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INSTITUTO SUPERIOR MONITOR

GESTÃO INTERNACIONAL DE
RECURSOS HUMANOS

Unidade I

OS DESAFIOS DA GESTÃO NA ERA DA


GLOBALIZAÇÃO

Instituto Superior Monitor


Março de 2012
GESTÃO INTERNACIONAL DE RECURSOS HUMANOS

Ficha Técnica:

Título: Gestão Internacional de Recursos Humanos – Os desafios da gestão na era da globalização


Autor: João Feijó
Revisor (a): Tânia Uamusse
Execução gráfica e paginação: Instituto Superior Monitor
1ª Edição: 2012
© Instituto Superior Monitor

Todos os direitos reservados por:

Instituto Superior Monitor


Av. Samora Machel, nº 202 – 2.º Andar
Caixa Postal 4388 Maputo
MOÇAMBIQUE

Nenhuma parte desta publicação pode ser reproduzida ou transmitida


por qualquer forma ou por qualquer processo, electrónico, mecânico
ou fotográfico, incluindo fotocópia ou gravação, sem autorização
prévia e escrita do Instituto Superior Monitor. Exceptua-se a
transcrição de pequenos textos ou passagens para apresentação ou
crítica do livro. Esta excepção não deve de modo nenhum ser
interpretada como sendo extensiva à transcrição de textos em
recolhas antológicas ou similares, de onde resulte prejuízo para o
interesse pela obra. Os transgressores são passíveis de procedimento
judicial.
ii Índice

Índice
PRECISA DE AJUDA? ................................................................................................... iii
EXERCÍCIOS DE APLICAÇÃO ..................................................................................... v
AVALIAÇÕES ................................................................................................................. v
DURAÇÃO ....................................................................................................................... v
SEUS COMENTÁRIOS .................................................................................................. vi
ACERCA DESTA DISCPLINA ..................................................................................... vi

UNIDADE I – OS DESAFIOS DA GESTÃO NA ERA DA GLOBALIZAÇÃO viii


ESTRUTURA DA UNIDADE I.................................................................................... viii
CAPÍTULO I – A GLOBALIZAÇÃO ............................................................................. 9
OBJECTIVOS ESPECÍFICOS DO CAPÍTULO ............................................................. 9
1.1. INTRODUÇÃO AO CONCEITO DE GLOBALIZAÇÃO ...................................... 9
1.2. A EVOLUÇÃO DO FENÓMENO DE GLOBALIZAÇÃO ................................... 10
1.3. CARACTERÍSTICAS DO PROCESSO DE GLOBALIZAÇÃO .......................... 14
1.4. AS CRÍTICAS À GLOBALIZAÇÃO ..................................................................... 18
QUADRO SINÓPTICO ................................................................................................. 23
EXERCÍCIOS ................................................................................................................. 24
CAPÍTULO II – INTERNACIONALIZAÇÃO DE EMPRESAS E DESAFIOS PARA
A GESTÃO DE RECURSOS HUMANOS.................................................................... 25
OBJECTIVOS ESPECÍFICOS DO CAPÍTULO: .......................................................... 25
2.1. MOTIVOS PARA A INTERNACIONALIZAÇÃO DAS EMPRESAS ................ 25
2.2. ALGUMAS PRECAUÇÕES A ADOPTAR NUM PROCESSO DE
INTERNACIONALIZAÇÃO ......................................................................................... 28
QUADRO SINÓPTICO ................................................................................................. 31
EXERCÍCIOS ................................................................................................................. 32
BIBLIOGRAFIA ............................................................................................................ 33

ii
GESTÃO INTERNACIONAL DE RECURSOS HUMANOS

PRECISA DE AJUDA?
No caso de dúvidas sobre os conteúdos desta unidade, por favor
contacte o respectivo tutor. O numero do tutor será disponibilizado
pela sua faculdade, podendo também consultar os contactos e
Ajuda horários do tutor através do site: http://www.ismonitor.ac.mz/ ou
através da página facebook: http://www.facebook.com/ismonitor/.
Uma vez que é um estudante universitário, as suas técnicas de
aprendizagem deverão ser distintas das que utilizava durante o
ensino secundário, em regime presencial.
Nesta licenciatura, o aluno deverá assumir uma maior autonomia,
isto é, uma maior capacidade de gestão responsável do seu tempo.
Por este motivo, importa que construa um programa de estudos
realista e que o cumpra rigorosamente, seleccionando horários e
locais tranquilos para estudar.
Faça uso dos diversos recursos referenciados nesta unidade e
mobilize a sua motivação profissional e/ou pessoal para adequar as
suas actividades de estudo a outras responsabilidades profissionais,
sociais e pessoais. Partilhe as suas aprendizagens com os outros.
Usufrua das várias formas de apoio disponíveis mas,
fundamentalmente, procure controlar o seu ambiente de
Técnicas de Estudo aprendizagem.
Recomendamos que consulte o horário de atendimento do tutor e
que entre em contacto com o mesmo sempre que sentir alguma
dificuldade.

Para melhor desenvolver os seus conhecimentos poderá consultar a


bibliografia recomendada, dirigindo-se à biblioteca do Instituto
Superior Monitor, localizada na Av. Samora Machel em Maputo, ou
a outras bibliotecas em Moçambique, acompanhado do seu cartão
de estudante.

No final de cada unidade é providenciada uma lista de bibliografia e


de referências na internet que poderá consultar. A biblioteca virtual
do ISM inclui livros digitalizados, artigos, websites e outras
referências importantes para esta e outras disciplinas, que deverá
utilizar na realização de casos práticos.
Bibliográfia
Para os estudantes que estão longe e que por conseguinte não
conseguem vir as instalações do ISM e de outras instalações físicas
podem consultar a biblioteca virtual pelo endereço
iv Índice

biblioteca@ismonitor.ac.mz.
O aluno pode ainda recorrer a outras bibliotecas virtuais, como por
exemplo em:
www.saber.ac.mz
www.books.google.com
www.dsd.uem.mz
www.dominiopublico.gov.br

iv
GESTÃO INTERNACIONAL DE RECURSOS HUMANOS

EXERCÍCIOS DE APLICAÇÃO
Depois de estudar cada capítulo desta unidade o estudante deverá
resolver os exercícios de aplicação como forma de consolidação das
matérias nela vertida. O Instituto Superior Monitor fornece as
soluções dos trabalhos de auto-avaliação para lhe ajudar nos estudos.
Exercícios de Mas atenção caro estudante. Deve resolver os exercícios de auto-
aplicação avaliação antes de consultar as soluções fornecidas.

AVALIAÇÕES
No final de cada unidade o estudante deverá realizar uma avaliação. A
avaliação encontra-se no final da unidade e deve ser submetida ao
Instituto Superior Monitor até 30 dias após a recepção do manual.
Pode submeter a avaliação por e-mail, fax ou entregar directamente na
Avaliações instituição. Em articulação com o Instituto Superior Monitor, o
estudante poderá utilizar ainda outros meios de comunicação ao seu
dispor.
O docente desta disciplina corrigirá os testes ou trabalhos de avaliação e
atribuir-lhe-á uma nota com base no seu desempenho. A média
aritmética das avaliações de cada unidade ditará a sua nota de
frequência.
Após a entrega das quatro unidades, o estudante terá que realizar um
exame presencial para obter a avaliação final da disciplina. Só serão
admitidos ao exame presencial todos os estudantes que obtiverem uma
nota de frequência igual ou superior a 10 valores.
NÃO HÁ DISPENSAS AO EXAME. Para concluir a disciplina, os
estudantes deverão obter uma classificação no exame igual ou superior
a 10 valores.

DURAÇÃO
Tempo para leitura da unidade: 16 horas
Tempo para trabalhos de pesquisa: 8 horas
Tempo para a realização de exercícios práticos: 10,5 horas
Duração da unidade:
Tempo para a realização de avaliação: 2 horas
37,5 Horas
vi Índice

SEUS COMENTÁRIOS
Agradecíamos que, após a conclusão desta unidade, nos enviasse os
seus comentários sobre os seguintes aspectos:
 Conteúdos e estrutura da unidade;
 Materiais de leitura e recursos da unidade;
 Trabalhos da unidade;
 Avaliações da unidade;
 Duração da unidade;
 Apoio ao estudante (tutores atribuídos, apoio técnico, etc.);
 Outros aspectos que considerar pertinente.
Os seus comentários ajudar-nos-ão a melhorar e reforçar esta unidade.

ACERCA DESTA DISCPLINA


Bem-vindo (a) ao ISM e à disciplina de Gestão Internacional de
Recursos Humanos!
Após a assinatura dos Acordos de Paz e com a liberalização da
economia, Moçambique conheceu um aumento do investimento
estrangeiro. Este surto de investimento foi acompanhado pela imigração
de populações, maioritariamente da África do Sul e de Portugal, da
Índia, do Paquistão, da Nigéria, dos grandes lagos e, mais recentemente,
da China e do Brasil, entre outras nacionalidades. A imigração destas
populações tem acarretado novos desafios para os gestores de recursos
humanos nacionais: lidar com espaços de trabalho cada vez mais
heterogéneos e multiculturais, com a utilização de diferentes idiomas e
com orientações culturais distintas. Em Moçambique como em qualquer
parte do Mundo, os trabalhadores deverão estar cada vez mais
conscientes das características da globalização, desenvolvendo
competências de adaptação e de gestão da diferença, com vista à criação
de equipas de trabalho eficientes, capazes de resolver problemas
adversos e de estabelecer plataformas de comunicação eficazes.
É neste sentido que a disciplina de Gestão Internacional de Recursos
Humanos pretende preparar o gestor para os desafios do mundo actual:
o mundo da globalização.
 Desta forma, a primeira unidade terá um carácter introdutório,
iniciando com a própria definição do conceito de globalização, com
a sua origem histórica, com as suas características e com as críticas
a que tem sido sujeita. Num segundo momento pretende-se realizar
uma análise dos principais motivos que levam muitas empresas a se
internacionalizarem, indicando os respectivos problemas da gestão
vi
GESTÃO INTERNACIONAL DE RECURSOS HUMANOS

dos recursos humanos e consequentes precauções a tomar no


processo de internacionalização.
 Na segunda unidade pretende-se realizar uma abordagem em torno
dos modelos e teorias sobre as diferenças culturais. Trata-se, nesta
unidade, de definir diversos conceitos teóricos – entre os quais a
própria noção de cultura e de estudos interculturais; a distinção
entre culturas nacionais, culturas profissionais e cultura da empresa,
de intercultural e cross-cultural; bem como de abordagens EMIC
(que fazem sobretudo uma análise dos traços particulares das
culturas através de metodologias qualitativas) e ETIC (que detêm
um cariz mais quantitativo, procurando não tanto conhecer a fundo
cada cultura, mas antes realizar comparações entre as mesmas).
Num segundo momento pretende-se realizar uma abordagem das
principais teorias sobre as diferenças culturais, analisando as teorias
de Hofstede, de Hall ou de D’Iribarne, entre outros autores.
 A terceira unidade tem como objectivo analisar diferentes culturas
nacionais e modelos internacionais de gestão, a partir da literatura
internacional. Nesta fase iremos realizar uma abordagem daquilo
que se designa de modelos de gestão africanos (vulgo ubuntu), de
modelos de gestão chineses e de modelos de gestão ocidentais, de
forma a compreender as orientações culturais dos principais actores
económicos que investem em Moçambique.
 Finalmente, na quarta unidade, pretende-se realizar uma análise
das diversas competências de gestão intercultural, relacionadas com
a adaptação a diferentes culturas. Trata-se de competências de
adaptação que constituem, cada vez mais, uma exigência
profissional.

No final da primeira unidade os estudantes deverão ser capazes


de:
 Descrever a origem histórica do conceito de globalização;
Resultados
 Caracterizar o processo de globalização;
 Compreender as principais críticas que são realizadas ao processo
de globalização;
 Identificar os principais motivos que levam à internacionalização
de empresas; e
 Descrever diversas dificuldades que enfrentam as empresas num
processo de internacionalização.
viii Índice

UNIDADE I – OS DESAFIOS DA GESTÃO NA ERA DA


GLOBALIZAÇÃO

ESTRUTURA DA UNIDADE I
A primeira unidade de Gestão Internacional de Recursos Humanos é
composta por dois capítulos.
De cariz mais introdutório, o primeiro capítulo procura definir o
conceito de globalização, abordando-se a evolução histórica do
fenómeno bem como as respectivas características. Trata-se de
descrever a globalização das actividades de produção, de distribuição e
de consumo, de compreender o processo de circulação de pessoas, bem
como as respectivas influências culturais. Desta forma pretende-se
compreender os efeitos deste fenómeno ao nível da redução dos
espaços e do tempo, bem como ao nível do desaparecimento das noções
de fronteira. Num segundo momento pretende-se compreender a
origem das principais críticas realizadas ao processo de globalização,
nomeadamente ao nível do aumento de desigualdades sociais, das
ameaças de neo-colonização, as críticas feitas à desregulação dos
mercados, bem como os riscos inerentes à livre circulação de pessoas e
capitais, nomeadamente ao nível da emigração, da saúde pública ou da
organização criminosa.
No segundo capítulo pretende-se, em primeiro lugar, explicar os
motivos que levam muitas empresas a deslocalizar a sua produção, bem
como modalidades de cooperação com empresas internacionais. Em
segundo lugar pretende-se identificar algumas dinâmicas e diferentes
desafios que essas empresas enfrentam no processo de
internacionalização.

Recomenda-se que leia atentamente as generalidades desta unidade


antes de iniciar os seus estudos.

viii
GESTÃO INTERNACIONAL DE RECURSOS HUMANOS

CAPÍTULO I – A GLOBALIZAÇÃO

OBJECTIVOS ESPECÍFICOS DO CAPÍTULO


No final deste capítulo o estudante deverá ser capaz de:
 Compreender a evolução histórica do fenómeno de globalização;
 Caracterizar o fenómeno de globalização; e
 Identificar as principais críticas realizadas ao fenómeno de
globalização.

1.1. INTRODUÇÃO AO CONCEITO DE GLOBALIZAÇÃO


Nas últimas décadas vulgarizou-se o conceito de globalização. Contudo, a
origem do conceito não é assim tão recente. O conceito de global village
(aldeia global) surgiu pela primeira vez na década de 1960 com Marshall
MacLuhan (1969), com o objectivo de descrever o que foi chamado de
sociedade da informação. O conceito procurava explicar os efeitos da
comunicação social (televisão, rádio, imprensa) sobre as populações, não
só ao nível dos respectivos modos de vida como também do encurtamento
das distâncias. Com base no papel da televisão por satélite enquanto meio
de comunicação de massa a nível internacional, o conceito de aldeia global
procurava traduzir o aumento das possibilidades de comunicação entre as
pessoas, ao ponto de todo o planeta poder ser comparado a uma aldeia.
Pela primeira vez na história, um cidadão poderia assistir, pela TV e em
directo, a um acontecimento que decorria numa outra parte do mundo (um
conflito armado, um acontecimento desportivo, um casamento real, etc.),
como se estivesse a poucos metros de distância e por vezes com muito
mais detalhe.
O conceito de aldeia global veio a tornar-se bastante popular nas décadas
seguintes como resultado da evolução das novas tecnologias de
informação e comunicação (telemóveis, internet, etc.) e da crescente
interligação económica, política e social do planeta. Para MacLuhan, o
desenvolvimento dos meios de comunicação e a crescente interligação das
economias seria responsável por uma diminuição das distâncias e das
incompreensões entre os cidadãos, emergindo assim, pelo menos no plano
teórico, uma consciência global interplanetária. Giddens (1990: 64) define
a globalização “como a intensificação das relações sociais à escala
mundial, que ligam localidades distantes de tal maneira que os
acontecimentos locais são enformados por acontecimentos que se dão a
muitas milhas de distância e vice-versa”.
O processo de globalização não constitui um fenómeno actual, tendo
iniciado em séculos anteriores, como veremos em seguida.

9
10 GESTÃO INTERNACIONAL DE RECURSOS HUMANOS

1.2. A EVOLUÇÃO DO FENÓMENO DE GLOBALIZAÇÃO


Apesar de se associar a globalização ao final do século XX e limiar
(início) do século XXI, a realidade é que se trata de um fenómeno bem
mais antigo, podendo-se, inclusivamente, distinguir um conjunto de fases
de desenvolvimento deste processo.
Fase mercantilista (séculos XV a XVII): A globalização pode ter tido o
seu início na era das grandes navegações, nomeadamente entre os séculos
XV e XVIII, altura em que uma série de navegadores europeus, apoiando-
se em conhecimentos árabes e orientais, exploraram um conjunto de
territórios de África, América, Ásia e Oceânia. No início do século XVI,
Fernão Magalhães realiza a primeira viagem de circum-navegação. Neste
período registou-se um aumento das trocas comerciais entre os vários
continentes (a título de exemplo, alimentos como a batata ou o milho são
introduzidos pela primeira vez na Europa e mais tarde em África, vindos
do continente americano), bem como da mobilidade da força de trabalho a
nível inter-continental. Neste último campo pode ser referida a famosa rota
triangular, estabelecida entre três continentes, nomeadamente entre a
Europa (fornecedora de têxteis e produtos manufacturados), de África
(fornecedora de mão-de-obra forçada – escravos – para as plantações da
América do Sul) e da América (fornecedora de açúcar, tabaco e algodão
para os países europeus). A imensa expansão deste mercado favoreceu os
artesãos e os emergentes industriais europeus, pois passaram a beneficiar
de um número de consumidores muito mais elevado, dispersos por outros
continentes. Os principais portos europeus (como Lisboa, Sevilha, Cádis,
Londres, Liverpool, Roterdão ou Amesterdão), sul-americanos (como
Salvador, Rio de Janeiro, Lima, Buenos Aires ou Havana) ou africanos
(como Lagos, Luanda, Cape Town ou Ilha de Moçambique) tornaram-se
verdadeiras regiões cosmopolitas (onde habitavam populações de
diferentes nacionalidades).
1. Este período económico foi caracterizado pelo mercantilismo. O
mercantilismo constituiu uma teoria económica que recorria a medidas
proteccionistas e à concessão de monopólios com vista à promoção dos
países. Desta forma, a produção e distribuição do comércio internacional
era realizada por mercadores privados ou por grandes companhias
comerciais. O mercantilismo tinha por base a intenção de acumulação de
riqueza, partindo do pressuposto que o poder de um reino era determinado
pela quantidade de metal precioso (particularmente ouro e prata) detido.
Para assegurar o aumento desses metais preciosos o Estado exercia uma
acção proteccionista, através de um forte controlo das importações e do
comércio com as respectivas colónias. Não obstante esta política
proteccionista (que ao contrário dos dias de hoje limitava as livres trocas
entre países), a realidade é que é nestes séculos que se criam os primeiros
contactos comerciais directos entre inúmeras populações, oriundas de
todos os continentes.

10
GESTÃO INTERNACIONAL DE RECURSOS HUMANOS

Capitalismo industrial (séculos XVIII e XIX): A partir do século XVIII,


os países do norte da Europa (particularmente a Inglaterra, a França, a
Alemanha ou a Holanda, entre outros) industrializam-se e a grande
burguesia industrial e bancária passou a liderar o poder económico. De
acordo com Lenin (1916), nesta fase o capitalismo assumiu uma dimensão
imperialista, uma vez que todo o capital financeiro tinha como objectivo a
ampliação dos mercados para obtenção de novas e variadas fontes de
matérias-primas, o que passava pela intensificação da exploração colonial.
O capitalismo assumiu também uma dimensão liberal, assente na ideia de
laissez faire, laissez passer, que significa literalmente deixar fazer
(produzir), deixar passar (comercializar). Trata-se de uma das expressões
que melhor simboliza o liberalismo económico de então, segundo o qual o
mercado deveria funcionar livremente, sem interferência dos Governos.
Este princípio foi apoiado pelos economistas ingleses Adam Smith e David
Ricardo e tornou-se dominante nos Estados Unidos e nos países mais
desenvolvidos da Europa do século XIX. Este novo paradigma económico
foi responsável pela circulação (inter)nacioanal de milhares de
mercadorias e de mercadores. Paralelamente, milhões de europeus
emigraram ao longo dos séculos XVIII e XIX para países como os Estados
Unidos, o Canadá, o Brasil, a Argentina, o Uruguai e a África do Sul,
aumentando a circulação internacional de pessoas. Contudo, se os Estados
defendiam a livre troca comercial ao nível das exportações, já no que
concerne às suas indústrias internas os governos continuavam, em geral,
proteccionistas. Neste período, a posse de novas colónias constituía uma
condição importante para os países europeus, onde poderiam aceder, a
baixo custo, às matérias-primas que necessitavam, e onde poderiam escoar,
em condições monopolistas, os seus produtos manufacturados,
dinamizando desta forma a economia nacional. Cada uma das potências
europeias entra num processo de rivalidade com as restantes, na sua luta
pela hegemonia do mundo, o que se traduziu em duas grandes guerras
mundiais, nomeadamente entre 1914-1918 e 1939-1945. A dimensão
mundial destes dois conflitos (uma vez que envolveu países e palcos de
todos os continentes) é reveladora do próprio processo de globalização: as
próprias guerras começam já a ser globais. Em 1842, várias cidades
chinesas são abertas ao comércio com o Ocidente pelo Tratado de
Nanquim (assinado entre a China e a Inglaterra, na sequência da primeira
Guerra do Ópio) e o Japão abandona a sua política de isolamento.
O desenvolvimento de meios de transporte e de comunicação (tal como a
locomotiva ou o barco a vapor, o telégrafo ou o telefone e mais tarde a
aviação) tiveram como resultado a diminuição das distâncias, aproximando
os continentes e a aumentando a inter-influência das populações.

Período pós-guerra (1945-1989): No período pós-guerra, não obstante os


processos de descolonização, a consolidação do bloco soviético ou a
revolução comunista na China (em 1949), a realidade é que o processo de
globalização não deixou de se intensificar. Por um lado, os países recém-

11
12 GESTÃO INTERNACIONAL DE RECURSOS HUMANOS

independentes (descolonizados) não deixaram de estar ligados ao sistema


internacional, alargando inclusivamente as suas relações económicas com
outros países do Mundo (e já não exclusivamente com a antiga metrópole),
tornando-se membros da Organização das Nações Unidas.
Por outro lado, entre os países comunistas (URSS, China, Alemanha de
Leste, Cuba, entre outros) não deixaram de se intensificar processos de
cooperação (ao nível económico, formativo, cultural e inclusivamente
militar) e de intercâmbio com países de outros continentes (Angola,
Moçambique, etc.), aumentando os processos de (inter) influência. A título
de exemplo, entre a URSS e diversos países comunistas da Europa de
Leste (Alemanha Oriental, Polónia, Ucrânia, ex-Checoslováquia, etc.)
formou-se uma aliança política a que se denominou de Pacto de Varsóvia.
Na maioria dos países do Mundo Ocidental consolida-se a democracia e a
liberdade de imprensa, assistindo-se a uma massificação do acesso ao
ensino (o aumento das exigências destas sociedades industriais implicava
inclusive o alargamento da idade de escolarização) e à informação (por
intermédio dos rádios e das televisões, cujo acesso se vulgariza entre as
populações), mas também da imprensa. As populações passam a ter
facilmente acesso à informação, quase em tempo real, por vezes de
fenómenos que decorriam no outro lado do planeta. É precisamente neste
período que McLuhan introduz o conceito de global village (aldeia
global).

Queda do muro de Berlim (1989-actualidade): Ao longo da década de


1980, a Perestroika (processo de reestruturação económica da antiga União
Soviética) e a abertura económica do bloco soviético ao exterior, culminou
com a queda do Muro de Berlim, em 1989. A abertura dos países de leste
ao liberalismo e à economia de mercado levou Fukuyama (1992) a
escrever a célebre obra O Fim da História e o Último Homem, onde
considerou que as democracias neo-liberais (que se popularizavam em
cada vez mais regiões do globo) constituíam o estado final da história da
humanidade. Tratava-se da vitória do modelo das democracias neo-liberais
sobre o modelo do socialismo planificado de controlo Estatal, cuja
oposição tinha sido evidente durante toda a guerra fria1. Para o autor,

1
A guerra fria constitui o nome atribuído ao período histórico compreendido entre 1945 e
1989, caracterizado por um conflito estratégico, político e económico entre os Estados
Unidos da América (defensores de uma ideologia capitalista) e a União Soviética
(apologistas de uma ideologia socialista). A guerra é denominada de fria uma vez que não
envolveu um conflito directo entre as duas super-potências em confronto, mas apenas
uma corrida ao armamento nuclear por parte de ambos os protagonistas. Face à
impossibilidade de resolução do conflito por intermédio de uma guerra aberta e directa
entre ambas as partes (uma vez que tal implicaria um confronto nuclear que se traduziria
na mútua eliminação), as duas superpotências disputaram poder de influência política,
económica e ideológica em todo o mundo. Durante este período, os Estados Unidos e
União Soviética envolveram-se em diversos conflitos regionais nos continentes africanos
12
GESTÃO INTERNACIONAL DE RECURSOS HUMANOS

estaríamos perante um processo de globalização, que era o do modelo


neoliberal (no qual o Estado não intervinha na economia), que seria o
culminar da história. De facto, ao longo da última década do século XX,
milhares de empresas e trabalhadores Ocidentais investiam no antigo bloco
soviético, desenvolvendo-se um conjunto de marcas e de lojas, tornando o
mundo, de certa forma, bem mais homogéneo (assistia-se a um fenómeno
de ocidentalização do mundo).
2. Um outro fenómeno que iniciou neste período, com uma influência tão ou
mais decisiva sobre o processo de globalização relacionou-se com a
abertura económica da China. Desde finais da década de 1980 que a China
vinha adoptando um conjunto de reformas em zonas especiais
(nomeadamente nas regiões do sudeste do país), para a implantação de
indústrias multinacionais. A política de Deng Xiaoping (líder chinês entre
1978 e 1992 e criador do chamado socialismo de mercado da China
moderna) de conciliar o investimento capitalista com o poder político
comunista acabou por ser economicamente bem sucedida. Os empresários
chineses aprenderam muito bem as regras capitalistas e a diáspora
(migração) chinesa por países do mundo atingiu dimensões nunca antes
vistas. Milhões de chineses ou de indivíduos de origem étnica chinesa
vivem hoje em países do sudeste asiático (maioritariamente na Malásia,
Singapura ou Tailândia) ou nos Estados Unidos, investindo mais
recentemente em diversos países do continente africano, entre os quais
África do Sul, Angola, Moçambique, entre muitos outros.
3. Desta forma, a emergência económica de países do sudeste asiático
(China, Coreia do Sul, Singapura, Tailândia), do Brasil ou da Índia vem de
certa forma “desocidentalizar” o processo de globalização, visto que
aqueles países assumem cada vez mais um papel activo na economia e até
na indústria cultural (a título de exemplo a música e as telenovelas
brasileiras adquirem uma grande popularidade por diversas regiões do
globo). No limiar do século XXI assiste-se a uma diminuição da
hegemonia do Ocidente no sistema económico mundial, ao contrário
daquelas outros países emergentes.
Um aspecto tecnológico que veio também revolucionar as comunicações
no mundo foi a internet. A internet possibilitou o desenvolvimento das
comunicações a nível planetário, como nunca antes visto, nomeadamente a
partilha de informação, a realização de vídeo-conferências ou o
desenvolvimento de redes virtuais (por intermédio do facebook, dos blogs
do Linkedin, etc.). A cada minuto são hoje enviados milhões de emails por
praticamente todo o planeta.

(por exemplo em Angola, Moçambique ou África do Sul) ou asiático (no Afeganistão ou


no Vietname) onde cada potência apoiava um dos lados em confronto.

13
14 GESTÃO INTERNACIONAL DE RECURSOS HUMANOS

1.3. CARACTERÍSTICAS DO PROCESSO DE GLOBALIZAÇÃO


Contrariamente a outros tempos, o fenómeno da globalização tem nos dias
de hoje diferentes dimensões. De facto, a extensão, os contactos e a
interacção entre os diferentes povos atingiram uma dimensão nunca antes
observada, tanto ao nível das actividades culturais (por intermédio do
turismo, da música, da literatura ou do cinema, etc.), como da tecnologia
ou da governação. O mundo parece caminhar para a tal global village, a
diversos níveis. Vejamos, com mais atenção, como se traduz na realidade o
processo de globalização nos dias de hoje:
- Ao nível das actividades de produção: Apoiadas pelas facilidades de
comunicação ou de transporte (não só de passageiros como de
mercadorias), as empresas instalam as suas unidades em qualquer parte do
Mundo, desde que existam melhores vantagens fiscais, condições
logísticas de abastecimento e escoamento ou mão-de-obra e matéria-prima
mais baratas. Nos dias que correm, torna-se complicado definir a
nacionalidade de um produto, uma vez que um telemóvel de marca
finlandesa pode conter componentes fabricados na China, ter sido
desenhado em Itália, montado no Brasil e vendido no mundo inteiro.
Determinadas marcas (de telemóveis, de refrigerantes, de automóveis, de
cadeias alimentares ou da indústria de entretenimento) são hoje conhecidas
na maioria das regiões do globo. Muitas empresas globais encontram-se
organizadas em redes globais. Utilizando complexos processos
tecnológicos e organizacionais, diversas marcas comerciais (hotéis,
estabelecimentos de alimentação e bebidas, lojas de roupa, etc.) detêm
cadeias em inúmeros pontos do mundo, conseguindo assegurar que o
mesmo produto ou serviço seja fornecido nas mesmas condições em
qualquer ponto do globo. Estes produtos tornam-se previsíveis e passíveis
de padronização (uma vez que o mesmo produto ou serviço é vendido em
diversas partes do planeta com o mesmo padrão de qualidade). A
globalização é marcada pelo crescimento das empresas transnacionais que
exercem, cada vez mais, um papel decisivo na economia mundial.
- Ao nível das actividades de comércio e de distribuição: A
liberalização do comércio foi responsável por um aumento das trocas
comerciais de 61 milhões de dólares, em 1950, para 61 triliões de dólares
em 1998 (Finuras, 2011: 47). O valor continua a aumentar. Os diversos
acordos da Organização Mundial do Comércio têm como tendência a
diminuição ou eliminação das tarifas alfandegárias dos diversos produtos,
o que tende a estimular as trocas internacionais. Ou seja, a diminuição das
barreiras tarifárias aumentou o fluxo internacional de bens e de serviços.
- Alargamento do funcionamento dos mercados: Nas últimas décadas
assiste-se ao crescimento de mercados à escala mundial, no domínio da
banca, dos transportes, das consultorias ou da distribuição. Os bancos
investem em diferentes países e os novos mercados financeiros estão em
funcionamento 24 horas por dia, com interligação à distância e em tempo
real. A expansão dos fluxos de capitais tem sido também crescente, em
resultado da abertura de muitos países ao investimento estrangeiro. O

14
GESTÃO INTERNACIONAL DE RECURSOS HUMANOS

movimento diário de capitais no mundo é estimado em 2 triliões de dólares


(Finuras, 2011: 48). Paralelamente assiste-se a uma intensificação da
competição nos mercados mundiais.
- Ao nível da circulação monetária: Diversos países criaram uma união
económica e monetária, partilhando entre si a mesma moeda (ex. Euro).
Paralelamente, o dólar assume-se como uma moeda forte a nível mundial,
utilizada frequentemente como referência ao nível das trocas económicas.
- Tendência de liberalização das relações económicas: O processo de
globalização tem sido acompanhado por uma diminuição do papel do
Estado na economia, o que se traduz numa tendência de liberalização das
relações económicas e de privatização de empresas públicas.
- Ao nível da circulação de pessoas: A mobilidade de pessoas é hoje
extraordinária. Estudos recentes efectuados pela empresa norte-americana
Boeing (cf. Finuras, 2011: 46) indicam que o tráfego aéreo mundial vai
duplicar nos próximos anos, estimando-se que, em 2015, possam estar no
ar cerca de 23 mil aviões, viajando 3 mil milhões de pessoas por ano,
duplicando-se assim o valor em apenas meia década. O impacto da
redução das distâncias (pela diminuição do tempo dispendido para as
percorrer) traduz-se numa diminuição das fronteiras e num aumento da
mobilidade dos quadros altamente qualificados, que passam a viajar pela
aldeia global. As populações mais instruídas têm mais facilmente acesso à
internet e estão mais facilmente em contacto com outras regiões do mundo.
O número de trabalhadores imigrantes aumenta em todo o mundo. De
acordo com Finuras (2011: 35) “em 1998, mais de 250 mil trabalhadores
africanos especializados estavam a trabalhar nos Estados Unidos da
América e na Europa”.
- Novos instrumentos de comunicação: O desenvolvimento das
máquinas de fax, dos telefones celulares e da internet e o aumento do
número de viagens aéreas traduziu-se numa intensa troca de informação e
de passageiros, 24 horas por dia, encurtando as distâncias entre as regiões.
Os transportes aéreos, ferroviários e rodoviários são hoje bem mais
rápidos, seguros e económicos do que alguma vez o foram no passado.
- Ao nível dos processos de consumo: Os mercados de consumo são hoje
também globais. Ao contrário dos séculos anteriores (onde o grosso dos
produtos consumidos eram oriundos da mesma região), a maioria dos
produtos consumidos pelos cidadãos de uma região (vestuário,
alimentação, mobiliários, electrodomésticos, medicamentos) é hoje
produzida em regiões localizadas a quilómetros de distância. Por outro
lado, determinadas marcas de produtos (de refrigerantes, de automóveis,
vestuário, etc.) são hoje possíveis encontrar em grande parte das regiões do
planeta.
- Ao nível das influências culturais: no mundo actual, o comportamento
dos indivíduos está cada vez mais influenciado pela comunicação social.
Jovens e adultos de todo o mundo são influenciados pelas personagens de
filmes, de telenovelas, do desporto ou da música, em aspectos tão variados
como os penteados, o vestuário, a maquilhagem, as expressões verbais ou

15
16 GESTÃO INTERNACIONAL DE RECURSOS HUMANOS

a forma de andar. Foi precisamente para descrever esta influência que


McLuhan utilizou a expressão de “aldeia global”. Os factores responsáveis
pelo encurtamento das distâncias foram responsáveis pelo ressurgimento
de uma cultura colectiva, de características neo-tribais (Maffesoli, 2000) –
muitos jovens reproduzem o estilo de vida hip hop (boné, phones nos
ouvidos, calças abaixo da cintura, etc.) e muitas jovens reproduzem a
forma de vestir de telenovelas brasileiras (ex.: calças tchuna babe2, etc.) –
agora a uma escala global e alargada.
- Ao nível da criação de órgãos reguladores internacionais: A
globalização foi responsável pelo surgimento de órgãos de gestão mundial,
não só de diversas actividades políticas e económicas (ex.: Organização
das Nações Unidas - ONU, Fundo Monetário Internacional - FMI, Banco
Mundial -BM, Organização Mundial do Comércio -OMC, etc.), como
culturais e desportivas (Organização das Nações Unidades para Educação,
Ciência e Cultura -UNESCO, Federação Internacional das Associações de
Futebol - FIFA, Comité Olímpico Internacional, etc.). Por outro lado,
assiste-se à expansão de uma rede mundial de Organizações Não
Governamentais (ONGs), à formação de blocos políticos e económicos
regionais (UA - União Africana; SADC – South African Development
Community na África Austral; EU - União Europeia na Europa; Mercosul
na América do Sul; Associação dos Países do Sudeste Asiático; Acordo
Norte-Americano do Livre Comércio, etc.) e ainda diversos agrupamentos
de coordenação de políticas internacionais (G-7; G-10; G-22; G-77 ou
OCDE3). Com a globalização os problemas deixam de ser regionais e

2
Tchuna babe – expressão usada para designar calças femininas de cintura baixa..
3
O G-7 surgiu em 1975 (na altura com apenas 6 membros) e constitui o grupo das nações
mais desenvolvidas do mundo (França, Alemanha, Itália, Japão, Reino Unido, Estados
Unidos e mais tarde o Canadá), que compunham mais de metade do Produto Interno
Bruto Global. Este grupo reúne-se anualmente.
O G-8 compõe os países do G-7 mais a Rússia, desde a década de 1990. Uma das críticas
a este grupo de países mais industrializados relaciona-se com a responsabilidade na
poluição mundial ou pela imposição de políticas macro-económicas conducentes à
pobreza em diversos países do globo. Outra das críticas relaciona-se com o facto de o G8
não representar os países do hemisfério Sul. Por outro lado, o G-8 não inclui a China, que
constitui já a segunda maior economia do Mundo, não representando por isso o poder
económico. O G-8 é muito questionado por alegadamente pretender manter o seu poder e
influência sobre o Mundo e é muito criticado pelos movimentos anti-globalização.
O G-22 foi anunciado pelos líderes da APEC – Asia-Pacific Economic Cooperation com
a intenção de realização de um grupo de reuniões periódicas entre os ministros das
finanças e dos Governos Centrais, com vista a realizarem-se reformas do sistema
financeiro mundial. O grupo é composto pelos membros do G-8 a que se juntam outros 14
países, entre os quais a Argentina, o Brasil, a China, a Índia, a Malásia, a Polónia ou a
África do Sul.
A OCDE constitui a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico, que
é composta por 34 países que aceitam os princípios da democracia representativa e da
economia de livre mercado e que são, em geral, países com elevado índice de
desenvolvimento económico. Os objectivos da OCDE relacionam-se com o apoio do
16
GESTÃO INTERNACIONAL DE RECURSOS HUMANOS

tornam-se planetários. Entre inúmeros países realizam-se conversações


sobre questões ligadas ao ambiente - sobre a biodiversidade, sobre a
camada do ozono ou sobre a desertificação – e assinam-se protocolos
internacionais com vista à defesa do ambiente (ex.: Protocolo de Quioto), e
acordos multilaterais sobre o comércio, serviços, propriedade intelectual
ou comunicações, comprometendo mais do que nunca os diferentes
governos nacionais. Fenómenos como a pobreza e a exclusão social, a
fome, o tráfico de droga, de armas ou de pessoas, de degradação do meio
ambiente, de racismo e de xenofobia ou de terrorismo, deixaram de ser
vistos como problemas específicos de um determinado país, passando a ser
de uma região bem mais alargada, que acabam muitas vezes por ter
reflexos no Mundo inteiro. A título ilustrativo basta relacionar o aumento
do preço do trigo na Rússia em 2010 (principal exportador mundial), com
o aumento do preço do pão em muitas regiões do Mundo, que acabou por
se traduzir em revoltas populares como as que se verificaram em Maputo
em Setembro de 2010. Por outro lado podemos também relacionar os
ataques de 11 de Setembro de 2001 às torres gémeas de Nova Iorque com
o aumento da indústria de segurança a nível mundial; ou analisar o
impacto da crise financeira que iniciou nos Estados Unidos noutros países
do Mundo, obrigando à intervenção do Fundo Monetário Internacional em
economias até então bastante desenvolvidas, como a Islândia ou a
República da Irlanda. Com esta crescente inter-influência dos países, os
Estados-nação4 estão cada vez mais diluídos e dependentes dos blocos
regionais onde estão inseridos (ex.: França na região da União Europeia;
Moçambique na região da África Austral, etc.), e cada vez mais integrados
na aldeia global. Sobre esse aspecto veja-se a figura seguinte:
Figura 1: O Estado Nação na Aldeia Global

crescimento económico e do emprego, da estabilização da actividade financeira e da


promoção do comércio mundial.
4
Enquanto um “Estado” representa uma entidade política e administrativa autónoma,
com fronteiras geográficas delimitadas e com um Governo independente, uma “Nação”
representa um grupo cultural homogéneo (com uma língua, religião, costumes e,
evidentemente, uma percepção do passado histórico comum). Um Estado-nação
pressupõe que a uma determinada unidade política (Estado) – como por exemplo
Moçambique, África do Sul ou China – deverão corresponder elementos culturais
homogéneos. Ou seja, todos os cidadãos desse Estado partilhariam a mesma cultura:
língua comum, religião comum, costumes comuns, passado histórico comum, etc.

17
18 GESTÃO INTERNACIONAL DE RECURSOS HUMANOS

A caixa seguinte explica os efeitos da globalização ao nível da redução do


espaço e do tempo ou do desaparecimento das fronteiras:

EFEITOS DESCRIÇÃO

Redução do A vida das pessoas, os seus empregos, rendimento e


espaço saúde são afectados de forma sem precedentes por
acontecimentos no outro lado do planeta e, muitas
vezes, por acontecimentos que desconhecem. Não
precisamos de mais do que 20 segundos para, a partir
de qualquer ponto do planeta, entrarmos em contacto
com outro ponto.

Redução do Os mercados, as tecnologias e os produtos mudam


tempo actualmente a uma velocidade vertiginosa, com acção
à distância, em tempo real e com consequências na
vida das pessoas, ainda que muito distantes.

Desaparecimento As fronteiras nacionais estão a pulverizar-se, não


das fronteiras apenas para o comércio, capital e informação, mas,
também, para as ideias, normas, hábitos, heróis,
símbolos e rituais. As fronteiras estão, igualmente, a
desaparecer na política económica, à medida que os
acordos multilaterais e as pressões para manter a
concorrência nos mercados mundiais constrangem as
opções de política nacional proteccionistas e que as
empresas multinacionais integram as suas operações a
nível mundial.

In Finuras (2011: 34)

1.4. AS CRÍTICAS À GLOBALIZAÇÃO


Não obstante as enormes vantagens que oferece a muitos cidadãos do
planeta (por exemplo pela facilidade com que as inovações se propagam
entre países e continentes ou pelo acesso fácil e rápido à informação), o
fenómeno de globalização não deixa de ser alvo de inúmeras contestações.
Vejamos algumas dessas críticas que foram realizadas, que não se esgotam
no resumo que se segue:
Diminuição da soberania dos Estados: A globalização acarreta a
diminuição da soberania dos países, fazendo com que os governos
nacionais pareçam desprovidos de poder em face das tendências globais
(Kassotche, 1999). Muitos países passam a estar dependentes de muitos
acordos internacionais, passando a ter que fazer depender as suas políticas
públicas desses compromissos estabelecidos, não só a nível fiscal,
monetário, legislativo, como ambiental. A título de exemplo podemos
referir a imposição de um sistema liberal aos países que sentiram

18
GESTÃO INTERNACIONAL DE RECURSOS HUMANOS

necessidade de recorrer aos apoios do Fundo Monetário Internacional ou


do Banco Mundial. De facto, muitos países em dificuldades (entre os quais
Moçambique) foram forçados a implementar planos de ajustamento
estrutural que, regra geral, consistiram na eliminação do controlo dos
preços, na remoção de subsídios, na privatização de indústrias estatais, na
redução de funcionários públicos ou na liberalização do comércio, entre
outros aspectos. Os apoios do FMI ou do BM tiveram como contrapartida
a diminuição das ajudas aos sectores sociais mais desprotegidos,
aumentando assim a exclusão social.
Divisão internacional dos recursos humanos: Ao nível da mobilidade de
pessoas podemos identificar diferentes tendências. Se entre os quadros
mais qualificados se assiste a uma grande circulação de recursos humanos
pelas várias regiões do planeta, já entre as populações menos escolarizadas
as possibilidades de deslocação são bastante menores. Os países
tradicionalmente mais atractivos em termos de ofertas de trabalho
(tradicionalmente os países europeus, os Estados Unidos, o Canadá ou a
Austrália, entre outros) impõem fortes limitações à entrada de
trabalhadores estrangeiros menos qualificados. Neste contexto, muitas
famílias estão divididas por fronteiras internacionais devido a essas
restrições. Por outro lado, milhões de pessoas não têm passaporte, estando
igualmente condicionadas no acesso a vistos de trabalho nos países de
acolhimento. Ao longo da década de 1990 assistiu-se a um movimento
migratório de Norte (sobretudo da Europa e dos Estados Unidos) para Sul
(por exemplo para a América Latina ou para o continente africano) de
trabalhadores bastante qualificados, que iam exercer funções de gestão ou
de consultoria. No sentido inverso assistia-se a um movimento de
trabalhadores com qualificações comparativamente inferiores, destinados a
trabalhos braçais e subordinados (na construção civil, na hotelaria ou na
restauração).
Assimetrias no acesso às tecnologias de informação e comunicação:
Com o crescimento da importância da internet, o acesso à mesma constitui
cada vez mais uma condição para a inclusão social. Inversamente, quem
não consegue aceder à internet torna-se info-excluído, aumentando os
riscos de exclusão social. De facto, nesta aldeia global nem todos podem
ser info-cidadãos. Se as elites mundiais têm entre si fronteiras bastante
fluidas, milhares de milhões de outras pessoas não beneficiam do mesmo
privilégio. O quadro seguinte retirado de Finuras (2011: 37) fornece-nos
informação sobre a utilização da internet a nível mundial, durante os anos
de 2009/2010:

19
20 GESTÃO INTERNACIONAL DE RECURSOS HUMANOS

Como explica o quadro anterior, ainda que a taxa de crescimento de


utilizadores da internet no continente africano seja das mais elevadas do
mundo (só superada pelos utilizadores do médio oriente), a realidade é que
a taxa de penetração da mesma (5,6%) continua a ser a mais reduzida do
planeta, bem longe dos valores registados na América do Norte (73,1%) na
Austrália (59,9%) ou na Europa (48,5%).
O quadro seguinte, retirado de Finuras (2011: 39), fornece-nos uma
informação mais detalhada sobre as estatísticas dos utilizadores da internet
no continente africano:

Desigualdades económicas: Como demonstra Finuras (2011: 45), só os


países da OCDE (incluindo os Estados Unidos da América), embora
representem apenas 19% da população mundial, detêm mais de 70% do
comércio mundial de bens e serviços, mais de 50% do investimento directo
estrangeiro e mais de 90% do total de utilizadores da internet.
O Banco Mundial relaciona o aumento das acções proteccionistas
promovidas pelos países desenvolvidos, bem como a voracidade dos
investidores, a fragilidade económica e as políticas dos países em vias de
desenvolvimento com o alargamento do fosso económico entre ricos e
pobres. A receita muitas vezes utilizada pelo FMI e pelo Banco Mundial

20
GESTÃO INTERNACIONAL DE RECURSOS HUMANOS

para lidar com estas situações de crise – que como vimos assenta em cortes
orçamentais – ajuda a contribuir para o aumento desse fosso económico.
Globalização e neo-colonialismo: É neste quadro de assimetria social que
se fala hoje de globalizadores e globalizados ou até de uma nova forma de
“neo-colonialismo” (Kassotche, 1999). Nesta perspectiva, os actuais
modelos económicos e políticos não estariam ao serviço das comunidades
no seu conjunto mas, unicamente, com o objectivo de abrir os mercados,
de aumentar as exportações e dos lucros dos países mais desenvolvidos.
De facto, até à década de 1990, os fluxos financeiros estavam
concentrados em 3 grandes blocos – nomeadamente Estados Unidos,
União Europeia e Japão – enquanto a maioria dos países da América
Latina, de África ou da Ásia, bem como alguns países europeus eram
excluídos. Refira-se, contudo, que a entrada dos BRICS (sigla
frequentemente utilizada para designar as economias emergentes,
nomeadamente o grupo composto por Brazil, Russia, India, China e South
Africa) torna o fenómeno hoje bem mais complexo, uma vez que estes
países estão a beneficiar da deslocalização da produção de empresas
oriundas de países Ocidentais, registando por isso um extraordinário
crescimento económico. Estes países (alguns ex-colonizados, como a Índia
ou o Brasil) constituem actores influentes no mercado global. Uma das
características dos tempos modernos e da globalização relaciona-se com a
própria rapidez e incerteza das mudanças. Dada a incerteza dos mercados,
o processo de mudança escapa cada vez mais ao controlo dos analistas
gerando-se uma grande dificuldade de previsão dos fenómenos sociais.
Instabilidade e desregulação: As sucessivas crises realçam a
instabilidade de um mercado financeiro globalizado, em que o
desempenho das economias nacionais depende não só da acção dos
Governos, mas cada vez mais dos investidores estrangeiros. Em muitos
países, as empresas privadas detêm uma produção muito maior do que a
capacidade do Estado. Em países como a Islândia, as dívidas dos bancos
tornaram-se maiores do que o produto interno bruto do Estado, o que foi
responsável pela bancarrota do país em resultado da falência da banca. Os
países estão cada vez mais dependentes uns dos outros e já não há
possibilidade de se isolarem ou remeterem-se no seu ninho pois ninguém é
imune a estes contágios positivos ou negativos. Como referem muitos
analistas na gíria, para ilustrar esta incerteza: “um bater de asas de uma
borboleta em Tóquio pode gerar uma tempestade, horas depois, em Los
Angeles”. Pequenas transformações ocorridas no sistema podem ter efeitos
imprevisíveis e caóticos noutra parte do sistema, a que normalmente se
designa de “efeito dominó”. Uma das críticas feita á desregulação do
mercado prende-se com o conceito de “capitalismo de casino”: grandes
apostas são feitas a pensar em futuros altamente incertos.
Riscos ambientais: Com a globalização, os riscos ambientais e de saúde
pública são também elevados. Num contexto de elevada mobilidade de
pessoas pelo planeta os indivíduos transportam consigo vírus por vezes
altamente perigosos. Determinadas pandemias como a SIDA ou a BSE,

21
22 GESTÃO INTERNACIONAL DE RECURSOS HUMANOS

acidentes nucleares e poluição de águas (rios, lagos, mares, etc.)


constituem problemas que já não são locais, mas regionais, ou até globais.
Riscos de segurança: A facilidade com que tudo circula nos dias de hoje
(mercadorias, capitais e passageiros) traduz-se no aumento das
dificuldades de controlo, que podem desencadear em atentados terroristas,
como os que aconteceram no 11 de Setembro de 2001. A realidade é que
estes ataques não deixam de poder ser interpretados como uma reacção dos
mais fracos contra os mais fortes. A globalização trouxe consigo maiores
facilidades para criminosos, para os cartéis de drogas, para o tráfico de
armas ou para a lavagem de capitais. Paralelamente existem receios de
emigrações descontroladas, ou de reacções xenófobas por parte das
populações, como as que se registaram em 2008 na África do Sul.
Homogeneização cultural: Como foi referido, a globalização é vista com
suspeição, como uma aparente justificação da expansão no mundo da
cultura capitalista ocidental (Waters, 1995). A este respeito Tomlinson
(1991) utilizou inclusivamente o conceito de “imperialismo cultural”. O
termo designa a tendência de absorção das práticas culturais de países
dominantes (sobretudo dos Estados Unidos e países europeus) por parte de
países oriundos de culturas dominadas (que têm poucas possibilidades de
crescimento). Esse domínio seria evidente na adopção da língua, dos
sistemas de ensino, mas também ao nível da indústria cultural e do
entretenimento (na música, no desporto, no cinema ou na televisão),
patente numa ocidentalização generalizada das populações do mundo. Este
conceito é normalmente utilizado num sentido pejorativo, traduzindo uma
rejeição à influência estrangeira, e contesta a destruição dos modos de vida
tradicionais (relacionados com valores como a família, a religião ou a
sociedade). Esta teoria do imperialismo cultural não deixou, contudo, de
ser alvo de contestação. Em primeiro lugar essa dominação não é
homogénea nem absoluta, uma vez que dentro desses países é possível
encontrar grupos bastante contestatários dessa mesma cultura dominante
(ex.: movimentos anti-globalização ou de contra-cultura). Refira-se que
muitas empresas de países ocidentais estão hoje a fabricar em países de
terceiro mundo, levando a críticas dos sindicatos dos primeiros países, a
braços com ameaças de desemprego. Em segundo lugar, porque por parte
das populações supostamente dominadas existe uma grande capacidade de
recriar e de adaptar os valores culturais das culturas dominantes às suas
próprias práticas culturais. Em terceiro lugar, muitos dos países
dominantes não deixam de absorver traços culturais dos chamados países
periféricos (por exemplo a influência da música africana no
desenvolvimento de ritmos blues ou a vulgarização do Yoga pelo mundo
Ocidental, etc.)
Surgimento dos movimentos de anti-globalização: Estes movimentos,
compostos sobretudo por grupos de jovens, protesta em termos gerais
contra o sistema económico capitalista, contra os acordos comerciais,
contra a livre circulação de capitais, contra a corrupção das elites
dirigentes, propondo alternativas ao sistema económico capitalista ou
reivindicando uma maior participação das pessoas nas economias. Estes
22
GESTÃO INTERNACIONAL DE RECURSOS HUMANOS

grupos tendem a ser mais activos e mediáticos durante as cimeiras


internacionais do G7 ou do G8.

QUADRO SINÓPTICO

TEMA DESCRIÇÃO
Globalização Processo de “intensificação das relações sociais à
escala mundial, que ligam localidades distantes de tal
maneira que os acontecimentos locais são enformados
por acontecimentos que se dão a muitas milhas de
distância e vice-versa” (Giddens, 1990: 64).
Fases da
 Fase mercantilista (séculos XV a XVII);
evolução do
fenómeno de  Capitalismo industrial (séculos XVIII e XIX);
globalização
 Período pós-guerra (1945-1989); e
 Queda do muro de Berlim e abertura económica da
China (1989-actualidade).
Características
 Globalização das actividades de produção;
do processo de
globalização  Globalização das actividades de comércio e de
distribuição;
 Alargamento do funcionamento dos mercados;
 Formação de uniões monetárias
 Tendência de liberalização das relações económicas;
 Aumento da circulação internacional de pessoas;
 Desenvolvimento de novos instrumentos de
comunicação;
 Globalização dos processos de consumo;
 Aumento das influências culturais; e
 Aparecimento de órgãos reguladores internacionais.

As críticas à  Diminuição da soberania dos Estados;


globalização
 Divisão internacional dos recursos humanos;
 Assimetrias no acesso às tecnologias de informação
e comunicação;
 Desigualdades económicas;

23
24 GESTÃO INTERNACIONAL DE RECURSOS HUMANOS

 Neo-colonialismo;
 Instabilidade e desregulação dos mercados;
 Riscos ambientais;
 Riscos de segurança;
 Homogeneização cultural; e
 Fortalecimento de movimentos anti-globalização.

EXERCÍCIOS

1. Defina o conceito de globalização. (Se tiver dúvidas consulte o


ponto 1.1.)
2. Em que período histórico poderá ter iniciado o fenómeno de
globalização? (Se tiver dúvidas consulte o ponto 1.2.)
3. A queda do muro de Berlim levou Francis Fukuyama a escrever a
obra O Fim da História e o Último Homem. Explique porque é que
para o autor a intensificação do processo de globalização constituía
o fim da história. (Se tiver dúvidas consulte o ponto 1.2.)
4. Explique a importância do colapso da antiga União Soviética e da
abertura económica chinesa para a intensificação do processo de
globalização. (Se tiver dúvidas consulte o ponto 1.2.)
5. Explique o significado das expressões “globalização da produção”
e “globalização do consumo”. (Se tiver dúvidas consulte o ponto
1.3.)
6. Até que ponto é que a criação de órgãos reguladores internacionais
interfere ao nível da autonomia dos países? (Se tiver dúvidas
consulte os pontos 1.3. e 1.4.)
7. Questione a relação do processo de globalização com a
recolonização dos países mais desfavorecidos. (Se tiver dúvidas
consulte o ponto 1.4.)
8. Explique porque motivo os críticos da globalização utilizam a
expressão “capitalismo de casino”. (Se tiver dúvidas consulte o
ponto 1.4.)
9. Relacione o conceito de info-exclusão com o conceito de exclusão
social. (Se tiver dúvidas consulte o ponto 1.4)

24
GESTÃO INTERNACIONAL DE RECURSOS HUMANOS

CAPÍTULO II – INTERNACIONALIZAÇÃO DE
EMPRESAS E DESAFIOS PARA A GESTÃO DE
RECURSOS HUMANOS

OBJECTIVOS ESPECÍFICOS DO CAPÍTULO:


No final deste capítulo o estudante deverá ser capaz de:
 Compreender os motivos que levam à internacionalização das
empresas;
 Identificar diferentes formas de cooperação a nível internacional;
 Explicar diversos desafios que enfrentam as organizações no
processo de internacionalização.

2.1. MOTIVOS PARA A INTERNACIONALIZAÇÃO DAS


EMPRESAS
Ainda que não constitua o principal objectivo deste capítulo, importa
descrever os objectivos e as expectativas mais usuais das empresas nos
processos de internacionalização. Trata-se de algo importante a ter em
consideração na futura compreensão das estratégias de gestão de recursos
humanos em contextos internacionais. Com base nos estudos da Cegoc
sobre as práticas de gestão internacional entre 1990 e 2008, Finuras (2011:
68-69) sintetiza os seguintes motivos da internacionalização das
organizações:
I. Oportunidades estratégicas e modas:
 Imagem positiva de um país, promovida nos mass media ou nos
relatórios das agências internacionais;
 Facilidade de acesso, nomeadamente língua ou cultura comuns,
proximidade geográfica ou determinadas vantagens contextuais
(relacionadas com incentivos fornecidos pelo país de origem ou de
acolhimento);
 Êxito de um parceiro ou de um gestor local, cujo sucesso tenha sido
inspirador ou dinamizador do processo de internacionalização;
 Motivação de um indivíduo, relacionada com uma particular
atracção por um determinado país;
 Taxa de câmbio favorável, estimulando desta forma a exportação
de capitais;
 Procura espontânea de um produto no mercado de destino;
 Expectativas de aquisição de empresas no país de destino;

25
26 GESTÃO INTERNACIONAL DE RECURSOS HUMANOS

 Moda dos anos 90 e seguintes, que tem convencido muitos


empresários da inevitabilidade dos processos de
internacionalização: a partir da década de 1990, com o fim da
guerra fria e o desmantelamento do bloco soviético e a
consolidação da abertura económica da China, diversos países com
elevado potencial de crescimento (entre os quais a própria China,
países da Europa de Leste ou países africanos como Angola e
Moçambique) tornam-se atractivos para o investimento estrangeiro,
uma vez que abriam muitas oportunidades de negócio. As reformas
políticas e os acordos intergovernamentais foram fortemente
mediatizados na comunicação social, vulgarizando-se a palavra
globalização e impulsionando as empresas a investir no exterior. A
internacionalização virou moda entre muitos empresários, como se
fosse a principal solução para a sobrevivência dos seus negócios.
Vulgariza-se a expressão “think global, act local” (pensa de forma
global, age localmente).
II. Vontade de crescimento e conquista de mercados e necessidade de
ganhar escala: processo inserido numa estratégia de
internacionalização da empresa, com vista à conquista de novos
mercados, aproveitando determinada conjuntura favorável;
III. Imperativos estratégicos
 Ligada aos clientes, ao seu meio e à sua evolução internacional;
 Procura local insuficiente ou obtenção de quotas de mercado menos
difícil noutros países, tornando desta forma a internacionalização
um processo inevitável;
 Necessidades de acompanhar os seus clientes internacionalmente,
dirigindo os produtos para esses mercados;
 Sectores essencialmente internacionais, como por exemplo a banca,
as telecomunicações ou a indústria automóvel, que tiram partido
dos processos de globalização da produção, comercialização e
consumo;
 Produtos ou serviços não transportáveis – determinados produtos
perecíveis (que se estragam facilmente) ou bastante volumosos
podem justificar a respectiva produção no mercado de destino;
 Internacionalização da distribuição;
 Adaptação às exigências de um país ou motivos políticos, fugindo
por exemplo a contextos politicamente instáveis;
 Configuração e coordenação internacional e vantagem competitiva
da deslocalização da produção (tornando os custos de produção e
distribuição mais económicos);
 Amortização de gastos de investigação e/ou desenvolvimento,
investindo em países onde exista já amplo conhecimento

26
GESTÃO INTERNACIONAL DE RECURSOS HUMANOS

 Rede mundial de subcontratação, investindo em regiões onde as


características da mão-de-obra (em termos de formação, de
experiência, de exigências, de disponibilidade) ou a legislação
sejam favoráveis para a concepção de determinado componente do
produto;
 Mundialização do acto de compra: global sourcing procurando
explorar as eficiências globais ao nível da entrega de um produto
ou serviço (ex.: existência de boas redes de transporte, de um
determinado porto de escoamento, de modernos shopping centres,
etc.)

Entre as várias formas de cooperação possíveis de equacionar num


processo de internacionalização, Finuras (2011: 70) refere as seguintes:

Joint venture (ou consórcio): Trata-se de um empreendimento conjunto


entre duas empresas com o objectivo de uma actividade complementar
(produção num determinado país (ex. China), e comercialização num outro
país (ex.: Moçambique), sendo que, a partir daí, a distribuição será
realizada para outros mercados (ex.: Países da SADC). A título de
exemplo, o banco Millennium BIM nasceu de uma parceria estratégica
entre o Millennium BCP e o Estado moçambicano.
Contrato de marketing: no contrato de marketing institui-se uma forma
de cooperação segundo a qual uma empresa se associa a outra para
desenvolver acções de prospecção de mercados externos e, eventualmente,
mais tarde, realizar acções de comercialização conjunta.
Licenciamento de patente: Esta alternativa consiste na aquisição de
direitos de utilização e exploração de uma linha de produtos, por parte de
uma empresa que se tornaria concessionária, em troca do pagamento de
taxas (royalties) a outra empresa (exemplo: comercialização em
Moçambique de um programa informático de contabilidade made in
Portugal).
Franchising: Esta alternativa traduz-se num contrato entre duas empresas.
Esta modalidade, que é das que mais tem crescido, traduz-se num contrato
entre a empresa A (franchisador) e a empresa B (franchisado), concedendo
a este último o direito de explorar uma marca num determinado mercado
sob certas condições (nomeadamente remunerando directa ou
indirectamente a empresa A). Exemplo: podemos admitir a criação de um
estabelecimento comercial de uma marca de roupa num shopping centre da
cidade de Maputo. Toda a decoração da montra, montagem de expositores
e fornecimento de catálogos é garantida pela empresa A à empresa B que,
pagando a licença para utilizar esse material, garante o cumprimento das
normas de qualidade exigidas pela marca (empresa A). Em Moçambique
começam a surgir uma série de empresas franchisadas em diversos centros
comerciais, como a Benneton, a Nike, a Mango ou a Lanidor (no sector do
vestuário), a KFC (no sector alimentar) ou a Casa ou a Home (no sector de

27
28 GESTÃO INTERNACIONAL DE RECURSOS HUMANOS

decoração e utensílios domésticos).

2.2. ALGUMAS PRECAUÇÕES A ADOPTAR NUM PROCESSO


DE INTERNACIONALIZAÇÃO
Num processo de internacionalização as empresas deverão adoptar um
conjunto de precauções sob risco de comprometerem o sucesso de
projectos de investimento, muitas vezes orçamentados em milhões de
dólares ou o sucesso da gestão dos recursos humanos. Apresenta-se em
seguida uma síntese de alguns aspectos que um gestor deverá ter em
consideração:

Diferenças de sistemas legislativos


Uma das grandes diferenças que podemos encontrar entre países, reside no
sistema legislativo, onde se podem distinguir os seguintes:
- Países de Common Law: direito baseado na jurisprudência, ou seja, no
precedente (é uma Lei que não é codificada como acontece na Civil Law).
Este sistema confere uma maior liberdade de construção do direito, é um
sistema em que o direito e os seus princípios são construídos ao longo do
tempo. Neste contexto, o poder decisório do Juiz é baseado e delimitado
pelo precedente legal (após uma pesquisa da Jurisprudência). Trata-se do
sistema mais comum em países anglo-saxónicos, entre os quais a
Inglaterra os Estados Unidos ou a África do Sul.
- Países de Civil Law: onde a Lei estabelece por escrito (em códigos), com
precisão, os princípios jurídicos e respectivos regimes (com raízes no
Império Romano), é a Lei codificada. Trata-se de um sistema mais fechado
do que o da Common Law. O poder decisório do Juiz é delimitado pela
Lei escrita que rege os princípios da aplicação do direito. Quaisquer
alterações à Lei escrita têm que ser precedidas por processos de legislação
orientados pelo próprio sistema político (parlamentar, presidencial). Trata-
se do sistema dominante nos países latinos (como Portugal, Espanha e
França), em Angola ou Moçambique, entre outros países.
- Países de direito Islâmico ou Shariah: este direito diferencia-se pelo
facto de não haver qualquer diferença ou divisão entre o secular e o
religioso. O direito islâmico tanto regulamenta as consideradas áreas
tradicionais, como o direito penal e o direito comercial, como estipula
ainda normas quanto à prática religiosa (adoração e culto). Toda a
normatização deste direito, parte do livro sagrado islâmico que é o Alcorão
e dos ensinamentos do considerado Profeta e Mensageiro de Deus
Muhamad Ibn Abdullah, sendo estas fontes estanques no tempo, já
preservadas há quinze séculos.
- Países de direito indígena: trata-se de um sistema complementar que
reconhece os direitos dos povos autóctones e que abandona a perspectiva
de assimilação às culturas dominantes. Este tipo de direito defende os
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direitos dos povos sobre as suas terras enquanto direitos originários, isto é,
anteriores à criação do Estado moderno. Desta forma assegura-se aos
povos indígenas o respeito à sua organização social, aos costumes, às
línguas, crenças e tradições.
Quando um gestor está familiarizado com um sistema jurídico e muda para
outro sistema pode sentir grandes dificuldades. Por exemplo, um gestor
familiarizado com o direito escrito que invista num país de common law
pode não sentir necessidade de detalhar determinados pormenores do
contrato, uma vez que julga já estarem previstos na lei, quando afinal não
estão: pode por exemplo não considerar necessário proibir por contrato o
que julga ilegal e que afinal não o é. Por outro lado, um gestor que exerça
actividade num país de direito Islâmico e que não esteja familiarizado
com o Alcorão poderá enfrentar diversos entraves ou mal entendidos,
relacionados com o emprego de mulheres, com a venda ou consumo de
bebidas alcoólicas, ou com o cumprimento de prazos durante os períodos
sagrados (ex.: Ramadão, sexta-feira), entre outros aspectos.

Diferenças de legislação e de práticas sociais


As diferenças existentes em termos de práticas sociais são muitas vezes as
mais complexas de conhecer, pois não aparecem de forma escrita. Estas
práticas traduzem muitas vezes as formas locais de aplicar a lei, que são
normalmente bastante sui generis (próprias, únicas, diferentes de região
para região).
As diferenças de legislação e de práticas sociais podem abarcar os
seguintes aspectos:
 Recrutamento: Determinados países estabelecem quotas para a
contratação de cidadãos nacionais (ex. Moçambique), outros para a
contratação de mulheres e populações étnicas desfavorecidas (ex.:
África do Sul ou Brasil). Em países como Portugal é-se obrigado a
oferecer emprego a pessoas dos dois sexos - ex.: Precisa-se advogado
(M/F);
 Políticas de remuneração: Os salários mínimos sofrem variações de
país para país. Em determinados países as assimetrias salariais
constituem fenómenos comuns que, aparentemente, não geram grande
contestação. Noutros países as diferenças salariais tendem a ser
bastante mais esbatidas;
 Despedimentos: De país para país existem diferenças relativamente à
duração do período probatório, à flexibilidade de despedimento ou ao
valor da indemnização. As reacções mais comuns dos indivíduos que
são despedidos (aceitação ou contestação, resignação ou revolta, etc.)
podem também sofrer variações de país para país;
 Formação profissional: Em determinados países existe uma
obrigatoriedade de investimento de determinados valores na formação
dos trabalhadores.

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 As greves: Em determinados países o direito à greve ou à formação de


sindicatos independentes está regulamentado enquanto noutros não é
possível.
 Sistemas de reformas: A idade limite de reforma, os valores das
pensões de aposentação ou os compromissos das empresas para com os
seus empregados em matéria de reforma também variam de país para
país.

Diferenças de sistemas fiscais


As taxas de impostos sobre os lucros, a carga fiscal sobre o rendimento dos
trabalhadores ou o valor das contribuições para a segurança social sofrem
variações de país para país. Da mesma forma, a dimensão da economia
paralela (todas aquelas que não são registadas oficialmente e que escapam
á contabilidade nacional, por se encontrarem fora do sistema estatístico
fiscal) varia de país para país.

Diferenças de ética
Em determinados contextos, a oferta de presentes a oficiais
governamentais pode ser considerado um acto socialmente aceitável ou,
pelo menos, não reprovável. Noutros contextos pode ser entendido como
uma tentativa de corrupção.
Em determinados contextos, a aquisição de serviços por parte do Estado
obedece a um conjunto de regras bastante rigorosas. Noutros contextos a
situação é bem mais flexível.
As diferenças em termos de ética dos funcionários também variam
bastante de país para país. Se nos países nórdicos (Finlândia, Suécia,
Dinamarca ou Noruega), os funcionários do Estado e das finanças tendem
a seguir mais rigorosamente os princípios éticos e deontológicos, noutros
países é possível encontrar uma grande criatividade por parte dos actores
das empresas e do Estado ao nível da evasão fiscal ou da corrupção.

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GESTÃO INTERNACIONAL DE RECURSOS HUMANOS

QUADRO SINÓPTICO

TEMA DESCRIÇÃO
Motivos para a  Oportunidades estratégicas e modas;
internacionalização de
 Vontade de crescimento e conquista de
empresas
mercados e necessidade de ganhar escala;
 Imperativos estratégicos;
 Predomínio da utilização de documentos
escritos;
 Clara separação entre a actividade oficial dos
funcionários e a sua vida privada;
 A função administrativa pressupõe
normalmente uma formação profissional
avançada;
 O funcionamento de uma organização
burocrática obedece a regras gerais, formais
e impessoais; e
 O conhecimento destas regras representa
uma aprendizagem técnica especializada.

Formas de  Joint venture ou consórcio;


cooperação
 Contrato de marketing;
internacional
possíveis  Licenciamento de patente; e
 Franchising.

Algumas precauções a  Diferenças de sistemas legislativos;


adoptar num processo
 Diferenças de legislação e de práticas sociais;
de internacionalização
 Diferenças de sistemas fiscais; e
 Diferenças de ética.

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EXERCÍCIOS
1. Explique em que consiste um franchising. (Se tiver dúvidas consulte
o ponto 2.1.)
2. Faça uma lista das empresas estrangeiras que conhece e identifique
aquelas que resultaram de: (Se tiver dúvidas consulte o ponto 2.1.)
a) Joint venture ou consórcio;
b) Contrato de marketing;
c) Licenciamento de patente;
d) Franchising.
3. Imagine que a empresa onde trabalha tinha como objectivo a
internacionalização durante o próximo ano para o mercado sul-
africano. Das modalidades de cooperação referidas no ponto
anterior indique aquela que seria a estratégia mais relevante para a
sua empresa. Justifique. (Se tiver dúvidas consulte o ponto 2.1.)
4. Que precauções deverão ser adoptadas num processo de
internacionalização? (Se tiver dúvidas consulte o ponto 2.2.)
5. Explique de que forma é que as diferenças de legislação e de
práticas sociais se podem reflectir ao nível dos sistemas de
remuneração. (Se tiver dúvidas consulte o ponto 2.2)

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BIBLIOGRAFIA

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na Era da Globalização. Lisboa: Edições Sílabo.
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Lisboa: Gradiva.
 GIDDENS, Anthony (1990). The consequences of modernity. London:
Polity Press.
 KASSOTCHE, Florentino Dick (1999). Globalização – receios dos
Países em vias de desenvolvimento (reflexões sobre o caso de
Moçambique). Maputo: Instituto Superior de Relações Internacionais.
 MAFFESOLI, Michel (2000). Le temps des tribus. Paris: Table Ronde.
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capitalismo. Disponível em:
http://www.marxists.org/portugues/lenin/1916/imperialismo/cap7.htm.
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Development Corporation, pp. 158-167.
 SMITH, Anthony (1996). A Identidade Nacional. Lisboa: Gradiva.
 TOMLINSON, John (1991). Cultural Imperialism. Baltimore: The
Johns Hopkins University Press.
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