
falar que ela está doente ainda, mas faz quase duas semanas que estavam dando
essa desculpa.
— Não se preocupa cedo ou tarde ele apareceria, vou me comportar
prometo. — Suas palavras o acalma, ela arruma o quarto onde ficaram deixando
intocado em seguida se arruma, fazendo-o notar que ela está atipicamente calma.
Nikolai liga mandando Led visitar alguns de seus pontos de tráfico e,
algumas das suas casas de prostituição. Uma parte sua não queria sair e deixá-la
sozinha, como se tivesse algo martelando na cabeça dizendo para ficar e não se
afastar.
— Nikolai me mandou fazer algumas cobranças. — Avisa Maya, que
está sentada no sofá lixando as unhas.
— Tudo bem, ficarei bem não se preocupa. — Continua lixando.
— Maya, olha para mim. — Ela olha, seus olhos estão verdes como
uma folha recém-brotada no seu primeiro tom de verde antes do tempo a
escurecer. — O que está acontecendo? — Seus olhos se acendem como uma
chama acesa, prestes a consumir o mundo.
— Você está armado? — Maya pergunta friamente.
— Sempre ando. Por quê?
— Tente ficar o menos possível nesses lugares, volte para casa o
quanto antes. — Ela levanta, deixa a lixa de lado, caminha até o bar, abre a
garrafa de whisky que Nikolai costuma beber quando visita, tira do bolso uma
capsula dessas de embalar cocaína e derrama o conteúdo todo nele. — Não se
preocupe com Nikolai ele não dará trabalho, cuide de você e volte o quanto
antes. — Caminha até ficarem de frente um para outro. — Abaixe-se. —
Sorrindo, ele se abaixa esperando o beijo de despedida, mas desta vez ela não
beijou no rosto, ela lhe dá um selinho, rápido, quente e com sabor dela. — Volte
seguro para mim.
Ele beija a testa dela e parte, ainda preocupado com que está por vir,
porquê sabe em seu âmago, que algo viria para eles.
E o pior, ela que estava trazendo.
Evidente que algo estava acontecendo, até mesmo o clima chuvoso é
um indicativo, na primeira parada o ambiente está assombroso, todos estão
desnorteados, ouvindo aqui e ali, Led descobre que houve um roubo grande,
abalando todas as famílias dos mafiosos.
Seu celular vibra com entrada de uma mensagem:

Desconhecido
Saia daí agora!!
08:15 pm

Poucas pessoas tinham o número do telefone dele, Led olha ao redor,


todos parecem preocupados com suas vidas. O pagamento foi feito, mas deram
muito menos do que costumam pagar, tem um único motivo para ser ele o
homem que recebia do Nikolai. Ele é bom com os números. Na verdade, temos
dois motivos, o outro é que depois de uma vida sendo condicionado aos
desmandos e os maus-tratos de Nikolai, Led é seu único soldado de total
confiança. Nikolai fez dele seu melhor e mais fiel soldado.
Ao menos é o que ele acha.
— É isso Led, avisa ao Nikolai que foi tudo que conseguimos em tão
pouco tempo. — O mafioso fala distraído, olhando a seu redor como se estivesse
procurando por uma ameaça eminente nas sombras.

Desconhecido
AGORA!!!!
08:20 pm

Lê a nova mensagem, pega o dinheiro e sai calmamente, para não


chamar atenção.
Led
Quem é você?
08:21 pm

Viu que a mensagem foi visualizada, mas não obteve resposta.


No próximo endereço, a mesma coisa, pessoas apressadas e
assustadas, o mesmo assunto de roubo e rumores de traição na família, mas nada
concreto.

Desconhecido
Saia em cinco minutos. Sem dar bandeira,
apresse-se.
08:45 pm

— Diga ao Nikolai que isto é tudo, avisa que o carregamento não foi
entregue. Precisamos de uma reunião com ele, com urgência. — Led se mantém
insondável e passivo, pega o dinheiro e sai de forma rápida sem chamar atenção.

Led
Quem, porra é você?
08:50 pm

Mesma coisa, mensagem visualizada e sem resposta.


Próxima parada, todos estão falsamente alegres as garotas dançam
em seus postes de forma retraída, a casa está quase vazia.
— Led, aqui leve isso. Informe ao Nikolai que isso não ficará assim!
Era nosso dinheiro também. Ele pagará por isso, minha família e eu não
aceitaremos de bom grado. Se o pai dele estivesse vivo, isso nunca teria
acontecido.
O mafioso parece ter crescido uma espinha de coragem, Led sabia do
seu desagrado com o poder passando para as mãos do instável Nikolai, mas
como todos, o desgosto é uma pílula que se toma em silêncio. Com aceno de
cabeça se afasta o mais rápido possível.

Desconhecido
Aprendeu rápido. Segue para próximo e saia
rápido o tempo está se esgotando.
09:13 pm

Led
Quem é você?
09:13 pm

A chuva fica cada vez mais forte. Assim como nos postos anteriores,
não há o mesmo movimento de sempre, está vazio, exceto, o responsável pela
área que quando o viu, veio a seu encontro com pressa.
— Precisamos do Nikolai para resolver isso, todos estão caindo esta
noite, um por um! — Fala agitado e amedrontado, olhando para os lados assim
como os outros faziam.
— O pagamento. Eu não sei do que você está falando, eu venho pelo
pagamento. — Led fala friamente, se isso está mesmo acontecendo seu lugar não
é aqui é ao lado da Maya para protegê-la.
— Claro que você não sabe, você pode ser um dos seus melhores
soldados, talvez o mais confiável, mas isto não faz de você o mais inteligente.
Volte para Nikolai e diga-lhe que eu não darei nada! As promessas que ele fez de
nada serviram, já que levaram todo o nosso dinheiro debaixo do nariz dele. —
Ele o espanta com a mão, como se faz com um cachorro de rua. — Vai cão, corre
para seu dono. — O tiro foi certeiro em sua testa, Vladimir cai no chão a sua
frente com seus miolos espalhados pelo salão.

Desconhecido
Cortesia da casa, agora corre o tempo está
acabando.
09:22 pm

Saindo daquele ambiente nojento e pútrido, volta para o carro, saindo


rapidamente de lá, estava a menos de três quarteirões quando escuta a explosão e
vê as labaredas pelo retrovisor do carro.
— Maya!
Dirige o mais rápido que pode, cortando todas as vias com trânsito.
Ela está em perigo, se chegaram aos associados de Nikolai logo chegariam a ele.
E Nikolai está com ela. Lembrou-se quando ela mencionou, não querer ser pega
em fogo cruzado.
Os seguranças estavam na portaria do edifício, como normalmente
estão, Led passa por eles rapidamente e segue para área de serviço. O
apartamento carrega um silêncio anormal para um dia de visita. Discretamente e
sem fazer barulho foi a sala, tudo está desordenado, os móveis estão virados, a
mesa de centro tem o vidro estilhaçado no chão com manchas de sangue
encrustado nos cacos ao lado da garrafa de whisky batizada.
Não. Não. Não…
Ele se amedronta.
Segue para quarto principal que está com a porta fechada, a mão de
Led treme, o ar falta em seus pulmões ao abrir a porta, em sua cabeça os
pensamentos era que à tinha perdido e que não poderia sobreviver sem ela, já
que estava ali por ela. O breu o cerca tomando cada polegada do quarto. Ainda
tremendo acende a luz, seus olhos cegos pela escuridão se acostuma com a
iluminação, Maya está presa entre os braços de Nikolai desacordado.
A tela do seu celular acende.

Desconhecido
Protocolo de encerramento ativado, avise a
ela para continuar.
09:48 pm

— Maya?
Ela já está de pé quando desvia os olhos da tela do celular para ela.
— Como você está? — Ela corre para ele e o abraça. — Te
machucaram? — Suas mãos pequenas passeia por seu corpo, tateando a procura
de ferimentos.
— Maya o que está acontecendo? — Ela tira o celular da mão dele e
lê a mensagem.
— Vamos, não temos muito tempo. — Ela o puxa para fora do
quarto, a campainha do elevador toca. — Chegou vamos.
— Para, espera. Vamos para onde? Que porra está acontecendo? —
Led fala agitado por fazer parte de algo que não sabe o que é, mesmo sabendo
que ela não gosta quando ele xinga.
— Não temos muito tempo, vamos, eu vou te explicar. Apenas faça o
que eu digo. Pegue o que está no elevador e traga para dentro.
Ele respira profundamente, e faz o que ela pediu, no elevador tem
dois sacos pretos com o que parecia ser muito obvio seu conteúdo, puxando
ambos do elevador para levar um de cada vez para dentro do apartamento.
Maya está esperando-o.
— Leve o maior para seu quarto.
Ele carrega o grande e pesado saco preto até seu quarto e o coloca no
chão, começa a abrir e o cheiro de morte invade suas narinas.
— Maya quem é esse? — O corpo está fresco para sua surpresa.
— É você. — Juntos tiram o corpo do saco. — Estamos indo. — Ela
avisa.
— Como?
— Do único jeito que dá, morrendo.
Ela corre para sala e começa a tirar o outro corpo do saco preto esse
é menor, quando o rosto aparece é inegável em como se parece com ela o mesmo
corte de cabelo e a mesma cor. Ela coloca o corpo na mesa de centro quebrada.
— Por gentileza traz o Nikolai para sala e o deixa no sofá. — Led
deixa Nikolai onde ela pediu. Maya pega a mala com os pagamentos do dia e
coloca ao lado do sofá.
Desconhecido
Eles chegaram, saiam pelos fundos.
10:12 pm

— Maya, temos que ir. — Ela veio caminhando com dois pacotes,
um ela coloca perto do corpo da mulher morta. — Vamos. — Apressa, enquanto
ela olha ao redor. Ela corre para garrafa com o whisky batizado e o arremessa na
parede, depois pega uma bolsa preta, estilo mochila.
Led assiste e não entende o que via e nem o que estava prestes a
acontecer.
Segurando sua mão, Maya os leva para cozinha depois, para seu
quarto e na parede perto de onde deixaram o corpo do homem ela coloca o outro
pacote preto.
Fechavam a porta da área de serviço, quando ouvem o aviso do
elevador principal, o elevador de serviço está à espera, eles apressam-se para
entrar a porta fecha e começar a descer, chegando ao décimo andar sentem o
abalo da explosão na cobertura, o elevador para e as luzes de emergência são
acionadas.
— Merda! — Esbraveja Maya apertando o botão para descer. —
Temos que abrir a porta manualmente. — Ela começa a puxar de um lado e Led
do outro, a porta começa abrir pesadamente, o elevador que está na metade do
andar começa a balançar, os sons estridentes dos cabos soam, fazendo eles
frenéticos onde estão presos.
— Maya, dá para você pular, vai, eu vou em seguida.
— Não irei sem você!
Seus olhos brilhantes no tom mais escuro de verde que já havia visto.
Ela olha para Ele e foi como se estivesse vendo sua alma. Maya não sairia sem
ele e ele não a deixaria morrer.
Led entra no vão da porta meio aberta e empurra com as mãos um
lado e com as pernas empurra o outro, enquanto Maya tenta puxar um lado com
suas mãos, o elevador começa a balançar mais, eles param na espera da morte
iminente, contudo o elevador para.
— Led já está bom. Vamos, não temos muito tempo.
— Você primeiro. — Ela deu alguns passos para trás pegou impulso
e pulou, ele fez o mesmo em seguida, caindo quase que em cima dela. Nunca
será possível saber se foram os impulsos deles para o pulo de escape, mas o cabo
do elevador partiu no momento em que Led pousou no chão, a tempo de ver o
elevador fazer seu último mergulho no fosso.
— Acho melhor ir de escada.
Ela sorri e o ajuda a levantar. Tira uma touca da bolsa e dá a ele.
— Coloca, não podemos ser identificados. — Ela fecha o casaco que
veste, coloca uma peruca loira e cobre com o capuz do casaco. De mãos dadas
entram nas escadas de emergência e se juntam com os moradores que estão
sendo evacuados.
Todos falam que a explosão foi na cobertura e que poderia ser
vazamento de gás e que com a queda de energia os elevadores pararam.
Misturados entre as pessoas, Maya e Led descem o mais rápido que podem sem
chamar atenção para eles.
Perto da saída Led a segura. — Os seguranças do Nikolai? — Seus
olhos vagavam a sua volta à procura de perigo, como uma águia procura por
comida.
— Já cuidaram deles. — Ela fala instigando-o pela mão para irem,
passam pela saída ignorando a cena perturbadora e os gritos de assombro dos
moradores, seguem direto para rua de mãos dadas com Maya liderando o
caminho.

— Eles respiraram profundamente o ar gelado e


molhado da noite, como se fizessem tal ato primordial pela
primeira vez. Alguns renascimentos são simplesmente
simbólicos.
“Não está muito longe da terra do nunca, não há razão
para fingir e se o vento estiver bom, você poderá encontrar
a alegria da inocência novamente”.
(Sailing – Christopher Cross)
CAPÍTULO 5
LED

Caminhando sentido contrário à multidão de curiosos que vinham de


toda parte para ver o edifício com a cobertura em chamas, Led e Maya param ao
lado de um SUV preto estacionado no meio-fio, ela abre a porta do passageiro
com confiança e entra puxando-o com ela.
— Puta que pariu, foi por muito pouco!
Led segura Maya imediatamente quando escuta a voz feminina
desconhecida bradar aliviada dentro do carro, eles sentam no banco do
passageiro. A mesma mulher que encontrava com Maya nas lojas e no Spa está
sentada n banco do passageiro na frente, sua pele de oliva parece seda chinesa de
tão imaculada, o cabelo preto está todo preso em uma trança forte, ela olha Led e
sorri com leveza.
— Você no elevador foi heroico! — A mulher fala.
O motorista, um grande homem ruivo de barba intimidante, dá a
partida afastando-os cada vez mais do cativeiro infernal.
— Eram vocês no telefone? — Led pergunta para confirmar.
— Sim. — A mulher responde de forma sucinta.
— Quem são vocês? — Eles se entreolham, mas não responde
permanecendo em silêncio.
— Moy solnyshko? — Led paralisa ao ouvir Maya chamá-lo de
minha pequena luz do sol, com tanto carinho em sua voz. Ninguém nunca se
referiu a ele assim, Maya puxa o queixo dele fazendo-o olhá-la. — Acabou,
aproveita o momento. — Se contorce no braço dele e lhe dá um beijo casto em
seus lábios.
— Mas… — Ele começa, mas os dedos dela o silencia.
— Sem mas…, descansa. — Aperta-o em seus braços.
Fingindo seguir seus comandos Led relaxa o mínimo, e enterra a
cabeça em os cabelos dela inalando seu cheiro que nos últimos dias passaram a
ser tão reconfortante quanto as drogas que ingeria.
— Antes preciso do seu celular. — Ela pede.
Desconfiado e relutante ele entrega, no momento que pega o objeto
Maya o desmonta tira o chip e o quebra, o resto ela entrega para mulher no
banco da frente.
Deve ter se passado ao menos uma hora, Maya dorme nos braços de
Led, que vigia a respiração lenta dela. O motorista em nenhum momento falou,
mas sempre que pode sua mão toca a mulher da loja que está sentada ao lado
dele.
— Por que não a protegeram daquele demônio? — Apesar de quase
sussurrar a voz de Led saiu tão fria quanto a calota polar.
A mulher olha em seus olhos.
— Os riscos foram calculados. Ela podia se defender e nos chamar
caso saísse do controle, os riscos haviam sido calculados… — Repete mais para
ela acreditar do que ele.
— O quê? Vai dizer que ela calculou ser quase assassinada em uma
jaula, depois estuprada, subjugada e abusada por quase quatro meses por um
homem que é a própria encarnação do demônio.
O motorista não diz nada, mas suas mãos segura tão apertado o
volante que mesmo com apenas as luzes do painel do carro, podia ver os nós de
seus dedos rígidos além do normal. A mulher também não fala, mas seus olhos
lacrimejados contemplam Maya que ainda dorme agarrada aos braços de Led.
— Você não entenderia, nós tentamos impedi-la, mas quando ela
coloca algo na cabeça ela não desiste até conseguir. — A mulher fala depois
respira com dificuldade. — Fizemos o melhor que podemos para protegê-la. Mas
como você faz isso? Quando a pessoa em questão caminha direto para morte. —
Ela limpa as lágrimas que escorrem por seu rosto.
O motorista segura sua mão e leva aos lábios para um beijo
silencioso. A viagem segue em silêncio com a culpa como quinto passageiro. Em
algum momento Led também dorme, mas mantém Maya presa em seus braços.

— Acorda! — Maya beija as bochechas e testa de um Led sonolento,


mas que solta um sorriso fujão, por fim, ela sela seus lábios. — Na história é o
príncipe que acorda a princesa com um beijo e não ao contrário. — Brinca.
— Nessa história a princesa que é a heroína. — Segura ela pela
cintura e retribui seus beijos, fazendo o mesmo em seu rosto.
— Chegamos, temos que embarcar logo. — Maya avisa entre risos,
Led olha pela janela, notando que estão em uma pista de pouso.
— Como assim embarcar? — Senta-se rigidamente trazendo ela para
seu colo.
— Ah, hum… bem… estamos saindo do país. Mas se você quiser
ficar, sugiro ao menos que saia de São Petersburgo até a poeira baixar. Eu estou
te levando comigo e me disseram que não deveria sem ao menos saber o que
você gostaria de fazer. Em vez de te carregar comigo como se você não tivesse
outra opção, porque você tem. Agora você é livre para decidir o que quiser. —
Ela toca a lateral do rosto dele enganchando os dedos em seu cabelo. — Eu
entendo se quiser ficar. Você está livre para fazer o que desejar. Posso transferir
o dinheiro para qualquer lugar que desejar, para que fique bem.
Ficar? Dinheiro? Qualquer lugar que desejar?
Ela continua divagando as opções.
— Maya calma, volta para mim. — Os grandes olhos verdes dela
estão lacrimejados, ela morde os lábios nervosamente. — Eu vou com você a
onde você for. Você salvou minha vida e agora ela é sua, mas quero respostas. —
Puxa o lábio preso por seus dentes, vendo-os avermelhar-se.
— Você não me deve nada, a sua vida é sua para você fazer o que
quiser. — A voz de Maya está muito baixa, quase sussurrada.
— Sendo assim, vou dedicar a minha vida a você, sou seu, até o fim.
— Ela pode ter o libertado de Nikolai, mas no processo o prendeu a ela.
E nesta prisão, ele fica com prazer e por vontade própria.
O sorriso dela foi o mais bonito que Led havia visto, os olhos
brilharam como reflexo do sol no gelo.
Um albedo somente dele.
— Vamos raposa, parece que sou eternamente responsável por ti! —
Maya pula por cima dele e desce do carro, puxando-o junto a ela. — Esse é o
primeiro passo para sua nova vida!
Embarcam em um jato. Muito maior dos que já vira Nikolai se gabar.
— Eu não preciso mostrar o meu passaporte? — Led começa a
questionar, mas se deslumbra com a luxuosidade do Boeing 787-8 BBJ
convertido em jato privado.
Maya continua levando-o para dentro do avião.
— Pessoas normais fazem isso, mas não somos normais. —
Caminham direto para uma cabine fechada. Ela abre a porta de um quarto
luxuoso decorado em branco, preto e cromo. Led ainda está admirando tudo
quando o casaco dela cai no chão, a blusa em suas costas está manchada de
sangue seco e molhado em algumas partes.
— Você está ferida? — Aproxima-se segurando sua blusa pela
bainha, rasgando de baixo para cima, revelando ferimentos de todos os
tamanhos.
— Demorou até Nikolai apagar. E tinha a mesa de centro na sala. —
Algumas feridas ainda têm estilhaços de vidro cravado na pele.
Filho da puta maldito! Espero que esteja no inferno!!
— Precisamos limpar, ainda tem estilhaços em você. Onde tem uma
caixa de primeiros socorros? — Fala com urgência.
Maya aponta para a porta à direita. Com passos rápidos, vai até o
banheiro olhando ao redor e no armário, encontra a caixa. Quando volta, ela está
deitada na cama de bruços, com os olhos direto nos dele.
— Esse é um bom momento para respostas. — Led senta-se ao lado
dela e começa a limpar suas feridas.
— Meu nome é Eleonora, mas todos me chamam de Leo. — Ela
conta enquanto Led tira os estilhaços. Alguns pequenos outros grandes e
profundamente encrustado em sua carne. — No ano passado, estava fazendo
dinheiro através de alguns bancos em paraísos fiscais e, procurava pelo paradeiro
de um objeto específico para meu irmão. Me deparei com as contas e as
movimentações de Nikolai e toda sua família. Bem, transformando uma história
longa em curta, fui puxando este fio que levou a outro ponto e depois outro.
Pesquisei sobre ele, hackeei tudo que pude, seus endereços, passatempos,
parceiros, aliados, tudo. A contragosto da minha família, criei um plano de
roubo, quando a oportunidade apareceu, me infiltrei. Para o roubo ser perfeito
era necessário agir muito próximo a Nikolai. Alguns dados dele só consegui
invadindo o notebook e o celular pessoal, que ele levava para o apartamento e
não o que ele usa para fins comerciais.
Todos os ferimentos são limpos, mas Led checa cada um novamente
à procura de estilhaços que não tenha encontrado de primeira.
— O roubo que todos comentavam, foi você? — As sobrancelhas
levantam em espanto. — Você passou por tudo isso para poder roubá-lo? —
Questiona incrédulo e horrorizado.
— Sim. Minha família e eu limpamos cada centavo de Nikolai e de
toda família mafiosa dele. Não restou nada. No meio do caminho descobrimos
que ele, mesmo sendo da máfia russa, fazia negócios com os israelitas, então,
roubamos deles também. Através das contas que eles estupidamente usavam
para efetuar transações de um para outro, e como disse, uma ponta levou a outra.
Os israelitas faziam negócios com os italianos e, bom, roubamos também. Os
italianos, por sua vez, compravam da Yacuza. Era uma boa oportunidade,
pegamos cada centavo de cada um deles, não importando o banco onde estava,
levamos o dinheiro. — A voz de Maya entona com orgulho.
— Você está em perigo mundialmente! Em lugar nenhum do planeta
você ficará segura! — Led está na mesma medida de medo e orgulho de Maya.
Agora Eleonora.
Quantas vezes não desejou que algo assim acontecesse com Nikolai.
Desde o momento em que ele convenceu a todos da família para manter o
dinheiro nessas contas em paraísos fiscais dizendo: “meu pai era o passado e eu
sou o futuro”.
— Não serei, ou melhor, não seremos. Cada centavo roubado antes
de sumir digitalmente, deixou milhares de rastros para cada um deles, passarão
anos em guerra achando que um roubou o outro. Por isso os israelitas invadiram
o apartamento onde estávamos, os italianos destruíram cada ponto do Nikolai
enquanto você pegava os pagamentos. Nós dois morremos no apartamento.
Todos com que você teve contato constante ou o suficiente para te reconhecer
morreram também. Eles ficarão em guerra entre eles e nunca saberão de nós. —
Leo está calma, como se fosse um dos seus dias de fazer compras.
Para desespero de Led.
— Você incitou uma guerra de proporção mundial entre máfias! —
Alertas piscam em sua cabeça. Quão louca ela poderia ser? — O dinheiro pode
ser rastreado?
— Nunca chegarão em nós, esse dinheiro jamais poderá ser rastreado
novamente, ele não existe mais. Convertemos em moeda digital, não está em um
banco físico, ele não está em lugar algum e está em tudo ao mesmo tempo. —
Leo responde cheia de segurança.
Led termina de limpar os ferimentos, não muito seguro de tudo que
ela contou.
— Maya… — Ela levanta uma sobrancelha. — Leo? — Ela fez que
sim e sorri. — Tudo parece surreal. Você roubou o mundo da máfia inteiro.
Essas pessoas não desistirão nunca. — Ela vira na cama e fica de frente com ele,
seus seios têm marcas de mordidas e os hematomas nas costelas estão
começando a ficar roxo. — Você tem certeza de que Nikolai morreu? —
Esquece totalmente o que queria saber.
Nesse momento, a única coisa que mais deseja é a morte de Nikolai,
a força que nunca teve para lutar por si mesmo nasce do mais profundo de sua
alma enegrecida para lutar por ela. Ele aproveitaria cada minuto enquanto esvai
com a vida do demônio que ousou macular a perfeição.
— Bom, existiam explosivos no corpo da garota e uma bomba que
implantei ao seu lado. Outro explosivo no corpo do seu dublê e outro na parede,
Nikolai estava no meio de tudo. Pelos meus cálculos, as chances de
sobrevivência é quase nula, se levar em consideração que ele estava drogado e
sem chance de acordar em horas. — Leo fala com seriedade.
— Mas podem descobrir que tudo foi armado? — Duvida.
— Não, não podem. As bombas são de um notório membro da máfia
israelita. O apartamento quando saímos foi invadido por eles, no laudo policial
constará a assinatura dos israelitas nas bombas que deixei. Os italianos deixaram
um rastro de destruição esta noite atacando os pontos do Nikolai, uma criança
poderá achar as provas contra os italianos que por sua vez foram atacados pela
Yacuza. Ninguém procurará por nós. — Ela senta-se ficando muito próxima do
rosto de Led. — Você está livre! — Se aproxima e sela a boca na dele, no
momento exato em que a porta abre.
— Oh, merda! Eu não queria ter visto. — A mulher vira o rosto
envergonhada, — Desculpe. É que vamos decolar logo. — Ela sai tão abrupta
quanto entrou.
— Qual é o nome dela? — Led tira o cabelo dos olhos de Leo.
— Ela é Paris, minha mãe adotiva. O motorista e piloto do avião é o
Heitor seu companheiro e meu pai adotivo.
— Paris e Heitor, que os deuses nos ajude para que nada aconteça em
Troia. — Brinca.
Leo sorri feliz.
— Qualquer presente suspeito que aparecer em nossos portões,
explodiria em pedaços antes que tenha a chance de entrar. — Ela se levanta.
— As mensagens que recebi, eram deles?
Leo abre o armário e escolhe algumas roupas.
— Sim. Pedi para que cuidassem de você. Não queria que se
machucasse em fogo cruzado, Antony.
Foi como se o tempo parasse. Ele não fora chamado pelo nome desde
que a mãe morreu.
— Fala de novo? — Pede, a voz quase em sussurro.
— Precisávamos…
— Não, a última parte.
— Antony?
— De novo.
— Antony, Antony, Antony…
— Ninguém me chama assim em muitos anos. — Mesmo segurando,
uma lágrima tola escapa de um olho.
— Antony… — Ela sussurra. — Prazer, Eleonora! — Estende a
mão, ele estende a dele e se congratulam. — Hora do banho?
— Pode ir eu espero? — Extasiado volta a se sentar na cama.
— Ou podemos ir os dois juntos? — Ela oferece. — Não tem nada
que você ainda não tenha visto, o mesmo vale para mim. Vamos preciso de ajuda
com meus ferimentos!
E onde está o ar quando se precisa dele para respirar.
— May… Leo. Isso é confuso! Você não pode fazer este tipo de
oferta, eu sou um homem e você é uma mulher. — Avalia. — Uma linda mulher.
— Conclui.
Ela o olha confusa.
— Antony, te convidei para um banho e não para uma foda no
banheiro. Sei que você é um homem, vai por mim. Eu notei todas as suas
nuances e as definições de seus músculos, sem mencionar as várias vezes que
acordei com suas ereções matinais cutucando minha coluna. Mas… — gesticula
para o corpo dele — …isso tudo é lindo, a ponto de perfeição. Contudo, não
estava pensando nisso. — Suspira. — Você entende, eu quero estar ao seu lado
sempre, mas não posso adicionar sexo nessa relação. Isso poderia causar um
rompimento doloroso, no que acarretaria em nossa separação ou pior em ódio
mútuo. — Ela segue para o banheiro. — Eu não quero te odiar e não posso me
separar de você. — O chuveiro liga.
— Essa vai ser uma relação estranha. — Murmura e começa a tirar
as roupas. — Como funcionará? — Entra no box com ela.
— Sabe, eu nunca beijei e a primeira vez que tive relação sexual foi
no vestiário do Arena. — Leo confidencia.
Puta que pariu!
— Sua primeira vez foi com Nikolai? — Ela faz que sim. — Mas
você me beija.
— Não. Eu te dou selinhos. Minha língua nunca entrou na sua boca,
esse tipo de beijo nunca aconteceu. — Ele sorri de canto da forma como Leo
fala. — É a relação que podemos manter, desde que ambos entendamos os
limites. — Seus olhos perscrutaram os dele.
— Será estranho. Você tem certeza sobre isso? — Levanta as
sobrancelhas.
Ele entende os motivos dela, talvez, também sejam os seus.
— Sim, eu me conheço o suficiente para saber quando não devo
arriscar tudo que é mais importante. Você representa isso para mim, o beijo foi o
que pude preservar no meio de tanta sujeira e por enquanto irei guardá-lo. —
Leo o surpreende novamente com sua declaração aberta e espontânea. Começa a
lavá-lo. — Não me entenda mal. Se tivéssemos nos conhecido em outro
momento…, mas não posso ariscar perder você. — Ela se abaixa e passa a
esponja na perna esquerda e depois a direita dele.
— Leo? O que você está fazendo? — Antony olha para ela ajoelhada
a sua frente com a água batendo em seu rosto, molhando sua beleza inacessível.
— Vou socar suas bolas se você estiver tendo uma ereção. — Antony
imediatamente muda o foco dos seus pensamentos, não os permitindo ir para
aquela porta especifica, ela se levanta. — Abaixa. — Ele faz. Ela passa xampu
em seu cabelo, esfrega e enxágua.
— Porque você está me dando banho?
— Eu li que toques de afeto pode ajudar na transição com pessoas
que sofreram abusos durante muito tempo, assim criamos um elo de confiança,
para que você possa se abrir para mundo e todas essas coisas. Talvez devêssemos
procurar um psicólogo quando pousarmos. — Esfrega as costas dele. — Acho
melhor você lavar suas partes íntimas. — Entrega a esponja para ele.
— O quê? Onde você leu sobre toque de afeto não envolvia toque em
partes íntimas? — Satiriza.
— Ah, nesse artigo específico não. Mas eu li outro que ensinava a
melhores formas de tocar as partes íntimas, o quanto de pressão colocar, em
alguns envolvia contato via oral e seus benefícios. — Não passa despercebido
por ela o movimento ao sul do corpo dele — Antony eu vou socar suas bolas!
— Então para de falar sobre toque com pressão ou oral, enquanto
estiver nua na minha frente. — Esclarece.
Leo começa a se lavar e geme de dor, quando tocou as costelas.
Foi o suficiente para não haver mais ereção e nem brincadeiras no
chuveiro.
— Por que deixava ele fazer isso com você? — Antony a ajuda lavar
o cabelo, já que ela não consegue levantar o braço sem sofrer.
— Para ser real, uma mulher aleatória não teria acesso ao que
precisava dele, mas uma puta para máfia é descartável, essas são invisíveis. Eles
nem notam, usam para o que querem e depois lixo. Eu precisava de tempo com
Nikolai, por isso não cedia. No momento que fizesse, perderia a graça e você
sabia o que acontecia quando a graça acabava para ele. — Ele enxágua o cabelo
dela. — Mas acho que ele se viciou em mim e isso me manteve viva. Lógico,
além de você.
— Isso foi loucura! Eu congelo o inferno se por acaso você tentar
fazer algo parecido. Se alguém te ferir… — Foi tanto uma ameaça quanto uma
promessa.
— Estou aposentada! De agora em diante, não farei nada arriscado.
Ficarei só com serviço de inteligência nos negócios da família. — Leo beija seus
dedos em sinal de promessa. — Temos tanto dinheiro que nem em dez vidas
poderíamos gastar tudo. — Informa.
— Eu não quero esse dinheiro. — Antony recusa rispidamente, pega
uma toalha enrola na cintura e outra para ajudá-la se secar e colocar os curativos.
— Esse dinheiro também é seu. Você tem todo o direito sobre ele. —
Ela afirma.
— Não quero. Prefiro trabalhar e conseguir o meu próprio.
Ela bufa com a resposta.
— Trabalhar do quê? Você não vai voltar para rua e fazer cobrança
de traficante e cafetão. — Assevera.
— Não sei nem para onde estamos indo, mas quando chegar eu darei
um jeito.
— Para casa. — O nariz dela empina de forma petulante. —
Estamos. Indo. Para. Casa.
— E onde fica nossa casa? — Toca a ponta do nariz dela.
— América do Sul. — Anuncia.
— Sério? Do outro lado do planeta. — Agora foi Antony que bufou.
— Eu nem falo o idioma.
— Não neva lá. Você sabe que o frio me incomoda. — Leo explica
tentando colocar a calcinha sozinha, mas faz careta de dor a cada tentativa,
pegando a peça de renda e algodão da mão dela ele a ajuda vestir. — Pensa
assim, você assistiu de primeira mão tudo pelo que passei para adquirir este
dinheiro, não seria correto você desmerecer todo o trabalho que tive. — Ela pega
um vestido do armário que ele a ajuda vestir, passando cuidadosamente um
braço por vez.
Ela fez um ponto ao mencionar em como se arriscou.
— Você e sua família fizeram todo o trabalho, não é certo eu viver
do seu dinheiro. — Ela se afasta indo para o armário.
— Não é verdade, você também ajudou. Só não sabia que estava
fazendo. Como você acha que chegamos aos pontos principais do Nikolai? Além
disso, você tem direito a esse dinheiro por tudo que viveu com ele. — Ela
entrega para ele uma cueca boxer, calça jeans escura e camisa de botão preta e
sapatos que combinam. — O que você sonhava em fazer quando criança?
— Não sei, morrer era um desejo frequente. — Ela fica tensa, ele
suspira. — Algo com números, sempre fui bom com eles. — Leo o ajuda a
fechar os botões da camisa, enquanto ele fecha os da calça.
— Ótimo, temos as melhores universidades perto de casa. Você pode
estudar e fazer nossos recursos aumentarem. — Leo pega a mão direita dele, e
coloca um relógio de ouro branco e minúsculos diamantes em volta com a
pulseira em couro preto, que dá destaque à peça. — Espero que goste. É de série
limitada.
— É meu? — Antony admira.
Ela sorri fracamente.
— Sim é seu. Nunca se separe dele.
— É o primeiro presente que ganho desde criança. Obrigado. — O
muro que criou em volta de seus sentimentos para sobreviver à vida que tinha,
foi arruinado por ela. Respirar passou a ser fácil e indolor. Seu coração está leve
e suas batidas tinham significado e pela primeira vez não é sofrer.
Podia ser feliz e não sentir desmerecer está sensação?
SIM!!!
— Vamos comer. Depois que decolarmos poderemos tirar um
cochilo. — Leo começa a ir em direção a porta, mas ele a segura.
— Eu juro cuidar do seu… — ela enrijece e fica séria. — Do nosso
dinheiro, e fazê-lo triplicar, para que nunca falte nada você.
— Eu aceito, desde que você esteja ao meu lado para gastar comigo.
— Ele beija seus lábios para selar o pacto, com isso a segue para fora e entram
no que parecia ser uma cozinha.
— Pensei que ficariam trancados no quarto. — Paris fala olhando-os
maliciosamente.
— Tanto quanto queria. Estamos com fome e você sabe muito bem
que não estávamos trancados. — Devolve Leo no mesmo tom.
— Que seja! — Paris responde e avalia Antony. — As roupas
ficaram ótimas em você, mas esse cabelo tem que mudar, esse corte é muito
antiquado. Venha falar comigo amanhã para resolvermos isso. — Ela se
aproxima e o abraça — Seja bem-vindo à família Antony! Apesar de parecer o
contrário, somos os bonzinhos. Uma coisa boa você já ter cabelos brancos,
porque Leo te dará vários. — Adverte ela em tom de brincadeira, mas já
deixando-o em alerta.
— Eu não darei! — Leo protesta empinando o nariz.
— Ah não? Pois bem o relatório do seu namorado… — Antony a
olhou como quem diz: eu sou o namorado? — Disse que você mentiu e muito
nos seus relatórios diários, sorte a sua, Heitor e eu amarmos você, senão te
matava aqui mesmo. — Paris muda o tom de voz e segura a agressividade. —
Nunca mais! Você nos disse que seria simples e que conseguiria controlá-lo,
você mentiu! E deixou que ele te tocasse. Dinheiro nenhum no mundo vale ter de
passar por isso. — Ela limpa o rosto molhado de lágrimas.
— Perdão mamãe. — A voz baixa da Eleonora é clara o suficiente
para ser ouvida.
— Deveria te por de castigo, mas acho que já tivemos sofrimento
suficiente por uma vida. — Com isso Paris ruma para a cabine do piloto.
Eleonora fica de costas o corpo tenso e as mãos fechadas em punho.
— Antony que tal um sanduíche? — Tenta se manter intangível.
Mas ele mais que qualquer um sabe como é fingir não sentir.
— Eu não deveria ter falado nada. — Tenta amenizar.
— Tudo bem, relaxa. Não foi culpa sua.
Ele beija sua cabeça.
— Porque ela te colocaria de castigo? — Muda de assunto para
amenizar o clima tenso, mas sente que ela não relaxa.
Ela fica ainda mais tensa.
— Ela e Heitor me adotaram, deram-me uma casa e um propósito,
quando eu não tinha nada. O castigo, bem…, eu sou a mais nova por isso ainda
tenho regras a cumprir. Mas nunca cheguei a ficar de castigo por algo que fiz. Às
vezes que fiquei, eu me auto coloquei, mas como parceira de Naveen, para ele
não ficar sozinho. — Ela sorri.
— Mais nova quanto?
Leo cerra os olhos e suspira profundamente.
— Heitor tem trinta e é o mais velho. Ele era piloto da força aérea
especial dos Estados Unidos da América, sofreu um acidente em missão e sua
carreira se encerrou, depois disso ele tomou e fez uma série de escolhas erradas.
Até que conheceu Paris e iniciou o negócio da família. — Leo abre a geladeira
pega dois sanduíches e duas garrafas de sucos. — Paris era ex-força táctica da
Mossad. Bom, ela também fez escolhas erradas. Hoje ela é nossa personal
shopper autoproclamada e Sniper nas horas comerciais junto com Heitor. Tem
vinte nove anos. Naveen aconteceu pouco depois que eles se ‘casaram’. —
Sentam nas poltronas e se preparam para decolar. — Eles o encontraram
enquanto estava sendo espancado, por ter sido pego beijando outro menino e
outras questões familiares. Foi então que Heitor o salvou e o trouxe para casa,
Naveen aprendeu a se defender depois a atirar e começou a trabalhar com meus
pais. Mas seu maior talento é conseguir coisas, qualquer coisa de arte a grupos
de mercenários especializado. Ele tem dezenove anos, apesar de todas as
qualidades que te falei. Ele é uma criança com poder de contratar um exército.
Por último, mas não menos importante tem eu.
Ela morde o sanduíche e bebe o suco no dobro do tempo que demora
para fazer estas coisas.
— Fala. — Antony incita.
— Fui resgatada por Paris. Eu fazia furtos virtuais para sobreviver e
outras coisas para morrer. Mas meus atos irresponsáveis, já estavam chamando
a atenção, vivia em constante movimento sem moradia fixa e direção e nenhuma
responsabilidade por meus atos. Paris me ofereceu uma casa segura, me ensinou
a atirar, deu um propósito para minhas habilidades. É isso. — Ela volta a comer.
— Não. Quantos anos você tem? — Insiste.
— Ah… tem isso. — Ela coçou a cabeça protelando. — Tenho
memória eidética, sabia? Eu nunca esqueço de nada do que eu vejo, leio e muito
do que ouço. Tive muitos problemas onde fui criada, aprendia tudo muito rápido
e isso teve um custo, as outras crianças me chamavam de estranha e outras
coisas. Por muito tempo fiz coisas que não devia fazer, meu sensei deturpou
muito dos conceitos de arte marciais, e em como ser uma sobrevivente e por
muito tempo eu fui, até que cansei de ser. Foi quando Paris me encontrou. —
Seus olhos foram para janela desviando de qualquer contato visual com Antony.
— Leo volta para mim.
Ela o encara com tristeza.
— Seus olhos são lindos. Mesmo a noite dá para ver o violeta dele.
— Tenta mudar de assunto.
— Corta essa! Qual a sua idade?
Leo suspira longa e demasiado lento.
— Dezessete.
Foi tão rápida em falar, que Antony achou que ouviu errado.
— Como?
— Dezessete.
Ele não ouviu errado.
— Que merda é essa, impossível?
— São apenas números. — Justifica e continua comendo, evitando
olhar em seus olhos.
O que foi bom, porque ele nunca teve desejo mais homicida, até esse
momento. Desejou matar Nikolai com as próprias mãos, depois Heitor, Paris e
esse Naveen por ter permitido ela fazer o que fez. Por fim, até mesmo ela, por
ser tão irresponsável e estúpida.
Continuam comendo em silêncio, voltam para cabine e dormem
rapidamente.
Ainda em silêncio.
Antony sabia que ela havia notado seu desagrado, mas nenhum dos
dois disse nada a até que o sono os arrastassem.
Mas ele se manteve agarrada a ela.

— Tantas coisas aconteceram até aqui. Uma jornada


acaba ao encontrar algo que não se pode viver sem, outra
jornada inicia quando se descobre que a vida tem muito
mais a oferecer, contudo, mesmo no fim para um e início
para outro. Ambos estão em processo de cura.
“É um novo começo e um novo dia.
É uma nova vida para mim e eu estou me sentindo bem”.
(Feeling Good – Nina Simone)
CAPÍTULO 6
ANTONY

Horas haviam se passado, Leo ainda dormia pesadamente em seus


braços. Com precisão quase que cirúrgica Antony se desvencilha dela, cuidando
para que não acorde. Ela evitou tomar remédio para dor, e nesse momento
dormir é tudo que seu corpo precisa.
Fora do quarto, passa pela cozinha pega uma garrafa de água e se
senta em uma das poltronas.
Tinha muito o que absorver. Tudo mudou. Onde não tinha nada,
agora existe ela.
— Se soubesse não teria deixado. — Heitor senta na poltrona de
frente a ele. — Leo é difícil. Quando coloca algo na cabeça, não para até
conseguir. É obstinada e teimosa, apesar de sua inteligência, caminha direto para
um tiroteio sem pensar nas consequências. Eu tento segurá-la, Paris tenta muito
mais, mas ela é um inferno de teimosa. Não tem extinto de autopreservação, é
sempre assim ao menor dos insultos. Ela destrói sem se ressentir, algo nela foi
destruído em sua infância de forma que quando colamos suas peças, as
rachaduras fizeram dela o que ela é hoje. Não se encante com o jeito doce e
amoroso, pois ela não é assim com ninguém além nós e agora você. — Ele sorri
de forma assustadora. — Vimos o vídeo de vocês no elevador, se fosse qualquer
outro ela te deixaria para morrer. Quando ela me chamou pedindo ajuda, porque
você teve overdose, nos espantamos, pois, a nossa Leo teria sido a pessoa a
olhar para lado e fingir que não viu. — Ele bebe de sua garrafa de suco. — Você
alcança ela de formas que não conseguimos. Não nos culpe, já fazemos o
bastante. Morreríamos por ela, o problema é que ela nunca deixaria isso
acontecer, ela morreria antes para nos salvar. — Heitor termina.
— Por que ela fez isso? O roubo foi recente, ou seja, para vocês
terem acesso a essas coisas, — Antony aponta ao redor, — vocês já são ricos o
suficiente não precisariam se arriscar por mais. — Encara os olhos verde sujo de
marrom, totalmente diferente dos grandes olhos brilhantes da sua garota.
— Ela estava entediada, quando descobriu Nikolai e diabolicamente
achou divertido incendiar o mundo. — Sua voz concisa tem um ronquidão que a
faz sombria.
— Deveriam ter parado ela!
— Não se para ela. Ajudávamos ou ela faria sozinha contratando
mercenários para executar com ela. Fizemos o que achamos certo, com a mão de
cartas que tínhamos. — Heitor olha para a janela. — Eu sei que falhamos, jamais
vou deixar de me culpar por isso. Ela é minha filha e falhei em protegê-la, você
não mensura esse sentimento. — Se culpa. — Amei minha filha assim que a
conheci, ela parecia um tigre enjaulado inquieto, arredio e forte como um
homem adulto, inteligente acima da média, mas com cortejo incessante com a
morte. Foram várias as vezes em que a resgatei do perigo que trouxe a si mesma,
eu sinto que falhei em protegê-la.
— O que aconteceu no passado dela? — Ambos assistem da janela o
dia começar a amanhecer.
— Ela nunca nos contou. Do que adiantaria saber, não se pode mudar
o passado. O melhor é deixar onde estar e fazer o possível para garantir um
presente e futuro melhor. — Heitor responde.
— Ela me disse algo parecido e me prometeu um futuro melhor. —
Antony comenta.
Os olhos de águia de Heitor o escrutina atentamente.
— Se ela fez isso, quer dizer que ela fará o que prometeu. Mas se por
acaso você machucá-la… Ela não irá te proteger de mim. — Encara Antony
com autoridade. — Paris disse o que viu na cabine e por mais que tenha tentado
evitar, sabia que cedo ou tarde ela se envolveria com alguém. Lembre-se, por
mais destrutiva que ela seja, ela ainda é minha princesinha. Cuide dela e a
proteja, de preferência dela mesma. — Alerta severamente.
— Não nos envolvemos como acha que fizemos, em um momento
confuso tentei algo mais, ela me rejeitou dizendo: Gosto demais de você para
envolver sexo nessa relação.
Heitor solta uma risada alta e pesada.
— Muita informação garoto, mas isso soa exatamente como ela. —
Ele se levanta. — Bem-vindo a família! — Estende a mão, Antony aceita o
gesto. — Obrigado, por ser aquele que a manteve viva. — Nesse momento
firmam uma acordo e reinicia a relação deles.
Família…
Eles continuam dizendo essa palavra, está ficando cada vez mais
difícil para ele afastar o sentimento de plenitude. Quando pensa em família
Eleonora é a primeira e única pessoa que pensa.
Se roubar era seu o lance, mal sabia ela que ele precisava ser
roubado para poder viver livre.

Leo desembarca segurando a mão de Antony quando o avião pousa,


mas solta e corre para o homem parado ao lado da porta do motorista do carro
SUV estacionado na pista, ela pula em seu colo e o beija no rosto. Antony
sentiu-se satisfeito, por ser o único que se aproxima dos seus lábios, mas ficou
feliz com a proximidade.
— Ah minha bela deusa, você está linda como sempre! Não imagina
como foi tedioso ficar sem vocês esses dias. — Ele a coloca no chão. — Não vai
me apresentar para o novo membro da família? — Ele vira para ficar de frente
com Antony. — Naveen, prazer! — Estende a mão direita sem esperar que Leo
os apresente. — Ele é muito maior do que pensei, Paris falou que ele é grande,
mas não todo grande. — Ainda segura a mão de Antony, mas fala diretamente
com Leo.
— Eu sei, tenho que pedir para ele se abaixar quando vou beijá-lo, é
frustrante não poder alcançá-lo as vezes. — Leo sorri abertamente.
— Quando você o quê? — Naveen se espanta. Foi cômico e quem
viu riu. — Vocês estão, tipo juntos? — Agora fala direto com Antony.
— Tipo isso. É complicado. — Ele responde.
Naveen diferente de Leo com seus traços delicados é seu completo
oposto, seus traços são fortes com ferocidade aparente, ele é mais baixo que
Antony, porém o corpo é forte como dele, seus olhos no tom mais escuro de
marrom é uma afirmação para manter distância e o cabelo escuro curto nas
laterais e maior no topo, fecha o pacote de bad boy.
— Como complicado? — Ele solta a mão do Antony e abre a porta
do carro para eles entrarem.
— Ah, Naveen!!! — Leo empina nariz e Antony toca fazendo ela
bufar e espantar com a mão. — Tipo, ele falou que é meu, como a raposa do
pequeno príncipe eu o cativei e ele me cativou, entretanto, gosto demais dele
para estragar nosso cativeiro com sexo. Tudo que temos é puramente platônico.
Entendeu? — Explica com profundidade e totalmente séria.
— Vindo de você faz todo sentido. — Naveen sorri, passa a chave
para Heitor e senta no lado do passageiro, Antony senta ao lado de Leo e Paris
no banco de trás.
— Podemos fazer um corte contemporâneo, seu rosto é muito bonito
para não ser ressaltado, acho que podemos fazer um corte destes mais repicado.
— Paris passa a mão no cabelo sem pigmento de Antony. — Tipo esses cabelos
que estão chamando pós foda. — Pondera.
— Mas para isso ele teria que foder e ele está preso, em uma relação
estranha sem sexo. — Naveen fala do banco da frente deixando Antony
envergonhado.
— Naveen!!! — Leo, Heitor e Paris falam ao mesmo tempo.
— O quê? A Leo que disse, eles estão juntos, mas sem sexo.
Chão se você quiser, pode se abrir agora e me engolir! Antony ora
em silêncio.
— Ele pode ter sexo, por que não poderia? É importante para o
corpo. — Leo esclarece.
Abra e engula-me, por favor…
— Mas não comigo, ele pode compartilhar uma de suas amigas ou
ele pode fazer as amizades dele. — Ela continua.
— Gente, é informação demais aos meus ouvidos. — Heitor
murmura no banco do motorista.
— Tudo bem para você, ele sair com outras? — Naveen pergunta
para Leo.
Chão, aguarde um momento, preciso saber a resposta…
— Sim, claro. — Leo leva a conversa como se estivesse discutindo a
cura do câncer em uma reunião da ONU.
— Antony, a Leo também pode sair com outros?
Não. Não. Não. Mudança de planos, engole ela e eu…
Naveen obteve as respostas que queria, com um único olhar para
Antony.
— Foi o que pensei. A via não é de mão dupla. — Concluiu.
— O quê? Não! — Antony, olha para Leo do seu lado. — Você pode
se quiser, mas… acho que não precisa ser agora, você passou por muito, nesses
meses é melhor dar um tempo se dedicar em outras atividades. — Acaricia o
rosto dela.
— Rah! — A explosão de Heitor assusta todos. — Garoto, sabia que
tinha motivo para gostar de você!
A mão de Paris segura a de Antony, em um aperto de agradecimento.
Mal sabe ela, que não precisava agradecer.
Leo o encara.
— Obrigada. Não tenho tais ambições no momento. Mas não se
preocupe, meus sentimentos por você não se abalarão, com o que faz em
privado. — Fala ainda séria.
— Nossa, vocês têm certeza que ela só tem dezessete anos? —
Naveen provoca.
— Eu tenho sim, você sabe. É só que algumas coisas do aspecto
social não entendo direito, você já sabe disso. — Leo fica envergonhada e sua
bochecha fica com rosado leve.
— Leo querida, isso foi retórico. — Paris explica.
— Ah, viu foi o que acabei de dizer, eu não entendo. Isso me lembra,
que preciso fazer exames para ver se tenho distúrbios psicológicos. Por vezes
Antony perguntou se sou louca.
Antony sorri de canto com o tom ainda sério dela.
— Princesa melhor não, eles podem querer prender você por te achar
perigosa para sociedade.
Os olhos de Leo ficam maiores que o normal, com o que Naveen
fala.
— Ninguém prenderá você, eu não permitiria. Você não precisa
fazer nada. O que disse, foi porque você parecia muito calma em certas
situações, que devia estar o oposto e me fez duvidar da sua sanidade. Mas agora
que sei a verdade, você é perfeita do jeito que é. — Antony beija-a na testa.
— Ouviu Naveen, PERFEITA! — Se gaba.

A cidade que chegam tem o estilo cosmopolita com uma mescla do


novo com o velho. Prédios de arquitetura do século passado se misturam com
edifícios espelhados Antony avalia enquanto passam na avenida principal. Logo
a área suburbana da cidade começa a se destacar com residências próximas umas
das outras e parques com crianças de todas as idades brincado. A medida que o
carro avança, as casas ficam maiores e a distância uma da outra também.
Mansões com jardins extensos começam a compor a paisagem. A estrada
continua no meio de um bosque para o topo da colina. As copas das árvores se
encontram formando um túnel verde com raios de sol brigando para passar entre
as folhas.
A estrada termina em um grande portão de ferro preto arqueado com
flores soldadas entre as grades, lembrando uma trepadeira de ferro sombria. O
portão abre automaticamente, o asfalto acaba e paralelepípedos de vários
tamanhos começam a trilhar o caminho em um jardim repleto de plantas
coloridas e a maior casa que Antony já vira, aparece à vista. A construção foi
feita em volta de uma fonte clássica de anjo jorrando água. Não é uma mansão,
pois essa casa é maior. Um palacete com grandes janelas refletindo a luz solar
fazendo-a resplandecer.
— Bem-vindo ao lar! — Leo corre para fonte. — O que você acha?
— Estende a mão para o alto.
— Grande. Muito grande! — Antony admira maravilhado.
— É mesmo? — Leo olha ao redor, para ver da forma que ele via. —
Não moramos todos juntos, nós separamos por blocos. Em frente temos a casa
de Paris e Heitor. — Aponta para um enorme aplique de madeira que segue do
chão ao teto. — Do lado direito temos a casa do Naveen. — O mesmo aplique de
madeira predomina a entrada. — Do lado esquerdo é a nossa casa. Vamos? —
Ela puxa Antony pela mão.
Se ela não o guiasse até as divisões de entradas, não seria possível
identificar a porta camuflada na grande parede de madeira.
— Espero que você goste, eu mesma decorei tudo, mas você pode
mudar o que quiser. — Ela digita um código e libera a enorme porta de madeira
maciça pivotante.
Heitor de onde está olha severamente para Antony, Paris e Naveen
sorriam recatadamente em despedida, ignorando os olhares ele segue Leo para
dentro e se depara com um novo nível de beleza. Como essas casas premiadas de
revistas, todo os ambientes são integrados com cores claras, móveis sob medida,
dão um toque de requinte, elegância e cor. Toda a parede do fundo fora
substituída por vidro dando uma ampla visão do jardim e o bosque.
— Gostou?
— Nossa… — Antony olha mais, absorvendo tudo e cada detalhe.
A cozinha é uma obra de arte, balcões de pedra branca rajada com
cinza e pequenos pontos brilhantes incrustados, a grande ilha é o ponto central
da cozinha, os bancos de madeira escura combina com os armários, todos os
eletrodomésticos de inox contrasta dando modernidade ao conceito clássico
junto com a iluminação.
— É lindo! — Fala admirado.
Na sala o pé direito alto de vidro ilumina tudo de forma confortável,
o sofá modular e a lareira a gás revestida de mármore claro é elegante, mas
aconchegante, ao canto perto da parede de vidro um piano de calda preto
reluzente se destaca. Na parede oposta, estantes repletas de livros e objetos de
decoração. Ao lado, a sala de jantar com uma mesa de madeira escura com
pernas entalhadas e cadeiras estofadas com cores alegres agrega um toque de cor
e classe a todo ambiente.
— Vamos ver seu quarto e suas coisas! — Ela chama já subindo a
escada.
— Que coisas? Não trouxe nada. — Antony corre para acompanhá-
la.
Ela sorri conspiratória.
— Acha mesmo que Paris já não comprou tudo para você? E no
mínimo em três horas ela irá te arrastar para cortar seu cabelo. Minha mãe tem
obsessão com moda e beleza. É certeza que ela já começou a planejar tudo
quando lhe falei, àquele dia no Spa, que queria trazer você comigo. Quando
compramos suas roupas no shopping ela fez eu pegar suas medidas. Então, não
se espante com tudo que você achará no seu closet.
— Você falou para ela que iria me trazer com você?
— Sim. Mas só tive certeza quando você ficou doente. — Antony
aperta a mão dela. — Esse é meu quarto. — Leo aponta para portas duplas de
madeira branca — E esse é o seu. — Abre as portas duplas de frente ao quarto
dela — Você pode escolher outra suíte. Eu escolhi está porque fica mais
próxima, mas se quiser a vista para bosque pode escolher o do lado. — Aponta
para porta ao lado do quarto dela.
Antony entra no quarto.
— Isso tudo é meu? Quer dizer que esse será meu espaço? — Gira
olhando em volta para o ambiente confortavelmente decorado.
— Não. — Leo fala decidida, fazendo-o recuar. — A casa inteira é
seu espaço, não só esse quarto. Quanto antes aceitar melhor, você pode ter o que
você quiser ter. — Ela caminha e abre uma porta de correr. — Este é seu closet.
— Entra com ele em seu encalço.
Maior que qualquer quarto que teve na velha e fria Rússia, o cômodo
é cheio de roupas, organizado por cores e estação. A sapateira cheia de todos os
modelos e estilos.
— Eu não sei como usar nada disso. — Abre um mostruário só de
óculos de sol de vários modelos. Haviam pensado até nisso para ele, pois seus
olhos são bem sensíveis a luz. Antony estava emocionado com tanta
consideração de pessoas que acabara de conhecer.
— Paris tem um sistema. Cada peça tem uma etiqueta que mostra o
que combina com que com código numérico. Assim, você sempre estará lindo e
perfeito. — Ela mostra a etiqueta com as especificações.
Ela abre outra porta para um enorme banheiro maravilhosamente
projetado.
— Uau, isso é além do que um dia eu quis.
Ela o abraça.
— Isso é bom. Você tem que ver a cama, é a melhor parte de todas.
— Leo se anima como uma criança travessa.
— Qualquer coisa aqui é melhor, mas tudo só vale se eu tiver você.
— Beija o topo da cabeça dela.
— Tem mais algumas coisas que preciso mostrar e outras que
precisamos finalizar. Já volto!
Ela corre para fora do quarto e Antony pula na cama ao sentar.
Travesseiros fofos, lençol macio como nunca sentiu. Tudo está decorado em tons
claros passando paz e tranquilidade. No criado-mudo um controle remoto
multimídia, som, TV e videogame.
Leo entra com uma caixa em suas mãos e senta ao lado dele.
Posiciona a caixa entre eles e abre. Pega primeiro o celular.
— Naveen já configurou tudo para você. Nos contatos têm os nossos
números pessoais, onde somente membros da família tem acesso, para qualquer
outro assunto você usa o número comercial no Chip 2. Chame sempre que
precisar e estaremos lá para você. — Entrega-lhe o aparelho de última geração.
— O tablet também está configurado e está pareado com os controles da casa. O
notebook a mesma coisa. — Ela pega o celular da mão dele, liga e abre um
aplicativo. — Aqui, estes são os modelos que temos a pronta entrega. Naveen
pediu para escolher o quanto antes, para que serem entregues até amanhã. —
Antony abre o catálogo repleto de modelos de carros esportivos, sedans e SUV.
Em outra seção, uma página de motos de todos os modelos. — Ele sugeriu que
você escolhesse um modelo esportivo porquê ajuda com as garotas, e um SUV
ou sedan para passeios em família. A moto é para sentir adrenalina e liberdade e
para você poder acompanhá-los nos passeios. — Os olhos dela estão claros e
animados.
— Posso escolher qualquer um? — Antony receia, ela faz que sim.
— Mas esses carros são absurdamente caros. — Ela faz que sim sorrindo,
Antony passa página por página, volta e repete. — Sinto que estou sendo
recompensado pelo natal de uma vida inteira.
Leo beija o rosto dele, enquanto ele olha com olhos brilhantes um
Aston Martin DB11 cupê V12 azul-escuro.
Clica na imagem do carro e aparece a opção confirmar, ele confirma.
Escolhe um BMW X1 preto como SUV. E a moto Ducati XDiavel, Antony
confirma as escolhas, a mensagem do Naveen sobe.

Naveen
Boas escolhas, elas podem chegar amanhã.
10:23 am

Antony
Obrigado.
10:24 am

— Perfeito! Isso já está resolvido. Estes são seus novos documentos.


— Entrega uma pasta que contém certidão de nascimento, identidade, passaporte
com visto permanente e dupla cidadania, carteira de habilitação.
— Antony Romanov?
— Eu gosto de história. Portanto somos Antony Romanov e
Eleonora Gozen. — Entrega o cartão bancário black com o novo nome. — É
seu. E estes são nossos dados bancários. — Leo entrega outra pasta onde
contém, informações bancárias conjuntas com ele e dados de investimentos,
inventários de propriedades e os códigos de acesso para a casa.
— Por que está tudo no seu nome e no meu? Como você sabia que
eu ficaria com você? — Inquere receoso.
— Naveen preparou tudo. Eu falei, ele consegue qualquer coisa.
Quanto a estar em nossos nomes é porque quero assim, tente não reclamar. Aqui.
— Abre um aplicativo de supermercado. — Se você precisar ou quiser algo que
não tenha na dispensa, é só pedir pelo aplicativo e eles entregam. Na propriedade
mora um casal de caseiros Kala e Gohan, eles são responsáveis pela limpeza,
manutenção e segurança da propriedade. Se você precisar de qualquer coisa é só
mandar mensagem para Kala e ela resolve. Em geral, uma vez por semana uma
equipe externa faz a limpeza geral da propriedade, mas somos nós que fazemos
lavanderia, refeições, limpeza da cozinha e arrumação dos quartos. — Levanta e
vai para porta. — Você poderia me ajudar com os curativos das minhas costas?
Deixando tudo que Leo lhe deu na cama, segue para o quarto dela.
As dimensões são as mesmas de seu quarto, a diferença é a parede de vidro com
vista para bosque e uma piscina enorme em meio ao jardim dos fundos. Leo
entra no banheiro para tirar os curativos enquanto a banheira enche. A parede de
vidro segue até mesmo no banheiro.
— Como você sabe que não tem ninguém à espreita no bosque? —
Antony olha ao longe desconfiado e inseguro.
— Os vidros são refletivos, toda área externa está segura. Heitor e
Gohan configuraram o sistema de segurança, mesmo sem você ver, a área está
com cercas elétricas. Se mesmo assim alguém invadir, temos sensor de captura
de movimento e câmeras de calor que funcionam o tempo todo e por toda
propriedade. Qualquer coisa que se movimentar disparará um alerta para todos
os nossos celulares… Bem, sabemos lidar com nossos problemas sem envolver a
polícia local. — Terminam de tirar os curativos. — No seu celular, tem o
aplicativo de segurança, você tem acesso as nossas câmeras externas. As
câmeras internas são ativadas quando não há ninguém na casa. — Ele ajuda Leo
entrar na banheira.
— Eu não sei no que posso contribuir. — Antony exacerba, Leo sorri
preguiçosamente e ele beija sua testa. — Vocês parecem ter tudo alinhado.
— Temos. Mas isso não quer dizer que você não tenha um papel a
desempenhar com a família. Você disse que é bom com os números e temos
muitos números para cuidar. Esse pode ser o seu lance. Nós até tentamos olhar
aqui e ali, mas administração não é algo que nos motiva, fazemos o básico, todos
temos uma função a desempenhar no negócio da família, além de nossos lances
pessoais. Administrar os ganhos definitivamente não é o motivo de levantarmos
para mais um dia, ter alguém que cuide desta parte seria de grande ajuda. — Leo
deita com o corpo submerso na água e fecha os olhos, Antony fica em silêncio
assimilando o que Leo acaba de dizer. — Oi, você ainda está aí?
— Sim. O que faz você pensar que eles deixariam eu fazer o que
você disse? — Questiona.
— Bom, porque essa é uma tarefa que não gostamos de fazer e
ficaríamos aliviados em não ter que lidar com essas coisas chatas. E se você nos
trair, não existe um lugar no mundo que poderia se esconder. Não lidamos bem
com traição, por isso não nos traia. — Leo adverte olhando diretamente para ele
com frieza.
Antony assente e a deixa na banheira, volta para o quarto.
Vê-la na banheira não era a melhor das ideias.

Como Leo previu, três horas depois Paris acompanhada de outra


mulher pequena com uma mala preta enorme entram enquanto Antony está na
cozinha comendo.
— Hora de arrumar seu cabelo. — Paris pega a mão dele e o puxa
para as escadas, falando com a mulher em outra língua.
Entram no quarto dele, pega uma das cadeiras dispostas próximo a
janela e leva junto para o banheiro com elas. A mulher estranha continua
falando. Por, mais que tente Antony não entende nada, é como se a mulher
estivesse cantando da forma que as palavras soavam de sua boca. Se esgueirando
furtivamente, ele foge do quarto indo atrás da única pessoa que pode ajudá-lo.
— Leo! — Ele fecha a porta do quarto dela apressado e segura a
maçaneta, Leo está sentada numa balança em forma de poltrona presa ao teto,
próxima a fachada de vidro lendo preguiçosamente um livro e usando óculos de
aro dourado. — Você usa óculos? — Admira.
— Para ler e para descanso, meus olhos às vezes precisa de ajuda. —
Explica curiosa vendo-o segurar a porta. — Você também deveria, ao menos
temos que checar com um oftalmologista. — Sugere.
Adorável, pensou ele.
— Eu uso lente, mas uma visita ao oftalmologista é uma boa ideia.
— Ela sorri em resposta.
— Antony? — A porta sacode. — Antony!? — A maçaneta mexe
com urgência.
— O que foi? — Leo levanta.
— Paris chegou com uma mulher, entrou no meu quarto, foi para
banheiro. Elas falam e falam, eu não entendo nada… — Inspira e expira para se
acalmar.
— Temos que resolver a questão do idioma…, é importante você
saber se comunicar. — Leo raciocina indiferente ao movimento apressado na
porta.
— Antony, estou ouvindo vocês! — Paris reclama, a maçaneta
chacoalha.
Notando o pânico nos olhos de Antony, Leo segura a mão que está
nas costas dele segurando a porta.
— Vamos, eu não vou te deixar sozinho. — Ele afasta da porta, que
abre abruptamente por causa da insistência de Paris. — Estamos prontos Paris.
— De mãos dadas saem do quarto e atravessam o corredor.
— Por qual motivo ele correu? — Paris pergunta com voz baixa.
— Imagina: Você é recém-chegada em uma nova cidade e país, e
quando está conhecendo sua casa, uma louca invade acompanhada de outra
minúscula pessoa e você fica desconfiado. Mas a situação se complica quando os
invasores começam a falar em outro idioma e olham para você como se fosse um
lanche da tarde. Eu não sei você, mas eu, em um cenário desse, fugiria para um
lugar seguro. — Leo aperta a mão dele em consolo.
— Ah bem, sinto muito querido, não quis te assustar. — Paris toca o
ombro de Antony em sinal de conforto. — Podemos cortar seu cabelo? Quero
que você tenha uma vida nova e nada melhor que recomeçar mudando seu
visual. — Justifica a eles.
— Não acho que um corte de cabelo e roupas bonitas façam
milagres. — Elas olham para ele chocadas. — Não importa onde eu esteja,
sempre serei o estranho.
— Nunca diga isso! Você faz parte de um grupo seleto, ondes poucas
pessoas da população está destinado a ser. Ser albino não te faz estranho, te faz
especial e único. Não deixem que façam você pensar o contrário, porque não é.
Todos podemos nascer branco ou negro, mas só uns poucos podem ser albino
como você. — O aperto de Paris no ombro dele foi leve e reconfortante.
— Você é lindo, seus olhos são mais lindos ainda, adoro cada parte
sua. — Leo passa segurança e força a ele através do toque de suas mãos. — Para
fazer as pessoas te respeitar e valorizar, você tem que ser seguro e confortável
com você mesmo, aceite todas as suas partes, valorize e use-as a seu favor. Você
é albino. Aceite, e faça disso a sua força e a sua marca. Você não tem defeito.
Você é perfeito! Olhe as pessoas de cima e não aceite menos delas. Agora abaixa.
— Leo sorri timidamente, Antony abaixa e ela sela seu discurso com a boca na
dele.

Sentado na cadeira, Leo traduziu para Antony, o que Paris fala com a
cabeleireira, pedindo a opinião dele sobre se gosta do que elas propuseram. No
fim, ele opta por um corte médio com as pontas repicadas que falaram que era
para dar volume. Paris explica como manter e as opções para usá-lo e, como lhe
daria o visual pós foda que ela tinha mencionado no carro.
— Você tem o rosto marcado, a mandíbula acentuada e sobrancelha
grossa. Seus olhos ganharão vida e se destacará em seu rosto. Fará as mulheres
brigarem por você. — Paris comenta enquanto acompanha a cabeleireira para
saída, envergonhado desvia o olhar e elas sorriem.
— Vou adorar ver as mulheres brigarem por você. — Leo se anima.
— Você está bem com isso? — Antony pergunta para estabelecer
limites.
Se ela falar que não, mesmo que não exista sexo entre eles.
Ele aceitaria qualquer relação desde que ela fique ao seu lado.
— Claro que sim. Não posso pedir para não transar com ninguém ou
conhecer outras pessoas. Tudo, que quero é fazer parte da sua vida e, que você
faça parte da minha. Se um dia conhecermos pessoas e nos apaixonarmos, eu
aceitarei a sua escolha, desde que você aceite a minha e nunca, nunca, me afaste,
porque ninguém me afastaria de você. — Suas palavras o surpreende.
— Feito. Mas não acho que quero dividir você. — Antony declara,
sela seus lábios com os dela.
— Essa decisão não cabe a você. Não seja hipócrita, nossos direitos
são iguais. — Adverte com leveza, mas muita seriedade.

Já se passaram dois meses desde que Antony pousou em Salon. Leo


se mostra uma verdadeira tirana em ensiná-lo a falar o novo idioma, ficou dias
sem falar com ele em qualquer idioma que não fosse português. Até mesmo na
academia eles treinam o novo idioma. Os métodos de ensino dela, que ele achou
ser difícil, às vezes insuportável, de algum jeito se tonou fácil. Estabeleceram
uma rotina com a família de treinos toda manhã ao nascer do sol: luta e tiro em
um estande no subsolo da propriedade. Manter a forma física é prioridade para
todos eles. E aos domingos, almoço em família.
Nem seus melhores sonhos deixaria Antony preparado para o que
tem agora. Eles eram diferentes de várias formas, mas idênticos ao mesmo
tempo.
Ele finalmente é parte de um todo e, todos o aceitam como realmente
é.
Antony antes de sair para conhecer a cidade e testar o novo idioma,
procura pela Leo para se despedir. Ao entrar no quarto a ouve gemendo no
banheiro.
— Zhizn, você está bem?
— Sim. — Ela responde gemendo e logo em seguida vomitando na
privada. — Ok, não. Mas ficarei bem. — Ela se levanta do chão e vai para a pia
escovar os dentes.
— Tem certeza? — Insiste, apesar de cuidar de todos, como Heitor
mencionou certa vez, Leo é péssima em cuidar de si mesma. E Antony viu o
quanto ela pode ser destrutiva. — Acho melhor eu ficar. — Oferece. — Por que
tem vários enxaguantes?
— O gosto deles está estranho, estou testando outras marcas e
sabores. — Enxágua a boca. — É seu teste na rua falando português, você tem
que ir. — Tira a blusa.
Leo está na frente dele de calcinha e nada mais, Antony engole a
tentação.
Se recompõe.
— Tem certeza que está bem? — Ela confirma com a cabeça, tira a
calcinha e ruma para o chuveiro.
Demorou, mas Antony percebeu que ela não faz isso para provocar.
Para Leo era apenas o corpo humano, sem tabu com sua nudez ou a dele. Não
era sexual para ela, e sim didático. Por vezes ela entrava no banheiro dele para
conversar sobre qualquer coisa, independente do que Antony estava fazendo. Ela
não se importa. Até sugeriu a ele tomar vitaminas devido a coloração de sua
urina. Nessas horas Antony à achava ainda mais adorável, com seu excesso de
cuidado cercando-o de todos os lados. Ele adora ser cercado por ela, mesmo
quando pergunta onde e como conseguiu suas cicatrizes, por mais tortuoso que
seja, ele conta. No fim ela o beija e diz: “Ninguém nunca te machucará
novamente.” Nesse momento o sentimento que tem por ela, aumenta mais do
que acha ser possível.
— Acho melhor ficar, você não parece bem. — Insiste.
— Estou bem, foi só enjoo. Deve ter sido algo que comi, ficarei bem.
Antony coloca apenas a cabeça dentro da área do chuveiro e a beija
em despedida.
— Qualquer coisa, me liga. Voltarei correndo.

Naveen e Antony caminham pela calçada no centro da cidade


entrando em várias lojas e interagindo o máximo possível com as pessoas, o
clima tropical nos primeiros dias foram difíceis para se acostumar, mas agora ele
partilha da mesma rejeição que Leo tem do frio, seu país de nascença não
despertou nele nenhuma falta e ele faz questão bloquear tudo que viveu naquele
lugar, e o calor foi muito bem-vindo. Claro que Leo o ajudou muito na adaptação
tornando tudo mais fácil. Sua pele e olhos sofreram um pouco com a mudança
climática e Paris foi extremamente gentil em orientá-lo com os melhores
profissionais.
Ele renasceu e se adaptou ao novo ambiente.
— Por que as pessoas nos encaram por onde vamos? É ofensivo. —
Antony conjectura, farto do comportamento das pessoas.
Todos cochicham, poderia jurar que até os cães atravessam a rua para
não cruzar o caminho deles.
— Somos forasteiros, chegamos na cidade e fomos morar direto no
topo, não nos misturamos. Como em toda cidade do interior começou a haver
rumores do tipo: Eles fugiram de outro país para não ser preso por tráfico de
mulheres, drogas e armas… Eles fazem orgias e vivem em uma comunidade de
sexo livre na colina… São satanistas… E por aí vai. — Naveen o olha direto em
seus olhos, mesmo usando óculos escuros Antony sente o peso do olhar. — Quer
saber a verdade? — Antony meneia a cabeça em afirmação. — Quando
chegamos aqui, esta cidade estava perdida, tanto a polícia quanto os políticos
eram desleais. Uma merda total. Tudo em desordem e drogas, muitas drogas. —
Passa a mão pelo cabelo. — Não gostamos de bagunça em nosso quintal,
fizemos uma faxina na cidade, acabamos com os corruptos, traficantes e
assassinos. Se hoje aquele grupo de crianças pode brincar na praça, sem que seja
vítima, é por que nós queremos assim. Foda-se, se eles falam! Eles nos devem e
não ao contrário. Sabem o que fazemos se entrarem em nosso caminho. Vou te
dizer, eles tentaram e ninguém sobreviveu para tentar novamente. — Naveen
esclarece.
Tomado de confiança, Antony anda pela calçada sem recuar dos
comentários silenciosos.
Olhar de cima e levar o que quiser. Sou senhor do meu mundo.
Medita enquanto caminha.
Na vitrine do antiquário, um objeto chama atenção e faz Antony
segurar o passo.
— Naveen o que você acha? — Aponta para o objeto.
Naveen dá um rolar de olhos.
— Vocês são muito estranhos. Mas ela, com certeza, irá adorar.
— Vou levar! — Indo direto para balcão de atendimento.
Sob o conselho de Leo, Naveen não pode se envolver nos diálogos,
deixando a cargo unicamente de Antony. O que ele fez, interagiu com o maior
número de pessoas possíveis falando português.
Após uma negociação justa, o vendedor sorri como gato da Alice por
ter feito uma venda tão significante. E Antony por que comprou um objeto que
simbolizará para Leo, sua Zhizn, sua Vida, tudo que ela o faz sentir.
— Tony, Paris ligou e a Leo está no hospital. Temos que ir. —
Naveen avisa, mesmo tentando parecer calmo, sua preocupação é visível e
Antony percebe.
— Hospital? Por quê? — As mãos dele começam a tremer.
Perdê-la não é uma opção. Não posso sobreviver sem ela.
“Seu animal, você achou que conseguiria tudo: a garota, o dinheiro
e felicidade. Não! Uma vez cachorro, sempre cachorro! Ela morrerá e você
voltará para mim.”
A voz do demônio assombra sua mente, começando baixa e
aumentando, assim como seus medos.
— Calma Tony, você vai se machucar. Abra sua mão.
A voz de Naveen o tira do torpor, fazendo-o perceber a mão fechada
tão fortemente, que mesmo a unha curta cortou a palma. Se deu conta que está
no carro e nem sabe como foi parar nele. A angústia é tanta, que o impede de ver
claramente.
— Calma! Não deve ser nada sério. Pessoas vão ao médico sempre.
Às vezes não é nada além de gases… — Naveen é tudo que impede que a voz de
Nikolai volte a gritar em sua cabeça, mas ela ainda está atormentando-o.
— E se não for? E se eu não puder ter a garota e ser feliz? E se agora
for o momento da cobrança por tudo que fiz em minha vida? — O desespero é
tamanho que o ar ficou pesado.
— Carma é uma cadela cruel, mas até ela sabe que não se mexe com
a Eleonora. Os seus ‘Ses,’ estão todos errados. Fica calmo e respira, estamos
chegando. — Naveen o conforta, o ar entra em pouca quantidade nos pulmões
obstruído de Antony. — Pai estamos na entrada do hospital e preciso de ajuda,
Tony está tendo um ataque de pânico.
Pouco ar, pouco ar, respira, respira, respira…

— Ambos aprenderam desde tenra idade a viver


sozinhos, mas a realidade mudou. E aprenderão a partir de
agora a viverem juntos.
“Você é adorável, mas não é certo, que eu nunca vá mudar
e ainda que meu amor seja raro, ainda que meu amor seja
verdadeiro. Sou como um pássaro, eu apenas voarei por aí”.
(I' m Like A Bird – Nelly Furtado)
CAPÍTULO 7
RAPHAEL

O cheiro de café recebe Raphael na porta, mesmo distraído com o


celular ele segue direto para cozinha, é certo que é a onde seus pais estão, desde
criança esse era o ritual da manhã da sua família.
Foi nesta casa que Raphael cresceu seu pai a projetou e também
ajudou na construção, com o tempo e com o dinheiro que foi ganhado sua mãe
decorou cada cômodo colocando amor e carinho em cada parte do processo. A
casa de seus pais é o templo de felicidade deles, o fato da área ter sido valorizada
com o tempo, não muda em nada, pois eles jamais se desfariam dela.
— Esse mundo está perdido, olha quanta destruição, quantos
inocentes morreram. E se o edifício desaba? Como pode existir pessoas egoístas
a esse ponto? Pessoas morreram queimadas, mulheres forram mortas. A
profissão delas não justifica serem assassinadas desta forma.
Raphael escuta sua mãe lamentar antes de entrar na cozinha, ela está
de costas para ele o cabelo castanho claro perfeitamente arrumado, sem mostrar
um mísero fio branco entre eles, Ângela sempre foi vaidosa, o corpo esguio e
postura altiva faz dela uma líder entre outras mulheres, mas são seus olhos azuis
que chamam atenção de todos, Raphael herdou esses mesmos olhos e atenção.
— Querida, algumas destas pessoas eram mafiosos notórios. Não
quero justificar o que lhes aconteceu, mas essa foi a escolha de vida deles.
Seu pai sempre foi mais assertivo que sua mãe, porém quando se
trata dela ele amolece por completo, Gabriel é o completo oposto de Ângela em
aparência, moreno de estatura alta e robusta, mesmo com seus quase cinquenta
anos, devido ao trabalho braçal que desempenhou quando era jovem e a
construtora apenas um sonho a ser realizado.
Raphael é uma mistura dos dois, com a pele, altura e as feições
marcadas como seu pai, mas magro e o cabelo claro como sua mãe, ele poderia
ser mais forte fisicamente, mas dedicar tempo na academia nunca foi o lance do
típico garoto nerd.
— Sinto cheiro de café! — Raphael anuncia ao entrar na cozinha.
— Filho! — A mãe dele o recebe com abraço apertado e carinhoso
como só ela faz desde pequeno, até mesmo entre seus colegas de escola.

Raphael era o raro tipo de criança, que não se


importava com as manifestações de carinho dos seus pais,
ele foi condicionado a isso desde que veio ao mundo.
Seus pais se amaram desde o primeiro momento em que
se conheceram. Contra tudo e todos, se casaram. A família
de ambos por sua vez deram as costas para eles. E não
fizeram a mínima falta. Gabriel tinha o sonho de ser
engenheiro e Ângela, sonhava um dia ser amada como
Gabriel a amava e ter filhos, frutos desse amor.
Gabriel estudou engenharia e Ângela pedagogia.
Foram anos de trabalho durante dia e estudos à noite. Mas
nada importava se eles tivessem um ao outro, e assim
fizeram. Fundaram a construtora do zero, galgaram cliente
por cliente, ganharam nome e conquistaram respeito.
Contudo o tempo passou e o relógio biológico de Ângela
parecia não pensar como ela e decidiu se aposentar antes
da hora.
Três abortos aconteceram antes de Raphael nascer com
saúde perfeita, seus pais o amam com tudo que tem. Ele é o
milagre deles.
— E você achando que eu só erro.
— Do que vocês estão falando? — Raphael senta ao lado do pai.
— Guerra de mafiosos na Rússia, muita gente morta. Explodiram até
mesmo a cobertura de um edifício para matar o suposto chefe da máfia, a
namorada e o segurança dele. Fica pior, membros de outra facção rival atacou os
estabelecimentos de comércio dos russos. É um ataque sem precedentes. O
jornal informou que um ato assim desencadeará uma guerra entre máfias e irá
abalar o mundo do crime. — Gabriel narra os fatos olhando as imagens na TV.
— Mas essa explosão danificou o edifício? E os outros moradores?
Sua mãe serve uma xícara de café e uma fatia de bolo a ele.
— Felizmente não. O cabo do elevador de serviço partiu e graças a
Deus, não tinha ninguém dentro. Os moradores foram evacuados pela escada de
incêndio, mas quando chegaram a portaria se depararam com seguranças mortos
a tiros, tinha sangue nas paredes e no chão. O jornal mostrou um pouco.
Infelizmente foi a vida que escolheram para viver, ou morrer no caso. — Ângela
conta com pesar.
— Não se lamente querida. Pontos de distribuição de drogas e
prostituição não é legalizado. — Gabriel ressalta.
— Eu sei que não é, mas havia pessoas nesses lugares. Ninguém
merece morrer desta forma, eles deviam ser julgados por seus crimes e não
brutalmente assassinados, famílias inteiras morreram. É como se o diabo
estivesse acampado ao lado deles.
— Eu sei querida. Sente-se aqui, deixa eu te servir um chá. — Seu
pai sabe o quanto sua esposa é passional a esse tipo de notícias. Gabriel leva a
mão dela a boca e beija com carinho. — Vamos mudar de assunto. — Sugere.
— Sim vamos, afinal isso está acontecendo do outro lado do mundo.
— Raphael ameniza, pois já prevê que o que tem a dizer gerará mais atrito entre
eles essa manhã. —Minha formação é o assunto da minha visita, vou começar o
curso de arquitetura no próximo mês. — Anuncia, sentindo os olhares de seus
pais para ele.
— Isso te tomará muito tempo. Você já está tão sobrecarregado com
a construtora e a faculdade de engenharia, que nunca arrumará uma esposa para
me dar netos. — Ângela protesta.
Sua mãe sabe que ele tem o dom para desenhos e sempre o
incentivou a explorá-los, mas ela achou que nessa idade Raphael teria
encontrado o amor da sua vida, assim como ela encontrou seu Gabriel.
Mas ele tem outras prioridades que não envolve relacionamento
estável.
— Eu vou mamãe, mas não agora. Serão mais dois anos. Vou cursar
aulas extras e eliminarei outras matérias. Tudo virá a seu tempo. — Ele a beija
no rosto.
— Raphael terá seu tempo, quando ele achar a mulher certa, como
achei você. Ele fará exatamente como eu fiz e se casará com ela tão rápido como
fizemos. Além disso querida, se fecharmos a sociedade com Álvaro, Raphael
terá menos peso nas costas dele.
Papai sempre um gênio para trazer assuntos delicados em voga.
— Esse homem é escorregadio. Você deveria repensar, meu sexto
sentido diz que não está certo.
Ambos pai e filho sorri, pois desde sempre Ângela fala sobre seu
sexto sentido.
Quando pequeno, Raphael achava que sua mãe era uma super-
heroína, ela falava para colocar o casaco, levar guarda-chuva. Ele duvidava, mas
sempre esfriava ou chovia e ele tinha como se aquecer ou se proteger da chuva,
graças ao superpoder da sua mãe.
— Ele é um bom administrador querida, tem experiência. Eu já não
estou conseguindo lidar com tudo, são as reuniões com clientes, desenvolver
projeto e ainda lidar com o financeiro. Esse é o momento. Nós crescemos muito.
Somos grandes e reconhecidos, temos que dar este salto, este é o momento. —
Gabriel acha que seu discurso irá fazê-la aceitar. Quanto engano. Tudo que
ganha é um suspiro sôfrego.
— Tenha cuidado. Esse homem me dá arrepios. — Ângela balança
os ombros dramaticamente.
— Ora mulher! O único a lhe causar arrepios sou eu. — Gabriel
pisca para ela, fazendo-a corar.
— Pai! Credo.
— Filho, um dia você terá a mulher da sua vida e também irar querer
ser o único a lhe causar arrepios. — Gabriel beija a esposa. — Gostaria que você
estivesse na reunião com Álvaro na quinta feira.
— Vou sim pai. — Pega outra fatia de bolo e come rapidamente.
— Você está tão magro menino, o que você tem comido na sua casa?
— Ângela escova o cabelo de Raphael para o lado com as mãos, tirando dos
olhos dele.
— Eu como mãe. Mas minha comida não é tão boa quanto a sua. —
Ela sorri. —Tenho que ir.
— Mas já? — Desanima.
— Eu volto mãe. Mas não hoje e nem amanhã, — Beija os dois em
despedida. — Mas eu volto!
Saul
Festa hoje na casa da Lia!
07:40 am

Raphael
Não, tenho que estudar.
07:40 am

Saul
Não seja tão nerd, suas aulas nem
começaram e acabamos de nos formar…
07:41 am

Raphael
Passo desta vez, quem sabe a
próxima…
07:42 am

Saul
Encontro você na construtora.
07:42 am
O nome Paraíso foi a primeira coisa que chamou a atenção de seus
pais quando eles procuravam por um lugar para começar a vida deles, quando
chegaram na cidade e se deparam com as praias de águas claras, tiveram certeza
de que esse era o lugar certo.
A cidade costeira tem em seu distrito a Ilha de São Pedro e outras ilhas menores
que faz da cidade estância turística, como também um grande polo comercial. A
construtora Verona está localizada no centro comercial de Paraíso, ela cresceu
muito nos últimos anos. Tudo graças aos prêmios de destaque de Gabriel,
Raphael cresceu nesse espaço essa é a vida dele.
E ele não poderia desejar uma melhor.
— Bom dia, Senhor Raphael!
— Senhor? — Balança as mãos. — Jesus, você praticamente ajudou
meus pais a me criar.
— Agora você é chefe menino Raphael, não é apropriado chamá-lo
pelo nome. Sou apenas o porteiro.
Jesus é um homem simples com sorriso fácil e estatura mediana, ele
vive para prover para sua família se dedicando em fazer o melhor nas suas
funções, anos se passaram dando-lhe alguns cabelos brancos, mas ele ainda é o
mesmo homem que oferecia balas a Raphael, enquanto ele esperava seus pais
para levá-lo a escola.
— Você não é apenas o porteiro. Você é O PORTEIRO! Se hoje
somos grande é porquê você abriu as portas para nossos clientes. Você é nossa
arma secreta. — Raphael pisca conspiratório.
O homem sorri envergonhado, mas orgulhoso de si mesmo.
— Bom dia, garoto! Pare de contar histórias. — Rindo Raphael entra
no elevador seguindo para o andar de desenvolvimento da construtora,
atualmente eles ocupam dois andares dos quatro que este edifício tem: Recursos
Humanos, Presidência e a sala de apresentação ficam no quarto andar, o
Desenvolvimento fica no terceiro andar junto com a informática.
— Bom dia, Raphael!
Ela sim, poderia chamá-lo de senhor, desde que foi designada para
ser a secretaria dele. Há cada dia fica mais pessoal e muito pouco profissional,
para desconforto dele.
— Bom dia senhorita Lysebel. — Ela veste um dos seus muitos
vestidos provocantes, dos quais ele sempre evita olhar. — Tenho que analisar os
projetos para o resort. Não quero ser incomodado durante esta amanhã.
Ele espera que ela entenda, que não deve entrar para iniciar
conversas casuais, que ele nunca gostou de ter com ela.
Deveria demiti-la.

— Nossa! Você notou o vestido de hoje da Lysebel?


Saul com certeza reparou.
— Não Saul, eu não notei. — Raphael responde. Seu melhor amigo
senta na cadeira a sua frente, ajeitando a calça grosseiramente. — Como você
consegue? Você se excita com qualquer coisa.
Saul olha para calça e sorri.
Seu melhor amigo sempre foi um pouco imaturo, mas ninguém é
perfeito. Ele detém uma beleza clássica, moreno alto de olhos escuros e sorriso
presunçoso. Os estilos de seu cabelo mudam de acordo com a moda, mas a
necessidade por mulher é algo que nunca mudou, não que ele tenha dificuldade
nesse quesito, pois as mulheres tende a se jogar em cima dele.
— Como você não consegue? Ela é gostosa e está caída por você. —
Afirma.
— Ela é funcionária, não quero processo por assédio sexual? —
Explica, pela centésima vez. — E isso vale para você também. — Alerta.
— Não é assédio se ela também quiser. — Suas sobrancelhas levanta
com malícia.
— Você é que sabe. — Dá de ombros.
Saul entrega o projeto e se levanta.
— Almoço?
— Você paga desta vez! — Raphael deixa a sala com sorriso no
rosto.
Ele nunca teve problemas para fazer amizade. Mas nunca foi
sociável e na escola os valentões notaram essa peculiaridade e fizeram dele um
alvo fácil, Saul o salvava sempre, a amizade se fortaleceu. Saul o protegia e
Raphael podia ser quem ele era sem se preocupar. Os anos se passaram, os
meninos se tornaram homens e a amizade permanece forte.
Na saída para almoço, como sempre evita olhar a senhorita Lysebel.
— Não sinta minha falta Lysebel voltarei em breve. — Saul graceja
olhando descaradamente o decote da secretária.
Raphael revira os olhos para os gracejos de Saul.
Ele nunca aprenderá.
— Vou almoçar. — Avisa — Saul você analisou os projetos que te
mandei?
— Sim senhor. — Engrossa a voz, para imitá-lo. — Parece bom, mas
acho que poderíamos fazer mais. O espaço deles poderia ser duplicado. —
Entram no elevador.
— Poderia sim, mas o cliente quer essa exclusividade como
diferencial e não maximizar os lucros.
Saul bufa sendo sarcástico.
— Dinheiro é muito melhor que exclusividade, bem, não é meu
resort para construir. Não se preocupe, seu projeto está bom e seu pai vai aprovar
de qualquer jeito.
— Não. Você o conhece. Se meu projeto não estiver bom o suficiente
ele não aprovará. — Encara o melhor amigo. — Você fala como se eu fosse
mimado.
— Mimado não, ele te idolatra e aprovará. — Saul desdenha.
— Mais dois anos e vou para arquitetura. — Reza.
— Por que você faz tanto? A empresa é do seu pai, logo ela é sua.
Para que ficar se esgotando? Viva e colha os louros! — Saul aconselha.
— Como você é babaca. Por que eu te tolero mesmo? — Saem do
elevador. — Os louros não são meus para colher são do meu pai, a construtora
não é minha, é dele. — Raphael responde.
— Você me tolera porque te protegia dos valentões da escola. —
Saul soca o ar imitando um boxeador. — Olha pelo lado bom, você cresceu e as
mulheres caem a seus pés. Lindo garoto arrumadinho. — Aperta a bochecha do
Raphael.
— Idiota. — Espanta a mão dele de seu rosto.

A sala de apresentação está sendo preparada para reunião com


Álvaro.
Gabriel e os advogados leem o contrato de sociedade, analisando
cada parágrafo a pedido de Ângela.
— Este contrato está isento de qualquer vulnerabilidade, Álvaro
acrescentou clausuras severas em caso de fraudes, sua mãe não tem com que se
preocupar. — Assegura.
— Que bom pai. Mamãe ficará mais calma. — Aperta o braço de seu
pai, um sinal de conforto e confiança.
— Assim espero. — Responde.
Álvaro entra acompanhado de seu advogado, diferente de Gabriel ele
é um homem baixo e gordo com rosto redondo e feições taciturnas de pele
branca com manchas de sol, o cabelo preto penteado para trás e fixado com gel.
A ostentação fica aparente na pulseira de ouro combinando com o Rolex no
pulso esquerdo.
— Bom dia Gabriel, Raphael, senhores! — Estende a mão
cumprimentando cada um dos presentes.
Duas horas depois o acordo foi finalizado e Gabriel tem um sócio.
— Acho que devemos comemorar! — Sugere com a animação de
quem poderá fazer o que gosta, sem ter que se preocupar com as burocracias
administrativas que tanto pai como filho não suportam.
— Sim! Uma comemoração soa bem. — Álvaro sorri acompanhando
o ânimo de Gabriel.

Agora Álvaro é sócio da construtora Verona e tem muito


o que comemorar, portas se abrirão e as possibilidades
serão infinitas, ele pode farejar uma boa oportunidade,
como um tubarão fareja o sangue no meio do oceano. Ele é
bom no que faz e esse é seu maior defeito.

— Chame sua esposa também. Ângela ficará mais que feliz em vê-la
novamente. — Gabriel sugere a Álvaro, enquanto inicia a chamada para sua luz
inspiradora. Ter mais tempo com Ângela é o principal motivo desta sociedade.
— Raquel vai adorar! Ela sempre diz que não a levo para sair com
frequência, como se houvesse tempo. Eu trabalho quase o dia inteiro para suprir
seus caprichos, enquanto ela cuida unicamente da casa e de nossa filha se ela
trabalhasse de verdade saberia como é.
Se sua mãe o ouvisse agora, com certeza rasgaria o acordo e o
mandaria para muito longe. Ela trabalhou duro para ajudar seu pai, cuidando da
casa e deles, sempre pensando em tudo, antecipando as necessidades. Ângela é
tão importante para eles quanto o ar, ambos ficariam perdidos sem ela. Ela
jamais aprovaria esse tipo de comentário que Álvaro fez. Papai não cansa de
dizer que se não fosse ela em lhe dar força, não estariam onde estão. No começo,
eram os dois em um escritório minúsculo, mamãe mantinha a jornada tripla
cuidando de casa, trabalhando como professora e ajudando no escritório. Todo
momento que Gabriel quis pôr o pé no freio, Ângela o fazia continuar e não
desistir. Sem ela nada disso seria possível.
— Então está certo, eu vou voltar a minha sala, enquanto os senhores
comemoram. — Raphael se despede.
— Não Raphael, venha participar chamarei Sophie também. —
Álvaro tira do bolso o celular.
— Obrigado. Mas tenho um projeto para finalizar. Fica para
próxima. — Seu pai sorri com orgulho de seu empenho nos projetos que
assumiu, quando se formou. — Pai. — Se abraçam.
— Sua mãe quer que você venha jantar hoje em casa. — Gabriel
avisa.
— Ela sempre tem o que quer. — O riso de Gabriel, segue o filho
para além da sala de reuniões.

Sophie
Seu apartamento hoje à noite?
10:30 am

Raphael
Não estarei lá.
11:45 am

Ela visualiza a mensagem e os pontinhos mostram que está digitando


a resposta, com certeza ela questionará onde ele estará. É o que ele precisa para
terminar com essa relação baseada unicamente em sexo. Agora que o pai dela
virou sócio do dele, não deseja continuar a vê-la.
Sophie sempre soube que ele não queria relacionamento sério e que
seu foco é sua carreira. Raphael sabe que ela nutre a possibilidade de algo mais,
mesmo com seus avisos. Os pontinhos sumiram e a mensagem nunca chegou.
Ele tamborila os dedos no celular ponderando se deveria ou não
terminar agora mesmo.

— A ideia central da teoria do caos é que uma pequena


mudança no início de um evento qualquer, pode trazer
consequências enormes e absolutamente desconhecidas no
futuro.
Uma mulher foi para o hospital e um contrato foi
assinado quando existe um mundo se reestruturando.
“Em outras palavras, segure minha mão. Encha meu
coração com música. Você é tudo que almejo, tudo que eu
venero e adoro. Em outras palavras, eu te amo”.
(Fly Me to The Moon – Frank Sinatra)
CAPÍTULO 8
ANTONY

— Antony? Antony! Leo precisa de você!


Essas foram as palavras necessárias para fazer Tony voltar do
inferno. Ele limpou os olhos, notando as mãos ainda trêmulas.
— Ela não quer falar com ninguém, só você. — Heitor avisa
preocupado.
Pisando em falso, Tony desce do carro desajeitadamente tropeçando
em suas próprias pernas.
— O que aconteceu?
— Ela estava nos ajudando quando desmaiou. Medimos a pressão e
estava muito baixa, a trouxemos para o hospital e ela fez alguns exames,
conversou com o médico e está nos impedindo de entrar no quarto. — Heitor
que é sempre imperturbável, está totalmente fora de sintonia e aborrecido.
— Onde ela está?
Heitor lidera o caminho até o quarto, Paris está na porta discutindo
com uma enfermeira que está bloqueando a porta.
— O médico acabou de entrar com os resultados dos exames. —
Paris informa.
Tony entra no quarto, fechando a porta ao passar.
Pequena e encolhida foi como a encontrou. Leo está virada para
janela. O médico força um sorriso simpático. Ela vira para encará-lo com
lágrimas correndo por seu rosto lindo.
Lágrimas! Porra ela nunca chora!
As manchas vermelhas em seus olhos, sujam a beleza deles.
— Zhizn , o que está acontecendo? — Ela se descontrola e começa a
soluçar.
— Acho que vocês precisam conversar, volto mais tarde para
terminarmos.
Antes mesmo do médico sair Tony deita na cama, envolvendo-a em
seus braços.
— Por favor, não fica assim. O que está havendo? — Ela continua a
soluçar fazendo Tony se desesperar. Quase chora junto ao amor da sua vida por
não saber como ajudá-la.
Os minutos parecem horas até ela se acalmar.
— Sinto muito… eu me cuidei…, mas foram tantos remédios que
tomei para tirar a dor… — Soluça. — Não sei o que fazer… não posso
interromper… foi o que meus pais fizeram comigo, quando me jogaram fora. Eu
não sei… — Leo divaga e chora mais, perdida e desolada.
— Zhizn, volta para mim. — Implora e beija sua cabeça, acariciando
seus braços para tranquilizá-la. — O que o médico disse? — Tony tira o cabelo
dela do rosto e limpa suas lágrimas.
Quando Leo o aceitou, a represa de sentimentos que Antony havia
reprimido, ruiu. Agora ele experimenta um que não sentia há muito tempo, tanto
tempo, que ele demorou para reconhecer o medo. Ele a viu ser torturada e ela
nunca havia chorado. Já havia presenciado seus olhos ficarem marejados, mas
lágrimas nunca correram por eles.
O que é capaz de fazê-la quebrar?
— Eu estou grávida! — Exclama.
Ar, respira e solta, mais ar…
— Perdão… — Ela o abraça mais apertado, impedindo-o de fazer o
menor movimento.
Ar, respira e solta, mais ar…
— Ficará tudo bem. — Diz para ela e para si mesmo.
Nunca pensou nessa possibilidade, respira fundo e tenta absorver as
palavras de Leo. Quando Antony ainda era um garoto a se rebelar contra
Nikolai, sonhava em acabar com ele e com toda sua família, algo como
erradicar o mau. Para Tony todos dessa família estavam condenados, nada
poderia ser salvo. E agora, depois que o mundo finalmente se livrou de Nikolai.
Ele está assombrando-o novamente.
Antony sente que a qualquer momento, sua cabeça explodirá. Não
quer mais nada de Nikolai em sua vida…, mas ela é a sua Zhizn, ela o havia
salvado e lhe oferecera algo que nunca havia imaginado ter.
Respira fundo mais uma vez e a beija na testa.
Uma vez ela lhe deu força. Hoje ele será a força dela.
— Eu sempre quis ter uma família só minha. — Sente o aperto dela
entre seus braços e devolve o mesmo com segurança. — Era um sonho distante
que fazia questão de apagá-lo com as drogas. Hoje você está tornando tudo
realidade.
Nikolai não faria parte disso, mas ele sim! Ele dará algo para essa
criança que Nikolai seria incapaz, amor.
Leo o fita com seus grandes olhos verdes manchados de vermelho
por seu choro.
— Você não precisa fazer isso… é filho dele, do Nikolai… — Tony a
silencia com dedo impedindo-a de terminar.
— É seu filho! Você disse, o que é seu é meu. Então é MEU FILHO.
Eu já amo cada parte dele, Nikolai jamais fará parte disto. Ele não existe aqui e
nunca existirá. Você e meu filho é tudo que importa. — Enfatiza cada palavra
acariciando a barriga dela para enfatizar. —Vou amá-lo tanto quanto amo você!
Leo roça o nariz no pescoço dele, respirando profundamente depois
de um soluço aliviado.
— Você nunca disse que me ama.
Ele sorri de canto.
— Pretendia fazer em breve. Até comprei um presente para a
ocasião. — Beija-a na testa. — Você quer ver?
Ela assente e Tony tira do bolso a caixa de veludo verde, abre e
revela o presente.
— Tony querido. Isso é… — Os olhos ainda chorosos, oscilam do
objeto para Tony, uma vez e novamente. — Uma aliança?
— Entenda meu ponto de vista primeiro. — Toca a ponta do nariz
vermelho dela. — Vai fazer todo sentido no final. — Respira fundo. — Você é a
mulher mais linda que já conheci e ninguém superará, é forte, gentil e modesta.
Quando tem todos os motivos para não ser. Vimos e compartilhamos as dores um
do outro, dores que não deveriam ser sentidas. Só nós dois entendemos o que
passamos naqueles meses. Só você entende o que suportei, porquê você também
teve suas provações. — Beija-a no rosto — Eu sou louco por você. Acrescentar
sexo seria a receita para o desastre na minha loucura, eu entendo. — Levanta
gentilmente o queixo dela, para alcançar a boca e selar com a dele. — Eleonora,
você concederia a honra de ser minha companheira de vida? — Desponta um
sorriso temeroso e expectante pela resposta.
— Você têm certeza? E se você conhecer uma pessoa que possa amá-
lo de todas as formas? — Leo esquadrinha os olhos dele à procura de qualquer
sinal de incerteza.
Mas Tony só demostra força e segurança.
— Eu já tenho essa pessoa e está aqui em meus braços, o que tiver de
fora será alívio das minhas funções corporais, como você diz. — Respira
profundamente. — Se você um dia conhecer alguém, prometo fazer o que for
necessário para que ele me aceite. Mesmo que só imaginar alguém tocando você,
me deixe louco. — Se enrijece, suspira e decide mudar a direção do que
pretendia falar. — Qualquer um que te trate com menos carinho e cuidado que
merece, quero ter o direito de socar a merda dele. Já me desculpo antecipado.
Mas o pensamento de você se relacionando com outro homem é algo que não
consigo pensar nesse momento, mas prometo trabalhar essa ideia. — Repele.
— A recíproca é verdadeira. — Leo concorda, ele copia o mesmo
riso dela.
É claro que ela entenderia.
— Por muitos anos vivi em um inferno, você dividiu uma parte dele
comigo e nos salvou. Me salvou. Não somente dele, mas de mim mesmo. Devo a
você e não conseguirei pagar em uma única vida.
Ela se inclina, paira o rosto em cima do dele.
— Você não me deve nada. E só para constar, você é a pessoa mais
linda e forte que conheço, sinto-me honrada por amar e ser amada por você
Antony, meu eterno companheiro, moy lyubov, meu amor. — Ela o beija.
São interrompidos pelo suspiro de Paris e a aversão de Naveen e
Heitor.
— Como classifico isso? — Pergunta Naveen.
Ao lado dele está Paris com lágrimas nos olhos e um Heitor de cara
muito séria e fechada.
— Não classifica. É complicado. Mas para nós funciona
perfeitamente bem. — Tony responde.
Pega a mão esquerda da Leo e desliza a aliança de aro em ouro
branco com desenhos arabescos, a esmeralda retangular no centro se destaca
com os dois diamantes em forma de gotas menores nas laterais. O verde da pedra
preciosa reluz como os olhos de Leo, na parte interna Tony pediu para gravar
‘Sempre Seu’.
— Não tem outra forma de falar, então serei direto. Estamos
grávidos. — Dispara Tony avaliando a feição de cada um.
— Puta merda! — Naveen se aproxima.
Heitor passa a mão no pescoço nervosamente. A feição de Paris
muda de surpresa para sofrida liberando suas lágrimas.
— Você pode interromper. — A voz de Naveen sai baixa, sombria e
ameaçadora.
— Não!! — Leo e Tony respondem juntos.
— É meu filho! Não interromperemos nada. — Tony fala com
severidade.
A família fica apreensiva e trocam olhares com misto de
preocupação e dúvida.
— Eu pensei que esse filho fosse do… — Tony encara Naveen com
olhar violento. Como um lobo pronto para defender sua alcateia, Naveen se
cala. — É seu, entendi. — Ele recua com as mãos levantadas, como se faz para
acalmar um animal preste a avançar. — Só fico pensando qual seria o resultado
da união do caos com o diabo. — Ele sussurra.
— Naveen!!! — Gritam.
— Que foi? Vai dizer que ninguém pensou! — Ele senta no sofá
disposto embaixo da janela.
— E agora? — Paris pergunta.
— Vou fazer um ultrassom e iniciar o pré-natal. — Leo informa.
— Isso parece um bom plano.
Todos concordam com a cabeça. Paris e Heitor, muito mais
silenciosos e inquisitivos, sentam-se ao lado de Naveen, enquanto aguardam o
médico.

FAMÍLIA

Os três se entreolham, com misto de preocupação e temor, sabem da


natureza desta gestação e tem a certeza que o casal na cama não estão preparados
para essa realidade. Para falar a verdade nenhum deles estão. Em um acordo
tácito entre seus olhares, se comprometem. São uma família e família apoia uns
aos outros.

Leo brinca com a aliança levantando na luz do sol fazendo reluzir no


quarto branco, um caleidoscópio de cores.
— É tão lindo. Nunca tive nada parecido. — Mexe sua mão
novamente e seu sorriso volta a nascer.
— Fico feliz em ser seu primeiro. — Tony beija-a na testa.
— Nossa, eles são tão doces que vou desenvolver diabetes. —
Naveen recebe um tapa de Paris. — Ai mãe! — Afaga onde o tapa acertou e
sorri debochado.
— Vou ser o melhor tio do mundo, vou ensinar o bebê a caçar
tesouros e outras coisas. Farei dele um escudeiro perfeito. — Esfrega as mãos
como cientista louco.
Depois de alguns minutos em silêncio, Heitor suspira e se junta aos
planos.
— Ele não vai ser um caça tesouros, será piloto. Vai ser o melhor em
fuga, farei dele uma lenda. Vou ser o avô mais foda da existência. — Todos
olham para Heitor, surpresos com suas palavras. — Me recuso a ser chamado de
tio, é muito melhor ser o avô biônico.
Heitor raramente fala de sua prótese na perna direita. É um fato
consumado e aceito, ele perdeu a perna em um acidente, então comprou uma
nova, simples assim.
— Pode ser uma menina. — Paris sorri enormemente com a
perspectiva. — Irei ensiná-la a atirar. Ela será a melhor sniper e a mais refinada.
Irá me acompanhar nas semanas de moda, fará compras comigo de armas…
Poderemos treinar tiros e até caçar. Sem mencionar as bombas. Vou ensinar tudo
a ela.
Todos olham para ela enquanto divagava sorridente, entre compras
de roupas de alta-costura à fabricação de armas na mesma frase.
— Se for uma menina ainda será minha escudeira. — Naveen
contempla.
— E uma piloto de fuga. — Heitor fala.
— Se for menino, eu ainda farei a mesma coisa. Serei a avó mais
elegante e foda da história. — Paris mexe no celular enquanto fala.
Algo lhes diz que ela já estava fazendo compras para o bebê.
— Posso confessar que agora fiquei assustado. Bomba, piloto de
fuga, caça a tesouros é demais para nosso bebê. — Tony sussurra no ouvido de
Leo.
— Não se preocupe, ele aprenderá tudo isso. Mas nós ensinaremos a
arte de invadir computadores a magia dos números. Ele saberá lutar antes
mesmo de andar. — Leo suspira.
Se isso é para acalmar, fez o efeito inverso.
— Nosso filho dominará o mundo. — Ela continua.
Não está ajudando.
O médico volta com os aparelhos. Olha para todos no quarto e
informa que apenas membros da família podem permanecer no quarto, todos
continuam no mesmo lugar, com dar de ombros ele inicia. Levantando a blusa de
Leo.
— O gel é um pouco frio. — Avisa ao passar.
Tony segura a mão dela e olha para o monitor. A tela escurecida
aparece enquanto o médico esquadrinha a barriga de um lado ao outro.
— Está vendo essa imagem aqui? — aponta para sombra na tela, —
Este é um bebê, e aqui está o outro. — Aponta para outra sombra. — Parabéns
são gêmeos! — O médico sorri e liga o som que surpreende a todos na sala, com
as batidas rápidas de dois corações minúsculos.
— Dois? — Perguntam em uníssono, compartilhando o mesmo
pânico. O médico assente com a cabeça enquanto analisa as imagens.
— Os tamanhos estão como esperado para o tempo de nove semanas
e mesmo com o desmaio e a pressão baixa, você está em ótima situação. Mas
claro, não deve se exceder. Gestações gemelares tendem a ter complicações. —
Entrega várias toalhas de papel para Leo se limpar. —Você quer uma impressão?
— Três! — Todos falam na mesma sintonia. O médico sorri e fez as
impressões.
Na saída Leo recebe um pacote com vitaminas para o pré-natal e um
livreto com dicas sobre gestação e guias de atividades.
— Têm cursos de pais de primeira viagem. — Tony folheia o livreto.
— Acho que devemos fazer.
— Para quê? Não deve ser difícil cuidar de um bebê, deve ser mais
fácil que abastecer um avião. — Fala Heitor.
— Mais fácil que roubar um artefato de museu. — Naveen.
— Mais fácil que parar o cronometro de uma bomba em cinco
minutos. — Paris.
Tony olha de um para outro, pensando em como criará duas crianças
nessa família sem que se inicie uma guerra ou detonação de bombas.
— Vou inscrever todos. Sem chance para negociação. Evidentemente
nenhum de nós já interagiu com crianças. — Ele mesmo nunca nem falou com
uma.
— Talvez seja uma boa ideia. — Heitor concorda.
Tony manda a ele agradecimentos silenciosos, pois se o líder aceitar,
todos fariam sem objeção.
O líder não se questiona.
— Se você insiste. — Naveen fala entrando em seu carro.
— Dobrei meus pedidos para o bebê, farei tudo por meus netos. —
Paris entra no SUV com Heitor de motorista.
Como se estivesse manejando cristal, Tony ajuda Leo a sentar no
banco do passageiro e se junta a ela depois de lhe passar o cinto de segurança, é
claro.

— Por que você sempre toca músicas tristes? — Tony pergunta


enquanto Leo está no piano e ele lê um guia sobre gestação.
— Não são tristes, são clássicas. — Responde.
Seus dedos param de tocar e por vários minutos ela olha para fora em
silêncio, assistindo a copa das árvores dançar com o vento.
— Não pare por minha causa, eu gosto. Era apenas curiosidade. —
Incentiva.
Ela mira os olhos dele, respira fundo e volta a tocar. Mas desta vez
os acordes são diferentes.
— It's a little bit funny this feeling inside…[3]
O som delicado da voz de Leo é como se estivesse confessando um
segredo. Tony fica vidrado nela. Neste momento ele queria ter a memória dela
para nunca esquecer essa imagem. Leo sentada ao piano com o bosque verde ao
fundo, a aliança refletindo uma profusão de cores, o cabelo está preso em um
rabo de cavalo bagunçado com vários fios soltos que caem despretensiosos na
lateral do rosto. Antes que ela acabe, ele registra esse momento glorioso com a
câmera do celular, essa é sua forma de nunca esquecer.
Um trecho da música fala de olhos violeta, ela sorri e pisca para ele.
Uma declaração… a declaração dela para ele. Tony jamais esquecerá, com
memória eidética ou não esse momento.
Os olhos que durante a infância foi motivo de bullying, causando
tanto sofrimento, mas agora é diferente, pois é através deles que enxerga sua
maior alegria.
Leo termina a canção, diminuindo o volume nos últimos acordes
gradativamente.
— Esse sorriso enorme deve ser porquê gostou.
— Não Zhizn , eu amei! Você que fez?
Ela levanta e senta ao seu lado, Tony a beija. Sua mão corre para a
barriga dela como um ímã atraindo metal.
— Não Lyubov, essa música é do Elton John, mas fiz uma alteração
para combinar melhor com você e seus olhos.
— Não sei como é a versão dele, mas a sua é muito melhor. —
Afirma. Ela sorri virando para ficar de frente, suas mãos foram para trás. — O
que você está escondendo? — Especula.
— Não posso negar que seu timing, foi melhor que o meu. Digo que
estou grávida e você consolida nossa relação com uma linda aliança dizendo que
me ama. Então, quando você falou da música, eu pensei porque não? Nunca
cantei para ninguém, é mais uma primeira vez que dou a você. — A mão direita
dela pega a mão esquerda dele. — Pedi para gravar os mesmos dizeres: Sempre
Sua. — Desliza no dedo anelar de Tony uma aliança em ouro branco modelo
largo anatômica, com uma faixa de esmeralda facetada por toda a volta do anel.
É simples ao mesmo tempo que é imponente.
— Eu adorei! — Leo leva a mão dele aos lábios e beija o dedo e a
aliança. —Terei orgulho em usar e farei tudo para honrá-la. — Ele a envolve e a
mantém na segurança de seus braços onde ambos absorvem a dádiva deste
momento. Até que ele pergunta. — Zhizn, semana passada no hospital, você
falou que seus pais te jogaram fora. O que aconteceu?
Leo congela, Tony sente como ela fica tensa, mas aguarda enquanto
ela respira devagar. Ela se desenlaça de seus braços e demonstra aflição e uma
certa ansiedade. Mas respira fundo e começa a falar.
— Quando eu tinha cinco anos, me lembro deles discutindo sempre
que falavam de mim. E o quanto eu lhes trariam problemas por não ser normal,
que eu dependeria deles para o resto da vida, ou que eu não era perfeita e sim
uma aberração. Eles ainda não sabiam da minha memória, nem eu sabia direito,
mas não se importavam se eu estava perto, falavam como se não coexistisse com
eles, como se fosse um objeto inanimado. Eu não falava, não era muda as
palavras apenas não fluíam da boca para fora, mas entendia tudo ao meu redor.
— Respira fundo. — Talvez se tivesse falado qualquer coisa, eles não teriam me
abandonado no orfanato… — Suspira — O último dia com eles foi o pior que
qualquer outro, estávamos no carro, eles discutiam se me deixariam no posto de
bombeiros, hospital, igreja… Fiquei tão assustada… eles não eram os melhores
pais do mundo, nem de longe! Mas era tudo que eu tinha. Como você assiste as
pessoas que deveriam cuidar e te amar, divagarem sobre o melhor lugar para te
abandonar? Como se fosse um animal ou um objeto quebrado. Comecei a chorar
de medo, o que só piorou, eles acharam que era uma crise e constataram que o
melhor era me deixar. O carro parou em frente do orfanato. Deixaram-me na
porta, saindo antes mesmo de alguém abrir. — Leo termina e fica em silêncio.
Presa em sua mente. — Talvez se não tivesse chorado eles não teriam me
abandonado… — Tony a abraça apertado querendo expurgar essas memórias
dela.
— Eles não te mereciam, se pudesse apagaria essas memórias. —
Beija-a na testa, e ela retribui apertando-o e entre seus braços. Ficam assim
enquanto absorvem e enterram o mais fundo essa dor. — Por que não saímos
para jantar? — Tenta animá-la.
— Como em um encontro?
— Sim, como em um encontro. Essa será a primeira vez para ambos
e adoraria que você fosse minha primeira. — O sorriso dela desperta pequeno,
sem chegar em seus olhos.

Tony espera por ela no pé da escada. Naveen indicou o restaurante e


ele fez a reserva. Leo desce usando um vestido roxo que acentua suas curvas e
marca a barriga que já começa a aparecer. O cabelo, sempre volumoso. Nos pés
um sapato de salto que eleva sua altura, mas ainda a deixa muito menor que ele.
— Linda! — Elogia.
— Você também! — Leo contempla.
Tony veste terno sob medida preto com a camisa no tom mais claro
de lilás, que ela escolheu justamente para combinar com seu vestido alguns tons
mais escuro. De mãos dadas leva-a até a porta do passageiro do Aston Martin.
No restaurante todos olham com curiosidade, cobiça e um pouco de
admiração.
— Você marcou a visita no campus?
— Sim, para amanhã. Quer vir junto? — Tony convida.
— Combinei de passar o dia no Spa com Paris…, mas posso
desmarcar para ir com você. — Sua mão tocou a dele e a segura.
— Não. Você precisa ter seu dia para descansar, eu posso visitar
sozinho. Tenho certeza de que será tedioso.
A refeição foi cheia de conversas engraçadas e risos, eram os dois em
uma bolha. Animados demais para encerrar a noite, foram dançar no lugar da
moda, ao chegar são recebidos e enviados direto para área VIP.
— Bem que Naveen disse sobre como eles nos olham de baixo para
cima e não ao contrário.
— Foi trabalhoso! Mas demos o nosso recado. — Leo afirma.
Eles dançam divertindo-se como nunca. Não estão trabalhando ou
vigiando, estão vivendo.
No menor sinal de cansaço dela, Tony encerra a noite e retorna para
casa
— Como é divertido fazer coisas de pessoas normais! — Os olhos de
Leo brilham eufóricos.
— Também me diverti muito. Vamos fazer toda semana, será a noite
de encontro. — Tony propõe dá um selinho nos lábios dela para firmar o acordo.
— E terá mulheres caindo em você também? Nossa, pareciam
abelhas no mel. — Ela ri.
— Sei, só eu? Vários estavam babando por você. Quem em sã
consciência dá em cima de uma mulher grávida e acompanhada.
Por muito pouco Tony quase socou esses caras, foi um exercício de
paciência não fazer.
— Com certeza gente louca. Sua cara assassina não deixava muito
espaço para imaginar o que você queria fazer com eles. — Subiram as escadas
para os quartos, ainda de mãos dadas.
— Se há um ano alguém me dissesse que eu teria momentos como
este, jamais acreditaria. — E provavelmente tomaria metade de uma cartela de
remédio para dormir. — Obrigado. — Param no corredor entre as portas.
— Eu que devo agradecer. Boa noite moy lyubov! — Sorri.
— Boa noite Zhizn! — Beija a testa dela antes de selar seus lábios e
entrar em seus respectivos quartos.
Não dura muito. Depois de Tony se arrumar para dormir, ele olha
para cama vazia e, percebe que não quer terminar a noite sozinho, o mesmo
acontece com Leo. Os dois abrem suas portas ao mesmo tempo, o sorriso é
mútuo, ele abre toda a porta num convite silencioso que Leo aceita com alegria.

Tony para a motocicleta próximo ao campus. A monitora designada


para visitação está sentada próxima ao estacionamento mexendo no celular.
— Você é monitora responsável pela visita ao Campus? — Ela fez
que sim com a cabeça sem deixar de olhar no celular, aborrecendo Tony.
— Por aqui. — Aponta com o dedo.
Ela eleva a cabeça e trava em suas próprias pernas. Quando
realmente o vê, Antony consegue perceber ela varrendo seu corpo e catalogando
as roupas de grife, o relógio caríssimo no pulso, os acessórios… Então de
repente ele fica interessante.
— Me chamo Simone. — Estende a mão com sorriso fácil e
malicioso.
— Antony. — Responde com desinteresse e ignora a mão estendida
dela.
Ela abaixa a mão, desconfortável com a negativa.
— Certo, vamos começar!
O jogo está apenas começando, Antony aquiesceu.
Simone apresenta cada local do campus onde Tony terá aulas para
curso de administração e economia. Leva-o a biblioteca para fazer o cadastro,
lhe mostra as áreas de estudo desfilando com ele a seu lado. Não para de fazer
perguntas como: Onde mora? Onde compra as roupas? Deixando claro o
interesse pela conta bancária e não por ele.
— Quer conhecer os dormitórios? — Oferece, mas ela quer mostrar
o seu dormitório.
Bendito seja Naveen que o aconselhou comprar preservativos.
Antony orou em silêncio.
— Parece bom. — Responde.
Como imaginava, Simone o leva direto para dormitório dela. Não
que ele não fosse exigente, mas ele está há mais de três meses de seca. E com a
Leo ficando cada dia mais atraente, ele estava tendo dificuldade para evitar tais
pensamentos impróprios. Sem perder tempo, a leva primeiro contra a porta e
depois na cama, foi forte e tirou tudo o que precisava dela.
— Nossa! — Ela se enrola nos lençóis e se espreguiça. — Foi
intenso. — Ele levanta da cama vestindo suas roupas. — Onde você está indo?
Pensei que poderíamos sair para comer?
— Eu já comi o que queria. — Responde, dando a ela seu melhor
sorriso frio.
Tony fecha o zíper da calça e deixa Simone insatisfeita com sua
resposta. Os olhos dela arregalam quando a luz reflete o brilho da aliança no
dedo dele.
— Você é casado? — Senta na cama, afrontada.
— Quando contabilizou meus bens você não viu ou ignorou minha
aliança. Mas enfim, obrigado pelo passeio. — Antony se afasta do dormitório
sem dar a ela um segundo olhar.
Estaciona a moto na garagem onde Naveen e Heitor mexiam em um
dos carros.
— Como foi a visita ao campus? — Naveen o avalia rapidamente e
depois começa a sorrir abertamente. — Filho da puta sortudo! Você fodeu e nem
é seu primeiro dia de aula.
— A oportunidade apareceu. — Tony responde com uma dar de
ombros, Heitor lhe oferece uma garrafa de cerveja, que ele aceita prontamente.
— Acho que vou à universidade também. — Naveen toma um bom
gole de cerveja.
O riso explode de Heitor.
— Garoto, você não precisa ir para a faculdade para obter mais
mulheres, você pegou todos, desde mulher a homens solteiros nessa cidade e nas
próximas.
Desta vez Tony que explode em riso.
— É verdade, adicionar faculdade apertaria ainda mais minha
agenda. Estou para localizar um quadro roubado a mais de cem anos, ficarei
ocupado mesmo. Pode ficar com as estudantes para você. — Naveen, nega com
pesar.
— Zhizn disse que você acha qualquer coisa. Alguma vez ela lhe
pediu para encontrar seus pais?
Naveen e Heitor o olham com surpresa em sua direção.
— Encontrar quem? — Ambos perguntam.
— Os pais dela? — Tony repete.
— Como eu disse, ela nunca fala sobre seu passado. Imaginamos que
aconteceu algo muito ruim, devido a forma que a encontramos, mas não sabemos
nada de seus pais. — Heitor responde.
— Certo. Deixe o passado onde deve estar. — Tony queria contar a
eles o que ela disse, mas não quebraria sua confiança, além do que já fez. Não
diz mais nada por um tempo e bebe a cerveja enquanto os assiste mexer no carro
em silêncio. — Ela canta como um anjo. — Fala orgulhoso, pois foi o único a
escutar.
— Nunca ouvimos. — Respondem.
— Eu sei, ela falou que fui seu primeiro. — Gaba-se. Eles jogam
nele o pano sujo de óleo e Tony desvia antes que o atingisse.
— Acho que eu poderia odiar ele. — Naveen reflete.
— Você acha? — Heitor ri ao perguntar.
— Ele tem esse corpo, essa pele, não é uma missão fácil, pai. — O
tom sério só os fez rir ainda mais.
— Obrigado. Meu corpo e minha pele agradecem por sermos
poupados do foco do seu ódio. Agora por que vocês não falam o que estão
tentando fazer, para que eu possa ajudar, é obvio, pelo óleo que está vazando…
— eles olharam para o chão espantados. — …vocês estão fazendo algo muito
errado.

— Tony, preciso de você! — Naveen fala ao entrar na casa de seus


irmãos.
Tony nota a ansiedade em sua voz e não pensa duas vezes em
responder.
Quando chegou, somente Leo o fazia se sentir seguro, quando ela
entrou em seu coração deixou o caminho aberto ao passar e em pouco tempo
todos da sua família trilhou por esse caminho, Tony não lutou contra, logo os
adotou também como sua família e faria o que fosse preciso para que ficassem
bem e seguros.
Como uma família deve ser.
— Claro, o que foi?
— Tenho que resgatar um objeto importante e preciso de um terceiro
ajudante. — O tom urgente em sua voz fez Tony ficar com pé atrás. Naveen tem
histórico. — Sairemos esse final de semana. É uma viagem rápida. Paris ficará
com Leo, enquanto você, o pai e eu resolvemos esse assunto. — Informa.
— Não é o museu do Egito de novo? Porquê se for, já te digo, eles
aumentaram a segurança depois que você fez ‘compras’ por lá. — Leo fala
enquanto guarda a louça.
— Não. É residencial. Simples, entramos e saímos. — Esclarece.
— Parece divertido. — Leo anui.
— Certo, eu ajudo. — Tony aceita, sorrindo abertamente. — Zhizn,
você ficará bem? — Seria a primeira vez que se separam por mais que algumas
horas, ele olha para a barriga dela e cogita em declinar.
E se ela precisar dele? E se ela tiver algum problema com os bebês?
E se…
Leo balança as mãos em frente a ele, como se estivesse afastando
seus pensamentos nublados.
— Você sente isso também? É tipo um aperto… — se aproxima
mais, — mas eu sei que tudo dará certo. Só é estranho ficarmos longe. —
Descreve exatamente o que Tony sente, como se estivessem ligados e soubessem
exatamente o que o outro estava pensando.
— Eu ficarei. — Muda de ideia.
— Não, você não vai. Já confirmei você na missão, a Leo ficará bem.
— Naveen conclui, dando de ombros.
— Lyubov pode ir, você irá se divertir. Será uma viagem somente de
rapazes. Ficaremos bem, sempre haverá telefone para nos aproximar. — Leo
beija o braço dele que a cerca.
Tony olha em seus olhos e encontra segurança, a beija na testa e
acaricia sua barriga.
— Amo você! — Declara.
— Eu amo mais!
— E eu amo todos vocês. Agora vou aplicar a minha insulina. —
Naveen fala ao sair.
O jato decola, Naveen passa o plano de invasão, revelando cada
ponto para Tony.
— Puta que pariu! Você falou que seria invasão residencial, mas isso
aqui é a merda de um palácio no meio do deserto da Arábia.
— É residencial. O sheik e sua família residem nele, então… fazem
da construção uma ‘residência.’ Será simples, já disse. Entramos e saímos. —
Naveen esclarece sorrindo balançando o pescoço.
Ah, indiano sorrateiro.
Nada bom, nada bom.

Dubai ao amanhecer tem a temperatura de casa ao meio dia, Tony


balança a camisa que já começa a grudar no corpo. Heitor já havia preparado
tudo para o voo deles não ser registrado. Seguem para o hotel onde repassam o
plano. Naveen invade o sistema de segurança da ‘residência,’ no deserto
certificando-se sobre onde estaria a obra de arte e os seguranças físicos.
— Que obra é essa? — Tony conhece muito pouco sobre artes, mas a
julgar pela segurança deve ser importante e muito caro.
— The Lovers: The Poet's Garden IV, de Van Gogh. Está
desaparecido desde da segunda guerra mundial. Foi roubada, vendida, depois
roubadas tantas vezes até que chegou onde está agora. Essa obra vale milhões.
— Responde Naveen muito entusiasmado.
— Vamos comer? Sairemos pouco antes do anoitecer. — Heitor
propõe.
— Onde os moradores da ‘residência’ estão?
— Em um leilão de camelos, voltarão em dois dias. — Naveen
informa.

HEITOR

Heitor os observa em silêncio, orgulhoso de seus filhos, um dia ele


achou que nunca teria momentos assim, quando Paris entrou de forma efetiva em
sua vida junto com ela também veio a possibilidade e ele a agarrou ela como
tudo que tinha.

ANTONY

— Tony, você está seguro com o plano? — Pergunta Heitor.


— É a sua primeira vez, fico feliz em ser seu primeiro. — Naveen
brinca, fazendo-os rir, ele mais que os outros.
Tony encara Naveen para responder.
— Estou seguro com o plano. — Fala um pouco inseguro.
— Está tudo muito bem estruturado, não se preocupe, prometi a Paris
que levarei vocês inteiros. E eu vou. — Heitor assegura.
Como planejado, ao anoitecer, partiram de carro rumo ao deserto.
Por entre as dunas o carro sobe e desce e algumas vezes quase capota, depois de
um tempo Tony relaxa e passa de nervoso a divertido. Heitor está em seu habitat
ao volante dirigindo loucamente em uma missão.
— A sua esquerda, olha! — Naveen indica a direção do palácio no
meio do deserto. —Vamos! — Dá um tapa no ombro de Tony para acompanhá-
lo. Com os faróis desligados seguem em meio a escuridão.
Heitor lhes entrega um macacão preto com capuz e o fecho de zíper,
munidos com armas e munição guardados em bolsos estratégicos.
— Coloca isso. — Naveen entrega lentes de visão noturna — Você já
fez Snowboard? — Pergunta a Tony enquanto se afasta em direção ao porta mala
do carro.
— Um pouco.
Naveen entrega uma prancha e pega outra para ele.
— É a mesma coisa na areia. — Para na frente do carro com Tony o
seguindo.
— Quando receber o sinal, encontrarei vocês no muro oeste. —
Heitor avisa.
— Ok. — Respondem enquanto colocam a prancha. Naveen foi o
primeiro a descer.
A prancha desliza na areia fina silenciosamente. Com os joelhos
friccionados serpenteiam com vento batendo em seus rostos mostrando a
velocidade da decida, o riso sai em espanto, a liberdade dando as caras
empurrando profundamente a temeridade.
A dez metros do muro, soltam suas pranchas e o circundam até a
guarita de entrada onde fica o porteiro e um segurança. As câmeras são
configuradas de modo integrado. Sistema este, que Naveen já havia invadido.
Com seu tablet coloca as câmeras em looping, fazendo repetir a última hora no
centro de comando. Ao seu sinal, Tony invade e ataca. Foi tão rápido que o
guarda não teve tempo para se defender. Naveen entra e vai direto para a caixa
de energia, como profissional, desliga os alarmes da casa junto com a luz,
deixando todos em breu total.
— Tem certeza de que funcionará? — Tony fala com receio.
Colocam as lentes de visão noturna.
— Sim, as luzes de emergência serão ligadas, mas os alarmes não e
os guardas não suspeitarão as imagens das câmeras. — Naveen passa por ele,
liderando o caminho se esgueirando para dentro.
O ambiente é extremamente requintado. Tony e Naveen andam a
passos leves pelo corredor de acesso até a sala onde está o quadro. Foram apenas
alguns passos quando os seguranças fazem a ronda para guardar a sala com os
objetos de valor. Naveen toma a dianteira. Com destreza e agilidade usa as
paredes para pegar impulso, salta e derruba o primeiro homem e antes mesmo de
pousar no chão seu punho acerta o segundo que também cai. Ele segue o
caminho enquanto Tony prende os seguranças desacordados com abraçadeiras de
plástico, e cola fitas adesivas em suas bocas para evitar que anuncie a invasão, os
arrastam para dentro da sala tirando-os da vista de qualquer um que passe pelo
corredor.
Na sala do tesouro, Naveen já soltava a tela da armação para colocar
no tubo preso em suas costas. Olha ao redor e trava na outra extremidade da sala.
Pelas lentes vê duas pequenas esculturas em formato oval, ainda guardando a
tela, caminha para as peças. Tony percebe a surpresa e alegria de Naveen ao
caminhar para algo do outro lado.
— Por Ganesha[4]!
— Hei!? O que você está fazendo? — Tony sussurra da porta que
vigia.
— Aproveitando a oportunidade. — Responde. Sua mão já segura
uma espécie de mochila que estava guardada em um dos muitos bolsos do
macacão. — Não pode ser… — Murmura. — Manda o sinal para Heitor,
sairemos em cinco. — Fecha a caixa com as esculturas e coloca na mochila
prendendo-a rente ao seu corpo. — Isso é extraordinário! De todos os lugares, eu
os encontrei onde menos podia esperar. — Continua murmurando.
— Vamos Naveen!
— Você é um sortudo do caralho! — Naveen exclama extasiado.
Sem entender Tony o segue pelo mesmo caminho que vieram e como
combinado Heitor os esperava no muro oeste. Logo que entram, o carro sai em
disparada deixando para trás uma nuvem de areia no deserto escuro.
Tony está afoito pois, entraram e saíram. Nenhum alarme foi
disparado. Nenhum dano permanente.
Acabou de roubar obras de artes de um sheik árabe!
E achou bom, muito bom!
Heitor já tem tudo preparado para voltar para casa, eles seguem
direto para aeroporto e embarcam apressados. Por melhor sucedida que fosse a
missão, não se deve perder o foco. Eles terão tempo de sobra para comemorar
quando chegar em casa com segurança, até lá, ainda é um trabalho em
andamento.
Tony sorri eufórico, mas nada se compara ao sorriso maníaco de
Naveen.
— O que você pegou além do quadro?
— Antes, tenho que lhe dar uma pequena introdução. — Olha-o com
seriedade —Sempre tive obsessão com essas coisas, é um mito desde que
sumiram no ataque bolchevique em 1918, há alguns relatos que foram destruídos
e outros que foram vendidos em partes. Eu tentei de todas as formas encontrar
qualquer informação sobre eles. — Sorri pensativo. — Recorri a Leo e
funcionou. Em termos. Chegamos perto de alguns rumores, seguimos algumas
pistas. Uma tarde ela rastreou e descobriu o envio de um depósito em um banco
na suíça, conseguimos um nome. — Olha-o com expectativa.
— Nikolai? — Tony interpela, Naveen faz que sim.
Puta merda! Merda, merda, merda…
— Sabe o que isso quer dizer?
— O quê?
— Acho que deveria ser chamado de Zhizn também. Já que por mim,
Leo chegou a ele. — Sorri sugestivamente.
— Eh… não! — Sorri de volta.
— Eu tentei. — Suspira soltando os ombros de forma dramática.
— Não custa nada tentar. Agora depois desta pequena e
esclarecedora introdução, o que são essas coisas? — Tony tenta pegar a bolsa e
ver por ele mesmo do que se tratava, mas as mãos rápidas de Naveen pega antes.
— Cuidado! — Ele abre a caixa lentamente e Tony revira os olhos.
O primeiro objeto começa a aparecer.
— Isso só pode ser brincadeira! — Ele observa os dois objetos
resplandecentes.
— Terei que avaliar, mas acho que devem ser reais. — Os olhos de
Naveen brilham mais que as pedras preciosas encrustada nas esculturas. — Eu
tenho dois dos oito Ovos Fabergé desaparecidos. — Anuncia. — Se eles forem
originais, Antony Romanov você me deu muita sorte! Por Ganesha… —
Balança o pescoço com alegria.
Um dragão e seu tesouro.
— Por isso ela escolheu esse nome?
— Elementar, meu caro Watson! — Fala entretido com suas
aquisições.
— Mas e a pista que o levou até Nikolai? — Tony inquere.
— Deu em nada. Procurei em toda parte e nos espólios dele e não
encontrei uma única indicação de que ele teve ou tinha um dos ovos. — Conta.
Tony deixa-o entretido com seu brinquedo novo.
— Heitor?
— Entra garoto! — Ele entra na cabine ficando entre seu pai e o
copiloto. — Tudo bem?
— Sim, acho que sim. — Olha para o copiloto que não conhece
receoso em falar o que queria.
— Quer me acompanhar no café? — Heitor convida se levantando.
— O que Naveen trouxe na bolsa?
— Aparentemente, dois Ovos Fabergé. — Os olhos de Heitor abrem
em espanto.
— Ele ficará entretido por dias, talvez meses. — Assegura.
— Como você consegue lidar com todos nós?
— Tudo que eu faço é manter todos vocês vivos e garantir que
estejam felizes. Na maior parte do tempo não sei como fazer, mas faço mesmo
assim. — Ele bebe o café. — Não mudaria nada, fui criado no que se pode
chamar família perfeita e tradicional. Quando minhas escolhas vieram cobrar
seu preço, os perdi… Achei que nunca teria mesa farta nos almoços de
domingos, piadas e provocações dos filhos à mesa. Que bom que estava errado.
— Fala com dedicação e amor. — O que tenho hoje é muito melhor.
— Como saberei que não estou fazendo errado? — Tony desponta
um sorriso enviesado.
— Você nunca saberá. Meu pai tinha um jeito calmo para conversar
com minhas irmãs e eu, só sabíamos que estávamos com problemas quando ele
ditava a sentença do castigo. Tenha calma e paciência e os mantenha vivos, a
felicidade virá como resultado. — Leva a mão no ombro de Tony.

HEITOR

Imaginava que em algum momento eles teriam essa conversa, mas


ficou muito mais satisfeito por seu filho dar o primeiro passo, para ele, esse
gesto representa muito. Quando ele e Paris começaram a aumentar a família,
Heitor ansiava em ser aquele por quais seus filhos procuraria por conselho, como
um dia ele fez com o próprio pai, tudo que pedia ao universo era ter o que dizer e
inspirar seus filhos.
— Você não estará sozinho. Todos nós estaremos lá para vocês. —
Conforta o filho.
— Obrigado! — Suspira aliviado.
— Para Tony, foi como se o peso de falhar com a Leo e
seus filhos evaporasse. O mais estranho, é que até agora
Tony nem sabia que estava segurando tal fardo.
Ao longo das eras a humanidade aprendeu que a
chance se sobreviver em bando era melhor que sobreviver
sozinho. Essa sim foi uma feliz descoberta. Alguns dirão que
não.
“Quão doce é o som, que salvou um miserável como eu.
Por muitos perigos, trabalhos pesados e armadilhas. Eu já
passei. Eu estava perdido, mas fui encontrado.
(Amazing Grace – Il Divo)
CAPÍTULO 9
ANTONY

Tony acorda sobressaltado com os sons vindo do andar de baixo. Ele


se levanta para averiguar o que pode ser, por um instante pensa se deveria ou não
voltar para pegar a arma e ver se Leo está no quarto segura. Os ruídos o faz
continuar e se preparar para um ataque iminente.
Provavelmente deve ser um animal do bosque que entrou em casa.
Uma pessoa seria impossível, a propriedade é extremamente segura.
Se alguém invadir, morreria na tentativa.
Um último passo silencioso libera a visão dele para Leo, sentada no
chão em frente à geladeira aberta, com um enorme pote de sorvete entre as
pernas e as sobras do frango grelhado, servido no jantar, do lado. Ela come
ambos apressadamente.
— Zhizn?
— Ah! — Grita de boca cheia assustada.
— O que é isso? — Tony aponta para bagunça de comida no chão.
— Eu acordei com fome e tinha as sobras do frango e o sorvete… —
Suas bochechas ficam cheias parecendo um tipo de esquilo que guarda comida
na boca.
Tony pega uma colher e senta ao lado dela, no momento que tenta
pegar um pouco do sorvete, ela rosna e afasta o pote para longe dele.
— Mulher, não rosna para mim não. — Fazem cabo de guerra com o
pote de sorvete. — Anda divide esse sorvete. — Ela choraminga, mas libera a
contragosto.
Por meia hora ficam sentados no chão comendo e conversando
principalmente da faculdade até que Leo começa a bocejar e Tony a leva para
cama dela.
Durante o sono ele sente alguém se deitar ao seu lado. Não precisa
abrir os olhos para saber quem é.
— Não consigo dormir. — Leo sussurra.
Ele a envolve em seus braços e acaricia a barriga que guarda seus
bebês. Sente um chute, seguido de outro mais forte e de outro.
— Você sentiu?
— Sim! — Fala emocionado.
— É a primeira vez que sinto eles se mexerem. Acho que estavam
esperando por você. — Ele beija o topo de sua cabeça e acaricia a barriga até ela
adormecer.
Tony fica extasiado com suas crianças, nesse momento ele tem à
certeza que é capaz de qualquer coisa para garantir a felicidade de sua família.
— Eu te amo! — Sussurra antes de adormecer agarrado a tudo que
lhe é mais importante.

— Bom dia novos papais e novas mamães! — A enfermeira


rechonchuda anda animada pela sala cumprimentando a todos. — Fico feliz em
tê-los aqui para o nosso curso rápido. Sei que as primeiras aulas sobre as fases da
gestação e o aleitamento ajudarão vocês de muitas formas, mas agora
mudaremos à dinâmica. O bebê nasceu. E agora? O que eu faço? — Ela avalia
cada aluno a sua frente. — Sentem-se, vamos começar as apresentações. —
Todos sentam-se em cadeiras estofadas arrumadas em círculos.
Vários casais se apresentam até chegar a vez da família, que todos
esperam para ter informações.
— Meu nome é Eleonora, tenho dezessete anos, estou na décima
sexta semana de uma gravidez gemelar.
Inicia-se os sussurros junto com os olhares curiosos e complacentes.
— Meu nome é Antony, tenho vinte e um e, serei pai de gêmeos.
Todos olham com desaprovação.
— Meu nome é Paris, tenho vinte e nove e minha filha terá gêmeos.
Agora todos se espantam.
— Adotada. Sua filha, adotada. — A enfermeira instrutora esclarece.
— Claro. — Paris sorri condescendente.
Todos relaxam em suas cadeiras.
— Meu nome é Heitor, tenho trinta e serei avô de gêmeos.
As mulheres da sala gracejam para ele, deixando-o encabulado.
— Meu nome é Naveen, tenho dezenove anos e serei tio de gêmeos.
— Sorri como a raposa que invade o galinheiro.
As gestantes abrem um sorriso afetado e seus companheiros
aproximam-se mais, sentindo o perigo.
— Geralmente, temos apenas os pais nos cursos. — A enfermeira
fala. — É incomum recebermos uma família inteira. — Direciona o olhar a eles.
— Como você pode ver, nossos filhos vieram prontos. Não
interagimos com crianças. Queremos estar capacitados para cuidar desses bebês,
jamais os deixaríamos passar por isso sozinhos. — Paris justifica.
— Filhos? — Uma participante indaga.
— Sim! Meus filhos. — Paris afirma.
— Você quer dizer que a Eleonora e Antony são…? — Uma
participante pergunta receosa.
E foi instaurada a inquisição.
— Pode se dizer que sim, é complicado. — Paris responde, Naveen
ri do discurso dúbio da mãe.
Os outros participantes nem tentam esconder suas faces julgadoras.
— O que ela quer dizer é que me tem como um filho, uma vez que
eles também me adotaram. — Tony explica.
Naveen não parava de rir quase se engasgando e caindo da sua
cadeira.
— Ah… certo. Por um momento achei… — A enfermeira olha para
o casal de pais. — Que lindo da sua parte adotar adolescentes! — Reformula.
Não consegue esconder o suspiro de alívio. — Ótimo! Agora que todos nos
conhecemos bem o suficiente, podemos iniciar nossa aula. — Ela levanta, segue
para um armário trazendo um grande pacote e entrega um boneco de rosto
enrugado para cada um. — Esses bonecos serão seus bebês, vamos começar
aprendendo a segurá-lo corretamente. — Ela olha sugestivamente para Naveen
que pega o boneco pelo pé.
— Que tio desajuizado! — Naveen fala com sorriso paquerador
mexendo a cabeça, fazendo a instrutora corar.
A aula continua até que a enfermeira aplica o exercício de troca de
fraldas. A família começa a competir.
— Terminei! — Tony anuncia triunfante.
— Quero revanche! — Naveen está finalizando o bebê dele.
Heitor está no meio do processo reclamando que o boneco dele é o
menor de todos e a fralda muito grande.
Paris está congelada olhando enojada para Leo.
— Você está comendo o cocô do bebê? — Tony limpa do canto de
sua boca.
— É chocolate! — Leo esclarece levando o dedo dele a boca.
— Não se preocupe! Está limpo, algumas mães não resistem a
tentação, por isso tomamos todo cuidado ao preparar a aula. — A enfermeira fala
tocando o ombro dele suavemente.
— Terminei! — Comunica Leo satisfeita depois de fechar a fralda e
levantar o boneco.
— Infelizmente nossa aula acabou. Parabenizo a todos. E desejo às
mamães e papais que tenham uma boa hora! — Naveen limpa a garganta alto
para todos ouvirem. — Claro, parabéns aos tios e avós também. — Sorri para
ele.
— Lyubov? — Leo cutuca Tony. — Lyubov, Acorda! — Cutuca
novamente com mais força.
— Zhizn? Está tudo bem? — Ele senta esfregando o rosto com as
mãos, olha ao redor e pela janela, percebendo que ainda não amanheceu. Olha o
relógio no criado-mudo, 03: 20 am. — Está sentido dor? Quer ir ao hospital?
— Não! Porque você acharia isso?
— Zhizn, são 03:20 da manhã. O que quer que eu pense?
Leo sorri envergonhada.
— Oh…, desculpe. Eu e os bebês estamos bem. Mas estou com
desejo de sushi, você pode ir comprar?
Os olhos de Tony saltam incrédulos para fora.
— São 03:20 da manhã. Onde vou achar sushi para você comer?
— Não sei, mas eu quero muito comer agora.
Tony encara a mini ditadora a sua frente e não tem a mínima ideia de
onde achará sushi uma hora dessas. Contudo ele se levanta começa a se vestir,
enquanto ela comemora. Com um beijo de despedida ele sai porta afora.

GOHAN

O som insistente na porta faz Gohan interromper a adoração ao corpo


de sua esposa e vestir-se apressadamente para ver do que se trata. Invasão não é,
já que ele é a linha de frente na propriedade e como pode ver, nenhum alarme foi
disparado.
Ele abre a porta para Antony vestido com camiseta do avesso, um
sapato de cada cor e uma cara muito, muito cansada.
— Ela quer sushi! Eu não sei onde encontrar a essa hora, nenhum
restaurante está aberto e não achei nada no bangalô de comida pronta do
mercado. Por favor, eu suplico, você tem sushi…? — A voz dele fica a cada
palavra mais estridente e suplicante.
— Entre senhor Antony. Eu posso preparar, por sorte já tenho arroz
pronto e os ingredientes. — Ele abre mais a porta para Tony entrar.
Se surpreende por ser abraçado, mas retribui o gesto. Gohan pode
não entender como é ter uma mulher grávida em casa, mas jamais o deixaria
desamparado, ele é o zelador da família.
Zelar por essa família é a missão dele de sua esposa.
Ele segue para cozinha e Tony se joga no sofá dormindo quase ao
mesmo tempo em que encosta na almofada.
— O que foi? — Kala pergunta olhando para o gigante desmaiado no
sofá.
— Senhora Eleonora teve desejo de sushi.
Ela sorri em entendimento olhando para o sofá.
— Coitado.

ANTONY

Quarenta minutos depois Tony volta para casa com um prato cheio
de sushi, deixa na ilha e sobe para chamar Leo que está dormindo jogada na
cama dele.
— Zhizn?
Ela abre seus olhos grandes e se espreguiça esticando-se para todos
os lados.
— Você achou? — Ele faz que sim e é agraciado por um enorme
sorriso megawatts dela. Ajuda-a se levantar e descer a escada.
Leo devora tudo satisfeita. Acaricia a barriga quando a onda vem de
uma vez fazendo-a correr para pia principal, pois não daria tempo de chegar no
lavabo. O vômito vem em jatos fortes saindo pelo nariz e boca, pedaços de arroz
e salmão.
Tony segura seu cabelo para não ficar no caminho. Com a outra mão,
a conforta com toques leves em suas costas curvadas. Quando ela choraminga
com a ardência do vômito ele tenta confortá-la com palavras de carinho. Depois
lhe oferece água para fazer um bochecho.
— Lyubov, eu quero picolé de limão… — Choraminga.
Tony a olha abismado, sem entender como ela consegue ir de um
ponto a outro em tão pouco tempo. Arruma o cabelo dela, passa mão em seu
rosto.
— Vou pegar na casa dos nossos pais, Heitor tem uns escondidos
para emergências.

Leo está entretida com um livro, não notando a chegada silenciosa de


Tony que se aproxima e beija o alto de sua cabeça.
— O que toma sua atenção?
— Nomes. Você pensou em algum para os bebês? — Levanta a
cabeça para Tony se sentar e ela poder se apoiar nele.
— Não exatamente, eu penso mais em nomes russos com qual estou
acostumado. Mas logo afasto essa ideia, não quero nada que me lembre daquele
lugar. — Ela o olha passiva.
— Entendo. Como são gêmeos, gosto da ideia de escolher nomes
parecidos, como as pessoas costumam fazer.
— Também gosto disso. — Ele a acaricia no rosto e juntos começam
a pesquisar.

Tony chega eufórico em casa, com ideias brotando em sua cabeça,


junto com as possibilidades.
— Participei de um workshop na faculdade para calouros com temas
sobre administração. Houve um em específico que gostei, sobre investimentos de
todos os tipos. Enfim tive uma ideia, e gostaria de saber se você pode me ajudar
a colocar em prática?
Leo está na banheira imersa em água cheia de espuma e claramente
se alegra com a euforia dele rompendo pela porta.
— Claro que sim! Ando tão entediada. Invadir já não é mais
suficiente eu preciso de mais desafios. — Suspira.
Alerta de PERIGO!!!!
— Preciso que crie um software de espionagem. A ideia é saber tudo
e qualquer coisa referente as ações das maiores empresas na bolsa. Não apenas
daqui, mas as principais do mundo. Irei monitorá-las e com as informações
investir, lucrar e lucrar. — Encosta na pia observando as engrenagens dela
girando.
— Tão diabolicamente formidável. Uso de informação privilegiada!
Posso e vou fazer. — Brinca com a espuma. — Pensei que queria seguir uma
vida sem risco? Exceto claro, as missões da família. — Leo indaga.
— Eu posso sair da máfia, mas a máfia não sai de mim. Cada um de
nós lidamos com nossos monstros, Heitor é ‘consultor de segurança’ junto com
Paris, Naveen ‘caça tesouros’, você ‘programadora’ essas ocupações são
eufemismo para: Assassinos de aluguel, ladrão de joias, arte ou coisas históricas
e você, pequena banker[5], nenhum código de segurança é páreo para sua
cabecinha linda. — Agacha-se ficando de frente a ela. — Esse é meu lance.
Farei a faculdade, pois tem coisas que preciso saber para cuidar de nossas
finanças da forma correta. Vocês acumularam um valor absurdo que estão
espalhados em contas de paraísos fiscais e moedas digitais. Foram dias até eu
rastrear tudo e organizar as finanças. Outra pessoa não pode cuidar e não
podemos deixar como está.
— Entendi, você será o contador da família. Hmm… isso é sexy!
Todo mafioso, em ternos de três peças indo a bancos e lavando dinheiro, como
sou sortuda. — Leo sorri enormemente de sua gracinha e ele bagunça o cabelo
dela. — Farei o que precisar. — Afirma.
— Quanto ao seu tédio, em que posso te ajudar? — Senta no chão ao
lado da banheira.
— Não sei, acho que vou reformar a casa. Com os bebês chegando
uma lavanderia aqui em cima será de grande ajuda. — Seus olhos vagam para
parede de vidro.
— Você quer reformar sozinha?
— Não, raposa tolinha. Eu vou contratar um empreiteiro. — Explica.
— Isso vai te ajudar?
— Não muito, mas dará alguma ocupação comprando coisas.
Tony vê um animal selvagem enjaulado ao olhar para ela.
— Por que você não aprende algo novo? — Sugere.
— Não é tão simples. Sou muito rápida, em pouco tempo passaria o
professor e ficaria entediada de novo. — Bufa.
Tony viu em primeira mão como ela aprende rápido. Logo que
descobriu a gravidez, ela leu livros de medicina e pediatria em dias, ao final ela
poderia dar aulas teóricas sobre anatomia, sintomas e cuidados clínicos.
Houve o momento em que se preocupou com a alimentação, então
leu e aprendeu tudo sobre nutrição e produtos orgânico e agora quer iniciar seu
próprio cultivo.
Isso!
— Curso de culinária! Você pode até aprender a parte teórica
rapidamente, mas vimos naquele programa de TV que cozinhar vai além de
saber, é sentir. Não sei você, mas isso me parece um desafio. — Ela cerra os
olhos e enruga o nariz, que ele toca fazendo-a rir.
— Certo, você me manipulou. E, funcionou! — Ri de sua
declaração. — Mas farei depois deles nascerem.
— Aprendi com a melhor. Você me manipulou com comida quando
nos conhecemos, acho justo devolver da mesma forma. E ainda serei
recompensado com mais comida boa em casa. — Pisca para ela.
— Lindo, esperto e manipulador. Como não amar? — Suspira alto.
— Fico mais que feliz em manter a chama acesa. — Beija sua testa e
a deixa terminar seu banho.

Tony entra em casa sendo recebido pelo cheiro de bolo recém-


assado.
— Querida, cheguei! — Segue o cheiro até a cozinha.
— Aqui! — Ela está de costas e não o vê se aproximar. Ele a beija no
pescoço, inala seu cheiro de paz e conforto abraçando-a por trás.
— Te achei! — Oferece o rosto para ser beijado, as mãos correm por
sua barriga de vinte duas semanas. — Está animada para hoje?
— Muito. Espero poder saber o sexo hoje, parece até que eles estão
brincando de esconder o sexo da família. — Ela vira para ficar de frente. —
Abaixa. — Ele faz para que ela possa dar um selinho. — Como foi a aula hoje?
— Boa! E sabe o motivo? — Ela balança a cabeça. — Você é um
gênio e me ajudou a estudar loucamente para essa avaliação. — Passa o dedo no
bolo recém-coberto. — É sério! Com você ajudando fica tudo muito fácil. —
Beija seu rosto em todos os lugares enquanto ela se esquiva rindo.
— Tudo para o meu Lyubov. Vou subir para me arrumar e poderemos
ir fazer o ultrassom. Paris está quase explodindo sem saber o que pode comprar
para os bebês. — Leo se afasta e para olhando para ilha da cozinha. — Flores!
São Lindas! — Volta e pula em um abraço desajeitado por causa da barriga.
— Tem mais. — Tony lhe entrega um embrulho escondido no banco
da ilha. Que ela abre rapidamente. — Eu queria ter a sua memória para guardar
todos os nossos melhores momentos, mas não tenho. Por isso, venho tirando
várias fotos nossas e de toda a família para que as crianças vejam como você é
linda, como eu te amo e como somos especiais. — Ela folheia foto por foto, e de
repente, enxuga algumas lágrimas. — Você está chorando? Se não gostou
podemos tirar outras. — Oferece levantando seu queixo para olhá-la.
— São os hormônios, geralmente controlo. Mas gostei tanto, que foi
demais. — Seus braços o rodeiam.
— Podemos parar na volta para comprar porta-retratos e expor pela
casa. — Ela fez que sim, ele beija sua testa.
— Será perfeito!

Toda família como sempre entra no consultório, o médico nem se


importa. Depois do segundo exame em que pediu que se retirassem e ninguém
saiu, percebeu que a luta estava perdida.
— Boa tarde! — Leo já está na cama pronta, o médico inicia o
procedimento a imagem aparece. — Hoje eles estão dispostos, na direta temos
uma menina ela está com o tamanho certo e seu desenvolvimento está ótimo. —
As imagens correram da cabeça aos pés da bebê. Que está encolhida com a
mãozinha perto da boca. — Na esquerda temos um menino, também bem
desenvolvido, sem nenhuma alteração ou má formação. — As imagens correram
sobre o bebê encolhido, com a mão encostada na irmã.
— Olhe, já protege a irmã. — Tony vê Leo limpar mais lágrimas
fujonas, beija seus lábios.

O médico olha para eles pensando no exame que fez


antes da Eleonora, a paciente grávida de produção
independente, chorou sozinha ao saber sobre a condição
grave de seu bebê que nascerá. Para ele o universo não é
justo em sua balança.
— Só para deixar claro, nem tudo é responsabilidade
minha. Eu tenho chefe, que tem um chefe… Você entendeu
onde quero chegar.

— Casal é perfeito! Assim posso comprar tudo que for de menina e


menino, já estava esgotada de roupas unissex. — Paris limpa o rosto também,
Heitor e Naveen sorriam para tela.
— Três impressões? — O médico pergunta e todos concordam.
Paris e Heitor aguardam no carro. Naveen está de saída para mais
uma de suas expedições e voltará em uma semana. A despedida foi mais que
dramática ainda na entrada do hospital.
— Minha Lakshmi[6], quero relatório diário sobre meus sobrinhos e
vocês. — Se ajoelha para beijar sua barriga. — Lindos do titio. Vou trazer
presentes para vocês. — Beija demoradamente um lado e depois o outro. Todos
os observavam. Se levanta e a beija na testa. — Quer um beijo também Tony?
— Por Rama[7]! Claro que sim! Uma semana sem você será horrível,
me dê algo para me lembrar. — Naveen sorrindo o beija demoradamente no
rosto.
— Assim lembrarei de você também, meu próprio Vishnu[8]. — Fala
balançando a cabeça.
— Vocês são os piores. Como se esse lugar já não tivesse motivos
suficientes para falar de nós. — Leo os repreende.
Olham a sua volta notando as pessoas os encarando.
— Mas ele é meu irmão adorado, meu Rama. — Tony diz para que
ouvissem. — Somos muito próximos.
Olhares de completo desgosto os seguem para estacionamento onde
vão de mãos dadas a Leo, um de cada lado.
— Tony é tão espirituoso. Esse é meu garoto! — Antes de entrar no
carro se despede com namastê, seus irmãos replicam o gesto. — Vejo vocês em
uma semana!

Caminham pelo shopping para comprar os porta-retratos.


— Ele é muito lindo. Olhe esse corpo.
— Corpo? Não, olha esse rosto e esses olhos. Se ele olhar para mim
juro que tenho orgasmo, queria muito ser desta família.
Leo e Tony seguram-se para não rir da conversa de duas mulheres
próximo a eles. Falando alto o suficiente para serem ouvidas. Tony olha para
elas, que ficam vermelhas na mesma hora.
— Senhoras! — Sorri maliciosamente.
— O que eu disse? Corações, muitos deles partidos. — Leo brinca.
Porém a história do curso de pais, sobre serem irmãos e incestuosos,
se espalhou como pólvora e nem todos os olhares eram de admiração, muitos
foram de aversão.
Para essas pessoas dedicamos o mais sincero foda-se!
— Você é perfeito Lyubov! — Ele a beija.
— Você também Zhizn! — De mãos dadas, a leva para joalheria. —
Tivemos um grande retorno com o programa de investimentos que você criou,
quero te presentear. Na verdade, vou criar outra tradição. Temos o dia do
encontro e teremos o presente de recompensa. Cada vez que obtiver sucesso lhe
darei uma joia. — Os olhos dela brilham como fogos de artifícios em uma noite
escura. Abre a porta da joalheria para ela entrar. — Hoje deixarei você escolher,
mas as próximas serão surpresas. — Ela assente olhando de vitrine em vitrine.
— São todas lindas e brilhantes.
Nenhuma das peças faz jus a ela. Tony reflete.
A vendedora, animada em fazer uma venda, oferece vários modelos.
— Quero ver as exclusivas. — Tony pede.
— Exclusivas? — Ela repete duvidosa, Tony faz que sim, a
vendedora fala com o gerente que sorri abertamente para eles.
Onde fica o julgamento quando se tem dinheiro para gastar?
— Por aqui senhor, senhora. Temos uma sala reservada para vendas
como essas. — Seguem a vendedora junto do gerente.
Vários modelos de joias são expostos. Quando a última caixa é
aberta, os olhos de Leo brilham, seus dedos se aproximam vagarosamente como
se tivesse medo de tocar ou a peça atacar.
— Essa pulseira é de platina com diamantes Argyle Avaline com
lapidação brilhante. Esse ‘X’ a cada duas pedras é um famoso símbolo do amor
feito em ouro 18 quilates. — A vendedora explica.
— É perfeito! — Leo tira a peça da caixa. — É da cor dos seus olhos
e, agora eu os terei para sempre comigo. — Coloca em seu pulso.
— Meus olhos já são seus. Agradeço todos os dias por ter o
privilégio de vê-la toda manhã ao acordar. — Tony beija a mão dela. — Vamos
levar. — Ele anuncia.
— Nunca vi um casal tão apaixonados como vocês. — A vendedora
fala com inveja. — Está joia vem com seguro e garantia. O valor…
— Não importa o valor. — Tony corta.
— Perfeitamente senhor. Deseja finalizar a compra? — pergunta.
— Não, eu quero as abotoaduras de esmeralda e platina. Eu tenho
você e você me têm. — Leo comemora, Tony sorri para ela, adorando sua
declaração.
— Ouviu, levaremos também as abotoaduras. — Finalizam a
compra. — Você vai ficar com ela em seu pulso? — Tony pergunta.
— Claro que sim! Jamais irei tirá-la. — Levanta a mão com a
pulseira para refletir na luz. — Mas você não precisa usar as abotoaduras
sempre, use o relógio e ficarei feliz.
— Ah! O relógio. Sabe fiquei intrigado com ele, pois nunca vi nada
parecido então, fiz uma pesquisa. — Segura a mão dela ao sair da loja. —
Descobri que ele é um muito caro e exclusivo Louis Moinet Meteoris Tourbillon
Asteroid, que conta com um fragmento do raríssimo meteorito Itqiy que se
formou perto do Sol há milhares de anos antes de chegar à Terra.
— Nem sabia. Gostei e falei para o Naveen comprar. — Conta. —
Sempre o tenha com você. Eu queria que você tivesse algo para se lembrar de
mim caso não quisesse ficar.
— Essa nunca foi uma possibilidade. Na verdade, o meu medo era
você não me querer. — Confidencia.
— Raposa tolinha! Eu sempre te quis. — Se fosse possível registrar
o sorriso de um anjo o dela desbancaria qualquer um. — Agora, estou com
desejo de picolé de limão.
— Como quiser.

— Por que você não fica a noite? — Tony nem olha para estudante
nua na cama, enquanto veste a calça.
— Porque isso faria parecer um relacionamento e não tenho
relacionamentos.
Quando perguntas deste tipo aparecem, é hora de dispensar a garota e
partir para próxima. Por mais que diga não querer nenhum envolvimento
amoroso, elas sempre criam expectativas.
— Se o seu casamento fosse bom, nossa tarde não teria acontecido.
Talvez sua esposa deva ser uma dessas caipiras que engravidou para segurar um
bom marido. — A estudante hostiliza.
Tony olha com frieza para ela.
— Você não poderia estar mais enganada, minha esposa é tudo. —
Aproxima dela e segura seu queixo com força calculada. — Nunca se refira a ela
com menos do que respeito você não chega aos pés dela e nunca, nunca fale dos
meus filhos. — Assevera e solta ela.
— Se ela fosse tudo isso, você não me procuraria. — Fala com
petulância.
— Você é um buraco e nada mais, não deixe isso subir a sua cabeça e
não se preocupe não irei te procurar novamente. — Com essas palavras vai
embora.
Ao chegar no estacionamento, três veteranos estão ao redor de sua
motocicleta.
— Com licença! — Pede educadamente.
— Aí está ele! — O mais alto fala em tom de deboche com os
outros. — Estou aqui para mostrar o que acontece quando se mexe com a mulher
dos outros.
Tony estuda o campo a sua volta se preparando para combate.
— Se eu transei com ela enquanto era sua mulher, sugiro que troque
de namorada. — Esquece a educação, enquanto eles o cercam.
— Ela disse que você a forçou!
O rosto de Tony fica sombrio com que escuta.
— Nunca forcei ninguém, elas se oferecem. Se sua garota disse que a
forcei, ela mentiu. Todas sempre vieram por vontade própria. — Sorri sombrio e
maliciosamente.
— Se oferecem a você? — Eles riram. — Você é uma aberração.
Leve apenas o que importa. Leve apenas o que importa…
Se aproxima da motocicleta e o líder se coloca em sua frente.
— Está fugindo? Todos comentam que você é um homem casado,
você fodeu a minha garota, acho que seria justo foder a sua.
O Soco foi certeiro no rosto do veterano, seus seguidores seguram os
braços de Tony para impedir que ele dê mais golpes e para que seu líder pudesse
revidar.
No momento em que o veterano deferiria o golpe, Tony chuta o
aluno que segura seu lado esquerdo que o solta rapidamente. Tony o coloca na
linha do golpe, o estudante cai no chão com o nariz sangrando. O outro que
segura o lado direito inicia o golpe, Tony não teve dificuldade de se esquivar e
golpeou contra seu rosto duas vezes. Ele caiu e ficou no chão gritando de dor ao
lado do amigo. O líder ficou por último, seus punhos estavam cerrados e em
frente do rosto como um pugilista mediano ficaria.
Tony sorri com deboche.
— Aprendeu a posição em um filme? Vem, — acena com a mão, —
vou deixar você tentar primeiro. — Uma multidão se aglomera a volta gritando.
De repente para Tony é como estar de volta no Arena. — Vem seu merda, ataca!!
— O veterano avança com o punho cerrado. Tony se esquiva e com o joelho,
acerta o estômago do adversário fazendo ele se curvar. Finaliza acertado suas
costelas derrubando-o não chão. — Nunca fale da minha esposa! — Chuta-o
fazendo ele se retorcer de dor.
Passa por cima dele e de seus colegas, monta em sua motocicleta e se
afasta da multidão. Seu corpo treme para finalizar cada um deles, as pessoas
gritando incentivando, o cheiro de sangue e violência desperta o seu pior.
— Zhizn!? — Tony grita assim que entra em casa, ela corre ao seu
encontro, segurando a barriga de trinta semanas.
— Lyubov o que foi? — Leo é puxada para um abraço apertado. —
O que houve? — Ele inala o seu cheiro até se acalmar e seu corpo tenso relaxar,
Leo segura sua mão com as lesões da briga. — Sente. — Ela coloca a mão dele
em sua barriga para sentir os bebês se mexendo. — Eles sentem você. —
Levando Tony pela mão escada acima indo direto para o banheiro, ela liga a
água da banheira e começa a desabotoar sua camisa e a tira, abre o cinto e a
calça. Limpo de tudo, indica para ele entrar na banheira com água quente. —
Agora diga, o que aconteceu? — Leo senta na borda, o escuta relatar a briga, as
pessoas gritando, a lembrança da Arena e o desejo de matá-los. — Está tudo
bem! Já passou! — Suas mãos massageiam sua cabeça, vez ou outra ela beija-o
carinhosamente. — Podemos adiar o nosso encontro e ficarmos em casa. —
Oferece.
— Não. É o nosso encontro, nada atrapalhará nossa tradição. — Ela
sorri orgulhosa.
— Eu te amo!
— E eu te amo mais! — Ele a beija, a mão esquerda acarinha seu
rosto delicado. — Estou em casa. — Declara.

Não importa o quanto se tranca a dor, ou o trauma,


eles sempre encontram uma forma de voltar à superfície
para lhes mostrar do que você é feito de verdade. Por mais
que se tente esconder, o sofrimento faz da pessoa, o que ela
é.
“Por todo sonho que você tornou realidade. Você foi
minha força quando eu estive fraca, você enxergou o
melhor que havia em mim. Meu mundo é um lugar melhor
por sua causa”.
(Because You Loved Me – Céline Dion)
CAPÍTULO 10
ANTONY

Leo levanta da cama e corre para o banheiro.


— Acho que dormirei na banheira, estou praticamente morando
aqui! — Reclama enquanto esvazia a bexiga comprimida pelos bebês.
— Falta pouco Zhizn, logo eles chegam.
Ela volta do banheiro deita na cama novamente.
— Trinta e uma semanas. Estou com medo e se tivermos
complicações? — Ele a abraça apertado.
— Besteira. Você é a grávida mais saudável que já conheci. Se
exercita toda manhã, faz yôga, sua alimentação é invejável. Os bebês estão bem
desenvolvidos, com tamanho e peso padrão para gêmeos. Não tem a menor
chance de você ter complicações. — Tranquiliza.
— Na verdade, tenho muitas chances de ter complicações.
— Shh! Não pense assim.
— E se eles forem parecidos com ele?
A mão de Tony que acaricia a barriga para. Como tudo nele faz.
— Iremos amá-los como nunca ninguém foi. — Foi sincero. — Será
a maior vingança que daremos a ele.
— Se alguma coisa acontecer, promete nunca abandoná-los?
Sua voz sai entrecortada e aflita. Ele vira seu rosto para encará-la e
vê suas lágrimas.
— Zhizn, nada acontecerá com você. — Ela abre a boca para
protestar e ele a silencia com o dedo. — Mas prometo nunca os abandonar. Será
um dia frio no inferno, se algo acontecer a eles. — Limpa seu rosto e beija sua
boca.
Abraça-a e acaricia suas costas até voltarem a dormir.

A reforma finalmente acabou. Leo resolveu reformar outros


cômodos, o que levou mais semanas além do planejado. O berçário está
preparado para receber os bebês, com temas de ovelhas em tons de marrom e
branco. O enxoval está pronto e arrumado por Paris.
— Lyubov! — Leo grita do térreo.
Tony desce as escadas às pressas, quase fazendo-o tropeçar e cair.
— O quê foi? Sentiu alguma coisa? — Toca sua barriga preocupado.
— Estou bem! Vem, quero lhe mostrar uma coisa. — Ela sorri e
entrelaça suas mãos e o leva para um dos quartos no andar principal. — Abra!
A parede de trás toda em vidro, com vista para o bosque, ilumina
tudo de forma que cada objeto se destaque. A parede de trás toda em vidro, com
vista para o bosque, ilumina tudo de forma que cada objeto se destaque.
— Sente-se. — Leo indica a cadeira atrás da mesa.
Ao sentar na cadeira, Tony vê uma fotografia dos dois sorrindo um
para o outro, com olhos brilhando em completa alegria.
— Eu queria que tivesse um lugar só seu, assim como tenho meu QG
para trabalhar. Gostou? — Ela olha a sua volta receosa.
— Sim, muito!
Ela caminha para uma parede da esquerda e abre a porta de correr
quase imperceptível que dá visão para os outros ambientes do andar.
— Achei que você gostaria de poder ver as crianças. Fiz o mesmo no
meu QG, então você pode ver de um lado e eu posso ver de outro. — Fala
apreensiva.
— É perfeito! Mas pensei que você faria uma brinquedoteca para
eles aqui.
— A brinquedoteca ficará para depois. Paris sugeriu fazer um solário
em anexo a sala de TV, queria saber a sua opinião sobre isso?
Ela poderia fazer o que quisesse sem levar em consideração a
opinião dele, mas sempre que o inclui em uma tomada de decisão, Tony se torna
mais dela do que já havia sido antes.
— Acho que é uma ótima ideia, assim eles terão toda a visão do
bosque e jardim sem contar a luz natural.
Ela assente concordando.
— Sinto muito, mas serei a primeira a estrear seu banheiro! — Entra
no banheiro sem se preocupar de fechar a porta.
O relacionamento deles está muito além destas convenções.

— Lyubov, acho que estou tendo uma contração.


Ele acorda prontamente.
— Devemos ir para hospital? — Senta ligando a luz do abajur ao
lado da cama.
Passaram a dormir juntos todas as noites desde das trinta semanas,
Leo alegou que ele era o travesseiro perfeito para ela e sua barriga enorme.
— Acho que não. Está passando. — Deita-se de lado. Tony olha para
ela e depois para o relógio que marca duas da manhã. — Na verdade, estou com
fome. — Senta-se e calça a pantufa. A camisola de seda rosa, destaca seus seios
que estão grandes e cheios.
— Você é a grávida mais linda do mundo! — Afirma com
propriedade.
— Obrigado, mas queria poder ver meus pés.
— Seus pés continuam perfeitos, mesmo parecendo dois pães.
Descem juntos para cozinha e preparam um lanche.
— Como não fazer sexo comigo pode fortalecer e não enfraquecer
nossa relação? Como você tem certeza de que serei suficiente para você?
A pergunta foi inesperada para Tony.
— Quando era pequeno, assistia minha mãe se preparar para esperar
o pai de Nikolai. Eu não entendia naquele tempo, mas agora sim, ele a
subjugava. As marcas ficavam por dias no corpo dela, mesmo assim, ela sempre
parecia feliz quando ele voltava. Depois de anos percebi que minha mãe usava o
sexo como moeda de troca. Então as mulheres começaram a se aproximar de
mim, eu achava que enfim tinha algo que o Nikolai não tinha apesar de tudo,
elas vinham a mim sem o uso da força, mas por vontade própria. Nunca estive
mais enganado, com o passar do tempo as perguntas começavam: Que tipo de
mulheres Nikolai gosta? Onde ele vai para se divertir? Ele dá uma boa pensão
para suas amantes? Entendi que não era por mim que elas vinham, novamente
ele me tirava algo. Com o tempo, elas foram usadas pelos inimigos de Nikolai
para tentar chegar até ele, eu as mandava de volta sem nada e tenho certeza de
que pagavam caro por isso. — Respira profundamente. — Aprendi que sexo
sempre vem com algo em troca, se tornando sujo. Mas você me deu muito e não
pediu nada, não se vendeu e não pediu que eu me vendesse. — Segura a mão
dela — Por isso somos mais fortes. Nossa relação se baseia em confiança e nada
é mais forte que isso.
— Mas e as garotas da faculdade?
— Não me interesso por elas e não procuro relacionamento com
ninguém. Quando começam a fazer perguntas, sigo para próxima. Não sei
explicar, só sei que não quero. O que tenho é suficiente, é tudo que preciso. —
Pega a mão dela. — E você? Ficou com alguém desde que voltamos? — Ela
perscruta seus olhos o nariz enruga.
Ele nota as alterações e fica insatisfeito. Mesmo mantendo os olhos
nela como um falcão, ela conseguiu escapar.
— Sim. — Ela ri quando vê a surpresa estampada na cara dele. —
Ninguém importante, eu os paguei. Um dia acordei e percebi que o único
homem a me tocar foi Nikolai. Procurei homens em um catálogo aquele que
mais me atraiu e transei. Apenas para apagar algumas lembranças. Infelizmente
as memórias nunca se vão. Funciona por um tempo, então volto à estaca zero.
Como você disse, parto para próximo. — Sua mão aperta a dele. — Acho que
nunca terei essa parte de volta. Mas não me arrependo de nada, no lugar mais
sombrio eu achei você. — Ela sorri complacente.
— Isso foi lindo e eu te amo. Mas não ameniza o fato de você estar
se encontrando com homens! — A insatisfação se manifesta e ele não a disfarça.
— Lyubov, você não imagina como é estar grávida e frustrada
sexualmente. Foi tudo profissional e com muito cuidado. Não achei que você
gostaria de saber, queria te poupar deste inconveniente.
— Mas meus filhos estão aí? — Aponta para barriga dela.
— Sim, foi onde eu os guardei. E foram levados em consideração
durante o ato. — Ela morde o lanche, enquanto ele a fita descrente.
Ele balança a cabeça para afastar as imagens que começa a pipocar
em sua mente.
— Apenas tome cuidado, enquanto faz o que precisa para sentir-se
bem. — Morde o lanche com mais força que o necessário. — O que mais, você
faz que eu não sei?
Não é que ele quisesse saber, mas quando se trata dela nunca é
errado pecar pelo excesso.
— Nada… — Ela muda sua expressão e de novo e seu nariz enruga.
— Zhizn?
— Está bem! Eu posso ou não ter emitido um mandado da polícia
federal e, ter colocado aqueles alunos que brigaram com você, na cadeia. Onde
eles podem ou não ter apanhado durante o tempo que demorou para descobrir
que o mandado era falso. E posso ou não ter invadido algumas contas, usada
para lavagem de dinheiro, e limpado elas.
— Zhizn, não precisamos de mais dinheiro, temos muito. Você
roubou bilhões e venho duplicando esse valor. Temos o suficiente para sustentar
um pequeno país. — Esclarece. — Quantos aos alunos, não me importo.
— Não roubei para mim, eu doei para algumas instituições: Médicos
Sem Fronteiras, Greenpeace entre outras. Esse dinheiro é fruto de roubo, quem
fez não pode acionar a polícia. Acho justo usá-lo para algo bom. É por nossas
crianças que faço desse mundo um lugar melhor. — Poderia parecer alarmante,
mas a feição de garota arteira em seu rosto, o amolece. — Filantropia é meu
novo passa tempo.
— Apenas tome cuidado para não ser localizada. — Aconselha.
— Terei Lyubov. — Terminam de comer e voltam para o quarto. —
Você me acha atraente?
Ele a avalia, tentando descobrir qual caminho seguir com sua
resposta. Opta pela verdade.
— Muito. A cada dia você fica mais linda e gostosa carregando
nossos filhos. Queria ser o homem que supre todas as suas necessidades, mas
nós somos o que somos. — Ele a beija e evita falar sobre o aumento da sua
procura por sexo na faculdade ser por vê-la, senti-la, mas ser incapaz de tocá-la.
Cada vez que a deseja desse jeito, lembra dela sendo violada por um
monstro que ainda habita a periferia de sua mente e realizar esse desejo se torna
algo inconcebível para ele.
— Você acha que um dia alguém irá se apaixonar por mim do jeito
que sou? Por inteira e não somente algumas partes? — Seus olhos se encontram.
Tony sabe o quanto ela está danificada, assim como ele. É como ver
a si mesmo. Ele a tem e é completo por isso, mas ela ainda está à procura.
— Sim! Um dia alguém dará a você a paz que lhe falta e, nesse dia
seremos completos pois sua felicidade também é a minha.

— Podemos pensar em fazer uma cesárea? — Sugere o médico


depois de examiná-la.
— Não. Quero normal! — Leo responde enfática, Tony segura sua
mão para apoiá-la.
Eles ponderaram os vários tipos de partos e concluíram que o melhor
é o normal. Mas à medida que os dias e semanas passam a ideia de vê-la
sofrendo ou sentindo dor, faz Tony hesitar. Ela é tão pequena e sua barriga está
tão grande. Ele não quer que ela corra risco algum.
— Zhizn, que tal esperarmos até virarmos trinta e oito semanas e, se
eles não se manifestarem para sair, marcamos a cesárea? — Ele vê o misto de
dúvida e apreensão nos olhos dela, mas ainda assim, ela concorda. — Não se
preocupe. Eles ficarão bem e você também.
— Eu sei, mas meu cérebro não para! Penso em tantas possibilidades
que…
— Eu sei, Zhizn.
Seus medos são os mesmos que o dela.

Caminhavam em direção ao carro, ainda no estacionamento do hospital, com


todos da família os acompanhando.
— Antony?
Todos viram para ver quem o havia chamado. Uma das estudantes,
que ele se relacionou, se aproxima e os encara com curiosidade.
— Essa é a sua bem falada esposa?
Tony não gosta do sarcasmo e nem do olhar venenoso destinado para
sua Zhizn.
— Bem falada, eu? Querido, você nunca disse que eu era conhecida
na faculdade. — Leo fala nem um pouco incomodada.
Naveen volta toda sua atenção para cena a sua frente.
— Você é? — Leo continua.
— Prym, vamos ou nos atrasaremos. — Um homem se aproxima —
Eleonora?
— Carlos! — Tony e Prym os encaram em um silêncio
constrangedor. — É a sua namorada?
O homem olha para cada um com curiosidade, mas é Leo e em Prym
que presta mais atenção.
— Sim, namoramos há alguns meses. Não se preocupe ela sabe.
— Ufa! Imagina, conhecer uma das parceiras sexuais do meu marido
quando ele conhece um dos meus.
Tony absorve o baque com elegância e discrição, Naveen explode em
gargalhadas e Prym não consegue manter-se neutra, todos a veem ir mudando de
cor até o vermelho.
— Você o quê? — Carlos pergunta a sua namorada consternado.
— Oh não! Você não sabia? — Leo falou falsamente arrependida. —
Você disse que ela sabia?
— Ela sabe o que eu faço para viver, mas eu não… — Carlos olhou
dela para Tony e de volta a ela — Você transou com o marido da minha cliente?
— Pelos deuses! Minha princesa pagou por diversão? — Naveen diz
entre risos a Leo.
— Naveen!!! — Heitor, Paris e Tony exasperam.
— Claro que sim! É muito mais simples, tem hora para começar e
terminar, não envolve sentimentos. Sabe como é difícil ir à caça com uma
barriga de vinte e seis semanas? Nesse quesito ser homem é muito mais simples,
mas enfim, Carlos foi um excelente profissional eu até coloquei uma crítica boa
no site dele. — Leo declara alheia aos sentimentos dos envolvidos.
— Quanto a isso, obrigado! Recebi várias clientes depois do que
escreveu. — Carlos desvia seu olhar frio da namorada e sorri para Leo e depois
para Tony. — Sua esposa é maravilhosa.
Tony apenas concorda, controlando a torrente de emoções que o
inundavam.
— Muita informação! Muita informação… — Heitor começa a se
afastar levando Naveen, ainda rindo. Paris os seguem balançando a cabeça para
conter o riso.
— Não, eu quero ficar e saber o que vai acontecer. — Brada Naveen.
— Carlos, foi sexo e mais nada, assim como você faz com suas
clientes. — Prym justifica.
— Você recebeu? Porque eu recebo!
— Não! Eu não faço esse tipo de coisa. — Declara Prym.
— Como assim esse tipo de coisa? — Carlos revolta-se.
Tony pega a mão de Leo e tenta afastá-la, pois o casal pareceriam
bombas prestes a explodir. Mas Leo não se deixa levar
— É. Como assim, esse tipo de coisa? — Leo fala, chamando a
atenção para ela. — A meu ver, esse tipo de coisa, é bem mais honroso do que
você fez. Ele estava trabalhando e você estava fazendo o que com meu marido?
Tony a encara perplexo com sua tomada súbita de defesa.
— Obrigado! — Calos também se surpreende e volta-se para Prym
— Foram quantos?
— Carlos eu estava confusa, você fica com essas mulheres e eu…
— Lyubov precisamos voltar para o hospital. — A voz da Leo está
pacifica — Obrigado Carlos, essa agitação era o que precisava para colocar esses
bebês para fora. — O líquido da bolsa começa a escorrer por entre suas pernas.
— Isso é muito constrangedor.
— Fico feliz em ser útil! — A voz de Carlos sai automático.
— Heitor, Paris, Naveen! — Tony grita por todos, se prepara para
pegá-la no colo e correr com ela de volta para o hospital.
— Não! Me coloque no chão, é bom andar, ajuda na dilatação. —
Tony mesmo que relutante cede e à solta, porém, mantêm as mãos nela pronto
para pegá-la caso precise.
— Ah!!!!! Contração! — Grita — Merda, isso dói mesmo!
Paris foi direto para recepção chamar o médico, Naveen pega uma
cadeira de rodas, Heitor e Tony seguram Leo, um de cada lado.
— Ah!!!!!!! — Ela senta na cadeira, o obstetra vem apressado pelo
corredor acompanhado da enfermeira.
— Mas já!?
— Por que!? Eles correm risco? — Leo e Tony perguntam ao mesmo
tempo.
— Não trinta e sete semanas é perfeitamente normal para gêmeos. —
Os dois relaxam — Vamos por aqui. — Indica o caminho para a maternidade.
— Ah!!

Faz duas horas que Leo está em trabalho de parto, as contrações a


desgastaram tanto que Leo já está sucumbindo à dor e não consegue mais
empurrar.
— Respira… — Tony acalma Leo e a beija na testa enquanto sente
ela apertar a sua mão sentindo mais uma contração — Continua, você consegue.
— Não dá! — Seus olhos verdes estão quase cinza represando suas
lágrimas. — Ah…! Eu não consigo mais…
Ele levanta o rosto dela para o seu fazendo-a olhar para ele.
— Zhizn, eu estou aqui com você. Sei que está doendo, mas agora
preciso que lute pelos nossos filhos. Na próxima contração, sinta seu corpo e
confie nele para te ajudar. Tony tira o cabelo grudado no rosto dela, Leo faz dos
olhos de Tony seu ponto de foco.
— Ajude seu corpo, você sentirá a hora em que deve fazer força. —
O médico orienta.
Paris está do outro lado dando palavras de incentivo e segurando a
outra mão de Leo.
— Princesa, estamos aqui e não deixaremos nada acontecer.
Tony passa a força que Leo precisa, para que seus filhos cheguem ao
mundo. Ainda olhando em seus olhos, Leo faz um último esforço…
— É a menina! — A enfermeira segura e enrola o bebê em um manto
de algodão branco e azul. Em seguida, a leva para os pais.
— É linda! — Tony pega o minúsculo bebê de olhos abertos e
curiosos.
Parece até que já está catalogando tudo o que pode ver.
— Quanto cabelo! — Leo admira.
A bebê está quieta as mãozinhas fechadas. Antes de poder pegá-la, a
enfermeira a leva para limpar. Foram apenas alguns minutos com a bebê, mas já
sentiam a falta dela.
— Na próxima contração, faça força. — O médico orienta.
Depois de ver a bebê, Leo está contemplativa e muito mais calma.
Tony a sente apertar sua mão. Leo respira fundo juntando forças mais uma vez.
— É igual ao pai. — A enfermeira felicita. Tony fica paralisado e
percebe que Leo também está abalada sem entender o que a enfermeira quis
dizer.
Leo o olha inquisitiva e confusa e Tony devolve o mesmo olhar
adicionando o medo.
O quê?
Como?
A enfermeira embrulha o bebê em um manto azul impossibilitando
de ver o bebê, ela caminha para eles com o pequeno nas mãos.
O ar foge de seu o pulmão, quando ela o entrega a Leo.
— Lyubov, olha. Ele é lindo como você! — Leo acaricia o bebê com
os cabelos quase prata de tão branco, as mãozinhas dele abre e fecha como se
estivesse querendo algo que lhe foi tirado.
— Como? — Foi tudo que conseguiu balbuciar.
Seus olhos ficam embaçados das lágrimas que escorriam. A
enfermeira também leva o bebê para limpar. Logo ouvem o choro deles de onde
estão sendo limpos.
Tudo passou como um borrão para Tony, ele fez o máximo para não
se perder enquanto o parto era finalizado. Ao entrar no quarto, Heitor e Naveen
os espera com olhares receosos. Uma enfermeira traz os bebês um ao lado do
outro, pequenos e indefesos, um é a antítese do outro em aparência física.
— É como se tivessem clonado Tony e a Leo. — Naveen quebra o
silêncio.
Paris tira Heitor e Naveen do quarto, para dar a eles um momento de
privacidade.
— Vamos, temos que dar notícias para Gohan e Kala. Eles devem
estar preocupados. — Sem objeção da parte de seu filho e marido, saem e
fecham a porta.
O clima apesar de ser para festejar, fez Tony entrar em um vórtice
caótico que mistura as memórias de dor e sofrimento, com o que deveria ser o
dia mais feliz de sua vida.
— Lyubov? — Leo chama, enquanto Tony está distante em
pensamento.
Olhar ela e as crianças o fez perceber que não sabia de nada sobre
sua existência. A falta de conhecimento engolia-o e o arrastava para longe, direto
para zona fantasma que era sua vida passada.
— Moy lyubov, volta para mim! — Sua mão pequena toca a dele.
Tony guerreava internamente com o vazio escuro que o engolia.
Bastou um olhar para os grandes olhos verdes para se lembrar que não está mais
sozinho.
E nunca mais estará.
— Ele era seu irmão. — Leo fala apreensiva — Quando procurava
informações sobre Nikolai e seus aliados para nos infiltrar, descobri documentos
e registros alguns deles era seu. Foi assim que descobri seu nome. Nunca te
contei, pois não queria te ferir mais. — Uma lágrima escapa de seus olhos. — Se
você não puder… eu vou entender. — A mão trêmula dela tenta soltar a dele e
seus olhos vagam para longe.
— Olhe para mim. — Ela o encara fazendo-o percebe que está
segurando o choro e mordendo o lábio. — Eu jamais deixarei você ou meus
filhos! Nada no mundo é capaz de me afastar de vocês. — Ela assente e ele solta
o lábio da prisão de seus dentes e beija sua boca com amor incondicional.

— Então Leo e o Tony, não transaram? — Naveen entona depois que


volta para quarto e Leo lhes conta a verdade.
— Naveen!!! — Sussurram para não assustar os bebês.
— O quê? É apenas curiosidade.
— Quais são os nomes? — Paris pergunta mudando de assunto.
— Gaia e Gael. — Anunciam juntos.
— Lindos. Eu adorei! — Paris corre delicadamente os dedos nos
bebês adormecidos, enfeitiçada por eles. — Não poderia ser melhor, temos
aquela que cria e aquele que protege.

Leo e Tony queriam nomes que significassem o que


cada um representa para o outro. Depois de muita leitura e
pesquisa encontraram na mitologia, Gaia a deusa
primordial que detém a força de gerar e criar. Do hebraico
veio a variação Gael, aquele que protege e redime. Sendo
assim, como a deusa Gaia, Leo deu vida a Tony quando ele
não tinha nada em que habitar. Por sua vez Tony a
protegeu tomando parte da dor para si mesmo.
Segurando a mão de Tony, Leo adormece. Heitor e Naveen saem
para comprar algo para comer enquanto Paris e Tony observam ela e os bebês.
— Antes de entrar para o Mossad, fui vítima de estrupo coletivo na
cidade em que vivia. Engravidei e minha família fez com que eu abortasse. Já
era uma vergonha para minha família ter sido desonrada, um filho seria
inconcebível. Duvido que pensaram no que senti ou em como estava. Como se
eu fosse culpada pelo que tinha acontecido! Enfim, a situação da clínica de
aborto era precária além de ilegal e tive complicações. — Limpa uma lágrima
solitária — Quando acordei estava sem o útero e sem família. Eles haviam me
abandonado e por um bilhete pediram para eu nunca mais voltar. — Respira
pesadamente. — Vocês não sabem a alegria que estão me dando. Eu fiz coisas
ruins depois que fiquei sozinha. Coisas que me arrependo de ter feito, outras
nem tanto. O caminho foi tortuoso até que eu encontrasse a paz e a
conformidade. Foi Heitor que me deu isso. Ele transformou a minha vida! Não
sabia que queria ter filhos até Naveen chegar, então Leo veio e depois você e,
estava completa. Ou achei que estava. Pensei que nada poderia melhorar o que
tinha. Mas não se compara agora com os bebês. Entendam eu amo você, todos
vocês, mas olho esses dois pequenos e é como se fosse explodir de felicidade.
Tony passa o braço envolta do ombro dela, trazendo-a para mais
perto.
— Eu sei, também sinto como se fosse explodir. Achei que amava
Leo descontroladamente, mas não tem como comparar. — Beija a têmpora de
sua mãe. — Você é uma mulher maravilhosa e a melhor mãe que alguém poderia
ter.
— Oh, querido. Você não sabe como é bom ouvir isso. — Outra
lágrima escapa… olham os bebês dormindo em perfeita paz. — Eles não
poderiam serem mais perfeitos.
— Concordo. — Com carinho trazendo-a para mais perto, a cabeça
dela encosta no peito dele e ele beija sua cabeça.

— Não importa seu passado. Essa mulher é a única


que Tony passou a reconhecer como sua mãe.
Situações acontecem e as consequências se mostram
permanentes, entretanto, pode ser que deforma diferente a
possibilidade cruze seu caminho, basta enxergá-la.
“Não há montanha alta o suficiente, não há vale baixo o
suficiente, não há rio extenso o suficiente. Que me impeça
de chegar até você, amor”.
(Ain't No Mountain High Enough – Marvin Gaye e Tammi Terrell)
CAPÍTULO 11
ANTONY

Uma semana havia se passado desde o nascimento dos gêmeos, toda


família auxilia em seus cuidados. Por insistência de Leo, Tony não tirou licença
da faculdade e com sistema de câmeras que Heitor instalou, sempre que a
saudade aperta, ele os assiste pelo celular.
— Antony? Antony, espero que o que esteja vendo, seja mais
importe do que estou ensinando. — A professora fala impaciente.
— Muito mais. Nem se compara.
A professora continua a aula enraivecida com a insolência de Tony.
Já fazia dias que ele não a procurava. Ele sabia que ela estava começando a se
desesperar a ponto de jogar suas últimas cartadas.
Mesmo com a atenção voltada para Leo e seus filhos em casa, fez o
possível para se inteirar na aula, contando os minutos para voltar para eles.
— Antony, preciso falar com você… na minha sala.
Tony está a um passo da porta quando ela passa encostando o
máximo que pode em seu corpo. Quem vê de fora acredita ser apenas um
esbarrão.
Tony entendeu os sinais, só não os queria.
— Tania, eu não estou com tempo. — Antes mesmo da porta fechar
ela já está em seu pescoço, tentando puxar sua boca a dela. — Para Tania! — Ele
interrompe e puxa suas mãos sentindo as unhas dela arranhando seu pescoço. Se
enfurece, mas se mantém controlado.
— Estou com saudade, faz dias…
— Apenas, não!
— Não!?
— É, não! Não me interessa o que sente ou o que quer, se o assunto
não é sobre a aula eu não deveria estar aqui. — Fala apático virando-se para a
porta.
— Você não entende, eu me apaixonei! — Suplica, desesperada —
Vou largar meu marido!
— Não faça isso por mim. — Sente que está a um passo de perder o
controle.
Ele sempre avisa a elas.
— Mas quando ficamos você diz que gosta, que sou boa para você.
Seu rosto é uma bagunça completa de maquiagem, mostrando sua
verdadeira aparência e até mesmo os sinais de sua idade.
— Eu falei e quis dizer isso, mas não entenda errado, uma coisa é eu
gostar de foder você, outra é eu querer ter um relacionamento. — Ela começa a
chorar e com isso esgota a paciência e controle de Tony, que sai da sala.
Em casa, ouve Leo cantando e tocando o piano para os bebês que
estavam deitados no sofá cercado de almofadas coloridas.
— Take my hand…[9]
Eles sorriam com a música. Suas mãozinhas sempre se tocando, não
importa onde estejam, se estiverem tocando um ao outro é como se não
precisasse de mais nada, exceto a mãe e o peito. Tony está admirando sua família
quando a música para, levanta o olhar e se depara com Leo e seus olhos verdes
cheios de fúria, vindo em sua direção.
Ela afasta a gola de sua camisa.
— Quem fez isso?
Sente ardência onde Tania o arranhou.
— Ninguém importante, Zhizn. — Abaixa e sela sua boca com dela.
— Uma mulher desesperada, apenas isso. — Pega os dedos dela que contorna
seu pescoço e beija as pontas. — Está tudo bem, não se preocupe. — Ela
perscruta seus olhos com desconfiança. — Como vocês estão? — Como num
passe de mágica a bomba foi contida.
Mas não desativada.
Ela sorri ao olhar para seus bebês.
— Bem! Eles mamaram há pouco e meus peitos já estão explodindo.
Vou tirar um pouco com a bomba e enquanto você fica com eles, vou dormir um
pouco. — Ela deu mais uma olhada no arranhão e, saiu a passos leves.
Ele sabe que isso ainda não acabou…
— As vezes me sinto uma vaca de ordenha. — Fala enquanto o leite
flui para o recipiente de coleta.
— A vaca mais linda.
— Pronto! Agora você tem o lanche da tarde deles. — Coloca o leite
na geladeira, beija-o em despedida. — Te amo!
— Eu te amo mais! — Enquanto ela sobe, Tony fala com as crianças
— Se eu não a conhecesse, acharia que ela está mesmo indo cochilar, mas
apostaria meu relógio, e vocês sabem que o relógio do papai é importante, que
ela está invadindo as câmeras de segurança da escola do papai para saber quem
me feriu. — Gael abre os olhos e fez sons de bebê. — Você também não
apostaria contra? — Ele fez força. — Você fez, não é? — Seu rosto se contrai.
— Você ainda está fazendo? — Mais contrações de seu rosto pequeno e depois
relaxa.

Tony
Gaia precisa do tio.
02:11 pm

Naveen
A caminho…
02:12 pm

Naveen entra minutos depois, com sorriso no rosto.


— Gael encheu as fraldas. Vou dar banho nele.
Naveen toma o lugar de Tony que leva Gael ao berçário para limpá-
lo.
— Oh minha nossa, Gael! Como pode sair tudo isso de uma pessoa
tão pequena? — O bebê balbucia, enquanto está sendo limpo com lenços
umedecidos. —Como chegou ao seu cabelo? — Por fim, Tony desiste dos lenços
e abre a torneira da banheira e o coloca em baixo da água, vendo literalmente
toda a merda indo pelo ralo, Gael sorri gostando do jato morno de água. — É
bom tomar banho, não é?
— Pronto! Está limpo novamente. — Fala o pai admirado quando
chega na sala, Naveen segura Gaia no colo com cara franzida e nariz torto. —
Ela também?
— Acho que sim, ela se contorceu então, veio a paz, logo depois o
cheiro subiu. Tem certeza que é só leite que ela toma e não enxofre?
Gael volta para o sofá cercado de almofada, Naveen entrega Gaia.
— Fico com ele e você limpa ela, já que está com a mão na massa.
— Sorri debochado.
— Vem minha princesinha. Ao menos os seus dejetos ficou só na
fralda, os do seu irmão foi para todos os lados.
Da escada Tony ouve Leo gritando ao telefone, sobe com Gaia no
colo…
— Eu não doei uma fortuna para essa faculdade, para que não
tivesse autonomia! Quero essa mulher fora, ou no próximo ano as doações para
pesquisas serão menores do que possa você imagina. — Pausa — Coloque ela
em outro lugar, transfira para o inferno, mas não quero ela próxima do meu
marido e quando você for informá-la deixe está última parte esclarecida.
— Sua mãe não tem jeito. — Tony abre a porta do quarto
surpreendendo-a.
— Está tudo bem com ela? — Leo se surpreende, seus olhos estão
verdes como as folhas das árvores, olha para Gaia com preocupação enquanto
esconde o telefone nas costas.
— Sim, ela está bem, hora da limpeza. E você com quem fala?
O sorriso fácil desponta em seu rosto.
— Com seu reitor, colocando a louca da sua professora longe de
você.
A cadência de sua voz faria qualquer um acreditar que ela não faria
mal a uma formiga. Mas fica apenas nisso, ‘aparência’. Como uma mulher tão
pequena pode ser tão feroz?
— Eu disse que estava tudo bem.
— Eu prometi que ninguém te machucaria. Não faço promessas em
vão. — Fala calma. — Agora, se você não precisa de ajuda, quero tirar aquele
cochilo. — Ela se aproxima e beija a cabeça da Gaia. — Mamãe volta para você
em duas horas.
Tony beija sua cabeça em despedida.
— Desta vez durma! — Fecha a porta do quarto — Hora do banho!
A fralda da Gaia está cheia, mas de forma moderada e não
descomunal como a de Gael.
— Minha princesa! — Depois de lavá-la, levanta ela para beijar sua
cabeça e inalar seu cheiro de bebê. — Gaia?… Não! — Sente o líquido quente
escorrendo pelo peito molhando a camisa — Você fez xixi, no papai? Não
precisa me marcar, já sou seu. — A veste depois do segundo banho e a leva de
volta para sala. — Tive um probleminha, fica com eles por mais um tempo?
— Ela te marcou? — Naveen ri apontando para a camisa molhada.
— Gael fez o mesmo comigo ontem. O que tem essas crianças e a necessidade
de mijar nas pessoas?
— Vou me limpar e já volto.
— Passar um tempo com eles é a melhor parte do meu dia. —
Balança um macaco de pelúcia chamando a atenção deles. — Quem é tio mais
legal do mundo? — A voz dele muda para falar com as crianças, acentuando
ainda mais seu sotaque indiano. —Vou contar a história de como Hanuman[10]
confundiu o Sol com uma fruta e tentou comê-la. — Balança a cabeça de um
jeito comum de sua terra natal, que na verdade ele odeia.
Com passos sorrateiros e destreza Tony abre a porta do quarto de
Leo, apenas para checar, a encontra dormindo com a respiração calma e
passiva, fechar a porta e segue para seu quarto.

— Vamos, faz tempo que você não sai e, perdemos nosso encontro
nas últimas quatro semanas. — Tony fala ansioso tentando convencer Leo a sair.
Desde o nascimento das crianças ela se recusa a se afastar delas.
— Não quero deixá-los e se acharem que os larguei? Não posso! —
Leo reluta.
— Zhizn, Heitor e Paris ficarão com eles. — Segura sua mão com
carinho. — Vamos? — Ela olha para bebês no berço e depois para ele que faz
beicinho.
— Eu não vou abandonar vocês, papai vai levar a mamãe para jantar
e já voltamos! — Seus olhos lacrimejam.
— Zhizn, eles sabem que você jamais os abandonariam.
— E se eles sentirem medo? — Pranteia.
— Não vão, eles têm os avós mais legais do planeta. — Ela meneia
que sim. — Vá se arrumar. — Ela beija as crianças com relutância em largá-los.
Tony admira Leo terminar de se arrumar, nunca imaginou que ela
poderia ficar ainda mais linda. Seu corpo perdeu o peso que os bebês a havia
dado na gestação, ela não está magra como antes, está curvilínea e seus seios
estão maiores por causa da amamentação.
— Não imagina como é estranho voltar a usar salto.
— Antes de sair gostaria de lhe dar isso. — Abre a caixa de veludo
azul. —Representa o nascimento das crianças e o começo da nossa família.
— Oh! É lindo!
Ela toca o colar em ouro branco com diamantes, safiras rosa e azuis,
diamantes amarelos, granadas demantóides e tsavoritas, todas elas incrustadas
formando um laço e flores coloridas.
— É tão colorido! — Ela pula no colo dele abraça-o e sela seus
lábios nos dele. — Eu amei! — Ele devolve com um sorriso igual ao dela. —
Vou trocar de roupa, essa que estou vestindo não destacará essas belezas.
Tira o vestido deixando caído no chão e volta para o closet, cinco
minutos depois saí com um vestido verde-claro estilo tomara que caia de renda,
deixando seus ombros a mostra. O cabelo que estava solto agora parte dele está
preso no alto deixando o pescoço e rosto livre, vira-se para Tony colocar o colar.
Ela reluz felicidade, seus olhos competem com o brilho das pedras, o que é
desnecessário, pois para Tony eles são muito mais impressionantes que qualquer
pedra preciosa.
— Está além do que imaginei, seus olhos se destacam e a joia fica
em segundo plano, dando suporte para eles. — Beija-a na curva do ombro com o
pescoço e são pegos de surpresa pelo som da câmera fotográfica.
— Paris! — Leo e ele falam juntos.
— Que foi? Estavam tão íntimos e apaixonados, vocês formam o
casal perfeito. É como essas histórias que as pessoas leem e passam a vida
tentando ter algo parecido.
— Está pronta? — De mãos dadas vão ao berçário ver as crianças
que brincam com suas mãozinhas, Paris não para de fotografá-los.
— Não vamos abandonar vocês. — Leo fala, beija-os e saí olhando
para eles no berço.
Ao entrar no restaurante todos os olham com curiosidade, não é
exagero falar que chamam atenção.
— Acho que Paris disse a verdade.
— Fazer o quê, se somos lindos a ponto de autocombustão. — Tony
fala incitando o sorriso dela.
A próxima hora passa com eles conversando sobre tudo, Leo conta
suas histórias para Tony que as acha hilárias pelo fato dela não entender as
reações das pessoas, esses eram seus momentos, o mundo poderia estar em
chama e eles não ligariam.
Logo a professora de Tony se aproxima da mesa em que os dois
estão.
— Tania, não começa. — Ele alerta ao vê-la com olhar cevado de
ódio.
— Não começar o quê? Está com medo de escândalo? — Sua voz
eleva e chama mais a atenção para os que já estavam sobre escrutínio das
pessoas. — Tem medo que sua esposinha troféu saiba de suas atividades extras?
— O que ele quer, é que você não torne tudo mais vergonhoso para
você. Eu sei muito bem o que ele faz. O que me chateia é você por um segundo
achar que tem qualquer direito sobre ele. Você não tem. Agora se recomponha e
volte para sua mesa, contente-se com que você teve dele, pois não terá mais que
isso. — Tania olha para Leo por vários segundos atônita. — Não ouviu? Saia! —
Ela se assusta com a ferocidade das palavras. — Ou meu próximo ato será ligar
para o reitor da faculdade e pedir a sua demissão, já que sua transferência não foi
suficiente. — Tania fica paralisada em choque. — O quê? Achou que poderia
tocar o MEU marido e sair impune, se enganou. Saia e fique longe, caso o
contrário, você implorará aos céus para voltar ao dia em que era apenas uma
professora de meia idade que transa com os alunos para aliviar sua crise
existencial. — Como se tivesse levado um tapa na cara, Tania se sobressalta e saí
constrangida por entre as pessoas que agora foca exclusivamente nela, já que as
palavras ditas por Leo, foi alto o suficiente para ser ouvida nas mesas ao lado.
— Desculpe, era para nossa noite ser perfeita. — Tony fala
enraivecido.
— Não se desculpe, você não é responsável pelo que não controla. E
nossa noite está perfeita com possibilidade de melhorar. — Leo aperta a mão
dele, eles respiram profundamente juntos e, voltam para a bolha. — Não sabia,
mas senti falta dos nossos encontros. Quer ir dançar?
— O que você quiser. — Tony sorri animado.
Ao chegar no clube são enviados direto a área VIP e se deparam com
Naveen.
— Irmãos sejam bem-vindos a festa!! — Grita acima do som alto, a
área estava cheia de conhecidos de Naveen.
Leo é puxada para a pista de dança por seu irmão, juntos são
hipnotizantes. Uma nova música começa e Leo dança para Tony tendo toda sua
atenção.
Seus olhos verdes hipnotizam Tony. Ela é dele, indubitavelmente
dele. Ela se move com fluidez, suas curvas arrebata-o. Outra música começa e
Leo o chama com o dedo.
Tony segue o chamado e seus corpos se unem em comunhão com a
música, dançam com sensualidade e intensidade. A excitação que emana deles
contagia todos em volta.
Naveen junta-se a eles dando um show de dança sexy em trio, muitos
tentaram entrar no meio e ter uma lasca, mas ninguém poderia alcançar a
venustidade que eles invocavam.
Três é com certeza um número mágico.
— Lyubov, preciso ir ao banheiro. — Leo avisa, ele assente e
contempla ela caminhar para longe, enquanto ele senta e descansa.
Naveen estava aos beijos com um homem moreno todo tatuado. Leo
volta do banheiro quando é segurada pelo braço por um homem que fala com ela
invadindo seu espaço pessoal. Tony observa a cena cerrando os punhos para se
conter, em seguida Leo o leva para o banheiro. Não demora muito, ela volta
sozinha e fala com um dos funcionários do clube, arruma o cabelo, ajeita o colar
e volta para Tony que relaxa visivelmente.
Ela senta em seu colo com as pernas abertas o enredando e fazendo
seu vestido subir, mostrando mais de sua pele. As mãos dele captura seu quadril
mantendo-a junto a ele com uma pegada possessiva.
— Tudo bem? — Averígua indicando o banheiro com a cabeça.
— Claro que sim. — Beija sua boca. — É possível, ou não, que
tenha um homem desacordado no banheiro, que ao cair, bateu a cabeça na pia e
se machucou. — Ela fala em seu ouvido. Suas mãos apertam mais ela. — Enfim
sabe como é essas coisas, as pessoas bebem demais fazem e falam o que não
devem e depois acidentes acontecem. — Tony a puxa mais perto, se é que é
possível.
— Por isso que parei com a bebida. — Responde em seu ouvido,
beija abaixo da sua orelha fazendo-a rir alto.
— Qual a piada? — Naveen pergunta. Tony a mantém junto ao seu
corpo.
— Acabou o exame bucal no seu amigo? — Tony fala e olha para o
homem se afastando.
— Ah, sim! Ele foi buscar uma amiga para brincar junto. Então qual
a graça? — Ajeita a bagunça de seus cabelos escuros, provocado pelo beijo
inflamado.
— Nada demais, Leo estava contando as mazelas de quem exagera
na bebida. Falei que é por isso que não bebo. — Naveen olha de Tony para Leo
com uma sobrancelha duvidosa arqueada.
— Que seja! Bom, estou indo para casa desse meu amigo, vejo vocês
amanhã. — Sorri maliciosamente.
— Estamos encerrando também. — Tony levanta com Leo ainda em
seu colo, que envolve as pernas em sua cintura.
— Te amo Naveen!!! — Leo grita para ser ouvida por cima da
música.
— Te amo também princesa, amo você também irmão! — Grita de
volta e todos olham.
— Eu te amo mais! — Tony responde caminhando pela multidão
com os braços segurando Leo apertado até o carro.
Em casa tudo está silencioso.
— Tenho que tirar leite. — Tony a ajuda com o vestido e o sutiã. —
Liberdade ainda que tardia! — Ela relaxa com alívio da pressão em seus seios
cheios. — Eles já estavam doloridos.
— Por que não avisou? Podíamos ter voltado antes.
— Não Lyubov e acabar com a noite. Precisávamos desse tempo, eu
adorei cada segundo. Isso, — apontou para os peitos. — não foi nada.
— Também gostei. — Leva uma mecha de cabelo que cobria o olho
dela, para trás da orelha.
— Pronto! A mamãe está devidamente ordenhada. — Guardam os
recipientes na geladeira e seguem direto ao berçário.
As crianças estão acordados para a alimentação da madrugada, Paris
e Heitor trocavam eles.
— Olhem, mamãe e papai chegaram! — Paris fala — São lindos!
Agora vocês dois para fora. É a noite dos avós. A situação está controlada. —
Leo e Tony beijam as crianças na cabeça e saem do quarto dando aos avós seu
momento com os netos.
Eles se preparam para dormir e como toda noite de encontro, nunca
terminam sem companhia. Tony a espera em sua cama antes de apagar a luz.

9 MESES DE IDADE…
— Pegue a câmera, corre! — Tony corre rápido para o escritório e
pega a câmera. — Chame! — Ele liga, enquadra e aperta o play.
— Gael, vem para o papai! — Leo o segue de perto com os braços
em volta para o caso dele cair. — Vem Gael! — Ele fica de quatro levantando
lentamente com a ajuda de suas mãos até ficar de pé, cambaleando Gael dá seu
primeiro passo, seguido do segundo. — Vem!
Os pegando de surpresa, Gaia também levanta e cambaleia até o pai,
que agora está transcendendo de felicidade.
— Oh, minha nossa! — Leo a passos lentos segue as crianças de
perto com os braços abertos. — Lyubov, são tão lindos! — As crianças chegam
até o pai que os esperam de joelhos. Os abraça entregando a câmera para Leo.
— Vem Zhizn, abraço em família! — Segurando a câmera, ela os
abraça sendo recebida com beijos. — Peguem a mamãe! — Tony pega a câmera
de volta, Leo se afasta.
— Gaia, Gael, vem pegar a mamãe! — Eles a seguem dando passos
cambaleantes, cada vez mais seguros.
Quando se cansam, sentam e voltam a brincar com seus brinquedos.
— Zhizn, já disse que te amo hoje? — Enquadra a câmera neles.
— Não Lyubov, você não disse. — Ela sorri para câmera.
— Como posso ser tão descuidado e não dizer a mulher mais linda
desse mundo, a mãe dos meus filhos, que eu a amo mais do que amei ela ontem.
— Inclina-se para ela ficando de frente. — Eu te amo e sou louco por vocês!
— Também amo você! Muito mais do que ontem e menos do que
amanhã. — Beija-o tendo esse momento sendo registrado pela lente precisa e
enquadrada da câmera.
Olham para as crianças brincando, cópias perfeitas deles. Gaia tem o
cabelo volumoso com cachos nas pontas e os olhos verdes que mudam sempre o
tom como os da mãe. Gael não é totalmente albino como Tony, a pediatra, logo
após as crianças nascerem, disse que ele é parcialmente albino o que é bem mais
raro pois sua pele não é totalmente branca como a de Tony. Com o passar dos
meses, seus olhos não mudaram de cor, ficando roxo como os dele, mas o uso de
óculos será importante em breve.

10 MESES DE IDADE…
Todos a mesa para o almoço de domingo em família.
— É verdade! Leo achou a obra de arte que procurava em uma
mansão em Singapura e o único disfarce que achei, na hora para invadir, era de
dançarino exótico. Então fui. — Naveen conta.
— Isso explica como você fugiu correndo usando apenas uma aljava.
Mas não o fato de ser caçado, durante um mês, por uma senhora muito saudosa.
— Tony alfineta.
— Fazer o quê se fui um Robin Hood muito bom! Acho que até hoje
a proprietária pensa que quem a roubou foi o Frei, já que ele não foi receptivo
com suas indulgências. — Todos riram.
— Papa! — Foi baixo, mas fez todos pararem para ouvir. — Papa,
papa! — Gaia batia as mãos na cadeira enquanto fala. — Papa!
— Mamãe! — Leo incentiva a filha. Gael está quieto na cadeira dele
comendo uma fatia de maçã. — Fala mamãe! — Insiste.
— Papa!
— Não, mamãe!
— Papa! — Gaia sorri mostrando seus dois dentes da frente.
— Zhizn aceite, você perdeu! — Tony brinca cheio de orgulho.
— Papa! — As mãozinhas dela alcançaram o prato com maçã na
cadeira de Gael e pega uma fatia. — Papa!
Houve silêncio e depois risos, muitos deles.
— Aceite Lyubov, você também perdeu. — Leo fala bagunçando o
cabelo de Tony com orgulho ferido. — Sua filha com fome e você se gabando,
— tsc-tsc — que feio… — Ele é rápido e a puxa para seu colo fazendo cócegas
em sua cintura — Para! Cocegas não!! — Suplica se contorcendo e rindo.
— Essa foto ficará linda! — Paris comenta, abaixando o celular que
usou para registrar o momento.
ANIVERSÁRIO DE 1 ANO
Leo confeita o bolo na cozinha e as crianças brincam no solário,
onde ela pode vê-los.
— Sobrou recheio?
— Sobrou, fiz a mais prevendo a minha grande e gulosa formiga
albina. — Entrega a vasilha com recheio restante, ele beija-a na ponta do nariz.
Pega uma colher e encosta no balcão ao lado dela e observam as
crianças brincando — Um ano, um ano inteiro se passou!
— Eu sei, passou rápido. Antes o tempo tendia a se arrastar, depois
você chegou e em seguida as crianças, parece até que ele está correndo em alta
velocidade. — Com a colher na boca Tony concorda com a cabeça — Acho que
está na hora de fazer aquele curso de culinária que você indicou. — Sua mão
alisa com a espátula a cobertura no bolo.
— Será bom, prometo ser sua cobaia. — Sorri.
— Como se já não fosse.
— Bom ponto!
— Hora dos presentes! — Naveen grita da porta. Em suas mãos, um
embrulho decorado em papel brilhante. Foi direto para as crianças.
— Você sabe o que é? — Leo pergunta desconfiada para Tony.
— Não.
Eles seguem Naveen. Gael puxa um lado do papel enquanto Gaia
puxa o outro, revelando uma caixa de madeira com desenhos intrincados.
Naveen abre a caixa para as crianças, que olham o conteúdo e não se importam
tanto, pois o que lhes chamou a atenção, foi o papel que eles voltam a rasgar e
amassar.
— Agora vocês não ligam, mas no futuro vocês irão me agradecer.
— Senta-se ao lado deles.
Leo pega um dos Ovos Fabergé em sua mão.
— Não é original? — Analisa o ovo incrustado de pedras verdes e
azuis. Dentro havia uma surpresa decorada em ouro e safiras.
— São, meu avaliador garantiu a originalidade deles.
— Então porquê? — Tony pergunta confuso.
— A história não os queria comigo, esse tempo todo a minha busca
era para trazer algo maior que alguns ovos bobos. — Olha para Tony expectante.
— Trouxe você e, não há pessoas melhores que meus sobrinhos para ficar com
eles. — Leo abraça Naveen que puxa Tony junto ao abraço.
— Ele se cansou dos ovos?
— Com certeza! A graça mesmo é a caçada e nunca o prêmio. —
Leo responde.
Os braços de Naveen os apertaram.
— Estou ouvindo, vocês sabiam?
— Sabemos, mas não deixa de ser verdade. — Leo e Tony falam
juntos, Naveen os soltam.
— Onde você colocará? — Pergunta.
— Aqui, perto das crianças. Assim poderão brilhar por todo lugar. —
Levanta e coloca o ovo de safiras e esmeraldas em cima de uma mesa de canto, e
o outro de rubi com linhas em ouro e madrepérola ao lado. Ao menos uma hora
por dia o sol beijaria tais peças tão distintas e fariam com que reluzissem ainda
mais.
Paris organiza uma mesa no jardim para cortar o bolo, as crianças
estão animadas com tudo ao redor. Os balões foram o que mais chamou a
atenção, eles fizeram até um sistema onde Gael puxa o fitilho do balão e Gaia o
empurra.
Para eles é o ápice da diversão.
— Pronto para os parabéns? — Paris pergunta, arrumando os doces.
Tony segura Gaia e Leo o Gael no colo, juntos inicia os parabéns. No
meio da canção Leo começa a rir, pois Gael empurra o pé no bolo lambuzando
tudo de cobertura, os pais assopram as velinhas por eles que estão impacientes
para voltar aos balões.
— Eu te amo!
— Eu te amo mais! — Com dedo indica que ele se abaixe para poder
beijá-lo.
O som da câmera é anunciado. Com certeza uma nova foto será
adicionada no mural e mais vídeos de família para a coleção.

OTÁVIO

Ele passa pelo corredor e encontra a sala e a cozinha limpa como não
estava desde do dia em que se mudou, uma bela mulher está sentada no sofá
lendo um livro qualquer.
— Acordou, finalmente! — Ela levanta e agita as mãos com falsa
animação.
Ele olha tudo à sua volta, não sente ausência de nenhum objeto. Ele
nem se lembrava das coisas desse apartamento, achando que está bêbado demais
para acreditar que a mulher à sua frente é de verdade, ele ignora a possível
alucinação e corre para o bar. Pega mais uma garrafa e leva direto a boca.
— Meu tempo acabou, eu volto amanhã. — Ela segue para a porta
fechando ao sair.
Durante semanas, em horários diferentes, a mulher permeia por seu
apartamento. Ora limpando ou apenas o observando. Quando dá o seu horário, se
levanta e vai embora para voltar no dia seguinte.
No vigésimo dia ele a espera, em seu pior estado de alcoolismo. Ela
entra em seu apartamento como se fosse dona do lugar, isso o irrita, ela não tem
esse direito. Ele estava ali para se distanciar do mundo e ela não faz parte do
plano.
Levantando-se contra ela, a prende contra a parede sobrepujando-a
não só em tamanho, mas também em força.
— Eu não quero você aqui! — Fala com frieza para assustá-la.
Segura-a puxando seu cabelo, o suficiente para causar dor e medo.
O que não acontece, ele vê o brilho em seus grandes olhos verdes
fazendo parecer satisfeita. Com a mão livre, ela atreve-se por sua calça, o
tocando.
Ele aperta ainda mais seu cabelo e ela sorri ainda mais. Atrevida
desabotoa sua calça e abre o zíper, levando para ela seu membro que o trai
começando a enrijecer ao seu toque.
— O que você quer comigo? — Ele pergunta enquanto ela o
massageia na velocidade exata.
Ele tenta não se importar, não sentir, mas o atrito continua e seu
pênis o trai ainda mais.
— O que eu quero não importa. Mas o que você quer, sim. — Ela
fala com displicência continuando a massagem incessante.
E mesmo que não assuma, ele gosta.
— Você não lê os jornais? Estou falido! E mesmo que não estivesse,
não farei nada para você. — Ela pressiona ainda mais fazendo-o engolir um
gemido.
— Eu sei. Sei também sobre sua família.
A menor menção da família o faz irado, usa mais a sua força contra
ela. Otávio a bate na parede com brutalidade, quebrando o contato dela com ele.
— Não fale deles! — Ele queria quebrar algo, mais do que ele
mesmo já estava. — Você é mais uma vagabunda interesseira.
— E você é o quê? Além de um bêbado falido!
Ele levanta a saia dela, empurra a calcinha de lado e a penetra sem
consideração. O mundo não podia lhe tirar mais nada, então, passaria a tirar o
que queria, doa a quem doer. Se ela está aqui, pior para ela, pois sofrerá
também.
— Mal sabe ele, que contra tudo que é considerado
certo, Leo gostou. E enquanto a possuía, ela expurga seus
próprios demônios.
Infelizmente para algumas pessoas o processo para
aliviar suas dores emocionais é causar mais dor, entender
que precisa de ajuda é o primeiro passo para a cura.
“Eu sinto você, seu sol brilha. E me guia através da
Babilônia. Eu sinto você, sua alma preciosa e eu estou
completo”.
(I Feel You – Depeche Mode)
CAPÍTULO 12
ANTONY

Leo
Acho que meu carro quebrou…
02:16 pm

Não quebrou!
02:19 pm

Acabou a gasolina. Ou a bateria…


02:20 pm

Ou os dois.
02:23 pm

A seguradora virá buscar o carro. Naveen


irá me dar carona na volta do curso, parece
que aqui tem pessoas disponíveis que ele
ainda não conhece.
02:26 pm

Leo
Quer ser minha cobaia para uma nova
receita?
06:02 pm

Tony
Sempre!
06:03 pm

Leo
O carro parou de novo . Voltarei de táxi.
03:27 pm
Tony
Estou próximo, me espera.
03:27 pm

Leo
Tenho uma dúvida!
03:40 pm

Tony
Qual??
03:41 pm

Leo
Um aluno me convidou para ir à casa dele
testar umas receitas. Isso quer dizer sexo?
03:42 pm

É estranho quando não sou eu que procuro.


03:43 pm

Tony
Ele é hétero? Convidou
mais alguém?
03:44 pm

Leo
Sim e Não
03:44 pm

Tony
Ele é do tipo de aluno que
precisa de ajuda?
03:45 pm

Leo
Ele é um dos bons.
03:46 pm

Tony
Não sei, mas acho que é
sexo.
03:47 pm

Leo
Como faço?
03:47 pm
Tony
Como faz o quê??
03:48 pm

Leo
É livre de regras. Ou posso falar delas,
como falo com os profissionais do sexo
que contrato?
03:49 pm

Tony
Se quiser usá-lo mais
vezes, evite falar as regras.
03:50 pm

Leo
Ah! E como faço sem elas ?
Não sei se consigo…
03:51 pm

Tony
Você não precisa ir se não
quiser.
03:51 pm

Leo
Mas eu quero…
03:51 pm

Tony
Então vá, na dúvida me
chame.
03:53 pm

Leo
Ok
03:53 pm

Com certeza é sexo!!!


05:11 pm

Tony
Onde você está?
05:12 pm

Leo
Na casa dele, mas precisamente no
banheiro.
05:12 pm

Tony
Regras
1: Preservativo!
2: Faça apenas o que achar
confortável.
3: Divirta-se!
05:17 pm

Leo
1, 2 e 3 Eu consigo!
05:18 pm

Tony
Você está bem?
Já se passaram 4 horas…
09:22 pm

5 horas??
10:23 pm

Se em dez minutos não


tiver notícias suas, irei te buscar!!!
10:30 pm

Faltam cinco minutos!!


10:35 pm

NÃO ESTOU
BRINCANDO!!!
10:36 pm

Leo
Oi, estou bem!!!
10:38 pm

Tony
Por que a demora??
10:38 pm

Leo
Regra 3: Divirta-se!
10:39 pm

Chegarei em trinta minutos.


10:40 pm

Naveen
Caminhada da Vergonha da Leo.
Carregar foto

Rss…
11:07 pm

Tony
Não conte que rastreamos
o celular dela.
11:08 pm

Naveen
Seu segredo está guardado.
11:08 pm

Por que ela está caminhando?


Onde está o carro?
11:10 pm

Tony
Provavelmente a
seguradora trará depois.
11:11 pm

Ela precisa de um
motorista, por mais que Gohan e eu
abasteça e carregue o carro dela, ela
sempre dá um jeito de ficar sem ele.
11:13 pm

Naveen
Motorista seria bom.
Você não imagina quantas vezes ela já
invadiu o departamento de trânsito para
apagar as multas.
São tantas, que ela salvou o acesso na
barra de favoritos.
Rss…
11:15 pm

Tony
Ela entrou, tenho que ir…
11:15 pm

— Cinco horas? — Ele nota que Leo está levemente desalinhada e


com a pele afogueada. — Como foi?
— Bom… — Ela suspira, senta no sofá ao lado dele. — Como estão
as crianças?
— Dormindo. Você o beijou?
Será que quero mesmo saber? Mas é melhor saber do que não saber.
— Não.
— Ele tentou?
— Sim. E toda vez, desviei para outro tipo de uso oral.
— Usará ele novamente?
— Não sei. Como você consegue?
— Se sinto atração permaneço, quando perde a graça eu deixo.
Simples assim! Elas sabem que não terão muito mais que isso. Ele sabe sobre
mim?
— Sim e pareceu não ligar. — Fala enquanto verifica as mensagens
no celular.
— Sendo assim, fica mais fácil. Ele não pode exigir nada além do
que você pode dar. — Beija sua têmpora.
— Por que tem uma foto minha no grupo da família? O que é
Caminhada da Vergonha?
— Naveen. E pergunte a ele. — Sorri afetuosamente para Leo.
— Vejo isso depois, vou tomar banho, já volto! — Beija-o na boca e
sai.

Leo
Ele tem namorada!!!
03:44 pm

Tony
Quem??
03:45 pm

Leo
O aluno do curso.
03:45 pm

Tony
Não se envolva em dramas
de casais, lembre-se do Carlos e da
Prym.
03:46 pm
Leo
Certo, evitarei eles…
03:47 pm

Tony
É o melhor.
03:47 pm

Leo
Preciso de ajuda!
04:18 pm

Tony
O que houve??
04:18 pm

Leo
Como funciona a dinâmica de um ménage
à trois?
04:19 pm

Tony
Que porra é essa Zhizn!?
04:20 pm

Leo
A namorada sugeriu?
04:21 pm

Tony
Quando e como?
04:21 pm

Leo
Ela me cercou no banheiro, achei que ela
queria brigar, como essas mulheres loucas
da internet.
Mas não, ela disse que o namorado falou
que sou boa…
04:22 pm

Tony
Pensei que esse lugar fosse
seguro, acho melhor você mudar de
escola.
04:23 pm

Leo
Sério, como isso funciona??
04:23 pm

Tony
Você quer fazer?
04:24 pm

Leo
Por que não?
Assisti a uns filmes agora pouco, mas é
superficial e mecânico.
04:25 pm

Você assisti a filmes pornôs?


04:25 pm

Como isso ajuda alguém se excitar?


04:26 pm

Essas histórias não fazem sentido, quem


em sã consciência toma banho com a
enteada na hora que o encanador está
trocando o cano?
04:27 pm

Ou quem pede pizza com um pênis no


meio?
Como e por que o entregador colocou o
pênis na pizza?
04:28 pm

Você já reparou em nossas caixas de pizza


se não tinha um buraco no meio?
04:28 pm

Vou me inscrever nas aulas de culinária


italiana.
Não acho seguro pedir pizza para entrega.
04:29 pm

Tony
Para! Estou morrendo de
tanto rir…
04:30 pm

Zhizn, volta para mim…


04:30 pm

Se você assistiu os filmes,


já sabe a parte mecânica do
ménage…
04:31 pm

Regras
1: Preservativo!
2: Faça apenas o que achar
confortável.
3: Divirta-se!!
04:33 pm

Leo
1, 2 e 3 Eu consigo!
04:34 pm

O endereço é o mesmo, sei que rastreou


meu celular.
04:34 pm

Tony
Te amo!!
04:34 pm

Leo
Eu te amo mais!!
04:35 pm

— E você achou que um ambiente escolar seria fácil de controlar? —


Heitor questiona depois de ouvir Tony se queixar.
— Grande merda de engano!
Se ele pudesse voltar no tempo, nunca teria sugerido uma escola.
Teria pago para alguma chefe de cozinha lhe dar aulas em casa.
— É natural, ela está se descobrindo e conhecendo pessoas. —
Naveen ri. — Quem diria? Há um ano, não acharia que ela fosse capaz de falar
com qualquer um que não fosse da família.
— Eu lembro bem quando você estava conhecendo pessoas. —
Heitor revira os olhos.
Naveen dá de ombros rindo.
— Quem quer pizza? — Naveen sugere.
— Você raqueou meu celular?
— Estava entediado, obrigado. Meu dia ficou muito melhor depois
disso. Sério, agora a relação de vocês começa a fazer sentido. — Fala Naveen
— É complicado. — Tony afirma.
— Complicado é a palavra desse relacionamento. — Heitor conclui.
Da garagem assistem Leo chegar. O carro milagrosamente veio com
ela, o cabelo uma bagunça atípica.
— Belo penteado! — Naveen ironiza.
— A garota tinha fixação com meu cabelo. Talvez eu deva
estabelecer regras na próxima vez. — Sua mão escova o cabelo bagunçado.
— Princesinha, é muita informação! — Heitor está com rosto
vermelho.
— Eu sei o que é informação demais. E acho que foi por isso que
Naveen e eu preferimos nos mudar para uma casa maior.
— E com muitas paredes entre você e a Mamãe. — Naveen levanta
sua garrafa de cerveja concordando.
— Zhizn, agora eu estou tendo muita informação…
Não pensa, não pensa…
— Estava pensando em pedir pizza! — Naveen fala.
— Não, não e não! Nada de pizza e encanador. Não tinha ideia de
que coisas como essas poderiam acontecer!
— Zhizn, isso não acontece de verdade. São fantasias sexuais.
— Oh…estranho, mas aceitável se faz alguém feliz. — Indo para o
lado de Tony ele a beija na cabeça. — Venha, vamos ver as crianças, depois
enquanto tomo banho te conto como foi.
— Eu disse, eles são estranhos.
Tony ouve Naveen dizer
— Achei que tínhamos acertados que a palavra é complicado.
Heitor reitera.

Leo
Como é sexo 50 tons?
04:02 pm

Tony
É moda por causa do livro
50 tons de Cinzas, as mulheres se
apegaram nessas coisas.
04:03 pm

Falam que é BDSM, mas


não é hard, é só uns tapas e
brinquedos.
04:04 pm

O aluno?
04:04 pm

Leo
Não o professor
04:05 pm

Tony
Terei uma conversa séria
com o diretor dessa escola!
04:06 pm

Te amo.
04:06 pm

Leo
Eu te amo mais!!!
04:06 pm

Leo
Comemoração do fim do curso, chegarei
tarde!
06:20 pm

Tony
Mande notícias…
Boa festa!
06:21 pm

Te amo mais hoje do que


ontem…
06:22 pm

Leo
Eu te amo muito mais do que ontem e
menos do que amanhã…
06:22 pm
MIGUEL

—Vira!! Vira!! Vira!!…


Do outro lado do bar ele observa o grupo de jovens comemorando
algo sem sentido e banal. Essas pessoas são incapazes de ver o que acontece
onde a luz não chega. Lugar onde o mal vive livre e desordenado.
Miguel já está em sua quinta dose. O barman já o alertou, mas ele
simplesmente não pode parar.
Hoje não!
Hoje é aniversário da sua desgraça. Apenas hoje, mesmo em sua
condição, ele se permite ficar bêbado.
A realidade é dura para se encarar sóbrio, especialmente neste dia.
Uma mulher se afasta do grupo, caminha a passos cambaleantes em
direção ao balcão de madeira escura polida do bar onde ele está sentado.
— Puta que pariu! Essa coisa queima como o inferno. — Ri sozinha
de seu comentário, chamando a atenção dele.
— Garota você não saberia onde é o inferno nem se eu te levasse até
a porta! — Miguel é oprimido por seus olhos de aço e a nota verdadeiramente
quando fica frente a ela.
A mulher o analisa com curiosidade, depois senta-se ao seu lado. O
vestido vermelho sangue sobe mostrando mais suas pernas, ela sorri
maliciosamente ao vê-lo admirando-a.
— Será? Conte-me como é o seu inferno e ao fim lhe concederei um
desejo.
— Ora, ora. Meu ódio enfim chamou atenção do diabo em pessoa.
Devo admitir, é muito mais bonito do que imaginava.
Ela sorri indiferente e cheia de malícia.
— A feiura é guardada do lado de dentro. — Ela pede uma dose ao
garçom — Vamos, conte-me! — Incita.
— Você não suportaria o que tenho para lhe contar, sugiro que volte
para seu grupo. — Aponta com o dedo para as pessoas que estão festejando.
Ela bebe, sem aparentar desconforto com a ingestão do líquido
infame de cor âmbar.
— Estou onde devo estar. Conte sua tragédia, pobre homem
marcado.
A cicatriz que Miguel tem no rosto, há muito tempo se tornou sua
amiga mais antiga.
Uma lembrança do que era, do que teve e depois perdeu.
— Se suas noites não forem mais agraciadas por unicórnios e
borboletas, lembre-se que você pediu.
— Ao final, lembre-se lhe concederei um desejo. — Sorri
divinamente.
Podia a besta banida do inferno macular algo tão puro?
Miguel à avalia ponderando, porém, a bebida já faz seu efeito. Aceita
o desafio da mulher à sua frente.
Faz tanto tempo que não abre essa caixa de memórias, pois mesmo
que fosse física, estaria de baixo de muita poeira. Miguel fecha os olhos
sentindo, a lembrança que trouxe os cheiros, os risos e o calor. Ao abrir os olhos
a mulher o encara com paciência.
— Eu era um bom filho, policial, marido e pai. Vivia a bem-
aventurança. Orgulhava-me da minha vida, havia lutado por meu país e me
tornei uma figura de autoridade acima de qualquer suspeita. Antes de tudo
acontecer… fui avisado. “Uma vez dentro, toda a esperança seria
abandonada”. Para onde iria não teria volta. Mas por orgulho em não ser
tachado de covarde, experimentei… O que me levou para onde a luxuria me
arrebatou. As sensações, a paixão inebriante… — Miguel saliva ao lembrar da
sensação. Uma carreira branca aspirada era como se o céu onde morava ficasse
mil vezes melhor. Cerra os punhos e reprime a parte que insiste em fazê-lo voltar
para escuridão. — A gula excessiva se tornou avassaladora e não importava qual
o preço a ser pago. Precisava ter tudo que meu nariz pudesse aspirar, me fiz
avarento pela droga. Foi deste ponto que tudo piorou. A ira se tornou uma
companheira inseparável. A inveja trouxe a necessidade de buscar por mais. A
preguiça fez de mim um homem tolo, cometi erros. Não percebi as traições, as
fraudes e as mentiras ao meu redor.
Bate o punho no balcão com força atraindo a atenção do barman.
Miguel não queria continuar, mas uma vez aberta a caixa, não poderia mais
fechá-la e conter os males que ali residem.
— A violência era o fim da linha. Foi nesse momento que o preço
por minhas escolhas foram cobrados. E de bom filho, policial, marido e pai, me
tornei: O viciado, o corrupto, o adúltero, o assassino. — Os olhos verdes, duro
como aço, ainda o encara. Ela ingere outra dose enquanto ele conta sua história.
— Por minha fraqueza, fui enredado em uma teia de corrupção. Eu era o elo
fraco, fizeram de mim o bode expiatório de todos os pecados alheios do
esquadrão onde trabalhava. Minha filha e esposa foram assassinadas por
vingança. E por obra do diabo, fui obrigado a assistir. Foi onde ganhei essa
cicatriz. — Traceja com o dedo a cicatriz que se inicia na têmpora e segue para o
maxilar de forma desordenada e grotesca. — Fui condenado a viver em
constante penitência de lembrar o que perdi. Toda noite, quando fecho os olhos,
revivo cada dor. Queria ser forte o suficiente e acabar com tudo de uma vez por
todas, mas a morte seria boa demais no meu caso, e o prêmio só existe para
quem vence. Na minha vida não há vitória, apenas derrotas e, aceito viver o
inferno do que manchar a honra de quem morreu por mim.
— E o quê você deseja? — A mulher pergunta com apatia.
— Vingança.
— Contra quem?
— Contra quem matou os meus.
— Você entende que a morte deles foi sua culpa? — Fala friamente.
O verde de seus olhos ainda o oprime. — Suas escolhas trouxeram você por esse
caminho. Existem feridas que o tempo não cura. Você acha que se vingar pode
ao menos ajudar na dor? — Ele faz que sim, ainda que envergonhado pelos seus
atos — Desejo concedido! — Ela declara sorrindo.
Ele a olha com descrença e desconfiança.
— Se tem algo que aprendi, é que tudo tem um preço. Qual é o seu?
Ele a avalia. Ela não parece ser uma ameaça, na verdade parece ser o
oposto.
Mas até mesmo o diabo já foi um anjo.
— Sua devoção completa, não mais vícios e mentiras. Você é meu
até dizer que não é mais. Aceita?
O que ela espera dele?
— Esqueci de mencionar as exigências da vaga… Minha nossa, eu
esqueci… — Ela sorri admirada, e Miguel não intende do que ela está falando.
— Isso, — balança o copo, fazendo a bebida girar. — Realmente nos faz
esquecer. Seria bom poder usá-la sempre… — A mulher termina com a bebida
enquanto ele nota tristeza em sua voz. — Desculpe, você é viciado e eu aqui
falando de usar sempre. Sobre as exigências: você sabe dirigir?
— Sou ex-piloto das forças aéreas do México, depois entrei para
Narcóticos.
— Você era da Narcóticos? — Ela sorri — Quanta ironia… Então
você pilota e dirige?
— Posso pilotar e dirigir qualquer coisa, ou podia. Caçaram todas as
minhas licenças.
— Isso é de menos. Levante-se. — Ele obedece — Dê uma volta? —
Ele revira os olhos, mas atende o pedido, mesmo se achando um idiota.
— Aproxime-se. É assim que funcionará a hierarquia, eu mando e
você obedece. — Com a unha perfeita, ela traça a cicatriz proeminente em seu
rosto e desce pelo pescoço até o peito. Os músculos de Miguel tenciona-se ao ser
tocado. — Forte… Sabe lutar? — Ele faz que sim e seu corpo responde ao
contato de forma dura e exasperada. A mão pequena alcança o órgão dele que
nesse momento, grita por atenção — Está limpo? Doenças ou DST?
— Estou limpo e sem doenças, a não ser a da alma. — Geme mais do
que fala. O toque, mesmo que por cima da calça, é prazeroso. Ela lambe os
lábios o deixando ainda mais duro.
— Qual o nome do seu algoz?
A mão dela não para, de onde estão, não é possível que as pessoas
vejam o que está acontecendo, mas, mesmo assim, ele olha a sua volta o barman
está lavando copos na outra extremidade do balcão e os outros clientes vivem
suas vidas alheio ao que ela faz a ele.
— Santos.
Quando ela para com os estímulos, Miguel sente frio e um vazio
repentino, até que a mão pequena invade o interior de sua calça. Pele com pele, o
quente e o frio. Sua investida é tão forte que ele sente prazer quase beirando a
dor.
— Do México? — Ele faz que sim segurando o balcão para se
manter de pé — Gente barra pesada. Aceita o contrato?
Poucas pessoas poderiam reconhecer esse nome como ela fez, os
alertas soam em sua cabeça, mas seu corpo cede a ela.
— Sim…
De repente a mão cessa.
— Você pertence a quem? — Os olhos dela brilham enquanto
aguarda sua rendição.
— Sou seu.
Nesse momento ele lhe daria a alma se ainda tivesse uma, assim
como o prazer que a droga dava, o toque dela lhe prometia o mesmo.
Ela abre as pernas, tentando-o com um convite silencioso de avanço.
A mão dela volta com mais ânsia.
Ele aceita o convite e serpenteia por seu vestido vermelho em busca
da entrada para o reino prometido. Encontra-a já molhada pulsando ao toque
dele. O frio de seus dedos é engolido pelo calor dela, seu ponto inchado é um
convite para ser tocado enquanto seus outros dedos a massageia dentro e fora.
Gemendo baixo, ela pega o celular com a outra mão e faz uma
ligação. Seu espanhol perfeito, deixa-o mais excitado.
Espanta-se com o teor da conversa dela ao telefone. Essa mulher
poderia mesmo ser o diabo? A conversa se aproxima do fim.
— Eu quero que ele veja as mortes de suas mulheres e filhos. Quero
tudo sobre ele, e o que representa, destruído. — É como se os olhos dela
estivessem segurando-o. — E quero assistir, enquanto Santos perde tudo. —
Encerra a ligação.
Com essas palavras não resta dúvidas sobre a identidade profana
dela.
A mão dentro de sua calça, o faz vislumbrar os portões para o
paraíso. Não consegue segurar o gemido que foge por seus lábios.
— Porque terminar agora? Ainda temos uma hora até que possamos
assistir o grande show.
Ela o solta e sua entrada lisa e molhada se afasta, deixando os dedos
desbravadores de Miguel desejosos. Com vontade pelo gosto dela, leva seus
dedos até a boca e prova o sabor doce que eles contêm.
É mesmo real?
Ela morde o lábio vermelho perfeito que clama para ser abrandado,
Miguel se aproxima para experimentar da promessa que eles anunciam.
— Não! Permito que possua meu corpo, mas não minha boca. — Ela
fala quando ele está próximo o bastante.
Ele aceitaria qualquer parte dela que lhe fosse oferecida. Beija a
curva do pescoço sente o gosto levemente salgado do suor e o cheiro de lavanda
que desperta seu lado mais selvagem.
Ainda com o gosto dela na boca e o perfume arrebatando-o. Por um
momento esquece por que está ali. A respiração da mulher alcança sua pele
arrepiando-o e invadindo seus poros.
— Não moro longe. — Quase implora. Ele precisa terminar o que
começou nos bancos deste bar.
Poderia não ser o mais seguro a se fazer, essa mulher disparou todos
seus alarmes, como também, todo seu corpo.
— Por favor, a garrafa. — Ela pede ao garçom — Que tal uma
saideira? Amanhã iniciaremos um novo ciclo! — O garçom entrega uma garrafa
de whisky meio cheia.
Miguel não tem dinheiro para pagar, mesmo assim pega a carteira.
— Não. — Ela o impede e entrega o cartão preto ao barman quitando
sua conta e a dela — Lidere o caminho!
— E seus amigos? — Ambos olham para comemoração na mesa
cheia de conversas animadas e risos.
— Não importa o quanto eu tento, esse nunca será meu mundo.
Essas pessoas não reconheceriam o inferno nem se os levassem até a porta. —
Ela replica não só suas palavras como também a mesma dor.
Saem para o ar frio de inverno e começam a caminhar, se
distanciando das pessoas comuns e suas comemorações insignificantes.
— Quem é você? — Pergunta olhando-a de cima.
Ela é vários centímetros mais baixa que ele, no entanto ela passa uma
segurança sobre si mesmo que quem se sente diminuído é ele.
— Agora sou sua dona. — Ela bebe direto da garrafa e oferece a ele
que nega com a cabeça. — E quem é você?
— Agora sou seu… Como teve acesso ao Santos?
De certo, ele não passará desta noite, ao menos poderia saber a
verdade sobre a mulher que dará fim a todos seus sofrimentos.
— Dizem que levo o caos por onde passo, é um dom eu acho. — Os
olhos dissimulados o confunde.
— Como me encontrou?
— Você estava no bar se lembra? Como se esqueceu? — Protesta e
enruga o nariz.
— Não, eu me lembro disso. Mas como você sabia quem eu era e
onde eu estava? — Miguel tenta de novo, cismado com a aproximação dela.
— Você me contou. — Levanta as mãos em sinal de confusão.
— Então está dizendo, que de todos os bares desta cidade, você veio
festejar no bar onde eu estava? E por todos os lugares que eu poderia trabalhar,
cruzei o continente até você?
— Acho que sim. Se você diz! Eu controlo apenas a parte do festejar
no bar. — Ela sorri e bebe mais — Não… Nem isso, pois o bar não foi escolha
minha. Eu teria escolhido algo no centro da cidade com bebida e ambiente
melhor, mas todos alegaram que não tinham capacidade econômica para isso. E
minha mãe falou que não é educado esfregar meu dinheiro na cara das pessoas,
por isso aceitei a escolha deles e não ofereci pagar por uma noite melhor. Faz
sentido para você?
— Faz. Pelo jeito, foi o acaso que nos uniu. — Miguel abre a porta
do edifício onde mora, receoso, pois a história dela é descabida.
Mas a oferta de possuí-la é tentadora demais para negar.
Só mais uma prova do seu gosto é o que ele precisa. E se no fim ela
foi enviada para matá-lo, que assim seja.
— Sem segurança? — Olha ao redor.
O edifício de cinco andares onde mora está localizado no que as
pessoas da parte nobre da cidade consideram área de risco, as paredes estão
descascadas e outras pichadas, não existe elevador somente escadas com
iluminação precária. Quando chegou em Salon um apartamento pequeno aqui foi
tudo que conseguiu arrumar, mas para ele tanto faz, nada nunca era permanente.
— Como você mesmo disse, essa não é melhor área da cidade. Foi
tudo o que consegui com o dinheiro que recebo. — Explica.
— E você trabalha com?
— Pulverizo agrotóxicos em algumas plantações agrícolas da região.
Sem minhas credenciais é o que dá para fazer.
— Que horror! Por isso só ingiro orgânicos. — Afirma descontente.
— Que bom que tem um novo emprego agora.
Sobem as escadas até o seu apartamento no segundo andar, ele abre a
porta, deixando-a entrar primeiro.
— O que farei nesse emprego? — Ela olha a volta como se
catalogasse tudo do pequeno apartamento, depois caminha e se senta na cama já
que é a mobília principal.
— Alguma coisa como motorista e segurança. Sinceramente não sei.
Meu marido falará. — Começa a tirar os sapatos.
— Marido? — Ela mostra a aliança com a grande pedra verde.
— Foi decidido por todos da família que a palavra ‘complicado’, nos
define. Então, é isso. Se você quiser terminar o que começou no bar, sugiro que
se apresse. Assim que nossa hora acabar, teremos cerca de mais duas horas até
eles descobrirem que foi eu quem deu a ordem para matar Santos. Meu marido
tentará me encontrar de formas legais, e quando não conseguir, meu celular o
trará aqui. — Ela aparenta estar sóbria apesar de toda a bebida que ingeriu. —
Tic, tac!
Sem esperar por um segundo convite Miguel avança, e começa lhe
tirando o vestido com toques de veneração. A lingerie de renda branca, destaca
partes de seu corpo que ele deseja tanto provar.
Caindo a seus pés, ele inicia a consagração do ato profano. Beija-a
na barriga e desce para onde seus dedos estavam há pouco tempo. Abaixa a
calcinha lentamente. O aroma que ela exala, aumenta seu desejo e sua pele lisa
pede para ser reverenciada. O ponto inchado clama por atenção, Miguel aceita o
pedido implícito sua língua procura pela fonte do doce divinal, quando encontra
bebe e suga direto da fonte.
Os gemidos dela, o incentiva. Ele quer tudo que pode conseguir e, ao
sentir ela se libertar em completa graça, sobe ao topo e expõe os montes
sagrados. Um a um leva seus seios a boca em total veneração.
Ela não lhe deu a cura para sua dor. Ninguém poderia. Mas ela lhe
ofereceu um propósito, algo que não tinha há muito tempo. A escuridão não se
extinguiu completamente, mas a luz atravessa por frestas minúsculas,
diminuindo o breu de sua vida.
O telefone dela toca.
Ela atende e enquanto conversa tateia a mão pela cama até encontrar
o controle remoto da televisão e ligá-la. A penumbra recai em seus corpos sobre
a cama. Só de tocá-la, Miguel está a ponto de erupção. O som da embalagem
metálica abrindo é o único som no quarto, ele veste o preservativo enquanto ela
mexe no celular ainda aberta e disponível para ele.
— Vai começar! — Anuncia. Miguel se eleva sobre ela ficando
entres suas pernas, se posicionam para que ambos tenham visão do que passará
na televisão ligada.
A possessão do corpo delicado inicia lentamente, Miguel adora o que
lhe é oferecido como em uma cerimônia de exaltação.
Em sincronia com os acontecimentos transmitidos na TV, chega no
fundo máximo entre as pernas macias dela quando o primeiro filho do carrasco
cai. Outra estocada de Miguel e outro filho vai ao chão. Assistem cada filho e
esposa de Santos morrerem em sintonia com suas arremetidas. Como se através
dela, ele próprio os estivesse matando.
Como prova de fé na mulher escolhida pelo universo para libertá-lo,
seus seios são reverenciados com a boca e as mãos memorizam cada parte dela.
Deixando apenas sua boca intocada.
No fim, Santos fica ajoelhado com o olhar perdido e aterrorizado,
rodeado por seus filhos e esposas, todos mortos na piscina de sangue que se
forma. Miguel percebe que todo o poder e maldade do traficante, não é nada em
comparação a força etérea que enreda ele com as suas pernas.
Ele viu muita coisa em sua vida, mas jamais pensou que a pior
poderia ser uma mulher pequena com olhos verdes e endurecido como aço.
Ela o aperta e geme alto levando-o ao auge do prazer e juntos
adentram o paraíso quando alcançam a satisfação total. Ela se afunda em seu
inferno enquanto ele alcança o céu no exato momento em que Santos cai em
meio ao sangue de seus familiares com um tiro certeiro na cabeça, espalhando
partes de seus miolos que esguicha atrás de sua cabeça.
Uma única ligação e ela mudou toda a hierarquia do tráfico
mexicano.
A libertação, em suas muitas faces, nunca será parecido com a
experiência de agora.
Nada se igualará.
Miguel é inteiramente dela, sua vida vale a dela e à oferta em
completa devoção. Os corpos vibram com a separação. Sem vontade de se
afastar mais agarra-se a ela e juntos contemplam a imagem congelada na TV.
Minutos se passaram e ele inicia novas formas de veneração levando-os a
exaustão.
— Onde fica o banheiro? — Miguel aponta para porta à direita. Ela
entra levando suas roupas.
Ele acende a luz e começa a se vestir olhando para os preservativos
espalhados pelo chão. Miguel não sabe o que fez para merecer esse encontro,
mas sempre será grato em poder ver seu algoz passar por tudo que o fez passar.
Presenciar o momento exato de sua decadência, vê-lo ser consumido pela derrota
o medo e no fim, sua morte, foi a melhor das vinganças.
A porta da entrada vem abaixo, mas a mulher que agora é sua dona já
o havia avisado da visita. Um homem alto, com quase dois metros ou mais,
grande também em músculos empunha uma arma apontando para Miguel. Seus
olhos de cor violeta poderia gelar o inferno. A pele extremamente branca se
destaca com as roupas escuras que veste. Ele vasculha o apartamento
procurando-a. Atrás dele, outro homem um pouco mais baixo entra em sua linha
de visão, também apontando-lhe uma Glock. A pele de tom oliva bronzeada e
olhar mais escuro que a noite, fazem um perfeito oposto de luz e escuridão.
Calmamente, Miguel levanta as mãos olhando para o primeiro
homem que entrou.
— Suponho que você deva ser o marido? — Sorri amigavelmente.
— Sou Miguel Bracho o motorista e segurança de… — Titubeia, como chamá-
la? — … Minha dona. — Murmura hesitante.
É o que ela se tornou. Ela realizou seu desejo, ele pagará o preço. É
o pacto que selaram.

Todos buscam por amor, mas o que poucos levam em


consideração é a decepção de quando não o encontra.
“Venha como você é, como você era, como eu quero que
você seja, como um amigo. Como um velho inimigo”.
(Come as You Are – Nirvana)
CAPÍTULO 13
ANTONY

Tony olha ao redor e não vê o carro de Leo estacionado na rua, mas o


local não é longe do bar onde ela deveria estar.
Como alguém sai para comemorar o final de um curso e, no
processo, dizima a família inteira de um dos maiores traficantes do planeta?
Naveen e Tony sobem as escadas de um edifício de moradia assistida
pelo governo. Paredes pichadas, chão sujo, nenhuma iluminação e sem
segurança, analisa o risco que ela corre estando nesse lugar sem proteção. O
apartamento de onde vem o sinal do celular de Leo, não aparenta qualquer
vestígio de que tenha alguém do outro lado, exceto pela fresta de baixo da porta
por onde via-se a luz fraca. Sacam suas armas, Naveen lhe dá cobertura.
Tony tenta abrir a porta, quando a percebe trancada, coloca toda sua
força em um chute e a coloca abaixo. Dentro do apartamento minúsculo encontra
um homem, que parece não se assustar com a presença deles ali, mas levanta as
mãos por causa das armas.
Sensato.
— Suponho que você deva ser o marido? — O homem lhe dá um
sorriso acanhado com longa distância de ser amigável. O rosto marcado por uma
feia cicatriz da têmpora ao queixo, o faz parecer violento e o corpo tenso o faz
instável, o que deixa Tony ainda mais impaciente. — Sou Miguel Bracho o
motorista e segurança dá… — Aponta para porta ao lado. — Minha dona!?… —
Sussurra.
Tony ouve o chuveiro desligar, olha para chão e percebe os
preservativos usados e espalhados e, os sapatos dela próximo a cama.
1: Preservativo! 2: Faça apenas o que achar confortável. 3: Divirta-
se!! Preciso estabelecer limite para o que é divertido…
O pensamento martela na cabeça de Tony que segura ao máximo sua
fúria.
Olha para a TV com a imagem congelada do traficante e família
dizimada em meio a sangue e miolos. O homem olha para a tela como se
estivesse hipnotizado.
Mas que porra aconteceu aqui!?
Naveen abaixa a arma.
— Porra! — Ele olha em volta — Ela bebeu? — Passa por Tony e
pega a garrafa praticamente vazia.
— Ela bebeu quase tudo sozinha. Nos conhecemos no bar e ela
ofereceu a verdade por um desejo, eu dei o que ela pediu e ela me concedeu o
meu pedido. — O homem explica, ainda admirando a imagem na TV.
— Sabe quem tem desejos a conceder? — Naveen pergunta bebendo
o que sobrou da garrafa. Miguel faz que não — O diabo! — Meneia os dedos
polegar e o indicador. — Nota a semelhança? Ela te encontra em um bar, lhe
concede um desejo em troca de algo. Foi só a verdade que ela te pediu? —
Especula com face séria. — Pois ao chegarmos você falou algo como, sua dona.
Assuma, você vendeu sua alma e tenho… um, dois… — Começa a apontar para
os preservativos. — Porra, vocês estão aqui a quanto tempo? — O homem fica
envergonhado e evita olhar Tony nos olhos.
— Quando notei que ela aceitou acompanhar um desconhecido até
sua casa, achei melhor não beber mais e cuidar dela. — Miguel fala ignorando o
comentário sobre os preservativos.
— Vejo que cuidou bem. Tantas vezes? — Naveen continua
pressionando. — Ela é a porra do diabo! Você que precisa de proteção, não ela.
— Afirma rindo.
— Cala a boca Naveen! — Leo fala do banheiro.
Tony sorri ao ouvi-la.
— Essa marca… — Aponta para cicatriz. — Foi o Santos?
— Antes de fazer isso, ele matou minha esposa e filha. — Responde
olhando a imagem na tela da TV.
— Sendo assim, Heitor ficará menos nervoso. — Naveen fala e Tony
concorda.
— Para! Ele odiava o Santos, por isso infiltrou gente nossa no cartel
dele. Quando chegarmos em casa, um sucessor já terá sido escolhido. — Leo sai
do banheiro arrumando o cabelo. — Lyubov! — Corre e pula no seu colo
selando sua boca.
— Zhizn! Você está proibida de beber novamente. — Aperta ela em
seus braços possessivamente.
— Foi divertido, quase esqueci de coisas. Talvez se tivesse bebido
mais… — Pondera.
— Você teria coma alcoólico e não apenas perda de memória. — Ela
franze o nariz e ele o toca com o dedo.
— Na boa, com quase uma garrafa de whisky e pelo tanto de
preservativo… não sei como está de pé. — Naveen enfatiza e Leo boceja em
resposta.
— Vamos, hora de dormir. — Tony fala apertando as pernas dela
ainda envolta de sua cintura enquanto ela deita a cabeça em seu ombro.
— Como as crianças estão?
— Bem. Eles comeram brócolis e tomaram suco de laranja no jantar,
dormiram na mais completa paz.
— Nossos filhos são lindos! — Tony sente o sorriso dela.
— São mesmo. — Saem do apartamento.
— Espere… Miguel? — Ela chama e ele os encontra na porta. —
Pegue algumas roupas e o que achar necessário, volte ao bar, pegue meu carro e
vamos para casa. — Ela joga a chave e ele a pega. — Meus sapatos por
gentileza. Você pode trazê-los?
— E se eu tentar fugir com seu carro? — Miguel pergunta fazendo o
riso deles se elevar.
— Lembra da imagem que estava na sua TV? — Ele faz que sim. —
Ainda quer tentar fugir? — Pergunta Leo sorrindo com candura.
Os olhos de Miguel se arregalam.
— Sou seu como prometido. Pegarei algumas coisas minhas, só um
momento. — Esperam por ele na porta, ele sai rapidamente com uma mala em
seus braços.
— Meu estômago está doendo… — Leo murmura.
Tony, acaricia suas costas.
— Você comeu?
— Um pouco.
— Promete nunca mais beber?
É melhor cortar o mal agora, antes de virar hábito.
— Tudo por você. — Responde. Cheira o pescoço dele e antes
mesmo de entrar no carro, adormece.
— Fazer ela prometer não beber foi uma ótima jogada, ela pode
incendiar o mundo no próximo porre. — Naveen fala.
Acompanham Miguel até o carro da Leo e ele os seguem.
— Agora você tem um motorista. Amanhã podemos fazer uma
verificação completa dele.
— Como ela sabia? — Tony pergunta enquanto eles olham o rosto
adormecido em seu ombro.
— Ela sabe de tudo! É o jeito dela. — Naveen fala. — Achou que ela
colocaria mais uma responsabilidade sobre você. Para ela, você tem muitas
coisas com que se preocupar, faculdade, nossa contabilidade, as crianças. Ela
provavelmente pensou que ajudaria encontrar um motorista para você não se
preocupar mais. — Explica.
— Mas como ela sabe que ele é o homem certo?
— Não sei, ela simplesmente tropeça nessas coisas por mais que a
afastemos do perigo, ela sempre acha uma forma de encontrá-lo.
Miguel os segue pela garagem e Tony vê seus olhos arregalarem com
o melhor do mundo automotivo. Ele desce do carro observando Leo adormecida
nos braços de Tony.
— Ela está bem? — Ele ainda segura os sapatos delicadamente.
— Sabe como é o primeiro porre, amanhã ela estará cem por cento e
nos atormentando. Você não tem a mínima ideia de onde se meteu e agora é
tarde para fugir. — Naveen avisa — Vou te levar para a casa dos funcionários,
mas antes preciso das suas digitais para verificação.
Ele entrega os sapatos para Tony ainda evitando olhar em seus olhos.
— Claro, o que precisar.
— Se ela não tivesse te reivindicado, eu o faria nesse momento. —
Miguel olha para Naveen seriamente.
— Não é minha praia. Você entende? — Responde receoso.
— É o que todos dizem. Mas não importa, você é dela. — Miguel
ainda está olhando para Leo. — Siga-me. — Naveen indica para Miguel o
seguir, depois encara o irmão. — Cuide dela, falarei com nosso pai. Te amo
irmão!
— Também te amo Naveen!
Tony leva Leo adormecida direto para o quarto. Tira suas roupas a
veste em uma camisola depois a cobre da forma que gosta.
— Sua bagunceira. — Arruma o cabelo dela tirando do rosto e
colocando para trás da orelha. — Quando poderei cuidar de você? — Beija sua
testa.
Ao sair do quarto se depara com Paris na porta.
— Ela está bem?
— Oh, sim. Está bêbada, mas bem. E as crianças?
— Dormindo. — Aponta para o quarto deles. — Quer que eu fique
para você ficar com ela?
— O que eu faria se não fosse você? — Sorri agradecido.
— Não sei, e não quero que saiba! — O abraça. — Você é meu filho
e fico mais que feliz em ajudar.
— Você sabe que temos pouca diferença de idade, não é? — Sente
seu sorriso.
— Idade é só um número. O que vivemos nos deu maturidade e
experiência, nesse caso sou sua mãe por ter mais experiência em vida.
Tony beija-a na testa.
— Boa noite mãe!
— Boa noite meu filho! — Paris volta para o quarto de hóspedes ao
lado do berçário.
Ele volta despreocupado para o quarto de Leo, que já não estava
mais na cama onde havia sido deixada há poucos minutos. Tony vai para o
banheiro e a encontra sentada no vaso sanitário e vomitando no cesto de lixo.
— É tão degradante. Eu queria fazer xixi e deu ânsia. — Vomita. —
Por que as pessoas fazem isso com seus corpos…
Ele segura o cabelo dela para não se misturar com o vômito.
— Por experiência, digo que não vale a pena. — Ela vomita mais. —
Lyubov, preciso de um banho. — Ele tira o cesto de seus braços.
Tony liga a torneira para encher a banheira com água morna, tira a
camisola dela, prende seu cabelo no alto para não molhar.
— Você consegue andar?
— Acho que sim, mas está tudo rodando… preciso lavar minha boca.
— Tony a leva para pia onde ajuda com a escova e pasta de dente, depois a leva
para banheira. O corpo dela fica submerso na água cheia de espuma, seus olhos
se fecham enquanto ele passa a esponja lavando seu rosto.
— Você cuida de mim mesmo quando acha que não está. Me perdoa?
Se você quiser, pode demitir o motorista. — Ela suspira pesarosa. — Eu quase o
beijei… Por um momento pude esquecer tudo, mas o passado sempre volta. E
tem esse sentimento que não entendo me causando dor. Eu não queria lembrar de
tudo, mas eles estão lá me assombrando, meus pais, o orfanato e Nikolai… —
Ela abre os olhos. — Você faz eles sumir, as crianças também. Eu juro que faz!
Mas acho que sou uma dessas desequilibradas que desconta suas merdas no
sexo. — Lamenta. — Merda! Sou a porra do Christian Grey, mas sem o lance da
mãe, uh! Com uma mistura do Sr. Hyde! — Tony sorri discretamente do discurso
desconexo dela. — Você sorri? Um transa e bate em mulheres que se parece com
a mãe e o outro é cruel e sem escrúpulos… falando desta forma não tem nada ver
um com o outro e eu no meio. Porquê!? — Sem discrição Tony ri de suas
divagações embriagadas. — Eu só queria poder me sentir completa, me sentir
em paz. Mas não importa, mesmo sabendo que não existe nada para apagar o que
fiz e vivi, essa necessidade de tentar encontrar a plenitude não cessa.
— Vamos Zhizn! — Ajuda ela a sair da banheira e a seca com uma
toalha enrolando-a com outra, no quarto veste ela com outra camisola e coloca
na cama.
Ela observava-o enquanto ele tira a roupa para deitar ao seu lado
somente de boxer.
— Você é perfeito, os músculos parecem ter músculos e é tão alto…
sua bunda é linda e suas costas me excita e tem esse V perfeito que leva ao
prêmio máximo… Me beija? — Ele olha em seus olhos, estupefato com o
pedido. — Quero que seja meu primeiro assim não precisarei procurar o único.
— Zhizn, você encontrará. — Deita ao lado dela que o abraça com
braços e pernas.
— Ele não existe e nada apagará o passado! Ela monta seu colo
chorando sem lágrimas. —Você sabe, você viu parte da minha desgraça, estava
lá comigo e eu estive com você, mas fiz tantas coisas mais, ninguém nunca me
aceitará como sou, ninguém.
Ele senta com ela ainda montada nele.
— Zhizn, eu te amo com loucura, minha vida é sua e por isso te
chamo assim de Zhizn, pois você é minha vida. Mas não posso dar o que você
pede. — Beija-a na testa. — Por favor, peça qualquer coisa e lhe darei, mas não
isso. Meu corpo é tão doente quanto o seu pode ser. — Ele coloca a mão dela no
peito para sentir seu coração bater apressado. — Você sente? Existe uma parte
minha que te quer de todas as formas, mas… — ele esfrega o membro baixo. —
Tem essa outra que não pode degradá-la desta forma. Não posso levá-la onde
mora meus demônios… Talvez eu seja a porra do Christian Grey e o Sr. Hyde!
Ou melhor, sou Frankenstein cheio de partes remendadas dos monstros que nos
assustam. — Beija-a novamente.
— Por que não podemos nos amar por completo? — Ela fala com
tristeza e sem esperança.
— Você me ama da melhor forma que podemos amar um ao outro. É
tão completo quanto qualquer amor que vemos nas ruas. — Beija sua boca. —
Eu queria poder voltar no tempo e mudar a forma que fomos forjados, encontrar
você e dar-lhe tudo que deseja. Mas não posso. — Sussurra ressentido.
— Você é a minha melhor parte. — Ela beija seus olhos, bochechas,
testa e boca.
— E você é a minha. — Devolve seus beijos, deita novamente com
ela ainda no colo, acaricia suas costas até ela pegar no sono.

— Você não vai acreditar! Ela achou a porra de um ex-piloto das


forças aéreas do México. Ele teve problemas, um histórico de abuso de drogas e
todo um processo por corrupção na Narcóticos. — Naveen entrega o dossiê do
Miguel para Tony.
— Vício?
— Ele disse que está limpo, concordou em fazer exames semanais.
— Onde ele está?
— Heitor… — Aponta para casa do pai. — Ele queria fazer uma
entrevista, sobre nosso novo funcionário. Como ela está?
— Bem. Vou falar com ele antes que ela acorde.
Ao entrar na casa do pai podiam ouvi-los conversando sobre aviação
e Miguel respondendo a perguntas com não senhor e sim senhor. Quando os viu
entrar ele abaixou a cabeça e se retraiu.
— Ele parece ser um bom ajuste à equipe, assim teremos um
copiloto fixo, minha filha fez uma boa aquisição.
Heitor está satisfeito com a conversa que teve com Miguel. Nem está
furioso como Naveen e Tony achavam que estaria. No fim, Leo apenas sabia de
suas intenções. Miguel limpa a garganta chamando a atenção para ele.
— Desculpe, não quero ser desrespeitoso, mas meu lugar é ao lado
da senhora Eleonora. — Olha para Tony e abaixa a cabeça envergonhado.
Ele pode estar envergonhado, mas, com certeza, não está
arrependido.
— Pai, você precisará dele?
Heitor olha para Tony e depois Miguel.
— Pode levar, Nav e eu já temos tudo que precisamos dele. — Com
aceno de cabeça se despede. Miguel o segue mantendo uma distância entre eles.
Atravessam o pátio de entrada seguindo para casa, Tony abre a porta
dando passagem para ele entrar primeiro, passam pelo vestíbulo e percebe
Miguel admirando a casa. Tony para na porta do escritório esperando-o entrar,
oferece a cadeira para ele e senta-se na cadeira da frente.
Ele achou que seria fácil encarar um deles, mas não é bem isso que
sente. Segue sem preâmbulos.
— Não importa onde ela vá, você vai com ela. Se ela encontrar
alguém, quero que traga para casa tudo o que souber dele ou dela. — Se encaram
fixamente. — Não me importa com quem ela tem relações, desde que fique
segura. Uma dica: não se apaixone, isso tornará seu trabalho mil vezes mais
difícil. — Alerta-o severamente.
— Você não se incomoda?
— Desde que ela esteja segura e feliz, não. — Miguel relaxa
visivelmente. — Ela será sua prioridade, mas você trabalha para família, suas
funções serão de condução térrea ou ar e a segurança. Não a perca de vista, ela
tende a tropeçar em coisas e fazer bagunça, — mesmo que no fim, ela de alguma
forma, já tenha calculado o resultado. — Quando ela não estiver comigo ou em
casa, você ficara com ela, temos dois filhos Gaia e Gael se eles estiverem com
vocês, não importa o que aconteça sua prioridade será eles. Não se preocupe
com ela, pois Leo sabe se defender em situações de risco.
— Como? Ela tão pequena.
Tony sorri friamente.
— É onde se engana, ela pode ser mais letal com as mãos do você
seria com uma arma. Faça das crianças sua prioridade em ambiente externo.
— Quantos anos eles têm?
— Dois anos. Seu salário será de cento e cinquenta mil na moeda
que desejar, e benefícios como assistência médica, moradia e transporte, se você
acha que não é suficiente, preciso que fale agora para acertarmos um valor justo
para ambos. — Tony se acomoda na cadeira, se preparando para negociar.
— É muito mais que suficiente.
— Você está sendo contratado para dar a sua vida no lugar da minha
esposa ou meus filhos. Não existe valor suficiente, existe o valor justo. Esse
valor é justo o suficiente? — Tony insiste.
— Sim senhor, darei minha vida por eles se for necessário. —
Responde conciso.
Tony meneia a cabeça tacitamente.
— Naveen providenciará seus documentos e suas credenciais para
voo e tudo mais que precise para desempenhar suas funções. Gohan irá treiná-lo
em combate e Kala o ajudará nos treinos de tiro. Sua boa forma e sobriedade
será exigida e cobrada. Sei que teve problemas com drogas no passado e caso
você recaia, saiba que não toleramos desvio de conduta e não damos segundas
chances.
Miguel releva a ameaça, aceitando todas as instruções dadas.
— Minha mãe mora no México gostaria que setenta por cento do
meu pagamento fosse enviado a ela. — Fala encabulado.
— Ela sabe onde está?
— Não, ela acha que morri ou assim fizeram ela acreditar. Mas ela
está em idade avançada, não posso receber essa fortuna sabendo que ela pode
estar em dificuldades.
— Eleonora tem um programa de filantropia, fale com ela e tenho
certeza que ela dará a sua mãe tudo o que precisar sem que você tenha que se
dispor do seu pagamento.
— Minha mãe não precisa de caridade. — Se ofende.
— Eleonora tem formas de ajudar muito mais sua mãe, do que você
lhe enviando seu salário e chamando atenção desnecessária. Fale com ela antes
de tomar sua decisão. — Aconselha e ele assente. — Os carros, bem, ela tem o
dom de ficar sem eles. Ela tem carros híbridos que usa com as crianças,
mantenha-os abastecido e carregados. Peça a Gohan para lhe mostrar quais são.
Você ficará na casa dos funcionários onde passou a noite. Devo alertar, não
trazemos estranhos para dentro da propriedade, serão duas folgas por semana,
geralmente os finais de semana. Desfrute como desejar, desde que não consuma
droga de nenhum tipo. O que precisar para seu alojamento solicite a Kala e ela
providenciará. — Levanta-se da cadeira. — Por enquanto é isso, Naveen
entregará um novo celular, armas e aparelhos que possa ser necessário usar. Se
precisar de mais equipamento solicite a Kala. — Segue para porta com Miguel
em seu encalço. Ao passar pela cozinha Leo está debruçada sobre a ilha. —
Zhizn?
— Lyubov, o álcool não compensa. Minha cabeça vai explodir. —
Ela levanta a cabeça dando-os um olhar dolorido. — Miguel! Passou na
entrevista ou como se diz… foi aprovado?
Ele sorri para ela.
— Continuo sendo seu. — Ela pisca preguiçosamente para ele.
— Fico feliz. Mas saiba, se Antony não quiser seus serviços ele tem
poder para encerrar nosso acordo. Não me entenda mal é que ele é melhor
adaptado em relações humanas do que eu, isso faz dele um melhor juiz. —
Justifica.
Miguel olha dela para Tony.
— Faço o que desejar que devo fazer. Juro nunca te decepcionar. —
Ela sorri abertamente.
— Gosto da sua dedicação, obrigado. Paris irá te procurar para falar
do seu uniforme, fique atento e faça o que ela lhe pedir. Boa sorte! — Com um
aceno de cabeça ele se despede.
— Como foi?
— Ele parece ser um bom ajuste. Heitor gostou do fato dele ser
piloto, assim não precisaremos de terceiros. Naveen fez uma pesquisa sobre ele e
seus antecedentes, ele teve sua cota de erros, como todos nós tivemos. Ficarei de
olho nele por um tempo, tipo experiência. — Faz uma xícara de achocolatado e
entrega a ela.
— Como quiser. — Ela bebe. — Humm! Bom dia, Lyubov! — Seus
olhos brilham no tom mais escuro de verde e o sorriso desponta.
— Bom dia, Zhizn!
— Sobre ontem, obrigado. — Sua voz entona e Tony percebe que ela
está verdadeiramente agradecida.
— Não tem que agradecer. — Beija-a na cabeça. — Que tal
começarmos a preparar a festa de aniversários de dois anos das crianças?
Tony sabe que Leo está se culpando por ter exigido dele a única
coisa que não pode dar a ela sem que sofra no processo.

A aluna caminha na direção de Tony que percebe sua indecisão. Ela


passou o dia olhando-o de aula em aula, fazendo a distância entre eles menor,
Tony caminha e para a sua frente. Seus olhos castanhos como chocolate encara-o
com receio.
— Oi! — Fala em voz baixa.
— Oi. — Tony responde seco e sem meandros.
— Estamos juntos em várias aulas. Queria saber se você pode
emprestar suas anotações? Eu perdi algumas aulas e parece que ninguém vem a
faculdade para estudo. Você tem ótimas notas, é o que todos dizem. Falam outras
coisas também, mas… — Ela respira fundo. — Deixa, eu me viro… — Ela se
vira para se afastar.
— Eu empresto. Na verdade, posso mandar uma cópia para seu e-
mail. Minha esposa tem fixação com minhas anotações, ela digitaliza tudo e
manda para nuvem para que possa acessar em qualquer lugar.
O jeito que ela falou com ele e o que pediu foi diferente do que
esperava que fosse. O que fez ele abaixar sua guarda.
Anotações quem diria…
— É verdade, você tem mesmo uma esposa? — Ela sorri
envergonhada. — É que os boatos sobre você são muitos e não dá para saber o
que é verdade e mentira.
— As pessoas gostam de falar. — Ela olha ao redor percebendo
como todos os observam. — Qual seu nome?
— Alina — Ela ajeita os óculos de lente grossa. — Todos estão
olhando.
— Não me importo! Quer ir tomar café? — Aponta para cafeteria.
— Tem certeza? — Ela olha com dúvida. — As pessoas tende a
manter à distância da nerd bolsista.
— Por que? — Ele realmente repara nela e não vê nada demais. É
uma mulher de corpo largo, com roupas normais sem propaganda de grife e nada
de maquiagem. É diferente das outras garotas. O cabelo está preso em um rabo
de cavalo simples, mas não havia nada errado com ela.
— Eu sou bolsista, não vivo no mesmo meio que eles. — Fala
cabisbaixa.
— Besteira, eu não me importo. Vamos? — Ela receia, mas decidi
caminhar a seu lado olhando sempre para as pessoas que os encaravam. — Não
ligue, eles não merecem a hora do seu tempo.
— É fácil para você dizer. — Entram no café.
— Eles só afetam se você deixar. “Leve deles apenas o que te
importa.” Minha esposa falou isso quando me conheceu. Ela estava totalmente
certa, ninguém além de você sabe como viver a sua vida. Então, não deixe que te
julguem. — Sentam em uma mesa vazia perto da janela.
— Ela parece ser uma pessoa legal.
— Ela é muito mais que isso!
Tony entrega o celular para ela digitar o endereço de e-mail em
seguida encaminha as anotações e pede dois cafés.
— Parece que ele esgotou a lista de garotas e agora partiu para as
bolsistas, a gordinha feia, terá enfim a sua chance.
— Nem se fosse a última garota eu pegaria. Olhe para ela, credo!
Podiam ouvir os comentários da mesa ao lado.
— Desculpe, acho melhor eu ir embora. Obrigado pelas anotações.
— Fala enquanto se levanta e sai em disparada de cabeça baixa.
Tony permanece onde está observando-a correr para longe. Termina
o café enquanto ainda ouve os comentários. Com a calma de um monge tibetano,
levanta coloca a bolsa no ombro ainda ouvindo-os. O primeiro para de rir assim
que o vê ao lado da mesa, o outro que não tinha visto ele se levantar continua
rindo como se tivesse contado a melhor piada do mundo. Tony segura o pescoço
dele pela nuca e bate a cabeça do piadista na mesa.
— Se não tem o que falar, não fale, — aproxima-se do ouvido dele.
— Não serei bondoso na próxima. — O outro sentado à mesa está de cabeça
baixa evitando olhá-lo. Tony solta o pescoço do aluno não se importando com
todos assistindo e segue para saída.
No caminho encontra Alina andando de cabeça baixa com os braços
envolta do corpo como se fossem escudo, ele para o carro no meio-fio.
— Quer carona?
— Não precisa. — Fala com voz embargada.
— Alina, entra! — Ela para sobressaltada ao ouvir o comando e
entra evitando olhá-lo.
— Eu moro longe, o ponto de ônibus é logo em frente.
— Onde você mora?
Ela responde dando o endereço do outro lado da cidade.
— Realmente é longe.
— Eu sei. Posso ir de ônibus, não precisa se preocupar. — Sua voz
sai baixa quase como sussurro.
— Por que perdeu as aulas? — Da partida no carro.
Ela o olha de soslaio.
— Problemas de família.
— Como quais?
— Quem se importa… — Ela bufa.
— Eu. Eu me importo agora.
Ela fica séria e tensa.
— Porque? Ninguém nunca se importou.
— Você parece ser uma pessoa legal.
Ela fica tensa.
— Não faço seu tipo, não tente a coisa do conquistador comigo
porque não vai funcionar.
— Não estou tentando nada. Quis dizer o que disse, você apenas
parece ser legal.
— Obrigado eu acho. — Ela relaxa.
— O que você faz quando não está na faculdade?
Seu rosto fica vermelho.
— Eu faço faxina como diarista. — Ela o olha inquisitiva. — Sei que
o que está pensando, mas os horários são flexíveis e consigo uma boa grana para
ajudar nas despesas.
— Não pensei em nada. Trabalho é trabalho, não te desmereceria por
isso. Mas você falou que é bolsista e sei que os bolsistas recebem uma boa
pensão além de vaga em um dos dormitórios. O que nos traz de volta à primeira
pergunta, que problemas você teve com a família?
A manga da blusa dela levanta mostrando um hematoma, ou o início
dele. Tony levanta a manga que revela todo o hematoma de cor escura.
— Me solte!
— O que foi isso?
Ela puxa o braço com força.
— Não interessa! — Cobre a marca, se vira para janela evitando seus
olhos e cortando a comunicação.
O bairro onde Alina mora é uma área carente. Casas simples, se
empilham umas nas outras com o lixo amontoado na frente. As pessoas pareciam
saídas de um filme de gangues, com o tráfico e uso de drogas desmedido.
— Porque você vive aqui e não em um dos dormitórios?
— Todos os dormitórios estavam ocupados. Como moro na cidade,
eles colocaram um pouco mais do valor da bolsa para ajudar no transporte.
— Então se você trabalha e recebe a bolsa o que te impede de sair
desse lugar?
Ela bufa.
— Se a vida fosse simples esse seria o ideal, mas a vida não é
simples. Pode parar, moro aqui. — Aponta para casa que parece abandonada e
inabitável. — Obrigado pela carona. — Ela sai e caminha para porta olhando
para os lados atenta. Tony espera ela entrar para dar partida, não muito longe
percebe que alguns moradores estão vigiando da janela.
Esse lugar é terrível. Porquê ela vive aqui se pode viver melhor? Se
é bolsista é inteligente acima da média… Tem coisa errada.
Com esse pensamento, volta de ré parando bruscamente na frente da
casa dela. Os vizinhos saem curiosos. Tony caminha até a porta e ouve a
discussão e aquele som, o som do punho acertando a carne, e o gemido
resultando a dor.
Ele não bate na porta como pede a boa educação, a invade tomado
pela fúria. Alina está curvada enquanto o homem velho soca seu estômago. Seu
cabelo e roupa todo bagunçado, diferente de como estava há poucos minutos que
a deixou. Tony puxa o velho de cima de Alina enfraquecida e ferida que cai no
chão. O sujeito tenta acertá-lo em vão e Tony o atinge fazendo-o cair.
— É bom em bater? Minha vez de te mostrar como se bate de
verdade. — Chuta seu estômago com o máximo de força. — Levante-se!
O velho cheira a álcool, mas Tony pode ver em seus olhos que não
está alto só com a bebida, ele tenta outro golpe, Tony se esquiva e o soca
novamente fazendo ele cair no chão tossindo sangue.
— Alina você consegue andar? — Ela está no chão chorando com a
mão na barriga, acena e começa a se levantar. — Arrume suas merdas. Vamos
embora!
Ela fuzila os olhos dele.
— Para onde? Você não entende, ele não me deixa sair.
— Arrume suas coisas! — Esbraveja, ela se encolhe e sai.
— Você não vai ficar com ela, ela é minha filha eu vou encontrá-la e
farei muito pior.
Tony se abaixa para falar olhando em seus olhos.
— Você não viverá até o final desse dia, pessoas como você sempre
somem e ninguém se importa em procurar. — O velho engole seco o medo
estampado em seu rosto. Tony escuta passos se aproximar atrás de dele, Alina
segura uma mochila e a bolsa que estava mais cedo na faculdade. — É só isso?
— Ela faz que sim assustada.
— Sua cadela, eu vou te encontrar nem que seja a última coisa que
faça! — Ela se encolhe com a ameaça o pai.
— Eu estarei lá quando você tentar. — Tony chuta-o na cabeça e ele
desmaia.
— Ele morreu? — Alina choraminga.
— Você se importa?
— Não mais. — Ela responde.
Pega a mochila das mãos dela e abre a porta.
— Está é a última vez que você o verá. — Sai atrás dela, entram no
carro e dá partida. Suas mãos tremem enquanto dirige para casa em alta
velocidade.
— Onde estamos indo? — Alina pergunta quando saem da cidade,
suas mãos seguram a mochila como se fosse uma tábua de salvação.
— Para minha casa.
— Não. Eu não vou para sua casa, para esse carro. Eu quero descer!
— Fala assustada.
— E para onde você vai? — Grita. — Vai voltar para seu pai?
— Eu não sei, mas também não ficarei com você. Já fui abusada
suficiente para uma vida, não vai acontecer novamente. — Sua voz tenta sair
firme, porém foi mais um sussurro.
— Abuso? Que abuso? — Tony pergunta confuso.
— Você está me levando para sua casa e espera que eu faça o quê?
Eu não serei uma de suas amantes! — Afirma com resquício de força.
— Eu não te salvei do seu pai violento, para levá-la para a porra da
minha cama! — Ela se encolhe com seu grito.
A viagem rápida e silenciosa chega ao fim, os portões de casa se
abrem e Tony estaciona na garagem.
— Onde estamos? — Ela olha ao redor e desce do carro.
— Minha casa. — Ela se apressa para ficar ao lado dele.
Miguel que está mexendo em um dos carros de Leo para e olha com
curiosidade para Alina.
Tony marcha ainda alterado para casa. A porta está aberta e pode-se
ouvir Leo brincando com as crianças. Ele segue o som de sua voz.
— Zhizn! — Ele a abraça arrebatando-a e sendo recebido por ela.
Inala o perfume no pescoço dela e beija-a.
— Lyubov? O que aconteceu? — Ela olha para Alina e depois para
ele. — Alina?
— Como você a conhece?
Ela sorri arteira.
— Agora quem é mais louco por quem? — Beija-o no rosto. —
Posso ou não ter acessado a lista de alunos da sua turma e talvez ter pesquisado
sobre eles principalmente elas. Mas confesso a surpresa, Alina não faz seu tipo,
você fica sempre com as que se esforçam menos em sala de aula e mais na cama.
E Alina é a melhor da sua turma, tem notas excelentes, páreo a páreo com você,
bolsista integral e tudo mais. — Desce do colo dele e se aproxima dela. —
Prazer, sou Eleonora!
— Você é a esposa? Os boatos são verdadeiros, você é linda. — Ela
sorri sem jeito. — Para deixar claro, eu não tenho nada com seu marido. Como
você estranhamente já sabe, estudamos na mesma turma e hoje ele me ajudou
com uma situação difícil. Desde já agradeço, mas acho melhor ir embora. — Ela
vira para porta.
— Para! Você fica. — Alina para com seu comando.
— Mais um, em duas semanas! O que é isso? Vocês estão criando
um culto estranho? — Naveen rompe porta a dentro. — O povo da cidade tem
teorias sobre isso e, vocês recrutando pessoas, não ajuda. — Ele circula Alina
analisando-a.
— O quê? Não! Alina não tem onde ficar. Eu a ajudei em uma
situação difícil e a trouxe para casa.
— Isso ainda parece um culto. — Ele rodeia Alina de novo. — Ela é
bonita, melhor que o Miguel. — Pisca maliciosamente, fazendo Alina
enrubescer. — Ela pode ficar na minha casa? Vocês já têm os pequenos, a Paris
tem o Heitor eu não tenho ninguém. — Umedece os lábios. — O que você fez?
Prostituição? Gerência clube de luta ilegal? Venda de gabarito? Tráfico? — Ela
tenciona os olhos com a menção do último e Naveen pega o vacilo. — Não!
Sério? Tráfico! Por favor, deixa eu ficar com ela eu nunca te pedi nada… — As
mãos imploraram para Tony, Alina olha assustada para eles.
— Para Naveen, está assustando a garota. — Tony oferece um meio
sorriso amistoso. — Ele é inofensivo.
— Às vezes não. — Considera sorrindo. — Se você ficar comigo
podemos ser complicados como eles são.
Ela suspira pesadamente.
— Obrigado por seja lá o que você esteja oferecendo, mas a resposta
é não. — Olhou para Tony e depois para porta, calculando a melhor forma para
sair educadamente. — Está tarde e tenho que ir, obrigado pela ajuda. —
Contorna Naveen, dá um passo para porta.
— Vai voltar para sua casa? Fica à vontade para voltar ao inferno.
Você sabe o caminho da porta. Mas se quiser uma vida diferente, deveria ficar.
Aqui você pode trabalhar com o que gosta e ser muito bem recompensada além
de ter uma casa e segurança. A escolha é sua. — Tony fez sua jogada.
Ele não planejou isso, mas vê a possibilidade de tê-la ao seu lado.
Ela para a meio passo da porta.
— Acho que ela está considerando. — Nav fala.
— Pode ser, alguns infernos são difíceis de sair. — Leo afirma
apertando a mão de Tony.
Os ombros de Alina começam a tremer e suas mãos tapam o rosto.
— Acho que a quebramos Lyubov, faz alguma coisa! — Leo
empurra ele para Alina.
Desajeitadamente ele se aproxima dela.
— Alina, o que falei é verdade. Podemos te ajudar, a menos que não
queira. — Ela o olha com os olhos vermelhos e o rosto molhado.
— Você está oferecendo um emprego? — Ele faz que sim. — Eu não
vou transar com você. — Sussurra olhando envergonhada para Leo.
— E comigo? — Nav pergunta.
— Ele é sempre assim? — Tony faz que sim — Também não. Prefiro
mulheres.
— Olha, já temos algo em comum. Podemos dividir? — Nav insiste.
Ela revira os olhos, mas um sorriso sopra em seu rosto. — Você só vende ou usa
também? Porquê se você usa, aqui é o lugar certo para parar. Cada pessoa nessa
casa está em recuperação de algo. Veja minha linda irmã, ela é uma alcoólatra
em recuperação, faz duas semanas, um dia de cada vez. — Junta as mãos e fecha
os olhos em uma dramática oração.
— Nav, não sou alcoólatra. Foi apenas uma vez, isso não me faz
viciada. — Leo protesta.
— De fato não faz, mas os danos princesa… os danos te torna um
perigo em potencial. Voltando, meu irmão no passado curtia controlados, o
segurança deles idolatrava a cocaína, nossos pais são algo a se dizer e nossos
zeladores…, bem, eles são… Um conselho: Não irrite eles. — Fala com sorriso
fácil no rosto.
Ela olha para cada um.
— E você?
Todos se voltam para ele em expectativa.
— Linda, eu sou indiano. Minha droga é os filmes de Bollywood. —
Todos riem dele.
— Eu não sou traficante, meu pai é ou era. Ele começou a usar, fez
dívidas que fui obrigada a pagar e quando não paguei, passei três dias no
hospital. — Fala com vergonha.
— Certo, matarei seu pai, então, você pode morar comigo e dedicar
sua vida a cuidar de mim. — Nav fala em meio tom de brincadeira.
Será mesmo…
— O quê? Não. Você não pode fazer isso. E essa coisa de dedicar a
minha vida é estranho. Desculpe, mas terei que declinar da sua oferta. — Alina
se coloca mais próxima de Tony.
— Por que funcionou com você? — Nav especula com Leo.
— Eu estava masturbando-o e parei antes dele gozar. — Leo
responde com precisão.
— Eu falei que ela é o diabo. Nessas condições, até eu venderia
minha alma. — Ele olhou Alina em incitação.
— Não, não mesmo. — Responde, ficando atrás de Tony fazendo ele
de escudo.
Ao fim do dia Alina aceita a oferta de Tony, ciente dos prós e contras
ao entrar para o time da família.
Prós: Ela terá um salário significativo, casa, comida e segurança.
Contra: O plano de carreira é vitalício e não é aceito traições e nem
desistências.
O sigilo é absoluto e mesmo negando a Naveen, a devoção foi dada
para Tony de bom grado, sem ele ter que exigir. Paris e Heitor ao conhecerem
ela, entenderam seus motivos e a aceitaram no time com a função de assistente
administrativa. Um telefonema de Heitor para o traficante da área onde morava o
pai de Alina, e tudo deixou de ser um problema e o seu nome foi esquecido.
Com um telefonema de Paris, Alina ganhou um guarda-roupa renovado e aulas
de tiro agendada. Naveen a equipou e lhe deu um dos carros dos funcionários
para ela usar e se prontificou em ajudá-la treinar autodefesa assim que se
recuperar das lesões que sofrera.

— Gohan e Kala assim que conheceram Alina e


Miguel sentiram o mesmo que Heitor e Paris quando
adotaram seus filhos, eles não sabiam o que queriam até
tê-los.
Entendam, lá no início eu disse que repararia meu
erro, nesse capítulo eu aproveitei para reparar outros, que
eu possa ou não, ter falhado também. Não me julgue, ao
menos estou reparando e você o que tem feito para reparar
seus erros?
“Ele esperou a vida toda para pegar aquele maldito voo e
enquanto o avião caía, ele pensou, ora, mas que ótimo, que
irônico, você não acha?”
(Ironic – Alanis Morissette)
CAPÍTULO 14
RAPHAEL

— México acorda em guerra, o traficante Santos foi encontrado


morto junto com todos os membros de sua família. Cerca de quinze pessoas
entre mulheres e crianças foram brutalmente assassinadas. Ele estava sendo
investigado por suspeita de muitos crimes de homicídio, mas respondia em
liberdade por falta de provas.
Raphael entra na cozinha sendo agraciado pelo cheiro de café fresco
que arrebata seu o estômago.
— Mãe, pai?
— Filho! — Ângela puxa-o para seus braços. — Veja! O mundo
anda sobre o caos… — Fala com pesar enquanto assistia as fotos que passavam
na televisão.
— Acho que o melhor seria dizer que, ‘o caos anda entre nós’. —
Gabriel a corrige.
— Que seja! Filho você deve fazer essa barba. — Ângela fala
roçando a mão no rosto do filho. — Quer café e uma fatia de bolo? — Oferece.
— Jamais negaria. — Raphael senta ao lado do pai. — Sobre o
contrato fechado com a rede de hotelaria, isso nos levará a outro patamar.
Seremos grandes! — Comemora.
— Não! Nada de trabalho na mesa. — Ângela interrompe. — Pensei
que ao nos associarmos com Álvaro teria mais de vocês, grande engano. Você,
— aponta para filho, — terminou outra graduação e só faz trabalhar. Dois anos e
ainda não tem uma namorada. — Aponta para marido. — Você além de trabalhar
mais, agora o traz para casa. Eu disse que tinha pressentimentos sobre esse
homem! — Fala irritada.
— Faz tempo que não vemos nada sobre eles, não é?
Pois bem, irei situá-lo.
Desde a associação com Álvaro, Ângela tem notado as
sutis diferenças nos objetivos da família, seu marido que
antes como regra não trazia trabalho para casa, de uns
tempos para cá tem trabalhado cada vez mais e não pelos
motivos certos, ressalto a você, tanto eu como ela
testemunhamos alguns momentos dele cobiçando a riqueza
e seu filho passa dias sem vê-los, Raphael ama sua
profissão e está assumindo cada vez mais projetos e
quando não está no trabalho, está estudando algum novo
conteúdo específico da sua profissão.

— Não pense assim minha querida, estamos trabalhando para dar aos
nossos netos um futuro confortável. Mais alguns anos e irei me aposentar e
Raphael assumirá minha posição. — Gabriel a acalma.
— Ouviu seu pai? Quero netos em alguns anos!
Raphael sorri de boca cheia.
— Tem uma garota. — Ele confessa. Sua mãe fica exultante, seu
sorriso poderia competir com a luz solar.
— Conte-me sobre ela!
Raphael suspira preparando o ânimo.
— Ela se chama Valentina, nos conhecemos através de Saul em uma
festa. Trocamos mensagens e a convidei para um encontro… E ela é modelo.
E o sorriso dela esvanece.
— Ou seja, ela não trabalha.
— Ela é nova na área, mas fez algumas campanhas. — Sua mãe faz
cara de desanimo. — Mas ainda é cedo para formalizar um relacionamento.
— Claro, me mantenha informada. — Finaliza sem interesse.
— Tem que tentar meu filho. O dia do seu casamento, será o mais
feliz da sua vida, assim como foi para mim. Nada supera no mundo se casar com
a mulher que ama e, dividir com os outros essa felicidade. — Gabriel aconselha.

— Hey! Sobre Valentina. Tudo bem se eu sair com ela? — Raphael


pergunta, pois sabe que Saul havia ficado com ela no passado.
— Por que? — Saul se mostra surpreso.
— Troquei mensagens com ela e temos algumas afinidades.
Convidei-a para um encontro. — Raphael encara o amigo que parece distante,
perdido em seus pensamentos. — Terra chamando?
— Ela é toda sua, como tudo sempre é, não é? — Ele sorri
indiferente.
— Tem certeza?
— Claro. Conhecendo você, logo achará um defeito. Senhor
perfeitinho. — Inclina-se sobre a mesa e abre um projeto. — Então sobre o
projeto do hotel, estava pensando em fazer algumas alterações na área externa.

— Raphael como está? — Álvaro está cada vez mais presente na


vida da família Verona, para desgosto de sua mãe.
Muitos dos novos contratos foram mediados por ele, o que foi
benéfico a todos. Principalmente para construtora.
— Bem! — Raphael nota Sophie se aproximar.
Quando o pai dela se associou a construtora, ele achou inapropriado
continuar com o que tinham. Desde então ela o trata com indiferença.
— Sophie, como tem passado? — Seus olhos castanhos desviam
dele.
— Bem, por que não estaria?
— Fico feliz! — Raphael força um sorriso e se afasta.

Para o primeiro encontro ele pega todas as indicações que Valentina


deu. Ela queria ir no restaurante mais badalado. O lugar é realmente bom, o
chefe é o melhor com duas estrelas Michelin. Ele preferia algo mais íntimo e
mais simples contudo, ele queria agradá-la.
— É maravilhoso esse lugar! — Os olhos dela brilham quando vê os
artistas sentados nas mesas ao redor.
Valentina pede o prato mais sofisticado, com ingredientes de sua
maioria importado, o vinho para acompanhar foi o mais caro. Para Raphael é
tudo futilidade. A comida e o vinho são bons, óbvio, mas ele poderia comer bem,
pagando menos, em outro lugar.
Durante o jantar Raphael pensava no cliente que não havia gostado
de sua ideia para um shopping, pois o mesmo queria um projeto padronizado.
Enquanto Valentina fotografava os pratos, ele pensava nas luzes e espaços verdes
com divisórias que deixaria o centro comercial elegante.
Valentina falou sobre seus trabalhos fotográficos, viagens e o que
faria para realizá-los. Depois de alguns minutos Raphael já mostrava dificuldade
de manter a atenção, apenas concordava e demonstrava interesse nos momentos
certos.
Quando ele fala sobre seus projetos, Valentina presta atenção aos
nomes mais conhecidos e lista quem é mais afortunado que o outro. Se mostra
ainda mais animada pelas festas que Raphael participa e lhe fala como seria bom
se fossem juntos.
Encerram a noite na casa dele e Raphael não pode negar, ela é boa. É
linda para os padrões, o corpo longilíneo com curvas delicadas, pele de alabastro
e intocada nenhuma mancha ou cicatriz, rosto fino e bem maquiado emoldurado
por seu cabelo loiro. E os olhos, mesmo que inexpressivos, são do tom mais
escuro de castanho. Esse pacote foi uma surpresa inusitada e Raphael aproveitou
cada momento.

6 MESES DE NAMORO…
— Minhas coisas estão todas aqui. Estava pensando… eu poderia
me mudar para sua casa!
Raphael está concentrado lendo uma matéria importante sobre as
tendências de arquitetura, ouve o que ela propõe, mas não presta a devida
atenção.
— Claro, se você acha. — Responde distraído. Ela pula no colo
dele e o beija deixando-o aborrecido por ter interrompido sua leitura.
— Seremos tão felizes aqui!
— Como assim?
— Raphael! Você fez de novo? Eu acabei de perguntar sobre
morarmos juntos e você falou que sim. Mas de novo, você não estava dando
atenção. Quer saber, que se foda! — Valentina sai do colo de Raphael e lhe dá
as costas e já começa a vestir suas roupas.
Ele a assiste se vestir se perguntando como não previu isso.
Ele vacilou.
— Valentina, me desculpe…
Não sabe o que mais pode lhe dizer. Para ele, ainda é cedo dar esse
passo. Ela não é pegajosa, na verdade, sempre o incentiva a trabalhar mais e
melhor. Eles são bons juntos, exceto quando ele a magoa. Então ele tem que dar
atenção e presentes, algo que ele aprendeu logo na primeira discussão. Naquela
ocasião ela só o perdoou depois que ele lhe deu flores e uma pulseira de ouro.
Até hoje, não sabe o motivo da briga, mas sabia exatamente qual pulseira teria
que comprar, pelas indiretas que ela havia dado algumas semanas antes de tudo
acontecer.
— Adoraria ter você aqui comigo todos os dias. — Ele se levanta e
a abraça por trás. Por hora a situação foi controlada.

10 MESES DE NAMORO…
— Por que você não diz que me ama? — Ela faz a cara de choro
que Raphael evita a todo custo.
— Eu te amo Valentina.
— Assim não!
Ele não entende aonde ela quer chegar. Ele não foi sincero. Gosta
dela? Sim, mas não à ama. É provável que isto não seja possível para ele como
aconteceu com seus pais.
— Moramos juntos há meses! Se você se importasse comigo já teria
me pedido em casamento. — Sua voz sai cheia de mágoa e os olhos cheios de
lágrimas que correm livremente. — Talvez, seu amor só não seja grande o
suficiente. — Ela limpa o rosto tentando parecer refinada.
— Eu te amo muito! — Mentiu.
— Oh meu Deus! Isto é o que eu acho que é?
Raphael fica perdido, ela queria que ele falasse que a ama e ele
falou.

— Mal sabia ele no que acabava de concordar. Ah, as


coisas que fazemos quando não se presta a devida
atenção!
Sobre Valentina: Ela encontrou em Raphael um bom
partido, vê o potencial dele. E foi tão boa na primeira
noite, que ele não reparou na escapada dela para o
banheiro e nem a dilatação de suas pupilas quando ela
voltou para reiniciar a diversão mais animada que antes.
Os olhos veem apenas o que quer ver.
“Deixem as crianças perderem o controle. Deixem as
crianças aproveitarem. Deixem todas as crianças
dançarem. Eu tinha que ligar para alguém então escolhi
você”.
(Starman – David Bowie)
CAPÍTULO 15
ANTONY

Durante a tarde, Tony notou como Leo estava inquieta. Sabia que ela
queria contar-lhe alguma coisa, mas deixou que ela tivesse seu próprio tempo.
Enquanto preparavam o jantar Leo respira e inspira lentamente e
Tony percebe que ela finalmente toma coragem.
— As crianças precisam conviver com outras crianças. — Tony está
cortando os legumes.
Ele olha para os gêmeos brincando no solário.
— Podemos matriculá-los em uma escola.
— Você não acha que eles são muito novos? — Ela para de mexer o
conteúdo da panela, absorta dentro de seus pensamentos.
— Não acho. Três anos é uma boa idade para interação, podemos
colocá-los por meio período. Se acharmos que eles não estão gostando podemos
tirar. — Tony sugere.
Leo pondera e volta a mexer a panela.
— Parece um bom plano. — Olha as crianças brincando e sorri. —
Podemos pesquisar algumas escolas depois do jantar?
Com as crianças dormindo começam a pesquisar. Na região, apenas
duas escolas têm potencial. Anunciam no grupo da família sobre a visita nas
escolas e claro todos confirmam presença.

No horário marcado todos chegam na primeira escola para visitação.


Uma hora depois a visita termina com os seguintes feedback:
Leo: Ambiente carregado. As crianças parecem estar em um quartel.
Paris: Elitista.
Heitor: Segurança ultrapassada.
Naveen: Não é aula de religiosidade, se ensinam sobre uma única
religião.
Tony: Todas as anteriores.
Partem para a segunda escola.
Leo: Gostei do ambiente e do método de ensino.
Paris: Tem integração social.
Heitor: Segurança boa, posso monitorar de casa.
Naveen: Gostei das aulas de arte.
Tony: Todas as anteriores.
— Temos uma vencedora! — Todos concordam.
No dia seguinte Tony e a família acompanham Leo e as crianças para
avaliação pela orientadora na escola. Todos aguardam por muito mais tempo que
acharam ser necessário, a orientadora pede para esperarem pois estão fazendo
mais testes com as crianças. Um por um a família se entreolha apreensivos
enquanto veem a diretora entrar apressada na sala onde estão as crianças, outro
professor também entra e depois outro.
Que merda é essa?
Tony olha ao redor e percebe Leo com o rosto passivo, a partir dela
notou toda sua família. Heitor está com seu sorriso mais sombrio e de vez em
quando coça o pescoço nervosamente. Naveen permanece calmo e sorri cada vez
que alguém entra na sala onde estão as crianças. Paris mexe no celular, mas os
pés batem impassíveis no chão.
— Zhizn? — Tony sussurra enquanto ela olha para a diretora que
acaba de abrir a porta.
— Gostaria de falar com os pais. — Todos levantam. — Desculpe,
apenas os pais. — Retorquiu.
— Somos uma família unida, fale para todos ou não fale com
nenhum. — Tony alerta.
Ela olha para cada um, intimidada com as feições fechadas a sua
frente.
— Certo! Seus filhos foram avaliados inicialmente de uma forma
simples, sobre seus desenvolvimentos cognitivos e coordenação motora… Bem
nunca vimos nada parecido, eles são excepcionais para idade que tem. — Ela
sorri — São crianças especiais… o termo correto seria prodígios. O
desenvolvimento deles é acima da média. Como eles são no convívio em casa?
— Nós os criamos em uma rotina de horários, estímulos com
esportes leves como jogar bola e natação. Eles me acompanham quando treino
artes marciais, não fazem os exercícios exatamente, mas imitam quando mostro
alguns golpes. Gostam muito do piano, eles tocam bem, Gaia mais que Gael.
Meu irmão os incentiva com exercícios de artes e também lê histórias que eles
desde pequenos escutam e gostam. Minha mãe os estimula com exercícios
motores finos e também na concentração. Meu pai exercita a curiosidade, mostra
como as coisas funcionam por dentro. A parte mecânica de cada coisa. Meu
marido sem perceber enquanto estuda ou trabalha perto, deu a elas o passatempo
preferido, números. Eles gostam muito de números e fórmulas, grande parte dos
bloquinhos de montar é matemático. — Leo responde.
Tony acha tudo normal. Que criança não gosta de imitar a mãe, ouvir
histórias, montar coisas com blocos coloridos ou desmontar? E números… eles
parecem gostar de ficar com ele no escritório.
— Todas essas atividades são excelentes, mas não é só isso. Eles são
mais, vocês parecem ser ótimas pessoas, mas gostaria de saber se dentro da
família existem parentes com inteligência avançada ou pessoas que se destacam
em suas funções?
— Em nossa família cada um de nós se destaca em nossas áreas de
atuação. Mas Eleonora, minha esposa, tem seu diferencial. — Tony orgulha-se.
A diretora olha em sua prancheta.
— A senhora só tem formação mediana e atualmente se dedica
exclusivamente a cuidar das crianças. — A decepção flui por suas palavras.
— Ela não precisa de um diploma para mostrar que tem mais
conhecimento em seu cérebro do que a maioria de nós, ela não precisa se provar.
Se nossos filhos mostraram ser excepcionais como diz é porque ela vem fazendo
um ótimo trabalho. — Tony expele com frieza.
— Claro senhor, ela fez! Gostaríamos de ter suas crianças em nossa
escola. Providenciaremos ensinos especializados para ajudarmos eles a
desenvolverem todos os seus potenciais. — A diretora responde arrependida.
— Queremos que os gêmeos tenham contato com outras crianças.
Esse é o motivo de procurarmos uma escola. — Tony continua.
Ele não precisa que apontem o quanto seus filhos são especiais, isso
ele já sabe desde que nasceram.
A diretora relaxa com a aceitação do pai e ao que parece do restante
da família.
— Sim claro, eles terão contato com outras crianças da mesma idade,
daremos a eles um bom tempo de interação.
— Ótimo, não esperamos menos. — Entram na sala onde as crianças
estão rodeadas pelos orientadores que assistem eles brincando com curiosidade e
espanto.
Quando as crianças notam a presença dos pais, levantam seus
bracinhos.
— Papai, mamãe!
Tony e Leo pegam as crianças no colo e os leva para saída.
— Então a orientadora acha vocês espertos? — Eles fazem que sim,
sorrindo enquanto são presos no acento do carro. — Toca aqui! — Tony levanta
a mão e eles batem. — Só por isso iremos a sorveteria. Quem quer sorvete?
— Eu!!!! — Gritaram em uníssono.
— O que você achou? — Tony pergunta antes de abrir a porta do
passageiro para Leo entrar.
— Eu sabia sobre eles. Me desculpe! Estava com medo do
tratamento que poderiam ter e ao mesmo tempo estava me corroendo por
esconder de você. Agora percebo que agi como as pessoas que me machucaram
no passado ao fazê-los esconder o que são. Você me perdoa? — Leo o fita
arrependida.
— Zhizn… — fala enquanto a abraça, — eu tenho medo do Gael
sofrer bullying como eu sofria. Não te culpo por tentar defendê-los de passar
pelas coisas que passamos. — Beija sua boca. — Não se preocupe. Eles não
estão sozinhos, iremos protegê-los.
— Eu já disse que te amo hoje?
Tony finge pensar.
— Não, hoje não.
— Eu te amo!
— Eu te amo mais!

— Eu sei de algo que você não sabe!


Agora você deve estar pensando: você é o Destino,
sabe de tudo…
— Vou contar só para você não ficar pensando que o
Destino é um chato sabe tudo.
Um certo dia Naveen foi visitar seus sobrinhos e
assistiu as crianças tocando piano com habilidade e logo
que sua presença foi notada, começaram a brincar
dedilhando teclas aleatórias e desafinadas. Sua irmã fingiu
que nada aconteceu. Como um bom caçador que é, Naveen
descobriu a verdade, mas até hoje fingiu não saber de
nada.
— Agora você estar pensando: Só isso?
— Claro que sim! Achou que eu contaria os segredos
do Universo, ainda não. Um dia quem sabe.
— Por que cruzei com a senhora Eleonora perto do campus? —
Alina pergunta para Tony.
— Ela veio visitar o professor-assistente de filosofia. — Responde
levemente insatisfeito.
— Oh, sim! Ele é bonito e tem fama de ser focado e inacessível. Só
se interessa em filosofia… dizem até que ele é celibatário. — Sussurra em
conspiração.
— Bem, vamos dizer que nas últimas semanas Eleonora deu a ele
muito no que pensar e muito mais no que se questionar. Depois dela, ele estará
com mais dúvidas do que certezas. — Tony senta relendo as anotações da última
aula.
— Gosto dela! — Afirma Alina.
— Eu a amo! — Responde ainda incomodado.
Ela segue para seu lugar. Mesmo depois de aceitar a oferta da
família, Alina mantém uma distância confortável de Tony na faculdade, ele
acreditar ser devido as histórias que contam de sua vida acadêmica e a
rotatividade de alunas que passam por ele.
Olhando Alina Tony repara que as aulas de autodefesa fizeram um
grande trabalho na confiança dela. A ajuda de Paris com o estilo, fez de Alina
uma mulher ímpar, antes era menosprezada, hoje é ela quem menospreza. A
astúcia é sua melhor arma. Em pouco tempo se familiarizou com sistema de
Tony, montaram uma offshore e estruturaram todos os investimentos da família,
ficando muito mais fácil contabilizar e acompanhar os rendimentos.
Com a nova reestruturação veio a necessidade de viajar algumas
vezes para lidar com algumas transações. Em algumas Tony a manda sozinha em
outras ele e a família inteira vão e ficam por alguns dias em período de férias, já
que o paraíso nem sempre é somente fiscal.
Miguel
Sra. Eleonora sofreu uma tentativa de
assalto, como deseja lidar?
03:06 pm

Tony
Ela está bem?
03:06 pm

Miguel
Sim.
03:06 pm

Tony
Pegou o responsável?
03:07 pm

Miguel
Sim.
Ele está no fosso.
03:08 pm

Tony
Estou a caminho.
Lidarei com ele quando
chegar.
03:08 pm

O homem está amarrado e Miguel já havia tido sua cota de surra com
ele, Tony constatou pela aparência.
Quando o culpado notou a presença violenta de Tony, o pavor fica
estampado em seu rosto.
— Não! Por favor eu imploro! Não sabia quem era, se soubesse
jamais teria tentado roubá-la… eu não sabia! — Ele chora e até mesmo mijou
em suas calças.
Tony encara o homem menor.
— Clemência é algo que definitivamente desconheço. — Dobra as
mangas da camisa com calma. — Você mexeu com o que tenho de mais valioso,
não posso relevar o que aconteceu. — Se aproxima do culpado, preso em um
poste de tortura. — Você entende? Se coloca em meu lugar, o que você faria se
estivesse deste lado? Leve em consideração nossa reputação. — Tony assiste o
culpado se debater tentando alcançar o solo.
— Eu não sabia! Sou doente, tudo que pensei era em pegar as joias
dela e vender para comprar mais drogas… — Chora — Por favor senhor! Eu não
tinha intenção de feri-la… — Mais choro sem sentido.
— Você não respondeu. O que faria em meu lugar?
As secreções do homem escorrem do nariz se misturando as
lágrimas.
— Por favor…
— Acho que você não quer responder porque sabe exatamente o que
se deve fazer em uma situação como essa.
— Por favor… Eu tenho família! Nãooo… — Suplica apelando para
o lado emocional.
As suplicas batiam e voltavam nos ouvidos blindados.
— Eu também tenho e é por ela que estou aqui. — Explica com
calma.
— Não!!!!
— Enfim, você sabe que daqui não tem volta. — Saca a arma e a
engatilha.
— Serei rápido. — Anuncia.
— Não!!! Por favor. Não… eu imploro… — O alvo entra na mira do
carrasco. — Eu implo…
TÁ…
O tiro ecoa pela sala o som seco procura liberdade sendo segurado
pelas paredes acústicas, foi certeiro entre os olhos uma entrada limpa, um fim
rápido.
Tony
Necessário limpeza no
fosso.
03:44 pm

Kala
Imediatamente senhor.
03:44 pm

Tony podia ouvir Leo e as crianças tocando o piano ao entrar em


casa. Na atmosfera de paz, a besta que o habita é domada e quando ouve a
família se deita na escuridão atenta para se levantar e protegê-los ao menor alerta
de perigo.
— Mamãe, essa nota está errada! — Gaia fala.
— O quê? Errada? Não é sol? — Leo dramatiza.
— Não mamãe, não é sol. É assim. — Gaia toca a sequência de notas
correta. — Ouviu?
— Mamãe tolinha. — Leo fala e as crianças começam a rir.
— Gael, toca para mamãe ver que você também sabe. — Ele toca.
— Oh, mas vocês são muito bons! Acho que não vou mais tocar.
— Não mamãe, assim quem vai tocar na hora de dormir? — Gael
protesta e Gaia o apoia.
— Sendo assim tocarei.
Ela olha na direção de Tony que está encostado na parede
admirando-os e ele lhe manda um beijo que a faz sorrir abertamente.
— Papai chegou. Que tal tocarmos a música dele.
As crianças olham para ele surpresos, sentam ao lado da mãe e
começam a tocar a três mãos e a cantar a três vozes.
— It's a little bit funny this feeling inside…
— Papai você gostou? — Gael pergunta no final.
— Muito. — Se aproxima deles. — Como foi na escola? — Beija o
topo da cabeça de cada um dos filhos e inala seus cheiros.
— Foi legal, mas as crianças falaram que tenho cabelo de menina e
de pessoas velhas.
— O quê? Não acredito! — O pequeno menino assente agitado. —
Quer cortar o cabelo? — Tony oferece já sabendo a resposta.
Gael parou de cortar o cabelo desde que os pais leram O Senhor Dos
Anéis, para eles. A partir daí, ele corta somente as pontas, o cabelo já está um
pouco abaixo da nuca. Uma vez ele pediu para Tony trançar o cabelo dele como
de um elfo, ele fez desordenadamente, mas depois com algumas lições e treinos
no cabelo da Leo Tony aprendeu como fazer corretamente. Agora além de
trançar o cabelo de Gael trança também o de Gaia que é bem mais exigente.
— Não, gosto assim. Se cortar não vai parecer o Legolas e não sou
velho, só tenho três anos e nove meses. — Fala sério.
— Então quem liga para um bando de crianças chatas? — Em
seguida beija Leo que se levanta e o abraça apertado. Com ela entre seus braços,
Tony a levanta e as pernas dela o abraça também.
Casa…
— Você está bem? — Ela procura nos olhos dele sinal de desordem.
— Estou em casa. — Ela sorri e suspira no pescoço dele.
— Eu também. — Ele sente o beijo em seu pescoço.
— Vá e se arrume. Planejei um encontro especial, temos que sair
cedo para dar tempo. — Entusiasmada Leo o solta.
— Crianças, a vovó e o vovô esperam por vocês. Que tal o papai
levá-los até eles? — Tony fala.
As crianças fecham a cara, cruzam os braços e cerram seus olhos.
— Por que não podemos ter um encontro com vocês? — Gaia
protesta.
Tony se abaixa para ficar na altura deles.
— Vocês têm. Mamãe e papai levam vocês para encontros divertidos
nos parques, nos restaurantes preferidos de vocês, sem contar as férias surpresas.
Leo também abaixa na altura deles.
— Vem, quero meu beijo de despedida. — Eles aceitam
teimosamente, beijam-na e ela os abraça. — Amo vocês!
— Te amamos mais! — Respondem e saem correndo para porta
deixando o pai para trás em uma corrida sem aviso.
— Eu vou pegar vocês! — Eles correram mais rápido.
Ao passar no pátio, a equipe de limpeza manobra o carro próximo à
entrada do subsolo.
— Olá senhor Miguel!
— Olá senhorita Gaia! — Ela volta a sua corrida. — Senhor Antony
os preparativos para hoje estão em ordem como solicitado.
— Ótimo, sairemos em uma hora. — Avisa.
As crianças já estão na porta da casa dos avós.
— Vovó! — Eles chamam.
— Vocês cresceram desde de hoje cedo? Como estão grandes! —
Paris brinca.
— Não vovó, nós ainda estamos do mesmo tamanho. — Gael fala
sério.
— Tem certeza? — Ele faz que sim seriamente.
— Entrem. Vovô está fazendo s’mores e o titio disse que está com
muita fome, como um tal de Hanuman. — Eles abrem a boca em espanto.
— Titio, não come tudo… — Gritam ao passar porta a dentro.
— Obrigado mãe! — Tony agradece.
— Divirtam-se! — Ela o abraça e ele beija sua cabeça em despedida.

Depois de arrumado, Tony leva para Leo seu mais novo presente.
— Zhizn?
— Aqui! — Ela grita de dentro do closet.
Enquanto aguarda ela terminar de se maquiar, Tony nota como o
cofre dela está abarrotado de caixa e mais caixas de joias.
— Você poderia alimentar um pequeno país com esse cofre? — Ela o
olha pelo espelho.
— Por isso exerço com fervor a filantropia. — Ele sorri de canto.
Ela solta o cabelo, que agora está abaixo do ombro volumoso com
cachos grandes, colocando-o de lado. O verde-esmeralda dos olhos se destacam
na maquiagem.
— Como estou? — Se levanta e gira para lhe dar a visão total.
— Perfeita!
Com delicadeza, pega o pulso dela e leva-o ao rosto para sentir o
perfume direto da fonte, com floreio exagerado prende o mais novo presente
nele.
Leo admira a pulseira de diamante com nove pingentes de em forma
de cruz cheia de história e valor sentimental.
— As cruzes de Wallis[11]? — Ela sorri eufórica, tocando cruz por
cruz lendo as dedicatórias gravadas no verso de cada pingente para dona
original. — WE are too[12]. — Ela diz com reverência a dedicatória gravada na
cruz. — É impressionante, como?
— Sei do seu fascínio por história, acho que pior que Nav só você.
Então procurei algo histórico, raro e especial que pudesse nos representar
também. — Beija-a no rosto. — Pois não há joia mais íntima do que a do
romance mais famoso da história. — Ela acaricia cada uma das nove cruzes
admirando-as.
— Moy lyubov, você é maravilhoso! Nada poderia ser mais
romântico. Abaixe. — Ela sela os lábios nos deles, no processo transfere um
pouco do batom, que ela tira com o polegar, mas antes de afastar o dedo ele o
beija.
Para complementar, Leo escolhe um colar de platina simples com um
diamante pendente que combina com macacão preto de decote em V. O tecido
leve marca com perfeição as curvas de seu corpo. Beleza, sofisticação e
sensualidade na medida certa.
— Pronta?
Ela volta ao cofre e tira uma caixa-preta, abre e lhe mostra a pulseira
em ouro branco com porcas de parafusos rosqueados em seu entorno.
— Você não é como eu todo vidrado em joias, por isso algo simples,
mas que demonstra sua masculinidade e força com elegância. — Ela coloca em
seu pulso.
Tony sorri admirado, para cada mimo que ele lhe presenteou ela
retribuiu com outro. Vezes eram abotoaduras com datas especiais como
aniversário das crianças ou motivos engraçados, como uma com formato de
mosca, ou anéis masculinos na versão de alguns colares da Cartier que ele lhe
deu.
— Você sabe que adoro e venero cada presente que me dá. Esse não
será diferente. Mas fique sabendo, você é o melhor de todos. — Beija-a na testa.
— Acho que junto poderíamos montar uma joalheria. — Brinca.
— Só falta uma coroa.
— Um dia acharei a coroa digna da minha rainha. — Sela os lábios
nos dela.
Miguel os esperava encostado no carro. Quando se aproximam ele
abre e segura a porta para que entrem.
— Hoje teremos motorista? — Ela sorri e entra no carro.
— E piloto. Como disse, esse será um encontro especial. —
Conspira.
Há dias ele vem planejando o encontro de hoje para que tudo saísse
perfeito e ela não descobrisse.
— Onde iremos?
— Surpresa…
Durante a curta viagem de carro até o aeroporto eles já estavam na
bolha dividindo suas histórias, tendo o momento só deles. Leo está como uma
criança, louca para saber o que aconteceria a seguir. Tony se orgulha de ter
conseguido esconder dela, não foi fácil, mas ele teve sucesso em sua missão,
pois até ele falar hoje ela não sabia de nada e por mais que tente tirar informação
ele continua irredutível.
A viagem no avião durou duas horas e meia. Ao desembarcar,
seguiram direto para o restaurante jantar com tempo de folga para a grande
surpresa.
— Por que isso? — Leo pergunta.
— Nunca comemoramos nossos aniversários e até entendo. Eu não
gosto de comemorar o meu, do mesmo jeito que você não gosta de comemorar o
seu. Mas hoje comemoraremos a nossa união. O início de nossa família, nossas
bodas de flores e frutas. — Aperta sua mão na dela. — Foi nesta data que uma
linda princesa salva a fera que foi mantida em cativeiro durante toda uma vida.
— Feliz aniversário de quatro anos! — Ela diz.
Durante o jantar, eles contam suas histórias com as crianças. Foi uma
surpresa para Tony como a maternidade e a paternidade foi para eles algo
natural, houve sim muito medo em falhar, mas houve muito mais alegrias. O que
para eles foi inesperado, pois os exemplos que ambos tiveram os condenavam ao
fracasso.
A surpresa da noite se aproxima. O carro corta o trânsito enquanto
Tony observa Leo notar tudo e todos ao redor. No exato momento em que
Miguel começa a manobrar pelo trânsito e entrar no estacionamento, o sorriso
dela chega aos olhos dando muito mais brilho a eles.
— NÃO.
— Sim! — Aperta a mão dela. — Vamos assistir Rei Leão o
musical!
— Isso é fantástico! Não, isso é melhor que fantástico. Mas está
vazio?
— Sim, teremos uma sessão exclusiva. — Tony confidencia. Ela
pula para o colo dele em completa alegria. — Uma mulher qualquer ficaria
exultante em ganhar a joia e comer em um bom restaurante, mas a minha não.
Ela tem gostos peculiares tipo: assistir repetidamente “O rei Leão”. Então
pensei: como seria se ela assiste ao musical? — Ela beija-o no rosto.
— Só nós dois? — Ele faz que sim. — Ah!!! — O carro para ela
desce sem nem esperar Miguel abrir a porta.
— Zhizn, espera! — Corre para acompanhá-la. — Como alguém
com perninhas pequenas pode andar tão rápido? — Segura a mão dela.
— É meu peso, sou mais leve por isso sou mais rápida. — Fala séria.
Tony sorri pensando que Gael tem a quem puxar. De mãos dadas
entram no teatro reservado a eles.
São escoltados para suas cadeiras especiais de onde podiam ver o
palco por completo. Na música inicial Leo se surpreende com aparição de alguns
personagens cantando ao lado dela. Ela olha abismada do palco para o ator
cantando do lado dela e vice e versa.
Seus olhos lacrimejam ao ver a morte do rei Mufasa e a solidão do
Simba. Ri quando vê a entrada do Timão e Pumba e cantou junto Hakuna
Matata.
Tony esperava essas reações dela, a alegria completa. Nesse instante
são apenas ele e ela sem um passado hediondo. Um menino e uma menina tendo
um momento de pura e imaculada diversão.
No fim tiraram fotos com os atores que foram cordiais em atendê-los
e principalmente em dar atenção a Leo e suas inúmeras curiosidades com o
equipamento e fantasias.
O que um montante de dinheiro não é capaz de fazer?
Leo tiete, quem poderia imaginar?
— As crianças ficarão chateadas que não puderam assistir. — Pesou,
franzindo o nariz, Tony a toca no nariz fazendo ela voltar a rir.
— Eles assistirão em breve. E se a reação deles for igual à sua, vou
adorar ainda mais.
— Melhor definição de encontro! — Afirma.
— Melhor definição de companheira! — Atesta.
De volta em casa, foram direto para o quarto de Tony onde se
trocaram. Leo colocou uma das camisetas dele. Ela tira a maquiagem, enquanto
ele escova os dentes. E depois, quando ela escova os dentes, ele faz xixi.
— Por que gosta anto de O Rei Leão? — Tony pergunta. Estão
virados um para o outro com os braços embaixo da cabeça, as pupilas dela
dilatam enquanto pensa na resposta.
— Dois anos depois que meus pais me abandonaram no orfanato, a
diretora se casou com o homem que se tornou meu Sensei[13]. No começo, o
relacionamento deles foi como dizem “o conto de fadas”. Ele levou todas as
crianças para o cinema e esse foi o primeiro filme que assisti no cinema. Foi
mágico, as cores, as sensações, as surpresas… Eu ainda podia ser uma criança
com mínimo de normalidade. Está foi minha última lembrança onde ainda era
intocada. — Ela tira o cabelo que caia na testa dele. — Meses depois a diretora
estava outra pessoa. De alguma forma, ele a viciou em metanfetamina. Ela vivia
alta. Com isso, ele começou a tomar cada vez mais conta da direção do orfanato.
Não éramos muitos, exigia poucos funcionários para trabalhar e ele foi trocando
um por um e colocando gente da confiança dele. Começou com aulas de artes
marciais simples, depois os treinos passaram a serem pesados. Ele passou a
cobrar mais e mais, não era só um estilo ou doutrina, ele ensinava um pouco de
tudo se atentando nas mais violentas. Passamos a treinar quase que o dia inteiro
parando apenas para comer.
Na primeira noite ele nos acordou dizendo que iriamos fazer um passeio
divertido, não foram todas as crianças, dentre as mais novas estava eu. Um
ringue como o Arena nos esperava. Ele disse que era um campeonato onde só as
crianças mais fortes participavam. Nos orientou fazer o melhor e o principal: Só
parar quando o adversário estivesse acabado. Desistência não era permitido,
ficamos assustados e animados ao mesmo tempo, achando que era como nos
filmes que ele nos deixava assistir. — Os olhos de Leo estão vidrados. Tony
segura a mão dela tentando trazê-la de volta. — A luta começou, as outras
crianças demoraram a perceber o que eu havia descoberto logo no primeiro
combate. O ‘apagado’ queria dizer morto ou muito próximo disso. — Uma
lágrima desceu sorrateira por cima do seu nariz. — Meu primeiro combate foi
com um menino da minha idade, ele era maior, mas lento. Eu não sabia o que
estava fazendo. Era ele ou eu. Fui sua última visão, ele chorava de medo e tudo
que eu queria era acabar com aquilo rápido. Assisti a vida do menino se
esvaindo, eu ouvi seu último suspiro, vi quando a luz dos olhos dele se
apagaram. — Outra lágrima. — Conforme ganhava as lutas, passei a receber
regalias. Em uma delas obtive o piano e um livro de partituras. Aprendi a tocar
sozinha depois que estudei alguns livros teóricos. O orfanato passou a ter um
rodízio de crianças, muitas não voltavam das lutas e muitas outras chegavam
para tomar os lugares vagos. Em um dado momento, passei a ensiná-las junto
com meu sensei. Tudo era tão permissivo que passei a gostar do que fazia,
comecei a demorar mais em finalizar, protelava o combate para durar mais o
meu show. Eu não tinha ninguém para falar que estava certo ou errado, tudo que
ouvia eram estímulos e elogios para continuar. Ouvia as pessoas gritarem meu
nome e adorava. Enfim eu fazia parte de algo e as pessoas gostavam de mim,
não me achavam estranha quando eu estava dentro do ringue. — Ela funga o
nariz.
—Meu sensei começou a me colocar para lutar mais e mais, dizendo que eu era
sua estrela, “sua melhor criação” eram essas palavras que ele usava para mim.
Passei a questioná-lo e foi quando as discussões começaram, as regalias foram
cortadas uma a uma. Ele exigiu mais que apenas lutar, foi injusto de tantas
formas, mas me neguei a ceder. Um dia fui ao pátio e ele estava ateando fogo no
meu piano, os sons das cordas dissonantes fizeram o meu pior despertar naquela
hora. Enquanto ele ria do seu feito cruel eu o ataquei pelas costas com a katana
que ficava de exposição no tatame, a lâmina atravessou seu rim. Ele ficou
surpreso com meu ataque, de frente, eu ataquei novamente e o assisti perder sua
centelha de vida. Diferente das outras mortes que causei, eu sorri ao vê-lo
morrer. E nenhuma morte foi tão boa como a dele. Exceto talvez quando matei
meus pais. Mas isso fica para o próximo encontro épico. — Ela limpa suas
lágrimas.
— Eu te amo mais hoje do que te amei ontem! — Tony sussurra e
beija sua testa.
— Eu te amo muito mais do que ontem e menos do que amanhã. —
Ela sela os lábios dele transferindo o sal de suas lágrimas.
— A katana do Sensei é a que está no seu QG? — Ela faz que sim.
O sono quando chegou levou duas pessoas dividindo uma mesma
alma.

MESES DEPOIS…
— Bom dia senhor formando! — Leo e as crianças invade a cama de
Tony o enchendo de abraços e beijos.
— Bom dia! — Ele abraça e beija todos eles.
— Trouxemos café na cama. A mamãe nos ajudou a fazer um bolo.
— Gael fala.
— Olha papai!
Gaia pula e aponta para bandeja bem arrumada com uma xícara de
café, fatias de bolo, pães recheados e uma tigela de frutas cortadas e ainda um
vaso com uma flor solitária.
— É lindo e, tenho certeza de que tudo está delicioso. — Tony senta
no meio da cama cada filho de um lado e Leo na frente fotografando. As
crianças esperam ansiosos ele dar a primeira mordida no bolo. — Vocês dois que
fizeram? — Acenam que sim, os deles olhos brilham em expectativa. — Está
muito bom é o melhor bolo que já comi. — Soltam o sorriso junto com a
respiração. — O quê? Vocês não comerão comigo? — Cada uma pega uma fatia
de bolo e se deliciam.
— Amo vocês!
— Te amamos mais!!! — Leo, Gaia e Gael respondem juntos.

Todos estavam animados para a formatura de Tony e Alina. Paris


providenciou os trajes, Naveen conseguiu fazer parte da organização do baile
para garantir que seja excelente e Heitor forneceu o melhor carro.
— Uma limusine? — Tony admira ao olhar por toda a extensão.
— É um dia especial filho. E as crianças adoraram, pediram até para
levar eles para escola com ela. — Heitor falou orgulhoso.
— Como pode duas criancinhas ter entre os dedos um homem do seu
tamanho? — Tony ri, como se ele mesmo não estivesse entre os dedos dos
filhos.
— Elas me têm, sempre tiveram. — Heitor confirma o óbvio.
Gaia está em um lindo vestido de princesa rosa claro com detalhes de
renda na gola e na cintura com pontos brilhantes pelo corpo. O cabelo está solto
e todo cacheado. No pulso uma pulseira delicada com flores de safiras rosas e
diamantes. Gael veste um smoking azul-marinho como o do pai, o cabelo está
com o topo preso e solto nas suas costas nas laterais têm uma pequena trança
caindo atrás da orelha.
Leo vem em seguida de vestido cor-de-rosa claro longo, o decote
profundo mostrando a clivagem dos seios. O cabelo está preso de forma
elegante. Seus olhos no tom mais claro de verde, brilhava fazendo ela parecer
muito mais jovem do que ela é. As joias escolhidas foram um colar discreto com
pontos de diamante combinando com o brinco pequeno e a pulseira que ela
nunca tira de diamantes Argyle junto com a aliança. E na mão direita um
conjunto de anéis menores e delicado nos dedos.
— Papai, estou bonita? — Gaia sorri e gira para mostrar o vestido.
Leo se aproxima exalando seu perfume, Tony a beija com carinho ela
ajeita sua gravata borboleta.
— Uma verdadeira princesa! — Ele responde, fazendo o sorriso da
filha se iluminar.
— Vovô olha, a vovó está como uma princesa também!
— Não, a vovó está uma rainha. A minha rainha! — Os olhos de
Heitor brilham ao contemplar Paris no vestido longo branco com a frente
fechada e em toda linha da costura bordado com pedraria. — Meu amor eterno!
— Eles se beijam com as crianças correndo a volta deles.
Naveen chega por último acompanhado de Alina, Kala e Gohan. Ele
usa um jodhpuri[14] azul-marinho e Alina de vestido longo vinho a saia de renda
e pequenas flores bordada, dando um brilho discreto. Gohan está de smoking
azul-marinho estilo oriental de gola mandarim e Kala veste um sári[15]
tradicional do Nepal com cholo[16] dourado envelhecido e o pallu[17] azul,
bordado delicadamente com o mesmo tom de dourado em cima do ombro
esquerdo. Formam um grupo distinto, mas que combinam em glamour e beleza.
Todos entram na limusine, as crianças sentam junto com os avós e
Tony junto com Leo.
— Você está incrivelmente linda, a mais bela de todas. — Tony
sussurra no ouvido dela.
— Tenho que ficar à altura de um homem maravilhoso como você.
— Ele beija-a no pescoço.
— Falei, diabetes? Poderíamos chamá-los de casal glicose. —
Naveen comenta com Alina.
— Eu acho adorável, talvez nós dois devêssemos achar nossas outras
partes para ter o mesmo. — Ela responde.
— Você, workaholic? Em um relacionamento? Você já tem um e se
chama trabalho, acho que não te sobra opção a menos que se case com seu
computador. — Ela dá um tapa na perna dele.
— Não descarto a ideia, no entanto. — Todos riem.
— Por Ganesha! Eu vou encontrar o meu par, mas por enquanto
devo aproveitar. Quando ele ou ela chegar, serei exclusivo e devotado como
mamãe, papai e meus irmãos glicose. — Manda um beijo a Paris e a Leo.

Quando a família entra no salão do baile, atrai todos os olhares.


— Algumas dessas mulheres não imaginavam que você traria sua
esposa e filhos. — Leo fala sentindo as ferroadas vindas de várias mulheres.
— Algumas delas até duvidavam da sua existência. — Tony conta.
Permanecem de mãos dadas. Gaia segurando a mão livre do pai e
Gael segurando a de Leo. Atrás Naveen e Alina seguidos por Paris e Heitor,
Gohan e Kala, na imponência que somente eles têm. Seguem para mesa deles
ignorando os olhares curiosos, invejosos e maliciosos.

SAMUEL

No outro lado do salão, Samuel observa a linda mulher entrar


acompanhada por um dos alunos, mas o que chama mesmo sua atenção são as
crianças. Ele nem sabia que ela as tinha, será que ele foi assim tão relapso.
Espera todos sentar-se à mesa para se aproximar.
— Eleonora?
A família se volta para onde Leo havia sido chamada.
— Samuel! — Ela se levanta indo cumprimentá-lo com beijo no
rosto.
— O que você faz aqui? — Ele avalia as pessoas na mesa não
conseguindo encontrar ligação entre eles pela aparência.
— Meu marido é um dos formandos. — Acena com a mão para
mostrá-lo sentado prestando atenção neles.
Os olhos de Samuel se abrem espantado.
— Ma… marido? — Gagueja. — Foi por isso que você sumiu, você
se casou? — Ela olha para as crianças que prestavam atenção no que se passava,
frisou os olhos no homem indiano que tenta segurar o riso.
— Por gentileza, me acompanhe? — Eleonora passa por ele que fica
congelado no mesmo lugar olhando para as crianças e o marido formando, cujo
qual já o pegou fazendo coisas com várias alunas nas salas privadas de estudos
da biblioteca e ouviu as histórias de um caso dele com uma das professoras que
acabou sendo transferida para o que se pode chamar a ‘Sibéria’ da faculdade,
pois ninguém gosta do cargo que ela ocupa agora.
— Não a deixe esperando. — O marido alerta.
Em choque ele se apressa em segui-la sentido uma mistura de
sentimentos conflitantes.
Decepção e alívio

ANTONY

— Nunca nos entediamos em sair com vocês. — Naveen diz.


— Onde a mamãe vai? — Gaia pergunta.
— Conversar com o amigo dela, princesa. — Gaia volta brincar com
a pulseira, enquanto Gael conversa com Heitor.
De longe Tony pode ver que a conversa com o professor de filosofia
está pacifica, ele segura a mão da Leo enquanto a ouve falar.
— Antony! — A voz estridente vem por trás.
— A noite será agitada. — Naveen comenta.
Desviando a atenção de Leo, Tony encara a mulher que o chamou.
De vestido longo vermelho com tantas fendas e decote que a deixavam para
além de vulgar, ela aproxima da mesa cheia de sorriso. — Não vai me apresentar
a sua família? — Fala olhando para cada membro sentado à sua volta. Seus
olhos brilham ao ver as joias e a beleza de todos eles.
— Não. Eu não vou, e gostaria que se retirasse. — Ela fica lívida ao
ouvir o fora, mas permanece no lugar como se não pudesse fazer com que suas
pernas andassem.
— Garota, acho que esse silêncio constrangedor é sua deixa para nos
deixar. — Paris a alerta.
Envergonhada a mulher os deixa.
— Papai, Gael e eu podemos ir com a mamãe? — Ao voltar os olhos
para Leo, Tony vê o professor entristecido enquanto Leo toca o ombro dele com
carinho e depois se afastava.
— Podem. — Eles correm para ela.
A noite passa sem mais problemas. Os olhares foram muitos e os
comentários infinitos, a maioria sobre Paris ser apresentada como mãe quando
ela tem idade de ser irmã. Heitor dançou com Gaia enquanto Gael dançou com
Paris. Leo e Tony dançaram inúmeras músicas, seus corpos estão tão
familiarizados que se tornaram simbiontes um do outro.
Tony é capaz de apenas com o olhar compreender o que Leo está
pensando ou sentindo, e sabe que ela também o conhece assim. O que ele tem
em força ela completa com velocidade, mas ele nunca deixará que ela precise
lutar novamente para defender sua vida.
Naveen com Alina é um show à parte, eles desenvolveram uma
amizade ‘complicada’. O convite de dividir a diversão que ofereceu logo que ela
chegou vingou, mais de uma vez Tony os viu saindo acompanhados de outra
mulher ou até mesmo homem, talvez ela não tenha gosto por um tipo específico
ou talvez Naveen seja muito bom com as palavras. Quem sabe?
— Lyubov, volta para mim.
Ele encara seus olhos brilhantes e sorri.
— Tudo parece ter se ajeitado da melhor forma. Nossa família é algo
que nunca imaginei ter.
— Eu sei. — Ela confirma, juntos contemplam todos eles.
— E sobre o professor? — Tony olha sugestivamente para o homem
que de tempo em tempo os observa.
— Ele teve seu desejo realizado, nossa cena acabou. — Ele a beija
na testa vendo a tristeza em seus grandes olhos verdes. — Obrigado por escolher
ficar comigo e fazer tudo isso possível. — Leo o beija.
— Essa raposa é mais que feliz por ser sua cativa.

Eles dançam e aproveitam o encerramento dessa fase


de suas vidas.
A busca incessante pela plenitude, faz seguir por
caminhos que se jugam ser o certo, apenas para descobrir
que não é.
“E agora minhas mãos amargas embalam cacos de vidro
do que era tudo. Todo o amor tornou-se mal, transformou
meu mundo em escuridão tatuou tudo que vejo, tudo o que
sou, tudo o que serei”.
(Black – Pearl Jam)
CAPÍTULO 16
RAPHAEL

— Porque você está fazendo isso? Temos quem faça. — Valentina


gesticula para a louça. — Deixe isso. Preciso mostrar a aliança perfeita que
achei.
— É apenas louça, não cairá a mão se lavar alguns copos. —
Raphael justifica.
— Fale por si mesmo, minhas unhas estão feitas e não posso estragá-
las, não vejo motivo pagar alguém e fazer o trabalho por ele. — Puxa-o pela mão
levando-o para onde o computador já está aberto na imagem. — É perfeita! —
Sorri como o gato de Alice.
A aliança tem um diamante enorme com lapidação em forma de gota
rodeado por outros menores, é como se a ostentação fosse objetivada.
— Daria para comprar um carro de luxo com o valor desta aliança,
ou dois carros populares completos. — Elucida.
O sorriso imediatamente fora substituído por uma carranca.
— É o símbolo do nosso amor, você não acha que vale até mais que
isso?
Raphael suspira e procura se acalmar, pois sabe onde vai dar essa
cena.
Ela chorará e dirá que ele não valoriza a relação.
— Você disse que deveríamos evoluir em nosso relacionamento,
você está com dúvida? — Seus olhos lacrimejaram.
Ele a encara pensando em como deixou a situação chegar a esse
ponto. Quando falou em evoluir, não quis dizer casamento e quando ela se
adiantou, ele não a contradisse pois acabava de lhe dizer que a amava mesmo
que naquela ocasião, como nas outras, ele não estava sendo de todo sincero.
— Não, Valentina, eu não estou com dúvida, — mentira! — Mas
acho que essa aliança é muito, muito… — Olha a tela em busca da palavra certa
para evitar discussão. — Luxuosa. Não seria seguro andar com uma joia dessa
no dedo. — E o sorriso do gato volta, a bomba foi desarmada, é o que acha.
— Eu sei, podemos contratar um segurança! — Saltita batendo
palmas.
— Não será necessário, acho que eu devo escolher a aliança. Estava
pensando no que a minha mãe ofereceu. Achei um gesto bonito e romântico. —
Contrapôs.
— Não! A aliança dela é simples e não somos esse tipo de casal? —
Afirma.
A mão dela corre pelo pescoço de Raphael e sua boca contorna a
mandíbula.
Que tipo será que somos?
— Não acho um anel de safira simples. Mas agora sei a aliança que
deseja, saberei o que procurar. — Inicia o beijo, quando ela vira o rosto e a boca
dele pousa em sua bochecha. — Valentina, não fique brava. Confie em mim.
Ela se afasta e coloca os sapatos.
— Faça como quiser. Por que nos preocupamos em ser o casal
perfeito para mídia se você não me valoriza? — Antes que consiga reagir, ela sai
batendo a porta do apartamento.
— Eu nunca quis ser o casal perfeito para mídia! Mas você sim!
De nada adianta falar sozinho.

DUAS SEMANAS DEPOIS, DIA DO NOIVADO…


— Ah meu deus! — Ela abana a mão na frente dos olhos para
impedir que uma lágrima destrua a maquiagem perfeita.
A caixa abre revelando o objeto, o sorriso fora substituído por lábios
comprimidos. Ela assiste insatisfeita a joia deslizar em seu dedo.
— É um lindo o anel! — Ângela tenta reanimá-la e se aproxima para
ver mais de perto.
— É bonito. — Não lindo ou perfeito. — A pedra é pequena demais.
O da Letízia é maior. — Resmunga insatisfeita.
— Talvez você devesse se casar com o noivo dela. — Ângela
instaura a guerra já farta de Valentina.
— Não me entenda mal, mas é que não compreendo. Vocês são
donos de uma construtora reconhecida no país inteiro e parecem não se importar
com que as pessoas falam ou como os vê. Vocês são tipo da realeza e não se
comportam como devem. Só quero o melhor para Raphael e eu. Não sou o
monstro que pensa que sou. — Responde.
Apesar do tom de voz complacente, Raphael pode ver o esforço que
Valentina está fazendo para se conter.
— Talvez, você devesse arrumar um emprego de verdade para
aprender a valorizar o suor do seu trabalho e o ganho que ele lhe provem. Não
precisamos da aprovação dos outros, tudo que ganhamos é fruto de muito
esforço. Não me entenda mal, mas se talvez você tivesse conquistado algo por si
mesma, veria tudo de forma diferente. — A metralhadora está ligada e nada pode
parar sua mãe.
Na primeira vez que Raphael falou de Valentina, Ângela já não havia
se animado. Quando a trouxe para conhecê-la, sua mãe deixou claro que não
havia gostado dela.
— Eu sou modelo e estou iniciando minha linha de joias exclusivas.
Posso não ter criado uma empresa do zero, mas não valho menos como pessoa.
— Se defende.
— Mãe por favor, pega leve. Valentina tem um emprego e ela quer
apenas que sejamos respeitados pelo que criamos. — A defende mesmo sabendo
que sua carreira de modelo vai mal, graças a seu temperamento, e sua linha de
joias consiste apenas em sua obsessão por elas e um convite vago de um design
desprestigiado. Mas ela é sua noiva e não a deixaria sozinha nesse tiroteio.
Valentina levanta-se abruptamente e caminha para o banheiro,
Raphael prepara-se para segui-la.
— Não. Eu vou e controlo a situação para você. — Saul indica
discretamente Ângela com os olhos.
Raphael acena concordando, imensamente agradecido por seu
melhor amigo o ajudar com Valentina que fica cada vez mais fora de controle.
— Querida! — Gabriel, depois de assistir tudo, se faz presente. — É
o noivado deles.
— Não fiz nada demais! — Ângela se vira para encarar o filho. —
Essa mulher é vento ruim meu filho, ela não é boa. Você merece algo melhor. —
Afirma.
— Mãe, você não sabe o que está falando. — Raphael a defende. —
Nós funcionamos bem. Ela é boa de muitas formas e não é pegajosa como essas
mulheres ciumentas. Ela entende a necessidade e a demanda do meu trabalho e
aceita isso.
— Você está confundindo comodidade com amor e falta de interesse
em você com confiança. Ela ama o seu status! Você mesmo a ouviu falar sobre
sermos da nobreza, o interesse dela não está em você, mas sim no seu patrimônio
no seu patrimônio. — Ângela bate a mão na mesa brava. Raphael raramente vê
sua mãe neste estado. — Você não a ama, se a amasse, ela estaria no topo da sua
vida e não em segundo plano. — Ele não gostou de ser a pessoa que deixou sua
mãe irada. — Eu só quero o melhor para você.
— Sua mãe tem razão filho. Você não ama essa mulher, apenas a
comodidade de tê-la perto. Com o tempo verá que isso não é suficiente. —
Gabriel aconselha, segura a mão da esposa com amor e companheirismo.
Raphael olha para eles e sabe que não tem o mesmo com Valentina.
Sabe que sua relação não é perfeita, mas gosta dela em algum nível, isso é certo.
Ao menos ele acha. Não é um homem romântico cheio de demonstrações,
Valentina vive reclamado que ele não a ama grande.
Mas o que amar grande significa?
O pé de seu pai toca o dele em aviso quando Valentina volta para
mesa sozinha e senta-se ao seu lado com feições renovadas.
— Sinto muito pela minha reação. O anel é perfeito, eu amei.
Simples e delicado, é como dizem, menos é mais. — Ela se debruça e o beija.
Olha para Ângela esperando que se desculpe.
— Come querida, essas vieiras estão uma verdadeira delicia. —
Ângela sorri falsamente.
Raphael nota como o olhar de Valentina esfria.
— Imagino que sim, hoje é para comemorar. — Levanta a taça. —
Devemos fazer um brinde.
Saul chega em seguida e senta-se à mesa levantando sua taça.
— Um brinde ao casal!
A noite passa em um cessar fogo mútuo entre as mulheres. A mesa
não foi a mais cheia de risos, mas estava em uma atmosfera amigável.
Valentina se despede com um beijo acalorado no noivo.
— Desculpe por hoje, prometo te recompensar. Não demore no
escritório, faremos uma comemoração especial. — Ela entra no carro e dá
partida.
Será que eu a amo ou estou em uma zona de conforto?
Saul também se despede.
— Obrigado por ajudar a controlar a situação. — Agradece.
— Amigos é para essas coisas. Valentina é uma mulher maravilhosa,
fico feliz por vocês. — Ele acena para Gabriel e Ângela e também parte.
Raphael senta-se no banco ao lado do pai que está dirigindo.
— Viu o que eu lhe disse? Você não a ama, se amasse voltaria com
ela para casa e não estaria indo trabalhar na noite de seu noivado. — Ângela
pontua do banco do passageiro de trás.
— Mãe! Tenho que terminar o projeto, ela sabe e compreende. —
Afirma.
— Ainda há tempo, não se esqueça. — Ela contrapôs e senta-se mais
afastada no banco encerrando a conversa.
A viagem segue em silêncio, não havia trânsito neste horário e
Gabriel aproveita para acelerar um pouco.
— Pai? — O velocímetro mostra 120KM/h. — Pai!
A curva a frente é sinuosa e Raphael percebe seu pai com os olhos
injetados de medo, e o vê pisar apressadamente no freio.
— Não está funcionando!
— Querido!? — Ângela grita.
O freio de mão é puxado desesperadamente por Raphael mesmo
sabendo que isso poderia piorar por causa da velocidade, mas ele também não
funciona. A curva se aproxima e eles não sabem o que poderiam atingir.
Toda uma vida naqueles poucos segundos. Seu pai olha para sua mãe
pelo retrovisor e sussurra, eu te amo. Sente-se naquele instante a calmaria que
precede a tempestade, não existe medo do inevitável ou o pesar dos: deveria ter
feito… Raphael não tem arrependimentos, seu pai segura sua mão apertado.
— Você é meu maior orgulho, sinto muito. — Fala, quando o carro
atinge a mureta.
Os corpos envergam com o solavanco do carro, Raphael sente o
airbag batendo com força total no rosto e tudo acaba.

ÂNGELA

Ela assistiu por sessenta dias seu filho em coma, considerava uma
vitória cada novo dia. O viu perder peso, testemunhou quando teve parada
cardíaca, chorou por horas quando penteou o cabelo dele e mechas inteiras saiu
nas cerdas da escova. Os médicos lhe informaram que era por causa dos
medicamento, deu o próprio sangue quando ele precisou. Ela não podia perder a
esperança, rezou e pediu a Deus que intercedesse por seu menino. Raphael fora
tudo que sobrou do sonho que um dia teve.
Ele é seu milagre.
Começou com um movimento espasmódico dos dedos, depois ele
abriu os olhos, aos poucos foi acompanhando a melhora de seu filho. Choraram
juntos a morte do seu marido. O incentivou a melhorar e a dar o melhor de si
para sobreviver. Eles teriam muitas lutas para vencer e a melhora dele é a
primeira delas pois, ainda não havia lhe contado toda a verdade sobre o que
aconteceu depois do acidente.

RAPHAEL

Por sua mãe ele lutou, mas quando ela não estava por perto, se
permitia cair no limbo onde a tristeza o abraçava.
Ângela era a única presente, nos primeiros dias achou que ela não
havia divulgado a sua melhora, como não conseguia falar, não tinha o que fazer,
contudo os dias se tornaram semanas e ninguém o visitou. Entendeu que
somente sua mãe viria.
— O que aconteceu com o carro? — Pergunta assim que consegue
falar frases completas e não apenas balbuciar.
Queria saber o que deu errado, como se só assim seria possível dar
um encerramento.
— O seguro disse que foi falha mecânica, sem mais explicações,
apenas: Falha mecânica. Vou chamar a enfermeira. — Ângela o solta e sai em
vez de apertar o botão do lado.
Raphael sabe que ela fez isso para que ele não a veja desmoronar.
— Você avisou a Valentina que eu acordei? — Pergunta quando ela
volta.
O olhar de sua mãe foi de tristeza a ódio em uma única respiração.
— Ela disse que não poderia lidar com a situação e a carreira dela ao
mesmo tempo. Você pode constatar o que ela escolheu. — Fala secamente.
A enfermeira entra para fazer os procedimentos rotineiros e sentindo
o clima pesado, não se demora no quarto, e termina tudo rapidamente.
Desde quando acordou Raphael ainda não andou, apenas alguns
passos com ajuda da fisioterapeuta, com sua mãe visivelmente abalada, se sente
determinado a animá-la. Com um pouco de esforço desce a primeira perna e a
apoia no chão em seguida foi a segunda, as pernas bambeiam e é preciso muita
força para se manter de pé, se sente aprendendo a andar novamente. Mais se
arrastando do que caminhando, se segura na cama e o que encontra ao redor até
chegar a Ângela, quando próximo suas mãos a segura e ela lhe dá apoio,
tornando o suporte que mantêm ambos em pé. Beija-a na cabeça, enquanto ela
chora em seus braços.
— Eu sinto muito por passar por tudo sozinha.
Ela o ajuda a chegar de volta na cama.
— Não sinta meu filho. Descanse, você não deve se esforçar. — Ela
senta na cadeira ao seu lado e segura sua mão, como se fosse criança novamente.
— Como está a construtora? Um acontecimento dessa magnitude
pode afetar o progresso dos contratos e projetos em andamento. Quem está
cuidando dos clientes do papai? Qual a repercussão sobre o acidente? — De uma
vez, solta a enxurrada de perguntas. Além de sua mãe, seu trabalho foi tudo o
que lhe restou.
Raphael percebe como sua mãe fica pálida com todas suas perguntas,
sabe que algo mais está acontecendo, ela desaba a cabeça sobre sua mão e
começa a chorar.
— Nesses meses aconteceram coisas das quais não consegui impedir.
Eu fiz o que achava ser melhor. — Soluçou.
— O que aconteceu?
— Depois do funeral de seu pai, Álvaro me procurou e mostrou
documentos que seu pai recebia propina das prestadoras de serviço para
favorecer nas licitações. Eu não acreditei e falei que era impossível, que Gabriel
jamais faria algo parecido, mas ele tinha papéis que comprovavam. A
construtora foi auditada e várias irregularidades foram encontradas nos projetos.
— Ela limpa o nariz com um lenço. — Foi uma avalanche de desgraça. Seu
nome foi citado em muitas das irregularidades, cálculos incorretos, uso de
material de baixa qualidade e tinha até risco de desabamento, estavam falando
em caçar suas credenciais, foram tantas as coisas… — Ela suspira pesadamente.
— Foi quando o diabo estendeu a mão. Álvaro ofereceu um acordo, haviam
várias multas, falavam de prisão e mandatos… — Ela divaga confusa.
— Mãe, qual foi o acordo?
— Usando clausuras de fraude do contrato de associação ele pediu a
construtora, nossos bens… enfim tudo. Disse que impediria que a notícia vazasse
e manchasse o seu nome e a memória do seu pai permaneceria intacta, mas ele
não arcaria com a falta de ética de nossa família. Para livrar você, concordei
desde que você também fosse protegido dos escândalos.
— Nada disso é verdade! Papai não roubou e nem foi desonesto e, eu
não fui negligente com meu trabalho. — Esbraveja.
— Eu sei meu filho, mas não temos como provar. Eles têm todas as
provas… Eu sinto tanto. Seu pai não tinha um osso ruim no seu corpo e ele deu o
sangue por aquela construtora… — Ela segura o choro.
Ele recorrerá para limpar o nome da família e obter de volta o que
lhe foi tirado.
— Como estão as finanças agora?
— Não muito, a maioria está cobrindo os gastos do hospital. Ficou o
seu apartamento, seu carro. Tenho minhas joias e o pouco que sobrou da venda
da nossa casa e uma apólice de seguro de seu pai.
— Você vendeu a sua casa? — Disse em choque.
Ela amava aquela casa.
— Era muito grande para uma pessoa só. — Afirma.
— Não! Eles não podem ficar com a construtora! — Protesta,
socando a cama de novo e de novo.
— Filho, ele fez isso, aquela cobra ardilosa deu o bote. Procurei
vários advogados e todos disseram a mesma coisa, o acordo era o melhor a se
fazer. Pelo menos assim você fica com suas credencias e sua reputação intacta
para poder trabalhar na área. Eu lutei meu filho, fiz o que podia, no entanto cada
vez mais o dinheiro se perdia e não podia esgotar nossos recursos. Eu não sabia
até quando você ficaria em coma. — Abraça-o.
— Sei como é teimosa, mãe. Quando diz que lutou, sei que lutou.

DOIS MESES DEPOIS…


Ao entrar em seu apartamento Raphael nota que as fotos de Valentina
não estão mais expostas.
— Vamos querido, você precisa descansar. — Ângela o leva para seu
quarto.
— Estou bem mãe, sinto-me ótimo. — Assegura com carinho. Ela
parecia ter envelhecido anos e não meses. — Acho melhor você ir descansar. —
Parecia tão pequena, nada remete a mulher que o criou. Não tem luz, está sem
seu brilho. — Deite-se e descanse, estou bem. — Assegura.
Os documentos da construtora estavam todos em uma caixa de
arquivo convencional que sua mãe deve ter levado para os advogados avaliarem,
papéis e mais papéis com acusações. Os valores roubados somavam um
montante substancial, mas não poderia ser rastreado nos paraísos fiscais que
haviam sido depositados e, toda e qualquer informação para recuperar a soma, de
acordo com os documentos, morreram junto com Gabriel e tentar encontrá-los
quebrando sigilo levaria mais dinheiro do que poderiam pagar. Os projetos dos
quais Raphael foi acusado de negligência tinham seus cálculos adulterados, mas
sabia que não havia sido ele.
Procurou pelo notebook e os projetos impressos que mantinha em
seu escritório e não os achou.
— Mãe?
Havia se passado três horas desde que falou para ela descansar,
sentia-se mal por acordá-la, mas precisava saber.
Ângela acorda sobressaltada.
— Você está bem? O que houve?
— Não encontro meu computador e nem os projetos que guardo em
meu escritório. Você os guardou? — Ela senta.
— Eu não os vi. — Responde lentamente ainda atordoada de sono.
— Quem teve acesso ao meu apartamento enquanto eu estava no
hospital?
Os olhos dela se arregalam.
— Valentina! Ela foi a única a ficar sozinha no apartamento, me
entregou a chave alguns dias depois do acidente. Você acha que ela poderia ter
levado essas coisas, e ter ajudado o Álvaro? — Pergunta espantada.
Dias? E não semana ou mês. Dias!
— Não, ela não poderia. E ele não saberia onde e o que alterar. Foi
alguém da área de projeto, um engenheiro. — Afirma.
— Filho, Saul poderia fazer isso?
Raphael pensava quem na construtora poderia ter ajudado.
Teria que ser próximo suficiente de Álvaro para fazer as
adulterações.
Tempo depois se dá conta da pergunta que a mãe fez.
— Porque a pergunta?
Temerosa e com os lábios cerrados, Ângela pondera sobre a resposta.
— Ele e Sophie noivaram em uma comemoração discreta há poucos
meses, eu nem sabia que eles estavam juntos, Raquel contou quando a encontrei
uma vez na rua próximo ao hospital. Me surpreendeu, mas era tanto para se
pensar que não dei importância.
— Ele não trairia nossa amizade.
— Talvez ele não era o amigo que você achava que era. Ele nunca
foi te visitar no hospital e quando liguei para ele, recebia desculpas sobre como
estava atarefado. Quando as acusações surgiram ele não ajudou quando lhe pedi
ajuda e passou a ignorar minhas ligações. Ele não deu uma única palavra de
defesa sobre as adulterações.
A decepção que ela demonstra, não pode ser maior que a dele.
— Éramos amigos! Como ele pode?
Ângela acaricia o rosto do filho.
— Ele sempre foi um garoto fraco. Aparentemente julgamos todos à
nossa volta erroneamente, menos Álvaro, esse eu já sabia que não valia nada.
Mas Saul, essa cobra nós criamos, o que torna o bote ainda mais dolorido. —
Consola.

Leva alguns dias até encontrar Valentina, Raphael a espera por entre
as colunas do edifício do seu novo apartamento. Um prédio muito caro para ela
manter sozinha. De longe a vê com as mãos cheias de sacolas de grifes.
Seus olhos cravaram nos dela, que para a um passo de distância.
— Raphael? — Ela olha para os lados nervosamente. — Você
sobreviveu? — A língua se arrasta por seus lábios secos e pálidos.
— Não vai nem ao menos perguntar como estou? — Fala secamente.
— Claro. — Sorri sem humor. — Como está? — Os olhos castanhos
que um dia achou bonito, procuram por uma rota de fuga. Raphael dá mais um
passo e fica frente a frente com ela.
— Nada bem. E você deve saber o motivo. — Ela se afasta.
— Eu não sei do que você está falando? — Dá outro passo para trás
ele se aproxima.
— Será mesmo? Sumiram coisas da minha casa, o computador e os
projetos pelos quais fui acusado levianamente de negligenciar e corromper.
Quanto eles te pagaram? — A voz de Raphael fica mais grossa que o normal e
afiada como uma faca.
— Raphael, você deve estar confuso com o acidente… — Tenta
passar por ele, que a impede bloqueando a sua passagem. — Raphael…
— Valentina, tudo bem?
A voz do ex amigo chega quente como labaredas do inferno por suas
costas.
Ela corre e o abraça aliviada.
Entendi.
— Desde quando estão juntos? — Saul a segura olhando para ele
com indiferença.
— Quando perguntou se poderia sair com ela, nunca senti tanto ódio.
Eu nem sabia que vocês se falavam. Mas você sempre teve tudo! Deixei seguir
em frente, sabia que você não a manteria por muito tempo. Nenhuma garota
suporta ficar com você, era sempre trabalho e trabalho. Enquanto isso nos
divertíamos, quando você não estava com ela, eu estava. Não imagina quantas
vezes rimos a suas custas, ficamos nas festas em que estavam. Você a exibia e eu
a degustava. No dia de seu noivado a fodi no banheiro do restaurante, você
filhinho da mamãe, era nossa preliminar.
O punho de Raphael atinge em cheio a mandíbula de Saul, como se
sentisse fome e socar o ex amigo fosse o melhor alimento, por isso o acerta uma,
duas, três vezes.
Os gritos de Valentina o impulsiona a bater mais.
— Olha só quem aprendeu a bater! — O nariz sangrando e a boca
cortada não impede Saul de provocar.
Então o acerta de novo, se esquivando de cada golpe que Saul tenta
revidar até fazê-lo cair no chão.
— Você armou e fraudou os projetos! — Brada furioso.
Saul cuspe sangue no chão da rua vazia, o único que observa de
longe é o porteiro do edifício, que parece não estar surpreso com o que via.
— Você não tem como provar, não tem mais nada. Eu ganhei, tenho
tudo.
Raphael não reconhece a pessoa que encara no chão.
Como Saul pode esconder tão bem a verdade sobre si mesmo?
— Nunca foi uma competição.
— Sempre foi.
Enquanto discutia com Saul, Valentina ligava para polícia.
— Não perca seu tempo. — Disse a ela. — Talvez você deva saber,
ele não se casará com você. Se eu não te amei, ele amou muito menos. Você
pode pensar que terá tudo com ele, mas garanto ele te usará e a jogará fora. —
Sorri friamente. — Ele está noivo da Sophie e você é nada além de passatempo.
— Ela olha para Saul com raiva.
— Noivo? — Diz olhando para ele ainda no chão.
Saul levanta com as mãos para segurá-la.
— Calma, não é o que você está pensando! Eu contaria no momento
certo.
Sorrindo Raphael se afasta.
— Quando estivesse casado com ela!? — Ela grita.
A adrenalina corre a mil em sua circulação, o ódio não foi aplacado
mas estava minimamente saciado. Caminha para o único lugar que desejava estar
desde que se recuperou plenamente. Ao passar no lobby, Jesus, o porteiro, o
reconhece e libera a entrada.
— Menino Raphael, você acordou! Minha esposa orou todas as
noites para que se recuperasse. — Ele sorri afetuosamente e quase quebra a fúria
que o alimenta.
— Jesus diga a sua esposa que agradeço as orações. Vou subir, tenho
que prestar algumas contas. — Jesus acena percebendo o estado de espírito de
Raphael e as marcas no punho.
Enquanto o elevador sobe, sente seu coração acelerado, quando
chega no último andar abre a porta abruptamente da recepção.
No escritório que era de seu pai todos os olhos estão nele, sua antiga
sala está com nova identificação: Saul. A secretaria Lysebel parece ver um
fantasma.
— Senhor Raphael, deixa-me anunciar a sua presença. — Fala
apressada.
— Agora sou a porra do senhor Raphael! — Passa direto por ela indo
para segunda maior sala do andar.
Entra surpreendendo o ocupante. Raphael vê vermelho, o gosto do
sangue na boca é combustível para sua fúria. A força antes desconhecida vem
novamente para se alimentar.
Golpeia.
— Seu bandido. Você roubou minha família! Essa empresa foi criada
pelo meu pai! Seu canalha!!
Mãos fortes o separam de Álvaro, seus punhos estão famintos e
mesmo longe do alvo pareciam não querer parar e acerta quem o segura.
— Levem esse homem para fora desse edifício, ele está proibido de
entrar novamente! — Álvaro levanta cambaleante e caminha na direção de
Raphael. — Saia e não volte mais! Ou encherei você com tantos processos que
levarei cada centavo restante de sua mãe. — A voz fria e odiosa crava na pele de
Raphael que se impulsa sobre quem o contêm para atacá-lo. — Leve-o e proíba
sua entrada.
Arrastado por dois seguranças por todo o andar, ele olha uma última
vez o lugar que considerava sua segunda casa.
Caminhando a esmo pelas ruas sem saber para onde ir, deixando seus
pés o levar onde quer que fossem. Já estava escurecendo quando chega a entrada
do cemitério, entra a passos lentos absorvendo aquele silêncio sepulcral e para
em frente a lápide de mármore com o nome do pai e os dizeres:
Amado pai e marido
— Como pude ser tão cego pai? — Senta-se na grama em frente a
lapide.
A resposta não vem. Nunca virá.
— Se tivesse sido eu, você saberia o que fazer agora… farei tudo que
for preciso para cuidar da mamãe.
O vento toca seu rosto. Minutos se passam.
— Eu te amo pai.
Sente a derrota o possuir e quando se levanta já não é mais o menino
doce que viveu e cresceu rodeado de amor, esse se enterrou tão fundo quanto a
cova de seu pai.
O mundo a partir de agora não tem mais cor.

CINCO MESES DEPOIS…


— Porque essa ilha? Poderíamos mudar para longe de tudo e todos.
— Assegura irritado.
— Quando seu pai se aposentasse, era aqui que iríamos morar, assim
não ficaríamos longe de você. Poderíamos visitá-lo e você poderia nos visitar
com frequência. — A voz calma de sua mãe não foi capaz de esconder a dor por
detrás das palavras.
A Ilha de São Pedro é o maior distrito de Paraíso, que tem mais duas
ilhas menores e não povoadas, suas praias em alta temporada ficam cheias de
turistas aproveitando as águas claras e paisagem exuberante, mas fora de
temporada os poucos moradores fixos trabalham principalmente com pesca.
— Tem certeza de que é esse o lugar? A casa parece precisar de
muita reforma.
O casarão de dois andares parece ter sido abandonado por anos, as
paredes estão pichadas o terreno está tomado pela grama alta e todas as janelas
parecem ter seus vidros quebrados.
— Sim é esse. Vamos se anime e veja o potencial! — Ela dá o
primeiro passo para entrar na propriedade abandonada.
Ele tenta, mas não consegue se animar com o lugar, ou qualquer
outra coisa.
— Mãe, espere.
Por meses Raphael tentou encontrar emprego, mas a notícia havia se
espalhado. Mesmo com suas credenciais de engenheiro e arquiteto não tinha
mais credibilidade no mercado de trabalho, ele havia sido destruído
profissionalmente.
— Olha esse espaço! Podemos fazer deste lugar algo viável, familiar
e agradável. — Ângela anda pelos cômodos.
— Levará cada centavo que ainda temos. — Alerta.
— Filho, essa ilha não tem nada parecido com que planejo, fiz uma
pesquisa de mercado e será perfeito para levarmos uma vida modesta. Em alta
temporada teremos bastante movimento e em baixa temporada também, já que
os moradores da ilha não têm nada aqui para se divertir. Daremos isso a eles, boa
comida, música e bebidas, muitas delas, pescador gosta de beber. — Se anima,
enquanto ele não sente o mesmo.
Ele não sente nada.
Prometeu cuidar dela, falhar não é uma opção e deixar que volte a
trabalhar em turnos fixos também não era.
— Podemos quebrar essas paredes e deixar o ambiente totalmente
aberto aqui na frente e, na parte de trás pode ser a área da cozinha, adega e
dispensa. — Raphael oferece desinteressado.
— Sim! E precisamos de uma área de música também! — Ela olha a
sua volta. — Podemos deixar o balcão aqui e faremos um palco naquele lado. —
Aponta para os fundos.
— Podemos expandir com mesas para o lado de fora e fazer um deck
de madeira de demolição. — Sugere.
— Sim, isso seria bom. — Andam mais pela casa e acessam o
segundo andar. — Dará um bom loft para você, tem um bom espaço. — Fala
olhando ao redor.
— Mãe… — Protesta.
— Ora menino, não me olhe assim! Você precisa de seu espaço, terei
tudo para me estabelecer no anexo do térreo. Essa escada tem muitos degraus
para subir e descer a todo momento. — Explica.
— Mas farei o melhor anexo.
— Não esperaria menos do meu filho. — Ela o abraça, mas ele não a
abraça de volta.
O oferta de compra pela casa foi aprovada e com o dinheiro que resta
Raphael começa a reformar. Marretar as paredes foi libertador para tenção que
seu corpo guarda, alívio passageiro, mas ainda sim alívio. A cada parede
destruída era como se fosse seu passado. Trabalho dia e noite, já que é o único a
fazer a maioria da reforma para manter o custo baixo.
— Acho que tenho um nome! — Ângela anuncia a suas costas.
— Qual? — Para de marretar.
— Chamaremos de Bar. — Ela fala fazendo floreio com as mãos.
— Bar! — Ele imita os gestos da mãe. — Só isso. — Ironiza.
— Sim, só isso. É um nome óbvio e fácil de se lembrar, além de
servir muito bem para dar como referência, as pessoas dirão: Siga e vire a
esquerda no Bar ou encontrarei você na frente do Bar. Entendeu?
— Sim.
— Bom, é fácil para se lembrar. Em outras palavras é legal. — Ela
checa o item em sua lista e sai deixando-o novamente com a marreta.
Marretar, marretar…
Destruiu sozinho cada parede e limpou os entulhos, o ambiente
estava totalmente aberto exceto por algumas colunas de sustentação que
manteve. Próxima destruição: o piso com a ajuda do pé de cabra e a amiga
marreta volta a destruição.
A reforma leva mais tempo do que imaginavam, tudo fora renovado,
o encanamento e a instalação elétrica. No anexo para mãe, a construção foi feita
do zero com espaço amplo e iluminado. Alguns de seus antigos moveis que ela
manteve guardado, decorou o ambiente que teve cada metragem aproveitada,
Ângela não se cansava de recusar a decoração luxuosa que Raphael escolheu,
mas ele fez mesmo assim. Ela trabalhou muito para lhe dar uma boa educação e
ajudar seu pai a realizar seu sonho. Um inferno, que não lhe daria ao menos o
mínimo do que tinha e foi roubado.
No andar de cima o loft dele é totalmente o oposto, não havia nada
além de móveis básicos e um banheiro simples.
O dinheiro transforma as pessoas em monstros, ele quer distância de
qualquer coisa que o lembre.
Luxo é, com certeza, uma delas.

Ângela e ele estavam terminando com a instalação dos elétricos


domésticos, quando escutam palmas.
— Vou atender. — Ela fala indo para porta.
Minutos se passaram e ela não voltou, todos os eletrodomésticos
haviam sido instalados corretamente.
Raphael entra no salão procurando por Ângela e a encontra
acompanhada de um homem e uma mesa cheia de aperitivos, lanches e garrafas
de sucos.
— Raphael venha! Temos um aspirante a cozinheiro e ele deseja se
candidatar a vaga, até trouxe várias amostras para experimentarmos. — Ela
morde um lanche e seu rosto fica lívido de satisfação.
O homem negro de estatura mediana e corpo franzino parece
familiar, a ilha é pequena e estão fora de temporada o que torna provável eles ter
se esbarrado em algum lugar por perto.
— Sou Luka! — Estende a mão. — Sua mãe é uma mulher adorável.
— Fala envergonhado enquanto Raphael o analisa decidindo se é bem-vindo ou
não.
Como ele não pegou sua mão Luka a abaixa timidamente.
— Luka, não ligue para ele, apesar desse cabelo e barba que o faz
parecer aqueles homens que vivem nas montanhas, ele é inofensivo. — Ângela
fala entre uma mordida e outra do lanche. — No grupo de caminhada tem uma
garota que está muito interessava em você meu filho. — Conspira.
Raphael a encara como se estivesse ouvindo a maior das ofensas.
— Não estou precisando de companhia. — Corta bruscamente. —
Posso comer ou é tudo para minha mãe?
— Pode pegar o que quiser. — Luka fala intimidado.
— Os rumores sobre o Raphael ser mal-humorado, como um urso
faminto que acaba de acordar da hibernação, é verdade. — Ângela aquiesce. —
Entretanto rapaz, você tem um objetivo e deu tudo de si para conseguir a vaga e
se para isso tem que ficar perto do Shrek, que assim seja. — Ela sorri
complacente para Luka depois de falar do filho como se ele não estivesse ao seu
lado.
Faminto Raphael arrebata um dos lanches, o cheiro faz seu estômago
gritar de fome. Na primeira mordida sente a explosão de sabor.
— É bom. — Fala de boca cheia.
Luka responde com um sorriso comprimido.
— Tenho um emprego?
Raphael senta-se ao lado da mãe e pega uma garrafa de suco,
reconhece o rotulo.
— Você é o garoto que vende lanches na praia? — Pergunta bebendo
o suco.
— Pretendo não ser em breve.
— Rapaz, você pode ser o que quiser, sua comida é muito boa! Sua
vida está na costa. — Ângela elogia.
— Morar na costa tem custo alto e vivo por conta, não conseguiria
me manter sozinho por lá.
— E sua família?
Ele amua, com a pergunta feita.
— Meus pais não me aceitam por ser gay e não seguir com o que a
religião deles pregam. Acharam melhor que eu fosse viver minha vida longe
deles. Minha tia ofereceu sua casa, ela mora aqui na ilha, é a dona do salão de
beleza. Eu ajudo com as coisas da casa e cuido da minha prima quando não está
na escola.
Raphael sabe que Ângela já o contratou, estava na cara que ela se
comoveu com a história dele. Por mais que o mundo tire dela, ela ainda é boa.
Ao menos um deles continua sendo.
— Você é perfeito para vaga, está contratado. O salário não será
muito, mas conforme tivemos um movimento melhor, poderemos negociar um
novo valor.
Como pensou.
Luka tem os olhos lacrimejados, mas se mantém composto.
— Obrigado. — Fala polidamente. — A coragem de vocês me
inspira. Quando vocês começaram a arrumar o antigo casarão, deixou todos
animados pois não temos nada assim na ilha. O mais próximo que temos é o bar
do hotel mas ele só abre na temporada e mesmo assim fica tão cheio de turistas
que nós, os locais, não nos sentimos bem frequentando o lugar.
— Por que ninguém abriu nada aqui antes? — Pergunta.
— As taxas que a guarda cobra é cara e o risco em não pagar é alto,
eu mesmo tenho que desembolsar quando vendo na praia, eles recolhem de
todos, do pescador ao dono do hotel, todos pagam. — Raphael e Ângela trocam
olhares de preocupação. — Vocês não sabiam? — Ele bufa. — É aqui que perco
meu recém-sonhado emprego. — Seus dedos fazem gestos de como se
evaporasse.
— Não sabíamos de taxa alguma, e não se preocupe, você ainda está
contratado. É ilegal cobrar taxa de segurança, porque todos pagam? — Ângela
indaga.
Luka olha para os lados e fala baixo.
— Se não pagar coisas acontecem, uma vez o dono do restaurante se
recusou a pagar e teve seu o estabelecimento assaltado duas vezes em uma
semana. Ninguém diz em voz alta, mas todos sabem que foram os próprios
policiais que são supostos a nos proteger. Irônico não?
— Acho que teremos visita em breve. — Raphael assevera.
— Achei que sabiam, sinto muito. Espero que vocês fiquem apesar
de tudo.
— Não é como se tivéssemos algum outro lugar para ir. — Ângela
fala.

UMA SEMANA DEPOIS…


As mesas recém-entregues estavam sendo arrumada no salão quando
dois guardas entram com postura rígida. Com a ajuda previa de Luka, Raphael
sabia quem esperar e passou a observá-los nas ruas e em como agem usando
técnicas de intimidação nas pessoas. Todos abaixam a cabeça com medo e
evitam até mesmo contato visual, quando a intimidação não funciona, eles não
poupam esforços em aterrorizar com suas armas. Sendo assim, se manteve
pacífico. Ângela não está longe, eles não tinha para onde ir já que todo o
dinheiro está empregado neste lugar. Cada mísero centavo foi investido neste
novo começo.
— Belo lugar vocês têm aqui! — O homem mais alto passa a mão
em uma das mesas fazendo barulho do contato dos seus dedos com o tampo.
— Obrigado. — Responde elevando a postura.
— Vocês estão a vésperas de inaugurarem o local. Deixamos vocês
se estabelecerem mas chegou o momento de falar sobre a segurança. — O mais
alto é o porta-voz, o outro claramente faz sua presença através da postura e face
violenta enquanto o encara. — Cobramos uma pequena taxa dos
estabelecimentos para manter a segurança na ilha, você entende,… Esse valor é
cobrado para melhor protegê-los. — A voz cínica e escorregadia força uma falsa
camaradagem entre eles.
O miliciano usa voz leve e passiva querendo fazê-lo acreditar que
fazem pelo bem, e não pensando em ganho pessoal. Uma vez que eles já
recebem salários para fazer exatamente o que estão cobrando para fazer.
— Quanto? — Corta as gentilezas sem sentido, o outro policial frisa
os lábios no canto com os olhos em expectativa.
— Direto ao ponto. Bom, gosto disso. — Entrega-o um papel com o
valor a ser pago, quantia notável, se julgar que ainda nem abriram o Bar.
Minha mãe, pense na mamãe.
Respira fundo se resignando ao que foi exigido.
— Certo.
— Melhor do que imaginava. — Ironiza o porta-voz enquanto o
outro intimidava com feições homicidas. — Você e sua mãe estarão protegidos.
— Ao ouvir citar a mãe, seus punhos cerraram.
O homicida está com brilhos nos olhos esperando um vacilo para
atacar.
— Obrigado. — Responde com voz baixa e fria, porém controlada.
Eles saem, o porta-voz não olha para trás, mas o outro não só olhou
como deu tapinhas na arma em sua cintura, em uma ameaça velada.
Luka entra logo em seguida apreensivo.
— Péssimo jeito de começar o dia no trabalho. Como foi?
— Não esperavam que eu fosse resignado, mas o número dois me
preocupa. — Luka começa a arrumar as cadeiras.
— Sim. Tomas é o que mais se deve temer, tem fama de ser violento,
muitas turistas tiveram problemas com ele. Ele as perseguem, fica em uma
fixação doentia mesmo se elas têm parceiros, acho até que prefere quando tem,
assim está pronta a receita para o desastre. Ele quase matou um cara em uma
briga. — Luka conta.
— E ninguém fez nada? — Raphael embraveceu.
— Como o que, procurar a polícia? — A sobrancelha dele levanta
indulgente.
— Merda.
Cuidar da mamãe, cuidar da mamãe…
— O que é aquela construção do outro lado da ilha? — Muda de
assunto.
— Era um monastério ou convento, algo assim. Está fechado há
décadas, dizem que é mal-assombrado, a maioria dos moradores evitam o local.
— Luka sorri pois todos parecem ter uma história diferente dos fantasmas que
vive do outro lado da ilha.
— Os mortos não causam problema, mas os vivos… esses sim
devemos tomar cuidado.

— O que você fez com seu corpo!? — Ângela esbraveja.


— É só uma tatuagem. — Responde indiferente.
Ela olha descontente os traços fortes do anjo sombrio tatuado na
maior parte das costas dele.
Em uma noite insone Raphael o desenhou, o ódio venceu a batalha.
Queria vingança contra todos que os traiu, queria o pai de volta, queria as
possibilidades que lhe foram tiradas com o acidente. Não podia voltar para
Paraíso e socar quem o havia traído, seu pai não voltaria dos mortos e sua mãe
nunca teria netos. Na hora de tatuar, o desenho do anjo. A dor das agulhas
enquanto pinta, foi como uma cura paliativa, quase um exorcismo que no fim
quem ganha é o demônio.
— Ela ficará para sempre. — Ângela afirma em choque. — Quando
fez isso?
— Faz um tempo, foram várias sessões. — Ele sente os dedos dela
passeando pelos traços cicatrizados.
— É bonito de um jeito triste. — Se afasta. Ele pode ver em seus
olhos que entendeu seus motivos. — Vista-se filho, o Bar abrirá em poucas
horas. — Ela beija seu braço, segurando-o mais tempo que o necessário. — Um
dia você encontrará o amor, não se feche para o mundo, ou você poderá não
reconhecê-lo quando ele acontecer.
— Não há amor quando tudo que tenho é ódio, não posso amar e
confiar quando tudo que conheço é traição. Nem posso ter minha própria
família!
Ela engole um soluço e sai.

— Ângela notou a mudança em seu filho, ele não sorri


mais e a felicidade parece um remédio amargo que deve
ser evitado, para ela é como ver um estranho habitando
seu corpo.
Nada nunca é somente bom e somente ruim, os dois
habitam o mesmo corpo.
“Eu não acredito que alguém, sinta o mesmo que eu sinto por
você agora. E todas as estradas que temos que percorrer são
tortuosas e todas as luzes que nos levam até lá nos cegam. E
no final de tudo, você é minha protetora”.
(Wonderwall – Oasis)
CAPÍTULO 17
ANTONY

— Papai!! — Ambas as crianças correm para ele na saída da escola.


— Fomos convidados para uma festa do pijama! — Gaia é a personificação da
alegria. Quando sorri seu rosto inteiro se ilumina. — Primeiro eu fui convidada e
rejeitei, porque o Gael não poderia ir, hoje a mãe da Ane disse que ele pode ir
também, então nós confirmamos presença!
— E quando tudo isso aconteceu? — Leo pergunta de mãos dadas
com Gael enquanto
Tony segura Gaia com uma mão e Leo com a outra.
— As negociações começaram na semana passada, não concordamos
com os termos estabelecidos inicialmente e decidimos negociar em conjunto.
Preferimos esperar antes de divulgar os resultados. — Gael fala como um
pequeno CEO.
— Talvez deixá-los ler seus livros de administração tenha sido
precipitado. — Leo avalia enquanto Tony responde com sorriso orgulhoso.
— De quem foi a ideia da negociar novos termos? — Ele pergunta.
— Meu, papai! Não aceitaria ir em uma festa sem o Gael, somos um
conjunto ou é nós dois ou nenhum, como você e a mamãe. — Tony reconhece
em Leo o mesmo orgulho que ele sente de como os filhos encaram seus
problemas. Ele fica ainda mais feliz quando são motivos de exemplo.
— Gael você está de acordo com esse termo? — Leo pergunta séria.
— Sim mamãe, somos um conjunto desde de sempre e para sempre.
— Afirma.
— Bom, se ambos concordam fico orgulhosa de suas capacidades em
gerenciar uma crise. Agora me pergunto Gael, você sabe o que acontece em uma
festa do pijama? — Ela senta no banco do passageiro do lado de Tony.
—Eu verifiquei as regras e condições para este tipo de socialização.
Não pode brigar e precisa ser educado com os convidados. As atividades
consiste em contar histórias de terror antes de dormir, brincar com o cabelo,
pintar as unhas e tem a guerra de travesseiros, mas está brincadeira vai contra a
regra da educação uma vez que não é civilizado bater nas pessoas com
travesseiros a ponto de ter penas voando por toda parte. Mas a anfitriã pode
quebrar os protocolos. Como convidado manterei a regra da educação e acatarei
o que for decidido por ela. — Discursa resoluto.
— Zhizn, acho que trocamos nosso bebê na escola, essa criança
discursando no banco de trás não pode ser nosso filho de cinco anos! —
Dramatiza e pisca para ela entender a brincadeira.
— Oh não! — Coloca a mão na boca chocada, olha para as crianças
no banco de trás.
Eles começam a rir.
— Papai, não fui trocado. Sou Gael e a Gaia também não foi trocada
eu cuidei dela.
— Será mesmo? — Fita-os pelo retrovisor. Eles seguram o riso e
ficam sérios. — Quantos anos vocês têm?
— Há dois dias fizemos cinco anos!! — Falam juntos.
— Ufa! São vocês mesmo, por um instante achei que não eram.
Tony finge limpar o suor da testa.
— Papai tolinho… Ninguém iria nos trocar na escola, sabemos nos
proteger, arrasaríamos com quem tentasse. — Gaia levanta os punhos cerrados e
faz cara de brava.
— Agora sim são meus bebês.
Ao chegarem em casa foram correndo contar a novidade para quem
estivesse no caminho.
— Senhor Miguel, fomos convidados para uma festa do pijama!
— Isso parece ser divertido crianças, qual coleguinha convidou
vocês? — Averígua ele.
— Ane, vamos comemorar o aniversário dela. — Miguel reconhece
o nome e meneia com a cabeça discretamente para Tony.
Está feito ele não precisa se preocupar, Miguel trará tudo que precisa
saber sobre a família que acolherá seus filhos junto com um plano para
segurança deles.
— Vamos contar para vovó e o vovô, com licença senhor Miguel. —
Gael se despede.
— Toda senhorita Gaia, senhor Gael. — Miguel deu-lhes passagem e
ambos correram para casa dos avós. — Trarei informação em breve. — Informa.
— Sabe, antes eu que fazia as verificações. — Leo protesta,
franzindo os lábios e enrugando o nariz.
Tony toca a ponta do nariz dela.
— Zhizn, você já faz tanto por todos nós. Esse serviço pode muito
bem ser realizado por Miguel. — Ele a abraça e beija sua cabeça.
— Mas acho que estou falhando com eles. — Leo continua.
— Nunca! Você não falha com qualquer um de nós, principalmente
com as crianças. — Assegura.

O dossiê da família de Ane é entregue logo depois do almoço.


Quatro pessoas: A mãe é ex-enfermeira deixou de trabalhar quando o primeiro
filho nasceu há dez anos. Jaime, estuda na mesma escola das crianças com
histórico de mal comportamento no ambiente escolar. Ane de cinco anos,
introspectiva apesar de falar com todos na sala de aula, tende a não se aproximar
muito das crianças, exceto os gêmeos. O marido é staff no hospital geral.
Sexta-feira chega e as crianças estão ansiosas. Paris os encheu de
advertência sobre o comportamento. A mochila de ambos foram equipadas com
roupas, pijamas e produto de higiene pessoal e o saco de dormir está enrolado e
preso está embaixo do braço de cada um.
Tony aperta a campainha e aguarda, não demora, o casal anfitrião os
recebe, todos sorrisos e educados nos cumprimentos.
As crianças entregam seus presentes a Ane que abre apressadamente.
— Foi eu que escolhi. — Gaia fala enquanto Ane desembrulha a
caixa com um vestido lilás de laços e um pouco de brilho.
— Olha mamãe é de princesa! — A menina fala contente.
— Lindo filha, o que se deve falar.
— Obrigado Gaia! — Sela com um abraço.
— O meu agora! — Gael oferece. — Eu escolhi esse.
A garota coloca o vestido ao lado e abre o embrulho, sua mãe fica
espantada.
— É muito, não podemos aceitar. — Ane segura o choro com a
recusa da mãe.
— Por que? — Gael pergunta compassivo.
— É um presente muito caro. — A mãe rejeita, enquanto o pai
observa indiferente.
— Nesse caso não deveria aceitar o presente de Gaia também, pois
custou duas vezes mais. A vovó encomendou em Paris de uma grife importante.
— Gael explica ingenuamente.
Tony assistiu os filhos junto com a mãe pesquisando as normas para
presentear alguém. Leo lhes disse que desde que não destoasse do que seria
comemorado, o presente não poderia ser recusado.
A mãe olha para o vestido com pesar e depois para Ane que segura o
choro, mas deixa algumas lágrimas silenciosas escapar.
— Aceite, as crianças escolheram os presentes especialmente para
Ane. Gael até instalou vários aplicativos de alfabetização para ela no Ipad. Nada
vale mais do que ver sua filha sorrindo. — Leo insiste e aperta a mão da mãe da
menina amigavelmente.
— Sendo assim, obrigado! — Ela agradece envergonhada a todo
momento olhando para o marido com descrição, mas Tony percebeu.
Ane volta a sorrir, Gael liga o tablet para mostrar os jogos que
instalou e os outros que ela pode querer instalar.
— Venham se despedir da mamãe e do papai! — Tony e Leo
esperam eles com os braços abertos e beijam cada um deles. — Amamos vocês!
— Te amamos mais! — Responderam em uníssono.
O pai da aniversariante os acompanha até a porta enquanto a mãe
leva as crianças para o quarto onde as outras já se arrumavam.
— Obrigado, seus filhos serão bem cuidados. — Fala olhando
exclusivamente para Leo e o decote de sua blusa.
Tony passa o braço em torno do ombro dela e ela passa o braço na
cintura dele.
— Não espero menos. Meus filhos são o que temos de mais
importante.
Ouvindo o aviso nas palavras de Tony o pai recua percebendo frieza
em seu olhar.

O sinal de alerta toca, vindo do celular de Gaia.


Tony levanta da cama caindo praticamente dentro da calça,
colocando uma camisa e prendendo a arma atrás no cós da calça cobrindo com o
casaco. Sai do quarto ao mesmo tempo que Leo, que está usando pantufa e
fechando o casaco por cima da camisola de seda preta.
Miguel
Estou dentro da casa.
As crianças estão bem, mas tivemos um
incidente.
01:24 am

Tony
A caminho.
01:24 am

Heitor, Paris e Naveen esperam na SUV que está ligada e pronta para
sair.
— Miguel está com as crianças e elas estão bem. — Tony avisa ao
entrar no carro com Leo em seu encalço.
A mãe de Ane se assusta ao abrir porta e encontrar toda a família
enchendo seu portal. Eles passam por ela sem amenidades, na sala estavam
sentados Gaia e Gael juntos de Miguel. O marido sentado na poltrona sozinho e
em pé estava Jaime, o filho mais velho e, em cima da mesa de centro uma
tesoura muito grande que não estava lá quando deixaram as crianças.
Podiam ouvir as outras crianças agitadas no outro cômodo da casa.
A mãe anfitriã fica atrás do menino de forma protetora.
— O que aconteceu? — Heitor inicia.
Gaia olhou séria para Jaime antes de iniciar.
— Acordei com Gael rendendo Jaime no chão e a tesoura estava
jogada perto do saco de dormir.
— Eu senti ele mexendo no meu cabelo e vi a tesoura na mão. O
golpeei e Gaia acordou e emitiu o alerta. — Gael termina.
— Vamos voltar para a festa, seus amigos devem estar preocupados.
— Leo acompanha as crianças para o cômodo onde estavam as outras.
Claramente ela não queria que eles vissem como seria lidado com o incidente.
Sozinhos com os pais e com o irmão de Ane, Heitor senta no sofá
tira a arma e coloca na mesa ao lado da tesoura, o pai se ajeita na poltrona agora
verdadeiramente preocupado. Todos na cidade sabem dos rumores que gira
entorno da família da colina, se ele tinha dúvida, agora não tem mais. A mãe
começa a chorar segurando ainda mais seu filho perto dela.
— Ele não tem culpa, é só um menino confuso. Por favor,… não nos
façam mal. — Ela implora.
Jaime encara a arma na mesa com olhos arregalados e um pouco
curioso.
— Eu falei para não fazer essa merda de festa do pijama, uma
celebração na escola seria suficiente. — O pai protesta, mas não pede pelo filho.
— Posso? — Naveen pergunta apontando para o garoto. Tony o
deixa lidar com a situação, já que ele está tendo visões do passado, quando
passou pela mesma situação que o filho, a diferença é que ele teve o cabelo
raspado e uma série de contusões.
Naveen caminha até ficar em frente ao garoto.
— Não… ele é só um menino… — A mãe olha suplicante para o
marido para que intercedesse por eles.
— Ele precisa de uma lição mesmo, quem sabe assim ele para de dar
problemas na escola. — O anfitrião brada com arrogância.
Naveen se abaixa ficando na mesma altura que o garoto. Do cós da
calça, tira uma faca de arremesso.
— O que você pretendia fazer com a tesoura?
Jaime com medo segura apertado a mão da mãe.
— Era uma brincadeira, eu queria cortar o cabelo dele. — Responde
amedrontado.
— Por que? — Aproxima a faca do garoto.
— O cabelo dele é de menina todo comprido e trançado, era só uma
brincadeira.
— Alguém nesta sala está rindo? — Naveen pergunta sério e Jaime
acena que não.
Tony senta ao lado do Heitor que segura sua mão notando a
instabilidade dele. Paris fica em pé encarando o pai do garoto como uma leoa
observando a presa.
— Isso por que não é engraçado, não se corta o cabelo das pessoas
sem o consentimento delas. — Gira a faca na mão e o garoto fica tão
aterrorizado que mija nas calças. — Não existe cabelo de menina e menino, o
que existe é preferência. Gael prefere o dele longo é uma escolha. Se sua mãe
quiser cortar o cabelo, será uma escolha dela também. Você entende isso? — O
garoto acena que sim. — A masculinidade não está em um corte de cabelo ou na
cor da roupa, você não deixa de ser homem se você usa o cabelo comprido, mas
deixa quando impõe a sua vontade sobre outra pessoa. Está me acompanhando?
— O punho da faca bate de leve na têmpora de Jaime, seus olhos arregalados
não desgrudam da faca.
— Sim senhor.
— Ótimo garoto! Mude a forma como pensa ou quando estiver maior
ninguém dará uma hora do tempo para ficar com você. O que quer ser quando
crescer?
— Médico como meu pai, mas não quero ser igual a ele. —
Responde de voz baixa.
— Uma profissão louvável, os médicos cuidam das pessoas. Você
deve cuidar delas a partir de agora e não violentá-las como fez hoje. Tenho sua
palavra de que cuidará das pessoas ao seu redor? — A faca gira de novo.
— Sim senhor.
— Agora sobre seu pai, me conte, por que não quer ser igual a ele?
Eu, por exemplo, queria fazer todas as coisas que meu pai faz, ele é um herói de
verdade. E o seu?
Jaime olha para o pai que se remexe desconfortável na poltrona.
— Eles acham que não ouvimos mas sabemos quando eles brigam. A
mamãe chora e no dia seguinte ela tenta esconder as marcas com as roupas ou
com o creme de cobrir, mas sabemos que elas estão lá. — Ele olha para mãe que
agora chora por outro motivo.
— Sinto muito Jaime, também não gostaria de ser como ele. Você
pode ser melhor e nunca mais intimidar as pessoas ou violentá-las de forma
alguma. Se seguir o que te falo, você será muito superior, todos gostarão de você
e não irão odiá-lo. — A faca volta para bainha presa nas costas. — Agora vá
para seu quarto se limpar, amanhã você acordará um novo garoto e será muito
melhor do que foi hoje.
— Desculpe senhor. Não sabia que a brincadeira fosse ruim, amanhã
eu vou me desculpar com Gael. — Naveen sorri agradecido. O garoto olha para
mãe uma última vez e sai.
— Mãe ele é todo seu. — Naveen levanta e senta ao lado de Tony e
segura sua mão. — Como fui?
— Melhor do que imaginava. Mas se houver uma próxima, melhor
evitar facas com as crianças, elas podem querer copiar o que fez e se cortar.
Nav meneia a cabeça ponderando e concorda.
Paris cerca sua presa.
— Odeio homens que violentam mulheres. — O anfitrião a olha
friamente. — Por que deixa ele fazer isso? — Direciona a mãe.
— Quando tentei ir embora com as crianças, ele ameaçou me tirar a
guarda deles, falou que juiz nenhum deixaria os filhos ficar com uma fracassada
como eu. O que eu poderia fazer? Eles são o que tenho de mais importante. —
Ela chora.
— Sei como é. — Paris olha para sua família sentada no sofá. —
Você quer o divórcio? — Paris pergunta.
— Deixei de amá-lo no primeiro tapa que me deu, o divórcio é tudo
que quis desde que as agressões começaram. Mas não posso deixar minhas
crianças com ele. — Miguel entrega uma caixa de lenços de papel que ela a
aceita.
— Você ouviu sua esposa? Você não é bem-vindo aqui e, ao ver
como estão suas crianças, também não é bom para elas. — Paris assevera.
— Você não pode… — O punho da Paris acertou a boca dele.
— Eu posso e vou! Miguel leve-o, talvez uns dias com a gente possa
ser benéfico para essa família. — Olha para a anfitriã. — Você se importa?
Ajudaremos no processo de divórcio e garanto que você terá uma boa pensão
para as crianças e o conforto de sua casa.
Os olhos da mulher brilharam esperançosos.
— Não me importo.
Paris sinaliza para Miguel que imobiliza o anfitrião com pouco
esforço e a ajuda de uma arma apontada para sua cabeça por Tony, Miguel o
algema.
— Por gentileza você poderia chamar minha filha, acho que já
atrapalhamos em muito as comemorações de hoje.
— Claro. — Antes de sair a esposa agradecida olhou para o marido.
— Adeus.
— Senhor, — Miguel se dirigi a Tony — Gohan veio me cobrir,
cuidarei do anfitrião aqui para senhora Paris e voltarei para liberá-lo.
— Ok Miguel.
Com aceno de cabeça ele leva o homem.
— Se você mijar no porta mala, farei você limpar com a língua… —
Miguel ameaça da porta.
Leo volta em seguida.
— Eles dormiram. Gael ensinou a todas como fazer as tranças do
Legolas, o quarto parece uma convenção de míni elfos. — Ela pega sua mão e
Tony leva a boca para um beijo casto. — Tudo certo? — Faz que sim. — Vamos,
no carro vocês me informam o que eu perdi.
— Você vai deixá-los ficar? — Heitor pergunta sabendo que não é
um comportamento normal para sua filha.
— Sei o que parece, não estou agindo como de costume, mas fiz uma
atualização no meu sistema interno. As crianças estavam ansiosas pela festa.
Quanto à situação de perigo, agiram corretamente, imobilizaram a ameaça e
pediram ajuda. Não sei vocês, mas parece que eles sabem se cuidar, então porquê
atrapalhar a diversão. — Afirma.
— Sim, Zhizn. Eles sabem! — Beija-a.
Naveen, sendo quem é, encheu a anfitriã de gracejos relaxando-a,
pois a mulher está em um misto de medo e felicidade. Tony ainda abalado fala
muito pouco e deixa que sua família lide com a situação ajudando a mulher se
recompor.
Uma hora depois de ouvir a mulher chorar e relatar sobre o que
sofria com o marido ela os acompanham até a porta agradecendo pela
intervenção deles e se desculpando pelas ações de seu filho.
— Se a cada festa do pijama for assim, vou abrir outro nicho para
caça.
— Naveen!!! — Todos exclamam, quando entram no carro.

MIGUEL

— Por que você continua transando comigo?


Miguel segura o zíper da calça que estava no caminho de ser
fechado.
O que responder quando você não sabe a resposta?
— Eu não sei. — Foi sincero. — Atração física, acho. — Termina de
fechar a calça.
Ela franze o nariz.
— Somente isso?
— Sim.
Observa-a se levantar da cama e caminhar até o banheiro. O corpo
lindo, forte, cheio de curvas, como não aceitar uma foda no meio do dia com ela.
— Não se apaixone. — Ela o alerta.
Ele encosta no batente da porta observando-a tomar banho.
— Não irei. — Não posso me apaixonar, meu coração morreu no
mesmo dia que minha família. — Contudo, não posso deixar de te desejar. —
Ela sorri com malícia.
— Somos como a droga um do outro. — Congela ao notar o que
disse. — Desculpe, não queria falar sobre drogas. — Arrepende-se.
— Eu estou bem, sua analogia não está errada. Usamos um ao outro.
— O chuveiro desliga, a toalha enrola o corpo perfeito. — Mas gosto de pensar
que somos amigos e isso vai além dos benefícios.
— Sinto-me melhor, faz anos que estamos assim. — Seus olhos o
encaram. — Não quero fazer seu trabalho mais difícil ao me ver com os outros.
— Não faz. — Ela reage com um sorriso brincalhão.
Já vestida, pega a bolsa no chão e ao passar pela porta ela passar ser,
Senhora Eleonora.

ANTONY
Miguel
Ela achou um novo parceiro.
10:25 am

Tony
Onde?
10:25 am

Miguel
Musico de rua.
Ela está tocando com ele no parque perto da
loja de decoração de festas.
10:26 am

Tony
Tocando na rua?
10:27 am

Miguel
Segue…
Arquivo de vídeo…
10:30 am

Tony
Mantenha ela em segurança.
10:33 am

Heitor
Tenho missão em oito dias quer ir?
10:47 am

Tony:
Não poderia existir timing
melhor.
10:47 am

Heitor
O que aconteceu?
10:47 am

Tony
Leo encontrou um novo
parceiro.
10:48 am

Heitor
Mas e aquele que ela estava saindo semana
passada?
10:49 am

Tony
Não era ele.
10:49 am

Tony
Tenho missão em oito dias,
você pode cuidar sozinha das transações
no banco.
10:50 am

Alina
Claro!
Tudo bem eu usar o chalé nos Alpes no fim de
semana?
10:50 am

Tony
Claro.
10:51 am

Naveen
Será uma missão de pai e filhos.
Paris ficará com a Leo trabalhando
remotamente.
10:51 am

Por que minha Deusa Lakshmi está tocando na


rua?
10:51 am

Tony
Pare de invadir meu celular!
10:52 am

Naveen
Não posso! Você recebe muitos nudes.
É viciante!
10:52 am

Tony
Você é impossível!
10:53 am

Naveen
Tento ser.
10:53 am

— Toc, toc? — A voz cadenciosa vem do outro lado da porta.


— Quem é?
— Eu amo. — Responde.
— Eu amo quem?
Ela abre a porta.
— Não sei. Me conte? — Ela dá a volta na mesa para sentar em seu
colo.
— Você, eu amo você! — Abraça-a. — Como foi as compras para a
festa das crianças?
— Boa. Para aniversário de seis anos só encontrei temas muito
infantilizados. Fiz o melhor que pude juntando umas coisas aqui e ali, será uma
linda festa de Fundo do mar. — Beija seu rosto. — E você, como passou a
manhã?
— Bem. Uma das empresas que invisto fez avanços na pesquisa de
um novo medicamento. Comprei várias ações em baixa e, quando eles
divulgarem os resultados, poderei vender e lucrar quase três vezes mais. — Se
gaba.
— Olha só para você, todo CEO implacável, fica ainda mais perfeito.
— Beija-o na testa.
— E sobre sua nova amizade?
— Chamber é músico de rua, ele é legal. E seu desejo é uma boa
cena, farei ele gostar muito de cada momento. — Ela está pensativa. — Não
tenho esperanças… — Afirma. — Apenas sei…
— Como?
— Do mesmo jeito que você tem certeza de que sou a sua única. —
Embala-a nos braços.
— Eu tenho um buraco negro que não para de me consumir.
Encontrei minha paz em você. Mas isso não significa que fui curado, nada foi
guardado ou protegido. Tudo em mim foi contaminado. Mas você, minha Zhizn,
tem algo para compartilhar com a pessoa certa e eu tenho certeza de que irá
encontrá-lo um dia. E quando acontecer, nossa felicidade será completa porque
você encontrou a sua paz. — Encosta a testa na dela.
— Você é minha melhor parte. — Declara.
— E você a minha.

ANIVERSARIO DE OITO ANOS…


A decoração para festa está sendo finalizada. Gohan vigiava todos os
prestadores de serviço de perto. As áreas de refeição estão sendo montadas em
baixo de uma tenda branca. No jardim, foram espalhados brinquedos e, na
piscina uma tirolesa para as crianças. Leo e Paris fizeram tudo como as crianças
pediram, até mesmo um estande de pintura com míni cavaletes, como Gaia
queria.
— O quê acha? — Leo engancha o braço no dele.
— Com certeza vocês se superaram esse ano! — Leo sorri satisfeita.
Depois que a mãe de Ane falou como a família é maravilhosa, que
não são o que as pessoas falam, todos os pais da escola ficaram ansiosos para
conhecê-los ou receber um convite para as festas de aniversários. A melhor coisa
para Tony foi fazer as festas de pijamas em casa. Isso os elevou a um novo
status, dizem agora que são a realeza, mas os comentários e receios ainda
existem de forma velada.
Agora tem mais pais do que mães na saída da escola, claro que Tony
sabia que olhavam para Leo, Miguel já o havia alertado para o fato. Mas flertar
com a mãe dos seus filhos na porta da escola, é muita audácia. O mesmo vale
para os sorrisos que recebe de mães solteiras e algumas casadas.
Como se ele e Leo fossem dar uma hora do um dia a eles, a escola
das crianças é um limite rígido. Mas talvez devesse falar com Nav, uma ou duas
mães já vieram perguntar o número de contato dele.
Naveen é um caso perdido nesse sentido.
— Papai, mamãe!? — Gaia chama — Olha como essa roupa é
bonita! Eu tenho colete, bota e chapéu de explorador. Podemos brincar de
Indiana Jones depois?
Se abaixam para ficar na altura dela.
— Claro que sim! Vamos prender a mamãe com cordas e nós três
iremos salvá-la da morte iminente. — Gaia abre a boca em espanto e pula
passando o braço envolta dele. — Mas se você está aqui, onde está o Gael? —
Tony pergunta.
— A vovó está trançando o cabelo dele. Mamãe posso brincar na
cama elástica?
— Claro princesa. — Correndo, ela os deixa. — Eles crescem
rápido.
— Eu sei, eram tão pequenos e indefesos. Hoje negociam acordos
para festas de pijamas e ajuda os colegas na sala de aula.
“Eles dominarão o mundo.” Leo profetizou.
Tony só quer viver para assistir a tudo isso.
Os convidados chegam e, como indicaram nos convites, em vez de
presentes pediram que doassem a uma instituição qualquer quantia. Filantropia
passou a ser o passatempo preferido de Leo. Além do que já faz para os negócios
da família, ele ainda tira tempo para poder ajudar organizações de saúde,
entregar medicamento e comida em área de guerra, ajuda a preservar animais em
extinção entre muitas outras.
Aparentemente a sociedade prefere se corromper a ajudar.
Paris aponta a lente da câmera.
— Digam X… — Leo e Tony se ajeitam com as crianças em frente
ao bolo. — Outra foto para o mural da família! — Fala após tirar.

— O tempo passa, mas algumas buscas parecem nunca


chegar ao fim. Leo por vezes se sente solitária, ainda quando
acompanhada. Feliz, mesmo que incompleta. Ela continua
sua procura, só não sabe o que exatamente o que procurar.
"Mãe há muitas de vocês chorando.
Irmão há muitos de vocês morrendo.
Pai nós não precisamos agravar e a guerra não é a resposta,
pois só o amor pode conquistar o ódio".
(What's Going On? – U2)
CAPÍTULO 18
MATEUS

— Você se arrepende de ter sido ordenado?


— O quê? Não! — Sente a boca ficar seca. — O que eu quero dizer
é, que talvez não devia servir desta forma, acho que meu trabalho aqui é
irrelevante perto do que as pessoas precisam em outros lugares.
— Quando você chegou sua pouca idade me receou, mas não me
enganei sobre a bondade que carrega. Esta paróquia também precisa de ajuda e
orientação. Aqui, é você quem pastoreia essas ovelhas. Não menospreze o que
vem fazendo. — Aconselha.
— Eu sei que é importante, mas não sinto que faço a diferença aqui.
Essas pessoas parecem não se importar com os desafortunados. Eles aceitam a
palavra, porém os vejo praticando o oposto. Elas parecem não querer mudar.
Temem o julgamento final e acham que vindo as missas nos finais de semana
estarão salvos. — Desabafa angustiado.
— A hipocrisia é uma pílula difícil de se engolir, mas é seu dever
orientá-los.
Para Mateus, o bispo é a personificação da paciência e benevolência.
— Pessoas passam fome e sofrem por esse mundo afora, sinto que
posso e deveria fazer mais por elas do que estando aqui, orientando pessoas, que
se sentem superior ao próximo.
— Há muitas formas de você trabalhar a serviço de Deus, nenhuma é
errada quando se trata de levar os ensinamentos e a palavra do Senhor. — O
bispo apoia a mão no ombro dele lhe dando conforto. — Tire está noite para
pensar. Saia e reflita sobre o que está te incomodando. — Aconselhou-o antes de
se afastar e lhe abençoou.
Sozinho com suas dúvidas, seus pés o levam a um bar estilo pub
onde está tocando música ao vivo. Senta-se o mais distante do agito das pessoas
ficando de costas para a porta. Não para se esconder, apenas por que não quer
falar com ninguém. A garçonete traz a bebida e ele toma imerso na música,
como se a ela estivesse refletindo seus pensamentos.
— Posso me sentar?
Mateus segue a voz e encontra os olhos mais verdes que já viu.
— Não me entenda mal, é que você está sozinho e todas as outras
mesas já estão ocupadas e, ficar no bar desacompanhada aparentemente é um
convite para os homens se aproximarem e serem inconvenientes. — Sorri com
timidez.
Mateus olha ao redor e percebe que de fato todas as mesas estavam
ocupadas. Não notou o tempo correr enquanto estava imerso em seus
pensamentos, no entanto, foi mais que suficiente para o ambiente encher.
— Fique à vontade. — O cavalheiro nele responde.
O vestido verde dela é da cor de seus olhos, discreto de mangas
longas e de tecido fluido. No pescoço ostenta um colar com pedras brilhantes,
que supõe ser bijuteria de qualidade pelo brilho que cada uma reflete de forma
única. O cabelo em degrade perfeito do castanho para o mel está solto
emoldurando o rosto delicado de maquiagem discreta e elegante. Nada nela
supõe parecer que procura por companhia, as mulheres que estão aqui para isso
estão vestidas de forma muito diferente dela.
Pode ser, apenas uma mulher querendo beber sem ser incomodada.
— Obrigado! — Ela sorri e volta seus olhos para a banda que toca,
deixando-o com seus pensamentos.
Três músicas depois, Mateus está curioso com a mulher à sua frente.
Quando os cabelos caiem sobre seu rosto, ela o coloca delicadamente atrás da
orelha fazendo a luz refletir na pedra do brinco, criando um facho delicado. Não
sabe se foi a bebida, a música ou o ambiente em geral, mas ansiou para que a
mecha voltasse a se soltar para vê-la prendê-lo novamente. Foi nesse momento,
que ela o pegou olhando-a, sorri timidamente para ele e volta sua atenção para
banda.
O que eu estou fazendo? Sou padre. Ignore-a!
Evita olhar para ela pelo tempo que pode, tenta voltar para sua
bebida e pensamentos, mas não consegue, pois continua intrigado com a mulher.
Em um dado momento, ela o encara. Aqueles olhos verdes e
intensos, parecem analisar sua alma.
— Suas verdades, por um desejo.
Ele tentou fitá-la da mesma forma, mas os olhos dela são como um
gramado molhado pelo orvalho, e depois de admirar por um tempo o reflexo do
sol começa a cegar.
— Acho que meu trabalho não faz a diferença que pensei que faria.
— Algo nela, o faz falar abertamente, deseja confessar-lhe tudo. — Quando fui
ordenado, pensei ter achado minha vocação, mas já não sei se foi o certo. Não é
a igreja que provém minhas dúvidas. Tenho esse sentimento de que deveria fazer
mais pelas pessoas necessitadas, não só espiritualmente, mas fisicamente
também. — Declara sentindo o alívio ao finalmente falar. — Eu tentei angariar
fundos, convoquei pessoas para ajudar… Mas nenhuma se preocupa
verdadeiramente com os que mais precisam. Elas Fingem não ver as pessoas que
precisam de ajuda, mas quando entram na casa do Senhor, se dizem arrependidas
e pede absolvição, se renovam em sua paz de espírito e quando saem… Repetem
o erro. — Bate o copo na mesa frustrado.
— Muitas verdades padre. — Ela leva o copo aos lábios rosados —
O que deseja?
— Ajudar as pessoas. O inverno está chegando e, os moradores de
rua não tem como se proteger do frio. Na campanha de agasalho consegui tão
pouco que não será suficiente para todos. — passa a mão no rosto frustrado. —
Tem uma família. Uma família inteira, pai, mãe e duas crianças que moram em
baixo do viaduto central em uma barraca de camping e, eu não posso ajudá-los
sozinho. A paróquia tem recursos, mas é para ser usado na reforma da igreja. —
Respira fundo. — Como posso reformar uma igreja, quando sei que uma família
inteira não têm casa e passam frio durante a noite? — Confessa.
— Desejo aceito padre. Nos veremos em breve. Obrigado pela
companhia agradavelmente silenciosa. — Ela se levanta e antes de partir, o
contempla por alguns instantes.
Ele a segue com os olhos e, a vê entrar em um carro preto de janelas
escuras.
O que foi isso?

CINCO SEMANAS DEPOIS…


As atividades da paróquia, o impediu de ir ao assentamento dos
moradores de rua para verificar como todos estavam. O pouco que arrecadou,
pediu que fosse entregue a eles por alguns bons paroquianos.
Quando finalmente consegue um tempo se surpreende ao encontrar
tudo vazio. É como se nunca houvesse pessoas morando ali. Preocupado, aperta
o passo até o viaduto para ver a família e não há ninguém e nem vestígios deles,
sem barraca ou crianças, nada.
Onde estão todos?
Senhor, proteja essas pessoas.
Caminha pela rua esquadrinhando cada beco a procura de um
morador de rua conhecido. Escuta risos de crianças se aproximando, mas não
repara e continua a procurar.
No primeiro momento, não os reconhece. Se não fizesse visitas a
eles, não os identificaria. Limpos e bem-arrumados, o homem está de cabelo
cortado e barba feita, a mulher está com o cabelo preso e as crianças sorriam
como nunca tinha visto.
— Padre, sua benção!
— Deus os abençoe. — Fala admirado. — Vejo que vocês estão
bem?
— Oh, sim. Estamos muito bem. Um anjo nos estendeu a mão e nos
ajudou — O homem exalta.
— Um anjo?
— Sim padre, um anjo. Ela nos deu brinquedos e uma casa de
verdade, com portas e janelas, temos dois banheiros dentro de casa, um só para o
papai e a mamãe. — Fala o menino mais novo todo animado.
— E vamos para uma escola, com uniforme e tudo. — Conta o mais
velho espelhando o mesmo ânimo do outro.
— Ora isso é muito bom. Quero muito conhecer está pessoa.
A mãe sorri satisfeita para as crianças.
— Vamos, irei lhe apresentar. — Ela anda sentido ao assentamento
em que estava há pouco, mas antes de chegar ao local entram à direita numa rua
pouco movimentada. — Ela apareceu há cinco semanas no viaduto e nos
ofereceu ajuda, nos levou a um hotel e até se desculpou por não fazer mais
naquele momento, mas garantiu achar um lugar melhor e fixo com espaço para
as crianças. Foi o que ela fez. Depois de quatro dias, ela nos trouxe roupas. Olha
esse casaco! — As roupas pareciam ser de grife. — Eu acho que deve ser dessas
confecções importantes.
Mateus reconhece a marca, Burberry. Uma vez sua irmã comprou
um casaco que levou dois meses de salário para pagar. Com olhar mais crítico,
analisa as crianças que corriam a frente, as vestes não são apenas boas, são de
qualidades. O mesmo acontece com o pai.
— Quando essa mulher apareceu como ela estava vestida? —
Pergunta descrente.
Será?
A mulher refletiu.
— Verde. Ela vestia um vestido verde de mangas longas.
Não pode ser…?
Ou pode?
— O que mais ela fez? — Mateus continua incrédulo.
— Ela nos deu uma casa toda mobiliada e com a despensa cheia. Nos
arrumou um emprego e conseguiu bolsa integral em uma ótima escola para as
crianças. Agradecemos toda noite por ela ter sido colocada em nosso caminho.
— Emprego? Onde?
— Ela queria ajudar a todos que quisessem ajuda no assentamento,
então nos contratou para ajudá-la com informações dos moradores de rua. Eu e
meu marido coletamos informações de cada um. Graças a Deus não temos
problemas com drogas nas ruas de Salon, assim não tivemos que lidar com
viciados. Descobrimos várias pessoas doentes e ela os encaminhou para uma
clínica para tratamento. Os idosos foram para uma casa de repouso com pessoas
especializadas. O restante dos desabrigados, ela levou para um centro de apoio
com quartos, banheiros e refeições. Os mais jovens, estamos encaminhando para
escolas e os mais velhos, aos poucos estamos conseguindo empregos até que
possam caminhar por conta. Ela estabeleceu três regras para que eles possam
ficar:
1. Não roubar, nem dentro e nem fora do centro.
2. Sem brigas.
3. Manter o local limpo e organizado.
— O que acontece se quebrar as regras?
— Tivemos um garoto metido a valentão que roubou e brigou, ela o
levou. Por uns dias não tivemos notícias dele. — O marido sorri de canto ao
ouvir a mulher contar. — Ele voltou outra pessoa, é agora o que mais ajuda no
centro. Perguntei a ele o que aconteceu, ele não diz nada, mas pela cara dele, seja
lá o que lhe aconteceu, ele não quer se repita, e orienta os outros sobre não
quebrar as regras. Quando ela chega no centro de apoio, ele anda atrás dela como
cachorrinho.
— Ela frequenta o lugar?
— Sim. Ela vem uma vez por semana dar aulas de culinária, mas não
dessas cheias de frescuras, ela ensina como aproveitar cada parte dos alimentos.
Da casca, ao talo.
— Isso parece incrível!
Eles pararam em frente a um galpão que antes estava abandonado e
agora está reformado.
— Como ela fez isso?
— Ela conhece pessoas. Bom, foi o que ela respondeu quando
perguntamos a ela.
Admirado com a estrutura e em como tudo está mudado. Mateus
passa por uma quadra poliesportiva recém-pintada.
— Como ela mantêm esse lugar? — Contornam o edifício ignorando
a porta de entrada principal.
— Ela conseguiu doações generosas para iniciar o projeto, um cantor
famoso chamado Chamber, doou uma gorda quantia. O professor Samuel, não
ajuda financeiramente, mas orienta quem precisa nos estudos. O doutor Tiago
trouxe uma equipe inteira para fazer exames e se colocou à nossa disposição
para emergências. O senhor Otávio, um dos maiores agricultores do país, faz
doações semanais de legumes e frutas, tudo orgânico. — Ela abre a porta para
entrar.
A mulher tida como anjo está de costas, o cabelo preso numa única
trança, a blusa de lã rosa envelhecido, deixa seu ombro exposto de um lado, a
calça jeans apertada de cor escura acaba quando o coturno de couro preto e salto
médio começa. Quando ela olha para trás, seu sorriso se abre e Mateus vê o par
de olhos verdes mais lindos que já viu.
É ela!
— Senhora. — A ex-moradora a cumprimenta.
Ela se aproxima ficando em sua frente. Sua estatura baixa, o faz
olhá-la de cima.
— Estava imaginando quando você apareceria? — Oferece a mão.
— Eleonora.
— Mateus, Padre Mateus. — Corrige-se. — Desculpa, a reforma da
paróquia tomou muito meu tempo, queria ter vindo antes, mas não foi possível.
— Ela volta a sorrir. — E, eu nem sabia sobre tudo isso. — Justifica.
— Eu sei, as pessoas tendem a não olhar para esse lado da cidade.
Quer conhecer o lugar? — Atarantado apenas confirma — Temos meia hora até
o pão terminar de assar. Essa é a cozinha. — Não é uma cozinha simples, é
industrial com fornos verticais e fogões grandes. — Aquela porta é para câmera
refrigerada, usamos para manter os legumes e frutas. — Abre a porta revelando a
fartura de alimentos. — Um dos residentes deu a ideia de fazer pães e bolos para
venda e o valor ser revertido para centro. Você veio em um dia bom, estamos
testando algumas receitas. — Ela o deixou olhando, enquanto fala com a mulher
que o trouxe ao local. Quando volta, o puxa pela mão, fazendo-o sentir o calor
do seu toque. — Vamos, Irina cuidará dos fornos com os residentes. — Com a
mão ainda segurando a dela, segue seus passos por todo o local. — A lavanderia
é no fim do corredor.
— Por quê?
— Você me deu verdades e em troca lhe concedia um desejo, esse foi
o acordo. — Ela fala enquanto sobem as escadas. — Esse é o andar dos homens.
— O lugar está limpo e arrumado como a severidade de um quartel. Ainda de
mãos dadas, caminham até o final do andar. — Esses são os vestiários
masculinos. — O aposento é asséptico, todo branco e extremamente higienizado.
— Como você fez tudo isso em semanas? — Por mais errado que
seja, manteve-se segurando a mão dela, percebendo que há muito tempo
ninguém o toca ou ele toca em alguém. A não ser para distribuir bênçãos.
— Conheço pessoas que não hesitaram em ajudar quando pedi.
Trabalho com filantropia há alguns anos e até aquela noite, nunca pensei em
fazer a diferença em minha própria cidade, muito menos participar do processo.
Geralmente, o que faço é apenas angariar fundos e distribuí-los aos lugares
certos.
Mateus não se cansa de olhar para ela, cada palavra é como sopro de
esperança.
— Como nunca te vi antes, na paróquia? — Ela sorri benévola.
— Não sou religiosa. Nem mesmo acredito em Deus. — Foi direta.
— Por quê?
Como alguém que se dedica a ajudar tão abertamente o próximo
pode não acreditar em Deus?
Voltam a subir as escadas, ela ao seu lado. O perfume delicioso de
lavanda e algo mais frutado, torna a mistura única exalando dela.
— A vida me ensinou que nada nem ninguém viria me ajudar. — Ela
não olha para ele, mas também não solta sua mão quando ele a aperta para
confortá-la.
— Você nunca esteve sozinha.
Ela dá de ombros pouco abalada.
— Sendo assim, ele pode não ter gostado do que viu… Esse é o
alojamento das mulheres.
— As camas são todas de solteiro, e os casais?
— Eles dormem separados, mesmo as crianças que já têm idade são
separados por sexo. Para os bebês, temos berços próximos as camas das mães.
Esse lugar é para ser provisório. O intuito é fazê-los andar com suas próprias
pernas, se colocasse os casais juntos, eles poderiam se acomodar e essa não é a
finalidade do projeto.
— Ensinar a pescar é melhor que dar o peixe. — Ele responde
concordando.
— Eles tiveram uma palestra sobre educação sexual. Sei que sua
religião não apoia o uso de métodos contraceptivo, mas essas pessoas precisam
se cuidar, engravidar é o menor dos problemas, elas podem contrair doenças
sexualmente transmissíveis. É algo que devemos considerar para o bem deles. —
Ela o encara. — Gosto do seu novo líder mundial, ele tem ideias progressistas.
Espero que continue assim.
— Ele é um bom líder. Não se preocupe, eu entendo a necessidade
dos métodos e, de fato, acho retrógradas algumas coisas.
— Mais uma verdade padre? — Ela ironiza.
— Sim, acho que sim. — Voltam a descer as escadas.
— Essa é a sala comunitária para que eles assistam TV. — O espaço
é confortável, com uma tela grande e muitos sofás e pufes para todos. — Essa é
a brinquedoteca. — Abre a porta da sala colorida voltada para o público infantil.
Têm brinquedos sensoriais, livros e muitos acessórios para pintura.
— Isso é além do que sonhei.
— Que bom que gostou?
— Parece que Deus ouviu meus apelos.
Seu sorriso esmaece.
— Se meu irmão ouvir você agora, ele diria exatamente que tipo de
ajuda eu sou… Vamos, quero lhe mostrar o lado externo. — Tão rápido, ela
muda de assunto. — Temos segurança e assistente sociais vinte quatro horas,
além de uma psicóloga que vem duas vezes por semana.
Que pessoa ela seria, se não fosse uma das boas?
Passam pela área de refeição, várias mesas cumpridas, todas limpas e
organizadas. Uma coisa é certa, eles levam a sério a regra da limpeza.
Saem por uma porta na lateral e se depara com uma horta, ainda com
mudas pequenas, todas com placas de identificação.
— O que é isso? — Aponta para caixa grande fechada.
— É um caixa de compostagem, os lixos orgânicos são tratados e
devolvemos eles para solo. — Explica. — Temos coleta seletiva para o lixo
gerado aqui, e ali, — aponta para uma cisterna, — captamos água da chuva e
reutilizamos a mesma para irrigação da horta e também para limpeza.
— Você pensou em tudo!
— Não foi difícil, faço isso na minha casa. Talvez, se as pessoas
pensarem um pouco no planeta, tenhamos chance de um futuro. — Levando-o
ainda pela mão. — Esses são alguns dos painéis solares, tem mais na cobertura,
com eles podemos gerar energia mais que suficiente para manter o centro
funcionando e reduzir os gastos.
Fica de frente a ela, olhando para baixo, enquanto ela olha para cima.
Uma mexa de cabelo foge de sua trança. Ele a prende atrás da orelha como ela
fazia no pub, o gesto foi automático.
— Muito obrigado! — Agradece.
Sob o sol, os olhos dela ficam claros, quase transparente. Mateus fica
afetado com tamanha beleza.
— O desejo foi seu.
Sem se dar conta, sua mão, que antes estava no cabelo dela,
escorrega e parando em sua bochecha.
Tão macia e tão quente…
— Senhora Eleonora? — A mulher os encara da porta com
curiosidade. Envergonhado afasta a mão rapidamente. — Os pães estão prontos!
— Anuncia.
— Estamos indo, pode servir a todos por favor?
A mulher assente antes de sair.
— Tenho mais um lugar para lhe mostrar. — Ela volta a pegar a mão
dele. Entram e seguem pelo corredor até o final. — Essa é a sua sala! — Abre a
porta para um escritório simples, mas equipado.
— Minha? — Fica na porta sem querer entrar na sala sozinho com
ela.
— Sua, é o seu desejo. Você deve manter tudo funcionando. — Ela
fica do lado dele, seus braços se encostando.
— Não fiz nada para ajudar a construir. Não posso aceitar.
— É orgulho isso que está demonstrando? Seria isso um pecado?
Um riso escapa contido.
— Não é orgulho, não acho que seria correto. Você fez tudo.
Ela toca-o no rosto.
— Você é incrivelmente bonito quando sorri. — Com olhar terno
continua. — Fiz tudo e faria de novo se precisasse, mas não posso ficar com
mais esta atribuição, administrar nunca foi meu forte. O interesse passará rápido
e negligenciarei as responsabilidades. Irina e Vitor são ótimos cuidando de
todos, mas administração não é o que sabem fazer. Você entente que é necessário
alguém com experiência em administrar? Quem melhor que você, que já vem
fazendo isso ao longo dos anos na sua paróquia! — Acaricia o rosto dele, seu
cheiro é mais pronunciado por causa da aproximação do pulso. — Sei que você
já desempenha muitas funções. Esse local se mantém praticamente sozinho, mas
é necessário alguém para manter tudo sob controle. Aceite, por favor! — Ela
insiste.
Maracujá! Lavanda e flor-de-maracujá, é o seu cheiro.
Inala o pulso dela discretamente.
— Será uma honra.
O sorriso de resposta dela ilumina o vale mais sombrio.
Mateus está tão distraído por ela, que nem questiona os detalhes
desta decisão.
— Obrigado. — Ela se afasta e ele sente-se vazio sem seu toque. —
Estão nos esperando. Vamos, assim contamos a novidade.
A mesa está posta no refeitório com variedades de pães, o cheiro é de
dar água na boca. Todo o salão está com clima afetivo e caseiro, como Mateus
não sentia há muito tempo.
Eleonora pega uma fatia de cada pão e senta-se no meio das pessoas,
não os afasta ou se mantêm distante, como muitas pessoas fariam. Servindo-se
de uma fatia de pão e uma xícara de café, Miguel senta-se ao lado dela. Um
garoto se aproxima com uma xícara diferente das outas nas mãos e entrega a
Eleonora.
— Obrigada. — Ela agradece e o garoto sorri satisfeito. — Sente-se
aqui, quero saber qual você mais gostou. — O garoto senta ao lado dela e
Mateus do outro, ela bebe o conteúdo da xícara.
— O que ele trouxe?
— Achocolatado. Eu não bebo café. — Explica apontando para mesa
que tinha café e leite como bebida de acompanhamento.
— Por que do achocolatado?
— No orfanato em que morava, eles serviam café com leite, desde
pequena não gostava de café, enfim, um dia experimentei o achocolatado e foi a
melhor coisa de todos os tempos. Passei a ganhá-lo como regalia. — Morde sua
fatia de pão e se aquieta.
Talvez ela se identifique com essas pessoas. Por isso fez muito por
elas.
— Como as conquistava esse benefício?
Ela para de mastigar e engole rapidamente.
— Lutando. — Soa evasiva.
— Eles tinham aula de luta para as crianças?
— Pode se dizer que sim. — Volta a comer em silêncio.
Ele entende que talvez esse não seja um dos seus assuntos preferidos,
mas sente-se privilegiado por ela ter compartilhado com ele algo que claramente
não é agradável a ela.
A refeição foi farta. No fim, Eleonora anuncia que Mateus ficará no
comando, todos batem palmas alegres e três dos moradores se ocupam com a
limpeza e outros três com a organização.
As regras funcionam.
— Eu tenho que ligar para casa. — Aponta para o telefone e se
afasta.
Irina se aproxima.
— Ela sempre disse que você seria o responsável de tudo. — Afirma.
— Como?
— Quando ela nos encontrou, disse que veio em seu nome.
Chamamos ela de anjo, mas você tornou tudo isso possível. Obrigado. — Sua
mão aperta a dele. — Todos nesta cidade não sabem a sorte que temos em tê-los
morando aqui.
— Eles quem? — Pergunta sem entender.
— A família da colina, ela é uma deles, depois de tudo que ela fez, se
ouvir alguém falar dela ou da família eu direi boas verdades, seja para quem for!
— Fala firme.
Mateus não entende do que Irina se refere.
Eleonora volta com o celular na mão.
— Pronto para tomar posse? — Anima-se, juntos voltam para sala.
— Mostrarei a você tudo que precisa saber.
Eleonora lhe mostrou o programa que criou para gerir o lugar, lhe
deu a chave do arquivo onde fica os documentos importantes e também os dados
bancário.
— Nossa, esse valor é mais que suficiente para manter o espaço por
no mínimo cinco anos. Como você fez isso? De onde veio esse dinheiro?
— Eu lhe disse, trabalho com filantropia, procurar por bons doadores
é o que faço de melhor. Parte desse valor foi doado por um empresário
estrangeiro, ele ficou imensamente feliz em ajudar a causa. — As outras doações
vieram de amigos pessoais.
— O cantor, o médico, o agricultor e o professor?
— Sim, todos eles foram meus parceiros por um tempo. Eles são
bons homens e se disponibilizaram em ajudar com o que sabiam fazer.
— Parceiros? — Pergunta sem pensar. — Como namorados? —
Pergunta sem saber por que está tão curioso?
— Não, eu não namoro. Meu relacionamento com eles era
estritamente sexual. — Assume.
Mateus não consegue disfarçar o choque.
— Não fique espantado. Assumir minha vida sexual não é motivo
para se abalar!
— Eu sei. É que ninguém geralmente é tão aberto sobre isso,
principalmente mulheres.
— A sociedade nos ensina que se um homem sai com várias
mulheres está correto, é isso que se espera dele, mas se uma mulher faz o
mesmo, somos tachadas de muitos adjetivos pejorativos e passamos a ser
indignas. Eu não sou assim. O mundo é meu para tomar o que quiser dele, não
me importo com o que os outros falam. — Discursa firmemente.
— Abomino esses comportamentos, todos devem ser respeitados
como igual. — Concorda com ela.
— Cuidado padre. Assim você vai parecer um revolucionário e seu
destino será a fogueira. — Brinca.
Um riso encabulado ponta no canto da boca dele.
— Eu sempre prego o respeito nos meus sermões, vá em uma das
minhas missas e veja por si mesma. — Incita.
— Seria bom ver as caras que fariam ao me ver entrar na igreja. Você
teria muitos fiéis confessando seus pecados depois.
— Por quê?
— Minha família e eu, não somos bem quistos na cidade, não
importa o quanto fizemos, eles sempre têm o que dizer ou julgar. — Explica sem
abalo.
— Nunca ouvir falar de você ou de sua família. — Confessa.
— Por onde você esteve? — Ela zomba.
— Fui transferido há dois anos e não me relacionei com muitos, além
dos frequentadores da igreja e com os moradores de rua. — Assume.
— Sendo assim, deixarei que você faça à sua pesquisa sem minha
influência, no fim você dirá o que acha. — Ela termina e se levanta para ir
embora. — Essas são as suas chaves. Sobre o funcionamento de todo o prédio,
você pode falar com a Irina e o marido dela. Posso ter seu telefone, caso precise
falar com você?
— Claro. — Passa o número para ela.

Desconhecido
Esse é o meu!
10:23 am
Ele sorri ao ler a mensagem dela e rapidamente salva o novo contato
na agenda.
— Como e quando planejava contar sobre este lugar? — Pergunta
ainda duvidoso de como tudo ocorreu.
— Não sei, acho que seria assim: Você estaria no confessionário em
um dia de confissão, eu chegaria em um lindo vestido vermelho justo e decotado
com salto stiletto. As carolas ficariam alvoraçadas, mas você, dentro do
confessionário não percebe nada. Eu me ajoelharia…
Enquanto ela descreve a cena para ele, sua voz fica um pouco mais
que um sussurro, a imagem perdura em sua mente por mais tempo do que
deveria.
Ela, em um vestido justo marcando seu corpo e saltos alto,
ajoelhada olhando para ele o cabelo trançado, seus olhos focados nos dele
enquanto sua boca toma seu…
Não, não, não! É errado.
Sou exemplo! Sirvo a Deus e não aos meus prazeres.
— Padre? — Ela o chama, tirando-o de seus devaneios. Ele se ajeita
na cadeira para que ela não note o efeito das suas palavras. — Eu preciso ir. Se
importa de analisar os documentos sozinho? — Fez tanto para esconder, mas ela
lhe lança um olhar sugestivo e ele sabe que ela havia notado.
O sorriso predador naquele lindo rosto, é a prova.
— Não, tudo bem. Você mostrou como tudo funciona, tenho certeza
de que me viro. Caso não consiga, posso te chamar?
— Sempre que quiser. — Anuncia sedutoramente.
Três palavras. Ela falou três míseras palavras e seu corpo acendeu
como fogos de artifício.
O aroma dela fica na sala embalando sua mente e desconcentrando-o,
mesmo que tenha passado minutos que ela se foi. Com dificuldade de
concentração, analisa cada documento constatando que tudo está em ordem,
tendo até o mesmo contador da paróquia cuidando dos números do Centro de
Apoio Mateus Coelho. O seu nome. Ela deu o nome dele para o lugar.
Como ela sabia?

Mateus
Por que meu nome e como
obteve essa informação?
11:07 am

Eleonora
Porque você idealizou tudo e eu pesquisei
você.
Só fui um meio para o fim.
11:07 am

Mateus
Modesta?…
11:08 am

Eleonora
Nem de longe.
Tudo faz parte de um plano maior.
11:08 am

Mateus
Tem certeza de que não é
religiosa?
11:08 am

Eleonora
Meu plano não envolve religião…
11:09 am

Você é meu plano.


11:10 am

Fica olhando para tela do celular até se apagar, sem saber o que
pensar ou como reagir.
Essa foi a primeira noite em que sonha com ela, para seu desespero.
SEIS SEMANAS DEPOIS, EVITANDO A TODO CUSTO A
PRESENÇA DELA…
A Senhora Margarida ajuda preparar a igreja para missa junto com
alguns outros membros.
— Você conhece as pessoas que moram na casa da colina? —
Mateus pergunta.
Ela para de dobrar a estola e o encara confusa.
— Eles são tudo que tem de pior nesta cidade. Eles mandam em
praticamente tudo e vivem em uma comunidade sexual no topo da colina. Os
mais velhos se intitulam pais, mas eles têm quase a mesma idade! Tenho pena
das crianças que moram lá, imagina as atrocidades que devem ser obrigados a
fazer ou assistir.
E disse tudo isto na sacristia, enquanto ajuda a preparar à missa.
Julgadora?
O quê?…
Claro que não…
Imagina…
Mateus fica estarrecido com a postura de Margarida.
— Alguma coisa eles fazem de bom? Crianças? Eles têm crianças?
— Quem fez o quê? — Um dos ministros extraordinários da
comunhão entra na sacristia.
— Padre Mateus quer saber sobre o povo da colina. — Margarida
fala com desprezo. — Eu disse a ele como eles são pessoas ruins e da pena que
sinto das crianças.
— Não é bem assim Margarida, Salon estava mergulhada nas drogas,
a política e a polícia era corrupta e praticamente abandonou a população.
Quando chegaram, à cidade mudou da noite para dia. — Margarida bufa e sai
batendo os pés. Mateus o olha confuso. — O filho dela era um dos políticos que
tiveram que renunciar ao cargo. — O ministro sussurra a última parte.
— Como assim renunciar?
O ministro olhou para os lados antes de se aproximar.
— São boatos. Mas o filho dela e outros vereadores estavam
envolvidos em um sistema de desvio de verba, ele e todos os envolvidos
renunciaram. Dizem que foram os moradores da colina que os forçaram a sair.
Quem assumiu o cargo no lugar deles são mantidos na rédea curta. Os policiais
foram um caso diferente. Não foram forçados a se retirar, mas mudaram a forma
de agir e passaram a ser corretos. Dizem que muitos deles sumiram por dias e
quando voltaram eram outras pessoas. Os traficantes? Esses sumiram e levaram
as drogas com eles para fora da cidade. Dizem muito sobre a família, mas acho
que ajudou mais do que atrapalhou. Só as pessoas que perderam com isso é que
não gosta deles. — Olha sugestivamente para a saída por onde Margarida
passou.
— A cidade é uma das melhores que já vi, achava que era por ser do
interior. — Mateus fala pensativo.
— Não era, tínhamos muitos casos de assaltos e homicídios por
causa das drogas, muitos adolescentes foram perdidos, até eles aparecerem.
Sendo coincidência ou não, tudo parou. — Afirma.
— E as crianças que moram com eles?
O ministro sorri.
— Eles estudam na escola onde minha esposa é conselheira. Ela
sempre diz como eles são adoráveis, os gêmeos, o menino Gael e a menina Gaia,
são prodígios. Minha esposa sempre fala como eles são inteligentes e amáveis,
de uma educação suprema. Eles tratam as outras crianças como igual, não as
menospreza. Mesmo que, enquanto as outras estão aprendendo a ler, eles estão
fazendo dissertação de algum livro ou resolvendo equações matemáticas
avançadas. Tem momentos que eles agem como assistente da professora e
ensinam aos os colegas.
— E os pais das crianças? — Mateus está ávido por mais
informações.
— A família deles tem uma composição não convencional. Minha
mãe deu aula para a família inteira no curso para pais de primeira viagem no
hospital. Na época, teve muita fofoca por causa da gravidez da menina. O pai da
família se chama Heitor, um homem ruivo, tem tantos músculos que parece uma
montanha, sua esposa se chama Paris, uma mulher de pele oliva, parece
supermodelo de tão bonita que é. O filho mais velho se chama Naveen, é indiano
e forte como pai, tem fama de conquistador, mas ele não é mais velho em idade e
sim porque foi o primeiro a ser adotado. Eleonora é a filha mais nova e mãe dos
gêmeos, muito bonita, refinada como se fosse da realeza. Ela engravidou com
dezessete anos, o motivo de todo o falatório na época se deu porque o pai das
crianças é irmão dela. Antony, o gigante albino. Se o pai, Heitor, é uma
montanha de músculos ele é o Everest, apesar de ser o último em adoção ele é o
mais velho dos filhos.
Chocado interrompe.
— Irmãos?
— Pelo que disse, você percebeu como eles são muito diferentes um
do outro, isso é por que eles são adotados, ou assim dizem. A mãe e o pai têm
diferença de poucos anos entre os filhos. Também poderiam dizer que são todos
irmãos. Antony chegou alguns anos depois que eles se mudaram para cidade e a
menina engravidou. Todos os chamavam de incestuosos, mas como poderiam
ser, se não são irmãos de verdade? Apesar de apresentá-la como sua esposa e ela
como marido, eles saem com outras pessoas abertamente. Uma criança da escola
disse a minha esposa que queria que os pais dormissem em quartos separados
como os pais da Gaia e Gael, assim eles seriam felizes e não ficariam brigando o
tempo todo. — Ele sorri pensativo.
— Ele a trata como esposa, mas não vivem exatamente como casal?
— Investiga.
Por quê?
— Se você um dia ver eles na rua, perceberá que existe amor entre
eles de uma forma que não vemos muito mais. Antony nunca tira os olhos dela e
a trata como uma rainha. O dono da joalheria me contou que ele compra joias
sempre exclusivas para ela, ele é tão meticuloso que quando encomenda uma
peça sempre faz questão de pedir as pedras mais raras, nem se importa com o
valor. Ela não é diferente, venera ele e também adora presenteá-lo. — O ministro
balança a cabeça. — Muitos na cidade o invejam. Do dinheiro principalmente,
mas na verdade, deveriam invejar o amor que eles têm. Isso é único. Eu tive
minha cota de namoradas erradas até encontrar minha esposa, mas eles agem
assim desde sempre, como se estivessem nascidos um para o outro. Podem não
ser uma família ou casal convencional, quem sou para julgar, se para eles
funciona, que assim seja. — Termina.
Casada e filhos.
A missa passa em um piscar de olhos. A senhora Margarida entra na
sacristia para guardar a taça do vinho e a hóstia.
— Margarida, você sabe o que aconteceu com os moradores de rua
da cidade? — Ela o olha duvidosa.
— Espero que tenham mudado de cidade. — Desdenha.
Mesmo depois da missa e enquanto guarda à hóstia consagrada.
Olha para ela e percebe que por mais que passe os ensinamentos do
Senhor, não está sendo suficiente.
— Não, agora eles vivem em um centro de apoio. Não são mais
moradores de rua. — Fala com orgulho. — Talvez você devesse visitar e ajudá-
los, é bom para alma ajudar o próximo. — Ela o olha incrédula.
— Centro de apoio, quando? Como? Pensei que o dinheiro que
arrecadamos era exclusivamente para a reforma da paróquia. Não sabia que era
possível você usar esse dinheiro para financiar essas pessoas. — Acusa.
— Basta Margarida! Olhe a sua volta e veja onde está. Você fala
como se ajudá-los é menos importante que pintar uma parede. Você ao menos
ouviu meu sermão? Ouviu quando disse sobre amar uns aos outros como a ti
mesmo? — Ela abaixa a cabeça. — O dinheiro arrecadado na paróquia será
usado único e exclusivamente para a reforma da igreja e é o que está sendo feito.
O centro de apoio foi a Eleonora. Ela dedicou tempo, pediu doações e fez tudo
isso para ajudar pessoas em necessidade. — Seus olhos se alargam, Mateus
pode-se ver a dureza neles ao mencionar a Eleonora. — Ela ajudou essas pessoas
a ter um teto seguro sobre suas cabeças, ofereceu comida e um cobertor sem
pedir nada em troca. Em vez de julgar se espelhe na bondade dela!
Ela ri com desdém.
— Essa mulher tem fama! Mesmo casada, ela se deita com uma
enxurrada de homens. Nada que vem dela pode ser bom. Você só pode estar
enfeitiçado por aquela messalina! — Acusa furiosa.
— Esse adjetivo é novo!
Como se tivesse sido evocada de seus pensamentos proibidos,
Eleonora entra na sacristia usando vestido vermelho justo que marca as curvas
de seu corpo. No pé um sapato com salto fino, o cabelo solto em ondas grandes,
um colar com fileiras de pedras brancas e vermelhas menores intercalando e no
centro, uma pedra vermelha grande em formato de gota, e brincos combinando.
Diamantes e rubi, lembra da conversa de mais cedo:
“O marido a presenteia com joias caras e raras.”
Linda…
Não, não…
Ela se aproxima de Margarida.
— Se te faz se sentir melhor falar de mim, continue. — Sua voz
metódica não dá para saber se ela foi sincera ou ameaçadora.
— Você e sua família foram a pior coisa para essa cidade. — Acusa.
— Não acho. Está cidade estava morrendo quando chegamos! Mas
se você não está satisfeita em como ela está agora, fique à vontade para se
mudar. — A mulher se encolhe, se foi uma ameaça ele não sabe. — “Não
julgueis, para que não sejais julgados. Porque com o juízo com que julgardes
sereis julgados, e com a medida com que tiverdes medido vos hão de medir a
vós.” — Ela cita Mateus 7: 1, 2, pegando Margarida e Mateus de surpresa.
Com a fúria contida, Margarida foge da sacristia.
— Você está me evitando? — Foi direta.
— Você leu a bíblia?
— Sim. E também a Torá[18], Alcorão[19] e pelo meu irmão li os
Vedas[20]. — Se aproxima. — Sua vez. — Seu perfume embriaga-o.
— D… do quê? — Fala perdido, olhando para seus lábios rosados
hipnotizantes.
— Está me evitando?
Meneia que sim, agindo por impulso.
Um toque, só um toque…
Não, não…
Balança a cabeça para afastar os pensamentos impróprios.
— Não, quero dizer. Eu não te evitei de propósito. — Mente. Olha
para imagem de Jesus na cruz. Perdão. — Estava ocupado nessas últimas
semanas com a reforma. Meus horários no centro foram alterados. — Ela sorri
com malícia.
— Irina contou que você se mudou para a casa dos fundos do centro.
— Seus olhos brilham.
— Sim, percebi que tinha uma chave no molho que me deu, Vitor
disse que a casa era para o caso de eu querer ficar próximo.
— É sua, assim você não precisa se locomover da sua casa para
igreja e da igreja para o centro, fica mais fácil. — Ele confirma com a cabeça. —
Então não está me evitando? — Repete.
— Não. — Mente. Olha a imagem de novo. Perdão.
— Sendo assim, acho melhor eu ir. — Ela aproxima-se de seu rosto.
Sua pele toca a dele. — Não me faça voltar, da próxima vez, o vestido pode ser
menor… — Sente o arrepio na pele enquanto ela fala ao pé do ouvido.
— Eleonora eu não…
— Eu sei, você é ordenado, seu casamento é com Deus, seu dever é
ajudar as pessoas com os ensinamentos do Senhor. Mas isso não muda o fato de
que você é um homem e, a menos que isso na sua batina seja um microfone,
talvez lá no fundo eu tenha uma chance e não importa quanto tempo leve, eu
conseguirei o que quero. — Sua boca toca a bochecha dele. — Adorei a batina.
— Sente seu sorriso e frio onde sua pele não toca mais. A observa sair da
sacristia.
Olha para baixo encara a ereção latente.
— Seu traidor. — Olha a imagem. — Perdão Senhor, eu pequei.

UM MÊS E MUITA TENTAÇÃO DEPOIS…


— Eu a desejo cada vez que a vejo, tento evitar pensar nela, mas não
consigo controlar e quanto mais me afasto, ela volta mais tentadora. Meus olhos
a procuram durante as missas. A noite, ela é a última em meu pensamento e a
primeira quando acordo.
O bispo permanece insondável.
— Você não é o primeiro homem a ser tentado e não será o último.
Lembre-se de Jesus sendo tentado pelo diabo. Antes de ser padre você é homem.
Mas depende de você discernir o certo do errado. “Porque para isto sois
chamados; pois também Cristo padeceu por nós, deixando-nos o exemplo, para
que sigais as suas pisadas.” 1 Pedro 2: 21.
Mateus se afunda ainda mais de vergonha da sua fraqueza.

DOIS MESES DEPOIS, COM MUITA, MUITA TENTAÇÃO…


— Perdão padre, eu pequei… — A voz sussurrante ultrapassa a
divisa vazada do confessionário.
— Como? — Engole em seco.
— Eu o desejo, sei que é proibido. Mas o desejo cada vez mais. Nas
manhãs eu o observo de longe quando corre, fantasio ser suas gotas de suor só
para tocar seu corpo. Venho as missas apenas para ter seu olhar sobre mim.
Invejo Deus, por você escolher ele e não a mim! A noite eu me toco pensando
em você… Imagino sua boca tomando meu corpo, me dando prazer… — Cada
palavra de Eleonora é um golpe em sua carne. — Seu corpo tomando o meu,
preenchendo-me… imagino você, duro, com estocadas fortes, tomando tudo a
seu bel prazer. Beberia de você e levaria cada centímetro seu em meus lábios,
deixando-o ir cada vez mais fundo até você explodir em minha boca…
Ele nunca esteve mais duro.
— Perdão padre, mas enquanto me confesso estou me tocando. — A
mão dela espalma na tela do confessionário. — Eu o desejo tanto, que sua mera
aproximação faz meu corpo queimar. Queria a sua mão onde a minha está agora,
seria tão bom… — Ela geme em meio sua confissão.
Foi o suficiente para ele gozar nas calças como um adolescente.
Quando olha o confessionário, nota que está vazio. Corre para fora a
tempo de vê-la saindo com o andar sedutor em seus saltos altos.

Eleonora
Voltarei…
02:20 pm

UM MÊS, COM MASTURBAÇÃO DIÁRIA, DEPOIS…


— Ainda acho que poderia fazer muito mais do que atuando apenas
na paróquia. Há tantas pessoas precisando de ajuda. — O bispo o olha de
soslaio. — Muitos ainda passam fome e quase ninguém vela por eles.
— Você é o que chamam de espírito livre. Decida-se. “Bem-
aventurados os pacificadores, pois serão chamados filhos de Deus.” Mateus 5: 9
— Aconselha.
UMA SEMANA DEPOIS, COM DÚVIDAS, TENTAÇÕES E
MASTURBAÇÃO CONSTANTE…
— Perdão padre, eu pecarei… — A voz de Eleonora acende seu
corpo, como se ele respondesse somente a ela.
A porta do confessionário abre abruptamente, ela está na frente dele
coberta com sobretudo preto de três botões e botas de veludo vermelho cano
longo e salto fino, cabelo trançado e brincos de diamante, o mesmo da primeira
vez que a viu.
Ela abre o primeiro botão, o segundo e o terceiro. Não veste nada por
baixo. O corpo parece esculpido de tanta beleza. Nunca imaginaria alguém tão
linda. A mão dela pega a dele levando a tocá-la, começa por seus seios fartos. Os
mamilos, endurecidos, fez sua boca salivar, a mão desce explorando-a, agora
está sozinha e sem o auxílio dela. Ao tocar o clitóris inchado Mateus sente o
quanto ela está encharcada, seu pênis se congratula ao som de seu gemido.
— Beba-me! — Os olhos verdes estão escuros e excitados.
Ele cai a seus pés. Sua língua leva tudo de Eleonora. Como um
homem perdido no deserto, quando encontra um oásis, ele a bebe perdidamente.
Com urgência, se levanta e olha ao redor para se certificar de que estão sozinhos.
Leva-a para dentro do confessionário para que ninguém a veja.
Assistindo-o se despir, do casaco ela pega o preservativo e entrega a
ele, que veste imediatamente.
Mateus quer seu corpo roubando o calor do corpo dela. Mantendo-a
de costas apossa-se dela como se sua vida dependesse de senti-la profundamente.
Seus alaridos se unem ao dela, o pênis é aprisionado em sua cavidade aveludada
e escorregadia.
Com um braço esquerdo cobre um seio para que a mão possa segurar
o outro, o braço direito à segura apertado pela cintura mantendo-a junto a ele.
Mateus a protege como um escudo. Com fome dela, a devora com desespero e
paixão, beija e lambe seu pescoço, inalando e provando aquela que ele cobiça
pecaminosamente por meses. Ele goza com força quando ela se desfaz. Segura-a
apertado até sentir o frio da primavera os esfriar.
Não demora e lhe vem a dimensão de seu ato.
— O que foi que eu fiz? — Não é possível mensurar a culpa que
sente.
Ela se afasta e olha em seus olhos enquanto volta a vestir o casaco.
— Não se culpe, foi preciso dois nesta dança. — Coloca a mão em
seu peito e beija-o causando arrepio e desejo. — Você é lindo de muitas formas.
Mateus é deixado sozinho em meio a sua vergonha, arrependimento
e nudez.

UMA SEMANA DEPOIS, SEM SEXO OU MASTURBAÇÃO.


SOMENTE O PECADO EM EXPOSIÇÃO…
— Sinto muito, não queria que você perdesse tudo. — Eleonora o
consola.
— Não perdi tudo. Posso ter sido excomungado e meu nome pode
não significar mais nada além de vergonha,… mas ainda tenho minha fé. — Fala
inabalado.
— Como você ainda a tem? — Pergunta incrédula. — O que Deus
fez para te proteger de ser julgado por um único erro? Por que ele não te
protegeu dessas pessoas que te jogaram na fogueira como se todo trabalho que
tem feito na comunidade não valesse nada? E por que ele não te protegeu de
mim?…
— A culpa não é deles e nem sua. A culpa é minha, foi minha
fraqueza que me levou por esse caminho, poderia me afastar e eu não o fiz. Não
posso culpar Deus, você ou os outros por um erro que foi inteiramente meu.
Os olhos dela estão claros, quase cinza imperial.
— Você não pode se culpar sozinho, eu estava ao seu lado cada
passo neste caminho. — Ela toca a mão dele.
Ela se culpa pelo dano que causei a mim mesmo.
— Eu sei. Mas apesar de trilharmos juntos esse caminho, o meu
acaba aqui. — Aperta a mão dela — Rezo para que encontre a paz para seu
coração. Não posso imaginar pelo que passou em sua vida, mas posso garantir
que o caminho que trilha não a levará onde quer chegar. Vejo como você está
arrependida e não deveria estar. Foi minha escolha, sou o responsável e não
você. Essa culpa só vai aumentar as sombras que te afligem. — balança sua mão
e ela sorri de canto mal escondendo sua dor. — Por várias vezes deixou claro o
seu objetivo. Você é uma boa pessoa apesar de não achar que é. Não te culpo por
nada, se puder te dar mais uma verdade… me sinto aliviado. É estranho eu sei,
mas estou aliviado.
— Eu sei que você não está contente em como as coisas estão por
aqui. E toda a mídia atrás de nós, se você deixar eu realizar mais um desejo… —
ela tira da bolsa uma pasta e entrega a ele. — Tenho projetos em andamentos por
toda parte. Não me envolvo pessoalmente com eles, portanto seria perfeito ter
você como o porta-voz, você poderia me ajudar a conferir o andamento de tudo
visitando-os e, seria bom para dar um tempo desse lugar. O escritório de
contabilidade pode cuidar dos pagamentos, Irina e Vitor podem administrar o
centro de apoio por alguns meses. Tempo suficiente para você ser esquecido.
Folheia os prospectos de vários programas beneficentes e de todos os
tipos de ajuda. Animais em extinção, agricultura no deserto, entrega de
medicamentos e alimentos em áreas de riscos…
— Você ajuda todos esses projetos? — Ela faz que sim. — E você
doa essas quantias para todos eles?
— Eu gosto de arrecadar dinheiro, é um hobby divertido. E depois,
esses projetos são importantes, quero que meus filhos vivam em um mundo
melhor. — Fala com afinco e carinho.
— Por que você mesma não faz isso? — Indaga.
— Tempo. Para fazer essas coisas levará tempo sem meus filhos e
família, por isso não faço, mas você será perfeito. Você é abnegado e
benevolente. Assumo que exagerei na dose, eu o persegui e tornei sua vida mais
difícil, brinquei com sua fé e lhe tirei algo que era importante, não calculei as
consequências dos meus atos e em como te afetaria. — Sua mão aperta a dele.
— Não faça por que acha que me deve. — Afirma.
— Não faço! Eu de fato preciso de alguém ajudando. Quando
comecei não imaginei que tudo tomaria essa dimensão e de casa não consigo
controlar como está o andamento, eu recebo relatórios, mas não é a mesma coisa
do que conferir de perto como o dinheiro está sendo usado. — Ela se mostra
sincera com sua necessidade. — Você receberia um salário, é claro. E todas as
despesas seriam pagas.
Não é como se tivesse muito o que fazer.
— Tem certeza?
— Sim. — Sorri amplamente.
— Eu aceito.

Depois de três dias escondido em um chalé com Eleonora, para fugir


do assédio da mídia e aguardar a documentação final para iniciar sua nova
função de diretor executivo da recém-criada Fundação Ciclo da Vida, Mateus
percebe que durante esses meses enquanto era seduzido, se apaixonou. Mesmo
que não tenha riscado a primeira camada de muitas que Eleonora tem, juntando
as migalhas que ela lhe deu aqui e ali, sabe que ela sofreu e ainda sofre. Também
sabe que o que eles têm não se estenderá para quando ele voltar.
— Por que você não beija? — Pergunta abraçado a ela com a boca
roçando sua mandíbula e pescoço.
— Porque está é a única coisa que não me foi roubada.
Seus braços a seguraram mais forte.
— Rezo toda noite, para que um dia você encontre seu lugar de paz.
Ela beija seu rosto com carinho.
— Obrigada! Quem sabe seu Deus ouça suas preces. — Ela sorri e o
beija novamente.
— Sobre o vídeo, você pode imaginar quem nos gravou no
confessionário?
Ela o olha com seriedade.
— Foi a senhora Margarida. — Responde com calma, seus olhos
verdes que brilham no tom mais lindo de verde denotam algo mais.
— Filha da puta!
Ela ri do seu estouro.
— Esse não é comportamento de um padre! — Suas mãos correm
pela lateral dele arrepiando-o.
Entre as pernas dela o pênis endurecido pede por mais.
— Fizemos muitas coisas que um padre não faria. — Toma um seio
farto dela na boca, sendo recebido por um gemido sensual e libertino. — Eu não
sou mais padre, agora eu sou seu representante, senhora Eleonora. — Toma
outro seio.
— Mas eu ainda vou gritar: oh padre, você é tão bom! Quando gozar.
— Ela sorri com malícia.
— Vou garantir que você faça de novo e de novo. — Beija seu
pescoço, enquanto a mão dela direciona ele para dentro do seu corpo quente e
maravilhosamente molhado.
— Você deve estar pensando que cometi um erro com ele
e aproveitei para arrumar? Só que não! Mateus tinha, e
ainda tem, infinitas possibilidades de conseguir fazer o que
quer, mas foi escolha dele cruzar esse caminho.
“Tenho estado triste. Tenho levado meu tempo. Me sinto
como se estivesse fora de minha mente. Sinto que minha vida
não é minha”.
(1-800-273-8255 – Logic feat. Alessia Cara e Khalid)
CAPÍTULO 19
RAPHAEL

— Oh, mas isso faz todo o sentindo. — Ângela enrubesce com o que
assistia no celular de Luka.
— Olha isso! — Luka vira a tela do celular para Raphael assistir
também.
O vídeo gravado amadoramente, mostra um casal transando. A
mulher está de costas para o parceiro que parecia protegê-la. É possível ver o
contorno de seu corpo, o homem a mantêm junto a ele, a mão esquerda segura
seus seios cobrindo eles com o braço e o braço direito a segura apertado. É
possível ver seus dedos pressionando a carne, ele beija a curva do pescoço e
morde algumas vezes enquanto a cabeça dela está virada para o outro lado
impossibilitando a câmera de mostrar seu rosto. O casal parece estar no auge da
paixão. Um momento de entrega total.
— Sabe o padre que está aparecendo nos jornais por causa de um
escândalo sexual? Foi isso que ele fez no confessionário. — Luka conta. — Uma
coisa é certa, um homem desse faz qualquer um perder a linha. — Suspira.
— E quanto a mulher? — Raphael Indaga.
— Ninguém sabe quem é. Nas poucas entrevistas que o padre deu, se
negou falar dela. Mas seja quem for, sou fã. Essas botas vermelhas ficarão para
história.
— O homem achou que valia a pena ficar com ela acima de tudo, até
mesmo de seus votos. Esse tipo de paixão incendeia o mundo… — Ângela fala.
— Talvez, devêssemos trabalhar. — Raphael alerta. — Luka você
tem pedidos para fazer.
— Filho, os pedidos estão sendo preparados. — Ângela o adverte-lhe
com o olhar. — Segure seu mau humor, todos estão entristecidos e em luto pelo
menino que morreu. Não carregue mais o ambiente. — Ela se entristece. —
Adriano pediu para abrir o Bar para que os moradores pudessem se distrair, é
isso que faremos.
Raphael não se importa que abriu o Bar em um dia de folga, se
dependesse dele abriria todos os dias e não apenas de terça a domingo. Trabalhar
o coloca em modo automático.
— Será bom, o povo desta ilha precisa de um tempo para descontrair.
É uma pena a morte do garoto. Os pais estão desolados, perder um filho é uma
dor inimaginável. — Luka fala enquanto acaricia o braço de Ângela que está
entristecida. — Não quero ser portador de notícia ruim, mas acho que tem mais
por detrás do pedido do Adriano. Minha tia disse que eles estão querendo
vingança pelo que aconteceu com o garoto. — Luka revela.
— Contra quem? — Ângela o encara.
— Você sabe, a guarda. — Ele respira profundamente. — Todos
sabemos que se tem drogas rodando nesta ilha, é porque eles trouxeram. —
Assegura.
— Não há o que fazer, eles são a polícia. — Ângela fica
amedrontada.
— É verdade o que ela disse, não se pode fazer nada, os culpados
sempre saem impune.
Raphael sabe que falou mais sobre ele do que sobre o garoto morto.

INÍCIO DE TEMPORADA…
O Bar está cheio de turistas. Ângela está no caixa, Luka na cozinha,
Manuela e Alessia servem as mesas e Raphael no bar fazendo os drinques.
A turista que está no bar, o observa de longe. Pediu uma única bebida
alcoólica, depois continuou bebendo apenas coquetéis de frutas.
Ela se levanta sedutoramente e se aproxima, antes de sair lhe entrega
o copo.
— Estou no hotel bangalô Sete. Posso esperar por você?
Ele a avalia. Mesmo que não tenha critério algum.
— Pode. Mas chegarei tarde e sairei antes do amanhecer.
Como regra não come a carne, onde conquista o pão. Ela, sendo
turista, favorece para ocasião. Sem envolvimento, apenas sexo e mais nada.
— Esperarei.
Raphael está arrumando os copos quando vê o policial Tomas, com a
mesma feição homicida de sempre, colocar algo na bebida da mulher que entrou
com ele. Tomas pega-o olhando e lhe dá um sorriso ameaçador, instigando-o a
fazer algo.
É tudo que ele quer, desde a primeira vez que entrou no Bar.
Não importa onde Raphael está, seja na academia, na praia, ou em
alguma loja ele sempre começa a provocá-lo. Se alguma mulher mostra interesse
em Raphael, é exatamente essa que o Tomas quer. Por sua mãe, Raphael faz o
seu melhor em ignorá-lo.
Ele ignora o que vê, mesmo sabendo que a garota passará por maus
momentos em breve. Segue com seus pedidos, até que eles saem e a noite chega
ao fim.
— Por que não saímos um dia desses? — Alessia pergunta enquanto
ele fecha o caixa e ela arruma as mesas.
Logo que Alessia começou a trabalhar no Bar, a pedido de sua mãe,
nunca perdeu a oportunidade de investir nele ou destilar seu veneno falando de
outras pessoas. Muitos na ilha exaltavam seu corpo farto de pele bronzeada e os
cabelos tingidos de vermelho que destacam seus olhos castanhos claros, sua
aparência não era ruim, mas Raphael vê além do físico e tirando sua beleza ela
não tem mais nada.
— Porque você trabalha pra mim e, não me envolvo com
funcionários. — Fala direto.
Ela se aproxima e toca seu braço.
— Não importa quanto tempo passe, um dia você estará pronto para
sossegar e eu estarei aqui para você.
Tira o braço de perto dela bruscamente.
— Não segure a respiração enquanto espera. — Fala com frieza e ela
sorri dissimuladamente com o desafio.

Sabendo de cor as entradas do hotel, Raphael passa pelo saguão sem


ser notado e segue direto para o bangalô sete.
Bate uma vez na porta, antes de ser recebido.
— Entra. — A mulher observa-o entrar como se estivesse vendo uma
grande recompensa.
Ela corre a mão por seu peito descendo para a calça, cai de joelhos,
abre a calça e a boca dela o recebe.
Mais uma noite de sexo superficial. Desde a primeira aleatória que
fodeu, nunca as olhou nos olhos como também nunca se importou com elas.
Muitas o questionavam sobre o motivo e, sempre diz a verdade: O sexo não
precisa de um rosto.
É apenas uma noite sem repetições, ele não procura um
relacionamento e se elas procuram, bateram na porta errada.

As seis da manhã recebe no bar a entrega de peixes e frutos do mar,


depois ruma para a academia e se entrega aos exercícios, quanto mais pesado
melhor. Por volta das nove, volta para o Bar, recebe a entrega de bebidas e
encerra a noite.
— Meu filho, eu poderia receber estas entregas. Você tem que
descansar!
— Mãe, não há necessidade de se esforçar. — Passa por ela indo
para escada interna que leva a seu loft.
— Você não precisa trabalhar tanto. Eu não sou uma velha inválida,
posso lidar com mais carga do que você imagina. E você precisa dormir mais do
que algumas poucas horas no dia! — Assegura.
— Eu sei que pode mãe, mas não era para ser assim. Só vou
conseguir dormir quando conseguir esquecer tudo que nos fizeram. — Enfatiza
duramente enquanto sobe para sua casa.
— Até quando ficará se esgueirando pelo hotel? — Mira-a
impassível. — Ora, não é como se nunca soubesse, não é porque você não as traz
para casa que ignoro a existência delas. Mas um dia esse seu rodízio terá que
acabar.
— Não cometerei o mesmo erro duas vezes. — Afirma de costas
para ela.
— Não julgue todas pelo ato desonesto de uma. — Ele continua
subindo a escada sem dar importância ao que sua mãe diz. — Corte o cabelo e
faça essa barba menino, você está parecendo cada vez mais um homem das
cavernas.
Ele como sempre a ignora.
Seu mundo sem cor, não carece de beleza quando não existem
sentimentos. Apenas dor.

ANTONY
— Quanto tempo? — Naveen pergunta incrédulo.
— Dois anos, ela não se envolveu com ninguém há dois anos. —
Assegura.
— E você e ela… — Investiga. — Não fizeram nada?
Tony encara o irmão como se ele tivesse desenvolvido uma segunda
cabeça.
— Não!
— Sabe, nunca entendi isso. O que faz vocês recusarem um ao
outro? Seria muito mais fácil se fossem além dessa relação complicada. — Fala
um pouco raivoso.
Naveen pode provocar sua irmã, mas isso não quer dizer que gosta
de vê-la infeliz, ela é sua irmãzinha, a mesma que ficava de castigo com ele para
que não se sentisse sozinho. A única a quem procura quando quer contar um
segredo importante ou alguma coisa boba.
— Você não estava lá, no primeiro momento que a vi sabia que ela
era diferente e o demônio também soube e a usou contra mim. Ele nos fazia
assistir. Ela me viu no meu pior, assim como eu a assisti. Era horrível viver no
inferno, mas ficou muito pior quando ela passou a dividi-lo comigo. — Encara o
irmão profundamente. — Eu a desejo, mas o desejo não vem sozinho, com ele
vem o fardo que compartilhamos e o desejo se esvai. Fica apenas a lembrança
dolorosa de ver a mulher da minha vida sendo violentada repetidamente na
minha frente e eu sem poder ajudá-la. Se entrarmos por essa porta, nunca mais
poderemos voltar e, isso é um risco que não estamos dispostos a correr. Eu
simplesmente não posso… — Confessa.
— Sinto muito irmão, eu não conseguiria sobreviver assim. Eu te
amo mais agora que entendo sua dor. — Ele bebe mais da cerveja. — E o
Miguel? — Especula.
— Não. Ele disse que ela não o procura desde que conheceu o padre.
— Toma mais de sua bebida também.
— Foi o padre? — Pergunta incrédulo.
— Acho que sim, mas não de forma direta. Miguel conversou com
ele e não trouxe nada de novo, a não ser que ele continua rezando por ela. Seja lá
o que isso signifique.
— Só isso? Vocês não o forçaram suficiente. — Bate a garrafa com
força na mesa e se prepara para levantar.
— Onde você vai? — Tony segura-o pelo braço.
— Falar com aquele merda, do meu jeito! — O aperto no braço
cessa. — Quem ele pensa que é para rejeitar a minha irmã.
— Não. — Impôs. — Não devemos tocar nele ou nos outros. —
Alerta.
— Como assim, não tocar!?
— Ela impôs o limite sobre seus amigos! — Naveen volta a sentar na
cadeira, — Ela os uniu, agora eles são uma família. Não podemos fazer nada a
eles sem receber a fúria infinita dela como resultado. — Finaliza a cerveja. — E
depois, diremos o quê? Que depois dele ela não fodeu mais ninguém? Ele não a
rejeitou, ela sim. E acho que se estalasse o dedo, ele corre para ela.
— Não é o problema do sexo ou, o não sexo. Ela está diferente,
mesmo que ainda seja ela mesma, não é ela! — Ressalta. — Que merda! A
minha irmã está quebrada e não podemos fazer nada. — Bate o punho na mesa.
— Ela o beijou? — Acena que não. — Merda. Talvez devêssemos nos mudar, já
ficamos muito tempo em Salon. Poderíamos encontrar uma nova cidade, talvez
menor. O que você acha? Esse lugar também já deu para mim!
Tony, mais que todos, quer que ela encontre o que tanto procura e
que ele é incapaz de lhe dar.
— Parece um bom plano, agora que as crianças terminaram a escola
seria mais fácil nos adaptar em um novo ambiente. — Concorda, olha às horas
em seu relógio. — Vamos, está na hora. — Deixa mais dinheiro que o necessário
para pagar a conta e partem.
— Desde quando você frequenta este clube? — Pergunta.
— Zhizn o encontrou logo após eu chegar. Era o único lugar que ela
deixou que eu falasse russo enquanto aprendia português. — Confessa.
O clube exclusivo com total segurança do anonimato, garante a
liberdade completa de seus associados. Entram e logo se separam. Naveen não
participa das cenas de Tony e ele não participa das dele, um acordo estabelecido
mutuamente entre irmãos.
Sobre seu irmão, Tony sabe que apesar de se vestir como indiano,
assistir filmes indianos e ser quase um hinduísta, ele odeia a Índia. Quando falou
do clube, Naveen passou a acompanhá-lo. Ele vem percebendo que, seu irmão
tem saído cada vez menos para suas noitadas com parceiros aleatórios. Isso
também vem incomodando-o, não tanto quanto a solidão de sua Zhizn, mas,
ainda assim, preocupante.
A sala verde está com todos os instrumentos que solicitou. No centro,
a peça principal, o corpo virado de bruços com as pernas e braços estendidos
firmemente presos à mesa feita especialmente para esse tipo de procedimento.
Passa direto para organizar metodicamente cada um dos instrumentos na ordem
de uso. No banheiro, troca de roupa colocando um macacão branco, touca
cirúrgica, luvas, máscara e botas para evitar contaminação. Volta para sala e
analisa o plano de ação, estudando o procedimento passo a passo.
Batendo a faca na mão, enquanto analisa o local onde fará a primeira
incisão confirma o lugar próximo ao tórax. Mesmo amordaçado, o sujeito grita.
— Nikolai, o que foi, não aguenta? É só o começo. Você já ouviu
falar do termo Águia de Sangue? — Alarga a incisão. — E você dizia ser o
diabo!
Não importa quantas encenações faz, todos sempre são Nikolai e o
que queria fazer com ele.
Com as incisões abertas, começa quebrar e puxar as costelas
separando-as da coluna, mas sem arrancá-las. Os gritos abafados persiste em
vão.
Bom, muito bom…
Com as costelas para fora é possível ver o formato de asa que nomeia
a tortura.
— Geralmente eu não sou tão carniceiro, mas estou em uma semana
ruim em casa com a minha esposa. — A criatura tenta falar. — Não Nikolai, ela
está bem. Você não tocará em um único fio de cabelo dela novamente. Ela é
minha de uma forma que nunca foi sua. Eu tenho uma família com ela. —
Declara com orgulho. Inserindo a mão na incisão toca um pulmão e o sente
inflando. — Se lembra de quando batia nos meninos da escola porque eles
tinham pais e mães amorosos? Se lembra? Das festas que você nunca foi
convidado? Era uma alegria ver como todos eles te excluíam. — Gargalha
enquanto remove o pulmão para fora da caixa torácica do corpo ‘Nikolai’. — Eu
tenho pais amorosos e sou um ótimo pai! Meus filhos são lindos e inteligentes.
Amor é o que não falta a eles. Impressionante, achava que nunca saberia o que é
amar, mas ela me ensinou amar e ser amado, enquanto você nos mantinha presos
achando que nos castigava. Nos deu algo que jamais teve. Ela me ama pelo que
sou e como sou. É tão puro e sem interesse você nunca saberá como é ter isso.
— Brada sorrindo cruelmente.
Coloca a mão na outra incisão.
— Você nunca teve quem te amasse e eu tenho em abundância. —
Tira o outro pulmão para fora e admira o trabalho, eles inflam lindamente dando
o efeito do bater de asas carmesim. — Antes de chegar aqui, meu irmão deu uma
ótima ideia, talvez eu consiga fazer com que a minha esposa fique bem,
novamente. — Os pulmões começam a diminuir a velocidade do seu trabalho de
inflar.
— Você ouviu o que eu disse? Eu tenho um irmão ele não é como
você. Ele é melhor, muito melhor. Será que se você soubesse teria feito o que fez
comigo? As agressões, as torturas. Você me violentou quando eu era apenas uma
criança! Seu monstro! Eu era a porra do seu irmão!
O pulmão finalmente para enquanto ‘Nikolai’ agonizava.
Tony assiste como o verdadeiro Nikolai deveria ter morrido se ele
tivesse chance e forças para matá-lo. Não importa quantas vezes mate esses
falsos, a dor não diminui, porém sua besta fica satisfeita.

A mesa está posta com comidas variadas. Como todos os domingos,


a família está reunida em volta da mesa em meio a risos e brincadeiras. Naveen
olha para Tony perguntando silenciosamente se poderia anunciar. Ele olha Leo
que serve mais comida para Gaia, Paris dá um beijo na boca de Heitor, enquanto
Gael faz careta.
Ele confirma.
Naveen se levanta e toca com a faca a taça de vinho para chamar a
atenção de todos.
— Família tenho um anúncio a fazer! — Heitor e Paris o olham com
curiosidade. — Estamos muito tempo nesta cidade e sinto que já esgotamos
todos os recursos dela, então pensei que está na hora de nos mudarmos! — As
crianças ficam paralisadas em seu lugar, Leo não reflete nada.
O que passou ser comum nos últimos tempos.
Ver como ela era animada e vê-la hoje, é como assistir uma estrela se
esvaindo a cada dia. Não é como alguns casos de depressão em que as pessoas
ficam desanimadas e encolhidas no canto. Ela é ainda a faz todas atividades que
fazia, brinca com as crianças, interage com todos, sai em missões com Heitor e
Paris, mas não é igual. Nas noites de encontro ou com as crianças, seus risos e
alegria não deixaram de vir, mas é longe deles que ela os preocupa.
— Pode ser no litoral? — Gaia e Gael falam juntos animados e
olharam para o avô. — Deixa vovô, podemos surfar e podemos explodir coisas
na água se a vovó deixar. — Argumentam.
Heitor encara a todos.
— Isso parece muito bom, assim podemos pescar em alto-mar
sempre que quisermos. — Acalora, fazendo as crianças sorrir de alegria com a
possibilidade.
— Na próxima casa quero um closet maior. — Paris anuncia.
— Pequena, se tivermos um closet maior, ele terá o tamanho de uma
casa. — Heitor enfatiza.
— O que você acha? — Pergunta para Leo.
— Bom. Começarei a pesquisar pelo lugar ideal. — Responde e
beija-o na boca.
— Eu amo você! — Sussurra próximo ao ouvido dela.
— Eu te amo mais.
— Desta vez, leve em consideração um local em que podemos de
fato ser a realeza. Agora que tenho esse título não vou abrir mão. — Naveen
frisa. — Desta vez precisamos ser amados ou melhor, idolatrados.
— Ok entendi. Praia, pesca, espaço e realeza. — Leo estabelece
concisa. Como se cada item da lista fosse coisas aleatórias e simples de se
conseguir, ela vira-se para encará-lo. — E você, não tem nenhuma
reivindicação?
— Você, tudo que eu quero é você ao meu lado. — Sorri de canto.
— Sempre estarei.
— Gael onde está a insulina do titio? — Todos olham para Gael com
expectativa.
— Mas titio, você não é diabético! — O pequeno responde com
seriedade.
— Ele foi sarcástico Gael. — Gaia cochicha.
— Ah tá! — Então, mexe o pescoço como Naveen faz, e todos
soltam o riso.

Todos têm segredos ou um lado obscuro onde a dor se


esconde. Algumas dores são para sempre e o portador decide
alimentá-la, outras quando se torna insuportável
simplesmente deixa-se tomar conta.
“É isso o que os demônios fazem? Eles comandam o pior em
mim. Destroem tudo. Eles culpam os anjos como você. Agora
eu estou ascendendo do chão. Ascendendo por você. Sinta
com toda a força que eu encontrei”.
(Love Me Again – John Newman)
CAPÍTULO 20
RAPHAEL

Quantos níveis devem existir no fundo do poço?


Nesse momento, é como se ele estivesse lá uma vez mais. Porém
agora, é um nível diferente de profundidade.
Pela manhã Raphael leu na internet sobre sua mais recente perda, por
confiar demais, o legado de seus pais lhe fora arrancado. Tudo pelo qual lutaram
a vida inteira, foi arrebatado de sua mãe e agora será vendida.
Sentado na areia, olha para o oceano escuro e sem fim.
Sozinho?
Não totalmente.
Está acompanhado de uma garrafa com líquido âmbar, que promete
esquecimento temporário.
Um gole…
Dois…
Três…
Já está na metade da garrafa e ainda não esqueceu.
— Por que!? — Grita enraivecido. Por que tudo isso aconteceu com
ele. O que ele fez para ser punido.
Por quê?
— Preferia que tivesse sido eu. — Revela o que nunca conseguiu
declarar em voz alta.
Assim sua mãe não teria que assisti-lo morrer um pouco a cada dia.
Remoendo a perda de seu pai e agora o anúncio de venda da
construtora que ele fundou. Bebe mais e já nem sente a queimação da bebida.
O acidente foi o que foi, acidente. Mas para ele, perder a empresa de
seus pais, foi sua culpa. Sofre mais a cada dia.
Deveria ter lutado mais.
Não deveria ter desistido.
Mas o que poderia fazer?
NADA.
Ele não pôde fazer nada e, ainda não pode. Nesse momento, só um
milagre.
Olha para céu infinito de estrelas brilhantes, nada mais resta a ele,
que diferença faria.
— Por tudo que é mais sagrado, eu imploro por um milagre!! —
Clama ao céu noturno e ao mar que castiga a praia com suas ondas raivosas.
Espera sem esperança de ser atendido.
— Qual seria o milagre?
Sua primeira reação é querer destruir quem se ache no direito de
falar com ele nesse momento. Olha para a direção da voz e, se depara com o
mais lindo par de olhos verdes que já viu. Grandes e brilhantes como as estrelas
acima de sua cabeça.
Olha para os lados, constrangido, para se certificar de que ela fala
realmente com ele e não com outra pessoa. É pouco mais de uma hora da manhã
e à praia nesse horário sempre está deserta fora de temporada, por esse motivo
está aqui para ficar sozinho.
Mesmo sem ser convidada ela senta-se ao seu lado e seus pés
pequenos e descalços afundam na areia.
Com certeza, estou muito bêbado e alucinando.
— Posso ficar aqui com você? — A voz cadenciosa o desperta. —
Sabe o que dizem sobre quem se cala? — Ele ainda não consegue juntar as
palavras e, muito menos proferi-las. Ela sorri, o rosto se ilumina e a torna mais
linda. — Ok, acho que isso é um sim. — Vira o rosto para o mar o impedindo-o
de ver seus olhos.
Não. Olhe para mim, preciso decifrar o enigma de seus olhos.
Ficam em silêncio por muitos minutos e ele ainda à contempla, como
se estivesse paralisado nessa posição. Ela sorri e começa a contemplá-lo
também.
Raphael sente como se estivesse emergindo de um longo mergulho
sem tanque de oxigênio. E recebe uma grande lufada de ar ao chegar à
superfície, causando sofrimento com a expansão abrupta de seus pulmões.
Ele respira como nunca havia respirado antes.
Com olhar aguçado ele à estuda atentamente como faz para criar
muitos de seus desenhos. Sobrancelhas arqueadas cílios longos, seus olhos,
grandes, são duas esferas verdes expressivas e magnéticas. O nariz
insolentemente arrebitado, do tipo que mulheres se arriscariam a fazer
intervenção cirúrgica para ter. E a boca…, o lábio inferior é um pouco mais
cheio que o superior, quase imperceptível, o superior tem o contorno simétrico e
a cor rosa natural fecha em degrade do mais escuro para o mais claro. Ele é
atraído para eles, como um marinheiro é atraído pelo canto da sereia. Está
deslumbrado com o rosto delicado dela, atraído se inclina, diminuindo a
distância que os separa.
É como se em seus olhos pudesse ver a criação, cada resposta para as
perguntas dos cientistas, ele encontra olhando unicamente para ela.
— Seus olhos são lindos! — Ela declara.
O vento brinca com o cabelo dela levando-o a cobrir seu rosto com
algumas mechas atrevidas, ela levanta a mão para arrumá-lo e o aroma do seu
perfume emana com o movimento delicado de seu pulso.
Nada poderia exalar um cheiro tão bom.
— Posso ficar aqui ao seu lado a noite inteira e seria bom. Mas se
você falar, pode ser melhor. — Ela sugere.
Ele sorri.
Não é exagero dizer que seus músculos faciais protestaram.
— Eu sei falar. — Responde debilmente.
— Ah eu sei. Eu ouvi, devo dizer, sua voz é como a invocação de
trovões.
Ele sorri novamente.
Desta vez, um pouco menos mecânico e mais natural.
— Quer conversar sobre antes?
— Não. — Ele só quer falar dela.
Tudo sobre ela.
Ela absorve sua resposta.
— O céu aqui é lindo, podemos ver muitas estrelas. Olhe, — ela
aponta para um conjunto de astros, — aquela é a constelação de escorpião, nela
tem a estrela Antares que tem coloração avermelhada, é a mais brilhante desta
constelação. Consegue vê-la?
Ele segue seu dedo para ver a estrela, duelando com ele mesmo em
desviar o olhar dela.
E se quando olhar para o céu ela desaparecer?
— E meu conhecimento acaba aqui. As outras constelações que
conheço não é possível ver nesta época. — Raphael sorri abertamente, pois de
início pensou que ela entendesse profundamente de astronomia. — Mas as outras
estrelas, que não sei o nome, se destacam aqui. — Ela desvia o olhar, seu nariz
franze graciosamente.
— Eu não entendo de estrelas.
Mas elas não seriam mais bonitas que você.
— Sobre o que você entende?
— Arquitetura. — Responde automaticamente.
— Eu amo Niemeyer e suas curvas, gosto das obras de Norman
Foster, gosto de ele propor a mudança e levar em consideração o novo. Mas
também gosto do Ludwig Mies. Minha casa atual foi muito inspirada no estilo
minimalista dele. Foi uma grande confusão quando propus a ideia desses dois e
ainda pedi para fazer uma obra sustentável, no fim deu certo e superou as
expectativas.
Ele fica espantado pelo conhecimento dela. Poucos, fora da área,
dedica um tempo para conhecer o assunto.
— Você é arquiteta? — A expressão dela fica acanhada.
— Não, sou curiosa. E você?
— Eu sou, mas não trabalho mais na área. Hoje é só hobby.
— Você gostava de ser arquiteto? — Ambos olham para o mar a
frente e assistem as ondas dançando continuamente no rito de ir e vir.
— Era como respirar. — Confessa.
— Sendo assim, hoje você não respira.
— Eu faço alguns cursos especializados aqui e ali, leio muito para
me manter informado… não é o mesmo, mas é a única coisa que posso fazer.
Ela se vira para ele.
— Sabe, o pouco ainda é melhor que nada. — Ela volta a olhar o mar
e permanecem em silêncio.
Pela primeira vez, respirar é leve e fácil.
— Está pronto para falar sobre seu milagre?
— Nesse momento, você é o milagre. Nunca imaginei um anjo tão
lindo… — Assegura. — Que tipo de anjo você é?
— Eu sou um tipo especial de anjo. — Ela responde calmamente e
franze o nariz novamente e sorri.
O cabelo comprido brinca com o vento da maré, como um manto
escuro por suas costas.
Ele pediu um milagre e lhe mandaram um anjo, agora ele a quer.
Nem que tenha que digladiar com o universo para tê-la.
— O que mais eu poderia perder? — Sussurra para si mesmo.
Seja o que for, irracionalmente ele precisa dela.
— Desejo esquecer tudo sobre esse dia e os últimos anos. Ao menos
por uma noite.
Ela lhe oferece a mão quando ele a toca sente a maciez e junto uma
descarga elétrica que corre para ele.
— Faz anos que não concedo desejos, mas farei diferente com você e
não pedirei nada em troca. — Assegura. — Você clamou por um milagre e antes
de fazê-lo esquecer gostaria de saber qual é?
Sua voz calma faz parecer que ela tem o poder para fazer qualquer
coisa. Ela exala segurança e confiabilidade em sua voz que e o envolve.
Ele respira fundo e contempla mais os grandes olhos verdes.
— Queria ter de volta a construtora de meu pai e poder restaurar o
nome dele e o que representava. — suspira — Foi tudo que restou dele. —
Confidência.
— Você está errado. Não foi tudo que restou dele.
Uma mecha de cabelo voou no rosto dela e ele escova para trás de
sua orelha, aproveitando a oportunidade para tocá-la.
— Como assim?
Sorri novamente. De verdade, sem forçar. Um sorriso genuíno.
Ele não sabia que ainda seria possível.
— Você, com certeza, deve ser a melhor parte que restou dele. — Ela
traça o sorriso dele com os dedos. — Você é ainda mais lindo quando sorri e seus
olhos brilham com igual encanto. — A proximidade deles os faz sentir a
respiração um do outro.
Ela fez o primeiro movimento, não ele.
Ela roça os lábios nos dele, como a leveza da brisa. A eletricidade
transcende de forma única em uma pequena corrente que corre por Raphael
alastrando vida por onde passa, mordisca-o seu lábio inferior, lhe dando uma
prova de seu gosto e deixando-o desejoso por mais.
Muito mais.
E na vastidão do planeta eles se encontram.
Ela se afasta olhando-o com expressão lívida e incrédula.
— Achei você!
Leva a mão trêmula para rosto dele, Raphael se inclina para receber
mais do conforto de seu toque não deixando de notar o espanto em sua
afirmação.
ELEONORA

DEZESSETE HORAS ANTES…

Leo
Lyubov, acabei de
desembarcar.
10:15 am

Tony
Estou com saudades…
10:15 am

Leo
Também, nos veremos em dois
dias.
10:16 am

Tony
Te amo mais hoje do que amei ontem!
10:16 am

Leo
Eu te amo muito mais do que
ontem e menos do que amanhã!
10:17 am

Olha as mensagens do grupo da família que está cheio de gracinhas


de Naveen e as crianças. Tirando dela um sorriso.
— Grupo agitado? — Miguel pergunta enquanto dirige.
— Só Naveen sendo ele mesmo e fazendo drama. Juro, se ele não
tivesse sido adotado, teria feito milhões em Bollywood.
— Com certeza — Confirma, com meio sorriso. — Essa ilha parece
ser um bom lugar para se morar. As crianças irão adorar.
Ela mira os olhos cor de mel dele e, apesar da dureza neles, ainda o
acha muito bonito.
— Sim, será um bom lugar para todos nós. A casa para Gohan está
pronta?
— Está. Pegarei as chaves hoje com o proprietário. Aluguei por seis
meses, ele chegará quando estivermos saindo. — Informa.
— Acho que conseguiremos limpar a área antes de seis meses. Tem
esse chefe do crime local que não consigo localizar e isso está me deixando
louca. Ele está tão bem escondido, por uma infinidade de subterfúgios, que eu
não consigo descobrir quem ele é. Isso é inaceitável! — Frustrada, bate o punho
na perna. — Mas não é impossível para nossa família, levará um pouco mais de
tempo para que eu possa encontrá-lo, mas farei.
A mão de Miguel segura seu punho cerrado aliviando seus dedos
apertados.
— Você o encontrará. Não se exija tanto.
— Ele deve ser dos grandes para se esconder tão bem. E faz tempo
que não tenho uma caçada como essa, no fim pode ser bom para eu me distrair.
Ela prometeu nunca mais se arriscar, mas esse quebra-cabeça, só faz
instigar o pior dela.
— Eu vou caminhando e encontro você no hotel. — Informa quando
chega ilha.
Miguel encosta o carro.
— Farei check-in no hotel e providenciarei tudo. Jantamos juntos?
— Ele oferece.
— Adoraria.
Ela desce do carro e se mistura com os pedestres, para conhecer a
ilha e como ela funciona.
A ilha de São Pedro não é muito grande com cerca de dois mil
habitantes, a maioria de moradores de veraneio. As ilhotas a volta possuem mata
virgem, ilhas essas que querem vender a preço muito baixo no intuito de que,
tudo seja devastado e um grande resort seja construído no lugar, acabando com
todo o ecossistema, pois renda e lucro é melhor que um meio ambiente
preservado.
Leo caminha pela feira de peixes, observando as pessoas e divagando
sobre a proposta que Naveen fez, para compra dos imóveis e das ilhotas.
— Esse valor é um absurdo? — Ouve a voz grave de trovão que fez
sua pele se arrepiar. — Você não pode aumentar os valores sempre que quiser.
Ela para abruptamente e quase tropeça em duas pessoas que
passeavam, em uma, até esbarra. Se desculpa rapidamente e se posiciona para
observar o homem melhor. Ele está de costas brigando com um peixeiro que está
visivelmente assustado com seu estouro. O cabelo, com algumas mechas mais
claras por causa do sol, está preso em um coque grosseiro. Ele é alto, por volta
de um metro e noventa. A camiseta branca, marca o corpo inegavelmente
musculoso com os braços cobertos por tatuagens intrincadas de desenhos
abstratos e formas geométricas.
Ela deseja olhá-lo mais de perto e estudá-las uma a uma.
— Raphael entenda, não tivemos opções. A guarda aumentou as
taxas. Não tivemos escolha! — O peixeiro explica acuado.
O homem com voz de trovão enrijece e seus punhos cerram.
— Inferno! — Ele começa a se afastar do peixeiro, praguejando.
— Raphael, ainda podemos fazer a entrega? — O peixeiro grita
enquanto ele se afastava.
— Não é como se tivesse outra opção, não é? — Vocifera e o
peixeiro se encolhe, amedrontado, acenando com a cabeça.
Foi quando ela vê o rosto acinzelado e barba grossa. Queria poder
vê-lo por inteiro, mas seus olhos estão encobertos com óculos escuro do tipo
modelo aviador. De onde estava, podia ver os braços com os músculos tensos e
estirados deixando as veias saltadas, como se estivesse carregando o mundo nas
costas, levando cada energia sobressalente dele.
Um homem em estado bruto.
— Fascinante!
Um transeunte sorri achando que é com ele. Ela ignora, e acompanha
de longe o objeto de seu fascínio.
Os passos dele são firmes. As pessoas saem do seu caminho e
estranhamente evitam o contato visual. Ele não fala ou cumprimenta ninguém,
como se as abominasse. Longe da feira, ele segue pela orla e ela pela praia.
Observa-o atravessar a rua e ir para um estabelecimento comercial, mas em vez
de entrar, segue direto por uma escada lateral e entra.
Ela senta na areia observando o lugar. A faixada mostra a construção
original de uma bela mansão de veraneio as paredes foram substituídas por vidro
levemente escurecido, todo o detalhe é em preto. Simples, elegante e sofisticada.
Claramente um tipo de restaurante ou lanchonete, apesar do nome da porta ser
apenas, ‘Bar’. A menos que suas definições de bar esteja errada, isso não é
apenas um bar, mas enfim, aproxima-se do lugar e procura seu horário de
funcionamento. Dá uma última olhada para o andar superior e sai.
Mesmo querendo ficar.

Eleonora passou o dia sondando cada canto da ilha. Colheu algumas


informações e a conversa do peixeiro mais cedo, a deixou intrigada e enquanto
estava no bangalô do hotel, pesquisou os tais guardas da ilha.
Ao menos quatro deles tem uma receita muito superior ao que de
fato recebiam.
Sinto o cheiro de corrupção.
Analisa mais a fundo, dos quatro, três não havia como justificar a
renda extra e o que tem, é herdeiro de algumas propriedades da ilha e recebe um
extra, fazendo a locação dos imóveis.
Mas os outros três…
Esse sim eram um problema a ser resolvido. Dois guardas e o
delegado, o último claramente detém a maior porcentagem do dinheiro, uma vez
que seus gastos é superior a dos outros.

Leo
Segue as informações dos
primeiros alvos.
04:16 pm
Encaminha os dossiês que fez dos policiais.

Gohan
OK.
04:16 pm

— Vamos? — Miguel a chama para jantar.


Ele está vestindo uma calça jeans azul clara e uma camiseta preta
apetada com gola em V, marcando seu corpo esguio e forte. O cabelo, corte
militar, o faz parecer muito mais sério e formal, mesmo com essa roupa.
— Como foi seu passeio? — Ele a deixa passar primeiro pela porta e
fecha.
— Produtivo, descobri que temos ratos na polícia. Eles servirão para
dar exemplo. A ilha é tudo que parece ser mesmo e as pessoas são simpáticas.
Notei que nas docas, é onde se encontra a maior concentração de distribuição e
uso de drogas e, tristemente, existem muitos adolescentes usuários. Não
consegui ir até o convento para ver de perto. — O restaurante está com poucas
mesas ocupadas e eles se sentam na mais distante. — Por gentileza, você poderia
fazer as imagens, com o drone, sozinho amanhã? Se tudo der certo, planejo estar
ocupada.
— Claro, Eleonora. — Ele responde sorrindo.
Comem, enquanto ele passa seu relatório sobre o reconhecimento
que fez. Percebem que, apesar do lugar ser como é descrito: um paraíso, os
moradores locais agem como se tivessem uma adaga pairando sobre suas
cabeças.

Pela vidraça, ela percebe como o Bar está lotado. Todos


conversavam entre si, mesmo estando em outras mesas. Ela observa Raphael de
costas fazendo drinques, ainda parecendo levar o mundo sobre os ombros.
Pobre Atlas…
Recua sabendo que, com o ambiente cheio como está, ele não daria
seu tempo a ela.
Caminha pela orla, observando o movimento das pessoas ao redor. O
telefone toca e ela atende imediatamente.
— Moy lyubov! — Ouve seu sorriso, e responde com o dela.
— Zhizn, como foi seu dia?
Senta na areia.
— Eu vi alguém que me deixou fascinada…
Ela conta para ele sua perseguição voyeurística.
— Acho que você devia entrar naquele bar e fazer o que faz de
melhor. — Sugere ele.
— E o que seria isto?
— Zhizn, você encanta as pessoas, esse é seu dom especial. Se você
os quer, você os tem. Simples assim. Tenho uma família de cavalheiros que pode
afirmar isso.
— Não posso mais seguir por esse caminho. A brincadeira de
realizar desejos acabou, não faço mais acordos.
— Se Naveen a ouvisse, diria algo como: O diabo nunca se cansa.
Ela sorri, mesmo que arrependida por seus atos egoístas.
— Ele diria mesmo. Mas eu cansei, fiz estragos demais com meu
egoísmo desmedido.
— Volte para aquele bar e seja você mesma. Será o suficiente. E se
não funcionar, esse cara não merece ter um único minuto de seu tempo.
— Lyubov, queria que estivesse aqui. — Suspira.
— E eu queria estar com você, Zhizn. — Suspira também. — Volte lá
e seja você.
— Mas…
— Que isto? Você está com medo? A minha Zhizn não sente medo,
na verdade ela dá medo ao próprio medo. — Sorri com as palavras de seu
Lyubov. — Mexa essa bunda linda e vá lá bater a merda dessa cara.
— Sabe, eu amo quando você é gentil com o uso de palavras. —
Confiante, levanta e começa a fazer o caminho de volta.
— Sabe, eu amo você.
— Eu te amo mais.
— Qualquer coisa me liga. Boa noite Zhizn!
— Bom dia Lyubov!
O Bar está fechado.
A multidão toda parecia ter evaporado, tinha se passado apenas vinte
minutos do horário marcado para fechar.
Mas que merda!
Vê movimento na parte de dentro, mas as luzes do andar de cima
estão todas apagadas. Fica um pouco afastada e aguarda. Cerca de uma hora
depois, três pessoas saem pela porta principal, um homem e duas mulheres.
— Você deveria desistir. — O homem diz para mulher mais alta.
— Nunca. Raphael será meu. É só uma fase, logo ele irá querer
sossegar e eu estarei aqui para ele.
— Uma fase? Têm sido assim desde sempre. Se passaram anos, esse
homem é incapaz de interagir sem esbravejar… Ele expulsou todos os clientes
do Bar e ainda nem tinha dado a hora de fechar. Acho até que ele não sabe
sorrir. O que te faz pensar que ele irá para você?
— Ninguém nesta ilha de merda seria melhor para ele que eu. Sou
educada, temos os mesmos gostos, sou linda e acima de tudo, eu o quero.
— Vocês não têm os mesmos gostos. Você gosta de dinheiro enquanto
ele abomina qualquer um que o tenha. Você é de fato bonita, mas acaba aqui.
Você é superficial e fútil e se bem me lembro essas características não seguram
ninguém. E ele não é um brinquedo que você escolhe em uma prateleira e depois
descarta quando não quer brincar mais.
— Luka! — A outra mulher que até o momento se manteve em
silêncio o repreende. — Mas desculpa Alessia, eu só ouvi verdades. — Confirma.
— Sabe o quê, não sei porque perco meu tempo com vocês! — Ela
sai pisando duro deixando-os para trás.
Leo os segue de longe, com muito cuidado para não ser notada.
Gostou de Luka, da garota menor e mais ainda das informações que obteve. Os
acompanham até uma casa onde entram e apagam a luz deixada acesa na
varanda.
Como uma última tentativa, volta para o Bar, caminhando pela orla e
pensando em possibilidades para conseguir falar com ele.
Posso fazer a donzela em perigo e pedir ajuda?
NÃO! SEM JOGOS.
— Por tudo que é mais sagrado, eu imploro por um milagre!!
Raphael está sentado na areia com uma garrafa na mão. Ela sente o
quanto ele está quebrado, como se estivesse prestes a desistir.
Pobre Atlas.
Aproxima-se e ele não a percebe.
— Qual seria o milagre?
Admira-o sentado na areia. Ele olha para os lados confuso.
Quão bêbado ele pode estar, nesse pouco tempo em que saiu e
voltou?
Não é possível estar tão alto.
Senta-se ao lado dele.
— Posso ficar aqui com você? — Ele permanece calado, encarando-
a confuso. — Sabe o que dizem sobre quem se cala? — Incita-o a falar mas ele
não faz, o que a faz rir. — Ok, acho que isso é um sim. — Continua rindo.
Seus olhos não deixam os dela e por um momento, sentiu como se
ele estivesse vendo o seu interior. Com medo do que ele poderia encontrar, vira-
se para o mar.
Ele continua na mesma posição encarando-a.
Oh, e se ele tiver algum problema psicológico? Fantástico! Era só o
que faltava: o cowboy, o ex-policial, o professor, o médico, o músico, o padre e o
louco.
Já prevejo as piadas do Naveen.
Vira para encará-lo ficando a uma distância segura. Encontra tanta
dor em seu olhar, é como assistir o esmaecer de uma fogueira. É triste, de uma
forma perversa.
Pela primeira vez, encontra algo no mundo que se sente indigna de
pegar.
Entretanto sabe que se atravessar a chuva, encontrará o arco-íris e
tudo de bom que pode ter além dele.
Com uma atração que nunca sentiu, queria saber qual o sabor dele.
Como se ele ouvisse seu chamado, inclina-se diminuindo a distância que os
separa, os olhares se encontram novamente. A atração que ele emana a embriaga
e instiga, é como está no lugar onde deveria estar e ser aquele minúsculo grão de
areia destinado a virar uma pérola.
— Seus olhos são lindos! — O silêncio dele a deixa temerosa. —
Posso ficar aqui ao seu lado a noite inteira e seria bom. Mas se você falar, pode
ser melhor. — Ele sorri, e ela o acha adorável.
— Eu sei falar. — Ele fala como uma criança contando um segredo.
— Ah eu sei. Eu ouvi, devo dizer, sua voz é como a invocação de
trovões. — Ele sorri de novo.
Ela guarda esse momento em sua memória. Pelo que ouviu de Luka,
ele nunca sorri e hoje ela teve esse privilégio. Ele sorriu especialmente para ela,
não tem preço que pague por eles.
— Quer conversar sobre antes?
— Não. — Responde rápido.
Desesperada para continuar conversando com ele, fala a primeira
coisa que veio à cabeça.
— O céu aqui é lindo, podemos ver muitas estrelas. Olhe, — aponta
— aquela é a constelação de escorpião, nela tem a estrela Antares que tem
coloração avermelhada, é a mais brilhante desta constelação. Consegue vê-la?
Ele reluta mas olha para onde ela aponta.
Toma isso como indicação de que não seria um bom ponto de partida
para manter uma conversa.
“Pessoas normais não gostam de sabe-tudo.”
Era o que ouvia quando criança. Seu sensei, as crianças e as pessoas
que conheceu depois que saiu do orfanato sempre lhe diziam isso. Apenas sua
família parecia se importar com as coisas que dizia e sabia.
— E meu conhecimento acaba aqui. As outras constelações que
conheço não é possível ver nesta época. — Mente. Ele sorriu e foi lindo,
espontâneo e aberto. — Mas as outras estrelas, que não sei o nome, se destacam
aqui.
Outra mentira, mas ele riu e valeu a pena cada palavra.
— Eu não entendo de estrelas. — Fala.
— Sobre o que você entende? — Se ele indicar o caminho, ela segue.
— Arquitetura.
Eu sei sobre arquitetura, posso manter uma conversa.
— Eu amo Niemeyer e suas curvas, gosto das obras de Norman
Foster, gosto de ele propor a mudança e levar em consideração o novo. Mas
também gosto do Ludwig Mies. Minha casa atual foi muito inspirada no estilo
minimalista dele. Foi uma grande confusão quando propus a ideia desses dois e
ainda pedi para fazer uma obra sustentável, no fim deu certo e superou as
expectativas.
Ele parece analisá-la e ela não sabe o que isso significa.
Merda, falei demais.
— Você é arquiteta?
Viu, fiz merda! Eu nunca vou conseguir ser eu mesma.
Ninguém nunca gostou de como eu sou, exceto minha família e
depois o Antony.
Talvez…, se eu jogasse com ele como fiz com os outros, poderia
estabelecer um parâmetro e partir da necessidade dele.
— Não, sou curiosa. E você? — Devolve a pergunta.
Não!
Sem jogos.
Chega dessa merda! Seja você, somente você, mesmo que não seja o
suficiente.
— Eu sou, mas não trabalho mais na área. Hoje é só hobby. — Sente
a dor dele ao falar sobre o que gosta.
— Você gostava de ser arquiteto? — Quer curar a sua dor. Realizar
seu desejo.
Sem desejos!
Não seja mais o demônio, seja você.
— Era como respirar.
— Sendo assim, hoje você não respira.
O que o levou a abrir mão do que mais amava?
— Eu faço alguns cursos especializados aqui e ali, leio muito para
me manter informado… não é o mesmo, mas é a única coisa que posso fazer.
O estômago aperta ao se identificar com ele, pois era o mesmo que
fazia, aceitava menos já que não poderia ter tudo.
E machucava muitos no processo.
— Sabe, o pouco ainda é melhor que nada.
Alguns de seus parceiros se tornaram verdadeiros amigos. Pode ter
sido o demônio para alguns, mas no fim, ao menos seis não a condenaram.
— Está pronto para falar sobre seu milagre? — Queria saber por ele
o que o afligia.
— Nesse momento, você é o milagre. Nunca imaginei um anjo tão
lindo… Que tipo de anjo você é? — Brinca.
O da morte, destruição. Se Naveen estivesse aqui, ele discorreria
uma lista.
— Eu sou um tipo especial de anjo.
Não é mentira, porque eu não sou um anjo.
— O que mais eu poderia perder? — Ele sussurra.
Bêbado ou louco? Imploro que seja somente bêbado.
Não posso ser eu mesma com um louco, dois mentalmente instáveis,
não seria seguro.
— Desejo esquecer tudo sobre esse dia e os últimos anos. Ao menos
por uma noite. — Espanta-se com suas escolhas de palavras.
Não, não…
Eu não posso voltar para isso.
Foi uma escolha ruim de palavras, ele não teria como saber.
Isso! Ele não teria como saber. Não nos conhecemos…
Oferece a mão para fechar o trato. Quando se tocam, sente a descarga
elétrica que peregrina por seu corpo e faz o coração pular em sua batida.
— Faz anos que não concedo desejos, mas farei diferente com você e
não pedirei nada em troca. — Não voltar, não voltar… — Você clamou por um
milagre e antes de fazê-lo esquecer gostaria de saber qual é?
Conte para mim. Deixe-me entrar.
Ele perscruta-a e ela lhe oferece confiança e segurança da qual
precisa para abrir sua concha.
Seu coração já viciou em seu toque e quer pular de novo.
— Queria ter de volta a construtora de meu pai e poder restaurar o
nome dele e o que representava. — suspira — Foi tudo que restou dele.
Sentiu necessidade de tirar a tristeza dele.
Parece tão errado.
— Você está errado. Não foi tudo que restou dele.
Uma mecha de seu cabelo voou e ele a escovou para trás da orelha,
com intimidade.
O toque mínimo faz o coração pular novamente.
— Como assim? — Sorri.
— Você, com certeza, deve ser a melhor parte que restou dele. — A
mão impaciente contorna o sorriso dele. — Você é ainda mais lindo quando sorri
e seus olhos brilham com igual encanto.
É como se fosse um ímã feito exclusivamente para ela.
“Vamos lá, só mais um pulo.” Seu coração implora.
Atraída por ele, leva a mão para seu rosto e sente a cócega da barba
em sua palma.
Seduzida pela necessidade de experimentá-lo, quebra o espaço que
resta entre eles. Começa com um roçar leve dos lábios.
Para confirmar o que seu coração já sabe.
Mordisca-o. A eletricidade a acende de dentro para fora e alimenta
seu coração que pula agraciado com a nova fonte de alimento.
— Achei você!
Como se ele também fosse atraído por ela, se inclina para receber
mais de seu toque. Sentindo o nó se formando na garganta e as lágrimas
querendo escapar, desta vez não de medo, mas de felicidade. Seu coração parece
bater em compasso duplo. A luz dele ofuscou as sombras, despertando as cores,
muitas delas.
Cores que ainda não conhecia.
Lyubov, eu o encontrei!
— Se esse simples toque fosse uma droga, Leo está tendo
sua maior alta.
Alguns desejos são feitos com tanta vontade e você
desbrava tudo para realizá-lo. Quando o único necessário
para realizar, é o tempo.
— Ah, agora você deve estar pensando: Mas para que o
Destino serve?
— Vou contar um segredo. Tempo é meu irmão mais
velho e também meu supervisor e não importa os caminhos
que eu crio, tudo acontecerá quando ele decidir que deve
acontecer. Sendo assim, meu erro só está sendo reparado
agora porquê ele liberou.
— Eu sei, irmão mais velho as vezes é um saco!
“Você e eu e mais ninguém. Sentindo coisas que eu nunca
senti. O jeito que você me colocou sob o seu encanto. Eu
sinto, pela primeira vez, que não estou fingindo”.
(Touch – Little Mix)
CAPÍTULO 21
RAPHAEL

Ela o toca hesitante nunca deixando de olhá-lo, como se estivesse


desvendando sua alma.
As pequenas descargas elétricas que ele sente com o toque dela,
seguem despertando seu corpo, preparando-o para acordar o coração adormecido
como o despertar das máquinas.
Seus lábios adocicados voltam a beijá-lo e como um homem
morrendo de sede, a reivindica como se fosse toda a água que precisa. A corrente
elétrica entre eles se intensifica, o coração adormecido desperta com uma batida
vigorosa em seu peito e de repente, tudo nele está a pleno vapor. O beijo é, como
uma supernova[21], quente, intenso e incrivelmente único.
Raphael segura seu rosto com carinho enquanto o nariz toca o dela,
negando-se a se afastar mais.
— Sinceramente, não sou ganancioso, mas uma vez que senti seu
gosto, eu realmente preciso de você. — Confessa sentindo tudo o que antes se
negou a sentir.
Pode ver nos olhos dela que também sente o mesmo.
De mãos dadas, não querendo perder a ligação, leva-a para sua casa,
os olhos sempre nela com medo de que seja um delírio causado pelo álcool.
Ela o segue, Raphael ainda incrédulo não deixa de admirá-la, eles
entram, da porta até a cama é apenas alguns passos e ali em pé diante da cama,
se encaram sem conseguir proferir palavra alguma.
Seus olhos dizem tudo um ao outro.
Voltam a se beijar, Raphael não contém a necessidade de tocá-la, mas
com relutância se afasta dela.
— Vou fazer uma pergunta. — Ela meneia a cabeça em concordância
e ele continua. — Você quer?
Teme que ela recuse seu avanço, mas não pode continuar sem fazer o
que é certo. Por dentro ele está um turbilhão, quando seu coração despertou
partes dele, que nem conhecia, também se levantaram. Agora tudo nele, pede por
ela.
— Sim.
A um suspiro de distância dela, Raphael inala seu perfume
profundamente, numa promessa silenciosa de prazer, sua boca aprecia o doce
sabor que ela lhe provém. O mordiscar dela reverbera por todo corpo de Raphael
com força e desejo.
Merda!
Ele a afasta novamente.
— O que foi?
— Eu não tenho preservativos em casa. — Ele prevê a dispensa que
ela lhe dará pela falta de segurança.
Ela pega a bolsa no chão e ele pensa em um milhão de desculpas
para mantê-la nem que seja para dormir, apenas dormir com ela e nada mais.
— Eu nunca trouxe ninguém em minha casa. — Começa a explicar
para ganhar tempo.
Posso falar que está tarde para ela sair e ofereço a cama para ela
passar a noite.
Não vai colar.
Se ela insistir em ir, posso oferecer carona e marcar algo para
amanhã.
Não, eu não vou aguentar até amanhã!
— Fico feliz em ser sua primeira. — Ela sorri indistintamente,
depois volta a mexer na bolsa. Esperançoso ele acha que ela teria preservativos,
mas ela pega o celular.
Ela vai embora.
Não, não, não!
— O que está fazendo? — Ele quer impedi-la, mas também não quer
assustá-la.
— Eu também não tenho preservativos, não é como se tivesse
esperando que algo fosse acontecer hoje. — Continua mexendo no celular e não
olha para ele.
É isso…, ela está indo embora.
Olha para mim.
Não vai…, fica.
Ela mostra a tela do celular para ele.
— Esses são os meus exames periódicos a data é recente e como
pode ver, estou limpa. A última vez que tive relações sexuais, foi há pouco mais
que dois anos e uso DIU como método contraceptivo. E você?
Ele olha para tela soltando a respiração que prendia, apressadamente
vê os resultados de seus exames atestando sua saúde, completamente aliviado
que ela não está indo embora.
— Eu estou limpo, faço exames periódicos por causa das tatuagens.
Nunca tive relação sem segurança e não posso ter filhos. — Conta no
automático, liberando mais informação do que já fez em muito tempo.
— Sinto por isso, mas fico feliz em ser sua primeira novamente. —
Ela se aproxima, ele a segura pela cintura. Já com saudade, busca seus lábios.
— Você se sente segura? — Puxa para mais perto.
— É como se estivesse em casa. E você?
Adorou ouvir a resposta dela.
— É como se voltasse a viver. — As palavras lhe escapam.
Contudo é a verdade, ainda que não entenda como.
Abaixa as alças do vestido dela e desajeitadamente abre o zíper
minúsculo na lateral, o vestido flui aos seus pés. Maravilhado com o que vê,
corre a mão por sua pele macia.
— Você é real? Tão linda… — Volta a beijá-la.
Despoja suas roupas com pressa calculada para não assustá-la com
sua ansiedade, mas não devagar o suficiente para ela desistir dele. Fica
totalmente nu a sua frente, exposto em todos os sentidos evitando tocá-la, mesmo
querendo, deixa a cargo dela este último passo.
Ela se aproxima e o toca, a corrente elétrica volta causando arrepio
por onde passa, incitando e excitando-o. Ele vai à loucura quando ela passa o
dedo no pré-sêmen e leva a boca degustando sua essência, seus olhos parecem
pegar fogo. Com urgência, pega-a no colo e leva-a para cama.
“Minha.”
A mão dele memoriza cada parte que à toca e sua boca ânsia por
prová-la cada vez mais, tudo nela o encanta, mas os olhos… Ele quer ver cada
nuance enquanto avança por suas bases.
— Olhe para mim. — Pede enquanto se ajeita entre suas pernas.
Ela abre os olhos deixando-o assistir o momento em que ela chega ao
clímax enquanto ele prova seu sabor doce direto da fonte aumentando a fome de
possuí-la, depois de algumas lambidas preguiçosas seguida por espasmos
prolongados do corpo abaixo dele, sobe beijando-a por todo seu corpo deixando
rastros de arrepio. Eleva-se sobre ela encontrando seu lugar no mundo, como se
linhas infinitas os ligassem.
Raphael sente seu coração batendo forte e renovado como nunca
antes.
— Perfeita…
Ela o beija com se precisasse dele de todas as formas possíveis as
mãos em seu cabelo segurando-o apertado da mesma forma que suas pernas o
prende a seu corpo.
O sexo nunca havia sido tão bom.
Não esperava nada como isso.
“Agora todas as regras mudaram.”
— Seus olhos Anjo, deixe-me vê-los. — Nada poderia ser mais lindo
que eles.
“Eu a quero.”
“Não, eu preciso dela!”
A revelação desses pensamentos vêm junto com o aperto em seu
pênis na cavidade escorregadia que se aloja, seus gemidos pesados e urgentes, é
o estopim para Raphael cair da borda. Juntos transcendem seus corpos para um
novo nível de contentamento, inexplorado por ele.
“Perfeição.”
Nada antes se compara e nada depois será o suficiente. A entrega
total o recompensa com a paz absoluta.
— Passe a noite comigo? — Ela sorri em seus braços. — O que foi?
— O dia está quase amanhecendo. — Ela beija seu pescoço
arrepiando-o.
— Então passe o dia? — Ela sorri mais enquanto ele salteia beijos do
seu pescoço aos seios provocando arrepios.
— Se é o que deseja. — Responde risonha.
— Não. — Beija um seio, parando após ela gemer. — Não é o que
desejo… — beija o outro, ouvindo outro gemido. — É o que eu preciso!
Alcança seus lábios sendo recebido com um beijo quente e
possessivo.
A melhor combinação que já existiu.
Ela está marcando-o e ele livremente deixa ser marcado.

O sol ilumina todo loft despertando-o da melhor noite que já teve. O


corpo aconchegado ao seu é a prova de que tudo não foi apenas um sonho.
Cabelo e mais cabelo castanho serpenteia o travesseiro, a pele macia o aquece, a
respiração dela traz paz, o perfume de lavanda com o cítrico do maracujá
misturado à maresia lhe dá conforto e calma. Cheira profundamente a cabeça
dela que descansa em seu peito, desejando poder engarrafar esse aroma para
eternidade. Ela se mexe e se descobre parcialmente revelando mais de seu corpo,
com essa nova visão volta a dormir sorrindo sentindo-se leve como não se sentia
em muitos anos.

ELEONORA

Raphael dorme profundamente agarrando-a junto a ele.


Parece até que não dorme há eras.
Com agilidade desce da cama sem que o acorde.
Ele é um homem lindo.
As tatuagens se destacam na pele bronzeada, os desenhos intricados
atrai sua curiosidade e ela analisa cada uma e percebe que revela muito sobre
Raphael. A dor e a batalha que trava diariamente. É fácil concluir que a tatuagem
que ele mais valoriza é o anjo em destaque nas costas. Um anjo sem rosto com
os braços estendidos como se estivesse crucificado, o corpo envolto em um
manto negro até os pés e, as asas desenhadas com formatos geométricos pintados
com jogo de luz e sombras. Por todo o desenho existem linhas, como as que os
pintores fazem em seus estudos de arte, é expressivo e extremamente triste, um
retrato da infelicidade.
— O que o mundo te fez? — Sussurra entristecida por ele sentir tanta
dor.
Enquanto ele ainda dorme, aprecia impudicamente seu corpo
definido. O V que segue ao paraíso é esculpido à perfeição.
Sua parte preferida, estabelece.
David que nada! Se Michelangelo conhecesse Raphael morreria
para poder esculpi-lo!
Com a quantidade certa de pelo dourado como os raios de sol, eles
descem por seu peito gomo a gomo formando caminho no V formidável
chagando até seu pênis grossamente potente e correndo para suas pernas grandes
e fortes. Só de olhar tem vontade de montá-lo e cavalgar até o fim dos tempos.
— Eu tenho você. Não vou soltá-lo nunca mais.

Leo
É ele!!
Encontrei o único.
O meu único!
07:01 am

Tony
Como você sabe que é ele?
07:01 am

Leo
Eu o beijei e foi inexplicável.
Toda vez que eu o toco é como
se levasse choque, e meu coração pula.
07:02 am

Leo
A boca dele parecia me
chamar, isso nunca aconteceu.
Nem mesmo com você.
07:03 am

Tony
Mas você me beija…
07:03 am

Leo
Porque te amo!
A atração com o Raphael é
diferente da nossa, você é uma extensão
minha que não posso viver sem.
Mas ele… eu não sei mensurar.
Só sei o que sinto e mesmo
assim eu não sei classificar o que é…
É tudo, é um conforto
diferente.
É libertador e cárcere ao
mesmo tempo.
07:04 am

Tony
Zhizn, você está descrevendo o que eu sinto
por você!
Se ele der a você, o que você me dá, serei
eternamente grato a ele.
07:04 am

Leo
Estou chorando…
07:05 am

Tony
Não Zhizn, é para você estar feliz.
07:05 am

Leo
Acho que é por isso que eu
choro.
07:06 am

Tony
Onde ele está?
07:06 am

Leo
Dormindo.
07:06 am

Tony
Eu te amo!
07:07 am

Leo
Te amo mais!
07:07 am

Leo
Ficarei no Bar.
Bom dia!
07:08 am

Miguel
Ok, bom dia!
07:08 am

Fora de sua rotina, Eleonora não consegue ficar parada, depois de


falar com sua família precisa se movimentar. O loft de Raphael tem um bom
tamanho e o espaço é bem aproveitado. As portas de vidro, de frente para o mar,
capta toda a luz do sol da manhã, a decoração é simples, nada de valor
considerável.
Se o que o Luka falou for verdade, mostrar que tenho dinheiro não
será bom agora.
Se ele não perguntar, não direi. Não mentirei e também não omitirei.
Sem jogos, esse homem está ferido e não gosta de pessoas. O melhor
jeito de tê-lo é ser verdadeira.
E se ele não gostar?
A geladeira está praticamente vazia, exceto por algumas sobras de
comida, muitas já vencidas. Começa a limpar tirando tudo que não presta.
Sobrou para comer lagosta, algumas frutas e legumes. A lagosta ao que parece
foi grelhada, nos armários encontra alguns condimentos que usa para preparar
um sanduíche para ele e outro para ela e material para fazer um bolo rápido na
caneca.
Enquanto come na ilha da cozinha e espera o bolo terminar de assar,
contempla ele dormindo. A música, Com te Partiro na voz de Andrea Bocelli,
toca repetidamente no andar de baixo. Quando termina de comer, junta as roupas
espalhadas e coloca na máquina para lavar, arruma os livros desarrumados e
empilhados no chão, todos de arquitetura e engenharia, mantém a ordem
desconexa que foi deixado e separa as correspondências todas em nome de
Raphael Verona.
Ele tem uma televisão de modelo antigo, não tem sistema de som, o
computador só tem configuração básica, onde está o celular?
Não, ele tem que ter ao menos um celular. Ninguém nesse século
pode ser recluso dessa maneira sendo dono de um Bar.
Só trabalho, sem diversão?
O loft está limpo, isso não pode negar, mais organização não é o
forte dele.
Encontra um caderno de desenho com muitos rascunhos,
principalmente das tatuagens, tira algumas fotos e manda para Naveen.

Leo
Eu achei esses desenhos bons,
o que você acha como especialista?
08:05 am

Naveen
Bons, muito bons estes estudos.
De quem são?
08:07 am

Leo
Raphael, morador da ilha.
E meu, muito meu!
08:07 am

Naveen
Manda foto dele.
08:08 am

Encaminha uma foto de Raphael dormindo.

Naveen
É lindo, agora estou arrependido de não ter ido
fazer o reconhecimento.
08:09 am

Leo
Ele ainda seria meu.
08:10 am

Naveen
Ele trabalha com arte?
08:10 am

Leo
Não, ele é arquiteto e tem um
bar na ilha que, pelo que vi, é bem
movimentado.
08:11 am

Naveen
Ele é bom com desenhos.
Tenho que ir meu alvo chegou.
Chamo você depois.
Te amo!
08:11 am

Depois que termina de organizar tudo que pode sem fazer barulho
para acordá-lo e não há mais o que fazer, volta para cama. Ainda dormindo
Raphael a prende entre seus braços e pernas.
Tudo parece certo e ela adormece.

RAPHAEL

Sente a perda do corpo que o aquecia, abre os olhos e a vê sentada se


espreguiçando, o cabelo longo e volumoso cai com cachos grandes chegando ao
quadril, percebe que não é escuro como achou, a cor é castanho chocolate com
mechas alguns tons mais claro iluminando o cabelo. Ele repara as pequenas
cicatrizes com formatos irregulares marcando a pele de suas costas. Ela olha por
cima do ombro e sorri preguiçosamente.
Se surpreende com sua beleza. Seus olhos estão verdes, quase cinza,
e guerreava por atenção com os lábios rosados e levemente inchado por seus
beijos.
— Linda… — Sussurra.
O sorriso dela fica maior.
O brilho do sol oferece um aspecto divino, como uma auréola para
um anjo.
“Nossa.”
— Onde você esteve?
— Salvando outras vidas e aguardando seu chamado. — A resposta
dela desperta o sorriso de ambos.
— Sendo assim, fico feliz em ter lhe invocado. — Senta-se e beija-a
do pescoço até o ombro e volta. — Como devo lhe chamar entre os mortais, meu
belo anjo?
A cabeça dela encosta em seu peito, sua respiração foi um pequeno
gemido, puxa-a para mais perto dele reduzindo qualquer espaço que ousasse os
separar.
— Eleonora. — Raphael leva a mão pela cintura descendo para a
pele sensível entre as pernas, fazendo-a gemer.
— Meu anjo…
A excitação dela molha seus dedos.
— Sou Raphael. — Se apresenta falando suavemente em seu ouvido,
assistindo o rastro de arrepio que causa e beija seus lábios enquanto possui seu
corpo.
Uma palavra para definir o que sente agora seria:
Contento; que conseguiu alcançar todos os seus objetivos, metas,
desejos etc.; Satisfeito.
Sente a necessidade de explorar seu corpo e conhecê-la por inteiro. A
deita de costas, seus olhos atentos memoriza cada detalhe, reparando e
contabilizando as cicatrizes que desponta em sua pele com vários formatos e
tamanhos.
“Por que tantas?”
Traça o dedo na mão pequena dela…
— O que é isso? — Pergunta já sabendo a resposta.
Destino, sua cadela vingativa, o que foi que te fiz!?
Para firmar a piada mortal que sua vida se tornou, um raio de sol,
metido a engraçadinho, reflete na maior aliança que já vira, a grande esmeralda
entre, duas pedras menores de diamantes impecavelmente lapidados reluzem
para ele. Esfregando em sua cara tudo que não sabia existir e agora ao saber
deseja ter, mas nunca terá…
Seu desejo chegou ao fim.
Pediu uma noite para esquecer, foi o que conseguiu.
“Minha!!”
Nada, nada além disso seria concedido.
— Você é casada? — Rasga o véu da ilusão e volta para realidade
cruel.
Palavra para esse momento:
Inveja; desejo irrefreável de possuir ou gozar o que é de outrem.
Ela senta sustentando seu olhar incrédulo e decepcionado.
— É complicado. Escute o que tenho a dizer antes de fazer qualquer
coisa.
Diante do aviso ele enrijece, já preparado para o pior.
— O pai dos meus filhos…
O quê!? Me preparei para o pior e descubro que existe algo pior que
o pior?
Filhos! Ela tem filhos. Destino, sua filha da puta! O que foi que te
fiz!?
— … me deu como sinal de compromisso e devoção a mim e as
crianças, sim ele também usa uma aliança com o mesmo significado. Não é um
casamento, ele tem a vida dele e eu a minha. Entende? Não. É. Um. Casamento.
— Enfatiza. — Temos dois filhos que amamos incondicionalmente e fazemos de
tudo para que eles nos vejam unidos mesmos que separados. —Fala séria, sem
hesitar.
— Porque a aliança se não são casados?
Sobre confiar… doeu para aprender, não cometerá o mesmo erro.
Mas porque cobrar confiança se ele acabou de conhecê-la? Além do
mais, não consegue duvidar de suas palavras.
— Antes de sermos pais fomos melhores amigos, depois viramos a
família um do outro, não nos separamos. Se quer um, levará todos. — Ela
começa a se afastar aumentando a distância entre eles. — O que você vê é o que
leva, não estou jogando. — Fala seria e até um pouco deprimida, seus olhos
escurecem, como se estivessem invocando uma tempestade.
Família é tudo que ele não tem, mas faria de tudo para ter a
possibilidade de volta. Então por que questionar a dela?
— Me desculpa, não quis parecer… não sei com que pareceu…
Na verdade, sabe, por mais que a reivindique durante a noite, dói
aceitar o que disse, que outro deu a ela o que ele nunca poderia dar.
— Tudo bem, preciso voltar para o hotel. — Se levanta dando as
costas Sendo chicoteado por seus cabelos.
— Não! — A alcança. — Fica!
Soube, naquele exato momento, que se ela saísse perderia a paz que
não sentiu em anos.
Há quanto tempo não dormia como dormiu hoje?
— Desculpe, não quis que parecesse como se tivesse lhe cobrando
ou lhe jugando. Fica comigo hoje?
E os filhos dela?
— Você está sozinha? Seus filhos ficaram no hotel? — A queria pelo
tempo que fosse possível tê-la.
Mas e se o tempo acabou?
“Não!!”
— Minha família não veio.
Relaxa com sua resposta e a puxa de volta para cama.
— Fica comigo pelo tempo em que ficar na ilha. — Beija seu
pescoço.
Precipitado?
“Com certeza.”
Desesperado?
“Profundamente.”
— Isso não parece certo. — Ela receia. — Por que?
— Porque preciso da paz que você me deu e sou covarde o suficiente
para enfrentar a realidade a minha volta.
— Tenho que voltar amanhã para casa.
Ele sorri e toma seus lábios com a propriedade que lhe foi concedida,
por um tempo limitado.
Recomeça de onde parou, com ela embaixo do seu corpo que está
pronto para ela como se nunca a tivesse tocado antes, ela está tão preparada
quanto ele.
— Você disse que estava há dois anos sem ficar com ninguém, por
quê?
— Dois anos e cinco meses para ser exata. Confundi o que procurava
e, com meu último parceiro, percebi que no processo de tentar me curar
machucava os outros. Então parei de tentar. — Explica timidamente.
Volta a beijá-la e ela enrijece.
— Raphael, você gosta de plateia?
A pergunta estranha fez com que parasse, seus olhos focavam em
algo atrás dele. Segue o olhar…
— Mamãe!? — Puxa o lençol cobrindo-se e vira para ficar de frete
com a mãe e com a Eleonora a suas costas protegendo sua nudez, ela o abraça
por trás ficando o mais próximo possível dele.
— Você não recebeu as entregas de hoje cedo, achei estranho, recebi
tudo como sempre disse que poderia fazer, ok. Então, deu à hora do almoço e
você ainda não havia aparecido, fiquei preocupada e, resolvi subir para ver se
estava bem. Uma vez que liguei e você não atendeu.
Ele olha ao redor à procura do celular.
— Não adianta procurar, seu celular está lá embaixo no Bar. —
Ângela fala tentando parecer severa, mas podia ver um sorriso de diversão no
rosto dela.
— Raphael? — Eleonora chama com a voz baixa. — Esse é um
momento de empatia? — Olha para ela confuso.
— O quê?
— Empatia, sabe? Empatia; capacidade de compreender o
sentimento ou reação da outra pessoa imaginando-se nas mesmas circunstâncias.
Gael meu filho é melhor que eu nessas coisas, quem diria… — Ela olha para
Ângela. — Acho que é esse momento, não gostaria de pegar meu filho transando
com ninguém e se um dia acontecer acho que preferiria conversar com ele a
sós… Sendo assim empatia.
Raphael tentou acompanhar o que ela dizia, mas estava cada vez
mais difícil com a mãe parada na frente deles.
— Eu vou precisar do lençol para me trancar no banheiro, enquanto
você tem uma conversa constrangedora com sua mãe. — Começa a puxar o
lençol e ele segura. — Você terá que soltar. — Fala, ainda puxando.
— Não posso… — Responde, mantendo o lençol e olhando
sugestivamente para baixo.
— Oh… — Ela sorri. — Um travesseiro serve? — Faz que não. —
Sua mãe segurando o riso, não ajuda com seu problema?
A gargalhada veio alta como há muito tempo não ouvia de sua mãe.
Encara Ângela, que está vermelha e com lágrimas de tanto rir.
Ele nunca assumirá, mas de todos os risos que viu sua mãe ter, esse
é o melhor deles.
— Fazemos assim, sua mãe é mulher e você já me viu nua e não
tenho vergonha do meu corpo… o que me faz voltar a premissa da empatia, eu,
com certeza, não quero ver o pênis ereto do meu filho, quando adulto.
Ângela gargalha mais alto não se importando com Eleonora saindo
nua a sua frente e muito menos com olhar acusatório de Raphael.
— Avisa quando puder sair e, ah, vou usar a sua escova de dentes. —
Entra no banheiro e fecha a porta.
— Mãe, vá embora! — fala sério com o pouco de dignidade que lhe
sobra.
— Isso não é jeito de falar com a sua mãe! — Eleonora fala do
banheiro. — Gente, esse negócio de empatia é confuso, quando posso parar?
Ângela limpa as lágrimas de seu rosto.
— Querida, pode parar!
— Obrigado! — Responde do banheiro.
— Ela está certa, isso não é jeito de falar com a sua mãe. — Ângela
repete em tom severo.
A encara incrédulo.
— Mãe, por favor, você poderia descer? Assim que estiver vestido
conversarei com você. — Tenta manter a calma e compostura.
— Não. — Ela se vira. — Vista-se, precisamos ter a conversa
constrangedora… — Com pressa ele procura suas roupas no chão e não
encontra. — Você enfim arrumou esse lugar, parece muito melhor com tudo
organizado.
Em pé segurando o lençol na cintura Raphael olha ao redor e tudo
está organizado, até seus livros estão em ordem.
O quê? Como?
Veste a primeira calça que pega no armário.
— Não fui eu mãe. — Responde olhando tudo com mais atenção. —
Eleonora, foi você?
— Foi!
Ângela segue para cozinha e senta no banco da ilha.
— Esse bolo na caneca foi você também?
— Foi sim. Senhora! — Eleonora responde com a voz estranha,
provavelmente está escovando os dentes.
— Muito bom você está de parabéns, antes de ir, você pode dar a
receita?
— Sim senhora!
— Me chame de Ângela, querida!
— Ok, Ângela. Pode me chamar de Leo, só meus pais me chamam
de Eleonora e, só fazem isso quando faço algo louco ou arriscado. Serve para
você também Raphael!
— Ok, Leo! — Falam juntos.
Só pode ser um sonho, depois da melhor noite da minha vida… Isso
não pode ser real.
— Eu gosto dela. — Ângela fala de boca cheia. — Podemos ficar
com ela? — Sorri como gato que comeu o canário.
Anda até a geladeira e encontra um prato com lanche de aparência
deliciosa chamando a atenção, fazendo seu estômago roncar.
— Leo, posso comer o lanche que está na geladeira?
— Claro, é para você, eu já comi o meu!
— Saia desse banheiro, não há necessidade, uma vez que minha mãe
parece conversar mais com você do que comigo. — Morde o lanche ficando
surpreso com o sabor.
— Ângela, tudo bem para você?
— Claro querida.
A porta do banheiro abre e ela surge ainda nua, anda como se
estivesse em uma passarela não se importando com a plateia, pega o vestido no
encosto do sofá e o veste com calma.
Nada seria mais hipnotizante que assisti-la se vestindo.
Leo ajeita o cabelo prendendo-o em uma trança de lado, pega um dos
elásticos de cabelo dele e finaliza o penteado.
— Você não tem problema mesmo com nudez.
E minha mãe quebra o encanto.
— Porque teria, um corpo é um corpo. — Leo fala despreocupada.
— Você não usa calcinha?
Raphael fuzila a mãe com os olhos.
— Sim, a minha está na secadora. — Aponta para secadora enquanto
se aproxima para ficar do lado dele e beija-o.
— Você lavou a sua calcinha? — Ângela continua.
— Não só ela, tinha um monte de roupa espalhado pelo quarto, então
lavei tudo. — Responde, enquanto Raphael come, ela arruma o cabelo dele
prendendo-o para que não caia no rosto.
Um toque tão simples, mas que para ele, foi o ápice da demonstração
de carinho.
O sorriso de Ângela é uma mistura de satisfação e fascínio, deixando
Raphael admirado.
— Você tem um filho? — Inicia o interrogatório.
— Dois, são gêmeos, Gaia e Gael.
Raphael continua comendo e deixa a mãe com a pesquisa assim,
pode desfrutar das respostas sem parecer um chato exigente.
— Bonito os nomes, onde estão?
Com certeza ela acha que a Eleonora abandonou eles.
— Viajaram com meus pais. — Seus olhos focam nela.
— Quantos anos eles têm? — Pergunta, se intrometendo no
interrogatório da mãe.
— Dez anos.
Raphael olha atarantado para ela e pelo canto do olho nota que sua
mãe também.
— Quantos anos você tem? — A curiosidade fala mais alto.
— Vinte e oito.
Ela não parecia ter.
— Começou cedo. — Ângela alfineta.
— Não foi planejado, mas não alteraria em nada o que aconteceu. No
fim, tenho as melhores pessoas do mundo. — Fala com devoção.
— E o pai é presente?
Eleonora à encara, como se tivesse perguntado se o céu é azul.
— Claro que sim, seria mais fácil trazer a paz mundial do que
separar ele das crianças.
Fica claro que Ângela não esperava por está resposta, ele também
não.
Como processar isso?
Mas se fosse meus filhos também não os abandonaria, mesmo se não
estivesse com a mãe deles.
“O que ela falou antes faz sentido.”
— Eles não deveriam estar na escola, ainda não é época de férias?
— Minhas crianças terminaram a escola meses atrás, eles são
prodígios. A formatura deles foi linda, ficaram tão bonitinhos de beca e capelo,
— seus olhos brilham com orgulho — espera… vou mostrar a foto. — Corre e
pega o celular. — Olha! — Mostra primeiro para Ângela. — Ficaram tão
bonitinhos.
“Não basta ter filhos com a minha mulher, seus filhos têm que ser
gênios? Que ótimo! Que ótimo.”
Minha mulher? De onde isso veio?
— Ficaram mesmo. — Ângela sorri, e passa o celular para o filho
ver.
Ele se espanta, a menina é a cópia dela, mesmo olhos, cabelo
volumoso e o sorriso fácil. O menino é bonito de um jeito único, o cabelo
comprido e branco, quase prata, preso por tranças e os olhos roxos que nunca viu
igual, seu sorriso é sério, vestiam beca e seguravam os canudos com os
diplomas.
— São lindos!
— Eu a julguei mal, com certeza você é uma ótima mãe.
Mamãe assumir um erro?
É raro, mas esses momentos acontecem.
— Tudo bem, não me importo. Estou acostumada. — Dá de ombros
e foca em Raphael. — Gostou do lanche?
— Muito. Obrigado. — A beija.
— Você trabalha?
— Mãe, chega!
Eleonora sorri.
— Sim muito, temos uma empresa familiar de consultoria todos
trabalhamos juntos. Eu sou da inteligência e TI, meu irmão na logística e
recursos, meu pai analisa os clientes e cuida do transporte, minha mãe cuida do
plano de ação e o pai das crianças é do financeiro. — Ela nota a feição da
Ângela para essa última informação. — Vou explicar antes que julguem errado.
— Ela respira e sua mãe está em modo alerta com corpo rígido. — Como sabem
engravidei cedo, ok? — Estabelece, Raphael e Ângela fazem que sim.
“Isso! Conta mais.”
— Somos adotados.
Que porra é essa?
— Não o chamo de irmão porquê, uma vez fomos acusados de
incestuosos, a cidade onde moramos é pequena e com as crianças indo para
escola… passamos a nos apresentar como casados, principalmente para evitar as
fofocas e proteger nossos filhos. Enfim, não somos casados no termo usual da
palavra e, não temos nenhum tipo de relação sexual, exceto a concepção das
crianças. — olha direto para Raphael — Elas sabem e entende que não somos
como os pais dos colegas e, bem, depois de alguns anos estabeleceu na cidade
que somos um casal aberto, o que gerou mais fofoca… Contudo ele é a minha
família, não o julgue antes de conhecê-lo. Pense o que quiser de mim, mas não
faça o mesmo com ele. — Fala assisada tirando qualquer clima leve do
ambiente.
Irmão? Marido? Como classifico?
“Mas de novo, ela foi sincera isso é inegável.”
— Desculpe querida, — Ângela pega a mão dela, — não julgo
vocês. Como mãe eu quero o melhor para meu filho e, uma mulher casada não
seria apropriado. Nunca fiquei mais feliz por me enganar. Seus pais são
louváveis pela educação que deram aos filhos, a forma como fala da sua
família… é inquestionável a lealdade entre vocês, isso é raro hoje em dia. Eu
sinto que posso confiar em você, meu sexto sentido nunca se engana,
infelizmente…
Duas vezes, ela se desculpou duas vezes em um mesmo dia. Eleonora
é um verdadeiro anjo!
— Agora que sei que está bem — olha para filho. — e, em boa e
linda companhia. Vou descer, acho que você tem todo o direito de tirar o dia de
folga. Luka e eu cuidaremos do Bar… hoje é dia de pouco movimento mesmo.
— Ângela? — Eleonora chama. — Eu passei em sua avaliação? Por
que se não, falta ainda dizer que faço muitos trabalhos filantrópicos e…
— Querida, você quer meu filho ou ganhar o Nobel?
— Seu filho, sempre seu filho. — Olha para ele. — Foi uma
pergunta retórica, não é? — Ele faz que sim. — Sendo assim, até logo Ângela!
— Você ganhou meu filho no momento que ele perdeu a hora de
receber a entrega, se bem que ele nunca trouxe ninguém para casa. Acho que
você o ganhou nesse momento, se você fizer ele cortar o cabelo e fazer essa
barba, juro, você poderá ser canonizada.
Os risos correm de Raphael pela tentativa da mãe.
— Algumas interações sociais é difícil para eu entender. — Fala
cabisbaixa, ele a puxa para beijá-la. — Tudo bem para você?
— Não me importo, você é perfeita do jeito que é. — Se levanta e
tranca as portas de acesso ao loft. Ela sorri em resposta. — Assim não teremos
plateia. — Assegura. — Que tal um banho?
Ela se aproxima abre o zíper do vestido que cai no chão.
— O que envolver você nu, muito me interessa. — Suas mãos
correm para a calça dele abrindo-a, sorri satisfeita ao ser saudada por sua ereção.
Pula nele envolvendo-o com as pernas.
— Minha. — Afirma e morde o lábio inferior dela.
Leo o agarra puxando seu cabelo, causando um misto de dor e muito
prazer.
— Meu. — Assevera e o beija.
Batem na parede errando a porta do banheiro, os risos escapa sem
interromper o beijo.
— Não depende de mim fazer com que eles continuem.
Tanto aconteceu para ambos, eu sei… Coisas ruins
acontecem, faz parte, mas até mesmo o sofrimento vem em
medidas suportáveis. Eleonora e Antony teve muito mais do
que era possível, esse erro eu já assumi. Raphael não sofreu
muito em comparação a eles, porém seu sofrimento lhe
sepultou mesmo ainda estando vivo, nenhum dos caminhos
que tracei para ele foi tomado… Ele parou qualquer
evolução, é meu dever reparar isto.
“Nunca quis pôr meu coração em jogo. Mas nadar em seu
mundo é algo espiritual. Porque você me faz sentir como se
eu estivesse impedido de entrar no céu. Por muito tempo”.
(Locked Out of Heaven – Bruno Mars)
CAPÍTULO 22
RAPHAEL

O beijo é interrompido pelo som de seus estômagos, lembrando-os


que passou quase o dia todo sem comerem.
— Que tal comermos algo primeiro? — Raphael oferece. — Sei que
o pedido para ficar parece precipitado, afinal sou um estranho, mas juro que não
lhe farei mal algum. — Assegura tardiamente.
— Sendo assim, também juro não lhe fazer mal algum. — Ela
responde rindo
O que ela poderia fazer?
É mais seguro ficar comigo do que sozinha no hotel. Quantas
histórias já ouvi sobre o que acontece em alguns dos bangalôs, além do guarda
homicida que circula por lá. Que tipo de homem tem uma mulher dessa e a
deixa sozinha?
“Eu nunca a deixarei.”
— Preciso ir ao banheiro.
Ela lhe dá um beijo rápido e segue para o banheiro vestindo nada
além de sua beleza.
Relaxado, como não esteve em muito tempo, levanta da cama
animado, junta as roupas dela e as coloca na cama.
Não deixa de notar a etiqueta de grife.
“É apenas roupa, quem liga se a marca é cara. Ela disse que
trabalha muito e mulher gosta destas coisas.”
Raphael sorria como não achava ser possível, ele escolhe colocar
essas questões no canto mais fundo da mente se permitindo ser por somente um
dia nada mais do que Raphael e Eleonora.
— Eleonora. —Sussurra gostando da sonoridade ao pronunciar o
nome dela. — Por que arrumou a casa? Não precisava ter feito, mas obrigado.
Ela sai do banheiro.
— Eu geralmente não preciso de muitas horas de sono e você parecia
tão cansando, por isso não o acordei. Fiquei com fome, depois ociosa, por três
minutos inteiros te observei dormir, mas minha atenção não é do tipo que tem
paciência, uma coisa levou a outra… — Ela se interrompe e volta a falar. — O
que foi?
— Você não parece o tipo de pessoa que limpa coisas.
— Não sabia que pessoas que limpam têm uma aparência específica,
mas eu limpo. Todos em casa realizamos tarefas, claro uma vez por semana tem
uma equipe de limpeza que faz o serviço pesado, mas é basicamente externo. —
Ele olha para mão dela e suas unhas estão impecáveis.
A comparação é inevitável.
Valentina não faria limpeza, para começar, ela nem entraria na casa
dele hoje por achar simples demais. Mas Eleonora parece não se importar com
nada.
“Eleonora 1 x 0 Valentina.”
— Ainda tem um pouco de lagosta na sua geladeira quer que eu
prepare outro lanche? — Ela oferece deliciosamente nua e sensualmente
confortável.
— Sim, estava muito bom, na verdade gostaria de aprender a fazer.
— Pede, pois sempre que tiver lagosta, fará esse lanche para se lembrar dela.
— Adoraria ensinar, você não imagina o que se pode fazer com as
sobras da geladeira. — Ela tira os ingredientes enquanto ele assiste maravilhado
o seu conforto. — Essa lagosta é pescada aqui?
— Sim, eu pesco do outro lado da ilha. Você também cozinha? —
Ela corta o pão e segura a faca com destreza profissional.
— É um hobby muito bom. — Sorri tímida.
“Eleonora 2 x 0 Valentina.”
Ela trabalha e faz caridade.
“Eleonora 4 x 0 Valentina.”
Por que continuar comparando?
Ela mostra passo a passo como fazer o lanche misturando algumas
coisas que ele nem imaginaria usar.
— Você sabe como ensinar muito bem.
— Você notou? Porque você só olhou para os meus seios. — Sorri
com malícia e o serve.
— É uma boa distração, mas eu prestei atenção no que fazia. — Sorri
de canto.
— Que bom. Sua mãe já fez o serviço sujo puxando minha ficha
enquanto você catalogava cada informação. Eu vou fazer o meu interrogatório,
pois, você sairia correndo de um com a minha mãe. Claro, se ainda estiver com
pernas. — Ele eleva a sobrancelha ao ouvi-la.
“Perspicaz! Muito perspicaz.”
O que é isso sobre a mãe dela?
“Quem liga? Ela vai fazer perguntas, se preocupe com isso.”
— Seu pai morreu pelo que entendi, mas por que você perdeu a
construtora dele? — Morde o lanche despreocupada.
— Direta… — Olha para o mar e respira fundo e solta. — Eu não
falo sobre isso com frequência. Para falar a verdade… Eu nunca falo sobre isso.
— Suspira — Foi um acidente de carro há anos. Estavam no carro, meus pais e
eu. Meu pai era o motorista e não sobreviveu, eu estava no banco do passageiro
e fiquei em coma por meses, minha mãe foi a única a ter recuperação rápida.
Enquanto eu estava em coma, meu melhor amigo com a ajuda da minha noiva e
o sócio e melhor amigo do meu pai, armaram para roubar nossa construtora.
Quando acordei, minha mãe que trabalhou a vida inteira para ajudar meu pai a
construir a construtora, não tinha mais nada. Ela deu todos os bens da família em
troca de manter o nome do meu pai e o meu limpo da sujeira forjada por eles.
Tentei voltar a exercer minha profissão, mas todas as portas se fecharam. Mesmo
que minha mãe tenha mantido meu nome limpo, esse meio é pequeno e as
notícias correm. Com o dinheiro acabando, nos mudamos para esta ilha e
recomeçamos com o Bar. Essa é a história da minha vida. — Confidencia.
Por dentro ele tenta afastar as lembranças ruins, mas não consegue.
Alguma coisa mudou nele.
— O milagre seria trazer a construtora de volta para você e sua mãe?
— Você não esqueceu?
— Nunca esqueço nada. É a sua vez, não mude de assunto. —
Assevera.
Ele a acha linda sendo séria.
— Ontem foi anunciado que a construtora está parcialmente à venda.
— cerra o punho — Eu já não pensava em reavê-la. Não posso bancar o custo
para levar à justiça essas pessoas. E quando li o anúncio, não sei…, foi a
confirmação de que nunca conseguirei. Com uma nova sociedade será
impossível fazer qualquer coisa.
— Você quer levá-los a justiça e restaurar o nome de seu pai? — Ela
perscruta seus olhos.
Ele perde-se no verde de seus olhos, preferindo ficar neles do que em
sua própria cabeça bagunçada.
— Sim. Eu quero a construtora de volta, pois ela foi roubada da
minha mãe. Mas não sei se iria querer trabalhar nela, faz anos desde que pisei lá.
A construtora era minha vida, era tão dedicado a ela que não enxerguei as
pessoas que me rodeavam.
— Você não pode se culpar pelos atos de outros, como poderia
controlar tudo à sua volta? — Ela beija seu rosto com carinho. — Nada disso foi
sua culpa.
— Obrigado, mas é fácil falar, aceitar leva tempo. — A raiva invade
suas veias deixando-o ainda mais impaciente.
— O que você tem feito para aceitar?
“Ela é o que, psicóloga?”
— Vivendo minha vida. — Responde com frieza.
— Eu vejo isso — olha ao redor você, com essas tatuagens, cabelo e
barba… pelo que sua mãe falou, você deve ser a miss simpatia da ilha. Sinto
muito, isso não é viver, você está fazendo o contrário. — Ela fala ainda olhando
em seus olhos.
“Para de falar!”
Ela anda até a porta de vidro.
— Seu pai morreu, é triste porque você o amava, Mas as pessoas
morrem. Não temos como nadar contra essa maré, mas escolher se afogar nela é
sua opção e é triste assistir isso acontecer, sua mãe vem fazendo isso por todos
esses anos. Você está sendo egoísta.
Ela não olha em seus olhos, mas se olhasse notaria seu estado de
ruptura.
— Quem você pensa que é? O que você sabe sobre a minha vida?
Nos conhecemos há dois minutos e você fala como se a minha vida fosse sua
para opinar sobre ela. — Esbraveja se levantando do banco.
Uma bomba preste a explodir.
Ela se aproxima, inclina a cabeça e o olha de baixo com os olhos
frios.
— Tem razão, nos conhecemos há pouco tempo. Mas não menti e
não tirei conclusões erradas, você reagiu porque é verdade tudo o que eu disse.
Pare de se chafurdar em autopiedade e reaja!
Ele sente as palavras como tapa, muito forte, na cara.
O magnetismo que ela emana é forte e o descontrole dele é intenso.
Raphael de súbito a toma nos braços e o choque do beijo vem como a
reanimação de um desfibrilador. O corpo nu e quente dela o faz necessitado por
mais para se acalmar e também para impedi-la de continuar falando as verdades
secretas de sua mente maltratada.
A jaula onde aprisionou todos seus sentimentos foi aberta e liberou o
que estava preso por todos esses anos.
Pegando-a com pulso forte, Leo rebate da mesma forma não se
preocupando com o toque desmedido dele, ela muda a posição e monta-o com
força, seus olhos de tempestade encara os dele e não recua. Ela vai de encontro a
sua ira enfrentando-o sem medo. Se ele achou que a faria recuar ou assustá-la,
percebe que se iludiu. Foi como se ela estivesse aplacando a miríade de seus
sentimentos. Seus alaridos e suor mistura-se com os dela… Ela chega forte
levando-o para borda de forma dura e brutal para o clímax.
Foi diferente de tudo, Raphael se sente leve. Tudo que guardou foi
dissipando-se.
A dor ainda existe, mas agora também existe aceitação, que antes
não havia.
Leo ainda está em cima dele, com a respiração branda ele a envolve
em seus braços. Nada poderia ser melhor que isso e enquanto ele acaricia a suas
costas ela adormece.
As palavras de Eleonora foram duras, mas suas suposições foram
corretas. O egoísmo foi tanto que não percebi o quanto machuco minha mãe.
Talvez, talvez ela esteja certa. E de julgado passei a julgador.

Acordou com Leo empurrando-o para dentro dela.


— Confesso que acordar desse jeito é viciante.
Estavam ainda na mesma posição com ela em cima dele. Beija-a no
pescoço até ombro, as mãos com vida própria acariciam seu corpo aumentando o
prazer que sentem.
— Talvez essa seja minha intenção.
Aperta a bunda dela sendo agraciado com seu gemido em resposta e
fazem amor, desta vez sem pressa, com muitas carícias e beijos. Nunca ninguém
foi tão receptivo aos seus toques como ela.
— É tão bom para você quanto é para mim? — Raphael pergunta
saciado.
Ele está deitado com um braço apoiando a cabeça e o outro a acaricia
preguiçosamente na cintura, ambos estão parcialmente coberto pelo lençol.
— Se eu soubesse que te encontraria aqui, teria vindo antes.
Não existe resposta errada, mas com certeza, essa foi a que ele queria
ouvir.
— Eu preciso fazer contato com o mundo externo, você se importa?
— Não, claro que não. Eu vou descer para o Bar e pegar alguma
coisa para comermos. — Oferece.
— Você não precisa sair, pode ficar. — Ela se senta olhando-o e joga
o cabelo de lado.
Raphael pega sua mão e beija.
— Separados podemos fazer tudo em menos tempo, assim voltamos
para cama o quanto antes. — Beija-a no pescoço fazendo ela se arrepiar, por
último beija seus lábios.
Ela se levanta e veste a camiseta dele, que fica na metade da coxa,
senta-se no sofá com o telefone na mão e sorri em reação ao que vê no aparelho.
Antes de se aproximar e ver o que desencadeou essa reação dela, Raphael se
veste e desce.
“Minha, minha.”
Uma parte subconsciente dele a reivindica, então Raphael percebe
que passou o dia ouvindo está voz em sua cabeça.
Não, ela não é sua ou minha.
A voz rugiu descontente.
“Faça ser!”
Como se fosse fácil, ela tem família.
“Quero uma também só temos a mamãe.”
Mamãe? Agora é mamãe! E quanto a dor que causamos a ela?
“Eu não tive culpa, você se foi e me deixou sem nada. Se você ficar
com a Anjo prometo ser melhor.”
Anjo?
Balança a cabeça para dispersar o pensamento e as ideias
provenientes deles.
— Raphael? — Ele olha para trás onde Luka prepara uma porção. —
Sua mãe disse que estaria de folga. Ângela nunca esteve mais animada, contou
para todos da sua namorada e em como ela é uma mulher incrível. Não
incrível… INCRÍVEL, você entende a profundidade?
“Ouviu, a mamãe gosta dela, por que não podemos ficar com ela?”
— Porque não! — Sem entender Luka olha-o assustado. —
Desculpe! Pensei alto. — Receoso Luka dá de ombros e volta para porção. —
Faz um combinado para duas pessoas… Por Favor.
Luka abre um grande sorriso.
— Vou caprichar para agradar a sua mulher maravilha. — Raphael
sorri com a menção de ‘sua mulher maravilha’. — Oh meu deus! Você sorriu. Se
isso não for o fim dos tempos eu não sei o que é! — A risada estoura rápido de
Raphael impossibilitando a contenção. — Minha nossa! Saia da minha cozinha.
Vá mostrar para sua mãe, isso aí, — aponta o rosto dele — se eu contar, ela não
vai acreditar.
“Viu, funcionamos melhor com ela!”
O Bar não está movimentado. Ângela está no balcão, conversando
com duas amigas e clientes recorrentes do Bar, quando Raphael, entra todas
sorriem em conluio, menos Alessia que está afastada com cara de poucos
amigos.
— Filho… — Ângela olha a suas costas procurando-a. — A Leo não
veio? — Fala decepcionada.
“Depois quem decepciona a mamãe sou eu.”
Sério!? Isso pode ser esquizofrenia ou estou tendo algum tipo de
surto psicótico?
— Ela está falando com a família no telefone. Desci para pegar algo
para comermos. — O sorriso de Ângela volta a aparecer.
— Sua mãe parece adorar essa mulher misteriosa. Conte como vocês
se conheceram? — Berenice pergunta e depois olha para Alessia, sua filha, que
parece levantar as orelhas para ouvir melhor.
— Ontem na praia.
Elas aguardam curiosas por mais.
— Romântico… — A outra amiga fala.
— Isso é repentino, vocês já se conheciam? — Questiona Berenice.
—Por quê…
Raphael olha para mãe e segura as respostas do tipo: Por que é da
sua conta mesmo? Ou, por que não cuida da própria vida? Que estavam na
ponta de sua língua para serem proferidas.
Respira e solta.
— Nos conhecemos ontem a noite depois que o Bar fechou. —
Responde condescendente.
“Viu, posso ser controlado.”
— Estranho, por que ela estava na praia tarde da noite? E que tipo de
mulher é essa que passa o dia com um desconhecido? — Berenice não para de
implicar.
Ele nota Ângela segurar um garfo com força, como se fosse estripar
a amiga com ele.
É valido esses questionamentos. O que Leo fazia aqui tarde da noite
na praia?
Sente seu coração acelerar, anunciando a chegada daquela que o
despertou.
— Por que ao chegar na ilha… — Leo começa a responder,
obviamente ouviu a conversa. — Me deparo com um homem lindo, do tipo
diamante bruto, sem censura e incrivelmente raro. — Vira-se para encará-la, ela
está sorrindo e seu coração acelera ainda mais, se é que é possível. — Ele
brigava com um peixeiro, parecia muito irritado e o peixeiro claramente
assustado. A voz dele me encantou, causando um arrepio diferente de tudo que
senti. Fiquei observando-o de longe e o segui até aqui. Fui para o hotel e voltei à
noite, mas o lugar estava cheio e ele parecia ainda mais irritado e ainda mais
lindo, decidi voltar depois achando que estaria com menos movimento e poderia
ter, ou tentar ter, a atenção dele. — Ela fecha o lábio e curva-o de um único lado.
— Imagina meu desânimo quando voltei e estava fechado, nunca me senti com
tanta falta de sorte. — Seus olhos brilham para ele enquanto conta. — Estava
voltando para o hotel, quando o vento trouxe o som da voz dele, fui atraída como
ímã para onde ele estava. Como sou o tipo de mulher que corre atrás do que
quer, me aproximei. Quando não podia mais suportar a nossa distância, o beijei,
confirmando que ele é o único para mim. — Ela pula e beija-o, Raphael a segura
junto e beija de volta, tocado por suas palavras. — Vou levar tudo que puder
desse homem. — Termina depois que se separam, fazendo-o sorrir
verdadeiramente feliz.
— Isso sim é muito mais romântico. — A outra amiga fala.
— Mesmo assim, é muito cedo para um envolvimento sério. —
Alessia fala com desdém.
— Talvez não, é possível que ele estivesse esperando apenas a
pessoa que o fizesse sorrir. — Leo responde a Alessia sem nunca desviar o olhar
de Raphael, que está deslumbrado.
“O que disse… anjo! Somente um anjo para dar a Alessia o que ela
merece, com a classe que ela deu.”
— Eu gostei dela. — Luka fala da porta. — Oi, eu sou Luka. O
cozinheiro! Ângela falou a tarde inteira de você e o quanto é incrível.
— Leo, é um prazer conhecê-lo. — Sorri abertamente para ele.
Raphael nota na última mesa do bar, um cliente que nunca tinha visto
antes observando eles atentamente. O cliente tem uma grande cicatriz no rosto,
que o faz parecer perigoso. Por instinto, seu braço passa pela cintura de Leo e a
puxa para si.
O homem sorri discretamente.
Ângela e as amigas engancham em uma conversa sobre seu grupo de
costura e Luka volta para cozinha. Ninguém além de Raphael parece notar o
homem na mesa que continua a encará-lo.
— O que foi? — Leo lhe pergunta.
— Nada, um cliente novo. — Beija-a, marcando território.
Ela o recebe com desejo. Quando se separam, Raphael vê o homem
guardar o celular e tirar da carteira o dinheiro que deixa junto com a conta, com
rosto impassível, faz sua saída sem desviar o olhar.
— Foi bom marcar território? — Leo sussurra.
— Nada passa por você? — Pergunta curioso, pois ele achou que foi
muito discreto.
— Dificilmente. Sabia, eu nunca fui reivindicada em público.
— Nunca? — Ela faz que não. — Fico feliz em ser seu primeiro. —
Repete as palavras dela, o sorriso em resposta faz ele perder o folego. — Vamos,
antes que minha mãe roube você de mim. — Pega a mão dela e fazem o caminho
de volta, Luka os aguarda na cozinha com o pedido pronto.
Enquanto sobem as escadas ele não deixa de admirar suas curvas.
— Por que se vestiu novamente?
No pulso uma pulseira que só agora repara em seu brilho, a joia tem
padrão de duas pedras de coloração roxa e um X em ouro amarelo. Não tem
conhecimento em joias, mas supõe que seja bijuteria, por mais brilhantes que as
pedras sejam.
Ninguém andaria com nada valioso como ela está fazendo, para um
simples passeio na praia.
— Queria que descesse vestindo apenas sua camiseta? — Brinca e
começa a abaixar o zíper do vestido deixando a peça única cair ao entrar no loft.
— Melhor?
— Muito. — O longo cabelo castanho dela cobre os seios. —
Comida? — Ela veste a camiseta dele novamente. — Por que a roupa? —
Protesta.
— Meu interrogatório não acabou, preciso de você olhando meus
olhos e não meus seios. — Ela senta no banco da ilha de frente a bandeja de
comida.
— Respondo as suas, se você responder as minhas. — Propõe.
— Justo. — Pega uma batata frita e passa no molho.
— O que falou lá embaixo é verdade? — Inicia.
— Sim, mas acho que você já sabe. Como eu poderia saber do
peixeiro, não é? — Ela responde enquanto come outra batata. — Minha vez.
Você mencionou que não pode ter filhos, foi o acidente?
— Sim. Não é temporada usual de turismo, por que está aqui? —
Não prolonga o assunto.
— Missão de reconhecimento, todos parecem gostar do lugar, resolvi
explorar por mim mesma.
— Você mora na região? — Olha-a com esperança.
“Ela pode ser nossa.”
Não pode.
— Você fez duas seguidas, — protesta e bebe um pouco de suco. —
Moro há cerca de duas horas daqui. — Não é muito, é um bom tempo. — Você e
sua mãe disseram que não traz ninguém para casa, devo pensar que você só tem
parceiras esporádicas?
— Sim. Depois da minha ex noiva, nunca tive ninguém sério. —
Responde.
— Por quê?
— Ela me traiu com meu melhor amigo e ajudou a roubar minha
família. Eu desisti das pessoas. Por isso nada sério.
— Você se relaciona com as locais? — Foca em seus olhos.
— Você fez três? — Ela sorri e ele nota o franzir do nariz de forma
adorável. — Não. Só turistas. — Responde. — Você disse que nunca foi
reivindicada em público. Por quê?
— Nunca tive um relacionamento sério, tive apenas parceiros
sexuais e muito raramente se estendia para longe da cama. — Ele se surpreende.
— Você não se envolvia emocionalmente com eles? — Para de
comer e fita seus olhos.
— Não, com alguns desenvolvi afinidades e nos tornamos amigos,
isso conta como envolvimento emocional? — Ele faz que sim.
Mas não sabe como interpretar a resposta dela.
— Você gosta daqui, quero dizer, de morar na ilha? — Ela se
aproxima, colocando o cabelo de lado.
— Sim. — A perna dela toca nele, o suficiente para tirar seu foco. —
O pai dos seus filhos, como foi a relação de vocês? — Os olhos dela se abrem
em surpresa.
— É como se fossemos criados na mesma forma. De um jeito louco
sempre cuidamos um do outro, temos nossos pais e nosso outro irmão, mas
sempre haverá eu e ele.
Ele nota e não gosta do brilho nos olhos dela.
“Minha.”
Não é.
Tenta segurar a barra e manter o clima.
— Você o ama? — A pergunta corre sem filtro.
— Claro que sim! Se você tivesse alguém que te entende apenas
olhando seu rosto e você fizesse o mesmo por ele, você não o amaria? —
Responde de pronto.
— Mas vocês se relacionaram sexualmente?
— Muitas perguntas Raphael, desta forma vou achar que quer algo
sério. Última vez que responderei sobre ele hoje. — Avisa e Raphael concorda.
— Eu era uma adolescente inconsequente, nós passamos por maus momentos
juntos. Não é como se tivesse planejado as crianças, mas aconteceu e, não me
arrependo. Posso dizer que a gestação deles foi a melhor coisa para eu começar a
pensar nas consequências dos meus atos, algo que não me importava antes. —
Ela suspira. — O que as ruas desta ilha magnífica esconde no escuro? — Muda o
rumo da conversa, finalizando o assunto anterior.
Suas palavras soaram verdadeiras.
“Então, por que você não fica com ela? Seu idiota!”
Você sabe que eu sou você, não é? Conhecemos ela não tem nem
vinte quatro horas, ninguém faz o que você quer, em apenas um dia.
“Verdade, porque TODAS que fodemos nos levaram onde ela nos
levou! Amanhã você irá se arrepender e ela não estará mais aqui.”
Todo aquele tempo com Valentina e nem conhecíamos ela de
verdade.
“A Anjo é diferente.”
— Corrupção, não da parte política, mas os policias locais são
problema com letras maiúsculas. Mantenha distância e você ficará a salvo. O que
você faz de melhor?
— Tenho memória eidética, lembro de tudo. É um dom e uma
maldição, mas é o que faço de melhor. — Pondera franzindo o nariz e sorrindo.
— E você? — Pega o hambúrguer e morde.
— Nada tão impressionante quanto você, mas gosto de desenhar.
— Não se desmereça, eu vi seus esboços quando arrumava suas
coisas e seus desenhos são lindos. Meu irmão é especialista em arte e disse que
seu traço com carvão é digno de profissional. — Afirma.
— Quando seu irmão viu um desenho meu? — Sorri satisfeito.
— Enquanto você dormia, mandei para ele, como um pedido de
ajuda… Sabe? Para ter o que conversar com você. Interação social espontânea
não é o meu forte eu queria ter algo para dizer. — Morde o lanche de novo
fazendo barulhos de satisfação.
Ele assiste e se ajeita no banco para melhorar o desconforto de seu
membro indócil.
“Queria morder ela.”
— Como você pode ser ruim de interação social se teve parceiros
que mesmo depois de terminarem se tornaram amigos? Não é fácil manter
amizade depois que se termina. — Ajeita o cabelo para atrás da orelha.
— Com eles vivíamos uma fantasia, não era real. Criava uma cena a
partir do que eles precisavam e como todo teatro o fim é iminente. A amizade é
resultado do que tivemos. — Ela o encara pensativa. — Com você não criei uma
fantasia, é fora do meu padrão e não quero errar, mas também quero cercá-lo de
todas as formas para não te deixar escapar. — Fica em silêncio, dando tempo
para Raphael absorver o significado de suas palavras. — Continuar ou não, desta
vez não depende de mim. Você detém as rédeas.
E agora?
“Ela deu carta branca. Porra…, ela nos quer! Podemos ficar com
ela, ela quer ficar.”
— O que você não faz tão bem? — Perdido com a revelação, ele faz
o que aprendeu com esses anos.
Ignora.
“Idiota, idiota, idiota.”
— Tenho muitos problemas com carro, então não dirijo mais, foram
incontáveis as vezes que fiquei sem bateria, combustível ou qualquer outra coisa
que os impeçam de se mover, sem falar as multas. Depois que as crianças
nasceram, minha família achou melhor eu não dirigir mais, mas posso ser uma
ótima piloto de fuga. E você? — Ela responde como se suas revelações
anteriores não fosse nada.
“Ela vai desistir… Fala que queremos ela!”
Não.
— Cozinhar. Eu faço algumas coisas, mas nada muito elaborado e, a
maioria tenho que ter receita.
Ela toca-o no rosto, Raphael instintivamente se inclina para ter mais
contato.
— Isso é fofo e explica muita coisa na sua geladeira. — Sorri
debochada.
Terminam a refeição com perguntas amenas e nada sério, apenas
frivolidades da ilha e o fato dela preferir filmes e séries de fantasia, ou drama,
porque os de ação têm situações toscas e problemas descabidos com resoluções
imprecisas e vexaminosas.

— Você me faz insaciável…


Estavam deitados na cama de conchinha.
“Olha como o corpo dela é perfeito junto ao nosso. E o cheiro
dela…”
A mistura do cheiro dela e o dele formam algo muito melhor, nisso
ele concorda.
“Por que tem o nosso junto ao dela.”
Ele assiste Leo dormir como se fosse a melhor paisagem do mundo,
é pacífico e incrivelmente bonito. A respiração dela é leve e sua mão segura-o
com força, como se soltá-lo fosse a pior coisa do mundo.
“Pode não ser para ela, mas se deixá-la, irá ser para você.”
Por que você não some?
“Esse é o problema, desde que fomos ao túmulo do papai você se
trancou e levou consigo todos os sentimentos, desde então estou correndo solto.
A Anjo foi a única que me conteve e fez você sair de onde estava. Por anos você
não reagiu a nada, anos… Você não entende, precisamos dela…”
Se esteve aqui, por que não me trouxe de volta?
“Não sou eu no comando, é você. Se você não voltou foi por que
quis ficar e sofrer no nada que criou para si mesmo. Depende de você sair e
reagir, eu estou aqui com o propósito de cuidar da mamãe, mas não pude fazer
muito, já que não sinto nada.”
Olha para Leo ainda dormindo com a boca levemente aberta.
Por que ela?
“Ela é como nós. Também está aprisionada, basta olhar
profundamente em seus olhos e encontraremos o vazio.”
Está com medo?
“Seria idiota se não estivesse. Não se engane com a sensação de
controle que acha que tem com ela.”
Como assim?
“Você é idiota mesmo! Olha, ela te falou que está cercando você, a
mamãe foi a primeira vítima, o círculo de amizade dela o segundo e Luka o
terceiro, todos estão fascinados por ela, todos que te circulam. Logo a notícia se
espalhará e onde você fica nesse cenário?”
No meio do vendaval.
“Xeque-mate. Ela pode ter dito que não está de joguinhos e isso
pode ser verdade, ela responde o que perguntar com veracidade ímpar, mas não
quer dizer que ela não jogará com nosso entorno para sobreviver.”
O que devo fazer?
“Deixe-me ao menos tê-la, o que ela nos deu ninguém nunca fez. O
toque dele é como se portasse vida. Você sentiu, eu sei que sim… e estou tão
cansando de tudo. Ela nos alimenta com vida, olhe para você, antes não fazia
nada a não ser olhar para mamãe com tristeza do lugar onde se trancou e hoje
você até sentiu felicidade.”
Não foi assim tão ruim?
“Ah, claro que não, tudo está tão maravilhosamente bem. As pessoas
na ilha têm medo de nós, somos o antônimo da simpatia e por último, a mamãe
até agora não assumiu que está saindo com alguém a quase um ano.”
NÃO!
“Sim, sou tão duro com todos que não consigo deixá-la entrar, mas
não quer dizer que não vejo os sinais.”
Mentira!
“Saia e veja por si mesmo, assim poderei descansar.”
O sol banha seu rosto despertando-o, procura com a mão o corpo que
lhe aqueceu durante a noite e não sente nada, abre os olhos e não a vê. Se senta e
olha ao redor, a casa organizada é um sinal da presença dela, mas o vestido e as
sandálias não estão onde havia deixado. Levanta e a procura no banheiro
encontrando-o está vazio, na cozinha a mesma coisa, exceto que em cima da
secadora tem uma pilha de roupa perfeitamente dobrada.
“NÃO! NÃO! NÃO!!”
Não! Não! Não!
“Eu falei para não a deixá-la, seu idiota de merda!”
— E fazer o quê? Amarrá-la na cama!
“Qualquer coisa seria melhor que nada, agora ela se foi… Eu
preciso dela!”
— Eu pediria ao menos o telefone, e-mail ou qualquer coisa para
mantermos contato. Com o tempo poderíamos iniciar alguma coisa.
Raphael anda de um lado a outro no loft perdido dentro de si mesmo.
“Idiota! Iniciar a porra do quê? É tão cego que não percebeu? Não
precisava iniciar nada! JÁ HAVÍAMOS COMEÇADO! EU PRECISO DELA!!!”
A folha branca dobrada e presa com um ímã na porta da geladeira,
chama sua atenção.
“É dela.”
Corre para geladeira e pega a folha com urgência.

— Depende de Raphael, única e exclusivamente, tomar


essa decisão. O primeiro passo para evoluir Leo o ajudou a
dar, mas o luto não é simples de superar. Como faz para
aceitar algo que não se pode mudar?
— O meu plano está seguindo como esperado, mas
confesso, tenho várias versões dele e Raphael é o único que
detém o poder de escolhê-lo.
“Te desafio me deixar ser sua, primeira e única. Eu sei que
não é fácil entregar seu coração. Acredite, eu aprendi.
Ninguém é perfeito”.
(One and Only – Adele)
CAPÍTULO 23
RAPHAEL

“Liga pra ela, eu preciso ouvir ao menos sua voz.”


— O que ela quis dizer com: “já trilhou esse caminho”?
“Quem se importa. Ela chegou no fim e ela me quer. Agora liga!”
— E o irmão/ marido?
“Ela mesmo disse. Tudo ou nada. Conviveremos com ele, mas
manteremos um olho aberto… Se lembra de Valentina?”
— Sim, como esquecer que as pessoas traem, roubam e morrem.
“A Anjo não nos traiu. Podemos fazer diferente com ela. Liga… Ela
pode estar por perto e pode voltar para nos dar um beijo de despedida, e talvez
mais…”
— Tenho que pensar.
“Você deveria começar a viver. Você não sabe como é frio e solitário
aqui. E agora tudo está pior, depois que tive um gosto dela. Liga!”
— Não!
“É você e não eu que está tornando tudo mais difícil, não diga
depois que não avisei…”
— Do que está falando?
“Mudei! Não, melhor, EVOLUI. Como a porra de um Pokémon!
Sinto as mudanças e elas não são boas sem a Anjo por perto.”
— Como se não tivesse mais o que fazer. É melhor eu ir trabalhar.
“Não! Ao menos salve o telefone dela.”
Cansado de falar sozinho pela casa, ele olha para folha branca, que
agora está levemente amassada de tanto ele ler e reler, estudando cada palavra,
atrás de qualquer mensagem subscrita, que não fosse a mensagem claramente
escrita de que ela o quer. Tudo dele.
— Certo, mas não ligarei
Salva o telefone da Leo no celular com nome: Anjo, sendo a segunda
na lista de contatos, a primeira é sua mãe Ângela. Contudo, ele cogita colocar
dois ‘A,’ para torná-la a primeira na lista, porém não fez no último momento.
“Veremos quanto pode suportar vivendo fora de sua jaula? Tem
muito que você não viu.”
Ângela está recebendo as entregas de bebidas quando ele desce para
o Bar a fim de trabalhar e se distrair. Sua mãe lhe olha de soslaio e sorri
enquanto assina o recibo da entrega.
— Você ao menos conferiu o pedido antes de assinar? — A voz é
mais ríspida que necessário e esvaece o sorriso dela.
— Bom dia para você também! — Responde irônica. — Sim conferi.
— Revira os olhos.
Desde quando ela faz isso? E quando a ironia começou a fazer parte
do cardápio matinal?
“Bem-vindo a sua vida!”
Por que foi grosseiro com ela?
“Confesso, hoje fui mais que o normal, mas por que será? Ah…, é.
Evolui.”
— Tem café na cafeteira. — Ângela oferece como oferta de paz, ele
pega uma xícara e toma um longo gole. — Quando a Leo voltará? Acredita que
ela foi atenciosa e deu a receita do bolo que ela fez na caneca, antes de sair. —
Sorri.
— Você a viu? — Olha para mãe por cima da xícara.
“Traidora! Não nos chamou.”
— Sim, ela estava esperando o carro para levá-la embora.
“Carro? De quem? Anda, pergunta algo?”
— Era carro do hotel? — Especula.
— Não, era um carro particular. — Ângela responde enquanto
arruma as caixas de bebida.
“Que carro era? Quem dirigia? E se fosse o pai das crianças?”
— Viu o motorista? — Bebe mais café, fingindo por fora, o oposto
do turbilhão que está por dentro.
— Não, eu não vi ninguém. O carro tinha os vidros escurecidos. —
Ângela deixa as bebidas e volta ao bar, jogando o mesmo jogo que o filho.
“Que merda mamãe!”
— Ela falou alguma coisa? — Entra no bar, impaciente.
Ela o examina.
— Como o quê?
— Que droga mãe! Qualquer coisa.
Mas que merda, porque você falou assim?
“Eu disse cara, eu evolui. Liga para ela… EU PRECISO DELA!!”
Ângela aumenta o sorriso, reconhecendo a sua vitória
silenciosamente.
— Olha como você fala, eu ainda sou sua mãe. — Fala severamente.
— Ela falou ou não alguma coisa?
Você pode ao menos se desculpar com a mamãe?
“Não é assim que funciona nossa dinâmica desde que tomei posse.”
Ah, porra que você vai falar assim com ela. Se desculpe!
— Sinto muito mãe, pela forma que falei.
Por que você está a tratando assim?
— O que ela falou exatamente quando a viu? — Reformula.
“Eu disse, é assim que lido com as coisas, a mamãe é uma vítima da
qual eu não posso proteger. Se eu gosto? Não, claro que não. Se eu posso
controlar? Não, não posso sozinho, para isso teria que sentir arrependimento e
eu não sinto nada, a não ser necessidade da Anjo.”
Fica obvio a surpresa de sua mãe com a mudança de comportamento
dele.
— Ela deu bom dia, entregou a receita e disse que foi um prazer ter
me conhecido.
Envergonhado de como a tratou e do jeito como ela o estuda agora,
Raphael desvia o olhar.
— Vou para academia. — Avisa, lhe dando as costas.
— Ela disse que depende apenas de você. — Ângela entrega antes
dele chegar na porta.
Ele encara os olhos esperançosos da mãe e foge batendo a porta.
“Depende de você. Ela não virá se você não der esse passo.”
Duas horas de treino não foi o suficiente para esquecer, nota o
policial homicida observando-o de longe e o ignora.
Ouve a conversa ao seu lado para se distrair.
— Você viu o drone sobrevoando a ilha?
— Falaram que era para gravar um filme.
— No antigo convento?
— Pode ser filme de terror.
— Só pode. Aquele lugar me dá arrepios.
“Não adianta se matar de exercícios, você deveria ligar para ela.”
Ela tem filhos.
“E daí, é melhor para nós, assim podemos ser pai, podemos ter
crianças.”
Não serão nossas.
“Como não? Se estivermos com a mãe delas você será padrasto
deles, pode ser bom. Seremos bom para eles.”
Eles tem pai.
“E terá padrasto também, quanto mais atenção melhor. Criança
gosta de atenção.”
E se não gostarem de nós?
“E se gostarem?”
— Fiquei sabendo que agora você tem namorada?
A voz gélida lhe tira de seus devaneios.
— Fique longe dela. — Raphael responde ao policial, sem medir as
consequências de suas palavras.
Sente vontade de tirar, com o punho, o sorriso de escarnio dele.
— Os boatos são verdadeiros, não vejo a hora de conhecê-la. — O
policial mexe os ombros em círculos como exercício de relaxamento.
Raphael se empertiga ficando maior que ele, olhando de cima,
intimidando-o.
— Não se aproxime dela. — Avisa.
Desde o primeiro dia que o viu, Tomas deseja quebrá-lo, todos na
ilha o teme, fazendo-o se achar o tubarão desse oceano, mas Raphael resiste em
lhe mostrar o mesmo respeito que todos dão a ele.
— Ou o quê? — Tomas enrijece, seus olhos brilham com ódio.
— Não pague para ver. — Responde com dureza deixando o policial.
— Você pagará por essa insolência, assistindo cada dor que infligir
na sua namoradinha. Deixa estar… — Tomas ameaça com a voz baixa o
suficiente para somente Raphael ouvir enquanto se afasta.
Porque fez isso? Esse cara é encrenca.
“Ela é minha.”
Não é! E agora ela corre perigo por sua culpa.
“Não se eu matá-lo antes de tocar nela.”

ÂNGELA

Ela faz o almoço enquanto observa seu filho atipicamente inquieto


no sofá.
— O que você achou da Eleonora?
De costas ela sorri satisfeita, durante a amanhã ela quase perdeu a
esperança de que teria o filho novamente.
— Adorável, espontânea, linda de uma forma emocionante, ela é tão
segura de si. É uma mulher forte do tipo que vai atrás do que quer e, isso é
respeitável.
Por um instante pôde vislumbrar a felicidade em seu filho. Ela não
medirá esforços para manter Eleonora por perto.
— E quanto a história dela? — O olha com expectativa.
— Me diz você, o que acha da história dela? — Contrapôs.
— Mirabolante, mas sincero. Ela disse que seu último
relacionamento foi há dois anos.
— Você acreditou? — Começa a mexer a panela.
— Sim, mas desconfio do meu julgamento. — Confessa olhando
derrotado para as mãos.
— Ela não teria motivo para mentir. Ela não mora na ilha e vocês
não se conheciam, então porquê criar histórias, era mais fácil não falar nada. —
Ângela pondera olhando em seus olhos.
— E quanto ao irmão, pai dos filhos dela? — Seu filho chega ao
cerne da sua apreensão.
— Olha, nesses meus anos de vida, já vi muita coisa por esse mundo,
nada é o que parece. Ela disse que não planejaram e acredito que foi verdade.
Ela era uma criança e, com certeza, tinha problemas. Adolescência não é fácil e
se ela teve uma infância difícil, torna tudo mais duro. — Desliga o fogo e
começa a servir a comida. — As pessoas falam e julgam o que não conhece. Eles
acharam o melhor jeito de sobreviver com o que tinham e, protegeram suas
crianças. Isso só mostra como eles são bons pais. — Ela se senta à mesa, observa
seu filho respirar fundo e se levantar para sentar-se ao seu lado.
— Eles moram juntos. — Murmura.
— E daí? Quantos casais não vivem apenas de fachada? Você acabou
de dizer que ela não se relacionou com ninguém por dois anos, por que ela
mentiria sobre isso? O que ela ganharia?
Ele meneia com a cabeça, validando cada palavra dita por ela.
— E você como está?
Se surpreende pela segunda vez com a atitude do filho.
— Bem. — Responde vaga, pois agora que seu filho está voltando
para ela, não pode espantá-lo. Certas coisas ainda não podem ser ditas, ainda.
Mas se ele continuar por esse caminho logo, ela contará, sem correr risco de
perdê-lo.
Comem em silêncio, ele evita o olhar dela, e fixa-se na foto que está
pendurada, na fotografia está ela, Gabriel e Raphael, foi uma das últimas fotos
com seu marido, no baile anual da construtora. Ângela olha o filho na foto e não
o reconhece, nada restou daquele menino gentil e feliz com a vida.
— Mãe, você poderia cortar meu cabelo? — Ela mira-o com
incredulidade. — Não tudo, gosto dele comprido. Mas não tanto.
— Claro. Podemos também aparar a sua barba?
Raphael sorri em resposta e ela se surpreende.
— Claro, podemos aparar. — Seus olhos brilham.
Depois do almoço, Ângela rapidamente pega a tesoura, que ainda
está na embalagem, e um pente. Corta a primeira mecha de cabelo com alegria
descarada.
— Dessa altura está bom?
Raphael olha no espelho e faz que sim. Ela começa a cortar o
restante, com receio dele pará-la. O mesmo foi com a barba.
— Tudo ou deixa ela cerrada? — Pergunta animada.
— Tudo não. — Raphael responde fazendo ela sorri.
Já é um começo.
A máquina corre por seu rosto, Ângela deixa cerrada e uniforme,
com a lâmina menor, ela dá forma à barba no rosto do filho.
— Pronto!
— Obrigado mãe! — Ele a abraça e a beija.
Emocionada o aperta entre seus braços, ela não se lembra a última
vez que seu filho fez isso.
— Você não imagina o quanto fico feliz por tê-lo de volta! —
Soluça.
— Desculpe mãe, não sabia o quanto estava me distanciando. —
Beija-a na cabeça.
— Eu sei, meu filho. Eu sei. — Limpa as lágrimas. — Leve a tesoura
e a máquina, eu comprei para você tem algum tempo.

RAPHAEL

“Isso não muda nada.”


Isso muda tudo.
“Vai ligar para ela?”
Não.
“Estou avisando, não sei por quanto tempo vou aguentar…”

As garrafas são batidas com mais força do que necessário no balcão


e tilintam em protesto pela agressividade desnecessária. Balançam, mas não cai,
até elas não querem piorar a ira dele.
Luka e Manoela o olham sem dizer nada.
— Pago para olharem ou para vocês trabalharem?
— Definitivamente para trabalhar, mas acho que devo cobrar
adicional para aguentar seu mau humor. — Luka fala afiado.
— A porta está a sua frente, siga seu caminho. — Raphael aponta
rudemente.
— Não trabalho para você. Ângela! Seu filho me dispensou de novo!
— Olha-o em desafio.
— Ignore o Shrek! — Ela grita da cozinha.
Empinando o nariz, Luka passa por ele com Manuela em seu
encalço, sempre assustada, ela evita ao máximo ficar na linha de tiro dele.
Pare de tratar as pessoas assim?
“Não. Eu preciso dela… Liga! Faz uma semana.”
— Sua namorada perdeu o dom de te fazer sorrir? — Alessia espeta.
— Quando passou a ser da sua conta a minha vida, ou, a da minha
namorada?
Se as garrafas pudessem falar nesse momento gritariam: Vai trouxa!
— Ah, ela então ainda é a sua namorada? — Ela leva a picada
venenosa, mas é tão cheia do próprio veneno que o dele não faz efeito.
Você notou que falou namorada?
“Não fode!”
— Ah, você continua falando.
Olé! As garrafas apupam.
A porta do Bar abre, Adriano, o representante dos pescadores e
moradores da ilha, entra.
— Raphael, sua mãe está? — Ele olha à volta procurando por ela.
Raphael joga o pano de limpar o balcão e entra na cozinha, sem olhar
ou falar com ele.
— Mãe, estão te procurando. — Avisa secamente e volta.
Ângela entra em seguida.
— Adriano? — Olha para filho que a observa como uma coruja
sombria.
Volta-se para Adriano, Raphael teve uma melhora significativa, mas
agora está em queda chegando a níveis nunca atingido, na sua escala de humor.
É ele, não é?
“Com certeza que sim. Basta ver como ele olha para mamãe. As
mãos contidas dele, tenho certeza que estão coçando para tocá-la. Como ela
pode ter esquecido meu pai?”
Quem disse que ela esqueceu.
Eles sentam-se na mesa mais distante do bar e Raphael por mais que
tente, não consegue ouvi-los. Minutos se passam, depois se levantam, ele a
cumprimenta com aperto de mãos demorado e sai em seguida. Ângela vira-se
encarando-o.
— Os pescadores farão a reunião aqui hoje. — Ângela avisa.
— Por que ele falou com você sobre isso e não comigo? — Não se
incomoda nem um pouco com o olhar duro dela para ele.
— Por que será? — Ângela volta para cozinha.
Às sete horas, o bar enche com todos os pescadores e alguns
moradores da ilha. Muitas bebidas são pedidas além das comidas, Adriano
começa a falar quando todos os convocados chegam.
— Marquei a reunião para prepará-los para os próximos
acontecimentos. Fui informado, por vários amigos meus da prefeitura, que nos
últimos meses a nossa ilha e as menores a nossa volta estavam sendo avaliadas
por uma empresa para compra.
— Nossa ilha não está à venda!!! — Alguns gritaram em uníssono.
— Sim, não está. Mas temos muitos terrenos e casas à venda, pelo
que sei eles querem cada local vago desta ilha e das outras. — Adriano
comunica.
Isso não é bom, se privatizar a ilha, nos expulsar será o próximo
passo.
“Como se isso importasse.”
— O que devemos fazer? — A multidão pergunta.
— Não há o que fazer, eles não podem nos expulsar e nem nos
impedir de trabalhar. Isso é certo. Estamos com um alto índice de desemprego,
isso pode ser bom e gerar renda na ilha.
— Os drones que estavam sobrevoando a ilha, eram eles? — Um
pescador pergunta.
— Provavelmente sim. Eles são grandes e poderosos pelo que ouvi
dizer. — Adriano responde.
— E quanto a guarda, se eles aumentarem mais a taxa não terei como
pagá-los? — Um pescador fala e todos concordam.
— Eu não sei como responder a isso. — Adriano desanima. — O
melhor a fazer é esperar e ver o que acontece. — Acrescenta.
A reunião acaba sem mais delongas, o pânico havia se instaurado na
maioria das pessoas. Raphael está mais irritado desde que viu os olhares da mãe
para Adriano durante a reunião, ele fecha o bar enquanto ela o caixa, Luka limpa
a cozinha e Alessia foi embora na primeira oportunidade deixando para Manuela
a limpeza das mesas.
— Quando você vai me contar que está fodendo com Adriano? —
Estoura.
Ângela o encara incrédula.

ÂNGELA

A fúria é uma porta pouco utilizada por ela, contudo, com Raphael
decaindo em sua escala de humor, depois da pequena evolução que fez, a deixou
de frente com ela.
— Como é?
Ela abriu a porta!!! ELA ABRIU!!

RAPHAEL
— Não se faça de idiota, você acha que não percebi o que vem
fazendo, esqueceu rápido o meu pai! — Acusa.
Ângela fecha o caixa com força e o encara enquanto se aproxima.
Porque você fez isso?
“Eu avisei que evolui, não consigo mais suportar a ausência da
Anjo.”
Mas ela é a mamãe!
“Eu sei, mas não posso ficar sem a Anjo, se esse é o único jeito de
fazer você ligar, ferirei qualquer um para ter o que eu quero.”
Essa é a sua evolução?
O tapa o acerta em cheio, surpreendendo-o.
— Ninguém amou mais o seu pai que eu. Mas ele morreu, eu não.
Não me julgue por fazer o melhor que posso para sobreviver, pois é assim que eu
honro a memória de tudo que eu vivi com Gabriel. EU VIVO!! — Ela grita.
Ele afasta um passo para trás assustado, ela nunca levantou a voz ou
lhe deu um tapa sequer.
— Me recuso a fazer parte do seu culto de aversão à humanidade,
não era isso que seu pai iria querer que eu fizesse com a minha vida, ou você
com a sua. — Esbraveja.
— Mãe? — Volta a se aproximar arrependido, ela recua.
Seus olhos cheios de lágrimas miram ele com decepção e tristeza.
— Eu não te reconheço mais, Raphael, você se tornou um homem
amargo e insensível, mas agora é cruel, nunca estive mais decepcionada com
você, como estou agora. Quando aquela menina apareceu, achei que tinha
conseguido de volta, meu filho doce, sensível e bom. Como pude me enganar
tanto.
Tenta se aproximar dela novamente.
— Mãe? — Leva a mão até ela e de novo ela recua.
— Não!
— Mamãe?
Ângela vira o rosto.
— Me perdoe, eu não quis… Eu sinto muito. — Limpa os olhos
cheios de lágrimas com as mãos.
— Chega Raphael! Apenas saia da minha frente. — Ordena fria.
Raphael nota as mãos trêmulas da mãe ao sair e dá de cara com Luka
e Manuela que assistiam tudo de camarote.
— Sinto muito… Cuide dela por favor. — Luka faz que sim e vai
para Ângela.
Arrependido e devastado, sobe as escadas para casa dois degraus de
cada vez.
Você é um monstro?
Para no deck e olha o mar escuro a sua frente.
“Eu sou o que você se tornou.”
Eu jamais faria isso com ela.
“Você fez, há anos ela tem sido negligenciada. É tão mais fácil ter
alguém para expiar seus pecados. Mas você não tem! Você fez tudo isso e só
agora está notando o que tem feito. Não me culpe. Aqui, você é o juiz, o réu e o
júri. EU SOU VOCÊ!”
Por que agora?
“Por que a tivemos. Ela nos deu à vida de volta, só que não foi
permanente, foi um estoque limitado e acabou… PRECISAMOS DELA!!!…
Quanto antes você assumir isso, mas rápido e menos danos faremos.”
Eu quero ela, muito. Está satisfeito? Mas não podemos, e se a
história se repetir? Se ela nos trair? Tanto já foi tirado de nós, que se ela fizer
alguma coisa, não sobreviveremos e eu prometi cuidar da mamãe.
“Não vai se repetir.”
Como pode ter certeza?
“Porque nós a queremos de um jeito que nunca quisemos ninguém,
vamos cuidar dela, dar atenção, priorizá-la. Será diferente de antes.”
E o irmão/ marido?
“Vigiaremos ele, mas o melhor caminho é aceitá-lo.”
E os filhos dela?
“Amaremos eles como se fossem nossos.”
Segura o celular com dúvida, a tela é o único foco de luz por todo o
deck. Nem precisa correr pelos contatos, ela é o segundo nome na lista. Receia,
por minutos, até que pressiona ligar, toca duas vezes e foi suficiente para fazê-lo
perder a coragem, recém-concebida, e encerrar a chamada.
— Alô?
Encara o aparelho, paralisado.
— Alô? — A voz rouca dela informa-o que ele a acordou. —
Raphael, é você? Você está bem? — Seu tom muda para preocupação.
O fato dela saber que é ele ligando, é o que falta para romper a
represa que encheu por anos com inanição de sentimentos e até mesmo luto.
Ele não sabe por quanto tempo chorou no telefone com ela o ouvindo
do outro lado.
— Não. Eu não estou bem. Eu preciso de você! — Chora sem
vergonha que ela ouça seus soluços ou seu nariz fungando. — Eu estraguei tudo.
— Começa a balbuciar em meio aos soluços.
— Chegarei o mais rápido que conseguir. — Ela fala quando ele
abranda.
Raphael fica olhando a tela com olhos embaçados até ela desligar
deixando-o na completa escuridão.
“Ela está vindo.”
Não sabe quanto tempo passa, mas sente seu coração disparar.
“Ela está chegando.”
Levanta e olha para rua, assiste o carro preto estacionar no meio-fio e
Leo desce segurando uma bolsa na mão e outra no ombro. Ela fala com o
motorista pela janela que, de onde Raphael está, não consegue ver quem é. Ela
usa um casaco preto o cabelo preso no alto, um tipo de coque bagunçado, ele
fica olhando o carro se afastar e não percebe quando Leo bate na porta.

Seus grandes olhos verdes estão escuros e frios como tempestades no


verão. Envergonhado, ele olha para chão notando a pantufa de pelúcia com
pompom na lateral que ela usa, ela não se mexe até ele subir o olhar.
— Alguém te machucou? — Ela entra e fecha a porta, quando ele
não consegue fazer nada além de olhá-la como se fosse uma miragem. —
Raphael?
— Você veio? — Sussurra com medo de que ela desapareça.
— Claro que sim! O mais rápido que pude. — Seu perfume o invade
e, ele respira com força. — O que aconteceu com você? — Sua voz o
tranquiliza, e o mundo volta ao eixo.
Ele a segura o mais próximo que pode, toma sua boca com urgência
e necessidade, sendo retribuído da mesma forma.
— Eu senti tanto a sua falta. — Mantêm-na perto e descansa a testa
na dela.
— Eu também. O que aconteceu? — Leo insiste, toca seu rosto e o
aquece como uma pequena fagulha que viaja por suas veias aquecendo seu
corpo.
— Minha mãe… — Solta a respiração. — Eu a machuquei. — Ela se
afasta dele, — não fisicamente. Eu não vou te machucar, não se afasta de mim,
por favor… — implora, e se aproxima dela. — Eu comecei uma discussão… —
volta a chorar, ela o abraça. — Eu não queria ter falado o que falei, me
descontrolei. Na verdade, estou assim desde sempre, mas esses últimos dias têm
sido pior. — Ela o consola fazendo carinho em suas costas.
Beija o peito dele por cima da camiseta.
— Quer que eu veja como ela está? — Faz que sim, aliviado. — Vá
tomar um banho, a água quente ajuda a aliviar a tensão e ajudará você a se
acalmar. — Antes de sair beija-o.
A água quente faz exatamente o que Leo lhe falou e ainda o renova
com esperança.
“Ela está em casa.”
O que aconteceu hoje, não pode mais se repetir.
“Concordo, mantenha a Anjo por perto e isso não irá se repetir.”
Ao sair, encontra Leo na cozinha sem o casaco, o corpo está coberto
apenas por uma camisola de seda azul clara que chega pouco abaixo da bunda
com renda transparente na barra.
“Como se estivesse embrulhada para presente.”
— Você veio assim? — O decote cavado é coberto apenas pela renda
transparente.
— Sim, sai com pressa, coloquei o casaco e peguei algumas roupas e
coloquei na mala. — Ela sorri. — Fiz chá, é bom para se acalmar. — Empurra a
xícara no balcão para ele. — Sua mãe está bem, ficou surpresa em me ver. Foi
errado o que fez, minha empatia diz que devo apoiar a sua mãe e não você. E
assim farei. Mas como ela está acompanhada de Luka e Manu, ambos garantiram
que passarão a noite com ela. Ficarei aqui com você, mas deixo claro meu
aborrecimento. — Ela empina o nariz e cruza os braços fazendo-se séria.
“É fofa até dando bronca.”
— Desculpe, amanhã irei me desculpar com ela. — Ela indica com o
dedo a xícara de chá, ele pega e bebe de uma única vez sentindo o sabor
adocicado da camomila. — Você ficará? — Pergunta apreensivo.
— Sim, mas não farei nada até que você se desculpe com sua mãe.
— Passa por ele indo para cama.
“O quê?”
Ela tira a pantufa, deita na cama e se cobre com o lençol.
— Você não vem?
Caminha até a cama e tira a toalha que o cobre, e ela o olha desejosa.
— Gosta? — Uma provocação idiota de tentar fazê-la mudar de
ideia.
— Muito. — Ele sorri satisfeito e entra em baixo do lençol com ela.
— Aliás, gostei do cabelo e da barba.
Abraça-a. — Obrigado, por ter vindo.
Leo levanta-se sobre seu peito.
— Você teria feito o mesmo se fosse eu?
— Sim. — Fala sem nem precisar pensar uma segunda vez, os lábios
dela o explora em reconhecimento e a língua sai para fincar a bandeira de
reivindicação.
“É como o céu.”
Raphael desce a mão pelo tecido fino puxando para cima buscando
contato com a sua pele.
— Sem calcinha?
— É melhor para dormir. — Justifica, voltando ao beijo.
Com ela aninhada ao seu corpo, foi difícil pegar no sono sem poder
fazer nada além de beijá-la, mas de algum jeito conseguiu.

Acorda com o raiar do sol, Leo dorme tranquila, sua aliança reflete o
mínimo de luz, mas a pulseira brilha com mais intensidade, distraído Raphael
traça com os dedos sentindo as pedras e as intersecções em ‘X’.
“Será que mamãe acordou?”
Está cedo.
“Podemos acordá-la?”
Não seria certo, deixe-a descansar. Eu sei o que quer, estou mais
duro que uma rocha, mas não acordarei a mamãe porque quero transar com a
Anjo.
“E se ela for embora agora cedo?”
Não vai, ela trouxe uma mala, isso quer dizer que ela ficará mais
tempo.
“Ou quer dizer que ela não vai voltar usando apenas uma camisola
de seda.”
Ficarei acordado, ela não sairá sem que vejamos.
“Bom plano.”
O que faço agora?
“Reivindique-a.”
Como namorado?
“Não, como sua.”
É, mas não podemos ser donos de pessoas!
“Certo entendi, namoro seria um bom começo assim ganhamos
tempo com ela e não devemos esquecer o irmão.”
Posso falar que quero conhecer a família dela? Não… Vai parecer
que quero marcar território, ou que estou avançando muito rápido.
“Vamos com calma. Devemos pegar mais informações da família e
das crianças enquanto passamos segurança a ela. Lembra, ela nunca namorou,
se nunca fez isso quer dizer que ela nunca apresentou alguém a família.”
Precisamos que ela se sinta segura ao nosso lado a ponto dela
mesma nos deixar entrar no mundo dela. Isso também não quer dizer que
daremos a chance para qualquer outro se aproximar.
“Ela é minha.”
Eu entendi.
“Que bom que você caiu em si. Aleluia!”
Idiota.
“Você é mesmo.”
Você que é.
“Sério? Vamos voltar a isso. Pensei que minha identidade já
estivesse estabelecida.”
Você acha que ela se sentirá bem aqui?
Olha a simplicidade de sua casa.
“Acho que sim, se ela fosse uma dessas ricas esnobes, não teria
voltado para nós. No primeiro dia teria notado que não temos muito a oferecer.”
Sim, mas as roupas dela são de grife e a seda dessa camisola
minúscula não é barata. Lembra o quanto custava os mimos de Valentina? Não
posso mais bancar isso. Esse anel sozinho paga no mínimo dois anos de lucro do
bar. Ele deu a ela, ou seja: Não posso competir com o irmão/ marido.
“Ela está aqui e não com ele, ganhamos. É só manter o jogo assim,
no momento certo a teremos por completo. Mantenha a calma.”

— Raphael está no processo de escolher seu caminho e


ganhando a chance de recomeçar. Eleonora chegou onde
sempre quis estar.
“Tomei seu coração, peguei sua mão. Espero que você
entenda. Eu estou longe de ser um homem perfeito. Mas você,
você é minha linha de vida”.
(I'll Make It Up To You – Imagine Dragons)
CAPÍTULO 24
RAPHAEL

— Bom dia, Anjo!


Ela lhe sorri abertamente com os olhos nebulosos pela manhã.
— Bom dia! — Coça a cabeça e se espreguiça. — Dormi demais…
— Diz depois de olhar para o relógio.
Satisfeito por ainda tê-la em seus braços Raphael beija-a desejando
que muito mais aconteça.
— Não. — O afasta. — Você ainda não se desculpou com a sua mãe.
— Leo levanta fugindo de seus braços, pega a bolsa e traz para cama, pegando
de dentro da mesma uma bolsa menor. — Vou tomar banho.
— Posso ir também?
Esperança é tudo.
— Pode tocar, mas não pode ter. Você aguenta? — Questiona
elevando uma sobrancelha e sorrindo debochada.
“Merda.”
— Posso esperar. — Raphael desiste, apertando o travesseiro entre
os braços.
Ela entra e fecha a porta, a bolsa permanece na cama, uma segunda
olhada no objeto e Raphael identifica o símbolo LV, no zíper e no cadeado.
“É só uma bolsa, ela mesmo disse que trabalha muito, se trabalha
ela recebe. Fim de papo, ignore.”
Não demora, Leo sai do banheiro enrolada na toalha, o rosto
levemente maquiado com os lábios avermelhados, um coque prende os cabelos
do topo deixando o resto solto caindo por suas costas, nada pretensioso, mesmo
assim, parece ter acabado de sair de um ensaio profissional para uma revista de
moda. A toalha cai revelando seu corpo, Raphael choraminga.
Leo sorri de seu infortúnio.
— Porque você ainda está na cama? — Começa a vestir o sutiã.
— Prefiro assistir ao show a minha frente.
Ela veste a calcinha de modelo não convencional, é grande para uma
calcinha e tem a cintura alta. Mas miséria, se aquela parte ao sul dele não
despertou adorando o conjunto preto.
— Essa é a maior calcinha que já me deu uma ereção.
Leo ajeita a peça provocativamente.
— É uma hot pants. — Gira dando visão de todos os ângulos.
— Adorei! — Se ajeita na cama para confortar o membro solitário.
— Levanta! — Raphael faz que não, ela sorri, e pega na bolsa a
roupa.
— Você roubou a bolsa do Felix?
— Não, a menos que minha mãe tenha feito. Ela é a responsável
pelas roupas da família e ao que parece Gaia também será. — Sorri de canto.
“Viu presentes da mãe, não há nada com que se preocupar.”
— Não Anjo, foi uma pergunta retórica. Felix é um gato personagem
de desenho animado que tem uma bolsa mágica e dela, ele tira objetos de todos
os tipos para ajudar nas situações que se mete.
O rubor delicado aparece nas bochechas dela.
— Ah, não conheço esse, mas, é tipo a bolsa da Hermione depois
que ela a enfeitiça? — Desta vez ele que olha para ela em expectativa. — Harry
Potter? — Faz que não, ela o olha com pesar. — Tadinho… que tipo de vida
você teve? — Ela termina de se vestir.
“Harry Potter, pesquisar depois.”
— O que é isso?
Nem fodendo ela vai usar isso!
— Vestido.
Raphael encara o vestido que nada mais é que um véu preto com
estampa de bolinhas brancas, frutos do mar e borboletas coloridas.
— Sim, mais onde está o forro?
— Não tem, é assim. — Ela gira e cada parte do seu corpo está a
mostra.
— Sua calcinha está aparecendo! — Ela faz que sim, sentando na
cama tirando um par de sandálias de dentro da bolsa.
Ela não pode usar isso!
“Calma.”
— Anjo, todos olharão — finge indiferença — talvez, você devesse
escolher outra roupa. — Ela sorri em resposta.
Raphael bufa frustrado com a perda óbvia desta batalha.
Leo continua se arrumando. Coloca um par de brincos grandes, com
pedras de cor opaca verde e branca, em seguida pega um bracelete dourado e o
acomoda junto à pulseira de pedras roxas.
Seria só o problema do vestido, se não tivesse reconhecido as duas
panteras nas extremidades do bracelete.
“Releva, pode ser bijuteria.”
Bijuteria o cacete!
— Anjo, esse bracelete é da Cartier?
Leo olha a peça demorando para responder, com um suspiro leve
retira o bracelete e lhe entrega com receio. A peça tem peso significativo e as
duas panteras têm nos olhos duas pedras verdes, que imediatamente lembra os
olhos dela. A assinatura da marca grita para Raphael, que já está alarmado.
— Anjo, você pode perder, ou pior, pode ser assaltada e se machucar.
Você sempre usa joias assim para sair?
Ela permanece em silêncio como se estivesse esperando por algo,
Raphael devolve o bracelete.
— Não as perderei e também não serei assaltada. — Volta a colocar
o bracelete. — Miguel nunca deixará que algo assim me aconteça. — Ela
levanta.
“Miguel, temos um nome dado de bom grado.”
— Mas você está aqui e ele não. — Ela pega a mala do chão.
— Estou segura aqui e se estiver na rua nunca estarei sozinha, mas
apesar disto, sempre saberei me defender. — Afirma, pega o celular da mala. —
Agora que o show acabou, vá se arrumar. Ângela está nos esperando para o café.
Mesmo que o vestido deixe seu corpo em evidência, ela, com
certeza, está linda, sexy e sofisticada deixando ele maravilhado.
Está mais para Princesa que Anjo, mas mesmo assim, este vestido
mostra muito.
“Ela está linda.”
— O que posso fazer para você trocar de vestido?
— Nada. Você não faz nada. Estou muito velha para alguém escolher
o que vou ou não usar.
Ele levanta da cama injuriado e vai direto para o banheiro, a
camisola dela está pendurada no cabideiro, Raphael cheira a peça, sentindo seu
perfume, e volta à calma.
Precisamos conversar com ela e estabelecer limites, é o que pessoas
fazem no relacionamento, não é?
“Acho que sim, devemos fazer uma lista.”
 Roupa curta ou transparente, estritamente proibido.
 “Monogamia estritamente exigido.”
Lembrou de mais alguma coisa?
“Não, para mim parece razoável.”
Logo que sai do banheiro nota a cama arrumada e a mala em cima,
mas não encontra Leo.
Puta merda! Ela saiu sozinha com aquele vestido dos infernos, outro
item:
 Não sair desacompanhada.
Raphael veste uma roupa qualquer e corre para a casa de sua mãe.
Ao aproximar-se da porta, pode ouvir as vozes. Como Leo disse, Luka e
Manuela ficaram para cuidar de Ângela. Ele nunca conseguirá agradecer o
suficiente por tamanha consideração deles.
— Você é uma visão e tanto nesse vestido. — Luka elogia.
— Se tivesse esse corpo com certeza o exibiria assim. — Ângela
fala.
— Não conseguiria sair de casa vestida assim. Lázaro nunca
permitiria. — Manuela conta.
— Não deixe ninguém impedir você de levar a vida que quer, só
temos uma para ser vivida, não a desperdice. Seu corpo é seu. — Leo responde
com segurança.
— Você é o tipo de mulher pela qual, se eu fosse hétero, me
apaixonaria. — Luka declara.
Não, não…
Raphael entra na casa da mãe como se tivesse acabado de pousar na
terra, todos se calam surpreendidos por ele.
— Bom dia! — Fala envergonhado.
Sabe, você que deveria se desculpar.
“Ah! Claro, eu vou. E todos notarão a diferença.”
— Mãe, eu queria pedir desculpa por ontem, passei do limite. Você é
o que tenho de mais importante e não quero nunca mais ser motivo de decepção
e mágoa para você.
“Satisfeito?”
Ângela encara-o.
— Nunca mais quero ver você como esteve nesses últimos dias.
Posso aceitar seu mau humor, mas jamais tolerarei a sua falta de respeito. — Ele
assente cabisbaixo. — Senta-se, o café esfriará. — Como criança antes de sentar,
ele apressadamente beija e abraça a mãe.
— Sinto muito.
— Eu sei meu filho. — Ângela o beija.
— Queria me desculpar com vocês, — olha para Luka e Manuela, —
pela minha grosseria e, em como fiz do trabalho de vocês aqui algo difícil.
Luka e Manuela se entreolharam, depois olham para Ângela que dá
de ombros.
— Estamos acostumados com o Raphael ogro, mas esse novo que
pede desculpa e sorri é estranho. Lidaremos com você como se tivéssemos nos
conhecendo hoje e ignoraremos a sua primeira versão. — Luka estabelece.
Todos assistem Raphael, o sempre tenso, relaxar.
— Obrigado. — Sorri sem jeito.
— É bem o que você falou… ele assusta quando sorri. — Manuela
cochicha com Luka, mas todos ouvem.
— Por que assusta? — Leo pergunta com a voz no mesmo tom de
Manuela. — Ele fica tão lindo assim. — Ela o avalia.
Manuela se aproxima dela.
— Não é a beleza, é que ele nunca sorri. Foram tantos anos de
carranca que até parece presságio do fim dos tempos.
Leo encara Raphael com entendimento.
— Oh! Entendi.
Tomam café com muito riso e conversa fiada, Luka conta histórias da
ilha que Leo parecia ávida para saber.
— Onde estão seus filhos hoje? — Ângela pergunta.
— Foram para as montanhas com o pai e os avós. Eles têm negócios
para resolver lá e as crianças gostam de novidades.
— Por que você não foi com eles? — Ângela continua.
— Meu irmão e eu estamos envolvidos em um novo projeto e
tivemos que ficar.
— O projeto é da empresa da sua família? — Raphael se interessa.
— Algo como isso, estamos nos mudando então há questões que
temos que resolver.
“Como assim mudar?”
— Como é ser mãe de gêmeos? — Luka pergunta animado.
— Maravilhoso, mas não por eles serem gêmeos, é porque são meus.
Gaia é criativa e voltada as artes, adora química e fazer experimentos, dos dois
ela é a porta-voz. Gael é uma mini versão do pai, assim como ele, adora os
números, é implacável na hora de fechar um acordo e adora computadores como
eu. Ambos são muito protetores, mas ele é muito mais, é um guardião nato, você
nunca encontrará Gaia sem Gael e vice-versa. — Responde orgulhosa.
— Mas, e o glamour de ter gênios sabe? Os prêmios, as descobertas,
os estudos avançados? — Luka insiste.
— Optamos por criá-los o mais próximo possível da normalidade, os
estudos foram avançados. A escola indicou eles para uma série de universidades
e muitas delas mostraram interesse a ponto de oferecer bolsa integral, mas
recusamos. Eles são crianças e terão muito tempo para dar esse passo. Claro,
como eles se formaram e enquanto estamos em processo de mudança estão de
férias, mas quando tudo estiver normalizado, eles farão cursos avançados em
suas áreas de interesse.
— Negaram bolsas de estudos! Eu queria tanto receber uma… —
Manuela fala pensativa.
— Você irá querida, com suas notas, você conseguirá. — Ângela
conforta.
Raphael nem sabia que ela está se candidatando a faculdade.
— Vocês irão se mudar para costa? — Pergunta esperançoso.
— Será definitivamente nesta região. — Afirma.
“Ela vai morar perto, isso quer dizer que sempre teremos ela.”
— Se quiser morar aqui se apresse, ontem mesmo descobrimos que
tem uma empresa querendo comprar tudo por aqui. — Luka discorre.
— É mesmo, mas isso é bom não é… — Leo pergunta enquanto
pega mais uma fatia de bolo.
— Quem sabe? E se for uma dessas empresas que destrói tudo e
todos para querer construir um desses resort de luxo. — Luka censura.
— Pode ser bom, pode ser que quem compre não faça nada que afete
a vida dos locais a esse modo. — Leo defende.
Raphael claramente está tenso, porque obviamente, essas pessoas
não serão boas.
Ângela suspira.
— Anjo, essas pessoas, com certeza, darão um jeito de nos pôr para
fora no primeiro momento. Eles querem comprar não só as ilhas adjacentes,
como tudo e qualquer terreno ou casa a venda nessa ilha. Com um investimento
desse porte, é claro que eles visam um retorno muito lucrativo. — Raphael
assegura.
— Nem sempre. — Ela fala com segurança.
Ele se enche de simpatia por ela achar que essas pessoas podem ser
boas, já viu a ganância em ação e a maldade que provem dela, porém, sente-se
agradecido que seu pequeno anjo tenha sido poupada da crueldade humana.
Ângela suspira novamente.
— Mamãe você está bem?
— Estou muito melhor agora, e nada de negócios à mesa. — Ângela
alerta. — Leo querida, eu vou tirar a mesa, e então, podemos ir. — Começa a
arrumar tudo com sorriso, que Raphael não entende em seu rosto.
“Ir para onde?”
Com essa roupa?
— Vocês irão para onde? — Olha para Leo que parece distante
observando Ângela. — Anjo?
— Vamos todos para o spa do hotel, teremos uma manhã de meninas,
— olha para Luka. — E menino. — Inclui.
“Ela não incluiu você.”
— E eu? — Mendiga.
— Vai terminar de organizar o bar, que você não terminou ontem. —
Ângela fala séria. — Leo nos convidou, sendo assim você ficará para arrumar a
bagunça. E hoje nem pense em tirar o dia de folga, a Manu pediu o dia e eu dei.
— Mas mãe?
“Ela não quer que fiquemos com a Anjo, que mulher vingativa.”
— Sem, mas. — Responde.
— Posso ajudar vocês hoje? Juro que aprendo rápido. — Os olhos de
Leo brilham em expectativa.
“Ela vai ficar! Mantenha calma.”
— É só servir mesas, não há dificuldade. Você consegue. — Manuela
pisca para ela.
— Então, isso é um sim? — Especula animada.
— Sim querida. — Ângela consente.
— Mas você não vai com essa roupa. — Raphael avisa sério.
Regras.
— Não, claro que não. — Ela aceita sorrindo.
Ele fica satisfeito.
Luka e Manuela saem antes para passar em casa e ficam de encontrá-
las direto no hotel.
— Você não precisava levar minha mãe para sair, mas obrigado. —
Beija-a.
— Sua mãe é uma mulher maravilhosa. — Leo o beija de volta. —
Vou adorar passar a manhã com ela, assim poderei saber tudo sobre a sua
infância. — Confabula.
— Estou pronta garota. — Ângela pega a bolsa e Leo levanta
pegando a dela, dando a ele a visão perfeita do bumbum evidente no vestido
transparente.
— Como vocês irão ao hotel? Posso levá-las de carro já que ambas
não dirigem. — Oferece agitado.
— Um carro do hotel está esperando por nós. — Leo responde.
— Esses serviços são caros, eu posso levar vocês. — Insiste,
seguindo-as.
Leo tira da bolsa os óculos escuros e o coloca.
— É para isso que o dinheiro serve.
Caminham para fora de casa e Raphael confirma que no sol Leo é
radiante, a pele ganha vida e seu cabelo, brilho, revelando as mechas mais claras.
O carro do hotel está estacionado em frente ao Bar, o motorista assim
que vê Leo, se empertiga.
— Bom dia senhora Ângela, não sabia que tinha uma sobrinha tão
linda.
— E não tem. Ela é minha namorada. — Raphael entona com voz
dura, ambas o encaram notando a mudança repentina de humor.
— Eu sou? — Leo pergunta com voz baixa.
— Tudo ou nada, foram as suas palavras. — Ela o beija feliz. —
Promete que não vai ficar andando por lá com essa roupa.
— Claro que não vou, é um spa, obviamente ficarei sem ela.
Ele endurece com a resposta, ela sorri.
— Anjo, não. — Soa mais firme. — Acho melhor você ficar. —
Segura ela.
— Estamos em uma ilha Raphael, todos já viram corpos com roupas
menores que isso, volto em breve, — ele continua segurando-a, — deixe eu ir,
sua mãe já está no carro. — Beija-a com mais desejo.
— Solta ela Raphael! — Ângela manda, ele solta Leo que entra no
carro sentando animadamente ao lado de Ângela.
Assiste desanimado o carro se afastar e percebe outro carro saindo do
outro lado da rua, indo pelo mesmo caminho, a janela do motorista está aberta e,
Raphael vê um homem de terno preto e reconhece imediatamente como
segurança, por causa da linha de fone no ouvido e a aparência militar.
“Ela nunca fica sozinha, ao menos o policial homicida não poderá
fazer mal a ela. Ponto para o irmão dela.”
“Harry Potter não é ruim e nem infantil demais, por que nunca
lemos antes?”
Não sei, acho que era por causa do trabalho.
Raphael está lendo no sofá quando o coração dispara em aviso.
Leo entra animada e seu sorriso se alarga assim que o vê sentado no
sofá.
— Esse lugar é lindo! Podemos ir ao tal convento mal-assombrado
depois do almoço?
Ele percebe que a pele dela está levemente bronzeada.
— Voltaram de carro?
Leo tira as sandálias, pega na geladeira uma garrafa com água,
familiarizada com todas as coisas como se o espaço sempre tivesse sido dela.
Raphael se impressiona com o conforto dela na casa e confirma que se
preocupou atoa sobre ela não gostar do que ele tem a oferecer.
— Não, sua mãe insistiu em voltar andando, ela disse que precisava
caminhar um pouco, passamos no mercado e depois na feira. Você tinha que ver
sua mãe me apresentando para as pessoas como sua namorada.
— Você desfilou pela ilha inteira nesse vestido?
“Deixa isso pra lá, olha como ela está linda.”
Isso não está certo, vou falar das regras agora sem perder mais
tempo.
Enquanto ele debate internamente Leo senta em seu colo começando
um beijo fogoso e apaixonado.
“Fale das regras depois.”
Esfomeado por ela, Raphael se levanta e a leva para cama.
— Eu preciso ter você! — Anuncia enlouquecido.
— Você me tem agora, o que vai fazer? — Leo provoca cheia de
malícia, enquanto ele tenta conter a ansiedade de pegar o que quer sem nenhum
cuidado. — Meu namorado precisa de ajuda?
— Tira o vestido ou eu vou destruir ele. — Balda, colocando ela de
volta no chão com relutância.
Leo desce o zíper do vestido que vai caindo por seu ombro e desce
devagar por seu corpo empoçando aos seus pés. Ela dá um passo para fora do
vestido e eleva a sobrancelha incitando-o a continuar com um sorriso malicioso,
que o provoca ainda mais.
Não foi preciso um segundo chamado, Raphael tomado por desejo,
beija cada parte dela marcando-a e preparando-a. Ele testemunha o momento
exato que ela se entrega, lhe dando o poder sobre ela. Completos pela união de
seus corpos, o êxtase os leva ao paraíso prometido, concedido a poucos,
engolindo um do outro os sons desconexos, a intensidade transcendente e os
empurra para o clímax. No auge Raphael sente o movimento inesperado, mas
muito, muito apreciado sugando sua semente.
“É o paraíso.”
É maravilhoso.
Ainda unidos eles se recuperam com pequenos beijos apaixonados.
— O que foi aquilo que você fez? — Raphael arruma o cabelo dela
que está grudado no rosto e a beija do pescoço até a boca e voltando.
Foi o melhor sexo da minha vida.
“Com ela sempre é diferente de tudo que já tivemos.”
— Pompoarismo, gostou?
— Muito… — Geme quando ela o aperta em sua cavidade e o solta,
deixando-o querendo mais. Avesso a vontade de se levantar, ele faz, em pé ele a
admira nua com o seu sêmen derramando do sexo dela.
“Meu, se isso não é a melhor visão do mundo eu não sei o que é.”
No banheiro umedece uma toalha e volta para limpá-la, mesmo que
goste da ideia dela cheia dele.
— Onde aprendeu pompoarismo? — Pergunta curioso.
— Um colega do curso de culinária tinha uma namorada que
praticava, uma vez ela chupitou meu dedo e curiosa como sou, perguntei como
se faz e, ela me ensinou. Na verdade, ela passou a me dar aulas de pompoarismo.
Você ouviu o que eu ouvi?
“Não… espera… ela falou isso mesmo? Não sei se eu me jogo aos
pés dela ou se nos preocupamos com outro tipo de concorrência.”
— Anjo, como assim chupitou seu dedo?
“Boa, finja ignorância.”
— É como o movimento de chupar, só que com a vagina. — Ela vira
de lado apoia a cabeça no braço e olha para ele.
“Ah merda, não entendemos errado.”
— Eu gostei muito desse movimento, mas deixa ver se eu entendi
direito: Você teve relações com a namorada do seu colega de classe? — Se
mantém imparcial, na melhor aparência tranquila que pode simular.
Mesmo que enquanto isso, esmaga a toalha em sua mão.
— Sim. Antecipando sua próxima pergunta, fomos nós três e não
somente eu e ela. E sim eu já me relacionei com mulheres. Não é como se
preferisse elas a eles, ela era uma pessoa legal e era uma experiência nova para
mim. — Lhe dá um beijo rápido. — É só perguntar e te darei o que quiser, não
precisa ser cauteloso eu não vou fugir ou te atacar por isso. — Sorri amistosa.
“Onde ela estava por todo esse tempo? Sério, ela é perfeita.”
Agora mais do que nunca devemos falar dos limites.
— Quer namorar comigo? — Pergunta sério espelhando a posição
dela deitado na cama.
— Pensei que já estava. — Fala cerrando os olhos verdes
acinzentados, com dúvida e apreensão.
— Estamos Anjo, só queria formalizar adequadamente. — Beija a
ponta do nariz dela. — Precisamos estabelecer alguns limites. — Fala direto,
mas se arrepende assim que vê a reação dela.
— Isso parece sério, mas se você vier com um contrato e cláusulas
sobre uso de objetos sexuais e coisas BDSM, já informo: A menos que eu seja a
dominadora, não aceito. Podemos fazer sexo convencional ou mais elaborado, se
precisar de palavra de segurança a minha é Pizza, posso também usar alguns
brinquedos previamente aprovados, mas nada de contenção.
É uma mulher bonita de se ver quando fica agitada.
“É como ter uma caixa de bombons só nossa.”
— Anjo, não faço contratos BDSM, adoraria ser dominado por você,
mas vamos estabelecer uma relação comum, gosto da ideia do uso de
brinquedos, porém, prefiro ser eu exclusivamente a lhe dar prazer. E porque
pizza? — Ela relaxa enquanto Raphael faz círculos com os dedos em sua cintura
e sente uma cicatriz.
— Uma vez assisti um vídeo pornô onde o entregador coloca o pênis
na caixa de pizza, enfim, é a coisa menos sexual que já vi. Foram dias até meu
irmão e meu marido fizesse com que eu comesse pizza novamente. — Ela sorri,
mas ele não.
Nova regra.
 Parar de chamá-lo de marido.
— Entendo — fala contido. — Tenho alguns limites que gostaria de
estabelecer em nossa relação, posso? — Para a mão na cintura dela, e ela assente
para continuar.
Ele começa:
— 1: Gostaria que não usasse roupas curtas ou transparentes.
— 2: Monogamia é importante.
— 3: Não sair desacompanhada, principalmente na ilha.
— 4: Parar de chamar seu irmão de marido.
O rosto dela está calmo como a brisa da manhã, o sorriso vitorioso
dele irrompe.
Não achei que seria tão fácil.
“Nem eu, mandamos bem.”
— Não para a primeira. Um grande sim para segunda. Não
novamente para terceira. E quarto é complicado. — Ela suspira. — É assim que
um namoro funciona? Porque se for, temos um problema. — Conjectura.
— Anjo… — começa a explicar, — eu não quero que as pessoas
vejam seu corpo através das roupas que veste. Não sei como é a cidade onde
mora, mas na costa e na ilha, se uma mulher estiver andando na rua com uma
pulseira da Cartier, um anel com pedras que tem valor de comprar um carro de
luxo, eles podem ferir você. Tudo que eu quero é que fique segura, — ela sorri
complacente. — E por que é complicado parar de chamá-lo de marido?
Ela fecha os olhos demoradamente, respira fundo e solta.
— Direi uma última vez. — O adverte. — Você não ditará o que
devo ou não vestir, não cabe a você escolher. Quanto a andar sozinha por conta
da minha segurança, não se preocupe tenho isso coberto e eu sei cuidar de mim
mesma, confie em mim. — Suspira e continua. — Como sugere que eu o chame,
porque eu não sei como configurar isso? — Apesar da voz pacifica é evidente
que está descontente.
“Lembra do vazio que disse que ela tem na profundidade de seus
olhos? Eu sinto pela ligação que tenho com ela que é melhor recuarmos um
pouco e não pressionar tanto.”
Raphael cerra os olhos para ela e respira fundo.
— Se refira a ele como pai dos seus filhos, seu irmão. Se refira a ele
como quiser, mas quando o chama de marido, faz parecer que o que temos é algo
sujo! — A voz transpassa mais grossa que o necessário e um tanto elevada.
“Que merda! Era para recuar!”
— Se prefere assim, que seja, não irei me referir ao Tony como
marido, mas nunca pense ou fale que o que temos é sujo ou impróprio por causa
de uma colocação ruim de palavras. Meu mari… — ela se corrige. — Tony e eu
somos complicados, vivemos um inferno e sobrevivemos a ele, do nosso modo
conquistamos coisas que achávamos que nunca teríamos. Não menospreze o que
você e eu temos, porque seria um sacrilégio. Você me dá tudo que sempre
procurei de forma errada, é tudo que achei que não poderia ter. Mas, se uma
simples palavra pode abalar essa relação, estamos fadado ao fracasso. E eu não
quero fracassar com você! — Pronuncia indulgente.
— O que te dou Eleonora? — Se levanta dando as costas para ela
apoiando o braço na porta olhando irritado para o mar.
Será que ela não percebe? Eu quero é ser TUDO para ela, da
mesma forma como ela se tornou o meu em tão pouco tempo.
— Você trouxe luz onde estava escuro e, para mim é muito valioso
essa sensação de paz e graça que vem quando estou com você. Você despertou
uma profusão de sentimentos que não reconheço, foi tão rápido que pela
primeira vez em muito tempo me sinto perdida e um tanto amedrontada. Eu e
você somos reais e não uma fantasia, não existem jogos entre nós. — Chega do
lado dele com os olhos entristecidos e receosos.
Suas palavras o tocam profundamente
— Quero ser seu tudo, Anjo. — Ela toca seu rosto com carinho.
— Você completa meu mundo, será que isso serve?
“Isso parece bom, não é como se quiséssemos que ela nos colocasse
na frente dos filhos ou da família. Mas completamos o mundo dela, é o mesmo
que ela faz por nós.”
— É suficiente. — A puxa para ele. — Me assusta o fato de como
você se tornou importante para mim com tão pouco tempo. Eu me relacionei
com Valentina por anos e nunca senti nada parecido e, com tão pouco, ela fez um
estrago que achei ser irreparável. — Ela o abraça. — Não quero falhar com
você. — Salienta.
— Se isso serve de parâmetro eu nunca tive um namorado.
— Acho que serve. — Sorri contento.
“Tudo muito bom, controlamos a situação, mas você notou que o
nome do irmão complicado é Tony. Quem é Miguel?”
Pode ser o outro irmão.
“É pode ser.”
O estômago dela se faz presente.
— Vou ver se Ângela precisa de ajuda com o almoço. — Ela pega a
bolsa mágica
— Isso só pode ser brincadeira!
Leo escolhe para vestir, um atentado em forma de biquíni, branco
com desenhos geométricos.
— Volta para calcinha gigante. Anjo, isso é minúsculo. — Suplica.
Ela amarra a parte de cima, a visão do bumbum sinuoso marcado pelo contorno
perfeito do biquíni, o desperta.
— A menos que você queira ostentar a sua ereção novamente para
sua mãe, sugiro que se vista, — solta o cabelo e prende com uma presilha em
forma de pena deixando alguns fios caídos no contorno do seu rosto, passa
batom. — Se a cada vez que eu me arrumar você ficar assistindo, nunca faremos
nada na hora. — Olha do espelho para ele, tira o bracelete de pantera e guarda na
bolsa onde estava antes, deixando somente a pulseira com as pedras roxas no
braço.
— Que pedra é essa na sua pulseira? — Ela olha para a pulseira com
afeto, mas ele percebe que ela vacila ao ouvir a pergunta.
— São Argyle Avaline. Eu amo essa pulseira. — Conta animada.
Nota mental pesquisar: Argyle Avaline
— Você é uma mulher de joias? — Pega do armário uma sunga,
short e camiseta para vestir, enquanto ela passa protetor solar no corpo. —
Valentina também gostava.
— O que foi isso, sobre sua ex?
— Ela vivia falando de joias, pedras preciosas e seus valores. Quanto
mais raro melhor para ela. — Dá de ombros, alheio. — Está com ciúmes? —
Raphael fica levemente satisfeito.
— Não sei, deveria sentir? — Leo entrega o frasco de protetor solar
e se vira para ele passar nas costas dela. — Com que frequência você lembra
dela?
— Não há motivos para sentir ciúmes, — aplica o protetor e começa
a espalhar, — mas gosto de saber que sente, assim você pode imaginar o que eu
sinto quando você fala do seu irmão ou seus parceiros. Eu quase nunca me
lembro dela, mas não nego depois que te conheci, a comparação entre vocês
duas é incontrolável. — Beija-a na nuca e vê a onda de arrepio se espalhar por
toda a sua pele.
— Se te machuca ouvir sobre meus parceiros, não falarei, a menos
que faça uma pergunta direta. — Propõe. — Se um dia fosse comparar você a
qualquer um deles, você ganharia por ser o único nome na lista. — Ela beija sua
mão, levanta e coloca novamente o vestido transparente.
Descem de mãos dadas para casa de Ângela.
— Temos convidados, se comporte e será recompensado. — Beija-o
fazendo perder o rumo, antes de entrar.
“Ela é linda, brava e ciumenta.”
Ao entrar Leo corre para ajudar Ângela na cozinha, junto com
Amélia, filha de Adriano, que está visivelmente apreensivo com a chegada de
Raphael.
Ela nos enganou com todo aquele sexo gostoso só para nos deixar
nesta situação, pequeno demônio!
Raphael senta ao lado de Adriano, desconfortável com a pequena
emboscada de sua mãe e namorada.
— Alguma novidade sobre a compra da ilha? — Puxa assunto para
algo em comum interesse entre eles.
— Sim, fiquei sabendo hoje que a compra foi finalizada há dois dias.
Compraram tudo, até mesmo o convento abandonado. — Fala distante. — Foi
sigiloso todo o processo. A empresa que comprou é estrangeira e pagaram um
bom valor por tudo. Uma outra coisa também foi comprada… — Adriano olha
para Ângela, ela lhe devolve o olhar e dá de ombros.
— O quê? — Raphael anseia pensando no pior.
— A construtora Verona também foi vendida, pelo que apurei com
meus contatos, não são os mesmos compradores da ilha. Parece que o novo sócio
fez uma oferta irrecusável, para a compra de quarenta por cento dela. — Raphael
fica surpreso por ter sido tão rápido, ele sabia da venda, mas imaginou que
levaria meses para fechar um acordo. — Eu sinto muito por isso Raphael, sua
mãe sempre diz o quanto ela representa para vocês. — Adriano coloca a mão no
ombro dele em sinal de conforto.
Merda, o nome será a primeira coisa que mudarão e então adeus
papai.
“Deveríamos acabar com todos eles. Seria tão bom segurar o
pescoço gordo do Álvaro com toda a força que adquiri treinando por todos esses
anos.”
A dor dos punhos cerrados afasta ele de seus pensamentos, por falta
de alvo melhor ele soca o braço do pobre do sofá, Leo se aproxima e segura seu
punho levando ao lábio e o beija, depois sorri para ele, beija-o rapidamente e
volta para ajudar Ângela a colocar a mesa, ela o pacifica.
— Obrigado Adriano. Se existe justiça, as pessoas que nos roubaram
irão pagar pelo que fizeram.
“Ou podemos fazer eles pagarem.”
Não somos assassinos. Talvez devêssemos deixar o papai ir, a
construtora foi importante sim, mas as memórias dele, vão muito além dela.
“Eles não podem sair impune.”
Mas não temos meios para levá-los a pagar.
“Temos mãos.”
Não. Somos. Assassinos.
— A comida está pronta, venham se sentar.
Enquanto Ângela termina de servir o almoço, Raphael pesquisa no
celular as tais pedras Argyle Avaline, para se distrair das notícias recentes,
encontra um site falando de sua raridade, quando vê o valor se engasga.
“Puta que pariu!”
— Raphael? Meu filho, você está vermelho como o inferno. —
Ângela dá tapas nas costas dele, que faz o celular cair e escorregar no chão até
que Leo o pega, ela olha a pesquisa, depois para ele e para a pulseira que custa
uma fortuna, fazendo a pulseira Cartier parecer brinde de chiclete. Ela esconde a
mão para ele parar de encarar o objeto opulento por mais tempo. — Está
melhor? — Ângela pergunta com Adriano ainda o segurando e Amélia assistindo
tudo da mesa.
— Sim mãe, engasguei de susto com uma informação que li na
internet. Juro, estou bem. — Sorri para confirmar, eles o soltam indo para mesa
com ele seguindo atrás, Leo entrega o celular e evita olhá-lo. — Anjo, isso não
pode ser original? — Sussurra.
— Você acha que eu teria uma falsificação? — Sussurra ofendida,
ele senta ao seu lado na mesa.
Raphael pega a mão dela e examina a pulseira, não por duvidar da
autenticidade, é por curiosidade mesmo, ele nunca teve nada tão raro como isso,
tão próximo das mãos.
— É uma linda pulseira Leo, tem algum significado? — Raphael
agradece silenciosamente a mãe, que sempre faz as perguntas certas.
— Obrigado, ela marca o início de uma tradição, com ela nunca me
sinto só. Por isso quase nunca a tiro.
Sabendo a importância da peça Raphael beija seu pulso.
Se é importante para ela é para mim também.
Pisca para ela que cora timidamente.
— Como foi a manhã de vocês? Leo disse que você a levou para
fazer caminhada? — Pergunta para mãe e nem tenta esconder o tom acusatório
nas palavras.
— Foi maravilhoso, as massagens, banhos aromáticos… tantos
cuidados. Foi perfeito! Leo insistiu que fizéssemos tudo que queríamos, Luka e
Manuela adoraram, mas o auge da minha manhã, foi desfilar com ela e falar que
não era minha sobrinha e sim a namorada do meu filho. Minha filha de lei. Leo é
a filha dos sonhos, linda e educada, deu atenção a todos que apresentei com uma
simpatia ímpar. E quando Berenice tentou destilar veneno sobre ela ter sumido e
que o relacionamento de vocês não era sério, o que você respondeu, Leo?
— Como não poderia ser sério, se você é o homem dos sonhos
molhados de qualquer mulher na face da terra. E agora que eu o tenho, nunca
deixarei escapar. — Sorri inocente.
Raphael pode imaginar a cena dela falando exatamente isso para um
grupo de senhoras puritanas.
— Berenice não sabia onde enfiar a cara, foi muito divertido ver
isso. — Ângela ri alto.
Ele observa Adriano olhar para ela maravilhado e Amélia olhando
para ele.
A mamãe está em boas mãos.
— Hoje é certeza de que o Bar estará lotado de curiosos. — Raphael
fala e Ângela assente. — Algo mais que eu deva saber?
— Um policial foi um tanto insistente em nos dar carona na volta,
sua mãe foi enfática quando disse a ele que ficaríamos bem caminhando, mas
pude ver ele nos seguindo de longe enquanto estávamos na praia. — Leo conta
despreocupada, nota o silêncio que se instalou na mesa. — O que foi?
— Anjo, nunca se aproxime deles, ainda mais sozinha e, nunca,
nunca beba qualquer coisa oferecida por eles. — Adverte, Leo estreita os olhos e
ele já se prepara para seus protestos, pois pelo que viu, ela não aceita muito bem
o que ele lhe pede para fazer.
— Como quiser, meu único. — O desarma, ela segura a mão dele e
volta a comer com a outra. — Sua mãe também me encheu de histórias suas,
você era um menino tímido, achei isso adorável, porque se olhar para você agora
não consigo ver o menino de cabelo penteado, barba feita e corpo franzino que
ela descreveu.
— Não sou mais essa pessoa. — Olha para a foto na parede tirada no
dia da formatura da faculdade de engenharia.
— Tem razão, você não é mais. — Ela pisca.
— Sabe, ver vocês dois assim é rejuvenescedor, você não acha
Adriano? — Diz Ângela.
Leo não solta a mão dele e a eletricidade flui de um para outro de
forma interminável.
— Sim, muito. — Adriano responde sorrindo.

ÂNGELA

— Amélia, querida, seu pai disse que tem algo a pedir? —


Observando os últimos acontecimentos já imagina qual será o pedido.
Sabendo que Amélia tem medo de Raphael ter uma das suas típicas
explosões mal-humoradas, Ângela aproveita o momento. Amélia foi a primeira a
saber do envolvimento do seu pai com ela e lhes deu todo apoio e, entendeu os
motivos dela não contar para o filho sobre eles.
— Emanoel me pediu em casamento, e queria saber se você poderia
ficar no altar com meu pai? — Ela desvia o olhar de Raphael.
— Oh, querida claro! Seria uma honra. Vocês já têm a data?
— Sim, será em três meses. — Diz visivelmente aliviada.
— Pouco tempo, você precisa de ajuda com os preparativos?
Elas começam a falar sobre os preparativos, quando Ângela vê uma
oportunidade para garantir a presença da Leo na ilha, para o caso de seu filho ter
alguma recaída em seu estado de espírito.
— Se você aceitar minha sugestão, Leo pode ser sua madrinha, uma
vez que a sua amiga não poderá estar presente e Emanoel ainda precisa de um
padrinho, Raphael poderá ser o dele.
— Mãe, talvez a Amélia queira falar com Emanoel sobre isso. —
Raphael tenta se esquivar da oferta, mas sua mãe já previa isso.
Hoje não meu filho.
— Meu pai fala muito bem de você Raphael e, agora com eles
juntos, somos quase uma família. Se você não se importar eu gostaria e quero
dizer que Emanoel também gostaria que fosse nosso padrinho e se a Eleonora
aceitar seria um ajuste perfeito. — Amélia fala timidamente.
Amélia não poderia ter falado melhor, Ângela contempla.

RAPHAEL

Leo enrijece e olha para Amélia receosa.


— Você quer que eu seja a sua madrinha? De verdade? Você quer
isso mesmo? — Fala com voz baixa, como se pronunciar essas palavras poderia
assustar Amélia. Se volta para Raphael. — Uma vez meu irmão Naveen,
explicou sobre perguntas educadas que as pessoas fazem apenas por educação,
cuja resposta esperada é um não da outra parte. Esse é o tipo de pergunta que ela
fez? — Enrubesce.
— Anjo, ela não fez esse tipo de pergunta. — Passa o braço envolta
dela puxando-a para perto.
— De forma alguma Eleonora. Eu desejo mesmo ter você como
minha madrinha e quero muito que aceite. — Amélia assegura.
— Eu aceito, só tenho que descobrir o que uma madrinha faz.
Todos se surpreendem com sua confissão.
— Como assim Anjo, você nunca foi a um casamento? — Ela
levanta os olhos envergonhada.
— Não, quando fui adotada, meus pais já estavam juntos há muitos
anos, depois que engravidei dos gêmeos, bem… A cidade e suas fofocas, não
somos convidados para celebrações de nenhum tipo, exceto as da escola das
crianças.
“Magoaram meu anjo, poderia estrangular cada uma dessas
pessoas.”
Ela não ficará lá por muito mais tempo.
— Oh, querida, essas pessoas que saíram perdendo. — Ângela a
conforta.
— Eu também acho. — Amélia ajuda.
— Obrigado. Prometo que serei a melhor madrinha. — Leo se
anima.
— Você já é, pode ter certeza. — Amélia aquiesce.
Só por essas palavras de conforto para Leo, sua anjo, Raphael se
decide.
— Eu aceito ser o padrinho e, também gostaria de oferecer as
bebidas para a recepção.
Amélia e Adriano ficam atônitos, enquanto Ângela sorri satisfeita.
— Obrigado Raphael, mas não precisa…
— Amélia, como você mesmo disse, “somos quase uma família” e é
isso que uma família faz. —Ângela corta.
— Muito obrigado. — Ela agradece.
— Obrigado Raphael. — Adriano repete.
Voltam a comer. Leo fica em silêncio ouvindo a conversa só falando
quando Raphael tenta incluí-la na conversa, ela responde e logo volta ao
silêncio.
“Você notou que o nome do outro irmão é Naveen. Quem porra é
Miguel?”
Pode ser o pai.
“É pode ser.”
Leo ajuda Ângela a limpar a cozinha, depois do almoço, enquanto
Adriano e Raphael conversam sobre pescaria, a ilha e, até mesmo sobre a
profissão esquecida de engenharia e arquitetura dele. Amélia saiu logo depois do
almoço para contar as novidades para noivo.
Raphael pode garantir que Ângela e Leo armaram tudo para os
aproximar, ela nunca assumirá em voz alta, mas não foi tão ruim quanto
esperava que seria. Ele sabe que Adriano não é uma pessoa ruim, sabe também,
que nada substituiria seu pai. E entende que a mãe está certa em honrá-lo
vivendo a vida dela da melhor forma que pode.
É o que papai iria querer.

— Você pode ver uma pessoa em seu estado mais


pacífico por fora, mas não imagina a dualidade e as batalhas
que ela trava internamente. Todos os dias. Todas as horas. A
cada decisão que se toma, também vem uma consequência,
isto é um fato.
“Eu encontrei um amor para mim. Bem, eu encontrei uma
garota, linda e doce. Eu nunca soube que você era a única
esperando por mim. Eu encontrei um amor. Para carregar
mais do que apenas meus segredos”.
(Perfect – Ed Sheeran)
CAPÍTULO 25
RAPHAEL

— Por que dizem que esse lugar é mal-assombrado?


Por seu ânimo, Raphael sabe que Leo está esperançosa por uma boa
resposta.
— Não sei Anjo, deve ser por que é grande e está abandonado há
muitos anos. — Ele queria ter mais a dizer mas não tinha.
Até ela chegar, nada importava.
— Acho bobeira as pessoas terem medo dos mortos quando os vivos
são muito mais letais. — Pula um tronco caído.
Ele sorri, pois só precisou levantar a perna para passar pelo tronco.
— Eu também acho.
Apenas alguns passos a mais chegam à Praia do Convento. A praia
de águas claras e areia branca é fechada nas laterais por grandes rochedos
fazendo dela uma praia praticamente privada, os moradores da ilha evitam se
aproximar por causa dos fantasmas. Atrás um pequeno bosque, com árvores
frondosas, fazem sombras e, uma segunda divisão além dos muros para o
convento desocupado. Ambos admiram à vista.
— Podemos conversar sobre o que você começou a falar no almoço?
— Pergunta incomodado.
— O que você quer saber?
— Tudo! — O aperto na mão dele fortalece e percebe que ela fica
tensa. — Mas agora quero saber só o que quiser contar. — Ameniza não
querendo forçar a barra.
— Não tenho muito o que falar. A cidade é pequena e todos acham
que nos conhecem, eles falam o que não sabem e não nos importamos com
isso…, mas todo bônus tem seu ônus. Algumas interações são inexistentes e para
falar a verdade, não nos misturamos também, Naveen é o mais sociável de nós,
mas até mesmo ele, mantêm certa distância.
— Você não tem amigas?
— Não fora da família e nossos funcionários de confiança, que é
basicamente uma extensão da família. É complicado para eu interagir com
pessoas, por isso meu círculo social se restringe a eles. — Desta vez é ele que
enrijece ao saber que sua pequena anjo, tem sido negligenciada. Logo ela, uma
mulher doce e delicada. — Esse lugar é perfeito, mas queria ver lá dentro. —
Indica com o dedo o convento. — Vamos? Depois voltamos para dar um
mergulho — Ela corre para construção antiga, deixando-o para trás. — Você já
esteve lá dentro? — Ele corre para alcançá-la.
— Nunca tive interesse.
Ela bufa, revirando os olhos.
— Fico feliz em ser a sua primeira. — De mãos dadas ladeiam a
construção atrás da entrada principal, ele sabe que a entrada está trancada, mas
não quer desapontá-la. — De que época é isso?
— Pelo pouco que podemos ver por fora, acho que é uma construção
do século XVIII. — O portão principal, como Raphael já sabia, está fechado,
uma corrente de ferro transpassa com três voltas trancadas por um cadeado. Os
muros são mais de quartos metros de altura e é impossível invadir por eles. —
Está trancado. — Raphael pega a mão dela para voltar à praia, mas ela continua
olhando.
— Olha, tem uma torre com sino. — Aponta para torre de quase
cinquenta metros de altura. Leo tira do cabelo o prendedor e segura o cadeado.
— O que você vai fazer? — Ela coloca a haste fina da presilha no
cadeado. — Anjo? — Ele olha ao redor preocupado que alguém apareça, mesmo
que ninguém nunca venha para esse lado da ilha. Ela força a haste e gira até que
o cadeado abre. — Como fez isso? — Olha, abismado, para o cadeado aberto.
— A prática leva a perfeição. — Solta as correntes e abre o portão
com um empurrão. O rangido das dobradiças de ferro enferrujado, ecoa pelo
bosque. — Vamos! — Leo passa pelo portão e o espera, depois fecha, por fora.
Quem ver achará que está fechado. — Olhe como esse lugar é lindo!
A grama alta invade entre os paralelepípedos do grande jardim que
está abandonado. O bosque, de fora dos muros, praticamente se une com o de
dentro, dando um aspecto sombrio. Raphael olha ao redor da construção
principal de estilo neoclássico, que está intacta, judiada pelo tempo, mas ainda
assim, muito bonito.
Leo começa a fotografar com o celular.
— Como você sabe abrir um cadeado com um grampo? — Fita-a
com curiosidade.
— Adolescência complicada e muita curiosidade. — Responde indo
para a entrada da construção principal, ele anda ao seu lado, enquanto ela não
para de tirar fotos. Forçam a porta principal de madeira. — Está fechada por
dentro, vamos achar outra entrada. — Seguem pela lateral ladeando as janelas
obstruídas por tábuas. — Olha, essa está aberta, e só tirar essas tábuas. —
Começa a puxar animada.
— Deixa que eu tiro. — Ainda receoso, não para de olhar para os
lados, à espera de que alguém possa vir e expulsá-los, ou pior, prendê-los por
invasão de propriedade. — Até aonde sua curiosidade vai? — Ela apenas dá de
ombros e sorri docemente. Ele puxa uma tábua e depois a outra com facilidade.
O vidro da janela está meio quebrado, usando uma das tábuas Raphael quebra o
restante e limpa os cacos para que ela não se machuque ao pular.
— Quase sempre não tem limite. — Leo lhe entrega uma das toalhas
para colocar no batente. — Sua mãe foi muito atenciosa em preparar uma bolsa
com toalhas e lanche, pena que não colocou uma corda, lanterna e um canivete.
— Fecha a bolsa decepcionada.
— Quem colocaria essas coisas em uma bolsa de praia? — Tenta
ajudá-la a pular, mas ela recusa e pula sozinha com a graça de uma bailarina,
enquanto ele fica admirado com sua agilidade.
— Minha mãe colocaria e eu também. As crianças são curiosas,
esses objetos seriam necessários em uma eventualidade… — Leo some na
escuridão do convento, enquanto ele se esgueira para dentro. Ela liga a lanterna
do celular, olhando com deslumbre tudo a volta. — É muito legal aqui! — De
mãos dadas admiram a beleza oculta do lugar.
— É mesmo. — Admira-o que tudo está perfeitamente preservado,
uma imponente construção digna da realeza. — Como nunca estive aqui antes?
É o sonho de qualquer arquiteto ter um brinquedo desse no quintal, eu tinha e
não sabia.
— Eu sou à diferença! Vamos, quero ver a torre do sino —
Percorrem de faixo em faixo das luzes que transpassam das janelas cobertas —
Um jardim externo! — Entram entre as plantas selvagens, olhando a construção
que os circundam. Raphael fica ao lado dela e contempla os arcos circundando
ao redor e as janelas frondosas nos três andares.
— Vamos subir na torre do sino?
Antes que ela corra novamente, ele a segura. Começa com pequenos
beijos degustando-a, logo sua língua salta para explorá-la. Ela o toca por debaixo
da blusa dele e, sobe deixando rastro de arrepio até seu peito, Raphael bebe seu
gemido assim como ela bebe o dele. A necessidade de estar e ficar com ela o faz
perder o rumo, deixando-o descontrolado e assustado por ser tudo muito rápido,
ainda que gostoso. Quando não resta folego para continuar, separam-se com
pequenos beijos e risos.
— Jamais imaginei que seria assim. — Ela suspira e depois tira uma
selfie deles.
— Nós? — Pergunta levando-a pelo caminho.
— Sim, depois de você o mundo passou a ter um novo colorido, é
viciante e inesperado. — Declara, e tira outra foto.
— Você não acha que estamos indo muito rápido, como pode ter
certeza de que sou o certo? — Ela sorri de canto especulando seus olhos.
— Não foi rápido. Quantas foram as turbulências que passamos até
aqui? Reconhecer e aceitar não nos torna precipitados. Eu não sei quando me
apaixonei, só sei o que te contei. Eu desembarquei, ouvi a sua voz de trovão e
minha pele se arrepiou, meu coração acelerou como nunca antes e senti uma
atração tão forte que foi insuportável não correr e te tocar naquele dia. — Ela
para de andar, fazendo com que olhe para ela. — Eu nunca experimentei nada
parecido antes, nem mesmo com Tony, o que tenho com ele, cresceu
gradativamente. Mas você chegou quebrando as paredes e tomando o espaço, eu
não tive defesa e não quis me defender, porque sei que fiz o mesmo com você.
Solte seus receios e se permita viver, juro ficar do seu lado por tanto tempo que
me deixar ficar. — Beija a mão dele.
“Ouviu, quebramos paredes.”
Quais foram as turbulências dela?
“Lembra que disse sobre o vazio nos olhos dela, ela é uma
sobrevivente e temo que para estar aqui ela cruzou muitos limites.”
Não acho isso, ela é delicada se algo terrivelmente tivesse
acontecido, ela não seria esse sopro de vida que é.
Voltam a andar e começa a subir a torre.
— Anjo, eu também vejo as cores, você veio como uma bola de
demolição e quebrou tudo, foi tão rápido. Confesso que estou assustado, mas não
há dúvida quanto ao que sinto por você. Meu pequeno anjo arteiro. — Ela ri e
ele jura que ouviu sinos de ventos junto aos risos dela.
— Arteira eu? Imagina… — Olha de soslaio. — Naveen tem
adjetivos como, diabo, caos e ameaça, agora tenho você e o Tony para me
defender contra ele… — soca o ar.
— Nem imagino o que você fez para merecer isso. — Brinca.
— Quando você conhecer a todos, verá por si mesmo como é minha
vida de filha do meio/ mais nova. É muita pressão em cima de mim. —
Dramatiza, mas ele vê em seus olhos que mesmo no tom mais escuro de verde,
brilham alegres por mencionar a família.
— Você é a do meio, seu irmão Tony é o mais velho?
— Não, ele é o mais novo, porquê foi adotado por último, o mais
velho é o Naveen. Nossa linha do tempo não é convencional. Na verdade, Tony é
mais velho em idade, Naveen é o segundo e eu a mais nova. Estão todos
ansiosos para conhecer você e sua mãe.
“Ela vai nos apresentar e nem pressionamos para isso.”
— Eles sabem de mim?
— Claro que sim — Ela responde sorrindo. — Contei sobre você ao
Tony, meu irmão Naveen colocou a sua foto como tela de descanso do celular
dele. Minha mãe está animada para conhecê-lo, meu pai é mais cauteloso com
entrada de novos membros na família, mas quando te conhecer será mais fácil
para ele. Tony está feliz com tudo que me faça feliz, devo dizer que ele ficou
meio irritado por você demorar para ligar, mas entendeu seus motivos, ele é
super, superprotetor.
Chegam ao topo da torre, o sino de ferro antigo está todo enferrujado
por causa da maresia de muitos anos, mas a vista é de tirar o folego. O mar
calmo, salpicado com o brilho dos raios solares, parece ser infinito.
“Eu não sei porque nos preocupamos tanto.”
— Sua mãe quer me conhecer? — Ela confirma. — Seu pai é
cauteloso. — Ela se aproxima e assente. — Por que seu irmão tem uma foto
minha? E quando ele conseguiu ela?
— Ele o achou lindo, — responde rindo. — E se culpou por não ter
sido ele a ter vindo na ilha. A foto eu tirei enquanto você dormia, na minha
família não existe tal coisa como privacidade. Se acostume e não lute contra
isso. Todos sempre sabem de tudo, com exceção das crianças, censuramos muito
do que chega a eles. — Tira foto da vista da praia, passa por ele e tira foto da
propriedade abaixo. — Esse lugar é maravilhoso!
O espaço de aproximadamente quatro metros quadrados, tem grandes
sinos, que deviam ter sido muito bonitos quando eram cuidados.
— Tony não gostou que não liguei? — Abraça-a por trás, enquanto
fotógrafa o sino.
— Senti sua falta. Só lembrar não foi suficiente, queria ter mais. —
Beija-a no pescoço, maravilhado com que ouvia.
— Eu também queria, foi a minha pior semana em muito tempo. —
Leo se vira e fica de frente para ele.
— Eu sei, sua mãe e Luka falaram que você estava intragável esses
dias, Shrek. — Raphael estreita os olhos para ela tentando parecer bravo. — É
tão fofo. — Ela inicia o beijo.
As mãos dela seguram apertado seu cabelo, deixando-o louco de
desejo. Se levam ali mesmo contra a parede entre as duas janelas pequenas na
torre do sino.
Se existe fantasma nesse lugar, Raphael e Eleonora, quebram a
rotina e celibato deles.
— Vamos dar um mergulho antes que eu me enterre de novo em
você. — Iniciam a descida da torre de mãos dadas e sorrateiros como duas
crianças com medo de serem descobertos por fazerem traquinagem. — Seus
filhos, eles sabem de mim?
— Ainda não, contarei quando voltar e, você poderá conhecê-los
quando nos mudarmos. O que acha? — Fala com expectativa.
— Adoraria! Mal posso esperar para saber tudo sobre você. Isso me
lembra que você não disse por quanto tempo ficará? — Cortam o caminho pelo
jardim interno.
— Amanhã terei que voltar. Até que tudo se ajeite, nós teremos que
ficar com o pouco tempo que pudermos roubar.
— Para onde vocês irão se mudar? — Ela pula a janela de volta, ele
passa em seguida e pega a toalha que haviam deixado no batente.
— Estamos analisando alguns lugares. — O nariz dela franze o
mínimo. — Agora começa o processo de limpeza, essa é a parte que mais temos
resistência no processo de reestruturação.
— Se precisar de ajuda, conte comigo? — Oferece.
— Obrigado, quando começarmos a nos mudar adoraria que ajudasse
na reforma, algo me diz que você irá adorar.
Ele quer ajudar, faria qualquer coisa para ela estar mais perto dele.
Caminham para o portão, ele abre para ela deixando-a passar
primeiro, depois arrumam a corrente no portão e tranca de volta o cadeado.
Procura nele, qualquer sinal de arrombamento e não encontra nada.
Um belo truque.
“Ela é um sonho realizado.”
Seguem pela trilha para chegar na praia.
— Você não me alcança! — Leo joga a bolsa na areia tira o vestido e
corre para água.
Antes mesmo dela encostar o pé na água, Raphael à abraça pela
cintura.
— Te peguei!
Pega-a em seus braços e a leva para água, seus risos é o melhor som
que já ouviu. A primeira onda, os saldam molhando-os por completo. Nadam,
mergulham e brincam muito, cada riso dela o faz ainda mais completo, quando
ela se afasta muito enquanto nada, ele a traz de volta, sob muitos protestos, com
medo da correnteza levar seu bem mais precioso.
Raphael aprecia ela tomando sol deitada na areia, tudo nela o atrai,
como a mosca que voa direto para luz, é ele voando para ela, sem forças para
resistir.
“Ela é nossa, não resista. É obvio que ela não é o tipo de pessoa que
espera.”
— Raphael? — Ela chama. — Você ouviu?
— Não Anjo, desculpe, o que você falou? — Ela o olha divertida.
— Perguntei porque essa praia é deserta?
— Ela é fechada por pedras dos dois lados, e a trilha para chegar
aqui não anima as pessoas a se aventurarem e quem mora aqui não tem muita
curiosidade por causa dos fantasmas. — Deita entre as pernas dela com a cabeça
elevada na altura de sua barriga onde começa a beijar. — Isso me lembra que, na
trilha você parecia confortável com a caminhada e os obstáculos, você pratica
exercícios físicos? — Beija a barriga de novo enquanto aguarda a reposta,
Raphael sabe que ela se exercita e não é pouco, mesmo com toda a delicadeza
ainda é possível ver a definições de seus músculos e sua resistência.
— Sim, todos os dias. Menos quando estou com você, então faço
outros. — Suas pernas trança as dele.
Ele sobe beijando a pele levemente bronzeada pelo sol.
— Isso explica sua disposição incessante — contorna com beijos um
seio depois o outro até chegar ao seu pescoço e finalmente seus lábios.
— E você? Pela foto na casa da sua mãe, você praticamente dobrou
de tamanho. — Acaricia-o. — Se quando te vi na primeira vez, estivesse sem
camisa, e visse esse ‘V’ acho que teria te atacado lá mesmo. — Confessa
fazendo-o rir.
— Exercícios foi uma das formas que achei para extravasar algumas
coisas. — Explica, olhando nos olhos dela. — Então você gosta dos fortões? —
Atenua.
— Não, eu gosto de você do jeito que é, seus músculos são um
atrativo deliciosamente inesperado. — Beija a linha do seu maxilar até a boca,
onde sua língua o invade.
— Por mais que eu queira ter você de novo, temos que ir. — Raphael
comunica relutante, Leo dá pequenos selos nele antes de levantar.
Na volta, Leo pergunta a ele sobre sua rotina, sobre as tatuagens e os
significados de cada uma delas. Conversar com ela é fácil, ela ouve cada palavra
como se fosse a coisa mais importante do mundo. Ela conta suas histórias sobre
como todos de sua família gostam de se manter em forma, sobre as crianças e em
como são extremamente curiosos, com certeza puxaram a mãe. Contou sobre os
lugares em que esteve e o que achou deles, tendo muita coisa em comum com
ele. Quando chegam em casa, sobem indo direto para o banho.
O mundo para quando ele a penetra com força e apaixonadamente.
Ter ela de todas as formas é ótimo, mas quando fazem com mais intensidade,
elevam-se a outro nível encontrando uma saciedade diferente. Os problemas
deixam de existir enquanto comungam em plena paz.
Raphael veste a roupa rápido e senta-se em expectativa.
— Enquanto a maioria dos homens esperam ver suas mulheres se
despindo, o meu gosta do contrário.
Ela sobe o body de renda vinho fazendo charme, fica de costas e
arruma no lugar a renda que a contorna perfeitamente seu bumbum. Vira-se de
frente pra ele e ajeita a fenda que segue até a cintura. Ela, arrumando os seios
fartos na renda, uma cena para guardar na memória, os seios dela são do
tamanho perfeito para que ele consiga encher a mão ao tocá-los.
“Lindos.”
— Fazer o quê? Eu sou estranho. — Ajeita a ereção na calça, a mão
coçando para pegar o bumbum também perfeito e morder.
— O normal é superestimado. — Leo responde enquanto coloca a
sandália de salto médio, na hora de fechar ela se curva perfeitamente dando toda
visão do seu corpo.
“Minha nossa, como ela é flexível!”
No banheiro faz a maquiagem com calma não se importando com o
espectador, ela rouba alguns olhares dele através do espelho. Seus olhos e sua
boca brigam por destaque, ninguém ganha, é empate. Solta o cabelo preso na
toalha que, cai meio úmido com ondas grandes e pesadas que, ela arruma com os
dedos colocando de lado e trançando na lateral, apenas o cabelo no topo que
caem em seu rosto. Tira o vidro pequeno de dentro da necessaire e borrifa na
base do pescoço e no pulso, o perfume corre para ele com a brisa.
— Que perfume é esse? — Inala profundamente.
— Uma vez li um estudo sobre memória olfativa e como um aroma
especifico pode desencadear uma reação neurológica na memória, associando o
aroma a fatos importantes na nossa vida. Pensando nisso encomendei uma
fragrância específica com um perfumista. Naveen diz que é só mais um jeito de
provocar. Pelo sim ou pelo não, sempre que você sentir o perfume da lavanda ou
maracujá, seu cérebro trará você para mim. — Entrega o vidro de perfume
facetado transparente e sem marca, ele abre e inala, de fato o cheiro está
associado a ela, ao menos o seu pênis pensa assim.
Leo pega a bolsa de onde tirou o afrontoso bracelete de pantera mais
cedo e tira um colar.
— Anjo?
Engole seco olhando para o colar com a pantera de diamantes, presa
entre uma cascata de corrente com elos de esferas que se derramam entre seus
seios.
O quão rica ela é?
“Quem liga. Eu preciso dela de novo.”
— Você é rica? — Ele percebe ela ficar mais tensa do já tenha visto
antes.
— Você vai deixar de gostar de mim se eu for? — Fala com receio
enquanto o encara.
— Por que pergunta isso? — Se aproxima dela, tira o cabelo de seu
pescoço e a beija com carinho.
— Eu posso ou não ter seguido Luka até a casa dele na noite em que
nos conhecemos e, eu, posso ou não ter ouvido um comentário sobre você
abominar pessoas com dinheiro. — Ela molha os lábios ansiosamente. — Eu não
menti, eu juro. Eu só não queria que você me rejeitasse logo de cara porque sou
rica. Eu queria te conhecer, queria apenas saber como poderia ser. Desculpe, eu
só queria te conhecer melhor. Eu contaria eventualmente. — Seus olhos ficam
brilhantes com lágrimas cativas.
Raphael compreende, um pouco lisonjeiro que de fato, ela
verdadeiramente o perseguiu quando o conheceu e, está genuinamente em
pânico por ser rejeitada agora.
Ela poderia ter quem quisesse, mas me quer.
— Anjo, eu não irei te rejeitar por isso, de verdade, é louco e
precipitado, nos conhecemos há pouco tempo, mas o que sinto por você vai além
de qualquer sentimento que já senti. — Ela suspira em meio ao soluço, Raphael
levanta seu queixo para ter acesso a seus lábios e os beija com paixão. — Quem
te quebrou tanto assim? — Sussurra.
— Minha vida nem sempre teve cores. — Ela volta a se arrumar
colocando o colar profano no pescoço ficando em silêncio.
— Você seguiu mesmo o Luka? — Investiga, ela confirma.
— Ele estava com a Manu e uma outra mulher que, acho que,
trabalha aqui.
— Alessia.
Ela dá de ombro como se não ligasse e coloca um jogo de anéis que
não chega ao fim dos dedos, eles ficam distribuídos em vários níveis, são
delicados e complementam a beleza do colar. Fica em pé de frente para ele
usando lingerie, joias e a sandália, seus olhos o adverte.
— Agora se concentra apenas no colar, ok? — Ele fica desconfiado,
Leo começa a se vestir.
Mas que merda!
— Raphael, olha para o colar.
Ela está com um vestido de renda transparente longo, de cor vinho
como a lingerie, o forro é um short curto, que ao menos cobre a bunda dela, mas
é em cima a grande questão, é forrado ao menos, mas é profundamente aberto, o
decote chega a cintura.
Não, não nem fodendo ela vai descer assim.
Levanta-se sobre ela.
— Fala que tem outra peça que vai por cima? — Olha para porta
cogitando o cárcere dela.
— Não pense nisso, — ela adverte como se pudesse ler seus
pensamentos, — você sabe que uma porta não me seguraria aqui. — O lembra.
— Olha para o colar…
— O colar o caralho! Estou pouco me fodendo se você está usando
uma casa no pescoço. Os seus peitos não estão seguros nesse pedaço de renda
fina. — Esbraveja enquanto ela parece indiferente a seu ataque, volta a olhar o
decote e apesar dela usar o body, ele é tão fino e delicado quanto o material do
vestido.
Não, não vai funcionar. Ela não pode descer assim.
Ela toca seu rosto ternamente.
— Eles estão seguros, não é como se alguém fosse tentar me tocar,
porque não vai. — A voz macia como algodão o encanta como uma sereia,
preste a levar o marinheiro para o fundo do mar.
— Anjo? Não… — Ela beija seu pescoço, excitando-o.
— Amo quando me chama assim. — Outro beijo e mais um encanto.
— Vamos, sua mãe está esperando. — Pega a mão dele.
— Não se abaixe e fique longe dos homens! — Raphael avisa
enquanto ela sorri — Eleonora, eu não estou brincando. — Fala firme.
— Sim, eu entendi. Não se abaixar e ficar longe dos homens. —
Pisca com málica. — Mas como trabalharei dessa forma?
— Não vai.
— Você age assim com a Manuela ou a outra? — Descem as
escadas.
— Não preciso, elas têm uniformes. — Continua irritado.
— Fala que é um short preto curto e camiseta branca, como da
Sookie em True Blood, eu amava essa série, principalmente quando Bill falava
Sookie… com aquela voz de quem está passando sede uma vida inteira.
Sookie… — Raphael não resiste e começa a rir. — Me chama de novo de
Eleonora, mas faz como Bill? — Junta as mãos em súplica. — Chama, chama…
— Seu irmão tem razão, você é um pequeno diabinho. — Ela faz
bico, fofa demais… beija-a. — Eleonora… — Sussurra no ouvido dela com voz
grossa e é agraciado com o arrepio da sua pele.
— Minha calcinha está molhada agora. — Sussurra de volta, ele
volta a rir.
Dois pares de olhos os encaram quando se viram.
— Vocês são inexplicavelmente lindos. — Ângela declara e Luka
assente mexendo a cabeça rápido.
— Esse vestido é ainda mais lindo que o primeiro. — Luka elogia.
— Venha aqui gata, deixa eu ver você de perto? — Leo caminha até ele como
modelo profissional, gira e a renda balança com ela fluidamente. — Sou seu fã.
Você é uma diva completa.
Ângela e Raphael assiste os dois com diversão, Ele nota que a mãe
há muito tempo não fica feliz como está agora, como se tivesse tirado o peso
sobre suas costas. E agora, de fardo leve, ela se permite sorrir sempre.
Nunca mais serei um fardo para ela.
— Obrigado. Em que posso ajudar? — Leo olha para os três
esperando a resposta. — Sério, eu quero ajudar. O que a Manuela faz quando
chega? — Pergunta quando ninguém responde.
— Ela arruma as mesas. — Luka quebra o silêncio.
— Ótimo. — Segue animada para o salão, com Raphael em seu
encalço.

Dizem que o primeiro relacionamento aconteceu quando,


da costela de um homem, a mulher foi formada e dada a ele,
assim tudo ficaria bem. Tolo de quem pensou isso,
relacionamento entre duas pessoas, acima de tudo, é conhecer
e se conhecer. Ninguém perguntou à mulher o que ela queria,
então tudo se perdeu.
“Pra você guardei o amor, que nunca soube dar. Sentir sem
conseguir provar. Achei, vendo em você, explicação, nenhuma
isso requer”.
(Pra Você Guardei o Amor – Nando Reis)
CAPÍTULO 26
RAPHAEL

Raphael ajuda com as cadeiras, ignorando os olhares tortos dela para


ele.
— Porque você está ajudando? Vá fazer suas coisas. — Leo sugere.
Ele continua não ligando para o que ela fala. — Ângela, o Raphael ajuda a Manu
ou a outra?
— Não!! — Ângela e Luka respondem da cozinha.
Leo levanta a sobrancelha e então, Raphael a deixa para terminar
com as poucas cadeiras que sobrou. Mas antes, inclina-se como um mordomo
faria.
— Ângela, eu acho que o Raphael fez piada. Ele costuma fazer?
— Não!! — Responde da cozinha.
— Então, acho que quebrei seu filho! — Ele começa a rir, da cara
séria dela.
— Obrigado! — Ângela responde.
Depois que Leo abaixa todas as cadeiras restantes em tempo hábil,
volta e para na frente de Raphael.
— O que mais? — Ele indica o saleiro e o açucareiro para ela. —
Certo. — Minutos depois ela volta. — E agora? — Mostra a ela como arrumar
os copos e ela faz o serviço. — Pronto! Tem mais?
Ele olha ao redor e confere que tudo está organizado e pronto.
— Aguardamos abrir. — Olha ao redor e a vê admirando o piano. —
Você toca? — Ela acena. — Fique à vontade.
Raphael achou que ela tocaria algo simples de principiante, mas ela
toca Beethoven como uma profissional. Enquanto seus dedos parecem ter vida
própria, ele percebe o quão distante Leo está em seus pensamentos, sente que
assisti-la tocar é ver exatamente a pessoa que ela é. É íntimo, intensamente
íntimo. O som das notas começam a diminuir quando um novo acorde inicia,
desta vez não é uma música clássica, ela toca a introdução e lhe dá um sorriso
envergonhado quando começa a cantar: Pra você guardei o amor…
Sua voz clara e afinada flui por todo o salão. A letra é uma
declaração aberta de seus sentimentos. Dos sentimentos de ambos. Ela está
absorta na canção que escorre com interpretação intensa que ele absorve
avidamente. Quando acaba, ela lhe manda um beijo.
“É ela. É ela que sempre desejei ter.”
Ângela, que veio da cozinha junto com Luka, após ouvir o piano ser
tocado à perfeição, paralisa quando a próxima música se inicia. Em italiano
perfeito e afinado, sua mãe não aguenta e as lágrimas escorrem numa cascata
constante por seu rosto.
— Ela é perfeita. — Declara limpando os olhos. — Como será que
ela sabia sobre essa canção? — Leo olha do piano e vê Ângela. Raphael a
incentiva a continuar, Leo responde com um aceno e continua.
— Você achou um unicórnio? — Luka diz.
— Seu pai iria amá-la. — Ângela afirma. Raphael acena
confirmando o que a mãe diz.
Leo continua cantando e tocando uma música atrás da outra. Eles a
assistem cantar, Your Song do Elton John, o sorriso brinca em seus lábios, o
encontro da beleza com o sagrado, fica obvio que a música tem significado, o
sorriso simplesmente não vai embora, ele permanece selando a perfeição das
palavras se unindo ao som do piano. Ela termina e eles a aplaudem.
— Tem algo que você não faça? — Luka inquere, pegando-a de
surpresa.
— Infelizmente não. — Responde com pesar apagando o sorriso
bonito do seu rosto.
— Você cantou diferente uma parte da música? — Raphael, tenta
trazê-la de volta.
— Em casa cantamos assim. — Leo responde indiferente, mas a
verdade estava no seu sorriso ao cantar.
Entendeu? Essa música é dele os olhos roxos são os dele.
Olha para a pulseira.
E não é só na música que ele está também, seus punhos cerram sob a
influência do ciúme.
— Você é perfeita! — Ângela recupera-se do choro. — Gabriel teria
amado você, ele sempre gostou de boa música e você, minha filha, toca e canta
como um anjo.
— Obrigado, fico feliz em saber. Mas acredite, estou longe de ser
perfeita.
Ele a encara ainda remoendo a canção do outro, ela devolve o olhar e
um canto da sua boca curva em desagrado.
— Como você sabia sobre a música? — Ângela pergunta alheia ao
olhar duro do filho e de uma Leo temerosa.
— No meu primeiro dia aqui, enquanto arrumava o loft, essa música
não parava de tocar aqui em baixo, achei que você gostaria de ouvir.
— Eu gostei minha filha, gostei muito. Essa música era importante
para Gabriel e eu. — Puxa Leo para um abraço. — Sinto tanto por ele não ter te
conhecido, ele amaria você como uma filha que ele sempre quis ter.
O sorriso de Leo vacila de novo, mas permanece. Ele sabe que é
mentira por que o sorriso não chega aos seus olhos.
— Obrigada, tenho certeza de que adoraria ele, como adoro você. —
Ela a beija no rosto.
— Deixa-me voltar e terminar o mise en place[22]. — Ângela suspira
e volta para cozinha.
Sozinhos no bar, ela se aproxima.
— Não fique assim. — Fala somente para ele ouvir.
— A pulseira, é ele também, não é? — Pergunta enfurecido.
— É, Raphael… — Leo olha a pulseira, suspira. — Quando escolhi,
escolhi por causa dele. As crianças ainda não haviam nascido. Na verdade, no
dia em que ele me deu, tínhamos acabado de descobrir o sexo dos bebês.
Satisfeito? — Fala com mudança clara em seu humor. — Não, espera, tem mais
o ‘X’ entre as pedras significa amor e minha aliança ele me deu quando
descobrimos sobre a gravidez. Até ele me encontrar no hospital eu estava tendo
o pior momento da minha vida, eu fui inconsequente e estava no meu ponto de
ruptura, mas ele estava lá para me segurar. Ele foi tudo que eu precisava naquele
momento e depois. Ele é parte de mim, nós não nos separamos, eu te avisei… —
Ela não recua com a dureza do olhar dele. — Estávamos lá um para outro
quando todos nos crucificaram. — Se aproxima mais dele. — Você perguntou se
eu tinha amigas, mas não perguntou se eu tinha alguém por mim e eu tinha,
tenho. E sempre terei ele. — Afirma com a voz baixa.
Alessia chega, enquanto eles conversam.
— Olha, eu sei que atrasei de novo, mas… — Ela olha em volta. —
A Manu já arrumou, menos mau. — Reconhece Leo e fecha a cara.
— Vamos para casa, agora. — Ele ordena com olhar duro saindo e
deixando Leo para segui-lo. Quando entram em casa, ele tranca a porta. — Você
mentiu. — Assevera.
— Eu sei, lembra. Eu nunca esqueço! — Ela grita e ele fica atônito.
“Não provoca.”
— Tem mais? — Inquere com frieza. Os olhos dela escurecem com a
raiva.
“Porra, ela fica ainda mais linda.”
— Mentira direta, algumas…, mas omiti muitas coisas. — Confessa.
— Quais? — Fala sério tentando se conter.
Seria fofo se não fosse tão sério para ele.
— As constelações, eu sei todas elas. Me dê um telescópio e eu dou
as coordenadas — Raphael vacila, pois não é o que ele esperava. — As estrelas,
eu sabia o nome de ao menos cinco e eu menti não saber, — verdadeiramente
não esperava por isso, — ninguém nunca gostou de gente sabe tudo, mas você
sorriu e eu mentiria de novo só para ver.
Essas são as mentiras dela?
“E você esperando que ela fosse dizer que tem relações com o irmão
mais de uma vez por semana.”
Como se você também não esperasse por isso.
“Eu não, ela é minha.”
— Se fosse para dizer que tipo de anjo eu sou, seria o da destruição
e, tem uma razão para isso, não importa onde estou, coisas ruins sempre
acontecem. Foi no orfanato. Foi quando eu conheci meus pais. Depois com o
Tony. O Miguel… Eu simplesmente faço merdas egoístas e alguém sempre paga
por isso! — Ela se afasta um pouco — Há dois anos eu não me relaciono com
ninguém, porque eu cheguei no meu grau máximo de egoísmo e, alguém que
gosto muito sofreu. Parei com tudo. Sem mais jogos, sem aventuras, celibato
total. Eu me guardei!
“Você machucou ela.”
— Tudo que eu tentei com você, foi ser eu. — Respira fundo. — A
questão é que eu não acho que sou suficiente. Eu não consigo… É difícil estar na
presença da sua mãe, sempre tenho que me policiar para não responder com ‘sim
senhora, não senhora,’ porquê era isso que exigiam no orfanato e eu odiava
aquele lugar, odeio mais ainda não poder esquecer dele. — Outro passo para trás.
— Eu não entendo quando fazem perguntas retóricas e sempre evito responder
perguntas que não são diretas a menos que repitam, só assim entendo que é
necessário responder. — Ela leva a mão a cabeça. — Meu inferno pessoal é não
entender essas pequenas coisas que para todos é natural. As pessoas sempre se
afastam de mim achando que sou algum tipo de deficiente. — Seus olhos estão
distantes. — Eu não consegui terminar a escola, nem mesmo o básico, as
crianças faziam bullying, os professores me odiavam por corrigi-los e falavam:
“ninguém gosta de sabe tudo”. Me chamavam de aberração e eu desisti, passei a
estudar sozinha. Se gostasse de alguma coisa, eu estudava tudo sobre ela
sozinha, sempre foi assim. Até mesmo o piano, ninguém me ensinou. Eu aprendi
sozinha! Mesmo que eu esteja em um lugar cheio, se não tem ninguém da minha
família comigo é assim que me sinto, SOZINHA, tocar piano é minha forma de
escape, nele é apenas eu e a música. — Ela continua se afastando. — O pior de
tudo é que nunca quis ter essas coisas. Eu não queria! Não pedi por isso, mas a
minha família me ajudou a aceitá-las e usá-la a meu favor. — Respira com
dificuldade. — Os meus filhos são iguais, sabe o quão raro isso é? Quando
descobri, temi que eles sofressem como eu e os protegi até mesmo das pessoas
que amo. — O desespero emanado dela é tangível e Raphael toma dimensão do
quanto ela está quebrada. — Eu não podia deixar eles sofrerem, mas também
não podia trancá-los em casa. A primeira vez que eles foram para uma festa do
pijama, uma criança tentou cortar o cabelo do meu filho porque é comprido, eu
queria matar a criança com minhas próprias mãos. Por eles eu fui forte, e, tenho
sido assim, mas não se engane eu sofro por eles, porque agora existem muito
mais motivos para eles serem agredidos. O mundo evoluiu e nem tudo foi de um
jeito bom. — Outra respiração pesada e resignada. — Me ajude Raphael, porque
eu não sei como ganhar você sendo somente eu. Os únicos que me amam como
eu sou, o colorido e o preto, é somente a minha família. Por isso eu menti, não
quero afastar você e muito menos parecer uma aberração. — Ela fica em silêncio
total depois do discurso mais longo e doloroso que ele já ouviu dela.
— Não se afaste, volte para mim. — Ela dá dois passos vacilantes na
direção dele e ele a agarra, dando o terceiro que faltava. — Você me ganhou.
Você me tem. Não tente ser nada do que você não é, porque eu te amo e jamais a
menosprezaria por ser você. Também quero saber tudo de você o bom e o mau, o
colorido e o preto. — Ela o empurra e se afasta.
— Por favor, não me faça contar. Não hoje. Não agora. Nunca. Por
favor, eu imploro, não peça para ver o preto. Eu não quero você lá. Você não
pode ir para lá… — Declara desesperada, as mãos começam a tremer
visivelmente.
Antes que ela se afaste mais, ele a segura ainda mais perto.
— Está bem! — Beija sua cabeça acariciando seus braços — Shiu…
ficará tudo bem, por favor, só não traia minha confiança, o resto lidaremos
quando for necessário. — Conforta ela.
— Posso omitir fatos? — Pergunta cautelosa.
— Esses fatos serão de importância para sua segurança? — Fala
brincando para tentar acalmá-la.
— Sim. — Ela responde séria.
Perscruta seus olhos.
“E porra, ela falou sério.”
— Só esses então. — Ela fica visivelmente aliviada, Raphael levanta
seu queixo e a beija até senti-la relaxar.
“Eu te falei o demônio que aflige ela é muito maior que o nosso.”
Que porra eu devo fazer?
“Ficamos com ela e sobreviveremos, longe dela morreremos.”
Eu disse que a amo.
“Eu ouvi.”
— Quer voltar para o Bar? — Segura mais apertado.
— Posso? — Leo pergunta apreensiva.
— Claro que sim, mas talvez, você devesse trocar o vestido. —
Sugere seriamente enquanto ela abre um sorriso tímido.
— Ao menos você tentou. Eu vou retocar minha maquiagem e já
desço. — Para ele, ela está perfeita mas reconhece que ela precisa de espaço,
relutante caminha para a porta, olha para ela que ainda sorri, e desce.
“Miguel não é o pai, e também não é da família, já que ela não o
menciona fazendo parte. E o que aconteceu há dois anos?”
Seja o que for, a afetou extremamente.
Composta, ela senta-se em sua frente e folheia o cardápio, ele a
observa olhando cada página, demorando alguns segundos de uma para outra.
— É assim que você lê?
— Às vezes sim, quando é algo mais complexo eu levo mais tempo.
— Abaixa o cardápio no balcão. — Posso perguntar algo?
— Claro, Anjo. — Fala despreocupado.
— Por que você nunca tentou se vingar pelo que fizeram com você e
sua mãe? — Surpreende-se pela pergunta e para o que está fazendo. Ele respira
fundo e pensa no que responder.
— No começo, eu quis e, a única forma que encontrei foi descontar
minha raiva com o punho, briguei com meu melhor amigo no meio da rua,
depois invadi a construtora e soquei o sócio do meu pai. Na hora queria destruir
cada um deles. Fui escorraçado do lugar que era da minha família, por dois
seguranças e proibido de voltar. Não ajudou em nada e, só me tornou mais baixo
que eles. — Admite.
— E agora se tivesse como provar e recursos, você faria?
Onde ela quer chegar com isso?
— Não sei, tento não pensar em coisas que nunca acontecerá. De
qualquer forma, a construtora foi vendida, o melhor que posso fazer é deixar ir.
Meu pai deixou muito mais coisas em minhas lembranças.
Leo volta a fazer perguntas banais de todos os tipos para ele. O que
gosta e não gosta, livros que leu e quais quer ler. Ela se animou ao saber que ele
começou a ler Harry Potter. Ela conta os livros que leu e os que mais gosta, são
muitos e de todos os tipos. Fala sobre Gael gostar do Senhor dos Anéis desde
muito pequeno e que não corta o cabelo por causa do Legolas seu personagem
favorito, de que Gaia prefere quadrinhos e mangás, o preferido se chama Sakura
Card Captors.
Raphael acha o mundo dela fascinante com as poucas coisas que ela
contou sobre sua família. Conta sobre Tony e suas parceiras que a procuraram,
para fazê-la se separar e pudessem ficar com ele.
— Como você reage? — Se interessa, atento para ver cada nuance de
seu rosto.
— As trato bem, não posso culpá-las por tentarem de tudo, na
verdade, as respeito por isso. Acho que faria o mesmo. No entanto, é uma pena
pois, no minuto em que elas chegam a mim, ele as dispensa. — Responde
enquanto alinha as garrafas de bebida.
— Por quê? — Observa Leo enquanto se apoia no balcão de braços
cruzados. Muito mais atento.
— É complicado, ele não procura por relacionamento, para isso ele
tem a mim, elas são apenas para sexo.
Contém o ciúme. Ainda que ela não o poupe da verdade se ele
perguntar, tornando tudo mais confuso já que ele quer fazer muitas perguntas,
mas teme saber as respostas sobre seu passado e reagir de forma errada e
assustá-la. Por isso, encerra o assunto.
Leo ignora Alessia e a tratativa parecia recíproca, Raphael gostava
cada vez menos dos seus olhares para Leo.
Algo com essa mulher está muito errado.
A primeira mesa é ocupada e seguindo as instruções que Ângela lhe
passou, Leo foi atender, voltando saltitante com o pedido e entregando ao Luka.
Quando pronto ela serviu. O bar começou a ter movimento e ela deu conta do
recado. Os homens a olhavam com cobiça, as mulheres com inveja e Raphael os
olhava como se pudesse matá-los com o olhar.
No meio da noite, uma das mesas foi ocupada por dois homens, um
ele já havia visto e o reconheceu pela cicatriz no rosto o outro era oriental, seus
olhos corriam para cada pessoa a volta dele observando com a atenção de um
caçador. Leo sorria para eles enquanto anotava o pedido, não demorou na mesa.
O homem da cicatriz a seguiu com olhos por onde ela fosse, como águia
vigiando a presa. Deixando Raphael irritado.
— É como se ela estivesse concorrendo ao prêmio de miss simpatia.
— Alessia retruca.
— Talvez você devesse tentar. — Ângela responde.
— Eu sou simpática. — Contesta.
— Sério… — Ironiza.
Alessia bufa e vai para cozinha.
— Por que a contratamos mesmo?
— A mãe dela lhe pediu e você foi incapaz de dizer não. — Raphael
responde insatisfeito ainda olhando os dois homens estranhos na mesa.
— Oh, eu fiz uma grande merda!
Ele ri alto, pois nunca ouviu a mãe falando assim.
— Realmente fez. — Conclui entre risos.
Raphael varre com os olhos o salão, vigiando sua anjo e pega Tomas
a olhando, como se fosse sua refeição, quando se atentou ao que acontecia, não
pode ouvir o que falavam por conta da distância, com certeza, ele não fazia
apenas o pedido. Perde a paciência quando o policial segura a mão dela
impedindo-a de se afastar.
A lata de refrigerante que Raphael segura, amassa no aperto de sua
mão, sendo o único catalisador de sua ira. Segurando-se para não explodir de
raiva e colocá-la ainda mais em perigo, Raphael deixa o balcão do bar para ir até
eles.
— Não se aproxime dela. — Ele avisa quando se aproxima e afasta a
mão que ainda segura sua namorada.
Tomas fita-o com desdém e um pouco de satisfação.
— Então o quê? Você continua dizendo isso. O que você fará? —
Olha para Leo provocando-o.
— Anjo, eu termino esse pedido. — Ela perscruta seus olhos, antes
de sair.
— Ela é ainda mais gostosa a noite. — Incita, arrumando as calças.
— Não entre em uma briga da qual não pode ganhar. — Segura a arma.
— Raphael. — Ângela intervém também se aproximando, todos
fingem não olhar, mas o silêncio no salão garante onde está a atenção de todos.
— Eleonora precisa fazer uma pausa. — Ela o lembra. — Senhor Tomas, quer
uma bebida? —Ângela, mantém a voz amistosa.
— Vocês não fazem nada que presta nessa merda de lugar. — Tomas
levanta e para na frente de Raphael. — Não entre no meu caminho Raphael ou
você pode se machucar. — Ameaça e sai, mas antes, lança um último olhar para
Leo que está conversando com o homem de cicatriz e o oriental, ambos olham
para o policial.
Leo volta para o lado de Raphael.
— Como estou indo? — Pergunta animada ignorando o risco que
correu.
— Bem, todos aqui parecem ter muito o que conversar com você. —
Olha para mesa onde os dois desconhecidos estão, ela segue seu olhar.
— Eles são legais. — Afirma. — Na verdade, todos são. É um
verdadeiro paraíso esse lugar, essas pessoas são verdadeiramente boas.
— Seja lá quem comprou os terrenos da ilha, bagunçará tudo por
aqui. — Assegura ainda irritado.
— Ou não. — Voltam para balcão.
— Duvido! Gente que tem dinheiro para comprar, não uma, mas
várias ilhas, são na maioria arrogante e presunçosos e seu único pensamento é
lucro. — O nariz dela franze e seu rosto fica sério. — O que foi?
— Nada. — Ela olha Ângela que o encara descontente. — Estou
com fome, se importa se eu fizer uma pausa.
— Claro que não minha filha, eu já havia avisado ao Raphael sobre
você parar um pouco. — Ângela responde, Leo vai para a cozinha evitando olhá-
lo.
— O quê? — Pergunta sem entender o que aconteceu.
Ângela revira os olhos e não responde.
Depois do incidente com o policial tudo corre bem, Leo está animada
novamente e dá atenção a todos com verdadeira simpatia e todos parecem adorá-
la, sem mais animosidades. Os homens tomaram ciência de que não seria bom
entrar em uma briga com Raphael e as mulheres a aceitaram no bando delas,
depois que Leo as encheu de elogios. A filha de um casal de clientes, uma
menina de sete anos, gostou de um de seus anéis e ela sem hesitar deu para a
menina, que salta em sua cadeira com alegria, mostrando o objeto aos pais.
— Ela é boa para todos e não só com você. — Ângela fala a suas
costas seguindo a direção do olhar dele.
Depois que fecham, ela ajuda com a limpeza e organização exultante
com tudo.
— Leo querida, você recebeu uma boa quantia de gorjeta. — Ângela
anuncia.
— Que bom! Entregue para a Manu amanhã. — Responde sem
perguntar a quantia.
— O quê? — Alessia protesta. — Ela nem veio trabalhar e ainda
receberá as gorjetas.
— Anjo, a gorjeta é sua por ter atendido as mesas.
— Eu sei. — Foi tudo que respondeu. Raphael olha para a mãe que
dá de ombros. — Minhas gorjetas devem ser entregue a Manu. — Reafirma,
olhando diretamente para Alessia.
— Raphael, — Alessia segura seu braço e sorri dissimuladamente.
— Não é justo. — Ela bate os cílios.
Pelo canto do olho, nota Leo indo para cozinha com andar calmo,
sem olhar para ele ou Alessia.
— A gorjeta é dela para fazer o que quiser. — Afasta ela, enojado.
— Fico me perguntando quando ela enjoará. Essa mulher não
pertence a esse lugar, ela não é como nós. Ela anda por aí como se fosse a dona
do mundo e sabe de uma coisa? Pessoas assim enjoam rápido e sempre procuram
por diversões, uma atrás da outra. — Destila seu veneno. — Até amanhã. —
Caminha até a entrada e antes de sair olha para ele com pena.
Raphael termina de limpar o bar e, por algum motivo, não ouve mais
o som da voz de Leo vindo da cozinha por algum tempo.
— Ela subiu? — Pergunta ao Luka.
— Não, ela foi jogar o lixo lá fora.
Ele corre porta à fora sem esperar Luka terminar de falar, a
iluminação fraca até a lixeira foi o suficiente para elevar sua preocupação.
Eu não posso descuidar dela um único minuto.
— Filha da puta! — Reconhece a voz do policial homicida e corre
mais rápido até eles.
— Anjo? — Ela está parada perto da lixeira de costas para ele,
quando ela vira, ele vê um brilho que não reconhece em seus olhos.
— Meu único — então o brilho some — veja só, o policial tentou me
ajudar com o lixo, quando tropeçou e deu de cara com a lixeira. Não foi? —
Pergunta olhando direto para Tomas que segura o nariz sangrando.
— Sim, foi isso. — Responde olhando estranho para ela.
— Você precisará de ajuda com isso. — Ela se aproxima do policial
e ele se afasta. — Raphael, você tem um kit de primeiros socorros na cozinha,
por gentileza você poderia pegar?
— Não precisa. — O policial diz confuso.
— Não, seria errado deixar você sem os devidos cuidados. — Se
aproxima dele que sem ter para onde ir, Tomas fica preso entre ela e a lixeira. Se
Raphael não o conhecesse bem acharia que ele está acuado. — Raphael?
— Eu não vou deixar você aqui sozinha com ele. — Enfatiza,
puxando-a para perto.
Passos se aproximam e todos viram para ver, o homem com a
cicatriz no rosto e o oriental, vem de encontro deles.
— Estávamos na praia tomando a saideira, quando vimos o acidente.
— Eles sorriem friamente, Tomas estreita os olhos. — Acho melhor levá-lo ao
médico. Ele, com certeza, quebrou o nariz. Estamos de carro, podemos ajudar.
— Oferece o oriental, que se afasta indo em direção ao estacionamento, o
homem da cicatriz olha para Leo. — Pode voltar com seu namorado, senhora,
será um prazer ajudar um policial como ele receber o cuidado merecido. — Sorri
para ela com olhar sombrio e se aproxima do policial que enrijece quando o
homem com a cicatriz se aproxima.
— Ah! Que maravilha! — Leo diz saltitante. — Vamos, meu único.
— sorri para ele, — Obrigada policial, você ficará nas boas mãos desse gentil
cavalheiro. — Sorri para o homem de cicatriz, Raphael vislumbra algo diferente
em seus olhos, mas tudo foi mascarado tão rapidamente, que ele perde. — Boa
noite! — Se despede, segura a mão do Raphael e o puxa de volta para o Bar.
— Ele tentou algo com você? — Insiste preocupado, correndo os
olhos sobre ela.
— Se ele queria fazer algo, não conseguiu.
Ele avalia o estado dela e não encontra nada, leva a segurança em
sua voz como confirmação de suas palavras.
— Tome cuidado, Anjo, ele não é um bom policial. — Sente ela ficar
tensa e acha que, provavelmente, deve ter notado o risco que correu. Ele passa a
mão envolta de sua cintura aproximando-a de si. — Que tal um banho e cama?
— Ameniza.
— Nada seria melhor que isso. — Sorri.
Ângela e Luka terminam de limpar a cozinha.
— Está tudo bem? — Luka pergunta medindo os dois quando
entram.
— Sim, está tudo bem. — Ela responde.
Raphael, para não preocupar a mãe, não comenta nada.
— Obrigado por hoje, gostei muito. Vou adorar trabalhar aqui de
novo. — Se aproxima de Luka. — Você é muito bom, adorei passar a manhã
com você e com Manu, espero que tudo dê certo para ela. — Inesperadamente
ela o beija no rosto e o abraça e ele a abraça de volta.

LUKA

Desde o dia em que a viu sair sorrateira da casa de Raphael e ficar


ouvindo o que ele conversava com a mãe e as amigas atrás da porta, sabia que
ela era única. Mas, depois que aconselhou Manu sobre o quanto é ruim o
relacionamento dela com o namorado e ofereceu ajuda com a faculdade dela, ele
teve a certeza de que Leo é uma boa amiga, ele só queria que Micael estivesse
aqui para conhecê-la, porque ele também a adoraria.
— O prazer, com certeza, foi nosso. E Manu precisava ouvir alguns
conselhos de uma mulher forte e empoderada, como você, para tomar jeito. —
Ele beija na testa a pequena e adorável mulher que chegou nesta ilha para mudar
a vida de todos.

RAPHAEL

“O que perdemos?”
Raphael mira a mãe, questionando e ela dá de ombros.
— Ângela, adorei nosso tempo. Quando voltar, com certeza,
repetiremos. — Leo a abraça.
— Oh, minha menina, você é uma mulher incrível, só Deus sabe o
quanto rezei para que minha nora fosse alguém como você. — Beija-a. — Boa
noite e boa viagem amanhã, ligarei para mostrar como ficou o pão que você deu
a receita.
— Você adorará, é uma das receitas que eles mais vendem no Centro
de Apoio. — Ela volta e fica ao lado de Raphael.
— Centro de Apoio? — Sobem as escadas.
— Lembra sobre o trabalho filantrópico? Começou comigo
angariando doações para várias causas, o Centro de Apoio para ajudar
desabrigados veio depois, com o tempo se tornou uma fundação que ajuda
muitas causas humanitárias. No Centro eu ajudava dando aulas de culinária, um
dia sugeriram fazer pão para vender e o dinheiro do lucro seria revertido para
ajudá-los. — Orgulha-se. — Hoje eles produzem e fornece para três cidades
vizinhas.
— Você é perfeita! — Raphael aperta a mão dela.
— Não, eu definitivamente não sou e meu maior medo é que um dia
você descubra os meus defeitos. — Entristece.
— Nada em você poderá me afastar. — Ela fica pensativa enquanto
tira a sandália e não fala nada. — Conte-me um defeito seu? Pois até agora não
achei nenhum. — Provoca.
— Hoje não, e se puder, talvez nunca. — Tira o vestido. — Cama ou
banho primeiro? — Oferece encerrando o assunto.
— Cama. — Puxa-a para ele e a levanta, as pernas dela se fecham a
sua volta prendendo-o.
Leo começa beijar seu pescoço, ele sente o arrepio que provem do
toque. E em vez da cama, a leva para parede mais próxima.
Seus dedos sente a excitação que transfere para a calcinha de renda
molhada, puxa a peça para o lado sentindo sua pele e a entrada encharcada.
— Muito gostosa…
Ela geme e morde levemente seu pescoço e continua subindo até a
boca dele. Seu dedo é sugado por sua entrada faminta então, dá a ela um
segundo dedo e a sente apertá-los o movimento retumba em sua ereção que
implora por alívio, com pesar, retira a mão dela para poder abrir a calça. E logo
está dentro dela, Raphael urra de prazer ao senti-la apertá-lo quando estoca para
dentro dela.
— Continua, não para. — Comanda enquanto arremete até seu
máximo e volta para fazer novamente. — É tão bom…, nada pode ser melhor
que isso…
— Meu. — Ela o aperta mais e as pernas também, suas mãos
seguram ele pelo cabelo mantendo-o onde quer.
— Seu. — Crava com mais vontade. Segura-a na bunda e a leva de
encontro a ele, fazendo descer com força até o final. — Minha. — Ela morde seu
lábio inferior e geme deliciosamente atiçando o fogo que o consome.
— Sua. — Ele chupa seu lábio depois explora a boca dela com a
língua. — Mais forte. — Ele dá o que ela quer de novo e de novo. — Quero
sentir você em mim enquanto estiver longe, marque-me com o seu corpo. — A
assim ele faz.
Suas palavras o coloca em um estado animalesco, Raphael a leva
para cama onde muda a posição, sabendo de sua elasticidade, eleva uma perna
dela para seu ombro e se coloca inteiramente nela em uma única estocada, ela
grita de prazer e o aperta, com uma mão ele segura um seio, enquanto chupa o
outro. As mãos de Leo ditam a intensidade apertando e soltando seu cabelo, os
gemidos incoerentes se misturam, ele enrola a mão no cabelo dela e toma sua
boca, possuindo-a por completo.
— Goza para mim, Anjo, quero sentir você me ordenhando. — Os
olhos verdes dilatados de desejo mostram o momento exato que ela chega no
máximo e se deixa cair. — Isso… — sem mais resistência a segue. — Anjo… —
Sussurra quando se junta a ela em total plenitude.
A perna dela desce, ele encosta a testa na dela até a respiração se
normalizar, enquanto salpicam beijos um no outro, a eletricidade vem em
pequenas doses de energia pura.
— Eu te amo. — Declara.
— Eu também te amo, meu único. — Quando o chama assim, não
importa o que, ele é o único para ela. — Que tal você tirar a roupa e irmos tomar
banho?
Ele percebe que ainda está parcialmente vestido e sorri.
Depois do banho seguem direto para cama e ficam de conchinha,
nada fica entre eles, sem roupas, sem barreiras. — Como será amanhã sem você?
— Sua mão a aperta.
— Ligaremos um para o outro, tem videochamada, podemos mandar
mensagens, farei o possível para apressar a mudança. — Ela responde, mas não
ameniza seus medos.
As malditas palavras de Alessia voltam em sua cabeça
atormentando-o.
“Ela não vai enjoar, ela se guardou por dois anos para nós.”
Mas o que temos a oferecer?
“Nós. E parece ser o suficiente para ela.”
Ficam acordados por quase uma hora entre beijos e afagos até que
ela sucumbe ao cansaço e dorme agarrada a ele. Às cinco da manhã ele desperta
com o alarme do celular dela, depois de desligar Leo rola na cama para olhá-lo.
— Bom dia! — Se eleva sobre ele dando um beijo rápido, tenta se
afastar quando ele a exige de volta e a coloca abaixo dele, fazendo-a rir, logo
emenda para mais do que apenas beijos, foi carinhoso e profundamente
apaixonado. — Definitivamente, agora sim o dia pode ser bom! — Ela se
levanta indo para o banheiro, tomar um banho rápido e se arruma.
— Por que tão cedo?
Leo o olha através do espelho passando máscara para cílios.
— As crianças acordam às oito, quero estar lá para o café da manhã.
Às nove e meia tenho uma reunião importante com o administrador da fundação.
Depois do almoço tenho reunião com meus pais sobre a mudança. Meu ma… —
olha para ele e se corrige, — Tony sairá da cidade a negócios para cuidar de algo
importante, não nos vemos a quase quatro dias, temos muita coisa para conversar
e estou ansiosa para vê-lo.
Raphael repara no brilho dos olhos dela ao falar do irmão, segura
apertado o lençol entre as mãos.
— Parece um dia agitado. — Fala entre dentes e ela para em sua
frente.
— Estou ansiosa para vê-lo e falar de você, não reaja assim sempre
que o menciono. Você completa o meu mundo, mas para que exista paz, você
terá que aceitá-lo. O que mais quero, é que vocês sejam amigos, pense nisso. —
Pisca e sorri.
Amigos?
“Leve todos ou não leve nenhum, temos que fazer funcionar.”
Pega a bolsa mágica e tira dela um conjunto de lingerie cor-de-rosa,
coloca a calcinha e sabendo que ele está assistindo, Leo sensualiza ao colocar, o
que faz o efeito desejado no corpo dele. O mesmo com o sutiã, pega a bolsa de
joias e tira o colar com a infame pantera e o coloca.
— Você nunca mencionou que tipo de consultoria a empresa da sua
família faz?
Ela olha em seus olhos em um empasse.
— Podemos falar que é algo como restruturação e organização
administrativas, depende do ponto de vista. — Dá de ombro indiferente.
Ele percebe que ela foi evasiva sobre o ramo da empresa.
Por qual motivo? Não sabe e não quer tocar nisso agora, com ela
indo embora.
Ela veste uma camisa branca transpassada e saia lápis, de couro,
verde-oliva de cintura alta por cima, calça a sandália de salto que usou no bar. O
cabelo está preso numa trança embutida que cai em suas costas, por último veste
o casaco com que veio.
Ela está sofisticada e linda, poderia ser mãe, CEO ou a Mulher
Maravilha.
Raphael veste a calça que está jogada no chão, enquanto ela pega
suas coisas e as coloca de volta na mala e é como se nunca estivesse em sua
casa, nada dela vai ficar.
— Vou deixar um espaço no armário para você. — Informa.
Ele quer que ela pertença a essa casa e a ele.
— Adoraria, quando voltar trarei uma mala maior e deixarei. —
Acompanha ela até o sedan preto que espera no meio-fio, o dia começa a
amanhecer. — Sentirei sua falta. — Ele a abraça e a beija, o motorista desce para
pegar a bolsa dela e abrir a porta.
— Eu também. — Beija novamente. — Te amo, Anjo, me liga
quando chegar. — Outro beijo.
— Te amo mais! — Separam-se, Leo entra no carro e o motorista
fecha a porta, dando a ele um rápido bom dia.
Raphael assiste o carro ficar cada vez mais distante, seu coração fica
cada vez mais desolado com a partida.
“Já sinto falta dela.”

A distância mensurada da partida, pode ser calculada em


números, mas e quando a medida é de um coração inseguro se
separando de sua, recém-achada, metade?
“Eu te conheci no escuro. Você me levantou. E eu juro que
todo dia estará melhor. De alguma maneira você me faz sentir
assim. Apenas diga que você não vai embora”.
(Say You Won't Let Go – James Arthur)
CAPÍTULO 27
RAPHAEL

São seis da manhã e não é dia de entrega. Sem ter muito o que fazer,
Raphael volta para casa, se troca e segue para academia para bater fora a falta
que Leo faz.

Anjo
Para você não esquecer
Carregar imagem…
06:19 am

A primeira foto é uma dele dormindo com ela sorrindo ao seu lado, a
outra é deles no jardim interno do convento e a última são eles na torre do sino
com o oceano no fundo. Não importa qual, em todas ele a acha linda.
É como se ela fosse encantada.

Raphael
Obrigado, já sinto sua falta.
06:23 am

A mensagem não é visualizada e ele se entristece e desconta no


treino mais essa frustração, mas nas pausas verifica se ela visualizou, e nada.
Pega mais pesado e estende para quase três horas o treino.

Anjo
Cheguei!
08:32 am

Raphael
Pegou trânsito?
08:32 am

Anjo
Não, por quê?
08:33 am

Raphael
Você não respondeu antes, por
quê?
08:33 am

Anjo
Sem sinal.
Beijos, as crianças já acordaram.
08:34 am

As dez horas está na dúvida se liga ou não.


Não liga.
— Porque essa cara emburrada? — Ângela pergunta.
— Nada. — Ela coloca a sua frente uma fatia de pão recém-assado.
— De onde é? — O aroma de ervas desperta o apetite.
— É uma receita de pão que Leo deixou. Experimenta?
Ele morde e sente os sabores sutis, deixando o pão saboroso.
Então, para ele, tudo dela é delicioso, por que o pão não seria?
— Leo, oi querida, bom dia! — O pão entala na garganta ao ouvir a
mãe falar com ela, quando ele não teve coragem de ligar. — O pão ficou
maravilhoso, sim ele está aqui comendo e pela cara dele acho que também
gostou. — Raphael faz que sim prontamente. — Te atrapalhei? — O sorriso
esvai, mas logo volta, maior e mais brilhante. — Não precisa parar por mim,
volte a sua reunião, peça desculpa a ele por mim. Sim eu mando o recado.
Ele? Quem é ele?
— O que foi? — Sonda, mordendo o pão novamente, fingindo
desinteresse.
— Ela está em reunião. Imagina, ela interrompeu para falar comigo.
É adorável. — Pega uma fatia do pão e morde, despreocupada.
Mas quem é ele?
— A pessoa que estava com ela se ofendeu? — Se ajeita na cadeira,
olhando para o chão procurando por algo inexistente.
— Não, acho que não. Eles pareciam descontraídos, mas ele pareceu
simpático ao dizer que essa é uma das melhores receitas deles. — Passa
manteiga no pão.
— Será que tinha mais alguém com eles? — Pega as migalhas na
mesa, ainda evitando os olhos da mãe.
Perante o silêncio, Raphael levanta o olhar para ela e a encontra
encarando-o.
— Ela pediu para dizer, que te ama. — Fala.
Ele relaxa e até suspira discretamente.
— Você é como um livro aberto e, acho que Leo sabe exatamente o
que dar a você, mesmo distante. Só digo uma coisa, cuidado.
— Por quê? — Observa a mãe com cautela.
— De espaço a ela, não a perca por cometer excessos. Ciúmes é bom
em pequena medida, mas quando é demais sufoca e mata uma relação e Eleonora
não é do tipo que cederá a tudo. Não é sadio, apenas se controle e lembre-se, ela
não é a Valentina. — Se levanta e sai da cozinha do Bar, deixando-o sozinho
para digerir, junto com o pão, as palavras que disse.
Às treze horas Leo liga por videochamada.
— Olá! — Ela o cumprimenta sorrindo.
Ele repara que ela ainda está com a mesma roupa de quando saiu de
sua casa. E fica satisfeito que ela não foi para reunião com alguma roupa mais
provocante.
— Oi, como foi sua reunião?
— Ótima!
— Minha mãe interrompeu e um dos seus funcionários conversou
com ela. — Observa atentamente a reação dela.
— Ele não é um funcionário, ele é praticamente a fundação. Antes eu
tinha uma ideia do que fazer com o dinheiro que arrecadava, mas foi ele que
estruturou e organizou tudo. Definitivamente é a pessoa certa para administrá-la.
São muitos números e é tudo entediante, a graça mesmo é arrecadar as doações,
mas enfim, ele sabe o que está fazendo ao menos é o que Tony diz. — Ela gira
na cadeira, deixando-o ver a parede com vários monitores ligados montando um
grande painel, várias telas ligadas em programas de codificação, outras tem
imagens aéreas de vários lugares e algumas telas pareciam ser imagens de
segurança, ele olha rapidamente, mas não repara no que está exposto.
Tudo que ele entendeu é que ela parece adorar o diretor da
fundação. E não se sente nada bem com isso.
— Quem mais estava com vocês?
— O padre e eu.
— Ele é padre? — Abranda de imediato.
— Ele foi ordenado. Está cheio de perguntas… isso é ciúme? — Ela
sorri.
— Só quero saber mais sobre seu dia. — Responde destorcendo a
verdade.
— Não, sei não. Isso está parecendo ciúme.
— Onde está? — Muda de assunto. Ela gira na cadeira e mostra todo
o ambiente decorado elegantemente. Quando ela para, fica de frente com uma
parede branca apenas com uma espada japonesa preza em um suporte. — Garota
de espadas? — Ela não sorriu com a brincadeira.
— Esse é meu QG em casa. — Seu sorriso não volta. — O que fará
agora a tarde? — Agora é ela que muda de assunto.
— Vou abrir espaço em meu armário para você e fazer compra no
mercado para casa. Quer alguma coisa? — Assiste o sopro de um sorriso voltar.
— Achocolatado. — Responde sorrindo.
— Achocolatado?
— Sim, eu não gosto de café, por isso achocolatado.
— Só isso. Algo mais?
— Só isso por enquanto.
A espada exposta continua chamando sua atenção, claramente é
importante para ela, já que tem somente a espada em exposição na parede como
se ali fosse seu altar.
Ela percebe a atenção dele voltada para o objeto, mas diferente das
outras vezes, Leo não antecipa a sua pergunta.
— Por quê? — Aponta para espada atrás dela, insistindo no assunto.
— Ela foi de uma pessoa do meu passado. — Responde direta. — E
o pão gostou? — Com uma última olhada para espada, Raphael prefere não
continuar por esse caminho.
— Bom, muito bom, mamãe até está pensando em servi-lo no Bar.
— Que bom.
— Seus filhos como estão? — Com a simples menção deles, O
sorriso volta fazendo seus olhos brilharem.
— Eles estão cheios de histórias da cabana. Meu pai os levou para
acampar e lhes ensinou armadilhas de caça, então, imagina como estão. Agora
mesmo, no almoço, rolou uma solicitação para dormirem no jardim e fazerem
expedições de caça no bosque que tem aqui perto. Vou te mandar a solicitação
que eles encaminharam para o grupo da família.
— Como assim? Eles fizeram uma solicitação formal? — Sorri.
— Ah, sim! Colocaram os benefícios do acampamento no jardim, a
necessidade de saber sobreviver em uma mata com recursos limitados e em
como isso impactará na vida deles, no amadurecimento para uma vida mais sadia
com eles cientes dos prazeres de uma vivência ecológica. Você vai ver, eles
cobriram tudo até mesmo em caso de chuva. — Seu sorriso espelha o dela,
imaginando como as crianças são maravilhosas.
— Então eles poderão acampar no jardim? — Torce por eles.
— Claro que sim! Foram tantos os benefícios, que não podemos
negar e ficar parecendo pais não ecológicos ou pais helicópteros[23]. — Reponde
sorrindo.
— Conversou com eles sobre mim? — Pergunta por impulso.
— Ainda não, mas farei logo. — Um alarme digital soa atrás dela. —
Fim do intervalo, minha pesquisa acabou.
— Já sinto a sua falta. — Ela sorri de canto.
— Eu também, prometo fazer de tudo para acabar logo a mudança.
Te amo! — Manda um beijo.
— Te amo.

Sem saber qual achocolatado que ela gosta compra um de cada, na


seção de higiene vê uma profusão de coisas femininas.

Raphael
Estou na seção de higiene, você
quer alguma coisa daqui?
Têm uma infinidade de coisas
rosas que dizem ser de importância vital
para vida da mulher?
03:07 pm

Anjo
Que atencioso, mas não há necessidade.
Podemos comprar quando eu estiver em casa
com você.
03:08 pm

“Casa, ela chamou de casa.”

Raphael
Tudo bem, beijos…
03:08 pm

Termina a compra e volta com um sorriso enorme estampado na cara.


Com o tempo livre, pega seu caderno de desenho e começa a desenhá-la olhando
para uma das fotos que recebeu mais cedo.

Anjo
Olha o acampamento pronto
Carregar imagem…
07:20 pm

A foto é de um acampamento lindamente montado, com direito a


uma fogueira.

Raphael
Eles fizeram tudo sozinhos?
07:21 pm

Anjo
Sim.
07:21 pm

Raphael
O que você sabe sobre a
Manuela e o namorado?
05:15 pm

Anjo
Ele é abusivo.
05:15 pm

Raphael
O que você aconselhou ela a
fazer?
05:16 pm

Anjo
A terminar com ele.
O que mais poderia ser feito?
05:16 pm

Ela já tentou por duas vezes, mas acaba cedendo


as chantagens emocionais dele.
Por quê?
05:17 pm
Raphael
Ela chegou chorando no Bar.
05:17 pm

Anjo
Ele tocou nela?
05:18 pm

Raphael
Não sei.
05:18 pm

Anjo
Espere, descobrirei
05:19 pm

Não. Eles discutiram apenas.


Mas ela terminou de vez.
05:20 pm

Raphael
Como você descobriu?
05:20 pm

Anjo
RS
Luka…
05:21 pm

Raphael
Como foi seu dia?
05:12 pm

Anjo
Bem produtivo.
05:12 pm

Raphael
Onde está?
05:12 pm

Anjo
Relaxando na banheira.
05:13 pm

Raphael
Manda uma foto.
05:13 pm
Anjo
Oba, teremos sexting…
05:13 pm
Carregar foto…

A foto mostra ela na banheira coberta por algumas poucas espumas,


lindamente sexy.

Raphael
Linda…
05:14 pm

Anjo
Sua vez…
05:14 pm

Raphael sobe a escada para casa, dois degraus de cada vez, na


privacidade de casa ele tira uma foto especial de seu corpo, e envia para
provocá-la.

Carregar foto…

Anjo
Tão gostoso.
Eu quero tocar…
05:17 pm

Raphael
Eu preciso ser tocado e te tocar
também, de todas as formas.
05:18 pm

Preciso de você.
05:18 pm

Anjo
Chamada de vídeo quando o Bar fechar?
05:18 pm

Raphael
Sim, com certeza.
Três dias sem você, é como se
tivesse te visto a uma eternidade.
05:19 pm
Anjo
Eu sei, sinto mesmo.
05:19 pm

— Anjo, isso não alivia em nada, na verdade, só piora. — Protesta.


Dois dias assistindo-a gozar de longe o faz quase entrar em
combustão instantânea com tanto desejo reprimido sendo liberado através de
suas mãos.
— Eu sei, ver você pelo vídeo não é mesma coisa. — Ela faz
muxoxo. — Quer dormir comigo por videochamada? — Leo arruma a tela ao
lado da cama dando a visão dela deitada e coberta com um edredom cor de
marfim.
— Quero qualquer coisa com você.
— Boa noite, meu único!
— Boa noite, meu anjo!
Ela sorri, seus olhos fecham. E com essa visão, Raphael também
adormece.

Acorda com uma foto dela vestida com roupas de treino mandando
um beijo.

Anjo
Bom dia!
05:10 am

Raphael
Está muito cedo
05:10 am

Anjo
Não é não, aqui em casa é hora de treino em
família.
05:11 am

Raphael
Assim, você me faz parecer
preguiçoso.
05:11 am

Anjo
Não mesmo.
05:11 am

Com o ânimo renovado ele se levanta e também vai para academia.


Durante a primeira hora faz tudo sem nenhuma interrupção.
— Sabe, faz dias que nada acontece na academia. Você notou?
— Ah, sim. Eu notei que faz cinco dias que o policial Tomas não
aparece.
Depois de ouvir a conversa alheia, Raphael vê todos que costumam
treinar cedo com ele e, não sente falta de mais ninguém, senão o policial
homicida.
— Tomas mudou de horário? — Pergunta intrigado ao personal.
— Não que eu saiba, cara, aquele idiota não aparece aqui há dias, na
verdade, — se aproxima e sussurra. — Estão dizendo que ele desapareceu. Não é
só isso, sabe o ponto de tráfico nas docas? Todos sumiram também, sem deixar
pistas. Os viciados estão perdidos sem ter quem forneça.
— E o parceiro do Tomas?
— Dizem que ele está de licença. — O personal levanta a
sobrancelha ao falar.
— Os dois estão desaparecidos? — Espanta-se.
— Meu amigo que trabalha na delegacia diz que as coisas estão
muito diferentes. O delegado, está assustado, é como se tivesse alguém olhando
sempre por cima do ombro dele, há suspeitas de que ele também esteja
envolvido na cobrança de taxas entre outras coisas. — Conta satisfeito.
— Espero que essa mudança seja para o bem. — Raphael comenta
agradecido
Saber que Tomas não está em circulação é bom, muito bom, já que
ele estava atrás de Leo.
— Não sei não, se o que está acontecendo na ilha tem poder para
assustar um delegado, imagina o que eles não farão com os moradores. — O
personal contrapõe.
Ele tem um ponto.
Raphael volta a treinar.
“Sabe, você pode ter sido a última pessoa a ter visto o policial
homicida na ilha.”
E o que isso quer dizer?
“Pensa, traficantes estão sumindo. Quem levou o Tomas para ter
seus devidos cuidados?”
Rapidamente se lembra do homem da cicatriz e seu olhar estranho
naquela noite.
Será que é ele?
“Tudo que sei é que algo está acontecendo e ele pode ser um dos
motivos.”

Anjo
O que tem para fazer hoje?
09:16 am

Raphael
Acho que vou reformar o loft,
começando pelo banheiro.
09:16 am

Anjo
Por quê?
09:16 am

Raphael
Você tomando banho de
banheira, me deu ideias.
09:17 am

Anjo
Adoro ser sua fonte de inspiração.
09:17 am

Raphael
Você com certeza é.
09:18 am

Anjo
Tony e eu contamos para as crianças sobre você.
09:18 am

Raphael
Como eles reagiram?
09:18 am

Anjo
Eles estão deliberando, amanhã teremos um
veredito.
09:19 am

Raphael
Isso é bom ou ruim?
09:19 am

Anjo
É bom, se não estivessem bem eles teriam
protestado na hora.
09:20 am

E se eles não gostarem de mim?


“Essa possibilidade não deve existir.”
— O que tanto você está quebrando lá em cima? — Ângela pergunta.
— O banheiro, estou reformando. — Ela o olha em choque. — O
quê?
— Nada. É que é inesperado, só isso. Quanto tempo vai durar? —
Ângela tenta segurar o sorriso, mas falha.
— Poucos dias, eu já havia feito a renovação hidráulica quando nos
mudamos, trocarei algumas peças e instalarei outras.
— Eleonora deve ter sido enviada do céu, tudo está se encaixando
desde que ela chegou. — Ângela arruma a mesa do almoço. — Adriano e
Amélia estão maravilhados com ela. Acredita que Leo a presenteou com o
vestido dos sonhos, sem contar toda a atenção que está dando a ela. Amélia
passou aqui e chorou de tão emocionada por tudo que Leo tem feito para garantir
que ela tenha o dia perfeito em seu casamento. — Suspira. — Esqueci de avisar,
Adriano fará a reunião amanhã aqui.
— Será que a empresa que comprou a ilha já está colocando as
mangas de fora?
— Em nenhum momento você pensa que eles poderão fazer algo
bom, para nós? — Ela guarda as sobras na geladeira.
— Não. Pessoas com dinheiro, visam ter mais dinheiro.
— Eleonora não é assim, sei que você notou que pobre ela não é.
Posso não ter o mesmo poder aquisitivo que tínhamos antes, mas sei identificar
roupas de grife exclusivas e joias caras. Uma mulher que presenteia uma criança
desconhecida com um anel de ouro e diamantes, como se fosse um brinde de
doce, ou é rica a ponto de não se importar com a perca de algumas centenas, ou é
muito louca. Como sei que ela não é louca, só sobra a primeira opção. Então
Raphael, como você classifica Eleonora? — Encara-o com cinismo.
— Como você sabe que o anel era de ouro e diamantes?
— Acontece que Willa levou a Nina para comprar um presente para
Leo, como agradecimento e quando estavam escolhendo, a dona da loja pediu
para ver o anel que a criança usava. Enfim, Willa ficou assustada quando a dona
deu a avaliação da joia, ela veio aqui querendo devolver. Liguei para Leo e
deixei Willa falar com ela, seja o que for que elas falaram, Willa desligou o
telefone com um sorriso enorme e voltou para casa com o anel. — Ângela sorri
de canto. — Uma hora dessas, todos da ilha já sabem sobre o acontecido, uma
vez que Berenice é vizinha de Willa. Sua vez, Raphael, como você a classifica?
— Ela, ela… Na verdade, eu não sei… Ela é um grande ponto de
interrogação. Por um lado é gentil, delicada e faz coisas como lavar roupa e
louça pelo simples fato de ter essas coisas para fazer, conversa com todas as
pessoas não julga ou é preconceituosa. E, eu penso: ‘Valentina jamais faria isso’.
Então, ela é sofisticada e requintada como se fosse da nobreza e de novo ela é
simples pelo fato de ficar feliz com um passeio na praia ao meu lado ou passar a
noite servindo mesas. Tem um lado dela que me assusta um pouco e ao mesmo
tempo me reconforta. Eu não sei como classificá-la, tudo que sei é que ela é
perfeita. Até mesmo as partes que ainda não conheço dela. — Confessa.
— Você está apaixonado por ela? — Ele faz que sim sem hesitar. —
Então, meu filho, segure ela com todas as suas forças, pois essa mulher é um
furacão e o melhor lugar para se estar, é ao lado dela para não ser devastado.
— O que isso quer dizer?
— Quer dizer que ela tem uma história, todos temos, mas essas
características que descreveu é de um sobrevivente. Pois só sendo um, para ser
capaz de amar como ela faz com tanta força e devoção. Ser feliz com tão pouco
e não se importando com o que custa muito. Valorize ela pelo que ela é e não se
importe com o que ela tem.
“A mamãe sabe das coisas.”
— Ela quer que eu seja amigo do irmão ‘complicado’. — Desabafa.
— Então seja! Eles têm filhos e moram juntos, são a família um do
outro. Se você a ama, também deve amar a família dela com a mesma
intensidade, não pode amar uma parte e ignorar a outra. Filho, ela me trata com
tanto carinho como se eu fosse da família dela, talvez um dia seja mesmo. —
Pisca para Raphael que sorri em resposta.
“Se a mamãe soubesse do esforço extra que a Anjo tem em lidar com
seus próprios traumas e ainda ser carinhosa com ela, a amaria muito mais.”

7234-539
Criou o grupo
Sobre suas intenções
04:16 pm

7234-540
Adicionou você
04:16 pm

7234-539
Sou a Gaia
04:16 pm

7234-540
Sou o Gael
04:16 pm

Raphael
Sou o Raphael
04:17 pm

Fica olhando a tela do celular sem saber o que mais poderia fazer
além de salvar os contatos.

Gaia
Você beijou a mamãe?
04:18 pm

Raphael
Sim.
04:18 pm

Gael
Desculpe, senhor Raphael, mas precisamos que
seja específico.
Você à beijou na boca e com a língua?
04:19 pm

A tela chega a apagar enquanto pensa no que responder, e se, deve ou


não responder.

Raphael
Sem senhor, apenas Raphael.
Sim eu a beijei na boca e sim
houve língua.
Por que não colocamos a sua
mamãe no grupo?
04:20 pm

Gael
Não.
04:20 pm

Gaia
Ela não pode saber, para não interferir em nosso
julgamento.
04:20 pm

Raphael
Oh, certo… Por que a pergunta
especifica?
04:21 pm

Gael
Mamãe beija o papai somente com selinho
desde de sempre e nunca com a língua como os
outros casais.
04:21 pm

“Como classificamos essa informação?”


Não sei, não gostei da informação.

Gaia
Gosta de crianças?
04:22 pm

Raphael
Sim.
04:22 pm

Mentira, ele as evita. Mas as crianças da Leo… ele simplesmente as


quer.

Gaia
Toca algum instrumento?
04:22

Raphael
Não, mas eu gosto de desenhar.
04:23 pm
Gael
Sabemos, vimos fotos dos seus desenhos.
04:23 pm

“Não existe tal coisa como privacidade.”

Gael
Quais são as suas intenções com a mamãe?
04:24 pm

Raphael
As melhores.
04:24 pm

Gael
Seja específico, não sei lidar com alguns
preceitos do comportamento comum.
04:25 pm

“Que fofo.”

Raphael
Quero tudo com ela.
04:25 pm

Gael
Só com ela.
04:26 pm
Gael saiu do grupo

Raphael
Não!
Com todos vocês.
04:26 pm

“Merda, merda, merda.”

Raphael
Gaia, eu juro que não é só ela,
eu sei que tenho que amar vocês também.
04:26 pm

Gaia
Só está piorando…
Você não é obrigado a nos amar, temos isso em
abundância aqui em casa.
04:27 pm

Raphael
Desculpe, foi só um uso ruim
de palavras, eu amo cada parte da sua mãe
e quero muito conhecer todos.
04:27 pm

Gaia
A mamãe acha que não sabemos o que falam de
nossa família na escola e em toda a cidade
praticamente, filhos de incesto, anormais,
estranhos, etc…
04:27 pm

Mas levamos tudo por eles, porque nossos pais


são os melhores.
04:28 pm

Existe o mundo de fora que suportamos e existe


o nosso mundo onde vivemos e adoramos.
Permitir a sua entrada pode abalar tudo que
temos de bom.
04:28 pm

Você entende como é importante para nós


sabermos suas intenções antes de permitir a sua
entrada em nosso paraíso?
04:29 pm

“Ela só tem dez anos?”

Raphael
Eu entendo e sinto muito.
04:29 pm

Gaia
Ela está diferente esses dias, está melhor que o
normal e muito melhor do que esteve nos
últimos anos.
Obrigado!
04:30 pm
Gaia removeu você.
“Você fodeu com tudo.”
Não, eu posso concertar.
Se desespera.
Leo disse que Gaia é a porta-voz…
Ele faz dela a primeira tentativa para concertar o erro. A espera para
ser atendido é como ficar com uma faca no pescoço.
— Um momento, colocarei no viva voz. — Gaia anuncia, a voz
infantil parece um sininho. — Gael está comigo.
— Olá. — Gael fala com a voz um pouco mais grossa.
— Crianças, eu quero que saibam, que eu amo a mãe de vocês e
quero muito conhecê-los. A minha família é só minha mãe e eu, tenho certeza de
que ela está mais que ansiosa para conhecer vocês. Eu não imagino pelo que
passaram ou o que tiveram que ouvir, não quero e não vou estragar o que vocês
têm, essa é uma promessa.
— Não prometa o que não se pode cumprir, aqui em casa, promessas
são valiosas assim como nossas palavras, temos regras. — Gael ressalta
conciso.
Um pequeno defensor.
— Eu não sei as regras, conte-me e as seguirei de hoje em diante.
— 1: A família em primeiro lugar.
2: Ter e manter sua palavra.
3: Nunca se curvar a ninguém.
A voz da Gaia é decidida para cada regra.
— São boas regras e as cumprirei. Posso fazer uma pergunta?
— O senhor acabou de fazer.
Raphael sorri lembrando que a mãe dele, com certeza, teria falado a
mesma coisa, escuta a voz da Gaia bem baixinho.
— Ah tá, entendi, pode falar senhor.
— Raphael, apenas Raphael combinado?
— Tudo bem! — Ambos respondem.
— Por que nunca contaram a seus pais sobre o que falam da família?
— Pessoas ferem muito mais com suas línguas do que com sua força
física, levamos do mundo apenas o que quisermos e o que não queremos
deixamos, mas não é por isso que deixamos de sentir também, porque o papai e
a mamãe não merecem o que falam deles. — Gaia fala com pesar.
— Vocês são as melhores crianças com quem já conversei e são mais
sábios que muitos adultos. É possível que vocês me perdoem e iniciemos a partir
desse momento nossa amizade?
Raphael escuta os cochichos do outro lado com apreensão.
— Vamos deliberar. — Gaia responde. — Agora temos que ir, o vovô
e o titio irão nos levar para jantar.
— Bom passeio, crianças!
— Obrigado, bom trabalho! — Respondem juntos.

Eu disse que concertaria as coisas.


“Quer que eu bata palmas?”

Anjo
Você foi aprovado!
As crianças, falaram que conversaram com
você.
Devo me preocupar?
10:03 am

Raphael
Sem preocupação, eles são
adoráveis.
10:03 am

Anjo
Eu sei…
10:04 am
Raphael
Agenda de hoje?
10:04 am

Anjo
Acompanharei um amigo em um evento.
10:05 am

Raphael
Amigo?
Que amigo?
10:05 am

O telefone toca ele atende no primeiro toque.


— Otávio, ele foi indicado a um prêmio por inovação na agricultura
orgânica. — Ela responde com a voz tranquila.
— Esses eventos duram uma noite inteira. Onde será? Você passará a
noite com ele?
Cerra os punhos para conter a onda de ciúmes que arrebenta nele
com toda força.
— Raphael, você está se ouvindo? — Leo eleva a voz um pouco.
— O que eu ouvi, foi que a minha namorada passará a noite fora com
um amigo. — Eleva a voz. — Ele foi um parceiro seu?
— Foi, mas eu e ele nunca voltamos a ser desde que acabamos, e
isso faz nove anos.
— Eleonora isso não ajuda, para falar a verdade, só piora. Quer dizer
que você teve recorrência com os outros? — Fala com dureza, levando outra
onda.
— Para de me chamar de Eleonora quando está bravo. Parece que
você liga e desliga um interruptor de amor, quando me ama eu sou seu Anjo,
mas quando não me ama sou a Eleonora. Para!
— Desculpa, Anjo, eu ainda te amo mesmo quando chamo pelo seu
nome, mas você não respondeu o que perguntei.
— Houve sim recorrência, houve também o fato de me envolver com
dois ao mesmo tempo, houve o fato de que se formou um trio. Satisfeito?
— Você manteve uma relação com outra mulher e um homem
quando quer dizer trio?
Mesmo com todos os avisos, ele não tem como evitar a ondas de
ciúmes e o efeito que elas têm sobre ele.
— Não. O meu trio era dois homens e eu. Raphael estamos nos
perdendo do assunto principal.
— Verdade e o assunto é, você conseguiu tempo para seu amigo,
quando não nos vemos há mais de uma semana.
Foram tantas as ondas que ele encerrou a chamada, afogado pelo
ciúme.
Ela vai passar a noite fora com outro.
O telefone toca várias vezes e não atende.
Que ela tenha um bom tempo com o amigo.
“Não, porra, claro que não. Você não pode jogá-la direto para o
colo de outro, atende ela.”
Não!
“Idiota.”

Pesquisa no Google: Prêmio por inovação na


agricultura orgânica
Aproximadamente 278.000 resultados

Premiação da agroindústria.
Clique aqui para acompanhar ao vivo.

Ele clica.

Prêmio por inovação na agricultura orgânica


Indicado: Otávio Rangel
Pesquisa no Google: Otávio Rangel
Aproximadamente 566.000 resultados

Otávio Rangel
Agricultor
Estado civil: Solteiro.
Idade: 41 anos.
Patrimônio avaliado em 70 milhões.

Puta que pariu!


“Por que você está fazendo isso?”
Olhe essa foto? Ele é bonito, todo estilo cowboy de jeans e camisa e
porra de muito rico.
“E daí?”
E daí? Nós temos mais ou menos, um porra por cento do que ele
tem!
“De novo. E daí? Ela nos ama, ela não teve nada com esse homem
em nove anos, mas agora ela vai ter? Se toca, liga para ela e se desculpe.”
É assim que você pretende cuidar dela para que não nos traia?
“Na verdade, o plano seria fazer com que ela se sinta segura e
amada, ser o melhor amigo dela e entender suas necessidades. Sabe caminhar
ao lado dela. Você está fazendo errado, liga para ela.”

Pesquisa no Google: Otávio Rangel notícias


Aproximadamente 17.200 resultados

“Para com isso.”


Foi há nove anos é possível que tenha algo deles.
“Foi há nove anos, porque isso é importante agora?”

“Otávio Rangel, depois de quase entrar em


falência após trágico acidente envolvendo
sua esposa e filhos, inicia uma nova
empreitada com cultivo de orgânicos.”
“Satisfeito?”
O que isso quer dizer?
“Quer dizer que há nove anos ele perdeu o mundo dele, você não
tem um Bar para gerir?”
A reunião no Bar começa com todos ansiosos com os preparativos
para celebração na ilha, que homenageia os pescadores e o santo padroeiro.
Raphael mantém o celular perto, assistindo a premiação, procurando a Leo, cada
vez que a câmera corre pelos convidados.
— O que está acontecendo com a ilha? Os guardas sumiram e os que
ficaram, quando andam pelas ruas, parecem que o demônio está vigiando-os. —
Um pescador pergunta.
— Eu deveria ter pago ontem as taxas, mas ninguém veio para
receber? — Outro falou.
Ao fundo do salão o homem oriental, que estava no bar com o
homem da cicatriz, se levanta e caminha até onde está Adriano, todos se calam
ao vê-lo passar. Ele é alto e forte, deve estar na casa dos seus quarenta anos no
máximo, sua postura é elevada quase como militar, ele fala algo que só Adriano
escuta.
— Senhoras, senhores, vocês precisam escutar o que esse homem
tem a dizer. — Adriano anuncia.
— Meu nome é Gohan e vou responder algumas de suas questões. —
Ele olha para todos analisando e esperando que lhe deem atenção e silêncio. —
Os guardas que sumiram estão sendo disciplinados e os que ficaram… — ele
sorri com frieza, — foram esperto o suficiente para serem guardiões da lei, e
sim, há demônios vigiando-os, demônios esses que os fazem parecer doce de
criança. — Todos ficam de olhos arregalados. — A corregedoria. — Fala
sorrindo, as pessoas ficam aliviadas, visivelmente. — Não há mais cobrança de
taxa, portanto avisem aos outros e usem esse dinheiro como quiserem. — Ele
espera os cochichos diminuírem.
— Isso tem algo a ver com o que está acontecendo na costa? — Um
pescador pergunta.
— Tudo que posso falar é que essas ações são do poder de segurança
pública com a ajuda de forças especiais, pois a casa está sendo limpa. — Todos
ficam em um silêncio mortal absorvendo as palavras.
— Você é um dos novos moradores? Essas ações policiais têm
alguma coisa a ver com as pessoas que compraram a ilha? — Raphael pergunta.
Nada nunca vem de graça e se ele é quem diz ser, boa coisa ele não
é.
— Sou apenas o zelador dos futuros moradores, senhor Raphael,
com conhecidos na polícia e mais nada. — Olha para Raphael e sorri
compassivo.
Não confio nele.
— Mas qual é o preço para manter essa nova ordem? — Insiste.
— Senhor Raphael, não há preço a ser cobrado, se você paga seus
impostos corretamente, você já paga para manter a segurança na cidade e no seu
estabelecimento através da força policial que já está operando devidamente. —
O homem se mantém rígido.
— Por que você veio falar e não a polícia? — Continua, ainda
desconfiado.
— Eles não assumiriam publicamente um crime que aconteceu
dentro da corporação, estou aqui para lhes dar uma informação privilegiada, a
segurança é primordial e a paz valorizada.
Faz sentindo, mas ainda não confio nele e no amigo com cicatriz.
— O consumo hoje é por conta dos novos moradores, bebam e
comam à vontade! — Gohan fala e volta para o seu lugar, encerrando a conversa
da melhor forma que poderia.
As faces outrora assustadas agora estão todas com sorrisos
estampados.
— O que é isso? — Alessia aponta para a tela do celular de Raphael.
— É a sua namorada? Quem é esse homem com ela? — Sorri indulgente
interpretando o que parece daquela cena.
Leo e Otávio, caminham pelo tapete vermelho de mãos dadas, ela de
vestido preto, ao menos não é com decote profundo, a saia flui no chão e a parte
de cima, é bordado com pequenas pedras brilhantes, o cabelo preso de forma
elegante, seus olhos se destacam com a maquiagem. Param para serem
fotografados, tudo estava relativamente bem até que Leo se vira, mostrando que
o vestido tem as costas abertas, exceto por finas faixas de pedras encrustadas que
sustentam o busto e fecham-se entre elas. Otávio acaricia a pele exposta com
intimidade enquanto ela sorri para ele, com chuvas de flash em cima deles.
Os sorrisos que eram para serem meus.
— O que eu disse, eles enjoam rápido a julgar pelo seu estado de
nervos, você não foi avisado que a fila andou. — Alessia destila.
Repórter:
— Otávio, quem é ela? Enfim você deixou de ser o solteiro mais
cobiçado?
Eles sorriem e o braço dele a envolve pela cintura aproximando-a
mais perto dele.
Otávio:
— Ela é uma amiga muito especial. Sem ela essa noite não seria
possível.
Leo sorri olhando para ele com admiração e até algo mais, ele a
beija carinhosamente na testa.
Repórter:
— Os rumores de que você participa de um grupo secreto são
verdadeiros?
Eles se entreolham como se estivessem guardando o segredo um do
outro.
Otávio:
— Não sei do que você está falando.
Ainda com os braços em volta dela, eles caminham pelo tapete,
sorrindo, como um casal feliz.
— Amigo especial, que dizer que eles têm benefícios? — Raphael
encara Alessia tão irado que ela, sabiamente, recua.
— Eu não pago para você ficar parada. — Ela vacila e se afasta.
O consumo corre solto enquanto organizam a celebração para daqui
um mês, a notícia se espalha e o bar tem a sua primeira superlotação desde a
inauguração, Adriano até mesmo ajuda servindo as mesas junto com Manuela e
Alessia. E antes do horário de fechar padrão, encerram a noite com o fim do
estoque.
Na hora da entrega do prêmio Otávio antes de se levantar beija Leo
no pescoço, fala algo no ouvido dela, ela beija-o no rosto em resposta. Ele sobe
no palco e recebe o prêmio fazendo um discurso rápido de agradecimento e
volta para sentar ao lado dela que o recebe de braços abertos.
— Que noite! — Ângela exclama voltando da cozinha, do balcão
Raphael nota Adriano conversando com o Gohan. — Quer que eu feche o caixa?
— Pode deixar eu fecho.
Ela senta ao seu lado enquanto ele fecha a conta do consumo da
noite, contendo a fúria avassaladora de um oceano de ciúmes em dia de
tempestade.
— O que você achou? — Ela meneia a cabeça para onde Gohan está.
— Você sabe o que dizem sobre boas intenções e o inferno. —
Responde seco. — Essas pessoas compraram a polícia e o distrito inteiro, o que
nos diz que eles são muito piores que àqueles com quem lutam.
— Não acho que são os novos moradores responsáveis por essa
limpeza, foi uma infeliz coincidência da compra ser feita neste caos. A cidade da
costa e essa ilha está chafurdada na violência, o que está acontecendo deveria ter
acontecido há muito tempo. Seu pai diria algo sobre pessoas adquirem para si os
carmas de suas decisões, mas nesse caso, eu não posso ficar contra, esses
bandidos devem pagar por seus erros como a sociedade rege, eu vi de perto até
onde vai a ganância e o que a maldade humana pode fazer. Assistimos pessoas
próximas perderem seus filhos para as drogas, o que mais deve acontecer para
que as autoridades tomem as devidas providências. — Fala com o olhar distante.
— O importante é que agora teremos paz e segurança no lugar em que
escolhemos para viver.
Gohan se aproxima do balcão onde Raphael está.
— A conta, por favor?
Raphael entrega a comanda para ele, que nem olha para o valor
astronômico do total gasto, um cartão preto com o nome de Gohan Toriyama
descrito em letras prateadas é entregue, Raphael debita o valor e devolve o
cartão.
— Tenham uma boa noite! — Gohan se despede antes de sair.
— Sujeito impenetrável esse, tentei por várias vezes descobrir quem
são essas pessoas que irão se mudar, quais são suas intenções reais, e tudo que
ele disse foi que são boas pessoas. — Adriano fala.
— Eu acredito nele. — Ângela anuncia e Adriano sorri para ela.

Fim de transmissão…
Clique aqui para rever a entrega dos
prêmios.

Chega!
“Até que fim.”
Tudo não passou de divertimento para ela.
“O quê? Não! Para de dar chilique e se controla!”
A porta do Bar abre.
— Já fechamos! — Esbraveja sem olhar para a porta.
— Ótimo, assim será melhor.
Diante da voz ameaçadora e rude que ouve, Raphael levanta a cabeça
para encarar um Lázaro muito transtornado e armado.
— Cara, fica calmo e vamos conversar. — Raphael fala com a voz
calma erguendo as mãos.
— Onde está a Manuela? — Ele grita.
— Por que você está procurando ela?
Todos escolhem esse momento para saírem da cozinha.
Ângela, Manuela e Alessia gritam assustadas quando Lázaro aponta
a arma na direção delas.
— Manuela, vem comigo e ninguém se machuca. — Ordena.
Luka a segura no momento que ela tenta dar um passo para se afastar
deles e fazer o que o Lázaro manda.
— Manuela não me faça fazer algo drástico! Venha! — A arma na
mão dele oscila apontando na direção de todos sem preferência de alvo.
— Ela não vai com você! — Luka e Raphael falam juntos.
Raphael se aproxima do grupo e Alessia o agarra assustada.
— Quem foi que colocou essas ideias na sua cabeça? Quem disse
que era para você terminar o que tínhamos? — Questiona.
— Lázaro, abaixe essa arma, não há necessidade disso. — Manuela
dá um passo para se afastar deles novamente.
— Manu não. — Luka a segura mais forte.
— Ele vai machucar a todos se eu não for com ele. — Explica
assustada. — Deixe-me tirar ele daqui. Eu posso lidar com isso. — Limpa as
lágrimas do rosto.
— Não, você não vai sair do meu lado. — Ângela a segura e Luka
puxa as duas para ele.
— Foi você, sua aberração, que colocou essas coisas na cabeça dela?
— Aponta a arma para Luka o dedo corre para o gatilho.
Todos, sem exceção, fecham os olhos em antecipação ao disparo, os
braços de Alessia apertam mais Raphael.
O coração de Raphael dispara em um aviso alegre de
reconhecimento, mas assustando-o, pois, ela não poderia estar aqui, não agora.
— Ora, ora… — A voz da Leo invade seus ouvidos. Não, não pode
ser! — O que temos aqui?
— Quem é você?
Raphael abre os olhos para ver seu pior pesadelo, Lázaro apontando
a arma para o peito de Leo.
— Quem, porra, é você!? — Grita aproximando a arma ainda mais
nela.
Calma, como em um passeio na praia, seus olhos encontram os de
Raphael e semicerram quando vê os braços de Alessia à sua volta. Ela agarra a
arma com a mão esquerda e com a direita afasta a mão de Lázaro que a
empunha, desarmando-o e apontando a arma para ele.
— Ajoelha. — Ela comanda com voz fria como a água do oceano,
Lázaro sorri em descrença, mas para quando ela pressiona o gatilho apontando
para cabeça dele.
— Calma docinho… — Ele ajoelha ainda sorrindo incrédulo, com a
coronha da arma, ela o golpeia na lateral da cabeça dele com força e ele cai no
chão desacordado.
“Puta que pariu!!! Uhu.”
Com a arma na mão ela tira o carregador depois abre em cima e tira
uma bala.
Puta merda a arma estava carregada!
“Não sei você, mas existe um apelo sexy em ver uma mulher
desmontando uma arma.”
Seus grandes olhos se voltam para eles.
— Tire as suas mãos do Raphael. — Exige ainda em tom de ameaça
e os braços de Alessia caem com urgência. — Vamos para casa precisamos
conversar. — Leo passa por cima do corpo de Lázaro como se fosse merda no
caminho, o vestido fluindo como uma neblina negra fazendo-a parecer flutuar.
Ela para na frente de Luka e entrega a arma desmontada. — Lide com isso, a
polícia já está a caminho. — Comanda. Ele assente em choque. — Ângela, você
está bem? — Pergunta ainda com calma e até mesmo com carinho, colocando a
mão no braço dela.
— Sim minha filha, foi um susto e tanto, mas estou viva, isso é o que
importa. — Ela sorri descrente e também em choque.
— Sim estar viva é tudo que importa. — Leo a beija no rosto.
Todos seguem Leo com olhar de alarde e descrença enquanto ela
caminha para a escada de acesso do loft.
— Raphael?
Olhando Lázaro no chão Raphael passa por eles, para na frente da
mãe.
— Mamãe?
— Estou bem meu filho, pode ir com ela, ficarei aqui para ajudar
Luka. — Olham para Luka que mesmo abalado está com Manu agarrada a ele
em estado de choque.
Leo o espera no topo da escada segurando a porta, quando ele passa,
ela tranca.
Raphael para de frente e mensura que apesar de parecer calma
minutos antes no Bar, Leo está tensa, como se estivesse contendo mais energia
do que poderia suportar.
— Você está bem? Sua mão está machucada? Como você sabe fazer
aquilo? Foi arriscado, você poderia ter se ferido…
— Calado Raphael, você vai me ouvir. — Decreta.
Ele fecha a boca surpreso por ser alvo de tanta frieza.
“Eu falei para atender a porcaria do telefone.”
— 1: você não tem o direito de dizer onde vou e com quem vou.
2: você nunca mais encerrará uma ligação sem que os fatos estejam
esclarecidos.
3: você não tem o direito de julgar o meu passado com outras
pessoas.
4: você jamais duvidará da minha palavra.
Ela o encara com olhos distantes e frios, como ele nunca tinha visto,
depois suspira…
— Eu não sou ela. Você decidiu os parâmetros da nossa relação e
concordei, você pediu para não trair a sua confiança e eu faço. — Alisa o vestido
impaciente. — Mas parece que está via é de mão única, onde somente eu fico à
mercê das suas vontades, e não compactuarei com isso. Quando fiz qualquer
coisa que me fizesse indigna de confiança? — Pergunta aborrecida e triste na
mesma medida.
“Ela está puta da vida e tudo por sua culpa.”
— Responde! — Ela esbraveja pegando-o de sobressalto.
— Nunca. — Responde com voz baixa e envergonhado.
— Se você não tivesse encerrado a ligação, ou ao menos atendido
quando liguei de volta, saberia que eu viria para você logo depois do evento.
Saberia que passaria três dias com você. Saberia que há dois dias trabalho noite e
dia para que eu possa ter esse tempo com você. E eu contaria que Otávio já havia
me convidado há meses para esse evento e eu não te conhecia quando aceitei,
não que minha resposta fosse mudar agora que te conheço.
“Como você pode ser tão idiota.”
Merda!
— Anjo, eu sinto muito, eu…
— Eu sei Raphael. Eu sei que você tem problemas de confiança. Sei
que você está condicionado a isso por causa do seu passado, mas eu sou seu
presente e quero ser seu futuro! Só quero que você pense antes de sair agindo
por impulso. — Ela volta para porta.
— Onde você vai? — Pergunta com medo de que ela estivesse indo
embora.
— A polícia vai querer meu depoimento, melhor fazer agora. — Fala
e nem ao menos olha para ele.
“Você magoou ela.”
Não brinca, sério?
“Já disse hoje como você é idiota.”
Como ela havia falado, a polícia estava no Bar algemando um
Lázaro muito confuso e furioso.
Leo presta depoimento ao policial que toma nota do que dizia.
— Como eu disse. — Ângela fala entregando um copo com café para
o filho que olha confuso para ela. — Ela é um furacão, você viu aquilo que ela
fez para desarmá-lo e depois com a arma? Que mulher… — Suspira. — Mas ela
parecia e parece ainda muito brava com você, o que eu perdi? — Sua
sobrancelha arqueia questionando-o.
— Fui idiota, tipo, muito… idiota. — Bebe o café envergonhado.
— Você tem um bom caminho para se desculpar com ela, sugiro que
seja criativo, enormemente criativo. — Aconselha.
— Serei.
Leo se aproxima, mas fica mais próxima de Ângela que dele, e ele
não gosta da distância.
— Querida, como você aprendeu aquelas coisas que fez? — Ângela
pergunta curiosa.
— Meus pais, quando você os conhecer, e meus irmãos, você
entenderá. — Sorri enigmática.
O que isso quer dizer?
Alessia escolhe esse momento para se aproximar.
— Leo, achei que não a veria tão cedo, Raphael e eu assistimos você
no evento com um amigo especial. — Sorri dissimulada.
— Não vejo como minha vida pode ser da sua conta e me chame de
Eleonora.
— Mas o Luka e a Manu te chamam de Leo. — Alessia Rebate.
— Eles são meus amigos.
Com isso ela os deixa, Ângela segura o riso e Raphael ignora as
queixas de Alessia e segue Leo com os olhos que vai consolar Manu ainda em
choque.
— Criatividade meu filho, muita criatividade… Querida, a noite foi
longa, é melhor você ir para sua casa descansar, pois vejo que você já se
recuperou do choque, nos vemos amanhã. — Ângela praticamente enxota
Alessia.
Depois que os guardas saem, todos se despedem. Ângela vai para
casa, e ele sobe com Leo ainda muito brava.
— Anjo, me descu… — As batidas na porta o interrompem. —
Merda o que pode ser agora!? — Abre a porta para encontrar um homem de
terno preto e camisa branca com porte bem construído. — Você é? — Pergunta
irritado.
— Venho entregar a bagagem da senhora Eleonora. — Responde
sem nenhuma expressão, Raphael abre a porta e permite a entrada do homem
que puxa para dentro duas malas grandes e a já conhecida mala da Louis Vuitton
deixando próximo do sofá. — Tenha uma boa noite senhor, senhora. — O
segurança olha para Leo uma última vez antes de sair e Raphael fecha a porta
atrás dele.
Leo lhe dá as costas e começa a tirar a sandália com o salto
estupidamente fino e alto, depois o brinco enorme, que provavelmente deve ser
de diamante, e coloca no móvel ao lado da cama, abre o fecho do vestido nas
costas liberando a parte de cima, em seguida o fecho da cintura e o vestido cai
no chão, ficando única e exclusivamente de calcinha de renda preta, seu pênis
ganha vida.
— Anjo? — A voz de Raphael sai falha e a respiração eleva-se.
— Agora não Raphael, estou cansada, preciso muito tomar um banho
e dormir. — Pega sua necessaire de dentro de uma das malas e entra no banheiro
fechando a porta ainda evitando olhá-lo.
“Você fodeu com tudo.”
Eu vou concertar.
“Você se tornou mecânico? Porque ultimamente está consertando
coisas demais.”
Vinte minutos depois Leo deixa o banheiro, que Raphael reformou
para estrear quando ela chegasse e que passa despercebido, praticamente
ignorado, limpa de qualquer maquiagem, enrolada na toalha que ele comprou
para poder secá-la depois do banho inaugural de banheira que ambos tomariam
juntos. Ele deixa Leo tomar seu tempo e vai para o banho sozinho, quando sai,
ela está na cama vestida em uma camisola de seda roxa com renda marfim.
Suspira de pesar.
Eu puxo ou não ela para mim?
“Deixá-la, só vai aumentar mais a distância entre nós.”
Seu corpo pequeno se encaixa no dele sem resistência quando a puxa
e beija seu cabelo sentindo seu cheiro.
— Me desculpe, eu te amo tanto que tenho mais medo de te perder
do que ficar sem ar para respirar. — Beija-a de novo.
— Eu sei, também sinto o mesmo. — Ela responde sussurrando, a
aperta mais contra ele não muito tempo depois dorme um pouco mais aliviado.

O medo de sentir e confiar depois de ser traído, as vezes


te faz tolo e é desse momento que nascem os enganos. Julgar
a todos pelo ato de um é um erro que muitos cometem.
“Tire tudo isso do seu peito, oh. Eu sinto as lágrimas e
você não está sozinho. Quando eu te abraçar, bem, eu não
vou deixar ir. Seu mundo continua girando e você não
pode saltar fora. Mas eu vou pegar você se você cair”.
(Listen to The Man – George Ezra)
CAPÍTULO 28
RAPHAEL

Raphael acorda mais cedo e desativa o alarme do celular de Leo,


para que ela possa descansar mais. Fora de casa, inicia seu plano para se
desculpar com ela. Quando volta, recebe a entrega programada do bar, faz um
novo pedido para repor o estoque consumido na noite passada e arruma tudo
antes de acordá-la.
Começa beijando seu pescoço e vai subindo.
— Bom dia, meu anjo! — Beija o canto da sua boca. Um sorriso
preguiçoso se abre seguido por seus olhos, claros como cristal, levemente
esverdeado. — É tão linda, que a cada vez que te vejo, eu perco o folego. —
Beija seus lábios de leve e com carinho. — Sou um homem impulsivo, mas
genuinamente apaixonado, por isso começaremos a minha caminhada do perdão.
Com isso quero dizer que te trouxe café na cama e esse é só um de muitos
passos. — Beija-a novamente.
— Estou ansiosa para peregrinar com você. — Ela senta e ele coloca
a bandeja em seu colo. — Que lindo! — Bebe um pouco do achocolatado. —
Perfeito! — Mordisca o croissant e limpa o açúcar que fica em seus lábios com a
língua.
“Como eu queria ser essa boca.”
— Você não comerá também?
— É para você. — Se ajeita na cama de frente a ela.
— Que nada, tem muito aqui para mim, anda, pega uma xícara de
café e me acompanhe. — Seus olhos brilham.
Raphael se junta a ela animadamente. Comem com calma enquanto
saboreiam cada pedaço. Ela entrega na boca dele um cubo de melão, ele
mordisca a ponta de seus dedos fazendo-a sorrir, seu coração dobra a batida ao
ouvir o som.
— E agora? — Leo pergunta, quando terminam.
— Vou mostrar com o meu corpo como sinto muito.
Com devoção, toma o corpo dela devagar e apaixonadamente.
— Eu te amo! — Ele declara ao sentir as mãos dela passeando por
seu corpo. — Quero ver seus olhos. — Pede quando eles se fecham de prazer. —
Não me prive deles, Anjo…
— Meu único… — Leo fala possessiva e morde seu lábio inferior,
ele estoca fundo e deliciosamente. — Senti tanto a sua falta… — Ele estoca
forte. — Do seu toque… — Cada palavra sussurrada é um avanço ao topo. —
Do seu corpo contra o meu, me preenchendo, me possuindo… — Chegam ao
clímax juntos e se deixam cair no abismo transloucado de prazer e amor.
Ainda unido a ela, Raphael roça a barba em seu pescoço para lhe
fazer cócegas ao mesmo tempo em que inala seu perfume.
— Você saber autodefesa eu até entendo, mas saber manipular uma
arma, como isso se encaixa na sua vida cotidiana?
Ela arruma o cabelo dele que cai como uma cortina separando-os do
mundo.
— Minha mãe gosta de atirar, ela me ensinou. — Beija-o no ombro.
— Você é como uma caixa de bombons. Fiquei apavorado vendo-a
na mira daquela coisa, — Aperta-a mais contra seu corpo — vamos evitar de
fazer isso no futuro.
— Evitarei, mas você poderia aprender autodefesa, assim você
também evitará ficar em uma situação parecida sem saber se defender. — Desce
a mão por seu peito.
— Acho que você está certa. — Suas bocas se encontram.
— Tenho que fazer contato com o mundo exterior, tudo bem? —
Encosta a testa na dele, olhando no fundo de seus olhos.
— Com certeza — Pega o celular para ela no criado-mudo, com o
aparelho em mãos eles sentam. Leo fica entre as pernas de Raphael, enquanto ele
a acaricia dando atenção a cada uma das cicatrizes em suas costas.
— Bom dia, moy lyubov!
Raphael tenta não se importar com o sorriso, enorme, dela e nem a
saudação que ele não entende, mas é óbvia que é íntima.
“Releva, cedo ou tarde isso aconteceria.”
— Estou bem, ele não tocou em mim… — Ela suspira ao falar,
provavelmente ele está perguntando sobre o Lázaro ontem.
Leo faz uma pausa para escutar.
— Tenho certeza de que Miguel o enviará para você. — Responde
sem importância para o que foi falado a ela. — Sim conversei com Raphael. —
Ela olha para ele por cima do ombro. — Sim, estamos bem, ele está em seu
caminho para o perdão. — Ela vira para ficar de frente a ele. — Ele quer falar
com você? — Pergunta apreensiva segurando o celular entre eles.
Raphael pega o telefone da mão dela.
“Fica calmo e não fode as coisas.”
— Oi!
Leo se aproxima mais ao sentir a hesitação de Raphael, para lhe dar
segurança segura a mão livre dele.
— Enfim nos, falamos. — A voz no telefone é forte e séria, um pouco
grossa e com um sotaque leve que não identifica.
— Humm… enfim nos falamos. — Responde incerto.
Isso não é fácil como imaginava.
“É só uma ligação, fique firme e não faça merda.”
— Fiquei esperando que entrasse em contato, sabe, você namora
uma mulher que vive com outro homem e seus filhos. Não sei você? Mas no seu
lugar eu correria para apurar os fatos e garantir que tudo esteja nos conformes.
Então, você falou com nossos filhos e nada de falar comigo. Por quê?
“Ele tem um ponto, falhamos nisso.”
Você falou para irmos com calma.
“Nada dela é menos que avassalador, erramos admito.”
— Não queria ser intrometido, achei que… Não sei, acho que estava
esperando que partisse da Leo.
Ela faz círculos despreocupada na coxa dele.
— Não é interesse dela nos conhecer, é seu. Sei que isso deve ser
complicado para você assimilar e até mesmo aceitar, mas acho que em casos
como esses, ignorar os fatos não faz bem a ninguém.
Odeio ter que concordar com ele.
“Eu também, mas fazer o quê?”
— Um conselho, não seja impulsivo como foi ontem, ela é um anjo e
até se comporta como um, mas ela também pode ser o oposto e, você não
gostaria de lidar com ela assim. — Aconselha.
Ele encara seu anjo, que sorri de volta.
Como se esse pequeno pedaço de beleza e candura, pudesse ter um
oposto tão extremo.
— Eh… Você está bem com os fatos. Não se incomoda com o
quanto estamos avançando rápidos? — Tenta se manter seguro. E falhou.
Do outro lado escuta Tony suspirar.
— Eu a amo com tudo que tenho e mais além, jamais desgostaria de
algo que a faça feliz e, você é esse. Não desgosto de você ou tenho ciúmes, ela
pode amar nós dois. Desde que você a faça feliz, eu também serei, cabe a você
saber lidar com isso, o tempo não me preocupa, muita coisa pode mudar no
prazo de vinte quatro horas então, viva o melhor com o tempo que lhe é dado.
“Nossa, o que tem nessa família? Parece que foram banhados no
riacho da maturidade e sabedoria. Quem sabe você aprende algo com eles. Fica
à dica.”
— Obrigado, acho que precisava ouvir isso e nem sabia. Você tem
razão deveria ter procurado você antes.
“Ao menos reaprendeu a humildade de assumir os erros.”
— Ótimo! Agora que acertamos esse ponto, podemos seguir adiante
em nossa relação. Tenha um bom dia e sorte com sua peregrinação.
— Obrigado. — Devolve o celular para Leo.
— Lyubov, teve o que queria? — Ela o observa enquanto finaliza a
chamada. — Eu te amo mais. — Responde e sorri, até mesmo, com os olhos
para o que Tony disse e desliga.
“Lide com isso com a maturidade igual à de Tony.”
— Tudo bem? — Leo pergunta. — Tony é meio superprotetor, do
tipo muito, muito… — Ela fala ainda avaliando-o.
— Sim, foi inesperado, mas ele está certo. Deveria ter procurado
falar com ele antes, em vez de esperar que você se sentisse confortável em me
apresentar.
— Não se preocupe com isso, com o tempo você ficará mais
confortável, ajudarei durante todo o caminho. Mas como disse, socializar não é
algo que eu domine por isso me desculpe, deveria ter te apresentado antes ao
Tony. — Beija seu peito. — Sua mãe falou que você sempre quis irmãos, olha
pelo lado bom, agora você tem Naveen e Tony. — Oferece. Enquanto se levanta
e vai para o banheiro. — O mundo não está preparado para esse trio, nem em um
bilhão de anos. — Brinca.
— Parece que agora eu tenho irmãos. — Segue ela. — Fase dois do
perdão corporal.
— Teremos fases?
— Ah, sim. Vamos estrear a banheira! — Liga para encher. — As
crianças estão bem? — Muda para um assunto mais leve, enquanto assimila o
que ela acabou de falar.
— Sim, Gaia agora está aficionada por uma banda de K-pop e Gael
pela mecânica. Eles e meu pai estão restaurando um Chevrolet Impala 67,
resumindo, todos trabalham no carro, mas enquanto isso Gaia os obriga a ouvir
BTS. — Prende o cabelo no alto em um coque folgado.
— Ela também está ajudando a restaurar? — Pergunta incrédulo.
— Sim, sem distinção, meu pai os incentiva desde pequenos com a
mecânica e funcionamento das coisas e minha mãe também, principalmente
química.
— Isso parece incrível. — Prende o cabelo em um coque também e
entram na banheira cheia. Ela senta entre as suas pernas. — Como foi o evento
ontem? — Ela fica tensa. — Relaxa, quero saber se você se divertiu? Se correu
como esperado? Quero mostrar que posso ser melhor do que fui ontem.
— Não precisa fazer, se te machuca. — Olha-o por cima do ombro.
— Na verdade, eu preciso. Você estava certa ontem. Você nunca me
deu motivos para desconfiar, mas fui muito idiota em igualar você as pessoas do
meu passado. — Beija-a na testa. — Quero ser seu amigo antes mesmo de ser
seu namorado, eu errei e agora quero consertar meu erro. — Beija-a na ponta do
nariz. — Conte, como foi sua noite?
Raphael começa a ensaboá-la nas costas enquanto ela conta sobre o
evento e de Otávio. Ele percebe a admiração em sua voz quando fala dele, é
óbvio que ela não se acende como faz ao falar de sua família, existe carinho por
ele, mas é de amizade.
“Você bancou o idiota à toa.”
É banquei.
— O que aconteceu para ter essas cicatrizes? — Beija-a no ombro.
— Fui arremessada em uma mesa de vidro durante uma luta. —
Responde. Ele a aperta em seus braços. — Foram ações inconsequentes. Se
importa se não falarmos sobre elas e também as outras? — Ele é pego de
surpresa com a sua imposição de limite sobre o assunto. Leo olha-o
profundamente. — Estou bem, foi há muito tempo, não sou mais assim e não
faço mais nada como isso. — Assegura.
Ele procura em seus olhos qualquer indício de pesar, medo e, sem
querer assumir, também procura por mentira.
— Claro que sim, Anjo. — Confirma quando não acha nada, toma
sua boca para si e iniciam a estreia da banheira.
Se ela não quer voltar a esse lugar escuro eu não a levarei lá.
— Vamos ver o que minha mãe e Gaia enviaram! — Pega a primeira
mala, abre em cima da cama. Os olhos de Leo brilham de alegria quando vê as
roupas.
— Não foi você que separou?
Ela faz que não.
— Paris, minha mãe, é adoradora de roupas, o seu deus é a moda, ela
faz de nós, filhos e netos, seus manequins pessoais. Gaia é a sua seguidora mais
fiel, portanto elas jamais me deixariam manchar o nome da família me vestindo
inadequadamente. — Explica, tirando várias peças de roupas, todas ainda com
etiqueta.
— São novas? — Pega uma saia de seda, com etiqueta Prada.
— Então…, sabe quando disse que omiti alguns fatos… — Ela o
olha de soslaio colocando algumas roupas no armário. Ele a encara com
expectativa. — Quando nos conhecemos, disse que as crianças estavam com os
avós e de verdade estavam, o que não contei era que eles estavam na semana de
moda em Milão. — Pega outras peças de roupas. — Tinha aquela coisa de você
abominar pessoas com dinheiro pairando na minha cabeça. — Suspira.
Entrega a saia que ainda está segurando e ela guarda junto com as
outras roupas.
— Vocês são seriamente ricos?
— Sim, mas não exaltamos ou colocamos o dinheiro em primeiro
lugar. Cada um de nós trabalha com que gosta, aconteceu de sermos bem
remunerados por nossos serviços.
— Você é diferente de tudo que já conheci, e, eu a amo mais por isso.
— Pega a outra mala, abre para ela em cima da cama e se surpreende com o mar
de renda e seda de todas as cores. — É estranho dizer que fiquei feliz com esta
mala? Porque eu quero muito te ver desfilando com cada uma dessas lingeries.
— Levanta uma calcinha e o sutiã cor marfim que faz par com ela. — Sei que
sou eu que devo te agradar hoje, mas você poderia colocar esses agora? — Ela
pega um vestido longo verde-escuro, com botões quase até a barra.
— Adoraria atender esse pedido. — Separa um vestido junto com as
peças que ele escolheu.
A mala tem um fundo falso, ela tira e revela alguns pares de sapatos,
sandálias e bolsas de vários tamanhos, ao lado deles duas caixas de óculos e um
embrulho de papel fosco, Leo lê a nota, sorri e entrega o pacote para Raphael.
— É para você!
Antes de abrir ele lê o cartão.

“Direta.”
Dentro do embrulho encontra três camisas com cores de xadrez
diferentes, azul-escuro, vermelho, quase vinho e preto. São parecidas com as que
usa, exceto claro, as grifes gritantes.
— Adorei. — Tenta sorrir.
— Sério, porque parece que você está segurando uma cobra
venenosa. — Ele olha para ela que o encara de volta. — Se não gostou é só
ignorar no fundo do armário ou devolver, Paris não se importará. Na verdade, ela
levará você direto na loja para que mostre exatamente o que gosta assim ela pode
passar a comprar suas preferências. — Leo o consola.
— Não é isso, eu de fato gostei. É que foram muitos anos longe
dessas coisas, quero dizer as marcas exclusivas, o luxo e suas extravagâncias.
Desculpe, foram só lembranças ruins que recordei…
— Você está vendo pela ótica errada, houve coisas e pessoas ruins,
mas também existiram seu pai e sua carreira. É isso que deve levar a maior, não
o ruim.
“Será que eles engarrafam a água do riacho onde eles tomaram
banho?”
— Você tem razão, houve muito mais coisas boas que ruins.
Ela sorri e abre a mala menor ‘LV’, dela tira a bolsa de joias profanas
e as coloca ao lado da roupa que escolheu para vestir. Com isso ele não consegue
evitar o revirar de olhos.
— Qual sua história com joias?
— Elas brilham. — Afirma simplesmente. Mas Raphael espera uma
explicação melhor. — A primeira que ganhei foi minha aliança, — levanta a mão
esquerda para mostrá-la — o brilho e os reflexos coloridos me encantaram no
mesmo instante, foi como o ligar de um interruptor e desde de então Tony
garante que eu sempre as tenha. — Ela olha para a bolsa. — Mas sei que ele faz
isso como uma apólice de seguro para crianças e eu, se acontecer alguma coisa e
ele não estiver lá para nós. — Ela comprime os lábios pensativa. — O que nunca
acontecerá. — Afirma. — Olha, as crianças mandaram um presente para sua
mãe. — Ela segura outro pacote com embrulho dourado e depois o coloca na
cama.
Segue para o banheiro com uma bolsa menor, Raphael a observa
encher as gavetas e depois o box com suas coisas.
— É oficial, existe uma mulher habitando sua casa! — Salta
eufórica. — Temos roupas no armário e gavetas, absorventes e maquiagens no
banheiro. — Ela olha a volta. — Sua caminhada envolve me levar as compras?
Porque eu precisarei de um secador, prancha e babyliss para meu cabelo.
— Se é o que deseja, você terá. — Ela se aproxima feliz e o beija.
— Hora do show! — Sussurra.
Raphael abre o maior sorriso sem conseguir evitar.
— Saudade ter um show ao vivo e não por videochamada?
— Você nem imagina. — Ele veste a primeira roupa do armário
depois se senta na cama animado e cheio de expectativas.
O show começa com ela puxando a barra da camisola verde escura
de renda, expondo suas coxas grossas. Ela gira para que ele possa admirar o
bumbum arredondado que ele adora apertar e morder, outro giro, e admira o
umbigo lindo como se tivesse sido desenhado a mão, seguido por sua barriga
definida escorrendo feminilidade, então os seios perfeitos e deliciosos. Ela joga a
camisola para ele, que a pega no ar levando-a ao nariz.
Ela tirando ou colocando?
“Dúvida cruel.”
A renda fina da calcinha contra sua pele levemente bronzeada é o
contraste perfeito para o marfim da peça. Ela gira e ele assista o ajuste da peça
que faz a curva perfeita no bumbum parecendo um meio coração. O sutiã vem
em seguida, seus mamilos ficam discretamente a mostra pela renda fina,
implorando para que ele os toque e os libertem. Leo senta na cama e coloca as
sandálias. De salto e lingerie ela caminha de forma sexy para o banheiro e inicia
a aplicação da maquiagem primeiro os olhos, e depois, a boca se destaca com o
batom vermelho claro. Solta o cabelo com ondas grandes caindo por suas costas.
— Apreciando? — Pergunta caminhando até a bolsa infame.
— Muito, tanto que estou com vontade de te trazer para cama e
mostrar a fase três e quatro. Foda-se, vamos ficar na cama!
— Faço o que você quiser. — Ela responde sorrindo — Você pode
pegar os brincos que estão do seu lado?
O brinco longo, com pequenas pedras de diamante formando padrão
de espinha de peixe, são impressionantes e de muito bom gosto.
— É você quem escolhe suas joias?
— Eu escolho as coisas pequenas, como o anel que eu dei àquela
criança, Tony cuida do restante, a única da coleção que escolhi foi a pulseira. —
levanta o pulso com a pulseira de pedras roxas.
— Ele parece ser legal.
Ela sorri tirando duas pulseiras de platina da bolsa e coloca no pulso
junto com a pulseira que nunca tira.
— Ele é maravilhoso, inteligente e dedicado. Não há nada que ele
não faria pela família, assim como você. — Levanta da cama e coloca o vestido,
abotoando lentamente. Seus seios ficam muito evidentes no decote. Raphael
limpa a garganta, chamando sua atenção, quando ela o olha ele indica que feche
mais um botão, o que ela faz com revirar de olhos. — Não se acostume. — Volta
a abotoar deixando a saia muito aberta, ele limpa de novo a garganta e indica
mais dois botões. — Sério? Nem está muito aberta. — Ele mostra dois dedos,
com outro revirar de olhos ela faz. — Satisfeito? — Ele Faz sinal de afirmativo
com o dedo e sorri, ela amarra o cinto para finalizar. — Podemos ir ver a sua
mãe?
— Claro Anjo. — Raphael se levanta e pega o presente destinado à
sua mãe.

— Seus filhos são adoráveis, não precisavam ter se incomodado. —


Ângela abre o embrulho. — Chanel? — Ela olha com mais atenção a bolsa de
couro cinza.
— É uma bolsa Hobo grande, boa escolha dos dois. — Leo fala.
— Eu adorei, agradeça a eles por mim. — Ângela a abraça. — Eu
tinha feito há pouco tempo, algo para quando conhecê-los, ficaria feliz se você
entregar a eles.
— Claro que sim.
— Vamos anjo, hora das compras. — Ele não perde o olhar estranho
da mãe.
— Compras? Você odeia fazer compras. — Leo e ela miram-no com
dúvida.
— Eu odiava, no passado. — Ele se lembra como era entediante com
a Valentina. Ficava horas e horas andando de um lado para o outro, quase uma
tortura. — No presente, qualquer coisa com a Leo é maravilhoso.
— Você está no seu caminho meu filho. — Pisca em conspiração.

Leo escolhe seus aparelhos, ignorado os olhares na direção deles. O


que ele não consegue.
É muito incomodo.
“Lembra aqueles filmes de terror, quando o personagem se perde na
floresta a noite e aparece um monte de olhos brilhantes e assustadores.”
Assustadores não são, mas é desconfortante.
— Esses seriam o ideal. — Leo fala para a vendedora que além de
olhar estranho está sorrindo estranho.
— Foi você que nocauteou o Lázaro? — A vendedora pergunta
admirada.
— Sim, foi eu. — Leo responde sem dar importância.
— Muito obrigado, ele merecia algo assim há muito tempo. — Leo
olha confusa para ela. — Sabe de uma coisa, esses produtos estão com desconto
de trinta por cento cada um. — A vendedora sorri.
Agora Leo e ele ficam confusos.
— Acho que não, na etiqueta não mostra nada indicando promoção.
— Leo rebate.
— É o mínimo que posso fazer para agradecer, Manu e Luka são
meus amigos e qualquer um que se coloca na frente de uma arma por eles, tem
desconto na loja. — Leo perscruta a vendedora sem nenhuma reação aparente.
— Raphael? — Ela sussurra, ele se aproxima dela. — É o caso da
oferta educada?
— Não, Anjo, ela está agradecida por ontem. — Explica.
— Muito obrigado pelo desconto. — Leo agradece a vendedora.
A vendedora embala os produtos.
— O que você está fazendo? — Raphael pergunta quando vê Leo
abrindo a bolsa.
— Vou pagar? — Responde com dúvida.
— Não, eu vou. — Ela semicerra os olhos. — É o meu caminho.
— Mas eu ganhei desconto… — choraminga. — Eu nunca ganhei
desconto por bater em alguém. — Ele sorri de suas palavras. — Qual é, deixa eu
pagar?
— Anjo, não! — Beija-a na testa.
— Está bem, mas será que o dono da sorveteria é amigo do Luka? —
Sorri mais. — Se for e eu tiver desconto você deixa eu pagar?

— Caramba, ele me deu o sorvete! — Seus olhos brilham com


alegria. — Eles me deram comida e descontos é como rebater o passado com
coisas boas. — Seguem pela avenida central, ainda sendo observados, Leo
segura seu sorvete feliz como uma criança. — Em casa temos uma tradição,
Tony não tem memória eidética como as crianças e eu, então tiramos fotografias,
gravamos filmes para ele nunca se esquecer, bem na verdade, ele que começou
essa tradição. Eu percebi que a sua mãe tem muitas fotos, mas você não tem
nenhuma em casa, acho que está na hora de mudar a sua decoração, o que você
acha? — Lambe o sorvete olhando-o, esperando por resposta.
— Soa como um bom plano.
Caminham para loja de presentes e compram três porta-retratos. Leo
recebe e responde mensagens no celular enquanto aguarda a impressão das fotos
e novamente ganham desconto.
— Para onde agor… — Leo fala olhando para Raphael que está atrás
dela, e não percebe o policial Tomas vindo de encontro, ela esbarra esmagando o
sorvete nele.
Raphael a puxa colocando-se na frente, antecipando a explosão do
policial homicida.
— Desculpa senhora Eleonora, eu não a vi. — Tomas fala assustado
olhando para os lados preocupado.
Senhora?
Raphael se surpreende com essa reação.
— Meu sorvete… — Leo choraminga.
— Não, não… Por favor, não fique triste. — Ele estende as mãos e
balança como se faz com crianças preste a chorar. — Eu vou comprar outro, de
que sabor a senhora quer?
— Limão.
— Certo, limão. Fique aqui que eu já volto, por favor me espere, eu
volto logo. — Tomas corre para a sorveteria.
Raphael ainda está surpreso com a reação um tanto exagerada por
causa de um sorvete. É como se o policial estivesse enfrentando o próprio diabo
e tentando acalmar a explosão de fúria dele, quando é apenas sua anjo.
— O que foi isso? Você está bem? — Esquadrinha atrás de qualquer
coisa fora do lugar. — Por que ele reagiu dessa forma?
Ela dá de ombros.
— Estou bem, meu único. — Ela o beija com carinho. — Vamos. —
E começa a caminhar pela feira.
— O que foi que aconteceu com o policial?
— Não sei. — Ela responde indiferente. — Eu não o vejo desde o
dia que machucou o nariz na lixeira.
— Você não foi a única, ninguém o vê desde aquele dia. Disseram
que ele estava sendo disciplinado ou algo assim.
Enquanto passeiam pelas barracas, Leo experimenta algumas frutas
que lhe são oferecidas.
— Senhora Eleonora, Olha, eu trouxe o seu sorvete! — O policial
homicida oferece respirando com dificuldade por causa da corrida que fez até
encontrá-los.
Não só Raphael, mas muitos dos feirantes olham para cena
surpresos.
Leo olha para ele e volta a olhar para a barraca de artesanato.
— Não quero mais sabor de limão, quero de maracujá. — Leo fala
calma, ainda sem se voltar para ele.
— Maracujá, claro, é uma ótima escolha, já volto. — Ele corre de
volta para a sorveteria.
— Anjo, o que foi isso?
— O quê? Eu enjoei do sorvete de limão. — Esclarece, voltando a
escolher um dos artesanatos. — Quero esses! — Raphael paga por eles e
continuam pela feira.
Todos pareciam encantados com Leo, que para nas barracas e
pergunta sobre o cultivo dos legumes e frutas, fazendo-o perceber que ela
entende do assunto. Enquanto isso Raphael ainda está confuso e apreensivo com
as reações inesperadas de Tomas.
— Senhora Eleonora, olha eu trouxe o sorvete de maracujá. — O
policial homicida oferece o sorvete, respirando com dificuldade.
Leo olha para ele e depois volta a olhar para o abacaxi.
— Obrigado, mas eu não quero mais, demorou muito. — Responde
com indiferença.
Tanto Raphael quanto os outros, olham para ela boquiabertos com
sua frieza, oposto do que vem demonstrando a todos.
Não que Tomas seja uma pessoa digna de afeição. Ele com certeza
não é. Seu histórico de abusos, provavelmente, tem mais páginas que a bíblia
escrita em aramaico. Mas esse homem hoje parece tão assustado que se, a
menor criança a nossa volta gritar, ele desmonta.
“Seja lá o que fizeram, ele parece estar em sua missão em agradar
nossa anjo.”
— O quê? Não…, tome o sorvete é o sabor que a senhora pediu… —
Tomas praticamente implora, olhando para os lados ainda mais assustado, Leo
devolve o abacaxi para banca e se volta para ele. — Por favor… — Ele sussurra.
Que desça um raio e me parta, se aquilo que está escorrendo em seu
rosto não é uma lágrima!
O feirante, os transeuntes da feira e Raphael param para ver a cena.
— Eu não quero. — Leo repete com impaciência medida.
Ele olha para o sorvete com dor e ainda chorando.
— Pegue, por favor… — O inacreditável acontece quando ele
ajoelha no chão, no meio da feira, limpando os olhos com a mão livre. — Leve o
sorvete senhora Eleonora, por favor… — Insiste começando a soluçar e a tremer
em meio ao choro.
— Você colocou alguma coisa no meu sorvete? — Ele nega
chorando mais e fungando o nariz. — Não ouvi?
— Não, se… senhora Eleonora.
— Você irá se comportar daqui em diante? Será um bom policial,
ajudará e respeitará as pessoas como se sua vida dependesse disso?
— Sim, senhora Eleonora, eu farei disso minha missão de vida. —
Tomas responde com a cabeça abaixada e os ombros sacudindo com o choro.
Leo pega o sorvete da mão estendida e ele desaba, mas agora
aliviado.
— Obrigado, policial Tomas. — A voz dela é como bálsamo. —
Sugiro que você se desculpe com todos por seus atos do passado, começando
com o meu Raphael.
— Me desculpa, senhor Raphael, por favor. Estou arrependido de
tudo que fiz a você e aos moradores. — Fala ainda no chão e limpa o rosto com
as mãos. — O que fiz foi errado, mas pelo resto da minha vida, irei me desculpar
e me redimir com vocês todos pelo que fiz. — Soluça.
O que fizeram com esse homem?
“Quem liga, seja o que for, ele fez por merecer. É a coisa do carma.”
— Claro Tomas, são águas passadas. O que importa é em como você
fará daqui para frente. — Responde atônito.
O silêncio precede de todas as pessoas ao redor que assistiam
assombrados. Leo parecia não se importar, entretida com o sorvete, alheia a
todos e ao silêncio.
— E agora, para onde vamos?
Sem olhar para o policial, ainda ajoelhado, seguem o caminho de
volta, a todo momento Raphael olha para atrás, para ver o policial ainda no chão.
— Por que você fez aquilo? — Pergunta quando já estavam longe da
multidão.
— Você disse para nunca aceitar nada dele, lembra? Só fiz ele
garantir que meu sorvete estava limpo, o resto foi improviso. O coitado parecia
desesperado para agradar. Só pensei que seria legal mostrar que ele estava
disposto a mudar.
— Porra, isso foi muito estranho.
— Se você diz. — Sorri.
— Você é um verdadeiro anjo. — Puxa-a para perto fazendo o
sorvete espalhar por sua boca, que Raphael mais que prontamente limpa com a
dele. — Um anjo delicioso… — Beija-a de nova. — Vamos, meu caminho ainda
não acabou e, tenho surpresas para você o dia todo.
— Raphael, espere! — A mãe de Manu corre na direção deles,
abraçando Leo de supetão. — Muito obrigado, eu não sou nada sem Manu e
Luka, muito obrigado pelo que fez por eles.
Leo a abraça de volta.
— Não há o que agradecer, depois de Raphael, Luka e Manu foram
as pessoas que mais gostei assim que cheguei na ilha.
— Raphael, eu devo a você também, Luka e Manu contaram em
como você e sua mãe cuidaram dela, muito, muito obrigado.
— Madalena, você não precisa me agradecer, todos estávamos na
mesma situação. Fiz o que achei certo.
— Mesmo assim, muito obrigado! Sempre que quiserem cortar o
cabelo, ou qualquer um dos meus tratamentos de beleza, estou à disposição.
Vocês serão meus clientes preferenciais sempre e tudo por conta da casa.
— Que legal! Eu ganhei desconto, sorvete e agora tratamento de
beleza. Eu amo, amo muito esse lugar!
Eles riem da euforia de Leo.
— Obrigado Madalena. — Raphael agradece.
— Essa cidade parece se curvar a você, alguns literalmente se
curvaram.
— Naveen adorará isso! — Leo afirma.

Luka
Tudo pronto!
11:15 am

Raphael
Obrigado, estamos a
caminho.
11:15 am

— Está pronta? — Pergunta enquanto ela abotoa o vestido, desta vez


com um biquíni verde-esmeralda por baixo.
— Sim, eu coloquei o que você pediu.
— Então vamos à praia.
Fazem a trilha da praia do convento. Como esperado, ninguém havia
se aventurado por ela.
— Uma pena que descobri este lugar só agora, ele fica mil vezes
melhor com você. Logo, os novos proprietários, destruirão tudo ou vão bloquear
o passeio para a praia.
— Ou não. Você é muito negativo, quando fala sobre eles.
— E você, assim como minha mãe, são duas otimistas. Essas pessoas
varrerão tudo deste lugar como parasitas que sugam até não restar mais nada e
depois partem para próxima coisa a ser destruída.
— Você parece odiá-los, mesmo ainda sem conhecê-los, suas
palavras foram fortes para alguém ainda desconhecido. E o benefício da dúvida,
onde fica?
— Eles chegaram aqui e compraram tudo. Quando enfim me
descobri em casa, quando eu achei alguém por quem lutar e sair da escuridão
eles vêm para destruir, é isso que pessoas com dinheiro fazem, elas destroem
coisas e pessoas, tudo isso para poder terem mais.
— Raphael, não estamos falando mais dos novos proprietários, não é
mesmo?— Ela o olha.
— É tem razão, acho que me perdi um pouco.
— E a construtora dos seus pais como está? Ficou sabendo mais
alguma coisa sobre a compra?
— Eu tentei, fiz algumas buscas, mas tudo que se sabe, é que foi um
investidor anônimo, o resto é sigiloso.
— Sabe de uma coisa, o tempo ditará o caminho e quando chegar a
hora, você decidirá a melhor forma de lidar.
Chegam ao muro do convento olham para o portão trancado e ambos
riem ao lembrar da transgressão.
— Nós sempre teremos essa lembrança.
— Oh, sim! Sempre teremos a torre do sino, uma parede descascada
e dois corpos suados junto a ela.
Sua pele arrepia com a lembrança que ela traz à tona.
— Viva as paredes descascadas, mas com força suficiente para
aguentar dois corpos em movimento contínuo e desesperado! — Ele comemora.
Na praia, a surpresa os aguardava e pela segunda vez hoje, Raphael
se surpreende. Luka não só arrumou um piquenique. Mas o que ele, Manu,
Amélia e Emanuel fizeram foi muito além disso.
Uma armação, tipo trave de futebol feita com bambu, prende um
lençol de renda branca, perfeita para amenizar o vento e os raios de sol.
Estendido na areia o tapete de palha, coberto por um tecido de algodão azul-
claro e várias almofadas de cores pastéis e algumas com estampas em arabesco.
Do lado, uma pilha de toalhas dobradas e enroladas, como em hotéis. A mesa
improvisada de caixotes com o tampo, do que um dia foi uma porta francesa,
mantêm as comidas dispostas. Pequenos lanches em forma de coração, várias
frutas frescas, macarons coloridos, montados em uma pilha bonita e, no chão, o
cooler cheio de gelo cobrindo as garrafas de água, suco e vinho. As taças estão
ao lado de um vaso com flores roxas na mesa improvisada. Também há vasos de
flores nos lados da tenda, entre os caixotes têm lanternas de vidro coloridos
contrastando com o mar azul e calmo.
“Você tem que dar um aumento para esse cara.”
Também acho.
— É lindo, eu adorei isso. — Leo toca a renda da cobertura.
— Confesso que também não esperava por algo tão bonito, estou
pensando seriamente em dar um aumento ao Luka.
Raphael desabotoa lentamente o vestido de Leo, que cai na areia aos
seus pés, o biquíni verde-esmeralda ganha vida própria na pele dela. Raphael tira
o short e a camiseta ficando de sunga.
— Sabe, acho que gosto de assistir você tirando a roupa. — Leo
afirma se aproximando. — O que faremos agora, meu único?
Segura sua cintura com as duas mãos.
— Meu corpo mostrará como está arrependido novamente, depois
nadaremos, voltaremos para comer, te venerarei mais e quando o Sol estiver se
pondo iremos nos despedir dele com meu corpo dentro de você.
— Isso soa como um plano maravilhosamente perfeito.
Beija-a e a levanta em seus braços levando-a para as almofadas.
— Não quero nada, além de passar minha vida com você até que não
reste mais história. — Encosta a testa na dela. — A velocidade com que me
apaixonei, fez de mim desesperado e assustado. — Beija sua boca — Mas saiba,
que quando te chamar de Eleonora por estar bravo, eu vou te amar da mesma
forma de quando te chamo de Anjo. Não importa o que, nada pode mudar o que
sinto. Eu sou seu como nunca fui de ninguém. — Outro beijo. — Não posso
prometer não fazer merdas no futuro, mas prometo ter uma reação diferente da
que tive ontem. — Toma a boca dela, começa degustando o sabor adocicado, ele
freia a fome que desperta desesperada pedindo para levar mais e segue devagar
aproveitando cada nuance.
— Foi preciso eu parar de te procurar para te achar… — Leo
sussurra. — Enquanto der e enquanto você quiser, serei sua com tudo que tenho.
Se amaram devagar e no tempo deles criando ali um infinito
particular…
— Nunca é igual e nunca é menos do que foi antes. — Ele a
acariciara nas costas enquanto ela está deitada em seu peito e suas pernas
entrelaçadas. — Será que vai ser sempre assim?
— Não, com o tempo saberemos mais sobre como o corpo um do
outro reage, o que gosta e como gosta. A tendência é ser ainda melhor. —
Responde e quando ele solta o riso calmo, ela se debruça em seu peito. — Não
era para responder, não é?
— Não, mais adorei saber que existe resposta para isso, amei saber
que ficaremos melhor, então ria comigo. — Ela solta um riso acanhado e ele
beija o topo da sua cabeça. — Vamos comer, já passou muito da hora do almoço
e você precisa ser bem alimentada. — Sentam de frente a mesa. — Vinho? —
Raphael oferece.
— Uma taça é meu limite estabelecido.
— Por que limite?
— Vamos dizer que quando bebo não sou a pessoa que sou agora.
Tony achou melhor cortar o mal pela raiz e estabeleceu uma única taça de vinho
nos almoços de domingo e em nossos encontros semanais. Naveen, até hoje, fala
que sou alcoólatra em recuperação, mas foi um único porre, eu misturei várias
bebidas e tomei uma grande quantidade de whisky. Acabei fazendo algo do qual
não me arrependo, mas que foi de grandes proporções.
— E onde Tony estava, no seu único grande porre?
— Em casa cuidando das crianças, eu estava na comemoração do
final do curso de culinária e uma coisa emendou na outra. A noite acabou
comigo sendo levada para casa, no colo, por um Tony muito preocupado. Depois
fui uma bêbada muito incoerente e chorona, Tony me segurou enquanto
vomitava, me deu banho e garantiu que não me afogasse no próprio vomito
enquanto dormia. No dia seguinte me senti horrível. — Sua narração foi
altamente explicativa para o tipo de relação que ela mantém com Tony. — Você
já teve quantos porres?
— Acho que uns três, todos foram em festas da faculdade. Nada
aconteceu, mas o sentimento de ser pisoteado por uma manada era horrível na
manhã seguinte.
— Não conta nada para o Tony, mas mesmo se ele não tivesse
limitado a bebida, eu não chegaria mais perto, a ressaca não vale a pena o
benefício de ser alcoolizado.
— Guardarei comigo seu segredo. — Pisca para ela. — Notei que
Tony tem sotaque leve, e não reconheci de onde é. E seu outro irmão Naveen
tem um nome peculiar assim como a sua mãe e seu pai…, você ainda não disse o
nome dele. — Fala interessado. — E do que você chamou Tony no telefone?
— Tony é da Rússia eu o chamo, carinhosamente, de moy lyubov que
quer dizer meu amor, ou, as vezes, só o chamo de lyubov que é amor em russo.
— Ele sente o carinho e também o amor dela. E aceita que ela o ame, assim
como ama ele. — Naveen é indiano e Paris, minha mãe, nasceu em Israel, mas
ela mudou seu nome assim que saiu de lá. Meu pai é norte-americano e se chama
Heitor.
— Uma grande mistura.
Ela dá de ombros, comem enquanto ela fala mais sobre a sua família.
— E o seu pai, conte-me sobre ele?— Ela pede.
— Ele era tudo. Feliz com a vida. Sempre foi ciente de que colhemos
o que plantamos, por isso nunca fez nada contra ninguém. — Olha para o mar,
seu pai estaria feliz por ele ter encontrado a mulher certa. — Ele era meu ídolo,
amava minha mãe de uma forma que achei que nunca conseguiria amar alguém,
até conhecer você. — Ela sorri. — Ele amaria você, e sua curiosidade
desmedida.
— Sinto muito pela sua perda. — Ela o beija no ombro. — Qual a
história com a música Com Te Partiro?
— Nós viajamos de férias para França e essa música estava lá, onde
íamos a música tocava. Enfim, minha mãe adotou ela como música deles,
quando voltamos, eles escutavam e dançavam em casa sempre que podia. — Ele
afasta o cabelo do rosto para olhá-la melhor. — Você cantou bem em italiano,
quantos idiomas você sabe falar?
— Português, foi minha língua mãe a segunda japonês, inglês, árabe
por causa da Paris, hindi por causa do Naveen, Espanhol e Russo essas são as
que falo fluente falo algumas outras, como o Italiano, somente o essencial.
— Isso é incrível. — Ela dá meio sorriso. — Que foi isso? Você
deveria se sentir orgulhosa e não envergonhada.
— Eu tenho orgulho, mas o caminho até aqui não foi tão simples.
— Eu sinto muito. — Beija-a na cabeça. — Já terminou? — Ela faz
que sim. — Quer nadar ou tirar um cochilo? — Olham para tenda e na sombra
confortável dela.
— Opção dois e depois praia. — O telefone dela toca, ela atende.
— Olá princesinha! — Leo sorri. — Sim, ela gostou muito. Como
vocês estão? Certo, deixa eu falar com seu irmão. Olá mini elfo? Tudo bem, sim
levarei em consideração e lhe darei um parecer em breve. Mamãe ama vocês! —
Ela desliga.
— Algum problema?
— Não, Gael deu feedback sobre um app que estamos
desenvolvendo para estudo interativo voltado para crianças e, Gaia queria saber
se Ângela gostou do presente. — Ela boceja.
— Hora do cochilo.
Depois de alguns minutos de silêncio, Raphael não se aguenta…
— Quem é Miguel?
“Bom momento.”
— Meu motorista e segurança. — Responde sonolenta.
— Não deve ser tão bom se você lidou sozinha com Lázaro.
— Vai por mim, existia o dobro de armas apontadas para ele do lado
de fora. Entrar sozinha foi um risco que eu havia calculado. — Ela fala sorrindo
até que adormece.
Não acho que deixá-la entrar sozinha foi o certo.
“Não gosto dele, algo sobre esse Miguel não parece certo.”
Como prometido, nadam e enquanto o Sol desce no horizonte,
Raphael faz amor com Leo no oásis improvisado.
— E essas coisas? — Ela olha para tenda e as almofadas.
— Luka falou que Emanoel viria buscar amanhã.
— Por que amanhã?
— Eles têm medo dos fantasmas. — O riso escapa de ambos.
Ela tira o celular da bolsa e começa a digitar.
— Onde podem entregar essas coisas?
— Não sei, acho que na casa do Luka. Por quê?
— Virão buscá-las e entregá-las na casa dele. — Responde. — Você
sabe voltar pela trilha no escuro?
— Trouxe uma lanterna. Quem virá buscar?
— Não sei, mas Miguel enviará alguém.

Aprende-se muitas coisas com a vida, que depois pode


ou não perder a validade. Tudo sempre muda e nada é
permanente, basta dar um passo para o progresso. Aceitar
é melhor do que brigar com algo que não se pode vencer.
“É o jeito que você olha, é o que jeito como você ama. É o
jeito que você fala, é o jeito que você toca. Você me
mostrou coisas que eu nunca pensei que veria. Você me dá
esse amor verdadeiro”.
(Real Love – Clean Bandit feat. Jess Glyne)
CAPÍTULO 29
RAPHAEL

— Agora te deixarei aqui para se arrumar, minha mãe providenciou


tudo de que você precisará. — Raphael deixa Leo na porta da casa de sua mãe.
— Não é errado supor que você está de folga hoje? — Leo coloca o
cabelo dele atrás da orelha e toca seu rosto carinhosamente.
— Não, não é errado. Hoje eu estou no meu caminho para você. —
Segura a cintura dela. — Você é minha prioridade. Minha mãe, e Luka,
conseguem lidar com o Bar por um dia.
— Talvez, devesse me soltar para que eu possa me arrumar. — Ele
solta.
Mesmo que não queira.
— Em uma hora venho te buscar.
— Estarei aqui a sua espera. — Pisca para ele, que retribui com
sorriso de canto.
Antes dela entrar, rouba-lhe um beijo rapidamente, assim ele a deixa
para seguir com o plano.

Na cozinha do Bar Luka está preparando um lanche.


— Minha diva já está se arrumando? — Pergunta quando Raphael
entra.
Ele faz que sim.
— Não tenho como agradecer. O que você fez em tão pouco
tempo… Estava tudo muito bom e bonito, além do que imaginava, Leo adorou
tudo.
Ele havia esquecido como agradecer.
Mas parece que velhos hábitos, mesmo que em desuso, nunca se
esquece.
— Esse era o objetivo! — Responde com um sorriso orgulhoso. —
Ela salvou nossas vidas, é o mínimo que posso fazer.
— Ela é um anjo.
Pensar em sua namorada em perigo é seu maior pesadelo, mas sua
anjo parece estar sempre em uma missão para salvar pessoas.
— Muitas pessoas nos ajudaram com a última parte, se gostaram do
piquenique na praia, irão amar o que fizemos lá em cima.
— Obrigado novamente.
Luka ensina o passo a passo para ele finalizar o jantar, o que servir e
a ordem de servir os pratos. Raphael anota tudo, para não esquecer.
— Como foi? — Ângela pergunta entusiasmada assim que entra na
cozinha e vê o filho.
— Ótimo!
Raphael avalia com olhos atentos o movimento no Bar se
certificando que está tudo bem.
— O acontecimento na feira está correndo solto. Os policiais, que
foram disciplinados, voltaram e como você mesmo presenciou, essas mudanças
foram drásticas. O mesmo aconteceu com o delegado.
Ele olha espantando para a mãe, pois nem sabia que o delegado havia
desaparecido também.
— Ela ganhou presentes quando Luka passou na floricultura, eles
não nos deixaram pagar e mandaram muito mais do que precisávamos, além da
decoração que emprestaram. — Ângela continua — Vá para casa, você tem
coisas para fazer, amanhã conversaremos mais.
— Obrigado mãe! — Beija-a enquanto ela devolve o abraço.
Raphael está flutuando em sua nuvem de amor.
— Raphael, onde está a nossa heroína? — A voz de Alessia lhe dá
asco só em ouvir. — A cidade não fala de outra coisa senão as proezas dela.
— Que bom que você está viva para ouvir sobre o que a cidade tem
para falar. — Passa por ela sem lhe dar atenção.
Mesmo com a turbulência, ele permanece em sua nuvem.
Como combinado, o deck havia sido arrumado para um jantar à luz
de velas e, novamente Luka o surpreendeu. Raphael pediu um piquenique e Luka
fez um oásis no paraíso, depois pediu para arrumar a mesa e preparar um jantar
simples e ele construiu um cenário romântico digno de filme, com o cardápio
sofisticado.
“Ele merece a porra de um aumento!”
O deck está iluminado por várias lanternas de vidro colorido, criando
um caleidoscópio de cores no chão e em cima de sua cabeça têm vários
pequenos pontos de luzes. Flores, uma infinidade delas, de todas as cores e tipos
enfeitam o lugar, com arranjos em tubos de vidro. Na mesa disposta de frente
para o mar, o arranjo pequeno feito de rosas vermelhas e cor-de-rosa, deixam
tudo mais romântico.
— Isso está perfeito!
Corre para se arrumar. Prende um pouco de cabelo em um rabo de
cavalo no alto, deixando o resto solto e escolhe uma das camisas que ganhou da
sogra, pensar nisso o faz sorrir como bobo.
“Quem diria, temos sogra, sogro, irmãos e filhos! Falta tão pouco
para termos tudo.”
A comida está pronta. Ao lado da mesa a champanhe gela. Faltam
apenas alguns minutos. Sem conseguir aguentar, desce para buscá-la.
A porta está fechada, bate duas vezes.
— Entre!
Com ela de costas, Raphael a admira, o tecido fino, por baixo do
cabelo longo e cheio de cachos grandes e modelados, dá movimento e evidencia
a renda em azul petróleo que forra o vestido leve que desce por seu corpo até a
coxa. Nos pés a sandália de salto fino e tiras a deixa sexy e elegante.
— Vamos? — Ela se vira.
Nossa!
A frente do vestido tem o decote em V e o forro rendado contorna
seus seios, deixando-os delineados. O tecido fino se sobrepõe a renda em seu
busto. Seu rosto coloca abaixo os retratos mais lindos já pintados, a boca está em
um vermelho vivo, traçados com perfeição, os olhos, esfumaçados e marcados,
brilham como duas estrelas cativas, seu cabelo está preso de lado, num penteado
vintage, algumas mechas emolduram seu rosto com cachos grandes, nada em
demasia. Mas tudo fez a respiração de Raphael parar e o coração dobrar o seu
bater.
— Anjo, você está magnífica.
— Obrigado! Você também está lindo. Acho que nunca vi seu cabelo
preso desta forma, agora não tenho mais um preferido, bagunçado sexy ou
arrumado sexy, decisões, decisões… — Ele a beija. — Adorei a camisa. É nova?
— Ah, sim ela é! Minha sogra que me deu. — Ele vê uma caixa em
sua mão. — O que é isso?
— Um presente da Nina, a garotinha para qual dei o anel. Os pais
dela tem uma floricultura, enfim, eles mandaram esse buque e a criança mandou
isso, olha que linda… — Leo abre a caixa revelando uma corrente simples, no
máximo banhado a prata, com um pingente em formato de floco de neve e
pedrinhas azuis e brancas. — estou com medo de usar e perder.
— Você usa uma pulseira de diamantes raros para ir à feira e nadar
na praia, mas tem medo de perder um colar simples?
— A pulseira tem fecho reforçado e as pedras foram cravejadas de
forma que só saia com o manejo de profissionais, mas essa belezinha, foi criada
para falhar e se perder no primeiro momento. Por isso o medo.
— Você não irá perdê-la se usá-la somente hoje. — Beija-a e coloca
a bijuteria no pescoço dela fechando com dificuldade o fecho minúsculo. —
Pronto! Está ainda mais linda.
De mãos dadas, saem para ir para casa, sobem as escadas pelo acesso
externo.
— Feche os olhos. — Pede antes de entrar e a leva pela mão para
dentro. — Pode abrir.
— Nossa, está como em um cenário de filme, é simplesmente,
lindo… — Caminha até as flores do arranjo próximo e inala o perfume das
rosas. — É lindo! Eu nunca tive nada, meramente, parecido.
— Fico feliz em ser seu primeiro. — Abraça-a por trás e beija seu
pescoço. — Venha, vou servir o nosso jantar. — Abre a champanhe e serve meia
taça. Antes de sair a beija na testa.
Para trilha sonora deste momento, ele havia escolhido uma playlist
de clássicos do pop com uma roupagem de jazz e blues.
Sim são românticas!
“Foda-se para quem um dia disse que não sabíamos amar grande!”
Antes eu simplesmente não amava.
Raphael finaliza o prato como Luka ensinou e leva para mesa.
— Humm, o cheiro está uma delícia. — Ela dá a primeira garfada e
geme ao sentir o sabor. — Muito bom!
“Pegar a receita com Luka.”
A noite não é possível ver com nitidez o mar, mas ouviam o vai e
vem das ondas, com a Lua e as estrelas abençoando-os.
— Você disse que nunca teve nada parecido com isso, fiquei
intrigado, pois você mencionou ter encontro semanais com o Tony… O que
quero saber é, mesmo quando vocês namoraram, ele não fazia coisas românticas
para você?
Não queria quebrar o clima, mas como o próprio Tony disse, não
deveria esperar dela para ter respostas.
— Nós nunca namoramos, ele é romântico do jeito dele, por
exemplo: no dia que me deu a aliança não foi um pedido de casamento em si,
mas uma reivindicação de parceria e a julgar como eu estava, ele foi o que
precisava, por isso foi um ato romântico. Pouco depois vieram os encontros que
se tornou uma tradição nossa e outro ato romântico dele, pois nunca tivemos
isso, fomos o primeiro um do outro, nunca nos encontramos com outras pessoas
até você. — Ela olha para o mar escuro.
“Eles nunca namoraram. É como ela disse, a gravidez foi
inesperada, com certeza, um ato de irresponsabilidade cometido por duas
pessoas com problemas. Mas não sei se é somente isso.”
Como assim?
“Ela disse que ele estava lá para ela quando mais precisava, achei
estranho essa colocação de palavras. E tem outra, o Miguel? Tem algo referente
a ele… Não sei, é estranho.”
Não é estranho, ele é motorista. Ele até veio aqui entregar as malas
e não percebi nada anormal.
“Ela disse sobre coisas ruins acontecerem e citou o nome dele.”
Ele é o segurança e nossa anjo já nos mostrou a capacidade que tem
para se meter em problemas.
“Não sei, não.”
— Como eram seus encontros? — Leo pergunta.
— Chatos e depois ficaram ainda piores. Valentina e eu não éramos o
tipo de casal que conversava durante as refeições. Nós, basicamente, comíamos
juntos com a cabeça em lugares diferentes.
— Isso é ainda mais triste que nunca ter tido nenhum.
— De fato é.
Passam a refeição inteira conversando sobre eles e isso o fez
perceber em como eram melancólicos seus encontros passados. Ela lhe deu a
atenção que nunca teve, e ele, bem, como não dar atenção ao que ela fala. Não
importa o que, tudo que diz é bom de se ouvir e melhor ainda é ver as coisas pela
perspectiva dela. Ele ria de coisas tolas sobre seu cotidiano e ela fazia o mesmo
com ele.
— Estou pensando em dar um aumento para Luka, ele, com certeza,
merece algo por tudo que fez hoje. — Fala enquanto serve a sobremesa.
Ela come uma colherada do brownie com o sorvete de baunilha.
— Você deveria dar um aumento pela forma em como ele trabalha no
Bar e levar em consideração, na hora de deliberar sobre o assunto, a criatividade
em resolver uma crise com pouco tempo de ação, a objetividade e acima de tudo
a lealdade para com você e sua mãe. Foram esses atributos que ele demonstrou
hoje, mas o que fez a seu pedido não é sua função original, então por isso você
não deve pensar que ele merece um aumento, pois desmerece o profissional que
ele tem sido. Ele fez isso, — acena ao redor, — por amizade e não porque você o
paga para fazer.
— Como você adquiriu tanta maturidade e sabedoria com tão pouca
idade?
— A vida aconteceu. Depois houve os livros da faculdade de Tony,
que li para ajudá-lo nos estudos e, gerenciamento de pessoas era uma das
disciplinas. Por último, idade é apenas uma forma de calcular a vida humana,
como também outras coisas. Mas esse número é irrelevante se você passa a
considerar as experiências de vida de uma pessoa para outra, aí então sempre
haverá discrepâncias. — Ela suspira e o beija — Você não precisa de desculpa,
se quer algo como dar um aumento ou promover o Luka, você deve fazer, —
sorri — tipo, eu agora vou comer a sua sobremesa. — Ela troca o seu prato vazio
com o dele que está na metade. — Você quer, você faz! Como ainda não sabe
disso com trinta e seis anos? — Pisca, levando a colher a boca.
— É assim que funciona? — Ela faz que sim com a boca cheia. —
Terminou?
— Sim.
— Ótimo, porque agora eu quero você junto com o sorvete que
sobrou. — Ele passa o dedo no sorvete e lambuza a boca dela, depois lambe e a
beija em seguida.
Para Raphael, o gelado do sorvete com o calor da boca de Leo foi, de
longe, o mais prazeroso caminho de múltiplas sensações.
— Anjo, você me perdoa? — Pergunta pouco antes dela pegar no
sono.
— Meu único, nunca houve nada para perdoar, sempre soube que a
estrada do nosso relacionamento não seria de tijolos dourados e lustrosos. Vai
haver obstáculos, este foi um de vários. — Ela boceja se aninhando ainda mais
no corpo dele.
— Boa noite, Anjo!

Seu braço cai no colchão, em vez do corpo macio dela, o Sol começa
a nascer e a claridade desponta no horizonte, o lençol frio significa que ela saiu
faz tempo. Levanta e a procura por toda a casa, e só relaxa quando a encontra no
deck. Leo está com as mãos plantadas no chão e os joelhos junto aos seus
antebraços que está sustentando todo seu corpo. Ela parece não se esforçar com a
posição, seu braço estica as pernas e os pés levantam e passam pelo externo dos
seus braços enquanto olha para frente, até que relaxa e desce.
— Bom dia!
— Bom dia, Anjo!
— Temos muitas coisas programadas para hoje, mas ainda é cedo e
você pode querer descansar um pouco mais.
— E você não precisa?
— Eu não costumo ter muitas horas de sono. — Ela o beija e segue
para cozinha.
— Que tal comermos e irmos para academia? Geralmente vou cedo,
é mais vazio.
— Tudo bem.
Leo preparam um lanche e se veste, mas Raphael não se alegra, pois
muito dela fica exposto no top e no short.
— Não me olha assim, não é como se estivesse nua.
— Não é fácil fazer uma série se o meu pênis estiver tão duro
quando uma barra de ferro. — Reclama, descendo as escadas.
— Então é melhor ele não ficar assim, além de não ser fácil, não é
educado para com as pessoas a nossa volta.
No caminho até a academia Leo lhe conta que começou a praticar
yôga para manter sua agitação em ordem, além de ser parte de sua rotina algo
que para ela é essencial.
— Precisa de ajuda? — Raphael oferece assim que chegam na
academia.
— Não, eu posso me virar. Pode ir. Eu estarei por aqui.
Ela lhe dá um beijo rápido e se afasta, ele começa seu treino mas
nunca a perde de vista.
Ela conversa um pouco com o personal, depois faz alguns exercícios
de musculação, que o surpreende pela quantidade de peso que ela consegue
levantar.
— Foco, Raphael! — O seu personal chama. — Sua namorada é
linda, agora eu vejo porque todos os caras falam sobre ela. — Raphael olha para
ele com o olhar homicida. — Use essa vontade que você tem de me matar para
se esforçar mais, não saia até terminar sua série. — Ele sorri e se afasta, indo na
direção da Leo.
Como aconselhado, usa sua força e energia para treinar e cada vez
que ela ri de algo que o personal fala, mais se esforça.
Que porra é essa? Ele está dando em cima dela.
“Acho que sim. Mas se controle, não faça merda e foda tudo depois
do dia maravilhoso que tivemos ontem.”
No final do treino, Leo faz uma série de perna. O personal havia se
afastado para falar com outro aluno, Gohan chega indo direto para o aparelho ao
lado dela, Raphael não havia reparado em como ele é forte. Assiste de longe eles
conversando, Leo se senta olha para Raphael e sorri, depois volta a falar com
Gohan que passa a olhá-lo como se estivesse o avaliando-o, desconfortável
Raphael termina sua série.
— Vamos, Anjo?
Gohan e ela se levantam juntos.
— Raphael, lembra sobre o que conversamos das aulas de
autodefesa? Gohan pode nos ajudar com seus treinos, ele se ofereceu em treiná-
lo! Não é legal da parte dele!? — Fala animada.
— Anjo, talvez devêssemos ver com um dos professores da
academia?
— Já verifiquei e todas as turmas estão cheias e só iniciarão outra
turma em meses. — Ela faz bico e repuxa seus lábios para o lado direito.
— Senhor Raphael, se me permite seria uma honra treiná-lo. Sou
faixa preta em várias artes marciais além de saber autodefesa. Tenho tempo livre
e podemos usar o espaço da academia mesmo e fazer um combinado com várias
lutas.
“Porra, estamos encurralados pela educação e pelo biquinho dela.
Mas sabe de uma coisa? Mantenha os amigos perto, e os inimigos… você
entendeu? Com ele nos treinando podemos ter informações sobre os novos
moradores.”
— Se não irá te atrapalhar, eu agradeço a sua ajuda. Podemos
combinar um pagamento pelas aulas e…
— Não é preciso pagamento, treinar você irá me ajudar a manter a
forma. Como disse, é uma honra treiná-lo. — Gohan se curva agradecido.
— Obrigado.
Leo fala com ele em japonês e ele sorri em resposta, é a primeira vez
que Raphael vê Gohan fazendo isso, ele responde também em japonês. Depois,
pega a mão do Raphael e começam a se afastar.
— O que você falou?
— Disse que você começa a treinar depois de amanhã pois não
estaria aqui, assim você estaria descansado. E ele falou que estará aqui para você
todo dia nesse mesmo horário.
Raphael não fala japonês, se ela disse isso, então, ela disse.
— O que faremos hoje?
— Amélia fará a primeira prova do vestido de noiva e me convidou
para acompanhar junto com sua mãe, você pode nos encontrar para almoçar
depois. O que você acha?
— Acho que minha manhã será tediosa sem você, mas adorarei levá-
la para almoçar.
Chegam em casa e vão direto para o chuveiro. Fazem amor
aproveitando cada momento, uma sessão dessas, valeu mais que uma hora e
meia de treino pesado.

Sentado na cama, assiste seu show preferido, quando o vestido


escolhido para o dia está em seu máximo, Raphael se levanta e fecha o zíper em
suas costas.
— Você está linda! — Beija sua nuca respira seu cheiro e testemunha
o arrepiar de sua pele.
— Não é justo você ficar lindo e perfeito vestindo apenas jeans e
camiseta.
— Anjo, eu visto a primeira coisa que encontro para poder assistir
você.
— Sua resposta não está ajudando. — Ela vira e ele beija sua boca.
— Tenho um presente para você. — Fala receosa, passa por ele e pega na bolsa
infame uma caixa quadrada de couro preto e entrega a ele. Raphael vê a
expectativa em seus olhos enquanto abre a caixa.
Não é um relógio, está mais para ‘O RELÓGIO!’
— É importante para mim que você o use e nunca tire, nunca. —
Enfatiza
O objeto de ouro rose com o maquinário aparente atrás dos
ponteiros, é excepcionalmente bonito, a pulseira de couro preto também tem a
fivela em ouro.
— Meu único, preciso que prometa. — Insiste.
— Anjo não…
Seus dedos o silenciam.
— Não Raphael, só existe uma reposta. Por favor, eu ficaria
imensamente feliz em saber que você o tem e sempre estará com ele, por favor…
— Essas últimas palavras soam como uma súplica sussurrada.
Atrás do objeto, opulento, está gravado: Para sempre meu único.
Raphael nota os olhos verde como jade ansiosos enquanto espera
resposta.
— Se é importante para você, eu prometo nunca tirar.
O sorriso aliviado desponta, ela coloca a peça em seu pulso.
Assim que ela virar as costas, pesquisarei sobre o objeto.
— Tente não desmaiar ou surtar ao fim da sua pesquisa. — Ela
termina com o fecho ignorando o espanto dele por ela saber exatamente o que
ele está pensando. — Este é um Louis Moinet Meteoris Tourbillon Rosetta Stone.
Lembre-se, o dinheiro existe para ser usado. — Ela beija sua mão e sorri. — Te
amo com tudo que tenho.
Ela o quebra quando fala essas coisas.
— Eu te amo da mesma forma. — Beija seus lábios e sente seu
suspiro abrandado.
Leo pega a bolsa pequena de couro branco com alças de metal
transpassado com couro e o símbolo da Chanel feito com pedras brilhantes.
— Me diz que essas pedras benditas, brilham tanto assim por ser um
objeto novo? — Ela lhe responde com apenas um revirar de olhos.
Ele ignora o valor astronômico que isso possa valer, olha para o
extravagante relógio em seu pulso e tenta se desligar dos pré-conceitos que há
anos se estabeleceram nele.

Raphael
Onde está?
12:11 pm

Anjo
No shopping, ao lado da loja de noivas.
Estou na livraria perto da entrada.
12:11 pm

Raphael
Já estou te vendo.
12:12 pm

— Hey! — Ela vem na sua direção e ele a beija como se fizesse


horas que não se viam.
— Hey! Onde está minha mãe?
— Ela foi ao cemitério visitar seu pai, falou que voltaria em uma
hora. Amélia teve que voltar para a ilha e não pôde ficar para almoçar.
— Você ficou sozinha? — Fala contido, olhando ao redor.
— Claro que não, nunca estou sozinha. Mas sua mãe saiu há pouco
tempo, dez minutos para ser exata. — Sorri de canto. — Temos quarenta
minutos e tive uma ideia. Venha comigo! — Puxa-o pela mão. — A propósito
você está lindo, como sempre.
Seu sorriso bobo escapa. Param ao lado da livraria. Ele olha para loja
de lingerie.
— Vamos apimentar o dia! — Leo entra na loja e vai na vendedora
mais próxima. — Vocês têm provador privado?
— Sim, temos sim. — Ela responde enquanto Leo olha várias peças
da loja. — Você gosta de brilho?
— Eu adoro, mas tudo depende dele. — Ambas olham para Raphael
irradiando expectativa.
— Tenho que ver para aprovar. — Fala fingindo seriedade.
— Queremos as exclusivas. — Leo pede a vendedora que sai
saltitante para buscar depois que ela lhe passa suas medidas.
A vendedora volta com as peças, com um sorriso enorme. Pela cara
dela, Raphael conclui que são as peças de maior valor.
— Meu único, você está preparado? — Pergunta de trás das cortinas
do provador.
Ele olha ao redor, a sala privada não é muito grande, mas é ricamente
decorada, com dourado, preto, espelhos e textura aveludadas no estilo art decó.
Ele passa as mãos nos cabelos, molha os lábios, que de repente ficam secos,
senta-se mais fundo na poltrona de veludo preto com armação dourada.
— Sempre, meu Anjo.
A música inicia com introdução lenta, repetidas notas agudas do
piano acompanhadas de seus acordes, no ambiente com as luzes de baixa
intensidade dá um aspecto sombrio, mas de uma forma única é sexy. Outros
instrumentos se juntam ao piano na introdução, ele reconhece a música, ‘Enjoy
The Silence’ em uma versão diferente, mais tecnológica e menos new wave.
Ela abre a cortina e desfila passos sincronizados com a música, o
body de renda branca com minúsculos cristais brilhantes encrustadas por todo
espaço onde a renda não está, o modelo tem a calcinha maior e não o cavado
convencional. Em cima, o decote em V afunda entre os seios com a renda
contornando-os em um jogo de mostra e esconde.
— Nossa! — Ele estica a mão.
— Não, sem tocar. — Ela gira, e mostra as costas aberta, apenas com
correntes de cristais prendendo de uma extremidade a outra, cintilando seus
reflexos para todos os lados. O bumbum, sendo beijado pela renda, fez Raphael
ajeitar sua postura e a calça que, de repente, fica apetada. — O que acha desse?
— Fica de frente, seu cabelo de lado, como ela arrumou mais cedo, cai sobre seu
seio direito.
— Aprovo com certeza. — Ele passa a mão pelo cabelo e na testa.
Sorrindo maliciosamente, Leo entra no provador.
— Próxima peça. — A música continua, o ambiente está pesado com
sua excitação.
Novamente a cortina se abre e a revela de espartilho azul, sua
silhueta forma uma ampulheta perfeita, nos seios o contorno da costura é feito
com uma linha fina e discreta de cristais. No meio onde os seios se encontram
um laço de cetim.
É como se tivesse dez anos, vislumbrando seu presente de natal.
A calcinha da mesma cor têm lacinhos. Nas pernas a meia 7/8 cor de
pele, se destaca com o brilho singelo das pedras bordadas na seda fina da meia.
— E esse? — Desfila até ele e gira ficando de costas e se curva
tencionando as pernas lhe dando uma boa visão.
Ele não segura o gemido e engole o excesso de saliva.
— Muito bom! — Umedece os lábios. — Anjo, me deixe tocar…
Ela olha Raphael segurando a calça com pênis latejante sem
vergonha de mostrar seu desespero, a língua dela passeia por seus lábios, ele
tenta, mas não consegue conter o urro e a agarra.
O grito de surpresa de Leo é contido pela boca do Raphael
reivindicando-a e logo, seus gemidos ecoam. O beijo apaixonado e possessivo
incentiva as mãos dele a explorá-la, ele aperta o bumbum sentindo a mão cheia
de sua carne, ela geme mais mordendo-o levemente seu lábio e depois se afasta.
— Tem mais um, meu único! — Seu dedo limpa o batom que
transferiu para a boca dele, se levanta e caminha com rebolado sensual até o
provador.
Ele se ajeita quase sentindo dor por não ter alívio. Do lado de fora,
não há um único som invadindo o provador em que estavam.
— Próxima!
Por ser o a mais simples das peças que Leo vestiu, essa foi sem
dúvida sua preferida. O conjunto de calcinha e sutiã vermelho com renda, cetim
e alguns cristais destaca sua pele. Seus seios alojados com perfeição e a cintura
linda exposta. Ela caminha até ele e para a sua frente. Raphael faz algo que
deveria ter feito há muito tempo, beija, morde e lambe sua barriga, os deixando-a
com a promessa de voltar e repetir o ato. A calcinha contorna a cintura fazendo o
desenho curvado em seu bumbum.
— Linda!
Ela coloca o pé entre as pernas dele sentindo o quanto está excitado,
a mão dele inicia a peregrinação no seu calcanhar subindo e sua boca segue
beijando-a.
— Vou explodir… — Mendiga.
Ela o monta se esfregando onde Raphael quer atenção, ele geme
tomando o contorno dos seios com a boca preste a tomar seu mamilo.
— Aqui não, em casa. — Leo sussurra no ouvido e morde sua
orelha. Ele segura sua bunda apertado, com urgência captura a boca dela em um
beijo avassalador. Eles poderiam gozar só com isso.
Ele está tão perto…
— Fim do desfile.
— Por quê?… — Choraminga, sentindo-a se levantar e voltar ao
trocador.
A música sessa, Leo volta do trocador vestida esperando-o fechar o
zíper.
— Que tal pularmos o almoço e ir direto para casa? — Ele oferece.
— E a Ângela? — Ela sorri de canto e levanta uma sobrancelha
questionando. Ele beija seu pescoço.
“A mamãe pode entender, dizemos que foi uma emergência.”
Não seria certo.
Caminham para a porta e quando Raphael abre, depara-se com o
segurança que entregou as malas de Leo em sua casa e que agora ele pode
identificá-lo como sendo, o tal, Miguel.
— Senhor. — Cumprimenta de forma sisuda. — Senhora. — Meneia
a cabeça e os deixa.
— Por que ele estava aqui? — Raphael olha para ela incomodado.
— Tive um incidente com vazamento de imagens, desde de então
Miguel é extremamente cuidadoso.
Ele percebe que quando ela responde evita olhá-lo, então sabe que há
muito mais do que realmente diz.
“Mas então pode ser apenas vergonha da exposição.”
A vendedora os espera a uma distância segura da porta do provador,
seus olhos brilhantes acompanham seu sorriso malicioso, não só ela como todos
na loja os observam de forma óbvia.
— Gostaram? — Olha para Leo primeiro e depois para Raphael
ficando com as bochechas avermelhadas.
— Com certeza, vamos levar todos que experimentei. — Leo
anuncia.
Ouvem os suspiros das mulheres ao redor com os olhos acesos para
Raphael, que as ignora.
— Eles nos ouviram? — Ele pergunta, pegando a mão dela na dele.
— Provavelmente. — Caminham para o caixa.
— Fazer o que se minha namorada é de enlouquecer.
— Senhora, suas compras, muito obrigado e voltem sempre! — A
vendedora entrega a sacola para Leo com sorriso tão grande que parecia que
nunca mais sairia de seu rosto.
— Perdão, mas ainda não paguei por elas. — Raphael olha para as
sacolas.
— Ah, claro! O segurança de vocês cuidou disso junto com a nossa
gerente enquanto passavam as imagens da segurança interna.
— Obrigado. Que você faça boas vendas e desculpe qualquer
transtorno. — Leo agradece gentilmente — Vamos Raphael. — Ela leva-o pela
mão.
— Por que ele pagou? — Pergunta, contendo o ciúme.
— Porque é o que Miguel faz, ele antecipa e facilita as coisas. — Ela
responde, deixando-o ainda mais irritado.
— Eu que deveria ter…
— Raphael? — Ele enrijece ao ouvir essa voz a suas costas. —
Raphael? — Leo é a primeira a se virar. Valentina ainda é a mesma com sua
beleza fria e olhar pretensioso a ponto de lhe causar enjoo. — Você está mudado.
Era você no provador?
— Você não vai acreditar, aquele brutamonte não só barrou o uso dos
provadores como também… — Saul vacila, quando o reconhece e continua, —
solicitou as imagens de segurança com a gerente… Raphael?
— Essa é uma bolsa Diamond Forever? — Valentina engasgada
apontando para bolsa da Leo. — Não é possível?
— Talvez para você. — Leo responde com delicadeza para Valentina
que empina o queixo como sempre faz quando contrariada.
— O que você está fazendo aqui? — A voz de Saul desperta o pior
de Raphael.
— Acho que você ouviu o que fazíamos. — Leo responde ainda com
delicadeza dissimulada.
— Aquele brutamonte está com vocês? — Saul continua, a mão de
Raphael fecha e Leo a segura.
— Desculpe, mas não lhe devemos satisfação. — Leo toma a frente
da situação afastando-se deles.
— Vocês não podem sair assim sem uma reparação. Aquele homem
quase me bateu quando me tirou do provador. — Saul reclama.
— Uma pena que ele não fez. — A voz da Leo soa doce.
“Vá para longe ou não poderei me conter!”
— Isso não ficará assim! — Saul protesta e foi o que bastou.
“Desgraçado! Maldito!!!”
As mãos rápidas de Raphael se fecham em volta do pescoço do ex
melhor amigo. Ele pode sentir seu sangue pulsar em suas mãos tendo
compreensão de que também poderia impedir que fluxo continuasse e apertou
mais. Saul tenta em vão se soltar de Raphael.
— O que você vai fazer? — Pergunta bestialmente.
— Senhor, podemos lidar com ele. — O segurança da Leo interfere.
— A Senhora Ângela está aguardando vocês. — Oferece.
Raphael olha para Saul depois para as vendedoras e clientes
encarando-os.
“Solte-o!”
“NÃO!”
— Raphael, meu único, solte-o. Não vale a pena. — A mão de Leo
toca seu ombro. — Vamos, deixe-o. — Pede docemente.
A raiva abranda ele solta Saul que cai no chão colocando as mãos no
pescoço respirando com dificuldade.
— Que tipo de monstro você se tornou!? — Valentina se abaixa para
ajudar Saul — Precisamos de um médico! — Ela grita.
— Vamos Raphael. — Leo chama.
As pessoas agora apontam na direção deles e cochicham.
— Como assim vamos? Vocês não vão a lugar nenhum. Alguém
chama a polícia para esse monstro! — Valentina continua gritando.
— Basta, Valentina! — Leo explode. — Você não quer andar por
esse caminho e vou te dizer por qual motivo. — Leo se aproxima e fala alguma
coisa próximo ao ouvido dela. Os olhos de Valentina se arregalam e ela engole
em seco. — Quer continuar? — Pergunta quando se afasta. Valentina vacila em
choque e nega. — Boa escolha.
— Como assim? É claro que chamaremos a polícia! — Saul fala
engasgado ainda no chão.
— Saul, não precisa de tanto. Você já está bem. — Valentina muda
fazendo-o se calar.
— Vamos. — Leo puxa Raphael pela mão.
— Desculpe, não sei o que me deu. — Raphael fala envergonhado,
mas ainda extremamente raivoso.
“Eles devem morrer por tudo que fizeram a nós!”
Não somos assassinos!
— Eu sei, amor, eles lhe tiraram tudo. Não precisa se desculpar por
sentir raiva. — Ela agarra seu braço encostando a cabeça nele.
— O que disse a ela?
— Ela tem um ótimo contrato nupcial. Talvez ser envolvida em um
escândalo junto com o amante não seria conveniente para a indenização que teria
que pagar ao marido e assim ela perderia o pouco que tem. — Responde
indiferente.
— Como você sabe disso? E como você sabia quem era ela ou
melhor quem eram eles?
— Eu pesquisei.
Com tanto em sua cabeça ele se mantém calado, mesmo insatisfeito
com a resposta.

O almoço passou como um borrão. Raphael ainda estava muito


agitado quando chegou em casa. Não sabe como, mas quando dá por si sua mão
está no pescoço fino e delicado de Leo, enquanto arremete nela com força.
— Seus olhos, Anjo… — Ela os abre e neles, Raphael pode ver fogo
no verde profundo. — Você pertence a quem? — Arremete de novo acertando
aquele ponto que ela tanto gosta.
— Sou sua. — Geme, suas mãos nunca parando de tocá-lo. — Mais
forte!
As bocas se unem em uma dança violenta de línguas, as pernas dela
o enredam apertando-o. Ele sente a pulsação acelerada no pescoço dela.
— Goze para mim. — Comanda e ela vem forte arrastando-o junto.
Nesse momento ele à solta sem parar de bombear misturando seu
sêmen com a lubrificação dela, os sons dos corpos batendo um contra o outro é o
suficiente para endurecê-lo de novo.
— Minha vez. — Ela avisa com um impulso forte do corpo.
Raphael se afasta, mas não o suficiente para tirar seu membro de
dentro dela, se deita e ela o monta e o cavalga com força, ele desce as mãos para
a bunda dela segurando apertado.
— Bate!
E ele o faz. Quando a mão encontra a pele, o estalo que precede o
toque é combinado com a arremetida dela, ele repete deixando a mão no local
para sentir o calor resultante.
— Você pertence a quem?
— Sou seu.
Leo começa beijando seu pescoço subindo lentamente para boca
quase como tortura, o ritmo contínuo do quadril dela leva-o tão fundo quanto
possível. Disfere outro tapa, ela rebola e o movimento o eleva, sua boca enfim
chega na dele a língua o invade tomando posse.
Segurando-o pelo cabelo ela leva-o para seus seios e Raphael não
hesita em reivindicá-los, chupando um enquanto a mão acaricia o outro. Os sons
de prazer aumenta, o rebolado tomando-o cada vez mais fundo. Ela goza, seu
aperto quente e molhado enluvando-o profundamente.
Raphael levanta com ela ainda montada nele e ficam sentados, as
mãos controlam suas investidas fazendo ela feroz por mais.
— Vire-se. — Exige. — Empina. — A bunda dela sobe e a coluna
desce na inclinação certa, ele invade a entrada molhada segurando-a pela cintura
enquanto a empala cada vez mais forte. — Foda! isso é bom! — Canta
agradecido. — Se toque. — E ela obedece. Quando ele a sente se tocando seus
dedos encostando nele as vezes, um tapa estala no bumbum arredondado, ele
assiste o vermelho se formar e sente a cavidade apertando-o a sua volta. — Você
é perfeita para mim! — Outro tapa. Ele sabe que ela está tão próxima quanto ele,
estoca mais e quando chega no seu máximo goza empurrando com mais força
segurando-a mais apertado e sente o ápice dela acompanhando-o.
Ela é minha e nada mais importa.

Raphael olha para o telefone que Leo deixou carregando e que toca
pela segunda vez, o nome acende: Tiago. A chamada encerra, apenas para
começar novamente com a vibração insistente. É a terceira ligação, quando
Raphael finalmente atende.
— Lollipop[24]. — Ouve o suspiro aliviado.
— Alô?
— Quem fala? — A outra pessoa pergunta, asperamente.
— Você quer falar com quem? — Devolve a grosseria.
— Miguel é você?
“Por que ele acha que o segurança atenderia o telefone?”
— Não é o Miguel.
— Cara, eu não faço a mínima ideia de quem é você, mas eu preciso
falar com a Lollipop. — Fala com urgência.
— A Eleonora não está, mas pedirei para ela retornar assim que
chegar. — Avisa enfatizando o nome dela.
— Porra, não! — Ele grita espantando Raphael.
— Alô? — Outro homem fala. — Quem fala?
— Raphael. — Responde em alerta e ainda ríspido.
— Certo Raphael, — estabelece. — Eu sou o Samuel e antes de mim
você falou com meu companheiro Tiago, acontece que temos um caso de máxima
urgência e precisamos falar com a Lollipop… Eleonora, — Se corrige. — ou,
Miguel. Por a caso você poderia localizá-los?
“De novo o segurança? Por que acham que eles estão juntos?”
Ele é o segurança dela, faz sentido. Onde ela está ele também está.
— Samuel, a Eleonora saiu, mas voltará em breve e quanto ao
Miguel eu não sei como localizá-lo.
— Oh certo! — Fala surpreso, — Diga a ela para retornar a ligação
o mais rápido possível.
“E se for algo com as crianças ou a família dela?”
— Aconteceu alguma coisa com as crianças ou com a família dela?
— Agora é ele que tem urgência.
— Não, não. Eles estão bem!
— Certo Samuel, eu aviso a ela assim que chegar. — Responde mais
calmo.
— Obrigado.
Raphael fica olhando o celular na mão até a tela apagar.
— Pela sua cara, você deve ter lido as mensagens dela. Descobriu
alguma coisa? — Alessia pergunta, atrevida.
— Talvez você devesse chegar no seu horário em vez de se
preocupar com a minha vida.
— Eu só me preocupo com você. Essa mulher chega aqui do nada e
de repente, todos da cidade parecem idolatrá-la, ela o tem entre os dedos e isso
não é sadio em uma relação. — Se aproxima. — Essa é a minha opinião. —
Termina.
Ela passa por ele indo para cozinha.
Ele liga o celular.
“O que você está fazendo? Não, não mexa no aplicativo de
mensagem.”

Leo
Lyubov, estou com
saudades.
10:34 am

Tony
Eu também Zhizn.
Voltarei da Suíça amanhã.
10:34 am

Te amo mais hoje do que amei ontem.


10:35 am

Leo
Eu te amo muito mais do
que ontem e menos do que amanhã
10:35 am

Certo, isso não é o que esperava.

Tiago
Estamos com saudade, quando você vêm?
09:22 pm

Leo
Irei amanhã, podemos
passar à tarde juntos.
09:30 pm

Tiago
Perfeito, mal posso esperar Lollipop!
09:30 pm

Esse não foi o dia em que ela me atendeu só no fim da tarde?


“Mas ele tem um parceiro, não se esqueça.”
Será que isso seria um problema para ela?

Miguel
Cuidei de tudo como pediu.
01:04 pm

Leo
Obrigado.
01:04 pm

Miguel
Sou seu para fazer o que precisar.
01:04 pm

“Isso eu gostei bem menos.”


Abre a galeria de fotos, quando vê uma foto de Tony o acha
totalmente diferente do que imaginava. Claro que quando viu as fatos de Gael
suspeitou sobre a aparência dele, ele é bonito de uma forma nunca vista,
sofisticado como a Leo e forte, muito forte. Tem uma infinidade de fotos e vídeo
deles juntos. Aperta play em um vídeo com a data mais recente.
Leo está sentada no colo dele e ele está segurando o celular.
— Zhizn! — Ele fala enquanto ela salpica beijos no rosto dele
sorrindo.
— Sua raposa tolinha.
Raphael reconhece a cabeceira da cama dela, ela veste uma das suas
camisolas de seda fina e curta que nunca acompanha calcinha.
— Vou te mostrar, você que pediu. — Ele a joga na cama ficando
entre suas pernas e com a outra mão faz cócegas e ela gargalha tentando se
esquivar.
— Lyubov! — Pode-se ver as lágrimas de alegria descendo por seu
rosto.
Tony para de fazer cócegas e se deita ao lado dela, a câmera treme.
— Sou louco por você? — Declara.
Ela olha para ele em vez de olhar para câmera e ele para ela.
— Eu também sou por você. — Ela o beija na boca um selinho
demorado e cheio de amor.
O vídeo encerra.
Está claro como dia que eles se amam.
“Está.”
Ela olha para ele, como olha para mim.
“Olha.”
Por que tudo isso parece me sufocar?
“Porque o Miguel parece ser mais que a porra de um segurança,
porque o Tony está mais para um caso de amor mal resolvido do que um irmão.”
O que fazer?
“Sem ela eu não fico.”
Você percebe como isso é louco? O que Alessia disse faz todo
sentido, é como se fossemos dependente dela.
“E daí? Ela é a nossa morfina.”
Ela está nos traindo.
“Não está. Sempre soubemos que seriamos três, lembre-se: Ou leva
todos ou não leva nenhum.”
Vamos aceitar?
“O vídeo é íntimo? É, mas não denota traição.”
Você não faz sentindo algum.
“Ficar com a anjo nunca fez.”
O celular volta para o carregador, mas Raphael continua remoendo e
absorvendo o veneno nele inoculado.

Quando a Insegurança se une com a Desconfiança,


eles geram um filho, chamado Paranoia. Ah! Essa criança
faz um grande estrago depois de gerada. Ela tem o dom de
destorcer os fatos, torna a Imaginação seu principal
aliado, então o dano está feito.
“Por você, eu seria capaz de fingir ser forte mesmo estando
machucado. Eu mudei tudo só por você. Te amo tanto que
construo uma mentira bonita para você”.
(Fake Love – BTS)
CAPÍTULO 30
RAPHAEL

O coração dispara em aviso, como sempre faz quando ela está se


aproximando, Raphael continua arrumando as garrafas ainda com muita raiva.
— Hey! — Ela o beija e ele abranda.
Ainda que distante, ele não resiste a ela.
Por que não posso tê-la por completo?
— O que foi?
— Nada… seu telefone tocou várias vezes e atendi, Lollipop? —
Leo olha em seus olhos e ele sabe que está sendo avaliado.
— Você falou com o Tiago ou Samuel?
— Só eles te chamam assim? — Se mantém falsamente indiferente.
— Sim.
— Falei com os dois. Eles pediram para você retornar. É urgente.
Leo retorna a chamada e faz algo que Raphael não espera, coloca no
viva voz. A ligação é atendida ao primeiro toque.
— Lollipop? — Tiago atende aliviado.
— O que foi? — Ela olha para ele e não para o telefone, um falcão
vigiando sua presa.
Ele devolve o mesmo olhar.
— Minha irmã foi sequestrada. — Tiago fala com dificuldade,
Raphael vacila e ela olha para o telefone em alarde. — Por favor traz ela de
volta! — Chora desesperado.
— Calma querido… — Ouvem Samuel o consolar. — Se alguém
pode ajudar, esse alguém é ela.
— Lollipop, ela foi levada há dois dias como refém das instalações
dos médicos sem fronteira em Mweso. Nos avisaram tem cinco horas. Falamos
com todos os meios legais e ninguém nos deu esperança. Não temos mais a
quem recorrer a não ser você. — Samuel explica.
Leo o encara preocupada e logo seus olhos são mascarados, voltando
a ficar imparciais.
— Samuel eu preciso de um tempo, vou falar com algumas pessoas e
já retorno.
— Obrigado Lollipop. — Ele responde um pouco mais calmo e
encerra a ligação.
Que, porra, ela pode fazer?
“Tudo.”
— Não sei o que aconteceu, enquanto estava fora para você estar
assim, mas seja o que for, se você disser para eu ficar e conversar sobre isso é o
que farei.
Os olhos dela escurecem.
— Onde você vai?
Ela aponta para cima e Raphael fica aliviado em saber que ela não irá
embora.
— Como você pode ajudar?
— Conheço pessoas…
— Posso ficar com você? — Pergunta esperando que ela negue.
— Se é o que deseja…Vamos. — Ele deixa o pano no balcão e segue
ela para casa.
— Por que eles te chamam de Lollipop?
Leo fica tensa.
— Pelas minhas habilidades orais.
— Mas ele é gay!
— Ele é também — Ela espera ele passar pela porta.
— E o parceiro dele?
— Eu os apresentei. — Responde enquanto manda mensagens.
— Você os apresentou? — Ela fez que sim, sem olhá-lo. — Esse era
o seu trio?
— Sim. — Ela enfim o olha, levanta uma sobrancelha inquisitiva
incitando-o a continuar com o interrogatório.
O telefone dela toca.
— Pai, preciso de… — Ela para de falar, Raphael não identifica nada
em seus olhos ou em sua postura. — Entendo, sim eles estão. — Leo sorri para
algo que ele fala. — Sim pai, eu te amo também. — Encerra a ligação.
— O que ele… — Ela o para com o dedo, e atende outra ligação.
— Você sabia e não falou? — Fala brava, mas sorri depois. — Ela
ficará bem? — Aguarda resposta. — Obrigado, vou avisar.
Inicia outra ligação.
— Tiago, ela e os outros foram resgatados. — Escuta o que diz e
sorri. — Miguel falou que ela ficará bem. Ela será enviada para casa… Amanhã.
Ela chegará amanhã. Ele enviará para vocês os detalhes do voo dela. Não me
agradeça. Vejo vocês logo. — Desliga.
— Situação resolvida. Agora você. — Leo aponta na direção de
Raphael, que está em pé sem entender o que acabou de acontecer na frente dele.
— O que te deixou assim?
— A forma como ele te chamou, eu acho. — Raphael foi tão vago
quanto poderia ser. — A irmã dele está bem? Por que seu segurança já parecia
saber?
— Eu disse, Miguel facilita as coisas. Assim que ele soube sobre do
sequestro ele e meu pai ajudaram com a situação. — Responde olhando em seus
olhos. — Você mentiu.
— Para Eleonora, eu não menti.
Ela sorri confirmando que ele foi pego.
— Você me chamar de Eleonora só confirma que mentiu. A verdade,
diga ela seja qual for. — Fala com calma.
— Com quantos deles você mantém contato? — Fala sem paciência.
— Mantenho contato com seis deles. O que mais? — Pergunta
enquanto caminha em sua direção.
— Você dorme com Tony? Você o beija? Por que eu sinto que a
relação de vocês não acabou? — Ela para antes de alcançá-lo. — É isso que você
quer? Outro trio?
— Raphael, eu durmo com o Tony algumas vezes, ele tem pesadelos
e eu fico com ele. Eu não o beijo como beijo você, você é o único. A nossa
relação nunca teve chance de começar então não houve motivo para ela acabar.
A relação que você acha que tivemos, nunca existiu. — Responde compassiva.
— Nunca começou? Vocês têm filhos! — Enfurece. — Me fale!
Onde isso nunca começou? Quantas vezes você tem que transar com alguém,
para que isso se torne uma relação!?
— Nós não… — Se interrompe. — Eu fiz… aconteceram coisas no
meu passado. E é isso que é, passado.
— Nós não, o quê? Continua!
Ela balança a cabeça em negativa.
— Não siga por esse caminho.
— Por quê? Nós não…? Responda Eleonora!
Ela se assusta com seu urro.
— Pare Raphael! — Ela se afasta e ele se aproxima — Eu não vou te
levar lá.
— Nós não…, o quê? Responda! Não seja obtusa e me responda!
Essa foi uma pergunta direta. — Aproxima mais.
“Pare! Você está ferindo-a.”
Ela tem que contar a verdade.
— Se eu contar, eu vou embora para nunca mais voltar. — Assevera
decidida pegando-o de surpresa, ele cessa o passo na frente dela. — Eu nunca
levarei você para meu passado. Nunca. Então não me peça para levá-lo. — Eleva
seus ombros tensos firmando sua postura. — Eu não procuro um homem para
completar um trio, tudo isso é sobre você e sua insegurança, não faça de mim
seu bode expiatório. — Passa por ele e pega a bolsa LV e a bolsa menor que ela
usou durante o dia.
— Onde você vai? — Mesmo irritado, ele sente o desespero da
separação, que eleva ainda mais seu temperamento.
— Para casa. — Responde indo para porta.
— Junto com Miguel? — Provoca.
“Para.”
— Por que você continua? Se a cada vez que obtém uma resposta
você leva isso como um ato de traição. Eu não te traí! — Ela para de costas para
ele segurando a maçaneta da porta.
— Então você confirma? Ele é um dos seus parceiros?
— Ele foi. — Ela se vira — No dia que o conheci eu o levei para
cama e continuamos assim por muitos anos, até que parei de procurá-lo, mesmo
enquanto conhecia os outros nós sempre ficávamos.
— Mas ele continua sendo seu? — Seus olhos se abrem espantados.
— Não! Não desta forma que você pensa. Ele é meu por ser fiel a
mim e a minha família, ele é meu porque ele protege a mim e aos meus filhos
quando Tony não está. Mas eu nunca fui dele, nunca.
— Quantos mais terei que levar para ter você? — Questiona com voz
controlada.
— Você é o único, nunca haverá uma escolha entre você e eles. —
Responde com a voz baixa.
— Exceto o Tony. — Encara ela esperando que negue.
— Exceto o Tony. — Ela confirma encarando-o de volta assistindo-o
vacilar diante de suas palavras. — Não é a mesma coisa entre você e ele. Amo
vocês dois, mas de maneiras diferentes.
— É somente ele e eu?
— Sim! O que tenho que fazer para você entender que não é o
mesmo tipo de amor?
— Que amor eu sou para você? — Raphael não entende a
possibilidade de amar diferente. Ele aprendeu agora o que é amar.
— Você é o que ilumina onde está escuro. Você é o que acalma e traz
paz onde eu tenho caos. — Ela suspira. — Você é o único por quem esperei e
procurei, mas que sempre achei que não teria, que não merecia. — Ela respira
tremulamente. — Pessoas como eu nunca consegue ter tudo o que querem.
O que faz ela achar que não merece ser feliz?
“O que faz você achar que deve ser um idiota com ela?”
— Anjo, eu não quero te dividir com mais ninguém. — Irrompe o
espaço que os separa. — Nem o Miguel.
— O quê? — Ela o olha confusa.
— Vocês terminaram o que tiveram?
— Sim, eu disse. Faz mais de dois anos que eu não tenho relações
com ninguém.
— Eu posso dividir seu coração, mas seu corpo é meu.
— Eu saio com a sua mãe por quarenta minutos e quando volto você
acha que fui infiel. — A exaustão aparece em seus olhos. — Estabelecemos a
monogamia e eu cumpro isso, por que…
— Eu mexi no seu celular e li algumas das suas mensagens e
também assistir um vídeo seu com Tony. — Confessa. — Eu vi como vocês se
olham e se tocam, é íntimo como não achei que seria, de alguma forma eu os
coloquei como irmãos, o que, definitivamente, vocês não são.
— Não. Não somos. Mas isso não quer dizer que eu trairia você. —
Raphael tira a bolsa de sua mão e a coloca no sofá.
— Fique comigo?
Ela fita-o com os olhos escurecidos.
— Acho melhor ir e dar um tempo para você pensar. Ter um tempo
para se acostumar comigo, o Tony, — aponta dela para ele — conosco e, acima
de tudo, sobre o que você quer para sua vida e seu futuro. — Toca seu rosto. —
Eu cheguei e demoli todas as suas barreiras sem te dar tempo de se acostumar
com o novo ambiente. Nós estamos correndo em vez de andar e isso não é justo
com você. Talvez reduzir a velocidade seja o melhor a se fazer, eu quero que seja
feliz, mas a sua felicidade não pode ser exclusivamente eu.
— Não. Me desculpe! — Leva os lábios para encontrar os dela e pela
primeira vez Leo resiste. — Anjo, não me nega o que sempre foi meu.
Ela lhe dá um sorriso triste.
— Nisso você está certo. — E se afasta.
— Por que as crianças, quando falaram comigo, foram específicas
sobre se te beijo ou não? — Um fato que achou muito curioso e que não havia
explorado ainda.
— O interrogatório não acabou? — Seu olhar se mantém distante.
— Não, eu não estou te interrogando.
Ela olha distante.
— Ok. — Soa vazio.
— Ok?
— Está na hora de abrir o Bar, desça. Eu vou retocar minha
maquiagem e já vou. — Vai para o banheiro, evitando olhá-lo e fechando a
porta.
Raphael segue para o acesso e a deixa para se arrumar, sentindo-se
culpado por sua insegurança ter levado a melhor sobre ele.
“Você vai deixá-la assim?”
Eu não quero deixá-la.
“Então por que deixou?”
Raphael se arrepende e volta, quando abre a porta devagar, a escuta.
— Ele não vai aguentar isso por muito tempo. Ele diz confiar, mas,
com o menor motivo, volta para seus traumas. — Leo está ao telefone de costas
para Raphael, seus ombros estão caídos. — Eu sei Lyubov, eu o amo, mas eu não
posso vê-lo se destruir assim, hoje ele quase matou um homem no meio de um
shopping. É isso que eu faço, eu contamino tudo. — Ela permanece ouvindo —
A irmã dele poderia ter morrido nesse sequestro. Eu sou responsável por
mandá-la para àquele lugar! Como posso ter sido boa para Tiago e os outros?
— Ela suspira nervosamente — Miguel a salvou, mas era eu a responsável por
ela. Eu deveria cuidar dela e olha o que aconteceu. Estou falhando com todos! E
tem esse chefe, que está dificultando a mudança, nos fazendo demorar mais. Eu
sinto que estou perdendo o controle e não estou gostando da sensação. E no
meio de tudo, tem o Raphael às cegas na tempestade. — Ela se exaspera —
Estou falhando com ele também. — Leo parece chorar — Não posso contar, hoje
ele chegou tão perto da verdade, contar a ele seria o fim, não suportaria
manchar ele com toda a sujeira que carrego.
Que verdade?
“Ela está bem.”
— Lyubov não! Eu não quero Raphael tão próximo. Nesse caminho
não há volta, nós dois sabemos disso. — Ela apoia a cabeça no vidro da porta. —
Por mais que Raphael odeie essas pessoas que encontrou hoje, ele se culparia se
chegasse até o fim. Ele não é como nós, ele bom e só viu as coisas boas do
mundo. Talvez se eu romper com ele agora seria melhor. Ele pode recomeçar.
“NÃO! NÃO! Não deixa. Quase posso sentir o distanciamento dela.”
Cansado de ouvir fragmentos da conversa, ele bate à porta para Leo
saber que não está sozinha.
— Anjo?
— Terminamos depois. — Silêncio. — Eu te amo mais.
— Hey…, tudo bem? — Ela o olha por cima do ombro.
Leo firma a postura e sua imagem é de perfeita da calmaria.
— Sim. Algum problema com seus amigos? — Aponta para o
telefone, fingindo calma e enterrando seu descontrole dentro de si.
— Não, era o Tony. — Ela responde passiva.
Seus olhos estão tempestuosos e distantes. Aproxima-se dela e a
beija com tudo que tem. Finalmente, ela aceita a dança que prova a existência do
amor deles, seu corpo tenso se solta, sua mão passeia por debaixo de sua camisa,
pele com pele, sua língua passeia degustando o sabor doce com a dela lhe dando
as boas-vindas.
O arrepio se alastra como uma onda por todos os cantos do seu
corpo. Ele a levanta, suas pernas enredam o corpo dele com força, a batalha está
ganha quando Raphael bebe o gemido desejoso de Leo. Separam-se para buscar
ar, as testas unidas e os narizes se tocando.
— Eu te amo. — Declara com respiração pesada. — Quero você.
Quero qualquer coisa que você me der. — Sussurra, escondendo o medo.
— Você merece mais do que posso oferecer.
— Não é você que determina. Eu escolho você, me escolha também.
— Sela suas bocas. — Escolha a felicidade que damos um ao outro. — Outro
selo. — Escolha nosso futuro!
— Eu sou toda errada. — Fala com tristeza.
— Não é, se sou feliz ao seu lado. Só porque não é fácil, não quer
dizer que não é o certo. — Contradiz, um sorriso desponta timidamente nela. —
Não segure seus sorrisos. — Ela sorri abertamente e chega aos seus olhos.
Ela beija seu rosto, roçando o nariz na barba dele e inalando-o.
— Você é minha fraqueza. — Assegura — Eu amo as cócegas que
sua barba faz. Amo sentir seu cheiro, amo mais ainda suas mãos me segurando
apertado junto a você. — Se olham. — Eu te amo.
— Que tal ficar em casa? Podemos assistir a um filme comer pipoca.
— Não, você tem que trabalhar. — Ela se mexe para que ele a solte e
ele não faz. — Raphael? — Ela olha tentando ficar seria.
— Já disse que está linda?
— Hoje, você disse sete vezes.
— Sete, só isso? Então lá vai a oitava, você está linda. Está pronta
para descer? — Ela afirma e ele afrouxa os braços, para ela descer.
“Até quando você aguentará manter suas palavras, sem explodir?”
Foi você, no shopping, que quase matou uma pessoa. Diz você? Até
quando conseguirá se controlar? Você a assustou.
“E foi você que forçou a falar o que não queria, a ponto de quase
perdê-la.”
Do balcão do Bar, Raphael observa Leo conversar com Gohan e o
amigo com a cicatriz que mostra algo no celular dele e a faz rir. O homem não
olha para o celular e sim fixamente para Leo.
— Mãe, você conhece aquele homem? — Sinaliza a mesa onde Leo
está.
— Não, eu o vejo as vezes pela ilha, mas não o conheço. Por quê?
— Ele olha estranho para Leo. — Ela limpa a garganta e ele olha
para ela.
— Olhe a sua volta meu filho, todos olham para ela de alguma
forma.
— Amélia, hoje na prova do vestido, contou sobre a ONG para
preservação das tartarugas marinhas e o projeto para recuperação dos jovens.
Bastou uma menção sobre estes projetos e foi suficiente para Leo oferecer ajuda,
ela disse que o diretor da fundação virá para avaliar. — Ângela parece exultante.
— Ela parece ter caído do céu. Desde que aterrissou em nossas vidas
tudo parece ter melhorado.
Ângela sorri confirmando e volta para o caixa.
— Hey! — Leo se aproxima.
— Hey! — Beija ela. — O que de tão engraçado você assistia no
celular do cliente? — Beija-a no pescoço.
— Nada demais. — Corre a mão pelos braços dele. — Isso que eu
vejo é ciúme?
— Não sei do que está falando. — Sente suas mãos quentes subindo
por debaixo da camisa.
— Não sabe, não é? — Ela fica na ponta dos pés. — Vocês meninos
grandes são tão possessivos.
— Só posso falar por mim. — Abaixa a cabeça, para diminuir a
distância restante para beijá-la. — Quando se trata de você eu sou…
— Possessivo. Essa é a palavra, tudo bem pode falar, convivo com
Tony tempo suficiente para identificar os sinais. — Aperta a cintura dele.
— Ok, culpado. — Ela sorri em triunfo.
— Você e o Tony tem muito em comum. — O sorriso de Raphael
diminui um pouco.

Leo pula em cima de Raphael, que está deitado na cama, enredando-


o entre suas pernas. A boca dela desce por seu pescoço até seu peito.
— Está na hora de lhe contar uma história. — Ela beija onde bate seu
coração.
— Anjo não. — Fala relutante.
— O que foi? — Pergunta confusa.
— Você não precisa fazer isso, não quero saber sobre os outros, por
causa do que fiz hoje. — Ela suspira e senta. Seu membro com o mínimo contato
dela acorda para vida.
— Vou te contar uma coisa sobre mim e isso envolverá eles, por isso
quero que ouça até o final porque se trata também de nós dois.
— Anjo não precisa.
— Não, eu quero. Assim você entenderá um pouco mais sobre mim e
talvez isso ajude você a compreender melhor.
— Se é o que deseja. — Tenta levantar para sentar, mas ela o segura
deitado na cama e rebola em cima dele, incapacitando-o por seu próprio desejo.
— Antes de iniciar, ressalvo nosso acordo sobre omissão por
motivos de segurança. — Ela espera resposta e ele confirma. — Obrigado. —
Sorri.
— Otávio foi o primeiro, antes dele a maioria dos meus encontros
sexuais eram com profissionais em ambiente controlado, tínhamos até mesmo
regras sobre o que era permitido. Era um acorde simples e funcional. — Ela o
observa, ele se mantém controlado. — Ele estava indo mal nos negócios, e
estava um lixo por causa da perda da família. Eu estava entediada e queria
alimento orgânico, fui à casa dele e o encontrei bêbado e largado as traças. Devo
dizer que ele não foi simpático em nosso primeiro encontro, eu gostei do desafio.
Foram dias até ele notar a minha presença. Iniciamos uma dinâmica agressiva
ele falava muitas merdas e eu devolvia, quando não estava cuidando da minha
família estava cuidando dele e estabelecemos uma rotina de brigas com muitas
ofensas e sexo, exatamente nessa ordem. — Ele enrijece. — Demos um ao outro
o que precisávamos. Eu tinha muita merda para juntar e encontrei nessa parceria
um bom ajuste, não era sadio e não era tradicional, mas ajudou a ambos. Quando
ele estava psicologicamente melhor e viu em como andava seus negócios,
começou o plantio de orgânicos. Iniciamos uma nova rotina, quando não estava
cuidando da minha família eu o ajudava com o projeto e sexo, muito sexo.
Nossas discussões mostravam mais de ambos do que o mundo realmente poderia
ver, a amizade foi consequência. Quando ele já podia se manter sozinho, o deixei
para caminhar com suas próprias pernas, mas mantivemos contato e nunca
voltamos a velhos hábitos, apesar de ter sido bom, ambos concordamos que não
era saudável.
“Não foi tão ruim.”
Ela tinha menos de vinte anos, quando ele tinha trinta, como isso
não pode ser tão ruim?
— Miguel foi o segundo. — Raphael fica tenso — Tony estava
preocupado comigo e minha segurança. Eu não queria sobrecarregá-lo com mais
coisas além do que ele já carregava. Na época eu fazia curso de culinária, ele
ficou preocupado. Eu saia e me metia nessas situações, não tinha segurança e
muitas vezes ficava sem carro. No dia da comemoração de conclusão do curso
eu bebi muito e Miguel estava no mesmo bar, quando olhei para ele reconheci
sua dor e fiquei atraída por ele, bebemos mais. E sob a influência do álcool fiz
algo irresponsável e inconsequente, lhe concedi um… desejo, em troca naquela
noite ele jurou fidelidade a mim. Foi um bom ajuste e Tony não precisava mais
se preocupar. Miguel é um bom homem e um excelente amigo, éramos
compatíveis fisicamente e levamos o que tínhamos, até eu conhecer meu último
parceiro, mas dele falarei quando chegar a hora.
O que ela fez por ele?
“Eles eram compatíveis e durou anos. Se isso não foi um
relacionamento, o que era? Eu sabia. Tinha um motivo para não gostar dele.”
— Eu tinha ido na faculdade do Tony para uma reunião com o reitor
e quando caminhava para saída, esbarrei em Samuel. Ele era adorável, o cabelo
cacheado, o óculos de armação grande e assustado como filhote de gatinho por
dentro, mas a fachada de uma rocha impenetrável. Eu tinha que tê-lo, e foi o que
fiz, eu o cerquei de todas as formas, ele só pensava no trabalho de professor
assistente e o seu doutorado. Eu cheguei a ele pelos livros e foi divertido brincar
com ele de aluna e professor. Ele desejava nada mais do que conseguir finalizar
sua tese. Samuel vivia em um mundo só dele, foi triste quando ele descobriu
sobre Tony, ficamos um tempo sem nos falar, mas Miguel e eu ainda olhávamos
para ele de vez em quando só para checar. — Ela sorriu.
Ela o fez se apaixonar por ela, só por diversão, enquanto tinha Tony
e o Miguel.
“Ela pode ser um anjo, mas nunca disse que era santa.”
— Em uma consulta médica rotineira, enquanto aguardava ser
atendida, passeava pelos corredores do hospital e foi assim que encontrei Tiago,
ele estava agitado porque estava preste a participar de uma cirurgia importante
para sua carreira. Perguntei o que ele desejava e tudo que Tiago queria era uma
forma que não envolvesse drogas para relaxá-lo e como sou curiosa pareceu
legal brincar de médico e paciente. — Leo o olhou envergonhada. — Agora vou
contar como ganhei meu apelido. — Adverte, ele concorda. — Tiago encontrou
uma dessas salas dormitório para os médicos de plantão e ele é um homem de
beijos em suas preliminares e eu não, nenhum deles. Nunca beijei. O mais
próximo foi Tony e nossos selos, nada além disso, assim ganhei meu apelido.
— Você nunca os beijou?
— Não.
As perguntas das crianças vieram em sua memória.
— Como você manteve suas relações sem?
Ela perscruta seus olhos ponderando a resposta.
— No começo Otávio me tratou como uma profissional do sexo,
depois estabelecemos limites e entramos em um acordo. Miguel simplesmente
aceitou o que eu queria dar. Samuel nunca levou o sexo como algo de muita
importância e nunca reparou em nossa falta de beijos. Os outros arrumaram suas
formas de se manter conectados. Posso continuar? — Leo dá um meio sorriso e
Raphael pode garantir que ficou envergonhada.
Ela nunca beijou?
“Mas ela nos beija.”
Só nós.
Feliz com a descoberta ele acena para ela continuar.
— Tiago e eu éramos criativos em nossas peripécias, muitas delas
foram no hospital e muitas vezes usávamos os equipamentos de exames de
imagem, eu ajudava sempre que precisava com os estudos ou qualquer outra
coisa. Uma vez ele revelou ser bissexual e nessa mesma época Samuel estava em
uma situação difícil com moradia eu os apresentei. Tiago morava praticamente
no hospital, para ficar disponível para qualquer cirurgia que surgisse e a casa
dele era enorme para um homem sozinho. Samuel se mudou para casa do Tiago
e a relação progrediu, éramos um bom trio: o filósofo, o médico e o garota
safada. Quando sai eles estavam perfeitamente alinhados, eles são pessoas
maravilhosas e gradativamente deixamos de ser um trio e passamos a ser
amigos.
Ela gosta verdadeiramente deles.
“E acho que ela nem percebe que criou laços com eles.”
— Estava à procura de decoração para o aniversário das crianças e
ouvi a voz do Chamber, ele tocava na rua para ganhar uns trocados, me juntei a
ele e tocamos juntos. Ele desejava ser reconhecido na sua forma de fazer música.
— Ela sorriu. — Ele gravou um álbum e a fama veio, foi um novo desafio ser
sua musa secreta, mas era divertido escapar dos paparazzi. Miguel ficava louco
por causa da nossa segurança. Enfim, a agenda dele se tornou incompatível com
a minha, mas antes de nos separar, juntei todos eles para que um cuidasse do
outro. Além de mim, eles têm uma coisa em comum, nenhum deles tinha família
presente e família é importante. Eu sei porque sem a minha eu não estaria aqui.
— Suas mãos seguram as pernas dela.
Ela não estar aqui é inimaginável para ele.
O que fizeram com ela?
“Eu não sei, mas não a force falar.”
— Quando a repórter perguntou ao Otávio sobre o grupo secreto, era
deles que ela falava?
— Sim, era sobre eles.
— Mas contei cinco e não são seis?
— Mateus foi o último e foi onde cheguei ao fundo do poço do
egoísmo. — Ela olha para o mar pela porta de vidro. — Eu achei que fosse
Miguel a pessoa por quem eu procurava, mas o tempo passava e não sentia nada,
nenhuma ligação a não ser amizade e atração física. Quando conheci o Mateus
achei que fosse ele, de todos, ele foi o único que não desejou algo para si, ele
estava quebrado por não conseguir ajudar as pessoas. Eu parei com Miguel, parei
com os outros e fiz dele meu objetivo, usei tudo que tinha contra ele. Nessa
guerra ele nunca teve chance, o levei ao extremo… Agora sei que o que fiz foi
por egoísmo, tirei algo que de fato era importante para ele, mesmo que ele fale
que a responsabilidade foi dele e que agora tem a vida que queria desde de
sempre, eu o machuquei e me envergonho disso. E tudo que ele fez foi me amar
e ainda faz, mesmo que eu não mereça, ele faz. — Ela o perscruta. — Quando
tudo desmoronou, Mateus disse que o caminho que eu estava seguindo não
levaria aonde eu queria chegar. Eu procurava por você. Quando achei que não
conseguiria, Tony me fez continuar, mas ele não era você. Nenhum deles era. —
Continua. — Quando Mateus e eu nos separamos, decidi parar. Percebi que
nunca me ligaria a ninguém, nunca amaria alguém que fizesse meu coração
pular, minhas mãos tremerem e o ar faltar, alguém que acendesse a luz onde não
havia, que me fizesse sentir em casa, alguém para quem daria a única coisa que
não me foi roubada e maculada. — Seus olhos estão marejados. — Alguém que
me amasse por quem eu sou e não por uma fantasia, mas o eu de verdade.
Essas palavras atingem Raphael como peças de quebra-cabeça que se
encaixam perfeitamente, agora ele pode enxergá-la como ela é.
E se sentiu triste por ela.
— Mateus se uniu ao grupo, eles cuidam um do outro, para que não
caiam. Miguel cuida da segurança deles, não como a minha, mas como um irmão
mais velho rabugento e precavido. Mateus é como um psicólogo para todos, ele
aconselha e os orienta. Otávio cuida da administração deles para garantir que
não falte nada. Chamber é a alegria, ele é a cola que une a todos. Não importa a
hora, se você ligar para ele triste ele te alçara de volta a felicidade. Tiago é a
‘mãezilla’, está sempre de olho na saúde deles. Samuel é o coração, não importa
o que, ele sempre será a pessoa que vai te consolar incondicionalmente. — Sorri.
“Ela os ama, e não sabe.”
Eu vejo.
— Foram dois anos e em uma viagem boba de reconhecimento, o
som da sua voz foi o suficiente para despertar tudo que nenhum deles despertou.
Fiquei com medo naquela noite e quase voltei para hotel, mas o Tony me
incentivou a voltar para o Bar e assim fiz. — Respira profundamente a mão
acariciando o peito dele. — Estava fascinada por você e pelo que despertou, mas
amedrontada pois queria fazer tudo diferente com você e não voltar para meu
círculo vicioso de desejos e fantasias. Você é lindo e puro de um jeito que deixei
de ser ainda muito criança. E ser somente eu, não parece ser o suficiente. Não
sobrou muito para dar, mas lá estava eu me contendo em não ser a aranha
atraindo a mosca para minha teia.
Raphael assimila e racionaliza tudo o que ela lhe confidenciou, hoje
e antes, pondera sem acreditar. Agora ele a enxerga claramente.
— Você nunca beijou nenhum deles?
— Não.
— Você nunca, na sua vida beijou, ninguém além de mim?
— Não. — Leo enfatiza.
— Te violentaram, além do psicológico, como disse que sofreu na
escola e no orfanato, mas também fisicamente?
— Sim. — Ela fala fechando os olhos com pesar e suas mãos ficam
trêmulas.
— Quando pergunto para você sobre seu passado, essas são as coisas
que você não quer que eu veja?
Ela abre os olhos e fala com voz trêmula.
— São.
— Eu sou seu único, porque sou o único que você beija?
Raphael está com raiva do mundo por ter ferido ela. Está com raiva
de si mesmo por ser uma dessas pessoas.
— Como você viu, não fui um anjo. Mas eu queria poder dar algo
que realmente fosse puro e no decorrer da minha vida, está foi a única coisa que
não foi tirada de mim, a única coisa que pude guardar. Não é muito, mas é
realmente puro. — Sua voz escorre contida e baixa. No quarto só a luz da lua
adentra iluminando pelo vidro.
— Estou honrado, acima de tudo apaixonado por você, e arrependido
pelas coisas que disse e do meu comportamento de merda. Nada além de você
pode me colocar para fora, nada além de você pode me afastar, então nunca me
afaste. — Senta-se mantendo-a no seu colo e começa a beijá-la. — Minha vida
não tem sentido sem você. Seu passado ficará para trás e eu jamais a machucarei
fazendo voltar para ele. Eu queria dar a você o mundo, mas parece que você já o
tem. Então te dou meu coração, porque esse foi o único que nunca dei a
ninguém, ele foi negligenciado e por anos tudo que ele teve foi ódio e raiva. O
seu toque o despertou, o fez bater de volta. — Seu nariz passeia pelo pescoço
dela, sentindo seu cheiro e subindo por sua mandíbula. — Eu te amo com
loucura. Mesmo que até agora eu tenha mostrado mais loucura do que amor. Eu
te amo.
— Bem-vindo ao amor louco. — Ela o abraça. — Nesse nível você
encontrará Tony e eu e perceberá que limite não existe, uma vez dentro, você
não tem permissão para sair. — Ela fala tão próximo que ele pode sentir sua
respiração.
— Esse parece o tipo de amor do qual estava esperando. — Tenta
beijá-la, mas ela esquiva. — Anjo? — Raphael protesta, ela sorri jogando a
cabeça para trás, suas mãos descem para a cintura dela começando a cutucar e
ela começar a gargalhar.
— Não, cócegas não! Como pode? Você mal entrou no grupo e já
está dando golpe baixo? — Fala em meio as gargalhadas.
— Sabe, agora eu vejo porque Tony faz isso, é o som mais lindo que
já ouvi. — Ela gargalha mais. — Vamos, beijos eu quero os meus beijos. — Sua
respiração vem entrecortada, os olhos se encontram e mesmo em meio a
escuridão da noite ele pode enxergá-la, não Leo, a pessoa física, mas a
verdadeira Eleonora, a mulher, a garota, a criança. Todas elas imaculadas, puras
como deveriam ter sido desde do início de sua vida. — Você é perfeita.
Sua boca a encontra. O mundo poderia parar e ela não sairia do
entorno dos seus braços.

— O que faremos hoje? — Pergunta quando chegam da academia.


Hoje ela só foi para assisti-lo.
— O que você normalmente faria nesse horário?
— Ligaria para você, depois verificaria o estoque do Bar, correria na
praia, leria alguma coisa até a hora do almoço, depois leria mais, correria outro
tanto, atenderia sua ligação e iria para o Bar. — Ela beija seu rosto e sorri. —
Mas tudo que eu quero fazer é ficar em casa agarrado e nu ao seu lado.
— Como resistir a um pedido tão especificamente bom. — Beija-a
enquanto desamarra a saia dela que cai no chão. — Alguém parece não perder
tempo.
— Não posso perder, temos horas contadas. — Tira a camisa que cai
junto com a saia depois desabotoa o sutiã e ele se junta ao restante das roupas, a
calcinha vem por último.
— Minha vez!
Ficam o dia na cama entre comer e amar. O sol beija a pele de Leo
pela vidraça enquanto ela cochila. Raphael vela seu sono e a desenha nessa
posição, a aliança reflete suas facetas refletindo cor e brilho pelas paredes. Ela
começa a despertar. — Não, não se mexa. Estou terminando.
Ela mantém a pose até que ele termina o desenho.
— Pronto. — Ele assopra o pó do carvão e finaliza o desenho.
— Posso ver? — Pergunta sonolenta.
Ele entrega o caderno com o desenho para Leo, Raphael a observa
em silêncio eterno enquanto ela analisa o desenho.
— É assim que você me vê? — Seus olhos o encaram.
— Com certeza!
— Sou linda! — Contempla o desenho, os dedos traceja as curvas do
retrato.
— Eu concordo. — O cabelo dela cai escondendo seu rosto, ele tira
colocando-o atrás da orelha. — Teremos a comemoração ao santo padroeiro dos
pescadores, é uma festa anual celebrada por todos na ilha. Queria que você
viesse. Antes de você chegar, eu não suportava comemoração de qualquer tipo,
agora só posso pensar que ficará melhor com você.
— Adoraria te acompanhar. — Sorri preguiçosa e ele a beija na testa.
— Como anda a mudança? — Ela folheia as outras páginas do
caderno.
— Está indo bem, estou intrigada com a vizinhança, tem… como
posso falar… é tipo um sindicato, só que o líder não aparece, mas cria uma série
de empecilhos. Está ficando irritante, no entanto darei um jeito de localizá-lo. —
Ela para em uma paisagem. — Gosto desse.
— Por que esse sindicalista incomoda tanto?
— Ele acha que somos concorrência querendo roubar a área dele.
Sabe essas coisas. — Seus dedos passeiam pelo desenho como um cego lendo
em braile. — Conversou sobre a promoção de Luka com a sua mãe? — Ele sabe
que encerraram o assunto sobre o trabalho dela.
— Sim, ela concorda. — Traz ela para mais perto, suas costas
encosta no peito dele. Raphael envolve sua cintura a mão espalmando seu ventre.
— Como foi sua gravidez? — Ela para de mudar de páginas do caderno.
— Havia os enjoos matinais, e isso não era bom. Todos da minha
família ficaram grávidos comigo, até mesmo meu pai, esse foi de longe o mais
sensível. Compartilhamos até mesmo o desejo de picolé sabor limão. Quando
não tinha em casa, Tony sabia que encontraria na casa deles nas horas de
emergência. Eu parecia um planeta e meus pés Tony dizia que pareciam dois
pães, eu não os enxergava. As crianças pareciam brincar de esconde-esconde no
ultrassom, demorou para descobrimos o sexo. Tony e eu endoidamos sobre
conhecimentos em como criar bebês, lemos tudo sobre o assunto, eu, sendo mais
extremista, li muito sobre medicina pediátrica, Naveen brincava dizendo que
poderia clinicar se quisesse. No fim, muito desse estudo serviu para ajudar com
as crianças e até mesmo com Tiago quando ele ficou de plantão na neonatal, ele
me fazia recitar páginas e mais páginas enquanto ele estudava e esperava alguma
cirurgia. — Raphael ri. Ela de fato poderia ter estudado severamente medicina
pediátrica. — Havia medo também, parto de gêmeos pode haver complicações e
aqueles dois pareciam bem acomodados, eu era muito jovem. Mas quando eles
chegaram, tudo estava pronto para eles. O parto não foi calmo, Tony estava com
medo de que alguma coisa desse errado comigo ou com as crianças, mas em
nenhum momento deixou de ser o meu suporte. Eles nasceram de parto normal,
Gaia foi a primeira a nascer, linda cheia de cabelo, seu choro podia ser ouvido
por todo o corredor. Gael desde o nascimento era mais calmo, exceto quando
separava-o de Gaia, aí ele chorava. Minha família sempre esteve envolvida e
nunca nos deixou desamparados.
— Você deve ter ficado linda grávida. — Beija sua cabeça.
— Olha por você mesmo. — Entrega o celular a ele.
Foto por foto ele pode vê-la jovem, o cabelo mais curto. Suas
evoluções na gravidez, ela dormindo no sofá segurando um livro grosso e um
monte deles a sua volta, várias dela no topo da escada lindamente arrumada.
— Todas foram tiradas por Tony?
— Sim.
Uma foto dela ao piano chama sua atenção. A luz transpassava o
vidro, o cabelo preso exceto por algumas mechas soltas. Tony capturou
exatamente a essência dela: linda e pura.
— Posso mandar algumas para mim?
Algumas fotos são ensaios profissionais com paisagem verde,
também tem ela na água com o vestido voando e respingos como pontos de luz.
Mas as caseiras, são essas que lhe tira o folego, são fotos dela dormindo
esparramada na cama com a barriga parcialmente amostra, outras são
voyeurística por conta da intimidade que a câmera registra.
— Claro, fique à vontade.
Raphael seleciona várias fotos e encaminha para seu celular,
continua vendo a galeria, Tony está em várias delas e não há como negar que
eles tem um sentimento forte um pelo outro, seus olhares são cheios de
cumplicidade.
As fotos com as crianças são retratos da família mais linda que já
viu. Os bebês parecem pinturas perfeitas de anjos, eles sorriem para todas as
fotos, em nenhuma parecem entristecidos. É como se eles tivessem sido criados
em um mundo encantado, cheio de coisas boas, e a julgar pelo que ela lhe disse,
tanto Leo como Tony dão a eles o melhor amor do mundo.
— Eles são lindos! Vocês são perfeitos. — Passa para próxima foto,
Tony e Gaia estão melecados com chocolate enquanto Gael segura uma colher
com chocolate escorrendo. — Antes do acidente eu não pensava em filhos, mas
depois, quando a oportunidade foi arrancada de mim, esse sentimento de não
poder ter… foi mais um monte de lenha que serviu para alimentar minha raiva e
me afastar das pessoas, principalmente crianças, eu as evitava a todo custo.
— Eu, mais que ninguém, sei que família nem sempre vem de laços
sanguíneos. As crianças amarão você e se quiser você poderá ser importante para
elas, como minha família é. Mas se ter os seus é importante, podemos procurar
ajuda especializada ou podemos adotar como meus pais fizeram.
— Se pudesse, você teria um filho meu?
— Com certeza!
— Suas palavras são preciosas. Mas não existe essa possibilidade,
meus médicos foram categóricos. — Beija sua cabeça. — Mas adoraria ser
importante para suas crianças. Tony iria se incomodar? Uma coisa é ficar com
você, mas seus filhos, será que ele imporia limites?
— Claro que não, ele jamais impediria alguém de amar as crianças
como nós fazemos. Para Tony fazer delas as crianças mais amadas é a sua forma
de mostrar ao mundo que ele venceu.
Aliviado sorri contente, finalmente pode vislumbrar uma família.
— Obrigado.

— Por que você não está em nenhuma rede social? — Pergunta.


Só Raphael sabe o quanto a procurou na internet.
— Não vale a pena a exposição. E você, porque não tem?
Assiste a ela terminar de se vestir.
— Por causa das pessoas.
— Mas esse não é o motivo de se ter essas coisas, quanto mais
pessoas melhor?
— Sim, esse é o intuito. Eu apenas não sirvo mais para ser amigável.
— Levanta ficando de frente enquanto ela se arruma. — Você está linda. —
Beija sua boca com paixão.
— Meu ogro rabugento.
Descem as escadas, ele leva a mala LV de mão e ela carrega uma
bolsa menor da Chanel. Ângela os espera.
— Bom dia! — Abraça Leo e entrega o embrulho que segura. — É
para as crianças, espero que eles gostem. — Sorri animada.
— Eles irão. — Leo afirma. — Obrigado! — Beija-a no rosto.
O carro estaciona na calçada, o motorista desce para abrir a porta.
— Porque não posso te levar para casa?
— Não há necessidade e não quero te atrapalhar.
Ângela olha do filho para Leo.
— Boa viagem minha filha! — Beija ela em despedida e volta para
casa deixando-os sozinhos.
— Não vai me atrapalhar, a verdade é que eu quero fazer isso para
você, assim ficaremos mais tempo, nem preciso entrar na sua casa, eu quero o
tempo que for para ficar a seu lado e se para isso terei que dirigir por algumas
horas, eu faço. — Discursa esperançoso.
Ela fita-o por alguns segundos.
— Justo, vamos! — Vira-se para o motorista. — Bom dia, irei com
meu namorado. Você não será necessário hoje, obrigado.
O motorista sorri indulgente.
— Tenha um bom dia! Senhora, Senhor.
Raphael sorridente coloca a bolsa no banco de trás do carro dele
junto com o presente das crianças. Leo coloca o endereço no GPS e ele inicia o
trajeto seguindo o caminho indicado enquanto conversa com ela.
— Anjo, você colocou o endereço certo?
— Sim, eu coloquei.
— Por que estamos na entrada da pista de embarque do aeroporto?
O fiscal pede para que ele abra a janela.
— Bom dia! Senhor, senhora. Pode entrar, tudo está pronto para sua
partida. — O portão abre e outros fiscais indicam o caminho.
— Eu moro em Salon, é assim que eu vou para casa. Quando você
perguntou onde morava, não queria minar a sua aproximação dizendo que moro
do outro lado do país, por isso disse que morava a duas horas, foi o mais
próximo de não mentir que consegui. Desculpa! Eu só não sabia como tocar
nesse assunto depois, então eu apenas deixei de lado.
— Quando te chamei na primeira vez que voltou, você entrou em um
avião àquela hora da noite de camisola, só porque eu te chamei? — Ela
confirma. — Essas coisas são caras, você não precisa gastar esse dinheiro por
mim, eu posso pagar pelas suas passagens. — Fica envergonhado por fazer ela
desperdiçar tanto, e com ele mesmo, por ser negligente e nunca ter se
preocupado em como ela chega até ele.
— Raphael eu não compro passagens, o avião é meu. Não se
preocupe com isso.
Ele mira o Jato a frente e uma pequena equipe esperando.
— Caramba mulher! Você é um soco no meu ego. — Protesta,
mesmo que isso o faça parecer uma criança mimada.
— Seu ego deve se preocupar em me amar única e exclusivamente.
— Sua voz sai com divertimento velado.
— Você tem um jato? — Ela faz que sim. — Um jato?
— É necessário, a grande maioria dos nossos clientes são
estrangeiros. É mais cômodo viajar assim.
Beija seus lábios com carinho.
— Isso de fato teria feito eu correr de você. — Assegura.
Abre a porta do carro, um comissário vem ao seu encontro quando
ela desce.
— Posso levar a bagagem?
Raphael abre a porta do banco de traz e entrega a mala de mão e o
presente, o comissário, volta para o restante da tripulação.
— Antes de ir, quero te dar algo. — Ela tira da bolsa um pen drive
prateado e coloca na mão dele. — Eu falei que seria diferente com você, mas
depois do encontro com aquelas pessoas no shopping… — Fala com dúvida. —
Foi você que pediu um desejo, não… um milagre, eu não o ofereci. Isso pode ser
considerado uma quebra de protocolo, sendo assim, eu não estou voltando a
velhos hábitos.
— O que tem aqui?
— Você verá. — Se aproxima. — Eu te amo! — A mão delicada dela
acaricia seu braço.
— Eu te amo mais. — Responde resultando no brilho de seus olhos
verde como o mar. — Eu posso falar também ou é uma coisa de família?
— Você faz parte da família. — Raphael a beija não querendo soltá-
la, mas o faz. — As coisas mudarão depois que você ler o conteúdo. Antes de
qualquer reação, me ligue para que possa lhe dar apoio, você não está sozinho,
portanto não haja como se estivesse. Promete?
Beija levemente seus lábios.
— Prometo, você está me deixando intrigado! — Ela sorri.
— Preciso ir. — Avisa se afastando devagar.
— Me liga assim que chegar. — Faz que sim. — Te amo.
— Eu te amo mais. — Responde enquanto caminha para embarcar.
Ele guarda o pen drive no bolso e fica no aeroporto até o avião decolar.
Por que realizando um desejo?
“Quando ela contou dos outros, ela mencionou que eles tinham
desejos.”
O objeto em seu bolso parece queimar ou pesar muito mais do que
ele realmente pesa.

Às vezes pedidos são feitos ao vento, ele carrega as


palavras para longe e em raros momentos os pedidos são
aceitos. Porém é sempre bom ter cuidado com que se deseja.
“Remorsos se acumulam como velhos amigos aqui para
reviver seus momentos mais sombrios.
E estou condenada se eu fizer e condenada se não fizer.
É difícil dançar com um demônio nas costas, então, liberte-se
dele”.
(Shake It Out – Florence and The Machine)
CAPÍTULO 31
RAPHAEL

Raphael lê e relê algo que não pode e não quer acreditar: Extratos de
contas bancárias em paraísos fiscais, com grandes remessas de dinheiro, trajetos
de lavagens e a volta para contas em nome de Álvaro, esquemas de licitações e
contratos superfaturados. Tantas provas, várias datadas de quando Gabriel ainda
era vivo e muitas mais, depois que ele morreu. Passa a mão pelo rosto exausto
enquanto encara a tela do computador.
Ela nos deu um milagre.
“Ela fez.”
Como conseguiu?
“Por que importa?”
Essas provas podem ser consideradas crime de invasão e
espionagem? Não sei, mas sei que ter isso é crime.
“Ela conseguiu isso para você, por você. Não a prejudique.”
Não posso contar isso para mamãe.
“Acho melhor assim.”
Tira o pen drive e o guarda onde ninguém pode encontrá-lo.
O que devemos fazer? Anda pela casa enquanto medita as
possibilidades.
“Matar todos eles.”
O quê? Não.
“Eles merecem.”
“Não. Pensa na mamãe, na anjo e na família dela. O que eles
pensariam? Poderia nos afastar para sempre dela. É isso que você quer?”
“NÃO!!!”
Então para de tentar matar as pessoas!
“Aquele merda não merece respirar, ele não merece viver em um
mundo em que a anjo vive.”
Não cabe a você decidir.
O telefone toca e pela música sabe que é ela. Ansioso corre para
atendê-lo.
— Raphael, acabei de chegar em casa.
— Que bom, Anjo. — Suspira. — Como você conseguiu? —
Contempla o mar azul a sua frente.
— Vou usar a cláusula de omissão por motivos de segurança. — Ela
responde evasiva.
— Anjo, ter e obter essas informações é crime, você pode se colocar
em problemas e não posso permitir.
Ouve seu sorriso.
— Não se preocupe ficarei bem. Nada disso chegará a mim. E você,
como está?
— Eu não sei…, com raiva, temeroso por você. Mais raiva por ele
denegrir o nome do meu pai desta forma. — Admite.
— E o que mais? — Ela insiste.
— Tem está parte minha que deseja que eles morram
necessariamente pelas minhas mãos. — Confessa envergonhado.
— É compreensivo, eles feriram você e sua mãe, tiraram tudo que
tinham. Desejar vingança faz de você humano, não realizar o ato te faz melhor
que eles.
Respira com alívio por suas palavras de apoio.
Não poderia esperar menos do meu anjo.
— Obrigado, Anjo.
— Não por isso.
— Mamãe!! — Raphael ouve os gritos das crianças e sons de passos
correndo.
— Crianças! — O som do telefone é abafado.
— É o Raphael? — Eles perguntam.
— Sim, é ele. — Ela responde. — Querem falar com ele?
— Podemos? — O sorriso de Raphael se alarga, seu coração parece
querer sair pela boca.
— Claro que sim!
— Raphael, a senhora Ângela gostou da bolsa? — Gaia fala
animada.
— Sim ela adorou. Muito obrigado. — O sorriso parece ter sido
entalhado em seu rosto.
— E as camisas, você gostou? — Sua voz fica mais contida.
— Muito, eu adorei! A mamãe disse que as cores que escolheram
fazem com que eu fique mais bonito, se isso não é o melhor elogio que posso
escutar, então não sei o que é. Só posso agradecer a quem escolheu. — Gaia ri e
o som é o mais lindo.
Se o coração de Raphael estava cheio antes com Leo, ele expandiu
para as crianças.
— Eu ajudei a vovó escolher elas, e as outras também, você verá.
Ele segura a respiração.
— Haverá mais? — Pergunta contido tentando manter a linha.
— Mas é claro! Você e a senhora Ângela são da família temos um
nome a zelar. A vovó disse.
Sorri da seriedade das palavras dela.
— Ah, sim. Claro eu entendo… — Responde tentando parecer sério.
— Você já falou, posso falar também? — Gael pergunta com voz
calma.
— Pode sim. — Gaia responde, ele até pode ouvir seu sorriso. — Eu
vou contar para a vovó que ele gostou do presente. — Ela diz com a voz
distante. — Tchau Raphael!
— Tchau, Gaia!
— Raphael? — Gael chama com voz séria.
— Oi Gael! — Raphael responde da mesma maneira.
— Mamãe mencionou que você usa, em seu estabelecimento, um
software e que sua mãe tem dificuldade de usar. Eu desenvolvi um mais
avançado, que abrange mais funções e tem um layout mais simples. Acho que
ela poderá se adaptar melhor com ele. Se for interessante para você podemos
testá-lo.
A preocupação com Ângela e o sistema o pega desprevenido.
— Eu adoraria. — Engole seco a emoção.
— Certo, disponibilizarei o software na nuvem e mandarei as
instruções para você acessá-lo. Qual seria o melhor momento para iniciar o
teste?
— Podemos fazer às treze horas. Tudo bem para você?
— Sim. — Foi sucinto. — Vou devolver para mamãe, até as treze
horas.
— Obrigado Gael, até.
— Não por isso. — Responde como sua mãe.
— Ângela mandou para você e para sua irmã. Leve para vovó, para
que vocês possam abrir. — Ouve Leo falar e passos de corrida se distanciando.
— Raphael?
— Eles são incríveis, Gaia é tão espirituosa e Gael é atencioso e tão
sério. — Fala emocionado.
— Eles são. — Fala orgulhosa.
— Amo você anjo!
— Eu te amo mais. Beijos, falo com você em breve.
Trinta minutos depois recebe as instruções detalhadas que Gael
enviou por e-mail e segue à risca o que ele passou, o que foi bom, pois isso o fez
pensar em outras coisas além das informações de um certo pen drive escondido
no fundo de uma gaveta.
— O que está fazendo? — Ângela pergunta entrando no bar.
— Gael desenvolveu um software para o Bar para te ajudar com
fechamento das mesas e do caixa. — Conta orgulhoso sorrindo como o gato que
comeu o canário.
— Que adorável! Mal posso esperar para conhecê-los.
— Eu também, mãe, eu também!

Raphael atende a videochamada.


— Oi Gael!
— Olá! Conseguiu instalar o software?
Raphael assiste Gael ele veste uma camisa de listras verticais azul e
branca e por baixo uma camiseta branca com desenho azul de moléculas. Mas
nada disso importa se comparado ao rosto dele, assim como a voz, ele tem
feições serias e olhos roxos e compenetrado por baixo dos óculos de armação
quadrada, a sobrancelha e o cabelo de tão branco parece quase prateado, duas
tranças nas laterais caem atrás da orelha e o cabelo do topo está preso em um
coque.
— Sim eu consegui, você mandou tudo bem explicado.
Gael sorri.
Lindo.
— Gostei das suas tranças. — Elogia.
— Obrigado, a mamãe pode te ensinar fazer ou papai. — Responde
amigavelmente.
— O seu pai sabe trançar? — Gael faz que sim. — Farei isso, acho
que será bom para mudar o visual.
— Você gosta de ‘Senhor dos Anéis’? — Gael avalia.
— Sim, foi um dos livros que mais gostei de ler quando criança.
— Sério?
— Sim, meu personagem favorito é o Gandalf.
Gael dá um meio sorriso em resposta.
Passam a próxima hora conversando sobre livros que gostaram de ler
e testando o novo software, que Raphael acha muito mais prático e muito melhor
do que ele usava.
Eles têm muitas coisas em comum, Gael o faz lembrar dele mesmo
quando criança. Em um dado momento Gaia chega e todos conversam, ela é uma
versão mirim de sua mãe, é espontânea e risonha e adora o irmão, para falar
verdade eles se adoram.
— Mãe? — Raphael chama Ângela, sabendo que está na cozinha
ansiosa para conhecer as crianças.
— Oi!
— As crianças querem te conhecer! — Ela abre um sorriso alegre e
seus olhos brilham. Arruma o cabelo ansiosa e se aproxima da webcam.
— Oi crianças! — Fala animada.
— Olá, Senhora Ângela! — Falam juntos.
— Senhora não, me chamem de Ângela ou se não for pedi demais,
poderiam me chamar de vovó. — Oferece.
As crianças deliberam com voz baixa, mas o microfone ainda capta o
som.
— Outra vovó será legal, a Joana do quinto ano se gabava que tinha
duas avós que a mimavam com doces. — Gaia fala com Gael, ambos olham para
tela. — Olá vovó Ângela! — Falam juntos.
A emoção de Ângela pode ser sentida por todo o ambiente.
— Olá meus netos! Gostaram dos presentes? — Eles Sentam-se na
cama e levantam os pés, calçando as meias de crochê que Ângela confeccionou.
A de Gaia é cinza com listras rosa e de Gael é cinza com listras azuis.
— Adoramos vó! Foi você quem fez? — Voltam para a frente do
computador.
— Sim. Fico feliz em saber que gostaram. — Ângela fala, a voz
saindo um pouco mais grossa.
— A vovó Paris e a mamãe querem também. — Gael fala.
— E eu quero outra com tema do Batman e da Sakura, vó, você pode
fazer?
Raphael assiste a mãe limpar a lágrima solitária que escorre.
— Claro que posso fazer. E você Gael, quer outra também?
— Sim eu quero, mas você pode fazer na cor azul como a ‘TARDIS’ e
outra com as cores da ‘Grifinória’? — Ele pede pensativo.
— Com certeza farei. — Responde emocionada.
— Obrigado vó, tchau Raphael! — Eles acenam com as mãos
animados, Ângela e Raphael acenam de volta a imagem congela e eles somem.
— Você viu como eles são maravilhosos e lindos? — Raphael acena
fazendo que sim. — Batman eu sei quem é, mas o que é Sakura e TARDIS? E
quem é Grifinória? — Pergunta ansiosa.
Eles passam a próxima meia hora pesquisando. Cada vez que ela
conhece mais dos gostos deles, mais ela adora as crianças e suas
particularidades.
— Estava pensando, agora que não temos que pagar pela segurança,
poderíamos dar um aumento para o Luka já no próximo pagamento. O que você
acha?
Ângela desvia da tela do computador para ele.
— Eu acho que está mais do que na hora dele ter um aumento.
— Certo, conversaremos com Luka assim que ele chegar.

Pesquisa Google: Samuel Filosofia

Os resultados são vários. Filtra pelas faculdades próximas de Salon e


encontra dois: um deles é um senhor de quase cinquenta anos e não é filósofo,
apenas aloucado. A outra opção é de um Samuel, professor universitário com
vários livros publicados e reconhecido.
Ele é tipo um pop star da filosofia moderna.
“Por que você faz essas merdas?”
Para conhecer as pessoas que a nossa anjo ama.
“Loucura de muitas formas. Vá lá, se puna.”
Ele tem trinta e sete anos, sem patrimônio avaliado. É bonito,
claramente não tem intimidade com a academia, no estilo professor nerd de
óculos e cabelo cacheado. Certeza que as suas aulas são cheias de alunas.
“E alunos.”

Pesquisa Google: Tiago Cirurgião

Os resultados foram vários, Raphael filtra pela localidade e


reconhece ele por estar em uma foto com Samuel.
Porra, ele não é só um cirurgião, ele foi o mais novo a ser chefe da
cirurgia geral!
Suas pesquisas avançadas e inovadoras foram indicadas, premiadas e
muitas de suas cirurgias publicadas.
Outra estrela.
“E daí.”
Tem trinta e nove anos, patrimônio não avaliado, mas ele claramente
nunca teve problemas com dinheiro. É forte, cabelo legal e fica bonito em roupa
azul de cirurgião, como esses atores de séries médicas.

Pesquisa Google: Chamber Cantor

Muitas páginas de fã clube aparecem.


Mas que merda!
“Esse de fato é uma estrela, olha, ele até tem uma na calçada da
fama.”
Agora é um piadista?
“E você é o que? Sherlock da era Google.”
Bonito, trinta e seis anos, patrimônio avaliado em milhões, muitos
milhões.
“Não, ele não só bonito. Esse cara é a personificação da beleza,
quando pessoas procuram inspiração, é nele que encontram. Quando mulheres
pensam na melhor pessoa para se ter filhos, é nele que pensam. Quando elas
desejam chocolate, é a pele dele que elas querem lamber.”
Agora é poeta?
“Oh não! Isso é um fato, olha quantos fãs.”
Ganhou Grammy, vários deles por melhor álbum, música e clipe,
além das outras premiações, top da Billboard e capa da Billboard.
“Para, está ficando feio para você.”
Você acha?
You tube: Chamber

O clipe em preto e branco mostra Chamber e uma mulher de


máscara, seus olhos são a única cor no vídeo.
“Puta que pariu.”
Olhos verdes, cognoscíveis a ele. Chamber acaricia ela com
intimidade latente, as imagens são quase eróticas, mas de uma forma elegante e
artística, nada vulgar, mas íntimo. A canção conta a história de uma garota com
pulseira de cruzes. Retrata o amor deles e em como tanto foi dado por um ato
impensado, até que certo momento o amor que eles nutriam os aprisiona e nada
mais poderia ser desfeito.
— Agora você escuta Chamber? — Luka pergunta a suas costas.
— Estava pesquisando, não é nada demais. Parecia ser uma boa
música, ao menos é o que os críticos acham.
— Essa é a minha música favorita dele, a forma como ele canta e o
que ele fala sobre o amor…
— Você é fã dele? — Pergunta incrédulo.
Luka olha sério para ele.
— Mais é claro. Ele surgiu do nada, foi morador de rua na
adolescência passou o diabo e venceu. Nas entrevistas, Chamber sempre
agradece a uma pessoa especial, ele diz que sem o apoio dela nada disso teria
sido possível.
Raphael começa a arrumar as garrafas.
— E ele fala quem é essa pessoa, uma namorada, esposa?
— Há rumores de que ela seria uma namorada secreta, os paparazzis
fazem de tudo para obter fotos deles, mas tudo que sabemos é que ela tem uma
pulseira de cruzes, por isso a música… — Aponta para a imagem pausada do
clipe, na imagem os olhos verdes estão focados e Chamber está beijando seu
pescoço. — E os olhos verdes brilhantes. — Luka olha para tela depois para
Raphael e de novo para tela. — Oh, minha santa RuPaul! — Seus olhos se
arregalam. — É ela? — Se aproxima do computador e pesquisa outro clipe no
you tube, o vídeo inicia com a mesma mulher de máscara, esse clipe é em cores
se vê muito mais do rosto dela e o sorriso, aquele sorriso inconfundível. — Isso
é incrível!
— O que é incrível? — Alessia se aproxima e Raphael muda a tela
apressado.
— Luka recebeu um aumento por sua dedicação e excelente
execução dos seus serviços.
Luka olha para tela do computador depois para Raphael com as
sobrancelhas arqueadas.
— É… um aumento, eu recebi um aumento? — Olha desconfiado.
— Com certeza mamãe e eu daríamos a notícia juntos, mas não me
contive.
— E eu? Terei aumento também? — Alessia se anima olhando feio
para Luka.
— Não. E se continuar chegando atrasada e deixando para Manu
fazer as suas funções e as dela, você não terá mais trabalho.
Alessia fica tensa, a mão aperta mais a alça da bolsa e seus olhos
gelam, então ela os agracia com sua ausência.
— Devo entender que não devo contar a ninguém sobre certa moça
de olhos verdes e um certo artista mega famoso?
— Vamos manter esse enigma. Se eles não revelaram é porque
queriam assim. — Raphael conclui dando meio sorriso.
— Eu ainda não me acostumei com você sorrindo. — O meio sorriso
se transforma em um inteiro. — Estranho essa sua nova versão. Posso ao menos
falar para Manu? Ela é fã dele, do tipo mega fã, e não me perdoaria se não
contasse. — Ele junta as mãos.
— Somente ela e avisa para não contar a mais ninguém. Quanto ao
aumento, é verdade.
— Mesmo?
— Mesmo. — Confirma fechando as páginas de vídeo do
computador.
— Obrigado. — O abraça rápido e desajeitado.
— Não por isso, você fez por merecer. — Retribui o abraço.
— Manu? — Ele chama voltando para cozinha.

— Mas o que você quer fazer? — Leo pergunta.


Faz dois dias que eles voltaram para a rotina de videochamadas,
troca de mensagens e ligações diárias.
— Eu não sei o que posso fazer, legalmente esses dados não podem
ser expostos. Até posso me vingar do Álvaro revelando suas ilegalidades
anonimamente, mas fazendo isso, a construtora perde a sua credibilidade.
— Zhizn? — Escuta a voz do Tony chamar.
“Que nome é esse?”
Leo olha para cima da câmera, um enorme sorriso floresce nela.
— Lyubov! — Suas mãos se estendem chamando por ele. — Venha,
Raphael está com dúvidas sobre o que fazer com a construtora.
Pela disposição da câmera, Raphael só pode ver as pernas de Tony
vestido com o que parece ser pijamas e a barra de uma camiseta. Ela afasta o
edredom do lado vago da cama, Tony senta e se cobre.
Leo ajusta a câmera para ele possa visualizar os dois, ela na frente e
ele a suas costas.
— Olá Raphael! — Tony solta o que se pode chamar o sussurro de
um sorriso.
— Oi Tony! — Responde tentado mascarar o incômodo de vê-lo
deitado na cama com Leo.
— O que você tem em mente? — Tony pergunta, a mão dele acaricia
o braço da Leo.
Raphael tenta, mas não consegue desviar os olhos desse pequeno ato.
— Que não estava preparado para ver um homem na cama com a
minha namorada.
Oh merda!
Tony sorri malicioso.
— Eu estava me referindo sobre a construtora, mas agora acho
melhor conversamos sobre esse tópico: Estou na cama com a sua namorada que
também é minha companheira.
— Isso é o que chamam de disputa da testosterona? A coisa de quem
alcança mais longe com a urina?
Tony beija sua têmpora.
— É Zhizn, esse é o campeonato. — Sorri para Raphael levantando
uma a sobrancelha provocativa.
— Não, não é um campeonato é só que pensei alto e falei demais. —
Esclarece. — Para ser campeonato necessitaria que estivéssemos competindo em
lados opostos e não estamos não é, Tony?
Leo sorri acanhada olhando de um para o outro.
— Ponto para você, — Tony concorda, — Estamos juntos nessa. —
Sorri. — Vamos voltar para construtora. O que você tem em mente? — Repete,
mas continua acariciando a Leo.
Relutante Raphael foca nos olhos de Leo.
— Quero tirar ele dela, mas para isso não quero arrastar o nome da
construtora para lama.
— Entendo, é compreensível. — Tony olha para cima pensativo. —
E se você fizer um contrato, como a sua mãe teve que assinar, para que Álvaro
passe a parte dele para seu nome?
Raphael se pergunta o que Tony não sabe sobre ele?
“Eles não conhecem tal coisa como privacidade.”
— É possível?
— Sim, é. Com o advogado certo. — Tony responde.
— Mas assim ele não pagaria pelo que fez e sairia impune.
Os lábios de Leo puxam para o lado.
— Ele vai. Mas assim você pode ter a construtora intacta, a outra
forma é expor tudo e acabar com a credibilidade da empresa. — Leo fala.
— O que é mais importante para você? — Tony pergunta brincando
com uma mecha do cabelo da Leo.
— A construtora, é claro.
“Esquece a construtora e acaba com Álvaro!”
Não.
— Então você sabe o que fazer. — Tony diz. — Minha advogada
redigirá o contrato e encaminhará para você analisar. — Tony mexe no celular.
— Eu posso lidar com isso.
Raphael se constrange, pela ajuda gratuita que está recebendo.
— Eu sei, mas não seria seguro você falar com alguém muito
próximo de Álvaro. Esse homem pode comprar quem ele quiser e minha
advogada é de extrema confiança. — Tony explica.
— Obrigado. — Raphael cede.
— Não por isso, família é para essas coisas. — Ajeita o travesseiro.
— Boa noite!
— Você não vai dormir com ela! — Raphael olha para tela
espantado, irremediavelmente enciumado.
— Eu falo alguma coisa sobre você dormir com ela? — Tony
questiona e Raphael acha sua pergunta um tanto descabida.
— Não. — Responde firme.
— Então você pode estender a cortesia.
— Vocês sabem que eu estou aqui?
— Anjo?
— Zhizn?
Ela olha para Raphael e depois para Tony.
— Raphael, conecta o carregador no seu celular, vamos dormir
todos juntos, assim você pode ouvir e ver o que se passa no meu quarto e Tony
pode ficar.
Apressado, Raphael conecta o carregador, deita na cama e assiste ela
fazer o mesmo. Assim que Leo se deita Tony se aproxima e a beija com um selo
rápido.
— Eu te amo mais hoje do que te amei ontem. Boa noite Zhizn!
— Eu te amo mais.
— Boa noite Raphael! — Tony se deita abraçando ela.
“É incrivelmente doce. Se medir nossa glicose agora ela estará
alta.”
Leo olha para Raphael que os avalia com olhos estalados.
— Do que ele te chama?
— Zhizn é vida em russo.
— É sempre assim? — Aponta para trás dela.
— Não, ele raramente dorme no meu quarto, ele fez para te
provocar mesmo.
— Mentira. — Escutam a voz de Tony abafada pelo travesseiro.
Mesmo sem querer Raphael sorri.
— Certo, acho que mereci por ter falado besteira antes.
— Mereceu. — Tony responde.
Ele e Leo sorriem, ela boceja.
— Boa noite anjo, eu te amo!
— Boa noite, meu único eu te amo mais.
Não demora muito ela dorme e Raphael assiste sua respiração calma.
— Ei, está acordado? — A cabeça do Tony levanta.
— Não é fácil dormir vendo a minha namorada nos braços de outro.
— Diz com voz baixa.
Tony pega o celular e leva para o lado dele.
— Eu sei, não é fácil para mim saber que ela transa com você. —
Ele ajeita a tela do celular. — Para falar verdade, é difícil aceitar que ela transa.
Raphael sorri.
— Vocês transaram.
— Foi uma única vez há muito tempo.
— Você queria ter tido mais?
— É complicado, meu corpo reconhece ela como mulher, mas meu
cérebro não. É confuso, mas é a verdade.
— Explique?
— Ela é a mulher mais linda que já conheci, meu psicológico não a
reconhece, meu corpo até faz, no passado foi muito mais. Mas consumar é
impossível sem abrir velhas feridas, nós vivemos muita coisa juntos e
sobrevivemos. Sabe, quando falam sobre colocar as pessoas em um pedestal? —
Ele analisa a feição de Raphael.
— Sei.
— É isso, eu a coloquei em um pedestal e violá-la desta forma é
inconcebível. Eu a amo com tudo que tenho, sou louco por ela e só o fato de tê-
la ao meu lado é suficiente. Não preciso transar com ela, só preciso ser parte da
vida dela, porque ela é a minha Zhizn.
A declaração faz Raphael engolir a saliva com dificuldade.
— Eu posso aceitar, na verdade eu já aceito, mas teoria é sempre
mais fácil do que pôr em prática.
— Com o tempo será mais fácil.
— Ficará. Eu a amo tanto que chega à loucura também e não posso
afastar ela das pessoas que ama, mesmo as que ela não sabe que ama.
— Você notou, não é? — Tony tem a voz contida.
— Ela os ama e nem se dá conta.
— É porque ela só reconhece os sentimentos extremos. Seu amor por
nós dois é extremo, seu amor pelas crianças e nossa família é extremo. Mas seu
amor por eles é comedido.
— Como foi para você vê-la com eles?
— Eu nunca os vi juntos, exceto Miguel, mas eles nunca fizeram
nada menos que profissional em casa. Uma vez encontramos com Samuel e
também não foi nada demais. No começo confesso que não gostei, tive medo
dela me abandonar, mas eu tinha as minhas aventuras, seria hipócrita da minha
parte negar-lhe isto, então fiz a única coisa certa a se fazer, eu a apoiei. — Ele
suspira. — Ficava apreensivo por ela achar o único e ele não se adaptar a
nossa vida ou se ele a magoasse, então ficava feliz quando não o encontrava e
triste ao mesmo tempo por ela não encontrar. Tivemos o nosso quinhão de
merdas, mas eu fui capaz de encontrar um equilíbrio, porém ela não funciona
como eu. Encontrar você era o que ela precisava para achar seu lugar de paz.
— Obrigado, você esclareceu muito. — Respira relaxado.
— Se você a magoar, eu mato você! E não será rápido. — Ele
adverte com sorriso na cara.
— Se eu a magoar, por favor faça isso, porque eu mereço.
— Boa noite Raphael!
— Boa noite Tony! — Encerram a conversa em um acordo mútuo de
amor e convivência com ela.
Ele volta o celular para o lado de Leo, Raphael contempla o seu rosto
passivo os lábios entreabertos e respiração calma. Tony se deita abraçando-a e
ver a cena já não o incomoda tanto.
“Eu acho que gostei dele.”
Eu também.

— Anjo, que som é esse? — Para Raphael parece ser tiros.


— É do computador, não é nada demais. — O som é diminuído e
passam a conversar sobre o dia.

— Bom dia anjo!


— Bom dia, meu único! Como foi o treino? — Pergunta sorridente.
— Esse Gohan me odeia! Acho que não é ortodoxo o que ele ensina
e acho que ele se diverte cada vez que me acerta. — Protesta.
— O começo é assim mesmo, é novidade esses novos movimentos
para seu cérebro, logo você estará melhor.
— Se não é sobre os golpes e o treino ele nunca fala.
— Você ainda está investigando sobre os moradores?
— Estou, — suspira. — Adriano confirmou que eles irão morar no
convento, no nosso convento! — Faz birra, lembrando deles na torre do sino. —
Aquele lugar é lindo demais para que seja destruído por pessoas mesquinhas que
só pensam no dinheiro.
— Mas porque você continua achando que eles destruirão?
— Eu corri ontem na antiga estrada do convento e estava lá, a placa
do projeto de reforma e você não imagina qual era a construtora?
— Verona.
— Como você sabe? — Questiona. — Fiquei revoltado quando vi a
placa, foi como se eles estivessem me roubando mais uma vez.
— Probabilidade, ela é uma das melhores do país e fica na mesma
região que o convento. Logo os moradores escolheriam-na para reformar. Mas
eles não estão te roubando, a construtora voltará a ser sua e você até poderá
assumir o projeto de reforma.
— Faz sentido.
— Eu sei, te amo!
— Te amo mais!

Foram sete mortos ao todo. Fontes na polícia disseram que era


inevitável o ocorrido, pois essas pessoas tinham forte ligação com o crime
organizado que iam desde tráfico de drogas à suspeita com tráfico de armas.
Ficamos por aqui, voltaremos com mais notícias no telejornal do meio dia.
Raphael desliga a TV preocupado com as notícias sobre a costa que
não param de aparecer no telejornal.
— Que merda! Essas mortes não foram muito longe, cada vez mais
essa guerra contra o crime se aproxima da ilha. — Fala sozinho.
A porta se abre e Raphael espera a mãe entrar, já que ela é a única
que tem intimidade para entrar sem bater.
A mulher que entra não é sua mãe, de costas para Raphael e olhando
para o deck externo. De vestido branco e justo no corpo marcando suas curvas,
seu salto alto parece até um desafio se manter em pé sobre ele, o cabelo longo
está preso em um rabo de cavalo elegante.
Raphael fica em pé e cruza os braços esperando-a para que ele possa
expulsá-la, A mulher vira-se calmamente ficando cara a cara com ele.
O sorriso que ela abre, quase o desarma, tão rápido ele se lembra que
essa mulher, bisbilhoteira, invadiu a sua casa sem permissão. Ela parece não se
incomodar com sua cara de poucos amigos.
— Olá Raphael! — Fala com a voz calma.
— Quem é você? E por qual motivo acha que pode invadir minha
casa?
A mulher continua sorrindo. A frente do seu vestido tem decote
discreto que marca o suficiente dos seus seios. Ela é bonita, a pele oliva parece
seda e macia ao toque.
— Sou Paris, sua sogra.
Ele desmonta, se fosse humanamente possível teria que pegar o
queixo no chão.
“Puta merda, ela é a sogra dos sonhos, MILF, dos adolescentes.”
Ela não pode ser.
— Paris? A mãe da Leo, minha Leo?
— Essa mesma em carne e osso. — Sorri. — Bonita sua casa. —
Olha à volta.
— Eu não estava esperando que viesse. A Leo sabe que está aqui?
Raphael calcula que ela deve ter a sua idade ou menos.
Como pode ser mãe da Leo?
“Ela não é verdadeiramente mãe dela.”
— Ah não, queríamos fazer uma surpresa! Estamos na cidade por
conta da mudança e decidimos te conhecer pessoalmente. — Explica.
Como se estivesse esperando pela deixa, um homem entra porta a
dentro, forte como lutador profissional veste jeans, camisa e suspensórios de
couro marrom combinando com a bota. A barba, avermelhada, deixa ele com
feição séria como um homem raivoso entediado, louco por uma briga, o cabelo
ruivo curto na lateral e cheio no topo arrumado de lado. Os olhos esverdeados o
vigiam como águia. Não aparenta ter mais que quarenta anos, ele é
estupidamente bonito, do tipo que Raphael viu muitas mulheres do bar brigarem
para chamar a sua atenção.
— Olá! Sou Heitor. — Se apresenta com a voz grossa e entonada.
— Oi! — Responde no automático, ainda incrédulo.
Antes de fechar a porta Heitor chama mais alguém.
— Como vocês podem ser os pais dela? — Fala a primeira coisa que
vem em mente, olhando o casal lado a lado, fica ainda pior acreditar. Dois
homens entram com duas araras abarrotadas de roupas e uma mala enorme.
— Como poderíamos não ser, depois que ela deixa você entrar é
impossível não a amar. — Paris responde indo para o quarto puxando uma das
araras e dispensa os carregadores.
— Ela era jovem e menor do que é agora, acredita? — Heitor senta-
se no sofá com sorriso saudoso. — Desde sempre, ela se tornou a nossa
princesinha. — Raphael olha dele para Paris mexendo no seu guarda-roupa
como se fosse dela. — Não lute contra isso, roupas é o lance dela, acho que Leo
já te preparou para isso.
— Sim, tanto ela como Gaia deram indícios. — Eles se entreolham
sem jeito. — Acabei de fazer café, aceita um pouco? — Oferece quebrando o
silêncio constrangedor.
— Seria bom. — Ele responde. Raphael segue para a área da cozinha
pega o café e volta sentando-se de frente para Heitor. — Então suas intenções
são sérias com a minha filha?
— Desculpa, mas isso é surreal. Quantos anos você tem?
Heitor sorri e mesmo assim parece ameaçador.
— Quarenta.
— Quatro anos mais velho que eu, estranho.
— Suas intenções? — Volta ainda mais sério.
Raphael olha em seus olhos.
— As mais sérias possíveis, não imagino um mundo onde ela não
esteja. E dou tudo que tenho para fazê-la feliz.
— Essa é uma boa resposta. — Paris fala do quarto.
— De fato é mas se você a machucar… Farei você implorar para que
a morte te leve antes que eu termine com você. — A ameaça direta flui de Heitor
como se ele estivesse cantando uma canção de ninar. — E se minha esposa pegar
você primeiro você saberá que dor nunca é demais. — Paris sorri do quarto.
“Agora estou começando a me preocupar.”
Ele é o pai dela, está apenas assustando o namorado da filha. É
compreensivo.
“Eu não acho assim, não.”
— Entendi o recado, se eu a machucar, por favor, façam isso.
— Essa definitivamente é uma excelente resposta. — Paris fala e
Heitor afirma com a cabeça.
— Agora que estamos entendidos, que tal você me falar mais sobre
você? — Heitor continua.
Foi a hora mais intimidadora que Raphael já passou, eles
perguntaram de tudo e mais um pouco, ele se sentiu em um interrogatório
policial com direito a gotículas de suor brotando em sua testa. O pior era que,
apesar de saber as repostas por se tratar de sua própria vida, ele ficou apreensivo
com medo de responder errado.
Paris tirou todas as suas roupas com exceção das três camisas que ela
o presenteou, amontoou tudo em uma das araras, cada vez que foi pego olhando
para ela jogando uma de suas roupas, Paris elevou uma das sobrancelhas
incitando-o a protestar, seu olhar poderia gelar a alma de qualquer cristão.
Raphael abaixou a cabeça, engoliu seco e voltou para seu
interrogador.
“Continua assim, são roupas apenas, você não gostaria de entrar em
desgraça com sua sogra?”
Não, claro que não! Mas ela não pode invadir meu espaço dessa
forma.
“Ela fez, assim com a Anjo.”
É só que, não imaginava nada como isso, eles me aceitaram rápido
demais.
“A questão não é eles, somos nós.”
Foram anos com Saul, Álvaro e Valentina. Anos. Eles nos traíram e
nos roubou e essa família parece nunca ter tido problemas com confiança, eles
aceitam tudo e compreendem. É uma merda! Me sinto como a porra da aranha
atraindo-os para minha teia de mentiras e desconfianças.
“Eles não são ingênuos como aparentam, relaxe e segue o fluxo.
Eles não nos deram motivos, pelo contrário, eles só fazem nos ajudar.”
Sabem o que dizem sobre as boas intenções e o inferno?
“Sabe o que dizem sobre olhar para o abismo durante muito
tempo?”
— Filho, o que são essas pessoas estacionadas em frente de casa? —
Ângela pergunta entrando pela porta de acesso do Bar, sem se dar conta dos
convidados. Ela olha para Paris e Heitor. — Não sabia que tinha visitas. — Sorri
compassiva e se aproxima primeiro de Heitor. — Desculpe pela entrada nada
educada, eu sou Ângela mãe do Raphael!
Heitor aperta a mão de Ângela.
— Não há com que se desculpar, nós de fato fizemos bagunça em
seu quintal. Sou Heitor. — Ele sorri amigável.
Caramba ele foi gentil, nem sabia que ele podia ser menos que
assustador.
“Vai ver ele só guarda isso para pessoas que transa com a filha
dele.”
Cala a boca.
— Sou Paris e estava ansiosa para te conhecer! — Paris se aproxima.
Ângela olha deles para Raphael incrédula.
— Os pais da Leo? — Pergunta duvidosa.
— Somos nós. — Paris a abraça pegando-a de surpresa. — Temos
tanto para conversar.
— Vocês não são nada como pensei que fosse. — Ângela assume
contida.
— Isso sempre acontece, não se preocupe, estamos acostumados.
— Vocês ficarão para almoço? — Pergunta animada.
— Nada seria melhor. Naveen chegará em breve, ele foi até o hotel
fazer check-in. — Sorri. — Querido, eu terminei com as roupas do Raphael,
poderia pedir para Kala subir e arrumar o restante?
— Claro, pequena. — Ele sorri para ela afetuosamente seus olhos até
chegam a brilhar.
Bizarro.
“É só você que desperta o olhar homicida.”
— O que aconteceu por aqui? — Ângela olha a pilha de roupas
amontoadas no chão.
— Vocês são da família e filho meu não fica menos que impecável.
— Paris discursa. — Ângela querida trouxe algumas peças para você escolher,
vamos descer, estou ansiosa para lhe mostrar. Gaia escolheu muitas delas. — E
como passe de mágica o maior sorriso que Ângela pode dar se liberta com
menção de Gaia.
— Eu também posso escolher? — Raphael pergunta diante da
possibilidade.
— Não! — Paris é enfática, e Heitor sorri debochado.
Ângela e Paris e descem a escada de acesso.
— Ao menos você tentou, não é? — Ele chama no celular a tal Kala
e em segundos ela aparece na porta e inicia a organização levando as roupas para
seja lá onde for. — Gosta de mecânica? — Heitor pergunta voltando para se
sentar no sofá, Raphael nota, em seu caminhar, o puxar de uma de suas pernas.
— Sim um pouco, Leo mencionou que você e as crianças estão
reformando um Impala 67, como está indo?
A conversa continua fluindo mais amigável do que poderia imaginar.
LUKA

A Ilha de São Pedro parece estar sobre encanto, as pessoas nunca


foram tão simpáticas como tem sido desde que a nova ordem foi instaurada.
Uma lufada de esperança que atingiu todos.
— Olha só quem eu encontrei? — A voz vem por trás e Luka sente
ânsia.
— A ilha é pequena demais para não nos encontrarmos, Wagner. —
Continua andando soando indiferente.
Como minha prima aguentou essa merda por tanto tempo, eu nunca
vou entender. Ao menos o dano foi reparado a tempo.
— Foge não, aberração nojenta. — Wagner segura seu braço com
força, mas a força física não é maior que suas palavras. — Eu sei que você tem
alguma coisa a ver com o sumiço do meu irmão. — Acusa cheio de violência.
— Me solte! — Luka tenta puxar o braço de volta, mas Wagner
ainda o mantém apertado.
— Isso não vai ficar assim! Você e sua família irão pagar caro por
isso. — Esbraveja ensandecido.
— Eu não sei do que você está falando, o seu irmão tentou contra a
vida da minha prima e de todos que trabalham no Bar. Eu não sei onde ele está,
desde que a polícia o levou. Mas seja lá onde estiver, espero que ele esteja
pagando por tudo que fez a Manuela e a todos que por causa dele tiveram suas
vidas em risco.
O punho de Wagner eleva sob seu rosto, Luka fecha os olhos, o
choque não chega. Abre os olhos e depara com uma mão que nunca viu antes,
segurar o punho cerrado de Wagner, antes que encontrasse seu olho esquerdo.
— Olha quem eu achei, o valentão da ilha. — A voz vem do lado de
Luka, calmo e até zombeteiro com sotaque que não reconhece. Ainda em
choque, não consegue virar e olhar para o restante do corpo que pertence a mão
salvadora. — Solte-o. — Ordena a Wagner que ainda o segura.
— A aberração tem um coleguinha? — Wagner achincalha, e só para
quando o punho da outra mão que salva Luka, encontra o lado esquerdo de seu
rosto.
— Você não tem a dimensão de como odeio valentões e
preconceituosos. — Ele continua socando-o depois de empurrar Luka para trás,
longe dos golpes, com o qual Wagner é presenteado. — Nunca mais encoste nele
ou em qualquer outro ou serei a evocação dos seus piores pesadelos. — Dois
policiais correm pela multidão que os cercam e em vez de separar o forasteiro
que bate impiedosamente no Wagner eles hesitam. — Tire esse monte de lixo da
minha frente. — Comanda aos policiais que olham dele para Wagner, levantam o
homem, em estado quase desacordado, e seguem para o carro estacionado.
— Como você está? — Luka se volta para o homem que mantém a
atenção de todos que assistem.
— Bem e você? — O homem olha-o de cima a baixo, procurando
por qualquer desalinho em Luka.
— Bem, obrigado, se não fosse você talvez não estaria tão bem. —
Nota a mão ferida do seu salvador. — Sua mão?
— Não é nada. — Foi nesse momento que Luka reparou nele.
Alto, e mesmo vestindo uma camisa de modelo longo, algum tipo de
roupa indiana de cor azul escura que evidencia seus músculos, a calça branca
marca pernas fortes e nos pés uma despretensiosa sandália de couro marrom.
Tudo muito bom, mas é no rosto onde se concentra toda a força, o maxilar
proeminente e maçãs marcadas duramente sombreadas pela barba que começa
nascer. A boca desenhada a perfeição com o lábio inferior levemente mais
grosso, nariz reto e alongado, os olhos são do tom mais escuro de castanho e os
cílios longos desses que mulheres morrem para ter, as sobrancelhas grossas e
marcada, cabelo castanho escuro longo até o ombro com um corte undecut, com
mechas azuis apenas na nuca coberto pelo restante. Ele tem no rosto uma ameaça
velada e ao mesmo tempo a promessa explicita de prazer.
A multidão ainda olhando se dispersa.
— Me chamo Luka! — Estende a mão que é engolida pela mão do
estranho salvador em seu aperto forte.
Um sorriso malicioso desponta.
— Naveen Kapoor. — Olha o relógio. — Estou atrasado, foi um
prazer Luka, garanto que nos veremos em breve. — Sorri.
Luka volta a respirar forte, pois nem tinha notado que havia parado a
função estritamente primordial.

Dizem que somente um novo amor para poder fazer


esquecer o antigo. Será?
Amores não se esquecem, acontece que eles adormecem
esperando o canto exato para despertá-los.
“Nós recebemos o que merecemos? O tempo passou enquanto
caíamos. Você teria coragem de olhá-los bem nos olhos?
Porque eles vão te perseguir. Até a escuridão”.
(Way Down We Go – Kaleo)
CAPÍTULO 32
RAPHAEL

Junto a Ângela, Paris, a sogra, prepararam a comida conversando


como velhas amigas. Raphael nunca conheceu nada parecido como essa família,
a forma que todos se portam, a simplicidade e humildade escorrem por suas
palavras e ações.
— Mãe, pai? — Alguém chama da porta. Um homem moreno e forte
entra com total intimidade. — Não acredito que comeriam sem mim? —
Choraminga e Raphael não consegue segurar o sorriso.
Naveen não é nada parecido com Leo e Tony, mas de algum jeito ele
é igual a eles, a todos eles. Seu físico é forte assim como de Heitor e Tony, é
bonito e vendo-o de perto entende as histórias que Leo contou sobre ele.
— Ângela querida, esse é Naveen. Meu filho mais velho. — Paris
apresenta-o.
Naveen se aproxima de Ângela e lhe dá um abraço apertado e dois
beijos no rosto.
— Menino, o que aconteceu com a sua mão? — Ângela pergunta e
ele sorri, como se as escoriações fossem troféus.
— É uma boa história, estava vindo para encontrar os novos
membros da minha família, — sorri malicioso para Ângela, — quando salvei
Luka de uma briga que ele estava prestes a perder contra um homem chamado
Wagner. Meu punho encontrou a cara dele e gostou tanto que voltou a tocá-lo
muitas vezes até a polícia levá-lo.
— Vá lavar as mãos para que possamos comer? — Paris manda
apontando a porta do banheiro e ele segue o caminho.
— Você não quer ver se ele precisa de curativos? — Ângela oferece
temerosa.
— Não precisa, uns socos não devem ter lhe custado nada além de
alguns arranhões, já o receptor dos golpes deve estar precisando de muito mais
ajuda. — Paris entona despreocupada e discretamente orgulhosa.
— Esse Wagner… quem é? — Heitor pergunta.
— É irmão do Lázaro, o homem que apontou a arma para Leo. —
Raphael informa.
— Agora o irmão fará companhia para o outro. — Heitor fala com
frieza.

Anjo
Está vivo?
12:43 pm

Raphael
Sim. Seu irmão salvou Luka de
uma briga e acho que minha mãe o
adorou.
12:43 pm

Anjo
E você como está?
12:44 pm

Raphael
Primeiro fiquei cético…
ELES TÊM A MINHA IDADE!!
12:44 pm

Anjo
São apenas números, já tivemos essa conversa…
12:44 pm

Raphael
Ter avisado seria bom.
12:45 pm

Anjo
Rss…
12:45 pm

Raphael
Enfim, depois tive medo de não
passar no interrogatório de seu pai agora
acho que ele está começando a gostar de
mim.
12:46 pm

Anjo
Isso é bom?
12:46 pm

Raphael
Com certeza! Seu pai e eu
vamos pescar amanhã em alto-mar.
12:47 pm

Anjo
Você não tem ideia no que está se metendo…
12:47 pm

Raphael
O quê?
12:47 pm

Anjo
Ele te convidar para pescar quer dizer que ele te
aprova. Se prepare, pois agora você faz parte do
clube e vou te falar, ele vai sugar sua energia.
12:48 pm

Raphael
Meus Deus…
12:48 pm

— Ela tem razão, você passou. — Naveen lê as mensagens por cima


do ombro de Raphael, — E por Ganesha você será levado ao extremo por ele.
Gosta de acampar? Não importa ele vai te arrastar e você não terá escolha, nunca
terá. Bem-vindo a família! — Parabeniza abraçando-o e beijando seu rosto. —
Você é ainda mais bonito pessoalmente, a foto que eu tenho não faz jus a sua
pessoa. — Liga o celular para mostrar a foto como protetor de tela e nela
Raphael está parcialmente coberto.
— Obrigado? Eu acho.
— Não por isso. — Naveen responde indo para mesa.
Raphael olha para Heitor sentado no sofá à sua frente com a cara
séria, e começa a confirmar que essa feição é destinada somente para ele.
— Eu gosto de acampar.
Heitor acena com a cabeça sem falar nada e senta ao lado da Paris à
mesa.
Ele me odeia.
— Pelo tamanho de vocês, entendo o que Leo disse sobre todos
saberem lutar, como fez com Lázaro. Se não fosse por ela não posso imaginar
como teria acabado aquela noite.
Raphael pode ver a inclinação insatisfeita da boca do Heitor.
— Leo nos contou o que aconteceu, mas ela sendo quem é se atentou
mais com o fato de ter ganhado sorvete e descontos e em como essa ilha parece
idolatrá-la. — Naveen conta enciumado.
— Ela com certeza é! — Ângela confirma.
— Sendo assim terei que fazer por merecer para me igualar a ela. —
Naveen brinca e dá uma grande garfada.
— Não vai precisar, Lázaro e Wagner são indesejados por
praticamente todos. Ter defendido Luka hoje com certeza te colocou em alta.
Todos já devem estar comentando. Hoje no Bar, você será o assunto. — Raphael
declara e Naveen se ilumina de contentamento.
— Pronto agora você tem um problema! — Heitor aponta para
Naveen. — Esse aí ficará no seu pé a noite inteira. — Garante.
Naveen olha como cachorro que caiu da mudança.
— Você será bem-vindo no Bar.
Tanto Naveen como Ângela sorriem satisfeitos.
Depois do almoço, todos conversam animadamente sobre tudo. A
casa de Ângela nunca teve tantos risos, Raphael relaxou completamente perto
dos sogros e seu cunhado, é algo a se dizer ver Heitor caçoando dele e seus
casos, sem se importar se o filho fica com homem ou mulher, um fato é claro,
eles aceitam o filho como é e nada importa desde que ele seja feliz. Paris tem
humor afiado. Heitor, apesar da cara de bravo cai nas graças de Ângela e se
derrete com ela. Naveen é provável que até o fim do dia seja adotado por
Ângela.
Raphael sente a expansão de seu coração para caber seus novos
moradores.

Naveen, assim como a irmã parece não se importar com o trabalho.


— Você ama mesmo a minha irmã? — Pergunta enquanto abaixa as
cadeiras do salão.
— Mais do que achava ser possível. — Raphael fala totalmente
sincero.
— Isso é bom, mas se você a magoar farei você desejar que nunca
tivesse nos conhecido. Você desejará morrer, mas estarei lá para garantir que isso
não aconteça. — Cada palavra amável foi proferida com muita solidez.
Raphael não sabe se foi o tom de voz ou o olhar sem brilho, mas de
todas as ameaças que a família o fez a de Naveen foi a única que lhe causou
arrepio.
— Se eu um dia a magoar, merecerei cada punição que vocês
poderão infligir. — Assegura e Naveen sorri satisfeito. — Fico feliz em saber
que ela encontrou a melhor família que uma pessoa poderia ter.
— Você também faz parte desta família, não se esqueça.
E Raphael fica imensamente agradecido.
— Ângela, você não vai acreditar fui salvo pelo anjo mais lindo que
já pisou na terra! — Luka entra da cozinha para o bar, dando de cara com
Naveen e Raphael. — Oh merda! — Se cala envergonhado.
— Luka, acho que você já conheceu meu cunhado Naveen. —
Raphael tenta se manter sério e impassível, mas falha grandemente.
— Eu disse que nos veríamos em breve. — Naveen sorri como um
felino cortejando a caça.
O movimento do Bar inicia. Como era de se esperar, Naveen é o
assunto e todos o adoraram logo de cara, ainda mais depois de saber sobre seu
parentesco com Leo. Se ser idolatrado era sua missão, ele consegue com louvor.
Alessia tentou de tudo para ter a atenção de Naveen, mas ele é
indiferente, e quando ela percebeu que não teria nada passou a esnobá-lo. Manu
por outro lado teve muita atenção dele de um jeito fraternal, que só fazia com
que Luka não parasse de lhe dar olhares. Àqueles olhares…
A capacidade dessa família de criar laços é impensável.
“É como se eles tivessem radar sobre quem gostar e quem não…”
— Nunca imaginei que você fosse esse tipo de pessoa? — Alessia
destila.
— E que tipo seria esse? — Raphael entra no jogo sem paciência.
— É só olhar para o quanto você mudou, — aponta para as roupas e
para o relógio, absurdamente caro no pulso — você odiava esse tipo de pessoa e
agora eles estão te tornando um deles. Escute o que eu digo, eles te darão o céu e
o mar só para ter o prazer de tirar. — Os olhos de Alessia são como uma cortina
de fumaça, mas quando se esvai percebe-se a dimensão do estrago.
— Você nunca esteve mais enganada, sugiro que cuide, única e
exclusivamente, da sua vida. E, da próxima vez que for falar da minha família
pense duas vezes, pois não admitirei que destile seu veneno sobre eles.
Raphael espera que ela faça a jogada final para ele se livrar dela em
definitivo, entretanto ela recua e segue para cozinha com passos pesados.
— Contava que ela fosse pedir as contas agora. — Ângela fala a suas
costas.
— Eu também. — Assume decepcionado. — Que ela ao menos pare
de tentar envenenar as pessoas.
— Ela pode até parar por uns dias, mas não mudará a sua natureza.
— Raphael sente a mão da mãe no ombro. — Em menos de dois meses nossa
família aumentou. Nunca pensei que voltaria a ser plenamente feliz de novo, seu
pai está nos abençoando de onde ele estiver. — Ele beija a cabeça da mãe.
— Ele está. — Sorriem e olham para Naveen ajudando Manu a servir
uma mesa dupla.

A pescaria foi divertida. Passaram a manhã em alto-mar pescando e


conversando sobre muitas coisas, Leo principalmente. Heitor se orgulha do
trabalho que ela desempenha e em tudo que ela se prontifica em fazer. Naveen
conta histórias das crianças, e elas têm todos eles, inclusive Raphael, presos em
seus anzóis.
Raphael se espanta quando vê a perna mecânica de Heitor e ele lhe
conta sobre o acidente que sofreu servindo para as forças especiais de seu país e
em como é agradecido de ter perdido apenas uma perna, pois de tudo que viveu
jamais poderia imaginar que com um chute descuidado ele poderia matar um
homem se estiver com determinada prótese.
Raphael fica assombrado, seu sogro fala com tamanha indiferença
que pareceu que já havia feito tal coisa.
Era fim de tarde quando eles se despediram de Raphael e Ângela,
garantiram voltar em breve, ambos esperam que seja logo.

“Está noite foram mais três assassinatos, a polícia os identificou


como traficantes notórios, seus nomes encabeçavam a lista dos mais
procurados de acordo com o delegado essas mortes foram resultados de uma
possível guerra entre gangues, sem nenhum envolvimento com ações
policiais.”
— Ontem foram sete e essa madrugada foram mais três. Aonde
iremos parar com tanta violência? — Ângela desliga a TV preocupada.
— O que mais me preocupa é saber que a Leo e a família dela estão
se mudando em meio a essa guerra. Eu sei que eles devem ter segurança, mas
ninguém está protegido. — Raphael reflete.
— O que nos resta é pedir a Deus que os proteja. — Fala temerosa.
Amém.

Anjo
Carregar imagem…
07:21 pm

Raphael
Você está linda!
Alguma comemoração especial?
07:21 pm

Anjo
Encontro com Tony, vamos jantar e dançar.
Você conversou com a sua mãe sobre a
construtora?
07:22 pm

Raphael
Não.
07:22 pm

Anjo
Por quê?
07:22 pm

Raphael
Recebi os documentos da
advogada e estava estudando-os.
Seus pais vieram e não quis
estragar o dia dela.
07:23 pm

Anjo
Entendo…
07:23 pm

Raphael
Bom encontro.
Me chama quando chegar.
07:24 pm

Raphael
Te amo!
07:25 pm

Anjo
Te amo mais!
07:25 pm

O telefone toca em videochamada e Raphael acorda assustado.


— Tony? — São duas e meia da madrugada.
— Shiu! Ela está dormindo. — Muda a posição do celular para que
ele a veja na cama dormindo.
Raphael não deixa de notar que a cama não é a dela.
— A noite foi boa?
Tony leva o celular para o banheiro.
— Foi. Sempre é! — Começa a escovar o dente.
Raphael esfrega o rosto sonolento.
— Ela costuma se esgotar tanto? — Pergunta.
Tony sai do foco e pelo barulho sabe que ele está urinando.
— Não, mas ela está trabalhando mais esses dias e isso não é bom.
Quando ela cisma com alguma coisa, tende a sair da linha. Por isso temos que
garantir que ela não se esforce tanto. — Ele volta para foco.
— Isso ainda é sobre esse sindicalista, ela está preocupada por ele
está dificultando a mudança. — Tony volta com o telefone para quarto, puxa o
edredom e senta ao lado dela.
— Ele está, e quanto mais dificulta mais ela irá atrás dele. Esse é o
problema.
— Você está preocupado?
— Um pouco, por isso ficaremos mais atentos a ela. — Recomenda.
— Ok, boa noite Tony!
— Boa noite Raphael! — Ele coloca o celular no criado-mudo de um
jeito que Raphael possa observá-la dormindo, se deita ao lado dela e a abraça.
Raphael volta a dormir.

O bater na porta não cessa.


— Já estou indo! — Raphael grita.
Uma mulher de vestido preto com a cintura marcada e fenda até a
altura da coxa espera na porta. O salto fino de seu sapato preto a deixa quase na
altura de Raphael. Ela tira os óculos escuros e revela olhos castanhos intensos,
balança discretamente a cabeça para afastar dos olhos o cabelo loiro escuro curto
na altura do pescoço e a frente mais longa.
— Senhor Raphael, receio que nosso tempo acabou. — Estende a
mão. — Prazer, sou Alina, sua advogada. — Sorri amigavelmente, mas seus
olhos denotam sua voracidade.
Raphael aperta a mão estendida.
— Entre e por favor, sente-se. — Indica o sofá para ela e ele senta na
poltrona ficando de frente a ela. — Como assim o tempo acabou?
O olhar compenetrado dela o cerca.
— Foi agendada uma reunião com os novos investidores da
construtora para que possam definir as novas diretrizes. Essa reunião é crucial,
chegou a meu conhecimento que Álvaro, por deter a maior parte da construtora,
quer iniciar novos investimentos e fazer parcerias com essas empresas que ele
vem recebendo propina há anos e não para nisso, ao fazer essas parcerias os
projetos que darão andamento estão superfaturados, alguns até mesmo serão
projetos executados com material de má qualidade. O senhor está me
acompanhando? — Pergunta impaciente.
— Esses investidores novos não podem impedir? — Pondera,
indeciso.
— Não, eles têm quarenta por cento da empresa contra Álvaro que
tem sessenta por cento. Ele só vendeu essa parte da empresa para conseguir o
capital para os investimentos, mas ainda detém o poder. Ou seja, ele continuará
fazendo o que sempre fez. — Alina assegura.
Raphael cerra os punhos com raiva.
“Não deveria ter protelado por tanto tempo.”
— A reunião com os novos investidores inicia em duas horas, se
você quiser impedir, esse é o momento. — Assevera. — O que vai ser? — Alina
o encara.
— Vamos a essa reunião! — Levanta agitado.
— Ótimo! Vista algo apropriado, aguardo você no carro. — Ela
levanta, e fecha a porta ao sair.

Raphael
Estou indo a construtora.
08:05 am

Anjo
Vá lá e tome o que é seu!
Lembre-se, você não está sozinho, a família lhe
dará apoio.
08:05 am

Raphael
Nove dias sem você parece um
ano…
Seu cheiro já saiu do
travesseiro…
08:07 am

Anjo
Sinto sua falta também.
Irei em breve, só preciso resolver algumas
coisas da mudança.
08:07 am

Raphael
Você está trabalhando demais.
Ontem se eu não ligasse para Tony te
buscar, você teria dormido no sofá do
escritório.
08:07 am

Anjo
Eu não estava dormindo, estava criando uma
estratégia de ataque.
08:08 am

Raphael
Para mim, parecia que estava
dormindo.
Vem para casa e descansa um
pouco.
08:08 am

Anjo
Irei, me dê alguns dias…
08:08 am

Raphael
Dias? Não, esqueceu que o
diretor da sua fundação chegará na ilha
depois de amanhã? Você tem que estar
aqui para recebê-lo.
08:09 am

Anjo
Já conversei com a sua mãe, ela cuidará dele.
Estou a ponto de encontrar uma peça importante
e quando terminar, esse sindicalista será alvo
fácil.
08:10 am

Raphael
Anjo…
ALVO?
ESTRATÉGIA DE ATAQUE?
O que você está realmente
fazendo?
08:11 am

Anjo
Modo de falar.
Eu estou juntando informações sobre ele.
Tenho que conhecer para poder saber como
lidar…
08:11 am

Raphael
Só venha para casa e poderá
explicar melhor sobre como você está
obtendo informações.
08:12 am

Anjo
Eu te amo!
08:12 am

Raphael
Eu te amo mais!
08:13 am

Raphael se vê no reflexo do espelho, a camisa branca de botão tem a


manga dobrada até cotovelo deixando as tatuagens aparentes. Está com calça
azul-escuro, que Leo chamou de cropped, acima da canela com estampa
minúsculas e tênis branco para completar. Roupas que Leo o ajudou a escolher
dizendo que ele tem que chegar sendo o Raphael de hoje e não o que não existe
mais. O cabelo preso em um coque, a barba bem aparada e alinhada, óculos
escuros e o relógio que faz com que ele sinta sua anjo ao seu lado. Talvez seja
por isso que não tira a monstruosidade cara, como ele chama o relógio.
“Não somos mais aquela pessoa, vá e mostre a eles o que nos
tornamos.”

O edifício teve muitas alterações, mas sua essência permanece


intacta. Não tem como negar que ao entrar fica apreensivo em ser barrado. Jesus
ainda ocupa o seu lugar na portaria, o cabelo todo branco pela idade avançada,
mas o sorriso permanece o mesmo. Alina anda ao seu lado altiva, sua força é
invejável. Ela usa um crachá para liberar a entrada seguindo direto para o
elevador, todos os olhos os acompanhando, mas apenas Jesus detém o sorriso de
reconhecimento.
O elevador para no último andar. Alina lidera o caminho ignorando a
recepção, se alguém entrasse em seu caminho, ela pisaria com seu salto ultrafino
como se não fosse nada além de um inseto.
Caralho, ela é foda.
Nesse andar, muitos o reconheceram, mas ninguém ousou os deter.
“Veja, a vagabunda da Lysebel continua aqui.”
Por pouco tempo.
— Raphael? — Ela fala descrente e ele ignora.
Antes de se aproximar da sala de reunião, dois seguranças saem de
lados opostos e os seguem, Raphael cerra os punhos até que nota que eles não
irão impedi-los e sim o contrário.
Escoltas. Temos escoltas!
“Porra, ela pensou em tudo!”
Sorri satisfeito.
Na sala estilo aquário, Álvaro, Saul, Sophie e a corja de advogados
tem seus olhos ejetados, assim que notam a presença imponente de Raphael e
Alina que entram na sala sem bater, os seguranças fecham a porta atrás deles e
aguardam do lado de fora.
— O que você está fazendo aqui? — Saul fala com grosseria.
Raphael olha com frieza e lembra que além do dossiê do Álvaro,
recebeu o dele com os projetos que adulterou, as remessas de suborno que
recebeu sendo depositado em contas de paraísos fiscais em nome dele e também
as remessas de dinheiro que envia periodicamente para Valentina.
“Que maravilha será este dia.”
— Seguranças!! — Álvaro chama levantando da cadeira na cabeceira
da mesa.
— Cala boca e senta. — Raphael sente a voz vibrar e sorri quando
Álvaro obedece a seu comando. — Alina, por favor, os documentos. — Como
um lobo cercando a caça, ela entrega a pasta com dossiê com qual foi
presenteado por sua mulher.
Senta na cadeira oposta a de Álvaro e assiste ele mudar as páginas e
junto, as cores em seu rosto gordo passa de vermelho de raiva a branco de medo
e de volta, ao vermelho, mas agora assustado.
Saul o encara enfurecido.
— Como você se recuperou do nosso último encontro? — Provoca
dissimuladamente, notando-o olhar para Sophie temeroso. — O quê…? Você…?
— Sorri. — Não…, você não…? — Raphael prolonga a tortura. — Ela não
sabe? — Olha para Sophie que o encara receosa. — Conta você ou eu? —
Pergunta para Saul sem desviar o olhar dela.
— Eu não sei do que você está falando. — Saul assume
apressadamente.
Raphael sorri e tamborila com os dedos na mesa.
— Pois bem, falo eu. — Raphael anuncia olhando para ele a tempo
de ver suas pupilas dilatarem de medo, então se volta para Sophie. — Há uns
dias, eu encontrei com Saul. — Sorri com frieza. — Imagine só, estava com a
minha mulher comprando lingerie e encontro Saul e Valentina fazendo compras
também. — Estala a língua, tsc, tsc, Sophie engole em seco olhando com tristeza
para Saul.
— Eu estava lá para comprar um presente para você. — Tenta
explicar.
— Own, vai mandar essa mesmo. E quanto a Valentina? — Incita.
— Foi coincidência. — Ele continua.
— Sério? — Raphael ironiza. — E ela tropeçou caindo de boca no
seu pau em um dos provadores? — A lágrima escorre no rosto de Sophie e ele vê
fogo em seus olhos.
“Alimenta essa chama, dê a ela a última gota.”
— Se não acredita em mim, olhe por si mesmo. — Liga o celular
colocando o vídeo da câmera de segurança da loja. — Uma imagem vale mais
que mil palavras.
As mãos de Sophie tremem a cada avanço do vídeo.
— Como você pôde? Você prometeu que tinha terminado tudo com
ela quando nos casamos. — Sua voz sai engasgada.
— Eu terminei, Soso.
Raphael ri alto do apelido e da mentira descarada.
— Eu juro pelo nosso filho, isso não foi nada. Ela praticamente me
forçou.
Alina ri, discretamente.
— Ela te forçou? E você jura pelo seu filho? — Raphael encara-o
dissimuladamente e volta para Sophie. — Sinto pela criança, mas ele mente. A
julgar pela pensão gorda que ele deposita todo mês para ela, desde o quê? —
Olha para cima fingindo pensar. — Sempre. — O celular cai da mão dela na
mesa de tanto que suas mãos tremem.
— Seu desgraçado. Eu vou acabar com você! — Ela grita.
— Se quiser, posso mandar essas imagens e também o demonstrativo
de depósito para que você possa usar como prova em seu contrato nupcial. —
Oferece com a voz pacificadora.
— Já chega, Sophie! — Álvaro grita fazendo ela se calar
imediatamente.
— Mas pai… — Tenta protestar, mas silencia ao olhar para o rosto
severo do pai.
— Do que se trata isso Raphael? O que você pretende? — Álvaro
questiona.
— Alina, o próximo documento, por favor. — Com muita calma, ela
entrega o acordo final.
Sentado Raphael assiste ele ler e reler cada página.
— Isso é impossível!
— Não, não é. Se bem me lembro, minha mãe assinou um muito
parecido com esse.
Álvaro pisca incrédulo, entrega o documento para seus advogados.
Eles leem e releem página por página.
Saul o encara como se fosse o demônio e Raphael se deleita com
cada fragmento de medo que vê em seus olhos, Sophie, encara-o com o rosto
borrado de maquiagem.
Feia, muito feia.
Álvaro afrouxa a gravata do seu pescoço gordo.
Desgraçado.
— Álvaro, esse acordo só tem validade com a assinatura do novo
investidor associado? — Um dos advogados fala.
Merda, merda, merda!
“Não chegamos até aqui para morrer na praia.”
Álvaro sorri como se tivesse ganhado o jogo.
— Essas informações foram obtidas ilegalmente, você não sairá ileso
se seguir com isso. — Ameaça. — O investidor nunca assinará esse acordo. —
Ele olha para o vidro e sorri abertamente. — Ele acaba de chegar, saia enquanto
ainda pode.
A porta abre e Raphael se recusa a tirar os olhos do Álvaro.
“Não desista, nem que para isso tenhamos que perder a construtora
e tudo que representa. Destrua eles, acabe com todos!”
— Desculpa o atraso, espero que não tenha perdido muito.
Reconhece imediatamente a voz com o sotaque russo quase apagado
no fim de cada palavra. Tenta segurar a gargalhada que aflora e não consegue,
vira-se para o homem com quem partilha um coração.
— Porque você não me contou que estava na cidade? — Pergunta
com mesmo nível de alívio e frieza.
— E estragar isso! Você conhece a família, gostamos de entradas
dramáticas. — Tony sorri e o abraça pegando-o de surpresa, contudo Raphael
retribui. — Então o velho escroque está dando trabalho? — Pergunta quando se
afastam.
— Não, ao que tudo indica ele não tem muita opção.
Tony puxa a cadeira ao lado de Raphael e se senta.
Com admiração, Raphael se atenta a beleza que pelas chamadas de
vídeo não é possível notar. Tony é alto com quase dois metros e forte, muito
forte. Ele é ainda maior que Heitor, a pele albina é inacreditável, como se ele
fosse feito de mármore, os olhos violetas trazem cor ao mesmo tempo que são
tão frios quanto os polos. As roupas são algo a se dizer, Paris com certeza faz
dele seu manequim mais ousado, o terno e calça cropped azul-marinho com
quadriculado branco, camisa branca e sapato preto o faz se destacar de uma
forma que nenhum design de roupa acharia ser possível. O cabelo de corte médio
arrumado faz o branco parecer brilhar de tão claro. Na mão a aliança de corte
reto com a faixa de esmeralda circulando em uma única peça, porém foi o pulso
que chamou a atenção de Raphael, o relógio onde o dele é ouro rose o de Tony é
branco com pequenos diamantes incrustado envolta da caixa. Tony olha para o
de Raphael e sorri em cumplicidade.
— Antony, vocês se conhecem? — Álvaro pergunta apontando na
direção de Raphael, seus lábios estão sem cor e seu sorriso vitorioso está
vacilante.
— Ah sim, Raphael se casará em breve com a minha irmã. — Tony
responde indiferente e Raphael sorri com sua resposta. — Ao que tudo indica,
você precisa assinar um certo documento?
Álvaro engasga e os advogados olham para ele impassíveis.
— Veja bem, essas informações são infundadas, esse homem não
passa de um lunático agressivo. Olhe para como ele se apresenta e essas
tatuagens… — Álvaro ataca.
— Não acho que sejam infundadas. Acha mesmo que não averiguei a
construtora antes de injetar meu dinheiro nela? Achou que eu seria ingênuo a
esse ponto? — Cada pergunta parecia fazer Álvaro diminuir ainda mais em sua
cadeira. — Você tem duas opções: assina e saia com o mínimo de integridade
possível ou fique para ser preso por fraudes e uma série de outros delitos que
você cometeu.
Os olhos deles são injetados com medo.
O advogado que segurava o acordo entrega rapidamente o
documento para Álvaro e outro entrega com a mesma urgência uma caneta.
Raphael e Tony contemplam enquanto ele assina, as mãos trêmulas de quem
acabou de perder muito.
— Senhores, solicito que assinem o campo de testemunhas. — Alina
orienta e os advogados assinam apressadamente entregando o documento de
volta para ela. — Obrigado.
— Vocês têm uma hora para limparem suas salas e não pensem nem
por um segundo que poderão sumir com qualquer documento, há dias estamos
coletando provas contra vocês. Juntamos tudo e não deixamos nada para trás.
Nada! — Tony bate na mesa assustando-os fazendo-os se levantarem. — Sugiro
que deixem a cidade e não olhem para trás, aqui não é mais um lugar seguro para
vocês. — Com isso eles correm.
Sophie levanta evitando contato visual com qualquer um, Saul está
com os ombros caídos em derrota, entretanto Álvaro permanece altivo
encarando-os com frieza e diabolicamente, não volta para sua sala de presidente,
ele caminha de cabeça erguida pelo corredor direto para saída.
— Esse homem não parece certo. — Alina reflete.
— Ele perdeu, é somente isso. — Tony inquere, avaliando Raphael.
— Disse que o diploma de direito viria a calhar um dia. — Ela
brinca.
— Alina, não existe nada que você não faça com menos que
excelência. — Tony elogia, ela sorri orgulhosa.
— Iniciarei protocolo de limpeza. Vai ficar para diversão? — Ela
parece uma criança preste a entrar no parque de diversão.
— São todos seus. — Tony responde.
Os olhos dela brilham, a leoa em meio a uma manada de gnus, seu
sorriso é predatório e ansioso.
— O que é isso? — Raphael pergunta enquanto Tony assina o
acordo.
— Alina separará o joio do trigo. Como cancelar contratos
fraudulentos, interditar obras de riscos em andamento e embargar projetos que
fazem o mesmo. Despedirá funcionários que compactuaram com as tramoias da
antiga gestão, protocolará a nova diretoria no cartório e assim por diante. —
Explica paciente. — Quer ficar e participar?
— Alina, você tem tudo coberto para executar essas ações? —
Raphael se preocupa, mas também pensa em como dará essa notícia a mãe.
— Com certeza, senhor Raphael.
— Por favor, pode me chamar de Raphael!
— Não, eu não posso. Temos regras, sou sua funcionária e você é
meu empregador. Minhas tratativas serão desta forma. — Fala séria quase que
ofendida.
— Ok, — levanta as mãos em rendimento, — como quiser. — Aceita
com naturalidade. — Existe uma funcionária que eu gostaria que fosse demitida.
— Quem?
— Lysebel alguma coisa. — Tony o olha intrigado com sorriso
cínico. — Não é isso que você está pensando. Ela os ajudou. — Corre em
explicar.
Tony continua sorrindo, mas meneia a cabeça concordando.
— Ela está na lista, quer que a chame agora?
— É seguro mantê-la enquanto você executa a limpeza?
— Sim.
— Deixe-a achar que está a salvo até o último minuto, então
dispense ela.
Alina sorri com frieza entendendo o que ele quer fazer.
— É o que dizem, tubarão já nasce sabendo nadar. — Ela fala. —
Deseja algo mais?
— Sim, eu quero cuidar pessoalmente da obra no antigo convento na
ilha, a placa diz que o projeto de reforma é da Verona. Por gentileza, peça que
encaminhe a mim tudo o que foi feito sobre este projeto e os responsáveis.
Alina confirma com a cabeça.
— Sabe o que isso significa? — Tony pergunta.
— Não, o quê?
— A construtora voltou a ser sua e agora você é oficialmente da
família. — Oferece a mão.
— Obrigado.
— Não por isso. Agora por que não vamos almoçar? Naveen falou
que a comida da Ângela é maravilhosa, está mais que na hora de conhecer a
outra avó das crianças. — Ele se levanta e Raphael o acompanha.
— Divirta-se! — Tony se despede de Alina.
— Obrigado, Alina! — Raphael agradece.
— O prazer foi e será meu. Eu que devo agradecer! — Ela responde
animada.
Raphael meneia cabeça sem saber o que responder e reagir ao seu
entusiasmo enquanto acompanha Tony para fora.
Todos encaram com curiosidade e até mesmo medo, no silêncio
intimidante que os segue.
— É bom esse olhar, não é? — Tony sussurra para que somente
Raphael possa ouvir.
— Não posso falar que não estou gostando. — Responde.
Tony ri alto assustando as pessoas.
— Você pode esperar um minuto? — Raphael pede assim que chega
ao lobby. Tony confirma parando para esperar e tirando o celular do bolso.—
Jesus?
O porteiro sorri em reconhecimento enquanto Raphael se aproxima.
— Menino Raphael! Fiquei com dúvida se havia lhe visto mesmo ou
se era miragem. — A voz vem alegre como sempre foi.
— Eu voltei! A construtora é da família novamente! — Comemora.
— Eu sempre soube que você voltaria, o mundo gira e você um dia
voltaria para seu lugar.
Abraça-o feliz e agradecido por tudo que aconteceu desde a noite em
que pediu por um milagre e seu anjo apareceu para realizá-lo. Se despede de
Jesus e segue para encontrar Tony.
Tony vira a tela do celular para que ele possa ver Leo e as crianças
sentados a volta dela.
— PARABÉNS!!! — Eles gritam juntos, Raphael fica emocionado,
sente as lágrimas escaparem, Tony se aproxima para ficar no foco da câmera
também.
— Ele é chorão que nem o papai e o Gael. — Gaia fala o fazendo-o
rir.
— Papai disse que você enfrentou pessoas malvadas e pegou de volta
o que roubaram de você e da vovó. Como você está? — Gael pergunta
preocupado, Leo passa a mão na cabeça do filho.
— Estou muito bem graças à ajuda do papai e da mamãe. — Raphael
limpa o rosto. — Sem eles não teria conseguido.
— Mamãe você e papai são heróis! — Gaia se anima.
— Não, minha princesa, somente Raphael é. Ele enfrentou seus
monstros com coragem e perseverança, mamãe e papai foi o suporte dele.
— Ah, como Robin do Batman? — Gaia pergunta e Leo faz que sim.
— Como Sam do Frodo? — Gael pergunta e Leo faz o mesmo.
— Raphael, fala para vovó que mandamos um beijo! Amamos
vocês! — Falam juntos já se afastando da mãe.
— Amamos mais! — Tony e ele respondem juntos. As crianças
correm para fora do foco da câmera e ele volta a limpar o rosto.
— Meninos se comportem. Amo vocês! — Leo se despede.
— Te amamos mais! — Respondem depois a tela congela com a
imagem dela sorrindo.
— Quer um abraço? — Tony pergunta debochado.
— Acho que sim, estou precisando de apoio. — Brinca achando que
ele não faria e ele faz, o abraça como um pai abraçando o filho, surpreendo-o
novamente.
— Que merda, por que todos os homens lindos são gays? — A
mulher que passa por eles protesta.
Ouvem o comentário.
— É assim que os rumores começam. — Tony fala afastando-se.
— Vamos para casa. — Raphael fala. Tony entrega a chave para o
manobrista, pouco depois o Rolls Royce Wraith estaciona na frente deles. —
Puta merda! — O manobrista abre a porta estilo suicida.
— É só um carro. Vamos, entra. — Tony senta no banco do
motorista.
— Não é só um carro é O CARRO! — Afirma admirando o conforto
e o luxo interno do automóvel. — O quanto vocês são ricos?
— Zhizn disse que você não é simpatizante de pessoas
monetariamente elevada, talvez saber não seja bom para seu relacionamento. —
Arranca com o carro entrando na avenida principal.
— Sim, a vida mostrou que pessoas são capazes de tudo por
dinheiro, mas Leo veio e mostrou ser o oposto disto e de fato é desconcertante
ver a forma que age. Ela é a pessoa mais inteligente que conheço, a mais
abastada e mesmo assim ela se acha a mais tola e não se importa com a
simplicidade. Então repito, o quanto vocês são ricos?
Tony olha na direção dele e volta a olhar para frente enquanto dirige.
— Temos muito, muito dinheiro. Isso é suficiente?
— Sim é, o dinheiro que usou para comprar a construtora não
diminuirá o patrimônio de vocês a ponto de que Leo e as crianças sofram com
isso? Porquê até a construtora voltar a dar lucro e com esse protocolo de limpeza
é provável que vocês tenham mais prejuízos em vez de retornos lucrativos.
— O que usei, para investir na compra, não abala em nada o padrão
de vida da Zhizn e das crianças. Não se preocupe com isso, não deixarei nada
faltar a eles. Logo a construtora dará retorno, será um caminho difícil, mas sei
que conseguiremos. — Tony responde despreocupado.
Raphael suspira aliviado.
— Por que comprou a construtora? Foi Leo quem pediu? — Olha
para ele a procura de um sinal de hesitação ou mentira.
— Quando ela voltou para casa, depois do primeiro encontro de
vocês, ela contou sobre a construtora. Sabia que ela não desistiria de você e
imaginei que se você há magoasse seria uma boa forma de vingança, destruir
cada parte de algo que você gosta, — Raphael o encara com espanto de sua
franqueza. — E, se desse certo, seria um bom ajuste garantir que estivesse feliz e
satisfeito com tudo à sua volta, para dar a ela o seu melhor.
— Você comprou uma construtora por vários milhões, para destruir
caso eu a magoe ou para que fique despreocupado e a faça feliz?
— Sim. — Confirma. — Ela é meu tudo. A felicidade dela e das
crianças é a minha, se eles estão felizes eu sou um homem feliz, mas se eles não
estão a minha infelicidade é algo com a qual é difícil de se lidar. — Ele olhou
para Raphael com frieza.
— Mas e se eu não quisesse a construtora mais?
— Alina terá um parque de diversão só dela.
— Você e ela são parceiros?
Ele sorri largamente.
— De negócios e nada mais, ela comeria meu fígado se eu
atravessasse a linha. Mas nunca olhei para ela desta forma, ela é uma grande
amiga e valorizo isso. — Ele olha para estrada seguindo o trajeto para a ponte
em vez das balsas.
“Dirigindo um carro desse, nem eu iria querer ficar preso dentro de
um barco.”
— Vocês se conhecem há muito tempo?
— Sim, ela era a melhor aluna da minha turma da faculdade, um dia
precisou de ajuda eu a ajudei, desde então ela está trabalhando para família.
Naveen é superprotetor com ela e os outros empregados cuidam dela como se
fossem família.
— Como você e Leo se conheceram? — Parte para o que mais
interessa a ele.
— Vivíamos um inferno, nossas vidas eram uma confusão, ela nos
salvou e a partir daí estamos juntos. — Descarrega de forma enigmática.
— Vocês se conheceram no orfanato?
Tony mira-o incomodado.
— Não, eu não a conheci no orfanato, mas queria. Daria tudo para
que isso acontecesse. — Sua resposta foi ao mesmo tempo fria e pesarosa.
— Você sabe o que aconteceu com ela? — Olha com mais interesse
para ele, sendo recebido pelos seus olhos roxos tão distante quanto à Lua.
— Eu sei o que está tentando fazer, não vou quebrar a confiança
dela, essa história não é minha para contar, se ela não quer que você saiba,
aceite. O passado é passado, revirar ele não mudará nada, apenas deixe onde
está. Viva seu presente e crie com ela um futuro.
“Por que é tão importante escarafunchar o passado dela?”
Eu só quero conhecê-la mais, para poder ajudar.
“Ela não quer, respeite! Você prometeu, lembre-se o preço que
teríamos que pagar.”
— Desculpe. É só que sabendo mais dela, posso ajudá-la.
— Eu entendo, já estive nessa posição não foi fácil. Dê-lhe tempo e
um dia, ela dirá. — Seguem para ilha.
— Você sempre lidou com a administração? — Inicia outra conversa
depois de alguns minutos em silêncio.
— Pode se dizer que sim, mas foi a Zhizn que me motivou a fazer
faculdade e cuidar das finanças da família. Era a única coisa que podia fazer
depois que me juntei a eles.
— Então, você não foi adotado junto com ela?
— Ela me conheceu primeiro e me cativou, antes mesmo de saber
sobre sua família eu a seguiria para qualquer lugar. — Raphael pode sentir
paixão em suas palavras.
— Vocês se apaixonaram, então o lance de vocês desenrolou?
— Eu não me apaixonei por ela, isso você que fez. Eu a amei desde o
momento em que a conheci, quando não tinha nada, ela se tornou meu tudo.
Raphael fica deslocado com suas palavras.
— Isso se parece com um relacionamento.
— É complicado, um relacionamento consiste em certas coisas das
quais ela e eu não praticamos.
— Por quê? — Insiste desconfortável.
— Se incluíssemos sexo em nosso relacionamento, isso nos
destruiria, nos amamos com loucura, não há nada no mundo que nos separe,
porém sexo teria esse poder. Crescemos em lares inóspitos, sexo para mim foi
apresentado como algo sujo e sem valor, fazer isso com ela seria como macular o
que temos e ela soube disso antes mesmo que eu compreendesse.
— Mas vocês transaram.
Ele continua a olhar para estrada a frente.
— Foi apenas uma única vez. Para nunca mais se repetir.
— Mas você disse que é atraído por ela? — Insiste.
— Somente um cego não seria. — Enfatiza. — O jeito dela mostrar
que se importava comigo era estar presente, ela me cercou de todas as formas o
que também era uma tortura, tomar banho com ela e não tê-la, dormir e sentir
seu corpo ao meu e não possuí-lo, eu assisti o corpo dela mudar com a
gravidez… minha nossa, se ela não ficava mais gostosa a cada dia, eu fodia cada
mulher que se aproximava de mim e só voltava para casa quando estava
esgotado. Mesmo assim não era sempre garantido, no fim da gestação eu já
estava melhor com isso, ela dormia comigo todas as noites e foi como se
houvesse um clique, as coisas mudaram. Levei como se fosse o preço a ser pago
por estar e ter ela em minha vida, hoje já não sofro mais com isso, meu corpo a
reconhece como se ela fosse uma extensão dele e não de outra forma. — Os
punhos de Raphael cerraram com suas palavras, Tony olha e sorri de canto. —
Eu dei a você a verdade, mas se acha que não pode aguentar conviver com ela,
mentirei. — Com isso ele o desarma.
— A verdade, sempre a verdade. — Tony assente com a cabeça.

A verdade é sempre melhor que uma mentira bonita, não


importa se é feia, ainda é a verdade.
“Então meu anjo veio até mim e disse.
— É hoje o dia que você irá se levantar pegue minha mão,
você será meu homem. Você irá se levantar.
E eu disse, — voe meu doce anjo…
Para sempre estarei ao seu lado”.
(Angel – Jimi Hendrix)
CAPÍTULO 33
ANTONY

Seria mais fácil se ele entendesse, de uma vez por todas, Zhizn e eu
somos um!
Antony para no estacionamento do Bar.
— Quer um tempo com a sua mãe para contar como foi, ou posso
entrar com você? — Tenta ser amigável para não forçar muito Raphael.
— Não, tudo bem. Pode vir. — Descem do carro e seguem pela
entrada externa do loft de Ângela atrás do Bar.
Tony admira a praia de areia branca e a água azul clara do mar, os
coqueiros criam sombras pela orla e a brisa que vem do oceano deixa tudo mais
confortável.
— Estando aqui é fácil entender o porquê a Zhizn gosta tanto desta
ilha, é muito bonita. Ganha de qualquer lugar que já fomos.
— Antes dela eu nunca verdadeiramente encontrei beleza aqui, era
só mais um lugar qualquer.
— Entendo. — Ele entende muito mais do que Raphael pode
imaginar.
As portas francesas estão abertas com as cortinas tremeluzindo com
o vento libertando o aroma da comida, dando-lhes as boas-vindas.
— Mamãe? — Raphael entra primeiro enquanto Tony o acompanha.
O ambiente muito bem decorado com azul-claro e branco, a área do
quarto aconchegante como se fosse uma suíte de hotel cinco estrelas. As fotos na
parede se destacam, várias delas são com os pais de Raphael em lugares
diferentes e em idades diferentes.
— Onde você foi? E por que não atendeu minhas ligações? Você
pode ter trinta e seis anos, mas seria bom ao menos me avisar quando for sair. A
cada dia é noticiado atentados e mais atentados próximos de nós e se por acaso
você estiver em algum desses lugares, eu não tenho como saber! Isso não se faz
com sua mãe. Não tenho problemas do coração, mas não quer dizer eu não possa
desenvolver um. — Ângela discursa enquanto termina de lavar a louça na pia de
costas para eles.
Tanto Raphael quanto Tony seguram o riso.
— Mamãe desculpe, mas coisas aconteceram e tive que ir resolver as
pressas. Temos visitas. — Ângela se vira, secando a mão em um pano de prato.
Seus olhos azuis, como o de Raphael, fita Tony.
— Tony?
— O próprio!
Ela sorri e Tony se vê sorrindo abertamente.
— É ainda mais bonito pessoalmente! Gael tem muito de você.
— Obrigado. — Responde orgulhoso.
Sua estatura a faz ter que inclinar levemente a cabeça para trás para
olhar em seus olhos.
— O almoço está quase pronto. Você irá nos acompanhar?
— Seria uma honra, Naveen não parou de falar em como a senhora
cozinha bem e as crianças não pararam de falar que a vovó Ângela é legal e que
conta várias histórias divertidas.
Ela abre um sorriso largo e brilhante.
— As crianças são adoráveis. Não imagina a surpresa, quando eles
ligaram para conversar e falei que contava histórias para Raphael quando
pequeno, foi como abrir um velho baú, achei que elas ficariam entediadas, mas
eles retornaram no dia seguinte e nos outros, agora temos uma rotina toda
tarde…
— Mamãe, temos algo importante para dizer.
Ela olha do filho para Tony e volta.
— Leo está bem?
Essa família de fato ama minha Zhizn!
— Ela está ótima atolada com trabalho, mas ótima. — Tony
assegura.
Raphael a leva pela mão até o sofá e Tony permanece na poltrona de
frente para eles.
— Parte da construtora, que foi à venda, foi comprada por Tony. —
Os olhos de Ângela mira-o arregalados, mas seu sorriso não denota surpresa.
Como Zhizn disse, ela é muito perspicaz. — Lá ele descobriu tudo que havia
ocorrido, com a ajuda da advogada dele foi redigido um acordo parecido com o
qual a senhora assinou há anos. — As mãos dela apertam as de Raphael com
carinho e seus olhos lacrimejam. — A construtora voltou a ser nossa!
Por alguns segundos Tony olha diretamente para Raphael intrigado
com a falta de informação e até mesmo a imprecisão da sua história, ele devolve
o olhar e sinaliza brevemente que não. Tony dá de ombros discretamente, volta a
atenção para Ângela que olha fixamente para um dos retratos na parede.
— Ele não tem como voltar? — Ângela pergunta com a voz baixa.
— Não. — Raphael confirma.
— Ele irá para cadeia? — Seu olhar foca em Raphael com
expectativa.
— Sinto muito, mãe. — Seu lábio entorta insatisfeito. Tony tem
vontade de matar Álvaro com as próprias mãos por ela. — Para ele pagar na
justiça por seus crimes, a construtora levaria um baque do qual não poderia mais
se levantar. Fiz o que achei melhor para o legado do papai. — Conforta,
abraçando-a.
Ela suspira pesadamente.
— Dos males o menor. Ao menos a construtora voltou para família.
— olha para Tony. — Quando digo família, vocês estão incluídos. Pode ser um
tanto quanto precipitado, mas não imagino meus dias futuros sem vocês e as
crianças neles. — Ela sorri afetuosamente.
Suas palavras são como bálsamo para qualquer preocupação de Tony
quanto a adaptação de Raphael ao estilo de vida da família. Mesmo Leo
escondendo a real natureza do que fazem, não permitindo que ele atravesse esta
linha.
Durante o almoço, a conversa segue para todos caminhos, ora as
crianças, ora Leo. Um dado momento, Ângela pergunta por que ele a chama de
Zhizn e depois que ele explica, ela fez perguntas sobre a sua família e a Rússia.
Como Leo havia-o alertado, Ângela é responsável pelo interrogatório e Raphael
se beneficia do ato como espectador de jogo de tênis. A cada pergunta sobre a
Rússia, ele presta muito mais atenção. Tony já estava preparado e fez seu melhor
papel de órfão adolescente problemático, tanto mãe e filho compram o que ele
vende.
Se me sinto mal? Um pouco. Se me arrependo? Não.
Terminam a refeição e Tony ajuda Ângela a limpar tudo.
— Não precisa.
— Ah, mas a regra é clara: se a senhor… — Ela levanta a
sobrancelha, — você faz a comida, a limpeza é minha responsabilidade. — Ele
sorri amigavelmente para ela que lhe sorri de volta.
— Vocês não são nadas que eu já tenha visto.
— Isso é verdade! Talvez seja o que faz de nós especiais. — Coloca
o pano de prato na pia.
— Leve ele para conhecer o Bar e sua casa, Raphael.
Raphael olha por cima do celular e assente, se levanta e pela sua
cara, Tony sabe que ele falava com Leo por mensagem.
— Sim, vamos.
Quando estão longe o suficiente para não serem ouvidos, Tony
questiona.
— Porque não contou a verdade para ela sobre o dossiê?
— Achei que Leo havia cometido um crime ao ter todas essas
provas. E posso dizer que se protelei tanto para responder a Alina é porquê não
queria colocá-la em perigo. Depois que descobri que foi você quem comprou a
empresa, apenas juntei dois mais dois e deduzi que foi você também que deu a
ela as informações. O que não deixa de ser um crime, eu quis poupar a ambos.
Quanto menos pessoas souber da verdade melhor.
Tony absorve suas palavras.
Se Raphael ao menos soubesse a infinidade dentro de seus
cálculos… Mas ele os protegeu, ou ao menos acha que fez. O que não é ruim.
— Aqui é a cozinha do Bar. Você ficará na ilha essa noite?
— Já está ansioso para se livrar de mim?
— Não, é que o Luka faz o melhor hambúrguer da região e você tem
que experimentar.
— Então é um convite para jantar? — Continua descontraído. — Um
encontro?
— Você também… Eh humm… ‘varia o cardápio’?
— Não! Eu não vario meu cardápio. — Tony pode ver a centelha de
esperança de Raphael se apagar. — Zhizn, por outro lado… — Então Raphael
fecha a cara, fazendo-o gargalhar com sua reação.
— Nem me fale! Na adolescência eu fantasiava com uma mulher
experiente e liberta a novas experiências, mas quando ela contou e mostrou o
que pode fazer, eu… — ele levanta as mãos exacerbado, — fiquei apavorado. Eu
fiz coisas, mas ela… caramba! Ela fez muito mais. — Ele parece aliviado por
dizer essas palavras.
— Queria dizer que te entendo, mas estamos no mesmo barco, ainda
lembro da vez que ela perguntou sobre ménage. Porra, eu a incentivei a fazer o
maldito curso de culinária e ela me vem com uma dessa. Não foi fácil, ela me
ultrapassou em muito. Quando achei que ela estava grávida e feliz, ela se
encontrava com garotos de programas, um deles foi até responsável pelo parto
das crianças. — Sentam-se no Bar, Raphael oferece cerveja.
— Você não sabia que ela se encontrava com eles?
— Não, ela sabia que minha reação não seria muito boa, era muito
recente o que tínhamos e ela estava grávida. É claro que eu não queria o pênis de
outro homem cutucando meus filhos. — Fala enquanto bebe.
— Eu também não reagiria bem. — Concorda. — E o Otávio?
— Queria matá-lo com minhas mãos, foi quando a zona proibida foi
instaurada e ela o colocou nela. — Suspira. — Ela só queria legumes e frutas
orgânicas. Até hoje não sei como isso aconteceu, ela saiu para ir a uma feira
orgânica e esse homem apareceu, ela ainda amamentava as crianças. — Balança
a cabeça em negação repelindo as imagens. — Então pensei: Porra, ela precisa
de segurança e motorista. Por vezes eu tinha que ir buscá-la ou o guincho dava
carona para ela. Eu estava a ponto de desenvolver uma úlcera.
Raphael parecia entendê-lo.
— Assim Miguel aconteceu?
— Era para ser uma reunião de despedida do curso, estava tão
agradecido por essa merda acabar, então ela some do radar, Heitor aparece
enfurecido em casa procurando-a, eu estava cuidando das crianças. Até hoje não
acredito no que ela fez por um desconhecido, me pergunto como no mundo
dentre tantas pessoas foi Miguel que chamou sua atenção na única noite em que
ela escolhe beber além da conta. — Tony continua bebendo, as comportas estão
abertas, ele não sabia que precisava aliviar o entulho até começar a falar. —
Naveen e eu encontramos ela na casa dele e os trouxemos para casa. No fim, ela
conseguiu encontrar a pessoa perfeita para o trabalho. Quando não estou com
ela, ele é meus olhos e ouvidos, a protege como se fosse a própria vida e faz o
mesmo pelas crianças.
— Mas ainda existem os outros, isso me intimida. Esses homens
parecem ainda amá-la, não posso culpá-los, pois ela é adorável, linda, sexy,
inteligente e tem esse mistério no olhar e estranhamente me escolheu, não saber
o motivo do porquê me incomoda. Eu pesquisei esses parceiros e eles são
estrelas em suas áreas, a ficha simplesmente não cai. Cada vez que acordo e a
vejo pelo celular, agradeço a qualquer deus por me conceder mais um dia com
ela, e imploro que me impeçam de fazer alguma merda que possa perdê-la de
vez.
— Eu também não sei o motivo, mas agradeço por você aparecer e
agradeço mais ainda se fizer de tudo para ficar. Ela não é uma pessoa fácil, a
teimosia dela ultrapassa qualquer limite. Contudo com você ela é paciente e
temerosa como ela nunca foi com ninguém. Leve isso a seu favor e não faça
merda, pois o seu anjo nem sempre é bonzinho.
— Você me disse isso, mas não entendo o que quer dizer?
— Pense assim, ela tem dois pesos e duas medidas, seus opostos são
extremos, não a subestime por sua aparência, pois pode parecer uma linda gata
por fora, mas ela traz uma leoa feroz por dentro e quando acuada ela ataca
usando todos seus dentes e garras. Nem as pedras permanecem no mesmo lugar.
— Tony vê nos olhos de Raphael milhares de outras perguntas que deseja fazer,
mas sabe que ele não responderá.
— Que eu nunca desperte a sua leoa! — Levanta sua garrafa em um
brinde e Tony bate de volta.
— Ela esconde os óculos quando você a chama por vídeo. A primeira
vez que notei que ela faz isso, fiquei apenas olhando, quando questionei, ela
disse que tem vergonha.
— Ela usa óculos? Por que esconderia?
— Ela tem medo que a ache feia. No geral, os óculos é para trabalhar
e ler, mas quando você a chama já a vi arremessá-lo longe.
— O que mais?
— A maioria das camisolas dela, desde que te conheceu são azuis.
Quando notei a mudança, ela disse que lembra você. Ela toca a música do Nando
Reis ao menos uma vez ao dia e cantarola enquanto trabalha, alternando entre a
minha e a sua, ela nem percebe que faz isso. No dia em que você tentou impor
limites, ela me ligou injuriada com suas condições e quando eu achei que elas
eram boas, ela ficou ainda mais ofendida. Eram boas ideias, a regra das roupas
foi a que mais gostei, mas não repita ou ela passará a se vestir com muito menos,
então teremos um problema. Ela nunca chora e se faz, você deve se preocupar,
pois só acontece quando ela tem medo, muito medo. Quando ela toca piano é
como se ela viajasse para outra dimensão, nada é mais lindo do que vê-la tocar e
nada é mais perfeito do que escutar sua voz. — Tony repassa o que disse para
ver se esqueceu algo e percebe que falou tudo que poderia compartilhar com ele.
— O resto, terá que achar você mesmo. — Termina a bebida.
— Você a ama de verdade. Eu ouvi você todas as vezes, mas como
disse, teoria e prática são coisas diferentes, agora eu vejo na prática e tanto
quanto me perturba também me acalma. Eu tenho problemas de confiança, é
difícil para mim simplesmente aceitar a bondade alheia, pior ainda é aceitar
dividir a mulher, mas fico feliz em saber que você a ama tanto quanto eu. Assim
ela nunca sofrerá e isso é mais do que suficiente para aceitar compartilhá-la.
— Bem-vindo a família! — Tony o felicita.
— Obrigado por deixar fazer parte dela, eu não sabia que queria uma
até Leo aparecer. E seus filhos, eu os adoro. Não vejo a hora de conhecê-los
pessoalmente.
Tony achava que seria mais difícil lidar com Raphael, mas passou
uma hora inteira conversando sobre sua Zhizn e tudo que a envolve. Tudo está
saindo como esperado, é bom ter com quem falar sobre Leo.
Raphael mostra a casa dele e Tony percebe que, diferente da casa de
Ângela que parece uma grande suíte de hotel de luxo, a dele é como a casa de
uma dessas pessoas desapegadas. Os móveis são simples. Mas à vista para praia
e o oceano é de tirar o folego. Conversam mais um pouco e depois vai para hotel
fazer check in.

Leo
Você falou dos óculos!
Ele me obrigou a usar para falar com ele e falou
que fico ainda mais linda, obrigado.
Beijos…
02:45 pm
Tony
Você é linda de qualquer jeito.
02:45 pm

Te amo!
Já estou com saudades!
02:46 pm

Leo
Te amo mais e também sinto a sua falta.
02:46 pm

Alina
Tudo certo, os documentos foram protocolados.
A varredura de contratos e clientes inicia
amanhã.
02:55 pm

Tony
Ótimo.
02:55 pm

Alina
Sobre o projeto do convento, como proceder?
02:56 pm

Tony
Dê a Raphael o que ele pediu,
não tem como chegar a nós pelo nome do
comprador e de qualquer jeito, o arquiteto
da Paris que lidará com ele. Falarei com
ela para que o arquiteto não dê detalhes
dos moradores.
02:56 pm

Alina
É seguro?
02:57 pm

Tony
Até acabar a limpeza da área, é
melhor manter ele no escuro…
Sim, é seguro.
02:57 pm

Alina
Prosseguirei com os arranjos para a nova
administração.
Faremos da construtora nosso QG de
investimentos?
02:58 pm

Tony
Sim. Heitor e Zhizn estão
fazendo os ajustes de segurança para
nossas máquinas e em toda a rede da
empresa, será seguro trabalhar da
construtora.
02:59 pm

Tony
Preciso que fale com o
arquiteto da reforma do convento, para
que ele não dê detalhes da família ao
Raphael.
02:59 pm

Mãe
Ele pegou o projeto?
02:59 pm

Tony
No momento em que assinei o
documento.
Não perdeu tempo.
03:00 pm

Mãe
Ele ficará bravo quando perceber o que fizemos.
03:00 pm

Tony
É por uma boa razão. Raphael é
boa pessoa e tenho certeza que adorará
saber que a Zhizn estará há minutos dele.
03:01 pm

Mãe
Assim espero.
Seu pai pousará para te pegar amanhã às
10:00hs, não se atrase.
03:01 pm

Tony
Não há necessidade ele ir
comigo.
03:02 pm

Mãe
Sabemos, mas ele verificará mais sobre o
problema em nossa nova cidade.
03:02 pm

Tony
Zhizn conseguiu mais alguma
coisa?
03:02 pm

Mãe
Remessas de pagamentos. Achamos um
conhecido na lista e seu pai irá encontrá-lo para
descobrir quem é o fornecedor dele.
03:03 pm

Tony
Entendi.
03:03 pm

Mãe
Te amo!
03:03 pm

Tony
Te amo mais!
03:04 pm

Tony
Estou no bangalô 9.
03:08 pm

Gohan
A caminho.
03:08 pm

Batem firme a sua porta e Tony atende.


— Senhor Gohan!
Ele sorri e entra, indo sentar-se no sofá.
— Como o senhor está? — Gohan pergunta.
— Bem. As crianças sentem sua falta.
— Ah eu sei, eles me ligam todo dia para contar como foi o dia deles
e o que aprenderam de novo. Bombas, ontem eles fizeram bombas e explodiram
na piscina, queria está lá para assistir. — Sorri afetado.
— A senhora Kala ficou louca com a bagunça que fizeram no jardim
e mesmo falando que eles iam limpar sozinhos, Zhizn e eu assistimos ela ajudá-
los a limpar. No fim, virou guerra de lama. — Ambos estão com caras de bobos.
Um lembrando o acontecido e outro imaginando como foi. — Como está a
segurança da ilha?
— Estou monitorando de perto a guarda da ilha e não tivemos
nenhum contratempo, exceto a mãe de Lázaro e Wagner que fez muitas
perguntas, talvez devêssemos entregá-los.
— Agora que o irmão se juntou a ele no porão, a festa está só
começando. Em breve entregaremos os corpos.
Queria acabar com eles a ponto de não sobrar corpo, mas estou
sendo criativo.
— Coloquei dois dos meus homens na cola do Álvaro como Alina
solicitou. Ele foi direto para casa e ainda não saiu, podemos grampear seus
telefones?
— Ele estava resignado, aceitou muito fácil e saiu muito calado,
porém Zhizn não encontrou nada além das merdas que ele praticou na
construtora. Mantenha apenas a vigilância, qualquer movimento estranho nos
notifique.
— Certo, como quiser.
— Sobre o treinamento de Raphael?
— Ele é um homem forte, dedicado e aprende rápido, mas demorará
um pouco para estar bom o suficiente para se defender sozinho. Ele pergunta
muito sobre Miguel, querendo saber de onde é? Para onde vai? E de onde vem?
Mas é tão aficionado na senhora Eleonora que nunca reparou que Miguel só está
na ilha quando ela está. É perigoso essa falta de atenção. Queria trabalhar isso
nele, mas corro risco dele nos comprometer, portanto não farei ainda, mas irei
quando a nossa transição for concluída. — Seu rosto está compenetrado.
— Espero que a reação dele não seja drástica quando souber a
verdade sobre os moradores. — Ambos cerram os lábios.
O fato é que Raphael não reagirá bem por conta da sua
impulsividade e Tony não sabe como reagir a isso.
— O senhor irá no Bar à noite? — Ele se levanta e caminha para
porta.
— Sim, pretendo. Alina virá para jantar com você.
Ele sorri agraciado.
— Sendo assim, passarei no mercado para comprar os ingredientes
para fazer seu temaki favorito. — Então o homem tem suas baterias renovadas.
— Sim, ela adorará. — Ele sai fechando a porta ao passar.

Tony chama atenção quando entra no Bar que já está movimentado,


Raphael atende no bar e Ângela está no caixa, quando o vê, ela sorri.
Sua amabilidade não deixa dúvida do porque as crianças gostam
dela.
— Reservei o melhor lugar para você. — Ela indica a banqueta ao
lado dela no bar.
— Fico honrado. — Ela sorri para Tony olhando para Raphael que
revira os olhos insolente.
— Mas é claro que você já gosta dele. — Raphael afirma brincando.
A garçonete, de olhar malicioso e malvado, corre para atendê-lo e já
identifica Alessia do relatório que Miguel lhe mandou e das reclamações que
Zhizn faz da vontade que tem de escalpelar o cabelo tingido dela, ou socar seu
rosto até afundá-lo em seu crânio.
— Já sabe o que vai pedir? — Ela se empertiga levantando os seios
em uma tentativa tola de flerte.
— Ah sim! Me disseram que aqui tem o melhor hambúrguer. Quero
um e uma porção de batata frita. — Ela sorri com malícia, anota o pedido e
segue olhando para trás e sorrindo bobamente.
— Você ficará até quando? — Ângela pergunta.
— Amanhã cedo já tenho que ir, mas voltarei em breve.
— O diretor da fundação da Leo virá depois de amanhã. Estou
apreensiva, faz anos que não banco a anfitriã. Como ele é?
— Não se preocupe, ele é uma pessoa simples. Tenho certeza de que
ele gostará de você e você dele. — Tranquiliza-a, passando as impressões dada a
ele por Alina, já que o relatório de Miguel pareceu comprometido depois que
Mateus entrou na zona proibida, até Raphael aparecer ele nunca sentiu
necessidade de falar com qualquer um deles.
Alessia entrega o lanche com muitos sorrisos.
— Se precisar de mais alguma coisa é só me chamar, sou a Alessia!
— Ela toca seu braço como se fossem íntimos, Ângela olha com desaprovação.
Com educação, Tony afasta o braço dela.
— Antony. — Oferece a mão mostrando a aliança que ela olha e pelo
seu olhar, ele sabe que ela não se incomoda.
— Está na ilha para diversão ou trabalho? — Ela se aproxima mais
ficando quase no limite do espaço pessoal dele.
— Os dois. Estou visitando minha família e também tenho negócios
aqui. — Responde seco.
Ela joga o cabelo de lado.
— Será que conheço a sua família? — A mão impertinente volta para
o braço dele.
Que mulher odiosa.
— Com certeza, minha irmã está namorando Raphael, o que faz dele
e de Ângela minha família.
Ela olha para Ângela, que os observa de perto, levando um balde de
água fria.
— Você é irmão da Eleonora? — Pergunta incrédula.
— Sim! — Desta vez ele retira a mão dela.
Ela continua, desta vez com sorriso perverso.
— Talvez você possa mostrar a ela, que não há motivos dela se sentir
ameaçada por mim.
O riso escapa de Tony.
— Ela não se sente ameaçada por você, ela é tudo que você não é e
muito mais. Reveja os seus conceitos, talvez seja você que se sente ameaçada.
Mas cá entre nós, — invade o espaço pessoal dela. — Você não pode perder o
que nunca teve. — Se afasta firmando sua postura, ela caminha para longe com
cara de ofendida.
— Você lidou bem com ela, Leo a ignora a maior parte do tempo em
que fica aqui. — Raphael fala entregando uma garrafa de cerveja.
— Mantenha ela longe da Zhizn. — Fala com rigidez. Com
prudência, Raphael assente sem fazer perguntas.
Devora o lanche conversando com Ângela e Raphael, é apresentado
a Manuela e Luka sem seus pré-conceitos dados por Leo e Miguel. Ele teria
gostado deles mesmo assim. Manuela é tão pequena e miúda que é difícil
imaginar que ela tenha dezoito anos e sofrido na mão de um namorado abusivo,
Luka é divertido e parece idolatrar Leo, o que já é mais que um ponto positivo
pra ele.
— Seu irmão, como está? — Luka pergunta.
— Bem. Está viajando a trabalho, o que no caso dele é sua
motivação de vida, nada o segura de seus objetivos. — Responde e espera que
Luka entenda a mensagem para não andar por esse caminho.
Ele ouviu Leo colocar limites para Naveen, mas ambos sabem que
Naveen não consegue se controlar, mesmo tendo mostrado indícios de mudança
em seu comportamento nos últimos tempos.
Luka parece entender a mensagem.
— Isso é bom. Todos temos que ter um objetivo na vida, mas se
divertir no processo é o que deixa tudo melhor.
Tony sorri com sua resposta, confirmando que seu irmão não terá em
Luka uma vítima de suas necessidades.
Tudo transcorre bem durante a noite no Bar, já estava cansado o
suficiente quando pede para Ângela a conta.
— Você é nosso convidado, de forma alguma deixaríamos você
pagar.
— Certo, sendo assim, quero dar gorjeta para Luka pela ótima
refeição que preparou. — Tira da carteira duas notas de cem. — Divide entre ele
e a Manu.
— Mas foi eu que te servi. — Escuta a voz irritante a suas costas.
— O que é certo é certo. — Tira uma nota de dez e entrega para
Ângela e Alessia bufa de insatisfação.
— As crianças irão com você? — Raphael pergunta.
— Não, elas ficarão com Zhizn e minha mãe. Meu pai e eu temos
reuniões e não seria possível dar a atenção devida a eles.
— Certo, boa viagem e obrigado por hoje!
— Não por isso. Faça a sua parte e ame a minha Zhizn e lhe darei o
mundo, deixa de fazer e lhe tirarei tudo. — Lhe dá o seu sorriso mais sombrio.
Raphael engole seco.
— Só ela tem o poder de me afastar, não quero nada do mundo a não
ser ela. — Tony aceita suas palavras com um aceno de cabeça.
Com um abraço em Ângela e um aperto de mãos de Raphael, se
despede.

Alina
Já jantou? Gohan fez uma infinidade de temaki,
sou incapaz de comer tudo sozinha.
10:15 pm
Tony
Comi no Bar, estou cheio.
Obrigado.
10:15 pm

Alina
Os prospectos para as reuniões de amanhã estão
no seu e-mail.
10:15 pm

Tony
Já os li, obrigado.
10:16 pm

Alina
Boa noite!
10:16 pm

Tony
Boa noite!
10:16 pm

Leo
Se alimentou direito?
10:16 pm

Tony
Sim. Ângela me serviu um
menu degustação. Não sabia o quanto de
coisas poderia ser feita com peixes e
frutos do mar.
10:17 pm

Leo
Ligarei quando chegar no hotel, tenho muito o
que falar.
Te amo!
10:17 pm

Tony
Te amo mais!
10:18 pm

Antes de chegar ao hotel Tony vê o guarda Tomas que caminha de


cabeça baixa vindo em sua direção e permanece no caminho sem querer evitar a
colisão.
— Desculpe! — Ele fala agitado.
— Talvez você devesse olhar por onde anda. — Fala ameaçador.
— Você? — Ele chia. — Por favor, não me leve de volta para aquele
lugar. Eu juro que não fiz nada, além das regras que me deram. Por favor não
mate a minha mãe, ela não tem culpa. — Fala rápido e descontroladamente.
— E os outros?
— Eles também estão seguindo as novas regras. Por favor não… —
Ele chora olhado para os lados.
— Sua mãe vive sob a minha supervisão, o mesmo com a irmã do
seu parceiro e os filhos do delegado, não se esqueça. Estalo os dedos e eles
somem da face da terra e você volta para onde estava. Farei muito mais do que
na última vez em que esteve na minha sala de disciplina.
— Não! Por favor, não… — Suas mãos tremem.
Tony passa por ele o deixando-o estacado e assustado.

— Lyubov!
— Zhizn, está tarde, você deveria ir dormir. — Ela bufa em protesto.
— Irei, mas antes tenho que te contar o que descobri e como
lidaremos com a limpeza da cidade.
— Entregue o relatório.
— Descobri ligações dos traficantes menores com o nosso
sindicalista misterioso. Ele é o distribuidor, ele compra de fora e faz a passagem
dos produtos para todo o país. Heitor irá se encontrar com um dos fornecedores
dele. Já previmos todos os cenários possíveis, e suspeitamos que ele pedirá um
serviço como pagamento pela informação, já que está tendo problemas com a
concorrência.
— Parece lógico. O que mais?
— Paris e eu achamos melhor parar o ataque em conjunto com a
polícia e devemos seguir por algo mais conciso. Exterminaremos os traficantes,
cada um deles passando uma mensagem clara de que não estamos de
brincadeira. Destruiremos todos os centros de distribuições. Paris está
fabricando pequenas bombas, imperceptíveis, para liberar nos laboratórios que
encontrei e os esconderijos. Com isso, o grande rato sai da toca e damos a ele
as boas-vindas.
— De onde estou posso imaginar seus olhos brilhando com
excitação.
— Não posso negar, esse cara é muito bom, mas nós somos melhores
e iremos levá-lo. Ele não saberá o que o atingiu.
— Estou de acordo com tudo. Espero que isso seja o suficiente para
que você tenha uma boa noite de sono.
— Terei, lyubov. — Ela responde em meio a um bocejo.
— Te amo mais hoje do que te amei ontem!
— Eu te amo muito mais do que ontem e menos do que amanhã. Boa
noite moy lyubov!
— Boa noite, Zhizn!
Pelas câmeras de segurança ele assiste as crianças em seus quartos,
Gaia está dormindo com um mangá em suas mãos e a luz acesa. Gael está
acordado mexendo no computador.
— Papai? — Ele atende ao primeiro toque.
— E aí garotão! Sua irmã dormiu com a luz acesa de novo.
Assiste Gael sair do quarto, segundos depois entrar no quarto de
Gaia. Ele tira o mangá e o coloca no criado-mudo ao lado da cama, cobre os pés
dela e antes de sair apaga a luz.
— Pronto papai! — Fala animado. — Mamãe, você já vai dormir? —
Eles se encontram no corredor.
— Já mini elfo. Precisa de alguma coisa? Quer um chocolate quente
ou alguns biscoitos antes de dormir? É o papai no telefone?
— É sim, Gaia dormiu enquanto lia. — Ele responde. — Já escovei
os dentes e estou sem fome.
— Certo. — Escuta sons de beijos. — Mamãe te ama. Boa noite!
— Eu te amo mais. Boa noite, mamãe!
Assiste Gael entrar no quarto e também Leo entrar no quarto da Gaia
para dar um beijo de boa noite nela.
— Papai, podíamos colocar lâmpadas inteligentes na casa nova,
assim podemos ligá-las e desligá-las pelo celular? — Ele senta novamente ao
computador.
— Isso parece uma ótima ideia. O que você está fazendo?
— Investi parte do que Gaia e eu recebemos de mesada em
criptomoedas e tivemos rendimentos significativos. — Fala orgulhoso.
— Em quanto está suas contas de investimentos?
— Com o retorno que tive hoje com as moedas, chegamos na casa do
meio milhão cada.
— Desse jeito vou me aposentar mais cedo, suas mãos são mais que
capazes de cuidar das finanças da família. — Brinca.
— Não papai, é chato ter que ir a reuniões de bancos e investidores.
— É mesmo! Vou deixar você ter uma boa vida, por enquanto… —
Gael suspira aliviado. — Certo, não demore muito para ir dormir. Papai te ama!
— Não demorarei. Te amo mais. Boa noite!
— Boa noite, filho! — Encerra a ligação.
Ele assiste sua Zhizn entrar no quarto e se preparar para dormir,
enquanto ele também o faz e quando se deita na cama dá uma última olhada
nela.

Por mais que se tente proteger a pessoa que se ama,


nunca terá cem por cento de sucesso. Essa missão é
impossível.
“Querido, você entendeu errado. Por favor, transforme seus
medos em confiança. Mas eu nunca conheci uma garota em
quem pudesse confiar. Não tenha medo dessas nuvens
tempestuosas”.
(Thunderclouds – LSD Labrinth, Sia & Diplo)
CAPÍTULO 34
RAPHAEL

— Talvez tenhamos que contratar outra pessoa para ficar no Bar.


Você voltando para construtora e logo Leo se mudará, precisará de tempo para
ela. — Ângela informa a Raphael, enquanto compartilham o café da manhã.
— Tem razão. Com ela e as crianças aqui, seria bom ter tempo com
eles.
— Isso meu filho, dedique a eles seu tempo e não se perca no
trabalho, faça deles sua prioridade. — Aperta a mão de Raphael.
Ouvem batidas na porta, Ângela levanta para atender.
— Bom dia! A senhora deve ser a Ângela?
Ele reconhece a voz de Alina.
— Sim, e você é?
— Alina, advogada e diretora executiva da família. — Se apresenta.
— A senhora Eleonora me informou que encontraria o senhor Raphael aqui.
— Seja bem-vinda. Você já tomou café da manhã? — Ângela
oferece.
— Sim, obrigado! — Raphael espera por elas próximo ao sofá. —
Bom dia senhor Raphael. Tenho algumas questões sobre as novas diretrizes da
construtora e preciso que aprove ou não.
Indica o sofá para ela se sentar.
— Não seria bom consultar Tony também? — Raphael questiona.
— Ele já está ciente. Na verdade, muito dessas novas diretrizes
foram aconselhadas pela senhora Eleonora e ele. — Ela tira da bolsa uma pasta
com o projeto e entrega a Raphael.
O projeto envolve uma mudança completa, desde reforma física nos
ambientes como na gestão de pessoas, na missão de visão e valores. Nesse novo
modelo os colaboradores têm mais liberdade e autonomia ao mesmo tempo que
têm suas responsabilidades e metas a cumprir. Não é a construtora que seu pai
criou é uma nova construtora uma nova geração.
— Isso está muito bom, vocês pensaram em tudo desde creche para
os filhos dos funcionários, planos de carreira concisos e ótimos benefícios. Meu
pai se orgulharia. — Ele olha para a mãe e dela para foto do pai exposta na
parede. — Eu gostei muito, mas como seria para implementar? Essas mudanças
terão custo altíssimo e você disse que o protocolo de limpeza cortaria muitos
contratos e receio que para isso tenhamos que pagar as multas de rescisão. —
Entrega para a mãe os prospectos com as novas diretrizes.
— A implementação será feita com o investimento feito por Tony.
Quanto as multas, não teremos que pagá-las, uma vez que esses contratos são de
procedência duvidosa, os envolvidos ficaram felizes em desistir de qualquer
coisa desde que possam sair sem problemas. Esses contratos estão sendo
retificados. — Ela sorri com frieza.
— Sendo assim, não vejo como posso dizer não para qualquer uma
dessas mudanças.
— Tem algo mais que devemos conversar. — Alina o avalia com
receio. — Até tudo estar finalizado, você não deve voltar na construtora.
— O quê? Como?
— Por favor, deixa-me explicar. A equipe de relações-públicas que
contratei, quer fazer desta nova gestão um novo ponto de partida, sua ida ontem
foi o suficiente para gerar comentários. Com a saída abrupta de Álvaro e todos
os outros, fez com que a maioria dos rumores fossem negativos e as demissões
ainda não iniciaram. — Ela suspira. — Queremos evitar que essas repercussões
negativas recaiam sobre você, por isso a necessidade que se afaste. Mas você
será informado de tudo e será consultado para tudo. — Garante.
— Não é o que parece, ninguém me consultou sobre isso. Parece que
já decidiram.
— Tanto você quanto Antony me deram liberdade para seguir como
achava ser melhor. Não venha protestar a cada passo que dou. Sou sua advogada
e diretora executiva, se tomei essa decisão é porque estou pensando no melhor
para a construtora. E você a de convir, as chances de que muito do que tem
acontecido esses anos todos na construtora vazar são grandes, tirar vocês da
linha de tiro é o certo a se fazer e é o que farei, quer queira, quer não.— Alina
enfatiza duramente.
Raphael sente-se encolhido com suas palavras, não havia pensado
nesse cenário.
“Assume, você não pensou em nada.”
— Ela tem razão Raphael. É o certo a se fazer. — Ângela concorda.
— Quando poderei voltar? — Se conforma.
— Desde que sua família saiu da construtora o baile beneficente
anual se extinguiu, a equipe de relações-públicas organizará um baile de
reinauguração e como há muito tempo a construtora não está vinculada com
nenhum projeto humanitário, a senhora Eleonora sugeriu que nos vinculássemos
a fundação dela. A equipe achou a situação perfeita, muitos projetos
humanitários da fundação envolvem reflorestamento em áreas desmatadas e
construções ecológicas e sustentáveis para pessoas carentes, cada projeto que
houver necessidade de pregar, plantar ou construir uma área para manter um
animal protegido e cuidado a Verona estará lá. — Ele segura a respiração. —
Você está acompanhando? A Verona estará onde nunca esteve, ela será
mundialmente reconhecida, nos tornaremos referência. O senhor Antony e você
serão a face desta mudança.
— Seu pai adoraria. — Sente as mãos da mãe em suas costas.
— A Leo teria mais trabalho a fazer? — Pergunta pronto para negar
qualquer vinculação, ele não quer lhe dar mais preocupações.
— Não, ela não terá. Ela criou a fundação para dar as crianças um
mundo melhor, contudo a alegria dela é trazer as doações para fundação, Mateus
é o responsável por todo o resto e te garanto ele está animado para trabalhar com
a Verona.
Mateus?
“Deve ser outro Mateus. Lembra, o diretor da fundação é padre.”
— Estou vendo no prospecto espaço para academia, área de lazer,
beleza e o berçário. Temos apenas dois andares no edifício, onde ficará esses
espaços? — Ângela indaga.
— Compramos os outros dois andares. — Alina responde.
— Você quer dizer que o edifício inteiro é da Verona?
— Sim, ele é.
Os dois olham para Alina com espanto.
— Vocês não fazem nada pela metade. — Ângela fala com alegria.
— Quando será marcado esse baile? — Raphael não está satisfeito
com o distanciamento, mesmo que entenda os motivos.
Alina tira outra pasta e o entrega.
— Nesse projeto temos as datas, o tema, o local, a decoração e tudo
mais referente ao baile.
Na primeira página tem três opções de datas, mas apenas uma chama
a atenção. Ângela se inclina para ver também e suspira com leveza.
— Qual intuito desta primeira data? E se eu não aceitar ela?
— O aniversário do seu pai foi sugerido pelo único fato do apelo
afetivo, vocês podem não aceitar, mas de acordo com as relações-públicas essa
data seria perfeita, ela dá sentindo emocional a essa renovação e é uma forma de
homenagear o fundador. — Alina explica.
— Mãe o que você acha?
— Essas pessoas têm razão, essa seria a melhor data. — Fala
emocionada. Raphael a envolve com seu braço e beija sua cabeça.
— Então, que assim seja. — A data é em três meses.
Não será muito tempo.
— Ótimo! Próximo ponto: as novas contratações. — Alina anuncia.
— Tenho alguns nomes que a minha recrutadora sugeriu, quero sua aprovação
para eles. — Tira outra pasta e entrega a ele.
Quantas mais ela tem dentro desta bolsa?
Na primeira folha há uma relação com vários cargos disponíveis.
— Por que tantos vagos?
— Nesses anos em que Álvaro administrava sozinho a empresa,
houve muitos casos de assédio. Os primeiros começaram por ele e enfim o
exemplo passou para outros funcionários. A empresa favoreceu o assediador e as
vítimas foram demitidas, esses homens estão no topo da minha lista para serem
demitidos sem direito a nada. As outras vagas em aberto são de funcionários
coniventes com as ações do Álvaro e do Saul, temos a equipe inteira de
advogados que se demitiram formalmente, o departamento pessoal está
desfalcado com a saída da Sophie e ficará ainda mais depois das demissões. —
Suspira.
— Eu nunca desempenhei essas responsabilidades, não sei como
posso ajudar a contratar alguém. — Explica temeroso.
Ela sorri complacente.
— Não há segredo, essas pessoas trabalharão para você e com você.
Minha recrutadora fez perguntas pessoais específicas para convivência com
essas pessoas, a vida profissional de todos os candidatos é excepcional, portanto
ache afinidades com eles, pois te garanto que eles são bons no que fazem, fiz
questão de procurar o melhor. — Assegura.
— Tony, não deveria decidir isso também?
— Ele disse que o que você decidir está tudo certo. Mas vou logo
avisando, ele não lida bem com pessoas, coloque ele em uma sala cheia de
clientes e ele limpará a carteira de todos. Mas o coloque em uma sala com os
funcionários e você no fim do dia estará sozinho com uma mesa cheia de
demissões. Podemos começar?
Passam a próxima hora analisando cada candidato para todas as
vagas disponíveis.
— Porteiro? Mas e o Jesus? — Não podem demitir ele. — Eu não
autorizo a demissão dele.
— Ele não será demitido, — fica aliviado. — Irá se aposentar. O
senhor Antony pediu para verificá-lo, descobri que ele tem distúrbios
osteomusculares. A aposentadoria é a melhor forma para que ele tenha uma vida
com qualidade. — Ela muda as páginas da pasta de funcionários. — Veja, esse é
o plano de aposentaria que daremos a ele.
O pacote consiste em um fundo fiduciário com uma quantia
significativa para retiradas mensais, além da cobertura dos convênios médicos
para ele e a esposa.
É mais do que qualquer empresa faria por um funcionário.
— Por quê?
— Eu não sei, o senhor Antony solicitou isso ontem pouco depois
que saíram da construtora.
— Eu o cumprimentei quando estávamos indo embora. — Lembra-
se.
— E pelo jeito você gosta dele.
— Jesus assistiu o crescimento de Raphael. Ele já trabalhava no
edifício quando abrimos o primeiro escritório da construtora, sinto ter perdido
contato com ele, mas folgo em saber que ele será bem assistido. — Ângela fala.
— Antony deve ter notado seu afeto por ele e quis ajudar. — Alina
sugere.
Ele disse que destruiria cada coisa que goste, se a machucar.
“A mim parece que ele fez mais um refém.”
Respira profundamente.
“Ele também disse que garantiria que estivesse feliz e satisfeito.”
Se pensa assim.
“Qual é seu problema?”
Você confia demais nessas pessoas, esse é o problema! Lembra-se,
confiamos no Saul e no Álvaro também.
“Eu sei, mas ele nos devolveu a construtora. Essa é a família da
Anjo! Você acha que somente ela e as crianças podem ser boas pessoas, o
restante não?”
Tudo que sei é o que eu vejo. E o que vejo, são eles entrando em
nossas vidas como se fossem oxigênio, eles estão nos cercando de todos lados,
estão em tudo. E em pouco tempo se tornaram tudo.
“E o que isso quer dizer?”
Quero dizer que tudo isso é bom demais para ser verdade.
— Raphael? — Alina chama.
— Parece bom o plano de aposentadoria para Jesus, ele merece. —
Se resigna e voltam as contratações.
— Será feito uma festa de confraternização para os funcionários da
empresa um dia antes do baile para que a nova diretoria e os novos
colaboradores sejam apresentados aos remanescentes. — Alina comunica, antes
de fechar a pasta de funcionários.
Ela se levanta, Ângela entrega a ela as outras pastas.
— Senhora Ângela, foi um prazer te conhecer. Obrigado por sua
hospitalidade.
— O prazer foi meu, querida. Volte sempre que precisar, você é uma
mulher e tanto. Tenho orgulho em saber que você nos representa!
Alina sorri satisfeita.
— Muito obrigado! Até mais senhor Raphael.
— Não por isso, estou à disposição. — Acompanha-a até a porta.
— Por que Leo escolheu Mateus como diretor da fundação?
— Senhor Raphael, minha função é acatar as ordens sem fazer
perguntas. Não se preocupe com isso, tenho certeza que se ela o escolheu é
porque ele é bom no que faz, a ponto de chamar atenção dela. — Ela se afasta.
— Tenha um bom dia!
— Igualmente!
Observa-a caminhar quando Luka aparece abarrotado de sacolas, ele
sorri para Alina, Raphael o ajuda segurando a metade das sacolas.
— Bom dia, Raphael! Quem é ela?
— A advogada da família. — Diz colocando as sacolas na bancada
da cozinha.
— Ela é linda! Pelas roupas imagino que seja indicação de Leo.
— Sim, foi indicação dela.
— Essa família é impressionante, nada vindo deles é menos que
perfeito. — Luka começa a desembalar as sacolas. — Ângela, querida, trouxe
tudo que pediu para fazermos o almoço para o diretor da fundação.
O que eu disse, é tudo bom demais.
“Para…”
Mateus?
Ângela e Luka falam sobre o almoço quando ele interrompe.
— O que vocês sabem sobre o diretor da Fundação?
Ângela olha-o intrigada.
— Muito pouco, Leo disse que ele é simples e de coração imenso, e
que ela confia nele e nas decisões que toma para fundação.
— Ela contou que ele é padre?
Eles o encaram como se tivesse com duas cabeças.
— Não lembro se ela mencionou essa informação. Por quê? —
Ângela estreita os olhos para o filho. — Raphael, meu filho, qual o problema?
— Nada, eu vou subir.
— Não se atrase para o almoço! — Ângela fala enquanto ele
caminha para porta.
— O que deu nele? — Luka pergunta.
— Foram anos alimentando o monstro que o habita, não é tão
simples abandonar certas convicções. — Ângela responde.
Em casa senta-se no sofá, fecha os olhos, lembra-se de Leo, do corpo
quente e macio dela junto ao dele.
Vou ligar para ela e perguntar.
“Perguntar o que exatamente?”
Sobre Mateus.
“Ok, não é como se minha opinião importasse.”
Ela atende no primeiro toque.
— Olá, meu único!
— Olá, Anjo! — Ele respira fundo. — A Alina veio trazer os
prospectos da construtora. Minha mãe ficou feliz com as mudanças e eu também.
— Como iniciar o assunto? — Ela disse que você sugeriu algumas coisas, quais
foram?
— O berçário e a associação com a fundação. Fico feliz que gostou.
O que eu mais quero é que você tenha de volta o que lhe foi tirado e que possa
dar continuidade ao legado de seu pai.
Ela faz seu coração apertar com suas palavras.
Eu não posso continuar.
— Eu fiquei preocupado em você assumir mais funções, além da que
você já exerce unindo a fundação com a construtora.
— Mesmo que assumisse, seria muito bom ter mais tempo com você,
nem que seja para falar sobre trabalho.
Ele sorri maravilhado com a resposta dela.
— Quando você virá para casa?
— Só mais dois dias e eu vou, terei algumas coisas para resolver
sobre a mudança e poderei ficar mais com você. As crianças irão com meu
irmão passear por uma semana de férias.
Porque ela não os traz para casa?
— O passeio deles já estava programado?
— Não, decidimos de última hora. Por quê?
— Nada, você poderia trazê-los com você.
— Sim, mas ainda não é seguro para eles irem para ilha, com essas
guerras de gangues acho melhor esperar um pouco e também como irei a
trabalho, não seria justo com eles. — Explica.
Na verdade, até esse momento nunca pensou na violência da cidade
como sendo algo próximo a ele, o que de fato está errado, a cidade não é uma
grande metrópole, então quando dizem que o lugar está em guerra, ele deve
entender que o lugar onde mora está em guerra e que portanto a ilha não é
segura.
“Seriamos pais de merda.”
— Eu entendo! Para onde eles irão com Naveen?
— Férias em Paris, passeios intermináveis por museus. — Suspira.
— O que foi? Você não gosta?
— Gosto, mas fazer passeios assim com Naveen é uma tortura, ele
fica horas admirando uma única obra. Horas! Eu não consigo ficar parada por
tanto tempo. — Ela exaspera, despertando o riso dele. — Não ria, um dia você
saberá como é.
— Se você diz eu acredito.
— Estou com saudade! — Ela suspira e sua voz fica chorosa.
O alívio o invade em pequenas doses, também o fez contento em
saber que ela sente falta dele como ele sente dela.
— Eu também. Vem pra casa.
— Eu irei. Dois dias, se você não se importar em me dividir com
trabalho, ficarei com você a semana inteira.
“Me importar?”
— Qualquer minuto com você é melhor que minuto nenhum.
— Tem certeza?
— Sim. Tenho certeza.
— Dois dias. Eu te amo!
— Te amo mais!
Uma semana, teremos uma semana. Ela sente a minha falta.
Os risos vindos da casa de sua mãe indicam que o convidado havia
chegado e pelo visto, o padre já conquistou a todos.
O diretor está sentado de costas para porta e não nota quando
Raphael entra, mas assim que Ângela olha para o filho, ele vira para olhá-lo.
Raphael segura o passo quando o vê. Ele não é nada como esperava.
Não mesmo! Padre? Uma ova.
O homem se levanta, eles são quase do mesmo tamanho, seu corpo é
forte, não tanto quanto Raphael, cabelo preto curto levemente grisalho dos
lados, olhos amendoados de cor castanho e a barba grisalhada. Suas roupas
denotam simplicidade, ele veste camisa jeans de lavagem clara e calça básica
como seu sapato.
É bonito, até demais. Por que não pesquisei ele?
“Porque a anjo só falou o nome dele e mais nenhuma informação.”
— Mateus, esse é meu filho Raphael!
— Olá! — Mateus dá um forte aperto de mão.
— É bom finalmente te conhecer. — Volta a sentar. — A senhora
Eleonora fala muito de você em nossas reuniões. — Ele sorri de canto.
Raphael mede suas palavras, procurando qualquer sinal mal-
intencionado.
— Olha que engraçado, quando estamos juntos ela nunca fala de
você. — Sorri com frieza, Ângela o encara e Raphael sabe que sua mãe quer que
pare. — Uma vez ela disse que era padre. — Ouve a batida de um copo no chão,
olham para trás onde Luka está ajudando na cozinha.
— Desculpe, escorregou. — Ele se abaixa para coletar os cacos de
vidro. Raphael volta sua atenção para Mateus que continua olhando para Luka.
— Eu era. Isso foi há muito tempo, mas ela gosta de continuar me
chamando assim as vezes. — Seu sorriso já não é mais genuíno.
— Posso perguntar por que não é mais? — Ângela inicia seu
interrogatório.
Obrigado mamãe!
— Não achava que o que fazia era o suficiente para ajudar as pessoas
que realmente precisava de ajuda, esse foi o primeiro motivo. O segundo foi que
me apaixonei. — Ângela suspira.
Outro copo cai ao fundo.
— Desculpe! — Luka fala já ao chão para pegar os novos cacos.
— Uma história de amor? Por favor, se não for invasivo conte a uma
velha senhora esse que parece ser um lindo romance.
Mateus sorri para ela, depois olha para Raphael receoso.
— Como disse, já estava com dúvidas sobre meus votos e o que
achava que queria fazer. Por favor entenda, não tinha dúvidas sobre Deus ou a
religião. Eu sou devoto, mas tinha dúvidas com as funções que desempenhava.
Na época era o padre responsável por uma paróquia de uma cidade pequena, eu
alimentava tantas pessoas com a palavra de Deus quanto podia, mas me ressentia
por aquelas que não tinham nada, foi quando eu a conheci. Ela é linda de um
jeito que faz seus olhos a seguir por onde for. Quando todos fingiam não ver os
necessitados, ela lhe estendeu a mão, os alimentou e aqueceu.
Raphael o encara com fúria.
— Então você largou tudo por ela? — Ângela se anima.
— Não, eu fugi dela, a evitei por dias. Eu ainda era padre, tinha
minhas dúvidas, mas não mancharia os votos que fiz. Contudo além de linda ela
é obstinada, descobriu que tinha uma chance e não desistiu. — Ele sorri.
Vou quebrar a cara dele.
“Não vejo motivo.”
Não?
“Não. Isso foi no passado. Lembra: Pa – sa – do.”
— Gostei dela! Desculpe Mateus, mas não posso reprovar uma
mulher que luta por seu amor. — Ângela interrompe e Raphael cerra os punhos.
— Ela foi persuasiva, cheguei a um ponto que em minhas missas eu
a procurava na multidão e cada vez que a achava, sentia minha pulsação se
elevar. A situação ficou insuportável e eu resisti ao máximo, enquanto ela
ganhava mais e mais terreno. Em um ato impensado eu cedi e foi como renascer,
depois disso me afastei da igreja. — Ele olha para Raphael e para seus punhos
cerrados.
— Vocês se casaram? — Ângela continua não notando seu filho
quase explodindo.
Desta vez ele não está contente com o interrogatório da mãe e nem
com o entusiasmo dela.
— É aqui que minha história parece com um romance de
Shakespeare, depois que me afastei da igreja tivemos alguns dias somente
nossos, por esses dias ela me deu tudo que poderia ter dela e eu levei tudo que
ela poderia me dar. Apesar de ter vencido todos os obstáculos que a vida lhe
impôs, ela foi ferida com tanta profundidade que eu não pude lhe ajudar
completamente, mas sei que ela valoriza o amor que lhe dou, tive que me
ausentar da cidade por alguns meses e nos comunicamos todos os dias, quando
voltei ela foi me receber, a paixão que sentia havia se esvaído e em seu lugar a
amizade nos uniu com força. Quando achei que ela não podia me dar mais nada,
ela me deu uma família a quem me apoiar, irmãos que eu amo como se fosse
minha família de sangue. — Mateus fita Raphael. — Entenda, eu sempre a
amarei. Ela é uma parte importante da minha vida e da vida dos meus irmãos e
não nos afastaremos dela.
Mensagem recebida.
Ângela olha dele para o filho e de novo para ele.
— Então você largou tudo, mas não ficou com ela?
— Ângela querida, o amor é assim, as vezes somos correspondidos e
em outros nos é permitido amar somente de longe. Ela me ama, mas seu amor
por mim não é na mesma medida do amor que sinto por ela. — Ele sorri
amistosamente.
— É tão triste, essa mulher deve ser louca por não amar você como
merece.
Ele riu e Raphael engasga com a própria saliva.
— Ela me ama como amigo e para mim isso já é suficiente.
Ouvem a queda dos talheres.
— Desculpa, não sei o que está acontecendo, minha mão parece que
não quer responder aos meus comandos. — Luka se desculpa da cozinha.
Mateus continua.
— Vê como o poder de Deus age sobre nós? Quando não sabia o que
fazer para ajudar as pessoas necessitadas, por meio dela, ele me indicou um novo
caminho e hoje sou um homem realizado e ajudo tantas pessoas que antes não
poderia. Sou honrado em fazer desse mundo um lugar melhor. — A voz dele está
carregada de orgulho.
Ângela o encara inquisitiva.
— Isso é impressionante!
Luka continua batendo as coisas na cozinha.
— Eu vou ajudar Luka a terminar de arrumar a mesa. — Ângela se
afasta.
— Ela escolheu a mim. — Raphael afirma com petulância, quando
nota que a mãe não pode ouvir.
— Você não imagina como é abençoado. — Mateus felicita.
— Se passaram dois anos e você ainda a deseja?
— Sim. Mas sempre soubemos que ela não seria minha, eu aceito a
proximidade que tenho com ela. Entenda, foram muitos anos de dedicação aos
meus votos sem toques, sem afeto homem e mulher, ela foi a primeira em muito
tempo em a me dar isso, não é como se conseguisse esquecê-la.
— Vocês são apenas amigos?
Mateus o encara decepcionado.
— Não estrague o que tem por insegurança. Ela ama você com a
mesma proporção que você a ama. — Ele esfrega as mãos na perna. — Nesse
tempo, em que viajo para os lugares onde tem muitas pessoas carentes, eu vi
como a vida é frágil. Hoje estamos aqui, amanhã podemos não estar. — Observa
Ângela com Luka na cozinha. — Para amar você deve ter confiança, senão ao
menor obstáculo vocês fracassam.
— Eu confio nela. — Raphael assevera.
— É em mim que não confia? Acha que farei o quê? Forçá-la a
mim? É isso que acha que farei ou os meus irmãos? Que tipo de pessoas acha
que somos? — A hostilidade de Mateus o surpreende. — Isso reflete mais sobre
você do que sobre mim. Você não é só inseguro, é imaturo também. A união
dessas duas características pode não ser benéfica para você e muito menos para a
sua relação. — Ele se levanta pondo um fim a conversa. — Ângela gostaria de
lavar as mãos, onde fica banheiro?
— É a porta à sua direita. — Ela responde.
Raphael remói suas palavras ficando cada vez mais enfurecido.
Ela mentiu!
“Por quê? Não acho que seja uma mentira. Omissão? Talvez.”
Não importa, ela mentiu quando falei que não queria mentiras entre
nós.
— Eleonora pediu que trouxesse um pouco de cada coisa que
fazemos no Centro de Apoio, as geleias e as compotas são feitas com frutas
orgânicas da melhor qualidade, o agricultor delas é como se fosse um irmão para
mim e um grande amigo dela. Tenho certeza de que você adorará. — Mateus fala
enquanto ajuda Ângela a servir a comida.
— Que atencioso. Ela me deu a receita de uns dos seus pães, se tudo
que trouxe for tão bom quanto o que experimentei, receio que me tornarei
consumidora voraz do que vocês produzem. — Eles riem.
O almoço passa como um borrão, Raphael entra em modo
automático falando apenas quando solicitado. Mateus por outro lado é
carismático e Ângela está encantada com ele. Luka o olha de forma estranha e
parecia tão distante quanto Raphael.
Quando terminam, Mateus e Ângela partem para visitar a ONG da
ilha e em seguida para reunião com Adriano sobre os projetos para os jovens,
deixando Luka e Raphael com a cozinha para limpar.
— Não sei se deveria dizer isso, mas acho que devo falar. — Luka
receia, ponderando se devia continuar ou não.
— É melhor falar, seja o que for. — Raphael instiga mal segurando
sua fúria.
Luka o avalia, respira fundo.
— Quando ele chegou, tive a sensação de que o conhecia, mas então
pensei que foi algum engano, esse homem não é do tipo que se esquece. Mas
mesmo assim fiquei moendo essa sensação de reconhecimento, até que você
entrou e disse sobre ele ser padre. Foi então que me lembrei dele: O padre!
Raphael fica olhando para ele sem entender.
— Que padre?
— Há dois anos, o padre do vídeo. O padre no confessionário! —
Sorri confiante.
— Você tem certeza?
— Muita. Eu acompanhei tudo sobre ele, até que ele sumiu. — Luka
olha para janela. — Ela não ficou com ele. No fundo tinha esperança de que eles
se casassem e vivessem seus felizes para sempre.
— Ela não casará com ninguém a não ser comigo! — Explode
incomodado.
Luka se espanta com reconhecimento.
— Puta merda!
— Não fale disso com ninguém, você me ouviu? Com ninguém.
Nem mesmo com a Manu e jamais para minha mãe. — Esbraveja antes de fugir,
já perdendo de vez a cabeça e a sanidade.
Uma nova peça no grande quebra-cabeça que é Eleonora. Ele achava
que sabia tudo que precisava dela, mas quando achou que montou tudo, percebeu
que tem um novo nível a ser montado. Agora se sente enganado, lembra-se dela
falar de vazamento de imagens.
Ela mentiu!
Com celular na mão aguarda se atendido.
— Você mentiu! — Ataca assim que ela atende.
— Do que você está falando?
Oh, agora ela está se fazendo de desentendida. Logo ela, A SABE
TUDO!
“Pega leve com ela!”
O quê? PEGAR LEVE? PORRA NENHUMA!!!
— Raphael?
— Até quando você continuaria?
— O quê? Que mentira? — Sua voz parece perder o controle. —
Raphael fale comigo…
— O diretor da sua fundação nada mais é que um ex amante seu.
Não bastasse isso, tem um vídeo de sexo seu na internet! Eu assisti quando
vazou, minha mãe e meus funcionários também. — Respira pesado. — Como
você quer que eu me sinta quando descubro que a minha mulher atormentou um
homem a ponto de fazê-lo perder o controle e jogar tudo para o alto? E depois
sabendo que ele ainda te ama você se mantém na vida dele alimentando um tipo
estranho de relação?
— Raphael eu, eu… — Ela soa como se estivesse acuada.
— Eleonora!
— O que você quer que eu diga? — Sua voz está engasgada.
— Eu pedi a verdade.
— Eu lhe dei a verdade. Você nunca perguntou sobre Mateus
diretamente. — Sua voz ganha entonação.
— Você deliberadamente falou que ele era padre! — Respira pesado.
— É isso? Tenho que perguntar se cada homem na sua vida foi seu parceiro
sexual!?
— Já chega Raphael! Eu não devo satisfação da minha vida a você.
Até onde sei, você não se guardou enquanto me esperava.
— Como poderia prever que conheceria você?
Onde ela quer chegar.
— Você não poderia prever, mas eu deveria? Percebe como você
está sendo irracional. Eu lhe disse que não me orgulho do que fiz e por isso eu
parei. Mas e você Raphael, tenho que perguntar se fodeu cada turista que entrou
no Bar?
Ele é silenciado por suas palavras.
“Idiota.”
— Foi o que imaginei. Se você já acabou, tenho que ir. — Ela
desliga.
“Meu, você está muito fodido.”
Fica olhando o celular.
Não, ela não vai desligar.
Liga de novo.
— Eleonora eu não acabei.
— Ah claro, continua…
— Não faz isso!
— O que eu fiz desta vez!?
— É como se você tivesse a porra de um harém. Você tem uma horda
de homens devotos a você, que ficariam mais que felizes em te ter. Como você
quer que eu me sinta?
— Eu iria querer que você se sentisse feliz, porque mesmo tendo a
merda de um harém, é você que eu quero! — Ela grita. — Raphael, eu tive
parceiros sexuais que se tornaram grandes amigos, mas você teve uma noiva! E
estava disposto a se casar…
— Eu não a amava!
— Esse é o ponto! Você não a amava, mas estava disposto a se casar
com ela. Você diz me amar, mas fez de mim sua namorada e dúvida do que faço
e falo a cada passo do caminho!
Raphael se surpreende com o que ela lhe confessa.
— Anjo, eu não achei que você se sentia assim. — Ameniza.
— É, você não achou. Você achou que eu estava com ciúmes. —
Fica em silêncio. — Acabou?
— Anjo, precisamos conversar.
— Sinto muito, mas eu não quero agora. Tenho que ir, por favor não
desconte sua raiva no Mateus. — Ela desliga.
“I-D-I-O-T-A.”

O movimento no Bar começa, Ângela o evita desde que Raphael


distribuiu patadas logo na abertura, Alessia foi inteligente suficiente para se
manter distante e não o incomodou, Manu orientada por Ângela e Luka,
sabiamente o evitou.
— Você está com cara de que fez merda. — Mateus fala sentando a
sua frente. — Uma cerveja. — Pede. — Quer conversar?
— Ela não contou que você trabalhava com ela.
— Eu não trabalho com ela, eu trabalho para ela. Nota a diferença?
— Dá um gole na cerveja.
— Não vejo diferença.
— Ah, mas ela existe. Veja bem, trabalhar com ela significaria que
estaria com ela todos dias em cada curva das minhas funções, o que não
acontece. Trabalhar para ela significa que eu estou sozinho nessa jornada, salvo
algumas poucas reuniões sobre projetos que ela gostaria de apoiar ou relatórios
que lhe informo dos projetos em andamento. Contudo, as vezes nos encontramos
fora do trabalho, tempo esse que dedicamos a conversar sobre muitas coisas. Ela
é uma mulher fascinante, por que eu ou meus irmãos negariam esse tempo com
ela? Depois dos dias em que fiquei com ela, nunca voltamos e jamais a forçaria.
Ela sofreu o suficiente em sua vida, eu vi as marcas, quero ser para ela motivo de
alegria e não tristeza. E aconselho que você também seja.
— Ela contou sobre o passado dela a você?
Essa seria a pá que falta para meu sepultamento.
— Nunca. — Raphael relaxa instantaneamente. — Tudo que sei são
as poucas coisas que ela soltou aqui e ali sobre o orfanato em que viveu, algo
sobre lutar para conseguir regalias para uma melhor sobrevivência e a família
adotiva que nunca conheci. — Mateus observa as pessoas ao redor.
“Satisfeito?”
— Nós brigamos. — Confessa. — E agora me sinto um idiota.
“Você foi mesmo.”
— Talvez você seja, mas as melhores pessoas são em algum
momento da vida. — Ele sorri.
— Sou imaturo e inseguro, você tem razão. — Assume.
— Geralmente, nunca erro. — Mateus sorri convencido, o que irritou
ainda mais Raphael. — Você deveria ligar e se desculpar.
— Tentei, mas ela não me atende.
Mateus estreita os olhos.
— Isso é novo, ela nunca foi de ser passional. Ela é racional ao
extremo.
— Parece que agora ela é. — Se encaram por alguns segundos em
silêncio.
— Ela reage diferente com você. Ela espelha as suas ações. Dê
tempo a ela. — Aconselha.
Raphael aceita com um aceno de cabeça.
“Sua culpa! Oh grande babaca.”
Vá embora!
“Quem me dera.”
Cala a boca!
“Para início de conversa, você que deveria ter feito isso. Se tivesse
feito, não estaríamos sem saber da Anjo.”
Vou ligar para o Tony.
“Isso, liga para ele, será mais um para te chamar de idiota, seja
adulto e lide com isso sem envolver a família em seus problemas.”
Mateus pede a Manu um lanche.
— Como foi sua visita? — Muda de assunto.
— Boa. A ONG será um projeto fácil de financiar. Quanto ao centro
de ajuda, faremos sim, mas não na ilha. Será melhor fazer na costa,
conseguiremos ajudar mais pessoas estando do outro lado. — Informa enquanto
Raphael lhe entrega outra cerveja.
— Isso parece bom! Como é trabalhar para fundação?
— Eu achava que seria uma coisa pequena, mas quando voltei para
casa Eleonora me apresentou todo o projeto, eu fiquei assustado com as
proporções mas com ajuda de Alina, me estabeleci na Fundação Ciclo da Vida e
hoje somos o que somos. Basicamente, sigo o caminho que Eleonora aponta e
nunca estive mais realizado como pessoa. — Responde orgulhoso.
— E as doações que ela angaria?
— Investidores estrangeiros. Eu nunca os conheci pessoalmente, só
vejo as doações que são na maioria das vezes significativas. Temos alguns
doadores físicos com quem me encontro, mas Eleonora raramente aceita essas
doações e ela nunca se relaciona em nome da fundação.
— Por quê?
— O motivo é simples: ou ela aparece ou o padre pecador, nós dois
juntos não poderíamos aparecer relacionados se não os abutres da mídia
voltariam. — Manu entrega o lanche a ele.
— Ela uma vez mencionou que vazaram imagens dela e a julgar o
que fazíamos na ocasião, não imaginei a extensão do que de fato aconteceu. —
Mateus o olha interessado.
— Vocês estavam em público? — Pergunta duvidoso e dá uma
mordida no lanche com sorriso latente.
— Não foi nada como isso, estávamos fazendo compras em uma loja
nada aconteceu, mas ela disse que Miguel é cauteloso por causa disso.
— Ele é mesmo e não só com ela, comigo e os outros também.
Chamber é o que mais se beneficia, Otávio não gosta tanto, Samuel nunca nem
notou, Tiago e eu nos acostumamos rapidamente. Há lugares em que vou que, se
não fosse pelos seguranças, não sei se sairia vivo.
— Vocês parecem muito unidos.
— Família é para ser assim.
— Suponho que sim. — Raphael atende alguns clientes que se
aproximam do balcão e Mateus termina de comer, olhando todos ao redor.
— Esse lugar é sempre assim? As pessoas são sempre hospitaleiras?
— São. Mas depois que a polícia mudou suas práticas ilícitas. As
pessoas estão de fato mais felizes, antes tínhamos muitos problemas com tráfico
de drogas, agora na ilha é como se isso nunca tivesse acontecido.
Mateus sorriu de forma diferente.
— Isso parece bom. Acho que não terei problema com a vizinhança.
— Anuncia, fazendo Raphael duvidar do que ouve.
— Você irá se mudar para ilha? — Pergunta incrédulo.
— Alina ofereceu um escritório na Verona e vamos dizer que, a
minha cidade atual não é receptiva sobre minhas escolhas no passado, então, por
que não?
— E seus irmãos?
Que alegria seria me tornar vizinho de todos eles!
— Pode ter certeza que quando eu contar em como esse lugar é lindo
eles farão visitas sempre. — Responde sorrindo.
— E sua família, seus pais, irmãos?
— Depois do escândalo, praticamente me repudiaram. Minha irmã,
depois que soube sobre meu trabalho na fundação, voltou a falar comigo. Depois
vieram os pedidos para que eu a ajudasse na carreira política do meu cunhado,
dando o apoio da fundação a eles, eu me afastei depois desse episódio. — Ele
conta com amargura.
— Foi imposição da Leo que se afastasse deles? — Nunca imaginou
ela como uma gestora rígida, mas também nunca a viu trabalhar.
— Não, de forma alguma. Na verdade quando ela notou que estava
sozinho, ela me apresentou aos meus irmãos. — O sorriso volta com a menor
menção dela.
— Isso é como ela é. — Mateus confirma com um gesto de cabeça.
— Seja bem-vindo a ilha!
Ao fim da noite no Bar, Leo ainda não fala com ele. Mateus e ele se
tornam quase amigos, além da Leo eles têm muito em comum, mais até do que
imaginaria que teria com um padre, ou ex padre.
Mateus se despede de todos, prometendo voltar em breve. Assegura
que manterá contato com Ângela por telefone e fez ela prometer que se quisesse
mais do que trouxe ela avisaria e ele mandaria para ela.
Ângela é todos sorrisos para ele.
Será que a Anjo também é assim?
“Sério?”
Raphael liga para Leo e manda mensagens que não são atendidas e
nem visualizadas, sente na pele o que ele a fez sentir quando ela lhe contou do
Otávio e não gostou.

Sentimentos não são gaiolas para aprisionar, portanto


sentir é libertar. Entretanto as vezes sentir para uns é possuir
outrem.
“Você gostaria que não durasse tanto tempo?
Devo lembrá-lo que você não tem para aonde ir?
Então, eu vou ficar ao seu lado.
Como uma melodia esquecida de um sonho.
Estamos voltando para casa”.
(Coming Home – Kaiser Chiefs)
CAPÍTULO 35
RAPHAEL

A maresia é como a falta que sente dela, está em tudo. Um dia inteiro
e Leo continua o evitando, pela centésima vez ele liga para ela.
Vamos atende, atende, atende.
A ligação é recusada.

Alina
O arquiteto responsável pelo projeto do
convento estará na ilha a partir das 10:00hs.
08:04 am

Raphael
Irei encontrá-lo, obrigado.
08:04 am

Raphael
Ela está bem?
08:10 am

Tony
Sim.
08:10 am

Raphael
Você já voltou para casa?
08:10 am

Tony
Não, tive um contratempo, ficarei fora por mais
um dia.
08:11 am

Raphael
Certo, obrigado!
08:11 am

Raphael
Anjo?
08:25 am

Fala comigo! Eu sei que fiz


merda, desculpa!
08:30 am

Sinto sua falta!


08:36 am

Anjo, por favor, não faz


assim…
08:40 am

Quer casar comigo?


08:44 am

Falo sério. Eu nunca quis tanto


como quero com você…
08:45 am

Anjo, posso ver que você está


visualizando.
Me responde!
08:48 am

Atenda minhas ligações!


08:53 am

Eu te amo!
08:53 am

O quê?
Você não vai responder, Anjo!
09:13 am

Se você não me atender,


comprarei uma passagem e irei até você!!
09:37 am

A ligação é recusada mais uma vez.


Corre até a casa da mãe, Ângela o olha intrigada enquanto ele pega
seu celular na bancada da cozinha, sem nem ao menos dar bom dia.
Toca uma única vez.
— Ângela, está tudo bem? — Escuta a voz de Leo.
— Não é justo você me ignorar todo esse tempo! Pare de me tratar
como se eu fosse uma criança!
— Então pare de agir como uma!
— Eu já te pedi desculpas! Eu te pedi em casamento e você ainda me
ignora.
— Eu disse que te amo e você não entende. Por que minhas palavras
valem menos que a sua?
— Eu nunca as desvalorizei.
— Oh, mas você faz! Fez quando achou que menti para você sobre
Miguel, fez quando falou que mantenho um harém de homens. Você faz isso a
cada vez que duvida das minhas palavras! Demonstra a cada vez que estou em
casa e você não está ao meu lado.
— Sinto muito! Eu não sabia, não queria…
Não queria o quê? Magoá-la ou deixar tão obvio meu ciúme,
imaturidade ou minha latente insegurança.
— Eu te amo!
— Será mesmo? Porque eu te amo também e não te trato como você
me trata.
— Não fale isso. Como pode duvidar quando tudo que eu faço é
viver e respirar por você. — Se desespera.
— Isso não é sadio Raphael, o seu mundo não pode girar em torno
de mim. É sufocante e ao menor sinal, você explode e eu sou sua vítima!
— O que você quer dizer?
Segura o aparelho com força no ouvindo, rezando para que ela não
termine com ele.
— O que eu quero dizer é que a sua felicidade não pode depender de
mim exclusivamente, você é um homem adulto cheio de demônios do passado
que você não liberta. Eu não sou a Valentina. Eu não sou o Saul. Eu não sou
Álvaro. — Ela suspira. — Eu sou Eleonora, seu anjo, mas eu preciso que você se
liberte deles. Não posso quebrar as correntes que te segura sozinha, eu preciso
de você para me ajudar.
Raphael respira com dificuldade, as palavras são verdadeiras. O que
o assusta é ela parecer desistir dele.
— Não desista de mim… — Suplica. Sua visão embaça com as
lágrimas que caem.
— Amor, eu não vou desistir, mas não posso ser conivente com suas
ações. Coloque-se no meu lugar, use a empatia.
Ele sorri com a lembrança do seu primeiro dia com ela.
— Usarei, prometo. — Ouve o que pode ser um sorriso dela. —
Você virá para casa amanhã?
— Quanto a isso…
— Não! Por favor, venha para casa. Não me deixe de castigo por
mais tempo.
Ela sorri.
— Amor, eu vou. Eu quero dizer que amanhã preciso que me busque
no aeroporto, Miguel irá com as crianças para Paris e achei que você gostaria
de cuidar de mim exclusivamente. — Sua voz cadenciosa o renova com
esperança.
Uma caixa de lenços é empurrada pelo balcão por Ângela, que
assiste o filho desde do início. Com vergonha evita olhar a mãe enquanto limpa o
nariz.
— Eu quero. — Atropela apressado.
— Miguel vai mandar os dados do voo. Eu também senti sua falta, te
amo!
— Eu te amo mais! — Encerra a ligação.
Raphael coloca o celular de volta no balcão.
— Quer conversar? — Ângela oferece.
Raphael limpa as lágrimas grosseiramente com as mãos.
— Eu a sufoco com meu temperamento, nem sabia que fazia isso.
Ela disse que faço dela minha vítima. — Começa a chorar com mais força por se
dar conta que machuca seu bem mais precioso.
— Meu filho, eu não queria ser aquela que chuta um animal ferido,
mas ela está certa. Eu lhe avisei tantas vezes. Essa mulher te ama, a família dela
adora você. Seja a pessoa merecedora desse amor e se ame antes de amá-los de
volta. É por esse caminho que você deve caminhar: o do amor-próprio e do
autoconhecimento. Seja aquele ao lado dela e não aquele que a tranca em uma
bonita gaiola. — Seus braços o acolhem.
— Eu não posso esquecer tudo que me fizeram. — Fala respirando
com dificuldade.
— Não precisa esquecer, mas você deve deixar o que aconteceu no
passado. O mundo sorriu para você, está te devolvendo o que lhe foi tirado e
muito mais. Aproveite essa benção.
— Como posso amá-la menos?
— Quem ama liberta, faça isso, liberte-a e se liberte. Ela voará com
você e não por você. Então você fará o mesmo com ela. Você não amará menos.
Amar assim é amar muito mais do que qualquer um já sentiu. — Ela se afasta
para olhar em seus olhos.
— Era sobre ela que Mateus estava falando. — Explica. — Fiquei
com ciúmes, duvidei dela e a acusei injustamente.
— Imaginei. Sabe, eu sou muito perspicaz, mas tirando seu pai só a
Leo parece notar. — Ela sorri. — Aquele homem gosta muito dela. Eu não
preferiria diferente, essa mulher é cercada de pessoas que a amam de verdade e
isso é a melhor coisa que uma mãe poderia desejar ao filho ou o marido a sua
esposa. — Abraça a mãe. As lágrimas já contidas e a respiração mais leve.
— Eu pensei assim quando conheci a família dela e o Tony
principalmente, mas me remoeu saber sobre Mateus e os outros, a ideia de
compartilhá-la é difícil. Quando me acostumo com Tony, tem Miguel, o
segurança pessoal, Mateus, o diretor da fundação, Otávio, depois Tiago, Samuel
e tem o Chamber, esse eu ainda nem conheci, e acho que nem quero, ele é um
cantor famoso, desses que as mulheres se jogam para ter o mínimo de atenção.
Como posso competir com eles?
— Uma mulher como ela não é de se admirar que tenha tantos
admiradores. Mas ela está interessada neles?
Olha para ela, entendendo onde a mãe quer chegar.
— Ela gosta deles, mas é a mim que ela quer. — Repete as palavras
que Leo disse e sorri se dando conta de como foi idiota.
Ela quer a mim.
— Então meu filho, você está se comportando como um idiota. —
Riem juntos.
— Agora eu vejo. — Olha o relógio no pulso. — Tenho que ir, hoje
eu vou conhecer o arquiteto responsável pela obra do convento.
— Certo, vá lá e tente desvendar o mistério dos novos vizinhos.—
Ela provoca.
— Aquele lugar é lindo e se puder impedi-los que destruam algo tão
bonito, eu impedirei.
Sem contar certa torre do sino.
— Eu nunca vi. Se você diz que é lindo, acredito, mas duvido que
eles destruirão qualquer coisa nessa ilha ou nas outras. — Ângela fala enquanto
ele segue para porta.
— Eu não tenho a fé que você tem nessas pessoas.
— Voltará para o almoço? Pois acho que ouvi meu filho fazendo um
grande pedido a sua namorada e quero saber os detalhes de como foi.
— Tudo que tenho a dizer sobre isso, é que foi o pior pedido de
todos os tempos. Voltarei para o almoço, mas qualquer coisa ligo e aviso.
— Obrigado por me conceder tal honra.
— Ironia não combina com você.
— Eu não concordo.

O arquiteto anda pelo terreno tão alheio e pensativo que nem o ouve
se aproximar.
Raphael observa por pouco tempo o senhor moreno de cabelos
grisalhos e encaracolados.
— Noah?
Ele para e o olha com curiosidade, ajeita os óculos que estão um
pouco baixo no nariz.
— Este sou eu! Em que posso ajudar?
— Sou Raphael, desculpe pelo atraso. — Oferece a mão e ele aperta
com leveza.
— Alina me informou de sua presença. Venha, tenho muito que
mostrar, esse lugar é simplesmente lindo e temos muito pouco tempo para
finalizar. — Ele começa a caminhar para o prédio principal. O lugar antes
isolado, agora é um canteiro de obra de um grande empreendimento, vários
empreiteiros estão liberando as janelas e as portas.
— Os proprietários desejam fazer o que com esse lugar?
— Restaurar é o principal motivo, modernizar o sistema elétrico e
hidráulico, paisagismo na área externa e decoração na interna.
— Restaurar?
— Sim, essa maravilha será restaurada. Tudo externamente ficará
novo em folha e boa parte da área interna também. As alterações que faremos
será para deixar o lugar funcional, com mais aspecto de casa do que convento.
— Passam pela porta principal, a luz que adentra o lugar mostra sua real beleza.
— Então a ideia não é destruir? — Pergunta descrente.
— De forma alguma, a ideia é unir o moderno com clássico. — Ele
responde observando algumas pessoas trabalhando.

As horas passam com Noah mostrando o projeto. Raphael admite


que não era nada como imaginava, o lugar se manterá como deve ser, mas
também será um lugar moderno e sustentável com as instalações de luz solar,
sistema de captação de água e etc. A área verde, em volta da propriedade, se
manterá conservada e muitas outras árvores serão replantas. A capela, que fica
separada da construção principal, será reformada se tornando uma casa suntuosa
com acomodações confortáveis e espaçosas, o galpão, usado como depósito
pelas freiras, está avariado pelo tempo e também será reformado para se tornar
uma garagem grande e moderna. O jardim interno será em estilo japonês com
direito a um lago com carpas, cascata artificial, uma ponte de pedras e flores de
todos os tipos.
Cada vez que descubro mais sobre o projeto, mais me afeiçoo a ele.
A praia, como Raphael imaginava, será privatizada e a casa será
aberta para ela, o jardim dividirá espaço com a piscina quando ele termina a
praia começa integrando tudo de forma fluida. A casa de barcos, uma academia e
área gourmet serão integradas ao ambiente de forma natural sem agredir a
construção original, as paredes serão de vidro de onde poderá se ver tanto o
jardim interno oriental como o jardim externo com a piscina e o mar adiante.
— Eu jamais esperaria por um projeto assim, confesso que queria
que tudo aqui fosse tombado para que os proprietários não destruíssem o lugar.
— Fala eufórico com o projeto.
— Eles jamais destruiriam esse lugar. Eles têm gostos refinados, mas
jamais destruiriam um santuário como esse.
Chega no projeto da torre do sino, ela deixará de ser a torre do sino e
passara a ser uma espécie de farol, mais janelas serão colocadas na lateral e
quem for subir as escadas terá uma linda vista para praia e para casa, e quando
chegar ao topo serão agraciados com a vista para o oceano.
— É lindo! Eu não poderia pensar em nada melhor. — Fala
admirado.
— Confesso que eu também não, foi um dos proprietários que
descreveu essa torre, eu mandei vários projetos, mas insistiam em manter a
simplicidade. No fim, juntaram um pouco de cada coisa que mandei e está torre
nasceu, quando eu vi pensei: como eu não enxerguei isso antes. — Ele fala
espelhando a admiração de Raphael. — Mas enfim todo projeto foi assim, eu
mandei inúmeras opções, algumas fui até drástico nas mudanças que sugeri.
— E como os proprietários são?
— O melhor com quem já trabalhei. Como arquiteto tive a chance de
pegar um projeto com eles e de longe achei que foi o melhor trabalho da minha
vida, quando fui chamado para um próximo, de novo eu fiquei exultante e
quando vi esse diamante, me apaixonei.
— Então não é seu primeiro trabalho com eles?
— Não, esse é meu segundo.
— Você os conhece pessoalmente? — Assiste suas feições mudar de
indeciso para receoso. — Poderia falar quem são?
— Sinto muito Raphael, mas estou sobre sigilo e não posso quebrar
esse acordo. — Responde olhando em seus olhos.
— Claro, desculpe. Estou curioso sobre eles, nada mais. — Noah
sorri aliviado com o recuo de Raphael.
— É compreensivo, eu também ficaria se estivesse no seu lugar. —
Ele ameniza.
Passam mais um tempo analisando o projeto e as fases de
desenvolvimento, a obra será feita em tempo recorde com três turnos de
empreiteiros, com o fim previsto para três meses.
— Esse tempo é espantoso.
Noah e ele caminham para saída. Os refletores noturnos para
construção estão sendo instalados tudo está a todo vapor.
— Essa construção pode ser centenária, mas quem a construiu levou
em consideração a deterioração pelo tempo e garantiu que permanecesse intacto
por eras. — Noah responde alegre.
Oferece a Raphael carona para o outro lado da ilha, a estrada antes
esquecida e tomada pela vegetação se transformará em um belo caminho
arborizado e privado, Noah conta.
— Privacidade parece ser a palavra de ordem deles. — Raphael
ressalta.
— Esse tipo de construção chama a atenção de todos, não é errado
pedir privacidade quando se trata da sua casa. — Ele responde.
— E o que será feito com as outras ilhas e as outras propriedades que
foram adquiridas aqui?
— Eu sinceramente não sei. A mim veio somente o projeto do
convento.
Até chegar em casa conversam sobre a reforma e outras curiosidades
do projeto. Raphael explica a Noah sobre como tem que se manter afastado da
construtora até que ela esteja pronta e ele o convida para trabalhar com ele no
convento, ficando mais que satisfeito em ter ajuda especializada.
Raphael está alegre, é o primeiro trabalho em sua área que consegue
em anos.
Tudo está dando certo, de uma forma que não imaginei que poderia
ser!
Ângela arruma a mesa distraída quando ele entra para almoçar,
depois Raphael mostra a ela o projeto do qual fará parte e ela elogia cada
ambiente que ele lhe mostra.
— Vou chamar Adriano para trabalhar no seu lugar, assim você não
precisa fazer jornada dupla na obra e no Bar. Ele já ajudou algumas vezes e é de
confiança, será um ajuste perfeito.
— Você está me demitindo?
— Com certeza. — Ela sorri. — Agora…, fala como foi o seu
grande pedido para Leo.
— Quando discutimos sobre Mateus, ela estava brava e falou em
como eu estava disposto a me casar com Valentina mesmo sem amá-la e, com
ela assumi apenas um namoro, desconfio dela a cada instante o que compreendo
ser verdade, mas prometo não fazer. Ou melhor me conter, não é como se eu
pudesse desligar um interruptor. — Contextualiza o ocorrido. — Ela não atendia
minhas ligações, mas visualizava minhas mensagens, então perguntei se ela
queria se casar comigo. — Termina.
Sua mãe dá um meio sorriso.
— Foi uma merda de pedido, na verdade isso nem deve ser
considerado um pedido! — Ângela exclama.
— É foi mesmo, eu te avisei que foi. — Reafirma. — Farei direito
quando ela chegar.

Miguel
A senhora Eleonora chegará as 09:00hs.
01:27 pm

Raphael
Esperarei por ela.
Ela terá outros seguranças
protegendo-a?
01:28 pm

Miguel
Uma equipe à paisana fará a segurança.
Você pode não os ver, mas eles estarão atentos.
01:28 pm

Raphael
Obrigado e boa viagem!
01:29 pm

Quando ela salvou o telefone dele no meu celular?


Passa os contatos na agenda, além dos poucos que tinha, encontra os
contatos de toda a família dela, como também de Mateus, Miguel, Samuel,
Tiago, Otávio e Chamber.

Raphael
Por que eu tenho os telefones
dos seus amigos?
01:33 pm
Anjo
Para que você possa falar com eles sempre que
quiser.
Eu nunca escondi nada de você.
01:33 pm

Raphael
Não precisava.
01:33 pm

Anjo
Ignore, mas saiba eles são ótimas pessoas e é
sempre bom ter amigos.
01:34 pm

Raphael
Você é minha amiga e para mim
já basta.
01:34 pm

Anjo
Não seja difícil! Eles adorariam conhecer você.
01:34 pm

Te amo!
01:35 pm

Raphael
Te amo mais!
01:36 pm

Como sempre ela o distrai com essas palavras.


Eles querem me conhecer.
Por ora prefere ignorar.

Faltando dez minutos para a hora do pouso de Leo, Raphael já está


aguardando, ele olha o buquê feito com um misto de flores do campo que
comprou para ela descansando no banco do passageiro, o aroma delas permeia
pelo carro. Mas nenhuma tem o cheiro melhor que seu anjo.
O coração acelera indicando que ela está perto, o avião pousa pouco
tempo depois, a porta abre, primeiro um comissário desembarca segurando a
mala de mão de Leo e uma outra modelo executivo. Ela entra em sua linha de
visão, quando o vê o maior sorriso se forma em seu rosto. Seu cabelo está
trançado nas laterais e seu vestido lavanda com babados e renda, flui com o
vento.
O mundo para e seu foco é único e exclusivo ela. As mãos coçam
para segurá-la e seu coração parece que vai sair pela boca, os olhos dela estão
escondidos por óculos escuro, mas ele tem certeza de que estão no tom mais
claro de verde.
— Bom dia, meu único!
Desprovido de qualquer traquejo social, as mãos dele a agarram e a
puxa para ele. Sua boca arrebata a dela matando sua saudade.
— Isso é estranho.
— Eu acho bonito. É como nos filmes de romance.
Raphael ouve um risinho e algo como um suspiro resignado, paciente
e curioso encerra o beijo.
— Bom dia, Anjo! — Beija sua testa. Em seguida olha para trás dela.
Dois pares de olhinhos o encaram com sorriso esperto no rosto.
— Crianças! — Sorri surpreso. Com receio se aproxima deles.
Gaia veste um vestido como da sua mãe, só que em vez de alças
finas e decote, o dela tem mangas curtas de renda e o decote fechado, o cabelo
preso em dois coques laterais como personagem de um anime. Gael veste calça
de sarja vinho, camiseta cinza escuro com estampas moleculares e Bazinga,
escrita em amarelo no meio. O cabelo um pouco abaixo do ombro está com o
mesmo estilo de trança lateral como Leo e os óculos de armação quadrada.
Lindos.
Abaixa-se para ficar na altura deles.
— Vocês são ainda mais impressionantes pessoalmente. — Elogia.
— Obrigado! A vovó veio? — Gael olha por cima do ombro de
Raphael especulando.
— Não, sinto muito. — Seus olhos violetas são bondosos e
pacientes, já os da Gaia são curiosos e instigantes. — Vocês não imaginam como
queria ver vocês pessoalmente. — Confessa.
Gaia é a primeira a abraçá-lo, seus pequenos braços o enredam
apertado, ele sente o cheiro doce de morango, e aperta de volta seu corpo
pequeno com todo carinho.
— Nós também. Logo nós poderemos ficar com você, a mamãe falou
que a mudança está quase no fim. — A voz dela é como um sino afinado.
— Vocês não imaginam como é bom ser aceito por vocês!
Ela se afasta, Gael o abraça timidamente, seu cheiro não é frutado
como sua irmã, é fresco como menta. Raphael o abraça apertado, ele é mais alto
que Gaia e seu corpo pouco mais construído, com certeza puxou o pai.
Ele segura o cabelo de Raphael.
— Mamãe, você pode trançar o cabelo dele como o nosso?
— Vou fazer.
Raphael sorri ainda mais.
— Você pode ser o Ragnar Lothbrok. — Compara. — Temos que ir,
o titio está dormindo e vamos pintar o rosto dele. — Eles sorriem conspirando.
— Mandem fotos. — Pede.
Eles sorriem e afirmam com a cabeça.
Ambos abraçam a mãe.
— Amo vocês. — Ela fala.
— Te amamos mais. — Respondem juntos.
Ela beija a cabeça de cada um. Eles fazem o mesmo com Raphael.
— Foi maravilhoso conhecer vocês. — Abraça-os de volta,
engolindo o nó que forma em sua garganta.
A verdade é que não queria soltá-los nunca mais.
— Será mais divertido quando pudermos passar um dia inteiro. —
Gaia responde e Gael confirma com a cabeça.
Raphael beija a cabeça de cada um, eles se soltam e sobem correndo
a escada de embarque.
Sente o braço de Leo envolver sua cintura.
— Eles são perfeitos! — Passa o braço envolvendo o ombro dela e
beija sua cabeça.
— Eles são! Vamos?
Ao lado do carro o comissário espera ainda segurando as bolsas dela.
— Bom dia senhor, onde gostaria que colocasse a bagagem?
— Pode colocar no banco de trás mesmo. — Leo responde
prontamente. O comissário segue a ordem, Raphael abre a porta do passageiro
para ela e entrega o buquê de flores. — São lindas!
— Não mais que você. — Sussurra na orelha dela enquanto ela
cheira as flores, assiste a pele se arrepiar. Com carinho, beija-a na curva do
pescoço e respira profundamente seu aroma.
O comissário se afasta seguindo para a escada de embarque.

Entram em casa, Leo procura um vaso para colocar as flores, não


encontrando nenhum coloca provisoriamente em uma jarra de suco. Ele coloca
as bolsas dela na poltrona perto do sofá.
— Anjo? — Ela vira para olhar em seus olhos.
— Raphael? — Ele caminha os três passos que os separa.
— Eu queria uma resposta. — Ela o encara pensativa.
— Para qual pergunta? — Discorre indiferente.
— Sobre se casar comigo. — Se mantém calmo.
— Ah, essa pergunta. — Ela ajeita as flores no balcão. — Não! —
Seus olhos se atenta a cada movimento que Raphael faz como uma cobra pronta
para dar o bote.
— Não? — Cruza os braços para se impedir de quebrar a cadeira ao
seu lado.
— É, não! Você só fez o pedido por que estava desesperado para que
eu te respondesse. — Ela cruza os braços como ele fez.
— Mas eu quero me casar com você. — Ela sorri e relaxa um pouco
em sua postura.
— Acredito em você, mas olha do meu ponto de vista: você voltou a
sua vida agora, mas ainda está preso com seu passado. Seu pedido de casamento,
nada mais é que uma forma de me manter ao seu lado do jeito que puder. —
Ternamente toca o rosto dele e ele instintivamente se inclina para que possa
sentir mais do seu toque e inalar seu perfume. — Raphael, olhe para mim. — Ele
olha. — Eu não vou a lugar nenhum, sempre estarei ao seu lado. Foram anos
esperando para ter o que tenho com você, eu não vou desistir. — Pega suas mãos
e beija seus dedos.
— Promete? — Pega sua outra mão e beija os dedos delicados dela.
— Prometo.
Suas mãos seguem para cintura dela puxando-a para perto, sua boca
procura a dela e segue o caminho por sua mandíbula, seus lábios macios o
recebem de bom grado, sente seu gosto doce, sua língua encontra a dele,
pequenas mordidas acariciam o lábio inferior dele, um gemido escapa, ele não
sabe se é seu ou dela, ou de ambos, as mãos determinadas de Leo começam a
desabotoar a camisa dele e quando aberta exploram seu peito. Pele com pele, a
eletricidade flui dela para ele e vice-versa.
Ele procura pelo zíper do vestido em suas costas sem sucesso,
procura nas laterais encontrando do lado esquerdo, o vestido cai no chão. Com
voracidade, a levanta segurando pela cintura, suas pernas o enredam e seguem
para cama.
Seus lábios passeiam pelo seu corpo macio, sua pele arrepiada o
instiga a explorar mais, ele dá atenção a cada parte dela.
— Raphael, amor, desce mais! — Implora.
— Não. Ainda não te sei de cor.
Volta a explorar as nuances de suas curvas e sua pele, venerando
pacientemente sua mulher.
Ela pode dizer não, mas ela é sua e nada provará o contrário.
Chega onde ela clama por atenção tornando a tortura ainda mais
doce, acaricia suas pernas. Beija e mordisca vendo sua pele se arrepiar ouvindo
suas suplicas, satisfeito com o resultado e vendo o quanto ela está molhada,
abocanha a pele sensível sentindo o gosto do céu. Com a língua leva dela tudo
que é oferecido. Seu pênis, duro como pedra, é liberto e enquanto a leva com a
língua, ele se acaricia sentindo o pré sêmen escorrer por seus dedos quando sente
ela gozar em sua boca, Raphael aperta o membro da mesma forma que ela faz
quando goza com ele penetrado nela. Espera pelo fim dos espasmos, eleva-se
sobre ela e com uma estocada, se afunda nela.
— É o meu paraíso!
Ela geme e crava os dedos em suas costas, as pernas dela o cativa.
Ele é dela e ela é dele.

Leo está arrumando o cabelo de frente ao espelho.


— Preparado para uma semana inteira comigo?
Raphael sorri feliz por ter essa dadiva.
— Você é o melhor vento que passa por aquela porta, ter uma
semana ou o infinito com você não seria o suficiente. — Responde e ela lhe
devolve um lindo sorriso, satisfeito com a resposta. Ela termina de se arrumar,
volta para o vestido de cor lavanda na altura do joelho. — O que você tem
programado para essa semana?
Ela senta em seu colo, beija-o no pescoço roçando o nariz na barba
dele.
— Hoje sou inteiramente sua, amanhã meus pais e Tony voltam de
viagem vindo direto para a ilha. Teremos algumas reuniões fora da cidade, tem a
festa dos pescadores, e por dois dias serei sua novamente.
Não fica satisfeito por ela não ficar inteiramente com ele, mas não
demonstra.
Seus olhos agora estão verdes claros como o reflexo na parede da
esmeralda do seu anel.
— E você? O que tem programado? — Pergunta animada, beijando
seu rosto.
— A restauração do convento é onde eu trabalho agora, começo
amanhã. — Orgulha-se.
Ela salpica beijos na boca dele.
— Nós… — beijo — Formamos… — beijo — Um… — beijo —
Casal… — beijo — E… — beijo — Tanto! — Sorriem.

Raphael acorda sozinho na cama, o lugar ao seu lado está frio, volta
a cabeça para o travesseiro. Foi um sonho. Pega o celular, imaginando ser a hora
do treino na academia, a porta do deck abre e Leo entra com o cabelo preso em
um coque frouxo vestindo roupa de yôga. Ela sorri para ele.
— Bom dia, meu único!
Senta a seu lado, ele continua olhando para ela estupefato, achou que
havia sonhado que ela estava em casa e que passaram um dia inteiro juntos.
— Bom dia, Anjo! — Ela abaixa dando um beijo casto. — Faz
tempo que acordou?
— Faz um tempo sim. — Se levanta indo para cozinha. — Levanta
amor, está na hora do seu treino. — Vê-la pegar frutas e folhas verdes da
geladeira é revigorante. Com destreza ela corta tudo e os coloca no liquidificador
junto com água, depois de batido ela serve dois copos e entrega um para ele.
Raphael bebe como ela faz e se surpreende que a bebida verde pode ter aspecto
feio, mas é boa como não pensou ser possível.
— Você virá para academia comigo? — Ela confirma com a cabeça.
Depois do café da manhã, seguem para academia. A primeira hora
foi treino pesado de crossfit enquanto ela corria na esteira, alheia aos olhares que
recebia, os fones em seus ouvidos deviam ajudar um pouco com isso. A segunda
hora ele treina com Gohan, Raphael sente que está melhor em suas técnicas de
ataque, bateu mais do que apanhou, o que foi uma grande vitória, Leo fez
musculação e novamente o surpreendeu com o quanto ela pode aguentar. Exceto
o personal que tentou puxar assunto, ela não falou com ninguém e cada vez que
seus olhares se encontravam, ela sorria para ele.
Quando voltam ele a teve no banho, renovando suas energias em vez
de esgotá-las, Leo fez seu show e se vestiu para ele e o ajudou a se arrumar para
seu primeiro dia de trabalho. Animado com tudo que estava acontecendo,
Raphael pediu para ela trançar seu cabelo.
— Lindo! — Ela sorri orgulhosa. Raphael se olha no espelho, as
laterais têm uma trança fina e uma grossa no meio, o resto do cabelo ela prendeu
em um coque.
— Sua mão é tão leve que nem senti as tranças sendo feitas. — Ela
senta com as pernas abertas no colo dele e seus braços assentam no ombro.
— Posso desarmar uma bomba com elas. — Afirma séria e seus
olhos avaliavam os dele.
Raphael beija a ponta do nariz dela.
— Se um dia você se deparar com uma, você corre. — Sorri.
Minha gatinha e bomba. Nunca!
Ela suspira depois o beija.
— Está na hora, senhor engenheiro gostoso. — Levanta com ela
ainda no colo.
— Volto para o almoço. — Avisa já sentindo saudade dela, beija-a
novamente quando chega na porta. A contragosto a coloca no chão. — Te amo!
— Eu te amo mais! — Beija sua testa antes de sair pela porta.
Quando chega na rua ela acena do deck e lhe manda um beijo, ele recebe o gesto
com sorriso.
“Ela é perfeita.”

Antes de Raphael chegar na porta ele ouve as vozes e os risos. A voz


da Leo voa risonha a sua volta, atraindo-o como canto da seria. Ao entrar
encontra Heitor e Tony sentados no sofá rindo, Ângela e Paris na cozinha e Leo
arrumando a mesa.
— Olá família! — Cumprimenta indo direto para Leo, a abraça por
trás e a beija rapidamente. — Anjo!
Ele pega Tony os observando e o riso não estampa mais seu rosto.
— Filho, conta como foi? — Ângela pergunta animada.
— Um dia sem ir lá e hoje, quando cheguei, parecia que havia
passado uma semana de trabalho.
Começa a contar sobre a reforma, como acha valioso trabalhar com
Noah. Explica a visão dele sobre a arquitetura, os estilos que ele se inspira para
criar, todos lhe dão total atenção, fazendo uma ou outra observação ou pergunta
sobre a reforma, onde ele acha que poderia melhorar. Ao fim eles o incentivam a
passar essas observações a Noah, sentam-se à a mesa. Leo fica entre Tony e ele,
sem animosidade.
Raphael vê a interação deles de perto e não lhe causou incomodo ou
ciúmes, todas as vídeos chamadas lhe prepararam para o real. Mas ele observou
a mudança de Tony desde que chegou.
Nota: Conversar com ele sobre isso depois.
O almoço termina. Ângela está extasiada com a mesa cheia e os
risos.
Raphael observa Leo e Tony saindo discretamente, ele fica e ouve o
que seus sogros estão dizendo, esperando a primeira chance para ir ver o que
está acontecendo, minutos depois ele escapa. Os procura pela propriedade,
quando não os acha ele sobe para sua casa pela escada externa, no final dela ele
encontra aporta entreaberta, não entra, apenas ouve o que está sendo dito do lado
de dentro.
— Eu não posso lidar com isso, eu… achei que estava de boa com a
situação, mas não estou. — Tony fala e pelo vão da porta Raphael assiste ele
pegar a mão de Leo e puxá-la para ele. — Zhizn, é estranho ver ele beijando
você, ver vocês dois juntos.
— Lyubov, se abaixa. — Ele fez e ela o beija, um selinho. — Eu te
amo, você está cansando da última missão e não está racionalizando direito.
Ela se vira dando de cara com Raphael muito infeliz com o que viu.
— O que, nesta situação, não está boa para você? — Raphael inicia
assim que passa pela porta, Leo se mantém entre eles.
— Olha Raphael, eu achei que conseguiria vê-la com outro homem,
mas estava errado. — Tony exaspera.
Raphael sorri friamente e incrédulo.
— Não…, você só pode estar brincando!
Tony puxa Leo para ele segurando-a apertado, Raphael percebe o
quanto ela parece pequena e frágil nos braços dele, a altura dela não chega nem
ao pescoço dele.
Será que ela se parece assim ao meu lado também?
— Zhizn, eu sei que jurei que não interferiria, eu até aceito vocês em
algum nível, mas vê-la com outro é angustiante. — Ele a abraça e ela some em
seus braços.
— Você vai machucá-la. Solte-a! — Raphael encara Tony
profundamente.
Ele tem medo?
“Está com medo de perdê-la.”
Suspira cético com as palavras que proferirá e com a paz que o
incorpora nesse momento:
— Tony, eu não vou separar você dela, juro que não irei. Você tem
tudo e eu nunca imaginei ter uma fração do que você tem com ela, só quero que
você divida um pouco desse amor comigo. — Pede. Tony afrouxa os braços em
volta da Leo. — Eu perdi muito, e não posso perder ela também. — Fala, ou
melhor, suplica, esperando que ele o entenda.
— Você não sabe o que é perda. Você disse que tenho tudo e nem
considera o quanto está longe da verdade. Quantas mortes você viveu e de
quantas você foi responsável? — Suas palavras endurecidas são atiradas com
raiva em Raphael. — Você viveu em uma redoma protegido do mundo de
verdade! Sua noiva te traiu. Seu melhor amigo o esfaqueou pelas costas. Você
perdeu seu trabalho. O pobre menino ficou sem o pai! — Ele passa a mão pelo
cabelo com raiva. — Você não tem ideia. De nós três aqui…, você é o único que
teve tudo e agora terá ela também. Ela… é tudo que eu tenho. — Ele beija a
cabeça dela, como se quisesse fundi-la em seu corpo.
— Lyubov, não. — Leo espelha sua dor. — Essa foi a vida que ele
viveu, a dor dele não pode ser menosprezada. É assim que é. — Se eleva na
ponta do pé, quebrando a distância que os separa. Ela traça um caminho de
beijos no rosto dele até a boca, o beijo foi casto, porém cheio de carinho e
cumplicidade. — Não faça isso, não o machuque por coisas que estão além do
alcance dele.
Raphael assiste a cena a sua frente, como um espectador que começa
a assistir ao filme a partir do fim, sem nenhum conhecimento dos fatos que se
desenrolaram até o desfecho a sua frente.
Tony soluça, chorando.
— Desculpe Raphael, não quis dizer o que disse. — Se recompõe.
Leo limpa as lágrimas no rosto dele e o beija novamente.
Ela se afasta dele estendendo a mão para Raphael, ele a pega, quando
próximos ele beija sua testa e lhe dá um selinho em seus lábios, ela sorri
agradecida.
— Eu te amo! — Seus lábios se movem emitindo as palavras sem
som, Raphael sorri em resposta.
— Tony, eu não posso imaginar a vida que você teve, mas não posso
imaginar a minha vida sem ela. Se a dor que sinto em me separar dela for
parecido com a que sente, eu jamais irei infringi-la a você. — Tony acena com a
cabeça concordando, Raphael abraça Tony como ele fez no lobby da construtora
reconfortando-o. — Olha, eu sei que não deve ser fácil nos ver juntos. E
confesso que me sinto vingado pelas vezes em que assisti você deitado com ela
na cama. Contudo agradeço por isso, porque só assim para eu estar calmo agora
e ser o controlado dessa vez. Você irá se acostumar, ela sempre estará aqui para
você, somos uma família, não é convencional e nem fácil de se entender, mas
ainda sim uma família, a nossa família. Defenderei vocês com tudo que tenho
para que continuemos assim. — Continuam abraçados e talvez por isso, pode
sentir Tony se livrar do peso do medo que sentia.
— Isso é bonito. — Ouvem o som da câmera de celular. — Esse sim
é um bom papel de parede, dois homens lindos. Meus homens lindos.
— Vem aqui, sua diabinha. — Tony a puxa colocando-a entre eles
tornando o abraço íntimo e pessoal. Tony beija a cabeça dela enquanto Raphael
sela sua boca.
— Amo vocês! — Ela fala.
— Te amamos mais! — Respondem juntos.
Quando se separam Tony segue para cama e deita como se ela fosse
dele há muito tempo e rapidamente adormece, Raphael e Leo saem sem fazer
barulho e descem as escadas, antes de chegar ao fim, sente que ela para.
— Obrigado! — Uma lágrima solitária escorre por seu olho direito
enquanto o esquerdo segura qualquer outra que queira escapar. — Ele é uma
parte de mim e vê-lo com medo não é algo com que tenho que lidar em muito
tempo. Desde minha gravidez ele se tornou a rocha que me mantém segura… —
Raphael pega sua lágrima com um dedo e leva a boca sentindo o sabor salgado
de sua tristeza.
— Você não precisa agradecer, posso não saber como essa união se
fez, mas vejo a força que tem. Você é minha, o que faz com que ele seja meu
também. Também sou sua rocha e sempre manterei vocês seguros. — Levanta o
queixo dela para poder beijar seus lábios, a paixão flui com desespero, a
eletricidade corre como choque de desfibrilador. — Verei você quando voltar?
— Beija do seu pescoço até seu ombro.
— Estarei te esperando. — Ela beija a mão dele que acaricia seu
rosto.
Com um beijo rápido na testa dela Raphael se despede.

O medo é um bichinho esperto e sorrateiro, ele se


esconde atrás da segurança. E quando acha-se que está
totalmente seguro ele se revela, para lhe mostrar que a
segurança não é nada além de uma confortável ilusão.
“Você mantém isso, em suas mãos. E as apostas, continuam
sendo altas demais. Não abandone um amor divino. Com
olhos de serpente, o tipo mais precioso, eu sempre soube que
você significava perigo!”
(Snake Eyes – Mumford & Sons)
CAPÍTULO 36
RAPHAEL

A casa está silenciosa quando Raphael entra, sua mãe disse que Leo
havia acabado de subir. No balcão uma boleira bonita de vidro e porcelana
descansa com a metade de um bolo de chocolate incrivelmente apetitoso, ouve o
chuveiro ligar e não tem vestígio de mais ninguém pela casa, confirmando que
Tony não está.
Bate uma vez na porta.
— Anjo?
— Oi?
Não espera por convite para entrar.

— Esse pode se tornar o melhor dos hábitos. — Seca ela com a


toalha.
Seu corpo agora está totalmente relaxado depois do sexo no
chuveiro.
— Poderia, mas você verá que o chuveiro não é um lugar de
privacidade quando se têm crianças, por pouco eles quase nos pegaram fazendo
coisas por videochamada. — Conta com sorriso divertido no rosto. — Lembra
aquela vez que desliguei na hora que você estava gozando? — Ele faz que sim.
— Gael tinha entrado no quarto para perguntar se eu queria comer biscoito com
ele na cozinha.
— Eram quase duas horas da manhã.
— Pois é, aquele dia ele estava agitado e ficou acordando a noite
toda. — Ela o ajuda a secar o cabelo.
— Mal posso esperar para ver todas essas agitações de perto.
Ela sorri e começa a se vestir.
— Por um tempo será bem agitado, casa e cidade nova, padrasto e
uma avó para mimá-los, mais do que eles já são. Se conseguirmos fazer com que
eles tenham oito horas de sono a noite, seremos heróis.
Ele gosta da inclusão dele e da mãe no cenário familiar dela.
— Prometo manter limites.
— Corta essa! Você será um molenga, eu notei que nem queria soltá-
los ontem. Eles usarão isso contra você e então farão o que quiserem. Gaia é
rápida com as palavras e Gael é sorrateiro como a sombra, quando você se der
conta, estará com eles em alguma aventura louca. — Ela coloca o colar delicado
no pescoço, com uma linda água marinha de lapidação oval, em seguida os
brincos que fazem par.
— Ficarei atento. — Assegura. — Você não poderia ficar mais linda.
Ouvem uma batida na porta que abre em seguida, Tony entra com os
olhos fechados.
— Se tiver alguém nu, que essa pessoa não seja o Raphael. —
Raphael arremessa um travesseiro nele que pega antes que o acerte. — Está
pronta Zhizn?
— Sim. — Ela senta no colo de Raphael dando um longo beijo de
despedida. — Voltarei tarde, não me espere. — Seus narizes se tocam com a
proximidade enquanto ela coloca o cabelo dele atrás da orelha.
— Ok, estou aqui, tire a mão da bunda dela! — Tony fala fazendo-os
rir para provocar e descontrair, Raphael aperta um pouco mais, Leo lhe dá um
selinho. — Raphael? — Raphael sorri abertamente. — Porra, ela é minha irmã!
— Com isso ele e Leo deitam na cama rindo descontroladamente.
— Você é a pessoa mais incoerente que conheço, agora ela é sua
irmã?
— Não ela é meu tudo. — Tony responde.
Raphael olha para lado e não o vê, mas escuta o som do vidro
batendo no balcão.
— Não come todo o bolo. — Leo sobe em seu colo se elevando e
apoiando os braços na lateral da cabeça dele. — Ele comeu a outra metade, não
é? — Ela faz que sim e o beija. — Você já comeu a sua parte Tony. Cai fora! —
Leo se levanta.
— Vamos Lyubov! — Ela pisca e manda um beijo para Raphael,
pega a bolsa executiva enquanto segue para porta deixando-a aberta.
— Zhizn! Espera! — Tony fala de boca cheia e segue ela.
— Boa reunião! — Raphael se despede antes que ele saia.
Tony sorri.
— Elas sempre são! — Ele a segue fechando a porta.
Sozinho, Raphael vai para cozinha comer o bolo, provando que está
tão delicioso quanto aparenta. Agora percebe que não tem só a boleira de novo
em sua cozinha, uma cafeteira automática está no balcão ao lado de uma
centrífuga de sucos, as flores que deu a ela descansam em um vaso bonito e não
mais na jarra.
Que hora do dia ela comprou essas coisas?
Satisfeito com o rumo que sua vida está tomando, desce para o Bar.
As pessoas estão com humor nublado, as conversas estão retraídas.
— O que aconteceu? — Se aproxima da mãe que está com o mesmo
animo de todos.
— Lázaro e Wagner, eles… — engole seco. — Eles morreram. —
Ângela podia não gostar deles, mas mesmo assim, ficou triste, sua mãe sempre
foi compassiva.
— Como?
Adriano vem para lado dele.
— Não sabemos ao certo o que houve, eles foram para um presídio
fora do estado porque os próximos daqui estavam superlotados, dizem que eles
arrumaram briga, uma rebelião aconteceu… eles tiveram o pior tipo de morte,
estão dizendo que sofreram até o último minuto.
— Isso é triste, mas eles tinham um temperamento explosivo cedo ou
tarde encontrariam alguém pior que eles. — Passa o braço entorno da mãe e
beija-a na cabeça.
— Eu sei meu filho, mas somente um monstro seria capaz de uma
atrocidade dessas. — Ela lamenta.
— Nesse caso, devemos ficar sossegado já que, o monstro se
encontra na cadeia.
Ângela balança a cabeça complacente.

O lençol se movimenta e o corpo pequeno e quente se molda ao dele.


— Anjo, que horas são?
— Pouco depois das três. Dorme amor, você precisa descansar. —
Leo o conforta.
Sua mão desce por sua cintura, ele inala seu cheiro, puxa-a para mais
perto e volta a dormir.
O alarme dispara e ele desliga rapidamente para não acordá-la, a
perna dela está enroscada com a dele e o braço descansa com a mão posicionada
em cima do seu coração, a boca está parcialmente aberta a respiração lenta e
silenciosa. Seus cílios são como um leque em sua bochecha e o cabelo se espalha
pelo travesseiro.
“Um anjo na mais perfeita paz.”
Com pesar e muito cuidado, se desvencilha dela que não desperta,
mas se espalha sobre a cama, o corpo ficando sensualmente descoberto.
Assim se começa um bom dia!
“Concordo.”
Veste-se rápido. O cheiro de café permeia pela casa, Raphael vê a
cafeteira ligada com um bilhete preso a ela.

Toma o café da manhã enquanto a observa dormir, pega a garrafa de


suco e leva para academia. São cinco e vinte da manhã e o Sol já começa a
nascer, como sempre o lugar está quase vazio e Raphael inicia o aquecimento.
— Até o momento foi divulgada o total de dez mortes, essa é
considerada a maior chacina na história da cidade, a polícia até fechamento
dessa matéria, não fez nenhuma declaração. — A repórter na rua informa.
— Alguma informação sobre a identidade das vítimas? — O
apresentador do telejornal pergunta.
— Até o momento não, Rodrigo. — Responde para o ancora do
jornal. Algo acontece atrás dela chamando sua atenção. — Rodrigo, o delegado
está aqui. Um momento. — O homem roliço de feição cansada se aproxima da
repórter. — Senhor, já se sabe a identidades das vítimas? — Pergunta ansiosa.
— Um dos corpos foi identificado como sendo de uma traficante
com várias passagens por porte de arma, tráfico e associação criminosa, as outras
pessoas suspeitamos que sejam seus comparsas. — Responde o delegado.
— Tem como saber como eles foram atraídos para essa área?
— No momento ainda não! O que sabemos é que a hora da morte foi
por volta das duas da madrugada, agora, como e porquê todos eles foram
brutalmente assassinados presumimos que seja disputa de território.
— Sobre o trabalho da polícia local em parceria com forças especiais
para combater o crime, poderia esse ser o gatilho que faltava para um ato de
tamanha barbárie? — O delegado olha para ela duvidoso.
— Não acho possível! Nossas investigações sobre o crime
organizado, não fomentou essas ações. Veja bem, um sempre cai para um novo
líder subir. No momento é tudo que posso falar. Obrigado. — Ele se afasta.
— Por enquanto é isso Rodrigo. Segue do estúdio. — Ela finaliza e a
imagem corta para o apresentador.
— É um absurdo que a sociedade tenha que presenciar atos como
esse. Seguimos para nossas imagens aéreas do trânsito essa manhã. — O
apresentador continua com o telejornal.
Raphael volta para seu treino pegando mais pesado enquanto ouve os
comentários a sua volta.
— Lázaro parece que sofreu fratura de todos os tipos, dizem que os
ossos estavam começando a se curar tudo torto. Seu rosto está irreconhecível, só
identificaram eles pelas digitais. E o Wagner, esse teve todos os dedos
quebrados, as unhas dos dedos dos pés foram arrancadas, sem contar as partes
que foram queimadas.
— Credo, é como se o pior demônio do inferno sorriu em algum
momento da vida deles.
— Se isso de fato aconteceu, o demônio pode estar passeando na
ilha.
— Duvido muito, desde a compra das ilhotas e o início da obra no
convento, o hotel está cheio, o restaurante todo dia está lotado. A prefeitura até
começou a fazer uma reforma na escola da minha irmã porquê os novos
proprietários doaram uma boa quantia para a reparação. Os guardas agora fazem
o que são pagos para fazerem, sem cobrar por isso. E as drogas evaporaram.
Enfim, parece que Deus se lembrou desta pequena parte de Paraíso.
Os pescadores mudam de aparelho indo para o outro lado da
academia deixando Raphael muito mais intrigado com tudo que ouviu.
Anjo
Estou indo para mais uma reunião.
Volto há tempo para o jantar.
04:11 pm

Raphael
A cidade está um caos, tenha
cuidado.
04:11 pm

Anjo
Terei.
Te amo!
04:12 pm

Raphael
Te amo mais!
04:12 pm

Anjo
Desculpe…
Não chegarei há tempo, teremos que visitar um
novo cliente fora da cidade.
06 : 07 pm

Raphael
Você não costuma ter tantas
reuniões assim, aconteceu alguma coisa?
06:07 pm

Anjo
A mudança para a área que mudou minha rotina,
parece que atraímos muita atenção no processo
de limpeza. Aparentemente, tem muito mais
sujeira que imaginamos, estou bem.
Prometo resolver tudo o mais rápido possível.
06:08 pm

Raphael
Posso saber onde será sua
reunião?
06:09 pm

Anjo
Estarei em Assis.
06:09 pm
Raphael
Fica a uma hora.
06:10 pm

Anjo
Vamos de helicóptero.
06:10 pm

Raphael
Ok, se cuida.
06:10 pm

Anjo
Te amo!
06:10 pm

Raphael
Te amo mais!
06:11 pm

É pouco mais da meia-noite, seu coração dispara, ele sabe que Leo
está chegando, a porta abre e ela entra distraída com o celular.
— Anjo, você poderia ter me ligado durante a noite, eu fiquei
preocupado. — Ela ainda olha o celular o ignorando-o. — Anjo? Oi terra
chamando.
— Ah! — Ela grita de susto. — Raphael, desculpe! — Ela sorri
envergonhada.
— Anjo, eu falei com você.
— O quê? Eu não estou ouvindo direito, a viagem de helicóptero
tampou meus ouvidos. — Coloca a bolsa na poltrona, segue em sua direção,
dando-lhe um beijo apaixonado. — Será que o Luka fechou a cozinha? —
Raphael acena que não. — Você se importaria de descer e pedir para ele fazer
lanche de salmão e uma salada? Estou com fome! — Ele confirma e a beija no
pescoço quando sente um cheiro diferente, parecido com queimado, ela se
levanta. — Vou tomar um banho rápido enquanto você desce. — Começa a tirar
a roupa, distraindo-o de qualquer coisa que tinha que fazer ou estava pensando.
Raphael desce e encontra Luka encostado perto do fogão mexendo
no celular.
— Você viu isso? Mais assassinatos e, desta vez, houve até
explosões. É como um filme de ação, só que em vez de ser encenação é
brutalmente verdade. — Ele abaixa o celular. — O que posso fazer por você?
— Leo acabou de chegar e pediu um lanche de salmão e salada, você
poderia preparar?
— O que eu não faria para minha Diva suprema. — Inicia os
preparativos.
— Você teve mais notícias sobre Lázaro e o Wagner? — Especula
apoiando na parede e cruzando os braços.
— Só o que todos comentam, ossos quebrados, ossos curados de mal
jeito e piora cada vez mais. A mãe deles está desolada, ela sabe que os filhos
eram pessoas ruins, mas mãe é mãe e por pior que seja nenhuma deseja um final
desse para os filhos.
— E sobre a cadeia onde eles estavam, falaram alguma coisa sobre
isso, porque é estranho todos esses ferimentos. Essa tortura foi de dias a fio e
não uma única noite.
— Não falaram nada, você sabe como é o sistema prisional desse
país, coisas como essas são enterradas na escuridão. — Luka responde enquanto
finaliza a salada. — E sobre os novos moradores da ilha, alguma novidade?
— Nada, o único que sabe quem é o proprietário é Noah, o arquiteto
responsável, mas ele está sob sigilo e não quis forçar o assunto, eu vejo e leio as
notas fiscais de entrega, recibos e tudo que encontro é o nome da empresa.
Pesquisei na internet e não encontrei nada. — Luka termina o lanche e arruma
tudo em uma bandeja.
A porta que dá para o bar, abre.
— Raphael? — A voz de Alessia o faz encolher só de ouvir. — O
Bar não é o mesmo sem você. — Toca o braço dele. — Sentimos a sua falta,
alguns mais que outros. — Seu dedo indicador faz círculos na pele exposta pela
camiseta. Seu sorriso poderia ser comparado a um gollum diante do anel.
— Nem todos me fazem falta. — Tira a mão dela de seu braço. Luka
acrescenta o suco natural que Leo gosta na badeja.
— A miss simpatia agora é boa demais para ficar no Bar?
— Quando você se refere a miss simpatia: é de mim que está
falando? — Todos se viram ao ouvir a voz gélida de Leo. Seu cabelo está
levemente molhado pendendo por seu ombro, ela veste camisola de seda preta
que marcam as curvas de seu corpo sem dar espaço para imaginação, ela
caminha para Alessia como um tigre.
“Tigre não, como uma leoa cercando sua caça.”
— É melhor você guardar suas mãos para você na próxima a miss
simpatia pode mostrar uma versão que assustará cada célula do seu corpo. — O
ar fica pesado, Alessia engole seco e afasta as mãos de Raphael, Leo aumenta o
sorriso gélido. — Ótimo, fico feliz que podemos estabelecer alguns limites. —
Alessia volta quase correndo para o Bar.
— Você conseguiu ser mais malévola que a Angelina Jolie, quem
sabe assim ela não aprende a se comportar. — Luka fala.
Raphael ainda está atônito pois a mulher que viu agora não era a
dele, essa tem uma frieza no olhar que sua anjo nunca demonstrou. Leo o encara
e sorri, o olhar gélido transmuta para um caloroso e cheio de amor.
Como ela faz isso?
— É, quem sabe? — Ela se aproxima a abraça Luka. — Mas só fui
convincente porque estou esfomeada.
— Pelo jeito a sua audição voltou.
— De um ouvido apenas.
— Vamos para casa. — Raphael pega a bandeja com o lanche e
segue para escada de acesso.
— Obrigado Luka, boa noite! — Ela se despede.
Ao entrar em casa ele escuta a máquina de lavar.
— Anjo, por que está lavando roupa agora?
— Uma mancha, se deixasse mais tempo poderia não sair. — Ela
sorri e senta na banqueta ajeitando a bandeja à sua frente e começa a comer.
— Como foi a reunião?
Ela morde o lanche e enquanto mastiga, meneia a cabeça
ponderando.
— Fácil, eles não imaginavam a nossa capacidade, — sorri. —
Ficaram mortificados.
— Por que todo esse movimento agora? Em Salon parece que você
não participa ativamente dessas reuniões.
Ela bebe um pouco de suco.
— Eu participo as vezes. Meus pais, Tony e Naveen fazem o serviço
externo, mas essa mudança alterou a rotina. O movimento de agora é por conta
desse sindicalista, ele tem sido um verdadeiro obstáculo, quem é da região
assiste esta disputa de território e acha que pode lucrar com isso e ficam como
abelhas atrás de pólen. — Da outra mordida.
— Esse sindicalista é concorrente direto?
— Não exatamente, é como se nós fossemos tubarões e ele uma foca
impertinente brincando de esconder com seu predador.
— E o que isso quer dizer exatamente? — Não entende como essa
analogia se aplica ao ramo de consultoria.
— Quer dizer que caçar ele fará a refeição mais divertida. Minha
vez, como foi seu dia?
— Muito bom! O proprietário aprovou as melhorias que indiquei e já
começamos a fazer muitas delas. Descobri algo parecido com um calabouço na
propriedade, perguntei ao Noah o que faríamos, ele disse que o proprietário
pediu para colocar o acesso independente da casa principal e portas blindadas. O
que você acha que ele fará nesse espaço?
— Ah, pode ser um quarto vermelho da dor.
— Como cinquenta tons de cinza? — Duvida.
— Ou como Hannibal Lecter.
— Quando acho que essas pessoas podem ser boas, coisas estranhas
acontecessem. Tem esse calabouço e eles têm não um, mas três quartos do
pânico na casa principal, como também na casa que descobri ser dos
funcionários.
— Amor, até eu entendo a necessidade de segurança, você está
preocupado demais com essas pessoas quando não deveria estar. Até que você as
conheça, dê a elas o benefício da dúvida. — Abaixa o garfo se levanta da
banqueta e joga as sobras no lixo.
— Você tem razão! Ultimamente é como se a cidade da costa tivesse
se transformado em território de guerra e eles só estão garantindo a segurança.
Esses criminosos… Como alguém pode escolher levar uma vida assim? Essas
pessoas que estão sitiando a cidade são monstros. O pior que deve haver em toda
raça humana! Me preocupa você e as crianças tão perto do perigo. — Ela lava o
copo e o prato. — Por falar nisso, você ainda não disse aonde irá morar. — Ela
parece não ouvir. — Anjo? — Levanta-se indo até ela. O rastro vermelho de
sangue corre para o ralo da pia junto com a água da torneira. — Anjo! — Com
cuidado solta a faca serrilhada que ela pressiona na mão, seus olhos estão
distantes e distraídos.
Foram apenas cortes superficiais e já estavam parando de sangrar, ela
volta em si, olha para mão.
— Oh, merda! — Puxa a mão dele.
— Você está bem? — Ela ainda está distante.
— Sim Raphael, estou bem! — Ela se afasta indo para o banheiro,
deixando-o sem reação plantado na cozinha.
Raphael espera por ela na cama. O relógio marca uma e dez da
manhã, ao menos amanhã é sábado e ela poderá dormir até mais tarde, ela sai do
banheiro e vai para cama evitando olhá-lo. Ele puxa-a para perto sentindo seu
corpo tenso.
— Anjo, não esconda seus olhos de mim.
Tira o cabelo do pescoço dela e inala seu cheiro, a barba passa por
sua pele causando arrepio. O corpo dela reage com o quadril se esfregando no
membro dele, fazendo-o despertar, trilha beijos da mandíbula até a boca e seus
lábios são recebidos pelos dela. Um pequeno gosto deles e anseia por mais, a
boca dele abre dando acesso total a língua que sai para brincar com a dela,
Raphael se encaixa entre suas pernas e o atrito de seu membro no clitóris dela a
faz relaxar. Ele se delicia com seus gemidos, recebe seus toques e as ondas de
eletricidade que causam o faz beijá-la com paixão desmesurada.
A necessidade de oxigênio os obriga se afastar, seus olhos se
encontram ao mesmo tempo que a mão dela direciona o membro rijo e saudoso
para sua entrada encharcada, sua casa.
Devagar, leva centímetro por centímetro na mais deliciosa tortura,
ela fecha os olhos com o prazer elevado.
— Anjo, deixa-me ver seus olhos. — Pede, pois somente assim pode
ver a imensidão de seu amor.
Ela os abre e, com a luz do quarto baixa, o verde está escuro como
um oceano profundo, leva tudo dele segurar o orgasmo enquanto a faz chegar ao
cume da satisfação e quando ela chega, Raphael se entrega para caírem juntos.

Leo vira na cama, de tempos em tempos agitada. Se descobre e volta


a se cobrir.
— Raphael? — Sussurra. Ele a abraça. — O que impediria você de
me amar?
— Nada. — Responde sem hesitar.
Passa-se alguns minutos e ele acha que ela dormiu.
— Eu não tive escolha. O que eu sou, o que me tornei foi porque me
tiraram todas as opções. — Sua voz escorre embargada.— Eu não te mereço,
mas sou fraca demais para deixar você ir. Eu sinto muito. — Soluça.
Aperta-a mais entre seus braços.
— Eu agradeço todo dia por você ter me encontrado! Eu sou e
sempre serei seu. — Sussurra para ela que suspira aconchegando o rosto em seu
pescoço, e o abraça como se ele fosse tentar escapar dela.
Nunca irei, meu anjo.
Acaricia a suas costas até que dormem profundamente.

Raphael passa a manhã inteira tentando conversar sobre o que


aconteceu durante a madrugada, mas ela desconversa ou ignora não dando-o
outra opção senão deixar passar por ora.
Se arrumam para festa em homenagem ao padroeiro dos pescadores,
ela escolhe o vestido degradê do mais escuro tom de verde ao mais claro quase
branco.
É como ver todas as nuances de seus olhos.
Da bolsa infame, tira apenas uma pulseira com cruzes e um par de
brinco com pingente de pedras verdes límpidas com lapidação em cubo facetado.
— Só essas? — Brinca.
— As cruzes de Wallis, valem por qualquer joia que tenho, mas que
isso seria desrespeito a elas. — Fala com reverência.
— Posso? — Ela coloca na mão dele suas escolhas para dia. O
brinco é simples, mas a pedra é impressionante e diferente de qualquer uma que
já tenha visto. — Que pedra é essa?
— Tsavorita. — Responde colocando as sandálias. E ele lhe entrega
os brincos.
A corrente da pulseira tem pequenos diamantes de lapidação circular
suspendendo nove cruzes com dedicatórias, no verso, datadas em inglês:
1. Cruz de safira, esmeralda, rubi e diamante: ‘Nosso
Casamento Wallis 3.6.37 David.’
2. Cruz de água marinha: ‘Deus salve o rei de Wallis. 16.7.36.’
3. Cruz de ametistas: ‘Apendicectomia de Wallis 31.8.44
David.’
4. Cruz de esmeralda: ‘Raio-X de Wallis – David 10.7.36.’
5. Cruz de diamante: ‘A Cruz dos Reis. Deus abençoe WE
1.3.36.’
6. Cruz de rubi: ‘Wallis – David St Wolfgang 22.9.3.’
7. Cruz de safira amarela: ‘Fique Bem’ - Wallis Set. 1944
David.’
8. Cruz de safira azul: ‘Wallis – David 23-6-35.’
9. Cruz de platina com a escrita: ‘25-11-34’ e, no verso: ‘WE
somos demais.’
— Quem são David e Wallis? — Admira as cruzes curioso. Ela
oferece o pulso e ele fecha a pulseira. Antes de soltar sua mão beija o pulso.
— A história o conhece como Rei Eduardo VIII, aquele que abdicou
do trono. Wallis é o motivo de seu maior e mais lembrado ato em vida, por isso
‘WE’ são as iniciais do duque e duquesa de Windsor. — Responde. — Estou
pronta! — Ela salta fazendo seu vestido levantar até quase mostrar a calcinha.
— Um rei de verdade? — Raphael alisa o vestido mantendo-o para
baixo, ela afasta a mão dele.
— Ele foi por um tempo breve Rei do Reino Unido, Irlanda e
Domínios Britânicos de Além-mar e Imperador da Índia. — De mãos dadas
saem de casa. — A primeira música de sucesso do Chamber foi sobre eles, é um
romance ou um belo drama, depende do ponto de vista.
— Eu achei que era sobre você.
— Não, ele queria uma inspiração, e eu usava a pulseira nesse dia,
contei a história por detrás da joia e ele adorou. Assistimos filmes, vimos
documentários, lemos livros e a música se fez. Na verdade, o álbum inteiro
nasceu. — Fazem o caminho pela praia sentindo a brisa da tempestade que se
aproxima.
— A joia, foi Tony que te presenteou?
— Foi. — Leo fala pensativa.
A festa começa na praça central e se estende até a praia, tendo muito
mais público se comparado as comemorações anteriores. Os aromas das comidas
típicas permeiam por eles dando as boas-vindas. Todos estão eufóricos, pela
primeira vez não será necessário pagar a taxa extra para os guardas. Por onde
passam só há sorrisos, Leo passeia de barraca em barraca experimentando todos
os tipos de comidas e doces principalmente.
— Anjo, onde estão seus pais e Tony?
— Eles estão finalizando algumas questões. Tony disse que nos
encontraria aqui em breve. — A boca dela está suja com doce e Raphael limpa-a
com a dele e nada se prova melhor do que Leo com morango e chocolate.
Quando se afastam, a nuvem de luxuria os cercam e se não fosse as
pessoas ao redor, os consumiriam onde estão.
— Uau! — Ela também está sentindo.
— É, eu sei. — De mãos dadas, voltam ao passeio.
Todos a cumprimentam com sorrisos.
Ela de fato é uma miss simpatia.
— Raphael, vamos brincar de tiro ao alvo! — Leo caminha na frente
animada, seja o que for que a entristeceu de madrugada ela resolveu e
claramente não irá informá-lo o que havia desencadeado aquilo. — Qual
presente você quer?
— Anjo, você atira primeiro e se acertar você pode escolher o
prêmio de acordo com a quantidade de acertos. — Ela dá de ombros e Raphael
paga pelas fichas.
Não foi uma vergonha total, ele acerta duas de cinco e fica
orgulhoso, Leo sorri do seu lado, em sua concentração para não errar ele não
reparou nela atirando.
O menino da barraca indica a área de prêmios para a quantidade de
tiros que ele acertou.
— Anjo, qual você quer?
Ela escolhe a pequena girafa risonha com gravata borboleta.
— Sua vez. — Ela indica a área de prêmio máximo.
— Sério isso? — Ela e o menino do prêmio fazem que sim, enquanto
seguram o riso. — Sabe, não é justo, você tem experiência em atirar. Eu vou
tentar novamente! — Ela gargalha com seu protesto. — É difícil, você não
facilita. — Ela se aproxima, beija sua mão e fica na ponta dos pés para beijá-lo
na boca.
— Está melhor? — Pergunta ainda muito próximo dele.
— Ainda não, preciso de outro… — Ela sorri voltando a beijá-lo.
Limpando a garganta, o garoto da barraca os interrompe.
— Você precisa escolher. — O garoto diz.
Olha para cada pelúcia exposta e escolhe a tartaruga marinha
gigante, juntos prosseguem para a barraca de bebidas que Ângela, Luka e
Adriano montaram. Ele segurando em baixo do braço a tartaruga gigante e ela
sua pequena girafa risonha.
— Mãe, essa festa está muito mais cheia que o normal!
— E eu não sei! — Ângela responde animada.
— As pessoas da costa estão em peso aqui.
— Com tanta coisa acontecendo na cidade as vezes ter um tempo
para festejar é a melhor coisa para minimizar o medo. Hoje teve mais explosões
e tiroteio, ao total foram mais de cem mortes desde que esses ataques
começaram. — Ângela comenta com pesar, ela balança a cabeça como se
estivesse dispersando os pensamentos tristes. — Já levou Leo para dançar? —
Rafael nega enquanto Leo bebe suco que Luka fez para ela — Então leve!
— Anjo, quer dançar?
Os olhos dela se animam e as pupilas se dilatam com excitação.
— Vamos!
A conduz para área de dança.
O Sol está se pondo e o céu está laranja e rosado, tudo proporciona
uma das paisagens mais belas que já viu.
Uma nova música de ritmo latino começa, os primeiros passos são
imprecisos, mas quando o corpo dela reconhece o dele, se tornam a extensão um
do outro. Ela o acompanha com sensualidade absoluta em todas as músicas.
— Anjo, assim você me mata. — Seu sorriso malicioso desponta, a
mão em sua cintura a segura possessivamente.
— Seria ruim?
Estão tão próximos que poderia ser considerado atentado ao pudor.
Ela é fogo.
— Seria a melhor morte. — Enfia os dedos por seu cabelo e planta
um beijo demorado, inala seu cheiro e até mesmo leva com a língua uma gota de
seu suor. Ela se arrepia ao seu toque. — Você é muito gostosa. — Sussurra em
seu ouvido, a mão dele acompanha o rebolado de seu quadril.
— Assim como você. — Beija seus lábios adocicados.
Raphael percebe Tony aproximando-se deles.
— Vou te girar em 1…, 2…, 3…
Tony a pega pela outra mão.
Ela sorri ao vê-lo e continua dançando, eles têm seus próprios
passos. De um jeito único, hipnotiza Raphael.
E também o excita.
Ela dançando é sexy, as mãos de Tony a seguram com posse e
segurança, o sorriso dela não é malicioso e sim de diversão como o dele. Tony a
gira devolvendo-a para Raphael e os três se adaptam dançando junto, os dois
juntos foram responsáveis por seus risos deixando-a verdadeiramente feliz. Eles
mantêm os passos simples, uma vez que percebem o quanto de homens os
observavam na esperança de que a saia de Leo suba, um olhar dele para Tony e
entram em acordo para mantê-la coberta.
Ela rola os olhos com seus esforços, mas continuam dançando por
mais um tempo.
— Eu preciso beber água! — Ela pede exaurida.
— Eu vou ver a Ângela. — Tony avisa. Antes de sair ele a beija na
testa. — Foi bom dançar com vocês!
Eles se afastavam da pista de dança.
— Que lindo casal! Gostariam de saber o que o futuro reserva para
vocês? — A cigana oferece com o sorriso mostrando um dente de ouro.
Leo olha para Raphael que dá de ombros, sem se importar com as
mentiras que ela poderia dizer para conseguir algum dinheiro por isso. Leo
oferece a mão para a cigana que traça as linhas por alguns segundos.
— Eu vejo duas almas tocadas pela escuridão — Raphael se choca
com a revelação. Ao olhar para Leo, o sorriso antes caloroso é substituído por
um frio e contrito. — Mas que se completam em equilíbrio. — Ela solta a mão
de Leo. — Desculpe, mas não há nada de bom aqui para se ver. Sugiro que vá
embora antes que o contamine — aponta com o queixo para Raphael. — Ele é
bom e você o destruirá! — Ela começa a se afastar.
Leo fica congelada onde está com a mão estendida.
— Posso impedir se ficar? — Seus olhos marejam. Sua pergunta
parece uma súplica, a cigana se afasta aos poucos como uma pessoa que se
depara com um animal selvagem e evita se manter próximo a ele
— Você sabe a resposta para isso, no fundo você sempre soube. Se
ficar o levará a um caminho sem volta, não há como impedir. A morte a corteja
desde que te viu ainda muito jovem… — A cigana vai embora, olhando para eles
por cima do ombro medindo a maior distância possível.
Leo olha para Raphael que identifica em seus olhos o medo.
Ele sente o aperto em seu coração.
“Por que estou sentindo isso? Faça parar…”
— Anjo, eu não sei o que foi isso, mas não se pode acreditar em uma
andarilha qualquer. Tudo que ela queria era dinheiro em troca de algumas
mentiras. — Ela o observa em silêncio.
“Ah, faz a dor parar!”
Sentindo a pressão invisível rodeando-os ele olha para ela, seus olhos
estão escuro como a noite. Ela está perto, mas distante de uma forma que não
consegue alcançar.
— Não me afaste. — A resposta vem com uma única lágrima que
escorre por seu rosto lindo. — Não faz isso, você é meu tudo, eu não posso sem
você. — Puxa-a para perto e toma sua boca com a dele. A descarga elétrica vem
com toda a força. — Eu te amo e não vou deixar você partir! Seja lá o que
aconteceu agora, esquece. Você entendeu? — Ela faz que sim mas evita olhá-lo a
todo custo em seus olhos.
Raphael beija-a novamente com o amor que não pode ser contido, a
dor no seu peito se esvai um pouco. Mas ele fará sumir por completo até o fim
da noite e então ela ficará feliz novamente.
Ele não irá e não a deixará desistir deles.
Os olhos dela estão vermelhos por lágrimas não derramadas.
Voltam a festa e por mais que Leo se esforce ela está distante.
De repente ele se vira e ela não está mais próxima à barraca, Luka
diz não ter notado ela sair. Procura-a nas barracas de comida e na pista de dança
onde há pouco dançaram juntos e felizes, não a encontra, mas vislumbra outra
pessoa.
— Que merda foi aquela que você falou para ela? Quem você acha
que é para perturbá-la com suas mentiras!? — Esbraveja.
— Eu não menti. — A cigana responde, ela pega a mão dele e olha.
— Eu não minto! Tudo que vejo, eu falo. Você não sabe com o que está lidando,
se afaste dela. Eu vejo dois caminhos para você, mas aquele que te leva a ela
cobrará um alto preço, não há volta.
Puxa a mão bruscamente.
— Você não sabe porra nenhuma, do que está falando! — Aponta o
dedo para ela. — Fica longe da minha mulher!
Ela sorri com escárnio.
— Só que ela não é só sua, não é? — Suas palavras acerta-o como
um tapa. — Atingi um nervo, não foi? E como será que sei sobre isso? Eu vi
duas almas que se completam, mas a sua não é uma delas, ainda. Você pode
fazer parte disso, mas o preço é alto demais, nada do mundo vale a viagem ao
inferno!
— Eu iria por ela!
O rosto dela se fecha em descrença.
— Você não sabe o que está falando. Existem dois caminhos, o que
leva a ela colocará à prova seu amor e seus dogmas, além do preço que será
cobrado. O outro pode parecer solitário, mas este não irá macular sua alma. —
Ela o olha por cima do ombro dele. — O outro demônio. — Com isso ela foge
quase correndo.
Raphael olha para trás para ver Tony os encarando.
— Viu a anjo? — Pergunta quando se aproxima dele.
— Ela está no Bar. — Ele responde evitando olhar em seus olhos.
— O que houve?
— Eu tenho que encontrar meus pais, vá e converse com ela. — Sua
boca se inclina em uma linha fina. Não há nenhuma expressão que Raphael
possa identificar em seu rosto.
Encontra Leo entristecida tocando Moon River no piano, sozinha e
no escuro.
— Anjo? — Ela para de tocar e fita as teclas, o pouco de iluminação
vem da luz da rua deixando o Bar sombrio, a tensão é palpável. — Converse
comigo, o que está acontecendo com você? Deixa-me te ajudar! — Ela continua
inerte na escuridão.
Um anjo acuado.
Lentamente se aproxima dela.
— Raphael, eu irei para casa hoje com Tony e meus pais. — Sua voz
sai falsamente controlada.
— O quê? Não! Temos mais dois dias! Olhe para mim. — A luz faz
seus olhos parecerem fantasmagóricos. — Ao menos me conte o que eu fiz de
errado para que eu possa consertar! — Ela segura a mão dele causando o
costumeiro choque entre seus toques.
— Você não fez nada de errado, sou eu. Eu sou toda errada Raphael!
Eu contei que foram tiradas minhas escolhas e o que aconteceu me moldou como
sou, o que aconteceu depois eu escolhi, o que me torna o pior tipo de pessoa para
você. Por tanto tempo fui egoísta e leviana com o sentimento dos outros —
acaricia o rosto dele com dor. — Mas você meu amor, é tudo! Ficar com você é
errado de muitas formas… — Prende uma mecha solta de cabelo atrás da orelha
dele.
“Impeça ela! Faça-a parar!!”
— Quando começamos a namorar eu senti que encontrei alguém que
a vida importa mais para mim do que a minha própria, eu nunca experimentei
nada parecido. Não pode ser errado o que sentimos, não importa o que fez no seu
passado, mas renegar o que temos é errado de todas as maneiras possíveis e
imagináveis. — Leva a mão dela para seu coração. — Sente como ele bate por
você! Ele reconhece a sua presença mesmo antes dos meus olhos alcançar você.
— Ajoelhado na frente dela beija sua boca. — Algo como isso não pode ser
errado.
— Raphael — ela o beija. — Você não entende, é por te amar que
devemos nos separar antes que seja tarde. — Sua testa se apoia na dele.
— Eu não me importo, escolho você e pagarei qualquer preço por
isso!
Ela se levanta contornando-o.
— Você não sabe que escolha está fazendo. Você nem ao menos
conhece tudo sobre mim! — A luz acende ofuscado os olhos dele com a
claridade repentina.
— Problemas no paraíso? — A voz ácida de Alessia atravessa o
salão, ela fita Leo com repugnância. — Eu assisti você dançando com seu irmão.
E descobri que ele é o pai dos seus filhos também. — Fala enojada. — Você não
tem vergonha de fazer isso com Raphael? — Leo a encara sem nenhuma
emoção. — Você e a aberração do seu irmão deveriam…
Rápida como uma bala, Leo a ataca, levando-a para o chão e caindo
sobre ela. Alessia tenta escapar mas Leo pressiona braço no pescoço dela
impedindo-a de respirar.
— Se quiser continuar vivendo é bom que nunca mais se refira a ele
desta forma. Ou serei aquela que irá acabar com sua vida inútil. Isso não é uma
ameaça, é uma promessa!
Raphael corre para tirá-la de cima de Alessia que volta a respirar
com dificuldade, Leo se solta voltando com ferocidade e seu punho fechado
inicia o caminho direto para o rosto de Alessia acertando com muita força no
último minuto a parede de drywall, abrindo um buraco ao lado da cabeça dela.
— Foge! — Leo grita ensandecida pulsando de tanta raiva.
Alessia se arrasta para longe, levanta cambaleante e assustada.
— Você viu Raphael? Ela me atacou! Essa mulher não é o anjo que
faz todos pensar que é. Quando você entenderá! ELA NÃO É BOA PARA
VOCÊ!! — Leo se encolhe com suas palavras, Alessia se aproxima dele. —
Raphael, escute o que digo, essa mulher não o ama como eu. Por anos esperei
você ter o seu tempo curando suas feridas, mas não vou deixar outra ficar com o
prêmio que deve ser meu!
— Chega! Cala sua boca! Vá embora e não volte!
O sorriso no seu rosto dela esmaece, mas não se extingue.
— Eu trabalho aqui.
— Não, você não trabalha mais! Saia da minha frente agora e nunca
mais se aproxime de mim ou da minha família.
A máscara dela cai revelando a pessoa que realmente é, a maldade
transborda em seu sorriso minaz.
— Você e toda sua família pagará por isso! — Alessia caminha para
a porta e se perde na noite.
Raphael se volta para Leo que está totalmente fora si, vibrando de
fúria e de novo ele não a reconhece.
Vive-se uma vida ao lado de uma pessoa e no fim
descobre que nunca chegou a conhecê-la de verdade, isso
porque escolhemos o que queremos ver e ignoramos todos os
outros sinais.
“Eu me reergui dos destroços. Será que o diabo vai me levar?
Ou Deus vai me proteger? Não acho que você saiba do peso
nos meus ombros que fica cada vez mais pesado à medida que
envelheço”.
(Pray – Sam Smith feat. Logic)
CAPÍTULO 37
RAPHAEL

Para não ser interrompido na conversa mais importante de sua vida,


Raphael a leva para casa onde ninguém pode interrompê-los. Leo ainda está
perdida que nem o percebe. Assim que entram, ela desperta agitada indo direto
para o quarto e começa a arrumar a mala.
— Anjo, o que você está fazendo? — Cruza os braços para se manter
contido.
— Não parece óbvio? Eu vou para casa. — Fala sem emoção.
— Aqui também é sua casa.
— Não, minha casa é onde meus filhos e o pai deles moram!
A chicotada de suas palavras o machuca.
— Eu sei que você está fazendo isso somente para me ferir, para
instigar a minha falta de controle. Não importa, tanto eu como você sabemos que
não é verdade o que disse. — Seus olhos estão cinzas como tempestade que se
aproxima.
— Mais um motivo para você se afastar. Eu machuco quem amo
porque é assim que sou. Alessia falou a verdade. Eu não sou boa para você. —
Ela suspira resignada. — Eu não ficarei para ver você se perder, esse caminho
que está seguindo não tem volta.
— Eu não ligo para onde tenho que ir para ficar com você!
Ela se assusta com o tom de voz dele.
— Será mesmo? O que Tony falou é verdade Raphael, você viveu
protegido do mundo, é melhor que você continue assim.
Outra chicotada. Respira profundamente para se acalmar.
— Eleonora, você me ama?
— Mas do que a mim mesma.
Surpreso com a resposta, Raphael continua.
— Prove! Se você me ama como diz fazer, prove contando a verdade
e deixe que eu tome a decisão do caminho que devo seguir. — Ela dá um passo
para trás amedrontada. — Se você confia em mim, se você me ama, a verdade
sobre você é tudo que pode me dar. Sem ela você de fato é egoísta e leviana
como alega ser. — Dói ser o carrasco e ter que feri-la, mas esse é o único jeito.
“Perdão.”
Leo não olha para ele, sua postura sempre altiva cai em desistência.
— Eu tinha cinco anos quando meus pais me abandonaram na porta
de um orfanato, por acharem que tinha alguma deficiência psicológica. Estava na
semana de fazer oito anos quando matei pela primeira vez.
Raphael se assusta com a confissão, mas não a interrompe.
— O marido da diretora tinha um jeito peculiar de se divertir e fazer
dinheiro ao mesmo tempo, existia um ringue onde uma vez por semana, crianças
de oito a doze anos lutavam por sua vida. Era eu ou a outra criança, não tinha
escolha… Mas eu tinha raiva. Na verdade, já com aquela idade, queria morrer,
mas eu fora muito bem treinada, era como se fosse uma máquina programada
para matar.
Ela olha para suas mãos com horror.
— Ninguém nunca gostou de mim, mas meu sensei dizia que eu
tinha potencial, que eu era boa e que o mundo era meu para pegar o que
quisesse. As pessoas gritavam meu nome quando entrava no ringue, de repente,
eu não tinha uma pessoa, tinha várias me adorando. Não tinha a mínima noção
do peso dos meus atos, mas e daí? Eles gostavam de mim.
Ela dá de ombros, absorta em seus pensamentos.
— Eu ganhava regalias, mas a atenção que ganhei passou a se tornar
um problema.
Encara-o, seus olhos estão escuros tão profundo como o oceano.
— Estava com quase doze anos e tinha um saldo alucinante de
mortes, já não era mais uma criancinha e você pode imaginar o tipo de pessoa
que frequenta um lugar desses. Passei a lutar com crianças de idades diferentes.
Homens velhos ofereciam dinheiro para me comprar, meu sensei começou a
exigir mais. Com minhas negativas as regalias foram tiradas. Ele recebeu uma
proposta por mim e me neguei a fazer o que ele queria, nesse dia ele queimou
meu piano e eu o matei com a sua katana. Você a viu no meu escritório.
Raphael tenta confortá-la, mas Leo levanta a mão em aviso e ele
para.
— Esse foi o dia que abracei o demônio em mim, enquanto ele
sangrava até morrer eu roubei o dinheiro que ganhava com as lutas. Naquele
momento, tudo que queria era me vingar, queria vingança por ter sido
negligenciada e não ter ninguém para me defender, queria vingança por ainda
estar viva depois de tudo. Com esse pensamento, fui atrás das pessoas que
julguei serem culpados pelo meu destino.
A frieza em sua voz o arrepia.
— Imagina a surpresa de meu pai quando bati na porta deles. No
primeiro momento, ele não me reconheceu mas meus olhos me delataram.
“Mariah?” Ele falou surpreso encostando a porta para que quem estivesse
dentro não pudesse me ver. “Como você nos encontrou?” Eu sorri o abracei e
contei uma história qualquer, no fim, mostrei o dinheiro que levava na bolsa,
ninguém resiste a aquele montante, meu maravilhoso pai não seria a exceção.
Ele não poderia imaginar que ela sobreviveu a algo tão sórdido. Logo
ela, sua anjo.
— Então a galinha coloca a raposa no galinheiro, minha mãe era só
sorrisos para mim? Não! Para o dinheiro. Quando todos estavam dormindo
peguei a katana que havia escondido no quintal, meu pai havia levantado e me
pegou em pé no corredor, “Mariah o que faz acordada? Volte a dormir, amanhã
você e seu irmão terão o melhor dia da vida de vocês, com o dinheiro que trouxe
poderemos dar o melhor natal que já tiveram.” O primeiro golpe atingiu seu
estômago, a katana entrou como se tivesse cortando manteiga, eu tirei a lâmina
calmamente e depois acertei a artéria de seu pescoço e o deixei sangrando no
corredor. Minha mãe dormia e não notou até ser tarde demais, a espada que
aproximava-se de seu coração, seus olhos eram como os meus, me vi nela e
vislumbrei o que poderia ter sido se ela não tivesse me abandonado. “Eu queria
te amar, mas não consegui…” Foram suas últimas palavras.
Raphael limpa o rosto molhado por lágrimas silenciosas.
— Meu irmão de seis anos estava parado diante da poça de sangue
de meu pai, a fralda onde estava amarrada a chupeta arrastava no chão e absorvia
o sangue nela. Eu não calculei a hipótese de eles terem outro filho, eles eram
pais de merda! Como poderia imaginar que tentariam de novo? Não podia ficar
com ele, não tinha um plano para depois e não podia deixá-lo ir para um orfanato
e correr o risco da história se repetir. Ele era uma criança inocente, como eu
havia sido um dia.
Leo soluça, suas mãos tremem, em seus olhos Raphael testemunha o
pior tipo de tristeza.
— Seria só mais uma criança, outro acréscimo ao meu saldo total,
ele estendeu os braços para mim eu o peguei no colo e levei para cama…
— Pare…, por favor… — Ele não quer saber, é dor demais.
Quanta dor alguém pode suportar na vida?
“Eu não sei.”
— Você precisa da verdade. É a prova que pediu. — Leo fala com a
voz embargada. — Eu o cobri com o seu coberto preferido, beijei sua testa e pedi
para ele fechar os olhos, eu não podia ver a vida deixando-o, não com ele. Que
culpa ele tinha se o mundo era como era? Peguei um segundo travesseiro…
Quando acabou ele parecia dormir em paz. Foi assim que o deixei.
Ela respira com dificuldade.
— Fraca demais para acabar com a minha própria vida, passei a
atrair a morte de todos os jeitos que pensei ser possíveis e foi assim que Paris me
encontrou. Ela me levou para casa, me tratou como igual, mostrou que podia ter
uma vida melhor, que tinha um propósito, não importava o que eu havia feito, eu
ainda merecia uma chance. Ela, Heitor e Naveen me mantiveram viva por mais
que tentasse a morte.
Limpa o rosto e respira profundamente.
— Assim, a Eleonora Gozen nasceu.
Raphael respira com dificuldade sentindo lâminas em sua garganta
cortando e obstruindo a entrada de oxigênio, seus pés enraizaram-se no chão
impedindo-o de aproximar-se dela.
— Tinha dezessete anos e me odiava por ainda estar viva. Ajudava
Naveen quando vi a possibilidade de morte certa, ela não seria rápida, eu sofreria
a cada instante, seria a morte que eu merecia para expurgar meus erros e de
quebra daria aos meus pais e irmão dinheiro suficiente para eles terem uma vida
confortável se algo acontecesse. Eles tentaram me impedir, jogaram com tudo
que podiam, mas eu estava irredutível, menti e omiti sobre muitas coisas, disse
que daria tudo certo e que se eles não aceitassem faria sem eles, então eles
cederam. Entenda, eu amo a minha família eu só não me amava o suficiente.
Ainda tem mais?
— Me infiltrei na máfia russa e chamei a atenção do líder. Eu matei
meu sensei por me recusar a ser escrava sexual de alguém, mas lá estava eu, indo
de bom grado para o abate. Nikolai me estuprou na primeira noite, eu lutei com
ele, mesmo não querendo lutar, eu lutei. Foi assim que conheci o Tony, depois
dele ser obrigado a assistir o que Nikolai me fazia, ele foi designado a cuidar de
mim. O plano era, eu me infiltrar para ter acesso irrestrito a Nikolai no processo
eu era violentada até quase a morte que ansiava avidamente. Tony era meu único
empecilho, por vezes ele tomou meu lugar nos abusos. Quando Nikolai não me
procurava era somente ele e eu. Com o tempo, me reconheci nele, éramos iguais
em vida e ambos cortejávamos a morte. Foi quando o plano se tornou uma
missão real, a violência continuou com nós dois por dias. Eu passei a desejar a
morte de Nikolai, mais até que a minha, mas não podia matá-lo e sair com o
Tony viva da Rússia, o plano deveria continuar até o fim e não havia outra
possibilidade senão de dar certo.
Rússia?
“Não pode ser.”
— Todas as noites verificava Tony para ver como ele estava e em
uma dessas noites, ele estava se afogando no próprio vômito, em uma overdose
de opiáceos. Nos momentos em que acordava pedia para morrer, mas eu não
podia deixar, a morte dele significaria a minha, fiz o que faço de melhor e lutei
por ele. Assim que o reconheci como um igual, percebi que merecíamos ter uma
vida, o Destino, Deus ou Diabo nos deviam por tudo que aconteceu em nossas
vidas e o mundo é meu para pegar o que quiser, certo?
Seus punhos cerram.
— Eu queria viver e se fosse viver, ele também iria. Faltava muito
pouco para concluir a missão. Nesse tempo o ajudei a ficar limpo e por mim ele
se manteve forte, mal sabia que por ele eu me mantinha forte também. Você vê,
ele me chama de Vida quando ele é a minha…
Ela soluça pesadamente.
— Enquanto ele se recuperava e eu dava andamento a missão, ele
confundiu o que fazia por ele com atração física. Não é como se eu não tivesse,
ele é um homem lindo, mas tanto ele como eu fomos apresentados ao sexo da
pior forma possível, ele até mais que eu. Somos disfuncionais e acrescentar sexo
seria a soma para o desastre do nosso relacionamento. Perdê-lo não era uma
opção.
Ela suspira, limpa o rosto e o encara, pela primeira vez Leo está
indefesa a seus olhos.
— A missão foi concluída, não só o dinheiro da máfia russa foi
roubado como de muitas outras iniciando uma guerra entre elas. Tony estava
livre do cárcere de abusos que vivera desde criança e eu tinha desejo de viver.
Se eles nunca tiveram nada, como?
— Você deve estar pensando nas crianças? A verdade é que eles são
filhos do Nikolai. No dia que descobri que estava grávida, achei que esse era o
preço que pagaria por tudo que fiz. Pensei em abortar, mas me tornaria igual aos
meus pais por desistir de um filho e, posso ter sido um monstro, um demônio
vivo andando na terra, no entanto eu não seria como eles. Nikolai foi para Tony a
própria encarnação do diabo, não poderia lhe impor os filhos dele, como também
não poderia ter uma vida sem o Tony nela. O medo de perdê-lo atravessou meu
coração e foi a primeira vez que ele me viu chorar. Quando contei, ele assumiu a
paternidade, jurou amor incondicional e que amaria as crianças porque são uma
parte de mim. Eu usei a sua premissa e amei ainda mais as crianças pois também
tinham uma parte dele e o pior dia da minha vida se tornou o meu melhor, foi no
hospital que ele me deu a aliança e selou nosso compromisso, nossa união.
Quando elas nasceram, Tony viu Gael e ficou confuso, mas se manteve forte por
mim. Neste dia contei que Nikolai era seu irmão. Você não consegue imaginar o
quanto Nikolai torturou o Tony, eu havia descoberto o fato quando pesquisava a
melhor forma de me infiltrar na máfia, se não fosse o albinismo de Gael jamais
lhe falaria a verdade, pois sabê-la só pioraria seus traumas.
Ela limpa o rosto molhado de lágrimas.
— A minha vontade de morrer passou quando conheci Tony, mas
assim que vislumbrei a possibilidade de vida passei a desejar ter tudo que era de
direito, eu tinha o amor de Tony, mas eu queria mais, eu queria tudo. Eu queria
alguém que me olhasse como a mulher que sou e me amasse sem a
contaminação de um passado sórdido.
Raphael respira com dificuldade.
— Miguel foi minha maior aposta, eu reconheci a dor em seus olhos
e achei que valia a pena o preço a ser pago para tê-lo. Com um telefonema
mandei matar a pessoa que ele creditou como culpado por seu sofrimento e
enquanto o maior traficante do México e sua prole inteira deixava de existir, eu
assistia com Miguel… Conforme os outros passavam por mim ele ficava, nos
divertimos juntos. Por vezes ele assistia enquanto eu estava com outro, as vezes
ele até participava, era doentio, mas achei que ele era o mais próximo que
chegaria do amor que procurava. Mas eu não sentia nada, estava seca de
sentimento, nada aplacava o toque de Nikolai em mim, não importava com
quantos me deitava, eu ainda podia senti-lo.
Ela esfrega o braço com repulsa.
— Estava com Miguel no bar no dia que conheci Mateus e tão rápido
que eu o conheci fiquei obcecada pela luz que emanava dele, achei que ele
poderia ser aquele a me fazer esquecer e a me limpar. Quando Mateus disse ser
padre despertou ainda mais a necessidade de obtê-lo e quanto mais ele me
afastava mais obcecada eu ficava. Parei de procurar Miguel assim que
vislumbrei a possibilidade de ter o que tanto procurava.
A mão dela volta a esfregar o braço desta vez com mais força.
— Tirei dele o que queria e logo depois, no vento frio do
confessionário, me senti vazia e ainda mais quebrada porque coloquei nele
minha última esperança. Foi quando percebi que não era paixão e nem mesmo
amor o que sentia. Era o fato de ter o que eu quisesse ter, sem limites. Nesse
momento percebi o que havia me tornado, na busca por ‘amor’, me tornei um
novo tipo de monstro, só que em vez de colecionar almas passei a colecionar
corações e diferente da morte que é rápida, eu os torturava por dias, meses ou
anos no caso de Miguel. Inferi tudo que havia feito, eu havia machucado pessoas
demais. Fiz você pensar que foram alguns poucos, mas não, houve mais, muito
mais. A grande maioria passou a me odiar por não os corresponder ou porque
destruí suas vidas depois que tirei deles o que queria. Essa sou eu e por isso sou
toda errada.
Ela dá um meio sorriso triste.
— Só parei porque o monstro que me tornei conseguiu fazer muito
mais estrago do que o monstro que eu era. Assim cheguei até você. Nenhuma
dor será maior que deixá-lo, mas nenhuma alegria valerá o preço por corrompê-
lo.
Permanecem em silêncio se encarando.
— Você era uma criança. — A voz dele está embargada pela dor,
Raphael queria confortá-la em seus braços, mas ela ainda se mantém distante e
ele enraizado ao chão. — E você não pode se responsabilizar pela escolha que
seus parceiros fizeram.
— O outro monstro nunca deixou de existir Raphael! — Ela parece
travar uma batalha interna. — Lázaro e Wagner… não foi acidentes na cadeia. O
que está acontecendo na cidade da costa não é uma simples guerra de gangue! É
a minha família e eu limpando a cidade na qual vamos morar! Esse montante de
mortes que todos acompanham nos jornais, somos nós tomando território. Nós.
Somos. Os. Monstros! Nós somos os abutres que comprou a ilha. Nós!!
Espantado Raphael não sabe como reagir. Ela criança, pode
facilmente ver como a vítima de uma criação desumana. A mulher à sua frente
não é uma criança sem escolha. Essa revelação o quebra e suas forças se esvaem.
“Eu sabia que algo muito ruim a quebrou além do reparo, mas uma
assassina não estava na lista.”
Ela matou todas essas pessoas, não cabe a ela decidir quem vive e
morre. Como ela consegue passar a noite fazendo essas monstruosidades e
depois se deitar ao meu lado como se nada estivesse acontecendo?
“Ela nos ama.”
Ela é uma assassina!
— Essa é a verdade Raphael. Está satisfeito por descobrir o mostro
que sou!? — Ela segura a mala e caminha na direção dele. — Por um momento
achei que poderia ter tudo, mas como Ícaro, voei muito perto do Sol e agora
estou caindo. — Ela pressiona seus lábios no rosto dele. A eletricidade corre e
seu coração acelera. — Sentirei falta disso. — Ela também sente o mesmo com
um mísero toque.

Um novo dia se inicia com chuva, enquanto pesquisa sobre o que


Leo havia lhe contado.
“Você não podia ter deixado ela ir.”
Você ouviu o que ela disse! Passamos a noite confirmando cada
informação que ela deu. Apesar de não encontrar nada sobre orfanato ou os
pais, vimos sobre a Rússia e vimos o que aconteceu no México.
“Ela continua sendo nossa Anjo.”
Ela mentiu!
“Ela não mentiu, ela omitiu por motivos de segurança e você
concordou.”
Ela nos manipulou.
“Ela nos amou.”
Ela matou Lázaro e o Wagner.
“Ela se defendeu dele, não haja como se você sentisse a morte
deles.”
Você sempre terá uma desculpa para ela.
“E você sempre terá uma para ficar sozinho.”
Ela estava matando pessoas por toda cidade enquanto esperávamos
por ela em casa.
“Ela ajudará muito mais pessoas nos livrando do crime organizado,
não é como se ela estivesse matando criancinhas inocentes.”
Não é como se nunca tivesse matado elas antes.
“Nada disso importa, eu preciso dela, nós precisamos dela.”
Só vá embora, some. Desaparece! VÁ EMBORA!!!
Fecha o computador, não suportando ver mais imagens de pessoas
mortas. Quantas vezes ele e os pais conversaram sobre as atrocidades cometida
por ela. O que sua mãe acharia se descobrisse a verdade sobre Eleonora? Com a
cabeça no travesseiro, sente o cheiro dela rodeando-o.
Tomado pelo vazio de sentimentos, sua mente vaga para um limbo
profundo e longe de todos os sentimentos que o cerca.
Seus olhos abrem com a tempestade, que ainda perpetua sua fúria do
lado de fora, espelhando a sua destruição interna.
Como se tivesse acordado de um sonho ruim, Raphael procura pela
mulher que se apossou de seu coração e mente. Dela só encontra o brinco de
pedra cúbica verde, que sem ela por perto até a pedra rara se recusa a brilhar, a
tartaruga de pelúcia o encara no pé da cama, ele procura seu par: a pequena
girafa risonha e não a encontra, abraça o travesseiro que ela usava e volta ao
limbo onde não sente nada.

— Raphael? — Ângela o chama. — Filho, você tem que sair dessa


cama, já se passaram dois dias, você tem que se levantar.
Ele a ignora, virando para o outro lado e mergulha novamente no
travesseiro dela inalando seu cheiro de paraíso e escondido em sua mão, o
brinco.

— Levanta, você precisa treinar! — O lençol é puxado


abruptamente. — Minha nossa, você fede!
Raphael olha para o homem à sua frente, a raiva o abraça fazendo-o
sair do vazio.
— Você sempre soube!
Gohan fica parado com os braços cruzados olhando-o sem responder.
— Saia da minha casa!
— Você perdeu três dias de treino, levanta, toma um banho e vamos
treinar. — Fala com calma e autoridade.
Raphael desiste, sua raiva não é nada se comparado ao vazio, ele se
vira para o travesseiro perfumado, procura embaixo dele o brinco e recua
voltando ao limbo.
— Ela não gostaria de te ver assim.
Gohan ganha sua atenção.
— O que você faria se a pessoa que ama fosse uma assassina? Que
em seu saldo não tem duas ou três mortes acidentais, mas dezenas ou, centenas
premeditadas?
— Eu a manteria feliz e quando não conseguisse, faria o possível
para ficar longe do caminho dela quando estivesse uma fera. — Gohan responde
com sorriso estampado.
— Vocês são algum tipo de assassinos de aluguel, ou é mais como
esporte?
Sua boca se inclina para lado.
— Eu sou apenas o zelador, mas eles são importantes. Quando um
governo precisa eliminar, por exemplo, uma célula terrorista que ameaça à
segurança de toda uma nação, é a eles que procuram para fazer o trabalho sujo.
Eles não encaram como esporte, é apenas um trabalho, é o que eles fazem de
melhor. Como qualquer outra empresa, alguém sempre precisará fazer o trabalho
de limpeza.
O riso escapa de Raphael ao lembrar de quando ela explicou sobre ‘o
negócio da família’.
— Isso não explica o que está acontecendo na cidade… Os guardas
foram vocês também?
— Na noite que você encontrou o guarda Tomas com o nariz
sangrando na lixeira, se fosse outra mulher ele a teria violentado ali mesmo, mas
a senhora Eleonora o incapacitou, Miguel e eu levamos ele naquela noite para
ser ‘reeducado’.
Seus olhos se arregalam.
— O homem da cicatriz é o Miguel?
Gohan confirma.
— Sabe, para um homem inteligente você poderia ter herdado mais
do que os olhos de sua mãe. Estava diante de seus olhos e você não percebeu,
Miguel só aparecia quando a senhora Eleonora estava na ilha, mas você perde o
foco quando se trata dela. Temos que treinar sua atenção. É importante ter foco.
— Devo ter sido motivo de piada para vocês.
Gohan fica sério.
— Em nenhum momento.
— O que você quis dizer sobre minha mãe?
Ele suspira entediado.
— Ela sabe que a Eleonora é um dos compradores.
— Como?
— Se você vai querer passar a hora do treino conversando, devia ao
menos me privar do seu mau cheiro e ir tomar banho.
Resignado Raphael levanta e vai para o banheiro, quando sai a cama
está arrumada, os lençóis trocados assim como as fronhas do travesseiro. O
brinco fora colocado no criado-mudo ao lado da cama, sem brilho e solitário, o
cheiro de café vem da cozinha, junto com cheiro de torradas recém-assadas.
— Qual é o problema de vocês e a limpeza?
— E qual é a necessidade de permanecer na sujeira? A organização,
limpeza, higiene e disciplina será benéfico a você.
— Ela o mandou aqui para pegar o que ficou? — Faz a pergunta não
querendo saber a resposta.
— Não. Por quê? Quer que eu leve as coisas dela? — Gohan levanta
uma sobrancelha inquisidora colocando a xícara de café e o prato com as
torradas a sua frente.
— Como minha mãe sabe? — Muda de assunto.
— Eu não sei. A senhora Eleonora me pediu para ficar alerta pois ela
descobriu a verdade sobre a compra. — Raphael bebe o café na xícara que Leo
usava para beber seu achocolatado, por alguns instantes perde o foco. — Você
reprova o que eles estão fazendo na cidade, mas o que você faria se fosse
faxineiro e ao se mudar para casa nova se depara com uma imensa sujeira?
A pergunta tem resposta óbvia, contudo Raphael não daria esse
gosto, responder só legitimaria o que estão fazendo.
— Essas pessoas fizeram mais mal do que bem a sociedade. Ao
eliminar eles será oferecido a chance de uma vida melhor e segura para muitas
pessoas.
É uma verdade, mas não diminui as ações dela.
— Há uma razão para que essa informação seja mantida em sigilo,
você entende que pela sua segurança e de sua mãe, não deve falar o que sabe
para ninguém. — A voz séria de Gohan, é um aviso e também uma ameaça
velada.
— O guarda ajoelhado aos pés dela, foi ela que armou aquilo?
Gohan ri descontraído.
— Não, foi Miguel. Essa é a versão dele de brincadeira, ela só deu
continuidade.
— O que eu devo fazer?
Gohan escrutina os seus.
— Cabe a você resolver esse dilema. A roupa ficará limpa em breve,
guarde assim que a máquina terminar e, mantenha-se limpo junto com sua casa,
voltamos a treinar amanhã. Ligue para o Noah, ele está preocupado com você.
— E seu se eu não quiser mais nada disso?
— Você seria um tolo. Eles deram a você a chance de um recomeço,
não desperdice esta dádiva. — Com isso, Gohan sai fechando a porta.
Poderia trocar a fechadura?
Mas então, de que adiantaria com eles.
A tartaruga o encara no pé a cama.
— O que você faria? — Silêncio. — É, eu também não sei…

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Término de Relacionamento
Gael
Podemos continuar nos falando ou você deseja
que nos afaste?
07:16 pm

Gaia
Comprei vários presentes lindos para você e
para vovó, mandaremos por postagem.
07:16 pm

Raphael
Quero continuar mantendo
contato com vocês e tenho certeza que a
vovó Ângela também.
07:17 pm

Gaia
Mamãe falou que faria isso.
07:17 pm

Raphael
Ela não se incomoda que vocês
mantenham contato comigo?
07:17 pm

Gael
Ela e o papai falaram que ter amigos é
importante.
07:18 pm

Raphael
Eles têm razão.
07:18 pm

— Bem-vindo de volta! — Ângela exclama quando ele entra na casa


dela. — Vocês superarão, seja o que for que aconteceu.
Raphael sabe que é o início do interrogatório.
— Onde está a girafa? — Olha pela casa para encontrar a pelúcia.
— Que girafa?
— A de pelúcia, você levou para minha casa a tartaruga, mas junto
com ela também estava uma girafa pequena risonha de gravata borboleta
vermelha. — Cada palavra fica mais sôfrega ao ser proferida. — Onde. Ela
Está!?
Calma, calma, calma.
— Leo a levou.
Ele não reage a sua resposta.
Calma, calma, calma.
Sua mão abre e fecha, seus olhos ainda procuram pelo objeto
inanimado.
— Alessia não trabalha mais no Bar. — Vira-se para voltar pra sua
casa.
— Fiquei sabendo disso há três dias, aliás, obrigado por me
comunicar! E também arrumei o buraco na parede. — Ele continua se afastando.
— Você deve saber que ela e a mãe estão falando sobre como a Leo é
desequilibrada e violenta, a julgar pelo reparo na parede que Adriano fez, devo
pensar que Alessia não está exagerando em tudo?
Você nem imagina o quanto.
Quando entra em casa ele encara a tartaruga na cama.
— Ela levou a sua companheira. Agora nós dois estamos sozinhos e
eu ainda não sei o que fazer… — Abraça a tartaruga e sente o cheiro do perfume
de Leo que ele borrifou, agora que não havia mais vestígio dela na cama, depois
que foi arrumada.

Desde o início dos tempos, a sociedade infla seus dogmas


do que é certo e errado, a linha é traçada e a pena pela
transgressão é constituída. Pior do que vencer seus preceitos
adquiridos é lutar contra o que está arraigado em sua
essência.
— Eu sei, eu sei… você deve estar se perguntando como
pude deixá-los passar por tanto? Eu crio os caminhos, mas eu
não os escolho por ninguém. Essa barbárie aconteceu porque
em algum momento os pais dessas crianças inocentes fizeram
uma escolha. Certo, pode ser que eu tenha me descuidado um
pouco… Ok…, eu errei, você já sabe, não adianta mentir.
“Quando nossos olhos se encontraram pela primeira vez, eu
me apaixonei por você. Em meus olhos eu vejo seus sonhos.
Eu peço, por favor, que Deus me perdoe, pois, todas as
minhas orações são pra você”.
(Salaam E Ishq – Sonu Nigam & Shreya Ghoshal)
CAPÍTULO 38
NAVEEN

Velas: Confere.
Vinho: Confere.
Naveen se olha no espelho pela centésima vez, alisa a roupa e ajeita
o cabelo novamente, seus olhos procuram qualquer desalinho pela suíte e, como
já havia acontecido nas outras vezes, está tudo perfeito.
Hoje é seu grande dia, o dia de seu salto de fé!
O toque suave na porta sinaliza que ele chegou. Contendo sua
alegria, abre a porta para ter seu sorriso esmaecido ao olhar a feição de Luka.
— Desculpe a demora, o Bar hoje estava cheio.
Ressabiado, Naveen lhe dá passagem analisando a postura tensa de
Luka. Se tem uma coisa que seus pais lhe ensinou bem foi avaliar uma pessoa e
claramente algo aconteceu ou acontecerá.
— Sem problema, quer algo para beber?
— Sim, pode ser.
Indo para o frigobar, Naveen percebe que diferente de todos seus
encontros com Luka, hoje ele permanece a uma distância segura. Naveen lhe
entrega o vinho escolhido a perfeição para essa noite e Luka o bebe
imediatamente.
— Qual o problema?
— Assim que começamos a nos envolver, eu lhe contei que não
queria um relacionamento sério pois ainda tenho sentimentos pelo meu ex.
Acontece que ele voltou para ilha e nos encontramos, nada aconteceu, mas a
química que temos nem mesmo a distância foi capaz de romper. Você é um
homem maravilhoso, assim como sua irmã, é perfeito. Mas eu não posso manter
a nossa relação quando ainda tenho sentimentos por outro.
Lá está a palavra ‘PERFEITO’.
Naveen não é e sua irmã muito menos, contudo é exatamente isso
que vendem: Perfeição.
Uma obra de arte admirada da linha de segurança é perfeita, mas se
feito além do limite de segurança é possível notar as ranhuras das pinceladas, as
camadas sobrepostas de cores para corrigir erros e até mesmo a avaria do tempo.
Ele e sua família são isso: Uma obra de arte para ser admirada à distância.
Nunca ninguém será capaz de admirá-los além da linha limite e ver
as ranhuras e avarias que a segurança da beleza esconde.
— Um dia eu quero ter alguém para falar de mim assim como você,
com essa idolatria em seus olhos com o mero pensamento. Desejo a benção dos
Deuses para que a fonte de amor entre vocês não seque. Fui um homem
abençoado por ter você, mesmo que por pouco tempo e espero que possamos ser
amigos.
E aqui, estou eu sendo perfeito.
— Jamais considerei excluir você da minha vida, você e Leo são da
minha família. Mesmo que ela e Raphael não estejam mais juntos, sempre
considerarei vocês.
Luka o abraça pegando Naveen de surpresa, evidente que nunca
houve química entre eles, mesmo assim, Naveen estava disposto em fazer isso
acontecer. O fim da relação deles é selado com um beijo na bochecha macia de
Luka e um adeus sorridente.

Quando Naveen entra no quarto de Alina não se surpreende em


encontrá-la trabalhando mesmo sendo tarde da noite, ele senta no sofá e continua
bebendo whisky direto da garrafinha minúscula do frigobar do hotel.
— Pensei que sua noite de amor tórrido com Luka fosse durar
mais… — Alina o olha e logo fecha o notebook e corre para ele. — O que foi?
Você não conseguiu se declarar?
— Não, nem comecei a falar e foi até bom, porque teria sido uma
grande cena de vergonha alheia. Luka veio hoje falar que seu ex voltou e eles
ainda têm química.
— Nossa! E como você está?
— Normal, não é como se ele fosse o amor da minha existência, mas
pela primeira vez estava disposto em tentar algo mais, mesmo que nossa relação
fosse baseada em mentiras, eu achava ser possível mantê-la. Bem… olha o que
aconteceu com a Leo e o Raphael, mas mesmo assim…
Alina o abraça apertado, ele se sente como se a própria Deusa
Lakshmi estivesse lhe dando conforto.
Sentindo-se acolhido Naveen medita sobre sua vida. Ele sofreu
muito até que Heitor e Paris o encontrou e com eles floresceu para vida se
tornando o que queria ser.
Agora, como seus pais e irmãos, ele só quer achar a sua pessoa.

RAPHAEL

— Os noticiários estão muito calmos ultimamente… — Fala


prestando atenção na reação de Gohan, e nada, nenhuma reação. — É como se a
guerra das gangues tivesse acabado.
— Eu não assisto ao noticiário, é muita desgraça. — Gohan responde
indiferente.
— Por que continua me treinando? — Levanta-se do tatame.
— Porque você tem potencial, se eu soubesse que terminar com ela
faria de você um aluno melhor, teria lhe contado a verdade há muito tempo. —
Raphael o olha incrédulo. — O quê? Não me olhe assim! Você evolui, nesse
último mês, mais do que poderia imaginar. Ainda não está cem por cento, mas
está muito melhor do que no início, está mais atento. — Enquanto fala o ataca e
Raphael se esquiva e ataca de volta. — Mais ágil. — Novo ataque e Raphael o
derruba. — Mais forte… Eu percebi que dobrou as suas horas na academia. Você
está seguindo em frente e isso é bom.
Ele nunca esteve mais longe da verdade.
— Você vai continuar falando da minha vida ou vai lutar?

O silêncio de casa o leva direto para limbo.


— Se passaram quase dois meses e ela não me procurou. — Afaga a
tartaruga. — Será que ela seguiu em frente? — Olhos artificias o encaram. —
Que foi? Ela é uma mulher linda e tem um apetite sexual incrível, é bem possível
que tenha… Ah quer saber? Não sei porque continuamos nessa. — Desvia o
olhar da tartaruga. — O que eu devo fazer?… Está é a pergunta da minha vida.
Ela mata pessoas… pessoas ruins, mas isso não justifica. Ela teve uma infância
de merda. Merda não é a melhor definição. Eu não sei… É como se ela tivesse
me apagado, as poucas informações que obtive dela são coisas aleatórias que
minha mãe fala, porque ela ainda fala com minha mãe quase todo dia, ou quando
as crianças contam sobre as viagens e passeios que fazem com os pais.
Aparentemente, Tony a mantém na distância de seu braço.
Raphael esperou, as vezes até desejou, que a família de Eleonora
cumprissem as promessas de morte. Tudo que falaram que fariam com ele era no
contexto dele quebrar o coração dela, mas foi o dele que quebrou e claro, para
isso ele não tem nenhuma promessa de melhora, somente dor e vazio.
É sufocante.
Nota o cabide pendurado na porta do armário e o bilhete pendurado
nele.

— Todos confirmaram…

Todos se surpreenderam quando Raphael entrou, exceto sua mãe que


é só sorrisos. O Bar está lotado, todos têm motivos para festejar.
Ele se estabelece estrategicamente no balcão de frente a porta e ajuda
a servir as bebidas junto com Adriano. A todo momento verifica se ‘todos’ os
convidados estão presentes.
O Bar foi reconfigurado para receber os convidados para despedida
de solteiro, os noivos estão em uma mesa central enquanto as outras estão ao
redor.
— Ela confirmou que vinha. — Ângela sussurra.
Ele finge não saber do que ela está falando, mas já havia perdido
qualquer esperança de que ‘todos’ comparecessem…O coração quebrado acelera
como costumava fazer anunciando a aproximação de sua outra metade, mas
parece que se enganou, pois ‘ninguém’ chega.
A porta se abre muitos minutos depois enchendo-o de esperança e
nesse momento deseja nunca ter vindo a essa merda de festa. Leo entra linda,
como só ela pode ser aos seus olhos, acompanhada por um homem, que ao julgar
a mão protetora no final da coluna dela, é íntimo do corpo por qual ele anseia
todas as noites.
De longe, assiste eles caminharem pelo salão para cumprimentar os
noivos, ela sorri e conversa com todos a sua volta transbordando simpatia,
carisma e beleza. O homem sempre ao seu lado e a mão nunca deixando ela. O
vestido de tule com manga, é bordado de paetê azul, vermelho e dourado de
modo que não evidencia seu corpo, mas deixa claro que ela está usando a
maldita calcinha de cintura alta. O cabelo está preso, exceto por uma mexa
pendente contornando seu lindo rosto. Eles se sentam em uma mesa ao fundo,
perto dos noivos e, longe do balcão onde Raphael está.
Ele vislumbra seu corpo, mas não consegue ver os olhos verdes que
assombram seus sonhos. A cada minuto que passa, anseia por saber qual é o tom
de verde deles, se é o verde-claro como a espuma do mar ou como uma folha
recém-brotada, se é acinzentado como tempestade ou o verde ardente que
encarava-o quando fazia amor com ela.
Esse último ele não quer ver, doeria demais.
— Raphael querido, você vai quebrar o copo e se machucar? —
Ângela avisa.
O pobre copo se pudesse agradeceria, pois ao menos alguém olhou
por ele.
Tudo que Raphael pode ver é o homem colocando a mecha do cabelo
dela atrás da orelha.
— Raphael, você está sangrando! — Ângela toca seu rosto, tirando-o
do transe.
O pobre copo veio a óbito.
— Olhe para você, está sangrando!
Ele se afasta da mãe sem olhar para trás.
O vento noturno chicoteia seu cabelo no rosto, as ondas frias
molham seus pés enquanto anda pela praia a esmo.
Ela não pode ter deixado de me amar, pode?
Eu só queria ver seus olhos, sentir seu toque, ser alvo dos seus
sorrisos e risos.
Para ficar com ela o quanto não teria que abrir mão? O caminho
por qual adentraria não teria volta.
Ela sempre soube e mesmo assim fez dele mais uma coleta em seu
jarro de corações.
Olhando para o mar Raphael acaricia o peito sentindo seu coração
bater tristemente.
Tenho que aprender a ficar meio vivo.

Raphael entra em casa e pela segunda vez na noite se amaldiçoa. Leo


está sentada na cama, quase sem nenhuma iluminação, segurando o travesseiro
dele. Quando o vê, ela o coloca rapidamente no lugar. Mas ele viu, ou pensou ter
visto, ela cheirá-lo antes de levantar-se apressadamente.
— Desculpe, não queria invadir seu espaço, é que tive um acidente
com meu vestido e sua mãe me autorizou a subir para me lavar e colocar uma
roupa seca.
O novo vestido é muito mais requintado que o anterior. É todo
bordado em paetê com faixas nas bordas e na cintura em dourado envelhecido.
No corpo é bordado com azul-escuro que faz as rosas, bordadas em vermelho
sangue, destacar com suas folhas verdes. O decote canoa evidencia o ombro com
elegância e sensualidade, o cabelo está todo preso sem mais a mecha maldita que
precisava ser contida por uma mão que não era a dele.
Seus olhos estão verde-escuro, nem o oceano o equiparia em sua
profundidade. Raphael passaria a vida admirando-os e jamais conheceria ela por
completo.
— Tenho que ir. — Ela passa por ele sem olhá-lo nos olhos,
deixando o rastro de seu perfume.
— Eleonora? — Ela para, mas não vira para encará-lo. — Enviarei
suas coisas por Gohan.
Espera ela lutar contra sua decisão, ou o que isso significa, mas tudo
que ela faz é um aceno rápido de cabeça e sai pela porta de acesso ao Bar.
É isso, acabou.
A tartaruga o encara.
— Ao que parece eu não preciso me preocupar com nenhuma
escolha sobre moralidade. Ela seguiu em frente, pelo jeito ela fez mais uma
escolha por mim.
Senta no mesmo lugar em que ela estava sentada, abre a pequena
gaveta do criado-mudo e pega o brinco abandonado sem par.
— Não se preocupe, você voltará para seu par em breve. De nós três,
ao menos você voltará a ter sua metade. — A joia sem brilho é engolida pela
mão dele e a outra, como costume recém-adquirido, volta acariciar o peito
sentindo dor a cada batida do seu coração em sua nova tatuagem.

Antes de iniciar o casamento a cerimonialista informa como tudo


acontecerá. A ordem de entrada e as posições para saída. Informou sobre as
fotografias que serão tiradas e tudo mais que Raphael deixa de acompanhar.
Que merda.
Todos os padrinhos e madrinhas estão ao redor, menos seu par.
Melhor ainda! Quem sabe assim a cerimonialista ache melhor eu
não participar.
Já que tudo que ela faz é olhá-lo como se ele fosse um intruso.
Os padrinhos estão de sandálias de couro, já que a cerimônia e a
recepção será na praia, todos vestem calça de tecido fino com a barra dobrada e
camisas com a manga dobrada até o cotovelo. Só agora Raphael percebe que as
camisas combinam com a cor de roupa das madrinhas. Elas vestem vestidos de
duas peças, o cropped de renda deixa a linha da cintura nua, a saia de tecido leve
transpassado tem uma abertura bonita nas pernas, todas usam uma espécie de
tornozeleira presa no dedão como uma sandália de miçangas.
Para fugir dos olhares da cerimonialista, Raphael se esconde na área
coberta, ponderando uma possível fuga. Se sua mãe não ficasse desapontada
com ele, já teria partido para sua casa e principalmente para o vazio.
— Conta como foi? — Duas madrinhas conversam perto dele.
— Então, a Alessia já tinha bebido além da conta e do nada
começou a atacar Eleonora, xingou ela no meio de todos com os piores
adjetivos já criado para as mulheres, em alto e bom som. Tadinha, Eleonora
ficou calada e não reagiu, Alessia perdeu a cabeça e jogou nela uma caneca
cheia de chopp e mesmo assim, Eleonora não reagiu.
— Não brinca, eu teria arrancado umas boas mechas de cabelo da
Alessia. Sem contar os tapas que daria naquela cara amarrada dela.
— É o que todos estão dizendo. A grande maioria queria fazer
exatamente isso, mas Eleonora não fez nada, ela parecia arrasada e
envergonhada, suas mãos até tremiam. Eu estava do lado dela, eu vi, realmente
tremiam. Coitada devia ser de medo, duvido que ela seja essa pessoa violenta
que Alessia e a mãe estão espalhando. Acho que eu e todos desta ilha nunca
tivemos tanta raiva e vergonha por um morador. Não basta o que a mulher está
passando com o fim do relacionamento com Raphael, mais as fofocas maldosas
que a mãe da Alessia está espalhando sobre os filhos incestuosos dela com o
irmão, aí isso acontece com ela. — A madrinha lamenta.
— Coitada, e ela nem queria vir para festa para não encontrar o
Raphael. Eu estava ao lado da Amélia quando ela ligou para avisar que não
viria. Ninguém sabe o motivo para eles terminarem, nunca vi casal mais
perfeito. Amélia me disse que quase não insistiu para que ela viesse, mas
Eleonora estava tão animada com os preparativos, sem contar em tudo que ela
fez para que Amélia tivesse o casamento dos sonhos, olha o que aconteceu… A
pobrezinha parecia uma flor murcha nas últimas provas dos vestidos. A
cerimonialista levou isso para o pessoal, é só ver como ela está olhando para
Raphael, se pudesse, acho que ela arrancaria as bolas dele por magoar a
Eleonora. Mas enfim, Amélia e Ângela não sabiam o que fazer para animá-la
nas provas do vestido, agora depois do que você contou sobre o que aconteceu
ontem na despedida de solteiro. Explica o porquê a encontrei chorando na rua,
perguntei se ela precisava de ajuda, mas parecia que nem conseguia respirar,
ela parecia arrasada, eu estava indo chamar a Ângela para acudir ela quando
um homem com cicatriz se aproximou e a levou embora. Nada contra o Raphael
depois que ele a conheceu, ele virou outra pessoa. Mas o jeito que aquele
homem olhou para Eleonora e limpou suas lágrimas, poderia jurar que existia
muito mais do que carinho naquele gesto.
— Depois que a Ângela a levou para poder se limpar ela não voltou
para o Bar, pode ser que depois que se trocou ficou com tanta vergonha e
começou a chorar. Pelo menos Raphael não estava lá para deixar tudo pior, eu
estava com ela quando chegou e até troquei de cadeira com ela para que
pudesse ficar de costas para o bar, a coitadinha não conseguia nem olhar para
ele. Se eu ou Micael tivesse visto ela sair assim, teríamos feito mais por ela,
além de arrastar aquela bunda seca da Alessia para fora do bar.
A cerimonialista anuncia que a noiva está a caminho e pede para
todos se organizar, Raphael espera elas saírem, para ir ao seu lugar. Sente o
trincado em seu coração.
Eu a fiz chorar.
Eu a magoei.
O Miguel a levou.
Enquanto está preso em sua autorrecriminação, Leo passa e ele a
observa notando o quanto parece frágil e pequena, tão silenciosa sem sua
vivacidade e sua alegria.
Seu coração trinca um pouco mais.
Leo espera ao lado dele para fazer a entrada até o gazebo florido
montado em frente ao mar. O Sol está baixo anunciando o fim da tarde e suas
cores destacam inda mais a decoração romântica.
— Você está linda como sempre.
O vestido dela é azul-esverdeado. Seja lá quem escolheu, se estava
focado em achar uma cor entre a cor dos olhos dela e os dele, com certeza o
responsável foi feliz nessa missão e achou o tom perfeito. Raphael pega a mão
dela e passa em seu braço, a eletricidade corre com força descomunal como se
desde a última vez que se tocaram ficou armazenada à espera dele para
descarregar.
Sente sua respiração acelerar.
— Obrigada, você também está. — Ela não olha para ele.
No gazebo separam-se, e ele fica de frente para ela, que continua a
evitá-lo a todo custo, ele faz o oposto e não perde nada. A cerimônia passa sem
que ele tivesse assistido ou ouvido qualquer coisa, fazem a saída como planejado
e arremessam pétalas de flores nos noivos como os outros padrinhos fazem.
— Agora as fotos. Os padrinhos atrás das madrinhas, assim como os
noivos estão. — O fotógrafo orienta.
O toque na pele exposta da cintura dela o desperta fazendo Raphael
puxá-la para mais perto dele. Ela enrijece ao seu toque, mas não se afasta.
— Agora cada um olhando para seu par de lado…
Seus olhares se encontram pela primeira vez no dia. O verde de seus
olhos está claro como grama recém-nascida, contudo foi a tristeza neles que o
estarreceu.
— Perfeito, agora somente as madrinhas com a noiva, cavalheiros
vocês serão os próximos.
Com relutância se afasta, assiste ela posar para todas as fotos que o
fotógrafo pediu, apesar do lindo sorriso em seu rosto, ele não chega a seus olhos.
Os padrinhos também tiram seu quinhão de fotos, quando terminam
o Sol está se pondo.
— Quem diria que casar dá tanto trabalho assim? — Inicia a
conversa quando se afastam dos noivos, ela não responde e apressa seus passos
para longe dele. — Anjo?
— Não Raphael, só… não. — Ele entra na frente dela barrando sua
passagem.
— Sobre ontem à noite, eu não quis soar tão duro. Só pensei que
você poderia querer suas roupas de volta, muitas delas você ainda nem usou. —
Se aproxima ficando próximo o suficiente para sentir seu peito subir e descer a
cada respiração.
— Tanto faz, faça o que achar melhor. — Ela tenta passar e ele a
impede.
— Deus mulher! Eu não sei o que fazer. Eu não sou bom em
esquecer você e ontem quando te vi com aquele homem, fiquei com tanto ódio
que machuquei você… Sinto muito. — Os olhos dela ficam marejados e sua
respiração entrecortada como a dele. — Me escolha ao invés da vida que leva, eu
posso aceitar seu passado, mas não poderia fechar os olhos e ser conivente
quando sei a verdade do que faz para viver. Dê uma chance ao que temos. —
Passa a mão no rosto dela, ela se inclina para seu toque. — Anjo, seus olhos é o
meu paraíso. Eu sinto que vivo pela metade sem você. Fique comigo, me
escolha. — Implora. — Sua ausência dói tanto que é como uma doença que não
cura. — Beija-a na testa, sua bochecha e, ao chegar na boca, ela vira o rosto
impedindo-o de beijá-la.
— E quem me escolhe? Aceitar você e renegar a mim mesma? Posso
não ter a melhor profissão, mas é a minha e eu sou boa no que faço. Meus pais e
irmãos dependem de mim para cada missão. Não é o melhor trabalho do mundo,
mas ao menos podemos garantir que o mundo não entre em guerra porque um
grupo de terroristas decidiu bombardear alguma cidade e matar um monte de
inocentes. Se para que cada uma dessas pessoas possam dormir em paz eu tenha
que levar essa vida, eu aceito. De nós dois sou eu que sinto muito, me enganei e
te enganei quando achei que poderia equilibrar tudo na balança. — Ela acaricia o
rosto dele e ele inala seu aroma direto de seu pulso. — Eu disse e repito: você é
o Meu Único. Mesmo distante ainda te amo e vou amar nas profundezas do meu
desespero. Essa vida é um caminho que sabia que você não poderia seguir e eu
nem quero você nele. Quando o precipício te olha de volta tudo que se vê é dor,
tristeza e sujeira. Eu nunca quis te contaminar com a escuridão que habita em
mim e nem pelo que eu faço para apaziguar o mau. — Ela se afasta.
E novamente ele a assiste caminhar para longe.
Mas uma vez.
Passando por ela o homem, que a acompanhou ontem na despedida
de solteiro, a cumprimenta com abraço e beijo depois caminha na direção de
Raphael, que fecha a cara quando o vê.
— Ela ama você, sabia?
— Quem é você? E por que acha que a conhece?
— Calma amigo, guarde suas armas! Eu a conheci pessoalmente
ontem, a encontrei na porta do Bar, você acredita que ela ficou quase vinte
minutos, ponderando se entrava ou não. Acontece que eu a convenci a entrar e
enfrentar seja lá o que, ou quem a assustava do lado de dentro. Até aquela cadela
da Alessia aparecer eu garanti que ela tivesse um bom tempo entre amigos. —
Ele mira Raphael com seriedade.
— Ela não é para você.
Ele sorri em resposta.
— Eu sei e meu namorado também sabe. Até onde posso ver,
somente você é o único para ela. — Ele dá uns tapinhas no ombro dele. — A
propósito, sou Micael, meu namorado Luka está me esperando. Fique bem
Raphael! — Ele segue para recepção.
Raphael não se importa com nada a sua volta e vai para casa e para o
nada que o espera.

— Uma vez minha irmã a Morte me contou, que levou


para o descanso eterno um homem que quando a reconheceu,
reluzia felicidade. Vendo a alegria que quase ninguém tem ao
encontrá-la, perguntou se a vida dele era tão triste para fazer
da morte motivo de alegria. O homem lhe respondeu: —
Depois que você levou minha metade nunca senti tanta dor,
hoje enfim, irei reencontrá-la. Eu já posso senti-la se
aproximando.
“Você me mostra uma porta aberta. Depois fecha ela na
minha cara. Mesmo que não seja sua intenção me machucar.
Você continua acabando comigo. Você poderia, por favor, ter
piedade de mim?”
(Mercy – Shawn Mendes)
CAPÍTULO 39
JOEL

Como todo dia nos últimos cinco anos, Joel acorda, se exercita, se
masturba no fim do banho, come e trabalha. Nada nunca muda, ele ainda é o
mesmo homem alto e magro levemente fortificado, seu cabelo liso é da mesma
cor que seus olhos castanhos claros, sua pele branca sem ver por cinco anos o
Sol, está pálida com aparência doentia. Sempre sozinho, a não ser pelos
comandos que recebe por e-mail de um endereço que nunca conseguiu rastrear.
Sua casa atual é um grande quadrado de quarto, cozinha e um
banheiro sem janela. Somente uma porta que nunca viu aberta.
— Eu quero sair!!!! — Grita como faz todos os dias.
É parte da rotina do que agora é sua vida.

De dentro do banheiro, ouve passos e pessoas conversando. Pessoas


que nunca estiveram lá. Em cinco anos ninguém nunca lhe visitou.
— Você não deveria ficar com raiva dele, eu contei a ele toda a
verdade. Ele sabe como me encontrar. Se quiser, terá que dar esse passo
sozinho. Se eu quero que ele venha a mim? Sim eu quero, mas não deveria. —
Uma mulher fala.
— Ele é lento! Você sabe que se depender das ações dele, vocês
nunca irão se acertar e a Paris disse que fariam… só isso me impede. — Um
homem responde.
Joel fica atrás da porta, escorrega lentamente até o chão e fica
imóvel. Com certeza isso não é bom, se estão aqui é porque seu tempo acabou.
— É melhor assim. Nosso mundo não foi feito para ele. — A mulher
conclui.
Eles estão falando de mim? Não… Eu nasci para viver nesse mundo,
eu nem acredito em vida após a morte… Meu mundo é esse aqui, mesmo que
seja uma merda!
Joel esconde a cabeça entre os braços.
— E faremos o quê? Conviveremos com ele como se nada nunca
tivesse acontecido? Ele garantiu que nunca magoaria você. — O tom de voz do
homem faz Joel se assustar.
Eu vou morrer e nem sei quem magoei…
— Ele não me magoou, na verdade foi o contrário. — A mulher
defende.
Faz anos que ele não vê uma mulher pessoalmente. Se encolhe ainda
mais contra a porta.
— Mas você não está feliz também. Isso era o que eu mais temia. —
A voz do homem fica muito próxima e Joel se encolhe ainda mais.
— Eu ficarei bem! Me dê só mais um tempo e prometo que estarei
melhor.
Toc, toc…
Batem na porta.
— Você sabe que estamos te vendo, não é? — A voz da mulher é
paciente. — A porta é de vidro, saia não iremos te machucar.
Merda!
Em posse de suas forças reservas, Joel se levanta do chão com a
dignidade que lhe resta, o que não é muito, alisa a roupa para secar as mãos
suadas, respira fundo e abre a porta.
O homem albino com quase dois metros o encara com um sorriso
debochado enquanto a mulher pequena, com olhos grandes e verdes, olha-o com
curiosidade.
— Não esperava por visitas. A que devo a honra? — Fala
amigavelmente fingindo segurança. Enquanto morre de medo por dentro.
— Segui suas migalhas e viemos te resgatar. — A mulher fala com
meio sorriso.
— E você é?
— Ah claro! Eleonora e ele é o Antony. Você é?
Olha de um para outro e de volta para ela.
— Joel. Se você achou minhas pistas quer dizer que é uma banker
como eu. Por ter me encontrado quer dizer que você mexeu onde não devia,
sendo assim seu resgate de nada adiantará. Quem me colocou aqui não é do tipo
que conversa… corra enquanto há tempo e não olhe para trás. — Alerta quase se
perdendo em suas palavras.
Na verdade ele queria pular no colo dela, e chorar feito criança, por
enfim alguém ter lhe encontrado.
— Gosto de você! Vamos, nosso transporte nos aguarda. — A
mulher fala enquanto caminha para a porta finalmente aberta.
— Eu não posso! Ele vai me matar se eu fugir. — Recua.
— Você sabe quem ele é? Poderia identificá-lo? — O homem
enorme pergunta.
Joel olha para o chão envergonhado.
— Nesses anos todos eu nunca vi ninguém, cada ameaça que recebi
foi através dos vídeos que me enviam de tempos em tempos. Sabe, o bom e
velho terror psicológico. Desculpe, mas não sei quem é. Há cinco anos fui
sequestrado e quando acordei, um homem mascarado falou o que eu deveria
fazer e o que não deveria e foi embora. A comida chega em intervalos de sete
dias, a internet é liberada, porém sou monitorado. Quando tentei pedir ajuda a
um amigo, eles me fizeram assistir a morte dele, desde então não tentei contatar
ninguém, mas nem por isso vídeos de outras pessoas sendo violentadas e mortas,
parou de chegar.
A mulher tem um olhar compassivo.
— Eu sinto muito. Vamos, temos que ir! — Ela insiste.
— Vocês estarão em risco se eu for com vocês.
Mas a verdade é que ele quer muito sair.
— Não estaremos, pode confiar. — O homem assegura, já
começando a andar para saída.
Com passos vacilantes Joel os segue e quando chega na entrada,
trava como se uma barreira invisível estivesse segurando-o no espaço em que foi
aprisionado por tantos anos.
— Um passo e você estará livre. Venha!. — Eleonora chama.
Um passo. Um passo e estará livre…
A passos lentos ele passa a porta, sente os raios solares em seu rosto,
respira ao ar livre e se emociona.
Ele renasceu.
— Eu estou livre. — Fala consigo mesmo, ajoelhando na grama
sentindo-a em seus dedos. — Ah…
— Temos que correr, tudo aqui irá pelos ares. — Antony apressa.
Olha-o confuso, mas reconhece a urgência em seus olhos, corre atrás
deles embarcando em um helicóptero comercial, branco e preto, que não tarda a
levantar voo. Já distante de onde foi mantido em cativeiro, vê a grande explosão.
A realidade lhe bate.
E se estiver trocando um cativeiro por outro?
Senta o mais distante possível de Antony, Eleonora está na frente
junto ao piloto. A todo momento Joel olha para Antony avaliando a melhor
chance fugir. Ficam por toda viagem brincando de pega com os olhos.
— Não precisa tentar fugir, você é um homem livre. — Antony
declara quando o pegou encarando-o repetidamente.
— Quem me garante que não dirão que posso ir e me capturarão no
primeiro passo que der para longe de vocês? — Fala com firmeza, mas por
dentro está desmoronando ainda mais de medo.
— Tudo que eu tenho é minha palavra, depende de você querer ou
não confiar. — O homem, de olhos violeta responde com paciência.
Faz o possível para se manter impassível, quando tudo que Joel quer
é pular nele de felicidade.
— O que vocês querem em troca?
— Tínhamos esperança de que você poderia identificar àquele que te
prendeu, mas você disse que nunca o viu, contudo conhece a sua capacidade
para crueldade. Descoberta essa que já fizemos. Nesse caso, você é livre para
viver sua vida, ou você pode se juntar a nós e nos ajudar a encontrá-lo. —
Antony oferece
— Tinha dezessete anos quando me levaram de casa. Eu era
conhecido pelas habilidades com os números e computadores… talvez se eu
tivesse uma família, ao menos alguém teria me procurado, mas então, teriam
morrido como meu amigo. — Olha para as nuvens próximo da janela. — Posso
ficar com vocês? Eu não quero ficar sozinho… — Morde o lábio para segurar a
lágrima de cair e tornar tudo mais humilhante.
— Adoraríamos que ficasse. — Eleonora confirma através do fone.
Passa a próxima hora admirando o céu, pois há cinco anos não o via.
Depois que pousam, embarcam em um jato particular.
— Uau! Vamos viajar nele?
— Vamos sim. — Eleonora responde, antes de ir com o piloto do
helicóptero para a cabine do piloto.
— Até hoje eu nunca havia voado.
Antony olha para ele e sorri amigavelmente.
— Vamos, darei a você um tour por ele.
— Por que vocês estavam falando que iriam me matar por ter
magoado a Eleonora? Eu nunca quis magoá-la. Se fiz, não foi intencional. — A
primeira cabine parecia uma sala, com poltronas, de aparência muito
confortável.
— Estávamos falando do noivo, ou melhor, ex noivo dela.
Joel tenta, em vão, não parecer confuso e pela cara de Antony sabe
que está falhando.
— Desculpe, é que observei vocês dois juntos e achei que eram um
casal.
Eles até se beijaram na frente dele.
— É complicado, ela é minha companheira, mas temos uma relação
aberta. — Se encaram.
— Fico feliz em não ser motivo da tristeza dela. Mas se você quiser
acabar com ele virtualmente posso te ajudar.
Antony sorri abertamente.
— Fico feliz em saber, mas não acho que eles de fato terminaram é
só um tempo para ele se adaptar a uma nova realidade. Pelo menos foi o que
minha mãe disse quando eu estava indo matá-lo.

O voo demora mais do que imaginava, e quando pousam, fazem uma


pequena viagem de carro para uma casa suntuosa como um palacete.
— É aqui que vocês moram? — Parece bom demais para ser
verdade.
— Sim, mas iremos nos mudar em breve. — Eleonora responde indo
para a direita em uma coluna de madeira assim que o carro para.
— Miguel fará uma checagem em você, por segurança, junto com a
senhora Kala na ala dos funcionários. Você está em boas mãos, não se preocupe!
Amanhã conversaremos sobre as suas funções e sua remuneração. — Antony
explica.
Por um instante Joel fica desapontado por não ficar com eles, mas
faz cara de segurança, acena um adeus e segue Miguel.
A ala dos funcionários não é bem uma ‘ala’, é uma casa enorme,
muito bem decorada e extremamente confortável, equipada com tudo que viu
nos filmes que assistiu nos últimos cinco anos, trancado. Não fica tão
desapontado quando vê retratos de família espalhados pela casa.
— Essa é sua nova casa. Você é livre para ir e vir. — Miguel fala
severamente. — Contudo temos regras:
1. Nunca traga estranhos para propriedade. Faça o quiser do
portão para fora, mas nunca traga para casa.
2. Sempre avise se for dormir fora. Um celular será entregue a
você, nunca desligue o GPS dele.
3. Somos funcionários aqui e não membro da família principal,
por respeito, sempre os trate como senhor e senhora, mesmo
os pequenos.
4. Nunca nos traia. Nunca.
Essa última foi mais uma ameaça que um aviso.
Acena com a cabeça em aceitação.
— Pequenos? — Sorri.
Não acreditando que tem crianças em sua nova casa. Antes de ser
sequestrado não se dava bem com elas, mas os anos de cárcere, com muita
comédia romântica e séries sitcom o fez rever seus conceitos.
— O senhor Antony e a senhora Eleonora têm os gêmeos, Gaia e
Gael de dez anos. São ótimas crianças e com muita curiosidade, portanto se eles
lhe chamar para algum experimento se certifique de ter equipamento de
segurança por perto.
Uma mulher bonita com olhos levemente puxados e pele morena
bronzeada, como se ela tivesse nascido beijada pelo Sol, sorri quando os vê.
Miguel a olha com carinho, a abraça e depois beija sua testa.
— Joel esta é Kala, não importa o que precisar é só pedir a ela. Kala
esse é Joel e ele acaba de entrar ao time.
Time! Eu faço parte de um time.
Uhu!!
— Bem-vindo a sua nova casa! — Ela o felicita e abraça-o.
É tão bom.
A sensação de tocar e ser tocado é algo que almejou nos últimos
anos. Segura ela por mais tempo do que o normal, depois a solta envergonhado.
— Tudo bem, eu sei como é ser privado de algo tão básico. Vamos,
deixa eu levá-lo para conhecer seu quarto. — Ela coloca o braço em volta de seu
ombro.
— Antes, preciso das suas digitais, DNA, urina e amostra de sangue.
— Miguel pega-o de surpresa.
— Ora Miguel, aguarde ao menos ele conhecer o seu novo lar!
Voltaremos em breve, vá ao escritório, já encontraremos você. — Kala fala de
jeito maternal.
— Claro, desculpe. Irei para o escritório esperar por vocês.
— Não se preocupe são exames rotineiros, na maioria das vezes
serve mais para podermos ajudar você em caso de emergência. — Ela explica a
ele.
— Tudo bem, se é necessário para ficar, estou mais que disposto.
Sente os lábios dela em sua bochecha e fica imediatamente aquecido
com o carinho.
— Meu marido adorará você e tenho certeza que será recíproco, sem
contar com Alina, ela vai te mimar, já posso ver isso.
Ele a segue para o andar superior.
— Quem é Alina?
Param em frente a uma porta de madeira escura, ela abre e sinaliza
que Joel entre.
— Ela também trabalha para a família. Eu e meu marido adotamos
ela e, se você permitir, adoraria adotar você também.
Congela ao ouvi-la.
— Eu tenho vinte dois anos, sou considerado adulto. — Logo que as
palavras saem se arrepende.
— Não seja duro consigo mesmo, até mesmo adultos precisam de
carinho e família.
Olha para o chão envergonhado.
— Desculpe, não quis menosprezar sua oferta, mas desde sempre
tem sido somente eu. Adoraria ser parte da sua família e se não se importar…,
poderia lhe abraçar novamente? É que foram cinco malditos anos!
Sente seus braços a sua volta e a abraça, sentindo a perda do peso
que carrega nas costas.
— Você está seguro. — Suas mãos o aperta.
— Obrigado! — Responde entrecortado, a solta e olha o quarto a seu
redor. — Esse quarto é muito grande e bonito, obrigado. Posso colocar minhas
coisas de trabalho aqui. — Aponta para um canto onde tem estantes flutuantes.
— Não meu querido, aqui você pode colocar suas coisas de lazer,
mas nunca de trabalho. Esse ambiente é seu lugar de descanso. — Ela volta a
envolver seu ombro. — Vamos descer e eu te mostro onde você trabalhará e o
restante da casa.
Às horas passam e ele faz o que Miguel pediu. Kala o testa para
drogas e doenças, naquela casa enorme tem até um laboratório para Kala. Depois
ela o designa a uma sala de trabalho provisório, pois segundo eles, irão se mudar
em breve.

— Me diga de novo, o que essa entrevista significa? — Pergunta a


Kala e Miguel enquanto tomam café da manhã.
— É somente uma conversa, não tem com que se preocupar. — Kala
o acalma e Miguel confirma.
— E se não gostarem de mim e me jogarem para fora?
— Eles não irão. — Miguel passa segurança, Joel assente e volta a
comer.
Não demora ele é levado para a casa do meio, em vez de ir para onde
viu a senhora Eleonora entrar, Miguel toca a campainha e aguarda, não demora
um grande homem ruivo abre a porta Joel se esconde atrás de Miguel.
— O que você está fazendo? — Miguel olha para ele por cima do
ombro com meio sorriso.
— Desculpe, são meus instintos. — Se afasta parcialmente dele e
olha para o gigante ruivo.
Será que ser grande é um requisito para ser membro da família
principal?
— Bom dia, senhor! — A voz sai baixa, mas clara.
— Heitor. — Miguel apresenta.
— Você é o novato, Joel? Estava esperando por você. Entre!
Joel olha para Miguel que meneia a cabeça incentivando a entrar.
Respirando fundo, entra na cova do leão, sente a porta se fechar e ao mesmo
tempo as mãos tremem junto ao seu corpo.
E se eu nunca mais sair daqui?
— Não tenha medo. — O homem fala mantendo uma distância
segura.
Segue-o para uma sala, não uma sala qualquer, é a SALA. É tão bem
decorada que Joel tem até medo de se sentar no sofá branco neve, as paredes ao
fundo são de vidro que dá para um jardim florido e ao longe uma piscina.
— É muito bonita sua casa senhor. — Sorri envergonhado.
— Minha esposa é responsável por tudo aqui, ela ficará feliz com seu
elogio. — Ele senta e indica o sofá menor a sua frente para Joel. — Logo você a
conhecerá, ela foi com as crianças para cidade.
Confirma com a cabeça e encara Heitor, ainda se sentindo muito
intimidado.
— De acordo com o dossiê que Miguel me entregou, você foi
sequestrado de sua casa e viveu em cárcere por cinco anos, onde foi banker para
um traficante. Sua família morreu em um acidente de carro e você foi dado como
desaparecido no acidente, viveu de pequenos roubos virtuais e a margem da
sociedade até ser levado. — Joel confirma. — Você tem zero experiência em
combate. — Confirma novamente. — Sou receoso com novos acréscimos a
minha equipe. Mas aqui está você, não obtivemos recomendações suas, porém a
senhora Kala foi enfática em dizer que você valia o risco. — Joel sorri
agradecido. — Entenda, eu não corro risco com a minha família. Eles são meu
mundo. — O sorriso se esvai enquanto limpa as mãos suadas na calça. — Deixo
claro, ao menor sinal de traição, os cinco anos que você passou trancado em
baixo da terra serão os melhores anos de sua vida se comparado ao que farei com
você. Me entende?
Os olhos verdes com marrom de Heitor assustam a merda para fora
dele.
— Não senhor…, Quero dizer, sim senhor, eu não vou trair a sua
família. Durante esses cinco anos tudo que eu quis era ter uma família para, pelo
menos, notarem meu desaparecimento. Entendo que proteger a sua família é
importante, pois se tivesse uma faria o mesmo. Juro protegê-los com a minha
vida se for preciso. — Limpa novamente a mão na calça.
— Boas palavras garoto! Aqui protegemos os nossos, você agora é
um de nós e será protegido, nunca mais deixaremos que qualquer mal seja feito a
você. Bem-vindo a família! — Ele sorri animosamente. — Como membro da
equipe é obrigatório saber se defender, nossos treinos se iniciam às cinco da
manhã. Miguel irá te mostrar nossa academia. — Heitor se levanta e Joel o
acompanha muito aliviado. — Vou acompanhar você até meus filhos Naveen e
Antony, para que eles possam falar sobre suas funções na equipe.
Seguem para outra casa e entram sem serem anunciados. Ouvem som
de risos e conversas mais a frente.
— Vocês três juntos rindo assim, só pode ser sinal eminente de
guerra. — Heitor fala.
Eleonora está sentada no colo de Antony e um outro homem está
sentado na outra extremidade do sofá.
— Joel, você já conhece esses dois, mas o outro é meu filho mais
velho, Naveen.
Naveen o encara de volta, ele é tão lindo quanto um animal exótico e
raro, Joel não consegue não olhar para ele. Ele sorri e Joel percebe o que é
beleza de verdade.
— B… Bom dia! — Gagueja.
— Ele é de vocês! Depois me informem suas funções. — Heitor dá
uns tapas leve no seu ombro. — Você está em boas mãos. Quando minha esposa
Paris chegar, irá procurá-lo para arrumar seu guarda-roupa. Um conselho de
amigo? Não lute contra ela, aceite e será feliz, negue e você padecerá no inferno.
— Joel engole seco e ouve as risadas dos outros.
— Obrigado, senhor. — Responde com dificuldade.
Heitor sorri e se afasta.
— Sente-se. — Eleonora oferece indicando outro sofá ao lado e se
viram para ele. — Você não imagina como é conveniente a sua presença, temos a
posição ideal para você. Nós conversamos e achamos que seria bom você
trabalhar na construtora que Tony comprou. Eu ficaria neste posto, mas achamos
que você poderia gostar. O ambiente e as pessoas são boas e receptiva, você será
acolhido e terá liberdade de ir e vir e conviver com pessoas, muitas delas. —
Eleonora fala animada.
— Eu pensei que vocês trabalhavam com segurança? — Pergunta
confuso olhando de um para o outro.
— A ‘segurança’, como você diz, é o negócio da família. Em relação
a isso, trabalhamos no QG de casa, mas a construtora será um ambiente onde
desempenharemos nossos papéis civis de bons samaritanos para sociedade, você
será nossa primeira linha de segurança em caso de invasão ou espionagem.
Joel olha para Naveen e fica fascinado, ele poderia recitar a
constituição e seria tudo, menos tedioso.
— Você trabalhará na construtora também? — Contém a animação,
ansioso pela resposta.
Naveen abre o maior sorriso e Joel suspira.
— Não, a construtora será administrada por Tony, Alina e Raphael
que fica com o desenvolvimento de projetos. Eu não me encaixo com os
meninos grandes e seus números. — Os lábios de Joel comprimem em decepção,
Naveen sorri e Joel pode estar enganado, mas vê o brilho em seus olhos.
Alguém atrás limpa a garganta e os distrai, ambos olham para
Eleonora e Antony.
— Sobre o que você fazia nesses cinco anos, precisamos que nos dê
o máximo de informação possível. Encontrar a pessoa que fez isso é o nosso
objetivo principal para concluir nossa mudança. — Eleonora fala séria.
— Eu tenho tudo sobre ele salvo, as contas, os clientes que fizeram
pagamentos… Cada maldita informação guardei em um lugar que somente eu
poderia achar.
Tirar essa pessoa de circulação será um bem a humanidade.
— Bom, então temos um plano se formando. — Antony fala
enquanto beija o pescoço de Eleonora que sorri para ele de volta.
Minha meta de relacionamento: Ser como eles.
Olha para Naveen comedido, ao mesmo tempo que seus olhos
parecem estar em chamas.
Passam a próxima hora traçando um plano de ação para atrair o rato
para fora da toca. Ele e Naveen ficam próximos quando seguem para o QG onde
conhece a senhora Paris, que fica cada vez mais animada com sua receptividade
sobre suas ideias de estilo. A maioria de suas sugestões pareciam muito boas e
Joel está feliz em saber que não terá que lidar com isso, até estava
envergonhado.
Todos eles, desde Kala a Paris parecem ter saído de uma dessas
séries de moda e estilo, cada um mais bonito que o outro. Tony com roupas
sociais com cores que destacam sua pele albina, Heitor com roupas de lenhador
chique e moderno, Kala com roupas modernas que remete a seu lugar de origem,
que durante o café da manhã, ela lhe disse ser do Nepal, Eleonora é uma
princesa completa, desde joias com pedras raras a seu porte e postura, é como
ver todas as princesas Disney encarnada em uma única pessoa. É linda. Paris é
como se moda e elegância a tivessem concebido, se Eleonora é uma princesa
com certeza ela seria a rainha, Naveen é a encarnação do desejo e beleza. É um
exercício de sobrevivência olhar e não tocá-lo para constatar se é real.
— Iniciaremos esse plano o quanto antes, para conseguirmos
finalizar antes de nos mudarmos para ilha, ou teremos que ficar invisíveis até
que termine. — Heitor fala animado.
— Quer ser minha pessoa? — Naveen pergunta a ele quando todos
começam a sair da sala.
Joel o olha sem saber o que isso significa.
— Naveen… e Luka? — Eleonora pergunta.
— Depois que você e o Raphael terminaram percebi o quanto somos
de mundos diferentes, não daria certo e ele está apaixonado por Micael não ajuda
no meu caso. Tivemos bons momentos, agora somos apenas amigos. — Naveen
olha nos olhos de Joel. — Heitor tem Paris, Tony tem a Leo, até mesmo as
crianças são as pessoas umas das outras, mas eu sou um andarilho que cansou de
andar sozinho. Ser minha pessoa quer dizer que poderemos ser complicados
como meus irmãos ou tradicionais como meus pais, depende de você. — Naveen
explica apreensivo.
Joel olha para Kala que o olha de volta.
— A escolha é sua. — Ela o encoraja.
— Você gosta de mulheres ou homens? — Joel investiga, pois ainda
não entendeu o que Naveen quer dele.
— Gosto de pessoas, não importa o sexo. — Sorri de canto.
— Eu também. — Responde envergonhado e Naveen pega sua mão.
— Isso parece um bom começo. — Ele o conduz para porta.
— Naveen, assumir um compromisso não é como escolher uma
roupa no armário, você não pode usá-lo e depois abandonar no fundo quando a
moda passar. Não seja leviano com o coração dele e muito menos com o seu. —
Paris interpela.
— Prometo que não serei. — Naveen fala para Joel. — Eu só não
quero mais ficar sozinho todas as noites. — Joel aperta a mão dele em apoio,
pois entende muito bem esse sentimento. — Quanto as necessidades dele eu
posso suprir com a minha parte. — Ele anuncia.
— Não acho certo você dividir a sua parte, ele trabalha com nós ele
terá o ganho dele. — Antony afirma.
— Não preciso do dinheiro dele, eu tenho o meu próprio dinheiro. —
Todos olham em sua direção. — O quê? Aquele filho da puta me sequestrou, me
privou de tudo e de todos. Eu não só mantive um arquivo com tudo sobre ele,
como também pegava uma comissão por meus serviços a cada transação. Foram
cinco anos presos, mas não foram de escravidão, claro ele nunca descobriu o que
eu fazia, mas quem se importa? Foi até pouco se comparado ao que me foi feito.
— Dá de ombros.
Todos estão com os olhos arregalados e com sorrisos de
cumplicidade.
— É, ele está no lugar certo. — Naveen anuncia.
— Heitor, agora temos um filho caçula. — Paris anuncia feliz.
— Ao menos esse faz sentido em idade, já que o nosso mais velho é
mais novo em idade e Tony que é mais velho em idade e mais novo em adoção.
— O riso corre por suas palavras confusas.
— Senhora Paris, eu gostaria de continuar sendo o adotado da
senhora Kala, se não tiver problema?
Kala tem os olhos marejados, como ele poderia dar as costas para a
primeira pessoa que o abraçou em cinco anos de solidão.
— Oh, claro. Você pode ter tanto a senhora Kala e Gohan como pais
como eu e Heitor. — Paris fala, Kala assente e ele chora.
— Ah não, vocês quebraram ele antes mesmo de lhe mostrar nossa
casa. — Naveen reclama fazendo todos rirem.
— Não estou quebrado! — limpa o rosto com as mãos. — Eu fui de
não ter ninguém para ter um monte de família, foram cinco anos desejando ter o
mínimo do que estão me dando. Obrigado! Se existem divindades celestiais, com
certeza, eles enviaram vocês. — A mão de Naveen aperta a dele.
— Não foram eles, foi minha irmã mesmo. Mas ela me devia, se não
fosse por mim ela não teria o Tony, e se não fosse meu desejo de mudança ela
não teria encontrado o Raphael. — Assim que mencionou o último nome, todos
e principalmente Eleonora murcham. — Desculpe, não quis lembrá-los dele.
— Não se preocupe, está tudo bem! — Eleonora fala e até Joel sente
a tristeza em sua voz.
— Zhizn, que tal levar as crianças à sorveteria e ao cinema depois do
almoço? — Antony beija sua têmpora e saem da sala de reunião.
— Não sei por que não podemos matar aquele pedaço de merda. —
Heitor esbraveja.
— Porque sua princesinha ama ele e porque você gosta da mãe dele e
algo me diz que nem tudo está perdido. Dê tempo ao Raphael.
— Antony falou algo como isso ontem no avião, quando também
ofereci ajuda para acabar com ele. — Novamente, todos o encaram. — É que
não parece certo vê-la magoada.
— Eu sei meu filho, você não imagina o quão perto Tony estava de
acabar com ele. Levou tudo de mim convencê-lo a recuar. Se Raphael soubesse o
quanto chegou perto da morte pelas mãos de Tony, aí sim ele ficaria assustado.
— Paris fala.
— Vamos, vou te apresentar a nossa casa, nosso quarto e depois a
hidromassagem… — Naveen o puxa.
— Você está me dando muita informação. — Heitor reclama
enquanto passam por ele, Joel olha-o envergonhado e o encontra sorrindo.
Então é assim que uma família é de verdade?
RAPHAEL

O convento deixou de ser uma construção sóbria e agora se parece


muito mais com uma casa, majestosa, mas um lar acima de tudo. Quando o
processo de decoração começou, ficou claro para Raphael onde cada um
moraria.
A casa de Paris tem um closet maior que o quarto, talvez seja do
tamanho de dois, os moveis com design moderno e contemporâneo, alguns até
conceituais, foram adicionados à decoração deixando claro que alguém ligado à
moda faz do espaço seu templo. Parece arrogante, mas não, é terno como a casa
de uma mãe.
A casa de Naveen é de longe a mais luxuosa, com moveis clássicos,
alguns até pintado de ouro. Os tapetes, vindo direto de tapeçarias famosas todos
esses elementos em um bonito ode à cultura indiana, os tons claros da casa de
Paris se opõem a profusão de cores que Naveen escolheu. A casa dele é quente,
rica e confortável.
A casa de Leo é exatamente como ela, a decoração clássica com
cores claras exceto pelos contrastes. Tudo é confortável e até mesmo romântico,
o ambiente tem conceito aberto, o piano fica na área de destaque em uma sala
com estantes que será repletas de livros, a cozinha é o foco principal, moderna e
bem equipada. Por várias vezes Raphael imaginou como seria vê-la andar com
sua roupa de yôga fazendo suco verde de aspecto feio, mas com sabor delicioso.
As crianças foram assertivas com o que queriam, Gaia pediu estantes
para sua coleção de HQs e Mangás, seu closet é uma réplica menor ao de Paris,
as cores são delicadas. A cama de casal no modelo clássico com dossel, mostra
como ela absorveu um pouco do estilo de Naveen, as cores marfim, branco e o
tom de rosa antigo predominam em sua suíte de princesa.
Ele se imaginou vindo dar a ela boa noite e ser rodeado por seu
cheiro de morango.
A suíte de Gael é o oposto de Gaia e sua opulência, o estilo dele é
básico, prateleiras foram dispostas de um extremo ao outro de uma parede junto
com a área para seu computador, um típico quarto de menino. O cinza das
paredes junto a iluminação dará destaque as figuras de ação colecionáveis dele.
Também se imaginou com ele aqui, conversando sobre os livros e
séries que assistiriam.
A do Antony é predominante azul safira com decoração
contemporânea, voltada ao conforto e praticidade. A suíte de Leo é como a de
Antony, só que com cores claras, tem uma poltrona suspensa perto da janela, ele
lembra das vezes em que falou com ela por videochamada e Leo se balançava
em uma parecida em seu quarto. A curiosidade ficou no closet onde foi instalado
um cofre de última geração, maior do que qualquer um que já tenha visto, sua
mão coçou para ligar e perguntar sobre, mas não o fez. Desde o casamento não
se viram ou falaram, o silêncio só aumentou o precipício entre eles.
Cada casa tem uma área externa própria e reservada. O jardim
interno oriental, que todas as casas compartilham, ficou ainda mais lindo que no
projeto, as carpas nadavam no lago com calma e as flores exalam seus aromas ao
redor. A área gourmet atingiu seu potencial, todas as casas têm sua identidade,
mas é aqui que parece ser o coração da família, é fácil ver como cada um deles
escolheu algo para decoração e fez um ambiente de todos.
A antiga torre do sino ficou espetacular, não importa a hora do dia o
sol adentra pela vidraça. A sala interna é um espaço dedicado às crianças, mas
qualquer um poderia perder uma tarde para ficar nela.
— Esse lugar ficou perfeito! — Noah diz quando se aproxima
admirando a obra concluída.
— Com certeza.
Não importa o quanto finge não sentir, as possibilidades do que esse
lugar significaria para ele o faz querer correr.
Não para longe, mas para ela.
— Nosso trabalho está feito! Foi um prazer trabalhar com você e
espero poder fazer isso mais vezes. — Noah oferece a mão.
— O prazer foi meu em ter você como mentor, tudo que aprendi e
reaprendi levarei por toda vida. — Raphael agradece a Noah.
Gohan assumiu a posse da casa dos funcionários, junto com Alina,
assim que ficou pronta. É evidente que ele a trata como filha e ela como um pai.
Eles os esperam no portal de entrada, para a entrega das chaves.
— Como sempre foi um sonho trabalhar com essa família, transmita
a eles os meus mais sinceros agradecimentos e felicitações pela mudança. —
Noah fala entregando as chaves.
— Transmitirei. — Gohan responde.
Noah caminha para seu carro enquanto Raphael fica olhando para
Gohan, indeciso e suspira.
— Quando eles se mudam?
— Esperamos que em breve. Eles ainda estão finalizando o
procedimento de faxina, somente quando for seguro para as crianças eles virão.
Raphael se controla para não libertar a miríade de sentimentos que
vem acumulando, acena com a cabeça e segue seu caminho.
A escuridão de casa o recebe e logo é entorpecido pelo vazio.
— Ela está vindo. — Avisa a tartaruga. — E ainda não sei o que
fazer. Se ela fosse uma policial ou como um desses agentes infiltrados que
assistimos nos filmes, pesaria menos seus atos? — Fala abraçando a pelúcia.
— É eu também penso assim, não mudaria nada. Mas e se pensar que
essas pessoas mereceram o destino que teve, o que isso me tornaria?
— É eu sei, seria pior que eles.

Raphael ouve cochichos e risinhos, abre um olho e duas minipessoas,


que não esperava ver, encaram ele do pé da cama. Os mesmos olhos verdes que
assombram seus sonhos estão agora diante dele em tamanho menor, os mesmos
olhos e o mesmo sorriso.
— Você acha que ele acordou? — Gael pergunta a Gaia. — Talvez
devêssemos fazer alguma coisa para ele comer, a vovó disse que ele está se
alimentando mal.
Sempre atencioso Gael segue para cozinha.
— É um sonho? — A mini anjo faz que não. — Estou alucinando?
— Ela repete o gesto, ele se volta para tartaruga ao seu lado. — Você também
está vendo-os?
— Com quem ele está falando? — Ouve Gael.
— Acho que com a tartaruga. — Gaia responde.
— Falhamos com ele. É evidente que ele precisa de mais amigos. —
Gael responde voltando para analisá-lo. — Terapia seria mais indicado nesse
caso. — Ele fala e coloca o dedo no queixo.
— Ou um animal de estimação de verdade. — Gaia fala animada.
— Um animal seria bom, mas ele precisa falar com um adulto sobre
o que está sentindo. — Ambos olham para ele entristecidos.
— Vocês sabem que estou ouvindo? — Eles sorriem e seus olhos
brilham.
Ele esconde o brinco sem par que, em um ato reconhecidamente
egoísta, deixou de enviar junto com as roupas dela.
— É, ele está de fato acordado, e agora nos acha inconveniente. —
Gaia fala e Gael volta para cozinha dando de ombros.
— Vocês jamais serão inconvenientes.
Ela também volta para cozinha.
— Levante-se, você vai se atrasar para festa. — Ela fala da cozinha.
Não sabe do que ela está falando, mas faz o que ela pede.
— Quando vocês chegaram? E de que festa estão falando?
Olha ao redor e não vê ninguém além deles.
— É como a Alina falou, ele está perdido no tempo. — Gaia fala
com Gael que o olha com misto de pesar e melancolia. — Olha eu arrumei a sua
roupa, está ali! — aponta, depois pega algumas coisas na geladeira. — Tome um
banho e se arrume. Gael e eu faremos um dejejum para você comer antes de sair.
— Fala autoritária. Ele a assisti estupefato de como ela se parece com a mãe e o
pai. Ela quebra o ovo usando apenas uma mão como uma chef profissional e
seus olhos levantam-se para ele. — Agora! Não temos muito tempo. — Quebra
outro ovo.
Incrédulo e sorrindo, faz o que ela diz, pega as roupas e ruma para o
banheiro.
Raphael toma banho e veste as roupas que Gaia escolheu, camisa
social azul clara, calça jeans e sapato combinando com cinto. No balcão da ilha,
uma omelete e um copo de suco o espera, a cama está arrumada. Os dois agora
estão sentados no sofá, Gael mexendo no tablet e Gaia lendo uma HQ, ela o olha
por cima do ombro.
— Ficou muito bom, mas talvez você devesse fechar mais um botão
da camisa. Sabe, para não dar a ideia errada para suas colaboradoras. — Indica.
— De que festa está falando?
Gael levanta a cabeça e o olha com tristeza.
— Raphael a festa para os funcionários da construtora é hoje. — Ele
fala com paciência dando um sorriso tímido. — Fizemos seu café. Porque você
não come enquanto te atualizamos sobre como andam as coisas. — Coloca o
tablet de lado e acompanham Raphael para cozinha.
— Quando vocês chegaram?
Experimenta a omelete e se surpreende com o sabor.
— Ontem à noite. — Gaia responde. — Meu quarto ficou mais
bonito do que imaginei, obrigado.
— O meu também, obrigado. — Gael fala. — Ouvimos Alina passar
o relatório ao papai, ela disse que você estava distante esses dias e está
preocupada com você, por isso viemos. Não podemos deixar um amigo na… —
ele olha para Gaia.
— …fossa. Se soubéssemos que estava mal assim, teríamos ligado
mais vezes para você. — Seus lábios se comprimiram e o sorriso se apaga junto
com o brilho de seus olhos.
Raphael limpa a boca com guardanapo.
— Gaia, querida, vem cá. — Ela se aproxima, ele a abraça. — Eu
estou bem, é que estava focado com a reforma da casa e quando acabou, eu
fiquei um pouco perdido — mente, — por isso não dei à devida atenção a Alina
e quanto a festa dos funcionários, isso foi um lapso de memória de um homem
velho. — Inala seu cheiro de morango e beija sua cabeça. — Eu adorei receber
as mensagens e as ligações de vocês. Vocês são os melhores amigos que alguém
poderia ter. — Olha para Gael e sorri.
— Tem certeza? — Gaia pergunta indecisa, seus olhos avaliam os
dele como sua mãe faz, seu coração aperta e desvia o olhar, só para encontrar o
de Gael.
— Eu tenho.
Termina de comer enquanto eles relatam como foi a última viagem
que fizeram, Raphael percebe que eles falam de todos, mas nunca dela.
Olha às horas no relógio em seu pulso, a única lembrança física de
que um dia foi feliz, falta muito pouco para a hora do almoço. Está atrasado e se
não fosse as crianças teria se atrasado ainda mais.
Isso se tivesse lembrado.
— Temos que ir, voltamos amanhã.
Gaia beija seu rosto em despedida e Gael se despede com um bater
de mãos.
— Obrigado.
— Não por isso. — Respondem.
Sozinho ele olha para a tartaruga.
— Eu amo essas crianças! E pensar que um dia seria mais que um
amigo para elas não ajuda em saber o que fazer…
Senta na cama, não demora muito e Alina chama esperando-o na rua,
quando desce Ângela está com ela também, muito mais animada do que via em
anos.
— Bom dia, mãe!
Ela sorri.
— Bom dia! — O abraça. — Eles são muito mais lindos
pessoalmente, Gaia tem porte de princesa e Gael é um cavalheiro à moda antiga.
— Ela e Alina engajam na conversa sobre as crianças enquanto ele apenas
coexiste no carro junto a elas.
Na festa não foi diferente, cumprimentou quem tinha que
cumprimentar, felicitou quem precisava, Tony chega um pouco depois e faz o
mesmo, cumprimenta e felicita quem devia.
— Raphael, como tem passado?
Quando olhou para ele pela primeira vez em meses, Raphael sentiu
raiva pelo que aconteceu com Tony no passado, ódio por ter pensado coisas
horríveis dele com Leo, admiração por ele ser a pessoa que salvou a vida de seu
anjo, saudade das conversas que passaram a ter sempre que ela dormia.
E confusão porque sabe a verdade, toda a verdade e não consegue
administrar, o conflito de sentimentos e preceitos.
— Bem. E você?
Como Pandora, ele não devia ter aberto a caixa. A ignorância faz do
homem uma pessoa feliz e de fato tal premissa é verdadeira.
— Poderia estar melhor. — Tony responde claramente incomodado.
Ângela se aproxima.
— Tony, como você está bonito!
— Agradeça a sua neta por isso. Você, como sempre, está
deslumbrante.
Ela se desmancha e ele lhe oferece o braço, caminham juntos
enquanto tagarelam sobre a festa, a organização e claro as crianças.
Tudo passou num borrão, Tony e ele dividiram um discurso escrito
por Alina e a equipe de relações-públicas e quando acaba, está desgastado
psicologicamente, tudo que quer fazer é voltar para casa. Na volta, depois de
tentar inclui-lo nas conversas, Alina e Ângela desistem e passam a ignorá-lo.
— Obrigada por hoje Alina, meu Gabriel teria aprovado tudo, muito
obrigada por ser aquela que fez tudo acontecer. — Olha de soslaio para o filho e
se afasta indo para casa.
Sutil mãe, muito sutil.
— Obrigado Alina, sei que tenho deixado para você todas as
responsabilidades, eu só… eu vou… Me desculpe. — Sem conseguir expressar o
que está sentindo, só pode se desculpar.
— Posso contar a você minha história? — Ele olha para ela e acena
consentindo. — Eu tinha vinte anos quando meu pai tentou me matar aos chutes
e socos, no único lugar que conhecia como casa, ele era dependente químico,
mas antes disso já era violento, as drogas só afloraram o que ele tinha de pior.
Naquele dia, Antony me salvou e Naveen o matou. — Olha para ela chocado. —
Antony e Eleonora me acolheram e me deram casa, comida e um trabalho do
qual eu amo. Chamamos eles por senhores, não em é uma forma de nos rebaixar,
não é isso. Temos orgulho de servi-los e de sermos dignos da confiança deles.
Não quero dourar a pílula para você, no começo eu fiquei assustada, mas eu vivi
o pior que uma pessoa pode infligir a outra e isso não chegou nem perto do que
eles passaram. Cada um de nós estamos vivos porque eles nos resgataram no
nosso momento mais sombrio. Eu era uma garota fraca, tímida e condenada a
morte pelo meu próprio pai. Eles me ajudaram a ser uma mulher forte, orgulhosa
e com um propósito que sou hoje. Sempre haverá alguém lá fora passando pelo
pior momento da sua vida e ninguém irá para eles, o que nos concederam foi
uma dádiva. Uma chance de recomeçar.
— Como posso aceitar? — Desabafa e depois olha para oceano a sua
frente.
— Me alenta saber que eles prestam esse serviço, eles não
conseguem salvar a todos, entretanto fazem o possível tentando. Não pense
demais, apenas viva a vida que deseja ter. — Aconselha. — Aceite o trabalho
deles como qualquer outro, não posso dizer o que você deve fazer, mas foi assim
que eu aceitei a realidade ao meu redor.
— Como ela está?
— Minha amiga não é a mesma — Alina suspira — Eu mandei, para
seu e-mail, informações sobre alguns convidados para o baile de gala amanhã,
eles foram convidados essencialmente por conta dos empreendimentos que
farão. É importante trazê-los para construtora, conseguir esses contratos será o
que precisamos para voltar ao mercado com tudo. Independentemente de como
estará se sentindo, amanhã eu preciso cem por cento de você. Pode parecer um
lindo baile beneficente, mas não se engane, amanhã estaremos a caça e não
aceito menos que excelência. — Exige.
— Todos irão amanhã? — Pergunta querendo saber de uma pessoa
específica.
— Nem todos. Até amanhã senhor Raphael.
Encerraram o assunto e ele sai do carro.

Para todos, existe aquele momento em que se encontra


uma bifurcação no caminho, as dúvidas, o medo… Existe
tanto em que pensar. O mundo continua a sua volta enquanto
você não segue para lugar nenhum.
“As coisas que você diz podem me fazer te amar das formas
mais incríveis ou encher meu coração com apenas solidão e
dor”.
(Things You Say – Magic!)
CAPÍTULO 40
RAPHAEL

Raphael espera pela mãe para entrar na limusine enviada para buscá-
los, Ângela caminha acompanhada de Adriano, seu vestido branco com punho
tem mínimos pontos de luz bordado com elegância, o cabelo está cortado na
altura do pescoço, os fios estão puramente brancos e não mais grisalhos como
antes.
— Mãe, você está maravilhosa! — Não se lembra da última vez que
a viu vestida para algo tão formal e elegante.
— Obrigado meu filho, você também está maravilhoso de smoking.
Adriano beija-a na testa ternamente.
— Divirta-se! E não se preocupe, Luka e eu daremos conta do Bar.
— Ele a ajuda entrar. — Boa festa Raphael!
— Obrigado!
Adriano fecha a porta e eles seguem, Raphael nota em sua mãe o
colar com rosas esculpidas em diamantes e entre elas, safiras e esmeraldas.
— Bonito o colar, é emprestado?
Só conhecem uma pessoa que teria algo como isso.
— É muito bonito mesmo. — Não menciona mais nada e mina
qualquer outra oportunidade dele saber sobre ela. — Você estudou os convidados
que Alina enviou por e-mail? Leu o discurso? — Fala com tom de censura.
— Sim.
Alina enviou um dossiê dos convidados alvos, de fato, os
empreendimentos são formidáveis e serão construídos em áreas estratégicas em
todo país.
Hoje eu sou um homem com uma meta a cumprir ou pelo menos
tentarei ser.
A movimentação de fotógrafos e paparazzi não era o que esperava na
frente do local reservado para o baile.
— Os bailes de antes não tinham tanta atenção da mídia assim. —
Olha as pessoas e até identifica um fã clube com cartazes. — Era necessário tudo
isso?
— Muitas celebridades foram convidadas, é normal esse tipo de
comoção, um post de algum ídolo confirmando presença já é o suficiente. —
Ângela responde enquanto olha para as pessoas do lado de fora.
— Você viu a lista de convidados?
— Sim e até convidei alguns conhecidos do passado, afinal está festa
é para honrar o legado do seu pai.
— Desculpa, eu estou fazendo meu melhor. — Arfa sentindo-se
culpado.
— Não parece, eu perdi o amor da minha vida para morte e você?
Por qual motivo perdeu o seu? — Atira.
A porta abre e Raphael se prepara para enxurrada de flashes, ajuda a
mãe a descer e juntos dão o melhor sorriso falso.
Pelo menos o dele é.
Os fotógrafos chamam por eles, que pousam para algumas fotos,
Ângela fala com alguns repórteres, enquanto ele permanece em silêncio.
Para entrar no salão do baile é necessário descer uma escadaria
ricamente decorada, o salão está cheio de convidados. Alina se aproxima com
Mateus ao seu lado, mas foi o colar em seu pescoço que chamou a atenção de
Raphael, com turmalinas verdes e paraíbas, safiras e diamantes adornadas como
se fossem penas de pavão.
Só podia ser de Leo, assim como o que sua mãe usa.
— Ângela, você está incrível! — Alina cumprimenta com beijo no
rosto e Mateus faz o mesmo. — Você também Raphael. — E tudo que ele faz é
olhar para o colar.
Não importa para onde olhe, só procura uma única pessoa e o resto
fazia lembrar-se dela.
— Obrigado Alina, você também está incrível. — Se força a sorrir.
— Mateus como tem passado?
— Bem, obrigado. — Apertam a mão um do outro.
Alina toma a dianteira deixando Ângela com Mateus fazendo social
com os convidados e leva Raphael para iniciar a missão. Está conversando com
um cliente em potencial quando seu coração acelera, seus olhos focalizam o
motivo da elevação de batimentos.
No auto da escada está Eleonora, a necessidade de tocá-la quase lhe
deixa de joelhos, imediatamente nota a mudança em seu cabelo que está
castanho claro, ressaltando seus grandes olhos verdes, o vestido violeta é de
longe o mais bonito do baile. Engole seco ao admirar o decote profundo e
elegante, entre seus seios um longo colar de diamantes com uma pedra maior no
centro com formato de lágrima.
Leo está imponente e etérea como uma rainha, Tony segura sua mão
para descerem as escadas, todos olham o casal que se eleva a qualquer um no
recinto, ele a olha com adoração e ela faz o mesmo. Eles são bonitos separados,
mas juntos formam um casal inigualável.
— Quem são? — O cliente pergunta.
— Antony, o segundo sócio da construtora e Eleonora, sua irmã. —
Alina responde, já que Raphael é incapaz de formular qualquer palavra, ou tirar
os olhos de Leo que segue para o outro lado do salão onde Ângela e Mateus
estão.
O cliente fala um pouco mais do seu projeto e Raphael faz um
esforço hercúleo para prestar atenção. Depois de finalmente conseguir escapar
dos clientes, Raphael observa Leo falando animada com sua mãe, sem olhar para
mais ninguém.
Eu só queria um olhar.
Mas é como se ela estivesse bloqueando-o.
— Eu vou ver minha mãe. — Avisa à Alina que lhe sorri com
malícia enquanto toma uma taça de champanhe.
— Eu sei, sua mãe…
Pouco antes de chegar em Ângela, Leo e Tony se afastam, seguindo
para outra direção.
— Como foi a conversa com o cliente? — Ângela pergunta.
— Muito boa entraremos em contato com ele na próxima semana. —
Responde sem olhar para ela, se seus olhos estão programados para seguir uma
só pessoa nesse salão.
— Muito bem! Que tal levar sua mãe para dançar? — Leva-a para a
pista, mas de tempos em tempos, seu olhar se desvia para Leo. — Sabe, não é
educado ignorar sua parceira de dança.
— Você sabia que ela viria?
— Sim. — Responde indiferente.
Por que todos estão escondendo informações sobre a Leo.
Depois de dançar com sua mãe, passa a próxima hora conversando
com os convidados, Tony se junta a ele e Alina divulgando a nova visão da
construtora, Raphael até mesmo rascunha alguns desenhos que um cliente havia
pedido. Mesmo entretendo as outras pessoas, tudo que vê e ouve é ela dançar
com um homem diferente a cada música, o último parceiro parecia muito íntimo
com o braço em sua cintura. Raphael tem certeza de que o vê beijar seu pescoço,
ele não consegue esconder sua insatisfação e o possível cliente estranha a
mudança repentina.
Não importa onde vá ela sempre se mantém na outra extremidade.
Enquanto seus olhos são atraídos para ela, os dela o evitam a todo momento. Na
segunda hora do baile, Leo dança pela terceira vez com o mesmo homem, ele
fala alguma coisa em seu ouvido fazendo-a rir, a mão desce por suas costas
como se estivesse acariciando-a. Quando estavam se aproximando de Mateus,
ele reconhece o homem.
Chamber, o cantor.
— Só pode ser brincadeira! — Exclama irritado ao reconhecer o
grupo inteiro, Otávio, Samuel, Tiago além de Mateus, todos se revezando para
dançar com ela.
— Estão todos na cidade, parece que vieram inaugurar a casa nova
de Mateus. E eu os convidei para o baile, eles são bons para minha Zhizn, e
como você pode ver, ela fica feliz com eles. — Tony sorri com frieza.
— Quem são? — Ângela pergunta curiosa.
— A família do Mateus. — Tony responde.
Enquanto assiste Leo com os outros, seus punhos cerram e seu corpo
fica tenso.
— As mulheres nos dias de hoje, fariam de tudo para conseguir a
atenção de uma família linda como essa. — Ângela provoca.
Ele encara a mãe irritado, enquanto ela levanta uma sobrancelha para
ele.
Quando Leo finalmente está sozinha e caminha para o banheiro, ele a
segue. Do lado de fora espera impaciente até que ela saia, duas mulheres saem e
sorriem maliciosamente quando o vê, quando não escuta mais ninguém falar do
lado de dentro, ele entra.
Eleonora está retocando a maquiagem e quando o vê pelo espelho,
Raphael por um breve momento percebe o fogo em seus olhos.
— Banheiro errado. — Ela fala.
O fogo é substituído por gelo.
— Você está bem?
Seus olhos se demoram nos dele.
— Verdade ou mentira?
— Sempre a verdade. — Responde afetado.
— Não. — Ela guarda a maquiagem na bolsa minúscula.
— Não é o que parece.
— Acredite no que quiser.
Caminha para porta ignorando-o, Raphael a segura pelo braço
impedindo-a de sair. A corrente elétrica os possui ao primeiro toque, a pele
exposta dela se arrepia assim como a dele. Seu cheiro o atrai e seus lábios o
hipnotizam tornando a atração irresistível a ele.
— Por favor…, não faz isso. — Ela sussurra na iminência do beijo
roubado.
Raphael para antes de encostar nos lábios dela, roça o nariz na curva
de seu pescoço, sentindo o toque macio e aquecido de sua pele e inalando seu
perfume único.
— Eu sonho com você todas as noites. Quando estou acordado é
tudo sem cor, sem cheiro e sem gosto. Eu fiquei mais tempo sem você, do que
com você e cada dia eu morri um pouco. Daria qualquer coisa para ter de volta
nossos momentos roubados. Daria qualquer coisa para tê-la. — Respira
sôfrego. — Me rasgo por dentro cada vez que te vejo nos braços de outro. Quero
ser aquele que beija seu pescoço enquanto dança. — Acaricia o rosto dela. —
Quero te dizer que está linda como céu em uma noite estrelada, quero poder
sussurrar no seu ouvido o quanto eu te amo enquanto danço com você.
Sente a respiração dela acelerar, nota suas mãos trêmulas e como na
primeira vez, ela inicia o movimento que faz dele seu único. Seus lábios leve,
como o bater de asas de uma borboleta, roça os dele em reconhecimento, a
respiração se acelera. O mais lindo par de olhos verdes o encara, lhe revelando o
paraíso.
A segura entre seus braços e seus corações se tornam uma sinfonia
de amor e paixão, seu gosto doce é muito melhor que qualquer iguaria servida
aos deuses e, ele como simples mortal diante da prova do sagrado, leva tudo que
pode com gula desmedida. A porta se abre e escutam alguém arfar um pedido de
desculpa. E como o fim do melhor encanto o beijo é interrompido,
imediatamente Raphael anseia por mais, olham a mulher que passa por eles
apressada e envergonhada.
— Dança comigo? — Sussurra.
Seus olhos brilham como nenhuma estrela seria capaz, sem dar a
chance de ter seu pedido revogado, leva-a para a pista de dança e se banqueteia
com a proximidade de seus corpos.
O mundo poderia ruir e nada o afastaria dela.
Beija seus lábios levemente.
— Você está linda! — Sussurra.
— Você também. — Ela deita a cabeça em seu ombro, de forma que
Raphael tem acesso a seus lábios e mais proximidade a seu corpo.
— A cidade está segura suficiente para as crianças? — Ela prende a
respiração, com a abordagem direta do assunto.
— Praticamente. O “sindicalista” ainda não foi localizado, mas
minamos qualquer forma dele se reerguer, o deixamos sem muitas opções para
agir. — Mesmo tensa lhe responde. — Enquanto isso nossa mudança não será
oficialmente divulgada, as pessoas na ilha acham que a casa está vazia.
— Entendo. Sabe, antes ficava intrigado com algumas coisas que
falava sobre seu trabalho e sua família. Você de alguma forma sempre deixou a
verdade exposta, parte minha sempre soube que havia muito mais do que
deixava aparecer. — Sente seu sorriso. — Eu, muito teimoso, só enxerguei o que
queria ver.
— Fiz o possível para não ficar longe da verdade. Eu queria ser seu
anjo.
— Eu vejo isso agora. E você sempre será meu anjo. — Beija ela
novamente.
— Você está bem? — Leo pergunta carinhosamente.
— Não estava, mas ao menos desta vez não levei ninguém para meu
tormento. — Inala seu cheiro. — Esses meses sem você foram como ficar no
vazio.
Seus olhos ficam tristes.
— Parte minha também. — Roça o nariz nela. — Mas isso não muda
nada. — Ele para a dança, olhando confuso para ela.
— O que eu disse antes, ainda é válido. — Leo insiste.
— Como? Por quê?
Como assim? Eu e ela aqui, muda tudo.
Ela tenta se afastar e ele a segura mais apertado.
— Desta vez você não vai a lugar algum. — Estabelece com firmeza.
— É para te manter seguro! Olhe…, era para eu encontrar um novo
endereço e de todos os lugares do mundo, escolhi o quintal da pior pessoa que
poderia encontrar. Esse “sindicalista” não só é traficantes de drogas, mas
também de armas e pessoas, ele é perigoso a ponto de temerem falar sobre ele.
Não importa o que, se é perigosamente mortal isso me encontra. — Desabafa
com tristeza. — Não arrastarei você para esse caminho.
— Se você pode viver assim, eu também posso! Eu fiz a minha
escolha, eu quero você e sua família.
— Você não sabe o que está falando.
— Você não pode escolher o meu caminho. Não importa o quanto
tente me afastar, eu irei atrás de você. Nem que para isso tenha que adentrar os
portões do inferno ou bater de frente com a sua teimosia. — Ela levanta o rosto
para encará-lo. — Não me importa como ganha a vida, desde que ao fim do dia
eu possa ter você em meus braços. Não quero que mude por mim, eu quero você,
as cores e o preto.
— Eu não…
Interrompe ela com um beijo apaixonado e só para quando sente seu
corpo relaxar.
— Posso ficar sem você. — Termina a frase por ela. — Eu não posso
ficar sem você. É isso que você deve assumir, o oposto seria mentira e você sabe
disso.
Olhos por toda parte os observam, Ângela sorri de um lado, Tony
está ilegível do outro e um grupo distinto de cavalheiros os encaram. Outros
convidados os observam curiosos, mas Raphael não se importa.
Decisões estão sendo tomadas, vidas estão sendo decididas.
— Me apresente a seus amigos? — Ele pede, ela sorri e o conduz
para onde os cavalheiros estão.
— Meninos, esse é o meu Raphael. Raphael, esses são Tiago,
Samuel, Otávio, Chamber e, Mateus, que você já conhece. — Ele aperta a mão
de cada um deles.
Seu braço pousa na cintura dela.
— É um prazer conhecê-los.
— Não podemos dizer o mesmo, se isso significa que irá nos afastar
dela. — Chamber fala em tom de brincadeira, mas deixando claro seu ponto de
vista, enquanto os outros o arrostam.
— Não afastaria ela das pessoas que ama. Se fosse para afastar algo
dela a primeira ordem seria as roupas curtas, transparente e decotadas.
Todos sorriem e a bandeira da paz é hasteada.
— Você deveria ver alguns dos vestidos que ela usava para ir na
missa. — Todos olham para Mateus abismados. — O que foi? Eu era padre, mas
não cego. — Todos riram.
Conversam por um bom tempo.
Estou vivo novamente!
Esses homens são irmãos de fato, menos Tiago e Samuel que são um
casal.
Raphael foi aceito pelo grupo e ele os aceitou com total segurança e
nenhuma mácula de ciúme.
Na mesa Leo se senta entre Tony e Raphael.
— Vejo que você se resolveu. — Ângela comenta ao seu lado.
— Acho que sempre esteve resolvido, só demorei muito tempo para
enxergar.
Ela sorri em resposta.
Mateus apresenta os futuros projetos da fundação em parceria com a
construtora e agradece as doações feitas pelos convidados. Os projetos têm a
soma altíssima, Raphael não imaginava todas essas cifras e se surpreende com a
quantidade de pessoas que serão beneficiadas.
— As doações que arrecada é parte de seu patrimônio pessoal? —
Sussurra quando beija seu pescoço.
Ela vira o rosto num gesto delicado.
— Não, eu roubo de contas ilícitas em paraísos fiscais.
Ele sorri e beija sua testa.
— Eu senti tanto a sua falta. — Ela aperta sua mão por debaixo da
mesa e ele sente a eletricidade.
A hora de Tony e Raphael fazerem o discurso de encerramento
chega, antes de sair Tony a beija carinhosamente na testa e Raphael em sua boca.
— Amo vocês!
— Te amamos mais! — Respondem juntos.
Raphael inicia o discurso homenageando seu pai e seu legado,
enquanto fala uma minúscula luz vermelha brilha em seu relógio e o mesmo
acontece com o de Tony que olha o punho de Raphael e em seguida para Leo.
Tony sinaliza para ele continuar o discurso e com uma anedota que faz a plateia
rir, continua como se nada tivesse acontecido.
Tony inicia sua parte do discurso falando sobre a renovação e pela
reação da plateia, todos aprovam. Terminam o discurso de encerramento sendo
ovacionados.
Ângela os recebem emocionada quando voltam para mesa.
— Onde está Leo? — Pergunta enquanto abraça a mãe.
Tony a abraça depois.
— Ela disse que tinha que atender uma ligação importante.
— Deve ser sobre meus pais, eu vou falar com ela. Fiquem aqui,
poderemos ir todos juntos para casa. — Tony oferece antes de se afastar.
Muitas pessoas os felicitam, Ângela e Raphael são os melhores
anfitriões, pois muitas dessas pessoas são seus contratos alvo. Raphael procura
Alina e também não a encontra, Mateus se despede seguido por seus irmãos, que
gracejam com Ângela, lhe prometendo uma visita. Todos saem pelo tapete
vermelho e os fotógrafos que se amontoam na porta.
Alina volta agitada e olhando para os lados.
— A multidão se aglomerou na saída por conta dos convidados.
Temos carros esperando nos fundos, vamos? — Oferece sorrindo, tentando
parecer amigável.
Ângela suspira aliviada e começa a acompanhá-la.
— Espere, onde está Leo e Tony? — Raphael a bloqueia e seus olhos
a denunciam.
— Eles estão nos esperando. Vamos! — Seus olhos vagam pelo
salão.
Caminham pelo salão a passos certeiros, na medida entre pressa e
indiferença, pegam o elevador de serviço e param no terceiro subsolo.
— Joel estamos aqui, faça acontecer. — Alina fala ao telefone.
As luzes se apagam assim que saem do elevador, tudo fica um breu
total, somente o tilintar de chaves ecoam pela garagem.
— Querida, talvez devêssemos chamar alguém da manutenção para
nos ajudar. — Ângela se preocupa.
— Não há necessidade, nosso carro está próximo. — O Som do
alarme automotivo soa e os faróis do carro piscam rapidamente. — Vamos. — A
voz de Alina soa firme.
— Onde está Leo? — Raphael enfatiza.
— Raphael, ela irá em outro carro. Precisamos ir. Agora.
— O que está acontecendo?
— Houve uma ameaça de sequestro. — Alina fala e Ângela arfa
preocupada, Raphael a conduz para o carro. — No caminho posso explicar
melhor. Não se preocupem, temos um plano de ação para sairmos em segurança.
Ele não consegue ver nada, se sua anjo está aqui, não tem como
saber. Entra no carro relutante e assim que Alina da partida, outros dois carros,
fazem o mesmo na escuridão da garagem, os carros entram em movimento, um
se posiciona a frente e lidera para a saída e o outro fica atrás. Ele sente o aperto
em seu coração, sentindo que seu lugar não é nesse carro.
— Pare, eu vou com ela! — Abre a porta antes mesmo de Alina
frear, o pequeno comboio também para. — Cuide da minha mãe! — Fecha a
porta.
Entra no carro de trás.
— Que merda você está fazendo?
— Anjo, eu não vou ficar longe de você.
— Como você sabia que seria eu no carro de trás? — Ela pergunta
embravecida, mas continua dirigindo.
— Fácil, Tony jamais deixaria você na linha de frente.
— Não é seguro… — Ela suspira enquanto os carros avançam. —
Joel, como está a movimentação na saída?
— Têm dois carros e duas motocicletas nos fundos. Os sentinelas
que se infiltraram no baile renderam o motorista da limusine que era do senhor
Raphael e da mãe e os aguardam na saída. — A voz sai do sistema de som.
Antes de entrar na rua mais três carros idênticos se juntam ao
comboio.
— O que está acontecendo? — Raphael questiona se mantendo
atento, ele não imaginou que usaria tão cedo os exercícios de foco e atenção que
Gohan lhe ensinou.
— Uma emboscada. — Ela responde. — Joel, por gentileza, repasse
os eventos.
— O último contato da família foi às 14:20 horário local. A missão
estava programado para às 23:00. O dinheiro que monitoramos foi
movimentado às 22:45, segui o dinheiro e ele foi para uma das contas do
Helsing, o alarme de segurança disparou às 23:15 e perdi contato com a
família.
— E as crianças?
Já na rua, os seis carros seguem o fluxo, Leo está calma e ele
extremamente nervoso.
— Foram evacuadas com Gohan e a Kala. Miguel estará no ponto
de encontro para pegar os pacotes.
Ela olha sugestivamente para ele.
— Eu não irei sem você. — Ela dá um rolar de olhos, consternada.
— Que alarme de segurança é esse?
— Meus pais e Naveen tinham uma missão, o alarme disparou
porque eles foram capturados.
Fique firme!
— O que tem no meu relógio?
— Um transpônder ligado à rede da família. Quando meus pais
mandaram o sinal, todos na rede receberam. Aconteça o que acontecer, não tire
seu relógio. Se nos separarmos, eu irei encontrá-lo por ele. — Ele acena com a
cabeça e segura a mão dela.
— Zhizn, estou saindo. Te amo!
— Te amo mais! — O balé de carros acontece como fosse ensaiada.
Assim que Tony sai do comboio um carro inimigo o segue e outro do comboio
entra no lugar antes ocupado por Tony.
— Senhora Eleonora, agora tem apenas um carro e uma motocicleta
seguindo vocês. Miguel já está pronto. — A voz de Joel avisa.
Eles e o carro de Alina que está a frente aceleram e ultrapassam o
sinal vermelho, o restante dos carros do comboio permanecem no sinal fechado.
— Senhora Eleonora uma motocicleta avançou e se aproxima de
vocês.
O carro de Alina, ainda a frente deles, entra em um estacionamento e
um carro idêntico sai do acostamento ocupando seu lugar acelerando assim
como eles fazem.
— A motocicleta está se aproximando e passou direto pelo
estacionamento.
Raphael suspira aliviado.
Continuam por quase dois quilômetros, seguindo pela rodovia e
saindo da cidade quando retornam ao comboio. Um clarão, algumas quadras
atrás, chama a atenção.
— Tony? — Leo chama.
Param no sinal e Raphael olha atentamente para qualquer movimento
ou carro que se aproxima.
— A porta. — Escutam Tony falar pelo canal de comunicação.
Imediatamente Leo destrava e Tony entra agachado. Somente o carro
de trás seria capaz de ver alguém entrando. Ele fecha a porta e Leo fura o sinal
em alta velocidade deixando o comboio novamente para trás.
A motocicleta os seguem, mas Leo se mantém a frente, costurando
por entre os carros. Quando pegam a rodovia o fluxo diminui consideravelmente
e ela acelerara.
— Alina e Ângela seguem para Gohan e as crianças. — Joel avisa.
— Quem é esse que está falando?
— Joel, resgatamos ele e agora faz parte da família. — Tony
responde.
— Por quê?
— Ele é uma espécie de computador humano. Zhizn, o rastreou
através das movimentações bancarias de um cliente do “sindicalista”. Achamos
o local onde estava confinado, levamos ele e todo o dinheiro, deixando seu mau
feitor sem recursos. Exceto uma conta bancária da qual ficamos monitorando a
movimentação para rastrear o “sindicalista”. — Tony abre uma bolsa tirando
várias armas de dentro.
— Quem é a pessoa por detrás de tudo isso?
Tony dá de ombros.
— O que importa? Em breve estará morto. — Fala enquanto carrega
uma arma.
— Senhora, não tenho olhos onde está, as câmeras de trânsito desta
área estão em manutenção. Aguardo instruções. — Joel fala.
A rodovia está com fluxo lento, quase não há carros. Raphael engole
em seco apreensivo do que poderá acontecer a eles.
Três carros e motocicletas surgem do acostamento cercando-os. Leo
comprime os lábios quando olha para Raphael.
— Eu nunca quis isso para você. Sinto muito… — Fala com pesar.
Logo seus olhos endurecem. — Lyubov, entregue uma arma para ele! — Ela
acelera escapando dos carros a frente, mas as motocicletas se aproximam cada
vez mais.
Eu não posso chegar até aqui somente para morrer com ela!
Ele a observa dirigir e lembra de quando disse ser boa piloto de fuga,
na época ele achou se tratar de uma brincadeira.

Toda escolha tem sua consequência. Se você escolhe um


caminho, cedo ou tarde o pedágio por andar nele será
cobrado.
“Não há dúvidas que eu tinha que desaprender tudo que o
meu cérebro havia sido ensinado. — Eu realmente pertenço a
esse jogo? — Eu ponderei. Acabaram todas as desculpas para
todos, então aqui estou e não vou fugir. Coragem contra o
medo, a hora está chegando”.
(Guts Over Fear – Sia feat. Eminem)
CAPÍTULO 41
RAPHAEL

Com as mão trêmulas, Raphael pega a pistola entregue por Tony.


— Está destravada e carregada, então mire e atire. Tente mirar na
cabeça, mas se acertar o alvo já está de bom tamanho. Não entre em uma briga
corpo a corpo, se for capturado fique vivo e calado. Não banque o herói! —
Tony alerta, sendo muito enfático na última parte.
Raphael balança a cabeça assustado sem saber o que fazer ou o que
falar.
— Miguel? — Leo chama.
— Estou pronto! — Ele responde pelo canal de comunicação.
— Vamos colocá-los para dormir.
Leo gira o carro bruscamente, ficando de frente para as motocicletas
que se aproximam em alta velocidade.
Raphael sente o ar gelado na nuca e olha para o banco de trás na hora
em que Tony mira uma metralhadora pela janela. As rajadas se iniciam com som
ensurdecedor e os cartuchos vazios voam para todos os lados dentro do carro,
uma motocicleta cai se arrastando pela pista junto com o piloto deixando um
rastro de fagulhas.
Os carros que os seguem começam a revidar, Leo consegue desviar
dos disparos. A direita de Raphael, um carro explode subindo pelos ares.
— Puta merda!
Ele não sabe para onde deve olhar, por todos os lados têm pessoas
atirando neles, e Tony revida metralhando-os.
É como um faroeste, só que sem deserto e frases bonitas de efeito, só
caos e morte.
Um carro emparelha ao lado deles ficando do lado de Raphael que
pondera se deve ou não atirar. Leo toca sua perna, que até aquele momento não
havia percebido que estava mexendo ansiosamente.
— É o Miguel. — Ela fala com calma. Tony muda para outra janela e
volta a atirar nas motocicletas que ainda os perseguem. — Eu sinto tanto por
isso…
A saraivada de Tony cessa, Raphael se preocupa se ele foi atingido e
congela ao ver que ele está bem, mas segura na boca um objeto pequeno e
metálico enquanto arremessa algo para fora na direção do carro inimigo.
— Granada! — Grita.
Leo afasta, o quanto pode, do carro inimigo que vira foguete partindo
para seu primeiro voo solo.
— Meu carro foi atingido. — Miguel anuncia.
Leo mantém o carro emparelhado ao dele tão próximo quanto
possível, a janela do passageiro abre, uma bolsa pendura-se na janela.
— A bolsa. Pega ela! — Leo vocifera
Raphael começa a abrir a janela do carro e parece uma eternidade, o
som do vento misturado com os tiros se unem numa sinfonia de terror. O carro
de Miguel perde velocidade e antes mesmo da janela estar totalmente aberta,
Raphael se debruça sobre ela e com impulso do corpo pega a mala. A porta do
passageiro de trás se abre e Miguel se equilibra para saltar de um carro para
outro.
Louco. Muito louco tudo isso.
Raphael até esquece que está pendurado na janela de um carro em
movimento. Miguel salta para o carro deles e Raphael, sente Leo puxando-o para
dentro. O carro vazio corre desgovernado de encontro ao inimigo, pois mesmo
perdendo a velocidade está acima de 100 Km/h e assim que colidem ambos saem
para fora da pista levando uma das motocicletas com eles.
Isso!
É puxado novamente para dentro do carro até que ele volta com a
mala na mão, Miguel entra no carro e imediatamente Raphael lhe entrega a mala.
Agora é um carro, contra outro e três motocicletas no encalço.
— Por que eles não estão atirando para nos matar? — Raphael não
entende o motivo deles não revidarem quando, obviamente, não estão poupando
esforços para diminuir o grupo inimigo.
— Raphael, isso é uma extração e não eliminação. Eles nos querem
vivos. — Leo fala pacientemente.
— Porque?
— Porque estão desesperados e precisam de recursos, se morrermos
eles perdem.
Ah claro, faz todo sentido! Só que não.
Ela sorri.
Como pode sorrir em um momento como esse?
Estão emparelhados entre dois carros, Leo joga o carro para cima de
um, que desvia e derruba uma motocicleta. Como formigas saindo do
formigueiro, muitos outros carros se juntam ao comboio inimigo que quase havia
sido extinto.
— Zhizn, são muitos! — Tony fala resignado.
Leo acelera, ganhando uma boa distância dos que os perseguem, mas
o veículo por mais blindado e preparado que fosse com os tiros que levaram já
estavam cobrando seu preço. Ela o joga para fora da estrada entrando em uma
área de mata, dentro do carro eles chacoalham várias vezes, até o carro colidir a
uma árvore. O airbag aciona e antes da Leo ser atingida, Raphael a protege com
seu braço recebendo a maior parte do impacto.
Merda, isso dói pra cacete!
Todos começam a descer do carro.
— O quê? Vamos correr? — Pergunta intrigado.
Tony entrega seu casaco para Leo, que está usando apenas o vestido
do baile, e beija seus lábios, sussurra algo que ela nega com a cabeça, ele a
abraça e beija-a novamente, depois se afasta seguindo com Miguel para pegar
algo no carro, dando privacidade a eles.
Leo e ele se entreolham por tempo suficiente para Raphael entender
o que significava esse momento, sente o frio correr por suas veias alastrando
medo, não por ele, mas por ela.
— Se você tivesse ficado no carro com a sua mãe, eu…
A interrompe com um beijo avassalador, se é para ser a última vez
que a terá, pegará tudo que pode e retribuirá na mesma medida.
— Não se preocupe, eu fiz minha escolha. Eu sempre escolherei
você acima de tudo, até de mim mesmo. — Beija-a rapidamente. — Eu te amo
com loucura, lembra? Isso não mudou. — Ela franze o nariz e ele beija a ponta.
— Vou resgatar vocês. Eu juro! — Ela o abraça apertado, Raphael
beija sua testa e inala pela última vez seu cheiro inigualável. Escutam as freadas
bruscas na rodovia.
— Você tem que ir. — Beija-a novamente e depois a libera de seus
braços. — Eu te amo!
— Eu te amo mais! — Leo responde, se afasta e se joga nos braços
de Tony que a abraça apertado.
Miguel e ele assistem a despedida.
— Eu vou protegê-la com a minha vida. — Miguel assevera.
— Obrigado. — Raphael confirma com a cabeça.
Ao lado de Tony, eles assistem os dois sumindo mata a dentro, os pés
descalço de Leo tocam o chão sem fazer ruído, a saia do vestido parece fazê-la
levitar. Antes de sumir totalmente ela olha para trás e seus grandes olhos verdes
brilham com a intensidade de sua dor, Raphael sorri para ela e, assim seu anjo
desaparece na escuridão.
— Obrigado. — Tony dá uns tapinhas no ombro dele
amigavelmente. — Se tivesse demonstrado medo, ela não conseguiria deixá-lo.
— Por que você não foi com ela?
Tony pega uma pistola da bolsa e entrega para ele, pega uma granada
e joga dentro do carro ficando com o pino, eles correm para longe da explosão
que faz a terra tremer e por pouco não os derruba no chão.
— Porque ela não é o alvo. — Responde.
— E nós somos?
— Somos. — Sua voz é concisa.
Raphael o espreita a procura de mais respostas.
— Parados! Coloquem as mãos onde posso ver!
Tony faz o primeiro movimento e levanta os braços e Raphael o
imita.
Quatro homens vão ao encontro deles. Dois mantêm a mira de suas
armas para suas cabeças, os outros dois depois de desarmá-los prendem suas
mãos com abraçadeiras de plástico e os empurra de volta para rodovia.
— Onde está a mulher? — Um homem pergunta.
— De qual mulher está falando? — Tony fala desentendido.
— A gostosa de vestido decotado. — O sorriso malicioso se abre no
rosto asqueroso.
— Ah, essa mulher? — Começam a andar. Raphael permanece em
silêncio. — Como vou saber? A última vez que a vi, ela estava saindo do nosso
comboio e um dos seus a estava seguindo. — Chegam na rodovia. — Vamos, me
leva a seu chefe. — Tony provoca.
— Onde estão os outros? — Outro homem começa a voltar para o
carro em chamas.
— Não há mais ninguém além de mim e meu irmão. Se vocês, são o
melhor que seu chefe pode pagar, só posso dizer que ele está desperdiçando
dinheiro. — Um dos homens o acerta na costela. — Era para doer?
Raphael mesmo aterrorizado permanece em silêncio e um novo
golpe acerta Tony.
— É para entregá-los inteiros! Vamos, já temos o que queríamos. —
Fala o homem que deixa de voltar para ao carro.
Raphael e Tony, são conduzidos para uma Van fechada,
acompanhados do capanga que golpeou Tony e o que prende Raphael. Não
conseguem ver a cabine do motorista e nem para onde estão indo. Alguns
minutos depois, Tony começa a rir chamando a atenção.
— Lembra quando você estava no shopping com a sua noiva fazendo
compra? — Pergunta para Raphael. — Você acha que pode reproduzir o que
tentou fazer na loja?
Raphael fita Tony duvidoso, se lembrando bem do que quase fez
com Saul.
Será que é isso?
Tony confirma com a cabeça levemente.
O capanga ao seu lado o encara sem entender e tão rápido quanto
podia, Raphael o agarra pelo pescoço com o máximo de força que consegue.
De esguelha assiste Tony estourar a abraçadeira que segura seus
punhos e muito mais rápido que Raphael, ele quebra o pescoço do homem que o
havia socado.
— Raphael, pode soltar.
Em choque ele observa o homem inerte com os olhos sem vida
encarando-o. Raphael assustado solta o homem e se afasta o quanto pode.
— Desculpa irmão, mas temos que criar o caos enquanto estivermos
aqui, para que Zhizn tenha tempo.
Tony tateia os corpos sem vida, pegando suas armas e munições, da
bota do homem que Raphael estrangulou tira uma faca. Tony se aproxima com
ela, seus olhos nunca desviando dos dele, mesmo quando Raphael tenta se
afastar assustado.
— Calma… eu só quero soltar suas mãos. — Sorri amigavelmente
levantado a faca com movimento lento, tornando toda a cena muito pior.
Por que ele está sorrindo, quando eu acabei de matar um homem.
Eu matei a porra de um homem!
Tony se aproxima e rompe a abraçadeira.
— Respira e solta. — Tony o abraça. — Ficará tudo bem…
— Eu matei a porra de um homem… — Vocaliza seu único
pensamento, Tony lhe dá tapinhas nas costas consolando-o. — Eu matei a porra
de um homem…
— Eu sinto muito, mas fizemos isso por ela. Você faria qualquer
coisa pela sua Anjo, não faria?
Eu faria?
— Eu faria. — Responde com segurança entre uma respiração e
outra.
Tony se ajeita ao seu lado.
— Sabe, até hoje eu não sabia o que esse relógio fazia exatamente.
Foi o primeiro presente que ganhei, desde que minha mãe morreu e fui para o
inferno. — Ele toca o relógio em seu pulso. — Ganhei no dia em que iniciei
minha vida com a Zhizn. — Sua voz escorre veneração.
— Você é a vida dela também.
— Não. Nós dois somos! E por isso nos manteremos vivos. Porque
ela não conseguiria viver sem um de nós.
— Como você dorme depois de fazer isso? Quero dizer, sabe as
pessoas falam sobre o sentimento de culpa… como você consegue matar e sorrir
em questão de minutos? Você pensa que eles têm famílias, mães e, até mesmo,
esposas e filhos? — Questiona enquanto observa os homens mortos.
Tony esmiúça os cadáveres.
— Nunca pensei nisso, apenas faço o que é preciso para manter a
vida que tenho. Quando durmo, apenas durmo, não penso no que fiz e quando
tenho pesadelos, revivo o que fizeram a mim, nunca o contrário. Eu consigo
sorrir porque minha vida é perfeita, meus filhos são maravilhosos e a mulher que
amo me ama também. Não penso na vida deles, porque entre a deles e a minha,
eles fariam o mesmo que eu.
Raphael olha sua vítima por alguns minutos até que quebra o silêncio
que paira sobre eles.
— Eu achei que me sentiria mais culpado, mas é como se eu não
sentisse nada. — Assume sentindo-se menos humanizado. — Eu queria me
sentir arrependido. Eu acho que o certo é eu me arrepender pelo crime que
cometi, mas tudo que sinto é a falta de sentir esses sentimentos, que eu acho que
deveria sentir.
— Não há nada para sentir. Você matou uma pessoa que invadiu seu
território, você se defendeu. — Tony alega sem mais justificativas.
Raphael fecha os olhos e encosta na parede da van exausto, pensando
em como o dia acabou dessa forma. A adrenalina está abaixando, mas seu corpo
ainda está tenso.
— Será que ela está bem?
— Ela está. — Tony também encosta na parede e suspira. — Sabe,
eu cheguei a invejar você e os parceiros dela, menos Miguel, ele não. — Tony
admite sem humor.
— Nos invejar? Você?
O homem tem tudo.
— Vocês tiveram o que eu nunca tive. Uma vida normal, pessoas que
cuidaram e protegeram vocês. Eu queria poder tocá-la sem nunca ter que me
lembrar dela sendo violentada ou ela assistindo enquanto eu era.
— Se você tivesse tido a vida que tive, poderia nunca tê-la conhecido
ou a seus filhos. Vale a pena uma vida protegida ou uma vida com ela? —
Raphael indaga.
— Que escolha você faria?
Ele encara seus olhos roxos.
— Eu viveria tudo de novo para tê-la. Acho que se soubesse em
como seria recompensado, eu passaria por tudo sorrindo. — Raphael sorri, não
demora muito Tony também e logo o sorriso torna-se gargalhadas.
— Agora você entende porque eu mato e sorrio em minutos.
Durante o trajeto Tony, lhe dá uma aula mais explicativa em como se
usar uma arma e Raphael se sente mais seguro, Concordam em estabelecer o
caos, porque seus sequestradores não esperam por isso.
— Porque você acha que eles não esperavam a nossa reação?
— Quem os mandou, acha que sou apenas um executivo excêntrico e
muito rico.
— E eu? — Tony desvia o olhar. — Tony, e eu?
A Van para, eles sessam o assunto. Assumem suas posições e
esperam enquanto a porta é destrancada e aberta, a luz de fora adentra, um
homem chama um dos capangas e o corpo escorrega para o lado sem vida.
— Porra! — O homem se afasta empunhando uma pistola e mirando
neles.
O tiro de Tony é certeiro entre os olhos do homem. Muitos outros se
aproximam armados, ele e Raphael, levam a baixo o quanto pode, o primeiro tiro
Raphael erra, assim, como o segundo. Mas depois ele passa a mirar no corpo por
ser um alvo maior e incapacita vários até a munição acabar.
— MÃOS PARA CIMA!! — Grita o líder. — Porra! Porra!!! —
Esbraveja absorto com os corpos aos seus pés.
Ouvia-se murmúrios de dor e alguns em agonia, enquanto mais
alguns homens se aproximam empunhando armas de todos os tipos. De onde
Raphael e Tony estão podem ver as mãos deles tremerem.
Raphael riria da cena se não fosse tão trágica. Cinco homens se
aproximam, dois para conter cada um, desta vez com algemas e não
abraçadeiras, outros dois, apontam armas e mais um para ocaso dos outros
quatro não serem suficientes.
— Levem-nos e os mantenha separados. — O líder comanda.
Empurram Raphael, que eleva a postura e caminha arrogantemente
sobre o sangue e os corpos dos quais abateram com ímpeto.
O caos só pode ser instaurado com um pouco de medo.
Raphael tem um papel a desempenhar.
Agora algemados, somente dois seguranças os acompanham. Tony
fica do lado de Raphael enquanto caminham. O lugar é um grande depósito de
contêineres, com discrição nota os dedos de Tony iniciar a contagem regressiva.
3…, 2…, 1…
Tony e Raphael, pegam os capangas que os acompanham com um
golpe de perna e quando eles caem, tanto Raphael como Tony, estrangula-os com
os elos das algemas.
— Meu Deus… Que merda são vocês!? — O líder resmunga
assombrado.
E eles riam com divertimento funesto.
— Deus não tem nada a ver com isso. — Tony assegura. — Agora,
sobre as acomodações…, eu prefiro ficar com meu irmão.
O líder os encara, pasmo com a exigência, depois olha para os outros
dois corpos aos seus pés.
— Levem esses merdas, agora! E levem escolta para vocês. —
Quatro homens se aproximam. — Não os toquem, em hipótese alguma. Tenho
que entregá-los inteiros. — Ele se afasta para longe, resmungando sobre
aumento de pagamento e que era para ser algo simples e não essa barbárie.
Juntos, Tony e Raphael, sorriem para os novos carcereiros de
aparência jovem se comparados com os homens que lidaram até agora.
Esses são crianças.
Com uma distância segura indicam o caminho conduzindo-os para
um contêiner vazio e branco, a luz forte os cegam no primeiro momento.
Cautelosos indicam para eles entrarem, mas sem tocá-los ou perto suficiente para
serem rendidos.
— Se não tiver banheiro nisso, eu nem vou falar o que posso fazer se
ficar irritado. — Tony ameaça com sorriso no rosto e os carcereiros engolem
seco.
— Nos fundos, tem uma porta para o banheiro. — Um deles
responde.
— Só vejo uma cama onde está a outra? — Tony continua.
Para Raphael parece que ele está se divertindo.
— Era para vocês ficarem em áreas separadas. — O outro fala.
— Falou certo, era, agora, não é mais. Traga o que falta. — Tony
exige. Os homens se entreolham. — Vamos Tweedledee e Tweedledum, vão
pegar! — Eles continuam parados, Raphael suspira dramaticamente, e eles se
afastam um passo para trás. — Agora! — Tony brada, eles pulam assustados e
saem correndo.
Os outros dois capangas, permanecem em seus postos, apontando
suas armas. Logo os meninos voltam e colocam o colchão extra dentro do
contêiner.
— Obrigado! — Tony sorri para eles amigavelmente, eles sorriem de
volta, aliviados.
— Sobre nossa alimentação, queremos água natural, de preferência,
embaladas em garrafas de vidro e lacrada. Preferimos comer frutas naturais ou
secas e torradas integrais. Não tentem nos drogar, ao menor sinal de
anormalidade, não irei poupá-los da minha fúria. — Tony ameaça enquanto
Raphael se segura para não rir. — Entenderam?
— Sim, senhor! — Falam juntos.
Começam a fechar o contêiner.
— Você… — Raphael inicia e Tony o silencia com dedo, apontando
para a porta.
— Cara, eles são assustadores. Você viu o tamanho deles?
— Até o Goblin, ficou assustado. Quando ele nos chamou para o
trabalho, disse que seria o sequestro simples de um playboy mimado… Não se
pode confiar mais nem nas aparências!
— Você viu como eles deram aqueles golpes. Wou! E a mão? Você
viu o tamanho da mão do cara cabeludo? Seja o que for, fique longe delas.
Eles passam a próxima meia hora ouvindo os carcereiros falarem das
baixas e em como estavam com pouco pessoal e, que o tal Goblin, teria que
recrutar mais e cobraria uma taxa adicional por isso.
O silêncio perdura.
— Isso é bom, não é? — Raphael sussurra confuso. — Por que, o
que adianta matar tantos, se outros os substituiriam?
— Sim é, esses caras são amadores, se o melhor que conseguiram
foram os que matamos, então seus reservas serão ainda mais amadores, o que
facilitará para Zhizn. — Sentam lado a lado.
— Como desencadeamos tudo isso?
— Zhizn, descobriu remessas de pagamento para um dos clientes do
‘sindicalista’, que conhecemos. Fizemos contato em busca de informação e ele
forneceria em troca de fazermos um trabalho para ele. Nesse tempo, Leo
descobriu Joel que era o responsável pelo controle de dinheiro do ‘sindicalista’.
Joel foi sequestrado e mantido em um bunker, o resgatamos e ele nos entregou
cada informação que sabia, menos a mais importante: a identidade, porque ele
também não sabia. Helsing, esse nosso conhecido em comum, nos informou que
o ‘sindicalista’ estaria em Ancara para fazer uma compra, meus pais foram
averiguar, pois havia a hipótese de que ele poderia ter algum dinheiro do qual
Joel não saberia. Assim eles foram capturados e o dinheiro, que deixamos de
isca para poder seguir até seu dono, foi usado para pagar Helsing por trair meus
pais.
— Só para garantir, esse ‘sindicalista’ é na verdade um líder
criminoso? — Tony faz que sim. — Por que o nosso sequestro?
Ele suspira.
— Acontece que quem encomendou nosso sequestro, não acha que
temos algo a ver com a tomada de território, ele supõe que a área está sendo
tomada por outra facção. Você e eu somos apenas um meio para um fim,
situações difíceis requerem medidas desesperadas, por isso estamos aqui. Ele
precisa de dinheiro para retomar o território e viu em nós a possibilidade. —
Tony Elucida.
— Seja lá quem for a pessoa que nos sequestrou, acha que seus pais
e nós somos entidades diferentes e a traição em Ancara não tem nada a ver em
sermos sequestrados?
Confuso, muito confuso.
— Sim, o que nos dá uma chance única de agir, pois eles não sabem
onde estão se metendo e quando dizem que conhecimento é poder, nunca
estiveram mais corretos. — Tony o encara. — Durma um pouco, eu fico de vigia
no primeiro turno e você no segundo.
— Até parece que conseguirei dormir.
— Você precisa. É importante se manter forte e descansado. — Tony
meche em sua algema com um tipo de arame que Raphael não faz ideia de onde
ele tirou e ela abre. — Deixa-me abrir a sua.
— Você poderia me ensinar a fazer isso?
— Posso, mas vai ser mais divertido assistir a Zhizn te ensinar. O
método de ensino dela é empolgante. — Raphael identifica o sarcasmo em suas
palavras. — Se você não vai dormir, eu vou. Fique atento a tudo que ouvir e
qualquer coisa me chame. Me acorda em duas horas se nada acontecer. — Ele
segue para a cama improvisada no chão, se deita virado para parede e dorme.
Simples assim.

— Tony, acorde! — Raphael o cutuca — Estão vindo. — Fala baixo.


Tony senta e Raphael se posiciona ao lado dele.
— Ouviu algo importante?
— Não, mas acho que chegaram os reservas, ouvi muitos passos do
lado de fora.
A cela é destrancada e se preparam para o que estava por vir.
— Que grande surpresa eu tive quando deram o relatório da captura
de vocês. Confesso que fiquei surpreso no início, depois nem tanto. Eu pude ver
a fúria em seus olhos Antony, um homem como você não conquista a fortuna
que tem sendo um bom garoto.
Raphael não acredita no que seus olhos veem, ele podia jurar que o
homem à sua frente tinha maldade, mas nunca, nunca, imaginou a dimensão de
que seria essa pessoa obscura e mortal.
Como pode ter se enganado tanto. Não só ele, seu pai cometeu o
mesmo engano.
Álvaro afronta Raphael, sorrindo com frieza.
Álvaro! Esse tempo todo, o sindicalista maldito era ele. Santa
merda!
— Você pode ver minhas roupas bonitas, mas nunca verá os
esqueletos que guardo no armário. — Tony fala.
Raphael só consegue olhar para Álvaro, perplexo.
— Acho que sim, tanto faz. — Álvaro desdenha fazendo sinal com
as mãos e dois homens entram. — Tragam-no.
Os homens se aproximam, Tony e Raphael se levantam e os homens
notam os pulsos soltos e sacam as armas.
— Sejam inteligentes e não reajam. — Álvaro ameaça, Tony levanta
as mãos e dá um passo para frente. — Boa escolha. — Ele olha para Raphael e
sorri como quem diz: Eu tenho você onde quero e logo será sua vez.
Maldito!
Antes de sair, Tony lhe dá um último olhar e segue escoltado pelos
homens que ainda apontam as armas para ele.
Passam-se duas horas e Raphael se mantém alerta, as trancas da cela
se abrem e ele se senta de imediato. As escoltas jovens entram um apontando a
arma e o outo com uma sacola de alimento.
— Olha, trouxemos o que pediram. Por favor, fique na outra
extremidade com as mãos para cima.
Raphael faz o que pedem, o garoto coloca a sacola no chão e saem
andando de costas, sem nunca deixar de olhá-lo, no fim os escoltas suspiraram
aliviados ao trancar a porta.
Como Tony havia orientado, ele verifica se a água havia sido
adulterada de alguma forma, as frutas eram da estação e não tinham nenhuma
marca, as frutas secas e as nozes também estavam em embalagens lacradas.
Não sabe em que momento dormiu, mas acorda assustado com som
da porta se abrindo, ele olha o relógio vendo que se passou quatro horas desde
que Tony saiu.
Tony entra com as roupas bagunçadas e o rosto muito inchado, sua
boca tem sangue escorrendo e manchando a camisa branca, o jogam no chão e
fecham a porta.
— Que merda fizeram com você? — Raphael leva-o para cama e o
ajuda a se deitar.
— Eles pediram que transferisse dinheiro da minha conta para eles e
quando recusei, eles partiram para violência. Depois que eu havia matado mais
um, me içaram no alto em um gancho de carga e me golpearam, quando
enforquei o capanga com minhas pernas, eles acharam melhor a arma de choque.
— Conta quase sorrindo.
Raphael procura nele por ferimentos mais grave e nada parecia
crítico.
— Eles virão para você e terá que suportar para o bem da nossa
família, aguente firme… — Tony desmaia.
Repara o pulso de Tony sem o relógio e por segurança coloca o seu
embaixo do travesseiro.
Uma hora havia se passado e se não fosse o relógio teria ficado
perdido no tempo, a luz da cela fica sempre acesa e o branco alógeno, já estava
começando a cobrar seu preço. Raphael acorda Tony para comer e beber, ele faz
tudo desorientado e depois volta a dormir. Raphael fica a seu lado e se mantém
vigilante.
— Acorda cara, você tem que ficar acordado um pouco. — Insiste
depois que mais uma hora se passa.
— Quanto tempo fiquei apagado? — Tony se senta Seu rosto inchou
mais, quase não dá para ver seu olho esquerdo.
— Duas horas. — Oferece água e mais algumas frutas. — Quando
você soube que era o Álvaro?
Tony mastiga a fruta fitando-o com o olho bom.
— O dinheiro que deixamos de isca, assim que ele usou para pagar
Helsing, Joel invadiu a rede que ele usou e descobriu.
— Leo estava se culpando ainda mais por isso, não é? — Tony
confirma. — Foi ela que matou Lázaro e Wagner?
— Não, ela estava ocupada caçando o Álvaro. Mas deu sugestões do
que poderíamos fazer com eles. O golpe final em Wagner quem deu foi Naveen e
no Lázaro foi eu. Ninguém aponta uma arma para minha Zhizn e sai impune.
— Ela colocou eles na conta dela. Agora percebo que só fez isso
para me afastar.
— Por três dias ela não quis sair da cama, só sorria quando as
crianças ligavam, nem piano ela tocou. Eu quis te matar da pior forma que se
pode imaginar, mas isso não a ajudaria a melhorar. Você não imagina como
fiquei feliz, quando Alina informou que seu estado não era muito melhor.
— Ela guardou a girafa?
O paradeiro da pelúcia sempre permeou seus pensamentos quando
conseguia não pensar em Leo. Saber sobre a girafa tinha sua importância.
— Por todo esse tempo dormimos com ela ao nosso lado. — Ele
bebe mais água, e nota o olhar emburrado de Raphael. — Quê? Eu dormi com
ela todos os dias sim! E se não fosse por isso, eu teria socado a merda fora de
você.
Raphael sorri, pois em alguns momentos esperou que ele viesse
como toda a família para cumprir o que prometeram.
— Eu sei que tudo mudará quando isso acabar, a única coisa que eu
quero é uma noite com ela por semana. Nossos encontros são importantes, tanto
pra mim quanto para ela, é algo que deve ser feito somente entre nós dois. —
Tony fala depois de alguns minutos em silêncio.
— A sua felicidade também é a minha, jamais separaria vocês. —
Raphael assegura, Tony olha em seus olhos e aceita suas palavras com uma
aceno de cabeça. — Onde está seu relógio?
Tony olha para o pulso.
— Sei muito bem onde está e o pegarei de volta. — Fala com
aspereza. — Ouviu alguma coisa?
— Nada de importante, e você?
— Eles ainda estão com meus pais, não acharam a Leo e querem
nosso dinheiro. Sua vez de dormir.
E desta vez Raphael nem questiona.

Ouvem a porta abrir e esperam o próximo passo.


— Você. — O carcereiro aponta para Raphael. — Levante-se e
venha, coloque as mãos para cima, não tente nenhuma gracinha. — Ele olha para
Tony antes da porta se fechar atrás dele. — Abaixe as mãos. — O carcereiro tira
do bolso uma abraçadeira de plástico e amarra seus pulsos.
Se mantém atento reparando em todo o lugar, se certifica das
entradas, as salas por onde passa. Em uma delas no andar superior, tem a certeza
de ser uma sala de segurança, pois há monitores ligados com imagem de várias
câmeras. Mandam-no entrar em uma sala vazia, exceto pelo gancho e o cabo de
aço de içar carga.
A porta se fecha as suas costas, Raphael segue para o canto mais
distante da porta e espera.

Quando se é criança você cria expectativas para a vida


adulta, algumas vezes você se mantém na linha e até consegue
realizá-las, em outras você é sequestrado, separado da pessoa
que ama e mata não uma, mas várias pessoas que até aquele
momento você nunca tinha visto.
“Eu soube que havia um acorde secreto, que Davi tocava e
que agradava o Senhor. Mas você não liga muito para
música, não é? E não é um choro que se ouve durante a noite,
não é alguém que viu a luz. É um frio e quebrado Aleluia”.
(Hallelujah – Pentatonix)
CAPÍTULO 42
RAPHAEL

Com as mãos unidas Raphael inclina a cabeça em uma oração


silenciosa, para a mulher que guarda seu coração esteja em segurança. Não
importa o que o aconteça, ele não poderia vê-la em uma situação como essa. Ela
é uma lutadora, ele sabe, mas aquela mulher que se abriu para ele é um anjo
caído e assustado, apesar de sua força por dentro ela é feita do cristal mais raro.
Foram tantas as vezes em que ela colou seus cacos, que uma única batida desta
vez poderia quebrá-la além da possibilidade de reparo.
— Mas senhor, não é aconselhável. Ele é perigoso!
Ouve o falatório do lado de fora de sua cela.
— Ele não é nada além de um fraco! Eu sempre o venci e hoje não
será diferente.
Se arrepia ao ouvir àquela voz.
— Senhor, vimos ele fazer o que os outros homens estão comentando.
Sugiro que não entre sozinho.
— Seus homens eram apenas ruins. Eu o conheço, ele sempre foi um
fraco, pode até ser maior agora, mas se não fosse eu ele teria sido espancado
tantas vezes na escola que hoje estaria em um hospital psiquiátrico por lesões
na cabeça. — Silêncio. — Ele está contido? Então posso lidar com ele sozinho.
Não importa o que ouvirem só abram a porta quando solicitado. Entenderam?
— Volta a falar depois de alguns segundos em silêncio.
— Mas senhor… Sim senhor.
A porta abre e Raphael permanece de cabeça baixa em sua oração,
sente o ambiente carregado, o ar fica difícil de ser inalado e ele não acredita que
não pensou em quem mais estaria envolvido. Dez anos atrás jamais imaginou
que sua vida estaria assim: tinha um melhor amigo, um pai maravilhoso e a
melhor mãe do mundo. Perderia seus pais para o tempo, mas não pensou que
perderia seu melhor amigo, a pessoa que era como um irmão. Todos esses anos e
jamais imaginou ele sendo essa pessoa. Desonesto? Talvez, mas bandido?
Definitivamente não.
Raphael fita o linóleo do piso cinza industrial com as pontas soltas,
gasto pelo tempo e sujeira de décadas.
— Sabia, não era para você estar aqui? Tive de convencer Álvaro
para pegá-lo também. Você deve imaginar que daqui não sairá vivo, nem você e
nem seu companheiro de cela. Assim que conseguirmos tirar cada centavo dele,
ambos serão jogados em uma cova qualquer e ninguém conseguirá achá-los. —
Raphael permanece calado, ainda de cabeça baixa encarando o sapato preto
lustroso de seu algoz. — E depois eu vou atrás dela, eu não a esqueci… —
Raphael levanta a cabeça e mira os olhos luxuriosos e profanos do homem à sua
frente. — Ah… aqueles olhos verdes têm sido uma obsessão. Me fale, ela é tão
gostosa quanto parece? — Raphael semicerra os olhos e permanece calado. —
Eu sabia! — Saul sorri. — Delicia… Eu vou tê-la de todas as formas, farei dela
minha escrava particular e o melhor do processo será domesticá-la. Não vejo a
hora de ouvir os sons que ela fará ao ser invadida, os gritos por socorro quando
ela começar a ser quebrada, reduzida a nada além de uma puta. Minha puta! —
Ele sorri delirante. — Quando me cansar dela a venderei pelo melhor lance.
Tenha a certeza que mesmo depois de usá-la, deixarei algo para que possam usar
até o último dia da vida dela. — Continua divagando.
“Nossa, ele gosta mesmo é de se ouvir.”
Você?
“Não achou mesmo que iria com um simples: Vá embora, achou?”
Você sumiu, achei que havia funcionado.
“Eu só não queria ficar sendo seu ouvinte. Buá, buá, o que eu faço?
Buá, buá ela mata pessoas. Buá, buá ela ainda me ama? Ela está com outro?
Ela me esqueceu? Cara, você é uma dor na bunda! Deixei você com a tartaruga,
ela parecia saber dizer as coisas certas.”
Mas ela não respondia?
“Pois é, quando alguém está sendo idiota, o melhor a fazer é
ignorar. Minha escolha já havia sido feita, mas você ainda não tinha feito a
sua.”
Eu matei pessoas e não senti nada, você acha que estou quebrado?
“Eu não acho que esteja quebrado, nós fizemos outra porra de
evolução, estamos mais fortes e adaptados para uma nova realidade.”
Saul continua divagando sobre Leo, e Raphael rola os olhos de tédio.
“Deixa-o falar, assim ganhamos tempo.”
— Você custou caro. Sophie pediu o divórcio e, claro com o vídeo
idiota que entregou, ela levou todo meu dinheiro e antes de fugir para sabe-se lá
onde limpou minhas contas nas Ilhas Cayman, até o pai dela se surpreendeu.
Quem diria que aquela mosca morta teria culhões. Com certeza ela teve ajuda
parva, como é não pensaria nisso por conta. O lado bom é que não terei que ver
aquele menino chorão, por vezes achei ele igual a você, todo manhoso. Só de
ouvi-lo tinha vontade de calá-lo a base dos tapas.
Será que ele alguma vez foi verdadeiro, quando era meu amigo?
“Acho que só quando ele corria atrás de mulher ou pedia cola nas
provas. Uma coisa é certa, ele sempre foi incapaz.”
— Valentina foi outra que fugiu. Nem o marido dela a encontrou,
como se me importasse. Ela está velha e tem tanto Botox e silicone pelo corpo,
que há muito tempo passou a ser só mais um buraco para meu pau. Como eu
disse, minha obsessão agora é um certo par de olhos verdes…
Você acha possível que a Anjo ajudou Sophie e a Valentina fugir?
“A Sophie acho que sim, por causa da criança, mas Valentina…
talvez Lázaro e Wagner não estavam sozinhos.”
Não?
“Sim, tomara que sim.”
No pulso de Saul, o relógio que faz par com o dele reluz, seus lábios
se apertam segurando a raiva.
“Se foi ele que fez o interrogatório de Tony, do jeito que fala
ficaremos aqui até o fim dos tempos.”
— Por quê?
São as únicas palavras que libera desde que Saul iniciou seu
monólogo.
— Por quê? — Ele o olha incrédulo. — Sempre foi você! Até meus
pais te amavam mais, eles diziam: Seja como Raphael. Estude como Raphael.
Raphael. Raphael! E você era nada além de uma nerd bobo e medroso. Por que
deveria ser igual, se você não era nada? Eu sou muito melhor! Mas todos eram
loucos e cegos por você. Onde chegávamos todos pareciam só notar você. —
Segura o pescoço de Raphael e começa a sufocá-lo. — Foi então que percebi que
não caberia nós dois nesse mundo e aguardei o momento certo. Eu conhecia
Álvaro há muito tempo. Ele começou como um traficante pequeno e eu era um
dos vendedores. Você achava que eu só pensava em festas na faculdade, mas a
verdade era que eu vendia muita merda nesses lugares e ganhava muito dinheiro.
Valentina, sua amada noiva, era minha cliente mais assídua e somente com ela
não aceitava pagamento em dinheiro, se é que me entende. — Ele aperta mais e
Raphael respira com dificuldade, mas se mantém resoluto. — Só você não via o
quanto ela era viciada, na verdade ainda é, diminui o consumo, mas nunca parou.
Álvaro conheceu seus pais através dos meus e todas as peças começaram a se
encaixar. — Seu sorriso fica ainda mais diabólico. — O carro do seu pai? Foi eu
que sabotei enquanto a família feliz comemorava um noivado de merda. — Ele
bufa com raiva. — Era para vocês todos morrerem, mas nem para isso você
serve!!!
O quê?
“O quê?”
— Você morre hoje! — Saul aperta mais.
Raphael não consegue registrar o que acontece a sua volta.
“Ele sabotou o carro do papai. Ele matou o papai!”
NÃO!!!!!
Saul dá o primeiro soco e Raphael nem sente o impacto.
Ele matou meu pai!
Também não sente nada com o segundo e terceiro impacto do punho
de Saul, nem ao menos se defendeu.
Ele matou meu pai!
“Posso?”
Não tenha piedade.
Raphael vê vermelho, como se fosse um espectador sentado ao canto
da sala ele assiste a si mesmo. Seu lado mais sombrio liberado para executar a
pior das sentenças.
Saul estava para acertar o próximo soco, quando Raphael estoura a
abraçadeira que prende seus pulsos e segura o punho dele antes de acertá-lo e o
torce para trás deslocando o braço. A surpresa nos olhos de Saul é o combustível
que alimenta o fogo infernal que agora consome Raphael.
Um soco.
Dois Socos.
Três socos, Saul cospe sangue e um dente.
Quatro socos, ele cospe outro dente e mais sangue.
Mas isso é muito fácil, muito simples, até um pouco bondoso. E a
regra é SEM PIEDADE.
Ele usa a camisa de Saul para amordaçá-lo e com o cinto prende seus
punhos no gancho de carga e iça-o para o alto. Raphael encontra uma faca de
caça e armas de choque, pondera em como usar a criatividade enquanto o
observa, sem pressa.
Afinal, não era para serem incomodados.
Saul se apavora quando o vê se aproximando com a faca,
pacientemente ele tira o relógio e o guarda no bolso.
— Ele não é para você.
O primeiro golpe acerta o músculo da perna, a faca entra com
facilidade. “É como cortar manteiga”, foi como sua anjo disse. Sobe a faca no
sentido contrário ao músculo e os gritos de dor são abafados.
Raphael o esfaqueia pacientemente em vários músculos, evitando
sempre suas artérias principais. Saul desmaia apenas para acordar sendo
eletrocutado sentindo mais dor, ele parece enxergar o próprio demônio em
Raphael, que está celebrando o medo e pavor nos olhos de sua vítima.
— Por essa você não esperava, não é? — Continua esfaqueando-o.
— De alguma forma você me matou naquele acidente. Foi no dia em que te
confrontei que deixei de ser o Raphael bonzinho, por todos esses anos, sem
saber, me preparei para você. Eu alimentei o ódio que você plantou. Você criou o
monstro que habita em mim. Sou sua criatura! E o preço pela vida que me tirou
é a sua própria… Vê a ironia? — Sorri diabolicamente.
O cabelo de Saul se mistura ao suor e as lágrimas que escorrem por
seu rosto.
— Você disse estar obcecado por um certo par de olhos verdes… —
Afasta-se para admirar sua obra macabra. — Mal negócio, — balança a cabeça
em negação, — ninguém mexe com a minha mulher e sai impune. É a regra da
casa. — Saul começa a tremer desesperado. — Não… Não faça isso, você pode
se machucar mais. — Raphael consola de forma complacente enquanto o sangue
empoça no chão. — Escolha: direito ou esquerdo? — Espera pela resposta com
paciência. — Escolhe direito ou esquerdo? — insiste. — Anda, Não me faça
esperar.
Saul ainda treme descontroladamente.
A gargalhada demoníaca de Raphael explode.
— Ops… Esqueci, você não tem como falar. Certo…
Raphael prende o cabelo em um coque desengonçado, depois, com
calma, arruma também o cabelo grudado da testa e limpa as lágrimas de Saul.
— Agora sim, está melhor. Pisca uma vez para direita e duas para
esquerda.
Mais lágrimas escorrem pelo rosto de Saul ao piscar duas vezes.
— Boa escolha! Vê, eu posso ser piedoso.
Sem aviso, a faca invade o globo ocular esquerdo, não fundo o
suficiente para matá-lo, apenas para cegá-lo.
Saul começa a convulsionar.
— Eu nunca dei a mínima para Valentina, você me fez um favor em
ficar com ela. Mas minha Anjo, essa é sagrada e ninguém pode sobreviver
depois de pensar em tentar com a vida dela.
A faca invade o outro olho, indo um pouco mais fundo que o
primeiro. O rosto de Saul é agora uma imagem nefasta regada com sangue, suor
e lágrima.
— Se houver outras vidas, rogo para que as suas próximas sejam sem
amor. Que tudo que você plantou nesta vida seja colhido com tristeza e
sofrimento por onde passar. O que comecei aqui seja o início do seu sofrimento e
que mesmo morto, você sofra mil vezes mais.
A respiração de Saul fica cada vez mais pesada, não lhe resta muito
tempo.
Raphael observa a respiração dele ficando cada vez mais ofegante.
Se Saul ainda enxergasse, morreria tendo Raphael como sua última visão, mas
ele se contenta sendo sua última lembrança.
Segue para porta e bate forte três vezes, regressa dois passos para
trás e levanta as mãos. A porta abre.
— Misericórdia! — Os guardas se assustam com o que vê e apontam
as armas para Raphael.
— Quero voltar para minha cela. — Exige.
Os guardas lhe dão passagem e Raphael faz o caminho de volta
sabendo que o seguem mantendo uma distância segura. Ele sorri, pois nunca
pensou ser aquele que colocaria medo no bandido.
Quando chega à cela para a dois passo do contêiner onde estão sendo
alojados, levanta as mãos e espera que abram, quando fazem, ele entra e a porta
é fechada apressadamente.
Tony se levanta apressado, seu rosto ainda está inchado, mas é
possível ver seus olhos arregalados de horror.
— Você está bem? — Aponta para roupa de Raphael.
Só agora ele repara nos milhares respingos de sangue por todo seu
smoking.
Nojento.
“Ossos do ofício.”
Tony ainda o encara temeroso.
— Relaxa, não é meu. Só levei uns socos. — Tira o relógio do bolso
e lhe entrega. — Achei que gostaria de tê-lo de volta.
Segue para o banheiro e lava o que pode na pia minúscula, vendo a
trilha de sangue descer pelo ralo.
— Você ficou quase quatro horas fora. O que aconteceu?
— Saul aconteceu. Foi ele…, ele sabotou o carro que causou a morte
do meu pai. Sempre foi ele. — Seus punhos cerram com ódio. — Ele também
falou da Leo, eu só fiz o que tinha que fazer. Na verdade, desta eu gostei.
Bebe água de uma das garrafas.
— Cara, você me assustou quando entrou todo sujo de sangue, até
seu cabelo está sujo.
Raphael dá de ombros e senta onde era para ser a sua cama.
— Se você não se importa eu preciso dormir.
Ele deita, vira para o lado da parede, não vê e nem ouve mais nada.
Mas desta vez está em paz.

— Acorda! — Sacudida. — acorda!


— O quê?
— Estão vindo, fique atento. —Tony lhe entrega o relógio que
Raphael havia escondido.
— Alguma coisa mudou? — Pergunta enquanto fecha o relógio no
pulso.
— Nada além de como somos loucos e maníacos. Você mais. Seu
método de tortura é assustador até para eles. — Debocha.
— Fez vinte e quatro horas que estamos aqui. Será que ela
conseguiu?
— Miguel morreria antes de deixar que algo acontecesse a ela. Eles
estão bem, não se preocupe.
Álvaro entra olhando para Raphael.
— Confesso que fiquei surpreso, e garanto isso não acontece há
anos, quando disseram o que fez com Saul. Devo agradecer pelo serviço
prestado, ele estava mais atrapalhando que ajudando. Contudo as apostas se
elevaram, imaginava que conseguir o que quero de vocês seria algo muito fácil,
mas vocês causaram muitos, muitos danos desde que chegaram aqui. Sendo
assim, não terei outra opção. — Sinaliza com a cabeça para seus capangas. —
Levem eles e os preparem para mim.
Tony e Raphael se entreolham e Tony confirma com a cabeça, ambos
partem para o ataque.
O tempo deles está se esgotando.
Mas até que acabe, eles não se curvarão. Essa é a regra número 3.
Com golpes certeiros e rápidos atacam e liquidam o quanto podem,
mas mais homens chegam.
— Acabem logo com isso! Por Deus, são apenas dois contra uma
dúzia de vocês! — Álvaro esbraveja.
Estavam indo bem até que foram atingidos com armas de choque,
Raphael é o primeiro a cair, Tony precisou de três cargas para cessar.
Raphael acorda com o jato d’água gelada.
— Bem-vindo de volta! — Álvaro cumprimenta sem nenhum
sentimento. — Se fosse por mim, você teria morrido logo na primeira noite, mas
claro Saul, aquele imbecil, achou que você seria um bom brinquedo. Agradeceria
a ele se pudesse, porque imagina você? Seu amigo aqui está irredutível para dar
o que eu quero, mas notei que vocês são muito unidos e usarei isso a meu favor.
Raphael tenta mexer os braços, mas desta vez usaram neles
abraçadeiras nos pés e nos punhos, juntos com as algemas.
O jato da mangueira de emergência para incêndio, acerta Tony que
acorda assustado. — Você pagará caro por isso!
— Chegamos ao ponto: Pagar. Eu quero todo o valor que ofereceu
para o seguro da compra da construtora. Faça isso, caso contrário seu amigo terá
momentos difíceis pela frente. — Álvaro, sinaliza para o capanga na frente de
Raphael que o golpeia várias vezes.
Tony não cede e Raphael entende que é para mantê-los vivos. Dar-
lhes mais tempo. No momento que transferisse o dinheiro seriam mortos.
— Continuaremos amanhã, cedo ou tarde você cederá, senão pela
vida de Raphael, — Fala depois de horas de tortura. — Será pela sua.
— Desculpe cara, aguenta só mais um pouco. — Tony clama.
— Eu não me importo de passar por isso. Desde que ela e as crianças
fiquem a salvo.
— Eles estão. Eu juro a você que estão. — Ouve a voz de Tony se
distanciar e apaga.

Acorda com a descarga elétrica passando pelo corpo, tencionando


seus músculos causando dor excruciante.
— Bom dia! Vamos continuar de onde paramos? — Álvaro destila.
E uma nova rodada inicia, desta vez parece que eles passaram horas
elaborando os métodos para causar mais dor. Levam um bom tempo com
Raphael, até que ele sucumbe. Enquanto ele oscila entre a consciência e
inconsciência, Tony passa a ser o alvo direto. Seu único contentamento foi que
não importa quantas vezes vai e volta, Tony se mantém forte e determinado a
não ceder e Álvaro está cada vez mais desesperado.
— Tem uma chamada para você de Ancara. — Um capanga entrega
a Álvaro um aparelho de telefone.
Raphael se esforça para se manter acordado. Está ligação poderia
indicar o paradeiro da família, uma fagulha pequena de esperança.
Seu coração começa a palpitar.
“Ela está chegando eu posso sentir.”
— O quê!? — Álvaro grita para telefone.
Suas feições empalidecem, Raphael ainda não tinha visto esse olhar
de pavor estampado em seu rosto.
As luzes se apagam e apenas as luzes fantasmagórica de emergência
permanecem acesas.
— Que merda é essa? — Álvaro amaldiçoa enquanto o som
inconfundíveis de tiros começam do lado de fora do armazém.
— A sala de controle é a única segura, temos que ir. — O líder dos
mercenários caminha para porta com Álvaro o seguindo, mas ele que para no
meio do caminho.
— Tragam eles.
Raphael e Tony são arrastados e jogados no chão de frente para
parede com os monitores das câmeras de segurança. Tony está semiconsciente
como Raphael, mas é indescritível o sorriso diabólico em seu rosto.
ELEONORA

MOMENTOS ANTES…
— Eu contei vinte do lado de dentro e doze no lado de fora. Você faz
sentido horário e eu anti-horário, nos encontramos aqui. — Miguel orienta. —
Joel, conseguiu?
— Já estou dentro, aguardo sinal. — Ouvem-no falando alto no
ponto de comunicação. Miguel inicia a contagem e as luzes se apagam.
O ataque inicia.
Com lentes noturnas, Leo segue derrubando um alvo de cada vez
com tiros certeiros. Os mercenários não viram o que lhes atingiu.
— Terminei! — Leo fala enquanto Miguel chega quase junto com
ela no ponto de encontro. — Você invade pela porta principal enquanto entro
pela lateral… — Ela orienta. — Joel, prepare a partida. — Ordena
— Estarei a postos.
— Tenha cuidado. — Ela sussurra para Miguel.
Os olhos dele suavizam e em seu rosto desponta um meio sorriso.
— Terei e você também. — O meio sorriso dela completa o dele em
resposta.
A porta lateral está liberada e desprotegida, todos correram para
cuidar da entrada principal.
Amadores.
Segue o caminho e como esperado tudo está liberado até o
pavimento central.
— Joel, a leitura de calor, terminou?
— Sim, você tem treze no andar de cima. Não tenho como saber com
certeza se uma delas é Tony e Raphael, mas a julgar sobre a comoção na entrada,
eles só podem ser uma das pessoas no andar superior.
Na escada, Leo permanece o mais próximo da escuridão para se
camuflar.
Entra silenciosa no corredor, e não tarda a se depara com um grupo
de mercenários que cuidam da entrada para o andar.

RAPHAEL

Pelo monitor, não vê nada além do brilho etéreo e mortal dos tiros, as
luzes se acendem e os mercenários atiram a esmo sem saber pra onde mirar. Leo
se aproxima vestida com macacão preto colado ao corpo quase como uma
segunda pele, preso em ambas as pernas têm coldres com armas e no cinto várias
munições. Ela ataca por trás dois capangas que tentam acertá-la, ela esquiva
devolvendo os golpes com precisão derrubando-os.
Em uma dança demoníaca, Raphael assiste a mulher da sua vida,
avançando e matando todos a sua frente, ora com arma de fogo, ora com sua
katana. É lindo e ao mesmo tempo assustador. Raphael é incapaz de assimilar
sua pequena e delicada anjo com essa amazona linda e feroz.
“Puta merda, ela é foda.”
— Onde está o resto dos homens, é apenas uma mulher! Mande
todos para cima dela e mate essa desgraçada! — Álvaro está desesperado.
Tony e Raphael se deliciam com o sabor doce de sua queda iminente.
Da sala de controle eles a assistem, Leo impulsiona o corpo, salta
para uma parede e assim que chega nela, salta de novo e prende o agressor entre
as pernas. Com as mãos o golpeia quebrando seu pescoço, enquanto cai atira no
homem a sua frente e faz dele escudo para os projeteis direcionados a ela. Mais
dois se aproximam, Leo os mata e continua seu caminho.
— Você disse que seria um trabalho fácil e não só eles conseguiram
acabar com muitos dos meus homens na estrada, com um poder de fogo que
você não avisou que eles tinham como esses dois demônios, — aponta para
Raphael e Tony, — mataram muitos mais com as mãos. E agora não suficiente
toda essa merda, tem uma mulher que parece a fusão do diabo com um ninja se
aproximando!! — Esbraveja o líder dos mercenários em estado de pavor.
Miguel entra no galpão eliminando cada um que se entrepõe em seu
caminho e Leo avança cada vez mais até eles.
— Sua equipe é uma merda, faça o serviço da qual você é pago. —
Álvaro brada.
— Essa é a questão! Até que ele, — aponta para Tony, que ergueu a
mão com deboche, — pague, você não tem como me pagar e tudo isso foi em
vão! — O mercenário balança a arma pontuando desvairadamente cada palavra
dita.
— Ele vai transferir!
A aspereza na voz de Álvaro beira a insanidade, ele caminha até
Tony, saca a arma e atira acertando a parede ao lado da cabeça de Raphael.
Puta merda!
— Agora, que tal você transferir o dinheiro? — Álvaro segura
novamente o gatilho mirando Raphael.
— Pedindo assim com carinho. — Tony ironiza com a voz fraca.
O líder mercenário se aproxima.
— Não. Eu não vou ficar aqui para morrer. Vamos nos separar e
pedimos o resgate pelos dois. — Tony e Raphael olham para o líder dos
mercenários com surpresa. — Já que você o conhece melhor, você o leva e eu
fico com o gigante albino. — Ele puxa Tony para se levantar.
— Você não ficará com ele! — Álvaro protesta.
— Essa é nossa melhor chance. Olhe a sua volta, ACABOU! —
Puxa Tony com ele.
Eles paralisam ao ouvir o som dissonante do riscar da espada no
chão se aproximando.
Acuado e desesperado, Álvaro aponta a arma para o mercenário
prestes a fugir com Tony, que faz o mesmo apontando a arma de volta.
— Você responde a mim! — Álvaro elucida.
— Olhe ao seu redor velho, se ficar esse será o seu fim. A melhor
chance é levá-los como reféns e nos separar. — O líder tenta ponderar, segue
para porta com Tony e congela. — Saia ou mato ele! — Ele ameaça para a
mulher na porta empunhando a pistola.
Álvaro puxa Raphael, fazendo dele seu escudo.
— Sairemos com eles ou todos morreremos aqui! — Álvaro fala, a
arma ainda quente passeia pelo pescoço de Raphael causando arrepio ao mesmo
tempo que queima.
— Solte-os e darei a vocês uma morte rápida. Machuque-os e a
morte será lenta e tortuosa. — A voz dela alcança o já acelerado coração
fazendo-o pular progressivamente de alegria a cada batida. — Um…, dois…
Foi tão rápido que Raphael não viu o que aconteceu. Em um
momento o mercenário estava em pé fazendo Tony de refém e no outro está no
chão.
— Menos um, sua vez Álvaro, como vai querer, rápida ou tortuosa?
— Leo oferece, as mãos dele tremem. Ele está por um fio de perder o controle.
— Acabou! Todo o seu reinado foi destruído, você não é mais nada além de um
homem morto. Amanhã os jornais mostrarão o tipo de pessoa que você é. O
mundo conhecerá você e cada inimigo que acumulou ao longo de sua vida de
merda, colocará um alvo em sua cabeça. — Leo sorri diabolicamente levando ao
extremo cada gatilho de controle dele.
Tony está ao lado dela, ainda incapacitado e muito ferido.
— Sua cadela, você não sabe o que está falando, eu sou bom por um
motivo. Eu nunca deixei nada que pudesse me incriminar. — Álvaro se
vangloria.
— Acho que não foi tão bom assim. Hoje sua esposa visitou a
polícia, que já estava munida de um enorme dossiê detalhando cada merda que
fez: Tráfico de narcóticos, armas e pessoas. Envolvimento com células
terroristas. Aliciamento de menores. Pagamento de propina à polícia,
empresários e políticos, sem contar o que você fez com a construtora e claro, os
assassinatos. Enfim, foram tantos crimes, em tantos territórios que não só a
polícia deste país quer você, como outras agências pelo mundo afora. — Raphael
não consegue tirar os olhos de seu pequeno anjo vingador. — E os principais
jornais receberam o mesmo dossiê, então veja, você perdeu.
Com sua última reserva de força, Raphael o golpeia no estômago
com o cotovelo e se joga no chão.
— Não! — Álvaro grita e tão rápido atira nela.
“Não.”
— NÃO!! — Leo grita.
Tony começa a cair com uma mancha de sangue crescente em suas
costas. Enquanto o grito dela ecoa por toda a sala, Raphael é arrastado por
Álvaro.
— Não! Lyubov, por que fez isso? — Ela tenta sair de baixo de Tony
já desacordado.
— Você será o próximo se não cooperar? — Álvaro o arrasta para
cada vez mais longe, mas seus olhos continuam focados em sua anjo.
As escadas parecem uma zona de guerra com corpos e sangue por
todos lados, apressado Álvaro lhe dá puxões. A dor lancinante em Raphael
somado ao que presenciou, deixa-o em um novo estado de inconsciência.
A escuridão tenta arrastá-lo para as profundezas que abranda a dor.
— Saia do meu caminho! — A voz de Álvaro está distante.
Nem os sons secos dos tiros é o bastante para mantê-lo desperto, em
algum momento Raphael cede e cai de vez na escuridão que o cerca.
“Não banque o herói!” Tony o avisou.
O que eu fiz?
ELEONORA

Tony permanece imóvel.


— Não! Lyubov… — Empurra-o, com cuidado, seu corpo pesado.
Entre soluços e lágrimas, chama por Tony. — Não… Não eu não posso ficar sem
você… — Os batimentos dele estão fracos, mas regulares. Freneticamente,
desata suas mãos e procura por ferimento de saída. — Miguel, me ajuda! Tony
está ferido! — Clama desesperada.
— Senhora Eleonora, estou a caminho.
Ouve-se os ecos dos tiros no térreo e depois o silêncio sepulcral que
se anuncia. O cheiro acobreado de sangue parece estar em todos os lugares.
Tocam-na no ombro e por reação ela saca a arma.
— Sou eu! — Miguel levanta as mãos em rendição. — Temos que
levá-los para o Tiago, ela assente desatinada.
Sem conseguir reagir, paralisada de medo Leo assiste quando Miguel
e Joel levam Tony e ela os segue no automático.
Olha para Álvaro no chão, quantas vezes ele esteve em sua mira.
Quantas vezes?
Desde o início ele tem cruzado seu caminho e por vezes quis matá-lo
pelo que fez com Raphael.
Se tivesse me dedicado mais em encontrá-lo, tudo poderia ter sido
evitado.
Nunca fui a princesa a ser salva, me tornei o dragão que deveria ser
abatido e talvez essas coincidências sejam mais um item em minha maldição.
Passa pelos corpos estirados no chão sem se importar com mais
nada.
Nada nunca é permanente.
Até um grão de areia, um dia, pode se tornar uma pérola.
“Eu sei que você sofreu, mas eu não quero que você
esconda. Eu quero reconciliar a violência no seu coração.
Eu quero exorcizar os demônios do seu passado”.
(Undisclosed Desires – Muse)
CAPÍTULO 43
ELEONORA

QUARENTA HORAS ATRÁS…


— Joel, precisamos de extração.
— A caminho.
Miguel e ela continuam a fuga pela mata até chegarem a um bairro
residencial, caminham pelas sombras e param em um parque, sentam-se no
banco escondido pelas árvores.
— O resgate dos meus pais deve ser prioridade. Não quero nenhum
sobrevivente, faça doer…
Miguel segura as mãos dela.
— Eu não vou te deixar, minha prioridade é você. Lidaremos juntos
o resgate da sua família, Nunca deixarei você, nunca. — Ele a aperta em seus
braços. — Ficará tudo bem, Leo. — Beija o alto de sua cabeça.
— Eu só não posso perder tudo de uma única vez.
— Não vai. — Ele assegura.
O carro chega minutos depois e tão logo chegam em casa. A primeira
coisa que Leo faz é verificar seus filhos que estão dormindo. Ao ver como Gael
abraça a irmã de forma protetora enquanto dorme, pensa em Tony e Raphael
presos e em como falhou com eles.
— Eles são maravilhosos, você os criou muito bem. — Ângela fala
em suas costas.
A vergonha de ter deixado o filho dela para trás a impede de olhá-la
nos olhos.
Os mesmos olhos que tanto ama.
— Eu notei que você chegou sozinha, só me garanta que você o trará
de volta. Como mãe deve entender a dor que sinto, ele é tudo que mais tenho de
importante. Prometa-me, que fará tudo para que ele volte! — De cabeça baixa,
Leo apenas acena. — Não se culpe, uma coisa eu aprendi com meus muitos anos
de vida é que merdas acontecem.
— Eu sinto muito. Eu o trarei de volta e prometo sair da vida de
vocês, definitivamente. — Sente o clima ficar tenso.
— Não se atreva, ou te caçarei e lhe darei a maior surra que já teve
na vida. — Ângela a ameaça com a voz fria. Leo levanta os olhos reconhecendo
a seriedade e a tristeza do momento. — Por três meses assisti meu filho definhar
por sua ausência, sei que parte do motivo foi a teimosia dele. Eu conheço meu
filho, mas você o deixou sem nem ao menos insistir em ficar. Você o abandonou
depois de dar a ele um vislumbre do futuro maravilhoso que ele poderia ter ao
seu lado. Não o machuque mais. E não se machuque além do que já foi feito, a
improbabilidade juntou vocês não lute contra isso.
— Não irei. — Ângela a abraça e Leo relaxa devolvendo o gesto. —
Eu tenho que ir. Sinta-se à vontade, está também é a sua casa.
— Não se preocupe, cuidarei de seus filhos com todo amor e carinho
que somente uma avó pode dar. — Leo a beija e se afasta.
Depois de tomar um banho rápido, segue para sala de reunião, onde
Gohan, Kala, Alina, Joel e Miguel a esperam.
— Gohan, como isso aconteceu? Pensei que estivesse vigiando
Álvaro?
— Vigiamos por dois meses e ele não fez nada que fosse suspeito.
Tanto eu quanto Miguel, suspendemos a espionagem. Não achamos nele
nenhuma ameaça contra a família.
O sentimento de culpa a corrói, nesses últimos meses foi distraída e
negligente com suas funções. Se tivesse dado mais atenção aos relatórios sobre
Álvaro, talvez pudesse ter encontrado algo que eles não viram.
— Nada nos relatórios indiciava a verdadeira face e intenção de
Álvaro, não se culpe por isso. — Kala chama sua atenção para a reunião
enquanto a consola.
Leo respira fundo e se concentra para estabelecer um plano de
ataque.
— Alina, preciso que monitore a conta de emergência, se Tony fizer
algum movimento será por ela.
Alina acena confirmando e já começa a mexer em seu computador.
— Joel, você tem a localização deles?
— Sim. Heitor, Paris e Naveen estão em Ancara, até o momento não
houve movimento, o local é remoto, mas tenho acesso às câmeras de segurança
nada entra ou sai sem que eu saiba. Antony e Raphael, estão em uma área
industrial perto do porto.
— Gohan, você e Kala, trarão meus pais de volta. Não quero nenhum
sobrevivente, façam eles sofrerem e desejar nunca terem nascido ou atravessado
nosso caminho. Façam disso exemplo para que nenhum outro tente a mesma
coisa. Destrua aquela cidade inteira se for necessário para que aprendam o que
acontece quando se metem com a nossa família!
Kala e Gohan iniciam os preparativos para fazer o que lhes foi
determinado.
Eles darão o pior para cada envolvido, isso é uma certeza. Heitor
não os deixariam ser os zeladores se não fossem tão eficientes e destrutivos
quanto o resto da família.
— Miguel, peça a Tiago para não deixar a ilha. Eu quero apoio
médico para quando resgatarmos Tony e Raphael. Alina e eu criaremos um plano
que minimize qualquer dano para a construtora, Álvaro desta vez não sairá ileso
pelo que fez.
Cerra os punhos tão apertado que as unhas cortam a palma de sua
mão.
ELEONORA

AGORA…
Chegam ao hospital, Tony e Raphael ainda permanecem
desacordados, Tiago os espera na porta da emergência para fazer a triagem. Ela
não sabe para onde ir enquanto assiste seus dois amores seguirem para caminhos
opostos.
— Anjo? — A voz de trovão do seu único ecoa baixa e cheia de
sofreguidão.
Leo chora pelo mal que infligiram a ele.
— Shh… amor, você ficará bem eu prometo. — Segura sua mão
sentindo a familiar eletricidade ao tocá-lo.
— Não chore Anjo, não precisa ter medo, tudo ficará bem. — Ele a
consola quando deveria ser ela a consolá-lo, então chora mais. — Fique com
Tony, assim que eu estiver melhor irei até vocês.
Esse momento para Leo é a confirmação de que ele é o Único para
ela.
Antes dele partir ela beija seus lábios inchados e cortados pela
tortura que sofrera.
— Eu te amo!
— Eu te amo mais! — Ele sussurra e desmaia novamente.
Leo corre para Tony que está indo para centro cirúrgico.
— Eu darei o meu melhor na cirurgia para extrair o projetil que ficou
alojado. — Tiago tenta acalmá-la.
— Por favor, eu não posso ter uma vida sem ele ao meu lado. — Leo
limpa as lágrimas com as mãos de forma grosseira e desolada.
— Eu darei notícias. — Ele entra apressado pelas portas duplas e ela
fica olhando se fecharem vagarosamente enquanto a sua outra metade se
distância cada vez mais.
Eu jurei te proteger e olha o que fiz, perdão, perdão, perdão…
— Eleonora, querida, vamos sentar. — Os braços fortes de Mateus
levam-na para longe da porta.
— Por que…? Se seu Deus existe, por que me trouxe para esse
mundo só para ter tudo que mais amo sempre arrancado de mim? Qual o intuito
de viver só para sofrer e causar sofrimento aos outros, por quê? — Chora no
ombro dele, enquanto suas mãos gentis acarinham suas costas.
— Sofrer faz parte da vida, Deus não quer fazer você sofrer, ele quer
que você viva para ver que depois de cada tempestade, sempre haverá um novo
começo.
Ela soluça com a dor entalada em sua garganta.
— Seu Deus é cruel!
— Ele é as vezes, mas ele também é bom. — Mateus levanta seu
rosto e o limpa com o nó do dedo indicador as lágrimas que não deixam de cair.
— Alguns dias serão brilhantes e preciosos e outros serão sombrios e ordinários.
É assim que é, não construa um muro a sua volta, isso impede o perigo, mas
também mantém a dor. — Ele a abraça apertado.
Leo derrama cada gota de dor que manteve aprisionada por toda
vida.

GOHAN

HORAS ANTES EM ALGUM LUGAR DE ANCARA…


— Contei vinte e cinco do lado interno.
Avisa depois de terminar a leitura térmica do prédio, Kala analisa a
planta do local que irão invadir.
— Tem três saídas e um acesso do subterrâneo através do duto de
esgoto. Sugiro fechar duas entradas e nos separarmos. Eu sigo pelo subterrâneo e
você pelo térreo. Enquanto eu pego nossa família, você limpa a saída. Depois
que terminarmos aqui, o pessoal que contratamos poderá limpar todo o território.
Deixaremos claro o que acontece se mexerem conosco. — Ela sorri e ele nunca a
viu tão linda. — Para de me olhar assim e se concentra!
— Fazer o que, se a mulher da minha vida fica linda quando fala em
matar pessoas e resgatar nossa família.
A beija, no início ela tenta evitar, mas cede e se derrete em seus
braços.
— Você ainda tenta mulher, mas seu corpo não resiste a mim.
— Quem escuta acha que você definiu nossa relação, mas foi eu que
enlacei você, sou eu o motivo de você ter sentido na vida.
— Tudo verdade, mas aqui vai mais uma: você não tem uma célula
modesta nesse seu corpo lindo.
— Uma lutadora não deve se envergonhar de suas vitórias. — Ela dá
de ombro.
— É isso que sou? Um troféu. — Beija-a e faz cócegas na cintura,
que ela odeia.
— Não, você não é só um troféu, você é meu Mar Morto e eu nunca
irei afundar enquanto estiver com você… Você é minha maior conquista.
Gohan beija sua testa, agradecido por tê-la ao seu lado.
— Você é meu tudo. — Sela seus lábios aos dela — Tome cuidado.
— Avisa antes de seguirem para suas posições.
Ele obstrui duas saídas e depois corre para onde deve invadir.
— Joel, filho, vamos entrar.
— Estou pronto. Boa sorte pai! — Responde pelo ponto de
comunicação.
— Baby, estou pronta! — Ouve a voz melodiosa de Kala.
— 3…, 2…, 1…
Entra pela porta lateral já eliminando dois alvos, esconde os corpos
em um armário e continua abrindo caminho por todo o térreo de forma
silenciosa. A grande maioria ainda dorme enquanto ele invade, o que deixa seu
serviço muito mais fácil. Muitos nem chegam a acordar quando a morte vem.
— Eliminei sete. — Avisa a Kala.
— Eu, cinco.
Cerca de duas horas depois já haviam liquidado vinte e dois homens,
só restava procurar por sua família.
— Não achei nada na ala oeste, e você?
— Encontrei! Prepare nossa saída. — Kala fala eufórica
— Como eles estão?
— Machucados, mas bem. Estamos caminhando para você.
Passa-se alguns minutos e Gohan os avista se aproximando, todos
caminham com seus próprios pés.
Espero que Leo tenha a mesma sorte.
Eles estão com olhar enfurecido, anos de experiência diz a Gohan
que ele não iria querer ser o alvo desta fúria.
— Atualização? — Heitor comanda enquanto caminham para o
carro.
— Senhor, pouco depois que vocês foram capturados, Antony e
Raphael sofreram um atentado na saída do baile. Eles foram levados pelo mesmo
que orquestrou a captura de vocês. Descobrimos ser o Álvaro, o ex associado do
senhor Raphael, por trás de tudo, nesse momento Eleonora e Miguel estão
resgatando-os.
— Puta que pariu! — Naveen amaldiçoa.
— Filho da puta, desgraçado! — Heitor se enfurece. — Telefone. —
Gohan lhe entrega o aparelho via satélite. — Quem está na inteligência?
— Joel.
Rapidamente Heitor entra em contato.
— Joel, coloque o desgraçado do Álvaro na linha. Eu quero falar
com ele.
Pelo retrovisor Gohan vê Kala conversar com Paris e Naveen,
tentando acalmá-los. Com a menção de Joel, Naveen relaxa visivelmente.
— Você não achou que seria fácil a minha captura e da minha
equipe? Seu pedaço de merda! Estou chegando e quando tiver segurando sua
vida sem sentido na minha mão, você descobrirá que o que fez durante sua vida
de crimes não é nada se comparado ao que farei. Eu irei devorar você e cuspir
cada osso maldito, quando achar que enfim sua vida acabou, eu o trarei dos
portões do inferno e começarei tudo de novo e de novo. — E desliga.
— Pai, definitivamente você e Gael estão assistindo muito filme do
Liam Neeson. — Naveen fala do banco de trás fazendo todos rirem.

OS GÊMEOS

Os dois passeiam pelas ruas da Ilha de são Pedro com postura e


segurança, todo ambiente novo é uma oportunidade de aprender e explorar.
Perceberam os olhares direcionados a eles, muitos dos transeuntes os tinham
identificado e todos eles não deram nada além de olhares compassivos e
afetuosos.
Dizer que isso é bom, é o eufemismo do século.
Claro que tais olhares são compassivos, pois com a maior parte da
família aprisionada não era motivo para alegria. Mas as crianças sabiam que isso
era passageiro, eles ouviram o plano da mãe para resgatar a todos e sabem que
nada no mundo a impedirá de que voltem a ver a família reunida novamente. Os
olhares serão afetuosos e nunca mais terão que ouvir ou sentir-se menos como na
cidade onde moravam.
Nos jornais só noticiam o sequestro de Antony e Raphael, mal sabem
que muito mais gente importante da vida deles foram levados. Era parte do plano
de sua mãe noticiar o sequestro, assim a construtora não sofreria com tudo que
viria a seguir e ainda faria bem a imagem da família diante de toda a sociedade.
Um sorveteiro educado e com olhar piedoso, oferece para as crianças
seu maior sorvete, sendo veemente em não cobrar por ele.
— Obrigado! — As crianças agradecem com sorrisos angelicais.
Todos na ilha assistem as crianças explorar aqui e ali, eles conversam
com as pessoas, brincam com algumas crianças e até mesmo ajudam na limpeza
da praça da matriz. Não houve quem não ficou encantado. Em uma única manhã,
eles têm a ilha praticamente inteira em seus dedos, por isso quando Alessia se
aproxima, todos mantêm um olhar preocupado e atento sobre eles.
Alessia está praticamente fora de controle, atacando e espalhando
fofocas descabidas da mãe deles.
Os gêmeos encaram com expectativa a mulher na frente deles,
sabiam do jogo que a mãe havia iniciado.
O plano consiste em perder para vencer.
— Tudo que está acontecendo com Raphael é culpa da mãe de vocês,
mas espero que se alguém morrer que seja o pai de vocês. Assim o meu Raphael
verá a verdade sobre todos de sua família.
As crianças se enfurecem, mas sabem da plateia à sua volta e elas
jogariam com essa audiência. Se entreolharam e se abraçaram para se
consolarem diante das palavras afiadas de Alessia.
— Sua cadela estúpida! Você não sabe com quem está mexendo. —
A voz de Gaia é baixa, somente Alessia, e seu irmão, conseguem ouvir.
— O que você falou? — Ela grita.
— Não falei nada senhora. Por favor não machuque a mim e nem
minha irmã. — Gael pede com voz de choro.
— Seu menino endiabrado, eu bem ouvi vocês me chamarem de
cadela estúpida!
Ela continua sem notar a aproximação das pessoas ao seu redor.
— Mas é exatamente o que você é. — A pequena menina fala com
voz baixa.
— Sua bruxinha, eu vou…
Gael abraça de forma protetora a irmã no momento em que a mão de
Alessia desce para acertar o rosto dela.
A mão nunca chegou a encostar em um único fio de cabelo das
crianças, Madalena, a cabeleireira da ilha, mãe da Manu e tia do Luka, interveio
segurando a mão de Alessia.
— Você perdeu a cabeça!? — Madalena grita. — São crianças! —
Fala segurando o pulso de Alessia. — De longe é possível ver a força com que
segurava, pois seus dedos estão rijos e embranquecidos. — Você está fora da
curva garota! Essas crianças estão passando pelo pior momento da vida delas e
você os ataca destilando seu ódio e rancor neles. Se plume ou saia desta ilha!
Talvez esse não seja o melhor lugar para você viver. — E solta o braço dela
bruscamente.
Todos à volta concordam com as palavras de Madalena.
— Eles me insultaram. Olhe, eles estão sorrindo.
E tudo que as pessoas veem são as crianças chorando, assustadas.
— Você quer que nosso papai morra? — A voz de Gaia sai
estrangulada carregada de dor.
Sua atuação é digna de um grande prêmio, não houve uma única
pessoa além de Alessia que não se compadeceu com a dor das crianças.
Todos começam a falar sobre como ela é uma vergonha para os
moradores da ilha e fazem sugestões para afastá-la de forma permanente, como
quebrar o contrato de aluguel da casa em que ela e a mãe moram, ou ignorá-la
até que ela mesma decida ir embora por conta.
— O que está acontecendo aqui? — Ângela pergunta ao se
aproximar e ver as crianças com cara de choro.
— Vovó…, ela disse que nosso papai deve morrer e ainda tentou nos
bater dizendo que a ofendemos. — Gaia fala com a voz triste e entrecortada.
Ângela parece se transformar e sem aviso sua mão acerta com força
o rosto de Alessia.
— Nunca mais levante a mão para meus netos ou deixarei seu rosto
tão desfigurado que nem o melhor cirurgião plástico conseguirá arrumar. —
Ameaça com a frieza do ártico em seus olhos cor do céu.
— Não vovó, não faça isso. Ela está triste, porque também gosta do
Raphael. Ela não fez por mal… — Gael entona a voz com doçura e inocência.
Esta é a última fala para encerrar o ato.
— Não meus amores, essa mulher não gosta de ninguém e nem de si
mesma. — Ângela fala com raiva.
Os burburinhos continuam, nesse momento já não há mais nada que
Alessia pode fazer para resgatar sua credibilidade com as pessoas dessa ilha. Ela
alinha sua postura e se afasta do círculo que se formara a sua volta.
As crianças reconhecem a vitória e observam Alessia se afastar. Eles
sabem que é questão de tempo ela sair da ilha, para nunca mais voltar. Suas
mãos se apertam em uma comemoração discreta e imperceptível ao público.
Agradecem a Madalena e as outras pessoas que estavam lá por eles
com as vozes mais doces e angelicais possíveis. Tomam o cuidado de manter
suas faces entristecidas e de mãos dadas com a vovó Ângela voltam para casa.
Não viam a hora de contar sobre suas aventuras na ilha quando toda a família
estiver reunida, o que será logo. A mamãe resgatará hoje o papai e o Raphael, e a
senhora Kala e o senhor Gohan, irão resgatar o restante da família na Turquia.

RAPHAEL

Ele acorda sobressaltado e sentindo o inconfundível perfume de


lavanda e flor-de-maracujá, mas não sabe se foi um sonho ou se ela realmente
esteve ali. Cada músculo de seu corpo dói, até respirar se torna doloroso, é como
se tivesse sido pisoteado no peito por elefantes.
Lembra-se vagamente do que aconteceu e desejou com todas as suas
forças, que ver Tony sendo baleado no lugar da sua mulher, fosse um delírio
errante de sua cabeça depois de uma longa sessão de tortura. A sua volta as
paredes assépticas e o som de máquinas apitando a cada batida de seu coração o
situaram.
Ela foi buscá-lo pessoalmente no inferno, lugar onde ele fez coisas
das quais nunca pensou em fazer. Não faz ideia de quanto tempo ficou preso,
mas sabe que seu demônio pessoal correu solto por aquele lugar.
“Se arrepende.”
Não. Por ela faria tudo de novo.
“Vinguei papai e todo o sofrimento infligido a mamãe.”
Tenta se levantar, uma, duas vezes, até que a enfermeira entra no
quarto.
— Era para você estar dormindo! Demos sedativos suficientes para
apagá-lo por horas. — Ela avalia a bolsa de soro ligado a uma intravenosa em
Raphael.
— Minha mulher, onde ela está? — Mesmo sentindo dor se esforça
ao máximo para se sentar.
— Por favor não levante, você tem três costelas fraturadas e está
cheio de escoriações pelo corpo, sem mencionar as luxações. Vou chamar a
médica para te dar mais sedativos para dor. — Ela aperta o botão para chamar
ajuda.
— Eu não quero mais sedativos. Eu quero a minha mulher! Se você
não vai me levar até ela, eu irei encontrá-la sozinho!
Quando Raphael finalmente consegue se pôr em pé, sente como se
tivesse pisando em tachinhas afiadas, segura-se na cama, respira com dificuldade
e dá um passo em direção a porta, mesmo sentindo dor por todo corpo.
— Senhor, por favor, não faça isso! — A enfermeira pede, mas ele
ignora.
Uma mulher negra, de estatura baixa e com o corpo arredondado,
para na porta com o olhar afrontoso impedindo sua saída.
— Senhor Verona, o senhor precisa ficar em repouso para melhorar.
Por sorte não teve nada muito mais grave. Uma noite repousando ajudará em sua
recuperação, por isso sugiro que volte para cama, eu vou lhe medicar com mais
sedativos para te ajudar com a dor e…
— Você é quem? — A interrompe.
— Sou a Doutora Lúcia, eu preciso que o senhor volte ao seu leito.
— Ela comanda enfaticamente.
— Não. Eu quero ver minha mulher e meu irmão, AGORA! —
Enfurece.
As mulheres se entreolham receosas.
— Eu vou liberar, desde que você fique em uma cadeira de rodas
para não se esforçar, e que mantenha a intravenosa com o soro e sedativo. — A
médica oferece.
Raphael concorda e logo a enfermeira lhe traz uma cadeira de rodas.
— Sua mulher está no pré-operatório, a enfermeira irá levá-lo até ela. — A
médica avisa.
Ele senta na cadeira sentindo um alívio mínimo da dor que permeia
por seu corpo.
A enfermeira o conduz para o elevador que sobe dois andares.
Seguem por um corredor de silêncio mortal até uma porta fechada, batem duas
vezes e a enfermeira o conduz para dentro do quarto.
Seu anjo está deitada em posição fetal de costas para ele.
Ela parece tão pequena e frágil.
Mateus se levanta da poltrona na extremidade do quarto assim que o
vê.
— Vou deixá-lo aqui e pedirei que lhe tragam uma cama, suas
medicações serão ministradas pela Doutora Lúcia. — A enfermeira comunica
antes de sair.
— Como Tony está?
Mateus empurra sua cadeira até Leo, ainda adormecida.
— Ele está em cirurgia ainda. Ela está inconsolável até agora não
tivemos notícias.
A mão de Raphael traça o contorno do rosto dela e sente sua
respiração aquecida.
— Obrigado. — Agradece olhando para Mateus com gratidão. —
Por que está aqui? Não quero ser grosseiro, mas pensei que Miguel estaria com
ela.
— Miguel tinha algo sobre a segurança para finalizar. Ele pediu que
não saísse do lado dela enquanto não voltasse.
A porta abre, um enfermeiro e a médica entram com outra cama,
Mateus o afasta de Leo e a cama é posicionada ao lado dela, o enfermeiro o
ajuda subir e o cobre. A doutora o medica e explica sobre o efeito rápido dos
sedativos.
— Você deve descansar enquanto ela também faz, assim quando ela
acordar, você estará um pouco melhor. — Mateus aconselha.
Com o restante de suas forças, puxa Leo para ele, ela acorda e lhe dá
um sorriso breve.
— Você veio!
— Eu sempre virei para você, meu anjo. Volte a dormir.
Sela seus lábios e sente seu gosto doce, ela se aconchega mais perto
e dorme. Não demora muito até que o sedativo vence. Mas agora sabe que
dormirá muito melhor inalando o perfume e sentido o corpo dela junto a ele.
“Estou em casa.”
Raphael acorda agitado com mãos estranhas o examinando, não
sente Leo ao seu lado e logo se desespera.
— Ela está no banheiro. — A médica informa. — Você tem que ficar
de repouso, o que fizeram a vocês deve ter sido horrível de suportar, confesso
que eu não aguentaria. Vocês são heróis! E o mundo é um lugar melhor sem
aquele homem entre nós.
De quem ela está falando?
Se mantém em silêncio sem saber o que responder, enquanto ela
avalia o acesso intravenoso dele.
Leo sai do banheiro seu rosto está inchado e olhos vermelhos, as
roupas estão amassadas e o cabelo está com a trança frouxa e fios soltos, o
oposto da perfeição que ela sempre aparenta.
— Anjo? — E logo ela começa a chorar. Raphael estende os braços e
ela vem ao seu encontro. — Como Tony está?
— Ele teve duas paradas cardíacas na cirurgia. Ele morreu duas
vezes… Agora está na UTI e ainda não acordou da anestesia. Pelo tempo, já era
para ter acordado, mas ele não acorda! Eu jurei nunca abandoná-lo e protegê-
lo… Eu… falhei… — soluça, a médica passa por eles fechando a porta ao sair.
— Não Anjo, você não falhou. Ele é um lutador, ele não desistirá da
vida sem ter uma boa luta. Você verá, ele melhorará. — Consola e beija-a na
cabeça. — Logo eles deixarão você entrar para ficar com ele.
Leo o abraça e chora copiosamente, a todo momento ele a acaricia, a
corrente elétrica entre os dois, ajuda a acalmá-la e traz certa tranquilidade para
os dois.
— As pessoas sabem sobre o sequestro? — Raphael tenta distraí-la
de sua tristeza.
— Sim. — Ela limpa o rosto com as mãos. — Alina e a equipe de
relações-públicas divulgaram para a imprensa o seu sequestro e o de Tony. De
forma anônima, também divulgaram o dossiê que foi enviado a polícia,
deixamos provas que incriminariam Álvaro e Saul. Agora todos sabem sobre
como os dois roubaram a empresa de você e sua mãe. Poupamos os contratos
fraudulentos, mas não poupamos a reputação deles, assim a construtora tem o
respaldo de qualquer merda que venha a aparecer no futuro, como também
ganha divulgação positiva sobre a administração que você e Tony iniciaram no
baile beneficente.
Com a exposição vem as autoridades.
— E quando a polícia chegar ao armazém, onde estávamos?
— Não encontrarão nada, tudo foi limpo depois que saímos. Você
está seguro. — Leo afirma com meio sorriso envergonhado.
— Eu faria tudo de novo por você, mas confesso que quando Saul
disse que sabotou o carro dos meus pais… Eu fiz por mim. — Leo o afaga e seus
olhos verdes fita-o tão profundamente que parecem ver sua alma.
— Esse caminho não tem volta. Eu queria que não tivesse feito ou
passado por isso. — Uma lágrima solitária escorre.
— Anjo, essa escolha foi minha, eu não me arrependo de nada.
Toma sua boca na dele e assim que ela o permite entrar a língua de
Raphael sai tentando memorizar cada canto e sabor, quando lhes faltam ar, se
separam com pequenos selos, mas se mantém tão próximos que suas respirações
se misturam em êxtase.
— E quanto ao Álvaro?
— Acabou. — Ela desvia o olhar e suspira, ele nota o nariz dela
franzir.
“Ela está escondendo alguma coisa.”
— Anjo?…
Ela sorri de canto.
— Eu prometi uma morte lenta, é tudo que precisa saber. — Ela o
beija.
— Não esconda nada de mim.
— Não irei, mas não quero você perto dele.
Se encaram por um longo momento. Raphael contempla em seus
olhos verdes acinzentados o prenuncio de uma nevasca gélida.
— Não irei.
— Obrigada. — Beija-a na ponta do nariz. — Você deveria tomar um
banho, sua mãe e as crianças chegarão em breve.
— Toma comigo?
Ela desce da cama e fala com alguém do lado de fora, depois tranca a
porta.
Ele levanta uma sobrancelha inquisitiva.
— Pedi para não sermos incomodados. — Ela o ajuda a se levantar
— Estamos em um hotel ou em um hospital?
— Depois da doação absurda que fiz para ala de pesquisa, esse lugar
pode ser o que quisermos. — Abre a porta do banheiro e o ajuda com a camisola,
ela paralisa. — Quando você fez?
Com os dedos trêmulos toca seu nome tatuado no peito de Raphael.
Com letras cursivas preta envolta em uma profusão de cores com efeito aquarela.
Todas as tatuagens que têm são sombrias e enegrecidas, contudo Eleonora é a
única com cores, todas as cores.
— Quando descobri que nunca deixaria de amar você.
— E quando foi isso?
— Alguns dias depois que você foi embora. — Ela beija a tatuagem
que está sobre seu coração.
— Eu te amo!
— Eu te amo mais.
Quando ela começa a se despir, Raphael percebe as grandes marcas
roxas por todo o corpo, mas são as manchas circulares no peito e barriga que
mais chamam sua atenção.
— O que são essas? — As toca levemente.
— Tiros, o colete protege, mas o impacto deixa marca. — Ela tem no
mínimo três marcas visíveis. Com a visão do quão perto esteve de perder tudo
que lhe é mais importante, Raphael a abraça e chora. — Estamos bem, nada irá
nos separar… — Ela o reconforta.
— Me perdoe por ter te posto em risco, eu sinto muito… — Raphael
chora ainda mais. Agora entende o quanto ela tentou lhe proteger, percebe o
quão perto esteve da morte e do quanto ela se ariscou para salvá-lo e a Tony. Por
tudo, Raphael entende o que de fato esse caminho representa. Ele morrer é um
risco que havia calculado, mas ela poderia não estar aqui e as crianças poderiam
ter perdido os dois pais. — Me perdoe por toda vez que não valorizei seu amor,
por cada vez que briguei com você por motivos tão pequenos, pela noite em que
me deu sua verdade e eu a deixei ir. Perdão por me chafurdar em minha merda
preconceituosa e moralista e não ter corrido atrás de você antes. — Levanta o
rosto dela para que a olhe em seus olhos. — Obrigado por me amar a ponto de
arriscar a sua vida pela minha. — Beija seus lábios com adoração e lágrimas.
Finalmente a paz o invade como um tsunami levando tudo que não é
bom e deixando em vez de destruição, somente contentamento e a verdadeira
felicidade.
O banho foi carinhoso e íntimo como nunca havia sido antes,
cuidaram um do outro com devoção completa, sem nada se entrepondo no amor
que sentem.
— Estou horrível! — Raphael fala se olhando no espelho.
Seus dois olhos estão inchados e ainda arroxeados, o corpo parece
uma obra de arte moderna, daquelas que você não entende nada, pois a tela está
cheia de manchas e marcas sem contexto, somente acidentes.
— Anjo, eu pareço ter saído de uma betoneira.
Ela começa a rir, e Raphael jura que é como se ouvisse sinos de
vento tilintar.
— Em alguns dias você estará melhor.
— De onde vieram essas roupas? — Ele pergunta vestindo roupas
sociais.
Ela está de vestido verde estampado, longo e com mangas. A roupa
esconde os hematomas no seu corpo, exceto por uma marca de tiro em seu seio
direito visível pelo decote, mas que ela esconde com maquiagem.
— Alina trouxe de casa. Sente-se e deixa eu arrumar seu cabelo. —
Ela aponta para o sofá onde Mateus dormiu durante a noite.
— Onde Mateus está? — Pergunta enquanto ela penteia seu cabelo.
— Ele foi para casa, Miguel mandou um dos seguranças da equipe
para ficar aqui. — Ela inicia uma trança em seu cabelo. — Será necessário fazer
uma coletiva hoje. Tudo bem para você? — Pergunta hesitante.
— Faço o que for preciso. — Pega a mão dela e leva-a aos seus
lábios.
— Obrigado. — Ela beija sua cabeça. — Alina irá lhe orientar sobre
o que responder tanto na coletiva quanto no depoimento para a polícia.
— Anjo, sobre o que aconteceu o que eu devo falar exatamente?
— Você deve falar apenas sobre as agressões que sofreu e nunca o
que fez, interprete a vítima inofensiva. Eu estarei ao seu lado interpretando a
esposa em estado de choque e irei ajudar você com tudo que contar, não se
preocupe com nada do que fez eu cuidei de tudo. — Raphael vira o tronco,
mesmo sentindo a dor que causa.
Ele se demora olhando para ela, refletindo o que: cuidar de tudo
significa?
“Não pense tanto, se ela disse que está tudo bem é por que está.”
— Esposa? — Fala a segunda coisa que chamou atenção.
— Sim, mas posso ser a namorada, se preferir. — Ela enrubesce.
— Não, esposa está perfeito. — Ela sorri envergonhada. — Podemos
tornar isso real?
— Adoraria, mas…
— Esperaremos por ele. Não se preocupe, irei esperar. — Beija sua
mão com carinho sentindo a fisgada de dor.
— Vá para cama, vou chamar alguém para te medicar.
Quando os sedativos já estão fazendo efeito e as dores de Raphael
estão menos aflitiva, Ângela chega com as crianças. Ela chora ao vê-lo todo
machucado, as crianças correm para abraçar Leo e ficam junto dela, enquanto ele
conforta sua mãe dizendo o tempo todo que está bem apesar da aparência.
Raphael vendo as crianças chorosas por seu pai segurando-se em
Leo, se contem ao máximo para não chorar na frente de todos ao pensar no quão
perto elas ficaram de perder tanto a mãe quanto o pai em uma única noite.
Tiago entra e informa que Tony já pode receber visitas, os olhos de
Leo se iluminam e os gêmeos correm para serem os primeiros a entrar. Raphael
permanece no quarto com Alina preparando-o para o depoimento, passando e
repassando cada palavra que deve falar.
Logo depois a entrada dos policiais foi permitida no quarto, Raphael
esperava muito mais desconfiança da parte deles para sua versão dos fatos, mas
os policiais, de acordo com as notícias que os jornais já haviam divulgado sobre
Álvaro e Saul, tinham uma opinião definida sobre o ocorrido e Raphael apenas
consolidou. Leo do seu lado atuou como uma profissional, os policiais que o
interrogavam ficaram aos seus pés e garantiram que o mal que caiu sobre sua
família havia acabado. O depoimento acaba e a coletiva começa.
Descem para sala de imprensa do hospital, que já está cheia de
repórteres previamente alimentados com notícias sobre a idoneidade de Raphael.
Os moradores da ilha fizeram a diferença com depoimentos sobre Ângela, ele e
claro, sobre Leo. A notícia viralizou fazendo de Raphael e ela um conto de fadas
moderno.
A equipe de relações-públicas injetou informações e fotos deles no
baile e algumas caseiras que Leo disponibilizou para fomentar a todos sobre uma
linda história de amor e tirando o foco sobre todos os crimes que Álvaro
cometeu na construtora. Ao mesmo tempo, a construtora é exaltada com o
retorno de Raphael com a ajuda do cunhado, que desempenhou o papel-chave de
salvador ao se infiltrar na empresa como investidor e assim descobrir os delitos
de Álvaro fazendo-o devolver o que tomou de Raphael e de Ângela.
Os jornais também noticiaram a tentativa de Álvaro, com o seu
último ato desesperado para se apoderar da construtora, o que culminou com
Antony levando um tiro para salvar Raphael e o seu final terrível na explosão do
armazém onde os manteve de reféns.
Perguntaram porque a polícia não foi notificada logo que foram
sequestrados, nesse momento Leo deu seu show. Com seus lindos olhos verdes
lacrimejados ela contou em como temeu pela vida deles, pois Álvaro ameaçou
matá-los caso a polícia fosse envolvida. Ela explicou que em vez da polícia
achou melhor solicitar os serviços de uma empresa de segurança privada para
mediar e ajudar no resgate. Leo se descreveu como uma mulher forte, apesar de
estar assustada com a perca iminente das pessoas que mais ama, mas uma
mulher capaz de tudo para trazê-los de volta. Consagrando seu status indubitável
de mulher exemplo para toda a sociedade.

ELEONORA

As crianças ficam visivelmente abaladas quando veem o pai na UTI,


Leo as deixou no quarto com Ângela enquanto acompanha o depoimento e a
coletiva do lado de Raphael. Tudo foi perfeitamente amarrado e eles saem dessa
muito mais forte do que quando chegaram, agora só falta seu lyubov voltar.
— Está na hora de vocês irem para casa. Joel avisou que o vovô,
vovó e o titio, pousarão em breve e tenho certeza que quando chegarem, ver
vocês fará tudo ficar melhor para eles. — Ela fala e os abraça tão apertado
quanto pode.
— Mamãe, o papai ficará bem? — Gael se preocupa.
— Claro que sim! Machucaram-no muito, mas ele ficará melhor. O
papai é um lutador e além disso, ele nos ama tanto que lutaria com a morte para
impedir que nos separemos dele.
— Sempre soubemos que você os trariam de volta. Quando eu
crescer quero ser como você. — Gaia fala, Leo segura a mão dela e beija com
carinho depois aproxima o rosto para sentir o calorzinho que sempre sentiu
desde que tocou seus filhos pela primeira vez.
— Você será melhor, meu amor. Será muito melhor.
— Papai, acorda. Estamos com saudades! — Gaia entoa.
As crianças beijam Tony no rosto e se despedem.
Raphael dorme depois de mais uma dose de sedativo enquanto ela
fica com Tony.
— Lyubov, volta para mim e para as crianças. Eu não sei o que se
passa na sua cabeça, mas se você acha que posso seguir sem você, está
enganado, porque eu não posso. Somos um. Volta para casa, volta para mim… —
deita a cabeça na mão fria dele. — Raphael mencionou casamento novamente.
Você precisa acordar logo, eu não posso contar sozinha para ele que já sou
casada. — Respira com dificuldade. — Ele ficará furioso quando descobrir e
você prometeu ser meu escudo.
— Eu não vou te dar o divórcio… — Ouve a voz baixa e arranhada
de Tony — Vou te falar, quando você contou a verdade para ele, essa informação
poderia ter sido uma delas. — Ele sorri de canto.
— Claro que sim, tipo: “Ah, além de matar pessoas eu não aceitei
seu pedido de casamento porque já sou casada, lide com isso”. — Ele sorri
mais. — Confessar mais essa mentira naquela noite o teria destruído, eu não
poderia.
— E agora você pode?
Leo aperta a mão dele.
— Nem ferrando. — Lhe dá um meio sorriso. — Mas tenho que
contar.
— Ele ficará puto, mas merece a verdade. Ele nunca deveria ter
deixado você passar por aquela porta. Foda-se, se matamos pessoas! — Tony
fala com a voz contrita.
— Você me deixou… por duas vezes, você me deixou… Nunca mais
faça isso. NUNCA! — Leo chora com a lembrança de quase perdê-lo.
— Eu não vou, deixá-la, a morte me enganou. Você acredita Zhizn,
que ela se passou por você! Fui enganado e a segui, mas percebi que não era
você de verdade, chutei a bunda dela e voltei. Aquela cadela traiçoeira não vai
nos separar, nada no mundo pode. — Afirma.
— Como você soube que não era eu? — Entra na brincadeira.
— Ela não tinha seu cheiro. — Seu sorriso sai completo.
— Eu te amo, mais hoje do que em qualquer outro dia do passado!—
Declara.
— Eu te amarei cada dia mais que o dia anterior. — Ele responde.
Leo chama Tiago para examiná-lo e medicá-lo, Tony insiste em não
tomar os remédios por conta de seu vício do passado.
— Lyubov, o que aconteceu no passado não define você. Hoje você
tem muito mais motivos para viver. — Leo incentiva-o.
Ele aceita o sedativo. Leo o reitera de tudo que aconteceu enquanto o
sedativo não faz efeito.
— Esse foi um ótimo plano, e não vejo a hora de visitar o porão para
ver nosso primeiro estreante.
— Todos nós teremos um bom momento com ele. Joel foi o primeiro
a reivindicar um dia com o hóspede. — Tony fica com olhar sério. — Lyubov,
nada mais justo ele ser o estreante, foram anos trancado em um bunker sozinho e
sendo aterrorizado psicologicamente, imagina, ele poderia ter enlouquecido…—
Ele à olha com divertimento. — Certo, ele é um pouco aloucado, mas ele
poderia ser mais. — Tony começa a cochilar ainda rindo. — Descanse Lyubov,
estarei aqui quando acordar. — Sela os lábios no dele antes de sair para ver
Raphael.
RAPHAEL

O sorriso estampado no rosto de sua anjo quando entra no quarto, só


pode provar uma única coisa:
— Ele acordou?
Ela fez que sim e se empoleira do lado dele na cama, Raphael beija
sua testa e a envolve em seus braços, não demora muito ela dorme um sono
silencioso e pacifico.

A moeda nunca tem as duas faces iguais. Sendo assim


nada pode ser inteiramente bom e nada pode ser
inteiramente mau, ambos habitam o mesmo corpo.
“Seu destino está decidido, sua vida apagada. Eu escolhi um
lado e não demostrarei pena. Às vezes o mal pode trazer
alguma coisa boa”.
(When Bad Does Good – Chris Cornell)
CAPÍTULO 44
RAPHAEL

Os pais de Leo e Tony, vieram para o hospital visitá-los logo que


chegaram, o cárcere deles se comparado ao de Raphael e Tony foi tipo: férias de
verão, mas a retaliação pela ousadia de quem os capturou foi memorável. Na
manhã seguinte ao resgate, Ancara acordou com cerca de duzentos a menos no
número total de sua população, quem sobreviveu não ousará se esquecer do que
acontece com quem mexe com a família deles. Heitor estava determinado a
passar a mensagem também para fora da Turquia.
Descobriu-se que as paradas cardíacas que Tony sofreu foram em
reação à anestesia que ministraram na cirurgia para extração da bala que ficou
alojada na escápula. Leo se recusou a sair do hospital sem o Tony e Raphael se
recusou a sair do hospital sem ela, portanto ficaram todos.
— Vocês todos estão oficialmente de alta médica. — Tiago anuncia.
— Devo ressaltar que um de vocês não tinha motivo de permanecer internado
nesse hospital e o outro poderia ter saído há no mínimo três dias atrás. — Sorri
para Raphael. — Leo você foi irracional. — Declara fingindo estar horrorizado.
— Irracional é um padre viajar preso a balões, eu fui cuidadosa, há
uma grande diferença. — Ela responde.
— Antony se você não aguentar os cuidados extremos dela, é só me
ligar e venho para interná-lo novamente em uma área de quarentena. — Tiago
brinca
— E cortar os laços simbióticos que os une, não espere por essa
ligação em pé, porque ela não acontecerá. — Raphael responde a Tiago enquanto
ajuda Tony a se levantar da cama.
— Ao julgar que você ficou no hospital sem necessidade médica,
acho que também desenvolveu seu laço. — Tiago satiriza, fazendo todos rirem.
— Tony, você não deve se preocupar em voltar, é só seguir o pós-operatório
como indiquei e sua recuperação será completa, como o calibre do projetil era
pequeno o dano não foi grave a ponto de causar algo permanente.
Raphael concorda com Tiago sobre os excessos de cuidado que Leo
teve com Tony. Ela brigou com duas enfermeiras por não serem atenciosas o
suficiente, sem mencionar os banhos em que ela o ajudou tomar impedindo as
enfermeiras de fazerem, quando ele questionou sobre a necessidade para tanto,
Leo respondeu que não era a primeira vez que fazia isso.
Cito palavras dela: “essas mulheres têm outro interesse nele, além do
profissional e Tony não é um pedaço de carne para elas ficarem cobiçando.”
Ele respirou fundo depois disso se resignando, Tony por sua vez não
se importou com os cuidados excessivos.
Cito palavras dele: “quando ela começar a ministrar vitaminas de
acordo com a cor da sua urina, você notará que nada é privado a ela.” E
finalizou com um: “Bem-vindo a sua nova vida!”

Tony e ele conversavam sobre a construtora na volta para casa e Leo


manda mensagens no celular distraída e agitada.
— Raphael, você quer se mudar para o outro lado da Ilha? — Ela
pergunta e continua mandando mensagens no celular.
Raphael olha para ela alheia a enormidade do pedido que acaba de
fazer, depois para Tony que dá de ombros.
— E as crianças?
— Elas adorarão ter você por perto. — Tony responde.
— Sendo assim, adoraria me mudar para o outro lado da ilha! —
Responde animado. — Avisarei minha mãe e em alguns dias me mudo, que tal?
— Tony olha para fora da janela e Leo sorri de canto ainda teclando no celular.
— O que vocês estão escondendo?
— Então…, você pode ou não já ter se mudado e sua mãe, junto com
a senhora Kala, pode ou não ter ajudado com a sua mudança. — Leo fala
enquanto evita olhar para Tony que começou a rir silenciosamente ainda olhando
para qualquer coisa pela janela.
Miguel que está dirigindo sorri silenciosamente, mas Raphael nota
pelo retrovisor.
— Anjo? — Ela enrola para olhá-lo, mas faz. — Você fez, não é? —
Ela faz que sim. — Ótimo. — Ela sorri abertamente com os olhos brilhantes.
— Raphael, o que você pretende fazer com o loft em cima do bar? —
Leo pergunta enquanto tecla no celular.
Mas com quem ela tanto fala?
— Não sei, minha mãe pode fazer um depósito para o Bar.
— Ou…, você pode oferecer para Luka, que está procurando um
lugar para morar com Micael. — Ela abre um enorme sorriso esperançoso.
— Acho que tudo bem, falarei com ele sobre isso. — Tony ri de
novo ainda olhando para a janela, ela enrubesce e desvia o olhar. — Anjo?
— Eu posso ou não já ter oferecido o espaço para ele e ele pode ou
não já ter aceitado a oferta. — Ela sorri timidamente, ele suspira devagar.
— É sempre assim? — Pergunta ao Tony.
— Eu disse uma vez que iria para onde ela fosse, nessa ocasião não
tinha nada além da roupa do corpo, algumas horas depois eu pousei em um novo
país, à minha espera tinha uma casa e muito mais que eu nem havia imaginado
ter. Sim, é sempre assim! — Tony responde sorrindo para Leo que lhe manda um
beijo.
— Anjo, existe algo mais que eu deva saber?
Ela olha para o celular e faz que não.
“Sei não.”
As crianças estavam na garagem com Heitor, Naveen, Gohan e Joel,
esse último Raphael conheceu no hospital e Naveen o apresentou
orgulhosamente como sua pessoa, Leo depois esclareceu dizendo que eles
estavam juntos, Joel chegou no hospital tímido e quieto, mas quando saiu parecia
uma criança que consumiu todo estoque de açúcar da cozinha.
— Papai! Mamãe! — As crianças começam a correr na direção
deles.
— Mamãe como você está? — Gael pergunta verdadeiramente
preocupado.
— Agora que estou com vocês estou absolutamente bem, nada é
melhor do que ter meus dois bebês comigo. — Ela os abraça apertado e cheira
suas cabeças. — Que tal uma sessão de cinema a noite?
— Eu posso escolher o filme desta vez? — Gaia pergunta.
— Claro princesinha, desde que não seja documentário de banda K-
pop. — Leo responde.
Gaia coloca o dedo no canto da boca ponderando a condição da mãe.
— Posso lidar com isso. — Diz animada, aproximando-se de Tony e
o abraça apertado.
Com a visão periférica ele assiste Leo, Tony e Gael suspirarem
aliviados com a aceitação rápida de Gaia sobre a condição imposta.
— Como vamos chamar o Raphael, agora que ele irar morar com a
gente? — As crianças perguntam confusos e olham para os pais em busca de
orientação.
— Vocês podem chamá-lo de papai também. — Tony responde,
antes de abraçar e beijar a cabeça de Gael.
Raphael sente como se estivesse enraizado ao chão, surpreso com a
sugestão.
— Você e a mamãe não irão mais se separar? — Gael averígua
enquanto se aproxima.
— Acho que não conseguiria viver um dia sem que não estivesse
com ela e vocês. — Responde olhando nos olhos dele. — Desculpa por antes, eu
sei que dei minha palavra e a quebrei, mas juro nunca mais quebrá-la
novamente. — Raphael beija-o na cabeça e inala seu cheiro de menta e maresia.
— Vocês são minha vida e não poderia resistir um dia sabendo que não os verei.
— Raphael, tudo bem para você se lhe chamarmos de pai? — Gaia
pergunta timidamente.
— Seria uma honra e uma imensa alegria. — Responde com voz
embargada e a abraça aliviado e emocionado, sentindo seu cheiro de morango
com maresia.
“Porra, temos uma filha e um filho.”
Nem consigo acreditar.
“Nós temos tudo!”
Sim.
— Nós amamos você, não se afaste novamente. — Os gêmeos
declaram sorrindo.
— Eu também amo todos vocês e jamais me afastarei dos meus
filhos. — Beija Gael novamente antes dele se afastar.
— Vamos, quero te mostrar sua nova casa. — Leo estende a mão
esquerda enquanto a direita segura a de Tony, Raphael entrelaça os dedos nos
dela.
— E se nós achássemos uma mulher para que nós dois pudéssemos
fazer nossos bebês?
Ouvem Naveen falar.
— Parece ser legal, mas acho mais fácil pedir para Alina fazer isso.
Na noite em que ela dormiu em casa, ela disse que a Leo tinha razão sobre a
mágica do número três. — Joel responde.
— Essas crianças nascerão com chicote na mão, mas serão crianças
lindas, você tem certeza disso?
— Sim, eu tenho, devemos falar com ela no encontro de hoje a
noite…
As vozes deles ficam distantes à medida que se afastam, os três
começam a rir.
— A palavra tédio aqui não existe!
— Não existe tal coisa como tédio, em nossa família. — Leo fala.
— Deixa a Paris e a senhora Kala ouvir sobre isso, elas explodirão
de felicidade. — Tony fala, em seguida abre a porta da casa.
Logo na entrada, a parede que Raphael havia deixado inteiramente
branca e vazia agora ostenta um lindo painel com fotografias das crianças em
várias idades, da Leo, Tony e de Raphael, tem foto dele com os pais, com a Leo
e uma dele abraçando Tony no seu antigo loft.
— Eu disse, quando desembarquei eu tinha uma casa, mas acima de
tudo uma família. — Tony fala, expressando exatamente o que ele sente agora.
“Nossa família.”
De rompante Raphael o abraça, tomando cuidado para não o
machucar.
— Obrigado, pelo que fez por mim lá fora, eu já os amo como se
fossem meus.
— Amor foi tudo que sempre quis que eles tivessem em abundância.
— Tony responde.
Ouvem o som inconfundível de foto sendo tirada.
— Essa eu vou colocar na minha mesa de trabalho. — Leo fala. —
Vamos Lyubov, você tem que descansar. — Sobem as escadas para os quartos, a
luz solar irradia por todos os cantos dando calor e conforto.
O quarto de Tony fica de frente com o deles e os das crianças está na
mesma disposição no segundo andar, logo que o colocam na cama ele adormece.
Leo o aguarda ao lado da porta do quarto deles, esperando que
Raphael abra, ele faz as honras. Na cama está a tartaruga marinha gigante de
pelúcia ao lado da pequena girafa sorridente de gravata borboleta.
Leo para e avalia o cômodo ao seu lado.
— Se você quiser mudar alguma coisa fica à vontade, era para
fazermos isso juntos, mas não estávamos nos falando na época. Eu tentei colocar
o pouco da essência que tinha na sua casa, mas não era muito material… — Sua
voz temerosa fica baixa.
— Hey, não…, eu adorei tudo que você escolheu e em como decorou
eu não teria feito melhor que isso. — Beija a lateral da sua cabeça.
— Vem ver o closet! — Se afasta levando-o pela mão.
As roupas que eram dele e muitas outras que não tinha compõe seu
lado do closet organizado por sistema de cor e estação do ano, ao lado uma área
para acessórios abastecida com óculos, cintos, bolsas e sapatos.
— Paris não perdeu tempo! — Suspira.
Em outro momento de sua vida fugiria para as colinas, mas agora até
acha a situação pertinente, porque nunca gostou de fazer compras, exceto se for
com a Leo, essa tarefa está absolutamente fora da lista de coisas com as quais
queira se preocupar.
— Com certeza não. — Leo responde.
— Quando reformava, fiquei curioso com o cofre no armário, por
que de todas as casas o seu é o maior e mais seguro? — Olham para o dito cofre
escondido atrás de um grande espelho.
Leo alterna do cofre para ele.
— Não enlouquece. — Adverte.
Caminha para o cofre que deve ter o seu tamanho em altura e duas
vezes ela em largura com um pressionar o espelho abre, ela destrava o cofre com
sua identificação digital e senha.
— Temos que cadastrar a sua digital depois. — Avisa.
A porta do cofre abre e ele agradece por não ser mais o Raphael de
antes, porque estaria para muito além das colinas.
— Puta merda! — Ele tem até medo de se aproximar. — Tudo isso
deveria estar em um cofre no banco e não em casa!
Leo corre os dedos pela infinidade de joias guardadas dentro do
cofre.
— Não, elas são minhas preciosas e depois, quem acha que banco é
um lugar seguro com certeza está equivocado.
São joias de todos os tipos e tamanhos as quais ela levava para o loft
e não são nada comparadas com suas outras joias de valores incalculáveis.
Em lugar de destaque está o colar que ela ganhou da filha da florista,
a peça sem valor econômico é guardada com todo cuidado, isso o faz amá-la
ainda mais, pois mesmo diante da maior coleção de joias que alguém pode ter,
sua anjo consegue se importar somente com o valor sentimental que a peça
representa do que com o valor monetário.
Ela o avalia em expectativa.
Com certeza esperando que ele surte.
— Quer tomar banho de banheira? — Oferece, presenteando-o com
seu sorriso e olhos brilhantes, ela fecha o cofre despreocupada, como se fechasse
uma geladeira.
Raphael assiste ela se despir e caminhar para o banheiro totalmente
nua, seu corpo ganha vida diante da visão dela, linda, nua e segura. Ele respira
com dificuldade e sente todo seu sangue seguir para uma única área do corpo,
geme com a possibilidade de tê-la e a segue para o banheiro tirando a roupa
desajeitadamente e ainda com um pouco de dor pelos movimentos bruscos.

— É assim que me sentirei o resto da minha vida?


Ela está sentada entre suas pernas com o corpo encostado nele, o sol
faz a água brilhar, ela suspira contemplativa.
— Mamãe, Gael e eu estamos indo à praia com titio e o tio Joel. —
Gaia fala do outro lado da porta, Raphael sorri para sua nova realidade.
— Levem água, óculos de sol e passem protetor solar, ouviu Gael?
— Foi só uma vez mamãe…, uma única vez e eu aprendi a lição. —
Ele protesta, enquanto o sorriso de Raphael fica ainda mais radiante.
São gênios, mas ainda são crianças.
— Voltem na hora do almoço sem atrasos. — Leo avisa.
— Sim, mamãe. — Falam juntos.
Ele a abraça por trás, ela oferece a boca e ele a leva com muito amor,
tanto que é como se fosse explodir.
— Te amo e amo tudo que ofereceu a mim. — Beija seu rosto
fazendo cócegas com a barba.
Leo fica de frente para ele.
— Eu amo você e em como completa minha felicidade, tornando
minha vida perfeita. — Se inclina beijando seu pescoço e subindo até chegar a
boca, como se não tivessem se saciado há pouco, a mão dela corre por todo o
comprimento rijo, um gemido excitado escapa dele. — Tão malditamente duro
para mim.
Ela o massageia, seu punho apertando-o, ele geme novamente, o
sorriso malicioso desponta nos lábios dela. Seu corpo levanta o suficiente para
recebê-lo e quando faz, executa com lentidão tortuosa, centímetro a centímetro,
seus olhos fixam nos dele e Raphael vê o momento que suas pupilas dilatam
quando está no mais profundo dela.
— Tão malditamente gostosa.
Ela sorri e impulsiona novamente, prova seus lábios com mordidas
pequenas enquanto seus corpos veneram um ao outro.
Ela se seca com sorriso saciado, lábios levemente inchado dos beijos
e Raphael a assiste se vestir curtindo cada minuto do seu show favorito.
— Posso cadastrar sua digital no cofre agora? — Pergunta enquanto
coloca os chinelos nos pés.
— É importante eu saber?
— Sim é. — Ela o chama com dedo indicador enquanto configura o
painel do cofre, sem percebê-lo se aproximar ela se assusta quando Raphael
morde levemente o dedo. — Você deve saber a senha deste cofre e do cofre
central no escritório, além do quarto do pânico. — Fala com seriedade.
— E o que tem no cofre central? — Coloca seu dedo na tela de
reconhecimento.
— Documentos e dinheiro. — Responde confirmando a senha. —
Pronto. — Ela sorri e o beija. — Esta é a sua casa agora, sinta-se à vontade para
explorar o quanto quiser. Eu vou ver o Tony e começar a preparar o almoço. —
Ela se afasta.
Raphael fica onde está, pensando em como ele passou do homem
rabugento e solitário, para um homem caído de amor extremamente feliz, com
família, filhos e assassino.
Ele liga para sua mãe, para falar de sua mudança e em como ela não
lhe contou sobre a mudança de Luka. Logo em seguida fala com Alina sobre a
construtora e ela lhe atualiza sobre como os acontecimentos resultaram
positivamente, pois está chovendo clientes, Raphael comunica que irá para
construtora no início da semana, em seguida ela lhe transfere para seu assistente
pessoal.
— Senhor Raphael recebemos muitas cestas e flores de clientes e fãs,
mandei várias das cestas para sua mãe, mas depois da décima ela pediu para não
enviar mais nada. Eu tomei a liberdade e doei para os funcionários, pois eram
muitas e algumas das cestas tem validade, separei os cartões com mensagens de
carinhos ao senhor e sua esposa, descartei os que continham mensagens loucas e
respondi todas que foram de clientes ou afins.
— Muito obrigado! — Raphael agradece, pois nem saberia como
lidar com isso, ele não imaginava que teria essa repercussão e assédio das
pessoas.
— Estou aqui para isso senhor. — Ele responde.
Passam a agenda para quando começar a trabalhar na construtora,
estabelecem horários, Raphael deixa claro que a menos que seja caso de extrema
necessidade, jamais se reunirá com clientes depois do horário comercial.
Antes de descer passa no quarto de Tony para verificá-lo e o encontra
ainda adormecido, Leo está na cozinha preparando o almoço concentrada no que
fazia.
— Quer ajuda? — Oferece.
Apesar de achar que mais atrapalharia do que ajudaria a julgar o jeito
que ela segura a faca e corta com precisão os ingredientes.
— Com a comida não, mas está vendo essa caixa na bancada ali, —
aponta, — pegue são seus novos equipamentos.
Pegando a caixa ele sente que pesa mais do que aparenta, leva o
objeto para a ilha da cozinha, senta-se em uma das banquetas e abre.
Aparelhos eletrônicos de última geração reluzem para ele.
— Esses aparelhos são seguros e aptos para você usar no trabalho,
seu celular novo tem dois chips, uma linha é para assuntos comerciais e outra é
apenas para família e amigos íntimos, Alina já passou essa informação para seu
assistente, assim você não precisa se preocupar. — Leo explica.
— Você sempre está pensando adiante. — Afirma ligando o celular.
— E mesmo assim, ainda falhei com vocês. — Sua voz sai triste.
— Você não tem como se responsabilizar por aquilo que outra pessoa
fez. — Circula a ilha e a abraça.
Seus olhos verdes brilham como nunca havia visto antes.
— Quando te conheci sabia que você era o único por quem sempre
procurei, quando estava com você por melhor que fosse, a faca da verdade
estava sempre pairando sobre nós, por isso aproveitei ao máximo de você e levei
tudo que podia pegar, para o caso de perdê-lo. O que aconteceu. Nesses meses
sem você me sentia incompleta e negligenciei minhas funções como resultado
quase perdi minha família. — Ela respira fundo. — Mas ter você aqui me vendo
por completa e me aceitando como sou, supera qualquer felicidade que tive ao
seu lado. É tão bom que se um dia eu te perder, acho que não poderia me
recuperar dessa queda.
Suas palavras o atinge em cheio, Raphael poderia ficar em seus
joelhos se não estivesse com ela em seus braços.
— Quando digo que te amo é porque eu te amo e acho que mesmo
sem a verdade eu não poderia amar menos do que essa subida ascendente em que
estamos.
A beija como devoto que é de seus lábios, quando se afastam ele
volta para a ilha, senta-se enquanto a assiste fazer o almoço.
— Tem um aplicativo de veículo no celular, você deve escolher um
esportivo e uma motocicleta, todos os homens da família tem uma, acho que
você gostará também, Naveen fará com que sejam entreguem até o fim de
semana acabar.
Ela está de costas e ele sabe que está propositalmente evitando-o.
— Eu já tenho um carro não preciso de outro. — Protesta.
— Eu sei amor, a questão é: Vivemos em um mundo onde as pessoas
valorizam essas merdas superficiais e aparências. Por esse motivo, você irá
escolher algum carro lindo e luxuoso para desfilar com ele quando for para o
trabalho, nas reuniões de clientes ou quando for me levar para um encontro na
cidade. — Ela vira e pisca maliciosamente.
— Você de fato é uma manipuladora mestra! — Exclama.
Ela sorri fácil e feliz.
— Estou facilitando sua vida, era para você escolher um esportivo,
um SUV ou sedan e uma moto. Não chora e escolhe algum desses.
Analisa o catálogo notando que tem os melhores e os mais caros
carros de luxo o mesmo com as motocicletas, passa página por página escolhe
um Bugatti Divo cinza e azul.
— De onde esses carros veem? Muitos desses são edições limitadas.
— Indaga curioso.
— Sabe, todos nós temos nossos lances, Paris são as roupas, Naveen
obras de arte, Tony fazer dinheiro, eu as joias, Heitor é meios de locomoção,
esses carros todos são da coleção particular dele, nós os usamos porque não tem
sentido deixá-los em um quarto escuro. Esses são os nossos lances ou ao menos
alguns deles. — Ela olha por cima do ombro obliquamente. — Escolheu um? —
Ele faz que sim. — Ótimo, agora escolhe uma motocicleta.
— Anjo, são muitas e todas são as melhores e as mais lindas! — É
como estar em uma loja de doce e querer comer tudo. — Qual você sugere? —
Passa cada página do catálogo de motos.
— Papai recentemente adicionou a nova Harley Davidson Fat Boy,
ela é um clássico, além de ser muito bonita. — Ela vira para mexer uma das
panelas.
Raphael lê o prospecto da motocicleta e de fato ela é tudo isso, além
de gritar, caro. Seleciona e acabou.
— Porque só os homens têm motocicletas?
— Qual a graça de tê-las e não ter a parceira agarrada a você te
acompanhando.
Ele sorri satisfeito, imaginando o quanto seria bom um passeio
assim.

Naveen
Boas escolhas, elas chegarão no domingo.
11:45 am

Raphael
Obrigado.
11:45 am

Naveen
Um SUV é importante para sair em família…
11:46 am

Raphael
A Leo tem um?
11:46 am

Naveen
Tem…
11:46 am

Raphael
Tony tem um?
11:46 am

Naveen
Tem…
11:46 am

Raphael
Então tenho 2!
Rss…
11:47 am

Naveen
Rss…
11:47 am

— Olha só você continua vivo! — Ela brinca. — Você deve ser o


único homem vivo que protesta para escolher carros e motos dos sonhos.
— Em minha defesa, digo que fui pego de surpresa, quero só ver a
cara da minha mãe! — Sorri imaginando o que ela vai falar desses novos
brinquedos. — Devo a ela, esse meu total desapego com coisas materiais.
Ajuda Leo arrumar a mesa, depois sobe para acordar Tony para
comer enquanto as crianças entram e lavam as mãos.
Entra no quarto dele e encontra a cama vazia.
— Tony?
— Estou no banheiro, me ajuda aqui com o curativo!
Vai até ele e o encontra somente de cueca, tentando colocar o
curativo de onde foi tirado o projetil.
— Deixa-me fazer.
Pega os curativos de sua mão não deixando de notar as infinidades
de cicatrizes que Tony tem em suas costas. Vergões compridos e cicatrizados em
várias direções parecendo chicotadas, nos braços e nas pernas também tem os
mesmos vergões além de cicatrizes que parecem queimaduras, morde o lábio
para não soltar um palavrão.
Eles ostentam a melhor fachada perfeita, mas o que escondem por
baixo de suas aparências, fariam um anjo questionar sua competência em cuidar
das pessoas, engole seco a raiva que tem do mundo e das pessoas que fizeram
isso a sua família. Eles viveram a porcaria de um inferno e mesmo assim tiraram
o melhor de algo tão ruim.
Termina de colocar o curativo.
— Ajuda com as roupas?
— Com a camisa, ainda dói levantar o braço. — Seguem para o
closet, Tony faz careta para colocar o short e Raphael o ajuda e em seguida faz o
mesmo com a camisa. — Obrigado!
— Não por isso.
Achava que seria mais difícil conviver com ele, mas não é nada do
que estava imaginando, ele se tornou parte de um todo.
As crianças estavam terminando de se servir, Leo os ajuda, a mesa
tem cadeiras de um lado e banco modulado do outro, os pequenos sentaram-se
nas cadeiras Tony e Raphael tocam as cabeças das crianças com carinho, cada
um senta de um lado da Leo. A primeira refeição com a família, foi cheia de
conversas e risos. As crianças contaram um montes de histórias sobre seus dias
de exploração na ilha e a comida não poderia ser melhor.
— Mamãe, cansamos de ficar de férias. — Gael inicia.
— Vocês querem ir para escola? — Leo fala com receio, as crianças
fazem que sim.
— Vimos alguns cursos superiores bem legais na cidade da costa. —
Gael continua.
— Mas vocês são tão pequenos… — Leo murmura.
— Não fica triste mamãe, a escola não é longe. — Gael consola e
Gaia segura a mão dela com carinho.
— E quais cursos vocês estão interessados? — Tony pergunta.
— Quero fazer engenharia e ciências nuclear. — Gael responde e
sorri pensativo.
— Eu vou fazer Ciência e Engenharia de Materiais. — Gaia
responde.
— Esses cursos são muito bons. — Raphael incentiva.
— Ah, sim eles dominarão o mundo! — Leo fala com voz afetada,
mas um pouco animada. — Se vocês acham que é a hora de seguir com os
estudos, eu não vou impedir. Desculpem por fazer cena. — Ela sorri para eles.
Tony, Raphael e Leo estão limpando a cozinha, quando ouvem as
crianças descerem correndo a escada.
— Nós vamos na vovó Ângela! — Eles falam juntos indo para porta.
— Miguel irá com vocês. — Tony avisa.
— Ah, papai não precisa de escolta. — Eles falam.
— O senhor Miguel está ajudando o vovô a montar o motor do
helicóptero. — Gaia protesta. — E depois a vovó fica aqui pertinho e não tem
perigo na ilha, nós até já nos livramos da bruxa. — Sua voz sai calma e cheia de
segurança, eles caminham para porta.
Os três se entreolham sem entender o que disseram.
— Parados! — Tony fala.
— Quem é a bruxa? E o que fizeram com ela? — Leo questiona.
Raphael segura o riso, pois as duas crianças fazem cara de quem
falou o que não devia.
— Gael e eu explorávamos a ilha, quando a brux…, quero dizer
Alessia, veio falar umas coisas feias sobre o sequestro dos papais, ela não havia
estudado suas jogadas, então fizemos a nossa. Provocamos e quando ela reagiu
levantando a mão para nos atacar, a tia Madalena a impediu, estávamos bem no
nosso jogo, mas foi a vovó Ângela, que fez o cheque mate quando deu um tapa
na cara dela e a ameaçou desconfigurá-la se levantasse a mão para nós de novo.
— Ela olha para Gael e ele continua.
— Todos se voltaram contra ela e a mandaram sair da ilha, o que ela
acabou fazendo enquanto vocês estavam com o papai no hospital. — Gael
termina.
— A minha mãe bateu nela? — Raphael pergunta incrédulo.
Eles responde com aceno de cabeça.
— Aquela bruxa maldita levantou a mão para vocês, eu deveria
matar ela! — Tony esbraveja agitado.
— Não Lyubov, ela não é nada e as crianças já cuidaram dela, como
você pode ver. Deixe isso… — Leo o abraça e ele se acalma visivelmente. —
Vão crianças, mas quando quiserem voltar para casa liguem e peçam escolta.
— Faremos, mamãe! — Eles saem porta fora. — Amamos vocês! —
Falam.
— Eu nunca vi minha mãe levantar a mão para alguém, exceto eu
quando falei merda. — fala incrédulo. — Isso me lembra uma coisa, — Leo e
Tony voltam para louça. — O que aconteceu com Sophie e a Valentina?
Tony e ele olham para Leo.
— Quê? Eu não tive nada a ver com isso, mas sabe a história do
plantar e colher, foi o que aconteceu. — Ainda olham para ela com expectativa.
— Olha, quando nos preparávamos para resgatar vocês, Joel e eu procuramos
por elas para saber onde estavam e se estavam envolvidas, acontece que depois
que você contou a Sophie sobre Saul e Valentina, ela limpou todas as contas de
Saul em paraísos fiscais e não satisfeita com isso vendeu Valentina para um
traficante de mulheres que a levou para um desses lugares que fazem pasta de
cocaína no meio da Amazônia — Ela os olha com aquele brilho debochado. —
Sophie mudou de nome e está na Escócia com o filho, mandamos um presente
de boas-vindas para ela, deixando claro que a vida de crime não compensa.
Vamos monitorá-la por um tempo, mas acho que ela não seguirá por esse
caminho, tirando esse rompante vingativo com Valentina ela nunca se envolveu
nos assuntos do pai. — Termina.

Todos estão esparramados pela sala assistindo Os Vingadores:


Guerra Infinita.
— Quando a DC aprenderá a fazer filme bom como a Marvel? —
Gaia divaga.
— A trilogia O Cavalheiro das Trevas, foi muito boa o terceiro nem
tanto, mas ainda sim tem seu valor. — Raphael oferece enquanto faz o símbolo
do infinito com o dedo despreocupado na perna da Leo que está com a cabeça no
colo do Tony e as pernas no seu colo.
— É tudo Christopher Nolan. — Gael expressa.
— Depois desses só vieram decepções. — Gaia entristece. —
Esquadrão Suicida, o que foi aquilo? — Murmura. — Nem devemos mencionar
a Liga da Justiça ou Batman vs Superman…, Martha? Sério?? — Ela finge
chorar.
— Teve a Mulher Maravilha, me surpreendeu. E as cenas de luta das
amazonas são quase tão legais quanto a dos Dothraki na sétima temporada de
Game of Thrones. — Tony opina.
Todos olham para ele em choque.
“Quanta heresia.”
— Nãooo… — Leo protesta e as crianças seguram o riso. — Você
não quis dizer isso?
— Zhizn, eu disse, quase. — Ele tenta puxar um sorriso com os
dedos no rosto sério dela. — Game Of Thrones ganha sempre, mas você tem que
concordar que a cena da amazona descendo na corda atirando as flechas, foi
muito legal.
Ela sorri e ele se abaixa para dar um selinho em seus lábios.
— Essa cena foi legal mesmo. — Sorri. — E há esperanças para
Aquaman. Nada que Jason Mamoa faz é ruim. Tenho certeza que ele será o
único a fazer o pior uniforme de todos os tempos, numa roupa viril e altamente
atrativa. — Ela suspira.
— Ei! — Raphael protesta enciumado.
— Esquece Raphael, não segue por esse caminho. — Tony alerta,
sinalizando negativamente com a cabeça.
— Amor, ele é inofensivo! É somente um ídolo nada sério. — Leo
esclarece com muito pouca segurança.
— Mamãe, que feio. É sério sim, pai! — Gaia se volta para a mãe.
— Lembra quando fomos de férias para uma cidade em que ele estava gravando
e nós ficamos hospedados no mesmo hotel que ele? — Gaia fala seria.
— Mas precisamente no quarto de frente ao dele. — Gael continua.
— Quando papai descobriu, ele contou para todo mundo da família e o titio
começou a falar sobre você realmente precisar de tratamento psiquiátrico. E teve
a foto dele te abraçando e empurrando o papai para longe, que você esconde na
sua mesa de trabalho para o papai não rasgar de novo como fez com a que você
colocou no mural.
— Isso foi o mais engraçado, o papai é maior, mais forte e mais
bonito. E o Jason ficou com medo, porque o papai ficou muito bravo. — Gaia
conta.
Tony vira-se para ela e beija-a.
— Obrigado princesa, foi difícil aquelas férias. — Fingiu muxoxo e
Gaia o beija de volta.
— Anjo?
Ela o olha com as bochechas vermelhas.
“Tão linda.”
— Foi coincidência! — Explode.
— E você continua dizendo, mas contra fatos não há argumentos…
— Gael fala sério, fazendo todos rir.

É meia-noite e Leo rola na cama a todo momento.


— O que foi? — Raphael se preocupa.
— Ele está sozinho e se tiver febre? Ou passar mal? — Ela murmura.
— Anjo, ele está bem. Se precisar de alguma coisa ele irá nos
chamar. — Tenta acalmá-la.
Funciona, ao menos ele acha, porque quando acorda a cama está
vazia e no relógio marca 01:30 da manhã.
— Anjo?
Nota a luz do banheiro apagada, ele se levanta e vai para o lugar
obvio, a encontra deitada ao lado de Tony com a perna e o braço agarrando-o.
Raphael levanta a coberta, se deita ao lado dela passando o braço em sua cintura.
— Ela tem medo por causa dos remédios que estou tomando para dor
e porque também quase morri em uma overdose. — Tony explica sussurrando
para não acordá-la.
— Não precisa explicar, tudo ficará bem.
Raphael se aconchega em seu corpo pequeno e dorme em paz.

Paris está fechando a porta para o calabouço e não havia notado a


presença de Raphael.
— Ah! — Solta um gritinho de susto e põe a mão no coração. —
Tudo bem? — Ela pergunta.
Ele olha dela para porta travada e de volta a ela que sorri
evasivamente.
— Sim, eu estava voltando da minha mãe. — Raphael responde
ainda olhando para porta fortemente fechada. Paris caminha para seu lado e
juntos seguem para suas respectivas casas. — E você como está? — Olha uma
última vez para a porta de onde ela havia saído.
— Meus filhos e netos estão felizes e saudáveis, eu não poderia estar
melhor. — Ela sorri desta vez é autêntico e afetivo. — Fique bem, querido! —
Ela se aproxima e o beija no rosto com carinho depois caminha pelo jardim
japonês indo para casa.
“Ela está escondendo algo.”
Com certeza.
Leo e Antony estão no escritório que foi planejado para os três, em
um lado Leo tem sua estação de trabalho com seus múltiplos monitores e
supercomputador, no outro é a estação de Tony, com seus monitores mostrando
várias bolsas de valores e seu próprio supercomputador, o lado de Raphael é algo
a se dizer, Leo e Gael não pouparam esforços ou recursos, Raphael tem claro um
supercomputador, mas também, uma super mesa gráfica e uma mesa para
projetos, sem contar a vista para todo o lado externo de casa. Quando Leo
mostrou o escritório ela lhe explicou que a vista seria melhor aproveitada por ele
que precisa de inspiração para criar seus projetos, já que ela e Tony mantém o
foco nos monitores.
— O que tem no calabouço?
Tony olha por cima do monitor e Leo gira na cadeira para ficar de
frente para ele.
— Bem… — Ela começa e olha para Tony e depois para ele. —
Álvaro pode ou não estar hospedado no porão. — Tony soltas risos baixos entre
uma tosse fingida, mas para quando ela o olha séria.
— Ele está esse tempo todo aqui?
Ela faz que sim com rosto apreensivo.
Faz uma semana que haviam voltado para casa e ele não
necessariamente procurou saber sobre o Álvaro com mais precisão.
Olha para Leo ainda apreensiva e dá de ombros.
— Ele pretende ficar hospedado por muito tempo?
Tony sorri abertamente, Raphael anda até Leo que fica em pé para
ele se sentar e ela senta-se em seu colo.
— Bom, eu prometi uma morte tortuosa, talvez mais duas semanas
ou um mês. Ele já tentou se matar duas vezes, mas a senhora Kala o trouxe de
volta deixando claro que somos nós a fazer o check-out dele.
Raphael envolve o braço por suas costas enquanto a outra mão
acaricia a perna dela.
— Você lhe deu opções, mas ele preferiu ignorar. — Beija-a na
bochecha e desce para seu pescoço a pele dela se arrepia com seu toque. — Qual
foi o presente que mandaram para Sophie? — Pergunta agora interessado.
Mas depois que falou em voz alta, não tem certeza se quer saber a
resposta.
— A mão esquerda do pai. — Responde displicente. — Como está a
Ângela? — Leo pergunta encostando a cabeça na curva do pescoço dele e
acariciando seu peito.
— Bem, depois do episódio com Alessia os moradores da Ilha estão
brincando sobre não mexer com ela, porque apesar do rosto amável ela vira uma
fera se provocada e ninguém quer que aconteça de novo. — Sente seu sorriso.

A sala de criação que antes estava cheia de falatório fica silenciosa,


Raphael olha para os lados e as pessoas que estão trabalhando com ele no projeto
para um museu do tipo: Científico, Histórico e Memorial, estão admirando Leo
que caminha majestosamente por entre as pessoas, ela cumprimenta e sorri para
os todos que se derretem, mesmo os colaboradores ao seu lado ficam na
expectativa de ter um vislumbre da atenção dela.
— Boa tarde! — Ela os cumprimenta e caminha direto para ele sem
dar um segundo olhar para ninguém. — Amor! — Raphael a beija.
— Que surpresa maravilhosa, meu dia acabou de melhorar. —
Sussurra e beija-a na testa.
— Fico feliz de ser o motivo. — Seu sorriso brilhante resplandece
em seus olhos verdes translúcido radiando alegria.
— Precisa de alguma coisa? — Oferece.
Os colaboradores voltam ao trabalho e ao falatório de antes, leva-a
pela mão para sala que divide com Tony já que fica mais na criação e não há
sentido ter uma sala exclusiva, assim dividem uma e Alina fica com a outra.
— Não, eu tive uma reunião com Mateus e resolvi subir e dar um
olá. — Dentro da sala, a beija novamente, esse é mais apaixonado. — Olá! —
Ela sussurra quando se afastam, ficam ligados apenas por suas testas e a ponta
do nariz.
— Olá! — Sussurra de volta.
Ouvem o limpar de garganta e olham de onde o som vem.
— Olá! — Tony fala por cima do monitor.
— Lyubov, como você está? — Ela corre e senta no colo dele,
salpicando beijos por seu rosto, fazendo-o rir.
— Melhor agora. — Ele dá um selinho nela.
— Vamos almoçar? — Ela os convidam cheia de ânimo.
Como se fossem negar a qualquer hora passada com ela.

Ela o monta toda sorridente.


O que eu não faria para ver esse sorriso todos os dias?
“Nada.”
Leo se inclina provocando-o com a boca, as mãos dele sobem por
suas pernas e quando chegam entre elas sente a umidade.
— Sempre tão molhada para mim. — Passa o dedo em seu clitóris e
bebe seu gemido de prazer.
Toc, toc…
— Pai?
Como o apertar de um interruptor o sangue de Raphael corre para
fora da área em que estava concentrado, sorrindo Leo o desmonta para que ele
possa ver o que a sua filha precisa. Ele arruma a calça do pijama ante de abrir a
porta.
— Oi princesa, o que faz acordada essa hora? — Abaixa para ficar
na altura dela, coloca o cabelo que fica em seu rosto atrás da orelha.
— Temos um problema, vem… — Ela sussurra olhando para Leo
por cima do seu ombro, leva-o pela mão para o corredor indo para o quarto dela,
entram e fecha a porta, Gael está sentado na cama com rosto inexpressivo.
— Acontece que assim que vimos ele, nos apaixonamos…, então o
trouxemos para casa e agora não sabemos como contar para a mamãe e o papai,
porque nunca tivemos nada parecido com isso antes, é algo sem precedentes.
Raphael cruza os braços olhando de um para outro e vice-versa
tentando entender do que se trata, até que a bolinha de pelo branco e marrom do
tamanho da mão dele corre para seu pé.
— Mamute não…
É, foi tarde, o pé de Raphael já estava molhado.
Gael corre e pega o minúsculo cachorro e leva-o ainda mijando para
o banheiro.
— Desculpa pai, ele é filhote e ainda não ensinamos ele a fazer xixi
no tapete higiênico. — Ele coloca o cachorro no banheiro e fecha a porta.
— De onde ele veio? — Sacode o pé molhado, enquanto as duas
crianças seguram o riso.
— Do abrigo de animais que a tia Amélia cuida, ele é só um bebê. A
mamãe dele morreu no parto, os outros filhotes foram todos adotados mas o
Mamute foi o único que ficou. — Gaia explica temerosa e ansiosa.
— O melhor jeito é contar a verdade a todos logo, assim o pequeno
Mamute poderá ficar em um lugar melhor que dentro do banheiro.
— Mas pai… E se a mamãe e o papai não deixar? — Eles temem.
— Falarei com eles logo de manhã, por enquanto deixaremos o
Mamute onde está. — Seus sorrisos são esperançosos. — Ele será
responsabilidade de vocês, a alimentação, limpeza e adestração. Amanhã
veremos coisas como vacina e veterinário.
Eles pulam para o abraçar.
— Obrigado pai, prometemos que iremos cuidar de tudo que o
Mamute precisar. — Ambos falam juntos.
— Quem deu esse nome a ele?
— Eu. — Gaia responde sorrindo. — É uma incongruência, a tia
Amélia, falou que ninguém o levou porque ele era o menor da ninhada e
acharam que ele não duraria muito. — ela fala com pesar.
— Sabe de uma coisa, esse nome é perfeito! Sinto que esse cachorro
tem um coração enorme para fazer as duas melhores crianças do mundo, arriscar
ficar de castigo por meses só para tê-lo na vida delas. — Beija-os na cabeça. —
Vamos limpar essa sujeira para que amanhã possamos apresentá-lo sem nenhuma
mácula no currículo.
Limpam o chão e o tapete do quarto, Raphael lava os pés no
banheiro e repara nas vasilhas de leite, comida e água, além do tapete higiênico
para o cachorro.
— Pelo jeito vocês pensaram em tudo. — Eles concordam e fazem
carinho no cachorro. — Certo, agora cama. — Gaia é a primeira a pular na cama
e Gael segue do seu lado. — Gael, você vai ficar aqui?
— Vou sim, porque se o Mamute ficar com medo à noite, Gaia e eu
revezaremos cuidando dele.
Raphael se surpreende com o nível de dedicação.
— Mas que isso não se torne hábito, ele é como bebê de verdade e
quanto mais vocês oferecem a ele, mais pedirá. — Cobre as crianças e os beija
na testa desejando boa noite.
Volta para o quarto, para encontrar Leo dormindo, mas nada o
impede de acordá-la e iniciar de onde pararam.

As crianças descem quietas de seus quartos, Tony e Raphael colocam


a mesa do café enquanto Leo termina de arrumar o quarto.
— Ah! Um rato!
Escutam algo cair no chão e o bater forte de uma porta, as crianças
são as primeiras a correr, Tony e Raphael seguem atrás.
— Mamãe, não machuca ele!! — Eles gritam.
— Me expliquem, porque tem um rato no banheiro? — Ela levanta
do chão embolada em um monte de roupas para lavar.
— Não é um rato mamãe é o Mamute. — Gael começa a pegar as
roupas do chão e colocar de volta no cesto de roupas. — Você se machucou? —
Ele avalia a mãe preocupado.
— Não, pequeno elfo, estou bem, eu me assustei e tropecei.
Tony abre a porta do banheiro e o pequeno Mamute corre trêmulo e
chorando para as crianças, Gaia o pega no colo e sussurra para ele se acalmar.
— Como isso aconteceu? — Tony inicia forçando seriedade.
As crianças olham para Raphael com olhos gigantes e cheios de
esperança, depois cópias adultas desses mesmos olhos o encaram com seriedade.
— Eles trouxeram o Mamute ontem do abrigo da Amélia, ficamos de
contar a vocês sobre a presença dele agora no café da manhã. — Justifica.
Os três adultos encaram as crianças que se abraçam e protegem o
Mamute que tenta pular do colo deles.
— Vamos cuidar dele, vocês não precisam se preocupar, tudo que
queremos é dar uma casa com amor e carinho para ele. Tadinho! A mamãe dele
morreu, ele não tem ninguém… — Gaia fez bico de choro e seus olhos ficam
marejados.
“Meu senhor, ela é como a mãe.”
— Por mim tudo bem. — Tony fala se aproxima das crianças e
oferece a mão para ver o cachorro de perto, eles colocam Mamute na mão dele
que ao segurar leva-o para perto do rosto, lá o cachorro o lambe e seu rabo
balança todo animado. — Ele é bonitinho. — Afasta o cachorro antes que lamba
seu rosto de novo e o coloca no chão que corre para Leo e lambe o pé dela em
reconhecimento e na hora que ele levanta a pata, Gael corre para pegá-lo e levá-
lo ao banheiro.
— Não pode fazer xixi na autoridade máxima, ela pode revogar seu
pedido de moradia assistida. Você não quer voltar para o abrigo, não é? —
Escutam ele disciplinar o cachorro.
— É isso, eu sou a autoridade máxima. — Leo se gaba levando o
cesto com a roupa suja com ela.
— Pai, você pode fazer um cercado no jardim para que ele não fuja?
E colocar portinha de cachorro na porta para ele poder sair? — Gaia pede.
— Com certeza, podemos fazer isso no final de semana, que tal?
Eles pulam satisfeito, enquanto voltam para a mesa do café da
manhã.
— Papai você pode comprar uma coleira com rastreador, para o caso
dele fugir? — Gael pede.
— Farei disso minha prioridade hoje. — Tony responde voltando
para cozinha.

Uma semana depois Leo é a pessoa que mais mima o


pequeno cachorro, Paris expandiu seu lance, para roupas e
acessórios caninos, a casa tem um monte de brinquedos de
cachorro espalhados pelos cômodos. O pequeno Mamute
depois de toda a alimentação banho e vacina conseguiu
crescer alguns centímetros e engordou trezentos gramas,
muito bom de acordo com a veterinária.
Heitor, Gohan e Miguel não qualificam Mamute como
cachorro, alegando que ele não tem tamanho e nem aptidão
para fazer segurança porque só dorme e quando alguém
aparece ele no máximo cheira a pessoa.
Naveen, Joel e Alina instauraram um rodízio de dias para
que eles possam ficar com Mamute na casa deles.
Kala é a que mais tem reclamações afetivas e nada sérias,
mas preocupantes sobre o cão. Por duas vezes ela achou que
ele havia morrido, quando na verdade ele tem o hábito
estranho de dormir com as patas para cima e a língua
pendendo para fora da boca. Quando ela o viu assim na
garagem pela primeira vez, achou que ele havia sido
atropelado. Algo recorrente que ela também se preocupa
muito é achar que o cachorro é suicida, porque sempre se
joga no lago das carpas.
A grande verdade é que Mamute fez amizade com elas por
isso as visita sempre que pode.

Faz quase dois meses que estavam morando juntos, Raphael assiste
Leo se vestir para iniciar o dia com treino na academia, yôga na praia ao nascer
do Sol e sexo no chuveiro.
— Anjo, ele já está recuperado, não vejo porque não podemos nos
casar, me dê um motivo para que isso não aconteça? — Intima.
Esse tem sido um assunto recorrente e a única farpa que ficou no
caminho, ele faz o pedido e ela sempre muda o foco, ora inicia sexo, ora
simplesmente fala do trabalho, mas nunca lhe dá uma resposta.
— Você sempre responde que sim, que adoraria, mas quando quero
marcar uma data, você foge do assunto.
Quanto mais o tempo passa e ela lhe nega uma resposta conclusiva o
assunto vem ficando sob sua pele, pinicando e incomodando, seus olhos o evita
propositalmente, suas bochechas coram ficando cada vez mais forte.
Eu sei… Eu somente sei que tem merda aí!
— Anjo, desembucha. Seja o que for, de hoje não passa. — Exige
cruzando os braços no peito e a encara, ela ainda está o evitando. — Eleonora!
— Ela pula com som elevado da voz de trovão como uma vez disse que ele tem.
— Você me ama? — Inicia com a voz contida e temerosamente
baixa.
— Te amo com tudo que sou. — Responde ainda sério. — Olha para
mim, não me prive dos seus olhos. — Ela levanta o olhar, seus olhos estão no
tom de verde que invoca tempestades carregados de medo. — Não precisa sentir
medo, só solta isso. — Fala contido controlando sua tensão.
— Antes de tudo, queria te dizer que não é o que parece e que não
fui deliberadamente desonesta. Foi por motivos administrativos e aconteceu há
muito tempo, muito tempo… — Ela começa a divagar. — Quando te conheci,
você estava inseguro em relação ao Tony. Tinha aquela faca da verdade pairando
sobre nosso relacionamento, o que tínhamos era delicado, frágil se comparado a
tudo que temos hoje. — Suspira, ele continua a encará-la. — Então as coisas
aconteceram e quando lhe contei a verdade naquela noite fatídica, falar disso
teria sido o golpe final. E eu tinha esperanças de você escolher a mim, mesmo
com tudo que te contei eu tinha uma chama minúscula, mas existente de que
você me aceitaria como sou, portando não lhe contei. — Ele se aproxima um
passo na direção dela, Leo está cada vez mais agitada e falando cada vez mais
rápido, ela dá um passo para trás. — Então, voltamos e tem a coisa da bola de
neve que vai crescendo, eu perdi o controle, só não sei como fazer para lhe
contar isso sem que você fique imensamente bravo e corra para longe de mim.
Eu te amo! Lembre se. Eu. Te. Amo! — Enfatiza.
Ele fica tenso vendo o quanto ela está inquieta.
— Anjo o que é isso? — Mais um passo para ela e ela dá outro para
trás.
— Eu já sou casada.
O coração de Raphael para uma batida, ela prende a respiração
enquanto seus olhos perscrutam os dele.
— Não… Você o quê? — Ela pula ao som alto e grave da voz dele e
corre para longe. — Eleonora, você não vai escapar disso! — Corre atrás dela.
— Pai? — Gael o chama parado no corredor vestido com pijama. —
Tudo bem? — Seus olhos sonolento estudam-no.
Respira profundamente e solta.
— Sim, a mamãe só está sendo um pouco dramática.
Gael dá um rolar de olhos.
— Oh, ela está naqueles dias? Por que se tiver o papai falou para dar
chocolate antes de qualquer coisa. — Aconselha.
— Esse é um ótimo conselho filho, obrigado. — Ele sorri e volta
para o quarto, antes de Raphael entrar no lugar que ela se escondeu, ele respira
fundo e entra sem bater. — Onde ela está?
Tony avalia-o.
— Não é o que parece, foi por motivos administrativos. Você
entende? Não estávamos brincando com você. — Ele fita-o tentando por algum
sentido em tudo.
— Eleonora, vem aqui agora! — Ordena.
— Raphael irmão, ela só estava esperando o melhor momento para
contar. — Tony tenta acalmá-lo.
Leo sai de trás dele vindo do closet.
— Ela teve infinitas oportunidades, mas ela escolheu não fazer. —
Embravece um pouco magoado.
— Amor, eu sinto muito. Estava com medo. — Ela se aproxima com
os olhos marejados.
Raphael assiste quando as barragens cedem e as lágrimas correm por
suas bochechas.
— Porra, não chora! — Puxa ela para ele e a abraça apertado.
— Zhizn, vocês ainda podem se casar. — Olham para Tony sem
entender. — Nosso casamento é válido somente onde fica a sede da nossa
empresa, mas nada impede de vocês se casarem aqui. — Ela suspira entre
soluços. — Isso ainda seria crime de bigamia, mas só se houver denúncia.
Raphael levanta seu queixo para que ela olhe em seus olhos.
— Estive tão perto de fazer isso com a pessoa errada e tudo que mais
quero é ter esse dia com você. Meus pais tiveram esse momento e meu pai
sempre falou em como foi o melhor dia da vida dele. E que quando eu achasse a
pessoa que fizesse meu mundo parar, esse dia seria também o meu. — Limpa
suas bochechas molhadas. — Não me importa o pedaço de papel onde isso
estará, o que me importa é termos esse dia para oficializar com a nossa família e
amigos. — Beija-a na testa, ela suspira pesadamente. — Se você tivesse falado
antes e não escondido a verdade eu teria lhe falado a mesma coisa.
— Viu, não foi tão difícil. — Tony fala.
Só agora Raphael percebe que ele está molhado e usando nada além
de uma toalha presa na cintura.
— Você ainda teria a opção do divórcio e por questões
administrativas, vocês poderiam ser sócios e não cônjuges. — Admoesta.
— É poderia, mas eu não quero. — Tony enfatiza.
— Lyubov, existia essa opção? — Leo pergunta e Tony desvia o
olhar dela. — Ah, sua raposa sorrateira! — Estoura.
— Anjo, você não sabia? — Ela faz que não, olhando para um Tony
muito deslocado, até um pouco temeroso.
— Nunca me interessei em estudar sobre leis e direitos patrimoniais,
mas parece que alguém aqui teve interesse. — Ela olha para Tony que parece
diminuir com a advertência na voz dela.
— Zhizn? — Tony se aproxima. — Eu não vou dar o divórcio. —
Afinca.
— Não vou pedir, mas isso não quer dizer que não fico triste por
você agir nas minhas costas, eu teria aceitado se você tivesse falado.
Tony segura a mão dela e a leva a boca.
— Desculpa, eu fui um idiota, possessivo. Tudo que queria era te
prender a mim de todas as formas possíveis, existiam aqueles seus parceiros e
fiquei com medo. Perdão. — Ele chora.
Ela o abraça, Tony abaixa e a beija com um selinho delicado.
— Raposa tolinha, sou seu cativeiro e você é o meu, não pode haver
um eu sem um você.
Ele a beija de novo e soluça.
— Oook…, agora devolve-me ela, tenho um pedido a fazer.
Ele a beija de novo e à solta, Leo está sorrindo.
— Anjo…
— SIM!!!! — Ela grita e pula em seu colo.
— Mas eu nem perguntei. — Segura ela apertado.
— Oh! — Ela se solta. — Desculpa, continua.
— Anjo, você me daria a honra em compartilhar sua vida com a
minha, os momentos coloridos e os pretos, os dias de luz e os de tempestade?
Seu coração avança, não, melhor. Ele pula em suas batidas.
“É isso ela é nossa, para todo sempre.”
Ela limpa o rosto choroso com a mão.
— SIM!!!

Os planos nem sempre são concretizados como idealizado


no início, para todo fim existe um meio. Os padrões nem
sempre se encaixam e as aparências muitas vezes enganam,
mas se diante das diversidades você encontra a felicidade,
siga por esse caminho. Somente isso te importa, no fim, as
coisas ficam, mas você não.
— Me despediria aqui, mas não partiria sem mostrar a
vocês como foi o grande dia para Raphael.
EPÍLOGO
RAPHAEL

Depois que Leo enfim aceitou o pedido de casamento, Raphael


orgulhosamente anunciou à família, mas o que acontece a seguir foi inesperado.
Paris de tão eufórica com os preparativos se transformou em
mãezilla da noiva e quase o levou à loucura, houve momentos em que ela
apareceu na construtora com infinitas opções de bolos, doces, cardápios,
sugestões de decoração e contratou não um, mas dois cerimonialistas para ajudá-
la.
— O que você esperava? — Leo parecia se divertir a cada momento
que ele se assustava com as proporções que seu casamento estava tomando.
— Acho que uma cerimônia simples e minimalista na praia ou no
jardim de casa…
Leo ri dele.
— Amor, é o primeiro casamento convencional em nossa família,
sendo assim, aproveite o passeio.
Apesar de ser o noivo, suas opiniões são constantemente ignoradas.
Até sua mãe participou de tal ato.
— Só mais dois dias… — Murmura deitando ao lado de Leo que
repassa sua lista de afazeres para o casamento.
— Na verdade, estou adorando tudo isso, podemos nos casar todos
os anos? — Ela sorri.
Raphael olha para seus olhos verdes que brilham mais que qualquer
estrela.
— Nada me faria mais feliz. — Ele fala engolindo a bola de pânico
que se forma na garganta. Fica por cima dela e começa beijar seu braço subindo
vagarosamente para o pescoço contornando o maxilar até chegar à sua boca
macia e saborosa. — Eu passaria por isso todos os meses pelo resto da minha se
isto te fizer feliz.
— Obrigada, mas sou feliz apenas por tê-lo ao meu lado. — Ela o
beija de volta.
Seus corações batem em sincronia enquanto se amam.

— Um motivo para não dormimos juntos hoje? — Insiste.


— Pai, é a convenção. O noivo não pode ver a noiva antes do
casamento. — Gaia fala enquanto o empurra para longe de Leo.
— Mas princesa, eu não consigo dormir longe da mamãe…
— Pai, é só uma noite. O papai dorme com você. — Ela sugere.
— Eu não quero o papai, eu quero a mamãe! — As crianças riem de
seu protesto.
— Amor, é apenas uma noite. Naveen está esperando vocês para a
noite de cavalheiros.
Tony e Gael ficam de cada lado dele e o arrasta para porta.
— Espere, espere… eu não ganho nenhum beijo das minhas
meninas? — Leo se aproxima e o beija apaixonada, em seguida Gaia o abraça e
ele a beija com carinho. — Cuida da mamãe. — Ela faz que sim. — Mamute,
vem!
Se a noite é dos meninos, macho nenhum ficará com a sua mulher, o
pequeno cachorro sai correndo do sofá para segui-los. Assim que passam pela
porta escutam as mulheres festejar.
— Você tem que se ver no espelho, está muito engraçado. — Tony
zomba.
— Ah para! Você teve anos dela, eu não. — Rebate.
— Isso nunca diminui, vai por mim. A questão é que finjo bem, mas
ao menos ela está a cem metros de distância. Quero ver quando você tiver que
viajar para visitar seus projetos.
Raphael o encara assombrado e Tony começa a gargalhar do seu
lado.
— Para papai, você só viaja porque tem as câmeras… — Tony tampa
a boca de Gael o impedindo de continuar.
— Quais câmeras?
Olhando de um para outro, Gael corre para dentro da casa de
Naveen.
— Não fale para elas, ou perdemos o acesso as câmeras que instalei.
— Tony confidencia.
— Onde elas estão? O que você assiste? Você armazena essas
imagens? — Interroga pasmado com que acaba de saber.
— Nos quartos, no escritório e no cofre da Zhizn. — Tony tenta fugir
do assunto.
— Termina. — Raphael segura-o.— Eu assisto ela, e agora você,
dormindo. Armazeno apenas as imagens do cofre por motivos de segurança, mas
apago uma vez no mês. — Tony responde ainda tentando entrar na casa de
Naveen.
— Dormindo? Você só nos assiste dormindo?
— Eu só acesso quando não estou em casa, nunca assisti nada
impróprio, se é o que quer saber. — Ele escapa de sua mão.
— Você pode me dar o acesso?
— Lhe darei, mas cuidado somente os homens da casa sabem das
câmeras. — Ele assevera.
A noite foi agitada com jogos de pôquer e games de várias
modalidades. Os cavalheiros tiveram uma manhã de spa masculino, com direito
a sauna, massagens, manicure, pedicure, barba e cabelo. Gael e Raphael
combinaram e trançaram os cabelos ao estilo viking.
As roupas escolhidas para os homens são cinza, com a camisa branca
e suspensórios com gravatas-borboleta combinando. Raphael, diferente dos
outros usa colete da cor da calça.
— Você quer ver como ficou? — Tony pergunta lhe entregando a
caixa da aliança.
Sabendo que Leo adora a aliança que Tony lhe deu, Raphael não
pensou em substituí-la, apenas em complementá-la, ele desenhou a aliança
inspirada nos detalhes da outra, de forma que pareça ser uma única peça e pediu
a Tony que mandasse ser fabricada pelo joalheiro dele.
— Você viu? — Tony faz que sim. — Ficou bom?
— Ultrapassou minhas expectativas! Quero até que você desenhe as
próximas joias dela. — Elogia.
Raphael fica satisfeito e devolve a caixa para ele.
— Se é assim, quero ver com ela na hora.
Tony guarda a caixa no bolso.
Mamute vem correndo na direção deles ao lado de Gael e tenta tirar a
gravata borboleta do pescoço.
— Mamute, não! Todos os homens usam gravata hoje. — Gael o
repreende, o cachorro parece entender o comando porque se senta e fica
abanando o rabo em expectativa. — Bom menino. — Gael tira um petisco do
bolso e lhe entrega.
O fotógrafo os registra enquanto se arrumavam, e depois fizeram
uma série de poses sugeridas por Joel e Naveen muito engraçadas.

Anjo
Como está?
05:26 pm

Raphael
Ansioso. E você?
05:26 pm

Anjo
Muito ansiosa, falta pouco…
05:26 pm

Raphael
Posso te ver…
05:27 pm

Anjo
Agora…
05:27 pm

Raphael
Sim. Por favor, um beijo.
E tudo que peço…
05:27 pm

Estou implorando…
Um beijinho…
05:28 pm

Anjo
Entrada da lavanderia, corre…
05:28 pm

Escondido dos outros cavalheiros, ele se esgueira para a lavanderia.

Raphael
Onde você está?
05:30 pm

Anjo
Feche os olhos, não vale espiar.
05:30 pm

Faz o que pede e ouve alguém se aproximar, reconhece o perfume


inconfundível e respira-o com felicidade.
— Você está lindo! — Leo toca seu rosto, ele segue seu toque como
se estivesse hipnotizado, sente ela se aproximar e levanta mão para tocá-la. —
Sem toque. — Ele obedece.
Logo sente o calor da respiração dela e os lábios nos dele. Chega a
doer não poder senti-la em seus braços. Se separam e Raphael fica com desejo
de mais.
— Conta até dez para abrir os olhos. — Ela lhe dá um selinho
rápido, sente a brisa de seu perfume e seus passos se afastando apressadamente.

Anjo
Te amo!
05:35 pm

Raphael
Te amo mais!
05:35 pm

Quando volta, Tony lhe dá um levantar de sobrancelha e um sorriso


torto de cumplicidade, a cerimonialista anuncia que está na hora.
Tanto a festa quanto a cerimônia é na praia do convento, agora
privatizada pela família. Ele não foi consultado para nada sobre a decoração,
mas com certeza não esperava por algo como isso. Paris e Leo fundiram seus
gostos com maestria, tem o brilho adorado por Leo e a simplicidade que ele leva
consigo. Pequenos candelabros suspensos, no que parecia ser chuva de cristais
sob as cabeças dos convidados e uma variedade de flores brancas. A sensação é
de entrar em um mundo paralelo, o sol bate nos cristais que refletem para todos
os lugares, como obra de arte irradiando calor e luz. Ao fim do corredor um
gazebo está montado na areia, decorado com flores brancas e um véu azul-claro
que flutua com a brisa. Tanto os convidados como Raphael estão maravilhados.
Ângela o encontra para acompanhá-lo até o altar.
— Seu pai onde estiver, estará feliz por você conseguir achar a
mulher capaz de fazer seu mundo parar.
— Ela não faz meu mundo parar. Ela é o meu mundo. — Ele a beija
na cabeça.
— Isso é tudo que eu sempre quis para você… — Ângela o abraça.
Tony, Paris, Naveen e Alina entram como padrinhos, Tony fica do
lado de Raphael tão ansioso quanto ele. A banda de piano e cordas silenciam
para Chamber começar os primeiros acordes da música deles. Os convidados se
derretem ao vê-lo e de onde está Raphael pode ver Luka quase cair da cadeira e
Micael segurá-lo um pouco mais forte.
Gaia entra radiante em seu vestido de renda branca com uma coroa
de flores no cabelo. Gael ao seu lado sorri timidamente segurando a mão dela e
ao lado deles segue Mamute preso a uma coleira delicada de brilhantes,
acompanhando os passos das crianças. Os convidados são só sorrisos e suspiros.
Olhando as crianças se aproximar, Raphael não percebe Leo surgir,
mas quando a nota acompanhada de Heitor, nenhum ar seria possível de respirar
e nenhum chão seria capaz de mantê-lo em duas pernas. O vestido de renda
branca com pouca transparência tem o decote delicado, as alças pendentes com
pequenas flores que parecem brotar do vestido, fazendo parecer ganhar vida em
seu corpo. O cabelo está preso, mas têm pequenas mechas displicentes caindo
em seu rosto. A coroa em seu cabelo é inspirada na aliança que desenhou.
Raphael olha para Tony.
— Eu lhe devia uma coroa…
O buquê de flores brancas e hortênsias levemente azuladas, parecem
fazer parte do vestido. Ela reflete e transcende beleza. Caminhando para ele, está
a anjo que lhe ofereceu sua luz e alegria, quando achava que só existia escuridão
e tristeza.
Antes de Heitor fazer o rito de passagem de pai para noivo, ele a
beija em sua testa com carinho e sussurra algo que faz Leo sorrir e acenar um
sim, então ele transfere para as mãos trêmulas de Raphael a mão firme e segura
de Leo.
— Você está maravilhosa! Eu sou um homem de sorte! — Sussurra
para ela.
Leo lhe sorri em resposta em seguida se abaixa e entrega o buque
para Gaia.
— Você é a noiva mais bonita do mundo, mamãe! — Gaia sussurra
enquanto Leo a beija na testa.
— Você está tão linda quanto. — Responde a Gaia que se afasta logo
em seguida sorrindo.
Mateus inicia a cerimônia discursando sobre amor, provação e
aceitação, mas Raphael não consegue prestar atenção em nada que não seja ela.
— Raphael, seus votos…
Suspira profundamente e sorri, caído de amor por ela.
Tudo que meu pai disse é verdade.
Somente o dia em que a conheceu pode ser comparado com o agora.
— Eu, Raphael Verona, juro amar-te por quem é. Todas as cores, sem
exceção… — Respira e tenta segurar as lágrimas. — Juro valorizar cada dia em
que estivermos juntos como se fosse o último, amar sua família como a minha
própria e estar lá para eles no que for preciso. — Limpa uma lágrima fujona com
a mão. — Mesmo que a morte me leve para longe, irei te amar com a mesma
intensidade e à sua luz me guiará de volta a você. — Respira entrecortado. — Na
presença de todos, este é meu voto.
— Eleonora, seus votos. — Mateus indica.
Ela limpa suas próprias lágrimas fujonas com delicadeza.
— Eu, Eleonora Gozen, juro amar-te por quem é. Todas as cores,
sem exceção. Vou amar e cuidar da sua família como se fosse a minha e estar lá
para eles no que for preciso. — Ela sorri timidamente e aperta a mão dele com
delicadeza. — Cada dia conquistado, me trouxe a esse momento e nada disso me
preparou para o privilégio de ser sua e receber você. Quando a morte nos afastar,
nem mesmo ela me impedira de te amar e reencontrá-lo, à sua luz me guiará de
volta a você. — Seus olhos verdes como esmeralda, segura os dele. — Na
presença de todos, este é meu voto.
Tony entrega as alianças para Mateus.
— Com todos aqui presentes, que essas alianças sejam para Raphael
e Eleonora um símbolo do amor infinito, para lembrá-los dos votos e do
compromisso que fizeram nesse dia. — Mateus entrega a aliança dela a Raphael.
— Eleonora, receba esta aliança como sinal do nosso casamento,
com meu corpo eu te honro. Entrego a você tudo que sou e tudo que tenho.
A joia é formada por pequenos arabescos florais, com minúsculas
safiras azuis e diamantes roxos, ela se encaixa com perfeição protegendo a
grande pedra verde e os dois pequenos diamantes a sua volta. Seu sorriso prova
o quanto ela gostou.
Leo pega sua aliança com Mateus.
— Raphael, receba está aliança como sinal do nosso casamento, com
meu corpo eu te honro. Entrego a você tudo que sou e tudo que tenho.
A aliança de corte bruto têm ranhuras de onde brotam pequenas
esmeraldas, preenchendo com belezas suas imperfeições e se encaixa
perfeitamente em seu dedo anelar.
— Na presença de todos, Raphael e Eleonora deram seu
consentimento e trocaram seus votos matrimoniais, portanto eu os declaro
marido e mulher. — Mateus anuncia.
Eles sorriem um para o outro e quando pode Raphael a leva em seus
braços e beija-a ansioso, como se estivesse morrendo e ela fosse sua salvação.
— Eu te amo!
— Eu te amo mais! — Ela responde.
Enquanto os convidados migram para onde será a recepção, Leo, ele,
as crianças e Tony, posam para as primeiras fotos oficiais de casal e da nova
composição da família.
— Eu acho que posso explodir como fogos de artifício de tanta
felicidade. — Beija-a no rosto.
— Se é assim que nomeia o que estou sentindo, somos dois. — Leo
responde devolvendo o beijo.
Raphael traça com o dedo a pulseira no pulso dela e nota a mudança.
— Quando foi isso? — Pergunta olhando a pedra azul onde antes
tinha um diamante roxo, agora forma o padrão de um diamante roxo e um azul
seguida do X em ouro.
— Tony pediu a pulseira para limpar e devolveu hoje, junto com a
coroa. Ele disse que você também deve ser representado nela.
A pedra é azul acinzentada como seus olhos, da mesma forma que as
pedras roxas representam os olhos de Tony.
— A aliança é linda. Muito obrigado por desenhá-la. Eu amei!
— Ela não se compara a você. — Raphael leva sua mão à boca e
beija onde está o anel.
A festa inicia junto com o pôr do sol, nada neste dia é capaz de fazer
com que ele desvie os olhos dela, mesmo quando dança com a mãe, ela rouba
sua atenção.
— Ela está linda, e não digo isso pelo vestido, sua esposa irradia
felicidade assim como você. Nada é mais belo que isso. — Ângela toca seu
rosto. — Vocês merecem! Como mãe, não poderia desejar nada melhor ao meu
único filho do que alguém que arriscaria tudo para protegê-lo.
— Ela faz, assim como também faço por ela. — Ele abraça a mãe
apertado e acaricia seu rosto antes dela se afastar e ir para Adriano que a espera
para a próxima dança.
— Pai, é minha vez.
Raphael pega a mão de Gaia.
— Você não imagina como estava ansioso por nossa dança, princesa
Gaia da Ilha de São Pedro. — Ela sorri e se curva em agradecimento, como uma
princesa.
Os noivos dançam com vários parceiros até que se reencontram.
— Esposa?
— Marido?
— Quer dar um passeio? — Ela faz que sim, eles fogem da festa
indo para a praia longe de todos, caminham de mãos dadas no limite da maré. —
Foi em uma noite assim que clamei ao universo um milagre. — Ela está olhando
para o céu e ele para seu rosto de perfil, como na primeira noite. — E tão
prontamente ele me trouxe você. — Ela o olha e sorri, um sorriso tímido. —
Obrigado, universo, por me ouvir! — Declama ao vento.
Suas testas se encostam e como na primeira vez os lábios dela
acariciam-no tão leve quanto a brisa que vem do mar. Sua respiração acelera ao
sentir o choque leve, derivado do contato íntimo. Seu perfume o rodeia e se
mistura com o cheiro do mar tornando-o ainda mais único. O beijo inicia
exploratório e tímido enquanto o reconhece.
Raphael pode vislumbrar os portões e no tocar das línguas, ele
adentra no paraíso.

Desde que os beijos foram criados, apenas alguns poucos


se qualificam para serem os melhores, esse definitivamente é
um deles.
— A quem acompanhou até o fim, obrigado! Não foi meu
melhor momento quando falhei com eles, mas com certeza
este é. Eu criei múltiplos caminhos para cada uma dessas
pessoas, cruzá-los em um único não foi fácil. Estou
imensamente feliz e satisfeito com o caminho que se inicia
agora.
SOBRE A AUTORA

Desde de criança sempre gostava de inventar minhas próprias


histórias, iniciei carreira no mundo administrativo, onde aprendi muito sobre
pessoas e o mundo. Logo meu fascínio por leitura me fez começar a escrever
meu primeiro livro, Caminhos Cruzados.

Para saber mais sobre esse livro, os próximos


ou falar com a autora acesse os links abaixo:

[1]
Led é a pronúncia da palavra gelo em russo, no original se escreve assim лед.
[2]
Gretchka é conhecido como trigo sarraceno, no Brasil pode-se equiparar ao arroz.
[3]
Your Song, Elton John 1970
[4]
Divindade hinduísta, Ganesha reconhecido como o deus com cabeça de elefante, é a
divindade que remove obstáculos, o patrono da sabedoria, das artes e da ciência.
[5]
Os bankers são cibercriminosos que utilizam técnicas hacker para roubar informações de
acesso à Internet Banking e desviar o dinheiro das vítimas para outras contas.
[6]
Divindade hinduísta, Lakshmi é a deusa da prosperidade e da riqueza, também representa
a energia feminina do ser supremo em todas as suas facetas.
[7]
Divindade hinduísta, Rama, símbolo da fraternidade é a personificação do sacrifício e
sobretudo um guerreiro inigualável.
[8]
Divindade Hinduísta, Vishnu é o deus protetor, suas qualidades são incontáveis e dentre
elas se destacam a onisciência, a soberania, a energia, a força, o vigor e o esplendor.
[9]
Can't help falling in love-Elvis Presley,1961
[10]
Divindade hinduísta, Hanuman simbolicamente representa a devoção pura, a ausência de
ego ou egoísmo representa a natureza em toda a sua beleza e é por isso que apresenta traços físicos de um
macaco, mas também de um ser humano.
[11]
Wallis, Duquesa de Windsor, ela se casou com Eduardo VIII do Reino Unido. Dentre os
vários presentes que deu a sua amada a pulseira com pingentes de cruzes é considerada a mais significativa
emocionalmente.
[12]
WE são as iniciais do nome Wallis e Eduardo. WE are too significa em inglês Nós
somos demais ou Wallis e Eduardo são demais.
[13]
Sensei é instrutor de arte marcial.
[14]
Jodhpuri ou terno Bandhgala, é um terno formal da Índia.
[15]
Sári é um traje tradicional das mulheres na Índia no Nepal é chamado de Guniu.
[16]
Cholo ou Choli é uma blusa colada no corpo por baixo da tira de tecido.
[17]
Uma das extremidades que tem a borda mais estampada e adornada do tecido que forma
o sarí e fica solto e mais visível por cima do ombro.

[18]
Torá é o texto sagrado do judaísmo, a Torá é composta pelos primeiros cinco livros da
Bíblia hebraica (chamada pelos cristãos de Antigo Testamento).
[19]
Alcorão é o livro sagrado do Islã.
[20]
Os Vedas são os textos mais antigos do hinduísmo.
[21]
Supernova é um evento astronômico que ocorre durante os estágios finais da evolução de
algumas estrelas, que é caracterizado por uma explosão muito brilhante.
[22]
Mise en place é um termo francês que significa “pôr em ordem”. É de fundamental
importância que antes de qualquer ação dentro de uma cozinha.
[23]
É uma expressão usada para pais que estão sempre sobrevoando os filhos, observando e
controlando tudo que eles fazem.
[24]
Lollipop significa pirulito em inglês.

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