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NOÇÕES FUNDAMENTAIS DE COMÉRCIO - 2ª Edição (Rascunho)

revelam incapazes ou não querem pagar as suas dívidas. A bancarrota pode ser voluntária ou involuntária. É voluntária
quando é solicitada (declarada em juízo) pelos devedores; é involuntária quando a solicitação é iniciativa dos credores.
A frequência das falências no mundo comercial e industrial é bastante grande, em particular ao nível das pequenas
unidades empresariais ou do tipo familiar. As causas fundamentais destas falências, em 90% dos casos, estão ligadas à
inexperiência e má gestão de tal maneira que tais empresas não chegam a durar mais do que 5 anos. Para se ter uma ideia
da dimensão das falências basta dizer que estatísticas relacionadas com o mundo dos negócios referem que só nos E.U.A.
(Samuelson e Nordhaus, in Economia) apenas cerca de 20% de novas empresas é que normalmente sobrevivem, os
outros 80%, que representam cerca de 0,5 milhão de unidades empresariais, terminam em processos de falência todos os
anos. Grande negócio para os jurista!.

CAPITULO IV
LUGARES PARA A PRÁTICA DO COMÉRCIO

4.1. Estabelecimento comercial, loja, supermercados, centros comerciais, filiais e ramificações

Dá-se o nome de estabelecimento comercial ao conjunto das instalações (prédios, infraestruturas, equipamento)
localizadas num certo sítio fixo onde se realizam as operações comerciais dos comerciantes, cooperativas, empresas
estatais, empresas públicas e sociedades comerciais em geral.
A loja é um conceito mais restrito que designa o local aberto ao público onde se efectua a venda dos produtos. Em
linguagem do vulgo usa-se o termo loja para designar uma casa comercial de dimensões reduzidas que vende a retalho
produtos de uso corrente; devemos no entanto compreender que loja tem o significado técnico-comercial de local de
venda ao público.
Supermercado é um estabelecimento moderno e complexo que se caracteriza por comercializar em geral
produtos alimentares mas também uma gama muito vasta de bens e serviços não especializados como sejam: alfinetes,
botões, roupas, canetas, bicicletas, cadernos, livros, flores, ferragens, artigos eléctricos, produtos farmacêuticos, artigos
de higiene e limpeza doméstica e outros bens de uso doméstico corrente.
É sabido que alguns supermercados tendem a reduzir a amplitude dos produtos e mesmo a ganhar uma certa
especialização por objectivos, ramos e produtos afins. Assim conhecemos designações diferentes de supermercados
como por exemplo "Grandes Armazéns de Bebidas", "O Mundo da Criança", "O Mundo do Mobiliário", "Interfranca"1
Supermercado da Luz, Ganha Pouco, Supermercado LM, ou nomes simplesmente sonantes e publicitários que nada tem
a ver com o que se vende, exemplo "Jonh Orr's", "Bata", "Monteiro e Giro", e outros.
1
Já extinta como supermercado. A empresa mantém a sua existência jurídica tendo as instalações da Av. 24
de Julho sido transformadas em centro comercial

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Centros comerciais. Os supermercados e respectivas cadeias espalhadas quer dentro dum território nacional quer
pelo mundo fora, surgem e desenvolvem-se bastante nos anos 50. Entretanto cerca de 10 anos mais tarde, começam a
florescer , a partir dos países do 1º Mundo, os chamados centros comerciais que na essência são locais bastante amplos
onde se concentram uma gama muito variada de estabelecimentos comerciais, lojas, supermercados com as
características e objectivos que acabámos de definir.
Os centros modernos ocupam quarteirões e/ou partes espaçosas de prédios e estão dotados de parque de
estacionamento de veículos, motas e bicicletas. Entre nós pode-se destacar o Shoprite (Maputo e Beira), a Interfranca da
Av. 24 de Julho em Maputo, o Centro Milénio na Av. Vladimir Lenine (baixa de Maputo), e o Shopping Centre sito na
24 de Julho em Maputo (Polana).
Qualquer estabelecimento comercial tem um domicílio comercial ou sede social obrigatória por lei e que deve
constar dos estatutos a fim de se tornar conhecido públicamente e de se saber o principal local onde a unidade económica
opera e responde pelos contratos e obrigações assumidas.
Paralelamente, mas já com carácter facultativo, as unidades económicas que estamos a estudar, podem ter
ramificações espalhadas pelo país ou no estrangeiro.
Essas ramificações têm designações várias consoante o nível de dependência, os objectivos pretendidos, e os
locais onde se instalam. Em muitos casos as diferentes designações querem dizer a mesma coisa porque em boa verdade
elas não têm diferenças muito profundas em conteúdo. Vejamos os seguintes casos e conceitos a eles associados:
Filiais são as ramificações que se instalam dentro do país, normalmente nas principais cidades; nada impede que
se abra uma filial no estrangeiro embora nestes casos a tendência seja de não chamar filial mas um outro nome (v.g.
agência).
Sucursal não tem nenhuma diferença prática em relação ao conceito de filial. Às vezes as empresas e sociedades
preferem a designação sucursal porque a de filial normalmente traz implícita a ideia de dependência familiar.
Delegações são ramificações de importância menor do que as filiais e sucursais, no sentido de que em regra
aquelas são simples escritórios com poucas pessoas que fazem o que se costuma dizer de caixa de correio, porque a
execução efectiva das operações compete ao estabelecimento comercial principal ou à filial mais próxima. Nada impede
na prática que se dê às delegações o estatuto e funções das filiais.
Agências são estabelecimentos comerciais que em regra são propriedade de outros comerciantes, empresas e
sociedades que por simples acordos se comprometem a fazer negócios e operações comerciais e financeiras em nome e
por conta do estabelecimento comercial principal.
Mais uma vez nada impede que as agências funcionem e tenham o conteúdo e significado de verdadeiras filiais
(exemplo, as agências de automóveis muitas vezes têm ligações do tipo sucursal com os fabricantes). Por outro lado, na
prática é frequente utilizar-se o nome de agências na acepção de casa comercial normal de venda de bens e serviços; por
exemplo, Agência Mercantil em Maputo, uma empresa do ramo de artigos eléctricos que chegou a transformar-se em
estabelecimento comercial principal. Hoje está extinta, tendo as suas instalações sido ocupadas pelo Banco Internacional
de Moçambique (BIM) no prédio 1º de Janeiro, junto ao cinema Gil Vicente.

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Note-se que na prática acontece que o termo agência é também usado para designar um estabelecimento normal de
venda de bens e serviços. Os exemplos são vários: Agência de viagens; Agência de turismo; Agência funerária: Agência
mobiliária.
Representantes e correspondentes. Vide a noção de correspondente no ponto 3.8. Convém notar que na prática
comercial os representantes e correspondentes não se diferenciam dos delegados e agentes comerciais.

4.2 Feiras nacionais e internacionais

Feiras são locais onde em determinados dias de cada ano, e numa base regular, se concentram comerciantes,
cooperativistas, representantes de empresas, sociedades comerciais e outras pessoas ou entidades para realizarem
diversas operações relativas a mercadorias e serviços. Há feiras de carácter geral onde se realizam operações sobre todo
o tipo de produtos e há feiras especializadas (de bens de consumo, de equipamento, de mobiliário, de gado, de artesanato,
etc).
Este é o significado original de feira. No entanto hoje as feiras ganharam uma dimensão mais vasta e um conteúdo
novo. Com efeito, podemo-nos reportar à nossa Feira Internacional do Maputo (FACIM) para verificar de imediato que
hoje, na maioria das situações, não se vai a uma feira para comprar ou vender o que quer que seja.
As feiras hoje transformaram-se em centros de amostra e exposição das principais realizações no campo
económico e dos principais produtos e serviços que os países podem fornecer nos mercados nacionais e internacionais.
No entanto práticamente em todas as feiras do mundo, os participantes com interesses comerciais aproveitam e reservam
alguns períodos durante a realização dos certames para fazer contactos e mesmo acordos de transacções comerciais com
países, empresas, organizações e sociedades presentes.
É muito frequente assinarem-se acordos ou contratos comerciais de muito vulto cuja materialização se vem a
verificar durante um período longo; são acordos de fornecimento válidos por 1,2,3 ou mais anos. As feiras dão larga
publicidade desses contratos na rádio, televisão e em órgãos de imprensa de maior circulação, precisamente para dar um
cunho original às feiras, ganhar prestígio internacional, promover e divulgar a imagem do desempenho económico, social
e cultural dos países.
O segundo aspecto das feiras modernas é que transformaram-se em centros de atracção turística e de recreação
porque nelas se concentra e se sintetiza tudo o que de maior interesse económico (e por vezes político e social) importa
conhecer no país e no mundo, e também porque o país organizador, as estruturas responsáveis pelo certame, participantes
e expositores em geral, fazem o máximo de esforços durante o ano para apresentar, naqueles escassos dias em que duram
as feiras, um certame alegre, atraente, cheio de vida e cor.
Não acontece por simples acaso que a inauguração das principais feiras é frequentemente envolvida de muita
pompa e circunstância onde as autoridades máximas do país, a nível do ministério de tutela, do Conselho Executivo e das
Câmaras de Comércio se fazem representar. Em muitos casos é o próprio Chefe de Estado ou 1º Ministro que dirigem o
acto.

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Há feiras nacionais, regionais e internacionais. Os alunos conhecem exemplos de cada tipo. A feira realizada em
Maputo por ocasião do 10º Aniversário da Independência foi uma feira nacional. As feiras que se realizam nas províncias
(exemplo em Nampula) são regionais ou provinciais; as feiras de Ndola (Zâmbia), Dar-Es-Salaam (Tanzania), FACIM
(MAPUTO), Leipzig (ex-RDA), são feiras internacionais.

4.3. Mercados (de matérias primas, de géneros alimentícios e de valores). A comercialização agrária

Falámos o suficiente sobre mercados nos pontos 2.8, 2.9 e 2.10. Talvez tenha interesse frisar aqui, sobretudo
depois de conhecermos o significado de feira, que a noção de mercado diferencia-se da de feira pelo seguinte:
-Os mercados funcionam normalmente todos os dias.
-Nos mercados até hoje ainda se realizam operações de compra e venda efectivas.
-Os mercados não tem a amplitude e objectivos que se atribuem hoje às feiras, em particular o papel destas como
centro de mostruários.
Nos nossos dias tem grande importância económica os mercados de matérias primas e de valores, locais onde,
como o próprio nome indica, se transaccionam matérias primas (para a agricultura e indústria) e valores como sejam
títulos de crédito, moedas e divisas.
Tal como as feiras, podemos dizer que, em relação aos mercados de matérias primas e valores, hoje já não se faz a
compra e venda directamente no próprio local dos mercados. Lá discute-se, trocam-se opiniões e formulam-se contratos
com base, quando muito, em amostras de produtos. Dir-se-ia que houve um refinamento em relação à concepção
tradicional de mercado de matérias primas e valores.
Compreenderão melhor estas noções quando os alunos estudarem com desenvolvimento a matéria sobre bancos e
bolsas.

Façamos algumas considerações sobre a comercialização agrícola.


A comercialização agrícola é um dos mecanismos mais importantes do processo de circulação e escoamento de
mercadorias em países onde o sector da agricultura tem um peso siginificativo na actividade económica em geral. O
processo é muito utilizado em países em que a população é predominantemente camponesa e onde os circuitos e
intervenientes formais de comércio não estão suficientemente espalhados pelo território.
Portanto a comercialização agrícola pratica-se bastante nos países do 3º Mundo com forte dependência do
exterior, estrutura agrária dualista (i.e., com uma economia urbana desenvolvida a coexistir com uma rural atrasada) e
acentuado desequilíbrio regional.
Na essência a intervenção dos poderes públicos destina-se a corrigir falhas e imperfeições do funcionamento
normal dos mercados em regime de livre concorrência.
Em Moçambique, desde a era colonial, o Estado tem vindo a organizar anualmente, e durante um período fixo de
tempo, locais onde os produtores vão vender os produtos da sua lavra, desde cereais destinados directamente à

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alimentação até às chamadas culturas de rendimento. Normalmente o Estado é o maior comprador, sobretudo em relação
a produtos utilizáveis nas indústrias de exportação (v.g. castanha de cajú, algodão).
Nas campanhas também participam outras pessoas individuais ou colectivas quer como produtores-vendedores
quer sobretudo como compradores dos produtos disponíveis nesses mercados.
Este processo tem entre nós a designação bastante conhecida de campanhas de comercialização. O Estado
através de legistação e editais apropriados determina os termos em que as campanhas se realizam, e em particular
estabelece os preços que em geral são favoráveis e/ou subsidiados (preços administrativos). O papel das instituições
estatais é pois o de imprimir uma maior dinâmica à economia rural por forma a que esta por si só possa a breve trecho
integrar-se na economia ubana monetarizada.
Hoje esta intervenção é tanto mais importante quanto é certo que em quase todas as províncias há o problema de
falta de dinheiro em circulação que dificulta ou afecta o processo de comercialização agrícola chegando a acontecer que
os produtos apodrecem nos celeiros simplesmente porque os compradores não tem dinheiro. Por outro lado, e como
contrapeso, a liberalização dos preços, por força do próprio regime de economia de mercado instituido após o Programa
de Reabilitação Económica (1996), tem conduzido a que certos operadores-compradores manipulem os preços
(especulação comercial) aparecendo nos mercados rurais a oferecer preços considerávelmente mais baixos na mira de
escoar, revendendo os produtos a preços muito mais altos.
Para o grosso dos camponeses sem capacidade de sobrevivência, esta prática concorrencial é prejudicial. Recorde-
se a título de exemplo o que se passou em Manica na campanha de Outubro de 2000. O Estado teria fixado o preço
mínimo de 1.500 MT o quilo de milho, mas porque na Província circulava muito pouco dinheiro, alguns operadores
apareceram a oferecer apenas 500 a 800 MT o quilo, o que certamente provocou um grande prejuízo aos camponeses
produtores.
O Governador da Província2 teve que aparecer em público a clamar por uma maior intervenção dos poderes
públicos a nível central porque, argumentava, o problema de comercialização ultrapassa as competências da Província e
dos distritos. É um problema nacional, dizia.
Vemos assim que o comércio rural foi e continua a ser para nós "um instrumento de grande impacto no campo nas
suas três componentes principais: A comercialização determina significativamente a composição da produção, o
aprovisionamento determina a tecnologia e o abastecimento determina o consumo das populações; no seu conjunto
determinam o nível de vida no campo" (Carrilho J. et al, in Estratégia Alternativa de Desenvolvimento Agrário).

4.4. Bolsas e suas funções. Cotações e câmbios

As noções e funções de bolsas, câmbios e cotações são extremamente importantes na vida de qualquer país e nas
relações económicas internacionais. Por isso, e se bem que em disciplinas especializadas como Moeda e Crédito,

2
Vide jornal Notícias de 3 de Outubro de 2000

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Economia Internacional, estes assuntos sejam estudados com o devido detalhe, impõe-se desde já que os alunos tenham
ideias precisas sobre o que são e qual a função das bolsas e das principais operações que nelas se realizam.
O Código Comercial possui um capítulo especial dedicado às bolsas. Assim encontramos no artigo 82 uma
definição muito útil para o nosso estudo.
Denominam-se bolsas os locais abertos ao público onde se reunem os comerciantes, os agentes de comércio,
banqueiros, financeiros e outras entidades devidamente autorizadas, para discutir, decidir ou realizar operações
comerciais e financeiras relativas a fundos públicos e particulares (nacionais ou estrangeiros), títulos de crédito, metais
preciosos, divisas cambiais, mercadorias.
Pela definição apresentada tem-se as seguintes categorias de bolsas:
Bolsas financeiras, onde se negoceiam fundos públicos ou particulares que podem revestir a forma de títulos ou
valores.
Bolsa de mercadoria, onde se faz a negociação de mercadorias normalmente com base em amostras. Por
exemplo o chá, o café, a madeira, o algodão, o cobre são objecto de fixação de preços nas bolsas de mercadorias.
Bolsa de câmbios, são as que realizam negociações e operações sobre metais preciosos e divisas cambiais.

As bolsas desempenham um sem número de funções económicas importantes das quais destacamos as seguintes:
-Fixam os preços das mercadorias, divisas e títulos de crédito que passam a vigorar nos mercados internacionais
determinando e influenciando a stiuação económica de quase todos os países do mundo.
- Contribuem para desenvolvimento das relações económicas internacionais na medida em que são locais
importantes de concentração do comércio.
-São um instrumento típico de nivelamento e estabilização dos preços internacionais para as economias de
mercado, pois as bolsas são os locais onde se manifestam com maior rigor os mecanismos da lei da oferta e da procura.
Dado que os mecanismos de mercado são a alavanca essencial do funcionamento das bolsas podemos concluir que
em economias centralmente planificadas, não há e nem faz sentido haver bolsas na acepção referida, mas é demasiado
sabido que essas economias são indirecta e fortemente influenciadas pelas decisões tomadas nas bolsas capitalistas mais
poderosas como a New York Stock Exchange (NYSE) na Wall Street de Nova Iorque ou a London Stock Exchange dos
ingleses.
O resultado ou o trabalho mais importante das bolsas manifesta-se através das cotações dos valores negociados.
Essas cotações são diáriamente afixadas em lugar público mais visível nas próprias bolsas e publicadas em jornais e
revistas especializadas, nos diários ou publicações oficiais dos Governos ou nos jornais mais lidos.
Durante muitos anos entre nós diáriamente o jornal Notícias e a Rádio Moçambique3 deram a conhecer o boletim
de câmbios e outras informações de carácter financeiro que são recolhidas das bolsas. Isto por si só atesta a grande
importância e o alcance das operações de bolsa. Hoje apenas o Notícias continua a manter esta tradição.

3
Actualmente a RM deixou de anunciar os câmbios

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Vejamos alguma coisa sobre esta questão das cotações das bolsas que preocupa e interessa a todo o mundo. Para
já convém alertar que não é fácil entender e descrever todos os mecanismos que explicam tal e tal preço internacional na
medida em que intervém não só factores objectivos como também, e com igual peso, factores subjectivos e psicológicos.
Recordemos que logo no início do curso explicamos a origem e desenvolvimento das trocas. Vimos que a moeda
acabou por representar o preço de uma mercadoria. Portanto em princípio há uma correspondência perfeita entre o valor
da mercadoria e o valor da moeda uma vez que esta representa aquela.
Nos primórdios da existência da moeda foi sempre assim, daí que a moeda tinha de facto um valor material
expresso pelo peso, em ouro ou prata.
No entanto com o desenvolvimento das trocas comerciais a moeda foi perdendo o valor material que tinha quando
"nasceu", tendo nos nossos dias apenas um valor convencional garantido pelo Estado através dos bancos emissores; nós
convencemo-nos que 500.000 meticais em papel valem uma camisa ou uma determinada quantidade de peixe porque o
Banco de Moçambique assume o compromisso teórico de que qualquer cidadão que queira, pode ir aos balcões reclamar
a quantidade de ouro correspondente aos 500.000 meticais em papel.
Em princípio e teóricamente os bancos centrais ao lançarem dinheiro na Economia devem ter nos cofres a
quantidade de ouro correspondente às moedas e notas em circulação. Mas sabemos que na prática não é assim. O Estado
e os bancos centrais lançam notas e moedas e garantem por lei que o dinheiro vale o que nele está inscrito e deve
portanto ter circulação obrigatória.
Tudo o que dissémos equivale a dizer que as notas e moedas têm um valor que depende de dois factores como já
dissémos: factor material e factor psicológico. Isto é importante para compreendermos o que se explica a seguir.

O câmbio é uma relação entre duas moedas de países diferentes. Essa relação exprime o preço por que se realiza a
troca dessas moedas.
Os preços que aparecem diáriamente nos boletins de câmbios são o resultado de negociações efectuadas nas
sessões diárias das bolsas. Portanto quando lemos que, num determinado dia, o câmbio de compra de um rand é por
exemplo de 2.100 MT quer dizer que naquele dia, tomados em conta vários condicionalismos, um cidadão Moçambicano
para adqurir um rand teria de pagar um preço avaliado em 2.100 meticais.
Obrigatóriamente o câmbio das moedas, tal como sucedia em relação ao valor de cada moeda nacional nos
diferentes países, baseou-se no seu valor intrínseco (material).
Assim suponhamos que em dado momento que o valor do metical se mede pela quantidade de ouro nele contido.
Então admitamos como hipótese teórica que o metical contém materialmente 0,030 gramas de ouro e que o rand encerra
realmente 0,75 gramas. Então a cotação do rand em relação ao metical é dada pela razão 0,75/0,030=25. Isto significa
que o rand vale, em termos reais (físicos) 25 vezes mais do que o metical; então se Moçambique quizer adquirir um rand
para fazer qualquer importação terá que desembolsar 25 meticais.
Podia acontecer que o metical tivesse naquele momento exactamente o mesmo valor que o rand, para isso era
preciso que a nossa moeda também contivesse 0,75 gramas de ouro fino e a relação seria 0,75/0,75=1. Neste caso dir-se-
ia que as duas moedas se equivalem, ou a PARIDADE é um, ou ainda que o câmbio está ao PAR.

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Todavia esta é apenas uma hipótese teórica que hoje práticamente já não se verifica em nenhum país. A prática é
que:
1º Os câmbios estão acima ou abaixo do par, isto é, a relação entre as moedas é maior ou menor que 1.
2º Os câmbios flutuam isto é, sofrem variações frequentes.
As razões são objectivas (materiais) e são também de ordem psicológica.
Ocupemo-nos rápidamente das razões de ordem material (objectivas).
Hoje o valor intrínseco das moedas (em ouro fino) já não tem nenhum significado ou tem apenas um conteúdo
simbólico e um valor nominal garantido pelo Estado.

Um país pode possuir os milhões de notas e moedas que quizer na sua própria moeda nacional (basta que o Estado
mande fabricar tantas notas e moedas que entender); pode emitir decretos e leis que bem lhe apetecer para garantir aos
seus parceiros comerciais que tal montante de dinheiro lançado no seu mercado corresponde ao valor real dos produtos
produzidos pelos seus habitantes e/ou à quantidade de ouro guardado nos cofres fortes do Banco Central.
O que interessa nas relações económicas internacionais não é tanto o valor da moeda em circulação dentro de cada
país. O que interessa sim é a capacidade que cada um tem de exportar mercadorias e vender serviços e de pagar os seus
compromissos, o que interessa no fundo é o que o país pode fornecer em bens e serviços, em suma o que vale é o produto
do trabalho efectivo.
Assim um país, do que é seu, pode exportar mercadorias, pode vender serviços de transportes, seguros, turismo,
direitos de patentes e de marcas, Know how, cooperantes, etc. Como resultado da venda de mercadorias e serviços o país
ganha em contrapartida moeda estrangeira mais conhecida por DIVISAS (rand, dólar, franco, marco, libra, etc.). É com
essas divisas que vai comprar (importar) o que necessita mas não produz.
Então a comparação entre o que se recebe em divisas e o que se paga dá-se o nome de Balança de Pagamentos.
Tal como a simples comparação entre receitas e despesas da nossa casa, pode acontecer que a balança de pagamentos
seja positiva (favorável) ou negativa (desfavorável).
Suponhamos que em dado momento ela é favorável (há um superavit). Então o país atravessa um momento
bastante bom, os seus bens são muito procurados e demonstra possuir uma boa política de gestão das despesas. Os
negociadores das bolsas que normalmente se regem pela lei da oferta e da procura vão certamente fixar um preço alto
para a moeda desse país (o câmbio sobe, a moeda está valorizada, a moeda diz-se forte, isto é, tem capacidade de compra
no mercado internacional; no processo de desenvolvimento a moeda pode tornar-se CONVERTÍVEL, se já não o é).
Suponhamos que num outro momento a balança de pagamentos é negativa (há um déficit). Por um raciocínio
análogo chegaremos à conclusão de que as bolsas fixarão um valor baixo para a moeda nacional desse país (o câmbio
desce, a moeda desvaloriza -se, a moeda é fraca se a economia for crónicamente deficitária).

Um país com grandes déficits sistemáticos na balança de pagamentos em relação à sua capacidade de produção
(como se diz consome mais do que produz) tem tendência a ter a sua moeda sem qualquer valor ou aceitação no mercado
internacional. Para comprar qualquer coisa tem que ter sempre moedas fortes (dólar americano, libra inglesa, rand sul

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africano, franco francês, marco alemão) porque a sua própria moeda só serve internamente e muitas vezes acaba por ter
apenas um valor político e de referência (circula no país mas realiza uma função económica reduzida, pois as pessoas
contabilizam as operações em moeda forte ou simplesmente fazem trocas directas).
A fixação e variações das cotações das moedas (câmbios das divisas) funcionam teóricamente assim.
Teóricamente porque há muitos outros factores que influenciam decisivamente os câmbios.
Primeiro, nem todos os países com balanças positivas (e há-os poucos no mundo)4 têm moedas fortes. Depois há
países com balanças de pagamentos deficitárias e que tem as suas moedas consideradas como divisas fortes (os Estados
Unidos são um exemplo imediato).
Para completar a explicação das variações de câmbios podemos dizer que elementos psicológicos e o facto de
haver países que dominam o comécio internacional (em particular no ocidente) são factores que pesam bastante na
fixação e variação dos câmbios, tanto mais que as bolsas mais importantes do Mundo têm a sua sede nas principais
cidades dos países capitalistas (v.g. Londres, Nova Iorque, Paris, Bruxelas, Tóquio).
Assim ao nível das relações entre os países mais importantes e grandes produtores de bens e fornecedores de
serviços exportáveis, a lei da oferta e da procura em relação a esses bens e serviços determina em primeira mão os
câmbios a vigorar entre esses países. Em segundo lugar certos elementos psicológicos podem provocar variações de
câmbios mais ou menos importantes; exemplos:
- Pânico nos meios financeiros provocado por uma ameaça de guerra. Os negociadores das bolsas podem fixar
preços baixos para as moedas dos países que supostamente vão entrar em guerra;
- Uma descoberta científica que anuncie que vai haver uma nova fonte de energia;
- Uma lei que anuncie o corte de certas despesas de investimento em projectos ligados às indústrias de guerra;
- Uma catástrofe do tipo das grandes inundações na Inglaterra, França, E.U.A; as cheias de Janeiro/Fevereiro de
2000 em Moçambique;
- Uma personalidade X, muito importante no mundo da banca e finanças e com forte influência nas bolsas, que
adoece e baixa no hospital, pode estar na origem de alterações de cotações num certo dia;
- Uma reunião nas Nações Unidas em que o tom das discussões não agradou os negociadores das bolsas;
- O órgão máximo do Estado de um certo país produtor e exportador de petróleo (no Médio Oriente) anuncia o
corte de fornecimento de crude à África do Sul5;
- Perturbações políticas e sociais no seio de certos países (África do Sul por exemplo);
- Simples pronunciamentos de políticos destacados nos diferentes países.
Acabámos de dar exemplos de casos e situações em que o factor psicológico pode determinar assinaláveis
variações de câmbios. Isto serve para mostrar que as bolsas, as cotações comerciais e financeiras nos mercados
internacionais são coisas muito intrincadas e complexas.

4
Um exemplo em África é o Botswana
5
O exemplo da África do Sul reporta-se ao período de vigência do apartheid. Para melhor entendimento
basta tomar o caso do nosso país no período da guerra civil ou no período pós-cheias de Fevereiro de 2000.
As taxas de câmbio do dólar experimentaram subidas mais acentuadas

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No entanto, para iniciação, a explicação e os instrumentos de análise que foram apresentadas são suficientes para
compreender os estudos que os alunos farão posteriormente noutras disciplinas.
Passemos uma breve revista a algumas questões práticas relacionadas com arbitragens, corretores de bolsas e
praças que dão a certo ou incerto.

4.5.Corretores de bolsas. O CERTO e o INCERTO. Das arbitragens de câmbios

Os corretores6 de bolsas são intermediários das operações junto dos mercados financeiros que gozam do direito
exclusivo de intervirem nas transacções sobre fundos públicos ou particulares, mercadorias e moedas estrangeiras.
Também pode haver corretores de seguros, corretores de fretamento de navios.
A remuneração dos corretores chama-se corretagem e é constituída por uma percentagem sobre o valor das
operações.
Na linguagem financeira fala-se muitas vezes em compras à corretagem e vendas à corretagm. Nas vendas, o
vendedor emite uma ordem de venda que apresentará ao corretor da bolsa de mercadorias; nessa ordem ele fixa as
condições em que este deverá promover a venda por conta e ordem daquele. No que respeita às vendas, e com as
adaptações necessárias, o comprador procede de forma idêntica.
Antes de abordarmos a importante questão das arbitragens vejamos em que consiste o certo e o incerto.
Quanto à forma de fixação de cotações, isto é, quanto à forma de estabelecimento de relações de câmbios há dois
sistemas: assim, existem praças que dão o CERTO e outras que dão o INCERTO.
Diz-se que uma praça dá o certo quando fixa (como unidade) a quantidade de moeda nacional do país no qual as
cotações estão sendo estabelecidas e determina qual a quantidade de moeda dos diferentes países que equivale a essa
moeda nacional.
Note-se que a quantidade de moeda nacional a fixar pode ser em termos de 1, 2, 5, 10, 20, 100 ou qualquer outro
número de unidades monetárias.
Mesmo que haja flutuações de câmbios a quantidade de moeda do país que dá o certo é sempre a mesma, o que
varia são as quantidades de moeda dos outros países. A Inglaterra é dos poucos países que dão o certo.
Normalmente as praças dão o incerto, isto é, apresentam as cotações em relação às quantidades de sua moeda
nacional (variáveis e incertas), estabelecendo uma certa quantidades da moeda estrangeira como um dado fixo. A
República de Moçambique dá o incerto.
Se o país segue o sistema de dar o certo (caso da Inglaterra) então as cotações aparecem da seguinte forma:
Compra Venda
Londres s/Nova Iorque. . . . . . . . . . . . . 2,30 2,35
Londres s/Paris. . . . . . . . . . . . . . . . . . . 12,80 13,90

6
Brokers e jobbers na terminologia inglesa

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Significa que Londres compra moeda americana pagando 2,3 dólares por libra e vende por 2,35 dólares a mesma
libra; no que respeita a francos franceses, Londres compra-os a 12,8 por libra e vende-os a 12,9 por libra. Pode acontecer
que a base seja 100 unidades em vez de uma unidade (i.e., neste caso 100 libras). Então far-se-ia a leitura dizendo que
Londres compra a moeda francesa à razão de 1.280 francos por 100 libras e vende-as recebendo 1.390 francos por cada
100 libras esterlinas.
Por outro lado quando um país adopta o sistema do incerto as cotações seguem o seguinte esquema (Moçambique
como exemplo):
(Meticais)
Países Moeda Compra Venda
África do Sul Rand 16,5 16,8
França Franco 5,1 5,2
Zimbabwe Dólar 25,3 25,7
E.U.A. Dólar 41,8 42,6

A leitura é simples: uma unidade cada moeda estrangeira está sempre cotada em meticais (pode-se tomar como
base 100 unidades, tal como a alternativa apresentada no exemplo anterior). Assim, olhando para o quadro supra, os
bancos compram cada rand por 16,5 meticais e vendem o mesmo rand por 16,8 meticais.
Note-se que os exemplos apresentados referem-se aos câmbios praticados em Moçambique em Outubro de 1985.
No momento em que estamos a reescrever e actualizar o presente texto com vista à produção da 2ª edição do livro
(Setembro de 2000) os câmbios estão bastante alterados.
Para termos uma ideia do ritmo de variação dos câmbios num espaço de tempo de 15 anos (1985 a 2000)
reproduzimos a seguir o quadro anterior aos câmbios de 30 de Setembro de 2000.

Países Moeda Meticais/Unidade de Moeda Unidade de moeda/USD


África do Sul Rand 2.167,00 7,2080
França Franco 2.109,10 7,4061
Zimbabwe Dólar 295,00 52,9500
E.U.A. Dólar 15.560,00 -

Comparando este quadro com o anterior verificamos que, por exemplo, a taxa de câmbio do dólar americano em
15 anos (de 1985 a 2000) passou de 41,8 MT para 15.560 MT, o que representa um encarecimento de 372,2 vezes mais
(um aumento de cerca de 25 vezes por ano!)
Em termos de estrutura nota-se que o banco deixou de fornecer 2 câmbios (compra e venda) certamente para
maior simplicidade de consulta do leitor comum; contudo na prática os bancos operam internamente com 2 câmbios

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NOÇÕES FUNDAMENTAIS DE COMÉRCIO - 2ª Edição (Rascunho)

conforme explicado, sendo na generalidade o de venda superior ao de compra; na diferença entre os dois reside o ganho
dos bancos e cambistas.
Voltaremos ao assunto quando no ponto 4.6. falarmos da terminologia e linguagem mais usadas nas bolsas.
Vamos terminar este ponto apresentando o problema das arbitragens de câmbios7.
"A arbitragem é uma operação que consiste em utilizar o processo mais vantajoso para pagar uma dívida ou cobrar
um crédito sobre uma praça estrangeira, ou para vender ou comprar cambiais numa praça estrangeira".
A arbitragem comporta a utilização de dois processos:
a)- A arbitragem directa , que se opera entre duas praças;
b)- A arbitragem indirecta, que se efectua com intervenção de uma ou várias praças estrangeiras, chamadas praças
medianeiras entre a do comprador (ou devedor) e a do vendedor (ou credor).
As arbitragens directa e indirecta não devem ser confundidas com as noções de câmbio directo e indirecto. Com
efeito o câmbio diz-se directo quando é estabelecido com base na oferta e procura existentes numa praça.
Por sua vez o câmbio diz-se indirecto quando o mesmo é feito com base nas cotações duma praça intermédia.
As moedas cotadas nas bolsas mais importantes do mundo são objecto de câmbios directos (por exemplo o dólar,
o marco, a libra, o rand, o franco); as moedas não cotadas nessas bolsas são objecto de câmbios indirectos (por exemplo:
o metical de Moçambique, o lilangueni da Swazilândia, a pula do Botswana, o marco da ex-R.DA., o rublo da ex-União
Soviética, a Kwacha da Zâmbia).
No entanto qualquer país com moedas cotadas ou não cotadas nas bolsas pode fazer uso das arbitragens directas e
indirectas.
Apresentámos a arbitragem como sendo básicamente um processo de escolha da melhor via de liquidação de uma
dívida ou cobrança de um crédito.
Existe no entanto o comércio puro de câmbio flutuantes no sentido de que há pessoas, entidades, empresas que se
dedicam exclusiva ou prioritáriamente ao negócio de jogo com as flutuações cambiais. No mundo das bolsas são
chamados especuladores: compram moeda, ouro, metais preciosos, divisas e mercadorias nas praças onde a cotação é
mais baixa e vendem nas praças onde a cotação é mais alta, arrecadando lucros pela diferença de cotações.
Modernamente o jogo nas bolsas faz-se ao computador e abarca também indicadores sob a forma de índices de
acções, mercadorias, produtos financeiros derivados (v.g. futuros, opções) de que daremos breves noções no capítulo X a
propósito da Bolsa de Valores de Moçambique.
Muitos bancos em todo o Mundo, sem serem especuladores profissionais, também jogam com as flutuações de
câmbios em relação às suas disponibilidades em divisas. Por exemplo se um banco tem rands, dólares, marcos, libras, em
certo momento pode desfazer-se da moeda que tiver uma cotação desfavorável, vendendo-a e comprando as que têm
câmbio mais favorável.
Voltando a nossa questão central (a arbitragem) vejamos quais são as vias mais usuais de resolução de uma
situação de débito ou crédito.
7
Não devemos confundir arbitragem de câmbios com o problema das arbitragens de conflitos que veremos
no ponto 6.4 a propósito do incumprimento dos contratos.

S.M./FE/UEM/2003 82
NOÇÕES FUNDAMENTAIS DE COMÉRCIO - 2ª Edição (Rascunho)

Hoje no comércio internacional a intervenção dos bancos não se faz por compra e venda físicas, isto é, um banco
não envia a Londres um seu representante ou empregado munido de um saco de tantos biliões de meticais para comprar
naquela praça o correspondente em libras para fazer face ao pagamento de uma importação. Em nenhuma parte do
mundo se faz este tipo de operação física de transporte de divisas.
Acontece que em todos os países a movimentação física de moeda estrangeira por entrada e saída nas fronteiras é
totalmente proibida, a menos que haja uma autorização expressa das autoridades cambiais.
Em segundo lugar esse tipo de movimentação é perigoso (falta de segurança) e dá origem a atrasos nos
pagamentos, dificultando portanto o desenvolvimento do comércio internacional.
É assim que se usam bastante títulos de crédito como cheque, letra, cheque de viagem (travell cheque) e outros
instrumentos de pagamentos que estudaremos no capítulo VIII sobre Bancos e Operações Bancárias.
Quando falamos em arbitragem é preciso ficar claro que o problema da escolha da via adequada só se coloca
quando há a pagar e receber em moeda estrangeira (em geral é o devedor que arbitra, embora o credor possa reagir, e
normalmente o faz, quando a moeda escolhida não lhe interessa). Esta observação é útil porque dentro de um mesmo
país não faz sentido haver arbitragem de moeda; por exemplo entre A Moçambicano que deve a B Tanzaniano, mas
ambos residentes em Maputo, 20 milhões de MT, como princípio não pode haver liquidação da dívida em libras ou outra
moeda que não o metical.
Então, em termos de arbitragem é normal encontrarmos as seguintes vias de câmbio:

a) Via de remessa ou via natural

A, residente em Moçambique remete uma cambial na moeda do credor B, residente em Londres para pagar uma
dívida por importação de um equipamento.
A cotação de que A se vai servir é de Maputo sobre Londres. O Banco "vende" libras a A utilizando o câmbio do
dia da operação.
Simbólicamente tem-se:

A (Maputo) Remete Libras B (Londres)

Se A devesse francos franceses sobre Paris enviaria francos sobre esta praça.

b) Via saque ou via inversa

É formalmente como a primeira via de câmbio, simplesmente em vez de o devedor comprar libras cá em Maputo,
manda apenas um documento para o seu Banco comprovando a operação comercial que deu origem à dívida. O Banco
envia uma ordem de pagamento ao seu correspondente de Londres que por sua vez entrará em contacto com o credor;
tudo se passa sem envolvimento de dinheiro e muitas vezes por simples fax, tal que a conta de A no Banco local fica

S.M./FE/UEM/2003 83
NOÇÕES FUNDAMENTAIS DE COMÉRCIO - 2ª Edição (Rascunho)

debitada em meticais pelo montante da dívida e a conta em divisas (libras) que o credor B tem em Londres fica
aumentada do valor correspondente ao montante da transacção comercial realizada.
Os bancos de ambas praças, que apenas intervém na operação como simples medianeiros, têm mecanismos de
compensação dos créditos e débitos de todas as operações dos seus clientes.
Vemos assim que também não há movimento físico de divisas mas sim de cambiais. Se acontecer que o câmbio
do metical em Londres é mais favorável, o credor B de Londres saca sobre o devedor A de Maputo um valor igual à
dívida que A possui em libras. Gráficamente tem-se:

Saca em MT
(Maputo) A B (Londres)

Técnicamente tudo se passa em resumo do seguinte modo: o credor B saca uma letra em meticais que negociada
em Londres dê o valor do débito de A.
Como A está interessado em modificar a operação cambial (é ele que faz a arbitragem) então são de sua conta
todas as despesas adicionais.
Acabámos de estudar as duas mais importantes vias directas de câmbios.

c) Via de Remessa sobre 3ª praça

É uma via indirecta. O devedor A ao consultar o boletim de cotações de câmbios vê que há uma 3ª moeda
favorável. Suponhamos que é o franco francês.
Então A pode ter interesse em comprar tantos francos franceses (FF) que o credor B (em Londres) ao vender a
cambial respectiva receba o valor total do seu crédito em libras (£).
Esquemáticamente tem-se:

Boletim
de
A (Maputo) Câmbios B (Londres)
FF/£

Remete FF (mais favorável)

Esta via é ainda considerada uma via ordinária de câmbios, entendendo-se por vias ordinárias as que não exigem a
intervenção efectiva de um intermediário. Isto porque embora se opere com 3 moedas, no exemplo em análise, as praças
que estão em jogo só são duas (Maputo e Londres); não há intervenção real de uma 3ª praça.
Vejamos agora as vias não ordinárias que se caracteizem pela existência de intermediários.

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NOÇÕES FUNDAMENTAIS DE COMÉRCIO - 2ª Edição (Rascunho)

d) Via de dupla remessa (ou de remessa-remessa)

Suponhamos então que a 3ª praça é Genebra na Suiça cuja moeda é o franco. Simbólicamente tem-se:

A (Maputo) Remete FS Remete £ B (Londres)


C (Genebra)
O devedor A tem que consultar as cotações não só de Maputo como também de Genebra. Converte a cambial que
tem que pagar em Londres em francos suiços (FS) e envia ao intermediário (C) sediado na 3ª praça (Genebra) com a
ordem de que este deve reenviar o montante líquido do contravalor em libras (£) ao credor B residente em Londres.

e) Via duplo saque (ou saque-saque)

Neste caso não se envia uma cambial em francos suiços para Genebra; procede-se exactamente o contrário.
Admita-se que o câmbio mais favorável para A é o dos francos (FS) suiços em Londres e a libra (£) em Genebra
(os câmbios de Maputo não interessam ao devedor no momento da análise). Então A emite um fax para o seu credor B
em Londres dando-lhe ordens para que saque sobre Genebra em francos suiços, tantos quantos os que precisa para que
vendendo-os em Londres receba o valor do seu crédito; em seguida A envia um outro fax para o seu intermediário em
Genebra instruindo-o para que saque por sua vez sobre Maputo em meticais uma importância que cubra as despesas que
realizou mais as comissões a que tem direito.
Maputo neste caso realiza uma operação corrente, sem envolvimento de divisas. Londres e Genebra realizam
operações com cambiais em moeda externa.
Em esquema tem-se:

Saca em MT Saca em FS
A (Maputo) B (Londres)

C (Genebra)

f) Via de remessa-saque

Mantendo ainda o exemplo de A (Maputo) devedor de libras a B (Londres) com um intermediário C sediado em
Genebra.
O devedor A compra francos suiços (FS) que remete ao seu intermediário C e dá ordens ao seu credor B para
sacar sobre Genebra um número tal de francos que negociados em Londres permitem cobrir a dívida em libras.

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Há apenas uma compra de francos suiços em Maputo, há depois um saque de Londres sobre Genebra e finalmente
uma negociação em Londres de uma cambial sobre Genebra.
Em esquema tem-se:

Saca em FS
A (Maputo) Remete FS B (Londres)
C (Genebra)

Esta modalidade não tem interesse pois que a via remessa sobre Genebra (remessa sobre 3ª praça) é mais
económica e não há que pagar comissões aos intermediários.

g) Via de saque-remessa

Nesta modalidade o devedor A (Maputo) dá ordens ao intermediário C para enviar libras (£) para B em Londres e
em seguida sacar sobre ele (devedor) uma importância tal que cubra a sua remessa, as despesas e a comissão. Todos os
câmbios se situam em Genebra.
Em esquem tem-se:

Saca em MT
A (Maputo) Remete £ B (Londres)
C (Genebra)

Teóricamente é possível efectuar-se uma operação com a intervenção de mais do que uma praça mas o que se
ganha em diferenças de cotação não chega para compensar a morosidade da operação e pagar as despesas e as comissões.

4.6 Terminologia e linguagem dos relatórios sobre a situação dos mercados (stock market reports)

Existem bolsas8na maioria das cidades mais importantes do mundo. As bolsas são dirigidas por um corpo de
directores eleitos pelos membros accionistas.
O público em geral não pode realizar directamente nenhuma operação nas bolsas. Todos os interessados devem
utilizar os corretores de bolsas (chamados brokers) e os agentes ou biscateiros (jobbers) que em seu nome e por sua
própria conta e risco realizam nas bolsas as transacções pretendidas pelos clientes.
Nas operações de bolsa tem muito interesse conhecer duas figuras típicas: uma é o especulador ou jogador na alta,
conhecido simplesmente por Bull em inglês9 e o especulador ou jogador na baixa, que em inglês se designa por Bear10.
8
The Exchange ou The Stock Exchange em inglês
9
A tradução literal é touro

S.M./FE/UEM/2003 86
NOÇÕES FUNDAMENTAIS DE COMÉRCIO - 2ª Edição (Rascunho)

Portanto o Bull adquire uma determinada quantidade de títulos, mercadorias ou outros fundos negociáveis nas
bolsas na expectativa de que os seus preços subam a fim de poder revendê-los obtendo os seus proveitos pela diferença
de preços.
O Bear procede de modo contrário, isto é, especula na baixa dos preços vendendo quaisquer fundos ou
mercadorias negociáveis nas bolsas a um preço alto na esperança de que os preços venham a baixar para comprá-los
arrecadando lucros provenientes das variações dos preços.
Estes profissionais de especulação muitas vezes não precisam de manipular físicamente o objecto da compra ou
venda e nem de desembolsar dinheiro por essas operações. São os casos em que se procede a um simples jogo de
cotações, arriscando quer na alta quer na baixa e escriturando-se os resultados obtidos nas contas desses especuladores.
O mundo das bolsas e as manipulações que nelas se operam são relativamente complexos. Existe uma extensa
literatura sobre os problemas e meandros das bolsas.

Há três tipos básicos de fundos públicos11 que são negociados nas bolsas:
-Fundos comuns
-Fundos preferenciais
-Fundos convertíveis

Os fundos comuns implicam apenas o direito de um voto por cada acção. Mas o que mais os caracteriza é o facto
de os dividendos que lhes correspondem, embora devidos trimestralmente, não beneficiaram de garantias de pagamento
regular, isto é pode haver circunstâncias que levem a que os seus portadores não recebam os dividendos a que têm
direito; um exemplo de factores que podem conduzir a esta situação é a não existência de lucros nas empresas emitentes
dos títulos.
Os fundos preferenciais são os que gozam da faculdade de beneficiar de dividendos ou da distribuição de
resultados líquidos (em casos de liquidação e partilha) prioritáriamente em relação aos portadores de fundos comuns.
Em geral os fundos preferenciais têm preço e dividendos mais baixos que os fundos comuns, mas em contrapartida
beneficiam de maior segurança em termos de prioridade e regularidade no recebimento dos proveitos.
Os fundos convertíveis são aqueles que possibilitam ao accionista a faculdade de converter os seus títulos em
fundos comuns. A conversão é feita em certas condições e a partir de certo prazo. Por exemplo se o preço dos fundos
comuns sobe o portador dos fundos convertíveis pode trocá-los por exemplo numa base de uma acção convertível por 15
acções comuns. É um tipo característico de títulos para as operações de especulação por parte dos "bulls" e "bears".
Vejamos agora alguma coisa sobre como ler e interpretar a linguagem e terminologia mais correntemente
utilizadas nas bolsas ou nas informações e relatórios periódicos das bolsas12.

10
A tradução literal é urso
11
Nas publicações especializadas encontra-se com frequência o termo stocks que se traduz por fundos ou
títulos públicos
12
Estas informações têm em inglês o nome de "stock market reports" que literalmente quer dizer relatórios
dos mercados de fundos públicos

S.M./FE/UEM/2003 87
NOÇÕES FUNDAMENTAIS DE COMÉRCIO - 2ª Edição (Rascunho)

Comecemos primeiro por apresentar o modelo de boletim de câmbios do Banco de Moçambique que é
diáriamente inserido no jornal Notícias e que até há bem poucos anos era duas vezes anunciado pelos nossos locutores da
Rádio Moçambique respectivamente nos noticiários das 8 e 23 horas13.

BANCO DE MOÇAMBIQUE
Boletim de câmbios
11 de Fevereiro de 1988
PAISES MOEDAS COMPRA VENDA
Àfrica do Sul Rand 221,5350 225,9660
Alemanha Federal Marco 266,1934 271,5173
Áustria Xelim 37,9011 38,6591
Bélgica Franco 12,7280 12,9826
Canadá Dólar 354,890 361,9870
Dinamarca Coroa 69,3695 70,7569
Espanha Peseta 3,9508 4,0298
Estados Unidos da América Dólar 450,0000 459,0000
Finlândia Markka 109,7695 111,9649
França Franco 78,8298 80,4064
Holanda Florim 237,0043 241,7444
Inglaterra Libra 791,3200 807,1470
Itália Lira 0,3619 0,3691
Japão Iene 3,4938 3,5637
Malawi Kwacha 176,5800 180,1120
Noruega Coroa 70,3545 71,7412
Portugal Escudo 3,2632 3,3285
Suécia Coroa 74,4848 75,9745
Suiça Franco 325,1445 331,6474
Zâmbia Kwacha 57,9720 59,1320
Zimbabwe Dólar 258,5256 263,6961
OUTRAS INFORMAÇÕES14
1. Prime Rate - Nova Iorque ………………………………………………………………………. 8,75%
2. LIBOR (London Interbank Offered Rates) - 6 meses ……………………………………………8-1/8 %
3. OURO - US $ / Onça …………………………. Compra 488,70 ………….. Venda 484,20

13
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NOÇÕES FUNDAMENTAIS DE COMÉRCIO - 2ª Edição (Rascunho)

A leitura e interpretação de um boletim desta natureza é relativamente simples. A República de Moçambique dá o


INCERTO15; então tomando o exemplo do câmbio do rand (África do Sul) em relação ao nosso metical (Moçambique)
vemos que no dia 11 de Fevereiro de 1988 o Banco de Moçambique comprava o rand (quando se dá o incerto fixa-se a
quantidade da moeda estrangeira) por 221,535 MT e vendia o mesmo rand por 225,996 MT.

Normalmente o câmbio de venda é sempre maior do que o de compra. É na diferença de câmbios que se situa uma
parte importante das receitas dos bancos. No sistema do incerto não é obrigatório fixar-se apenas uma unidade de moeda
estrangeira. Por exemplo, e ainda tomando o caso da África do Sul, poder-se-ia dizer que 100 rands são comprados no
Banco por 22.153,5 MT e vendidos por 22.596,6 MT ou que 5 rands têm o câmbio de venda de 1.129,83 e de compra
avaliado em 1.107,675 MT (estes valores foram obtidos por uma regra de três simples aplicada às cotações indicadas na
tabela acima).

Dos exemplos apresentados até agora em relação à cotação do rand em Moçambique notamos que num período de
cerca de 2 anos (entre 1 de Outubro de 1985 e 11 de Fevereiro de 1988) o câmbio de venda da moeda sul-africana passou
de 16,8 MT para 225,966 MT, cerca de 13,5 vezes mais. Este fenómeno de flutuação de câmbios para mais tem os mais
variados nomes quer em livros especializados quer na imprensa escrita e falada; dentre os mais conhecidos destacamos:
inflação, desvalorização, reajustamento. No ponto 4.4 (a propósito de bolsas e suas funções – cotações e câmbios)
apresentámos uma breve análise de algumas causas deste interessante fenómeno.

Como complemento, a seguir reproduzimos dois modelos das actuais formas de apresentação de informações
(tabelas 1 e 2):

Tabela 1
MERCADO DE CÂMBIOS
BOLETIM Nº 175/2000
DATA: 29 DE SETEMBRO DE 2000
TAXAS DE REFERÊNCIA
MERCADO CAMBIAL INTERBANCÁRIO (MCI - MAPUTO)
METICAIS POR UNIDADE DE MOEDA

14
Prime rate significa a taxa de juro básica vigente num determinado mercado financeiro; é em geral
fornecida pelos bancos centrais. Neste caso refere-se ao mercado de Nova Iorque. LIBOR tem o mesmo
signifcado, só que refere-se ao mercado londrino
15
Já vimos o conceito de CERTO e INCERTO. No entanto convém recordar que um país dá o incerto
quando apresenta as suas cotações em relação às quantidades variáveis de sua moeda nacional, fixando
sempre uma certa quantidade de moeda estrangeira como um dado.

S.M./FE/UEM/2003 89
NOÇÕES FUNDAMENTAIS DE COMÉRCIO - 2ª Edição (Rascunho)

PAÍSES MOEDAS CÂMBIO


Estados Unidos …………………………Dólar ……………………………………15.620,00
MERCADO INTERNACIONAL (MI)
PAISES MOEDAS Meticais/unidade Moeda Unidade Moeda/USD
Àfrica do Sul Rand 2.167,00 7,2080
Alemanha Federal Marco 7.073,00 2,2085
Áustria Xelim 1.005,40 15,5361
Bélgica Franco 342,95 45,5460
Canadá Dólar 10.452,00 1,4945
Dinamarca Coroa 1.843,40 8,4733
Espanha Peseta 83,15 187,8600
Finlândia Markka 2.326,80 6,7130
França Franco 2.109,10 7,4061
Holanda Florim 6.278,00 2,4881
Inglaterra Libra 22.840,00 0,6839
Itália Lira 7,14 2,186 1500
Japão Iene 145,51 107,3500
Malawi Kwacha 220,00 71,0000
Noruega Coroa 1.718,37 9,0900
Portugal Escudo 69,01 226,3500
Suécia Coroa 1.624,95 9,6126
Suiça Franco 9.061,00 1,7239
União Europeia Euro 13.817,00 1,1305
Zâmbia Kwacha 4,67 3,345 0000
Zimbabwe Dólar 295,00 52,9500
OUTRAS INFORMAÇÕES
1. PRIME RATE - Nova Iorque …………………………………………………………………….9,50%
2. LIBOR (London Interbank Offered Rate) ………………………. 6 meses ………………..6,7500%
3. OURO - USD/Onça:
Compra ……………………………………………………………………………………………276,40
Venda ………………………………………………………………………………………………276,90
MAPUTO, 28 DE SETEMBRO DE 2000
(a) Obtidas por cruzamento das taxas do MI contra o USD no MCI
(b) Fonte: Reuters - 15.00 Horas de Maputo 28/09/2000

S.M./FE/UEM/2003 90
NOÇÕES FUNDAMENTAIS DE COMÉRCIO - 2ª Edição (Rascunho)

Tabela 2
MERCADO MONETÁRIO INTERBANCÁRIO
Taxas MAIBOR em vigor até às 12 horas
de 28/)2000
Nº 187/2000
Prazos Taxas anuais
1 Dia 19,68 %
1 Semana 19,77 %
2 Semanas 19,85 %
3 Semanas 19,93 %
1 Mês 20,33 %
2 Meses 20,62 %
3 Meses 20,94 %
6 Meses 21,18 %
12 Meses 21,56 %
MAIBOR (Maputo Inter-Bank Offered Rate): Taxa de juro média do Mercado Interbancário na praça de Ma-
Puto, calculada na base das cotações "offer" das instituições subscritoras do Acordo de Adesão `a utilização
da MAIBOR para os prazos acima indicados. As taxas são utilizadas para transacções entre estas institui-
ções, apenas para montantes iguais ou superiores a 5,0 milhões de contos.
Maputo, 27 de Setembro de 2000
Fonte: Banco de Moçambique

A leitura destas duas tabelas é muito simples. Na primeira, o banco apresenta apenas uma cotação para cada
moeda estrangeira; fá-lo por mera simplificação de consulta. Contudo na prática o banco, na sua qualidade de
"comerciante" de moeda, utiliza dois câmbios, um de compra e outro de venda tal como explicámos. Além disso a tabela
inclui dois novos aspectos importantes: o primeiro destaca o dólar americano e quanto ao segundo trata-se da introdução
de uma coluna que relaciona todas moedas estrangeiras cotadas com o dólar dos Estados Unidos.
A segunda tabela traz informações do Mercado Monetário Interbancário. Como se explica na caixa destacada,
trata-se de taxas de juro que devem ser utilizadas nas transacções entre as instituições financeiras que assinaram o
Acordo de Adesão do chamado MAIBOR (Maputo Inter-Bank Offered Rate). Notando bem o MAIBOR de Maputo tem
formalmente o mesmo papel que o LIBOR de Londres e o Prime Rate de Nova Iorque que já foram explicados acima.
Relativamente à terminologia usada no mundo dos negócios financeiros acabámos de dar uma pequena vista de
olhos ao boletim de câmbios da República de Moçambique.
Acontece que as principais praças financeiras do mundo, revistas especializadas em economia, finanças e
comércio e alguns jornais mais lidos publicam também numa base periódica (diária, semanal ou mensal) uma ou mais

S.M./FE/UEM/2003 91
NOÇÕES FUNDAMENTAIS DE COMÉRCIO - 2ª Edição (Rascunho)

tabelas das bolsas de fundos que fornecem informações financeiras, em particular câmbios e taxas de juro com base na
situação económica e financeira mundial de cada país. Normalmente as operações realizadas no dia anterior têm muita
influência nas informações e relatórios diários.
Vejamos agora um exemplo de uma tabela um pouco mais complexa do que as que estamos habituados em
Moçambique. Uma tabela deste tipo fornece não só as cotações de compra e venda das moedas externas (como entre nós)
como também dá, entre outros elementos, a chamada “amplitude do dia”16, isto é as cotações mais alta e mais baixa
verificadas nas negociações financeiras do dia anterior. Inclui também uma coluna que indica os preços vigentes no
mercado no momento do encerramento dos negócios.
Seja o seguinte extracto de tabela típica na Inglaterra17.
20 de Outubro de 2000
Nº de ordem PRAÇAS Moedas Taxa de juro Amplitude do Valores de
dia encerramento
1 Amsterdão Florim 6 1/4 % 9,38 – 9,34 9,40 – 9,41 2/5
2 Lisboa Escudo 4 1/4 % 72,10 – 72,55 73,00 – 73,00 1/3
3 Madrid Peseta 7 1/2 % 210,68 - 211,30 210,85 – 211,12
4 Nova Iorque Dólar 8 % 3,50 – 3,50 1/2 3,50 – 3,50 3/4
5 Paris Franco 8 % 15,87 – 15,92 15,87 1/4 – 15,91 2/3
6 Tóquio Yéne 7 2/3 % 920,00 - 920,00 3/4 921,00 – 921,05 1/4

A leitura deste quadro não levanta quaisquer dificuldades na medida em que os títulos são suficientemente
18
claros . A primeira coisa que devemos notar é que na Inglaterra, assim como em muitos outros países (v.g. E.U.A.,
França, Japão, Portugal, Bélgica) existem muitas cidades que publicam ou tem as suas próprias informações financeiras.

No caso vertente estamos em presença de informações da praça de Londres que publica dados sobre 6 praças a
saber: Amsterdão (na Holanda), Lisboa (em Portugal), Madrid (em Espanha), Nova Iorque (nos E.U.A), Paris (em
França) e Tóquio (no Japão).
No dia 20 de Outubro de 2000 Londres informa aos interessados que a taxa de juro bancário em Nova Iorque é de
8%. Como 2º exemplo podemos ler que a libra cotava-se em relação à praça de Lisboa entre 72,10 e 72,55 escudos (o
que dá uma amplitude de negociação 0,45 escudos). Relativamente à praça de Tóquio no dia anterior (19 de Outubro de
2000) os negócios encerram quando o yene (moeda do Japão) se quotava entre 921 e 921,05 1/4 yenes relativamente à

16
O termo exacto em inglês é “day’s spread”.
17
Os dados indicados são da nossa autoria e nada têm a ver com os valores reais verificados na data
indicada. Qualquer coincidência de dados é fruto de mero acaso. Como já sabemos a Inglaterra cota as
moedas estrangeiras em função de uma ou mais unidades sempre fixas da libra (significa que dá o certo).
18
O quadro ficaria mais explícito se indicasse a quantidade de libras tomadas para base dos câmbios. Por
exemplo em relação à praça de Tóquio não está claro se a amplitude indicada corresponde a 1, 2, 5, 10, 100
ou mais libras.

S.M./FE/UEM/2003 92
NOÇÕES FUNDAMENTAIS DE COMÉRCIO - 2ª Edição (Rascunho)

libra; neste caso o câmbio do dia anterior foi mais favorável aos ingleses na medida em que com a mesma libra
negociava-se mais moeda Japonesa19.
A linguagem dos relatórios, boletins, ou tabelas de dados financeiros é, como já nos apercebemos, muito
especializada, sintética e concisa; pode é levantar alguns problemas de leitura e interpretação. Abordemos mais alguns
termos mais usuais.
Os termos alta (rise) e baixa (fall) estão associados às oscilações das taxas de câmbios das moedas para cima e
para baixo respectivamente.
Assim se entre nós o dólar estiver a 16.500 meticais e passar para 16.600 meticais diz-se que há uma alta em favor
do dólar (e em desfavor do metical), como aliás já tentámos deixar claro, há pouco, a propósito da relação libra/yene.
No caso especial da praça de Londres, que dá o certo, se a libra estiver a 1,6 dólares em certo dia e passar por
exemplo para 1,5 dólares no dia seguinte está-se em presença de uma baixa (fall) que traduz uma desvantagem para a
libra (e um benefício para o dólar) pois que os inglses passam a obter menos dólares com a mesma unidade da sua moeda
nacional; em contrapartida os americanos passam a gastar menos 0,1 dólares para obter uma libra.
Posto isto podemos dizer que quem dispõe de moeda estrangeira forte (convertível) só tem interesse e vantagem
em vendê-la ao banco nos momentos de alta (em Moçambique que dá o incerto) e nos de baixa (em Londres, praça que
dá o certo). À volta destes negócios financeiros encontramos muitas vezes comentários ou anúncios do tipo "compre alto
e venda baixo"20 ou "Quanto mais baixa a taxa tanto melhor a conta"21, no sentido de que, por exemplo, é melhor
comprar yenes (Japão) quando estão a 820 por libra do que quando estão a 815 pela mesma libra22.
Um outro exemplo típico de mapas, tabelas ou boletins de informações dos mercados financeiros são os que
trazem dados sobre as acções e obrigações negociáveis em bolsas. Apesar de já haver entre nós acções e obrigações
cotadas na Bolsa de Valores de Moçambique, as cotações ainda não são objecto de publicação em órgãos de
comunicação social ou mesmo no Boletim da República.
Portanto tudo quanto se pode dizer é que os interessados em negociar títulos na nossa bolsa poderão fazê-lo por
contacto directo com a entidade emitente (Mercado Primário) ou entrando em contacto com a própria bolsa (Mercado
Secundário).
Damos a seguir um exemplo de tabela de cotações de acções e obrigações sem indicação de valores visto a sua
leitura ser extremamente simples.

19
Quem estiver interessado em fazer comparações triangulares ou em cadeia, isto é, por exemplo,
determinar o valor do metical em Londres a partir do boletim do Banco de Moçambique, e com base no
conhecimento do câmbio do yene (que está cotado simultâneamente em Maputo e Londres) deverá ter em
conta as noções do certo (Londres) e incerto (Maputo).
20
"Buy high, sell low". Em vez de "high" também se emprega "boom"
21
"The better the bill, the lower the rate"
22
Note-se mais uma vez que em Moçambique o raciocínio é ao contrário.

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NOÇÕES FUNDAMENTAIS DE COMÉRCIO - 2ª Edição (Rascunho)

ACÇÕES 2000
Nome dos Valor Conta- Cotações (Outubro) Cotações Variação
títulos bilístico Máximo Mínimo 5ª Feira 4ª Feira 3ª Feira 2ª Feira das cota-
ções em
Fevereiro
(%)
Comp. I. Mt
Soc. Ind. Tb.
(*)

OBRIGAÇÕES 2000
Ob. Tes. Est.
H.C.B.
Prov. Zamb.
(*)
(*) Vide a seguir a explicação das siglas indicadas.

Na coluna dos nomes dos títulos demos dois exemplos para o caso das acções e três para o das obrigações.
Normalmente os nomes dos títulos estão associados às denominações sociais das pessoas singulares ou colectivas que as
emitiram; em regra tais nomes são constituidos ou pelo nome todo do emitente, ou pelas iniciais ou ainda por uma outra
sigla convencial.
No exemplo que apresentámos temos sucessivamente os seguintes nomes: Companhia Industrial da Matola
(Comp.I.Mt.), Sociedade Industrial de Tabacos (Soc.Ind.Tb.) Obrigações do Tesouro do Estado (Ob.Tes.Est.)
Hidroeléctrica de Cahora Bassa (H.C.B.) e Província da Zambézia (Prov.Zamb.).

Como último exemplo apresentamos um extracto de um registo de transacção de fundos típicos dos jornais da
Wall Street23. O formato dos quadros não é rígido e nem uniforme, podendo cada entidade emitente sugerir o modelo e a
inclusão de dados que melhor entender.

23
Lugar onde está a maior praça financeira do mundo – New Iork Stock Exchange (NYSE)

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NOÇÕES FUNDAMENTAIS DE COMÉRCIO - 2ª Edição (Rascunho)

20 DE OUTUBRO DE 2000
Nº de Nome dos Cotações do ano Juros Vendas Cotações do dia (em MT) Valor
Ordem títulos Alta (MT) Baixa (MT) (MT) do ano Alta Baixa Encerra. Nominal
(Númer) (MT)
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10
1 Comp. Ind. MT 9.650 9.600 500 18.700 - - - 10.000
2 H.C.B. 12.100 9.000 675 20.250 8.600 7.725 9.505 9.500
3 Prov. Zamb. 11.500 11.410 308 30.120 - - - 11.300
: : : : : : : : :
: : : : : : : : : :

Como dissémos a propósito do exemplo anterior, o nome dos títulos pode ser em abreviaturas. Neste caso com os
números de ordem 1, 2 e 3 temos respectivamente os títulos da Companhia Industrial da Matola, Hidroeléctrica de
Cahora Bassa e Província da Zambézia.
Tomando o exemplo da Companhia Industrial da Matola vemos pela coluna dos juros que em 2000 a empresa
pagou 500 meticais por cada obrigação; as outras duas entidades emitentes pagaram 675 e 308 meticais respectivamente
por cada obrigação em circulação.
O preço por que os títulos são negociados muitas vezes afastam-se dos respectivos valores nominais que no nosso
quadro se encontram registados na última coluna.
Durante o ano de 2000 os títulos da H.C.B. tiveram a cotação mais alta de 12.100 MT e mais baixa de 9.000 MT;
os títulos das outras duas entidades tiveram preços que se lêm fácilmente nas colunas 3 e 4.
A amplitude dos preços de compra e venda dos fundos da H.C.B. mede-se achando a diferença 12.100-9.000 que
dá 3.100 o que é uma margem de flutuação boa pois permite maiores possibilidades de discussão em actividades
especulativas (vide o significado dos bulls e bears indicado há pouco).
Na 6ª coluna indicam-se as quantidades (unidades físicas) de obrigações vendidas no ano. Assim as obrigações da
H.C.B. foram transaccionadas em número de 20.250.
As colunas 7 e 8 podem estabelecer alguma confusão com as 3ª e 4ª. Em certa medida aquelas são opcionais e de
reduzido significado; a coluna da alta (a sétima) significa o preço da 1ª operação do dia 20 de Outubro de 2000; a coluna
da baixa (a oitava) é o preço mais baixo verificado nas operações do mesmo dia (as colunas 3 e 4 dizem respeito ao
movimento do ano todo).
A penúltima coluna (a nona) indica o preço de encerramento verificado no dia 20 de Outubro; em relação à
H.C.B. vemos o valor de 9.505 MT.
Acabámos de dar um exemplo de resumo das transacções de títulos hipotéticamente feitas na praça de Maputo
(Moçambique).

S.M./FE/UEM/2003 95
NOÇÕES FUNDAMENTAIS DE COMÉRCIO - 2ª Edição (Rascunho)

Sabemos no entanto que Maputo não possuia bolsas de fundos nem de mercadorias até muito recentemente. Só
nos princípios do ano 2000 é que foi instituida a primeira Bolsa de Valores de Moçambique, conhecida pela sigla BVM
que funciona nas instalações do Hotel Polana.
Se percorrermos as páginas de uma publicação especializada em mercados financeiros seguramente não
encontraremos informações de nenhuma daquelas entidades que apresentámos como exemplos. Por isso é bom que
saibamos mais qualquer coisa sobre os meandros das praças financeiras efectivamente existentes.
As informações mais dominantes e importantes são traduzidas em pacotes de índices médios que se
consubstanciam em símbolos e/ou letras.
O New York Stock Exchange , abreviadamente NYSE, é o maior mercado financeiro nos E.U.A. estando lá cotada
a maioria dos títulos das mais poderosas companhias americanas (e até multinacionais).
O American Stock Exchange (ASE ou MEX) é o segundo maior mercado que também é dos E.U.A..
Há mercados regionais, de menor expressão e impacto financeiro, como sejam o Pacific Exchange (PCE) e o
Midwest Stock Exchange (MSE) ambos situados nos E.U.A.
Na Inglaterra podemos dar como exemplos os seguintes: The London Stock Exchange; The London Metal
Exchange; The London Vegetables Oils and Oil Seed Market.
Uma das formas de compreender e acompanhar o que se passa nas principais praças financeiras do mundo é ler o
maior jornal diário no mundo dos negócios económicos e financeiros - The Wall Street Journal. A cadeia de televisão
americana denominada CNN também anuncia diáriamente informações úteis e muito instrutivas sobre os mercados
financeiros mais importantes do Mundo.
As informações sobre as bolsas de fundos são fornecidos na base de índices. Os economistas, gestores e
contabilistas devem saber que os Dow Jones Averages, ou simplesmente DJIA são os mais conhecidos e influentes
termómetros da actividade dos mercados, em particular americanos.
Existem 3 tipos importantes de índices da família dos DJIA a saber:
a) DJIA Industrial
b) DJIA das Utilidades
c) DJIA dos Transportes

Os índices industriais começaram em 1928 e até hoje baseiam-se num pacote de 30 fundos emitidos pelas maiores
empresas industriais já daquela época. Como curiosidade deve notar-se que apesar de já lá irem mais de 70 anos os
nomes de algumas empresas ainda hoje permanecem como indicadores da situação do mercado, mesmo nos casos em
que essas firmas tenham caido na bancarrota ou modificado a sua estrutura económica e financeira.
Paralelamente, e eventualmente tendo em conta os casos de empresas menos significativos, o NYSE actualiza os
Dow Jones Averages suprimindo alguns nomes ou incluindo outros novos.
Para além dos três índices acima indicados podemos destacar ainda os seguintes:

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NOÇÕES FUNDAMENTAIS DE COMÉRCIO - 2ª Edição (Rascunho)

· Standard & Poor´s 500 Stock Average que apesar de conter índices de 500 pequenas (poor) empresas, as pessoas
muitas vezes estão convencidas de que este é o indicador da verdadeira situação do mercado porque normalmente
traz mais índices do que o DJIA.
· Financial Times Actuaries 500 index. Este, ao contrário dos que até agora nos referimos, é da Inglaterra.
· The Times Industrial Shares index. Também é da Inglaterra e inclui índices referentes a 100 mais pequenas
empresas e 50 maiores unidades empresariais.
· Em Tóquio (Japão) há a destacar o NIKKEI 225 que abarca 225 empresas
· Em Londres tem-se o FT-SE 100 composto por 100 empresas
· Em Hong Kong tem-se o Hang Seng
· Em Frankfurt (Alemanha) destacam-se dois como mais importantes: o FAZ e o DAX
· Em Zurique (Suiça) há realçar o Credit Suisse
· Em Johannesburg destaca-se o Johannesburg Gold
· Em Portugal existe o índice Totta & Açores que é o mais antigo e o índice da Bolsa de Valores de Lisboa

Cada pacote de índices tem a sua técnica própria de cálculo de médias. Citemos a título de curiosidade alguns
casos: a ASE dos Estados Unidos baseia-se nos valores dos fundos transaccionados em 1969 e calcula para cada ano a
média aritmética simples das cotações vigentes no mercado em relação aos fundos que compõem o cabaz de índices; os
Dow Jones Averages Industrial utilizam a mesma técnica mas em relação ao cabaz de 30 acções ou obrigações; na
Inglaterra o Financial Times Industrial baseia-se nos preços vigentes em 1935 e calcula a média geométrica dos preços
correntes dos títulos.
Em qualquer dos casos apresentados, para se obter um índice num determinado ano é preciso, como é óbvio,
dividir o valor médio encontrado em cada ano pelo valor do ano tomado para base.
Como termómetros que são, os índices em certa medida não só diagnosticam os mercados como também os
governam. Assim se o DJIA americano cai em "queda livre", passe a expressão, é quase certo que grande parte ou uma
parte significativa dos fundos da bolsa da Wall Street sofrem uma drástica redução. E inversamente se o DJIA sobe
meteorísticamente, o que vai acontecer é que um lote importante dos títulos no NYSE (bolsa de Nova Iorque) terá os
seus preços em processo de "boom"24.
Os mercados financeiros de que demos alguns exemplos da Inglaterra e Estados Unidos, por serem praças que
dominam ou exercem forte influência no comércio internacional, afectam grandemente os sistemas financeiros de
práticamente todos os países do mundo.
Como penetrar nessas bolsas? Ou, doutro modo, imaginemos que a nossa Companhia Industrial da Matola
gostaria de ter as suas acções e obrigações cotadas e transaccionáveis por exemplo no NYSE ou na ASE, ambas dos
Estados Unidos. Para o efeito são exigidas as seguintes condições25:

24
Alta
25
Fonte destes requisitos: “Why stocks go UP and DOWN” de William H. Pickle – Dow Jones Irwin;
Homewood, Illinois.

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NOÇÕES FUNDAMENTAIS DE COMÉRCIO - 2ª Edição (Rascunho)

-A ASE exige, entre outras, que a empresa pretendente


a) Tenha pelo menos 400.000 acções subscritas pelo público
b) Tenha receitas brutas (antes dos impostos) de pelo menos 750 mil dólares americanos, que
representam aproximadamente 11.715.000 contos26.
c) Tenha pelo menos 1.200 accionistas

-A NYSE exige, também entre outras condições, que a empresa pretendente


a) Tenha pelo menos 1.000.000 de acções subscritas pelo público
b) Tenha 2.500.000 dólares americanos de receitas brutas no ano fiscal anterior (cerca de 39.050.000
contos)27
c) Tenha pelo menos 2.000 accionistas com 100 ou mais acções cada um
Os estudantes, os trabalhadores e os responsáveis pela direcção da Companhia Industrial da Matola já podem
analisar se esta empresa poderá, a curto prazo e no âmbito dos princípios de uma economia de mercado, penetrar nos
meandros daquelas duas bolsas.

-A Bolsa de Valores de Moçambique (BVM) tem os seguintes critérios de admissão para as empresas
candidatas:
a) Possuir no mínimo, como capitais próprios, 24 biliões de meticais (cerca de 1,5 milhões de dólares
americanos)
b) Ter a contabilizada organizada e pelo menos dois anos de contas submetidas à uma auditoria
devidamente credenciada
c) Disponibilizar pelo menos 15% do seu capital à subscrição e realização públicas sob a forma de
títulos (acções e/ou obrigações)

Até ao presente existem poucas empresas e instituições com títulos cotados na BVM. A primeira empresa foi
Cervejas de Moçambique em 1999, mais tarde apareceram a Madal, o Banco de Internacional de Moçambique em 2000 e
a MOZAL.

Referimo-nos até agora às informações financeiras que normalmente aparecem em revistas especializadas ou nos
jornais mais lidos das principais cidades do mundo. Dissémos também que no caso de Moçambique a rádio, mais
conhecida pela sigla RM, fornecia diáriamente até há bem pouco tempo, as cotações das moedas estrangeiras que são
fornecidas pelo Banco de Moçambique através do boletim de câmbios.
Resta-nos dizer que as emissoras estrangeiras, em particular as que se situam nas praças financeiras mais
importantes do mundo (v.g. a BBC de Londres e a CNN americana) além de se limitarem a prestar informações
26
Quase 12 biliões de meticais ao câmbio de 15.620/USD de 29 de Setembro de 2000.
27
Cerca de 40 biliões de meticais ao câmbio referido na nota anterior

S.M./FE/UEM/2003 98
NOÇÕES FUNDAMENTAIS DE COMÉRCIO - 2ª Edição (Rascunho)

fornecidas oficialmente quer pelos bancos, quer pelas bolsas, quer ainda pelas revistas e jornais da especialidade, fazem
comentários em jeito de editorial sobre a situação diária dos preços dos fundos públicos, das matérias primas e produtos
diversos em geral alimentares, dão o ponto de situação dos índices financeiros mais relevantes, que, como tivémos
ocasião de referir a propósito dos pacotes de índices, são o barómetro da situação das bolsas e em certa medida acabam
por serem elas os verdadeiros “timoneiros” dos mercados financeiros.

4.7. Armazéns gerais, entrepostos comerciais, portos e zonas francas

O conceito de armazéns gerais de comércio podemos encontrar também no Código Comercial, artigo 94.
Armazéns gerais, como o próprio nome indica, são recintos cobertos ou ao ar livre que, mediante uma renumeração ou
caução préviamente fixadas em contrato, recebem produtos agrícolas, industriais que serão sujeitos a diversas operações
indicadas pelo depositante.
Os armazéns gerais comerciais realizam funções económicas importantes quer a nível nacional quer no plano
internacional. Assim podemos destacar os seguintes aspectos:
-Sendo uma actividade muito especializada em princípio tem custos de armazenagem muitos baixos o que traz
vantagem para os comerciantes, empresas e sociedades que movimentam grande volume de mercadorias e não têm
armazéns apropriados e de custos competitivos.
-No comércio internacional os armazéns gerais são muito solicitados. Com efeito, muitos países vendem produtos
nos mercados exteriores a partir destes armazéns para onde enviam regularmente grandes quantidades.
Então, por simples fax, E-mail ou carta, os depositantes dão ordens aos armazenistas para colocarem as
quantidades de mercadorias contratadas com os diversos clientes quer no mercado onde os armazéns estão situados quer
nos mercados vizinhos, quer ainda em qualquer outra parte do Mundo.
A República de Moçambique vende alguns produtos segundo um esquema deste tipo (exemplo o chá enviado à
Holanda, armazéns de Roterdão, é de lá expedido para onde as empresas moçambicanas de exportação determinarem).
-Existem os armazéns gerais francos que têm a vantagem de não se pagar direitos alfandegários até as mercadorias
serem definitivamente lançadas no mercado nacional e estrangeiro.
Quando falarmos de portos e zonas francas veremos melhor esta vantagem.
É sabido que o vulgo atribui hoje um significado muito amplo ao vocábulo armazém. Assim, estão consagrados os
seguintes sentidos: casa ou recinto onde se guardam as coisas ou produtos para utilização ou consumo em certos
momentos (armazém da empresa X, armazém da Escola); estabelecimento comercial onde se compra e vende por grosso
(armazenista); estabelecimento comercial de venda ao público (v.g. Grandes Armazéns Bata da África do Sul).

Entrepostos Comerciais

A noção e função de entreposto comercial são na prática rigorosamente idênticos às de armazém geral franco.
Então, entrepostos comerciais são locais onde entram mercadorias estrangeiras que permanecem durante um certo

S.M./FE/UEM/2003 99
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período sem pagar direitos aduaneiros; só no momento em que são retiradas para reexportação, ou quando o prazo do
contrato de armazenagem expira, é que os depositantes pagam os direitos correspondentes às mercadorias.
Históricamente os entrepostos estão associados à ocupação e comércio colonial. Em Moçambique houve 3 muito
importantes: Ilha de Moçambique, Quelimane e Sofala, e eram lugares onde os àrabes faziam trocas de seus produtos
com os do império do Muenemutapa.

Portos e Zonas Francas

Porto franco é um entreposto comercial com porto de mar onde as mercadorias são conservadas ou submetidas a
operações de transformação física ou química e depois colocadas no mercado interno ou internacional.
Sempre que os requisitos que caracterizam o porto se aplicam não a toda a área do porto mas apenas a uma
determinada zona então esta toma o nome de zona franca ou a designação mais genérica de Zonas de Processamento das
Exportações (ZPE)28, zonas livres de direitos ou ainda zonas económicas livres. As ZPEs são na essência um território
encravado dentro de um país e ao qual se atribui um regime especial de administração. Os produtos que nele entram para
serem processados são isentos de direitos alfandegários e outras imposições fiscais existentes no país. Quando depois
são exportados também ficam isentos de direitos fiscais. Apenas no caso em que esses produtos são vendidos no
mercados internos é que são passíveis de impostos.
Por vezes a chamada zona franca abarca apenas uma fracção de armazéns alfandegários nos quais as mercadorias
são guardadas em regime especial sem pagamento de impostos aduaneiros.
Para além de incentivos fiscais as ZPEs beneficiam de incentivos não fiscais a saber: as chamadas férias de
impostos (tax holidays) pelas quais se concede um certo número de anos (5 a 10) de isenção ou redução considerável de
impostos aduaneiros, isenção ou redução de impostos sobre rendimentos para os técnicos e especialistas que trabalham
nessas zonas, subsídios em determinados bens e serviços públicos tais como energia eléctrica.
As ZPEs não têm só vantagens. Apontam-se-lhes, inter alia, os seguintes inconvenientes: atraem os melhores
trabalhadores e especialistas nacionais, desviando-os das tarefas que vinham fazendo anteriormente; criam uma zona de
alta tecnologia de ponta, com altos rendimentos o que contribui para o aumento das distorções29 e desiquilíbrios em
termos de desenvolvimento e de salários. Há pois que balançar os efeitos positivos e negativos (custos e benefícios) para
se ajuizar do impacto da instalação das ZPEs.
São muito conhecidos no mundo portos francos e zonas francas onde os turistas gostam de passar férias e fazer
compras porque os preços são relativamente baixos. Exemplos: Hong Kong, Macau, Gibraltar, Hamburgo, Roterdão,
Ilhas Canárias, Dubai, Madeira e Açores.

28
Do inglês Export Processing Zones (EPZ)
29
Dá-se uma distorção sempre que os custos privados do trabalho superam os custos de oportunidade
sociais; Doutra maneira diz-se que uma economia só tira proveito global das ZPEs quando o custo de
oportunidade social do trabalho que se desloca dentro do país para essas zonas é ZERO.

S.M./FE/UEM/2003 100
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De notar que em Miami encontra-se a maior zona de comércio livre dos Estados Unidos da América; as empresas
de importação/exportação estão autorizadas a processar, empacotar ou reexportar bens, não produzidos internamennte,
sem pagamento de direitos. Estas enormes facilidades fazem de Miami um centro de grande atracção de investimentos e
emigrantes cubanos e haitianos30 que vendem mão de obra barata; também é um pólo de atracção de negócios e
actividades subterrâneas ilegais (comércio de drogas), jogadores , especuladores e gangs de malfeitores.
Muito positivo para a economia americana é o facto de a indústria de transportes em Miami ter-se desenvolvido
considerávelmente no pós guerra colocando o seu Aeroporto Internacional entre os dez primeiros no mundo em termos
de movimento de passageiros e de carga. Para aquilatar da sua importância basta notar que (A. Portes et al) nos Estados
Unidos é o segundo aeroporto de passageiros e carga, depois do Aeroporto Internacional de Kennedy em Nova Iorque;
cerca de 160.000 trabalhadores (20% da força laboral de Miami) estão directa ou indirectamente ligados às actividades
do aeroporto!
Em Moçambique, como consequência da implantação da empresa Alumínios de Moçambique - MOZAL
(Mozambique Aluminium), foi construido o porto franco da Matola, o primeiro por sinal, por onde e como referência
histórica importante, em 7 de Agosto de 2000, foram exportadas as primeiras 1.000 toneladas de alumínio ao preço de
2,5 milhões de dólares americanos.
A própria MOZAL possui uma zona franca com as características atrás indicadas. De referir que este complexo
industrial, situado na provícia de Maputo (Belulane) é dos mais importantes pólos de desenvolvimento, não só pelo
grande impacto do valor das exportações no Fundo Cambial como também, e sobretudo, pelos efeitos multiplicadores
directos em toda a área que circunda o projecto, como ainda pelas consequências indirectas em todo o País, em particular
no que respeita às oportunidades de geração de empregos e atracção de novos investimentos.
A situação destes portos francos, que têm regimes especiais de administração política, permite aos países onde
estão integrados a arrecadação de substanciais receitas em divisas pelo grande volume de comércio aí realizado;
constituem, como acabámos de ver, um pólo de desenvolvimento significativo porque atraem capitais nacionais e
estrangeiros que afluem para montar indústrias e estabelecimentos comerciais pois além de terem custos de exploração
baixos (pelo menos em termos de custos de mão de obra e ao nível de impostos e direitos alfandegários) os produtos tem
mercado assegurado.

30
Estima-se que em finais dos anos 80 havia cerca de 750.000 latino americanos que representavam grosso
modo 40% da população (in "The Informal Economy" de A. Portes et al)

S.M./FE/UEM/2003 101
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CAPÍTULO V
ORGANISMOS DINAMIZADORES DO COMÉRCIO

5.1. Câmaras de Comércio

As câmaras de comércio são associações de pessoas, empresas e unidades económicas em geral que se dedicam à
prática de qualquer actividade económica (agricultura, indústria, comércio e serviços em geral) e que têm por objectivo
defender os interesses dos associados e sobretudo dinamizar os sectores e actividades comerciais dos sócios.
Na República de Moçambique até ao lançamento do PRE existia só uma câmara de comércio com sede em
Maputo. Esta pessoa colectiva, dotada de autonomia administrativa e financeira, mantinha uma ligação apenas funcional
em relação às empresas de comércio externo que estavam sob tutela do extinto Ministério do Comércio Externo e que
foram as que tiveram a iniciativa de dinamizar o seu processo de criação; no entanto os membros da câmara podem ser,
além das empresas de comércio externo:

-Empresas de qualquer sector de produção.


-Empresas de serviços (v.g. transporte, seguros, bancos).
-Outros organismos e empresas que tenham ligações com as empresas de comércio externo.
-Instituições, organizações e cidadãos tanto Moçambicanos como estrangeiros que tenham prestado relevantes
serviços em benefício da câmara.

A nossa Câmara tinha e ainda tem em linhas gerais os seguintes objectivos:


-Apoiar ténica e jurídicamente no país e no estrangeiro, os interesses dos associados (por exemplo em caso de
litígios comerciais).
-Estabelecer e desenvolver relações de cooperação com organismos estrangeiros e similares.
-Fazer publicações sobre a economia e comércio nacional e internacional que contribuam para o desenvolvimento
das actividades exercidas pelos seus membros.
-Participar activamente na organização de exposições nacionais no exterior e exposições de países estrangeiros no
país.
-Estudar e promover medidas adequadas para aumentar as exportações moçambicanas.
-Desenvolver actividades especiais como emissão ou confirmação de certificados de origem31 e elaboração de
marcas comerciais.
Hoje já existem mais câmaras das quais importa destacar a Câmara de Indústria, a Câmara de Comércio
Moçambique / Portugal, a Câmara de Comércio Moçambique / Estados Unidos e a Câmara de Comércio e Indústria
Moçambique / África do Sul. Existe ainda uma Associação das Câmaras de Comércio e uma Confederação das
31
Vide modelo de certificado de origem emitido pela Câmara de Comércio da República de Moçambique
na página seguinte

S.M./FE/UEM/2003 102
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PÁGINA 103

PARA

COLOCAR MODELO DE "CERTIFICADO DE ORIGEM"

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Associações Económicas de Moçambique (CTA). Na essência todas estas novas instituições prosseguem, com as
adaptações necessárias, objectivos semelhantes aos que acabámos de indicar mas nas áreas específicas a que se
restringem (exemplo a câmara da indústria refere-se óbviamente ao sector industrial).

5.2 Câmaras de Compensação (Clearings)

Câmara de compensação, conhecida no mundo do comércio intetrnacional por "clearing house", é uma associação
de bancos e instituições financeiras cujo objectivo fundamental é fazer diáriamente o encontro de contas dos associados,
determinando o saldo devedor ou credor de cada membro.
Uma vez calculada esta diferença (ou saldo) a pessoa, empresa ou instituições que tiverem um saldo devedor tem
a obrigação de pagar a conta em dívida por meio de cheque ou dando ordem ao banco onde tem conta aberta para que
este pague a sua conta a favor do credor.
Muito simplesmente as câmaras de compensação funcionam da seguinte maneira: suponhamos que uma empresa
A tem que pagar a outra B uma certa quantia em dinheiro, sejam 15 milhões meticais; B por sua vez comprou a A 20
milhões de meticais de mercadorias que ainda não foram pagos.
Admitamos que ambas empresas estão sediadas em países diferentes e são sócias de uma câmara de compensação
com sede num 3º país.
Então, em vez de cada empresa enviar 15 milhões e 20 milhões de meticais podem optar por fazer uma
compensação de contas na sua associação; e como A tem a receber de B um saldo de 5 milhões de meticais, este emite
um cheque neste montante a favor de A e fica o assunto resolvido com as seguintes grandes vantagens:

-Evitam-se atrasos de pagamento com intervenção de intermediários e outras burocracias.


-Dinamiza-se o comércio como resultado da simplificação das formas de pagamento.
-Os países poupam bastante na emissão de moeda porque reduz-se o uso de dinheiro em circulação (em vez de se
utilizar a quantidade de dinheiro correspondente ao volume total das transacções utiliza-se sómente o montante
envolvido nos saldos).
Acabámos de dar um exemplo simples envolvendo apenas duas empresas, um movimento total de 35 milhões e
um saldo de 5 milhões.
Importa destacar que no mundo comercial estão envolvidas milhares de empresas que movimentam milhões de
contos; as vantagens são então muito mais nítidas. Os bancos, sobretudo nos seus contactos internacionais, utilizam
bastante os serviços das câmaras de compensação.
Os alunos devem ter bem presente que nos pagamentos internacionais, se um país A deve 15 milhões de marcos
alemães a um outro país B e se este por sua vez deve a A 12 milhões de francos franceses, em nenhuma circunstância
ambos países pegam nos marcos e francos em dívida, metem no avião ou navio e despacham o dinheiro para o país
credor; nenhum país faz isso. Há regras internacionais de pagamento por intermédio dos bancos dos respectivos países
que como vimos usam bastante o mecanismo das compensações.

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Importa também destacar que nas câmaras de compensações (clearing houses) não se realizam encontros de
contas referentes sòmente a operações de compra e venda de mercadorias como poderia concluir-se da explicação e
exemplos apresentados.
Nelas se fazem liquidações de cheques, letras, livranças extractos de factura e outros instrumentos ou títulos de
crédito utilizados nos pagamentos internacionais.
Na República de Moçambique não há câmaras de compensação; mas em relação aos grandes centros comerciais
como Londres, Paris, Nova Iorque, Bona, Bruxelas, Frankfurt, o nosso país faz uso das vantagens que as "clearing
houses" proporcionam.
Nas relações económicas internacionais estão bastante vulgarizados os acordos bilaterais ou multilaterais em que
nos pagamentos se preconiza o princípio de encontro de contas, mesmo sem o uso de Câmaras de Compensação tal como
foram definidas.
Aqui o objectivo central é o mesmo: acelerar as relações comerciais e obter economias de custos nas operações de
pagamento. Mas acrescenta-se a vantagem de se querer utilizar moeda forte apenas para o pagamento dos saldos.
Exemplo: Zimbabwe adquire a Moçambique 1 milhão de dólares de mármores; Moçambique adquire do Zimbabwe
1,030 milhões de dólares de milho; os dois países podem acordar em pagar sòmente o saldo resultante do encontro de
contas e então Moçambique só pagará 30 mil dólares e o Zimbabwe fica livre de mexer nas suas divisas.
Em acordos bilaterais com alguns países socialistas da Europa, até ao início dos anos 90, Moçambique mantinha
um sistema especial do tipo "clearing". Moçambique exporta por exemplo 100 unidades para o país C e este exporta para
nós 125 unidades; as 25 unidades que nós temos de pagar constituem um crédito que C concede a Moçambique por um
certo período (6 meses, 1 ano, 2 anos, etc.) e mediante o pagamento periódico de uma taxa de juro (1, 2, 3, 4, 5, 6 ou
mais por cento).

5.3. Alfândegas e seu papel. Direitos aduaneiros. A Crown Agents e a reestruturação das Alfândegas

No vasto quadro dos intervenientes na actividade económica e comercial, têm um peso e importância bastante
significativos os serviços comumente conhecidos por Alfândegas; a acção e peso destes serviços faz-se sentir quer no
comércio interno quer no comércio internacional.
A definição do que são as alfândegas não é fácil dado que as funções variam muito de país para país e têm sofrido
alterações ao longo dos séculos.
No entanto podemos reter a ideia de que básicamente o seu objectivo é controlar o movimento de mercadorias que
entram e saem de um país e aplicar quaisquer direitos aduaneiros ou impostos fiscais previstos na lei.
O funcionamento das alfândegas e a legislação aduaneira são muito complexos sendo muitas vezes o seu
tratamento e estudo entregues a especialistas na matéria. Em algumas escolas superiores e sobretudo nas escolas
comerciais existem disciplinas ligadas ao assunto e cuja aprendizagem é obrigatória; exemplos, Direito Fiscal, Técnica
Aduaneira.
Na nossa disciplina vamo-nos limitar a dar algumas informações que consideramos úteis.

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Não é possível encontrar um ponto na história das civilizações em que se possa localizar a origem das alfândegas.
Diz-se por exemplo que as palavras "douane", "dogana" derivam de um imposto indirecto sobre a circulação de
mercadorias que teria sido estabelecido pelos doges32 em Veneza; também são muito conhecidos as expressões inglesas
"custom-house" (alfândega) e "custom duties" (impostos do costume, isto é consuetudinários).
A palavra alfândega que parece não ter nada a ver com "douane" nem com "custom" é uma adaptação portuguesa
do árabe "alfandáqua" que significa estalagem guardada por polícias onde os comerciantes estrangeiros se hospedavam
com as mercadorias mediante pagamento de determinados impostos ou taxas pelos serviços prestados.
E assim podemos entender as funções que as alfândegas desempenham hoje em dia na grande maioria dos países.
Com efeito, nos nossos dias elas têm em geral os seguintes objectivos:
-Obtenção de receitas para o Estado através da cobrança de impostos e taxas de serviços sobre o volume de
mercadorias que entram e saem do país (objectivo meramente fiscal, i.e. de fisco).
-Protecção das economias nacionais; porque ao aplicar impostos alfandegários pesados sobre as mercadorias
importadas protege-se assim o produto nacional similar que para efeitos de exportação goza de considerável redução (ou
mesmo isenção) de direitos aduaneiros (em linguagem de comércio internacional chama-se a isto proteccionismo
aduaneiro).
-Fiscalização de mercadorias para evitar contrabando, roubos, subfacturação, sobrefacturação, evasão fiscal
(objectivo de controlo fiscal). Notas: a fiscalização própriamente dita é normalmente feita por uma polícia especial que
entre nós tem nome de Polícia Aduaneira e que depende do Ministério do Interior; esta polícia no entanto tem estreitas
relações com as alfândegas que a apoia em questões de tecnologia das mercadorias.
Quando se fala em evitar a subfacturação trata-se de impedir que as mercadorias exportadas por um país sejam
menos avaliadas por combinação (ou conluio) entre o exportador e o importador em prejuízo do país que exporta. A
sobrefacturação é o fenómeno contrário que se dá nas importações de um país e em que se defrauda o país que, como se
diz na gíria popular, paga gato por coelho, isto é, o país é facturado por um valor superior ao preço real da mercadoria
importada.
Vejamos alguma coisa sobre pautas e direitos aduaneiros. Uma pauta alfandegária é um instrumento legal que
contém os tipos mais correntes de mercadorias no comércio internacional e os direitos ou impostos que incidem quando
elas entram ou saem do país. Há dois tipos a saber: pautas de importação e pautas de exportação.
As pautas tem uma área de acção que se chama território aduaneiro o qual dispõe de um aparelho alfandegário
adequado para fazer vigorar os interesses desse território; não se fique com a ideia de que os territórios aduaneiros
circunscrevem-se apenas a países. Podem ter dimensão regional (dois ou mais países de uma região) ou intercontinental -
assim são conhecidos os territórios aduaneiros como a União Europeia (tem as suas regras alfandegárias), a zona de
comércio entre Tanzania e Moçambique, o PTA (zona de comércio preferencial que engloba 18 países da África Austral)
o Benelux (engloba a Bélgica, os países baixos e o Luxemburgo).

32
Doge quer dizer magistrado superior das antigas repúblicas Italianas de Veneza e Génova.

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Estes territórios tem objectivos fundamentalmente comerciais, embora em alguns casos se perspective a formação
de espaços geográficos com dimensão política, económica e cultural tendo em vista a unificação de países a longo prazo.
Em cada território aduaneiro pode aplicar-se o sistema de pauta única ou de pautas múltiplas. Diz-se pauta única
quando se utiliza uma só taxa de imposto a cada mercadoria, qualquer que seja a sua origem. Quando se aplicam taxas
diferenciadas consoante os países de origem e as condições de importação das mercadorias então o sistema utilizado
recebe o nome de pautas múltiplas.
O sistema mais vulgarizado é o de pautas múltiplas que nos casos ainda mais correntes trata-se de pauta dupla:
pauta máxima e pauta mínima.
A pauta máxima corresponde à tarifa geral aplicada a qualquer mercadoria proveniente de países com os quais não
há nenhuma convenção, tratado nem acordo comercial.
A pauta mínima aplica-se a mercadorias que provém de países que beneficiam de preferência expressa em
convenções, tratados ou acordos multilaterais. Normalmente as bagagens de passageiros que atravessam qualquer
território aduaneiro beneficiam de taxas mínimas.
As taxas aduaneiras constantes das pautas (máximas e mínimas) podem ser específicas ou "ad valorem"; dizem-se
específicas as que tem por base uma certa medida da própria mercadoria (unidade, capacidade, peso, comprimento,
superfície); assim quando se diz que 100 metros de tecido, uma tonelada de milho, 20 metros cúbicos de carga pagam X
meticais de direitos aduaneiros, esta taxa é específica.
As taxas "ad valorem" incidem sobre o valor monetário das mercadorias; normalmente são expressas em
percentagem. Assim, quando se diz que uma mercadoria que custou 15 milhões meticais paga 11% de direitos
alfandegários, esta taxa é "ad valorem".
Muito ligado à questão das pautas aduaneiras e ao nível das convenções, tratados e acordos comerciais, os alunos
vão encontrar com muita frequência um ou mais artigos que introduzem a internacionalmente conhecida "cláusula da
nação mais favorecida". Segundo esta cláusula dois ou mais Estados que façam um acordo devem aplicar entre si o
regime aduaneiro mais favorável de entre todos os que cada Estado tiver acordado com os outros.
Por exemplo se Moçambique aplica a pauta mínima com um país A e se logo a seguir assina um acordo comercial
com dois outros países B e C, pela referida cláusula, automáticamente Moçambique tem que aplicar a pauta mínima em
relação a estes dois países.

Tem muito interesse terminar esta secção com algumas notas e informações sobre os recentes desenvolvimentos
no âmbito do processo de reestruturação das Alfândegas. Um dos grandes desafios de qualquer instituição de gestão e
controlo de instâncias aduaneiras é, como vimos, o combate ao contrabando, roubos, subfacturação, sobrefacturação,
evasão fiscal (função de mero controlo fiscal). Esta missão é muito mais crítica nos paises do 3º Mundo dado que o peso
das receitas aduaneiras no Orçamento Geral é bastante significativo e as estruturas alfandegárias são em regra muito
fracas, deixando muitas brechas para actividades ilícitas. Moçambique não foge à regra.

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Reconhecendo a fragilidade das Alfândegas, agravada por 16 anos de guerra civil, o Governo lançou em 1997, no
quadro do processo de reformas e privatizações das instituições económicas e financeiras, um concurso público tendente
à privatização da gestão das Alfândegas, com o consequente input de reorganização do sector, formação e valorização de
quadros moçambicanos na área.
Ganhou o concurso a Crown Agents, uma empresa britânica de prestação de serviços na áreas das alfândegas e
com experiência comprovada dentro da região Austral. Passados três anos verifica-se que o processo teve aspectos
positivos e negativos. Em relação aos primeiros importa referir que as receitas provenientes de cobrança de direitos e
outras imposições aduaneiras aumentaram considerávelmente. Afirma-se (Jornal de Notícias de 16 de Março de 1999)
que só a regularização de viaturas produziu 38 biliões de meticais em 1998, que ao câmbio de Março de 1999 (cerca de
16.000 MT o dólar americano) representa cerca de 2,5 milhões de dólares americanos; também se reconhece que houve
um esforço visível de modernização dos postos fronteiriços, de disciplinação do comércio com o exterior, tendo como
efeito diminuido as manobras de fuga aos direitos e sub/sobre facturação.

Todavia a disciplina que se pretende instalar teve os seus revezes que os órgãos de informação, os agentes
económicos e cartas de leitores bastas vezes denunciaram. Fala-se de uma rispidez da Crown Agents em termos de
tratamento das pessoas, quer funcionários moçambicanos quer sobretudo utilizadores dos serviços, havendo (diz-se)
manifestações de racismo e desrespeito à soberania nacional.
As indicações que existem é que muito provávelmente o contrato com a empresa vai ser renovado. Mais uma vez
há sempre que balancear os aspectos positivos e negativos. Neste caso diferentes sensibilidades apontam que a missão da
empresa deve ser terminada tão cedo quanto possível, deixando que a componente Moçambicana caminhe por seus
próprios meios.
No capítulo X são introduzidos mais alguns aspectos importantes ligados ao esforço que o sector das Alfândegas
tem vindo a fazer para tornar mais eficientes as suas actividades.

5.4. Os bancos e o seu papel

Os bancos são unidades económicas e financeiras extraordináriamente importantes e decisivas no funcionamento e


controlo de qualquer economia.
Mais adiante, no capítulo sobre "Bancos e Operações Bancárias", daremos alguns detalhes sobre os objectivos,
mecânica de funcionamento e operações fundamentais dos bancos no mundo de hoje.
Aqui queremos ressaltar apenas o papel dos bancos em tanto que intervenientes no comércio. Em primeiro lugar
vejamos o que é um banco e tentemos depois compreender a sua importante acção na economia.
Origináriamente um banco foi muito simplesmente uma instituição (diz-se também estabelecimento de crédito)
que realizava o comércio de uma mercadoria que tem o nome de dinheiro.
A origem do comércio bancário está muito associada à origem e desenvolvimento do comércio própriamente dito.
O banco mais antigo que a história regista é um templo de uma cidade sumérica; diz-se que tal banco teria sido

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construído no século XXXVI A.C.; os arqueólogos conseguiram encontrar vestígios de tijolos desse templo com registos
de empréstimos de cereais feitos a pastores, comerciantes, agricultores, escravos e prisioneiros.
Mas os bancos, com as múltiplas funções que hoje conhecemos, surgem nos fins do século XIV com o grande
desenvolvimento do comércio em geral; os bancos mais importantes de então são o Banco de Veneza (1.400) e o de
Génova (1.407).
No nosso país existiam, até ao início do processo de privatização, os seguintes bancos: 2 do Estado (Banco de
Moçambique e Banco Popular de Desenvolvimento) e um privado (Banco Standard Totta de Moçambique).
O Banco de Moçambique tinha e continua a ter as funções de banco central (banco dos bancos), banco emissor
(emite o metical). É também banco do Estado pois é nele que se depositam os dinheiros do Estado, é ele que concede
financiamentos ao Estado que em 1975 podiam ir até 4.600.000 contos33 é ele que gere as divisas do país e controla a
política monetária e de crédito do país. Até 1987, ano da separação das funções comerciais, o Banco de Moçambique
também era banco comercial (realizava operações bancárias de natureza comercial e financeira).
O Banco de Moçambique foi criado por decreto-lei 2/75 de 17 de Maio de 1975.
O Banco Popular de Desenvolvimento (BPD), extinto em 1998, foi também uma instituição de crédito mas mais
virada ao financiamento das actividades económicas com particular incidência nos domínios da agricultura e indústria
(crédito ás empresas e cooperativas agrícolas e industriais). Em resumo este banco tinha por funções básicas fomentar o
desenvolvimento económico através de crédito a médio e longo prazos a serviços públicos ou a qualquer sector e unidade
económica. O BPD foi substituido pelo Banco Austral, constituido por capitais maioritáriamente malasianos e por uma
parte do capital pertencente ao Estado Moçambicano.
A partir de Abril de 2001 em virtude de irregularidades decorrentes da falta de realização do capital subscrito por
parte dos malasianos, e também pelo avolumar de créditos mal parados, o Banco de Moçambique viu-se obrigado a
intervir, suspendendo o Conselho de Administração e nomeando uma nova direcção com a missão de regularizar a
situação financeira e preparar condições para a reprivatização.
O Banco Austral tem funções normais de um banco comercial. Um banco comercial realiza todas as funções de
um banco normal com excepção das específicas do banco central.
O papel e importância dos bancos é indiscutível. Os bancos situam-se no eixo de todas as actividades económicas
e da vida das pessoas em geral. Basta destacar que o dinheiro é um instrumento vital na vida de qualquer sociedade
moderna; as economias hoje são economias monetárias embora haja aqui e ali partes menos desenvolvidas de certos
países em que a moeda ainda não desempenha a sua função como instrumento de troca.
Os bancos têm uma forte acção, intervenção e controle na política monetária de um país. Em particular os bancos
centrais são muitas vezes utilizados como meio de direcção e controlo das economias através da moeda em circulação.
Registemos que se o Estado, através dos bancos, decide retirar a moeda em circulação e substituí-la por outra, durante o
período da substituição pode haver grande perturbação na vida do país até à sua paralização (lembremo-nos que numa
operação desta encerram-se as fronteiras e ninguém entra nem sai do país).

33
Este plafond representa cerca de 170 milhões de dólares americanos ao câmbio de 1975 (27,64 Esc/USD)

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Se por outro lado o banco central decide emitir maior quantidade de moeda e lançá-la no mercado, sem que tenha
havido aumento da produção, é bem sabido que isso afecta negativamente a economia em termos de pressão
inflacionária; se numa região existe um projecto de instalação de uma empresa agro-pecuária, a sua concretização
depende muito da política e decisão que os bancos de crédito (no nosso caso o ex-B.P.D., hoje Banco Austral) tomarem a
respeito do financiamento de tal projecto.
Os bancos guardam o dinheiro das pessoas; mas as pessoas depositam o seu dinheiro nos bancos ou porque tem
confiança neles (e consideram mais seguro do que tê-lo em casa) ou porque esperam ter algum benefício sob a forma de
juro.
Então se os bancos por qualquer razão têm uma gestão crónicamente deficiente, as pessoas retiram imediatamente
o seu dinheiro porque perderam a confiança; ou se os bancos reduzem considerávelmente os juros dos depósitos pode
acontecer que as pessoas se sintam menos interessadas em guardar o seu dinheiro nas instituições de crédito.
No ordenamento financeiro moçambicano, muito pouco ou mesmo nada se tem dito sobre uma das mais genuinas
instituições bancárias moçambicanas do pós independência - o Banco de Solidariedade. Foi instituido informalmente
pelo Governo de Moçambique em 1976 tendo como fonte de recursos as quotizações voluntárias, em geral provenientes
de um dia de salário por mês, valores que eram depositados numa conta à ordem no Ex- BPD.
O voluntarismo das contribuições era a essência da instituição e pretendia-se com isso desenvolver sentimentos
altruista, patriótico de cada doador bem como o espírito de solidariedade para com o próximo, nacional ou estrangeiro.
A gestão do Banco de Solidariedade competia ao então Governador do Banco de Moçambique Alberto Cassimo,
já falecido, que respondia perante o Governo. Esta instituição tinha os mais variados objectivos dos quais se destacam:
a) Apoiar pessoas afectadas por calamidades naturais (v.g. inundações, ciclones, secas)
b) Dar assistência a pessoas em situações críticas acidentais (doenças raras, acidentes graves, mortes anormais)
c) Apoiar partidos e movimentos em luta contra o colonialismo e outras formas de opressão
d) Apoiar quaisquer outras organizações sociais de interesse público em situações especiais
A decisão de atribuição de fundos aos necessitados competia ao falecido Presidente Samora Machel, aliás um dos
principais promotores e dinamizadores do Banco.
A adesão popular à iniciativa foi bastante significativa, e foi sempre saudada sobretudo nos momentos de
aplicação que eram devidamente anunciados públicamente, mas a falta de formalização (documento escrito de
constituição) e a inexistência de regulamento interno terão conduzido à perca de entusiasmo voluntarista de contribuição
e à progressiva e drástica redução dos depósitos até à sua expontânea extinção com o decorrer do tempo.
E assim com exemplos simples, que podem ser multiplicados, destacámos o papel e importância que os bancos
desempenham nos nossos dias na vida económica e social de um país.

5.5. Os seguros e o seu papel

No capítulo sobre os contratos mais usuais no comércio estudaremos o contrato de seguro e resseguro e veremos
melhor as funções económicas que os seguros realizam no comércio e na economia em geral.

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Na actividade comercial, tal como em qualquer actividade económica e social, há muitos riscos difíceis de prever.
No comércio estão investidos grandes quantidades de mercadorias, infraestruturas e outros meios materiais e financeiros.
A perda ou destruição destes meios pode acarretar graves prejuízos não só à unidade proprietária, como também
ao comércio em geral, na sua qualidade de medianeiro entre a produção e o consumo.
Por isso a intervenção dos seguros no comércio constitui uma necessidade e exigência da própria actividade
económica geral. Em caso de sinistro, os seguros garantem a reposição dos meios perdidos ou danificados o que garante
o funcionamento normal e contínuo das unidades económicas afectadas.
Em muitos casos, em particular quando se trata de transporte de mercadorias a longas distâncias, no mesmo país
ou entre países diferentes, a realização de um seguro faz parte das normas contratuais.
Relativamente a uma empresa que não faz o seguro da sua fábrica, dos equipamentos, do armazém, das
mercadorias, podemos dizer que o seu gestor não conhece os objectivos dos seguros e as vantagens que os mesmos
podem proporcionar; neste sentido a sua gestão não é racional.
Conhecem-se casos, mesmo entre nós em que por ignorância ou irresponsabilidade dos gestores, as empresas
perderam milhões de contos devido a incêndios, naufrágios e acidentes de outra natureza.

CAPÍTULO VI
MARKETING E DESLOCAÇÃO DOS PRODUTOS

6.1. Breves considerações sobre o marketing

O marketing é hoje uma palavra amplamente utilizada no mundo dos negócios. É um fenómeno que conheceu o
seu surto e desenvolvimento a partir dos anos 60. Em português não tem tradução exacta e por isso presta-se a muitas e
variadas interpretações34.
Mal ou bem compreedida, a verdade é que tornou-se uma moda falar em marketing no mundo dos negócios.
Mesmo os especialistas, professores, práticos e teóricos de marketing não são unânimes na definição e explicação do
âmbito desta ciência ou arte moderna de expandir a venda de produtos. Existem hoje muitas publicações que tratam de
marketing mas é difícil, senão quase impossível, encontrar duas com uma definição idêntica ou semelhante.
Entre muitas definições podemos assentar nesta: o marketing é uma actividade no domínio das empresas que
produzem e vendem bens e serviços e que visa provocar e motivar necessidade adicionais no consumidor em detrimento
dos bens e serviços similares oferecidos por outras empresas competidoras.
Para que não fiquemos amarrados ao conceito que propomos recolhemos ao acaso algumas definições de
marketing.
-"Processo comercial que permite combinar os produtos com os mercados e realizar transferências de
propriedades" 35(Richard R. Still e Eduard W. Cundiff in "Métodos e Técnicas de Marketing" - Clássica Editora).
34
A tradução literal é "mercado em acção". Há quem tenha proposto o termo "mercantística" mas cremos
que não vingou pois é muito pouco utilizado nos textos.

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-"O marketing consiste no desempenho de actividades comerciais que dirigem o fluxo de bens e serviços do
produtor para o consumidor ou utilizador" (American Marketing Association, 1965; definição citada pelos autores do
conceito anterior).
-"Ciência que tende a satisfazer, da forma mais económica, as necessidades do consumidor" (Introdução aos
problemas de marketing por A.I. Lombarda - Editorial Pórtico, Lisboa).
-"O conjunto de actividades que, partindo de estudo constante do consumidor e das tendências do mercado, chega
até à definição e confecção do produto (ou serviço), ao seu aperfeiçoamento, distribuição e consumo (ou utilização) final,
tratando de harmonizar os interesses máximos comuns entre o consumidor e a empresa". (Idem, definição extraída do
livro citado no conceito que apresentámos anteriormente).
-"Marketing - traduzido por vezes como comercialização, este termo aplica-se melhor às operações agrícolas,
apesar de muitos escritores preferirem usar a mesma palavra inglesa, aqui usamos o termo distribuição como sinónimo
de marketing" (extraída de: Investigacion de mercados - texto y casos dos autores Harper W. Boyd Jr. e Ralph Westfall,
tradução espanhola de Raúl Ferandez Suarez - Union Tipografica Editorial Hispano Americana, México).
Finalmente, e sem tradução, inserimos a seguinte definição de Philips Kotler in "Marketing Management,
Analysis, Planning, and Control" - Prince-Hall, Inc. - New Jersey:
-"Marketing is the set of human activities directed at facilitating and consumating exchanges". O autor desenvolve
em seguida uma longa explicação em volta desta definição; os alunos mais interessados poderão consultar a fonte.
Há uma certa tendência de assimilar o marketing à comercialização que normalmente se faz nos departamentos
comerciais das empresas ou quando se pretende vender produtos provenientes de campanhas agrícolas.
Em boa verdade certas empresas têm os seus departamentos comerciais tão bem organizados e com uma gama
muito ampla de actividades que incluem o que modernamente se chama marketing, de tal modo que a gestão comercial
clássica se confunde com o marketing.
No entanto podemos dizer que a gestão comercial (merchandising) abrange a planificação e exercício de toda a
actividade de compras, armazenagem e controlo de stocks, fixação de preços, inventário, publicidade e vendas
(publicidade entendida no sentido mais amplo e compreendendo a promoção de vendas).
Os serviços comerciais têm a seu cargo todo o movimento de aquisição de matérias primas e mercadorias, o
estudo dos circuitos de distribuição e colocação dos produtos, bem como o estudo e diligências atinentes à respectiva
expansão comercial. Os serviços costumam ter várias subsecções ou funções como sejam: compras ou abastecimento,
vendas, publicidade e estudos de mercados.
O marketing, como podemos deduzir das várias definições que apresentámos, é uma acção comercial de uma
amplitude, passe a expressão, sem limites. Quando por vezes se diz estudos de mercado já se está a fazer uma
aproximação à verdadeira natureza e conteúdo do marketing; mas como em inglês também existe o "marketing research"
diríamos que o marketing envolve não só os estudos de mercados (mercado em sentido restrito) como também o estudo e
comportamento do utilizador final, o que em inglês se designa por "consumer research".
35
Transferências de propriedades verificam-se quando os produtos fluem dos produtores para os
consumidores.

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As duas características combinadas (estudos de mercados e estudo do consumidor) exigem um conhecimento e


investigação permanentes dos produtos e serviços a vender (aspectos de compras, de aprovisionamento, produção,
embalagens, distribuição, marca dos produtos e preços, conjuntura dos produtos) e um estudo e percepção também
permanentes da cultura, psicologia e hábitos dos consumidores em diferentes mercados onde esses produtos e serviços
vão ser lançados.
A par de serviços de investigação de mercados e dos consumidores que se montam em empresas de certa
dimensão, existem em países como a Inglaterra, os E.U.A. e a França, empresas especializadas em marketing que
prestam assistência por encomenda às empresas necessitadas.
É evidente que há entidades ou empresas que fazem marketing pernicioso, ou que no meio da boa intenção
procuram enganar o consumidor impingindo-lhe produtos ou serviços maus ou defeituosos. Desses a história não deve
rezar ou existem medidas administrativas para punir as actividades de marketing que prejudicam os interesses do
público.
Na dinâmica do marketing é preciso que uma empresa não se limite a utilizar apenas os meios e técnicas
modernas de informação (rádio, televisão, jornal, panfletos, cartazes, exposições, feiras periódicas, etc.); ela deve possuir
os seus agentes de publicidade e promoção de vendas, os quais viajam de país para país em jeito de caixeiros-viajantes,
e/ou andam ao nível de certos mercados específicos, de porta em porta a persuadir e incutir nas pessoas, através de
amostras, o gosto e hábito pelo uso e consumo de bens e serviços das empresas que representam. Modernamente o uso de
computadores pessoais, ligados à Internet, torna ainda mais fáceis e rápidas as actividades de marketing.
O sentimento que muita gente tem é de que numa economia centralmente planificada, em que todas as
componentes do plano estão perfeitamente compatibilizadas, o marketing no sentido moderno que pretendemos definir,
não existe ou não faz sentido.
Em certa medida podemos afirmar que até à introdução do PRE assistimos em Moçambique ao desmoronar do
marketing (v.g. ao nível dos medicamentos, seguros de vida, bens douradouros e produtos de consumo corrente) tanto
mais que tudo o que se produzia ou importava no pós-independência tinha mercado assegurado; a procura era maior que
a oferta e as bichas já entravam nas componentes da cultura moçambicana; ir à bicha por ir ou para ver o que há hoje.
Depois, com a nova mentalidade dinâmica que Programa de Reabilitação Económica passou a exigir de todos nós,
os produtores e ofertantes de bens e serviços deixaram de continuar a manter-se numa passividade animalesca primitiva,
pois mesmo numa situação de oferta menor que a procura passou a haver necessidade de fazer um mínimo de marketing
de qualidade, isto é, lutar sempre por produzir e vender cada vez mais produtos e serviços de maior qualidade. E essa luta
não tem fim.
No limiar do século XXI a publicidade e o marketing, no quadro de uma economia de mercado formal e oficial, já
se fazem sentir com bastante acuidade e são parte integrante dos instrumentos de dinamização da actividade comercial e
empresarial.
Em muitos livros especializados de marketing verifica-se uma tendência de concentrar a acção nos mercados
sobre um conjunto de 4 variáveis ou compostos de marketing conhecidos pelos "4 Ps" a saber: Preço, Praça, Promoção
e Produto. Tem interesse destacar que uma acção sobre a componente "Praça" implica fazer o que se chama segmentação

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do mercado, isto é divisão do mercado em partes com características específicas e homogéneas. Tomando como exemplo
o caso de Moçambique, um critério importante de segmentação do mercado consiste em considerar que grosso modo
80% da população é rural, vive do e no campo, e apenas 20% tem características urbanas, vive e trabalha nos centros
urbanos. No campo a economia mercantil é dominada, desde o período colonial até aos nossos dias, pela comercialização
agrária; face a uma constatação deste tipo, diríamos por exemplo que muito pouco êxito pode ter um marketing destinado
a promover a venda de discos compactos de música ou pastilhas elásticas nas zonas rurais; pelo contrário terá muito
maior êxito se houver a preocupação de lançar produtos como a capulana, o lenço, a camisa.
Encontrados estes dois segmentos gerais é útil fazer uma subsegmentação por exemplo tendo em conta as
profissões e postos que as pessoas ocupam: membros da direcção de Partidos, membros do Governo, directores de
empresas, trabalhadores por conta de outrém, corpo diplomático, estrangeiros em geral, mineiros, "marginais", etc. Cada
um destes segmentos, e conforme os objectivos do marketing, pode ser subdividido por sexos, nível de educação, estado
civil, rendimento, salários, etc.
É tendo em conta a segmentação do mercado que a acção das outras três componentes de marketing deve incidir.
Cremos ter dado uma breve explicação e um número de acepções variadas de marketing que permitem aos alunos
avaliar a complexidade desta categoria económica que se impôs no mundo moderno como um instrumento e ciência
autónomas.
Em estudos posteriores, particularmente nas disciplinas ligadas à Economia da Empresa, os alunos terão ocasião
de aprofundar esta matéria.

6.2. O aspecto e o acondicionamento dos produtos

No processo de comercialização, as mercadorias têm que percorrer distâncias mais ou menos longas, desde os
locais de produção até aos de consumo. É fácil compreender a grande importância que tem o acondicionamento dos
produtos.
O acondicionamento é o conjunto de materiais que visam proteger ou conservar as mercadorias; normalmente a
protecção é contra riscos de choque e mau manuseamento durante a deslocação dos produtos. Exemplo: os invólucros de
resina sintética de côr branca que cobrem os copos, pratos, equipamento eléctrico, material electrónico e outros produtos
susceptíveis de quebras e derrames durante o processo de transporte. Tais embalagens em regra têm a forma dos
produtos; para melhor protecção contra choques e vibrações é também frequente envolver as mercadorias com palha de
papel ou aparas de madeira. A embalagem própriamente dita é a parte exterior visível que em regra é de cartão, madeira
ou chapa.
A protecção aos produtos visa também conservá-los em bom estado porque durante o transporte, nas operações de
carga e descarga, e sobretudo durante o período em que as mercadorias permanecem no armazém estão sujeitos á acção
do meio ambiente como chuvas, a humidade, o calor, a oxidação, etc., que podem alterar a forma, a qualidade e
composição química dos produtos.

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Quaisquer que sejam os objectivos que se pretendem com as embalagens (protecção ou conservação) o certo é que
elas desempenham um papel importantíssimo e muitas vezes decisivo na actividade comercial. Com efeito hoje em dia
há cada vez mais a preocupação de acondicionar as mercadorias em embalagens muito bem feitas e agradáveis á vista
porque a boa apresentação exerce uma forte influência nas decisões dos compradores.
Conhecemos a este respeito o exemplo das bebidas alcoólicas do mesmo tipo, bem como o caso dos cigarros. As
empresas produtoras destes bens de consumo travam sempre uma grande competição na melhoria do aspecto das
embalagens pelo simples facto de que o cliente é atraído pela garrafa bem concebida e bonita que em casa pode ter uma
função decorativa na sala de estar. No caso dos cigarros o fumador muitas vezes aprecia também o pacote (invólucro),
exibe e fala muito dele no local do seu trabalho ou nos convívios.
Posto isto podemos dizer que no comércio é preciso saber escolher as embalagens apropriadas para cada
mercadoria tendo em vista a capacidade de resistência, a facilidade de manuseamento (não devem ter volume e peso a
mais), o aspecto exterior (devem ser atraentes), a possibilidade de serem utilizadas de novo.
No comércio por grosso e sobretudo no comércio a retalho, a psicologia do comprador é um elemento chave na
promoção das vendas. A reacção psicológica do comprador face às embalagens é de tal ordem que muitas vezes ele sai
de casa para a loja com uma ideia fixa sobre o que deseja adquirir mas volta de lá com um conjunto de compras
totalmente diferente.

Exemplifiquemos com um caso muito corrente: um cliente foi a um supermercado de géneros alimentícios para
comprar 2 Kgs de arroz e uma dúzia de reboçados; chegou lá encontrou o açúcar embalado em sacos de plástico de 5Kgs
e rebuçados sortidos em bonitas caixas com papel celofane de lustro; reagiu rápidamente pensando na utilidade e
comodidade que lhe traria o saco de plástico e na alegria que seu filho teria ao receber uma caixa decorativa de
rebuçados sortidos; então decide gastar um pouco mais em relação ao plano que trazia de casa. Com esta decisão
podemos dizer que foram atingidos os objectivos principais do produtor e do supermercado ao acondicionarem e
exporem os produtos daquela maneira.
Aliás, diga-se de passagem, as lojas modernas, os grandes armazéns de venda ao público, os supermercados, são
hoje em dia centros comerciais onde gosto e a boa apresentação dos produtos constituem nota dominante como meio de
induzir necessidades adicionais de consumo e assim provocar um aumento das vendas.
Esses centros são locais que propositadamente têm sempre um ar de feira não só pela forma simples e prática com
que os produtos estão expostos como também pela vivacidade, alegria e tonalidade das cores interiores que sempre
emprestam a esses locais um ambiente permanentemente festivo.
Com excepção daqueles que se dirigem a esses centros para adquirir um determinado produto préviamente
planificado em casa, o certo é que muitas vezes as pessoas entram nesses locais quase que instintivamente levadas pelo
ambiente atraente e muito movimentado e acabam por comprar o que possívelmente nunca tinham sequer pensado antes.

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6.3. A distribuição dos produtos. Os canais de distribuição

Por meio da troca o comércio realiza uma permanente distribuição de bens e serviços da agricultura, da
indústria, da construção, dos transportes e de outros sectores económicos e sociais, transferindo os produtos de umas
regiões para outras e das mãos de umas pessoas para outras.
Ao falarmos aqui de canais de distribuição queremo-nos referir ao importante problema dos circuitos de
comercialização. Com efeito, não basta produzir os bens económicos (açúcar, castanha, arroz, pão, amendoim, tecidos,
etc.); torna-se necessário fazer contratos de compra e venda, transportá-los e colocá-los nas mãos dos utilizadores finais.
Este conjunto de actividades tendentes a pôr os produtos em condições de poderem ser utilizados pelo consumidor
final tem, em terminologia económica, o nome de circulação de mercadorias. Os autores também utilizam com o mesmo
significado os termos "distribuição" ou "comercialização".
A circulação económica física ou material opera-se através do transporte mas é o comércio, tal como definimos,
que na essência faz a circulação social ou jurídica dos bens ou serviços da qual pode resultar a necessidade de fazer uso
dos transportes. Diz-se “pode resultar” porque há situações em que não é necessário fazer nenhuma deslocação de bens
como por exemplo a transferência da propriedade de um imóvel não necessita de nenhum tipo de transporte.
Dissémos já que o comércio deve colocar os produtos no espaço apropriado e a tempo adequado; importa
acrescentar agora que a eficiência e a racionalidade da distribuição são condições necessárias para o comércio
desempenhar correctamente o seu papael na economia.
Nas Directivas Económicas e Sociais do IV Congresso da FRELIMO encontramos muito claramente explícita esta
exigência de eficiência e racionalidade em relação á distribuição. Com efeito na área do comércio interno diz-se, sic:
"A actividade de comércio interno assume um papel fundamental no funcionamento da economia nacional, porque
vende ao Povo os bens de consumo alimentar que lhe são necessários e compra os excedentes da produção.
O desenvolvimento dos circuitos de comercialização é um factor para a intensificação das trocas e constitui um
estímulo efectivo ao incremento da produção.
A prioridade é organizar a comercialização correcta e com dinamismo nas zonas rurais, assegurando a venda de
utensílios agrícolas e bens de consumo industriais, normalmente utilizados em cada zona. Devemos priorizar esta acção e
actuar para eliminar as perdas consideráveis que se registam neste processo actualmente.
A fim de combater a candonga, o Estado deve exercer um controlo rigoroso da actividade comercial através do
controlo popular e das medidas administrativas. Deve estabelecer ainda um sistema eficiente e rigoroso para o controlo
das mercadorias desde a produção ao consumo.
Devem ser promovidas acções tendo em vista a redução das margens de comercialização e a racionalização do
circuito, com a redução do número de intermediários". Fim de citação.
Para os alunos poderem compreender e assumir melhor a importância de uma boa organização dos canais de
distribuição voltemos de novo à lei do comércio privado, no seu preâmbulo onde se diz, sic:
"Derrotado o colonialismo português, após anos de inúmeros sacrifícios do nosso Povo, a situação que
encontrámos na actividade comercial caracterizava-se essencialmente por uma grande anarquia e por um deficiente

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funcionamento da rede comercial, cujos efeitos se reflectem nas dificuldades hoje existentes no escoamento de produtos
e no abastecimento às populações.
O comércio de bens de consumo fora até então àrea dominada pela especulação, que fomentava lucros fabulosos.
Não obedecendo a critérios racionais e adequados às necessidades da economia, mesmo a colonial-capitalista, o
desenvolvimento da rede comercial realizou-se de forma desequilibrada provocando uma concentração de armazéns e
lojas em apenas alguns pontos do país e grandes carências em vastas zonas distribuídas pelo território nacional.
As Directivas Económicas e Sociais aprovadas pelo III Congresso da FRELIMO definiram como tarefas
prioritárias a organização de uma rede comercial operativa, capaz de assegurar a distribuição dos produtos pelas
populações e de contribuir para o escoamento dos excedentes da produção". Fim de citação.
Vemos assim que o comércio, para ligar correctamente a produção e o consumo, deve ter estrutura e canais de
distribuição bem concebidos, rápidos, eficientes e não muito caros. De contrário o comércio provoca desiquilíbrios de
desenvolvimento e não realiza a sua tarefa fundamental. Conforme se vê pelos textos transcritos, em Moçambique temos
uma experiência elucidativa das distorções que podem resultar de não se equacionar bem a problemática dos circuitos do
comércio.
O percurso que os produtos seguem dos locais de produção até aos de consumo exige a intervenção de várias
pessoas (singulares ou colectivas). Em termos clássicos de comércio, exige em primeiro lugar a acção das próprias
estruturas e pessoas directamente envolvidas e interessadas na produção e colocação dos bens (são os produtores).
Depois temos uma gama muito variada de intervenientes no comércio; nos casos mais simples o próprio produtor
distribui ou vende directamente os produtos ao consumidor final (é um caso externo).
Normalmente o que acontece é haver estruturas ou pessoas intermediárias que realizam o papel de distribuir e
colocar os produtos no mercado em condições de utilização final.
Esses intermediários tem vários nomes dos quais destacamos: os comerciantes e cantineiros, os armazenistas, os
retalhistas, os bancos, os seguros, os caixeiros viajantes, os despachantes e muitos outros.
Através dos exemplos apontados já podemos ver que o nível e o número de intervenientes na actividade comercial
não tem limites. Tudo depende da política geral que um país pretende adoptar em relação ao problema da organização da
distribuição.
Mais uma vez recorremos á distinção entre economias de mercado e economias centralmente planificadas porque
entre umas e outras há diferenças substanciais. Nos países em que o princípio de organização económica assenta no livre
mercado, a rede de comercialização funciona e desenvolve-se de uma maneira arbitrária e espontânea no sentido de que
as autoridades do aparelho de Estado não exercem acção decisiva em termos de organização, direcção e controlo.
Se em relação ao exemplo da formação dos preços de certos produtos nós dissémos que pode haver intervenção de
autoridades oficiais, aqui ao nível dos canais de distribuição é práticamente nula a esfera de influência dessas
autoridades.
Com efeito, do que vemos e conhecemos, o complexo denominado "rede comercial" pode ter leis, regulamentos e
regras gerais e específicas de conduta, mas em termos operacionais podemos dizer que o que predomina é, passe a
expressão, a lei da selva. Tomemos o caso simples e concreto do interveniente do comércio chamado cantineiro.

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Em Moçambique colonial, não havia planos directores que perspectivassem num período mais ou menos longo
qual o número óptimo de cantineiros que devia existir e em que região para atingir este ou aquele objectivo. Cada pessoa
que se lembrasse ou que achasse que a actividade de cantineiro era promissora e lucrativa na zona X fazia um simples
pedido, indicando no essencial que tinha capacidade financeira suficiente para realizar o comércio que pretendia; quase
que invariávelmente, e uma vez preenchidos os requisitos legais, o requerimento era autorizado e o peticionário abria a
loja no local que escolheu.
Escolhemos o exemplo do cantineiro, mas podemos generalizar dizendo que é assim que a rede de comerciantes,
de vendedores ambulantes, de despachantes, de banqueiros, de companhias de seguros, de agentes comerciais e de outros
intervenientes de comércio se desenvolveu, de tal maneira que os canais de distribuição têm hoje uma contextura
extremamente irregular e longe de satisfazer os interesses da economia como um todo e muito menos das populações.
Em Moçambique estes mecanismos de funcionamento conduziram, como dissémos, ao desenvolvimento de uma
rede comercial desquilibrada, provocando uma concentração de armazéns e lojas em apenas alguns pontos do país e
grandes carências em vastas zonas do território nacional.
Ora nos países em que a lei do plano dirige toda a sociedade, e isto sucede no Socialismo, todo o processo de
circulação de mercadorias está sujeito a normas de cumprimento obrigatório. Ao se fazer o plano anual, a rede comercial
é sempre um elemento a ter em conta; por isso é necessário garantir as condições materiais para que a circulação de
mercadorias sirva também os objectivos fixados no plano.
A circulação de mercadorias deve ser dotada de meios (por exemplo armazéns, mercados, meios de transportes,
lojas, meios circulantes financeiros e materiais, etc.). Os intervenientes de comércio integram-se nessa malha que
constitui a rede comercial não de uma maneira anáquica, como descrevemos para o caso do cantineiro, mas segundo um
plano préviamente estabelecido que traça orientações sobre a forma como se devem distribuir no território, que tarefas
lhes compete e que interesses devem servir. A orientação centralizada da circulação de mercadorias visa evitar que o
sector comercial se transforme em parasitário, elevando desnecessáriamente os custos dos produtos por insuficiência ou
intervenção de um número exagerado de estruturas, circuitos e pessoas.
Sabendo que as empresas do Estado e as cooperativas constituem a forma de organização sócio-económica
dominante no sistema socialista, e tendo o plano um papel decisivo, as empresas de distribuição e os canais de circulação
dos produtos devem ter uma produtividade muito alta, reduzindo os custos, racionalizando os transportes e outros meios
disponíveis.
A este respeito recordemos que a nossa lei diz claramente que "a rede de comércio privado deve ser orientada no
sentido de cumprir as orientações do plano, controlando-se a abertura de novos estabelecimentos privados e dirigindo-se
a instalação destes para locais prioritários".
Embora a lei se refira expressamente ao comércio privado é evidente que os princípios e orientações indicados são
válidos para o comércio estatal e cooperativo.
Tal como o fizémos ao estudar os mecanismos de economia de mercado e de direcção centralmente planificada,
importa aqui frisar de novo que as redes de comércio descritas para os dois sistemas políticos e económicos funcionam
assim apenas na sua forma teórica-pura. Na prática encontramos uma mistura das propriedades e vantagens de cada uma

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das redes “puras”. Assim, em economia de mercado também se introduzem mecanismos de planificação central embora
com carácter indicativo (i.e., não obrigatório); por outro lado, em economias socialistas, muitas redes comerciais (em
geral as consideradas não estratégicas) são deixadas ao livre sabor das leis de mercado (soberania do consumidor-preço-
lucro).

6.4. A contentorização. Vantagens e uso crescente dos contentores

Ao falarmos de transporte de mercadorias não podemos deixar de destacar o processo conhecido por
contentorização. A utilização de contentores na deslocação dos produtos tem sido feita com cada vez maior intensidade
nos últimos 20 anos. Trata-se de grandes caixas de madeira, ferro, chapa ou aço que servem para conter mercadorias
durante o transporte e armazenamento.
A contentorização tem grandes vantagens sobre o transporte dos produtos de uma forma isolada. Com efeito os
contentores dispensam muitas vezes a utilização de embalagens de transportes. Um exemplo, para transportar 5.000 latas
de doce de fruta (jam) pode-se fazer 500 embalagens de 10 latas cada uma ou arranjar-se um contentor de aço que
comporta todas as latas; a solução da contentorização é a melhor e mais económica pois que o contentor neste caso tem
múltiplas aplicações.
A segunda vantagem traduz-se na grande facilidade e rapidez de manuseamento (carga e descarga); pegando o
exemplo das latas de jam vê-se que o contentor uma vez preparado exige uma única operação de carga para o navio
através de guindastes e outra operação idêntica no momento da descarga.
Uma outra vantagem tem a ver com a possibilidade que o contentor dá de armazenamento ao ar livre (dispensando
assim a utilização de armazéns). Conhecemos e vemos muitas vezes nos nossos portos de Maputo e Nacala um grande
número de contentores arrumados ao ar livre no cais, os quais são conhecidos exactamente por cais de contentores. Um
contentor muito raramente é guardado em armazéns fechados.
Devemos destacar ainda o facto de a contentorização permitir uma maior protecção dos produtos contra o meio
ambiente e uma maior redução de riscos de quebras, derrames e roubos.
Finalmente convém sublinhar que hoje a contentorização suscitou o desnvolvimento de meios de transportes (em
particular navios) especiais e a construção de portos e cais apropriados que permitem a movimentação e manuseamento
de mercadorias contentorizadas a um ritmo e produtividade rápidos. Os navios conhecidos por RO-RO36 que passam
muitas vezes pelos nossos portos têm demonstrado na prática as enormes vantagens da contentorização em termos de
rapidez, eficiência e aproveitamento máximo de espaço disponível. Esses navios manuseam as cargas, entram e saem dos
portos de atracagem em muito menos de 24 horas!

36
Simplificação do inglês roll on roll off

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6.5. O problema do peso das mercadorias. Peso bruto, líquido e taras

Esta questão poderia colocar-se de uma maneira mais genérica com o título "medição ou contagem das
mercadorias" dado que as mercadorias são comercializadas com base em medidas de volume (m3), de capacidade (litro),
de superfície (m2), de comprimento (metro), de peso (quilo) de simples contagem em unidades (uma dúzia), etc.
Não há espaço nem tempo suficiente numa disciplina com as caraterísticas da nossa, de abordar as questões
particulares que se podem colocar no uso de cada uma das medidas indicadas.
No estudo de problemas comerciais é usual introduzir questões típicas ligadas ás medidas de peso. E compreende-
se que assim seja pois que, no comércio, as mercadorias e as embalagens levantam quase sempre problemas de peso
bruto e o peso líquido que é preciso saber encontrar soluções adequadas.
Com efeito ao calcular o preço das mercadorias cuja contagem é na base do peso, é preciso ter em linha de conta o
peso bruto (inclui as embalagens) e o peso líquido (sem as embalagens). Quando se coloca a questão do material que
acondiciona as mercadorias é preciso notar que há um certo tipo de embalagens que faz parte integrante do produto e que
portanto não faz sentido falar em peso bruto e peso líquido. Exemplos: o açúcar acondicionado em saquinhos de plástico;
chá embrulhado em saquinhos (tea bags); arroz empacotado em cartuchos; os rebuçados, chocolates e os papelinhos que
os envolvem e protegem, etc.
Trata-se aqui de considerar as embalagens não só com peso significativo mas também com valor económico
(reutilizáveis ou vendáveis); citemos alguns exemplos: as garrafas de gás, os barris e garrafões de vinho, sacos de
batatas, as grades de repolho, um contentor para transportar o cha´.
Há técnicas apropriadas de calcular o peso bruto e o peso líquido das mercadorias. Para nós interessa saber que a
pesagem deve ser feita directamente sobre o próprio produto incluindo os invólucros que o acondicionam; depois, das
duas uma: ou é possível pesar os invólucros separadamente, ou calcula-se por estiamtiva o peso das embalagens tomando
por base o peso médio indicado nas disposições legais referentes ao produto em causa; então por simples subtracção
(peso bruto menos o peso das embalagens) obtém-se o peso líquido do produto.
Assim, enquanto que a determinação do peso líquido de um saco de arroz não levanta quaiquer problemas pois o
peso de um saco de ráfia ou sisal é conhecido e aceite por qualquer interveniente num contrato de compra e venda
comercial, o cálculo do peso líquido de chá transportado num contentor ou o de carvão transportado num camião já exige
o conhecimento e controlo das características técnicas (peso, volume, densidade, etc.) do contentor e do veículo; a pessoa
que está encarregada de verificar o peso do contentor e do camião em balanças especiais tem que recorrer a essas
técnicas.
Para terminar este ponto importa saber que dá-se o nome de tara ao peso das embalagens. No entanto convém
também dizer que em linguagem corrente, e mesmo na terminologia comercial, é frequente usar os termos tara e
embalagens como sinónimos.

S.M./FE/UEM/2003 120
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6.6. Os transportes. O trânsito internacional das mercadorias

Neste ponto queremos fazer breves considerações sobre o papel e função das vias de comunicação e dos meios de
transporte no comércio.
No capítulo seguinte que trata dos contratos em geral, ocupar-nos-emos do transporte como figura jurídica basilar
no domínio da circulação das mercadorias.
A necessidade de fazer deslocar os produtos de um lugar para outro foi sentida pelo homem desde o alvorecer da
humanidade. Com efeito não se pode falar de comércio sem introduzir a necessidade de utilizar as vias de comunicação e
os diferentes meios de transporte.
O homem utiliza as vias de comunicação que a própria natureza lhe faculta (mar, rios, lagos, ar) e as que ele
próprio cria ou transforma (caminhos de ferro, estradas, pontes).
No que diz respeito aos meios de transportes a circulação de mercadorias é feita:
-Com recurso à tracção animal ou à própria força do homem
-Utilizando locomotivas
-Fazendo uso de camiões, automóveis
-Por meio de navios e barcos de variados tipos e tamanhos
-Recorrendo a aviões e helicópteros
Um pouco associado às vias de comunicação existe o problema dos meios de comunicação como os telefones,
telex, telefax, rádio e E-mail que no comércio internacional constituem instrumentos preciosos (e muitas vezes
insubstituíveis) na dinamização e materialização da circulação de mercadorias. Hoje a actividade comercial está
profundamente condicionada pela funcionalidade dos meios de comunicação, em particular o telex, telefax e o telefone;
há todos os dias e a toda a hora no mundo do comércio internacional, milhares de decisões sobre os contratos comerciais
que dependem de um simples fax ou telefonema.
Ainda relacionado com o problema dos transportes há que referir ao trânsito internacional. Há trânsito
internacional sempre que por um determinado país passam mercadorias vindas de um outro mas que se destinam a um
terceiro país.
A República de Moçambique, devido à sua situação geográfica previligiada, tem muito comércio de trânsito; pelo
nosso país passam mercadorias oriundas do Zimbabwe, Swazilândia, África do Sul, Malawi, Zâmbia, Zaire e que se
destinam a terceiros países.
As mercadorias em regime de trânsito internacional gozam de muitas facilidades alfandegárias, isto é, não pagam
direitos aduaneiros do tipo dos que incidem sobre as mercadorias em regime de importação definitiva; pelo contrário as
autoridades aduaneiras criam todas as condições para protegê-las impedindo roubos, violações e fraudes durante a
passagem pelo território de trânsito; o principal cuidado que normalmente se toma é o controlo por meio de conferência
dos produtos e selagem das cargas. Para o país de trânsito este comércio é muito importante como fonte de divisas pelos
serviços que presta.

S.M./FE/UEM/2003 121
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6.7. Métodos de comunicação: cartas comerciais, telefone, telex, telefax, telegrama, correio electrónico (e-
mail). Relações públicas e ética em geral

Aqui ao falarmos de métodos de comunicação queremo-nos referir aos meios que qualquer entidade ou unidade
empresarial utiliza para se relacionar com terceiros no quadro das suas actividades correntes, com particular destaque
para as operações comerciais e financeiras.
Duma maneira geral está estabelecido, e já é prática universal, que as relações entre empresas, que impliquem
deveres e direitos de parte a parte, devem ser traduzidas a escrito por meio de contratos formais. Veremos mais tarde
(Capítulo VII) a questão dos contratos em geral e as principais características de algumas formas contratuais típicas.
No mundo comercial e financeiro, os contratos por escrito ocorrem só no fim de um mais ou menos complexo e
intricado número de consultas, contactos informais, propostas e contra-propostas.
Por outro lado é sabido que há muitas operações comerciais e financeiras e um grande número de decisões que
não terminam ou não passam necessáriamente pela elaboração de contratos. No entanto também nestes casos os meios de
comunicação, tal como os definimos, são sempre necessários e úteis.
O nosso objectivo, neste ponto, é tecer algumas considerações sobre as formas mais usuais de meios de
comunicação, com especial ênfase no formalismo e maneiras que os mesmos devem revestir.
Sobre esta questão existem livros, cursos e mesmo programas de formação e reciclagem especiais ao nível de
certas empresas que se preocupam com este problema e tem a noção e sensibilidade sobre a importância e vantagens, em
termos de melhoria de gestão, que advém de uma boa política de meios e formas de comunicação.
Em primeiro lugar queremo-nos ocupar do meio mais utilizado, e em certa medida já clássico no mundo dos
negócios - a carta comercial. Uma carta comercial, entre muitos outros atributos, deve obedecer aos seguintes requisitos
essenciais:

-Polidez. Significa que numa carta comercial não se deve ser "grosseiro"; mesmo quando se trata de um conflito
de interesses o subscritor da carta tem que ser sempre polido e tentar tornear a sua eventual "fúria" com uma linguagem
cortez. Isso preserva e até faz aumentar o prestígio da empresa, o qual é um elemento essencial no mundo do comércio.

-Precisão, clareza de linguagem e utilização correcta dos termos comerciais.


Pode dizer-se que duma maneira geral as cartas comerciais estão em certa medida padronizadas em termos de
estilo de terminologia a usar em cada caso (v.g. consultas, propostas, remessa e devolução de mercadorias, quebras ou
avarias, confirmação de recepção de telefaxes, reclamações de dívidas).

-Períodos curtos. Com isto queremos dizer que numa carta comercial deve-se ir directo ao assunto principal e não
perder tempo com parágrafos longos. Eventualmente se o assunto exige um texto maior do que o das cartas normais
deve-se fazer um esforço por evitar prosas literárias.

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NOÇÕES FUNDAMENTAIS DE COMÉRCIO - 2ª Edição (Rascunho)

Em negócios "o tempo é dinheiro", diz um ditado inglês. Quando uma empresa escreve uma longa carta37 com
muitos parágrafos, pode ter a certeza de que na maior parte dos casos a pessoa responsável pela recepção e leitura do
expediente, sobretudo numa unidade empresarial com um volume considerável de correspondência comercial, fará uma
leitura panorâmica (v. g. por blocos de linhas, em coluna ou em diagonal), procurando rápidamente as questões de fundo
ou palavras-chave dessa carta e sumarizando-as num papel à parte ou mesmo na própria carta, em regra no topo. E assim,
as divagações ou refinamentos literários ficam no arquivo e só serviram para desperdiçar tempo e papel.
Expostos os requisitos que consideramos essenciais, e dado que as cartas comerciais constituem um dos sinais
mais salientes do nível organizacional e da qualidade do pessoal da empresa, recomendamos que os que têm a
responsabilidade de dirigir a correspondência comercial organizem, sobretudo para o pessoal não experiente, cursos ou
programas simples e de pequena duração sobre:
a) Formas de organização e composição de uma carta;
b) Estrutura fundamental de uma carta-tipo;
c) Requisitos de pontuação e emprego de letras maiúsculas e minúsculas;
d) Algumas frases típicas já padronizadas e relativas a situações ou problemas comerciais mais correntes.

Para os iniciados é recomendável um livro sobre correspondência comercial com os mais variados exemplos de
cartas. Deve-se possuir ou consultar textos com correspondência anglo-saxónica pois os estilos inglês e americano são
hoje os mais avançados em termos de simplicidade, precisão, clareza e economia de tempo e papel.
Em muitos casos são cartas tipo-impresso em que só basta preencher os espaços em branco. Com o uso crescente
de envelopes com "janelas" de papel transparente, a carta é dobrada e metida de tal maneira que o cabeçalho (i.e., o nome
e o endereço do destinatário) seja visível e legível através dessas "janelas"; para uma empresa que possui um volume
considerável de correspondência, estes métodos modernos representam uma economia apreciável de tempo e contribuem
para a melhoria da eficiência dos seus serviços burocrático-administrativos.

Hoje a informática e os computadores modernos proporcionam o uso de programas especiais de elaboração de


correspondência que permitem com maior simplicidade e rapidez o cumprimento dos requisitos básicos a que nos
referimos.

Para terminar esta importante questão queremos dar dois exemplos fictícios de cartas comerciais, a primeira
ilustra um modelo que não deve ser seguido e a segunda sugere uma solução melhor para a mesma carta.

1) Exemplo de carta que não deve ser feita

37
Em situações normais uma carta comercial corrente com mais de uma página e meia já se pode
considerar longa

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NOÇÕES FUNDAMENTAIS DE COMÉRCIO - 2ª Edição (Rascunho)

Sociedade Agro-Industrial de Muzerepane, Lda


NAMPULA, C.P. 498

Nampula, 10 de Outubro de 2000


N/Refª.A/065/88

À
Empresa Comercial Alfa
C.Postal, 787
MAPUTO

Caro João

Espero que esta carta lhe encontre bem de saúde. Ontem mesmo recebemos a vossa carta datada de 15 de
Setembro passado a solicitar cotações para os produtos que fabricamos.
Em anexo aí vai o catálogo solicitado e um contrato de compra e venda para vossa apreciação e assinatura.
Atenção: Agradecemos que nos responda o mais rápidamente possível pois temos muitos clientes à espera dos
nossos produtos.
Como os nossos melhores cumprimentos esperamos que a carta seja devidamente considerada por vocês
Muito obrigado e até breve.

Assinatura irreconhecível e sem nome por extenso


Vejamos quais os principais erros e incorrecções da carta:
· É longa por incluir muitos aspectos inúteis
· Os parágrafos estão mal estruturados
· É grosseira (falta de polidez; por exempli, exige resposta rápida)
· É arrogante (exibe desnecessáriamente que tem muitos clientes à espera)
· Demostra falta de uniformidade no estilo. Pessoaliza (eu) no primeiro parágrafo e depois nos seguintes fala em
nome da empresa (nós)
· É uma carta que tem muito pouco de comercial (mais para um amigo de uma empresa)
· O assinante não se identifica (assinatura irreconhecível e sem nome do autor)
2) Exemplo de carta melhor do que a anterior

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NOÇÕES FUNDAMENTAIS DE COMÉRCIO - 2ª Edição (Rascunho)

Sociedade Agro-Industrial de Muzerepane, Lda


NAMPULA, C.P. 498

Nampula, 10 de Outubro de 2000


N/Refª.A/065/88

À
Empresa Comercial Alfa
C.Postal, 787
MAPUTO

Exmos. Senhores38

Acusamos a recepção da v/prezada carta-consulta de 15 do mês passado de cujo conteúdo tomámos a devida nota.
Temos o prazer de junto anexar um modelo de contrato e um catálogo de preços dos nossos produtos.
Aguardando as vossas instruções num futuro próximo, somos com muita estima e consideração,

De V. Exas.
M.to. At.os e Obg.os39
P`la Direcção

José Maltos
Anexo:
1 modelo de contrato
1 catálogo de preços
Deve notar-se que a prática constante de elaborar cartas comerciais acabará por fazer nascer um estilo sui-generis
da própria empresa de tal maneira que não mais precisará de seguir à risca as fórmulas comerciais convencionais. Só terá
que obedecer aos requisitos essenciais, de que demos alguns exemplos, e ter sempre em mente que a estrutura básica de
uma carta comercial deve conter pelo menos:
-O endereço da empresa remetente
-A data e referência numérica da carta
-O endereço do destinatário

38
Como variantes pode pôr-se "Ilmos Srs". , "Amigos e Srs".
39
Abreviatura de Muito Atentos e Obrigados

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NOÇÕES FUNDAMENTAIS DE COMÉRCIO - 2ª Edição (Rascunho)

-Introdução (em geral consiste numa pequena saudação ou, se for o caso, acusa-se a recepção de uma carta, de
uma informação, de um pedido, etc.).
-Parte ou corpo fundamental da carta
-Fecho da carta
-Assinatura
-Nome e cargo do assinante

Por ter interesse histórico passemos ao segundo meio de comunicação mais importante e bastante em voga antes
do uso crescente de fax e E-mail: o telex e o telegrama.
Se uma carta comercial normal deve ser curta e concisa, e normalmente não deve ir além de uma página, até finais
dos anos 80 um telex ou telegrama deviam ser ainda mais curtos e concisos, até porque o seu custo era relativamente
muito mais elevado.
Não havia regras fixas para a elaboração de telexes ou telegramas. Tanto quanto a prática permitia instituir é que
não se devia gastar tempo e papel com frases muito elaboradas em termos de morfologia e sintaxe (sujeito, predicado e
complementos). Em regra, e desde que não houvesse margem a equívocos, no corpo do telex omitiam-se palavras e
elementos gramaticais não vitais para a compreensão do cerne do assunto e utilizavam-se muitas abreviaturas. Como
norma a estrutura básica de um telex continha:
-Endereço, i.e., o número do telex de quem envia e o do destinatário
-Corpo fundamental
-Fecho com uma linha em que básicamente se pergunta se a emissão foi bem recebida.
A feitura de um telex-telegrama exigia a deslocação física do emitente aos Serviços de Correios, na altura
chamados Correios, Telégrafos e Telefones (CTT).
Um telex devia ser utilizado em regra para contactos internacionais com a finalidade resolver uma questão urgente
com o máximo de proveitos para empresa ou nos casos em que a carta comercial seria mais morosa e faria perder uma
oportunidade de realizar um negócio.
A partir de finais dos anos 80 ganharam grande desenvolvimento e utilização cada vez mais crescente os meios de
comunicação por fax e correio electónico (E-mail)40 de tal modo que hoje, no virar do século 20, os telegramas já cairam
em completo desuso.
As máquinas de fax-telefone (fax-machine) que a maioria das modernas empresas e muitas pessoas individuais
tem instaladas nos locais de trabalho ou residência, vieram imprimir maior dinamismno e rapidez nas relações
económicas e comerciais entre empresas nacionais e estrangeiras, para além das vantagens de (com excepção do E-mail)
redução considerável de custos de operação.
Com efeito, a combinação simultânea do uso do computador e máquina fax, faz com que hoje já não existam as
limitações de forma gramatical que apontámos em relação à feitura de telegramas. As cartas por fax tem as mesmas

40
O já consagrado termo E-mail deriva do inglês Electronic mail

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NOÇÕES FUNDAMENTAIS DE COMÉRCIO - 2ª Edição (Rascunho)

características das cartas comerciais clássicas por via de correio postal, embora estas continuem a gozar de maior
preferência pois constituem ainda um meio de comunicação mais barato.
No que respeita ao E-mail basta dizer que representa mais um grande salto tecnológico, não só porque dispensa o
uso de uma máquina (a comunicação é apenas entre computadores) como também e sobretudo porque o uso do
computador-E-mail permite integrar todo o tipo de actividades e necessidades de informação, v.g. investigação, recolha
bibliográfica, contratos comerciais, conversa, informação dos mass medias, informação das bolsas financeiras,
espectáculos, diversões, jogos, etc.
No fundo a decisão entre usar a carta comercial por via postal, o telex, o fax, o E-mail, o telefone depende, em
cada caso, do balanceamento entre os custos e benefícios que advém desses meios.
Acontece que infelizmente entre nós, por razões várias (uns dizem por ser mais rápido, outros alegam avarias
constantes dos telefones, outros ainda justificam-se na falta de transportes) algumas empresas utilizam o fax e E-mail
para fazer tudo e mais alguma coisa como sejam convocatórias de reuniões, localizar e chamar alguém com urgência, dar
informações correntes, emitir circulares e quejandas coisas de ainda menor importância para as empresas comerciais
como conversas, saudações, felicitações, comiserações familiares. Esta prática deve ser banida tanto quanto possível.
O terceiro meio de comunicação que queremos destacar é o telefone. Há situações em que o uso do telefone, nas
relações internacionais, se revela mais aconselhável apesar de implicar maiores custos do que o telex, telegrama, fax e E-
mail .
As conversações telefónicas têm no entanto o inconveniente de não constituirem um meio formal de prova em
caso de necessidade, exactamente por não serem registáveis a escrito, pelo que só devem ser utilizadas como meio
complementar quer para dar início a uma operação, quer para confirmar, esclarecer ou renunciar um negócio ou assunto
urgente. Devem ser estabelecidas as condições gerais em que o telefone pode ser usado.
Tendo em conta o que sabemos e ouvimos, há muito mais aspectos que interessa referir. Em princípio, numa
empresa o telefone só deve ser utilizado para tratar de problemas da própria empresa e mais nada. As chamadas para
resolver questões pessoais devem ser banidas a todo o custo.
Se fosse possível encontrar um interceptor e contador do número e tempo de chamadas telefónicas para resolução
de problemas meramente pessoais, as empresas e serviços públicos talvez chegassem à triste conclusão de que o peso em
termos de custos (medidos pelas facturas mensais dos Correios) é bastante significativo.
Deixando de lado estes desvios cuja investigação e controlo devem ser da alçada da direcção de cada empresa,
queremos destacar duas coisas essenciais: primeiro é a questão da delicadeza e boas maneiras e em segundo lugar é o
problema das relações públicas em geral.
A primeira questão tem a ver com a maneira como se comportam os telefonistas, recepcionistas e empregados de
balcão quando em serviço. A polidez, a delicadeza e o saber falar correctamente são características essenciais que devem
estar sempre presentes no atendimento de telefonemas e do público seja ele quem for.
Em Moçambique muita gente conhece e comenta com amargura, ou em jeito de anedota, os casos de telefonistas e
balconistas que se dirigem às pessoas com rudeza; no trato com o interlocutor, ao longo da conversação, utilizam
indistintamente o "você", "tu", "pá", "senhor", V.Exa.". Pior ainda, na conversações misturam "tu", "você" e "senhor".

S.M./FE/UEM/2003 127
NOÇÕES FUNDAMENTAIS DE COMÉRCIO - 2ª Edição (Rascunho)

Finalmente, antes de desligarem o receptor, e como despedida, também é-lhes indiferente dizer "Tcháu", "tatá", "adeus"
ou "até mais ver".
E, o que é mais grave, discriminam as pessoas pelo aspecto exterior: côr da pele, indumentária, apetrechos e
quinquilharias que trazem (v.g. anéis, porta-chaves, relógio e, hoje em dia, telefone móvel). Vai daí uns são excelências,
senhores, patrões e são tratados com salamalecos, sorrisos e vénias, enquanto que outros são considerados como
compichas, colegas de escola, de carteira; são os tais ”tu” e não raro descarregam sobre os mesmos as quezílias e
indisposições que trazem das suas casas.
Neste aspecto a política da empresa deve ser no sentido de dar orientações rigorosas sobre como falar ao
telefone e como atender ao balcão. Ademais deve-se procurar saber, periódicamente, se todo o pessoal que lida com o
público está a agir de acordo com as instruções dadas. Uma caixa de sugestões e reclamções bem visível nos locais de
atendimento é uma medida salutar e demonstra confiança e predisposição das entidades para melhor servir o público.
Não devemos esquecer que do domínio das relações públicas também fazem parte programas ou matérias sobre
comunicações pelo telefone.
Para dar pequenos exemplos da prática quotidiana, ao levantar o auscultador para receber uma chamada nunca se
deve dizer como primeira frase de apresentação "o que é que quer?" e muito menos "o que desejas?". A primeira coisa a
fazer é identificar a sua empresa "daqui a empresa X" ou “daqui número tal” e depois "faça favor". Um bom dia, boa
tarde, boa noite, sendo embora opcional, são também recomendáveis.
No seguimento da conversa, e se for para pedir para esperar um momento, não é delicado dizer-se "espere um
momento" e muito menos o é dizer-se "espera um pouco heim!". É aconselhável usar-se as fórmulas "importa-se de
aguardar um momento" ou então, tentando traduzir o estilo inglês prático "queira esperar um momento por favor"41.
Como já atrás dissémos, e convém repisar, deve evitar-se chamadas telefónicas internacionais para tratar de
problemas correntes. Se foi necessária uma conversação ou explicação detalhada deve-se estudar primeiro a hipótese de
um fax mais longo e só em casos de extrema necessidade é que se decide pela utilização do telefone.
Em finais dos anos 90, e durante muito tempo, a Rádio Moçambique emitia regularmente um anúncio em que
aconselhava os ouvintes a serem breves nas chamadas telefónicas porque estas constituem divisas ao País.
O segundo aspecto que pretendemos realçar, mais ou menos relacionado com atendimento pelo telefone, na
essência pode ser incluido como o quarto meio de comunicação. Trata-se das relações públicas em geral, isto é, do
relacionamento da empresa com o público, o qual em geral se processa ao balcão ou em compartimentos apropriados,
quer para prestação de simples informação, quer para a realização de operações correntes de compra e venda.
O modo de atendimento ao público joga um papel decisivo na política comercial de uma empresa. A indumentária
apropriada, a cortesia, a polidez e o asseio devem ser o apanágio dos trabalhadores afectos ao contacto directo com o
público.

41
"Wait a moment please", ou “hold on please”

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NOÇÕES FUNDAMENTAIS DE COMÉRCIO - 2ª Edição (Rascunho)

As empresas devem, neste aspecto e talvez com prioridade em relação a outros meios de comunicação, fazer
programas de formação e reciclagem. Há muitos aspectos a considerar. Destacamos os seguintes como simples
exemplos:
- O trabalhador deve estar de pé quando atende o público, a menos que a natureza do trabalho que realiza exija
sempre tomar notas ou preencher documentos e fichas.
- Deve apresentar-se discreta e decentemente vestido de acordo com a época, os hábitos e padrões de indumentária
e cultura do seu país.
- Deve mostrar sempre uma cara de boa disposição, isto é nunca deve apresentar-se ao público com aspecto
carrancudo e testa franzida.
-Numa grande empresa, supermercado por exemplo, é de boa norma o pessoal de atendimento estar devidamente
uniformizado em termos de indumentária.
-No mundo dos negócios costuma dizer-se que o cliente tem sempre razão.
Se houver motivos objectivos para uma chamada de atenção ao cliente não se deve discutir em público ou ao
balcão. Convida-se delicadamente o cliente para uma sala ou gabinete interior da empresa.
-Ao lidar com o público o trabalhador não deve fumar e muito menos lançar baforadas de fumo para a cara do
cliente.
Estes são princípios gerais de comportamento face ao público. Há questões específicas do domínio da psicologia e
técnica de vendas que não cabem num texto de "Noções Fundamentais de Comércio".
Para efeitos de ilustração sejam dois exemplos de comportamento anormal de um cliente que exige uma acção e
política comerciais adequadas:
Num supermercado uma senhora foi vista a meter furtivamente na sua carteira um perfume de luxo. O acto foi
registado através de um dispositivo interno de câmaras televisivas.
Ao chegar ao caixa para fazer o registo e pagamento das coisas que escolheu e meteu no carrinho de rodas, a
cliente não declarou que também queria pagar o perfume que já tinha guardado na carteira. Então duas atitudes podem
ser tomadas pela empresa:
a) Se é uma cliente habitual e sem antecedentes de furto é boa política comercial instruir-se o caixa para "fechar os
olhos" e deixar passar a senhora.
b) Se não é uma cliente do supermercado, o caixa deve perguntar delicadamente à senhora se deseja que o
perfume também seja incluido na conta ou que se mande a factura a casa.
Face à questão, ou ela aceita a proposta e o assunto fica arrumado, ou tenta mostrar uma certa estranheza; se a
cliente considerar a proposta insinuosa e insolente, o caixa só tem que, sempre de bons modos, convidar a senhora para
uma sala onde lhe possa ser exibido o filme que registou o furto.
O essencial é que não se faça alarido na zona dos caixas. Deve notar-se que as estatísticas indicam que os roubos
são frequentes em supermercados. Trata-se de pequenos objectos de reduzido valor que não tem peso significativo no
volume de vendas. Montar um equipamento de vigia ou organizar uma boa e visível equipa de vigilantes desencoraja os

S.M./FE/UEM/2003 129
NOÇÕES FUNDAMENTAIS DE COMÉRCIO - 2ª Edição (Rascunho)

furtos, reduzindo-os de tal modo que a empresa pode, com vantagem para a sua política comercial, permitir-se ao luxo de
deixar passar os furtos ocasionais e agir só em relação a maníacos e reincidentes. Mas agir sempre com delicadeza.
O segundo exemplo relaciona-se com um caso que se passou no restaurante de um hotel de 4 estrelas. Um grupo
de 5 clientes, à hora do jantar solicitou a ementa de bebidas. Um dos elementos pediu um vinho francês de marca
chamado “boujeaulais”, mas estava decidido a pôr à prova a utilidade do hábito da maioria dos bons restaurantes
deitarem no copo um pouco do vinho escolhido para que o cliente confirme se é ou não é o que pretende beber.
Ao terminar o ceremonial da prova o cliente voltou-se para o empregado de serviço, abanou a cabeça e num tom
de muita convicção e tez franzida afirmou que o vinho não era “boujeaulais”, “está falsificado!”, disse. O empregado foi
informar ao chefe de sala sobre o que se estava a passar, o qual veio de imediato à mesa dos clientes apenas para pedir
muita desculpa sobre o sucedido; afirmou depois que aceitava a reclamação e que pedia que provasse o vinho de uma
outra garrafa da mesma marca.
O ritual da prova foi repetido e desta feita o “provador” mostrou-se muito simpático e sorridente tendo rematado:
“este sim, é original!”. O moral da história é que o hotel, com a decisão polida e de alta qualidade em termos de
marketing, ganhou bastante em dar razão ao cliente42, ainda que se tenha apercebido que o grupo apenas quiz fazer
paródia, i.e. ver como é que é !

Terminamos este ponto com breves considerações sobre a ética em geral. Há muitas maneiras de
ver o problema da ética. Na disciplina de Propedêutica Comercial e Financeira estamos interessados em
estudar o comportamento dos agentes económicos e de todos intervenientes no comércio, no quadro do que
se intitula de "Relações Públicas" tendo em vista a melhoria do chamado atendimento público. Foi a
abordagem que fizémos até agora.
Contudo, há todo o interesse em ter uma visão mais ampla da problemática da ética. Suponhamos
então que queremos fazer uma investigação destinada a avaliar as implicações da transmissão e propagação
do virus HIV/SIDA numa população escolar que nunca ouviu falar do assunto, mas que tem revelado
índices muito elevados de contaminação. Para o efeito escolhemos uma amostra de 50 estudantes de uma
escola secundária e dividimo-la em duas partes de 25 alunos cada.

A um grupo damos ensinamentos de prevenção e combate ao virus; ao outro grupo não


transmitimos nenhuns conhecimentos sobre o assunto, isto é, ignoramo-lo pura e simplesmente. Passado
um ano, voltamos à escola e, com recurso a testes apropriados, recolhemos os resultados da observação nas
duas subamostras, fazemos um tratamento estatístico-econométrico adequado e traçamos uma estratégia de
ensinamento, prevenção e combate ao HIV/SIDA para toda a escola. Alguns dos problema que se colocam
podem ser os seguintes:

42
Pelo menos todos os 5 elementos do grupo, pelo preço irrisório de um “boujeaulais”, publicitarão o hotel,
contando pela vida fora a história que protagonizaram

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NOÇÕES FUNDAMENTAIS DE COMÉRCIO - 2ª Edição (Rascunho)

· Mesmo que seja a título experimental, até que ponto é correcto privar um dos grupos de
ensinamentos sobre o vírus?
· É possível um investigador manter uma atitude de neutralidade ou insensibilidade perante um
tal tipo de exclusão?
· É humano utilizar-se jovens das escolas para fazer este tipo de experiência
Estas questões entram pois no domínio da ética em geral. Portanto a problemática da ética surge
sempre quando o investigador tem que penetrar no foro íntimo das pessoas. É assim que muitas associações
profissionais possuem um código de conduta ética que é de aplicação obrigatória (v.g. os médicos têm a sua
deontologia profissional bastante realçada através do juramento que prestam logo no momento em que
recebem os diplomas de graduação).
A Economia, a Gestão e a Contabilidade pertencem ao ramo das ciências sociais; todas elas
afectam de uma maneira ou de outra a vida do Homem, interferem nos seus direitos, bem estar e
privacidade. Por isso, uma regra de ouro na pesquisa em áreas sociais é garantir-se o consentimento prévio
das pessoas que vão ser objecto de observação e análise.

Há muito boa gente que usa os termos ética, moral (mesmo a religiosa) e valor (no sentido de
juízos) como sinónimos; estão no seu direito de o fazer na medida em que as definições e os limites do que
consideramos ética são difíceis de traçar. Talvez o princípio geral de que "A LIBERDADE DE UMA
PESSOA TERMINA ONDE A DE OUTRA COMEÇA" consubstanciada no cristianismo sob a forma
de "AMA O PRÓXIMO COMO TE AMAS A TI PRÓPRIO" sublinhe bem o conteúdo da ética geral a
que nos reportamos até agora.
E assim já estamos em melhores condições de compreender a importância do que no início da
secção chamámos métodos de comunicação com a sua componente crucial de relações públicas. Qualquer
instituição ou empresa comercial, nas suas relações com terceiros, deve preocupar-se em praticar e
desenvolver uma conduta ética que esteja de acordo com os padrões de cultura geralmente aceites no
ambiente em que está inserida.
Uma questão adicional: A problemática da ética ultrapassa nos nossos dias a dimensão humana.
As questões éticas surgem mesmo em relação a experiências com animais irracionais, sejam elas de que
tipo forem, genéticas ou de simples observação dos efeitos da aplicação de novos medicamentos.

S.M./FE/UEM/2003 131

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