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MARJORY LINCOLN

DEIXO VOCÊ TENTAR


SÉRIE OS COVERICKS

LIVRO QUATRO
Todos os direitos reservados.
2017/11

AUTORAMARJORYLINCOLN@GMAIL.COM
FACEBOOK.COM/ESPEROVOCEVOLTAROLIVRO
WWW.MARJORYLINCOLN.COM.BR
Símbolo ‘a cúpula’
PRÓLOGO

"Chegará o dia da tormenta na sua vida menino! Você não me conhece, mas eu conheço você. Eu vejo
seu interior atormentado, eu sinto o cheiro de sua pele queimada pela tortura, eu vejo a crueldade no
seu coração, mas não vejo culpa. Pedro não está comigo, mas sua alma ainda luta para voltar e se
vingar de você.

Para proteger a menina descalça foi impiedoso, e anos mais tarde não hesitou ao fazer tudo
novamente. Sua cria será pior, crueldade, impiedade, e racionalidade serão seus sobrenomes. Ela vai
querer ser melhor que você, e será. Mais forte, mais disciplinada, mais inteligente, e intuitiva, e sua
lista negra será extensa. Fará de tudo para conseguir o que quer e terá. Vai matar por dinheiro e o
prazer de fazer “justiça”. Vai ouvir mais a cabeça do que o coração, e a única pessoa que poderá
trazer de volta sua completa sensibilidade, e transformar seu coração, é o homem que vai querer a
sua ruína. Precisa estar com ela, precisa aceitar quem ela é, uma cópia mais aprimorada do próprio
pai e avô. Peculiar, talentosa, completa; Se á renegar ela morre, se tentar alterar o rumo de seu
destino, ela morre, se ajudá-la, ela morre, e se a desviar de forma direta ou indireta do caminho que
ela deve andar, ela morre. O destino agora é uma velha impaciente. A menina com nome de pedra
preciosa é minha filha enviada para ajudar a sua, você cuidará dela com amor e ela será sua
prioridade, até crescer e atingir a maioridade. Se ela partir, Catarina morre, se ela morrer, Catarina
também morre.

Essa minha filha que nos serve de intermediadora, vai se juntar á mim dentro de pouco tempo, e é
necessário que você não deixe ninguém mudar isso, principalmente o caçador que ela tanto ama. Ela já
fez muito por todos vocês e agora eu permito que descanse ao meu lado. Todos os erros que você
cometer, custará á vida da menina com mania de posses, e nada você poderá fazer para mudar isso.
O destino do soldado caído, do caçador das almas que gritam, e da mulher por quem o coração
baterá eternamente por você, está em suas mãos. A paz que sua família tanto deseja estará nas mãos
de Catarina, a menina cuja natureza sentiu sua chegada. Ela será poderosa, obstinada, invencível, e
letal, e precisará ser exatamente assim. Homem nenhum precisará protegê-la, muito menos você. Assim
como é hoje, ela será auto-suficiente e não temerá pela própria vida, mas vai salvar a de todos se a
velha tiver senso de justiça.

É importante que não diga á ninguém o que ouviu, nem todo mundo suportaria ouvir o que o destino
os reserva. O destinatário é você, então sobreviva. No fim, todos lutarão juntos, você reviverá o
passado sombrio e mais uma vez verá a morte de perto. E não se esqueça: se algo mudar, Catarina
me fará companhia aqui, lutará em meu nome em minhas guerras celestiais e você passará pelo luto
engaiolado como um pássaro, impedido de voar pelo resto de seus dias."

Profecia que Jade revelou a Tay, alguns anos antes.

O barulho que o salto agulha da feiticeira faz ecoa por todo o salão retangular. Parece que o
mármore negro fora feito para ela passar. A própria personificação da sedução e sensualidade.

— Preciso falar com ela!

Rubi resmunga ao irmão, mas Miguel apenas sorri com ironia. Estava claro que a irmã ainda não
entendia que sua chefe, mesmo sendo também, uma amiga e irmã, era intocável, e na maior parte
do tempo a cabeça de toda a equipe, nunca mistura o pessoal com o profissional, e antes de
companheira era sua líder. Não era assim, “preciso falar com ela”, que as “portas se abririam”.
Para ela parar de trabalhar, o motivo da conversa deveria ser de extrema importância, mas Grim
não sabia disso, ou pelo menos se recusava á lidar com isso.

— Está em uma reunião com Fred!

Miguel solta seu peso no apoio da cadeira e mede a irmã de cima á baixo. Suas roupas
extremamente justas e curtas, não dizem muito á seu respeito, pelo menos não de toda a realidade.
Sua irmã era mais do que um corpo perfeito.

— Fred voltou???

Ela questiona, mas não estava surpresa. Era óbvio que ele voltaria. Ele era capaz de lidar com a
cúpula e sair de lá vivo, Fred era...

— Voltou, e já recebeu outro pacote. Um milhão e meio foi depositado na conta da organização, e
mais dois serão depositados ainda essa noite.

Miguel diz. Ele mesmo estava impressionado e apostava todas as suas fichas de que a irmã
também estava. E ela estava mesmo.

— Quem é o alvo???
Ela pergunta animada, mas não teve tempo de ouvir a resposta de Miguel. Logo as portas ovais se
abriram, e a reunião — á dois. — parecia ter chego ao fim.

— Ei... ainda viva!

Fred exclama ao cumprimentar a irmã com um toque sutil no ombro, seu cumprimento de praxe. Se
ele tivesse super-poderes, poderia ouvir que o coração de Rubi estava acelerado. Se ela soubesse
quem realmente ele era...

— Ainda viva. Bom ver você!!! — Ela responde em reflexo fazendo o mesmo movimento e sorri
sozinha — Preciso de uma reunião também...

Ela ironiza e sua irmã toca seu rosto com gentileza. A bela jovem não sabia o porquê tinha uma
irmã tão diferente. Deveriam ter o mesmo jeito de lidar com a vida, foram criadas juntas,
teoricamente pelos mesmos pais. Catarina ao contrário dela, era séria demais, fechada, e suas
roupas pareciam fardas. Calças jeans, escuridão, botas, e praticidade. Não importava o dia e a
hora. Catarina nunca respirava, estava sempre pronta para matar, sempre pronta para eliminar
problemas e era difícil não “achar” que precisava tomar cuidado com sua postura ao lado dela.
Parecia que bastava um movimento errado, e sua líder estaria com sua arma prateada apontada
para sua testa. E ela suspeitava disso do mesmo jeito que suspeitava que raízes de Amarãs demais,
causavam uma enxaqueca de longa duração, por muitos dias, meses até. E nenhumas das hipóteses
ela testaria.

— Teremos uma, assim que concluirmos a próxima missão.

Catarina diz e encara Miguel dando a deixa.

— David Nobre. Trinta e cincos anos, pai de dois filhos, traficante, e estelionatário. Deve uma nota
alta para a cúpula...

Miguel disserta as informações para a equipe. Passou a noite anterior toda em uma balada no
centro, mas como sempre não demonstrava cansaço nenhum.

— Melhore nas informações, quero clareza, ficha completa e objetividade, Miguel!

Sua líder diz e ele gira a cadeira para encará-la.

— David Nobre. Trinta e cincos anos, pai de dois filhos, uma de quatro anos e um moleque de
nove. Traficante, e estelionatário. Deve uma nota alta não só para a Glenda, mas pra muita gente
da cúpula. Estamos falando de golpes altos, golpes em colarinho branco, laranja em lavagem de
dinheiro, o segundo melhor em falsificação porque o primeiro sou eu, obviamente, e se o pegarmos
primeiro, o valor do prêmio aumenta. É agressivo, não é assassino, mas é bom em desaparecer, e
paga bem seus seguranças. É blindado. Alvo complicado. Está começando a dar dor de cabeça
para os nossos negócios.
Miguel diz em submissão e Fred se aproxima da enorme tela que mostrava as informações
enquanto Miguel falava, ao mesmo tempo. Tecnologia paga com dinheiro das encomendas.

— Quanto?

Ele questiona e para acatar o que Catarina pediu, Miguel abre o seu arquivo para dar o valor
exato.

— São dois milhões, pouco perto do prejuízo que ele está dando. E isso aqui é o bônus. — Ele
mostra na tela — Não somos os únicos na caçada.

— Tá justo. É nosso!

Fred e Catarina se olham. Eles se comunicavam sem trocar uma única palavra. Aquilo se chamava
cumplicidade e intimidade.

— Abre o arquivo dele na tela morta. Quero saber onde atua, como, e por onde anda. Agora!

Ela diz e Miguel assente.

Caminha novamente até a sala em que se reuniram e ambos a seguem, menos Miguel. Na tela de
última geração — Uma tela gigantesca — os arquivos do alvo vão aparecendo como mágica na
sala de reuniões. O homem charmoso carregava o próprio peso em uma corrente de ouro no
pescoço. Mais um morto. Catarina não lamentava, mas Rubi achava um desperdício.

— Já ouviu falar nele?

Ela questiona enquanto Fred se senta na mesa — Não na cadeira — da sala retangular.

— Não. Nunca ouvi.

Ela escuta sua resposta e liga o viva-voz da sala principal. Miguel respirava pesadamente e
aguardava ordens, como de costume.

— Que lugares ele costuma frequentar?

Todos podem ouvir o barulho do teclado.

— Ele tem uma boate, uma não, várias. Pelo perfil não deve andar por aí à toa. Miragem, que fica
aqui no centro é uma delas, eu e a Grim já fomos tomar uma ou duas lá. Tô mandando o link na
tela... agora...

Ele resmunga acessando o arquivo que a cúpula envia, e as fotos do estabelecimento, endereço, e
o perfil da boate, aparecem na tela.
— Ele é vip na federal???

— Não. Não no momento. Está entre eles, sim, mas não é o principal. O foco dos caras nesse
momento é a lava-jato. Mariano foi solto ontem, e os caras têm uma lista extensa. Nobre pelo o
que tô vendo anda quieto demais. Ano passado quase foi pro saco, mas só ficou no ‘quase’. Tá
tranquilo... pelo menos por enquanto, tá de boa...

Ele termina e Catarina desliga o viva-voz.

— Bom, nesse caso você vai comigo. Sem a federal na cola dele, quero sua ajuda. Terminamos
tudo o mais rápido possível e eu viajo, preciso ver Mariah. — Ela diz e Fred concorda — E você
vai na frente. Já sabe o que fazer. — Ela encara Rubi.

— Explorar e conquistar. E no caso dele, será fácil, é um gostoso!!!

— Um gostoso morto...

Ela resmunga fazendo a irmã rir e liga a TV aberta.

— Um gostoso mortinho. Mais até que o próprio Chong, pago uma floresta inteira pra ele!

Ela fala do funcionário particular de Glenda que já foi da Yakuza e que por milagre conseguiu
sair da organização criminosa do Japão vivo. Ele parecia “querer que Glenda ficasse
constantemente feliz”, era assim que funcionava, se Glenda se decepcionasse com fulano, ele
estaria em uma vala no dia seguinte. Era bem melhor que fossem eles a pegá-lo. Mesmo porque
era feio para uma organização perder o alvo para a outra. Isso manchava demais, perdia clientes
em potenciais, e eram taxados de crianças frangotes. E ninguém queria isso, principalmente
Glenda, — a própria que os passava serviços/encomendas milionárias. — “A chefe”. Pelos menos
Rubi e Miguel a chamavam dessa maneira, mas Catarina e Fred não. Para eles ela só era uma
‘empresa’ para qual prestavam seus valiosos serviços, eram ‘terceirizados’, e seu respeito para com
ela e a cúpula, só ia permanecer enquanto fossem justamente pagos por aquilo que ofereciam. E
não eram os únicos, a cúpula tinha organizações em todos os estados do Brasil, e cada uma atuava
em seu território e só em São Paulo tinha mais duas. A não ser que o serviço fosse especial, (em
caráter de extrema urgência), aí então viajavam e se reuniam. O que era bem comum. Sempre
eram chamados para limpar a sujeira que eles não conseguiam limpar fora de São Paulo. Sempre.

Fred era da seguinte opinião: Sua irmã não deveria chegar perto de Shong. Ele, o homem sem
coração, amava sua família, amava e respeitava Catarina, e tinha um enorme carinho pelos irmãos
Miguel e Rubi. Prezava pela segurança deles, e se preocupava. Mas nada o excitava na vida, a
não ser sua conta bancária, sendo assim não se via na obrigação de querer tomar conta da vida
da irmã.

O próprio teve a esposa arrancada de seus braços por vingança e nunca mais esqueceu aquele
encapuzado, nem aquela tatuagem da folha de maconha em seu pulso. E ele nunca esqueceria, ia
se vingar, e passava seus dias planejando e calculando todas as possibilidades. Estava preparado
para qualquer coisa, e Miguel o ajudava nisso. Cada alvo que recebiam para eliminar era
minuciosamente estudado. Todo o seu corpo. Se tivesse uma tatuagem de folha de maconha no
pulso, seria morto de forma cruel, gratuitamente.

E os irmãos sempre o apoiaram, objetivo número um da equipe era encontrá-lo, protocolo número
um em campo era: antes de matar, olhar os pulsos. Até mesmo se tivesse qualquer tatuagem na
região, que supostamente fizera a cobertura do desenho, seria investigado e Fred seria acionado.
Ele se lembrara dos olhos por debaixo do capuz, e podia se lembrar do cheiro dele também.

Seu aspecto desleixado, olhar penetrante, aquela impressão de que precisava ser cuidado por ela,
sua mania de ser turrão e teimoso sempre que podia, sua forma de lidar com os alvos nas missões,
sua fidelidade a equipe, seu sorriso raro, e seu jeito protetor e respeitoso para com todos,
deixavam a irmã úmida e derretida. Mas como era possível um homem sem coração, amar? Não
era. Simplesmente não era. Rubi amava Fred sozinha.

Fred havia aprendido atirar com o pai policial e desde os vinte anos, depois que o pai faleceu,
matou um assaltante por legítima defesa que andava esgueirado pelo muro mal rebocado da
subida do Diná, a rua de trás da sua casa, em Niterói. O assunto se espalhou na comunidade, era
incrível o fato de premeditar a atitude do bandido, e graças á Deus, ele era procurado pelo
cabeça do morro. Fred fizera um enorme favor sem saber.

Sem dinheiro, sem expectativa, sem seu emprego, sem seus pais, e se sentindo perdido, recebeu a
proposta que seria a divisão de sua vida, em antes e depois, e então conheceu Paula, e então a
perdeu por isso.

Era simples, recebia um nome, uma foto e uma localização em um papel, eliminava com discrição, só
pegava alvo difícil e depois de voltar com a prova em formato de foto no celular, tinha o dinheiro
das compras de casa por meses. Boa coisa para quem não tinha ‘coisa nenhuma’. Mas o dinheiro
“fácil” trouxe inimigos demais, e então passou á ser o alvo de outras comunidades. Era muito bom,
talentoso demais, nunca errava o alvo e por isso virou um. Foi avisado uma, duas vezes, três vezes,
mas na quarta, Paula pagou o preço e ele nunca se perdoou por isso. E nem ia.

Mas de todos os atentados contra sua vida, um foi — Diga-se de passagem — “especial”.
Recebera depois de anos a ligação de Jon, o amigo de sua mãe, dizendo que uma garota especial
o procuraria. Que era para protegê-la, tratá-la bem, ser paciente e levá-la até Manaus. Avisou
que não seria fácil e realmente não foi. Mas depois do que ela fez naquela tarde de outono
coberta por vento e garoa em um café no centro do Rio, o que ele fez para retribuir não significou
“nada”.

— Se eu fosse você, não tomava esse Whisky.

Ela se aproximou da mesa, disse isso como quem não queria nada e em voz baixa, e antes de
levar o copo á boca, Fred o levantou na altura dos olhos á tempo de ver um pequeno tsunami de
comprimido se desmanchando dentro do copo. Por isso olhou bem para a garota de pé ao seu
lado, e prometeu aos deuses que enquanto tivesse vivo, devia a sua vida á ela. Aquele —
Literalmente — anjo que não tinha obrigação nenhuma, tinha um coração, coisa que ele mesmo nem
tinha. E o salvou. E então a levou até Manaus sem aceitar a pequena fortuna que a garota havia
juntado para chegar a seu preço, passou pelo teste — Pesado — da cúpula junto com ela, e os
dois, juntos, como um time, conquistaram a ganância dos colarinhos brancos de Manaus, ex-chefes
de seu pai e sua mãedrasta Laura, e em troca de informações confidenciais sobre o pai dela e o
melhor trio de assassinos daquela época, ambos prestariam seus serviços para a cúpula por um
ano, e então, um ano virou muitos. Óbvio que eles sabiam que a menina Coverick ficaria, e ela
ficou. E então Fred, o descendente de ciganos sem sentimento, ficou por ela, não por amor, mas por
algo maior: Lealdade.

Ninguém acreditava que aquela jovem de quase vinte anos — Na época — era uma total
inexperiente. Precisou desarmar, lutar com mais de cinco homens, fugir de uma sala trancafiada,
invadir o sistema da própria cúpula, e matar. E passou por todos esses testes graças á seu pai, sua
madrasta, Jon, viagens para os templos de budismo e aulas de artes marciais no Japão para
aprender a lutar e meditar, e claro, seus treinos pesados desde criança; Por isso passou pelos
testes sorrindo.

Mas ele não, ele só precisou fazer o que fazia sempre... É que nela viram algo que só um
Converick tinha e precisaram elevar o nível de teste só pra ter certeza: determinação,
agressividade, inteligência, força, e sangue frio. Tal pai, tal filha. Mas naquela noite Catarina foi
além nos resultados do teste do próprio pai, ela conseguiu o que ele nunca conseguiu, subir no
conceito de todos e ser desejada à qualquer custo. E foi por isso que pela primeira vez na história,
Glenda aceitou contar tudo sobre o pai para a filha, abrir a ficha dele e os registros na sala de
arquivos e para tê-la em sua organização, ela teria dado qualquer coisa que ela pedisse; mas só
o que ela queria... Era saber. Saber o que o pai dela, Laura, e o finado Tiago faziam no passado.

E depois de tudo aquilo, Fred fez Catarina esconder sua real identidade e os irmãos não sabiam
quem ele realmente era. Só não sabia que sua “irmã” se apaixonara por ele, Fred não notava.
Não tinha olhos para ninguém desde que Paula se fora e sabia que nenhuma outra mulher entraria
no lugar onde um dia foi dela. Catarina era irmã de alma e ali nenhuma mulher esteve antes, nem
mesmo Paula. Gostou da garota metida-á-sabe-tudo logo de cara e tinha certeza absoluta que
ninguém ia superar o que eles tinham, afinal, para aquele tipo de amor não era preciso ter um
coração, era só preciso estar vivo.

“ — Eu estou entregando a administração da delegacia de polícia Federal do estado de São Paulo em


ótimas mãos, William Castro é extremamente competente e está preparado para assumir esse cargo
que..."

A TV mostrava Diógenes Portela dando entrevista para os canais de TV e Jornais da região.

— Diógenes caiu! Como Glenda prometeu. Me pergunto até que ponto aquela mulher permanece
aliada á alguém...
Fred resmunga sozinho e Catarina ri irônica.

— Ela é aliada enquanto você não pisar no calo dela. Diógenes era honesto demais para ficar no
cargo.

Ela argumenta e ele concorda mudando de assunto.

— Precisamos de artilharia prática, pequena, mas pesada...

Separava armas de pequeno porte da sala de munição.

A casa da equipe ficava no centro de São Paulo, La Galerie, uma construção antiga, um museu
comprado com dinheiro dos Covericks e era dali que saía as festas de Miguel, poupança de Fred,
vestidos de grife de Rubi e fundos para a casa de apoio das crianças que Catarina amava mais
que tudo no mundo. Luiza era boa no que fazia e ainda melhor, era discreta. Gerenciava a parte
financeira e Catarina não podia reclamar da tia. Ainda restava união naquela família, não na sua
casa, mas na família de modo geral ainda sim.

Quem entrava, via uma estrutura estilo colonial, de teto alto — museu/Galeria. — Independente e
que dava oportunidades á artistas ali do centro mesmo, que de outro modo não viam
oportunidades ‘largadas’ nas esquinas das galerias famosas da 25 de Maio.
Catarina ajudava, era isso que ela fazia, ajudava quem precisasse, não importava o tipo de ajuda,
se fosse justo, ela compraria a briga. Desde apagar o estuprador que morava ao lado, como já
fez, ou até mesmo ir ao mercado na rua de trás para fazer uma pequena compra para a dona
Silvia, a moradora da calçada do metrô da República... podia ser amiga, ombro amigo,
conselheira, ou sua pior inimiga, você podia escolher.
Mas dar essa força para os artistas parceiros e conhecidos, não era totalmente “caridade”. Além
de amar esse mundo, a sua galeria escondia o cartel, bem abaixo do espaço de arte estava seu
esconderijo. Só tinha acesso por um código de número extenso no elevador que dava acesso á
cinco andares, ou — Com a senha — sete andares, melhor dizendo.

O subsolo ‘Z’ era a sala de Miguel e tinha todos os seus equipamentos.


O laboratório onde fazia seus trabalhos, — Ele podia falsificar qualquer documento, entrar em
qualquer lugar, estar em qualquer profissão, e seu trabalho deixava seus irmãos impressionados.
— a sala de artilharia, e a sala de reuniões onde eles discutiam, e era lá que estava a tela morta.
Qualquer pessoa que aparecesse naquela tela, ambos poderiam garantir: estaria no outro plano
em pouco tempo. E no andar de baixo, chamado por eles de “quarentena” por motivos óbvios,
tinha um cômodo tão amplo quanto o ‘Z’. Por isso tinha dois quartos com camas de casal, uma
cozinha, copa, banheiro, e uma sala de TV, o menor cômodo. Era Fred que ocupava fixamente um
dos quartos, e de vez em quando Rubi e Miguel revezavam nas noites de plantão sendo que
Catarina dividia sua semana em dormir na associação, no Sul, ou raramente no seu pequeno
apartamento no centro, perto da delegacia.

O Quartel era acolhedor, confortável, e tudo o que Fred tinha. A galeria funcionava por dentro da
lei e era rentável. Dava dinheiro sim, era lindo, recebia visitantes constantemente e tinha uma
administração profissional. Investimento forte que evitava dor de cabeça.

— Tudo em ordem. Cadê a Grim?

Catarina questiona afivelando o cinto de facas extras na cintura por baixo da blusa, coloca
algumas bombas de efeito moral no bolso interno de seu colete, e Fred nega. Ela checa o pente de
sua melhor amiga prateada, e coloca um extra no cano de sua bota.

— Foi se arrumar, aposto.

Miguel se junta á eles na sala de munição e aguarda de pé. Ficaria a postos para passar as
informações que eles precisassem.

— Teste o ponto, Miguel.

Ela ordena e ele aperta o botão do dispositivo na sua própria orelha.

Nesse mesmo momento ambos escutam o som da voz dele nos próprios aparelhos. Funcionamento
ok.

— Rubi.

Catarina apenas diz e todos escutam sua resposta vinda da quarentena.

— Tô subindo. Sou linda, mas preciso de uns minutos para ficar realmente gostosa. Hoje o trabalho é
em uma boate, não precisamos vestir aquele macacão negro que me faz parecer uma freira, e que só
mostram meus olhos, vou sair da seca...

— E desde quando você fica na seca? — Fred zomba.

— Não dou uma faz uma semana. E sim, isso é muito pra mim...

— Sabe que seu trabalho não é transar, não é garota?!

Catarina chama a atenção da irmã. Ela não entendia o porquê sua irmã era tão devassa.

— Meu trabalho é o melhor do mundo. Eu me satisfaço, e depois de gozar, mato. Quer trabalho
melhor do que esse??? Deveria experimentar maninha, se soubesse como é, não viveria sempre tão
estressada.

— Viúva negra... — Fred ri.

Um minuto depois o elevador se abre relevando uma morena de cabelos longos e negros,
maquiagem caprichada com um batom vermelho, vestido curto preto, com um decote bastante —
Bastante mesmo — chamativo, e saltos bem altos.
Barriga reta, seios fartos naturalmente, bumbum empinado, sorriso perfeito... Até vestida de
mendiga faria sucesso. Viva suas aulas de danças e corridas ao ar livre nas horas vagas.

— Cadê as armas? — Fred a repreende.

— Cada um dá o que tem de melhor. — Ela pisca — Bem aqui, — ela toca os próprios seios e
Catarina levanta uma sobrancelha ao fitar a irmã. — tem uma cápsula de uma erva que te leva
pro inferno em dois minutos, ou pro paraíso com minha deusa, depende muito do que você fez... e
aqui, — ela joga os cabelos para um lado só e consegue ser sexy com um gesto corriqueiro. —
tenho um pequeno grampo especial by Miguel ching-ling, posso entrar em qualquer lugar, te deixar
cego, torturar ou fazer um estrago na sua aorta, faz uma sujeira, mas resolve.

Ela diz com sua voz naturalmente sexy e nesse momento Fred e Catarina adentram o elevador.

— Eu vejo vocês daqui a pouco!

Miguel diz do lado de fora. Também viu seus pais serem mortos diante dos seus olhos. Era muito
pequeno e não se lembrava de tudo, mas sua assassina era uma mulher. Fora escondido debaixo
da cama e viu apenas os saltos das botas pretas. Mas já era alguma coisa. Não buscava vingança,
pois sabia que não era possível, mas odiava aquela mulher com todas as suas forças, e a
amaldiçoava toda vez que se lembrava, e lembrava demais. Só o que restou foi uma carta em
japonês de seus pais, que já sabiam que a qualquer momento morreriam, pois estavam sendo
ameaçados. A carta dizia que ele sempre seria amado aonde quer que eles estivessem, e que
desejavam que ele fosse um jovem feliz, de caráter, e que fosse generoso com todos á sua volta.
Miguel então, teve muita sorte em ser adotado por Laura e ter ganhado quatro irmãos incríveis de
brinde. Mariah, Catarina, Rubi e Fred.

— Contamos com você pra isso!!!

Fred responde, toca o ombro do irmão, e ele recebe um trio de sorrisos antes do elevador se
fechar.

O caminho até a boate não seria muito longe. Sairiam pelo andar de cima da galeria, cuja porta
de ferro maciço dava saída para a rua de trás do museu, onde quatro carros estavam
estacionados.

— Miguel, me passe detalhes do perímetro...

Fred pede enquanto dirige e Miguel responde em seguida passando as imagens para a pequena
tela de LCD de todos os carros.
— No quarteirão da boate eu tenho prédios abandonados, restaurantes e lanchonetes, algumas
boates, uma igreja... o prédio azul que tem um letreiro escrito “Inova” não tem civis. Está livre, mas
acho que em obras. É uma imobiliária! No outro quarteirão a mesma coisa. Comércios, mais boates,
apartamentos...

— Qual a distância do departamento de polícia mais próximo? Quanto tempo teremos se algo de
errado acontecer?

Catarina se preocupa. Fred era procurado pela policia militar do estado do Rio, e sempre se
preocupava com sua segurança.

— Dá uns 650 metros. Isso nos dá mais ou menos uns cinco minutos de vantagem.

Ele informa e Catarina não fica nada satisfeita, mas ela sabia que dariam conta.

Rubi chega na frente, ignora a fila de entrada e atravessa a calçada indo em direção á entrada
privada na lateral da boate.

— Vocês podem entrar... vou para o prédio da imobiliária cobrir a retaguarda. Se ele sair de lá
vivo, e pela porta da frente, é meu.

Fred diz se adiantando assim que ele estaciona mais á frente, e desaparece sem deixar rastro. Ele
era bom nisso. Rubi o encara por um momento, já do outro lado da rua, respira fundo, e entra na
boate com toda a sua classe.

— Nossa! Quanto tempo...

Um dos seguranças resmunga ao se aproximar dela.

— Oi, Felipe.

— Fica muito estranho perguntar o por quê nunca mais me ligou?

— Fica. E você já sabe a resposta! — ela encosta seu corpo no dele e sorri. — Enquanto eu não
precisar, desapareço. Se tiver algo que puder fazer por mim, te procuro e aí te recompenso. Já
disse isso. Proibido gamar bebê!

Ele ganha um selinho e depois as suas costas.

— Tequila!

Ela diz assim que se senta no balcão e pisca para o barman.

— Já entrei. Tô bem atrás de você. Vou dar uma analisada e escolher uma mesa pra ficar.
Rubi escuta a irmã e sorri respondendo ‘ok’.

A balada estava lotada e a música incrivelmente alta. Era um risco aquele tipo de missão feita em
lugar lotado de civis, mas ela não estava nem um pouco nervosa, pelo menos aquela missão seria
tranquila para ela. Homem bonito, rico, poderoso, e charmoso: alvo especialmente direcionado á
Rubi. Assim como gangues eram direcionadas para Fred e Catarina; Políticos também para Fred,
justamente por ser o melhor franco-atirador do país. (E era representante pessoal de Catarina
para lidar diretamente com a cúpula.); Espionagem para Rubi e Catarina; Militares de forma geral,
— ou civis com porte de arma em potencial — para Catarina; E Miguel, encarregado dos
documentos falsos, acesso à qualquer sistema, conseguir as parcerias para ter as portas de
qualquer lugar abertas, e também era um ótimo lutador que amava facas e punhais de todos os
tipos, até coleção fazia. Tudo na sua devida ordem. Cada perfil com sua especialidade, assim a
margem do sucesso era sempre alta. Ideia da líder.

— Será que ele demora para aparecer, hein?! Se demorar, vou procurar.

Rubi diz matando sua tequila.

— Primeiro plano da espionagem padrão: Contar com o acaso. Segundo, seguir as pistas de Miguel e
rastreá-lo. Por hoje, contamos com o acaso. É sábado, a casa tá lotada, ele estará aqui. Ele é
indecifrável, a cúpula nem sabe se ele tem residência fixa, deve ser impossível saber, então
provavelmente fica pulando de boate em boate... Precisamos ter calma, ninguém além dele e seus
seguranças tem que sair daqui mortos.

Catarina diz, e Rubi relaxa olhando em volta após pedir mais uma dose. Dez minutos depois o alvo
é visto.

— É ele. Entrando pela porta grande nos fundos.

Ela diz e Rubi encontra seu alvo.

A casa era realmente toda escura, parecia que as paredes eram pintadas de preto. Um luxo. Mas
aquelas luzes de baladas instáveis que doíam as vistas de quem não estava acostumado, ajudava
um pouco. Os vitrais charmosos no teto também amplificavam a luz branca, então Rubi podia ver.

— Tá no papo.

Rubi diz, pede uma dose de vodca, e levanta.

— Miguel, desliga o retorno dela para ela não ficar ouvindo o nosso papo. Ligue quando for
conveniente.

Catarina pede.
— Feito.

Rubi caminha vigorosamente, mas antes de esbarrar acidentalmente em David, e virar sua bebida
em sua camiseta como planejava mentalmente, Felipe a aborda de supetão.

— Ei, gata... fala comigo. O que eu preciso fazer para ter você hoje?

Ele diz pegando em seu braço e Rubi rosna.

— Depois conversamos, preciso ir ao banheiro! Me deixe em paz!!!

— Fred, entra! Esse babaca vai foder com a missão. Preciso ficar de olho nela, venha cuidar dele!

— Tô indo.

— Vou esperar você lá na porta. Vai me encontrar?

— Não, agora não, talvez mais tarde. Agora me solta!!!

— Não tô nem um pouco afim. Você está brincando comigo, só pode! Tá fazendo doce por quê???
Sei que tu gostou da última vez!

O rapaz insiste, aperta seu braço, e Rubi pensa em matá-lo ali mesmo, mas se fizesse isso, tudo ia
por água á baixo.

— Algum problema aqui?

David vê a cena e se aproxima. Estava perto deles o suficiente. Rubi quase o alcançava quando
Felipe interrompeu.

— Senhor David...

Felipe resmunga e se assusta.

— No treinamento não aprendeu como se tratam os clientes? Não aprendeu nada em casa? Não
se trata uma mulher assim... — ele diz parecendo segurar o inferno dentro de si e o segurança
engole uma bile com dificuldade. — Você está liberado por hoje, pode ir embora!

Felipe obedece e ele se aproxima de Rubi.

— Você está bem, gata?

Ele sorri olhando em seus olhos e Rubi finge engasgar.


— Só um pouco assustada, seu funcionário não sabe ouvir um ‘não’ como resposta. Achei que ele ia
acabar me machucando. Que bom que você viu tudo! Obrigada!

— Eu sempre vejo tudo. — Ele sorri — Como um pedido de desculpas aceitaria tomar um drinque
comigo? Se não estiver acompanhada, claro! Terá o barman á seu dispor, qualquer bebida por
minha conta, aliás, sempre que vier!

Rubi ajeita o cabelo fazendo charme e sorri. David fica duro no ato ao olhar para seu decote. Ele
achava aquela garota, a mulher mais linda que ele já tinha visto na vida. E era.

— Olha eu vou aceitar, vim curtir a noite sozinha, então, vou me aproveitar de sua generosidade.

— David Nobre, dono da casa... — ele estende a mão, ela oferece a mão dela, e ele a leva até a
boca como se estivesse no século passado. — Não vai se aproveitar, é o mínimo que posso fazer.
Assédio é algo que não engulo, principalmente nas minhas casas.

— Prazer David, me chamo Grim.

— O prazer é com certeza, todo meu.

Ele diz com os lábios em sua mão, olhando em seus olhos, e a garota carente fica excitada.

Ele a leva até sua mesa redonda e estofada na parte alta da boate, na última cabine. De lá de
cima podia ver sua irmã se sentando em uma mesa, sozinha. Ele chama um garçom, ela diz que
ainda não bebeu de sua bebida e então só pede pra ele.

— Sua boate é linda...

Ela começa dizendo e então ele toca sua cintura, e a puxa para mais perto.

— Obrigada. Você consegue superá-la e ser ainda mais. Seu brilho a ofusca.

— É mesmo?!

— É.

Rubi se aproxima ainda mais de David e ele suspira ao sentir seu cheiro. Ela analisa seus pulsos
para ver se encontra alguma tatuagem, e leva sua boca na direção do seu ouvido, falando
baixinho.

— Acho que me ceder algumas bebidas, não serão o suficiente para pagar o que fez por mim lá
em baixo.

— Fala sério... — Catarina resmunga ao ouvir aquilo.


— Quer que eu desligue o áudio dela? Quero muito fazer isso. — Miguel pergunta também
incomodado.

— Não. Preciso entrar em cena se algo não sair nos conformes. Preciso ouvir o que eles dizem.

— Imagina. Não fiz mais do que minha obrigação morena linda!!! — David responde rindo.

— Então isso quer dizer que eu não preciso te dar uma atenção especial pela gentileza...

— Só de estar ao seu lado, me sinto agraciado! Você não tem noção do quão linda é!

— Ah! Pode ter certeza que tenho. — Ela ri — Tenho trabalhado minha auto-estima então, tô me
amando cada vez mais! — Rubi fala, riem juntos, e quando parecia que o silêncio ia se fazer
presente, ela não deixou ele permanecer. — Podemos ficar batendo papo a noite toda, mas eu
quero muito pular essa parte. Foi o meu herói hoje... faz tempo que não encontro um!

Rubi fala com jeitinho, os dois começam a se beijar e Fred encontra sua irmã na mesa.

— Está desacordado, é um mané!

Catarina concorda tomando um gole de Whisky.

— Miguel deixa ela me ouvir.

— OK. Pronto.

— Grim, tire ele daí. Leve para outro lugar. Tem dois seguranças dele na ponta da escada
secando vocês. Aí você não pode fazer nada. Pelo menos não sem chamar atenção.

Cat diz e logo escuta sua irmã obedecendo.

— Ei... tem algum lugar mais reservado, aqui?

— Até tenho, mas adoro namorar aqui!

— Entendo o seu gosto delicioso por adrenalina... mas tem uns caras estranhos olhando torto pra cá.
Sou um pouco tímida. — David ri alto e beija seu pescoço.

— Está bem, gatinha... vem comigo! Vou te levar para um dos quartos que tenho aqui. Estou tão
generoso hoje que só para você saber, será a primeira a conhecer meus aposentos!

— Nossa... Estou honrada!

— Isso!
Catarina resmunga e aguarda.

Ele a puxa pela mão, desce as escadas, e entra pela enorme porta no andar de baixo, a mesma
pela qual entrou minutos antes. David sorri para ela ao passar por um corredor escuro e fala algo
no ouvido de um dos seguranças que ali estavam. O corredor se estendia longe, havia pequenas
lamparinas antigas grudadas na parede, e graças á ela, Rubi conseguia enxergar diversas portas
de ambos os lados do corredor.

— Chegamos! Não vou pedir pra não reparar na bagunça! — Ele ri com simpatia e bom humor —
Realmente sou bem desorganizado. Quer beber alguma coisa???

David questiona enquanto Rubi olhava ao redor.

— Não se preocupe, o meu quarto não é lá aquelas coisas. Pode ser um vinho se tiver!

— Tem, é claro! O que você quiser!

Ele sorri e ela lamenta por dentro. David parecia gentil e cavalheiro.

— O que você faz? Além de administrar sua própria boate?

Ela se senta na cama e o fita de costas, servindo sua bebida. Ela sente que David é totalmente
sincero e está entregue.

— Tenho outras casas, vivo disso. E gosto de ajudar algumas instituições. Sou adotado então tenho
um coração mole. Um fraco para crianças carentes!

— Nossa!!!

— O que?

— É bonito o que você faz. Admiro isso!!!

Ela diz, ele estica a taça com vinho, e senta ao lado dela na cama.

— O que realmente faz aqui comigo, Grim?

— Não tenho a menor ideia, David.

— Dê um palpite.

— Hm... — ela pensa. — Acho que estou extremamente carente, gostei do jeito que me tratou, foi
gentil, e é o cara mais gato que já vi na vida. — ela ri abaixando a cabeça fingindo timidez. —
Já fazia um bom tempo que nenhum homem me tratava com delicadeza, acho que sou bonita
demais pra ser valorizada. — ela finge estar nervosa e para um momento para respirar. — Eu
vim aqui porque definitivamente estou cansada de estar sozinha. E você?! Porque foi tão fácil
trazer você pra cá?

— Porque eu olhei pra você das câmeras e já te quis. E eu tenho todas as mulheres que quero. Foi
gentileza da minha parte deixar que você pensasse que estava no controle, mas só está aqui
porque eu quis, desde quando vi você pedir sua primeira bebida assim que entrou. É óbvio que fui
gentil, não pense que foi encenação, nunca o deixaria te machucar, mas eu já estava indo ao teu
encontro quando vi meu segurança te assediar.

— Isso muito me agrada. Mas e se eu te desse um fora?

— Não tinha a menor possibilidade.

Ele sorri e ela concorda, mas não diz nada.

— E o que vai acontecer com o Felipe?

Ela pergunta e ele para pra pensar naquilo enquanto olhava pra ela.

— Gosta dele? — seu sorriso desaparece.

— Não. Ele só dá em cima de mim toda vez que venho.

— Nunca mais terá problemas com ele.

— Gosto assim.

Ela diz e ele fica impressionado. Achou que por um momento ela pediria para deixá-lo em paz,
que estava tudo bem, e que não tinha sido nada. Aquela garota era gostosa, linda, decidida, e
sangue frio. Ele a queria para si, naquele momento.

— Não diga isso que eu gamo!!!

Ele fala rindo e ela tira o copo de sua mão colocando os dois no criado-mudo.

O quarto tinha uma janela grande, saídas de ar-condicionado, e nada além. Ela tinha que se saciar
o máximo que desse, acabar com ele e sair de lá em segurança.

— Nem tente me iludir...

Ela para de pé em sua frente, ele se senta, e Rubi ameaça tirar o vestido, mas ele não deixa e faz
o trabalho sozinho.
— Meu Deus, você vai ter que ser minha pra sempre, mulher!

— Já disse que estou carente. Quero ser mimada...

— Ah! Eu te darei o mundo!!! Eu prometo!!!

Ele fala, ela se afasta sorrindo para pegar sua bebida, pergunta se pode pôr uma música bem
gostosa e enquanto ele é feito de bobo facilmente, ela batiza os dois copos e completa com mais
bebida.

Quando ele se aproxima novamente, ela senta em seu colo só de calcinha e rebola. Por essas e
outras o bandido a puxa para um beijo e se delicia. Era beijo, cheiro, gosto... Tudo dela era
excepcional.

— Um brinde?!

Ela oferece seu próprio vinho, ele para pra pensar e pega de sua mão, um dos copos. Ambos
“matam” o copo, e ela volta para seu colo.

— Á nós. Por hoje...

— Á nós, morena linda! E não só por hoje... terei esperanças de que você volte.

Os dois se beijam e ambos se empolgam.

— Me toca?! Quero gozar. Faça-me gozar gostoso e eu volto pra você!

Ela geme baixinho e nem precisa pedir duas vez. David toca firme seu clitóris após empurrar sua
calcinha pro lado, e com seu músculo latejando, ele aguenta firme e a estimula até aquela mulher
deliciosa gozar em sua mão. A mulher mais deliciosa que ele já tinha experimentado. E gemia como
uma puta, do jeito que ele gostava. Ele estava no céu.

— Cat... Tenho uma viatura indo em baixa velocidade direto ao encontro de vocês. É uma viatura da
polícia federal. Estão fazendo um caminho óbvio, não sei se passarão reto. Vocês têm cinco minutos
para sair daí! Ouviu isso, né Rubi?

Miguel diz de forma calma e Rubi que permanecia gemendo solta um “Oh, sim...” como um sinal.

— Não aguento mais...

Rubi sussurra olhando em seus olhos e ao colocar a mão na direção de seu zíper, encontra sua
arma.

— Anda armado...
— Eu preciso, gatinha! Mas não tenha medo, nunca te machucaria, já disse isso...

Ela consegue o quer soltando a arma longe, e procura sua aorta com a língua enquanto ele
terminava o trabalho tentando por o músculo duro pra fora. Ela adorava ver o sangue de suas
vítimas, amava ver aquele tom vermelho vibrante, mas não ia ser hoje.

Eles se beijam com mais vontade, ele arranca sua calcinha após libertar seu músculo, e antes de
fazer ela deitar na cama, revira os olhos e geme em agonia sem entender o que estava
acontecendo.

— Você é tão gostoso David. Espero que minha deusa o receba e desfrute desse corpo por mil
anos, em minha homenagem. Que você a sirva deliciosamente porque nasceu exatamente pra isso.
Faço de você minha oferenda! .

Ela diz, ele cai na cama morto da silva, ela levanta, põe seu vestido correndo e sua calcinha, pega
a arma do estelionatário, e vai até a janela. A saída por ali dava em um beco escuro perto da
viela de trás da boate. Um beco próprio para a venda/compra de drogas. Se tudo estivesse de
acordo, o corredor ainda estaria repleto de seguranças, e suspeitava que David tinha dito para
não ser interrompido, e foi exatamente isso.

— Quatro minutos...

Miguel diz no seu ouvido e ela se aproxima do corpo.

Não havia tocado em nada, mas ele havia tocado nela, então — com um lenço umedecido de sua
bolsa. — limpa as marcas de batom da boca dele, e os dedos que continham seu material
genético. Dedos ágeis, beijo bom, pegada deliciosa...

— Oh, pedaço de mau caminho...

Ela resmunga sorrindo, termina sua limpeza, olha ao redor, e então vai em direção á janela e pula.

— Saí. Estou fora. Encomenda eliminada.

Catarina respira fundo ao ouvir a irmã e bebe um gole de seu último drinque antes de levantar.
Ela nunca sairia sem saber se a irmã estava bem.

— Pelo jeito ele estava bem confiante. Não tem seguranças do lado de fora. Só no corredor. Oh-
Oh!!!

Rubi fala e de repente parece surpresa.

— Grim?
— Eu tenho três problemas aqui fora. Fáceis de resolver, não se preocupe.

Rubi sussurra.

— Caralho! Estão chegando e não vejo o carro de vocês se movendo, porra!!!!

Miguel solta exaltado e Catarina sorri ao falar com Fred.

— Vou ajudá-la. Desaparece daqui! Se você ir preso, o que será da minha vida?

Ela diz batendo de leve no seu ombro, e como sempre Fred fica na dúvida entre obedecer a sua
líder, ou passar por cima das regras e ficar ali. Aquela dúvida era diária. Para Catarina, respeitá-
la era fundamental, e ele tinha consciência disso. E no fundo ele sabia que ela daria conta, por isso
obedecia, mas não completamente. Ele sempre estaria por perto.

Catarina segue o irmão com o olhar, levanta para ir logo em seguida, e quando chega na calçada,
a viatura da policia federal para bem na sua frente.

Ela não sabia que dali em diante, sua vida mudaria para sempre.
PELO PONTO DE VISTA DE WILLIAM CASTRO
— Escuta, poderia trocar de lugar comigo?

A morena bonita ao meu lado pergunta ‘do nada’. Quando a gente compra a passagem aérea,
escolhemos o lugar, por que raios ela não estava satisfeita com o dela?

— Poderia.

Eu zombo fingindo seriedade e ela parece extremamente desapontada e surpresa. Não tinha
entendido direito já que logo de cara eu não levantei. Por que mulher sempre quer a janela?

— Você precisa ver a sua cara!

Eu falo e ela bufa fingindo estar nervosa. Levanto-me de vagar, pego meu notebook, e sento em
sua poltrona quente.

— Obrigada.

— Não por isso.

Volto a digitar e sinto seu olhar por um momento.

— É policial?

Ela pergunta e eu tiro meus olhos da tela. Estava derretida e querendo me paquerar. Eu tinha
certeza disso. Eu sempre sei quando uma mulher gosta do que vê.

— Não.

— Então vou ter que informar a delegacia do aeroporto de Guarulhos que você está rackeando o
sistema da polícia federal de São Paulo. — ela diz sorrindo e fazendo charme.
— Informe. Quando chegar lá vai se decepcionar e de quebra ser enquadrada do artigo 65.

— Perturbação da tranquilidade. — ela ri. — Sei! Me desculpe. — ela ri olhando pra frente.

— Então temos aqui, outra policial?

— Acho que fizemos o curso juntos, só queria confirmar se era você. E pelo o que notei, este avião
está lotado de federais.

— Legal!

— Manuela Xavier. Investigadora da delegacia de Campinas. Vou mudar para a superintendência


no centro de São Paulo. — ela me oferece a mão e eu pego.

— Prazer.

Eu volto a olhar para o notebook e ela não para...

— Mas ainda não se apresentou!

— Desculpe, estou um pouco aéreo porque estou ocupado. — espero que ela tenha entendido. —
Sou William Castro.

Eu falo sem dizer meu cargo e ela entende. Graças a Deus para de falar. Se fosse em outra
época pegava ela ali mesmo! Mas hoje eu tenho minha linda, que me é o suficiente.

Pouso em Guarulhos com uma sensação enorme de dever cumprido. Ter a possibilidade de assistir e
participar do treinamento da TTPOA no Texas com a SWAT não teve preço. Eu precisava estar
preparado para assumir o cargo de delegado de polícia federal e eu me sentia assim.
Preparadíssimo.

— Fala, mané! Que saudade!

Tiago pula no meu colo ao me receber na saída da sala desembarque. Bárbara o trouxe.

— Foram só trinta dias, que saudade é essa?

Eu tiro uma com a cara dele, mas retribuo seu abraço. A saudade era grande.

— Não é saudade. É felicidade em saber que não vou comer mais a comida ruim da Bah! E nem
morrer com pizza por toda a sala.
— Se minha casa estiver toda suja, você vai se ver comigo!!! Cadê ela?

— Estamos esperando faz tempo. Foi buscar um café na lanchonete.

Ele diz e eu caminho ao seu lado em direção á saída, caminho para a lanchonete.

— Ei, príncipe!!! — ela não pula em cima de mim, mas me abraça e beija como se não fizesse
aquilo por uns três anos. — Que saudade!!!

— Fala aí, mas que saudade é essa! — Tiago rosna.

— Não! — eu digo pra ele e ela ganha mais beijos cheios de vontade. — Pra minha gata, não...
também estava morto de saudade da minha neguinha!!! — eu falo e Tiago faz cara feia.

— Saudades tive eu! — ela me abraça por uns três minutos e parece não querer que eu visse que
chorava. — Acho que ficou lá uma eternidade. Fiz um jantar pra nós três! Está delicioso!!! — ela
sorri e eu me derreto todo.

— Não acredite nela, nem o cheiro está bom!!!

Tiago diz e Barbara ri.

— Não liga pra ele, vou amar, aposto! Pra mim foi mesmo uma eternidade!

Eu falo olhando em seus olhos e ela sorri.

— Como foi lá? Incrível, né?

— Um baita aprendizado. Sofri, apanhei, mas aprendi!

— Aposto que foi o melhor de todos. Pronto para sentar naquela cadeira???

— Prontíssimo! Mas e minha advogada linda?! Muitos inocentes à solta?

— Não como eu queria! Mas... alguns, sim, graças a Deus!

Ela resmunga, eu pego sua bolsa apesar de já carregar a minha mala, e seguro em sua mão.

— A mãe ligou???

Pergunto ao meu irmão que tomava um gole do seu café enquanto andava um pouco mais à frente.

— Só algumas vezes, o pai ligou mais! Quer que a gente vá até lá. Mandou dizer isso assim que
você chegasse.
— Nós iremos.

— Nós vírgula.

— Nós, você, Bárbara e eu! Sim! — eu falo e ele ri.

Dirijo até meu apartamento no centro, contando todas as novidades no caminho.


Era bom viajar, aprender, estudar, mas era revigorante estar de volta.

Entro no cubículo que chamo de apartamento, vejo a sala repleta de enfeites e frufrus, e a mesa
da copa no centro, tomando lugar de minha antiga mesinha de centro velha.

— Por que a mesa da cozinha tá na sala?

Eu pergunto e Tiago gargalha alto.

— Coisa de Bárbara. Barbaridade!

— Cala a boca!!!

Digo não me aguentando de tanto segurar o riso, e olho para ela. Ela me fitava sem graça e sem
saber o que dizer. Por isso me aproximei. O apartamento era realmente muito pequeno. Para a
mesa ter chego até lá, ela devia ter feito um esforço realmente enorme. Nada passava ali.
Eu sempre tive que comprar móveis desmontados.

— Só achei a sala mais aconchegante pra gente jantar. Não gostou?! — ela faz um bico que dá
vontade de morder. — É. Acho que não gostou...

— Para de bobeira, sua maluca, é claro que amei! Só não precisava ter arrastado a mesa até
aqui. Podíamos comer na cozinha! Mas eu amei, e seu esforço me deixa ainda mais apaixonado!
Como sempre... óbvio que vou ver os riscos na parede, o estrago por fazer ela passar no mini-
corredor, mas não ligo! Sei que fez tudo por amor! — eu digo zombando e ela enfim sorri.

— Só pra constar, foi eu que arrastei! — Tiago ri fazendo a Barbara ameaçar a tirar o salto para
jogar nele. — Tô brincando!!! Para!!!

Ele fica atrás de mim e eu viro escudo de proteção para um, e um obstáculo para o outro.

— Parem os dois. Coloca isso no pé! — eu digo rindo e ela obedece.

— Menino chato!

— Também te amo, querida. Tô saindo para dar privacidade aos pombinhos, vou pro rolê, brother!
Não me espere acordado!!! — ele fala desistindo.
— Pensei que era o jantar das novidades e de matar a saudade!!!

Falo já ficando bravo. Tiago nunca parava em casa. Veio morar comigo porque em uma época
nada remota, dera muito trabalho para meus pais, mas consegui resolver uma pequena parte do
problema, pelo menos aparentemente.

— Tô fora. O Miragem está open bar hoje, e a galera está toda lá. Fui!!!

Ele corre pro quarto rindo quando Bárbara o ameaça novamente, e só põe uma blusa para
farrear na rua.

— Está com os documentos???

Grito e ele devolve que “sim”, já do lado de fora.

Fico olhando a porta se fechar atrás dele e lamento. Eu ainda estava morto de saudade.

— E então gatinha, o que cozinhou pra mim? Tô faminto!!!

Eu me aproximo da mesa e ela me abraça por trás...

— Surpresa. Vai tomar um banho para relaxar, primeiro! Demoramos um pouco no aeroporto
então, acho que esfriou! Vou esquentar e arrumar tudo!

— Mas vai me ajudar no banho, depois que terminar aqui???

Pergunto me virando pra ela. Bárbara é uma negra linda. Estudamos juntos na faculdade de
advocacia, e éramos melhores amigos. É um pouco mais baixa que eu, lábios grossos, olhos
amendoados, cabelo alisado, e estava sempre impecável. Sem contar que era uma advogada
talentosíssima, e eu babava em sua inteligência na época da faculdade. Bárbara era
extremamente inteligente. Era não, é! Exagerava quando o assunto era o próprio ego, porque
humildade não era seu forte, mas tinha um lindo coração e um fraco para salvar os fracos e
oprimidos, às vezes parecia até mania ou fetiche.

— Ah, com certeza eu vou!

Ela pisca para mim e eu agarro sua cintura fina. A vontade de subir aquele vestido colado e
comportado demais era enorme, mas eu me seguro.

Tomo um banho quentinho e revigorante, e Bárbara entra no banheiro dez minutos depois.

— Estou com os dedos enrugados de tanto te esperar. — eu falo e puxo a executiva nua para
dividir a ducha comigo — Achei que não viria... me senti sozinho e triste! Quase que começo a
pensar que você não sentiu minha falta por um mês! Fiquei triste com a possibilidade de que minha
mulher não estivesse subindo pelas paredes e você sabe o que acontece quando fico triste ou
aborrecido, não é?!

Prenso ela na parede e olho em seus olhos enquanto os meus são invadidos pelo jato de água
quente que caía.

— Eu demorei porque estava caprichando, bebê! Sabe que é o primeiro e o único da minha vida!
E sim, eu sei. Faz manha até eu pedir perdão, ajoelhada. — ela sorri e eu encosto minha testa na
sua. — Só assim para trazer um sorriso pra esse rostinho de bebê travesso!

— Exatamente. — eu afirmo com a cabeça e ela ri. — Então já sabe o que fazer...

Ela só esperava eu mandar e quando mandei não esperei muito, ela logo se ajoelhou e pediu
perdão até mamar tudo. Ela tinha uma excelente boca.

— Estava uma delícia, vida! — digo assim que termino de comer. — Quero ficar mimado! Precisa
vir cozinhar pra mim todos os dias!!!

Beijo sua boca com gosto de molho de churrasco, ela ri e se levanta da mesa para se jogar no
sofá.

— Eu cozinho pra você todos os dias! Sabe que amo cuidar de você... — ela bate a mão do seu
lado e eu me sento. — Vamos ver um filme? Matar a saudade de dormir sem terminar a sessão e
com pipoca pra todo lado?

— Adoraria, mas preciso ir atrás do Tiago. Não sei se ele se afastou daquele lance das drogas e
do grupinho do mal. — eu falo e ela concorda, mas deixa seu sorriso desaparecer. — Preciso
cuidar dele, você entende, não é? Sei que é difícil. Tenha um pouco de paciência comigo! Não
posso tirar meus olhos dele.

— Eu entendo isso. É seu irmão. Vai lá, vou te esperar aqui, acordada, e disponível. — ela pisca e
me sinto feliz.

— Eu volto logo! Assim que a gente voltar, assistimos. Se eu chegar tarde, eu te acordo pra gente
continuar o que começamos no banho!!!

— Tudo bem, mas por me deixar aqui, é você quem vai ter que se ajoelhar para minha tristeza ir
embora pra bem longe!!! — ela ri e ganha uns amassos meus.

— Mas com muito prazer. Farei questão disso!

Eu quase grito brincando com ela, me agasalho e desço para a garagem.


Decido ir com a viatura preta — sem a logo da PF. — por causa do rádio, e faço todo o caminho
ouvindo os diálogos dos parceiros que estavam em serviço. Apenas dirigi e fiz uma prece para
aquele moleque não estar aprontando porque eu jurava que da próxima vez eu ia prender ele na
delegacia até ele tomar vergonha na cara.

Estaciono de modo ilegal na entrada da boate e taco o foda-se. Nunca fui de me aproveitar do
distintivo que carrego, mas também não sou santo. Sempre fui extremamente honesto, calmo e as
leis corriam em minhas veias, mas eu não era bobo.

Aquela noite estava sendo especial, voltei pra casa, ia ocupar o cargo que sempre sonhei na
semana seguinte, matei saudade da minha advogada linda, e estava no céu. Mas nunca na minha
vida eu passei por uma situação como a que veio a seguir.

Uma garota saiu de dentro da boate e parou na frente da enorme porta de acesso. Ela vestia
uma calça de couro que valorizava um quadril largo de dar água na boca, botas, blusa de
mangas cumpridas, e um colete por cima. Feminina mas ao mesmo tempo agressiva. Tinha os
cabelos soltos, uma maquiagem leve, e um sorriso surpreendente. Parecia que alguém tinha feito
ela sorrir, mas não estava acompanhada.

Quando desço do carro ela olha para mim e posso ver com mais clareza ao me livrar dos vidros
fumê. Aquela garota de cabelos longos e dourados parecia um anjo, que Bárbara me perdoe, mas
era a garota mais linda que eu já tinha visto em toda minha vida. Aliás como disse, não sou um
santo, só namorei sério com Bárbara mas antes de virar o homem de caráter que sou agora, eu dei
muita mancada com ela, muita mesmo, então tinha um experiência vasta com as mulheres apesar de
ser o único homem que a tocou. Não me orgulhava disso, mas também não fingia que não tinha
acontecido.

Tinha um olhar leve, cor de céu azul depois da garoa de verão, olhava para os lados e de vez em
quando pra mim parecendo não entender o porquê eu a encarava, mas eu não conseguia parar.
Eu simplesmente não conseguia. Algo me dizia que eu já tinha vivido aquele momento, que eu já
tinha olhado para aquela garota daquela mesma maneira, e um ímã gigante me puxava e me
mantinha ali, ela me atraía. Ela era linda, muito linda mesmo. Eu só queria me aproximar, chegar
mais perto. Ela era uma princesa e só evito dizer ‘minha princesa’ porque ia ser estranho demais.

E eu ainda estava parado olhando para ela quando Tiago se aproxima e me puxa para a
realidade novamente.

— Ei, cara! O que faz aqui? Quer me matar de vergonha???

Olho para ele e sinto cheiro de bebida forte em seu hálito, bebida e maconha. Quando olho para
frente novamente, ela já não estava mais lá.

— Viu a garota loira que estava aqui? Pra onde ela foi?
— Achei que não usava drogas, irmão! Tá louco de bagulho???

Ele põe a mão na minha testa enquanto eu olhava em volta e eu fico irritado.

— Me respeita, Tiago! Tô falando sério!

— Mas é sério, não tinha ninguém aqui quando cheguei!

— Ela estava aqui. Estava sim!

— É do crime? Tu tava procurando ela?

— Não. É só... eu... não entendo.

Resmungo desapontado, ela estava ali, eu não estava enlouquecendo. Não podia estar.

— Nunca foi de olhar pro lado em respeito á Bah. O que está acontecendo com você??? — ele diz
e eu caio na real.

— Você tem razão. É verdade. Tem toda razão... Tô sendo um babaca. — digo concordando
totalmente e respiro fundo. — É que eu senti uma coisa muito estranha quando olhei pra ela.
Parecia que eu já a conhecia, parecia um déjà vu, uma coisa muito louca.

— Tá. Entendi. Paixão avassaladora por uma loira estranha, que ótimo. No fundo acho a Barbara
um pé no saco. Você pode dispensar ela se quiser e começar á caçada “á estranha da boate”. Mas
você ainda não disse o que veio fazer aqui!

— Vim te buscar. Entra no carro. — falo olhando pro final da rua. Cadê ela?

— Mas nem morto. Tô partindo, mané... tá cedo pra voltar pra casa!!

Ele dá um toque no meu ombro, ameaça me deixar ali sozinho, mas puxo-o de volta e falo sério.
Minha paciência tinha acabado.

— Se tu não entrar no carro, te mando de volta pro Rio amanhã mesmo! Acabei de chegar de
viagem, deixei a Bárbara sozinha pra vir atrás de você que já está maior que eu, e tô cansado!
Não quero mais correr atrás de marmanjo, já não basta fazer isso no trabalho. Se não entrar no
carro, vai voltar pra Pavuna, é isso que você quer?

— Coé merhmão?! Por que tu tá nervoso? Se não me queria aqui por que me deixou sair? — ele
levanta as mãos pro ar. — Hein, Will? Me deixou sair pra vir atrás de mim?

Ele questiona e eu vejo um movimento estranho atrás dele. Alguns dos nóias que fazem ponto
naquele beco da lateral da boate começaram à se dispersar e alguns deles até a correr.
— Tem algo errado ali. Entra no carro!

— Quem tá errado é você! Todo estranhão!

Corro com a arma em punho e quando chego no local guardo de volta no cós da calça. Tinha três
caras agonizando devido a hemorragias graves. Todos do mesmo jeito, todos de terno e gravata,
deviam ser seguranças da boate. Não dava mais tempo, mas chamei uma ambulância mesmo assim.

— Aqui, parceiro... vou pressionar, você vai ficar bem! Viu quem fez isso com vocês? O que
aconteceu?

Pergunto para o cara que parecia o “mais vivo entre eles” e ele tenta falar.

— Ela... Janela... Vadia...

Ele apontou para a janela dizendo palavras desconexas, e quando viu que eu nada dizia apontou
pro final do beco e então deitei sua cabeça com cuidado e saí correndo pro fim do beco com a
arma novamente em punho.

Chego à grade de ferro ladeada de sacos de lixo, olhos para os dois lados e não vejo ninguém.
Naquela altura não adiantava correr, mas mesmo assim, por instinto, segui caminho pela viela da
direita olhando com atenção em cada canto do lugar. Tinha alguém por ali, mas olhei em tudo,
procurei com atenção, e nada. Então acionei a polícia militar e decidi voltar apesar da sensação
forte de estar sendo vigiado.

— Você! Encosta aí! — pego um dos nóias de surpresa e ele ameaça correr. — Se correr vou
atirar na tua perna filha da puta! Encosta!!! Encosta!!!

Aponto a minha arma na altura da testa dele e depois o prenso na parede de tijolos vermelhos da
lateral da boate. Estava amontoado em cima dos caras junto com mais umas trinta pessoas que se
aglomeravam para olhar os cadáveres.

— Põe mão na cabeça! Não sabe o protocolo, não?! Desgraçado! Aposto que sabe!!!

— Si... Sim, senhor!!!

Ele resmunga e me obedece amedrontado.


Um dia eu ainda ia limpar aquela cidade...

— O que você viu aqui?

— Acho que era uma garota. Pulou a janela e acabou com os caras. Mas está muito escuro aqui!
Ninguém viu muita coisa. Quando ela pegou os caras e começou a lutar a gente saiu correndo! Ela
parecia um bicho.
— Como “bicho”?

— Agressiva. Parecia uma lutadora profissional, pose de macho mesmo, tá ligado?! Mas era
mulher! — ele fala e eu paro pra pensar.

— Não tô ligado, não! Fala direito comigo!

— Sim, senhor!

— Ela era loira? — pergunto com medo e ele nega.

— Não, Senhor! Tinha um cabelo preto bem bonito, quase na cintura. Ela pulou a janela então acho
que tava fugindo. As mina daí só cai em enrascada, rola muita prostituição aí!

Alívio.

Bom, estava se defendendo então eu quero mais é que se foda. Só penso.

Revisto o marginal, pego três sacos pequenos de cocaína do seu bolso, e um cigarro de maconha.

— Não vou dar voz de prisão á você por tráfico de drogas, senão vou ter que sair pescando
todos os seus amigos ali. Mas vou chamar uma viatura. Faço ronda aqui, tô aqui todos os dias à
partir de hoje, e se eu te pegar aqui de novo, primeiro eu te dou uma surra daquelas, e depois tu
vai em cana! Vai vender essa porra maldita longe da minha área! Estamos entendidos? Nóia do
caralho! Vou ficar com isso, some da minha frente.

Eu o empurro e o vagabundo ainda agradece.

— Sim senhor, muito obrigado, senhor.

Queria muito levá-lo comigo, mas precisaria de oitenta viaturas para levar toda a raça que estava
ali, e ainda era capaz de não ficar na delegacia por não caber, por ser de menor, por “garantir”
que só estava comprando ou passando por ali no momento... polícia Militar: Outro sistema passivo
de falha.

— TODO MUNDO CIRCULANDO!!! ISSO AQUI NÃO É CIRCO NÃO!!! VAI! QUEM FICAR, VAI SER
REVISTADO E LEVADO PRA DELEGACIA, TENHO CERTEZA QUE QUASE CEM POR CENTO VAI
DORMIR ENJAULADO E SÓ VAI SAIR DE LÁ SOBE FIANÇA! — eu grito e não fica um.

— Nossa que agressividade!

Tiago me encontra e as ambulâncias chegam.

— Disseram que foi uma briga... só vi o movimento e corri, dois já estavam mortos, e um deles
agonizando! Tentei pressionar o ferimento, mas foi perfuração da aorta. Não tive sucesso.

Digo ao médico do SAMU e ele parece beirar o choro de tanta tristeza por ter chego tarde.

— Ferimento exato. No ponto crucial. Tamanha precisão. Fiquei três anos tentando achar aorta
pela primeira vez na faculdade de medicina e ainda assim, era péssimo. — o velho de branco
coça a cabeça. — Ainda mais com um objeto tão pequeno...

Ele analisa cada um deles e eu reflito. Estranho mesmo.

— A polícia já foi acionada?

— Já, doutor.

Digo e saio dali. Espero na porta da boate e digo o que eu sabia para o primeiro sargento que
me aborda. Não era minha jurisdição então mais nada eu podia fazer á não ser que a Federal
fosse acionada, caso o crime fosse de outra magnitude. Então eu só precisava aguardar.
Logo um soldado pesca uma testemunha, começam a analisar os homicídios e eu tiro o Tiago dali.

— Não vai precisar ficar? — ele pergunta no banco do carona.

— Já disse tudo o que eu presenciei e sabia, não sou obrigado, e nem posso. O caso é da militar.
— eu digo e ele faz silêncio.

— O que fazia lá fora?

— Fui fumar e você sabe disso...

— E você não vai parar?

Pergunto enquanto dirijo e por um momento só ouço o silêncio.

— Vou... — eu o encaro e ele fica irritado.

Tiago é um rapaz bonito, inteligente, usa o mesmo corte de cabelo que eu, tinha corpo demais pra
sua idade, e tinha tudo para ter um futuro brilhante. Só não tinha juízo nenhum.

— Eu vou, tá legal?! Vou sim.

Ele se altera quando vê que não boto fé e nego com a cabeça.

— Escuta... — eu digo assim que estaciono em minha vaga. — O acordo que fiz com a mãe e com
pai, foi tratá-lo com o mínimo de disciplina militar para você crescer e aprender algo, mas não
faço isso. É jovem demais, está em uma fase bacana, eu deixo você solto, eu te dou dinheiro toda
semana, e eu sei que aqui você tem uma vida boa. Mas o que acontece é que você se comportou
bem só na primeira semana, aqui! Tiago, — eu respiro fundo e continuo. — nessa segunda eu vou
assumir o cargo de delegado. É um cargo pesado demais e que me trará muitos pesares,
obviamente. Vai me trazer muita coisa boa, claro, alavancar minha carreira, vou chegar onde eu
sempre quis mas...

—... um delegado que se preze não pode ter um irmão drogado. Seria contraditório.

Ele diz com mágoa, olhando pra frente e eu lamento a verdade que disse.

— Não posso ter um irmão delinquente, não posso sair correndo do trabalho pra ir te tirar da rua,
não posso deixar minha mulher em casa sozinha, depois de ficar um mês sem vê-la, e não posso
arriscar perder o meu emprego ou perder você pra rua.

— Estamos falando de alguns cigarros de maconha!!!

— A porta para drogas mais pesadas! Sabe disso!!!

— Sei! Há anos ouço a mesma ladainha! E há anos não saí da porta.

— Vou te mandar pro Rio quando formos visitar nossos pais. Vou voltar com a Bah, e você vai
ficar! Sinto muito...

Eu digo com meu coração partido e ele ri.

— Não. Não sente, não! Quer formar sua família feliz com aquela sem sal e não terá espaço aqui
pra mim. Luta diariamente contra o tráfico de drogas, mas não sabe lidar com alguns cigarros do
irmão mais novo. Não quer mais problemas, eu entendo, mas seja franco, não comigo, mas com
você! Seu maior sonho sempre foi ser delegado federal, mas eu, como teu irmão inteligente, vou te
dar um conselho: ou para de se enganar, ou nunca será um bom delegado. A boa e velha dica da
rua: aceite a verdade para sí, e leve isso com você para teu cargo, para o dia-a-dia! Não quer
problemas no seu momento feliz, ok, mas tem mais: agora eu é que faço questão de voltar pro Rio
e fumar meu cigarro com sabor de liberdade na minha Pavuna. Se lembra dela, delegado? Foi de
lá que você veio.

Ele diz como um “adulto” e sai batendo a porta da viatura. Me sinto mal e subo atrás dele. Eu
sabia que no fundo, Tiago tinha razão com relação á alguma coisa. Eu só não sabia o que era.

— Que isso...?!

Barbara levanta de um cochilo, assustada com o barulho que ele faz da porta do quarto.

— Estraguei tudo... desculpe te acordar assim.


— Mas o que ele tem? O que houve? — ela se levanta e me abraça.

— Disse que ele vai ficar no Rio quando a gente for pra lá!

— Por que???

— Sabe como vai ser nossa vida. Não posso mais ficar atrás dele e me responsabilizar.

— Pode e vai. Ele é teu irmão!

— É. Pois é...

Resmungo bravo, entro no meu quarto, e ela entra atrás.

— Bom, o que foi dessa vez? Maconha?

— Sim.

— Tá, mas e...?

— Acha pouco?!

— Não. Nem apoio também! Mas é isso todo final de semana, por que HOJE, você entrou
esmurrando a porta do quarto?

— Esmurrei é? — tiro a camiseta, vou para o banheiro, e ela me segue. — Perdão. Não notei.

— Pois, sim...

— Enquanto ele fumava maconha com os “amigos”, alguém tentava machucar uma garota dentro
da boate. Pelo menos acho que foi isso. Três seguranças morreram! Perfuração de aorta. Vi um
movimento lá fora enquanto tentava fazê-lo entrar no carro, corri para ver e encontrei os três
caídos! Dois mortos, e um quase. Morreu minutos depois de me dizer algumas palavras confusas.
Quem sabe o Tiago não fosse um deles se eu tivesse chegado tarde...

— Não fala bobagem.

— Já viu ele correr de uma briga? Não né! Um pirralho disse que foi uma mulher quem executou
os três... tu acha que se Tiago não tivesse me visto, e não tivesse corrido de lá pra falar comigo, ia
sair correndo como fizeram os outros? Não. Não ia, e por isso ia ser a testemunha ocular ou a
testemunha ocular que precisava ser apagada por ter visto o rosto da bonita boa de briga. Por que
foi o que pareceu pra mim, execução! — olho para ela e pra não concordar comigo, fica calada.
— E pra piorar ainda aconteceu uma coisa muito bizarra comigo, tirando o fato de que tenho
algumas gramas de cocaína dentro do bolso do jeans... então... Acho que mereço esmurrar uma
porta. Não quero ter que prender meu próprio irmão a qualquer momento, vida!

— Lida com a morte todos os dias, toma a droga de qualquer um que encontra pela rua, e pega
no pé do irmão mais novo, sempre. Nada disso é novo pra você, e nada disso te deixa assustado.
O que hove além do “um pouco de cocaína no bolso do jeans” que você pode se livrar agora
mesmo jogando ralo abaixo?

Ela questiona cruzando os braços e eu ligo o chuveiro pra tirar o cheiro de caos do corpo.

— Vi uma garota. Uma garota estranha. Parecia que eu já tinha a visto em algum lugar. Tiago
chegou, falou comigo, e quando fui olhar de novo, ela tinha desaparecido como mágica. Acho que
tô ficando maluco.

— Deve ser uma procurada. Já deve tê-la visto no site, ou na sala dos casos...

— Não. Se fosse eu saberia. Por isso sou bom, memória fotográfica!

— Então não entendo... qual é o problema?

Barbara escora na pia e eu saio do box.

— Ela não sai da minha cabeça. Tenho certeza que já a conheço.

— Espera aí... está prestes á se tornar o delegado da superintendência de São Paulo, seu irmão
usa droga mais uma vez mostrando que provavelmente arruinará sua carreira, você quase
presencia três homicídios estando à paisana, e o problema é que não consegue tirar uma garota
estranha da cabeça?!

Ela fica puta.

— E é aí que está o problema. Ela não é nem um pouco estranha pra mim, muito pelo contrário,
bastante familiar!!!

— Vai pro inferno, William!

Ela ameaça sair do banheiro, mas não deixo.

— Isso ficou estranho. Deixe-me explicar!

— Gostou da mulher. Já deve até ter pego!!!

— Sim. Mas se eu tivesse “pego” também saberia!

— Como ela é?
— O que?

— Como ela é? Fisionomia! Descreva.

— No que isso importa? — eu digo e ela se afasta. — Ok. Loira, deve ter 1,67, e é bem bonita...

Eu começo e ela puxa seu braço. Corro trancar a porta do banheiro, coloco meu roupão, desligo a
ducha e olho pra ela.

— É impressão minha ou um dejavú que tive, te desestabilizou? Não sei se entendi direito, posso
estar completamente errado, mas... uma garota desconhecida, e que eu nunca mais vou ver na
minha vida, te deixou insegura!!! Diz pra mim que tô enganado, por favor!

— Sua impressão foi correta.

Ela fala de modo frio e aquilo me impressiona.

— O que está acontecendo? Sempre falamos de homens e mulheres que achamos bonitos, que
encontramos pela rua, nunca me proibiu de sair com minhas amigas da faculdade, as mesmas que
já comi enquanto te namorava porque passou á confiar em mim, mas agora isso? Sabe que fui um
bosta, mas sabe que mudei, sabe que virei homem, que me arrependo, que te respeito. O que há
de errado dessa vez???

— Eu sabia que as vadias que você comia só serviam como porta-porra então por isso foi fácil
perdoar. Era um moleque que só queria aproveitar a juventude e gozar. Eu entendia, você era
meu, chegava em casa e era em mim que encontrava conforto, ombro amigo, e conchinha. Por isso
sempre me traía, mas nunca ousou terminar comigo e me perder. Mas em nenhum dos casos das
puladas de cercas, ou olhadelas para as gostosas que passavam na rua, seus olhos brilharam
tanto!!!

Ela diz olhando nos meus olhos e eu não consigo arrumar uma resposta coerente. Então ela fica
daquele jeito por uns dois minutos, pega a chave da minha mão sem dificuldade nenhuma, e vai
embora.

Aquilo acaba comigo. Magoá-la sempre acabava comigo.

— Tiago! Abre aí, por favor. — bato na porta dele e ele se recusa a abrir.

— Vai embora, Will!

— Não posso. Precisamos conversar.

— Vai falar com a Barbara!


— Ela foi embora! Está brava comigo!

Eu digo, ele faz silêncio, depois abre a porta me olhando torto e me deixa entrar.

— Fui grosso contigo! Peguei pesado lá no carro. Você me desculpa?

— Não vai mais me jogar na Pavuna?

— Vou. — digo rápido e ele rosna. — Quer dizer, vou te dar só mais uma chance. Só mais uma.
Terá condições específicas para ficar. Regras severas! Cabe á você dizer se prefere ficar ou
prefere a Pavuna!

Eu falo e ele tenta não sorrir pra não me dar brecha.

— E o lance da Barbara?! Por que vocês brigaram?

— Eu contei sobre a garota loira!

Eu deito na cama ao seu lado e olho pro teto.

— Falou sobre uma visão?

— Não foi visão!

— Foi sim! Eu estava da viela, te vi de longe. Você ficou sozinho o tempo todo.

Ele diz e eu olho pro lado. Parecia estar tão certo... aquela princesa vestida de couro preto
parecia saída de um conto de fadas mesmo, pura visão fantasiosa.

— Você estava brisado! — fico indignado.

— Não é pra tanto! Eu conseguiria ver uma garota perto de você. Isso é impossível!

— Na minha primeira experiência eu vi uma cigana com chifres. Vai por mim, tudo é possível. — eu
digo e ele discorda.

— Ok. O que você disse?

— A verdade.

— E ela?

— Disse que eu tinha um brilho nos olhos ao falar da fulana. Que nunca me viu daquele jeito...
— É, ela tem razão.

— Deve ter sim.

— E o que tu vai fazer? Sua vida já está agitada, hein?!

Tiago apoia a cabeça em uma mão e me olha nos olhos.

— É, pois é! Não sei. Se eu me conheço bem, vou procurar aquela mulher até eu encontrar.

— E a Barbara???

— Preciso entender o que eu senti. Preciso encontrá-la! Barbara vai ter que entender.

— Esquece essa mina! Como vai fazer pra encontrar ela? Estamos em Sampa, cara! Cidade
gigantesca.

— Tenho meios para isso, vou achá-la.

Eu digo e ele me encara como se eu fosse louco e eu realmente estava.

— O que sentiu? Ao olhar pra ela?

— Não consigo descrever. — eu digo e me levanto.

— Nunca pensei que veria uma cena dessas fora das novelas da TV. “Paixão á primeira vista”.

— Não é pra tanto! Não estou apaixonado, seu mané! Só não entendo o porquê me senti tão... tão
tonto, sei lá! Parecia errado, parecia que aquela cena já tinha acontecido, eu... Sei lá!!! Quer saber?
Vou dormir!

Sigo em direção á porta e ele resmunga.

— Vai dormir ou ficar pensando na garota fantasma???

— Vou dormir!

Digo e bato a porta. Que mané ficar pensando... e eu lá sou homem de ficar pensando?! Não.

Deito na cama e a cena da boate passeia na minha cabeça. Quando desisto e vejo que não vou
vencer, me levanto pego as chaves do carro, e saio.

Barbara morava à cinco minutos de distância de mim. Depois que terminamos a faculdade, fiz
questão de deixar claro que queria morar sozinho. Que até o papo de casar surgir, a gente
deveria permanecer como ‘namorados’, dar ao outro um pouco de privacidade, espaço, e isso só
fez bem ao nosso relacionamento. No começo ela estranhou, mas depois notou o quão bem aquilo
nos proporcionou. Tínhamos saudades um do outro, e isso era ótimo.

Abro portão com a minha cópia da chave, entro pela sala, e vejo a luz da cozinha acesa. Sigo meu
caminho e travo um pouco quando vejo ‘a cena’. Barbara estava de camisola, sentada na bancada
de sua cozinha acompanhada por um cara. Ele sentado de um lado, ela do outro, e ambos
bebendo café. Se eu o conhecesse, poderia dizer que estava batendo papo com teu primo, ou
irmão, mas como eu não o conhecia, parecia uma coisa só: a linda recebia um marmanjo em casa
estando quase nua, e um paquerava o outro.

Chego até a porta de entrada e penso em virar as costas, mas eu queria mais, não podia sair dali
sem uma bela cena assinada pelo William Castro Teatral da Silva. Se eu não fizesse aquilo não
seria eu.

— Boa noite, meu amor!

Eu sorrio, beijo-a no rosto e me sento ao seu lado na cadeira alta da bancada.


Barbara estava em pânico e beirava o surto psicótico. Aliás, os dois estavam assim, eles pareciam
ter sido pegos no flagra.

— Visitinhas nesta noite estrelada?

— Will, esse é Luis, um amigo advogado! Trabalha comigo! Luiz esse é Will, meu namorado!

Ela diz gaguejando, eu sorrio para ela e estendo a mão pra ele.

— Prazer!!!

Eu digo e ele assente vermelho como um pimentão. O engravatado era loiro dos olhos azuis.

— Estávamos falando sobre o quê???

Questiono e o silêncio paira.

— Sobre papeladas e burocracia! — escuto a voz do filho da puta pela primeira vez e acho
tosca. — Vou deixar os namorados aproveitarem a noite. Acho melhor eu ir nessa! Nos vemos na
segunda-feira, Bah!

Bah???? Ele dá sua desculpa, se despede de mim, e ela o leva até a porta! Quando passa por mim
posso ver toda a sua enorme bunda avantajada ganhando uma guerra contra aquele pedaço de
pano miserável.
— Nada do que eu disser vai justificar, então...

Ela entra na cozinha e começa.

—... Então eu posso desabafar e ir embora, certo? — eu falo e vejo seus olhos marejados. —
Pensei em gritar, ir embora, matar os dois e pegar somente de um á três por crime passional... —
minha garganta se fecha e meus olhos queimam. — Te dar um belo tapa nessa sua cara hipócrita?
Sei lá... passar dos limites, quem sabe?

— Acho que era minha vez de...

— Ah! Certo, a santa Barbara pagando na mesma moeda!!!

Ela começa á chorar mais ainda em silêncio e eu me levanto da mesa, bebo um gole de seu café
porque sou desses e continuo.

— Acho que atrapalhei um pouco da sua vingancinha! Liga pra ele quando eu sair! Não perde
tempo não. Você é uma mulher incrível apesar de vingativa, — dou uma risada alta. — não
merece ficar sozinha!

— Will...

— Vou juntar suas coisas, mas vou deixar na portaria! Nunca mais ouse á me procurar, muito menos
pedir que te perdoe porque você já me perdoou inúmeras vezes! Eu vim para me desculpar, não
sei por qual motivo, mas ainda sim, peço agora! Desculpe por hoje, e por todas as vezes em que te
passei a perna no começo do namoro, você não merecia e por diversas vezes pedi perdão! Todas
as vezes que a gente brigava e você jogava na minha cara eu pedia perdão, você sabe disso,
então, desculpe por tudo. Mas hoje era eu quem não merecia aquilo e foi você quem errou feio
comigo; Mas, infelizmente eu sou homem, e como todos os homens, tenho um defeito horroroso,
machista, e antiquado chamado: Orgulho ferido. Nunca vou perdoar você por te pegar sozinha
com um filho da puta vestindo esse pedaço de flanela.

Eu digo, coloco minha aliança na bancada, e saio de lá com o coração doendo. Agora sei o que
ela sentia. Quer dizer, todas as vezes que pegava uma garota tomava cuidado pra ela não ver,
mas nem isso ela fez. Ficou tão enciumada e puta comigo que logo ligou para a paquera do
serviço. E nem negou, ela não negou!!! Que ódio!!!

Tudo bem, eu merecia. Mas que doía, ah, como doía.

Penso em tudo durante o caminho todo e me recuso á chorar ou me lamentar ao repassar a cena
em minha cabeça. Barbara me traiu, e aquilo doía pra caramba, mas eu não ia me lamentar por
ela!!! Me recusava.

Chego em casa e Tiago está sentado no sofá olhando pro nada. Eu achei que ele já estivesse
dormindo, ou que muito provavelmente tinha voltado pra rua, — isso sempre acontecia. — mas
não.

— Você não sabe o que acabou de me acontecer...

Digo rindo com ironia e ele me olha com os olhos esbugalhados. Nas suas mãos tinha o telefone
sem fio da sala.

— Que foi, tonto? — questiono e ele gagueja.

— O pai ligou! A tia Ni faleceu.

Ele diz e eu me sento para não cair.

— Tá de brincadeira?

— Queria estar!!! Ligue pra ele, ele pediu pra tu ligar!

Pego o telefone da mão dele, disco o número fixo, e nada. Celular da família inteira, e nada.
Nada.

— Faça uma mala pequena! Vamos pro Rio!

Arrumo tudo, apresso Tiago, e saio com ele faltando pouco para às onze da noite.

— Por que não vamos amanhã cedo?! Tem voo à essa hora?

Ele questiona assim que entramos no GRU. As chances de eu dar ouvidos, seria se me dissesse
ainda em casa, não é mesmo?

— Tem. Tem voo a qualquer hora! Aliás, de madrugada as passagens são ainda mais baratas! Mas
não podemos ir amanhã, a mãe e o pai devem precisar da gente nesse momento.

Respondo, vou até uma cabine da Azul, e aguardo atrás de um senhor que tinha idade para ser
meu avô.

Antes de tocar em seu ombro para direcioná-lo até a fila preferencial, mesmo porque a minha
estava longa demais, inclino pro lado, e vejo a loira fantasma acabar de ser atendida e se retirar
só com a mala de mão. Estava muito longe, mas eu sabia que era ela. Eu tinha certeza, pois eu
sabia que nunca mais na minha vida eu ia esquecer aquele corpo, seus cachos dourados e
cumpridos, e aqueles olhos azuis celestes.
BASTA ELA ORDENAR E TUDO SERÁ DELA

Eu piso na calçada e o carro da polícia federal, que Miguel tinha anunciado, para bem na minha
frente. Não tinha o logotipo colado na lataria, mas era muito comum eles andarem daquela forma.
Engana qualquer civil, menos os rastreadores do Miguel, os mesmos criados e aprimorados por —
como diz minha tia — Jon, o caçador.

— Está tudo bem, Catarina. Posso resolver. Vai pro carro!

A voz de Grim sussurra no meu ouvido.

— Tô com ele na mira, tô dentro do carro. Um passo em falso e ele cai.

Fred resmunga, eu sorrio de nervoso do "merda" que Miguel solta em seguida — ele sempre foi
muito impulsivo e estressado — e o federal desce do carro me encarando.

Tinha cara daqueles grudes românticos que dão vontade 'da gente' vomitar. Rubi amaria, eu...
definitivamente não. Parecia sentir o cheiro de culpa em mim, mas claro que não era isso, pois eu
era uma ótima atriz.

Olho para os lados, finjo esperar alguém, e ele continua me encarando com cara de bobo, como se
estivesse em transe. Fico parada e o trato como um cachorro. Todo policial é um! Você deve agir
com cautela e nunca sair correndo logo de cara, você deve esperar, e correr no momento certo ou
eles correm atrás de você e não te largam nunca mais.

Seu olhar é penetrante. Por um momento achei que o conhecia, mas logo tratei de esquecer aquilo.
Óbvio que eu nunca o tinha visto.

Respiro fundo me controlando, — sim, fazer ioga era muito bom para o autocontrole, meu mestre
iria sorrir ao me ver daquele jeito, ele nunca sorria. — olho para os lados e vejo quando um pivete
se aproximar dele. Assim que o policial desvia seu olhar sobre mim, corro para o carro e o encaro
com a proteção da escuridão que banhava o lado oposto ao dele da calçada. Ele me procurava,
o tempo todo me procurava, o que deu nele? Quem é ele?

— Grim??? — chamo enquanto ouvia gemidos ofegantes e ela responde em seguida.

— Está tudo bem! Pode ir! Vou logo em seguida! — ela responde e eu entro no carro.

— Continuo olhando e ele continua falando com o moleque e olhando ao redor, parecendo tentar
entender o meu sumiço.

— Qual é a desse cara? Ele está me procurando! — resmungo sozinha, mas Fred responde.

— Quem é ele, Miguel? Rastreie o carro.

— William Castro. Era agente, será o novo delegado da superintendência! — ouço Miguel responder
Fred e tomo uma decisão.

— Apaga ele, Fred. Assim evitamos problemas posteriores!

— É pra já!!! — Fred concorda, mas de repente o policial sai em disparada na direção da viela
na lateral da boate.

— Ruby!!! Corre!!! — eu rosno dentro do carro e ela não responde. Depois de uns trinta segundos
se pronuncia:

— Tô na ponta da boate, do lado de trás. Tô olhando agora mesmo para o agente. Quer que eu fure
ele??? — ela questiona.

— É óbvio! AGORA!!! Faça e saia daí!!! — eu respondo já me lamentando e a voz 'calma' de


Miguel se faz presente na escuta.

— Se for fazer algo, faça agora!!! Temos pelo menos cinco viaturas indo de encontro com vocês! Se
em trinta segundos vocês não saírem daí, vou acionar o protocolo de queima, e vou morrer aqui
dentro porque não vou parar na cadeia.

— Relaxa! Estamos lidando com a polícia militar de São Paulo, não com a inteligência. Se acalma
ou eu farei isso por você quando eu chegar aí!!! — respondo nervosa e depois de alguns minutos
vejo Rubi entrando em seu carro.

— Vamos nessa Fred!!!

— Tô descendo! — ele responde e arranco com o carro na frente.

— Nunca vi tanto amadorismo!!! — resmungo, tentando ficar calma, enquanto Rubi e Miguel me
olhavam com os dois olhos esbugalhados. Fred tava pouco se fodendo pra mim. Me olhava de cima
à baixo com aqueles olhos pequenos no meio da franja bagunçada, e aparentemente suja.—
Nada de manter protocolo padrão, desperdício de tempo útil, mais diversão do que trabalho!!!

Nessa última parte olho para a morena que tinha beleza, teimosia, e naquele momento, tom de
zombaria.

— Uma sujeira...

— Não tinha como fazer de outra forma. — ela fala e eu viro as costas. A sala de reuniões
estava fria e escura, assim como meu interior.

— Tinha, Grim, tinha! Podia quebrar o pescoço de ambos, bater a cabeça dos desgraçados na
calçada, fazer eles engolirem a própria língua... eu poderia ficar aqui a noite inteira falando
sobre as inúmeras possibilidades, um milhão de jeitos diferentes pra matar sem que seja entregue
de bandeja um padrão de execução para a polícia militar! — eu falo cada vez mais baixo e isso
assusta. Meu silêncio assustava... até mesmo a mim.

— Você vai ficar sem usar esse seu grampinho por um ano! Que mate com as unhas, pouco me
importa! E principalmente, vai parar de ter um casinho em cada point que frequentar!

— Catarina...

— Vai ficar fora das missões na rua e Miguel tomará seu lugar! Fred vai contatar a Glenda e
nessa semana estaremos livres. Vou ver Mariah, e enquanto eu estiver fora, vai tomar algumas
aulas básica de informação com Miguel, vai aprender tudo o que sabe e tudo o que não sabe.
Tudo de novo! — olho para Miguel e ele se segura para não rosnar — Vai ensiná-la, e vai
procurar fazer alguma coisa para acalmar esses nervos, e não estou falando de mulheres,
baladas, ou álcool.

— Está nos tratando como crianças! — ele diz e eu evito dar risada.

— Foi a impressão que vocês me passaram hoje. Literalmente. — respiro e inspiro — Aquele caso
vai ir direto para polícia federal, Grim será caçada, e ao encontrarem David e constatarem uma
morte tão sem explicação, o caso vai parar nos jornais. O banho de sangue do lado de fora
chamou atenção. Terei dor de cabeça, Fred vai ter que segurar as pontas, e isso vai refletir
diretamente na cúpula! Se isso acontecer, Chong vai nos fazer uma visita, e SE ISSO ACONTECER,
vou ter que matá-lo. Estão conseguindo acompanhar? Se não estiverem, eu digo: No fim disso tudo,
muita gente vai morrer.

Eu falo e um silêncio dolorido se faz presente. Não é porque éramos bons que não tínhamos medo
de morrer, ou perder um ao outro.

— Prometam melhorar, e podem ir!


Eu digo e Miguel levanta.

— Prometo melhorar!!! — ele diz, me abraça e sai.


Olho para Rubi, e pelo jeito — naquele momento —,ela está me odiando com todas as suas forças.

— Vou pra casa do meu pai... — ela resmunga e já ia saindo.

— Aquela casa não é tua, ele não é meu pai, muito menos o teu! — eu digo, ela para, e com
calma dá meia-volta para me encarar.

— É nosso pai e nos ama. Mesmo que você não suporte conviver com essa verdade. Os dois são os
pais que conheço, nunca vai conseguir tirar isso de mim.

— Nunca tentei tirar isso de você! O que sempre fiz foi tentar fazer com que você enxergasse a
realidade. — eu falo e ela ri.

— Ah! Cat, me poupe! Quem não enxerga a real é você. É assim porque sempre teve tudo! Quem
sempre tem demais não valoriza! — ela respira fundo e me olha nos olhos — Vou pra minha casa,
vou ver meu irmão, e vou matar a saudade dos meus pais!!! — ela ia saindo de novo, mas dá
meia-volta — Ah! Tem mais: eu não matei William!!!

— O que??? Por quê???

— Porque não era pra ser. Tirei o grampo do cabelo novamente e... ele caiu no chão; Nunca
derrubo nada no chão. Não era pra ser. Ele precisa ficar vivo, está no destino dele! Passar bem!!!

Ela diz aquilo na cara de pau, eu dou um passo desistindo de controlar minha fúria e Fred
rapidamente coloca a palma de sua mão esquerda bem no meu peito, me fazendo parar.

Rubi bate à porta com força e meu peito continua subindo e descendo rapidamente. Eu estava uma
fúria, eu era a fúria em pessoa.

— Dá uma segurada. Tá atingindo um limite delicado.

— Delicado??? Não ouviu nada agora???

— Delicado!!! São seus irmãos. O combinado é levar esse dom dela, à sério! Se ela disse que não
é pra ser, não é! Respira e mantenha o controle. — ele implora com toda sua calma irritante e tira
a mão de meu peito quando nota que não pretendo enforcar Rubi.

— Ela me odeia! Me odeia e está deixando isso atingir a equipe. Acha que não quero que seja
feliz. Eu a amo! Tudo o que quero é que seja feliz, tudo o que eu queria é que ela tivesse uma
família de verdade, mas ela só tem a nós. Ela tem que entender que só tem a nós!
— Porque você não diz logo a verdade para ela? Por que fica prolongando isso? — ele questiona
sentando na mesa e me olhando com cumplicidade.

— Não vê como ela ama aqueles dois?! Nunca acreditaria em mim. Nunca me levaria à sério.
Contar isso pra ela só iria nos afastar.

Falo a respeito de Ellen. Rubi não sabia, mas não viemos morar juntas com dezoito anos porque eu
queria ser independente e que ela me fizesse companhia. Naquela época eu ouvi uma conversa do
meu pai com minha mãe, conversa não, discussão.

Na versão de minha mãe, Rubi estava crescendo, virando mulher. Seus pijamas curtos, seus abraços
no meu pai, e sua beleza sexy demais a incomodavam. Ela com sua insegurança de sempre, não
estava mais aguentando ver Rubi desfilando beleza e sex appeal dentro de casa. Óbvio que meu
pai amava Rubi e nunca a olharia com os olhos maldosos pra ela, mas dona Ellen ordenava, seu
Tay obedecia.

Nem esperei pra ver ele 'expulsar' minha irmã. Ver ele cair na pilha da minha mãe e ser capaz de
expulsar Rubi — que não tinha ninguém no mundo além de nós —,de dentro de casa, ia
definitivamente acabar comigo. E o meu nível de decepção com ele já estava passando dos limites
desde que eu me conhecia por gente.

Naquela noite, quando ele veio conversar comigo no quarto, se surpreendeu ao notar que eu já
fazia as malas. Chorou, disse que daria um jeito, disse que amava nós duas, que éramos as suas
filhas, mas que jurou lealdade a Ellen, e que não podia evitar. Não queria que eu fosse. Prometeu
um lugar incrível para Rubi estudar fora do país, mas que eu ficasse, que sem as duas ele
morreria. Ele sempre dizia essas coisas...

Eu saí de casa chateada, chorando e arruinada, enquanto Rubi festejava por nossos 'pais' terem
deixados a gente ir morar sozinhas.
Para ela era uma aventura, o caminho para a independência, pra mim era uma derrota, era ela
expulsa de casa, era minha mãe vencendo, mais uma vez. E eu só queria proteger Rubi.

Desde então, recebo seus cheques todo mês na minha conta pessoal, Rubi os dela, mas nunca mais
olhei na cara dele ou atendi suas ligações. Apenas Rubi continua suas visitas, e apesar de ser
extremamente sensitiva, parecia nunca notar o verdadeiro sentimento de minha mãe por ela: Um
ciúmes controladíssimo.

— Eu entendo. Mas mesmo assim, se nunca contar, vai continuar odiando os dois sozinha! Nunca foi
de temer nada...

— Ah! Mas eu temo. Temo perder a minha irmã. Amo Rubi. Ela pode não acreditar, mas eu a amo.
E não odeio os dois, apenas não sinto nada. — eu digo e ele concorda.

— Hesitou em atirar nele?! — pergunto e ele olha para as mãos.


— Não. Ele correu, então...

— Nunca erra o alvo. Podia acertar ele correndo! Por que não atirou? É um complô com Grim? —
ironizo e ele nega.

— Prometo melhorar!!! — ele diz. E aquilo encerra o papo.

— O que acha que podemos fazer com relação a hoje?

— Nada. Mesmo porque o caso será arquivado. Rubi é profissional. Não deixou vestígios. Toda e
qualquer testemunha vai dizer que viu uma garota praticamente se defendendo. Vão ver os casos
de prostituição porque se tem quartos, é um puteiro. Já trabalhei em uma boate como aquela. E só
de baixarem a ficha do David vão dar outro rumo para a investigação!!! Com certeza é o que meu
pai responderia caso eu fizesse essa pergunta! — ele ri. — Fica tranquila!

— De qualquer forma, acho melhor Miguel virar policial logo, logo!!!

— Se isso for te deixar tranquila, chefia... apoio!

— Quem vê pensa! — dou um tapa em sua perna.— Vamos pro sul comigo!

Eu peço mudando de assunto e ele nega.

— Não quero ninguém olhando torto pra mim.

— Ninguém te olha torto. O problema está em seu complexo de inferioridade.

— E essa minha cara de sequestrador de criancinhas! rimos juntos.

— Vem mais cedo pra gente sair pra beber!

— Vai sair pra beber sozinho! Vai encontrar uma mulher, filho da puta! Vai morrer sozinho!!!

— Eu tenho você, não vou morrer sozinho. — ele diz franzindo o cenho e meu coração se parte em
dois.

— Mas a gente não transa. Somos irmãos. O que você precisa é de uma boa foda, Fred!

— Preciso porra nenhuma! O dia que você encontrar um cara, eu dou uma chance pra uma mulher.
— ele diz e fico impressionada. Ele jamais cogitaria aquela possibilidade.

— Jura???

— Juro. Sei que nunca vai querer mesmo, então vou manter meu voto de castidade! — ele ri, e eu
saio dali em direção a porta. Fred era bobo demais.

— Ei! — ele me chama — Fala com ela! Conte tudo antes que ela fique sabendo por outra
pessoa, ou de uma forma mais triste. Ela merece saber!

Escuto e saio dali refletindo. Vou para a quarentena e a encontro arrumando uma bolsa de mão,
menor que uma mala.

— Vai embora para nunca mais voltar? — pergunto, me sento na cama, e ela nem olha pra mim.

— Bem que eu queria! — ela diz emburrada, mas era difícil de acreditar.

— Então vai! Eu te libero da responsabilidade! — o que eu digo a surpreende, mas ela disfarça.

— Para morrer ao virar a esquina?!

— Eu nunca os mandaria apagar você, e obviamente nenhum dos dois fariam isso!

— Ah! Fariam sim! Seus dois súditos favoritos, fariam! — ela diz enciumada e eu dou risada.

— Rubi, sabe por que a gente não se dá bem e vire e mexe bate boca? — eu pergunto e ela me
olha curiosa — Porque você é mais apegada a mim do que eles, é mais minha irmã do que minha
espiã!!! Fred e Miguel não levam o que falo pro lado pessoal, não acham que tudo o que eu digo
é porque quero ferir os sentimentos deles! Sabem quando tô falando da organização e quando é
só a Catarina dando sermão, eles diferenciam!

— Mas você me persegue!!!

— Não, eu te amo! É diferente! Vem cá, senta aqui um minuto! — eu peço e preciso puxá-la —
Crescemos juntas, somos irmãs, óbvio que eu sempre achei que você chegou para arruinar a minha
vida, você sabe, sempre fui ciumenta, possessiva... achei que você ia roubar meus pais, passar a
ser a "tata" do meu irmão que tinha o Dom de me fazer "mal"!

Eu sempre fui teatral, dramática, irritante, mas éramos crianças! Nos acostumamos uma com a outra,
vi que o que queria ali não era me prejudicar, era só ter uma família!!! Para de achar que pego no
teu pé, que te odeio, que isso ou aquilo. Eu amo você, na verdade nunca odiei você!!! Não vou
dizer isso todo dia, nem demonstrar o tempo todo, mas amo você, sempre amei.

Toco em seu rosto macio e ela chora.

— Meus sermões é só mais uma prova do que digo. Vou te contar um segredo agora, que nunca
disse nem para Fred: Eu não tenho medo de nada, nada! Nem de morrer. Não temo a cúpula,
Chong, não temo ir presa, não temo ser torturada... nada. Mas tem uma coisa que morro de medo
de acontecer. Perder você! Eu sinto que eu morreria, literalmente! — me controlo e continuo —
Preferiria ficar lá e encarar aquele cachorro sarnento daquele policial a ver você saindo de lá
algemada.

Faço tudo para ver você em segurança e toda vez que eu me sentir ameaçada em ver vocês
ameaçados, vou surtar! E não vou ser delicada, não vou economizar nos xingamentos, e nem passar
a mão na tua cabeça porque você é minha irmã. Vou querer matar você, não pedirei perdão, e no
dia seguinte te darei um beijo de bom dia se eu estiver no clima! Quando te trouxe para essa
história toda, eu disse como seria, eu disse que ia precisar ser a ditadora, fria e calculista ou isso
aqui, nunca daria certo. Ser imparcial nos manteve vivos até agora, e vou continuar do mesmo jeito.

Eu falo e ela ri no meio do choro.

— Eu te amo assim, com essa cara e pompa de puta de luxo, toda gostosona! Aceito isso! — sorrio
— Então aceita esse meu jeito grosseirona, e às vezes escrota.

— Fascista...! Retrógrada...! Tarada enrustida... — ela diz com um dedo no queixo fingindo pensar.

— Aceito isso, senhorita ninfomaníaca! — eu falo e ela ri pulando em cima de mim. Quem visse isso
sem nos conhecer, ia parecer duas garotas prestes a transar.

— VAI LOGO!!! ME BEIJA!!! Te amo! Você sabe. Vem, Cat!!! — ela gargalha alto e finge querer me
beijar mas de repente para.

— Que foi?! — pergunto logo, ela sai de cima de mim, e se senta apalpando a cama.

— Rubi!!! O que foi?!

Ela continua procurando algo enquanto eu ficava cada vez mais assustada e de repente, ela
apalpa o bolso do meu colete. Rubi estava ficando roxa, nunca tinha visto aquilo.

Logo antes de eu começar a gritar, ela pega uma embalagem plástica do meu bolso — que eu
nem sabia que estava ali —,abre, e engole um pedaço de folha de uma planta melequenta.
Por fim se deita respirando com dificuldade, e aguarda.Meu coração já estava doendo ao vê-la
naquele estado. Entrei em choque.

— Que porra foi essa??? Vem!!! MIGUEL!!! FRED!!! — grito — Vamos pro hospital!!!

— Calma. Eu tô bem! É normal! — ela se afasta de mim e tenta sorrir se recuperando.

— Normal??? Tá maluca???

— Oque foi? — os dois chegam correndo e Fred se altera.

— Essa menina quase morreu na minha frente!!! Estava com a boca roxa. Parecia que...
— Esqueceu de mastigar o antídoto! — Miguel ri.

— Cala a boca! — Rubi resmunga pra ele.

— Aliás, ela coloca só por via das dúvidas, um punhado em cada um!

Fred tira o dele do bolso e agora sim, entendo o porquê só eu não sabia. Eu era a fascista. Ia
proibir.

— Bebeu o veneno???

— Esses caras sempre pegam o copo que eu não ofereço, e poucas os que eu ofereço, não tem
como saber. David me fez trocar de copo dizendo querer "mudar de bebida", o que eu ia fazer?!
Morrer sozinha?! Preciso tomar um chá antes, uma dessa logo em seguida, então fiz isso no carro, e
repetir a dose depois de uma hora. Só me atrasei, então você teve culpa! Brincadeira!!! — ela ri e
eu rosno — Estávamos conversando, passei do tempo...

— Você não tem nenhuma noção!!! — falo levantando da cama e ela me impede.

— Já tá brava comigo de novo? Prometo melhorar!!! — ela faz uma carinha do gato de botas.

— Está aí algo que me incomoda em você. Leva tudo na brincadeira, até a própria vida. — eu
digo e saio do quarto, deixando ela chateada de novo.

Finjo que não vi a última cena, e mesmo sabendo que teria pesadelos, abstraí. Rubi, um dia, me
deixaria completamente louca.

Pego minha bolsa e dirijo para minha casa de número um. A instituição para refugiados que visito
desde pequena com... bom, que visito desde pequena e que agora era meu lar.

Como sempre, era lotado de dificuldade, momentos de emoções, mas também muito amor e carinho.
Era lá que eu chegava e "me desarmava", não fazia pose, era só ser a princesa Catarina. Todas
éramos princesas, e eu amava aquela fantasia toda.

Lidar com a casa era difícil, a gente se apegava, lutava junto, as pestinhas me viam como a
irmãzinha mais velha, sofríamos, chorávamos, e vira e mexe, algumas famílias — já com emprego
garantido e casa alugada —,partiam. Era muito bom, mas dizer adeus era muito triste. Mais para
nós (amigos, irmãos, instrutores, tutores, babás de bebês de colo...) do que para eles.

Chego em casa e como sempre, sou recebida com abraços calorosos. Dona May era a mãezona,
responsável geral pela casa e uma mãe postiça para todos, inclusive para mim. Gael é o filho
dela. Cresceu ali, no meio de um amontoado de crianças carentes e também era feliz por ajudar a
mãe. Alto, moreno, barbudo, charmoso, e a alegria em pessoa.
— Três dias! Um recorde, hein... — ela diz assim que Nuah pula do meu colo.

May se soltou da ciranda que fazia com as crianças antes de colocá-las para dormir e veio até
mim. Era um ritual superdivertido. Canções africanas, cultura... um jeito de fazer as crianças matar
a saudade de casa.

— Desculpe, velha! Tive alguns problemas no trabalho. — eu falo e ela ergue sua sobrancelha
branca.

— É, eu vi no jornal agora pouco. — ela diz irônica e me dá um abraço.

Dona May soube de tudo por causa de uma noite que voltei para casa após me livrar de uma
encomenda com as roupas sujas de sangue. Tive que contar ou nunca mais voltar para casa.

— Já está nos jornais?! — digo preocupada, mas me lembro do que Fred disse e tento respirar.
Fred sempre tinha razão sobre muitas coisas.

— Já. — ela sorri triste e logo muda de assunto — Falei com Gael sobre sua proposta de levar as
obras das crianças para galeria. Ele conseguiu uma Van!!! — ela sorri feliz e eu fico ainda mais.

— Mas não era para se preocupar com o carro! Só queria saber se ele conseguia organizar
tudo!!!

— Eu consigo! — Gael se aproxima e me beija me pegando de surpresa.

— Aliás, consegui!!! Tudo certo!!! As telas estão separadas, as crianças se animaram... será incrível,
Cat! — ele me mostra seu sorriso branco de comercial de pasta de dente e eu correspondo.

— E quanto à venda?! Pro leilão?! Entenderam? Curtiram? Já pensei em tanta coisa bacana para
fazer no espaço vazio... até cursos!!! Conseguiremos uma boa verba.

— Eu expliquei que o dinheiro ia ser muito bom para todos eles, óbvio que amaram... mas só
concordaram em desapegar dos quadros se uma parte da grana fosse usada para comprar
alguns brinquedos. — ele ri.

— Até já sei quem deu essa ideia!

— A Jana, óbvio! — rimos juntos e May interrompe nossa diversão.

— Tá bem, tá bem... agora vem para dentro! Separei sua janta como todos os dias, e tem um
convite para te entregar!!! — ela fala me puxando pela mão.

— Convite??? Que convite???


— Primeiro, come! Depois te mostro!

Ela fala entrando na cozinha, abre o micro-ondas para tirar a tampa do prato, liga por um minuto,
e senta na minha frente.

— Eu não estou com fome!!!

— O que comeu hoje? — paro para pensar e noto que não tenho resposta, e isso faz ela sorrir.

Quando o micro-ondas apita, ela põe o prato na minha frente e apoia a cabeça nas mãos, toda
paciente e parecendo se divertir.

— Você é a velha mais chata que conheço!!! — digo ao terminar e ela responde apontando pra
pia. Lavo meu prato sem resmungar e estendo a mão pedindo para ver o tal convite.

— Indicação ao "Prêmio solidariedade do ano"??? Ah! Faça-me o favor!!! Fui indicada pelo o quê?
Por sugar sua energia e comer da tua comida? Dar mais trabalho do que todas as crianças juntas?!
— questiono e ela ri.

— Não vou listar o que fez, e faz por nós todos os dias! Pediram para indicar, seu nome foi
unanimidade.

— A casa é mantida pelo governo, tia May!

— Pelo governo que vive atrasando os pagamentos de todos, e que mais tira do que dá. Sabe
que o que gasta com a gente é mais do que eu posso dizer em voz alta. É só um carinho... — ela
se aproxima de mim, e como é baixa, deita sua cabeça branca no meu peito — Aceita a
homenagem indo até lá! Não precisa dizer nada, só diz que vai pelo menos pensar! É importante
para nós, retribuir pelo menos de uma forma simbólica tudo o que você nos dá sem pedir nada em
troca.

— Para de ser maluca, tia May! Vocês retribuem me dando um teto e mais afeto do que recebi em
toda minha vida!!! — faço ela desgrudar de mim e a vejo chorando.

— Ah! Não! Para!!!

— Então diz que vai!

— Tudo bem. Eu vou, então para! — eu digo e ela ri me apertando — Agora vou tomar um banho
e me arrumar! Preciso ir pro Sul, mas dessa vez talvez eu demore mais um pouco! Tenho uma
semana para descansar, e não vejo minha irmã faz um tempão!

— Você nunca para em casa! As crianças vivem com saudade da tia branca. — ela diz rindo, eu
paro para pensar e concordo, infelizmente.
— Prometo que volto lá pela sexta de tardinha! Fico sexta, sábado e domingo aqui, sem sair!!! Tá
bem?!

— Vou confiar. Se não estiver aqui na sexta, vou te por de castigo! — ela fala, dou-lhe um beijo
demorado na testa e corro pro meu quarto, para tomar um banho.

Aqui, pelo menos quando tô em casa, faço tudo. Não tenho nada da mordomia que tinha na casa
do meu pai ou da minha vó. Lavo meu prato, faxino o quarto que divido com mais duas pirralhas,
— Layla e Lumi, ambas com 13 anos, irmãs, já querendo se livrar das bonecas e me enchendo o
saco por um celular para acessar o facebook.— e cuido de algumas das atividades com as
crianças junto com os demais instrutores, assim como Gael. A própria dona May faz questão de
exigir que eu faça tudo, diz ela que quer deixar Gael e eu sabendo se virar quando ela não
estiver aqui. Obviamente, cheguei aqui sem saber o que era lavar uma meia ou varrer o chão.

Saio do banho, me troco, e Layla entra no quarto depois de bater.

— Você em casa!?! — ela me abraça, mesmo me vendo só de toalha e eu beijo o alto de sua
cabeça.

— Sim, mas já estou saindo! E desfaça esse bico. Final de semana tô de volta!

— Que ótimo porque já limpei o quarto duas vezes no seu lugar! E tem mais... devia me pagar
esses dias de trabalho extra, me dando o que te pedi!!! — ela fala sobre o celular, de novo.

— Já falei! Faça tia May autorizar e eu dou!

— Ela disse que não vai deixar. Que se der para mim e para Lumi, vai ter que dar para as cem
crianças que moram aqui! — ela fala cruzando os braços.

— Pois então. Como vou comprar cem celulares???

— Fala com ela! Ela te escuta!!! Ninguém vai dizer nada, eu ouvi o tio Gael dizendo que uma parte
da grana que a gente vai arrecadar vai para novos brinquedos para os pirralhos. Eles nem terão
tempo de ter ciúmes da gente. Peça a ela, Cat!!! — Layla implora segurando a blusa baby look
que separei para vestir.

— Vou pensar, e vou tentar!!! — eu pego a blusa de sua mão e ela senta em sua cama de solteiro
— Mas muito provavelmente ela não vai deixar. Agora preciso ir que tô atrasada! Se comporta
enquanto eu estiver fora! Vai ajudar o tio Gael com a ciranda! — eu falo e ela obedece depois de
ganhar outro beijo meu. Sorrio ao vê-la sair pulando do quarto, era só uma pirralha querendo
pular a melhor época da vida.

Visto uma calça jeans simples, saltos grossos quadrados, e levo uma jaqueta, pois sabia que assim
que o avião pousasse eu ia sentir a mudança drástica na temperatura.
— Tô indo, velhota!!! — eu a encontro junto com as tias da comida na sala, e me aproximo.

— Não esqueça! A festa é no domingo à noite. Por favor!!!

— Já disse que estarei aqui na sexta! — eu falo e ela afirma com a cabeça. — Quanto ao
assunto do celular...

— Nem pensar...

— Mas...

— Não, Catarina. E não é não.

— E se por acaso eu dar do mesmo jeito?!

— Vai ser responsável pelo o que elas vão acessar, pelo o que a So vai dizer, como as outras
crianças irão reagir, e principalmente, pela minha fúria! — ela ergue uma sobrancelha e eu
concordo com dor no coração.

— Tudo bem. Já vou. Te amo!

— Também te amo, menina teimosa! Vai com Deus! Me ligue quando chegar!!!

— Ligo.

Saio de lá, sou abordada por uma Lumi raivosa, distribuo mais beijos e consigo chegar até meu
carro na calçada. Só espero conseguir uma passagem de última hora.

— Tem algum objeto cortante, latas, vasilhames de cosméticos, desodorantes em spray...?! — a


atendente faz a pergunta de praxe no guichê e eu sorrio.

— Tenho uma arma. Serve?! — ela faz uma cara de tacho/assustada, mas disfarça fazendo a
profissional.

— Preciso do objeto e de seu documento de porte, por gentileza! — a bicha diz toda tensa, então
coloco a arma em sua frente e o documento do lado. — ela confere, como sempre, guarda a arma,
pois eu não podia levá-la comigo, e me entrega o adesivo para retirá-la no Rio Grande do Sul.

— Aqui está, faça boa viagem! — ela diz de repente sorridente e eu saio achando graça.

Dou três passos e sinto algo diferente. Sinto a mesma coisa toda vez que tô sendo observada.
Procuro meu problema e o encontro rapidinho. Naquele momento eu queria — mais ainda —,matar
Rubi.
Abaixo a cabeça para fazer a cega distraída, guardo o adesivo que deveria colar na minha
bolsa, e sigo meu caminho em passos lentos, como eu já estava antes.

— Ahn... oi! — o cachorro diz em voz alta atrás de mim, e eu respiro fundo ao me virar.

— Oi?

— Não sei se lembra de mim...?!

Ele 'pergunta' de um jeito que não parece uma pergunta, e o mesmo moleque de antes se coloca
ao seu lado. Ambos estavam na fila para despachar malas.

— Perdão...?

Nego sorrindo e ele parece ficar nervoso com a resposta, por isso fica calado e sem graça.

— Posso te ajudar em algo?!

— Desculpa moça... como é seu nome?! — o garoto questiona.

— Pode me chamar de Lis! — digo meu sobrenome por pura insegurança e ele afirma.

— Nome lindo hein!!! O meu é Tiago! Muito prazer! Então Lis... meu irmão aqui, é meio tímido! Mas,
você aceitaria tomar um café com ele qualquer dia??? Desde que ele te viu não para de falar em
você! A minha cunhada é meio assim, — ele balança a mão querendo dizer "mais ou menos" ou
"meia boca" e entorta um pouco a boca.— então seria muito legal se você ficasse no lugar dela...
aposto que tu é muito maneira, mais bonita com certeza é!!!

Ele diz sério e na maior cara de pau. Tinha um sotaque carioca muito forte e charmoso.
Evito dar risada para não dar abertura e olho para o cachorro. Logo o vejo suar frio e ficar puto
com ele, mas ainda assim, ele ri da graça que o irmão fez.

— Quer dar o fora?! — ele pergunta, o moleque pisca para mim, e se retira.

— William Castro — ele me estende a mão e eu pego por educação — Te vi na saída do


Miragem...

— Prazer. Mas... me abordou porque me viu? Faz isso sempre? Isso me parece meio estranho...

— Não, escuta! Me perdoe. Sou policial federal e sou decente!!! Eu juro!!! — ele ri nervoso, mas eu
não.— É só que por um momento, achei que te conhecia, de algum lugar!!! Eu... eu não entendo.
Queria ter certeza que a gente nunca se viu ou nos falamos.

— Entendi. Legal. Eu... preciso ir! — eu aponto para as minhas costas e ele parece lamentar.
— Sobre tomar um café, acho que meu irmão é um tanto quanto babaca às vezes, mas seria legal
caso aceitasse... só um café, um bate-papo, só queria entender o que tô sentindo por uma estranha.

Ele fala e eu me sinto a beira de um surto psicótico. Já sentia meu peito subindo e descendo, e
respirar não era o suficiente, não estava dando...

— Desculpe, mas não estou afim. Você definitivamente não faz meu tipo. — eu falo, viro as costas
para sair de lá e me sinto sendo puxada para voltar por uma força sobrenatural.

Aquele cachorro era do bem, era gentil, era honesto, e posso dizer até que era um cara carinhoso,
respeitoso, e mais, eu podia ver, estava claro para mim. Mas, em contrapartida, era um policial
federal, era um policial honesto demais, e era carinhoso, gentil, do bem, e mais... para me
prejudicar e foder com a minha vida era um-dois!

— E quem faz seu tipo? Garotos mais novos, que frequentam o Miragem?! Playboys? Filhinhos de
papai, talvez? — ele diz e eu paro de andar.

— Não sei. Nada contra garotões barra homens que tem dinheiro! Se nenhum deles me abordarem
no aeroporto feito um maníaco... já ganham um ponto comigo. — eu digo e ele ri ao invés de ficar
puto.

— Não tem nada de maníaco em ficar encantado por uma mulher e chegar nela para dizer isso.
— ele dá mais um passo para se aproximar e eu me preparo para fazer ele tombar no chão.—
Me desculpe se assustei você. É só que parece que eu vivi toda uma vida para no fim, chegar até
o Miragem e te encontrar ali! Me senti aliviado por encontrar você. Sinto que agora posso parar
de te procurar. — ele não sorri e seus olhos brilham.

— Me abordar não foi bizarro o suficiente?! Tem que tentar me paquerar com frases feitas tiradas
do google?

— Eu não fiz isso. Nem sabia que te encontraria! Fui espontâneo. Estou te dizendo, porque quando
chegar em casa quero conseguir dormir e não ficar pensando, "Nossa, eu deveria ter falado isso
para ela!"... — ele sorri como um galã de novela e me deixa enjoada — Só gostei do que vi e
tenho consciência de que não sou o primeiro!

— Coitada da tua namorada... ela nem deve saber o quão cara de pau você é! Sorte a dela que
sou muito inteligente! — eu falo e ele olha para minha boca.

— Tô solteiro, acabei de saber que uma tia faleceu, não tive tempo de falar sobre o término com
meu irmão, então ele nem sabe. — ele pisca e parece que fez isso em câmera lenta — Até logo,
Lis. A moça dos olhos azuis-céu depois da garoa de verão. Foi bom saber que você é apenas uma
fujona e parente do Flash, e não fruto da minha imaginação... — ele diz todo romântico, parecendo
ter certeza que me veria de novo.
— Adeus, William. — eu digo, ele sorri, e saio dali, com mais pressa do que antes.

Abusado. Cachorro. Minha mãe costumava dizer que as tonalidades dos meus olhos eram de um
céu azul de nevasca, que apenas a neve cessou só para eu nascer.
Nasci em um dia dramático, nada poético.
Babaca metido aDon Juan.

(...)

Acordo com a luz forte do sol entrando pela janela e limpo os olhos. Parecia que fazia uns dez
graus negativos. Frio demais...

Me cubro direito, pego meu celular, e vejo três ligações perdidas do meu pai. Eram 11:00hrs am.
Penso nele. Me lembro do dia em que ouvi minha mãe brigar com ele falando sobre Manaus, sobre
Pedro, sobre Juliano, sobre tortura... ela estava puta com alguma coisa e então jogava tudo na
cara dele por algum motivo. Passei lá procurando por Rubi, e encontrei Dom superassustado,
chorando na sala.

Depois disso me lembro de quando fui até Jon, fiz ele me dar a senha do seu computador, e além
de me dar acesso a tudo o que tinha, ainda me deu o contato de Fred. Salvar Fred me fez chegar
até Manaus. E de Manaus, até aqui. A garota que descobriu que o pai era assassino e virou uma.

Era mais fácil dizer que quis chamar a atenção dele, mas não. Conhecer aquele mundo me deixou
encantada de alguma forma. E eu, que sempre quis ser uma princesa, virei uma espécie de heroína
do mal. A verdadeira vilã de quem devia... a garota mimada metida a princesa que não precisava
ser salva.

— Ser salva... — resmungo irônica e ligo para Fred.

Ele atende no primeiro toque.

— Oi.
— Tudo bem?
— Tudo certo, e você?! Já chegou???
— Já. Estão todos aí?
— Não. Rubi ligou avisando que ia viajar para a fazenda de vocês no Sul com a sua família, mas que
logo voltava para o castigo com Miguel.
— E Miguel?
— Miguel está a postos! Falei com a Glenda e já avisei sobre essa semana. Tudo certo.

(Ouço Miguel falar algo na linha e Fred faz silêncio por um momento.)

— Ele tá querendo saber se pode ir até você para ver seus pais, já que a Rubi também escapou?!
— Coloca no viva-voz,para ele me ouvir também!!!
— Pronto.
— Rubi tá fora dos trabalhos até a segunda ordem, então ela pode descer até o inferno se quiser!
Por causa da eficiência dela e do Fred, aquele cachorro sarnento me abordou no aeroporto, e
deixou muito claro que me veria de novo! Estão entendendo??? Um delegado federal na minha
cola!!!! Então passarei a semana aqui, o final de semana na dona May, e na segunda-feira, volto
pro museu para ouvir ideias de como eu vou matar o novo delegado federal que tá gamadinho
em mim, sem alarmar Brasília. Quero ideias ótimas, por isso, Miguel... trate de saber tudo a respeito
do cara, subir a ficha completa, ele muito provavelmente é do Rio... faça isso e depois venha pro
Sul. Me entregue o que eu quero e te dou um descanso. Enquanto eu apago o filha da puta, deixo
você vir procurar o colo dos meus pais. Deu para entender ou está complicado?!
— Deu para entender!
— Ótimo. — digo e desligo o celular, com a certeza que deixei Fred em estado de alerta.

Naquele mesmo momento ouço um barulho de piano maravilhoso... escovo os dentes, visto um
moletom, e desço. Mariah estava tocando, enquanto meu pai lia o jornal no sofá. Uma casa com
equilíbrio, paz, e música clássica no piano, algumas das coisas que eu mais amava e prezava na
vida.

— Ei!!! Bom dia, princesa! — meu pai levanta do sofá e eu ganho um abraço — Que saudade de
você!

— Como vai, pai?

— Estamos ótimos. E você?

— Ótima também!!! — eu respondo e ele me abraça ainda mais forte.

— Até que enfim acordou... — Minha lindaBoaDrasta entra na sala e o abraço vira duplo — Por
que não nos acordou assim que chegou???

— Jamais faria isso!

— Mas devia ter feito! Assim eu podia dar o sermão pela demora, ontem mesmo!!! — Mariah sai
do piano e o abraço vira triplo.

— Eu fui no teu quarto ontem. Te dei um beijo e te cobri!

— Como sempre, né?! — ela ri e seus olhos brilham.

— Como sempre e para sempre!!! Sua girafona!!! Cada vez que eu venho aqui, você está maior.
Não pode passar de mim!

— Não vejo a hora de passar! Sabe o quanto sou competitiva! — ela ri e me abraça de novo.
— Vem, vou passar outro café para você!! — Laura me puxa, e papi e Mariah nos acompanham.

— Como estão suas crianças refugiadas? — ele questiona na mesa e eu conto tudo. Todas as
'novidades' que ele pergunta.

— E seus pais!? Já foi vê-los, como pedi?

— Ainda não estou pronta, pai! Espero que entenda isso! — eu digo chateada e ele concorda.

— Seu pai te ama, Catarina! Precisa de você! Sua mãe continua uma maluca enciumada, mas
também te ama. Já está na hora de parar de castigá-los. — Laura diz.

— Meu pai sempre fez questão de priorizar minha mãe em todos os quesitos da vida dele, e minha
mãe fez questão de priorizar os planos de encher ele de filhos, e virar a soberana ali. Eu apenas
fiz questão de viver a minha própria vida! Não nos damos bem desde sempre. Está na hora de
vocês aceitarem isso.— digo e Mariah fica triste no ato.

— Cat tem razão, mãe. A gente sabe que nunca teve entendimento ali. — ela diz e olha pro meu
pai.— E você tem que aceitar que ela prefere o senhor! E não é difícil entender o porquê, não é?!
Você é o melhor pai que ela poderia ter. Se fosse o contrário ele nunca tentaria aproximar vocês
dois, e todos nós sabemos disso!

Ela diz com convicção e ele sorri.

— É que esse bobinho é só amor, é diferente dele e tem orgulho disso, e eu entendo. Mesmo
sabendo que ele nunca o ajudaria, ele faz a parte dele e é por isso que o amo cada dia mais,
mais do que antes! — eu digo e vejo seus olhos brilharem — Amo ele, amo sim, mas ele é melhor
sendo marido, do que sendo amigo — olho para Laura e ela sorri triste — ou sendo pai.

Eu digo e todos fazem silêncio.

— E seus avós?! — meu papi pergunta mudando de assunto.

— Semana retrasada fui até lá! Estão bem... continuam se amando mais do que qualquer outra
coisa, e como sempre, ficaram muito felizes quando me viram. Passei na tia Nina, passei no
Gustavo... Estão todos bem!!! Gustavo disse que a Gabi viajou com o noivo dela, mas agora acho
que os outros estão todos aqui no Sul, na fazenda. Não sei bem se todos, mas o casal dez estão,
parece até que trouxeram Rubi junto.

— Nossa, sua mãe está se dando bem com ela??? — Laura questiona.

— Não sei. Acho que não. Acho que Rubi gosta demais do meu pai para poder aguentá-la.
Parece que finge não perceber nada.
— E meu irmão???

Mariah pergunta sorridente.

— Tá trabalhando bastante, mas soube que logo pretende vir pro frio.

— Ele tá cuidando bem de você? — ele pergunta em tom um firme. Como sempre.

— Sim, pai! Miguel é muito na dele, não enche meu saco, e quase não para em casa. Trabalha
demais, mas não me deixa faltar nada e é um parceirão. — digo e vejo dona Laura parecer triste.

— Parou com a farra??? Não acredito... — ele solta, agora com humor.

— Ele tá tranquilo!!!

— E os namorados? Está namorando??? Precisamos conhecer alguém! — Mariah diz fingindo


seriedade — Papi tá começando achar que você é gay! — ela diz e eu olho para ele.

— Acha isso?

— Claro que não! Não sei o que se passa na cabeça dessa menina! — ele olha feio para Mariah
e ela ri.

— Para pai, fala de uma vez! — ela diz e ele fica vermelho.

— Se você for, não me importo!!! — ele diz me olhando nos olhos e eu dou risada.

— Apenas vamos querer conhecer do mesmo jeito, meu amor!!! — Laura diz rindo também, e eu
respiro fundo.

— Não sou lésbica! Relaxem. E se eu fosse, falaria. Apenas não encontrei um cara que me mereça.

Mentira. Apenas não encontrei nenhum homem que parecia ser capaz de guardar um segredo
como o que eu tenho. Simples assim. Meu trabalho era complicado e perigoso, e principalmente,
minha prioridade. Não posso arriscar conhecendo um babaca e depois de entregar meu coração
eu acabar tendo que matá-lo. Eu não queria isso.

— Aposto que dá fora em um monte!!! — Mariah diz e eu dou risada.

— Até parece. Quem vê, pensa! Não tenho tempo para esse tipo de bobagem! Estou feliz sozinha!

— Mas aposto que ficaria ainda mais feliz com um boy magia paulistano!!! — Laura diz e meu pai
olha para ela. Outro ciumento.
— Boy magia, paulistano?!— ele pergunta e ela ri enquanto bebia seu café. Ninguém comia
porque já tinham tomado café mais cedo, mas de repente, ela queria café.

— Vem aqui! Vamos conversar ali na sala!!! — ele se levanta segurando um riso e ela solta uma
gargalhada toda medrosa.

— Yan, para!!! Yan!!! — ela sai correndo ao passar por ele, mas ele vai atrás dela com calma...

— Vão encomendar mais um filho... eles são tão nojentos!!! — Mariah diz rindo.

— Eles se amam. Você tem sorte! — eu digo de repente triste, e ela ri.

— Já implorei para vir morar com a gente. Poderia ter essa sorte também.

— Já disse que não dá, não agora!!! — eu digo e ela ri ainda mais.

— Bom, azar o teu! Mudando de assunto, tenho um babado dos grandes para te contar! Ontem
seu pai ligou para minha mãe para contar que a Rubi estava em casa, todo feliz!!! Que tinha
esperança de se resolver com você, porque a sua mãe chamou ela para conversar e pediu
perdão! Ela contou tudo para Rubi, tudinho! E a Rubi a perdoou! Estão bem!

— É mesmo?!

— É. Pelo jeito, enfim, a sua irmã vai ter seus pais só para ela! — ela diz erguendo uma
sobrancelha e eu rio alto.

Sempre suspeitei que Mariah, agora no auge de seus 16 anos, nunca fora com a cara de Rubi por
ciúmes de mim.

— Nossa, que droga! Ela vai roubar meus pais! Estou tão triste!!! — faço uma cena teatral com a
mão na testa e a pirralha perde o sorriso.

— Querida, sua mãe, minha madrasta, foi mais minha mãe do que ela! Conseguiu ser dura na
minha educação e ainda assim, ser mais carinhosa e compreensível do que ela jamais foi! E seu pai,
me viu nascer, e é o melhor pai que eu poderia ter, como você mesma disse. Tenho certeza que se a
dona Ellen não o tivesse chutado, ela seria uma pessoa melhor. Minha mãe era mil vezes melhor
com seu pai do que com o meu, então aceita. Eu não tenho nada a ver com aquela família! Rubi
pode ficar com ela todinha para si.

Eu falo, deixo ela irritada e saio dali em direção a porta. Meu pai e Laura se abraçavam e riam
no sofá.

— Ai, que grude!!! Eu cheguei! Parem com o grude!!! — sento no meio e atrapalho porque sou
dessas!
— Passa!!!

Do nada meu pai estende a mão para Laura e ela ri.

— Depois eu pago. Não ando com dinheiro dentro de casa!

— Qual foi a aposta? — pergunto e eles riem.

— Aposto que foi você quem ia sentar bem no meio e atrapalhar o clima de namoro da velhice! —
Mariah diz rindo e eu entorto a cara para ele.

— Vocês estão muito chatos. Vou embora! — faço manha e consigo o que quero quando ele me
puxa, me abraça e me enche de carinho.

Laura vai pro banho dizendo que, como eu cheguei a gente precisa ir passear, Mariah volta pro
piano tocando Mozart, e eu continuo recebendo carinho do meu papi amado. Como tinha que ser.
Na mais santa Paz.

— Eu não sei vocês, mas vou tomar um banho e cair na cama. Tirar uma soneca da tarde. — Laura
diz antes de subir pro quarto assim que a gente chega da rua.

— Eu vou junto! Também estou exausto. Culpa de duas crianças que parecem duas pré-
adolescentes ao chegarem no shopping.

Meu pai reclama, dá um beijo em mim e em Mariah, e sobe atrás dela.

— Pronto. Agora é o momento do conte-me seus segredos enquanto me faz pipoca!!! Vem!

Mariah me puxa até a cozinha e pressiona querendo saber de algo.


Infelizmente, dessa vez, eu não tinha nada para contar.

— Para!!! Você sempre tem algo novo. Sua vida em São Paulo deve ser uma aventura...

Ela diz me entregando a pipoqueira.

— Bom, acho que no domingo tenho uma premiação para ir. Acho que serei homenageada por
causa da instituição. — eu digo e ela grita, pula, e fica feliz por mim.

— Eu não disse?! Você sempre tem novidades!!! E que novidade!!! Parabéns! Chegou bem tarde,
devia ter recebido há anos atrás!

— Fala baixo. Devia nada. Não mereço nada daquilo, não sou nada do que dona May pensa. Ela
mais me ajuda do que eu ajudo lá em casa! — eu falo e ela faz careta.
— Você é tão chata!

— Sou não. É que não ajudo esperando algo, não gosto disso. Para mim, gente que é solidário de
verdade, dá no privado, no particular, entendeu?! No seu íntimo com Deus. Quem espera por
reconhecimento ao fazer caridade apenas quer se promover...

— Você tem razão. Mas sabemos que ajuda por amor, que é de coração, então um trofeuzinho de
prata é o mínimo que você merece. Ir até lá e deixar todo mundo saber que, apesar de já ter um
trabalho, você é voluntária e ainda apoia as crianças, é inspirador. Será que a mamãe me deixa
ir?!

— Se eu pedir creio que sim!!! Você quer?!

— Óbvio. E na hora que eu contar, os dois vão querer ir também, né!!! — ela ri, me ajuda com a
pipoca, e passamos a tarde no sofá da sala.

— Me diga uma coisa, tata... tu realmente não tem ninguém?! — Mariah tem sua cabeça no meu
colo e já parecia sonolenta.

— Não.

— Não sente falta de sexo?

— Você não acha que tá muito nova para ter esse tipo de papo?

— Tenho 16, Catarina. Se eu não falar disso contigo, vou falar com quem? Papai? — ela ri e eu
nego com a cabeça.

— Certo. Eu sinto falta, mas fico tanto tempo sem, que não faz muita diferença.

— Mas não quer ter um namorado?!

— Não posso ter. Não agora! Para gente oferecer nosso coração para alguém, a pessoa tem que
ser muito especial, tem que merecer, e eu ainda não encontrei essa pessoa.

— Mas nossa... você deve ser terrível namorando!!! — ela gargalha alto — Toda ciumenta e
possessiva.

— Pois é, e tem mais essa! O cara vai precisar ser muito forte e paciente!!! — falo e ela ri.

Continuamos conversando, os pombinhos desceram para jantar, contamos histórias antigas na frente
do fogo incessante da lareira e logo fui colocar Mariah na cama, como se ela fosse um bebê.

— Eu tenho uma pergunta!


Ela diz quando meu pai e Laura saem do quarto após o beijo de 'boa noite', Mariah tinha
acabado de sair do banho.

— Pergunte.

— O que faria se estivesse apaixonada por alguém proibido?! — ela me olha desconfiada e eu
fico com medo.

— Por que? Você está? Me diga quem é!

— Não responda com outra pergunta.

— Eu não sei. É uma situação difícil. — tiro minhas botas e deito com ela — Se essa pessoa é
proibida eu já nem cogito essa possibilidade. Melhor passar alguns dias, ou meses, sofrendo, do
que passar anos de sofrimento, ou magoar meus pais, minha família...

— Mas e se você amasse muito ele??? Ia ficar pensando nos problemas? Nas pessoas?! Não acha
injusto não pensar na sua felicidade???

— Mariah???

— Não vou dizer nada! Só quero saber o que você pensa.

— Penso que você não devia fazer nada que vá desestabilizar meu pai ou sua mãe, fazer Miguel
ficar descontrolado, ou me deixar furiosa! Termine seus estudos e depois pense em namorar, e
esqueça isso de namoro proibido.

Dou um beijo em sua testa e ela sorri fechando os olhos. Acordou muito cedo, aposto que logo
estaria dormindo.

— Boa noite, amorzinho! — eu digo e ela nem abre os olhos.

— Boa noite, tata! — ela diz com a voz fraquinha e eu saio do quarto segurando as botas nas
mãos.

Bato no quarto do meu pai e ele me deixa entrar.

— Posso falar com você lá em baixo? — pergunto sussurrando e ele confirma aflito. Estava lendo
um livro enquanto parecia que Laura já estava apagada — Só vou tomar um banho!

Eu digo, fecho a porta, tomo um banho rápido no meu quarto e desço. Meu pai estava no telefone
com alguém, e parecia ainda mais aflito.

— Quem é?
Pergunto na hora e ele me mostra um dedo me mandando esperar.

— ...eu entendo, mas o que isso significa? Não. Tem certeza? Depois de tanto tempo, Jon??? Sim,
óbvio, vou contar a ela e acordar Laura, ela ia querer saber no ato, obviamente!!! Não sei o que
dizer, não posso deixar minha mulher sofrer por isso depois de anos tentando se recuperar! Eu sei,
vai dar tudo certo, sim! Faço questão que dê!!! Quando??? Venham, claro! Podem vir! Combinado!
Obrigado, Jon.

Ele fica resmungando baixo, logo desliga o telefone e passa a massagear a têmpora.

— O que aconteceu??? — pergunto e ele sorri.

— Vamos em partes. Primeiro me diga porque me tirou da cama, deve ser importante. Isso o que
falei com Jon, pode esperar. Você fala e depois eu falo.

Ele diz, me sirvo de vinho, ele diz que não quer então bebo sozinha.

— Mariah me veio com um papo estranho sobre romance proibido. Fiquei bem preocupada. Acho
que ela está gostando de um garoto que você não vai gostar de saber quem é! — eu digo e ele
suspira.

— Ela já falou disso com a Laura. Suspeitamos de quem seja. É só uma paixonite... vamos resolver
isso no tempo certo.

— Ok. Mas quem é?!

— Por que você não a faz falar e aí podemos ter certeza?! Não quero dizer nada sem ter certeza
absoluta. Não quero ser injusto com ela.

— Tudo bem. Quem você suspeita?

Pergunto já nervosa e ele olha nos meus olhos.

— Temos algo um pouco mais grave para nos preocupar agora, filha!!!

— Mariah é mais importante do que qualquer assunto que Jon possa vir querer colocar na ata dos
problemas recentes da família. Quero saber!

— Você não vem para casa faz algumas semanas. Muita coisa aconteceu...

— Não tenho sono e nem pressa. — eu falo na lata e ele rosna mal-humorado. Já estava ficando
nervosa com aquela enrolação.

— Eu e Laura suspeitamos que ela gosta de um de nossos funcionários. Um guri. Deve ter seus
dezoito anos. "Trabalha" — ele faz aspas com os dedos — aqui desde os quinze com seus pais.
Enfim, mais velho, sem nenhuma ideia do que quer pro futuro, e tem mais um monte de pontos
negativos, mas eu já achei o suficiente ele ser maior de idade enquanto ela ainda é uma criança.

— Qual o nome dele? Aonde ele está agora?! — eu pergunto e ele nega.

— Não vai importunar o moleque. Deixe ele em paz.

— Tudo bem. — minto — Eu até pensei que era muito mais grave. É só mandar ele e a família
embora, arrumar outro emprego em outra filial. Não temos outra pousada em Porto Alegre?!
Manda ele para lá!

— Já tentei. Ela chegou na hora em que ele estava de malas prontas. Me fez mudar de ideia,
deixar ele ficar e em troca ela esquecia esse namorico criminoso.

— Tá, então você sabe!!! Disse que só suspeitava.

— Eles viviam agarrados, e à noite no telefone... quando ameacei mandar ele para longe, ela
insistiu que eu estava cometendo um erro, que eram só amigos, e que o que eu ia fazer era uma
enorme injustiça, nas palavras dela: "Bah! Mega injustiça, Tchê"! — ele ri — Eu não sei, não gosto
dele perto dela, mas algo me diz que tem algo mais aí, uma outra história, afinal, ela continua
negando de pé junto que não tem nada com ele.

— Laura não virou ele de cabeça para baixo?!

— Virou! Mas ele é fiel a essa "amizade" que eles têm. Ele não disse nada.

— Posso fazer ele falar.

— Pode, mas não vai se aproximar dele. Já falei!

— Aham. Tá bom! Agora me diga, qual é a boa nova do Jon?! Só espero que não comece com
"Era uma vez...". Espero que seja um problema novo. — eu falo e ele se levanta.

— Sinto muito! Começa desse jeito mesmo!!!

Ele diz, eu suspiro, e Laura chega na sala antes dele ir chamá-la. Tinha tirado seu "uniforme" preto
e antigo do armário, e apesar de não conhecê-la na época em que era uma assassina de aluguel
junto, com meu pai, notei que aquela lá não era minha boadrasta... aquela era uma outra Laura e
meu pai a reconheceu logo de cara. Parecia nervoso, e algo mais.

— Vai aonde vestida assim? — ele pergunta enquanto ela procurava as chaves do carro.

— Vou pro Rio.


— Seu melhor amigo está vindo para cá junto com a família toda!

— Não me importo. Vou resolver isso logo de uma vez. Essa reunião será inútil enquanto aquele
verme estiver vivo.

— Vamos resolver isso juntos, amor! Você sabe o que a gente precisa fazer, conversamos sobre
isso há anos! Senta! Precisamos falar com Catarina. Pensa em Mariah, pensa em Miguel, não aja
por impulso.

— Mas é exatamente nos meus filhos que estou pensando!!! — ela responde com um tom mais alto
que o normal, e eu fico impaciente.

— Senta os dois, e comecem a me contar, agora!!!

Eu só falo e os dois logo sentam. O medo de me ver surtar era real na família toda. Acho que até
dona May tinha esse medo.

— Aquela mãe do Pedro, a que estava doente e internada... faleceu, enfim! Ela morava no Rio, a
família toda dele é de lá. Ela escreveu uma carta para um sobrinho que é policial federal,
contando tudo o que sabia, ou suspeitava, sobre o sumiço do Pedro.

— Sobrinho Federal, do Rio?!

Questiono irônica e ele afirma com a cabeça. Não, seria muita coincidência.

— E como Jon soube disso?

Pergunto, mas quem responde é Laura. Sentada estava, sentada fiquei. Apenas olhava de um para
o outro, e tentava prever o momento que um deles surtaria.

— Jon sempre teve um cara trabalhando para ele, é vizinho e muito próximo da família. Ligou
para ele e avisou da morte e da carta. Tem passado informações para ele durante anos... Jon se
manteve precavido.

— Parece que já até previa...

Eu digo e os dois me olham com um semblante assustado.

— De alguma forma ele sabia que isso aconteceria?!

Pergunto e os dois fazem silêncio. Resposta óbvia.

— Jon suspeitava por causa de uma profecia da Jade. Quem sempre soube... — ela começa a
contar, mas meu pai olha para ela de um jeito estranho.
— Meu pai sempre soube. É isso, Laura?!

— É. — ela diz olhando pro meu pai — Foi para ele que Jade profetizou. Ele não pôde contar
para ninguém, era uma condição. Por favor, não comece uma guerra com ele por causa disso.

— Eu? Começar uma guerra?! Nunca. — ironizo e me retiro dali sem terminar completamente o
assunto. Já tinha escutado o suficiente — Vou dar uma volta.

Me agasalho, pego meu celular e minha arma, e sigo até a recepção 24hs da pousada.

— Oi, Ju!

Falo com Juliana, a recepcionista.

— Oi, KitCat! Quanto tempo!!!

— É, pois é... Como tá o movimento hoje?

— Tá bem movimentado, graças à Deus!

Confirmo com a cabeça sorrindo e ela começa a tagarelar.

— Escuta... meu pai falou a respeito do namorico da Mariah! Sabe quem é o garoto, né?! Conta aí!

Corto o assunto e ela perde o sorriso.

— Se ele não te contou, acho que não devo.

— Fala logo, Juliana.

— Caio. E ele tá com os cavalos agora. É hora da vistoria dele, mas escuta... — ela diz quando eu
já ia saindo — Se não fosse, eu falava para você, mas vou dizer: O pirralho é do bem, tem bom
coração!!!

— Certo. Obrigada, Ju! — eu digo e vou até lá.

Bom coração não sei, mas para estar cuidando dos cavalos à essa hora, devia ser trabalhador até
demais. Menos um ponto negativo de um bilhão, foda-se!

— E aí, Caio, né?!

Entro no cercado e vejo que ele já tinha levado todos os cavalos para as suas devidas baias.

— Isso! Posso te ajudar? — ele sorri. É um garoto bonito, e simpático.


— Sou a filha do seu patrão! Catarina!

— Prazer! — ele me estende a mão depois de limpá-la na calça — Mariah fala muito de você.

— É até sobre isso que vim falar com você!

Eu falo e ele também perde o sorriso. Hoje eu estava com o 'Dom' de fazer todo mundo perder o
bom-humor.

— Olha, eu não tenho nada com ela, ela é menor, somos só amigos! Só tenho um carinho por ela,
respeito muito a guria! — ele diz na defensiva e eu me aproximo.

— Então me diz quem é a tal pessoa proibida que ela gosta!!!

— Ela tem medo de dizer, não diz nada nem para mim!

Ele mente. E descaradamente, tanto que até gagueja.


Por isso, não perco tempo e vou logo direto ao ponto. Tiro minha arma do cós da calça, e como a
gente diz em São Paulo, dou um 'apovoro' nele.

— Escuta aqui, moleque! — engatilho a automática e coloco em sua têmpora, estávamos falando
da minha irmã, então eu queria mais é que ele se explodisse — Vou perguntar só mais uma vez, e
se você não me contar o que quero saber, vou acabar com tua raça aqui e agora, e ninguém
nunca vai saber o que aconteceu com você!

— Ela nunca me perdoaria... — ele chora.

— Vou fazer um favor na gentileza para tu! Não contarei. Agora desembucha!

— Não adianta! Não vai contar, mas eu vou saber e isso vai me matar!!! Posso morrer de qualquer
jeito, e morrer ficando vivo, é muito pior.

— Tô morrendo de dó!

Ironizo e ele geme quando eu aperto o cano nele, só para mostrar que eu não estava brincando.

— Vai moleque!!! Quer morrer aqui por causa de um segredo adolescente???

— Não!!! Eu conto. Eu conto... — ele diz, leva um empurrão meu, e eu aguardo ele começar a falar
— Vou dizer tudo o que ela me disse, mas depois de te contar vou até lá e vou contar que ela está
enganada quanto a você. Acho que ela tem direito de saber que a irmã favorita dela não é esse
anjo todo, esse amor em pessoa que ela pensa que é!!! Vai ficar decepcionada por causa de minha
traição, mas também nunca mais vai olhar na tua cara por isso!!! Vai odiar você.
— Ela só vai entrar para uma lista extensa. Posso continuar amando-a por mim e por ela. Vai
falando...

Eu dou risada e ele me conta quem é a 'pessoa proibida'.

— Muito obrigada, Caio! — eu falo e ele faz uma cara de nojo para mim — Por um lado fico feliz
que não seja você! Nunca mais seja um covarde. Não importa o que te façam, se te ameaçarem ou
torturarem... nunca traia quem você ama! É muito feio um homem sem honra.

Digo e saio dali com um sentimento horrível e me sentindo péssima. Péssima por Mariah.

(...)

— Quem você pensa que é para fazer isso comigo? Tratar o menino desse jeito??? Colocou uma
arma na cabeça dele!!! Você anda armada???

Mariah me acorda aos 'gritos' de manhã. A impressão que eu tinha é que pisquei e ela estava lá.
Não dormi nada, praticamente vi o sol nascer, só pensando nessa história toda!

Me sento na cama com ela em cima de mim, e pego meu celular, eram seis horas da manhã.

— Sou sua irmã!

Digo com a voz ainda grossa, tentando limpar os olhos enquanto ela me sacudia chorando e
extremamente nervosa.

— E acha que isso te dá o direito?!

— Sim, isso é o suficiente para me dar o direito, Mariah! — falo em voz baixa e tiro ela de cima
de mim para poder levantar.

— Não! Não tinha o direito! Você me traiu, se meteu aonde não era chamada! Por que não cuida
dessa sua vida cheia de problemas e esquece a minha?!

— Se alguém tem que esquecer algo aqui, é você: Essa história! Esqueça isso e eu finjo que ele não
me disse nada. Vou tomar minhas providências, e vou deixar o papai e a Laura fora disso. Pelo
menos enquanto você se comportar e ele me obedecer.

— Deixa ele fora disso!!! — ela me segue até o banheiro e implora.

— Nem ele sabe disso?

— Óbvio que não! É um sentimento meu! Só meu, e que não diz respeito a ninguém.
— Ah! Que demais!!! Desabafou com um pivete desconhecido e me excluiu. Diz respeito a ele, mas
a mim não, certo??!!

Falo magoada e ela soa fria e dura demais.

— É, sim! Ele é meu amigo, praticamente cresceu comigo! Não me deixou aqui sozinha para ser a
garota independente lá em São Paulo! Temos um ao outro!

— Ótimo! Então saia do meu quarto e vai dar piti sozinha! Acho que nesse momento não pode me
cobrar lealdade nenhuma, pirralha! — eu falo e ela ri.

— Eu vou! Nunca mais vou falar com você! Eu odeio você!

— Odeia nada. Só está chateada. Preciso escovar meus dentes! Some da minha frente!

Eu falo e ela sai correndo, batendo todas "as portas da casa". Quando termino e entro no quarto
está meu pai e Laura me esperando.

— Falou dele só porque sabia que eu ia atrás,para procurar saber, né?!

Questiono olhando para ele e ele abaixa a cabeça em sinal de culpa. Óbvio que sabia que eu ia
ter respostas. Nenhum dos dois tinham coragem de acabar com a raça do moleque. Me senti um
peão de jogo de xadrez.

— Ele disse?

Ela pergunta e eu nego.

— Disse. Disse, mas não vou dizer nada. Não por enquanto. Vou ver o que faço a respeito disso, e
quando eu decidir, chamo vocês dois para conversar.

Eu falo e eles saem do quarto, os dois com a cabeça baixa.

Pego o celular e abro uma mensagem de Fred.

"Jon recrutou Miguel e eu para irmos até o Sul. Como disse que era importante, e que era relacionado
à sua segurança e a segurança de sua família, aceitei e estamos a caminho! Miguel fez o que você
mandou, está com o documento na bolsa. Qualquer outra instrução, diga e eu mudo o destino do voo.
Fred. "

— Tô é bem-feita com o Jon!

Resmungo, envio um "Tô de acordo" e desço para tomar café. A mesa estava posta, mas não tinha
ninguém. Me sento, começo a me servir, Mariah entra na cozinha e ao me ver dá meia-volta.
Apenas suspiro. Você planta, você colhe.

— Oi! Entrem, por favor...

Ouço meu pai falar da sala e sei que o clã Coverick tinha chegado.
Apenas continuo comendo, porque não sabia se continuaria tendo apetite depois daquela 'reunião'.

— Tá sua família inteira aí, e papai chamou minha tia para me buscar e me tirar daqui. — Mariah
volta na cozinha minutos depois, começa a falar, e eu continuo comendo — Vai me contar o que é
tudo isso??? Para que essa reunião? O que tá havendo?

— Pensei que me odiasse...

— Eu odeio, hoje. Se não me contar, vou odiar para sempre!!!

Ela diz e dou risada com a boca cheia, e por isso quase engasgo.

— Quero um abraço apertado, um beijo, um pedido de desculpas por querer te proteger, e um "Eu
te amo, Tata!".

Falo olhando em seus olhos e ela bufa. Faz tudo o que eu peço e sorri para mim.

— Vai contar para eles o que descobriu? — ela pergunta triste.

— Eu não sei, meu amor. Só sei que amo você mais que qualquer outra pessoa no universo, e vou
decidir o que é melhor para você. Não moramos juntas, não ficamos grudadas, infelizmente, mas
você sabe que eu sou maluca em você, e o que eu decidir fazer daqui para frente, é só pensando
na tua felicidade. Por agora vou só resolver os meus problemas e depois vejo que o que faço
contigo!

Eu falo e seus olhos se enchem de lágrimas.

— Está me odiando? Eles vão me odiar, não é?!

— Ninguém vai odiar você, nunca!!! Você é nossa princesa! Essa sua situação é grave e você sabe
disso. Tô tentando não pensar muito para não dar uma pirada, mas sei que você entende a
gravidade da situação, até porque tentou esconder o assunto à sete chaves. Mas ninguém, nunca,
vai odiar você! Nós amamos muito você!

Eu falo, a abraço forte, e depois de eu prometer que contaria tudo quando ela voltasse, ela sai
correndo de mochila nas costas e eu lamento.
Não tinha a menor ideia de quando eu veria minha irmã de novo, porque dependendo do rumo
daquela conversa, talvez eu sairia dali direto pro Rio de Janeiro, para matar a família do
cachorro sarnento inteira, ele principalmente... assim não sobrava ninguém para se vingar depois.
Se é que era ele mesmo.

Chego na sala e todos me olham com semblantes diferenciados. Saudade, dó, medo, raiva, e outros
que não sei identificar.

Meus avós, meus pais, Tio Jon e Tia Lulu, Rafa, Rubi, e creio que tia Nina ficou de babá em algum
lugar.

Decido não abraçar ninguém e só cumprimentar com um aceno para não fazer uma cena
constrangedora, onde eu pulo meus pais e Rubi. Não queria ser infantil, nunca fui infantil, e naquele
momento não precisava ser.

A dona da raiva era Rubi, como Fred havia previsto... vovó tinha dó, vovô e meus pais, saudade, e
medo de mim ou de minha atitude, meus tios.

— Bom dia! — eu digo e todos respondem em uníssono.

— Como você está?

É meu pai quem pergunta, e meu coração dói demais naquele momento. Estava com saudade até
de sua voz.

Não sou hipócrita. Tudo o que eu queria era abraçá-lo para sempre, até cansar e a saudade
desaparecer... mas eu sabia que se fizesse isso, eu ia continuar me decepcionando com ele, e com
suas atitudes. Então, já que eu não me dou bem com ele, era melhor evitar me machucar ainda
mais, evitar nos machucar ainda mais, melhor dizendo!!! Porque eu sabia que ele sofria, eu tinha
consciência de que meu pai me amava, mas era muito difícil. Ele não tinha que escolher, tínhamos
que viver em harmonia, como uma família, mas não... ele sempre ia priorizar o casamento, ia
sempre escolher ela, e eu como filha, ia perder. Sabia inclusive que se — Deus me livre —,eu e
minha mãe sofrêssemos um acidente, e ele só pudesse salvar uma, eu morreria com certeza.

E isso me deixava péssima e com um sentimento de derrota indescritível. E sim: talvez eu pudesse
perdoá-lo, devido a imensa saudade que sentia de ser sua filha, mas aí, como sempre, ficava
imaginando: como seria ir ao shopping com meu pai? Ao cinema?! Viajar... primeiro: eu conseguiria
um tempo só com ele? Tipo "pai e filha"? Ela aceitaria ou ia ficar infernizando a vida dele?!
Ligações adoidado, aquela boa e velha: "Ou ela ou eu!" ou "Ela é sua filha, você a criou pro
mundo, eu sou sua mulher!"... porque era a cara dela dizer esses tipos de coisas, e com certeza ele
abaixaria a cabeça como um bananão, e faria o que ela quisesse. Eu não queria mais sofrer por
causa daqueles dois, tinha saudade, do meu irmão então, nem se fala, mas não dava para mim. E
eu aceitava aquilo, o que não significava que não doía.

— Eu estou bem, e você?!

Sou educada e ele respira aliviado por não levar uma patada, porque com certeza era o que ele
esperava.

— Estou péssimo, sinto sua falta!

Jura??? Penso.

— Sinto muito!!!

Não sinto mesmo!

Eu falo e ele assente entendendo muito bem o que eu queria dizer.

Me sento em uma poltrona de apenas um lugar e só aguardo. O silêncio era bem-vindo. Sentia que
ninguém queria começar a falar algo e "estragar" o clima que já estava ruim.

Laura chega minutos depois, e com a ajuda da dona Rô, a funcionária da faxina da pousada,
serve café para todos, e coloca alguns vasilhames com vários tipos de pães na enorme mesa de
centro feita de vidro.

Morria de medo da minha mãe surtar, e por isso mal direcionava o olhar para meu pai, seu único
amigo. Podia apostar que os dois queriam conversar sobre Pedro, sobre tudo o que acontecia, mas
aquilo não ia acontecer, pois os anos se passaram e cada dia mais, mais ciumenta e possessiva
minha mãe ficava.
E com relação a isso eu tinha três observações: 1 -Ela tinha um pouco de razão sim, afinal meu pai
era um deus grego e ficava cada dia mais bonito. 2 -Creio que esse ciúme fora de controle e
desmedido, eu puxei dela. 3 -Laura amava meu pai Yan incondicionalmente, mas eu achava que a
lealdade pela qual tinha por meu pai, era maior que qualquer amor carnal. Assim era comigo e
com Fred. E aquele sentimento nem o tempo destrói, quem dirá as crises infantis de minha mãe.
E meu pai Yan sabia disso, aliás, todo mundo ali, sabiam!

— Chegamos!

Miguel e Fred chegam minutos depois. Ele fala, cumprimenta primeiro meu pai e Laura, a mim e o
resto da família depois. E Fred dá bom dia a todos, e depois vem até mim para tocar meu ombro
me dizendo, ali, naquele gesto, muita coisa que só eu entendia.

— Certo. Como todos já sabem, a tal Berenice da Silva, mãe do Pedro, faleceu e deixou uma carta
para o sobrinho dela, o nome dele é William Castro, da polícia federal...

Suspeitei e tive certeza. Fred, Miguel e Rubi, escutam aquilo e me olham com aflição. Que mundo
pequeno.

— ...precisamos encontrar uma solução para...


Jon segue falando e tem a atenção de todos. Tia Lulu segurava em suas mãos, minha mãe a do
meu pai, Laura a do meu pai Yan, e meus avós do mesmo jeito.

— ...sendo policial ele terá acesso a tudo o que quiser. Eu garanto que ele ficará girando que nem
avião sem autorização para pousar, mas só de investigar, já nos trará uma dor de cabeça
colossal...

Jon continuava enquanto eu viajava entre o aeroporto e a noite da boate.

— Vamos dar um jeito... Laura e eu começamos isso, cabe a nós terminar.

Meu pai interrompe quando Jon falava sobre unir todas as forças que a gente tinha, e Laura
concorda no ato.

Mas sua declaração deixara todos mais alarmados do que o normal. Minha mãe e meu pai Yan,
logo discordaram em uníssono eo furdunço começou... discussão, vozes
sealterando, mimimi, um chororô pior que o outro e obviamente me cansei.

— Ninguém vai fazer nada.

Eu falo três ou quatro tons abaixo dos gritos, e meu amigo silêncio participa da reunião.

— Vou falar agora e não quero ser interrompida. — eu falo e Rubi ergue uma sobrancelha — O
cartel já lidou com ele antes. A encomenda era David Nobre, dono das boates Miragem. Fomos
para a casa do centro, ali na Circular. Ele chegou de repente, quase flagrou Rubi executando três
vermes na calçada, e por pouco não atrapalhou tudo.

E não foi só nessa noite que eu esbarrei nele. No aeroporto, ao vir para cá, encontrei ele na fila
de despacho, e obviamente me abordou. Eu saía da boate quando ele chegava, creio eu que para
buscar o irmão, que também estava lá, não sei ao certo, mas estavam os dois no aeroporto, se
apresentaram para mim. Rolou até um convite para um cafezinho. — eu dou uma risada nervosa
— Ninguém fará nada porque ele é alvo número um da equipe agora, vai direto para a tela
morta na segunda-feira.

Quem dará conta dele sou eu. Rubi, Fred e Miguel, me darão o apoio necessário em segundo
plano. Ele gostou de mim logo de cara, e se eu quiser, vai confiar em mim. Só o que eu preciso
garantir é que nunca descubra que eu sou uma Coverick, e foi justamente por ter esse sobrenome
tão cheio de inimigos, que Miguel me forneceu documentos intitulados: Catarina de Lis. Sem o nome
Maia da minha mãe e sem o Coverick do restante da família. Vou mudar novamente e Catarina
Coverick faleceu, portanto hoje mesmo a antiga Catarina vai ganhar um cabelo diferente e uma
bela cicatriz no arquivo da polícia federal, Jon e Miguel cuidarão disso juntos. A família vai
continuar com a mesma rotina, pois ninguém sabe do Pedro há muitos anos, e vão se livrar de todas
as fotografias e histórias minhas que temos espalhadas pelas nossas casas.
Vão apagar todos os meus rastros, porque mais cedo do que a gente imagina ele estará fazendo
sua visitinha para realizar o último desejo de sua tia. — eu falo isso e vejo minha vó chorar —
Meu pai e Laura — olho para os dois — não vão se intrometer de forma nenhuma, Jon vai cuidar
da minha identidade e depois se livrar desse informante, de forma que pareça um acidente fatal e
isolado, antes que ele mude de lado, claro que se certificando de que ele também não deixou
nenhuma cartinha de natal, e meu avô querido, — olho para seu Max — vai se acalmar e colocar
na cabeça dura dele, que nossa família não será tocada, muito menos destruída por um cachorro
sarnento que vai morrer dentro de alguns dias.

Eu digo e ele afirma parecendo mais calmo. Ele tinha que acreditar nisso porque eu estava
prometendo e eu cumpria toda as minhas promessas com sangue.

— Você não entende que tem muito mais aí... — meu pai começa.

— Jade, que Deus a tenha... sabia de muita coisa, eu sei dos dons famosos que a cigana nos
oferecia, e de sua lealdade e amizade. Mas quem escolhe o rumo da minha vida sou eu, e somente
eu. — eu falo e ele enxuga uma lágrima — Se ela previu que aquele filho da puta fosse entrar
na minha vida, ou que no destino dele estava escrito que ele deveria ficar vivo para destruir minha
família — olho para uma Rubi aflita —,o azar é todo dele, porque só em cogitar a possibilidade,
vai morrer da forma mais dolorosa possível. Eu não vou viver para ver meu avô e minha madrasta
irem para cadeia, e te incluo nisso, quero distância, mas não te quero morto. Essa é a minha
decisão, se alguém aqui fizer algo sem meu consentimento, vai morrer para mim, porque se tem
algo que eu não engulo é deslealdade e traição. Vocês estão aposentados e cheios de filhos para
criar, o cachorro sarnento é meu!

Falo, e me retiro dali com Fred, Miguel e Rubi na minha cola.


ELE ESTÁ AONDE ESTÁ, PORQUE MERECE!

— Oi! — Barbara me abraça assim que abro a porta de casa, óbvio que ela estaria aqui — Eu
sinto muito...!
— Obrigada! — eu me solto dela, mas com delicadeza — O que faz aqui? Como entrou? — eu
pergunto e ela parece triste.

— Eu ainda tinha minha chave... só estava esperando vocês! Acabei de chegar do fórum. A dona
Neide — ela fala da vizinha da minha mãe — me ligou perguntando o porquê não fui contigo. —
ela sorri sem graça — Não sei se ficou preocupada ou se só queria saber de fofoca. Bom,
cozinhei, limpei tudo... só vim ajudar, não vim te cobrar nada!!!

— Legal! Obrigada!

Eu digo e ela senta em meu sofá. Contei para Tiago tudo oque aconteceu enquanto a gente estava
no Rio, e por causa disso, ele nem deu bom dia para ela. Chegamos meio-dia e ele foi direto pro
quarto. Eu ainda estava com raiva, ainda tava puto com ela, ainda me sentia um corno, mas
respeitava Barbara, foram anos de namoro, não tinha como deletar tudo o que vivemos.

— Pode me dar notícias? Como estão? Eu amo dona Magie, você sabe! Até liguei lá, mas
obviamente não me atendeu... pedi para dona Neide dar meu recado.

— É... minha mãe está péssima, meu pai nem se fala... nem olhou pro telefone! Tia Ni foi
encontrada já morta. O laudo da perícia constatou AVC.

Passo a mão no cabelo em um gesto nervoso e me sento. Vê-la ali, na sala, não parecia certo. A
cena dela de lingerie na cozinha com aquele cara me dava enjoo.

— Oh! Meu Deus. Ela estava na clínica?

— Estava. Anos de tratamento. Desde que o Carlinhos desapareceu ela só piorou. Começou com a
morte do meu tio, aliás, um sofrimento atrás do outro, enfim, você sabe de toda essa história,
realmente teve seu descanso merecido. Mas isso tudo não é o pior...

Tiro a carta que tia Ni me escreveu do bolso da jaqueta, e estendo para ela poder ler.

— Ela me escreveu essa carta. Entregou para minha mãe e a fez prometer tomar cuidado. Estava
sã, só que muito assustada. Disse que precisava de ajuda, que precisava fazer aquilo enquanto
estava lúcida e viva. Escreveu no mesmo dia da visita da minha mãe. Às vezes se descontrolava,
dava trabalho para os médicos, mas quando estava mais calma, só falava em Carlinhos, em meu
tio, e em se vingar dos Coverick's, algo assim, nunca ouvi falar...

Eu digo, ela parece curiosa e assustada, então abre a carta e começa a ler. Eu apenas espero.

— Oh! Meu Deus! — ela exclama — Sua tia... meu Deus... Isso aqui é uma bomba. Quer dizer, são
inúmeras acusações que acho que teoricamente prescreveram, mas... é muito grave. — ela volta
seus olhos para a carta — Sua tia acusa uma família inteira de acabar com a sua família. A morte
de seu tio, o sumiço de seu primo. Ela diz que mataram o Carlinhos, que eram assassinos de
aluguel, mas a gente sabe que ele só desapareceu! Você era pequeno, mas não era isso o que sua
mãe falava?! Parece até uma história de contos de um livro e não a realidade!

— É. Era exatamente isso. E ela reforçou essa versão, perguntei se realmente ele desapareceu e
ela confirmou para mim. Nos últimos anos ela não falava coisa com coisa. Não queria que eu
levasse minha tia à sério, mas...

— ..., mas você está encucado e não vai parar até esclarecer esse assunto. Eu sei... apenas tome
cuidado, tá legal?! — eu concordo e ela sorri triste — Você pode encontrar alguma evidência e
declarar falta de provas na época, abrir um inquérito, já que só houve buscas por um rapaz e não
por um corpo... com essa carta de próprio punho, tudo pode mudar, e pelo menos o direito a uma
investigação você pode ter. Preciso ler alguns livros, acho que dá para fazer algo! Conta comigo
para o que precisar! Posso ajudar você com isso!

Ela se inclina e segura em minha mão.

— Obrigado, nega! Hum... — a chamo pelo apelido que usava sempre e me arrependo —
Desculpe, Barbara, vou me acostumar! — eu falo e ela sorri.

— Precisamos conversar, William. Você saiu de casa me odiando. Não vim para rodar a baiana,
nem encher o seu saco, você está em um momento difícil, vim para te dar apoio apesar de tudo,
mas preciso disso, somos adultos... precisamos deixar as coisas às claras. São cinco anos!

— Eu sei. Concordo contigo!!! — eu digo e ela parece ficar mais tranquila e então se levanta.

— Eu vou deixar você descansar, quando tiver mais tranquilo...


— Não. Não estou cansado, só estou triste. Nesse momento tem muita ponta solta na minha vida!
Tem a gente, segunda começo a trabalhar, preciso ficar de olho no Tiago e agora tem essa carta,
já vou entrar na superintendência escalando policiais para uma investigação pessoal. Você está
aqui, eu estou bem na medida do possível, então vamos conversar, por favor! Só me deixa tomar
um banho!

— Tudo bem! Quer um café? Alguma coisa?

Ela pergunta e eu pensava que ia dizer "quer ajuda?", será que eu estava ficando carente
demais? Se a gente ainda estivesse juntos, ou bem, eu já ia chegar jogando-a em minha cama.
Sexo para relaxar: Melhor coisa!

— Aceito o café, estou de estômago vazio. Obrigada! — eu digo, corro para tomar um banho.
Quando volto ela já estava com a mesa posta.

Me sento, mato a fome, e pego uma xícara de café para ir até a pequena sacada da sala com
ela. Só cabia duas cadeiras, mas era o suficiente.

— Então, vou começar a dizer tudo o que estou pensando... e olha, eu pensei demais. — ela
começa e eu olhos em seus olhos. Conversar olhando nos olhos e lendo as expressões corporais das
pessoas, já era um costume meu, eu levava isso para vida — Você sabia que minha insegurança
com relação a você, a tua fidelidade, era real. Óbvio que perdoei você, éramos jovens, e aquilo
tudo passou, mas eu te amo, tinha medo. Sendo assim, penso que você meio que "entende" esses
meus medos. Saí daqui insegura demais, triste... eu vi que aquela garota mexeu muito com você e
não aguentei aquilo. Me arrependo demais por ter me rebaixado tanto, Will, ter ligado pro Luís,
ter me vestido daquela forma... mas só o que eu quero que você saiba, é que tentei pagar com a
mesma moeda, tentei acarinhar meu ego enorme, tentei me fazer de "a mulher traída, mas que saiu
por cima", e nada disso foi sensato. Eu não preciso disso, não preciso dizer isso, mas eu juro pela
minha vida e pelo amor que sinto por você que não aconteceu nada. Entenda: só quero deixar
claro.

Eu tentei, mas não traí você. Tirando o fato, é claro, de que o recebi em casa seminua, e de que
cogitei a possibilidade, o que quase dá no mesmo... realmente de qualquer forma, eu traí você, traí
o que eu sentia, enfim... isso talvez amenize, ou não, mas preciso tentar: não transei com ele, não
nos beijamos, não falamos nada demais, e nem se você não tivesse chegado na hora, não teria
acontecido. Mesmo porque, assim que eu abri a porta para ele, eu já estava arrependida. Só
deixei a situação seguir seu curso porque Luís é um cara incrível e generoso. Só falei de nós e ele
só ouviu. Preciso que me perdoe por isso, fui infantil e você não merecia.

Ela parece sincera e eu concordo.

— Acho que também entende que minha reação grosseira era esperada...

eu digo e ela concorda veementemente.


— É claro, mas eu acho que até faria pior, você foi bem calmo. Eu não ia conseguir me controlar
tanto como você se fosse o contrário, Will.

— É, pois é. Eu achava que só precisava de uma pequena crise. Pensei que me diria que era um
irmão distante, um primo sem maldade, qualquer coisa coerente porque eu não esperava menos de
você!

Eu falo e ela lamenta com lágrimas nos olhos. Barbara estava realmente arrependida.

— Eu estou extremamente envergonhada, por favor, se um dia você puder me perdoar, de


coração...

— Relaxa. Pare com isso.

Eu me inclino para abraçá-la e ela me olha nos olhos.

— Não está chateado comigo??? Como consegue ser tão frio? — ela pergunta indignada.

— Não tô sendo frio contigo não, Barbara! Tenho uma série de questões a pesar, sabe como eu
sou... primeiro que perto do que te fiz, aquilo não foi nada, segundo que querendo ou não, você
teve uma boa razão, e eu te digo o porquê: Eu me apaixonei por uma mulher que nunca vi na
vida, quando achava que amava você! Quer dizer, óbvio que eu era maluco por ti, mas eu não sei
o que houve, muita coisa mudou quando vi aquela mulher.

— Então realmente se apaixonou...

Ela seca uma lágrima que cai e eu não consigo respirar.

— Não sei. Eu pirei, não dormi... foi uma situação tão maluca e sem explicação lógica que... aquilo
não me saiu da cabeça. E tem mais, eu encontrei ela de novo no aeroporto, na ida pro Rio. O que
só serviu para me dar certeza. Tiago disse que me viu sozinho, que não viu garota nenhuma, até
achei que era fruto da minha imaginação, mas não era, ela existe.

Eu confesso e ela me olha atordoada.

— Legal. Pelo jeito nunca me amou, se apaixonou por uma estranha tão facilmente enquanto
estava comigo!!! E eu aqui, me sentindo culpada por quase uma semana...

— Não. Não foi um encontro, não combinei, não te passei a perna de novo, e principalmente, eu
não escolhi sentir isso. Ela só estava lá. Saiu da fila de despacho das malas, mas eu era o último,
ela passou por mim.

— Hum... — ela cruza os braços — Qual o nome dela?


— Disse que é Lis, mas acho que mentiu, então nem adianta tentar encontrá-la para processá-la
por algum motivo!

Eu sorrio sozinho me lembrando da cena do aeroporto, e depois volto para terra.

— Por que ela faria isso? Mentir o próprio nome?!

— Não sei. Não me deu a menor bola, não queria papo, e posso até dizer que deve ter um
namorado. Ela não foi nenhum pouco com a minha cara!

— Legal, me deixou para sofrer. — ela ri negando com a cabeça — Quer dizer, eu te fiz sofrer,
comigo e com a estranha comprometida que não foi com tua cara, vai dar no mesmo. Você está
bem na pior, de qualquer jeito. — ela diz e eu quase não acho graça.

— E nesse momento? Posso saber o que sobrou do amor que sentia?

Ela pergunta e eu paro para pensar.

— Como eu disse, tudo isso foi muito surreal. Nesse momento só te quero bem, quero te ver feliz, e
eu sei, parece bem clichê, mas é isso! Não vou dizer que quero ser seu amigo, manter uma amizade
e essas baboseiras que todo mundo que termina fala. Não sou hipócrita.

Você se arrependeu mas fez merda, não vou apagar aquilo! Assim como não vou ficar em um
relacionamento inseguro, fazer você mudar de emprego para ficar longe do cara, ficar brigando
contigo, ou muito menos levando chifres todas às vezes que a gente brigar porque você ficou com
ciúmes. Você sempre vai desconfiar de mim, Bah! Sempre... e muito provavelmente você vai me
odiar eternamente daqui para frente, mas, não dá para gente continuar. Não depois daquela noite
em tua cozinha, não depois de eu conhecer aquela mulher. Mesmo porque se eu conseguir desejar
outra mulher, é sinal de que o meu amor por você não era tão forte como eu imaginava.

Eu falo, ela chora em silêncio, limpa o nariz, e provavelmente sente uma dor indescritível.

— Nunca vou odiar você. Nem mesmo depois de saber que todos os anos que passamos juntos não
significou nada.

— Não é assim...

— É. É sim. Eu tô vendo. — ela respira fundo para se acalmar — Está me deixando por causa de
uma desconhecida que nem sabe de onde é, não sabe nada sobre ela... vivemos anos juntos para
acabar tudo assim?! Do nada?! Vamos jogar a nossa vida no ralo???

— Você me traiu, Barbara! Aquela garota é o motivo pelo qual brigamos, e pelo qual você me
traiu, antes de ser o motivo pelo término, agora! — eu falo o óbvio e ela desvia o olhar do meu,
respiro fundo para me acalmar e nego com a cabeça — Vou ser bem sincero, tudo o que vivemos
foi real e incrível. Você me fez homem, cuidou de mim, me deu amor e foi além... mas você recebeu
um cara tarde da noite na sua casa, vestindo a porra de uma lingerie do tamanho de um pano de
prato; E além do mais, não quero ficar contigo estando maluco por outra!!! Eu sinto muito, muito
mesmo, mas me recuso a enganar você. Não vou te perdoar agora, voltar a fazer planos, e depois
te levar para cama e ficar pensando em outra mulher. Eu não sei do meu futuro, mas eu não quero
algo assim para você!!! Enquanto eu pensar em outra pessoa, não ficarei com você, nunca mais vou
enganar você, foi uma promessa que te fiz e vou cumprir.

Eu falo e ela chora. Meu Deus, por que tem que chorar tanto?!

— Você não está pensando direito. Não consigo acreditar no que eu tô ouvindo. — ela fala,
levanta, entra na sala, e procura algo em sua bolsa.

— Já ia me esquecendo... Portela foi até meu escritório enquanto você viajava, mandou te entregar
isso e eu simplesmente esqueci na minha mesa. Só me lembro quando chego lá, ando muito
atribulada! — ela respira fundo e me entrega um convite — Ele foi indicado para o prêmio de
cidadãos do ano por assinar seu nome em alguns projetos sociais da cidade dele, algo assim, e aí
tem dois convites para a entrada, era um para mim e um para você. O traje é gala, baile de
máscaras. Você pode convidar o Tiago ou sei lá!

Ela me olha por um momento e depois me vira às costas.

— Vem aqui... — eu puxo ela para um abraço e tento não deixar em evidência que seria o último,
eu nem sabia o que estava fazendo — Vamos ficar bem! Minha linda, me perdoa! Eu tô uma
confusão!!!

Eu sussurro em seu ouvido tentando fazê-la entender, e ela corresponde ao abraço.

— Nunca vai me perdoar por aquilo? Não devo ter esperanças de que você sinta saudade?!

Ela chora e eu respiro fundo.

— Ja perdoei! Tá tudo bem! E óbvio que vou sentir saudade da gente. Da nossa amizade, nosso
chamego, sua comida, minha roupada lavada gratuitamente!!! — eu falo e levo um tapa forte no
peito. Apenas dou risada.

— Tu é um babaca, William!

Ela diz rindo e se afasta um pouco.

— Que horas você entra na segunda?

— De tarde, mas acho que terei dias que precisarei fazer plantão... quer dizer, é óbvio que vou
ter que fazer... não sei porque tive dúvidas.
— Vai ficar muito tempo parado, sentado... semana retrasada você falou a respeito da academia,
você foi ver?!

— Fui! Não posso parar de treinar justamente por isso mesmo! Eu vi aquela no Jardins, equipe de
faixas pretas com os melhores de São Paulo! É cara... mas vai valer! Vou de manhã, e saio de lá
direto para delegacia! Treinarei todos os dias, trabalho melhor assim.

Eu digo sobre a academia de judô e ela confirma com a cabeça. Faço judô desde criança e isso
me ajudou a controlar a raiva que eu tinha. Antigamente eu era extremamente impulsivo, agressivo
e instável. Agora, modéstia à parte, sou um amorzinho... romântico, cavalheiro, gentil, bom de cama,
e engraçado! Pelo menos era isso o que a Barbara dizia o tempo todo.

— Faça isso!!! Precisa se cuidar. Parece que tô indo embora e deixando um bebê para trás! — ela
ri — Posso ligar de vez em quando???

Ela faz cara de choro e eu reviro os olhos.

— Barbara, eu disse que queria terminar contigo porque você me desrespeitou! Eu não disse que
você precisa ir embora da minha vida! Te quero por perto! Só tenho você e o Tiago nessa cidade,
preciso da tua parceria, claro, se você ficar confortável comigo por perto! Proíbo você de me
evitar, me ignorar, ou me desprezar. Terminei nosso relacionamento, mas eu sei que precisamos ir
com calma até para se separar! Demos um ao outro um terço de nossas vidas! Você pode vir aqui,
pode me telefonar, e pode contar comigo. O que vai mudar é que não vou mais apagar aquele
seu fogo insano!

Zombo e ela ri.

— É. Perdi a melhor parte... — ela diz e vai embora depois de me dar outro abraço.

Mudei de ideia naquela mesma hora. Barbara era incrível, não tinha porquê fingir que ela não
existia.

Mas eu precisava confessar. Algo mudou dentro de mim. Aquela loira mudou algo dentro de mim e
eu não entendia. Eu sentia que ia vê-la novamente, sentia que a gente ia ter uma história juntos,
sentia que meu coração, mais cedo ou mais tarde, ia parar naquelas mãos delicadas, mas eu só
sentia com a alma. E eu sei, aquilo era loucura!!!

Certeza mesmo, eu não tinha! Minha razão dizia que ela era uma estranha e que muito
provavelmente eu nunca mais a veria. — já disse isso antes e a encontrei, mas... — Mas meu
coração de romântico incurável dizia que aquela mulher seria minha. E ele parecia ter uma certeza
tão surreal que eu ficava impressionado.

Metida, patricinha, esnobe, nojenta, filhinha de papai, e mimada. Era essa a impressão que eu tinha
dela, então por que fiquei tão encantado por ela?
— Porque ela nasceu para mim. Não é de agora que ela "é minha"... é de muitas outras vidas!

Respondo minha pergunta mental, tendo certeza daquilo e Tiago entra na sala.

— Só quero tirar uma dúvida! — ele se joga no sofá — Quem vai cozinhar, agora que você se
livrou da traíra?!

— Não fala assim dela! Sabe que ela sempre cuidou de nós dois! — eu digo e ele ri.

— Mas te meteu um chifre, mané!!!

— Mas eu também já fiz muito isso! Já magoei ela demais, e ela sempre estava pronta para me
perdoar sem nem eu precisar pedir perdão! — eu digo e ele parece concordar — Não trate ela
assim! Está tudo bem, não tô mais magoado... acho até que foi fácil demais dizer ádeus.

Paro para pensar e fico impressionado.


Realmente não me doeu nada e aquilo era muito triste.

— Claro que foi... com aquela loira linda na tua lista de espera... a gata parece aquelas modelos
ucranianas, só que com tempero brasileiro! Tem mó cintura fina, aquela curva maluca aqui do lado,
ó, — ele põe a mão no próprio quadril — um cabelão que parece cheirar shampoo caro, e o
cheiro dela, Brother?!...

— Tiago.

Eu chamo e ele para de falar.

— Cala a boca!

— Não, é sério! A mina é loira, tipo, tem muita loira aqui, mas é muito exótica, muito diferente!
Parece que é patricinha, mas parece que pode levantar um carro se quiser. Muito estranho, né
não?! Ela parece forte, não de músculos, mas de... ah! Sei lá!— ele faz uma pausa olhando para
porta e eu só espero a merda — Mano, já pensou nela dançando funk pa tu? Pensa!!!

Ele fala e me olha rindo com a mão na boca. Apenas dou risada porque não aguento ele.

— Seria tão maravilhoso quanto igualmente impossível.

Eu digo pensando na cena, e penso em outra coisa antes de ficar duro. Era óbvio que eu nunca
veria aquela patricinha rebolando em um funk carioca só para mim. Mas que seria delicioso, ah!
Seria...

— Por que você não tenta encontrar ela no banco de dados da delegacia?! Hoje é sabado! Não
temos nada para fazer, e sei que não vai me deixar sozinho... tenho certeza que precisa esquecer
o término recente, o funeral da tia Ni, aquela carta sinistra, e relaxar para começar segunda-feira
bem! Procure ela no banco, e vamos até onde ela mora fingindo estar passando por lá!

— Aham. Aí eu bato na porta dela e digo: "Oi, gata! Tava passando aqui em frente, e adivinhei
onde você mora! Então resolvi subir! Sou meio telepata, senti que você estava aqui por perto!"

Eu falo e ele ri.

— Não. Você pode só dizer que buscou o nome dela no banco de dados. Seja criativo, mané!
Mulher gosta de homem com atitude. Tu fala: "Ei, gata! Tô louco por ti! Até rastreei você. Não resisti,
preciso ter você para mim e relaxar um pouco para deixar meu irmão em paz!!!"

Ele ri.

— Ah! Entendi o que você quer realmente! Só que não farei isso! Não vou tirar meus olhos de você
e nem perseguir a mulher. Ela já me acha um maníaco por abordá-la no aeroporto. Deixa o destino
agir sozinho, se eu tiver que me encontrar com ela, vou encontrar. — Mas se o destino demorar, eu
farei alguma coisa... — Agora vou fazer algo mais útil e você vai tratar de arrumar aquele
muquifo, que é teu quarto, porque agora, "a traíra" não fará mais isso por você!

Me levanto e ele ri alto.

— Mais um motivo de você arrumar outra namorada logo!

— Cala a boca!

Eu digo e vou até o quarto.

Eu podia contratar alguém, podia viver de pizza, ou começar a cuidar da casa por mim mesmo,
mas esse assunto era o que menos me preocupava naquele momento. Por isso, pego a carta de
minha tia, abro, releio, e pego meu notebook para 'passar o tempo' pesquisando sobre a tal da
família Coverick no banco de dados da polícia federal, só para começar.

— TIAGO!!!

Grito por ele enquanto o computador inicia.

— Acho que temos uma festa para ir amanhã!

Entrego o convite em sua mão, assim que ele entra no quarto mastigando algo, e ele logo se
empolga.

— Legal, baile de máscaras. Quem deu?


— Um amigo, ex-delegado da superintendência! Pelo jeito ele curte fazer caridade!

Digo logando no sistema da PF e ele coloca o convite de volta na cama.

— Legal! Depois vamos no shopping fazer uma caridade para mim com seu cartão de crédito! Não
tenho nada para vestir.

Ele diz, sai, e meu telefone toca. É da delegacia.

— Alô?
— Doutor Castro?!
— Sim, o próprio.
— Senhor, bom dia!
— Bom dia!
— Quem fala é o agente administrativo, Pedro. Tô falando da superintendência de São Paulo. Estou
ligando para avisar que alguns planos mudaram, e o delegado Douglas Prestes, que estava cobrindo
sua entrada ao cargo, infelizmente se acidentou! Temos um novo caso considerado de urgência, e o
mesmo não pode assumir o início das investigações que veio direto da primeira DP. Como não sabemos
quando ele terá alta do hospital, eu enviei um memorando para Brasília, e a resposta chegou agora.
O senhor terá que assumir o cargo o quanto antes e dar início as investigações do doutor Prestes e
continuidade nas investigações que o antigo ex-delegado Portela havia assumido!
— Certo, Pedro! Obrigado! Só a nível de curiosidade, pode me deixar à par dessa investigação
de urgência?!
— Com certeza, doutor! A investigação é a respeito de David Nobre, dono de boates por todo o
estado. O caso chegou da primeira DP depois de ser constatado quatro mortes no local, documentos
irregulares da empresa, e seu nome envolvido em milhares de crimes, incluindo lavagem de dinheiro,
formação de quadrilha, prostituição e muitos outros... não tenho autorização ao acesso dos
documentos oficiais, mas é isso! David nobre foi encontrado morto dentro de seu quarto.
— Certo... obrigado Pedro! Tô a caminho!
— Certo, Doutor. Seja bem-vindo. Obrigado, e tenha um bom dia!
— Bom dia!

Eu digo e desligo.
Suspeitei desde o princípio.
Quatro mortes. David Nobre, morto dentro do quarto...

Fecho o computador, e guardo a carta na primeira gaveta do criado-mudo. Não ia ficar andando
com ela para cima e para baixo!

— Escuta! Recebi uma ligação. Vou ter que assumir o cargo em pleno sábado, nesse momento, e
nem sei que horas eu volto de lá, então, se comporta. Não é para sair!!! Lembre-se que se sair da
linha, volta para Pavuna no ato!

Abro a porta do quarto dele após tomar um banho, e vestir um terno e gravata. Tiago via TV ao
invés de fazer o que mandei.

— Putz! Pode deixar! Não vou sair. Deixa dinheiro para eu comprar uma pizza!!!

— Tem um cartão no armário da cozinha! Use com moderação! — eu falo e ele faz um joia,
ameaçando voltar para cama — Arrume o seu quarto, se sujar lave, se acender, apague... sabe de
tudo isso, né?! Ligarei no fixo à cada cinco minutos, se não atender, compro tua passagem aérea
da delegacia mesmo!

Eu falo e ele revira os olhos.

— Tô indo!

— Boa sorte, brother!

— Valeu!

Me viro, fecho a porta e saio pensando se esqueci de alguma coisa. Nada.


Chego na porta da superintendência e vejo que está completamente lotado de repórteres.

— Delegado, Castro!
— Delegado, Castro!

A montanha de pessoas me cercam, e eu suspiro. Vai, quem mandou não fazer faculdade de história
da arte...

— Poderia nos dar informações a respeito do estado de saúde do delegado provisório, Douglas
prestes???

Uma moça questiona e soca o microfone na minha boca.

— Não. Ainda não tenho informações a respeito de seu estado de saúde! Assim que eu tiver, falo
com a imprensa!

— O senhor está assumindo o cargo dois dias antes do previsto! Já tem alguma informação a
respeito do andamento das investigações da lava-jato??? Mariano voltará para a prisão???

Tá sabendo mais da minha vida do que eu. Incrível.

— Eu estou por dentro das investigações e sei o que todos sabem. Só terei autorização para ter
acesso a mais detalhes assim que assumir o cargo oficialmente. Darei continuidade ao trabalho do
Doutor Diógenes Portela, as investigações do 'Posto 2', lava-jato e as demais operações que me
forem entregues dentro dos padrões do cargo de 'recém-assumido'. Falarei com a imprensa assim
que eu estiver interado à situação atual. Obrigado.
— Doutor, e quanto a David Nobre?! Donos das casas Miragem?! É verdade todos aqueles crimes
que estão dizendo? O empresário lavava dinheiro e aliciava mulheres para a prostituição dentro
das boates??? Aonde que acharam seu corpo...

Outro cara me segue perguntando e eu fujo sem responder nada. Eu sabia que tinha que ter
acesso à acessoria, e que nem tudo eu podia falar, portanto logo tratei de sair dali. Profissão mais
chata do universo. Encher as pessoas de perguntas e saber primeiro que elas.

Entro no hall da PF e meu celular toca. Esse sábado seria agitado. Era Tiago.

— Cara!!! Te vi na TV, brother!!! Como assim??? Você vai ficar famosão???


— Vai caçar o que fazer, Tiago! Não ouse ficar me ligando!

Digo e desligo, não evitando rir. Moleque besta!

— Doutor Castro. Sou Pedro, prazer!

O agente, um pouco mais velho que eu, me aborda assim que entro na administração.

— Prazer.

— Vamos até sua sala, vou te entregar seus documentos, os acessórios já numerados, e te
apresentar para a sua equipe.

Ele diz e sai andando na frente, nem me dá tempo para respirar.

Entro em uma sala enorme, e lotada de policiais. Toda de madeira escura, mesa enorme, a cadeira
parecia um trono, e as bandeiras — atrás da cadeira —,do Brasil, de Brasília, da PF e de São
Paulo, me dão um calafrio bom demais. Enfim, eu estava onde quis estar em toda a minha vida.
Ali eu vi que tinha realizado um sonho de uma vida toda, e sabia, que logo receberia uma ligação
chorosa de dona Maggie e seu Francisco.

— Este é o delegado, William Castro, senhores...

Pedro vai me apresentando para cada agente, escrivão, perito, e administrador que cuidarão de
todas as minhas funções, assim que ele nota que consigo tirar os olhos daquelas bandeiras

— Sua agente investigadora chefe está para chegar. Também tive que ligar para ela de última
hora.

— Houve mudança até na chefia da investigação?!

Pergunto e ele afirma.


— Sim, senhor! Mas isso foi ordem de Brasília.

Concordo e um agente se aproxima. Agente Bastos, eu me lembrava.

— Como é assumir um cargo de alta responsabilidade assim?! No meio do caos, doutor?

— É bom. Se eu quisesse vida mansa, tinha feito história da arte. Aliás, pensei nisso quando botei o
pé para fora do carro e tive meu espaço pessoal invadido por uma multidão de repórteres!

Eu digo e todos riem, mas não sabia se tinha sido tão engraçado assim.

— É a primeira coisa que incomoda todos os delegados da PF, doutor! Mas eu garanto que o
senhor se acostuma.

Pedro diz.

— Me acostumo, sim!

— Bom, aqui está seu coldre e sua arma já com a numeração do departamento, — ele me entrega
uma pistola Glock 9mm, modelo padrão — seu distintivo novo, sua carteira, seu celular, que
também é rádio, e esses documentos... peço que, o quanto antes me devolva-os assinados. —
balanço a cabeça e ele sorri — Estarei aqui para tirar qualquer dúvida que o senhor possa ter,
juntamente com tua equipe.

Sinto muito por assumir o cargo nessa situação tão tensa, e te desejo boa sorte! Logo falaremos a
respeito do evento de posse com Leandro Daiello Coimbra, nosso diretor geral em Brasília, trago
sua agenda em alguns instantes para resolvermos a data, e hoje já tem alguns documentos de
disponibilidade de pessoal para a segurança de chefes de estados para o senhor assinar... então
respira, se acomode, converse com tua equipe e eu aguardo a melhor hora. Sei que deve estar um
pouco agitado!

— Tudo bem. Obrigado!

Eu digo, ele sai, juntamente com todo o pessoal, só me sobra dez agentes, que são os que lidarão
diretamente comigo.

— Nervoso?!

Agente Bastos pergunta sorrindo.

— Não. Será que eu deveria ficar?

— Todo mundo fica.


— Eu não sou todo mundo! — eu respondo e ele confirma sorrindo — Vamos ao que interessa. Sou
fácil de lidar, compreensível, e calmo na medida do possível. Trabalho com a dedicação e a
honestidade lado à lado! Policial corrupto não se cria comigo, e não sou bobo! Acabei de
chegar,mas sei muito bem porque o Portela perdeu o cargo! Mas eu sou teimoso! — sorrio e o
sorriso de todos desaparecem por causa da tensão que solto de propósito — Não estou aqui para
fazer amigos, para sair para beber depois do plantão, e nem para fazer favor para ninguém.
Vão ter de mim tudo o que me oferecerem! Prometi melhorar essa cidade quando saí da minha
para cursar advocacia e eu sempre cumpro o que prometo, portanto quero agilidade, trabalho
limpo, confiança, e principalmente, resultado!

Eu conto com vocês, mas se eu não conseguir contar, faço essa equipe rodar em dois tempos! Tudo
o que vão dizer de mim, mesmo sendo o melhor agente da PF do Rio, é que sou novo demais para
estar aonde estou, e pretendo o quanto antes, provar que eles estão errados! E para isso
acontecer, farei o impossível, e derrubarei qualquer um que tentar acabar com os meus planos de
ser sempre o melhor, cada vez melhor!

Eu digo e recebo aplausos. MAS QUE PORRA É ESSA?

— Não ligue para eles. Só estão aplaudindo porque viram em você o que não viram no Prestes e
nem no Diógenes!

Agente Rosa, da investigação se aproxima.

— Eu acho que é agora que a gente derruba o Posto, — ele fala sobre as investigações do
narcotráfico de SP — manda de volta o Marcelo e a corja dele para atrás das grades, — lava-
jato — e principalmente, veremos mais notícias positivas do grande trabalho da federal, agora
com a superintendência nas mãos do doutor William Castro! O melhor agente do posto avançado
do Rio, direto da PF de Niterói, para São Paulo!!!

Bastos diz em volta alta e cativa todo mundo.

— Por que eu tenho a impressão que nunca mais poderei ser discreto sobre a minha vida?!

Eu pergunto e ela ri.

— É assim mesmo! Agora o senhor é uma pessoa pública, doutor! Terá sua vida profissional, e
inclusive pessoal, exposta para todo o mundo! Aliás, aposto meu distintivo que o senhor será o novo
"delegado gato da federal", tá na moda! Vai conseguir trabalhar melhor isso com a assessoria! Vai
dar conta! Seja bem-vindo!

A morena dos olhos cor-de-mel se afasta, após ajeitar a arma pendurada no coldre em sua coxa.

— Aqui, o caso de David Nobre. Não está iniciado, então ainda não temos um nome...
Bastos me entrega uma pilha de papéis e eu me direciono até a minha enorme mesa. Troco o
distintivo do pescoço de 'agente' para 'delegado' e sinto que é mais pesado. Coloco a 9mm no
lugar da minha pessoal, e guardo tudo no saco plástico que já estava na mesa. Eu não precisava
entregá-los a Pedro, mas jamais poderia usá-los novamente. Agora eu não era mais um agente, eu
era um delegado, e aquilo não ia mudar.

Me sinto bem, emocionado, realizado, mas também sentia um peso enorme nas costas, o peso do
estado de São Paulo para ser mais claro.

— Boa tarde!!!

Uma mulher entra depois de dar dois toques rápidos na porta da sala. Eu a reconheço, não fico
nada surpreso, pelo menos não demonstro, — eu era bem controlado nesse quesito, eu era o
William pessoa, e outro William profissional. Eram duas pessoas totalmente diferentes e eu tinha
orgulho em saber separar — mas ela trava e gagueja quase sorrindo!

— Manuela Xavier, sua investigadora chefe, doutor!

Ela me estende a mão e eu correspondo. Tamanha era sua surpresa ao me ver ali! Ela olhava para
meu distintivo o tempo todo e parecia não acreditar.

— Prazer, delegado Castro! Bom... seja bem-vinda! Soube que Pedro também te ligou de última
hora! Espero que possamos nos ajudar devido as circunstâncias! — eu digo e ela confirma com a
cabeça, se recompondo.

— Com certeza, doutor! Pode contar comigo!

— Certo! Vamos aos casos! — olho para Bastos e ele melhora a sua postura — Pelo jeito
precisaremos dar uma certa urgência ao caso... — paro para pensar, ele pega uma caneta,
oferece para Manuela, e se aproxima de minha mesa — Miragem. Belo nome, não?! Tão sugestivo!
Precisarei até ser criativo. Alguém sabe onde fica a sala dos casos?! Aqui tem uma?!

Manuela anota o nome escolhido do caso e sorri.

— Tem, sim! Vamos lá!?

Bastos diz e eu o sigo juntamente com a equipe.

A sala de casos era menor que a minha, tinha a mesa padrão, grande e arredondada, TV com
DVD, entrada de USB, cabo, computadores, lousa, painel para fotos e telões... tudo para estudar os
casos do dia.

A delegacia era enorme. Os objetos de contrabando, pornografia, drogas e armas, eram todas
mandadas diretamente para cá, então tinha galpões para destruição de drogas e objetos
falsificados, salas de armamento, e até celas onde os presos ficavam provisoriamente, até serem
encaminhados para os presídios corretos. Era uma cidade de tão enorme.

Enquanto eu estive lá, recebi inúmeras visitas com apertos mãos, até o representante do COT,
grupo de operações táticas de Brasília estava em São Paulo, e foi até a superintendência só para
se apresentar.
Laura Santos, da assessoria, também me tirou vinte minutos para explicar a situação de Prestes,
que foi atropelado, aliás, e de como falar com a imprensa sobre isso e sobre outros casos.

Em resumo, aprendi como ser imparcial, direto, claro e objetivo com a imprensa, sem dizer nada
além do que a população precisava saber, e sem dar minha opinião pessoal ao caso em questão.
Já tinha tido aulas a respeito de assessoria, mas aquele "refresh", era obrigatório.
Agitado era apelido para aquele sábado!

— Isso foi o que a PM conseguiu. Câmeras de segurança, identificação das vitímas, e ficha criminal
de todos, incluindo de David Nobre que é extensa... O resultado da autópsia ainda não saiu então
temos que aguardar.

Manuela me entrega os documentos minutos depois quando enfim, tenho um pouco de paz.

— Deixe esses podres do Nobre aqui, que isso é comigo. — eu devolvo depois de olhar e ela
concorda — Coloque a perícia para investigar a cena do crime! Não vou olhar nada da polícia
militar porque não quero perder meu tempo. Vou só dar uma olhada no que tem nessas fitas e
espero mais respostas dos seus homens!

Eu falo e ela começa a organizar seu pessoal para ir pra rua.

Ligo a primeira fita na televisão e começo a ver as imagens. É a câmera externa do Miragem.
Tudo está escuro demais, e não dá para ver quase nada.

A viela está calma, com os drogados de sempre, alguns seguranças parecem andar para lá e para
cá, mas não dá para ver direito, só dá para ver a postura deles. Mexo na configuração de
imagem da TV e isso ajuda um pouco...

Vejo a tal garota que pula a janela e dou zoom. Seu rosto está distorcido demais. Toda a imagem
está ruim de um jeito, mas o rosto da garota está estranhamente retorcido. Foi adulterada.

Salvo a imagem em foto, imprimo, coloco no mural, continuo vendo as imagens até eu mesmo
aparecer e sair correndo, e depois de ver tudo, passo para as demais fitas.

Não demora muito e eu já me vejo procurando por ela nas imagens da câmera interna da boate e
para conseguir achá-la também não demora. Vejo ela entrar, sentar em uma mesa, pedir uma
bebida, e logo após alguns minutos, receber a companhia de um cara. Provavelmente seu
namorado. Seguro o impulso de bufar enciumado, e dar zoom no rosto dos dois para saber mais, e
volto a ser profissional.

Eu não ia tratá-la como uma criminosa, aquela mulher tinha que ser conquistada, não perseguida.
Eu não ia fazer isso! Não queria deixá-la assustada e principalmente não queria "descobrir que
ela era uma criminosa" ou algo parecido e destruir os sonhos românticos que eu criava na minha
cabeça. Aquela mania que a gente tinha de idealizar momentos que nunca iriam acontecer.

Não notei nenhum movimento estranho dentro da boate, e mais nenhuma outra fita que mostre o
interior dos quartos que tinha lá.

David foi encontrado na cama sem nenhum indício de violência ou tentativa de defesa. Estava
apenas deitado na ponta da cama. Eu ia aguardar os resultados da perícia, do toxicológico, ia
repetir os exames quantas vezes fossem necessários e ia encontrar a peça do jogo que faltava.

Era meu primeiro caso, eu tinha obrigação de desvendá-lo.

Revejo as cenas das fitas durante algumas horas e Manuela volta com as fotos da cena do crime.

— A entrada do Miragem estava cheio de repórteres! — ela entra — Não vi nada que possa nos
ajudar, pelo menos nenhum DNA. Nada do além do que a polícia militar já nos entregou!

Ela diz e eu tiro os olhos da câmera para olhar as fotos que me estendia.

— Se não viu, deixou passar! Sempre tem algo! Aquela famosa frase do nosso meio, é patética
mas é real: Não existe crime perfeito.

Eu falo e ela evita bufar.

Me levanto, coloco as fotos no plástico, e pego algumas luvas cirúrgicas no armário.

— Vem.

Eu digo quando pego tudo o que preciso e me adianto para a porta.

Estaciono a viatura na frente da boate e rasgo a última fita que colocaram lá para isolar a cena.

Olho tudo, e vou até o quarto que ela me mostra aonde o corpo de David foi encontrado.

— Foi uma garota que esteve aqui... Morena, cabelos cumpridos, parecia apenas estar se
defendendo e fugindo dele... Tem que ter alguma coisa.

Eu resmungo.

— Como sabe disso?!


— Estive aqui. Arranquei de uma testemunha. Vim buscar meu irmão e quase presenciei o crime
pelo lado de fora. Foi eu quem chamou a militar e os paramédicos. Deixei que a PM cuidasse do
caso, afinal, eu estava à paisana.

Eu digo e ela faz uma cara de espanto.

— Usou luz negra aqui?!

— Usamos, claro!

Ela diz e eu coloco as luvas.

— Nenhuma pegada? Sapatos femininos?!

— Sim, mas só podemos comparar quando acharmos o suspeito.

Ela diz, e minutos depois sigo em direção a cabeceira da cama, e encontro meu 'Ás'. Um fio de
cabelo, enorme e negro, encima do criado-mudo, bem no cantinho...

Levanto até a altura dos olhos e ela se aproxima. O fio de cabelo tinha raiz.

— Não é à toa que conseguiu ser delegado tão jovem! O senhor é muito bom! Já pode largar a
delegação e vir para a perícia, Doutor.

— Jamais.

Ela estende um plástico, eu coloco lá dentro, e me sinto mais calmo.

— Veja o que dá para fazer com isso, que eu vou voltar para a parte que me cabe... os crimes
dele. Pegue a fita da área externa e leve para a perícia, quero saber porque o rosto da garota
está todo distorcido. Quero saber por onde essa câmera passou, em quais mãos ela esteve, e
principalmente, quero saber porque essa garota está se escondendo de mim.

Eu digo e meu telefone toca. Era Tiago de novo.

— Já falei, Tiago...
— Não, Will, escuta! É importante!
— Eu espero que seja, mesmo!!! Estou extremamente ocupado e enrolado aqui!
— Eu fui para rua! Peguei o cartão e desci aqui na venda do Clau! Aqui, pertinho!!! As compras estão
na mesa, posso até tirar uma foto! Eu juro, mas...
— Fala logo, porra!!!
— ... A porta! Eu tranquei! Eu tranquei, mas está aberta. Estava encostada! Entendeu?! Eu fechei, desci,
e quando voltei estava aberta! Alguém entrou aqui, mano! Tu que mandou ligar se algo estranho
acontecesse desde que chegamos aqui... foi tu que mandou!
— E fez certo. Agora respira! Tem certeza que estava trancado? Você tá drogado? Pode falar! Só
não me faça ir aí à toa! E perder meu tempo trancando você no quarto, cara!
— Juro por tudo oque é mais sagrado, brow! Pode me mandar de volta pro Rio se tu chegar aqui e
eu estiver drogado!!! Só fui no mercado, Will!
— Ok. Onde você está?
— Na cozinha!
— Certo. Seja quem for que tiver entrado, pode estar aí te ouvindo agora mesmo, então faz o
seguinte: fique na cozinha, de frente para porta. Pegue o inseticida ou sal e esconda na mão atrás
de você... acho que já falei disso contigo inúmeras vezes! Se alguém aparecer, não perca tempo, se
defenda e saia correndo! Se não estiver armado! Se estiver armado faça o que mandarem, sem
reagir, entendeu?! Eu tô indo! Não pira! Fica calmo!!!
— Tá, mano. Vem logo, cara!!!

Ele implora e eu desligo.

— Tá tudo bem?!

Manuela questiona e eu nego.

— Meu irmão disse que entraram lá em casa! Preciso ir até lá.

— Vou com você! Se tiver alguém pode precisar de reforços. — ela diz e eu concordo sem dizer
que não preciso de reforços para não parecer arrogante.

Dez minutos depois entramos juntos em casa, com a arma em punho e prontos para o pior. Sinalizo
para ela seguir para a cozinha ao encontro do meu irmão e eu sigo na direção dos quartos. O
quarto de Tiago estava limpo, mas o meu: nem tanto. A janela estava aberta, e meu porta-retratos
— que tinha eu e Barbara nos beijando — estava torto. Sou meio maluco, tenho mania de
posicionar as coisas que ficam aparentes em casa, e penso em enquadramento certo para fazer
combinações, vulgo, muito maluco mesmo.

Eu tinha dois criados-mudos, eles ficavam sempre da mesma forma, com os abajures e porta-
retratos na mesma simetria, mas um não estava.

— Aqui tá limpo doutor, banheiro, cozinha, lavanderia! Quase matei seu irmão de susto, mas ele
está bem! Dei um copo d'água para ele!

Manuela entra no quarto e fala após me ver bem.

— Que foi?!

Ela se aproxima olhando para o porta-retratos, e vejo meu irmão entrando no quarto visivelmente
abalado pelo susto que Manuela deu nele.
— Alguém esteve aqui.

— Tive essa impressão também.

Tiago fala e eu olho para ele.

— Eu tô bem! Não fumei!

— Você é dependente químico, rapaz?!

Manuela interroga meu irmão e eu volto a olhar pro porta-retratos, quase em transe.

— É só maconha e de vez em quando! E só para meu uso, mas tô parando! Fala para ela antes
que ela me leve preso, Will!!!

Ele me chama, mas não respondo. Era bom ficar assustado mesmo!
Vou até a janela e olho para baixo, eu estava no quarto andar, a queda era grande demais para
alguém se livrar sem machucados sérios.

— Impossível pularem daqui!

Manuela já diz logo.

— Só podem ter saído pela porta. As câmeras daqui estão quebradas fazem um tempo, mas
estava ensaiando para trocar com o dinheiro do meu próprio bolso.

— Tem que por, Senhor... principalmente agora! É delegado. Vai receber ameaças o tempo todo!
— ela diz e eu concordo.

— Estava nos meus planos me mudar. É bom que o susto vai me deixar mais alerta. Estava focado
no treinamento com a SWAT... vou descer e ver se alguém viu alguém diferente entrar, mas aposto
que não. Aquele síndico nunca está na porta!

— Será que não pegaram nada? — ela pergunta.

— Vai olhar suas coisas!

Eu falo pro meu irmão e ele corre.


Me sento na cama, — pelo menos o notebook ainda estava lá, do mesmo jeito — e abro a gaveta
do criado-mudo, onde tinha colocado a carta. Ela estava lá, mas novamente, não do jeito que eu
coloquei, tinha certeza.

— Acho que minha tia não estava louca!


Resmungo segurando a onda e volto a jogar a carta na gaveta.

— Senhor?!

Manuela que me encarava, questiona confusa.

— Nada. Vamos voltar para delegacia! Tenho muito trabalho a fazer. Muito mesmo!

Eu digo e ela relaxa prendendo seu cabelo cumprido em rabo de cavalo.


Eu tinha realmente muita coisa para fazer. Eu tinha uma família de criminosos para botar atrás das
grades eternamente.
ELA NÃO COSTUMA PERDOAR

— Você se isola antes de fazer algo importante, ou quando tem que decidir sobre como, quando e
onde matar alguém... é mórbido, e uma comparação nada bonitinha, mas eu também fazia isso.

Ele se aproxima de mim enquanto eu fitava o lago, que parecia cenário de filme de terror naquela
manhã. Eu pesava os prós e contras do plano que eu formulei em minha cabeça, e pensar no
silêncio era muito melhor. Meu plano precisava de alguns ajustes.

— Eu sinto muito sua falta, muito mesmo. Não vou me cansar de dizer isso. Você parte meu coração
em mil pedaços toda às vezes que me despreza!!! Eu não vou aguentar isso por muito tempo. Tenho
o direito de conviver com você, e ter a minha esposa, sua mãe. Isso o que você faz comigo é
crueldade demais...

Ele falava e eu aguardava seu desabafo enquanto meditava de pé, meus braços estavam em
posição de descanso militar atrás das costas, e assim estava, assim fiquei. Em nenhum momento
desde que chegou, eu olhei em seus olhos. Meus cabelos balançavam com o vento congelante e eu
podia ver fumaças úmidas saírem de nossas bocas, mas eu já não estava mais com frio.

— ...não vim para dizer que te amo, ou para chorar implorando de joelhos para você me entender,
e ser minha filha! Eu vim aqui para dizer que você vai ser a minha filha, e eu vou conviver com
você, você querendo ou não!

Ele faz uma pausa e eu consulto meu relógio. Tinha contado dois minutos e minha mãe ainda não
tinha vindo interromper a conversa.

— Não adianta olhar no relógio. Não vou sair daqui enquanto a gente não se entender.

— Estava só querendo saber quando ela ia chegar para tomar posse de você, e você passar a
achar que conversar comigo já não é tão importante.

Eu digo e enfim, olho ele nos olhos. Meu pai estava extremamente triste.
— Eu saí de lá dizendo que queria conversar contigo a sós! Ela não virá! Mesmo que eu ache que
ela deveria estar aqui, eu pedi que não viesse. Sua mãe não tem ciúmes de você, Cat. Nunca
competiu contigo!!! Eu confesso, ela realmente ficou com medo de que pelo fato de não ser pai de
verdade da Rubi, eu a olhasse com maldade, mas ela entendeu! Demorou, mas entendeu! O
problema não era a Rubi, era qualquer mulher que não fosse da minha família, parente de
sangue! Sempre foi insegura, ciumenta, possessiva, mas eu prometi amá-la do jeito que ela é! Você
vai entender o que acontece com um casal que se ama como a gente se ama, quando você se
apaixonar, e eu sei que isso vai acontecer em breve. Vai entender o que a gente sente, vai passar
a ter empatia por tua mãe!

Ele diz e eu evito rir.

— E você é toda tua mãe, toda possessiva... tem ciúmes de mim e até da própria sombra. É como
ela! É uma cópia ainda mais intensa do que a original, só que fingi não saber.

Ele diz, e quando perde a paciência, se coloca na minha frente para me fazer olhar em seus olhos,
e eu seguro o impulso de abaixar a cabeça e desviar o olhar.

— Quando você tinha uns quatro anos, minha aeronave de demonstração foi sabotada por uma
ex-namorada, em um evento que precisei participar. Sabe o que pensei o tempo todo enquanto a
nave dava indícios de vazamento de combustível e estava prestes a explodir? Eu achei que ia
morrer, achei que ia ter o azar de ter acabado de te conhecer, e nunca mais te ver de novo.
Nunca mais ver o rostinho da minha princesa, minha filha amada, e se isso acontecesse novamente,
ou se eu passasse por algo parecido, você seria meu primeiro pensamento, de novo!!!

Não estou dizendo isso da boca para fora, e sua mãe sabe disso. Não seria ela meu primeiro
pensamento, simplesmente porque você é a representação desse amor incondicional que eu sinto
por ela. Você representa o amor que sinto por aquela mulher. É nossa primeira filha, fruto desse
amor intenso, o bebê que encomendei sobe medida, a minha alegria de viver.

Ele toca meu rosto e eu desvio o olhar.

— Não consigo entender como não consegue se sentir especial!!! Você é meu bem mais precioso,
você me orgulha!!! Enfim cumpriu o que 'prometeu', está protegendo sua família, é uma mulher forte
e que não depende de ninguém, é mais forte e mais guerreira do que eu e sua tia jamais fomos! É
meu tesouro! Se recusa a viver sobe minha asa,s e quase não pisa no apartamento porque se sente
bem aonde tem pessoas que precisam de você, aqui tem sua irmã mais nova, na instituição tem mais
umas mil crianças que cuida e protege como se tivessem nascidos de você... só faz o bem, renega a
fortuna que tem direito, é independente, e só procura por afeto... eu te amo filha, eu tô aqui!
Aceito fazer mais umas mil reuniões com o gravador do celular ligado para te prometer que vou
melhorar! Vou te dar mais atenção, vou te mimar, e serei seu pai. Você gostando ou não, vou te
proteger, ou pelo menos te fazer se sentir protegida. Dá mais uma chance para mim e para sua
mãe! Faz anos que ela só tem pesadelos, dias sim, e dias não, todos chamando por você. Eu sei, ela
é difícil, mas ela melhorou, e pode melhorar muito mais por você.
Nego com a cabeça e ele suspira.

— Nosso tempo já foi, pai! Acabou! A chance que a gente tinha de se entender já passou. Eu tô
velha demais, não preciso mais do papai e da mamãe, e não sou mais sua princesinha!

Eu digo, ele sorri parecendo concordar, se aproxima de mim, e toca meu ombro.

— Ah! Você precisa sim, precisa do papai! E é uma princesa, sei que vai ser para sempre! Vem
aqui! — ele me puxa para um abraço — Não vou pedir para confiar, só vou dizer e vou cumprir!
Vou passar um tempo contigo, e com Rubi! Vou ser o pai que vocês precisam. E vou corrigir todos os
erros que cometi com vocês.

Me arrependo demais de não ter feito sua mãe entender que eu nunca olharia para Rubi de
forma diferente. Aquilo foi um absurdo, me senti enojado, ela não entendia. Mas agora tudo
mudou, eu juro. Vai passar a acreditar em mim!

— Sinto muito, mas não vou.

Me afasto de seu abraço sem graça e ele sorri.

— É melhor aceitar, logo, logo meu futuro genro consegue me colocar na cadeia, aí sua última
preocupação será implicar com sua mãe!

Ele diz e isso me deixa agoniada. Pelo genro, e pela cadeia. Nessa ordem.

— Genro? Que genro?! Ninguém vai prender você!

— Já estou velho, estou cansado, nem devo mais saber lutar, quem dirá enfrentar o batalhão do
COT! Vou ser preso, pro resto da minha vida! Eu, seu avô, Jon, Laura, seu pai postiço... melhor
aproveitar seus últimos momentos com teu pai!

— Ninguém vai ser preso! Não enquanto eu estiver viva! Mato qualquer um que tentar!

— Então você me ama!

Ele diz sorrindo e eu não vejo graça.

— Amo meu irmão catarrento e mimado. Não posso deixar ele sem pais! Se minha mãe morrer de
depressão porque tu foi em cana, não vou cuidar dele! Vou te proteger para meu próprio bem!

— Não vai dizer que me ama, não é?!

Ele ergue uma sobrancelha e eu dou risada.


— Não.

— Tudo bem. — seu sorriso bobo desaparece e meu coração dói — Vamos sair dessa friagem.

Ameaço dizer não mas paro para pensar e vou na frente.

— E então?!

Minha mãe nos encontra entrando em casa e se aproxima agarrando ele.

— E então o que?

— Continuará nos desprezando? — ela pergunta e eu evito rir.

— Sim. E você? Continuará agindo como uma adolescente???

— Não. Vou melhorar!!! — ela ri e confirmo com a cabeça.

— Certo. Veremos.

Eu ameaço sair dali, mas uma ideia incrível surge em minha mente suja, então dou meia volta.

— Mudei de ideia. — eu digo e os rostos dos dois de repente se iluminam— No fundo estou
cansada de ser órfã, então quero meus pais de volta! Mas, para isso acontecer exijo algo em
troca...

— Seu pai não vai pedir o divórcio, Catarina! Não vamos nos separar para você ficar feliz! — ela
diz e eu dou risada.

— Nada disso. Vocês podem se engolir, não ligo mais, não me importo. O que eu quero é uma
prova de que realmente mudaram. Meu pai disse que ia mudar comigo e com Rubi, que ia passar
a nos dar atenção, e nos tratar de forma justa: nos tratar como filhas dele. Quero que enquanto
ele estiver comigo, ou com Rubi, você não tente chamar a atenção dele, ou estragar tudo. Meu pai
é seu marido, mas não é propriedade sua!

— De acordo. Já combinamos isso. Já discutimos a respeito. O que você está pedindo foi o que ele
disse que faria, e eu fiquei de acordo no ato! Aliás, eu quero o mesmo!!!

— Ótimo. Mas isso não é tudo! Quero que você deixe ele conversar com minha madrasta! A sós,
sempre que quiserem, inclusive hoje, e deixará ele retomar a amizade que sempre tiveram!

Eu falo, meu pai abaixa a cabeça nervoso e ela ri sem acreditar.

— Eu não o proíbo de ter contato com ela, nunca fiz isso!!! — ela diz indignada e eu ergo a
sobrancelha — É isso o que quer? — ela olha pro meu pai e eu nego.

— Sem chantagem, mãe!

— Não. É uma pergunta simples! Só quero saber! Retomar a amizade que vocês tinham te deixará
feliz? Sente falta dela? Arranquei isso de você esses anos todos??? — ela olha para ele e ele
sustenta seu olhar.

— Não, Ellen. Mas isso é ideia dela. Se ela quer, eu farei. Laura é minha única amiga! Voltar a ter
contato não nos fará perder nada, ainda mais agora. Vai ser bom para nós! — ele diz e ela
parece triste.

— E você vai voltar a ser amiga do meu pai Yan! Vocês tem uma filha juntos! — aponto para mim
mesma — Se quer ser minha mãe, se preocupar comigo, coisa que você nunca fez, seria bastante
legal!!!

— Nunca! De jeito nenhum!

Meu pai resmunga antes de minha mãe dizer o que pensa, tentando se controlar.

— Viu! Você pode e ela não?! Eu só quero que vocês sejam normais! Tenham um relacionamento
sadio! Preciso dos meus pais, não de dois malucos mais obsessivos do que eu! — eu me viro para ir
embora e ele me segura pelo braço.

— Peça outra coisa!

— Vocês duvidam do amor que um sente pelo outro, chega a ser ridículo!

— Não. Eu só não suporto seu ex-padrasto, filha! Nunca gostei dele!

— Ele é meu pai!!! Assim como você! E meu acordo se estende a você! Tem que amá-lo! Ele cuida
de mim, ele faz o que você nunca fez! Você tem mais é que colocá-lo num pedestal por me fazer
tão feliz, e por querer tão bem a Rubi! Pelo menos uma vez na vida, pai... — me aproximo dele e
posso ver mais de perto que sentia uma dor incontrolável — Prove que me ama, prove que quer
mudar, entenda que meu pai ama Laura e é louco por ela! Nunca desrespeitaria minha mãe, nunca
trairia ela. Laura te ama, e ele ama minha mãe, assim como você ama Laura, e minha mãe ama
Yan! Ambos querem se aproximar, você sente falta da tua amiga, Yan foi um cara excepcional
para minha mãe quando você não foi, Laura tem uma fidelidade de alma para com você até hoje,
então... se permitam viver isso, principalmente sem causar um caos na vida da família toda.

Quer me fazer feliz e se aproximar de mim, me dê uma família unida como tenho na instituição,
como tenho com o cartel! Eu quero amor, pai, mas se só o que vocês dois podem me oferecer são
crises de ciúmes, loucuras, e falta de atenção porque um não aguenta ficar cinco minutos longe do
outro, prefiro continuar fingindo que não os conheço. Provem que me amam, passe um dia por
semana com a Rubi sem deixar que minha mãe surte por pensar que você vai dar em cima da
própria filha, e fique com Dom para que ela possa viajar e trabalhar, ou fazer qualquer coisa que
ela quiser sem você como seu guarda-costas... e melhorem. Darei a vocês algumas horas para
pensar!

Eu digo e saio dali. Passo na frente da sala, olho para Miguel, ele levanta do colo de Laura para
me seguir, por puro instinto.

— Tudo bem? O que houve? — me sento na cadeira do meu pai no escritório, e ele fecha a porta
atrás de si!

— Não. — digo massageando a têmpora — Cadê o que te pedi?

Ele pega um dos livros grandes e finos da para teleira, uma capa falsa tipo oca, e tira a
papelada de dentro dele.

— O que descobriu?

Eu questiono enquanto folheio o arquivo com informações, fotos, endereço, nomes da família,
hobbys, rotina, e muito mais a respeito do cachorro sarnento.

— Ele namora uma advogada, estudou com ela, os dois vieram do Rio. O irmão mais novo é
usuário assíduo de drogas e o policial o trouxe, da Pavuna, no Rio, quando terminou a pós-
graduação para cuidar dele. Ele é faixa preta em judô, se inscreveu em uma academia
recentemente, o nome está aí... e não faz nada nos últimos três anos além de estudar para
conseguir o cargo de delegado, e cuidar do pirralho drogado...

Miguel vai falando e eu apenas escuto.

— Era agente no Rio?

— Era. Foi o melhor da turma e seu currículo e fama facilitaram o ingresso dele na academia da
SWAT. É bom em resolver charadas, desvendar os crimes que pegava, bom em luta, fez o curso de
defesa pessoal com a SWAT nos EUA, e é honesto, ficha limpa...

— Como ele foi com a SWAT? — eu pergunto e ele coça a cabeça nervoso.

— Foi o melhor do curso!

— Entendi. — eu digo e Miguel me olha nos olhos.

— Posso saber o que pretende?! O que vai fazer com o cara?

— Não sei. Queria matar a família toda até essa carta desaparecer do mapa. Primeiro vou até lá,
quero saber exatamente o que aquela senhora escreveu e, dependendo do que eu ler, vou fazer o
que meu pai devia ter feito há muito tempo! Vou apagar a família toda, não vai sobrar ninguém
pedindo vingança! Mas isso vai ser minha última opção, afinal, querer não é poder. — eu digo e
ele concorda.

— Sei que quer fazer isso sozinha, mas quero te ajudar. Faço o que quiser!

— Me ajude arrumando tudo para virar um policial federal. Talvez a gente consiga lidar com ele
sem ter que matá-lo. Se você estiver lá dentro, e ficar de olho, podemos sempre ficar um passo à
frente!

Eu falo e Miguel rosna, por isso me aproximo. Miguel era leal a mim, não tinha o hábito de me
contrariar, e vê-lo discordar era raro, e irritante. Fred literalmente tacava o foda-se para mim, me
respeitava, mas se tinha algo para dizer logo dizia, sem medo, sem culpa, sem nada... estava ao
meu lado porque queria. Já Miguel, não, Miguel se sentia na obrigação de ser meu parceiro
porque dizia ser meu irmão e me amava.

— Qual é o problema?

— Por que não os matamos de uma vez? Por que mudou os planos que acabou de nos comunicar?
Vinte minutos se excluindo e já mudou de ideia?! Por que quer poupar a vida do babaca? Tá 'afim'
do cachorro?

— Óbvio que não! Vou avaliar toda a situação para pensar antes de agir e não chamar atenção.
Sendo delegado, as câmeras do Brasil todo estarão voltadas para ele. Para mim seria mais fácil
entrar na casa dele, matá-lo enquanto dorme, e mandar você, Fred e Rubi para acabar com os
velhos no Rio. Mas acabar com toda a família dele, pode deixar a gente em péssimos lençóis! Já
matamos chefes de estados, pessoas famosas, mas não um delegado federal e uma família inteira,
ainda mais após receber uma carta acusatória.

— Foda-se! Ele quer acabar com a nossa família, porque não acabamos com a dele antes disso!?
O resto a gente dá um jeito! Não vou ver minha mãe sendo presa!

— Eu já disse que ninguém aqui vai preso! — respiro e tento de novo — Eu não sei o que ele quer,
Miguel. A gente sabe que ele tem a carta, não sei dos seus planos, e é aí que você entra. Se ele
fez cópias dela? Se os planos dele estragar o nosso depois que ele morrer??? Vai fazer o que
mandei e não quero que me questione! — eu falo e ele concorda.

— Tudo bem. Desculpe.

— Melhore, Miguel! — eu falo, ele invade meu espaço pessoal e se ajoelha enterrando o rosto em
minha barriga.

— Eu prometo melhorar. Me desculpe!


Passo a mão nos seus cabelos lisos demais e Rubi e Fred, batem na porta.
Ambos entram logo e não se surpreendem ao vê-lo de joelhos.

— O que ele fez?

Fred pergunta com bom humor e se joga no sofá do escritório colocando as botas sujas no
estofado limpo.

— Prometeu melhorar. — eu digo encerrando o assunto, Miguel se levanta, encosta sua testa na
minha, me olhando por um momento e depois me beija a face — Cadê o Jon?!

Pergunto quando ele me larga e faz Fred tirar os pés do sofá para poder sentar ao seu lado.

Rubi aproveita o momento, se senta ao lado de Fred, e coloca as pernas em seu colo como quase
sempre faz.

— Ele está conversando com seu avô, analisando seus documentos, e seu cadastro na federal.

— Ótimo.

— Quais os planos por enquanto?!

— Amanhã cedo saio daqui! Preciso ir para casa! Tia May me deixou de castigo e preciso ficar lá
o final de semana todo. Não ajudo com as crianças já tem alguns dias, e também tô devendo duas
semanas de faxina no quarto. Na segunda combinamos tudo, ainda preciso pensar em muita coisa!
Tenho alguns planos aqui, mas preciso avaliar tudo, posso não sair dessa numa boa...

Eu falo e vejo Rubi olhando para as mãos cruzadas de Fred.

— Minha mãe te pediu perdão?

Mudo de assunto olhando para ela, e quando ela nota que era com ela, se ajeita no sofá e
arruma o decote.

— Sim. Parece que ela notou que eu não tenho nenhum desejo sexual pelo meu próprio pai!

Ela diz irônica.

— Ou talvez tenha feito isso só para ele ficar feliz. Talvez ela nunca confie em vocês dois juntos.

— Pode ser,mas assim que cheguei em casa, dei um belo de um apertão nele, bemmm gostoso, e
ela não entortou a cara! Nem nos interrompeu quando ficamos uma boa parte da madrugada na
sala, conversando...
Ela diz e eu confirmo.

— Parece que perto deles sua sensibilidade desaparece.

— Está enganada. — ela sorri — Apesar de você ter me traído por nunca ter aberto esse lance
para mim, na real, eu sempre soube. Apenas não deixei a verdade me destruir. Amo meu pai, e
por ele, consigo engolir a nojenta da tua mãe! Sei que ela o faz feliz, e sei que você e o Dom a
amam, e só por causa disso ela não morreu intoxicada. Ainda. — ela fala e eu consigo sorrir.

Era essa a Rubi que eu conhecia. Era essa mulher que eu escolhi para fazer parte da minha
equipe. Uma mulher atraente, inteligente, focada, perspicaz, e que tinha muito a nos acrescentar.
Minha irmã que era doce, amável, companheira, mas que também era louca, perigosa, e quando
precisava: extremamente maldosa e impiedosa, na medida certa. Uma arma letal.

— Sei que vai discordar, mas já que parece estar de bom humor, vou arriscar... falei com a minha
mãe, e com sua autorização, vou usar o salão de festas do meu pai para me divertir, beber todas
e transar para caramba. Já falei e tô saindo.

Miguel se arrisca me dando as costas e já ia saindo do escritório.

— Sabe que se eu disser não...

— Eu não farei, eu sei...

— Ótimo. Te prometi o colo da minha mãe, não o colo de suas vadias. Mas, contudo, creio que vou
concordar. Tem a noite de hoje para relaxar, descansar, comer todas elas, e depois partir para
São Paulo para fazer seu trabalho. Também vou aproveitar para beber e transar! Vai chamar
alguns amigos gostosos???

Eu questiono e ele sai batendo a porta com raiva, já totalmente sem humor.

— Eu pensei que era só de mim que ele tinha ciúmes contigo!!! — Fred diz rindo.

— Não. Miguel coloca Catarina em um pedestal que só ele pode adorar, mas ela não é exclusiva.
Quando a gente sai, preciso me esforçar muito para me divertir... Miguel rosna para cada gostoso
que chega perto de mim!

Nós três rimos.

— É porque você não viu o jeito que ele ficou quando ouvimos você com David Nobre. "Por favor,
preciso desligar... Me deixe desligar!!!"

Eu tento imitar Miguel mas sai uma bosta. Por isso todos riem.
— Olha... estamos todos nos divertindo!!!

Meu pai entra no escritório e Rubi corre para abraçá-lo antes dele chegar perto de mim.
Me sento em cima da mesa de madeira antiga de Yan e ele me encara enquanto afaga os cabelos
negros de Rubi.

— Pensei na sua proposta.

— Pensou rápido demais!

— Pois é! E minha resposta é não! — eu sorrio e ele me devolve o sorriso brincalhão — Nunca vou
deixar aquele mala do seu ex-padrasto chegar perto de minha mulher, ele nunca mais vai respirar
o mesmo ar que ela nem por um minuto, principalmente se eu não estiver presente. Ellen é minha,
não sou propriedade dela, mas ela é minha propriedade e sabe disso, então não vai ser
amiguinha do ex-marido nem por cima do meu cadáver.

Mas farei uma parte do que você quer, principalmente porque eu quero! Eu sou o seu pai, você
pode dar ordens para seusfuncionários/irmãos/assassinos/companheiros, mas para mim, de jeito
nenhum. Vou dar um belo rolê com minha antiga amiga, vou me reaproximar, vamos retomar nossa
parceria agora, e eu serei o melhor pai que vocês duas já tiveram, você querendo ou não. Mas
minha mulher e seu gerente de Bagé, nunca. Esqueça!

Ele sorri enquanto Rubi o encarava cheia de orgulho, ele dá um beijo estalado nela, se aproxima
de mim e beija minha testa com amor, e sai sobe o olhar de humor de Fred.

— Seu pai é muito louco!!! — Fred ri.

— Conhece alguém nessa família que não seja?!

Pergunto e ele levanta os ombros rindo com vontade. Era bom ver Fred rir. Era incrível na verdade.
Então, quando ele vê que Rubi e eu ficamos olhando para sua risada com caras de bobas ele fica
sem graça e logo para.

— Mas então... falando em transar...

Rubi zomba se aproximando de Fred.

— Nem me fale, não sei o que é isso há anos! — ele diz sem entender e olha para ela.

— Não quer matar a saudade?

— Não.

— Que pena!
— Por que, "que pena"?

— Porque é bom, devia para ticar! Como você se alivia? — ela diz se empoleirando em seu colo.

— Minha mão é uma ótima amiga! — ele fala rindo e ela fica sem graça.

— Sei. Sua mão. Entendi. — ela resmunga, se afasta dele, levanta e sai do escritório.

— Você é o cara mais otário que conheço! — eu digo e ele pisca para mim. Cara de pau.

— Ei, chefia! Posso entrar?!

Tio Jon dá um toque na porta antes de abrir.

— Só se eu ganhar um abraço bem apertado, Jon Hunter!

— Só se for me devolver inteiro!!!

Minha tia entra atrás e eu reviro os olhos!

— Fala sério. Não vou devolver mesmo!!!

Eu digo e pulo no pescoço grosso e cheio de código binário do meu tio gato!
Não tive tempo de abraçar e beijar nenhum deles, e que saudade eu tava do meu tio favorito.

— Como você está, minha princesinha? — ele pergunta sorrindo quando eu decido soltá-lo.

— Tô bem fodida, tio! — ele ri.

— Eu cheguei, salvarei minha sobrinha favorita!!!

— Isso é bom! Agradeço! Como está a família? O médico gato, e o bonitão engraçado? Aliás, cadê
a Giullia?

— Deixei ela com a Nat e com o Matheo para poder ver você! Estão todos bem. Marcelo continua
trabalhando no hospital regional, e vai casar em breve...

— Entendi. Assim que eu voltar para São Paulo, vou passar lá para dar um beijo em cada um! —
eu digo e ele pisca para mim — Mas me diga, o que tem para mim???

— Deixei tudo organizado. Mas não estou afim de mudar todo o seu cadastro. Não quero fazer
isso... — ele parece triste.

Pela primeira vez na minha vida eu vejo meu tio triste.


Viro de costas e vejo que Fred arruma sua postura no sofá, e minha tia me olha com compaixão. Eu
amava meu tio mais que tudo no mundo, mas sinceramente, odiava ser contrariada, e todos ali
sabiam disso. Eu não mais batia as sapatilhas no chão e fazia birra, eu apenas aniquilava quem
me tirava do sério, só oque eu poupava era minha família.

— E por que não, tio?

Volto a me empoleirar na mesa e ele me analisa como um bicho. Ele sempre fazia aquilo.

— Vai ser extremamente complicado você voltar a ser a Catarina depois que nos livrarmos dessa
ameaça. Devia permanecer Catarina, ser você mesma, não se esconder...

— Não vou me esconder, vou evitar possíveis complicações. Quero me livrar da presença da PF
nas nossas vidas, e para isso, ir até o Rio e matar a família inteira do cachorro, e depois acabar
com ele, não sei se será tão eficiente, pelo menos não a longo prazo!

Matá-lo é minha melhor opção, eu sei, mas pensei melhor, isso vai fazer aquela carta
desaparecer?! Acusações escritas de próprio punho? Vai nos fazer evitar que aquela carta chegue
em mãos erradas? — eu pergunto e vejo o restante da família entrando no escritório,
provavelmente tio Jon que os chamou para falar de uma vez para todos ouvirem — Quero me
aproximar, ler o que ela escreveu, saber dos planos dele de perto, e depois que me livrar das
acusações dela, matá-lo sem que pareça assassinato, ou deixá-lo vivo sem chances de retaliação.
Você não concorda com isso?

Pergunto e ele confirma ainda um pouco inseguro.

— É inteligente, ótima estratégia. Mas não acha que é capaz de fazer tudo isso sem mudar toda
sua identidade?

— Ok. Mas e se eu me apresentar como Catarina Coverick?! O que acha que ele vai fazer? Talvez
ele entenda que quando tudo aconteceu eu nem era nascida, mas, e quando os planos dele
começarem a dar errado? De quem ele vai desconfiar primeiro? Ele é esperto, leu minhas
expressões como eu li as dele, talvez seja mais esperto do que nós imaginamos... sabe que meu
nome "não é Lis", e se não me investigou, é só questão de tempo para fazer isso. Mesmo porque,
gostou de mim e não sabe como me encontrar.

Não quero arriscar. Quero apagar o cachorro por ameaçar minha família, mas não quero agir por
impulso. Quero trocar meu nome e quero mudar tudo. Minhas transferências mensais para a
instituição, o museu, o cadastro na federal, meu apartamento, minhas contas, meu carro... TUDO!

Quero um novo nome imediatamente, e uma certidão de óbito para Catarina Coverick. Enquanto
você se recusa a fazer isso, ele pode estar tentando me procurar nesse exato momento!

— O que te faz pensar que ele vai te procurar de algum jeito?


Rubi questiona irônica, e eu já sabia onde ela queria chegar. A tal da ligação... tá! A única ligação
que eu tinha com ele era que ele seria minha próxima encomenda em pouco tempo.

— Bom, ele deixou bem claro que me veria de novo, gostou de mim, e ficou bem gamado. Foi do
modo clássico da nossa família, tratei mal então, tá maluco por mim! — ela ri achando graça, meu
pai fica vermelho, tio Jon perde o sorriso, Miguel rosna, Fred pisca para mim, e meus avós sorriem
— Tipo, quem sabe?! Ele é bonitão, um moreno com o sotaque carioca delicioso, sorriso lindo...
posso tirar uma casquinha antes de matar, como você sempre faz com as nossas encomendas!

Eu minto — sobre pegar o cachorro — e ela para de rir depois que meu pai olha torto para ela.
Ali ele dizia que teriam uma conversa séria logo, logo, e Rubi não gostou nada disso. Bingo!

— Sendo assim...

Jon resmunga querendo rapidamente mudar de assunto.

— Faça!

— E como gostaria de se chamar?

— Que tal, Helena?! — eu pergunto e meu pai sorri para minha mãe — O sobrenome você pode
colocar o que achar melhor. Escolha uma família bem distante, e que não tenha me deixado
parente nenhum. Vou tomar um banho, dissertem...

Digo e saio de lá para não dar nenhuma oportunidade de ouvir mais pitacos do que eu já tinha
escutado. Eu já tinha decidido o que eu ia fazer, e ninguém ia me fazer voltar atrás.

Entro no meu quarto já me despindo e a porta é escancarada. Para entrar daquele jeito só podia
ser uma pessoa: Miguel!
Já era uma hora da tarde e ele queria discutir as minhas decisões naquela altura do campeonato...

— Foi brincadeira, não é?! Não está pensando em se relacionar com o próximo alvo!!!

Ele me encara enquanto eu me despia e eu me viro para olhar para aqueles olhos rasgados.
Penso em dar meu sermão de sempre, mas me sinto cansada e sigo para o banheiro. Suspiro
quando ouço ele bater à porta do quarto.
Miguel não tinha a menor noção do quanto era perigoso me enfrentar.

Ligo a banheira e entro antes mesmo de encher. Encosto a nuca no apoio estofado e respiro fundo.

" — Não tem nada de maníaco em ficar encantado por uma mulher e chegar nela para dizer isso. Me
desculpe se assustei você. É só que parece que eu vivi toda uma vida para no fim, chegar até o
Miragem e te encontrar ali! Me senti aliviado por encontrar você. Sinto que agora posso parar de te
procurar."
— Sinto que agora posso parar de te procurar...

Digo sussurrando e reflito. Ninguém nunca me disse algo tão bonito como aquilo.

— Nunca ouvi nada tão lindo...

Respiro fundo de novo, mas agora não solto. Afundo a cabeça na água e abro os olhos. Vejo o
teto do banheiro, o movimento da água que caía da torneira, o sorriso do cachorro, e sua
declaração brega... pena que é cachorro, uma pena estar querendo acabar com a minha família,
uma pena que no final eu tenha que matá-lo, porque eu sei que é isso que vou acabar fazendo!
No fim, vou matar o verme bonito e ter de volta minha tranquilidade, e pensar naquilo me pareceu
uma verdade absoluta.

Suspiro de consciência tranquila e a face chata de Miguel de repente aparece.

— Você não cansa?

Questiono e ele senta na ponta da banheira.

— Vim pedir desculpas. — ele fala e eu olho para seu rosto. Miguel estava aflito por algum
motivo.

— Tá chateado e descontando sua frustração em mim.

Fico estressada e vejo quando ele pega a esponja e o sabonete para esfregar minhas costas.
Minha nudez nunca foi problema para nenhum deles.

— Desculpa.

— O que você tem, Miguel?

— Não é nada. Só estou chateado com algumas coisas. — Ele se esforça para sorrir e eu olho em
seus olhos, fazendo-o parar de me esfregar — Tô me sentindo estranho, com uma impressão
estranha! Minha mãe fica me encarando... fica... sei lá, ela está diferente, eu não sei!

— Conversou com ela?

— Sim. Ela disse que estava bem e mudou de assunto!

— Ela te destratou???

— Não. Pelo contrário, na verdade...fica me abraçando, parece lamentar algo, fica me beijando...
tipo, me olhando com dor nos olhos quando finjo prestar atenção em outra coisa...
Ele diz entristecido.

— Vai ver ela pensa como meu pai. Acha que vai presa pela morte do Pedro. Parece querer se
despedir... meu pai também está agindo assim!

Eu falo e ele nega.

— Não. Não é isso. Ela confia em nós, sabe que não vamos deixar nada acontecer. Não é isso.

— Vou descobrir! Eu prometo que vou! — ele me dá um beijo confirmando e se levanta — Agora
vai organizar sua balada! Quero chapar hoje!!! — eu dou risada, mas ele não.

— Nem pense nisso. Nada de chapar, nada de transar, nada de pegar amigo meu!!!

— Você é muito ciumento! Se toca! Me deixa em paz! — eu falo e ele faz careta.

— Nunca.

Ele resmunga, sai do banheiro, e eu volto a respirar e refletir.

---

— Tô indo embora! Vim te dar tchau!

Meu pai entra no quarto após bater. Eram 18:00hs. Meus avós e meus tios já haviam falado
comigo e eu até pensei que ele não viria.

— Também não ficará para a balada?

— Matar a saudade da juventude??? Não, obrigado! Não quero voltar no tempo!

Ele sorri seu sorriso lindo e se senta perto dos meus pés! Eu estava apenas lendo um livro e
esperando o tempo passar.

— Vou te ver quando voltar para casa! — ele diz e eu confirmo com a cabeça.

— Enfim, vou arrumar a casa...

Ele ri, mas depois fica sério.

— Fala de uma vez.

— Tua mãe! Quer te dar tchau! Quer vir mas está com medo de...
— Ela pode vir! Mande ela entrar! Sei que está parada na porta.

Era a cara dela fazer isso.

— Vem. — ele se levanta e abre a porta do quarto para ela entrar.

— Oi.

A bicha se aproxima parecendo ter medo de mim.

— Só queria te dar tchau!

— É. Eu sei. — eu falo e deixo-a sem graça.

— Tudo bem. Vamos!!!

Ela olha pro meu pai com lágrimas nos olhos, e dali consigo sentir a dor terrível que ele sente por
vê-la triste. Aquilo era horroroso, eu tinha me esquecido do quanto odiava ver meu pai triste.
Odiava. E a partir daquele momento eu começo a me lembrar do porquê sempre quis distância
dele. Eu odiava vê-lo sofrer, e naquela época, pelo menos na maioria das vezes, o motivo era ela,
e não eu.

— Está tudo bem, mãe! Não vou te morder! — eu me levanto, dou um abraço apertado nela, e sem
querer ou controlar, sinto pedaços de mim voltando ao seu devido lugar.

Aquilo era estranho demais.


Ela chorava, e enquanto chorava eu me reconstruía. O cheiro dela era bom, parecia o tipo de
cheiro pelo qual eu conseguiria passar o resto de minha vida sentindo. Será que aquilo era o
reconhecimento de que ela era minha mãe? Porque era tão bom... eu podia me acostumar com
aquele abraço, podia ficar ali por mais tempo do que deveria, e o mais estranho era que eu
queria aquilo. Eu amava estar ali, amava abraçar minha mãe, mas aquilo parecia tão certo e tão
estranho ao mesmo tempo...

— Tudo bem, agora me larga. Você está extrapolando!

Falo fingindo ser a forte e ela sorri limpando as lágrimas.

— Vamos ficar bem, é só você se comportar! Me parece muito errado, mas eu te amo, mãe! — dou
risada — Quero ficar próxima! Apenas me dê o que é meu direito: meu pai ser meu pai, e você
fazer seu papel que é ser minha mãe, e eu estou falando da parte chata e da parte legal de ser
mãe, mas indiferença não faz parte de nenhuma delas.

Hoje meu pai disse que não concordava com a parte mais importante da minha proposta, mas que
seria meu pai mesmo assim e então eu entendi. Ele disse o que eu queria ouvir. Ele pela primeira
vez, foi meu pai! Vou ter que aceitá-lo ciumento e possessivo contigo, então eu te aceito assim,
chata para caramba e enjoada! Que tal me aceitar do jeito irritante, mimada e ciumenta de
sempre?! — questiono e ela sorri concordando — Vamos tentar mais uma vez, mas vamos começar
ao estilo 'vó Hella', com empatia e paciência! Tento me colocar no seu lugar e você se coloca no
meu!

— De acordo! Eu gostaria disso!

— Eu gostaria disso! — imito sua voz irritante e ela ri junto com meu pai — Olha para isso! É uma
irritante! — eu abraço ela de novo para tirar mais um pouco daquela sensação maravilhosa e
depois me afasto.

— Vai, família feliz! Vão embora!!! — eu digo, mas meu pai me agarra fazendo meus pés saírem
do chão.

— Nós amamos você!

— Tá parecendo despedida!

— Mas é. Só por hoje... mas é! Não pense que vai se livrar de mim tão cedo! É melhor do que eu
fui, e é destemida, sempre foi! Vai proteger sua família com certeza! Aposto minha vida nisso.

Ele diz, sorri para mim, os dois me enchem de beijos, e saem dali me deixando tão feliz que nem
consegui parar em pé. Me joguei na cama e sorri para o nada, sentindo meu coração totalmente
cheio, como nunca antes.

Eu não queria me iludir, não queria ficar pensando que tudo voltaria a ser como num conto de
fadas, mas eu estava feliz. Achava que pelo menos tinha o direito de me sentir daquele jeito.

— Miguel, já foi?!

Desço até a sala e vejo meu pai e Laura em um sofá, e Fred e Rubi no outro.

— Já. Foi organizar tudo, mas vi que alguns amigos já chegaram! Já está começando à lotar.

Meu pai fala e vejo Rubi me medindo nervosa.

— Que foi, garota?

— Não tinha um vestidinho pelo menos?!?! Poxa!!! Um corpo desse...

Ela não gosta da minha calça jeans e camiseta com jaqueta estilo 'Laura Nogueira', e eu bufo.

— Deixe minha filha quieta, Rubi! Está bem desse jeito!


Meu pai responde e consegue tirar uma risada de espontânea de Fred.

— E vocês? Não vão curtir???

— Não tô com cabeça, meu amor! — Laura fala — E seu pai não quer ir sozinho, eu até "deixei"...

— O que você tem, aliás? Miguel está preocupado! Aconteceu alguma coisa???

Ela me olha pensando se deve dizer, se pergunta o que deveria me dizer, e decide pela resposta
mais sensata. Não diz o que é, mas também não mente.

— Tenho as minhas preocupações, mas não quero me abrir agora. Não estou pronta. Você me
entende?

— Entendo. Mas trate de resolver isso logo!

Sorrio para ela e Rubi levanta.

— Ok. Certo. Estamos conversados, agora vamos tirar isso!!!

Deixo ela me arrastar escada acima e dou risada.

Rubi vestia uma saia e uma blusa branca, ambas as peças eram curtas tipo futurista — mostrava o
decote, o umbigo, e as coxas —,e renegava o frio intenso que fazia lá fora. Seus cabelos estavam
soltos também, como sempre, mas não lisos como de costume, e sim, cheio de ondas charmosas.
Estava linda.

— Vejamos! Que tal isso?! — ela me estende a peça minúscula — Nada de preto, pelo menos por
hoje. Nada tão ousado, mas ainda assim, bem bonito!!!

O vestido verde musgo subia para além dos meus joelhos e deixava uma parte significativa dos
meus seios à mostra. Nada como os dela, mas deixava. Eu não estava tão apagada, mas estava
bonita... nada tão chamativo, mas enfim, eu curti.

— Nem tem como colocar minha arma...

Resmungo me olhando no espelho após colocar um salto alto, e ela ri.

— Estamos dentro de casa. Relaxa um pouco!!!

Olho bem para a cara dela e me pergunto onde errei! Será que fui uma péssima "professora"
para minha própria companheira de 'guerra'.

Viro as costas para ela, recoloco meu cinto de facas na coxa, e guardo minha arma na primeira
gaveta da minha cômoda branca.

— Oh! Minha nossa!!!

Fred exclama se levantando assim que eu desço, e recebe uma carranca do meu pai.

— Você está linda, filha! — ele diz.

— Melhor que a calça jeans!

Laura sorri e ficam os três bobões me olhando com caras de bobos, obviamente.

— Se mudarem de ideia, vou amar ver vocês dois curtindo uma night!!!

Eu digo zombando e saio de lá.


Caminho de mãos dadas com os dois, mas logo senhorita Grim se solta de mim para pular no colo
do irmão.

— Ei! Você está linda!

Miguel se aproxima e finge ser um homem carinhoso ao beijar minha mão.

Entro no salão de festas da pousada com Fred na minha cola, e vejo alguns funcionários da
pousada, amigos conhecidos de Miguel, e rostos que nunca vi. Me sento direto na bancada do bar
e peço dois drinks, um para mim e outro para Fred.

A música era boa, Miguel curtia músicas pop's brasileiras e bem remixadas. Tinha um ótimo gosto.

— Vou ficar aqui bem pertinho de você para não ser incomodado!

Fred grita por causa do som alto e arrasta a cadeira para mais perto.

— Cuidado que você pode queimar meu filme. Vão achar que eu tô comprometida.

— Não me importo! — ele zomba, mata o copo e pede mais.

Vejo Rubi dançar com um cara que nunca vi, e de vez em quando lançar olhares para nós dois.
Fred bebia, balançava a cabeça na batida da música de vez em quando, e bebia mais.

Penso em puxar assunto a respeito de ser tão tapado, mas desisto. Eu precisava era cuidar da
minha vida! Em pouco tempo eu enfrentaria um policial federal maluco para ver minha família na
cadeia, então eu precisava aproveitar aquela balada maluca do Miguel, e no dia seguinte,
acordar focada.
Bebo, olho em volta, bebo, percebo olhares direcionados a mim, olhares direcionados a Fred,
decido beber mais, e assim fico... De repente Grim se cansa de rebolar pro seu amigo, já íntimo,
sobe no palco e faz um show de sensualidade dançando, rebolando, enlouquecendo Miguel e
arrancando suspiros de seus amigos. Fico curtindo sua apresentação exibicionista, até ver uma
garota bonita se aproximar de Miguel. Cutuco Fred para ele poder ver e ficamos os dois
encarando e se divertindo.

Miguel estava sentado em uma mesa rodeado por amigos, e tentando impedir os mesmos de
desejar a sua irmã, até que a loira chega, senta em seu colo, e após trocar algumas palavras, os
dois se beijam deliciosamente.

Fico olhando e imaginando. Fazia um bom tempo que eu não dava uns amassos, mas só sentia falta
quando eu via alguém daquele jeito. Quem mandou viver pro trabalho??? Quem mandou parecer
estar sempre nervosa, e nunca conseguir dar continuidade em um papo tranquilo que não fosse
sobre matar, torturar e socar?!

Rio desse pensamento e quase não vejo quando Fred — que tinha suas costas viradas para mim
—,tira sua arma do cós da calça em suas costas e levanta fitando o outro lado da pista de dança.

Coloco a mão na coxa, na intenção de tirar a arma só por instinto e me lembro de que não
importava o que Fred via, eu só tinha uma faca.

— O que foi? Qual é?!

Toco em seu ombro e ele me ignora começando a andar por entre as pessoas que dançavam,
então apenas o sigo.

Fred olhava ao redor, andava para lá e para cá, e eu olhava também, mas nada via. Aquilo me
desesperava... Juro! Não saber e ser pega de surpresa me frustrava. Então parei, respirei, e olhei
tudo com mais atenção. Assim que me concentrei pude ver. Não sei se era alucinação por causa da
bebida, mas bem, qual a probabilidade de Fred e eu estar com a mesma alucinação???

Chong estava lá. Ele estava lá.


As luzes brilhavam e piscavam, mas estava claro, ele estava lá.

Assim que o vejo, Fred também o vê e corre comigo a toda velocidade em sua direção, mas
quando a gente chega, ele desaparece como fumaça.

— Fica aí e chame os dois. Vou atrás do meu pai!

Eu grito e corro para casa. Meu coração estava disparado, por que Chong tinha vindo até o Sul?
Por que ele estava aqui??? O que Glenda queria???

Eu estava assustada. Preocupada com meus pais, preocupada com minha família, e já não bastava
aquela notícia daquela carta. Chong tinha que aparecer justo agora?

A tensão era grande conforme eu corria, tentava não deixar espaço para ficar apavorada,
mesmo porque eu não tinha tempo para aquilo.
Ficar com medo de uma determinada situação não me ajudava em nada, mas assim que cheguei
em casa, não pude evitar. Quase deixei meu desespero falar mais alto quando vi a sala de estar
toda destruída. Era como se tivesse passado um vendaval por ali, literalmente um vendaval.

Todos os objetos da Laura e do meu pai, tudo, abajures, vasos, enfeites, eletrônicos, papelada, tudo
o que tinha na sala estava no chão. Tudo.

Entro correndo na cozinha — que estava o mesmo caos — e vejo meu pai passando um pano
úmido em um ferimento de corte no braço esquerdo de Laura. E não era o único ferimento.
Ela tinha pequenos ferimentos pelo rosto todo, e parecia cansada.

— O que aconteceu? — eu pergunto e os dois parecem lamentar.

— Entrou um bandido aqui!!! Fico feliz que levamos Mariah para longe! Miguel está proibido de
dar festas por tempo indeterminado...

É meu pai quem diz, Laura apenas abaixa a cabeça.


Ligo pra Mariah, pergunto se ela está bem, e peço pra ela me ligar daqui cinco minutos. Ia mandar
ela fazer aquilo até vê-la pessoalmente.

Quando desligo o telefone, me aproximo dos dois.

— Um integrante da cúpula para qual trabalhamos esteve aqui! Chegou a conhecê-lo? Você deve
algo para Glenda, Laura? Foi ele quem fez isso, não foi?! — eu pergunto e meu pai olha para ela
sem entender.

— Não devo nada. Não sei de nada! Um cara entrou aqui e me atacou, eu estava pegando algo
para mim e pro teu pai comer! Só me defendi. — ela chora em silêncio, e noto que não vai dizer a
verdade tão cedo.

— Faça as malas, pai! Vamos passar na minha tia, pegar Mariah, e ir pro Cartel. Não vão sair de
lá até eu descobrir o que ela deve, — olho para Laura — até descobrir o porquê ele esteve aqui!

Eu falo e me encontro com os três na porta da sala, Miguel e Fred armados e Rubi com uma faca.
Miguel passa por mim correndo e não tento dizer que eles estavam bem. Ele só ia se acalmar
quando ele mesmo visse seus pais na cozinha.

— Que porra foi aquela? O que ele fazia aqui???

Fred pergunta depois de dar uma boa olhada ao redor. Estava boquiaberto como eu fiquei.
— Ele lutou corpo à corpo com minha madrasta! Ela sabe o que ele queria aqui, mas não vai dizer.
Ligue para Glenda e pergunte o que aquele demônio fazia aqui! — eu digo baixo e ele sai
tomando cuidado aonde pisava.

— Você não vai a lugar nenhum!!! Não vai!!!

Laura entra correndo atrás de Miguel, que seguia em direção as escadas. Que merda ele pensava
que estava fazendo?

— MIGUEL!!! — ela grita e depois me pega pelo colarinho — Faça alguma coisa! Ele quer ir atrás
do Chong sozinho! Ele não pode fazer isso! Não pode. — ela implora sussurrando, mas eu nem
tinha citado o nome dele para ela.

— Miguel! — eu apenas chamo e ele para no final da escada, quase alcançando o segundo
andar.

— Eu preciso ir! Você também iria!!! — ele evita gritar e eu respiro fundo.

— Fala o que ele fazia aqui! Por que Chong atacou você?

Ignoro Miguel e olho para ela. Meu pai só assistia.

— Eu já disse. Por favor...

Ela chora ainda mais e eu olho para Miguel, dando a permissão para se matar. Por que era isso o
que ele 'ia fazer'. Ir atrás de Chong sozinho era suicídio. Mas, como não sou burra, eu nunca ia
deixar ele ir sozinho, apenas queria arrancar a informação dela.

— Por favor. Miguel nunca pode saber, ele vai me odiar! Meu filho vai me odiar! Não me faça
contar, Catarina! Se tem alguma consideração por mim, não me faça falar!!! Não hoje, não desse
jeito! — ela implora quando Miguel sobe e eu ergo uma sobrancelha.

Olho pro meu pai e ele engole a bili. Por que eu tinha sempre que estar com a felicidade das
pessoas que mais amava nas mãos? Naquele momento eu achava que amar era ruim, muito ruim.
Eu queria ser como Fred. Fred tinha sorte, ele nunca precisaria abrir mão de nada, nunca
precisaria passar por uma situação dolorosa, afinal, há muito tempo atrás ele passou por isso uma
vez só, mas foi o suficiente para nenhuma outra "perda" fazê-lo sofrer mais.

— Miguel. – eu digo quando ele desce armado de duas facas militares e um colete com duas
armas de cada lado.

— Senta e respira. Vamos resolver isso juntos. — eu falo com ele, mas olhando bem nos olhos dela
e ela agradece sendo amparada por meu pai.
Eu não sabia o que Laura devia ou o que ela tinha feito para Chong. Mas levar aquela desgraça
em pessoa para perto de meu pai e Mariah, era um erro que ia ser difícil de engolir. Muito difícil.

— Ela diz que a viagem de Chong é de assunto pessoal dele. E nada ela pode fazer. "Não vai
comprar a briga". Disse que se fosse por ordem dela, faria questão de que todos nós fossemos
informados, que ela gostava de trabalhar as claras!

Fred fuma um cigarro e fala ainda com a arma em punho, na varanda de casa.

— Não diga nada a Miguel. — eu peço, e ele se vira para mim com toda sua calma quase
doentia.

— Não vou esconder nada dele! Não vou deixar ninguém da equipe de fora dos planos, ou dos
assuntos que nos interessa. Somos uma família, não é o que tu sempre diz? Vou contar para ele que
a sua mãe tem assuntos mal resolvidos com o ching-ling demoníaco! Miguel não é mais uma criança,
não precisa protegê-lo. — ele diz e eu me aproximo. Fumo de seu cigarro por tabela, mas não me
importo.

— Acho que essa história é longa e cheia de sujeira. Creio eu que tem a ver com suas origens. —
falo em seu ouvido sem diretamente olhar em seus olhos — Laura deve ter feito uma merda das
grandes e querendo ou não, é minha mãe. Laura é minha mãe e Miguel é meu irmão... vou
protegê-los e dar espaço e a oportunidade dela contar para ele, com calma, com cuidado, e a sós.

Miguel é impulsivo, é perigoso, e não vou destruir minha família me baseando no que você acha
certo. Vou carregar essa família nas costas porque é a única coisa que ainda permanece de pé.
Eles são o mais próximo de uma família normal e saudável que consegui ter, e quem ousar destruir
isso, morrerá em minhas mãos. Não meça forças comigo, porque-eu-vou-ganhar, no fim, eu sempre
ganho.

Falo e deixo ele sozinho.

Fui grossa, ameacei Fred, o meu melhor amigo e companheiro, mas não me arrependo. Ele não
pode me contrariar, não posso acabar com o casamento do meu pai, não podia fazer aquilo. Ele
tinha que entender.

(...)

— Então a história se repete e teremos mais uma vez: " O militar e a selvagem."

Rubi deita em minha cama na instituição enquanto Fred fitava a janela, fugindo do meu olhar, e
Miguel continuava como estava no dia anterior, pensativo e distante.

Viajamos para São Paulo naquela mesma noite! Passei a sexta-feira toda em casa para dona May
não brigar comigo, e eu ainda tinha mais o sábado e o domingo para entrar na linha.
Meu pai, minha madrasta e Mariah, estavam hospedados no cartel, e lá ficariam até a segunda
ordem. Em respeito a Mariah, a equipe se dirigiu até a casa de refúgio para não correr o risco
dela ouvir nossa conversa, e eu também queria manter Mariah longe deles por motivos ainda mais
óbvios.

Fiz tia May proibir qualquer uma das crianças de subir no quarto e ela me garantiu que teríamos
privacidade. Precisávamos conversar, eu precisava de ideias, e principalmente, distrair a minha
cabeça com relação ao último acontecimento chamado: Chong versus Laura.

Coloquei Fred e Rubi para dormirem esse final de semana em meu apartamento, e dar mais
espaço para os três ficarem no cartel, com Miguel fazendo a segurança de ambos. Mesmo
sabendo que o museu era uma 'fortaleza', eu me sentia mais segura assim.
Laura prometeu resolver seu problema com ele, antes de eu me meter, e eu agradeci, porque já
estava cheia de problemas.

— Se quiser se oferecer para isso, topo na hora! Ele é um porre, todo romantiquinho e meloso!

Eu devolvo e ela ri.

— Não obrigada, ele é teu. Ele ama você! Nunca terá olhos para nenhuma outra mulher!

— Não tá muito cedo para falar de amor não, garota?! Não exagera... — eu digo e ela me
encara séria. Ignoro.

— Eu nunca disse o porquê não atirei nele... — Fred resmunga depois de horas, e até Miguel
passa a prestar atenção — Meu pai amava minha mãe. Brigavam demais, discutiam demais, ele a
traía, mas amava ela! Guardava coisas que ela deixou para trás em casa, em uma caixa, e uma
dessas coisas era seu perfume favorito! Eu tinha o costume de passar no pulso quando me sentia
triste e sozinho. Para pensar nela, pensar que ela estava ali. — ele se vira e me olha nos olhos
pela primeira vez desde minha ameaça. — Naquela noite eu senti o perfume dela no ar, ela
estava lá e me distraiu. — ele olha para Rubi e a mesma sustenta seu olhar.

— Quem é tua mãe?! Você nunca nos contou!!!

Rubi se levanta e se aproxima dele, mas ele ignora e continua falando ao fitar Miguel.

— Posso parecer maluco, mas esse cara precisa ficar vivo por algum motivo! Acho que isso já está
claro para mim.

— Ele pode ficar vivo sem que Catarina precise ficar tão exposta!

Miguel rebate e ele revira os olhos.

— Tanto faz. Acho que nossa líder pode decidir o que é melhor para vida dela! E para a vida de
todos nós. É a rainha que manipula os peões. Acho bom não discutirmos. A decisão é só dela! Esse
é o jogo dela.

Fred diz me olhando nos olhos, e quando passa por mim deixa um rastro de bebida alcoólica no
ar.

— Tá questionando a minha autoridade aqui?

Seguro em seu braço e ele nega.

— Nunca aprendi a jogar xadrez.

— Pois trate de aprender.

— Dispenso. — ele diz e eu fico pasma.

Solto minha mão do seu braço e vejo arrependimento em seus olhos. Em tantos anos de convivência,
Fred e eu nunca brigamos, nem quando a gente tinha motivos reais para isso.

— Me desculpe pela forma que falei com você lá no sul. Ameacei você e não foi legal.
Principalmente pelo fato de que era meu melhor amigo, meu parceiro e irmão. Estou arrependida,
e me sentindo mal por isso. — eu digo e ele franze o cenho arrumando a postura — Mas sou eu
quem dispenso seus serviços. Você está oficialmente fora do jogo. Darei o que é teu de direito, e
então vai poder tirar um bom período de férias e tomar as rédeas da própria vida, de novo. Me
desculpe por prender você nisso, cortar as suas asas.

Eu dou sua sentença me sentindo enjoada e seus olhos brilham de decepção, mas eu tinha certeza
de que mais decepcionada do que eu, ele não estava.

— Que seja. — ele cospe suas duas palavras, que significavam o fim, em mim, e sai seguido por
uma Rubi que já começava a chorar de aflição.

— O que?! Fred!!! Fred, volta aqui! — ela chora e corre atrás dele.

Me sinto vazia sem ele. Me sinto péssima, triste, e com uma dor que ainda não tinha classificação.

— Me desculpe por isso, eu lamento muito.

Miguel me abraça, mas como ainda estava em choque, não retribuo.

— Manterei meus planos e preciso do seu apoio. Vai dar suas instruções a Rubi, mantê-la longe
das ruas, e como Fred se foi, cuidarei do cachorro sozinha. Se prepare para virar um policial!
Preciso de você nisso! Vá ver como papai está e me ligue com notícias! Preciso ficar sozinha,
preciso pensar. — eu resmungo e ele me olha nos olhos.
— Estou com você! Qualquer decisão estou com você! — ele acarinha minha face e eu concordo —
Eu vou até lá. Fred vai voltar, não se preocupe! — ele diz e sai me deixando sozinha com meu
caos interno.

Passo sexta inteira meditando, trabalhando, cuidando das crianças, e fazendo tudo o que devia
com o olhar cauteloso de tia May e Gael.
As palavras de Fred iam e voltavam, passeando descontroladamente pela minha cabeça, me
deixando tonta e dispersa. Fred não amava ninguém, mas ele era, também, o meu ponto mais
fraco. Eu sim, o amava demais.

— Vai comer antes de deitar...

Escuto tia May resmungar assim que entro em casa após fingir que me divertia na ciranda da noite.
Eu estava exausta demais para pensar em comida, triste demais para me divertir.

— Não quero comer, tô cansada! — ela terminava de lavar a louça quando parei no corredor.
Nem deu tempo de subir as escadas.

— Não foi uma pergunta.

— Mas eu não vou comer. A senhora pode gritar se quiser! — eu digo e ela me olha revoltada.

Não me importo com o sermão que ela dá sobre não se alimentar direito por estar triste, e ao
terminar, dou-lhe as costas e corro pro quarto. Escapo sorrateira para a cama de Lumi
simplesmente por não querer ficar sozinha, e sua paz inocente me deixa calma para dormir.
Aquelas crianças eram o meu melhor remédio, literalmente minha fonte de paz.

— Cat!!! Acorda!!! Vem ver isso!!!

Já era de manhã quando Gael me chacoalhava.

— Que foi?!

— A mãe! Tá dizendo que tem algo de seu interesse passando no noticiário! É sobre um delegado,
se demorar vai perder...

Ele diz e eu pulo da cama.


Pego só meu celular e desço até a sala descabelada e de pijama, do jeito que eu estava mesmo!
Foda-se.

— "Bom dia, Flávia! Estou na frente da superintendência da polícia federal do estado de São Paulo
aguardando mais notícias com relação ao acidente do delegado provisório, Douglas Prestes, e a
chegada do atual delegado, William Castro.
Ele tomaria posse do cargo nesta segunda-feira, mas foi acionado nesta manhã... Hoje ele começará
no cargo e passará a cuidar diretamente dos casos que Prestes assumiu, e além desses, o assassinato
misterioso de David Nobre. Pelo jeito, a lista do dono das casas Miragem, boates de luxo daqui de
São Paulo, é extensa. Lavagem de dinheiro, formação de quadrilha, prostituição, são alguns dos crimes
que o estelionatário para ticava... Delegado Castro foi muito bem recomendado pelo estado do Rio de
Janeiro, e Brasília espera dele, resultados grandiosos à frente da superintendência de São Paulo. Ele
não chegou na delegacia ainda, mas ficaremos no aguardo e entraremos ao vivo, com mais notícias a
qualquer momento...".

A repórter falava, e quanto mais falava, mais nervosa eu ficava, já não bastava a carta, ele tinha
que cuidar do caso das casas Miragem? Como não cogitar a possibilidade de matá-lo?! William
Castro estava fadado a fracassar.

— Droga!!!

Resmungo baixo e corro pro quarto para me trocar.


Nesse momento meu telefone toca. Era Fred.

— Viu isso?!
— Vi.
— O que vai fazer?
— Achei que tinha entendido quando eu disse que estava fora. Espero que tenha razão quando
disse que o foco dos cachorros serão os crimes dele e não sua morte misteriosa, como disse a
repórter!!!
— O que você vai fazer???
— Vou até lá! Vou entrar na casa dele e procurar pela carta, Miguel conseguiu o endereço junto
com todas aquelas informações! Vou encontrar aquela carta e começar a agir ainda hoje! Mas não
ouse pisar lá. Você está fora, Fred, entendeu?! Não sabe jogar, não vai jogar!
— Foda-se, Catarina! Foda-se!

Fred diz e desliga. Me conhecia bem, sabia que eu ia fazer alguma coisa depois de ver o
noticiário. E era óbvio! Algo precisava ser feito imediatamente. Mas eu também conhecia Fred, e
podia apostar que mesmo chateado comigo, nunca ia me deixar sozinha nessa.

Assim que chego na frente do apartamento, aguardo para avaliar o movimento. De relance vejo o
carro de Fred parado atrás de mim, e então logo reconheço a placa do carro do cachorro. Ele sai,
e depois de dez minutos o irmão dele sai atrás e segue em direção oposta, uma rua cheia de
comércios.

Aproveito a oportunidade, entro de blusa com gorro, agradeço pela pequena recepção vazia,
subo pela escada, destranco a porta com um bom e velho grampo, leio a carta, — delegado
superestimado era tão previsível, escondia cartinhas na primeira gaveta do criado-mudo, não só a
que eu procurava, mas muitas outras de sua namorada — fotografo, devolvo no lugar, e pego um
porta-retratos para olhar. Pareciam extremamente apaixonados. Uma das fotografias, a que eu
peguei, eles se beijavam, e na outra, ela olhava para ele com uma cara de boba apaixonada. Era
negra de cabelo alisado, e sorriso bonito. Seu rosto era linear, de traços sutis, boca grande, e olhos
negros... apesar de parecerem um casal de capa de revista, algo faltava ali. Algo faltava. Mas
ainda assim, me sentia estranha ao olhar para aquela foto. Achava que era por causa da cantada
barata no aeroporto. O cachorro era definitivamente um cachorro.

— "Eu sou solteiro, não tive tempo de contar para ele." Mentiroso.

Resmungo e saio dali olhando tudo.


Tinha retratos deles espalhados pela casa toda! Até na cozinha!!! Meu Deus...

Olho tudo por pura curiosidade e me deixo levar até que meu celular apita. Era Fred.

"O pivete está voltando! Saia já daí!"

Corro para o quarto, abro a janela, e vejo que a queda seria grande. Acelero o passo, encosto a
porta, desço pela escada, e só saio quando ele passa e pega o elevador para subir, simplesmente
para não correr o risco e esbarrar nele em lugar nenhum.

Tudo dentro do esperado.

— E então?!

Fred me aborda assim que eu estaciono na instituição.


Mostro a foto da carta com zoom, ele lê, e fica estressado.

— Posso saber o que vai fazer?

— Vou atrás dele, antes dele vir atrás de mim! — eu falo e já ia virando as costas para entrar,
mas ele me barra.

— Não vou te pedir perdão! Eu não agi por mal, ainda acredito que você está errada. Miguel
quando descobrir, vai odiar você, e você vai sofrer! Sempre foi a garota mais inteligente do
mundo, por que tá agindo assim??? Para e pensa!

Fred fala, se afasta de mim, e eu entro em casa para ligar para Miguel. Hoje, assim que o
cachorro saísse daquela delegacia, ele ia esbarrar em mim, em algum lugar, por pura coincidência
do nosso destino que segundo Grim, estava marcado a se cruzar.
UM BRAÇO NÃO É NADA...

— Como você está???

Barbara me abraça assim que eu passo em seu escritório.

— Você anda me perguntando isso demais!

Sorrio, mas ela não.

— Fica com ele, por favor. E se puder, me encontre outro apartamento... por enquanto pode ser
alugado. O mais seguro, com vigilância! Preciso me cercar agora, devia ter pensado nesse assunto
antes de viajar! Faça isso por mim!

— Óbvio que faço! Mas me fala! Como você tem tanta certeza de que entraram lá pela carta?

Ela me puxa me fazendo sentar e ignora a presença de Manuela. Parecia nem percebê-la ali, mas
eu tenho certeza que se fosse uma agente loira ela iria falar algo. Fazer barraco não porque ela
nunca foi disso, mas que ia falar algo, ah! Ia!

— Mexeram no nosso porta-retrato! Tiraram ele do lugar. Eu fui olhar a carta, e ela também
estava mexida. Diferente do jeito que deixei!

— Nosso porta-retrato? Qual?

— O que estamos nos beijando! — eu digo e ela se levanta.

— Então me viram...

— Não deixaria que nada te acontecesse, e aposto que não vão te procurar. Já encontraram o
que queriam, aposto que queriam só saber o conteúdo da carta. Confia em mim, está segura!
Eu me aproximo e ela confirma com a cabeça enquanto toca meu rosto. Barbara é advogada
criminalista assim como eu, sabia se defender, tinha porte de armas, tinha noções de autodefesa,
mas não era boba. Defendia casos grandes, então sempre era ameaçada.

— Preciso ir.

— Se cuida!

— Ok.

Me aproximo de Tiago, ele me abraça ainda assustado, e eu saio dali com Manuela.

— Tenho contatos, se quiser eu te ajudo a investigar! — ela diz assim que entro no carro!

— Por que me ajudaria? Nem me conhece!

Olho para ela de relance e a vejo sorrindo. Não diz nada, apenas balança a cabeça em sinal de
positivo.
Eu não ia confiar nela de graça. Ou ia?

— Doutor?! Como está sendo o primeiro dia?

Pedro entra no meu escritório minutos depois enquanto eu via a papelada da sujeira de David
Nobre.

— Olha, Pedro... já está uma aventura! — eu sorrio fraco e ele concorda.

— Está aqui, a confirmação de pessoal para a segurança, e sua agenda para dar uma conferida!
Depois pegarei de volta porque ela fica comigo para te auxiliar! Escolha uma das datas do mês
que selecionei aqui... — ele me mostra com o dedo — Para que eu possa notificar Brasília!

— Claro! Em um minuto faço isso!

— Obrigado, doutor! — ele diz e se vira.

— Ah! — ele dá meia-volta — Soube do cabelo que a perícia federal deixou passar. Sua fama
realmente faz jus! Parabéns, senhor! — ele diz, mas eu não falo nada. Apenas assinto.

Fama. Se eu fosse viver de fama estava fodido.

Trabalho o restante do dia, recebo denúncias anônimas relacionadas ao posto, mando a equipe de
narcóticos atrás, brigo feio com a máquina de café, ligo para Tiago, volto a trabalhar, e penso
nela.
E eu pensava tanto nela, o que ela tinha?
Se eu tivesse apenas uma foto...

— Não, William! Se controla.

Digo em voz alta, mas continuo pensando.

Tão linda... seria o cara mais sortudo se eu tivesse ela para mim. Já pensou?! Aquela mulher ser
minha??? Minha nossa, eu ia... eu ia... nem saberia por onde começar, nem o que fazer. Vai ver é
porque tê-la para mim é praticamente impossível. Areia demais pro meu caminhão.

Aposto que ela não gostou de mim! Sim! Ela me odiou. Claro que não ia gostar, uma mulher daquela!
Princesa linda, parece que saiu daqueles livros de contos. Princesa cheia de curvas... e que curvas!!!
Sem demora, eu passeava ali. Como será que ela faz amor? Será que ela é carinhosa cheia de dengo,
ou toda safada? Aposto que é carinhosa, aposto! E deve gemer lindamente. Se eu tivesse aquela
mulher gemendo para mim, eu ia infartar dentro dela. E ia pagar mico... bom, eu ia estar morto,
então... será que ela ia se assustar com meu jeito de fazer amor?! Parece tão delicada! Adoraria
pegá-la com força, possuí-la com extrema força...

— Doutor?

Manuela me chama com a voz um tanto alterada e enfim olho para ela. Segurava um copo de
café e franzia a testa.

— Oi, desculpe... estava pensando em algo aqui!

Você não ia querer saber.

— Tudo bem! Achou algo incrível???

— Não! Não tenho certeza, ainda. Do que você precisa???

— De nada. Meu plantão é teu! Qualquer coisa estou no rádio!

— Por que não foi com a narcóticos???

— Decidi me grudar no senhor para aprender alguma coisa... — ela diz sorrindo e pede licença
para sair.

Atrevida, sarcástica e oferecida.


Não dá conta de achar uma prova para me agradar e agora quer ficar no meu pé.
Quer me bajular? Não me faça levantar daqui para ir fazer o seu trabalho!

Só penso.
Penso e decido ligar para ela.

— Oi.
— Volte.

Digo apenas e desligo.

— Está fazendo o que nesse momento? De importante, quero dizer...

Ela entra e eu já questiono.

— Nada. O que precisa?

— Preciso de um favor. É pessoal...

Eu pego minha caneta, o bloco de notas e escrevo o sobrenome nele.

Eu estendo para ela, mas puxo a mão de volta antes dela conseguir pegar.

— Primeiro voto de confiança. Isso não sai daqui. Não importa que crimes encontre, eu vou julgar,
sim, como um Deus... — ela sorri. Por que ela sorri tanto??? — Se abrir uma queixa sem me dizer,
contar para alguém, de alguma forma deixar isso vazar por falta de cuidado, ou qualquer coisa
do tipo, te mando de volta para Parauapebas! — eu falo e ela gargalha.

— Eu não vim de Parauapebas, doutor Castro!

— Ah, mas pode ter certeza que é para lá que você vai! E nem cafeteira e Donut's à vontade, tem!
— eu falo, ela gargalha mais, lê o papel, e sai.

Enquanto anda, seu cabelo brilhoso balança.

Se eu fosse mulher teria inveja dela.

Tô parecendo Tiago, só penso/falo bobagem! Sorrio.

Meia hora depois o telefone toca e é Barbara dizendo que encontrou alguns lugares legais, que
selecionou umas três opções com endereços e fotos, e que me mandou por e-mail. Era só eu
escolher um deles que ela fecharia o negócio como minha advogada. Seria mais prático porque eu
não precisaria parar o meu trabalho. Um amor de mulher, pena que me chifrou com seu colega de
trabalho... e eu vi ele lá, quando passei no escritório dela. Essa era a pior parte.

Olhei as fotos, escolhi o apartamento mais perto da delegacia, não era o mais barato, mas já
facilitava minha vida e me deixava mais seguro, e pelas fotos, também parecia o mais completo e
bonito. Câmeras, chave magnética, escada de emergência externa, cofre, segurança armada
24hrs, top de linha! Quase dois terços do meu salário, iam para as mensalidades, mas era isso, ou
dar bobeira com meu irmão de dezoito anos, que nem tinha visto tudo o que a vida oferecia. Eu
queria o melhor pro Tiago, o queria em segurança, e por isso fechei!

E por falar em segurança, liguei para minha mãe. Conversamos bastante e após me dizer como
estava em casa, logo desliguei. Não quis apavorá-la, e nem contar que terminei com Barbara por
telefone, pois sabia que ela ia ficar possessa — ela é louca pela Barbara — e então, assim que
saí do telefone com ela, liguei para meu vizinho e pedi para ficarem de olho neles.
Meu sexto-sentido diziam que eles ficariam bem, então relaxei.

— Aqui está, doutor, tudo o que encontrei nos arquivos! Só que achei uma coisa um tanto quanto
curiosa...

Manuela entra na minha sala interrompendo uma ligação de Pedro. Termino de ouvir suas
explicações inúteis sobre minha carga horária, pois já sabia, e pego a papelada de sua mão!

— O que?

— Essa família, ao contrário do que o senhor insinuou... não tem crime nenhum nas costas! Mas tem
um assassinato por legítima defesa comprovada. Uma família militar de vida bacana, um exemplo,
mas um assassinato. Estranho...

Folheio a papelada rapidamente, mas não dou muita atenção. Queria ver com mais calma, e em
casa! Só de pegar naquilo eu já me sentia nervoso. O assassinato do meu tio estava comprovado
que foi por legítima defesa, o que colocava a carta da minha tia em contradição, mas obviamente
eu ia investigar.

— Vou estudar isso melhor em casa.

— O senhor, já vai?

— Já. Preciso extravasar... primeiro dia foi histórico!

Já eram sete da noite quando eu decido ir. Minha carga de oito horas já fora cumprida à horas
atrás, pois trabalhei sem ver às horas passarem no caso 'Miragem'. De qualquer forma, eu estaria
de prontidão. Se Pedro ligasse por algum motivo, eu precisava voltar, isso podia ser às quatro da
manhã, cinco, não importava! E no meu horário padrão, — Das 13:00hrs às 20:00hrs — eu
precisava estar lá de qualquer forma.

— Deveria descansar então, não?!

— Não. Tô estressado e nervoso! Se eu não extravasar toda essa droga que tô sentindo, não vou
conseguir dormir. Vou jantar uma comida bem gostosa em algum restaurante bom, ficar cansado e
chegar em casa exausto.
Organizo minhas coisas e ela me encara com um ar curioso, até demais.

— E como o senhor extravasa?

— Não seja tão entrona, mulher! Até mais! Qualquer novidade sobre o Miragem, me ligue! Ah!
Assim que a Narcóticos chegar, me ligue! Se algo for encontrado vou precisar voltar! E não
esqueça, quero saber da fita, quero saber do resultado do toxicológico, enfim, vai me ligando! —
eu pisco para ela e abro a porta antes de me retirar — Seu plantão é meu!!!

Falo, ouço ela rir de novo e penso em voltar e mandar que ela pare de sorrir para mim. Como é
que ela não sentia dor no maxilar?

Dirijo até um bistrô famoso, peço uma salada grelhada, mato a fome calmamente, e sigo o meu
caminho até a academia que me cadastrei. Aquela seria a noite perfeita para treinar, claro que
não era segunda-feira,como eu tinha planejado, mas se bem que, até aquele momento, sábado à
noite, nada tinha saído como eu planejei.

— Olá.

A recepcionista morena me cumprimenta de modo simpático e eu sorrio. Tinha duas no imenso


balcão, uma loira dos olhos azuis, e uma morena charmosa dos olhos castanhos e cabelos
ondulados. Ambas vestiam regatas e leggins pretas.

— Sou William Castro. Marquei de vir segunda, mas tudo mudou...

Sorrio e ela gargalha. Cara, não entendo!

— Claro, essas coisas acontecem. Acho que te mandei um código por e-mail, deixa eu procurar...
— ela olha para tela do computador — Achei. Faixa preta! Legal... trouxe seu kimono? Porque se
não trouxe, nós temos um exclusivo da academia...

A morena vai falando e eu paro de prestar atenção quando ouço uma voz familiar que faz parar
meu coração.

— Oi! Falei contigo hoje mais cedo... não sei!? Leila?!

— Leila é outra funcionária, mas eu posso te ajudar!

A loira responde com toda a simpatia.

— Claro! Sou Helena...

Ela diz para a moça e eu olho para aquele rosto de perfil, que parecia ainda mais bonito assim,
de perto. Ela estava linda. E se chamava Helena. A mulher mais linda que já vi. E estava ali, bem
pertinho de mim, era só eu dar um passo e podia tocá-la.

— Doutor William?

A morena me chama de novo, mas eu não consigo parar de olhar para ela. Por que eu estava
sendo tão babaca? Por que ela me atraía daquela forma ridícula???

— Você vai dar as instruções hoje?

— Não. Hoje eu vim só para conhecer!!!

Ela responde e continua olhando para a recepcionista. Por que ela não olhava pra mim? Custa
olhar pra mim??? OLHA PRA MIM!!!

Volto a olhar para recepcionista quando me canso de ser ignorado, e me sinto estranho.

— Vamos lá? — ela me pergunta e eu sorrio fraco, confirmando.

Aceito o kimono da academia, conheço as instalações, e nada sei a respeito de nada, eu nem sabia
mais o que estava fazendo ali. Por que ela me deixava assim? O que ela estava fazendo aqui?
Que coincidência era aquela?

O destino ajudando, como eu havia previsto?

Juro que não sabia.

— Senhores, esse é nosso novo companheiro de treino, doutor William Castro! Faixa preta!

Ela me apresenta para um grupo selecionado de judocas e eu conheço todos. Todos famosinhos em
campeonatos e colecionadores de medalhas de ouro. Ficaram esperando eu dizer todas as minhas
conquistas, mas fiquei em silêncio e só respondi algumas perguntas básicas: onde eu morava,
aonde treinei a minha vida toda, e outras baboseiras.

— Senhores, essa é mais uma atleta pro nosso time! Estamos tentando fazê-la ficar e enriquecer
nossos conhecimentos como instrutora! Retirou sua faixa das mãos de mestre Kodo, no Japão!
Nossa nova joia! Helena!

A recepcionista loira apresenta a "nossa nova joia" e ela é recebida de bocas abertas. Todos
babões iludidos. Só eu sabia o quanto aquela joia era inalcançável.

— Prazer!

Chega a minha vez de apertar sua mão, e então ela me olha nos olhos. Óbvio que não estava
surpresa. Estava séria demais, ainda parecia brava, parecia também chateada por algum motivo,
por um momento até cheguei a pensar que estava brava comigo. Que loucura!

— Prazer! Bom conhecer uma mulher tão bem recomendada! É campeã paulista como a maioria???

Rafael Magalhães questiona logo de cara e ela nega. Ele dá um passo e se coloca na minha
frente, fazendo sua atenção sair de mim para ele.

— Campeã japonesa por seis anos consecutivos em aguentar o mal humor matinal de Kodo, que só
meditava e nada adiantava. — todos dão risadas — Meu intuito ao estudar artes marciais nunca
foi competir por medalhas.

— Foi o quê? Se pudermos saber, claro!

— Alto-conhecimento. Sempre fui uma mulher sem paciência nenhuma para nada então,
simplesmente decidi conhecer um monge. Se alguém no mundo entendia de equilíbrio espiritual,
força e paciência, esse cara era ele.

— Com certeza era! Ele é uma lenda! Pagou para receber essas aulas diretamente com ele??? Foi
burocrático?

— Ele bateu a porta do mosteiro na minha cara por um mês. Só parei de balançar o sininho do
portão trinta dias depois! No segundo dia ele já não mais me atendia, e no trigésimo, abriu os
portões e saiu andando. Ele é um pé no saco! — ela ri — Mas o pagamento que ele cobra não
tem nada a ver com dinheiro...

Os caras a cercam cada vez mais, e ficam babando em suas histórias até que me canso.

— Caramba! Que incrível!!! Nossa, que demais!

Falo alto e com ironia depois de ouvir mais uma conquista incrível com mestre Kodo minutos depois,
e todos os judocas me olham boquiabertos. Ela sorri para a cena e eu respiro fundo.

— Não gosta de bater papo, delegado William? Que tal treinar um pouco?

Sua voz é sexy, todos me olham zombando e esperando eu sair correndo de medo dela.

— ...A não ser que prefira falar de seus feitos, que devem ser muito mais interessantes! Lava-jato,
tráfico, fronteira, corrupção...

— Pois é. Prefiro falar de meus feitos, coisa que não costumo fazer, do que ser linchado por uma
lutadora tão bem recomendada no tatame. Que tal você chamar um de seus amigos corajosos?

Pergunto e ela sorri.


— Eu vou.

Bernardo Borges, o garanhão também campeão paulista, aceita o desafio e ambos se direcionam
para um dos tatames vazios. O espaço era enorme. Um salão todo aberto com uns seis ou
setetatames em tamanhos padronizados.
Algumas crianças e jovens ocupavam alguns deles com seus determinados instrutores, e quando o
grupinho — nós —, da faixa preta chegou, todos fizeram questão de parar, sentar na
arquibancada fixa, e assistir.

— Vê se pega leve, mestre!

Bernardo pisca para ela e eu dou risada. Coitado, iludido!

— Pode deixar comigo, medalhista!

Ela responde fazendo charme e eu reviro os olhos, mas não precisei aguentar por muito tempo. Em
um golpe de Ippon-seoi-nage.— ela praticamente coloca a barriga dele em suas costas e o joga
no tatame de costas, fazendo um barulho ensurdecedor e bonito.— em seis segundos ela o
finaliza, e não sobra nada além de palmas. (Sim, também bati palmas e fiquei com cara de bobo.
Ela era incrível.)

Ela ajuda ele a se levantar, se cumprimentam formalmente — se curvando — e depois sorriem um


para o outro ao som dos aplausos.

— E agora, quem é o próximo corajoso???

Alguém pergunta em voz alta.

— Ah! Eu quero o delegado!

Ela se aproxima de mim para me provocar, e todos ficam em silêncio, só esperando minha resposta.
Ouvir que ela me queria, mesmo que não fosse como EU a queria, era um deleite para meu
coração xonado. Só amei ouvir aquilo!

— Eu topo perder na frente de todos para inflar teu ego! — eu digo e ela sorri assentindo, como
é sínica! — Mas se você perder, vai ter que sair comigo, aceitar o café, e falar um pouco sobre
você em uma conversa regada a vinho, risadas e flerte! E talvez uns bons amassos como bônus...

Eu falo e ouço baixo alguns "oohh", "uhh", "nossa!", e isso a desestabiliza completamente. Ela
pareceu odiar, e não disse nada, só "fechou a cara", me deu as costas, e foi pro tatame. Estava
literalmente bolada. Ponto pro Will!

— Força, cara! Ganhe essa em nosso nome! Representa!


Alguém toca no meu ombro, mas não paro para ver quem é. Eu estava concentrado demais, pois se
eu não me esforçasse, eu ia ficar perdido olhando para aquela princesa de kimono branco com
faixa preta, e um rabo-de-cavalo que eu daria tudo para enrolar no pulso.

Paro de pensar antes de ficar duro ao lutar com ela e acabar ficando constrangido, e a
cumprimento.
Ela olha nos meus olhos e eu vejo todos os desejos da minha vida se resumindo ali, nela, mas
também vejo seu ódio por mim. Não sou bobo, ela me achava um cara bonito, achava sim, mas não
gostava muito de estar perto de mim por algum motivo.

— Vamos lá, delegado. Mostre o que você sabe!

Ela diz séria, e eu ignoro. Tento pegar em seu kimono imediatamente, mas ela pega o meu primeiro
e assim que sua mão toca a pele do meu peito, nós dois, por um momento, nos desconcentramos.
Levei um choque excitante e arfei bem baixo, mas ela se recupera primeiro e volta a si. Ela tenta
por minhas costas no chão, e não consegue, sou mais forte que ela. Ela tem técnica, mas eu tenho
força bruta. Tenta uma, duas, três vezes, e a luta é difícil, mas quando eu tento, e quase consigo, a
luta é brava, ela não aceita, e começa a pegar pesado.

— Sabe quando vou sair contigo?!

— Essa noite, bebê!

— Nem morta!

— Morta, eu não quero. Quero é bem viva! Tô apaixonado, carinho, tô te querendo faz muito
tempo! Faz anos!

Eu digo já embriagado pelo cheiro do teu corpo tão de perto, e suspiro. Coloco força ao tentar
aplicar um golpe rápido, mas fico em dúvida entre perder, ou ganhar "machucando-a". Ao suspirar
imagino nós dois nos atracando, e ao me desligar assim, ela me pega em Ude-hishigi-juji-gatame.

Dei bobeira. Eu baixo a guarda sentindo o cheiro de seu hálito delicioso e ela se aproveita disso,
pega meu braço o colando no meio de suas pernas, assim meu pescoço fica perto de seu bumbum
e minha orelha esquerda perto de seus pés. A luta fora melhor do que com Bernardo, mas eu
também havia perdido. Ali, se eu não batesse de leve em tua perna, ela me finalizava, poderia até
quebrar meu braço. E vai até o fim porque é faixa preta, é profissional, porque não quer sair
comigo e não quer perder na frente de todas aquelas pessoas.

— Vamos, lá! Desista. — ela puxa meu braço e eu fecho os olhos sentindo a dor.

— Jamais. Quero meu café.

— Você já perdeu.
— Eu nunca perco nada. E não vai ser agora.

— Não seja burro, delegado! Vou quebrar o seu braço. Não deixarei você sair sem bater na
minha perna, tem doze medalhistas de ouro achando que a mulherzinha aqui, enfim, vai perder a
pose e perder a luta, e eu nunca vou deixar isso acontecer. Vou arrancar seu braço fora!

— Eu sei disso.

Eu olho para ela e só espero. Seu olhar para mim era um misto de raiva, rancor, superioridade,
compaixão e empatia. Não sabia como, mas tinha um pouco de cada, com certeza. Aquela mulher
forte, e aparentemente arrogante e grosseira, além de linda por fora, era sim, lindíssima por
dentro. Apesar de tudo, ela não queria estar ali, fazendo aquilo comigo.

— Não seja babaca. — ela implora colocando um pouco mais de força.

— Não posso me dar ao luxo. Quero levar você para sair. Teremos um encontro... — gemo
sentindo uma dor aguda, era muita dor — Regado a flerte, vinho, e eu vou te paquerar! —
continuo falando, tentando ignorar a dor, e ela não para de puxar — E você vai gostar de mim.
Vai gostar de mim e vai ganhar um beijo meu!

— Sou casada.

— Caô! Tu não é casada! É chata demais para isso. Aposto que homem nenhum te aguenta mulher,
e eu vou ter que aguentar, e será com prazer! Vou ser seu homem, e vou te fazer feliz! — eu falo
e ela rosna alto.

— Certo. Eu sinto muito então... boa sorte com os bandidos tendo um só braço para se defender,
delegado estúpido!!! — ela dá sua sentença e eu grito de dor.

— Solta, William!
— Solta, cara!
— Esse é fodão!
— Na minha cidade, isso se chama maluco de pedra!
— Solta, delegado!!!

Ouço os comentários e gritos e nem consigo raciocinar! As risadas, gritos de incentivos e frustração
são abafados pelo 'crec' que meu braço faz, e ao ouvir, ela para e se ajoelha me vendo segurar
um grito.
Lágrimas escorriam, a dor era profunda, eu me contorcia e não aguentava mexer o braço, e tudo
aquilo por um café com ela? O que eu tinha na cabeça?

— Eu não quebrei, só desloquei. Vou por no lugar, mas preciso que você confie em mim! Tudo bem?
Você confia?
Eu olho para ela e vejo um semblante de arrependimento ao me ver daquele jeito. Por que tinha
que ser tão linda?

Balanço a cabeça concordando, sinto o gosto de sangue na boca ao morder meu próprio lábio
para suportar a dor, e nem demora ela puxa meu braço de volta pro lugar. A dor era do cão.
Abafo o grito histérico no tatame, e sinto algumas pessoas se aproximando.
Engulo o choro com orgulho, e quando consigo juntar forças, me levanto com muita dificuldade,
cumprimento a loira arrependida — me curvando em sinal de respeito e segurando o braço
machucado, como se ele fosse sair do lugar novamente — que ainda estava de joelhos me
encarando preocupada, e saio dali direto pro vestiário. Sem dizer nada. Estava doendo demais,
nem falar eu conseguia, e os aplausos de consolo para mim estavam me irritando!

A morena me encontra assim que coloco a calça de moletom, e quase perde o rumo ao me ver sem
camisa. Ela entra no vestiário masculino e parece à vontade demais.

— Trouxe isso. Vai ajudar!!! — ela senta no banco central de madeira sem apoio, e coloca uma
bolsa de gelo no meu ombro.

Suspiro e deixo a cabeça tombar para frente pois, o gelo aliviava um pouco. Com aquela dor eu
nem conseguia pensar na 'humilhação' que passei, e isso nem me preocupava. Seus olhos e seu
cheiro maravilhoso ainda eram algumas das coisas que me tiravam a razão, e me faziam pensar
que, aquele braço lesionado tinha sido um preço muito pequeno à pagar, só por estar com ela.
Linda, boa lutadora, independente de homem, gostosa, cheirosa... o que mais? Qual seria o defeito
daquela mulher?

— Você foi incrível! Se saiu muito bem. Nenhum deles teriam aguentado por tanto tempo... não viu
Bernardo?! Não conseguiu manter a luta nem trinta segundos. Você foi herói! Estão todos
comentando sobre sua coragem. — ela sorri e muda o saco de gelo para minha clavícula.

— Para mim foi o maior mico de todos! Mico dolorido.

— Foi nada. Foi amável! Vocês já se conhecem, né?! Vi o jeito que olhou para ela. Ela realmente é
muito linda... só não sei se um café vale todo esse sofrimento!

— É. Pois é. É linda, mas quer distância de mim. Ela me despreza!!! E também não sei se vale, mas
eu tentei. Eu sempre tento, luto pelo o que quero. Não vou desistir, não!

Eu faço charme, rimos juntos, mas ela ri de ironia, e vejo uma sombra de relance entrando no
vestiário. É ela.

— Deixa que eu cuido do meu estrago!

Ela estende a mão para a morena, e uma sorri para a outra; A funcionária nos deixa a sós, e ao
ver a rancorosa sentando no banco, como se sentasse em um cavalo, fico duro, e o moletom me
denuncia! Ela senta tão perto, que seu joelho direito encosta no meu joelho direito, e seu joelho
esquerdo, toca o meu bumbum.
Seu cheiro único é a melhor coisa do mundo. Sinto meu pau latejar forte, e como se pudesse
perceber, ela olha novamente e umedece os lábios, me deixando mais febril. Eu nunca na minha
vida senti uma atração tão forte por uma mulher, como estava sentindo por ela.

— Foi loucura não ter batido. Sua amiga recepcionista tem razão, um café não vale tudo isso. Você
precisa dos braços em perfeitas condições!

Ela sorri sussurrando, e sua voz assim, em particular e bem baixinha, era muito especial. Era a
minha voz favorita. Realmente ela gemendo devia ser o canto dos anjos no céu em um dia de festa.

— Ia valer. Se dissesse que se eu passasse tudo de novo, você sairia comigo, eu deixaria você
continuar de onde paramos e teríamos um encontro engessado!

Eu digo e ela ri, mas não gargalha como todas as mulheres que querem dar para mim. Ela não. Ela
só sorri e nega com a cabeça.

— Eu...

Eu começo a falar, mas ela levanta, vai até seu suposto armário, tira sua pequena mochila, e volta
a sentar.
Para de passar o gelo no meu ombro, seca com sua toalha de rosto branca, massageia levemente
usando um creme que tirou da bolsa, e suas mãos tem um toque aveludado fora do comum.
Enquanto ela cuidava de mim, eu babava olhando para a sua pele incrível, e ela parecia não
notar. Estava totalmente focada, mas eu olhava tudo. Ela tinha sardinhas, e era linda demais.
MESMO!!!

Ela passa o primeiro creme massageando, — e fico arrepiado, óbvio —passa um segundo, que
gela minha pele, e depois, um outro creme que praticamente tira toda a minha dor. Ambos os
cremes pareciam ser caseiros, feitos por alguém bem caprichoso, pois até etiqueta tinha, mas não
me parecia ser algo que ela teria feito.

— Vai melhorar... vou deixar você levar isso e vai passar como eu passei, hoje, na hora de dormir
e depois de tomar banho de manhã! Só por hoje e amanhã! É minha irmã quem faz, é
maravilhoso...

Ela diz enfaixando meu ombro e olhando em meus olhos.

— Você é a mulher mais linda que já vi na vida! — eu falo e ela fica vermelha.

— A mulher mais linda queria quebrar teu braço, William!

— Aceita meu convite para um café, um jantar, ou um vinho! Me deixa conhecer você!
— Deixo. — ela fala na lata, como se soubesse que eu ia pedir, termina com a faixa, apoia as
mãos nas duas coxas grossas, e se inclina para frente, me fazendo pirar.

— Sério?

Pergunto e ela confirma.

— Sério! Você tem o vale-café da Helena!

— Mas e o lance do flerte, dos amassos, e do vinho lá em casa!?

— Ou um ou outro. — ela faz uma cara de brava — Teria direito aos dois se eu tivesse quebrado
seu braço, não abuse de meu coração mole!

— Não seja tão cretina, quebre esse braço de uma vez! Tô implorando!

Aponto pro braço machucado e finjo estar indignado. Ela apenas ri.
Ri, mas eu não a acompanho. Apenas admiro seu sorriso.
O clima esquenta, sinto que vou explodir em tesão, então com calma, passo minha mão por sua
cintura, puxo ela para mais perto e ela não protesta. Ignoro a dor que aquele movimento me
causa e me aproveito de sua aproximação.

— Fica assim, mais perto. Gosto do teu cheiro!

— Quer saber a marca do perfume?

— Quero. Coloco no travesseiro... — ela faz careta e me arranca um sorriso — Não estou falando
do perfume, tô falando do seu cheiro natural!

— É, deve ser muito bom. Cheiro de suor acumulado pós treino!

— Ei, mestre! Vamos à luta?!?!

Um dos judocas entra no vestiário e eu evito revirar os olhos.

— Agora não dá. Tenho uma dívida para pagar!

Ela responde me encarando e eu me sinto feliz por isso.

— Então é isso! Vamos nos conhecer. — eu digo quando o mala sai do vestiário.

Coloco uma camisa com dificuldade, pego minha mochila com o braço bom, coloco a arma na
cintura, o distintivo no pescoço e ela só me encara. Não posso dizer que é olhar de desejo, mas de
ódio, não é mesmo!!!
— Vamos. Está por conta e risco. Só não vale se arrepender no final! — ela diz de forma
misteriosa, e eu olho no fundo de seus olhos antes de deixá-la sair primeiro.

— Onde está seu carro?! — eu pergunto e ela sorri.

— Vim de táxi!

Maravilha. Vou poder levá-la comigo e ainda saber onde ela mora!

— Certo! Então vamos.

— Não acha que devíamos ir para um barzinho? No centro tem um monte! — ela diz e dou risada.

— Tá com medo de mim?

— Não. Muito provavelmente você deveria ter medo de mim. Não me conhece, deveria ter cuidado
com isso, não deveria me colocar dentro da tua casa!

— Eu confio em você.

— Não deveria.

— Mas confio. — eu falo de novo e ela nega — Podemos ficar aqui a noite toda discutindo isso,
ou você pode pagar a tua dívida sem reclamar.

— Não tô reclamando. Tô te alertando.

— O máximo que você pode conseguir indo lá, é ver como minha casa é uma bagunça, ver o
quanto sou irresponsável e despreparado, pois não sei cozinhar e não compro comida, e ver o
quanto sou bom de cama. — rimos juntos — Nada além disso. Não tenho dinheiro, nem guardo
documentos sigilosos da delegacia lá. Se for uma espiã-gata, vai quebrar a cara.

— Poxa, então para o carro!!! — ela exclama — Não vou comer e nem conseguir os documentos
que estou procurando!!!

Ela não sorri só para zombar da minha cara, e eu nego.

— Pode me pedir o que quiser, qualquer coisa, qualquer informação! Tudo o que quiser eu te dou,
nem precisa me matar depois! — eu brinco e ela fica ilegível. Estranho.

— Fique à vontade. O muquifo é teu! — ela entra na frente olhando tudo ao redor, e vejo
Barbara vir correndo da cozinha. Inferno.

Ela chega na sala, Helena se vira surpresa, e eu respiro fundo evitando ficar sem graça. Ela mede
Helena, que vestia uma legging colada deliciosa na cor preta, e regata bem justinha! Típica roupa
de academia, que a deixava super-sexy, e me tirava o eixo. Sua boceta tão colada na calça de
lycra, parecia ser pequena, delicada, um botão de rosas pequenino que eu daria tudo para sentir
o gosto/textura. E meu Deus... enquanto Barbara a fitava de cima à baixo, eu também fazia isso,
então logo tratei de voltar a realidade.

— Ah! Oi! — Barbara trava — Imaginei que ia chegar faminto... então eu... eu... vim fazer a tua
janta... pra... ahnn... desculpe!!!

— Barbara, essa é Helena! A mulher de quem falei! — eu apresento, pois não sabia o que fazer
ou dizer — Helena, essa é Barbara, minha ex-namorada, ex-cozinheira, e por aí vai!!!

Faço uma piadinha, mas nenhuma das duas riem. Sou irônico, afinal, o que ela fazia lá cozinhando
para mim???

— Na verdade, ex-noiva. — Barbara sorri me corrigindo — Não era Lis?!

Barbara estende a mão e Helena segura só por educação, pelo que parece. Nenhuma das duas
parecia gostar do que via.

— Lis, Helena, Juliana... Maria-Joana! Posso ser quem você quiser!

Helena diz e eu seguro um riso de nervoso.

— Certo.

Barbara sorri de novo.

— Eu já vou indo... só que tem comida no fogo! Fica de olho!

Ela diz diretamente pra mim, e corre para pegar sua bolsa no sofá.

— Não, não vim para incomodar! Você pode ficar! — Helena diz, e depois olha para mim —
Podemos nos ver depois!

Ela tem seus olhos vermelhos, mas não era de choro em si. Era de raiva, parecia angústia.

— Não. Fica, por favor!

Seguro em seu braço e sussurro. Nessa hora Tiago entra na sala.

— Oh! Meu Deus!!!! — ele ri alto — Isso vai ser muito divertido! Como vai, Lis?!

— Oi, Tiago! Vou bem, e você?


— Eu tô muito melhor agora! Que bom que meu irmão conseguiu se aproximar de você! Ele queria
muito isso. Acho que enfim, será feliz, e vai me deixar em paz!!!

— Acho que no momento tem três pessoas aqui que não vão te deixar em paz! Principalmente se
continuar com as gracinhas!

Helena diz como se o conhecesse há anos, e Tiago ri.

— Gostei muito dela, brother! Ela tem que ser minha cunhada! Sem ofensa, Bah!

— Vai pro teu quarto! — Penso — Não, vai com a Barbara! Não te quero mais aqui! Vai vir só
para me ajudar com a mudança!

Eu falo e só de olhar para minha cara ele obedece no ato, mas antes de sair, tasca um beijo
estalado em Helena e ri da minha cara.

— Bom, então vamos, Tiago! — Barbara passa por mim e para — Você vem também?! É perigoso
para ele como é pra você! Eu tenho porte de armas, mas tenho duas mãos esquerdas! A gente
precisa de você!

Ela apela, eu fico péssimo, e sinto Helena me encarar esperando a resposta.

— Nos vemos depois! — eu digo apenas, e ela concorda.

— Prazer, Lis! — ela diz para Helena e eu a encaro.

Helena olha para ela e não parece sentir nada. Pelo menos, nada de bom.

— Prazer! — ela fala e Barbara sai batendo a porta.

— Olha...

Eu me aproximo e ela se afasta de mim.

— Vou pra minha casa.

— Não! Por que???

— Devia ter me avisado que tua namorada estava aqui, que climão horrível! — ela pega a
mochila que tinha colocado na mesa de centro — Nos vemos outro dia! Parece que você precisa
protegê-los de algum vilão sombrio!

— Ex-namorada. — eu dou a volta na mesinha e atrapalho sua passagem — Disse que não
cozinho, não faço nada, ela só me ajuda, mas nem sabia que ela estava aqui. Além do mais, ela
diz isso porque entraram na minha casa, mas eu sei que o queriam já conseguiram, não virão mais!
Ninguém vai machucar os dois!

— Então por que mandou teu irmão ficar com ela e não aqui?

— Para gente ter um pouco de privacidade!

Eu não sei o quão alto você geme. "Merda, William, se toca!".

— Você é bem dissimulado! — ela diz irônica.

— Igual a você.

— Eu já vou indo, sério! Nos falamos na academia... — ela dá a volta em mim, mas não consigo
deixá-la ir.

— Sentiu ciúmes? — pergunto e ela ri com ar de desdém — Não sei se isso pode ajudar, ou te
fazer ficar, mas só para você saber: Terminei com ela quando te vi na boate. Não consegui tirar
você da minha cabeça, então não queria ficar com uma mulher pensando em outra. Já disse que,
apesar de não ser recíproco, eu quero você com todas as minhas forças. Ou — aponto pro braço
machucado —,com todas as forças que me restam.

Faço ela rir e sei que gosta do que ouviu. Dois pontos para mim.

— Esse braço vai melhorar. Não vai poder usar essa desculpa para sempre, delegado!

— Eu espero que até lá, não seja preciso forçar uma barra, nem implorar para você ficar. Que
demore bastante! — eu dou um passo e entro em seu espaço pessoal — Que eu sofra com dores,
que me tire o sono, e que você se sensibilize e fique com peninha, querendo cuidar de mim, como
hoje!

Eu arranco um sorriso sincero e ela solta a mochila na mesa de novo. Nesse momento seguro as
pontas e evito pular de alegria, mas meu sorriso enorme me denuncia.

— Vou ficar para tomar seu vinho, doutor, mas nunca mais vou vir aqui de novo.

— Não vai mesmo. — eu falo e ela se assusta um pouco — Vou me mudar, vai ter que saber o
endereço novo.

Falo e corro para cozinha, para olhar as panelas que Barbara deixou no fogo.

— Quer jantar?!

Aponto para panela e ela ergue uma sobrancelha.


— Ok. Ela virou a inimiga, a ex-chata, entendi! Vou saber lidar! Nunca mais vai topar com ela! Pelo
menos eu vou tentar fazer com que isso dê certo.

Eu digo zombando e olhando as panelas, e vejo quando ela olha e pega o nosso porta-retrato da
bancada da cozinha. Sim, Barbara me amava muito e só não demonstrou isso no banheiro porque
eu não deixei.

— A vida é tua! Não sou nada tua! — ela diz cutucando a madeira do porta-retrato, e eu me
apoio na bancada para olhar para ela — Ela é bem bonita, não devia ter deixado ela ir embora!

— Eu não gosto mais dela. Não como deveria. — eu digo, ela procura a verdade em meus olhos e
quando encontra fica corada.

— Por que disse: "Essa é a mulher de quem te falei!"? O que falou de mim, pra ela?

— Eu disse que vi uma mulher e que me apaixonei! Fiquei mexido demais!!!

— E ela!?

— Chorou e brigou comigo! — ela volta a colocar a fotografia no lugar e me encara parecendo
triste, e apenas por isso me aproximo dela de novo. Estava começando a ficar viciado em seu
cheiro.

Olho em seus olhos e ela corresponde. Seguro no móvel branco em que ela se apoiava e fecho o
cerco. Eu queria beijar a sua boca, mas estava me controlando, pois se eu fizesse tudo o que eu
gostaria de fazer com ela, ela sairia dali muito abatida.

— Você é muito intenso. Se não controlar suas emoções pode sair disso machucado. — ela fala e
me deixa triste, parece que arranca a agonia gostosa que eu sentia com as próprias unhas.

— Nunca vai me corresponder, não é?! Só veio por se sentir culpada por causa do braço...

— Vim porque foi "nosso acordo". — ela diz e eu entendo, quer dizer, não entendo mais nada.

— Vou pegar o vinho! — eu falo e ela confirma com a cabeça, super sem graça.

Mas mais sem graça do que eu, ela não estava.


Decidi parar com aquilo, eu só ia ficar com aquela mulher se ela dessebrecha, se não, esquece.
Não ia forçar a barra. Nunca precisei fazer o que estava fazendo para pegar mulher.

— E então, vai se mudar por quê?

— Ivadiram minha casa. Sei porque mexeram em um porta-retrato meu, tiraram do lugar... sei como
deixo minhas coisas! — olho para ela enquanto ela olhava de novo pro porta-retrato com a foto
de Barbara e eu no Rio, e me sinto estranho — Tô investigando um caso pessoal, um possível
assassinato na minha família. Aliás, se eu não estivesse de guarda tão baixa, teria notado sua
semelhança com o antigo parceiro do meu primo, seus traços de menina gaúcha, seu interesse
repentino em vir até a minha casa quando antes disso só tinha me esnobado, e essa impressão que
tenho de vez em quando, que parece que você gostaria de estar em qualquer lugar menos aqui.
— eu falo sorrindo, olho em seus olhos, e sirvo seu vinho.

— Pois é, avisei para tomar cuidado! Levanta essa guarda aí, Doutor! — ela sorri — Não vai
beber? — ela pergunta e eu nego.

— Vou te levar para casa! — eu pisco para ela e ela confirma.

— Por que você anda armada?

Eu pergunto e ela hesita por um momento. Acho que não notou que eu tinha reparado, sou treinado
para reparar naquelas coisas.

— Porque o Brasil é diferente do Japão.

— Tem porte de armas ou vou precisar te prender no nosso primeiro encontro?

— Tenho porte. Mas se eu não tivesse, você me prenderia?

Que pena, adoraria vê-la presa nas grades da minha cama.

— Com certeza! Trabalho com a lei em primeiro lugar. Eu prenderia minha própria mãe se ela
cometesse um crime!!! — eu falo e ela concorda — O que você faz?

Eu me sento na mesa após me servir do suco natural que Barbara havia feito.

— Gerencio um museu aqui no centro. Gosto de artes. E também ajudo a cuidar de uma instituição
para refugiados desde criança, na verdade, moro lá. — ela fala e isso me surpreende.

— Você mora em uma instituição para refugiados??? Cuida desde criança e acabou ficando?

— Sim. Quer dizer, tenho meu apartamento, mas como odeio ficar sozinha, moro lá! São a minha
família.

— Legal! Que demais!

— E você?! Se mudou do Rio? Seu sotaque é forte...

— Não pensei que ainda tinha sotaque...


— Caô! Tu não é casada! É chata dimaisss para isso. Apossshhsto que homem nenhum ti aguenta... Vou
ser seu homem, e vou te fazer fiilishzzz!

Ela tenta me imitar rindo e eu não vejo graça. Apenas fico curioso. Porque essa frase ela não
esqueceu, foi essa frase que ela usou para zombar de mim. Por que ela estava se fazendo de
difícil se me queria como eu a queria?

Olho para ela me perguntando isso, vejo ela ficar rosada por conta da timidez, e meu celular
toca.
Era Manuela.

— Tem dois minutos para falar.


— Oi, doutor! Saiu o resultado do toxicológico do David.
— O que deu?
— Não posso abrir de jeito nenhum.
— E por que não?
— Porque é o protocolo. Preciso te entregar lacrado.
— Mas que porra é essa de protocolo? Se eu não confiar em você, vou confiar em quem? Então
me traga.
— Certo. Chego em cinco minutos.

— Desculpe. Preciso atender a delegacia! — eu falo e ela sorri.

— Eu entendo.

— ...Mas então, você é gerente de um museu!?

— É uma galeria de arte construída em um museu, na verdade...

— Que legal! Amo esse mundo... tem programas para menores infratores que amam pixar um
muro? Meu irmão ia amar umas aulas!!! — ela ri.

— Vou fazer um evento com as crianças da instituição, lá! Vender as pinturas para voltar a verba
para própria casa. Quem sabe ele não aceita participar?!

— Seria incrível! Não sei ele, mas eu ia adorar.

— Por que trouxe ele contigo?

— Os podres/problemas da família eu deixarei pro futuro!

— Que futuro??? — ela pergunta e eu perco a paciência.

— Acho melhor eu beber uma taça de vinho... você é terrível! — eu me sirvo e ela ri.
— Você sempre foi assim?! "Paciente"?! Aposto que não...

— E por que você aposta?

— Porque eu vejo que está se controlando. Luta para manter o controle de seus atos. Nunca foi
calmo assim, paciente, controlado ou centrado. Deve ser por isso que aderiu a prática de judô.

— Você é perspicaz.

— Sempre fui. E por ser extremamente perspicaz — ela sorri — fui pro Japão procurar ajuda.
Sempre deixava as pessoas constrangidas por não ter travas na língua, às vezes era
inconveniente, arrogante, e até hoje travo uma luta constante contra mim mesma. Havia uma época
em que eu me perguntava se era certo lutar contra o que eu realmente era e meu mestre me
ajudou nisso. Bastou uma pergunta e eu entendi tudo. — ela diz e eu tento não questionar, mas não
consigo.

— Legal você ter se incomodado e procurado 'ajuda'! Mas que pergunta é essa?

— "O que você é capaz de fazer por aqueles que ama?" Minha resposta foi: "Matar e morrer!".
— ela inclina seu rosto e me olha de forma diferente — Então ele apenas perguntou o "porquê
que eu não conseguia apenas calar a minha boca, então?!", não com essas palavras, — ela sorri
— e então eu entendi. Porque me controlar é muito mais fácil do que matar ou morrer por eles! Se
eu conseguia fazer tudo pelo amor que sinto por eles, eu conseguiria ficar quietinha para não
magoá-los. — ela fala e eu me apaixono ainda mais.

— Seus amigos judocas iam ficar impressionados com essa lição!!! — eu dou risada.

— Você também tenta controlar o ciúme... assim como eu, quase não consegue.

— Por tua culpa... fazia anos que eu não tinha uma crise. — eu digo e ela solta o cabelo após
parecer se sentir incomodada com o que eu disse.

— Puxei o ciúme possessivo da minha mãe... é bem difícil me controlar, tenho mania de posse!

— Deu para notar, ao ver minha ex aqui! O que você faria se não estivesse "controlada"? Se
gostasse de mim? Ou se estivéssemos juntos?!

— Eu ia ser mais irônica do que fui, dizer que era comigo que você ia ficar, caso você discordasse
eu ia colocar fogo na casa inteira, e após ela ir embora, ia jogar todos esses porta-retratos em
excesso, no lixo. — ela diz e eu fico duro como pedra.

Realmente ela parecia odiar ver todos eles espalhados pela casa.

— Não acha que seria legal a gente aceitar as nossas particularidades?


— Depende. Com relação ao meu ciúme não vejo vantagem em deixar isso voltar. Nem com ciúmes,
e nem com meus sentimentos. Vivo pro trabalho.

— O que você quer que eu faça com o que tô sentindo agora?

— Abstraia. Não vou te corresponder. — ela diz e meu coração se aperta em agonia.

— Tudo bem. Então acho que não preciso viver sozinho e nem deixar Barbara sofrendo à toa.
Você tem razão, ela é linda e não posso deixá-la. Vir até aqui só para cozinhar para mim, mesmo
depois de eu ter terminado com ela por causa de uma mulher que nunca vi, foi uma prova de que
ela merece um voto de confiança. Podemos ser amigos?! Já vi que, com conselhos amorosos você é
boa!

Eu falo me encostando no apoio da cadeira e ela se levanta com uma calma de se invejar. Eu a
sigo até a sala e a vejo pegar sua bolsa. Aquela mulher definitivamente me queria como eu a
queria.

— Não tomou o vinho, não flertamos, não nos beijamos na boca, e ainda nem viu o quanto sou bom
de cama... por que vai embora?

— Já está tarde.

— Solte a onça, mulher!!!

Me aproximo dela e consigo rir quando vejo a raiva no seu semblante por ter escutado aquilo de
mim. Raiva era pouco, ela estava um vulcão.

— Quer botar fogo na casa??? Coloque e eu vou gamar!!!

Sussurro em seu ouvido enquanto toco sua cintura e ela parece ofegante.

— Joga esses retratos no lixo do banheiro... faz anos que quero me livrar deles! Faz um estrago,
bagunça minha vida! Quero todo esse caos que segura só para si! Comigo você não precisa se
controlar...

— Você é um babaca! — ela se afasta, eu rio alto e a campainha toca.

— ENTRA!

Eu grito para não ter que tirar meus olhos dela. Eu não ia deixá-la ir embora assim.

— Boa noite, doutor! — Manuela olha para Helena — Boa noite!

— Boa noite. — ela diz e me encara erguendo uma sobrancelha. Apenas dou risada.
— Manuela, essa é Helena, minha futura esposa e mãe dos meus filhos! Helena essa é Manuela,
minha parceira "em fase de testes" de trabalho!

— Sim. Prazer. Mas não tem essa de "futura esposa" e muito menos "mãe dos filhos dele...". — ela
diz e Manuela ignora.

— Doutor fala muito bem da senhorita, Helena! Você é o assunto favorito dele! Conseguimos até
ver o brilho em seus olhos!

Manuela fala para ela e me olha como uma sínica.

— Quer ficar longe de Parauapebas, né?!

— Com certeza, doutor. Aqui está! — ela me entrega o envelope marrom do laboratório — Boa
noite. — ela se vira para ir embora.

— E a narcóticos? Alguma novidade?

— Pela demora com certeza teremos uma! A qualquer momento eu ligo!

Manuela diz e sai.

Abro o envelope — o resultado do toxicológico deu: NADA!!!! — e de repente olho pra ela para
ver o que fazia. Ela apenas me encarava curiosa.
Leio os resultados e guardo novamente no envelope.
Me aproximo dela, tiro a mochila de sua mão, sem dificuldade, e puxo sua cintura para seu corpo
colar no meu.

— Vamos pular essa parte de flerte, de você com medo porque não quer se envolver, de "temos
que ir com calma para não sair machucados", e as demais baboseiras que você deve estar
matutando aí, nessa sua cabecinha boba. Não temos mais nossos dezoitos, não temos nada a
perder, e não precisamos do consentimento de ninguém. Não quero ficar te sondando, tentando,
quebrando a cabeça, e fazendo bobagem em uma tentativa chata de me aproximar. Por algum
motivo tu quer me odiar, mas enquanto não consegue, vamos aproveitar essa noite, porque se não
for hoje, vai ser um outro dia, nós dois sabemos disso, então vamos pular a parte chata e começar
agora.

— William... — ela sussurra arfando, e eu vou até o céu.

— Diz meu nome de novo, neném! — eu peço baixinho e ela nega.— Se entrega para mim! Fica
comigo. Tenho certeza que somos destinados um ao outro, gata!

— Como tem tanta certeza?! — ela pergunta me olhando nos olhos e sinto vontade de chorar só
por ouvir sua voz baixinha.
Me lembro dos sonhos que sempre tive e falo sem pensar.

— Uma cigana me disse... — eu respondo e ela me olha apavorada.

— Que cigana???

— Uma cigana, nos meus sonhos! — dou risada — Ela tinha chifres negros, e um cabelo brilhante
até a cintura! Dizia que meu grande amor estava chegando, que eu precisaria cuidar de seu
coração fragilizado, que ia ter que ser paciente porque ela é difícil, e que eu teria que ensiná-la o
verdadeiro significado do amor, e aprender com ela como perdoar...

Eu falo tudo o que me lembrava, — e tinha todo aquele texto de cor — e ela parece assustada.
Acabou o clima de romance. Que bobagem falar de sonho na hora de paquerar. Eu era maluco?!
Ela se afasta e com sua atitude, parece que tira toda a esperança de mim, toda a minha
felicidade. Chegava a doer!

— O que você anda ouvindo? — ela dá a volta em mim, vai até meu rádio e aperta o play. Tudo
isso para fugir.

Um funk proibidão começa a tocar e eu gargalho achando aquilo muito sugestivo.


Olho para ela balançando a cabeça no ritmo da batida e me sento no sofá, esperando que um
milagre aconteça, e ela comece a dançar para mim.

Ela ri com vontade enquanto eu dançava e cantava sentado.

— Fala sério!!!

— Não zombe do meu patrimônio histórico! — aponto o dedo para ela fingindo ameaçá-la —
Olha... — paro de me mexer e apoio os dois braços no encosto do sofá — É assim que funciona:
Eu me sento e você rebola para me conquistar! Aqui!

Eu digo batendo no meu colo e ela cruza os braços.

— Vai, eu sei que você consegue!

Eu falo, ela nega vindo em minha direção, e o funk faz milagres, pois enquanto ouvíamos um trecho
que dizia algo parecido com "Ela rebola e me deixa maluco, senta em mim e vai até o fundo...", ela
se coloca na minha frente e me estende a mão.

Fica um pouco vermelha quando olho para teu corpo da cabeça aos pés mas não diz nada. Como
ela conseguia???

— Vai tomar um banho para apagar esse fogo. Vou passar o remédio no nosso machucado, e vou
para casa!
— Eu vou te levar para casa!

— Você não vai fazer nada hoje, delegado.

— Não manda em mim senão eu gamo! — sorrio, e entendo o porquê das pessoas sorrirem tanto
quando gostam do que veem! Não consigo parar de sorrir — Se soubesse o quanto te quero...

Eu digo me levantando e o espaço entre o sofá e a mesa de centro fica escasso.

— Para de falar essas coisas para mim! — ela pede, e de novo, meu coração dói.

— Tudo bem! Desculpa. Tô sendo um babaca. — eu digo e me afasto, e ao me afastar me sinto


mal. Muito mal!

— Vou te levar em casa.

— Me deixa passar o creme de novo. Não vai dar conta de alcançar as costas...

— Não precisa. Não se sinta culpada, estávamos lutando. Lutamos dentro das regras. Se eu tivesse
batido não tinha me machucado. Fui bobo e orgulhoso. — eu falo sorrindo e ela sorri também.

— Não quero fazer isso por culpa! — ela invade meu espaço pessoal e eu fico todo arrepiado.

— Vá tomar seu banho! Eu espero! Quando sair eu passo em você, e então deixo você me levar só
para saber onde eu moro! — ela sorri quando me vê feliz e sem graça — Se for sem discutir
comigo, ainda deixo meu telefone. Olha, eu estou muito boazinha!!!

— Suspeito de que não é sempre assim...

Resmungo e ela começa a me empurrar de uma forma discreta.

— Vai... A água quente ajuda...

— Certo. Mas talvez eu precise de ajuda ao tirar a camiseta, e a calça, e todo o resto e...

— Vai logo!!! — ela diz e eu corro pro banheiro.

Tomo um banho rápido, e quando volto para a sala a vejo no sofá, não tinha desligado o funk,
mas tinha abaixado o volume em um som ambiente. Ela parecia distante...

Eu estava só de calça de moletom, mas ela parece nem notar. Não ficou mexida como todas as
outras mulheres ficam.

— Tudo bem?
Me sento ao seu lado e ela parece acordar.

— Sim.

— Mentira...

Resmungo e ela nega.

— Pode pegar minha bolsa?! — ela aponta sorrindo.

Eu estava mais perto da bolsa do que ela.


Entrego a bolsa em suas mãos e ela retira os cremes parecendo pensativa.

Meu telefone toca naquele mesmo momento e eu olho para tela. Era Manuela.

— Doutor, temos um parecer sobre a fita do caso Miragem! Pode vir até aqui?!
— Oh! Minha nossa! Só me diga que a imagem foi restaurada! Conseguimos ver o rosto da
garota?
— Só vou vê-la com o senhor, doutor! Precisamos analisar.
— Vinte minutos!!! — eu digo e desligo.

Helena já tinha os cremes em suas mãos e me olhava curiosa.

— O que foi?! Vai precisar sair?

— Recebi o resultado das imagens do caso Miragem, que estou investigando... acho que temos um
rosto. Mas tenho vinte minutos para você cuidar de mim!!! — ela sorri e eu me desmancho.

— Certo. Então vou correr. Já pega uma faixa para eu enrolar, você tem alguma aqui? Cadê
aquela minha?!

— Eu tirei e deixei em cima da cama, vou buscar!!! — eu pego, e quando volto ela está no
telefone.

— Alguém importante?

Olho pro celular e ela sorri.

— Lumi! Uma das crianças da instituição... enchendo meu saco porque prometi um presente. Já
disse que estou à caminho de casa.

Ela diz olhando para a tela do celular e depois o guarda.

Ela coloca uma quantia pequena do primeiro creme na palma da mão, e ao invés de mudar de
lado no sofá para ficar mais fácil seu acesso ao meu braço direito, ela se estica, e ao se esticar,
consigo ver seu decote mais de perto, sentir seu cheiro, sua respiração na minha boca, e fico
pilhado.

Mas dessa vez ela não finge que não notou quando eu a encarava. Ela corresponde o meu olhar e
eu me perco naquele azul sem fim. É sério. Nunca em toda minha existência medíocre, vi um par de
olhos mais bonitos do que os dela. Ela era definitivamente uma joia raríssima. Estava muito, mas
muito perto de mim. Será que eu seria um cretino se tentasse beijá-la do nada?! Acho que sim.

— Seus olhos têm tonalidades diferentes. São os olhos mais lindo que já vi em toda a minha vida.

Eu digo porque eu notei. Um era mais escuro que o outro. De longe não dava para ver, mas de
perto, dava e muito. Era só prestar atenção.

— Como é?

— Um é mais azul que o outro, ué!!! São perfeitos como você. — eu digo e ela me olha
embasbacada.

— Tá falando sério?

— Sim!!! Nunca notou isso?

— Não. Eu... nunca notei! — ela fica sem graça e vermelha — Eu... Realmente nunca notei! Que
estranho!!!

Ela fica mais sem graça ainda e eu tiro uma mecha de cabelo do seu rosto.

— É lindo! Mais lindo ainda, assim, de perto... você é especial, Helena! É diferente!

— Nada a ver...

Ela resmunga e eu sorrio.

— Posso te fazer uma pergunta?

Eu questiono e ela balança a cabeça enquanto passava o creme com uma lentidão de tirar o
fôlego.

— Quando eu estava assistindo as fitas do Miragem, me peguei te procurando lá dentro, queria te


ver, sei lá, ver teu rosto... pensei que nunca mais te veria de novo! — eu respiro fundo e ela fita
minha boca por um momento — Vi você sentada em uma mesa, depois um cara chegou... Quem é
ele?
— Um amigo. — ela diz e me sinto mal.

Estava mentindo para mim. Eu sei que estava. E a pior parte é que eu não sabia disso por ser
treinado para ler expressão corporal, eu sabia disso porque conhecia aquela mulher como a
palma de minhas mãos. Eu já a conhecia de outras vidas, ela um dia foi minha, eu tinha certeza
disso, como igualmente tinha certeza de que ela mentia para mim.

— Entendi.

Apenas digo e ela sorri.

— Já estou terminando. Por que não fala de você? O que gosta de fazer quando não está na
delegacia? Tirando treinar, é claro...

— Sou comum! Gosto de ficar em casa, ver filmes, sair para passear, gosto de viajar, ler... essas
coisas. — eu dou de ombros e ela sorri novamente. — Por que mente para mim? — Deixo a
pergunta escapar e ela fica séria.— Por que é tão misteriosa???

— Não sou misteriosa, pergunte e eu responderei! O que quer saber?! Por que não vai com calma?
Estamos nos conhecendo, não era isso o que queria? Precisa saber da minha vida toda, tudo
agora? Em uma noite só? Tudo de uma vez...?!

— Você é muito linguaruda!

— E você é descontrolado!

— E você uma sínica! Por que não olhou para mim, na recepção? Por que tá me fazendo sofrer
sem nem estar me namorando ainda???

Questiono e depois gargalho. Eu era um paspalho. Fanfarrão. Óbvio que ela nunca ia gostar de
mim.

— Você é um idiota.

— Não seja tão sacana! Sou um amorzinho, só meio desengonçado às vezes.

Rimos juntos.

— Desculpe. Não quero ser um babaca contigo! Só quero que saiba que eu te quero para
caramba, mas vou parar de ficar repetindo isso toda hora!!!

— Agradecida!

Ela sorri e enrola a faixa no meu ombro.


— Tenta não mexer tanto o braço...

Ela resmunga e eu olho para teu corpo. Quando faço, isso noto um volume pequeno na região do
seu umbigo, que ainda não tinha notado. A blusinha estava bem colada em sua barriga sarada, só
não notei ontem porque sou tapado.

— Perdão pela curiosidade, mas o que é isso?

Só aponto. Não toco.

— Hum? — ela olha para baixo — É um piercing! Gosto de piercings! — ela sorri feliz — Fiz com
minha irmã ainda bem nova. Um gesto "incrível" de rebeldia. Ela curte mais tatuagens, tem um
monte delas espalhadas pelo corpo... já eu me amarro em me furar!

Ela me olha com ar alegre e faz um pequeno nó como havia feito antes.

— Tá, mas... você não tem na orelha, pelo jeito não tem na língua porque daria para ver daqui...
curte, mas só tem um?!

Dou risada sem entender.

— Não. — Ela me olha encabulada — Tenho dois.

Olho por cada pedacinho de seu corpo e ela fica corada.

— Aonde tá o outro?

Pergunto e ela se afasta de mim ao terminar.


Olho bem para ela e ela fica um rosa quase pink. Era muito bom o fato dela ser loirinha por essas
e outras... não dá para disfarçar a timidez.

— Ah! Não! — Gargalho alto — Tá de brincadeira comigo! Você colocou um piercing na....?!
UALL!!! Você é tão ousada, neném!!!

Zombo e ela revira os olhos pegando sua bolsa.

— Tem como deixar de ser ridículo???

— Depois dessa informação??? Pirou??? Claro que não!!! — rio mais — Me deixa surtar, eu tenho
direito!!! Eu nunca vi esse tipo de coisa! É muita informação para minha cabeça!

Ela se esforça para não rir junto comigo e me dar abertura e então eu agarro ela.

— Desculpa, princesa! Passou! — roubo um beijo em seu rosto — Vou me arrumar! Já venho!
Vou pro meu quarto, separo o terno, penso em como seria aquele piercing em sua intimidade,
sorrio, e ela aparece na porta quando eu já estava quase vestido.

— Sou curiosa, quero conhecer! — ela diz simplesmente e eu sorrio.

— Fica à vontade.

Eu digo lamentando o fato do nó da gravata estar todo desleixado, e me adianto para procurar
por um dos que Barbara havia deixado pronto para mim. Sim, eu nunca soube fazer aquilo e
nunca aprendi. Como Barbara sabia, nunca fiz questão. Achei que ia passar o resto da minha vida
com ela, e só agora entendia que algo faltava naquele relacionamento. Nunca foi completo, nunca
foi cem por cento! E muita coisa eu ia ter que aprender, porque Barbara e eu não íamos nos casar,
não mais...

Mas antes de chegar no guarda-roupa, Helena se coloca em minha frente, com cautela pega a
gravata de minhas mãos e volta a colocá-la em meu pescoço. Tinha uma sensualidade genuína ao
fazer aquilo, e sua atitude me tirou qualquer piada pronta que eu podia soltar só para me divertir.

Eu era engraçado, gostava de fazer brincadeiras, contar piadas, fazer as pessoas que eu amo
sorrirem, mas ali, naquele momento, Helena me tirava o bom-humor e me deixava sério. Eu não
queria fazê-la sorrir, eu queria que ela sentisse pelo menos um por cento da paixão avassaladora
que eu sentia, e eu sabia que ela não suportaria o peso daquilo. Um por cento seria demais para
ela. Seria muito.

Ela olha nos meus olhos, refaz o nó sem deixar de me olhar, e eu seguro a vontade de chorar
porque meu coração transborda.

E pensar em amor à primeira vista não era válido ali. Sentia com todas as minhas forças que não
era a primeira vez que eu tinha colocado os meus olhos nela. Aquela mulher na minha frente era
minha alma gêmea. Eu a queria para mim, queria que fosse minha, mais do que queria qualquer
outra coisa no mundo, e queria com força. Uma força extrema e sem explicação lógica.

Sentia muito se ela não pudesse me corresponder, — como ela mesma havia dito — mas o que eu
estava sentindo, eu tinha certeza que podia valer para ambos. Sim, eu podia amá-la por nós dois
e seria mais do que qualquer homem no mundo já sentiu por uma mulher. Seria muito mais.

— É fácil! Só precisará de prática! Posso te ensinar! Cresci cercada de homens de terno... — ela
sussurra e eu concordo.

— Eu nunca senti, em toda a minha vida, o que eu tô sentindo agora! Me perdoa!

— O que você está sentindo?

— Amor. O mais simples e puro... amei você na porta daquela boate.


— Você quase casou... não me conhece! Acabou de sair de um relacionamento.

— E mesmo assim nunca chegou nem perto. Nem cócegas chegou a fazer... nunca senti isso, juro!

— Mentiroso. Você a amava até alguns dias atrás.

— Se isso não existe mais, é porque nunca foi amor.

Ela continua olhando nos meus olhos, e eu sustento seu olhar, de repente gélido.

— Me pergunto quantas vezes já se declarou assim para ela...

— Nenhuma. Nunca. Eu estava te esperando para dizer isso. É sério, esperei por anos à fio, e você
vai ser minha mulher! —umedeço os lábios, e ela solta minha gravata — Não se engane, estou com
meus pés no chão. Sinto do fundo da minha alma que não será fácil ter você, você está armada da
cabeça aos pés, pronta para lutar contra mim, mas vou comprar essa briga, e vai valer à pena
cada batalha, cada gota de suor, cada pequena ou grande coisa que eu precisar deixar para
trás e abrir mão, porque simplesmente nada mais vai me importar. Eu vou ganhar. Sim, perderei
muita coisa, mas no fim, será minha! Começarei a partir de agora!

— William Castro.— ela diz em um tom sério, do mesmo jeito que eu falava, e falava baixo com
seus olhos colados nos meus — se ousar me beijar depois dessa declaração brega, quebrarei o
seu nariz em dez partes! Precisará reconstruí-lo!

— Não estou nem um pouco afim de beijar sua boca, loira exibida! Toma vergonha! — eu rio de
repente — Quero mais é que seja difícil mesmo. É você quem vai pedir um beijo meu! E eu ainda
farei uma pausa dramática porque sou desses e não nego. Agora vamos. E vê se para de olhar
para a minha boca!

Eu faço charme e seguro a porta para ela passar. Só para me provocar ela passa de vagar e
olhando para minha boca. Sínica.

— Fica bonitão de terno! — ela diz enquanto eu lia algumas mensagens de Manuela no elevador.

— Prefiro meu bom e velho moletom! — eu pisco sem sorrir. Meu maxilar estava doendo de tanto
sorrir — Mais fácil na hora de... na hora certa!

— Só pensa em sexo? Tem é que parar de usar definitivamente, isso sim, ele te entrega!

— É tão estranho ver você carregar isso! Me dá aqui...

Mudo de assunto pegando sua bolsa e ela estranha.


Ignoro a cara "feia" que ela faz e olho para frente.
Apostava e ganhava que fazia o estilo feminista e tinha vários discursos que consistia em: "não
precisa fazer isso, posso fazer isso sozinha."

Dirijo o caminho todo em silêncio e ela também. Se eu fosse falar algo seria sobre o amor que eu
estava sentindo e ela ia odiar, então, apenas não disse nada.

Estar ali com ela, era demais. Eu já sentia que ela era minha, uma pena que ela não podia dizer o
mesmo.

— Eita! O que será que aconteceu?!

Ela diz quando passamos na frente da delegacia, e podia se ver uns dez camburões da narcóticos.

— Fique aqui, por favor! Logo que eu sair te levo para casa!

— Esse carro é blindado?! — ela pergunta.

— É! — eu respondo e entendo onde ela queria chegar, e tinha toda razão — Tudo bem, vem
comigo! Não vai sem mim, então vai ter que esperar um pouco!!!

Eu falo, ela concorda e anda ao meu lado em silêncio até entrar no hall da delegacia.

— Doutor!

Manuela me encontra no meio do caminho.

— Já ia te ligar, eles acabaram de chegar! A denúncia era real. Flagramos e fizemos uma blitz no
caminhão certo! Estamos falando de praticamente todo o produto do posto... Manuel Aguilar estava
junto, ao lado do motorista, pegamos ele! Está na sala pronto para ser interrogado! — ela
cochicha e eu concordo.

— "Praticamente"? — Droga — Mendes?! Cadê? Tá na minha sala?

— Está! Vai com calma, está com a corda toda! Parece até que vai pedir um aumento! — ela ri e
olha para Helena com felicidade estampada na face.

— Vamos.

Resmungo e caminho com as duas sobe meu encalço.

— Doutor! — ele estende a mão e eu pego por educação.

— Como foi?

Questiono e ele se vangloria contando sobre a denúncia, sobre como foi fácil, e sobre como a
narcóticos da superintendência de SP era competente.

— Tá. Quero números! Não me importo se foi fácil! Se foi fácil, é sinal de que você não teve
trabalho nenhum...

— Não foi isso o que eu quis dizer, doutor...

— Eu entendi! — eu falo e olho para Manuela — Cadê?

Ela me entrega os relatórios e Mendes, os dele.

— Eu tinha cinquenta quilos de cocaína perdida em algum lugar dessa cidade, e você me trouxe
quarenta. — eu falo e me sinto estranho.

Não entendo! Por que ele estava feliz? Por que???

— Doutor, falta apenas dez! Tivemos um resultado muito...

— Você não entende...? FALTA DEZ. Pensei que ia comemorar hoje! Estava tão feliz hoje! —
resmungo com a respiração entrecortada, tinha algo de errado comigo — Coloque seus homens na
rua! Isso aqui — levanto o relatório de Aguilar, documentação da mercadoria "de vinhos" que era
o que estava escrito de forma ilegal no papel — Precisa ser lido e estudado por um investigador
competente, conhece algum?!

— Sim doutor, eu mesma.

— Pois bem! Eu tenho dez quilos de cocaína perdida em algum lugar daqui! — mostro o papel de
novo e ela confirma. Eu falava com ela como se ela tivesse dez anos! Estava puto. Dez ainda era
muita coisa para deixar para trás, e eu queria mais. Queria era tudo!!! — E quero que você a
encontre! Já você! — olho para Mendes — Vou selecionar todos os endereços por onde esse
caminhão "de vinho" passou, e preciso que a narcóticos investigue e reviste todos esses lugares!
Ainda hoje!!! Esse filho da puta deixou dez quilos como pagamento para trás, e eu quero de volta!
Eu quero os cinquenta quilos na caldeira, hoje!!!

— Sim, doutor! — ele diz de cabeça baixa.

— Vão tomar um café, entrego isso para você em cinco minutos.

— Obrigado, doutor!

Eles saem juntamente com Manuela, e eu me sento respirando fundo. O que eu ia dizer sobre ter
"perdido" dez quilos de cocaína para a imprensa???

Debruço sobre a mesa e paro para pensar. Me esqueço de que Helena estava quieta em um canto,
e me assusto quando ela se aproxima e vira minha cadeira para ela.

— Inspira pelo nariz, expira pela boca... — ela manda e eu obedeço, faço isso por três vezes e
funciona. Quando termino sorrio. — Se mantenha centrado, calmo, e tudo fluirá! Vai conseguir
recuperar, você é inteligente e talentoso!

— Obrigado! Você é incrível!

Falo e começo a procurar os relatórios. Ela se senta no meu sofá e eu ignoro porque se fosse
prestar atenção, nunca conseguiria trabalhar direito.

— Acho que tenho uma pista, um dos endereços aqui, não é uma distribuidora. Vou com ele! Logo
tô de volta!

Manuela coloca a face na porta após bater e eu nego.

— Se não encontrar...

— Eu sei... Parauapebas, eu sei. — ela sai resmungando e não sorriu nenhuma vez. Ponto para
mim.

— DOUTORA!!!

Grito e ela volta.

— Se você estiver errada... procure nesses aqui! Entregue para Mendes, por favor, dei para ele
cinco minutos pro café! É bom que você leva e eu não preciso olhar para aquela cara de esnobe
dele! Esse caminhão parou em todos esses endereços! Está em um deles, ou nem chegou a ser
colocado no caminhão. Por via das dúvidas, comece pelo início!

Entrego os endereços que selecionei ao procurar pelo GPS da PF o caminho pelo qual o caminhão
passou e parou.

— Espero de coração que eu esteja certa e não o doutor! Tô bem negativa nessa! Tô perdendo...

— Se você estiver certa te entrego minha cadeira, e meu distintivo! — eu digo porque sabia que ia
ganhar essa, e mais uma vez ela não sai sorrindo.

Em um dos relatórios eu tinha informações a respeito da logística de uma empresa de vinhos. Tudo
criptografado, não dava para saber o que era real. Mas eu tinha uma rota inteira de onde ele
passou e parou com toda aquela mercadoria. Resumindo. Eu ia ganhar.

— Te levo em cinco minutos!


Eu falo para ela e ela sorri preguiçosa, no sofá. Toda cansadinha. Delícia. O que eu não daria
para tê-la para mim ali mesmo??? Eu não tinha treinado o suficiente na academia, ao invés de me
cansar, me machuquei. Estava cheio de energia e precisava de muito mais para ficar cansado!!!

Quando tiro os olhos do relatório e olho para ela, noto que ela me olhava pensativa e eu sorrio
desistindo de trabalhar. Era só ela me olhar e eu ficava todo eriçado. Me sento ao seu lado no
sofá, e sem pedir permissão puxo sua cabeça para deitar em meu peito. Ali, pela primeira vez, eu
senti que Helena estava completamente desarmada. Mesmo.

— Você é extremamente profissional! — ela diz e arruma a postura, se afastando para me olhar
nos olhos — Sua postura muda, seu semblante, seu jeito... parecem duas pessoas totalmente
diferentes! Isso é legal, saber separar!!! — ela sorri me olhando nos olhos — Não deixa ninguém
saber quem você é! É tão engraçado, gentil... mas em contrapartida, consegue conquistar o respeito
dos outros e não o medo! Admiro isso! Quem olha para você assim, todo marrento, nem imagina o
quão "gente boa", você é!

— Olha!!! — sorrio — Obrigado! Lutei muito para chegar aqui! Sou muito novo... se eu não impor
respeito não vou durar aqui! Os dois últimos delegados caíram, preciso descobrir o real motivo e
fazer diferente, não posso perder tudo.

— Acho que caíram porque eram honestos.

— Eu também sou! Mas também sou muito bom no que faço. Tô preparado!

— Mesmo assim. É bom tomar cuidado! — ela me olha de um jeito diferente e finjo que não notei.

— Vou tomar! Pode deixar! — toco sua face, que estava tão perto, e ela cora — Costumo ser
amigo dos meus amigos, e amigo íntimo dos meus inimigos! — puxo seu corpo para mais perto —
Gosto de tê-los assim, bem perto de mim!!!

— Faz sentido. — ela sussurra olhando para minha boca.

— Vai pedir um beijo agora?

Ela questiona.

— Não. Você vai?

Ela sorri.

— Não!

— Droga. — resmungo zombando — Vou ter que começar do zero. Toda aquela paquera, todo
aquele início de relacionamento... a parte boa é que apesar de ter que ser paciente, coisa que não
sou, é muito gostoso esses joguinhos de conquista. Vou me sentir um adolescente de novo tentando
conquistar seu coração. Diz que vai pegar leve comigo, neném! Diz que não vai me maltratar... —
ela ri.

— Vou tentar, mas, por que você não me chama de Helena? Já vai ajudar muito!!!

— É meu neném, ué! Tem carinha de bebê, de princesa... arrumar um apelidinho carinhoso me dá a
impressão de que já estamos juntos. — fico triste — Eu olho pra ti e já te vejo no meu colo, eu te
mimando, te amando demais... — ela perde o sorriso e desvia o olhar — Vai, me ajuda! Me deixa
te chamar assim??? Pelo menos isso!!!???

Peço e ela não diz nada, só me olha entristecida.

— Ok. Quer ser minha amiga? — eu pergunto com seriedade e ela olha pro lado antes de
concordar com a cabeça.

— Não. É sério. — eu faço ela olhar para mim — Não ligo se está aqui só por arrependimento, só
porque se arrependeu de ter fodido com meu braço, por pena, ou por qualquer motivo misterioso
que seja! Já disse que parece que às vezes quer me odiar, parece que guarda segredos de mim,
sei lá, e posso até estar enganado, mas se eu estiver certo, Helena, enquanto você ainda estiver
aqui, aceita ser minha amiga, ser minha amiga pelo menos enquanto estiver perto de mim! Quando
ir embora, aí é com você, mas quando estivermos juntos, aceite minha amizade. Deixe para me
odiar quando realmente não puder evitar?!

Eu falo e ela sorri com sinceridade.

— Claro. Aceito, sim.

— Então tá. Mas... — ela suspira — ...pra ser minha amiga, vai ter que se acostumar: Sou um
palhaço, bobo, carinhoso, outra pessoa no quesito profissional, nessas horas posso até te assustar, e
costumo ser meloso demais e igualmente grosseiro demais em determinadas situações. Ah! E gosto
de colocar apelidos carinhosos em minhas amigas! E você é meu neném!

— Quais são os apelidos de suas outras amigas!?

Ela questiona com uma sobrancelha erguida.

— Tenho uma neguinha enjoada e metida à cozinheira e lavadeira na hora errada, e uma quase
amiga chamada moradora de Parauapebas, que está louca para me ver nú! Já me livrei de uma e
a outra estou esperando só um deslize para mandá-la para sua cidade natal!

Rimos juntos.

— Quer se livrar de todas as mulheres da sua vida?!


— Quase todas. Quero ter uma só. Só uma. — eu pisco — Agora eu preciso voltar pro trabalho
para poder te levar para casa, você já está começando a atrapalhar meu serviço e não gosto
nada nada disso! Me recuso a ter nossa primeira DR, aqui!

Eu sorrio e a beijo no rosto.


Fecho os olhos, respiro fundo, sinto seu cheio maravilhoso, sofro em não poder beijá-la, e logo ela
se afasta para eu poder voltar para minha mesa. Meu Deus.

Termino tudo o que eu preciso fazer com seu olhar sobre mim, e me levanto para conhecer meu
mais novo amigo Aguilar.

— Você parece cansadinha. Se quiser eu tranco a porta para você descansar. Ninguém vai entrar
aqui!

Falo quando me levanto e ela nega.

— Não. Odeio a ideia de dormir em uma delegacia, não importa como! Vou com você! Tá sendo
até que divertido!!!

Ela me tira um riso e caminha ao meu lado.

— Claro que tá divertido, tá me conhecendo mais do que eu tô te conhecendo.

Resmungo fingindo estar mal-humorado, ouço ela rir, chamo o agente que precisa estar presente na
hora do interrogatório e vou até a sala.

— Fique aqui!

Deixo ela atrás do vidro e entro com o policial ao meu lado.

Aguilar era um senhor já de idade, e sua fuça era repleta de barba suja e desalinhada. Tinha as
mãos algemadas, cruzadas na mesa e parecia exausto de tanto esperar.

— E aí... bom te ver! Sou o delegado Castro!

Me sento na frente dele e o vejo sorrir.

— Até que enfim nos conhecemos...

— Pois é! Falta dez. Onde está? — Pergunto logo e ele ri.— Se for ficar de joguinhos vou
espancar você, até você me dizer. Mas pode poupar meu tempo, me contar onde está, me entregar
seus companheiros, e então posso facilitar tua vida por cooperar comigo! Principalmente sair da
sala com todos os dentes em ordem.
Qual vai ser?!
— Viu o que aconteceu com os outros dois delegados por mexer com peixe grande não é, doutor?!
Posso te dar os nomes para não sair daqui arrebentado, mas o senhor ficará muito pior! Pode
perder o cargo, ser atropelado, ou até morrer! — ele diz na maior cara de pau e eu me viro para
o agente.

— Como funciona isso aqui?! Vai anotar tudo o que eu fizer nesse seu caderninho, aí?! Alguém da
corregedoria vai me procurar amanhã?

— Estou aqui para apoiá-lo! Se o senhor achar que teremos informações espancando esse filho da
puta, eu posso me esquecer de anotar que ele entrou em coma porque o senhor deu um jeito nele.

O agente diz e eu respiro fundo ao olhar para a mulher da minha vida e desligando a
transparência da janela, pela qual Helena nos via. Ela não precisava ver aquilo e graças à Deus
nem precisei de muito. Depois de me inclinar na frente dele e perguntar mais uma única vez, depois
de um soco na boca, ele abre o bico.

Fácil demais. Estranho.

Saio da sala arrumando o colarinho do meu paletó, e a encontro com um semblante um tanto
quanto indiferente. Parece que nem preciso pedir desculpas.

Pego meu celular e ligo para Manuela.

— E aí?!
— Estamos a caminho. Já o interrogou?
— Me deu alguns endereços e nomes, entregou todos, mas foi muito fácil. Normalmente esses caras
morrem, mas não falam, e esse me deu tudo de graça. Vá pelo o que combinamos e depois
mudamos os planos se for necessário.
— Ok.
— Cadê a fita?! Quero ver tudo antes de sair. Preciso levar Helena em casa...
— Está no armário de provas, abre com a tua digital!
— Certo. Obrigado.

Digo e desligo.

Vou até a sala, abro o armário, pego a fita e coloco para rodar. Quando as imagens começam, na
hora que o rosto da garota deveria aparecer, uma cena do desenho pica-pau cantando surge na
tela, me fazendo gargalhar.

— O que é isso?

Helena questiona olhando para a tela.

— Alguém com um ótimo humor está testando minha paciência. — sorrio pra ela — Só que essa
pessoa não sabe que comigo essa brincadeira não ficará por isso mesmo! Sou teimoso,
extremamente rebelde e teimoso!

Olho para a câmera de segurança da sala e respiro fundo, inspirando pelo nariz e expirando
pela boca.

— Vem. Vou te levar para casa, neném cansadinha! — eu sussurro e ela sorri.

— Chegamos?

Questiono quando paro em um enorme sobrado. Já eram 00:15 am.

— Sim! Obrigada por me trazer!

— De nada.

— É sério. Você não precisava. Está cheio de trabalho, cheio de coisas importantes! Foi gentil fazer
questão de me trazer até aqui! Poderia ter pego um táxi... — Ela sorri me olhando de lado. —
Desculpa pelo braço, William!

— Tudo bem, esquece isso! E eu sou gentil, sim! — eu falo acarinhando sua face — Vem cá!

Puxo sua face de encontro com a minha, viro um covarde, e a abraço muito apertado ao invés de
beijá-la. Estava tão necessitado dela...

— Preciso de você... uma dose cavalar de você!

— Você precisa é ir trabalhar! E depois descansar! — ela me beija no rosto — Como está o
braço?

— Está ok. Nem senti mais dor! É sério. Tá tudo bem!

— Que bom!!!

— Você me deve teu número! Me comportei e fui tomar banho direitinho!

Gargalho ao me lembrar e coloco o meu telefone em seu colo.


Ela digita, salva, e eu pego para fazer um teste. Assim que espero chamar, ouço seu celular vibrar.

— Meu Deus! Ela não colocou o número errado!!!

Zombo comemorando e ela sorri.

— O que vai fazer por esses dias?!


Ela pergunta como quem não quer nada.

— Bom, acho que se eu fechar o caso posto, vou conseguir começar a investigar mais efetivamente
um assunto particular!!!

— Então ficará bem ocupado! Não aceitaria sair comigo se eu te chamasse... Do que se trata esse
assunto tão importante?

— Segredo! — sorrio — Ficarei um pouco ocupado sim! Mas eu costumo fechar minhas
investigações com uma rapidez sem igual, e esse não será diferente. Talvez precise fazer algumas
viagens, visitar algumas pessoas, mas logo volto correndo pra você! — eu sou um idiota, eu sei —
De qualquer forma, vou te ligar sempre que eu tiver um tempo vago, e vou aceitar seu próximo
convite!

— Se me acordar, perde pontos!

— Tudo bem. Tomarei cuidado com os horários!

Falo sério e ela estranha.

— Se não rir ou soltar uma piadinha ridícula, não conseguirei dormir!

Ela sussurra como se não quisesse que ninguém escutasse aquilo, e eu fico em transe.

— Amor, quero terminar contigo! Você está começando a me sufocar!!!

Eu falo com o semblante ainda sério e ficamos por uns trinta segundos apenas rindo.

— Você é muito bobo!!!

— É. Mas sou eu que não vou dormir se você não sanar a minha dúvida! — eu falo e ela se afasta
de mim. — Você tem alguém? Quem é aquele cara?

Pergunto de novo e ela perde o humor.

— Eu já disse quem ele é. Boa noite, doutor William! — ela diz parecendo brava e sai do carro
me deixando péssimo. Tinha algo de muito errado comigo. Muito errado.

(...)

— Consegue entender o quão FODA o senhor é?! Consegue???

Manuela praticamente grita na minha sala, brindávamos segurando copos de papelão com café,
porque apreendemos o restante da droga e prendemos uma corja inteira de traficantes. Alguns
dos mais procurados de São Paulo. EU GANHEI!!!

Ia dar 6:00hrs da manhã. Desde às três eu já sentia pontadas dolorosas no braço e pequenas
parcelas de fúria pura, devido aos últimos acontecimentos. Tinha ido buscar os cremes em casa
quando deu duas horas, mas até aquele momento não consegui passar, então estava furioso e com
dor.

— Nós somos!!!

Eu entro no modo William descontraído e levanto o copo.

— Vamos averiguar os endereços e os nomes que o Aguilar passou, doutor?

Agente Bastos pergunta no meio da bagunça.

— Claro que vamos! Sua investigadora chefe cuidará disso com a ajuda de vocês! E antes de
vocês chegarem, chegou o mandado de prisão para Marcelo! Estamos nos livrando de um por um!
— eu falo e eles gargalham de felicidade.

— E então?! Agora me fala... E a fita? Você viu? Quero ver! Quem é a garota??? E o resultado do
toxicológio?

Manuela pergunta quando todos se retiram, e eu avanço sobre ela colocando-a contra parede.

— Alguém mexeu na fita! Colocaram uma porra de um desenho do pica-pau para curtir com a
minha cara e eu não tô bem com isso! Você sabe de alguma coisa???

Eu impresso ela na parede. Minha fúria repentina — e comum — era indescritível, já enxergava
tudo vermelho. Eu passei toda aquela 'confraternização' me segurando, mas agora acabou, ali eu
ia desabar. E já que ela estava mais perto, ia descontar nela mesmo!!!
A HISTÓRIA DO CARA QUE DESCOBRIU QUE APESAR DAS CIRCUNSTÂNCIAS, TINHA UM
CORAÇÃO

— Não quero saber de briga entre as duas. Catarina é sua líder e sua irmã. Se ela disse que era
necessário tirar Fred da equipe, é porque é o certo. Ela sabe o que faz!!!

Meu pai diz para Rubi! Eram nove da manhã do domingo mais estranho que eu podia ter, e ele fez
questão de nos convidar para um café da manhã. Havia prometido nos visitar, mas Dom estava
febril. Melhorando, mas ainda abatido devido a uma virose.

Rubi choramingava e reclamava de mim para ele o tempo todo. Ainda estava chateada comigo e
com 'saudade' de Fred na equipe.

— Pode ficar do meu lado, uma vez na vida?

Ela questiona brava.

— Posso. Catarina, pegue leve com Rubi, deixe claro suas intenções com essa decisão que tomou
para que tua irmã possa te entender.

Ele diz na mesa, Dom ri, e minha mãe gargalha.

— Assim você não ajuda! — ela fala e ele pisca para mim.

— Eu tenho uma dúvida. Preciso que todos me respondam e não façam mais perguntas.

Digo de repente e todos ficam tensos. Até Dom.

— Meus olhos. O que tem de diferente neles?

Olho para o mamão no meu prato e fico tensa.


— São de cores diferentes.
— São estranhos.
— Tem dois tipos de azul.
— São bicolores.

Eles respondem ao mesmo tempo, e "São estranhos" é Rubi quem diz rancorosa.

— Por que ninguém nunca me disse isso?

— Filha, só dá para notar quando a gente chega bem perto de você! Eu sempre achei lindo, nunca
imaginei que você nunca tinha percebido! É algo teu, não uma anormalidade. São perfeitos!

Minha mãe já fala se sentindo culpada.

— Foi ele quem reparou e te disse, não é?!

Rubi ergue uma sobrancelha e meu pai me olha com curiosidade.

— Ele viu? Ele reparou nisso???

Minha mãe pergunta com ar de felicidade.

— Ele reparou, sim. Reparou que eu estava armada, que eu tenho um piercing, que tenho os olhos
coloridos, quando minto...

— Você tem um piercing?

Os dois perguntam de olhos arregalados. Eles não sabiam.

— Sim. Há anos, no umbigo!

— Como que e...

— Aparece, pai! Viu a bolinha pela blusa!

Falo de uma vez e o vejo ficar vermelho.

— Pai, você precisa assumir! Seremos todos arruinados pelo teu próprio genro. Eles vão ficar
juntos.

Dom faz um hifive com Rubi e sorri orgulhoso.

— Acha que ele vai me arruinar??? Acha que ele pode comigo???
Olho para o pivete irritante e ele sorri ainda mais. Estava abatido, mas não tinha perdido a
maldade bem-humorada de sempre.

— O verme nojento conseguiu reparar na cor dos seus olhos e te deixou impressionada. É
perspicaz e nada bobo. Já imagino o quão longe ele poderá chegar! Você não?

— Não. Tenho outros planos, mas se for preciso ele morrerá, comigo impressionada ou não. E aliás,
acho que você é novo demais para falar desse jeito, com toda essa grosseria... E esse apelido é
meu, para mim ele é um verme nojento e cachorro, para você, ele é William.

Eu falo, ele pisca sorrindo pra Rubi, e levanta da mesa caminhando de cabeça erguida mordendo
uma maçã. Nem parecia que tava morrendo de virose.

Quando ele para atrás da minha cadeira, se inclina e sussurra no meu ouvido.

— Cuidado com essa paixão que tá surgindo, maninha! — ele diz e corre antes de eu conseguir
pegá-lo pela orelha.

— Isso foi muito legal... quero conhecê-lo!

Minha mãe sorri.

— Nunca. Não foi legal, e nunca poderá conhecê-lo, sabe disso! Ele me deixou sem graça, não
impressionada. Sou retardada ao ponto de nunca ter notado uma característica própria tão
evidente?!

— Quem mandou fugir do espelho a vida toda?

Rubi resmunga e eu saio da mesa.

— Jon disse o que fez, juntamente com Miguel. Como ele reagiu???

Meu pai entra em meu antigo quarto assim que passo pela porta e senta do meu lado na cama.

— Ele riu. — olho pro meu pai e o vejo sorrir — Um pica-pau foi a coisa mais estúpida que eles
podiam ter feito, e ele vai retaliar! Ele socou um traficante ao interrogá-lo. É honesto, mas só
quando é conveniente. Ele vai retaliar!!!

— Sabe que Jon é o melhor. Jon cuidou de desligar as câmeras de segurança de todo o
quarteirão. Miguel também é muito bem treinado, diga-se de passagem! — ele toca meu ombro —
Fica em paz... Vai dar tudo certo.

Ele fala em apoio e eu me viro para poder olhar em seus olhos.


— É ridículo? Fica muito aparente? — respiro fundo — É estranho???

— Não, princesa! Seus olhos são lindos. Mesmo!!! Não é estranho. São maravilhosos!!! Para mim é o
símbolo do poder que tem, tudo vê, e tudo sente. Você enxerga além, é única, especial, e você
sabe disso.

— Tudo bem. Escuta. Se eu entendi bem, a partir dessa semana, ele vai te procurar, não sei quem
primeiro, se você ou minha madrasta, mas ele vai, e se eu não estiver errada, creio que começará
por você! Minha mãe jogou todas as minhas fotos fora??? Se livrou de tudo???

— Ela separou, sim! Não jogou, mas escondeu tudo. Mas não esquenta! A não ser que ele peça um
mandado, nunca poderá fuçar em nossas coisas.

— Ele vai pedir, pai! Vai pedir! Ele é muito doido, muito inteligente, muito rápido! Não vai vir aqui
sem ter uma garantia de ir até o final, consegue desvendar crimes do zero, é rápido e sabe disso,
ele é...

— Tá com medo dele? Nunca te vi com medo de ninguém!

— Não é medo! E é óbvio que nunca me viu assim, vocês nunca estiveram na linha de frente. Mas
relaxa! Pelo amor de Deus. Eu tô bem! Vou cuidar de tudo! Só me garanta que dona Ellen se
comporte quando ele aparecer. Ele não é e nunca vai ser o genrinho dela! É um cara que só vai
levar à sério a versão da tia, e vai tentar nos arruinar!

Eu falo e ele me abraça confirmando.

— Pai.

Eu resmungo e ele me solta.

— Oi?!

— O que a Jade dizia sobre tudo isso? Exatamente? Ela tinha os cabelos negros atéa a cintura?

— Tinha. — ele me olha de forma estranha. — Ela disse que ele ia chegar para te trazer
humanidade, sensibilidade, algo assim. Te ensinar a amar. — me lembro do sonho do cachorro e
fico arrepiada — Que ele ia completar você, e sei lá... dizia que vocês ficariam juntos se desse
tudo certo. Mas ela também dizia que a família ia ser arruinada, que só você podia nos ajudar e
acabar com essa ameaça, e Rubi era essencial. Que vocês duas não podem viver uma sem a outra.
Tipo isso!!! Ela disse que eu não podia te dizer nada, aliás, que ninguém podia se meter, que tudo
isso era contigo!

— Tá. Entendi!
— Vai dar tudo certo, filha!

— Eu sei, pai! — me levanto e já ia me retirar quando lembro que preciso deixar claro as coisas,
para que ele e minha mãe ficassem preparados.

— Tem mais uma coisa... Eu desloquei o braço dele, fui até o apartamento dele, nos conhecemos
melhor, e ele disse que sou muito parecida com o amigo que supostamente matou o primo dele. Não
vai ser difícil ele me reconhecer no corpo da minha mãe e notar que seus olhos e os meus, são
praticamente os mesmos!

Eu falo de uma vez só, meu pai ri despreocupado, concorda, e eu saio de lá direto para instituição.
Precisava arrumar um vestido, ir receber meu prêmio por tentar fazer tia May infartar todos os
dias, e então arrumar um jeito de me livrar daquele cachorro.

Mas em falar em cachorro, meu telefone toca quando faltava dez minutos para chegar... Número
desconhecido.

Ligo o viva-voz e jogo o celular no banco do carona.

— Pronto.
— Helena?!
— Sim. Quem fala?!
— É Barbara! Me desculpe te ligar a essa hora, mas eu preciso muito que você venha até aqui. Estou
na casa do...
— Escuta! Não tô para isso não, doutora! Não tenho absolutamente nada com teu noivo!!! Só fui até
aí para ajudá-lo com o braço dele que quase arranquei fora...
— Mas é sobre isso mesmo! Will não foi para a minha casa. Veio direto para cá, não atendeu meus
telefonemas e quando cheguei aqui, o encontrei com febre, ele... ele tá sentindo dor no braço!!! Não
quer ir ao médico! Me mandou passar uns cremes aqui, que você deixou... até passei, mas não
funcionou. Ele disse que quando você passou funcionou. Ele... — ela parece suspirar — Não sei mais
o que fazer. Posso te jurar que não queria mesmo te ligar, mas...
— Quantos anos ele tem? Quinze? Que saco hein?!
— Pode por favor vir passar esse creme direito ou fazê-lo ir até o médio?! Ele vai te ouvir...
— Tá.
— Só não diga que foi eu quem te ligou, ele não queria. Se puder dizer que só quis passar aqui e...
— Vou dizer que você me ligou sim, doutora.
(...)
— Certo. Tudo bem.
— Tô chegando!
— Obrigada, Helena!

Ela fala e desliga.

— Mas que merda!!!


Dou meia volta e o celular toca de novo.

Atendo e é Miguel.

— Alô!
— Sou eu. Glenda mandou uma nova encomenda!
— Qual?
— De urgência.
— Certo. Ligue para Rubi, ela está com meus pais! Ela não vai para rua, mas vai nos ajudar do
cartel mesmo. Apareceu um pepino que eu preciso resolver aqui. Chego no máximo em trinta
minutos. É realmente importante.
— Certo. Precisa de alguma coisa?
— Não. Mas fique atento aos meus sms's nos próximos minutos, como ontem! Ok?!
— Ok. Um beijo.
— Beijo.

Ele desliga e cinco minutos depois chego ao apartamento.

— E aí?

Eu entro quando a doutora abre a porta e olho ao redor já esperando uma lavação de roupa suja
e briga de calcinhas. Vai que mentiu só para eu vir...

Olhar para ela era estranho, ela combinava perfeitamente com ele. Usava uma saia lápis preta
até o joelho, blusa social branca com renda, joias, batom, saltos altos, cabelo arrumado, e eu de
calça jeans, botas baixas, e regata. Minhas joias eram o anel que meu pai me deu, a corrente dele
da FAB, um pingente curto de Kodo, que era uma medalha com algo que eu não sabia dentro, e
uma pulseira grossa de couro marrom no pulso. Desleixo versus requinte!

— Bom dia, Helena! Ele está lá dentro com Tiago. — ela me olha com pesar — Manuela já ligou
aqui, disse que tem um resultado importante de um dos casos dele, e ele não consegue sair da
cama. Não sei mais o que fazer!!!

— Sem problemas. Estava mexendo no meu carro, vou lavar as mãos! Você me dá licença?!

Olho em volta fazendo a sínica e ela confirma.

— Claro, é no fim do corredor!

Entro no banheiro, ligo a torneira da pia, e mando um sms para Miguel.

" ALGUM RESULTADO SAIU, CREIO QUE É DO MIRAGEM. RUBI NA RETA... VERIFIQUE
IMEDIATAMENTE E RESOLVA!!!! "
Envio. Lavo as mãos e saio do banheiro.

Entro no quarto e lá estava o cachorro, se retorcendo na cama como havia ficado no tatame.

— Você a chamou... eu disse para não chamar!!!

Ele rosna para a noiva e eu reviro os olhos.

Tiago se levanta do lado dele para que eu possa me sentar, e eu o encaro fingindo humor.

— Não precisa fazer nada. Não... não é tua culpa!!! Não precisava vir. Me perdoe!

William tinha seus olhos inchados de tanto chorar e sofrer com a dor, e não conseguia parar de se
remexer para lá e para cá.

— Cadê os cremes que eu trouxe???

Eu questiono baixo, e Barbara traz os três fracos para mim.

— Senta! — eu peço e ele nega.

— Sentar dói mais...

— Senta, doutor!

Eu olho em seus olhos sem paciência e ele se esforça. Quase, QUASE me doeu vê-lo rosnar de dor
ao se movimentar.

Tiro sua camiseta com dificuldade, passo o primeiro creme com delicadeza e lentidão e ele começa
a ficar quieto e respirar fundo.

Quando passo o creme que gela a pele, ele fecha os olhos e encosta a cabeça na cabeceira da
cama.

E logo após, o terceiro creme, ele se sente aliviado e a doutora se remexe inquieta atrás de mim.

— O que você fez ontem? Falei para não mexer o braço...

— Dei uma surra em Manuela! Movi bastante o braço!!! Mas só de madrugada começou a doer e
dar umas pontadas. — ele abre os olhos e sorri para mim.

— Se não se cuidar, não vai melhorar! E eu não posso parar meus afazeres para vir cuidar de
você como se tu ainda usasse fraldas.
— Eu sei, neném! Eu nunca te pediria para vir. Já pedi desculpas.

— Barbara passou os cremes e não resolveu!

Tiago resmunga, Barbara sai do quarto, e o delegado fica entristecido com aquilo.

— Ela veio até aqui, por você! Engoliu um orgulho fodido para me ligar, e está sendo educada
comigo! — eu falo olhando para os dois — Pare de ser infantil e retome seu noivado, delegado!

— Me odeia ao ponto de me desejar um relacionamento sem amor só para eu sofrer?!

— Ela está sofrendo!

— Ela já tem o caso dela com um otário do trabalho, e eu tenho você! Eu tenho você!!! Estamos
quites! Não fique com peninha dela! Eu sou a vítima aqui!

— Achei que tinha terminado porque se apaixonou por uma garota na frente da boate!

Eu faço média e me levanto.

— Não. Você não entendeu!!! Eu só não a perdoei porque me apaixonei! E nem foi desse jeito, foi
diferente... você não imagina... Posso te explicar!!!

— Enfaixe o braço dele! Toda vez que sair do banho ele precisa passar! Primeiro esse, esse e
depois esse! — eu me levanto e falo com Tiago ao mostrar os cremes. Nesse mesmo momento, ele
fica tentando falar comigo e eu apenas ignoro — Ele não pode mexer o braço, e analgésicos
também vão ajudar! Se ele ficar mexendo as patas, nunca vai sarar, e vai piorar!!!

Eu falo e ele concorda.

— Volta aqui! Você vai aonde? Me deixa te explicar! Helena!!! — ele resmunga na cama e eu olho
bem nos olhos dele — Eu quis você! Nunca foi outra opção!!! Por favor!

— Tanto faz! Entendeu?! Preciso ir para casa, tenho um compromisso!

— Ah! Meu irmão gosta de você, tem como tratar ele com consideração???

Tiago se dói pelo irmão e eu o encaro.

— Tiago, sai.

O delegado manda e ele obedece.

— É sério! Me desculpe por...


— Chega de desculpas! Eu preciso ir!

— Vem aqui, só um minuto! — ele diz colocando os pés para fora da cama e se levanta. Me
aproximo e o encaro. Estava bravo.

— Perdão por ela ter te ligado. Ela não devia ter feito isso! Dá próxima vez não atenda o número
dela, mas de qualquer forma, já vou deixar claro que não te quero aqui. Ela nunca mais vai te
importunar.

— Ótimo!

Eu falo e ele seca os cantos da boca ao concordar! Seus olhos brilhavam tanto que, imediatamente
tratei de fugir dali para não vê-lo "chorar"! Antes de fechar a porta o vejo sentado na cama, de
costas para mim e com a cabeça baixa em derrota.

— Eu tô indo! Por favor... — eu olho para ela sentada no sofá — Não liguem mais pra mim!

Eu imploro, ela concorda, eu abro a porta da sala para ir embora, e paro para pensar.

Catarina, o que você está fazendo??? O plano não era se aproximar dele??? Ficar próxima e
saber de tudo primeiro??? Engole isso, e volte para a batalha! Vai ter que engolir o cachorro
enquanto for necessário.

Respiro fundo.

— Droga!

Resmungo fechando a porta e vejo Tiago com um sorrisão gigante.

— Não fala nada!

Eu resmungo para ele e volto pro quarto. Quando entro não o encontro, e ouço o barulho do
chuveiro como música de fundo.
Decido esperar por ali, aproveitar para dar uma fuçada e procurar por algo importante, mas logo
mudo de ideia e já me vejo entrando no banheiro.

— Vai embora, Barbara!!!

O cachorro estava embaixo do chuveiro, de costas para mim, e tinha suas duas mãos apoiadas na
parede. O vidro do box estava aberto pela metade, então eu podia ver seu bumbum bonito.
Ficava bem legal em sua calça social, mas ainda mais legal assim, "ao vento"!

— Sinto muito, mas sou eu!


Eu falo e ele só levanta a cabeça por um momento, parecendo não acreditar, mas depois se virou
e abriu o restante do box, e aquela cena sim, foi ainda mais surpreendente.
Eu já o vi sem camisa no vestiário do tatame, e o vi duro por diversas vezes aqui, ontem. Mas vê-lo
nu era como um sonho. O delegado era um gato, mesmo!

O cachorro não era bombado, mas era forte. Tinha um peitoral bonito, pele morena, sem nenhuma
cicatriz ou marca aparente, um abdômen chapado e nada forçado, e o melhor: Era hiper-bem-
dotado.

Não tô falando de um equipamento grande, tô falando de um equipamento bem grande, grosso, e


apetitoso. MESMO.
Com certeza me machucaria se não tivesse bastante cuidado, mas podia apostar que seria uma
delícia. Meu Deus, ele devia ser uma delícia.

— Você... você vai ter que passar os cremes de novo! Não era para ter tomado banho agora.
Vai... vai ter que passar de novo!

Eu gaguejo um pouco e ele concorda com a cabeça saindo do box. Tento não olhar mais, mas não
tem como. Acho que eu ia ter que encarnar minha irmã, porque... Meu Deus!!!

— Ficou impressionada, neném?

Ele segura em minha cintura e cola meu corpo no dele, sem se preocupar com o fato de que eu
estava ficando molhada. Nos dois sentidos.

— Acredita em mim... — ele sussurra com seu sotaque surreal, encostando sua testa na minha,
dando alguns passos discretos para trás, e me olhando com seus olhos que já voltavam a ficar
vermelhos — Terminei porque me apaixonei pela garota da boate! Eu nunca teria terminado com
ela pelo o que ela fez, já fiz muita besteira, e ela só recebeu o cara em casa. Terminei porque
quero você. Não me peça para desistir. Não me peça para deixar você ir embora, não vou
conseguir, vou sofrer, não posso fazer isso. Tá doendo muito aqui!

Ele toca o coração.

— Exagerado.

Junto forças para falar!

— É assim que me sinto, mesmo!!! Exagerado, jogado aos seus pés, eu sou mesmo exagerado. Adoro
um amor inventado!

Ele recita a música como se fosse uma poesia e temos um surto de risos, espantando todo aquele
clima de pegação.
— Você mesmo se ferra!

— Eu fiz você sorrir!!! — ele volta a me pegar pela cintura — Só por isso tô me sentindo um
vencedor! Agora só preciso convencer você de que a água do chuveiro tá deliciosa!

Ele volta a me puxar devagar e meus olhos caem novamente para seu órgão imenso. Eu estava um
caos de emoção, e entre eles o "excitada" pegava o primeiro lugar na colocação. Eu estava
carente demais... isso, era carência, mesmo.

— Vou fazer uma coisa bem maluca! — ele sussurra quando entra comigo no box — Mas tu não
pode gritar, nem sair correndo, ok?!

Ele diz baixinho e eu travo, mas balanço a cabeça em negativo. Seus olhos pidões transparecem
uma dor aguda, e quase sinto muito por aquilo.

— Não, que eu não sinta vontade... mas não é um bom momento! Eu preciso cuidar do nosso
machucado, mas estou atrasada para um compromisso, e à noite, tenho outro! Você precisa tomar
esse banho logo, e eu preciso ir.

— Por que você voltou?

Ele parece bravo.

— Porque quero ser sua amiga, quero ser próxima! Fazer parte da tua vida... mas você não pode
misturar as coisas, já disse, não quero que confunda tudo e saia disso machucado!

Sim, porque eu precisava estar perto para saber antes e me aproveitar, mas eu não precisava
pegar o cachorro sarnento. Ele era bonito sim, gostoso, charmoso, mas estava querendo destruir
minha família, então só o que eu queria era distância dele, distância de tudo o que ele significava.
Sexo gostoso eu podia ter com qualquer outro. Não precisava ser o delegado bem-dotado.

— Não foi o que disse para mim?! Que posso ser sua amiga, e só o que preciso é aceitar esse
apelidinho brega e seu jeito bobo?!

Sorrio, mas ele não. Inferno.

— Está bem. Mas então, não faça mais isso. Não entre no meu banheiro enquanto estou nu e
carente, senão tem a menor pretensão de ficar comigo! Vamos estabelecer uma linha de limite aqui!
— ele levanta a voz e desenha uma linha imaginária que nos separa — Não passe dos limites,
não brinque com meus sentimentos e então eu não sairei machucado!

— Não grita comigo!!! Você é um ogro! Grosseirão!

— E você uma tonta!


— E você um... um...

Do que eu ia chamar aquele filho da puta???

— Um o quê?! Gostoso?! Gente boa??? Bonitão?! — ele zomba de mim sem sorrir — É sim, eu sei!!!
Eu sou bom demais, sua patricinha mimada e irritante!

— Você é muito infantil, William. — eu falo sério e volto pro quarto.

Espero andando para lá e para cá por estar nervosa demais, e ele trava quando ainda me vê ali.

O babaca sai só de toalha e secando os cabelos, e me tira todo o ar. William Castro era lindo pra
caramba.

— Por que ainda está aqui?

— Me expulsa! — sento na cama como se fosse minha e ele me olha de relance, parecendo
chateado — Duvido me expulsar. Ouse a me mandar embora e você nunca mais vai me ver! Não
queria ajuda com esse braço podre?! Agora deixe-me ajudar!

Eu falo, ele para de separar suas roupas e imediatamente caminha em minha direção.

— O que você disse?

Ele para na minha frente e eu fico com "medo" de sua reação.

— Repete!!! Me ameaçou? Nunca mais vou ver você??? Hum??? Repete!!!

— É isso mesmo que você ouviu!

— Sabe o que faço com quem me ameaça?

— Nada. Aposto. — eu falo e ele sobe na cama em cima de mim, e me fazendo deitar.

— Mijaria nas calças... mas não estou afim de te machucar, ou te assustar, então nunca mais repita
o que disse! Não posso forçar você a gostar de mim, me beijar, ou ficar comigo, mas eu não aceito
despedidas. Sou o tipo de cara que gosto muito de marcar, tipo canivete sem cabo. Ninguém entra
ou sai da minha vida sem marcas, muito menos você! Se vira! Aceita seu destino e trate de me
aguentar, nem pense em desaparecer, porque quando isso acontecer, caço você até no inferno!
Nem que seja a última coisa que eu faça na minha vida.

Ele diz com raiva, suas mãos estavam depositadas ao lado de minhas orelhas e eu não conseguia
respirar. Seu cheiro era delicioso.
— Eu não tenho medo de você!

— Mas ameaçou sumir. Deveria ter! Você não me conhece, Helena!

— Grande merda!

Eu falo e ele me puxa — pela cintura —, até arrumar meu corpo de forma reta na cama, com a
cabeça nos travesseiros.

— Retira o que disse!

Ele pede, eu nego sorrindo e por isso ele me dá um selinho.


Toco meus lábios com os dedos por impulso, e quando meu susto passa ele repete.

— Retira o que disse...

— Retiro.

Digo logo para ele não repetir aquilo, e eu não sei descrever se ele fica triste porque não ia mais
me beijar, ou se fica feliz porque retirei.
Aquele selinho foi o beijo inocente mais intenso que já recebi. Foi... sem explicação!

— E nunca mais faça isso de novo!

Eu resmungo com ele ainda empoleirado em mim, e o afasto me levantando para sentar na cama.

— Cuida de mim!

Ele pede baixinho e eu não olho em seus olhos. Ele senta do meu lado e eu evito bufar de raiva.
Quem ele pensava que era?!

— Cuida de mim, neném! Não consegue entender o porquê a dor só passou quando foi você quem
cuidou de mim? Fica comigo!

Ele implora, segura o choro, cuido de seu braço sobe seu olhar pidão, e saio de lá com a certeza
de que tinha o delegado nas mãos.

(...)

— Qual é a tua? Tá com sapinho?! Tira a mão dessa boca.

Grim diz de repente.

— Me deixa em paz, Rubi!


Eu falo e sigo até a pequena janela com insulfilm.

Eu tinha voltado pra casa, trocado de roupa, e me reunido na sala da tela morta com Miguel e
Rubi.
Já me notavam dispersa, e um pouco confusa, mas nada falaram, até aquele momento.

Eu podia sentir o toque aveludado da boca do cachorro, a maciez, o cheiro de conforto, casa
arrumada, e carinho. Eu me senti... Eu não sei... Completa eu acho. Mas que droga de sensação era
aquela? Um selinho de merda?! Não. Já chega.

— Preciso falar com meu pai!

Digo de repente, enquanto Miguel lia o arquivo de Glenda, e os dois me encaram.

— Ainda não disse se posso trazer Fred de volta!

Grim diz quando pego meu casaco para sair.

— Ainda não combinamos de como será essa noite.

Miguel resmunga em apoio a irmã.

— Não vou matar Diógenes Portela. Ele já saiu do cargo como Glenda queria! O que mais essa
mulher quer? Que risco ele oferece para ela?!

— Se você estivesse me ouvindo a trinta minutos atrás, saberia, eu te disse. Não sei se você se
recorda, mas Glenda diz o motivo da execução em todos os arquivos de trabalho que ela manda.
Aonde você está com a cabeça???

Ele se levanta e me mede.

Realmente, onde eu estava com a cabeça???

Fato 1: Eu precisava desabafar com alguém, e só poderia ser meu pai.


Fato 2: Se eu contasse para os dois que eu não conseguia tirar aquele beijo da cabeça, Rubi ia
pular de alegria e encher meu saco e Miguel surtar comigo e se revoltar.
Fato 3: Ambos tinham razão. Eu estava literalmente com a cabeça em outro lugar. Eu não podia
deixar aquele filho da puta me desestabilizar.

— Me desculpem. Estou dispersa. Estou sendo irresponsável! Eu prometo melhorar!!!

Eu falo largando a blusa de volta no sofá e me sento tentando me concentrar!

— Vamos de volta ao início, por favor! Eu não estou bem. — eu peço e os dois se sentam
novamente — Primeira questão que perdi e não dei atenção: O resultado que chegou até você, foi
um cabelo da Rubi que o cachorro encontrou na cena... tem certeza que o técnico que você pagou
é de confiança?

— Tenho! É sim, paguei uma fortuna e ele nem fez o exame, botou um resultado para uma
estrangeira que mora praticamente no Alasca. Dará tudo certo! Isso vai os atrasar, e ele garantiu
que não dá mais para usar o fio do cabelo! No resumo, a garota que lutou contra os seguranças é
uma gringa desconhecida e que nunca será encontrada, e se for, terão que achar outra maneira
de identificar Rubi, o que é quase impossível. A moça tem as mesmas características que ela...

— Tá. Mas não quero mais outras pessoas enfiadas nisso! Por isso te pedi para virar um policial!
Se o cachorro der uma prensa no técnico ele vai falar, e eu sei que ele vai fazer isso.

— O técnico disse que está tudo sobe controle, ele vai conseguir "provar" que o resultado foi
mesmo da garota. E acho até que ele sempre fez essas coisas por grana, é profissional! Preciso
dar só alguns telefonemas, e nessa semana já entro para delegacia! Prometo!

Ele diz e me passa segurança.

— Ok. E o legista...

— Saiu hoje de manhã, e foi o que a gente esperava, a erva que a Grim usou, não foi detectada!
O exame deu causa misteriosa. Fred tem razão, o delegado não terá outra saída,a não ser focar
nos crimes dele.

— O que não nos dá alívio porque se ele for realmente bom como Cat disse, se ele realmente ir
até o fundo da podridão do David, pode acabar caindo na lista negra da Glenda, e enfim, em
nós... na tela morta!

Grim diz e eu fico arrepiada.

— William Castro é um caso pessoal! Ninguém vai matá-lo,a não ser eu mesma.

— Mas se a gente se negar, Glenda mandará Chong, o que vai ser bom! Acabamos com o mal
pela raiz! Você não terá que matá-lo e nossos problemas acabarão!

Miguel fala entusiasmado.

— Seria ótimo, e super fácil!!! Vai por mim, nesse momento que tô passando, juro que seria muito
bom a notícia de sua morte, eu juro!!! — Juro mesmo — mas já te expliquei, Miguel. Antes de
qualquer coisa, precisamos neutralizar essas malditas acusações contra a família! Estive perto dele
o suficiente para saber que ele é bem maluco, vai até o fim, é determinado, e tem a pior
qualidade barra defeito que poderia ter: Não tem medo de nada!!! Antes de dar um fim nele,
precisamos saber se alguém tem a cópia dessa porcaria. Sem a certeza de que essa carta não
virá à tona manchando a nossa família, ele não vai morrer!!! Eu não vou permitir que meu pai vá
para a cadeia por assassinar o filho da puta traiçoeiro que mereceu estar aonde está. Sabe da
história, ele ia matar minha mãe, minha tia, meu pai, meus avós... tudo porque aquela louca achava
que o marido dela foi executado, gratuitamente. Minha vó foi sequestrada!!! Ele ia atirar no meu
avô! Foi legítima defesa nos dois casos!

Eu me revolto e ele parece concordar.

— Você tem razão!

— Sempre tenho! — eu digo chateada e respiro fundo — Ele precisa desistir de investigar isso...

— E deixar o caso Miragem imediatamente.

Rubi resmunga.

— Quanto mais quero me afastar, mas me vem a sensação de que preciso estar por perto, colada
nele. — eu falo e paro para pensar por um momento — Enquanto eu estava lá, notei que de tão
gamado em mim, ele nem deu muita atenção aos documentos da família, nem ao resultado do
toxicológico do David, e nem ao resultado das fitas. Eu distraio ele. Mas eu odeio estar perto dele...

Falo mais para mim do que para eles.

— Tem certeza que ele não chegou a te ver naquela viela???

Pergunto para Rubi e ela nega.

— Não vou fazer isso no seu lugar, Cat! Nem pensa nisso! Já falei que ele não terá olhos para
mim! Se quer uma outra opção, talvez fazê-lo voltar com a advogada seria mais eficaz... seilá...
mas não quero seduzir aquele delegado. É bonitão e tudo o mais, mas já te disse, não daria certo!

— Você não tem nenhuma poção do amor aí, não?! Naquela sua maletinha cheia de mato?!

Eu questiono e ela revira os olhos.

— Posso ter! Mas teria que ficar embebedando o coitado de hora em hora, e eu tenho mais o que
fazer!

— Em falar em mato... aquela advogada passou os seus cremes e não funcionou! Mas hoje...
quando eu passei, ele ficou bom. O que tem naquilo? Fez aquilo de propósito? Quer deixar ele na
minha cola, viciado em mim?!

— Não. O remédio são ervas simples! Qualquer farmácia de manipulação faz. É só um


"doutorzinho" caseiro e natural para dores musculares. Não tem nenhuma magia da Disney nele. Se
ele só funcionou quando você passou, é porque o que sempre suspeitei, aconteceu! O cara te ama,
é maluco por ti. Precisa de você para ficar bem, feliz, e por aí vai! É só o psicológico dele. Tenho
nada a ver com isso!

Ela diz e eu lamento.

— Com relação a Diógenes... qual é a dele?

— Para começar, ele suspeita de que em pouco tempo o cachorro vai dar um fim no posto, se é
que já não deu! Não estou atualizado...

— Já deu. Pegou uma carga de "vinho" cheio da droga! Faltava pouco para pegar o restante,
mas... acho que logo ele fecha! Só não entendo o porquê Glenda quer essa droga toda
circulando... quer dizer, entendo, mas não me conformo.

— Fred pode te esclarecer melhor sobre o assunto!

Rubi resmunga e eu ignoro.

— Ela tem o controle de todo o narco de São Paulo! David estava de algum modo, atrapalhando
seus planos na região da boate, e fazendo o trabalho dele sem a parceria dela. Porcentagem é
porcentagem! — Miguel é irônico — Agora ela suspeita de que Diógenes vai ajudar o cachorro de
algum jeito, óbvio que ele vai procurar o ex-delegado npara pegar umas dicas e pedir
informações, era bem o que eu faria. Mas acima de tudo, Glenda quer dar uma lição nele por ter
negado apoio, só tirar o cargo do velho, não é o suficiente, Fred sempre me disse que não ia ficar
por isso mesmo! E o delegado temporário que saiu do hospital andando será o próximo, e então, o
cachorro pega a linha de frente, mesmo porque eu acho que as duas mortes servirão para
"assustar" o seu delegado, e então vem a proposta que ela sempre faz. Partindo do princípio que,
segundo você, o policial é honesto, então já sabemos o final da história.

— Sem problemas. — eu decido — Matando Portela agora, conseguimos tempo, e aí podemos ver
o que fazemos depois!

— Cat, vamos matar o ex-delegado porque ele está na tela morta, não para conseguir tempo! A
grana é absurda de grande, não podemos perder o foco, nosso trabalho é esse!

— Já disse que nesse momento minha prioridade é manter a minha família unida! A nossa, aliás! E
para isso eu preciso do cachorro vivo! Não me faça ter que falar de novo! Tô pouco me fodendo
para esse dinheiro! Já tenho o suficiente no Brasil para aumentar a instituição e dar mais conforto
para as crianças! Já consegui o que queria! Passei pequenas quantias ao longo de meses... era só
o que eu queria!

— Tudo bem!
Ele diz simplesmente e desiste.

— Já caçou o alvo? Me dá um resumo!

Eu mudo de assunto andando para lá e para cá.

— Você não vai gostar nada nada. — ele fala — Hoje ele está em casa, mas seu compromisso à
noite, é aquela premiação, que você também foi indicada. Como a encomenda é de urgência...

— Qual a possibilidade da Glenda saber algo a respeito dos nossos problemas pessoais?

— Não sei.

Miguel diz.

— Mas...

Rubi começa e eu me altero.

— Se falar "o Fred sabe..." dou um tiro na sua têmpora, porra!!!

— Mas é a verdade! Precisamos dele!!!

— Eu não preciso dele, nunca realmente precisei! Quem precisa dele é você, Rubi! VOCÊ!!! — eu
falo alto e Miguel nos olha torto.

— O que???

Ele pergunta meio pilhado e Rubi me olha com raiva.

— Foca! — olho para Miguel, ele não relaxa, mas fica calado, e depois volto a encarar a morena
que estava de luto durante todos esses dias sem "o homem sem coração" — Fred precisa de um
tempo. Não vou repetir tudo o que já disse, se você me questionar mais uma vez a respeito dele,
você também estará fora! Ele virá na hora certa. Por enquanto somos três! — eu digo e ela limpa
uma lágrima.

— Aliás, ele está no meu apartamento?


Com você?

— Está. Mas só fica trancado e bebendo! Tá lá no poço. — ela diz me encarando, deixando claro
o que pensava sobre de "quem era a culpa".

— Ele vai sair dessa!


— Como pode ter tanta certeza?

— Fred é sozinho. Vai se acostumar. Ele não ama ninguém, não se apega a nada.

— Discordo. Acredito muito que Fred, depois de Paula, só amou você. E ainda ama. Vejo como ele
te olha, sinto a lealdade quase doentia que tem por você, mesmo apesar de discutir, mesmo não
concordando com muita coisa. Um exemplo disso, foi ter largado suas "férias" para ir te ajudar a
entrar na casa do delegado. Mesmo depois de mandá-lo embora, e se não fosse ele, você ia ter
que apagar o irmão do doutor, porque ele ia te pegar lá. Seu amigo misterioso colocou cinco
milhões de dólares na conta dele na Suíça, e ainda sim, ao invés de conhecer as Maldivas, ele está
deitado na sua cama, se enchendo de bebida, fumando mais do que fuma, impregnando seu
quarto cor-de-rosa de fumaça de cigarro, e virando a noite acordado. Se Fred não te ama, e não
sofre com sua rejeição, então não sei o que aquilo significa.

Ela levanta e sai. Ótimo. Mais um problema para ser resolvido.

— Prepara tudo para a noite. Vou usar o uniforme à prova de balas, silenciador, e a escuta! Ainda
vou decidir se apagarei o velho na festa, o que é arriscado, ou na casa dele. Qualquer notícia da
delegacia, me mantenha informada!

Eu digo, Miguel concorda e eu ouço um bip no celular. Mensagem de texto.

— Fred não é uma criança! Não precisa ser babá de mais um.

— Que engraçado... Fred falou o mesmo de você!

Eu resmungo rancorosa me lembrando de nossa conversa a respeito de Laura e Chong, e acho


irônico. A minha vida era repleta de ironia.

Pego meu celular, e vejo uma mensagem de Gael.

"Tá vendo a TV? Canal 5! Delegado."

— Liga a TV. Canal 5!

Eu logo peço.
Pelo jeito o delegado tinha saído de casa direto para uma coletiva.

"Sim, tivemos sucesso! Essa manhã conseguimos recuperar a parte que faltava da droga. A Narcóticos
só parou de trabalhar essa manhã! Estão todos presos, e já foram interrogados... tudo indica que..."

Um repórter questiona sobre a operação do posto, e William explica como acabaram com os
planos da corja toda. Uns vinte "colarinhos brancos" que os dois últimos delegados estavam
caçando há meses, foram presos pela federal a mando dele. E ele naquele momento era um 'herói'
bem fodão.Mas, ao contrário dos outros, o atual delegado manhoso não sorria, não parecia feliz,
não parecia satisfeito, e não queria estar ali. Vai ver era porque não estava conseguindo o mesmo
sucesso com o caso Miragem, e essa foi a questão que veio logo à seguir.

"Já o caso Miragem, ainda engatinha! Não está sendo fácil, não, mas em breve teremos resultados,
com certeza! Não posso dar um parecer no momento, mas principalmente agora, que encerrei o "Posto
1", terei muito mais tempo para me dedicar ao caso de David e trazer explicações a público, afinal, é
um assunto que a população precisa estar interada! Estamos falando de prostituição, tráfico, e outros
milhares de crimes que atinge à todos. Tenho tido bons resultados com denúncias, e a investigação com
relação a seus trabalhos fora da legalidade, mas meu foco também é sua morte, tendo em vista que o
resultado de seu exame deu inconclusivo, e ainda não conseguimos identificar a última garota que
esteve com ele naquela noite. Pela minha experiência na área, acredito que, se eu encontrá-la, poderei
fechar o caso imediatamente. Por isso espero muita ajuda da parte do 181, o disque denúncia da
polícia federal, se alguém souber algo a respeito, é só nos comunicar. A identidade da pessoa será
totalmente resguardada!..."

"Pela minha experiência..." aham! Bom trabalho ao falar em público. Claro que o metido à sabe-
tudo juntou um mais dois e notou que uma morte completamente sem explicação não fazia sentido.
Óbvio. Que ódio!

— Ele realmente é um maluco sabichão!

Miguel resmunga e eu ignoro.

— E por falar em experiência, doutor Castro, só para descontrair um pouco, e obviamente, com todo
o respeito... o que o senhor acha a respeito de ser apelidado de "O delegado gato da federal" pelas
mulheres de todo o país nas redes sociais?! Como está lidando com todo esse assédio?!

O repórter pergunta, e tira alguns risos de seus agentes companheiros de bancada e também
repórteres. Enquanto William demonstra espanto, Manuela, a agente chefe — e também gata —
do doutor abre um sorriso enorme e zombeteiro para ele, mas o delegado finge não ver. O
apelido "carinhoso" do bebê pidão era POSTURA PROFISSIONAL, AO EXTREMO.

— Bom, eu não tenho redes sociais, não tenho acesso a essas coisas, mais por questões de segurança,
e também porque não gosto, então, só estou sabendo disso por você. Agradeço pelos elogios, mas ser
"gato" não me ajudou a chegar até aqui, não me ajudou a acabar com uma horda de traficantes
engravatados... e nem vai me ajudar a limpar o poder público da sujeira de corrupção em que se
encontra. Tenho muito o que fazer ainda. Em resumo, não ando sendo assediado, graças à Deus, e
mesmo que fosse, só para descontrair, — ele balança a mão em sinal de "mais ou menos", como o
repórter balançou — tenho olhos para apenas uma mulher, então não adiantaria. Sou muito fiel e
apaixonado!

Acho que o que aconteceu com o famoso... como ele era chamado?! — ele olha para Manuela
enquanto coça o olho descontraidamente, e ela sussurra sorrindo — Lenhador... Lenhador da Federal,
foi de grande exemplo para nós! Profissionalismo é tudo! Não estudei durante anos para vir me gabar
ou ficar feliz a essa altura do campeonato, por ganhar o título de homem bonito. Prefiro um título no
estilo, "O delegado competente da federal!". Para mim ia ser bem melhor!".

O delegado finaliza seu comentário e recebe aplausos!

"Só tenho olhos para uma mulher... Sou muito fiel e apaixonado!"

Babaca romântico. Romântico, gato, fofo, carinhoso, cheiroso, dengoso, e hiper-bem-dotado... é,


dona Catarina... você está mais do que fodida!!!

— Pois é! O cara tá mesmo na sua!

Miguel resmunga sem me olhar nos olhos e eu saio de lá após dizer novamente para ele preparar
tudo.

— Já vai sair?!

Meu pai me encontra no meio do caminho e eu o abraço.

— Já, senhor Yan! Logo tô de volta! Escuta... — eu resmungo quando me solto dele — Não vá a
premiação! Tenho um trabalho lá!

— Ah! Não! Mariah vai surtar!

— Eu sei, mas não é seguro!

— Não pode garantir que não ficaremos expostos? Sua irmã me pediu para comprar um vestido e
máscaras, está super empolgada!!!

Ele faz cara de choro e eu lamento.

— Tsc. Vou ver, mas não sei não! Quero Mariah longe de tudo isso! Aliás cadê as duas?!

— Estão no quarto, conversando! Ambas não aguentam mais ficar aqui dentro, e para falar a
verdade, eu também não.

— Mande Laura resolver esse assunto logo, e vocês poderão sair. Não é seguro! Viu só o que ele
fez com a casa e com o rosto dela em cinco minutos de luta?! Aquilo foi um aviso, pai, só um aviso!
Minha madrasta tá devendo!

— Você chamava ela de mãe... — ele fica triste — Não a trate assim! Te garanto que Laura só
fez bem! A Miguel principalmente. Não a julgue, filha!
Ele a defende e fico possessa.

— Então por que não manda ela dizer logo o que está acontecendo!? Manda ela acabar logo com
isso, pai!!! Eu não quero me meter, mas não cruzarei meus braços! Mariah não sai das minhas asas
enquanto ela não resolver isso!

Eu falo e deixo ele lá, meu tempo estava se esgotando e eu não podia desperdiçar discutindo.

Estaciono no meu apartamento e subo. Abro a porta e o caos se apresenta para mim.

Meu apartamento de classe média alta parecia um barraco malcuidado, onde vivia mendigos
porcos! Sim, sei diferenciar porque já conheci uns dois ou três mais limpos do que muita gente.
Tinha até uma caixa de pizza na mesa de centro, roupas jogadas pelo chão, e algumas garrafas
de cerveja como item de decoração em cima de cada móvel que tinha espaço.
Minha sala predominava o branco e rosa-bebê em um estilo bem moderno, e só um pequeno toque
provençal, que sempre amei, bem de leve, mas naquele momento tudo estava cinza, tipo encardido.
Não olhei pro meu enorme lustre de cristal duas vezes porque eu podia jurar que vi algo
pendurado nele, e se fosse uma cueca eu ia assassinar Fred. Merda.

Abro a janela da enorme sacada, com vista para o quarteirão da superintendência da polícia
federal e volto para a sala. Ao me virar vejo um Fred perdido com sua arma em punho, e o cabelo
desgrenhado tapando apenas um olho.
Vestia seu jeans velho favorito, blusa xadrez e o seu colete de sempre em um calor que dispensava
tudo aquilo de roupa.

Estava bêbado, — como sempre. — mas agradeci por pelo menos ter levantado apto para se
defender.

— Com milhões na sua conta, ainda não comprou um apartamento próprio, e nem foi tirar suas
férias...

Não era uma pergunta e ele entendeu. Apenas continuou me olhando de lado, com o olhar que faz
quando está triste. Parecia um gatinho amuado.

— O que está acontecendo aqui???

Pergunto e ele engoli uma bílis.

— Arrumei um jeito de ficar perto de você. Resta um pouco do seu cheiro no travesseiro!

— Mas agora só tem cheiro de cigarro e bebida, né?! — Porra — Se você quer ficar perto de
mim, por que simplesmente não me respeita???

— Porque... — ele trava e se mexe um pouco, parecendo confuso — Porque eu te amo e... e você
cometeu um erro! Não quero ver você sofrer, não posso ver você sofrer.

Pela primeira vez em anos, Fred diz 'eu te amo' para alguém e meu coração fica despedaçado.

— Sempre achei que não amava ninguém.

— Achou errado. Senão, não estaria aqui!

— E o que você quer? Fred... o que você quer que eu faça? O que quer de mim???

— Quero que conte tudo o que sabe ou suspeita para o Miguel! Não consigo dormir, não consigo
comer, não consigo fazer nada só pensando no que vai acontecer quando ele juntar o quebra-
cabeça. Ainda não entendo como não fez isso, confia na tenente... nem passa pela cabeça dele
que ela tem seus segredos com o demônio japonês! Ele precisa saber!!! Você também ia querer que
a gente te contasse, eu mesmo ia passar por cima de tudo só para que você ficasse informada se
eu soubesse de algo que eu julgasse ser importante para ti! Custa? Custa uma vez-na-vida pensar
em alguém que não seja você mesma???

— Custa. — confirmo — Custa o casamento do meu pai, a felicidade dele. Que se foda o que
Miguel fará comigo, que se foda o jeito que ele vai me tratar quando essa bomba estourar, que se
foda todo mundo! Meu pai pastou durante anos, sofrendo pela minha mãe, agora ele está bem, ele
ama a Laura, não vive sem minha irmã. Miguel vai surtar, eu não acho que meu pai saiba de tudo,
e se ele descobrir que tudo o que viveu com ela, ou uma grande parte disso, foi uma mentira, meu
pai vai embora, e vai sofrer. E então Mariah vai sofrer. E Laura vai sofrer mais do que já está! Dei
um prazo para ela resolver a situação, não tenho que me meter no casamento deles! Se Miguel
tiver que saber, que seja pela boca dela, não a minha! Como consegue entender o lado do Miguel
e não o meu? — fico indignada. — Estamos falando de mais de sete anos de parceria, uma rotina
entre a vida e a morte, um salvando a vida do outro a cada semana, e você não consegue
compreender que essa história é pesada demais para mim, e que eu tenho no momento, algo mais
importante do que o passado dela!? Fred pelo amor de Deus, nesse estágio, em nada essa história
me diz respeito, eu preciso cuidar de tudo para que ambos não parem na cadeia, isso sim! Se ela
e Chong tiveram um caso, se ela é inimiga mortal dele, se Miguel já fez alguma coisa para ele e
Laura sabe, sei lá, tanto faz, de nada importa no final, se todos estiverem conversados, e irem
para cadeia logo em seguida! Me entenda: Esquece essa história, eu preciso de paz para poder
seguir com os planos e os trabalhos do cartel! Lembra do que combinamos há alguns anos atrás,
nossa volta ao mundo?! Nosso negócio?! Se até esse lance da carta ela não ter contado, que esse
seja nosso próximo problema para resolver, mas agora não dá! O que você sugere que eu faça
com essa história agora, se eu chegar lá, encher a cabeça dele de suspeitas, e ele surtar geral?
Como vou lidar com essa carta sem Miguel? Como vou nos manter unidos se ele achar que precisa
matar Chong?! Pensa no inferno que a gente vai passar!!!

Eu falo e ele nega veementemente em sinal de nervoso.

— Sabemos lidar com o inferno melhor do que muitos! Vamos dar conta! Eu que peço por esses
anos todos sendo fiel a você, fiel a nossa amizade... não, não tô jogando na tua cara, mas já te dei
inúmeras demonstrações do quanto tô junto contigo! Ter invadido a sede da cúpula e quase ser
morto por meses à fio, é um deles! Faria tudo isso de novo, faria qualquer coisa que você me
pedisse. Mas por favor, quebra essa...

— Por que faz tanta questão dele saber, Fred?

Eu pergunto e ele seca o suor de nervoso da testa.

— Me diz. Se for um motivo justo, eu farei. Até agora as minhas atitudes são todas pensando neles,
no bem-estar deles! Se tiver um motivo mais justo que o meu, dou a minha palavra de que saio
daqui, e faço o que está me pedindo!

Eu falo e vejo seus olhos ficarem vermelhos. Eu não sabia o que ele ia me dizer, mas com certeza
era algo que ele não suportava dizer em voz alta.

— Você não sabe, mas uma vez, assim que voltamos para São Paulo, após aquela temporada
nossa em Manaus, eu estive com Jon! O que vivemos naquela empresa foi um pesadelo para mim,
não sei para você, mas foi um horror para mim! O tempo todo lá eu senti a presença da minha
mãe, me dando forças, me protegendo... não parecia que eu estava fazendo algo errado ali,
apesar das circunstâncias, sabe?! Parecia que aquilo era certo, Cat! Parecia que ela queria que eu
te apoiasse e "cuidasse" de você, ali! — Fred parece segurar o choro. — Essa sensação estava
clara para mim, na hora que eu decidi entrar contigo, mesmo você dizendo que fazia questão de ir
sozinha, e principalmente nas horas em que precisávamos matar todos aqueles caras. De hora em
hora! E Jon me confirmou isso, minha mãe quis que eu ajudasse você.

Ele me olha no fundo dos olhos e se senta no sofá. Eu aproveito e me sento de frente para ele.

— Eu cheguei aqui e procurei por ele. Quis saber mais a respeito dela. — ele para e chora em
silêncio — Ele me disse, não sei se sem querer ou por uma raiva momentânea de mim, afinal, eu a
desprezei e Jon também sofreu por ela... que minha mãe passou seus últimos dias de vida dizendo
que o destino era uma velha 'sei lá o quê', que pelo fato de que fui até lá e não a perdoei, ela
então morreria!

— Fred...

— Me deixa terminar!!!

Meu coração dói por ele e ele continua.

— Estava escrito! Ela disse: "Meu filho não me perdoou, Jon, e vou morrer por isso! Nada poderá ser
feito! Aquela velha vai me levar embora! Só o que preciso fazer, é preparar Rubi, orar para que Cat
consiga cumprir seu destino com louvor, e deixar tudo certo para a minha hora! Fred me odeia, mas eu
tinha esperança, esperança de uma mãe que ama demais!"
Meu Deus.

— Ela sentiu! Estava escrito! Eu não ia perdoá-la por ter me "abandonado" e ela ia morrer. Mas
isso ainda nem é a pior parte, nem é o episódio mais horroroso e escroto dessa história toda! —
nesse momento eu já chorava — Quando eu te disse que ia voltar pro Rio para entregar uma
parte do dinheiro pro meu pai, era mentira, eu só queria um tempo para digerir tudo o que Jon me
contou! Não quis te fazer carregar isso comigo e apenas quis sofrer longe. Me senti culpado,
pensei em atirar na própria têmpora e acabar logo com aquilo, mas fui covarde. Chegando lá eu...
eu descobri que ela não me abandonou! Meu pai traía ela demais, demais, mas gostava muito
dela! Era obcecado! Quando ela descobriu, quis terminar, e então ele desapareceu comigo! Ela
sempre tentou me encontrar, sempre!!! Nunca desistiu!!! Ela nunca desistiu!!! Nunca!!! —Tento abraçá-
lo mas ele se afasta.— Não quero tua pena!!! Só estou tentando te fazer entender o quão
importante é: SABER das coisas!

Ele rosna para mim e eu choro mais, só que em silêncio.

— O desgraçado me tirou do berço, eu ainda mamava... meu pai foi uma mentira esses anos todos,
um babaca, escroto, e criminoso! Ele morreu sendo odiado por mim! Minha mãe morreu sendo
odiada por mim, e eu nunca vou me perdoar por isso!

Ele me olha e eu olho para meus pés.

— Eu acho que esse demônio é pai dele. — Fred fala, eu sinto um frio na espinha, e quando olho
para ele, o vejo abrindo a carteira e me estendendo duas fotografias — Quando a gente brigou
fui atrás disso! Uma é dele, e a outra do Miguel! — eu pego as fotografias tremendo e respiro
fundo de olhos fechados antes de olhar — Olha bem, Cat! Olha para as duas fotos atentamente.
São cópias escarradas. Ambos japoneses, a mesma boca, as mesmíssimas orelhas quase de abano,
mesmo tom de pele mais escuro que o clássico amarelado sansei, e principalmente o mesmo olhar
perturbador. Sem contar o descontrole total na hora da luta. Já viu como Miguel é! Fica insano! Foi
por isso que o fez ficar cada vez mais na parte de laboratório e informação! Ele esquarteja um
inimigo cantando música pop, é brutal, no corpo a corpo não para ninguém de pé ao redor e
conhecemos alguém com essas mesmas características, quase animalescas!

— Chong.

Sussurro só para mim, ainda olhando as fotografias e escondo o rosto nas mãos. Aquilo não podia
estar acontecendo.

— Cat... Se isso for verdade mesmo, claro que certeza absoluta eu não tenho, para e pensa: se a
Laura devesse para a cúpula, já estaria morta há anos atrás, faz muito tempo que ela saiu da
área, tem mais tempo do que a idade da sua irmã mais nova! Quando liguei para Glenda ela
disse com todas as letras que o assunto era pessoal do Chong, e ela nada tinha a ver. Glenda
jamais guarda segredo com relação à quem está jurado de morte, muito pelo contrário, ela gosta
de escancarar! No salão, o primeiro lugar que vi o demônio, foi no oposto da pista onde estava a
mesa VIP do Miguel, estava encarando-o, parecendo em transe, e o cara tem boa pontaria, não foi
até lá para matá-lo, e podia ter feito, e pelo jeito nem para matar Laura, que por mais boa que
seja, estava há anos sem se defender! Ele foi lá para cobrar algo dela, exigir alguma coisa, e eu
tenho certeza que ele foi atrás é do filho dele. Pegar o "moleque" DE VOLTA.

Ele fala e eu me levanto.

— Não se lembra do que ela disse?! "Eles não podem se encontrar, Miguel nunca vai me
perdoar." — Senhor, o que Fred estava dizendo??? — Eu acho que sua madrasta se inspirou no
meu pai e arrancou o Miguel ainda pequeno do cara! Das tantas possibilidades, uma: Tirou ele do
verme em uma de suas viagens, porque na época ele seria um péssimo pai, afinal estamos falando
de um cara da máfia japonesa com um bebê para criar; — Fred enumerava com os dedos — O
menino acabou nos braços dela por engano; O Chong foi uma encomenda que ela achou que tava
entregue, mas não estava, e então viu o menino por lá, e por culpa o pegou para criar; Ou então,
na mais pura maldade, o encontrou, se apaixonou, e roubou o menino. — ele respira cansado. —
Não sei, essa última alternativa acho pouco provável, curto a fuzileira, acho que é gente boa! Mas
algo aconteceu, e eu acredito que essa situação é grave demais para ser tratada como um
pequeno desentendimento na família, entendeu?! Pelo amor de Deus, só diga que agora entende
aonde quero chegar quando eu digo que Miguel nunca vai aceitar o fato de que você não quis
contar isso para ele! Laura nunca vai confessar essa história bizarra, é sério, ela vai estender isso
até você perder a paciência! O que está em jogo é o filho dela! Ela não vai dizer!!!

— Tudo bem, Fred. Me dá um minuto, por favor!!!

Me levanto me sentindo um pouco tonta e me jogo no sofá.


O problema nem era o mundaréu de informações novas a respeito da vida de Fred, nem suas
especulações com relação ao mistério LauraversusChong. O problema era que eu me recusei a
suspeitar de algo como aquilo quando eu parei para pensar a respeito naquela noite, e ao ouvir
ele dizer aquilo tudo em voz alta, senti pairar uma névoa feita de essência da verdade no ar, ao
redor de nós dois. E um: Aquilo estava me matando, dois: Fred estava certo o tempo todo e três:
Sim, Miguel precisava saber daquilo imediatamente.

Era do seu pai biológico que supostamente estávamos falando! Sua história, suas origens, uma
grande mentira!!! Eu ia odiá-los eternamente se eles descobrissem algo do tipo e não me contassem,
e se Miguel, em algum momento de sua vida, me odiasse, eu não suportaria. Jamais.

— Quer uma água?

Ele pergunta meia-hora depois e só nego balançando a cabeça. Naquele momento eu não
conseguia pensar em absolutamente nada de concreto, estava literalmente e definitivamente um
caos.

— Preciso que você, pelo menos espere até o fim dessa noite. — eu digo ao me levantar, olhando
para porta, nem encará-lo eu conseguia. A culpa estava me consumindo como nunca antes — A
Glenda mandou outra encomenda de urgência e é Diógenes Portela. Ele também foi indicado para
a premiação. Me deixa fazer isso com o mínimo de calma que eu preciso, e depois, eu chamo
Miguel para uma reunião. Pode ser?

Eu pergunto e ele entra na minha frente, só para me olhar nos olhos.

— É claro! Mas... — ele toca meu rosto por um pequeno momento — Me perdoe por isso! Por
favor! Juro que não queria que nada disso estivesse acontecendo. Mais uma vez tem
responsabilidade demais nas costas e você vai dar conta como sempre deu. Você é a mulher mais
incrível que eu já conheci. Sempre estarei aqui por você, eu dou minha vida pela tua, e sempre
serei fiel não só a você, mas a Rubi, e também Miguel! São a minha família, pelo jeito a única que
tive.

Ele diz e eu confirmo com a cabeça.

— Pelo amor de Deus, Fred! — eu peço ao abrir a porta — Arrume a minha casa, ou chame uma
diarista e vá tomar uma banho! Quando eu voltar, quero minha casa um brinco!

Eu falo, ele sorri de leve, retribuo seu sorriso com um resquício do que deveria ser o que um dia foi
de Monalisa, e deixo morrer quando fecho a porta atrás de mim. Eu me sentia derrotada,
acabada, cansada, e extremamente triste e chateada, como nunca antes.

Eu tinha feito planos de encontrar meu pai, queria me abrir com ele, conversar, receber seu colo, e
não fui. Hoje mais cedo, quando falava a respeito de William, em nenhum momento ele me olhou
com olhar de julgamento, não me questionou, não pareceu ficar contra mim, e foi tão bom falar
com ele, mais tão bom, que eu queria aquilo de novo. Precisava demais de um abraço, de um
carinho, ou de um conselho, principalmente depois da conversa com Fred, e seria tão bom vê-lo.

E por estar daquele jeito, tão vulnerável e me sentindo perdida, nem notei que parei na frente da
delegacia. Aquele cachorro era tão carinhoso o tempo todo... por que não me aproveitar disso, já
que eu tinha entrado nessa de cabeça?! Acho que ganhar algo disso tudo, seria um ponto positivo
para mim. Poderia ficar por dentro das últimas notícias e ainda receber um abraço. Que mal
tinha?!

Entro direto para seu escritório e me pergunto se eu não deveria pedir para ser anunciada. Bom...
ir presa por querer falar com ele, eu não ia! Ou ia?!

Achava que não era possível ser mais fodida.

Entro sem dificuldade, caminho até o final do corredor da frente e bato na porta.
Ele diz "entra" e a cena que presencio me deixa mais estranha do que eu já estava me sentindo.

Assim que abri a porta rapidamente, vi Barbara saindo de seus braços, parecia estar chorando.
Ambos estavam de pé, no meio da sala, grudados como "cão e gato", como dizia tia May! E não
fazia sentido mesmo, o cão junto com o gato, e os dois ali!

— Desculpe. Volto depois! — eu digo e fecho a porta.

Interrompi o ex-casal. Deveriam estar se acertando, ou conversando sobre o relacionamento deles.


Talvez ela lamentava, implorava por uma volta, ou contava sobre algo que aconteceu... eu não
podia saber e não queria. Só precisava sair dali e tentar uma última vez com dona May. O abraço
dela também era muito bom, não como dos meus pais, mas já ia ajudar.

— Ei!

Ele me chama no corredor, e me faz parar quando me pega pelo braço! Odeio quando me pegam
daquele jeito.

— Por que não entrou???

— Não quis atrapalhar! — eu falo tentando me soltar e ele não me deixa sair.

— Você não me parece bem, neném! — ele sussurra para que ninguém possa ouvir — Vem
comigo!

Ele tenta me fazer acompanhá-lo, mas eu não permito.

— Ela estava chorando. Pelo jeito também não estava bem! Eu vou para casa, volto outro dia!

— Não. Vem comigo, sem discutir, por favor!

Ele decide, me puxa pelo braço, e eu decido ir sem mais contestar. Mas não é pro escritório que ele
me leva, é para uma sala ao lado. Vazia.

— Que lugar é esse?

— Aqui a gente pode conversar melhor. — ele se aproxima de mim e eu me afasto perplexa —
Me conta o que você tem, fujona! Vem cá!

— Vamos conversar na sua sala, oras...

Eu digo indo para porta e seu semblante me faz parar.

— Ela está lá! Aqui é melhor!

Ele não a mandou ir embora para vir me procurar. Entendi.

— Ok. Mas a ex é ela, né?! Não sou eu quem você deveria estar "escondendo". Afinal, de
qualquer forma, não temos nada! Eu cheguei para falar contigo, a sós! Ela já pode ir!

Digo com arrogância e egoísmo fingido e ele parece sofrer!

— Não estou te escondendo! Só que não posso te deixar ir embora com a sensação de que viu o
que não devia, ou sei lá, de que fiz uma escolha, e também não posso mandar ela ir embora. Não
quando a culpa de seu sofrimento é minha! Ela está sofrendo. Veio desabafar. Tô me sentindo mal,
Helena. Ela viu como melhorei com você, como fui carinhoso contigo como nunca fui com ela, ela
teve que te ligar e bom, você sabe de tudo isso! Ela saiu de lá de casa aos prantos. Eu sou louco
por você, preciso de você, e ela só tem a mim! Não sei como lidar com isso.
Não precisava ter saído daquele jeito, vir atrás de você e deixar ela lá sozinha também a
magoou! Deveria ter entrado, — ele levanta os braços — perguntado como ela estava, sei lá! Não
consigo entender sua atitude. Não quero nada com ela, e adoraria que ela seguisse com a vida
dela, mas o que eu posso fazer?!

Ele fala, eu coloco a mão na boca para não rir alto e ele não gosta.

— Não é o que diz, que me demonstra?! Só amizade, nada de pensar que eu vou conseguir algo,
um beijo e uma fuga...?!

— Vou te ajudar com isso, doutor! Não se preocupe! Será mais fácil para mim do que para você!!!

Eu falo e ele avança contra mim, me fazendo "bater" as costas na porta.

— Eu não tô bem hoje, você não está, e nem ela, então manera!! Não tente me ameaçar de novo,
não pense que vai desaparecer e me deixar, porque eu nunca vou permitir! Eu vou atrás de você!
— ele segura em meu maxilar e me força a olhar para ele — Tu não entrou na minha vida para
fazer esse inferno e depois ir embora! Vai ficar comigo e compartilhar comigo tudo o que eu viver!
Os momentos bons, e os ruins, como agora! Não me provoque, não torra minha paciência!!! Você
não me conhece. Não sabe do que sou capaz de fazer para ter o que quero, e eu quero você
para mim, pra ontem!!!! Engole o choro, vai pro teu compromisso, e depois que eu sair do meu, vou
até seu apartamento pra gente poder colocar as cartas na mesa! Criei coragem e pesquisei o
endereço de onde você mora. É exatamente o apartamento que eu havia escolhido para me
mudar, então não precisa ter medo de me perder. Vou morar de porta-a-porta contigo até te
convencer a casar comigo, — merda!!! — vou cuidar de você, te encher de amor, e nunca mais vai
precisar sentir medo de nada. Principalmente de ser amada! — ele fala e me solta — Agora você
pode ir! Vou oferecer meu ombro para a mulher que conseguiu me aturar durante anos, e vou
ajudá-la a aceitar que para ela, infelizmente acabou, e que eu tô começando uma outra história
com a mulher da minha vida! A minha última mulher nessa vida.

Ele termina, sinto meu queixo latejar, e evito rir.

— E tem mais uma coisa. — ele volta a me olhar e me abraça apertado, me sufocando e juntando
os pedaços do meu coração — Está aqui o melhor abraço do mundo!!! Porque eu vou melhorar
noventa por cento, se você sair daqui melhor do que quando entrou! Eu já estou melhor só de ver
você! Você é meu litro de wisky caro! Meu raio de sol depois da chuva na hora de ir pra praia...
meu neném! — ele me olha encostando sua testa na minha e sorri só para eu ver, me olhando nos
olhos. Seu peito subia e descia demonstrando o quão nervoso havia ficado e eu ainda estava sem
reação. — Meu neném ciumento!

Ele repete e eu pergunto o porquê não havia o matado por me agarrar a força daquela forma,
ainda!!!

— Desculpa ter vindo. Devia ter ligado!

Eu consigo dizer e ele sorri.

— Assistiu minha primeira coletiva?

— Assisti, delegado gato da federal!

— Ouviu quando eu disse que...

— Ouvi. — eu o interrompo e me afasto — Você é o cara mais arrogante que eu conheço! Falta
bom humor na hora de dar entrevistas!

— Preciso manter o decoro! — ele ri — E a respeito daquele assunto... Precisei ser sério, respeitar
minha futura mulher!

Eu abro a porta e ele pisca para mim.

— Sonha.

— Pode deixar, sonhar alto é comigo mesmo! Só dá uma arrumada nesse cabelo, porque parece
que acabamos de praticar um coito delicioso aqui! O que teria acontecido se você não fosse a
porra de uma covarde!!!

— Vai pro inferno!

— Já estou nele. Você é meu inferno!

Eu ouço ele resmungar e bato a porta.

— Espera...

Ele abre a porta, me puxa para dentro, e me beija de novo. Outro selinho, só que mais demorado.

— Agora você pode sair correndo de novo.


Ele diz sorrindo. Ainda tinha seu braço protetor em volta da minha cintura, e sua mão direita em
minha nuca.

Então, quando ele me manda fugir eu o beijo. Como ele faz, um mísero selinho fraco. E então vejo
seus olhos brilharem, e sinto meu rosto esquentar.

— Certo, agora eu vou sair correndo, delegado gato!

— Vai, meu inferno! Até mais tarde!

É. E eu era o demônio que pela primeira vez, experimentava um pequeno pedaço do paraíso! E
estava conseguindo o que eu queria... fazer esse cachorro babaca ficar babando em mim.
ELA DÁ CONTA DE TUDO SOZINHA!

— Por que não pediu ajuda para tua irmã?!

— Quem? Rubi?! — dou uma risada alta — O estilo que ela gosta não ia combinar muito com a
noite de hoje! O estilo dela não combina com o meu!!!

Eu respondo tia Lu e ela sorri ao me olhar pronta!

— Você está linda!!!

Me olho no espelho e admiro o vestido brilhante simples, sem nenhum detalhe diferente... a não ser
pela enorme fenda aberta na perna. Eu não precisava de muito, só ia pegar aquele "troféu" e
trabalhar.

Me viro e pego meus acessórios de gala (arma, facas, e seus devidos cintos), e noto a aproximação
de minha tia curiosa.

— Será que vai ser capaz de me devolver esse vestido intacto? Foi seu tio quem me deu... — ela
diz sorrindo.

— Farei o possível!!!

Dou risada e o mala entra em seu quarto após contar cinco minutos no relógio, como minha tia
havia pedido. Era outro que não desgrudava dela.

— Nossa, você está linda!!!

— Pois é. Mas continuo não falando contigo, então... guarde seus elogios para você! — eu digo
fingindo estar brava e ele ri.

— Foi só uma brincadeira, Cat! Já pedi desculpas! — ele fala e eu ignoro.


— Já vou indo! Depois eu trago o vestido, dona Luisa.

Eu resmungo sorrindo para ela, e olho pro Jonatas chato com cara de brava.

Quando entro na sala junto com o casal dez, damos de cara com Matheo, Marcelo, e Nat que
pareciam ter acabado de chegar.

— Meu Deus... quem é essa mulher maravilhosa???

Marcelo chega galante, me abraça e me beija o rosto.

— Oi doutor! Como vai? Sou sua prima, não se lembra?!

Zombo e ele me mede de cima a baixo.

— Bom, eu tinha uma prima bem parecida com você! Mas antigamente ela andava com roupas de
motoqueira gata, e não como uma dama... quase não reconheci!

Ele pisca pra mim e Matheo o afasta de propósito!

— Tudo bem, KitCat? Quanto tempo!

Ele me abraça e seu irmão se senta no sofá.

— Eu vou bem, Mat! E você?! — olho para a sua amada e ela sorri — Como vai, Nat?

— Vou bem, obrigada!

Nat também me beija e sorri simpática. Ela parecia chateada com algo, mas disfarçava bem.

— Quais a novidades, prima gata? Tô sabendo do federal. Vai ter que dar um fim nele mesmo?!
Vocês formam um casal tão bacana...

Marcelo sorri e Matheo revira os olhos ao lado de sua esposa.

— Pois é, primo! Vou ter que apagar o doutor... só que também terei que apagar qualquer um que
possui informações com relação a meus planos... questão de segurança!

Eu resmungo olhando séria para ele, meus tios dão risadas e ele sorri charmoso.

— Já tô gamado!

Ele sorri ainda mais e eu nego com a cabeça.


Matheo e Marcelo cada dia que passava ficavam mais bonitos. Matheo era o mesmo rapaz
decente e de "família", carinhoso e gentil, já seu irmão tinha cheiro de pecado. Literalmente. Logo
dava para notar que aquele casal (Matheo e Nat) era na verdade um trio. Eles pareciam ter
ciência do que acontecia, mas não se importavam. Os dois amavam Natália, e Natália amava os
dois, e ambos aceitavam isso, sim, obrigada! Só queria saber se depois que Marcelo casasse, se
aquele trio ia virar um... não. Bagunça demais até para eles!

— Eu já vou! — eu digo e depois olho para Nat — Cuide dos meus primos!

Eu pisco para ela e ela sorri confirmando. Eu continuava do mesmo jeito de antes... Juízo, Catarina.

— E nem vai me dar um beijo!? É isso mesmo???

Jon resmunga e eu paro na porta.

— Vai demorar demais para eu te desculpar! Mas como em breve precisarei dos seus serviços
novamente... cuide bem dele também, Luisa, ele não merece muito... — eu evito rir, mas eles não —
Mas é um bom velho! — olho para ele — Enquanto eu não esquecer aquele pica-pau furando a
árvore bem debochado, não tem beijo, não tem abraço, não tem "tio favorito"!

Dou meu veredito, dou risada só depois de fechar a porta, dirijo até o cartel para pegar minha
pequena família sulista, e encontro todos prontos na sala da quarentena. Peço cinco minutos, subo,
e encontro não só Rubi, e Miguel, mas também Fred.

— Vai embora!!!

Eu digo rindo, e logo ganho um abraço apertado junto com um beijo estalado na testa.

— Como você está? Está muito linda!

Ele pergunta e eu finjo que não sei do que tá falando.

— Eu tô bem, e você? Arrumou minha casa??? Tomar um banho, já vi que tomou!!!

— Não arrumei, mas tem uma diarista lá, o que dá no mesmo... quando chegar lá, vai encontrar
tudo às ordens, prometo! E já arrumei um lugar para ficar. Vai se ver livre de mim...

— Ótimo! — confirmo e vejo Grim fazendo um bico — Agora... tem algo que quero te perguntar!
Precisamos muito conversar sobre os planos da Glenda, mas como não temos tempo agora, tem
algo que eu preciso saber! Acho que estamos no lado errado da história já faz um tempo e você
nunca me disse. Glenda nunca quis diminuir o narcotráfico, nem de Manaus, nem de sampa e nem
de lugar nenhum... o que ela quer afinal? O controle do mundo?

Zombo e ele ri.


— Ela quer dinheiro. Antes não. No nosso começo era diferente, por isso nunca disse nada, mas
agora algo mudou! Agora ela quer dinheiro, e o controle de entrada e saída da droga dos
principais estados do país. Ela está bem pirada. Todos os cartéis que trabalham para ela estão
comentando. Antes matávamos assassinos e traficantes, agora, pessoas "inocentes" como esse
Diógenes.

— Se não matarmos ele...

— Chong, virá!

— Quais as chances da gente forjar a morte dele e...

— Não rola. Quando ela descobrir será mil vezes pior. Não mandará só Chong, e sim um exército
atrás de nós, e seremos "executados" por traição! Agora que a gente tem o problema da carta,
não podemos cutucar a onça com vara curta. Não temos tempo para isso, um problema de cada
vez.

— Sabe quem é ela??? Ela já mostrou o rosto para você?!

Eu pergunto e ele demora para responder. Na nossa época da temporada de testes para entrar
para o clã da mulher malvada, ela só falava conosco através de um vidro enorme e fumê.

— Não, mas soube porque um dos caras que era braço direito dela, deixou vazar uma foto. Ele
morreu no dia seguinte. Dizem que quando isso acontece, a cabeça "morre", tipo sai da cena, e aí
elegem outra "Glenda", mas é boato.

— Quem é?

— Se eu te dissesse, teria que te matar! — ele ri tocando meu ombro — É pessoa pública! Melhor
tu não saber!

— Glenda é famosa???

É Rubi quem questiona se pendurando no cangote de seu amor platônico.

— É. E muito!

— Que demais. No fim, acho que acabaremos matando-a!

Miguel resmunga afastando Rubi de Fred de propósito, e entra para roda da discussão que ia
resultar no meu atraso.

— Está com tudo certo?! Tem o acesso a todas as câmeras? Cadê meu traje de gala?
Eu falo, Miguel vai concordando, e depois me passa a pequena mala com todos os equipamentos
que preciso. No ato coloco a escuta, e respiro fundo.

— Eu vou contigo... fico de olho, cubro...

— Nem pensar!

Interrompo Fred e ele lamenta.

— Fora é fora! — ele ri — Quero e preciso fazer isso sozinha! Vou ficar bem e desestressar!

— Opa...

Miguel resmunga em seu computador e ficamos todos em alerta.

— Vocês precisam ver isso. — ele diz — É melhor mesmo Fred não pisar lá! Meu sistema detectou
de uma lista de conhecidos que eu editei, seu federal gamado! Ele está lá, ele e a advogada!

— Merda!!! Merda!!! Merda!!!

Coloco as mãos na cabeça, e lamento demais.

— Cuidou para que meu nome fosse mudado?

— Sim, e você falou com a dona May?! Explicou tudo?

— Sim, hoje mais cedo eu disse que ia precisar mudar de nome. Mas que inferno!!!

— O destino dele e o teu está cruzado, minha irmã, é disso para pior!

Grim diz e eu bufo.

— Vai dar merda.

— É só não fazer lá! Mexe no carro dele, temos bombas!

Fred sugere e eu rio nervosa.

— Aham! Daí já não basta ele morrer sem merecer. Mato a esposa, as três crianças, o bebê de
colo, e a babá! Tá!

Fico nervosa e respiro fundo de novo. Uma repetição sempre ajudava. Inspira. Expira.

— Eu já vou! Mapeia a casa dele! Me manda pelo telefone!


Eu falo e saio correndo.

— Coloquem as máscaras, e não tirem em hipótese alguma! O delegado estará lá! Por favor! Se
comportem! Laura e pai, usem aquelas outras máscaras inteiras, essa aqui não!!!

— Eu não vou mais!

Laura diz.

— Por que?

— Gostaria de conhecê-lo, mas ele deve ter meu rosto gravado! Não quero arriscar que me veja
com você! E também não estou me sentindo bem! Estou indisposta desde cedo... enjoada!

Ela diz e eu confirmo.

— Tá grávida não?!

Eu pergunto e meu pai e Mariah a encaram!

— Não! É passageiro! Já, já passa! Vão com Deus!

— Tem certeza, amor?

Meu pai se aproxima dela e ela sorri.

— Tenho, Yan! Não será pai de novo tão cedo, apesar de querer tanto!!!

— Óbvio que quero! Quero mais uns dez!!! Eu te amo!!!

— Também te amo! Mas esquece esse papo de dez! Não há seios que aguentem toda essa
pressão! — ela ri e ele nega dizendo que os seus seios são lindos, o que faz Mariah fingir uma
ânsia de vômito — Vão com cuidado!!!

Ela diz, beija os dois, e eu saio na frente.

— Não esqueçam! Nada de tirar essas máscaras de forma alguma!

— Tá bem!!!

É Mariah quem resmunga impaciente e eu desço do carro ao estacionar um pouco distante da


porta. Eu precisaria entregar as chaves para o manobrista do evento e de jeito nenhum eu faria
isso, pois minha pequena maleta estava no banco de trás.
Entro com os dois do meu lado e logo avisto a mesa reservada de dona May. Estava ela e Gael!
Com certeza proibiu os funcionários de participarem por não querer deixar as crianças "sozinhas".

Eu os apresento, tia May enche Mariah de beijos e carinhos, e começa a conversar com meu pai
sobre como sou um exemplo de menina... Aham. Tia May falava bem de mim para quem passava,
mas comigo era uma fingida, tipo mãe orgulhosa, fala bem para os outros, e dentro de casa
chamava atenção para não deixar roupas sujas no sofá da sala, louça suja, e dormir tarde... e
além de tudo, por não dobrar as roupas direito, eu era uma porca desorganizada.

Sorrio ao pensar nisso e olho ao redor.

O salão de festas público estava decorado de dourado, com fitas, flores, velas falsas, e um certo
requinte. Estava tudo bem bonito.
Uma música tocava baixinho, o palco com a bancada de estatuetas com a bandeira de São Paulo
estava vazio, e todos conversavam baixinho e sorriam um para o outro, na mais santa Paz.

— E aí, já os viu?!

Miguel surge na minha cabeça me fazendo levar um susto.

— Filho da puta!!! Não. Não os vi! Espera aí.

Eu sussurro e ouço ele rir.

Meu pai ameaça tirar a máscara e leva um puxão meu.

— Como vou conversar com tua tia?!

Ele pergunta e eu rosno.

— Tia, ele precisa ficar com isso porque fez questão de vir, mas o delegado está aqui!!! Tá bem?!
Ele não é mal-educado, não!

Eu digo e ela ri dizendo que "tudo bem!".

— Como você está??? Está muito linda! Nunca te vi tão bem arrumada, pirralha!

Gael pula para a cadeira ao meu lado.

— Estou me sentindo bem, e você? Tô gatona, né? — dou risada — Nunca viu e talvez seja a
última, então aproveite! Vai curtindo aí, porque daqui a pouco não tem mais.

Falo baixo em seu ouvido pro meu pai não ouvir e surtar, e ele ri.
— MaluCat, você!

Ele zomba e quase bagunça meu cabelo como faz sempre. Sua mão para no meio do caminho
quando olho para ele com os olhos arregalados em advertência!

— E qual é a dessa máscara aí?! É colada ou desenhada?

Ele fala da máscara adesiva que escolhi. Era preta e delicada. Tinha ondas charmosas circulando
meus olhos e alguns detalhes com tribais e flores. Bem bonita.

— É colada! Não tenho paciência de ficar segurando coisa alguma, principalmente uma máscara
no rosto. Aliás, já, já, tu vai ficar de cabide dessa minha bolsinha aqui, porque não sou obrigada a
nada.

Eu falo e ele sorri de novo com seu sorriso bonito. Gael era tão lindo! Por que será que nunca me
interessei em ficar com ele? Era trabalhador, gato, corpo bonito, galante, já o vi de sunga, então
tinha um "equipamento" bem legal também... estranho... vai ver era porque crescemos juntos. Eu não
ia ser, (in)felizmente, mas a mulher que ele escolhesse para namorar ia ter uma sorte de outro
mundo.

— Por que está me olhando assim?!

Ele pergunta de repente, e devo ter ficado vermelha.

— Assim como???

Me faço de louca e ele ri.

— Você estava me olhando parecendo sonhar acordada!!! — ele ri e cochicha — Estava até
vesga!

— Eu estava vesga?

Oi?

— Que? Foi modo de dizer maluca!!! Tô brincando! — ele ri ainda mais.

— Ufa. — suspiro — Era só o que me faltava! Vem cá, me fala uma coisa... você já notou que
meus olhos têm duas cores diferentes?! Tonalidades diferentes???

Pergunto como quem não quer nada, e ele, que por um momento olhava ao redor distraído, de
repente me olha confuso.

— Não. Seus olhos são iguais, Cat! — ele ri.


— Não me chama de Cat aqui! É Helena, já falei! Vem, chega mais perto. Só dá pra ver se chegar
perto! Olha bem no fundo! Tem tonalidades diferentes! Não acredito que você nunca reparou!!!
Quem é você? Cadê meu irmão???

Eu falo, sinto minha nuca esquentar como quando recebo olhares, ele passa a engolir todo o ar que
eu respiro, e olha bem de perto, tão perto que se eu fizesse um pequeno movimento, a gente se
beijava.

— Bom...

Ele ia dizer, mas é interrompido por um William vermelho e irônico.

— Oi, amor! Você está linda hoje! Tudo bem por aqui?! Atrapalhei um beijo apaixonado? Um início
de romance?! Um casamento???

De "máscara" ele me encontrou. Que ótimo. Mascarazinha vagabunda! Devia ter comprado uma do
Máskara, de madeira igual do filme para tapar o rosto todo!!!

Ainda assim, ele te encontraria no meio desse mundaréu de gente!

Meu inconsciente grita, mas ignoro.

O delegado havia se apoiado nos dois joelhos para colar o rosto no nosso e nos atrapalhar,
literalmente. Mais um pouco e o "possível beijo" que ele achava que ia acontecer, seria um beijo
triplo com ele ali! Ele sorria todo zombeteiro e eu sentia sua respiração pesada como ventania em
minha face.

Me segurei para não rir, e virei o rosto para olhar para ele. Ele era muito engraçado até quando
não queria. Ouço Mariah rir e juntamente com meu pai e tia May, se levantam da mesa para
oferecer total atenção ao delegado famoso e ciumento.

— Boa noite, doutor. É... bom... você atrapalhou bastante. Achei até inconveniente!

Gael se levanta parecendo irritado com o jeito dele e eu me levanto rapidamente.

— Pois é! Então acho que a gente merece um bate-papo lá fora! Quero me desculpar pelo
incidente!

O delegado diz e eu fico puta.

— Tá pirado?! O que está fazendo?

Olho para ele, mas ele não tira os olhos de Gael.


— Tô pirado, sim! Quem é esse cara? Posso saber???

— É meu irmão! E mesmo se fosse marido, você não tem direito de chegar assim aqui! Nunca! Tá
pensando o quê da vida?! — falo baixo para não chamar atenção, mas era 'aquelas', as pessoas
costumam sentir o cheiro de cenas de ciúmes de longe — Sai daqui, e nunca mais faça isso de
novo! Não te dei liberdade, e com relação a esse tipo de ceninha, não terá nunca!

— Costuma beijar seu irmão na boca?! Porque foi isso que vi agora! Ou quase vi. Eu que
atrapalhei! Rosto colado, sussurro no ouvido, olhares... acho que mereço uma explicação! Quem é
esse mané?

— Fica calado para a sua situação não piorar, rapaz! — meu pai se aproxima — Minha filha não
gosta de coleira! Ela é bicho solto!

— Eita! Você é o sogrão... — o delegado se vira e trava ao "ver" meu pai — Escuta, eu juro que
serei um ótimo genro! É sério! Mesmo! Que tal a gente fingir que isso aqui não aconteceu? Você
esquece, apoia nosso futuro namoro, meu cunhado safadinho nunca mais aproxima a boca dele da
dela, — ele aponta para trás sem exatamente apontar para Gael — e eu fico grato e feliz?!
Quer dizer, todos ficamos felizes, principalmente Helena, óbvio! Porque é isso o que vou fazer: Ela-
feliz...!

Ele gagueja um pouco, tira gargalhadas fáceis de todos, até de Gael, mas eu faço um esforço e
fico séria. E foi a coisa mais difícil que já fiz na vida.

— Eu sou Antonela! Irmã da Helena! Vi sua coletiva hoje! É o famoso delegado gato da federal! Eu
apoio esse namoro, mas espero que minha irmã não tenha problemas no futuro! Ela é bem
ciumenta! Até mais do que você!

Mariah diz o nome falso que escolheu e ri!

— Eu sei! Ô se é! — ele ri também — Prazer, Antonella, sou William! Você já é minha cunhadinha
favorita só por apoiar! Se você me ajudar com seu pai, vou ficar te devendo uma!

— Bom, eu posso tentar! Se ela ficar feliz e sair do meu pé, já está de bom tamanho!!

— Engraçado que meu irmão disse o mesmo para ela! Não funcionou!!! — ele faz uma careta e
todos riem mais — Nós só amamos e cuidamos. Aposto que sua irmã faz de um tudo para te
proteger, assim como eu com ele!

Ele pisca e Mariah se derrete.

— Bom, Lena... — que atriz... — Se você não quiser, eu quero!!!

Ela faz charminho com as duas mãos unidas e piscando sem parar. Reviro os olhos.
— Antonella!!!!

Meu pai quase grita de tão abismado e Mariah suspira.

— Me tira para dançar, mais tarde, meu senhor?!

Ela estende a mão e William finge beijar.

— Com certeza, minha nobre dama!!

— Bom, já chega! — puxo ele pelo braço e o arrasto para longe dali — Qual é a tua, com essa
cena?! Tá ficando pirado??? Tá invadindo minha privacidade!

Eu o levo para um canto afastado e ele se apoia na parede com apenas a mão direita. Quase me
engolia com os olhos e demonstrava estar mais nervoso do que antes. Mais por minha reação.

— Tá pensando que tenho sangue de barata? Eu te vi dando mole para aquele babaca!!! E não
pense que me engana com essa história de irmãozinho! Ele não é teu irmão que eu sei! Você tem
sangue alemã quase puro! Impossível ter irmãos "judeus".

— Larga de ser babaca, William! Estamos no Brasil, minha mãe e minha avó são morenas! Os
cabelos de ambas brilham de tanta melanina! E pare de me investigar! Eu não vim aqui para
explicar nada, não! Não me conhece, e se continuar assim, não vai nem chegar a conhecer!!!

— O que queria que eu fizesse? Ficasse olhando? O cara tava te comendo com os olhos, babando,
cheio de sorrisos! Eu sei quando um cara te olha com desejo! Nós homens sabemos! O que queria
que eu fizesse??? Vi você cochichar no ouvidinho dele!!! Não quero ver isso!

— Virasse o rosto! Não deveria se apresentar! Não gosto dessa invasão!

— Eles gostaram de mim, vamos acabar ficando juntos, uma hora eu tinha que conhecê-los! — eu
bufo e ele fica chateado — Poxa, por que está tão nervosa?

— Porque você não tinha nada que fazer cena! Já falei sobre não ter esperança, sobre não se
deixar envolver... você...

— Tudo bem! Entendi. Só você pode ficar enciumada e fazer uma cena como na delegacia! —
lamento quando ele diz isso fechando os olhos, porque sabia que Fred, Grim, e Miguel ouvia tudo
e me acompanhavam como combinamos — Eu não posso! Já entendi, isso não vai mais acontecer!
Fica em paz! Estou começando a acreditar que realmente não quer nada comigo!

— Tá começando tarde! Vai! E não se aproxime de mim! Não aqui! A pessoa que eu vou
apresentar para minha família tem que ser importante! Tem que ser um namorado... e você não é!
Agora até eles acreditarem que não tenho nada com você vai durar um século!!! Vai lá para tua
noiva que deve estar sozinha em algum lugar te esperando...

Eu digo e o vejo profundamente magoado. Mesmo.

— É. Pois é. Ela realmente deve estar me esperando, ela sim!!! E eu aqui me humilhando! — os olhos
dele se enchem de lágrimas e eu lamento — Não vou me aproximar de ti nem aqui e nem em
lugar nenhum! Vou fazer o que tu tá me mandando fazer desde o início! Vou retomar meu noivado
e dar valor ao que tenho em casa. Não vou mais insistir em você, tu não sabe o que quer, então
não me procure mais! De qualquer forma, foi um prazer conhecê-la!!!

Ele fala e sai andando. A última frase que ouvi dele foi: "Vou retomar meu casamento e dar valor
ao que tenho em casa!"

Se aquela discussão servisse para fazê-lo ir para casa, eu já tinha feito bonito!

— Deu um fora grande nele, né?! Você é muito burra!

Mariah diz quando me sento na mesa e eu suspiro chateada. Meu corpo todo doía por algum
motivo.

— Calada! — eu só digo e meu pai me olha com tristeza.

— Ele gosta mesmo de você! Releva a cena dele, filha! Eu sei que realmente não gosta disso, mas
ele até pareceu mais tranquilo do que você com relação ao ciúme! — ele sorri — Ele ainda fez
piada ao pegar no pé de Gael, eu teria enchido Gael de porrada sem fazer pergunta nenhuma!
Eu, seu tio, seu avô, e seu pai nem se fala!!! Até hoje somos bem sinistros ainda, você sabe. E bom...
até que eu sou o mais tranquilo de todos! Mas esse rapaz venceu, ele é bem "de boa"!!!

— Tranquilo ou não, não quero isso na minha vida e não desejo para ninguém! Fica quieto, pai! Me
deixa quieta!

Eu digo apoiando o queixo nas mãos entrelaçadas e me sinto triste. Mas eu não podia ficar triste,
não ali!

— Seu federal ciumento não foi embora! Se sua cena era para mandar ele ir para a putaqueoparil,
não funcionou!

Miguel resmunga no meu ouvido e eu não digo nada. Estava cansada.


Quando olho um pouco mais para frente encontro sua mesa. Estava mais fácil de encontrar, já que
naquele momento, o mestre de cerimônias estava ajeitando o palco e o microfone, e então todos
haviam se sentado.

O bebê chorão e ciumento estava ao lado da advogada, que atraía todo o dourado do lugar em
um vestido luxuoso amarelo. Sua pele negra brilhava, e seu sorriso branco reluzia. Parecia que
sabia que o delegado estava novamente "disponível" para ela. Ela estava linda demais ao lado
dele e formavam um casal perfeito.

De repente ela diz algo em seu ouvido, ele olha para trás e volta seu rosto sorrindo com vontade
para ela. Ele diz algo, e ela quase se descontrola de tanto rir. Sim, querida, ele é engraçado
mesmo!

Ele coça o olho do jeito que sempre faz, ainda rindo, e demonstra estar em paz. Por que ele
estava "em paz" se a gente tinha discutido feio minutos atrás???

Ela diz algo de novo, ele sorri confirmando, ela coloca sua mão no ombro dele e eu me pergunto o
porquê estava os encarando?!

— Acho melhor você maneirar nas olhadas, não faz a desesperada porque não combina com
você!!!

Gael diz no meu ouvido de repente e eu dou risada.

— Meu alvo é outro! Alguém mais atrás!

Eu falo apontando para escuta na orelha e ele entende.

— Ah! Melhor assim mesmo! Você merece alguém melhor! Tipo eu!

Ele fala, pega minha mão, e beija como um cavalheiro, todo garanhão, coisa que nunca fez.

— O que está fazendo?

Pergunto olhando para trás, e quando olho para frente, vejo o delegado nos encarando, mas sem
nenhum resquício de raiva ou ciúme.

— Tô fazendo o mesmo que ele! Ele tá usando a advogada para te fazer ciúmes.

— Bobo. Não tá não! Ali é natural!

Cochicho e volto a olhar para ambos. Ele tinha desistido de me fulminar com os olhos. Sorrio.

— Bom, é com imensa honra que daremos início a esta cerimônia linda...

O mestre inicia a cerimônia com seu discurso de início e eu vejo Diógenes Portela se levantar da
mesa do delegado.

— Siga-o.
Digo olhando para a bolsa no meu colo.

— Tô acompanhando! Fica tranquila!

Miguel parece concentrado.

— Para iniciar, vamos falar de um delegado, com uma honra sem tamanho...

Meia-hora após falar sobre o quão importante era a solidariedade, o cerimonialista começa pelo
delegado — que já havia voltado para seu lugar após ir ao banheiro — falando de todas as
instituições que o mesmo ajudava e eu paro para prestar atenção. Diógenes parecia íntegro, mas
eu não ia julgar pelo o que ouvia.

— Diógenes Portela! Às devidas honras...

Ele quase grita no microfone, e estimula as pessoas à aplaudirem.

Quando tudo se silencia, vejo o delegado me olhando novamente.


Ele me encara profundamente e eu sustento seu olhar. Seu semblante é de uma tristeza profunda e
tocante.
Ele toca os cantos da boca, e eu consigo sentir seu toque na minha, rápido, sem maldade, e aí me
lembro do que senti.

O homem é o cara mais bonito que já vi em toda minha vida. É másculo, alpha, grosseiro, mas na
minha presença virava um bebê carente, cheio de dengo. Eu tinha dois tipos de homem em um só,
"eu tinha". Entre aspas, entre aspas... como isso era possível? O que eu havia feito com ele? Mesmo
porque já deu para notar que nenhuma “das mulheres da sua vida” tinha esse "privilégio". Não sei
como ele era com a mãe, mas com Manuela, e Barbara, era quase um escroto, pelo menos na
maioria das vezes, ou na minha frente.

Não sorria, falava com aquela voz grossa, sotaque ainda mais puxado para sua cidade natal,
postura... já com a noiva, era além de tudo, um grosseirão assumido e era estranho, mas parecia
que ela estava acostumada, óbvio, foram casados praticamente, mas tinha mais do que isso.
Parecia que a mulher conhecia um lado de William que era muito diferente, lado esse que com
certeza eu nunca ia conhecer.

E eu viajo em pensamento enquanto ainda me olhava. Parecia ver meu interior, uma nudez de tudo,
e pedia amor. Me pedia perdão e amor, mesmo sem querer, mesmo estando chateado por ter
escutado aquilo de mim... ele me olhava como se eu fosse seu "neném" e pedia meus cuidados.

Inferno. Que pensamento ridículo!

Engulo uma bíli, Gael se adianta com discrição para dizer que meu celular estava vibrando, o
delegado desvia seu olhar para não ver Gael se aproximando de mim, e eu pego o aparelho na
bolsa.

"Espero não ter atrapalhado, mas acho que a cerimônia ainda tá rolando, né?! Só queria avisar que eu
estou saindo, não se assuste por não me encontrar aqui... só preciso respirar um pouco, e resolver os
meus problemas, como você sugeriu! Diga a teu pai que eu o amo demais, e eu amo vocês, meus
filhos!!! Me perdoa, amo você, minha princesa guerreira! Quando eu tiver a oportunidade de te
explicar tudo, vai me entender, eu agi como mãe, eu sou a mãe dele e o amo mais que a minha própria
vida! Eu volto logo."

— Merda!!!!

Resmungo baixo e lamento. Sinto minha garganta fechar e lágrimas ardidas me deixarem cega no
mesmo instante.

— Vou até o toalete!

Digo ao meu pai, evito olhar nos olhos dele, e saio sem fazer alarde.

Entro no box do banheiro e falo baixo.

— Miguel...

— Recebi uma cópia do teu SMS. Fiz isso por segurança, caso você estivesse em perigo! Miguel foi
atrás dela!

É Fred quem diz!

— Ah! Merda!!!

— O doutor levantou da mesa! — Ele avisa — Cat! Respira! Acho que ele não vai segui-la, só vai
atrás dela, não vai ver nada demais! E se ver, foi isso o que combinamos, é bom que ele saiba,
ficaremos bem! Te prometo isso! Você dá conta de Chong sozinha, e ainda assim, sempre terá a mim!

— O problema não é ele! É meu pai e Miguel... Meu Deus, Fred! O que a gente foi fazer?! O que
a Laura pretende? Sozinha ela não vai dar conta dele!

— Concentra! Aposto que se ela procurar por ele, eles vão conversar, se fosse para matá-la já tinha
feito isso. Chong só quer que Miguel saiba de tudo, aposto um olho nisso! Vai dar tudo certo! Agora
para de falar, ele chegou, tá na porta do banheiro e vai entrar. Beijo! Relaxa!

Fred me tranquiliza, seco as lágrimas, e saio do banheiro de cabeça erguida. Lá estava ele,
encostado na pia e com um semblante preocupado.
Abro minha bolsa, pego um lenço, e começo a dar um jeito na face estragada.
— Vi você mexendo no celular, pelo menos eu acho que era um celular, e aí sua carranca de
brava comigo virou um semblante extremamente chateado e triste.

Ele liberta sua versão cheia de dengo.

— E daí?!

— Vim te oferecer um abraço. Um abraço, um ombro, meu coração para você pisar... qualquer
coisa! Mas não posso te ver assim!

— Porra se você não ficar com esse cara, eu fico!

Fred é tão babaca...

— Eu, como civil, posso te dar voz de prisão por abuso! Não pode entrar em um banheiro feminino,
William!

Respiro fundo e evito desabar.

— Vem cá, neném... esse é teu colo!

Ele me abraça por trás, toca a minha barriga com as mãos até me abraçar por inteira, me olha
através do espelho, e eu me viro.

— Eu te vi feliz hoje, na mesa, com ela. Mais do que em qualquer outro dia, era um sorriso bonito.
Quero que permaneça assim...

— Cala a boca! Não pode medir o quanto eu estava morto por dentro depois do que ouvi de
você! Não preciso mostrar o quão deprimente eu estou e envenenar todos ao meu redor com
sentimentos negativos, principalmente em uma festa como essa! Não se sinta enciumada ou
ameaçada, Barbara tem bom coração, é um doce, e agora combinamos de sermos somente amigos!
Apesar de você se recusar, negar até a morte, e nem querer saber disso, para mim, nós estamos
juntos, e eu tô fissurado em você, só existe você! — ele parece querer sentir meu cheiro enterrando
o nariz em minha bochecha — Me desculpe por aquela cena, eu estava com medo! Você não me
deixa te conhecer, pensei que era alguém...

— Não quero mais que aquilo se repita! Nunca mais! Odeio aquilo! Nunca vou conseguir levar
numa boa! Tenho traumas... odeio cenas bizarras de ciúmes. Se quer me conquistar, eu te dou uma
dica, nunca mais faça aquilo!

— Eu prometo! Prometo que nunca mais farei aquilo! — ele me olha pidão — Tenho uma pergunta
e gostaria que fosse bem sincera comigo! De verdade!!! Mesmo que doe. Prometa...

Sinto um vácuo vazio em meu ouvido e sei que é Fred me dando privacidade, mas bem tarde.
— Ai, meu Deus! — nego — Vou tentar. Manda!

— Por que tá fazendo cú doce comigo? — ele pergunta sério e eu dou risada — Não ri não,
porra!!! Tô falando sério!

— O que quer de mim, doutor?

— Beijar tua boca e fazer amor, são os mais urgentes. Depois namorar, noivar, casar, e encher
minha casa de faveladinhos catarrentos que nasceram com sorte porque escolhi uma mãe rica.

Ele consegue dizer isso com seriedade.

— Entendi. Então vou te dizer o porquê do "cú doce". Não sei se devo te beijar, e apesar de estar
carente, não sei se quero dar para você, apesar de você parecer bem gostoso... não quero
relacionamento por enquanto porque estou trabalhando demais, então, consequentemente não serei
sua esposa. Estamos em vibes diferentes, doutor, mas mesmo assim, já disse, te quero na minha vida!
Se você puder aceitar o pouco que posso oferecer, eu vou adorar!

— Na parte do beijo e de 'fazer um amor gostoso' comigo, tu diz: "Eu acho..." e enche o sermão
de "apesar de...". — ele fala e eu desisto de responder. Apenas o encaro — Quando eu sair
daqui,te encontro em seu apartamento! Quero te levar em um lugar. Vamos começar a ter certeza!
Vamos aproveitar a noite, e se depois dela, você ainda dizer não, eu desisto e não toco mais no
assunto!

— Não curto motéis.

— Não te levaria em um motel, nem se me pagasse pois não gosto, e não vou fazer amor contigo!
Curtir a noite não significa só isso! Sua cabeça anda muito suja! — ele fala, toca minha face com
as duas mãos para me beijar com carinho, e sai do banheiro parecendo bravo.

Eu hein.

Me sento na mesa e segundos depois o vejo sentando na sua. Barbara me encara, depois o encara
e finge que nada notou.

— Pela sua face rubra, não foi briga, melhor assim, mas se me aparecer grávida nessa altura do
campeonato, te deserdo!

Meu pai resmunga e eu o encaro.

— Ô pai, tenha dó! — eu digo, minha face queima, ele ri, e me lembro de Laura. Precisava de
notícias.

Ouço o retorno que a saída de áudio do aparelho faz e respiro fundo.


— Notícias?

Digo baixo.

— Ainda não! Assim que eu tiver, aviso!

Fred diz e eu me concentro.

— E agora eu preciso chamar a senhora mais linda de Vila Berenice... Senhora Mayre da Conceição
que disse fazer questão de falar ao microfone!!!

Meu Deus.

Eu fico nervosa e meu pai e Gael, um de cada lado, me abraçam e zombam de mim.

— Oi, minha gente! — a velha começa — Gostaria de dizer 'boa noite' a todos e serei breve! Só vou
falar um pouquinho dessa minha menina! Sou a responsável pela instituição de apoio à refugiados, do
centro, creio que todos aqui, conhecem! Um lugar incrível na qual tive a honra de poder cuidar. Fui
educadora por muitos anos, e hoje sou uma mãe de vários amadinhos que procuram e encontram a
paz que não teve em seu país, justamente em nossos abraços! Não é, meu anjo?! — ela olha para
mim, ri e chora, e choro junto por já estar mais nervosa do que antes. — Aquela menina bonita ali,
gente, mantém a nossa instituição de pé! — ela levanta um dedo falando como um político — Nunca
estamos no vermelho por causa dela! Dela e do dinheiro dela, um dinheiro que não tem retorno
nenhum, financeiramente falando!!! Ela tira do próprio bolso e não vê nunca mais... não faz bico, eu
vou falar, vim aqui para falar, ué! — vejo Mariah começar a rir e filmar com o celular. — Ela não
precisava fazer isso, tem a vida dela, abre mão de conforto maior, e mora com a gente... as crianças
são seus irmãos, e a instituição inteira ama de paixão essa zé cuíca! Até meu menino, olha lá, são um
grude, cresceram juntos! — Gael sorri, e acena com a cabeça — Tão jovem, linda, coração puro... eu
digo que devia estar viajando com o namorado, mas ela prefere trabalhar, e de graça!!! Ô menina, eu
precisava que o mundo todo soubesse o que você faz por nós, todos os dias! Agradeço ao seu pai,
que está aqui, pela educação que ele dedicou a você, e por tudo o que representa na sua vida, — ela
olha para ele —,ela é louca por você! Bom, é isso... obrigada pela oportunidade, gente!!!

Ela diz para finalizar, vejo o delegado me aplaudir sorrindo, como todos os outros, e todo feliz por
"estar me conhecendo um pouco mais".

— Que nossa juventude se espelhe nessa linda menina, não é mesmo?! Que exemplo de grandeza... —
ah! Tá— Então eu peço que venha receber sua merecidíssima lembrança por honra, doação, e no seu
caso, abnegação... Senhorita Helena Aldebrecht!!!

Recebo palmas, subo no palco para pegar meu "troféu" das mãos de dona May por fazer nada
além de minha obrigação, e ela me enche de beijos.

— Achei incrível ela não ter falado do caos que eu deixo a casa todas às vezes que chego do
trabalho!!! — eu falo no microfone e me assusto com os risos — Conheci a instituição com meu pai,
quando criança... me apaixonei e praticamente me refugiei também. Lá eu como, durmo, dou mais
trabalho do que as crianças, gero gastos, dor de cabeça na tia velha... — risos — Não faço mais
do que minha obrigação, mas agradeço por esse carinho! Ela sabe que por mim não precisava
disso, era só umas folgas nas semanas da minha vez de limpar o quarto e não ficar me cobrando
para parar em casa, que eu já ficaria feliz!!! Essa lembrança é tua! — eu olho para ela. — Só
dinheiro não é o suficiente para manter aquele refúgio dos sonhos de pé! É preciso muito mais, e
nós sabemos disso. Eu te amo e enquanto eu estiver viva, a senhora e todos os meus irmãos, terão
sempre o melhor! — Vejo ela se apoiar no ombro de Gael e desvio o olhar para não chorar junto
— E quero que todos saibam que a instituição aceita qualquer tipo de ajuda, já deixo aqui o meu
apelo! Quem puder, e quiser, serão muito bem-vindos, e não falo só de dinheiro, não. Falo de
abraços, brinquedos, cinco minutos para cantar uma música ou ler uma história, dançar na nossa
roda... qualquer gesto de carinho que apague por, pelo menos alguns minutos, as lembranças ruins
que todas elas têm de suas casas. Eu agradeço muito!

Eu digo, recebo mais aplausos, entrego o microfone, e volto para a mesa sobe olhares admirados.

Assim que me sento na cadeira, vejo Portela se levantar junto com sua família, e o casal que não
era mais um casal.

— Tô acompanhando... O mapa da casa dele está no teu telefone. É uma fortaleza.

Fred resmunga logo em seguida.

— Preciso do meu tio, agora! Coloque ele em contato comigo!

— Um minuto...

— Certo. — olho para Gael e chamo sua atenção — Consegue levar meu pai e minha irmã em
segurança, até o museu?

— Consigo.

Ele sorri.

— É sério! — eu falo e ele para de sorrir — Não pare em sinal vermelho à essa hora, mantenha
sempre a distância de qualquer carro, qualquer um. Vidros fechados, o carro é blindado. Nada de
parar em lugar nenhum, nem se Mariah dizer que tá com fome ou algo parecido, e ela vai dizer
isso, vai querer que meu pai a leve em algum restaurante, e qualquer coisa...

— ... Te ligar!

— Isso. Vou pegar teu carro, e você vai com o meu!


— Esse carro tá no meu nome, seja lá o que for fazer, não quero ir preso!

— Nunca deixaria isso acontecer. Confia em mim!

Ele confia e eu agradeço.

— Gente! Vamos! — eu olho para Yan, o encantado com dona May — Preciso ir, agora, pai!

Todos se levantam comigo e caminhamos juntos até o lado de fora do salão. O manobrista entrega
o carro de Gael e eu dirijo até colocá-lo ao lado do meu, onde eu tinha estacionado.

— Lembre-se! Deixe-os lá! Fred vai esperar por eles na porta! Só deixe eles saírem quando você
avistar Fred lá fora!

— Vamos ficar bem!

Gael cochicha assim que eu saio do carro dele para abrir a porta para minha pequena família
entrar no meu carro impenetrável, e também pegar a mala com os equipamentos que eu ia
precisar.

— Não. Não vão. Estão sendo ameaçados. Toma cuidado! Está cuidando do meu bem mais
precioso!!!

Bato em seu ombro e ele sorri!

— Ouviu né, Fred?!

— Ouvi. Chegarão bem!

— Ótimo.

Espero eles saírem, olho ao redor, e assim que eles somem avenida à dentro, eu entro no carro de
Gael.

— Jon, na escuta!

Fred anuncia!

— Boa noite, ex-tio favorito!

— Boa noite, minha princesa!

— Preciso que acesse as câmeras da casa de Diógenes!


— O que quer com isso?!

— Quero entrar!

— Fred já te mandou o mapa, certo?!

Ele pergunta e eu começo a trocar de roupa.

— Já.

— Ok. Na guarita, tenho três conferindo as câmeras de todo o casarão. Na calçada da entrada,
tenho dois. Pelo jardim eu tenho mais... três fazendo rondas com dispositivo comprobatório. Nossa até
dentro de casa ele tem câmeras... bom, dentro de casa, não tem segurança, mas tem infravermelho!
Esse Diógenes deve dormir ao lado do medo! Todo o quarteirão é monitorado, atrás da casa também
tem uma guarita, o mesmo número de guarda armada!

Você vai ter que matar todos eles, se um ficar de pé, a polícia federal invadirá a casa em três minutos.
E não é só com o infravermelho que tu tem que ficar preocupada, a casa tem botão do pânico, não dá
para saber se uma buzina alta vai te assustar, ou se você ficará presa lá dentro até a polícia chegar!

— Tudo bem. Assim que eles entrarem, obviamente o sistema da casa estará desligado! Muito
provavelmente só ligam tudo na hora de dormir ou sair de casa. Assim que eu avisar, desligue tudo!
Fique por aqui!

— Sempre ficarei.

— Não te perdoei!

— Perdoe meu bebê, Catarina!!! Ele está triste!!!

Minha tia surge como mágica.

— Tia, vai dormir! Esse não é um bom momento para falar comigo!

— Qual é?! Tá com vergonha da tia te ver fazendo bobagem!? Eu te amo!!! A tia te aceita do jeitinho
que você é: 'letal e perigosa'!

— Ah! Tá.

— Quando eu desligar você terá cinco minutos para limpar tudo! — ele fala de cinco minutos para
apagar talvez mais de dezesseis homens. No quarteirão, na entrada, atrás da casa, e no jardim.
— Esse é o tempo que posso desligar tudo e passar despercebido pela vistoria da polícia nas
câmeras.
— Dou conta, Jonatas!

— Eu sei bem disso!

— Assim que eu falar, tente desligar as câmeras de até dois quarteirões antes!

Ouço ele digitar, e me concentro até dirigir os dois quarteirões antes!


Miguel tinha separado meu uniforme preto à prova de balas, a máscara que altera minha voz, —
para uma voz "monstruosa" — algumas armas de médio e pequeno porte com balas e outras com
o veneno de Grim, que esse eu não ia usar, e entre outros apetrechos que me dariam a
possibilidade de colocar aquela casa à baixo. Tudo importado da Rússia!

— Cheguei, estou entrando no segundo quarteirão antes da casa! Desliga tudo!

— Fiz isso à três quarteirões atrás, a rodovia que você saiu não tinha câmeras! Tô te seguindo via
satélite.

Ele fala, eu desço do carro e faço o restante do caminho à pé, pelas sombras das calçadas.

— Ele chegou, Fred?

— Está à caminho! Muito provavelmente vai entrar por trás!

Abro o mapa no telefone, decoro, e guardo novamente.

Três minutos depois eu estava quase lá!

— Se quiser desligar, já pode, Jon!

— Um minuto... feito!

Ele diz e eu corro. Paro no limite da calçada e espio. Eu via um segurança seguindo para a direita,
de costas para mim, e bem na minha frente, outro colado no portão da guarita. Minha roupa preta
ajudava na camuflagem.

De repente, o segurança desiste de continuar tua ronda até o fim e dá meia-volta, agradeço, e ao
atravessar a rua, apenas com uma mão, enquanto ainda caminhava, acerto um tiro silencioso em
sua testa e ele cai duro no chão. Prefiro matar quando olho nos olhos.

Encosto as costas no muro que guardava a mansão repleto por hera, e vejo o outro segurança
acender um cigarro, respiro, saio do meu esconderijo, e o cigarro aceso cai no chão. Pego um
cartão de acesso no seu bolso, mas no momento apenas guardo.

— Dois.
Sussurro e pulo o enorme portão de aço com o apoio da lateral da parede de hera e enfim, entro,
mas não sou muito bem recebida! Primeiro dois dos três guardas me avistam de longe, no jardim, e
ao colocar a mão na cintura, caem como pedras.

— Quatro.

A guarita era no alto, eles tinham uma visão privilegiada da rua. Passo ignorando a escada —
pelas minhas contas precisava me livrar de mais um em solo, para não ter surpresas —,caminho
pelos cantos cruzando os enormes coqueiros encomendados, e dou de cara com o terceiro
segurança vindo do fundo da casa. Tocou o dispositivo comprobatório à baixo da enorme janela
frontal, e continuou seu caminho com as mãos entrelaçadas para trás, mas logo cai no chão como
os outros.

— Cinco.

Resmungo ao subir correndo as escadas da guarita com a arma em punho.

— Quatro minutos, princesa!

Ouço Jon resmungar e concordo com a cabeça como se ele pudesse me ver.

Vejo a câmera de frente para mim, que naquele momento estava desligada, paro na frente da
porta de ferro, e vejo a maçaneta eletrônica. Uso o cartão do defunto para entrar, e não sou
pega de surpresa. Os vermes estavam de guarda-baixa, pois só quem entravam ali, eram
seguranças com o cartão, e talvez empregados, então ambos morreram sentados. Os três olhavam
para as telas ainda ligadas.

— Oito. — Sussurro, me aproximo de um dos caras que fez eu me lembrar do cachorro, e suspiro
ao notar uma correntinha de crucifixo em seu pescoço grosso — Jon. Por que as câmeras estão
ligadas?

Pergunto, dou meia volta, pulo da escada, economizo tempo, e me encaminho rapidamente até a
guarita dos fundos, enquanto ouço sua resposta.

— Não estão. O que você está vendo é uma repetição automática dos últimos cinco minutos de fita.
Estão desligadas! Você tem agora um pouco mais de três minutos para entrar na casa! Só vou poder
desligar as câmeras internas da casa, quando essas voltarem a funcionar, posso lidar com um sistema
de cada vez, dois é arriscado, e ainda assim, o que os outros seguranças da guarita dos fundos
verão, é a tua chacina! Desligarei todos os sistemas de comunicação, mas farão uma caçada contra
você!

— Os matarei primeiro!

— Você só tem três minutos, princesa!


— Não, Jon. Eu tenho três minutos! Mais do que o suficiente.

Chego na frente da guarita, não vejo os seguranças que esperava ver, e passo por dezenas de
carros estacionados, luxuosos! Uma garagem sem portão, um pouco mais distante do jardim,
guardava uma pequena fortuna em carros, coisa que um policial federal comum não conseguiria
comprar. Estranho.

Subo as escadas ainda correndo, passo o cartão, e sou recebida melhor do que na primeira vez.
Eu tinha três seguranças de pé que conseguiram apontar a arma para mim. Um tomava um café,
mas deixara a xícara cair, o outro lia uma revista, ignorando seu trabalho de monitorar as
câmeras, e o outro estava de frente para porta e tinha sua trinta e oito apontada para a minha
testa.

— Quem é você?

Não digo nada de propósito, então, o que antes bebia seu cafezinho, por vingança atira no meu
joelho. Olho para ele por entre a máscara e inclino levemente a cabeça. O que ele estava
fazendo da vida dele que não conseguia notar que meu macacão era à prova de balas?! Eu
notaria...

Ao perceber que eu ia sair de lá inteira, o cara de frente para mim, e o da revista, os mais
inteligentes aliás, levantaram as mãos pro alto já pedindo misericórdia em silêncio, mas o rapaz do
cafezinho tenta de novo, e "acerta" um tiro em minha costela. Eu teria ido pro saco senão fosse
aquele traje, então ele caiu primeiro.

— Dez. Sinto muito!

Digo apontando a arma para os dois que me olhavam atônitos, e se assustavam com a voz que
saía de minha máscara. Mas assim que eu engatilhei, o moço que havia apontado sua arma para a
minha testa se ajoelha, e começa a implorar.

— Eu tenho uma menina, pelo amor de Deus! Gabi! O nome dela é Gabi! Ela tem cinco anos! Cinco!
Eu imploro!!! Por ela!!!! Por f...

Gabi. Gabriela. Penso, volto no tempo direto para a saída da escola com minha Gabi, e o seu
amigo que estava calado em seu lado, morre no seu lugar.

— Sou russa! Espiã contratada e muito bem paga! Se eu entrei na fortaleza de Diógenes, posso
entrar na sua casa! Te deixarei vivo porque tua filha se chama Gabi! Quando chegar em casa,
agradeça e a proteja para sempre. Se soltar alguma informação para qualquer pessoa que seja,
eu te encontro até no inferno, esqueço do nome dela, e acabo com toda tua família, mas te
deixarei vivo para ver e sofrer pelo resto de sua vida. Não saia daqui até eu terminar o que vim
fazer, se eu te ver lá fora, vai morrer!
— O... obrigado! Obrigado! Obrigado!

Ele resmunga chorando muito. E eu saio de lá com a certeza de que ele nunca diria nada para
ninguém. Ia dizer no máximo que foi abordado por alguém misterioso quando fosse interrogado,
mas e daí? Eu nunca ia ser descoberta, não com Jon e Miguel cuidando de tudo.

— Você tem poucos segundos, Cat.

Corro o mais rápido que posso até uma das portas laterais do casarão, tiro a chave mestra do
bolso do macacão, e antes de entrar, aviso Jon de que eu estava pronta. Já era muito tarde, entrei
por um corredor escuro, e o final bem iluminado me parecia ser a sala de estar. E era. Caminho
com cuidado, paro no enorme batente de um arco arredondado que limitava o cômodo vazio, e
vejo Diógenes sozinho, bebendo um vinho no sofá luxuoso!

— Todos os sistemas da casa estão desativados temporariamente, mas vou ativar assim que você sair
para que eu possa reiniciar o sistema de segurança externo. Seja rápida e sairá daí de dentro com
segurança! Esqueça os vivos da guarita de trás, dois estão jantando em uma copa localizada na
garagem, um não viu você enquanto fazia a ronda no jardim, e os outros três estão fora da casa, no
quarteirão dos fundos, sem notar nada de diferente. Não deixe ele se mexer, o botão pode ser um
controle remoto de TV, celular, um pequeno dispositivo na lateral de um móvel, qualquer coisa!!!

Jon diz e eu entro na sala sem medo de ser feliz.

— Você...?!

O velho se assusta ao me ver, gagueja, e derruba a taça de vinho no carpete caro.

— Sinto muito, Diógenes. Glenda mandou lembranças!

Faço questão dele saber porque ia morrer, atiro em sua testa, e ele morre rapidamente, sem
"sofrer".

— Onze.

(...)

Entro no meu apartamento e encontro a paz que eu tanto precisava. Não queria voltar para a
Instituição, não podia responder nenhuma dúvida do cartel no momento — muito menos dizer que
poupei a vida de um deles —e não queria olhar para Miguel, que não havia encontrado Laura!
Meu pai disse estar bem porque encontrou um bilhete dela o "tranquilizando", Fred me deixou
contar tudo o que combinamos assim que o dia nascesse, pois viu a "canseira" do meu trabalho
solo, e eu precisava de um banho, um jantar, e minha cama rosa que cheirava amaciante floral,
graças à diarista que Fred contratou.
Tudo estava em ordem, a janela semiaberta espalhava o frescor de limpeza, e meu lar, era meu
lar de novo, não do jeito que eu gostava, mas do jeito que eu precisava... vazio e solitário.

Após cozinhar um simples macarrão com molho branco, sim, eu sei cozinhar, e beber uma taça do
vinho mais antigo que eu tinha, tomo um belo banho de banheira com sais, visto meu babydoll de
seda favorito, hidrato minha pele, me perfumo inteira, e me deito no sofá com a TV no canal de
notícias, já esperando a bomba. Só queria contar quanto tempo depois a notícia viria à tona, e
como viria.

De tão cansada pareço cochilar, mas sou acordada no susto com o barulho da campainha.

Pego minha arma, vou até o olho mágico e vejo o cachorro. Eu sabia que era ele. Ele avisou que
vinha.
Guardo a arma para não parecer psicopata, abro a porta, e seu olhar pidão me seca da cabeça
aos pés. Meu babydoll era quase transparente, e curto, de um jeito indecente.

Ele amou, gaguejou, e se recompôs mais rápido do que conseguiria normalmente.

— Pronta?

— Para quê?

— Eu disse que ia te levar em um lugar!

— Ah! Desculpa! Tô exausta, cheguei agora da rua...

— Eu sei, é a segunda vez que bato aqui! — ele entra sem ser convidado, aperta minha cintura ao
me dar seu típico selinho, trava ao ver minha sala, acho que por pura surpresa, e eu reviro os
olhos ao fechar a porta — Vamos logo, aonde vamos tu poderá dormir. Pode dormir no caminho
também, vou cuidar de você e te proporcionar um pouquinho de paz!

Ele diz me abraçando de novo, e eu me deixo ser amparada porque seu abraço me transmitia a
paz que eu vim procurar. Só depois de vê-lo na porta que eu entendi que vim para o apartamento
que eu nunca paro, porque ele viria, e eu ia precisar do cachorro sarnento, meu pedaço de
paraíso após ter trago o inferno para a morada de Diógenes.

— É tudo o que preciso, doutor! Paz...

Sussurro para ninguém ouvir, apenas ele, ganho outro beijo ainda mais demorado, e o arrasto para
meu quarto sem nem sequer pegá-lo pela mão, com a desculpa de que ia me trocar e pegar minha
bolsa.

Eu era seu ímã. E era assim que tinha que ser para que meu plano fosse um sucesso.
ELE FICA UM TOLO TODO APAIXONADO?

Algumas horas antes...

Estava tudo dando errado.


David morreu por causa de "nada", seus crimes não me levavam a lugar nenhum, pelo menos
nenhum lugar que garantisse minha vida e a permanência na PF, a garota que foi identificada eu
sabia que não era a vítima/culpada, e por aí vai!

O sentimento de fracasso estava fora de controle, aqui, dentro de mim.


Pela primeira vez em muito tempo, eu via tudo ao meu redor, fugir do meu controle. Isso me
deixava mais do que péssimo... eu não tinha palavras para descrever o quão decepcionado eu
estava!

— Doutor... Leandro Daiello no telefone, em cinco minutos. Pedro pediu para avisar!

Manuela entra em meu escritório e logo fala. O aviso era oficial porque O DIRETOR GERAL
DEVERIA SER ATENDIDO SOBE QUALQUER CIRCUNSTÂNCIA.

— Ok.

Eu respondo enquanto olho para o painel improvisado que eu montei em minha sala. Me sentia
melhor ali do que na sala de casos.

— Ainda pensa que fui eu quem colocou aquele pica-pau ridículo na fita?! Eu mesma ia fraudar
meu próprio caso? Arriscar meu cargo?!

— Não. Eu sei que não foi você, só precisava descontar em alguém e você estava mais disponível,
desculpe pela "surra"! — eu digo e ela resmunga: Não tem de quê! Quando precisar... toda irônica
— Quem fez isso foi quem matou David! Essa delegacia está contaminada, Leandro ordenará que
eu encerre o caso, e dentro de alguns dias, sofrerei um atentado.
Eu falo e ela invade o meu espaço pessoal para me olhar nos olhos.

— O que está dizendo?

— Qual caso os dois últimos delegados estavam cuidando, quando foram prejudicados?!

— O posto.

— Fechei o posto. — eu digo encarando a foto onde David estava deitado na cama, da lombar
para cima na cama, e os dois pés tocando o chão — Agora tudo nesse caso está dando "incerto",
"indisponível", "sem resultados". O DNA, a fita, tudo... vem ver isso...

Eu chamo, viro as costas, vou até a mesa e ela me segue.

— Todas essas ligações, — mostro alguns documentos — olha o número, fui até três meses atrás
porque sou desses! Viu?! Agora olha essa conta do cartão de crédito dele... gasto em um
restaurante luxuoso. Achei que ele tinha uma bela namorada gostosa e jovem, mas olha com quem
foi... — ligo a TV que também arrastei para a minha sala — Dia e hora, exatos... olha quem é,
viu?! Você viu?!

Eu falo irônico e ela põe a mão sobre o coração. Mostro o vídeo do restaurante e ela entra em
pânico.

— Meu Deus, doutor...

— Não mete Deus no meio dessa sujeira, Manuela!

Eu falo, o telefone toca, sento em cima da mesa, coloco no viva-voz para ela acompanhar e espero
o "pior".

— Superintendência, delegado Castro...


— Oi, Doutor, é Leandro.
— Como vai, diretor?
— Esperando ansioso por tua visita...
— Já está agendada.
— É, pois é! Escuta, o caso "Miragem", precisa ser arquivado, seu fechamento está demorando
demais.
— Normalmente eu não demoro tanto diretor. Alguns eventos incomuns veem acontecendo, parece
que o universo espera que eu não feche o caso!
— Tem algo a me dizer, delegado? Alguma evidência nova?
— Não. Infelizmente.
— Certo. Aconselho a organizar uma coletiva, tornar público tudo o que conseguiu sobre os crimes
dele, e anunciar que, por falta de provas, o caso dele será arquivado.
— Bom conselho, diretor, muito obrigado!
— Que isso! Eu estou aqui para isso!
— Certo.
— Bom. Preciso desligar! Nos vemos em breve!
— Claro! Boa tarde!
— Boa tarde, doutor William!

Desligo e seguro o caos dentro de mim.

— O que vai fazer? Não pode continuar no caso, mas sei, pelo pouco que te conheço, que vai dar
um jeito milagroso...

— Nada!!! Não farei nada. Vou deixar esses documentos em segurança com uma pessoa confiável.
Se algo acontecer comigo farei cair nas mãos de algum jornalista independente que não tem medo
de nada.

— Você está começando a me assustar!

— É para ficar assustada mesmo! Vem aqui!!! Olha para essa cena. — aponto para a foto — Ele
é um bonitão, cheio da grana, finja que ele faz seu tipo! — eu digo e ela ri, sim, David fazia o tipo
dela! — Ele te conhece, talvez te aborda na boate, te leva pro quarto para ter privacidade... onde
você se encaixa aqui?

Eu pergunto e ela demora para responder.

— Vamos lá! É a melhor aqui... se concentra!!! David nunca abordava as próprias garotas para
manter relações! Ela não era uma "puta"! Se concentra, onde você se encaixa?

Eu falo, pois assim que cheguei à delegacia, Manuela havia conseguido por fontes desconhecidas,
uma "testemunha" que trabalhava para ele. Mascava chiclete, e tinha um corpão.

— Não sei, delegado! Talvez namorando, no colo dele... ninguém deita assim normalmente, concluí
isso, leu minha perícia...

— Não me decepcione. Vamos tentar de novo. Eu te levo pro quarto, a gente se beija, tu senta no
meu colo, eu tento tirar tua roupa, não sei, me empolgo, curto o momento, e caio duro. O que
aconteceu?

— Você teve um treco.

— Belo palavreado. Então por que o "treco" que tive, não foi apontado na autópsia? Por que eu
morri de "nada"? Das duas uma: Temos um vendido na nossa equipe médica da federal, ou...?!

— A droga usada é justamente elaborada para passar despercebida?!


— É uma afirmação, Manuela?

Ela nem tinha certeza. Ai que preguiça...

— Sim.

— Então isso sugere, que...?!

— Que a morte dele foi encomendada.

— Por...?!

Pego os meus relatórios e levanto para demonstrar, como se ela tivesse três aninhos. Peço desculpas
a vocês leitores, estava nervoso...

— Sua conclusão é no mínimo surreal, doutor...

— Sua ou nossa? Porque com minha ajuda, óbvio, tu concluiu a mesma coisa. Olha para mim! — eu
peço quando ela se senta para não cair dura — Mil telefonemas em três meses, várias reuniões e
um jantar luxuoso, muita coisa errada e muito bate-papo... sério que tá óbvio só para mim???
David estava traficando e fazendo o cafetão na área dela, desvios de verbas que não chegavam
aos cofres dela... para e pensa, inspetora! Aonde tu comprou seu diploma?

— Vou te falar uma coisa, primeiro: Para de me tirar de burra, sua conclusão é inteligente, mas vai
custar sua vida, e não a minha. Não posso ser tão esperta como você, você é o delegado, é você
quem precisa ser o maluco genial aqui, não eu. Mesmo porque para ser delegado federal tem que
ser muito maluco! E além do mais, mesmo que esteja certo, tudo isso não vai nos ajudar em nada,
William! Assim que você divulgar sua descoberta, vai morrer.

A última parte da frase ela fala baixo.

— E que jeito você prefere morrer?

— De velhice, óbvio.

— Eu prefiro morrer lutando. Não vou pegar um caso para abandonar por medo, eu não tenho
medo de nada. E se quiser continuar trabalhando comigo, vai ter que perder esse medo também,
porque se eu decidir que não vou fechar esse caso, você também não vai!!! Quero você e seus
homens fazendo ronda na minha casa, virando seguranças particulares, e quero proteção para
foder com a vida dela, e de mais quantos nomes aparecerem pelo caminho! — eu respiro fundo —
Se eu decidir insistir nisso... ainda não sei, tem algo que eu preciso fazer antes.

— Tipo?
— Proteger Helena! Tirar ela daqui, afastar ela de tudo isso! Meu irmão também, Barbara... não
quero nenhum deles perto disso tudo. Preciso me resolver com ela, se ela realmente não me quiser,
vou deixá-la partir, mas se ela me disser que quer, vou ter que tirá-la da cidade para continuar
com isso. Agora, se ela se recusar a se afastar, o que eu acho que vai acontecer, vou abandonar!
Por ela.

Falo sobre minha vida pessoal pela primeira vez com ela.

— Ela não me parece ser o tipo 'donzela em apuros', Barbara talvez, ela não. E você não me
parece ser o tipo que desiste das coisas por mulher.

— É, eu sei! Mas mesmo assim, estamos falando de gente perigosa demais, ela vai ter que
entender que não quero que se machuque por minha causa. E prefiro vê-la bem, do que fazer
questão de fechar o caso para amaciar meu ego. Não sou de deixar de fazer as minhas coisas
por causa de mulher, muito menos com relação ao meu trabalho, que é tudo para mim, mas ela não
é qualquer mulher! Ela... — coço a cabeça nervoso — Eu a acho que eu a amo, tipo, muito. Amo
muito...

— Onde vocês se conheceram? Você parece gostar muito dela mesmo, mas ela pouco de você!

— No Miragem! No dia que cheguei! E é bem isso! Acho que ela me odeia, mas é só por enquanto.

— Se conheceram no dia do assassinato? No Miragem? E você tem a impressão de que ela te


odeia?!

Ela ergue uma sobrancelha.

— Sim. — olho pro relógio — Preciso ir. Vou acompanhar Diógenes na premiação desse ano! É
gala e nem sei se tenho um terno pronto e decente...

Digo virando as costas.

— Há algo que eu possa fazer?! Eu tô junto contigo! Acho que nem precisava dizer isso, mas,
enfim...

Ela fala enquanto eu já arrumava minhas coisas.

— Tem erva aí?! Acho que vou começar a usar, tô precisando relaxar, meu irmão deve... — começo
a zombar, ela já ia começar a rir, mas eu travo quando uma ideia absurda me passa pela cabeça
— ...ter.

Resmungo voltando a olhar para a foto de David.

— Qual o problema, doutor?!


Ela pergunta e eu nego. Pensei que ia perguntar se eu tinha tido mais uma ideia milagrosa, mas
não diz nada.

— O problema é que ninguém morre sem motivo, inspetora! — eu falo, encaro o corpo de David
mais uma última vez, e saio de lá em silêncio.

O caso Miragem ia ser decifrado, mesmo que de uma forma independente, mas ia.

(...)

A mulher era a coisa mais grosseira do mundo, mas entrar na sua casa era como entrar em um
castelo de uma princesa doce e meiga. O seu apartamento era enorme, para dizer no mínimo...
sofá luxuoso branco, tapete de pelúcia em uma cor rosa claro, um lustre de cristal, que parecia ser
de pedras verdadeiras, — e eu apostava um rim que era — e tudo do bom e do melhor. TV de
tela plana, artigos de artes, quadros lindos que pareciam terem sidos pintados por crianças, e no
geral, tudo muito clean, harmonioso e bonito.

Não era muito vaidosa ao se vestir, mas pelo jeito, o que faltava na "feminilidade extrema", comum
entre as mulheres de sua idade no dia à dia, sobrava no quesito look de dormir, e design de
interiores feito para uma linda jovem solteira. Parecia gostar de um bom e velho jeans, mas não
abria mão do luxo em casa. E só por saber dessa sua particularidade, já me sentia feliz. Eu estava
começando a conhecê-la.

Ela sai dos meus braços de repente, e após dizer que precisava, sim, de paz, o que eu já sabia,
ela me dá um beijo molhado na face, diz que vai se trocar e pegar sua bolsa, e eu a sigo, mesmo
sem ser convidado.

Que pijama era aquele, meu Deus???

Eu estava evoluindo no "nosso relacionamento", nunca pensei que conseguiria falar com ela, mas já
estava em seu apartamento enquanto vestia roupas íntimas. Nunca vi uma mulher com um traseiro
tão grande.

E aliás, acabava de conhecer seu quarto. O mesmo estilo, mas ali predominava o rosa-bebê. Era
um quarto de uma princesa, uma princesa já crescida.
Uma versão pequena do lustre da sala, móveis em estilo provençal, cama gigante e confortável, e
em uma única parede, uma estante de vidro planejada cheia de Barbies ainda nas caixas.

— Sério?! Barbies???

Pergunto enquanto ela abria uma das portas de dentro do quarto. Tinha duas, sei que a que ela
entrava era um closet, porque minutos depois, ela voltou vestida com uma calça jeans, sapatos
fechados de saltos medianos, e uma blusa de alcinha que deixava seus seios enormes em
evidência. Estava linda demais. Muito gostosa.
— Sério. Até hoje eu amo! Na casa de meus pais e na instituição tem mais! Essas são as que não
consegui doar!

Ela fala mexendo em sua bolsa.

Me sento em sua cama e a admiro, até que vejo uma blusa masculina no cabide de chão, ao lado
da porta. Me levanto, me aproximo e constato o óbvio. Cheirava a perfume masculino barato e
aquilo me destruiu.
Minha garganta fechou, meu coração doeu, e a cena em que ela diz que não suporta cena de
ciúmes toma conta de meus pensamentos.

Engulo o orgulho ferido, seguro a vontade de chorar e gritar de raiva, e volto a me sentar na
cama. Minha boca estava seca.

Me jogo de costas, fito o teto branco, e só espero. Só o que me faz parar de pensar em ir embora
e tentar esquecê-la, é quando ela sobe em cima de mim e tira meu foco do teto para sua face.

— Quer queimar o casaco, neném?! — ela sussurra para me provocar — Quem sabe a casa toda?
À dois você está autorizado a surtar, o que não pode é com plateia! Sempre fui contra esse lance
de guardar sentimentos e nos reprimir! Quer brigar? Para mim fica mais interessante quando tô
com raiva!

Ela imita meu jeito de falar com palavras que já usei e com meu sotaque, eu não caio na dela, mas
puxo seu pescoço para baixo.

— De quem é essa porra?

Eu pergunto em voz baixa para não transparecer o ódio que eu sentia, e ela ri saindo de cima de
mim.

— Eu não paro aqui, doutor. Emprestei algumas noites para um amigo se hospedar e economizar
com hotel!

— Ele dormiu na tua cama?

— Sim! O quarto extra que tem aqui só tem bagunça, não é necessariamente um quarto. Ele usou
por uns três dias, me agradeceu pela estadia e voltou para sua cidade.

Ela mente, eu volto a me deitar e, ao invés de subir em mim de novo, ela me puxa pelo braço bom
até eu me levantar.

— Só o que precisa saber é que eu não tenho ninguém.

Ela me olha nos olhos e isso me pareceu verdade.


— Eu sei quando tu mente.

— E eu sei que você sabe. — ela sorri — Não tenho nenhum relacionamento, e não dou selinho em
mais ninguém! Se apegue nisso!

Eu concordo com a cabeça e ela acarinha minha face antes de voltar para a sua bolsa.

— Vamos arrumar esse tal quarto de bagunça. Por enquanto o Tiago pode usá-lo.

Eu zombo e ela sorri erguendo uma sobrancelha.

— Faça uma pequena mala. Coloque um biquíni nela.

Eu digo e saio do quarto antes dela protestar, ou encher meu saco.

Entro no banheiro do corredor e olho no cesto de roupa suja. Nada. Vou até a cozinha e só o que
tinha era um prato todo sujo de molho branco, e uma taça. Geladeira cheia. A porta no canto
deveria ser uma lavanderia, e era. Apenas roupas dela no varal, não tinha muita certeza porque
não acendi a luz, e a única fonte era da janela aberta, mas nada me indicava que ali morava um
homem.

Quando entro na sala a encontro sentada mexendo no celular.

— Conferiu tudo? — ela pergunta ainda olhando pro telefone. Não. Falta os bolsos da blusa.

— Não fui conferir nada. Só conhecer! Está pronta? Pegou tudo?

— Sim!

— Então vamos. — eu digo, pego sua bolsa, sua mala pequena de mão e espero ela passar em
minha frente.

— Para onde vamos???

— Para um paraíso secreto! Um lugar que chamo de lar.

Eu falo ao entrar no elevador, e ela se enrosca no meu pescoço.

— Preciso voltar logo...

— Quando chegar lá, não vai mais querer voltar!

Ela sorri, e de repente me solta e se afasta. Parecia querer se controlar, parecia se segurar
demais, e não entendia muito bem o que estava acontecendo conosco e com ela. Pelo jeito, nunca
planejou se envolver, mas estava mais perdida do que cego em tiroteio. Toda confusa. Eu estava
ganhando aquela batalha.

— Vem cá, fica perto de mim! — eu peço e ela volta a me abraçar — Gruda em mim! Saiba que
eu nunca vou magoar você, eu sou louco por você, vou te fazer a mulher mais feliz do mundo! Vou
cuidar de você, e vou te proteger!

Eu digo e ela só concorda escondendo o rosto. Beijo o alto de sua cabeça e saio do elevador
segurando sua mala e bolsa em uma mão, e de mãos dadas como tinha que ser.

— Coloque a blusa. Está ventando!

— Tô bem.

— Vai ficar doente.

— Não vou, não! Já suportei frios intensos, um vento não me derrubaria.

— Frio de blusa, é uma coisa...

Eu falo e decido deixar por isso mesmo, mas aí ela veste a blusa logo em seguida. Por que não me
economiza???

— Aqui... — jogo uma manta em seu colo assim que entramos no meu carro — Vê se descansa!

— Quanto tempo de percurso?

— Cinco horas!

Eu falo, ela arregala os olhos, logo aceita calada, e adormece assim que eu coloco o carro para
andar.
Minha neném cansadinha. Sorrio quando vejo sua respiração ficar pesada.

Dirijo com tranquilidade e deixo todo o caos da minha vida para trás. Consegui uma "licença para
pesquisa de um fato", antes "de fechar o caso Miragem", e fiz o que eu melhor podia ter feito:
Peguei minha loira gata e a raptei para bem longe de toda a ameaça que estava minha vida.

Coloquei Manuela para arrumar algum policial amigo para cuidar de minha pequena família de
dois, e fugi para ter paz e resolver um pequeno dilema. Tudo estava na mais devida ordem.

— Ei, neném, chegamos!!!

Eu sussurro horas depois e ela desperta confusa.


Parecia um bebê. Meu Deus eu ia infartar de tanto amor por aquela mulher.
— Já?!

— Já! Vamos! Aqui tu pode tirar essa manta! A cidade é bem calorenta...

— Não vai me dizer que estamos...?! — ela olha ao redor e sorri — No Rio!

— Já veio aqui, certo?!

— Já! Aquele meu amigo que te falei, mora aqui! — ela parece travar — Enfim, o lance de
empresar apê, é comum entre nós!

— Era!

Eu resmungo bravo, ignoro sua careta, pego nossas malas e decido saber mais sobre esse cara, no
futuro... já vi que ia me dar trabalho!

Marquei uma hospedagem em um hotel (apartamento) em Copacabana. Tudo o que queria era
levá-la em minha casa, mas eu não sabia como minha mãe ia tratá-la, como ela se sentiria em uma
casa tão simples, praticamente no meio de várias favelas, e o que ela pensaria sobre já conhecer
meus pais.
Por mim, eu já pediria a loira em casamento, mas pelo pouco que sei sobre ela, a mesma ia fugir,
tipo sair correndo, literalmente, e eu ia ficar malzão.

— Escolhi dois quartos para não se sentir tão pressionada.

Eu sorrio colocando as malas no sofá da pequena sala.

Eram duas suítes, uma pequena copa, e sala com vista para o mar em uma pequena varanda.

— Não gosto de dormir sozinha!

Ela diz e eu preciso olhar para ela para acreditar!

— Com quem dorme?

— Com minhas irmãs! São gêmeas. Dia sim, dia não, pulo na cama delas. Uma não curte muito
porque diz que eu a soco enquanto durmo, a outra ama, e fica até enciumada quando não é a vez
dela.

Ela sorri sentando no sofá e eu nego com a cabeça.

— Pois bem! Você não vai me socar. — ela sorri de lado — Vai se virar e aprender a dormir
sozinha!
— Mentiroso! — ela fala cantando e eu dou risada.

— Pode descansar um pouco! Vai dar sete horas da manhã. Vou ler alguns arquivos, se eu dormir
agora, não levanto mais!

— Tudo bem, vou me esticar mesmo! Dormir em carros não é meu hobby favorito. — ela se levanta
e eu escuto enquanto tirava uns papéis da bolsa — Mas como disse que veio para cuidar de mim
e me proporcionar um momento de paz, acredito eu que vai largar esses papéis e me seguir para
ficar de conchinha, nem que seja para velar meu profundo sono!!!

Ela faz um charme, e eu solto os papéis na mesma hora. O que a faz sorrir.

Ela fecha as janelas, as cortinas grossas, e quando tudo fica escuro eu a escuto tirando a calça
jeans, o que me deixa pilhado demais.

Como ia ficar de conchinha com ela estando duro? Meu Deus... pequena timidez ridícula e sem
sentido se fazendo presente.

Ela deita, me deito ao seu lado com um certo espaço "em respeito", faço carinho em sua cabeça e
ela se achega em mim na mesma hora, sem rodeios.
Seu bumbum encosta em meu músculo duro, e automaticamente minha face alcança seu pescoço,
sem que eu possa notar, ou evitar.

Foi automático e ela não ligou.

A vontade de fazer amor com ela era desmedida. Eu queria mais do que queria qualquer outra
coisa. Minha nossa!!!

Cinco minutos depois ela já parecia dormir confortável comigo ali, então se virou, agarrou meu
pescoço e enterrou sua boca em minha garganta, sua respiração ali deixava a minha
descompassada. Seu cheiro, sua pele macia, sua nudez em minha imaginação... eu ia pirar.

Se estivesse com ela, ia entrar embaixo do lençol, abrir suas pernas, e chupar sua boceta, até ela
acordar já gozando. Se ela me desse essa liberdade deliciosa, eu não ia sair desse quarto para
resolver nada. Nada! Ia ficar nessa cama chupando sua intimidade molhadinha, e fazendo muito
amor, até dizer chega e... Meu Deus... Afasto ela com delicadeza para minha imaginação fértil não
me fazer enlouquecer ainda mais, mas ela resmunga um 'não' parecendo sonhar, e se gruda ainda
mais em mim.

Adormeço duro abraçado com ela, e acordo ainda mais duro e com dor, e ela ainda estava
agarrada em mim... quanto mais sonolenta, mais dengosa parecia ficar.

— Bom dia, neném!


Eu resmungo e ela sorri me enchendo de selinhos, que já eram nossa marca registrada. E eu sabia
que bastava um beijo de língua e ambos fariam uma besteira, e ela só não ousava porque tinha
medo desse momento chegar, e além de tudo, sabíamos que ele chegaria muito em breve.

— Você ficou aqui, o tempo todo...

Sua voz estava mais fina que o normal, toda mimada.

— Fiquei, dormi também!

— Hum... — ela geme e sorri com a boca no meu pescoço — Tô com fome, muita fome, muita
mesmo!!!

Ela agarra em meu pescoço e eu a beijo com ternura.

— Vou pedir o café para você! O que que tu costuma comer?

— Não tenho regras com comida, só alergia a amendoim e sementes semelhantes. Tomo
antialérgicos desde criança. De resto, como qualquer coisa!

— Bom saber! Chocolate com amendoim ou castanhas, nunca, então!

— Nunca!

Seu sorriso estava lindo, acordou de bom-humor.

— Já vou!

Me sento na cama e ela se aproxima do meu ouvido.

— Dormiu bem?

O QUE??? Me viro para ela e a vejo toda descabelada, zero maquiagem, ao natural... estava
ainda mais divina, linda demais, mas também zombava de minha situação.

— Sabe que não! Tive pequenos surtos no decorrer desse meio-tempo! Hoje vai dormir de calça
jeans.

Dou risada.

— Bobo.

Bobo né, filha da puta?! Deve ter feito de propósito. Loira deliciosa. Eu não ia dar conta de sair do
Rio sem fazer amor com aquela mulher, mas eu ia ter que dar um jeito e segurar a barra para
respeitar o tempo dela.

Ligo para a recepção, peço o café no quarto, flores, e aproveito que ela diz precisar de um
banho, para ligar para dona Maggie.

— Oi, Filho!!! Que bom que ligou! Como você está?!


— Tô bem, mãe, e vocês!?
— Estamos bem, meu amor... e Tiago? Cadê? Está se comportando???
— Está mãe! Ele tá bem.
— Passe para ele!
— Tô no Rio, mãe, a trabalho! Ele está com Barbara!
— Ué! Vai passar aqui, não é?! Se tivesse me avisado antes...
— Não sei, depende de teu humor! Estou com uma amiga e não gostaria de pagar mico!!!
— Amiga??? Que amiga, William??? Barbara sabe disso? Que história é essa?
— Bom, já vi que não será receptiva, então não vou.
— É agora que deve vir! Tu brigou com a Bah!? O que é que tá acontecendo, Will?
— Mãe, esse não é o tipo de papo que deveríamos ter por telefone! Poderia passar aí, mas só
preciso ver mãe Ângela! Acha que ela me receberia?
— Pra quê?!
— Sim, ou não, mãe?!
— Escuta Aqui, William Castro, venha já para cá! Vou preparar um almoço para você!
Conversaremos aqui! Se não vier, parto para São Paulo muito em breve!
— Vou pensar, mãe!
— Em que hotel você está, William?
— Preciso ir, mãe! Te amo.

Digo, desligo e atendo a porta. Café rápido.

Ignoro a probabilidade alta de uma bronca das boas de dona Maggie mais tarde, finjo que não
tô preocupado, arrumo tudo na mesa de centro, e vou chamar a sócia da CEDAE.

Chamo, me sento na cama, cheiro sua blusa perfumada, da qual tinha se despido, e tenho um
pequeno início de infarto ao vê-la sair do banheiro.

Estava de biquíni MINÚSCULO, vermelho vivo, e de amarrar dos lados, até havia feito laços
pequenos. O tecido parecia ser fino, estava colado em sua bocetinha pequena e aparentemente,
delicada, e minha nossa... seus seios eram redondinhos, sua barriga chapada, bumbum e quadril
ligeiramente maiores do que pareciam vestida, e olha que de calça jeans já pareciam bem
grandes.
Aquele corpo era o corpo mais lindo que eu já tinha visto em toda minha vida, e eu queria ele
para mim. Só para mim.

Aquele laço foi feito para desmanchar. Sim, foi. Eu queria puxar, queria muito puxar e fazer amor com
ela.
— O carioca nunca viu uma mulher de biquíni? Ou age assim com todas?

Ela pergunta e eu não sei o que dizer, e nem consigo! Estava com a boca seca, e só a boca, o resto
todo dava indícios de que ia começar a ficar úmido, de novo.

— Perdão. Desculpa! Eu vou... eu acho que...

Aponto "pro café" gaguejando ao me recusar a olhar para ela, e a palhaça ri.

— Tudo bem! Obrigada! Eu ia perguntar se estava bom, mas já vi que não preciso.

— É! Não precisa! Você está... perfeita! Você é perfeita!

Eu falo, ela agradece, se vira para mexer em sua mala do outro lado da cama, e eu não controlo
o meu olhar até seu bumbum, todo livre por causa do fio-dental da peça. Salivo em cima e
embaixo.

Decido sair do quarto para parar de ser babaca, e não consigo voltar a respirar.

— E então, o que teu pai falou de mim?

Pergunto enquanto tomamos café no tapete da sala. Eu ainda estava em "pânico" ao vê-la de
biquíni.

— Nada. Ele é discreto! Mas te defendeu no lance da cena! Disse que você até que é mais
tranquilo que ele, na hora do ciúme, mais tranquilo que os homens da minha família! Mais tranquilo
que eu... e que eu devia te desculpar.

— E você me desculpou?

A encaro já com shortinho e blusa simples, bem larga. Linda de qualquer jeito.

— Desculpei! E tua mãe?! — ela muda de assunto enquanto come — Vai vê-la, já que estamos
aqui?

— Vou sim! Senão ela vai vir atrás de mim!

Ela sorri e concorda com a cabeça.

— Isso é pra mim?

Ela aponta para as flores atrás de mim. Tinha até esquecido.

— Sim, eu... queria ter te dado ao acordar, mas você me fez dormir... te avisei que eu não ia
acordar!

Entrego para ela e ela sorri. Era um ramalhete de flores do campo, todas coloridinhas.

— São as minhas favoritas!

— Jura?

— Nem foi você quem escolheu, né!!!

— Não. Não sabia qual tu gostava. Pedi flores e me entregaram essas... disse que não tinha
preferência, que você não me parece gostar de clássicos. Rosas vermelhas...?!

Eu faço careta, dou risada após tomar um gole do suco e travo quando ela engatinha e senta no
meio de minhas pernas. Mais uma conquista, eu a vi de quatro, e de longe foi a melhor cena da
minha vida. Imagina...?!

— Não curto rosas vermelhas! Obrigada! — ela sorri me fazendo sentir seu hálito com cheiro de
laranja e mamão — Não te vi comendo nada... come um mamão, aqui!

Ela pega um pedaço para ela, ri, joga um pedaço dentro da minha boca aberta, e eu sinto
vontade de comer da tua própria boca.

— Assim é bom, vamos tomar café juntos, e ficar juntos. Você parece aéreo, sei que deve estar com
problemas, e por isso a fuga até aqui, e ainda me trouxe junto... — ela ri — Mas você precisa
esquecer um pouco, pelo menos enquanto eu tô aqui, com você... eu sei que...

— Sshhh... vem cá!

Ela tagarela meio nervosa, meio tímida, mas para assim que eu toco sua face. Uso os dedos pra
tocar e puxar sua nuca para mim, e ela nada faz. Já fazia dias que eu queria beijar aquela boca,
e eu não estava mais aguentando. Era perfeito acordar ao seu lado, era demais estar com ela,
tomar café-da-manhã ao seu lado era o que eu queria fazer todos os dias, pelo resto de minha
vida, e ela precisava saber disso.

O começo do beijo são alguns selinhos típicos, tímidos, delicados, com os nossos sorrisos e carinhos,
mas depois, com receio, abro sua boca com meus lábios, ainda olhando em seus olhos, toco minha
língua na sua, sinto seu gosto quase celestial, e o que eu sempre suspeitei acontece. Senti o mundo
parar de girar, o sol parar de fazer seu trabalho, e todo o universo abrir mão de seus afazeres
para se concentrar naquele acontecimento.
Chupo sua língua com vontade ao me descontrolar, ela se entrega para mim ao tocar minha nuca, e
eu trago aquele corpo, que já me pertencia para seu devido lugar: meu colo.

Permaneço chupando deliciosamente sua língua macia, com a mão livre acarinho e aperto suas
costas e cintura, me sinto mais duro do que nunca, e sinto meu coração inchar de tanto amor.
Parecia que eu tinha feridas, e que naquele momento todas elas estavam se curando com teu
toque, com tua presença, e eu era outro homem por isso.

Eu estava apaixonado, completamente apaixonado por ela e ela sabia. Não ia dizer, mas ali, ao
arfar baixinho por minha causa, pressionando sua intimidade na minha e esfregando
“discretamente”, eu sabia que todos os meus sentimentos eram correspondidos. Helena me
desejava, e sabia que eu era o seu homem, assim como ela era minha mulher!

Nós dois nos apaixonamos, eu sabia disso, e naquele momento tive certeza.

Eu não conseguia parar, seu beijo era delicioso, naquele momento eu soube que... não, eu tinha
certeza que havíamos nascidos um para o outro, que ela era minha, e que íamos ficar juntos.
MESMO. Então as consequências disso, que eu também já sabia, seriam inevitáveis. Helena era a
minha mulher, seria a última, e eu estava agora, amarrado nela, para sempre. Ali eu estava
completo, como NUNCA ANTES.

Aperto seu corpo inteiro e sinto sua boceta pressionando ainda mais forte meu pau que já
latejada. Brincadeira gostosa aquela... faço-a rebolar um pouquinho fazendo um vai-e-vem com a
cintura, ela passa a arfar mais alto, e eu rosno sem querer, só por ouví-la. Ouví-la gemer por mim
era um sonho.

— Ei...

Ela sussurra sem fôlego e eu paro de tentar fazer amor com ela, ali, na sala, à luz do dia. Nem me
olhar nos olhos ela parecia conseguir. Estava tímida demais, excitada, mas ao mesmo tempo, feliz.
Assim como eu, porque enfim, o que tanto queríamos havia rolado. Nosso primeiro beijo.

— Agora já foi! — eu continuo beijando-a enquanto falo, eu estava maluco por ela — Não
adianta fugir no meio. Nos beijamos. Sei que "não era o que você queria", mas aconteceu. Por
favor, não faz a maluca insegura e cautelosa! Estamos juntos, não vou te magoar. Já estamos aqui,
faz amor comigo, neném, tô cheio de vontade de você!!! Não fuja de mim não!

— Não vou fugir. — ela diz com sua testa tocando a minha — Só precisei parar para você se
acalmar. Esse foi o beijo... nosso primeiro beijo, e foi incrível, mas... que tal se a gente fosse com
calma, tipo, um degrau de cada vez!? Estamos juntos, mas, não precisamos ter pressa, eu não vou a
lugar nenhum e nem você. — ela sorri toda corada — Eu disse que não queria nada contigo e
estou no Rio de Janeiro com você, sem questionar, aceitando até flores, o que sempre achei que
nunca ia gostar de receber, quando o que eu devia estar fazendo era estar em São Paulo,
trabalhando, e cuidando da instituição! Vê até onde chegamos?! — ela me olha com um carinho
sincero — Tudo o que eu queria era distância de você, mas, como já vi que não será possível, acho
que podemos fazer isso... só não me pressione, não me exija nada, e então, vamos ficar bem!

Ela diz com a voz baixa como se aquilo fosse um absurdo demais para ser dito por ela. E era
realmente isso. Helena estava se abrindo, e estava com medo...

— Bom, estamos bem, foi só um beijo, neném! Acho que agora a gente pode aposentar os
selinhos... eu nunca vou exigir nada de você! Já sabe que quero mais, mas vou esperar seu tempo!
Mas... agora que o beijo já rolou, acho que eu vou poder te beijar o tempo todo, né?!

Risadas como sempre...

— Sim! Você ganhou o direito de me beijar quando quiser, porém, acho que eu ganho o direito de
te pedir algo...

— Qualquer coisa, já te disse!!!

Falo tirando uma mecha de seus cabelos dourados do olho.

— Tudo bem. Conversaremos sobre o que eu quero no jantar. Vamos tomar café, ir para a praia, e
curtir essa cidade maravilhosa. Foi para isso que você me trouxe, não foi?! Ficar comigo, relaxar,
curtir...

Ela diz beijando meu pescoço.

— Também. Eu vim para te fazer um pedido. Longe de tudo, com calma... Vai ser...

— Eu tô aqui, William. Aceitei viajar e mal te conheço, tô me abrindo devagar, tô te deixando me


conhecer, e tudo o que pensa, é em rótulos?! Não precisamos disso... estamos juntos, não foi o que
você disse?! Não precisamos disso agora! Tá muito...

— Me escuta! Não é nada disso, doida... — eu falo e ela inclina um pouco a cabeça — Eu sei o
quanto significa para você ter vindo, sei que tem medo de arriscar, entendo tudo isso e eu vou ter
paciência. Meu pedido não tem nada a ver com isso, prometo! Eu nunca te pediria em namoro ou
casamento, sei lá, — risos — sem ter a certeza que você aceitaria... o que eu quero é realmente
um favor porque confio em você, só em você, e preciso de ajuda com um problema!

— Tudo bem!!! O que é? Eu te ajudo, claro!

— À noite! No jantar. Pode ser? Assim os dois falam o que têm para falar... por agora vamos nos
beijar mais um pouco — ela ri — e curtir Copacabana!!! Mais tarde vou ver minha mãe e visitar
uma amiga, mas quando eu voltar, depois que a gente jantar, vou te levar em um lugar bem
especial! Meu passatempo favorito no Rio!

Eu digo e ela sorri concordando. Aproveito minha carta branca, a beijo de novo, e ambos
esquecemos o café da manhã. Nos amamos de roupa e nos despimos de alma, por longos minutos,
ali, no tapete da sala.
— Vamos, Mulher!

Bato na porta antes de entrar assim que me troco no banheiro do corredor. Entro no quarto e a
vejo no celular.

— Era meu pai!

— Aconteceu alguma coisa? Parece preocupada.

Ela estava abatida e claramente preocupada.

— Claro que não! Pelo menos nada que não possa resolver quando eu chegar! — ela me abraça
apertado e sinto uma coisa estranha, mas que logo passa quando ela me solta — Não se
preocupe! Tá tão calor, vou sem a blusa... — ela muda de assunto se olhando no espelho — Ah!
Não... lá eu tiro! Vou me queimar. Sabe que eu preciso me encher de protetor?! Fico muito
queimada fácil! Pagarei mico aqui, fico parecendo um camarão, e eu...

— Você vira uma matraca quando fica sem-graça, nervosa ou ansiosa, e vira um neném dengoso e
carinhoso quando tá com sono!

Eu a interrompo e ela se vira para mim, bastante curiosa.

— Minha dúvida é: Você fica muito puta quando te acordam, ou você é um docinho de qualquer
jeito!??

— Quer saber se pode me acordar com segurança?

Ela se aproxima e seus braços viram duas garras em volta do meu pescoço.

— Quero.

— Pode. Eu não tenho problemas com isso, não... Pelo menos, depende bastante do jeito com que
você vai fazer isso!

Ela diz isso e passa a mão no meu cabelo. Um carinho pesado, puxando um pouco, com firmeza...
minha nossa!!!

— Tira a mão daí,ou não vou te deixar sair daqui hoje!

Eu falo sério, ela ri, e se afasta.

Todo o caminho que fizemos foi torturante. A mulher estava de cabelo preso, shorts curtos, que
deixava sua bunda enorme em evidência, o que contrastava com a cintura razoavelmente fina, e
uma blusinha branca, larga, com um decote enorme. Eu não tinha condições de me concentrar. Eu
segurava sua bolsa enquanto ela se empoleirava no meu pescoço, no elevador, e eu só pensava se
as pessoas iam notar que eu estava "armado". Sua respiração, seu perfume, e seu corpo colado no
meu era sem explicação.

— Eu não consigo parar de te beijar, e isso é desesperador!

Ela fala no meu ouvido, minha atenção vai para seu decote, e a porta abre no penúltimo andar
para alguém entrar e interromper.

Seguro em sua mão para atravessar a avenida e a ciclovia, e não queria mais soltar. Seus shorts e
suas coxas grossas estavam chamando muita atenção. Muita mesmo.

— Vem! Me mostra como os cariocas se divertem na para ia!

Ela diz se despindo, tira meu fôlego ao se inclinar pra baixar os shorts, tira o fôlego de todos os
homens ao redor, e sorri para mim quando coloca suas roupas na bolsa que eu segurava. Eu
estava começando a achar que precisava de terapia para ninfomaníacos. Ou estava bem carente
e na seca, ou apenas a desejavapra caramba. Não sei...

— Sabe nadar, né?!

— Vai ter que vir comigo para garantir!

Ela entra no mar, deixo a bolsa em uma barraca de bebidas, e vou atrás dela.

— Cheguei.

A água batia no meu peito e no pescoço dela.

— Você estava certo! Não quero mais ir embora! — ela havia se virado para me olhar, mas logo
coloca suas costas em meu peito — Gostei dessa paz, dessas pequenas férias longe das
responsabilidades.

— Vou amar se quiser ficar! Depois eu volto para te visitar...

"Zombo seriamente" e ela me olha curiosa.

— Já quer se livrar de mim, doutor?!

— Não. Para com isso! Tô brincando.

— Ah! Pensei que queria me ver longe...

Ela me abraça e uma onda enorme nos pega desprevenidos. Seguro em sua mão, me recuso a
soltar, e depois de submergir ela ri, e eu não vejo graça nenhuma. Seguro forte a filha da puta
pela cintura e chego seu corpo no meu. Ela me olha confusa com as mãos espalmadas em meu
peito e... parece tão apaixonada por mim quanto eu por ela.

— Eu nunca quis tanto alguém como quero você. Eu te quero muito, te quero muito. É como se eu já
te conhecesse, neném. É como se eu já te amasse não só nessa vida, mas em todas as que nós
vivemos juntos. Eu permaneço te querendo mais do que quero qualquer coisa no mundo!!! — eu
falo e ela me enlaça pelo pescoço.

— William... — ela sussurra sem saber o que dizer e eu a ajudo beijando sua boca e apertando
sua virilha na minha. Era muito amor dentro de mim.

Ficamos ali, nos abraçando, nos beijando, nadando, conversando, nos conhecendo e eu me
apaixonando a cada minuto, cada vez mais.

Me fez passar protetor solar fator mil em todo teu corpo, e me comportar para não dar vexame, o
que foi difícil pra caralho! Preciso dizer.

Helena era uma mulher simpática, sorridente, rápida e bem-humorada... pelo menos na praia de
Copacabana, em uma pequena férias no Rio. Agora em São Paulo, já era outro papo. Mas eu
estava gostando de conhecer todas as suas versões, e estava começando a pensar que, afastá-la
do caos de São Paulo havia feito muito bem para ela.
Se eu pudesse, largava tudo e ficava naquele paraíso, que ainda chamo de lar, para todo o
sempre.
Quem olhava de longe parecia ver um casal se curtindo, namorando, passeando, e eu queria que
essa impressão fosse a realidade. Sim, eu queria rótulos, eu queria ela para mim.

Mas eu também sentia, quer dizer, continuava sentindo que entre mim e a mulher da minha vida
havia um abismo invisível enorme, e eu lamentava ao pensar nisso. Eu tinha certeza que nossa vida
juntos ia ser uma luta constante, e aquilo me deixava muito triste. Mas estava aproveitando cada
pequeno momento nosso para nunca mais esquecer. Eu nunca, em minha vida toda fui tão feliz,
como estava sendo naquele momento, com ela, ali!

— Vou me trocar!!! — Eu jogo sua bolsa suja de areia no sofá duas horas depois e ela me abraça
pelas costas — Posso ir contigo? Posso esperar no carro...

— Não! Prefiro que fique aqui!

Eu falo e ela se afasta.

— Por que?
— Bom, eu vou até lá para levar uma bronca da minha mãe, na verdade, então... não precisa
presenciar isso!

Dou risada e ela também.

— Tá, ok! Te espero aqui!

— Obrigado! — sorrio — Virei logo, prometo! Também preciso procurar algumas coisas que eu
acho que vão me ajudar a manter o caso Miragem aberto... então... talvez eu precise entrar em um
lugar que não tem necessidade de você entrar! Ficarei mais tranquilo com você aqui! — falo
tirando a camiseta — Pode descansar enquanto isso, vai precisar de muito gás para a nossa noite!

Eu digo, e ela que já ia saindo, se vira para mim, e se aproxima.

— Vem cá! Eu tenho uma pergunta. — ela diz e eu afirmo com a cabeça, já retirando a bermuda!
Os resquícios de areia no meu corpo me incomodavam — A bronca da tua mãe é por eu ter
vindo? Não gosta da ideia de você estar comigo???

Ela limpa a areia do meu peito e parece entristecida de repente. Do nada. Estranho.

— Ela não gosta da ideia de eu ter me separado da Bah! Não é pessoal! É que conhece a Bah
desde menina e sonha com nosso casamento. Minha mãe fez todo nosso enxoval nas agulhas de
crochê dela! — eu beijo sua testa e pego minhas roupas do chão — Ela só precisa se acostumar
com a ideia, ela nem sabe que terminamos ainda! Preciso contar! Ela vai acabar aceitando! —
Entro no quarto e ela me segue.

— Quero ir.

— O que?

— Quero ir com você. Não diz que estamos juntos?! Se estamos juntos não pode me largar aqui, só
para sua mãe não ficar bravinha! Não vim para ficar sozinha no hotel, quero ir contigo! Ela vai
aceitar mais rápido se já me ver com você! Ver que é sério!

Ela diz de braços cruzados. Eita.

— Então é sério?! — Zombo rindo — Não precisa ser assim, muito provavelmente a atitude dela
vai te magoar! Tu vai ficar bolada por causa da cena dela, e eu não quero te ver triste, aqui! Vou
te poupar, "momentos de paz" apenas, se lembra?!

— Prometo que não vou! — ela me olha nos olhos e agarra meu pescoço — Não vou ficar
"bolada"! — ela sorri — A "Bah" já foi... — ela parece enciumada, mas tem algo a mais em sua
atitude — Agora é comigo que você está, então não pode me deixar sozinha, tem que me levar
contigo! Quer oportunidade melhor para me apresentar?! Vai saber quando você vai ter alguns
dias longe da delegacia, e eu longe do museu, de novo...

Ela me olha fazendo manha, toda gostosa, e eu entendo.

— Tu quer muito ir, né?! — consigo gargalhar com aquilo e ela sorri — Pensa que eu sou bobo,
mulher? Tu não tem pressa, não quer rotular nosso relacionamento, não quer pular degraus, não
quer conhecer meus pais, não quer a aprovação dela, e não precisa de nada disso! — eu falo e
ela olha para minha boca, erguendo uma sobrancelha — Diz para mim o que você realmente
quer!!!

Beijo sua boca com vontade e ela pula no meu colo, envolvendo suas pernas em minha cintura.

— Só quero queimar todo o enxoval que ela fez à mão!!! — ela chupa minha língua e eu deito ela
na cama, comigo em cima, minha posição favorita — Quero que ela esqueça que você chegou a
ter outra mulher. Assim como eu quero que você esqueça que já teve outra, sabe que ninguém
nunca significou tanto quanto eu significo para você! — ela sussurra, me beija puxando minha
cintura para pressionar em sua própria intimidade, geme um pouco, me deixa chegar até seu
pescoço, e quando eu toco a borda da parte de cima de seu biquíni, já pensando em arrancar, ela
arfa e logo dá sua sentença — Eu vou de qualquer jeito, William.

Ela fala, se arrasta para fora da cama, se ajeita com ironia — ajeita os cabelos e coloca o biquíni
de volta no lugar — suspira alto, e me deixa rindo e frustrado sozinho ao sair dizendo que ia pro
banho tirar a areia do corpo.

— Isso! Bem melhor assim... essa é você!

Resmungo sem que ela possa ouvir, deito de barriga para cima e dou risada de novo ao notar o
que ela tinha acabado de fazer comigo. Eu era um tolo apaixonado, e ela ia fazer jogo duro
todas às vezes que precisasse, e aquilo só ia me deixar mais apaixonado e maluco por ela. E eu
aceitava aquilo.
ELA SE ENTREGOU SEM QUERER?

Mantenha o controle! Não se apaixone por ele. Você não pode se apaixonar por ele. Ele é bonito, bem
gostoso, tudo de bom, mas é tua encomenda, é mais um número para tua lista, e será fácil, nessa
missão é só um que vai cair, não são trinta, é só ele.

Ele vai atrás da sua família! Seduza-o, e arruíne os planos dele, que o deixe vivo se quiser, mas o faça
fracassar e saia fora disso antes de se apegar. Mesmo que no final, tudo "dê certo", você vai ser
sempre a Catarina que disse que era Helena, a filha e neta dos caras que acabaram com a família
dele, que matou o amigo dele a sangue frio, vai ser sempre a mulher que mentiu, a assassina que o
fez se apaixonar, mentiu, iludiu, e tudo isso foi só um teatro do início ao fim. Ele nunca vai perdoar
você e tudo acabará muito mal, então não tenha esperanças, Catarina. Não se entregue!

Minha cabeça dá voltas e mais voltas, e a água morna do chuveiro não ajuda.
Aquele beijo que tanto evitei me deixou completamente desequilibrada, perdida, e principalmente,
dividida.

Quando ele falou sobre o caso Miragem, sobre uma possível forma de fazer com que ele pudesse
manter o caso aberto, me fiz de enciumada e disse querer ir atrás só para saber do que se
tratava. Eu me fiz de enciumada, mas acho que fiquei realmente, eu quero saber o que ele
planeja, mas odiei saber que sua mãe faz questão de que ele se case com a "Bah". Eu disse que
nunca achei que gostaria de ganhar flores, mas eu sempre achei que ia ser incrível ganhar. E amo
flores silvestres.

Eu estava amando estar ali, longe do meu caos pessoal, estava conseguindo me abrir para ele. Eu
amei dormir agarrada nele porque simplesmente seu cheiro parecia pertencer à mim, era como se
eu já fosse íntima dele, era como se seus braços fortes fossem minha morada... pela primeira vez
eu podia dormir com os dois olhos fechados, porque confiava nele, coisa que nunca fiz na minha
vida, sempre dormi com a pistola no criado-mudo, e eu estava odiando sentir tudo aquilo.

O cachorro era quente, seu beijo me deixava encharcada, seu olhar admirando meu corpo me
deixava de pernas bambas de uma forma deliciosa, e eu nunca vi ninguém gaguejar perto de mim,
nunca ninguém me desejou tanto ao ponto ficar parecendo um bocó de tão excitado por me ver de
biquíni, e nunca me senti tão protegida. Eu? Que nunca na vida precisei de homem nenhum para
nada, eu que poderia matá-lo a qualquer momento, assim que eu quisesse, se eu quisesse, logo eu,
que odiava me sentir insegura e achava brega esses lances de segurar a bolsa, andar de mãos
dadas, ser tratada como uma garota frágil... e ele fazia tudo isso, ele abria a porta do carro, e eu
amava isso nele!!!

— Meu Deus!!!

Encosto a testa na parede do banheiro e tento não vomitar de tanto enjoo e medo! Medo de tudo
fugir do meu controle.

Se afasta!

A voz do meu inconsciente fala ainda mais...

Será que me afastar adiantaria? Eu ia conseguir? Principalmente depois dele ter ido para a tela-
morta??? Sim, ele foi! Glenda deu um jeito dele ser obrigado a encerrar o caso sem concluir, ela
ligou para o diretor dele em Brasília — sei de tudo isso pela cópia do e-mail que Fred me passou
— e já recebeu dicas de alguém, que ele também não gostaria de trabalhar ao lado dela, e que
ele era mais honesto do que os dois últimos delegados juntos.

Fred até tirou uma foto da tela-morta, me enviou, e vê-lo ali, fez meu desespero crescer, sem
querer o abracei e minha máscara quase caiu.
Aquele cachorro era meu. MEU!!! Eu não podia deixar ninguém encostar nele, e além do mais, era
minha encomenda pessoal! Minha!

William ia largar o caso, e eu era capaz de qualquer coisa para aquilo acontecer. Fred ia chegar
até Manaus a tempo de evitar que Glenda saiba de meu atraso, e queira passar o serviço para
algum cartel do Rio, e ela ia ouví-lo! Era uma ordem minha, a melhor agente que ela tinha, sua
melhor assassina. Ela não ia ousar a ir contra um pedido meu, não comigo garantindo que William
ia se afastar de tudo o que Glenda "cuidava"... Tudo ia dar certo. Eu só esperava boas notícias!

E havia mais uma preocupação: O que ele queria me pedir?! Odiava não saber antes, ou não
saber de tudo.
Eu queria saber sobre o caso, sobre seu pedido, e principalmente, sobre o que eu ia fazer para
acabar com o que eu tava começando a sentir!!!

Saio de toalha e, dessa vez ele se controla ao me ver. Trava por um momento, mas sorri e parece
um pouco tímido.
Eu nem consigo acreditar que dormi ao lado dele e não transamos. Seu autocontrole era de outro
mundo, e eu amei o fato de tentar se afastar para não me "desrespeitar" e forçar uma barra. Por
que ele tinha que ser tão fofo, tão cavalheiro, tão romântico??? E desde quando eu gosto desse
tipo de homem?
Eu podia jurar que ia acabar com um "estilo Fred": ogro, desapegado, tranquilão e sem amarras
para nada, ou um "Estilo Ben", meu parceiro Russo que até hoje só me ensina, é companheiro, —
nenhum dos meus irmãos o conhece — mas não sorri, e às vezes parece nem ter alma... Lindo,
charmoso, sanguinário, e ruim por natureza. Um amigo que ganhei assim que fui embora do Japão,
uma passada rápida até o serviço secreto de espionagem russa. Um quase inimigo, logo
conquistado, um fornecedor, e depois parceiro.

Mas não... tinha que ser aquele cachorro, como diziam Jade e Rubi: Era ele e eu não tinha saída
nenhuma, e o pior: Gostava disso. Não importava quantos treinamentos militares eu tinha, perto
daquele cachorro eu parecia sempre perder minhas forças, e meu foco.

Penso logo em tirar a toalha e me trocar, coisa que eu faria normalmente, mas algo me trava e me
impede. Seria timidez? Nunca fui tímida...
Ele estava sentado na cama, aparentemente pensativo, e só depois de alguns segundos me olhando
de uma forma estranha, ele levanta, beija minha testa, e sai do quarto sem eu ter tempo de pedir.
E eu achava que nem ia pedir, me trocar com seu olhar sobre meu corpo seria a coisa mais
maravilhosa e excitante do mundo...

— Esquece isso, mulher maluca!!!

Resmungo, contrariada e me troco.

Fui com o básico. Vestido de malha bem colado, óbvio que não tão colado, nada exagerado e até
o meio das coxas, botinhas de cano curto preta, e nada mais. Para ele, depois de ter uma
"Barbara toda social e chique" era uma decadência, mas ele parecia não se importar.

— Que lindo! Vou entrar na "favela" com uma patricinha gostosa! Vão morrer de inveja de mim!!!

Seu olhar me causava uma combustão violenta!

— Quem vai sentir inveja de você?! Os caras que são casados com as cariocas do morro de corpo
"estilo globeleza"? Nossa, você está cheio das vantagens!

Eu falo procurando minha arma na mala e ele ri.

— Meu amor, isso é coisa de filme! Nem toda nega carioca tem corpão, não! A maioria sim, mas
não são todas, e você dá de dez a zero em todas elas, pra mim! Nós nascemos no meio delas,
rodeados, estamos acostumados! Tem muito carioca que sonha em pegar uma loirinha estilo gringa!
Toda rosada...

Sua cara é de safado. Suspiro.

— Legal, sou teu fetiche...


— É, sim! — ele ri — É meu sonho de consumo, total!!! Minha branquela, cheia de curvas, e a mais
linda de todas!

Ele estava sentado todo largado no sofá e zombava de mim enquanto eu estava insegura, com
medo de parecer medíocre quando chegasse no seu território e ele fizesse comparações óbvias.

— Você é a mulher mais linda que já vi na minha vida. — eu encontro minha arma e ele para de
sorrir quando a vê em minha mão — E fica tão sexy armada! Te desejo ainda mais quando te vejo
assim, tão perigosa...

Ele fala, eu levanto meu vestido, coloco-a com o cinto na coxa, e me olho no espelho da sala. Ela ia
ficar muito aparente...

Penso em tirar, penso se devo andar por aí desarmada, peso na balança, e enquanto penso, ele
levanta, para atrás de mim, toca minha barriga, me puxa até que, minhas costas toquem seu peito,
e com a mão livre, segue um caminho longo com os dedos na minha coxa, até encontrar a arma,
tudo isso me olhando nos olhos. Logo, preciso trocar a minha calcinha, que antes estava limpa, mas
naquele momento, não mais!

Meu vestido estava um tanto quanto levantado, enquanto ele me "invadia" e tirava a arma do cinto
com calma, ele lia meus movimentos. Minha respiração fica pesada e ele nota. Sabia de cor e
salteado que nunca devia mexer na arma de um "companheiro de trabalho", de forma nenhuma.
Era quase uma lei para eles, e eu sabia disso porque sempre quis ser policial. Por isso apenas lia
meus movimentos, e não queria me "assustar".

Eu fico imóvel, olho em seus olhos pelo espelho, e só espero.


Ele entende, tira a arma, olha o pente vez ou outra olhando para mim, e constata.

— É uma Q25J. Arma Russa equivalente a 38. Você é russa? Naturalizada? Espiã russa? O que a
Rússia quer comigo?

Ele começa perguntando sério, mas depois sorri para mim.


Estendo a mão, ele não coloca a arma nela, acho que esperando minha resposta, então eu o
desarmo e isso o impressiona muito, só que só me mede com um leve humor e disfarça.

— Já não bastava um ombro, agora quer meu pulso.

— Seria mais um machucado nosso para eu cuidar.

Eu falo, ele sorri, pega a arma da minha mão de novo, e se ajoelha colocando-a de volta em meu
cinto. Logo após terminar ganho um beijinho no quadril, e quase caio de pernas bambas.

— Tá dando para ver, não precisa usar. Aqui está segura. Lá é seguro!
Ele diz depois de ver como eu fico no espelho, e eu nego. Não podia ficar sem, não sem antes
receber uma mensagem de Fred dizendo que Glenda não ia encontrar outra opção para apagar
o delegado. Eu sei que parecia caricato, mas eu precisava protegê-lo.

— Não gosto de andar sem! Me sinto mais segura.

— Não pode me dizer se é militar?! Por que anda armada?

— Ando armada desde que um amigo meu foi baleado na minha frente. Mas já te disse, tenho o
registro, tudo certinho!

Ele sorri.

— Era um namorado? Ficou traumatizada?

— Não. Era só um amigo mesmo!

Me lembro de Gabi e fico mais tranquila por não estar mentindo cem por cento.

— Entendi. — ele me abraça pelas costas e eu olho para ele pelo espelho — Mas não precisa
ficar com medo aqui! Sei que diz que não precisa de minha proteção, que é independente, mas
ainda assim, te garanto que comigo você sempre estará segura! Mesmo que eu precise me afastar
para garantir isso, ficará sempre segura!

Ele sorri, mas parece estar sofrendo. Parecia já planejar aquilo.

— Por que está falando assim? Por que tá dizendo isso? Se afastaria de mim ao ser ameaçado,
por ter medo de me ver machucada???

Que patético.

— Sem pensar duas vezes. Me importo demais contigo! Já disse que vou cuidar de você...

— Não seja ridículo, sei me cuidar!

Fico puta e ele ri. ELE RI.

— Tá com medo de eu te deixar, neném?! Tem medo de ter que ficar longe de mim?

— Não consegue falar sério uma única vez, William?

— O que eu disse foi sério, e minha pergunta também foi! — ele perde o bom-humor — Tá com
medo??? Responde!!! É melhor para você quando perco a graça? Fico chato?! É assim que você
gosta? Não está acostumada a ser tratada bem! Qual é o problema em se sentir bem? Protegida?
Você é líder de um bando de feministas?

— Não fala bobagem! Não me conhece, não sabe de nada a meu respeito! Só estou dizendo que
você precisa se preocupar com tua segurança, não com a minha!

— Ah! É mesmo?! E por que? Posso saber?

Ele se aproxima e parece bravo.

— É você o federal aqui, não eu! E além do mais, não preciso de ninguém para me defender.
Posso lidar com qualquer situação!

— Ah! Jura?! Pode lidar?! Eu sou o federal, mas e você? Quem é? Uma civil que luta artes marciais
e sabe atirar?! — ele ri irônico — Vai saber lidar com a corja que eu estou lidando??? Neném,
essa gente é muito perigosa!

Dou risada. Se ele soubesse que essa "corja" sou eu, não seria tão babaca.

— É melhor a gente parar por aqui.

— É verdade. Entramos em uma área delicada... sua verdadeira identidade.

— Eu não estou espionando você, merda! — eu falo desabafando e ele toca os cantos da boca
como de costume, sempre que fica nervoso faz isso — Nada na tua vida me diz respeito! Foi você
quem me viu no Miragem, eu nem te vi, e foi você quem me viu e me abordou no aeroporto, não
eu. Para de achar que me interesso por você e pelos assuntos no qual trabalha. Se não falo da
minha vida para você, é porque simplesmente não confio, ou não tenho vontade!

Eu digo com uma calma controlada e ele dá um passo para trás confirmando com a cabeça.

— Entendi. Nada em mim te diz respeito, entendi! Não vou discutir com você. Quer saber?! Fica aí!
Você já é perfeita sozinha, não precisa de ninguém! Quando tiver vontade, ou confiar em mim, me
procura!

Ele diz de repente e se afasta indo em direção a porta. Ele esperou eu me arrumar para fazer
isso? Eu não estava acreditando!!!

— Eu já disse que vou! Eu quero ir.

— É a minha casa, não sua! Lá sou eu quem manda, e se eu disser que você fica, vai ficar.

Ele fala de repente levantando a voz, eu me assusto com sua grosseria, e ele volta a se aproximar,
parecendo tentar se controlar.
— Me aceite cheio de graça! Vai ser melhor para você, para nós dois! Não quero ser um ogro com
você, um ignorante, mas você precisa entender que eu sou assim, goste você ou não. Se não gosta
do meu lado bem-humorado, brincalhão, não é do meu lado grosseiro que tu vai gostar. Para de
ficar brava por pouca coisa, eu sou um cara leve, gosto de ser assim, drama não é comigo! Se tu
acha que quando um homem, que diz ser capaz de tudo para te ver em segurança e feliz, é tão
ruim e ofensivo, então eu não me interesso por nada que diz respeito a tua vida também. — ele
diz e meu coração se parte ao meio — Tirando esse seu jeito todo misterioso que acho
desnecessário, eu amo tudo em você, e tô amando conhecer até seus defeitos, mas se meu jeito não
te agrada, não vou ficar forçando uma barra. Não posso querer ficar com uma mulher que parece
não gostar de mim! Acho que cometi um erro te trazendo aqui!

Ele fala, sinto a dor, respiro fundo concordando com ele e vou pro quarto, para trocar de roupa.
Eu estava tão embasbacada que eu não sabia nem como reagir com aquilo. Realmente a sua
versão grosseira — o que eu achava que era só uma parte dela —, não havia me agradado!
NÃO MESMO!!!

Se eu não tivesse sido tão burra, se eu não tivesse tão maluca ao ponto de aceitar vir até aqui, me
deixar envolver... aquele seria o momento mais propício para eu largar de ser otária e acabar
com os meus problemas, era só um tiro com o silenciador e mais nada. Só um. Na testa do filho da
puta.

Bato a porta, pego a arma, jogo na cama e só olho. Olho e penso. Planejar um assassinato não
era tão difícil para mim, mas eu estava tão brava que eu não conseguia nem pensar no passo dois,
depois de me livrar daquele grosseirão ignorante.

Olho para a arma na cama, sinto que ele ainda está parado no mesmo lugar que o deixei, olho de
novo para arma, e reflito enquanto meu peito inflava urgente. Faltava oxigênio. Até doía. Doía
muito.

"Acho que cometi um erro te trazendo aqui!"

Sério?!?!

Estava nervosa... soube disso assim que comecei a andar para lá e para cá sem saber direito o
que fazer.
Eu estava triste, sabia disso, mas nunca ia dizer para ninguém. O jeito que falou comigo me
magoou, e magoou porque simplesmente gosto dele.

NÃO GOSTA, NÃO. É TPM.

Toco minha face úmida e resmungo.

— É. Só pode.
Me sinto péssima, volto para a borda da cama, seco os olhos e vejo meu celular acender no
criado-mudo, celular esse que eu já ia deixando aqui.

"Falei com Glenda por telefone no caminho pro aeroporto, quis evitar qualquer imprevisto. Ela disse
que eu nem precisava ir para a tal reunião que convoquei. Que se você precisa que ele fique vivo
porque ele é um problema pessoal, ela disse que confia e vai retirar o pedido. Ela disse que confia no
seu julgamento, e na sua capacidade de fazer com que ele se afaste do caminho dela, ou que aceite
uma possível parceria em seu nome. Ela vai aguardar um retorno nosso sobre isso, mais para frente.
Conseguimos!"

Leio tudo, releio, não sei como me sinto com aquilo e ouço ele entrar no quarto. Imediatamente tento
apagar os vestígios do choro bobo e começo a fazer as malas.

— O que está fazendo? Com quem tá falando? Tava chorando?

— Com o taxista. Voltarei para casa, não serei mais o seu erro!

Eu digo, decido ir embora tranquila, afinal, com Glenda fora ele ia ficar bem, e já começo pelo
banheiro, guardando tudo o que é meu. Em outra época eu ia sair deixando tudo para trás
e tocando o foda-se!

— Eu estraguei tudo! Me perdoa! Nada do que eu te disse é verdade! Você me deixou irritado...

Estava ali um bom motivo para voltar a ser a Catarina de antes e cortar o mal pela raiz. Estava ali
o motivo que eu precisava para esquecer o quanto ele estava sendo "especial" e focar no que eu
precisava: Ou neutralizá-lo ou mudar os planos e matá-lo de uma vez.

— Tudo bem! Acontece. — volto a me controlar como mágica, e foi tão fácil que até consegui sorrir
— Preciso voltar para casa! Resolva seus problemas em paz, eu sei que foi para isso que veio. Só
me trouxe junto para se distrair. Isso não ia dar certo, nós dois sabíamos.

Eu falo e ele começa a rir. Me irrito ainda mais, e a raiva aumenta o triplo quando vejo que a
porta da sala estava trancada. Eu era um erro, mas ele me queria por perto mesmo assim, nem
que fosse sobe cárcere privado! Ridículo!

— Eu sei porque está brava, — ele me agarra e eu me recuso a olhar em seus olhos — não é só
pelo meu grito, grosseria, ou por duvidar de sua autonomia... — ele diz de repente e me impede
de fazer a besteira de pegar um grampo para arrombar a porta na frente dele — Meu neném tá
com fome!

Ele fala e eu seguro um riso histérico.

— Cala a boca!
— É sério, bebê! Voltamos da praia e não paramos para almoçar! Você não comeu nada, e no
café não nos alimentamos direito... foi por um motivo justo, mas isso só se intensificou com tua
barriga vazia. — ele me beija e não consigo nem responder com um soco — Vamos almoçar, e se
ainda quiser partir, o que eu duvido, eu te deixo ir. É uma promessa! — ele sorri, e resmunga após
me beijar de novo — Meu neném tá com fome! Você já come ou ainda está naquela fase que só
quer mamar??? Eu posso te dar de mamar agora, bem aqui, você quer?

Ele sorri todo safado. Fico morta com a piadinha de duplo sentido.

Antes de começar a rir quando ele elabora mais trocadilhos sujos entre "mamar" e se "ajoelhar",
ele me pega no colo e me leva para cama.

— Temos aqui, nossa primeira DR. Vamos fazer as pazes! Eu te quero tanto... me perdoa! Nunca
mais vou gritar contigo, vida! Já vi que não posso fazer isso contigo, já vi que tu fica extremamente
triste, sensível, e partiu meu coração te ver daquele jeito! Me perdoa, tô arrependido! Não acredito
que fiz isso até agora! Prometo mudar, prometo melhorar por você! Estamos nos conhecendo, me dá
mais uma chance! Nunca mais vou falar sobre proteger você, nem que você é um erro! Você foi a
primeira decisão certa que tomei na minha vida! Foi a decisão mais feliz que tive! — ele sorri —
Não termina comigo!!!

— Não temos nada para terminar.

Ele deita em cima de mim na cama, e tenho a impressão que "ama me ver de cima".

— Você é minha mulher, vai ser minha namorada, noiva, e depois esposa! Eu tenho acesso a armas,
não posso me chatear ou ficar bravo!

— Já pedi para parar de falar bobagem...

— Eu já pedi pa tu entender que esse é meu jeito, porra de mulher irritante, teimosa!!!

Ele se altera e quando penso que vai sair de cima de mim para sair do quarto batendo o pé, ele
me beija, e ri.

— Me perdoa! — ele sussurra assim que reviro os olhos por causa de seus beijos no meu pescoço
— Meu neném, me perdoa!!!

— Vou pensar... mas acho que não, já digo desde agora...

Minto enquanto arfo excitada ao sentir sua língua me acarinhando.

— Vem! — ele finge estar bravo ao ouvir minha resposta — Pelo amor de Deus! Vamos comer! Se
tu fica nesse estado com fome, 'imagina naqueles dias'!
— Realmente eu conseguirei te assustar!

Aceito sua ajuda para levantar e ele sorri.

— Então eu ajeitarei seu banho, farei um chá quentinho, colocarei um filminho romântico, comprarei
chocolates sem amendoim, — ele pisca — faço massagem em tua lombar e nos pés, e te mimo
ainda mais! Tem muita mulher que não gosta, mas se quiser fazer amor, eu adoro! Pode ser na
banheira, na ducha... ouvi dizer que alivia a dor, que a mulher fica ainda mais excitada, e que é
terapêutico. Também lavo a roupa de cama caso tu faça um "estrago vermelho" no nosso ninho! Vai
ver que sou para casar!

— William...

Eu começo assim que ele ataca meu pescoço de novo, com beijinhos leves, e paro para pensar.

— Diz, delícia!

— Tô com fome.

Ele ri, ergue as mãos pro alto e me puxa para fora do quarto parecendo estar com pressa.

Saímos para comer, almocei bastante e, logo que acabei fiquei com cara de tacho porque ele tinha
razão; Eu estava bem melhor, e já queria o colo dele de novo, curtir e namorar muito, porque o
cachorro era um charme, e meu bom-humor estava de volta a ativa.
De lá fomos direto para o bairro onde morava sua mãe. O bairro era feio, muito humilde, mas logo
de fora já deu para ver que sua casa era bonita e bem cuidada!

— Bom, como eu disse, ela está brava, então releve! Se eu ver que tu ficou triste eu te arrasto pro
hotel na hora, e volto para dar uma coça nela! Não te quero magoada!

— Tudo bem!

— Certo! Você veio armada?!

— Sim. Está na bolsa!

— Ok. Então deixe a bolsa no carro, está bem?! — eu concordo sorrindo — Vamos lá, minha
patricinha russa!

— Seja o que Deus quiser!

Remungo e ele ri.

O portão de alumínio tapava o interior todo da casa na rua sem saída, e eu nada podia ver, mas
pelo jeito, a casa não era um sobrado. Era uma casa bem construída e de um andar.

— Will?!

Após alguns segundos tocando a campainha, uma moça negra de cropped e shorts curtos, sai de
sua casa ao lado, e corre na direção do delegado.

— Oi, Nay!

— Oi, delícia!!! Quanto tempo, falou pra mim que não ia sumir!!! Ai que saudade! Cadê a Bah? —
ela fala o tempo todo muito alto e rindo, mas me olha com cara de nojo erguendo uma sobrancelha
— Quem é a grinnnga?

A moça de corpo escultural praticamente pula em seu colo e eu solto de sua mão para não "cair"
com o impulso de seu pulo contra o corpo dele! Vaca.

— É minha amiga, por enquanto, mas tô tentando fazer com que se case comigo!

— MENTIRAAA!!!! — ela grita — Fiquei como? Passada! — ela me mede — Tu foi pa São Paulo e
já trocou a marhmita!?

— Essa loira é a mulher da minha vida, Nayara! — ele ri sem graça — Barbara e eu terminamos
faz muito tempo! Mas vim ver minha mãe, sabe onde ela está?!

— Dona Maggie tá com seu Francisco lá na minha sogra! Vem que eu levo vocês!

Ela me olha de um jeito estranho uma última vez e sai rebolando. A bunda dela era enorme, mas
ao contrário de mim, não tinha a bela curva lateral que fazia o delegado salivar.

— Acho melhor eu esperar aqui!

— Nem pensar...

Ele responde e me faz parar minutos depois, em uma casa da mesma calçada, só que muito mais à
frente de onde ficava localizada a casa dos pais do dele.

— Tá geral lá na churrasqueira, vão lá!!!

A moça do sotaque forte abre o portão e William agradece me puxando quase a força.
Entramos por um corredor mal iluminado e cheio de portas com diversas casas diferentes. Muita
criançada, — amo crianças — muito cachorro, e um cheiro delicioso de churrasco. Logo do portão
eu pude ouvir um funk alto, mas o cheiro bom se intensifica assim que a gente chega.

O caminho terminava em um enorme quintal fechado e bem terminado. Tinha muita gente, muita
mulher quase nua, muita criança, e um funk cheio de palavrões agitava a festa. Assim que ele olha
ao redor a procura de seus familiares, eu seguro em sua mão, e ele sorri entendendo. Estávamos
cercados de mulheres quase nuas, se ele virasse o olho, eu ia dar na cara dele. Mentira, não ia
não. — nego com a cabeça ao pensar — Mentira, eu ia! Não... ia mesmo!

— WILL!!! TIA MAGGIE, OLHA, O WILL!!!

Alguém grita e uma senhora de vestido florido e carregando um óculos no pescoço, como se fosse
um colar, se aproxima.

— É o novo delegado federal da superintendência de São Paulo!!!

Um senhor bonito, uma cópia antiquada de William na versão queimada de sol, também se
aproxima e o abraça primeiro. A senhora estava embasbacada ao olhar pro filho e para mim. A
cara dela era de ódio puro e decepção.

— Oi, Helena! Seja bem-vinda!!!

O senhor sorri feliz, me abraça e eu devolvo a delicadeza. Ele sabia meu nome...

— Pai, essa é Helena! Helena esse é Francisco, meu pai!

— Prazer!

Eu digo, ele retribui, e a senhora se aproxima para abraçar o filho.

— Cadê minha nora?

— Vamos conversar lá em casa! E precisa ser agora!

Ouço ele dizer em seu ouvido e ela o olha com rancor.

— Mãe essa é Helena! Helena, essa é dona Maggie, minha mãe!

— Prazer!

Eu sorrio, estendo a mão, sou ignorada, e ela parece querer chorar de tanta tristeza por eu não
ser a Barbara ali!
Olho para o delegado e ele parece querer ir embora dali correndo.

— Quer comer uma carninha, Helena?! É tudo muito simples, mas sou eu quem estou na
churrasqueira, então pode confiar que tá uma delícia!!!

Seu Francisco pisca e eu dou risada.


— Eu aceito, sim!

Deixo mãe e filho brigando sem mim e sigo seu Francisco, enquanto ele me puxa pela mão.

— Seu Francisco, quem é a gringa?

Mais uma.

Uma mulher com aparentemente trinta anos, questiona de longe e seu Francisco precisa gritar
porque a churrasqueira ficava ao lado da enorme caixa de som.

— É minha nova nora!!!

Ele grita, pisca para a mulher, e ela ri.

— Will não vale um real! Nunca valeu!!!

Ela grita negando com o dedo indicador, e bebe um gole de cerveja. A mulher estava pra lá
de Bagdá!

Só dou risada.

— Não ligue para ela! Meu filho te ama, ele mudou! É um rapaz decente!

Ele diz rindo enquanto pegava um prato para separar pedaços dos mais variados tipos de carnes
para mim, mas entro em pânico e só o encaro.

— Ele disse isso?

— Hã? — ele fica confuso — Will??? Não, eu vejo! Ah! E Tiago também disse que ele é louco pela
senhorita, mas nem precisava Tiago dizer nada, olha lá, ele não tira os olhos brilhantes de você! A
senhorita faz meu filho feliz! Vi a coletiva de imprensa dele, ele falou de você pro Brasil inteiro! E
eu sei que Barbara traiu o meu menino, ela que não vale um real!

Ele resmunga feliz, me estende o prato, e eu encaro o delegado, que discutia com a mãe e me
olhava querendo me dar amor. Ele sempre me olhava daquele jeito, e eu não via a hora de poder
dizer que eu queria também. Era bom ver o delegado gostoso recebendo olhares de cobiça, mas
ver que o seu olhar e sua atenção eram só pra mim. Seu desejo era só por mim. Meu pequeno
pedaço de céu.

Sorrio e seu Francisco me estende o prato. Ele era um senhor negro, tão bonito quanto o filho,
carinhoso, e parecia um pai dedicado. Já dona Maggie, era uma senhora magra, cabelos negros
um tanto quanto grisalhos, usava óculos de grau, e era apenas dois tons mais escura que eu! Tinha
o tom de pele da vó Hella, era morena também, mas ao contrário de vovó, dona Maggie tinha o
olhar arrogante, e ar superior.

— Oi!

Quando eu começo a comer por puro nervosismo, uma pentelha puxa meu vestido. Era linda, tinha
os olhos amendoados, e o cabelo afro enfeitado com um laço vermelho.

— Oi, princesa!

Me abaixo e ela sorri, pegando no meu cabelo. Devia ter uns cinco anos.

— Quer dançar?

— Poxa! A tia não dança nada!!!

Dou risada ao falar a verdade.

— Vou te trazer uns brinquedos, então...

— Vai lá! Eu brinco contigo!!!

Eu falo, ela sorri, e quando volta, volta com mais dez crianças e zero brinquedos. Parecia que eu ia
ser engolida por um mundo de pirralhos, e estava encantada com eles. Eu já tinha ganhado minha
tarde ao ir até lá, e fiquei satisfeita por ter colocado uma botinha confortável, quando tive que
brincar de roda-roda.

Quando olho para o delegado, vejo ele ser cercado por um bando de dançarinas do Faustão, que
há minutos atrás, antes da música atual acabar, estavam rebolando até o chão no meio do quintal.
Elas faziam umas coisas incríveis com a bunda que davam inveja, pareciam que competiam entre si.
Eu tinha dois pés esquerdos, e acho que mesmo se eu não tivesse, nunca conseguiria dançar como
elas. Era tão erótico. Tão sexy...

Depois que elas interrompem, o aparentemente surto de dona Maggie, e agarram 'meu' delegado
ao revezar umas com as outras nos abraços e beijos, elas voltam para as suas danças e eu sigo
seu olhar, que convenientemente para em mim. Em nenhum momento ele olha para as grandes
bundas que não paravam de se mexer, e aquilo foi um alívio... o delegado gato, mesmo sem ter
obrigação, me respeitava.

No resumo, eu estava me divertindo com os pirralhos, que já se empoleiravam no meu colo, mas na
real, eu estava excluída com as crianças. Ninguém do mundaréu de seus familiares veio falar
comigo, não olhavam para mim, e quando olhavam, era com nojo e cabeça erguida. Eu sabia que
estar ali seria um problema, imaginei que a mãe dele não ia ficar muito feliz, mas ainda assim,
achei que seria o básico do constrangimento, não o extremo... mas eu estava bem com aquilo, ou
pelo menos achava que sim. Só o que incomodava era um nódulo na garganta sem sentido.
— Quer uma ajuda?

Uma moça bonita com a cara da Barbara se aproxima e aponta com a cabeça para as crianças.

— Não. Tudo bem!

Eu sorrio, mas ela, não. Era só o que me faltava!!!

— Natalie! Pega teus primos, vão brincar lá na sala da vó Nani!

Ela diz com grosseria, a menina me abraça, diz "tchau, tia!", fico triste por isso, e mais sozinha do
que estava antes.

— Eu me chamo, Brenda!

Ela me estende a mão, e eu retribuo o gesto, quase hostil. Ela mal pegou e já largou, como se eu
tivesse uma doença...

— Helena...

— Acho melhor tu se mandar! Meu cunhado tá brigando com a minha tia! Tu não é bem-vinda
aqui...

Ela se aproxima e sorri ao dizer isso.

— É irmã da Barbara, suponho...

— Sim.

— Hum... — afirmo com a cabeça — Pode deixar! Quando meu namorado quiser ir, eu irei! Deixa
ele conversar com a mãe dele.

Eu falo alto por causa da música e ela ri.

— Namorado?

Ela zomba.

— Pois é.

— Acho que não, hein?! Ouvi ele mesmo dizer que é só uma amiga!!! Ele vai retomar o noivado
dele, logo, logo...

— Pra quê? Para levar mais chifres?! Acho que não!


— Tu não sabe de nada, lora aguada! Vaza daqui antes que eu te deixe careca!!!

Ela mostra as palmas das mãos com as unhas gigantes, dá um passo em minha direção, já
demonstrando estar irritada, e eu sorrio. Sua atitude parecia exagerada, ela não parecia se doer
pela irmã, mas se doía por ela mesma... ao notar sua atitude, uma das garotas que nos olhavam, e
cochichavam em uma rodinha, se junta a nós e pega em seu braço com cautela.

— Vem, Brenda! Deixa a garota em paz! Para com isso!

A menina pede e Brenda se afasta puxando o próprio braço.

— Essa branquela é muito folgada, entra na minha casa cheia de marra, achando que tá
abalando, depois de acabar com o relacionamento da Barbara! Vou é acabar com essa marra
dela, com esse narizinho empinado!

— Eu tenho certeza absoluta que você não tem cacife para acabar com minha marra! — eu dou
um passo e praticamente colo meu nariz no dela, enquanto eu sorria de lado, ela espumava — E já
que falou no assunto, pelo jeito, sei de muita coisa, principalmente dessa paixão platônica que você
sente por ele. E não, ele não disse nada, nunca nem falou da sua existência, eu que tô lendo na tua
testa que é louca no meu namorado, e tá que não se aguenta, se roendo de ciúmes dele com
a lora aguada aqui!!! — falo com toda sinceridade e ao ver que não me metia medo, até ficou
encurvada de pânico — Que feio, hein! O ex da irmã! Barbara sabe disso?! Lá na minha
área, talarica morre sem os dentes!

Falo, vejo minha "defensora" rir da minha resposta, e saio rindo ao sentir o cheiro da fumaça que
sai do nariz dela. E nossa! Pela primeira vez na minha vida falo uma gíria!!! Legal! Eu só não me
lembrava se ser talarica era pegar homem comprometido, sei lá, mas pensei e disse! Já foi!

— Tô indo! Te espero no carro!

Eu passo por ele, resmungo, mas ao invés dele vir me "encher o saco para saber o porquê eu já
ia", ele seca a ex-cunhada dele, que me seguia com os olhos, e vai em direção a ela.
Não espero para ver mais uma cena desagradável e saio de lá pelo caminho em que viemos. Só
lamento por não poder terminar de comer, pois Seu Francisco era realmente bom, e seu churrasco
estava dos deuses... Risos.

Em menos de dois minutos depois que encostei no carro para esperar, eu já pude vê-lo saindo pelo
portão da casa, e sendo seguido por seus pais. Ambos preocupados, e ele aparentemente muito
nervoso. Pelo jeito deu um show com a cunhadinha ciumenta.

— Entra!

Ele resmunga, abre o carro, entra, mas eu espero porque logo vi seu Francisco vindo em minha
direção.
— Ei, menina! Me desculpe por isso!!!

Ele toca meu ombro e eu sorrio.

— Tá tudo bem, não se preocupe com nada.

— Por favor, por mim, faça ele entrar em casa e conversar com a mãe dele. Ela tem problema de
pressão, ele brigou com a Brenda, minha esposa quase desmaiou de nervoso, ela só está
aborrecida, não é nada contra você!

Ele fala baixo enquanto dona Maggie batia no vidro do motorista, pedindo para ele sair.

— Seu filho é meio turrão, não sei se poderei ajudar, Seu Francisco!

— Pois tente! Eu imploro!!!

Ele pede quase chorando e eu abro a porta do carona já ouvindo ele resmungar que não ia fazer
nada que eu pedisse.

— Anda! Vai falar com ela, por favor!

Eu olho em seus olhos, ele nega contrariado, e depois sai acompanhando a mãe para dentro de
casa, imediatamente. Gostoso obediente...
Ele me pede para entrar, seu Francisco também, mas quando me recuso pela milésima vez, eles
entram e eu entro no carro. Dez minutos depois ele volta, apoia a cabeça no banco, e sorri tímido
ao olhar para mim.

— Me desculpa!

— Tudo bem! Foi bom eu ter vindo e ter passado por isso!

Eu falo e o vejo negar se lamentando.

— Tive certeza de que fiz a coisa certa, e sei que você vale a pena! E como estou muito triste por
causa de como fui tratada, acho que só você pode amenizar isso tudo.

Eu sento em teu colo, e ele fecha os olhos sorrindo, com aquele sorriso maravilhoso.

— Vamos pro hotel e eu faço isso! — ele sorri, me beija, e eu sinto uma tristeza que eu nem sabia
que estava ali, se dissipar totalmente, só com seus carinhos em minha nuca, seus beijos
apaixonados, e seu aperto em minha cintura — Me perdoa! Não devia ter te trago aqui, nunca
mais vou vir aqui... — ele resmunga e eu nego — O que a Brenda te disse? Ela te ofendeu?

— Não. Só disse que eu não ia conseguir te roubar dela e me expulsou de lá.


Dou risada, e ele mexe em meus cabelos ao falar.

— Tá morrendo de inveja de você! Ela sempre teve ciúmes de mim, até quando eu namorava a
prima dela. Até hoje Barbara não fala com ela... não confia nela.

— Ela é prima??? Ela disse que são irmãs! São tão parecidas! Vocês já ficaram?!

— São primas, cresceram juntas, na mesma casa! E já ficamos, quando adolescentes. Fiz a cagada
de pegar ela assim que comecei a ter um relacionamento sério com a Bah! Foi umas três vezes e
ela se apaixonou! Desde então nunca me esqueceu de verdade. Ela que contou pra Bah, achando
que ela ia terminar comigo, mas Barbara me perdoou e parou de falar com ela. Desde então,
sempre me inferniza quando me encontra!

Ele confessa e fico passada. Estava começando a achar que o delegado tinha o pau doce.

— Você realmente não vale nada...

Dou risada querendo matá-lo. Sim, tô sempre querendo matá-lo.

— Eu mudei! Sempre fui infantil, aprendi a ser um homem de verdade com a Barbara... eu mudei!
Eu juro! Não faço mais essas coisas, hoje tenho maturidade, e meu sobrenome é fidelidade! Nunca
seria capaz de fazer essas coisas de novo.

— O que sua mãe disse?

— Um monte de bobagem! Nem queira saber!

— Vamos pra onde, agora?! Mais aventura?

— Nada! Só uma passada rápida em um lugar, e gostaria que tu ficasse no carro, agora!!!

— Não! Vou com você, não vou ficar sozinha!

Eu começo, e então, como já havia ligado o carro, ele só toca meu joelho com carinho, e sorri
dizendo que "tudo bem".

— Pensei que você gostava de funk!!!

Eu falo e ele ri, como se já soubesse que eu ia comentar a respeito.

— Igualmente foi incrível saber que lida maravilhosamente bem com crianças, e será uma mãe
incrível... — Nem pense!!! — Eu disse que minha fase imatura já passou! Eu não olharia nem se
estivesse sozinho! Mas sim, amo ver mulher dançando funk! Meu sonho é ver VOCÊ dançando pra
mim!
— Mas nunca!!! — ele ri — Aquilo é um bicho de sete cabeças! Posso dançar ballet para você, é
só o que posso oferecer, só o que eu acho que ainda sei!

— Já é alguma coisa!!!

— Sim! E sinta-se satisfeito...

— Já estou mais do que satisfeito! Você é tudo o que eu preciso! O que é um funk, perto de uma
gata dançando ballet toda sexy?! — ele zomba — Você é o suficiente para mim, rebolando ou
não!!!

— Você se declara para mim a cada dois minutos como se fosse um "bom dia"...

— É, e eu ainda acho pouco!!! Sinta-se satisfeita!

Ele pisca todo sério e, após subir umas três ladeiras, estaciona o carro em frente a uma ladeira
muito íngreme. A mais íngreme de todas.

— Fica aqui... me espera aqui!

Ele toca minha face e parece preocupado.

— Tudo bem. Escuta! Pode não parecer, mas eu sou forte...

— Eu só gritei contigo e te fiz chorar, mulher...

Ele ri.

— Eu tava com fome, sabe disso, e você me magoou! Me disse algumas bobagens, mas tudo bem,
tu não me conhece! Sou forte, mas não sou de ferro. Sei me cuidar, sei me defender, sou esperta,
rápida, enxergo além, e não gosto de ser tratada como uma donzela em apuros! Posso facilmente
dar um perdido em qualquer um, até em você! — eu falo e ele ri irônico — Olha aqui, fui criada
em regime militar, olha aí, mais um fato sobre mim... Minha educação foi dura, amava barbies, mas
meu hobby quando criança era estudar expressões corporais, e todo tipo de autodefesa. Amo
minha galeria e minhas crianças, mas sou uma arma! Então não precisa ficar cheio de dedos para
lidar comigo! Posso aturar as suas mulheres apaixonadas, sua mãe super-protetora, e que já me
odeia, seu jeitinho patético de gatinho-manhoso, e um morro em uma favela do Rio.

Eu olho para a ladeira e ele ri.

— Diz que ama meu jeito de gatinho-manhoso! — ele me puxa e implora — Não é possível que
seja tão ruim... eu amo te tratar como um neném, não diga que odeia meu jeito, não poderei lidar
com isso! Não me vejo maltratando você. Ter gritado contigo vai me dar pesadelos pra sempre. Eu
já maltratei tanto a Barbara que você nem imagina, e me arrependo amargamente. Mas você é a
mulher da minha vida, não posso fazer isso com você!

— Por incrível que pareça, amo teu jeito! Não vai fazer isso comigo...

Eu falo e ele respira fundo.

— Quero que fique no carro, Helena. Sei que vai brigar comigo, mas preciso fazer isso sozinho!

Ele pede mais uma vez e eu suspiro olhando para frente. Quando desisto, me sento direito, e
lamento o fato de perder informações.

— Lá tu não vai ter nenhuma aventura, não vamos precisar provar nada para ninguém! Quando
eu voltar te conto tudo, prometo!!!

Ele pede, tenta me puxar para, provavelmente me beijar, não deixo, e ele sai chateado comigo.
Volta vinte minutos depois, e me encontra do mesmo jeito. Eu já havia ido longe com meus
pensamentos e me perguntava o que eu estava fazendo da minha vida.

— David morreu por veneno de planta, como suspeitei, morto por uma "bruxa"... — ele faz aspas
no ar — E você me ama também, realmente viemos de outras vidas. Já fomos amantes em todas as
vidas que vivemos! Toda vez que a gente volta, a gente se ama muito, e ficamos juntos até
envelhecer!

Ele encosta a cabeça no banco e me olha com amor.

— E aonde você foi?! Num centro espírita? Acho que mentiram pra você.

— Não mentiram não, e você sabe disso! Sente a mesma coisa quando me beija, e por isso dorme
tão bem nos meus braços, no meu colo! Somos um só! Nascemos um para o outro! Sei que você
também sente o quanto esse sentimento parece surreal, de tão intenso!

Ele sorri fraco, e tira um saquinho do bolso, mudando de assunto.

— Essa é a erva que foi usada para matá-lo!

Ele me estende, cumprindo o que me prometeu sobre me dizer tudo, e eu pego a embalagem para
abrir e olhar. Conhecia aquele punhado de mato melhor do que ele, Rubi amava e plantava aquele
veneno invisível.

— Isso é veneno? Acredita mesmo nessa bobagem de adivinhação???

— Sim! E passa despercebido em exames! Basta um pouquinho e derruba até um cavalo! Quer
ver?
Ele pega um punhado, ameaça jogar na boca, e eu soco o peito dele até ele parar de rir.

— Viu como você também acredita!!! Tua tonta!!!

— Não brinca com essas coisas!!! Nunca mais faça isso! Não gosto disso!!! Não tem mais o que
fazer, não, palhaço!!! — fico puta de ódio, meu coração chega a arder em uma dor real, e ele me
pede perdão me enchendo de beijo, e rindo da minha cara! Imbecil!!! — Pode parar de fazer
esses testezinhos de bandido em mim!!! — eu falo e ele me puxa a força para sentar no seu colo, e
nem mais olha para mim, e sim para meu corpo todo. Parecia emocionado ao ver meu medo em
perdê-lo — O que vai fazer com isso?

— Não é teste para bandido, e sim, pessoas. — ele sorri me olhando com admiração — Farei
testes no laboratório, com um cientista forense lá da superintendência! Se ele comprovar para mim
que esse mato todo...

— Seus amigos espíritas te ajudaram a desvendar o crime, mas não te disseram o quão perigoso
pode ser?! Não quero saber de tua vida profissional, mas os noticiários sim! Os últimos dois
delegados que o diga!

— Fica tranquila, amor!

Ele me puxa para um beijo, mas eu me nego. Meu coração ainda estava acelerado pelo susto com
a possibilidade de ver o idiota morto na minha frente, e acho que eu nunca mais ia superar aquela
cena, e pior: Aquilo me assustava.
Minha meta era fazer ele desistir daquela merda, daquele caso, e eu ia fazer isso, ou não me
chamava Catarina Coverick Maia! É... Maia, eu ia precisar do estilo selvagem da minha mãe
também.

(...)

— Pensei que a gente ia conversar no jantar...

— Conversar pra quê?! Já vi que tu vai brigar comigo, mudei meus planos! Agora vamos conversar
assim que a gente chegar no hotel, morrendo de vontade de namorar! Tu vai ficar molinha e nem
vai conseguir ficar brava com o que eu vou te falar!!!

Ele ri e estaciona em um bairro totalmente desconhecido. Eram dez da noite. Jantamos à luz de
velas em um restaurante superbonito, requintado, discreto, e a todo momento ele soltava pérolas em
forma de declaração de amor. Fofo, romântico e "chato". Nem conseguia mais disfarçar, e fingir
que estava odiando. O delegado era um cara incrível!!!

Ele me faz entrar no único sobrado elegante rodeado por casas "mal construídas", aperta o
interfone e alguém atende na hora.
— Oi!

— Oi, capeta! — ele ri de um jeito gostoso — É o William!

— Porra!!! Não acredito, veado!!! Entra, filho da puta!!!

Nossa. O cara grita histérico e destrava o portão. Era uma casa padrão de classe média alta,
bonita e luxuosa! A música alta demais, anunciava uma festa e no mesmo instante, eu me meço.
Estava como fui jantar. Vestido preto, curto, simples, e salto alto.

Ao invés dele me levar para dentro da casa, ele passa por um corredor, e me apresenta um
quintal luxuoso com piscina, mulheres de biquínis, proibidão no som alto, muita bebida, e homens
armados até os dentes.

— Minha arma...

Resmungo preocupada e ele aperta minha cintura com carinho.

— Relaxa, ou eu faço tu relaxar.

OI? Oque ele quis dizer com isso?

Olho para ele e ele pisca para mim.

Ele anda recebendo tapinhas de alguns, sorrisos, abraços, e olhares femininos, até que chega em
uma mesa, onde provavelmente o "cabeça da boca" estava. A mesa era enorme e enfeitada com
drogas, bebidas, grana e baralho. Os homens pareciam bandidos de novela das oitos, iguaizinhos,
com dente de ouro e tudo! E pela forma que o trataram, ele nem precisava me dizer que cresceu
com eles. O delegado federal era amigo íntimo de bandidos, mas quem era eu para julgar?!

— Neném, esse é o Douglas, meu amigo de infância!!!

William me apresenta e o chefe se aproxima de mim.

— Tá bem de neném, hein papai!!!

Ele zoa o delegado me estendendo a mão. Ele me olha de forma estranha e seus amigos se
remexem nervosos por algum motivo... o que me faz ficar em estado de alerta. Porra, porque não
trouxe minha arma???

— Para você é Helena!!!

Eu falo e a mesa toda ri alto.


— E é corajosa, ousada... Gosshhtei! Combina perfeitamente com meu brother da federal! — ele ri,
e de repente faz um gesto de humildade, abaixando a cabeça e levando a mão ao peito — Eu
prometo melhorar, Helena!

Que ótimo. Era só oque me faltava!!! Não, qualquer um pode falar essa frase, qualquer um! Foi só
coincidência, — mesmo que seja padrão de todos os cartéis DELA — relaxa....

Ele abraça William, eu respiro fundo, e os dois dão risadas ao baterem um rápido papo — sobre
a saudade um do outro, as novidades, e o seu novo cargo — enquanto eu olhava ao redor.

Quase todos os caras, de todas as mesas, tinham mulheres nuas em seus colos. Alguns se beijavam,
conversavam, e algumas até dançavam e rebolavam sentadas. O lugar exalava pecado, sexo,
dinheiro e luxúria.

— Vem! — ele faz uns três caras saírem do seu lado no sofá para dar espaço para nós dois —
Sentem comigo! Felipe, traz umas bebidas, carne, coloca aí pa meu brother e a patroa dele!!!

Ele fala isso e eu olho para o delegado que me olhava torto e segurava um riso zombeteiro.

— Viu! Tu é minha patroa! Vê se tu se comporta!

— Me tira do sério, pra ver...

— Meu neném... — ele ri — Fica brava não! Não gostou de conhecer minha diversão aqui no Rio?!
Vem cá...

Ele ameaça se levantar para me levar para algum lugar, mas trava ao ver que o amigo estava
enrolando um baseado.

— Comigo aqui, não, porra! Já combinamos, se tu acender essa merda, eu vou embora! Não quero
droga nenhuma circulando enquanto eu tiver aqui! Avisei antes e tu concordou!!! Não sou obrigado
a te ver fazendo isso!

— Caralho!!! É só uma erva!

— Nem isso!

Ele fala, Douglas, levanta os braços em rendição, manda um cara avisar todo mundo da nova
ordem, e William "leva um soco" quando beija o topo da cabeça do traficante.

— Sai, veado!

Ele grita, os dois dão risadas e ele o interroga!


— Vai onde?

— Ensinar a patricinha do asfalto a dançar funk! Tô há meses querendo ver essa cena...

Ele fala, os dois dão risadas incrédulos com o fato, as mulheres da mesa riem em deboche junto, eu
finjo que não ouvi erguendo a sobrancelha sem que ele veja, e ele me leva para o meio do povo
que dançava uma música que dizia que "ela rebola com tudo dentro" ou algo parecido.

Ele me leva para um canto afastado, mas tinha tanta gente que ninguém via ninguém. A música era
excitante, e dava vontade de fazer exatamente o que dizia... com ele.

— Dança pra mim, vadia!

Ele sussurra, e soca uma moeda de um real e uma nota de dois, no meu sutiã, como se fosse
grande coisa!

Gargalho alto, e ele umedece os lábios, com aquela cara de safado e seu bom-humor de sempre.

— Por três reais???

— Sempre quis dizer isso, e é só o que eu tenho no momento!!!

Rimos mais. Me viro, coloco meu bumbum no ponto certo, as mãos no joelho e faço o que posso. Eu
tinha ritmo, mas a música também ajudava, já que era uma batida não tão rápida, como já ouvi em
outras vezes. Sinto suas mãos no meu bumbum que estava pro alto assim que me abaixei por
completo, e após apertar, ele me puxa pelos cabelos da nuca até minhas costas tocarem em seu
peito.

— Tá. Chega!

Ele rosna, eu continuo rebolando, seus lábios avançam para meu pescoço, ele chupa, mordisca, e
pede para eu parar de novo assim que empino o bumbum novamente, e nesse instante eu me viro
para olhar para ele.
Eu não entendi, eu senti seu volume crescer para mim, tão grande e gostoso, por que queria que eu
parasse?

— Não era o que queria, neném?! Me ver rebolar pra você?! Por que quer que eu pare? Não fui
bem? Tô te sentindo tão duro! Acho que não fui tão mal!

Falo, toco seu volume, e só me sinto ousada porque ninguém olhava para mim. Só ele.

— Só pedi porque achei que não teria coragem! Você devia ter me dito que daria conta! Vai
dançar assim pra mim só em quatro paredes, só pra mim, não pra qualquer um botar o olho gordo
em mim!!! Você é minha! Só minha!!!
— Para de resmungar e vamos dançar!!! Acho que tô começando a gostar dessa pornografia
musical, dá até uma vontade meio louca, assim, de fazer igual!

Agarro seu pescoço o falar baixinho, ele aperta minha cintura de novo, e me arrasta "com
delicadeza" dali, pro carro.

— Aonde vamos?

— Embora! Tô te levando pro mal caminho e não foi para isso que tu veio!

Ele diz sem sorrir e não entendo.

— Eu fiz algo de errado e não sei?!

— Você dançou pra mim!

— Você já me disse várias vezes que queria isso!

— Eu quis!

— Então, qual o problema?

— O problema é que agora eu quero mais! Quero mais!!! Vai dançar pra mim no hotel!!!

Ele me olha por um momento, dirige até o hotel em um silêncio profundo, sinto meu coração bater
descompassado, e ele avança sobre mim assim que o elevador se fecha.

William me beija como se fosse a última coisa que fosse fazer na sua vida. Tem urgência, e suas
mãos imploram por mim, como se não pudesse evitar. Ele me aperta, pressiona seu músculo gostoso
em minha virilha, chupa meus lábios de forma explícita, e parece ter medo de eu me afastar, pois
tamanho era seu desespero.

E eu nem vi como ele abriu a porta, pois em momento nenhum ele parou de me beijar.

Minha parte íntima latejava gostoso, implorava por seu toque, e eu não via a hora de sentir aquele
volume enorme dentro de mim para apagar aquele fogo.

Ele entra na sala me beijando, me encosta na parede, continua me beijando apaixonadamente


enquanto suas mãos analisavam meu corpo pela primeira vez, e eu viajo em pensamento. Seu
toque era familiar, eu tinha certeza que já estive naqueles braços fortes, e pequenas sensações de
déjà vu me deixam confusa. Suas mãos descem para meus seios, e ele aperta forte, sem medo de
me machucar.
Quando nota minhas pernas bambas, me pega no colo e me leva pro quarto.
Eu me sentia exposta demais, sentia que ali era outro William, ele se transformava na minha frente
e aquilo era assustador, mas por estar tão à vontade, eu não temia nada. Eu sabia que tudo ia
mudar se a gente subisse mais aquele degrau, mas eu estava confusa, carente, excitada, e com um
tesão gigantesco por ele. Eu nem conseguia medir o quanto, só sabia que era muito. Muito tudo!
Naquele momento eu estava muito dividida, muito carente, muito excitada, muito triste por algum
motivo, e precisava muito dele dentro de mim. Precisava muito!!!

Ele sobe em mim depois de me colocar na cama, desacelera, me olha nos olhos, sobe meu vestido
com delicadeza, e espera minha reação.

Eu gostava do jeito como me olhava, e gostava mais dele do que eu gostaria/conseguiria assumir.

— Quero fazer uma coisa, mas não pode fugir!

— O que quer fazer?

— Chupar você até tu gozar em minha boca. Até seu rosado ficar vermelho!

— Faça isso! Não vou fugir! Tô cansada de fugir.

Eu falo, abro as pernas e ele não perde tempo.


Primeiro coloca minha calcinha pro lado, beija, lambe, e como se estivesse desesperado após sentir
meu gosto, arranca minha calcinha com grosseria e não espera eu dizer nada.

Ele me chupa muito. Muito mesmo.


Acarinho seu cabelo liso, e só curto o momento. Eu podia ver sua cabeça no meio das minhas
pernas e eu me sentia uma rainha poderosa, e não mais uma princesa perdida, como sempre me
senti.
William era meu, e eu o queria no meio de minhas pernas para todo o sempre. Era ali que ele
devia estar, me chupando gostoso até eu gozar, enquanto eu quisesse, enquanto fosse necessário, e
aquilo parecia tão certo, que eu nem duvidava de nada.
Era o mínimo que eu tinha que ter, e eu de pernas abertas para lhe servir, e dar meu líquido como
se fosse seu alimento primordial, era o mínimo que eu podia oferecer! Ele era meu homem e me
teria assim, disposta, sempre que achasse necessário, porque chupar minha intimidade molhada
seria uma das formas da gente dizer o quanto a gente se queria, o quanto um desejava o outro, e
o quanto um pertencia ao outro.

Minha intimidade era dele, e aquela boca habilidosa e deliciosa era minha. Só minha.

— Mas que gosto você tem, meu neném! Fica de quatro para mim! Realiza mais um sonho meu!!!

Ignoro a luz acesa, empino o bumbum, e ele se dedica nos beijos, lambidas, chupadas fortes na
região mágica e sensível do piercing, e no "beijo grego". Nunca pensei que ia receber um beijo
naquele lugar, quem diria chupadas tão gostosas!
E de tão empolgado, chegou a tirar meus joelhos da cama, e colocar minhas pernas em seu
ombro... o delegado só faltou me virar do avesso.

— Dança agora!

Ele resmunga, solta um palavrão, lambe toda a extensão de minha intimidade, me faz virar, volta a
abocanhar minha boceta, extremamente molhada, fazendo a própria língua virar um vibrador
delicioso, e eu grito quando chego lá.

Nunca senti aquilo na minha vida, o frio na barriga, um frio "quente", um tesão fora de contexto,
dedos dos pés dobrados com força, calor na pontinha da barriga, respiração presa, meu pedaço
de paraíso...

— Ai, que delícia ouvir você gemer!!! Você é deliciosa!!!

Ele se aproxima após se despir, e beija a boca.

— O que fez comigo?

Eu pergunto e ele não zomba de mim, nem sorri.

— Você teve um orgasmo, neném! — Ele pega minha própria mão, leva até minha intimidade, eu
me concentro até sentir o que ele queria me mostrar, e noto as contrações — Está pulsando! Olha o
quanto ainda está saindo, tu gozou na minha boca!!! Eu te deixei assim, e pelo jeito... pela primeira
vez!!! — ele enfim, sorri — Você chegou até o céu comigo! E vamos de novo assim que você se
recuperar!

— Já estou.

Eu digo e ele não diz nada, apenas me volta a olhar nos olhos, abre minhas pernas, e me invade
sem demora.

— Ah!

— É bom, não é!? Olha como você foi feita especialmente pra mim, apertadinha, mas vai se
abrindo!!! Feita sobe medida! — ele faz um vai e vem, geme comigo, e me olha nos olhos, de cima,
como sempre quis — Tu é rosada, como achei que seria! Toda delicada, apertada, quero você pra
mim, amor, quero esse corpo pra mim, pra sempre!

Ele geme mais, — era incrível seus gemidos de homem das cavernas, e sentir aquela rocha enorme
dentro de mim, era algo de outro mundo — me pede para abrir mais as pernas, e diz que não
pode mais controlar.

— Vou ter que judiar de você! Abre mais, não posso ficar assim! Tem que ser do meu jeito!
Ele fala, me estoca com uma força gigantesca, e eu grito, de tesão e de susto.

— Ogro!!!

Eu falo no meio dos gemidos.

— Esse sou eu! — Ele me estoca até o fim com mais força, a cama parece que vai desmontar, e eu
vejo estrelas cadentes — Desde que cheguei aqui, não tem sido uma boa neném. Só me provoca,
me maltrata, me deixa duro sem terminar o trabalho, me deixa ir dormir de castigo, roçando essa
bunda enorme no meu pau a madrugada toda, e se enrosca nele enquanto me dá beijos ‘inocentes’
o tempo todo... toda hora arruma um jeito de tocar nele, ficou pirada quando me viu nu, parece
duvidar quando o vê duro, mas agora viu! É real! Não é isso o que queria faz tempo?! Não ficou
com vontade ao ouvir minhas músicas favoritas??? Agora você tem! Hoje não tem direito a levar
com denguinho. Vai ser com força, do jeito que gosto.

Ele diminui a velocidade para falar, quando termina mete com força dentro de mim, e eu sinto
aquela sensação de novo, e de novo, e de novo, e ele nunca goza, parecia nunca se cansar. As
batidas da cama contra a parede faziam um barulho alto, mas ele não se importava, e nem eu.
Suas estocadas grosseiras eram uma delícia, e se ele resolvesse parar, e eu ia chorar e fazer
birra.
O delegado gostoso chupa meu pescoço, gemo em seu ouvido, enquanto ele rosna, arranho suas
costas sem perceber, e assim que começa a falar tudo o que queria fazer com minhas partes
íntimas, e com aquele piercing, eu grito, quase choro, e beiro a loucura.

— Ah! William...

— Amo quando me chama pelo meu nome! E ouvir meu nome enquanto fodo essa bocetinha
delicada, é um sonho realizado!

— Vamos pra sala, a gente vai quebrar a cama!

— Já ouviu aquela que diz, "Vamo acordar esse prédio! Fazer inveja pro povo!"?! — ele gargalha
— Enquanto ela não desmontar embaixo de nós eu não vou parar! Você é muito gostosa, e é
minha, toda minha! Não é?! Diz!!!

— Sou sua!

— Que bom que sabe! Agora vem! Rebola pra mim gozar nessa boceta deliciosa! Rebola!

Ele me põe sentada, obedeço, e gozo de novo após sentir seu líquido quentinho me preencher. Eu
havia descoberto mais uma qualidade do meu delegado cachorro! Ele era mais do que delicioso
na cama, e me satisfazia completamente!

— Machuquei você, meu neném?!


Ele me pergunta assim que voltava ao seu 'eu' verdadeiro. Já voltava a me chamar de forma
carinhosa, a me fazer carinhos, e a implorar por amor com os olhos.

— Claro que não. Foi uma primeira vez excêntrica, de ogro, de safado e muito canalha, mas muito
gostoso! Foi incrível!!!

Eu sorrio, e ele me beija fazendo carinho em meu piercing. Já queria a segunda rodada.

— Tem certeza? Não tá dolorida?

— Por que, William?!

Eu me sento já sem paciência e ele parece procurar uma forma de dizer o que queria.

— A cama está suja de sangue.

— O que?

Eu me levanto, acendo o abajur, e vejo. Tinha manchas enormes de sangue no lençol branco.

— Devo ter ficado naqueles dias... tá na hora de me fazer o que prometeu!!! Chocolates sem
amendoim!

Resmungo sorrindo e ele olha pro lençol.

— Tem certeza que foi isso? Eu acho que te machuquei! Fui bruto o tempo todo. Isso nunca
aconteceu comigo, nunca fiz mulher nenhuma sangrar, pelo menos, não na cama!

— E eu não estou com dor, nem estive na hora! Foi fantástico! Talvez seja porquê... — fico sem
graça — Seja muito grande, mas não importa! Tô feliz!

— Tá legal!

Ele sorri desanimado.

Dou um beijinho carinhoso em seu rosto, coloco sua camiseta, sigo para o banho, e decido parar na
frente do espelho. Eu nunca em minha vida estive tão realizada, sexualmente falando. Óbvio que
não estava cem por cento feliz, afinal, eu tinha tido nossa primeira vez, com ele, o cara que um dia
ia me odiar com todas as suas forças. Mas eu gostei tanto, me senti no céu, me senti feliz demais e
não queria que aquele sentimento bom fosse embora, mas ele não durou muito.

Assim que tirei a camiseta e me aproximei do espelho, vi que meu corpo todo estava roxo e
pretejado. Nos meus braços tinham marcas completas de seus dedos. Meu pescoço, meus seios, e o
interior de minhas coxas estavam em estado crítico. E como se não bastasse, preciso morder um
dedo para ele não ouvir um gemido de dor por expor tantos machucados doloridos na água
quente. Eu estava inchada, minha parte íntima estava dolorida, e mesmo assim, eu estava tão feliz
que não via a hora de viver aquilo de novo.

Termino o banho, me cubro de roupas de frio, mesmo morrendo de calor, me encontro com ele na
sala, e imediatamente ele me deixa nua de novo, dizendo que tinha que lidar com aquilo, e que
tinha que ver. Que assim, na próxima vez ele teria mais cuidado, que eu estava proibida de me
cobrir daquele jeito.
Assim que termina de se lamentar, me estende outra camiseta sua, se ajoelha, abre as minhas
pernas sem pedir, e volta a usar a língua para brincar com meu piercing e me fazer gozar em sua
boca. De novo. Só que dessa vez sem me apertar/chupar com grosseria, e pelo jeito que apertava
o sofá, estava travando uma guerra interna enorme.

E não gostei de vê-lo assim... Se o que ele queria, do fundo do seu ser era me amar com força,
era com força que eu queria; mas não disse nada, ainda não.

— O que você ia me pedir, amor?

Ele solta a pergunta de repente, eu já estava cansada em seu colo, minutos depois de me amar
com muita calma e carinho, no sofá da sala.

— Eu ia dizer que, para cuidar de mim como você quer cuidar, é preciso que você fique seguro, e
vivo! Quero que deixe qualquer caso da delegacia que te coloque em risco. Não quero que siga
com esses casos. Você disse que posso te pedir qualquer coisa, é isso o que quero! E você?

Ele se levanta me forçando a sair de seu colo, e eu olho para ele.

— Entendi. Vou direto ao assunto! Esse caso é importante pra mim! Sou novo lá, ocupo um cargo de
alta responsabilidade, e com pouca idade! Eu já desvendei o caso de David Nobre, só fui até
aquele lugar para falar com uma amiga, e ter certeza que eu estava no caminho certo, no que diz
respeito a forma como ele morreu!

Ele fala sem mais delongas, vai até sua mala e me estende um envelope.

— Eu cacei, voltei a três meses e encontrei algo muito curioso! É esse meu pedido! Preciso que fique
com isso, e caso aconteça alguma coisa comigo, leve isso até alguém que possa jogar toda a
sujeira no ventilador!

Ele fala, eu abro o envelope, e me sento para não cair de costas. Lá tinha tudo, nomes, telefones,
fotos dos dois em um restaurante... o delegado chegou na "Glenda" antes do que eu imaginava. E
eu acabava de descobrir, com a ajuda dele, que a tal Glenda era a prefeita. Fred ia pirar
comigo...

— Não vou fazer nada disso! Você vai abandonar esse caso hoje!!!
Eu vou até a cozinha, mas antes de conseguir queimar os papéis ele os toma da minha mão e não
consegue entender minha atitude.

— Já disse que faço o que você quiser! Mas estou curioso... por que está assim? Por que quer que
eu abandone? Por que está desesperada???

— PORQUE VAI MORRER! Não ta óbvio? Achei que era mais inteligente! Chegou até aqui! Provou
que é o fodão sabe-tudo! Agora já chega! Já chega! Me dá isso!

Eu falo em voz alta, ele me devolve, coloco em cima da boca do pequeno fogão, e ligo o fogo.

— Posso dar um jeito! Não vou dar conta de abrir uma coletiva dizendo que fracassei como fui
instruído a fazer, sendo que desvendei todos os crimes dele, e também sua morte! Eu sou muito bom,
muito mesmo! É injusto ninguém saber disso, é injusto ela ficar impune! Se eu chegar nela, chego na
tal "bruxa"... Tu fica aqui, vida! Trago Barbara e Tiago, vocês ficam juntos, e quando eu terminar...

— Vai pro inferno com isso!

Eu praticamente grito e desligo o fogo quando vejo que os papéis viraram cinzas.

— Eu... eu disse para Manuela que, por você eu abriria mão! Mas por um momento, achei que...
achei que ficaria do meu lado, que me apoiaria... às vezes você demonstra não ter medo de nada,
demonstra ser uma mulher corajosa e forte! Não vai ser fácil me matar! Seria perfeito ter seu
apoio! É minha profissão, é tudo o que mais desejei!

— E vai morrer logo que consegue o cargo que sempre quis! De que vale tudo isso?

— E de que vale se acovardar? Eu não tenho culpa se não tenho medo, quero enfrentar! Eu posso
morrer em um atentado, mas posso morrer ao atravessar a rua sem prestar atenção! Dá no
mesmo!!!

Ele fala e eu ofereço minhas costas. Homem teimoso, ia acabar morrendo, ia ser um desperdício de
corpo bonito, sexo delicioso e cérebro genial.

— Faço qualquer coisa por você! Abandono tudo! Já falei!!! Só que não vai ser fácil pra mim, vou
precisar de você, não pode ficar brava comigo, não pode me abandonar e nem me dar as costas!

Ele diz todo manhoso, e ganha meu abraço e meus carinhos.

— Fico do teu lado! Mas não quero mais saber dessa história! Vai abandonar esse caso e qualquer
outro que envolva essa mulher!

Eu afirmo, ele concorda, me sento no sofá, ligo a TV para fingir que prestava atenção em outra
coisa, e que estava tudo bem, e ele se achega querendo dengo. Deita a cabeça no meu colo, fica
beijando minha barriga, e eu paro acidentalmente em um canal onde a notícia da morte do ex-
delegado Diógenes era prioridade.

Ele levanta com tudo, assiste, vejo seu semblante mudar de preguiça para pânico, susto, e depois
muita tristeza.
Ele tira o celular do bolso, liga o aparelho, que no mesmo momento começa a tocar urgente e
suspira.

— Oi, Manuela... não, avisei que ia precisar me desligar... sim! Como foi isso? Quando??? Quantos?
QUASE TODOS??? Quantos foram??? Meu Deus... UM CARA MATOU PRATICAMENTE TODOS OS
SEGURANÇAS DELE? AQUELA CASA É UMA FORTALEZA! COMO ISSO É POSSÍVEL? O que nós
temos? Nada??? E a arma, sem numeração, sem registro, aposto... sabia! Mais uma vez... ótimo! Tô
voltando amanhã! Aguenta as pontas! Obrigada!

Ele desliga e aumenta o volume da TV, logo que uma testemunha falava com a voz distorcida e só
aparecia seu contorno preto para resguardá-lo.

— Ele entrou, matou meus parceiros, e só sobrevivi porque o nome da minha filha é Gabi! Me ajoelhei
e pedi em nome dela, minha filha é pequena e só tem a mim, nosso sustento vem desse trabalho! Ele
não se identificou, só me disse para cuidar bem da minha filha, e que eu ia ficar vivo por causa dela.
Me ajoelhei, pedi compaixão, funcionou e então ele me trancou, lá! Disse que era para eu esperar ele
fazer o que foi lá para fazer, e não me intrometer, senão ele me matava! Ele estava de capuz, sua voz
estava distorcida e era medonha, nunca mais vou esquecer o quanto foi horrível, só isso! É só o que
sei dizer. Já não durmo mais, muita coisa tá confusa para mim, dei meu depoimento, disse tudo o que
eu sabia para ajudar nas investigações, agora só quero descansar, cuidar da minha filha, e seguir em
frente! Quero esquecer aquela noite, quero esquecer...

O cara diz, eu olho pro delegado, vejo um rastro úmido de uma lágrima em seu rosto, e aquilo
destrói meu coração.

— Vocês eram muito amigos?

Subo em seu colo e ele esconde o rosto ao responder.

— Foi ele quem me acolheu assim que cheguei aqui! Era amigo do meu pai! Eu e Barbara
conhecemos sua esposa, seus filhos, já viajamos juntos... ele era um excelente homem! Nem sempre
fazia o certo, mas sempre se usava como exemplo e me ensinava a não fazer igual! Uma parte
muito grande do que sou hoje é graças a ele, e acredito que mudei muita coisa nele também! Meu
estágio foi com ele! Ele era um parceiro... enchi tanto a cabeça dele para ele não fazer o que
estavam pedindo!!! — ele esconde o rosto em meu pescoço e eu choro junto, me sentindo um lixo
humano — É minha culpa!

— Não ouse a se culpar!!! Você não tem culpa de nada! Se alguém tem sou eu, que fiz você se
afastar! Deixei ele sem você por perto! Talvez se você estivesse lá... teria impedido, ajudado ele! Eu
te trouxe até aqui!

— Não fala bobagem! — ele tenta limpar os olhos e nega olhando para a reportagem da TV —
Manuela disse que quando tudo aconteceu, a gente ainda estava lá! Foi assim que a gente saiu da
premiação! Você não tem culpa de nada! Aliás, eu nunca te disse o quanto te admirei naquela
noite! É muito bonito o que você faz! — ele fala e levanta.

— Onde você vai?

— Vou dar uma volta! Preciso dar uma volta! Tudo bem?!

Não sei o que dizer, não queria que ele ficasse sozinho, mas a culpa sem tamanho só me fez
concordar com a cabeça e aceitar.

Ele sai, eu saio para a pequena área, fecho o vidro, e ligo para Fred.

— Então?! Alguma notícia?


— Tá tudo em ordem por aqui! Rubi não sai do meu pé, Miguel tá triste, mas tá levando porque a
Laura liga sempre que pode! Glenda deixou claro que o caso Miragem ia ser arquivado, enfim, tudo
na mais perfeita ordem! Ah! Teu pai veio aqui...
— O que ele queria?
— Te ver! Como não te encontrou, levou Rubi pra jantar, a trouxe de volta, bateu um papo quase
hostil, mas sem gritos, com teu outro pai por causa da Laura... tudo ok. E contigo?
— Tudo no descontrole, Fred. Tô perdendo o controle de mim mesma!
— Esquece Rubi e Miguel. Tu gosta do cara, fica com o cara! Aproveita que tá longe de tudo isso
aqui! Eu te amo, já não disse?! Eu te amo! Quero te ver feliz!
— Fred, ele tá sofrendo, e em todos os sentindos, e todos os motivos é por minha causa! Entende?
O caso que ele vai ter que dizer que fracassou, ele conseguiu as respostas, ele chegou até a
Glenda, Fred!
— O que??? O que você disse???
— Glenda é a prefeita, não é?! Pode falar!
— ... É.
— Pois, então! Ele encontrou ligações, contas do cartão dele com gastos em restaurantes com ela
para as reuniões de meses atrás, ele... ele conseguiu imagens em vídeos, e documentos que provam
que é ela! Pelo jeito só não conseguiu cópias telefônicas, áudios de ligações e tudo o mais, mas ele
tem o suficiente para começar uma guerra com ela!!!
— Se não quer mesmo vê-lo morto, precisa fazer alguma coisa agora!!!
— Fica tranquilo! Ele vai desistir e abrir mão, te garanto! Mas meu medo é ela descobrir de algum
jeito que ele já sabe de sua identidade, sei lá... algo der errado. Ele é brilhante, é genial! Acho que
foi em um templo espírita, umbanda, não sei, até amigos espirituais ele tem, consultou alguém com
os poderes de clarividência como tinha Jade, Rubi... ele descobriu que estava no caminho certo,
descobriu que David morreu envenenado e depois descobriu qual veneno foi, e que foi morto "por
uma feiticeira"... ele me mostrou um punhado da planta que a Rubi cultiva!!! Só não entendi como
não chegou até mim!!!
— É simples! Vai ver ele não fez a pergunta certa! Não se lembra de como Rubi é cheia dessas?!
Minha mãe também era assim, Jon me disse, cheia de mistérios, falava tudo, mas não falava nada!
Tudo bem! Bom... isso ultrapassou todos os limites, e está fugindo do nosso controle! Não quero saber
o que tu vai fazer, mas faça com que ele esqueça essa história, esqueça Glenda, e nunca diga o que
sabe pra ninguém!
— Acho que Manuela sabe. Eles dividem tudo, trabalham juntos! Peça para Miguel agir, peça para
Jon investigar tudo o que puder sobre ela urgentemente, se ela tiver um pé lá, já sabe!
— Farei isso! Fica tranquila!

Ele fala e eu desligo.

Passou vinte minutos depois que ele saiu e ele logo volta, todo amuadinho. Eu já eu estava quase
indo para cama e desistindo de esperá-lo. Já passava das sete horas, e minha cabeça dava voltas
completas, e só paravam no tema sobre o quanto eu estava fazendo ele sofrer. Era só nisso que eu
pensava!

— Onde foi?

— Fui espairecer! Se não estivesse aqui, tinha ficado mais! Não tô conseguindo lidar!

Ele se senta do meu lado, e me puxa pela mão, até eu subir no teu colo, que já era todo meu.

— Promete para mim! Promete que vai esquecer tudo isso! Promete que não deixar ninguém saber
o que você descobriu! Por favor! — eu peço e ele confirma.

— Eu te prometo! Ninguém vai saber de nada, vou largar qualquer caso que me coloque em risco!
Por você e pela minha família! Por nós dois!!!

Ele diz extremamente triste e eu não me aguento! Não aguentava mais vê-lo triste.

— Preciso de você! — ele diz baixinho e eu olho em seus olhos — Definitivamente. Preciso de
amor, do teu amor, e preciso amar você, agora mais do que antes, mais do que tudo!

— Vem! Eu já não via a hora de você pedir!!!

Eu estendo a mão, faço ele me acompanhar, e por algumas horas, as nossas últimas no Rio, encho
meu neném chorão de amor, e ofereço meu colo, até ele pegar no sono cansado, e mais tranquilo.

E dessa vez não teve sangue no lençol. Só um pouco de nossa essência, que significava o quanto
estávamos loucos um pelo outro. E não foi só isso o que aconteceu enquanto a gente se amava...
William me confessou seus sentimentos mais profundos me olhando nos olhos, e eu perdi
completamente o medo. Eu queria pertencer a ele, eu queria me entregar para ele, e queria muito
viver uma pequena vida ao seu lado, enquanto eu pudesse, o máximo de tempo que eu conseguisse
adiar o ódio que ia sentir por mim. Eu precisava ser forte, e precisava de muito tempo para que
ele pudesse entender, e acreditar que não poderia mais viver sem mim. Eu queria ter esperança. Eu
precisava ter.
ELE NÃO VAI CONTRA SEUS VOTOS!

— Preciso que fique bem! Pelo Tiago! Por mim...

Barbara passa a mão nos meus cabelos, enquanto eu me ajoelhava diante do túmulo de Diógenes
e Tiago parecia estar longe em pensamentos.

— Vou ficar. Vou ficar bem, eu prometo!

— Vem cá!

Ela aperta meu ombro, me pega pela mão e me puxa para um abraço gentil.

Ela estava um caos, assim como eu! Estava cuidando de um caso importante de um dos meus
acusados da lava-jato, "que ela dizia ser inocente", estava triste pela nossa separação, teve uma
crise de ciúmes quando contei que levei Helena comigo para dentro de sua casa, enfim, ela estava
à flor da pele, e precisava de minha atenção. Metade de seus problemas eram culpa minha!

Ela me beija a face, me aperta carinhosa, e eu sinto uma aproximação. Helena caminhava em
nossa direção carregando um buquê de flores brancas, e via tudo. Estava de preto como manda o
figurino, óculos escuros, e os cabelos soltos em ondas charmosas.

Me afasto de Barbara, e estranho seu comportamento. Eu havia chamado ela para vir comigo, era
só uma passada, já que perdi a cerimônia de velório porque estava com ela no Rio, mas ela disse
não gostar muito do ambiente, então respeitei e disse que 'sem problemas, que eu podia vir
sozinho'. Puta merda...

— Disse que não vinha!

Resmungo pra ela, abraço-a por pouco tempo graças a sua atitude hostil de me soltar antes da
hora, e meu coração dói.
— É. Eu não gosto mesmo de vir! Não me sinto bem, mas não queria te deixar sozinho! — ela tira
os óculos e fita a sua "rival" — Boa tarde, Barbara... Tiago!

— Boa tarde.

Tiago responde, mas Barbara responde e vira as costas para nós dois.
Helena passa por mim assim que tento me aproximar dela de novo, deposita as flores ao lado das
que eu e Barbara trouxemos, fita o túmulo por um momento, e logo se aproxima de mim de novo.

— Eu já vou! Sinto muito por seu amigo, mesmo! Se cuida!

Ela fala se despedindo, tento fazer com que fale comigo, mas ela ergue o braço de forma natural,
sem agressividade e vai embora. Sinto um nó na garganta ao vê-la ir embora, seguro a agonia, e
volto a fitar o túmulo de meu amigo.
Eu não estava em um bom momento, voltei para São Paulo um novo homem, um homem ainda mais
apaixonado, mas foi a antiga Helena quem voltou comigo.

— Tu avisou o pai?! Lá?

Tiago questiona na mesa, na hora do jantar.

— Não. Não avisei lá. Avisei por telefone! Não consegui ir até lá para contar e corri de volta para
casa!

— Brenda me ligou puta da vida! A mãe também! Helena deve ter ficado chateada por ter sido
tão maltratada...

— O pai amenizou tudo, adorou ela!

— Tinha mostrado uma foto!

Tiago sorri e eu também não pude evitar retribuir! Era quase impossível não gostar de Helena.

— Seu Francisco só gostou porque está me odiando. Não devia ter levado ela até lá! Não sei
quando vou ter coragem de pisar na minha casa, sua atitude foi uma afronta. Você me humilhou
levando-a até lá.

Barbara resmunga colocando seu prato na pia.

— Já conversamos sobre isso! Helena não é um assunto teu! Não quero que fale dela, a não ser
que seja algo muito bom! Simplesmente porque ela é muito boa! Tratou minha mãe com respeito,
mesmo não tendo reciprocidade, amou Natalie logo de cara, foi gentil com Brenda, mesmo Brenda
a agredindo verbalmente e ameaçando querer "arrancar os cabelos dela na unha", ficou calada
quando foi chamada de "marmita" pela Nayara, e foi duramente ignorada e desprezada por
todos! Ainda mesmo assim, me fez ir falar com minha mãe, apesar de tudo. Ela é incrível, é boa
pessoa e me faz feliz!
Ela sim, foi humilhada por nossa família, não você!

— Quem mandou levá-la até lá?!

Ela levanta a voz pra mim, e eu me seguro pra não a enforcar de raiva. Assim que me levanto,
Tiago já me barra!

— Sai!

Eu falo e ele nega, pois já me conhecia!

— Não. Não vou deixar você machucar ela!

— Eu não vou machucar ela, vou machucar você! Sai daqui!

— Sai, Tiago!

Barbara resmunga e eu a fuzilo com os olhos.

— Eu não tenho obrigação de gostar dela, pode gritar se quiser! Levou a vaca na minha casa, ter
sido escorraçada de lá, fez Brenda subir no meu conceito! Tô quase perdoando o fato de que
comeu ela na minha casa, na minha cama!

Barbara resmunga rosnando quando Tiago sai, e eu faço um carinho em seu pescoço usando toda
a minha mão. Vontade de socar a cara dela toda, mas após ouvir o que ela achava de tudo o que
Helena tinha passado, minha raiva passa e fica só a pena.

Sorrio e toco seu rosto.

— Engraçado ela merecer perdão, sendo que foi eu quem quis, eu que a arrastei pelos cabelos, e
ela só deixou porque gostava. Eu forcei a barra, eu que senti vontade depois de vê-la sair de
toalha do banheiro, — ela chora — e eu que a procurei depois, várias e várias vezes. Engraçado
você odiar todas as suas amigas que eu comi, quando fui eu quem foi atrás de todas elas, e mais
engraçado ainda é que em todas às vezes você se distanciava de mim, para depois me procurar
de novo, mas não dessa vez, não é!? O que faz dentro da minha casa, depois de ver que meu
relacionamento com Helena é sério? Porque inferniza minha vida? Essa não é você. Esse papel não
combina com a Barbara que tanto amei! Tá com medo, não é?! Medo de me ver casar, ter filhos,
formar família com uma outra mulher... eu te entendo, tô do teu lado mesmo sem precisar para que
seu sofrimento se atenue, mas não vou permitir que você a ofenda, não tem a menor necessidade
de descontar nela, tratar ela mal, sendo que fui eu quem me apaixonei.

— Me arrependo amargamente de ter perdoado você da primeira vez, você nunca me mereceu!
— Não mesmo! E agora eu entendo porque foi tão fácil abrir mão de ti!

— É, pois é... sou horrível e a Helena é um anjo de candura, toda doce... — ela limpa as lágrimas
— Vai pro inferno! Quero que você e ela vão para o inferno!!!

Ela tenta sair da cozinha e eu a puxo pelo braço.

— Você veio para ficar, vai ficar! Não tem mais idade para esse tipo de piti!

— Me solta, William!

— Solto porra nenhuma! Não ouse a debochar da minha mulher de novo, não fale de Helena como
se a conhecesse, nunca mais, e não volte a me provocar! Me deixe em paz que eu te deixo em
paz!

Falo, solto do seu braço e a vejo massagear o local antes de eu sair de perto dela. Eu precisava
de um abraço, precisava de carinho, estava péssimo, mas pelo visto, Barbara não estava se
importando com nada daquilo, ela só queria me foder!

Passo pelo corredor, encontro Tiago espiando, preparado para entrar na possível briga que eu ia
ter com Barbara, e eu arrasto ele dali para fora do apartamento.

— Vamos aonde?

— Ver Helena.

— Vai deixar a Bah sozinha?

— Se algo acontecer, ela me liga. Ela vai ficar bem!

— Ela te contou que tá sentindo que tá sendo seguida???

Ele questiona e eu fico pasmo.

— Não. Que papo é esse?!

— Ela disse que já tem um tempo, e isso piorou quando pegou a defesa do tal do ex-delator!

— Ela não me contou isso!

— Aposto que tu nem deixou, né! Só briga com ela desde que chegou!

Ele fala, o elevador chega ao hall, e eu subo de novo.


Bato na porta para ela abrir, e ela pergunta quem é antes de destrancar a porta.

— Que papo é esse de ser seguida?

— Nossa. Ficou preocupado?! Atrapalhei sua visita ao anjo!!!

— Fala de uma vez, Barbara.

Eu peço, sento no sofá, e ouço toda a história desde o início.

— Bom, toma cuidado! Peça proteção da delegacia, não dê bobeira!

Eu converso com ela por horas a fio, fica tarde demais, e eu resolvo ir me deitar sem torrar a
paciência do meu neném. Não queria deixar os dois sozinhos, não me sentia mais seguro, Barbara
havia dito que o apartamento já estava pronto para a mudança e eu faria isso logo, assim que o
dia nascesse. Barbara e Tiago precisavam do máximo de segurança possível. Mas eu queria tanto
vê-la, queria tanto abraçá-la...

Deixo ela sozinha na sala, vou para meu quarto, e ligo pra ela. Só chama, não me atende.

Meu coração fica espremido toda vez que ela me despreza, toda vez que fica brava comigo, e eu
quero morrer só para que aquela agonia dolorosa cesse.
Eu amava Helena, eu queria que ela acreditasse que Barbara não significava nada pra mim, e
que meu amor por ela superava qualquer outro sentimento que já tive na vida, por qualquer outra
mulher.

Barbara só foi comigo porque insistiu pra eu não ir sozinho com Tiago. Ela não me incomodava, sua
presença não me incomodava, então tanto faz ela estar perto de mim ou não.
Eu gostava dela, era especial para mim, tivemos uma vida juntos, então era querida, mas eu não a
amava mais. Só queria que Helena soubesse disso...

Tento dormir e não consigo. Me reviro na cama de um lado pro outro e nada. Já eram nove horas
da noite e eu não conseguia pensar em nada que não fosse nela, então cansei de sofrer. Tentei
ligar mais umas dez vezes e nada dela me atender. Nada.

Jogo o celular longe e procuro manter minha cabeça ocupada.

Estudo a tal da família Coverick, pesquiso tudo o que posso, faço planos, e assim que me sinto
satisfeito, vou atrás do celular para remontá-lo. Eu precisava dele ligado.

Tomei um banho e sofri repassando a cena em que, minha neném, me trata mal no cemitério.

Assim que chegamos do Rio, deixei a bebê cansada em casa, fiz um café, enchi ela de beijos, com
suas mãos procurando por amor, e logo me despedi. Foi a pior parte. Vim para casa morrendo de
saudades do pirralho, e matei enchendo ele de cascudos.
Tudo o que eu queria era que ela viesse comigo, ficasse colada em mim, não aguentava mais não
estar com ela, antes já era assim, e depois do Rio, depois de experimentar seu gosto pela primeira
vez, ficara pior.

Sou experiente, gosto de sexo, mas nunca fiz amor como fiz com ela. Nunca senti o que eu senti
quando estava dentro dela. Seu cheiro bom, seu toque, seus gemidos finos... Helena era incrível.

Eu a machuquei, com isso nem sabia lidar. Assim que a vi de roupa de inverno no sol de rachar do
Rio, eu soube. Aquela fragilidade não combinava com minha grosseria, mas ao mesmo tempo que
me condenei, amei ver as marcas do amor que a gente havia feito. Era como se fosse a prova
concreta de que eu amei aquela mulher e bom... com certeza, se ela não tivesse toda marcada,
pareceria somente um sonho. Mas não foi. Helena foi minha naquela noite, e foi a melhor noite da
minha vida.

Durmo pensando nela, e acordo do mesmo jeito! Desejando o meu amor...

— Tu tá com uma cara péssima!

Tiago diz no café da manhã. Barbara fazia suas panquecas com gosto bom e Tiago enchia meu
saco.

— Estou! Helena não me atendeu ontem à noite toda!

— Por que?

— Eu disse que já que ela não gostava de ir em cemitérios eu iria sozinho, pois precisava ver
Diógenes. Mas ela mudou de ideia chegando lá depois e me viu com Barbara, você viu. Parece
que eu meio que menti para estar com minha ex... Ficou uma cena estranha!

— Ela te ama, vocês vão se entender!

Ele diz batendo em meu ombro.

— Legal! O amor é tão lindo, mas a insegurança é tão grande. Diz para ela que eu sou horrível!
Talvez ajude!

— Não começa!

— Nem vou! Tá tudo pronto! Vou para minha casa!

Ela larga o pano de prato na mesa e eu me recuso a me irritar.

— Precisa ficar conosco! É mais seguro!


— Não me importo!

— Preciso de ajuda com a mudança enquanto vou verificar a história da minha tia!

— Peça para a doce Helena. Vamos ver se a dondoca aceita ficar de joelhos arrumando tuas
malas e organizando tudo!

Ela fala, sai batendo o pé, e eu dou uma risada alta, mas não de propósito!

— Credo, meu! Para de tratar ela assim!!! Tu tá exagerando, brother!

Tiago resmunga magoado e eu nego.

— Tô rindo dela não! É só que eu me lembrei de uma coisa que eu esqueci de te contar.

Não aguento e falo enquanto mastigo.

— Oshi! O que foi?!

— Acho que Helena "arrumaria minhas malas sem problema", — faço aspas com os dedos —
afinal, ela dançou funk pra mim! Coisa que eu nem imaginava que faria!!!

Eu digo e Tiago engasga com o pão e o suco!

— Caralho!!! Mentira!!!

Ele ri exageradamente surpreso!

— Levei ela lá no Douglas! Ele tava fazendo aqueles churrascos que eles fazem sempre. Cheio de
mulher gostosa e pelada! Não aguentou ouvir os proibidão, ficou toda eriçada. Rebolou colada em
mim e tudo, acredita?! Direitinho!

— Óbvio que não!!!

— Mas foi! Ela é incrível, Tiago! Me surpreende a cada minuto! Ela é muito foda! Entrou no quintal
e arrancou olhares da bandidagem toda! E estava de vestido quase até o joelho, toda
comportada, e as garotas ficaram secas de inveja! A Cris tava lá na casa da Barbara, Brenda quis
socar ela, a Nay ficou maluca... ela abala tudo ao redor, não importa aonde entra! Enfrentou
Douglas, não quis intimidade com ele, e ela conseguiu fazer ele rir!!! Já viu isso?! O Douglas baixar
a cabeça pra mulher turrona?! Conquistou até o chefe do morro!

Eu falo e ele arregala os olhos.

— Tu tá mesmo xonado nela, hein!


— Tô! Muito! Quero ela pra mim! Pra sempre! Ela é única! Quero me casar com ela! De verdade...
não entendo o que ela tem, estávamos tão bem. Só foi ver a Barbara comigo que mudou!

— Tá, Don Juan! Mas esse ciúme dela com a Bah, vai estragar tudo! Tu vai ter que escolher entre
uma ou outra!

Ele fala de um jeito estranho, mas ignoro.

— Não preciso escolher! Terminei com Barbara, mas Barbara é família, Helena vai ter que aceitar,
não posso abandoná-la.

— A Bah precisa seguir com a vida dela, conhecer alguém, e você precisa deixar! Helena vai
sempre sentir que divide você com ela.

— É só conhecer! Quando isso acontecer a deixo ir. Até lá não precisa ficar sozinha, e nem pode!
Eu só quero o bem dela, eu amo a Helena! — eu falo, ele confirma mudando de humor, e eu finjo
que não vi sua felicidade ao ouvir aquilo — Vamos até lá daqui a pouco! Vou te deixar com ela
algumas horas, preciso ir até a delegacia e começar a ver o lance da tia Ni! Vou fazer uma visita!

— Ela não vai gostar nada, nada de ser minha babá! Posso ficar sozinho!

— Pode, mas te levar até lá é uma desculpa para vê-la e te deixar com ela é uma boa
oportunidade de saber o que ela faz, o que ela gosta, seus compromissos, e aproximar vocês dois.
Serão cunhados, vai precisar cuidar dela pra mim, quando eu não estiver!

Eu falo e ele ri irônico.

— Só não pode se apaixonar, como aconteceu com Barbara!

Eu falo, ele engasga de novo, e eu saio rindo. Pirralho abusado. Não sou delegado federal à toa!

— É sério, tira isso da sua cabeça!

Tiago resmunga pela milésima vez.

— Tiro. Mas mesmo assim... não se magoe, Barbara é uma mulher, tu é só um garoto! É até crime.
Espere um pouco, se um dia ela te corresponder, ficarei feliz em ver vocês dois juntos, mas para
isso acontecer, tu tem que crescer e mudar muito!

— Cala a boca!

— Calei.

Eu resmungo, estaciono na frente da galeria que encontrei no seu nome, e entro com o pirralho
oferecido ao meu lado. A galeria dela era linda, charmosa, e moderna ao ponto de ter uma
decoração bem contemporânea, mas que contrastava com piso de madeira que rangia.

A recepcionista era uma senhora de aparentemente quarenta anos, morena, portadora de miopia,
e simpática demais.

— Olá! Em que posso lhes ser útil?

— Bom dia! — eu a cumprimento após olhar ao redor — Gostaria de falar com a Helena. Pode
dizer que estou aqui? Me chamo William!

— Eu não sei se ela está! Ela trabalha da instituição às vezes... — aham, sei — Só um minuto por
favor!

Ela sorri, e pega o telefone.

— Oi, Lê! Sou eu! — ela ri — Sabe se Helena já chegou? Não a vi passar por mim... eu tenho
visitas para ela! William... — ela diz e espera — Ah! Que ótimo!!! Tudo bem! Tá certo! Aham! Claro!
Obrigada, Lê!

Ela desliga e nos olha feliz.

— Ela chegou, foi direto para a sala dela, por isso não a vi! Ela já está vindo, vocês podem se
sentar um minuto?! É rapidinho!!!

Ela aponta para o sofá confortável e eu sorrio de volta.


Quase dez minutos depois ela entra na recepção e caminha até nós. Usava jeans de cintura alta,
cinto, um sapato de saltos altos, bem diferente e mais femininos do que costumava usar, cabelos
presos em um rabo-de-cavalo perfeito, e usava seu perfume de sempre, cheirava a pêssegos e
amor.

Estava linda — com algumas manchas nossas no pescoço, só que mais fracas, talvez por causa de
maquiagens — e indiferente a mim.

— O que faz aqui? — ela pergunta baixo enquanto olhava desconfiada para meu irmão.

— Eu vim te ver, e deixar Tiago para você cuidar!

Sorrio e me levanto.

— Como é?!

Ela parece brava, muito brava, e eu fico mais triste do que estava antes.
— Podemos conversar em algum lugar?

Eu peço em voz baixa e ela me dá uma patada.

— Não!!! Estou trabalhando, e muito ocupada! O que vocês querem?

— Por que está me tratando assim?

— O que você quer?

Ela pergunta de novo, super impaciente, e alguns clientes ou visitantes chegam.

— Vim ver você! Quero entender o porquê não me atende, porquê me ignora, e principalmente
porquê está tão brava! O que foi que eu fiz?

Eu pergunto, ela olha para os visitantes, me dá as costas, e eu chamo Tiago para segui-la junto
comigo!

— Sinto em informar, mas estou cheia de trabalho! Não tô com tempo para conversar!

Ela nos faz entrar em um escritório ao subir as escadas de madeira da última sala de mostras da
galeria, e se senta atrás da mesa, só para ficar longe do meu toque.

— Está enciumada. Eu não tenho nada com a Barbara, eu amo você!

Eu falo isso ali, pela "segunda vez", a primeira foi quando fizemos amor, após saber da morte de
Diógenes e isso mexe com ela, mas ela disfarça que ficou tocada.

— Eu não quero saber de Barbara. Nem de nada.

— Tá terminando comigo?

— Já disse que não temos nada para terminar. — ela diz e isso acaba comigo.

— Não foi o que pareceu no Rio.

Meu tom de voz já muda, já fica mais grossa, e sinto a bola subir em minha garganta. Obviamente
ela percebe, "sente muito" por mim, mas fica irredutível.

— É mesmo!!! Então vamos lá! Por que que tu acha que eu fiquei brava? Por que acha que estou
brava com você?

— Por que me viu com ela quando eu disse que ia sozinho! Eu podia ir só com Tiago, mas ela foi
junto. Foi me ver só para me dar apoio, mas quem me deu primeiro foi "minha ex"!
— E ontem você me ligou umas mil vezes, por que não veio até mim?

Ela pergunta de novo, e eu entendo onde ela queria chegar.

— Por que precisei cuidar dela, dos dois. Barbara está sendo seguida, ameaçada...

Eu falo e ela confirma chateada.

— Pois é, te esperei a noite toda! O Rio foi um sonho que passou, delegado! Eu cheguei e pude
voltar a ver a nossa realidade. Cuide da sua advogada e me inclua fora dessa!

Ela diz, e eu não posso fazer o que eu faria se estivéssemos sozinhos.

— Tudo bem, vou incluir! Vamos, Tiago!

Eu ofereço as minhas costas, como ela já fez inúmeras vezes, mas Tiago fica parado!

— Ele precisa ir cuidar da história da minha tia, e Barbara não quer me vigiar porque ele deu um
chegapralá nela, só para te defender, enquanto ela te xingava de tudo quanto é nome, e te
culpava por toda desgraça da vida dela, principalmente por acabar com o noivado dos dois.
Agora ele precisa ir, e não pode me deixar ir pra rua porque se eu for, eu vou me drogar. Ficarei
aqui para não cair na tentação, não aprontar, e saber um pouco mais sobre você, para poder
contar pra ele, e ele sofrer amargurado dizendo sobre o quanto você é incrível e o quanto você é
teimosa e ciumenta sem necessidade. Serei invisível, e posso dizer pra ele que você me tratou muito
bem, mesmo se isso não acontecer.

Tiago fala entristecido, Helena esfrega o rosto com as mãos, parece chateada, preocupada, triste,
e principalmente, parecia lamentar muito nossa presença ali.

— Tudo bem! Mas não tenho vocação para N.A, e nem para fazer a babá!

— Sei que deve ter telas aqui! Posso me divertir em silêncio enquanto você trabalha!

Tiago resmunga, ela concorda já aceitando sua cruz, e eu me retiro antes de ser expulso com o
coração destroçado. E não consigo evitar algumas lágrimas doloridas. Meu corpo todo doía,
parecia que eu ia ter um treco de tanta dor. Meu neném judiava de mim e já não queria mais ser
meu neném. Eu vi em seus olhos, senti a verdade neles. Helena gostava de mim, mas algo mudou do
Rio para cá, e ela parecia disposta a deletar tudo oque vivemos, e ir visitar o túmulo de Diógenes
com Barbara, não me parecia um motivo equivalente, tinha mais ali! Sua atitude com certeza estava
desproporcional.

Deito minha cabeça no volante, sofro um pouco mais, e espero a dor passar para poder dirigir até
a região da USP.
Já estaciono me sentindo mais péssimo do que antes. Minha discussão com Helena, e aquele término
"de algo que a gente nem tinha", como ela mesma disse, me deixou além de triste, muito bravo,
revoltado e entorpecido. O jeito que eu não deveria estar na hora de conversar com o assassino
do meu tio... mas... fazer o que?! Não havia nada a fazer.

Saio do carro, me sinto vigiado, olho para os lados, não vejo nada suspeito, aperto a campainha, e
por precaução, ligo o gravador do meu celular.

É um garoto quem atende o interfone.

— Quem?

"Quem?" Quem atende um interfone assim?

— Olá, boa tarde! Sou William Castro, delegado de polícia federal. Quero falar com Max
Coverick!

— Um momento!

Espero impaciente, olho procurando alguma fresta no portão, como não encontro, apenas espero.
Em pouco tempo escuto o portão ser destravado de forma elétrica, e Max Coverick me atende.
Sua face esnobe e grosseira já estava gravada na minha memória, e aquele olhar era familiar!

— Max Coverick, certo?!

Estendo a mão e ele pega no ato.

— Isso!

— William Castro, delegado federal! Desculpe vir sem avisar...

— Devo ter feito algo de muito errado para vir o próprio delegado da superintendência de São
Paulo!

Ele diz com bom humor.

— Estou tão famoso assim?

— Só um pouco!

— Bom... é só uma visita informal! Tenho algumas perguntas a respeito do assassinato do meu tio
Carlos, de alguns anos atrás! Se não quiser me atender, é compreensível!

— Que isso! Entra, por favor!


Ele pede e eu entro cauteloso. Aquele cara, já mais velho doque na foto, tinha matado meu tio,
então... eu estava atento.

— Sente-se, fique à vontade!

Ele pede quando entro na sala aconchegante, e antes de me sentar, meus olhos passeiam de porta-
retrato a porta-retrato no seu armário enorme. Família grande ele tinha...

— Em que posso ajudar?

Ele pergunta, mas sua esposa, Hella Coverick, entra na sala e sorri com sinceridade, enquanto ele
nos apresentava.

— Doutor, essa é minha esposa, Hella!

— Prazer! — eu ofereço minha mão e ela retribui o gesto com as duas, como se quisesse me dar
carinho — Sinto muito por tudo isso. Minha visita será breve!

— Não tem problema! Meu sequestro foi um trauma que já superei! Foi há muito tempo! — Ela sorri
triste, e eu concordo me sentando — Farei um café para vocês!

Ela sai e eu volto minha atenção para ele, que enquanto eu falava com sua esposa me fitava
curioso.

— Bom, Capitão... Sei que o caso foi esclarecido pela militar, na época, mas o motivo da minha
visita aqui hoje, é que minha tia, a esposa dele, faleceu. Mas antes de falecer me deixou essa
carta! Fique à vontade para ler...

Eu lhe entrego a cópia que havia feito e ele lê curioso.

— Sua tia está completamente equivocada! — ele nega — Em tudo o que escreveu! — ele parece
sereno demais, tranquilo até, e me devolve a carta se lamentando — E primeiramente, minhas
sinceras condolências para com os dois. Não conheci sua tia, e não me dava bem com seu tio, mas
eu realmente lamento por tudo. Se eu pudesse controlar, nada daquilo teria acontecido, mesmo
porque, se eu pudesse, eu teria feito de um tudo para evitar que meu filho sofresse dois atentados,
e que minha esposa fosse sequestrada grávida.

— Grávida?!

— Sim, de Ana! Minha segunda...

— Ah! Certo! O senhor tem quantos filhos?! Três, certo?

— Isso. Tay, Ana Luisa e Davi!


— Legal! Tay seria o amigo que minha tia acusa de matar meu primo...

— Pois é! Mais um equívoco! Soube na época que, após Pedro saber que não ia subir de patente
na FAB, fez as malas e saiu de Barbacena... não contou nada a respeito para a família, nós o
hospedamos em meu sítio, e nem com os amigos!!! Só fez as malas e partiu! Desde então ninguém
nunca teve notícias, não entrou em contato. A FAB o procurou, a polícia militar, com alguns contatos
acionei a civil... mas ele deu como desaparecido! Meu filho talvez possa dar mais detalhes, mas
provavelmente te falará a mesma coisa. Sofreu pelo amigo, quis ajudar nas investigações, até hoje
fala dele com carinho e tem esperanças de que o amigo volte!

Ele parecia falar a verdade, mas algo me incomodava.

— Atuou em um dos primeiros pelotões na pacificação do Haiti... confronto na Síria, é experiente,


quase morreu milhões de vezes, viu amigos partir e não mais voltar, foi torturado... acredita mesmo
que meu primo está vivo, capitão?

— Se ele estivesse, já teria aparecido, Doutor, e sinto muito por isso também. Mas sempre tem uma
possibilidade, já vi muitas mortes, mas também muito militar renascer das cinzas como eu! Pedro é
um excelente militar! Se não quiser ser encontrado, não vai! E de qualquer forma, se algo
aconteceu, não foram seus amigos, não foi minha família! Somos íntegros, matei seu tio por legítima
defesa, e ainda assim, nunca mais esqueci o ocorrido, e nem vou! Pedro e Tay são melhores amigos
desde o jardim de infância, ambos não tinham motivos para machucar um ao outro. Se davam
muito bem, eram grudados, realmente muito amigos!

— De qualquer forma, não encontro motivos para que tenha partido sem querer ser encontrado.
Como era exatamente a relação do senhor com meu tio?

— Bom, eu não tenho nada de bom para falar do seu tio, então...

— O senhor pode ser sincero comigo! Serei imparcial! Sou profissional demais, jamais colocaria
minha família em um pedestal simplesmente porque é minha família! O cumprimento da lei está
acima de tudo para mim, mesmo! Se meu pai cometesse um crime, eu mesmo faria questão de levá-
lo sobe custódia! Esqueça que é do meu tio que o senhor fala e pode se abrir, por favor!

Eu peço e ele confirma satisfeito.

— Bom, Carlos era desprezível! — nossa... — Tinha muita inveja, não só de mim, mas
principalmente de mim, não sei bem o porquê! Era corrupto, mau-caráter, mal educado, desleixado,
vivia pregando peças sem graça nos nossos companheiros, forjando resultados, e todo mundo
sabia de sua índole! Como ele era como homem, tio, pai, marido, eu não sei, mas como militar era
uma sujeira em pessoa! Gostava de brigas, gostava de atrapalhar quem estava se dando bem,
quem estava chamando a atenção dos comandantes... extremamente invejoso, e frio! Dias depois eu
soube ele foi cúmplice no sequestro de minha esposa sem pedir nada em troca! Fez por fazer,
atitude um tanto quanto psicopata. Ele me odiava por odiar!
— Certo. Vocês já brigaram, alguma vez?! Saíram na porrada? Alguma confusão, ou agressão...?!

— Não, eu sempre o ignorei, nunca dei a importância que ele não merecia, não caía na dele, e
acho que por isso ele me odiava mais do que aos outros! Sou filho de major, deve saber... —
confirmo — Sempre fui muito regrado, disciplinado, aplicado, principalmente por causa de meu pai,
então, eu era seu alvo favorito de implicância! Vim de uma longa linhagem militar e sempre fui o
número um, o melhor, e modéstia á parte, ainda sou. Isso causava muita inveja, nele ainda mais.

— Você o odiava?!

— Não. Não sentia nada por ele.

— E o que o senhor pensava a respeito da amizade do seu filho com o Carlos?! Por que, anos
depois que o Tay sofreu os atentados, ele foi para a escola pra cadetes, e lá encontrou o Júnior.
Quero dizer: O filho do cara que tentou matar seu filho e sua esposa, ou melhor, foi cúmplice da
assassina, a sargento Felícia, retomava a amizade com teu filho, e entrava na tua casa pela porta
da frente... como foi isso? Não ficou preocupado com isso? Isso não te incomodou?

Eu pergunto e ele pra pensar.

— Quando o Tay estava nos primeiros anos de escola, eu sabia do Pedro, soube que "o filho de
um militar estava na mesma sala que meu primogênito", e depois de uma briguinha que os dois
tiveram, em que o Pedro dizia que eu ia morrer, que o pai dele disse que o "Pai do Tay ia morrer",
eu soube que eram pai e filho. Na época minha esposa me ligou muito triste, porque o Tay estava
chorando, dizendo que um coleguinha havia dito que o pai dele ia morrer, conversei com Tay, e fui
pesquisar quem era, achei estranho. Um militar falava para o próprio filho, uma criança, sobre
minha "futura morte"?!?! Não fiquei surpreso quando soube que era o teu tio, então redobrei minha
atenção! Estávamos na Síria juntos, mas em pelotões diferentes, então ele nem podia chegar perto
de mim, ou tentar algo. Anos depois, na época de atualização do meu filho, o Tay precisou voltar
para Barbacena, e então hospedou os dois amigos em nosso sítio! Laura Nogueira e ele. Vi no
Pedro um menino bem-educado, super bem-humorado, feliz, alegre. Ana Luisa, na época com dez
ou onze anos, adorou ele, enfim, a família inteira o amou de graça! Sem esforço! Eu já era mais do
que um homem, já estava velho demais para criar caso, Pedro não tinha culpa do pai que teve,
nunca o distratei de forma alguma!

— E meu primo amou a família do cara que matou meu tio?! Como o senhor descobriu que o Pedro
era o Pedro?! O que ele falava para o senhor com relação ao meu tio?

— Os dois eram pequenos demais nessa época! Eu soube assim que Tay o apresentou como Pedro,
e falou sobre a pré-escola! Cheguei no meu filho e perguntei se ele se lembrava que aquele
menino era filho do cara que eu tinha matado, e ele disse que não! E que não se importava, e por
questões óbvias nem ia tocar no assunto. Tay não sabia muito, evitávamos falar sobre detalhes com
ele, ele era muito menino, se lembrava de Pedro, mas era impossível ligar um ao outro, afinal, nunca
chegou a saber de nada sobre o teu tio, com quem ele chegou a trocar três palavras, foi com
Felícia, que até passou alguns dias em nossa casa, na época! Quase acabou com meu casamento, e
ele via as nossas brigas, minha e da mãe dele! Enfim, fiquei surpreso, mas sua presença nunca foi
problema para nós, não! Muito pelo contrário, era muito bem tratado!

Ele fala, analiso sua postura, ele sustenta meu olhar, sua esposa entra com os cafés, e pelo jeito,
algo para comer, bolinhos talvez, e eu quando volto a olhar pro assassino, noto que ele continuava
me encarando. Ele parecia um psicopata, a forma de olhar demonstrando viajar em pensamentos,
tipo querendo que você seja feliz, mas analisando como você vai morrer, ou como vai ser
prejudicado, e faz tudo isso sorrindo para você! Ele falava parecendo ter credibilidade, tudo
estava certo, tudo batia com o depoimento que deu na época, parecia tudo verdade, e por isso
não me enganava, nem um pouco! Algo em sua história "completamente inocente, simples e
verídica", não "se encaixava" apesar de fazer todo sentido. Ali era meu sexto sentido, e faro
falando alto! Algo nele é uma farsa, não tudo, mas alguma coisa é!

— Tem namorada, doutor?! É casado?

A sua esposa pergunta sorrindo e me oferecendo uma das xícaras.

— Por que a pergunta?

— Você disse que o papo com meu marido seria informal, mas parece um interrogatório, mesmo
que todo meu sequestro e tentativa de assassinato, meu e do meu filho já tenha sido esclarecida...
tô tentando aliviar a tensão, o clima está tão pesado que eu estou ficando com dor de cabeça!

Ela ri com sinceridade, e me oferece o bolinho, que logo nego.

— Peço perdão se eu trouxe um clima ruim para tua casa, senhora Coverick! Não foi minha
intenção, posso garantir! Sou formal por natureza, mesmo! Mas estou aqui realmente como o
"sobrinho curioso", é mais meu cargo que assusta, só vim esclarecer algumas dúvidas! — eu falo e
ela se senta ao lado do marido! — Mas respondendo sua pergunta, eu não namoro não,
infelizmente! Terminei um longo noivado, me apaixonei perdidamente por uma outra mulher, mas ela
não me quer de jeito nenhum!

Dou risada, — eu precisava muito falar com alguém sobre Helena, mas me controlo — e Max
muda seu semblante, ele perde um pouco da tensão e parece pensar no que eu disse.

— Vai ver ela não te quer porque você é muito formal!

Ele diz.

— Eu estou tomando teu café, no sofá da tua casa, falando sobre meu relacionamento fracassado
e deixando transparecer o quanto tô sofrendo! Se isso não é ser informal, eu não sei o que é!

Eu digo, e os dois dão risadas altas e sinceras. É... eu era um homem engraçado.
Meia-hora depois, após muitas perguntas sobre meu tio e sobre Pedro, o caçula entra na sala, se
serve de um bolinho, estende a mão para mim, se apresenta como Davi, mas não sorri! Ele era a
cara dele.

— Sinto muito pelo teu tio! Mas meu pai salvou a vida da minha mãe, então... — ele dá de ombros
— Sinto muito mesmo!

— Davi...

A senhora o repreende e ele faz aquela cara tipo: "O que foi? Só quis dizer ué!."

— O que sabe sobre essa história, rapaz?

— Só o que eu ouvi ali da porta do corredor! — risos da minha parte — Meus pais não falam
disso, nunca! Ainda dói, minha mãe diz que superou, mas nunca foi a mesma desde então... a Felícia
ia atirar na barriga dela, era para minha irmã morrer, eu soube...

— Davi, vai pro teu quarto!

Dona Hella diz nervosa, e eu fico sem saber o que dizer. Os olhos dela se enchem de lágrimas, e
eu me sinto mal por isso!

— Tudo bem! Mas vou pegar mais um bolinho, tô com fome! — ele pega um bolinho e me olha
triste — Tchau, William, prazer!

— Prazer, Davi! — eu respondo e sorrio para ele — Bom, sinto muito por isso!

Eu me levanto e os dois repetem meu gesto.

— O que pretende fazer com a carta de tua tia? Preciso contratar um advogado? Seria gentil se
me deixasse à par!

Max questiona e eu coloco a minha xícara de volta na mesa de centro.

— Bom, minha tia fez acusações de próprio punho! Vou investigar por conta própria, vou procurar
ainda por... Laura Nogueira, Tay Coverick, Jonatas Coverick, e o máximo de pessoas da família
que queiram me esclarecer algumas coisas, como Davi, por exemplo... o que tiverem para falar, vou
querer ouvir! Com culpa ou não, já notei que foi um episódio doloroso demais para dona Hella, e
isso significa muito! Se eu achar algo que lhes comprometa, com relação a meu tio, e principalmente
com relação a meu primo, vou reabrir o caso, e abrir um novo para o desaparecimento de Pedro!
— eu lamento — Preciso pedir que qualquer dúvida que eu tenha, eu possa te ligar para me
esclarecer! Portanto, por via das dúvidas, é bom ter um advogado sim! Mas que não precise
chegar a isso, espero mesmo que não precise!
— É claro! Qualquer dúvida é só me ligar! Eu também espero que não precise!

Ele diz e sou acompanhado pelos dois até o portão.

— Diga para sua pretendente que te faz sofrer, que eu mandei dizer para te dar uma chance! Vai
desenterrar um caso antigo, é bom que esteja com o coração saudável!

Dona Hella diz com humor, e eu sorrio com sinceridade.

— Não esqueça o que eu disse, sou profissional e imparcial!

Me despeço, entro no carro, e saio dali com o coração pior do que quando cheguei.

Eu estava um caos. Mais ainda.


Desligo o gravador do celular, jogo no banco do banco do carona, e decido ir direto buscar Tiago,
para só depois passar na delegacia.

Eu precisava vê-la. Precisava nem que fosse do seu olhar sobre mim, mesmo que tenha um
semblante bravo, ou enciumado. E precisava ouvir sua voz, mesmo que fossem gritos, ou mesmo que
fosse para dizer qualquer palavra que me machucaria de novo. Eu precisava dela de qualquer
jeito.

Entro no museu, a recepcionista me informa que já foram para casa, ambos para o apartamento, e
o recado era que fosse buscá-lo lá.
Estaciono na frente do hotel, subo, ela me atende com a mesma feição de antes, e eu não consigo
evitar de me arrepender por ter subido. Eu não merecia aquele tratamento.

— Oi!

— Oi! Ele está no banheiro, quer entrar?

— Você quer que eu entre?

— Não.

— Então espero aqui. — finjo que tá "tudo bem" — Ele deu trabalho?

Mudo de assunto e ela nega.

— Pintou alguns quadros lá na galeria, aliás, ele tem muito talento... falou bastante, se distraiu e eu
resolvi trazê-lo para almoçar aqui! Acabamos de comer, eu estava no computador e ele vendo TV.

Ela diz sem emoção e eu não aguento. Me aproximo louco para acabar com minha dor.
— Por que tá judiando assim de mim? Me diz o que tá havendo, princesa!

— Você tem sua vida! Eu cheguei depois e atrapalhei tudo!

— Você tá completamente enganada! Você foi o melhor presente que a vida me deu.

— Não foi o que pareceu no Rio!

Ela repete minha frase e eu me sinto cansado demais!

— Vou chamar o elevador! Tchau!

Eu digo com o coração apertado ao ver tua frieza, e viro as costas.

— Como foi com teu caso?

— Foi tudo bem.

Eu resmungo e sigo para o elevador, aperto o botão e Tiago logo aparece.


Ela ganha um beijo dele, eu entro no elevador, seguro a porta pro mala, e quando a porta fecha,
sinto tudo se esvaindo de mim, mas decido fingir que não sentia. Eu estava cansado de sentir dor.

— Você está bem?

Tiago pergunta cauteloso no elevador.

— Não, mas vou ficar! Ela não me quer, tem problemas com a vida pessoal, mas eu sempre soube
disso, disso e de todo o resto! Preciso esquecê-la.

Eu digo, e ele nega com a cabeça.

— Ela falou alguma coisa de mim?

— Não. Sinto muito!

— Entendi.

Resmungo, estaciono na delegacia, dou perdido nos milhares de repórteres que estavam à minha
espera e entro com Tiago na minha cola.

— Desculpe não ter avisado antes, foi Leandro quem fez questão de convocar a imprensa!

Encontro Manuela em minha sala com um policial, pelo jeito, novato, moreno e baixinho. Suspiro.
— Sem problemas!

— Com relação ao caso de Diógenes, sou somente eu quem cuidará, o senhor foi afastado do caso
por motivos óbvios, era quase um parente para você... Enfim...

— Está tudo bem! Nem se eu fosse pago para isso ia querer me envolver. Dois dias, eu chegava no
assassino, e logo ia ser obrigado a fingir que não sei de nada! Deixe como está, Portela descansa
em paz agora! A justiça virá com o tempo, tenho certeza disso! Só me deixe a par... se quiser. Vou
querer saber, era muito meu amigo!

— Mas que papo desanimado é esse?

— Só estou cansado, inspetora! Quero que essa corja vá para o inferno!

— Acha que foi...

— Não sei! — não deixo ela terminar e mudo de assunto, eu não sabia, porque simplesmente não
queria procurar saber, e só oque me restava era orar muito pela alma de meu amado amigo.
Naquele momento eu só queria esquecer, pois nada eu podia fazer para buscar o que sempre quis
em minha vida: Justiça! — Quem é o pirralho?

— Dimas Santos, investigador! — ele sorri e aperta minha mão — Fui transferido de Moema! É
uma honra trabalhar na superintendência de São Paulo!

— Prazer! Boa sorte e fique vivo!

Eu falo, os três riem da minha cara, e eu me sento em minha mesa para me atualizar.
Eu tinha mandados para pôr em prática, o mundaréu de bandidos da lava-jato para tentar
prender, interrogatórios, e ainda passar vergonha sem merecer na frente do país! Naquela tarde
de segunda-feira eu estava ocupado demais vendo minha pequena carreira desmoronar!

Sim, o caso Miragem me deixou exagerado.

— Iniciaremos a coletiva em trinta minutos! — Manuela entra em minha sala uma hora depois;
(Tiago havia dito que ia procurar a máquina de café para não tirar sua soneca da tarde no meu
sofá) e eu concordo — Não me contou se conseguiu o que queria no Rio!

Ela pergunta e eu fico intrigado com sua curiosidade. Não sei porquê.

— Não. Não consegui!

— Sério?

— Pois é! Seríssimo!
— E Helena? Se entenderam?

— Nos entendemos, namoramos demais, curtimos demais, mas voltamos para São Paulo, então tudo
voltou como era antes! Voltou a me odiar, me desprezar, e a esmagar meu coração sensível!

— Não me diga?!

Ela levanta uma sobrancelha e eu concordo rindo.

Alguém bate na porta, mando entrar, e para minha surpresa, é Barbara.

— Boa tarde! Consegui o habeas corpus do meu cliente. Gostaria de acompanhar sua soltura, nesse
momento!

Ela chega exigindo e eu resmungo.

— Algo mais?

— Não, apenas isso!

— Hum... sente-se e aguarde como todos os outros advogados, doutora!

A morena, que vestia sua típica roupa social, e empesteava a minha sala de perfume caro, andava
pra lá e pra cá, e encarava Manuela, até que a fez se tocar e sair.

— Quero pedir perdão por tudo o que falei a respeito dela! Eu não sou um monstro, não sou uma
adolescente e não a odeio! Só é bem difícil engolir o fato de que não estamos mais juntos! Eu
ainda amo você, será que consegue compreender o quão difícil essa situação é para mim?!

Ela fala e eu largo os papéis do habeas corpus com "grosseria".

— Por favor! Eu não estou bem! Por favor, agora não, Barbara...

Eu imploro me sentindo doente, ela se aproxima ao lado de minha cadeira e se agacha para falar
comigo.

— O que você tem? Me deixa ajudar você! Faço qualquer coisa para não te ver mal, qualquer
coisa!

— É só essa coletiva, tô fracassando. Acho que devo voltar pro Rio! Aqui não é o que pensei que
seria, não trabalharei com a lei aqui... tô cansado, Barbara!

— Mentira! Nunca se cansa de trabalhar, ainda mais agora, que conquistou o sonho de ser
delegado e adora um desafio! Tu tá é triste, pelo jeito muito triste! Vocês brigaram por causa de
mim?

— Mais ou menos isso! Acho que não me quer perto de você, "quer me fazer escolher".

— E você?

— Ainda somos uma família, ainda sou tudo o que você tem nessa cidade, não posso fingir que
você não existe!

— Certo! Eu sou mulher, acho que posso te ajudar! Não por ela, não tô fazendo a santa, mas
porque te amo, e quero ver você feliz, ver você feliz e me redimir. Eu quero qualquer coisa de
você, mesmo que seja amizade! Mesmo que seja pouco.

Ela diz bem baixo e eu nego.

— Como me ajudaria?!

— Ela está enciumada... medo de te dividir, talvez, insegura! Eu me sinto um patinho feito perto
dela, não porque me acho feia, mas porque você "a escolheu", tu preferiu ela, em contrapartida,
com certeza ela se sente um patinho feio perto de mim também, aposto! Saindo daqui, procure por
ela! Leve as flores que ela gosta, bombons, talvez um ursinho. Algo que ela goste. Pode dizer que
acha que ela não vai gostar, mas vai ser mais tua atitude que vai contar! Você ir procurá-la,
mostrar pra ela que tu tá com ela, que é com ela que quer ficar! Seja ousado, compre um anel!
Peça ela namoro de uma vez, mesmo achando que vai receber um "não", se arrisque! Só não fique
indiferente a ela, pessimista... tente com todas as suas forças, e ela notará isso. Deve estar insegura
demais, então passe segurança. Ela acha que nunca vai se livrar de mim, que sou estorvo, que vou
atrapalhar... O que não é verdade, mas foi o que eu pensei quando ela apareceu para você
naquela maldita boate. Então, fale com ela, com todas as letras, deixe claro o que pensa a meu
respeito, o que sente por mim, e me agradeça depois! Juro! Vai funcionar!

Ela diz, e eu sorrio por um momento.


Encosto minhas costas no apoio da poltrona e ela se apoia na mesa, me olhando nos olhos.

— Viu! Só de falar nela tu já melhora muito! Seu semblante fica alegre, incrível, e isso despedaça
meu coração, mas... tudo bem pra mim, porque você está bem!

— E eu só fiquei bem porque tu veio aqui e foi adulta, foi gentil, me ajudou! Barbara, não se
menospreze! Você tem muito valor pra mim! Eu não te amo, acho que tu merece um cara melhor do
que eu! Acho que tu merece viver pra você mesma, enfim, se livrou de mim! Mas nunca vou apagar
o que vivemos! Foi especial, e real! Eu queria tanto parar de querer dar na sua cara! Se bem que
antes eu amava dar na sua cara! Com força! — eu afirmo e ela ri — Queria tanto poder contar
com você, poder dizer, "minha ex é minha melhor amiga, ela e minha atual se aturam e se
respeitam", e deixar todo mundo de boca aberta!!!
Dou risada.

— É sério! Queria demais ter você na minha vida, assim, por inteira, mas queria que parasse de
sofrer por mim, queria que superasse e aceitasse só o que posso dar: Minha amizade, lealdade,
proteção e parceria. E nem fodendo que eu queria perder tua comida!!!

Zombo, ela não se segura e me "enche de soco".

— Vou tentar com mais vontade, prometo! — ela parece sincera — Só não vai ser fácil, mas
prometo de verdade tentar.

— Sem querer mudar de assunto, mas já mudando... o que rolou enquanto estive fora?! Tiago se
comportou?

Levanto uma sobrancelha e ela ri.

— Diz logo de uma vez! Diga sem rodeios.

— Se você der pro meu irmão, eu mato você! Enterro o teu corpo lá na borda do Tietê e escrevo
uma placa para todos verem: Aqui jaz uma vadia!

Eu falo sério, e como toda vez que falo sério, seu semblante muda para medo.

— Brincadeirinha! — sorrio — Não dê esperanças a ele, é só uma criança! Não tem idade.

— É só uma paixonite e atração física da parte dele! Logo passa! Prometo esperar ele ficar mais
velho!

Ela zomba e dou risada.

— Farei muito gosto!

— Legal. Tenho uma pergunta!

Ela diz e eu fico surpreso.

— Faça.

— Tirando o lance "paixão" de lado... — ela parece estar sem graça — O sexo...?! Sei lá, você a
conheceu e já descobriu que não me amava de verdade. Nesse momento, nós dois na cama...
também era ruim?!

Dou risada.
— Eu não descobri que "não te amava" de repente, infelizmente descobri que eu nem conhecia o
significado da palavra amor direito! Não tem nada a ver com você, tem mais a ver comigo! Sinto
por ela o que nunca senti por mulher nenhuma, Barbara! É algo que eu nem conseguiria te explicar
com clareza. E com relação ao sexo, também é diferente, mas falando somente de nós dois, que é
o que importa no momento... — me levanto e encosto minha testa na dela para amenizar o clima
extremamente triste — Você é uma delícia, e fode maravilhosamente bem! O homem que tiver a
sorte de te pegar de jeito vai ser o cara mais filho da puta do universo, principalmente se te pegar
de joelhos, ou de quatro!

Ela sorri já parecendo melhor, e eu beijo sua testa me contradizendo e "fingindo" respeitá-la.

— Mas como é com ela? — Ela questiona, mesmo assim e eu nego — Fale, por favor! Talvez me
ajude a entender, e enfim... superar!

— Com Helena ultrapassa a linha da relação carnal. Já não é mais um sexo gostoso, é amor. Eu
converso com a essência dela e ela com a minha. É coisa de alma, uma intensidade desmedida! Eu
só me sinto completo e perfeito com ela! Helena faz parte de mim, literalmente uma parte crucial.
Uma parte importante de mim, e sem ela não sobra quase nada, acho que nesse momento deu
para você notar isso! — ela confirma — É por isso que é muito importante para mim que você me
entenda e não a ofenda, não a leve a mal, e não a odeie! Se você a machuca, você me machuca
mais ainda!

Eu falo meio perdido e ela tenta sorrir.

— Certo! Então, pode liberar isso, ou vai me deixar aqui plantada como com todos os outros
advogados? — ela ri.

— Se não tivesse me alugando, ele já tava na rua! Quando tu vai pro STF? A defesa dele me
parece impossível, direito eleitoral não é minha praia, mas eu se fosse tu, não teria esperança!

— Deixa que eu sei fazer o meu trabalho! Principalmente quando é uma defesa justa!

— Nunca vi igual...

Resmungo fingindo estar contrariado, arranco mais alguns sorrisos dela, entrego seus documentos,
ela sai correndo feliz da vida, mal me dá tchau de tão empolgada que estava, e eu me pergunto...
o que faz Helena ficar empolgada daquela forma? O museu fazia isso?! Talvez a instituição?! Não
sabia dizer, mas queria muito saber. Muito mesmo! Eu queria conhecer a minha garota
profundamente, completamente. Ir tão fundo quanto fui quando fizemos amor... e é tão
apertadinha, tão gostosa, dengosa no escurinho... parecem duas mulheres totalmente diferentes.
Helena me tornava um homem completo. Ela me preenche de um jeito que não tem como explicar.
No resumo, eu sabia que tinha mudado desde que a conheci, eu era um homem que só recebia um
ânimo, uma espécie de força vital quando ela estava por perto, e eu sei, isso é muito ruim! Mas eu
não tinha como evitar isso. Na verdade, sem Helena na minha vida, não sobrava NADA em mim.
— A Manuela tá vindo! Disse algo sobre dez minutos! Ela fala rápido demais, gritou lá do meio
daquelas mesas lotadas de policiais...

Tiago entra segurando dois cafés.

— Por que você me parece péssimo? Tu tá assim por causa dela? Tá parecendo grave.

Respiro fundo e paro para pensar. Eu estava a trinta minutos de uma ribanceira sem freio nenhum,
a mulher que eu amava não me queria, eu ia fazer papel de incompetente em rede nacional, e eu
não mais sabia nem por onde começar. Não conseguia decidir qual situação era pior.

— Helena é minha, mesmo que ela não queira, ou não saiba disso. Não é?!

Olho para Tiago, ele não sabe o que me dizer, com certeza porque não entendeu nada, e eu
decido que já estava na hora de acabar logo com aquilo tudo, mas antes, a chata me interrompe...

— Eu não sei o que fez no Rio, se foi até lá para fazer isso, se tá aprontando sem me contar, ou
para me proteger, ou para eu não tentar te proteger, ou porque não confia em mim, não sei... —
Manuela entra na sala desesperada e falando sem parar, muito afobada — Mas... Leandro foi
afastado do cargo por ser citado. Você tem algumas horas para falar o que quiser e decidir o
que quiser! Pela lei, tua decisão é a própria lei! Vão nomear outro diretor em poucas horas, então,
se quiser falar, essa é a hora!

Ela gesticula e aponta pro relógio. Fico mega feliz e animado!

— Não posso esconder o que sei!

Eu afirmo e ela concorda.

Corro para o arquivo, pego os documentos originais e coloco em um envelope. Me sinto mais
empolgado do que ela. Não era da minha natureza desistir, não era de mim dar as costas a um
crime, nunca foi.
Helena não me queria, ia se afastar cada vez mais de mim, então o que eu tinha a perder? Eu
protegeria Tiago e Barbara, que praticamente viviam comigo. O que seria mais difícil era manter
Helena por perto, mas como ela nem queria olhar mais para minha cara, então não seria tão difícil
assim.

Será que eu estava arrumando uma desculpa?

Achava que sim!

— Eu vou ligar para alguns amigos, e colocá-los á disposição de Barbara no escritório dela, no
seu apartamento, e no apartamento para onde você vai se mudar, muitos deles me devem favores.
Saindo dessa coletiva, é vinte e quatro horas de proteção para os dois, por tempo indeterminado!
Ela fala, e eu concordo veementemente.
Saio ao lado deles, caminho rapidamente até a sala de imprensa, e encontro o triplo de repórteres
desde a última vez! Minha nossa!!!

O engraçadinho do 'Jornal da Rede' que me perguntou sobre o título de delegado gato já me


esperava todo sorridente. Ventura, o sensacionalista que queria me foder, me fulminava... eu estava
usando um colar de picanhas de mais de mil quilos, enquanto entrava em uma sala cheia de leões
famintos. Eu ia ser comido vivo ali. Ali ou lá fora, depois! Eu só tinha que escolher qual era o
"menos pior".

— Boa tarde a todos! Desculpem-me pelo atraso! Tenho uma desculpa ótima! Um resultado de
última hora acabou de chegar...

Eu falo, e um deles levanta a mão!


Inclino a cabeça autorizando-o prosseguir, e respiro fundo!

— Antes de começarmos a falar sobre o tão esperado resultado sobre o caso Miragem, doutor...
poderia nos esclarecer sobre o afastamento de Leandro Daiello?

— Não. O motivo de seu afastamento da diretoria não compete a mim! Está bem longe de minha
jurisdição. Devia saber disso! Se fosse o oposto. ele poderia falar sobre mim, nunca o contrário.

— Perguntei porque a notícia que corre é que ele foi citado, e isso sim, é um assunto que te
compete... provavelmente é o senhor que comandará as buscas para confiscar seus bens e...

— Não eu! — insisto impaciente — Se for comprovado, o caso dele vai para superintendência de
Brasília e de lá, direto para o Supremo Tribunal Federal! Mais alguém, ou já acabamos?!

Me sinto estressado demais. Será que o cabra era mesmo jornalista?! Mas que saco!!!

Olho ao redor procurando mais alguma mão levantada e a encontro! Meu raio-de-sol. Minha
neném.
Estava sozinha, de pé, bem atrás do amontoado de cadeiras. Estava com a mesma roupa que a vi
no museu, só que ainda mais linda.
Com certeza viera para se certificar pessoalmente de que eu cumpriria meu acordo.
E eu faria sim, tudo por aquela mulher. Eu daria minha vida a ela!

Mas Helena era tão especial, tão fantástica, tão incrível! Minha neném era tão corajosa... será que
ela merecia alguém "como eu"?! Assim como Barbara, será que ela merecia ficar com um covarde?!
Eu não posso ser covarde, eu não posso fazer esse maldito papel! As minhas promessas são
dívidas, mas até que ponto...?! Eu fiz um juramento, a sagrada promessa de um compromisso
consciente, moral e ético assumido em declaração solene, pelo homem de polícia, no exercício do
meu cargo e fora dele, sim, e ainda acima de tudo, possuo um dos maiores valores que a polícia
federal carrega: Coragem! Possuo a capacidade e a iniciativa de agir no cumprimento de dever
em situações extremas, ainda que com risco a minha própria vida.
Eu amava Helena mais do que amei qualquer mulher em toda a minha vida, mas eu não seria eu
mesmo se eu fizesse o que ela me pediu. Eu não ia conseguir fazer isso! Com relação a isso, eu ia
me acovardar sim. Porque por mais que aquela mulher fizesse parte de mim, todo o conjunto
trabalha na lei! Todo o conjunto tinha que trabalhar na lei!

Vejo seu semblante leve, e noto uma calmaria e expectativa em níveis iguais. Ela estava ali para me
ouvir e ia ouvir. Sua postura era quase militar, e era tão sexy, tão linda. Helena conseguia me tirar
o foco, só que não ali. Mesmo duro, mesmo cheio de tesão nela, mesmo surpreso, e mesmo com o
coração batendo mais forte... eu ouvi quando um jornalista me questiona sobre a causa da morte
de David especificamente, então respondo, tirando os papéis do envelope.

— A causa da morte de David não foi comprovada no laudo pericial. Por incrível que pareça, ele
morreu simplesmente de "nada".

Podemos ouvir burburinhos, falatórios, barulhos de espanto, e vejo o olhar tenso, mas corajoso de
Manuela para mim.

— Não havia sinal de agressão, de defesa da parte da vítima, nada... só o encontramos deitado
— Manuela aponta para trás, e passa um slide censurado — aparentemente descansando, e só.
Não havia nenhum tipo de droga e nenhuma substância química nele, tirando o álcool que bebia na
hora!

Ela termina e eu continuo.

— A única explicação mais plausível, é que foi envenenado por algum tipo de planta venenosa,
existem algumas dentro e fora do país, que suas substâncias não são detectadas. Falo disso
porque David morreu logo que tomou sua bebida. Sua boca estava impregnada da bebida, sua
blusa banhada, e não respingada, e o copo jogado ao seu lado, perto de sua mão esquerda.
Caído.
Já a moça que esteve com ele, é estrangeira!

Mostro a foto da dita cuja que ia se livrar da minha "mentirinha do bem", pois nunca seria
encontrada, revelo seu "nome" e logo mudo de assunto. Respondo perguntas e mais perguntas, e
logo chega a que eu tanto desejei.

— Mas a PF conseguiu informações a respeito de seus últimos contatos, troca de e-mails,


telefonemas, conta bancária?!

— Sim, não encontramos nada além do esperado, alguns telefonemas, e encontros exaustivos com
a prefeita de São Paulo, Marta Cabreiro!

Eu digo, Manuela continua citando o encontro, e dando mais detalhes, e enquanto isso, eu fitava o
rosto orgulhoso de minha neném!
Ela ergueu a cabeça, e sorriu para mim e negou, como se dissesse: "Só você mesmo, William!". Eu
não tinha certeza, mas parecia me apoiar, e eu confirmei nos segundos que se seguiram, quando
sorriu outro sorriso lindo, e disse ao vento: "Te espero em casa!", o som não chegou a mim, mas as
palavras, sim! Leitura labial era comigo mesmo!

Além de feliz, e muito realizado, eu estava radiante. E não via a hora de sair dali e encontrá-la em
casa.
Tinha certeza que ia ter a minha mulher de volta, sem precisar ir contra o que sempre fui! E eu
precisava, além de tudo, a partir de agora, ser mais corajoso do que sempre fui!
ELE DEU A ELA, INÚMERAS OPORTUNIDADES! SERÁ QUE ELE SERIA MESMO
COMPREENSÍVEL?

Desligo a ligação de vovô sorrindo. Pela primeira vez na vida, seu Max, havia gostado de alguém
facilmente. Sim! Ele adorou William, disse que eu precisava contar tudo porque ele me amava e ia
me perdoar, que dona Hella e Ellen havia falado ao telefone sobre o quanto ele era encantador,
que Jon já o odiava, meu pai rosnava para lá e para cá, e que apesar das circunstâncias, o
delegado ainda não nos julgava, que ele estava disposto a saber de tudo antes de apontar o
dedo para defender a família. Vovô não se sentiu ameaçado, ele adorou a coragem do delegado,
e ficou feliz por ver o quanto me amava!

Volto minha atenção para o cartel barulhento, e me aproximo.

— E agora? Vamos ficar de babá do cara?

Miguel parece cansado após assistir a coletiva de William!

— Se for necessário, sim! Vamos!

Respondo no ato!

— Eu topo! — Rubi sorri animada — Só pela coragem do cara, ele já subiu no meu conceito!
Parece até mais gostoso!

Ela diz e eu olho bem para ela!

— Vamos deixar uma coisa bem clara aqui...

Começo e ela ri.

— Eu sei, ele é seu, mas ué?! Não queria que eu ficasse no seu lugar para fazer o trabalho sujo?
Tô querendo agora!
— Aham! Vai lá! A vaca-ex já está na minha lista negra, ainda cabe mais uma!

— Deus-me-livre! Ninguém merece entrar para essa sua lista! Coitada da advogada! Mas esquece
ela! Ela não chega nem no seu mindinho!

— Eu sei! — Pisco — E a respeito de Manuela?

Pergunto para Fred e ele confirma antes que as palavras saiam de sua boca.

— Jon tá na busca. Por enquanto não encontrou nada.

— E Laura?

— Continua fugitiva! Meu pai tá desistindo, e Mariah pergunta por ela a todo momento!

Miguel fica triste.

— Vocês andam se falando muito? Você e Mariah?!

— Não! Só ás vezes! Só sobre a mãe!

— Ótimo!

Resmungo e meu telefone toca. Número com DDD do Rio.

— Meu Deus. Quem será???

Eu fico nervosa e Fred corre para rastrear minha ligação e ligar o viva-voz com a escuta do
computador.

— Merda!!!!

Me altero quando vejo o mapa, e atendo.

— Oi, neném!
— Olá, Douglas! E eu já disse, para você é Helena!
— Helena, ou Catarina?
— HELENA!
— Pois é! HELENA! A agente mais perigosa do país, a favorita da Glenda, entrou no meu território e
nem quis trocar uma ideia sobre o cartel...
— Se sabe a quão perigosa sou, sabe que não devia me ligar. Muito menos me chamar pelo nome,
nunca!
— Por que a surpresa? Seu nome corre pelos cartéis de todo o país! Achou que nunca ia ser
reconhecida?
— O que você quer?
— Para começar, só saber o que tá rolando por aí! O que que tu quer com meu brother?
— A Glenda não manda memorandos?!
— Por um acaso você recebe os meus?
— Não te devo satisfações nenhuma! Eu nem te conheço!
— Pois é! Não sou tão famoso quanto você, mas é melhor fazer um guia completo de todos os cartéis.
Conhece as regras, não pode entrar sem ser convidada. Somos territorialistas! Posso muito bem
acionar Manaus e usar todas as sedes para caçar seu cartel! Tu quebrou uma regra grave e pode
virar uma encomenda minha.
— Se me ameaçar mais uma vez, mato você até o fim da noite.
— Calma... calma... só quero saber aonde meu irmão tá se metendo!
— O William está por fora. Não sabe de nada, e já entrou para minha tela-morta. Ele está
comigo, e é comigo que vai ficar! Quero seus homens longe dele. Eu sou o suficiente para manter
Glenda longe!
— Aquela vadia quer o pescoço do meu irmão??? Tu tá de brincadeira??? — Ele grita por alguém
fora da linha para "ouvir essa parada louca" — Vou para São Paulo!!!
— Não vai pisar aqui!
— Como não vou?! Como??? Ele é alguém muito importante pra mim! Não quero ficar de fora!
— Quer mantê-lo seguro? O mantenha no escuro! Não saber de nada é a salvação dele. Ele já
descobriu sobre a Glenda, e já a denunciou na coletiva de imprensa que teve hoje em São Paulo!
— Eu assisti essa porra, nem sabia! A Glenda da vez é a prefeita de São Paulo??? Mas que porra é
essa?
— Você não sabe da missa um terço. Tô cheia de problemas. Quer fazer parte? Poupe minha
equipe de um mês cheio de tensão e nos dê um mês de paz matando essa vadia, antes que ela
desconte nele, e antes que mais uma Glenda suba ao poder! Vou protegê-lo, mas posso fazer muito
mais se eu me livrar dela enquanto cuido para que ele não investigue tudo mais a fundo, e
encontre as organizações no nome dela! Se conhece teu "irmão", sabe que quando ele começa ele
não para mais! Prometeu para mim que ia parar de caçar e ir a fundo no caso de David Nobre,
mas não cumpriu! Sua prioridade não é o amor que sente por mim, mas a justiça a qualquer custo,
e se ele encontrar os cartéis, acabou milhões nas nossas contas, e teremos federais do país inteiro
nos caçando, inclusive ele! Pensa bem! Tchau, e não me ligue mais!
— Vou resolver. Não ligo! Prometo melhorar. — ele diz e desliga.

— Entrou no território de um deles sem ser convidada???

Fred fica em chamas.

— Entrei sem saber, fui até a favela com ele. São amigos!

— Eu disse que ele a deixa exposta. Aposto que ela entrou no cartel desarmada só porque estava
com o coxinha!

Miguel resmunga e acerta em cheio.

— Não vou te questionar! — Fred se aproxima e pega em minha mão — Disse que te apoio! Fica
com o cara! Vocês se gostam, já sabemos disso, e você tem o direito de ser feliz! Mas eu não seria
seu amigo se eu não te alertasse! Tente manter o foco até perto dele! Ele te ama, mas ainda assim,
é perigoso para ti! Não esqueça que você é uma assassina e ele um delegado que prioriza a lei!
Já vejo a cena trágica dele descobrindo tudo e te prendendo mesmo assim! Sabe disso. Ele vai se
sentir enganado e para curar o coração machucado, vai te deixar mofar em uma penitenciária
qualquer, a pior que tiver em São Paulo! Óbvio que a gente nunca deixaria, mas isso iria doer mais
em você do que nele, sabe disso! Não poder te perdoar vai acabar contigo!
Curta esse lance, mas durma com os dois olhos abertos, ok?!

— Ok. Não se preocupe! Prometo melhorar, Fred!

Sorrio e ele se afasta.

— E eu também te apoio! Quero saber tudo sobre o Rio! — Rubi diz cantando. — Chegou a dias e
não me contou nada! Não vou implicar e nem dizer: "te avisei!" Só quero estar por dentro desse
romance de novela maravilhoso! Desde o início eu disse que os destinos de vocês estavam
cruzados, e que ficariam juntos! — ela sorri — Quero ser madrinha, e quero minha maninha de
volta!

— Nunca ninguém escreveu uma novela tão intrigante, minha irmã! E te conto tudo, mas não agora!
— olho para Fred — Fique de olho na Glenda! Volto logo!

Pego minha bolsa e Miguel me impede de sair.

— Eu te amo, e também te apoio! Mas não me peça para gostar do cara! Vi vocês crescerem, —
ele também olha para Rubi — nunca vou apoiar namorado nenhum, nunca! Não é nada pessoal, é
coisa de irmão!

Sorrio.

— E... — ele fica tenso — Tem uma última coisa, sobre o SMS que me mandou. É verdade que ela
tá sendo seguida! Chong esteve na cola dela!

Deus.

— Glenda só quer assustá-la! Esse lance de defender o ex-delator, vai dar merda para ela! Esse
cara cogitou a possibilidade de citar a prefeita, nem sei porque essa Barbara ainda não está na
tela-morta! Apagar a Glenda agora, antes dela retalhar, é a melhor opção para todos! Quer
proteção para a advogada...?

Fred diz e eu afirmo.

— Eu sou tão malvada por dizer que eu deixaria ela morrer em uma vala qualquer?! — Rubi
zomba — Rival a gente se livra de forma definitiva!!!
Os dois não a levam a sério, mas eu levo, e por isso a repreendo com o olhar. Ela ri ainda mais.

— Acompanhe o estorvo de vestes sociais! Ela é um porre, mas não a quero morta! Se eu não tiver
um pingo de rivalidade para com ela, não me sentirei "normal de novo".

Faço todos darem risadas, e saio ouvindo Rubi zombar, dizendo que o delegado havia feito um
belo trabalho em mim! Eu estava tão engraçada quanto o "gostoso corajoso".

Sorrio. Sim! William só me fazia bem.

Foi muito difícil vê-lo saindo de casa dizendo que ia se despedir do amigo (que matei) sozinho ou
com Tiago, chegar lá (morrendo de culpa), ver aquela esquisitona quase engolindo ele na frente
do túmulo, e ele querendo ser consolado por ela! E pior: Ainda queria me abraçar banhado no
perfume barato da vaca oferecida! Que diacho!

Será que ele não via que ela ainda tinha esperanças? Que não tinha como eu ser amiguinha dela?
Que não dava para engolir a modelo metida a chique, goela abaixo? É toda social, toda bonitona,
vive enfiada na casa dele depois de separados, e ainda não entendeu que tá atrapalhando!!!!
Porra! Fiquei anos meditando, mas não sou de ferro.

Estávamos juntos, aceitei me abrir pela primeira vez em anos, então não tinha espaço para ela de
maneira nenhuma! Ainda mais sabendo que tínhamos tão pouco tempo para vivermos aquilo juntos.
Não era justo comigo ter uma "Barbara" bem no meu caminho, e não era justo com ele também. Se
eu tinha um mês com ele, eu queria trinta dias para fazê-lo feliz e me sentir amada, sem ninguém
para atrapalhar! Era tão difícil de entender?! Não terminou com ela assim que me conheceu?! Não
foi sincero?! Não disse tudo?! Então, o que mais ela queria??? Morrer com minhas mãos no seu
pescoço? Ok. Parei, tô exagerando.

— Se controla, Catarina!

Suspiro, decido esquecer o assunto, e corro para tomar um banho muito perfumado e esperar o
chato corajoso chegar.

Me deu tanto orgulho vê-lo escolher o caminho correto. Vê-lo ligar o foda-se, e cumprir com seu
trabalho de exercer a lei! Ele não tinha cumprido o que me prometeu, ele se arriscou, fez o certo,
denunciou Glenda, e isso me deixou tão feliz e excitada de uma forma tão estranha!
Aquele sim era meu homem! Aquele advogado/delegado que jogava toda a merda no ventilador
para que a lei fosse cumprida, era meu homem e eu... eu gostava tanto dele. Ele era tudo o que
um dia quis ser, era o homem que eu sempre 'idealizei' pra mim:honesto, justo, corajoso, forte,
gostoso, guerreiro... era perfeito!

Judiei tanto dele. Não atender suas ligações na esperança de ouvi-lo bater em minha porta, foi
algo tão bobo e maldoso, mas eu precisava tanto de suas gracinhas para ser um tiquinho feliz,
precisava tanto de seus beijos, dos seus abraços... Meu Deus! Eu já estava maluca por ele!!!
Depois de tanta tensão e tanta saudade, tudo o que eu queria era dormir de conchinha, fazer
amor, falar de amor, rir de suas bobagens e dormir em paz com seus braços ao meu redor e seus
beijos em meu pescoço. Só isso! Risos: "Só isso, Catarina?! Nada mais???".

Saio do banho, visto uma lingerie bonita, na cor vermelha, muito clássico, e quando já começava a
me vestir, ouço a campainha! Era ele.

Fico feliz, e me empolgo tanto que até vou atender a porta de calcinha e sutiã, mas pela força do
hábito, olho pelo olho-mágico, e não consigo ver o doutor ficando feliz e empolgado por me ver só
de lingerie ao atender a porta. William estava com feições sérias, e meu coração se espremeu.
Tomei a melhor decisão e fui colocar uma roupa decente. Ele não estava no clima "reconciliação",
de jeito nenhum.

— Oi!

Eu abro a porta e ele sorri sem mostrar os dentes. Carregava um buquê de flores do campo, e ao
vê-lo tão romântico, me tira o ar para respirar.

— Oi! Entra!

Ele entra parecendo tímido, e me entrega as flores com um cartão que eu só pretendia ler depois.

— Demorou para atender a porta!

— É, eu... estava sem roupa, então...

Dou de ombros.

— Tive a impressão de que me pediu para vir até aqui...

Ele coloca as mãos no bolso da blusa de moletom e espera minha resposta.


Parecia demais na defensiva, e eu podia jurar que ele chegaria aqui todo feliz e sorridente por
me ver. Doce engano.

— Eu pedi.

— E por que pediu?

— Se não sabe o assunto, por que me trouxe flores?

— Não estou tentando ser romântico. Já vi que com você isso não faz efeito, não faz muito sentido!
Só trouxe para te mostrar que eu sou assim, e estou no meu direito de tentar conquistar você. Posso
te dar flores, segurar sua bolsa, andar de mãos dadas, ser gentil, ser bem-humorado o tempo
todo, ter profissionalismo, ser piedoso com as pessoas, estar rodeado de mulheres, ex, e ainda
assim, ter você do mesmo jeito. Essas flores é meu protesto, no melhor estilo!

Ele diz e tenho a impressão de que queria me dizer aquilo tudo faz tempo.

— Entendi. — fico chateada, e por isso coloco as flores na mesa de centro sem muito cuidado, mas
com dor no coração porque eu amei e achei lindas demais! Minhas flores favoritas eram só um
protesto! Meu coração dói por causa daquilo — Vou direto ao assunto para você não perder muito
seu tempo. Eu te chamei aqui para dizer que...

— Hoje eu tenho muito tempo! Vim pra ficar! Vou dormir contigo!

— Como é?

— Não ouviu o que eu disse!? Ou tá fazendo a maluca?

— Você está me deixando confusa!

— Não vejo como...!!!

Ele cruza os braços e me olha franzindo a testa.

— Quer um pedido de desculpas. Eu sei disso! Me desculpa! Ok?! Mas amanhã vou ter que pedir
de novo porque enquanto essa vadia estiver agarrada no seu cangote, vou pirar e brigar contigo,
até você se cansar e notar que o melhor é fazer o que pedi e arrancar ela das nossas vidas!!! Vai
dar um chute naquela bunda enorme dela, sim!

— Tua bunda é maior do que a dela, só pra constar, tem quase o dobro do tamanho! Mas quero
saber, pelo o que tu se desculpa?

Suspiro.

— Por ter sido fria. Fui grossa, te desprezei, exagerei um pouco, mas foi com razão! Ainda queria
me abraçar com aquele cheiro de perfume brega dela!

Eu falo e ele revira os olhos.

— Nada que envolva Barbara significa algo para mim! Olha para mim, eu tô aqui! Esquece minha
ex! Não penso nela diretamente, nem quando tô com ela! É tu que me faz pensar!!! Deixa ela, foca
em nós, eu amo você, eu tô morto de saudades de você, ficamos dois dias sem namorar por causa
de fantasmas do passado. E eu fico como?! Péssimo!

— Veio até aqui para isso? Para me encher de sermão?

— Vim até aqui para te ouvir, mas principalmente para tentar fazer com que tu entenda, que eu te
quero acima de qualquer coisa! Eu estou completamente apaixonado por você! Eu amo você, e sua
distância está me matando! Eu podia só vir aqui, te beijar, te abraçar e pronto, mas eu quero
implorar que isso não mais se repita porque eu não aguento mais uma dessas. Se você me deixar,
eu vou acabar pirando! É sério! Dói demais, e eu não vou suportar!

— Engraçado, eu achei que chegaria aqui todo meloso, morrendo de amores, cheio de saudade...
reclama que sou fria e tá sendo comigo!

Seu jeito distante me incomoda demais e ele bufa irônico. Ele se declarava de braços cruzados e
mantinha uma distância enorme de mim!

— Viu como é ruim ser assim? Tu fala e finge reclamar, mas tu ama meu jeito amorzinho! Sente
falta, muita falta, e quando sou frio, fica assim, toda chateada! Tu nem tá me ouvindo mulher! Eu
sou meloso, morro de amores, e vivo com saudades de ti, vinte e quatro horas! É que tô magoado,
queria que você entendesse que não posso mais ficar longe de você, principalmente se o motivo
for 'Barbara', tenha misericórdia! Desde que te vi só o que faço e me adaptar a sua vida! —
William parece tentar não gritar de tanta frustração — Voltei atrás no que te prometi porque
simplesmente tu não merece namorar um covarde! Aceitei esse apartamento porque é o mesmo que
o teu! Hoje falei com Barbara, fui claro, tu não vai mais me ver com ela, e eu me recuso a falar
com minha mãe enquanto ela não aceitar que não existe mais Barbara na minha vida, e te pedir
perdão... e tu tá aí, cheia de dificuldade de me pedir desculpas! Meu coração está em pedaços. Eu
estava louco para vir, para te ver, e eu amei seu convite, eu sou o cara mais feliz do mundo por
estar aqui, mas no caminho de lá pra cá, eu pensei muito no que eu ia te dizer, pensei demais! E
estava claro pra mim, que tu não merecia um dengo.— ele diz e eu escondo o rosto, tentando
esconder a feição de decepção, porque tudo o que eu mais queria era um dengo — Eu não podia
chegar aqui e encher você de amor como eu faria normalmente, eu precisava te dizer tudo o que
estava sentindo, com sinceridade, seriedade, e tô fazendo isso! Simplesmente porque isso não pode
mais se repetir, eu não posso ficar longe de você! Eu não tenho condições de ficar longe de você!
Então está tudo bem entre nós dois, mas que essa seja a última briga.

— O que você quer, William?

— Você. — ele diz e me tira o fôlego, de novo! Ele dá um passo na minha direção e posso sentir
seu perfume delicioso — Para sempre e por inteira. Você e o pacote completo: Suas manias, sua
família mascarada, seus problemas, seus segredos, seus medos, seus olhares bicolores, seus
piercings, tudo! Quero tudo, sei que mereço.

— O que é? Quer namorar? Noivar? Casar, agora??? — me desespero e perco o controle — Eu


tenho problemas na minha vida que, quando você descobrir, vai me odiar com todas as suas forças.
Você vai me odiar, e isso vai me matar! Isso vai acabar comigo, e destruir seu coração em pedaços!
Se não me prender, vai me matar!

Eu solto porque já estava pesada, ele só balança a cabeça, e fica, pelo o que parece, uma
eternidade me olhando nos olhos, parecendo bravo, revoltado e depois confiante; E em um
rompante, vai até minha sacada, eu fico nervosa porque não sabia o que ia fazer, corro para me
aproximar da janela e o vejo jogando seu distintivo do vigésimo andar.

— O que tá fazendo? Você pirou???

— Eu pirei! Isso, eu pirei total!!! Tô muito louco, muito mesmo! Mas eu tenho uma ótima notícia pra
você! Não tem mais nenhum delegado na tua frente! Tudo o que tu falar a partir de agora é para
teu homem, não existe delegado nenhum aqui! Tu não vai presa, e eu prefiro me matar do que
machucar você, então você pode começar a falar tudo o que quiser! Fala tudo!!! Não importa o
quão monstruoso seja, não importa o que tu fez, serei um padre, teu segredo morre comigo e já
está perdoada! Diz! Anda!

Ele puxa meu braço — com grosseria — para eu me sentar no sofá ao seu lado, e finge se
acalmar, mas seu peito subia e descia urgente.
Se eu tivesse coragem de arriscar, aquele seria o melhor momento, e eu juro por tudo o que é mais
sagrado, que eu amaria me livrar daquilo e me resolver com ele. Ter nosso final feliz. Mas meu
sexto sentido gritava desesperado 'que dizer que foi meu pai quem matou seu primo, que eu era
uma assassina de aluguel, e que eu menti todo esse tempo, até o meu próprio nome', ia acabar com
nossa história definitivamente, e ele ia querer justiça, e nós dois íamos entrar em guerra, e nós dois
íamos sofrer demais.

Eu não podia dizer nada, e sofria por isso. Eu não podia arriscar, e não queria que tudo acabasse
agora, eu queria o máximo de tempo sendo amada por ele. Eu precisava ser amada por ele, sua
presença era uma necessidade.

— Não me faça falar nada! — eu digo, ele inclina um pouco a cabeça tentando entender, e para
tentar acalmá-lo, me aproximo e toco em teu rosto — É muito doloroso, não posso te perder hoje!
Porque é isso o que vai acontecer quando eu me abrir. Tu vai me deixar. Minha história é muito
cruel, não faz isso comigo!!! Me desculpa!

Eu sussurro e ele se mexe inquieto.

— Não me faça te obrigar a desabafar! Tô tentando fazer isso por bem, fazer por mal, vai te
assustar!

— Não quero perder tempo. Eu quero amar você enquanto eu puder!

— Matou alguém? Foi isso? Se foi pode dizer, que se foda! Não tô nem aí! Nem quero saber! Só
quero te ver bem! Tu não tem nada a perder me contando agora, eu não vou te deixar, não
importa o que seja! Me deixa te ajudar. Me conta tudo de uma vez, acaba logo com isso e casa
comigo!

Queria tanto dizer sim... Meu Deus... SIM!!!! QUERO MUITO CASAR CONTIGO BEBÊ CHORÃO!!!
— Esquece isso! Eu não posso, esquece!

Eu falo e ele ergue a cabeça pro alto, parecendo pedir à Deus paciência.

— Tá legal, então a partir de agora esconda bem, e mantenha nosso relacionamento intacto,
porque não aceito perder você, eu me recuso a deixar você por qualquer motivo que seja. Agora,
se eu descobrir que tu matou alguém, depois que eu colocar meu distintivo de volta, te darei voz
de prisão, e se eu descobrir que tu é casada, meto uma bala na tua testa, sem cerimônia! Mato
você! Você e o filho da puta!

Dou risada enquanto ele falava sério. Se fosse tão simples assim...

— Tudo bem! Eu aceito isso! Agora será que tem como você voltar ao normal, porque você fica
muito chato sendo frio comigo! Nem combina com você! Eu tô com tanta saudade, tão feliz por ter
entregado a sujeira da prefeita! — eu garro seu pescoço e ele umedece os lábios — Estou tão
orgulhosa do meu homem!

Falo e ele ergue uma sobrancelha, se negando a me dar abertura.

— Agora é você quem tá judiando de mim! Vai ficar assim???

— Não tô querendo voltar ao normal! — ele ri enfim — É muito gostoso ver você quase
implorando por um denguinho. Toda carente me querendo...

Ele chupa meu pescoço e eu perco a fala por um momento.

— Sei o que tu tá querendo comigo! Pensa que eu não sei?! Tá louca para matar a saudade
cavalgando no teu macho! Doida para levar uma surra de vara até o dia amanhecer...

Sinto meu rosto esquentar, minha calcinha encharcar, e ignoro.

— Quer continuar um ogro, continue! — eu falo gemendo, porque suas chupadas me tiravam do
eixo, eu já estava sentindo minha intimidade piscar forte — Mas só para você saber, estou com
uma lingerie nova, sexy e linda que comprei especialmente para meu neném corajoso, doce,
romântico, e todo amorzinho. Só para ele me encher de dengo e me fazer feliz! Masss... tudo bem
né...

Eu falo e lhe dou as costas.

— Neném... eu trouxe essas flores como sinal do meu amor! Prometo te trazer sempre, sem precisar
de datas especiais, e prometo te fazer a mulher mais feliz do mundo!

Ele me oferece as flores novamente, dou risada de sua cara de pau, meu coração vibra, e eu sigo
até o rádio, depois de devolver as flores 'com cuidado, em um vaso vazio'. A rádio online que
programei para deixar no canal de funk começa a tocar com um toque, e eu me viro a tempo de
ver o delegado salivar coçando a cabeça.

Faço ele sentar no sofá, tiro a calça e a blusa lentamente, sento no teu colo, e ele me olha com tua
famosa cara de safado, mas não por muito tempo.
Logo o delegado parece beirar o choro dolorido, me puxa para colar teu corpo no meu, e implora
por amor.

— Eu estava com tanta saudade! Amei saber que me apoia, amei te ver lá! Eu te amo! Não quero
nunca mais brigar contigo, só quero te dar amor, te encher de amor! Você é tão linda, que eu nem
acredito que é minha! Como não consegue entender que você mudou a minha vida? Que você é
tudo o que sempre desejei??? Como pode sequer pensar que está ameaçada? Eu te amo tanto...
Helena, sou maluco por você!

Como resistir?

Começo a rebolar na batida da música cheia de palavrões e obscenidades, e ele tira meu sutiã,
me deixando exposta.

— Namora comigo, meu amor! Você é a coisa mais importante da minha vida! Aceita ser minha
mulher!

Ele diz rodeando os bicos de meus seios com os polegares, e eu não hesito.

— Aceito!

Eu respondo, e o que faz a seguir parece rápido demais.


Ele tira uma caixinha de alianças do bolso, (a peça, aparentemente cara é a joia mais linda que já
vi) coloca uma delas no meu dedo anelar, beija minha mão, me entrega a sua, e eu repito seu
gesto. Ele parecia fazer tudo com pressa,para não dar tempo de eu dizer não, ou maquinar
alguma desculpa.

— O universo quer tanto isso, que eu acertei seu tamanho só chutando! Você nasceu pra mim, eu
amo você!

— Eu também te amo!

A frase se solta de meus lábios como se tivesse vida própria, e isso faz ele tentar me beijar, mas eu
não deixo.

— O que está fazendo...?

Ele pergunta quando eu me levanto, sigo para meu quarto, faço ele sentar em minha cama, me
ajoelho, e eu o ignoro, querendo logo sentir seu gosto. Uma deliciosa novidade. Eu tinha urgência
em fazer aquilo, principalmente agora, que ele era mais meu do que nunca.

— Helena...

Ele arfa quando coloco sua vara, extremamente dura,pra fora e fica abismado.

— O que é?! Você não gosta...?!

— Eu amo demais! Gosto pra caramba, muito mesmo!!!

Ele diz e eu penso... sentir seu gosto era um sonho um tanto quanto antigo. Ele devia ser
literalmente apetitoso.

— Posso me empolgar, machucar você...

— Machuca! Eu até gosto de sentir dor.

Eu queria todas as versões dele, tudo dele, e principalmente, uma gozada forte em minha boca. Eu
queria o céu com aquele anjo, e então comecei devagar... só passando a ponta da língua em sua
fina abertura. Pra lá e pra cá, devagarinho, sem a menor pressa!

Olho pra ele, e o vejo com a cabeça jogada para trás, todo tenso, gemendo e arfando baixo,
parecia gostar bastante, mas não me contentei.

— Eu não via a hora de te chupar. — eu falo, ele me olha, uso a pausa da informação para
chupá-lo com força, pela primeira vez, e ele geme mordendo o lábio e me olhando nos olhos —
Passei a manhã inteira me esfregando em você, no Rio, porque eu te queria! Por que não me
tocou??? Eu queria tanto!

Pergunto, não espero a resposta e volto a chupá-lo com mais vontade, e com agilidade. Seus
gemidos eram meu combustível, e suas mãos arrancando os cabelos de minha nuca era o sinal que
eu precisavapara saber quando eu estava mais próxima de "acertar".

Quando começo a mover a língua com rapidez, sem parar, ele puxa forte, então fiquei assim, até
ganhar um outro puxão ao deslizar os dentes com delicadeza na enorme cabeça de sua vara
gostosa.
Seu gosto me deixava insana, descontrolada, e mais do que excitada. Eu queria mais!

Faço a ponta, que já vazava, chegar na minha garganta, chupo mais, repito, e ele segura forte em
meu queixo me interrompendo.

— É! Tudo o que eu mais queria era colocar tua calcinha pro lado e te foder discretamente, de
ladinho! Te acordar do jeito mais gostoso. Pensei nisso o tempo todo, até dormir com dor!
— Ai, que dó! Se tivesse feito eu ia amar! Também fui dormir molhada e com dor! Se não tivesse
tido tanto medo, a gente tinha feito gostoso e nenhum dos dois ia dormir com vontade!

Ele umedece os lábios, continua me olhando nos olhos, e passa a controlar meus movimentos com
sua mão, me fazendo voltar a chupá-lo.

Quando tira sua mão da minha nuca, sugo tudo, chupo, mordisco levemente, faço carinho com a
língua, e quando chupo sugando sem parar como se fosse minha — literalmente — mamadeira, ele
chega lá.

— Para! Vou gozar...

Ele manda se contorcendo e capricho. Pega em minha nuca para me fazer parar, mas sou forte. O
jato quente desce matando minha sede, e não para! Umas quatro vezes ele libera jatos rápidos de
seu leite em minha garganta, geme alto, ele abre mais as pernas, eu mamo gemendo de tão
excitada que fico ao vê-lo gozar por minha causa, e ele suspira quando acaba. Nem fome eu
sentia mais, estava saciada.

Ele se joga de costas, e eu sorrio vitoriosa.

— Já deu de mamar ao seu neném!

Eu falo e o gostoso morde o lábio ainda sem fôlego!

— Você...

Ele sussurra e eu engatinho até ele.

— Eu...?

— Não quero saber como pegou tanta experiência, mas está de parabéns! Tem a boca mais
gostosa que já provei na vida!

— Nunca fiz isso antes! Tem certeza que foi a melhor?

Sorrio e ele nega impressionado.

— Gosto disso, sei reconhecer! Sei diferenciar quando uma mulher me chupa só para me satisfazer,
e quando me chupa porque, além de querer me fazer feliz, também gosta de fazer, não tem
nojinho, quer sentir meu gosto, e fica excitada com isso! Você me chupou com amor, e isso faz muita
diferença!

Ele fala olhando bem nos meus olhos, e eu entendo o recado.


— Você aceitou ser minha namorada! — ele me puxa sorrindo e todo preguiçoso — Tirou toda a
tristeza e tensão das minhas costas, agora! Nesse momento estou novo em folha! Me sinto tão feliz!
Você me faz muito feliz!

— Que bom que gostou... tudo o que mais quero é fazer você feliz!

Deito de costas ao seu lado fazendo charme. Eu estava com contrações fortes, sentia minha
intimidade latejar gostoso querendo aquela vara dentro de mim.

— Quer que eu devolva o favor, neném? Hum??? Eu estava com uma saudade desse meu piercing,
que tu nem imagina!

Abro as pernas fechando os olhos, e ele não perde tempo.

Invade minha calcinha, começa a me estimular, e eu olho em seus olhos.


Ele não diz nada, só aumenta o nível de velocidade, e sorri, todo sexy!

Desarrumo a cama, arranho forte os lençóis sem medo de rasgar, gemo com seu olhar perigoso
sobre mim, quando tento me afastar por não aguentar tanto tesão, ele me puxa de volta com
grosseria, e ataca minha intimidade, me dando um tapa com extrema força. A tortura mais deliciosa
que já experimentei.

Quando não aguento mais, e seguro o gemido, ele nota. Arfo, prendo a respiração e ele me
impede de continuar silenciosa.

— Geme pra mim, meu amor! Quero ouvir você gemendo pra mim!

Ele pede sussurrando.

— William...

— Por favor! Não faz isso comigo! Eu te amo, me deixa ouvir você! Preciso disso mais do que
qualquer outra coisa! Dói. Dói e só passa quando eu te vejo feliz e gemendo por minha causa.

Mordo o lábio, lamento, seus dedos aumentam o ritmo, e quando nota que não ia adiantar, ele
desce, abocanha toda minha intimidade, e me faz gemer como uma louca. Me contorço,
inconscientemente tento fugir de novo, arqueio as costas, forço sua cabeça contra minha intimidade
sem notar, gemo sem me controlar, mas não o deixo ficar muito tempo intercalando entre linguadas,
chupadas, dedadas, e beijos amorosos.

— Por favor, preciso de mais! Eu quero você dentro de mim!

Eu peço, algumas lágrimas escapam de meus olhos, e ao ver a cena ele parece enlouquecer de
tanto amor e desejo por mim. Ele sobe, olha em meus olhos, e entra em mim sem cerimônia,
estocando e me fazendo gritar e gemer muito alto.
Quanto mais alto gemia, mais forte ele metia.

— Me prometa que nunca vai me deixar! Não importa o que aconteça! Prometa que nunca vai me
deixar, nunca vai desistir de mim! Prometa...

Eu falo e ele parece bravo ao ouvir.

— Eu prometo! Nunca vou deixar você! Nunca mais me peça isso, nunca vamos nos separar, só
seremos felizes um com o outro, não tem como ser diferente!

Ele diz e geme alto me estocando.

— Estava com uma saudade de foder você com força!!! Olha como é apertadinha... quero foder
você todo dia! Essa boceta gostosa — ele fala de forma escrachada como sempre e eu modo
lábio ao ouvir — é só minha! Sabe disso, né!!!?

Minha cama balançava ligeiramente devido a força que lançava contra mim, me olhava de cima,
parecia estar bravo, chupava minha língua de forma obscena, aumentava sua força sem se
preocupar, e a impressão que eu tinha era de que dessa vez eu ficaria mais roxa do que da
última.

Nem ligava.

Quando vi que estava quase atingindo o fim da montanha que me levaria até lá, fiz ele me deixar
sentar, cavalguei para matar a saudade por um tempo, me esfreguei, rebolei devagarinho, o vi
sorrir, gemer, me olhar como se eu fosse uma deusa, me desejar como se eu fosse água no deserto,
rosnar feito um animal, bater na minha coxa, me estimular enquanto eu rebolava, e enfim, piscar
pra mim depois de se recuperar de mais uma viagem até o céu!

Se o que eu estava sentindo por ele não era amor, então eu já não sabia de mais nada na minha
vida.

— Só falta um cigarro, agora!

Ele resmunga aos meus pés. Estava a dez minutos beijando meus pés, e eu já estava ficando louca
de novo!

— Você fuma?

— Não! — ele ri — Mas quando o sexo é tão bom, parece que dá vontade! Muitos amigos viviam
me falando isso, mas nunca entendi muito bem. Só agora que caiu minha ficha! Ou quero fumar,
tomar um café, um drink, ou sei lá...
Ele sorri, pega minha mão, beija a aliança, e depois minha boca.
"Sexo tão bom!" Curti o quase elogio.

— Não me contou como foi, lá na sua visita! Tiago me disse que tu foi conhecer o cara que matou
teu tio?! Fiquei preocupada! Perguntei e tu só disse que "foi tudo bem"... Pensei nisso o dia todo,
fiquei preocupada com você!

Eu digo fazendo manha e ele sorri.

— Por que quer saber disso? Se ficou preocupada por que não disse? Devia ter me dito que
estava preocupada com seu homem, eu ia amar, te beijar, e fazer as pazes todo choroso e
morrendo de amor!

Ele sobe pro meu lado e me beija de um jeito apaixonado. A todo momento ambos precisavam se
controlar para conseguir conversar um com o outro.

— Não disse porque não queria dar o braço a torcer! Estava chateada! Quero saber tudo sobre o
teu dia! Cada acontecimento!

Eu falo e ele nega, demonstrando achar aquilo uma bobagem.

— O cara se chama Max Coverick! Repetiu para mim do mesmo jeito que depôs. Tudo bonitinho,
tudo certinho, cheio de credibilidade...

— Ah! E isso não é bom?!

Me faço de doida.

— Não. Isso é inviável!

— Como assim?

— Ninguém é tão correto, tão perfeito, e tem tanta boa memória! O cara já é um senhor... às vezes,
as pessoas que estão sendo submetidas a um interrogatório, esquece fatos por simplesmente
estarem nervosos. Sou treinado pra saber diferenciar, e aquele cara diz a verdade, mas não toda,
não por completo! A mulher dele sofreu, sofre até hoje, vi em seus olhos... mas o cara meio que não
sente nada. Nenhum sentimento forte ele supre por aquela época! Não sobrou culpa, nem mesmo
quando disse que sentia "remorso", e que se pudesse faria tudo diferente para evitar que sua
família sofresse. Ele faria tudo de novo, e mataria qualquer um para proteger a família até hoje...

— Eu também mataria qualquer um para proteger minha família! Mataria qualquer um para
proteger você!

Eu digo e ele sorri com muito amor.


— Eu sei, meu amor! Também faria de tudo para proteger você, não viveria um minuto sem você!
Mas o que tô dizendo, é que na hora que ele disse isso, ele quis deixar transparecer que se
arrependia e lamentava muito que meu tio precisou morrer, mas mentiu para mim, entende?! Foi um
fato isolado da conversa que notei uma certa tensão nele! Quer ver?! Vou te mostrar o que ele
disse...

Ele se estica até a mesa de cabeceira.

— Gravou a conversa?

— Gravei. Será bom para mim, revisar, não deixar passar nada... como eu disse: ninguém é
perfeito, nem eu! Posso deixar passar alguma informação, esquecer! É bom gravar!

Ele mexe no telefone, o abraço e beijo seu pescoço demonstrando estar relaxada e "normal", e
então ele dá o play!

Escuto tudo e não noto erros no depoimento do vovô. Na verdade, o erro dele foi ter sido perfeito
demais! O delegado não é bobo.

— Entendeu?!

Ele me olha erguendo uma sobrancelha, e eu faço uma cara de Mona Lisa arrependida!

— Não.

— Como não?!

— Não sei... não costumo errar, meu sexto sentido não falha de jeito nenhum! Sinto que esse senhor
só parece muito certo no que diz, porque está sendo sincero com você!

— Tá falando sério?

Ele se senta.

— É só minha opinião. Isso te chateia?

— Não. Só tô curioso! Tentando olhar por outro ângulo, pelo teu ângulo!

Ele ri curioso e eu me sento.

— Vejamos. Ele tem sujeira nas costas?! Verificou sua reputação na FAB?

Pergunto e ele olha pro lado.


— Sim! É um profissional exemplo! E como civil, também!

— E na família?! Algum membro com comportamento inadequado? — ele nega — Não é assim que
vocês começam uma investigação? Pelo histórico? Bom, ele já começa muito bem... — sorrio —
Nossa tô parecendo advogada do cara! Vem! Vamos comer, tô faminta também...

— Não. Continue! Quero te ouvir.

— William, não posso te ajudar! O que tô falando é óbvio! Quer dizer, um palpite que acho óbvio!
Você é o delegado aqui! Siga seus instintos! Não achou que a mulher foi totalmente sincera e
coração contigo, lá?! — ele confirma — Uma mulher é o reflexo do homem, nem que seja em
alguns detalhes mínimos... ela nunca te passaria uma verdade tão profunda se acobertasse o
marido! Você saberia. Não sei da história, não posso falar, mas acho que foi mesmo legítima
defesa! Ele diz que seu tio era terrível...

— Meu tio, terrível ou não, foi assassinado!

Ele fala sério.

— Pelo jeito por legítima defesa!

— Max Coverick é um capitão da força aérea brasileira, perito em todos os caças que existe no
mercado, armas de execução em massa, metralhadoras e de pequeno porte, porque para ir pra
guerra, pra servir fora, no exame se tu erra um alvo você não recebe a licença. Ele é um ótimo
atirador, treinou por anos antes de poder servir fora, todo fuzileiro tem que passar por
treinamento pesado. Esse senhor que você acha que é inocente podia muito bem ter atirado no
braço dele, na mão, no ombro que é onde a dor é tão grande que você fica desnorteado, até de
raspão na cabeça, ou no dedo mindinho! Ele escolheu acertar uma bala na testa do meu tio!

Ele diz mais sério do que antes e eu fico nervosa. Quase não sei o que dizer.

— Era a mulher dele, lá! Era a mãe dos filhos dele, William! Não faria o mesmo por mim???

Falo baixo, tentando me controlar.

— Matar sem precisar?! Não, não faria! A não ser que fosse minha única opção, o que não era o
caso dele. Se eu ficasse frente à frente com um cara que te machucou ou que tentou matar você,
eu ia fazer questão de dar tudo de mim para vê-lo apodrecer e sofrer na cadeia! Daria uma
surra por dia e ainda seria pouco, só por ter tentado te machucar. Matá-lo de nada adiantaria
pra mim, só seria bom para ele, que ia morrer e nem ia sofrer.

— Então, acho que não me ama tanto assim, né?! Ele não tinha obrigação de ser racional em um
momento como aquele! Era a esposa dele sendo sequestrada! Acho que todo homem que ama de
verdade, faria o mesmo! E dá para ver o quanto esse senhor ama a mulher! Tinha que ser
condecorado, não perturbado depois de tanto tempo!

— Tu não tá sabendo a verdadeira definição de amor, então! Porque sou louco por você! Morreria
por você! Legal a atitude dele de salvar a esposa, bem heroico, entendo que vocês, mulheres,
desejam isso, mas a vida real não tem nada de contos de fadas! Ele a salvou, mas cumprir a lei era
papel dele, é o meu papel, e apesar de ter configurado legítima defesa, ele foi um covarde e
cometeu um grande erro.

Ele fala e eu seguro um inferno dentro de mim! Um inferno tremendo. Não posso evitar. Certo ou
errado, era do meu avô que ele falava! O pai do meu pai, o cara por quem eu daria a minha
vida! Eu não podia ouvir aquilo e ficar indiferente. Não conseguia!

— Vou tomar um banho pra gente comer alguma coisa!

Resmungo e ele nega lamentando muito e fitando o teto. Teus lábios eram uma linha reta. Tinha um
pressentimento forte de que ali começara a guerra que sabia que viria, ele justificando as atitudes
de seu tio e sua família, e eu defendendo a minha! Dois opostos.

— Tu vai é fugir, neném!!! Vai fugir do assunto! Coisa que sempre faz quando não quer falar!

— Realmente só me sensibilizei com esse cara, ele parece estar sendo sincero e você já quer
prender ele! Só tô sentida. Ele é um senhor... nem tem mais idade para isso, não precisa sofrer mais
indo preso, ele parece inocente, tu não pode fazer isso!

— Não quero prender ninguém! É que a verdade precisa ser dita, bebê! Minha tia fez acusações
sérias demais para eu ignorar! Eu preciso saber a verdade!

— Eu entendo, William, mas sei lá, é complicado! Tu vai realmente desenterrar uma história pesada
e mexer com toda a estrutura de uma família, que parece de inocentes. É difícil entender! Se seu tio
fosse um santo, não teria se metido nessa. Não quero mais falar disso, por favor! Não quero brigar
contigo!

— Vida, parecer inocente e ser, são duas coisas completamente diferentes. Bem distintas! Eu sou
bom no que faço, sei que essa história tem pano pra manga, e sei que esse cara não foi totalmente
sincero. Não ofenda meu suado doutorado, minha vocação! Sei que tem podre aí! Se eu procurar,
vou achar!!! É o meu trabalho, e sou excelente! Vendo um rim meu, se ele não tem culpa no
cartório!!! — ele diz e tenta me abraçar, mas obviamente me afasto — Vai me pedir para eu
abandonar essa investigação, amor?! Mais uma?

— Se eu pudesse ou pensasse que fosse me ouvir, quem sabe!? Mas já sei que minha opinião de
nada vale... já deu pra notar que você nem sente o que diz sentir, sei lá! Você... eu não sei de mais
nada.

— Vem cá! — ele me pega no colo — Eu acredito muito na lei do retorno. Acho que quando a
gente tira uma vida, a gente perde pedaços de nossa essência. Pedaços de nossa alma. E um
homem sem alma, é uma concha vazia! Só Deus dá a vida, só ele pode tirar! Nunca matei ninguém
na minha vida, e nunca quero chegar a precisar! Tenho quase dez anos como policial, e sempre fiz
de um tudo pra não precisar usar minha arma, sou policial, exerço a lei, não sou assassino, não sou
bandido, e não tenho vocação pra isso! Meu negócio é fazer justiça. — ele afunda o nariz no meu
rosto e respira fundo — Não diga de novo que "não te amo tanto assim", porque isso não é
verdade, eu não sou nada sem você! Eu amo você! Sou perdidamente apaixonado, e tu sabe disso,
mas não acho que tirar a vida de alguém seria uma prova! Eu acho que uma prova de amor de
verdade, seria te mostrar e provar, que meu coração é puro, e que por você sou capaz de ignorar
meus instintos mais primitivos e fazer o certo. Fazer o mais difícil: segurar a onda e fazer justiça em
seu nome! E pra tu ver que tua opinião vale muito para mim, vou me desarmar ainda mais! Eu já
estava desarmado, imparcial, mas por você, vou dar continuidade nessa investigação com dois
pontinhos à favor deles! Pensando positivo, e seguindo teu coração bom, que diz que são inocentes!
Tudo bem?! Até serei bem receptivo e menos formal! Vou como sobrinho, e não como delegado! Só
por você, pela nossa relação!

Eu escuto e não aguento segurar o medo e a decepção. Ele não vai me odiar no futuro... William
simplesmente vai me desprezar no modo máximo!

— Não minta para mim!

— É a verdade, olha para mim! — eu olho e ele segura meu rosto com as duas mãos — É a
verdade! Juro! Farei isso por você, para te fazer feliz!

— Promete?

— Eu prometo! Dou a minha palavra que seguirei seu coração! Só pra ver você sorrir! — eu o
beijo — Eu te amo demais, mulher, você é minha joia, é tudo o que tenho de mais precioso! Agora,
chega disso. Vai tomar seu banho! Vou fazer algo para gente comer!

Ele diz, vou pro banho, reflito até sentir dor de cabeça, e quando volto o vejo no mesmo lugar.

— O que ainda faz aí?!

Eu pergunto subindo na cama de toalha e ele continua do mesmo jeito. Deitado olhando pro teto.

— Estava aqui tentando te entender. Pensei numa teoria absurda. Não faz sentido...

— O que? Que sou uma espiã que quer te tirar informações, além de abusar de seu corpinho...

Sorrimos.

— Se eu te contar, tu vai querer me internar! — ele ri — Vem! Deixe eu dar mais uma olhada
nesse piercing... será que se tu ficar de quatro para mim e empinar essa bunda gostosa, eu ainda
vou conseguir chupá-lo e brincar um pouco?

— Não sei! Só testando para saber, mas assim não acho que seja o piercing, seu alvo-desejo!

Eu falo, e ele sorri umedecendo os lábios.

O doutor tira meu roupão, me faz ficar de quatro, deliciosamente exposta, e por causa do enorme
espelho na parede, ao lado da cama, posso ver ele atacar meu bumbum com selvageria, e sua
língua molhada e habilidosa.

— Vem cá! Viciei nessa tua boquinha! Mama de novo, gostosa!

Ele puxa meu bumbum me fazendo sentar no teu rosto, procura meu clitóris com a língua, e depois
de alguns minutos deliciosos, eu mamo tudo enquanto gozo na sua boca, como tinha que ser.
Ficamos assim por tempo demais, e ele nunca me deixava levantar!
Gozei muito, muito mesmo, e ele só saiu do quarto quando conseguiu o precioso "anal", que pelo
jeito sempre desejou. Me pediu com tanto carinho que eu dei, e dei gostoso, querendo mais e mais.
Sempre ouvi dizer que dói horrores, e com aquela vara gigante, achei que precisaria de cadeira
de rodas, mas o bebê chorão era tão persuasivo, cuidadoso, e carinhoso que eu dei, pedi bis, e
desejei que o tempo parasse naquele momento e ele não gozasse nunca, só pra continuar me
fodendo gostoso, e me dando um prazer que nunca antes experimentei.

O delegado era um deus da foda bem dada, e melhor do que isso: era meu amor.

— Vai pular carnaval, onde? Acho que vou usar o feriado pra viajar!

O doutor pergunta enquanto me ajudava na cozinha com o lanche.

Viajar? Viajar pra onde?


Barbacena. Meu inconsciente reponde e fico com medo.

— Pensei em pular em você.

Eu respondo e ele engasga, ficando claramente sem graça.

— Não sei, com certeza minha tia fará algo para as crianças, ela sempre faz! Vai viajar pra
onde? Com quem?

Ele sorri ainda se recuperando do susto!

— Eu falei em viajar?! Tô lembrado não... — ele gargalha ao me encarar e me abraça feliz — Tô


pensando em continuar com as visitas amanhã, o genro do capitão da FAB, depois o herdeiro! —
Meu pai já não é o herdeiro, perdeu a posição quando nasci. Eu sou a herdeira da família, e quando
você descobrir isso, vai querer me ver morta! — Quero ir até Barbacena, dar uma olhada na tal
fazenda que hospedaram meu primo!!!

— Mas tu vai invadir a casa do cara?

— Não. Vou conseguir um mandado oficial de um amigo juiz! Ele não me deve favores, mas gosta
de mim, somos amigos! Além do mais, vou ligar agora! Assim consigo para xeretar a casa do
herdeiro, minha tia o acusa de matar meu primo, se tiver algo naquela casa, vou encontrar!

— Você me ama?

Eu pergunto e ele revira os olhos.

— Amo! Quer que eu prove? Vira!

O delegado me faz apoiar na mesa, levanta a sua camiseta que eu vestia, coloca minha calcinha
pro lado, e por seu moletom já denunciar sua dureza, eu consigo entender que para ele, sua
melhor maneira de demonstrar amor, era me foder de novo, com força. Essa era a melhor ideia
que ele tinha.

— Não. Assim não!

Me afasto dele e ele ri.

— Quer que eu esqueça a carta de minha tia...

— Vamos esquecer tudo isso! — eu fico com vontade de pedir ajoelhada

— Vamos ir embora! Tenho amigos militares no mundo todo, te coloco para trabalhar com o FBI de
um dia pro outro, ou no serviço secreto Russo! Se você não quiser algo tão grande, pode atuar em
algum vilarejo simples no Texas. Sei que pode ter o que quiser, em qualquer lugar do mundo, mas
posso conseguir com mais rapidez! Eu abro uma galeria em qualquer lugar, eu caso com você, eu
largo tudo aqui!

— Por que a fuga?

Ele fica sério no ato.

— Ouviu quando eu disse que te amo? Eu te amo! É o primeiro homem que escuta isso de mim, e
vai por mim, eu não queria dizer, eu não queria piorar as coisas... mas eu quero você! Eu quero
muito você! Só que aqui a gente nunca vai ser feliz! Nunca seremos felizes, mas temos uma chance
se a gente for embora! Vamos embora!!!

— Por que a fuga?


— William.

— POR QUE A FUGA, PORRA????

Ele grita e eu respiro fundo.

— Quanto mais parecer que me esconde as coisas, mais vou caçar!!! Viu o que eu fiz com a
prefeita, não viu??? — ele me puxa até minhas costas baterem na parede do armário — Eu não
sou um covarde, não sou de fugir, não tenho medo da verdade nua e crua, e não vou perder você!
Vai me dizer o que tanto teme, vou me livrar do seu problema, se for possível, ainda hoje, e sim,
vamos ficar juntos, terei sucesso no trabalho, vamos casar, ter filhos, e uma família enorme e feliz:
tudo o que nós dois queremos um com o outro, mas aqui!!! Sem fugir, sem segredos, e sem mistério!
Já é a milésima vez que eu imploro para você falar o que tem de errado com você, que não
importa o que seja, eu vou aceitar, mas você se nega! Se eu descobrir por mim mesmo, sem ouvir
da tua boca, sem a tua cumplicidade, eu vou matar você! Você não vai partir meu coração! Eu não
mereço isso! Eu coloquei meu coração em suas mãos desde o primeiro dia que vi você naquele
caralho daquela boate! Então vai falando, Helena, por que a fuga? FALA!!!

— O que eu escondo é muito simples de entender... tenho medo de perder você! Se não quer sair
do país, parar com essas investigações perigosas, e nem me perder, vire um florista, um engenheiro,
ou vendedor de imóveis! Mas faça alguma coisa.

— Vou fazer! — Ele sorri com maldade. — Deixa comigo, vou fazer.

Ele fala, me solta, e eu sinto medo quando o vejo sair de casa decidido. Ele para na porta,
descruza meu braço, me beija, diz que me ama, e sai dizendo para não o esperar acordada. O
que ele ia fazer eu não tinha ideia. Mas só sabia que não seria nada de bom!
ELE TEVE UM DIA LONGO. SERÁ QUE ELE NÃO VÊ, OU NÃO QUER VER?

— Procure tudo! Quero saber tudo! A onde a família mora, seus contatos telefônicos, sua rotina,
tudo!!!

Eu resmungo e Manuela concorda, mas não diz mais nada e faz uma cara estranha. Pedi para que
me encontrasse no bar perto da delegacia. Depois do papo que tive com Helena eu precisava de
uma boa dose de whisky velho!

— O que é?!

Ela umedece os lábios e fica tensa.

— Já fiz isso!

— O que?

— Já investiguei a vida dela! Assim que eu soube que você a conheceu lá, depois ficou falando
dela, e do quanto ela parecia te odiar... — eu respiro fundo e ela parece temer minha reação —
Me escuta, fiquei com medo de você estar cego de tanto amor e...

— Só diga o que encontrou!

— Nada. E é aí que está o problema. Ela tá limpa. Os parentes de sangue todos já mortos, alguns
familiares na Alemanha, mas já idosos... Bem típico.

— A família que tem é adotiva... por isso tem um monte de irmãos, e mora na instituição. Deve ter
parado lá por conta disso! Aquele cara não é o pai dela, sei que parece preconceituoso, mas o
cara é quase negro...

Falo mais para mim e ela dá de ombros.


— Ela estava no Miragem quando tudo aconteceu, "apareceu do nada" no aeroporto e na
academia, estava conosco quando tu coordenou a operação do posto 1, rasgou os documentos que
incriminavam a prefeita, conseguiu ir pro Rio contigo para cuidar de mais assuntos seus, quer que
tu esqueça a carta de sua tia, e agora essa de "vamos ir embora daqui"... abra os olhos, doutor!

— Em todos esses casos tenho certeza que foi "o destino". Eu a convidei pra ir pro Rio de última
hora, nem eu sabia que ia mesmo! Ela só teme por minha segurança quando me pede para me
afastar disso tudo! Ela não quer saber da minha vida. Ela tem segredos, mas nada disso me
envolve, eu saberia... acho que ela é ameaçada. Ela só anda armada, parece sempre temer ficar
exposta, sozinha, desarmada... ela é no máximo uma procurada da justiça ou de gente da
pesada...

— Já procurei saber. Ela é limpa.

— Primeiro ela me deu o nome de Lis, e não é sobrenome! Depois disse o correto. Por que motivos
ela mentiria o próprio nome assim?! Ou está tão acostumada a fazer isso, e sente tanto medo de
ser encontrada, ou...

— ...Ou mentiu para você porque era você!

— Não. — me nego a acreditar naquilo — Ela não faria nada do tipo. Helena pode ter segredos,
mas me ama! Se tivesse mentido naquele dia, hoje me contaria. É minha mulher, estamos juntos, não
tem porquê me esconder as coisas, sou policial federal, ela sabe que posso protegê-la!

— William, cai na real! Tua situação com essa moça é uma via de mão dupla. Tu é policial federal
e pode protegê-la, mas tu é policial federal e pode prendê-la. Arruinar os planos dela.

— Helena me ama, Manuela! Helena é louca por mim, como sou por ela! A gente se ama!!!

Falo com convicção porque eu temia ouvi-la dizer o contrário.


Ouvir que sua opinião era de que Helena não gostava realmente de mim, e estava comigo por
causa de outra coisa, me arruinaria.

Não... ela me ama!

— Eu sei. Eu vi! Essa é a única verdade que vejo na relação de vocês, vocês se amam, mas e aí?!
Ela pode estar metida numa encarrascada desde antes de te conhecer, ué!!! Foi você que a viu no
Miragem onde David foi morto, foi você que passou pela vida dela, "ela te amar agora, não
significa nada." Se ela precisa esconder algo, te amando ou não, vai esconder! O que você sabe
sobre a vida dela???

Eu fico nervoso e volto a encher meu copo.

— O que é que tu tá insinuando?


— É simples e bem óbvio. Essa mulher está metida com algum caso que você cuidava ou cuida!
Precisou se aproximar e se apaixonou, mas só o destino não foi! Ela te conhecia!

— Tu tá vendo muito filme de espionagem!

Zombo sem acreditar no que ela dizia. Fazia tanto sentido que parecia bizarro! Poderia ser, mas
eu precisava confiar nela. Helena dizia que me amava, então estava comigo porque me amava e
ponto. Disse por vezes que ela podia ter de mim o que quisesse, fazer qualquer pergunta, sobre
qualquer caso, que se era isso que ela queria, era só questionar. Eu responderia, daria nomes,
qualquer coisa que ela realmente precisasse... falaria tudo.

— Tudo bem! Ok! Mas faça uma coisa para tirar a prova e dizer que eu estou errada! Vocês
estão juntos, já falaram em casar e tudo o mais... peça para conhecer a família dela! Se ela não te
esconde nada, vai levar você até a casa dos "pais" dela sem problema nenhum!

— Farei isso! Na verdade, eu os conheci na premiação de Diógenes! Estavam de máscaras como


todos, mas a irmã dela me amou! — sorrio ao me lembrar — O problema dela não é identidade,
ela está sendo perseguida! Aliás, já vou indo, não quero deixá-la sozinha um só minuto! Só
precisava esfriar a cabeça!

Me levanto e ela ergue uma sobrancelha.

— E se quem a persegue for um ex-namorado maluco e perigoso?!

— Então eu usarei minha arma pela primeira vez! Acabo com o psicopata! Helena é minha, será
pra sempre, será a última! Tenho mais certeza disso do que tenho sobre a minha própria vida.

Eu respondo rápido demais e ela revira os olhos. Saio dali com mais certeza de que não importava
o que Helena escondia. Eu ia amá-la e protegê-la pra sempre, enquanto eu estivesse vivo.

Talvez até depois disso!

Passo o cartão na porta de sua cobertura, que eu já considerava minha casa, — mesmo porque,
era a minha mulher e logo, logo ela assinaria, nem que fosse por engano um documento que a
tornará casada. Sorrio. — e tento não fazer barulho, mas ao entrar na sala vejo a loira sentada e
emburrada no sofá. Merda.
Estava de pernas cruzadas, com a TV desligada, e praticamente soltando fogo pelas ventas.

Ao me ver ela parece relaxar um pouco. Pelo jeito parecia mais preocupada do que brava. E
também parecia que meu retorno para casa tinha um significado importante para ela. Talvez alívio,
não sei... acho que eu ter voltado queria dizer que eu não tinha descoberto seus segredos, e não
ter descoberto nada, significava ainda pertencer a ela, ainda amá-la, e pensar nisso fez doer meu
coração.
— Oi!

— Oi.

Ela diz desanimada e triste, e assim que eu me aproximo ela se levanta.

— Tem o costume de sair assim, voltar com cheiro de mulher e exalando bebida, sempre?

— Tô com cheiro de mulher?

— Tá com cheiro de Manuela, já que perguntou!!!

— Só conversamos! Eu precisava conversar com alguém ou ia enlouquecer!

— Podemos ser amigos também! Não precisa ir procurar na rua, pode se abrir comigo!

— Posso mesmo? Vai me contar tudo?

— Eu não. Mas você pode!

— Quer que eu me abra? Vou me abrir. Tô com medo de perder você. Tô morrendo de medo,
estou apavorado. E preciso de ajuda. Me conta o que há de errado para eu poder tomar a frente,
resolver pra você, e ficar tranquilo! Eu te quero pro resto da minha vida e não aceito menos do
que isso!

— Eu te prometo que isso vai passar! Esquece isso pra gente ser feliz! Vamos ser felizes, tira essa
bobagem da sua cabeça! Foi bobagem, falei besteira, William! Nada vai separar a gente, eu não
vou deixar!

— Prometa!

— Eu prometo!

Sinto uma bola na garganta, tento abraçá-la, mas ela não deixa.

— Saiu com a vadia e chegou de madrugada cheirando a cachaça. O sofá é teu!

Ela fala e me dá as costas.

— Tá de brincadeira?! Acabei de me declarar, preciso de sexo! Tô triste!

Eu começo a falar, e depois preciso gritar, porque ela sai rebolando a bunda enorme, e bate à
porta do quarto.
Dou risada e lamento quando uma pontada forte atinge minha cabeça.

— Ai! Merda!

Relaxo no encosto do sofá e a bicha volta alguns minutos depois. Me vê massageando a têmpora e
fica assustada.

— O que foi?

— Senti uma pontada forte na cabeça. Acho que preciso ir pro hospital!

Abro só um olho e vejo que ela havia trago uma muda de roupa, toalha, e escova de dente.
A pequena cuidava de mim.
Eu amava quando ela cuidava e se preocupava comigo.

— O que é?! Não vai morrer no meu sofá, né?!

Ela se aproxima extremamente preocupada comigo, e eu me aproveito da situação pra puxá-la


pro meu colo. A dor de cabeça passou no ato.

— Nosso sofá! — eu sorrio corrigindo e ela finge ficar brava — Nossos problemas, nossas
cabeças, nossas dores, nossas vidas!!!

— Eu te amo! — ela sussurra com dificuldade porque a puxo para um beijo — Sabia?! Te amo
muito!

— Eu te amo mais!

Falo e dou risada quando sinto que já procurava por minha vara endurecida.

— Já tem um tempo que fazemos amor sem proteção...

Eu falo feliz e ela me destrói quando responde:

— Eu tomo remédio controlado! Não se preocupe com isso!

Olho bem pra ela e quase choro de desânimo.

— Não tenho condições psicológicas nem de entrar nesse assunto, William! Nem começa...

— Acabou de dizer que ama! Eu não te desperto vontade?!

— Desperta. Se acontecer vai ser com você! Com certeza! Mas tá muito cedo pra falar disso, sou
muito nova, teu trabalho te deixa muito ocupado e correndo riscos sempre! Fomos tão rápidos
desde o início... desejo isso, um dia, mas agora não dá. Agora não, mas podemos ir treinando!

Ela sorri com jeitinho.

— Quero hoje! Logo! Você não tem psicológico, mas eu tenho! Quero agora, tipo pra ontem!

Faço uma cena que ela com certeza chamaria de manha, e a chata rosna.

— Tá bem!

Ela só diz pra eu calar a boca.

— Filha da puta mentirosa!!!

Xingo em voz alta e ela só ri.

— Tá.

Ela levanta, me seguro para não enforcá-la de raiva, e logo ela volta com umas dez cartelas de
anticoncepcionais nas mãos.

— Não diga nada! Só jogue fora e não volte a falar disso, porque, se eu cair na real, passo na
farmácia e compro de novo! Não me lembre que fiz essa loucura, porque... isso é loucura total!!!
Mesmo!!!

Ela fala com as mãos na cintura e eu volto a sorrir.

— Aposto que foi a loucura mais linda que você já cometeu!

— Com certeza foi! A loucura mais linda pelo homem mais lindo! O homem da minha vida!

Ela sorri, e volto a agarrar a criatura, que era minha!

— Quando foi que você descobriu que me amava?

Eu pergunto do nada. Deixo escapar.

— Acho que quando entrei lá e vi que ela cozinhava pra você! Aquilo parecia errado!!! Fiquei mal,
muito mal mesmo! Não entendia o porquê de tanta raiva! Ela não deveria estar lá, você já era meu
desde a boate, já tinha terminado com ela! Foi naquela noite.

— Eu notei seu ciúme, e amei ver que me correspondia!

— Eu amei quando me pediu para ficar. Quando não caiu na chantagem emocional dela! Não
quero ela perto de você. Não quero nenhuma mulher perto de você!

— Eu disse que já resolvi isso, amor! Acabou! Não vai mais me ver com ela!

— Melhor assim! — ela sorri olhando para minha boca — E quero que mande a outra vadia de
volta pra ...

— ... Parauapebas. Sim! Vou mandar! Tudo para te ver feliz!

Eu falo e ela sorri um sorriso largo.

— Tá ok. Garanhão viril! Agora vai tomar um banho porque não tô mais aguentando esse cheiro!
Você está fedendo.

— Vai me ajudar???

— Vou te ajudar a jogar suas roupas cobertura à baixo se não for agora, isso sim!

Ela diz, leva um tapa forte na bunda, briga comigo por causa disso, tomo um banho rápido, e fico
impressionado quando volto e vejo o sofá arrumado.
Ela havia feito o sofá de cama pra mim. Todo arrumado com um lençol branquinho, e um de seus
travesseiros perfumados.

Caminho dando voltas por um momento, penso em sua atitude, e não dá outra: Fico mal.

— Sei que quer me dar uma lição pra que eu nunca mais saia sem dizer nada, e volte tarde da
noite, depois de beber com uma mulher. Já entendi que isso é inaceitável pra você, e prometo que
dá próxima vez que eu ficar nervoso, te encho de tapas nessa sua cara lavada, ao invés de sair
para espairecer.

Mas se em dez segundos você não abrir essa porta, vou atirar na maçaneta, te dar uma surra, e
levar você pelos cabelos até a porta pra explicar pro síndico o porquê do disparo de arma de
fogo aqui dentro; E é você quem vai até a delegacia prestar esclarecimentos. E depois que voltar,
vou te dar outra surra para aprender a me respeitar e parar de agir como uma adolescente. —
eu falo de uma vez e respiro fundo. Eu estava cansado demais e só queria deitar — Um...

Eu começo a contar e no ato ela abre a porta.

Medrosa.

— Só abri porque sei que é maluco!

— Ia me deixar lá, mesmo?


Pergunto com meu coração doendo, e ela me olha daquele jeito de sempre, quase infartando por
ver o quão triste fiquei.

— Não!

Ela sorri e eu me deito sem dizer nada. Era a minha vez de fazer manha, e ela logo notou.
Foi por isso que entrou embaixo do edredom grosso, agarrou meu pescoço, me ofereceu amor só
com olhar, beijinhos por toda minha face e muito cafuné, até eu pegar no sono.

Dormir com ela, sentindo o cheirinho dela, era algo inexplicável!!!

Acordo cedo com a mulher enroscada em mim na beira da cama. Espaço ela tinha, mas não
queria.
A cama era enorme, mas eu estava quase caindo, e mesmo assim estava feliz demais por vê-la ali,
ao meu lado na cama. Nunca dormia distante, sempre agarrada, sempre colada, parecia até
carência.
Não podia deixar de comparar... com Barbara era o oposto. A gente transava, tinha aquele
pequeno momento fofo de abraços, beijos, e palavras bonitas, mas depois era cada um pro teu
canto. Ela virava e dormia. Acabei me acostumando, não sentia vontade. Agora com meu neném,
não! Eu queria um grude, ela amava um grude, e depois do Rio, dormir sozinho era uma aventura!

Enquanto refletia, ela dormia como um anjo.

Nem parecia o demônio que eu havia conhecido. Eu já havia trago a princesa das trevas para o
lado bom da força.

Sorrio ao pensar nisso.

Tão cheirosa...

Beijo seu pescoço e meu corpo todo começa a ficar ativo. Duro eu já estava, sempre acordava
duro, mas era sempre com aquela preguicinha de praxe. Só que com ela ali, não. Com ela ali eu já
estava pronto para uma maratona. Todo aceso.

— Tão doce...

Resmungo e entro embaixo do edredom, na busca por realizar meu sonho de acordá-la com minha
boca acarinhando sua intimidade.

Orgasmos pro café-da-manhã. Que mulher reclamaria?

Chego até sua virilha e minha respiração não a desperta. Seu cheiro bom me deixa louco, seu
perfume e cheiro natural era inebriante. Parecia que a pequena fora alimentada por "leite de
rosas". Exalava perfume.
Passo a língua levemente após colocar sua calcinha pro lado, e ela se mexe nervosa deitando de
costas.

Inconscientemente facilitou meu trabalha.

Abocanho sua intimidade ainda sequinha, e faço minha língua seguir um caminho de baixo pra
cima, como se eu voltasse a ser menino e não quisesse dividir o Danoninho com mais ninguém. Uma
linguada, e acabou. Mas não paro.

Sugo, brinco acelerando o ritmo da minha língua, assopro, ela fica úmida por culpa minha, volto a
chupá-la para sentir meu gosto favorito do mundo todo, suas coxas tampam meus ouvidos e então
sei que acordou, mas ainda não paro!

Faço ela começar a gemer alto, bagunça o lençol, arqueia as costas, e por fim, abraça meu
pescoço com as próprias pernas.

Chupo muito.
Estimulo com o polegar.
Língua.
Dedos.
Língua.
Chupadas grosseiras.
Ela geme me chamando de Will pela primeira vez, aumenta o tom dos gemidos, e dá um gritinho
agudo, que me faz pirar.

As atrizes pornôs morreriam de inveja dela, certeza!!!

Quando sinto seu corpo todo tremer, e os dedos dos seus pés relaxarem, subo e dou meu beijo de
bom dia.

— Bom dia!

Ela sorri e eu nem respondo. Estava mais do que apaixonado por aquela menina. Minha menina.

Ofereço um milhão de beijos ao seu pescoço, digo que a amo mais um milhão, e após fazer um
amorzinho calminho às sete da manhã, eu corro pro banho porque meu dia seria longo.

Quando saio do banho, aproveito que ouço o seu barulho na cozinha e ligo para meu amigo juiz.
Meus planos eram visitar alguns membros da família de "assassinos", trazer Tiago pra cá, pegar o
meu plantão pra voltar pra casa à noite, e organizar meu apartamento vazio, antes de jantar com
meu neném.
Estava amando estar com ela, mas precisava cuidar do meu apê, cuidar da vida de Tiago,
organizar toda minha rotina, e ser seu namorado, não marido... ainda não.
Explico a situação para Jonatan, o juiz, ele consegue uma licença para averiguação pessoal
autêntica, legal, com ordem de apreensão para poder levar o que eu quisesse das "visitas", e me
pede uma hora para aprontar tudo e ir buscar.

Feito. Com esse mandado eu ia fuçar a casa de Tay Coverick de cima à baixo, ia dar uma
passada no Sul e em Minas no feriado que viria, e teria acesso a todos os documentos pessoais
dos envolvidos.
Mas ainda assim, usaria somente se eu desconfiasse de algo, uma emergência, ou caso se
negassem a me deixar olhar. Em nome de minha gatinha, eu ia visitá-los como o sobrinho curioso, e
não como o delegado pronto pra botar a família em cana. Nem eu queria isso. Aquela história
toda era um absurdo, só queria provas de que minha tia estava pirada, só isso, porque se ela não
estivesse, e se eu descobrisse que realmente meu primo foi assassinado, eu ia sim, jogar aquela
família toda no presídio mais próximo.
Meu tio 'era terrível', mas meu primo não tinha culpa, e ninguém tem direito de tirar a vida de
ninguém assim... eu ia buscar justiça à qualquer custo!

— Seu celular tocou enquanto estava no banho! Manuela já ligou umas cem vezes.

Helena resmunga assim que eu entro na cozinha. Segui o caminho do cheiro bom, minha barriga
roncou, e na primeira oportunidade já encoxei a gostosa, que ainda vestia um pijaminha sem
vergonha. Já com relação as ligações, quando olho no visor do celular que tiro bolso, logo noto: as
"cem vezes" eram cinco.

Mulheres.

— Alguém deve ter morrido. Vou retornar depois.

Resmungo e ela me estende a xícara de café.

Ai! Que vontade que eu tinha de pegar ela debruçada nessa pia, ou na mesa...
Assim mesmo, de manhã, ao natural, toda linda com suas sardinhas em evidência.

— Cadê o Tiago?

— Tá com a Barbara...

— Por que?

— Porque eu precisava falar contigo a sós, ontem à noite! Em falar nele, preciso arrumar algo pra
ele fazer. Não tem nenhum emprego na tua galeria, ou na instituição?

Mudo de assunto.

— Posso ver algo remunerado na galeria pra ele, mas na instituição sempre precisa!
Ela se senta do meu lado e eu reparo no seu shortinho curto do pijama, bem larguinho. Penso em
rasgar só para meu próprio prazer, mas esqueço isso. Precisava comer e sair.

— Pode ser os dois. É bom que no final de semana ele também fica ocupado!

— Vou ver isso!

Ela sorri e já ia começar a falar quando meu celular toca de novo.

— Oi!
— Tá vendo TV?
— Não. Quem morreu agora?
— A prefeita. Um tiro na testa ao entrar no carro, na saída do gabinete.
— O caso é nosso?
— Não. Por enquanto é da primeira DP.
— Ótimo. Terei tempo! Tá acontecendo alguma coisa nessa cidade, Manuela!!!
— Acha que é o único que notou?!
— Está ocupada? Pode me fazer um favor?
— Posso. Pode falar. Tô indo para a superintendência.
— Passa no TJ. Pegue um mandado com o Jonatan para mim!
— Do que se trata? Posso saber?!
— Caso "família assassina"!
— Já virou um caso? Até nomeou?! Que criativo!!!
— Só um apelidinho carinhoso. Faz isso e depois precisamos conversar!
— Não vou para Parauapebas.
— O que?
— Ela deve ter brigado contigo porque tu chegou tarde, e mandou você me dispensar. Tu precisa de
mim e sou boa, você sabe disso!
— Para de ser louca! Nos vemos na minha sala em vinte minutos!

Eu falo e desligo.

— É. Ela é esperta.

Helena resmunga demonstrando ter ouvido tudo.

— Bobagem...

— Não precisa dispensá-la, doutor!

Ela diz e eu engasgo.

— Não??? Jura???
— E por um acaso, você ia?

— Ia. Posso trocar minha chefia. É meu direito, nem burocrático é. Quero que confie em mim, sou
fiel a você, não tenho olhos pra ninguém, mas também não vou dar motivos! Vou me livrar de
qualquer problema que atravessar nosso caminho.

— Hum. Sei! Pois não precisa. Mas não esqueça que sou uma espiã gata que se envolveu contigo
para descobrir coisas. E se uma dessas coisas for que tu tá comendo a mulher do coringa, ela pode
ser a próxima depois da prefeita.

Ela fala, mastiga, e dou risada.

— Mulher do coringa???

— Não reparou naquela boca dela? Para quê uma boca tão grande?!?!

Ela faz um bico lindo quando fica com ciúmes. Sorrio.

— Engraçado que você falou isso... se eu fizer umas chiquinhas em você e te encher de
maquiagem, tu fica a fuça da Arlequina! Aquela do cinema!

— Bom, matar gargalhando, eu já mato!

Ela fala e eu não vejo graça.

— Brincadeirinha, boboca! No máximo só arranco uns braços...

Fico aliviado, deixo passar e me levanto mastigando.


Seus ovos estavam dos deuses. Seu café era o melhor do mundo. Gostosa, perfeita, prendada!

— Sim, isso tu faz muito bem! — eu me lembro e pisco para ela — Eu vou indo, meu neném! Terei
um dia cheio, agora tem mais essa da prefeita! Assim que eu praticamente a denuncio
publicamente, ela é assassinada, vai sobrar pra mim! Obrigado pela noite, pela manhã e por tanto
amor... eu te amo muito, viu?! Volto pro jantar!

Eu falo e ela faz uma cara estranha. Parecia sentir dor.

— Você é um delegado maravilhoso e competente! Vai segurar a onda! Se cuida! Toma muito
cuidado!!!

— Fica tranquila, teu homem é de ferro! Ah! Já ia me esquecendo, marca um almoço com tua
família. Preciso conversar com teu pai a respeito dessa aliança!

Coloco em prática o que Manuela sugeriu de forma discreta, dou um beijo demorado e ela me
abraça forte, já na porta.

— Vou tentar! Ah... — ela parece lembrar de algo, corre pra cozinha, e volta com uma marmita
minúscula, de plástico, bem pequena. Uma miniatura de tupperware.

— Salada de frutas secas. Eu mesma fiz! Tia May que me ensinou. Aí eu levo pra todo canto, dá
energia, é muito saudável! Se você manter fechado assim, pode ficar na tua mesa por dias, o gosto
não muda, continua saudável, na hora que der fome, pega uma! Cortei em formato de bala...

Ela se desembesta a falar, como quando fica nervosa, e meus olhos se enchem de lágrimas.

— Obrigado por cuidar de mim! Eu amo frutas secas! Amei o café-da-manhã. Amo tudo o que faz
por mim! Você é a melhor namorada do mundo!

Abraço-a procurando um denguinho, e ela se entrega.

— Não exagera. São só umas frutinhas!


Pode até me chamar de brega, sei que ninguém mais faz isso de levar lanchinho pro trabalho. Às
vezes baixa uma entidade antiquada demais em mim.

Ela ri com suas bochechas rosadas.

— Todos os meus companheiros casados, uma boa parte, leva. Até no Rio, isso acontecia! Os caras
mais felizes eram os que levavam marmitinha que a esposa fez, fruta, um lanche todo bem
embaladinho! Engano seu... isso existe, e muito! E tenho certeza que se eu não colocar na gaveta,
todo mundo que entrar na minha sala, vai meter a mão! — eu dou risada — Eu nunca fui tão bem
cuidado e amado assim! Sempre tomei café na padaria enquanto os outros abriam o lanche de
pão de forma de casa, pro café da tarde. — risos — Eu sempre fui o cara que ligava pra a loja
de Donnut's! Agora não mais! Agora eu tenho você. Minha mulher, minha vida! E eu vou retribuir
cada pequeno gesto teu, te enchendo do mais puro amor! Eu te amo demais!

— E eu que sempre disse que o homem que me fizesse cozinhar, arrumar a casa, e virar uma
"tonta submissa" metida á rainha do lar, ia ficar sem o pênis!? — ela ri e sussurra — Te quero
muito! Nosso amor me transformou! Quero cozinhar para ti, te amar, te ouvir, e principalmente o
meu pênis no lugar!

Sorrio, dou-lhe um beijo amoroso, e acarinho sua face macia.

— Até já, amor!!!

— Até, bebê guloso!

(...)
— Que carinha boa...

Manuela resmunga rindo.

— É o amor. Devia experimentar!

— Não. Obrigada! Estraga os dentes... e aí?! O que ela falou?

— Nada. Tentou me largar no sofá, mas nem isso conseguiu! Ameacei dar uns tapas e logo se
comportou, ela está bem! Só não vai com tua cara!

— Mandou chamar a família para te apresentar?

— Uhum!

Resmungo lendo o mandado e ela ri.

— Quer ir comigo?

— Não dá! Preciso ficar de olho aqui enquanto tu tá fora! Mas já sabe! Se vai apresentar o
mandado, vai ter que levar uma viatura...

— Quer ensinar macaco a comer banana?

Pergunto e ela ri amarrando os cabelos negros.

— Recebemos uma denúncia de uma boate aqui do centro, estão traficando umas gringas aqui!

Ela me estende o registro da ligação "anônima" e eu avalio.

— Onde?

— Boate Bonsoir! Japonesas, Russas, Jamaicanas...

— Acho que vou ver alguém de vestidinho minúsculo fazendo a puta safada na Bonsoir...!!!

Gargalho alto e ela fecha a cara.

— Pode esquecer!

— Jamais irei! Segura a barra! Vou colocar a farda, e então, quando eu voltar da casa na FAB,
daremos início ao seu disfarce!

Eu pisco e ela parece segurar a vontade de me mostrar o dedo do meio.


— Vai no herdeiro, ou no genro do velho de guerra?

— Deixarei o herdeiro por penúltimo. Laura Nogueira mora no sul do país, então usarei o feriado
pra descer. Vou ver qual dos dois estão em casa. O primeiro que atender... — dou de ombros —
Espero que nenhum deles resolveram ir viajar, e que sejam tão receptivos quanto o velho. Prometi a
Helena que seria gentil.

— Ligar é dar brecha para fuga?!

— Com certeza. Gosto de surpresas!

Falo e saio correndo.

Meu dia seria agitado, mas eu estava com todo o gás, afinal, eu tinha a mulher mais linda do
mundo na minha vida, que me deixava muito animado para acabar logo, e voltar para casa.

— William Castro. Delegado de polícia federal!

Mostro meu distintivo recém lustrado para a retirada de excesso de grama, e o guardinha se
assusta um pouco.

Eu estava em um conjunto residencial perto da FAB, vestido com a farda negra da PF padronizada
— consistia em camiseta com a logo, calça, coturno, e coldre — conjunto obrigatório quando
precisamos estar em alguma operação, como por exemplo de busca e apreensão.
Dependendo do risco da operação, é necessário a farda inteira, inclusive capacete, e colete à
prova de balas. O que não era o caso ali.

Só estava com farda porque era obrigatório, já que eu pretendia pegar todos os computadores
do cabra. Jonatas Coverick trabalhava na administração da FAB, então, provavelmente sua vida
estava em seus aparelhos eletrônicos, como computador, celular, notebook, e eu não era nada
bobo, sabia que se eu procurasse, eu encontraria.

Se ele ajudara a família a sumir com meu primo, eu descobriria.

— Quem vai visitar, doutor?!

— Jonatas Coverick! Mas não quero ser anunciado! Tu vai ficar de boca fechada!

Eu afirmo, o guardinha abre a cancela, e eu sigo com o carro.

Sigo para a mansão com os dois agentes designados por Manuela na minha cola, e aperto a
campainha.
Quem me atende é o próprio.
O cara me olha e já sei que, receptivo e "simpático" como o velho foi, ele não será jamais. Seus
olhos verdes brilhantes, brilhavam de raiva por me ver ali, mas eu estava pouco me fodendo.

— Pois não?!

— Sou...

— Eu sei quem você é! William Castro, delegado chato federal. O que deseja?

Entrar, olhar tua casa de cima a baixo, e foder com tua vida, te deixando apodrecer na cadeia?!

— Recebi uma denúncia e preciso averiguar a procedência. Você foi apontado como cúmplice no
possível assassinato do sargento da FAB, Carlos Pedro de Castro Júnior. Se lembra dele, não?!
Tenho um mandado — mostro sem deixá-lo colocar a mão e o homem franze o cenho, parecendo
não entender nada, quando vejo que não ia me deixar entrar eu continuo — E se não nos deixar
entrar, vou te dar voz de prisão por obstrução da justiça.

— Pedindo assim, com tanto carinho!

Ele me dá espaço para entrar, mas eu olho bem na cara dele.

— Toma cuidado com a forma como se dirige a mim! Desacato também vai te levar em cana,
segundo tenente. Vou deixar sua ironia passar, mas na próxima tu sai daqui algemado!

— Você não ia entrar?!

Ele resmunga e eu respiro fundo. O cara já parecia me conhecer, não sei porque tive essa
impressão.

— Pedro está desaparecido faz anos. Eu o conhecia por que era amigo do filho do meu sogro. Em
nada tenho a ver com seu desaparecimento, e o caso já foi fechado, pelo o que me lembro. Ele
nunca foi encontrado...

Ele sai se explicando, faço um sinal para os agentes, e eles começam a olhar tudo.

— Minha esposa está dormindo! Não quero ninguém entrando no meu quarto com ela lá!!!

Ele rosna e eu sorrio evitando gargalhar, só pra provocá-lo. Eu diria o mesmo que ele, e concordo
com tua atitude, mas ele era muito marrento.

— Comecem por aqui, no andar de baixo. — eu falo olhando pra ele e ele me encara possesso
— Vai ter que chamá-la! É bom que explico para os dois! A família inteira está sendo investigada,
qualquer um que tiver envolvido responderá na justiça.
— Suas acusações não têm fundamentos! Minha esposa era uma criança na época! Se alguém está
envolvido, a última pessoa seria ela! Pedro sumiu, não foi assassinado! Pelo menos não pela minha
família!

Estendo a carta de minha tia e ele pega para ler.

— Ainda não tem fundamento. Alguém te escreve uma cartinha e você invade minha casa assim?!

Ele late alto, e de relance vejo Helena descendo as enormes escadas da sala clean e luxuosa. O
que ela fazia ali???
Sigo assustado e em transe até o pé da escada, e depois de muito tempo noto que não era ela.
Era Ana Luisa, filha de Max, mas não era tão semelhante a ela na foto

A mulher, tua cópia quase idêntica, vestia um hobby comprido, cabelos soltos, e zero maquiagem.
Havia acabado de acordar.

Mesmo cabelo ondulado, mesma tonalidade, mesmo tamanho, mesmos olhos, só que menos
expressivos, mesmas sardinhas, só um pouco mais magra, e sem as curvas sensuais que Helena
tinha... se ela falasse: "Oi, doutor, sou a irmã da sua namorada!". Eu acreditaria no ato. Estava
embasbacado, eu tinha até perdido a pose.

— O que está acontecendo?

Ela pergunta ao marido, eu estava "bloqueando" sua passagem, e me olhava parecendo muito
tensa. Minha atitude estava assustando-a.

— Vem cá, Ana!

Ele fala, mas ela não se mexe, só volta a me olhar, por isso me recomponho, e volto ao meu lugar
na frente do chato.

— Desculpe a atitude grosseira. É que fiquei impressionado com sua semelhança com minha mulher!
Vocês parecem irmãs!

— Tudo bem! — ela parece sorrir por um momento, mas logo se refaz — O que a PF faz aqui?

Ela olha pro marido, se agarra nele e parece tensa.


Repito tudo o que disse a ele e ela chora.
Odeio ver mulher chorando.

— A senhora sabe de alguma coisa?

Eu pergunto e ela passa a me olhar com raiva.


— Eu não sou uma senhora, pode me chamar de Ana Luisa, e sei sim! Sei que ele sumiu, era amigo
do meu irmão, e ninguém na minha família o machucou! Isso é uma blasfêmia! Minha família tem
honra, e é digna! Não conheceu meu pai?! Ele já não disse tudo?

— Ele disse! — fico desconcertado — Mas só sua palavra não é o suficiente para a lei, não é
assim que trabalhamos, senhorita!

— A palavra do meu pai significa demais! Ele é digno!

— Nos dê licença, Ana!

O cara pede e ela se nega.

— Não. Vou ficar. Quero saber o que ele tem a dizer sobre meu pai, e meu irmão, essa carta é um
absurdo, é ridícula!!!

— Vou levar em conta o fato de que está nervosa, e de que era só uma criança na época. Mas só
por isso! Aliás...

Eu olho para os dois, e reflito naquilo.


Ele era muito mais velho que ela, deviam ter começado a namorar quando ela ainda era menor.
Que estranho...

— Bom... — desisto de falar sobre o que não era da minha conta e evito rir do bico que ela faz
ao entender minha confusão com a idade de ambos, o seu bico de brava era o mesmo biquinho
que Helena faz quando quer algo, quando tá brava, ou enciumada — Vou dar uma olhada em
tudo e levar os computadores da casa. Devem me acompanhar!!!

Eu falo, entro no que parece ser seu escritório, e um dos agentes já faziam seu serviço. Pego o
bastão de verificação e saio batendo no assoalho de madeira nova, com o olhar do casal sobre
mim. Eu estava com o pensamento longe e evitava olhar para a garota, mas não conseguia muito.
O tenente já estava espumando de raiva, ou ciúme, não sabia dizer, e ela constantemente ficava
vermelha por causa de meus olhares questionadores.

Por que tanta semelhança?

Por que tanta preocupação?! Pessoas iguais existem... Oras!

Fico pra lá e pra cá em uma calma que faz o militar rosnar, e quase não presto atenção nos
toques do bastão.
Volto a me concentrar e não encontro nada oco. Estava ok.

— Você tem cofre?


— Não.

— Tá mentindo!

— Prove!

Cara folgado...

— Não temos cofre!!!

Ana Luisa entra em minha frente quando eu me adianto para encará-lo e eu relevo. Ela falava a
verdade, ele mentia. Vai ver ela não sabia de nada.

Quando o agente retirou o computador da sala, e terminamos tudo, olho quadro por quadro
fazendo uma bagunça, livro por livro e nada. Todos os quartos. Nada. Estantes, móveis, nada.
Refiz quase as mesmas perguntas sobre Pedro e a família para ele, e ele me oferece as mesmas
respostas robotizadas do chefe da família.
Mentira atrás de mentira e muitos "não sei", "não soube", "confio plenamente no caráter de meu
sogro."

— Seus aparelhos serão devolvidos quando forem averiguados, perante a lei. Acho melhor o
senhor acionar um advogado criminalista.

— Não vou precisar de um! Você não vai encontrar nada. Eu e minha família não temos nada a
ver com o desaparecimento do Pedro. Mas talvez eu acione meu advogado por calúnia e
difamação!

— Então eu te vejo no tribunal!

Aham! Processa. Duvido processar, tá com culpa até o pescoço!

Eu respondo, olho para a mulher mais uma última vez, e saio de lá com uma sensação estranha.
Formigamento familiar.

As impressões que tive era de que, se ele não tinha envolvimento, faria qualquer coisa para
acobertar e apoiar os culpados! Seu sentimento de cumplicidade era forte demais. Jamais vi aquilo
em alguém, e apesar de ser um cão que só ladra, e chato pra porra, fui com a cara dele. Ele que
não foi com a minha por causa de meus olhares pra a sua esposa.

E eu o irritei tão profundamente com meu bastãozinho, que ri demais depois. O cara era sério
demais, como ela aguentava ele? Eu sei. A gente muda por quem amamos, somos diferentes com
quem amamos.
Eu vivo querendo surrar a minha, (surrar de tesão, depois me ajoelhar para pedir perdão por
pensar nisso) mas a amava como nunca amei ninguém em toda a minha vida. Ficava um bobo perto
dela, todo babão. E era fácil aceitar seu jeito cheio de mistério... quando a gente ama, é fácil
aceitar.

— Para delegacia, certo, doutor?!

O agente ao meu lado no banco do carona questiona e eu paro pra pensar. Já estava aqui, por
que não ir ver o filho prodígio de Max Coverick e acabar logo com aquilo?!

— Não. Acho que vou acelerar essas visitas chatas. Dar uma passada em outro lugar.

Meus pensamentos voam longe, me perco pensando em tudo, resmungo e sigo até a região da
universidade, outro residencial de classe média alta. Que tanto dinheiro essa família tinha?!
O responsável pela ADM da FAB de Pirassununga ganhava bem, mas não chegava a tanto, Ana
Luisa eu sabia que tinha, graças ao pai, até em Harvard se formou, agora, e o filho?! Desde
quando capitão da FAB é milionário?! Veterinária??? Porque aquele residencial era alto padrão,
luxo puro, até mais do que outro. Será que o cara ainda bancava todos os filhos?! Ainda??? E esse
dinheiro que nunca acaba??? Que negócios eles tinham??? Casas para aluguel não era, investiguei,
comércio também não.

Eu tinha muito o que saber.

O lugar era bem arborizado, bonito, enorme... parecia condomínios de filmes americanos.
Um belo lugar para morar, já me imaginava aqui com Helena. Sonho distante. Muuuuuuuito distante,
principalmente para um delegado honesto.

Aperto a campainha da mansão, espero, e quase caio para trás quando outra cópia de Helena
atende a porta.
Tirando os cabelos castanhos escuros, Ellen Maia Coverick, era toda ela.
Meu Deus. Eu ia pirar...

— Dona Ellen...

Eu assinto com a cabeça me sentindo perdido, mas ela sorria lindamente.


Era uma mulher linda, muito linda mesmo, Helena era muito mais, mas ela era rústica ao ponto de
deixar qualquer homem tonto.
Não me entenda mal, eu não fiquei impressionado como homem, amo Helena e não tenho olhos pra
outra mulher, mas aquela mulher, tinha um brilho tão... não sei! Ela era doce, simpática, era fácil
gostar dela. O mais estranho era que meu sentimento por ela era quase materno, era de respeito e
eu não entendia.

— Oi, doutor William!

Ela fala e eu a meço dos pés à cabeça. Estava descalça, com roupas rústicas, blusa caída nos
ombros, correntes de couro... parecia uma hippie, mas moderna. Só que foi outra coisa que me
chamou a atenção. Aquela cintura fina e culote enorme não me eram estranhos...

A bicha era uma versão morena da Helena, mas não podia ser irmã, pelo menos eu achava que
não, ela podia era ser a mãe dela!!!

" ...Não seja tão babaca, os cabelos de minha mãe e minha avó, brilham de melanina!!!"

Foi algo assim que Helena disse. Sim, podia ser. Ela disse que sua mãe e sua avó eram morenas.
Dona Hella e Ellen, eram morenas. Mas era um absurdo eu pensar naquilo, óbvio! Helena não
esconderia a própria família, ela não faria isso comigo, eu estava pirando ao pensar que Helena
estava envolvida com a história de minha família. Que bobagem! Helena nada tinha a ver com isso,
ela só tinha problemas, nunca me esconderia sua identidade, a filha daquela mulher se chamava
Catarina, já havia falecido, e pelo jeito era loira como o pai e a tia, e muito parecida com todos,
— exceto por uma cicatriz — eu vi as fotos no arquivo da federal. Helena me amava muito, nada
tinha a ver com isso, nunca mentiria para mim!

— Me conhece?

Eu pergunto e ela sorri me puxando para dentro com uma intimidade que eu não lhe ofereci, por
isso travo.

— Você está na TV. O delegado gato! Assisto suas coletivas!

— Ah! É uma das fãs!!!

Eu ironizo sem sorrir, e ela parece se entristecer por causa disso. Quase peço desculpas.

Olho ao redor e fito o ambiente. A sala mais clean do que a anterior, tinha o triplo do tamanho, e
a decoração era uma mistura de informações que casavam muito bem. Branco, bege, e marrom
predominavam. Tinha uma decoração moderna, mas ainda assim, muito campestre.
Era uma casa linda. Mesmo.

— Desculpe o jeito! É que tive uma impressão muito forte quando vi a senhora. Minha mulher é uma
cópia tua.

— Ah, é?! Tua mulher? É casado?

Ela sorri de novo e eu sinto meu rosto esquentar.

— Não ainda. Mas vamos logo, logo, tenho certeza disso! Ela ainda não sabe, mas vai se casar em
breve!

— Você parece amá-la tanto... — ela sorri, coloca a mão na face, e inclina a cabeça parecendo
estar "encantada comigo" — No que ela se parece comigo???
— Os olhos são bem parecidos, tipo, não a cor, mesmo porquê os olhos dela são de um azul muito
vivo, e também são cor de um, cor de outro, — risos — são dois tons de azul diferentes, e os da
senhora são um pouco mais escurecidos! Tem o queixo também, boca, o corpo principalmente, o
jeito que sorri... só o que muda de uma para a outra é que a senhora tem o cabelo preto e ela é
loira.

Eu falo e logo me recomponho. Ela parecia querer chorar emocionada, (???) e eu não entendia o
porquê daquele papo.

— Bom, senhora Ellen, eu vim para falar com seu marido. Ele está?

Ela pigarreia se recompondo e eu cutuco um dos cantos da boca. Faço isso não sei porquê. Aquela
mulher me deixava tão à vontade, que eu ficava desconcertado.

— Ele está no banho! Por isso eu quem atendi! Sente-se, por favor! — ela toca em meu ombro
quase me empurrando pro sofá e ignora meus companheiros, mas depois pede que todos se
sentem — Querem um café?! Um expresso??? Chá?!

— Eu aceito, sim!

Eu digo pensando no que Helena disse sobre ser mais receptivo, e ela sorri, só que demora para
se levantar, e só ficamos assim, sorrindo um para o outro, até ela se tocar que eu disse sim, e ir até
o lugar que eu achava que seria a cozinha.

— É impressão minha, ou a mulher tá caidinha pelo doutor?!

O agente que se chamava Marcos resmunga, e eu sinto vontade de enforcá-lo.

— Respeita a mulher! Tá maluco!?

— Ele tá certo, doutor. Ela tá agindo de forma estranha.

O outro fala e eu lanço meu melhor olhar pra ele, por isso logo se cala.
Que merda de caidinha?! Tá me tirando?!

— Doutor William! Já conheceu minha esposa...

O dito cujo desce as escadas como se fosse o rei, e entra na sala de cabeça erguida.
Entojado. Metido à galã de novela... sorrisinho irônico que... não. Esquece Helena.

— Boa tarde, Capitão. Sim! Pelo jeito que me tratou, parece até que me conhecia...

— Bobagem! Vai ver estava impressionada por estar frente à frente com o "delegado Gato"...
Ele ri e eu sinto meu lábio superior tremer de raiva. Porra de apelido que só diminuía meu
trabalho.
Ele fala como se eu fosse só isso, só um cara bonito. Babaca insolente!!!
O meu santo não foi com o santo do branquelo!

— Eu vim da casa de...

— Jon! Sim! Ele me ligou! Me avisou né, já que o doutor não tem muito o costume de fazer isso! Meu
pai que o diga!!!

Debochado.

— Gosto de fazer surpresas!

— Não. O que você quer é alguma espécie de flagrante. — ele sorri, mas depois fecha a cara —
Não matei meu amigo, não sei de seu paradeiro, e tudo o que meu pai e Jon lhe falaram, é a
verdade!

— A carta que...

— A carta de sua tia, é uma afronta! Ficou há anos em um reformatório para malucos psiquiátricos,
e ainda é levada à sério? Desculpe a ofensa, mas é uma pirada, e não trouxe verdades à tona.
Depois de anos, ela me vem com uma mentira deslavada dessa e faz com que o sobrinho dela
venha infernizar a minha família! Já acionei meu advogado assim que o doutor saiu da casa de
meu pai! Eu vou processar a sua família, e falir vocês! A não ser que vocês já sejam uns falidos, o
que eu suspeito...

Ele me ameaça de forma clara, e eu sorrio irônico por um momento.

Meu ódio veio à tona.

— Para começar, baixa a bola, capitão, baixa bem a bola!!! — eu falo e vejo a sombra de um
garoto espiando a conversa — Se voltar a ofender a minha tia, ou qualquer um de minha família,
tu vai sair daqui algemado e eu vou dar um jeito de nunca mais te soltar. Só não farei isso porque
teu filho está nos espiando, e sua mulher me tratou muito bem, como o teu pai, e eu respeito demais
mulheres, crianças, e idosos... vou relevar, mas na próxima, eu tiro ele dali, dou um soco nessa sua
boca, e prendo você por desacato, seu bosta! Quer medir forças comigo??? Tem certeza que quer
medir forças comigo???

Eu questiono e ele sorri, como se eu tivesse lhe elogiado. ELE SORRI.

— Com todo o respeito, doutor, não há nada que você possa fazer aqui, porque não vai pra casa
se acalmar???
Ele pergunta querendo me tirar do sério, e eu respiro fundo.

Se acalma que ele te quer maluco.

— Não. Prefiro esfregar o mandado nessa tua fuça debochada, botar essa mansão à baixo, e
fazer você engolir os próprios dentes! Até achar algum indício que prove que de louca minha tia
não tinha nada. Até eu conseguir provar o que eu já suspeito, só de olhar para essa tua cara
entojada, que você matou o Pedro com a ajuda de Laura, Jonatas, e até do seu pai!

Sorrio, mas ele não. Bingo.

— Por que foi isso. Você matou meu primo, não matou?! Aposto que, com um tiro na testa, como teu
pai matou covardemente meu tio. Talvez a maluca da minha tia estava enchendo o saco, ligando
para ele, mandando meu primo conseguir algumas provas... quem sabe?! Vocês descobriram que
meu primo tomou as dores pela mãe doente, se aproximou do amigo de infância só para conseguir
provas de que teu pai foi um covarde, de que meu tio nem armado estava, de que ele nem sabia o
que Felícia fazia... vai saber?! Eu não sei, mas você sabe! Por que não me conta? Faz tanto tempo,
confesse e eu facilito as coisas, consigo alguns anos à menos... minha mulher é bondosa, mandou eu
pegar leve, quem sabe eu não consiga uma cela toda especial para você? Seja homem, Coverick,
seja homem e pague por seus crimes!!! Matou ele, não matou???

Eu jogo um verde falando baixo para avaliar seu comportamento e ele ri, não, na verdade para
ser mais exato ele gargalha, e não responde minha pergunta.

— Comecem pelo andar de baixo!

Eu ignoro sua provocação, para não perder meu cargo suado por causa de assassinato e ele se
senta no sofá.

— E apesar de tudo, ainda é casado com uma mulher cheia de bom senso?! Por que não segue o
conselho dela e pegue leve?

— Cala a boca, babaca! Cale a boca ou calo pra você!!!

Eu resmungo baixo, perdendo a linha ao ler um SMS de Manuela, e a minha sogra imaginária volta
com sua bandeja de café.

— Amor, acredita que o doutor disse que sou parecida com a namorada dele???

Ela questiona rindo e eu não entendo. O folgado só concorda com a cabeça e sorri para a mulher.
Helena realmente não estava envolvida, se aquele cara fosse meu sogro, eu metia uma bala na
minha própria têmpora.

— A senhora entende o porquê eu estou aqui, dona Ellen???


— Entendo! Sei que é seu trabalho. Mas minha família nunca mataria uma mosca sem precisar. Teu
tio odiava meu sogro, que é todo coração, e meu marido ama Pedro! Sente sua falta! — ela
estende meu café e eu só pego para não deixá-la no "vácuo" — Sei que você vai descobrir que
eles são inocentes!
E apesar dessa carranca dele, ele é um homem de bom coração, ele é muito bom, e também
entende que você só está fazendo seu trabalho. E apesar de tudo, você está cuidando de sua
família, isso é o que a gente faz, é o que meu sogro fez, e nem por isso vou te maltratar, fui com
tua cara. Meu marido não matou teu primo!

Ela fala, e como Max, também parece muitas vezes confusa, porém convicta.

— A senhora é tão gentil. Como suporta?

Aponto com a cabeça para o mala, e quando ele ri eu entendo o que fazia.

— Ele é um amor! Você entrou aqui insinuando que ele matou o próprio melhor amigo, o que você
queria?

Ela parece me repreender e eu bufo.

— Pois faça ele parar com esses sorrisinhos irônicos ou sairá daqui direto pra prisão! Para sempre!
Se matou ou não o Pedro, vai em cana do mesmo jeito!

Eu digo, ambos sorriem, e eu viro as costas para dar uma boa olhada no andar de cima. Nem pedi
licença, minha lincença era o mandado que eu queria fazer o galã engolir.

— Procurando algo?

Dom, seu filho mais novo, me aborda no corredor, e só pelo jeito de falar eu sabia que era um mini
mala.

— Culpa.

— Meu pai é inocente!

— Prove!

Resmungo, entro no primeiro quarto, e ele vem atrás de mim!

— Não pode entrar aqui, esse é o quarto da minha irmã! Ela faleceu! Você não tem dignidade
nenhuma?

— Diz aí, como ela faleceu?


Eu já sabia que foi de ataque fulminante, vi o histórico médico. Só perguntei para saber o que ele
diria.

— Não é da sua conta, cachorro!!!

Ele grita, dou risada, e o casal entra no quarto bem na hora.

— Vai pro teu quarto, Dom!!! Agora!!!

Senhora Ellen chama sua atenção e eu digo 'não' com a cabeça.

— Está tudo bem. Acho que ele está bravo porque, além de "querer" prender o pai dele, eu tô
entrando aqui sem ser convidado.

Eu falo, o menino resmunga, vai embora, e ela tenta me pedir desculpas. Ignoro.

O quarto era um quarto de princesa. Tinha um minilustre, móveis brancos provençais, barbies nas
caixas em prateleiras como Helena tinha, um computador rosa, tudo bem "de novela", mas algo
faltava.

Fotografias.

— Cadê as fotos? Catarina não tirava fotos?

Eu questiono e senhora Ellen sai do quarto, parecia abalada. Se recusava a falar daquilo.

— Queimamos tudo. Foi uma atitude extrema, mas foi o que nos tirou do fundo do poço.

O mala diz, sustenta meu olhar questionador, e eu vejo um sofrimento genuíno nele. Sim, ele sofria.

Decido não mais falar no assunto em respeito a sua dor, e volto a olhar em tudo.
Abro os armários, encontro algumas roupas infantis, e um cheiro muito familiar. Tinha bem pouca
roupa, tudo quase rosa, mas muito cheirosa e bem cuidada.

— Cadê tua identificação da FAB?

Pergunto já na sala, quando via os agentes carregando os computadores da casa. O próximo


passo era conseguir grampear os telefones de ambos, já que não encontrei nada suspeito, nem na
casa de um ou na casa de outro. Eu só vivia de suspeitas, e "achismos" e estava cansando.

— Estou ficando velho e cheio de toques. Só uso na FAB. Ela pesa demais, já é um peso que não
quero carregar!

— Seu trabalho é um fardo?


— Essas perguntas têm algo a ver com o suposto assassinato que cometi?

— Todas as minhas perguntas contam! Estou te avaliando desde quando entrei aqui!

— Não. Meu trabalho não é um fardo. Minha identificação é! No calor que tá fazendo, fico todo
alérgico! A corrente me deixa com a pele toda irritada. Acabou?

Ignoro e olho pra sua esposa.

— Nasceu e cresceu em Barbacena, certo? Sempre esteve lá?! Tem amigos lá? Família ainda???

— Sim! Tudo lá!

— Já viu meu primo e seu marido brigando? Discutindo???

— Várias vezes! Na maioria das vezes quando ele dava em cima de mim, dizia que ia me levar
para dançar um sertanejo... — ela ri — Mas era bobagem, brincadeira. Pedro adorava provocá-
lo porque ele era ciumento, mas os dois se entendiam muito bem. Eram amigos. Aliás, ele me
lembramuito você.

— É? Por que?

— Você me parece ser bem engraçado.

— Como sabe disso? Por que diz isso?

— Por que tô vendo! Ou você acha que é só quando dá risada?! Seu jeito é engraçado.

— Entendi. Mas eu não sou nenhum pouco engraçado.

Eu olho sério pra ela, e ela fica sem graça de novo.


A esposa do mala me dava informações sem nem saber.
Eu era sim, engraçado, mas não no trabalho. Não havia feito graça lá, que papo era aquele???

— Quem te disse que sou engraçado, senhora Ellen? Responda minha pergunta!

Pergunto demonstrando que não ia esquecer aquilo e ela se mexe nervosa.

— Você não consegue pegar leve um minuto? Desde que entrou aqui não paro de rir, você é
engraçado, aceita. Não tem nenhum mistério nisso, nenhuma trama, você é engraçado até quando
não quer. Ninguém disse, tá nítido, e meus pais já falaram isso. Sinto muito pela tua tia, pelo teu tio
nem tanto devo dizer, e sinto mais ainda pelo meu amigo, mas aqui tu não vai encontrar nada. Meu
pai matou teu tio por legítima defesa, aonde o tiro acertou, pouco importa! Ele não fez sorrindo,
não ficou feliz, ele não queria, Felícia era sua melhor amiga! Os dois buscaram a sua sorte!
— Eu sou a lei aqui, e a lei não faz afago em arrependido, ou entristecido. Tudo importa. Cada
detalhe importa. E eu vou até o fim nesse caso, não em memória de minha tia, não pelo meu primo,
que eu nem sei se está vivo ou morto, nem cheguei a conhecê-lo, não para me vingar do teu pai, e
nem para foder com sua vida, só porque não fui nenhum pouco com essa tua cara feia, mas pela
justiça. A carta é um fato, ela existe, e se seu pai for inocente, é mais um peso que eu tiro das
costas dele, será bom, para ele e para meus pais, e se você for inocente, será bom também.

Vou trazer o meu caso a público, quem sabe o Pedro não volta?! Tudo se esclarece?! Chegar com a
notícia em casa de que Max Coverick é inocente, me trará uma montanha de felicidades, primeiro
na casa de meus pais, que vão descobrir a verdade e que ambos não foram mortos gratuitamente,
e depois na minha casa, porque minha mulher ouviu o áudio e disse que tinha certeza de que ele
falava a verdade, e que por ela eu deveria vir como o sobrinho e não como o policial, e pegar
leve, é uma família que já sofreu muito e que parece muito convicta. Quero confiar no coração bom
dela, e quero chegar e dizer que ela estava certa e que o caso está encerrado. Eu aposto que ela
vai amar. Agora, se vocês mataram o meu primo, como minha tia disse em detalhes na carta, e com
requintes de crueldade, será o contrário. Minha mãe vai ficar péssima, porque decidiu interná-la
por ficar pressionando a mesma tecla, parecendo maluca quando ninguém acreditou nela, e minha
mulher nunca mais vai ouvir a própria intuição, e o coração. Vai parar de acreditar nas pessoas, e
ela não pode fazer isso, é bem durona, mas é a mulher mais doce, amável, e bondosa que já
conheci. Eu prometo que eu vou descobrir a verdade, e prometo a vocês que a justiça será feita,
doa a quem doer. Como eu disse a seu pai, eu digo a você: discordo da forma como meu tio
faleceu, e quanto a isso nada poderei fazer, mas eu espero com todas as forças que Pedro esteja
vivo em algum lugar, ou que tenha morrido de causas naturais, ou não por vocês. De qualquer
forma, em quaisquer circunstâncias, farei o meu trabalho e punirei os responsáveis, pode até ser o
papa, a minha lei é a lei dos homens! Passar bem! — eu falo e respiro pesado — Obrigado pelo
café!

Eu falo desabafando, sorrio sem vontade para a "miss simpatia", e saio de lá sem olhar para trás.
Eu só sabia que já tava morto de saudade de Helena, e que ela 'que se vire', mas ia encarnar uma
massoterapeuta! Não me importava como!

O que mais me matava era ter a ligeira impressão de que: Meu primo foi morto pelas mãos
daquele maluco com o rei na barriga e olhar superior.
Ele não gostava nem um pouco do meu primo, não se arrependia de nada, e sair de lá sem levá-lo
comigo algemado, foi um calvário.

Eu me odiava por saber disso e não poder fazer nada porque não tinha provas. Não ainda.

— Oi.
— Oi, Barbara! Tudo bem?
— O que você precisa? Sei que se tá me ligando é porque não tem escolha.
— Perdão, Barbara. Me perdoe! Mas eu preciso de você! Quer dizer... Preciso da Barbara
advogada!
— (...) O que houve, William? Achei que o "Por favor se afaste de mim..." incluía minha profissão
também.
— Você é a melhor advogada criminalista do país, preciso de sua opinião. Tenho um áudio, quero
que escute. Tô indo para delegacia, preciso que escute... por favor!
— Não sou a melhor, a melhor se chama Flávia Chaves, mas contratá-la vale uma pequena fortuna! Eu
vou ver como está minha agenda e passo lá! Talvez! Não estou garantindo.

Ela diz chateada e desliga.


Eu sabia que ela iria para lá só porque sabia que eu estava nervoso e que era importante, mas
fazê-la sofrer me dava enjoo.
Daria tudo para nem vê-la. Quando eu contar pra Helena, ela vai pirar... ou não vai, não sei!
Talvez queira me deixar no sofá de novo e eu vou acabar fodendo aquela porta na bala!

— Bom, eu não posso falar como a advogada e especialista só me baseando no áudio, porque eu
perco até minha credibilidade. Para mim está claro que o capitão tem mais convicção e certeza de
seu depoimento que o filho, só que o problema, é que os dois contam a mesma história. Você sabe
como o conjunto de depoimentos é analisado, é nos baseando nisso que a gente faz as mesmas
perguntas, sobre a mesma coisa, para diferentes pessoas. Buscamos divergências de fatos e
opiniões. Tay Coverick mente em algo, para mim está claro, mas eu não poderia usar isso em
tribunal.

Barbara estava sentada em meu sofá de cara amarrada, e pernas e braços cruzados, enquanto
Manuela estava longe em pensamentos.

— E nem vai! Não vai defendê-lo.

— Não. A não ser que ele me contrate, o que eu acho difícil. Trabalho é trabalho, mas eles já
devem ter advogados a disposição. Vou até verificar quem são para analisar o que te espera. E
aliás, se eu fosse defender alguém ali, seria o chefe administrativo, enfim... culpado ou não, Tay
Coverick sabe do paradeiro de Tiago, e é nisso que você tem que se apegar por enquanto. Use o
que puder. Rastreadores, escutas telefônicas, quebra de sigilo bancário... tudo! Mas como é óbvio
que você sabe que para conseguir isso do juiz, você precisa ter pelo menos um fato concreto,
continue seu trabalho... nós dois sabemos que se tu não desistir, tu vai achar.

— Sobre o que o doutor falou, de expor o caso, eu concordo! Alguém com certeza vai te procurar,
e o que acontecer a seguir é um indício de que você está no caminho certo. E sabemos que algo
vai acontecer!

Manuela diz e eu afirmo.

— Bom... Eu vou indo!


Barbara se levanta, e eu fico chateado comigo mesmo.

— Espere um minuto. — eu olho para Manuela e ela sai, imediatamente — Vamos conversar...

— Eu não tenho nada para falar com você. Pensei que tinha ficado claro. Tu me disse um monte de
coisas legais, mesmo terminando comigo, disse que nunca me abandonaria nessa cidade imensa
sozinha, e agora eu vivo de migalhas dos outros, de uma atenção toda cheia de expectativas de
um jovem basicamente adolescente que era meu cunhado, e mais nada. Não estou em condições de
conversar, William, eu queria esquecer que você existe.

— Eu entendo. Só queria que você entendesse meu lado também. Eu amo Helena, muito. Tô muito
feliz, te dói me ver feliz???

— Não. O problema não é tu ser feliz, eu faria qualquer coisa para te ver feliz, inclusive o que
estava fazendo, te deixar ir, te deixar em paz para ficar com a lora aguada, mas... — ela para
para pensar e nega com a cabeça ao sorrir irônica — Você ter me pedido para nunca mais te
procurar porque ela "não me queria por perto" foi o cúmulo. Descobri recentemente que nem amor
de verdade eu despertei em você, e agora nem amizade? Cumplicidade, companheirismo, carinho...
nada!!! Não valho nada para você! Eu... eu só não entendo onde fui tão escrota ao ponto de sair
dessa relação assim, eu deveria processar você! Me vingar! Nossa relação, pela lei, é considerada
casamento legítimo, sabe disso, eu devia deixar você falir por causa de pensão, danos morais, mas
sei lá. Eu não tenho nem forças para te fazer mal, para tu sentir pelo menos o mínimo da dor que
eu tô sentindo. Quando chego em casa, eu morro aos poucos, eu me sinto horrível! Tu acabou
comigo, com minha autoestima, com tudo! Tu acabou com tudo. E eu ainda... tô aqui!

— Pra ela, tu "é ex"! Pra atual nenhuma existe amizade entre ex! Eu a amo, e pra ficar com ela
não posso ser seu amigo, e a última coisa que eu quero é ela longe de mim! Eu não posso ficar um
dia longe dela!

— Eu entendo, é um relacionamento novo, o auge do romance, já passamos por essa fase, é uma
delícia! Entendo mesmo. Pois então, não me procura mais! O que tá fazendo, me chamando aqui?!?!?
Não me ligue mais! Quer me torturar? Quer me esfregar tua felicidade para me ver pior??? Isso é
maldade pura! Achei que tu nunca seria capaz de algo do tipo com ninguém! É muita maldade!
Fica com ela e não me procura, William! Mesmo porquê essa garota toda problemática tem culpa
no cartório, e quando ela foder com tua vida, e massacrar teu coração, eu não quero estar aqui
para ver. Nosso relacionamento durou tanto porque a gente era cúmplices, parceiros, amigos, não
tínhamos um pingo de segredos, e até de suas puladas de cercas eu fui conivente, te aceitava de
volta, te perdoava. — ela chora e eu lamento — Mas, e ela? O que que tu tem com ela? Tu nem a
conhece, a mulher mentiu o próprio nome, desde que entrou na tua vida tudo deu errado para
você. Me inclua fora dessa! Quer ficar com ela, fique, mas me esqueça, e não diga que eu, tua
mãe, ou Manuela não te avisamos. Seja lá quem essa garota for, Helena, Lis, Laila, Catarina, não
importa, o que importa é que ela é roubada.

— Com relação a isso é que tu não tem credibilidade. Está se baseando na raiva por me ver com
ela! A gente se ama! Tenta entender.

— Você ama uma garota que conheceu a algumas semanas atrás. Ela não te ama, só quer algo de
você, e como sabemos que grana ela tem aos montes, até distribui para criancinhas carentes,
aposto que não é nos vinte mil que você ganha por mês que ela tá de olho. Tu é bacana, desejado,
gato, inteligente, mas perto dela tu é um pé-rapado. Homens bacanas devem se rastejar aos pés
dela, o que ela quer de ti, é informação. Tá te iludindo!

Ela afirma quase implorando para eu acreditar.

— Eu disse que daria qualquer informação a ela quando discutimos sobre o porquê era tão
misteriosa, era só ela perguntar, eu diria qualquer coisa. Mas ela se negou, e continua comigo. Não
sou bobo, sei quando uma mulher me ama! Sei reconhecer. Helena está comigo porque me ama.
Talvez no começo não amava, me odiava, mas agora ama, e não quer me deixar!

— Para início de conversa, chega a ser cômico e lamentável, um federal com excelência ser
enganado por uma franguinha, tu é ótimo em notar detalhes que ninguém normalmente notaria,
mas quando se fala em Helena, fica cego, um paspalho. Mas é mesmo, William?! Qual a diferença
entre ela, entre mim, Manuela que baba por você e o mundo inteiro já notou, e minha prima?!
Consegue dizer a diferença em voz alta, William? Ou tu acha que você é o galã das nove
arrebatador de corações, e que realmente todas nós amamos você?!

Sorrio sem querer.

— Você me ama, mas ainda não sabe que uma boa parte desse amor virou costume, é só medo de
ficar sozinha depois de tantos anos comigo. É esperado depois de tanto tempo casada, se
entregando a um homem só. É esperado e supernormal, dói e vai doer por muito tempo, vou te
fazer falta, mas-vai-passar! Tu vai dar a volta por cima e será feliz a ponto de notar que perdeu
tempo comigo, que eu nunca fui bom o suficiente pra você, e que eu só conseguia te trair na maior
cara de pau, porque eu nunca amei você de verdade! Sua prima não conta, ela só me quer
porque fui teu. Ela quer tudo o que você tem, deseja ser tudo o que você é. Não é nem amor, nem
paixão ou tesão, é inveja! Manuela só quer me ver nu, coisa que nunca vai acontecer.

Já Helena me ama como eu a amo. Tem reciprocidade, tem afinidade, tem companheirismo, paixão,
e tem brigas, ciúmes, bobagem, e até segredos...tudo o que um relacionamento de verdade precisa
ter, para ser de verdade, e não como os contos da Disney. Serei feliz, vou me casar, vou formar
família, e ela será a última mulher da minha vida. — eu confesso e Barbara mais uma vez chora
de cortar o coração — Não foi fácil dizer aquelas coisas para você, gosto de você, tenho um
enorme respeito pela tua pessoa e um carinho gigante, mas meu amor por ela não pode ser
medido, ou comparado. Nossa história acabou e Helena tem bom senso. Eu preciso respeitá-la, me
manter distante de ti, e andar na linha porque já não sou nada sem ela. Eu faço qualquer coisa,
Bah, para não perdê-la e se isso inclui deixar você de vez, vou deixar. Só não me odeie por estar
tão feliz, isso é também muito cruel!
Perdão por te chamar aqui, isso nunca mais vai se repetir!
— Amém! — ela chora — Agora eu só tenho uma dúvida. Ela já sabe como você gosta de tratar
as mulheres?! Já sabe como você gosta de "fazer amor"? — ela faz aspas com os dedos — Por
que eu gostava e aceitava, será que ela vai gostar? Ela não me parece o tipo de mulher que
aceita esse tipo coisa, levar na cara, ser tratada de forma extremamente agressiva e viver com
hematomas, esse teu jeito arcaico não é para qualquer uma!

— Eu continuo do mesmo jeito, e até agora ela não reclamou um 'A', ao contrário de você. No dia
seguinte estava com maquiagem pelo corpo e um sorriso enorme. Ela até se cobriu, achando que
vê-la machucada me faria sofrer! Eu não, mas Helena é uma mulher incrível!!! Estou melhorando e
me policiando! Eu nunca na minha vida vou machucá-la!

Eu digo com os olhos ardendo em agonia, e ela vai embora sem dizer nada. Agonia no dicionário
também significa a melodia do sino que anuncia a morte de alguém, e ali, eu havia morrido pra
Barbara. Tive certeza.

Só não contei que aquilo era meio verdade. Nossas relações eram bem animadas e "selvagens",
como eu gostava, mas nem chegava perto do que costumava fazer com Barbara.
Barbara apanhava mesmo!!! Eu metia e batia ao mesmo tempo, e ela só sorria. Tapas na cara, nos
seios, em sua intimidade, puxões de cabelo... era comum ela acordar com o corpo roxo vez ou
outra, mas nem por isso menos feliz. Só que eu sabia que aquilo era doentio, era horrível, e era
estranho, mas mudei. Bater nela me dava prazer no sexo, mas mudei. Helena me fez mudar quase
que instantaneamente, e no que depender de mim, ela nunca ficaria sabendo disso. Eu tinha
vergonha!

Estaciono em casa após deixar a delegacia e carrego os documentos do caso de tráfico de


pessoas. Eu não aguentava mais estar ali, eu estava muito aflito e agoniado por causa do dia
tenso demais, e só minha pequena podia me ajudar. Só Helena era capaz de me acalmar, e me
deixar melhor.

Decido me segurar e ir direto para o apartamento, o que me proporciona uma grande surpresa.
Meu apartamento estava todo luxuosamente mobiliado. Parecia que eu estava participando
daqueles programas de "reforme sua casa conosco", que tem em programas de TV.
As cores predominantes eram o preto e o branco, tudo harmonioso, mas com um toque forte de
masculinidade.

Saio do apartamento para olhar o número e constato, era mesmo meu apê.

— Deuses!

Resmungo olhando em volta e analiso tudo.


Tapete preto bem fofo, a mesa de centro toda de vidro parecia um espelho, a TV não era a minha
TV, era uma tela plana igual a de Helena, com um milhão de polegadas que pegava a parede
toda, ao invés de quadros na parede do novo sofá preto luxuoso, tinha a estrela enorme da logo
da PF, mas sem cor, em acrílico, transparente, e sem detalhes. Eu só sabia porque, enfim, eu
conhecia, mas para leigos seria uma estrela e acabou. Não era chamativa, era um detalhe a mais
que parecia ter sido feita exatamente para mim, e o pior: não era o item decorativo mais bonito
do lugar.

Quando parei pra avaliar tudo, com mais calma, notei que o enfeite na mesa de centro era um
"peso de papel" da Deusa Têmis, a divindade grega representada pela justiça. Vendada, com a
balança em uma mão, a espada na outra, o belo corpo, e toda em bronze. Era a peça mais linda
que eu tinha visto, e ali meu amor pela história da arte falava alto, juntamente com meu amor por
minha profissão.

TV, sofá, armário, cortinas grossas, telefone, DVD, o último videogame que saiu, e que faria Tiago
infartar, enfim, tudo do bom e do melhor.
E a cozinha estava igual, completa, clean, moderna, e masculina, igual o quarto.
Cama box, colchas grossas, aparelhos eletrônicos, outra TV enorme, um armário preto bem bonito,
mesmo porquê, era suíte, mas não tinha closet; Abajures, tudo... tudo luxuoso, e me recuso a falar
do banheiro e da banheira enorme. Me recuso.

Helena havia surtado real!

Saio do quarto, entro no quarto que seria de Tiago, e encontro o mané jogando um videogame
novo!

— Se eu quisesse te matar, tinha matado!

Falo e ele pula. Tava de costas, com fone, e óculos de realidade virtual.

— Porra!!! Tá doidão?!

— Tá desligado, já falei contigo sobre isso!!!

— Tu falou que o prédio é seguro!

Ele se levanta e me abraça, mesmo bravo.

— E é! É sim! Mas nunca durma com os dois olhos fechados. Teu irmão se mete em uma "roubada"
todo dia! Tem que se cuidar! O que está acontecendo aqui?! De quem é isso tudo!

Ele sorri e seus olhos brilham de empolgação.

— Helena! Ela cuidou de tudo! — ele bate no meu ombro — Acredita que ela não deixou a
empresa de umas garotas, que organiza tudo, mexer nas tuas roupas?! Ela é muito pirada, man! Ela
arrumou tudo sozinha em quinze minutos, e trancou o quarto para as garotas nem entrarem!
Quando eu perguntei o porquê, ela disse que não as conheciam, não sabia da energia delas, da
onde elas vinham... e que fazer isso te protegia de mau-agouro, mas também de rabo-de-saia!!!
Ele gargalha e eu respiro fundo.

— Helena pirou!

— Eu avisei que tu não ia curtir.

— Está tudo muito lindo! Se fosse depender de mim, a gente não teria nada nesse estilo, nesse
cacife, eu amei! Mas ela não pode sair me comprando as coisas assim!!! Ela disse para eu ficar
tranquilo que cuidaria de tudo, mas deixar o apê com cara de novela, não é cuidar, é extrapolar.

— Se tu fizer ela devolver, ela vai pirar! Disse que corta teu pau fora!

— Aham! Aí ela vai brincar com o quê?! Onde ela vai mamar?

Pergunto mais pra mim mesmo, e quase não noto que falei aquilo em voz alta, e ele ri!

— Cadê a maluca?

— Tá na casa dela!

— Tu veio que horas pra cá?

— Acho que assim que tu saiu! Barbara me trouxe, ela estava arrumando a mesa do café, mas
voltou a arrumar tudo pra mim comer.

Ele sorri ao falar do cuidado dela.

— Ela te trata bem?

— Super! Não é muito de sorrisos, como fica contigo, toda simpática, mas não se desfaz de mim,
não. Ela é boa pessoa, brother!

— Eu sei. — sorrio — Ela falou de mim? Vocês conversaram?

— Ela é muito na dela. Discreta demais! Não é como a Bah, que me alugava para falar de tu, mas
se tu tá com dúvidas, saiba: a gata te ama demais! Demonstra com gestos, não com um monte de
palavras e declarações, mas é claro para quem quiser ver! Ela é extremamente apaixonada,
apegada, e tá muito na sua!

Sorrio e ele ri.

— Por que está fardado? Teve operação?

Ele senta em sua cama, só um pouco menor que a minha, e eu afirmo.


— Teve! Fui ver os Coverick's. Depois te conto tudo! Vou lá dar uma lição na gastadeira abusada,
tomar um banho e pedir uma pizza.

— Ela fez a janta! — Oi? — Bom, ela suspeitava que você viria primeiro aqui, então deixou tudo
organizado. Mesmo se ela tivesse que te trazer para ver tudo depois, já ia estar tudo arrumado.

— Acho que estou sonhando...

Fico embasbacado, e ele ri pegando os óculos do tapete. O quarto dele era uma cópia do meu, só
que, na parede tinha um quadro, que eu suspeitava que ele havia pintado no dia em que ficou com
ela, porque aquele 'olho imenso e cheio de detalhes secundários em aquarela', era o olhar da
Barbara.

Entro no apartamento sem bater e o encontro vazio. Nada na cozinha, sala ou banheiro.
Quando entro no quarto, já mal iluminado, vejo que estava deitada. Eram nove da noite e ela já
dormia. Devia estar exausta de tanto trabalhar lá em casa.

Me aproximo, me ajoelho do lado de teu corpo, e após um beijo de leve, ela acorda.
Eu não queria acordá-la, mas também queria muito um dengo.

— Boa noite!

Eu falo, ela se senta com preguiça, e acende a luz do quarto todo.

— Boa noite! Se não está gritando, é porque gostou da surpresa...

Ela se afasta me dando espaço, e eu me sento ao seu lado.

— Eu amei. Está tudo lindo! Mas não faz sentido tu gastar dinheiro com meu apartamento.

— Pelo tamanho do teu antigo apartamento, não ia dar muito certo remontá-lo nesse. É muito
grande, ia ficar horrível, os móveis são minúsculos! Você ia ter que comprar tudo de novo, de
qualquer jeito! Fiz uma boa ação e doei os seus para a casa da tia May!

Ela sorri, mas eu não. Só pra trolar.

— Além de decorar o meu sem minha autorização, distribui todas as minhas coisas sem me
consultar!

Eu falo e ela fica triste.

— Desculpa.

— Vai ter que pegar tudo de volta, e devolver meu APÊ vazio!
— Então eu nunca vou dormir lá com você! Aquela tua cama, é horrível!

Ela cruza os braços emburrada e eu sorrio.

— Deixe como está! Amei tua decoração!

Faço ela rir, e ganho um abraço.

— Como foi teu dia?

— Horrível! E o teu?

— Trabalhei demais! Fui até tia May, fiquei um tempo lá, e quando o síndico me ligou para avisar
da entrega dos móveis, eu voltei! Mas por que o teu foi horrível? Fez o que me prometeu? Pegou
leve?

— Sim!

— Então por que está até fardado???

Ela levanta uma sobrancelha e eu dou risada.

— É obrigatório para o caso de busca e apreensão! É o padrão. Eu preciso de provas, então ia


pegar todos os aparelhos eletrônicos das casas. Mas fui na paz, foram eles que não me
receberam com uma bandeira branca! Por diversas vezes se enquadraram em desacato e eu
deixei passar. Me desrespeitaram o tempo todo neném, mas por você eu abstraí.

— Eles fizeram isso?! — ela parece inconformada.

— Sim. Fui ver Jonatas e o filho do Max. Tay Coverick!

Eu falo e ela fica tensa.

— Achei que seria uma visita por vez! Como foi?

— Me trataram com muita rispidez, ironia e deboche! Os dois! Mas foi fácil aturar o chefe
administrativo da FAB, o foda foi engolir o capitão júnior, e sair de lá sem levá-lo algemado!

— Por que você faria isso, amor?

Helena estava nervosa.

— Porque tu tá errada, meu neném, eles são culpados, vida! — ela se ajeita no travesseiro — Tay
matou meu primo, mesmo! Tenho certeza, só não posso provar ainda!
— O que te fez pensar isso?

— Não sei explicar! Só sei! Nunca erro!


O cara é um babaca escroto! Mal-educado, irônico, debochado, ofensivo! Me chamou de palhaço,
chamou minha tia de maluca, ameaçou me deixar falido devido a um processo por importunar a
família dele, enfim, agora mais do que nunca, não vejo a hora de deixar o cara mofar na cadeia.

— Vai prejudicar o cara por que não foi com a cara dele?

— Não. Não ter gostado dele foi um detalhe. O cara tá nadando em culpa! Até o filho dele é um
mini porre! Só quem se salva é a mulher dele! É grosseiro, agressivo e cheio de sorrisos! É como o
pai, pensa em uma coisa e transmite outra. A mulher é uma graça, ele é um escroto!

Eu falo e ela ri.

— Gostou da mulher do cara!!!

— Ela me tratou como se eu fosse da família, foi educada, assim como a Hella, esposa do Max!
Parecia até que me conhecia! É um amor de pessoa, nem sei como é casada com aquele cara!

Ela me olha embasbacada e eu não entendo.

— Tudo bem!

— Ela é tua cara! Ela, o menino Dom, a Ana Luisa, filha do Max... são idênticos a você! Dona Ellen
tem teu corpo! Quase caí para trás quando vi a Ana Luisa descendo as escadas! São cópias suas!!!

— Não começa com isso, não os conheço!

— Que ótimo! — zombo — Por que se aquele cara fosse meu sogro, eu me matava!!!

Ela ri de novo!

— Achou a mulher bonita?

— Ela é linda! Muito linda mesmo! Parece que pegaram teu corpo e jogaram uma peruca preta, é
toda você, linda igual! Só que o mais engraçado é que, senti que ela supria por mim um sentimento
quase maternal! E a recíproca foi verdadeira! Não olhei pra ela com olhos de "homem para uma
mulher bonita", ela podia muito bem ser minha tia, minha mãe nem tanto, mas minha sogra,
madrinha, sei lá... alguém da minha família!!!

— Entendi! — ela me olha parecendo pensativa — Mudando de assunto, e a prefeita?!

— Conversei sobre isso rapidamente com Manuela, focamos mais nessa minha visita! Precisava de
opiniões! O assassinato dela está sendo investigado pela civil, primeira DP! E agora também tem
um caso recente de tráfico humano! Hoje foi um dia muito agitado! Precisava até de uma
massagem, mas como está cansadinha, vou te deixar dormir!

— Não. Eu tô dormindo desde as seis, quase sete. Tô descansada! Já jantou? Eu te deixei comida
pronta lá! Vamos lá que eu esquento para ti!

Ela fala já levantando e eu sorrio! Queria engolir a criatura de tanto amor que eu sentia.

— Comi uma porção enorme de tuas frutas secas, estavam uma delícia! Eu amei! Manuela também!
— dou risada e ela me enche de tapas — Para!!! Ela não me deseja, bobagem tua implicar com
ela!

— Não quero saber dela!

Eu a abraço e ela se acalma!


Ciumentinha.

— Na próxima faço com chumbinho! Bobo será você, se comer!!!

Ela rosna e se veste para descer comigo!

— Em falar em matar as mulheres que me amam, eu preciso te contar uma coisa! — eu falo e ela
me olha torto. Logo se senta na cama, já parecendo nervosa — Saí da casa do herdeiro muito
nervoso, eu... eu te disse, tenho certeza que ele realmente matou meu primo. Também gravei o
papo, e fui direto para delegacia...

— Não enrola...

— ...Eu liguei pra Barbara.

Eu falo e ela abaixa a cabeça resmungando que sabia.

— Amor, eu precisava de opiniões, ela é advogada criminalista, me ajudou muito! Ela e Manuela
concordaram comigo, o cara está cheio de culpa, tiveram a mesma impressão...
Eu só queria falar a respeito do áudio, eu tô andando em círculos, preciso de uma prova para
conseguir chegar mais perto... — eu falava e ela fazia um silêncio profundo, aquilo me assustava,
preferia que botasse fogo em tudo e me batesse, mas não, ela só continuava fitando os pés
descalços, e nada dizia, nem me olhava nos olhos — neném, olha para mim.

— Eu não acho que você queira ela, se quisesse não estava comigo, podia muito bem ficar com
ela! Não fico assim por me sentir ameaçada, medo do que ela sente ainda por você, mesmo
porque sou mais eu. O problema é que se fosse por você, tu não se afastaria dela, só se afastou
porque eu pedi! Tu precisa dela, gosta dela, considera ela, e isso me mata! Tô competindo com
algumas semanas, contra anos de relacionamento, e eu vou perder. Essa mulher já dormiu contigo,
já viveu uma história, criou raízes, teve uma vida ao teu lado, e eu só tenho uma história de trinta
segundos para contar.

— Tu compete contra anos que não significaram nada para mim. Já vivemos muitos momentos
especiais, neném! Eu te amei profundamente até antes disso.

— Isso é o que vai dizer pra tua próxima namorada: "Não significou nada pra mim!" A anterior
nunca significa! Tu me pegou despreparada, mas já vivi o bastante pra saber como funciona a
cabeça de um homem! Vocês se gostam, querem manter contato, Tiago ama, acho que até demais a
garota, e tua mãe a prefere. A mulher combina com você, te conhece melhor do que eu, tem o
apoio da tua família, e é seu contato favorito em uma emergência ou situação difícil! — enquanto
fala seus olhos se enchem de lágrimas e aquilo acaba comigo —Tu me ama, mas é para ela que tu
liga quando precisa de ajuda. Aliás, acho que não é bem amor o que você sente, de verdade, e
não é de hoje que eu venho pensando nisso! Ela me chama de loira-aguada, me olha e me trata
como se fosse um absurdo tu estar namorando uma loira, me olha com nojo, vai ver "sabe" que teu
negócio nunca foi loira patricinha, tua mãe acha que ela sim, está no seu nível, acho que estão
corretas.

Eu já não disse?! Sou teu fetiche. Loira de classe média alta, uma aventura, um desafio... você gosta
de desafios, William, gosta de se testar. Vivia pulando a cerca e voltando pra ela, não vai
demorar até voltar novamente. Gosta de mim, eu vejo, mas paixão e desejos carnais não se
compara à cumplicidade que vocês têm!

Ela fala um absurdo atrás do outro, e meu desespero cresce à medida que suas palavras me
atingem.

— Eu não entendo como uma boquinha tão gostosa, consegue falar tanta merda!!!

Digo baixo me controlando e ela me olha com raiva, mas não caio na pilha.

— Se por um momento, passou pela tua cabeça que tudo o que a gente já viveu é pouco ou nada,
perto do tempo que passei com Barbara, então eu é que sou o iludido aqui. — eu me apoio com o
joelho esquerdo no carpete para poder olhar em seus olhos — Porque se tem uma coisa que eu
tenho certeza nessa minha vida fodida, é que o que eu sinto por você desde a primeira vez que eu
te vi, ainda nem tem nome. — falo com certa lentidão para ver se a bruta entende — O que sinto
e sentia por Barbara não chega nem perto do que sinto por você. É no mínimo medíocre. Agora se
você não sente isso, não consegue enxergar isso quando a gente faz amor, ou quando eu olho nos
teus olhos, o problema não está em mim, não está em Barbara, e muito menos em minha família!
Está em você!!! Eu nunca mais vou voltar a me explicar para tentar enfiar isso na sua cabeça. Esse
tipo de coisa a gente tem que sentir com o coração, não na base da brutalidade. Talvez tu dê
essas crises porque falo pouco, o que eu não acredito, mas ainda assim, quero mesmo é que tu
veja, sinta esse amor absurdo durante nosso dia-a-dia, e não ficar ouvindo todos os dias, pra
poder enfim, acreditar. Eu fiz questão de te contar para que tu não ficasse sabendo por outra
forma, mas ser honesto só me fode! Se eu fosse desonesto estava bem servido nessa vida!

— Tu ligou para ela, nada do que me disser vai mudar isso! Tu pensou nela, não me ligou, mesmo
sabendo que seria um prazer pra mim ir te ajudar! Foi na tua ex que tu pensou!!!

Ela se irrita e eu me irrito mais.

— Cala a boca! Cala essa boca! — eu me levanto — Eu vou embora, tô muito irritado agora, é
melhor a gente parar por aqui! Vou tomar um banho e ir dormir, tô muito cansado, de cabeça
cheia, esgotado, com muita raiva, e precisando me afastar de você, antes de fazer uma besteira,
das grandes. Vou tomar uma água e descer! Pra mim deu por hoje, Helena! Para mim deu!

Falo, saio do quarto sem nem cumprimentá-la, ignoro a dor absurda no peito e na garganta, e sigo
até a cozinha.
Esqueço o que fui fazer, me escoro na pia, e lamento.
Algumas lágrimas de raiva e arrependimento por ter ligado pra Barbara esquentam minha vista.
Helena estava exagerando, mas o pior de tudo é que se fosse o contrário, se aparecesse um
playboyzinho, ou qualquer "ex", nas nossas vidas, eu agiria da mesma forma, ou até pior. Ela tinha
razão, eu pensei em Barbara e não nela para uma opinião, e talvez, muito provavelmente, na
verdade, se eu estivesse em uma situação mais complicada do que aquela, eu ainda assim, não
ligaria pra ela. Ia querer poupá-la, ia querer mantê-la afastada dos meus B.O's, ia querer
protegê-la e resguardá-la, e não teria esse cuidado com Barbara. Nunca! Tratava Helena como se
fosse um cristal frágil, mesmo sabendo que ela era a mulher mais forte e independente que eu
conhecia.

Ela era uma boba em duvidar da magnitude de meu amor, simplesmente porque nos conhecemos
há pouco tempo, mas eu era um babaca por ainda pensar em Barbara em primeiro lugar.

Algumas lágrimas escorrem, molho a mão na pia pra refrescar um pouco na vista e secar o rosto, a
campainha toca, e eu decido que podia ir embora após saber quem era, e o que queria, porque
eu era desses. Quem a visitaria àquela hora da noite? Tá me tirando?!?!?

Bebo um copo d'água, e ouço quando ela abre a porta.

— Era só o que me faltava, mais essa!!! — ela faz uma pausa — Ei!!! Não pode entrar assim na
minha casa, não!

Ouço ela dizer e me aproximo do corredor pra prestar atenção.

— Não só posso, como já entrei! Fiz uma viagem longa, garota, só para vir até aqui e te dizer:
fique bem longe do meu filho! Não é um pedido! É uma ordem!!! Quero que você termine esse
casinho extraconjugal, dele! Isso é só uma aventura pra ele, William gosta disso! Todo homem
precisa dar uma escapada no casamento, é uma necessidade biológica! Barbara é mulher pra ele,
você não é nada perto dela, tem dinheiro, esse apartamento luxuoso, mas pelo o que minha nora
disse, e eu fiquei sabendo, vive de segredos, mente, não tem escrúpulos nenhum...

— Como é???

Entro na sala e vejo minha mãe apontando o dedo em sua face. Quando me vê fica assustada,
mas logo se recompõe. Eu não podia acreditar que estava ouvindo aquilo. Minha mãe veio do Rio
até aqui, entrou na casa dela, e a ofendia gratuitamente. Aquela não podia ser minha mãe.

Sim, aquela noite seria longa também.


O INÍCIO DO FIM

— É isso o que tu ouviu, rapaz! — dona Maggie falava com uma grosseria que nunca vi, até dona
Ellen era uma mãe maravilhosa perto dela. Realmente, perdi a noção de realidade ali, dona Ellen
foi mãe, aquela mulher não podia ser — Me entenda! Chamei teu pai para vir, imaginei que ele
seria mais calmo. Não me entenda mal, não queria mesmo estar aqui... mas ele se recusou, e eu não
tive outra escolha! Eu não vou deixar você jogar sua vida no lixo, William! Eu não vou deixar você
destruir o seu casamento com a Barbara! Ela é moça pra você! Já essazinha aqui...

Ela fala e eu cruzo os braços "rindo", mas querendo chorar.

— Meça suas palavras para falar da minha mulher. Não tem cabimento a senhora vir aqui, entrar
na casa dela sem ser convidada, e ainda ofendê-la dessa forma! Retire o que disse, peça
desculpas, e vamos, vou te levar pro aeroporto!

Ele fala, mas ela joga a bolsa no sofá.

— Eu vim foi para ficar, meu querido! Só saio daqui quando você se desculpar por tudo o que está
fazendo Barbara passar, e retomar seu casamento!
Essa garota insolente precisa ouvir umas verdades, e eu não saio daqui sem falar!

Ela responde e ele começa a puxá-la para fora, após pegar tua bolsa.

— Não me faça ser grosseiro. Vamos embora, tu nunca mais vai pisar aqui!!!

— Não! — eu falo e os dois me olham com raiva — Deixa ela falar tudo o que quiser. Ela veio do
Rio só pra isso, só pra me ofender dentro da minha casa! Você começou, agora deixa ela terminar!
Essa noite tem que acabar!!!

— Você é muito entojada...

— E com todo o respeito, dona Maggie, mas a senhora, além de mal educada, é tão
desnecessária, que conseguiu interromper até nosso término. A gente já tinha até se despedido.
Veio à toa. Seu filho é um homem livre, você perde tempo vindo aqui me insultar como se eu fosse
a culpada. Ele não está com a Barbara porque não quer. Não ainda. Mas não perca as
esperanças, sinto dizer que prevejo uma reconciliação em breve. Ele ainda pensa muito nela, gosta
muito dela, logo, logo eles retomam!

Eu falo olhando para o delegado extremamente triste, e vejo uma onda avassaladora de alegria
no rosto da senhora sua mãe. Nessa hora ela olha de um para o outro, nota que estávamos no
meio de uma crise e comemora sem disfarçar.

— Sendo assim, tudo bem! Já não há nada o que fazer aqui! Vou te esperar junto de Tiago,
William! Não demore.

Xeque.

A velha sai de postura ereta e bate a porta mais cara que sua casa no subúrbio do Rio, com
extrema grosseria. Isso, quebra mesmo!

— Implorei pra você que isso não mais se repetisse. O que tu tá fazendo com a gente?

Seus olhos se enchem de lágrimas e eu saio da linha de frente para abrir a porta pro doutor.
Sempre que eu estava brava com ele, chamava ele de doutor. Momento curiosidades da Catarina
e do William...

Sua atitude me deixou mal, a "visita" de sua mãe me deixou mal, e eu não via a hora de deixar
ele mal porque só assim ele desistiria, só assim seu sofrimento não ia ser tão destrutivo como seria
quando descobrisse tudo se ainda estivesse bem comigo, e feliz.

Eu precisava deixá-lo. Eu não podia fazê-lo sofrer mais do que já fiz. E principalmente não podia
vê-lo com Barbara. Me restavam poucas opções.

— Tô fazendo o que eu devia ter feito há muito tempo...

— Acabando comigo? Me destruindo?

— Me afastando para que você não sofra.

— Eu te amo. Já estou sofrendo!!!

— Eu te quero por inteiro, e isso é impossível!!!

— Não sinto nada pela Barbara! Só não liguei pra ti porque as duas pensam que tu tá envolvida
em algum caso meu! Não podia deixar tu lá, sendo alvo de olhares, acusações... eu sei que você
não me esconde nada que me envolva, ou envolva minha família, tua identidade, ou nada
parecido! Barbara é inteligente, só precisei confirmar o que eu suspeitava, e ela assim o fez! Me
perdoa, porra!!! Não dou conta de ficar sem você.

Manuela: Lista negra ✔

— Elas estão certas. Estou envolvida em um de seus casos. Só me aproximei de você para
conseguir informação. Já consegui. Não preciso mais ficar perto de você! Não gosto de você, nunca
gostei. Tentei evitar, disse que não queria que saísse disso machucado, mas você não me ouviu!!!

Eu digo olhando em seus olhos tentando fazer com que eles transmitissem "verdades", e ele olha
pro alto, impaciente. Aquela era minha última chance.
Eu já chorava e nem o via mais. Tudo estava embaçado. Literalmente.

— Tu é uma atriz de quinta.

Mate.

Ele fala e entra no meu espaço pessoal.


Toca em minha cintura, encosta tua testa na minha, me afasta da porta, e a tranca, sem eu nem
notar direito. Sua presença me deixava fraca, como sempre.

— Enquanto eu chegar perto de você, e tu perder o rumo desse jeito, eu fico. Enquanto eu te
deixar de pernas bambas só por falar no teu ouvido, eu fico!!! O dia que você deixar de me amar,
eu vou embora, mas nós dois sabemos que isso nunca vai acontecer! Casa comigo, neném!

— A cada discussão tu faz um pedido. Mas dessa vez tu pulou! Seria o noivado agora...

— É que eu tento de todas as maneiras te mostrar o quão grande é minha devoção por você!
Sabemos que se não for comigo, não será com mais ninguém, então casa comigo!

Ele pede baixinho me olhando nos olhos e eu fico pirada. Por que tinha que ser assim?

— Faça com que tua ex volte pro Rio de Janeiro ou pro raio que o parta, e eu aceito. Nunca mais
fale nem um 'oi' pra ela. Nunca mais ligue pra ela! Nunca mais pense nela, e eu aceito! Você é só
meu! Não vou te dividir, não vou aceitar menos do que exclusividade, e eu não quero mais sentir
esse cheiro em você!!! — choro de soluçar e ele tenta me abraçar enquanto eu tentava socar a sua
cara "feia" — Tá com o cheiro dela!!! Perfume horroroso, barato, nojento!!! Você fede a ela! Vai
tomar um banho, eu tô enjoada! Eu tô com nojo, vou vomitar! Você só vem pra casa cheirando a
essas vadias nojentas! Ela é nojenta!!! Eu odeio isso, odeio esse perfume horrível, odeio ela, e odeio
você! Eu odeio você! Odeio... odeio você!!!

Não consigo evitar os espasmos, nem o choro descontrolado, e me sinto horrível, meu estômago
estava embrulhado. Era por isso que eu procurei ajuda. O ciúme e o constante sentimento de
rejeição me deixavam literalmente doente, enojada, e fragilizada de uma forma absurda. Nunca
achei que voltaria a me sentir daquele jeito.

Permaneço batendo em teu peito até a náusea piorar, sinto um jato de sangue jorrar do meu nariz,
entrar um pouco em meus lábios abertos devido aos gritos um tanto quanto contidos, e depois em
meu carpete branco. Logo após, tudo se apaga e a escuridão me consome.

(...)

Abro meus olhos com dificuldade e a luz intensa quase me cega.


Olho ao redor e percebo que estou em um hospital. Merda.

O que aconteceu???

Tento me sentar, mas um peso no meu braço chama minha atenção.


William estava com sua cabeça repousada em meu braço, e sua mão direita segurando minha mão
direita. Havia dormido ali, ao meu lado, sentado em uma cadeira.

Eu me lembro do quão triste ele estava, me lembro de sua mãe cuspidora de fogo, e me lembro do
quão descontrolada eu fiquei.
Estar há tanto tempo sem nenhuma crise, era como estar há muito tempo sem consumir drogas. Eu
estava um fiasco, era como se eu estivesse em um tanque enorme, cheio de água e amarrada, sem
poder me mexer, mas William estar ali, era como um banquinho que mantinha pelo menos minha
boca e meu nariz para fora da água. Era meu suspiro profundo depois de tanto tempo sem
respirar, o copo d'água depois de horas treinando, era meu... Deus, aquele homem era meu tudo.

Toco com cuidado em seus cabelos lisos, faço um carinho, e meus olhos esquentam. Eu amava
aquele homem, demais!

Quando respiro fundo e tento parar de pensar no nosso fim, ele desperta devagar, e me olha nos
olhos profundamente.

William havia chorado muito. O inchaço era muito evidente.

— Já acordou! Como se sente?

Ele pergunta limpando os olhos e arrumando sua postura na cadeira. Devia estar todo dolorido.

— Me sinto bem! O que aconteceu?

— Não sei, acho que tu ficou muito nervosa! Desmaiou enquanto me socava.

— Me desculpa.

— Por desmaiar???
— Por bater em você! Por brigar contigo, por ser tão boba! Eu te amo, muito! Vem cá...

Faço ele me abraçar e ele enterra o nariz em meu pescoço.

— Eu também te amo, neném! Tá tudo bem. Você nem colocou força nenhuma! Só estava brava. Eu
que preciso me desculpar, estressei você! Me perdoa!

Ele pede e eu ignoro me afastando, e arrumando os travesseiros.


Logo ele se levanta e faz o trabalho por mim. Bobagem isso...

— Quanto tempo estamos aqui? Que horas são? Por que tô no soro?

— Tu fez uns exames, saberemos dentro de poucas horas. Estamos aqui há três horas. São quase
quatro da manhã. O médico voltará assim que tiver os resultados.

— Por que está aqui? Vai trabalhar amanhã. Por que não foi pra casa?

— Não vou deixar você, nunca. Muito menos agora!

— Cadê o dragão???

Eu questiono e ele sorri.

— Não pode odiá-la tanto! Goste você ou não, ela é tua sogra e vai ser pra sempre! Terá que
saber lidar com ela! Está com Tiago, lá em casa!

— Ela me odeia, me diminuiu, me ofendeu! Quem ela pensa que é?! Não quero saber dela! Ela
merece uma Barbara mesmo!

Eu digo e ele faz silêncio por um momento. Parecia ter algo melhor com o que se preocupar do que
com a maluca da mãe dele.

— Foi o fim para mim, te ver apagar! Tu deixou uma poça de sangue no carpete... você está
doente? Se estiver me conte, por favor. Não tô aguentando a barra.

— Se não parar de chorar, vou fazer você sair. — eu falo porque enquanto ele falava, lágrimas
espessas caíam de seus olhos — Aposto que eu não tenho nada! Fica tranquilo! Vai pra casa... não
pode dormir aí!

— Ah! Helena! Não me faça surtar aqui! Já falei que não vou embora! Não vou te deixar aqui!
Vou esperar tu receber alta, te levar pra casa, e ficar com você! Vou cuidar de você. E não vou
mudar de ideia, então discute comigo, não! Tá bem?! — ele me beija, se levanta, e noto que ainda
estava fardado — Vou ver se alguém pode te trazer algo para comer! Eu já venho!
Ele fala, sai, uma enfermeira entra logo em seguida, e mexe no meu soro após jogar um pedaço
de papel no meu colo.

Era um bilhete.

"Vi seu movimento no nosso sistema, não disse nada para ninguém, mas preciso saber se está bem
mesmo. Falei com uma das enfermeiras, mas preciso saber por você! O que houve? Não me deixe aqui
sem notícias. Tô preocupado! Não consigo contato com o Marcelo, e não tive tempo de desligar as
câmeras do hospital. Não posso entrar. Me dê uma resposta por essa enfermeira o mais rápido
possível, e se livre desse papel!

Tio Jon!"

— Diga a ele que tô bem! Tô muito bem! Só baixou minha pressão... Ninguém pode entrar aqui!
Mande reunir todos amanhã, pela manhã, logo estarei em casa, e explico tudo!

Eu sussurro, a mulher assente, e sai sem dizer nada.

— O doutor... — ele coça a cabeça — Filho do Jonatas, o administrativo, trabalha aqui! É ele
quem está cuidando dos teus exames.

O delegado diz olhando para a porta por onde entrou naquele momento, e parece refletir.

— Se eu soubesse não tinha deixado te colocarem soro! Vou pedir outro médico!

Ele fala e me olha preocupado.

— Não pira, William! Esquece essa família! Já virou mania de perseguição...

— Não pedi tua opinião, Helena, só te informei! — cavalos relincham — Tô investigando a família
e exatamente um deles aparece pra cuidar do teu caso! Me acha um jumento, por acaso? Não sou
idiota!!!

Ele resmunga e volto a me deitar.


Grosseirão, ignorante!

— Legal vir ficar comigo e me encher de patada!

— Você bem que pediu, né?! Tô cuidando de você e você fica aí, me criticando!!! Estou sendo
ameaçado constantemente... só penso em tua segurança!

— Tá.

Fecho os olhos e só abro de novo quando sinto o bruto pegar na minha mão.
— Te amo muito! Você não me ama? Custa concordar comigo em algumas coisas, de vez em
quando?

Antes de conseguir responder, somos interrompidos.

— Helena, sou doutor Marcelo! Como se sente? — Marcelo entra sorrindo, vestindo seu jaleco
branco, e deposita sua mão esquerda em meu ombro — Acordou melhor???

Olho para William, que parecia que ia ter um piripaque a qualquer momento, e eu sorrio fraco.

— Sim! Doutor! Muito melhor! O resultado dos exames, já saíram?

— Acredito eu que logo pela manhã! Sentiu alguma dor?! Esse sangramento já aconteceu antes?!

— Bom, não comigo, mas com meu pai, sim! Ele tem aquela anemia seiláoque, e antigamente meio
que acontecia quando ele ficava tenso ou esquecia as vacinas de B12!

Eu falo e Marcelo para pra pensar, acho que ligando nome à pessoa. Será que ele não sabia que
meu pai tinha essa doença?

— Megaloblástica! — ele me dá a informação — E qual era a situação em que você se


encontrava, quando aconteceu?

Ele questiona e eu olho para o doutor, que já estava pirando, andando de um lado para o outro!

— Ahn... estava estressada, sim!

Eu falo e o semblante de Marcelo muda. Fica sério.


Ele encara meu doutor, e meu doutor se aproxima dele.

— Quero outro médico!

— Por qual motivo?

— Tu é um Coverick! Tô cuidando de um caso de vocês!

— Sabia que eu te conhecia de algum lugar! Tá querendo prender meu pai... não sou delegado ou
juiz para fazer julgamentos, a paciente está sobe meus cuidados e assim permanecerá, sei separar
bem as coisas. Salvo vidas, nunca as tiro! E posso dizer o mesmo de minha família! — Marcelo fala,
e o doutor rosna — Venho pela manhã para te passar o diagnóstico até lá, descansa!!!

Ele diz olhando para mim e William barra tua passagem.

— O lanche dela vai demorar?


Marcelo ignora dando um passo pro lado, sai de seu espaço pessoal, aperta um botão ao meu
lado, e uma enfermeira chega!

— Sim, doutor?!

— O amigo da paciente quer saber que horas o lanche dela chega, acho que ele já pediu e até
agora nada!

— Vou verificar, doutor!

A enfermeira sai e os dois se encaram.

— Não sou amigo! Sou o namorado, só para deixar claro!

— Certo!

Marcelo resmunga e sai.


Podia apostar que ele ia falar pro Jon que foi o William quem provocou isso. Inferno.

— Quer parar de andar? Tá me deixando nervosa!

— É a culpa. Eu já volto!

Ele sai andando e eu ameaço levantar.

— Não vai atrás dele!!! Se sair daqui, terei outra crise! Quer me deixar doida?! Se acalma! Vem
pra cá, tô doente! Preciso de atenção, de denguinho, carinho na cabeça e amor!!!

Ele consegue sorrir e eu me sinto aliviada.

— Podia jurar que eu nunca ia ouvir isso de você!!!

Ele sobe e se deita ao meu lado, no leito.

— É. Você me mudou muito! Agora só não pode estragar tudo! Deixe pra se preocupar com essa
família quando estiver investigando! Esquece eles! Foca em nós!

— Me desculpa! Eu farei isso! Tô sendo um bobo!

Ele fala, coloca seu braço forte em minha nuca, me puxa para me abraçar, e com tanto carinho eu
adormeço, me sentindo fraca e cansada.

Quando acordo, já é dia. Vejo que o lanche havia chego, mas ele não me acordou para comer, e
ele nem estava ao meu lado.
Volta dez minutos depois, de banho tomado, com seu próprio cheiro, — o mais importante — e com
um semblante mais calmo.

— Onde foi?

— Fui pegar algumas roupas com Tiago, lá fora. Usei o banheiro do vestiário dos enfermeiros.
Meu distintivo também me traz coisas boas! — ele sorri e me beija, sem se importar com o fato de
que não escovo os dentes por quase dois dias — Como você se sente?

— Muito bem! Será que o doutor demora? Quero ir pra casa! — ele sorri e eu não entendo.

— Não demora, não! Fui perguntar! Já, já ele chega!

E após me responder, como em um passe de mágica, dois médicos adentram o quarto. Nenhum
deles eram o Marcelo!

— Bom dia, Helena! Doutor William! — o médico grisalho sorria — Sou Floriano Águilar, estou
responsável pelo teu quadro...

— Cadê o doutor Marcelo?

Pergunto e encaro um delegado sorridente.

— Ele precisou se ausentar. Teve uma emergência na UTI. Espero que não se importe?! — digo que
não com a cabeça e sorrio por dentro. Porque se eu não fosse sorrir, chorar que eu não ia. Aquele
delegado não sabia, mas ele tinha MUITA coisa em comum com os Coverick's — O teu caso é raro,
mas não é grave! Você tem o que o doutor Marcelo suspeitou! Anemia megaloblástica. É uma
deficiência congênita, provavelmente herdou de sua mãe, pai ou avós! Não tem cura, mas tem um
controle, que te permite viver por cem anos, mil anos... — ele brinca sendo simpático, e eu sorrio, já
esperava — Você só precisa de vitaminas B12, uma dieta rica em ferro, e uma vida mais saudável,
é óbvio...

— Como funciona isso?! Ela...?! Ela vai ficar dependente de remédios assim?! O que é isso? Isso...
essa coisa... Isso tem riscos? Tem risco de vida?!

O doutor se desembesta nas perguntas e o médico sorri.

— Bom, é muito simples. Helena tem deficiência extrema de ferro. O que ela precisa fazer é tomar
os comprimidos, porque o corpo dela, sozinho, não tem a capacidade de tirar dos alimentos as
quantidades ideais diárias que o corpo precisa. Ele tira, e é importante, mas é uma quantidade
minúscula.

Juntamente com uma dieta rica em ferro, ela terá a reposição com ajuda dos comprimidos, e seu
corpo responderá melhor sobe atividades físicas, e uma vida mais saudável! Sem todo o cuidado
que ela precisa, toda às vezes que sua pressão arterial subir demais ela terá essas hemorragias,
como aconteceu agora, a pressão pode despencar de uma vez só, e estando fraca, sem cuidados,
pode sim, levar à óbito! É uma doença séria, mas muito fácil de controlar, não é necessário se
desesperar, de jeito nenhum!!!

O doutor fala e o outro continua.


William estava em estado de choque com aquela notícia.

— Pelo o que pude ver em seus exames, a senhorita está em forma! Muito bem de saúde! Agora é
tomar diariamente os remédios que estão nessa receita, permanecer cuidando do corpo, e
continuar vivendo a sua vida, normalmente! Por agora, antes de você assinar sua alta, é necessário
que você tome uma dose, esse é o comprimido! — ele me oferece com água e eu tomo de uma vez
— Nessa receita temos a quantidade da dose diária que você pode tomar na veia, em qualquer
farmácia!

Ele me entrega os documentos da alta, do diagnóstico, eu assino, mas também entrega alguns
papéis, que William guarda imediatamente no bolso!

— O que eles te deram?

Eu pergunto assim que eles se retiram.

— Termos de responsabilidade. Tenho até o CPF deles! Se tu tiver um piripaque depois que engoliu
isso, vão direto para um presídio de segurança máxima!

Ele fala contra à vontade e eu reviro os olhos. Tão doido de pedra... Tão esperto e perfeito...

— Tu não fez o doutor ser mandado embora, né?!

Eu ergo uma sobrancelha e ele ri.

— Não, amor! Só mudei teu médico! Não esquenta!

(...)

Termino de comer a sopinha que a empregada, contratada de forma urgente, pelo William fez, e
desmaio em seu sofá novo, escolhido por mim.
Uma sopinha cheia de legumes, carinho e cuidado.

Dona Flor era legal.


Uma senhora como dona May, gordinha, grisalha e materna. Gostamos dela logo de cara. E pelo
jeito, era a melhor cozinheira do mundo.
Indicação de um amigo delegado, que havia à dispensado por algum motivo.
— Jura que vai ficar bem??? Eu não vou conseguir trabalhar com você assim!

Ele sai do banho, tira Tiago do meu lado — que aproveita para se trancar no quarto com seu
videogame novo — e se senta ao me lado, me puxando para seu colo quentinho.

— Eu estou bem! Não estou doente! É só tomar os remédios e eu ficarei bem! Fica tranquilo! Ficarei
aqui com Tiago, ele vai te ligar se algo acontecer, mas eu vou ficar bem, mesmo!

Eu encho o doutor de beijos enquanto planejo como me livrar de Tiago para ir até minha casa.
Um desafio todo dia...

— Certo! Mas qualquer coisa, me ligue! E se cuide! Sei que não gosta de me ouvir falando essas
coisas, mas a cada dia, em mais roubada eu me meto! Olhe pelo olho-mágico antes de abrir a
porta, e deixe a arma fácil! Por mim...

— Farei isso!!!

Sorrio fazendo carinho em seu rosto e ele concorda.


Quando já pretendia me dar um beijo de despedida a campainha toca e ele corre para atender.
Estava em cima da hora para ir para delegacia.

Era Rubi. ELA É LOUCA DE DEIXAR O DOUTOR RECONHECÊ-LA? O QUE RUBI FAZIA ALI???

— Ahn... Oi?! Conheço você???

Vejo o doutor arreganhar a porta, ficar confuso ao vê-la, e Rubi entra sem convite após me lançar
um olhar zombador e erótico.

— Conhece delícia! Sou sua cunhada! — Rubi invade o espaço pessoal do delegado, envolve seus
braços em seu pescoço, sussurra algo em seu ouvido, estrala os dedos, e faz o delegado
"despertar" sorrindo — Laila! Prazer!

Ela se solta dele após um beijo demorado em sua bochecha, e ele sorri tímido, retribuindo seu
gesto.
Rubi o abraçava como se fosse amiga íntima, com muitos benefícios, e ver aquilo, apesar de saber
o que ela fazia, me dava náuseas.

— Prazer, William! Que bom conhecer alguém da família dela! É muito bom! Ela me fala bastante
de você! Suas tatuagens são famosas!

Rubi gargalha e desfila até chegar ao meu lado.


Vestia um vestido curto preto e simples, saltos, e cabelos soltos.

— Logo, logo você conhecerá o restante! Tu vai se surpreender! Meu pai tá louco para te conhecer
melhor! Vai gostar dele!!!

Rubi brinca com o perigo pro meu bebê chorão.

— Legal! Eu tenho um milhão de perguntas, mas... — ele a encara e parece pensar demais —
...preciso ir trabalhar! Poderia se juntar a nós no jantar...?!

— Eu adoraria! Quando voltar, com certeza estarei aqui!

— Certo! Então já vou! — ele se abaixa, me abraça, me beija um beijo apaixonado, sem se
importar com a presença de Rubi, e me faz um carinho rápido na face — Não esquece... eu te
amo!

Ele diz, eu hesito e só concordo com a cabeça. Imediatamente ele encara Rubi, e me olha confuso.

— Não vai dizer que me ama???

Ele questiona, olho para uma Rubi à vontade no sofá, e nos encarando na maior cara de pau, e eu
respiro fundo.

— Te amo, e vai embora!!!

Eu dou risada sentindo minha face esquentar, e me nego à encarar Rubi.

— Eu vou, tua tímida! Assim que eu chegar na delegacia, eu ligo! Me atenda!

— Tá.

— Te amo!

Ele fala de novo, só que agora rindo e me encara até sair do apartamento, só para me foder
ainda mais.
Quando penso que ela vai gritar " É O AMOOOORR, QUE MEXE COM MINHA CABEÇA E ME
DEIXA ASSIMMMM..." Como sempre fazia quando ouvia falar que eu ou Miguel "estávamos" com
alguém, ela não diz nada.

— Como você está?

Ela pergunta sorrindo com sua postura de rainha. Apoiada no sofá, e com os braços estendidos nas
bordas.

— Eu tô bem! Que diabos faz na casa do cara??? Por que me procurou aqui?

— Você não atende as ligações, meu pai está surtando, Jon já tá querendo matar o cara porque o
Marcelo disse que tu pirou por causa dele, enfim... eu podia vir porque ia dar conta dele não me
reconhecer, mas o resto da família está lá, te esperando!!!

— Pois é! Vem! — arrasto ela pro quarto do doutor e tranco a porta — Ele não me larga um
minuto! Está super preocupado com a doença que herdei! Mas eu só preciso me livrar do
cunhadinho e já vou para lá! Como estão as coisas?! Novidades???

— O tal do Douglas... pediu permissão ao Fred para entrar, e foi até lá! Ele e sua equipe mataram
a prefeita, e nos pediu sigilo e apoio caso vazasse e a cúpula decidisse por mandar Chong!

— Fred concordou!?

— Disse que por ele tudo certo, afinal, nos fizeram um enorme favor e nos pouparam esforços!
Temos um mês de paz até a próxima Glenda tomar o poder. E bom... Laura ligou e disse que logo
voltará para casa. Vou falar, mas eu não deveria, Fred suspeita que ela está reunindo forças para
caçar e matar Chong! Ele quer conversar contigo para se reunir com Miguel antes que ela consiga!

Merda.

— Concordo com isso!

Eu afirmo e ela sorri.

— E vocês? Como estão???

Suspiro rindo e conto tudo.

— Caraca, que porra de mulher, hein?!

— É... minha sogrinha!

Ela ri.

— Esquece essa velha nojenta! Fala aí, como ele é?! Na foda bem louca?! Ele dá "pentadas
violentas", como dizem nos funk's cariocas??? É quente? Ele dá uns tapinhas no ponto 'g', na
cara???????

Rubi apoia a cabeça com as duas mãos e eu dou risada. Eu estava apoiada nos travesseiros, e ela
deitada me encarando de bruços.

— Grosseirão, selvagem e descuidado. Vive me deixando rocha. Adora me dar uns tapas bem
fortes, mas acho que vive se controlando.

— Ah!!!! Que delícia! Divide com a mana?


— Vai se foder!?

— Com ele?!

— Com a minha cromada!

Sorrio e ela finge perder a graça. Logo Tiago bate na porta.

— Helena?! Tu tá aí? Abre aí!

— Tô! Já vou.

Abro a porta, ele entra e Rubi pula da cama.

— Oh! Nossa!

Ela exclama e se aproxima.

— Tá fazendo o que de porta trancada?!

Ele ri sem graça.

— Me vigiando, menino?

— Sim!

Ele é sincero enquanto Rubi o rodeia como uma cobra, pronta para dar o bote.

— Tem potencial! — ela o mede, alisando seu peito e ele me olha assustado — Me chamo Laila!

Ela faz ele beijar sua mão. E pelo jeito ele beija com prazer.

— Tiago! Cunhado da Helena!

— Ele vai trabalhar conosco no museu! William pediu ajuda para ocupá-lo.

Eu falo e Rubi sorri.

— Apronta muito né, bebezão?!Quero te conhecer melhor!!! Me conte um segredo bem trancado!

Rubi sussurra no seu ouvido, e ele parece flutuar.

— Eu sou apaixonado pela minha ex-cunhada, já ficamos juntos, mas ela não me quer! Quando
meu irmão viajou, eu...
— Rubi, para!

Eu peço, ela estrala os dedos, e Tiago fica quieto, rindo sem entender nada.

— Meu irmão quer que eu fique de olho nesse narizinho, então, não tranque a porta.

Ele fala e sai.

— Merda eu queria saber o que rolou com a advogada!!!

Ela bufa.

— Não posso nem ouvir no nome dessa mulher!

— Por que não a mata de uma vez?!

— Ele nunca me perdoaria...

— Ele já não vai te perdoar por muita coisa, Cat! — ela ri sozinha — Só por descobrir que tu é
uma Coverick legítima, ele tentará te matar! Ah! Te trouxe isso, vai te ajudar a não desmaiar de
fraqueza se tiver alguma outra crise! Vai diminuir teu fluxo!

Ela me oferece um frasco e eu viro de uma vez.

— Tive uma visão... — Rubi fala depois de um silêncio profundo e eu me ajeito nos travesseiros —
É um pouco complicado de explicar!!! Na verdade, uma não, duas! Uma envolve Miguel e a
Mariah...

Rubi me olha confusa e eu fico nervosa.

— O que é?

— Eu vi os dois se beijando! O tipo de cena que realmente aconteceu.

MAS QUE PORRA...?!

— Qual cenário?

— A zona 1. A sala dele.

Ela diz como se pedindo desculpas.

Merda. Merda. Merda. Merda.


— Alguém sabe disso?

— Jamais. Só estou contando para você! Só você sabe! Se teu pai e a Laura descobrirem...

— Vão pirar! Eu sei. Já sabia dessa história, mas... não acredito nisso! Vou matar o Miguel!!!

Eu falo, mas ela faz sua famosa cara de deboche.

— Na cena Miguel a afasta. A safadinha é ela. Ele só é burro de ter deixado isso rolar, chegar
ao ponto que chegou, mas... enfim, agora você já sabe! Mariahzinha não é santinha! Eu sei que
Chong não está atrás dos dois, mande seu pai e Mariah de volta pro Sul, ela é menor... logo mais o
doutor vai "subir a serra" para falar com a família, mas vai descobrir que ambos embarcaram
para São Paulo, e isso só vai te complicar, ainda mais.

— Vou resolver isso!

Eu falo ainda aflita e ela só me fita.

— Cadê a mãe dele?

— Foi pro aeroporto assim que nós dois chegamos aqui! Não disse nada, eu entrei, ela saiu! No
silêncio, pior que um tapa na face. Ela me despreza. Parece que o William teve uma conversa séria
com ela!

— Não fique triste, Cat! Essa Jararaca não merece você! Mesmo!!!

— Tanto faz. — dou de ombros — Teve alguma visão com ele descobrindo tudo???

Eu pergunto e ela se senta.

— Não! Nada. Para esse momento não tenho nada! Não tenho como nos preparar. Eu só sei que
ele vai descobrir tudo sobre nossa família! Tudo mesmo! E eu sinto muito minha irmã, mas o fim será
banhado em sangue e tragédia! — ela diz e eu sinto aquela dor familiar. O medo de perdê-lo. O
medo de ver minha família machucada.

— Vamos perder alguém da família, Rubi?!

— Você precisa se preparar! É só o que posso te dizer! Está tudo em nossas mãos, e eu tô aqui por
você!

Ela não responde minha pergunta, mas nem é preciso. Sei que quando não é direta e franca, a
resposta é a pior possível.

— Em breve você vai entrar em contato com teu amigo russo, o cara que cuida da sua conta no
exterior e nos fornece os equipamentos. E também vai procurar por teu mestre! Você vai dar conta!

— Sobre o que vou tratar com eles??? Por que vou contatá-los?

Eu pergunto e sua boca vira uma linha reta.

— Eu não sei! Sinceramente não sei! Achei que se te contasse tudo o que "vi", você entenderia.
Achei que faria sentido para você! Eu não sei, e nem posso saber de tudo! Muita coisa que envolve
esse delegado, eu não tenho acesso, parece tudo muito confuso para mim! Sei de tudo sobre
qualquer um que não tenha ligações fortes comigo, mas não posso ver sobre meu próprio futuro, e
eu estou por inteira nessa história de vocês dois!!! Se algo acontecer com você, acontece comigo!

Ela fala e minha dor aumenta. Eu queria muito saber, mas em contrapartida, 'saber' era muito
doloroso.

— Então você não vê nós dois juntos, felizes?! — eu pergunto e ela nega só com a cabeça, já
querendo chorar.

— Mas também não os vejo separados! Não vejo nada e isso é muito bom!!!

Ela tenta me animar, mas não consegue.

— Ok. Temos o fator Laura e Chong para resolver e...

— Não precisa ser agora! Fred diz para deixá-la fazer o que quiser. Pelo menos enquanto esse
doutor estiver no pé da nossa família. Laura está perdendo tempo, Chong é escorregadio! Agora
precisamos aproveitar o tempo sem a cúpula ativa, conter o delegado, quando ele se revoltar, e
tirar nossa família de São Paulo, quando tudo acontecer! É o meu palpite... papai tá disposto à
lutar, vovô e Jon também, vão nos ajudar! Mas quando a gente neutralizar o delegado,
precisaremos partir antes dele revidar, já que ele não pode morrer. Ninguém vai preso, mas vamos
deixar o nosso lar!

Eu concordo com algumas coisas, outras não, e isso fica claro para minha irmã aflita.

— Vai se trocar! Precisamos discutir tudo isso com a família! Deixa que eu dou conta do seu
cunhadinho!

Ela se levanta e eu só concordo. Ainda estava muito preocupada com tudo! Muito confusa. Rubi
havia dito tudo, e nada ao mesmo tempo.
Eu precisava resolver um mundo de coisas, mas tinha a impressão que eu não teria o controle de
nada. No fim, de qualquer jeito, William e eu não teríamos o nosso fim tão romântico, como nos
livros. Nós dois não ficaríamos juntos!

Engulo a informação à seco, e me nego a chorar.


— Mas vem cá... — eu calço meus chinelos e ela desvia os olhos do celular que havia apitado —
Você disse que tinha tido duas visões, qual é a outra?! Algo ruim?

Eu pergunto e ela umedece os lábios de forma dramática.


Deuses. Me sento de novo e aguardo a bomba, mas ela só me fita desencorajada.

— Fala de uma vez, meu! O que você viu?

— Você morta. Morta de verdade! Em um caixão e tudo!

Confirmo com a cabeça vendo sua silhueta de forma borrada. Respiro fundo, e ela me dá as
costas para que eu não a veja chorar também.

O conhecido também assusta.

Limpo algumas lágrimas, olho para o criado-mudo decorado com uma fotografia do meu amor,
lamento profundamente por tê-lo feito tanto mal, e acho que a morena entristecida decide ir
"cuidar do meu cunhadinho" para que eu possa sair de casa sem ele dizer nada para William, mas
depois de seu movimento rápido ao abrir a porta, algo acontece.

Rubi trava, suspira, e eu levanto a cabeça para entender o que acontecia.


Tiago estava na porta com o semblante horrorizado. Ele havia escutado tudo!

— Tiago...

Eu me aproximo da porta e Rubi se afasta para me dar passagem.

Fodeu.

— Você é a Catarina. — o garoto com a pele marrom-clara parecia prestes a desmaiar de tão
"branco" que estava — Você é daquela família do cara que matou meu tio, e sumiu com meu
primo!!!

Ele fala dando um passo para trás, e pelas suas feições, estava literalmente apavorado e com
medo de mim. Tiago descobriu tudo e agora eu estava perdida. O fim chegou.

— Me escuta! Eu amo teu irmão, Tiago! Eu amo o William!!!

Dou um passo para frente e ele se afasta ainda mais.

— Não chega perto de mim! Não chega perto de mim! Você é maluca!!! Você é muito maluca!

— Me deixa te explicar!!!
— Eu vou sair, vou para delegacia e você não vai chegar perto de mim!!!

Ele fala com os olhos arregalados, dando alguns passos para trás, mas depois corre!
Olho para Rubi, ela entende o recado, e corre atrás dele. Sigo para a sala e ela o traz sobe
protestos violentos.
Tiago gritava, se debatia com os braços nas costas, e morria de medo.

— Me solta! Manda ela me soltar!!!

— Ninguém vai te soltar! O que você ouviu não pode sair daqui!

Eu tento parecer calma e serena, mas não ajuda muito.

— "Não pode sair daqui"? Tu tá de brincadeira comigo??? Eu vou contar pro meu irmão que você
tá enganando ele! Ele te ama, e você tá enganando ele! Você... você é uma Coverick! Quando ele
descobrir, ele vai matar você! Você não o conhece, ele vai dar uma surra em você! Sua... sua
desgraçada desalmada!!! Me solta, porra!!!

Ele grita no ouvido de Rubi e ela revira os olhos impaciente.

— O que a gente faz com ele?

Rubi questiona ao notar o meu silêncio profundo e Tiago espera tomado por uma expectativa
enorme.
O que eu realmente queria fazer, era soltá-lo, sim, queria soltar o moleque e deixar que 'o destino
tomasse conta', mas acima de tudo, o que eu mais queria, era ter mais um dia com William, só mais
um dia. Vê-lo chegar em casa, ganhar um beijo de boa noite, um chamego do jeito que só ele sabe
fazer, e depois de muito amor na nossa cama, dormir ao seu lado. Porque independente de tudo o
que aconteceu, e tudo o que eu precisei fazer, eu o amava com todas as minhas forças, e era uma
força tão extrema que chegava a doer.

— Senta ele aí! — eu peço e Rubi começa a forçá-lo a se sentar na mesa de centro na minha
frente, mas não precisou de muito esforço, logo Tiago "entendeu" que seria forçado e se sentou
sem ajuda, só com a mão de Rubi em seu colarinho — Eu bem que queria te soltar e deixar você ir
contar o que descobriu pro teu irmão! Queria mais do que tudo que essa história toda acabasse,
ele me perdoasse, e a gente pudesse ser feliz! — eu vou falando e ele fica com aquela cara
'aham, vai falando..." — Só que eu sei que assim que você contar, ele vai me odiar, vai me deixar,
e eu não posso deixar isso acontecer, Tiago, não agora. Quando ele descobrir sobre minha família
ele vai me desprezar e eu preciso de mais alguns dias com ele. Sei que logo, logo ele vai
descobrir, mas não precisa ser hoje! Eu amo o teu irmão, e quero ficar com ele. Tudo o que
aconteceu entre a nossa família, nenhum de nós dois éramos nascidos, não temos culpa, não
precisamos pagar pelos erros dos nossos. Tenta me entender, quando tudo aconteceu, e essa carta
surgiu, eu queria saber do que ele pretendia, mas me apaixonei...
— E mesmo assim não contou!!! Você não contou!!! Não quero saber! Não é pra mim que tu tem que
se explicar não, é pra ele! Meu irmão quer prender toda tua família e você é um deles. Tem noção
do quão idiota você foi? Não pensa nele? Ele te ama e vai te fazer mofar na cadeia! Tu vai
destruir meu irmão. — ele para pra respirar, pois falou tudo de uma vez. As palavras fugiam da
tua boca — Minha mãe tem razão, o Will nunca deveria ter largado a Barbara pra ficar com
você, você é uma nojenta mentirosa! Eu vou contar tudo pra ele! Manda essa maluca me soltar!
Manda ela me soltar!

— Não posso.

Eu falo e ele me olha de lado, contrariado.

— Vai fazer o que??? Me matar? Uma hora ele vai chegar, e se não me encontrar aqui, vai me
procurar, e então você vai se foder!!! Tem câmeras por todo o condomínio, ele vai me ver,
principalmente se eu sair daqui em um saco!

— Eu não vou te machucar, nunca faria isso! Vou te contar minha história desde o começo, com a
esperança de que entenda, e então te soltar.

— O que??? Tá brincando, né?!

Rubi se exalta e eu a silencio só com o olhar.

— Se não fosse para ele saber, tu teria notado que ele estava ouvindo! Tu sempre vê antes! Não
pode fazer com que ele esqueça, certo?! — pergunto e ela nega lamentando — Pois então, não
há nada que possamos fazer. Vou dizer tudo e arriscar.

Eu falo, e encaro um Tiago que parecia ter corrido uma maratona. De "tão cansado" ele respirava
com certa urgência, que incomodava e dava agonia.

Começo "do início", contando sobre seu tio, depois sobre seu primo, sim, confessei tudo... depois
sobre a carta repentina que abalou as estruturas de minha família, e sobre o dia que fui até o
apartamento para ler. Contei sobre minha infância, meus treinamentos, minha vontade de ser
policial interrompida pela morte de minha melhor amiga, minhas viagens, minha pequena estadia
no Japão e na Rússia, sobre Jade, Manaus e meu ingresso ao cartel que Glenda liderava.

Tudo. Miragem, David, Diógenes, Douglas, Glenda, e terminei dando ênfase ao mais importante de
tudo aquilo, o meu amor por teu irmão.
Mas o que eu esperava não aconteceu, pelo menos achava que não. Tiago não se compadeceu, a
cada vírgula que eu ditava suas feições só pioravam...

— Você... você... é muito doida! Mata por grana, matou Diógenes, você... meu irmão nunca vai te
perdoar, ele... você é muito louca de bagulho! Tu tá piradona! Eu preciso sair daqui! Eu preciso de
uma erva ou vou enlouquecer!!! Quero sair daqui, prometeu, agora me solta!!!
Ele fala e eu respiro fundo. Eu tinha uma última opção.

— Ligue para todos, quero todo mundo na casa do papai! Agora!

Eu falo e me levanto.

— Vem!

Eu chamo e ele fica sentado. Tiago estava com medo de mim.

— Já falei que eu não vou te machucar! Eu nunca faria nada que magoasse seu irmão! Se eu
soubesse o quanto Diógenes era importante para ele, não teria feito, e se eu fosse esse monstro
que tu tá pensando, tinha matado Barbara faz tempo! Só quero te mostrar uma coisa, na volta eu
te deixo na delegacia, se quiser! — ele faz uma cara descrente e eu perco a paciência — Eu
prometo! Vamos... tu pode escolher como ir até lá, se for esperto, escolhe do jeito pacífico! Não vou
te machucar, mas não abusa da minha paciência.

Eu falo e ele levanta contrariado.

Respiro fundo, e entro na casa do meu pai. TODA a família estava lá! Inclusive meus tios e meus
primos, os gêmeos.

— O que é isso???

Tio Jon se levanta alterado e eu lamento.

— Ele sabe de tudo.

Eu respondo e ouço:

— Oh! Meu Deus!!!


— Minha nossa!!!
— Jesus!!!
— Misericórdia...

— Estava conversando com Rubi no quarto e ele escutou tudo!

— Meu irmão vai ver que eu saí do apartamento! Só pra avisar! Se eu não voltar inteiro, vocês
vão se ver com ele.

Tiago "fala logo" e Miguel ri.


— Ninguém aqui vai te machucar menino, que bobagem!!! Senta aqui!

Minha vó fala carinhosa, e ele olha para ela desconfiado.

— Tua filha é uma assassina! Acho que a senhora está um pouco equivocada!

Ele fala e ela nega.

— Catarina é minha neta! E não machuca inocentes!

— Eu sou a mãe dela!

Minha mãe sai do lado do meu pai, estende a mão com simpatia, mas Tiago a deixa com a mão
estendida.

— Eu não sei porque ela me trouxe aqui, mas não quero papo, só quero ver meu irmão!

— Ele é um bananão como o delegado! Mata ele pai! Mata!

Dom resmunga, e tira risos de todo mundo! Não pelo o que disse, mas como disse. Dom tinha
maldade, mas não chegava a tanto. Tinha um 'tesão' por piadas de mal gosto, e queria ver Tiago
se cagar' todo. Um pirralho babacão!

Meu pai tenta parar de rir sem sucesso, e se levanta para se colocar ao lado de minha mãe.

— Ninguém vai te machucar ou machucar seu irmão! Você e ele são bem-vindos! Só queremos que
ele pare de nos investigar. Ninguém aqui quer ir preso!

— Pensasse nisso antes de sair por aí matando adoidado! Ele é delegado, ele vai jogar cada um
aqui na cadeia.

Meu pai sorri.

— Não o queremos morto, mas não vamos deixar ele fazer nada contra nossa família, Tiago!

— Isso é o que nós vamos ver!

Tiago resmunga e Mariah desce as escadas. Podia apostar que estava no meu quarto, xeretando
as minhas coisas. Ela sempre fazia isso quando vinha em casa.

Enquanto descia, Tiago a acompanhava com os olhos e parecia em estado de choque. E pelo fato
dele ficar parecendo um bocó, todo mundo encarava Mariah, e ela não entendeu.

— Nossa, o que foi, gente?!


Ela para na nossa rodinha que consistia em mim, Tiago, Rubi, meu pai e minha mãe, e me
cumprimenta cheia de saudade.

— Oi, tata!

— Oi, meu amor! Mais tarde conversamos...

Eu falo baixo, ela entende, e assente sem medo nenhum! Parecia dizer: "Bom, ela quer falar sobre
Miguel, já fiz, já beijei, não tô nem aí... se ela quer dar sermão, que se foda!"

— Oi!

Ela olha para Tiago, e Tiago gagueja sem graça.

— É... oi!

Mariah sorri e vai se sentar ao lado do meu pai. Tiago a segue com os olhos e depois se
recompõe.

— Eu acabei de fazer, você aceita?

Minha vó estende seus bolinhos natureba e ele pensa em pegar, acho que estava com fome, mas
prontamente diz não.

Apresento ele a todos, e ele não sai do lugar.


Meu avô começa a falar sobre teu tio, e Tiago só escuta, não diz nada.
Meu pai também fala sobre Pedro, e de novo Tiago só escuta. Nada diz.

— Eu já contei para ele sobre tudo. Não precisam ficar repetindo.

Eu falo e todo mundo concorda.

— Minha irmã ama teu irmão, essa história, hora ou outra vai ser descoberta por ele! Por que você
não deixa tudo como está e não se intromete!? Deixe que eles se resolvam! Não seja responsável
pelo sofrimento de nenhum dos dois!

Mariah intercede e Tiago nega.

— É minha obrigação contar pra ele! William faria o mesmo por mim! Helena... — ele me olha com
cara de bravo — Catarina está enganando ele por mais de um mês! Ele precisa saber de tudo!!!

— Não seja tolo! — Dom cospe suas palavras — Assim que você falar seu irmãozinho vai ficar
maluco!
— ...E vai te mandar direto pro Rio! Tudo vai mudar! — Jon continua — Ele vai sofrer, ela vai
sofrer, e a briga vai ser boa! Um vai machucar o outro, vamos entrar em guerra porque não vamos
deixar que ela saia disso machucada, e juntos somos mais fortes. Se ela te falou mesmo sobre nós,
tem que saber que é seu irmão quem vai perder. Aqui estamos tentando não chegar a isso, porque
infelizmente, eles se gostam!
Deixe Catarina no controle, Tiago! Dê mais alguns dias de paz ao seu irmão!

Jon finaliza e Marcelo concorda.

— Catarina precisa de repouso! Nem sei o que faz aqui!

— Eu estou bem, Marcelo! Sou mais forte do que pareço!

Eu falo e vejo Nati o encarar.

— Seu irmão não precisa de uma dessas assim! De uma vez! Não se intrometa nisso!

Lulu fala e Tiago suspira.

— Quero um cigarro!

Ele pede, e Fred levanta.


Nego com a cabeça e ele ignora tirando do bolso de seu colete um cigarro de maconha, e um
isqueiro.
Fred o encara com feições curiosas, e não sente culpa nenhuma em dar drogas para um garoto.

Tiago sai pela porta da frente, e eu mando Rubi ficar de olho!

— Leva ele pro jardim dos fundos! Ali vão vê-lo!

— Não posso acabar com ele mesmo???

— Vai logo!

Ignoro seu pedido, ela sai resmungando, e eu respiro fundo!

— Vai com ela! E mais tarde nos reunimos! Preciso ter uma conversa séria contigo! Depois que ele
terminar, leve-o até a delegacia!

Eu falo para Miguel e ele só concorda.

— Sabemos que foi para o hospital...

Meu pai me abraça e eu só me permito um minuto de calmaria.


— Eu tô bem pai! Sabíamos que essa merda dessa doença podia surgir, já tomei remédio! Essa
anemia é o menor dos meus problemas.

Eu falo já com os olhos cheios de lágrimas e ele lamenta. Eu estava muito triste e com muito medo!
Não era de chorar na frente de ninguém, (eu nem era de chorar, para ser bem sincera) mas não
pude evitar, eu ia perder meu delegado hoje.

Me solto dele, seco os olhos, e me sento ao lado de minha mãe, que logo me abraça.

— Tem alguma chance dele descobrir algo em Barbacena?

Olho para Jon e ele confirma.

— Tem. Tem Lari... ela pode abrir a boca assim que ele investigar sobre as pessoas daquela
época!

— Posso ligar para ela!

Minha mãe diz e Jon nega.

— Não adianta! Nem são mais amigas! Se ela quiser abrir a boca, vai abrir! A não ser que ela
goste de dinheiro!

— Não sei nem como ela está!

— Pois é! Ele precisa parar de investigar. Não temos outra escolha. Se não fosse por Catarina, eu
mesmo o apagava!

— Não diga isso, nem de brincadeira!

Eu falo e ele nega chateado.

— Nem sei como gosta dele! O cara te fez parar no hospital!!!

— Mas isso não é da tua conta!

— Ah! É sim!!! É muito da conta de todos aqui!!! Se ele morresse todos nós teríamos paz! — Dom
fica alterado — Tu tem sempre que agir de forma egoísta! Nosso lema é família em primeiro
lugar!!!

— Dom, sobe!

Meu pai só resmunga e ele se levanta no ato.


— Isso! Continue passando a mão na cabeça dela! É sempre assim! Mas já vou avisando... minha
mãe não vai pisar em um presídio nojento para te levar cigarros e biscoitos!

Ele fala e meu pai fica indiferente.

— Eu não fumo e não vou preso, e se por acaso eu for e sua mãe não me visitar, tu terá pais
separados! Aposto que tu vai amar! — meu pai sorri — Ela ficará pobre porque vou perder meu
cargo na FAB e ganhar um salário mínimo do governo, e estando separados ela ganhará só um
terço disso! Faça as contas! Tu vai ficar pobre e não vai comprar um novo Playstation a cada
lançamento!!!

Ele resmunga, e Dom sai batendo o pé ainda mais nervoso!

— Não ligue para ele, estamos com você! Vamos encontrar uma saída para minimizar todo esse
sofrimento! Vocês vão ficar bem no final disso tudo! Jade disse que você teria seu final feliz e eu
acredito muito nisso! O problema vai ser aturá-lo aqui dentro, afinal, me odiou! — eu sorrio em
meio as lágrimas — Mas eu gosto dele, será muito bem-vindo!!!

— É legal você pensar em futuro, quando eu não vejo nenhum!

— Cat, você precisa ter esperança! Eu não acredito que esse menino fale alguma coisa, vi a cara
que fez quando teu pai falou em como aquela senhora o tratava de forma doente! Acho que ele
não vai dizer nada!

Tia Nina diz e eu concordo.

— Quero que alugue uma casa grande em algum lugar...

Olho para Jon e ele nega.

— Ninguém vai fugir dessa briga.

— Quero que alugue uma casa grande em algum lugar do mundo, com um nome desconhecido.
Quando eu disser, a vovó, Lulu, Nina, minha mãe, Nati, e Millena, embarcam com as crianças! Temos
três fuzileiros, sendo que dois são assassinos profissionais, um estrategista, um franco-atirador, um
bom na luta-livre, um cara que esfaqueia dez em um golpe só, uma assassina que mata com
plantinhas e que é ótima na arte de "confundir", e até um médico, vamos acabar logo com isso, mas
eu quero todas elas e as crianças longe disso tudo! E para começar, quero Mariah de volta ao
Sul, imediatamente.

Eu olho para meus dois pais e Jon, e não encontram outra escolha que não seja concordar! Eu tinha
o bom senso ao meu lado.

— Mas por que isso???


Ela pergunta e eu fico com um ódio sem tamanho!

— Quer mesmo que eu diga!? Aqui???

— Diga! Qual o problema?

Meu pai pergunta e eu nego. Mariah fica apavorada.

— Quero os dois no Sul, e sem discussão! Agora temos algo mais urgente. — olho para Jon —
Não sei o que é necessário fazer, mas não importa o que faça! Quero Laura de volta, hoje! Não
amanhã, e nem depois, hoje!!! Por favor! Vamos precisar dela no Sul, para quando ele descer. Ele
vai usar o feriado para interrogá-la. É necessário que ela repita tudo o que combinamos! Agora
eu preciso ir! Minha cabeça está explodindo!

— Vem!

Eu olho para Mariah após cumprimentar um por um.

— O que é???

Saio com ela até as escadas da porta de entrada e falo baixo.

— Sei que beijou ele! Vou te falar e não quero discussão! Você vai decepcionar o papai e a Laura
e vai criar mais um caos para nossa família, como se fosse possível piorar tudo! Você pode negar,
mas somos irmãos, nós três!!! Miguel me ajudava a olhar você, te dávamos banho. Ele-é-teu-irmão.
Não queria ter que dizer isso, mas chega a ser nojento! Não tô "te julgando", não sou bom
exemplo, mas isso é extrapolar! Mesmo não sendo de sangue, vocês são irmãos e isso não pode
voltar a acontecer. Tu tem que namorar um garoto da tua idade, principalmente que não seja da
família! Esqueça essa história absurda e incestuosa, e desça pro Sul com o papai! Se você insistir
nisso, conto tudo para ele!

Eu falo segurando a raiva e ela chora, mas não diz nada, só vira as costas e entra pra casa.
Aquilo destrói o pouco que havia ficado inteiro de meu coração, e sei que exagerei, mas a situação
era a seguinte: um cara de quase trinta anos "pegando" uma garota de dezesseis, quase
dezessete, e ainda por cima haviam sido criados juntos! Aquilo ia acabar com meu pai.

Desço o restante da escada que restava, entro no carro, e fico sem coragem de ligar e ir para
casa. Tiago vai contar tudo o que ouviu para William e ele vai me odiar. Eu não sabia nem no que
pensar. Tudo estava perdido para mim. Eu não ia suportar aquilo.

Será que ele ia pelo menos me deixar explicar?


Eu sei que ele era/é agressivo, será que eu teria que machucá-lo?

Eu não sabia de nada, mas estava morrendo de medo.


Respiro fundo, ligo o carro, e só paro na garagem do condomínio! Eram três horas da tarde, se
Tiago contasse imediatamente, logo, logo ele estaria em casa.

Assim que entro em seu apartamento, meu telefone toca. Era ele.

— Oi, vida! Como está?


— Oi... estou bem! E você?
— Tô preocupado e com saudade.
— Eu te amo, William! Entendeu? Não importa o que aconteça, eu amo você, nunca duvide disso!
— Por que está falando assim?
— Não sei, só deu vontade!
— Mentira. Fala pra mim! O que foi?! Você está bem mesmo???
— Eu tô muito bem! Não tive hemorragia, não senti dores, não tive nada! Só... — eu tento disfarçar
o choro que surgiu de repente — Só estou com saudade também, é TPM vindo... tô sensível!
— Tudo bem! Quando eu chegar vou te mimar e vamos fazer amor até você se convencer de que
nada vai nos separar! Eu te amo muito! Você é meu tudo! Só penso no nosso futuro, no quanto quero
uma família contigo, no quanto quero te fazer feliz! Parou com os remédios?! Não tomou mais, né???
— Não. Não tomei mais e nem vou tomar. Quero muito te fazer feliz, de qualquer jeito!
— Minha neném manhosa, tá com uma vozinha tão desanimada, eu vou pra casa...
— Não! Vai trabalhar! Te espero à noite! Preciso de você aqui! Preciso muito. Vem logo! Eu te amo!
— Também te amo, bebê! Já, já estou aí. Eu não demoro.
— Tchau!
— Um beijo na boca!
— Beijo.

Desligo com o coração pesado de tanta dor, e me deito em sua cama para sentir seu cheiro, mas
não demora muito para a campainha tocar.

Meu Deus, que aflição!

Corro para atender, olho pelo olho-mágico, e eis a surpresa. Barbara.


Não... agora não, pelo amor de Deus!

Penso em não abrir, mas não aguento a curiosidade. Se aquela mulher me ofendesse, eu ia socar
aquela cara dela!

— Hoje não é um bom dia para briga de calcinhas!

Eu falo de uma vez e ela revira os olhos.

— Quem parece querer brigar feito uma selvagem, o tempo todo, é você! Eu sou civilizada! Posso
entrar?

— Depois de me chamar de animal? Acho que não!


— Será que você consegue ter uma conversa adulta? Por pelo menos cinco minutos???

— Isso vai depender de você! Se você se comportar, eu me comporto!

Abro a porta para ela passar e ela entra rebolando. Já falei o quanto o perfume daquela mulher
é horrível?!

— Tiago me ligou, e acabou me contando que você foi parar no hospital! Você está bem?

Ela pergunta com sinceridade e eu confirmo.

— Eu não estou bem, mas obrigada! Diz logo o que você quer, Barbara, realmente hoje não é um
bom dia, estou me sentindo mal, só quero me deitar!

Também sou sincera e ela me olha com um toque de compaixão, que me irrita. Eu não queria ser
amiga dela, por que estava sendo gentil???

— Ele te machucou?

Que???

— Não entendi...?!

— Eu fui clara! William machucou você?

— Está maluca? Por que ele faria isso? Óbvio que não!!!

Eu falo e ela parece aliviada.

— Bom, quando Tiago falou do hospital, fiquei preocupada. — ela se senta, eu lamento, mas sento
ao seu lado com o máximo de distância possível — Pode não acreditar, mas fiquei! O lance de
vocês é recente, então você não o conhece tão bem quanto eu! O William fica um pouco agressivo
quando fica nervoso ou excitado! E eu sei que minha sogra veio aqui. Imaginei que vocês tivessem
discutido por causa dela, enfim... criei coragem e vim te ver, tenho boas intenções, não quero te
provocar, ou te irritar, só realmente me preocupei!

— Nós não discutimos, só para te informar! Mas... quando tu diz agressivo...?! Ele te espancava?
Batia em você? Eu sei que ele é bem agressivo, principalmente na forma de falar quando está
bravo, mas chegar a bater?!

— Não me espancava, não! Mas apertava meu braço, gritava muito, batia na minha cara, me
humilhava... William quando... — ela me olha um pouco entristecida, tomando coragem para "se
abrir" — Quando se irritava, ele meio que perdia o controle, podia ser por ciúmes, ou sei lá,
quando se sentia contrariado, ele falava muito palavrão! Se ele se sentisse "desrespeitado", ele, me
dava tapas. Acostumei com o jeito dele, aceitava ele assim, aceitava e às vezes até sentia falta! Eu
sei que parece meio maluco, mas...

— Meio?!

— Will era assim e pronto! Se eu quisesse permanecer ao lado dele, tinha que aceitar, e aceitava
com gosto. Não era só na hora da DR, era na cama também, e eu amava! Enfim, acho que ainda
não conhece esse lado nele, mas quis te alertar...

— William nunca me machucou, nunca me bateu, e eu nunca aceitaria esse tipo de coisa. Ir para
cama com ele não é nenhuma calmaria, mas também já notei que isso é dele, e eu não me importo,
ele é maravilhoso. E eu nem entendo o porquê tô falando de meu relacionamento com você!!!

Eu falo e ela sorri.

— Não precisa me odiar, Helena! Não tem precisão! Depois que ele me mandou embora da vida
dele por causa de você, eu meio que mudei. Não o quero mais, e vou me entender com o Luís! O
cara que ele diz que pegou na minha casa. Nem sei se ele te contou essa história... — confirmo —
Enfim, e não foi só por isso que vim! Hoje ele me ligou para dizer que exigia que eu voltasse pro
Rio, mas não vou voltar, Helena! Não vou abrir mão de meu futuro profissional na melhor cidade do
país para se advogar, só para você se sentir segura. Não quero mais o Will, tenho amor próprio,
mas vim te pedir, com toda a humildade, e você deve saber o quanto isso é complicado para mim,
que tu retire essa ideia fixa da cabeça dele. Eu vou viver a minha vida longe de vocês, mas não
vou abandonar minha casa, eu me recuso.

— Por que não diz isso pra ele?

— Porque ele ainda tem um controle absurdo sobre mim! Vai me forçar a partir, mas não quero ir,
não posso ir embora! Já me estabilizei aqui!

— Acho melhor você falar disso com ele.

— Nem papo ele quer, algo aconteceu e parece que me culpa! Parece que eu fiz algo para
prejudicar ele, William está me odiando!

— Eu entendo. Mas não posso te ajudar! Quanto mais longe você estiver, melhor para mim, então...

— Por que??? Eu te deixo insegura? Não acha que se ele me quisesse, estaria comigo?!

— Sim. Mas você também não ajuda, não é?! Sabe que ele está comigo, e ainda quer contato,
ainda quer ficar enfiada aqui, sempre tem um motivo para procurá-lo, e depois de tudo o que ele
fez, ainda corre atrás dele! Você tem que cortar o cordão! Sua vez já passou! E não importa se
são dez anos de casados, se tem laços, se você ainda pensa em "amizade", o relacionamento
acabou, você precisa tirar teu time de campo. Ele parece me amar, mas ainda precisa de você, ou
do teu lado advogada. Parece confuso às vezes, e vou ajudá-lo a se decidir. Não posso te ajudar
porque foi eu quem exigiu que ele mandasse você pastar. E ele vai ter que escolher, ou esquece
que você existe, ou não me procura mais. Simples assim, se ex fosse bom, não era ex. William é
meu e vai esquecer que você já passou pela vida dele porque eu o amo, e serei suficiente. Foi
"bom", enquanto durou, mas agora você precisa deixá-lo seguir a vida dele.

Eu falo ela sorri irônica.

— Você não bate muito bem da cabeça...

— E você pode negar, mas ainda o ama! Tentou fazer a cabeça dele contra mim, insinuando que
eu escondo as coisas, e que estou envolvida com algum caso dele. Por isso ele te chamou para ter
sua opinião sobre o caso da família que matou o tio dele, e sumiu com o primo, e não eu. Você e
Manuela o envenenam contra mim, e a todo momento, quando não quero me abrir, é "sinal que
escondo algo", e você ainda quer ser minha amiguinha, ficar na 'paz e amor', e ainda me pedir
ajuda?! Se toca né, Barbara!!? Você está doida para que isso seja verdade e voltar para ele,
mesmo já tendo pego o próprio cunhado! Tiago me contou! Pare de querer me dar lição de moral!
Foi só ele falar "que viu uma garota bonita e loira" na porta do Miragem, que você foi correndo
atender o Ricardão de calcinha e sutiã na tua casa, no mesmo dia! Você mesma encurtou o caminho
dele até mim, e agora tá aí, morrendo de arrependimento por ter perdido um cara incrível como
ele! — me levanto e tento ser o mais claro e objetiva possível, para depois ir abrir a porta para
ela chispar da "minha" casa — Vou te falar pela última vez, não por recado, aqui e agora, se
afasta do meu homem!!! Para de tentar se reaproximar ou envenená-lo contra mim, senão não serei
mais tão pacífica, ou adulta! Jogo você no Tietê dentro de uma caixa de sapato, e caso com ele no
mesmo dia, em sua homenagem! Só pra comemorar!!!

Eu falo e ela ergue uma sobrancelha.

— Você está ameaçando uma advogada.

— Não tenho medo de você, não, estive com tua prima, sei até em que ponto vocês latem, é só
enquanto eu abaixo a cabeça. Tô te ameaçando não! Eu tô é te prometendo! Se afasta do William,
nunca mais o procure, ou teremos mais uma conversinha, só que dessa vez você vai sair perdendo!

Eu abro a porta e ela se adianta.

— E troca esse perfume horroroso!!!

Eu grito e fecho a porta.

— Nunca vi isso, tem dinheiro, mas não dá conta de comprar um perfume decente. Toda arrumada
e fedorenta, o que adianta?!

Resmungo mal-humorada e volto a me deitar, minha cabeça latejava forte e eu não via a hora de
todo aquele caos na minha vida acabar.

Entro debaixo do edredom grosso, banhado no cheiro dele, e me aninho sentindo saudade.
Adormeço depois de muito pensar e acordo às seis horas com barulho na porta. Só espero ouvindo
as batidas descompassadas de meu coração machucado.

Era dona Flor.


Ela abre a porta, me vê acordada, e sorri.

— Te acordei?!

— Não!

Minto.

— Vim fazer a janta! Qualquer coisa me dá um grito! — eu concordo com a cabeça e ela entra no
quarto — Você não me parece bem! O doutor mandou eu ficar de olho em você, como se sente?

— Eu estou bem, dona Flor, não se preocupe!!!

— Eu sou velha, menina! Não se pode mentir para uma velha! Me deixe ver!

Ela toca em minha testa e se assusta.

— Você está em chamas! Vou ligar pro doutor!

Ela dá meia-volta e eu praticamente grito.

— Não!!! Ele tá cheio de trabalho! Deixe ele lá, é sério, não liga para ele, não. Me traz um
antitérmico, por favor, e eu fico boa em dois minutos!

Eu falo, ela para pra pensar, e concorda.

Eu me sentia mal, mas não era para tanto, e além do mais, queria adiar a sua chegada. Tiago
prometeu falar e àquela hora ele já devia estar sabendo, eu só imaginava o que ele estaria
fazendo naquele minuto, após ouvir tudo o que Tiago sabia. Será que ele fazia planos para me
levar daqui direto para um presídio? Achava que sim! E lamentava também.

— Toma aqui! Daqui dez minutos eu venho te ver! Se não baixar vou ligar para ele!!!

Eu confirmo, tomo o comprimido, e me deito. É, eu não estava no meu melhor momento, e com
razão!
Minha cabeça continuava parecendo que ia explodir, minha garganta estava estranha, e eu só me
perguntava o que ele faria comigo quando chegasse. Apago novamente, e acordo com um baque
na porta da sala. No meu celular contava nove horas da noite. Era ele. Eu estava perdida.

— Deus...

Sussurro e continuo deitada.


Parecia a garotinha que havia aprontado horrores, e que temia pela chegada do pai. A única
diferença era que a garotinha aqui, havia matado, mentido, e "iludido" o papai.

Ele demora para entrar no quarto e descubro que foi direto para cozinha pois escuto a voz de
dona Flor ao longe. Eles conversavam, e logo sei que me entregou, pois escuto passos urgentes em
direção ao quarto.

— Ei!!!

Ele diz carinhoso e meu alívio é enorme. O que aconteceu que Tiago não contou?!?!

— Oi.

Eu digo olhando para ele enquanto se sentava ao meu lado, e repousava com cuidado sua mão na
minha testa. Parecia ter medo de me ver quebrar.

— Dona Flor disse que teve febre! Veio te medir umas duas vezes e não havia baixado, mesmo
depois do remédio! Pelo visto passou, tu tá fresquinha! Por que não me ligou?

— Não queria atrapalhar! Eu ia ficar bem depois de tomar remédios!

— Não faz isso comigo, não. Se não estiver bem, me liga, poxa! Trabalhei o dia todo com o
coração espremido! Teu telefone só na caixa postal, aqui ninguém atende! O que aconteceu?

— Eu fui ver meu pai! Me desculpe! Sei que estava de repouso, mas ele estava muito preocupado
e não podia sair de casa! Passei lá rapidinho e voltei!

— Tudo bem! Mas não faça mais isso, tem que se cuidar e me deixar cuidar de ti! Não posso te
perder, não suportaria, tem que se cuidar!!!

— Vou me cuidar! Fica aqui comigo! Não quero mais ficar sozinha!

— Não. Agora não! Primeiro tu vai tomar um banho, jantar bem, e depois a gente deita! Vem,
levanta!

Ele me pega pela mão, e eu me sinto fraca!

— Vai me dar amor quando a gente deitar??? Preciso de amor, muito, muito mesmo!
— Tu não tá nem se aguentando, mulher, vem! Vou te pegar no colo.

Ele me pega e me leva direto pra banheira. Tomo um banho relaxado e cheio de carinho, e ele
volta a me colocar na cama.

— Vou trazer tua janta pra cá! Vamos jantar aqui!

— E o Tiago? Cadê?

— Está na sala. Veio comigo da delegacia! Você realmente não está bem, porque ele saiu e você
nem viu, né?! Tá um ano de castigo porque, além de ter saído, está exalando maconha! Deixe que
com ele eu me entendo!

Ele beija minha testa e sai. Assim que ele fecha a porta, Tiago entra.

— E aí, Catarina! — ele diz e meu coração acelera de tanta aflição — Dona Flor disse que quase
teve um treco de tanta febre... como você está?

— Quem vê, pensa que tá preocupado comigo! Não me chame aqui assim, teve oportunidade e
não contou, então não me provoque!

— Eu pensei bem! Realmente não quero ser o responsável pela catástrofe que você vai causar. Eu
amo meu irmão, não quero vê-lo sofrer. Mas, tu vai ter que comprar meu silêncio.

Ele senta na cama e eu respiro fundo.

— Vai me chantagear?! É isso mesmo???

— Só estou fazendo isso porque sei que você não tem culpa de nada do que houve no passado,
nem você e nem ele, e apesar de ser uma criminosa, você gosta dele, e ele vai sofrer por ter que
te prender. O que eu quero é simples: primeiro é ficar por dentro dos planos da sua família
maluca, pra garantir que meu irmão não morra com um tiro na testa a qualquer momento; passe-
livre pra fumar meu cigarro quando ele não estiver em casa, e por último, mas não menos
importante, quero fazer parte dessa sua equipe de doido varrido que ganha uma nota preta pra
matar. Quero ter alguma função que não envolva tirar a vida de ninguém, e ganhar um
pagamento por meu trabalho. Quero participar dos planos e pensar em algo que ajude a resolver
esse lance da melhor maneira possível, para que meu irmão não descubra nunca quem você é!

O QUE???

— Você só pode estar pirando, Tiago!!!

— É pegar ou largar, cunhadinha!


Ele fala e eu ouço William se aproximar. Eu não tinha outra opção!!!

— Sim! Mas tenho contrapropostas, depois discutiremos! Amanhã!!!

Falo contra minha vontade, ele concorda, e fica em silêncio até William chegar. Quando ele chega,
o chantagista vai embora.

— Aqui está, sua dieta! — ele sorri — Come tudo que eu vou tomar um banho, e quando eu sair,
como o meu prato! Eu já volto.

Ele fala, pisca sorridente, e vai pro banho.

Remexo a comida sem vontade nenhuma, fico enjoada demais para ter apetite, e decido me
levantar. De meia e tudo.

Eu não queria comer, eu queria ser comida! Eu queria ELE.

Entro no banheiro quentinho, vejo o vidro do box aberto, e por causa do vapor intenso, só o vejo
quando me aproximo um pouco mais.
William deixava a água quente cair sobre meu corpo, e parecia ter me visto entrar primeiro, pois
me encarava com feições endurecidas, e sua atitude me dava a impressão que ele era um
psicopata mau, e assombrado!

Só o encaro, entro no box, e ele me segue com seu olhar, aparentemente bravo e faminto. Parecia
um gavião sondando a presa a milhões de quilômetros de distância.

— O que você quer de mim?

Ele pergunta mais do que aquela pergunta permitia, e eu começo a sentir minha meia e a frente de
minhas roupas molharem com os respingos da água da ducha.

— Eu quero tudo!

— Acho que você não está preparada para ter tudo o que posso te dar! Eu quero te dar tudo, e
quero tudo de você!

— Barbara esteve aqui. Acho que eu tenho uma noção do teu "tudo".

Eu falo e ele nega saindo da ducha, e me imprensando no vidro atrás de mim!

— Eu não sinto a menor vontade de te bater. Eu quero que você seja minha, só minha, pra sempre,
e quero que se entregue pra mim, mais do que já fez, e sei que, o que me deu até agora, é pouco.
Vamos ser sinceros aqui, eu não conheço você, não conheço um por cento de você e nem você de
mim. Mas independente de tudo o que acontece ao nosso redor, na sua vida, ou na minha vida, eu
desejo você, como jamais desejei alguém, e eu sei que você pertence a mim! Sim, como uma
propriedade. Se vamos acabar juntos, eu não sei, mas você é a última mulher que beijarei, e eu
serei o último homem que vai te tocar, e amar você. Nem que pra isso a gente precise acabar
destruindo um ao outro.

Ele fala e eu sinto a seriedade nas suas palavras. A verdade repousava em seus ombros, ali, com
toda folga.

— Eu sei de...

Começo a concordar e ele me beija. Aquele foi o beijo mais significativo que ele já me deu, me
dizia coisas que em palavras não seria possível, mas também tinha o mais extremo do erotismo.
William queria mais do que dizer que me amava muito, dizer que queria me foder, e trepar até o
dia amanhecer, bem gostoso, e assim foi!

Rapidamente minhas roupas estavam no chão molhado do banheiro, eu em seu coloco, e seus
braços fortes me fazendo subir e descer em sua vara enorme, gritando alto.

Quando o cansaço falou mais alto, me carregou até a cama, se sentou na borda, e continuou me
fazendo pular.

Como eu conseguiria viver sem aquilo? Eu jamais conseguiria.

E ele nada falou. Só manteve a luz acesa como gostava, apertava forte meus seios enquanto me
olhava nos olhos, e me secava ao ver de vez em quando, como ele entrava e saía de dentro de
mim.
Ele amava me olhar, me amava com olhos e me fodia com força.

Me joga na cama, abre as minhas pernas, e me chupa com maestria sem tirar os olhos
questionadores de mim, e apesar de beirar a loucura, eu me recusava a desviar os olhos dele. Se
ele queria tudo, ele ia ter tudo.

Assim que ganho pequenos orgasmos, com as pernas arreganhadas e pro alto, ele sobe
novamente, e me estoca com força, antes de parar para pegar algo na gaveta do criado mudo.

— O que é isso? Camisinha?!

Pergunto com dificuldade e sem ar, quando vejo que o que ele pega, parecia uma embalagem de
preservativo, principalmente pelo barulho que faz quando rasga.

Ele sorri quando pergunto.

— Tá doida para me dar um filho, não é?! Se prender a mim pra sempre... Acha que quando
nossa vida desmoronar, o nosso filho vai nos manter unidos, certo??!! Eu sei... — ele ri de um jeito
estranho enquanto mexia no próprio pênis — Não se preocupe! Não serve para proteger, tem um
furo na ponta! Vamos ter esse filho, e mesmo se não acontecer, eu já te disse... se tu não for minha,
não vai ser de mais ninguém! Eu não vou deixar.

Ele resmunga sério e entra dentro de mim, me fazendo gritar mais do que já gritei em minha vida
toda. A 'camisinha' parecia ter uma textura agressiva, e o atrito dela em minha intimidade me fazia
querer morrer de tanto tesão que eu sentia. Pegava no lugar certo, e eu não ligava de estar
parecendo uma "puta" ou garota de filme pornô de tanto gemer de forma obscena. Eu estava
chegando ao céu na quinta estocada bruta que ele investia contra mim, mas ele nunca parava, e
eu não queria que parasse. Eu queria ficar ali,para sempre.

— É gostoso, não é?! Todo esse prazer, juntamente com a possibilidade de tu ficar prenha! — ele
sorri, eu olho em seus olhos gemendo, e ele balança a cabeça achando graça, e sem parar de
meter fundo. — Estava aqui pensando em tudo! O sexo, o quartinho decorado por você, o hospital,
os nomes! Sabe o que eu quero?! Quero uma menina, pensei no nome de Catarina, o que acha?
NEM UM BOM CAFÉ CURA UM CORAÇÃO DESTRUÍDO!

Algumas horas antes...

— Mano!!! Tu não acredita no que aconteceu!!!

Tiago entra com tudo em minha sala, e interrompe a rápida reunião com Mágino Alves, secretário
de estado, o procurador da justiça de São Paulo.

— Com licença, doutor!

Eu peço, o procurador assente, Manuela continua minha linha de raciocínio, e eu puxo o pivete para
fora da sala.

— Você quer me foder, não é?! Quer que eu perca meu cargo, filho da puta!!! O que você está
fazendo aqui? Como entra assim na minha sala??? Que cheiro é esse???

Falo baixo e quando respiro fundo, fumo maconha por tabela.

— Eu fumei um cigarro inteiro de erva, e tenho um bom motivo! Eu ter fumado é o menor dos seus
problemas! Eu descobri, Will!!! Descobri o que a Helena esconde!!!

Ele fala e eu respiro fundo.

— Ótimo! É o que eu quero saber a dias! Mas vai ter que me contar outra hora! É o procurador de
estado que está em minha sala. Não posso falar agora! — eu falo e ele fica pasmo!

— Tá de brincadeira comigo, né?!

— Não tenho tempo! Vai pra casa! Posso saber o que Helena apronta por aí, depois. Agora não
dá!!!

Eu resmungo e entro.
Entro porque não posso deixar o procurador esperando, e estava com medo de ouvir o que Tiago
tinha pra dizer. Simples assim!

Entro, peço desculpas, continuo o assunto na parte em que Manuela me dá a palavra, e termino a
reunião me sentindo cansado.
Assim que ele se retira, tiro o terno, afrouxo a gravata, me sento no sofá, e Manuela organiza a
mesa colocada na sala, só para "o evento especial".

— Mágino vai assinar os papéis! Você vai ver!!!

Ela resmunga se preocupando com minha cara feia, e eu nego.

— Talvez assine, talvez não... senta aqui um minuto.

Peço e ela assim o faz, imediatamente.

— Tiago veio aqui para falar que descobriu o que tanto Helena esconde de mim... — eu falo e
seu semblante é de felicidade.

— Perfeito! Liga para ele então! Mande ele voltar!!!

Ela me olha e estranha minha feição preocupada.

— O que é? Qual o problema?!

— Eu já sei o que ela esconde. Na verdade, sempre soube! — seco o suor de nervoso na testa
com as costas da mão esquerda, e me sinto mal só de falar naquilo — Ela pertence à família do
cara que matou meu tio. Na verdade, eu soube assim que ela entrou na minha casa pela primeira
vez, ela fez o que fez quando entrou na minha casa para ler a carta. Sei que foi ela porque... —
sorrio — Ela odiou me ver com a Barbara nas fotografias que eu tinha espalhadas, e quando a
convidei para um café, ela fez o mesmo, pegou o porta-retratos da cozinha, olhou com cara de
nojo, e colocou de volta no lugar. Fez isso quando entrou lá pela primeira vez, ela já me amava
quando entrou lá, quando convidei. A família do meu pai é da Umbanda, não sei se acredita
nesses lances espirituais, mas, uma tia minha disse que ela está destinada á mim! Vida após vida a
gente se encontra, e vida após vida a gente fica junto. Foi ela quem me deu a certeza de que eu
estava no caminho certo com relação ao caso Miragem, e foi ela quem disse que Helena é minha,
pertence a mim, apesar de ter segredos difíceis de compreender...

— Espera! Parei de ouvir na parte em que disse que tinha um porta-retrato na cozinha.

— Sim, Barbara é maluca. Helena me fez jogar tudo fora. Tudo fez sentido quando, eu consegui
ler uma das correntes que usa no pescoço. Ela é esperta, mas, foi descuidada. Não a culpo,
também fico descuidado perto dela, tanto que chegou aonde chegou...
— O que tinha nessa corrente?

— Era a identificação da FAB, aquelas plaquinhas militares que todo fuzileiro usa. Engraçado que
eles usam essas placas para caso morram em campo, e o corpo pode ser identificado no ato... no
caso dela a delatou! Decorei o número enquanto a gente namorava, e enfim, na hora eu não dei
importância, mas quando fui na casa do verme babaca, vi que a dele não estava em seu pescoço,
mentiu para mim dizendo não estar apto a usar por causa de uma alergia. Ele a deu para a filha.
E, meu Deus... o pior disso tudo é que a praga é meu sogro!!! O desgraçado é meu sogro!!! De toda
essa história desgraçada, se o cara for inocente, e meu relacionamento com Helena ficar sério, vou
ter que aturar o babaca, e ainda respeitá-lo!

Eu falo e ela ri.

— Não sei o que fazer. Se eu conseguir provar que são culpados, e sei que vou, não sei como
vamos terminar. Ela nunca me perdoará, e vai terminar comigo...

Ela ri e eu não entendo.

— Espera. Deixa eu ver se eu entendi... ao invés de tu ficar puto porque a mulher te enganou esse
tempo todo, tu tá preocupado com o que ela vai fazer quando a família ir presa?!

— Helena e eu não éramos nascidos quando tudo aconteceu! É uma mulher corajosa, que está
tentando proteger a família! Eu não sei se eu teria coragem de fazer o que ela fez. Ela é genial, e
suas intenções são nobres, era inevitável a gente se apaixonar. Só o que eu queria era ouvir tudo
dela, a mulher está com tanto medo de me perder, enquanto eu só queria poder dizer que não ligo
para a forma como nos conhecemos, e nem para a família dela, e entendo o fato de que tem
medo. Só o que importa é que a gente se ama! Você consegue me entender...?!

Manuela suspira e confirma com a cabeça.

— Eu entendo o quão difícil essa situação é, mas você precisa aceitar que tudo vai acabar. Tu vai
encontrar as respostas, vai prendê-los, e isso vai acabar com a garota.

— Eu sei. Só o que eu quero é descobrir que estive errado esse tempo todo, Manuela, e que Pedro
está vivo em algum lugar. Eu sempre soube que ela era um deles, mas nem sequer pensava nisso
para não pirar. Não vou aguentar perdê-la, vou acabar enlouquecendo.

— Bom, você...

Manuela começa, mas alguém bate na porta.


Peço para entrar, e um Tiago comportado adentra o recinto.

— Melhor assim?! — ele aponta para porta e eu fico aflito — Posso terminar de falar ou você vai
fugir de novo?
— Eu já sei de tudo, Tiago. Sempre soube! Não quero ouvir nada de você, quero ouvir dela! Quero
uma confissão. Ela me deve isso, não posso saber por outra pessoa.

— Eu não sou "outra pessoa", sou seu irmão, e se já sabe, o que ela ainda faz em casa??? Por que
ainda está com ela??? Ela é uma Coverick, no momento, tua maior inimiga!!!

Ouvir aquilo me destrói.

— Nós dois não havíamos nascido quando tudo aconteceu! Ela não tem culpa, Helena...

— Para começar, o nome dela é Catarina!!!

— Eu sei! — fico irritado — Não posso me acostumar a chamá-la pelo nome, não é?!

Nome lindo... Catarina... eu queria tanto chamá-la pelo nome verdadeiro.

— Como descobriu isso?

Manuela questiona e ele puxa uma cadeira pra ficar na minha frente. Respondia Manuela, mas seu
papo era comigo.

— Ouvi o papo dela com a morena gostosa! Ela me descobriu, contou a vida toda dela para mim,
e me levou na mansão onde moram os pais. E... tô um pouco com medo de tua reação, mas vou
dizer de uma vez, para sua própria segurança. O fato dela ser a filha morta, e ter se aproximado
de você só para descobrir seus bagulhos, é só o começo de toda a sujeira! A mina é casca-grossa!
Assassina profissional, matou David e Diógenes!!! — O QUE?????? — Mata por grana, ao invés de
ter sido criada com bonecas, cresceu aprendendo a atirar!!! Pretendia matar você, e eu suspeito de
que a qualquer momento, Barbara vai amanhecer com a boca cheia de formiga!!! Você nem
imagina... ela trabalha pra prefeita, e o Douglas também, tem um grupo igual os deles a cada
estado do país e...

Tiago vai falando e meu desespero cresce a cada palavra desgraçada. Eu sentia gosto de sangue
na boca, parecia que eu estava sendo dilacerado de dentro pra fora.

— Tu tá cheio de maconha!!! Tu tá maluco! Vai embora! Não tá falando coisa com coisa. Matou
Diógenes??? Helena??? Ela nunca faria isso! Ela não!!! Douglas mata bandido à séculos, isso eu sei,
mas... matar por grana a mando de 'cabeças'? Eu saberia!

Dou risada negando. Era óbvio que aquilo era mentira. Tiago estava pra lá de Bagdá.

— Olha para mim! — ele pede e eu obedeço — A mina me contou tudo na esperança de que eu
ficasse com dó! Quase fiquei. Se o enganado não fosse meu irmão, eu teria pego a demônia no
colo e feito carinho nela até ela se acalmar. Catarina está perdidinha, sem saída, morrendo de
medo, e nem sabe o que fazer para não ser descoberta por você. A bicha mata à sangue frio,
eliminou dez, onze homens do condomínio do Diógenes em cinco minutos, SOZINHA! Você me
ouviu??? A garotinha da carinha de anjo matou uma equipe especializada em segurança armada!
A família é um cartel do crime. Tem o cara das facas, o cara que consegue tudo, a feiticeira que
faz macumba, a velha que faz bolinhos que eu suspeito que tem veneno, e por aí vai... Cada um
tem uma função!

— Cala a boca! Cala a boca! Catarina não é uma criminosa! Eu não sei o porquê tá me dizendo
essas coisas, não sei o quanto tu fumou, mas isso não é verdade! Diógenes era meu amigo, ela
nunca faria algo para me machucar, Helena me ama, não é uma assassina!

— Não faria mesmo, disse que só o matou a mando da prefeita, porque não sabia que você era
amigo dele, se soubesse não teria feito, mas isso não diminui todos os crimes que ela cometeu! Ela é
fodona da silva, mas ficaria bonitinha em um seriado, na vida real, esse estilo de vida é sinistro, tu
não pode mais confiar nela, brother! Se ela não acabar te matando, vai te prejudicar de algum
jeito só pra se proteger!!!

— Assassina de aluguel?! Isso é um pouco pesado demais...

Manuela resmunga tão descrente quanto eu e concordo!

— Certo. Não acreditam em mim?! Não precisa... ela vai acabar te fodendo no final de tudo, e
você vai se desculpar comigo...

Ele se levanta e ameaça ir embora.

— Faça uma coisa! — Manuela inventa — Ela sabe que você veio até aqui?

— Ela queria que eu contasse, não aguenta mais guardar isso tudo! Me contou tudo e mandou o
irmão dela me deixar aqui!

— Bom, finja que não contou, fale que seu silêncio...

Manuela dá ordens táticas a um adolescente, e eu nem presto atenção. Toda aquela informação
bizarra dava voltas na minha cabeça. Era mentira. Era tudo mentira.

— Certo! Se é provas que vocês querem, provas vocês terão!

Ele diz e sai.

— O que vai fazer?

Ela pergunta e eu me sento para não cair no chão.

— Tiago tá pirado! Estava na nóia naquele dia da boate, e disse não ter visto mulher nenhuma na
minha frente, sendo que Helena estava lá, bem na minha cara. Seu julgamento é questionável.

— Não seja o delegado agora, seja o irmão dele! Maconha não desperta criatividade, doutor. Já
avisei antes, você não me deu ouvidos e deu no que deu. Então escute agora! Investigue essa
história a fundo! Tiago não teria capacidade de inventar uma história dessas.

— Diógenes...??? David...??? Para Manuela! Helena não é capaz de matar uma mosca. Isso tudo é
um absurdo!

— Tu é delegado federal, e ainda bota fé nas pessoas!?! Ela estava lá no Miragem no dia da
morte dele. Por pura "coincidência", foi homenageada na mesma noite que Diógenes. Não quis que
você continuasse investigando a prefeita, porque provavelmente a conhecia melhor do que
ninguém. Comece pelo teu amigo, Douglas! Ligue para ele! Ameaceo! Faça-o te confirmar tudo!

Travo por um momento, respiro, crio coragem, ligo, e uma parte enorme de meu coração morre, ao
ouvir as palavras de Douglas.

"...Eu sinto muito, meu irmão! Trabalhamos para uma organização criminosa, servimos a uma cúpula
cujo os membros são todos colarinhos, praticamente noventa por cento pessoa pública. Pegamos a
encomenda e apagamos. Toda a grana é governamental, tá ligado?! É só altoescalão que contrata a
gente! Desce presidente, vice, governador, secretário, traficante, artista, qualquer um que suba a tela-
morta, por qualquer motivo!

Queria saber, já tá sabendo! Agora se tu contar pra ela que eu te contei, apareço morto no dia
seguinte. Catarina Coverick, é a espiã mais bem paga da américa latina, é a mais temida e respeitada,
não teme números e nem sempre age em grupo, também mata sozinha! Se tu entrar para lista dela, tu
tá morto! E tu entrou, quando vi ela aqui, quase pirei, liguei para ela pra perguntar o que pegava, ela
me disse que a prefeita quis te eliminar, como eliminou os dois delegados antes de você! Ela disse não,
e quando diz não, até a cúpula aceita, é respeitada. A prefeita foi morta antes de retalhar e mandar
outros para apagar você, depois que tu falou dela em público.

Tu tá mexendo com peixe grande! Se afasta disso tudo... esse tempo todo, tu só tá vivo, porque tua
patroa é Catarina, sei que tu é bom, mas se não fosse pela proteção dela, tu tava é só a arcada; Tu
atrapalhava os interesses da prefeita e ela era maluca. Tô falando de encomendas de milhões em
dinheiro público, só pra tirar pequenas peças do caminho dela!!! Já jogou xadrez?! Pela primeira vez
tu vê um peão como a peça mais poderosa do tabuleiro, brow! Tô te contando em respeito a nossa
amizade, mas sai dessa e não tente se envolver nisso.

Somos um câncer que nunca é curado. Quando um cartel é abatido, outro nasce no lugar... a tua mina
é osso duro de roer, e prender ou matar a mulher, é impossível! Vai por mim, todos os cartéis do país
já tentaram, seu lugar é bem cobiçado! O companheiro dela, é nada mais nada menos que Frederico,
o franco-atirador mais procurado do Rio de Janeiro, e pelo que me lembro, até você tava por dentro
de uma operação para trancafiar o malandro aqui no Rio! O "cara" que chegou e apagou metade
dos coxinha, arruinando a operação, era ELA! Lembra dessa cena, não é?! Onde a mulher toca ou
chega, tudo acaba, tudo é destruído!!!..."

A cada palavra que eu ouvia, mais tonto ficava, e mais morto eu me sentia por dentro. Amigo do
Rio, alta periculosidade, agressividade, independência, qualidade acima da média na luta, os
tantos pedidos para não se preocupar "pois se garantia sozinha", uso de arma de fogo como se
fosse acessório de moda, postura, confiança, força, mentiras, mentiras, e mais mentiras...

Quem era aquela mulher??? Quem era a mulher que me esperava chegar em casa??? "Não
importa o que aconteça, lembre-se que eu te amo, William, nunca se esqueça disso." Sério??? Eu era
um idiota. Fui feito de trouxa por uma garota de vinte e cinco anos. Eu não só fora usado para ter
informações, fui usado para facilitar o trabalho sujo e asqueroso de uma pirralha do crime. Uma
assassina.

Minha raiva e decepção era tanta, que fiquei tonto, literalmente. Minhas mãos suavam, a minha
respiração ardia no peito, as lágrimas involuntárias queimavam minhas vistas, e tudo doía. Tudo
doía.

— Diógenes!!! Ela matou Diógenes...

Sinto vontade de deitar em posição fetal e nunca mais sair. Eu preferia morrer a ter provas
daquilo tudo! Eu estava pirando, eu... eu... eu não entendia mais nada. Como ela pôde?
Quem era aquela mulher que eu tanto amava???

— Levanta! Você precisa ser forte!

Eu havia colocado a ligação de Douglas no viva-voz, então Manuela ouvira tudo.


Tentava me tirar dos pés do sofá, mas eu não queria ser forte, não queria ser "homem", eu queria
ter o direito de sofrer. E eu nunca na minha vida senti tanta dor real assim.

— Ela mata por dinheiro! O que eu fiz?! Como eu consegui ser tão enganado? Eu estou me sentindo
um lixo, não quero... não quero nunca mais pisar aqui!

Choro olhando ao redor, sem ligar para o que poderia pensar de mim e ela se ajoelha.

— Não faça isso com você mesmo! Se apaixonou, estava vulnerável!

— Ela matou Diógenes! Matou meu amigo e ainda foi levar flores para ele... me consolou como se
nada tivesse acontecido!!!

— É uma sociopata. Como toda a família! Tu se enganou, errou, mas foi a primeira vez. Primeira e
última! Agora levanta, vai lavar esse rosto, se recomponha, e vamos pensar no que fazer para pôr
essa corja toda na cadeia, doutor! Eu tô contigo!

Ela fala e eu nego.


— Me dê um minuto.

Eu peço, ela parece lamentar muito, mas logo sai.

Eu não merecia estar ali naquela cadeira, eu não merecia aquele cargo, eu não era digno de estar
onde eu estava, então, rapidamente virei a mesa com tudo em cima, a cadeira pesada destruiu a
janela de vidro atrás de mim, o arquivo veio à baixo, os aparelhos e vasos sujaram o assoalho
luxuoso, os painéis tornaram as paredes mais "limpas", mas o caos continuava dentro de mim. Não
havia nada que eu pudesse fazer para tirar de dentro de mim o que eu estava sentindo, e destruir
minha sala não me ajudou. Se eu não fizesse aquela vadia criminosa mofar na cadeia, eu não me
chamava William Castro.

Helena, ou melhor, Catarina Coverick, havia destruído tudo o que eu era e sentia.

Naquele momento eu era outro homem, um homem ruim e nada admirável, exatamente como ela.

(...)

Entro com tudo pronto pra matá-la enforcada de tanto ódio que eu sentia, e bato a porta com
força.
Havia pensado muito na delegacia, eu ia manter as aparências pra conseguir as provas e não dar
a ela a oportunidade de fugir, só que eu tinha zero autocontrole, nunca tive paciência.

Mas um "psiu", me chama a atenção e eu travo.


Dona Flor estava em casa, era impossível "socar a cara dela", com ela lá.

Tiago estava sentado na mesa e ela cozinhando.

— Eu ia te ligar, — ela diz baixinho — mas ela me fez não te preocupar! Pediu para eu ficar de
olho... ela está há duas horas com uma febre que não baixa! Já dei duas doses de antitérmico! Na
segunda ela nem acordada estava, estava alucinando de tanta febre. Falava umas coisas
estranhas, chorava... abri a boca dela, pinguei dipirona e a deitei. Fui vê-la faz quinze minutos e
nada.

Ela diz com a mão no coração, e antes de eu sair correndo pra vê-la, Tiago resmunga.

— Pega leve, ela tá doente... vocês estão juntos, então cuida dela, depois você faz o que é certo!

Ele fala como se eu fosse fazer o oposto. Só quando ouvi dona Flor falar aquilo que notei que, dor
maior do que eu sentia quando sabia que ela não estava bem, não existia. Ela não era quem eu
pensava, provavelmente não me amava, era má pessoa, cruel e sociopata, mas como a vida é uma
caixinha de surpresas, eu a amava. Pelo menos naquele momento eu ainda a amava. Só Deus
sabia como eu me sentia ao vê-la mal, mas também só Deus sabia o quanto eu ia lutar pra tirar
aquele amor de dentro do meu coração.
Quando entro no quarto e vejo seu olhar amedrontado, minha dor volta com mais força. Acho que
nem se eu quisesse, conseguiria machucá-la.

Por que ela fez isso comigo???

Eu me perguntava, mas ninguém respondia.

Entendi que dali em diante eu ia querer amá-la e "matá-la", ao mesmo tempo. E se eu quisesse
fazer justiça em nome de Diógenes, e de tantos outros que aquela mulher matou, eu ia ter que dar
conta de viver com aquele amor e ódio dentro de mim. Ou ela poderia fugir, e sendo quem era, eu
nunca mais ia encontrá-la.

Destruiu o resultado do cabelo, usou veneno não rastreado, me tirou com um pica-pau na fita de
vigilância, matou a prefeita que nem pôde pagar pelos seus crimes e etc... aquela mulher me fodia
pelas costas enquanto dizia me amar.

(...)

— É... eu gosto! — a vadia diz me olhando nos olhos — É um nome forte, de coragem. Se for
menina, eu aceito que seja esse!

Ela responde e eu desconto minha raiva nas estocadas grosseiras. Mais grosseiras do que qualquer
outra.

Ali eu não a amava, ali eu saciava meu tesão descontrolado e incompreensível, e descontava minha
raiva. Raiva essa que eu sabia que nunca ia deixar o meu interior.

A febre dela passou, meu ódio voltou!

— Você está me amando? Ou me fodendo?

Ela pergunta enquanto eu já sentia a quentura no pé da barriga. Logo eu gozaria.

— Não tem amor aqui! Não hoje!

— E por que não?! — ela geme — Por que tá fazendo isso comigo?

— Não tá bom? Hum? Não para de revirar os olhos, gritar como uma louca, e ainda reclama? Não
quero ouvir uma só palavra sua! Quero só ouvir seus gritos!

Eu continuo invadindo seu interior cada vez mais, gozamos juntos, e me recuso a beijá-la como
sempre fazia.
Me afasto e tento controlar a respiração.
Fito o teto enquanto ela me encarava confusa e com a respiração pesada, e eu finjo que não vejo.

— Eu te amo muito, William! Quando eu disse que daria minha vida por você, era verdade. É
verdade. Eu te amo.

Ela se aninha respirando eu meu pescoço, e seu cheiro me deixa pilhado. Me recuso a tratá-la com
carinho. Não sei mais quanto tempo eu aguentaria.

— Neném... não vai dizer que me ama também?

— Eu te amo, Helena!

— Então olha para mim!

— Tô olhando!

Eu olho e vejo seus olhos brilharem.

— Me perdoa!

— Pelo o quê?

— Tá bravo comigo! Não sei o que fiz, mas seja lá o que for, me perdoe!

Ela falava de seus crimes como se fosse: "só deixei a toalha molhada na cama", mas eu sabia que
do que falava, e via seu sofrimento. O problema é que eu nunca daria esse perdão. Nunca.

— Tá perdoada, gatinha! Descansa! Tô com a cabeça cheia de problemas da delegacia, não é


nada contigo.

Tento sorrir, ela gruda em mim, não desgruda nunca mais — como sempre —, e eu vejo o sol
nascer, só pensando no que eu fiz para merecer aquilo. Porque ela havia feito aquilo com a
gente.

Me levanto péssimo, passo uns dez minutos no banheiro, e vou direto pra cozinha.
Dona Flor já passava um café. A libero assim que posso, e dou continuidade na montagem da
mesa. Pães, chás, suco, frutas, biscoitos... tiro tudo do armário e monto uma mesa bonita.

Eu não sabia o que estava fazendo, mas aquilo me distraía. Eu precisava pensar em como fazê-la
confessar, porque eu sabia que Tiago não conseguiria muito.

Era um feriado ensolarado, eu estava arruinado, mas ainda assim, precisava ir até o Sul, e até
Minas, não nessa ordem, exatamente, e organizar uma coletiva para pôr meus planos em prática.
Mais um dia longo.

Assim que paro de pensar no quão alto era o penhasco que eu caía, e me perguntava quando eu
ia encontrar o chão, me assusto com sua sombra na entrada da cozinha.

Vestia seus shorts de pijama curtinho, blusinha combinando sem o sutiã, e me deixou duro, mesmo
destruído.

Olho em seus olhos enquanto dividia sua atenção de mim para mesa, e a vejo se sentar, na outra
ponta. De frente para mim.

— Sem beijinhos?! Nada de bom dia?! Nada de chamego?

Pergunto sem sorrir e ela ergue uma sobrancelha.

— Igual ontem.

— Eu estava chateado ontem. Algumas coisas na delegacia deram muito errado. Desculpa.

— Não.

— Como é?

— Eu disse que não te desculpo. Fui mais clara que a água!

— Liberei dona Flor para montar um café pra ti sozinho, e tu não vai me perdoar?

— Eu posso ser uma pessoa horrível, péssima... mas apesar de ser muito boba, às vezes, não sou
burra!!!

— Come o mamão que você tanto gosta! Infelizmente deve estar de TPM. Vai melhorar teu humor.

Ela olha bem para a pequena tigela de mamão e fica desconfiada.


Será que achava que eu tinha colocado veneno?! Coitada... estava achando que eu era da laia
dela?

Quando penso que vai se recusar, ela começa a comer e não tira os olhos de mim. Parecia dizer
"não tenho medo de você!", mas devia ter.

— Está bom?

Eu pergunto e ela coloca a mão na testa, como se fizesse questão de me ignorar.

— Tá com febre ainda???


Penso em levantar morrendo de preocupação, e me lembro da verdadeira atriz que era Catarina.
Por isso travo, permaneço no lugar, e ela sofre ao ver aquilo!

— Não. Só tive impressão... tô gelada.

Sim. Como a Elsa... ela era a própria rainha do gelo. E ainda mentia. Apostava e ganhava que
estava com febre. Sofrer até ficar doente, sofria, mas ter misericórdia das almas que "roubou" não
tinha não... amor e ódio. Mais ódio no momento.

— Tô sem fome, vou me trocar e sair. Nos vemos depois.

Ela se levanta e eu nego.

— SENTA AÍ! — acho que ficou um pouco assustada com minha atitude, por isso voltou a se sentar
— Vou viajar daqui a pouco, — eu volto a falar baixo — creio que não tenha nada mais
importante do que ficar um tempo comigo, já que ficaremos dois dias sem nos ver.

— Tem. Minha família. — ela dá seu recado, eu aceito, e "agradeço" — Minha família é tudo o
que eu tenho. É a coisa mais importante que tenho na minha vida. Por isso, vou te oferecer minhas
costas, e sair.

Ela fala, Tiago entra coçando o olho e quando nos vê, sentindo o clima, dá meia-volta e sai.

— Vai ficar comigo!

— Eu não vou.

— VAI! VAI SIM!

Ela no máximo ia sair para comentar com a família que eu já sabia, ou fugir, e eu não ia deixar.

— Tchau, William! Não se preocupe! Quando ligar, eu estarei no meu apartamento! Não volto mais
pra cá, mas também não vou fugir.

Ela se levanta e eu corro para puxá-la de volta.

— Tá agindo assim por que??? Tá querendo me desafiar???

Sua lombar bate na mesa e sua cara é de brava. Não gostava nada, nada da minha mão pesada
em sua nuca.

— Tô devolvendo o favor...

— Ah! É! Tá bravinha porque não teve denguinho ontem à noite!


— Me solta!

— Tu não vai sair daqui! Vou te soltar quando eu quiser!

Levanto a voz e Tiago, que nos espionava desde quando deu meia-volta, entra pra separar.

— William, solta a menina!

— SAI DAQUI!!!

Estava cansado de vê-lo se intrometer na minha vida. Em parte, o culpava por estar odiando
Helena. Se ele não tivesse me contado, a gente ainda estaria vivendo aquele sonho todo.
E por pensar nisso, uma fúria sobe a minha garganta, como se fosse uma bomba-relógio. Era pra
gente ser feliz, era pra gente casar e ter filhos, era pra gente estar na cama até depois do meio-
dia, porque era às duas que eu ia sair de casa. Tudo acabou.

— Eu não vou sair! Não vai machucar ela!!! Não tem que ser assim!

— VAI EMBORA!!!

Eu grito ainda mais alto, ele se afasta e sinto o corpo dela tremer sobe minhas mãos.

— O que foi?! Tá com medinho de ver ele me bater? — ela olha pra Tiago e ri com os olhos já
avermelhados — Eu mereço, porque você não deixaria!?

— Cala a boca!

Eu mando e ela volta a me encarar.

— Ah! Qual é, doutor?! Vai em frente! Não é assim que você gosta?! Vamos ver quem pode mais!

— Não me provoque. — eu falo baixo. O tempo estava se esgotando e eu ia explodir.

— Eu adoro provocar você. — ela olha pra minha boca e me desestabiliza — Sei que funciona.
Tá com ciúmes de mim? Não me quer na rua? Quer me domesticar?! Por que me proibiria de sair?
O delegado trabalhado na lei, praticando cárcere?! Como funciona isso?

— Cala essa boca...

Peço uma última e ela ri encostando o seu nariz no meu. Parecia que eu havia corrido uma
maratona, e mais um pouco ela ganharia a sua surra, que tanto precisava e merecia.

— Vem me fazer calar. Tenho certeza que tu gosta mais quando estou fazendo barulho! Tu odeia
meu silêncio, detesta me ver quieta, não suporta me ver abatida, e muito menos doente. Faça o que
fizer, eu sei que você me ama, e o melhor de tudo: Descobri algo que eu queria descobrir desde o
início. Desde quando me aproximei de você...

Eu aperto a mão em sua nuca e ela não esboça reação nenhuma. Parecia ser imune a dor.

— É, filha da puta?! Tu queria descobrir o quê?

— Teu ponto fraco! Eu.

Ela sussurra no meu ouvido e nego.


Passa a língua em minha orelha e minha fúria triplica enquanto meu pau começa a doer.

— Diz que tô mentindo. Teu ponto fraco sou eu. Assuma!

— Vadia.

— Sim. — ela me toca — Sua vadia!

Ela resmunga fitando o meu volume na calça de moletom, e me beija desesperadamente. Não vou
dizer que correspondi só porque queria manter a cena intacta, a correspondi porque tinha sede
dela.

Joguei metade das coisas da mesa pro chão, e fiz ela debruçar.
Ontem fodi a diaba com a desculpa de que seria nossa despedida, a última vez, mas naquela
manhã, eu não tinha desculpa. Só respondi a um desejo carnal.

Desço seus shorts, rasgo sua calcinha com grosseria, dou um tapa forte em sua bunda enorme e
redondinha, e carimbo sua pele branca e delicada com a marca certinha da minha mão.
Invado sua intimidade, soco sem dó, e em pouco tempo já gozo litros.
Ver meu líquido vazando de sua intimidade era melhor cena que já tinha visto na vida. Até me
ajoelhei só para ver aquela intimidade rosinha deixando escorrer meu líquido.
Ela gritava, parecia chorar, fazia manha querendo carinho, mas eu ignorava.

Enquanto mordia e chupava seu corpo inteiro, nem tive tempo de ficar mole. A bancada da cozinha
estava destruída e a mesa posta desapareceu. Tudo estava no chão, a cozinha estava um caos.

Me sento na cadeira, faço-a se sentar no meu colo de costas pra mim, só pra não olhar em seus
olhos, e brinco com seu ponto mágico enquanto a fazia pular.

Arregaço o tecido caro de sua blusinha para que seu seio direito fique de fora, aperto, belisco, e
a encho de tapas doloridos, nos seios e em sua intimidade.

Enquanto rebolava com lentidão e repousava sua nuca em meu ombro, eu a tocava com certa
delicadeza e meus pensamentos voam longe.
Me lembrei do dia em que a vi, do amor enorme que senti imediatamente, da vontade de tê-la pra
mim, dos nossos momentos românticos no Rio, seu soninho gostoso no sofá da superintendência. A
impressão que eu tinha de que podia protegê-la, e que ela queria e precisava de minha proteção,
minha vontade enorme de ter nossos filhos e formar família... tudo estava acabado.

Então, obviamente nem notei que estava chorando enquanto chupava forte seu pescoço. Sua pele
começou a ficar úmida, misturando seu suor e minhas lágrimas, e só depois disso voltei à realidade
e entendi que, não era amor o que a gente fazia, e aquilo me destruiu.
Amor eu fazia com quem confiava, com quem eu amava e tinha reciprocidade... ali eu não
conversava mais com sua alma, não enxergava sua "verdade", e nem podia.
Ela era de todo mentira.

Quando gozamos juntos, ela se levanta, senta de frente pra mim, e fica extremamente triste e
surpresa quando vê meus olhos inchados.

— Eu preciso ir...

Ela diz em voz baixa e ela não nota, mas mordo forte meu lábio inferior enquanto concordo.
Eu estava vivendo um mundaréu de emoções que eu não entendia.

Eu a odiava, queria vê-la pagar por todos os seus crimes, queria gritar com ela, ter aquele
momento onde ela me explicava tudo e tentava se justificar, mas vê-la ir embora de casa, saber
que tudo estava ruindo, e que eu ainda a amava, me matavam!
E eu não sabia qual era o sentimento mais forte!

Ela se recompõe e sai da cozinha. Me visto e olho ao redor. A gente tinha colocado a cozinha a
baixo.

— Sério isso?

Tiago sussurra quando entra na cozinha assim que ela sai.

— Não importa toda a merda que ela fez, ou vai fazer. Infelizmente a gente se ama! Mas foi a
última vez... foi a última vez que ficamos juntos e ela sabe disso também. Se despediu de mim.

Eu falo e choro. Estava cansado de chorar e nem estava adiantando, porque nem aliviado eu
ficava.

— E se ela pagar pelos crimes dela?! Talvez quando sair, vocês possam ficar juntos. Se a gente
pedir pra Bah, ela pode defender ela, aí ela pode ser julgada como se deve, e a Bah pode fazer
com que ela vá para júri, sabe?! — falou o irmão de advogado — Bah pode fazer aquelas coisas
que faz de melhor, fazer o júri pensar e chorar, e depois perdoá-la! Isso já vai dizer que ela
pagou, já vai valer pela lei! E aí...
Tiago falava e me ajudava a arrumar tudo.

— Pra começar, Barbara vai amar vê-la mofar na cadeia! Assim que ela entrar, Barbara volta a
se aproximar de mim dizendo: "eu avisei", mas "vou cuidar de você"... ambas querem se ver pelas
costas, e não importa se for perdoada pela justiça, o que eu já te digo: é impossível! O meu
perdão ela nunca vai ter!

— E por que não??? Se você ama a garota, por que não pode perdoar ela???

— E de que tu lado está, afinal? Pensei que era do meu.

— É do teu! Só que essa cozinha, nesse estado, fala muita coisa, não é?! Vocês se amam, o que
mais pode fazer???

Saio pra evitar de mandar ele pra putaqueoparil e entro no quarto.


Ela estava no banho. Separo uma troca de roupa pra levar, outra pra tomar um banho, e começo
a andar de um lado pro outro. Quando entro no banheiro movido por uma força da qual não
conhecia, a encontro com a ducha aberta, sentava no chão segurando os próprios joelhos, e de
cabeça baixa.

A água quente caía em sua cabeça e respingava longe. Fico confuso, e decido pela melhor atitude
que eu poderia ter, saio do banheiro e finjo que não vi nada.
Decido ir verificar se o carro estava em condições decentes de chegar até Minas Gerais, e desço
até o estacionamento.
Tudo em ordem, só bastava uma água pra tirar a sujeira grossa e eu poderia ir.

Procuro os documentos no painel, e o barulho de seu andar, que ecoava por todo o estacionamento
fechado chama minha atenção. Sim eu já sabia até como era o som que ela fazia ao andar.

Olho pelo retrovisor, e a vejo abrir a porta do carro. Ela para, trava, e seu olhar encontra o meu.
Pelo jeito, a garota era realmente uma arma ambulante.
Ela me ignora, entra no carro, e não posso deixar de notar sua feição péssima.
Helena... Catarina, sei lá, não estava só triste, também estava abatida.

Ela sai do estacionamento com seu carro, e eu consulto meu relógio. Era onze horas da manhã.
Dava tempo.

Sigo o impulso, sigo a filha da puta sem disfarçar, e continuo. Ela sabia que eu sabia de tudo, e eu
sabia que ela sabia disso. Pra que mais segredos??? A vejo virar uma esquina diferente e isolada
na rua de trás, perto da Catedral, fico aflito, e quando entro na mesma, a vejo saindo do carro, e
encostando na porta. Estaciono atrás, desço, e ela tira algumas mexas de cabelo do olho. Estava
ventando muito.

— Que lugar é esse?


— Por que está me seguindo? Avisei pra você aonde eu vinha!

Ela cruza os braços e eu dou uma risada nervosa.

— Então tua família mora aqui?!

Eu sou irônico, ela revira os olhos e nega. Age como se eu fosse o namorado possessivo e bobinho.
Eu não estava com ciúmes, só queria saber onde ela chegaria com tanto cinismo.

— Não reconhece mesmo o lugar? — ela questiona pasma — Está tão preocupado em me pegar
fazendo algo de errado que até perde o foco! — ela olha para as minhas costas, em direção ao
final da rua e eu olho ao redor. Estávamos a uns quatro quarteirões da delegacia, uma rua
próxima a instituição — Entra no teu carro, outra hora conversamos...

Ela abre a porta do seu carro e fica de joelhos no banco. Seu bumbum na calça jeans colada fica
pra cima e eu olho pra longe me obrigando a não sentir nada pela assassina mentirosa.

— Já disse, vou viajar daqui a pouco, precisamos ficar juntos...

Falo umedecendo os lábios e ela sai com duas armas maiores do que a que costuma levar consigo,
nem tenho tempo de identificar.

— Minta para os outros, mas nunca para si mesmo, doutor!!!

Ela resmunga usando meu corpo para se apoiar enquanto verificava os pentes.

— Que diabos está fazendo? O que tu vai fazer com isso? Tá ficando maluca???

Ela vê que o pente está cheio, olha de novo para atrás de mim, olha para o outro ponto da rua,
bem a minha frente, e eu posso ver o que acontecia.
Um carro preto com vidros fumê, acabava de estacionar na entrada do beco, e quando olho para
trás, só para conferir, outro carro havia feito o mesmo!

— Minha arma...

Toco o cós da calça, e noto o quanto sou burro.

— Não dá tempo! Mandei tu entrar no carro, agora não dá tempo!

Ela se aproxima entrando ainda mais em meu espaço pessoal, segurando suas armas de canos
grossos e alongados na altura de nossas barrigas... não identificava suas numerações, mas sabia
que faziam um estrago enorme.

— Então me dá tua outra arma!!!


Eu sussurrava, estava aflito.

— Está no banco, não dá tempo de você ir pegar. Por que diabos está sem a sua???

— Está no carro, porra! Me dê uma dessas!!!

Quem via de longe, estávamos namorando, ou conversando, mas só Deus sabia que estávamos
prestes à sofrer um atentado, e nunca fiquei tão aflito em minha vida. Nunca saía sem minha arma,
o que estava acontecendo comigo???

— Se toca, William! Não vai pegar nas minha armas!

— Quer discutir isso agora???

Eu falo, vejo o carro na minha frente abaixar o vidro, e ela nota que o de trás fazia o mesmo, pois
em um rompante, me empurra com brutalidade, e eu caio no vão entre nossos carros. Bato com
força o quadril e as costas na guia da calçada e quando me levanto rapidamente, a vejo no meio
da viela, os disparos que os carros faziam eram altos e ensurdecedores, mas sua arma era
silenciosa.
Ela estava de costas pra mim, com os dois braços estendidos, e atirou apenas umas duas vezes, nos
dois carros ao mesmo tempo. Quando o barulho cessou, saí de trás do carro, e me aproximei com
cautela.

Ela não tinha um ferimento de bala, mas no fundo, o fato que mais me deixou abalado é que eu só
fiquei olhando, de tão embasbacado que fiquei. Nem tentei "protegê-la", como faria normalmente
com qualquer pessoa.

— Como tu não saiu ferida??? Quem é você???

Pergunto horrorizado e em voz baixa. Eu estava em pânico.

— Eu não estava no meio de uma troca de tiros. Você estava! Praticamente me ignoraram porque
são burros, sou mais valiosa viva, e porque o interesse de ambos era outro.

Ela fala ao se virar pra mim e aponta para os nossos carros com a cabeça, estavam cheios de
furos.
Viram quando ela me empurrou e tentavam me acertar... não era ela o alvo, era eu. A assassina
tinha acabado de salvar a minha vida.

— Eu não atirei para matar, ainda estão vivos. Tu pode ir verificar e prender todos eles para
interrogar. Não tenho documentação dessas armas aqui, então, já pode me prender por porte
ilegal, se quiser. Se me deixar sair, a perícia vai constatar que as balas são da sua arma, e que tu
falou a verdade, só atirou por legítima defesa em um atentado.
Ela fala, espera eu tomar a minha decisão, e eu não consigo dizer nada, por isso me dá as costas
e caminha em direção ao carro.

— Por que estava com essas armas aí?! Sabia desse atentado contra mim?

Eu pergunto e ela se vira.

— Eu te avisei desde o começo sobre a prefeita, sobre o quanto era perigoso mexer com a sujeira
dela. Te implorei, queimei as provas, fiz chantagem emocional... tudo para não te ver em perigo.
Enquanto você estiver nesse cargo, aqui em São Paulo, será o alvo! Então fique esperto, não tire a
arma do cós nem para tomar banho, e não pense que essa será a última vez. Não tenho nada a
ver com isso, não mandei você me seguir! Nunca quis te ver morto, eu amo você! Tudo o que eu
quero, independente de tudo o que já fiz de errado na minha vida, é te ver feliz, é fazer você
feliz, e isso não vai mudar nunca. Sabe o porquê nunca te contei sobre mim? — ela acaba com a
distância em que eu nos coloquei e eu posso sentir seu perfume — Porque eu sabia que você ia
deixar de me amar, sabia que a pessoa que eu era, era o tipo de pessoa que você despreza mais
do que tudo no mundo, e eu não podia ver você me olhar como está me olhando agora, como
olhou ontem à noite, e hoje no café, com desprezo, nojo e raiva. — ela fala e chora — Era por
isso que nunca quis me apaixonar, nunca quis que você se apaixonasse por mim e sempre pedi
para não gostar de mim, se apegar, e sair dessa história machucado. Essa que você viu agora, sou
eu, meu 'eu' verdadeiro, e eu tenho consciência de que as coisas que faço e sou capaz de fazer,
não são das melhores. Você pode, deve e até vai, William, me condenar pelo o que sou, mas nunca
vai poder me julgar e me condenar pelo o que sinto por você. Isso tu vai ter que engolir.

Ela fala e me deixa lá. Fico tão pasmo e travado que nem consigo me mexer.

(...)

Após dar um jeito na sujeira que a assassina/heroína deixou, com a ajuda de Manuela, pego o
carro e sigo caminho até Barbacena, Minas Gerais.
No meio do caminho recebo o telefonema de Manuela dizendo que ambos os quatro homens que
estavam nos carros, se recusaram a dizer para quem trabalham.
Como saí atrasado, não consegui nem dar a entrevista que marquei para falar daquela família.
Apenas fiz uma notinha e pedi que Manuela a soltasse com a ajuda da minha assessoria. Ela me
garantiu que ia sair nos meios de comunicação mais sérios e importantes, então fiquei tranquilo.

A cidade era tão fria que parecia outro mundo.

Me hospedei em um hotel no centro da cidade e me instalei.


A cena naquele beco em São Paulo não me saía da cabeça, por isso tratei logo de me livrar e me
distrair. Eu me negava a ficar pensando nela, no que ela estaria fazendo, e na vontade de ligar.
Eu me negava a ficar com saudade do meu... daquela criminosa!
Aff!!!
— Vai jantar?

A recepcionista do hotel questiona como se tivesse o direito de saber.

— Hum...Sim!!! Conhece um lugar bem legal? Tô a trabalho, mas preciso me distrair um pouco!

— Tem um barr aqui! O mais famoso daqui! Se ocê qué se distrair, é lá mesmo! Chama Mineiro's
Bar! É de família e tem uma comida ótima! Temos convênio com eles, pode ganhar desconto em tudo
se levar isso...

Ela me dá um cartão do hotel, e eu agradeço. Me ensina como chegar até lá e eu logo me


despeço.

O bar era comum, a comida mineira era "comum", e as pessoas eram comuns. Não sei se ela tinha
exagerado para ganhar comissão, ou se era eu quem não via graça em nada. Achava que a
segunda opção era a mais exata.

Eu não via graça em nada porque ela não estava lá. E não, eu não aceitava aquilo como uma
verdade pra mim.

Chamo uma garçonete qualquer, peço uma cerveja, e aguardo.


Beber era uma saída boa, eu não bebia fazia tempo.

"Você pode, deve e até vai, William, me condenar pelo o que sou, mas nunca vai poder me julgar e
me condenar pelo o que sinto por você. Isso tu vai ter que engolir..."

Ouço suas palavras em minha cabeça fraca, e decido pedir uma dose de whisky pra piorar! Pelo
menos dormir como uma pedra, eu ia... e principalmente, ia esquecer a maldita.

Quando penso na demora daquele pedido, a cerveja e o whisky logo chegam. Era uma mulher
servindo as bebidas, e outra servindo as comidas.

— Aqui está...

A mulher que, aparentava seus quarenta anos ou mais, deposita as bebidas em minha mesa, me
olha com a simpatia ensaiada e depois me olha novamente ao terminar de encher meu copo.

— Algum problema?

— Não. É só que parece que te conheço de algum lugar...

Ela franze o cenho e eu fico impaciente. Queria muito ficar sozinho e em paz.

— Talvez conheça! Sou delegado federal do estado de São Paulo! Apareço na TV de vez em
quando...

Ela faz uma cara surpresa/aflita.

— Já sei...

— Se falar ‘delegado gato’, saio sem pagar!!!

Ergo uma sobrancelha e ela se senta. Ótimo.

— Tu é o primo do Pedro. Meu "ex-namorado". Foi anunciado no jornal que você investigava um
possível assassinato que ocorreu na tua família!

Ela fala e eu vejo uma grande possibilidade de sair do "nada" em que eu estava. Era era a Lari,
só que estava por demais diferente da foto. E bom, já fico feliz por economizar tempo, mesmo
porque, eu ia olhar nos arquivos o nome do bar que que pertencia à sua família, porque eu não
tinha decorado, e só queria saber disso amanhã.

— Que bom! Então o destino me ajudou e eu vim no lugar certo. O que pode me dizer sobre o
Pedro? Sabe onde ele está?

— Namoramos naquele ano do seu sumiço, enquanto ele fazia o curso aqui. Dormimos juntos em
uma noite, e no dia seguinte não voltou...

— E o que sabe sobre isso? Conhece os Coverick's, certo? O que aconteceu durante sua estadia na
casa dessa família?

— Nada demais. Eu achei que você sabia! — ela mente, depois se levanta — Bom, doutor... boa
sorte na sua busca!

— Espera! Não vai me ajudar a encontrá-lo? Não se importa com isso? Não gostava dele de
verdade? Como a senhora se chama? — me faço de louco.

— Larissa! Eu amava o Pedro, mas não sei de nada. Não posso ajudar, desculpe.

Ela mente de novo, volta para seu trabalho, e eu paro de beber no ato. Fico usando a mesa até o
bar esvaziar, me distraindo com as pessoas que entravam e saiam do local. Me perguntava como
cada um reagiria se tivesse o coração partido de forma tão cruel.
Sim, eu estava sendo patético, a minha situação era bem patética. A mulher que eu mais amava no
mundo matou meu grande amigo, e mentiu sobre toda a tua vida.

— Vamos fechar doutor... quer pedir a conta!?

Ela volta e pergunta com a mão na cintura.


— O que você quer para me contar TUDO o que sabe??? Eu não tenho dinheiro, mas sei que com
minha influência, posso te oferecer muita coisa...

Pergunto de uma vez e ela nega.

— Tá desesperado, depois de tanto tempo??? Não há nada que você possa fazer contra essa
família! Teu primo desapareceu faz anos, eu me conformei, se conforme também.

Ela diz, eu me levanto, coloco o dinheiro na mesa, e a encaro.

— Volto amanhã! Fica com o troco.

Tento não pressiona-la, e vou embora.


Ela sabia. Sabia de muita coisa!

Pela primeira vez me via fechando aquele cerco.

Levanto às seis horas porque nem sequer preguei o olho, e procuro por meu celular.
Havia nele uma mensagem de Manuela que nem abri, e uma D'ela.

"Bom dia. Quando chegar talvez não me encontre. Voltei pra instituição. Até o meu apartamento tem
seu cheiro... nós não estamos bem, mas espero com muita fé que tudo dê certo no final. Consegui o
trabalho pro Tiago, então ele está comigo! E não se esqueça nunca, eu amo você! Amo muito, William!
Boa sorte... Helena"

Apago a mensagem, finjo que não li, e também finjo que não havia dor alguma. Estava começando
a ficar fácil.

" Uma mulher ligou. Disse que havia visto a notícia no jornal, e que precisava se encontrar com você.
Ela disse que não podia falar muito porque era perigoso pelo telefone e "eles" podem escutar, mas
que logo estaria em São Paulo, para se encontrar com você. Quer falar sobre a família Coverick, e ter
proteção e identidade resguardada em troca. Estamos quase lá, doutor!!! Manu."

Fecho a outra mensagem de Manuela e uma onda de alívio enorme me atinge.

Sigo para a tal fazenda e já entro olhando tudo. Era o tipo de lugar que tudo podia acontecer.
Era lindo, tinha um casarão enorme, que parecia de um sonho que já tive por diversas vezes, e
estava muito bem cuidado.

— Oi, posso ajudar?

Uma senhora bonita e com vestes caipiras me atende sorridente. Ela cuidava de algumas plantas
perto da entrada e eu nem a havia visto.
— Olá! Bom dia! Sou o delegado Castro! Vim de São Paulo, tenho um mandado. — eu mostro —
Só quero dar uma olhada na propriedade. A senhora é a caseira? Como se chama?

— Ah! Fui avisada de sua chegada! — ela sorri feliz e me abraça, mais uma louca... — Sou
Isabelle! Vem, entra! Eu moro aqui! Já fui caseira por muitos anos, mas quando minha neta fez onze
anos, ela passou a propriedade pro meu nome... era dela essa belezura!!!

Ela fala olhando ao redor e me fazendo andar.

— Como se chama sua neta?

— Catarina! Catarina Coverick!

Claro.

— Por que ela passou uma casa pro seu nome?

Eu pergunto quando ela me faz entrar por uma porta lateral que dava em uma cozinha antiga e
aconchegante.

— Porque ela quis, uai! Sou sua avó! — ela sorri — Eu sempre cuidei dessa casa para a família,
disse que era a hora de eu cuidar para mim mesma! Ela é muito boa, sô! Só não vem me visitar,
mas liga sempre que pode!

— Entendi.

Ela me oferece café em uma mesa farta, e por incrível que pareça, me sinto à vontade.

— No caso então, a senhora é mãe da dona Hellen?!

— Sou, sim!

— Pode me contar sobre a época em que meu primo, o Pedro, estava na cidade?

Ela começa a contar e eu escuto algumas coisas que já ouvi antes, menos um detalhe.

— Como assim a Hellen foi embora?

— É que eles brigaram em uma noite... ela não contou isso? — ela fica nervosa — Foi bobagem!
Mas minha filha ficou muito mal, e terminaram! Só não sabiam que ela estava grávida, então... Cat
passou até os três anos ou mais de vida no Sul, com o pai dela, o Yan!

Cat...
— Yan não é o marido da Laura?

— É. Eles se envolveram! Se “conheceram melhor” depois que minha filha e ele se separaram...

— Entendo. Sua filha e Yan, já foram casados... — isso eu não sabia — Qual foi o motivo da briga
que a fez ir embora para sempre? Praticamente esconder a filha...?!

— Eu não sei, só eles sabem!

— Ela não te contou?

Ah, tá!

— É que acho que só ela pode contar. É um assunto muito triste e muito pessoal!

— Senhora Isabelle... eu estou investigando um possível assassinato, aqui! A senhora precisa me


esclarecer tudo o que sabe. Só assim pode ajudar a descobrir a verdade, e inocentar sua família.

Eu falo, ela entende a real situação, e se senta em minha frente.

— Meu genro sofreu muito abuso em Manaus, o Tay, sofreu demais naquela FAB lá que ele
trabalhava, sabe?!... Todo mundo soube quando ele chegou! Minha filha descobriu porque ele tinha
marcas de tortura pelo corpo. Em uma noite, enquanto eles discutiam por algum motivo, enfim,
aquelas discussões, que todo casal tem... ela falou disso em voz alta demais, disse que ele devia ter
contado logo, enfim, o vô dele já era muito velhinho e se sentia culpado. Era muito pressionado a se
alistar e servir como toda família... mas não sabia o que o neto tinha passado, todo aquele
sofrimento.

Ela respira fundo, fica triste e continua...

— Quando minha menina gritou tudo que podia, ele ouviu tudo... ele teve um infarto de tão
nervoso que ficou, e meu genro movido pelo luto, a magoou muito. Mandou minha filha embora da
vida dele, só que não sabia que ela estava grávida, e quando ela soube, não contou.
Cat acabou crescendo no Sul. Hoje tem uma irmã de criação, a pequena Mariah...

Ela vai falando e eu me lembro da noite da premiação. Ela estava com um cara moreno, e uma
garota que aparentava dezesseis ou dezessete anos. Eram eles.

Prazer, mais um segredo da "Cat" sendo revelado.

Estava começando a ficar compreensível o rumo para qual aquela menina tinha seguido. A garota
vivia em uma família banhada na desgraça absoluta.

— Você conhece a minha neta, certo!?


Ela pergunta sorridente quando o silêncio reina.

— Sim. É minha mulher. Ou melhor... era.

Ela fica triste.

— Entendi. Mas olha só...

— Não faça isso... — eu peço e ela se cala — Eu a amo, mas ela mentiu para mim. Nunca vou
perdoá-la, ela não é quem eu pensava que fosse.

— Minha neta é uma menina muito boa, meu filho, tente...

— Dona Isabelle, a senhora vai me perdoar, mas Catarina é tudo, menos uma boa pessoa!

Eu digo e me levanto quando acho que já tinha escutado tudo.


Sabia que o momento de defender a neta chegaria.

Dona Isabelle era também uma mulher incrível, o tipo de senhora que eu adoraria ter por perto,
assim como dona Ellen, ou Hella. Mas aquela família havia impregnado veneno em ambas.
Conclusão: Ninguém prestava.

Mas depois de tanto bate-papo, tantas lacunas sendo preenchidas pelas memórias de uma
senhora, e um belo café. Algo me passou despercebido...

— Dona Isabelle... — eu paro no batente da porta após me despedir, e a vejo sentada na mesa,
ainda, parecendo triste e pensativa — Quando eu cheguei, a senhora havia dito que foi avisada
de minha visita...?!

Ela sorri tristonha como já estava, se levanta, e vai até a bancada do armário onde tinha um
telefone. Ela aperta um botão, e pelo jeito ia me mostrar uma ligação que havia caído na caixa
postal.

O chiado começa, e logo sua voz invade o recinto, fazendo meu coração doer demais, e me
fazendo sentir vontade de desligar o gravador que sempre ligo antes de tomar qualquer
depoimento.
Eu queria apagar a existência daquela mulher, mas tudo dizia que seria difícil. Até ouvir sua voz
me machucava, então logo veio a bílis.

— Oi vovó, é a Cat! Eu não sei se a senhora sabe, mas às vezes, se você deixar esse jardim, só por
um momento para atender o telefone, vai me fazer muito feliz, e eu agradeço. — ela ri um pouco —
Espero que a senhora esteja bem... eu tô com tanta saudade! Aposto que quando me ouvir nem vai
precisar me ligar de volta para perguntar como estou, porque aposto que já percebeu... — sua voz
muda e fica fanha, anunciando o choro e atraindo o meu — Não estou nada bem, vovó! Nada bem...
mas eu não liguei para falar de mim, eu não sei se a mamãe te avisou, mas um rapaz vai visitar a
chácara! Ele é o delegado Castro, pelo menos vai se apresentar assim... o nome dele é William! Ele é
alguém muito especial! — ela chora mais — Ele está investigando o sumiço do Pedro, e vai dar uma
olhada em tudo no casarão. Trate ele com muito carinho, e ofereça seu café que pode consertar
qualquer coração machucado, porque eu destruí o dele. Fiz uma besteira imensa vó, como sempre... —
ela ri no meio do choro — Prometi que nunca ia machucá-lo e machuquei. Eu tive uma pequena vida
incrível ao lado dele, mas agora acabou. É muito provável que já não me ama mais, então, quando
falar de mim, fale só do lado bom, só de coisas boas, porque acho que todo o meu lado ruim ele já
conhece. Diga a ele o quanto eu o amo, e que ele me ensinou muito. Eu nem sabia que podia amar
alguém, eu nem sabia que eu tinha bondade de verdade dentro de mim, e nunca pensei que poderia
ser verdadeiramente feliz um dia, mas ele me deu tudo, vó. Em pouco tempo ele me deu tudo, e sem
ele, só sobra o lado ruim dentro de mim. Eu o amo mais que minha própria vida, mas eu sei que a
gente nunca vai ficar juntos, e isso está me matando, isso está acabando comigo. Peça para que ele
fique no casarão e se sinta em casa, aí com a senhora e com o tio, ele ficará mais confortável.
Responda todas as perguntas dele, está bem? Com toda a sinceridade. Eu não vou prometer que te
vejo em breve porque não sei quanto tempo eu tenho, mas eu prometo para senhora que assim que
der, se der, eu apareço de surpresa. Até lá, lembre-se que te amo, minha velha! Até logo! E atende esse
telefone, pelo amor de Deus. Beijo, vovó!

A ligação acaba, noto que a sua avó chorava, eu seco as minhas lágrimas, e saio sem dizer nada.
Eu nada tinha pra falar.

(...)

Estaciono no bar novamente e já era a hora do almoço. Havia olhado a chácara de cima à baixo
e sabia que não ia encontrar muito. Dona Isabelle também havia me mostrado algumas fotos, e eu
pude matar a saudade de um primo que nunca tive a possibilidade de conhecer, e uma Catarina
que eu nunca iria conhecer. Uma Catarina criança, pura e linda. Parecia um anjo. Meu ex-neném.

Meu coração dói demais ao pensar nisso.

Meu mau humor estava no seu auge quando me sentei no balcão.


A tal Larissa lavava alguns pratos e copos, e quando me vê, bufa e se aproxima.

— Eu já disse, doutor...

— Eu não vou sair daqui! Preciso terminar o que comecei e sei que tu pode me ajudar. Por
enquanto pedi na gentileza, com educação, só que eu tenho um mandado. Você esteve presente
naquela época, dona Isabelle me confirmou, e quando eu digo esteve presente, esteve mesmo...
você oficialmente está sendo intimada a depôr, e vai vir comigo. Se não fizer isso, vai ser
enquadrada como cúmplice e vai em cana junto com todos eles. Ou me ajuda e depois te deixo em
paz para lavar esses pratos, e servir tuas mesas, ou te levo algemada para São Paulo, e de lá tu
vai direto para um presídio de segurança máxima, e de lá tu não sai nem nos próximos trinta
anos.
Exagero "só um pouco" e ela fica assustada.

— Acho que preciso de um advogado, então, não é?!

Ela fica revoltada e eu nego.

— Tu só precisa me dizer o que sabe e voltar para tua vidinha interiorana. Pelo tanto de
acusações que você e eles vão pegar, é só você quem vai se ferrar, porque eles têm muita grana
para pagar ótimos advogados, já você, cuja a amiga não dá as caras há anos, aposto que não.
Para quê protegê-los?! Conta logo o que sabe e eu garanto a restrição na sua identidade. Viverá
em paz depois de tudo. E só por consideração a meu primo, que foi seu namorado, estou disposto,
ainda, a retribuir o "favor" e te oferecer algo em troca. É pegar ou largar.

Eu falo e ela parece bem tentada, mas ainda assim, apavorada com a possibilidade de dizer o
que sabe.

— Eu falo tudo! Mas já digo logo: Eu fui tão enganada quanto eles! Amava o Pedro, mas não o
conhecia, não sabia o que esperar... eu não tenho nada a ver com o sumiço dele!!!

Bingo.

— Vem comigo, senhorita Lari! Vamos visitar alguns lugares por onde vocês andavam enquanto tu
me conta tudo o que sabe...

(...)

— E eu que achava que só ia saber sobre meu primo. Coitado de mim!

Falo com Manuela assim que eu chego. Fui direto para a delegacia com o depoimento assinado
pela Larissa, a ex-amiga de minha ex-quase-sogra.

— Esse Juliano também, hein?! Mais um cheio de azar que foi se meter com a família errada.

— Idiota. Morreu por ciúmes. Verme nojento, criminoso, e ainda possessivo.

— Mas, e essa história dos cavalos, das ameaças?!

— Não justifica, né?! Larissa disse sobre a fama de mal desse cara, mas não me mostrou provas
nenhuma. Mesmo assim, não tem pena de morte no país, criminoso ou não, ele tinha que se ver com
a lei.

— Eu sei, eu sei... tô falando: Será que foi ele, ou foi teu primo mesmo?

— Larissa disse que foi meu primo, mas alguma coisa não se encaixa. Ela ouviu pela boca do Tay,
na época, que quem matou Juliano, afinal, tinha sido meu primo! O Juliano, o cavalo... e que até
ligou para amiga para se desculpar por ter acusado ela. Mas que motivo meu primo teria de
matar um cara? Tay tinha, ele era um "paquera" da dona Ellen, Lari disse o quanto ele era
ciumento, disse tudo o que fazia, o jeito como a tratava... os dois eram, até Juliano era obcecado
por dona Ellen, e mesmo assim... meu primo não cabe nessa história, mas Larissa está disponível
para esclarecer mais algumas coisas se eu precisar, sabe que não pode sair do país, e está em um
local seguro. Ela falava que ele tinha ciúmes até do Pedro com a dona Hellen, até do próprio pai,
onde já se viu?! Ele sim, tem culpa, e vou provar isso!

— É! Realmente faz sentido. Agora essa história toda da mulher criar a Catarina longe do cara é
barra, hein?! Dá para entender o porquê a garota demonstra ser tão problemática... que família
mais conturbada.

Eu dou risada, mas sinto um ódio só em ouvir aquele nome.

— Pensei a mesma coisa. — olho para meu painel recém montado — Foi depois que esse Juliano
foi morto, que meu primo sumiu. Larissa disse que o Tay chegou em casa e contou o que sabia, mas
Pedro nunca mais retornou, e ele disse que não sabia dele. Disse que sabia do que realmente
aconteceu, porque ele confessou e fugiu para não ser preso... só que ela também disse, que uma
corrente da dona Ellen havia aparecido na cena do crime, que Tay o encontrou morto lá, e a
corrente perto da janela. Fiz uma busca por corpos no terreno da fazenda que ainda está no
nome dele, junto com a polícia federal local, mas nada foi encontrado.

— Que confuso. Ela era só uma menina, não acredito que...

— Eu também não. Mas já não confio em mais nada. O problema é que...

Começo a falar e o telefone toca.

— Doutor, tenho uma visita aqui, para o senhor. A mulher se chama Fernanda e quer fazer uma
denúncia pessoalmente.

— Ela está sozinha, Amara?

— Está com a sua filha, doutor.

— Pois bem. Peça para um agente escoltá-las até aqui! Acho que é uma moça que quer denunciar
algo de extrema importância, então quero atenção redobrada até ela entrar em minha sala, e
escolta na porta. Enquanto ela estiver aqui ninguém entra!

— Certo, doutor!

Desligo e peço para Pedro já preparar os documentos de proteção à testemunha.


Quem entra na minha sala é uma senhora 'fina', elegante, e já de certa idade, juntamente com uma
jovem garota morena. Parecia ser sua filha.

— Doutor Castro?! Sou Fernanda! Esposa de Juliano, e essa é nossa filha. — aperto sua mão
estendida — Criei coragem e vim falar à respeito dessa família. Esse Tay Coverick, há muitos anos
atrás, me abordou em uma praça em Belo Horizonte, onde eu morava, e depois disso... — ela me
entrega alguns papéis — Juliano fez uma transferência gorda para a conta dele. Meu marido
ganhava muito dinheiro e eu me preocupava em como gastava. Quando descobri que ele bancava
um apartamento para a amante dele, a tal de Ellen Coverick, cadastrei meu celular para receber
notificações de transações, e aí está o... — ela olha para a menina e ela diz para a sua mãe:
"Print" — Isso... O print. Eu havia feito para esfregar na cara dele, mas depois que ele sumiu, eu
imprimi e guardei. Está tudo nesse envelope.

O B.O por desaparecimento, o dinheiro da transferência para a conta dele em um documento que
consegui com muito custo direto no banco, o print, as contas desse apartamento, tudo!!! Logo depois
que fiz essa denúncia descobri que o caso nunca foi realmente investigado. Essa família compra
qualquer um! De repente, o meu Juliano, já estava dado como "morto", e ninguém queria saber,
várias portas se fecharam para mim e eu me vi sozinha com uma filha para criar, e sem marido...

Ela vai falando, chorando, e minha raiva só crescendo. Pelo jeito eu teria que ter mais uma
conversinha com essa família.

Chamo o escrivão, ofereço um copo d'água para Fernanda, faço ela repetir tudo que disse, ela
assina seu depoimento, e logo é levada para um local também seguro, como Larissa.

E movido por um ódio sem igual, pego às minhas chaves, e dirijo até a instituição. O ódio que eu
tanto queria sentir, chegou. Ainda não era a hora de colocar as cartas na mesa, não quando eu
ainda não tinha sua confissão, e nem as provas de todo o mal que fez para tanta gente, mas eu
podia puní-la de um jeito doloroso. Eu podia fazer com que ela sentisse pelo menos o mínimo do
que eu estava sentindo. Extrema tristeza, decepção, raiva e dor. Muito dor.

Entro sem chamar no portão e apenas bato na porta. Quem me atende é a tal da dona May. O
quintal estava cheio de crianças, que brincavam e pulavam, mas tal alegria não me contagiava. Eu
era o inferno no meio daquele céu cheio de anjos.

— Helena está, dona May?!

Ela parece nervosa, mas confirma!

— Deve estar dormindo, mas... quarto doze.

Ela me dá passagem e eu subo as escadas correndo e pensando que a próxima a ser intimada
poderia ser ela mesma...
Entro com tudo e a encontro na cama, deitada no colo do "irmão de criação". Estava com os olhos
vermelhos, e de vestes simples como nunca a vi, ali ela era diferente, parecia tirar todas as
máscaras.

Ele fazia carinho na sua cabeça, mas quando me vê, se afasta e se levanta deixando ela se sentar.

— Eu vou deixar vocês conversarem. Quando ele sair, eu volto!

Ele fala, e ela concorda. Passa por mim me encarando, e eu vou segurar a porta, porque sou
desses.

— Como você está?

Pergunto movido por uma educação repentina e ela ignora.

— Vá direto ao assunto.

— Certo. — Fico em pé mesmo, porque queria ser breve — Eu sou homem, vim como homem.
Temos coisas a acertar, "estamos juntos", então te devo isso. Essa viagem foi boa pra mim, me fez
pensar muito em nós... quero dizer que pra mim acabou, sem volta, sem choro, sem implorar, sem
nada. Os motivos, tenho certeza que em breve discutiremos, mas agora não dá. Tô com a cabeça
cheia, tô nervoso, e não quero descontar os problemas da delegacia em você! Quero que você
fique bem sim, cuide da saúde, mas me esqueça. Siga em frente na tua vida, mas não saia do país.
Eu não quero que você me procure nunca mais, e esqueça definitivamente que eu passei pela tua
vida, como também vou fazer!!!

Eu falo, coloco a minha aliança na cama, ela segue minha atitude com o olhar, mas não diz nada
em nenhum momento. Não chorou na hora, não esboçou nenhuma reação, e nem quis me matar de
raiva, o que era estranho.

Mas pelo menos eu me sentia, apesar de definitivamente um cara morto por dentro, mais leve
também. A família daquela mulher e ela, eram monstros, e eu não queria envolvimento nenhum com
nenhum deles, nem o mínimo que fosse, todos eles tinham um caráter abominável, e apoiá-los, era
apoiar o crime e a crueldade de achar que eram a lei em pessoa, e que pode resolver qualquer
coisa matando e comprando. Pra mim, tudo havia acabado pra sempre.
Vou esquecer que conheci aquela sociopata assassina, prender todos eles, inclusive ela, e nunca
mais pensar nesse inferno que virou minha vida depois que eu a conheci verdadeiramente.

Helena morreu para mim.


O MESTRE E O RUSSO.

— Como se sente? Agora que disse que ele sabe de tudo. Terminou contigo...

Meu pai questiona assim que eu chego em sua casa com Tiago em minha cola.

— Eu tô bem, pai! Eu sempre soube que o fim chegaria! Eu realmente tô bem!

Eu minto e ele acredita. Vesti a face 'intocável' que sempre usava com frequência e funcionou para
todos, menos para os olhos inquisidores de Rubi, a bruxa irritante.

— Está tudo pronto?

Pergunto e Jon confirma.

Minha pequena e feminina família faziam suas malas e se aprontavam para partir. O fato mais
engraçado era que se William se sentia no direito de me odiar, eu poderia e deveria me sentir da
mesma forma. Ele estava separando minha família, que sempre foi unida, e eu o odiava por fazer
aquilo. Parecia que, porque tudo entre a gente estava acabado, queria acabar com tudo ao redor,
para fazer justiça. Sofrer sozinho não podia.

Mas eu sabia que falava bobagem! Ele perdeu o tio, não conheceu o primo, e nem sequer se
despediu do amigo, tudo por minha culpa.

Desvio o olhar dos meus pais e meu irmão, que se abraçavam e choravam, e engulo uma bílis
monstruosa. Meus avós, nem se fala... o sofrimento por se separarem depois de anos, era
desmedido ali!
Tento me distrair ao ver a cena um tanto quanto estranha, onde Marcelo se despede de Millena, e
depois a segue com os olhos cheios de amor até que ela desaparece pela porta, indo de encontro
com o carro que os esperavam, e depois, "tira" Nati dos braços de Mat e a beija
apaixonadamente, como nunca vi antes. E não teve caos, não teve confusão. Mat resolveu ir junto
para proteger a família, e por também ter que partir, se despediu do irmão como se nada tivesse
acontecido. Eu e todo mundo sabia que o relacionamento deles eram "uma grande festa", mas ver
aquilo, era no mínimo bizarro, e também motivo de orgulho. Afinal, ali prevaleceu o amor.

Quando minha mãe se aproximou de mim, não aguentei e chorei, mas logo me recompus.

— Eu te amo! Nada do que está acontecendo é sua culpa! Jamais se culpe, está bem? — eu
concordo mentindo — Fica bem, te vejo logo!

— Vamos demorar um pouco para nos ver... — eu falo baixo, e ela parece confusa — Mas não
fica triste! Preciso que faça uma coisa por mim... quando voltar eu não estarei aqui, vou te deixar
um bilhete na sua primeira gaveta, aquela gaveta que você sua caixa florida. Leia, tente entender,
e principalmente, não se desespere!

— Do que você tá falando, filha?

Ela fala baixo porque eu falava baixo.

— Vai! Agora não posso dizer nada. Mas não esquece! Não se desespere! Nos vemos assim que
eu puder voltar!!! Tá bom? Não se preocupe!

Ela concorda, me dá um abraço apertado, e vai embora me deixando péssima.

Nos despedimos de todos, e quando vão embora, tudo se silencia. Um silêncio que machucava.

— Me dá um minuto!

Peço olhando para Jon, e ele sorri com seus olhos avermelhados por ter que dizer adeus a Lulu e
Giullia, seus maiores tesouros. Meu tio era tão apegado a elas...

Entro em meu quarto cor-de-rosa e infantil, e grito no travesseiro para abafar o som horroroso
movido pelo desespero.
A dor era tão grande que eu não entendia, só sentia.
Grito até minha garganta doer, por longos minutos desesperadores e depois me levanto para
lavar o rosto. Tinha passado. Eu não podia sofrer para sempre. Eu precisava me recompor, e
cuidar da minha família, porque ninguém faria isso no meu lugar ou melhor do que eu.

Giro a aliança que se manteve "intacta" só no meu dedo, e me assusto com a assombração de
Tiago. Ele estava parado no canto da parede, perto da porta, e me olhava entristecido.

— Por um momento achei que não sentia nada, na verdade... achei que não sofria. Achei que só
doía nele.

Ele se senta do meu lado e me olha com amor, batendo na própria perna.
— Não vou desabafar e nem confessar até chegar a hora certa, então, se é isso o que você quer,
pode ir embora.

— Já filmei todo o seu quartel do crime lá no museu, e um pouco da conversa de todos, eu já


podia ir embora se eu quisesse. Quero proteger meu irmão, mas gosto de você! Ainda quero ver
vocês dois juntos e felizes. Não posso julgar você! Sou um drogado e problemático, se lembra?!

Decido aceitar teu colo e me deito.

— Você é muito pirada. — ele me ofende enquanto acarinha minha cabeça — Mata por grana, à
sangue frio, mas sofre por amor.

— Nunca matei uma pessoa inocente na minha vida, e é só por isso que consigo dormir em paz.

— Will nunca vai levar isso em consideração, Cat!

O apelido pegou.

— Acha que ele volta pra Barbara assim que me prender? Assim que decidir seguir com a vida
dele?

— Não. Will não gosta dela, nunca a amou realmente. Pelo menos não como ama você. Se você
quer saber, ele está decidido a destruir toda a família, está com muito ódio guardado, muito
rancor... mas também está sem vida, parece que tá morrendo, sabe?! Desanimado, sem vontade de
viver. Está sofrendo muito, como nunca vi antes. Ele me quer longe daqui, longe de você. Disse que
terminou contigo porque não queria nem chegar perto, e que você era perigosa demais para eu
ficar perto. Nós discutimos quando eu disse que ia ficar do teu lado, e que se tu fosse presa, eu
iria contigo até a porta da cela.

Ele ri.

— Engraçado. Tu está ocupando o lugar que ele devia estar. Só não pode se apaixonar por mim.

Zombo sem sorrir e ele gargalha.

— Você não faz meu tipo! É branquela demais, sua Jessica Jones!

— É Catarina! — tento sorrir — E de heroína não tenho nada.

— Sei. Mas salvou ele naquele beco! Salvou o Fred inúmeras vezes, e...

— Para. Não tente me colocar pra cima! Continue fazendo suas gravações, sei que contou para
ele e mentiu pra mim! — eu olho em seus olhos e o vejo um pouco envergonhado — Vou me reunir
com todos, só precisava de um momento!
— Eu concordo com o Will quando ele diz que você precisa responder na justiça por tudo que fez.
Mas o mais importante... eu entendi algo que ele não conseguiu, não ainda... você é sim, uma boa
pessoa e de coração bom. E ama ele de verdade. O que eu puder fazer para te ajudar, sem que
isso o prejudique, vou fazer!

— Quer me ajudar? — ele diz sim com a cabeça e parece sincero — Quando o pior acontecer,
fique do lado dele, e não saia, nem se ele te obrigar. Nunca o deixe sozinho!

— Às vezes você fala como se fosse morrer, e isso assusta.

— É só um pressentimento.

Volto para a sala, movido por um bom senso fora do comum, Tiago diz que vai embora para nos
deixar mais tranquilos, e eu respiro fundo antes de começar a falar.

— Cadê a Laura, Jon?! Disse que estaria aqui no momento certo.

Cobro e ele sorri ao olhar para atrás de mim.

Uma Laura 'plena', entrava em casa e sorria para mim.

— Cheguei.

— MÃÃÃE!!!

Miguel volta a ser só um menino e corre para seus braços.


Não tinha como não ficar feliz em vê-la. Era muito bom tê-la de volta, agora nosso time' estava
completo e ainda mais forte.

— Ei!!!

Ela resmunga ainda chorando quando me abraça.

— Minha princesa! Minha filha!!! Estava com tanta saudade!

— Eu também. Achei que nunca mais ia te ver!

— Pensou que eu fugi, é?! Só fui ganhar mais tempo! — ela se solta de mim e encara Miguel —
Quando tudo acabar precisamos conversar! Vou me explicar e você vai entender tudo! Eu prometo!
Mas agora precisamos nos unir e neutralizar esse federal irritante! — ela sorri para mim —
Desculpe, amor!

— Tá desculpada! Ele é mesmo!


— Tu não tem ideia de onde estive! — Laura vai até meu pai, e eles se abraçam com mais afeto
do que poderia ser possível, e aquilo não acontecia desde que eu era menina, ambos estavam
radiantes por se verem de novo — Entrei no cartel de Manaus! Invadi uma reunião da cúpula, e
posso te dizer que não estou tão enferrujada como pensei que estava!

Os dois dão risadas.

— É muito bom ter você aqui, minha assassina favorita!

Ele diz bagunçando seus cabelos cacheados.

— Nem acredito que pela primeira vez, lutarei ao lado de meu filho amado!

— Eu espero que seja a primeira e última, mãe. Tenho a impressão que vai ser tão estranho quanto
te ver nua! — Miguel volta a agrrá-la.

— Vai nada! Será emocionante!!!

— Posso apostar que sim!

Miguel ri.

— Quais os planos???

Rafa muda o assunto e eu me levanto.

— Bom, como tio Jon já disse, em pouco tempo ele conseguirá mais provas, e então pode nos deter
para averiguação. Vai nos manter presos para continuar as investigações...

— Cat! — Jon resmunga — Eu pensei em outra coisa... temos os melhores advogados do país, e eu
tenho todos os áudios e provas de que foi tudo por legítima defesa. Inclusive na hora do
assassinato. Poderíamos agir primeiro...

— Nem brinca com isso! Mesmo que seja provado, vocês vão responder por um monte de artigos,
inclusive ocultação de cadáver. Me recuso a ver minha família presa! Não, vocês sempre
conquistaram tudo na garra e na coragem, e me inspiraram tanto a ser tudo o que sou hoje. Meu
pai, meu avô e você serviram a esse país, deram seu sangue, e tem família! Pedro e Carlos não
foram mortos de graça! Nem Júlia, ou o cúmplice dela!

Desabafo e todos ficam calados.

— Vamos para a chácara, ele vai procurar por nós lá, e conhecemos o território. Não o quero
morto, mas se ele quiser começar uma guerra, ele vai perder. Preparem tudo! Miguel pode afiar
suas facas, Rubi pega a besta de Fred e prepare soníferos que dure por horas, e que são
capazes de derrubarem cavalos. Não precisamos derramar sangue, mas podemos fazer um
estrago! O que vamos fazer é muito simples...

Disserto sobre todo o meu plano, ou uma grande parte dele. Após ouvir, todo mundo se dispersa
para se preparar para viajar, e só fica Fred me encarando.

— Você parece tão empolgada... chega ser incrível.

Ele sorri.

— Meu amigo... fazia tempo que eu não tinha uma missão tão atraente, e emocionante!

Ele ri, me dá um beijinho na testa, sai e fico sozinha na sala.


Um momento de paz.
Dois minutos tentando manter o foco, e logo penso nele. Nos nossos momentos, nosso amor, nossas
brigas bobas, e por fim... no término. Decido não mais me castigar, e sim, agir. Eu não podia
esquecer que enfim havia voltado a ser a Catarina assassina... acho até que nunca deixei de ser. A
criminosa focada, rápida, inteligente, e letal. Era o que eu precisava ser desde o início. Nunca
devia ter me deixado levar por aquele sorriso branco, beijo mágico, olhar carinhoso, e mãos firmes.

A cena da cozinha me invade a cabeça, e me desestabiliza por um momento. Pego meu telefone,
vejo zero mensagens dele, e não consigo ficar pior do que eu já estava. Era melhor assim.

Ligo para a Rússia, e Ele’ atende na hora.

— Já está na hora?

— Já. Prepare tudo e pegue um jato, anote o endereço...

Eu passo o endereço de Barbacena, e não me preocupo, pois, ninguém de casa falava russo.

— Em quanto tempo te vejo?

— Estou em Moscou. Consigo chegar em quatorze horas. Só preciso que tenha paciência e já sabe...

— Não ficarei aflita. Nos vemos em breve.

— Da, moya koroleva! moye vnutrenneye zhelaniye, chtoby sluzhit' vam.

Ele fala as palavras que eu escuto dele faziam anos! Era algo como "Sim, minha rainha! O meu
interior anseia em te servir!". A cada pedido era isso que ele falava, e cada vez que ele falava,
mais forte e poderosa eu me sentia. K. era um aliado poderoso, e eu precisava dele aqui.

— Não quero ficar sozinha, mas preciso ir buscar as minhas roupas no apartamento. Vamos
comigo?

Pergunto para Fred horas depois e ele nega.

— Não. Acho que Jon está aprontando alguma coisa pelas suas costas, e me recuso a sair de
perto dele.

Me levanto do sofá na qual estava sentada.

— Jon nunca me prejudicaria. Nunca me machucaria!

— Não é para te machucar, é para te proteger de alguma forma, mas só pelo fato dele estar te
escondendo, não vou sair de perto dele. Peça para Miguel. Faz meia hora que ele tá miando feito
bebê no colo da Laura, parece um baitola!

Dou risada.

— Tudo bem! Vou sozinha! Ficarei bem!

— Vai sozinha aonde???

Marcelo entra na sala e logo recupero o sorriso.

— Vem que eu te mostro.

Arrasto o primo médico porta à fora, e ele se vê obrigado a ir comigo, contanto que eu dê uma
carona até sua casa para também fazer a sua mala.

Estaciono na garagem do prédio, aperto o botão do elevador, e eis mais uma surpresa dolorosa. A
pequena família de três se preparava para "ir passear".
Tinha um Tiago cabisbaixo, uma Barbara radiante, e um William abatido e depressivo parecendo
"tentar", a todo custo, dar continuidade em sua vida e sua rotina.

Ele olha para a minha mão direita, cuja minha aliança estava em meu dedo anelar e a sua em meu
polegar, que apesar de um pouco frouxa, cabia direito.

Seus olhos encontram o meu, meu peito grita sentindo agonia, e não deixo aquilo continuar por nem
mais um minuto.

Entro no elevador, ele encara Marcelo de uma forma estranha, e sai sem chiar ou rosnar. Ele
parecia sem forças até para ter ciúmes.

Pelo jeito aquela seria a última vez que eu pisava naquele apartamento. Não dava mais para vê-
lo. Aquela dor que eu sentia por vê-lo sem poder tocá-lo, e principalmente por vê-lo com ela, eu
jamais queria sentir de novo.

Ergo minha cabeça e agradeço o fato de Marcelo respeitar a minha dor absurda e não dizer
nada.

Quando entro em meu apartamento, encontro algumas sacolas no chão da sala, e dona Flor
ajeitando tudo. Parecia que ela levava aos poucos, as sacolas para o quarto, e guardava para
mim.

— Dona Flor? O que faz aqui?

— Oi, minha linda! Me desculpe invadir assim, seu lar... é que o doutor me pediu para trazer umas
coisas suas para cá, que estava no apartamento dele, e me pediu para fazer a gentileza de
guardar para ti, organizar, e ver como estava sua geladeira... ele disse que o médico receitou uma
dieta especial de ferro, não é?! As sacolas estão na cozinha. Farei aquela sopinha que você amou,
pro jantar! E...

— Dona Flor, eu agradeço, mas a senhora pode ir! Não preciso da sua ajuda, nem vou parar mais
aqui! Voltarei para a instituição! — eu a abraço com carinho e lamento o fato de estar dispensado
todo aquele cuidado que eu realmente precisava — Diga para ele que eu não preciso de sua
pena, e não quero nunca mais que se intrometa na minha vida. Manda ele cuidar da noiva dele
que ele ganha mais. Sei que a senhora não tem nada a ver com o nosso término, mas dê o recado,
por favor...

Eu falo e ela ri.

— Ele disse que se a senhorita dissesse algo do tipo, era para ignorar.

— Prometa que vai dar o recado!

— Prometo.

Ela larga as sacolas no chão, e sai quando eu abro a porta. Mas não sem antes me dar outro
abraço cheio de ternura.

— Ele consegue ser até mais babaca do que eu era.

Marcelo me ajuda com as sacolas.

— Por que está dizendo isso?

— Ele praticamente deixa claro que não te ama mais, te dá um pé na bunda porque tu matou o
amigo dele e é uma criminosa, e te despreza quando te vê. Mas aí depois, manda a empregada
para cuidar de você, e demonstra preocupação, apesar de tudo! Fala sério! Você realmente não
tem vontade de matá-lo?!

— Não. Não no momento! — ele ri — Mas William tá revoltado demais para ficar preocupado.
Provavelmente queimaria minhas roupas, conhecendo-o como conheço. Mandou dona Flor aqui
para dar notícias minhas, ou trazer uma escuta fazendo dona Flor de mula. Olhe nos bolsos das
minhas roupas só pra variar.

A gente procura, não encontra nada, e ao invés de dizer que tinha razão, e se gabar, Marcelo
começa a brincar com minhas peças íntimas das sacolas, e "me agarrar" dizendo que podia fazer
a "prima esquecer do delegado pegajoso!". Só ignoro.

Viajamos até Barbacena, Jon havia pago uma hospedagem longa para vovó e tio Renan em um
rancho luxuoso na cidade, e então tínhamos o casarão só para nós e para o caos que viria.
Eram nove da noite quando estávamos todos na sala, na frente da lareira, esperando tio Jon sair
do escritório e falar o que queria, pois havia nos reunidos para isso, dar um 'pronunciamento'.
Fred havia dito que não conseguiu descobrir o que tio Jon tanto escondia, e que para ele também
seria uma surpresa.

Aproveito seu papo demorado com meu pai no escritório e tiro o celular do bolso. Ligo para o
mosteiro e me lembro de Rubi falando que eu procuraria meu "amigo Russo" e meu mestre, para
planejar alguma coisa... sorrio me sentindo triste.

O atendente atende o telefone em inglês e eu só digo meu nome.

— Eu já disse que não gosto dessas modernidades. Elas fazem mal para os espíritos, tentam afugentar
minha alma...

Ele fala com sua voz fraca e seu japonês fluente, no telefone. No Brasil era de noite, então eu
sabia que o encontraria acordado, às nove da manhã.

— Mestre. Velho resmungão, não muda nunca?

— O que seu coração está buscando?

— O que tem nesse colar aqui? Preciso saber!

— Por que me ligou ao invés de abrir? Eu disse que abriria quando a hora certa chegasse!

— Não sei quanto tempo tenho, e não gosto de suas surpresas.

— Então não abra, menina bocuda.

— Mestre!
— Adiante.

— Viu alguma bondade em mim? Quando entrei na tua casa? Viu algo que valesse à pena?

— Ora, eu vi muitas coisas! Bondade, maldade, egoísmo, burrice, ignorância, doçura, abnegação,
força, altruísmo, sabedoria, teimosia... Posso continuar até amanhã. Mas principalmente, vi algo que
você não via. Poder! Você é muito poderosa! Seja para fazer o bem, ou seja para fazer o mal... você
é excelente em tudo o que se prepõe. Afinal, sou teu mestre, o mérito é todo meu!

— Acha que posso melhorar?

— Você saiu daqui transformada. Mais confiante, mais forte, mais equilibrada, mais receptiva. Do que
você está falando? Melhorar o que, menina???

— Eu não sei... eu só...

— Se você não sabe, eu também não. Melhorar sempre, é sempre necessário, mas se tem alguém te
julgando e te querendo fazer mudar, te fazendo duvidar de si mesma, tente ver por outro lado, nem
sempre o problema está em você. Não se menospreze. Quem te ama, te aceita, te ajuda a melhorar, te
completa, te auxilia, se faz apoio, mas nunca exige nada! O amor não é dessas coisas, no amor não
tem espaço para sentimento ruim. Julgar é como pegar um carvão em brasa... já te contei essa, certo?!

Sorrio.

— Não.

Minto.

— Julgar é como pegar um carvão em brasa. Você joga na pessoa buscando atingi-la, mas quem se
machuca é você. É na tua mão que a brasa fica por mais tempo. Abra o medalhão quando sentir que
é a hora, quando sentir que não tem saída. Eu estarei sempre com você. Venha nos ver antes de eu
partir dessa para melhor, mas já vou avisando, vai ficar mais um mês no meu portão para ver se
merece matar a saudade, se permaneceu paciente depois de tantos anos, é sinal que fiz um ótimo
trabalho. Feliz é o dono de um coração paciente. Nele tudo se encontra, tudo se espera...

Ele desliga na minha cara e eu desligo sorrindo. Velho maluco.

Me sento no sofá, tiro o medalhão do pescoço, e Jon chega me fazendo desistir.

— Bom, eu disse que tinha um pronunciamento, e a real é que já faz um tempo que eu consegui
uma carta na manga... primeiro vocês vejam, depois eu explicarei tudo... pode entrar!

Ele começa, olhamos todos para a porta de entrada do casarão, e nossas faces se multiplicam,
parecendo estar repletas de espelhos ao redor. Estávamos todos embasbacados, e no meu caso,
também apavorada.

Aquilo parecia errado. Muito errado.


ATAQUE FULMINANTE

— Que babaca! Acabou de confessar sobre meu tio, Pedro, Júlia, o cúmplice!!! — Tiago me chama
e eu o ignoro, tinha muito o que fazer — Eu tenho o suficiente para dar voz de prisão com essa
gravação, Tiago!!! É!!! Eu tenho!!! Entendeu, Manuela...?! — ele me chama de novo — Já era. É o fim
da linha para essa corja!!!

Eu comemorava, mas sentia o sabor amargo da verdade nua e crua na boca.

— WILLIAM!!!

De repente Tiago grita e eu passo a parar de andar pra lá e pra cá. Eu estava "radiante" por ter
conseguido, e ele só estava puto porque a ex-cunhadinha ia se ferrar.

— Que foi, merda?

— Ela viu, cara! — ele parece querer chorar de tão triste que estava — Ela viu quando eu
coloquei essa escuta na sala. Tu só sabe disso porque ela deixou, meu irmão! A Cat está estranha.
— Cat? — Parece não mais se importar se vai presa, se vai te perder, se tudo vai acabar... ela
está agindo como quem se despede, sabe o que tá fazendo...

— É! Ela vai se despedir da liberdade dela! Isso sim! Qual o problema?

— Não parece despedida de 'até algum dia quem sabe... talvez...', parece um 'Até nunca mais'! A
garota tá sentindo que vai bater as botas, ou 'sabe que vai'...

Dou risada.

— Ela não vai morrer! Garantirei isso!

— Lembra o que tu disse sobre as vidas passadas de vocês?!


— Calado!!!— olho bem em seus olhos e ele parece estar sentindo pena de mim, não quero
ninguém com pena de mim — Não ouse! Catarina ou Helena, agora é passado! Não quero mais
ouvir nada cujo o assunto não seja, 'A família toda em cana'! Pela primeira vez em vidas, não é
comigo que ela vai acabar! Catarina Coverick vai acabar sozinha mofando em um presídio de
segurança máxima!

— Você não ama mais ela??? Vai largar ela porque descobriu que não era perfeita como você
idealizou???

— Não. Vou deixá-la porque descobri que ela não tem escrúpulos, não tem caráter! Meu coração
ainda dói quando a vejo, mas até a dor vai embora. É só questão de tempo! — resmungo, e ele
faz uma careta — Manuela, ligue para a local de Barbacena, quero uma operação em Minas
Gerais o quanto antes.

— Claro, doutor. Só não vou poder te acompanhar. É que apareceu um problema grave na minha
família. Não poderei ir até Barbacena, eu sinto muito! E além do mais, preciso ficar enquanto o
doutor estiver fora, sabe disso! Serei mais útil aqui!

— Qual o problema?! Por que não irá comigo?

— É meu pai! Recebi um telefonema da minha mãe faz alguns minutos! Ele saiu de casa, tem
problemas de memória, tô tentando te dizer isso, mas você estava tão aflito que não consegui.

— Nossa! Vai cuidar da tua família! Sabe que não posso oferecer ajuda no momento, mas...

— Tudo bem! Eu só espero encontrá-lo! Só não estou mais preocupada porque ele faz isso vire e
mexe... sempre volta! É a velhice! Eu tô indo, então...

— Vai! Vai!

Resmungo separando todas as documentações para mandar pro juiz, e então conseguir a prisão
preventiva de todos os envolvidos no caso.
Aquele papo todo naquele áudio estava claro: Tay Coverick havia matado meu primo com a ajuda
dos outros, e o tal Jonatas, havia gravado toda a cena em áudio, e ainda o possuía! Que bando
de doentes eram aquelas pessoas??? O que tinha de errado com eles? Por que realmente mataram
meu primo?

Me perco em questões das quais já sabia as respostas, e Tiago mais uma vez me traz a realidade.
Meu celular estava tocando.

— Oi, sou eu... — Era Barbara — Eu queria saber se você pode dar uma olhada naquela tua bolsa
de documentos. Eu acredito que deixei meu passaporte lá. Não encontro em lugar nenhum.
— Não posso agora! Por que você mesma não olha?! Tô muito ocupado!
— Não quero arrumar confusão com sua nova hóspede... além do mais, preciso urgentemente.
— Tu não vai se encontrar com ela. Creio eu que só está dona Flor. Pode

ir...
— Certo, então. Já estou indo!

Ela diz, eu desligo e me sento olhando ao redor. A sala recém-organizada parecia menor agora.
Algo tinha diminuído ali, ou era em mim?!

"Sim, você ganhou o vale-café da Helena..."


"Gostou de me ver dançando pra ti?"
"Bebê chorão..."
"... Não tem problema, agora sei que você vale a pena!"
"Vamos ficar juntos, pra sempre..."
"Isso! É esse o teu devido lugar, neném, dentro de mim..."
"Eu me recuso... Você é meu!"
"Sim, é o erro mais lindo que vou cometer!"
"Eu também te amo, Will. Te amo muito!"

Ouço algumas frases que me disse em diversos momentos, alguns em sussurros nos momentos mais
íntimos, outros durante nosso dia-a-dia... Doía tanto...

Não. Barbara não ia dar de cara com Catarina em minha casa, porque ela tinha partido da minha
vida pra nunca mais voltar. Minha Helena, aquela Helena havia morrido e essa Catarina aí, eu não
conhecia.

É... eu não ia chegar em casa e encontrá-la me esperando. Não... nunca mais ia chegar e receber
um mundo de carinho, um abraço com cheiro de pêssegos e rosas, e assim que aquele pote — que
repousava preguiçoso em minha mesa — de frutas secas feitas em casa, acabassem, ia ser o fim!
Ninguém ia repor, ela não faria mais, mesmo sabendo que eu precisava disso, mais disso do que
dos Donnut's.

Não teria ninguém pra cuidar de minha saúde, para me dar um "lanchinho de casa" feito com muito
amor, para me esperar pro jantar, pra me desejar só estando perto, me dizer boa noite no pé do
ouvido, sem realmente ter a pretensão de ir dormir... não vai ter ninguém pra me fazer perder a
hora, travar por causa de um "simples" gesto, querer morrer de tanto amor, porque só meu
coração não é o suficiente para aguentar tanta sensação boa...

Não terei ninguém.

Era só um biquíni, só um pote cheio de frutas cortadas, era só um quarto, só um apartamento


mobiliado e decorado com o que eu achava que era o mais puro amor...
Era só ela. Nada mais...
Só sua fala descompassada em momentos de nervosismo, só seu toque quentinho, colo acolhedor.
Toque, boca, braços, seios fartos, rosado que virava vermelho-paixão, piercings, pedidos, sussurros,
vontades, desejos, gritos, céu... ELA!

— Vamos pra casa! Você não comeu nada! Vamos almoçar, depois a gente volta!

Tiago diz e dessa vez eu escuto!

— Sabe o que é engraçado... como é que ela deu conta de mentir o tempo todo pra mim, e eu
nunca notei? Como consegui aceitar isso? Aceitar sua aproximação, mesmo com meus instintos
gritando pra não confiar? Eu amava ela. Amava estar com ela. Como ela conseguiu matar
Diógenes? Como conseguiu me ver sofrer? Dizia me amar tanto... dizia querer uma família comigo,
parou de tomar remédio assim que eu pedi! Ela queria me dar um filho, Tiago...

— Tá ai! Mais uma coisa... tu tem noção de que seu filho pode nascer dentro de uma
penitenciária?! Ela parou com os remédios, vocês tinham uma dificuldade grande em... em se
desgrudarem!!! Quem garante que a garota não tá grávida e tu tá aí, querendo acabar com a
mãe do teu "moleque", com o avô dele?!

Hã?!

— Não. Ela não está. Me contaria!

Tem certeza, idiota?

— Você pegou alguma TPM dela? Viu ela mexendo em absorventes?!

— Não. Mas mesmo assim! E se tiver, vou cuidar! Se isso tiver rolado, vou fazer minha parte! Ter um
filho meu não a isenta de culpa! Nem ela e nem os parentes...

— Aham. E teu filho vai pensar o que, do pai? Como que a garota vai ficar em um presídio
estando prenha?!

— Ora, eu conheço os números, tem milhões de mulheres que são presas mesmo grávidas. Filho não
segura casamento, quem dirá crime!!! Por que tá falando isso? Tá contra mim? Mudou de lado?!

— Acho que mudei um pouco! — Tiago coça a cabeça e se senta na minha frente — Veja bem, eu
não sou delegado como tu! Não conheci o tio Carlos, nem me lembro dele, do primo, menos ainda.
Ninguém morre à toa, de graça. E olha, estive com aquela família por pouco tempo, mas algo me
diz que tu não sabe de tudo, pelo menos não sabe do mais importante. Tem algo nessa história
toda que não se encaixa! Eu acho que a Tia Ni era maluca, e eu acho que essa família é boa...

— Tudo bem! Tudo bem... só que nada justifica! Eu não vou discutir com você! Você pode gostar
deles, dela, mas não pode dizer que eu tenho que fingir que não sei de nada, ou "perdoar" um
crime que aconteceu em nossa família! Parece que se esqueceu o tanto que o pai e a mãe
sofreram, o quão grande foi o impacto que tudo causou na nossa família! Vou fazer ambos
pagarem com a lei, Tiago! Vou fazer o meu trabalho!

— Vai prender ela... porra, eu tô com dó dela! Eu vi ela... eu vi ela chorar de dar pena! Foi o pior
choro que já vi em minha vida. Ela se manteve um robô na sala, pra família, mantendo o controle e
acalmando todo mundo. Mas depois saiu sem ninguém notar e eu segui a garota! — engulo uma
bola de basquete popularmente chamada de: bílis — Ela chorou tapando a boca com o
travesseiro pra ninguém ouvir! Tu pensa que não, mano, mas tu já destruiu ela, tu já acabou com
ela, e eu não acho que prender a mina será pior do que ver a família dela se ferrar. Ela tá pouco
se fodendo para ela mesma.

— Ela é uma assassina. Tem que ser presa! Assim que eu conseguir o que preciso pra prendê-la,
vou fazer, e a família vai primeiro!

— Mas vocês se amam!!!

— EU a amo, é diferente! Ela nunca me amou, e logo esqueço que ela existe!Vamos! Acho que
preciso almoçar mesmo!

Eu ignoro à vontade de chorar de soluçar, esqueço que essa família existe por alguns minutos, e
vou até o apartamento com Tiago.
Lá, dou de cara com uma Barbara nervosa.

— Eu não encontrei a bolsa...

Estava dando voltas em meu quarto enquanto dona Flor cozinhava. Abro o armário, entrego a
bolsa pra ela, e ela faz cara de tacho se sentindo uma idiota.
Me sento na cama, finjo que não vi que o porta-retratos com a foto de uma Helena com cara de
sono na cama, misteriosamente havia tombado para frente no criado-mudo, e decido sair dali.
Eu sentia que, apesar de tudo, estar ali com Barbara era muito errado.

— Oi, doutor! Pode sentar! Senhorita Helena vem almoçar também? Como ela está? Melhorou?

— Não sei, dona Flor! De qualquer forma, quero que tu leve as coisas que vou separar pro
apartamento dela, por favor! Leve a dieta dela também! Veja se precisa de algo, e fique por lá!
Pelo menos enquanto ela ainda está livre!

Eu resmungo, Tiago revira os olhos, e dona Flor parece confusa, mas não diz nada.

— Já encontrei... Tô indo!

Assim que eu me sento a mesa, Barbara entra na cozinha e se despede.

— O que estava procurando?


Tiago questiona enquanto aceita o prato da mão de dona Flor. O meu mundo estava desabando,
aliás, o nosso, e ele não perdia o apetite.

— Meu passaporte.

— Vai viajar?

— Vou sim...

— Pra onde?

— Depois eu explico melhor... preciso ir.

— Explica agora!

Tiago mastiga e pede com naturalidade. Olho para ele, ele olha para ela erguendo uma
sobrancelha, e quando olho para ela, vejo aquela feição que eu já reconhecia. Seu lado submisso.

— Estados Unidos. Palestra importante.

— Legal. E volta quando?

— Ainda não sei. Tchau, gente!

— Senta aí! Almoça com a gente, depois você vai!

Tiago pede, eu olho para meu próprio prato, e sinto o clima pesar.
Barbara se senta ao lado dele, almoça, e eu continuo da mesma maneira, só olhando para meu
próprio prato, como se aquilo fosse ajudar. Meu irmão havia "pego" sua própria cunhada, minha
ex-mulher.
Eu não conseguia sentir mais nada e aquilo me assustava. Eu não conseguia agir, não tinha
nenhuma esperança de que as coisas para mim pudessem melhorar, em nenhum aspecto. Tudo
estava ruindo.

— Escuta... — entrego as sacolas nas mãos de dona Flor enquanto os dois pombinhos me
esperavam do lado de fora do apartamento — Deixe isso lá! Arrume tudo, e cuide dela. Se ela
tiver febre, se algo acontecer, ligue para os pais dela, esse é o número!

Entrego o papel com o número anotado e ela sorri entristecida.

— Por que vocês terminaram???

— Porque ela não era quem eu pensei que era. Fique lá, se ela resmungar, ou falar qualquer coisa
do tipo "não preciso de você", ou de ajuda nenhuma, é só ignorar! Ela precisa tomar vitaminas
todos os dias, e eu tenho certeza que não vai se lembrar de tomar! Faça isso, e não me dê notícias!

— Por que o senhor mesmo não vai até lá? Dá para ver que o senhor é louco por aquela menina!

Ela sorri e eu ignoro.

— Não pira, dona Florinda.

— É Flor!

— Florinda. Até que se prove o contrário!

— Menino abusado...

— Eu ouvi isso!

Resmungo, bato a porta, entro no elevador, e quando o térreo chega, aquele buraco se abre de
novo dentro de mim. Pelo jeito nunca ia cicatrizar. Nunca.

A vadia entra no elevador ao lado de um dos seus comparsas, Marcelo, o médico patife.
Ruf. Ainda usava as nossas alianças como se realmente sentisse algo por mim, como se sofresse.
Mentirosa, assassina... só terá meu desprezo pro resto da vida.

— Vocês terminaram?

Barbara questiona sorrindo enquanto minha garganta e meus olhos esquentavam. Parecia que eu
tinha engolido uma colher de sopa quente, e o principal ingrediente dela, era aquele cheiro
familiar que eu nunca ia assumir, mas sentia falta, como uma droga "barra pesada".

— Não é da sua conta! Tire esse sorrisinho do rosto. Morro na seca, mas não volto pra você!

Falo mais do que rispidamente e me arrependo.

— Desculpa...

— Foda-se. Você está mesmo merecendo um choque de realidade! — ela começa a andar na
frente e depois para — Mas não posso ir embora sem antes te dizer uma coisa: Eu avisei! — ela ri
— Avisei que ela partiria seu coração e te destruiria. Graças à Deus vou viajar e não vou
testemunhar esse seu declínio, doutor Castro. Passar bem!

Barbara diz com ar superior e segue até seu carro. Que ótimo. Ouvir “eu avisei” era tudo o que eu
precisava!!!

(...)
O telefone parecia implorar para discar seu número; era meia-noite. Eu só podia viajar amanhã no
período da tarde, e talvez!!! O pedido da ordem de prisão preventiva era burocrático, eu tinha
que esperar que as provas que consegui fossem analisadas pelo juiz.
Todos os depoimentos, as gravações de Tiago... eram poucas, porém, bem significativas. Ali,
Catarina conversava de forma clara sobre a morte de Tiago com seu pai, Jonatas e mais pessoas.

“Tu só sabe disso porque ela deixou, ela me viu colocar a escuta... ”

Sim. Estava claro que ela queria que eu soubesse, não seria tão burra a ponto de me entregar
tudo de graça. O que ela pretendia?
Se livrar disso de uma vez?! Talvez. Mas por que faria isso se sabe que vou arruinar sua família???

Estava claro que ninguém sabia de nada, Catarina fazia perguntas repetidamente, como se
quisesse ter certeza de detalhes que todo mundo já sabia que ela já sabia.
Parecia era querer me ajudar...

Me lembro do seu cheiro invadindo o elevador. O meu cheiro favorito que senti pela última vez.
Como eu ia fazer para tirar aquele demônio da minha cabeça? E se Tiago estiver com razão?! E se
eu prendo a criatura e descubro depois que ela pode estar grávida!? Como vou deixar um filho
meu crescer dentro de um lugar “como aquele”?

Penso. Penso mais... e decido digitar.


Já era uma e meia da manhã quando ela atende no primeiro toque.

— Alô.
— Sou eu.
— Eu sei.
— Preciso falar com você, pessoalmente.
— Estou em Minas, na chácara.
— Tenho uma pergunta que não me sai da cabeça. Bom, quais as chances de você estar grávida?
Parou com os remédios, então pensei que...
— Zero. Nunca deixei de tomar.
— Como é? Mentiu sobre isso também?
— Menti sobre tudo, William! Tudo! Não poderia ter um filho com o homem que está julgando minha
família e querendo à todo custo nos destruir depois de tantos anos. Quer me ver pelas costas, quer ver
minha família arruinada, minha mãe na sarjeta, meu avô, um homem digno, já de idade, em uma
penitenciária porque se defendeu do monstro nojento que era teu tio... meu tio, minha madrasta... e
meu pai!!! — ela ri com ironia — Seu primo ia matar minha família inteira enquanto dormia,
sequestrou meus primos e minha tia, entrou em minha casa para matar todos, cheio de planos doentios
e você só pensa na tua versão! Como eu poderia ter um filho com você? Nunca...
— Você é a pessoa mais horrível que já conheci em toda a minha vida.
— (...) E eu sinto muito por isso! Já escolheu teu lado! — voz de choro — O lado da "justiça", certo?
Permaneça nele, doutor. Sempre admirei esse seu lado, e continuarei achando lindo, mas com relação a
minha família, a história muda de figura para mim.
— A justiça nunca escolhe lados. Sei que você pensa que matar é uma prova — bizarra — de
amor, mas nunca "passaria a mão na tua cabeça"! Amor não é isso! E é por, infelizmente, ainda
amar você, que você e todos eles apodrecerão na cadeia para pagar pelo que fizeram e
aprender!
— Tenta a sorte! Não vai encostar um dedo neles, pois se tentar, vai se ver comigo. Seremos só nós
dois, e você vai perder.
— Isso é o que nós vamos ver.
— Posso sentir seu cheiro daqui,cachorro. Tá sempre cheirando àquela vadia nojenta. Quando vir,
tome um banho! Se chegar aqui com o cheiro daquela desgraçada, vai ser mil vezes pior, sempre
falou que sou o inferno na tua vida, chega aqui com o cheiro dela e tu vai conhecer a verdadeira
definição de inferno!!!

Ela fala, desliga, e não consigo evitar o impulso de cheirar meu próprio colarinho. Ela tinha razão...
eu estava cheirando à Barbara. Precisava me lembrar de abraçá-la antes de exercer a justiça que
tanto preso. Se queria guerra, guerra ia ter, do modo mais dolorido PARA ELA: Cheirando à vadia.
Antes vadia do que assassina mentirosa e desalmada.

Prender todos eles com ela lá, seria bem complicado, mas quem mandou ter a família que tem?
Quem mandou apoiar e crescer igual?

— Foda-se.

Resmungo e decido tentar dormir, só esperava boas notícias.


Viro para um lado, para o outro, e tenho a impressão que aquele perfume maldito aumenta de
intensidade. O que ela era?! Uma bruxa maldita?

Corro pra tomar um banho, me jogo na cama, e nada. Vejo o sol nascer pensando em como seria o
meu dia. Como seria viver o dia em que oficialmente ela não existiria mais em minha vida.

— Tá melhor?

Dona Flor sorri, o cheiro de seu café impregnava a cozinha. Era revigorante.

— Sempre. O que faz aqui? Não pedi para ficar com ela?!

— Ela disse que nem ia ficar no apartamento, o que eu ia fazer lá, sozinha? Me expulsou de lá e
ainda mandou um recado, fez questão que eu passasse para o doutor, mandou dizer que ela não
precisa de sua pena, e não quer nunca mais que se intrometa na vida dela. Mandou o senhor
cuidar da sua noiva, que assim o senhor ia ganhar muito mais!

Escuto aquilo e bufo.

— Engraçado... acha que tem o direito de sentir ciúmes de mim! Acho que é porque sabe que
Barbara é mil vezes mais digna.
— O que ela fez para você, afinal? Por que está com tanta raiva?

— Não importa.

— Eu poderia te ajudar se eu soubesse!

— Ah, é? Legal! Bom, ela é uma assassina! Mata pessoas por dinheiro, matou o delegado Diógenes!
E em um passado um tanto quanto distante, seu pai e seu avô mataram meu tio e meu primo! Ela se
aproximou de mim para tentar me foder, me enganou, me iludiu, e saiu dessa de cabeça erguida,
enquanto estou aqui só pensando no quanto fui um imbecil! Tá bom, ou quer mais?

Desabafo e ela faz uma cara de espanto que não dura muito.

— Bom, o senhor é um delegado, é seu trabalho pendê-la. Mas não pode negar o quanto é
romântico uma assassina se apaixonar por um delegado federal... — ela ri — Aquela menina
pode ser tudo, mas não me parece má pessoa! Não sei a versão dela, só quem pode julgar é Deus,
não sei como um anjo daquele pode fazer mal a uma mosca, mas ela te ama, sim! Inclusive falou no
nome do senhor enquanto estava alucinando devido a febre!

— Falou o que, por acaso?

Decido saber só por educação e ela sorri.

— Ela pedia para você não ir embora, não fazer "aquilo", não deixar ela "lá"... Ela estava em
pânico e implorava chamando teu nome. Ninguém consegue mentir tão bem, pelo menos não tão
febril como ela estava. Eu sei que sua febre era psicológica, vivi demais! Acabar assim com um
amor tão grande e tão bonito, vai acabar com a saúde dos dois! Vão ficar doentes, ela está
abatida, e olha para você! Não quer saber de comer, e suas olheiras vão acabar te fazendo
perder o cargo de "delegato". — ela ri de novo, velha intrometida e chata — Vocês se amam e
fazem um casal muito lindo! Sei que irão voltar e serão muito felizes!

— Nem se me pagarem!

— Não. Ele precisa quebrar a cara primeiro, dona Flor! Bom dia!

Tiago chega se intrometendo e eu faço silêncio.


Uma mensagem de Manuela chega no aparelho dizendo que ia se atrasar hoje, mas que logo
estaria na delegacia. E por último, e com certeza não menos importante, uma mensagem positiva a
respeito do mandado.
Eram oito horas da manhã de um dia que seria agitado demais.

— Bom dia! — dona Flor o cumprimenta sem dar atenção a sua provocação — Pode comer bem,
os dois, viu?! Seu William não almoçou ontem e nem tocou na janta que deixei pronta! Não vai sair
ninguém daqui sem antes tomar um café reforçado!!!
— Como não tomar esse café?! Como não tomar?!

Tiago abre um sorriso irritante e eu encaro os pães que preciso enfrentar. Eu não queria nada,
muito menos comer. Só o que eu queria era acabar com aquela tortura e ir até Minas Gerais!

Falando nisso, me lembro de outra parte curiosa do áudio que a escuta captou. O plano da
demônia era me receber com "todo o carinho" já na entrada da estrada de terra, foder com os
pneus dos carros, e enquadrar uma tropa grande de agentes da federal. Quem a pirralha
pensava que era? Só o que sabia bem era judô, tinha uma pontaria nada muito chamativa, e
bem... Só!!!

Não, ela também tinha o dom de dar conta de tu como nenhuma outra... Cuidava de você e não tinha
vergonha de deixar transparecer que era inexperiente, que tu foi o primeiro homem de verdade dela;
não tinha vergonha de mostrar que era uma boba romântica, mesmo que da porta pra fora sua
postura mudava para os outros. Ela tinha uma versão exclusiva só sua, só você conhecia seu lado
dengosa. Era uma leoa que tinha o dom de virar gatinha manhosa. Te amava sempre como se fosse a
última vez e nem reclamava, fazia manha ou pedia água. Ela só parava quando tu queria, e às vezes
nem quando tu queria.

Ela se entregava, tinha o controle de toda a situação, coisa que você não estava acostumado. Ela
fazia tu querer sempre mais, nunca cansar, nunca se saciar, e não era só carnal, só tesão, você sentia o
amor genuíno em cada toque dela, em cada movimento de quadril, cada parada brusca ao se
estimular, cada toque macio na sua nuca e cabelo... cada olhar de desejo puro que ardiam como fogo,
e te fazia pirar e gemer como homem das cavernas, sem controle, sem classe, sem charminho. A voz
baixinha dela, às vezes alta também; seus sussurros, gemidos. Seus pedidos tão secretos ao pé do
ouvido que só de lembrar...

— Preciso ir!!!

Me levanto bruscamente e ignoro o copo de café que derrubei na mesa. Eu precisava acabar logo
com aquilo! Eu tinha que me livrar daquela mulher e daquela família, ou ia acabar enlouquecendo.
Literalmente.

E eu achava que já estava pirando.

— Aqui está, Doutor! Todos os documentos! Ordem de prisão preventiva de Tay Coverick, Jonatas
Coverick, Laura Nogueira e Max Coverick.
Assine aqui, por favor...

Pedro entra em minha sala após bater e me entrega os documentos que acabara de chegar. Não
perco mais nem um minuto. Já ia dar uma hora da tarde, vi cada segundo passar sentado em
minha mesa. O caso do tráfico humano, que nem nome tinha, havia ficado para segundo plano sem
Manuela para segurar a barra. Eu não conseguia mais me concentrar.
Engraçado que Tiago e a "boa vontade de Catarina" haviam me ajudado — e muito — a chegar
onde cheguei! Eu nem sentia aquele prazer que só minha profissão me dava quando finalizava
meus casos, mas mesmo assim, estava feliz porque a justiça seria feita, de qualquer forma.

— Quero três viaturas, uma para cada! Ligue para Manuela, por favor, e a informe. Quero
artilharia pesada, todo mundo de ferro do pescoço até os joelhos! Chego por volta das seis ou sete
da noite!

Eu peço e seus olhos aumentam de tamanho.

— É uma guerra ou só uma ordem de prisão???

— É uma ordem de prisão para gente muito perigosa! Quero sair de lá com o mesmo número de
homens que vou chegar. Faça isso para mim, por favor, Pedro!

— Claro, doutor. Cinco minutos.

Ele sai e eu me sento no sofá, sentindo que pelo menos dez por cento do peso sob meus ombros,
caíram por terra.

Já basta.

Dirijo por cinco horas, percurso de São Paulo — Centro, até Barbacena — Minas Gerais.
Não vou dizer que foi a pior viagem que eu já fiz, pois era exagero. Óbvio. Mas por incrível que
pareça, eu me sentia seguindo um caminho em direção ao caos, literalmente ao inferno. Era como
se eu tivesse duas opções, um caminho, bonito que dava em um lago de lava fumegante, e um
caminho cinza e tortuoso cujo destino: era o mesmo. E eu, idiota como estava sendo nesses últimos
dias, havia escolhido a segunda opção. Nada estava certo, nem um pequeno detalhe sequer.
Escolher ir até lá era um erro, os meus planos eram erros escrachados, e por algum motivo, a minha
vida estava errada. Nem o que "era impossível" de dar errado, dava certo. Algo — muito
significativo — estava fora do lugar.

Você está se sentindo assim porque ainda está perdidamente apaixonado.

Sim, cara consciência, perdido é a definição certa.

Diminuo a velocidade na entrada da estrada e peço no rádio para os apoios ficarem em estado
de alerta. Eu tinha quase trinta homens, não conhecia aquela família de malucos, melhor pecar pelo
excesso.

Estrada livre.

Estaciono na frente do belo lago em frente ao casarão e sou recebido por uma lufada de ar frio
na face.
Aquele lugar era um desperdício.
Bato na porta e é a outra irmã dela, quem atende. Já nem me lembrava do nome, só sabia que
era outra mentira.

— Oi, gostoso! Deixa eu conferir se está ápto a entrar... — ela se enrosca em mim procurando
sentir o cheiro de alguma coisa — de vadias, a mando da irmã, aposto! —, mantém todo o seu
corpo colado no meu, e sem demora eu me afasto — Acho que não está, não!

Ela cantarola gargalhando, mastiga um chiclete, encosta na soleira da porta e sorri zombeteira
mostrando todos os dentes brancos e alinhados.
Vestia calças de couro, botas extremamente altas, acima do joelho, e um casaco preto, que parecia
que não a aquecia. Estava de luto como eu.

— Procuro por Tay, Jonatas, Laura Nogueira e Max Coverick. Pode chamá-los, por favor?!

Eu pergunto e faço um sinal para um pequeno grupo, já separado de agentes, se dividirem em


dois e dar a volta ao redor da casa, olhando tudo.

— Eles estão, sim! — ela caminha enquanto sensualiza e para na frente de um dos agentes que
ficaram — Estão curtindo uma fogueira na clareira logo a direita! Vai lá, tu já é da família! Mas
você... — ela envolve o agente em um abraço, que parece enfeitiçá-lo — ...pode ficar! Estou com
tanto frio... me sinto tão sozinha! Preciso ficar grudada para me manter aquecida. Você gostaria
de me ajudar a permanecer aquecida? Hum? Gostaria?

Sua voz é tão erótica que me enjoa.

— Vem!!!

Bato no peito do agente para ele acordar e me assusto quando ele nem sai do lugar.

— Cuidado, doutor... — ela sussurra olhando para a boca do agente, e depois dirige o
olhar demoníaco para mim — Não se deve brincar com uma bruxa fora do Halloween, muito menos
com a família dela! — ela estrala os dedos, o agente 'desperta', e eu seguro um ódio mortal
dentro de mim — Ainda sou boazinha, tô te avisando!

— Leva essa!

Eu aponto para ela chamando outro agente, e ela logo estica os braços para receber uma algema
imaginária. Eu falei "leva", não "prende"!

— Sim!!! Quero amarrada! É muito mais gostoso, vou até gamar se eu levar umas palmadas!!! Sou
que meu cunhadinho ama dar palmadas, quero exatamente assim!

Ela sorri, o agente fica sem graça, arrasta ela dali direto para um carro, e vejo quando me mede
e pisca para mim enquanto caminhava sendo empurrada.
Ninguém daquela família batia bem.

Sigo o caminho que ela havia ensinado com cautela e arma em punho, e de longe posso ouvir os
sons das conversas e o crepitar do fogo. Um bom lugar para fazer uma festa da fogueira, dançar,
beber um bom vinho, e namorar até amanhecer: Como eu disse, um desperdício de lugar.

Lá estavam todos eles. O pai, tios, avô, irmão, comparsa criminoso do Rio, cuja a fuça eu já
conhecia como ninguém, madrasta também assassina, cujo depoimento ainda não tomei, primos,
menos dona Ellen, Hella...

— Boa noite, doutor Castro!

Max se levanta ao notar minha aproximação, e sorri. Óbvio que não estava surpreso.

— Ótima. Cadê dona Hella, Ellen, Ana Luisa, sua filha?!

Olho em volta e nem sinal!

— Elas foram ao shopping da cidade, algum problema? A que devo a honra de sua visita?

Ele pergunta com toda a cara de pau do universo, meu alvo número um se levanta, se aproxima, e
cruza os braços ao me encarar. Uma raiva sem tamanho me consome ainda mais. Dessa vez com
força extrema.

— Como vai, William?

Ele resmunga segurando um riso e eu me aproximo, me segurando para não meter uma bala na
cara dele.
Saber que era o pai dela, de longe era uma coisa, saber disso e encará-lo pela primeira vez após
"saber", era muito complicado. Ele havia matado meu primo a sangue frio. O pai da mulher que eu
amava e seu avô, destruíram minha família de uma forma irreversível, literalmente.

— Tay Coverick, o senhor, Jonatas Coverick, Laura Nogueira, e senhor Max Coverick estão sendo
presos pela morte de Carlos Pedro de Castro Júnior. Ambos têm o direito de permanecerem
calados. Têm também o direito a um telefonema para avisar seus familiares e à presença de um
advogado... o que disserem a partir de agora pode e será usado contra vocês no tribunal! — eu
falo em voz alta para todos ouvirem, mas meu olhar fixo é todo direcionado a ele, o executor, e
não a seus possíveis cúmplices — Me acompanhem, por favor.

Vejo seus olhos brilharem e seu semblante é familiar para mim.


Tay Coverick era um dos raros casos, onde o condenado buscava a redenção. Parecia que ele
almejava ouvir aquelas palavras por anos à fio.
Ele fecha os olhos por um momento, respira fundo, e quando os abre de novo, parecia enxergar
todo meu interior de tanta intensidade. Mas ele não via a mim, ele parecia ver Pedro. Uma versão
minha, mais magra, mais baixa, mais sorridente, e mais cativo. Só que ele via um Pedro morto.

— Ainda nem tomou meu depoimento, doutor.

Laura se aproxima e eu ergo o mandado.

— Por isso se chama prisão preventiva. Tomarei seu depoimento na sala própria para isso.

Naquele momento ela fica sem ter o que dizer, vejo 'meus' homens nos rodeando, e fazendo a
conta meio correndo, sinto falta do grupo que ficou para vistoriar a propriedade.

— Algeme-os.

Eu dou o recado quando noto que ia precisar forçar a barra e sem 'delicadeza', ou pedir
autorização, puxo o pulso do verme à força, ele não protesta, mas quando tiro as algemas do
bolso, num gesto rápido, aquela voz mais uma vez abre um buraco sobe meus pés.

— Se afasta do meu pai, William!

E novamente veio a dor surreal.

Sua voz estava há uma boa distância, logo soube. Mas me recusei a virar, olhar para ela, e ver
meu mundo desmoronar de vez ao vê-la ali, com a família dela. Eu tinha certeza que ia doer
demais.

Ignoro seu pedido, abro as algemas, ela surge ao meu lado sem ter feito barulho algum, Fred se
adianta em ameaça silenciosa, assim que um agente ameaça algemar Max, e tudo ao redor fica
congelado quando sua mão toca a minha, mão essa que segurava forte o pulso de seu pai.

— Eu mandei você soltar meu pai.

Ela pedia com tranquilidade, e com pequena pausa entre as palavras.

— Eu preferia que não estivesse aqui para testemunhar, mas já que está... — pela primeira vez
olho para ela, e o que sobrou de meu coração, vira nada além de cinzas — ...Não me obstrua. Te
darei voz de prisão se não se afastar, e aí você será presa antecipadamente.

— Hoje você não vai prender ninguém aqui!

— Se afasta, Catarina! SE AFASTA!!!

Dou meu último aviso, ela entra na frente do pai, me obrigando a soltar sua mão no mesmo
instante, e um olha para o outro.
— Está tudo bem, filha! Deixe tudo como está!

Ele fala baixo.

— Se afasta, pai! Não vou pedir de novo.

Ela resmunga também em voz baixa, dá às costas ao verme arrependido, e passa a me dar
atenção.

— Vou te dar uma chance de sair daqui com dignidade. Pegue seus homens, volte para São Paulo,
e dê continuidade na tua vida. Se fizer isso, William, pouparei todas as vidas que aqui estão sobe
sua responsabilidade.

— Tu pensa que é quem, Helena???

Eu grito usando as algemas que ia usar em seu pai, a mobilizando pelas costas e ela permanece
calma. Já estava cheio daquilo tudo, dela e de todo mundo.

— É Catarina. — ela nega enquanto fala — Repete comigo! Quero ouvir você dizer meu nome!
Catarina Coverick. Brasileira, naturalizada Russa, Alemã e Japonesa. Assassina de aluguel, agente
paga pelo mesmo governo que paga teu salário "digno", filha, neta, enteada, sobrinha, e até que
se prove o contrário, ou até que você encontre uma desculpa melhor para me dar do que, "não
querer descontar os problemas da delegacia em mim por estar de cabeça quente": TUA MULHER.
Quero os motivos pelo término, disse que em breve discutiríamos. Essa sou eu. Aceita!

— Tu não é nada pra mim! Tu não significa mais nada. É só uma criminosa da pior espécie, sem
escrúpulos.

Eu rosno com o indicador em seu peito e posso ouvir quando suas algemas, misteriosamente caem
ao chão.

— Você me irrita, sabia, neném?! Depois teremos nossa DR. Por agora teu showzinho acabou. Te
espero em casa!

Ela parece não ter escutado nada do que eu disse, e graças a sua atitude, uma fúria colossal
baixa em mim. Graças a isso sinto o clima despencar, pois parecia que todos esperavam pela
minha reação.

— VIM PARA EXECUTAR A PORRA DESSE MANDADO, QUERO TODOS ALGEMADOS! AGORA!!!

Falo diretamente com meus agentes locais, e quase não noto a pequena batalha que se iniciava.

Fred foi o primeiro a tirar a arma de sua cintura, Miguel sacou duas facas de seu bolso e se
colocou ao lado da mãe, todos estavam prontos para qualquer situação, e só então eu entendia o
que ela havia feito.

Uma pequena confusão se inicia quando o agente enquadra Max Coverick, e uma luta corporal
começa entre Fred e o agente, e depois para o restante dos criminosos. Uns querendo acalmar e
organizar tudo, e outros querendo sangue. Havia dito para que, de forma nenhuma, eles usassem
suas armas, então não deu outra. Agentes atrás de agentes, compravam a briga.
Eu me via em uma cena de filme de terror/ação.

— Você pode acabar com isso. É só ir embora. Se não for embora, matarei todos eles.

Ela se aproxima, eu controlo meu desespero e fúria sobe medida, e encaro seu semblante cheio de
ironia.

— Não chega perto de mim!!! Vou controlar sim! Vou controlar tudo do meu jeito!

Eu grito, avanço para o núcleo da briga de galo, mas paro quando ouço sua voz irritante
resmungar algo em outro idioma.

— Spyashchikh sobak!

Me viro para ver o que fazia, e todos, eu digo TODOS os agentes federais caem ao chão um
atrás do outro.

— O que você fez???

Pergunto incrédulo e ela parece lamentar. Parecia dizer "você não me deu escolha, matei!".

— Fiz o que faço de melhor.

Ela diz e vira meu alvo número um.

— MATOU TODOS ELES??? QUEM É VOCÊ???

— Sou quem você quiser...

Ela responde, grudo minha mão na sua nuca, e começo a puxá-la pelos cabelos — FODA-SE — em
direção a um dos carros para trancá-la de uma vez por todas, e chamar uma ambulância para
tentar salvar alguém da chacina que ela promoveu. Mas só que não. Logo ela enterra os saltos de
suas botas pretas no gramado, e me faz girar sobre o próprio eixo até dar de cara com a grama.

— Esqueci de contar algo sobre mim, neném, eu odeio que me puxem dessa forma!!!

Ela fica furiosa e me puxa pelo colarinho, trançando as pernas por meio metro. Sim! Enquanto eu
estava tonto caído no chão, ela me puxava com um só braço.
Me viro rapidamente, chuto forte seu joelho e ela cai ignorando a dor e tentando se afastar. Todo
mundo via, mas pelo jeito, a ordem era para não se intrometer.

— Quer discutir a relação, assassina maldita! Vamos discutir...

Falo segurando em seu pescoço, e como sei que algemas não adiantam, a levanto do chão pelo
pescoço mesmo e ela devolve o favor socando forte meu olho.
Retribuo a gentileza acertando o tão sonhado tapa em sua face, e foi tão forte que doeu minha
mão.

Seu semblante no momento é de surpresa, ódio, raiva e fúria.


De relance vejo Fred sendo segurado por uma montanha de seus familiares, e ignoro. A
vagabunda ia vir para cima de mim com todas as suas forças e eu precisava me concentrar.

Ela toca o canto da boca, olha pro dedo ensanguentado, e imediatamente seu nariz também
sangra sem tocar seu lábio superior, o contrário da primeira vez, indicando que naquele momento
passava por um estresse emocional gigantesco, e que como eu suspeitava, não estava se
medicando. Pelo menos o fluxo era mínimo.

— Eu vou matar você por isso!!!

— Tente.

Resmungo, ela gira no ar, acerta um chute forte no meu rosto, e os minutos que se seguem eu
preciso me controlar para não apagar em suas mãos.

Helena senta em minha barriga e eu sinto o gosto do sangue na boca, enquanto recebia murros
fortes na face.
Ela era forte, regrada, e eu estava me dando mal.

— Quantas vezes te implorei para não se apegar? Para não se envolver, não gostar de mim? Mas
você me escuta? Você escuta alguém além de si mesmo, cachorro sarnento!???

Ela continua desferindo seus murros em meu rosto, e gritava tentando me fazer entender, como se
fosse possível.

Consigo me levantar e a luta livre passa a ser arte marcial.


Eu a ataco e ela se defende, é boa nos chutes e então volto a ficar tonto.
Ela grita e rosna enquanto me acerta, e eu só tento ver seu sangue escorrer. Minha raiva ainda
não havia me libertado.

— Você não passa de uma vadia mentirosa e maluca! Uma criminosa sem alma nenhuma!

— E você é o delegado mais burro que já conheci!!!


Ela fala, ganha um soco meu no olho, dá três ou quatro passos rápidos para trás e cai de bunda
no chão.

— Eu fui burro, sim. Eu fui burro porque me apaixonei por um lixo humano. Me apaixonei por você,
deixei uma mulher de verdade, uma companheira, mulher digna e de família, para ficar com a cria
do demônio. Você não merece nem levar uma surra! Você não merece nem que eu mude de
calçada quando te ver na rua. Tu não é ninguém, mulher. Tu só ocupa um espaço nessa terra que
poderia ser melhor aproveitado. Eu odeio você. Odeio você com todas as minhas forças.

Eu falo me apoiando em meus próprios joelhos e tentando controlar a respiração descompassada.


Ela podia dizer o que quisesse a partir dali. Nada seria tão pior do que tudo o que já havia dito.
Helena definitivamente não existia mais, e eu estava de luto por aquela mulher que eu havia
idealizado, e partido.

— É claro. — ela se levanta um pouco mais recomposta do que eu — Melhor corno do que iludido.
Tô aqui para falar de mim! Não queria saber? Te confessei. Matei Diógenes e ainda levei flores.
Entrei na tua casa e podia ter matado teu irmão, mas poupei-lhe a vida. Matei David Nobre
embaixo do seu nariz, e como ficou tão pateticamente apaixonadinho, nem notou. Quase quebrei
teu braço de graça, só para me aproximar de você, e você achou que era por teu charme
carioca, e foi só abrir as pernas para você achar que eu estava apaixonadinha. Além de burro, é
cego. Olha para mim! Acha mesmo que eu ficaria com alguém como você? Você e aquela vadia se
completam!

Confirmo algo balançando a cabeça e arrumo a postura, limpando o sangue que escorria de
minha testa até meu olho direito. O que falei sobre Barbara havia acertado seu ego em cheio.

— Não sinto vergonha por ter sido enganado, Catarina. Sou um bom homem. Só sinto vergonha de
dizer em voz alta que um dia cheguei a amar uma pessoa como você.

Eu digo e vejo seus olhos brilharem.

— Cuidado com o que diz a uma assassina fria e cruel. Os próximos da lista podem ser sua vadia
nojenta, seu irmãozinho inútil, sua mãe preconceituosa e horrível, ou seu paizinho bondoso e gentil...

Ela ameaça o que sobrou de minha família e eu a derrubo no gramado fofo, tentando com sucesso
enforcá-la mais uma vez. Paro de tentar enforcá-la, acerto outro tapa forte em sua face, e logo
em seguida aponto minha cromada para a sua testa.
Minha vista escurece e eu só via a personificação do mal na minha frente.

— Repete! Repete maldita! Repete o que disse!

— William!

Ainda seguravam Fred com toda a força de vontade, mas quem me chamava era Max, que se
solta dele por medo de ver a neta morrer.

— Pensa no que está fazendo, Rapaz! Solte a minha neta!

— NINGUÉM SE MEXE!!!

Ela grita e eu continuo com sangue nos olhos. Aquele bom rapaz também havia morrido.

— Você me enganou, matou meu amigo, mentiu pra mim, quase acabou com minha carreira, e me
destruiu. Hoje acabou de matar mais vinte homens a troco de nada, e ameaça a minha família.
Você é um monstro!

— Eu precisei ser! Precisei ser um monstro.

— Pois é! Acho que pela primeira vez também vou precisar ser! Alguém tem que parar você! Você
vai pagar por tudo no inferno!

Engatilho a arma devido à cegueira movida por ódio, encosto o cano em sua testa, e respiro fundo
para fazer o que eu precisava. Eu ia matar aquela filha da puta antes que ela acabasse de vez
com a minha vida.

— Nunca vai se perdoar se fizer isso! Nunca mais vai voltar a viver.

— Cala a boca!

— Eu menti, em tudo! Menos sobre o que eu sinto. Eu não podia agir de outra forma, não sei fazer
diferente!

— CALA A MALDITA BOCA! Você fala demais! Cala a boca! — Encosto minha testa na dela, e
passo o cano para sua têmpora.
Minha dor era só minha. Só o que eu dividia com ela eram as lágrimas que caíam de meus olhos e
escorriam nos seus. — Te matar será um favor para humanidade e para justiça! Vou matar você e
destruir sua família como a sua destruiu a minha.

— Eu te amo! Não faça isso com você! Se me matar vai acabar com a tua vida. Nunca mais será o
mesmo. Eu sei do que tô falando!

— Tu não vai me enganar de novo!

— Eu não menti sobre o que eu sentia e você sabe disso.

Dou uma risada alta e inspiro fundo. O cheiro de sua boca fedia a mentira. Hortelã, gosto da
minha Helena, e mais mentiras.
— Tá falando isso pra não morrer pelas minhas mãos. Vagabunda sínica!!!

— Eu podia ter matado você assim que diminuiu a velocidade na estrada. Ou agora mesmo... eu
podia ter te matado assim que pisou aqui! Mas não posso fazer isso, não consigo fazer isso!

Ela começa a chorar de soluçar, enquanto minha paciência e amor próprio se esvai.

— Você já me matou tua maldita! Matou a melhor parte de mim, a parte que amava você! Agora
somos dois mortos!

— Não diz isso! Diga qualquer coisa, mas não diga que o que a gente viveu morreu dentro de
você! Isso não dá para aceitar, não posso ouvir isso de você! — ela implora chorando de soluçar.

— Pois ouça! Eu repito... o amor que eu sentia morreu junto com a minha Helena! Você é só uma
estranha. O único sentimento que tenho por ti, é pena. Pena e raiva!

Começo a puxar o gatilho com dor na alma, mas paro quando sinto o gelado em minha própria
testa! Se ela queria me fazer parar, conseguiu. Sua arma estava agora apontada para minha
testa e a minha para sua têmpora.

— Eu não vou deixar você fazer isso.

Ela fala, rapidamente tira sua arma de minha testa, coloca abaixo do queixo, e em um último gesto
de desespero ridículo, entorto seu pulso, fazendo com o que tiro acerte pro alto.

— VOCÊ TÁ MALUCA??? FICOU MALUCA, FILHA DA PUTA??? O QUE IA FAZER? O QUE VOCÊ IA
FAZER? QUER ME MATAR? QUER ME MATAR!!! TU FICOU LOUCA?! VOCÊ IA SE MATAR!!!... O QUE
TÁ FAZENDO???

Meu desespero por escutar aquele tiro me faz acordar de um transe no qual eu não sabia que
estava. Culpada ou não, Catarina ia se matar para que eu não acabasse com sua vida, e
estragasse a minha. Depois de tudo o que aconteceu, que tipo de atitude era aquela? Por que
faria aquilo com a própria vida, por mim? Ela não podia morrer, como assim ela ia morrer? Por que
aquilo? O que eu estava fazendo...???

Jogo as duas armas longe e olho em seus olhos aterrorizado. O que eu tinha feito?

— Você ia se matar. O que pensa que está fazendo? Eu me mataria, tem noção??? Eu me mataria!!!

— Shhh... tudo bem! Eu te amo! Tá tudo bem! Tudo bem!... eu te amo, William! Me perdoa, eu te
amo!

Ela puxa meu pescoço para falar olhando nos meus olhos, mas não consigo me concentrar. Estava
tão assustada quanto eu, e com dificuldades para falar. Quase fiz uma merda, e ela quase fez
uma merda por causa da minha.

Ela me dá pequenos selinhos enquanto chorava, e eu ainda estava abismado. Não queria beijá-la,
queria só olhar para ela e ter certeza de que estava viva, porque se ela tivesse feito aquilo, eu
não sabia o que eu teria feito. Bom, na verdade eu acho que sabia. Eu teria ido logo em seguida,
porque apesar de tudo, não faz o menor sentido sem ela ali.
Seus beijos ficam mais pesados e eu me entrego. Esqueço que sua família olhava, esqueço dos
mortos ao redor, esqueço de seus crimes, e por aquele momento só me entrego ao beijo com gosto
de vida e sangue.
Era bom tê-la para mim mais uma última vez. Era bom vê-la viva. Era bom saber que não tinha
feito uma besteira enorme, ela e eu, mas principalmente, era bom saber que eu ainda não a
odiava. Odiá-la doía pra caramba!!!

Ignoro a dor de cabeça por tanto chorar, aperto sua cintura enquanto chupo sua língua para
matar a saudade, e assim que a algemo novamente, me comporto.

— Eu não sinto muito! — minto olhando para ela, ela ri e chora ao mesmo tempo, e confirma com a
cabeça — Você está sendo presa por confessar a morte de Diógenes Portela, David Nobre, e mais
esses vinte agentes aqui, e o restante que ainda não sei, mas irei investigar. Tem direito a um
advogado e a um telefonema. Tudo o que disser agora pode e será usado contra você, no
tribunal. Se tirar essas algemas, voltaremos a nos espancar, e aí a situação ficará crítica. Vou atirar
no seu joelho para te imobilizar, e isso vai te aleijar para sempre.

Ela concorda olhando profundamente em meus olhos e eu me sinto mal por estar dando voz de
prisão a ela, mas ninguém nunca ia saber disso.
Catarina parecia, como sempre, entender meu posicionamento, e como sempre, aquilo era um alívio
para mim. Facilitava tudo. Eu queria, mas não conseguia fingir que nada aconteceu. Nada havia
mudado.
Eu a amava mais do que já amei qualquer coisa em toda a minha existência, mas ela precisava
pagar. Nesse caso, era eu quem não sabia agir de outra forma.

— Estão dormindo.

— Quem, sua demônia?

Saio de cima dela me sentindo cansado, ela se vira, e fica de quatro antes de levantar
completamente.

— Seus agentes, estão todos bem! Vão acordar em pouco tempo!

Ela fala, finjo que acredito, e só para ter certeza me aproximo de um dos agentes.

— Olha o pescoço!
Eu obedeço e vejo. Ele tinha uma espécie de frasco injetável ainda no pescoço. Tiro, olho e me sinto
aliviado. Aliviado e um idiota por ainda acreditar em tudo o que falava.

— Que coisa é essa?

— Só um sonífero.

Volto a olhar pro agente, confiro o pulso, sinto os batimentos, respiro realmente aliviado, e ouço ela
resmungar.

— Descansa um pouco, neném.

Sinto uma pancada forte na cabeça e me entrego a escuridão, mas não sem antes acabar com o
estoque de ofensas das piores espécies. Todos inspirados nela.

Desperto com uma dor absurda na cabeça. Uma dor de outro mundo.

Estava em um dos quartos do maldito casarão, sem os sapatos, e sem a minha arma.
Me levanto com dificuldade e olho ao redor. Parecia que havia passado um caminhão em cima de
mim. Mas foi só ela.

Jogo minhas pernas pra fora da cama, visto minhas botas, me levanto, vejo dois comprimidos no
criado-mudo junto com um copo d'água, e praguejo. Praguejo, mas tomo. Mais morto do que eu já
estava, impossível, e se eu tivesse azar, só ia perder a dor de cabeça. Nada mais importava.

Encontro minha arma na poltrona perto do guarda-roupa, e desço as escadas com ela em punho.

A cobra peçonhenta havia tomado banho e saído do luto. Caminhava de um lado pro outro na
frente da lareira acesa, e parece nem notar quando chego. Devia estar com medo de minha
retaliação, mas não estava.

Claro. Ela sabe que você é um tapado com ela.

— Fez aquilo para todos fugirem?

— Sim!

— Por que não foi junto? Facilitaria tudo para mim.

— Tu me deu voz de prisão. — ela me olha e suas feições são preocupadas, porém ainda
compreensivas. — Quer tomar um banho e um café antes de irmos?

— Não.
— Então estou pronta.

Ela resmunga, apenas a encaro com medo de seus planos sombrios, e por estar mais nervosa do
que de costume, ela sai andando na frente, sem conseguir me olhar diretamente nos olhos.

— Os agentes...

— Voltaram pra casa com um bom dinheiro como pedido de desculpas. Todos comprados sobe a
influência de alguém do meio. Coisa do Jon. Jon também tem amigos na polícia federal.

Ela fala como se aquilo não fosse nada, e eu respiro fundo sentindo dor.

Faço todo o caminho de volta pensando em toda a futura saga para encontrar a família fugitiva,
no meu fracasso, na sua tentativa horrível de se matar... e que eu sabia que jamais esqueceria, e
evitando olhar para a criatura que parecia sonolenta e com frio.

Estaciono por um momento, pego a pequena coberta no porta-malas, estendo nela, e enquanto
dormia era mais fácil encará-la.
Parecia um anjo.
Uma pena que acordada mudava de lado.

(...)

— Vai falar com ela quando?

Manuela questiona assim que eu me levanto da mesa.

— Agora. Estava documentando toda sua confissão.

— Para qual presídio vai transferí-la?

— Ainda não sei! Preciso fazer mais algumas perguntas, saber de detalhes que a escuta não me
deu... enfim, ela não fugiu, está aqui, então já não estou com tanta pressa!

— Quer que eu faça?

— Não. Eu tô bem! Vou fazer.

Saio da minha sala e sigo até a sala de depoimentos monitorada.


Vê-la com a camiseta branca e calça azul da delegacia era difícil, e um tanto quanto estranho,
mas ignoro.
Ela havia perdido todo o brilho. Cabelo preso, sem seus brincos pequenos, sem as correntinhas que
costumava usar, pálida, desanimada, e sem emoção. Era profundamente triste ver a sua tristeza, e
aquilo me deixava extremamente confuso e dividido.
— Tenho algumas perguntas.

Eu falo, ela olha pro vidro escuro onde Manuela estava, mas não aparecia, e me encara
parecendo entediada.

Responde cada pergunta que faço de maneira clara e objetiva, e quando termino, só olho para
ela. Eu não sabia mais o que dizer e não podia falar nada que eu fosse me arrepender depois.
Ela era a minha vida, mas minha vida estava fora do lugar. Até sua presença ali, sua aceitação em
ser presa tão facilmente parecia errada.

— Tu vai permanecer aqui até ser transferida para uma casa de detenção feminina que eu vou
selecionar. Seu advogado chega em breve pra falar com você. Vou te deixar em uma cela vazia
porque eu posso, mas no presídio não terá mordomia. Vai ser muito complicado e...

— Só faça, William. Não quero conversar. Não se sinta culpado ou com pena por estar fazendo o
que tanto quis fazer. Seu trabalho é esse. Eu estou bem. Só me sentindo fraca porque não tomo o
remédio já tem um tempo.

Ela pisca com lentidão e as luzes da sala fraquejam por umas duas vezes.

Ambos olhamos para o teto, e logo trato de me levantar para sair dali.

— Certo. Tem remédio teu em casa ainda, eu acho! Vou mandar o Tiago trazer para você. Me
certificarei que para onde você vai, vai ter direito a tomar todos os dias, como é recomendado
pelo médico, e sua dieta também será diferente. Tem direito a isso pela lei, por causa de tua
saúde!

Eu falo quase que me desculpando, porque eu também havia esquecido disso.

Ela confirma com a cabeça, olha para as próprias mãos, e Manuela bate na porta.

— Doutor, é o advogado dela! Está aqui. Posso deixar ele entrar?

Confirmo, olho para ela uma última vez com dor no coração, e saio da sala.

Seu advogado é alto, loiro, com porte forte, e presença "marcante". Estava acompanhado de uma
executiva também nos mesmos padrões, e de beleza exótica.
Cabelo raspado, lábios carnudos, vestes sociais e sorriso simpático.

— Doutor Castro. Me chamo Anália Mendonça. Esse é doutor Natan Kurküff. Advogado de
Catarina Coverick na Rússia. Já estávamos aqui graças a convenção que teve na cidade, e fomos
chamados por sua família. Sou sua tradutora e assistente.

— Ela não tem um advogado brasileiro?


— Não.

Ela responde eu me sinto estranho.

Ele fala alguma coisa e ela traduz.

— Ele disse que precisa falar com sua cliente imediatamente para poder montar uma linha de
defesa e impedir sua cliente de ser transferida. Quer que Catarina saia daqui diretamente para
sua casa e vai lutar por isso. Tem o direito de visitar sua cliente e não precisa ser brasileiro para
isso! Está no direito dela escolher qualquer advogado...

Olho nos olhos do iludido, e me pergunto como ele faria aquele milagre, e como entendeu o que eu
disse...

— Catarina Coverick. — chamo-a pelo som da sala e ela nos vê pelo espelho já liberado por mim
— Conhece essas pessoas?

— Sim! É meu advogado e a assistente dele.

Ela confirma e eu o deixo entrar.

— Aguardarei na recepção da superintendência. Com licença!

A assistente diz de forma educada e com um toque formal, se retira, e eu presencio um abraço
com muita intimidade, pelo lado de fora do vidro.

Que porra era aquela? Pra que abraço???

Os dois falavam em russo, e eu não entendia nada. Mando Manuela correr atrás da tradutora,
para economizar tempo ao solicitar um da delegacia, e eu espero aflito.

— Se afasta dele. Tu tem que sentar, tem que ser um de frente pro outro. É o protocolo. Tu não
pode ter contato físico com ninguém enquanto estiver detida. Agora!

Falo e sei que ela me ouviu, pois revira os olhos ao se afastar. Só por desacato, a garota já teria
sido presa mil vezes.

A tradutora chega sorridente, começa a traduzir, e escuto a mesma ladainha de advogado de


sempre. O papo era sobre sua defesa. Não sei o que ele ia conseguir sendo que ela havia
confessado tudo. A não ser que use o método 'Barbara' de defesa...

De repente ele se levanta, encosta um remédio, que reconheço no vidro, e eu encaro a tal da
Anália.
— Ele quer saber se pode dar a ela. Tay Coverick recomendou que ele trouxesse. Ela tem...

— Eu sei o que ela tem!!!

— São as vitaminas dela. Ele pode dar ou não?

Ela pergunta e eu afrouxo a gravata. Me sentia mal e um calor fora do comum. Estava começando
a ficar com a pressão baixa.

— Se sente segura para tomar isso? Reconhece como seu remédio?

— Sim.

Ela responde parecendo fraca e eu mando ele seguir em frente com a cabeça.
Ele entrega o comprimido para ela, oferece com uma garrafa de água que ele carregava consigo
e ela toma.

Voltam a conversar, me apoio na bancada com os botões de áudio e entrada e saída de imagens
da sala, e respiro fundo.
Um mau-presságio atingiu minha espinha, e me desestabilizou.

Encaro a demônia que gesticulava e dava atenção demais ao brutamontes de terno e gravata, e
me sinto péssimo.

De repente Catarina tenta levantar por algum motivo, parece prestes a desmaiar, toco o vidro
pensando se estava enxergando direito, e quando ela cai no chão, meu coração vem na
garganta.
Corro, tento abrir a porta, e quando vejo que ele havia trancado, me afasto, me entrego ao
desespero, e descarrego minha arma no vidro, mesmo sabendo que seria inútil.

Era impossível trancar aquela porta por dentro, eu não sabia o que ele havia feito.

Atiro na fechadura também com a consciência de que seria à toa, e quando volto a olhar pelo
vidro, a vejo agonizar se debatendo no chão.

Manuela tenta sem sucesso acabar com a porta, chama reforço pelo rádio, e eu me desespero
socando o vidro com os próprios punhos.

O desespero nem me deixava gritar, eu só queria entrar lá. Só queria entrar lá.

Uma espuma branca sai de sua boca, e eu só paro de tentar quebrar o vidro à prova de balas
com o punho quando um pequeno pedaço dele fica avermelhado.

— ABRA!!! ABRA A PORTA!!!! ABRA ESSA MALDITA PORTA!!! MANDA ELE ABRIR ESSA PORTA!!!
Chacoalho a tradutora, ela fala parecendo obedecer, e ele avança até a porta, quando antes se
mantinha ajoelhado somente olhando para ela, parecendo não saber como ajudar!

Quando ele abre, entro correndo, grito para Manuela ficar de olho nele, e a pego no colo.

Pupila dilatada, sem pulso, fria... Parecia morta.

— NÃO... NÃO... NÃO...!Acorda! Acorda!!! Tu não vai fazer isso comigo! Não vai fazer isso comigo!
Não pode me deixar!

Faço massagem cardíaca até um médico federal aparecer, e não saio de perto.

O que estava acontecendo? Que palhaçada era aquela? O que ela tinha?

— O QUE É ISSO? — olho pro doutor que a examinava de joelhos — É A ANEMIA??? É A


ANEMIA? O QUE FOI, PORRA??? CHAMA UMA AMBULÂNCIA, MANUELA!!!

— Não é necessário uma ambulância, senhor. A moça teve um ataque fulminante! Ela está morta.
ERAM DOIS MORTOS NA SALA!

PELO PONTO DE VISTA DE RUBI.

— Por que vocês ficam tão gostosos de uniforme, hein? Precisa tanto?

Pergunto cutucando a etiqueta da farda negra no peito largo do agente Ricardo, como estava em
sua identificação. Era tão bonito, tão gostoso... fiquei mais de meia-hora só admirando enquanto
ele se remexia sem graça. Foi bem divertido.

— Gostou é? Que bom...

Ele não sorri. Adoro homens que não sorriem para mim. Passa tanta masculinidade, testosterona...

— O que quer para me soltar e me deixar ir assistir o caos que minha irmã ama provocar???

Pergunto dando uma olhadela discretamente em seu volume enorme e ele acende um cigarro.

— Manuela deixou claro que só íamos fazer a figuração do plano todo, você pode ir onde quiser.

— Mas não custa tentar, não é?!

Sorrio e ele me imprensa na viatura. Adooorooo!!!

— Você tem cara daquelas garotas que mais falam do que fazem, por que não vai lavar uma
louça, garota?

Seu pau aperta minha florzinha já quase virgem de novo e sinto piscar forte.

— Ai... machista não... tão gostosinho... tão bonitinho. Que desperdício! Retira o que disse!!!

Pego em seu volume por cima da calça e sei que minha mão é minúscula em comparação, não dá
conta de preencher.

— Você é bem louca, né!?

Ele ri se divertindo.

— Tô com teu pau nas minhas garras. Vai me ofender? Hum?

— Desculpa, morena! Vamos recomeçar!!!

— Eu não costumo dar segundas chances.


Eu resmungo, decido parar de brincar e ir ver quem estava mais estourado e fora de si, o
delegato ou a CatPop, Anjinho endemoniado com cara de líder de torcida.

Quando chego na clareira, vejo o estrago. Corpos apagados pelo gramado, minha família
encarando uma cena bizarra, e a protagonista ajoelhada chorando e resmungando alguma coisa
para um delegado pra lá de Bagdá. Morto ele não estava, pois ainda podia ver sua aura agora
pardo-cinzenta, cheia de temor e horror.

— Eu te amo! Por que é tão difícil entender...?! Me perdoa!!!

Ouço Cat resmungar, beijar o cachorro na boca, e abraçar seu corpo caído como se tivesse
aproveitando a oportunidade que tinha, mesmo sabendo que ele não podia ouvir. Ela sabia que
assim que ele acordasse, não o teria mais em seus braços. Então chorava, lamentava, sofria, e
conversava com o doutor.

— O que houve?

Pergunto e meu pai me encara entristecido.

— Ela deu uma paulada nele pra gente poder sair daqui sem mais dores de cabeça. Mas ele vai
ter uma dor daquelas...

Olho pra ela e não consigo ficar por muito tempo olhando, seu sofrimento. Sua aura cor-de-rosa
ganhava tons que eu não gostava de ver.

— Então vamos ajudá-la. Vamos voltar para casa!

Eu peço e todos começam se mexer.

Peço para Fred ajudá-la a carregar o delegado para dentro e ele também logo obedece. Não foi
fácil fazer ela soltar do doutor, e foi triste de ver, mas logo entendeu que ele muito em breve
despertaria e provavelmente nos levariam detidos. Ela dizia só precisar de mais um minuto, porque
mais um minuto era só oque ela poderia ter.

Ela sofria.

— Ele está deitado na cama! Deixei comprimidos para dor. Vocês precisam ir agora!

Cat desce minutos depois e seus olhos inchados revelam mais do que ela gostaria. Só havia se
"acalmado" por fora.

— Vocês...?!
Meu pai sente sua aflição e eu faço uma prece silênciosa.

— Eu não vou deixá-lo!

— Esse cara espancou você! Você não vai ficar sozinha aqui com ele!!!

Jon e seu ciúme para com sua bonequinha crescida me dava mais medo do que meu pai. Ele era
mais superprotetor com Catarina do que meu pai e Yan juntos.

— A luta foi é muito ruim para ele, Jon! Sei me virar muito bem sozinha! Sabem disso.

— Mas se ele é capaz de bater em uma mulher, eu imagino o que...

— Ele não bateu em "uma mulher", ele bateu em uma assassina profissional e melhor treinada do
que ele. Oponente à altura, tio! Ele pediu diversas vezes para eu me afastar, e além de tudo, eu o
agredi primeiro. Se ele não me batesse eu o chamaria de marica pelo resto da vida, e ia até
perder o tesão! Eu conheço William, sei qual é seu limite, e ele já notou que de indefesa, não tenho
nada. Vão embora!!!

Cat defendia o policial cheia de ferimentos no rosto devido a luta, pelo jeito épica, luta essa que
eu perdi. Contradição romântica, amor incondicional... esses dois na cama deviam ser como fósforo
e álcool.

— O problema não é a luta. Mas sim aquele disparo e a impressão que eu tô, que você vai se
entregar. Não chegamos até aqui para no fim você ser presa!!!

— Eu sei do que eu faço, pai! Sou maior de idade.

— Se alguma coisa acontecer com você, sua mãe me mata, ou pior: Se separa de mim!!!

— Ah! É com ela que tá preocupado, CLARO. No fim o lance é sempre seu casamento...

— Você já é bem velhinha, Catarina, sabe se cuidar, e pelo jeito até um namorado já tem. Nas
circunstâncias mais estranhas, mas tem... tu sabe o que faz, mas sua mãe nunca vai concordar com
isso. Nenhuma nunca iria. É óbvio que não quero te ver presa, mesmo que você diga que sabe o
que tá fazendo! Só que sempre te criei para tomar as rédeas da própria vida, mas com sua mãe o
lance é mais embaixo, se tua mãe chegar aqui e eu disser que você está presa, ela vai beirar um
ataque, e eu gosto mais da sua mãe viva, viva e respirando!!!

— Não precisa sempre se basear nela e no que ela vai dizer...

— É? Então por quem tá agindo assim? Por quem mandou trocar as balas por sonífero? Por quem
ia apertar a porra daquela arma na própria cabeça? Por quem você está pensando em se
entregar para acabar logo com isso? Aposto que as respostas são as mesmas! É pensando nele. É
por ele que você fez tudo o que fez, não matou um coxinha aqui. Não consegue entender?! Amo
tua mãe, vivo por ela, e você já está bem grandinha para permanecer com aquele ciúmes de mim
com ela. Vivo por ela como você já vive por esse garoto marrento, difícil de digerir, e metido a
personificação da justiça. Ela é tua mãe, é louca pelos filhos, se algo acontecer contigo é capaz de
cometer uma loucura!

— Ela ficará bem, inferno, deixei uma carta!!!

Cat resmunga, meu pai nega muito chateado, Jon sai da sala e em resposta, Cat mostra feições de
puro horror com tua atitude, e todo mundo vai saindo, saindo, até sobrar somente a mim, Fred e
Miguel.

— O que você vai aprontar?

Eu pergunto me penetrando em seus olhos coloridos, e ela corta a ligação quando um brutamontes
do bem gostoso entra na sala com uma mulher e um rapaz de porte um pouco menor. Ele era uma
montanha deliciosa de pura testosterona e maldade. Na verdade, os três pareciam enormes.

— Esse é K. — ela nos apresenta — Fred, é com ele que você fala pelo telefone quando faz os
pedidos dos equipamentos.

Fred se levanta, sorri, eles conversam, e eu sinto um sotaque russo em seu linguajar, que parecia um
português bem meia-boca.

— Foram os três que dispararam os soníferos?

Ouço Fred perguntar, sorrir em admiração quando ouve a resposta afirmativa, e volto a atenção
para Catarina. Estava distante, extremamente confusa e parecendo distraída.
A mulher era lésbica e admirava Catarina, quase que com devoção. Cabeça raspada, lábios
enormes, e sensualidade rústica, era um charme só. O outro cara, padrão "italiano" do Jon, moreno,
olhos esverdeados, 1,70 cm, cabelos lisos e bem aparados, e era o único ali, dos três, que não me
encarou com desejo ou admiração.
Já o maldoso K. estava ali para servir. Estava pronto para acatar o que Cat ordenasse, era o
soldado que vô Max amaria trocar três palavrinhas. Logo em seguida Cat nos apresenta, e eu sei
que ela se chama Anália, e ele Seven, como um número.

Ao ouvir isso, me lembro de um papo que Fred comentou a respeito da estadia de Cat no serviço
secreto da Rússia e sobre seu dia-a-dia lá. Lá todos os agentes que iam para rua tinham um
número, e não um nome! Pelo menos não a equipe dela, equipe essa que consistia nos quatro. Dois
casais. Por eles, Cat era chamada de One. (Uam, foneticamente falando) muito esperado... foram
somente alguns meses para treiná-la, e fazer dela a melhor "da Rússia" também. A número um.

— Eu te amo!
Ouço ela resmungar para meu pai, ele diz amá-la também, diz que estará com ela não importava
a decisão que tomasse, e eu sei que só disse isso, por causa da profecia, e não porque queria. Ela
o fita entrar no carro com os olhos marejados, dá um tchauzinho e ele vai embora.

Jon havia seguido para o carro, e de momento nem direcionou seu olhar a ela, estava bravo
porque Cat ficar e se entregar, não estava em seus planos, mas depois deu meia-volta e se
aproximou da sua princesinha toda chorosa.

— Esse rapaz é diferente de tudo o que eu já vi, é um bom homem, mas não se encaixa aqui.
Prioriza mais a profissão do que você, enquanto tudo o que você faz, é só pensar no que é melhor
para ele. Eu não concordo com o que vai fazer, mas eu quero que saiba que eu te amo muito, e
não é porque estou bravo, que algo vai mudar! Você vai ser para sempre minha princesa!!!

Jon resmungou e Catarina concorda com a cabeça.

— É o jeito dele, tio! Ele é assim mesmo, mas me ama muito! Tenho certeza que vai me levar com o
coração partido, e vai escolher o melhor lugar, garantir cuidado com minha saúde, e me proteger.
William vai cuidar de mim, e vai dar um jeito de me livrar dessa logo, ele só quer uma justificativa
para conseguir deitar a cabeça no travesseiro. Ele tem honra, e eu o amo demais! Não destrate ele
enquanto eu não estiver. Eu amo muito aquele "garoto difícil de digerir"!

Os dois riem.

O seu tio favorito havia nos apresentado Manuela, e explicado tudo sobre o que pretendia para
que Cat desejasse aquilo, e pegasse os planos para ela, para que assim, não fosse um plano
solitário e Jon arriscasse todo o destino se intrometendo. Ele falou a respeito dos documentos, Cat
concordou entendendo que não muito ia mudar, e assim foi. Mas Cat não confiava em Manuela, e a
odiou por "ter traído a confiança de William."

Os dois se respeitavam demais, Jon amava Catarina, mas ela estava muito triste e brava com ele
por ser questionada, e ele puto da vida porque Catarina poderia fazer "tanto", por "alguém
melhor do que cachorro sarnento"... Jon achava que William não merecia Cat.

Eu via que suas atitudes eram nobres. Amava o policial, e fazia de tudo para vê-lo bem, mas meu
pai, e também Fred não estavam nada satisfeitos com aquilo. Primeiro, não gostaram nada, nada
de vê-la levando uma surra dele, — não por ele ser homem, mas porque ele dizia amá-la e ela o
amava — principalmente Fred, que foi o tempo todo segurado e mantido longe de seu rifle para
não estourar os miolos do doutor. E segundo que sabia que William jamais deixaria a família em
paz, mesmo sabendo que o combinado com Manuela, era ela destruir todas as provas, e entregar
a ele cópias falsas e violadas para neutralizá-lo.

Sim, eu não sabia como, mas Manuela era funcionária de Jon fazia anos, e eu só me perguntava se
a gente conhecia tudo a respeito dele e do que ele era capaz pela família que o acolheu.
— Por que chamou os russos aqui? Podia derrubar a equipe de federais sozinha... o que você
planeja?

Pergunto assim que ela me solta de um abraço demorado demais.

— Não se preocupe com nada.

— Não pode nos manter longe de seus planos. Somos uma equipe, podemos ajudar você.

— Não é necessário, Rubi! O que ninguém sabe, William não sabe.

Ela fala em códigos e eu entendo. Tinha que ser tudo o mais real possível, pois como ela mesma
disse, o delegado era genial.

— Presta atenção no que está fazendo! Proteger a família é nossa prioridade. Se sacrificar por
um cara que quer te ver toda ferrada não é muito saudável... o cara nem foi capaz de perdoar
você, tu não o ensinou a perdoar, a profecia está longe de se cumprir.

— Ele não quer me ver mal. Está sofrendo por ter que fazer isso, sofreu por ter que dar voz de
prisão a nossa família, sofreu por me ver aqui. William tem honra. Ele queria que tudo fosse
diferente, só está fazendo o correto. Conheço ele, preciso ajudá-lo a sentir que fechou o caso de
alguma forma, ou ele nunca mais vai conseguir dormir. Nunca mais vai sossegar e descansar
enquanto não nos encontrar. Ele é um homem raro! Se não se importasse comigo, deixava tudo por
isso mesmo, e seguia sua vida. Está me prendendo com a esperança de que eu reconheça tudo o
que fiz de errado, pague pelos meus crimes perante a sociedade, e saia de lá de cabeça erguida.
Ele é assim, Rubi, foi por esse homem que eu me apaixonei, foi por um policial honesto que eu me
apaixonei. Eu o aceito do jeito que ele é.

— Você não parece você mesma. Vai começar a frequentar a igreja do presídio?

— Eu não estou dizendo que mudarei como ele quer, ou que vou me regenerar e virar santa. Sou
uma assassina, sempre serei. É tarde para buscar redenção... estou tentando te explicar que não
parece, mas William tem as melhores intenções para conosco. Eu sou uma assassina fria e cruel,
sempre vou ser. Só que ele é um homem de caráter, justo e trabalha com a lei, e será assim até seu
último suspiro. — ela sorri apaiconada — Não o leve a mal, e cuide dele quando eu não estiver.
— ela me pede e eu nego — Só cuide, só não deixe ele fazer nenhuma besteira... se tentar
qualquer gracinha, se apaixonar, ou encostar um dedo no meu homem, mato você com as minhas
próprias mãos. Se eu voltar e ele não estiver em perfeito estado de saúde, faço um buraco na tua
testa. Deformo toda essa carinha bonitinha de puta de luxo.

Ela fala com toda a seriedade que pode, reviro os olhos sem querer, e a abraço desistindo de
discutir.

— E se aquela cena de minha visão se realizar, eu nunca vou perdoar você.


Eu retribuo sua ameaça de uma maneira mais leve e sussurrando, só para que ela escute, e ela
concorda.

— Estou disposta a arriscar. Preciso fazer isso!

Ela afirma e eu entro no carro.

(...)

O trio sanguinário estava instalado no cartel. Somente K e Anália haviam saído para fazer o papel
de advogado da Cat, e a dupla dos chateados com a Catarina estavam usando a tela-morta junto
com Fred e Miguel,para discutir e ver o tempo passar, esperando para saber o que Cat ia fazer.
Natan sabia muito a respeito de seus planos, mas não disse a ninguém, eu só sabia porque era eu.

Desço para a quarentena quando uma dor forte de cabeça me pega de surpresa, fecho a porta
do quarto e tiro o vestido colado, que já me sufocava, toda a maquiagem, solto o cabelo
duramente amarrado em um rabo-de-cavalo e enfim, me reconheço no espelho.

"Chegará o dia da tormenta na sua vida menino! Você não me conhece, mas eu conheço você. Eu vejo
seu interior atormentado, eu sinto o cheiro de sua pele queimada pela tortura, eu vejo a crueldade no
seu coração, mas não vejo culpa. Pedro não está comigo, ele ainda luta para voltar e se vingar de
você.

Para proteger a menina descalça, foi impiedoso, e anos mais tarde não hesitou ao fazer tudo
novamente. Sua cria será pior, crueldade, impiedade, e racionalidade serão seus sobrenomes. Ela vai
querer ser melhor que você, e será. Mais forte, mais disciplinada, mais inteligente e intuitiva, e sua lista
negra será extensa. Fará de tudo para conseguir o que quer, e terá.

Vai matar por dinheiro, e o prazer de fazer "justiça". Vai ouvir mais a cabeça do que o coração, e a
única pessoa que poderá trazer de volta sua completa sensibilidade, e transformar seu coração, é o
homem que vai querer a sua ruína. Precisa estar com ela, precisa aceitar quem ela é, uma cópia mais
aprimorada do próprio pai e avô. Peculiar, talentosa, completa; se a renegar, ela morre, se tentar
alterar o rumo de seu destino, ela morre, se ajudá-la, ela morre, e se a desviar de forma direta ou
indireta do caminho que ela deve andar, ela morre.

O destino agora é uma velha impaciente. A menina com nome de pedra preciosa é minha filha enviada
para ajudar a sua, você cuidará dela com amor e ela será sua prioridade, até crescer e atingir a
maioridade. Se ela partir, Catarina morre, se ela morrer, Catarina também morre.

Essa minha filha, que nos serve de intermediadora, vai se juntar a mim dentro de pouco tempo, e é
necessário que você não deixe ninguém mudar isso. Ela já fez muito por todos vocês, e agora eu
permito que descanse ao meu lado. Todos os erros que você cometer, custará a vida da menina com
mania de posses, e nada você poderá fazer para mudar isso.
O destino do soldado caído, do caçador das almas que gritam, e da mulher por quem o coração
baterá eternamente por você, está em suas mãos. A paz que sua família tanto deseja estará nas mãos
de Catarina, a menina cuja natureza sentiu sua chegada. Ela será poderosa, obstinada, invencível e
letal, e precisará ser exatamente assim. Homem nenhum precisará protegê-la, muito menos você. Assim
como é hoje, ela será autossuficiente e não temerá pela própria vida, mas vai salvar a de todos se a
velha tiver senso de justiça.

É importante que não diga a ninguém o que ouviu, nem todo mundo suportaria ouvir o que o destino
os reservam. O destinatário é você, então sobreviva. No fim, todos lutarão juntos, você reviverá o
passado sombrio e, mais uma vez, verá a morte de perto. E não se esqueça: Se algo mudar, Catarina
me fará companhia aqui, lutará em meu nome em minhas guerras celestiais e você passará pelo luto
engaiolado como um pássaro, impedido de voar pelo resto de seus dias."

Sinto minhas pálpebras pesarem, e escuto a profecia, sem querer escutar.

— "...No fim, todos lutarão juntos, você reviverá o passado sombrio, e mais uma vez, verá a morte de
perto. E não se esqueça: se algo mudar, Catarina me fará companhia aqui, lutará em meu nome em
minhas guerras celestiais e você passará pelo luto engaiolado como um pássaro, impedido de voar
pelo resto de seus dias." Não é o fim como eu pensei... — resmungo — essa batalha não está nem
perto do fim. Não é bem sobre hoje que Jade falava. Quer dizer... uma parte sim, a parte em que
a chance de "irmos" presos seria grande, mas essa última...?

Resmungo sozinha, como sempre e reflito.


Visto uma calça jeans, um tênis, uma camiseta básica, tudo com lavagem escura, mas o que eu
queria mesmo era vestir um moletom e cair na cama. Eu só sentia que precisava cobrir meu corpo,
me despir daquela versão que eu nem acreditava mais, e esperar Fred vir me procurar para falar
que precisávamos ir até a delegacia, pois havia acontecido algo com a Cat. O início de tudo, ela
morreria hoje, e por consequência, eu também morreria. A velha do destino aceitaria sua morte
com muito gosto, e nos deixaria em paz! Cat dará a ela algo em troca, sua felicidade.

Sigo até o guarda-roupa, tiro a caixa trancada de forma especial do armário que eu dividia com
o homem que eu amava, e abro.

Várias essências, várias plantas, várias possibilidades e apenas um do meu interesse no momento.

Um líquido de cor âmbar, cuja procedência eu não sabia, pois foi Jade quem me deixou. Tinha
conta-gotas, e eu precisava tomar uma pela primeira vez, assim que eu me sentisse pronta, e
depois, uma gota a cada dez anos. Se alguém conseguisse acreditar que Jade possuía mais de
cem anos de idade, eu até que amaria dividir o que eu sabia sobre aquele líquido precioso com
alguém. Mas em quem eu confiaria aquilo? Eu o encontraria novamente na manhã seguinte, quando
contasse? Viver eternamente jovem seria uma dádiva, ou uma maldição? No meu caso, viver
eternamente jovem e sem ninguém para amar ou ser amada, seria bom??? Será??? Achava que
não...
"...Esse pequeno frasco é teu. Vai usar quando se sentir pronta. Você pode escolher como será seu
futuro, minha menina preciosa, e uma feiticeira jovem e tão linda como você pode ter qualquer coisa,
mas lembre-se, uma feiticeira linda, sábia e eternamente jovem pode ter o mundo aos seus pés!!! Você
despertará luxúria e cobiça por onde passar, mas se souber aproveitar esses dons, alcançará qualquer
objetivo. O mundo será seu, minha menina, e eu vou sempre estar com você, te ajudando a chegar
lá...!

Decido não pensar mais nisso, e sinto a aura forte e destemida de Fred se aproximar da
quarentena para me chamar. Sua presença poderosa sempre mexia comigo, mas naquele momento
era pior.
Choro, jogo a caixa longe, sinto a dor do luto me inundar, e quando ergo a mão, ele abre a porta.

— Eu já vou!

Escondo o rosto, seguro a respiração e só solto quando ele se recusa a me ouvir e se aproxima.

— É a Cat...

— Eu sei. Me dá um minuto!

— O que você viu???

— SAI!!!

Eu grito, o quarto todo treme, e minha tristeza passa a ser raiva pura.

Entro no carro após receber olhares apavorados, e ignoro. Era difícil ver uma Rubi com vestes
'humanas' e sem maquiagem, era compreensível a estranheza de todos.

Jon tinha recebido um telefonema de Manuela, que ordenava nossa presença na delegacia
imediatamente, "algo havia acontecido com ela".
Assim que chegamos, somos recebidos por uma Manuela branca, que nem um papel, e não se via o
William em canto algum. Logo ela nos leva até um corredor lotado de policiais curiosos, nos deixam
passar, e podemos ver a pior cena que se poderia.

Pequenos estilhaços de vidros cobriam o chão do corredor na frente daquelas salas típicas de
interrogatório. O vidro tinha manchas gigantescas de sangue, marcas de tiros bem fracas, e a
maçaneta alvejada, toda destruída. Parecia que ali havia acontecido o pior, e foi. Eu nem
precisava ter certeza para saber que Catarina havia estado ali. Sorrio. Minha irmã era um
pequeno furacão.

A porta estava fechada, dou um passo à frente e Manuela me segura.

— William está com ela, está armado e não deixa ninguém entrar. Está transtornado. Ela passou
mal, caiu, mas o advogado dela havia trancado a porta por dentro, de algum jeito. William tentou
entrar para ajudá-la e não conseguiu. O médico que a examinou constatou... constatou o óbito. Eu
sinto muito.

— O que??? Não. Não!!!

Meu pai se desespera e o caos se instala.


Cada um dos agentes que ali faziam a segurança, foram segurando-os, imobilizando-os com certa
dificuldade, e temendo uma confusão que deixasse William mais agitado do que provavelmente
estava à minutos atrás; porque naquele momento mesmo, ele já não estava mais, ou eu sentiria. Me
aproveito da bagunça e dou um passo a mais, uma nova tentativa de aproximação.

— Se não me soltar, te mato aqui e agora.

Eu olho para Manuela, que mais uma vez segurava em meu braço, e ela acredita, pois era a mais
pura verdade. Por isso me solta, e com isso eu abro a porta com lentidão, eu estava com medo do
que eu ia ver. Com muito medo!

Minha atitude silencia a todos, e pela tensão estar tão intensa, todos só aguardam.
Abro a porta até a maçaneta de aço encostar na parede, e vejo um homem que um dia fora
William Castro, só havia sobrado a "embalagem". Eu via dois corpos sem vida na sala. Eram dois
mortos.

Ele estava sentado no chão com Cat em seu colo, como se fosse um bebê. Segurava sua arma em
punho, como se já tivesse achado que precisaria usá-la, e enterrara o rosto em seu pescoço frio.
Chorava baixinho, balançando os ombros devido aos leves espasmos, e se balançava para frente
e para trás, completamente desolado.
Era horrível olhar para ele. Mesmo há tantos anos brincando com a morte e a desgraça de perto,
nunca vi cena mais triste. Aquilo ali nem desespero se chamava, seu estado de espírito ainda não
tinha nome.

Ele nem percebera minha presença até meu pai, Jon, Fred, Miguel, e Marcelo entrarem na sala,
com cuidado também.

Seu desespero era palpável, e sua dor era insuportável. Suas mãos estavam ensanguentadas, e
então pude entender o que houve com a janela; William devia ter uns dois ou três dedos luxados,
pois estavam começando a inchar.
E naquele momento eu queria não ser tão sensível como eu era! A dor, agonia e horror que William
sentia estavam se libertando provisoriamente dele e se achegando a mim. Como acontece com as
trevas... pequenas fagulhas de matéria ruim se desprendiam e tomavam conta de meu corpo,
querendo mais um para se alimentar, e eu nada podia fazer, só sentir tudo o que ele estava
sentindo.
Tristeza profunda, depressão, vontade imensa de acabar com a própria vida, arrependimento,
saudade e dor, muita dor mesmo.
— Me deixa segurá-la... me deixa segurar a minha filha!

Meu pai se ajoelha, sussurra desesperado, William olha para ele tentando entender, depois fita
Catarina, pisca algumas vezes tentando processar a informação, e depois estende Cat com
cuidado para meu pai segurá-la.

Cat parecia só uma criança, e quando a encaro com olhos mais cautelosos, tenho "a certeza".
Apenas vinte e cinco anos, pequena, era só uma menina. Uma jovem com sonhos, com um coração
incrível, e uma grande vocação para abnegação. Uma boa irmã, boa filha, boa sobrinha, e boa
pessoa.

Meu pai a segura do jeito que estava e chora de cortar o coração. William não tirava os olhos
dela, Fred andava para lá e para cá, não conseguindo se segurar, Jon havia se ajoelhado ao lado
do meu pai para ver Cat, e não conseguia se perdoar por muitas coisas que, na hora, não fiz
questão de saber, Miguel chorava baixinho com a mão na cabeça, e Marcelo se mantinha
afastado, lidando com a morte como sabia por experiência própria: com o máximo de respeito.

— Ela tá viva! — William de repente resmunga — Vem ver, ela tá viva! Sente... sente... por favor!
Examine ela! Examine! Posso sentir ela viva! Me ajuda!

Ele apontava para Cat e implorava para Marcelo se aproximar.


Por não saber direito o que fazer, Marcelo se aproxima e ajoelha.

— Fica calmo, William... você precisa ficar calmo!

Marcelo pede desculpas ao meu pai só com o olhar, abre a maleta que carrega consigo para cima
e para baixo, examina Cat, fecha os olhos sentindo uma tristeza enorme, e mente para o coitado
que esperava aflito.

— Ela se foi. Não está mais entre nós.

— Não. Não... não tá não! Ela tá viva, posso sentir! Eu posso sentir... — ele toca o peito gélido de
Catarina e fala consigo mesmo — Eu posso sentir...

Fecho os olhos não suportando mais ficar ali, e decido acabar com aquilo. Eu já não aguentava ver
aquilo. Meu pai perguntava para 'sua princesinha' o porquê que ela não havia tomado seus
remédios, porque não havia se cuidado, e contava para ela sobre a sua infância, sobre o que
gostava, sobre a pequena Jennifer da instituição que não tinha uma boneca muito boa, sobre o
quão ciumenta era, sobre a preferência desde cedo por chás de frutas ao invés de café... sobre
coisas bonitas demais, e que só uma pessoa de muita sorte poderia ouvir.
Não dava para ver meu pai chorar como uma criança, nem ouvir a mente culpada de Jon, e
principalmente, não dava mais para sentir toda a desgraça que William estava sentindo.

— Eu sei que você pode trazer ela de volta.


Eu escuto William resmungar de novo assim que eu viro as costas para sair dali.
Me viro e ele levanta seu olhar, apagado e sem vida nenhuma para mim.

— Ela tá morta, William. Enfrente o luto! Eu não posso ajudar, sinto muito!

— Ela não está morta, posso ouvir seu coração! Posso sentir a vida nela! Catarina e eu somos um
só! Se ela estivesse morta, eu nem estaria respirando. Não sei o que ela fez, e nem como, mas
quero minha mulher de volta, e você sabe como fazer isso! Faça uma de suas magias estranhas,
traz ela de volta pra mim, eu imploro! Traz ela de volta para mim!

Ele pede não controlando o choro, e eu não consigo dizer nada. Apenas junto os cacos que sobrou
de mim, e saio pisando firme.

— Cadê as coisas dela?

Paro na porta onde Manuela assistia o seu amigo sofrer com as piores das feições, questiono
baixo, e ela indica com o queixo.

— Segunda à direita, no fim do corredor. Como é recente, ainda deve estar no balcão no canto da
parede. Seja discreta.

Ela me estende as chaves, sigo em direção a sala, entro, e procuro seus pertences, onde ela tinha
indicado. Haviam vários sacos transparentes, que guardavam pertences de milhares de presos,
tudo junto, com etiquetas numeradas para identificar. As coisas dela não estavam ali.

— Pensa. Pensa. Cadê...?!

Respiro fundo e ouço minha consciência mais evoluída que o normal.


Saio da sala, continuo até o fim do enorme corredor e entro na sala intitulada "DELEGADO
CASTRO", em uma placa de metal bem-feita.

Logo em cima da sua enorme mesa posso ver uma sacola de papel e a bolsa preta dela, de tira
longa.
William não achava que as coisas de Catarina deveriam ser guardadas junto com as dos demais.
Ele dobrou suas roupas com delicadeza, e em um potinho feito de MDF havia colocado seus objetos
como anéis, a pulseira favorita de couro e suas correntes.
Um desses anéis era a aliança com o nome dele, o outro, que eu já tinha visto estar em seu dedo
desde quando terminaram, havia sumido. Devia ter pego de volta.

Pego o medalhão que nunca tirava do pescoço, sinto uma paz muito grande ao tocar suas linhas
intricadas e onduladas, mas antes de abrir e descobrir o que guardava em seu interior, sinto uma
mão no meu ombro. Quem entraria ali sem que eu sentisse? O que havia de errado comigo?

Me viro devagar e não fico impressionada quando vejo Seven.


Assim tão perto de mim ele era um pouco mais alto, eu precisava olhar para cima para poder
encará-lo.
Seus olhos eram quentes, e sua presença nem de todo ruim. Sabia que mal ele não ia me fazer,
mas também não estava ali para fazer nada de bom.
O que tinha de bonito, tinha de profissional.

De repente ele tateia meu braço, e sem tirar os olhos de mim, chega em minhas mãos e segura o
medalhão da Cat com firmeza.
Faz o gesto do 'silêncio' com o dedo nos lábios, e com delicadeza, pega o medalhão e dá
pequenos passos para trás, até chegar na porta.

Quando ameaço me aproximar ele inclina a cabeça em advertência, e olha em direção da enorme
janela de William, para me mostrar algo.
Quando me viro para olhar, vejo um laser atravessar o vidro e parar exatamente no meu coração,
na blusa de moletom.
K. estava em um prédio na frente da delegacia acompanhando o pequeno furto de Seven bem de
perto.

Quando me viro para pelo menos mostrar o dedo do meio para ele, não o encontro mais. Ele já
tinha ido e levado junto o medalhão da minha irmã.

— Desgraçado!!!

Praguejo, mas me sinto mais tranquila ao ter certeza que Cat só estava aprontando. De qualquer
forma, mais tranquila ou não, ela estava causando um sofrimento sem precedentes, e aquilo não
era nada perto do que poderia rolar quando Ellen chegasse.

E que diacho de equipe era essa que parecia fantasmas? Entra, sai, e eu não vejo?! Ou isso era
um treinamento e tanto, ou aquele Seven nem alma tinha.

Penso nisso e o sabor da verdade me deixa com a boca amarga.


Eu não tinha a menor noção sobre quem era aquelas pessoas que Cat confiava tanto!

— É preciso tirar a Cat de lá! Nunca vamos conseguir saber o que houve se não fizermos exames!

Marcelo me alcança na saída da delegacia.

— Onde vai?! Precisamos de você! Seu pai e o William estão desolados, tem que fazer algo para
amenizar tudo!

— Eu não tenho que fazer nada... tu sabe que de morta ela não tem nada. Me inclua fora dessa!

Eu não podia ajudar, não conseguia.


— Seu pai está sofrendo, não me deixa chegar perto dela! Preciso de ajuda! Se a Cat fez o que
fez, motivo ela teve! Quantos anos ela pegaria de prisão por confessar? Vamos apoiá-la! É tua
irmã. Me ajuda, Rubi!!!

— Não posso, Marcelo! Foi mal...

Eu não tinha condições de ficar ali!

— Olha bem para mim, sua covarde! Eu não sei o que a Cat tomou! O velho doutor da federal
constatou óbito porque já não pode ouvir direito, ou tá comprado! Só que ela tem batimento, e está
caindo! Quando a droga que ela tomou acabar seu efeito, das duas uma: Ou ela acorda e mata
seu pai e o William do coração com o susto, fazendo com o que seus planos sigam um caminho só
de ida para o ralo, ou dependendo do seu atual estado de saúde, que eu sei que não é muito bom
devido a deficiência de ferro, seu coração pode sofrer parada cardíaca com o choque. — ele diz
por demais preocupado — De repente seu coração, e sua corrente sanguínea, que trabalhavam
de formas quase imperceptíveis, voltam a sua normalidade, e seu corpo fragilizado não suporta o
tranco! Acho melhor tu me ajudar, ou a cena dela morta vai virar realidade.

Ele fala e eu respiro fundo.

— Quem te contou, que é cena?

— Lá fora aquele moreno me enquadrou, entrei por último. Ele só mandou eu fechar a boca e não
usar "essa minha maletinha"... falou no meu ouvido e já saquei na hora! Vamos lá, você precisa
fazer eles se acalmarem pra gente poder levar ela para algum lugar, e nos preparar para
medicá-la.

Ele diz, me puxa pelo braço quando eu não me mexo, e no meio do caminho, damos de cara com
uma equipe de médicos levando Cat para fora da sala.

Meu pai, Jon, Miguel e Fred os acompanhavam, mas do corredor pude ver que o William estava
na mesma posição.

— Para onde vão levá-la, Miguel?

— É o médico legista! O supervisor ordenou que ela fosse retirada daqui! O cachorro estava
trancado com ela já a bastante tempo! Eu vou junto, liga pra minha mãe!

Ele resmunga meio desnorteado e ainda chorando, os segue e eu entro na sala, deixando Marcelo
ir atrás da equipe sozinho.
William fitava sua arma e parecia estar longe.
Me abaixo e ele me olha nos olhos.
Não diz nada, só me olha.
— Vamos embora daqui! Você precisa ver essa mão...

Encosto em sua têmpora, retiro o máximo de energia ruim que meu corpo pode suportar, e consigo
fazer ele se levantar.
Manuela se aproxima, faz o favor de tirar a arma de sua mão com cautela, e nos acompanha até
o seu carro.

— O que eu faço?

Ela questiona baixo, como se eu estivesse raciocinando melhor que ela. Coitada de mim...

— Leve ele para casa e cuide dele, dá uma olhada nos dedos dele. Fale com Tiago e mande ele
ficar de olho! Agora ele nem sabe de nada, está fora de si, mas quando cair a ficha, vai tentar
fazer uma besteira. É melhor ficar de olho. Não tenho muita vocação para cuidar de ninguém!

Jade tinha, mas eu não era a Jade.

Resmungo e ela o faz entrar no carro.

Caminho de volta pra frente da delegacia me sentindo pesada e meu celular toca.
Era Yan. Merda. Coitada da Mariah, tadinho do sulista gato, outro que vai sofrer feito um
condenado...

— Oi, Rubi!
— E aí...
— Tô ligando para a Laura, ela não atende... Ninguém atende! Queria notícias!
— Yan, a Laura deu uma saída faz umas duas horas. Parece que a Mariah tinha ligado, pedido
para ela comprar alguma coisa para enviar para ela, algo assim...
— Sim, foi isso...
— Pois é. Ela não voltou ainda. Na verdade, eu nem estou na galeria. Tivemos que sair, eu nem tive
tempo de ligar para ela, não liguei para ninguém. Eu... bom, acho melhor você pegar a Mariah, e
se mandar! Vem pra cá!!!
— O que foi, Rubi? Cadê a Laura? Fale de uma vez.
— A Laura está bem... o problema é a Cat! Só vem para cá, não vou dizer nada por telefone!
Vem para São Paulo! Rápido!
— O que é, pai? O que é que ela quer dizer? O que tem a Cat? O que tem a Cat? Ela tá bem?
Pergunta se ela tá bem! Pergunta!!!
(Ouço Mariah, pelo jeito Yan estava com o viva-voz ligado)
— A Cat... — Yan parece nervoso — Tá bem? Ela está bem? Fala logo, por favor!
— Eu não estou dando conta! Tô ocupada, preciso desligar aqui! Vem logo.

Desligo o telefone na cara dele, sento nas escadas da entrada da delegacia, e tento voltar a
respirar. Como eu ia dizer: "Bom, sua filha está morta!"? Principalmente sabendo que não era bem
isso... não dava.
Eu tinha que ajudar meu pai, deveria ficar ao lado da Cat, deveria oferecer meu ombro a Fred,
que estava desolado e sentindo mais uma vez a dor inenarrável da perda, ir até William e zelar
pela tua saúde e integridade física, e ir atrás dos russos, que parecia aprontar algo a mando da
princesa adormecida, mas eu não conseguia reagir, não conseguia dar conta de tanto sofrimento.

— Você não ficou aqui pra nada. Não criei você para ser uma fraca. Honre meu nome, se
desdobre, e faça o que é preciso pela tua irmã. Você suporta! Você dá conta! Catarina fez o que
era necessário. Cuide de todos, ajude Catarina a passar por isso, e não lhe dê as costas. Essa
família é tudo o que você tem. Seu pai precisa de você! Levanta daí e vai fazer o seu dever!
Agora!!!

Uma policial que subia as escadas, para perto de mim, resmunga aquelas palavras com uma
dicção 'sem condições', e eu sinto o perfume da Jade se dissipar na mesma velocidade em que
chegou.

Ela chacoalha a cabeça confusa, me pergunta às horas, e sobe os degraus me deixando sozinha
com minha loucura, e meus medos.

(...)

O céu estava pincelado de laranja e amarelo, contrastando com a tonalidade padrão de uma
quinta-feira sem graça nenhuma.
Até os passarinhos, que também fazia o condomínio do meu pai de morada, havia tirado o dia
para cantar mais alto, mas em nada tornava aquele dia bonito. A noite estava caindo.

O silêncio predominava na sala.


Eu na janela, meu pai com as mãos entrelaçadas abaixo do queixo, e ainda chorando, Fred
cobrindo o rosto inchado, Miguel inerte, Marcelo pensativo, Jon ainda se sentindo culpado, e uma
Laura ainda trancada no quarto, chorando alto. Assim que chegou, notou o clima, Miguel começou
a contar e ela primeiro não disse nada, mas depois só gritava e gritava e chorava e desabafava,
até meu pai consolá-la, ou melhor até um consolar o outro. Foi horrível.

Mariah e Yan estavam a caminho. Max se mantinha "meditando" no quarto do filho.


Soube que a família havia embarcado para Santiago, no Chile, e também estavam a caminho do
condomínio. Aguardamos um dia para que Cat recebesse suas homenagens, e até os funcionários
do museu, e da instituição foram avisados. Todos poderiam se despedir.

Marcelo garantiu que estava 'tudo certo' com a Cat, e que os russos haviam cuidado de tudo. Não
fiz muita questão de saber, só sabia que não importava o que seria feito, era para eu fazer com o
que optassem por cremar minha irmã, era uma ordem dela, e K. deixou claro.

Já William, após eu ligar para Manuela, soube que como eu imaginava, vegetava. Não falava,
não comia, não respondia ninguém, nem reagia! Manuela disse que o deixou ontem, sentado no
sofá, olhando para TV ligada, e quando chegou na manhã de hoje, o encontrou da mesma forma,
na mesma posição, com a mesma roupa!
Ele não sabia, mas também havia morrido junto com Catarina.

O céu naquela tarde, estava pincelado de laranja e amarelo, contrastando com a tonalidade padrão
de uma quinta-feira sem graça nenhuma.
Até os passarinhos que também fazia o condomínio do meu pai de morada, havia tirado o dia para
cantar mais alto, mas em nada tornava aquele dia bonito. A noite estava caindo quando os táxis
encostaram na porta de casa.

Vejo os olhos de meu pai seguir o barulho, seu lamento se intensificar, e posso ver quando Ellen,
especificamente falando, desce do táxi, pega Dom pela mão, e entra em casa seguida pelo
restante da família!

— Que retorno é esse?! Nem sou recebida pelo meu marido lá fora! Não gostei disso não, hein!

Ela entra sorridente, fita meu pai, olha ao redor, e seus olhos não encontram quem ela procurava.

— Cadê a Cat?

Ela pergunta deixando seu sorriso desaparecer.

— Cadê a minha filha???

Ela se aproxima dele no sofá, e Dom passa a dividir olhares duros de um para o outro.

— Minha mãe fez uma pergunta, papai!!! Responda imediatamente!!!

Ele eleva sua voz, mas meu pai o ignora! Ele só fitava Ellen, e fitava com tanta intensidade que
nada ele precisava falar. Ela começa a entender, e por isso se afasta dele parecendo prestes a
desmaiar.

— Não.

— Ela passou mal na delegacia...

— Não!

— Perdemos nossa filha!

— NÃO, NÃO!!! CADÊ ELA? CADÊ? CADÊ A CAT! ME SOLTA! NÃO ME TOCA! QUERO A MINHA
FILHA, AQUI! VAI BUSCAR A MINHA FILHA! VAI! AGORA!

— Ellen...
Ele chora ainda mais e eu viro o rosto para fitar o céu alaranjado, que começava a ganhar tons
cinzentos. Ia chover, de repente.

— MINHA FILHA! A MINHA FILHA! QUERO A MINHA FILHA!!!

— Eu sinto muito, amor!

— Você sente? — ela ri parecendo ter enlouquecido — VOCÊ SENTE??? O que você fez??? Onde
você estava? Você me disse que ia protegê-la, você me disse que ia protegê-la!!! Eu quero minha
filha aqui!!! AGORA, TAY! AGORA!!!

Ela grita quando ele ameaça tocá-la, Max desce ao ouvir o barulho, depois Laura, e depois Hella,
Davi, Matheo e o restante do grupo, que tinha acabado de chegar, vão entrando e presenciando a
cena, onde uma mãe acabava de saber que tinha perdido sua filha, sua primeira filha.

Ellen andava pra lá e pra cá, chorava com as mãos na boca, e parecia não acreditar que aquilo
estava acontecendo com ela.

— É minha filha! Minha! Eu não... eu perdi minha filha! Eu perdi! Ela não pode... não podia ter feito
isso, não podia!!! Minha filha!

— Eu não pude pará-la, ela estava decidida! Ele a prendeu! Levou ela até a delegacia, ela se
recusou a sair do lado dele! É tudo minha culpa! Eu acabei deixando que isso acontecesse. Cedi
aos desejos dela!

— Você cedeu aos desejos da sua filha de vinte cinco anos que não sabia merda nenhuma sobre a
vida??? Faça-me o favor!!! Cadê nossa filha? — ela olha para ele e implora — Tay, a Cat...

Ela esfrega o peito por cima da blusa, chora de soluçar, ele a abraça, e quando Yan chega, entra
na sala, e fita o semblante destruído de Ellen, tudo recomeça.

Ele nem viu Laura ao seu lado esquerdo. Só via Ellen ali. Quando se aproximou, meu pai se
afastou, sentindo o triplo de dor que estava sentindo.

— Onde está Catarina? Onde está nossa filha?

Mariah fita Dom, que se encontrava sentado no chão, e pela primeira vez na vida: em silêncio!!! E
ao juntar um mais dois, é amparada por Miguel, que parece se sentir melhor na tua presença. Ela
afunda o rosto no peito do irmão/amante, e chora de doer o coração.

Ellen abraça Yan, chora mais, e por estar bem na minha frente, quando abre os olhos, seu olhar já
cai em mim.

— Eu não vejo um pingo de sofrimento em você! — ela se solta dos braços do ex-marido e se
aproxima de mim, meu pai já se levanta, se preparando para "tirá-la de cima de mim" — É sua
irmã! Criei vocês duas no mesmo quarto, com as mesmas roupas, com a mesma comida, a mesma
educação! Ela amava você, se colocava contra mim para ficar do teu lado! Por que você não está
chorando??? POR QUE VOCÊ NÃO TÁ SOFRENDO???

— Ellen...

Meu pai se aproxima e ela mostra uma palma da mão para ele, querendo dizer "ou cala a maldita
boca, ou cala mesmo assim...".

— Hein... sua irmã está morta! Minha filha... como você consegue???

Ela me questiona chorando e eu ergo uma sobrancelha.

— Você era louca por ela. Eu achava que se um dia Catarina se machucasse...

Ela trava e parece pensar.

— Não. — ela me mede dos pés á cabeça — Você a amava. Catarina é forte, saudável como um
cavalo, mais letal que o pai e o avô...

Quando ligo o botão da ironia no modo máximo, ela começa a rir, rir muito, e depois gargalha
como se fosse uma bruxa.

— Você sabe não é, mamãe!?

Inclino a cabeça vendo sua aura negra se dissipar, ela corre até mim, beija a minha testa, pede
perdão só com um abraço apertado, e logo após me dá as costas, sobe correndo pro quarto.
Havia algo lá, esperando por ela.

— E você? Onde você estava quando aconteceu, pai biológico?

Yan pergunta quando meu pai se preparava para ir atrás de Ellen.

— Com certeza mais perto dela do que você! Não começa com as provocações! A Cat se foi, o
único motivo que eu tinha para te manter vivo, se foi. Então não me provoca, gerente de merda!!!

Ele cospe as palavras em Yan, sai, e pela primeira vez ele parece ver a Laura.
Os dois se abraçam por um momento, mas logo Laura se afasta e o deixa sozinho.

Volto a fitar a janela, e meia hora após muitos lamentos, choros, e idas e vindas até o IML, Jon se
aproxima, se coloca ao meu lado na janela, e me encara. Começava a garoar!

Como eu decido não dizer nada, ele pega minha mão, coloca em sua própria têmpora, e fecha os
olhos esperando.
Alivio sua dor sobrenatural, e ganho um beijo demorado na testa.

— Sua mãe tirava minhas dores sentando no meu colo e me abraçando de uma forma erótica
demais.

Ele diz ainda "chorando" por Cat e eu volto a minha atenção para a garoa fria.

— Vai ver é porque gostava do teu colo!

— É. Ela gostava, sim! Eu sabia disso! — ele sorri — Sinto muita falta dela, você me lembra muito
ela!

— Não quero teu colo.

— Você não precisa ser forte o tempo todo, não precisa tentar ser como ela.

— Não estou tentando ser forte, Jonatas. Nunca quis ser a Jade, nunca tentei! Muito pelo
contrário...

— Então por que está tão distante? No que está pensando? O que está acontecendo? Divide
comigo, princesa! Se abra!

— Cansaço mental, emocional... preciso descansar ou vou enlouquecer!

Eu resmungo e Luisa se achega abraçando seu caçador de almas perdidas.


Se ela soubesse o quanto a alma de Jon era velha... ela praticamente namorava um idoso.

— Você está bem?

Lulu também tinha seus olhos inchados e feições horríveis de se ver.

— Eu não estou bem. E quero que parem de perguntar! Fiquem bem vocês! Ainda há muito por vir!

Eu falo e saio dali, não aguentava mais toda aquela angústia. Se estavam sofrendo agora,
imagine quando descobrirem que Cat estava mais viva do que eu???

Só quando termino de me arrumar, que consigo pensar em tudo o que houve. Eu estava vestindo
luto e vendo minha família inteira sofrer a troco de nada.
Estavam todos desolados, estava insuportável ficar por perto, sentir todo aquele sentimento ruim, e
pior, sentir tudo aquilo e saber que era à toa, que Cat estava viva, era o cúmulo!
Foi bom ela não ter dito nada, me comunicado... nunca seria conivente com aquilo! Nunca ajudaria
Catarina a fazer aquilo.
Mas o auge do meu lamento não foi ver minha família arruinada, não o máximo... era seu pai e
sua mãe, seus avós, sua família! Assim que ela retornasse seria perdoada logo, talvez demorasse
um pouco, talvez sofreria um pouco, talvez seu Tay a deixasse de castigo eterno... mas era muito
amada, iam comemorar pela sua vida.
O problema maior foi ver William entrar no salão oval da casa funerária que meu pai contratou.

(Um lugar bonito para despedidas, que de bonito só parecia... ali as pessoas eram cremadas, e as
urnas entregue as famílias. Um lugar horrível e com energia pesada demais para mim.)

O caixão foi trago direto do IML para o estabelecimento decorado, e aberto imediatamente pela
equipe russa silenciosa.
Em seu interior, Catarina repousava. Como Branca de Neve, jazia pálida, fria, mas com sua beleza
conservada.
Não tinha mais sua boca rosada, maçãs coradas, nem pele viçosa, mas tinha uma névoa brilhosa
que jorrava vida, apenas ninguém via. Só eu.

Ellen, depois de descer do quarto, permaneceu silenciosa e assim ficou.


Nem chegava perto do corpo da filha e meu pai parecia não entender. Estava com o coração
destruído por "enterrar" a própria filha, mas preocupado com o estado de saúde emocional de sua
esposa, que depois de um momento surtando, havia ficado "bem" de repente.

Preocupação à toa. Coitado do meu pai.

O tempo tinha mudado bruscamente, estava um dia mais feio ainda, frio, chuvoso e parecia
domingo.
Mas não foi por muito tempo que ele permaneceu dessa forma.

Trinta minutos após a liberação do corpo de Catarina, William adentra o recinto deixando aquela
noite pior do que poderia ficar.
Sua palidez se assemelhava a de minha irmã, sua tristeza profunda era algo inenarrável.
Sim! Minha família receberia Catarina com os braços abertos, mas o delegado eu achava que
jamais a perdoaria por fazê-lo passar por aquilo.

Tiago o apoiava ao caminhar, parecia que nem forças para mover uma perna após a outra, ele
tinha.
Parecia estar aprendendo naquele momento.
Suas olheiras e olhos extremamente vermelhos demonstravam uma pequena porção refletida do
seu interior. 'Um caco', era pouco para definí-lo, o delegado realmente havia morrido junto com ela.

Ele se solta do irmão ao se aproximar do caixão, em um primeiro momento parece sorrir, mas não
era isso.
Quem via, imaginava que ele nem tinha mais lágrimas para libertar, mas que péssimo engano. Que
triste engano...
O doutor volta a chorar como uma criança abandonada, toca em suas mãos, beija seus lábios frios,
faz carinho em seus longos fios dourados, e fala com ela bem baixinho, como se ela pudesse ouvir.
E eu sei que podia. Eu só sabia.

Catarina ouvia tudo, sentia tudo, e sofria, apostava que sofria.


Eu só lamentava que nada podia fazer ao ver seu homem sofrer. Quando retornasse, teria um
trabalho árduo para tê-lo de volta, e reconstruir seu coração do zero.

— Você disse que ficaríamos juntos para sempre. Prometeu para mim uma vida linda! Prometeu
cuidar de mim. E agora? Quem vai cuidar de mim? Como eu vou ficar aqui sozinho? O que eu vou
fazer da minha vida sem você??? Eu queria te dar o mundo, filhos, eu te fiz promessas, eu odeio
não cumprir o que prometo!!! Eu nunca vou me perdoar por isso! Nunca vou me perdoar por tudo
oque deixei de fazer, e de viver contigo, neném!

Nunca vou me perdoar por achar que o melhor para mim era buscar justiça à qualquer custo,
quando buscar justiça me sentenciaria a uma vida medíocre sem você. Nem vida é. O que eu já
estou vivendo nem se chama vida. Me sinto morto. Nunca mais voltarei a viver, não faz nenhum
sentido sem você. Eu poderia dizer que serei feliz em seu nome, que buscarei ter uma vida
maravilhosa porque era isso que você desejaria para mim, mas eu me nego, não dá.
Você se foi sem que eu pudesse impedir, te ajudar, e isso acabou com tudo de bonito que tinha
dentro de mim. Jamais serei feliz, jamais buscarei ter uma família, jamais voltarei a ser aquele
William que tu conheceu, jamais sorrirei novamente, eu nunca mais vou lutar por alguma coisa, e
nunca mais voltarei a acreditar. Você será a última mulher com quem eu estive, e eu prometo que só
o que vou desejar em toda a minha vida, é que essa corra como o vento, e que o meu tempo aqui
seja breve, só para poder te encontrar novamente, porque não existe nada nessa vida que eu
queira além de ter você. Eu te amo, neném. Eu te vejo em breve!!! Vou cumprir tudo o que te
prometi, e como em todas as vidas que vivemos juntos, vamos envelhecer de mãos dadas, rodeados
de filhos, e com uma vida incrível. Eu te prometo isso, e vou cumprir. Até logo minha princesa,
descansa! Eu te amo, neném!!!

Sua declaração chega aos meus ouvidos como um castigo e eu não suporto. Choro ao vê-lo
definhando ali.
Foi após falar tudo o que falou, que sua aura ficou negra. A mais negra que eu já vi. Sua essência
evaporou. William cumpriria tudo o que prometeu. Eu vi isso! Ele nunca mais seria feliz, nunca mais
retomaria sua antiga vida.

— Só mais um pouco! Me dá mais um minuto, só mais um minuto!!!

Ele implora com a voz enfraquecida e o rosto extremamente molhado.


Seven, K., Marcelo, e um auxiliar do salão havia se aproximado para levá-la para a cremação!

— Por favor, William! Ela precisa ir agora!


Marcelo sofre ao vê-lo assim, sofre porque assim como eu, também sabia que era à toa.

— Eu imploro!!! É minha mulher! É minha mulher... não faz isso! Me deixa ficar com ela, eu preciso
ficar com ela.

Ellen e Tiago se aproximam, ela abraça o genro, arrasta ele para longe de Catarina, Tiago tenta
ajudar o puxando pelo braço, mas quase não acompanha seu desespero e seus passos rápidos de
um lado pro outro. William não tinha forças para impedi-los.

— Só mais um minuto! Eu só queria mais um minuto. Só tivemos uns dois meses de uma vida que
deveria ser inteira! Só tivemos alguns dias. Eu só queria um minuto! Um minuto!

William murmura bem baixo algumas palavras que Cat já havia dito, mas todo mundo ouvia e
chorava com ele.
Quando o vidro que separava a fornalha imensa do salão, foi aberto, ele se aproximou no mesmo
instante. O fogaréu foi ligado, ele se debruçou na janela circular, eu fechei meus olhos, e enquanto
ele gritava alto demais e dolorosamente a chamando pelo nome, eu podia ver o próprio delegado
queimando junto e sentindo toda a dor que o suposto corpo frio de minha irmã já não podia sentir.
E se eu tinha uma certeza em toda a minha vida, uma única certeza, era que eu nunca mais ia
esquecer aqueles gritos que suplicavam pelo seu retorno. Ninguém ali jamais esqueceria.

Enquanto ele chamava por ela e seu grito ecoava para além do recinto, posso ver Catarina
atender seu chamado abrindo os olhos, e chorando, não podendo responder.

Ela havia despertado do seu estado atual ao ouvir o grito desesperado do seu amor, mas estava
oficialmente morta, mais do que antes. Principalmente para ele, que "via" ela queimar e partir para
sempre.
O REMÉDIO DA CORAGEM!

Eu fiquei durante horas tentando abrir os olhos e me levantar. Eu fiquei durante horas ouvindo suas
declarações e seu sofrimento sem poder dizer que eu estava bem, sem poder dizer que eu estava
viva.
Eu não me arrependi de ter feito o que eu fiz, não podia me dar ao luxo, mas bastou para que eu
tomasse conhecimento do quanto ele me amava, que eu queria acabar com tudo aquilo. Eu não
suportava mais ouvir seus gritos e seu choro dolorido.
Eu estava fazendo não só ele, mas minha família sofrer, mas apesar de ser por uma causa justa, eu
nunca me perdoaria. Nunca.

Tomo um grande fôlego assim que seus gritos guturais e desesperadores chegam aos meus ouvidos.
A dor no meu peito queimava e me sufocava.
Eu achei que "ia morrer" sozinha. Mas levei meu amor junto comigo.

William morreu comigo.

— Fica calma e faça silêncio! Você está bem, você está bem...

K. me abraça, me ajuda a me levantar, e me pega no colo.


Tudo doía.

— Meu Deus... William!!!

Resmungo ouvindo seus gritos mais nitidamente e sou impedida de procurar por ele.

— Fica parada, ou faço você ficar.

— Eu preciso ver eles, meus pais! Nunca vão me perdoar! Nunca vão me perdoar!

— Você fez o que precisava! Se controla! Postura, caralho!!!


— Ben...

Eu resmungo seu nome sem saber o que fazer ao ouvir William gritar, e ele se agacha quando eu
me ajoelho.

— Quer que eu te apague? Quer? Não vou deixar você estragar o plano! Eu não brinco em
serviço, não vim até aqui à toa! Tira essa roupa! Temos que pegar um avião enquanto ele ainda tá
pirado...

Obedeço porque tudo o que eu queria era me despir daquela fantasia de morta, que fedia
enxofre!
Eu fedia à morte.

— Deixa eu ver como está sua pressão!!!

Marcelo, que eu nem sabia que estava ali, se aproxima e ganha um abraço meu.
A sala era horrível, o cheiro de carne podre era de dar pesadelo, e a sensação que a presença
da morte causava, era o pior sentimento que já pude sentir.

— Me desculpa!!! Me desculpa!!!

— O importante é que está viva! Assim que ele te perdoar, tudo voltará ao normal, pode demorar,
mas ele vai entender, Cat! Ele te ama, vai acabar entendendo!!!

— Ele nunca vai me perdoar!

— É um preço que você tem a pagar! Vamos logo com isso!

K. nos acelera e eu tento controlar o choro. Ele tira de sua mala uma muda de roupa e entrega as
minhas para um funcionário jogar no fogo.

— Vamos! Seven diz que o jato nos aguarda.

— Cadê meu colar? Eu preciso dele!!!

— Seven pegou, está com ele!!!

— Por onde a gente sai?

— Tem uma porta nos fundos!

Eu me troco e me aproximo do médico choroso.

— Cuida deles! Dê um beijo em cada um! Eu sinto muito!!! Se eu não fizesse isso eu nunca poderia
fugir, ele ia me encontrar de qualquer jeito! Nunca ia descansar sem colocar toda a família atrás
das grades!!!

— A gente entende, Cat! Vá em paz, prima! Amo você!

— Eu te amo! Sinto muito! Muito obrigada!

— Deixei vitaminas extras na sua mala! Por favor, não deixe nunca de tomá-las!!! Também tem uma
receita lá, compre mais quando acabar. Não brinque com sua saúde!

Ele enxuga minhas lágrimas exageradas, confirmo, e saio daquele lugar, ouvindo os gritos dele
chamando por mim, e sem olhar para trás.

Eu me odiava por estar fazendo aquilo.

— Tudo bem! É hora de ir embora!

K. Resmunga e depois me olha de lado.

— Não pode se deixar levar pelo coração. Ser sentimentalista demais, causa destruição, como essa
aí!!!

Seu sotaque e falta de empatia me irritam.

— Se você sequer tivesse uma alma, eu toparia discutir sobre amor com você, mas você nunca vai
saber o que é isso! Está fadado a viver só!!!

— Você também!

Ele me olha duramente e eu finjo que não ouvi.


Quando o carro para no sinal vermelho, uma rua antes da delegacia, eu decido por acabar com
aquela dor, ou pelo menos amenizar, a minha e a dele. Eu não poderia fazer diferente, eu amo
William mais do que amei qualquer coisa em minha vida.
Sem ele, nem vida era...

— Eu preciso fazer algo antes. Estacione no acostamento em frente e ligue o pisca alerta, se eu
não voltar em até uma hora, te encontro no aeroporto!

— O que vai fazer???

— Garantir que eu o encontre aqui, vivo, quando eu puder voltar!!!

Digo o que eu estava sentindo sinceramente. William nunca viveria de novo sentindo aquela dor, eu
precisava amenizar aquilo, ele não precisava, e nem podia se sentir culpado, e principalmente, ele
precisava saber o quanto era amado por mim!!!

Pelo ponto de vista de William.

Esse capítulo da minha vida deveria ficar em branco.


Se eu precisasse contar a história da minha vida toda, até aqui, nesse momento eu ficaria em
silêncio e pediria agoniado para passar para o próximo tópico. Ou até mesmo podia contar a
respeito de como fiquei louco, e isso era esperado. Sempre soube que perder aquela mulher me
levaria a loucura, e levou!

Sim, eu poderia falar pelo menos de como fiquei louco.

Estou no carro de alguém, indo para algum lugar, e fitando as gotas da garoa no vidro do banco
de trás.

Eu só sabia o que tinha acontecido há um dia atrás: Eu perdi a mulher da minha vida, e pelo jeito,
o único motivo que me fazia querer viver, a única razão para levantar todos os dias, eu perdi uma
parte enorme de mim, a parte crucial, meu coração.

E como é que se vive sem um coração???

Eu achava que a polícia federal era meu foco, que meu cargo era minha prioridade, que o desejo
de fazer justiça enquanto eu estivesse vivo, seria constante... mas que desgraçado engano. Talvez
tudo seria dessa forma se eu não tivesse ido até aquela boate. Talvez tudo seria diferente...
Mas eu sei que não tinha como, mais cedo ou mais tarde eu a encontraria; mais cedo ou mais tarde
ela surgiria em minha vida e mudaria tudo, como aconteceu.

Se arrependimento matasse eu já estaria morto, mas bem, morto eu já estou, no fim não faz sentido
algum, certo?! Certo.

Eu era um nada antes, mesmo porque não a conhecia, não era completo. Mas agora... sou menos
que um nada, nem consigo nomear o que sou nesse momento. Não consigo nomear, não consigo
pensar, não consigo reagir... eu só queria. Queria Catarina na minha vida de novo. Queria a minha
mulher de volta.
Só isso, mais nada. Sim. Mas eu queria algo que ultrapassava os limites denominados impossíveis.

— Vem!

Alguém abre a porta, me chama pra fora, eu desço do carro, e nada enxergo. Só sinto minha
cama embaixo de mim minutos depois.

"Precisa ficar de olho nele!"


"Pegue todas as suas armas!"
"Conseguirei a licença dele por motivos óbvios, mas ele vai precisar de cuidados e acompanhamento
médico, senão terá que trabalhar, e já podemos ver que condições, ele não tem!"
"Não vou dar conta, e se ele surtar???"
"Quer que eu chame Barbara?"
"Não, melhor não! Capaz da Cat retornar dos mortos, nem ele ia querer isso, deixa ela fora disso, vou
conseguir ajudar ele!!!"
"Fica em paz, só o faça se alimentar, e não o deixe sozinho. Cadê dona Flor? O remédio que eu
comprei tá aqui, dê a ele se ele estiver muito agitado! Pelo menos vai descansar, mas cuidado, hein?!
Peguei sem receita, isso vicia!!!"
"Tudo bem!"
"Se cuida! E presta atenção, seu irmão precisa de um irmão maduro e responsável, essa é a hora de
retribuir o cuidado que ele sempre teve contigo! Preciso ir cuidar de tudo enquanto ele descansa e
supera!!! Tem meu telefone, qualquer coisa me liga!"

Ouço murmúrios, acho que é Manuela e Tiago. Não sei direito.


Deito de costas na cama, fito o teto, e sinto o vento invadir o quarto. A janela estava aberta. Nem
sei quanto tempo permaneci daquele jeito, naquela posição, eu não tinha a menor noção de nada.

Só pensava nela, só nela... minha neném. Perdi meu amor.


Eu nunca vou superar sua ausência. Nunca.

Meu coração dói, sinto que vou infartar de tanta dor real. Um aperto que se movia do umbigo até
o peito.
Nunca cessava, passava pelas costas, e fazia minhas têmporas vibrarem num movimento doloroso.

Desespero.

Choro, fico surpreso ao notar que ainda tinha lágrimas, penso no tempo, no pouco que a gente
tinha, e em nossa pequena vida...

"Ele me deu tudo, vó. Em pouco tempo ele me deu tudo..."

— Foi você que me deu tudo. Salvou minha vida inúmeras vezes. Me salvou de uma vida miserável
porque sem você, não teria sido uma vida. O que eu vou fazer sem você? Como vou viver sem
você?

Sussurro desesperado.

Eu me sento juntando forças, não sabia como. Pego a arma da cintura, que estava ali desde
quando aprendi, COM ELA, que para meu próprio bem, ela sempre devia permanecer ali, e
engatilho após verificar o pente.

Era só um disparo na boca e estava tudo resolvido.


Se eu tivesse sorte, a encontraria novamente logo em seguida, ou rapidamente retornava, e de
novo a encontraria. Planos malucos de um cara maluco.
Ela acabou com meu coração, me destruiu completamente. Eu precisava acabar com aquela dor, eu
precisava parar aquilo. Eu não ia suportar viver com aquela culpa. Como eu pude não perdoá-la?
Como eu pude ser tão covarde? Eu a agredi, física e verbalmente, machuquei meu amor também
nos dois sentidos, não fiquei do seu lado quando estava fragilizada, doente, virei as costas no
momento que ela mais precisava de mim, mandei dona Flor chamar por seus pais se algo
acontecesse com ela. Eu era um merda de homem, fui um nada pra ela, como ela conseguiu me
amar???

Coço a testa com o cano da arma sem silenciador, sinto minhas mãos tremerem, meu nervoso
aumentar sentindo a coragem que chegava, sinto a dor aumentar de tamanho também, fecho os
olhos, peço perdão à Deus por tirar minha própria vida quando era somente ele quem deveria
decidir a minha a hora, sinto meu perfume favorito no ar, me sinto feliz por aquele presente, e
quando abro os olhos decidido a acabar com aquilo, a vejo em minha frente, ajoelhada.

Eis a parte em que fico louco.

— O que pensa que ia fazer? Não pode fazer isso comigo!!!

O prazer enorme em poder vê-la, mesmo que seja só na minha cabeça era maior que o susto em
ver minha mulher morta, e ainda falar com ela.

— Você me deixou. Não consigo sem você!

— Tudo o que fiz foi para salvar a minha família e te ver bem! Não pode acabar assim, depois de
tudo o que eu fiz!

— Não conseguirei viver com essa culpa!

— Nada do que aconteceu foi culpa sua! Essa história é tão antiga! Você é tão especial, vida! Me
apaixonei por você assim, desse jeito que você é! Um homem digno, que busca justiça acima de
tudo! Jamais se arrependa por ter lutado pelo o que acredita, jamais perca sua essência! Não
mate o cara que eu tanto amo!!! Eu me orgulho muito de quem você é! Eu te amo, amor!!!

Ela fala ajoelhada na minha frente e eu estendo a mão. Posso tocá-la e isso é o céu pra mim.

— Tô ficando louco, não é?! Você não é real... eu não posso viver sem você, Catarina! Não consigo!
Não dá.

— Tu tem que tentar! Por mim...

— Tu não tentou por mim, não pode me pedir o mesmo! Você se foi, não tenho mais nada o que
fazer aqui!

— Tem o Tiago, William! Tem seu pai, sua mãe! Eu precisava fazer com que você entendesse e me
perdoasse, pois enquanto viva eu nunca conseguiria isso! Só me perdendo para notar o quão
pequeno essa história significa para nós dois. Não éramos nascidos, não sofremos por isso! Isso
jamais devia atingir nosso relacionamento! Isso é problema deles, dos nossos pais, dos seus tios!
Mas tudo bem! Já foi! Você não está sozinho!!! Seu amor por mim é maior que qualquer vocação, é
maior que seu trabalho, não é?!

Ela toca meu rosto e sorri em meio ás lagrimas.

— É. Só agora eu sei. Só agora eu sei que nada daquilo importa. Maior é a dor de perder você
para sempre.

— Não pense que nossa história acabou! Eu te amo, vamos nos encontrar de novo! Você é minha
vida!

— Volta para mim! Agora! — puxo seu pescoço e sinto seu cheiro que não havia mudado em nada
— Me perdoa por ter sido tão cruel contigo, ter enquadrado você! Eu não acredito que fui capaz
de prender você, eu estava destruído achando que você nunca me amou! Mas você me amava,
não é?! Você me amava e eu fui um babaca! Me perdoa! Prometo ser melhor!!!

— Você é o homem da minha vida! Entende isso? Você é o amor da minha vida! Me perdoa! Diz
que me perdoa por tudo que fiz, por tudo o que eu sou!

— Eu também te aceito assim! Te quero de qualquer jeito! Nada é mais importante que o amor que
eu sinto por ti! Nada!

Eu a beijo e sinto gosto de lágrimas e morte. Ela estava tão fria, tão fria... mas não importava,
ainda era ela, ainda era o cheiro dela, ainda era minha mulher.

— Eu estraguei tudo! Fico pensando na família que construiríamos, filhos, nossa casa... tenho
certeza que viria primeiro um moleque, com a minha fuça, mas seu olhar bicolor! Um príncipe lindo,
nosso tesouro! Por que você me deixou? Por que teve que ser assim!??

Eu pergunto, mas Catarina não faz questão de responder, ela só me abraçava e me beijava.

— Me prometa uma coisa! — ela pede me olhando nos olhos — Não tente contra a própria vida,
nem procure briga com meu pai! Nem com meu avô, nem com meu Tio Jon, ou minha madrasta! São
minha família, eles também não têm culpa de nada, são as pessoas que mais amo! Cuide deles! Eles
precisam de proteção e cuidado! São pessoas que já sofreram demais na vida, todos eles! Não
maltrate meu pai, não o julgue pelo o que ele fez no passado! Ele precisava me apoiar! Procure
por Jon e se dê a oportunidade de ouvir uma outra versão dessa história toda: A versão
verdadeira!!! Ele tem áudios e provas que você verá que são contundentes... apesar das
circunstâncias, eles são inocentes!!!

— Não quero mais saber dessa história, nada disso importa pra mim! Não mais! Eu só quero você
de volta!!!

— Me prometa! Pelo amor que sente por mim... me prometa que vai cuidar deles pra mim, vai
proteger minha família, vai ouvir o que Jon tem para contar, e vai amá-los como me amou! Eles são
boas pessoas Will, são pessoas incríveis! Prometa!!!

— Seu pai tá incluso nessa de "amar como te amei"?!

Ela sorri.

— Ele principalmente! É teu sogro, tem que respeitá-lo, tem que ser parceiro e amigo dele! Por mim!
Serão genro e sogro para sempre porque nosso amor é eterno! Nosso relacionamento é eterno!

— Tudo bem! Tudo bem!

— Você precisa de alguém para cuidar de você! De você e do Tiago! Tem que se cuidar!!!

— Eu tenho você! Não preciso de ninguém!

— Tô falando sério!

— Pare de querer se despedir! — Faço ela se afastar. — Você está aqui! Vai continuar aqui! Vai
cuidar de mim! Não me deixa aqui sozinho! Vem cá!!!

Beijo sua boca novamente, me levanto, pressiono suas costas contra o guarda-roupa, e fico duro. Eu
queria minha mulher pra mim, naquele instante.
Suas vestes era o negro, e eu me perguntava em que plano ela estaria usando negro e sem um
par de asas de anjo!

Eu estava louco.

— Will!!! Abre aí!

Tiago me chama e eu preciso me recompor!

— É o Tiago! Ele vai amar te ver também!

Eu falo sorrindo e ela me puxa.

— Eu te amo! Eu te amo muito! Me perdoa! Diz que me perdoou por tudo! Por Diógenes, por mentir
para você, esconder minha identidade, por ser uma assassina! Diz que me perdoa de coração por
ter te decepcionado tanto! Diz que me ama, William!

Ela chora e eu sinto medo de perdê-la de novo, por isso toco sua face úmida e inchada, e tento
demonstrar o quanto a amo.

— Eu te amo!!! Está perdoada, se é que eu sou digno de dizer que perdoo alguém, já fiz tanta
besteira! Eu não sou nada sem você! Você é minha mulher! Minha!!! Eu te amo, entendeu? — olho em
seus olhos profundamente e ela confirma — Que bom! Tem que se lembrar disso sempre! Eu te amo
muito! Mais que tudo no mundo! Fica aí!!!

Beijo sua boca, controlo a respiração, abro a porta, que eu nem sabia que estava trancada, e
deixo Tiago entrar.

— Oi! — ele parece assustado — Com quem estava falando?

— Tu não vai acreditar!!! Olha!!!

Eu me viro para mostrar pra ele, e não encontro nada. Ela sumiu! Só sobrou o rastro de seu
perfume.
Me escoro rapidamente na janela, saio para a escada de emergência, e nada. Ela havia
evaporado. Mas o gosto de seu beijo estava ali, estava sim!

— Ela estava bem aqui! Ela estava...

Eu falo para mim mesmo, sentindo a dor voltar, e ele me olha com tristeza.

— Vou ficar com isso e chamar dona Flor para cozinhar algo para nós! Vê se descansa irmão!!!

Ele pega a arma da cama, sai, e eu toco meus próprios lábios. Foi tão real, mas tão real!!!

Eu estava louco.

(...)

— Eu preciso falar com ele! Sai da minha frente!

— Não vou deixar você passar!

— Vai fazer o que ele fazia? Era só o que faltava!!!

— Não. Só vou te colocar daqui pra fora!

— Certo. Atitude maravilhosa a tua! Ele tá comendo? Está levantando? Ou você está colocando teu
irmão numa redoma e o tratando como moleque??? Ele precisa de acompanhamento médico,
precisa retomar a rotina, ir cuidar da delegacia! Ele tem sobe a responsabilidade dele mais de
cinquenta garotas traficadas para libertar!!! Ele precisa levantar da cama, Tiago!!!
— Tudo bem! Farei algo a respeito com a ajuda da Manuela, mas ele não quer ver você, não quer
aproximação, vai embora!!!

— Você é tão babaca quanto ele!

— Mas bem que você gosta, certo?! O relacionamento de vocês acabou! Deixa meu irmão em paz
com o luto dele! Você deve estar muito feliz né...?! Nem esperou três dias e já veio carniçar!!!

— Me livrei, me sinto aliviada se você quer saber, mas nunca comemoraria a morte de ninguém!
Por mim, podia ser de uma maneira mais leve, que ele não sofresse. Eu não sou um monstro!

— Vai-em-bora, Barbara!!! Se começar a encher meu saco, sou eu quem vou fazer questão de te
mandar de volta pro Rio! Passagem só de ida, fode comigo pra tu ver!

— Quer saber?! Foda-se!!! Os dois! Ele quer morrer na cama, que morra ele também! Menos um!!! E
morra você também, nem entendo como me preocupo e perco meu tempo!!!

Passos pesados. Porta batida com força. Dor de cabeça.

Me levanto, caminho com dificuldade, entro na sala e olho ao redor.


Tudo ali, tinha a cara dela, foi tudo ela que comprou. A mesa de centro, o peso maravilhoso, a
estrela na parede, o conforto... era tudo dela.

— Até que enfim! Tu ficou dois dias deitado! Desculpe se te acordei! Barbara não muda!!!

Olho para Tiago por um momento, e volto a olhar ao redor.

— Tudo aqui lembra ela, né?! Eu acho também. Quer que eu troque tudo?

Balanço um pouco a cabeça. Não valia a pena pra mim. Eu queria tudo que me lembrasse dela
simplesmente porque sentia uma saudade gigante.

— Você ouviu o que ela disse?! Tem umas garotas traficadas na cidade, Manuela já havia me dito!
É em uma boate daqui do centro! Ninguém vai dar conta, aposto que não! Só você! Vamos ao
médico, volte a trampar, tu tá perdendo seu sonho! Lembra dela com amor e carinho, mas tu não
pode parar tua vida por causa...

— Ela era minha vida!!! — eu falo fitando aqueles móveis e ele se cala no ato — E eu nem tinha
noção do quanto, na verdade. Acabei de descobrir! Ela era a minha vida. Nada mais importa pra
mim, delegacia, porra de mulheres traficadas, que se foda tudo! Foi por causa dessa merda toda
que eu ia prendê-la, tem noção disso? Eu ia prender minha própria mulher. Á merda aquela
delegacia! Á merda Barbara, Manuela, cargo, tudo!

— E eu? A mãe, o pai???


Ele me olha chateado e irônico.

— Tu já é independente! Já sabe andar com as próprias pernas e nem precisa ficar aqui cuidando
de mim! Ouvi quando tu disse pra Manuela que entrou uma nota preta na conta que ela abriu pra
você! A conta que ela ia depositar o pagamento do seu trabalho no museu. Tu fodeu com a vida
dela, a delatou pra mim, e ela te deixou sem precisar trabalhar por uns cinquenta anos! Pega esse
dinheiro que ela te deixou, seja esperto, vá estudar fora, fazer um intercâmbio, honre o gesto dela
e me dê uma folga!!! Tu é menor de idade, mas eu ainda tenho forças para assinar uma
autorização, te faço dono da tua própria vida! Tu até pode se matar de tanta maconha na
Jamaica!

Eu desabafo sem forças nem para gritar, e volto pro quarto.


Me arrasto para dentro dos cobertores, respiro fundo, e só fico ali, quieto naquela escuridão
graças as cortinas grossas que ELA colocou.
Demoro, mas apago cansado depois de tanto pensar nela.

Não sei quantas vezes e em quantos dias acordei depois de um pesadelo horrível.
Em todos eles eu a perdia, e novamente, e novamente... ela sempre acabava morta em meus
braços, dentro de uma cela. Ela me pedia para não "fazer aquilo", "não deixá-la ali" e dizia me
amar. Como quando alucinou de tanta febre.
A culpa ia acabar comigo.

— Se chegar perto de mim, vou te dar uns cascudos...

— Vocês realmente não conhecem meu irmão, né?!

— Eu acho que conheço! Aquele seu irmão morto que não sai do quarto há dias?! Tô morrendo de
medo dele!!!

A porta é escancarada, as janelas abertas, e eu demoro pra identificar o babaca escroto.

— Levanta!!!

Sinto a água gelada molhar meu rosto e um pouco da cama, e 'desperto' assustado.

— Mas que porr...

Era Ellen, a mãe dela.

— Que diabos está fazendo? Está maluca???

— Maluco está você que não sai dessa cama, William! Manuela disse que já faz três semanas,
TRÊS semanas que você não levanta nem para tomar banho! O que pensa que está fazendo? Acha
que é o único que está sofrendo??? Alguém tem que fazer com o que o sacrifício dela tenha valido
a pena! Ela fez o que fez para te ver bem, mas você está se matando!!!

Ela fez o que fez para que você e meu marido se dessem bem, parassem de tentar se machucar e
se prejudicar! Porque ele também queria te dar uma lição, viu?! Ele queria te dar uma boa lição
para parar de ser intrometido, só não fez porque não pôde, porque ela te amava!!! Ele ficou do
lado dela! Levanta!!! Anda!!! Se não levantar vou jogar mais!

— Jogo você pela janela!

— Meu marido está aqui! Não queria saber o quão longe ele podia ir?! Me machuque e aí sim, ele
destrói sua família de vez!!!

O quê???

Me levanto sentindo dores horríveis nas costas, mas ignoro e vou até a sala. Óbvio que ele nunca a
deixaria vir sozinha! Ele não era bobo.

— O que faz na minha casa?

Eu pergunto e ele permanece no mesmo lugar. Parecia que não se culpava pela selvageria da
esposa.

— Vim pela minha filha! Eu queria esperar mais, só que a Manuela fez um bom trabalho com a
Ellen!

— Vai embora!

— Por mim eu vou! E por ela!?

Ele aponta para esposa com o queixo e eu me viro.

— Iremos depois que você tomar um banho e se alimentar!

Ela resmunga de repente tímida, mas decidida, cruza os braços, eu sigo até a porta com calma e a
abro, deixando o convite explícito... mas que surpresa...
Tinha um japonês e um foragido do Rio na porta, fazendo a segurança deles.

Pela primeira vez em dias eu sorria, mesmo sem querer.

— Vocês acham que sou da láia de vocês, né?! Vieram com segurança e tudo?! — os dois fazem
'cara de culpados' — Vocês são patéticos!!! <eu Deus!!! — esfrego o rosto com as mãos desistindo
de tudo.

— Não sabíamos como você estava!


Ela resmunga.

— Vocês já têm o queriam, um federal fora da vida de vocês!!! Não tenho nem forças para
prendê-los e nem vou! Nada mais me importa! Quero que todos vocês vão pro raio que o partam!
O que mais querem de mim???

— Eu quero distância, para ser bem sincero...

— Tay!!! — ela o repreende — Queremos ver você bem! Por ela! Era o desejo dela...

— Vamos embora, amor! Deixa ele morrer aí!

O verme se levanta e eu enfim posso olhar bem pra ele.


Os olhos fundos, semblante depressivo, costas levemente encurvadas, pose de derrota, e uma
confusão de sentimentos. Estava fazendo um esforço enorme pra estar ali, só estava ali porque
Ellen muito insistiu, imaginava eu...

Me sento perto de onde ele estava, movo meu olhar dele para ela, e nela eu vejo o oposto. Vejo
tristeza, mas vejo também muita esperança, amor, paciência e fé. Nem parecia que estava de luto,
apesar do vestido largo ser preto.
Vai ver estava lidando com a morte de sua filha do jeito que podia, um jeito doentio, fingindo que
nada aconteceu realmente e que ela "só foi viajar, mas logo voltaria!", típico de mães.

— Eu preciso ficar sozinho até isso passar.

Eu tento fazer com que, pelo menos ela entenda. Realmente eles também sofriam, e apesar de
inconvenientes, só queriam ajudar. Eu sabia disso...

— E se nunca passar?

— Então morrerei naquela cama! Ela apareceu para mim quando eu já pretendia dar um tiro na
própria cabeça, não me deixou ir com ela. Talvez se eu estiver perto de partir novamente, ela volte
para me ver...

Eu falo com a cabeça apoiada no encosto. Ellen havia sentado no braço do sofá, e eu podia jurar
que segurava o impulso de me pegar no colo.

— Eu trouxe um remédio que a Rubi fez, — ela ignora o que eu disse de propósito — nossa outra
filha, a irmã dela. Tome-o, e eu vou embora!!!

Ela chora confirmando e eu respiro fundo.

— Para que serve essa bosta?


— Não fala assim! Rubi fez para você! Não pôde vir aqui, mas mandou eu trazer, está
preocupada!!! É para fazer você dormir melhor!
Pelo menos, vai dormir bastante e vai se sentir melhor quando acordar. Foi ela que fez aqueles
cremes que a Cat usou no seu braço! É muito bom...

Ela diz me olhando nos olhos e eu afirmo.

— Ótimo! Se for veneno dos Coverick, já me ajuda!!!

— Não é veneno!!! Pode tomar!!!

Ela abre a bolsa, vejo os dois seguranças entrarem, fico desconfiado, mas toco o foda-se. Tudo o
que eu queria era acabar com aquela dor dos infernos, e se a família de assassinos tivessem
coragem de me fazer esse favor, eu agradeceria enquanto caísse agonizando.

— Como se sente?

Ela pergunta e eu sinto meu coração doer como antes, como na noite em que eu a perdi.

— E eu achando que só queriam me matar... Vocês querem é me torturar!!! Vocês são uns demônios!
— a dor aumenta — Não entendo como minha mulher pôde nascer nessa família! Vocês são
pessoas ruins!!! — massageio o coração, choro, e quando vejo Tiago se desesperar e se aproximar
de mim, Fred o impede, fazendo-o se afastar. Sua cara feia mete medo nele — Eu não gosto de
vocês!!! Meu Deus...

A dor aumenta e ela se aproxima.

— Continue falando! — Ellen resmunga.

— Eu gosto um pouco de você! Você é uma sogra bonita, e é a cara dela! Sei que é bondosa,
como dona Hella! — ela sorri com os olhos cheios de lágrimas e o verme vira de costas — E minha
nossa...!!! Eu acho que você merecia um marido melhor, ele é um verme desprezível! Eu daria tudo
para ter outro sogro! Ele é um nojento assassino!!! Eu odeio ele, e me odeio porque odeio ele! E eu
o odeio por ser o pai dela, por ter feito ela sofrer porque eu sei que fez, odeio ele por ter feito
ela doente, como ele... por ter inspirado-a ser quem é, mas também o odeio por ter matado meu
primo e causado tudo isso! Ele tem uma enorme parcela de culpa pela morte dela! Se ele não fosse
esse monstro, Catarina ainda estaria viva. — a dor aumenta e eu perco o fôlego, mas algo me faz
continuar falando — Mas no fundo do meu ser eu sei que não é assim que eu me sinto, eu só
preciso culpar alguém! Me sinto grato por tê-la colocado no mundo, por tentar sempre protegê-la,
mesmo não podendo, porque ela é bem difícil como a mãe, e eu o amo porque ele é uma parte
dela! Eu o invejo e invejo cada ser nesta terra que teve a honra de viver ao lado dela. Eu nunca
mais vou voltar a viver, eu nunca mais serei o que eu um dia fui! E eu a odeio por ter me deixado...
mas que merda que eu tô falando???
— É o remédio!

— Eu te odeio por ter me feito tomar isso!

— Nesse momento, você odeia todo mundo, e a você mesmo! Mas depois que desabafar, esse
sentimento vai embora!

— Você é muito sínica e mentirosa!

Ela sorri.

— E aquela vadia vai me pagar! Me desculpe por chamá-la assim! Eu não sei o que eu estou
falando! Meu Deus... isso é horrível!!!

Sinto meu estômago doer forte, Ellen se levanta, vai em direção a cozinha e volta com um balde.

— Pode vomitar aqui! Se quiser...

Ela coloca o balde na minha frente e a vontade surge de repente. Nunca fiquei tão constrangido.
Quando acabo, ela me estende um lenço, eu recupero um pouco da dignidade, e ela leva o balde
pro banheiro.

— Agora você vai vir conosco! Precisa ouvir o que Jon tem para te dizer!

— Esse remédio não é tão mágico assim! Ainda quero morrer em minha cama, não quero ver
Jonatas, e quero que vocês vão embora!

— Cat quer que você vá até ele! Nos pediu isso!

— Foda-se! Ela está morta, não pode me cobrar nada!

— Você tem noção do quão babaca você é?! Acha que sofre sozinho? Se acha melhor que todo
mundo... eu não sei onde errei com minha filha a ponto dela se apaixonar por um idiota patético
como você!

Tay resmunga bravo e eu dou risada.

— Ela se apaixonou por um cara oposto de você, é isso o que te mata por dentro. Você nunca foi
um exemplo, então não me critique, verme!!!

— Vamos embora, Ellen!!! Agora!!!

Ele olha pra ela, fala quase gritando, e ela mia como um gato!
— É o que eu disse, se eu tivesse forças, dava um murro na boca dele pra ele falar direito com a
senhora! Eu aposto que Yan Nogueira é muito mais legal, acho que a senhora deveria trocar de
marido!!! Poxa, esse remédio é mesmo bom! Tem mais dele aí?!

Eu falo rápido demais e o loiro aguado tenta pular no meu pescoço, mas os seguranças passam a
me defender.

— ELE QUER MORRER, DEIXA EU MATAR ESSE FILHO DA PUTA!!! ME SOLTA!!!

— Eu ainda quero prender você!!! — eu olho para Fred e depois para Miguel — E eu não vou
com tua fuça! Por que não volta pro teu país??? Você tem o BlueCard certo, chingLing?!

Eu ignoro o ataque de pelanca do sogrão, resmungo com os seguranças, e Miguel dá uma risada
baixa, curtindo a piada doentia e evitando irritar mais o verme, mas Fred rosna e se sente
ofendido! Estava com sangue nos olhos e queria me matar desde que me viu dar uma surra em
minha mulher.

— Só pra você saber, o efeito do remédio acaba quando você vomita!

Ellen resmunga erguendo uma sobrancelha, dou de ombros, e ela se levanta calmamente.

— Nós já vamos! Eu deixei com teu irmão uma marmita! Não sou a melhor cozinheira do mundo,
mas fiz com carinho! Depois que comer vá tomar um banho, você está fedendo! Espero você lá em
casa, Jon está lá! Ainda hoje, William!!!

Ela pega sua bolsa, fala como Catarina falava, puxa o marido descontrolado pela mão, e todos
saem enquanto eu me sentia novo em folha!

A dor ainda estava lá, o sentimento horrível da perda ainda estava lá, a vontade de morrer, a
saudade, a culpa, o sentimento forte de fracasso... tudo ainda estava lá, mas eu havia ganhado
um gás a mais. Havia ganhado força emocional pra me manter de pé. Eu sabia que não mais seria
feliz, que não mais seguiria em frente, que a amaria por toda a minha vida, mas eu conseguia ficar
de pé.

— Deixa eu ver o que a selvagem corajosa trouxe...

Resmungo e Tiago corre pasmo, porém feliz por me ver bem.


Como de sua comida, ele me traz um suco, e eu volto a repetir a comida que ele diz que foi dona
Flor quem fez!
Comi o que eu não comia por três semanas. Mas apesar de forte, eu ainda não me sentia vivo. Eu
continuava morto por dentro, morto sem ela!!!

— A visita dos caras te fez bem!!!


Tiago resmunga quando saio do banho.

— Não foi a visita... foi o feitiço da bruxa vadia!

Resmungo e algo me veem à cabeça.

— Que foi???

Ele já fica assustado. Me sento na cama, e junto um mais dois.

— Bruxa... Catarina disse que era culpada pela morte de David Nobre, mas mentiu! Foi Rubi quem
matou David, ela só estava dando apoio para a irmã! Ela tem aquela erva invisível, mexe com
essas coisas. Não foi ela, foi a irmã!

— Tá. E agora isso importa pra você?!

— Qualquer coisa sobre ela, importa. Qualquer assunto que seja a respeito dela, importa. Se eu
não pude viver com ela, como nós queríamos, vou conhecê-la, nem que seja depois de morta. É isso
ou morrer de tanto me entupir de remédios pra dormir!

Eu digo, me agasalho para suportar o início de noite fria, e desço para o estacionamento.
Se Jonatas queria falar, eu ia ouvir.

— Eu vou junto! Não vou te deixar sozinho nessa...

Tiago corre e me encontra assim que eu abro a porta da viatura.

— Não quer ficar sozinho?

— Não.

Ele resmunga finalizando o assunto e eu concordo, também não queria papo.

Estaciono na porta da mansão, subo as escadas, e entro sem bater.

Estavam Tay, Ellen, Jonatas, Max, Marcelo e Laura.

— Não sabe bater?

O irritante pergunta e eu o ignoro.

— Se importa?

Olho para a cópia dela um tanto quanto mais bronzeada, e ela nega entristecida.
Subo as escadas devagar e entro no quartinho de princesa que tinha o cheiro dela.
Dom dormia na sua cama, com uma blusa de frio de moletom rosa. Era dela, sabia disso porque o
cheiro de pêssegos chegava as minhas narinas.

Me sento de vagar, ele se mexe nervoso, e desperta assustado.

— Desculpe, eu não quis te acordar...

— Tudo bem!

Ele se senta na cama, arruma a postura, segura os próprios joelhos e me encara. Havia chorado
também.

— Não vai me xingar de cachorro?

— Não, mas também não vou te abraçar!!! — Sorrio — Esse apelido foi ela quem te deu, mas
dizia que só ela podia falar assim de você! Que para mim, eu devia te chamar de William! Então
vou respeitar...

Ele dá de ombros!

— Discutiam por causa de mim?

— Sim, ninguém podia falar mal de você, ou dizer que te machucaria! Ela dizia que você era dela,
só ela podia falar mal, e se tivesse que morrer, seria pelas mãos dela.

Sofro e não demonstro.

— Tudo bem. Primeiro, se desvincule desse lance de matar! Vamos quebrar esse ciclo nessa família,
isso não é assunto para um garoto da tua idade! Segundo, não chore mais! Eu acho que ela está
em lugar melhor que esse aqui!

— Você chega a ser patético. Não me dê lição de moral da qual não é uma realidade tua. Você
permaneceu na cama por quase um mês sem levantar. Por que VOCÊ não para de chorar??? Por
que acha que só você pode sofrer?

— Vocês combinaram essa frase, né?

— Não. É porque é óbvia.

— Eu tentei ser legal, mas já que não funciona com ninguém dessa família, vamos fazer do meu
jeito clássico: chispa daqui, pirralho metido!!!

Olho bem nos olhos dele, e como o pai e a irmã, não se intimida com minha grosseria.
— Não quer que eu te veja chorar? Se quiser podemos chorar juntos, se isso for ajudar.

Ele fala e meus olhos queimam imediatamente. Logo o vejo distorcido e desvio o olhar pra ele não
ver.

Nego com a cabeça e engulo a bílis.

— Eu nunca choro em grupo. Não preciso de você!!!

— Você me dá pena, delegado!

Ele não é agressivo, mesmo assim reviro os olhos.

— E você é como teu pai!

— Graças aos genes! Meu pai é meu orgulho!!! — ele levanta e para bem na minha frente, só
para falar olhando para mim — Eu também tenho deficiência de ferro, mas não foi ele quem
escolheu isso. Eu o amo, Cat o amava, e ele é muito amado por todos! Foi torturado em toda a sua
juventude, mas nunca machucou um ser vivo sem que ele merecesse! Assim como ela! Não o odeie
por não ter feito nada! Pelo menos ele estava do lado dela enquanto você tentava fazê-la mofar
em um presídio nojento! Você pode se odiar e nos odiar, ou fazer o que ela queria para que sua
morte não tenha sido em vão! Não seja ignorante outra vez! Somos uma família de assassinos, mas
nunca machucamos uns aos outros como você! Nos protegemos, e você não a protegeu, mesmo
quando ela só se sacrificava para você poder dizer que encerrou o caso, e acarinhar seu ego
inflado. Antes de falar do meu pai, pense nas suas atitudes, seu grandessíssimo idiota!

Ele sai batendo o pé, bate a porta, e eu não sei se eu rio, ou se choro ao ouvir o que ele falava.
Quantos anos ele tinha? Noventa? Porra de moleque metido a sabe-tudo — que sabia de tudo —
cheio de marra!!!

Esqueço do pivete, roubo a blusa que ele deixou na cama, fecho os olhos ao sentir seu cheiro bom,
e choro, enfim.

A dor era... eu não sei dizer. Parecia que eu estava sendo açoitado cada vez que eu pensava
nessa saudade, na falta que ela me fazia. Meu amor...

Eu estava sangrando por causa dos açoites.

Me aproximo da estante e reviro os olhos o notar que os caras de pau haviam colocado os porta-
retratos que deveriam estar ali desde o início!

Ela com roupinha de fada e asas de borboleta, devia ter uns quatro anos, ela com kimono junto
com seu pai em alguma academia, com uns pirralhos da instituição, ela no sul com a família sulista e
Mariah ainda bem pequena, ela sozinha na frente da catedral de Notre-Dame, e algumas dela já
depois de grande, com o que eu achava ser mestre Kodo, com as crianças da instituição de novo e
dona May, e com uma turma vestida de negro, sorridentes, loiríssimos como ela, e cheios de
postura.

— Russos.

Resmungo ao notar o tal do advogado dela na foto.

— Advogado...

Tiro a fofo do porta-retratos, e coloco no bolso. Ele tinha desaparecido após o que aconteceu, eu
estava tão surtado — creio eu que com razão —que nem me toquei. Tudo aconteceu depois que
ela tomou o remédio.
E... nem teve autópsia... foi cremada logo em seguida?!

— Fizeram autópsia?

Pergunto assim que desço.


Marcelo faz cara de paisagem.

— Fizeram autópsia???

— Sim. A deficiência de ferro dela, e o fato de ficar alguns dias sem o medicamento, causou uma
infecção generalizada, ela provavelmente teve febre como sinal, você deve ter reparado, ela
estava com você, enfim...

— Ela estava. Estava sim! — eu me sento no sofá vazio — Ela ficou febril porque estava morta de
medo do Tiago contar e eu terminar com ela! É só mais uma culpa para carregar enquanto eu
viver!

Escondo o rosto com as mãos e me desespero.

— Meu Deus...

— Ela não morreu porque ficou febril, ela teve uma infecção comum, situação que nosso corpo é
capaz de combater com os radicais livres. A todo momento, nosso corpo trabalha para expulsar
infecções que poderíamos ter a cada minuto! Se não fosse assim, pegar algo do chão, ou até ir ao
banheiro, seria letal!!! Devido a extrema falta de ferro, a infecção dela se alastrou, a febre avisou
que tinha algo de errado, e então ela se foi. Nada tem a ver com o emocional, nada tem a ver
com o nervosismo dela!!!

— Esqueci dos remédios, mandei dona Flor ligar para cá e não me encher o saco, se ela piorasse!
Se eu tivesse levado ela no hospital assim que cheguei, isso teria à salvo?
Eu pergunto e olho pra ele. Nem olhar para mim ele conseguia. Tudo bem, nem eu mesmo
conseguia me encarar!!!

— A febre é o corpo tentando conter uma infecção grande! É uma batalha árdua! Não teríamos
chances, só poderíamos dar algumas horas para ela, em aparelhos! — ele fala olhando pro tempo
e parecendo pensar na vida, mas não me convence — Preciso ir para casa, pai! Qualquer coisa
me ligue! Boa noite, gente! Fique bem, William!

Ele resmunga, sai e o silêncio e a culpa me machucam!

— Eu sinto muito! Nada disso teria acontecido se eu não tivesse começado isso! Se eu soubesse que
a perderia, nunca daria continuidade! Fazer justiça nunca foi mais importante do que tê-la aqui. Eu
só queria que ela entendesse o porquê fiz o que eu fiz. Mas... eu mudaria tudo se pudesse, eu juro
que desistiria!!!

— Agora é um pouco tarde, não acha?!

— Jon...!!!

Ellen resmunga e ele se cala.

— Eu sei que é tarde! E eu sinto muito por isso também. Ninguém imagina o quanto eu sinto!!! Eu
daria a minha vida para voltar no tempo e fazer diferente.

— Faça o que veio aqui para fazer e o deixe em paz, Jon. Coloque os áudios, mostre o que você
tem para mostrar, e deixa ele em paz!!!

A bruxa entra no recinto com toda sua força maligna e eu travo antes de dizer que quero matá-la
por causa daquele remédio constrangedor.

— Não quero ninguém julgando ninguém, aqui! Agora, por favor!!!

Ela nem me olha, só chega, fala e sai! Ela nem olhou para a minha cara. É outra que não suporta
ver o que eu podia mostrar: Puro horror e agonia!
Tinham pena de mim.

Me levanto, sigo o outro assassino, que fez o convite com o olhar, e entro em uma espécie de
escritório.

Sento na frente do computador a mando dele, e ouço áudios por quase uma hora.
Ellen deposita sucos e comidas na mesa, volta com café, e eu ainda me encontrava no mesmo lugar
depois de uma hora contada.
Ligações, SMS, e-mails, fotos, e até o áudio que gravou do surto momentâneo que meu primo teve
após dizer que aceitava Max como pai, se ele assim o perdoasse, mas logo em seguida 'mudou de
ideia' e gritou o ameaçando.

Ouvi tudo.
Ouvi tudo e minha conclusão foi óbvia e lógica: Minha tia e meu primo, eram doentes mentais, e
planejaram aquilo por anos!!! Ela fez uma lavagem horrível no meu primo, dizia para ele que só ia
ficar bem se ele fizesse aquilo, o "forçou" a tentar matar todos da família, mas antes disso, fazer o
Max ir por último, e sofrer por ter matado meu tio.
Ele veria sua esposa, filhos, e familiares todos mortos, e então, morreria por último, concluindo sua
vingança doentia.

Aquilo era tudo o que minha mulher queria que eu entendesse, mas me neguei.

Foi por legítima defesa.


A INDECENTE
Pelo ponto de vista da Rubi

— Posso atrapalhar?

Yan entra na sacada do quarto de Dom, onde eu meditava e me tira a concentração.

— Você já atrapalhou!

Ele sorri. Permaneço em posição de lótus, e ele aproveita para se sentar bem na minha frente.

— Eu estava xeretando a conversa dos adultos, foi bonito ver como agiu com Jon para defender o
delegado. Seu pai e Jon são difíceis de lidar, e isso é pior quando estão tristes ou chateados...

— Veio me parabenizar, caipira sulista?

— Na verdade, não.

— O que quer saber?

— Laura tinha dito para Miguel que depois que tudo se acertasse, contaria para ele o que
esconde a respeito do tal do Chong e...

— Ela não vai dizer, pelo menos não terá tempo de contar.

Sinto um arrepio forte e as palavras saíam da minha boca como se tivesse vida própria. Soube
disso, no momento que ele me perguntou a respeito.

— Conta para mim o que Laura fez!

— Achei que estava por dentro da história...

— Ela me disse que, na época da Glenda de Manaus, eles eram inimigos declarados por causa da
rebeldia e sucesso que ela, Tay e Pedro tinham. Mas sei que mente para mim! Eu só finjo que
acredito. Quero saber a verdade.

— Não posso falar do que não me diz respeito! Principalmente se ela se recusa. É melhor que você
converse com ela!

Eu falo e o gato que tinha olheiras enormes parece lamentar muito.

— Me sinto perdido, com medo... como se o pior estivesse para acontecer aqui.

— É preciso que todos saibam que muita coisa acontecerá! Você ainda vai sofrer demais, mas eu
infelizmente não posso te ajudar, Yan!

— O que você quer para me contar tudo?


Peça qualquer coisa!!!

Ele pega em meus dois braços e eu sinto o cheiro de seu hálito gostoso.
Seu toque me envia um impulso elétrico, que sei que ele também sentiu, mas ignoramos.

— Eu só preciso de uma coisa, e é a única coisa que você não pode me dar.

Me levanto, pego o tapete, e ele repete meu gesto.

— O que, por exemplo? Amor? Tu gosta de um cara que nem sabe que você gosta dele, se
permita ser amada, faça alguma coisa e então desfrute! Não pode cobrar amor de homem nenhum
se você não deixa ninguém chegar perto!

— Olha que legal, você me aconselhando!!! Um sujo falando do mal lavado!

Resmungo para ele, saio do quarto, mas penso naquilo... Yan gostoso dos santos, como dizia Laura,
tinha razão, eu não podia cobrar a sua chegada se eu vivia me recusando a abrir a porta.

Reflito e decido. Eu ia dizer a Fred que eu o amava, como mulher. Talvez não fosse um bom
momento, mas eu já não precisava me sentir tão sozinha, e nem ele. O que eu tinha a perder?
Eu o amava. Ele também não precisava ser sozinho, podia me ver com outros olhos, quem sabe não
era a hora de parar de ser fiel a uma mulher morta?! Ou a duas mulheres mortas?! Estamos há
anos empacados, eu em ficar só por ficar e ele em se sentir mal em pensar que ficar com alguém
trairia a memória da morta-viva.

Eu ia tentar, o 'não' eu já tinha.

Sigo para o quarto de hóspedes, tiro a legging e o top que eu usava, e quando ouço o barulho do
carro de Miguel, decido que eu podia tomar banho depois. Eu sabia que Fred estava com ele
porque podia senti-lo. Visto um roupão para não perder tempo, desço correndo, e paro no início
da enorme escadaria, quando sinto os ânimos alterados. O delegado ainda não tinha ido embora.
Jon contava, com a ajuda de meu pai, sobre a profecia que fala dele e de Catarina, na sala, mas
Fred, que havia acabado de chegar, ouviu algo que não gostou.

— Tu quer morrer??? Quer morrer aqui??? Lava a boca para falar da minha mãe! Lava a sua
boca seu coxinha!!!

Mãe?

— Eu não disse nada demais, foragido!!! Só a verdade! Essa tal cigana é uma maluca
desvairada!!!

— Cigana?

Desço curiosa, já sentia meu interior se agitar.

Todos eles ficam surpresos ao me verem ali, assustados por serem pegos de surpresa, mas não ligo!
Eu só queria saber que papo era aquele.

Fred parecia super sem graça e por isso até baixou a bola fazendo o delegado voltar a se sentar.
William não se aguentava de pé, eu sentia! Seu maior sentimento, era ainda, saudades dela.

— Diz! "Minha mãe"? Cigana maluca desvairada??? Estão falando da minha mãe? É da Jade que
você tá falando?

Eu pergunto e ele coloca a mão na cintura e me olha meio de lado, como faz quando está tenso.

— FALA, FRED!!!

— Rubi, filha, se acalma, por que está tão nervosa???

— Por que estou tão nervosa??? Somos o quê?! Irmãos?! — mesmo não tendo nascida de Jade eu já
sentia a ânsia de vômito — É isso???

Pergunto, sinto a bílis, o aperto, o enjoo... tudo de uma vez.

— Sim, Jade é minha mãe! Quando ela se separou do meu pai, para se vingar, ele me roubou do
berço, me levou pro Rio, e sempre a acusou de abandono.

— Meu Deus... eu me pergunto o que é que essa família viveu de bom, porque até agora não ouvi
relato nenhum. Só ouvi desgraça...

O delegado resmunga, viro de costas tentando não cair, mas imediatamente sou "amparada" por
meu pai, que já tinha os seus braços ao meu redor.
— Por que está assim? Triste? Descobriu que Fred agora é mais seu irmão do que nunca, isso não é
bom?! É da família! É uma coisa boa!

Olho em seus olhos, e ele entende, por isso me solta. Seu ciúme era maior que a vontade de me
amparar. Tay nunca veria com bons olhos, um interesse de minha parte. Fred "não era o homem
que ele gostaria de me entregar no altar."

Subo, me tranco no quarto, e vejo quando pequenas porções de minha essência, evaporam. Fred
tirou alguma coisa de mim.

Me olho no espelho, respiro fundo, tiro o roupão, e observo minha transformação trágica e
lamentável.

— Ei... precisamos conversar!!!

Fred entra com tudo no quarto e se assusta quando corro para me cobrir. Nunca fui tímida, muito
menos com ele. Sempre me troquei na sua frente, o único 'problema', é que ele nunca me olhava
com maldade. E tudo o que eu queria era maldade.

— Tá maluca? Se cobrindo? O que tá acontecendo com você?

— Por que não me contou isso? Por que não me contou que ela era tua mãe?

— Bom, não sei ao certo realmente o porquê não queria que ninguém soubesse... conversei com a
Cat e...

— Catarina sabia???

— Sabia. Ela e Jon sabem!

Nossa...

— E eu todos esses anos desabafando com ela. A criatura fez questão de me ouvir e não dizer
nada.

Dou risada e nada sinto.

— Desabafando o quê, Grim?

— Que te amava! Que queria você... eu sou tão patética! — falo e ele faz uma cara péssima —
Esquece, tá legal?! Vai embora!!!

— O que? Isso é sério???


Faço silêncio e ele entende.

— Eu... eu nem imaginava! Você apaixonada por mim? Tá falando sério???

Ele ri pasmo.

— Agora eu entendo. Antes eu me achava pouco para você! Achava que você não me olhava não
só por causa da defunta, mas porque eu não era uma Catarina, uma talentosa, uma mulher incrível
que merecia o melhor assassino do Rio! Agora eu entendo que não tinha olhos para mim porque me
acha muito para você, isso sim!

Ele nega.

— Escuta! Só pela "defunta", eu nem te olhava! Para mim era só minha irmã. Nunca tentaria nada
contigo, gosto de você de uma outra forma.

— Agora eu sei! — sorrio amarelo e abro a porta — Pode sair, por favor? Tenho um compromisso
e estou muito atrasada.

— Eu lamento por tudo isso! Mesmo! Só não entendo o porquê da revolta, se eu ainda tivesse um
coração, com certeza me interessaria por você, ser filha da Jade não seria um empecilho para
mim! É só que...

— Ficaria com Catarina se ela se apaixonasse por você como eu me apaixonei?

Eu pergunto e ele respira fundo.

— A Cat chegou mais longe que qualquer mulher chegou. Não tô falando de sexo e atração física!
Pensar nisso com ela e com você, me deixa completamente nauseado! Você é uma mulher poderosa,
como era nossa mãe, pode ver o que eu sinto por ela, se quiser... são muitos sentimentos, mas nada
envolve sexo, filhos, jantar às dezoito, e cachorros ou gatos!

Seus olhos brilham e meu coração dói.

— E tem mais, Catarina merece alguém melhor que eu, VOCÊ merece alguém melhor que eu. Rubi,
eu não sou bom nem pra mim mesmo, muito menos pra ter alguém. É por isso que eu não procuro
nem puta! Não sou digno de amar e ser amado! Estou fadado a ser sozinho, e vou morrer sozinho
até me encontrar com minha mulher novamente. Se você a conhecesse, entenderia! Posso falar
sobre ela contigo, um dia, se quiser...

— Nunca mais chegue perto de mim, Fred.

— Por que não posso te corresponder?! Por que escondi de você que Jade é minha mãe? Tudo o
que vivemos juntos vai acabar porque eu não te desejo???
— Sim! — ele fica embasbacado com a resposta e eu seguro o impulso de gargalhar. Eu sentia a
antiga Salem e todas as minhas ancestrais se estremecerem com minha fúria colossal — Acredita
em feitiços, Fred? Acredita em maldição???

Eu largo a porta e me aproximo dele.

— Se vier de você, acredito!

Ele confirma.

— Pois então me escute com atenção... você pensa que não, mas eu vejo, você ainda pode amar e
ser amado, apenas se nega. Acredite em mim, sempre amei você e tive esperanças porque sempre
enxerguei em você uma enorme capacidade de amar! Estive por várias vezes com Paula, no
começo ela esteve ao seu lado, te guiando, te protegendo, mas depois de um tempo, te virou as
costas. Notou o que estava fazendo com tua vida. Não aguentou ver você gradativamente acabar
com tua saúde, e com a possibilidade de ser feliz. Sim, você está fadado a ficar sozinho, à partir
de hoje, e eis minha sentença por destruir meu coração como o que aconteceu com o teu: Você vai
se apaixonar de novo, muito em breve, e vai sofrer tudo de novo, porque merece!!! Nunca mais
ficará com mulher nenhuma, nunca será correspondido, e morrerá sem ninguém ao seu lado,
ninguém!
Assim será!

Eu declaro e ele ri de mim.

— Nada diferente do que eu já idealizei pra mim! Sempre pensei que se um dia eu me
apaixonasse por alguém, seria de novo um horror, uma tragédia... mas que bom que não é por
você, certo?! Você não é tão bonita assim. Sabe por que ainda sou louco pela Paula? Porque ela
era linda por dentro, mais dava do que pedia, nunca exigia, mas sempre oferecia! Era caridosa,
gentil, grata por pequenas coisas, e era decente!

Concordo com toda a certeza, e ordeno de um jeito que ninguém pode negar.

— Suma dessa casa e nunca mais pise aqui!

Resmungo e ele sai.


Respiro fundo e nem sofro. Passou.

Não, eu não o amaldiçoei, mesmo sabendo que poderia. Só queria ouvir o que ele pensava
realmente de mim. Eu o deixei sair com a consciência de que não falei sério, só estava magoada.
Mas bom, entendi, afinal. Foi uma ótima conversa... eu não era decente como Paula, não era
especial como Catarina, não tinha um "interior bonito", "e nem o merecia".
Eu não era sua amiga, não dividia confidências, e não era a sua prioridade. Na verdade, eu não
era a prioridade de ninguém.
Paro de sentir pena de mim mesma, me visto, e alguém bate na porta, pelo menos ele. William.

— Entra.

Eu falo e ele logo entra um tanto encabulado.

— Queria saber se está bem?!

— Eu tô, sim!

Eu afirmo e ele confirma com a cabeça.

— Queria me desculpar por te chamar de vadia! Ofendi você quando só queria me ajudar.

— Você nunca me chamou de vadia...

— Chamei, sim! Falei isso para seus pais depois que tomei aquele troço.

Eu dou risada.

— Tudo bem! Na verdade, eu acho que sou uma vadia mesmo! Das bem piores! — afirmo e ele
fica sem graça — Mas o que realmente você quer?

— Foi você quem matou David Nobre, não foi?!

— Foi!

Ele me olha de um jeito estranho demais.

— Quer me prender? Vai por mim, me faria um favor, nada me prende aqui! Eu não tenho ninguém
que vá lamentar, ou tentar te matar por isso!!!

— Aposto que isso não é verdade! Mas, já que assumiu com tanta facilidade, pode me explicar o
que houve?! O que aconteceu naquela noite?

Eu conto tudo e ele só me escuta.

— Entendi. Tá. Obrigado!

Ele vira as costas, e eu fico triste com seu pesar.

— Seu sofrimento vai passar!!! Essa dor que você está sentindo vai ser retirada daí como se
tivessem tirado com a mão. Eu te prometo isso, e será logo.
— Não. A não ser que ela volte pra mim, mas isso nunca vai acontecer, e sabemos que esse tipo de
milagre não existe.

Ele fala ainda de costas.

— Essa história de profecia...?!

— É real! Foi minha mãe quem previu!

— Não pode ser real... isso não existe.

— Quer provas?

Eu pergunto e ele fica empolgado.

— Como faria isso?

— Eu tenho alguns dos dons que ela tinha, e um deles é um par de mãos poderosas... posso te
mostrar a cena de qualquer dia, inclusive do dia que em que ela previu isso!

— Pode me mostrar qualquer cena? Como é isso? Vou ver imagens na minha cabeça? Como a filha
da Bella faz em Amanhecer parte dois?

Ele é irônico, mas estava louco para ouvir 'sim' de mim!

— Curte clichês de adolescentes...

Dou mais um passo e ele não curte isso! Assim como meu pai e Fred, minha aproximação não mexia
com ele de forma alguma, o delegado apenas não gostava de ter seu espaço pessoal invadido.

— Sou um cara romântico...

Me aproximo dele e ele sente medo de mim.

— Eu te deixo amedrontado. Por quê?

Pergunto curiosa.

— Porque não sei do que é capaz. E não curto muito...

— Você tem aquelas técnicas de leitura de pessoas por causa da delegacia e tudo mais. Sabe
quando alguém mente, e tem um dom forte para analisar. O que pensa de mim?

— Você teve o coração partido hoje, não posso falar muito! Eu acho que você, apesar de ser
também uma criminosa como toda essa família, tem um bom coração. Merecia algo melhor do que
ele. Ele te faz sofrer, tá nítido, então está claro que não vale à pena. Agora vamos falar da sua
magia incrível!

Ele diz, toco sua têmpora, e depois de trinta segundos, ele abre os olhos, e chora.

— Não vi profecia nenhuma. Só vi Catarina.

— É. Foi o que você, quer dizer, o que seu inconsciente queria ver. Espero pelo menos ter aliviado
a dor...

— Me dá mais daquele remédio?

Ele pede enquanto lágrimas caem e eu não consigo fazer nenhuma piada.

— Aquele remédio só se toma uma vez. Não precisa de outra dose! Você tem um sopro de ânimo
constante aí dentro, aproveite. O melhor que você faz é retomar, pelo menos sua profissão, ir para
a delegacia! Vai ser bom porque vai ocupar a cabeça! Pensar nela será doloroso, como foi agora,
e para essa dor nenhum remédio funciona! A não ser que queira esquecê-la?! Posso fazer isso!
Posso fazer com que tudo o que vocês viveram, seja apagado temporariamente...

— Jamais. Jamais!!! Eu nunca vou esquecê-la! Nunca! Ela é minha vida!!!

— Sua vida está morta.

— Eu sei e vou viver todos os dias me lembrando disso.

Ele confirma com muita convicção, dando ênfase ao duplo sentido, e se retira.

(...)

— O que aconteceu? Fred foi embora depois que desceu!!!

Meu pai questiona já querendo detalhes, assim que eu desço.

— Tá bravinho! Já, já passa.

— Sobre o que conversaram? O que ele te falou que te deixou assim?

— Nada! Tô indo...

— Vai onde?

— Embora.
— Pra onde?

Quando ele pergunta eu já estava descendo as escadas.

— E isso importa?

— Para mim, sim!

— Não sei pra onde.

— Rubi.

— Tchau, pai!

Entro no carro, ele bate no vidro, e não consigo ignorá-lo.


Abaixo o vidro, respiro fundo, e só olho pra frente.

— Eu te amo, você é minha única filha agora... só tenho você e o Dom! Precisamos superar a morte
dela e sem você aqui, não vou conseguir. Sem você aqui será duplamente doloroso!

— Vai passar.

— Me conta o que está acontecendo?

— Eu preciso descansar um pouco, tô muito cansada.

Olho em seus olhos e ele parece fazer um esforço imenso para entender meu lado.

— Tudo bem! Vai voltar, não vai?! Vai ficar por perto...?!

— Vou!

Eu confirmo e ganho um beijo demorado. Ellen se aproxima, respiro fundo, e finjo que não vejo.

— O que está havendo?

— Ela vai embora.

— O que? Por que? Para onde?

— Não começa! Já falei, só quero paz... por favor, me deem um minuto de paz!

Eu imploro.
— Desce! Desce desse carro e converse como gente!

— Mas quem disse que quero conversar, Ellen???

— Quer me punir? Sabe que se for embora vai pirar teu pai! E eu vou pirar de raiva! Você quer
me punir??? — ela começa a ficar levemente alterada — Não acha que está surtando na hora
errada, não?! E tudo isso por causa do Fred??? O Fred?! É sério?

Ela fica embasbacada e eu olho para ele uma última vez. Ele estava do lado dela, tinha
capacidade de apoiar Catarina sobe quaisquer circunstâncias, mas eu não.

— Todo mundo sabe que eu estou aqui só de enfeite. Não faço parte de nada disso! Sempre fui a
órfã indesejada, o fardo que a Jade deixou como uma cobrança por todos os anos de serviços
prestados. A família que eu tinha era o cartel, mas isso acabou! Miguel ficará bem, Fred se foi e
nunca mais pisará aqui, Catarina está morta e tudo morreu com ela! Vocês não precisam mais de
mim! Me deixem em paz, e não finja que está triste, Ellen! Seu marido é forte, ele supera! Agora se
afasta que eu vou ligar o carro!

Eu fecho o vidro, ligo o carro, e só saio quando ele puxa a criatura para mais perto de si.

Quanto mais longe eu estava daquele condomínio, mais leve eu me sentia.

Paro na frente da casa dela, abro o portão, entro, e sou recebida com felicidade por Bia, o
maquiador talentoso da família, da família da Jade. É, eu não estava mais me encaixando em
lugar nenhum!

— Oh! Meu Deus!!! Como é bom ver você!!! — ele corre e quase pula no meu colo — Eu precisava
tanto de um abraço como esse!!!

— O que você tem, Bi?! Te sinto tão péssima!!!

Ele me olha nos olhos e então desabo!

— Tô acabada! Física e emocionalmente falando, Bia! Tô arruinada em todos os sentidos da minha


vida!

— Então sei do que precisa! — ele limpa meu rosto com os polegares — O cafezinho da Bia!!!
Vem!!!

Ele me puxa e até chegar a porta, recebo atenção de um mundaréu de pequeninos.

Entro na cozinha rústica e o cheiro dela se faz presente. As coisas dela ainda estavam por ali, do
jeito que ela havia deixado.
— Vem cá, antes de me contar o porquê de tanta tristeza, só me diga algo: Por quê tá usando
essa calça jeans e regata??? Não me entenda mal, fica diva até com trapos, mas...

Ele ri enquanto enchia a chaleira e me faz rir também.

— Sei lá! Cat se foi, minha vida está um caos, tudo está errado... hoje vi pedaços de minha
essência evaporar, não sou mais a mesma, tô querendo me livrar daquela Rubi! Sabe?! Alguém que
era muito importante para mim insinuou que não sou decente, não sou alguém que valha à pena,
então, acho que eu preciso mesmo me comportar e cobrir mais o corpo, ser menos obscena, sei lá!

— Nunca ouvi tanta bobagem, e essa roupa e esse cabelo não combinam com você! Não sei o que
aconteceu, mas, sinto muito pela Cat, e sinto muito por essa pessoa "importante", você não merecia
ouvir isso! Você é linda, princesa! — ele liga o fogo e se aproxima — É linda por dentro, e mais
ainda por fora! A feiticeira mais poderosa do mundo!!! — ele pisca e faz uma cena teatral com as
feições sérias — Não existe homem que não à deseje! A não ser que esteja cego!!! Consegue o que
desejar, seja de quem for, e quando passa, os pescoços se voltam para admirá-la e adorá-la!!!
Sexy, perigosa, mortal e bela!

Ele libera o ar do pulmão ao terminar.

— Quem dizer o contrário, perderá a língua!!!

Ele rosna. Sorrio e me sinto muito melhor.

— Acho que vou te carregar para todos os lados! Será que você consegue falar isso para mim,
todos os dias???

— Com muito prazer!!! Seria uma honra servi-la!!!

Ele sorri.

— Como estão as coisas por aqui?!

— Bom, tudo bem! Tirando o fato da população ainda deixar cestos e mais cestos com crianças
aqui, tá tudo certo!

Bia parece triste.

— Ninguém apareceu para adoção???

— Ah! Não, né?! Só Jade sabia fazer isso, só ela sabia a procedência das pessoas que chegavam,
e nem todas as crianças ela liberava para ir embora. Como foi comigo, contigo, com o Lucca, que
ainda está aí!
— Acho que sabia que nosso futuro já estava traçado.

— Como o quê?! — ele bufa — Olha para mim, algumas makes semana sim, semana não, e babá
de pirralhos sem pai e nem mãe... como eu!!!

Sorrimos.

— Não fala assim!!! Somos todos sozinhos, como eles. Acho que ela sabia que só sobraria você
para cuidar de tudo! Ela queria isso!

— Eu sei, aceitei isso! Mas eu queria... — ele parece distante — Queria viajar, sabe, Bi?! Ir para os
Estados Unidos, estudar, conhecer novas técnicas para meu trabalho, conhecer pessoas, um boy
gostoso, conhecer novos lugares... me libertar, sabe?! Amo minha mãe, amo tudo o que ela fez por
nós, amo esses catarrentinhos aqui, mas queria muito voar!!!

— Eu tô sem propósito nenhum, nunca me senti aceita lá, já te falei isso, e na verdade, nem aqui!!!
Eu tô sozinha em um universo com superlotação e isso é muito ruim! Preciso ocupar minha cabeça!
— eu falo e ele sorri, parecendo entender — Pelo jeito vim até aqui na hora certa! Não tenho bem
para onde ir! Por que não fazemos assim: Fico aqui, cuido de tudo, te dou umas férias, e você voa,
POR UM TEMPO!

Eu resmungo e ele deixa cair pó de café no chão.

— Tá de brincadeira?

— Não. Vai viajar, faça seus cursos, estude, conheça os países que tem vontade, mas eu só te peço
"uma" coisa: Use seus novos conhecimentos com sabedoria, seja responsável e cuidadoso, e depois
volte! Quando voltar, terá seu estúdio de beleza e vai ser seu próprio chefe, como sempre quis,
mas não vai deixar todo o glamour subir, e nunca esquecer dessas crianças! Nunca esquecer da
Jade, nem de onde você veio!!!

Eu falo e ele chora.

— Por que vai me dar isso???

— Olha a água, quero café!!! — faço ele continuar o trabalho — Você tem vontade, capacidade,
talento, e cuidou muito de nós! É um presente em nome dela... isso me fará um pouquinho feliz, e
bom, eu preciso muito ser feliz!!!

Sinto um arrepio forte de repente, e ele nota.

— Que foi, Bi? O que você sentiu???

Penso. Perigo. Ignoro por um momento.


— Nada demais. Cuide de tudo, passaporte, malas, tudo... vou depositar uma parte da grana para
chegar lá, e depois, sempre todo o mês, para tu se manter! Vou contratar alguém para também te
auxiliar lá! Vou pedir ajuda para alguém para ver como podemos fazer com os documentos... acho
que é melhor ir como se fosse fazer um intercâmbio! Será mais fácil! Vou pesquisar...

— Mas e você?! Você que precisava de uma viagem dessas, umas férias daquela família, um
descanso!!!

Bufo.

— Só estando afastada já me ajuda. Meu problema não é trabalhar, lidar com o cartel, ajudar...
meu problema é ficar sempre esgotada emocionalmente, e nesse momento não aguento ficar lá!
Essas crianças só me farão bem! Tenho um bom dinheiro guardado que nunca nem soube com o
que gastar, aproveito para reformar isso aqui, deixar mais aconchegante, enfim, será bom pra
mim! Não se preocupe!

Eu sorrio, ele me abraça de novo, e meu telefone toca. É Fred.


Só atendo depois da vigésima ligação! Podia ser algo importante.

— Não quero falar com você!!!

— Passei no Cartel para pegar minhas coisas, Miguel saiu com a Laura! Eu já estava
desaparecendo, mas é importante! Recebi uma mensagem bizarra aqui na tela-morta! Vem pra cá!

— Me mande pelo celular, não quero olhar pra essa tua cara! Eu tô muito bem aqui!

— Rubi... — ele suspira impaciente — Tá! Tá bom!

Ele resmunga, fica em silêncio e depois desliga.

Meio minuto depois ele me encaminha um documento zipado e em formato de e-mail, e eu abro no
meu aparelho já preparado.

COMUNICADO OFICIAL

Pensando na estrutura da companhia, e no balanço dos últimos acontecimentos, uma nova


administração foi reestruturada para suprir a carência de projetos a serem finalizados. Todas
as equipes, de todos os estados, estão convocadas para a primeira tarefa sob a nova direção.

Segue em anexo na tela-morta.

Um dos motivos pelo valor inestimável, são nossas condolências pelo transtorno dos últimos
acontecimentos. Perdemos alguém que importava para todos, e essa nova encomenda é em
nome da justiça que tanto prezamos.
Que tenham todos uma boa semana de trabalho, e prometemos melhorar sempre!

GLENDA.

— Deus.

Respiro fundo e Bia fica preocupado.

— Tudo bem?

— Não. Uma Glenda assumiu antes do que prevíamos, estamos fodidos!!! — falo comigo mesma —
Cuide de tudo o que combinamos, preciso ir!

Saio, e quando entro no carro, clico no link que o comunicado tinha.


Um arquivo igual da tela-morta se abre, e eu posso ver a encomenda.

Dez milhões e meio para o cartel que entregasse a cabeça de Fred, Miguel, Catarina e eu. E
separadamente, como uma outra encomenda à parte, mais um milhão de reais para entregar o
novo delegado da superintendência de São Paulo, delegado William Castro.

Minha nossa.

Corro para o prédio do cachorro. Fred estava em casa, Jon já devia saber, tudo estava bem, mas
se o cachorro morresse, Cat ia me matar.

Subo correndo, paro pra respirar só na porta, e aperto a campainha. Ele precisava saber... já que
sabia de tudo, não ia ser problema contar, era de sua própria segurança que estávamos falando.

Ele me atende com a mesma feição péssima de sempre e eu travo.

— Preciso falar contigo, é muito importante!!!

Sussurro para Tiago não ouvir. Se ele quisesse contar, ele quem contaria. Decisão dele.

— Tô com visita! Não posso agora!!!

— Não me mande embora! É sério! É urgente!!!

Eu imploro me apoiando no batente da porta, ele olha bem nos meus olhos, e fica preocupado!

— Certo, finja que é uma grande amiga, se comporte, fale de Deus, e espere eles saírem!

Ele me deixa entrar e reconheço as visitas. Eram os pais dele!


— Seu Francisco! Dona Margarete! É um prazer...

Eu cumprimento o senhor que era a cara do William e ele sorri para mim, mas a
velha xexelenta nem me olha nos olhos na hora em que eu aperto sua mão.

— Pode me chamar de Maggie. E você, quem é?!

Coitada da Cat...

— Sou amiga da superintendência do delegado Castro. Estou com um problemão lá na delegacia,


e bom, tenho certeza que só o doutor pode ajudar!!!

Eu falo e ele sorri.

— Essa é a tal Manuela?! — ela me mede.

— Não, mãe! Rubi, agente da narcóticos!!!

O delegado parece acabado.

— Tu sabe que acho muito bonito o trabalho de vocês?! Essa guerra contra as drogas é uma briga
que meu filho comprou há muitos anossh! — amo esse sotaque, sorrio — Minha vida não foi nada
bonita, mas graças à Deus, tenho em meus filhos, as melhores pessoas que poderiam ser! Meu
menino mais novo que tem esse problema, né?! Com maconha... mas creio em Deus e sei que ele vai
largar essa merda, meu William está cuidando do irmão dele!

— Não fala bobagem, homem! Sair falando dos problemas de família para qualquer um!

A velha resmunga e ele dá de ombros.

— Tiago é um menino muito gente boa, seu Francisco! Ele vai sair dessa, com certeza!

Eu afirmo e ele sorri.

— Vou fazer um café.

William resmunga e sai andando como um zumbi. Dava dó.

— Você soube, não é?! Ele perdeu a namorada. Eu gostava tanto dela... Estou muito triste. Via como
ele olhava para ela. Faziam um par tão bonito!!!

Ele vai resmungando, e quando eu olho para a cara de dona Maggie, vejo um pequeno toque de
arrependimento, mas também alívio. Ela sentia que aquele ano seria o ano de Barbara na vida do
filho. Nojenta, estava mais do que enganada...
Quando olho para ele de novo, sinto que fez alguma pergunta.

— Desculpa?!

— Tô vendo no seu pescoço... policiais daqui podem ter tantas tatuagens assim?!

— Pode sim! Isso não é problema, não! Eu sou completamente louca por tatuagens, gosto muito, e
minha irmã gosta de piercing's... — sorrio — Sou honesta seu Francisco, as tatuagens não me
definem de maneira nenhuma, acho que ter tatuagens não é problema nenhum!!!

— Mas que indelicadeza a minha, não quis dizer isso! — eu sorrio e nego — Eu mesmo tenho
algumas que fiz, todas malfeitas... me arrependo muito, sabe!? Agora que meu filho ganha bem, tô
apagando numa clínica bacana lá no Rio. A que eu mais me arrependo é essa! Veja isso, eu
também usava muita droga, me sinto até culpado por Tiago estar nessa, parece que o universo
conspirou! Mas eu mudei de vida, espero que meu filho mude também, essa vida não é para
ninguém! Sei que para eles parecem que não, mas maconha acaba com nossa cabeça!!!

Seu Francisco desabafa, noto o quanto gosta de conversar, me sinto cansada, mas continuo
sorrindo, só que tenho um pequeno infarto quando o vejo arregaçar a manga da blusa.
Ele tinha uma folha de maconha no pulso esquerdo.

— É uma folha de maconha?!

— É, é sim! Horrível, não é?! Mas estou tirando!!!

— Isso é bom, senhor Francisco! Muito bom...Não tenho nem mais o que falar, só me levanto.
Meu celular toca e eu vejo que é Jon.
Olho para a tela, abro a câmera, tiro a foto do homem que estava ouvindo um sermão da mulher,
enquanto fingia que eu apenas olhava para tela, e ninguém nota. Ficou meio borrada por conta do
nervosismo, mas dava para ver certinho. Eu estava bem perto da mesinha de centro e ele
explicava para mulher que sua tatuagem contava sua história apesar de tudo, e que já estava
fazendo o que ela pediu! A foto ficou boa. Era ele. O pai do William também tinha um passado
sombrio, ele matou a mulher do Fred.William teria mais um sofrimento.

Fred ia matar seu Francisco com lentidão e extrema crueldade.


INESPERADO

— Vai acabar furando o saco! Mantenha o foco, o lance é precisão, não tem nada a ver com
força.

K. dá pequenas batidinhas em meu abdômen.

— Tu já falou isso mil vezes.

— Você ainda não fez diferente.

— Preciso extravasar. Pego sempre um condenado para matar quando estou nervosa, mas não me
deixa sair, então, compre outro saco se esse furar.

— Não vai a campo descontrolada assim! Para. Respira! — finjo que não escuto — Mantenha o
controle de suas atitudes, clareie sua mente, então tudo o que fizer, terá êxito. Não seja somente
forte, seja sábia! Eu treinei você! NÃO ME ENVERGONHE EM MINHA CASA!

Ele grita. A academia da organização estava vazia.

— Só alguns meses no Brasil e já fica rebelde, descontrolada...

— Não grite comigo.

— Eu preciso!

— Não. Não precisa. Estou aqui porque eu quero, então não fode. Não mande em mim.

Falo em um tom um milhão mais baixo que ele.

— Só servimos quem nos importa, e nem sempre servir é ficar calado e somente obedecer! Você
precisa manter o controle, relaxar um pouco, esquecer aquele federal!
Ele usa a palavra mágica e meu ódio cresce. Aflora meu lado letal, então, assim que eu olho em
seus olhos, ele levanta as mãos em rendição, respira fundo e sai.
Meu corpo todo tremia de ódio, tenho certeza que ninguém nunca ficou com tanto sentimento ruim
dentro de si, como eu, naquele momento.

Viva, morta, ou morta de mentirinha, eu nunca mais teria meu bebê chorão de volta, sabia disso,
então K. não precisava ficar esfregando aquilo na minha cara. Eu não deveria esquecê-lo, eu
deveria era lembrar para sempre, mesmo, e sofrer com o fato durante o restante de meus dias. Eu
merecia.

— Vai embora você também!!!

Seven entra com toda sua negatividade no recinto e eu bufo. Seven era uma espécie de leão
domesticado, nunca podia confiar.

Me lembro da primeira semana aqui que eu garanti a K. que estava pronta e que já queria pegar
as missões na rua, enfim, vim direto de Manaus, me achava maravilhosa.
Afirmei tanto que estava pronta, que me sentia preparada, então Seven entrou no meu dormitório
à noite, quando notei sua presença levei um murro, e com a boca amordaçada apanhei que nem
gente grande e ninguém ouviu. Fui parar no hospital na manhã seguinte, e ainda mais seis meses de
"recuperação" nos exames!
Seven assinou minha sentença e escreveu MULHERZINHA FRACA na minha testa, na frente de todo
mundo!

Naquele dia eu prometi em voz alta que um dia o mataria e ele sabia que eu não tinha esquecido!
Mas ignorei a vingança, gostava dele, ele estava certo. Eu não estava pronta, se eu fosse para rua
naquela época, eu ia morrer.

Ele fecha o punho sobre o ombro, diz em libras que era importante e me estende um papel. Seven
não tem uma parte da língua.

Pego, noto que era um e-mail impresso, e leio com atenção.

Eu, Rubi, Fred e Miguel estávamos com a cabeça a prêmio no Brasil. E um outro papel dizia...
dizia...

— William.

Não.

Sinto o pânico se fazer presente, sinto dor, sinto o cheiro da morte, que não mais se desgrudava de
mim, e sinto medo.

Choro em silêncio, e ouço trovões. Ia chover.


Arranco o colar de meu velho do pescoço e o abro em um momento de coragem, que até então, eu
não tive.
Se aquele não era o momento, não seria nunca mais!
Sofrer ao enganá-lo não foi tão desesperador porque eu sabia que, apesar de sofrer, William
ficaria vivo. Dessa vez, era diferente...

Não. Dentro do medalhão não tinha nada de fantástico. Mestre Kodo quem me deu, o velho sábio
e maluco não faria nada espalhafatoso.

Era só um pedaço do pergaminho da sua mesa.

"A causa da derrota, não está nos obstáculos, ou no rigor das circunstâncias, está na falta de
determinação e desistência da própria pessoa. Três coisas não podem ser escondidas por muito tempo:
o sol, a lua e a verdade."

— Buda, é claro!

Resmungo rindo, seco as lágrimas, sorrio ao constatar que não importava o quão maluco ele era,
ele sempre ia me surpreender com a verdade em seu lado, e me levanto juntando forças da onde
eu não tinha.
O velho estava certo.

— Prepara o jato! Vou fazer as malas!

Abordo K. em sua sala.

— Qual destino, minha senhora?!

— Brasil! Vou retomar a minha vida!

(...)

— Não demorou muito...

Rubi resmunga enquanto cuidava de uma horta em um enorme canteiro protegido por grades.

Ela nem se quer olhou para mim, e já sabia que era eu. Nem precisava. Mas aquilo doeu, sua
indiferença doeu muito.

— Não terei uma recepção calorosa, abraços, beijos, sorrisos...?!

Encosto na abertura onde o portão estava aberto, ela respira fundo, se levanta, e me olha nos
olhos.
Rubi tinha seus cabelos amassados em um coque feio, zero maquiagem que normalmente amava
usar, ao invés do look bruxa sexy, usava jeans colado e babylook com um decote comportado, e
galochas de jardineiro por causa da atual atividade. Parecia uma jovem dona de casa, e não
minha irmã.

— Não. Desculpe. Sem abraço, sem pedido de desculpas, sem explicações, nada. Você já imagina
que eu sei de tudo, então também sei seu possível discurso... te entendo, mas não vou te 'desculpar'.

Ela faz aspas com as mãos.

— Tu vai me desculpar, mas não vim aqui para te pedir perdão. Eu não te devo desculpas, não!
Acho que somente um 'obrigada'! Sei que segurou as pontas até onde pôde depois que eu parti!
Sou grata a você!

Eu falo e ela sorri com ironia.

— De nada.

— Vai me falar sobre a situação atual? O que faz no meio de tantas crianças com todas as
organizações do país atrás de nós?

— Não me encontrarão! Pelo menos não a mim, não neste lugar, graças a Jade! Estamos seguros
aqui!

— E o pai? Minha mãe? Nossa família? Os deixou lá para vir para um refúgio?

— Sim. — ela ri enchendo um regador — Pela primeira vez na minha vida, estou cuidando DA
MINHA vida! Estou vivendo para mim! Seu pai é forte, tem o Jon, tem Laura, Fred e melhor: tem o
Miguel!!! Estão superprotegidos! Não sairia de lá se não tivesse certeza de que são capazes.

Ela fala e esconde o rosto.

— Você viu minha decisão de vir para cá?

— Não.

— Como está suas visões com relação a essa profecia e a minha vida?

— Continuam não funcionando direito!

— E ainda assim, você deixou minha família sozinha...

— Eles estão bem! Não me cobre nada, princesa Catarina. Você não pode me cobrar porra
nenhuma!!! Absorvi para mim mesma toda a desgraça que VOCÊ causou na vida deles, passei dias
servindo de peneira para a mente culpada de Jon, o sofrimento de perder uma filha do teu pai, a
dor de perder de novo a mulher que amava do cara que eu amava, cara esse que é meu irmão e
você fez questão de me esconder, o sentimento de impotência mais forte que já senti do teu pai
postiço, desaforos atrás de desaforos da nojenta da tua mãe, e o sentimento profundo de vontade
de morrer do teu cachorro. — ela eleva a voz enquanto eu a ouvia de cabeça erguida — O cara
continua em absoluta depressão, parece um zumbi, e se não fosse por mim, ainda estava na cama...
e absorvo tudo isso até agora, estar distante não me ajuda! Continuo ouvindo seus pensamentos —
Rubi se aproxima e me encara com ódio — sua vontade de dar um tiro na própria cabeça, seus
choros doloridos dia após dia, noite após noite, e chamando por teu nome à toa. Ouviu aquele
grito, não ouviu??? Ele não me sai da cabeça!!! — ela ri — Eu o alertei, fui até lá, cumpri o que
prometi, estão sãos e salvos, unidos no condomínio e tentando buscar uma saída, portanto,
desaparece da minha frente, vá cuidar de seus problemas, e me deixe em paz para viver a minha
própria vida!

Ela termina com os olhos lacrimejando e eu solto a respiração, que segurei durante todo seu
discurso ressentido.

— Ufa! Coitadinha da Rubi! A sofrida, A órfã, A rejeitada... — sorrio — TEU pai, TUA família,
TEUS problemas... você é engraçada!!! Vou pra casa do Marcelo, me encontre lá em uma hora, vou
precisar de você para reaparecer como um fantasma! Esteja lá, me ajude a prepará-los para não
termos infartos em massa, e depois se quiser, pode voltar para a sua hortinha e seu mundaréu de
gatos pulguentos!

Eu resmungo com meu coração doendo, evito demonstrar fraqueza, e saio de lá em direção ao
carro.

Fecho a porta, encosto no apoio, fecho os olhos, me nego a chorar agora, e respiro fundo, eu não
tinha tempo de choramingar, reclamar da vida, ou ficar me lamentando. Eu precisava me livrar de
mais um problema, e o futuro só à Deus pertencia.
Eu havia preparado meu psicológico, estava preparada para reações piores do que as da Rubi,
eu ia dar conta. Sempre dou.

— Abre.

Ela bate forte no vidro e eu evito revirar os olhos após o susto que levei.

— Eu não vou até lá, não vou te ajudar!

Ela diz erguendo uma sobrancelha.

— Tudo bem.

Digo olhando em seus olhos e ela trava, queria que eu implorasse.


— Só que tem mais uma coisa que você precisa saber... quando eu fui avisar o cachorro que o
pescoço dele estava a prêmio, eu cheguei lá e o encontrei com visitas. Os pais dele souberam de
sua morte pela Barbara e vieram ficar com ele! Barbara contou para tua sogrinha das trevas que
o bebezão não queria sair da cama! Cheguei lá, fingi que era uma amiga dele, agente, e bati um
papo com o seu Francisco! — ela respira fundo — Isso aqui foi o que eu vi no seu pulso...

Ela mostra a tela do celular e não precisa dizer mais, saio do carro, e começo a andar pra lá e
pra cá até aquela agonia passar. Eu estava em silêncio, em uma bagunça interna.

Estava tudo perdido.

— Você vai dar conta, tá legal?! — Rubi caminhava pra lá e pra cá me seguindo preocupada —
Você é a mais forte, é genial, você dá conta! — ela diz e passa a sussurrar — Fred não precisa
saber nunca, eu não contei e não vou contar! Se fosse outro cara eu teria espancado ele no sofá
mesmo, na frente da mulher e do filho. Teria chamado Fred imediatamente... mas não fiz nada
disso, seu Francisco hoje é outro homem, não precisa morrer. Tudo vai acabar bem!!!

Ela afirma e eu paro olhando em seus olhos. Nem ela acreditava naquilo.

Volto pro carro, desconto minha raiva na porta, e corro para casa do Marcelo.

— E então?! Ela vai ajudar???

Ele pula do sofá assim que me vê. Estava com João no sofá, Nati cozinhava, Matheo parece que
tinha ido resolver algo na rua, e Millena estava com seus pais.

— Não. Esquece Rubi! No momento ela mais me odeia do que me ama! Acabou o cartel, acabou
lealdade, acabou tudo!

Continuo andando pra lá e pra cá como antes, e de nada adianta!

— Eu preciso... eu preciso arriscar, ir até lá e pronto!!! A parte mais difícil será William! Minha mãe
me mataria, mas como ela já sabe, quem vai me matar é William! Ele vai me odiar, mas preciso
arriscar, não tenho tempo...

— Do que você está falando? Jon disse que está no controle de tudo, vigiando os cartéis mais
próximos, as decisões deles... ninguém ainda se moveu.

Marcelo resmunga, e Nati larga as panelas fazendo um barulho exagerado.

— Me dá as chaves do carro!

Ela solta os cabelos, pega a sua bolsa, e pela cara de Marcelo, eu me afasto. Ia começar uma DR
monstra.
— Vai onde?

— Resolver um problema!

— Que problema?

— Me dá as chaves!!!

— Não está vendo o que está acontecendo? Não pode ficar por aí dando bobeira!

— Eu tenho um dom, Marcelo, consigo ser invisível! Anda!!! Me dá as chaves!

Ele trava, mas deixa ela pegar as chaves de seu bolso. Ele parece amedrontado ao vê-la sair, e
quando ela nota, abraça e o beija, e eu viro o rosto. Doía ver aquilo.

— Eu te amo! — ela diz pra ele, ele devolve a declaração, e ela chama minha atenção — Não
saia daqui até eu voltar, por favor! Confia em mim, tá legal? Vou buscar uma ajuda para você! Vou
facilitar tudo, tive uma ideia! Confiem em mim!!!

Ela resmunga para nós dois, eu concordo, e ela sai.

— O que ela vai aprontar, hein?!

Eu pergunto e ele levanta os braços.

— Esse relacionamento de vocês me parece complicado!

Eu falo e ele nega.

— E qual não é?!

— É! Pois é!

Resmungo e só aguardo.

A campainha toca e eu fico tensa, pronta para ir pro quarto.

— Esse entra e sai não é bom para nós! Peça para ninguém mais vir aqui!!!

Eu resmungo, ele concorda, olha no olho mágico e suspira aliviado.

— É só a Millena! Vai lá pro quarto do João!!!

Ele fala e eu sigo, deixo a porta entreaberta e escuto tudo. Marcelo só havia falado de mim para
Nat, diz não conseguir esconder nada dela.

— Oi!!!

— Oi, amor!

— Ai, tô tão cansada, minha mãe suga a minha alma! Acredita que tive que ajudar ela na faxina!
— Millena ri — Tô com saudade! Cadê a chata? Só tá o João aqui?

— Nati precisou sair! Fiquei cuidando dele! Ela estava cuidando das panelas, vê para mim se não
vai queimar algo lá! Sei mexer nisso, não...

— ...Ela terminou, está tudo feito! Vamos aproveitar um pouquinho enquanto ela não me rouba de
você! Vamos pro quarto, preciso de um banho. Vem me ajudar, vem?! Hum?!

— Não, já, já a Nati está de volta, ela só foi comprar algo, acho!

— E daí?! Se ela chegar, ela que fique calada e espere a sua vez!

— Fica quieta!!! Sossega, mulher!!!

— Está me negando fogo, Marcelo??? Estava transando com ela???

— Não é nada disso! Para de ser chata! Te falei o que está acontecendo... Tem como entender?
Não estou no clima!

— VOCÊ não está no clima? Sério???

Respiro fundo, escuto mais meia hora de discussão porque Marcelo não queria comer Millena
comigo lá, e me sinto bem ao pensar um pouco sobre outro assunto. Nati é muito mais legal que
essa garota, ôh, garotinha enjoada. Não entendia como Marcelo ainda estava com ela.

Me sento na pequena cama de João Lucas e reflito. Me perguntava como eu ia chegar em casa do
nada e encarar todos eles. Minha família ia me odiar, assim como Rubi. William então, nem se fala,
ele sim ia me desprezar.

— Psiu!

Marcelo abre a porta minutos depois.

— Nati chegou, mandou eu descer, e você esperar aqui. Fiz Millena ir na frente! Tô indo! — ele me
abraça — Boa sorte! Ela chamou alguém para te ajudar e disse que tinha que ser a sós, então
farei o que a Rubi ia fazer! Vou pro condomínio prepará-los, ok?!
— Ok. Obrigada, primo! Muito obrigada!!! Me liga quando achar que posso ir! Precisa ser hoje, e
precisa ser logo! Sério, obrigada por tudo!!!

— Certo, princesa corajosa! — ele ri — Você é muito foda! Me orgulho muito de ser seu primo! Sou
seu fã número um!!!

Ele me beija, e sai rindo.

Três minutos e meu celular apita, era o Marcelo, mas antes de ler a mensagem vou olhar no olho
mágico, a campainha tocou na mesma hora que o celular vibrou.
Era William. Meu Deus, vou matar a Nat!!!

NÃO ATENDA A PORTA. É O WILLIAM! NÃO ATENDA!!!

O SMS dizia.

— O que eu faço, meu Deus???

Resmungo baixo, sigo pro quarto de Marcelo, e entro em desespero quando ouço ele forçando a
porta, e depois chutando com força e arrombando em uma pesada só.

Dou pequenos passos para trás, e quando ele entra no quarto, seus olhos me encaram de baixo
para cima.

Eu tinha tempo de fazer alguma coisa, talvez apagá-lo antes mesmo dele me ver, mas travei.
William continuava me deixando fraca, frágil, boba... Nat, assim como Seven, fez a coisa certa. Eu
precisava encarar, precisava vê-lo e acabar logo com tudo isso! Se ele não viesse, eu ia estender
aquilo até onde desse, e meu sofrimento duraria mais tempo. Mas que eu estava puta com ela, eu
estava!!!

Ele se aproxima, encosto minhas costas na parede da janela, e ao chegar perto, ele estende a mão
e toca o meio de meus seios com a palma da mão inteira.
Parecia se perguntar se eu estava mesmo viva, se meu coração batia, se Nat era louca, ou se ele
estava louco. Seu toque é tão familiar que eu choro desejando mais.

Sua mão sobe do meu decote pro meu pescoço, consultando delicadamente minha aorta, e depois
para meu rosto. Seu olhar é de puro medo.

— Como isso é possível???

Ele não segura o impulso e me abraça desesperado, mas logo me solta e se afasta.

— Precisei fazer aquilo. Sem me perder, você nunca me perdoaria.


Eu choro e ele ri dando mais um passo para trás, para me olhar nos olhos.

— Tu não cheira mais a morte.

— Me livrei do cheiro quando voltei. Não estou morta, William, não mais!

Eu afirmo e ele fica em silêncio, somente me encara dos pés à cabeça.

— Você está viva? — algumas lágrimas caem de seus olhos, e vê-lo sofrer é o fim para mim, era
tudo o que eu não queria ver — Eu vi você sendo cremada!!!

— Caixão vazio.

— Como teve coragem de fazer isso comigo???

— Me perdoa, William! Me perdoa!!!

— Eu quase morri, eu tentei me matar... — ele ri no meio do choro — Não foi uma visão, não é?!
Você esteve no meu quarto!

— Estive!

— Me deixou pensar que eu estava maluco!

— Eu só queria me despedir! Eu precisava deixar claro que você não tinha culpa de nada e que
eu fui embora porque precisava. Você precisava seguir com tua vida e ser feliz, fiz tudo isso para
que você fosse feliz.

— Cala essa maldita boca! Fez tudo isso por você, fez porque era mais fácil do que me encarar,
me enfrentar! É uma vadia covarde...

William se ajoelha e grita comigo quando tento me aproximar.

— SE AFASTA, SUA MALUCA!!!

— Eu te amo!

Eu digo com toda a sinceridade e ele chora ainda mais.

— Eu sei! Eu também te amo! Te amo mais que minha própria vida! Se você soubesse o que eu vivi
aqui, sem você! Se você soubesse o que eu passei, as coisas que pensei! Eu queria me matar para
poder me encontrar contigo de novo! Minha vida não faz o menor sentido sem você!

— Nem a minha sem você!


— Por que fez isso? Por que fez isso com a gente?

— Você ia me prender, ia me deixar mofar na cadeia! Se eu fugisse nunca deixaria de me


perseguir!!! Tô mentindo???

— NÃO!!! MAS VOCÊ PRECISAVA PAGAR! VOCÊ PRATICOU CRIMES, QUEM PRATICA CRIMES É
CRIMINOSO, E CRIMINOSO NÃO PODE FICAR LIVRE EM SOCIEDADE!!!

Ele fala e eu fico assustada.

— Você ainda pensa assim... você ainda quer me ver presa...!!!

Olho para ele e o vejo se levantar.

— Não!!! Só não sou idiota, sei o que é certo e o que é errado! E o pior disso tudo, apesar de
tudo, é que eu entendi! Eu estava sendo profissional demais, eu estava bravo com você, eu queria
continuar lutando por justiça, mas eu sou um otário! Eu te amo mais do que amo meus princípios! Tá
feliz? Era assim que você me queria? Me tornar um cúmplice, um criminoso também?! Conseguiu!

— VAI PRO INFERNO!!! Eu nunca mais ia pisar aqui só para que você sentisse que tentou e
conseguiu exercer a sua lei, que tentou praticar sua justiça, que tentou me prender!!! Só queria que
minha morte significasse algo para você! Queria que você entendesse que fez o que pôde e o
quão ridículo seria prender minha família, sendo que todos eles são só o que sobraram de mim, eu
precisava protegê-los!!! Eu nunca mais ia pisar aqui para que você pudesse dar continuidade na
sua vida! Nunca quis te fazer cúmplice, nunca quis foder com seus princípios, eu te amei!!! Foi o
primeiro homem que conheci assim, os que conheço são todos assassinos!!! Vai pro inferno, tá?! Vai
embora!!!

Tento chegar até a sala para abrir a porta, mas obviamente ele não deixa.

— Me perdoa! Me perdoa, fica aqui! Eu prendi você, acabei com tua vida, quase fodi com tua
família...

— Sabe melhor do que ninguém que não me deve nada! Você estava fazendo seu trabalho!

— Eu te amo!

Ele fala e sinto um aperto no peito.

— Não é o suficiente para nós, não é?! Sabemos disso!

Tento me desvencilhar de novo e ele fica puto!

— VAI PRA ONDE, PORRA???


— Abrir a porta para você ir embora! Já falamos tudo!!!

— FALAMOS PORRA NENHUMA, SUA COVARDE!!! FALAMOS PORRA NENHUMA!!! EU NEM


COMECEI! TU VAI ME OUVIR, TUA MORTA-VIVA! VAI ME EXPLICAR TUDO O QUE VOCÊ FEZ, COMO
VOCÊ FEZ, E VAI ME PAGAR O QUE DEVE!!! VOCÊ ME DEVE UMA VIDA INTEIRA!!! VOCÊ ME
DEVE UM MÊS DE DESGRAÇA, DEPRESSÃO E MORTE! EU MORRI SEM VOCÊ AQUI, TEM NOÇÃO?
SUA EGOÍSTA DE MERDA! NÃO VOU SAIR DAQUI ATÉ VOCÊ ME DIZER TUDO O QUE EU QUERO
SABER, E ATÉ PAGAR O QUE ME DEVE!!!

William gritava descontrolado e me pressionava contra a parede.

— Tu tá apertando meu braço, quando eu começar a sentir dor, mato você! Me solta, eu não te
devo nada! Se tem algo que eu não fui, é egoísta! Tá doendo!!!

— Quer falar sobre dor? — ele questiona, mas se solta de mim, e sua atitude é pior do que os
apertões — Morta sente dor, por acaso??? Você não tem noção do que é sentir dor!!! Dor é o que
EU senti ao ver você em um caixão! Aquilo é que foi dor, dor ao ponto de não conseguir respirar,
tudo queimava, o ar queimava os meus pulmões, as pessoas que queriam me ajudar faziam tudo
piorar... sua mãe, que é tua cara, seu pai que tem seu jeito até na hora de piscar, sua tia, sua
irmã... você me destruiu! Você me deixou, e isso sim, doeu! Isso doeu!!!

William desabafa, senta na cama de cabeça baixa, e eu começo a ter noção do tamanho do
estrago que eu fiz.
Só suas olheiras já falavam algumas coisas.

— Me perdoa, por favor? Só Deus sabe o que eu senti ao fazer o que eu fiz! Só Deus sabe o
quanto lamentei! O quanto fui infeliz.

Eu o interrompo, toco seus joelhos, e ele nega.

— Perdoo!

— Não ironize! Não estou brincando! Eu sinto muito mesmo!!! Eu sinto muito por tudo, William!

— E eu te perdoo! Sei que só sua morte poderia te livrar do meu caos, da minha sede de
vingança, da minha sede de justiça! Se fingir de morta te salvou de mim! Eu só estou assustado, eu
te vi em um caixão, eu vi os caras atearem fogo no teu caixão, eu morri, Catarina! Morri junto com
você. Você... você estava morta nos meus braços, nunca saberei lidar com isso!!! Nunca!!! Eu falei
pra Rubi, que a única coisa que me deixaria bem e vivo de novo, era você voltar para mim, mas
que eu sabia que esse tipo de milagre não aconteceria, mas aconteceu!
Você voltou! O que quer que eu faça? O que esperava? Mais vingança? Mais morte? Mais raiva?
Prender você novo, depois de tudo o que eu passei? De tudo o que você passou? Eu sou um
babaca, mas não sou burro! Eu te perdoo sim, você é minha vida, você voltou, vamos retomar a
nossa vida! Vai salvar todo mundo porque, pelo pouco que notei, tua família tá perdida sem saber
por onde começar, vai matar todos esses vermes, deixar a gente em segurança, voltar para a
nossa casa, e quando eu digo nossa casa, é o meu apartamento, vai voltar de mala e cuia, vai
viver comigo, casar comigo no papel, e me dar um filho! Imediatamente! Pra ontem!!!

— Você está assustado e emocionado! Não está pensando direito!

Eu falo embasbacada e ele ri.

— É, né!!! Esperava meu desprezo, minha rejeição, sofrimento... — ele ri mais e me puxa do chão
para seu colo — Eu nem acredito que você está aqui, ainda acho que estou louco, mas tudo bem,
eu topo assumir que estou louco! Se eu não tivesse ameaçado sua família e te levado para a
superintendência, nada disso teria acontecido! Você foi bem cruel fazendo aquilo, mas isso não vai
ficar por isso mesmo, vou arrumar um jeito de tu me pagar por aquela cena que me matou!!! Só
que por agora, não quero saber disso, quero só sentir seu cheiro, só quero ficar aqui! Eu te amo
mais do que te odeio, eu te amo mais do que quero te espancar por ter sido tão filha da puta
comigo, te amo mais do que amo a justiça, mais do que amo ser correto... me desculpe! Primeiro
você, depois a justiça, depois o correto.

— Eu não sei nem o que te dizer!!!

Resmungo com seus cabelos lisos no meu queixo. William implorava por carinho. Me abraçou,
encostou sua cabeça no meu peito, e negava tudo o que afirmava. Eu matei meu bebê chorão.

— Quer que eu finja que te odeio?

— Eu mereço ser odiada.

— Você fez o que fez porque precisava, e eu te amo!

— Não devia me amar.

— Cala a boca.

— Me perdoa!

— Perdoo!!! Perdoo!!!

— Tá fácil demais! Bom demais para ser verdade!

Resmungo e ele me olha.

— Mas tu acha que é só isso? Tem uma horda de assassinos pra matar, sua família pra encarar, a
instituição, reconquistar a confiança dos seus irmãos assassinos, que vão te odiar... tu tem muito o
que fazer, não está nada fácil pra você!!!
— É, mas o meu maior desafio era ter seu perdão!

— Então nunca acreditou no amor que a gente sente! Nada foi pior do que vê-la morta. Nunca
mais vou deixar você, nunca mais vou te perder, nunca mais quero te ver daquele jeito, nunca mais
quero te ver em perigo!!!

— Ah! Mas não tem como, você vai ver, e vou precisar da sua ajuda!

— Tu não precisa da minha ajuda, mas eu quero ajudar, óbvio que vou ajudar, será a mãe dos
meus filhos, não vou deixar você morrer, logo agora que acabou de voltar do inferno! Você é
maravilhosa, não sei se felizmente ou infelizmente... vai dar conta!

— Quem disse que eu fui pro inferno?

Pergunto sem um pingo de humor, mas só queria aliviar o clima.

— Tu fez 'a fantasma' vestindo negro e sem asas nenhuma! Tu é meu inferno, esteve lá, aposto!!!

— Estive mesmo! Mas agora saí, agora só quero o céu!!! Senti tanta saudade! Você não imagina o
quão difícil foi, o quão destruída fiquei! Senti saudades do céu!

Eu sorrio sentindo medo e chorando, seco as lágrimas quando ele me olha curioso, e ele parece
chateado.

— Vem cá! Eu te levo pra lá, vem!!! Vamos matar essa nossa saudade, depois você se explica...

— William...

Ele me puxa e consegue ficar em cima de mim.

— Não me quer mais? — ele me olha com medo e tristeza — Você tem outro? Conheceu outro
cara??? É isso???

— Não pira! Fiquei fora algumas semanas.

— Se tivesse mais tempo...

— Eu te amo, nunca ficaria com ninguém, nem se eu tivesse tempo! Eu só quero você, para sempre!
Só estou com medo, não estava preparada, não esperava uma reação assim de você! Tô com
medo!

— Fica quieta! A gente se ama! Eu te perdoei porque te amo muito! Tudo o que eu queria era
voltar no tempo, e mudar tudo, mas agora não preciso, tenho você!!! Faz amor comigo, neném! Faz
amor comigo!!!
William dá pequenos beijos no meu pescoço e fica assim por uma eternidade, uma tortura.
Parecia que a gente tinha todo o tempo do mundo, mas não era bem assim, nossa família estava
em perigo, mas ele parecia ter esquecido. Só queria 'matar a saudade'.

— Que saudade que eu estava desse corpo!

— Estava é?! Me prova!

— Provar como???

— Não sei, você podia...

Eu começo falando, mas seu telefone toca.

— Eu podia...?!

— Atende! Pode ser importante!

— NÃO TEM NADA MAIS IMPORTANTE NA MINHA VIDA QUE VOCÊ!!!

— Seus pais? Aonde estão?

Ele para pra pensar.

— Em casa! O prédio é seguro, coloquei uns amigos da Manuela para ficar de olho na entrada,
está tudo bem... tô com saudade, merda! Esquece tudo!!!

— Atende, William! Vai!

Ele bufa, tira a mão de dentro do meu sutiã, e tira o telefone do bolso. Ao olhar para tela fica
extremamente sem graça.

— Quem é?

— Barbara.

— Atende!

— Não! Não quero!

— Atende e coloca no viva-voz! Tá com medo do que? Vai!!!

Fico estressada e ele obedece por medo de me ver surtar. Aquela mulherzinha nojenta, enjoada,
tinha sempre que foder com a minha vida!
— Fala!!!

Ele atende estressado.

— Will, vem para casa!!! Tem um cara aqui, tem... — ela chora no telefone — Você precisa vir para
cá!!!

— Você está na minha casa? Cadê meus pais? Cadê o Tiago???

Ele pergunta estranhando, mas alguém parece tomar o telefone de sua mão.

— Está todo mundo aqui, doutor, não se preocupe! Você tem uma hora para chegar aqui sozinho, sem
fazer nenhuma gracinha!!! Tenho um milhão de reais para receber pela tua cabecinha ordinária! Tem
dois velhos, a doutora intrometida, e seu irmão drogado! Se chegar aqui à tempo, os encontrarão
vivos!!! Se não... já sabe! Eu mato os quatro e vou atrás de você do mesmo jeito!
ELE SIMPLESMENTE A AMA DO FUNDO DE SEU CORAÇÃO.

— Para e respire! Essa situação precisa do doutor Castro, não do William! Sei que é difícil, mas
você vai tirar de letra!

Catarina me segue até o carro.

Claro que algo ia acontecer, depois de uma notícia como aquela, de que meu grande amor estava
viva, óbvio que alg,o horrível aconteceria.

— Eles estão a mando de quem??? Por que querem me foder???

— Estão a mando da Glenda, não sei mais quem ela é, mas vou descobrir! Já te contei sobre ela,
sobre Diógenes... vou matar a cúpula inteira, vamos nos livrar dessa corja!

Ela diz e eu acredito cem por cento naquilo.

— Pense nisso depois! Entra! — Eu dou a volta no carro, e ela continua parada. — Não vamos nos
separar!

— Preciso das minhas armas, estão no cartel!

— É a nossa casa! Tu não vai sujar nosso tapete com sangue imundo! Vou prendê-lo, não matá-lo!!!

— Mesmo assim, preciso das armas! Ele não espera me ver lá! Vai na frente, vai com calma. Você
ainda tem uma hora! Use esses minutos para pensar com clareza!

— Não vou conseguir pensar direito longe de você... não vou deixar você sumir de novo. Se tu me
deixar...

Eu me aproximo e ela toca meu rosto.


— Eu não vou a lugar nenhum, nunca mais! Vai ter que me aturar para sempre! Apenas fique vivo
para cumprir o que me prometeu, não faça nenhuma bobagem!

— Quando isso acabar, vamos conversar! Você tem muito o que me explicar!

Eu falo, ela concorda, e eu a beijo rapidamente, infelizmente.

— Já tomou a porra do remédio hoje, certo?

Eu pergunto, ela ri, e não espero a resposta.

Meu coração dói forte em deixá-la ali, mas sigo rapidamente para o condomínio. Eu, mais do que
nunca tinha certeza que ela sabia se virar, mas minha família, não. Mas que merda era essa de
conseguirem entrar em um prédio com segurança armada? Câmeras, porta com chave eletrônica?!
Com que pessoas eu estava lidando?

— Coloca sua arma no chão, doutor, e chute ela pra cá!

Sou surpreendido por uns dez caras encapuzados no hall do prédio, nem se via o síndico, faço o
que eles mandam, lamento muito não andar com mais de uma arma, e sou empurrado para dentro
do elevador depois disso.
Eu poderia fazê-los cair ali mesmo, estava com dois caras, um de cada lado, poderia pegar suas
armas e entrar atirando, mas eram meus pais, lá! Tiago, Barbara... eu não poderia arriscar.

Assim que o elevador se abre, vejo mais três caras na porta, todos vestindo preto, e também
encapuzados. Eram uma quadrilha.

Quando entro no apartamento, eles fecham a porta atrás de mim, e posso vê-los.
Estavam os quatro sentados no sofá da sala, e o verme em uma cadeira, do lado deles, de frente
para mim.

Minha mãe chorava baixinho, meu pai se mantinha centrado e a abraçava, e igualmente, Tiago
amparava uma Barbara apavorada e com a boca sangrando. Ela havia apanhado dele.

— Tudo bem, cheguei, o que você quer?

— Boa tarde, doutor Castro! Como vai?

O verme era negro, vestia a mesma farda negra dos outros, — calças, botas, e camiseta — mas
ele não escondia o rosto. Eu nunca mais esqueceria seu rosto.

— Não muito bem, graças à você!

Ele ri.
— Não me leve a mal, sabe como é!? Você anda aprontando, e tá valendo um milhão de reais,
não leve para o lado pessoal!!!

— Eu compreendo! Tô me sentindo importante demais! Tem como deixar minha família sair? Já
estou aqui, nenhum deles precisam passar por isso, pagar pelos meus problemas!

Eu peço e ele ergue os ombros sorrindo.

— Tenho honra, sabe!? Não curto machucar velhos, mulheres, e nem fazer maldade assim, na frente
deles, mas se eu os soltar, eles podem complicar a minha vida... essa vadiazinha aí, já chegou pra
atrapalhar, quase tive que matá-la... não posso arriscar.

— São familiares de policial federal, não vão fazer nada tão estúpido! Deixe eles irem, por favor,
deixe eles no hall pelo menos, não precisam ver isso!!!

Tento manter o controle por causa do problema de pressão da minha mãe, e porque simplesmente
não queria morrer assim, por uma bobagem, não na frente de minha família.

— Ela precisa do remédio! Deixa a gente pegar o remédio, tô pedindo pra ele faz meia hora,
William!

Meu pai resmunga exaltado, e eu olho bem para a minha mãe, ela estava branca, e parecia fraca.

— É só um remédio! Por favor!!!

Dou um passo e o verme aponta a arma pra mim.

— Não se mexe, fica aí! — ele tira um rádio do bolso e chama alguém — Eu joguei a bolsa da
velha no cantinho ali, pega ali, o tal dos comprimidos!

Ele fala para um dos caras que estavam na porta, e ele obedece.

— É o que tem embalagem amarela, por favor!!!

Meu pai fala, e o peão obedece jogando no ar o remédio.

— Veja isso, veja o que somos capazes de fazer pelas mulheres!!! Busca um copo d'água também,
vamos ser gentis!!! — o verme ri, ordena, e o cara faz cara feia, mas acata — E a tua, hein!?
Catarina Coverick. Não sei se você tem sorte ou azar!!! Estava comendo a agente mais perigosa do
país, olha que ironia! Um delegado federal comendo uma criminosa... ouvi boatos de que a
desgraçada morreu de doença, é verdade??? Tanto Peão querendo o pescoço cheiroso dela, e ela
morre logo de doença depois de ser presa por você mesmo???

Ele ri.
— Pois é! Ela partiu meu coração, acho que mereceu!

— Que doença ela tinha?

— Deficiência de ferro crônica.

— E isso mata?

Ele parece descrente e eu tento mostrar credibilidade. Se ele acreditasse nisso, seria melhor. Era
bom Catarina ter um plano e chegar a tempo, porque eu não podia fazer nada naquela situação.

— Sem remédio como estava, mata.

— Que desperdício, tão gostosinha, tão cobiçada...

Ele resmunga, sinto uma fúria, dou um passo à frente e ele ergue uma sobrancelha apontando a
arma para minha cabeça.

— Vou respeitar seu luto, doutor, apenas não se mexa!

— Tá esperando o quê?! Por que não acabar logo com isso?

— Vou acabar, queridão! Tá com pressa?! Ajoelha, aí, então!!!

Ele sorria, parecia se divertir.

— William!!!

Minha mãe geme quando obedeço, e o verme ri.

— Fica quieta, velha! Não me faça explodir seus miolos também!!!

Ele se levanta, se aproxima de mim, e chega a vez de meu pai protestar.

— Na minha época, no Rio, bandido tinha honra! Nunca faria isso na frente de mulheres e
crianças!!!

Ele fala acarinhando os cabelos de minha mãe, e o verme ri revirando os olhos.

— Fala sério! Feche os olhos!!!

— Deixa ele em paz, seu nojento!!!

Barbara grita quando ele volta a se aproximar de mim, eu só precisava que ele chegasse mais
perto! Só um pouco mais perto... mas antes de pensar melhor no meu plano de derrubá-lo, e
acabar com os caras do lado de fora, um cara entra na sala servindo de apoio, e meus planos
vão para os ares. Parecia que ele tinha lido meus pensamentos. Sem chances para mim.
Definitivamente.

— Acho melhor você parar de gritar, senão, além de te dar outro murro, vou te levar embora, vai
ser minha prisioneira particular, então cala a boca, sua desgraçada intrometida! Nem era para
você estar aqui, assim você aprende!!!

O verme fica estressado e volta a me olhar nos olhos.

— Por favor, tira eles daqui! Eu vim sozinho como mandou, cooperei, tira minha família daqui! Não
precisa ser assim!

— Eles vão superar!

— Não tem família, não?!

— Cala a boca! Tu é chato, hein, doutor?! Vai me desculpar, mas tu vai morrer, a não ser... — ele
volta a andar pra lá e pra cá — Que tenha uns três milhões para uma contraproposta...!? Esqueço
os um milhão, e te deixo vivo pra se defender do próximo cartel que te encontrar!

Ele queria me intimidar, mas estava com a proposta na cabeça desde o início!
Eu nunca conseguiria um dinheiro como aquele.

— Eu não tenho! Infelizmente não tenho!!!

— O Tay tem, Will! — Tiago me olha afirmando e depois encara o verme — Eu sei como
conseguir, cara!!!

Meu irmão fala pela primeira vez e perde a oportunidade de ficar calado.
Primeiro, nunca que eu ia me humilhar pra bandido, segundo, nunca que eu ia pedir dinheiro pro
babaca do pai dela. Mesmo porque, ele poderia até pagar aqueles milhões pro verme me
apagar, e ainda daria um bônus a mais por isso.

— E aí? — ele me encara sorrindo — Quer ficar vivo??? Vai seguir o conselho do teu
irmãozinho???

— Nunca!

Eu falo com raiva e ele fica puto.

— Então quais serão suas últimas palavras???


Ele encosta o cano da arma na minha cabeça. E meu maxilar dói de tanto eu forçar. Filho da puta
desgraçado!!! Isso era jeito de me eliminar? Amadores...

— É a minha mãe, por favor!!! É a minha mãe!!!

Eu perco as esperanças e imploro. Eu não podia fazer nada. Se eu o desarmasse, o verme


submisso que estava ao meu lado, ia atirar para tudo quanto é lado, e poderia pegar em alguém,
eu não podia arriscar. Não podia!

— Vou fazer essa, em nome da minha!!! — ele resmunga irritado demais e pega o rádio de novo
— Cal, entra aqui! Vem tirar a velha daqui!

Ele chama me olhando nos olhos e eu não consigo evitar respirar aliviado, minha mãe não
precisava ver aquilo.
Olho para meu pai, ele balança a cabeça em apoio, e diz me amar só com o olhar.
Eu queria dizer que sinto muito, mas não podia fazer isso, e eu não ia dar o gostinho para aquele
nojento de uma figa. Se ele ia "estourar meus miolos", meu último olhar para ele seria de desprezo!

Barbara só chorava, chorava e me olhava com amor e tristeza. Ignoro. Lamento por isso, e finjo
que não vejo.

— Cal, responde, porra!!! — ele chama no rádio de novo, faz um sinal pro cara ao meu lado, e ele
segue até a porta — Trouxe alguém? O QUE ESTÁ ACONTECENDO???

— Eu entrei sozinho, seus homens viram, só tem a entrada principal aqui! Eles viram, eu vim
sozinho!!! Não ia brincar com a vida da minha família!!!

Eu falo a 'verdade' e ele acredita.

— O corredor está vazio, senhor!!!

O cara resmunga depois de olhar pelo olho-mágico, e os dois entram em pânico. O capacho
ameaça abrir a porta, mas o verme não deixa.

— Não sai, fica aqui!!! — ele ordena e me olha — Se não me contar o que está acontecendo, vou
metralhar tua família inteira!!! ANDA, FALA!!!

Ele engatilha a arma, grita, e antes de dizer que eu não sabia de nada, aquela voz adentra o
recinto.

— Eu, se fosse você, não faria nada disso.

Catarina entra na sala, pelo corredor do quarto, imediatamente atira no peito do comparsa, sem
dar tempo a ele, e se aproxima. Parecia um fantasma mesmo. Provavelmente aquele cartel não era
tão bom quanto o dela, nem pensaram que alguém podia entrar pelas escadas externas de
emergência.

— Seus amigos estão mortos, abaixa a arma e se ajoelha!

Ela fala, o verme trava, vejo minha família ficar espantada ao vê-la ali, e não sei o que sentir.

— Catarina...

Ele resmunga, obedece tremendo de medo de morrer e ela se aproxima colocando a arma em sua
testa.

— Ele já soltou a arma. Eu vou prendê-lo, se afasta!

Eu me levanto devagar, peço e ela parece em transe.

— Amor! Está tudo bem, estamos bem! Me dá sua arma, aqui! Me dá...

— Ele ameaçou você, fez você se ajoelhar!!!

Ela fala ainda olhando para ele com sangue nos olhos.

— Tudo bem, eu não ligo! Se eu não fizesse isso, ele ia atirar na minha família, está tudo bem por
mim! Vou deixar ele apodrecer na cadeia.

— Ele vai sair rápido demais! Vai sair, e querer se vingar!

— Te garanto que não! Te prometo que não! Cat, me dá!

Toco sua mão com cuidado e ela nega.

— Não.

— Eu te amo! Não me faça fazer parte disso, não quero te ver fazendo isso!

Eu imploro, porque realmente não queria ver aquilo, não podia ver aquilo. Eu a amava, mas estava
apavorado, eu não havia nascido para machucar ninguém, não daquele jeito.

— Melhor assim.

Ela diz aliviada, faz a arma girar no dedo indicador, me deixa pegar e depois sorri pra mim.
Parecia estar feliz por eu não apoiá-la em acabar com a vida do verme. Era um teste ridículo.

— Isso é por ameaçar minha família!


Eu resmungo, dou-lhe um soco na face e com uma coronhada, o faço dormir.

— Meu Deus... eu vim assim que pude. Tem... tem uma montanha de vermes machucados na escada
de emergência!!! CATARINA???

Manuela entra armada e se assusta.

— Eles vão sobreviver! Foram só alguns machucadinhos.

Catarina resmunga para se explicar e eu me sinto melhor.

Corro até minha mãe, abraço todos eles, e evito chorar de agonia na frente de todos.

— Você está viva!

Barbara se levanta, e fica ela e Manuela olhando pra ela, como se Catarina fosse um E.T.
Peço para Manuela levar o desgraçado para a delegacia, Catarina diz que vai cuidar dos que
estão na escada e que era para deixá-los lá, e ela sai com ele algemado.

— Estou! Quer ver?!

Catarina volta sua atenção para Barbara, dá um passo a frente, e Barbara se afasta assustada,
fazendo a loira sorrir achando aquilo engraçado.

— Tem noção do que sua mentira causou??? Do quão inconsequente você foi???

— Barbara, cala a boca!!!

Eu evito gritar de raiva, e ambas me ignoram.

— Tenho. Tenho uma noção! Mas será que VOCÊ tem noção do que o meu retorno significa???

— Não. O quê?

Barbara é irônica, mas tem medo da resposta.

— Significa que você vai ter que andar na linha, e o limite é bem longe das nossas vidas!!!

— Você nunca vai conseguir me afastar dele.

— Eu te prometo que vou!

Catarina afirma com convicção e eu sinto medo por Barbara.


— Você não me parece mais assustada! Fica no seu canto!

Falo pra ela e ela lamenta. Apostava que queria me abraçar, mas logo me afastei.

— E o senhor?! Como o senhor está?

Catarina ignora a presença de Barbara, se ajoelha na frente do meu pai e ele tenta sorrir.

— Eu estava bem, mas agora que tô vendo um fantasma, tô um pouco bolado!

Ela sorri pra ele.

— É muito importante para mim que o senhor me perdoe por essa mentira!!! Eu espero que um dia
eu consiga te explicar tudo! Eu gosto muito do senhor, e amo seu filho!

Ela fala com os olhos brilhando e úmidos, e meu pai toca sua face.

— Você salvou a vida dele, salvou a vida dos meus filhos, da minha esposa... eu sei que ele ia nos
matar, conheço essa gente!!! Eu te devo a minha vida, e abençoo esse relacionamento! Meu filho
ama você, e eu agradeço à Deus por essa mentira. Agora eu sei que ele será feliz! Eu espero que
um dia a gente tenha tempo de sentar, conversar, e eu quero te ouvir!!! Minha nora...

Eles se abraçam e eu não posso deixar de sorrir.

— Só que agora, precisamos conversar sobre isso! — Catarina pega o pulso esquerdo de meu
pai, e toca sua tatuagem — Eu preciso que o senhor me faça um favor!

Meu pai não entende muito bem, — nem eu — mas obviamente aceita de prontidão. Ele confiava
nela, e eu também confiava nela!

Ela se levanta, eu beijo a testa da minha mãe, que ainda continuava calada e com os olhos
fechados, deitada no ombro de meu pai, e eu me levanto ao seu lado.

— O que foi?!

Pergunto, ela resmunga ‘depois’, digitando em seu celular.

— Marcelo, Oi! Pode falar??? Os planos mudaram por enquanto! Preciso de um favor, e é urgente,
pra já! Venha até o apartamento do William! Sim... traga material para gesso, ou aquela tala de
tecido, sei lá! Precisamos engessar um braço! Não... está tudo bem! Preciso esconder uma tatuagem!
Aqui você vai entender, é importante que você venha pra cá, e se encarregue de que não traga
ninguém da família! Certo! Já falou com eles??? Ah! Que bom, então eu tenho um tempo! Vem pra
cá, traga tudo para fazer o procedimento aqui! Obrigada, primo, até já!
— Que papo é esse???

Eu pergunto e ela segue até a cozinha.

Me aproximo dela, ela encosta na pia, e puxa minha camiseta para ganhar um abraço meu.

— Eu nunca tive tanto medo na minha vida! Tive medo de te perder...

Ela mia como um gato escondendo o rosto na minha blusa e além de um abraço, ganha um beijo.

— Eu sabia que você chegaria para me salvar! — dou risada — Não tive medo!

— Dizem que passou quase um mês de cama, e está tão forte! Você malhou?

Ela questiona com as palmas da mão no meu peito.

— Estou do mesmo jeito de antes!

— Ficou em casa enquanto estive fora, não é?! — ela sorri — Gosta deles, não gosta?

— Gosto!

Sorrio de volta e ela enterra o rosto no meu peito de novo.

— Não vai falar o que há de errado com a tatuagem do meu pai?

— Vou conversar com ele primeiro! E aí, eu te chamo e vocês se entendem!

— Tudo bem! Vou ver se consigo limpar sua sujeira!

— Agradeça que é sujeira viva, e não um monte de presunto! Não os matei por você! Não os tire
de lá, por favor! Faça um vídeo para mim! Faça e me mande no celular!!!

Ela pede e eu não entendo.

— O quê???

— Faça um vídeo deles! Filme-os! Seus rostos, seus ferimentos, eu os arrastei para as escadas...
antes de levá-los, faça um vídeo pra mim! Depois você vai entender.

— Tu vai apavorar os outros cartéis com vídeos sangrentos?!

Dou risada, mas ela não!


— NÃO!

— William!

Ela chama porque eu já pretendia sair de perto dela.

— NÃO! Eu já disse, apoio que tu mate um por um que ameaçar a nossa família, contanto que eu
não veja você fazendo isso, e nem participe, e principalmente, não quero que você eleve o nível da
desgraça toda! Tu tem direito de se defender, obrigação de proteger os seus, mas não vou deixar
você piorar as coisas. Isso pode amedrontar sim, mas pode ser um estalo, o início de um caos sem
precedentes! Esses caras têm parentes, têm esposas, devem ter parceiros no crime, obviamente,
você vai amedrontar, mas vai aumentar a lista de inimigos! Não vou deixar você fazer isso!

— Vou fazer com ou sem sua ajuda, mas queria você do meu lado! Vou matar todos eles, vou
acabar com os cartéis, vou massacrar essa corja, mas serei mais rápida e eficiente se tiver um
suporte, seria fantástico ter um federal com seu cérebro ao meu lado.

Ela fala e eu não consigo conter a vontade de rir.

— Você não precisa de mim.

— Não preciso, mas quero você! Quero você, seu distintivo, seu acesso irrestrito a armas, sua
cabeça pensante que é ótimo em táticas de combate, e sua confiança! — ela fala e se aproxima
de mim com cuidado — Estarei sozinha nessa, me sinto sozinha desde que cheguei, eu preciso de
você.

— Sua família e seu cartel vão te perdoar, vão entender, Catarina!

— Eu sei! Eles vão! Mas já tenho planos, e os meus planos incluem o melhor, depois de mim, óbvio,
— ela ri — você!

— Não.

— Por favor...

Tento me afastar de novo, mas sua voz e sua carinha pidona me impede. Ela implora baixinho, cola
seu corpo no meu, envolve meu pescoço com seus braços, e seu cheiro é como feitiço. Que saudade
que eu estava daquele cheiro.

— Por favor, amor...

— Tudo bem. — respondo após respirar fundo — Vou te apoiar. Com uma condição!

— Não pode me cobrar uma gravidez quando meu pescoço vale mais de seis milhões de reais.
— Eu quero uma vida ao teu lado e terei, nosso filho nunca será condição para nada, você me
deve isso faz tempo, e vai pagar porque também quer e quer me fazer feliz.

— Você sempre fala 'nosso filho', como se ele já existisse!

— No meu coração eu até já o amo! Só que eu preciso da mãe dele viva para que ele nasça! Vou
te ajudar contanto que eu concorde com tudo, e participe dos planos! Se eu achar que algo é
arriscado demais, vou dizer não, e você vai acatar. É pegar ou largar!

— O vídeo...?!

— Faço o vídeo, mas você não vai aparecer! Faço o verme calar a boca e mofar na cadeia, e
espalhamos a notícia de que você realmente morreu!!!

Eu falo e ela dá risada.

— Você sempre dá voltas e sempre acaba tentando me proteger! Sempre zelando por minha
segurança!!! Aonde você estava que não te conheci com uns dezessete anos?!

Ela ri se divertindo.

— Estava te esperando! — seu riso some — Eu sei que tu não precisa de mim pra nada, mas
sempre vou te proteger!

— Talvez se eu tivesse te conhecido, minha vida seria outra!

— Temos tempo.

— Agora é tarde! Você ama uma assassina!

— Eu amo uma mulher incrível! E que é tudo o que eu preciso! E tenho sorte porque é a mais
temida do país! Faz marmanjo tremer na base!!! — beijo sua boca — Mas comigo é um amorzinho
toda dengosa! Adora um chamego, e vive me salvando nas horas vagas!!! Doida em mim!!!

— Meu vídeo...

Ela me empurra vermelha como um pimentão e eu saio de lá para filmar sua carnificina.

Tinha bandido sentado, chorando, miando, estendido, jogado, tudo sofrendo com as dores, e sem
conseguir nem correr, mas como ela garantiu: Longe de perigo. Faço o vídeo sobe protestos e
"caras feias", noto quando paramédicos chegam, creio eu a mando de Manuela, confirmo com ela
para evitar a fadiga, e espero. Manuela estava com o síndico lá em baixo e mais alguns policiais.

Quando saio pro corredor vejo minha mãe passando pra cozinha, e eu a sigo em silêncio.
Catarina estava no telefone falando com alguém, mas por educação se despede, desliga, e encara
minha mãe com curiosidade.

— Agradeço por ter salvo o dia...

— De nada.

Catarina é direta. Não trata minha como trata meu pai, e é compreensível.

— ...mas ainda te quero longe do meu filho.

— Eu sei.

— E eu sei que no fundo você sabe que o melhor para ele é Barbara! Ela é uma advogada, é
moça digna, decente e direita! Sei que a gente não manda no coração, eu entendo! Vai por mim!
Mas se realmente ama meu Will, deixe ele em paz! Saia da vida dele, não o prejudique mais!
Barbara me contou do estado em...

— Mãe! Deixa Catarina em paz!

Eu entro na hora, desisto de ouvir! Não ia deixar ela magoar Catarina a troco de nada. Ela não
tinha o direito de se meter.

— Deixa ela falar!

Cat resmunga, Barbara e Tiago entram na cozinha e também assistem.

— Como eu dizia, Barbara me contou o estado em que você o deixou, tudo o que sua família fez.
Vocês desgraçaram as nossas vidas, minha irmã morreu de desgosto! Você tem irmã, menina?! Tem
noção do quão mal você nos causou? Eu não queria antes, agora quero menos ainda, eu nunca vou
apoiar esse relacionamento! Eu nunca vou te aceitar!!! Barbara é e continuará sendo minha única,
primeira e última nora!

— Você não estava morrendo de pressão alta, Maggie?! Arrumou forças para vir destilar veneno
na menina! — meu pai entra na cozinha e se intromete — Não entendeu que os dois não eram
nascidos na época??? Seu filho é um marmanjo que vive esquecendo de fazer a barba, toma conta
da tua própria vida! Se continuar falando merda faço tu ir morar com a sua amada Barbara!
Mulher sem noção! Acho melhor tu não falar mais nada! — ele se aproxima delas e minha mãe o
encara de cabeça erguida, e com desgosto — Você é minha nora! Minha nora favorita!!! Já disse
que tem minha benção! Eu já te considero uma filha, e quero conhecer seu avô e seu pai, toda sua
família! Meu irmão era um porco, sua morte foi um favor!!!

Meu pai desabafa e me encara. Fico como? Estarrecido!!!


— Carlos passou a juventude e vida adulta não só prejudicando todas as pessoas que ele tinha
inveja! Ele era sórdido, sujo, e pelo laudo pericial, teve o que mereceu! Agora estou mais aliviado
porque já faziam anos que eu queria falar isso pra você e pro mundo! Sua tia acabou com teu
primo, e sua mãe sabia disso! Desde pequeno, o mantra dela para ele ir dormir, era "você vai
crescer, ficar forte, e matar toda aquela família", isso já com nove, dez anos! Era uma louca!!!
Agradeço à Deus por ele ter partido dessa para melhor, senão seria mais um maníaco à solta,
como o pai! Não era culpa dele, cresceu sobe os cuidados de uma família desequilibrada, mas
também achou o que procurou!

Ele me fala, fico sem ter o que dizer, e depois volta a falar com sua "nora favorita".

— Precisamos conversar, você disse?! — ela afirma sem graça — Vamos lá! — meu pai a puxa
com delicadeza pelo braço — Vamos fugir dessa força negativa!!!

Os dois saem da cozinha, minha mãe e Barbara se retiram antes de ouvir poucas de mim, e Tiago
bufa parecendo cansado.

— Cara! Ela tá viva!!! Como você se sente??? Eu tô um pouco assustado!!!

— Só olha pra mim e responde! Eu estava melhor antes? Será que eu deveria lamentar alguma
coisa?

— Não!!! — ele toca meu ombro — Ninguém merece passar pelo o que você passou! Só que, sei
lá! É estranho! Ela tá estranha! Notou que nem falou comigo? O coração dela tá batendo, né?! O
que rolou, hein?! Meu Deus! A gente viu ela ser cremada, brother! Sem contar o caos que chegou
junto com ela, né?! Vamos ficar se escondendo...?!

— Ela não tem nada a ver com isso! E para de falar asneira! Ela fez o que fez para fugir da
minha loucura! Eu ia fazer ela envelhecer na cadeia! Se ela quiser te explicar isso, um dia, bem!
Senão, amém! Ou você está do nosso lado, ou não está! A mãe e a Barbara já terão o meu
desprezo, quem acusá-la, criticá-la, ou tentar magoá-la na minha frente, vai levar!!!

Eu falo e saio, nem espero pra ver qual vai ser! Desço pra falar com Manuela, resolvo meu retorno
para a superintendência, e me sinto muito bem em retomar minha vida. Estava tudo no seu devido
lugar, eu continuava recebendo ameaça de vida desde que cheguei, a única diferença é que
agora, eu sabia meu preço, ela continua lidando com o crime da maneira mais sexy que conseguia,
e a parte mais importante, nós estávamos juntos, sem segredos, sem mentiras, e com planos pro
futuro. Se alguém tentasse tirar isso de mim, ia se ver comigo.

— Cadê elas?

Pergunto para Tiago assim que volto.

— Conversando no meu quarto! Aposto que planejando uma morte lenta e dolorosa para a
Helena.

— Catarina...

Eu o corrijo e ele ri. Bananão!

— Você pode entrar!!!

Ela sai do meu quarto, deixa meu pai lá, e se senta ao lado de Tiago, que a encara com receio.

— Você está bem?

— Estou ótima!

Ela mente e desvia o olhar. Para ela aquele assunto acabava ali.

— Mesmo assim peço desculpas! Eu te amo, e como meu pai disse, já sou bem velho. Minha mãe
não vai mais dar pitaco sobre nossa vida! Muito menos Barbara!

— Não prometa o que você não pode cumprir.

Ela fala sem me olhar nos olhos, e quando decide chamar a atenção de Tiago por tantos olhares
tortos para ela, eu decido ir ver meu pai.

O mesmo estava sentado em minha cama com as costas curvadas em derrota, e eu sabia que tinha
muito o que falar, e ele falou!

Ele era a encomenda pessoal que Fred procura durante anos.


E minha opinião, após ficar mais uma vez estarrecido com meu pai, era: de maneira nenhuma Fred
o machucaria, nem por cima do meu cadáver!
Mas, meu pai havia matado uma mulher por dinheiro, e isso não ia ser fácil de engolir. Nunca.
Ele não era mais 'meu herói', ele também estava impregnado de crimes nas costas.
Cada hora eu "descobria" que pouco podia falar da família dela, pois a minha, de santa não tinha
nada.

— Cheguei!

Marcelo entra de supetão e Cat o recebe com um abraço, que me deixa pilhado. Pra que
abraçar? Não tinha visto o cara hoje?

— Ele está no quarto! Vamos lá!

Ela o ajuda com suas duas pequenas malas só por educação e eu os sigo.
— Seu Francisco! Ele chegou! Vamos fazer o que a gente combinou! E quando a poeira baixar,
vamos retirar essa tatuagem às pressas!

Ela se senta ao seu lado e ele sorri com seus olhos inchados. Havia chorado ao conversar com ela,
e depois comigo. Estava arrependido e triste por ter que remexer no passado, mas só colhia o que
plantara. Eu amava meu pai, mas... eu nunca ia aceitar aquilo.
Só que também, apesar dos pesares, era muito bonito ver o carinho com que ela o tratava,
Catarina o adorava! Barbara nunca suportou meu pai, e meu pai nunca a tratou de modo tão
especial como tratava Catarina.

— Eu conversei com seu pai, e decidi que eles vão para uma temporada em Bagé, no hotel-
fazenda dele! Farei com que Jon mude os seus nomes, se hospedem como "clientes", e obviamente,
os deixarei com alguém de confiança! Lá é lindo! Vão curtir e descansar!!!

Ela me comunica e dou de ombros.

— Fico grato! Um bom plano! — Sou irônico, mas ela parece não ligar. — O 'eles', implicam em
quem?

Só pergunto e Marcelo, que retirava seus equipamentos da mala, nos encara com curiosidade.

— Seu pai, sua mãe, seu irmão, e obviamente, sua ex-pegajosa!!!

Meu pai e Marcelo gargalham, e eu a meço dos pés à cabeça.

— Que sorte, hein prima! Nem toda atual tem um hotel-fazenda no extremo sul do país para
mandar a sogra e a ex para descansar!!!

Marcelo zomba e ela concorda sem sorrir.

— E ainda ficarão no sobrado mais luxuoso e caro. Sou uma atual generosa demais! Né não, seu
Francisco?!

Ela fala com meu pai me olhando nos olhos, e os dois dão boas risadas de novo.

— É sim, nora favorita! É muito generosa! — ele ri — Mas eu quero que fique claro que eu só tô
indo junto, porque se faz muito necessário! E não porque quer se livrar de mim!!!

— Jamais! Só está indo porque eu quero proteger o senhor!!! Gosto dos meus amigos perto, mas
dos meus inimigos mais perto ainda! Se eu tivesse outra opção, as manteria bem perto! Assim que
nos livrarmos dessa tatuagem, o trarei de volta, e o senhor vai poder retomar sua vida!

— Vixi! E se eu gostar da mordomia do hotel com sobrado luxuoso???


— Então vai ficar! Meu sogro favorito pode tudo!!!

Ela diz, os três se divertem, e eu finjo estresse para não dar o braço à torcer. Não gostava de sua
forma de planejar a vida da minha família sem mim, e nem do seu jeito irônico. Já estava louco
para encher ela de tapas, e ela sabia disso.

(...)

— Quando você ligou, eu esperava que todos chegassem, então, tive que sair... não pude falar!
Agora vou falar, e então, quando eu te der o toque, você entra!!!

Marcelo resmunga no carro estacionado em frente a mansão e eu nego.

— Deixa eu fazer isso...

Peço olhando para os dois, e Marcelo dá de ombros, ela para pra pensar.

— Por que quer fazer isso?

— Sou o mais indicado pra mostrar que seu retorno do mundo dos mortos, é bem-vindo, e teve
justificativa. Notarão que estou vivo de novo, sei que poderão ver isso em meus olhos. Vamos
comemorar por sua vida, precisamos comemorar seu retorno, não te destratar.

Eu falo e ela concorda olhando pra frente.

— Por que me perdoou?

Ela questiona e eu não entendo! Já falei o porquê...

— Eu já disse, porque te amo! Achei que tinha perdido você pra sempre, mas agora está aqui! Eu
te amo, sou louco por você, não posso ficar bravo, não posso te destratar, você é meu amor, é
minha vida! Tenho é que te pedir perdão!!! Por que está perguntando isso de novo???

— Só para ter certeza!

— Pare de pensar que está bom demais para ser verdade! Já falei que está em dívida comigo! —
beijo sua testa e ela concorda, mas ainda parecia confusa e desconfiada — Mais tarde, depois
que resolvermos o tema 'família', vamos conversar antes de ir dormir. Vou conseguir fazer com que
me entenda, e acredite que eu realmente te desculpei! Não tem mistério! No fundo eu acho que foi
fácil aceitar porque meu coração sabia que você estava viva! Eu não estaria aqui para contar
história se você realmente tivesse morrido! Aquela cigana que recebeu essa tal de profecia maluca,
me disse em sonho, que eu ia conhecer a mulher da minha vida, e que eu ia ser muito feliz!
Seríamos ligados por um só coração, e enquanto um batesse, o outro continuaria batendo! Me
lembrei desse sonho, e de muitos outros na noite em que você fez a fantasma das trevas! — ela
sorri — Fica de olho no telefone, Manuela está com eles, e vai ligar! Vamos acabar logo com isso!
Eu te amo e quando eu te buscar, vamos entrar de mãos dadas naquela casa, e assim
permanecerei, ao seu lado, de mãos dadas contigo, até o fim de nossos dias!!!

Eu falo e saio do carro. Estava com pressa. Eu precisava acabar logo com aquilo, libertá-la disso,
vê-la feliz novamente com sua família ao seu lado, e arrastá-la para um quarto, pra tomar um
banho, transar até ficar desidratado cantando o mantra da fertilidade, e dormir de conchinha.

Entro na sala e dou de cara com a família inteira.

— Meu Deus!

O branquelo resmunga ao me ver e eu evito rir. A filha da puta precisava ser filha dele?! Não
precisava.

— É bom te ver também, sogrão!

Eu falo e ele sente uma dor sem tamanho. Eu sabia, porque pra mim era da mesma forma. Falar
dela doía!

— Estávamos esperando Marcelo! Deveria ser uma reunião de FAMÍLIA!!!

— Então... eu cheguei! É uma reunião de família, portanto chegou a hora de você dar o fora! Que
tal?!

— Não me provoque!

Ele só diz, e eu sorrio.

— Você quem começou! Vai me deixar falar, ou não? Ótimo, muito obrigado! Pode parecer que
não, mas é uma situação muito simples. — minto e me faço de tranquilo para passar segurança —
Catarina está viva.

Eu falo de uma vez e o furdunço se inicia, um aglomerado de burburinhos viram gritos, mãos
seguram um sogrão possesso, outros choram, outros ficam em estado de choque, uns gritam
algumas ofensas para com a minha mãe, e eu só espero.

— O QUE QUE É?! ELE PASSOU DO LIMITE, ELLEN! PASSOU DE TODOS OS LIMITES! VOU MATAR
ESSE FILHA DA PUTA! VAI BRINCAR ASSIM COM A MÃE DELE! COM A MEMÓRIA DA MINHA FILHA,
NÃO VAI NÃO!

— ISSO É UMA AFRONTA!

— SÓ PODE SER BRINCADEIRA!


— BABACA, DESGRAÇADO!

— NÃO SE BRINCA COM ESSAS COISAS, RAPAZ!

— ELE ESTÁ LOUCO, TAY! SÓ PODE!!!

No meio dos gritos exaltados escuto pedaços de frases aleatórias, e espero ansioso. Mais um
pouco e eu sairia dali linchado. Que dó da minha neném!

Ao pensar nela, me sinto triste e escuto passos atrás de mim. Já preparava meu sermão para ela
porque era para esperar os ânimos se acalmarem, mas não era ela, graças à Deus! Era uma Rubi
com sua maquiagem forte e feminina, vestido preto de veludo até o meio das coxas, com um
decote propositalmente elaborado para atrair olhares, e os cabelos lisos até abaixo dos seios,
emoldurando o belo rosto.

Quando ela chega o silêncio reina imediatamente.

— Agora você pode falar, William!

Ela resmunga encarando um a um, se coloca do meu lado, e não evito sorrir. Ela estava do lado da
irmã, e com ela ali, seria mais fácil.

— Catarina sabia que eu a manteria presa até ela fazer uns sessenta anos, porque era isso que
ela ia pegar, porque ela merecia, e porque eu estava magoado, achava que ela tinha me
enganado e não me amava. Só tinha me usado para conseguir informações! Se ela fugisse eu iria
atrás, depois de prendê-la, e neutralizá-la, eu ia prender Tay, Laura, e Jonatas, e judicialmente
prejudicar cada ser que provavelmente, foi cúmplice dos vários crimes da família! Incluindo Larissa.
Eu ia foder com a vida de todos. Então, apesar de ser difícil afirmar, sei que se ela não tivesse ido
tão longe, nenhum de vocês estariam bem, agora!

Eu falo e Tay se levanta.

— Que merda é essa que você está falando, seu moleque!?!?!

— Ela está viva.

Repito, ouço mais burburinhos, e após uma ordem de Rubi, todos se calam novamente.

— Ela está triste, com medo, e com saudades! Vim na frente para ter a certeza de como será
tratada, ela limpou a barra de todos, então, eu acho que merece um voto de confiança! Ela ama
vocês. Precisou fazer isso, e foi corajosa.

— Tá de brincadeira...
— É verdade!

Ellen resmunga e seu marido a encara em pânico.


Ela levanta e entrega a ele um papel.

— Era isso que eu estava lendo naquela noite. Cat precisou fazer isso, vida! Deixa ela se explicar
e se sentir amada! Graças à Deus nossa filha tá viva.

— Me dá isso!!!

Jon resmunga puxando o papel da mão dele quando ele termina, e Fred, Miguel, Yan, e Laura se
aproximam pra ler em conjunto. Ninguém acreditava naquilo!

— Ela precisa de você, da sua compreensão, e do seu amor! Tenho certeza que se ela tiver isso,
pelo menos de você, será menos doloroso!

Eu falo com sinceridade olhando pro verme, e ele chora entrando em um desespero silencioso. Só
acreditou lendo a carta.

— Vá chamá-la, é a hora!

Rubi resmunga no meu ouvido e eu caminho até o carro.

— O que me espera?

Ela sai do carro assim que eu piso na calçada. Estava assustada...

— Caos, gritaria e ofensas! Mas você vai tirar de letra!

— Como ele está?

— Em pânico!

— Ele nunca vai me perdoar!

Ela abaixa a cabeça, respira, e antes que eu possa tentar dar uma força de alguma maneira, ela
sai andando na frente.
Sorrio junto com Marcelo, que tinha a melhor cara de orgulho, e caminhamos juntos, ao seu encalço.

Catarina era a mulher mais corajosa que eu conhecia, inspiradora.

Quando ela adentra o recinto, tudo permanece em silêncio. Rubi estava em transe e controlava os
ânimos, fazendo o melhor que podia!
Éramos três, contra um mundo de familiares na sala, com o horror estampado na face. Esperava eu
que fosse provisoriamente.

— Meu Deus!!! — Ellen corre e abraça a filha — Que saudade!!! Nunca mais faça isso de novo!
Nunca mais, ou ficará de castigo! Minha menina corajosa!

As duas choravam baixinho, e quando Ellen resolveu se soltar dela, Fred a agarrou na mesma
hora, chorando também, como um marica. Depois seu pai Yan, Laura, sua tia gêmea, Miguel, Hella,
Max, Nina, Rafa, Gabi e Gustavo, Davi, Mariah tanto lutou, mas correu para a irmã, Giulia fez o
mesmo, Matheo e a louca da Nat, com João no colo, e Millena também. Mas Tay, Jon, e Dom,
permaneceram no mesmo lugar. As pessoas que ela mais queria apoio, não se manifestaram, e
achava eu, que eram as pessoas que mais a amavam. Vai entender...

— Eu sei que é difícil de entender, é muito complicado, mas eu posso tentar explicar! Eu não
queria...

— Não queria o quê?

Tay começa e Ellen o encara com raiva.

— É nossa filha! Nossa filha está viva! Não é hora de criar caso!

— Cala essa boca!

Ele grita, e eu encaro Dom e Jon inconscientemente. Os dois tinham a mesma feição. Decepção e
horror.

— Eu sabia que se ele acreditasse que eu estava morta, ele não tentaria prender mais ninguém!!!

— Eu preferia ir preso!

Jon responde e ela nega.

— Duvido!

Eu falo e ele me fulmina.

— Foram os russos que te ajudaram nesse plano macabro, não é?! Era para isso que eles vieram!

Tay não faz nenhuma pergunta, mas ela responde mesmo assim.

— Sim, me ajudaram! Vocês não podiam saber de nada, porque se William enxergasse qualquer
brecha, estaria tudo arruinado.
— E sua mãe foi a escolhida para saber de tudo. A mais discreta de todos!?

Jon resmunga rindo, mas puto.

— Eu tinha que deixar ela saber! É minha mãe! Vocês tinham que sofrer, eu sinto muito! Eu não
encontrei nenhuma alternativa mais efetiva!

— Devia ter, todos nós a ajudaríamos!

— Não ia funcionar! Conheço William!

Ela lamenta e eu me canso.

— Eu não ia parar, ela sabia. Por que simplesmente não agradecem??? Ela salvou a pele de vocês,
DE NOVO, por que os julgamentos? Cat está viva!!! Ela está viva! Temos que comemorar!!! Ninguém
aqui tem direito de julgá-la, principalmente vocês, nenhum de vocês valem um real, quer julgar as
atitudes de quem? Catarina foi inteligente, abriu mão da vida dela pela de vocês, só voltou porque
viu que estávamos ameaçados de novo, por que reclamam tanto??? Não sejam hipócritas!

— E por que o perdão tão rápido? Sofreu como um cachorro sarnento, por que já a perdoou?

Dom pergunta. Eu estava cansado daquela pergunta.

— Porque eu descobri que ela não tinha falecido! A perdoei porque eu a amo! Prefiro ela viva!
Nada mais importa! Conseguiram entender isso??? Catarina está viva!!! Mais viva do que todos nós
juntos, que morremos com sua morte! O que que é?! Preferiam que fosse real??? Jura??? Meu luto
passou, a minha dor foi embora, a de vocês, não??? Porque se vocês preferem que ela estivesse
morta, tem tudo que se foder!!! — sinto a mão dela no meu braço, mas ignoro — Se continuarem
com os dedões apontados pra ela, faço uma viagem pra Grécia com ela, e deixo os bonitões aí,
para se virarem sem a ajuda dela!!! Mais uma vez ela está aqui porque VOCÊS precisam dela,
então é melhor baixar a bola!

— William, se acalma!

— Tô calmo, meu amor! Tô é muito calmo! — sou irônico e ela ri baixinho — E aí?! Teremos
abraços, ou posso sumir com ela?! Ela já tem o suficiente aqui! — olho para a turma de familiares
que doaram seu abraço e permaneceram ao seu lado, separando a turma dos magoados, com a
turma dos que amaram vê-la viva, como eu — Ela já tem seu homem de volta, agora tem o pai —
falo de Yan, que ainda chorava como um bebê quando todo mundo já tinha parado', e o
magoadinho rosna como um animal, peguei em seu ponto fraco — os avós, a mãe, os irmãos, a
madrasta, os tios, os primos... na real, o que vier depois é só lucro!

— Pensei que sua dor era fora do comum! Você é um farsante...


— É por isso que a perdoei sem pestanejar, eu não estava mais aguentando viver sem ela! — eu
falo e vejo seus olhos brilhando, ele também não estava mais aguentando — Eu não queria mais
viver. Se não fosse pelas macumbas da Rubi, e se meu coração não suspeitasse que ela ainda
estava viva em algum lugar, eu teria me matado! E eu ia! Eu achei que estava ficando maluco!!!
Naquela noite quando cheguei em casa, ela apareceu pra mim, foi até lá pra se despedir, mas
quase não me encontra, a arma já estava engatilhada. — eu falo por relembrar aquilo a
pequena fantasma se gruda em mim — Sem ela na minha vida, não tem o menor sentido! Guardar
ressentimento só me fez mal, por estar ressentido eu quase destruí sua família! Eu passei um mês
achando que ela estava morta e não desejo isso nem para VOCÊ! Eu não desejei isso nem para
VOCÊ, para tu ver como era crítico meu estado!!! — ela ri baixo de novo — Eu acho que ela não
precisa e nem deveria fazer questão, mas quer seu perdão, então dê isso a ela! Sua filha está
viva!

Eu me canso de falar e ele ainda não reage.

— Mesmo se eu te contasse, se eu contasse para que vocês dois não sofressem, isso não ia
amenizar o sofrimento de todos os outros! A profecia é clara, você precisa concordar com meus
planos, e me apoiar, ou morro! E eu sei que você nunca concordaria com algo daquilo!

— Não mesmo!!!

Tay resmunga e sinto vontade de ver seu sangue escorrer.

— Vamos embora!

Eu me aproximo dela e ela sorri.

— Não! — eita, bicha masoquista — Eu vim pedir perdão pelo sofrimento que causei a todos, e
pedirei. Eu sinto muito, morri por dentro por ter que fazer aquilo, mas se algo acontecesse de novo,
eu faria tudo de novo, eu não me arrependo de ter lutado para mantê-los livres! Fiz isso não só
por vocês, mas por minha mãe, Luisa, Dom, Giulia, Mariah, e Davi! Estão velhos, não estão mais na
idade de pagar pelos seus crimes! Ambos têm filhos e família! Eu não podia deixar que fossem
presos, e eu repito que faria tudo de novo! E também me acho nova demais para passar o
restante de meus dias na cadeia!!! Sinto muito! Eu sinto muito mesmo por tudo!

— Você é bem cara de pau! — Dom se levanta — Eu já estava acostumado a ser filho único, e
estava maravilhoso assim! Seu quarto é maior, vou me mudar pra lá! E terá que comprar meu
perdão! Quero aprender tudo o que sabe, como o vovô, o papai, tio Jon...!

— Já disse, nem pensar!

Me intrometo e ele rosna pra mim, o mini-babaca.

— Você não manda em mim, cachorro!!!


— William tem razão! Esse círculo tem de acabar, e vai acabar em você! Não vou te ensinar nada,
a não ser se defender! E eu já disse, é William!

Ela sorri pra ele, e ele sorri de volta pulando no colo dela e enfim, choramingando como uma
criança. Ele era muito melhor quando agia como uma criança!

— Precisamos discutir a respeito do que fazer com relação aos cartéis! — ela olha para Yan —
Os pais do William também precisam de proteção! Vou mudar suas identidades, e eles ficarão em
Bagé, como hóspedes e clientes! Precisamos conversar! — Yan confirma — Acho que terei meu
cartel de volta, certo?! — ela olha para os três, e os três sorriem — Pois bem, dessa vez teremos
a maior das encomendas!

— Tipo qual?!

É Fred quem pergunta.

— A cúpula inteira!!!

Ela fala, e eu vejo um pequeno bocado de sorrisos animados.

— Vai acabar com tua fonte de renda?

Jon pergunta irônico e ela ri.

— A cúpula nos acha muito perigosos! Querem nos eliminar, não nos passarão mais serviços, e no
futuro poderemos nos associar a outras instituições privadas, ou trabalhar para clientes escolhidos
a dedo! Além do mais, já tenho o suficiente para cuidar da minha família, junto com meu futuro
marido, que ganha muito bem!

Ela sorri pra mim, ganha um abraço de sua mãe emocionada, e eu recebo um olhar de ódio do
sogrão.

— Isso! Eu e a morta-viva aqui, vamos noivar, e casar, e logo, logo teremos mais um membro na
família! Seremos uma família unida, feliz e radiante!

Eu falo olhando nos olhos dele e ele bufa.

— Nem sobe meu cadáver!

Ele afirma e Catarina se solta da mãe para se aproximar de seu pai.

— Não consegue me olhar nos olhos, nem me perdoar, mas ainda assim, quer dar pitaco no meu
futuro casamento?
— Isso é família. Quer mesmo formar uma? COM ISSO???

Ele aponta pra mim, e eu olho pra ela. Catarina beirava o choro de soluçar. Estava extremamente
entristecida com a atitude do pai.

— Vou ignorar o que disse, vou relevar porque está nervoso! Vou fingir que não te ouvi! — ela se
afasta e encara Jon — E você? Também não vai me perdoar e nem me dar um abraço?

— Eu passei um mês me culpando e me sentindo vazio! Seu pai "enterrou" a própria filha! Você nos
causou uma dor lastimável! Não pode chegar aqui exigindo perdão! Vai ter que colher o que
plantou, pelo menos de minha parte! Vou te ajudar a proteger a família, mas será somente isso, e
depois, não volte a se aproximar de mim, não se o assunto não for relacionado a nossa própria
segurança!

Ele fala, vejo algumas lágrimas escorrerem por tua face e ela concorda.

— Agora sou eu que vou fingir que não ouvi isso! Não era seu grude??? Sua sobrinha favorita???
Sua amada e protegida??? O que você está dizendo? Jade pediu que cuidasse dela e a
apoiasse!!!

Luisa se aproxima e ele passa a lamentar, simplesmente porque era Luisa quem havia ficado
magoada!

— Tia, sem brigas! Deixe como está!!!

— Deixo bosta!!!

Ela se exalta e ele fica puto. A mulher era sua sobrinha todinha, principalmente brava.

— Pai, faça o que a mamãe pediu! Dá um abraço na minha prima!

Giulia faz os olhinhos do gato de botas e eu podia jurar que depois disso, Jon daria o tal abraço
só por causa da filha, mas não teve tempo de mudar de ideia e obedecer como uma criança
birrenta faria.

— Deixa, Giulia! Está tudo bem! — Cat se recompõe e sorri para a prima — Quer
profissionalismo, será dessa forma! Mas para mim, não terá volta, não para você! Esse é o
momento que eu mais preciso de você, só que dói muito ver que você gostaria que a minha morte
fosse real só porque precisei mentir, mas tudo bem! Farei o que me pediu, quando isso passar será
VOCÊ quem morrerá para mim! Amanhã me reunirei com o cartel para planejar tudo, estou muito
cansada! No momento, minha primeira e única ordem, é: Mantenha a família toda unida! Precisamos
de um lugar para ficar! Faça isso, e deixe o resto comigo. Eu queria você comigo, mas não
"preciso" de você comigo! Tem diferença!
Cat responde magoada, segura o choro, e lhe oferece as costas. Doeu mais nela do que nele, mas
ainda assim, o superintendente da administração da FAB de Pirassununga sentiu o peso de suas
palavras.

Creio eu que ambos fariam as pazes e se perdoariam, mas eu tinha certeza que isso ia demorar.
E ambos tinham justificativas para estarem tão tristes um com o outro, e todos entendiam!
Mas escolhi o lado dela, peguei em sua mão, e após deixá-la receber mais carinhos de todos os
outros, e dar mais algumas explicações com toda a paciência do mundo, saímos de lá de cabeça
erguida!

— O que veio fazer aqui?

Catarina se solta de mim para falar com a irmã, já na entrada da casa.

— Essa casa também é minha! Ainda...

Rubi sorri nada surpresa. Parecia difícil pegá-la de surpresa.

— Você entendeu.

— Não posso abandonar o cartel! Sei que falei bobagem, estava nervosa por causa de um motivo
que nada tem a ver com você! Fred acabou comigo, me humilhou, me desprezou! — ela parece
querer chorar, mas logo sorri — Mas dei a volta por cima, eu estava morta de saudades! Fiquei
brava, quando descobri o que estava fazendo. Odiei ver nossa família sofrendo com "tua morte",
mas passou também! Enterrei! Eu te amo e vou te amar pra sempre, mas às vezes, vou ficar muito
puta com você! Acostume-se. Principalmente se aprontar outra parecida! Chega de mortes aqui!!!

Rubi fala e de repente fica séria. Parece sentir algo, se vira em direção as escadas da entrada da
mansão, e na mesma hora Yan desce.

Ele abraça Cat, a beija, mesmo tendo se despedido dela lá dentro, e fita Rubi como fazíamos.

— É bom te ver bem novamente! Com sua personalidade de volta! Você está bem?

Yan questiona e ela sai andando. Entra em seu carro e vai embora sem dizer uma palavra.

— O que foi isso?

— Ela teve uma visão, e pela sua atitude, não é nada bom! — Cat lamenta — Vou chamar alguém
para ir atrás dela, tô muito cansada...

— Deixa! — Yan segura no braço da filha — Ela teve um treco depois que me viu! Eu vou! Avisa
sua mãe! Eu te amo!
Ele diz, abraça e beija Cat mais uma vez, diz querer conversar mais com ela, em outro momento, e
nos deixa lá.

(...)

— Como você está??? Além de cansada, claro!

Pergunto assim que entramos no apartamento. Não queria ir pro meu,pra não ter que lidar com
Barbara e minha mãe, mas não tínhamos escolhas, eu precisava liberar Manuela.

— Tô bem! — ela se vira pra mim de repente, e me olha nos olhos — Obrigada por ficar do meu
lado!

Eu fecho a porta e puxo ela pra mim.

— Obrigada por assumir na frente de todos, que seremos uma família!

Eu falo e ela sorri enquanto nega.

— Amou ver a cara que ele fez, né?!

— Sim.

— Por que você não gosta dele???

— Não sei ao certo...

— Ele te dá motivos? Ou é implicância?

— Não gosto como ele trata tua mãe, não gosto como fala comigo, sua postura ao falar comigo é
quase ofensiva. É como se eu estivesse ali somente para prestar meus serviços, limpar sua sujeira, e
depois me recolher pro quartinho dos fundos, sabe?! A arrogância dele... — fico puto só de pensar
— Não quero falar dele!

— Se vocês não se respeitarem, nunca vamos conseguir ficar juntos!

— Eu o respeito, só que ele é muito filha da puta!!! — ela faz cara feia — Por que o defende? O
cara não te deu um único abraço? Te virou as costas!

— Querendo ou não, ele é meu pai! Sofreu por minha causa! Sofreu como você sofreu! Me dá um
minuto, tá?! Preciso de um banho!

— Quer algo pra comer?


— Não. Tô sem apetite! Só cansada mesmo!!!

— Vai dormir???

Pergunto e ela ri sussurrando no meu ouvido. Aperto sua cintura fina e inspiro. Seu perfume me
deixa todo aceso e cheio de tesão, louco para matar a saudade.

— Não, e até que eu precisava relaxar! Um mês sem meu denguinho, queria você! Queria fazer
amor, gemer para ti, gritar, extravasar, quebrar o quarto todo... se lembra, como era bom??? Nós
dois juntos... tô com tanta saudade! Uma pena que a casa está cheia! Queria foder na cozinha, na
sala, na lavanderia... uma pena.

Ela afirma, sai rindo, e damos de cara com uma pequena parte da minha família, uma Manuela
entendiada, e... uma Barbara quase nua com um pijaminha minúsculo. Inferno.

Estava ela, minha mãe e Manuela conversando na sala.

— Boa noite! Você chegou, já vou...

Manuela sente o climão, agradeço, ela sai, e quando fecha a porta, Catarina me encara.
Rapidamente desvio o olhar de Barbara para ela.

— Vou tomar um banho! Esse é o tempo que eu vou te dar para ajudar sua ex-vadia, a arrumar
uma roupa maior para não pegar uma friagem, e desaparecer daqui! Se eu sair e ela ainda
estiver, eu quem saio!

Ela fala, Barbara sorri, pois sabia que eu nunca poderia mandá-la pra rua com tantas ameaças
sobre minha vida, e, Cat entra no quarto.

— Vai colocar uma roupa, ou eu mesmo sumo com você! AGORA!!!

Eu não grito, mas olho bem na cara dela e por isso, seu sorriso se desmancha.

— Se já está aqui, é porque fez o que mandei!

Eu entro no quarto e a encontro tirando os sapatos.

— Deixe o ciúme de lado por um momento, e pensa comigo... — me arrasto pela cama, e beijo
levemente seu ombro — Se eu a expulsar, ficarei preocupado e estressado, e se algo acontecer
com ela, nós dois nos sentiremos muito culpados!!! E você vai ficar mal por me ver mal, porque foi
você quem me mandou enxotá-la daqui! Deixe ela lá, foca em nós! Me deixa cuidar da minha
neném... não dê esse gostinho a ela!

Retiro a alça de sua blusa pro lado, e continuo com meus beijos.
— Eu quero ela fora daqui!

— Vai doer muito mais se a gente mostrar que ela não existe, e ficar aqui, se amando, enquanto
ela está lá, esperando uma crise sua pra você parecer, aos olhos dos meus pais, uma
descompassada, e ela, uma donzela fina! Deixa ela esperando, não se preocupe com ela, eu sou
fissurado em ti! Só existe você, sempre foi você...

— Não ligo para a opinião deles, quero dar um barraco, quero socar a cara dela!

Ela encosta sua cabeça no meu ombro, e eu sorrio quando sua voz começa a fraquejar.

— Eu te amo! Te amo! Te amo muito!!!

Seguro firme em um dos seus seios, aperto gostoso, massageio ainda por cima da roupa, e seu
corpo desfalece ainda mais. Chupo seu pescoço, sua cabeça tomba pro lado oposto, me dando
mais espaço pra explorar, e sua outra mão alcança minha nuca.

— Ela tem o corpo mais bonito que o meu?

Sua pergunta regada de insegurança, me deixa triste. Óbvio que não!!! Quem é Barbara????

— Ela não chega ao seus pés, amor!!! Soube disso desde que te vi pela primeira vez! Você é muito
gostosa, muito mais!!!

— Sabe que sei quando mente, não é!?

— Sim. E eu sei que você sabe que nesse momento estou sendo muito sincero. Você é mil vezes mais
gostosa, teu corpo não tem compração. Sabe como fico quando te vejo nua, de biquíni... parece
sempre a primeira vez. Seu corpo é minha perdição!!!

— Quem faz mais gostoso?

Ela pergunta me olhando nos olhos, e abrindo minha calça.

— Você! Óbvio que é você, por isso gamei na hora! Tu vai me encher de perguntas, todas as
respostas serão você! Se eu não te amasse, ainda assim, seria você! Seu gosto é maravilhoso, seu
cheiro, esse traseiro, essa boca habilidosa... você fode muito melhor! Você é a melhor de todas que
já passaram pela minha vida.

— Não minta.

— Eu gemo e rosno como um animal quando te pego. Nunca senti necessidade disso, com nenhuma
outra mulher! Eu sempre olhei, achava gostosa, imaginava, e não passava disso. Nunca na minha
vida eu olhei para uma mulher e senti vontade de devorá-la o tempo todo! Tô mentindo para você?
Ela me olha e nega sorrindo.

— Não. Não está! Se estivesse eu te caparia! Vem cá, meu neném... vem!!!

Depois que se livra da minha calça, ela me puxa e me faz deitar.

— Quero te chupar primeiro...

— Não, primeiro me faz gozar metendo bem forte, depois tu chupa!

— E esse meu traseiro? Vou poder foder esse traseiro hoje??? Sinto saudades... sei que fui o único
que estive aqui! — entro dentro dela, e ela geme alto — Fui único, e sempre serei, não é?! Diz...

— Sim! Ah! Foi o único! É todo teu, meu neném! Isso!

Ela geme enquanto meto, e só para quando goza.

Quando recomeço devagarinho, e toco seu corpo enquanto beijo sua boca, ela passa a me olhar
nos olhos com curiosidade, era como se quisesse enxergar algo.
Retribuo seus olhares, faço carinho em sua face, beijo sua boca, e fico cada minuto mais
apaixonado.

Seus seios continuam arrepiados, toco com delicadeza a pontinha dura, e admiro cada parte
daquele corpo que eu adorava. Sim, era um sentimento de adoração.

Minhas mãos matavam a saudade, minha boca tinha sede da sua, e seus olhos bicolores jamais
deixavam os meus.

Sinto que vivi minha vida toda só pra encontrá-la. Como ela poderia duvidar do meu amor???
Como não a perdoar por se fingir de morta??? Não tinha como, se aquela mulher não fosse minha,
não seria de ninguém. Não importava os erros que havia cometido. Eu a amava, e isso bastava,
era o suficiente.

Deito seu corpo de bruços sem sair de seu interior, dou atenção a sua nuca, e começo a sentir a
quentura na barriga. Eu ia gozar fazendo amor com ela.
Seus gemidos baixinhos e sinceros só pioravam as coisas.

— Meus filhos estão chegando, é?!

— Gozo fazendo amor contigo, na mais pura lentidão, mais uma exclusividade sua!

Ela já me conhecia, sabia que quando estava perto, eu fechava os olhos, apertava seu corpo com
mais força, e meus gemidos engrossavam.
— Mas eu quero ir junto, para chegar junto, preciso que tu me olhe nos olhos, e fale comigo.

— E o que quer ouvir?

— Sobre Helena... — ela me faz sentar para sentar no meu colo, começa a rebolar devagarinho, e
morde lábio inferior — Sente saudades dela?

— Só daquela versão no Rio, turista, de biquíni fino e bem colado, mostrando o produto e me
provocando pra ver meu pau bem duro na bermuda, por puro orgulho, rebolando no meu pau
dançando funk... mas posso viver sem, estou completamente apaixonado pela Catarina. Sei que um
dia viveremos aquele dia de novo! Sei que a Helena amou tanto quanto eu! Principalmente a noite
torturante...

— Entendo! Vamos falar sobre ela logo, logo, por agora, mete com força e me leva contigo pro
céu! Quero meu anjo aqui, me adorando e me fazendo gritar...

— Pela primeira vez, um anjo leva um demônio pro lado do bem...

— Sim! Me mostre o que é bom! Tô queimando em luxúria, apaga meu fogo!

Ela responde gemendo, que nem uma puta... e sorrindo, eu obedeço rindo ainda mais. Safada.

Faço ela pular, vou fundo, deixo escapar uns palavrões, sua boca forma um 'o', eu piro tocando
sua intimidade e estimulando bem gostoso, e mato minha saudade a preenchendo com força até
gozarmos juntos, olhos nos olhos! Nada era mais gostoso do que foder aquela boceta que me
pertencia.

— Sobrou alguma mágoa, aí dentro?

Ela pergunta com sua cabeça em meu peito, minutos depois.

— Não. Por você só tenho amor...

— Você jura?

Ela levanta a cabeça e me olha.

— Juro! Amanhã vou te provar isso!

— Como???

Seu sorriso era a coisa mais linda do mundo. Mas não ia contar sobre meus planos amorosos.

— Vou fazer algo que vai ser extremamente difícil pra mim, e tu vai reconhecer!!! Por você sou
capaz de tudo!

— Eu não queria que fosse daquele jeito...

Sua mudança de assunto me faz levantar e me sentar, me apoiando na cabeceira.

Eu só faço silêncio e ela continua.

— Sei que isso não ajuda, e nem justifica, mas foi ideia do Seven! Um dos agentes russos. Eu
estava muito mal porque era realmente eficiente, mas muito dolorosa! Disse que preferia o caixão
fechado, e tudo, mas eu sabia que você ia querer me ver, ia mandar abrir, então...

— Cat! — sorrio — Nunca pensei que te chamaria assim! Odiava ver Tiago te chamando assim...
escuta! Por mim, esse assunto pode ser enterrado, eu até prefiro! Quero superar aquilo, e eu só vou
superar se você superar! Olha bem pra mim, — ela obedece — eu te amo muito, você voltou pra
mim, não quero saber de mais nada, só de ser seu homem!!!

— Tudo bem!

— Ótimo. Mas quer saber?! Mudando para um assunto muito melhor... não quero mais ficar aqui! Se
bandidos entraram aqui sem que eu soubesse, ou fosse avisado, nunca ficarei em paz indo
trabalhar e te deixando aqui com nossos três filhos... Impossível!!!

Faço uma cara de pânico e ela gargalha.

— Três, né?! Tá!!! Você sabe que quando há mudança de casa assim, é porque tá ficando sério,
né?! Tá mesmo preparado para me aturar???

— Claro! Sei o que fazer quando tu fica puta da vida! Tu é carne de pescoço, só uma coisa te
deixa calminha e obediente...

— Não vou nem perguntar o que é!!!

— Vira que eu te mostro!!!

Falo no meio de um beijo, ela ri de novo, mas como não é boba, rapidamente obedece, e eu
desfruto daquele traseiro enorme e gostoso, até o dia começar a dar sinais de vida.

Acordo oito horas e me viro para olhá-la. Dormia como um anjo, a criatura.
Deposito um beijo comportado em sua face, visito rapidamente o banheiro, e vou para a cozinha.
Eu precisava de um café reforçado, e tinha certeza que ela também!
Obviamente minha mãe já tinha acordado e já estava colocando a mesa. Ela sempre acordou cedo
demais.

— Bom dia! Não fala comigo direito desde ontem, vai ficar brigado com tua mãe por causa dessa
mulherzinha???

Ela me olha, fala com a mão na cintura, e eu nem sinto vontade de responder.

— Bom dia, pai!

Cumprimento o velho cheio de segredos e ele responde ainda envergonhado. Nossa conversa fora
dura, mas precisava! Amava meu pai, amava muito. Mas era muito difícil lidar com aquela nova
informação a seu respeito.
Eu sabia que ele e o pai do Douglas não andavam em caminhos maravilhosos quando jovem, e
meu pai só criou juízo quando conheceu minha mãe, mas saber que ele fez o que fez, era muito
para minha cabeça.
Mas ok. Passado é passado!

Eu o abraço, beijo sua face, e ele me corresponde. Isso atinge minha mãe em cheio, fica magoada
com meu tratamento, mas não diz nada.

— Bom dia!

A criatura sentiu quando saí da cama, obviamente veio atrás para conferir.

Sorrio. Meu pai ganha um abraço e ela me agarra sem ligar para a cara feia' que minha mãe
faz.

— Bom dia, minha neném mais linda do mundo! Dormiu bem???

— Como um anjo!!! Melhor impossível! — ela beija minha boca e eu piro em sua carinha de sono, já
pensava em voltar pra cama com ela... como não dava, mais tarde eu ia entrar com ela para
aquele quarto e só ia sair depois de uma semana. Esse era o plano.

— Depois do café vou pra instituição, preciso ver dona May, mais um desafio, só que esse
enfrentarei sozinha, — ela tem um semblante triste — depois de lá vou pra casa do meu pai
conversar com o cartel e com Jon! E você? Vai pra delegacia? Não pode vacilar na rua, sabe
disso...

— Vou me cuidar, não se preocupe! Vou pra delegacia falar com Pedro, só que mais tarde. Vou
conversar com o sogrão!

Eu falo e ela arregala os olhos. Dou risada.


— Relaxa!!! Não vou brigar com ele... vamos comer, te deixo lá, e vou pra mansão do verme!!!

— Não chama ele assim!!! — ela fica brava, eu estava tão acostumado a chamar ele assim, que
escapou — Qual o assunto?

— Sobre a época da juventude dele! Só uma curiosidade.

Eu afirmo e ela fica desconfiada.

Tomamos um belo café cheio de beijos, abraços, e muito chamego, o que irritou minha mãe, e
divertiu Tiago, que ainda a olhava como se ela fosse um fantasma, e meu pai, que já estava louco
nela. E saímos. Manuela havia mandado dois amigos, ambos ficariam na porta e ligariam assim que
notasse algo errado, se notassem. Precisava logo cuidar da viagem dos velhos. Tinha muita coisa
pra fazer.

Catarina se recusou a ir no meu carro e quis ir no dela. Claro que ia ir atrás de mim,pra saber
qual era o papo que eu teria com o sogrão, eu não era bobo.
Apenas assenti.

Ela temia. Queria que a gente tivesse um relacionamento sadio.

Por um breve momento achei que ela realmente iria para a instituição, pois não havia sinais de sua
perseguição.
Ela não estava na minha cola.

Cheguei, abri a porta, e fui entrando como ele "amava". Os encontrei na mesa do café.

— Bom dia, família!

Zombo, me sento na mesa, Ellen sorri, e Dom desiste de me irritar, achava eu que já estava
acostumado comigo, mas o verme rosna.

— Bom dia, William! Toma café com a gente?!

Ellen oferece e eu me sirvo de café só para provocá-lo. Eu não estava com fome.

— Bom, claro! Vim para isso!

— Cadê minha filha?

Ele pergunta ao largar seus talheres com certa grosseria.

— Foi encarar dona May! É a mulher mais forte que conheço, está reparando o erro que cometeu
com muita coragem!
— Então, o que você faz aqui?

— Vim tomar café com meus sogros amados? Qual é?! Não posso, não? Tô proibido de entrar aqui,
por acaso???

Eu falo e Dom engasga ao rir.

— Muito cara de pau!!!

Dom resmunga e até para de comer.

— E também vim conversar com você...

Eu falo olhando em seus olhos, sinto a presença da criatura no ar, olho ao redor, sinto a família
toda tensa, olho de novo, e ignoro. Eu não tinha tempo, eu teria um dia atribulado.
Se ela queria ouvir o que eu tinha para dizer pro pai dela, era melhor prestar bem atenção.

— Você pode vir comigo, então!!! Fale de uma vez, e depois pode ir embora...

Acho que ele pretendia me levar ao seu escritório, para sair de perto de Dom, sei lá, mas neguei
ao colocar um morango delicioso na boca.
Eu não sei o que eu tinha, eu amava vê-lo irritado.

— Não. Vou falar aqui, — falo e ele volta a se sentar — e não vou ir embora depois! Sabe que
odeio o jeito que você me trata, né?! Precisa parar com isso, não sou um ser inferior a você! Você
não é o rei do mundo! Mas não vim falar sobre sua arrogância, que me tira do sério, não! Vim te
pedir duas coisas!

Ponto para o Will teatral! Até mostro o número dois' nos dedos.
Meu plano era incrível!

— Era só o que me faltava!!!

Ele se exalta e eu dou risada, ignorando seu ataque. Dom nem pisca de curiosidade, e Ellen fica
nervosa com a reação do marido, já esperando o pior. Ele realmente parecia que ia me matar por
ser tão entrão!

— Primeira: Quero erguer a bandeirinha da paz! Precisamos nos dar bem, nos respeitar, enfim,
termos uma boa convivência, ou posso perder sua filha a qualquer momento. É importante para ela
que eu goste de você e você de mim, e o que é importante para ela, passa ser minha prioridade.
Nem que precise ser feito um sacrifício, como esse, brincadeira. Segundo e mais importante: Vim te
pedir, humildemente e com todo o meu coração que me dê sua mão em casamento, e que abençoe
essa união como o pai dela, e isso não é importante só para ela, ter seu apoio é muito importante
para mim também, não quero mais trocar farpas com você, e prometo mudar para melhor a forma
como eu te trato!!! Eu amo tua filha, quero ter uma família com ela, e prometo que ela será a
mulher mais feliz do mundo!!!
SEU NOME É ISAO!
Deus.

Respiro fundo atrás da cortina como uma criança medrosa, e espero a voz do meu pai surgir com
a resposta para aquele cachorro.

Meu coração fica espremido e eu não sei explicar o que eu sinto.


Eu só sabia que queria aquele homem na minha vida pelo resto de meus dias, e ainda seria pouco.

— Eu não sei se você é corajoso, ou demais abusado, delegado! Eu não sei se você sabe, mas
Catarina foi uma criança planejada. Desejei seu nascimento mais do que desejei qualquer coisa em
toda minha vida. É minha primeira filha, para mim, a criança mais especial do mundo. É a minha
vida, então, não é para qualquer um. Catarina é uma joia, nunca conheci nenhum homem que fosse
digno dela...

Meu Deus.

Saio de trás da cortina e entro na sala de estar para evitar que meu pai estragasse tudo.

— ...Até te conhecer!

Meu pai continua, sorri para mim, ama a situação, e era a vez do meu neném ficar puto com a
brincadeira de mau-gosto.

— Eu aceito sua bandeira branca, vou amar se você ser menos babaca, passar a me respeitar, e a
bater na porta de vez em quando. Dou a mão de minha primogênita, mesmo que eu ache que ela
mereça algo bem melhor, brincadeira. — Dom se mija de tanto rir com o troco que meu pai dá nele
— Se ela te ama, e você a ama, devem ficar juntos!!! Você tem a minha benção, essa que diz ser
tão importante pra você!!!

Eu choro segurando o som e o delegado olha para trás ao ouvir meu barulho.

— Espero que seja um choro de alegria!


Ele me abraça e eu nego.

— Você é muito bobo! Eu te amo!!!

— Eu sei que ama! — ele sorri — Eu espero que isso seja o suficiente para entender que sou louco
por você, que quero recomeçar do zero contigo e que não há nada que eu queira mais, do que
passar o restante dos meus dias ao seu lado. Não quero mais saber de papo de 'te perdoar', é
você que tem que me perdoar por ter sido tão escroto! Tive medo de perder você, e esse medo
nunca vai me deixar, mas nunca mais vou duvidar do seu amor por mim! Eu te amo!

Ele sorri de novo, me beija apaixonadamente, recebe abraços de minha mãe chorona, e apenas
um aperto formal de meu pai e de Dom.

— Agora você já pode ir embora. Brincadeira!

Meu pai resmunga, ri, mas William, não.

— Você já pode parar! Não vai se livrar de mim.

— Quando será o casório?

Minha mãe pergunta.

— No cartório, por mim, será o quanto antes. Então comemoramos assim que esse caos todo,
passar. O que acha???

— Acho bom!

— "Acho bom", olha esse neném lindo! Fala aí, sogra, não é o neném mais lindo do mundo???

— Catarina tinha mania de ser direta nas respostas, quando era pequena! Deixava todo mundo
maluco! Era a criança mais esperta, linda e amada!!!

— Era, né?! Só era, porque pelo jeito, não sou mais! — eu falo erguendo a voz e meu pai volta a
comer — Pensei que era a princesa mais amada do papai, a criança planejada... mas...

— Você é amada, e ainda é minha vida, é tudo o que mais amo! Mas isso não te livra da minha
fúria!

— Acabou de saber que vou casar! Tem como me perdoar e ficar feliz por mim???

— Eu estou feliz por você! E te perdoo!

— E o abraço?
— Minha vontade, no momento, desde que voltou, é te dar uma surra e te colocar de castigo
eterno. Vou te abraçar quando a mágoa passar!

— Você está me magoando muito, você e o tio Jon, sabe disso, não é?!

— Pai, perdoa logo sua filha favorita e planejada! Eu sou um acidente, mas ainda devo valer de
algo! Poderia me ouvir...

Dom resmunga e ganha um abraço coletivo.

— Ai, que ciumentinho!!! Meu Deus!!!

Aperto sua bochecha e ele ri.

— Você nasceu e preencheu um vazio enorme no seu pai e em mim! Ele não viu os primeiros
passinhos dela, não ouviu suas primeiras palavrinhas, e Cat também sofreu por isso... seu pai foi
inteiramente um pai pela primeira vez, com você! Por culpa minha, ele não teve isso com a Cat, e
você foi planejado para nos trazer essa felicidade! Tem que saber o quanto é importante e
amado!!!

Minha mãe diz chorando e ajoelhada do lado da cadeira dele, e eu vejo algo que nunca vi. Dom
chorava emocionado por ouvir suas palavras.

— Cheguei!!!

Nat chega junto com sua família, incluindo Jon, tia, e toda a turma.

— Eu nem tive tempo de te agradecer! Queria mesmo era te dar uns tapas, mas como deu super
certo... — dou risada — Obrigada pela tua coragem, prima! Você me devolveu meu amor! Eu te
amo ainda mais por isso!!!

Eu a abraço e sinto o olhar torto de Millena para a cena, ela tinha ciúmes da Nat.

— Bom dia! — Jon resmunga para todos e eu só falo com Giulia, com minha tia e meus primos —
Em breve Rafa e seus avós estarão aqui! Consegui um lugar para irmos logo, e... — ele me estende
um papel — ...você não pediu, mas já cuidei dos documentos dos seus sogros e cunhado, fiz isso e
pedi que Miguel ficasse de olho no programa que mandei de rastreamento, e também já peguei a
passagem para Bagé. Eles irão hoje à tarde. Recebi informações e acredito que é melhor nos
prepararmos para mais uma nova investida, então, quanto mais longe eles estiverem, e o quanto
antes, melhor! Não fiz nada para a advogada porque a face dela está estampada em todos os
registros que seu noivo está! Não adianta uma nova identidade, só por defender aquele delator,
ela já estava para entrar na tela-morta, já estava sendo seguida e vigiada de perto! O próprio
Chong está se preparando para um encontro com ela, o delator era um problema quase que
pessoal da Glenda, e ele deveria permanecer preso, mas como a fama da advogada já diz muito,
todos sabem que ela conseguirá limpar a barra dele. — Jon vai falando e eu sinto o clima pesar
— Em nome da antiga Glenda, que morreu por uma ordem do seu cartel, ele continuará com os
planos, e por isso incluiu as cabeças de vocês! Aliás, foi a própria cúpula que incluiu Miguel, mas
Chong foi contra essa decisão, e você deve saber o porquê. Por essas e outras é que eu suspeito
de que muito em breve ele dará as caras, e o primeiro alvo, será a advogada.

Jon resmunga, e eu encaro William, enquanto sigo até a janela da sala. Suas feições preocupadas
por causa da advogada, muito me incomodam, mas ignoro.
Eu tinha um problema maior para me preocupar, Miguel e Chong no mesmo lugar. Já imaginava a
cena, Chong encontrando Miguel, Miguel sabendo de tudo, se revoltando, e se virando contra nós,
ou melhor, contra Laura. Eu não sabia o que fazer... precisava pensar.
Aquilo não podia acontecer, não podia!!!
Eu tinha que agir primeiro. Eu tinha que antecipar tudo...

— Precisa de um tempo?

Meu pai me tira do foco e eu suspeito de que fiquei em silêncio por tempo demais. Estavam todos
na sala me encarando como se eu fosse de outro mundo.

— Não. Não posso, não tenho tempo! Miguel ainda está no cartel?

Pergunto pro meu pai e ele confirma.

— Laura, Yan e Mariah ainda estão lá. Rubi está na Jade cuidando das crianças, e Fred está na
casa dele.

— Quais as chances de eu colocar a ex-porre num avião pro Cazaquistão? Não posso cuidar
dela, e nem vou! Preciso resolver coisas mais importantes para mim, no momento!

Olho para Jon só por um momento e encaro um Marcelo preocupado comigo. Eu não queria ficar
olhando para ele, estava muito magoada.

— Se ela não fizer uma bela plástica... nenhuma. É perigoso tentar sair, ela vai ser barrada! A
cúpula tem servidores em tudo quanto é lugar. Se quiser, posso ficar com ela!

— Pode mantê-la longe do meu noivo?

Ergo uma sobrancelha e ele repete o movimento olhando para William.

— É, tio! Tivemos um pedido super-romântico agora pouco! O ca... William pediu Cat em
casamento.

Dom fala, Jon parece uma estátua e não diz nada. Ganhamos abraços e felicitações, mas
novamente, Jon foi "profissional". Nem quis comentar a respeito.
— Posso levá-la junto com todos... Me certifico de que tomará cuidado com a própria segurança.

— Eu agradeço por isso!

Eu respondo e noto que ele ainda estava tentando digerir a notícia de meu casamento.

— Tomou seu remédio hoje?

Marcelo solta e eu bufo.

— Tomei.

— Mentira.

Ele entrega e William joga no ar uma cartela. Pego, e o encaro.

— Alguém precisa andar com esse remédio, se não for você...

Ele diz, eu tomo, e me despeço.

— Aonde vai?

William me segue até a rua.

— Vou pro cartel, vai ajudar seus pais com as malas. A gente se vê depois, eu te ligo!!!

Eu falo, mas ele continua me seguindo.

— Por que tá agindo assim? — me aproximo e ele faz uma carinha que aperta meu coração — Eu
já disse que não vou embora, amor! O que foi, William?

— Eu não sei, só quero... — eu agarro seu pescoço e ele envolve seus braços em minha cintura —
...Só quero ficar perto de você. Eu te amo!

— Meu neném corajoso, eu também te amo! Precisamos comemorar esse pedido lindo! Vamos nos
casar! — ele sorri confirmando — Nunca pensei que ia querer isso um dia, mas... tô tão feliz, quero
uma vida contigo! Meu carioca gostoso!

Beijo sua boca com vontade e paro para respirar, me lembrando que estávamos na rua.

— Como você chegou primeiro? Eles te viram entrar? Por que não confiou em mim?

— Eu nunca conto meus truques! — beijo sua boca e chupo sua língua — Ninguém me viu entrar!!!
E eu confio em você. Só tive medo... quero que vocês se deem bem! Vocês dois são os homens mais
importantes da minha vida! Você, ele, vovô, Jon e Yan! São meus homens favoritos da vida toda!
Quero que sejam amigos!

— Não tem medo por eles? Você tem talento, se entrou no casarão sem ninguém notar...

— Tá preocupado com minha família, amor?

— Tô. É óbvio! Com a minha também! Você entrou no prédio, entrou em casa! Por que aquele cartel
não previu isso?

— São amadores, todos eles. Já disse que tive treinamento pesado! E se não fosse eu, meu pai
saberia! Eles sabem se cuidar, e sua família está segura! Sou perigosa, sou a melhor, e todos eles
sabem disso, querem me matar desde quando entrei pro cartel, então não se preocupe!

— E Barbara? Vai fazer o quê com ela?

Ele pergunta e eu me afasto.

— Não a ama mais, por que se importa com ela?

— Não começa...

— Eu seria a mulher mais feliz do mundo se me deixasse matá-la! Sua preocupação com a vadia
me dá nos nervos.

— Sabe o que dá vontade de fazer quanto tu tem essas crises de ciúmes possessivo?

— O quê?

— Dá vontade de te engolir, de tão gostosa que você fica! — ele gruda sua boca na minha e
resmunga apertando minha cintura, sem desgrudar nossos lábios — Dá vontade de meter tanto em
ti, tanto, até entender que só desejo você! Só quero amar você, sua filha da puta! Acabei de te
pedir em casamento pro teu pai, e tu ainda se preocupa com Barbara!?? Porra! Não fode!

— Desculpa! — dou risada e finjo morder seu lábio inferior — Desculpa! Vou deixar ela com o
Jon, fazer o quê?! Mas se eu te pegar, sequer olhando para ela, não respondo por mim! Vai, vai
logo! Depois a gente se fala!

— Eu vou ligar para eles do carro! Não vou te deixar! Ficamos tanto tempo longe, me deixa ficar
perto de você. Quero muito ficar contigo! Não vejo a hora de tudo isso acabar, e poder ter nossa
vida de novo. Nosso casamento, nossa lua de mel, uma rotina gostosa de marido e mulher! Eu
preciso de você, e sei que não terei tão cedo cem por cento de tua atenção, então não me mande
ir embora! Me deixa ficar perto de ti! Deixa, meu neném!!!
— Pedindo assim com tanto jeitinho!

Ele ri.

— O que vai fazer lá?

— Vou falar com Miguel! Muito provavelmente você não vai gostar nada, nada do que vou fazer...

Eu falo e ele tenta me ler. Sem nem saber o que é, já coloca a mão na cintura e fica bravo.
Dou pequenas boticas em sua boca a procura de um sorriso, mas ele fica firme. E fica tão gostoso
bravinho comigo, ah!...

— O que é que você vai fazer?

— Dá um beijo aqui, que eu te respondo! Dá!!! — puxo seu pescoço, mas ele força a barra —
Amor!!! Dá um beijo... vou ficar triste! Olha meu bico, tô ficando chateada, sério! Neném...

Insisto e ele me beija gostoso. O beijo como sempre é quente, apaixonante, e cheio de significados.

— O que vai fazer? Me diz.

— Deixa seu carro aí, vem! Antes de dizer o que eu vou fazer, vou ter que te explicar tudo do
início para que você possa me entender. Eu preciso que entenda, porque o que vou fazer vai
parecer bem egoísta... vem comigo!

— Não vou deixar a viatura, aí! É perigoso! Vem você no meu, e eu te deixo em casa na hora de
ir pra delegacia, ou te trago de volta aqui, ou para instituição, sei lá!

— De lá, preciso ver dona May!

Eu concordo pegando em sua mão e ele entende.


Encará-la também seria muito difícil.

— Vai tirar de letra!

Ele beija minha testa enquanto caminhamos e eu só penso no quanto ele estava errado. William
achava que eu era uma fortaleza, mas só Deus sabia o que eu sentia aqui dentro.

(...)

— Você me assusta. Do mesmo jeito que é brilhante, é maluca! Se você o descreveu corretamente,
ele vai...

— Você vai me esperar! Vai me proteger!


Abraço o meu federal com carinho e ele ri nervoso.

— Eu vou é deixar ele te dar uma lição, isso sim! — faço a carinha do gato de botas e ele nega
— Tudo bem, tá. Vamos logo. Sua vida é realmente uma aventura!!!

Entro no saguão do museu, e depois no elevador com ele olhando tudo ao redor.
Digito a senha no painel e ele decora os números, depois revira os olhos.

— Senha patética.

— Você decorou, não é?!

Dou risada.

— Lógico, não sou idiota!

— Não é mesmo! É meu denguinho esperto!

Agarro seu corpo forte e ele me encara.

— Eu curto elevadores, sabia?! Trava aí, cinco minutos!!!

Ele pede deslizando a língua no meu pescoço, e eu sinto uma cachoeira nascer em minha calcinha.

— Nem pense. Miguel está nos olhando e nos ouvindo nesse exato momento.

— Cara, obrigado!!! Se comportem! Não sou obrigado a ver isso! E o pai está aqui, com cara tacho
para a TV.

A voz de Miguel surge eletronicamente.

— Pois é. Larga a minha filha!

Meu pai fala, e William obedece rindo.

— Eu sou tão fodido, que além de um, tenho dois sogros!!!

— Mas eu sou o melhor, mais bonito, mais compreensível, e não sei atirar!

— É por isso que você é meu sogro favorito, Yan!

— Se eu não estivesse ciente de que você não suporta o loiro aguado, eu ia dizer que você quer
algo de mim.
— Pois é, mas eu quero...

William resmunga, as portas se abrem e sigo com ele ao meu lado até a sala de reuniões.

— Mas o que é tudo isso?

— Esse é o nosso cartel! Seja bem-vindo!

Sorrio e ele fica bobo com meu esconderijo.

— Oi, papi!

Beijo e abraço meu pai.

— Oi, princesa! Tudo bem?

— Tudo! Vim ver como estão as coisas!

— Estão tudo bem! E você? — ele olha pro William — Que papo é esse de pedido???

— Já, já conversaremos.

Ele fala e meu pai assente!

— Por que não leva o William para conhecer a quarentena, e conhecer Mariah direito? Sem
máscaras de festa à fantasia?

— Vamos!

Meu pai logo concorda, mas William nega.

— Essa conversa pode ficar pra depois!

Ele não queria me deixar.

— Preciso conversar com meu irmão! — eu falo e ele nega.

— Ficarei contigo e depois vamos conhecer a tal da quarentena juntos!

Ele fala daquele jeito que não quer ser questionado e eu respiro fundo.

— Eu vou deixar vocês conversarem! Espero vocês lá!

Ele sai, e eu me volto para William quando a porta se fecha.


— Quando você pediu para ir na sua tia ver o lance do David sozinho...

— Não vou te deixar sozinha, de jeito nenhum, nunca mais, nem pensar, então vamos logo com isso!

Ele fala, sai andando na frente, se senta em uma das cadeiras, e eu decido que era a hora de
falar com Miguel, porque eu não estava com pique para discutir com ele.

— Acredita que o Jon me deu acesso aos rastreadores dele??? De graça??? Cara! Que software
incrível! Vem ver isso! — ele me chama e eu olho pra tela — Eu consigo rastrear todos os cartéis
graças aos I.Ps, tudo. Carros, informações, acesso a tela-morta de cada um, Webcam, saída de
áudio, tudo. Jon é foda!!! Eu fiquei de fazer os documentos de seus sogros, mas ele quis que eu
cuidasse de tudo aqui, acho que porque você o deixou de fora. Jon tá sofrendo! — ele vira a
cadeira e me olha — Ele te ama, vai te perdoar, só está magoado! Meio que não se sente mais
especial pra você, já que você o deixou de fora no lance da morte falsa! Mas ele te ama, vai
superar.

— E você? Você me ama?

— O quê?

— Você me ama, Miguel?

— Amo, claro! Que pergunta sem noção! — ele olha para William sem graça, e volta a me olhar
nos olhos — O que aconteceu? Sobre o que quer falar comigo?

— Quero saber o quanto me ama, e o que é capaz de fazer por mim!

Pergunto e vejo pelas câmeras, quando Laura parecia discutir com meu pai na copa.

— Sou capaz de tudo e qualquer coisa por você!

— Me perdoou pela...

— Sei que fez o que precisou! Não é à toa que comanda tudo isso! Sofri com tua morte, mas não
fiquei surpreso ao saber que estava viva! Cogitei essa possibilidade. Era realmente uma solução
foda! Difícil, mas, eficiente. Sofri, mas passou! Temos você de volta, e é isso o que importa!

Ele fala, ganha um abraço meu, e Laura entra na sala.

— Oi, princesa! — ela me abraça e depois cumprimenta William — Posso dar uma palavrinha com
você??? Rapidinho.

— Claro! — ela queria me impedir de falar com Miguel — Um minuto!


Olho para Miguel e ele me encara. Tento passar só com o olhar o que eu queria dizer, e ele
entende. Fiquei mais de dez segundos olhando em seus olhos, e isso queria dizer que, a partir
daquele momento, ele precisava ficar atento em tudo. Era um alarme.

— Vou falar com a mãe e já volto. Enquanto isso, preciso de um favor! Quero que esse vídeo
chegue em todas as telas-mortas do país. Quantos são?! Ainda quarenta?

Me aproximo do teclado, entrego meu celular para ele, ele vê que eu liguei a saída de áudio do
seu laboratório e a entrada de áudio da quarentena toda, junta um mais dois e por isso não diz
nada, e então eu aperto o botão de permissão para compartilhar e reproduzir o meu vídeo. Fui
discreta e Miguel entendeu tudo. Eu o treinei, se ele não entendesse, eu me jogava da ponte.

— Sim. São quarenta!

Ele fala um pouco entristecido, e eu continuo.

— Certo, quero que o título seja um de quarenta e um. Quero que deixe claro que apagaremos um
por um incluindo a própria cúpula, e quero que você fique mais atento nos acompanhamentos! O
cartel do Roger sequestrou a família de William...

— É, eu soube. O Jon disse que Manuela estava de olho na família dele!!!

Miguel olha para William com pesar.

— Manuela está um pouco atarefada demais, chegou depois de mim! Ligue para o Jon e faça ele
ir buscar Barbara, certifique-se de que ele permaneça lá até William chegar para levarmos a
família até o aeroporto. Depois disso, fique focado em rastreá-los e saber sobre seus planos,
principalmente Chong! Já tem um tempo que ele está sondando Barbara, se lembra?! — ele
confirma — Então, envia esse vídeo, pergunte na descrição, quem será o próximo, e observe cada
detalhe. Podemos ter retaliação ao invés de desistências. O cartel do Roger tem aliados, não sei
quem são, só Fred, mas tem! Aliás, manda uma mensagem para Fred. Eu já volto!

Eu falo, beijo sua face, e saio com Laura ao meu lado, e sob um olhar preocupado de William.

— O que foi?!

Pergunto assim que entro no laboratório de Miguel.

— Não conte nada.

— Quanto tempo te dei?! Quantas oportunidades eu te dei?!

— Ele é meu filho, é meu filho!


Ela chora e minha garganta se aperta.

— Ele vai entender! Sei que vai...

Abraço a teimosa e choro junto.

— Ele vai se revoltar, vai me odiar e quando conhecer aquele cara, vai se odiar. Tô com medo.

— O que foi que realmente aconteceu? Me conta!!!

— Chong foi uma encomenda pessoal da antiga Glenda de Manaus. Achei que ele estava morto,
foi um tiro no peito, não sei como ele sobreviveu!!!Quando eu fui verificar seus sinais como sempre
fazia, eu senti Miguel se mexendo apavorado embaixo da cama. Ele já estava lá, Chong o
escondeu, o protegeu de mim! Mas eu... eu teria adiado! Juro por tudo que é mais sagrado que eu
nunca teria tentado nada contra Chong se eu soubesse que ele estava em casa cuidando do filho.
Eu não sei o que Chong tinha contra a Glenda, era ele no Japão e ela em Manaus, não sei porque
tive encomenda fora do país, recebi milhões para ir até lá! Mas eu sei que Chong veio pro Brasil e
se aproximou da outra Glenda, propositalmente! Só para saber a meu respeito, Glenda me
protegeu enquanto pôde, eu sei disso, ele me caçou durante muito tempo! Esperou pacientemente
para aparecer...

— Mas, essa encomenda... Mariah já era nascida! Eu me lembro! Miguel nem falava português
quando chegou!!! Tu não tinha parado de matar assim que ela nasceu?!

— Glenda se encontrou comigo, era um dinheiro absurdo, eu sabia que ia dar conta, e também era
um futuro maravilhoso para Mariah, para vocês!!! Você sabe, seu pai tem muito dinheiro, ganha
bem com os dois hotéis que têm, mas não tem tanto assim! Fiquei cega pela ganância, era um
dinheiro incrível! Aceitei, falei que tinha uma palestra organizada pela força aérea brasileira e ele
acreditou. Voltei com Miguel pro Brasil, e ele o amou logo de cara! Eu disse que tinha adotado de
"boca" e documentos, com uma japonesa que precisava de ajuda, não tinha grana, e nem
condições de cuidar dele.

— Então meu pai não sabe?!

— Ele suspeita! Yan me conhece. Sabe que tem algo nessa história que não parece certa, mas eu já
falei para ele, falei que não podia dizer nada, que nosso casamento estava em jogo, e que eu fiz
o que fiz, por amor a Miguel, e seu pai ficou satisfeito em só ouvir o suficiente. Não entendeu, mas
concordou em não fazer mais perguntas, ele ama Miguel, ama nossa família.

Você sabe que o relacionamento que ele teve com tua mãe foi muito traumático! Ele sofreu demais,
e cogitar a possibilidade de me perder e desmanchar nossa família, o destruía! Mariah e Miguel
são a vida dele, ele sabia que os dois sofreriam... teu pai não fez mais perguntas, mas depois do
episódio em Bagé, começou a ficar incomodado. Eu tinha prometido, Cat, não mais matar, não mais
machucar ninguém, nunca mais voltar para aquela vida, pelos dois, pelos nossos filhos e pelo nosso
casamento, mas eu não cumpri a promessa! Seu pai nunca vai me perdoar por ter mentido a
origem dele, eu nunca podia dizer, eu ia ter que falar que matei o pai dele, e trouxe o menino
para casa, e então ele ia entender que havia casado com um monstro! — ela chora demais — Eu
descobri anos depois que Chong sobreviveu, e que era da Yakuza. Ficar em silêncio garantiu nossa
segurança e a própria segurança do Miguel! Eu só contei pro Tay, eu precisava dividir com alguém
porque se algo acontecesse comigo, ele estaria ciente! Ele não pode saber nunca, Cat, não conta,
por favor!!! Eu só trouxe Miguel porque me arrependi assim que o vi debaixo da cama, eu tinha
"tirado" a vida do pai dele, então deixei o moleque, que nem mãe tinha, sem o pai! Ele não tinha
ninguém. Eu me apaixonei por ele de cara, me apeguei!!! Eu sinto muito, eu estou remoendo isso
durante anos, me perdoa! Me perdoa! Eu lamento muito!

Laura chorava de soluçar. Eu nem sabia o que fazer ou dizer, só a abracei.

— Por que Chong entrou pra tela-morta?

— Eu não sei! Me desculpe! Glenda disse que ele atrapalhava um negócio que ela tinha começado
a fazer no Japão! Estava prejudicando a entrada de grana nas contas dela! Não quis se abrir
muito!

— Qual é o nome verdadeiro dele? Você sabe?

— Isao! — ela tenta parar de chorar, mas não consegue — Mas é Miguel! É meu Miguel!

— Isao significa homem de méritos, homem corajoso! — eu sabia porque falava japonês
fluentemente — Ele precisa saber quem é, Laura! Miguel precisa saber sobre as suas origens,
sobre seu próprio nome! Já chega de sofrer por isso. Como minha vó sempre diz, guardar coisas
ruins dentro de si, vira câncer. Não estou tão adepta desse modo de vida como dona Hella está,
mas não desejo isso para você, não! Se livra dessa dor e conta para ele! Miguel tem direito de
saber!!!

Eu me solto dela e beijo seu rosto.

— Eu tô do teu lado, nem poderia me dar ao luxo de apontar um dedo na tua cara! A última que
aprontei ninguém supera, nem você!!! Você é minha mãe, sempre me deu muito amor, só sou o que
sou, grande parte por tua causa, e Miguel só é Miguel, graças à você e ao papai! Ele vai te
perdoar e te entender. Eu, ele e Mariah amamos muito você! Agora, eu acho que deixei o botão de
saída de áudio ligada sem querer, então, — eu lamento muito — vai falar com meu pai, que eu
vou ver como Miguel está! Eu lamento muito tudo isso! Lamento muito. Mas agora Chong está a solta
e está a um passo de se aproximar de nós, afinal, o filho dele está com a cabeça a prêmio! Jon me
garantiu, então não tive outra escolha, preciso proteger meu irmão, seja lá quem Chong for... eu
não podia esperar mais! Me perdoa!

Eu falo, dou mais um beijo em sua face molhada, ela confirma parecendo aliviada por aquilo ter
acabado e eu sigo até a sala.
Entro, tranco a sala com uma senha que só eu tinha e ninguém sabia disso, e espero pela pior
reação que ele poderia ter.

Miguel repousava sua testa na mesa, e William permanecia de pé e de braços cruzados,


extremamente preocupado, e agitado. Os quatro haviam escutado tudo

— Ei...

Ele sussurra, me abraça, mas logo me solto dele para me aproximar de Miguel.

— Quanto tempo faz que você sabe de tudo isso?

— Eu não sabia! Desconfiei de tudo naquela noite, e só agora soube de tudo, junto contigo! Eu só
juntei um mais dois, não sou boba, ela fez de tudo para eu não te deixar ir atrás dele. Vai dizer
que não suspeitou?! O cara é tua cópia!!!

Eu pergunto, ele levanta sua cabeça, olha pro nada, fica em silêncio, e eu espero aflita. Sinto minha
boca seca.

— Você sempre soube que era adotado, ela nunca mentiu sobre isso, e agora você sabe quem é
teu pai de verdade! Também não posso exigir de você que você não faça um drama colossal, é
tua vida, são tuas origens, mas por agora, preciso da tua ajuda e do teu equilíbrio para continuar
protegendo a família, e então você pode tirar essa história a limpo com os dois, depois que a
poeira baixar! Você disse que me ama e é capaz de tudo por mim, você é meu irmão, eu preciso
de você agora! Eu sei que tô pedindo demais, mas eu preciso de você agora!

Enquanto eu falava Miguel tinha um semblante de fúria em modo máximo. Eu podia ver labaredas
controladas em seus olhos, mesmo ele olhando para a porta e não para mim! A qualquer momento
ele ia explodir!

— Jurei morrer pelo cartel, sobe teu comando!

— Não quero se "sacrifique" ou sacrifique sua raiva e seu sofrimento por um juramento! Quero que
pegue leve e respire fundo, pelo menos por agora, porque nossa família precisa da gente unido!

— ENTÃO PORQUE JOGOU A MERDA NO VENTILADOR AGORA, PORRA??? COMO EU VOU


FINGIR QUE NÃO OUVI NADA DO QUE AQUELA... MULHER CONFESSOU???

Miguel voa em direção a mim, mas a arma engatilhada de meu protetor e noivo já estava na
têmpora dele antes mesmo dele me tocar.

— Vai se afastando, ching-Ling! Devagar...

— Está tudo bem, William, se afasta dele e abaixe essa arma!


Eu falo e me arrependo de ter deixado ele vir. Mas que saco!!!

— "Tá tudo bem" é o caralho! Vou me afastar quando ele se afastar de você, e se ele der mais
um passo em sua direção, vou estourar seus miolos orientais! Tem que conversar, vamos conversar,
mas não precisamos fazer isso com a mãozinha dele no seu pescoço, ou no seu olho esquerdo!!!

William diz decidido e eu desisto. Quando desisto, Miguel se afasta o fulminando com o olhar
vermelho de pura raiva.

William não guarda sua arma, e nem sai do meu lado, e eu achei isso fofo, mas estava nervosa
demais para dizer aquilo naquele momento.

— Eu te contei porque preciso sempre pensar primeiro, Miguel! Eu preciso sempre ser esperta e
pensar a longo prazo, e se eu não fosse assim, nosso cartel já tinha rodado. Para mim está mais do
que óbvio o que vem a seguir. A cúpula te incluiu na lista negra deles, Chong não vai deixar, veio
até aqui por você, quis que a Laura te falasse dele, ele quer te conhecer, quer saber do filho dele,
então... como eu disse, eu não sei quem é Chong, não sei o que espera por você! Mas eu sei do que
um homem é capaz quando é enganado ou traído. — olho para meu protetor brevemente e me
sinto mal — Chong odeia Laura com todas as suas forças, e vai fazer sua cabeça contra ela,
fazendo o papel do pai que teve o filho roubado...

— Mas essa é verdade!!! Não é?! O cara teve o filho roubado! Eu fui arrancado do meu próprio
pai! ESSA É A VERDADE!!!

— Que verdade? Que verdade??? Você não conhece aquele cara, sabemos o quanto ele é
sanguinário! Mas você conhece a mãe! Ouviu Laura, ela não queria, era a lei e é até hoje, na
frente de crianças: Não!!! Ela lamenta, ela não teve escolha a não ser te trazer e pagar pelo que
fez te dando a melhor família que você poderia ter... Aconteceu, tá legal?! Você faria o mesmo, eu
faria o mesmo! E ela só não te contou por medo de sua reação! Pensa o que quiser e como quiser,
está no seu direito! Só não duvide do amor que ela sente por você, e principalmente, não desenhe
o Chong como o pai sofrido, pelo menos não até conhecê-lo realmente. Se ele for um cara digno, o
que eu duvido, ele vai entender que a Laura só recebeu ordens, e que ela fez do filho dele, um
homem digno! Afinal, ele era da Yakuza, é um assassino! Ele pouco pode criticar a Laura!!! Até
descobrirmos o porquê ele entrou para tela-morta: ele mereceu! E principalmente, você teve sorte
em ser tirado de um cara como ele! Você teve uma infância, e teve valores! Tente não a julgar
tanto, ela só estava fazendo o trabalho dela, trabalho esse que exercemos até hoje! Antes de
querer ficar puto com ela, pensa no tanto de crianças que nós deixamos órfãos. Eu não tenho a
menor condições de julgá-la.

Eu falo e ele nega chorando.

— Bom, eu vou te dar um tempo, preciso ir cuidar dos meus sogros, ir para instituição, resolver
muita coisa! Eu tenho um plano, Chong vai fazer com que você se volte contra nossa família, contra
Laura, contra MIM, mas podemos reverter isso a nosso favor, nos protegendo ou trazendo-o para o
nosso lado!!! Mas se você não me ajudar, meu irmão... se você se deixar levar, muito provavelmente
estaremos em lados opostos! Vai por mim, sei que isso vai acontecer como eu soube que você era
filho dele só de ver aquela sala toda destruída! Eu não quero ter que presenciar você nos
deixando. Conversa com a Laura, escute-a, reflita, e... tente perdoá-la, a gente te ama, não nos
abandone, Miguel!!! Você disse que me ama, então, por mim, pelo papai, e pela Mariah: não nos
deixe, não deixe essa situação te tirar do foco!!! Eu tranquei a porta, não vou deixar você sair se
eu ver algum indício em ti, que me diga que você vai machucá-la! Não vou permitir.

Digo de uma vez e ele me olha nos olhos.

— Não. Não vou matá-la, apesar de achar que morte é pouco para ela! Passei minha vida
perguntando se ela sabia algo sobre meus pais, essa mulher mentiu para mim a minha vida toda!!!
Mas não, não vou matá-la! Você pode ir! Eu preciso pensar.

— E eu preciso que você...

— Mandei o SMS assim que você saiu, parei quando o áudio entrou, vou colocar o Fred aqui para
ficar de olho, e vou mandá-lo enviar o vídeo e falar com Jon! Pode ir! Suas ordens serão acatadas.

Ele fala e eu me abaixo.

— Eu te amo muito! Você ainda me ama? Me diz...

Eu pergunto, ele olha nos meus olhos por um momento, volta a olhar para a parede, e eu vejo uma
lágrima cair de seus olhos.
Ele não confirmou nada, e eu sabia o porquê.
Dependendo do que acontece, o amor pode desaparecer de dentro da gente...

— Arrume suas coisas, você vem comigo!!!

Entro na quarentena e encontro uma Mariah assustada no sofá.

— Não vou sair de perto dele!!!

Ela fala chorando e olhando para a tela, que tinha em todos os cômodos, e ali, mostrava um
Miguel arrasado e debruçado na mesa, como estava anteriormente. Chorava compulsivamente.

— Não discuta comigo, Mariah! Não me faça te socar pela primeira vez na vida, merda!!! Vamos
logo!!!

Puxo seu pulso com força e ela se afasta com grosseria.

— Eu o amo! Eu não vou sair de perto dele! Ele fica calmo comigo por perto, eu sei disso!!!
— Isso é o que eu tô...

— Agora não, William! — respiro fundo — Mariah, nenhum beijo no mundo é capaz de tirar a
fúria que ele tá sentindo agora, não dele! Por favor, é mais seguro você e o papai se afastarem
dele! Pelo menos enquanto ele estiver nervoso. Eu não sei se posso proteger alguém das mãos
dele!!!

— Ele nunca me machucaria, nunca machucaria o papai e a mamãe! Vai embora! Vamos ficar bem!

— Ele gosta de você, como você gosta dele?

William pergunta, ela me olha entristecida, e só confirma com a cabeça. Eu pensava que Miguel
estava tendo juízo, mas pelo jeito não.

— Então vai ficar tudo bem! — William me olha com carinho — Um beijo pode sim, acalmar um
inferno dentro da gente, vai por mim, sei do que tô falando! — ele sorri — Nesse caso aqui, com
teu irmão, só o tempo pode ajudar, ele precisa de alguns minutos de paz, e amor! Você já fez o
que precisava, bebê! Vamos para casa resolver mais um problema.

Ele me abraça, deposito um beijo no topo da cabeça cheia de cabelo liso da pirralha apaixonada,
e saio de lá com o doutor entrão. Eita, homem entrão!!!

— Sabe que sou o homem mais orgulhoso do mundo, certo?!

Ele questiona no carro e eu nego.

— Sou sim, você é a mulher mais incrível que já conheci! Você é brilhante!

— Não pira!

— Tô falando sério! É perspicaz, tem razão sobre o Ching-Ling-pai! Vocês vão enfrentar todos os
cartéis, e tu ameaçou a cúpula adicionando mais um número na lista, ele vai querer o filho do lado
dele, e vai usar isso contra vocês.

— Eu não vou deixar isso acontecer! Não posso!

— Tá, mas e se acontecer? E se ele mudar de lado? Eu acho que, na situação dele, até eu mudaria!
Esse tema aí, você mesma sabe que é complicado, são nossos pais, nossa família! Querendo ou não,
mesmo sem querer, tua madrasta tirou um menino dos braços do pai! Bem ou mal, o cara era tudo o
que o moleque tinha! Ela o privou de conhecer o próprio pai! O cara foi criado pela 'assassina' do
pai dele. É muito pesado...

— Eu sei disso! Sei que é pesado! O que eu fiz foi só tentar acalmá-lo! Laura ama o Miguel! Ele
não pode esquecer disso! Somos a família dele, nós amamos ele!
Eu falo e William tira os olhos da estrada para me olhar!

— O que vai fazer?

— Esperar. Ver o que ele vai fazer! Se ele ficar do meu lado, farei ele ganhar a confiança do
cara, ver qual é a dele, e então decidir!

— E se ele fazer uma lavagem nele?

— Eu preciso conseguir separar as coisas, William! Ou Miguel está com a família, ou ele não está!
Se ele decidir cair na pilha daquele cara, não terei escolha! Eu não quero pensar tão longe, quero
acreditar que Miguel não dará confiança para ele, espero estar errada, mas suspeito de que
Chong nem de longe é confiável! Ou ele está comigo ou contra mim, e ficar contra mim é assinar
uma sentença de morte!

Eu respondo com dor, sinto meus olhos se encherem de lágrimas, fito a janela, e sinto uma sensação
horrível. Um aperto no coração.
Não importava o que acontecesse, ninguém machucaria aqueles que eu amava. Ninguém.

— Tem certeza que não quer ir lá primeiro? Por que mudou de ideia???

— Acho que tô adiando! Depois eu vou! Tô com medo de ver aquele olhar nela! Aquele olhar do
Jon, do meu pai...

— Jon está magoado, mas seu pai já te perdoou faz tempo! Tudo vai se ajeitar!

William resmunga, vemos alguns funcionários de Jon na porta, junto com Mat, que pelo jeito seguia
o caminho do pai, e ao abrir a porta com chave, damos de cara com um Jon em estado de alerta.

— Fred me ligou...

— Eu sei, foi eu quem pedi! — digo para ele, e entro de uma vez — Tudo pronto???

Encaro seu Francisco e ele sorri confirmando. As malas dele, do Tiago e de dona Maggie já
estavam no sofá!

— Quanto tempo temos?

William questiona Jon, e o mesmo encara o relógio!

— Bom, temos duas horas! Tempo o suficiente para irmos até o aeroporto. Mas eu preciso que a
advogada colabore e venha conosco, Manuela está a caminho para levá-la pro lugar seguro, mas
ela se recusa! Disse que ia trabalhar!!!
Jon parecia impaciente.

— Bom se ela se sente segura para trabalhar, deixa ela se virar. Não podemos obrigá-la à ficar
viva.

Eu falo e nem olho para o delegado. Queria evitar a fadiga.

— Não quero ficar entrando e saindo de lá. O espaço é uma fortaleza, mas não podemos abusar.
Ela precisa ficar quieta em um local ‘escuro’ e esperar tudo isso passar.

— Eu vou falar com ela!

— NÃO! NÃO VAI, NÃO!

Olho para o delegado preocupado e ele volta a ficar puto.

— Eu tô cheia de problemas, muitas coisas para me preocupar, e eu quero que a sua vadia se
exploda! Se ela não quer proteção, ela não terá! Não estamos lidando com criança birrenta!

— Deixa que com ela eu me entendo! Vou falar com ela, ela vai colaborar! Eu também não posso
ficar me preocupando com ela, vou voltar pra delegacia, terei um monte de B.O pendente pra
resolver. Não posso ficar me preocupando com ela!

— Ela não é mais sua responsabilidade. Você tem que se lembrar que não estão mais juntos! Deixa
ela viver a vida dela! POR QUE você se importa???

Eu fico alterada junto com ele e a criatura nojenta da mãe dele entra na sala.

— Ele se preocupa porque amor não acaba de uma hora para outra. Eles estão juntos desde
criança, não é porque você destruiu um casamento planejado há anos, que você vai conseguir
arrancar o sentimento dos dois.

Ela fala de cabeça erguida e tirando, pelo que me parece, seus óculos de grau de sua bolsa de
mão.

— Não é nada disso, tem como não se intrometer???

Ele grita com ela e eu me sinto tonta. Me sento no sofá antes de cair de fraqueza e espero o
sangue escorrer, mas ele não vem. Eu havia tomado o remédio, ele me livrou da hemorragia, mas
como não tomo corretamente, não me livrou da tontura.

— Eu ficarei bem, não vou deixar de trabalhar por causa de ninguém. Eu tenho um julgamento
para defender, e esse caso virou pessoal! Borges é inocente, só estava fazendo o trabalho dele e
não merece ser prejudicado. Vou defendê-lo, nem que isso custe a minha vida. Fiz um juramento,
prometi exercer a advocacia com dignidade e independência, e no meu caso, farei isso enquanto
respirar.

Ela sai do quarto também de cabeça erguida, já arrumada, e com sua bolsa. Pronta para sair.

— Você só quer chamar a minha atenção, Barbara... mas esse não é o momento! Tem muito mais em
jogo do que somente seu ego, aqui.

William a encara possesso e ela sorri.

— Sim, quero chamar sua atenção, senhor soberano e gostosão! — ela é irônica — Mas também
quero trabalhar, afinal, não nasci em berço de ouro, nada foi fácil para mim! Tenho que ralar muito
para conseguir o que eu quero, e conseguir com dignidade, sem machucar ninguém, e
principalmente, com valores éticos, é o que importa para mim!

Ela fala isso olhando nos meus olhos e eu sinto minha arma implorar para ser usada, ela queria me
ver perder a razão, naquele momento todo mundo achou que eu ia perder a razão, e eu queria
muito perder a razão, mas eu não podia matá-la, se eu fizesse isso, William sofreria, mas eu
queria machucá-la com todas as minhas forças. Eu queria aquilo como jamais quis algo em toda
minha existência medíocre.

Sinto meus olhos esquentar, uma fúria de proporções catastróficas tomar conta de todo o meu
corpo, e minhas mãos soarem frias além de tremer. TODO MUNDO na sala, me encarava e apenas
esperava pelo pior.

— Você já pode ir então, vai se atrasar!

Eu forço uma voz 'normal', mas quase não sai!


Ela que estava sorrindo triunfante, perdeu um pouco a pose ao entender que eu não ia surtar, mas
logo se recompôs.

— Eu vou! — ela ergue a sobrancelha — Mas eu volto!!!

Ela diz em alto e bom som, arruma a bolsa no antebraço, e sai rebolando.

Sinto meu corpo todo ficar gelado por dentro e seguro a respiração.
Sabe quando você toma aqueles shakes gelados demais, não ameniza a temperatura na boca, e
ele desce te destruindo e fazendo seu cérebro parecer morrer por cinco segundos? Dói demais,
né?! Eu sentia aquela sensação no corpo todo.

— Ela realmente não pode dar mole sozinha!

Jon resmunga receoso para William e sinto o olhar dos dois em cima de mim. William lamentava, e
Jon lamentou ter que dizer aquilo.
— Ajude seus pais com as malas! Por favor!!!

Eu olho para Tiago implorando que ele entendesse minha situação atual, ele assente, me
cumprimenta com um beijo leve na face, e tira os dois de lá. Antes de sair, seu Francisco pede que
eu permaneça forte e centrada, me dá um beijo também, e se retira.

William olha para mim mais uma vez, coça a cabeça, e parece querer morrer.

— Eu...

Ele começa falando, mas entende que nada do que ele falaria naquele momento, ia resolver ou
amenizar a situação, então decide por ir cuidar de sua ex-noiva, como tinha que ser. Sua atitude
me mata por dentro. Me destrói.

— Eu sinto muito por tudo o que você tem que carregar sozinha!

Jon tenta, mas não consegue. Permaneço apertando a base do sofá e respirando com dificuldade.

— Estou colhendo o que plantei quando decidi seguir esse caminho.

Eu respondo com convicção, ele se ajoelha na minha frente, toca meu rosto, eu deito em sua mão, só
para matar um pouquinho da saudade que eu estava dele, e ele beija demoradamente a minha
face, em silêncio.

Seu abraço é reconfortante, mas nada ia fazer aquela dor passar, nem mesmo o perdão que eu
tanto queria dele.

— Eu te amo, princesa! Te amo muito!

— Estão te esperando! Vai! Quero ficar sozinha!

Eu falo e ele obedece após um beijo demorado na testa.


Quando ele sai vou para a varanda, e tento voltar a respirar, sem sucesso. Eu sentia novamente o
cheiro da morte em mim.

Pensei que conseguiria quebrar a casa inteira para ver se conseguia extravasar toda a dor e
raiva que eu sentia, mas quando todo mundo saiu, e eu fiquei sozinha, só restou a dor. Nada mais...
só a dor.

E foi por isso que quando percebi aquilo, aquela ausência de fúria e o que ela significava, peguei
o carro, parei no portão com o desenho de um horizonte, com um arco-íris que eu ajudei a pintar, e
entrei.

Estava tudo quieto demais, era a hora do almoço, então o quintal estava vazio.
A senhora mais doce e generosa que eu conhecia, limpava um prato jogando as migalhas em um
balde, e em um rompante, olhou pro céu.

Aquele tempo bonito que ela vivia, passou. O céu fechou, e parecia que ia chover. Eu cheguei e
junto trouxe o tempo ruim que minha vida era. De novo.

Foi por isso que ao ver o tempo fechar, ela colocou a mão sobre o coração, e depois me encontrou
no canto extremo do quintal, perto da laranjeira onde eu ficava contando histórias para as
gêmeas, quando não tinha mais tarefa nenhuma para ser feita.

Ela sabia que eu estava ali, assim que o brilho do sol desapareceu, mas ela não parecia se
importar com aquilo. E por isso eu garoei, molhei suas roupas no varal, e ela também não se
importou.
A PERSONIFICAÇÃO DA MORTE

— E então? Vai fazer o quê? Me bater, me ofender???

Barbara me esperava na porta do meu carro, sabia que eu viria atrás dela, sabia que eu não a
deixaria sozinha. Já esperava por isso.

— Eu te agredia porque ficava puto contigo, ficava irritado, porque sentia ainda, alguma coisa
por você. Mas hoje não. Minha maior preocupação é perder Catarina. Eu não me importo com
você, só não quero ver você morta, você não significa mais nada, e eu nem queria estar perto de
você, se você quer saber. Só tenho repulsa! Ela tem razão, seu perfume é horrível, você é horrível!

Eu resmungo, entro no carro, ela hesita ao ouvir o que eu disse, e senta no banco do carona com a
cara amarrada.

Eu penso bem antes de falar.

— Antigamente eu achava que você merecia alguém melhor, te achava uma mulher de princípios,
digna, uma mulher que se amava... eu não te amava, não era amor, mas eu admirava você como
pessoa. Hoje, eu tenho vergonha. Tenho vergonha de ficar no mesmo ambiente que você, sinto que
as pessoas nos olham e pensam: 'Nossa! Ele ficou com essa mulher por anos...?'. Eu nunca conheci
você realmente! Eu me sinto enojado!

— Por que está me dizendo essas coisas? Também não te reconheço!!!

Ela se faz de louca e eu nem ligo o carro. Só quero soltar tudo o que eu precisava... estava cheio
dela!

— Você sabe muito bem que eu nunca voltarei pra você! Você não está fazendo isso pra me ter
de volta, está fazendo por capricho, por maldade! Você, Barbara, se tornou uma pessoa ruim. Eu
tenho vergonha de você, mesmo se você conseguir afastar Catarina de mim, eu nunca ficarei com
você! Farei o que for possível pra te manter segura enquanto esse inferno perdurar, mas depois,
passarei a fingir que não mais te conheço! Não vai se aproximar de mim, não vai botar os pés na
minha casa, não vai sequer dirigir o olhar a mim, e eu vou te desprezar como tanto desejo e como
você merece! Você não terá nem meu respeito.

— Nossa, falando tão bem de mim! Falou o namorado da santa Catarina.

— Ela não é santa! Não gosto de santas. Gosto das malvadas, mas tem uma grande diferença
entre vocês duas! Ela é maldosa com ótimas justificativas, você nem justificativa tem! Tu só tem ego!
Tá com o orgulho machucado demais! Deve tá doendo muito!!! Quer chamar minha atenção
enquanto dá pro meu irmão menor de idade até o dia nascer! Você tem que lavar sua língua pra
falar dela, pra falar do trabalho dela e de tudo o que ela tem! O que você tem é inveja! Catarina
tem independência, tem a mim, mesmo sem necessariamente precisar de mim, e isso te mata! Ela é
forte, inteligente, bonita, dedicada, perigosa e respeitada! Tudo o que você deseja ser e nunca
será! Ela tem amigos, tem um NOIVO, não namorado, tem uma família que a adora e você só tem a
minha mãe, que é tão parecida com você que chega a me assustar. Você só consegue minha
atenção desse jeito, jogando sujo, querendo se aparecer, gerando intriga entre a gente, e
causando um caos por onde passa. Já minha mulher tem brilho próprio, chama mil vezes mais
atenção só de estar presente em silêncio! Você é menos que nada perto dela!

Eu desabafo, e vejo seus olhos se enchendo d'água.

— Você quer ser superior fazendo o que critica. Eu jogo baixo, e você está fazendo a mesma
coisa agora! Quer me machucar com palavras horríveis! Me diminuindo e me humilhando.

— Não quero te machucar, tô sendo sincero, tô falando o que eu penso de você! Se eu quisesse
mesmo te machucar, falaria isso tudo na frente de todo mundo! Mostraria o quanto te desprezo na
frente de todos, mas não fiz isso, e nem vou! Pra mim basta VOCÊ saber que nesse momento eu
gostaria de estar fazendo qualquer coisa no mundo, menos olhando pra essa sua cara nojenta! Vai
acabar com a minha vida, afastar Catarina de mim, porque nesse momento tô sendo seu segurança
particular e não cuidando dela como eu deveria, mas pelo menos você vai ficar bem ciente do que
eu penso de você!

— Pelo menos você sente alguma coisa! Pior se não fosse nada!

Ela fala com o semblante endurecido e eu dou risada.

— O que você prefere? Viver uma vida "sem nada", ou uma vida "desgraçada"? Quem não tem
nada nessa vida ainda pode vir a conseguir, mas quem vive na desgraça perde as esperanças,
Barbara, ou dependendo do psicológico, até desiste de tentar! Se joga da ponte, joga tudo pro
alto! E em falar em se jogar da ponte, eu tenho até um conselho pra ti! Catarina pode se segurar
pra não te machucar, pra não me ver mal. — eu olho em seus olhos — Ela pode não matar você
para não me perder... mas você está jurada de morte por uns trinta bandidos do mais alto escalão!
A cúpula! Uma organização criminosa que nunca falha, mata bandido, político, artista, empresários,
e até advogados metidos á bestas... é por isso que nem sair do país você pode, então... acho
melhor você baixar sua bola, porque Catarina é poderosa, mas é uma só.

Ela pode chegar tarde, pode dizer que tentou de tudo, e a família dela pode não dar cem por
cento de si para te manter viva! Então, pensa bem se vai continuar com as provocações,
principalmente quando a família dela trabalha pra manter esses assassinos fora de seu caminho.
Se é que eles continuarão te ajudando! Mesmo porque, se meu noivado com ela acabar, não
teremos nenhum vínculo, e sem vínculos, nenhum deles, inclusive ela, precisarão se esforçar por uma
coitada que eles nem conhecem, como você! Para de querer humilhar e prejudicar quem está
tentando te manter viva. Não seja tão burra! Antigamente, quando você não era uma vadia
asquerosa, você era mais esperta.

Eu falo, arranco com o carro e só paro quando chego na porta do fórum, destino final dela.

— Sai!

Abro a porta, olho pra frente, e nem vejo ela entrar. Corro de volta pra casa, e quando entro, não
a encontro. Ela já tinha ido.

A casa estava inteira, ela não pirou, não surtou como eu achei que surtaria... eu só não sabia se
isso era bom ou ruim. Algo me dizia que era muito ruim! Não botar pra fora era muito pior!

Todo mundo esperava que ela colocasse a casa à baixo quando Barbara a provocou.
Principalmente Barbara, e eu acho que eu ia gostar se ela explodisse, se ela libertasse aquilo. Eu
daria cinco minutos á ela, sem perder “o noivado”. Catarina estava levando uma bomba atrás da
outra no meio do peito, ela precisava extravasar.

Ter que ir atrás da Barbara, naquele momento, me deixou péssimo. Deixá-la pra fazer o
segurança de Barbara acabou comigo, e sei que acabou com ela. Mas infelizmente, não posso
fazer de outra forma.
Se Barbara morre porque eu não a protegi, eu nunca iria me perdoar. Faria a mesma coisa por
meus pais, Tiago, amigos, família... Barbara se tornou uma mulher amarga, sem escrúpulos, mas não
merecia morrer por causa disso. Não por causa disso. Se eu decido que a partir de agora, eu vou
mandar ela ir pra putaqueopariu, e ela morre, como vou dormir? Eu nunca ia esquecer aquilo! Eu
não viveria com plenitude. Não era do meu feitio fazer aquilo, eu não podia!

Mas eu sentia que a Cat estava muito magoada comigo, muito... eu estava decepcionado comigo
mesmo, triste e com muito medo. Se ela romper comigo, eu não sei o que serei capaz de fazer. Eu
ia enlouquecer. DE NOVO!

Ligo em seu celular e ela não atende, tomo um banho, visto o social para trabalhar, sigo para a
instituição e vejo o portão trancado. Aquele portão nunca fica trancado. Deu vontade de arrombar
e entrar de uma vez, ela estava lá, só não queria me ver.

— Seja bem-vindo de volta, doutor!


Manuela sorri e eu desligo a ligação ignorada pela milésima vez. Só queria ver como eu ia
trabalhar sem conseguir falar com ela.
Eu a amo, eu precisava dela na minha vida. Eu não só queria, eu precisava.

— Algum mandado da lava-jato? Mágino chegou a assinar?!

— Assinou! Assinou sim! Eu não quis deixar acumular, então tramei com a ajuda do Pedro algumas
apreensões sem seu consentimento. Só que você precisa assinar imediatamente! Tá tudo de acordo!
Você pode conferir. Depois que assinar, adiantaremos e muito a lista que chegou do STF, seu
afastamento não foi a público graças ao Pedro, também. Enfim, tudo ok! Só preciso que você assine
para mim, se puder AGORA, para que eu e Pedro não percamos nossos empregos, e que você dê
uma olhada com esse seu "olhar" brilhante no caso do tráfico humano! O arquivo está bem aqui...

Manuela vai falando e parece bem animada por me ver de volta.

— Pelo jeito tu já pode ser delegata, hein, minha filha?! Tá ótima, parabéns!!!

Eu falo e ela abre o sorriso pra mim, como sempre.

— Não, obrigada! Prefiro assim, ser uma ótima encarregada, ganhar um elogio desses, e ter você
de volta, porque eu já estava cansada! Seu trabalho é punk demais!

— Tá. Tu prefere trabalhar pra mim e ganhar elogios meus, do que conseguir o cargo de
delegada?! Tá falando sério?!

— Tô! Se você me acha uma boa agente, já estou realizada. Trabalho para você, você é um gênio,
sou sua aprendiz.

Ela ri.

— Tudo bem! O que você quer?

— É algo simples... — ela fica séria e depois ri — Sacanagem! Vamos trabalhar??? Quero te
mostrar uma das garotas! Como sua sugestão, coloquei o vestido mais curto que eu tinha, e dei uns
pegas no cara certo...

Manuela vai falando e eu vou me re-instalando no escritório. Nem imaginava quanta saudade eu
sentia de tudo aquilo. Minha profissão era tudo pra mim.

— Acho que eu vou entrar nessa. Vou participar da operação! Preciso ocupar minha cabeça
mesmo, vai me ajudar.

— Você tá marcado! Não acha perigoso dar bandeira? Esses caras são barra pesada... e se um
deles fizer parte dessa cúpula que quer tua cabeça?
— Em falar em cúpula, porque tu não impediu aqueles vermes de entrar na minha casa? Para qual
canil eles foram?

— Eu estava na rua! Não vi nada diferente! Os caras entraram em carros comuns, foram
permitidos na entrada! Com escolta armada na entrada, não sei como conseguiram. Eu estava do
lado de fora! Quando entrei, tinha resolvido beber uma água, fizeram tudo na minha cara!!!

— Alguém foi comprado! Vou resolver isso!

— Já estamos resolvendo! Meus homens estão cuidando disso. Eu teria que transferi-los para o
primeiro DP, configurar sequestro e formação de quadrilha, mas aí, você teria que depôr, seus pais,
seu irmão, Barbara... eles estão aqui! Vão mofar até você ter tempo para resolver isso tudo.

— Depois! Mas já viu como funciona! Dá próxima vez: mais atenção! Como Douglas disse, esses
caras são um câncer! Logo mais tem mais deles por aí!

Resmungo, adianto muita coisa que eu precisava, e por isso o tempo correu solto.
Recebi um telefonema de Barbara perguntando se eu ia buscá-la, quase infartei de raiva, e
chamei Manuela pra avisar de minha pequena ausência.

— Vou me ausentar por vinte minutos! Vou buscar o porre no tribunal, se eu não estiver enganado,
é hoje ou amanhã, não sei, a audiência do tal do delator.

Eu falo colocando o terno e ela ergue a sobrancelha.

— Ela ainda está no fórum resolvendo a burocracia de praxe, ficou lá o dia todo, a audiência é
amanhã!!!

— Nem sabia! A filha da puta fala buscar, não achei que era no fórum ainda! — bufo — Eu
deixei ela lá, hoje mais cedo, achei que já era hoje! Tô por dentro de nada!

— Tá, mas... e a Catarina?!

— Nem quero falar sobre isso! Barbara está me infernizando, vai acabar com meu relacionamento.

— Quer que eu vá?!

Ela pergunta e eu paro pra pensar na sua proposta.

— Bom, você me faria um favor imenso! Mas, ligue pro Jon! É pra ela ficar em algum lugar
específico, se é que eles vão ajudar a protegê-la, não sei mais... Barbara está infernizando tanto a
Cat, que eu não sei mais!

— E seus pais...?!
— Tá perguntando demais...

— Não confia em mim?

— Não confio em mais ninguém! Só em mim!

Ela ri.

— Eu não sou da cúpula, doutor.

— Prove!

Eu afirmo, volto a me sentar para voltar para meus papéis e ela respira fundo.

— Eu trabalho diretamente para Jonatas Coverick, há anos! Soube dos planos deles desde o início!

O QUE?

— Como é?

— É isso! Não sou da cúpula, trabalho para uma organização muito mais perigosa! A Família
Coverick!

Ela ergue uma sobrancelha e eu me levanto pra me aproximar dela.

— Entrou aqui pra me investigar?

— Sim. Sou policial, fui realmente transferida, graças a ele! Meu trabalho era delatar sobre você,
seus planos, seu dia a dia e fazer você confiar em mim!

— Por vezes você me apoiou a investigar Catarina!!!

— Se eu tentasse te atrapalhar, o que você pensaria? Saber sobre ela era só questão de tempo,
você ia saber! Você só não podia prender ninguém, nem ter provas contra a família.

— Você destruiu tudo o que consegui...

— Sim.

Ela fala e eu fico pasmo.

— Caramba! Você é uma atriz...

— Sou uma agente da policial federal! Preciso ser atriz!


— E por que está me entregando isso? Agora?

— Porque nunca quis te prejudicar, e nunca irei! Você pode confiar em mim, não sou da cúpula, não
machucarei Barbara! E eu acho que agora estamos do mesmo lado, estamos com a família, então
você pode saber. Tudo aquilo já passou! Fui paga para te vigiar de perto, não para te prejudicar,
mas para proteger Catarina. E eu fiz isso! Gosto muito de você, admiro muito você. Não te
machucaria ou machucaria alguém de sua família por dinheiro nenhum!

— Mas não sabia que ela estava viva? Ou me deixou querer me matar de graça???

— Não! — ela nega veementemente — Ninguém sabia do plano dela, nem Jon, tanto que ele
pirou com ela como você sabe! Quando entrei no APÊ quase pirei! Levei um belo susto! Catarina
tem um cartel, mas na maioria das vezes trabalha sozinha! Prefere assim. Se eu soubesse não te
contaria, não vou mentir... mas faria de tudo para que você descobrisse sozinho, que ela estava
bem! Não ia te deixar sofrer. Eu nunca te deixaria sofrer à toa, vê-lo daquele jeito acabou
comigo!!!

Ela parece ser sincera e eu concordo.

— Vai, sua criminosa falsa! Vai buscá-la! Tenho muita coisa pra fazer!

— Eu vou! E, não sei se adianta...

— Se disser que sente muito...

— Parauapebas?!

— Yep!

Resmungo olhando para os papéis e sei que ela saiu sorrindo. Estava muito feliz por me ver de
volta, mas eu estava feliz por não ter vontade de matá-la, ela havia me ganhado quando disse
que só fez o que fez pra proteger Catarina. Sim, Cat é meu ponto fraco e vai ser pra sempre.

Faço o que preciso até as oito da noite, arrumo minhas coisas e sigo para o apartamento, na
esperança de encontrá-la.
Eu estava morto de saudade.

Ando com cautela na rua, entro na garagem, e toda a calmaria do ambiente me deixa pilhado,
mas sigo para o meu andar.

Quando entro na sala, dou de cara com ela, sentada no sofá, e duas malas que eram minhas, na
entrada do corredor.

— O que é isso?
Coloco a chave do carro na estante e sorrio de nervoso. Meu coração doeu forte ao ver aquilo.
Mau presságio.

Ela não diz nada por um momento, só encara a TV desligada.

— Vai embora? Tá terminando comigo, amor?

— Tô terminando. É o que eu quero. Tem muita coisa acontecendo, muita, e eu preciso ficar focada,
não posso ficar deixando você e sua ex-tão-protegida me desestabilizarem. Preciso ajudar minha
família e tenho, pelas minhas contas, "mais de trezentos" homens para matar. E aliás, não sou eu
quem vou embora, é você!

Ela fala e eu ignoro a parte de EU ir embora da minha própria casa! Era isso que ela estava
fazendo. ELA ESTAVA ME EXPULSANDO DO MEU PRÓPRIO APARTAMENTO.

— Por que está fazendo isso comigo?

— Porque eu entendo que você não vai deixá-la a própria sorte! Depois que voltei, ficamos juntos!
Você grudou em mim, creio eu que me conheceu um pouco melhor, sabe que sou a especialista em
tomar decisões difíceis "com facilidade" para o "bem maior", sabe que eu entendo bem como é
isso! Entendo mesmo! Mas você também precisa entender que ela está me incomodando, seu jeito
de tratá-la e de cuidar dela, estão me incomodando, e tudo isso me machuca demais!

— Cat...

— Eu sei que não devo matá-la, William! — ela me encara com sinceridade — Não devo! Mas eu
penso nisso o tempo todo! Eu quero meter uma bala na testa dela mais do que quero ficar com
você, eu quero matá-la lentamente, mais do que quero casar com você, e eu quase fiz isso hoje!
Você viu! E apesar de tudo isso, eu tenho consciência de que machucar aquela vadia por ciúmes é
errado! Eu tenho consciência de que matar é errado, e principalmente, sei que se eu fizer isso, vou
destruir você e o que nós temos. Tínhamos. — ela se corrige e destrói meu coração — Então, vai
fazer o que deve, eu te apoio, vai protegê-la, mas bem longe de mim! Bem longe! Para o próprio
bem dela! E nem tente dizer que ELA conseguiu o que queria, que ELA vai ficar feliz, ou que eu fiz
um favor pra ELA, porque primeiro, a culpa da minha decisão é tua, estou chateada como estou,
porque VOCÊ me deu as costas para cuidar dela, VOCÊ me deixou aqui quando eu mais
precisava, VOCÊ deu abertura para ela permanecer, mesmo quando terminou com ela!!! Sua mãe
tem razão! Não ligo se ela rir de mim, se ela ficar feliz, não me importo com ela, quero mais é que
ela se foda. Eu só quero paz, quero que ela me deixe em paz, e que ela te engula se quiser! Eu tô
com muitas coisas nas minhas costas, enquanto eu fazia suas malas eu recebi uma mensagem de
Fred dizendo que Miguel saiu do cartel assim que ele chegou, e ainda não voltou! Miguel não nos
escolheu e eu sei que vou ter que matar meu próprio irmão, eu vou matar o cara que cresceu
comigo... Eu tenho coisas mais importantes para resolver agora, então, eu imploro que você saia
daqui sem forçar a barra, sem pirar, sem me encher o saco, e sem tirar a "paz" que eu estou nesse
momento. Não quero brigar, quero que você pegue suas coisas e saia daqui, e não volte a falar
comigo! Pelo menos enquanto você colocar sua globeleza em um pedestal, e ainda demonstrar
descaradamente que ainda sente alguma coisa por ela! Eu sou muito boa, eu te dei amor enquanto
estávamos juntos, eu amei muito você. Eu lamentei demais te fazer sofrer, eu fiz de tudo para você
não se apegar, mas depois que aconteceu, eu fui inteiramente sua, eu amei você com tudo de mim!
Eu mudei, te dei carinho, te dei meu dia a dia! Eu mereço ter alguém só para mim, e vou ter. Você
pode ir agora!

Ela me destrói por inteiro, e eu me sinto fraco e tonto.

— Você está terminando comigo. Eu... — dou risada — Você está terminando comigo??? Me
expulsando da tua vida porque eu não quero que ela morra! Eu não posso acreditar. Essa casa é
minha, tu tá me expulsando da minha casa, Catarina!

— Interprete minha atitude como quiser! Eu moro aqui, minhas coisas estão aqui, e foi você quem
entrou aqui com esse cheiro! Eu nem cheguei perto de você e tô sentindo! É sempre esse cheiro, eu
sempre vou sentir esse cheiro! Você nunca vai se separar dela! E por essas e outras que eu tô
pouco me fodendo para qual nome está nos documentos desse apartamento. VOCÊ deixou sua
"noiva" para correr atrás da cadela da tua ex! Então VOCÊ SAI! Ela não vai mais pisar aqui
dentro, não vai mais desfilar de lingerie na tua frente para rir da minha cara, debochar de mim,
nem que para isso eu precise expulsar você, como estou fazendo agora! Ela não vai viver aqui
nem por cima do meu cadáver, nós vivemos aqui, nós dois começamos uma vida aqui, William, e eu
não vou deixar você trazer sua ex-vadia para a MINHA casa! A cama que ela usa para pegar
seu irmão enquanto diz te amar demais, fui eu quem comprou, tudo isso aqui é meu! É tudo meu! E
você vai sair, se não sair, vou jogar tudo o que é teu janela a baixo! Do modo clássico, adoro um
clássico!

Ela fala e segue para a porta. Havia se descontrolado e começado a chorar.

— Sai.

— Eu não vou sair!!!

Eu falo indignado e ela ameaça abrir as malas para jogar tudo meu pela janela, mas não deixo!
Ela não era louca...

— Para com isso! Para com isso! Você enlouqueceu, Catarina!!! Vamos nos casar, a gente se ama,
não vou deixar você terminar comigo depois de tudo o que aconteceu, por causa de uma coitada!
Acha que está lidando com quem???

— Me solta e vai embora!

Ela respira, se acalma, me olha nos olhos e pede novamente.


Ela não estava triste, ela não estava tentando me fazer mudar de ideia pra eu mandar Barbara
pastar, e fazer amor com ela pra fazer as pazes, o que seria também "um clássico". Não. Eu vi em
seus olhos que ela realmente não me queria mais perto dela. Ela realmente queria que eu fosse
embora da vida dela.

— Me desculpa, eu... eu não consigo acreditar que isso esteja acontecendo! Você não me quer
mais! Como isso é possível? Como consegue cogitar a possibilidade de terminar? Como consegue
pensar em não colocar em prática os nossos planos? Nosso casamento?! Filhos. Planejamos uma
vida! Eu te pedi em casamento hoje, pela segunda vez! Isso não me parece real! Isso parece uma
grande brincadeira de mau gosto! Neném, não faz isso, não! Diz que é brincadeira!

— Não estou feliz, William! Eu estava hoje de manhã! Mas não estou mais! E não estou nada feliz
por estar fazendo isso! Mas eu não quero te ver fazendo de novo, o que você faz desde quando
nos conhecemos: Empurrando essa mulher e me fazendo engolir a criatura goela abaixo.

— Eu tô fazendo o que eu faria por qualquer pessoa!!! Protejo, guardo vidas, cuido, é isso o que
faço. Mandei minha família pra tua casa no Sul, e estou de olho nela mesmo sabendo que ela só
está fazendo isso pra nos distanciar. Ela não significa mais nada! Proteger a vida é minha
profissão!

— Eu sei! Já disse que admiro demais você, sua vocação! E é por isso que estou te mandando
embora!

— Cat, não me faça vê-la morrer para evitar te perder, eu nunca mais conseguiria viver, eu não
suportaria ver ninguém morrer por minha culpa, principalmente alguém que dividi uma vida. Eu não
a odeio! Eu não a amo, mas eu não odeio ela! Não vou odiar nunca! Não sinto nada por ela.

Minha garganta queima e eu sinto vontade de me ajoelhar. Tento limpar minha vista, mas ao mesmo
tempo que limpo, lágrimas espessas me deixam cego logo em seguida.

— Eu também estou ciente disso. Nunca te faria escolher, William, nunca te faria escolher.

— Eu também não vou viver sem você! Não duro muito tempo sem você, vou acabar
enlouquecendo, você sabe disso! Sabe como eu fico sem você!

— Você vai dar conta!

— Vida! Não faz isso...

— Vai embora, William! Não me faça pedir de novo.

Ela fala e volta pra porta.

— É isso? Acabou tudo entre a gente? Você está me deixando? É sua decisão final?

— Sim! Você está livre!


Ela responde e eu concordo, dois terços de minha tristeza vira fúria, eu tiro dos bolsos duas
cartelas de seu remédio e coloco no armário. Não tiro a aliança porque eu não conseguia mais me
imaginar sem ela... não tinha como.
Só pego as malas, levo pra fora e me sinto extremamente humilhado.
Parecia que eu tinha traído ela, parecia que ela tinha me pego na cama com ela!

— Eu sei o que você está sentindo, sei que você está no seu limite! Vou sair para te deixar em paz,
para não te chatear ainda mais... mas eu estou me sentindo muito humilhado. Parece que traí você,
parece que você descobriu que eu fiquei com ela, e eu nunca faria isso, mas mesmo assim, estou me
sentindo horrível. Parece que sair é assumir que fiz algo horrível pra você, e eu sinto que em breve
vou me arrepender. O que é errado. Eu não vou e não quero me arrepender, não vou te pedir
desculpas!!! Eu faria tudo de novo, por ela, ou por um sem-teto na rua, por qualquer um. Eu sou
assim. Não querer vê-la morta não deveria ser motivo de vergonha pra mim, muito menos motivo
pra rompermos, não deveria ser a causa de nosso fim! Você diz que quer vê-la machucada, mas
não é por essa Catarina que eu me apaixonei, não! Acho que eu me apaixonei por uma Helena
que daria uns belos socos nela, quando sentisse vontade, mas que nunca abriria mão de mim por
causa dela. Eu me apaixonei por uma Helena que, para me ver feliz, e para não me ver acabando
com minha própria vida, faria uma loucura tremenda, inclusive se fingir de morta. Agora, me
expulsar da sua vida, e acabar com tudo o que planejamos, não é abrir mão pelo bem maior, não
é uma loucura necessária. É burrice. E... eu não aceito o fim, não sou capaz de aceitar, não quando
o motivo é tão pobre. — eu falo tentando manter o fôlego — Meu amor por você é inexplicável, é
maior que tudo isso, e eu não aceito o fim, eu não mereço isso. Vou te dar um tempo, um momento
de paz, mas você é minha! É minha noiva, vamos nos casar, e te engravidei na última vez que
ficamos juntos! Fiz uma simpatia pra deusa da fertilidade, te enchi de espermatozoides, vai me dar
um filho! — eu não aguento, dou risada no meio do choro, ela revira os olhos e bate a porta na
minha cara, só pra não rir na minha frente, bicha boba!!! — Se precisar de mim, do meu acesso a
armas, meu distintivo, da minha mente brilhante, ou de um batalhão, me ligue.

Eu termino gritando, ainda vendo sua sombra na porta, viro as costas e vou embora, mas vou
satisfeito, não sem antes falar umas boas verdades pra teimosa!
A gente podia ficar juntos, aproveitar o tempo, mas ela queria focar nas provocações da nojenta
da Barbara. Ela tanto fez que conseguiu.

Quando consigo chegar no carro com as duas malas, meu telefone toca.
Era Jon.

— Fala, Jon!
— Onde você está?
— Tô saindo de casa! Tua sobrinha me expulsou!
— Como?
— Tô dizendo, fez minhas malas e tudo!
— Catarina te expulsou do apartamento dela?
(Ellen fala e eu sei que Jon estava no viva-voz)
— Quem dera fosse! Ela me expulsou do meu próprio apartamento!!! Ameaçou jogar minhas roupas
pela janela e tudo! Tá puta!
— O que você fez???
(Tay questiona)
— Fui levar Barbara no fórum!
— Você pede minha filha em casamento e banca o chofer da ex? Ela devia era botar fogo na sua
casa!
— Fala logo o que vocês querem!? Não tenho nem pra onde ir, e tô com frio, não vou ficar aqui
ouvindo sermão, não!
— Vem para cá! Precisamos conversar sobre o julgamento de amanhã!
— Acho melhor vocês cuidarem disso! Quanto mais eu tento proteger a Barbara, mais Catarina se
afasta de mim!
— Tudo bem. Mas para onde você vai?
— Não tenho a menor ideia! Acho que vou ver algum hotel. Tô exausto, tô puto, e tô com fome!
— Vem para cá! É bom ficarmos unidos nessa hora! Vou te mandar o endereço por SMS, é mais
seguro!
— Tá, vou ler e estarei à caminho.
— Certo, tchau!

Jon desliga, eu recebo o SMS, e me surpreendo quando reconheço.

O endereço ficava em uma antiga empresa de tecnologia, já fechada há muitos anos. O espaço
era conhecido como castelo, porque obviamente parecia um. Era uma construção antiga e
reformada, e na época, a companhia fez um sucesso enorme, recebia visitas de universitários,
jovens empreendedores e crianças de todas as idades! Por fora parecia uma propriedade histórica
e tombada, por dentro, parecia de outro mundo.

O espaço era vasto e cobria quilômetros de extensão na rodovia Castelo Branco.


Era uma saída exclusiva, e um bom pedaço de estrada particular até entrar na propriedade. Toda
monitorada, na época, o verde ao redor era bem cuidado, mas hoje eu já não sabia, e muito
bonito também. O lugar era um espetáculo.

A primeira vez que vim, eu morava no rio ainda, devia ter uns vinte anos. Vim com meu pai, que
tinha algo pra fazer aqui, e ele ganhou duas entradas para o evento mais badalado da época.

Eu ia reviver uma época bacana...

Saio da rodovia e entro na estrada particular rodeada de matagal. Sim, o caminho estava
malcuidado.

Assim que chego na cancela, ela é levantada automaticamente, e eu descubro que ao contrário de
antes, havia um enorme muro ao redor do grande castelo, muito extenso, e também um belo portão
gigante. É Fred e Rafael quem os abre pra mim.

— E aí?!
Fred pega em minha mão de forma educada e eu me sinto mal, mas não digo nada.
Entro com os dois na minha cola, e observo ao redor.

Tinha hera nas paredes, e uma enorme escadaria, que antigamente tinha telas de led. Hoje era
cimento puro.

Assim que acaba o primeiro lance de escadas, entramos no pátio tomado por pétalas de flores e
folhas caídas no chão, e no centro, um bonito poço com corda e telhado. Bonito e sinistro ao mesmo
tempo.

Atravessamos o pátio, entramos em uma porta com o batente circular clássico, e depois de mais um
lance de escadas, chegamos ao corredor, que antigamente localizavam os diversos setores da
empresa. Estava tudo limpo ali, então tinha certeza que aqueles cômodos seriam quartos, agora!
Ou seria no andar de cima, se eu não me enganava, tinha mais dois, sendo corredores, e lá em
cima, depois de mais um lance, uma enorme espécie de varanda, com uma vista incrível, e não sei
se ainda tinha um enorme telescópio fundido ao chão. Se não foi depredada por maconheiros,
ainda estava lá.

— Como vai?

Entro com os dois na última sala do corredor e Jon me cumprimenta formalmente.

— Vai solteiro...

Tay resmunga no sofá luxuoso que fora colocado ali.


Parecia que Jon planejava remanejar a família há muito tempo. Ali, naquele espaço, ele tinha uma
mesa enorme com um computador gigante, dois sofás de estofados escuros, uma mesa grande e
redonda com comes e bebes um pouco desorganizado, (pelo jeito a família já tinha se alimentado e
se retirado), e uma TV de tela plana gigante. Estavam meus "sogros", Fred, Rafa, Marcelo, Matheo,
Yan e Laura.

— Vou bem, Jon! — respondo Jon e encaro o engraçadinho — Ela vai voltar atrás, vamos nos
casar! Não pode terminar nosso relacionamento porque não quero ver a criatura morta. Aliás,
cadê ela?

— Você não sabe?

Ele pergunta e eu fico nervoso. Ligo pra Manuela e ela atende no primeiro toque.

— Oi!
— Cadê vocês?
— Estamos na minha casa, tentei te ligar, mas deu caixa postal. Barbara se recusou a ir para o local
que Jon indicou! Ela está segura comigo, fica tranquilo!
— Passa para a filha da puta!
Eu espero na linha e ela atende com sua voz irritante.

— O que é?
— Era pra tu vir para cá! Faz o que aí?! Tá de brincadeira, Barbara?
— Não estou sendo imprudente, estou com uma federal!
— Jon quer conversar contigo sobre amanhã! Manuela tem mais o que fazer! Aliás, todos nós
temos! Custa você parar de fazer graça?
— Custa! Cansei de brincar e não quero mais olhar para essa tua cara feia! Eu vou ficar bem, vai
cuidar da tua vida. Se eu morrer será um favor para você, por que tá lamentando tanto? Ótima noite.

Ela desliga e eu bufo.

— O que ela disse?

— Está com Manuela, vai ficar lá.

— Assim não dá para fazer muito por ela!

Jon diz e eu concordo.

— Tá fazendo doce porque ouviu poucas e boas de mim! Amanhã eu a levo pro tribunal. Tô com
fome!

Me aproximo da mesa cheia de comida e Ellen levanta.

— Deixa eu fazer um prato para você, senta lá!

Olho para ela e ela sorri.

— Sogra mais linda do mundo, minha favorita!!!

Ela ganha um beijo demorado, e eu me sento no sofá perto do ex-verme. Olho pra ele sério, ele
sustenta meu olhar, segura até onde pode, mas depois ri.

— Cara, tu é muito engraçado! Eu ficava me perguntando o que a Cat viu em você, mas acho que
é isso, ela viu graça!

— Graça e carisma! Eu faço sua filha feliz, sim! Catarina abre a porta e entra sorrindo. Só para
de sorrir quando sai porta á fora! Eu a faço feliz!

Eu falo e ele perde o riso.

— Vocês brigaram?
Ele se compadece e eu bufo.

— Quem dera! Nem brigar ela quis, mal me deixou falar!

— Ela te ama muito! Dá um tempo para ela!

— Sou homem de dar tempo, não! Só saí de lá porque sei que ela precisa de paz. Cat está
exausta! Mas é minha mulher e vai ficar comigo! Vamos nos casar e ela vai cumprir o que me
prometeu, vai me dar uma vida inteira juntos, filhos, e uma família!!! A gente se ama, Barbara não
pode estragar isso!

— Ela meio que vai... — Rubi entra vestindo um sobretudo negro como a noite até a canela, e
botas altas — ...A não ser que morra, posso até te ajudar com isso, ou melhor, deixar esse prazer
com a Cat!!! Mas como sempre, de um jeito ou de outro, tudo ficará "bem"!

Ela rebola até o meio da sala, faz aspas com os dedos, diz um "boa noite", e olha ao redor.

— Sabe aonde está Miguel???

Yan pergunta esperançoso, e ela responde sem olhar em seus olhos.

— Miguel voltará no momento certo.

Ela diz, Tay encara uma Laura chorosa, e Ellen me traz um pratinho cheio de petiscos gostosos.

Só faltava uma lareira, estava um frio do diacho!

— O restante da família está instalado aqui?!

Pergunto depois de engolir uma porção de um canapé gostoso e Jon concorda.

— Ellen arrumou seu quarto, lá em cima...

Tay me informa e eu pisco pra ela. Certeza que pensou que eu ia dividir com sua filha... fico triste
só de pensar.

Enquanto como, Jon responde minha pergunta sobre ter arrumado aquela propriedade em tempo
recorde, e enquanto ele explicava sobre as maravilhas do dinheiro, eu olho ao redor, lendo tudo e
sentindo o clima.
Laura e Yan se mantinham há milhas de quilômetros de distância, Jon estava extremamente focado,
Fred estava sem graça e retraído desde que Rubi chegou, os irmãos com muito sono, e Rubi, agora
sentada no sofá vazio, enquanto alguns deles se mantinham em pé e de braços cruzados, parecia
pensativa e distante.
Depois que o silêncio reinou devido ao clima, um sinal leve nos computadores de Jon chama a
atenção de todos.

— É o carro da Cat!

— Tem câmeras por todos os lados???

Pergunto e me aproximo.

Rafa e Fred descem para abrir o imenso portão, e eu vejo tudo.

Ela desce do carro, Fred a abraça, e ela segue agarrada ao Rafa o caminho todo. Para quê? Não
entendi aquele abraço, senti o olhar curioso de Jon, e voltei a me sentar.

— Boa noite!

Ouço sua voz desanimada, volto a comer, e quando ela se aproxima para beijar os seus pais, vejo
em sua face que ficou surpresa em me ver... e também havia chorado.

Ela me olha com aqueles olhinhos que me fazem querer engolir ela inteira, mia pro pai dela
fazendo a vítima, e quando penso que vai perguntar algo, ela me ignora e eu perco até a fome!

— Como vai, princesa?

Ellen pergunta e ela balança a cabeça.

— Muito bem! Graças à Deus!

Ela responde normalmente, olha pra mim enquanto abraça sua mãe, e segue até os primos
sonolentos e isolados, e depois até a madrasta.

— Como está?

Ela abraça a madrasta com carinho, e Laura chora em silêncio.

— Não se entenderam???

Ela encara Yan, e o gaúcho confirma.

— Está tudo bem, filha! Não se preocupe!!!

— Tudo bem, Yan? Tudo bem??? Por que não conta pra ela? Tá sem coragem?! Quer esconder o
que? Conta para tua filha como está "tudo bem"! Conta o que está fazendo comigo!!!
Laura deixa sua tristeza sair, se sente mais leve, sai de lá pisando duro com suas botas até o
joelho, e deixando Yan desconcertado, sem graça e triste.

— Do que ela tá falando?

Cat se aproxima dele, e ele encara sua filha já chateada.

— Pedi o divórcio! É o que eu quero!

Ele fala, e pelo jeito, ninguém sabia. Sentiam o clima assim como eu, mas ninguém imaginava que
era tão grave.

— Desde o princípio, eu sempre disse que não queria ver isso acontecer!!!

— Você avisou, pediu para ela falar! Laura me enganou, enganou Miguel, Mariah, mentiu... me fez
de trouxa!

— Miguel é teu filho, pai!!!

— Por isso mesmo, Catarina!

— E você não pensa no que vai acontecer com Mariah??? Com a cabeça dela?

— Eu não sirvo para ser marido de ninguém, sabe disso! Continuarei sendo o pai dos filhos dela,
mas não vou perdoar o que Laura fez! Mariah já é bem grandinha, já pode entender! Aliás, ela
não para de resmungar que precisa de Miguel, que o ama...! Você tem algo a me dizer sobre isso?

Yan pergunta e minha neném respira fundo.

— Todos nós precisamos de Miguel aqui, todos nós amamos Miguel!!! Vai descansar, pai!

— Eu vou, mas pensa bem! Amanhã vou te fazer essa mesma pergunta! Estou cansado de tantas
mentiras. Tô uma vida inteira vivendo de mentiras!!! Ouse a mentir pra mim pra você ver!!!

Yan coloca Cat contra parede e Marcelo parece ter acordado de sua sonolência, só pra focar em
sua prima. Ele se preocupava com sua saúde. Minha vontade era abraçá-la e tirar todo o seu caos
interior, pegar tudo pra mim.

— Vai ficar tudo bem! Vem cá...

Rubi levanta e ampara a irmã.

— Você viu isso?


— Vi. Eu vi!!!

— Eu te disse, não foi?! Eu disse...

Cat se aproxima de Fred e ele nega.

— Você alertou Miguel quanto ao Chong. Fez um bom trabalho!!!

— Mas isso custou o casamento deles!!! — ela chora e eu prendo a respiração.

— Se eles se amam de verdade, vão ficar juntos e superar, Cat! Senão, é porque não era para
ser!!! Toda família tem problemas, uma família de assassinos, então, nem se fala! Para de se culpar
por tudo! Isso é maior que você! Ambos estão vivos, a gente só não tem solução para a morte!

Fred diz com convicção e Rubi, que tinha se distanciado, cai dura no chão, fazendo todos se
desesperarem.

Marcelo, Cat e Fred correm e chegam primeiro, mas meu desespero me faz grudar no sofá e
somente assistir. Aquela foi a cena mais bizarra que já presenciei.

Rubi se remexia agoniada e parecia ter pesadelos no chão com o tapete circular.

— Miguel... — Rubi chora e enterra suas unhas no tapete felpudo — Por favor!!! Vem para cá,
filho!!! Miguel!!!

Ela fala, chora, e de repente se assusta, abrindo os olhos e a boca ao mesmo tempo. Parecia ter
acordado do transe em um gesto horripilante.

Ela respirava com dificuldade, e logo foi retirada do chão por um Jon cuidadoso.

— Ei, princesa, o que você viu???

Jon senta Rubi no sofá, ela tira seus olhos do teto, arruma o pescoço e olha para ele sorrindo.

— Meu caçador de almas perdidas!!! — Rubi fala com uma voz doce que não a pertencia, e toca
a face de Jon com delicadeza — Meu menino de alma velha!!!

Ela fala sussurrando e Jon chora tocando sua testa na dela.

— Jade...

— Você não tem noção de quanta falta me faz! Obrigada por cumprir o que me prometeu!!! Eu te
amo! — ela sorri — Minha pedra preciosa ainda é muito nova, é muito poderosa, só que ainda
não consegue controlar e nem se concentrar, por isso não tenho muito tempo. Diga a ela para
parar de tentar fugir do seu destino. Diga que estou muito orgulhosa da mulher que se tornou. —
Rubi se remexe inquieta e parecia lutar contra a entidade que apossou de seu corpo. Eu já tinha
escutado aquela voz em algum lugar — Lamento por não saber dizer tudo com clareza... — Rubi
encara Cat — O peão hoje, ontem a princesa, amanhã rainha. — ela faz carinho no rosto de
Catarina — Teu pai foi o início e você será o fim. Está acabando, princesa, aguente firme! — ela
me encara de repente, e Catarina segue seu olhar, as duas me encaram, mas Cat logo desvia —
Ele aprendeu a perdoar e você a amar! Seus corações batem em um mesmo compasso. És um só. És
grande separadamente, imensos enquanto juntos. Intocáveis, insuperáveis. Ele se lembra... — ela
olha em meus olhos de novo e depois encara Cat — O menino do coração puro, cujo sonhos são
meu destino favorito. Ele já sonhava contigo desde menino. Ele é só bondade, e você é a
preciosidade dele! Pela milésima vez você deve uma vida a ele, e ele nunca deixará de cobrar!
Lutarão juntos, porque juntos são melhores e completos. O menino dragão volta, mas voltará sem
um pedaço de seu coração, e todos sofrerão uma dor profunda, você precisará ser mais do que
forte. O nome dele agora é Isao! A natureza sentiu sua chegada, e desde então faz parte de
você! Mantenha a família unida e defenda a tua, — ela sorri — em breve terá mais um homem e
de olhar bicolor para tua grande lista de homens que mais ama da vida toda! Terás mais um
protetor, mesmo não precisando de nenhum.

Ela fala, me olha nos olhos, e eu tampo a boca com as mãos para ninguém ouvir meu choro de
felicidade, e medo.

Quando minha náusea chega, ela encara Fred.

— Eu amo você, mais do que amei qualquer coisa em todas as minhas longas vidas, ou em todas as
minhas formas! Recupere seu coração e deixe Paula partir! Ela está muito cansada, meu menino!
Paula merece descansar, e não quer vingança em seu nome! Você pode sempre sentir meu perfume
porque eu simplesmente nunca deixei e nunca deixarei você! Você foi tirado de mim, mas uma
parte de você sempre ficou! Eu te amo, Fred!!! Está acabando... eu prometo, está acabando!

Rubi sussurra, se contorce, parece beirar um surto, mas depois desperta do transe sem entender
nada.

Saio de lá em direção ao carro, mas me escoro no poço. Eu precisava respirar, o que foi tudo
aquilo???

— Tá assustado?

Ellen toca meu ombro e eu nego.

— Cat me mandou! Está preocupada.

— Não me quer mais, por que se preocupa?

— Para com isso! Sabe que ela te ama. Você entendeu o que aconteceu???
— Entendi. E foi bizarro. Isso acontece sempre?

— Não desse jeito. É a primeira vez que a vejo assim. Jade foi alguém muito importante para nós.
Ela cuida de nós.

— Preciso de uma bebida. Eu já volto!

Ameaço sair, mas ela não deixa.

— Cat ficará preocupada. Não pode sair assim... seu sogro bebe, Jon também, vou buscar uma
garrafa para você! É perigoso você sair, me espere aqui.

Ela sai, vou até a borda do muro e fito o horizonte escurecido pela noite fria.
Me lembro dos meus sonhos antigos, o par de olhos coloridos, aquela voz adocicada, a ternura...
aquela mulher visitava meus sonhos desde que me conheço por gente, era tão familiar, quase uma
amiga.

Mas que bizarrice foi aquela? Eu estava "acostumado" com aquilo, o espiritismo fez parte da minha
vida pela minha tia, uma parte distante da família de meu pai, mas ainda assim, era bizarro. Foi
mais fácil acreditar nela quando ela contou sobre a droga que matou David Nobre, sobre meu
passado e presente com Catarina... foi fácil de acreditar, agora aquilo?! Aquela feiticeira cigana
havia dito que...

Deus. Eu ia ter o que sempre sonhei com Catarina.

Apoio as costas no muro, olho pro céu, e vejo a criatura lá no alto no último andar. O vento frio
balançava seus longos fios dourados, mas ao contrário de mim, ela não parecia com frio, parecia
que o tempo não a machucava, ela não. Parecia uma verdadeira princesa esperando para ser
resgatada. Minha princesa triste. Era óbvio que me viu de lá de cima, mas parecia preferir olhar
também para o horizonte do que para mim.

Ellen chama minha atenção da porta, e só por isso consigo retirar meus olhos da sua filha; Ela
segurava dois copos e uma garrafa de vinho.
Me aproximo e ela dá de ombros.

— Achei que essa noite pediria um vinho. Ela está sozinha, vá até lá e concerte as coisas.

— Ela não me quer por perto.

— Aposto que quer... está uma noite tão fria! — ela sorri — Arrumei o quarto de vocês no andar
vazio, lá em cima. Pelo menos tente...

Eu pego os copos e as bebidas de suas mãos e subo de vagar, morrendo de medo de ser
rejeitado de novo. Só que eu tinha um problema... eu tinha mais medo de ficar sem ela do que ser
rejeitado. Ambos doeriam. Me aproximo com cuidado, coloco os copos no muro de pedras, vejo o
que havia sobrado do telescópio, e os destroços me serve como espelho. Meu coração estava
daquele jeito.

Me coloco do seu lado, fito seu rosto lindo de perfil, e ela não corresponde meu olhar, mas não me
importo. Um rastro úmido de uma lágrima, aparentemente dolorosa, decorava sua face limpa, e me
deixava ainda mais triste. Eu estava com saudade dela. Estava morrendo de saudade...

Talvez por tentar entender o que eu fazia, ela me olha, seus olhos brilham, eu tento controlar a
sede que eu estava, a vontade de sentir seu gosto.

— A Rubi está bem?

Eu pergunto e ela diz que sim com a cabeça.

— Desculpa! — eu falo baixo e ela se achega sem necessariamente me tocar — Sei que eu disse
que não ia te pedir desculpas, mas, eu não ligo de voltar atrás, me desculpe por ter te magoado!

— Você vai me magoar de novo.

— Eu darei tudo de mim para isso não acontecer, mas vou te pedir perdão quantas vezes forem
necessárias. Não tem como viver sem você.

— Eu te desculpo...

Ela me olha irônica, passa por mim, enche os dois copos de vinho e me oferece um deles.

— Mas isso não significa que vai me deixar voltar para casa, e nunca mais levantar a voz pra
mim, não é mesmo?!

Eu afirmo, ela sorri com os olhos enquanto bebe, e volta a olhar pro horizonte.
Volto a olhar pro seu rosto debochado e não entendo o que eu fazia. Eu estava começando a
implorar pra ter uma mulher que já me pertencia! Vá pra puta que o pariu!!!
Me sento no banco de cimento que tinha sido feito colado no muro, e respiro fundo. Eu estava
cansado demais.

— Será que você gosta de mim do mesmo jeito que eu gosto de você?

Eu pergunto e ela nem sequer me olha.

— Não sei! Na verdade, eu acho que a gente se ama demais e esse é o problema.

— Foda-se! — me canso e ela enfim, consegue me encarar. Completo meu copo de vinho, bebo um
gole, e ela continua me fitando curiosa. Eu queria carinho, eu estava com saudade, ela não podia
me tratar assim, que amor era esse que ela sentia??? — Tá vendo esse copo??? — eu levanto o
copo pela metade — Quando ele acabar, você vai comigo até o apartamento para arrumar
minhas coisas, VOCÊ vai colocar tudo no lugar, e antes, vai procurar seus pais para explicar que
estamos bem, que você se equivocou, e que vamos sim, ficar juntos. Não estou te dando opção.
Não vai me levar em banho-maria, não vai terminar comigo por causa de Barbara, não vai me
deixar por nada nesse mundo! Nunca mais! Eu cansei!!!

Mando sua birra à merda e ela ainda sorri. Filha da puta.

— Posso fazer isso. — ela se aproxima e tira o copo da minha mão para se sentar no meu colo —
Posso te deixar voltar pra casa... vou pensar. Mas se eu voltar atrás no que eu disse, e você me
deixar de novo pra ir atrás daquela puta, farei muito pior do que antes. Coloco fogo naquele
apartamento inteiro, arranco seu pau fora, e mato a vagabunda na primeira oportunidade, como
eu tanto quero. E eu não estou blefando, William, eu também estou cansada.

Ela bebe um gole do vinho, não espera eu concordar, e quando eu achava que ia apenas me
beijar, ela joga o vinho de sua boca para aminha enquanto chupava minha língua.

Algumas gotas escapam e escorrem pro meu queixo, ela passa a língua "para limpar", e sua
atitude me deixa duro, e me deixa louco.

— Como deve ser seu gosto misturado ao vinho??? Vamos fazer as pazes, neném??? Eu tô
morrendo de saudade do meu neném chorão de coração mole!

Ela mia abrindo meu zíper, mas algo a faz parar, tocar a arma na cintura, e virar para trás, em
direção a porta.

Rubi aparece, ela fecha meu zíper, e vejo que por educação, ela nos dá as costas.

— Eu não queria interromper o momento, mas preciso! Jon tem notícias. — Cat desce do meu colo e
se aproxima da irmã — Destruíram a casa do pai, colocaram fogo nela, nesse momento!

Rubi parece chorar e Cat fica possessa.

— Tinha tanta coisa lá! Nossos brinquedos, suas bonecas, tudo o que eu tinha de mais parecido
com lembranças "boas" de infância! Não importava como foi, era o que eu tinha, vivemos lá!!!

Rubi chorava e se abraçava.

— Ainda estão lá? Por que ele não me chamou?

— Todos sabem que vocês estão tentando se entender, tem uma câmera aqui em cima de vocês.
Tay não quis deixar ninguém subir, ele quer a filha dele feliz! — droga — Mas eu vim para te
dizer para não ir até em casa. Você não vai ter tempo. Chong mudou os planos e vai atrás da
Barbara hoje, não vai esperar até amanhã, quer nos pegar de surpresa. Nem Jon sabe disso,
Miguel me enviou uma mensagem. O cartel do Espirito Santo está por trás do incêndio, e estão nos
caçando! Muitos cartéis desistiram por causa de seu vídeo, então teremos um descanso, mas preciso
de mais tempo para saber quem vem e quem não virá. Preciso ter estômago para discutir isso com
Fred. Foque agora no Chong, Barbara e Manuela estão em perigo...

— Fala logo de uma vez, o que quer dizer!!!

— Chong vai atrás dela pessoalmente, William é bom, mas não é páreo. Não deixe ninguém da
família ir junto, Chong vai matar qualquer um que se aproximar dele, eu vi, mas obviamente, não
você. Você ainda não sabe, mas é mais forte que ele. Eu vou segurar Laura no quarto e você sai...
te daremos apoio daqui.

— Eu vou junto!

Eu falo e as duas negam.

— Como não?! Se esse cara vai matar quem chegar perto, é óbvio que você não vai sozinha! Não
vai sozinha!!!

Eu falo e as duas me ignoram.

— Traga as duas para cá em segurança, e se prepare, pois, o tempo que você usará para
neutralizá-lo, é o tempo que levará para os outros chegarem até nós. Jon deixou tudo fácil, e por
isso escolheu um lugar tão isolado, o cartel do Espírito Santo chegará em pouco tempo, e com
Barbara e Laura aqui, Chong chegará até nós imediatamente. Vai dar uma hora da manhã, se
minha mãe não estiver errada, você só tem duas horas para se livrar de Chong e de Miguel e
trazer as duas vivas para cá, para nos dar apoio aqui!

Ela fala, Cat sai correndo e eu corro atrás.

— Minha roupa!!!

Ela grita entrando em uma sala e Fred aparece com uma maleta preta. Ela retira toda a sua roupa
na frente de todos que entram no cômodo luxuoso, sem entender direito, e eu nem tenho tempo de
cobri-la com um lençol para ninguém olhar.

— Eu vou contigo! Entendeu???

— Eu vou ficar bem! Não ouviu minha irmã? Eu vou ficar bem!!!

— Não!

Eu afirmo, ela veste um macacão preto, com um tecido estranho, e Jon traz equipamentos e armas
enormes para ela levar. Seu traje era sinistro, era muito escuro, e a deixava sombria, letal. Dava
medo. Quando penso nisso, me lembro do depoimento do cara que ela poupou a vida, e sinto um
arrepio na espinha.

— Aqui, coloca a escuta! Vou te ouvir e te ver, vou mandar Laura com o Fred atrás, só como apoio!

Jon resmunga colocando a escuta nela, e ela nega.

— Ninguém vai! Vou sozinha.

— Por que?

— Por que sim! Não quero ninguém atrás de mim!!! Aproveita e transmita as imagens ao vivo para
todos os cartéis.

Ela não acusa Rubi e eu não entendo nada. Por que simplesmente não fala que só estava seguindo
o conselho da Rubi? Não queria dizer que quem fosse morreria? Bobagem! Eu escreveria meu
próprio destino.

— Eu vou, Cat, me ouviu???

Eu sinto a dor do medo em perdê-la e ela me olha com raiva.

— Não me faça apagar você agora. Vai ficar por bem ou por mal! Preciso me concentrar, se você
pirar, posso ir para um resgate suicida! Respira William! Eu dou conta, sempre dou! Eu te amo, tá
legal?! Eu já volto!

Ela termina de se vestir, pega a maleta de armas que Jon preparou, e quando passa por mim
apressada carregando o que eu achava ser uma máscara, sinto o cheiro forte da morte. Bobagem
ficar preocupado em vê-la morta ou machucada. Catarina era a própria personificação da morte.
ELE TERÁ SUA LEALDADE ETERNAMENTE!

A impressão que eu tinha era que Cat saiu apressada e puxando meu coração por uma corrente,
arrastando-o com ela pelo asfalto. Doía demais...
foi isso, eu não ia aguentar ficar ali.

— Eu vou com ela... eu não posso ficar aqui parado vendo ela morrer. Vendo ela se sacrificar de
novo!

— Não vai, não! Você só vai atrapalhar!!!

Tay segura firme em meu braço me impedindo de sair.

— Jade não disse?! Juntos somos melhores!!! Podemos fazer isso! Posso ajudar! Ele não me verá,
posso só ficar por perto...

— Eu achei que fui clara lá em cima! — Rubi se aproxima e Tay me solta — Não me faça repetir!
Eu vi muitas mortes, muitas! Você ir até lá não ajudará em nada, vai morrer, e você morto, é Cat
morta, o que consequentemente significa todos mortos! Cat precisa lutar sozinha, sem ela seremos
massacrados.

— MANDOU SUA IRMÃ PARA O ABATE!!! VOCÊ MANDOU ELA SOZINHA PARA DAR CONTA DO
IRMÃO MANÍACO POR FACAS, E O CARA QUE NINGUÉM QUER ENCARAR!!! MANDOU CAT PRO
ABATE!

— Pro abate dele!

Ela responde e sua aparente indiferença me deixa maluco.

— Se algo acontecer com ela, eu mato você!!! Mato você aqui!!!

Rosno e Fred grita.


— NÃO FALA ASSIM COM ELA, CACHORRO! TUDO ISSO É CULPA SUA! SÓ ESTÃO ATRÁS DE NÓS,
PORQUE CAT MANDOU SEU AMIGO MATAR A GLENDA PARA TE PROTEGER!!! BAIXA SUA BOLA!!!

— Eu não preciso que você me defenda!!! Eu não preciso de você para nada!!!

Rubi não levanta a voz, mas faz Fred ficar puto.

— Não pense que estou indiferente a minha irmã, William. Catarina é mais forte do que todos nós
juntos! Eu não tenho essas visões à toa. Preciso segui-las. Essa é a vida dela, é o destino dela! Cat
precisa resolver isso sozinha! Quero que isso acabe logo para que vocês sejam felizes! É a história
dela, ela precisa encarar sozinha!

— Ela está resolvendo tudo sozinha já tem muito tempo!!!

— E por isso você quer se matar?! Cat tem nosso apoio daqui, o cartel vizinho logo estará aqui, ela
dará conta de Chong e Miguel sozinha. Ajude protegendo aqueles que ela ama! Você será mais
útil aqui! Se for até lá, vai atrapalhar, vai matar Manuela e Barbara, e ela nunca vai te perdoar
por não confiar nela. Cat não é tua ex, não é uma donzela frágil, ela é grande!

Rubi fala diretamente me olhando nos olhos e eu passo a acreditar naquilo.

— Para de me enfeitiçar!

— Eu não tô fazendo isso. Só te falei a verdade e você sabe que estou certa.

— Ela...

Eu respiro fundo e ela me abraça.

— Eu prometo! Cat vai fazer sushi dos dois. Ela ficará muito melhor depois que sair de lá.

— Miguel estará contra nós? Meus filhos vão tentar se matar???

Laura entra de repente e Rubi se aproxima dela.

— Miguel escolheu um lado, Laura! Ele viu quem realmente é Chong! Ele tem um plano! Confie!

Rubi lamenta, Laura não acredita e vira as costas, mas logo Rubi a agarra pelo pescoço e sussurra.

— Deixa para ir até lá depois! Você está com tanto sono agora... tanto sono... você não poderá
fazer nada, mal consegue manter os olhos abertos...

Laura começa a ficar grogue, caminha devagar com Rubi em seu apoio, e a feiticeira deita a
assassina no sofá.
— Você fala da sua irmã, mas está enganada. Você consegue ser mais perigosa que ela! Sua
família devia tomar cuidado era com você!!!

Eu falo e ela só me olha. Eu nada podia fazer, Rubi nunca me deixaria passar por aquele portão.

— Rubi tenta de todas as formas não chegar a fazer isso, venha ver uma coisa!!! — Jon me chama
— Eu pedi para Manuela ligar as câmeras que ela tem em casa, vem ver. Você poderá ver tudo, e
ver inclusive, o que a Cat vê. Pode ajudá-la dessa forma!

Ele me oferece sua cadeira, coloca uma escuta em mim, e abre as câmeras na enorme tela do
computador.

— Vou dar uma olhada nas câmeras da estrada, e conversar com todos, se ela falar comigo é só
você apertar esse botão que ela pode te ouvir. Eu já volto.

Jon sai, vejo todos se reunindo no centro da sala, e quando olho pra tela, vejo imagens da estrada
por entre o vidro do seu carro, a sala masculina da casa de Manuela com as duas conversando, a
entrada da casa...

— Se for chorar, desliga a saída de áudio, neném!!!

Cat resmunga e eu aperto o botão.

— Você pode me ouvir!

— Eu posso. Jon deixou ligado para eu saber que ele saiu e é você quem está aí!

— Quer que eu faça algo?

— Quero. A sala inteira está me ouvindo! — ela fala, eu olho para trás e vejo todos prestando
atenção na nossa conversa — Aperte o botão amarelo que está do lado, só por um momento!

Eu obedeço e confirmo.

— Sabe o que não me sai da cabeça... Copacabana! Quero voltar lá quando tudo isso acabar! Você
me leva? Uma lua de mel, mais dias juntos, muito amor, andar de mãos dadas, cinema, jantar... ne leva,
neném?!

— Levo! Eu levo!

— Para de chorar, vida! Não confia em mim, não?

— Confio, só estou com medo! Quero estar com você! Me deixe ir, eu te ajudo!
— Aqui você só vai me desconcentrar! Não preciso da sua ajuda, preciso de você em segurança.

— Nossos papéis parecem trocados...

— Você devia ter orgulho de mim! Quer dizer que por ser mulher, devia ser eu a estar aí?! Não seja
assim! Eu sou forte, eu posso fazer isso! Tenha orgulho de mim!!!

— Eu tenho! — sinto uma dor profunda, abaixo a cabeça, e falo baixo — Eu tenho muito orgulho,
Catarina! Mas eu tenho muito medo de te perder!!! Não posso viver sem você! Se aquela mulher
estiver certa, você pode estar esperando nosso filho, não devia estar aí, Cat, devia estar em
segurança!

— Jade falou do futuro, não tem nenhum bebê aqui, não ainda, meu neném medroso! Não faz isso
comigo, você está me deixando aflita, preciso estar bem agora!

— Tudo bem, perdão! Vou parar de falar! Confio em você, tu é a melhor!!! Acaba com ele, amor!!!

— É assim que se fala, meu gostoso! Não tire os olhos das câmeras, você será meus olhos agora!
Olha na tela, me fala quanto tempo tenho!

— Cinco minutos, é teu trajeto!

— Como elas estão???

— Estão bem, na sala da Manuela, conversando.

— Está bem! Agora diga que me ama muito!!!

— Eu te amo mais que tudo no universo! Meu denguinho ciumento! Não acredito que você ia jogar
minhas roupas pela janela.

Rimos juntos e limpo as lágrimas que me deixam envergonhado.

— Tu não viu nada. Mas não farei mais aquilo! A próxima bola fora, custará um dedo da vadia! Mato
a desgraçada!!!

— Não terá próxima vez!

— Bom mesmo! — ela ri — Então é pela Helena que você se apaixonou???

— Claro que não. Estava bravo contigo! Esquece aquilo! Tu me expulsou numa noite fria, estava
faminto! Não pode fazer aquilo comigo de novo! Eu prometo nunca mais te deixar por ninguém,
mas tem que cuidar de mim, tem que me receber com um banho quente em noites como essa... eu
cheguei louco por um denguinho!!!
— E o mama quentinho do neném?! Você já come ou ainda mama? Posso te dar de mamar assim que
eu voltar, e comigo nem precisa se ajoelhar, basta deitar com a boca para cima igual filhote de
passarinho!

Ela ri alto.

— Para de rir filha da puta, — dou risada de sua risada — tô falando sério!

— Cuido de você, como sempre cuidei! É só merecer! Chegar em casa cheirando a biscate de quinta,
não merece jantinha fresca, banho quente e nem denguinho! Mereça meu amor, e eu faço questão de
cuidar de você!

— Isso!!! Esculacha mesmo, filha da puta!!! CARALHO!!!

Eu começo falando e grito quando vejo Manuela correndo pro quarto e empurrando Barbara com
brutalidade.

— Que foi, amor?

— Ele chegou! — eu sussurro e grito — JON!!! Cat, ele chegou lá!

Aperto o botão do áudio e todos podem ouvi-la.

— Jon!?

— Eu... espera! Tô procurando ele... ele ainda não apareceu!!!

Jon, que monitorava outras câmeras, se aproxima de mim, eu me afasto para dar passagem, e
assisto tudo.

Jon apertava enter e pulava cenas de diversas câmeras da rua, entrada da casa, cômodos, e etc.
Definitivamente, Manuela era funcionária dele. A mulher tinha câmeras espalhadas por todos os
cômodos da propriedade.

Ou era uma policial federal maluca por segurança, o que era muito comum, ou Jon era mestre em
se preparar para imprevistos e maníaco por controle. Das duas, uma. Ou as duas.

Ele vai apertando, apertando, apertando, e as cenas passam a ser a esquina, zoom na esquina,
portão, garagem, cozinha, copa, corredor, sala e quarto. No quarto tinha uma Manuela focada
apontando uma semiautomática com silenciador para a porta do quarto, e uma Barbara
apavorada atrás dela, também armada, porém, se tremendo inteira e olhando ao redor
apavorada. Ela parecia ouvir algum barulho.

— Jon, podemos ouvi-las???


— Sim, por que? Pensou em algo?!

— Não sei, liga!

Jon liga o som, e podemos ouvir barulhos altos que eu podia jurar serem pesadas no teto.
Barbara a todo momento olhava para cima.

— Diminui o zoom da câmera da rua!!!

Eu peço, Jon logo faz e posso ver um bom pedaço da rua na qual a casa dela se localizava.

— Aqui!

Aponto para o limite onde o quadro centralizava e posso ver. Não tinha movimento, a não ser o
zoom. Jon não podia controlar a câmera da rua manualmente, mas dava pra ver.
Tinha gente em cima da laje dela.

— O que eles estão fazendo???

— Botando medo, tirando o foco. Deviam ser silenciosos, mas não... o cara é um maluco!!!

Eu pego o celular, Jon recomeça a olhar câmera por câmera e eu vejo Manuela atender o celular.

— Eu estou te vendo pela câmera! Ele só quer te intimidar! Ele está na laje agora, não dê tempo
para ele! Assim que ele abrir a porta, atire! Pega um pente em uma mão, descarrega nele, e
prepare o próximo! Ele não está sozinho! Olhe para a porta, mas mantenha os ouvidos em alerta!
Se ver fumaça, não respire, prenda a respiração zere tua munição, depois você se dê o direito de
apagar! Não entrega a parada de graça!!!

— Catarina está a caminho? São muitos para mim...

— Está! Segure a onda, atire primeiro, respire depois, e saia da frente da Barbara, do jeito que
ela está, ela vai atirar em você! A gente se vê depois!

— Espera... eu... eu quero te pedir uma coisa, tem uma carta na minha gaveta...

— Cala a boca! Cala a boca e saia daí viva, Manuela! Vou entregar porra nenhuma! Saia daí
viva!

— Você tem treinamento com a SWAT, né?! Havia me esquecido!

Jon resmunga, continua passeando pelas câmeras, e Catarina ri.

— Esse neném é meu orgulho!!!


Ela afirma com seriedade e faz todo mundo rir. Eu não entendia como ela conseguia ter "senso de
humor" naquele momento. Eu estava quase enfartando e ela se divertindo.

— Foco, mulher!

— Tô focada meu neném, eu cheguei!

Ela fala, meu rosto esquenta por todos terem a escutado, a sua câmera mostra algo meio
desfocado, e pela câmera da rua posso vê-la subindo o portão de Manuela, como um macaco-
aranha em alta velocidade. Parecia voar.

Jon repassa as cenas incansavelmente e vejo Catarina sumir... vem o zoom no portão, a garagem, a
cozinha, copa, corredor, e um homem enorme de olhos rasgados encarando a câmera da sala.

Dei passos para trás por puro instinto. Ele conseguiu me assustar. ELE ERA ASSUSTADOR!
Ele olhava fixamente para a câmera como se soubesse que a gente podia vê-lo.

Sinistro.
Vestia preto, cabeça raspada, olhar doentio, tinha orelhas de abano como Miguel, mas parecia não
ter sua alegria, ou sua mania de dar risada por tudo.
Aquele cara definitivamente não era o pai dele, será que ele não ia notar aquilo?!

De repente ele se vira, abre a janela da sala, uns quatro homens com máscaras de gás pulam a
janela, e um deles jogam uma bomba de gás por debaixo da porta. Como eu imaginava. Era
óbvio que o maníaco não ia bater na porta delicadamente, nem enfrentar uma federal cara a
cara.

O espaço começa a ser tomado por fumaça, ele encara a câmera de novo, e sem pressa nenhuma,
e com muito deboche, ele coloca a máscara e desaparece na névoa.

O cara era demoníaco.

— Como ela vai entrar lá com...

— A máscara dela protege.

Jon nem espera eu terminar a pergunta. Logo responde e foca na cena horripilante, onde podemos
ver as duas no quarto, se pendurando na janela para poder tomar o que podia de fôlego com o
ar puro do lado de fora.

Assim que um dos caras dá uma pesada na porta, Manuela se vira e começa a disparar contra
eles.Ela derruba uns três.

— Jon? Onde?
Uma voz horrorosa surge no áudio e sei que é Catarina. Ela estava distorcendo a voz, e eu de
novo me lembro do depoimento do homem, cuja vida ela poupou.

Novamente me sinto um bobo por ter medo de perdê-la! Medo eu tinha que ter de ver o que ela
ia fazer com aquele cara, isso sim!

— Três homens já abatidos no quarto, uns dois tentando entrar, ele esperando na sala com mais um
em sua frente... escudo para se proteger de Manuela...

Jon responde, vemos Manuela saindo na porrada com uns três caras ao mesmo tempo, Barbara
com as costas grudadas na parede só olhava, e eu só esperava pela entrada de Cat usando a
janela aberta.

Era assim que eu esperava. Ela entra pela janela, pega os capangas, e na sala, enfrenta o
maníaco. Achava eu que era o plano mais óbvio. Mas obviamente isso não acontece.

Cat não aparece na janela.

Manuela bate, mas apanha muito, Barbara é pega facilmente e é arrastada pelos cabelos, e
quando suspiro, Jon aumenta a câmera da sala, vemos o maníaco sentado no sofá. A cena ainda
estava com um pouco de névoa, pois ali a janela não estava mais aberta, era para deixar as duas
grogues, e sem poder se defender.

Os caras se posicionaram na frente dele com as duas de joelhos, logo depois que Manuela desistiu
de tentar, e do nada, assim que a névoa se dissipa mais um pouco: Vemos uma silhueta horripilante
atrás do sofá, com sua arma apontada para a nuca do maníaco.

MARAVILHOSA!!!

— Catarina Coverick!

O Ching-Ling-pai só fala, nem se mexe.

— Não tenho tempo para bate-papo! Mande esses franguinhos amadores se afastarem delas!!!

— Você vai ser alvejada! Acho melhor VOCÊ, se afastar de mim!

— Te garanto que se eles não se afastarem, você morre! Eu sairei daqui viva!

— Mas aposto que pelo menos um deles acertam suas amiguinhas.

— Um...

Catarina começa a contar e o gigante japonês faz um sinal. Todos obedecem.


— Você bem que falou que ela era corajosa, meu filho!

O Japa fala e Miguel tira sua máscara fazendo Catarina travar.

— Nenhuma das duas significam algo para você, Cat! Entramos em um acordo. Deixaremos você ir
embora, sem um arranhão, essa briga não é tua!

— Por que nos traiu? Por que nos virou as costas???

— Não vou te explicar meus motivos nesse momento!!!

— Mariah está febril! Chama por você, se esqueceu dela também?! — Cat fala e Miguel fica
balançado, ele estava perdido, ou parecia, não sei! Sua cena era uma nota de três reais, mas ele
estava nervoso por alguma coisa... — Você realmente encontrou sua família! Agora está com quem
merece! Agora sou eu que digo, você não faz mais parte de minha família, você nos envergonha! Se
sua lealdade é questionável, você realmente não faz parte de nós! Sabe o que acontece com quem
abandona o cartel, certo?! Morre! Mande seu papaizinho amado sair daqui carregando os capangas
meia-boca dele, e deixe bem claro o que eu farei se ele não concordar! Quem sabe ele não escuta o
filhinho amado!?

— Nada disso vai acontecer, Cat!

— Ah, não!?

Cat pergunta, Miguel aponta a arma para própria irmã, e tudo acontece.
Cat soca a nuca do japonês refém com as duas mãos, imediatamente ele começa a "convulsionar"
indicando que ela colocara algum aparelho de choque nele, pula o sofá, apaga os três capangas
com duas armas tiradas de sua cinta, e antes de investir contra Miguel, ele agarra Barbara e a
faz de refém.

— Se afasta ou vou matá-la, não lutarei contra você!

— Se matá-la será um favor pra humanidade, sabe bem disso, mas depois lute comigo como homem,
eu treinei você, seu lixo!!! Como tem estômago para usar uma mulher como escudo!? Você é uma
vergonha!!!

Cat rosna puta da vida com o irmão, Miguel fica puto ao ouvir aquilo, joga Barbara com grosseria
no chão e voa em direção ao pescoço da irmã.

De repente, Chong tem a sorte do aparelho parar de funcionar, ele arranca os grampos da nuca,
— o cara era casca-grossa, nunca vi ninguém se recuperar daquela arma de choque assim —
Manuela ainda grogue rasteja até ele, e leva um chute na face, desmaiando de vez antes de
conseguir se livrar do maníaco.
Miguel joga Cat longe, a arma cai para o corredor, ela se recupera, luta com ele, desfere socos
atrás de socos em sua face, já detonada, e eu vejo Chong alcançar Barbara e levantá-la pelo
pescoço.

Miguel leva um chute, cai em cima da mesa de centro quebrando o vidro, levanta munido de duas
facas, corre contra uma Catarina que tentava recuperar o fôlego, e corpo a corpo se chocam.

— Não!!!

Entro em desespero, Jon muda pra câmera do corredor, e pela posição, fica melhor pra ver. Quem
cai sentindo dor com duas facas cravadas nos ombros, é Miguel.

Cat tranquilamente, retira uma das facas do corpo do irmão, limpa no rosto dele tão debochada
como sempre, e atira no braço do gigante, o que faz Barbara cair sem fôlego nenhum. Ela já
estava perdendo a consciência, seus pés nem tocavam o chão.

O cara era tão pirado que ele podia ter dado um tiro na cabeça dela, parado para ajudar o
Filho Roubado, mas não! Ele era sanguinário! Não ligava pra Miguel e queria ver a morte lenta de
Barbara que atrapalhava os planos de sua antiga senhora.

Chong retira a faca do próprio braço, avança contra Cat, investe um soco forte na face protegida
pela máscara, desvia do soco que ela planejava devolver, dá uma cabeçada onde seria seu nariz,
e Cat joga a máscara longe, deixando os cabelos longos livres, e mostrando um nariz com um
sangramento aparentemente doloroso.

Ela engatinha pelo corredor, levanta, Chong caminha cego de ódio atrás dela até a cozinha, e ele
é surpreendido por um soco bem dado de surpresa.

Ela o soca incansavelmente, chuta seu queixo com um pé após o outro, girando o corpo, mantém a
guarda, e sua técnica era de outro mundo. Cat conseguia ser charmosa ao lutar.

Imediatamente depois disso, ainda se aproveitando de seu estado de tontura, Cat sobe em seu
pescoço, usando o imenso corpo dele mesmo, cruza as pernas no pescoço do verme, força o corpo
pra trás como se fosse dar um mortal, e faz o corpo pesado do japonês maníaco girar em torno
dela mesma, e cair no chão desacordado. Os dois destruíram a cozinha de Manuela.

Ela era muito pequena perto dele, usou técnica, porque aparentemente, o velhote era mais forte
até que eu. Muito mais forte. Parecia um homem lutando com uma criança. Pareceria covardia se
ela não tivesse levando a melhor.

Cat levanta cansada, chuta a face do japonês para longe, caminha até a sala se apoiando um
pouco na parede e se aproxima de Manuela.

— Ei! Vamos embora!!! Acorda!!!


Ela chacoalha Manuela, ajuda ela se levantar, e depois se aproxima de Barbara.

— Consegue levantar?

— Acho que sim, eu... eu bati o calcanhar na parede e depois um deles pisou em cima! Tá doendo! Me
desculpa! Obrigada por...

Quando Barbara começa a resmungar, Cat oferece suas costas, mexe em algo no sofá, e antes de
Barbara terminar a frase miando como um gato, Cat fez o que queria fazer há dias.

— Ah! Cala essa boca, piranha de quinta! Quer agradecer? Agradeça sumindo da minha vida e
ficando longe do meu noivo!!! Já te salvei demais, na próxima, eu mesma estrangulo você! Cachorra
ordinária!

Cat se apoia em um só joelho, aponta a arma pra ela, praticamente desabafa gritando, Manuela
procura forças para rir da cena, — assim como Jon — e Cat levanta negando e revirando os
olhos.

— Como eu dizia, obrigada por me salvar! Serei grata eternamente, mas eu ainda acho que o melhor
pro Will, sou eu! Eu sinto mui...

Barbara insiste, e ganha uma coronhada na cabeça de presente por ser tão idiota e totalmente
sem bom senso. Ela apaga na hora.

— Fala demais, vadia asquerosa! Devia matar você!!! — Cat grita descontando sua frustração, e se
aproxima da câmera — Diz que ele foi vomitar no banheiro de tão nervoso que ficou e não me viu
fazendo isso?!

Catarina resmunga olhando pra câmera e Jon dá risada.

— Eu estou aqui! Sai logo daí!

Eu falo, Cat coloca Barbara nos ombros e Manuela a faz parar.

— Espera! Você vai deixar eles viverem?!

Ela pergunta e Miguel, que já despertava e arrancava seu colete a prova de balas, se senta se
apoiando na parede e fingindo que elas não estavam ali.

— Vou. Vou dar uma chance para pai e filho! Eles merecem viver pela eternidade se aguentando!
Viva a verdadeira paternidade!!!

— Tá começando a exagerar, garota!!! Eu troquei as suas fraldas sua pirralha abusada, vê se não me
fode, e você ainda vai me pagar por essas facadas!!! Pode apostar!
Miguel resmunga, ri junto com elas, e as duas saem dali carregando Barbara como se fosse um
saco de estopa.

— Viu como não precisa se preocupar?! Seu neném sabe se virar!!!

Rubi resmunga no meu ouvido, beija minha orelha de forma erótica e eu me jogo no sofá me
sentindo cansado, como se eu tivesse lutado junto com ela. Tay senta do meu lado imediatamente.

— Como se sente? — ele questiona. Havia assistido ao filme de ação da filha em pé, ao meu lado,
não me pareceu tenso uma única vez. Ninguém pareceu, apenas Jon e eu estávamos
“preocupados”.

— Só vou ficar bem quando ela chegar...

— Eu não sou muito seu fã... mas... — ele me olha franzindo o cenho, mas depois ri — Não...
esquece!!!

Todos dão risadas.

— Você pode dizer que me ama, sogrão! Só vai assumir o que todos aqui já sabem!

— Eu te odeio! Essa é a verdade!

— Toma cuidado! Já, já isso aqui vai encher de homens armados, se eu morrer e você não assumir,
nunca mais vai dormir!

— Assume, cunhado!

Jon se serve de whisky, me estica um copo, e eu pego com alegria.

— Vou matar a Rubi!

Laura resmunga no sofá, e Yan entra parecendo sonolento.


Ele olha ao redor, boceja e sai.

— Você não podia ir atrás dele! Ela fez o necessário!

Ellen fala e Laura boceja.

— Está falando isso porque não é tua vida que está desmoronando. Selvagem irritante!!!

— Ah! Claro! Minha vida está um conto de fadas, Laura!

Ellen ergue uma sobrancelha como a filha faz, e eu sorrio apoiando a cabeça no sofá.
Aquela família era uma figuraça!!!

— Eu passei no quarto da Mariah, e ela não está, não a encontro em lugar nenhum!

Yan entra afobado minutos depois, deixando todos nervosos. No mesmo instante o computador de
Jon apita.

— Movimento na mata e na estrada! Eles chegaram!

— Procure Mariah!!!

Laura pede, Jon procura e seu semblante responde por ele mesmo.

— Ela não apareceu nas câmeras! Não está aqui! Olhe nos quartos direito! Ela não saiu!!!

Jon pede, o casal sai correndo, e Jon se afasta de seus equipamentos.

— Ellen, suba e se tranque com todos naquele último quarto, sem janela! Ele só destranca para
dentro! Vai, agora!!! — Jon tenta manter a calma, Ellen beija o marido brevemente e obedece —
Fred, você pode subir! O primeiro que tentar invadir, você derruba! Tay, vai com ele! Rafa e
Matheo, vocês pegam os fundos, do andar do poço! Marcelo, fica de olho nas câmeras, e já sabe,
ajude quem precisar, todos nós poderemos te ouvir! Eu vou dar a volta e ir para a mata! Rubi,
proteja o andar da família, William, o portão.
Não esqueci de nada!?

— Os fundos do andar do portão... precisa ter alguém na retaguarda! Eles não entrarão pela
frente, se é que entrarão...

Matheo comenta.

— Não tem mais ninguém... Yan não sabe se proteger, e Laura não está em condições de lutar!
Precisamos mantê-la em segurança! Cat não matou Chong, Rubi viu que ele virá, ela precisa ficar
segura.

— Eu cuido dos fundos.

Alguém fala, olho para trás e vejo Mariah adentrar a sala com olheiras enormes. Ela havia
chorado pelo o que me parecia anos. Sem parar.

— Menina! Onde esteve???

Fred pergunta e ela nem olha pra ele. Só fita Jon.

— Eu posso vigiar os fundos.


— Você é muito menina, Mariah! Suba pro quarto com a Ellen...

— Vocês são engraçados! — ela fala parecendo entediada — Parece que ninguém se lembra que
era comigo que minha mãe botava Cat para treinar antes de Miguel chegar. Sei tudo o que ela
sabe! Fui seu saco de pancadas até pegar o jeito, sei me defender! Fui saco de pancadas da
melhor, não apanho fácil de qualquer um desde que tinha uns oito anos. Eu passei pelos pontos
cegos de suas câmeras sem que você notasse, eles estão há muito tempo na mata, percorreram um
longo caminho fora da rodovia... eu vi! Mandarão uma equipe pequena para invadir e nos
desestabilizar.

Estão com a dona May e com o irmão mais velho da Cat, o Gael! Cat vai pirar quando notar que
esquecemos de proteger a instituição, alguém terá que pará-la quando ela surtar, e alguém
significa: quantos forem necessários. A retaguarda ficará vulnerável, vocês precisam de mim, e eu
posso ajudar. Rubi é boa em fazer mandinga e até luta bem, mas dependendo de quantos subirão
até aqui pelos fundos, muito provavelmente ela não conseguirá derruba-los com hipnose. Não
quando a pedra preciosa de Jade é poderosa, mas ainda é muito nova, e não consegue se
concentrar por muito tempo!

— Por que não veste luto, então?!

Laura, que ouvia a filha da porta se aproxima.

— Se vai fazer isso, faça direito! Se acha que pode matar, respeite a morte. Vista o luto! Mas se
lembre, terá que conviver com isso pro resto da vida!!!

Mariah concorda assentindo, Laura a abraça chorando, e sai com a filha passando por um Yan
perdido da silva. Que doidera!!!

— Ela ficará bem!

Rubi se aproxima de Yan, Jon volta a pensar em voz alta, todos começam a palpitar sobre a
atitude de Cat ao chegar e eu continuo olhando para os dois.

— Tá bem! Tu também precisa ficar!

Yan diz baixinho, Rubi concorda, ele puxa sua nuca, beija sua testa com os olhos fechados, e sai
para provavelmente, ir atrás das duas.

Rubi permanece no mesmo lugar, respira fundo, e quando se vira, se afastando da porta, olha
diretamente nos meus olhos, se serve de whisky, e zera o copo, tudo isso me encarando.

— ...Certo, então fica assim! — Jon havia combinado algo e eu só pesquei uma parte. O olhar
questionador e hipnotizador de Rubi ainda permanecia em mim — Vamos à luta! Vamos acabar
com isso, tô cansado e com saudade da minha esposa! Depois daqui, vou pegar ela e Giulia e ir
para a Europa! Não volto tão cedo!

— Tá esquecendo de nada não, pai?!

Marcelo zomba mexendo em algo de sua maleta e os dois riem.

— Ô queridinho do papai... acabou para você, Marcelo, — Matheo entra na brincadeira — somos
a sua família agora! Quer ir para a Europa?! Não esqueça que se levar a Mi, tem que levar a Nat
e o João, e sem mim a Nat não fica! Esqueça o papai! Nós somos sua família agora!

Os dois dão risadas, trocam olhares significativos, e por um momento eu me pego tentando
entender como eles levavam um casamento a quatro. Deuses...

— O áudio da Cat está desligado?

Eu pergunto e Jon confirma.

— Está. Sempre desligo! E pelo jeito fiz boa coisa! É melhor ela não saber de nada até chegar
aqui! O carro dela... — ele abre rapidamente um GPS assim que nota o quão aflito eu estava —
...está prestes a entrar pelo portão! Por que já não desce e abre para ela?! Temos coletes ali! Vista
um!

Ele aponta pra mesa, vejo Marcelo encher os bolsos de alguns frascos de alguma coisa e vestir um
colete, e eu faço o mesmo, mas assim que termino, ouço disparos de armas de fogo.

— Cat!

Eu corro, abro o portão, e vejo seu carro seguindo o caminho pela estradinha em alta velocidade.

Alguns homens correm para a frente do carro, começam a disparar contra ela, e eu saio correndo
em sua direção quando vejo um deles carregar uma bazuca!!!

Tento, mas não tenho tempo. Cat passa por cima dos que entraram na sua frente, e Fred derruba o
cara que ia explodir o carro com as três lá dentro.

Olho pra cima, Fred presta continência zombeteiro, corro de volta, Cat passa por mim, e eu tranco
o portão ouvindo disparos nos fundos.

— Jon, chama Marcelo aqui no carro!!!

Cat sai do carro gritando para escuta. Abre a porta de trás, Manuela sai carregando Barbara, e
eu pego em seu pulso!

— É Mariah quem está lá trás...


Eu falo, obviamente ela se desespera, eu corro atrás dela movido pela falta de bom senso, e
quando encontramos Mariah, encontramos junto com ela, uma cena bizarra.

A garota, que costumava usar lacinhos no cabelo liso até dias atrás, estava rodeada de corpos
caídos ao chão, acabava de tirar uma faca do olho de um “coitado”. Estava com sua roupa negra
melada de sangue, e algumas escoriações pelo rosto.

— Mariah!!!

Cat lamenta espantada, mas a menina não! Era muito triste ver aquilo! Triste demais. Mariah era só
uma menina...

— Eu estou bem! Vai cuidar dos outros!

Ela ordena, Cat hesita, eu saio dali pra voltar para o meu devido posto, e vejo Barbara jogada no
chão com Marcelo em cima dela.

— O pé dela está quebrado! Só preciso...

Ele vai falando, e eu vejo Cat se aproximar.

— Como você está?

Levanto teu queixo para olhar seu sangramento de perto, e ela dá de ombros enquanto ouço mais
alguns disparos baixos vindo da arma de Fred, sobe nossas cabeças.

— Tô viva! Mas acho que vou morrer, tô me sentindo fraca e frágil! Melhor você olhar direito para
ver se não foi sério!!! Tô prestes á desmaiar, preciso de um super herói...

Ela é irônica.

— Sua boba! Você foi incrível! Eu tenho a mulher mais fantástica do mundo!!!

— Tem mesmo, doutor!

— Aham! Quer um abraço e um beijo romântico?

— Nem fodendo!

Ela resmunga, eu sigo pro portão pra ficar de olho em tudo, e a calmaria momentânea me deixa
pilhado.

— Manuela, ainda consegue ser útil?!


Ouço ela perguntar, olho pra trás, Manuela diz que está ótima, e eu fico nervoso quando vejo uma
fileira imensa de homens armados até os dentes se aproximando da propriedade, com dona May
e Gael como reféns.

— Então vá para os fundos, proteja Mariah! — Cat ordena, vejo Marcelo levando uma Barbara
com o pé enfaixado para dentro do castelo, e Cat caminha em minha direção — Os disparos
pararam, está tudo bem aí?! Cadê minha irmã?

— Rubi está cuidando do andar da família! Estão todos seguros!

— Ah! Por que essa cara?! Estão todos bem, certo?! Meus avós?! As crianças?!

— Estão bem, mas tem uma coisa! — eu falo porque eu queria que ela soubesse por mim, ela
nunca ia me perdoar se eu ajudasse a esconder aquilo. Eu ia me arrepender, mas estava cansado
dela brigar comigo por tentar protegê-la — Estão com a dona May e Gael!

Eu falo e sua cara de pânico me faz querer morrer.

— O quê???

Ela corre até o portão, e quando vê, pega uma metralhadora russa no carro, — muito menor que a
fabricada no Brasil — e tenta sair pelo portão!

— Vamos pensar em alguma coisa! Eu jamais deixarei você fazer isso!

— Tira a mão de mim!

— Não!

— ME SOLTA!!!

— NÃO!!!

Eu grito e ela me empurra contra a parede totalmente ensandecida.

— É minha família!

— Família essa que precisa de você viva. Para passar por mim, vai ter que me matar!

— Não fique no meu caminho! Não me faça deixar você de novo!

— NÃO ME AMEACE, PORRA!!! NÃO VAI SAIR DAQUI SEM UM BOM PLANO!!! NÃO VAI! PELA
PRIMEIRA VEZ NA VIDA, VAI ME OUVIR! VOCÊ NÃO VAI!!! ESPERE POR JON!!!
Seguro em seu braço com brutalidade e espero por um murro, ela odiava quando eu segurava ela
pelo braço.

— William tem razão, Cat! Precisamos de um plano, sair assim na cara deles, é suicídio. Eu vou pra
mata! Vou me posicionar atrás deles. Você...

Jon chega correndo, se ajoelha para arrumar suas armas, mas é interrompido.

— CATARINA!!! SEI QUE PODE NOS OUVIR, VOCÊ TEM TRÊS MINUTOS PARA SAIR DAÍ AO LADO
DA BRUXA, DO FRANCO-ATIRADOR, LAURA A SEQUESTRADORA DE CRIANÇINHAS, A ADVOGADA
INTROMETIDA, E WILLIAM CASTRO, O DELEGADO SEM BOM SENSO QUE SEI QUE ESTÁ COM
VOCÊ! TEMOS APOIO DO PRÓPRIO CHONG, LAURA E A DOUTORA É SUA ENCOMENDA
PESSOAL, CONTANTO QUE VOCÊS FOSSEM A NOSSA! NEGÓCIOS SÃO NEGÓCIOS! SE NÃO
SAIR MATAREI A VELHA E O GALÃ CAIPIRA!!!

O cara grita, Cat encara Fred ao lado de seu pai, lá no alto, e Fred desaparece obedecendo sua
ordem silenciosa.

— Cat, não! Vamos pensar em algo...

Eu imploro, ela se solta de mim, coloca a metralhadora nas costas, abre o portão, e antes de por os
pés para fora, Rubi desce com seu look bruxa sexy de couro, e com Fred na sua cola,
aparentemente desarmado.

— Olha para esse corpinho, vale sete milhões!!! — ela pisca para Jon, Jon nega e ela sai
rebolando — Vai, caçador! Vai pro teu habitat! É hora do lobo se alimentar!!! Coma as cabeças
deles!!!

Ela fala sem diretamente olhar para ele, mas ele logo obedece. Termina de arrumar sua escuta e
suas armas, e corre para os fundos.

Olho para cima, Tay coloca seus olhos azuis brilhantes em cima dos meus e não diz nada.
Saio atrás dela, abandonando meu posto, me coloco do seu lado e vejo mais a fundo, mais um
pequeno grupo se aproximando. Era Chong e mais alguns homens!

— Vamos lá! Me entrega a senhora que eu mando um de nós!

Cat dá um passo a frente e o que parecia ser o líder do Cartel se adianta.

— Que tal ao mesmo tempo?! Primeiro joguem as armas para cá!!!

Obedecemos, mas mantenho uma arma no cós dá calça. Eu jurei nunca mais andar com uma só!

— Eu vou!
Rubi sussurra, passa pela nossa fileira deixando seu perfume calmante, e se distancia com
confiança.

O verme de olhos esbugalhados e dentes tortos encara sua caminhada, e mede seu corpo com uma
cara de dar nojo.
Rubi toca com carinho as costas de dona May, que caminhava com dificuldade, e eu me adianto
para ajudá-la a caminhar, fazendo Catarina se remexer nervosa.

— Miguel!!!

Laura exclama passando pelo portão, espero o pior, e tento estimular dona May a sair dali
depressa.

— Entra lá, suba até o último andar, última porta!

— Mas e meu filho???

— Ele vai logo atrás, prometo! Ele vai ficar bem, mas primeiro a senhora precisa sair daqui!!! Vai!!!

Eu levo ela até à porta e corro a tempo de ver Laura sendo segurada pelo Cartel.

— Filho!!! Me solta!!!

Laura gritava, e enquanto mais ela gritava, mais Cat ficava aflita.

— Se controla ou vai acabar morrendo!!!

O verme chacoalha a madrasta da Cat e Miguel força o maxilar, tentando manter o controle.

— Miguel vem para cá! Vem, filho!!!

— Eu estou no lugar certo agora, Laura!!!

Miguel os alcança, e suas palavras parecem ferir Laura de dentro para fora. O líder a pega pelo
braço com força, imobiliza a militar, e ela rosna. Miguel assiste, parecendo que ia surtar a qualquer
momento.

— Vamos acabar logo com isso, menina! Você devia ter me matado lá!!! Entrega o restante das
encomendas, e eu vou embora! Finjo que nada aconteceu! Cadê a advogada?!

Chong dá um passo à frente, os mais de vinte homens que seguiram o líder se colocam atrás dele, e
o maluco consegue a palavra e atenção de todos. Nem parecia ter levado uma surra de Cat.

— Já foi combinado, você chegou tarde! Falta mandar o meu irmão!!! Mande Gael e trocamos pelo
próximo, para que a pressa?

Cat responde, Laura continua sendo impedida de chegar perto de Miguel, Rubi permanecia imóvel,
concentrando seu olhar penetrante em Chong, ouço um zumbido no ouvido de Cat e sei que é Jon,
mas não posso ouvir. Eu não sabia mais para qual lugar dar atenção.

Chong parece pensar, faz um sinal para o verme, ele solta Gael quando Fred começa a andar, e o
silêncio reina.

Cat segue Gael com os olhos, ele corresponde parecendo triste, e ela lamenta muito.

— Agora o delegado!!!

O líder do cartel me olha sorridente e eu sinto nojo.


Caminho até me aproximar de Rubi, mas um dos bandidos me faz ficar longe dela.

— Agora a advogada!!!

Chong parecia cada vez mais impaciente.

— E nós ganhamos o quê?! Ela está valendo uma nota preta!!! Mande Miguel!!!

— Tá de brincadeira? Meu filho está comigo, e assim vai permanecer, quero a advogada!
AGORA!!!

— Não!

— Tem certeza?

— Absoluta!

— Faça o que combinamos!!!

Chong toma uma decisão, meu coração sobe na garganta, e ele entrega sua arma a Miguel.

— Se ela não estiver aqui em dez segundos, essa desgraçada será morta na frente da família
toda!!!

— Miguel.

Cat sussurra assim que Miguel pega a arma da mão dele e aponta para própria mãe.

— Um...
Chong repete a contagem que Cat fez ao ameaçá-lo, — e faz isso sorrindo de forma irônica —
termina no três, Cat fica a ponto de espumar pela boca prevendo o pior, Miguel engatilha, olha
uma última vez para irmã parecendo combinar algo, e tudo acontece como em um pesadelo.
Mariah aparece, se desespera quando vê o seu irmão/amante apontando a arma para sua mãe,
corre em direção a ele, Cat corre contra o tempo para segurá-la no meio do caminho, Miguel trava
com sua presença, e Chong se manifesta.

— EU NÃO TENHO FILHO COVARDE!!!

— MIGUEL!!!

Chong aponta a arma para Miguel, Laura entra em pânico, arruma uma força sobrenatural, se
esquiva dos braços do líder, corre até Miguel, e eu ouço o disparo.

Quando Laura cai no solo frio segurando o próprio abdômen, Miguel enche a cabeça de Chong
de bala. Cat grita desesperada, e eu tinha certeza que jamais ia esquecer seus gritos guturais,
corre metralhando cada homem do cartel que Jon, Tay e Rafa deixavam em pé, e eu a sigo
correndo "ao lado" dela, no lado oposto, limpando o caminho que ela percorria com a arma do
cós, para me certificar de que não seria pega de surpresa.

Mariah corre ao seu lado fazendo o mesmo, Cat não para de gastar munição para todo lado, vejo
Rubi quebrando um último pescoço, e Miguel correndo até a mãe.

O silêncio reina, minhas costas ardem pelo esforço e estresse, vejo Marcelo chegar correndo, Tay, e
mais alguns... não sabia dizer ao certo, estava tonto, e me sentindo fraco. Por causa de tanto
barulho, meus ouvidos zumbiam demais. Eu estava um caco!

— Mãe!!! Por que fez isso, mãe? Me perdoa!!! Eu nunca faria aquilo! Era o plano desde o início. Me
aproximar e deixá-lo vulnerável, entendeu!!! Você é minha mãe, Yan é meu pai, não me deixa! Não
me deixa, mãe, por favor!

— Tudo bem! Eu te amo, Miguel! Você é meu filho! É meu filho amado!!! — Laura tosse e respira
fundo — Só diga a seu pai que ele precisa ser feliz, ele me deve isso, ele tem que ser feliz, tem
que encontrar uma mulher forte e que o mereça, e eu vou sempre estar do lado dele! Eu amo
vocês, amo meus filhos! Os três! Tão diferentes, situações diferentes, mas um amor igual, nem
tamanho tem! Cuida da Mariah eu sei que você a ama de um jeito diferente! Eu faria tudo de novo,
bebê da mãe, eu faria tudo de novo! Eu voltaria lá, eu pegaria você para mim, mil vezes!!! Você é
meu! Meu menino!!! Meu bebê para sempre!

Laura fala com dificuldade, mas aparentemente com pressa demais, parecia saber o que o destino
reservava para ela. Era muito ruim ver aquilo.

Marcelo tenta tirar Mariah, Cat, e Miguel de cima dela, passa a pressionar o ferimento se enfiando
no meio deles, Tay se aproxima e ela sorri para ele.
— Para de falar! Para de se despedir!!!Você precisa ficar com a gente! Tá legal!? Marcelo vai te
levar para um hospital, você vai ficar bem! Vai ficar nova em folha! Minha assassina favorita!

Tay chorava e Laura sorria.

— Eu cheguei no meu desfecho, sabe disso... essa foi nossa última missão juntos! Fizemos um pacto,
vou primeiro, sabe o que fazer!

— Você vai sobreviver!!!

— Foi certeiro, capitão! — ela ri, se mexe com dificuldade, e olha pro céu — Eu amei você durante
a minha vida toda, sabe disso, não é?! — ela olha para ele, todos ao redor choram, minha vista
escurece por um momento e eu pisco para me concentrar. Minhas costas queimavam de dor, e meu
coração estava destruído por ver Laura daquele jeito — Eu amei você mais do que amei qualquer
homem em toda a minha vida!!! Nasci para ser sua, mesmo sem ser, nasci para te servir e fiz isso,
com tudo o que estava em meu alcance, com tudo de mim, com a minha alma, até hoje! Não me
arrependo de nada, Tay, viveria tudo de novo, todos os momentos bons e ruins porque em todos
eles você esteve!!! Meu coração sempre vai ser seu e eu serei leal a você, capitão, em todas as
vidas que eu viver, eternamente, tenho certeza disso! Me perdoe pelas bobagens que fiz por amar
tanto você! Eu nunca na minha vida quis te magoar, te machucar, ou prejudicar... Eu te amo, Tay!
Para sempre!

— Eu também te amo, cretina! Eu te amo!

Ela sorri chorando, ele encosta sua testa na dela, beija sua boca com amor, se afasta um pouco
quando ela engasga no próprio sangue, chama por ela desesperado, e não sai de perto. Tay
chora ao ver seus olhos girar nas órbitas, puxa seu corpo para um último abraço, e grita
desesperado lamentando demais.

Miguel e Mariah choram de cortar o coração e eu me sinto triste e fraco demais para continuar
assistindo aquilo.

Quando caio de joelhos, Marcelo e Catarina me encaram sem entender. Mas eu estava bem, estava
tudo bem...
Minhas costas estavam doendo, só isso.

Decido me deitar, só um pouco.


Eu tinha sede, muita sede e muito frio.
Tudo estava frio, e com uma tonalidade diferente.

— Meu neném... fica acordado, amor! Olha pra mim!

Cat se aproxima chorando, me medindo desesperada procurando alguma coisa, sinto Marcelo me
apalpar e ela chora segurando minha face.
— William... não...

Cat se desespera, e eu não entendo. Toco seu rosto tentando explicar que estava tudo bem comigo,
mas as palavras me fogem.

A última coisa que me lembro é de seus olhos brilhando em dois tons de azul e vermelho, e seu
choro doído me implorando para eu ficar.
FOGO NO PALÁCIO

— Bom, o Will acabou de sair da cirurgia. O caso dele é bastante complicado e grave. O projétil
atingiu o lado esquerdo das costas e perfurou o pulmão, ele teve sorte em poder ser operado.
Mais um milímetro e precisaria de um transplante, eu já previa anos na fila de espera. O problema
é que, durante a cirurgia, ele teve duas paradas cardíacas e então eu achei que seria melhor
induzi-lo ao coma. — Marcelo me encara e eu volto a me sentar — Assim as chances dele se
recuperar são bem maiores! Ele está na UTI agora, e vai permanecer até que seu quadro passe de
crítico para estável.

— Agora fale a minha língua! Quais as reais chances dele! A verdade...

— Eu sinto muito, Cat! No que dependia de nós, fizemos o possível, o impensável! Lutamos muito!
Foram treze horas na mesa de cirurgia. Agora ele precisa lutar para viver. As chances dele são
mínimas, eu sinto muito. Eu não acredito em Deus, se você acredita, essa é a hora!!!

Marcelo entra na sala de espera vestindo seu avental branco, protetores nos sapatos e parecendo
bem cansado. Ganha abraços de sua família, e sai dizendo lamentar demais.

Ninguém ali lamentava. Não mais do que eu.

— Ele vai ficar bem!

Jon se senta do meu lado e toca em meu ombro de forma delicada.

— Preciso de três favores, Jon. Me entregue a cabeça de Chong, marque uma reunião de
negócios em meu nome com a cúpula, e não prometa o que não pode cumprir!

— Cabeça...?!

Ele me olha atordoado.


— Cabeça. Arranque a cabeça dele, e coloque-a numa caixa. Se não fizer, eu mesma faço. Vou
preparar a pauta da reunião.

Me levanto me sentindo desolada e Fred me alcança no corredor.

— Aonde vai?

— Ajude Jon a conseguir a reunião com a cúpula...

— O cara precisa de você do lado dele...

— Ele está em coma! William está morto! Se desligar seus aparelhos, ele parte dessa para melhor!
Ele não vai sobreviver. Marcelo só não disse isso porque é muito difícil. Mas ninguém aqui é tolo, e
você sabe disso! Faça o que mandei!

— Cat... não pira!!! Para!!!

Fred segura em meu braço e eu tento, mas choro ali, na frente dele! Eu odiava que me vissem
chorando. Só William me via chorando. Eu só me sentia à vontade com ele.

— Jon se recusa a dizer, mas nem precisa. Não vê como ele, meu pai e meu avô me olhavam?! Eu
sei que o tiro veio da minha metralhadora! — eu o encaro, e ele me solta fitando os próprios pés
— E você também sabe, não é mesmo?! Matei meu noivo. Matei William. O último lugar que eu
deveria estar é do lado dele, desde o princípio de tudo, sabíamos disso! Faça o que mandei, por
favor!

— Miguel pode ficar magoado, Cat.

— Chong matou Laura a sangue frio, e ele deformou a cara dele com bala! Se depois de tudo,
Miguel ficar magoadinho, mate ele também, assim eles se reencontram! É uma ordem!

Eu saio dali e só paro no apartamento.


Eu já não tinha mais lágrimas. Só sentia o vazio que a ausência dele causava.
O cheiro dele, as coisas deles... como isso foi acontecer? Como eu pude me descontrolar? Atirei nele
enquanto só o que ele fazia era tentar me proteger! Jon disse... disse que viu ele atirando em
todos os homens que estavam ao meu redor, protegendo minha retaguarda e meus pontos cegos...
Eu mesma atirei nele, eu nunca ia me perdoar por aquilo! Dona Maggie tinha razão, tinha total
razão, se eu realmente amava William, devia ter o bom senso de deixar ele partir. Aquela vadia
era o melhor para ele. Daria uma vida digna para ele, segura... É duro pensar nisso, mas era mais
duro ainda ver a verdade naquilo. E era a verdade, eu gostando ou não.

Eu era uma assassina e William um delegado honesto e do bem! Podia apostar que ele atirou em
todos para derrubar e não matar, eu que matei todos eles depois, toda descontrolada. Somente
minha família atirava para matar, não era problema para nós, muito pelo contrário, nós gostamos
disso.

Mas meu neném, não. William era diferente, Will era lindo, puro, do bem, não queria fazer aquilo,
não queria aquilo para a vida dele. Nunca quis.

Por um momento eu achei que a gente podia resolver isso... que podíamos ficar juntos, mesmo com
todas as nossas diferenças, e que nosso amor estaria acima disso. Mas eu ia sempre colocá-lo em
risco. Ele queria uma família, e uma pessoa como eu não podia oferecer segurança a ele e ao
mundaréu de filhos que ele queria ter comigo.

Sim, sorrio... ele me disse no banheiro na noite em que matei seu melhor amigo. Ele queria um monte
de catarrentos sortudos por ele ter escolhido uma mãe rica, correndo pela casa. Um monte de
carioquinhas...

Me sento, choro, mesmo pensando que não teria mais lágrimas aqui dentro e sinto seu perfume.

— Você previu isso?

Rubi estava ali, sua presença estava ali.

— Não dessa forma.

— Explique.

— Eu sabia de Laura. Tentei por vezes formular decisões que mudariam o final, mas em todas as
outras, quem morria eram você e Mariah. Dessa vez de verdade.

— Poderia ter achado algo...

— Cat, eu tentei de tudo! Dei tudo de mim!

— NÃO!!! VOCÊ NÃO DEU!!!

Eu grito e escondo o rosto nas mãos.

— Desculpa. Eu... me desculpa!!! Você sempre faz o que pode, eu estou muito mal! Tô muito mal...
me perdoa, minha irmã! Eu não vou aguentar essa! Não vou conseguir viver uma vida em que ele
não faça parte de algum jeito!!! Não faz o menor sentindo, uma vida sem ele não faz sentido
nenhum. Eu preciso dele aqui! Faça alguma coisa, Rubi, eu preciso dele aqui!!!

Rubi se ajoelha e mais uma vez me oferece seus ombros.

— Olha para mim!!! Ele vai sair dessa...


— Todo mundo diz isso! Todo mundo diz... não ouviu Marcelo?!?!

— Só que eu não sou todo mundo! Eu sei do que tô falando! Ele vai sair dessa! Só preste atenção
no que eu vou te falar, porque não vou poder ficar repetindo. Estão vindo para cá, tá todo mundo
preocupado contigo! O William vai sair dessa, você, mais do que nunca precisa dele!!! — ela toca
minha barriga — Eu vejo uma sementinha brilhante aqui! Isso dará forças para ele voltar! Sua
menor preocupação devia ser com ele. Precisamos falar sobre Bárbara...

— Eu... eu estou grávida???

Sinto um amor profundo dentro de mim e ela sorri.

— Está!!! Você está esperando um bebê lindo dele! Um banguelo a cara dele!!! — ela ri e me
abraça enquanto eu choro descontroladamente — Mas a felicidade de vocês terá os dias
contados, Cat! Me escuta! Bárbara precisa morrer! A gente precisa se livrar dela! Ou mandar ela
para a China ou matá-la!!! Com ela sondando, vocês nunca serão felizes. Eu vi!!!

Ela fala e eu paro na parte em que diz que estou grávida e eu não consigo parar de chorar.

Sigo para o espelho na parede e toco minha barriga. Tinha um bebê do marrento ali... eu
esperava um bebezinho, filho dele!!!
Eu não podia acreditar. Era o que William mais queria no mundo, era o que eu mais queria dar a
ele!!!

Eu não sabia se ria, ou se chorava.

— Cat, não temos tempo! Você me ouviu? Precisamos dar um jeito nela!!!

Rubi me resgata de meus devaneios e eu lamento.

— William nunca me perdoaria.

— Ele não precisa saber.

— Ele vai saber! Ele não é bobo, Rubi.

— Cat, você escutou a parte que eu disse que vocês nunca seriam felizes???

— Jade disse ao meu pai uma vez, que nem sempre o futuro se mantém. As coisas podem mudar!
Somos fortes, podemos escrever nossos destinos.

— Ela-nunca-deixará-vocês-em-paz!!!

— Eu arrisco! De qualquer jeito não o terei! Ele vai me odiar, vai saber que algo aconteceu por
culpa minha! Sem contar que, quando descobrir que ele está onde está por culpa minha, DE NOVO,
eu nem sei se me perdoará! Ele vai me odiar, eu atirei nele! Ele vai me odiar de novo!!!

— Para de ser louca, ele nunca faria isso, nunca te acusaria! Vai entender que foi sem querer, foi
um acidente! É óbvio! E também, depois de descobrir que você está esperando o filho que ele
sempre quis, ele vai pirar. Nem sequer vai se lembrar que Bárbara existe. William será o pai mais
bobo e babão do universo! Ele vai viver o restantes dos dias dele para esse menino! William vai
viver por ele, matar e morrer por ele! Será a vida dele!!! Eu vi isso! Tenho certeza que seu foco vai
mudar.

— Pode ser que seja assim! Mas estarei mentindo pra ele! Se ele me ama, vai definitivamente
apagar essa mulher da vida dele! Eu não quero viver uma mentira com ele.

— Você não está me entendendo. William já não se importa com ela! Não a ama, nunca amou, não
gosta dela! Na verdade, ele a despreza pelo o que fez com você! Ele falou tantas barbaridades
para ela quando ele saiu para levá-la ao fórum, que ela também está o odiando no momento. Só
que ela é mau-agouro, é "zica", entende? Tu vai acabar com a cúpula, Cat, vai ter esse bebê lindo
que representa o fim dessa história, começará uma vida linda com ele... — ela sorri — Mas no
futuro, ela vai dar as caras, e vai acabar com teu casamento. Eu vi!!!

— Certo. Falaremos disso depois. Não posso arriscar. Não posso arriscar, Rubi!!! Para começar, ele
precisa viver!!! William precisa voltar para mim!

Eu falo, ela concorda e me abraça, e eu me sinto muito melhor depois disso. Minha irmã era a
minha paz.

— Tem outra coisa que eu preciso te falar!!! É importante!

Rubi me olha com uma cara péssima e alguém toca a campainha.

— Merda...

Ela resmunga.

— Nunca vi você falar tanto! Falando até rápido. O que foi?! Fala e depois eu abro!!!

— Não! É nossa família. Atende! Depois a gente conversa! Só... só precisava me livrar disso!!!

— Se está te angustiando fale! Tô te ouvindo!!! Fale de uma vez!

— Não. Atende, sério, tô bem!

Ela afirma, sorri, e eu abro a porta.


Era Mat, Nat, Millena, Jon, meus pais, meus tios, e meus avós... menos Dom e Davi, que eu tinha
certeza que ficou com tia Nina, e Miguel e Mariah que estava com o pai!

— Quem ficou com William?

— Fred e os seguranças que coloquei na porta dá UTI! Fred está com eles fazendo acampamento
lá! Ninguém entra na sala, a não ser Marcelo! Me certifiquei! Marcelo vai cuidar de tudo sozinho!!!
De qualquer forma, ele ainda não pode receber visitas!!!

— Tinha que estar lá, filha, do lado dele!!!

Minha mãe me abraça chorosa.

— Eu não estava bem para chegar perto dele, mãe! Vocês precisam estar preparados para
quando ele acordar, muito provavelmente, não terá casamento nenhum... Rubi discorda, mas sinto
que vamos terminar!!!

— E por que???

Meu pai logo me interrompe. Estava começando a gostar do genro. Ele admirava William como
todos ali.

— Não é óbvio!? Eu atirei nele, né pai?! Rubi disse que "viu" que ele sairá dessa, mas
convenhamos... perfuração no pulmão, quase precisa de transplante, eu destruí William... está em
coma, eu o matei! Qual vai ser a reação dele quando acordar, SE ele acordar do coma!? Das
melhores é que não pode ser, né?!

— Quanta bobagem! William te ama! Ele vai entender você, acidentes acontecem, Cat!!!

Nat tenta me dar força, e eu tento sorrir.

— Não. Ele vai ficar mal. E se tiver juízo, vai me deixar! Odeio ter que dizer isso, odeio... eu me
odeio por pensar nisso, mas eu só trouxe desgraça para a vida dele. Uma hora ele vai se tocar
disso, e vai acabar me deixando. Preciso estar pronta para isso.

— Bobagem! Nunca ouvi tamanha bobagem!!!

Seu Max fala e se aproxima de mim.

— Você viu uma mulher que foi além no papel de mãe para você, ser morta a sangue frio! — Meu
avô fala comigo naquele tom que não me deixa outra opção, a não ser baixar a cabeça e
concordar — Se esqueceu do que ele fez contigo quando descobriu que EU matei o tio dele?! Que
teu pai matou o primo?! Ele te abandou, lutou contigo, te atacou, e prendeu você!!! Ele dizia te
amar, mas te condenou por ter matado o seu amigo, por querer proteger sua família!
Não somos totalmente culpados pelos nossos atos quando essas coisas acontecem. Somos seres
humanos, somos falhos, e todo mundo pode dizer o contrário, mas você não é perfeita, não!!! Lutou
por todos nós, nos protegeu, ninguém pode te julgar por nada! Todo mundo quer apontar o dedo
quando a gente erra, mas ninguém quer se sacrificar. Você tem muito de mim, consegue tomar
decisões difíceis, faz o que é precisa ser feito, se aceita como é. Quem está ao redor, e incluo ele
nisso, tem mais é que aceitar! Se um homem chega em você e diz te amar, ele jamais pode tentar
mudar quem você realmente é, senão não é amor, minha neta! Foi um acidente, e ele vai entender,
tenho certeza! Ele ama você! Se por um momento sequer ele cogitar a possibilidade de ficar
magoado contigo por causa disso, significa que ele jamais amou você realmente. Eu aposto minhas
fichas que ele não fará isso, mas se fizer, eu mesmo dou um jeito nele e proíbo esse
relacionamento. Faço com ele como fiz com Jon! É bom que ele esquece de tudo!!! Literalmente!!!

Seu Max diz, Jon ri junto com meu pai, e eu... eu choro.

— Eu atirei nele!!! Eu atirei nele, vô! Eu atirei nele!!!

— Foi sem querer, filha! — ele me abraça e eu afundo meu rosto em sua blusa de lã, meu avô
cheirava a lar — Vai ficar tudo bem! Ele te ama muito! Ele não vai querer saber disso! Trate logo
de acabar com tudo, e vai ficar do lado dele! Você é a primeira pessoa por quem ele vai
perguntar quando acordar!

Eu afirmo com a cabeça, ganho um beijo e um carinho, e depois fico tímida por ter chorado para
todo mundo ver.

— E a Laura?

— Yan e o Rafa foram cuidar de tudo! Ela será cremada... Yan disse que ela nunca quis velório e
nem nada! Ela dizia não querer que as pessoas a vissem dessa forma, então... Yan quer respeitar a
vontade dela!!! — meu pai fala entristecido — De qualquer forma, a FAB prestará uma
homenagem...

— Ele disse onde jogará as cinzas?!

— Ela me dizia que queria que jogássemos em Manaus, na mata! Eu conseguiria o avião
facilmente, até falei para ele, mas acho que ele levou como provocação. Talvez jogue no lago na
casa deles... não sei! Não quis discutir, é a mulher dele!

— Ele tem direito! Realmente...

Eu afirmo, me recomponho, e enxugo as lágrimas.

— Preciso que alguém vá até Bagé! Aliás, os pais dele foram avisados???

— Marcelo disse que era antiético não avisar. Ele precisou ligar!!!
Matheo lamenta.

— Sim, é isso mesmo! Que bom que terei um tempo para evitar a fadiga! Não estarei aqui quando
eles chegarem... aquela mãe dele vai querer me matar!!!

— Marcelo disse que foi no trabalho, o acidente. Ela só vai saber se William quiser contar!

Nat diz e eu respiro fundo, mas não de alívio. Logo Bárbara saberia, e então, ela saberia, e
então... eu nunca teria um relacionamento saudável com aquela mulher. Nunca.

— Bom... se eles já estão vindo, não é necessário que alguém vá até eles! Mas é mais necessário
ainda que alguém os pegue no aeroporto e se certifique de que ele permanece com a tala no
braço!!!

— Por que???

Jon pergunta curioso, e apesar de não ter crianças por perto, não me arrisco em soltar aquilo.

— É só algo importante! Preciso de um banho! Cuidou do que eu pedi??? Quando eu sair, vamos
conversar a respeito disso! Quero viajar o quanto antes e voltar para o hospital!

— Você quer que eu vá?! Eu e Rubi cuidamos disso!

Jon sugere, todos parecem ficar de acordo, mas eu não gosto da ideia! Eu gostaria de fazer
aquilo, precisava ser eu.

— Não. Eu vou. — eu afirmo e olho para Mat, o selecionado — Mat! Vem comigo!!!

Eu entro no quarto e ele fecha a porta atrás de nós...

— Poderia fazer o favor de ir buscar os pais do William no aeroporto?!

— É claro! Pode deixar comigo!!!

Eu confirmo, decido contar tudo para ele e explicar o que ele precisava fazer, conversamos por
mais ou menos vinte minutos sobre o tema: Fred e a esposa morta, e ele ficou embasbacado, como
todo mundo quando descobrirem. Apostava e ganhava. Mas eu não ia deixar ninguém saber, eu
não podia deixar ninguém saber disso.

— Nossa, que bizarro... certo! Eu busco a família, faço ele esconder a tatoo de forma discreta se
ele tiver tirado a tala, e tento mantê-lo, COM TODO O CUIDADO DO MUNDO, longe de Fred.

— Não seja bobo, Fred é mais esperto do que você imagina. Apenas fale com teu irmão, e mande
ele liberar Fred assim que a família chegar!!! Não os deixe perto um do outro por muito tempo.
Ele concorda, sai e eu volto pro meu caos interno. Eu tinha tanto para pensar, tanto... mas... assim
que me posicionei na frente do espelho do guarda-roupa, esqueci tudo.

Tinha um bebê dentro de mim. Eu ia ser mãe. Mãe de um filho dele. Era algo que ia nos ligar para
sempre, não importava o rumo que nossas vidas tomassem. Eu tinha um pedacinho dele dentro de
mim. Choro mais, abro o guarda-roupa, pego uma de suas camisas, sinto seu perfume masculino
delicioso, meu cheiro favorito do mundo todo, e sinto medo. Medo do futuro.

"...Me desculpe se assustei você. É só que parece que eu vivi toda uma vida para no fim, chegar até o
Miragem e te encontrar ali! Me senti aliviado por encontrar você. Sinto que agora posso parar de te
procurar..."

— Você me encontrou, nos apaixonamos, e agora eu tenho um pedacinho de você dentro de mim!
Teremos um filho!!!

Falar em voz alta era ainda mais absurdo. nós... nós seríamos pais de um menino! Meu Deus!!!
Eu era um desastre, e às vezes William conseguia ser mais infantil do que eu. Como nós dois íamos
cuidar de uma criança???

Ele será um pai incrível.

Sim. Minha sábia consciência estava certa e me impediu de gritar por minha mãe. William é o
melhor pai que essa criança poderia ter, e eu daria o máximo de mim para ser a mãe que ele
precisará. O próximo passo, com ajuda dele, é contar para meus pais. Mais um motivo para ele
voltar.

Meu amor.

(...)

Vestido social bege, bolsa, scarpins, coque a lá executiva, joias combinando, óculos escuros, e
desejo de vingança.

Era dessa forma que eu estava vestida.

— Aonde irá, senhorita?

O segurança pergunta e eu tiro os óculos.

— Eu tenho uma reunião com o chefe de estado e seus secretários. Está marcado. Catarina
Coverick Maia!

Eu digo, sorrio, e olho ao redor.


O palácio do Planalto era um lugar lindo demais. Achava Oscar Niemeyer um velho brilhante. Eu
era fã. Lamentava demais ter que fazer aquilo, mas precisava.

— Certo. — o segurança resmunga depois de consultar o registro — Precisa de um guia? Tem


assessor? Colaboradores?

— Não. Conheço todo o palácio. Será só eu!

Confirmo, ele tira uma foto minha, passa o detector de metal em mim e na caixa de presente que
eu carregava — uma delicadeza de minha parte para o presidente, — me entrega um crachá de
metal, que me manda prender no vestido, e eu sou autorizada a entrar, depois de retirar todas as
minhas joias, e recolocá-las.

As bombas russas em formato de estojo de maquiagem não foram detectadass, tinham isolantes
para esse tipo de contratempo. O serviço de espionagem deles, eram incomparáveis.

— Hum... hoje teremos o tour como de costume?

Pergunto curiosa só para confirmar e ele nega com simpatia. Era um rapaz jovem, bonito, e de um
sorriso brilhante e sincero.

— Não, não, senhorita Coverick. Por alguma razão, hoje o tour foi cancelado. Só está marcado a
reunião, entramos em recesso.

— Ok. Obrigada.

Caminho com tranquilidade nos saltos altos e me perco nas curvas e traços marcantes de Oscar.
William amaria conhecer esse lugar.

O único barulho é dos meus saltos... o silêncio, a falta de cores do salão Nobre, e a escassez de
móveis, deixavam tudo harmonioso demais. Aquela calmaria e todo o mármore lembrava o céu,
mas eu era o demônio entrando ali. Eu trazia o caos para aquele lugar, que o que tinha de
aparentemente pacífico e limpo, tinha de sujo. Passo na porta da sala de audiência e sigo direto
para o gabinete presidencial. Era lá que seria a reunião, bem onde eu queria.

Na frente da sala eu dou de cara com quatro seguranças com cara de mau, e sem cerimônia eles
pegam minha bolsa e minha caixa de presente.

— Excelentíssimo senhor presidente... — Entro, me coloco na frente de seu enorme trono negro, e
ele sorri — Senhores...

Cumprimento formalmente apenas com a cabeça a horda demoníaca que consistiam no vice-
presidente, ministro, consultor, o chefe de estado das três armas, chefe do gabinete militar, a
secretária entojada dele, e ao redor de todas as poltronas, uns vinte seguranças armados de fuzis.
Tudo para os proteger de uma garota de vinte e cinco anos.

— Como está sua estadia em Brasília, senhorita Coverick. Se instalou bem? Assim que solicitou essa
reunião, tratei logo de me encarregar que fosse muito bem tratada.

— Vossa excelência não imagina o quão bem fui tratada. Agradeço muito!!! Depois daqui, aceitarei
o tour por Brasília. Nunca havia pisado aqui, e amei o presente. Até te trouxe um, mas... pegaram
lá na porta!!! Comprei com muito carinho para retribuir a gentileza de me receber. Sei que o senhor
é um homem extremamente ocupado, cuida de nosso país com total excelência.

Eu falo, ele sinaliza para alguém, e logo sou convidada a me sentar em uma poltrona parecida
com as demais, na frente de todos.

— Que isso!!! Mas que indelicadeza... cadê o presente que minha melhor agente me trouxe???
Guardem que depois eu vou querer ver!

Ele diz, e eu reparo em tudo, curiosa... o mobiliário dos anos 40, a prataria do Palácio do Catete, o
mármore, e os tapetes persas, deixavam a sala mais fantástica do que eu imaginava. Era ainda
mais bonito do que por foto. Seu gabinete era magnífico.

Ele me olhava com certa curiosidade e humor. Estava morrendo de medo, mas se achava inteligente
demais por me receber. Sabia que eu o encontraria em qualquer lugar do mundo, mas achou que
me receber lhe daria a oportunidade de entrar em um acordo comigo, ou me matar de uma vez
por todas, mas ele não sabia o quão enganado estava.

— O que lhe traz aqui, afinal?! Por que nos reuniu?

Ele pergunta, mesmo sabendo a resposta. Havia tomado provisoriamente o cargo de Glenda na
cúpula, depois que a prefeita foi eliminada. E por isso não fui para Manaus, fui direto para
Brasília.

— Vim para te fazer economizar. Meu pescoço está valendo milhões... pensei que a própria
Glenda deveria fazer o trabalho sujo.

— Então veio para morrer?

Seu sorriso desaparece e o meu se ilumina.

— Sim. Não tenho mais nada a perder. Mataram minha mãe, meu noivo está em coma, estão
incansavelmente perseguindo o cartel mais competente do país... isso é tão injusto... quero acabar
logo com isso!!!

— Do que ela está falando? Quem ordenou o ataque a esse cartel? — ele pergunta parecendo
confuso, ninguém sabe responder e ele parece bastante curioso com aquilo, inclusive eu — Chame
Chong Kuang, cadê ele?!

— Ele não responde a nossos chamados desde o início da semana, vossa excelência.

A sua secretária pessoal informa e ele parece pensar.

— Quem estava na frente para ser nomeado? Tirando ele, claro...?!

— O agente-chefe da inteligência. Superintendente da força aérea brasileira do estado de São


Paulo. Nossa melhor opção! Há anos vem mostrando o melhor resultado, é o espião da agência
brasileira de inteligência mais competente. É o responsável pela segurança do próprio presidente,
vossa excelência.

A secretária responde prontamente mostrando serviço, ele concorda e eu fico tonta.

— Então o coloque no cargo imediatamente. — ele responde a ela, ela abre o Notebook, e ele me
encara — Como pôde notar, senhorita Coverick, não estávamos cientes de nada disso. Creio eu
que, não sei, quem achar que estou errado pode discordar de mim... o próprio Chong armou tudo
depois que o cartel do Rio sentenciou à morte, a última Glenda. A ordem não partiu de mim.

— Quer brincar comigo?! Não queira brincar comigo. Para começar, meu tio não faz parte de
inteligência nenhuma!!!

— Seu tio cuida da segurança do país e nos presta serviços há anos!!!

Ela me informa, volta pro seu computador e meu nariz arde.

— Provem!

Eu rosno, e ele sorri. Todos os oficiais na sala ficam tensos.

— Ele criou todo o nosso sistema de segurança, foi contratado assim que assumiu o cargo de
superintendente na Força Aérea. Foi recomendado pelo próprio pai, que até hoje trabalha para
nós. Eu não sei se isso provaria, — ela se levanta — mas esse aqui, é nosso banco de dados, vou
te mostrar... eu tenho acesso a todos os documentos de pessoal, detalhamento de pagamentos,
contas... esse é o primeiro pagamento dele, olha a data, nome... esse aqui é o último, viu?! Mês
passado... e, ah! Essa é a conta nova, ele pediu dois anos a mais e incluiu a conta do filho, é ele
quem assumirá o cargo do pai assim que o mesmo se aposentar! Já é um garoto muito promissor,
excelentíssimo!!!

Ela fala comigo, olha para ele, e eu vejo tudo vermelho na minha frente.

— Bom, não é bem uma prova, Jonatas Coverick é um ótimo agente. Por vezes foi solicitado para
prestar seus serviços ao serviço secreto do Estados Unidos, temos o melhor no país!
— Isso não prova que ele tem algo a ver com isso. Meu tio jamais colocaria minha família em
perigo.

— Mas quem disse que ele tem algo a ver? Nem nós temos!!! O problema é que, sem Chong, que
tanto queria o cargo, ele agora pode e deve assumir. De qualquer forma, eu lamento por tua
família. Se tiver algo que eu possa fazer pelo teu cartel... com certeza, é importante para nós que
continuássemos contando com vocês, os melhores...

Ele fala, e eu olho em seus olhos, ele parece ser sincero, mas não totalmente.

— Você foi enganada, menina! Chong armou tudo! Está óbvio. O que ganharíamos eliminando o
melhor cartel do país???

O chefe do gabinete militar parece estressado demais, e demonstrava querer ir embora, logo...

— Meu tio é o melhor, ele não saberia se a ordem não tivesse partido diretamente da cúpula?!

— Ele saberia se não tivesse em um luto profundo.

— Luto?

— Você não havia morrido? Se fingido de morta, sei lá?!

— Como vocês souberam?!

— Nós sempre sabemos de tudo.

— Mas não sabiam que o Chong estava armando contra minha família?!

Eu ergo a sobrancelha, ele gagueja, e eu dou risada, e só minha risada os fazem ficar nervosos
demais. O silêncio e a tensão eram palpáveis.

— Não adianta nos ameaçar... você está cercada.

Ele fala segurando a raiva e eu paro de sorrir de repente, eu queria ir para casa.

— Eu não vim para ameaçar, não faço isso. Eu mato de uma vez...

— Se nos matar, vocês e todos os cartéis do país, ficarão sem os milhões mensais. Você arrumará
dor de cabeça e uma horda gigante de inimigos. Dinheiro é um assunto sério.

— Eis minha sentença, vossa excelência: todos vocês morrerão por ter matado a minha mãe,
tenente da força aérea brasileira Laura Nogueira, que tinha dois filhos jovens demais, além de
mim, um marido, e uma vida toda pela frente, e mais... irão morrer dolorosamente por terem
acabado com a felicidade do meu pai, e deixado meu noivo, delegado William Castro, da
superintendência da polícia federal do estado de São Paulo, em coma. Eis os motivos pelos quais
morrerão, e se depois disso tudo, mais alguém da minha família for ameaçada, e principalmente se
meu noivo falecer, mato cada mulher, homem, criança, e idoso da família de vocês. É uma
promessa!!! — eu respiro fundo e me levanto — Excelentíssimo senhor presidente... Senhores...

Me retiro da sala a tempo de ver ele sinalizar para o segurança lhe mostrar o interior da caixa, o
meu presente delicado (a cabeça de Chong), o segurança do lado de fora se recusa a me
devolver minhas coisas, como pensei que faria, e eu fico pasma por não ter precisado lutar contra
todos os seguranças da sala. O presidente me conhecia muito bem. Sabia que eu acabaria com
todos. Planejou usar o segredo de Jon para me desestabilizar... estava confiante demais.

Eu fui até lá preparada para o pior, eu sempre estou preparada para o pior, ficar confiante
demais era perigoso.

Entrego meu crachá, o segurança sorri para mim, eu caminho pelo gramado famoso da praça dos
três poderes, e aperto o sensor do meu mais novo anel, um mimo de K.

A explosão destrói uma parte grande da arte majestosa de Oscar Niemeyer, e eu consigo mudar
os rumos de um país inteiro. Meu nome era Catarina!

Toco minha barriga ainda lisa, com amor, sorrio para uma vitrine de lojas de itens para enxoval no
caminho para o aeroporto, e saio de lá depois de comprar um gorrinho azul de crochê. Eu já sabia
que frequentar lojas infantis, se tornaria um hobby, minha atividade favorita por alguns meses, mais
precisamente nove.

Tudo se atrasa devido ao caos na cidade com a nova notícia, encontro o aeroporto lotado de
policiais, e espero pacientemente o meu retorno para casa.

Eu era só uma garota, uma mulher com carinha de anjo, eu não era suspeita de nada, nem
quiseram revistar a minha mala.

Amadores.

(...)

— Eu não vou... espero que ela, onde quer que esteja, me perdoe por isso. Vou ficar com William!!!
Preciso ir pro hospital! Preciso estar aqui quando ele acordar. Ele vai acordar, né?! Claro que vai!!!

Olho para meu pai, que parecia nervoso por algum motivo, e fico tentada a contar a novidade,
mas não digo nada. Eu queria contar primeiro para o pai. Ele ia ser avô, não via a hora de ver a
cara dele. Ele ia pirar.

— Você está certa! Ele vai sim. Vou com Yan, sua mãe, Miguel e Mariah... e Rubi vai junto também.
Vamos todos.

Ele falava de ir até Manaus, Yan havia concordado com ele.

— Rubi???

— É, ela... disse que, como você não vai, quer te representar, mas na verdade acho que ela só
quer cuidar deles.

— Entendi. Ela sabe o que faz. Se acha que deve ir, que vá! Ficarei feliz. Rubi tira um peso de
nossas costas só com um abraço. É bom que vá!!!

— Verdade. Sua irmã é um anjo!

Ele resmunga, para no sinal vermelho, e eu olho para ele.

— Você sabia que o tio Jon trabalha diretamente pro governo brasileiro?! Para a agência
brasileira de inteligência???

— O quê? Não!!! Isso é real?

— É. É real. Ele não trabalha só com espionagem para clientes especiais, não é um profissional
liberal somente. Não trabalha por conta própria. Ele também recebe ordens do governo,
trabalhava diretamente com a segurança do presidente... está entendendo aonde quero chegar???

— Jon nunca nos prejudicaria, ele ama sua tia! Ele nos ama!

— O quanto a gente o conhece, pai? Lembra do que o vovô e meu bisavô diziam sobre ele?!
Sobre seu profissionalismo, prestava continência em qualquer lugar, primeiro a farda, depois a
família...

— Jon mudou! Se apaixonou pela sua tia, melhorou nisso! Tira isso da sua cabeça.

— Jon sabia, pai! Jon sabia do que o Chong planejava!!!

— É óbvio que ele sabia! Ele sabe de tudo sempre. Se ele é agente do governo, e nós nunca
soubemos, então ele deve ser realmente, o melhor agente.

— Ele estava cotado para ser a nova Glenda! Chong estava na frente para ser colocado no
cargo... tá conseguindo pensar comigo???
Eu pergunto com calma, ele encosta o carro, e me olha nos olhos.

— Não pira! Seu tio protege nossa família há anos!!! Esquece esse assunto, Catarina!!! Se ele
tomasse a frente da cúpula, seria mais um ganho a nossa família, teríamos mais poder! Todos temos
nossos segredos...

— Você também tem?

— Muitos! Como você!

Ele fica estressado, encerro o assunto, e volto a olhar para frente enquanto ele dá partida no
carro.
Eu não conseguia parar de pensar naquilo.

Ele me beija ao estacionar no hospital Albert Einsten, me pede mais uma vez para esquecer o
assunto, e eu entro nervosa.

Marcelo me recebe com um abraço, me comunica sobre o estado de saúde de William, que no
caso, era "na mesma", e a TV alta na sala de espera chama minha atenção quando o plantão de
notícias noticia a morte do presidente do país e mais uns quinze secretários de estados.

O Brasil parou. Presidente e vice-presidente mortos, de uma vez só...

Respiro fundo, acompanho um Marcelo sorridente, e dou de cara com o casal no vidro da sala
dele, e alguns seguranças no corredor. A sua mãe parecia em transe, orando, e seu Francisco, só o
encarava.

— Menina!!! Como vai???

Seu Francisco me abraça e meus olhos se enchem de lágrimas.

— Vou péssima, óbvio!

— Você sabe o que aconteceu???

— Manuela me disse que foi em uma apreensão no trabalho. Atiraram nele...

Eu minto e me sinto horrível.

— É, foi isso. Onde você estava?!

— Precisei resolver um problema de urgência! Minha madrasta faleceu!!!

— Oh! Meu Deus! Eu sinto muito!!! Deve estar sendo tão difícil para você!!!
— Está sim, para todos nós!!! Mas William logo vai sair dessa!!! Tenho certeza!!!

— A morte dela tem algo a ver com ele estar assim!?

— Não vamos ficar falando disso aqui! Ficará em minha casa! Podemos ter aquela conversa que
eu tanto quero e eu posso te explicar tudo, depois do jantar!!! Tudo bem? — ele confirma — Eu
amo seu filho como nunca amei ninguém em toda a minha vida, ele é tudo para mim, seu Francisco!!!

Eu olho para o meu neném dodói deitado na maca, Marcelo checando seus equipamentos, e sinto
uma dor profunda no coração.

De repente, Marcelo parece se assustar, começa a mexer nos aparelhos, aperta alguns botões, e
eu me desespero.

Alguns enfermeiros correm ao ouvir o chamado, entram com tudo na sala, e eu entro atrás.

— Cat, sai!!!

— Não! O que está acontecendo???

As máquinas faziam um barulho estridente e o ecocardiograma no painel ao lado de seu leito


estava zerado. William estava me deixando.

— William!!!

— Cat, sai daqui!!!

Marcelo grita, eu me afasto, ele tenta reanimá-lo com aparelhos, tenta uma, duas, três, quatro
vezes, e nada...

Nada adiantava, ele não voltava...

— William!!!

Eu o chamo como se ele pudesse me ouvir, choro apavorada e arrasada, e levanto meus olhos
quando a máquina volta a funcionar. As batidas de seu coração forte voltam a ressoar pela sala
branca demais e eu sorrio chorando. Só me aproximo quando todos se retiram.

Marcelo tinha me deixado ficar porque tinha certeza que William não ia aguentar a barra. Ele
saiu da sala com as costas encurvadas e dizendo que eu podia ficar e que logo autorizaria a
entrada dos pais dele.
Ele queria deixar eu me despedir.

— Ei... sou eu!!! — me aproximo e beijo seu rosto frio — eu estou com tanta saudade... eu sei que
prometeu que ia me fazer pagar por ter fingido estar morta e eu entendo, só que agora já deu,
amor!!! Você precisa voltar, William, já chega! Já entendi o recado, já estou sofrendo, já paguei, e
caro! Você precisa manter esse meu coração trabalhando, e precisa voltar para mim...

Ouço seus batimentos aumentarem e sorrio. Estando em coma ele me ouviria?! Poderia sentir minha
presença??? Parecia que sim.

Então, tiro o gorrinho da bolsa, coloco em sua mão esquerda, fecho seus dedos, e toco seu rosto
com carinho.

Ele estava tão lindo, parecia um anjo, o meu anjo...

— Preciso de você aqui! Não pode me deixar, eu estou grávida!!! Não pode fugir da
responsabilidade, tem um bebê aqui que precisa muito do papai! Não vou dar conta sozinha! Volta
pra mim!

Beijo sua mão, seus batimentos continuam rápidos, saio da sala para os dois entrarem, e só o olho
pelo vidro.
Rubi tinha me garantido que ele voltaria, por que a demora???

Me sento na cadeira do corredor, tento controlar a respiração, não tenho sucesso, passo a andar
para lá e para cá, e assim, fico por horas...

— A gente já está aqui tem um tempo, tu fica aí para eu levar ela em casa? Deixar ela descansar,
tomar um banho...!?

Seu Francisco chama minha atenção quando se ajoelha e eu concordo.

Marcelo tinha me deixado ficar na poltrona do quarto, que era reclinável, perto do meu amor.

— Claro, vai lá, não sairei daqui! Se eu sair, alguém da família virá! Não o deixarei sozinho, e
qualquer coisa te ligo!

Eu falo, ganho um abraço, e depois de horas, cochilo morta de cansaço.


Marcelo tinha me oferecido para ficar em um dormitório que tinha cama, mas apesar de estar
tensa e morrendo de medo de encarar o doutor, eu não queria sair de perto dele.
Eu precisava ficar perto dele. Eu precisava estar aqui quando ele acordasse, porque ele ia
acordar, ele ia levantar dali, eu já sentia isso!!!

— O QUÊ???

Acordo com movimentos e barulho na sala, e vejo um Marcelo sorridente mexendo nos
equipamentos.
— Calma, ele melhorou, não pode mais respirar com aparelhos, tô tirando tudo!!! — ele pisca feliz
e eu corro para o lado dele — Pelo jeito ele só estava te esperando, prima! Melhorou muito depois
que você chegou!!!

— Óbvio que melhorou! Eu sou sua vida, não é, cachorro?!

Falo me debruçando na cama e Marcelo ri.

— Que horas são?!

— Vai dar dez da noite!!! Se houver alguma mudança, aperta esse botão, estarei descansando um
pouco na sala dos médicos.

— Obrigada, primo! Por tudo!!!

Eu abraço Marcelo, e ele sorri.

— Já tomou seu remédio? Vou trazer algo para você comer, de acordo com tua dieta!!!

— Escuta... se eu tivesse grávida, eu poderia continuar tomando???

Ele me olha pasmo, evita gritar de felicidade, me gira no ar em silêncio e depois ri feliz.

— Oh! Meu Deus!!! Se você estivesse eu te diria, parabéns!!! Caraca!!! Parabéns!!! Deve tomar,
ainda mais agora!!! Vou trazer uma doze, uma comida bem gostosa e saudável, e te mimar até o
ano que vem!!!

— Certo! Vai!!!

Ele me abraça de novo, me sinto feliz, e me aproximo do meu neném. Marcelo precisava saber, eu
não havia tomado e estava curiosa quanto a gravidez. Precisei contar.

Sem toda aquela parafernália e cano na boca, ele ficava com a face livre. Meu anjo lindo.

Beijo sua boca, respiro em sua bochecha e horas depois, ao seu lado, vejo quando ele abre os
olhos e se mexe um pouco.

— Meu Deus!!! Vida!!!

Exclamo tentando me acalmar e ele sorri parecendo sonolento. Aperto o botão que Marcelo
indicou, beijo sua boca com cuidado, e ele me olha nos olhos.

— Me acordou com um beijo, mulher?! Por que demorou tanto? Aonde você estava???
— Eu não saí daqui.

— Saiu sim! Eu esperei por você, esperei muito!!!

— Para de falar, só descanse. Eu tô aqui!!!

— Eu te amo!!! Eu te amo muito!!!

— Eu te amo muito mais!!!

Beijo sua boca, me controlo e Marcelo entra na sala. Quase chora ao vê-lo acordado.

— Seja bem-vindo de volta, primo!!!

Eu me afasto, e Marcelo faz suas anotações.

— Obrigado!!!

— Você melhorou bastante, vou mudar seu medicamento e ligar para seus pais...

Marcelo diz e sai.

— Vem aqui...

Ele me chama e eu me aproximo de novo.

— Eu voltei para ti! Morri de saudades!!! Eu fui para um lugar incrível, mas, você não estava lá!!!
Nenhum lugar é bom o suficiente sem você!

— Você ficou em estado crítico, por minha culpa!

Falo de uma vez e ele ri apertando o botão do lado da cama para chamar Marcelo de novo.

— Eu fui baleado?

— Foi, por mim! Me desculpa! Eu fiquei descontrolada, acabei machucando você. Nunca vou me
perdoar!!! Nunca!!!

Eu tento falar, minha voz sai estridente, choro, Marcelo entra preocupado, e William perde o
sorriso.

— Espere lá fora um instante, por favor.

William diz sem me olhar nos olhos, e eu entendo, mas...


— Eu sinto muito!!!

— Lá fora! Agora!

Ele me queria longe dele quando eu disse que tudo foi por minha culpa, como suspeitei.
Era compreensível, eu quase o matei.

Olho pelo vidro, vejo ele conversando com Marcelo, que se mantinha sério, e choro mais.
O medo tomava conta de mim, se ele me deixasse eu...

Não, o que importa é que ele está bem. Ele está bem, ele acordou, e é só isso o que importa. Se ele te
deixar, é porque mereceu, e você vai ter que conviver com isso!!!

— Ele está te chamando!!!

Marcelo abre a porta minutos depois, eu entro com cautela, e ele ainda não me olha nos olhos. O
semblante de Marcelo é indecifrável, e William parecia nervoso demais. Parecia frágil, claro, mas
ainda assim, estressado com algo e lúcido demais.

— Diga a ela o que descobriu sobre meu diagnóstico...

William manda e Marcelo me encara.

— William ainda corre risco de vida e não pode ficar nervoso, ou se estressar. Ele precisa de você
cuidando dele, e... — Marcelo olha para ele parecendo sem graça — E doando seu amor, até ele
gozar de perfeita saúde. Então... por enquanto, você não pode cogitar a possibilidade de se
separar dele, ou cancelar o noivado. Tem que prezar pela saúde dele!

Marcelo diz, de repente nega rindo, e sai.

Fico besta.

— Não acredito nisso! Sério?!

— Você ouviu! Não posso me estressar, olha minha saúde! Tem que cuidar de mim!!!

— Eu atirei em você!

— Não me importo, sei que foi sem querer! Me dá um tempo, acabei de sair de um coma! Tô frágil!
Eu te amo, vamos ficar juntos, e preciso de amor! Fico cansado só de falar, deita aqui, fica aqui
comigo, e para de pensar em bobagem! Voltei pra você, nunca vou te deixar.

Ele fala, seca as minhas lágrimas, e eu tiro o gorrinho da bolsa. Não cabia em mim tamanha
felicidade.
— Meu presente...

Ele olha para o pedacinho de crochê sem nem tocá-lo e imediatamente chora.

— Tá brincando?! É brincadeira!!!

— Não, papai! Não estou brincando!!! Rubi disse que vai ser um catarrentinho com a tua fuça!!! Seu
filho!

Ele ri chorando, beija o gorrinho, e me puxa para esconder o rosto enquanto chora.

— Eu sabia!!! Eu sabia!!! Eu vou cuidar desse bebê com minha vida! Vou cuidar de vocês dois pelo
resto dos meus dias! Eu te amo ainda mais por realizar meu sonho! Tinha que ser você!!! Eu já amo
essa criança mais do qualquer coisa no universo! — ele seca as lágrimas e me olha preocupado —
Quanto tempo está aqui? Já tomou seu remédio??? Já comeu? Vamos pedir algo pra vocês
comerem!!!

— Nós??? — sorrio — Para de ser bobo, você estava em coma, é você que precisa de cuidados!!!
Eu estou bem, Marcelo já pediu algo para eu comer, está pra chegar!!! Você que precisa sair dessa
cama para cuidar de nós dois!

— Vou sair!!! Vou sair!!! Meu Deus!!! — ele olha pro gorrinho e ri — Eu não acredito!

— Vamos ter que trabalhar jornadas por causa do preço que está o pacote de fraldas e o leite
ninho!!!

Brinco, e ele sorri.


Meu neném estava tão frágil.

— Ele terá tudo o que tem de melhor!!! Eu darei tudo a ele! Viverei a minha vida para te dar uma
vida de princesa, e ser o melhor pai e marido do mundo!!! Eu prometo ser teu melhor amigo, melhor
namorado, o melhor marido do mundo, e um eterno amante, por toda minha vida, e prometo te
fazer muito feliz. Só existirá você, neném, você e nosso filho!
O SOGRO DA NOIVA E A CONVIDADA BÊBADA

Fiquei mais dois dias em observação depois que acordei, por recomendação do Marcelo, e só
consegui sair do hospital depois de garantir que ficaria em repouso, e pegaria leve por causa do
pulmão, que se curava. Eu queria ir pra casa, ele concordou em me liberar mais cedo, mas garantiu
que meu quarto ia ser uma extensão do hospital. Eu precisava do medicamento no soro, segundo
ele, minha recuperação seria mais rápida, pra levantar só se fosse pra ir do banho e de volta pro
quarto, e alimentação saudável.

Cat cuidava de mim com muito amor e eu não conseguia parar de beijar e alisar sua barriguinha
ainda chapada. Eu estava vivendo um sonho.

Estava estressada com alguma coisa, havia tido a famosa conversa com meu pai, e estava
radiante, mas parecia não acreditar, que enfim, teríamos paz, mas algo a incomodava. Não sei se
ainda era porque a maldita munição russa atravessou meu colete “brasileiro”, mas achava que
não. Esperava que não, ela precisava acreditar que estava tudo bem e que aquilo foi um acidente.

Fiquei extremamente assustado com a notícia sobre Brasília, mas obviamente, abstraí. Se por causa
disso teríamos paz, eu agradeceria.

Eu tinha uma mulher maluca, a ponto de matar o presidente do país! Ninguém acreditaria em mim,
mas mesmo assim, se aquilo era necessário, prendê-la de novo, é que eu não ia.

E em falar em paz, meu pais, uma semana depois, voltaram pro Rio. Catarina marcou a sua
primeira consulta em uma clínica pra remover a tatuagem, e falava com ele sempre. Tiago começou
seu trabalho voluntário na associação e no museu, e parecia ter criado juízo, estava feliz por me
ver feliz e por estar trabalhando.

E depois dessa semana, Marcelo nos visitou, e garantiu que eu podia começar a caminhar, me
levantar com mais frequência, e enfim, namorar gostoso com minha princesa prenha mais linda do
universo. Amém.
Já Bárbara, desapareceu. Eu acordei com meu celular tocando em uma dessas madrugadas, mas
Cat havia atendido e dito que era engano, mas eu ouvi a voz dela. Ela soube que eu fui atingido e
me ligou preocupada. Catarina encheu o hospital de seguranças por causa da cúpula, que ainda
permanecia viva, mas o "proibido número um" de chegar perto de mim, não era os secretários de
estados, o presidente, ou seus funcionários, era Bárbara. Catarina nem fez questão de me contar.

Me levanto sentindo o cheiro bom de seu macarrão, e sigo até a cozinha. Andar não era difícil, eu
me sentia bem apesar de parecer que estava de ressaca. Eu estava muito melhor...

A perigosa estava lavando alguns talheres enquanto o fogo estava aceso, e incendiando a cozinha
com um cheiro que fez minha barriga roncar. Vestia um vestido de Lycra cinza, que valorizava suas
curvas deliciosas, e facilitava minha vida.

Seguro na borda da pia com as duas mãos, ela fecha a torneira, encosta suas costas no meu peito,
e levanta a cabeça para cheirar meu pescoço.

— Não precisava levantar, eu já estava levando, está quase pronto!!!

Ela murmura feliz e eu ignoro, beijando bem lentamente seu pescoço e invadindo seu sutiã com a
mão direita.

— Calma, neném...

Ela geme preocupada com meu pulmão, e o último órgão com que eu estava preocupado era com
ele.

Sua pele macia, seu cheiro e sua respiração pesada me deixam pilhado, mas não paro.
Tomo cuidado com sua barriga, por instinto, seguro sua cintura pela lateral, para pressionar minha
rocha endurecida, e ela geme com minha atitude.

Ainda precisávamos ir ao médico, e ela queria que fôssemos juntos, mas eu tinha certeza no meu
coração, que meu filho estava mais saudável que um cavalo, mas mesmo assim, tinha um certo
cuidado. Puxo seu corpo para mim, incentivando-a a inclinar seu corpo para frente, ela segura
onde podia na pia, eu levanto seu vestido, e dou um passo mínimo para trás, para admirar.

Coloco sua calcinha pro lado, fico minutos só fazendo um carinho, até minha mão ficar melada,
depois invado sua intimidade apertadinha, faço um vai e vem devagarinho e seus gemidos se
intensificam.

Aumento as estocadas quando não suporto mais, alguns copos de acrílico caem, e eu me sinto feliz
por vê-la entregue a mim. Era assim que devia ser.

Meu tesão por ela aumenta quando ela geme alto. Agradeço por Tiago estar no trabalho, e me
aproveito disso para atacá-la.
Me ajoelho, me enrosco em suas pernas, chupo e brinco com seu piercing passando a língua e
chupando com vontade, e me dedico ao beijo grego, que eu sabia que ela não comentava, mais
amava.

Ela amava minha boca.

Me levanto em um gesto rápido, beijo sua boca, e sinto ela se livrando da calcinha que estava em
seus calcanhares. Minhas mãos não paravam quietas, e minha língua parecia não estar satisfeita,
eu queria mais dela. Queria sempre mais. Faço ela sentar na ponta da mesa, volto a sugar sua
intimidade, que era minha, ela rebola na minha boca, e quando começa a gritar chamando meu
nome, eu a preencho por trás novamente.

Suas mãos eram garras na madeira fria, e seus cabelos, que há minutos atrás era um coque
comportado, agora era um rabo de cavalo, e me servia de rédea. Eu estava domando aquela
égua deliciosa, e quando me descontrolei, pude ouví-la relinchar.

Aposto que se ela pudesse ouvir meus pensamentos, me daria um tapa.

Beijo sua nuca enquanto a invadia, faço ela olhar para mim por um breve momento, sua cara de
puta safada me faz bater forte em sua bunda, e eu gozo depois de ver seu corpo tremer por
inteiro, e ouvir seu gritinho delicioso de puta safada e meiguinha.

Sua voz era fina e, enquanto gemia muito, empurrava o bumbum contra meu corpo não se
aguentando.

Gozei dentro, beijei sua boca com vontade, e me senti muito melhor. Como ela...

Arrumei seu cabelo como pude, olhei em seus olhos profundamente, e tentei naquele gesto, dizer o
quanto a amava, só esperava que ela tivesse entendido.

Peguei sua calcinha do chão, estendi ajoelhado para ajudá-la a colocar, baixei seu vestido, e saí
da cozinha tendo ainda mais certeza de que sem aquela mulher, eu não seria nada.

Catarina me mantinha vivo.

Me jogo no sofá, ligo a TV, e a criatura entra na sala para me encarar. Estava descabelada,
porque sou péssimo em arrumar​ cabelos de mulher, descalça, com a bochecha rosada e
transbordava felicidade. Apenas sorrio e mudo os canais da TV, enquanto ela tentava entender o
porquê trepei com ela na cozinha sem dizer uma palavra.

Ela encosta no batente da entrada, só fica me olhando, e eu fico duro, quase que imediatamente,
quando ela me dá as costas e volta pra cozinha.

Aquela bunda enorme implorava por meu pau, ela me cobrava... coço a cabeça sorrindo e
contenho a vontade de voltar lá.

— Sabe o que eu estava pensando???

Ela diz na mesa do jantar, e eu nego fazendo ela sorrir.

— Podíamos passar o restante do seu atestado no Sul! Sei que eu disse que queria um tempo
contigo no Rio de novo, mas, eu acho que você vai se recuperar bem no meio do verde. Temos
Barbacena, já até conheceu minha vó... — ela sorri — E tem também a fazenda em Passo Fundo!
Ambos são lugares incríveis!!! O que acha???

— Acho maravilhoso!!! Mas... não seria bem uma lua-de-mel como a gente tanto quer!!! Eu teria que
levar a mala junto! E preferia que antes de partir, a gente já fosse na primeira consulta do pré-
natal! Já tô conseguindo andar, me sinto muito melhor... vamos ao médico, resolvemos tudo, e de lá
partimos. Aposto que vai ter que tomar mais ferro do que já toma, e ter alguns cuidados especiais
por causa da anemia. Vamos cuidar disso primeiro, e aí a gente vai! Tudo bem!?

Eu pergunto depois de mastigar e ela sorri apaixonada.

— Tudo bem!!! Só que, apesar de você já poder me acompanhar, eu acho que a gente deve
esperar mais um pouco! Devo estar de duas semanas, quase três, e eu não senti nada! Estou só com
uma semana e pouquinho de atraso! Quero mais um tempo, quero sinais, sabe?! — sorrio e
entendo. Cat queria sentir que estava grávida, literalmente — E não tem problema com relação a
Tiago. Acho até que meus pais adorariam descer, assim aproveitamos para anunciar a novidade...
uma lua-de-mel em família!!!

— Se eu estiver com você, tudo será maravilhoso!!!

— Eu queria dividir algo com você! Está me "tirando a paz".

Cat diz com receio e meu coração bate forte de tão nervoso que eu fico. Se ela falasse em me
deixar porque atirou em mim, eu ia dar uns tapas nela.
Eu sabia que ela sentia isso, que ela sentia que me prejudicava, que estávamos em lados opostos, e
etc... e etc... Eu não queria saber de nada disso, eu só queria viver a nossa vida juntos, eu a
aceitava como ela era. Do jeitinho que era. E no momento, era mãe do meu filho, eu só queria viver
ao seu lado, ser seu marido, e "mais nada".

— Fala!

Eu pretendia tomar banho, mas me sento na cama após o jantar, e espero pacientemente.

— Eu descobri que meu tio seria a próxima Glenda!!! Ele trabalha para a inteligência brasileira...

Ela me conta o que achava, o que descobriu em Brasília, e eu fico besta. Besta e aliviado.
— Eu não conheço Jon, mas confio no teu pai! E sim, é estranho me ouvir falando isso... — ela ri —
Ele nunca te colocaria em risco, e pelo que você me contou, com certeza, ele e seu avô sempre
souberam!!! Se nunca fizeram questão de contar, é porque não era nada de mais!!! Você sempre foi
tão intuitiva, o que seu coração diz?

Ela parece triste e se senta do meu lado, fitando a porta com as mãos entrelaçadas.

— Diz que Jon guarda segredos demais e só conta o que convém!!! Acho que ele deveria ter me
contado, se não contou, é porque não me respeita, sabe?! Eu posso estar maluca, mas é isso o que
eu sinto! Sinto que Jon tem suas cartas na manga, cartas exclusivas.

— Eu falei algo para a sua irmã, agora que me lembrei. Ela fala que você é muito perigosa, que
quando você sai eu não devo temer pela tua vida, e tudo mais, mas assim como Jon, eu acho que
ela é muito mais perigosa que você! Ela tem os truques dela, a magia dela, controla quem precisar,
na hora que é necessário... ela fez a Laura dormir quando ela pretendia ir atrás de você! Laura
temia que você e o Miguel lutassem um contra o outro, se matassem!!! Eu ia fazer o mesmo, eu ia
atrás de você! Mas ela convenceu a Laura de que estava sonolenta, jogou ela no sofá, e tipo,
manteve o controle. Ali, eu soube que ela não me deixaria ir. E eu "temo" esse tipo de pessoa, eu
tomo muito cuidado com esse tipo de pessoa. Jon é da mesma forma! Ele ama você, sinto isso,
protege a família e eu também concordo com isso. Vi sua lealdade quando o conheci, ele é muito
fiel a vocês. Mas, apesar de fazer parte da família, ele tem tudo sobre a família. Deve ter
milhares de dossiês. Já ouviu falar que as pessoas que mais nos machucam são os nossos próprios
parentes?! Eles sabem onde mais dói, conhecem nossos pontos fracos, Cat! A traição da parte deles
é o pior.

— Concordo... é isso mesmo!

— Pois então! Os dois amam você! Amam mesmo! Mas os dois são poderosos, humanos e falhos!!!
Continue os amando, mas durma com os olhos abertos. Os nossos maiores inimigos são quem mais a
gente ama! Seja sua sobrinha, e deixe que ele seja seu tio, mas nunca se esqueça que ele sabe
tudo sobre vocês, que ele tem um coração que pode ser partido, e que apesar de tudo, ele erra.
Lembre-se a partir de agora, principalmente, que ele não te conta tudo, então quando lidar com
ele, pare e pense, sua palavra pode ser sempre uma via de mão dupla, uma faca de dois
gumes! Eu não sei se a gente pode dizer que ele não é confiável, você nem conversou com ele, nem
ouviu a versão dele, mas se já tem uma sementinha aí, desconfie sempre! É melhor se precaver!

Eu falo, ela se debruça no meu ombro e sorri pra mim.

— Vamos ter que contar pra família que teremos mais um membro! Preparado???

— Preparadíssimo!!!

— E você e meu pai?! Pararam de se alfinetar quando eu não estou por perto, né?!
— Ele continua sendo um tosco, se quer saber!!! Mas melhorou muito.

Eu dou risada enquanto separo uma muda de roupa pra mim.

— Não o leve a sério, tenho certeza que ele só quer me proteger!!!

Ela fala com manha e eu me aproximo, fingindo estar indignado.

— Te proteger do quê, Catarina? de quem? De mim???

Zombo, ela sorri negando e eu monto em cima dela na cama, me apoiando nos braços.

— Te proteger de mim??? Hein??? Tadinho... ele não tem noção do que eu faço com a princesinha
dele quando ninguém está por perto.

Beijo seu pescoço, ela arfa e depois foge, parecendo estar tímida.

— Você saiu do coma insaciável!

— Não. Eu saí do coma com saudade! Saudade do teu corpo, dessa paz... e não foge de mim! Não
quero que fuja de mim!!!

— Vou fugir pro banho...

— Eu ajudo você.

— Não! Eu vou primeiro e você vai depois!

Mulheres.

— Por que?

— Preciso pensar!

— Não, por favor...

Me jogo na cama rindo e ela se sente ofendida.

— Tá de brincadeira?!

— Quero banho junto!!! — ela se aproxima e eu me sento — Filho, fala pra mamãe dar banho no
papai!!! Diz que o papai tá com saudade, muita saudade e que quer um pouco de amor na
banheira!!!
Agarro sua cintura e falo com carinho, com a boca encostada na sua barriga, "só pra ele ouvir".
Coloco o ouvido, espero um pouco, e transmito a resposta.

— Ele disse que você precisa cuidar do papai, porque o papai tá carente, com medo de te perder
depois que você "pensar", e porque te ama muito e te deseja muito! Ele disse que o papai e a
mamãe tem que ficar juntos e fazer amor até de manhã!!!

Eu falo, sorrio pra ela, e obviamente a bruta se derrete.

Tomamos um banho demorado demais, o sono me foge, e me levanto inquieto. Pego meu Notebook,
envio uma mensagem pra Manuela, e trabalho no sofá, mesmo estando afastado.

Quando me pego olhando fotos de quartos de bebês, sorrio.


Eu não acreditava que meu sonho havia se realizado e eu seria pai. Pai de um filho da mulher que
mais amei na minha vida. A única que amei.

Parecia mentira. Eu estava tão feliz...

— Fazendo o quê???

Ela se joga no sofá do meu lado e eu não tenho tempo de fechar a janela, então fico com cara de
bobo.

— Pensei que estava dormindo. Tô sem sono.

— Eu estava, mas senti quando você se afastou e levantou!!! Vendo quartos de bebê?! — ela ri e
me dá um cheiro — Qual você gostou mais?

— Esse aqui! — mostro um quarto com móveis de madeira crua e ela sorri — Estou sonhando alto!
Acho que queria acelerar esses meses!!!

— Lindo esse quarto!

— É. Vamos nos mudar!!! Queria uma casa perto da delegacia, mas não queria mais morar em
apartamento, e por aqui só tem isso! Ele vai precisar de espaço, né?!

— É! O que acha do condomínio do meu pai?! Ou do bairro do meu avô?!

— Precisarei de um lugar que esteja dentro dos meus gastos! Tu não vai comprar nada, eu quero
comprar!

Ela sorri pra mim e eu entro em um site de classificados. Ela se achega, colocando suas pernas em
meu colo, e encara a tela.
— E no que está pensando?

— Bom... estava pensando em uma casa normal, um andar, simples, pequena... quanto mais
pequena, mais próximos ficamos!!! Varanda, quintal grande, arejada... o quarto dele e o quintal
precisam ser grandes.

— Parece que você está descrevendo a casa da sua mãe.

— Ah! Eu adoraria criar esse moleque no Rio! Mas não, por causa do trabalho, tem que ser aqui! O
que acha?!

— Você é o pai! — ela me abraça e me beija — Deve saber o que é melhor pro filho que tanto
desejou! Vou aceitar o que decidir! Só queria saber se está pensando nos seus gastos ou nele! Vai
comprar uma casa mais simples porque é o que pode pagar, ou porque quer um lugar simples pra
gente viver?

— Ué! É o que eu posso, e é o que estou acostumado! Quero uma vida real!

— Eu entendo, mas por que não trabalhamos juntos?! Eu compro a casa, você cuida do médico e
gastos com ele! Podemos dividir as contas. Não vai significar nada pra mim, e nem te deixar
endividado! Vamos nos casar e eu não caso se não for em comunhão de bens, portanto, o que é
meu, será seu! Não podemos mais falar sobre meu dinheiro, ou teu dinheiro, é nosso!!!

— Por que você não casa se não for em comunhão?!

Pergunto e ela ergue uma sobrancelha.

— Acha que vou deixar você sair desse casamento com mais do que entrou??? Terei um filho teu,
se você me trair e me deixar, tiro dois terços de tudo o que teremos!!! Pensão, casa, carro,
propriedades, pensão dele... Se fosse por separação, tudo o que está em seu nome ficaria com
você, deve ser mais difícil arrancar na justiça!!!

Ela fala parecendo revoltada e depois ri.

— Ah! Filha da puta! Nem casou comigo e já está pensando em como me arruinar?! Já está
pensando no processo de divórcio???

— Claro, neném! Nós, mulheres pensamos em tudo! Sabemos quem vocês são!!!

— Tsc. Eu nunca vou te trocar por nenhuma outra! Você é o suficiente pra mim! Qualquer uma, seria
pouco pra mim!

Ela ri fingindo não acreditar, e eu praticamente jogo o Notebook longe.


Ligo o rádio em um canal de música romântica, e ela sorri tapando o rosto com a almofada.

— Temos algo melhor para fazer do que discutir bobagens como essa!!!
Olha isso, sente essa paz!!!

Ofereço minha mão, ela pega, e eu finjo saber dançar músicas paradinhas.

— Não terminamos de discutir sobre o futuro!

Seus braços estavam jogados no meu ombro, e minhas mãos em sua cintura fina.

— Temos todo o tempo do mundo!

— Eu não sei dançar, William!

— Você está dançando.

— Só estou me mexendo um pouco...

Faço ela girar e ela ri toda rosada.

— Dançar é se mexer!!!

— Will!!! Cheguei...

Tiago bate a porta e eu olho no relógio. Eram onze horas da noite.

— Estava conversando com uma gata lá da galeria!!!

Ele ri ao nos ver dançar.

— Chega mais perto, aqui!

— Eu não fumei!

Não sinto cheiro de maconha e agradeço.

— Tá. Vai comer e dormir que amanhã tem mais pra você!

Ele sai rindo e eu mudo a música. O melhor funk com palavrões, e temática sexo.

— Faz um tempo que não dança pra mim! Dança pra mim!

— Vamos pro quarto!


— Ele já nos viu aqui, não vai voltar!!!

Eu garanto, faço ela sentar no meu colo, e ela rebola gostoso em cima de mim.
Quando não aguento mais, faço ela sentar, e mando continuar rebolando gostoso, mas não dura
muito. Logo começa a cavalgar descontrolada.

Deliciosa.

(...)

— Escuta... eu nunca te agradeci, pela grana que você me deixou quando morreu!!! — Tiago ri na
mesa do café e Cat fica sem graça, demonstrando que aquele assunto ainda mexia com ela —
Desculpe. Enfim, eu nunca agradeci! Obrigada! Mas... por que você me deixou tudo aquilo???

— Porque eu não pretendia voltar! Achei que você podia ter um futuro!!! Usar para algo bom,
quem sabe, orgulhar seu irmão?!

— Legal! Mas você voltou! É uma nota preta! Se você quiser de volta...

— É teu! Nada mudou!

— Obrigado!

— Agradeça usando de forma inteligente! Por que não volta pra escola?

— Ele precisa fazer supletivo... perdeu três anos letivos porque ficava na rua e só faltava!

Eu falo e ele revira os olhos.

— Com aquele dinheiro você pode fazer o que quiser! Por que não faz esse supletivo e uma
faculdade fora?!

— Vou fazer!!!

Tiago parece desanimado!

— É muito dinheiro! Pode terminar os estudos em um ano e meio, tirar algumas semanas de férias
para conhecer um país legal, e depois voltar aos estudos!

Ele sorri e concorda.

— Vamos ver isso depois que eu voltar do Sul! Aliás, você vai com a gente! — olho para a prenha
— Vou ligar pro seu pai pra ver se ele vai mesmo!
Eu digo e a campainha toca. Cat corre pra atender e parecia aflita. Eram dez e meia da manhã e
ela ainda ficava aflita com medo de Bárbara aparecer. Se ela pisasse aqui, eu mesmo dava um
jeito nela.

Me levanto da mesa, me inclino no corredor e vejo seu semblante murchar.

Jon entra sem ser convidado.

— Você não vai pro museu???

Pergunto para Tiago e ele engasga mastigando.

— Nem terminei.

— Vai de uma vez! A Cat precisa conversar com o tio dela em particular!

Eu faço ele levantar, ele pega duas maçãs da mesa, sua mochila, e sai mastigando.

— Oi, William!

— Bom dia!

Me sento no sofá e Cat permanece em pé, de braços cruzados encarando um Jon ilegível.

— Eu ouvi toda a conversa. Vim por que eu achei que você logo me procuraria. Mas como não
aconteceu...

— Minha atitude te tirou o sono, não é?!Te incomoda não ter controle de tudo ao redor!

— Cat, eu não sei se você entende o que eu faço. Espionagem é literalmente agir escondido, é a
própria definição da palavra! Você não sabe muito sobre mim, ninguém sabe, mas é melhor assim!
Não contar tudo também é proteger. Passei a minha vida cuidando de seu avô e da nossa família,
nunca faria nada para prejudicar vocês, vocês são minha família!

— Você seria a próxima Glenda!!!

— Seria não, vou ser! — Jon manda na lata e Cat fica tonta com a informação — E ISSO eu
pretendia contar quando acontecesse, ao seu cartel! Você acabou com a cabeça de todo um
sistema, mas os membros e milhares de clientes permanecem vivos! Não foi o que o Douglas disse?!
Somos um câncer. Saber é minha profissão! Só quem sabe disso é seu avô, sua tia e agora você, e
assim deve ficar.

— Isso já não é com você! Confiamos em você! Eu confiava em você! Todo mundo tem que saber
quem você é! Você protegia aquele corrupto!!!
— ...Você trabalha “para ele” há anos! A Glenda da tua época e o presidente do Brasil têm muita
coisa em comum.

— Mas eu não escondia isso da minha família!!! Você e meus pais foram os primeiros a saber sobre
meu ofício, sobre toda a minha sujeira!!!

— Do que me acusa, Cat? Hum? De ter minhas cartas na manga??? Minhas cartas na manga
sempre foram para proteger vocês e não machucar, nunca magoar!

— Não adianta jogar o assunto 'morte' na minha cara agora! Fiz o que fiz para você não mofar
na cadeia.

— Ele nunca daria conta de me prender, ou prender alguém da família. Se ousasse prosseguir, eu
mesmo o mataria!

— Eu ia conseguir, sim!

Confirmo evitando rir e os dois me encaram querendo me matar.

— Ele ia! Ele ia conseguir e você sabe disso!

— Você me subestima!

— Está andando nos dois lados do muro há anos, Jon! Não confio em você! Sabe o que eu acho?!
— Cat encara o tio mano a mano, como diz em São Paulo e Jon não gosta nem um pouco. Não
estava acostumado a olhar pra sobrinha com outros olhos que não fossem de amor — Eu acho que
você sabia do plano do Chong o tempo todo, deixou ele ameaçar a família para no fim, ser morto,
e assumir o lugar dele. Nos usou para conseguir o que sempre desejou! Me usou! Podia ter me
contratado para acabar com ele. Pedido com jeitinho... eu matava ele para você! Não era preciso
ele chegar ao ponto de ameaçar meu irmão de criação, minha tia, Miguel, ou matar a minha mãe!!!

Ela o acusa encarando Jon friamente e o olhos do "caçador" ficam vermelhos. Na minha opinião,
Jon escondia muitas coisas, sim, mas não era o tipo de cara de Cat estava achando. Jon havia
dado motivos para ela suspeitar, mas ali, naquele momento, a minha impressão era de que Jon não
era tão egoísta ao ponto de colocar a família em risco. Mas certeza eu não tinha, não disso, só que
eu tinha certeza que ele estava muito triste por ouvir aquilo dela.

— Presta atenção nas coisas que você está dizendo! O que você está dizendo é muito sério, está
me acusando de algo muito sério, Catarina!

— É mesmo!? Então negue se tiver cacife! Negue que seus planos eram esses!

— Eu soube que o Chong queria o cargo junto com você! Sabe por quê? Porque é mentira! Eu
sempre sei de tudo, tudo mesmo! Por isso sou o agente-chefe da inteligência desde quando entrei
para a superintendência da FAB, ainda muito jovem... por isso consegui o cargo administrativo
máximo dentro da FAB, quando ainda era sargento! Sou muito bom, muito bom mesmo no que eu
faço! Chong jamais desejou o cargo, Chong e Glenda eram amantes! Ele a protegia com devoção,
amava ela! Só o que ele queria era vingança, acima de tudo! Aquele delator tem mais culpa no
cartório do que você imagina! A carinha de coitadinho dele fez a doutora Bárbara aceitar o
cargo, mas ela ia fazer uma enorme besteira inocentando ele! Chong queria matá-la e foi
totalmente passional, compreensível! Também queria Laura morta por ter tirado Miguel dele e o
deixado a beira da morte, mas ele nunca desejou o cargo, jamais aceitaria! Eles disseram isso para
se livrarem de você e não morrerem. Chong abandonou a Yakuza em nome da vingança, não por
cobiça. Quiseram se proteger te colocando contra mim, tirando o deles da reta! Em breve será
eleito outro presidente, outro vice, outro ministro, outro secretário, e por aí vai! Já entraram em
contato comigo! Aceitarei o cargo, trabalharei duro, e então, Giulia e sua tia terão uma vida ainda
mais fantástica do que já têm! Giulia diz que sonha em morar em um castelo, e sua tia quer fazer
da empresa dela, uma multinacional gigantesca, até lá, continuarei prestando meus serviços a quem
paga melhor, e viverei a minha vida para fazer da vida das duas, um sonho! Até Mat estar pronto
para me substituir e com isso mesmo aposentado, não perderei minha influência. A minha família
permanecerá em proteção e Mat cuidará disso quando eu não quiser mais.

Jon desabafa e eu fico impressionado por sempre esquecerem que falavam de seus crimes na
frente de um policial federal. Eu havia perdido todinho meus princípios por amor!

— Não coloque minha prima e minha tia no meio disso tudo! Não as culpe!

— Eu já poderia me aposentar! Só continuo trabalhando por elas! Não posso dizer o contrário, mas
realmente, vim mesmo para me explicar, mesmo achando que não tenho obrigação nenhuma! Só o
faço porque você é muito importante para mim, e me importo com o que você pensa de mim! Já é
a segunda vez que você me magoa profundamente! Primeiro você "morre", e mata todo mundo
junto, depois me acusa de ser responsável pela morte da Laura, por toda a desgraça daquela
noite, e por ser maquiavélico e egoísta ao ponto de arriscar a vida de todos, incluindo seu irmão e
aquela senhora de idade, por quem tenho muito respeito, para ter algo que desejo, por capricho!
Presta atenção no que está fazendo comigo! Eu sempre estive aqui, Cat, por você. Quantas vezes
você esteve aqui por mim?

— Quantas vezes precisou de alguém? Quantas vezes teve a sensibilidade de pedir ajuda para
alguém, por qualquer coisa?! Pode ser que esteja falando a verdade, Jon, mas eu não confio mais
em você! Eu achei que conhecia o meu tio, nunca imaginei que uma horda de bandidos sujos o
conhecesse melhor do que eu! A sobrinha que tanto dizia amar! Eu tive que descobrir seus segredos
da pior forma, fiquei com cara de idiota quando gostaria de sair de lá de cabeça erguida! Acho
que agora estamos quites.

Cat rebate e ele respira fundo.

— Planejar uma morte falsa, e esconder um trabalho, são duas coisas distintas! — Jon diz e Cat se
altera dizendo que são duas "mentiras" da mesma forma — De qualquer forma, me desculpe! Eu
não contei porque não confio em você! Eu não contei porque, além de ser algo em minha vida que
não lhe dizia respeito, nunca foi uma informação relevante, não era algo que pudesse te atingir,
muito pelo contrário. Fazer parte da inteligência só nos ajudou até hoje.

Ele olha bem pra ela e ela se mantém firme.

— Eu não confio mais em você!

— E eu estou cansado de ficar chateado com você! Eu já vou!

Jon diz tchau pra mim, ela abre a porta, e ele sai com a cabeça erguida, como entrou.

— Você...

— Agora não!

Ela entra no quarto assim que eu tento e vou atrás.

— Agora sim! Vai falar com ele, ele está sofrendo!!!

— Mesmo sofrendo, não perdeu a oportunidade de tentar me magoar com aquele episódio que
tento todos os dias esquecer...

— Ele fez isso porque sofreu.

— E VOCÊ ACHA QUE EU NÃO?!

— Cat, não dá pra medir quem sofreu mais! Todos sofremos sem você! O fato é que sobre isso,
especificamente, Jon me pareceu certo. Chong não queria o cargo!

— Só que... — ela se aproxima de mim e olha no fundo dos meus olhos — Eu sinto William, eu juro
que eu sinto que ele não está dizendo tudo sobre isso! Sobre o Chong. Eu sinto que ele mente sobre
alguma coisa, vai por mim, é verdade!

— Tudo bem, eu concordo, o sobrenome dele é mistério. Mas ao contrário do que você pensa, ele
ama vocês e nunca faria nada pra prejudicá-los! Jon te ajudou demais, eu vi! Dizer que ele é
responsável pela morte de Laura foi muito pesado, tu acabou com ele!!! Se lembra que eu te disse
pra manter os olhos abertos?! Faça isso. Mas eu também disse que ele é humano, é falho, e sabe
tudo sobre a família. Seja sábia, neném, seja sábia e traga Jon pra perto, não o distancie. Você é
um dos pontos fracos dele, se você o magoa pode nos trazer um caos imenso, transformar o cara
de alguma forma... não vê como foi comigo? Um homem magoado é uma arma muito perigosa!!!

— Você acha mesmo que minha tia sabe de tudo, ou é só mais uma enganada???

— Ela com certeza sabe!!! Você sabe tudo sobre mim, eu jamais esconderia algo de ti porque te
amo, é assim que funciona! Quando a gente ama verdadeiramente, a gente jamais quer viver uma
mentira...

— Em falar nisso, Rubi me disse algo... ela falou que no futuro, Bárbara acabará com nosso
casamento! Vamos nos separar por causa dela, e a única maneira de impedir é mandando ela pra
longe, ou matá-la!

Ela diz ficando ainda mais tensa e eu me achego.

— Deixa isso comigo. Vou resolver da forma mais justa, e correta. Farei com o que ela desapareça
sem machucá-la! Eu te disse que seria só nós três, não foi?! Eu, você e nosso filho!!! Só nós três! Não
vou deixar porra de Bárbara e nem ninguém destruir o que sonhamos, destruir os nossos planos, e
nossa família nunca mais! Você é tudo pra mim, esse bebê é tudo o que sempre desejei contigo, e
minha felicidade se resume em vocês dois! Só existem vocês dois pra mim!

Beijo sua boca e ela respira fundo se sentindo melhor. Pelo menos, aparentemente.

— Vou dar uma saída. Passar no museu e na instituição, quero viajar hoje! Veja com meu pai se
eles irão realmente. Mas só ligue, não saia, tá?! Descanse!

— Tudo bem!

— Você quer alguma coisa da rua?

— Da rua não. Mas tô com uma vontade de comer aquelas frutinhas que você me fez, se lembra?!

— Lembro! Vou fazer, mas elas demoram um pouco pra ficarem prontas. Vou sair rapidinho, e
venho pro café da tarde!!! Farei um café muito gostoso, suas frutas, e vou organizar nossas malas!

— Você me faz muito feliz!!! Eu te amo muito! — ela me beija — Eu quero te ver feliz, então... fale
com Jon! Você é mais feliz quando está bem com teu tio favorito!

— Ele gosta mais da Rubi, — ela faz charme — Rubi também foi deixada por seus pais, como ele,
sempre se identificou mais com ela. E como também amava a Jade, gosta mais dela, faz ele se
lembrar da Jade! Ele só está com medo de eu contar a descoberta para a família toda!

— Seu tio é doido por você! Fico até enciumado! Para de pensar bobagem! Vai! Vai lá que eu já tô
com fome! Vou pro computador, e te espero aqui! Cuidado na rua!!!

Eu encho sua face de beijos, ela se veste com pressa, sai e eu saio logo em seguida.

Precisava de um par de alianças douradas, convocar sua mãe para elaborar uma festinha simples,
e voltar para casa a tempo.
(...)

— Acho que nesse caso, a ocasião merece uma festa grande!!!

Tay diz alegre e dona Ellen se empolga. Ele ainda estava abatido por causa da perda de sua
amiga, mas parecia tentar de tudo pra se entreter e esquecer o fato por um momento.

— Eu conheço um buffet lá, vou contratar e cuidarão de tudo imediatamente. Será surpresa?
Precisamos enrolar ela, até estar tudo pronto!

— Acho que fazer surpresa até ela chegar lá, é o suficiente. Eu já saí sem ela saber e ela não vai
gostar nada, nada disso! Diz que preciso de repouso, e eu acho que realmente preciso! Até falar
está difícil! Mas, tô melhorando. Conseguiria um juiz de paz a tempo?!

— Claro!!!

Ellen sorri.

— E o que é que essa mulher não consegue???

Tay beija sua esposa e eu evito fazer cara de ânsia só pra provocar.

— Sabe qual o tipo de cerimônia ela gostaria? Pretendo fazer a cerimônia na igreja também, mais
pra frente! Nem sei se ela gostaria desse lance de véu e grinalda...

— Então você não sabe de nada... não parece, mas Catarina é a garota mais romântica que eu
conheço! Com certeza, ama o clássico de princesa. Dizia querer casar em Notre-Dame! Já
conhecemos quando era pequena, ficou maluca! Ama decoração provençal, e falava que queria
um vestido lindo de princesa!!! Se lembra, amor?!

— Lembro! Era isso mesmo!

— Tá, mas, tem algum sonho que caiba no meu salário de delegado? Notre-Dame....???

Eu pergunto e os dois dão risadas.

— O casamento é sempre presente! O pai da noiva que paga. Somos uma família tradicional!
Quando quiser, é só combinar uma data com ela, e poderemos ir todos para uma temporada em
Paris. É minha primeira filha mulher, ela terá seu sonho realizado!

Tay diz, Ellen me encara sorrindo, e eu concordo.

— Legal! Meu sonho é ter uma mansão na Grécia... o que acha, sogrão?!
— Você não é meu filho! Aliás, se fosse, seria mais educado. Então, a resposta é não!

Ellen gargalha.

— Você continua insuportável!!! Como consegue?

— Você continua vindo na minha casa! Já disse que não te quero na minha casa!!!

Ele zomba e eu faço um teste. Fico sério de repente.

— Certo, então vou embora!!!

Eu me levanto do sofá e os dois se assustam!

— Ei! Eu estou brincando!!! Para de ser bobo! Vem aqui, não terminamos de conversar!

Sorrio e ele não vê.

— Eu sei! — olho pra ele e me aproximo — Você me ama! Que tal um abraço?!

— De jeito nenhum!

— Um abraço, ou a Grécia?

— A Grécia! Óbvio. Qual o número da tua conta?

Ele finge estar desesperado e Ellen se diverte.


Abraço o cachorro, que por um momento não corresponde e depois ele se entrega.

— Viu?! Não foi tão difícil! Eu ainda não sou seu fã número um, e te acho um porre, mas... sou
completamente grato por ter colocado aquela mulher no mundo! Por tua causa, eu sou o homem
mais feliz do universo! Até te amo por isso! — eu falo, ele concorda, e eu encaro a sogra chorosa
— Já a senhora, minha sogra mais linda do mundo, eu amo de graça, certo?! — ela sorri — Me
passa os gastos por mensagem que eu pago! Eu já vou! Preciso estar lá antes dela chegar! Acha
que ela vai gostar?! Quis comprar a de noivado porque fiquei devendo!

Mostro os pares de alianças que comprei no caminho, e um solitário que me deixou pobre!
Ela chora e diz que Cat vai amar. Esperava que sim. Queria que Cat passasse por todas as fases
desse nosso relacionamento, que apesar de rápido demais, e conturbado, era real e tudo o que eu
tinha. Ela teria seu anel de noivado e nós teríamos nossas alianças de casamento.
Ela teria tudo.

— Aonde esteve?
Ela pergunta assim que eu abro a porta da sala. Merda.

— Estava com seus pais! Desculpe! — dou risada — Eu estou bem, vida... juro!

— Não pode abusar! Tem que melhorar rápido! Daqui a pouco virarei uma porca de tão gorda!
Vou precisar de você forte! Não estou brincando, não ria! É sério, você precisa melhorar, William! E
para isso, ficar pra lá e pra cá, não vai ajudar! Tem que repousar, por isso quero uns dias no Sul,
pra você descansar!!!

— Me perdoe! Tudo bem! Prometo que foi a última vez! Eu juro! Ficarei de repouso! Não fiz
esforço, só fui pedir pra sua mãe uma opinião sobre isso! — tiro a caixinha do anel de noivado da
sacola — Sei que você não usa joias, não as convencionais... queria ter certeza de que você
amaria, e de que você usasse porque gostou, e não porquê... porque te dei, enfim!!! Mas não fiz
esforço nenhum, não me cansei!

— Para com isso!!! Me dá! Deixa eu ver...

Ela pega a caixinha, abre e chora.

— Você é tão bobo, deve ter sido tão caro! Não precisava, William!!!

Me ajoelho, coloco o anel em seu dedo, beijo com carinho, e não esqueço do meu filho do tamanho
de um carocinho de feijão, então, ele ganha um beijinho e um carinho também.

— É teu anel de noivado! Eu quero que você tenha tudo! Já que quando eu pedi, ainda não tinha
comprado...

— Vou usar pra sempre! É lindo!!! Eu te amo!!!

Me levanto, pego ela no colo, e a espertinha resmunga "repouso" antes dela mesma bater a porta
do quarto.
Só dou risada.

Era bom estar com ela, me fazia bem! Com Catarina eu jamais ficava cansado. Me sentia saudável,
feliz, animado, e me divertia.
Ela pensava que eu fazia esforço, mas estava enganada. Quando estava cansado era só chegar
perto dela que eu logo me sentia melhor. Nos amamos mais, tomamos o nosso café da tarde juntos,
cozinhou pra mim, cuidou de nossas malas, e me deu carinho o restante da tarde toda.

Eu não podia reclamar de nada!

Tomei banho, tomei meus remédios, ela sua vitamina, e passamos na galeria pra pegar Tiago. No
aeroporto encontramos com metade de sua família, e só então parei para pensar que seria válido
ligar para os meus pais e fazer o convite, para a nossa pequena cerimônia combinada de última
hora. Mas pensei que pela minha mãe, era melhor não...

O lugar era incrivelmente bonito, ainda mais que Barbacena. Era grande, luxuoso, rústico, e claro,
sulista. Assim que descemos do carro na frente do grande casarão, pude sentir a mudança drástica
na temperatura. Obviamente Cat havia trago uma blusa nos braços para mim, e lotado a mala de
roupas de frio! Yan, Mariah e Miguel chegaram imediatamente depois que chegamos, e então, a
família de Marcelo, logo em seguida.
Luisa e Giulia vieram juntos, mas a gêmea de minha noiva tinha em sua face um semblante de
tristeza absoluta.
Assim que Cat se aproximou, fui junto.
Ana Luisa disse que Jon não queria que ela ficasse lá, e falou que fazia questão de que as duas
viessem sem ele, creio eu que Ellen avisou do casamento, só Cat não sabia.
Luisa pediu pra sobrinha, o mesmo que todos: "Releve com Jon, ele tem seus segredos, mas ama
você com todo o seu coração!" Só que obviamente não era tão simples. A ausência de Jon era
sentida ali, mas o sentimento de traição de Cat, também.
Naquela altura todo mundo sabia o porquê Jon não havia viajado também.

— Vou colocar as malas lá em cima! Vem conhecer!!!

Cat sobe na frente, sigo carregando uma das malas, e agarro a bonita assim que ela joga a mala
na cama.

— Esse lugar tem um ar muito romântico! Vamos fazer amor. Agora...!!!

— Vamos descansar! Você veio para descansar! — ela ri quando a imprenso na parede, mas fica
com as pernas bambas — Depois falamos de amor! Depois... William!!!

— Tá. Tá. Tô de mal! Filho...

Ameaço reclamar de sua atitude com o bebê e ela faz uma cara feia.

— Para de tentar por meu filho contra mim!

— Te amo!

— Então para com isso!

Ela ri, chupo seu pescoço, e logo trata de me empurrar pra fora do quarto.

— Um vinho?! — Tay me aborda na ponta da escada, eu nego por causa dos remédios, e ele
encara a filha — Sua mãe quer ajuda na cozinha! Vamos fazer nossa clássica fogueira!

Estava tão frio, eu queria tanto ficar grudada nela no sofá, por isso lamentei!!!
— Eu vou lá!

Ela ri para o pai, me beija, vejo quando Marcelo e Nat se aproximam dela no meio do caminho, e
eu sei que vai perguntar sobre os remédios.

— Vão começar a organizar tudo amanhã de dia! Acho que seria legal se fosse de tardezinha. A
cor que esse céu fica, é incrível!!!

— Sério que estamos falando disso?!

— Larga de ser insuportável, é o casamento da minha filha! — ele fica puto — Ela já sabe?!

— Não. Não pensei se conto ou se deixo acontecer. Fazer surpresa com relação a seu próprio
casamento parece muito clichê...

— Todas as mulheres dessa casa se casaram dessa forma. Só Jon que combinou com Luisa, mas ele
não conta!

— Jon foi incrível! E foi a melhor festa do mundo! O mais engraçado é que todas nós nos casamos
no mato, não é cunhada?!

Luisa ouvia a conversa.

— Sim! Eu e Nina nos casamos em Barbacena! E você na cidade do interior, onde a família de Jon
mora, né?!

Ellen saía da cozinha para pegar uma taça no móvel incrível que tinha na sala.

— Vocês curtem um mato!

— Sim, somos do mato!!! E Catarina também ama, viu?! Cat, Giulia, Dom, Davi, Rubi... todos eles
amam!!!

Dona Hella se senta ao lado da filha e sorri pra a pequena Giulia.

— E você, cachorro, nos conte como era sua vida no Rio!!!

Fred fala de repente. Segurava um copo de whisky, e antes disso, encarava uma Rubi silenciosa no
sofá.

— Meu negócio era baile funk, churrasco na laje, praia...

— Aliás, no meu caso, eu casei mesmo na praia! Uma cerimônia a dois!!! Amo Copacabana!!!
Sorrio pra Hella.

— Quando a gente casar, você vai colocar funk para tocar???

Cat escapa da cozinha e me agarra. Tay resmunga um "não mesmo" e todo mundo ri.

— Preciso colocar músicas que combinem com o ambiente. Não é na França que você sonha em se
casar?! Notre-Dame?!

Eu pergunto e ela me encara perplexa.

— É. Quer dizer, era. Sonho de menina, bobagem...

Ela sorri sem graça com tantos olhares.

— Quando fui mostrar o anel para sua mãe ela me contou! O sonho mudou?! Já diz agora pra eu
poder dobrar as horas-extras na delegacia! Quem sabe em cinco anos eu não dê conta?

— O que está dizendo?!

— Paris, vestido de princesa, carruagem... — ela entorta a boca parecendo beirar o choro e seus
olhos se enchem de lágrimas — Ainda quer isso, não quer?

Pergunto, mas ela só confirma com a cabeça.

— Pois então, será dessa forma! Eu disse que te daria tudo, te darei uma vida de princesa e uma
família linda e feliz! Como a dos seus pais, e dos seus avós!!! Duradouro, e apesar de seus
contratempos, um relacionamento eterno! Te darei mais do que Paris! Meus planos ultrapassam
todas as fronteiras!!!

Eu falo e tinha a impressão de que falava baixo, mas só que não! Todas as mulheres, inclusive ela,
choravam, e todos os homens da família — Menos Max, que pelo o que Hella havia dito, tinha
subido pra descansar, estava com dor de cabeça — sorriam para a princesa mais amada da
família.

— Eu nem mostrei!!! — Cat ri secando as lágrimas depois de me agarrar — Esse é meu anel de
noivado atrasado!!!

Cat estende o braço e todos se aproximam.

— Eita que o delegado zerou sua conta poupança!!! Queria tanto um boy magia mão aberta
assim!!!

Rubi me agarra para rir da minha cara e me parabenizar. Ela é tão intensa que seu hálito
adocicado entra direto em minhas narinas.

— Zerei nada! Pagarei em mil vezes! — minto arrancando risos — Tu vai encontrar um homem
incrível, porque você é uma mulher incrível! Se ele terá dinheiro eu não sei, e nem sei se é disso que
você precisa, acho que não! Mas eu sei que ele será um homem de sorte!

Eu falo, ela chora sorrindo sem mostrar os dentes e me abraça, porque peguei em seu ponto fraco.
Apesar de um mulherão, Rubi não acreditava que um dia teria alguém. Vai ver pensava que todos
que se aproximassem dela, seria pelo corpo e rosto bonito, ou sua grana!

— Obrigada! Felicidades!!!

Ela me solta, abraça a irmã, e Cat volta a se pendurar em mim toda mexida e apaixonada.

— Pai, vai chamar o vovô! Eu e o doutor Castro temos um comunicado! Vamos aproveitar que está
todo mundo aqui! Fred, chama lá minha mãe!!!

Cat pede, pois Ellen havia corrido pra cozinha após beijar a filha.

— Só espero que não seja gravidez. Você é muito nova! Com certeza eu deserdo você! Deixarei
sua herança para as crianças carentes que você cuida!!!

Tay resmunga, todo mundo ri, sobe pra chamar Max, e ela me olha procurando indícios de
nervosismo.

Sorrio pra ela e vejo de longe, Marcelo tentando tirar um copo de bebida das mãos de Millena,
discretamente.
O clima entre eles não estava dos melhores, mas ninguém parecia notar, só Nat e Matheo.

— Está melhor???

Cat pergunta e abraça o avô!

— Sim! Estou bem! Não curto andar de avião! — ele nega — É só uma dor de cabeça! O que há?!

Ele faz uma piada com certeza sem sentido e todo mundo se diverte.

— Bom, todos aqui?! Sim... é... — Cat fica tão nervosa que me encara pedindo ajuda — Como eu
digo isso?!

— A família vai aumentar! Cat está grávida! — olho para um Tay mais branco do que o normal —
Vai ter que deserdá-la, apesar de poder apostar que ela vai amar se você investir na instituição
que ela cuida! Tu será vovô!
Eu digo sério, morro de medo, mas disfarço, e enquanto Cat e eu recebemos mais abraços e
apertos de mão, Yan, Max, Fred e Tay, parecem mumificados.

— Eu preciso de uma bebida mais forte.

Yan segue um caminho longo até a mesa de centro, e a cada minuto que passava, mais nervosos
ficávamos!

— Sabe que vai ter que casar, certo?! Mesmo!!!

Max abraça a neta, mas ainda parecia embasbacado. Feliz, porém, confuso. Ele seria bisavô.

— Pai...?!

Cat estimula e Ellen ri batendo nas costas dele.

— Eu não sei... eu... tô confuso!

— Você está muito feliz! Como quando Dom chegou! Será praticamente um pai de novo, porque
neto é como um filho! É ainda mais intenso!

Ellen explica e ele continua encarando a filha, e a mim!

— Bom, não posso te dar uma surra, não posso matá-lo, não posso te colocar pra rua... o que eu
vou fazer com você?!?!?!

— Pai!!!

— Vocês não conhecem camisinha???

— Ah! Me poupe!

Eu resmungo e Catarina ri.

— Você engravidou minha filha!!!

— Óbvio que sim, eu a amo! É minha noiva, vamos nos casar, sabe disso! E não será só um! Vou te
encher de netos!!! Tu tá velho, galã, aceita!!!

— Não sou eu que tô velho! Vocês que não têm juízo! Tu vai casar com ela, com contrato vitalício!!!

— Por mim melhor ainda! Vire-e-mexe ela vem com uns papos de que quer se separar porque só
trouxe o caos pra minha vida, quase me matou... etc, e etc... — faço uma careta e Miguel e Tiago
engasgam de tanto rir — Eu quero Catarina na minha vida pra sempre! Contrato vitalício é pouco!
Só essa vida é pouco! Eu quero uma eternidade de existência, todas as vidas seguintes, com ela!

Eu falo, o chororô recomeça silencioso, sua carinha apaixonada me encara de novo, e o mané
parece voltar a respirar!

— Tudo bem! Eu sou avô... OK! Eu... sou avô!!!

Ele abraça Cat e os dois choram juntos.

— Acabou matança, acabou 'arriscar a própria vida', cartel... sabe disso, não é?!

Max diz preguiçoso e ela concorda.

— Sim! Vou me cuidar a partir de agora, vovô!!!

— Está bem! Ótimo! Agora você pode voltar a respirar, Fred!

Falo para o assustado no canto da parede e Cat olha pra ele com expectativa.

— O que foi?! — ela chega perto dele — Está tudo bem! Eu estou feliz! Não era isso o que
sempre quis? Me ver feliz?!

Fred sorri com receio, concorda com a cabeça, seu sorriso se desmancha quando Cat não pode ver
seu rosto e reaparece quando Cat se afasta do abraço e volta a encará-lo. Fred estava
assustado, sentia que estava perdendo sua parceira e me olhava com rancor sem ninguém notar.

— E você papi!? Não vai dizer nada, só vai encher a cara?!

Ela pega na mão de Yan e ele ri.

— Eu serei avô! Preciso encher a cara! — os dois se abraçam — Óbvio que estou feliz e
assustado, te desejo toda a felicidade do mundo! A vocês dois!!! — Yan me olha com carinho —
Vocês se amam, então merecem​ essa alegria! Um filho é sempre um presente, como você foi para
mim!!!

Tay revira os olhos e ninguém vê, só eu. Ele era forte. Jamais deixaria minha mulher conviver dessa
forma com o ex. Ele era muito forte, por Catarina.

Yan parecia feliz por nós, mesmo, mas ainda estava acabado por ter perdido Laura! Então,
abraçou e beijou a filha, e depois voltou a beber.

O clima entre Millena e Marcelo permanecia, Fred continuava atônito encarando uma Rubi
preocupada, Hella e Max se abraçavam pra espantar o frio, Ellen ainda choramingava, Miguel e
Mariah trocavam olhares apaixonados, Luisa entristecida mexia no telefone, creio eu contando a
novidade pra Jon, Nat e Matt brincavam com João Lucas, que amou o cabelo liso de Giulia, e eu
decidi me sentar pra relaxar.

— O jantar sairá logo, gente! Já estou arrumando a mesa.

Eram oito horas da noite quando a mulher, que descobri se chamar Maria, anuncia.

— E então?! Quando será o casório??? Preciso tirar meu visto francês...

Millena resmunga já alterada, e Marcelo que estava de pé, em suas costas, fecha os olhos e
parece orar à Deus pedindo paciência.

— Bom, logo, logo voltarei a trabalhar, tô há muito tempo afastado por diversos motivos... creio
que nas minhas férias seria ideal! — olho para a princesa quietinha e ela sorri — Assim já
podemos ter nossa lua-de-mel como deve ser!!!

Eu respondo com educação e Mat me encara nervoso.

— Isso é tão lindo! Você é tão romântico! Cat tem sorte. Queria eu ter um marido fiel e romântico
só para mim!

Cat fica nervosa, eu fico nervoso, todo mundo faz silêncio após ouvir aquilo, e é Mat quem
explode, porque Marcelo estava tão em pânico que não teve tempo de agir. Ele parecia querer
matá-la.

— Já chega! — ele deixa João Lucas e Nat no tapete sozinhos, e tira o copo de sua mão — Você
está bebendo demais, e já faz tempo! Vamos tomar um banho frio!!!

— Me solta, Mat!

— Calada!!! Vamos!

Ele a pega pelo antebraço e praticamente a arrasta para o andar de cima.

— O que está havendo com Millena? Isso são modos?

É Max quem pergunta.

— Está como sempre esteve, fica assim quando bebe. Depois de tantos anos ainda se incomoda
com minha presença, seu Max!

Nat desabafa e Max nega.

— Ela não é assim, deve ter se aborrecido com algo, papai...


Luisa diz e Max bufa.

— Pois para mim, pouco importa. Mantenham-na sobe controle. Não quero esse tipo de
comportamento na frente das crianças! — Max diz para a filha e beija a testa de dona Hella —
Eu vou me deitar, leva o jantar para mim na cama? Estou cansado demais!!! — ele pede, Hella
concorda sorrindo e ele se levanta — Boa noite a todos!

Ele diz, beija sua neta grávida, e se retira.

— O que há com ela???

Luisa pergunta para seu enteado mais velho e ele nega.

— Está com ciúmes​ de mim! Diz que dou mais atenção para Nat do que para ela, toda hora é
mesma ladainha!

Marcelo se queixa e Nat ri.

— Mas ela está certa! Você dá mais atenção para mim do que para ela!

— Ah! Cala a sua boca! Não piore a situação!

Os dois dão risadas e todo mundo acaba rindo fazendo coro.

— Vocês não dão conta de um relacionamento, como conseguem levar isso adiante???

Dona Hella parecia querer perguntar aquilo há anos.

— Eu vou ficar solteiro, tia! Prometo isso!

— Ah! Mas não vai mesmo!!!

Nat rosna e ele nega, ela corre para abraçá-lo e Mat desce.

— Se recusou a tomar um banho! Joguei ela na cama e logo apagou!

— Cobriu ela? Faz um frio lascado de madrugada!!!

Cat pergunta e ele concorda.

— Cobri sim! Ela ficará bem!

Ele volta sua atenção para João Lucas, Nat e Marcelo saem à francesa e eu respiro fundo,
sentindo minha barriga roncar.
Jantamos, conversamos, curtimos a clássica fogueira, e logo me senti cansado.

— Eu vou me deitar, você vem???

A grávida estava no meu colo, mas não havia feito minha perna adormecer. Continuava levinha...

— Vou logo em seguida!

— Não demora! E cuidado com esse salto por aqui!

Beijo sua boca e ela sorri.


A bicha estava com uma bota tão alta, que eu não entendia. Todas elas usavam saltos altíssimos,
mas por ela eu tinha medo. Os primeiros meses de gestação eram delicados, eu me lembro que
minha mãe dizia que o bebê, nessa fase, era segurado por um fiozinho da grossura de um fio de
cabelo. Talvez fosse folclore do seu tempo, mas era bom cuidar. Eu sempre levei muito a sério o
que minha mãe dizia.

Entro no casarão, subo as escadas e dou de cara com Rubi e Fred.


Outro alterado pela bebida, segurava em seu antebraço, e exigia alguma coisa. Mesmo sabendo
como se defender, ele não devia segurá-la assim. Lembro de mim mesmo, e sinto raiva.

— Está tudo bem por aqui?

Eu pergunto, Fred se retira me encarando com raiva e Rubi massageia o braço.

— Obrigada! Está tudo bem!

Ela sorri sem graça, passa por mim, mas eu me lembro de algo. Assim que olhei pra ela, me
lembrei.

— Escuta!!! Queria te perguntar uma coisa! — eu me aproximo dela e ela espera — Enquanto
estava em coma, eu... não sei se era sonho, mas, estive com sua mãe em um lugar incrível! Ela disse
que eu fui até lá por tua causa...?!

— Te fiz oferenda para minha deusa. Era a única maneira de você sobreviver. Jade já havia feito
com teu sogro, quando ele ainda era um menino. É um ritual inofensivo! Jade queria te conhecer,
aposto que foi bem recebido!!!

Ela parece insegura.

— É, fui! O lugar é lindo! Só tem mulheres!!! Foi incrível! Só que eu vi nessa minha "viagem" algo
muito estranho... Jade me mostrou de longe, uma espécie de templo onde ficava sentada essa sua
deusa. Rodeada de homens servindo, a gradando, como se ela fosse Cleópatra, sabe...?! — dou
risada, mas ela não — Quando eu olhei pra ela, vi Catarina! Por que tua deusa é uma cópia da
Catarina???

— Ela é a deusa das ciganas, da fertilidade, e protetora dos homens. Ela protege suas filhas como
eu e Jade, faz fértil todo homem e mulher cigana que clama por ela, como concedeu teu desejo, e...
— ela olha pra baixo indicando mentir, mas parecia mentir em alguma coisa e não em tudo —
Recebe em seu antro todo homem que é enviado por uma cigana antes de falecer. Assume a figura
da mulher que todo homem ama, como no teu caso, é Catarina... cada homem a vê diferente. Ela
faz isso para seduzir, conquistar os homens, e procriar! Gosta de crianças como as ciganas gostam.
Como eu gosto, Jade gostava...

— ...E Cat gosta!!!

— É. Mais ou menos isso!

Mas Cat não tem nenhuma ligação com o povo cigano...

— Existe alguma representação dela na internet?! Caso eu queira saber mais o sobre sua história,
suas lendas?!

— Não, porque ela existe. Ela não é lenda, não é criada por homens... ela é real.

— Como é o nome dela?

Eu pergunto e ela dá um passo em minha direção.

— Esquece isso, foi só um sonho bobo enquanto estava em coma!!! Você apenas sonhou!!!
Entendeu?!

Ela olha em meus olhos e seus olhos amendoados viram dois olhos negros como a noite. Não tinha
íris, não tinha aquela parte branca, seus olhos eram só escuridão. Era horrível. Seu 'eu' real, era
horrível.

— Eu sei, foi só um sonho! Que bobagem!!!

Resmungo, agradeço pelo tempo, e sigo para meu quarto. Nem me lembrava do que eu tinha
perguntado. Eu perguntei algo? Rubi era doida...

— Cheguei! Quer um banho quente, neném???

Cat pergunta, nego, e logo adormeço assim que ela entra no banho. Estava tão exausto que nem
consegui fazer amor com carinho, como eu queria, e pelo jeito, ela também estava cansada, pois
nem me acordou!

Dormi gostoso até sete horas da manhã.


— Acorda, preguiça!!!

Ela sussurra no meu ouvido, e eu só levanto o braço, sem ainda abrir os olhos, pra puxá-la pra
mim.
Estava muito, mas muito, mas muito frio.
Noto que ela já estava de jeans e ignoro. Faço ela deitar comigo embaixo das cobertas, ouço seus
sapatos caírem no chão, ela se achega, beijo sua boca e apago.
Acordo com ela nos meus braços, meio-dia. Ela também havia voltado a dormir. Eu não queria
levantar tão cedo, descansar era descansar.

— Bom dia, de novo...

Ela ri virando de costas e eu a puxo ela pra mim com cuidado. Seu bumbum já liberto da calça
jeans — não tinha visto quando — encosta em meu pau já duro, e eu me mexo um pouco. Estava
quentinho.

— Ótimo dia, de novo!!!

Molho os dois dedos na boca, invado sua calcinha, e ela arfa. A umidade de meus dedos faz um
barulhinho gostoso, e então fico assim, amando-a, até quase uma da tarde. Muito amor em uma
manhã fria.

— Vem! Precisamos levantar! Vamos perder o café! Só falta nós.

— Ah! Neném, está frio! Muito frio! Eu não vim pra descansar?! Tô descansando...

Ela ri e meu papo não cola. Droga.

— Meu Deus! Achei que não sairiam da cama nunca!!!

Dona Ellen me beija e abraça a filha! A cozinha e a sala de jantar já estavam vazias. Todo mundo
já tinha tomado café!

— Eu levantei obrigado. Tá frio demais aqui!!! — ela concorda rindo e Tiago entra na cozinha
fazendo a mesma piadinha — Gostou do lugar???

— Amei, quero vir sempre!

Ele ri e Ellen sorri pra ele.

— Você está sempre convidado! Pode vir quando quiser, Tiago!

— Ah! Que bom! Fui dar uma volta com a Mariah! — ele diz, logo em seguida Mariah chega, e ela
sorri pra ele. No mesmo instante Miguel entra atrás — Vamos andar de cavalo, né?! Tu vai me
ensinar!!!

— Eu vou!!! — ela ri fingindo estar impaciente — Tia Ellen, viemos buscar um chocolate quente!!!

Ela pede, Ellen entrega as xícaras para os dois, e Miguel se senta na mesa com um semblante
irritado e enciumado demais.

— Como você está?

Cat pergunta pra ele.

— Estou levando!!! Ainda penso na mãe! Ela devia estar aqui, não é?!

— Devia. Mas posso apostar que ela está, de alguma forma!!!

— Está mesmo! Ela sempre está do seu lado! Como sempre! Babando em você como uma mãe
baba em um bebê!

Rubi entra na cozinha e eu descubro que não fui o único a acordar quase de noite.

Ellen serve nosso café, Fred chega depois, se senta também, o humor de Rubi muda, e ele fica o
tempo todo da mesma forma, olhando pra ela com cara de bobo apaixonado.

— Max ligou pro Jon logo cedo!!! Ele virá!!! — ela me olha — E seus pais estão a caminho!!!

Luisa entra na cozinha e pula de alegria.

— Meus pais?!

— Sim! Eles precisam estar aqui!!!

— Por que?

Cat me olha confusa.

— Vamos nos casar hoje, eu acho!!!

Ela fica surpresa e ri.

— A gente vai se casar e eu sou a última a saber?! Como assim???

— Você aceitou...

— Mas e se eu recusar agora?!


Olho bravo pra ela e ela me beija, se desculpando pela brincadeira chata.

— Eu posso apostar que você não vai querer casar de barrigão!

Luisa diz cantando.

— Eu ia amar! Deve ficar linda!!!

Já digo logo e ganho um beijo!

— Também acho! Eu não ia me importar! Só espero que sua mãe não me jogue um balde de tinta
ou algo do tipo!

— Ela não sabe! Max disse ter falado só com seu Francisco! Ela não odeia só você! Ela odeia a
família inteira, mas seu Francisco disse que ela vai se comportar! — Luisa parece positiva demais
— Quem sabe quando souber que será vovó, ela não dá uma trégua?!

— Posso apostar que nem assim!!!

Cat resmunga mastigando.

— Ah! Não diga isso! Ela vai melhorar, te prometo isso!

Eu falo e ela concorda só pra me ver feliz. Eu odiava aquela situação. Detestava o jeito que minha
mãe tratava Cat.

— Conta para ela que a nora favorita dela, abusa sexualmente do seu bebê mais novo!
Imediatamente ela começará a te tratar bem!!! Se não contar eu conto para você.

Rubi fala com a Cat e Cat fica sem graça.

— Ele gosta dela, a palavra abuso é muito forte...

— Ele é menor. É abuso! E ela vai entender exatamente assim!

— Que tal cada família com seus problemas?! Cat terá o carinho e o respeito da minha mãe sem
precisar jogar sujo dessa forma. Minha mãe tem problema de pressão, saber disso a mataria! Ela
pode ter todos os defeitos, ser horrível com a Cat, mas é minha mãe. Ela vai melhorar, vai gostar
de saber que será avó, vai mudar!!!

Eu respondo e Rubi ergue a sobrancelha.

— Quer saber a verdade? — ela pergunta e eu digo não — Bom, sendo assim, continue na ilusão!
— Por que não pega leve com sua irmã? Nem sempre ouvir a verdade é o que precisamos...

Yan diz demonstrando estar ouvindo tudo, então Rubi levanta da mesa e se pendura em seu
pescoço, como faz com todo mundo.

— Aí, papi, desculpa! Prometo melhorar!!!

Ela encara Yan, Yan retribui seu olhar descaradamente fazendo um feito, (Rubi ficou tímida), ela
disfarça e dá um cheiro nele, ele permanece imóvel só olhando pra ela parecendo tentar entender
o que tinha de errado com a garota, e logo ela se retira mastigando seu pão e segurando sua
xícara de chocolate, sobe o olhar confuso dele.

— Aonde foi que erramos com essa garota???

Ele pergunta indignado.

— Ela sempre foi assim, papai! Só que tem dias que está pior!!!

Cat resmunga mastigando e de repente, cospe no próprio prato onde comia um omelete.

— Eca!!!

Miguel ri.

— Desculpa, mastiguei por tempo demais, me deu nojo! Ai, Deus...

Ela choraminga com a mão na barriga, e Ellen corre com o baldinho de lixo a tempo da filha
vomitar e não sujar o chão.

— Foi mal!!! Desculpa!!! Tá muito mole esse ovo!

— Ah! Você está grávida e a culpa é do meu ovo!!!

Ellen finge estar puta e dou risada.

— Temos aqui nosso primeiro sinal! Eu sou oficialmente pai! E você é mãe!!!

Eu agarro a maluca e ela foge para eu não sentir cheiro de vômito nela. Belo café da manhã!!!

— É... parabéns e boa sorte!!! Catarina já é mimada e manhosa, imagine grávida...

Ellen ri da minha cara e toca meu ombro, me passando conforto.

— É assim que eu gosto! Mimada e manhosa!


Eu falo, ela dá risada inconformada, e eu entendo. Era difícil entender, mas foi isso o que
aconteceu.
Me apaixonei por um patricinha manhosa, mimada, cheia de dengo, e um bicho feroz com os
outros. Uma mulher, duas personalidades, e muitas possibilidades. Eu amava aquela tonta do jeito
que ela era.

Passamos o início de tarde juntos, meia-hora no quarto com Marcelo, que tirou uma amostra de seu
sangue, verificou sua pressão, e por via das dúvidas, também me examinou. Parecíamos dois velhos
cheio de doenças, mas não, era só uma gravidez desejadíssima, e um pulmão tentando se curar
aos poucos, com antibióticos.
Curtimos o bom-humor dele e de Nat, e passeamos pela propriedade até encontrar — no terreno
plano atrás do casarão — um ambiente decorado profissionalmente nas cores rosa bebê e pink,
flores, castiçais, velas e babados.

Uma recepção campestre luxuosa para dizer ‘sim’ ao juiz de paz. Nem precisava de tudo aquilo,
pelo menos não por mim, mas por ela, ainda era pouco.

Ela amou.

Quando deu quatro horas, Rubi a roubou de mim, levou a noiva pro quarto, e Luisa deixou Ellen
cuidando de minha roupa pra buscar Jon com antecedência.

Uma empresa entregou centenas de ternos e gravatas para eu experimentar, já que o casamento
fora feito às pressas, mas como eu estava em forma, rapidamente achamos um que caiu como uma
luva.

Eram sete horas quando Jon e meus pais chegaram. Tay tinha razão quanto ao céu perto do
anoitecer, estava lindo.
Os dois foram me encontrar no quarto, só recebi um abraço do meu pai, abstraí a atitude de dona
Maggie, e fiz uma prece para Deus tranquilizar meu coração, porque nervoso era apelido perto
do que eu estava! Eu estava uma pilha!

O céu alaranjado e violeta, as lamparinas ao redor de todo o espaço decorado, o caminho de


pétalas, que fora montado para ela passar, o buffet contratado passeando e oferecendo comes e
bebes, como se a festa tivesse sido planejada há anos... estava tudo muito lindo.

Uma festa pequena, intimista, uma música baixinha, um juiz esperando, eu roendo a unha, todo
mundo sentado feliz, e cheios de expectativas, uma noite incrível... mas que desapareceu e nada
mais significou, quando ela chegou ao lado do pai.

Meu amor, mãe do meu filho.

Cat estava linda, óbvio. Mais do que nunca...


Não pude ver detalhes de seu vestido branco, porque assim que a vi, chorei.
O tecido simples estava agarrado em seu corpo escultural, como se tivesse sido desenhado só pra
ela. Decote generoso, manga até os pulsos, acho que quase zero maquiagem, e os cabelos
dourados presos. Quase nada, mas tudo. Estava divina, parecia uma deusa... aquela deusa que
apareceu nos meus sonhos.

Veio até mim acompanhada de seus dois pais, também de ternos e gravatas. Minha vida foi
ameaçada, obviamente, duas vezes, na hora em que me entregaram pela mão; mas eu não me
preocupei! Eu faria questão de fazê-la feliz, porque seria um prazer pra mim. Eu viveria o resto
de meus dias para fazê-la feliz.

O juiz começou seu discurso padronizado, nossos olhares se encontravam a todo instante, repetimos
nossas incansáveis juras de amor para todos ouvirem, e trocamos as alianças douradas, que pelo
jeito que olhava, pareceu amar, e coube direitinho. Alívio.

Quando assinamos os documentos, junto com os pais dela, e meu pai com Rubi, o juiz afirmou que
em nome da lei estávamos casados. Um filme onde o início era na porta daquela boate, passou
pela minha cabeça.

Eu havia conseguido o que mais desejei em minha vida. Ter aquela mulher para mim!

— Eu não disse que seria minha, que seria mãe dos meus filhos, e que seríamos uma família?! Você
devia ter acreditado! Eu disse que sempre consigo tudo o que quero, neném, desde um café
regado a flerte, até seu sobrenome no meu! Catarina Coverick de Castro.

— Sim, você disse. Nunca mais vou duvidar de sua força de vontade!!!

Ela ria enquanto "dançávamos".

— Estamos casados!

— Sim, agora você é um homem casado! Isso é demais, não é?!

Ela sorri deixando claro o que queria dizer.

— Eu te amo, mulher! Você é minha vida! É tudo o que tenho de mais precioso. Eu sou
completamente maluco por você!!! — encosto minha boca na sua, ainda olhando em seus olhos
bicolores — Você está linda! Eu não consigo parar te desejar um minuto sequer!!! Minha esposa...

Ela sorri, aprecio sua beleza até cansar, beijo sua boca apaixonadamente, e obviamente, na
melhor hora, seu pai-porre me arranca sua filha para uma dança!

— Aê!!! Casou com a loira exótica! Parabéns, mano, conseguiu!!!

Meu irmão me abraça e eu dou um cascudo fraco nele.


— É hora dos discursos!!!

Lulu grita e Rubi abaixa o som da nossa pequena reunião.


Cat me agarra quando seu pai corre pro palco, porque obviamente o galã queria ser o primeiro.

— Eu quero falar!!! Sou o pai da noiva... o pai da noiva fala primeiro!

— ENTÃO TEMOS QUE FALAR AO MESMO TEMPO!!!

Yan grita e Tay faz cara de dúvida.

— Você é o ex-padrasto-gerente-de-uma-figa! Fica quietinho que você será o último!!!

Ele fala, Yan dá risada erguendo a taça e Cat não gosta nada daquilo.

— É brincadeira! — ele encara a filha sentida — É brincadeira. O espermatozoide é meu, então


você pode ser o segundo! — ele faz todo mundo rir — Eu vou falar pouco!!! Só quero dizer que
você...

— Ah! Não, Tay!!! Eu preciso falar!!! Eu quero falar!!!

Millena sobe no pequeno palquinho, praticamente de quatro e Tay — junto com todo mundo — se
assusta!

— Ninguém me dá atenção nessa família, eu quero ser a primeira em alguma coisa!!!

Ela grita rindo e Rubi corre pra tentar tirar a garota lá da frente, junto com Marcelo e Matheo.

— Deixa ela falar!

Cat fala baixo, mas todo mundo escuta.

— Cat...

Eu sussurro e ela me olha com sobrancelha erguida.

— Deixa ela desabafar e depois alguém a levará embora! Essa garota tá surtada, mas tem algo
a incomodando! — ela diz e depois grita falando como se falasse com uma criança — Fala
primeiro, Millena! Pode falar, meu pai pode esperar!!!

Cat sorri e faz um sinal pra Rubi soltá-la, porque a bruxa parecia não querer deixar a garota
abrir a boca.

— Viu! Ela deixou! Me solta! — ela fulmina Rubi e Rubi trava — Vai, bruxa das trevas! Vai
embora!!!

Rubi a encara com nojo e parecia querer matá-la!

— Solta, Rubi!

Cat pede de novo!

— Ela vai fazer merda!

— Pode soltar, ela só quer falar!

— Pois bem!

Rubi levanta os braços pro alto, e deixa a garota cambaleando sozinha.

— Cat eu queria dizer que tô muito feliz por estar aqui! Você tem muita sorte! Será muito feliz com
o delegato! Esse apelido serviu como uma luva para ele, ele é muito gato mesmo! — tento não rir,
mas Cat me olha dando risada. Pois é, a mulher de Marcelo me achava gato, era uma novidade
para mim e para minha noiva — Vocês dois fazem um casal lindo! Muito lindo. Vocês terão um filho,
é raro homens que querem ter um filho! Olha o meu, veja bem o meu... o meu homem não quer me
dar um filho, ele diz que já tem João Lucas, que nem é dele, a gente nem sabe quem é o pai dele,
mas eu sei o que ELE sente!!! — Millena aponta para um Marcelo puto da vida — Ele não se
contenta com duas, precisa ter três!!! TRÊS mulheres!!! — Nat encara Marcelo indignada e com os
olhos cheios de lágrimas — Uma enfermeira, acredita Natizinha?! Pensou que era exclusiva?! Que
só tinha que dividí-lo comigo? Não, não, nosso marido tem mais uma vadia!!! Tem uma ex-puta, uma
vadia insignificante, e agora uma enfermeira medíocre e pobretona! Ele me salvou para casar
comigo e me fazer engolir você, e me trair!!! Uma enfermeira de quinta categoria! — Millena
tropeça, cai, e eu fico com pena, literalmente com pena — Mas olha nosso delegato delícia, só
olhar para ele pra ver o quanto ele é doido pela Cat, uma pena que ele vai ficar órfão de pai
porque o Fred...

Ela fala, a tensão aumenta e Marcelo tira ela do palco pelos cabelos.

— Que história é essa?

Fred fala baixo, e por causa do silêncio constrangedor, todo mundo escuta.
Meu pai ao meu lado suava frio.

— Ué... — Millena grita enquanto é arrastada e Marcelo tampa sua boca com a mão de forma
grosseira até onde podia — Você não...?!

Ela resmunga tentando continuar, Fred a salva dos braços do marido, e ela ri agarrando um Fred
bastante curioso pelo pescoço.
— O que quer dizer menina???

— Sabe que você também não é nada mal?! Rústico, grosseirão, macho alpha, faz a linha todo
lixinho, mas tem um cheiro tão gostoso!!! — Millena encosta sua testa na dele, dá-lhe um selinho —
e isso me deixou assustado — e parece pensar que falava baixo — Você​ ouviu, né!? Ninguém me
deixa falar nessa família, ninguém me escuta, ninguém me ama aqui! Nem meu marido me ama,
nem meu sogro me ama... ninguém me ama!!!

— Vamos embora, Millena!!!

Jon se intromete e Fred põe a mão no peito de Jon.

— Ela citou meu nome, quero saber o que ela tem pra dizer.

— Não vê que ela está bêbada, idiota???

— Eu vivo bêbado, estou bêbado agora e nem por isso falo bobagem! Quero ouvir!!!

Fred fica alterado e eu tiro minha arma discretamente do cós da calça. Ninguém ia tocar no meu
pai.

— Amor...

Cat resmunga nervosa olhando para minhas mãos.

— Se ele se mexer, eu atiro!

Falo muito baixo e a voz estridente de Millena toma conta do recinto, que antes era banhado em
amor.

— Quer saber?! Eu te digo!!! O sogro da sua melhor amiga, matou sua mulher!!! Ele tem uma...
uma... tatuagem de alguma coisa no pulso!!! — ela ri — Mas ele é sogro dela, você não pode
matar ele! Você-não-pode-matar-ele!!!

Ela fala pausadamente, aperta sua bochecha, ri como uma bruxa, e vomita nos sapatos dele, mas
Fred nem nota. Naquele momento ele passa a encarar meu pai com sangue nos olhos.
QUEM AVISOU SOBRE O CASAMENTO E A PRISÃO?

Sabe quando a gente enxerga tudo em câmera lenta? O baque vem, a gente fica tonto com tanta
informação, a fixa não cai, ou cai de uma vez, e então, tudo em volta parece fora da realidade.

Era assim que eu me sentia. O dia mais feliz da minha vida tinha se tornado um pesadelo.
Literalmente um pesadelo, porque eu realmente não me sentia desperta.

— Você! Sim! Eu sabia que te conhecia! Você matou minha esposa!!! VOCÊ MATOU A PAULA NA
MINHA FRENTE!!!

— Pai?! Isso é verdade??? Diz que não é verdade!!!

— Eu sinto muito, Tiago!!! Eu mudei, filho!!! Eu me condeno todos os dias da minha vida, desde aquele
dia... TIAGO, VOLTA AQUI, FILHO!!!

— Cat!!! Passamos anos procurando por ele! Passamos anos tentando achar esse cara! Vamos fazer o
combinado! Era um pacto entre nós quatro, você me deve isso! O sangue dele pelo sangue dela!

— Tenta entender, Fred! Isso foi há muito tempo! As pessoas mudam!

— Esse cara entrou na minha casa armado, me bateu, acordou Paula na pancada, e atirou na cabeça
dela. Ela estava grávida, era só um pouco mais nova que a Cat, uma menina, ele... ele atirou na
cabeça dela só porque eu estava trabalhando para outro cara. Matou ela a sangue frio. Paula era a
minha esposa!

— William não tem culpa.

— Mas ele precisa pagar pelo o que fez com minha mulher!

— Fred...
— OUVIU QUANDO EU DISSE QUE ESSE MONSTRO ACORDOU UMA MENINA GRÁVIDA NA
PORRADA E ATIROU NA CABEÇA DELA??? Tay faria a mesma coisa, Jon, Miguel, Rafa, Max... até
William, se isso acontecesse com ela. Todos vocês. Todos o matariam agora mesmo! Não estou
pedindo nada diferente. Quero a minha vingança, vivo desde aquele dia só por causa disso. Ela não
pode me negar isso, esse monstro matou uma menina!!!

— Por que você não impediu isso?

— Eu avisei que ela faria um estrago, mas a Cat mandou deixar ela falar, com aquela cara que faz
quando não é para discordar!!!

— Catarina... — William me traz a realidade me chamando e segurando em minha mão. — Você


está bem?

Ele me olhava como se pedisse perdão pelo pai. Também não tinha escutado detalhes sobre o dia
fatídico, estava tão pasmo quanto todos. Seu Francisco, aquele homem doce, havia sido um monstro
no passado.

— Não.

Respondo sinceramente e ele pisca com lentidão.

— Por favor...

Ele toca minha barriga com carinho e demonstra preocupação no meio do caos, que aquele bate-
boca quase sangrento, estava.
Toco sua barba, tento dizer que tudo ia ficar bem, mas não consigo, e me afasto.

Eu encaro um Miguel imparcial e agradeço mentalmente pelo teu espírito de ferro. Imediatamente
ele tira Fred das mãos de Jon, meu pai e Rafa, e espera a próxima ordem. Na verdade, o silêncio
que surgiu depois de sua atitude, foi pelo mesmo motivo. Todo mundo queria ouvir de mim, alguma
coisa. Um parecer. Ninguém jamais ali, saberia o que fazer.
Obviamente, se fosse qualquer outro, seu Francisco já teria morrido a minutos atrás, mas já que o
culpado era meu sogro, Fred estava sendo impedido. Eu daria qualquer coisa na minha vida para
que aquele cara não fosse seu Francisco, não fosse meu sogro. Meu sonho era encontrar aquele
cara, e entregá-lo ao Fred. Sempre foi. Era nosso sonho... meu, de Grim e Miguel!

— Leve seu Francisco lá para dentro!

Encaro William só por um momento, mas algo em mim já sabia que ele negaria. Ele jamais sairia de
perto de mim. Desde que descobriu minha gravidez parecia um grude, agia como se o bebê já
tivesse nascido.

— Faz isso, por favor...?!


Ele fala com Rafa, e gentil como sempre foi, toca o ombro de um Francisco arruinado, e o
acompanha.

— Me perdoa!!! Eu era um desmiolado, eu precisava do dinheiro, eu me condeno todos os dias!!! Eu


me odeio por ter feito aquilo!!! Me perdoa!!!

Seu Francisco para ao passar perto de Fred, que já não estava mais tentando se livrar das garras
dos homens mais fortes da família. Só Miguel o segurava, e seu semblante era de uma fúria em
modo máximo, e contido.

— Eu vou matar você com extrema lentidão. Vou arrancar seus olhos, e te queimar vivo! Depois
disso vou jogar seus restos mortais em uma lixeira qualquer!

Ele fala, William avança contra Fred, mas eu o impeço.

— Vai cuidar do teu pai!

— Já disse que não!!!

Ele evita gritar, e enquanto fala, olha para Fred com rancor.

— Estamos falando do teu pai, acho mais saudável você sair!

Meu pai tenta falar com jeito, e ele me encara ressentido.

— É isso o que vai fazer?! Acionar a corte? Julgar meu pai aqui?

— Não. Eu não vou julgar teu pai, já deixei isso bem claro, o ajudei a começar a esconder a
tatuagem, eu amo seu pai! — ele caminha com a mão na cintura, dando as costas a todos, só por
um momento — Mas eu quero te fazer uma pergunta! O que você faria se um homem entrasse em
nosso quarto de surpresa, me batesse, e me matasse?!

— E grávida! Inclua isso também! Ela estava grávida!!! Olha que coincidência adorável!

Fred ri de um jeito doentio e todo mundo o encara enquanto eu fitava um William perturbado.

— Ele é meu pai, Fred! O que você faria no meu lugar??? Ele destruiu sua família e você quer
destruir a minha! Como pode dizer que ele é um monstro?! Vocês dois são!!!

— O que faria, Will?

Eu pergunto de novo, de repente eu estava particularmente curiosa para saber. Ele sempre foi
contra matar...
— Eu o mataria. Com extrema crueldade! Colocaria fogo no corpo, arrancaria seus olhos, e o
jogaria em uma lixeira qualquer, com toda a certeza, e depois eu me mataria!

Ele fala me fitando há certa distância e sinto vontade de pegá-lo no colo.

— Paula não quer essa vingança, ela abominava... — Rubi tenta.

— Cala essa boca maldita! Feiticeira infernal!!! — Fred rosna como um animal para Rubi — Tu não
sabe nada sobre a Paula!!!

— Ela te chamava de "meu bem", "meu grosseirão", escondia o açúcar, comprava biscoitos como se
fossem para uma criança, mas era porque você amava, quando estava mal te fazia cafuné até
você dormir, exigia que você saísse daquela vida que você tinha acabado de entrar, enfeitava o
barraco de madeira que você construiu, com flores, e você se derretia quando chegava em casa...

Enquanto Rubi falava, Fred chorava olhando para ela. Um choro de partir o coração. Minha
barriga doía demais naquele momento.

— ...Sei que vai me odiar por dizer isso, mas você, melhor do que ninguém sabe que ela não
aprovaria isso. Ela perdoou seu Francisco, Fred. Ela o perdoou!!! Ela não conseguiria odiá-lo, nem
se quisesse. Você não honra a memória dela buscando vingança. Você a entristece assim! Quando
ela ficava triste, o dia ficava sem cor, não se lembra?!

— Portanto não será por ela, será por mim! Pela minha dor.

Ele fala angustiado e Grim parece desistir. Ela abaixa a cabeça, ele me olha ao mesmo tempo que
eu o encaro, e só desejava que ele soubesse o quanto eu lamentava.

— Eu preciso disso! Eu não vou mudar de ideia, então, vá em frente. Ou você acaba comigo, ou
acabo com ele!!!

Ele diz, caminho de vagar em sua direção, e o chato segura meu braço.

— Não se aproxime dele!

— Me solta!

Ele obedece relutante, e eu continuo.

Paro em sua frente e Miguel se afasta.

— Você é meu melhor amigo, eu amo você. A gente não pode acabar assim!

— Não precisa acabar assim! Me dê o cara!!!


— Ele é meu sogro, Fred!

— E EU SOU SEU IRMÃO! IRMÃO DE ALMA! EU ESTOU HÁ ANOS SENDO SEU COMPANHEIRO
MAIS FIEL E LEAL! SALVEI SUA VIDA MAIS DO QUE POSSO ME LEMBRAR, COMO TAMBÉM SALVOU
A MINHA! QUEM É ESSE VELHO PARA VOCÊ? ELE NÃO É NADA!!! OLHA PARA MIM,
AMADURECEMOS JUNTOS, VIVEMOS JUNTOS, VOCÊ ME CONHECE! SABE QUE ESPEREI POR ESSE
DIA DURANTE TODA A MINHA MERDA DE VIDA!!! QUEM ELE É PARA VOCÊ COMPARADO A MIM???

— Ele é a felicidade do meu marido! Estou fazendo o que você faria por Paula!

— Você não está me dando escolha...

— Se eu tiver que te matar, vou matar Rubi por ter deixado Millena contar!

Eu faço um jogo e ele parece travar.

— Como é?!

Rubi ri descrente e meu pais se mexem desconfortáveis.

— Sinto muito! — ele só a encara por um momento — Faça o que quiser, eu só quero minha
vingança!!!

Ele diz isso e parece amassar o coração de Rubi com as mãos.

— Pois então, que se foda!

Rubi me entrega sua arma, pois sabia que eu estava sem, e sai arrasada em direção ao casarão.

Olho nos olhos dele e vejo dor por fazer ela ficar assim. Fred estava cego, com o desejo da
vingança, mas amava Rubi.

— Pega um whisky para ele...

Eu falo ao léu, mas quem vai é meu pai!

— Eu sou muito grata por tudo o que fez por mim!

— Economiza meu tempo e o seu, porque meu cronômetro está correndo. Daqui um minuto e meio
vou te desarmar, atirar em quem se aproximar de mim e ir atrás do verme lá dentro!

Ele fala e uma fúria toma conta do meu corpo, quem ele pensava que era para falar assim
comigo!???????
Coloco minha arma na mão dele gratuitamente — isso faz com que todos ao redor aponte uma
arma para cabeça dele, fazendo William surtar e tremer na base ao meu lado — e o encaro
praticamente encostando minha testa na sua!!! Tá me tirando? Quer me peitar? EU???

— Quem você pensa que é para falar assim comigo? Tá de brincadeira??? Perdeu a noção???
VOCÊ? ME DESARMAR??? VAI!!! — empurro a mão que empunhava a arma e soco em direção ao
seu peito — Aponta essa porra pra mim! Aponta! Seu desgraçado! Tem coragem? Ham? Eu estava
me condenando e me lamentando por ele, o assassino dela, e você aí, perdendo o respeito que
era a única coisa que você tinha! Vai matar a família por causa de uma esposa morta há anos?!
Não quer entender, nem aceitar a morte dela, o problema é seu, no meu sogro você não vai tocar!
Sinto muito, Fred, vai por mim, eu adoraria que fosse qualquer outro, mas infelizmente, não é! Vou
me condenar eternamente e sofrer eternamente por ter que fazer isso, mas agora é você quem
não está me dando escolha!!! Paula deve realmente se envergonhar por você, mas eu não te
condeno, não completamente, eu faria o mesmo! Só que eu faria direito!

Eu pego de novo a arma, aponto para sua cabeça, William me desarma, e não vejo quem foi que
agarrou Fred, e o imobilizou.

— O que está fazendo!?

— Está com meu filho em seu ventre! Ninguém vai matar ninguém aqui, nunca mais! Jamais farei
parte de uma família de assassinos! Isso vai mudar a partir de hoje! Eu vou dizer o que será feito e
você vai concordar comigo, bem mansinha!!! — seu hálito adocicado enche meu nariz e minha fúria
volta — Eu vou levá-lo comigo, é o bandido mais procurado do Rio, passei meses na corporação
me dedicando a pegá-lo, e eu sei que em uma dessas operações, você estava! Eu estava de
capacete, você atirou em mim naquele dia, sei disso porque Douglas contou que era você! Hoje
realizo um sonho! Ele vai mofar na cadeia, e eu vou me dedicar para que ele saia de lá com ajuda
de uma bengala! Sem condições de ameaçar meu pai, meu filho, ou você! Ele é assunto meu agora,
vai tirar esse vestido e ir descansar, porque sei que sua barriga tá doendo! — ele termina de
falar, solta meu braço com grosseria, e eu o espumo enquanto ele se abaixa perto de Fred para
ajudar todos a amarrá-lo com algo — E então?! Ansioso para ir pro novo hotel??? Sabe que eu
sonho com esse momento desde antes de sermos quase cunhados né, Frederico?!

— Você não vai me colocar uma coleira! — eu falo baixo e ele só inclina o rosto, não me olha
direto nos olhos e permanece de costas. — Não vai me por cabresto! Não vai falar mais alto do
que eu, e principalmente, vai se arrepender amargamente por deixar ele viver!

— Veremos.

Ele fala e eu ofereço minhas costas. Eu mal tinha casado e já queria pedir a anulação. Rubi tinha
razão. William ficava um idiota perto de mim! A pior burrada que ele ia fazer era prender Fred,
que assim como Jon, sabia tudo sobre a família.

— Cat, me desculpa por Millena!!!


É Mat quem pede quando entro em casa.

— Como ela está???

— Tá bem! Marcelo deu um banho frio nela, fez o café, acabou dormindo! Ela não é de fazer
essas coisas, eu sinto muito mesmo por seu casamento ter acabado assim!

— Está tudo bem! Tenho preocupações maiores que Millena! Eu vi que ela estava sofrendo! Está
tudo bem! Cadê o Marcelo???

— Tô aqui!

Ele desce, alguns familiares entram no casarão, e eu lamento. Queria conversar com ele a sós!

— Que papo é esse de outra mulher, porra? Pirou???

— Tá de brincadeira?! Não tem outra mulher!!!

— Então Millena destruiu meu casamento, fez meu sonho virar um pesadelo, e colocou a vida do
meu sogro e de todos aqui, em risco... por nada?!

— Millena tem ciúmes da minha sombra. Dizia aceitar Natália em minha vida, mas era uma cena
fantástica e teatral cada vez que podia e achava necessário! Ela só viu uma mensagem
escrita: "...E o Encontro, está de pé?! Estou tão empolgada, não vejo a hora..." e outra com algo que
parecia: "O que devo vestir...?" — ele dá de ombros e soa irônico — Uma parceira do hospital
chamada Mel, muito minha AMIGA!!! Era do encontro de Médicos no Rio, o congresso, e mesmo que
fosse um chifre, isso jamais daria o direito a ela de fazer barraco e passar vexame destruindo seu
casamento! Se o problema era comigo, resolvia comigo, ela nem me falou, primeiro deu vexame
aqui na sala, depois fui procurar saber o que era!!! Pode parecer bem improvável a essa altura do
campeonato, mas amo Millena, jamais a trairia! E jamais trairia o amor que sinto por Natália! Sim,
eu amo as duas, é... — ele abre os braços — Podem ficar pasmos com isso, estão no direito de
todos. Eu amo as duas, e as duas são o suficiente. São o que eu preciso. Então sim, Millena pirou e
acabou com a tua noite por nada! Eu sinto muito!!!

— Cadê a Nat?

Encaro Matheo e ele encara o irmão, com um semblante de dar dó.

— Está arrumando nossas coisas, quer ir embora!!!

— Como é?

Marcelo se aproxima do irmão, e Mat segura o choro.


— Ela está mal. Acreditou na Mi!

— E o que você disse para reverter a situação??? O que você disse para ela???

— Eu disse que provavelmente Millena havia pirado, como sempre por causa de ciúmes. Só que ela
disse que fazia sentido a acusação da Mi, que uma vez foi até o hospital, naquela vez que você
pediu para ela cozinhar, que você queria a comida dela pro almoço e não do refeitório do
hospital, e ela fez para ti, uma marmita que você deixou na mesa. Ela foi te levar a marmita, e
quem a recepcionou foi essa Mel. Disse que você estava ocupado, não deixou ela te ver, pegou a
marmita da mão dela e disse que ia entregar para você, a tempo para hora do almoço.

Ai, Deuses...

Marcelo coloca as mãos entrelaçadas na nuca e lamenta profundamente, ainda olhando o irmão
nos olhos.

— Eu jamais faria isso...

— Eu sei, mas elas não. Concerte isso, ou ficará sem as duas!

Matheo fala, se senta no sofá e Nat desce com duas malas pesadas, até Matheo correr e ajudar.

— Não me toca! — ela passa por Marcelo e fala quando ele tenta se aproximar. — Me desculpe
por toda essa cena no seu casamento! Eu lamento por ela e sei que quando ela acordar, vai se
sentir péssima! Eu não gosto dela, mas sei que ela não fez por maldade!!! Me desculpe!!!!

Nat me abraça e eu correspondo.

— Aliás, como ela soube?

Eu pergunto e Mat lamenta.

— Ela escutou pela porta quando você me chamou no quarto. Saí pro corredor e dei de cara com
ela!!!

— Por que ela faria isso???

— Vamos esperar ela acordar para se explicar!

Nat diz com sabedoria e eu consigo sorrir.

— É bem legal da tua parte o que está fazendo. Eu quero constantemente matar a globeleza do
William.
— Se eu te contratar, você mata ela para mim???

Ela pergunta de um jeito sério e eu fico esperando ela sorrir, mas isso não acontece.

— Ah! E tem mais uma, a tal da Mel! Faz pacote com desconto?

Mat abaixa a cabeça para não rir na frente de Marcelo, e Marcelo explode arrastando Nat dali
para cozinha!

— Vem cá!!!

— Me solta! Eu não quero ouvir o que você tem para me dizer!!!

— Ah! Mas você vai ouvir...

Os dois somem corredor a dentro, e o silêncio que surge de repente é suspeito... Ah! O amor... me
sento desistindo e Yan, seu Max, Jon e Miguel, entram em casa.

— Cadê meu pai e o William?

— Foram levar o Fred para a delegacia daqui! William vai fazer ele ficar aqui até a gente voltar
para São Paulo!

Miguel responde e se senta ao meu lado.

— Sabe que isso não vai dar certo, não é?!

— Sei, mas William estava irredutível! Se bem que eu faria o mesmo, nunca conseguiria matar
Fred. Você ia matar ele? Mesmo???

Ele pergunta e eu sinto vontade de ignorar.

— Eu ia, Miguel! — eu digo sem muita certeza — Eu ia! Fred é perigoso demais, com relação a
Paula, é incontrolável! Ele vai escapar, de algum jeito, e vai atrás do seu Francisco!

— Cat... — ele fala baixo e olha em volta — Esse cara é sanguinário, matou a garota a sangue
frio! Ouviu o que Fred disse? Ele foi muito cruel, não devíamos prender Fred! Fazer isso é
encurralar um tigre selvagem, e depois soltá-lo em uma multidão, depois de dias sem comer. Nós
traímos a confiança de Fred! Tô me sentindo péssimo, esse pai do William não merece ficar vivo,
cara!!!

— Não volte a repetir isso, por favor! Eu já estou perdida e arruinada! Tô acabada, não repete
mais isso!!! Amo o William, jamais seria capaz de fazer isso com ele. E também, depois da
humilhação que passei na casa dele e só ele ficou do meu lado e me tratou com dignidade, me
apeguei! Ele é um doce de homem, está arrependido! Matou a mulher como nós já matamos várias
também... e pelo mesmo motivo: grana. O que você faria???

— O mesmo que você, mas tô realmente mal!!!

Miguel diz, me abraça, e eu choro.

— Eu amo o Fred! Eu amo ele!

— Todos nós amamos!!! Tudo vai ficar bem!

— Vamos!!! Vai pegar o João!

Nat chega na sala, espera a reação de Matheo, Rafa desce com seu Francisco, dona Maggie, e tia
Nina, e o clima pesa quando Marcelo sai da cozinha. Os dois haviam chorado, e pelo jeito,
terminado definitivamente.

Ela encara Mat, Mat encara o irmão, e ele permanece sentado.

— Não. Não vou ir embora agora e nem tirar João da cama para passar frio até o aeroporto.

— Se comprar a briga dele, vai sobrar para você!!! Acabo com você como acabei com ele agora
mesmo!!!

Nat fala com Matheo, apontando pro Marcelo.

— Ninguém vai sair daqui agora, muito menos João Lucas! Você já é vacinada, mas meu neto não
tem culpa de nada! Ele fica! Vai embora quando eu for!

Jon dá a sentença e Nat pira.

— Ele é meu filho!!!

— Não me importo.

— Você só quer defender seu filho galinha!!!

— Você pode ter dois e ele não pode ter três?

— Isso não é da sua conta!!! Não se intrometa!

— Natália, é importante você saber que aqui as coisas são muito diferentes! Seu mundo moderno
não cabe nessa família. Jon disse que você fica, então você fica!
Meu avô fala, minha avó fecha os olhos lentamente, e Nat fica de "cara".

— "Seu mundo moderno"???

— Sim, querer falar mais alto, querer exigir, alterar a voz com seu sogro, gritar com seu marido
exigindo que ele tire o menino da cama nesse vento... Respeito é primordial, aqui.

— Respeito...?! Jura, seu Max?!

— Juro. Eu tô falando, quando eu falar você escuta. Aqui ainda é minha casa, eu ainda estou vivo,
e as regras são minhas! Ninguém sairá no meio da noite por bobagem!

— Sou maior de idade!

— Ninguém sairá no meio da noite por bobagem! Não me faça te arrastar pelos cabelos! Nessa
altura do campeonato, Hella ainda é capaz de me pedir o divórcio... vai dormir, esfriar essa
cabeça!

— O senhor precisa de um pouco da minha modernidade! Ainda é brega arrastar mulheres pelos
cabelos e desejar submissão! Desde seu tempo de jovem, já era!

Nat sai resmungando e meu vô dá risada depois que ela some.

— Na minha época, se a minha senhora levantasse a voz para mim...

Ele zomba e minha vó nega.

— Você não faria nada, você ficava calminho quando eu mandava, mas não vou contar isso para
ninguém!!!

Todos dão risada da cara dele.

— Vovô, o senhor precisa se atualizar!

Rubi entra na sala participando e abraça meu avô.

— Onde estava?

Ele pergunta e ela dá de ombros.

— Olhando pela janela. Foram jogar ele em uma vala, ou William o prendeu?

— Ele o levou para adelegacia, provisoriamente. Disse que a família tá proibida de matar, que a
partir de hoje tudo seria diferente, que ele não faria parte de uma família de assassinos. Acho que
esse menino planejava esse casamento justamente para isso, há muito tempo vem trabalhando nesse
plano para o dia de hoje.

Meu avô ri de novo.

— Ele acha que vai me colocar uma coleira!!!

Eu resmungo e meu avô perde o bom humor.

— E ele tem razão! Está correto, e cada dia que passa, mais eu acredito que você precisa de uma!

— E o senhor que de velho, tá ficando biruta???

— Catarina!!!

Minha mãe fica nervosa e eu continuo.

— Ele tá sim! Concordando com isso?! Acha mesmo que vai ficar por isso mesmo? Prender o Fred e
ter um final feliz?! Ele vai sair, vô! Pode demorar, mas ele vai sair! E aí?! Como faremos???

— Se isso acontecer, então pensaremos em algo! Fred faz parte da família, é teu amigo, e você ia
matá-lo! Me lembrou teu pai no dia... — meu avô trava ao se lembrar que meus sogros estavam
ouvindo — Eu... eu sinto muito!!!

— Não se incomode, eu não posso reclamar muito! Já falei para minha nora, ter se livrado do
Júnior foi uma solução triste, mas necessária! Ele não estava bem, infelizmente! — seu Francisco
fala, e dona Maggie sai da sala, ela não estava suportando aquilo — Eu sinto muito, por tudo o
que causei, eu lamento muito! Eu nunca vou me perdoar pelo o que fiz!!! Nunca!!!

— O senhor aprendeu, cresceu e mudou! Todo mundo erra!

Rubi é gentil, e ele tenta sorrir, mas não consegue.

— Ouvi dizer que é cigana...!

— Sou filha de uma.

— Pode... — ele olha para a palma das mãos — Poderia ler minha sorte???

— O que quer saber?

— Se ele vai me matar! Se eu vou morrer do jeito que ele falou...

Rubi sorri e se aproxima dele!


— O senhor vai morrer! — ela se senta ao seu lado — Só que de velhice! Entenda que aquilo
passou seu Francisco, e hoje o senhor é outra pessoa!

— Eu lamento! Mesmo assim lamento!


Eu trouxe problemas graves para nora que mais amei na vida!!!

Ele sorri para mim e eu correspondo.

— Então não ama mais???

— Eu amo para sempre!!!

Ele sorri de novo e seu sorriso é a cópia do sorriso de seu filho. Seu Francisco tinha um carinho
genuíno por mim. Não era fácil olhar para ele e pensar na dor que ele causou a Fred, mas... eu
gostava muito dele. Eu amava os dois.

Seu Francisco diz que vai tentar descansar, e alguns familiares repetem seu gesto após muitos
beijos, e felicitações pelo casamento, apesar de tudo.

Só ficou Miguel, Matheo, Marcelo, Rubi e meu pai.

— Vem, vamos ter uma conversa ali na área...

Meu pai chama Rubi e ela olha torto para ele.

— Sobre o que, Yan? Não fiz nada!

— Vem logo!!!

Ele fala, sai, e ela evita me olhar nos olhos ao segui-lo.

— Como você se sente?

Matheo pergunta e eu paro para pensar. Acho que estava melhor do que deveria por
simplesmente não ter machucado ou matado Fred.

— Eu tô bem! Mesmo!!!

Confirmo e ele sorri.

Marcelo continuava do mesmo jeito de antes! As mãos entrelaçadas apoiando a cabeça, e com os
pensamentos longe.

— É... não vai dar nada...


Meu pai e William entram conversando na sala e eu já fico tensa. Acabou toda minha
tranquilidade momentânea.

Fred...

— Como você está?

Meu pai se senta do meu lado e eu não o encaro.

— Estou pensando no que vou fazer quando ele sair da cadeia, e ameaçar a vida de alguém que
eu amo só para entregar seu Francisco! Tá feliz???

— Ele não fará isso, filha! William vai garantir que...

— Ah! Me poupe! Vai ver minha mãe, vai ficar com ela! Enquanto eu não tiver minha autonomia de
volta, não quero que dirija a palavra a mim! Foi contra as minhas decisões...

— Você tem que se lembrar que não sou teu cartel, e é você a filha aqui, não o contrário! Bater a
sapatilha no chão não funciona mais! Boa noite, eu te amo!!! Descansa!

Ele fala, afasto o joelho quando ele tenta tocar e ele sai chateado. Pelo climão que fica, todos se
retiram deixando William lá, sozinho comigo... de pé, e com um semblante sério demais.

— Como está meu pai?

— Está ótimo! Bem vivo, graças a mim!

Falo, apoio a cabeça no sofá, e encaro o teto.

— Vamos deitar, vem!

— Vai você! Quero que fique longe de mim! Entendeu!? Bem longe de mim!!!

— Eu só estava tentando...

— ...me proteger?! Jura? Me poupe, William!

— Você tá com fome, vamos ver se ainda tem algo na mesa do buffet!!!

Ele se aproxima de mim e eu me afasto.

— Vai por mim, eu não estou com fome! Apenas quero que você me respeite e não quero que me
toque!
— Não fica chateada comigo! Eu te prometo que vou cuidar dele! Ele não vai sair tão cedo, mas
terá tudo, não vai ser maltratado! Não vai nos ameaçar!

— Me deixa...

— Eu tô falando com você!!! Volta aqui!

William me segura pelo braço...

— Eu vou pedir uma vez só.

— Para de ser infantil e eu não te seguro assim! Simples. Eu não sou obrigado a passar por isso!
Não tenho culpa de nada disso! Já te pedi perdão pelo meu pai, mas não quero mais me envolver
em morte nenhuma e nem você vai! Ainda mais carregando um filho meu!!! Um ser puro dentro de
você, tudo o que mais desejei na vida! Eu não vou deixar!!! Quer fazer birra, faça! Não quer que
eu encoste em ti, não vou forçar! Somos casados agora, mas eu sei que não posso te proibir de
nada, não posso. Mas enquanto tu tiver carregando meu filho, vai andar no lado branco da força,
e ficar bem obediente!!! É meu filho, meu filho!!!

O marrento puxa meu braço me chacoalhando, deixa sair seu real sotaque puxando o "shhh", sinto
meus seios endurecerem, e minha calcinha ficar imediatamente encharcada.

— Então só liga pro teu filho...?!

Eu olho para sua boca e ele bufa.

— É claro que não, fiz por você também! Sei que nunca se perdoaria por matar ele. Eu te amo, me
preocupo contigo, com sua saúde emocional!

— Se preocupa, é?!

— Sim, me preocupo demais! Você é tudo pra mim! É a mulher dos meus sonhos, meu neném bravo!

— Sou seu neném? Repete...

Beijo sua boca e sinto uma saudade dele... que saudade!!!

— É minha neném! Só minha neném!!! Só minha...

Sua língua invade minha boca, seu corpo aperta o meu em um abraço cheio de amor e paixão, e
eu me sinto sufocada de tanto sentimento bom que não cabia em mim!

— Não pode falar comigo daquele jeito... nunca mais...


— Posso e vou, sabe disso! Não vou te prometer melhorar nisso. Não quero mais que você faça
essas coisas! Não te quero mais nesse meio sangrento que é tua vida! Você tem a mim para cuidar,
nosso filho, a instituição, que você não pisa lá a dias... quero minha mulher cuidando de nossa vida.
Se manter nesse ramo é colocar em risco a vida de nossa família, e eu não quero mais isso, já
basta minha profissão! Assim que nosso filho nascer vou voltar a estudar, vou mudar para uma
área mais Light. Vocês são mais importantes do que qualquer coisa pra mim, e quero sentir que pra
você, a recíproca é verdadeira!

— Mas é, neném! É sim!

— Então prometa largar essa vida!

Ele pede e eu demoro para responder, por isso logo fica bravo.

— Para, eu prometo! Olha pra mim! Eu prometo, você tem razão! É perigoso, e vou largar!
Prometo!!! Eu te amo. — ele volta a me abraçar e a me beijar — Mas tem que entender que tô em
uma fase muito complicada, não pode gritar comigo, tô sensível...

Faço um drama e ele cai porque gosta.

— Tudo bem! Sua boba, me perdoe! Não vou mais gritar com meu neném! Até nosso filho nascer,
depois disso, volto a gritar!

— O bebê sente tudo, sabia? Ele está ouvindo que você vai maltratar a mamãe achando que ele
não sabe de nada!

— Filho, perdoa o papai! Papai não vai fazer isso! Me desculpa! Papai ama você!!! Ama muito! —
ele ajoelha e meu pai e Rubi entram na sala após conversarem — Eu falei bobagem, não vou
gritar com mamãe nem depois que você nascer, eu te prometo! Toca aqui!

Rubi e meu pai olham para cena com uma cara engraçada, minha barriga ronca de fome e
William vibra que nem um bobo zombando e dizendo que aquilo significava muitas coisas.

— Mas o que tu tá fazendo, homem?

Meu pai pergunta e William levanta.

— Eu estou conversando com meu filho!!!

— Ele pode te ouvir, mesmo! É bom para ele reconhecer a voz de vocês! É bom pro
desenvolvimento. Ele já se sente feliz, triste, já tem sentimentos...

— Eu sei disso!
Ele sorri e me beija.

— Vamos lá, eu sei que foi ronco, apesar de saber que ele ouviu, vamos comer!

William ri, me acompanha até o buffet, e damos de cara com um Tiago pensativo na mesa. Eu me
sirvo, e William segue seu caminho até ele.

Agradeço por minha vó ter dispensado os funcionários assim que o furdunço começou.

Vejo quando Tiago sai assim que ele se aproxima, e fico triste.
Ele estava bravo com o pai e com o irmão! Foi o último a saber de tudo, e estava horrorizado com
o que descobriu sobre seu super-herói.

— Não fica assim, ele ficará bem!!!

— Espero que sim... — ele sorri de repente — Agora come que eu quero ir pra cama!!! Tô
morrendo de saudade de ti... do seu beijo, do seu gosto! Você é a noiva mais linda do mundo!
Minha noiva birrenta!

Eu sorrio, fico boba com o elogio, e ao notar minha timidez, ele se aproxima rindo de mim, e me
dando um cheiro todo carinhoso.

— Falou com Jon?

— Nem uma palavra!!!

— E como se sente???

— Eu tô bem, tô normal. Só não consigo confiar completamente. Ele vai ter que fazer algo incrível
para provar que realmente está conosco. De graça, jamais vou confiar!!!

— Tudo bem! Só pega leve, tenho certeza que ele está do nosso lado!

— E meu vô... — dou risada — disse que acha que você tinha planejado entrar pra família para
nos proibir de matar, prender o Fred, e colocar ordem aqui, desde o início!!!

Dou mais risadas e ele confirma.

— Mais ou menos isso!

— Ter meu avô ao seu lado, significa ter tudo, viu!!! Só não pode decepcioná-lo!

— Jamais irei! Estava pensando aqui, da gente ir ficar com seus pais! Pelo menos enquanto eu
estiver no trabalho, você não ficará sozinha! Conversei com seu pai sobre isso!!!
— O que ele disse???

— Disse que concorda, óbvio. Nem conseguiu disfarçar a felicidade em ter a filha de volta em
casa! Conversei com ele sobre o condomínio, ele colocou seguranças indicados pelo seu avô por
toda a propriedade. Conversou com todos os condôminos!!! Está certo de que está muito seguro,
apesar de que trocou a mansão por causa do incêndio. Me sinto seguro para morar lá, contigo!
Procurar uma casa lá! Tô pensando nisso!

— Aceito o que decidir!

— Mas também, eu pensei em algumas coisas, quer dizer, eu não paro de pensar, desde que
engravidou!!! Sobre o FBI, se lembra?!

— Te fiz a proposta para fugir daqui. Para você nunca saber sobre mim...

Mastigo e falo!

— Acho que o bebê terá uma vida melhor, fora!!! Uma educação melhor!!!

— Concordo! Só que meu pai nunca concordaria, e tem mais uma coisa... Meu avô tá muito
velhinho... — sorrio entristecida — Quero que ele conheça e conviva com o bisneto o máximo que
puder! Meu pai também!

— Tá, mas não sei se quero criá-lo aqui! Quero começar uma vida nova! Acho que minha decisão
deveria ser levada em conta!

— Deve e será! Vamos pensar nisso com calma! — beijo seu rosto de leve — Quem sabe meus
pais e meus avós não aceitam uma aposentadoria fora??? Vamos ver!!!

— Vamos ver, sim! Ah! E tem mais uma coisa, não escolhemos um nome...

Dou risada.

— Você já está pensando nisso???

— Ele precisa ter personalidade! Já existe, precisa de um nome...

— Você não vê a hora dele nascer, né?! — ele ri concordando — Se está pensando nisso, é
porque já escolheu um nome...

— Já, já pensei em um nome sim!

— Qual?
— Theo.

Sorrio ao ver o brilho nos seus olhos.

— Eu gosto de Theo! Theo Coverick Castro. Meu pai vai achar que é homenagem e o Yan vai
pirar! Deveria ser Tayan!

Ele ri, nega minha sugestão e chora ao mesmo tempo.

— Então você concorda?

— Achei lindo! Será esse!

O pai babão esconde o rosto no meu pescoço e eu não tenho tempo de chorar e comemorar
porque aqueles canapés estavam dos deuses.
Eu estava faminta.

— Terminei! Vamos???

Eu pergunto, ele seca os olhos, dou risada do seu chororô bobo, e ele me leva no colo até o quarto,
dizendo ser fã dos costumes.
Gostaria até de poder contar que tivemos uma noite incrível de amor para comemorar o nosso
casamento, mas só que não.

Me acheguei em seus braços fortes, beijei sua boca, recebi carinhos doces na cabeça, promessas
de amor eterno, declarações de paizão pro bebê, que ouvia tudo, e adormeci rapidamente.

— Ei, vida linda! Acorda!!!

William me chacoalha com delicadeza.

— Antigamente era mais gostoso despertar com você! Você ainda tem tempo...

— Eu adoraria te chupar, princesa!!! — ele dá risada e sobe em cima de mim — Mas você precisa
descer, e controlar sua família!!! Tá uma confusão lá em baixo, eu não queria te acordar, mas seu
avô mandou! Então...

Perco até a sonolência!

— O que há??? Como ele está???

Pulo da cama, e ele me acalma.

— Ele está melhor do que eu! É a Millena e o Marcelo, o “problema”. Ela estava querendo ir
embora escondido, sabe?! Tá morrendo de vergonha! Triste por causa de ontem, pedindo perdão
pra todo mundo, já de mala pronta, mas não queria te encarar!

— Ah! Meu Deus! Desce lá, eu já vou!!!

— Mas eu nem te dei 'bom dia', neném...

Ele me agarra, me pega no colo, cruzo as pernas em sua cintura, e ele me solta após se sentir
saciado.

— Depois vamos ter uma conversa séria!!! Só nós dois!

— Aposto que quer sexo!

— Se tivesse apostado dinheiro, ganharia!

Ele sai dando risada, escovo os dentes, visto um agasalho e desço. A família inteira está na sala.

— O que houve?

— Eu não queria que te acordassem, eu estou muito envergonhada...

Millena chora e eu respiro fundo.


Me sento ao seu lado e ela esconde o rosto com as mãos.

— Para começar, tira a mão do rosto para falar comigo!!!

Me viro para ela, apoio o cotovelo na borda do sofá e espero paciente!

— Pega algo para eu comer!!! Tô me sentindo fraca...

Peço a William e ele sai!

— Me desculpa! Podemos conversar a sós???

Ela me olha com extrema timidez e meus olhos se enchem d'água.

— Não. Aqui a gente resolve tudo às claras, assim, como agora, você já devia saber disso!!! Eu
notei que você não estava bem, foi por isso que deixei você falar! Aqui, Mi, problema de um é
problema de todos!!! Por que bebeu tanto? Para começar, me conta o porquê foi ouvir atrás da
porta...

— Eu ouvi por acaso. Eu queria aproveitar que você estava com Matheo, para poder interromper,
e te pedir uma coisa... eu sabia que se eu pedisse o apoio de Matheo, talvez você deixaria,
porque ele sabe de tudo o que venho passando, ele me entende. Eu juro que não tinha má-
intenção. Queria saber se você estava brava, sei lá...

— O que ia me pedir?

— Para ir com você para Brasília!

— Por que???

— Porque eu queria me aproximar de você, sair um pouco daqui, eu estava me sentindo sozinha,
isolada, chateada. Só isso!

— Sente que ninguém gosta de você, não é?! Foi o que disse enquanto bêbada...

— É!

— Acho que isso não é verdade!

— Você nem fala comigo, não sabe nada sobre mim, não sabe como me sinto, e nem como sou
tratada, mas isso também não importa. Deveria pedir desculpas e pedi. Para todos. Você, seu
Francisco, William antes de você acordar, seu Max, e se eu pudesse, também pediria pro Fred...
todo mundo! Agora só quero ir embora!

— Você está exagerando, Millena! Você já disse, agora já foi!!! Tá tudo bem, todo mundo erra!
Não precisa ir embora por causa disso... se queria desculpas, já te desculpei!!!

— Jamais vou conseguir encarar vocês de novo.

— Olha... eu não tenho intimidade com você, mas isso não significa que não gosto de você! Eu te
desculpo por ontem, está tudo bem! Mais dia ou menos dia, ele saberia...

— Só que não precisava ser daquele jeito!

— Concordo. Era mais fácil você ter chegado em mim para conversar sobre como se sentia, eu
jamais poderia adivinhar... só que você está repetindo os mesmos erros. Ao invés de conversar,
quer agir por impulso!

— Eu acordei às sete da manhã, tô pensando nisso desde então!

— Quer sair pra gente se conhecer melhor? Só nos duas??? Posso te levar pra conhecer o Sul! A
gente deixa todo mundo aí, e faz uma pequena viagem. Eu vou te mimar e você vai me perdoar
por nunca ter te dado a devida atenção!!! — eu sorrio, mas ela não — Eu estou grávida, não pode
me negar nada!!!
— Me perdoe, mas vou recusar. Me desculpe pela festa, pelo vexame, por ouvir atrás da porta, eu
juro por Deus que não foi para fazer maldade, eu só queria saber como estavam os ânimos! Eu já
vou!!!

Ela levanta e eu sorrio. Ofereço um abraço apertado e ela aceita.

— Sabe que posso fazer com que você nunca mais saia daqui, não é?! Você está se precipitando.
Ninguém aqui odeia você! Muito menos por ontem! E eu vejo a verdade nos olhos do meu primo, ele
ama você! Nunca faria o que você disse que fez! Você teve seu primeiro caos pessoal e contribuiu
para um caso extremo na família! Só uma Coverick arma tanta confusão e quase mata todo mundo,
assim, em uma só noite!!! Com um belo gran-finale!

Ela ri junto comigo.

— Você é gentil! Mas nunca fiz realmente parte dessa família...

— Você está pirando! O álcool definitivamente não é para você.

Jon resmunga e Millena o ignora.

— Eu quero o teu cartão! — ela encara Marcelo, e tira o anel de noivado do dedo — Não vou
gastar um real meu para sair daqui depois de tudo o que você me fez passar! E isso é teu, você
pode dar para qualquer uma das duas!!!

Ela fala somente e Marcelo parece controlar uma fúria.

— Jamais te darei nada, você não vai sair daqui! Não desse jeito! Eu te amo! Tem que parar com
essa mania de perseguição, e esse ciúme ridículo! Eu não tenho mais ninguém, por que se recusa a
acreditar em mim???

Marcelo chora e Millena sorri irônica.

A garota era linda. Cabelo caramelo na cintura, magra, seios de medianos a fartos, o que deixa
um decote bonito, mas não vulgar, olhos marcantes, boca bem desenhada, era linda demais, e
estava claro que ela tinha o amor de Marcelo, mas algo faltava ali.
Ela ganhara olheiras, o cabelo era um coque preguiçoso, e as roupas de grifes deram lugar ao
jeans comportado, camisa e jaqueta grossa para espantar o frio.

— Fica bem, Marcelo, tudo de bom!!!

Ela vira as costas, abraça Matheo para se despedir, e Marcelo se desespera.

— Eu faço qualquer coisa...


Ele diz baixo, ela se solta de Matheo e se aproxima curiosa.

— Você nem me ama realmente! Para de prometer o que não pode cumprir.

— Você vive dizendo que eu não te amo, vive dizendo que amo mais Natália... talvez chegou a
hora de provar que está errada...

— Você devia ter me deixado morrer!

— Eu não amo mais Natália, posso abrir mão dela, de você jamais vou abrir! Não vou suportar
viver sem você! Fica!

— Está dizendo que enfim escolheu???

Millena pergunta e eu encaro uma Natália indecifrável. Ela não chorava, não lamentava, e não
tinha um semblante de horror ao assistir aquela cena. Se fosse eu ali, eu matava os dois com uma
bala na testa, juro!!!

— Sim, eu escolho você!!! Eu quero você!!!

Marcelo responde com uma dor contida, Millena o abraça, Nat ergue a cabeça e depois encara
discretamente um Jon em pânico, eu até perco a fome.

— Eu alcanço um lugar aí que ninguém alcança, não é?!

Millena fala olhando pra boca dele, e Marcello concorda com a cabeça.

— Eu sei que é capaz de escolher a mim, mas também sei que é capaz de ser infeliz por isso! Vai
parar de doer, eu prometo!

— Não faz isso...

— Você já fez, é culpa sua, me salvou naquele trem! Adeus, amor! — ela diz, Marcelo deixa
escapar mais lágrimas e Millena para na frente de uma Nat ainda indecifrável — Não se
preocupe, ele disse isso com dor na alma! Isso jamais duraria, ele sempre escolheu você, Marcelo
costuma ter um péssimo gosto!

— Posso dizer o mesmo! É por isso que ele está com você há tanto tempo! Tem um péssimo gosto, é
por isso que voltou do Chile com você e não solteiro como havia me prometido!!!

As duas dão risadas, Millena sai com uma sobrancelha — e a cabeça — erguida, e Jon a ajuda
com a mala.

Quando Marcelo vai atrás dela, eu não seguro o impulso de me aproximar da porta, mas não fico
por muito tempo. Era horrível e doloroso vê-lo se humilhar.

Volto a me sentar no sofá e ouço Jon se alterando com Marcelo. Ele parecia não querer deixá-la ir
e eu o entendia bem! Devia ser muito difícil.

— Podemos ter aquela conversa???

Rubi se senta do meu lado, e eu sorrio!

— Por que deixou Millena falar???

— Pensei que tinha se esquecido e levado com naturalidade!

Ela ri, mas eu não.

— Achei por bem te obedecer... você mandou eu deixar ela falar. Juntei o útil ao agradável, acho
que ele merecia saber, pelo menos saber...

— Isso não era da tua conta, né?!

— É porque ela o ama! A gente costuma fazer loucuras por amor!!!

Meu pai diz. Eu nem sabia que ele estava ouvindo!

— Yan, pode não se intrometer?! Eu não amo Fred!

Ela fala sem necessariamente olhar para ele, e eu tenho uma sensação estranha.

— De qualquer forma...

— Tudo bem! Tá! Quer me matar, me prender, também!? Faça isso! Mas depois da nossa conversa...

Ela diz e eu concordo! Concordava mesmo!

— Vamos então!

Eu me levanto cansada e ela tenta me impedir.

— Não, espera... eu quero que essa conversa seja com Miguel também. E quero Rafa e William
presentes!

Ela fala e eu não entendo direito. Pra que tudo aquilo???

Ela chama Rafa, que vem mastigando, Miguel, William confuso, e subimos para o quarto.
— O que está acontecendo? Mais uma confusão?

William me pergunta, e pelo jeito que falava, também estava tomando café quando Rubi chamou.

— Bom... eu preciso falar sobre algumas coisas com você e com o Miguel, então, como é um pouco
complicado... — ela encara Rafa com esperança — Conto com William e Rafael para sair daqui
viva.

— Por que todo mundo me chama para apartar briga? Eu curto brigar, não apartar!!!

Rafa fica confuso e Will ri.

— É porque você é um monstrão! Aparentemente pode segurar qualquer um!!!

— Já foi minha época!!!

Rafa e Will gargalham e Rubi fica nervosa.

— Vou ter a ajuda de vocês ou devo desistir?

Ela pergunta, Will me abraça por trás fingindo me segurar, e eu já fico mais calma só sentir seu
corpo no meu.

— Deixa que eu acalmo o bicho com amor...

Ele abraça minha cintura com carinho e eu consigo sorrir.

— Fala logo, porra!

Miguel estava nervoso!

— Bom, para começar eu quero que, independente do que acontecer aqui, esse assunto não saia
daqui! E... — ela encara Miguel e parece pensar — Bom... eu... acho que é melhor esquecer, era só
uma bobagem!!!

Ela ameaça sair, mas William não deixa.

— Fala de uma vez e se livra disso, eu acho que sei o que é, e se você não contar eu conto,
porque eu super apoio!!!

Ele fala, eu o encaro, e ela olha para ele abismada.

— Eu... tá bem, eu... eu acho que tô apaixonada. Na verdade, perdidamente...


Miguel ri alto e ela fica triste.

— Você? Apaixonada? — ele ri de novo — Teu negócio é carnal, nem com Fred era paixão!

— Cala a boca, Miguel! Não vê que o problema não é a paixão, e sim "por quem" é essa
paixão?!

Eu falo e ele para de rir no ato.

— Fala quem é!!!

— Yan.

O QUÊ???

— Tá de brincadeira...

Rafa resmunga e ri. Miguel fica sem reação, e eu sinto os braços de William me apertarem um
pouco mais, mas... eu não tinha como mexer as pernas. Meu cérebro não enviava mais comandos.

— Ele é meu pai!!!

— Eu sei, sinto muito!

— É brincadeira, né!? Fala sério!!!

Miguel fica puto.

— Não.

— Então era por isso que você viu a morte da minha mãe e não fez nada pra impedir...

— NÃO!!! Tudo aconteceu depois!

— Tá. — me solto de William depois de muito esforço e encaro Miguel — Se acalma! Não tire
conclusões precipitadas! O que você disse é loucura! Não é?! — eu olho para ela — Não pode
ser! Tu não pode ter deixado Laura morrer só para pegar meu pai, isso não faz sentido nenhum!
Isso é cruel, até para você!!! É insano! Horrível!!!

— Eu jamais faria algo desse tipo, vou até fingir que não ouvi isso de vocês, e não estou falando
de pegar seu pai, me relacionar com ele, roubar ele dela, nem nada parecido. Isso nunca vai
acontecer! Eu só quis contar o que sinto, porque isso estava me torturando! Estou apaixonada!
Pronto, falei! Só apaixonada!!!
— Vocês ficaram? Ele te deu mole? Minha mãe nem esfriou...

Miguel choraminga e ela revira os olhos.

— Ele não sabe do que eu sinto! Não disse nada. Eu me mantenho afastada! Sei que ele é demais
para mim!!! Ninguém precisa me dizer! É só um sentimento que eu precisava dividir! O que
aconteceu com Fred me fez aprender! Jamais desejaria o impossível de novo!!! Yan é só um
sentimento bom! E eu farei com que continue sendo só um sentimento bom para mim!!!

— Yan seria um sortudo se ficasse contigo! Laura disse que queria que ele fosse feliz! Eu ouvi! Eu
apoio! Adoraria ver vocês juntos!

William fala e eu volto a encará-lo.

— Você bebeu? Ele é meu pai!!! Nós duas... somos irmãs, é bizarro! Minha irmã, minha madrasta???
Não dá!!!

Eu falo com ele e olho para ela. Rubi estava péssima!

— Eu nem sei o que te falar! Eu... eu queria que fosse outra pessoa!!!

Eu falo e ela confirma com a cabeça.

— Não se preocupe!

— Eu vou falar com ele...

Miguel segue em direção a porta, e eu impeço.

— Não fala nada! Deixa ele no escuro! Isso é um absurdo! Vai dar asas à imaginação dele???

Miguel para pra pensar e concorda!

— Esquece essa história!!! Fica longe do meu pai!

Ele aponta para ela, e ela concorda entristecida.

— Eu também apoio, você é linda, inteligente, perigosa, poderosa, qualquer homem que tenha juízo
e bom senso ficaria louco para pôr uma aliança no seu dedo! Se Yan, assim como Fred, preferir
mulher morta, é mais um babaca que merece se foder!!! Você é maravilhosa! Merece o melhor!

Rafa fala, beija a testa da Rubi, e vai embora.

— Valeu por... — ela aponta para mim falando com ele — Obrigada!!!
Ela sai me encarando, eu não sei o que dizer, e decido por não dizer nada.

Meu pai e Rubi???

— Meu Deus...

Resmungo abismada, dou risada com a mão na boca e William me olha de braços cruzados.

— Tu sabe que teu pai é maior de idade e sua irmã dona da própria vida, né?!

— Tá brincando??? Ele viu ela crescer do meu lado!!!

— Cat, não pira!!! Faz uma coisa por mim, por favor, esquece por um minuto quem ela é e que ele
é seu pai! Só tenta... sem julgamentos, apenas tenta! Eles formam um casal bonito demais!!!

Ele ri, eu penso nisso, e não vejo como não concordar. Fazem mesmo!!!

— Pior que fazem! Vadia!!! Ela combina com ele! Ordinária, vou matar ela!!!

Dou risada e ele me abraça.

— Deixa eles viverem! Eu vi, naquela noite que você foi enfrentar o Chong, ela cuidando dele, se
preocupando com ele, o jeito que olhava pra ele! É amor! Seu pai sofreu demais pela tua mãe, e
acabou de enterrar a esposa, deixa ela fazer ele feliz, ela realmente o ama!!! Deixe todos eles
pra lá e foca em nós! Acabou!!! Agora vamos viver essa gravidez, esse casamento, ser feliz, e
deixar sua família viver como quiser! Cuida de mim pra eu poder cuidar de vocês dois, e deixe
eles serem felizes, não empate a foda de ninguém!!!

Ele ri baixinho!

— Tudo bem! Depois vou falar com ela, os dois estão muito machucados, e nunca viveram para si
mesmos! Eles merecem! Quero que todo mundo seja feliz, porque eu sou feliz demais ao seu lado!

— Pois então! É isso! Fique do lado deles! Seu pai e ela ficaram do seu lado quando você mais
precisou. Eles merecem isso de você!

Ele sorri e eu me derreto.

— Meu Deus, o que seria de mim sem você? Que neném de coração bom, todo gentil, amável...
como retribuir o bem que me faz???

— Que tal tirando essa roupa...?

Ele me deita na cama, sobe em mim, e puxa minha perna para se encaixar.
— Só tirando a roupa?

— Por enquanto só... por enquanto!!!

Ele fala, beija meu pescoço, pressiona seu músculo em minha intimidade, e me faz ver estrelas.
Suas mãos avançam para o cós da calça do meu agasalho de dormir, e eu aproveito para ficar de
quatro.

— Tá de sacanagem!!!

Ele resmunga já com sua voz rouca, arranca a calça com grosseria, e me dá um tapa forte. Minha
intimidade pisca.
Olho para trás por um momento, vejo ele de joelhos me fitando, e quando volto meu rosto para
baixo, sinto sua língua fazer um caminho lento, de norte a sul! Com extrema tortura.

— Doce...

Ele chupa apertando minha cintura, enfia os dedos, chupa de novo, quando tento fugir ele me
puxa, gemo alto, levo mais tapas, e sinto sua língua agir como vibrador no lugar certo. Por isso
grito, e tento fugir.

Ele me põe de frente, me abre com os dedos, brinca com o piercing, e eu vou a loucura.

Puxo os seus cabelos, ele me olha enquanto me suga, jogo a cabeça para trás, e sinto ele enfiar
toda sua língua até onde podia.

Chupadas, dedadas, tapas, lambidas....

Ele me arreganha de novo com os dedos, meu ponto mágico fica exposto, e só com a pontinha de
sua língua, e me olhando nos olhos ele me leva até lá!!!

— Que porra de boceta gostosa você tem! Como consegue? Vem cá!

Ele me puxa, se levanta comigo em seu colo, encosta minhas costas na parede, se lembra de
trancar a porta... — agora??? — E tira seu pau enorme para fora! Contenho um gemido, que
sempre quero soltar toda vez que vejo. Eu nem acredito que ele mete aquela vara inteira dentro
de mim, quase todos os dias, e eu ainda conseguia andar e contar história. Porra de pau enorme!
Grosso... cheio de veias!!! Meu bem-dotado!!! Dá vontade de cair de boca por profissão.

— Que foi? Ainda fica impressionada?

Ele me olha com humor, ergue uma perna minha, entra sem pedir licença, e enquanto me invade, me
olha nos olhos.
— Eu só paro se doer!

— Foi feito pra mim, tem encaixe perfeito!

— É?! — ele mete com cuidado, e sorri quando fico sem fôlego e pisco um pouco — Feito pra ti?

— Pra mim!

Eu assumo, aceito, e ele mete mais enquanto eu gemo e fico subindo e descendo, escorada na
porta.

— William!!!

Meu pai chama na porta e ele sorri, mas não para de me invadir com violência.

— Oi!

— Desce aqui um instante! Deixa a Cat descansar um pouquinho e vem! É particular!!!

— Dois minutos!

Ele responde meu pai, beija minha boca, me coloca na cama, e continua metendo por cima.

Nossos gemidos se fundem, ele acelera pela pressa, arreganha mais minhas pernas, geme alto, me
coloca de quatro, puxa meus cabelos, tapas, vira o homem das cavernas, e goza. Sozinho.

— E a minha vez...?!

Faço bico e ele ri.

— Reclama com teu pai, que me chamou! E não tô em saldo negativo, tu gozou na minha boca!
Filha da puta!

— Mas quero mais...

Puxo seu pescoço, ele me beija, e alguns minutos me esfregando, com seu músculo adormecido
dentro de mim, a tática funciona e ele ri da minha cara.

— Tu fica com uma cara de puta quando se masturba! — ele sai de dentro de mim, duro de novo
e eu sinto frio — Faça isso com os dedos!!!

Ele se encosta na cabeceira da cama, eu me toco, e ele umedece os lábios.

Sinto seu gozo escorrer quentinho, mordo o lábio enquanto ele assistia pirando, e faço charme de
novo!

— Vem cá!!! Por favor, amor!

Eu imploro e ele me obedece, até eu gritar alto e me sentir nas nuvens, de novo.

— Minha delícia!

Ele me encoxa no corredor, beija meu pescoço e me vira pra ele, me fazendo andar de costas.

— Quando será que eles vão embora, hein?!

Dou risada.

— Não sei... por quê???

— Tô te querendo um pouco mais!!! Você me deixa maluco! Quero te pegar de jeito! Tu é tão
gostosa, que é como biscoito, chocolate, a gente começa a comer já sabendo que não vai mais
conseguir parar!

— Você não existe! — sorrio e o abraço fazendo ele parar — Depois do café da tarde a gente
se tranca no quarto e não sai mais! Ou podemos ir para Bagé! Não demora muito. Com meu pai
aqui, lá não tem ninguém!!! Podemos fazer a casa cair que ninguém vai bater na porta!!!

— Eu topo!!!

Ele sorri, morde levemente minha boca, e depois que eu respiro profundamente, ele chupa minha
língua de forma obscena, copiando o gesto que fez em meu ponto 'G' e sorri achando graça.

Levo um tapa na bunda antes de chegar na escada, e correspondo apertando seu pau o
chamando de meu. Porque era.

— Fala, pedra no sapato, o que foi???

Will me agarra e me beija até entrar na sala, e quase não notamos que a gente tinha visitas.

— Você... tem... visita!

Ele lamenta ao me ver ali, porque havia dito que a conversa era particular. Não era para eu
descer. Não era para eu ver Bárbara na sala.

— O que faz aqui???

Ele pergunta a ela, e eu não contenho o impulso de olhar para sua cintura, para ver se aparecia o
volume de sua arma, eu achava que não! Eu não estava com a minha e nem ele com a dele. Eu
teria que matar a vadia na unha!

— Só dei uma passada!!! Tenho um cliente aqui! — ela mexe na bolsa, entrega um envelope para
ele, eu encaro Jon, e ele sai para agir, porque já sabia o que era para ser feito, chegar no Fred
antes dela — E vim te entregar isso! Fiz questão de vir pessoalmente para poder dar minhas
felicitações pelo casamento... como vai a lua-de-mel???

Ela sorri como uma vadia, eu avanço contra ela, mas William me puxa pela cintura!

— Vai ser melhor pra você me soltar!!! Vai por mim, ainda tô sendo boa em te avisar!!!

Minha vista fica vermelha e ele nega.

— Bárbara, minha nora amada!!! Que bom ver você!!!

Dona Maggie corre em direção a ela, as duas se abraçam, e minha fúria chega ao auge.

— SUA NORA??? ELA É SUA NORA??? DESDE QUANDO, BRUXA???

Eu grito e minha mãe tenta me acalmar.

— Chega perto de mim não, que eu não quero te machucar!

Falo e meu pai faz ela se afastar.

— Mantenha a decência, menina...

Dona Maggie fala com cara de nojo!

— DECÊNCIA??? QUEM É A SENHORA PARA FALAR DISSO??? VOCÊ VAI EMBORA DA MINHA CASA
AGORA!!! E VOCÊ SUA VADIA DE QUINTA, VAI MORRER COMO INDIGENTE!!!

Eu já falo andando em direção as duas, mas como não posso bater na velha maldita, eu pego a
globeleza seca. Seu perfume, como sempre, agora mais do que nunca me dá náuseas, mas ignoro
o enjoo, que piora com a gravidez e arrasto seu corpo pela sala puxando-a pelos cabelos.

Ela gritava e esperneava, mas eu continuava. Mexas e mexas dos seus cabelos alisados iam se
soltando do couro cabeludo, e eu amava ver aquilo.
Quando consigo arrastá-la para longe de todos, deito em sua barriga e soco sua cara como soco
cara de bandido. Não era briga de calcinhas, não era somente puxada de cabelo, porque no meu
ela nunca tocaria, nem conseguiria. Era murro, nariz sangrando no chão, e depois chutes! Eu acabei
com a vadia.
— ME SOLTA SUA LOUCA BAIXO-NÍVEL!!!

— SOLTO, EU SOLTO!!! JÁ, JÁ! AGORA TU VAI PERDER OS DENTES DA BOCA QUE É PARA TOMAR
VERGONHA NA CARA E NÃO SE METER COMIGO! BISCATEIRA!!! — ela grita, chora e eu ouço
alguém me mandar parar — MULHER QUE TEM CACIFE PARA CORRER ATRÁS DE HOMEM DOS
OUTROS, TEM QUE TER CACIFE PARA LEVAR NA CARA E LEVAR MURRO!!! VAI PENSAR DUAS VEZES
ANTES DE SE APROXIMAR DA MINHA FAMÍLIA DE NOVO, OU DE OUTRO HOMEM CASADO! TUA
PORCA! VADIA!!!

Eu soco tanto a filha da puta, mas tanto, que eu fico com o punho direito coberto de
sangue. Obviamente Rafael é acionado por tia Nina, e o monstro me tira de cima dela, nem
levantar ela consegue, tava tontinha e eu podia apostar que eu realmente consegui arrancar uns
dois dentes dela. Filha da puta! Se eu não matasse a vaca, ela ia sair dali e logo meter um
processo por agressão em mim. Que se foda também!!! Queria é mais!!!

— Olha o que você fez!!! Não tem educação! Não tem a menor a classe! Que baixo-nível!!!

Dona Maggie fica indignada, repete as palavras da nora favorita, vai amparar a quase morta e
meu pai precisa segurar minha mãe de novo.

— FALA ASSIM COM MINHA FILHA NÃO, VIU!!! A SENHORA ESTÁ NA MINHA CASA!!! MAL
EDUCADA E BAIXO-NÍVEL É A SENHORA! HIPÓCRITA, TODA NARIZ EM PÉ E TEM A FICHA MAIS
SUJA DO QUE MUITOS AQUI!!! SE ACHA SUPERIOR, NÃO SEI AONDE!

Minha mãe grita, minha garganta se aperta anunciando o choro de nervoso e a sala se enche por
causa da gritaria. Tiago também corre para ela todo preocupado.

— Eu sou baixo-nível, olha o que tua menina-monstro fez com minha nora!!!

— ESSA VACA NÃO É SUA NORA PORRA NENHUMA, TUA VELHA MALUCA! É MINHA FILHA QUE É!
E VOCÊ NÃO A MERECE, O QUE A SENHORA MERECE É ESSE LIXO-HUMANO SEM DENTE, AÍ!!!

— Não! Barbara é a nora dela sim!!! Ela dá pro filho mais novo dela desde que William largou
dela para ficar com a Cat! Vai ver pegava os dois irmãos, quando um saía, ela fazia a festa! Falo
mesmo!!!

Rubi desce vestindo negro e seus olhos eram pura maldade! Até sua voz estava diferente.

— A senhora tem a nora que merece, Miss Margareth!!! Uma nora classuda, advogada, educada,
alto-nível, e pedófila...

Rubi fala em seu ouvido como um demônio tentando um anjo, gargalha como uma bruxa — que é
— e dona Maggie se afasta de Bárbara com o semblante cheio de pânico!
O FIM DE TUDO CHEGA QUANDO ELE ESCAPA!

— Eu não acredito, isso é mentira!!!

Minha mãe parecia beirar o ataque de pânico.

— Não! Não é!!! — Rubi olhava para minha mãe "de cima", dona Maggie continuava de joelhos no
chão, e mantendo uma distância segura de Barbara — Eu não minto! Eu costumo fazer muitas
coisas erradas, e até gosto muito, mas eu não minto! Não sei fazer isso!

— Tem como calar a boca?

Eu pergunto e ela caminha em minha direção. Seu andar parecia fazer tudo ficar em câmera lenta.

— Fred está preso injustamente, seu pai solto impune, e sua mãe vem maltratando minha irmã
desde quando a conheceu. Catarina foi tratada como lixo na sua casa, então, não, doutor Castro,
eu não vou calar minha boca!

Ela toca seu nariz no meu e eu passo por ela.

— Levanta!

Ajudo minha mãe a se levantar e ela me encara chorando.

— Isso é mentira! Diz que é mentira, ele é só um menino!!!

— Não! É verdade! — Tiago se explica enquanto ajuda Barbara a se levantar. — Barbara e eu


ficamos juntos, não traímos William, como a bruxa do mal disse, mas... ficamos juntos! Eu sou menor
apenas no papel, sei do que faço, e eu quis mais do que ela! Gosto dela, então, enquanto ela
quiser, tô aí para o que der e vier! Ah! E foi eu quem a chamou! Ela vai tirar Fred da cadeia, e
indiciar o meu pai por assassinato! Vocês prenderam o homem errado! — ele olha para Catarina
— Você não tem culpa de nada disso, mas vou pedir sua compreensão nesse momento, pois vou
levá-la até o quarto para ajudá-la a se recuperar da surra que levou... de você...

— Chamou ela aqui para arruinar a nossa vida, prender o pai, e libertar Fred?

— Sim! Exatamente isso! Ele é um monstro, precisa ser preso!

— E essa daí é uma maldição na minha vida! Some com ela da minha frente, mas da porta pra
fora!!! Vai lá para o quinto dos infernos, chame um táxi pra ela!!! Se vira, mas aqui ela não fica!!!

— Pois bem!

Fico puto, ele responde, ajuda Barbara a caminhar, e eu vejo Catarina sair.

Abro o envelope que ela havia me dado e vejo uma ordem de despejo. Por alguma razão que eu
desconhecia, a nossa casa do Rio, estava sendo desapropriada.

— Meu filho... meu filho...

Minha mãe se senta no sofá, meu pai aparece e começa com os cuidados de sempre. Remédios
para pressão, mimo, abanando-a com as mãos... será que eu ficava tonto assim com Catarina?! É...
eu sei!

— Chame Catarina! Ela precisa resolver isso!

Max também se joga no sofá, e eu respiro fundo.

— Deixa ela em paz! Catarina precisa de paz!

— Está aí, algo que você nunca deu a ela! — Rubi volta a me atacar — Paz! Mas tem razão,
nesse momento, ela não está bem! Mande seus pais e sua ex-vadia de quinta categoria para bem
longe, ou tu vai ser "pai solteiro"!!!

— Tu não conhece jeito melhor de falar com as pessoas???

Yan se irrita com a bruxa e ela faz com ele o mesmo que fez com minha mãe. Ela o rodeia
analisando-o dos pés à cabeça, e sussurra em seu ouvido, fazendo o pai de sua irmã ficar
balançado com sua presença.

— Eu conheço um jeito melhor de falar! Mas-não-vou-te-mostrar! Yan gostoso dos santos!

— Não me chame assim!

— Por que?! Era o jeitinho que ela te chamava?! Era??? — Yan sai possesso e ela ri — MAIS UM
QUE SOFRE POR UMA MORTA!!! Tão gostoso... ôh, desperdício!!! Ai, ai... — ela suspira — Você! —
ela olha para mim de repente e aponta — Se livre da pedófila antes que Catarina entre em
trabalho de parto prematuro, e você... — ela aponta pro meu pai — Está vivo por causa de sua
nora, então, pega sua esposa e desapareça antes que a Bárbara consiga soltar Fred, se é que ela
não soltou primeiro antes de vir para cá! O senhor precisa ir, agora!!!

Ela fala e meu pai concorda.

— Eles precisam de proteção!

— Ninguém quer proteger a nojenta da sua mãe, se toca! E mesmo assim, garanto que eles não
vão morrer! Fica em paz!

— Tu tomou aquele remedinho que me deu, né?! O da sinceridade!!!

— Não, essa sou eu mesma quando tô de saco cheio!

(...)

— Já foram embora! Todos eles!

Eu me aproximo de minha neném na janela do quarto. Cat parecia distante. Distante de mim.

— Quer descontar tudo em mim? Eu aguento! — eu falo e seu olhar não sai da janela — Tudo
bem! Eu sou forte! Eu sei que mereço!

— Eu vou matar o Fred! Quero que fique ciente disso! Vou matá-lo! E se Bárbara voltar a
aparecer na minha frente, a matarei também! Quero que saiba disso, quero ser sincera com você! E
não estou blefando, não hoje!

Ela fala, e só após se virar e sair de perto de mim, sem nem me olhar nos olhos, é que notei que
ela havia colocado negro.
Ela pega as chaves do carro, sai e eu fico tentando me recuperar.

— Cat!

Alcanço a criatura na sala e todo mundo se assusta ao olhar pra ela, como eu me assustei. Cat
estava estranha demais.
Ela só não chegou até a porta porque Jon chegou primeiro.

— E, aí?!

Ela pergunta e eu seguro o impulso de abraçá-la por trás, só por abraçar. Ela não estava bem.

— Eu o levei para um lugar seguro! Ele estava lá ainda!!! Bárbara não vai defendê-lo, eu cheguei
primeiro.

— Ótimo... Ótimo!!! — ela parece aliviada — Me dá o endereço, então, quero vê-lo!!!

— Não dê! Ela vai matá-lo!

Max fala e Catarina o encara horrorizada.

— Como é?!

— Está de luto! — ele diz e dona Hella se mexe desconfortável — Já não consegue mais matar
sem usar preto, não é?! Laura e seu pai eram assim! Chegaram a um ponto de não tirar mais o luto!
Nenhum deles! Queriam economizar o tempo, não sabiam mais como era não matar. Estavam
sempre em estado de alerta!!!

— O senhor tá pirando!

— Não! Não tô, não! Eu tô lento, fraco, às vezes esqueço onde coloco minhas chaves, mas pirando,
eu não tô, não! — Max encara Jon e fala pausadamente — Não dê o endereço!

Ele dá sua sentença e Jon abaixa a cabeça. Ele não tinha como não seguir a sua ordem, e ele não
tentou! Mas lamentou demais, "decepcionar mais uma vez", sua sobrinha favorita.

— Jon. Me deve isso! Pelo menos isso, depois de tudo!

— Me desculpa, Cat! — ele olha para ela e eu seus olhos ficam vermelhos imediatamente. Jon
sofria por dizer ‘não’ a ela — Não vou te falar onde ele tá!

— Matheo! — ela encara o primo no sofá e ele também nega. — Por favor! Encontra ele!

Ela fala com ele, Max encara o rapaz, e o mesmo sofre como o pai. Max enquanto vivo,
permaneceria o líder do "clã Coverick".

— Não dá! Desculpa!

Ele responde e ela concorda.

— Tudo bem!

— Eu te prometo que seu sogro ficará seguro!!! Onde ele está é mais seguro do que na prisão!
Ficará longe da vingança de Barbara e de seu Francisco!

Jon tenta.
— Quando eu procurei pela primeira Glenda da minha época, e me ofereci, junto com Fred, para
fazer parte do cartel dela para provocar meu pai e encontrar o assassino da Gabi, ela aceitou na
hora minha proposta. Eu matei dois terços do efetivo dela, porque ela só me ofereceu dois terços
para enfrentar! Se tivesse mandado o cartel inteiro eu teria acabado com o cartel inteiro, mas ela
não ficou satisfeita.

Ela queria ver mais, ela queria um espetáculo à lá Coverick! — ela encara cada um na sala — Ela
prendeu Fred e eu em uma sala no mais puro breu, e lá ficamos a pão e água, lutando no escuro
com os cara que ela jogava lá dentro, como leões em jaula, e sem nenhuma previsão de sair, todos
os dias, na mesma hora, incansavelmente. Fred conseguiu achar uma fresta mínima de Luz depois
de um mês tateando pelo escuro, e conseguiu nos soltar, eu nem sei como, estava fraca demais o
tempo todo. Fred escapa de qualquer lugar, porque desde então odeia ficar preso. Fred só vai
parar de buscar essa vingança se morrer, ele vai encontrar seu Francisco! Ele vai sair, se ele não
morrer, ele vai sair dessa, vai se vingar, e então, o que acontecer comigo, com meu sogro, com
William que o prendeu, ou com meu filho... será responsabilidade de vocês!
Vocês se garantem?! Então eu lavo as minhas mãos!

— Filha!

Tay chama quando ela sai da sala e eu faço um sinal, avisando de que eu ia tentar resolver!

— Por favor, William! Me deixa em paz!!!

— Olha como você fala comigo...

Eu falo apenas e ela me olha confusa. Cat chorava e sentia medo.

— Eu só falei!

— Não, você fez muito mais! Você me desmonta quando fala assim comigo! — ela encosta e se
debruça na grade da área externa, e seguro firme sua cintura — Por isso eu piro com você, sou
maluco por você! Você... você se desarma comigo! Não posso te deixar em paz enquanto você me
deixar maluco desse jeito! — eu falo e ela me olha, me fazendo tirar o nariz de sua bochecha —
Eu tô aqui! Esquece todo mundo! Jon garantiu que ele ficará lá, então ele vai ficar! Teoricamente é
nossa lua-de-mel, e desde quando nos casamos, só ficamos juntos uma vez, e por cinco minutos! Eu
quero mais! Me deixa cuidar de ti! Vamos pro quarto, ficar lá até Marcelo me liberar do castigo e
eu precisar voltar pro trabalho! Vamos nos concentrar em nós! Eu te amo tanto, vida...

Eu peço e ela me olha confusa.

— Nosso mundo está ruindo e você tá pensando em sexo.

— Retifique. Amor! Sim, tô pensando em amor! É! Aham!


Confirmo e ela consegue negar sorrindo!

— Eu te amo! Diz que me ama! Faz tempo que você não diz me amar!

— Você ia me deixar ir até lá?!

— Ia!

— Mesmo!?

— Sim, mesmo!

— Então me ajuda! Vamos pra delegacia, me ajuda a encontrá-lo!!!

Eu respiro fundo!

— Mas eu também não quero que você faça isso! Não só por ele, mas por você! Você vai sofrer
eternamente, Cat!!!

— Eu sinto que vou sofrer muito mais... vamos sofrer muito mais!!!

— Eu não vou deixar, jamais vou deixar!!! Te prometo! Vem! Vamos tirar essa roupa e deitar! Vamos
ficar agarrados até seu sofrimento e minha carência passar!!!

Eu estava preocupado com meu pai, mas algo me dizia que Jon falava a verdade, então, no
momento, minha única preocupação era ficar com ela.

Tiro sua roupa, beijo sua boca até suas pernas ficarem bambas, puxo os edredons grossos da
cama, e fico de conchinha com ela, conversando sobre o futuro e sobre o bebê até pegar no sono.
Estávamos psicologicamente cansados demais pra namorar, mas só de estar perto de Catarina, já
era bom. A vida parecia boa.

Na realidade, eu nem acreditava que estava casado, muito menos com ela.
Me lembro de seu corpo perto do meu, no sofá, quase no meu colo só pra passar um creme em
mim. Eu sei que ela também me amou logo de cara, ela até nega, mas sei que amou.

Meu neném lindo...

Adormeço e acordo às dezoito com ela agarrada a mim. Do mesmo jeito de sempre, não deixava
espaço nenhum, e eu estava quase caindo da cama.

Cheirosa, linda... me perguntava o que ela tinha de "defeito", pois a bruta nem roncava.

Me levanto, beijo sua barriga após levantar um pouco a coberta, me certifico de que estava
aquecida, pois eu sentia meus ossos doerem, me visto e desço.

Levo comigo o envelope, e encontro a casa vazia, deviam estar cada um em seus respectivos
quartos, provavelmente trepando para se aquecer, sim! Pensei nisso e me senti um idiota.

— Você ficou??? Eu te vi indo até a porta, achei que iria junto!!!

Tiago entra na cozinha e nega.

— Ajudei Bárbara a entrar no táxi e voltei! Não entrei aqui, fiquei lá pra fora mesmo!

— Devia ter ido! Foi traíra demais comigo! — coloco água pra ferver — Podia ter arruinado meu
casamento trazendo Bárbara aqui!

— A ideia não era ela pisar aqui, só veio pra te provocar!

— E conseguiu, né?! Ainda bem que teve o que mereceu!!!

Eu afirmo e ele me olha de uma forma estranha.

— Você está bem estranho, cara! Essa família tá tirando de você toda sua essência! Vai deixar
papai livre, deixou a fuga de Fred da cadeia por isso mesmo!!! Tu tá me decepcionando!

— Tô evitando movimentos bruscos! Cat está grávida e sente dores o tempo todo, só não fala para
ninguém! Não quero saber do passado dela, ela não vai mais matar, não deixei ela matar Fred.
Não quero saber do que o pai aprontou na época dele, essa família já fez muita coisa igual, e
está livre, por que o pai também não pode ser perdoado!? Com ele preso, a chance de Fred
conseguir que ele seja morto é maior ainda, ainda mais os dois presos, muito mais fácil! É isso o que
você quer?! Que por causa dos erros dele, ele seja morto??? — ele abaixa a cabeça — Minha
única preocupação é meu filho! — respiro fundo, evito dar pinta de chorão e falo baixo — É só
Cat ficar nervosa pra sentir dor... se ela perde nosso filho, eu não sei o que serei capaz de fazer!!!
Que o mundo todo se acabe, enquanto ela me amar, minha prioridade será fazê-la feliz, e eu
quero que o Theo conheça o avô!

— É Theo?

Ele sorri só por um momento.

— É. Eu que escolhi, ela concordou! Eu já o amo mais do que qualquer coisa no mundo, por mais
que eu tente, não consigo pensar em mais nada, só nesse bebê!!! Tô mais "grávido" do que ela!
Não quero saber de ninguém, só do nosso filho, só do nosso futuro!

— É bom te ver bem!


— Pois você também fique! O pai fez as burradas dele junto com o tio, eu soube que eles
aprontaram juntos, mas não sabia que era pesado assim, e acho que nem Douglas sabia, mas
pensa bem! Prendê-lo não é nada perto da punição que ele tá levando aqui! — toco minha
têmpora — Ele se arrepende, e já vi que vai cair na depressão, aposto que vai, se é que depois
de todo esse fantasma voltar com força pra atormentá-lo, ele mesmo não decide se entregar!!! Ele
era meu herói, foi difícil ouvir tudo aquilo também, mas virar as costas pra ele não vai adiantar!

— Fred não devia estar preso!

— Eu sei! Mas era isso ou enterrar o pai, e eu jamais quero isso! Jamais vou deixar isso acontecer!

Ele tenta concordar, não consegue e parece querer mudar de assunto.

— Escuta... tô pensando em mexer naquela grana! Fazer o curso que a Catarina me disse... sei lá,
novos ares!!!

— Se for só por um tempo... eu apoio! Vamos te ajudar com isso! Visto, passaporte!

— Certo! Desculpe pela Bárbara, mesmo! Eu não pensei que ela viria até aqui...

— Desculpas aceitas! Aliás, tá sabendo de algo sobre a nossa casa??? Viu cartas de cobrança por
lá antes de vir morar comigo?

— Várias!!! Só não sei porquê! Papai nunca se abriu!

— E a Bárbara, não falou nada???

— Não! Pra mim não! Por que?

— Parece que a mãe vai perder! Não entendi, li por cima! Só sei que custará uma fortuna para
dar um jeito nisso, aqui...

Eu mostro para ele e ele fica bolado, como eu fiquei.

— Será que não é dívida de jogo? O pai e a mãe estavam brigando demais por causa disso!
Sempre pensei que um dos motivos também era esse! Me tirar do caos que eles estavam! Toda
noite, dia sim dia não, era uma encrenca! Pai chegando tarde, mãe soltando fogo...

— Entendi!

— O que tu vai fazer!? Eu posso usar o dinheiro pra isso!

— Não! Não se preocupe! Vou dar um jeito! Vai descansar que eu vou fazer um café aqui, pra
quando ela acordar! Você quer?
— Não. Tô de boa!

— Sabe aonde está o povo dessa casa?

— Uns saíram pra visitar algum vale-não-sei-o-quê, que parece estar nevando, e eu acho que seu
Max e dona Hella, Rafa e a Nina estão aí! Não tenho certeza!

— E a Rubi? Miguel?

— Miguel foi junto com eles, arrancou Mariah de perto de mim! Já a bruxa maligna, a vi
conversando com Yan na orla do matagal faz alguns minutos! Ele parecia bem bravo! — ele dá de
ombros — Vou me deitar! Falou!

Tiago me abraça selando a paz e sai. Era outro que estava um caco devido aos últimos
acontecimentos!

Entro no quarto segurando a bandeja e tentando me equilibrar ao mesmo tempo. A dorminhoca


ainda estava no milésimo sono...

Decido não acordá-la e mando mensagem pra meu pai, pra saber como eles estavam.
Estavam bem.

Tiro o comprimido de sua gaveta e separo colocando-o na bandeja, pois sabia que ela não havia
tomado hoje! Todo dia eu ficava de olho.

Me aproximo da janela, olho pro tempo, e vejo a silhueta de Rubi e Yan, na frente da casa.

Ela de braços cruzados, ele com as mãos na nuca... ela relutante, ele impaciente. Estavam discutindo
e inquietos.

De repente ela me encara e eu não me assusto, nada mais me impressionava.

Ela faz coraçãozinho com as mãos, eu evito mostrar o dedo do meio, e só nego. Por isso ela ri.
Bipolar.

Eu tinha impressão que Rubi quando ficava daquele jeito, não era totalmente ela. Parece que
baixava uma entidade bem louca nela... me lembrava das festas de Cosme e Damião nos terreiros
da vila. Claro que não totalmente, mas que lembrava, lembrava.

— Quem merece tanta atenção assim?

Catarina resmunga, e eu sorrio subindo em cima dela.

— Meu neném acordou!!! — beijo sua boca e invado seu cobertor quentinho — Que coisa mais
linda é essa neném ao acordar!!! Sabe do que tenho saudade?!

— Espero que não envolva funk, William!

— Poxa vida...

— Não tô no clima pra dançar, nem mesmo enquanto tu me come...

— Eu te amo! Tu tá me rejeitando!!!

— Sem birra! Vem! Me abraça! Quero me sentir protegida, preciso disso.

Eu obedeço chateado.

— Tem jeito melhor de...

— De pernas arreganhadas me sinto exposta! Quero carinho!

— Está acontecendo alguma coisa???

Ela fica irritada.

— Se perguntar se eu não te amo mais...

— Porra! Tu tá me negando amor!!!

Faço charminho e ela levanta.

— Eu tô chata, William! Tô irritada, tô triste, enjoada... tô me sentindo estranha! Tenta entender! Vai
passar!!! — eu concordo e ela sorri — Me passa aquela bandeja ali, deixa eu ver o que tem!!!

— Tem lanche de pão de forma bem levinho, café, suco, mamão... — Eu entrego a bandeja e ela
começa a comer — Eu pensei em arrancar algumas flores do quintal, mas encontrei Tiago na
cozinha e esqueci.

— Como ele está?

— Mal. Bem chateado com meu pai! Mas tem algo me incomodando mais do que o rancor dele!

Estendo o envelope e ela abre mastigando.

— Foi isso o que Barbara me entregou! Ordem de despejo!

— Pensei que a casa de vocês era casa própria!


— E é. É por isso que estou tão encucado com isso! Vou procurar algum advogado pra saber mais
a respeito!

— Preço exorbitante... não precisa procurar por um! Chame a Lulu! Ela vai saber dizer sobre o que
é!

— Eles não estão aqui! Tiago disse que saíram, parece que ela, Mat, e seus pais! Foram passear!

— Passear???

— Sim! Conhecer algum vale que está nevando!

— Ah! Eu sei onde é! — ela continua lendo — Posso pagar isso! Eu tenho esse dinheiro! Parece que
se pagar, eles regularizam!

— Não.

Ela sorri.

— Foi o que pensei!

Ela se diverte, ganha um beijo meu, e me olha confusa, por isso me livro da bandeja.
O beijo se intensifica, aperto sua cintura, e ela para o beijo para me olhar nos olhos.

— Eu te amo mais do que posso dizer!

— Eu te amo mais do que deveria! Tô lutando pra que nada nos separe, mas eu... eu sinto que
tudo vai ruir de vez, a qualquer momento.

— É a gravidez. Você está muito sensível!

— Pode ser...

— É isso! Mas escuta, eu prometo que nunca vou te deixar, não importa o que aconteça! Você é
tudo pra mim, é tudo o que sempre desejei!

— Como seu pai está?

— Bem, na medida do possível! Mandei mensagem, estão voltando pro Rio!

— Confia em Jon??? Confia que ele manterá Fred longe?

— Confio! Senão não mandava meus pais para lá!


— Fred tem contatos, lá!

— Fred não nos fará mal! Te prometo! — ela concorda com a cabeça! — Eu sei que você vai se
irritar comigo, pelo menos eu acho, mas... me desculpa por hoje! Me perdoe pelo jeito que minha
mãe te trata! Perdão pela forma como você foi tratada lá em casa, aquela vez! Nunca quis te
fazer sofrer, desde aquele dia eu nem falo direito com minha mãe! Eu odiei aquilo, quase matei a
Brenda. Eu te amo! Nunca quis te fazer sofrer, muito pelo contrário! Só quero te ver sorrir, eu
preciso fazer você feliz, não é algo que eu possa escolher, é uma necessidade. Sei que ainda não
consegui, mas não vou desistir!!!

— Se não se afastar de mim para falar, eu nunca vou conseguir te levar a sério! Não prestei
atenção em uma palavra do que disse, só desejei essa boca gostosa! Tu sabia que eu tenho
adoração por isso aqui!? — ela tateia toda a base de meu pau e ri — É trajeto que não acaba
mais! Você é tão delicioso! — ela para epensa — Sabe que eu tô com vontade?! Grávida tem
disso...

— Receber nesse traseiro enorme e gostoso, aqui???

Dou risada ao passar a mão.

— Não! Tô com vontade de comer leite-moça! Meu Deus!!! Minha boca encheu d'água!!!

Ela ri.

— Ah! Vá pastar!!! — fico "puto" — Você tá de brincadeira comigo?! Tô aqui achando que era
vontade de mim! Vontade do seu neném...

Me levanto e ela esconde o rosto pra rir.

— Com morangos!!!

Ela grita com o som abafado quando eu bato a porta, fingindo estar bravo.

— Caraca! Desculpa!

Eu entro na cozinha de supetão e pego a bruxa entretida em um climão com Yan!


Não era bem um climão... não! Era um climão, sim!

Rubi estava sentada na mesa, e ele apoiado na bancada!


Ela com uma super cara de brava e ele sereno. O que estava acontecendo com aqueles dois?

— Por que se desculpa?

— Sei lá! Só por educação!


Eu falo e Yan diz que entende só com a sobrancelha. Parecia ser outro que não "via" Rubi, ou via
até demais, não sei... a bruxa estava toda aberta e relaxada com ele, não tinha ar de ironia, mas
também parecia aflita.

— O que ela quer???

Rubi pergunta descendo da mesa.

— Morangos e leite-moça!

Abro a geladeira, pego, e a vejo sorrindo.

— Essa noite será divertida, não é mesmo?!

Ela zomba, Yan revira os olhos e sai, parecendo dizer "desisto disso", enquanto ela ri.

— Você é muito sem noção!

— Você que é! Ela não está em fase de ter desejos! O bebê de vocês ainda é um grão de arroz!
Cat só quer uma trepada sacana contigo com gosto de salada de fruta!!!

— Então eu sou o cara mais sortudo do mundo!

— Ou ela é, né!? — ela se aproxima — Delegato...

— Se afasta ou vai levar um tiro na testa! — Cat resmunga.

— Ah! Espera só um pouquinho, ele tem um cheiro tão bom!!! — Catarina entra na cozinha, se
coloca do nosso lado, mas Rubi continua — Tão gostoso... você deve fazer direito!!! — ela encara
Catarina — Me emprestaria?!

— Sim, se ele quisesse... dividimos família, quartos, roupas minhas... por que não?! Só acho que ele
não ia querer, não! Você não faz o tipo dele!

— Não faço?!

Ela me olha e eu volto a cortar os morangos.

— Não. Foi mal! Você é bem bonita, mas, é um tiquinho desmiolada! De louca já basta minha vida!

As duas dão risada.

— Meu Deus!!! Eu tô não valendo nada!


— Yan te quer! Invista nele, pare de falar bobagem fora de hora!

— Yan nunca daria conta de mim!

— E por que não?!

Cat pergunta e Rubi se assusta com sua aceitação, mas logo se recompõe.

— Sou ninfomaníaca! — ela diz e eu engasgo — Não é qualquer homem que aguenta!

— Só vai saber se tentar! Pelos gritos que eu ouvia de madrugada, e os sorrisinhos de manhã, a
Laura era bem feliz com ele!!!

— Será?! Deixa eu ver se ele topa me mostrar!!!

Ela sai andando e Cat nega sorrindo.

— Eu disse que ia atrás do seu pai!

— Eu ouvi!

— Não vai me matar?

— Não! Se for para realmente fazer ele feliz, te apoio!

Cat fala, Rubi perde o tom de zombaria e as duas se abraçam. Rubi chora.

— Ele nunca vai esquecer as duas! É isso o que a gente vem conversando! O amor que sente pela
tua mãe, e o luto pela Laura! Nunca vai acontecer, mas eu agradeço por ter escutado isso de você!
Obrigada!

— Tudo bem! Eu te amo! — uma sorri pra a outra — Mas dá próxima vez que eu encontrar você
sondando meu marido, te jogo numa vala!

— Aí, quanto amor... tudo bem! Mas se mudar de ideia, ainda pode me chamar! Sempre quis
entender esse relacionamento dos "gêmeos". Deve ser uma delícia!!!

— Se manda!

Cat resmunga, Rubi sai rindo e ela volta a dar risada.

— Por que saiu da cama?

— Quero ficar perto de você! Não vejo a hora de... — ela surra em meu ouvido — ...Comer esse
leite-moça com morangos!

Fico duro, puxo ela para mim, beijo sua boca, e a chegada do seu pai me faz soltá-la,
imediatamente.

— Oi!

Ele fala e ela me dá um pequeno selinho.

— Te espero lá!

Ela ignora o pai, sai, e ele fica péssimo.

— Pensei que tinha conversado com ela...

— Não vou te defender! Conversamos sobre nós! Ficou todo mundo contra ela, você ficou contra
ela de novo, aceite as consequências!

— Ela ia matá-lo!

— Coisa que todo mundo aqui, faz ou fazia, principalmente por grana! Concordo com ela, se algo
acontecer com a gente, a culpa será de vocês!

— Você deve falar bem pouco sobre seu pai, não é mesmo?! Sobre culpa!!!

— Está falando o cara que trabalhava matando quem quer que fosse, e que matou meu primo a
queima-roupa, na covardia! Dezenas de mulheres, homens, e provavelmente inocentes, a mando da
Glenda de Manaus! Meu pai recebeu uma grana pra matar a mulher, coisa que a Catarina fazia
até pouco tempo atrás, Fred fazia! Vamos ser bem sinceros, aqui, tá todo mundo no mesmo barco,
sogrão!!! Só que meu pai precisa morrer, né!? Você não, Cat não, Miguel, Rubi... só meu pai! Me
poupe!

Eu pego a tigela com os morangos cortados, limpo minha bagunça, e ele fica puto.

— Quer recomeçar nossa guerra?! É isso?

Chupo os dedos e dou risada.

— Seu pai matou meu tio, e eu adoro seu pai! Depois do meu velho, é o cara que mais admiro!
Aprendi a gostar dele! Ele podia ter atirado só para derrubar, mas isso eu também "entendi"...
agora, lembra o que você fez quando eu ameacei prendê-lo??? Quase me matou! Agora por que
eu não posso tentar proteger o meu?! Homens podem ser mortos, porque são homens, ele estava
sequestrando dona Hella... blábláblá! Existe crime menor e crime maior, aqui?! Crime é crime, Tay!
Sua filha entrou na casa de um homem bom de coração e o matou enquanto ele bebia um vinho!
Dias mais tarde Manuela entrou em contato comigo para me dar mais informações... sabe quem
encontrou o corpo dele na sala de estar?! A filha mais nova e a esposa! Devo matar minha esposa
por isso? Tenha uma ótima noite!

— Quando fala do que ela fez vejo ódio em seu olhar! Odeia minha filha?

Eu me viro e vejo seus dois céus azuis virarem o mar vermelho.

— Não! Só odeio o que ela fez! Mas nada disso importa mais, agora ela é minha! Qualquer
problema que a gente tiver, resolvo com ela no particular! A gente se entende!

— Se algum dia você machucá-la...

— Não se esqueça que agora sua filha é casada, Catarina passou a ser assunto meu a partir do
momento que assassinou a comunhão! Foi um contrato de bens, tu também assassinou, passou
Catarina pro meu nome! Castro, a família que você e seu pai destruíram! E posso até tentar
machucá-la, mas não mais do que você já a machucou, desde pequena, nunca conseguirei superar
você! Pensa nisso!

Eu desabafo e saio de lá! Penso em voltar e pedir desculpas, mas já era tarde! Eu já tinha dito. Já
foi. Estava puto, nervoso, descontei nele.
Foda apontar o dedo pra minha família quando a dele era igual, ou pior!

— E os morangos, mulher???

Pergunto enquanto volto a me escorar na janela. Eu havia entregue o doce em suas mãos, mas ela
largou para se aproximar de mim. Eu só precisava pensar naquela conversa, em como ia ser daqui
pra frente. Eu adorava aquele filho da puta do pai dela. Fiz merda em jogar tudo aquilo na cara
dele. Me perguntava como seria nossa convivência depois de dar a entender que não perdoei
Catarina.
Mas eu perdoei, sim, perdoei meu neném, eu amo Catarina.

— Eu sei... tô tentando comer, mas você não me ajuda!!!

Ela mia, tiro os olhos da janela, ela se solta de minhas costas, e se ajoelha para se concentrar em
abrir meu zíper!

— O que você precisa?

— Abrir esse zíper e fazer esse pau de colher para comer meu doce!!! Ou como acompanhamento!

Ela geme quando meu pau pula pra fora da calça, chupa com vontade, me puxa pra cama, e faz
uma sujeira enorme com a misturinha de leite-moça com morango em mim. Chupava como nunca
antes.
— Era disso que tu tava com desejo???

Eu pergunto e ela nem tira a boca para responder, só balança a cabeça.


Ficamos assim até a misturinha deliciosa acabar, e até um pouco mais, saboreando um gosto muito
melhor: O dela!

Três meses depois

— É sério! É importante!!! Tô achando que agora vai!!!

Manuela continuava implorando para eu ir até Bonsoir. A boate. Estamos cuidando do caso durante
três meses, correndo e perseguindo os envolvidos nos esquemas de tráfico humano como gato e
rato. Os gringos eram super organizados! E nem era só isso... denúncias, mandados de buscas,
narcotráfico, fronteira, a mesma bagunça de sempre! Eu estava feliz, estava com minha
barrigudinha, meu trabalho, minha vida de casado... eu estava radiante!

— Tudo bem, mas você é boa, não precisa de mim, Manuela! Organiza uma busca! Preciso sair!!!

— Qual é?! Mais um ultrassom???

— Sim! Mais um! E como em todos os outros, nesse eu também irei. Vou pegar a Catarina em casa
e ir pra clínica!

— Precisamos pegar esses caras!!! Ultrassons ela ainda terá mais uns seis ou sete durante todo
esse ano! — ela faz cara feia quando pego minha mochila — William!!! Foi uma denúncia de uma
das garotas, tenho certeza! A menina parecia abatida demais!!! Tenho faro! São garotas
enganadas, iludidas, indefesas!!!

Respiro fundo!

— Eu vou e volto, tudo bem? Mas não vou deixar de ir nesse ultrassom! Não me ligue! Eu já volto!!!

Eu saio e deixo a bruta cobrindo o rosto com as mãos e tentando conter a raiva de mim. Parecia
que essa operação tinha virado algo pessoal demais pra ela. Manuela estava obcecada.
Eu também estava preocupado e querendo finalizar o caso "esperança", sim nomeei o caso dessa
forma, elas tinham esperanças de poderem voltar pra casa, e eu de poder ajudá-las, mas minha
família vem primeiro, depois delegacia! Eu continuava tentando fazer Catarina feliz, e nos últimos
meses parecia que estava conseguindo. Só esperava que continuasse assim.

Cat ainda se mantinha afastada da família devido ao último acontecimento, aceitei morar no
condomínio do seu pai, onde Max reforçou a segurança com amigos militares, o quarto de Theo já
estava montado todo do jeito que nós queríamos, e nossa vida estava bem, obrigada.
Claro que Catarina vira-e-mexe pensava em Fred, tentou por vezes fazer Matheo falar, mas nada
ele soltava. Max dizia que, até saber o que fazer com ele, ou até fazer Fred mudar de ideia com
relação a essa vingança, ele o manteria nas mãos de Jon. Outro que sofria com a distância da
sobrinha, mas Cat estava irredutível. Continuava dizendo que sentia que o pior estava por vir, e
quando dizia isso, colocava a mão na barriga. Aquilo me matava, esse sentimento ruim que ela
sentia me matava. Meu filho não tem culpa de nada, se Fred chegasse perto dele, eu mesmo o
mataria.

Entro com o carro na garagem

— Ei... como está a rainha mais linda, maravilhosa e gostosa do mundo???

Entro gritando largando a mochila e as chaves na porta lateral, e suspiro. Estava exausto, e o
conforto daquela casa enorme em nada ajudava. Só olhar e beijar sua boca gostosa me deixavam
bem! Era disso que eu precisava. Uma dose de minha barrigudinha mais linda do mundo.

Cat estava linda de "barrigão", ainda mais gostosa.


Nunca pensei que fazer amor com cuidado, era tão bom!

— Catarina Coverick Castro!!!

Entro de supetão e encontro o Zé Mané sentado em meu sofá.

— Ótima tarde! Cadê a Cat?

— Eu entrei como você faz lá em casa, mas assim que entrei, ela saiu! Subiu pro quarto e se
trancou!

— Hum... sinto muito?!

— Sente não! Mas foi bom, eu não vim para conversar com ela, e sim, com você!

— Eu não tenho tempo, fugi do trabalho porque temos um ultrassom! Tem que me ligar antes de vir
aqui! Eu trabalho!!!

Ofereço as minhas costas, precisava ver Catarina.

— Eu preciso que me ajude! Ela precisa voltar a falar comigo, voltar a ver a mãe!

— Me entregue o Fred! Me entregue o Fred e eu mudo isso!

— Ellen está mal!

Ele fala e eu vejo dor em seus olhos. Cat não pisava lá, e nem os atendiam​ desde que voltamos do
Sul. O chato sentia falta da filha e sofria ao ver minha sogra sofrendo.

— Ela tá perdendo toda essa fase de início de gravidez da Cat, toda mãe sonha com isso! Está
com febre, triste, e Dom tá pirando ao ver a mãe assim! Eu imploro se quiser!!!

— Tá. Tá! Iremos até lá, na volta da consulta!

— Passe em casa, leve Ellen junto!

— Vou ver!!! Vou lá!

Aponto pra escada e subo.


A pançudinha estava deitava na cama.

— Qual é?! Nem se arrumou???

Pergunto e beijo sua testa e a barriguinha linda.

— Se arrumar pra quê?

— Tem ultrassom hoje, Cat! Às quatro!

— Eita! Esqueci!!! Você não pode se lembrar dessas coisas, é você o homem da relação!

Ela ri.

— Tem certeza que sou eu? — agarro a princesa com delicadeza e chupo sua língua, só porque
sinto vontade — O que ele quer? Ainda está aí?

— Acho que já foi! Sua mãe está doente!!! Quer te ver! Pediu que a gente a levasse no ultrassom,
quer participar da sua gravidez, e sabe o que eu acho?! Que você devia ceder. Ela não tem culpa,
não tem envolvimento com nada disso! Ela, sua vó, Lulu, Nat... nenhuma delas tem e aposto que
estão loucas para te ver. Sei que você se sente sozinha, ficará bem mais feliz se maneirar, pelo
menos com elas!!!

— Vou pensar nisso...

— Mas vamos levar sua mãe junto! Tá bem?! Vai lá!!! Vai se trocar!

— Tá! — ela concorda depois de um beijo rápido — Ah! Tiago ligou, disse que vai te mandar
fotos. Está amando os Estados Unidos, me mandou várias fotos no Central Park, todo metido!

— Vou ligar pra ele!


— Liga e vê como ele tá gastando esse dinheiro!

Ela sai, eu me sento na cama, e o tema "dinheiro" volta a me incomodar... alguém havia pago a
dívida da casa — Lulu disse que foi falta de pagamento de impostos, e a notificação veio direto
da prefeitura — e salvaram meus pais. Agora quem foi, eu não sabia.
Pensei que podia ser Catarina, mas ela negou de pé junto, perguntei a Jon, Tay, Marcelo, todos
negaram... mas eu ainda ia descobrir quem foi para devolver o dinheiro e dar um bom sermão...

— Oi!

Ellen desce pra sala e tremia de medo da reação da filha.

— Meu pai disse que quer ir junto! Estamos atrasados!!!

Cat diz de uma vez, mas é delicada.


Ellen chora e concorda com a cabeça. Fica tão empolgada que não sabe nem aonde está a bolsa.

Tay parece satisfeito, e mais calmo, mas ainda assim, estava triste.

— Se você quiser pode ir também!

Eu digo e Cat desvia o olhar.

— Não, eu estou bem aqui! Podem ir!

— Eu quero ir também!!!

Dom ressurge das cinzas — eu quase não o vi no casamento, estava calado pelos cantos, e
nenhuma vez deu suas opiniões que tanto fazia questão de dar, sobre tudo... — e me assusta.

— Se vai, vamos logo! Tô atrasada!!!

Cat se adianta e sai. Pergunto uma última vez se ele queria ir junto, mas não quis. Queria que
Catarina pedisse, mas ia ser à toa. Cat ainda estava puta com todos eles, e aquela baixinha
irritada já era indomável, imagine com os hormônios lá em cima...

— Eu não pedi desculpas a você, por aquela noite no Sul. Insinuei que ainda tinha mágoas... que
não a perdoei, que ainda te odiava... — eu falo e ele confirma — Me desculpe. Tudo aquilo
passou faz muito tempo. Eu amo tua filha e amo tua família, não guardo mágoa de ninguém, muito
menos de você. Gosto de você!

— Fica em paz! Não se preocupe.


— Não vai dizer que gosta de mim também? — Pergunto rindo e ele diz não, mas ri dizendo ‘só
um pouco’ logo em seguida.

— Olha aí, mamãe e papai, o Theo continua saudável, forte e feliz!!!

A douta diz mostrando o rostinho na tela em 3D.

— Ele é lindo demais!!!

Eu sorrio, Cat e Ellen choram, e Dom dá risada.

— Sim, é! É o bebê mais lindo do mundo!!! Pegou o DNA da mãe!

— Se toca, Rubi já deixou claro que ele será minha cara! Vai fazer um sucesso com as garotas!!!

Dou risada, a doutora concorda em silêncio ao erguer a sobrancelha, e eu finjo que não noto!

— Eu te amo, amor!

— Também te amo, papai do ano!!!

Tento largar dela e demoro pra conseguir, mas quando consigo, Ellen agarra a filha e as duas não
se soltam mais.
As fotos do rostinho de Theo, impressas em ultrassom 3D, ganhará uma moldura, nosso primeiro
retrato dele, o primeiro de muitos!

— Aí, Vida! Olha para isso!!!

Ellen se empolga ao mostrar as fotos para Tay, que inicialmente estava escondendo o rosto com as
mãos e segurando o celular ao mesmo tempo. Sua cara não era nada boa.

— Ele é lindo!!!

Ele olha as fotos, Ellen chora de novo, e os dois se abraçam. Só de ver ela feliz, o chato já se sente
melhor e me agradece com o olhar.

— Vou fazer um café, eles vão ficar uns minutinhos...

— Eu te ajudo!!!

Cat vai com a mãe, Dom as segue, e ele continua me olhando com aqueles dois olhos grandes e
questionadores.
— Eu tenho uma coisa para dizer! Primeiro, preciso que não diga nada a Cat, para não preocupá-
la, e depois, tire ela daqui, diga que precisa ir para casa, quer ficar a sós com ela, sei lá...

— Fale de uma vez!

— Jon recebeu uma ligação! Fred fugiu de onde estava, no Sul... ele está solto!!!
PELO MENOS ELE SE DESPEDIU

— E então? Como está a vida de casada?

Minha mãe pergunta enquanto arruma a mesa da cozinha para seu café da tarde.

— Mais do que perfeito! William é um sonho, mãe! É romântico, doce, atencioso, só fala no filho!
Não vê a hora dele nascer! Se lembra das consultas, remédios, exames, lê sobre gestação, bebês,
todo esse universo... O bebê nem nasceu e ele já se sente pai, fico imaginando como será quando
Theo nascer!

Ela ri.

— Seu pai com o Dom era atencioso também, mas não chegava a tudo isso! Yan era assim comigo,
ele não... mas cada um é cada um, né?! Seu pai tem outros encantos, mas é aquele tipo de homem
tradicional, quase vomitou quando viu o parto do Dom. Passou até mal!

— William vai ser um pai extraordinário​! Tenho certeza!!!

— E você?

— Ah! Eu darei meu melhor, só não sei se darei conta! Tô com medo, sabe?! Tô com muito medo!

— É normal, filha! Também me senti assim, primeiro filho, é normal! E além do mais, você tem a nós,
tem o Will. Quando eu descobri que te esperava eu estava sozinha, só depois encontrei Yan! Com
você será diferente, vamos te ajudar! — eu concordo e ela sorri — Vai ver sua vó! Tá?! Se quiser
eu chamo ela até aqui, não precisa encarar seu Max, mas mesmo assim, pensa com carinho e faça
uma forcinha! Max é como seu bisavô, não chegou a conhecê-lo, mas é quase a mesma coisa, só
uma versão melhorada. Sabe da vida, sabe das coisas, mas tem uma cabeça um pouco fechada, é
muito turrão, mas te ama muito!!!

— Vou pensar, mãe! Prometo!!!


— Obrigada, mesmo!!! Pensa sim! Agora me fala, tá com vontade de comer alguma coisa???

— Não. Eu tô bem! Sem muitas vontades...

Eu respondo, e ela volta sua atenção para o café.

— O que você tem, hein?! Anda tão calado ultimamente!!!

Falo com Dom e ele revira os olhos.

— Seu pai está investigando, uma hora a gente acha! Anda muito quieto, sem piadinhas, celular o
dia todo!!! Uma hora a gente acha!!!

Minha mãe olha torto pra ele, que sai bufando, e eu dou risada. Dou risada, mas fico preocupada.
Dom parecia distante demais!

— Manda o Jon olhar o que ele está acessando! É perigoso, ele está em uma idade muito
complicada!!!

— É, seu pai já conversou com ele! Jon está de olho!

Ela fala, sorri, e coloca sobre a mesa um bolo, que parecia ser de cenoura com chocolate.

— Mãe...

Eu me aproximo falando baixo e ela logo entende.

— Nem me pergunte! Ninguém me falou onde ele está para eu não te contar! Eu não sei, Cat! E
nem te falaria, não vai se meter em roubada com esse barrigão!!!

— Eu mando um amigo, trago K. de novo! Não vou sair de casa, só me conte, mãe! Nunca
descobrirão que fui eu! — ela nega — Mãe, ando tendo pesadelos, não tenho paz. Eu vejo Fred
queimando o corpo de seu Francisco no meio da rua, eu perdendo o bebê, papai e Jon tentando
segurar William, meu sogro morto, William indo embora, me deixando, deixando a família... se algo
acontecer com seu Francisco, William nunca vai nos perdoar, vou perder meu marido, Fred não
pode matar seu Francisco!!!

— Jon garantiu que ele não vai, filha, e já se passou tanto tempo!!!

— Mas mãe, Fred nos conhece! Se passou tanto tempo, é porque ele sabe que tem que ser um
ótimo plano para me superar, quanto mais o tempo passa, mais essa barriga cresce e mais fico
vulnerável! Fred só está esperando eu ficar ainda mais vulnerável por causa do Theo. Ele vai agir,
ele nunca vai desistir de matá-lo, é o que ele mais anseia na vida, mãe! Tenho certeza! Mãe, se o
Fred conseguir pôr as mãos nele, William vai pirar! Fred fará sua justiça, mas eu vou perder o
homem que eu amo! Se coloca no meu lugar, pensa no meu pai. Pensa no que você faria se
corresse o risco de perder meu pai! William já está há muito tempo indo contra seus princípios por
amor à mim, por amor à nosso filho! Fred é da família e está sobe responsabilidade de Jon, se
Fred escapar, William voltará a nos odiar, já foi o Carlos, Júnior, já sabe que a gente odeia a mãe
dele, e agora seu Francisco, morto de forma cruel por ter feito algo que eu mesma faço por
dinheiro, papai já fez, Rubi, Miguel! Ele tem razão, seu Francisco merece um voto de confiança,
como William deu a mim, ao papai, ao vovô! Seu Francisco adorou conhecer o Max, ficou do lado
da família que assassinou o irmão dele, seu Francisco não precisa ir preso, e nem morrer!!! Vou
perder meu marido! Vou perder William!!!

— Shh... — ela me abraça quando eu entro em desespero — Tudo bem!!! Fica calma! Eu vou te
ajudar, eu vou sim! Mas eles realmente não me contaram! Só que eu tenho certeza que o vovô e a
Lulu sabem, então... vou dar um jeito, vou descobrir, mas agora fica calma, ficar nervosa assim faz
mal pro bebê! Se não ficar calma, não vou te ajudar, limpa esse rosto! Vou falar com teu pai e te
procuro!!!

— Tá bom!!!

— Isso, sorria! Vamos comer, aposto que esse bebê grande está faminto!

— Sim! Esta demais!!! Nós dois estamos! Me sinto com a pressão baixa quando estou com fome, com
você também foi assim???

Toco minha barriga com carinho e sinto amor. Tinha um ser precioso e puro dentro de mim.

— Foi sim, e também sentia dores quando ficava nervosa, como você e sua avó!!! É normal...

— Amor, vem! Vamos pra casa!

William entra na cozinha e fala com as mãos na cintura... parecia nervoso demais.

— Minha mãe vai fazer café, tô faminta!!!

Eu agarro seu pescoço e ele tenta sorrir.

— Tenho que voltar pra delegacia, tenho uma operação marcada. Preciso ficar um tempinho
contigo, eu faço um café pra gente, café pra uma princesa!!! — ele pisca para minha mãe — Sem
querer ofender, sogrinha, mas quero minha barrigudinha só pra mim, por agora!!!

— Ah! Tudo bem! Mas faça ela voltar!!!

— A partir de agora ela virá sempre! Aliás, quando eu for pra delegacia a deixarei aqui! Não
quero minha princesa sozinha!
Will ganha um beijo meu, piscadas amorosas de uma sogra boba, e eu a cumprimento com um
beijo!

— Não esquece!

Sussurro baixo em seu ouvido e ela balança ligeiramente a cabeça.

— O que foi? Vocês brigaram?

— Não!

— Me conta! O que aconteceu? Você está nervoso!

— Entra!

Ele toca minhas costas com delicadeza, mas seu gesto é quase grosseiro. William queria que eu
entrasse em casa antes de qualquer coisa.

— Para, me solta! Fala o que está havendo!

— Faça uma mala pequena, vou tirar você daqui!

— Não vou a lugar nenhum, tenho muita coisa pra fazer!!!

— O que? Crochê?

Ele pergunta e eu dou risada, nunca fiz crochê!

— Não brinca, eu nem sei o que é isso! Comprei tudo pronto!

— Cat... anda!!!

— Eu te amo!

— Eu também te amo!

— Não fizemos quatro meses de casados e você​ já está mentindo para mim!

— Mentir e omitir são duas coisas completamente diferentes!

— É o Fred, não é?! Ele fugiu! Me conta!


Theo tá protegido aqui dentro e vai ficar, não vou ficar mal! Me conta a verdade, o que foi que
meu pai te falou?
— Ele fugiu. Jon recebeu um telefonema e soube que ele escapou!

— Quem ligou???

— E isso importa?

— Importa, o esconderijo era no Sul, se ele tinha informante, tinha seguranças, se sobrou alguém
pra ligar, Fred deixou um vivo, ou recebeu ajuda! Não faz sentido! Como ele soube?

— Eu não sei!

— Jon soltou Fred!

— Não começa com isso de novo, Jon está com a gente!

— Jon não deixa escapar nada, Jon é o melhor, ele é inteligente demais, seu QI é de outro mundo!
Ele encontra pessoas sem nome e sem endereço, mapeia lugares e grava na cabeça qualquer
informação, nunca é pego de surpresa, e tem sempre uma carta na manga! Jon soltou o Fred!!! Não
soltou antes para não ficar tão óbvio! Jon devia isso a ele, é seu xodozinho porque é filho da
mulher que ele mais amou depois da minha tia, jamais manteria o filho dela preso por tanto tempo.
Jon é um traidor, eu avisei pra você! Seu pai vai morrer!!!

— Rubi garantiu a ele que ele vai ficar vivo!!!

Ele fala e eu penso.

— Rubi nega, mas ama Fred. Ainda ama. Deixou Millena dar com a língua nos dentes, quis dar isso
a Fred! Rubi mentiu. — eu o encaro tentando entender o porquê ele não pensava do mesmo jeito
que eu — Ah! Qual é, William! Pensa!!! Rubi sabe mentir, mas não consegue disfarçar e nem
controlar o que diz! Vai dizer que ela nunca deixou claro o desprezo que tem por sua família!? Ela
também odeia sua mãe!

— Odeia, sim! Mandou eles embora de lá! Quis deixar minha família vulnerável! Mas... não, não
pode ser!!!

— Não tá entendendo??? Estamos sozinhos!


Aposto que meu pai te mandou me tirar de lá!!! Para eu não ouvir nada e não saber de nada! Vão
se reunir, não é?!

— Achei que era preocupação por causa de suas dores.

— Vida!!! — MEU DEUS COMO ELE NÃO VIA??? — Tudo bem, me escuta! Esquece um pouco essa
gravidez, eu estou bem, pensa! Eles nos amam, eu sei que amam! Só que seu pai machucou um de
nós, e eles nunca deixam ninguém que prejudicou a família, passar batido! Vão matar teu pai,
William! Eu te avisei! Eu te avisei!!! Fred é bom, eu disse isso, mas Jon é melhor, sozinho Fred jamais
conseguiria sair, não sendo Jon o carrasco!!!

Eu falo e ele senta no sofá!

— Não vai adiantar eu mandar eles pra longe. Se Jon está ajudando Fred, ele vai descobrir onde
eles estão! Mas...

— Mas???

— Mas acho que eu posso atrasá-los, de algum jeito... com Fred sendo caçado, ele não poderá ir
atrás dele tão facilmente. Devo separar minha mãe, vou mandar ela voltar, e bom... ele espera que
ele fuja, então, não vou tirar meu pai do Rio, e vou mandar minha mãe pra cá! Compro uma
passagem no nome do meu pai pra algum lugar e... vou deixar ele com o Douglas!!!

Ele continua resmungando sobre o que ia fazer e meu telefone toca.


Era Rubi me chamando para ir até a casa do meu pai de novo, eles estavam lá!!! Foi por isso que
tive que sair às pressas, mas algo mudou.

— Quem...?

— Rubi, na casa do meu pai! Eu vou lá!

— Eu vou junto.

— Eu sei.

Só falo e corro. Minhas pernas doíam, eu me cansava muito fácil por causa do bebê, mas a
curiosidade me dava forças!

— A conversa é em particular!

Ela fala assim que vê William!


Estava meu pai, Matheo, Jon, Lulu, vovô, vó Hella, minha mãe, Marcelo, Nat, Miguel, e Dom.

— William fica! Qual o problema!?

— Fred fugiu!

Ela me "informa" e eu encaro Jon. Ele desvia o olhar e eu entendo tudo!

— Will, me dê um minuto!

Eu peço e ele para pra pensar, por isso olho em seus olhos, e imploro em silêncio.
— Só um minuto! Confia em mim!

Ele concorda contrariado só pra eu não ficar mais nervosa.

— Tudo bem! Estarei lá fora! — ele me beija — Te amo!

— Soltou ele, não foi?! — Eu coloco apenas um joelho no chão e encaro o caçador cheio de culpa.
— Confessa! Seja homem!!!

Eu falo baixo, não me altero, mas isso não evitou que Ana Luisa se doesse.

— Não fala assim com teu tio!

— Ele não é meu tio, não mais! É só mais uma pedra no meu caminho, uma das pessoas que estão
tentando foder com a minha vida só pra proteger o Fred e...

— Soltei!

Ele confessa no meio do meu discurso e meu coração se parte ao meio... eu fico sem chão!

— Como teve coragem???

— Seu Francisco matou uma mulher grávida! Pela idade, aparência, história... poderia ser você! Me
vi na obrigação de protegê-lo e ajudá-lo! Você está grávida, saber dessa história me deixou
revoltado, e você sabe que não só eu!!! O próprio Tiago quis vê-lo pagar!!! Eu não quero acabar
com teu casamento, quero te ver feliz, não quero que William saiba disso porque ele ficará mal,
talvez sobre para você, mas eu precisava ajudar Fred, dei três meses torturantes para algo
diferente acontecer, mas não rolou, Fred não merece ficar preso, Cat, ele não fez nada, ao
contrário do teu sogro! Eu quero dar essa vingança a ele! Quero que ele tenha a paz que tanto
buscou a vida toda! Ele merece isso, todos nós devemos isso a ele! E ele não está te odiando ou
querendo te fazer mal, Fred te ama, e te entende, entende sua posição, mas mais do que qualquer
outra coisa, ele quer a cabeça do teu sogro e não vai sossegar enquanto não ter!

— Eu odeio você com todas as minhas forças! — ele chora e eu não fico com peninha, eu estava
tomada por um ódio mortal — Nunca vou te perdoar pelo o que você fez! Nunca vou te perdoar!
Vou contar pro William, ele vai estampar o rosto de Fred em todos os sites de procurados do país,
e eu vou ajudá-lo a proteger meu sogro!

— Cat...

— Meu nome é Catarina. Por favor, não se aproxime mais de mim, nunca mais olhe para mim,
nunca mais dirija a palavra a mim! Você é quem devia morrer, seu traidor de merda!

— CALA ESSA BOCA!!!


Lulu levanta, grita e eu bufo, outra traíra.

— Eu calo! Mas assim que William descobrir tudo isso, e tudo isso acabar com a minha vida, eu vou
esmagar cada um que pisou no meu calo! E seu casamento será meu alvo número um! Vou destruir
o seu como o seu marido acabou com o meu. Eu não quero ver mais nenhum de vocês, nunca mais!!!
Entenderam bem? Nunca mais!

— Cat, seu Francisco vai ficar bem...

— Nem fala comigo sua falsa fingida!!! — Rubi tenta — Ajudou Fred... é uma pena não poder
matar você! Só brincou com meu pai, deixou Millena jogar a merda no ventilador, deixou o coitado
do seu Francisco achar que ficaria bem, quando você sabia que não! Mentiu pra um velho
marcado pra morrer, você é a mais medíocre de todos! Uma doente!!! Dizendo pelos quatros cantos
que só quer me proteger... seu problema é inveja! É por isso que nunca vai ser feliz, você é ruim,
você é a pior!

Eu desabafo chorando, causo dor não só a eles, mas também em mim, a dor na minha barriga
aumenta, e eu sinto o sangue escorrer pelas minhas pernas. Por isso, só pra ter certeza de toda
aquela desgraça, eu levanto o vestido que usava até o meio das coxas e vejo o líquido vermelho-
vivo chegando até quase o joelho!

— Oh! Meu Deus!!! WILLIAM!!! — Eu grito, sinto uns três pares de mãos, e gritos preocupados, mas
eu já não via nada na minha frente, grito tanto que minha garganta dói e rosno feito um animal —
NÃO ME TOQUEM!!! NINGUÉM ME TOCA!!!

— O quê???

Ele entra correndo e entra em pânico ao me ver como uma estátua no meio da sala, e com a mãe
cheia de sangue.

— Tô abortando... eu tô abortando o bebê... eu tô perdendo nosso bebê!

Era óbvio que Theo não estava aguentando ficar dentro de mim. Um ser tão puro como ele jamais
conseguiria ficar concentrado em tanto ódio e rancor.

— Shhh... não tá, não... não tá, não!!! Respira, vamos ao médico, tá tudo bem! Tudo bem! Tá tudo
bem...

William repete até acreditar, me coloca no carro do meu pai, que estava na porta, e eu sinto o
sangue vazar para todo o meu bumbum.
Eu não sabia como ia viver o restante de minha vida ao perder Theo. Meu filho. Fruto do amor
intenso que eu sentia por aquele homem.
Um pedacinho puro de mim, o único pedaço puro de mim...
Meu bebezinho.
Eu morreria. William nunca mais superaria. Passou cada dia daqueles três meses só desejando e
fazendo planos, como ia ser????

— Neném, respira fundo, tá legal? Estamos chegando!!! Estamos chegando...

William resmunga, mas eu não ouço nada direito.


Eu estava passando mal, me sentia tonta, e muito cansada. Meu coração estava acelerado, eu me
sentia como tivesse corrido uma maratona, com obstáculos, por três dias, sem descansar.
Eu não conseguia pensar em outra coisa que não fosse pré-eclâmpsia ou algo semelhante. Eu não
estava bem, nem eu e nem Theo. Eu sentia...

Não me lembro de como cheguei no hospital e nem como fui atendida, revejo flashes em minha
cabeça, a luz branca do hospital, minha ginecologista tocando meu rosto, alguém passando a
tesoura no meu vestido... pisquei os olhos e estava deitada na maca, com William segurando minha
mão, parecendo pensativo, longe... Dejavú.

Minha primeira reação é colocar a mão livre sobre minha barriga ainda "pequena".

— Ei... ele tá bem!!! Nosso filho está bem! — ele se assusta com meu movimento e me tranquiliza —
A doutora saiu faz pouco tempo, você estava muito fraca e com a pressão muito alta, está tudo
bem! Você rompeu um vaso, vai precisar de repouso, está com pressão alta e isso é perigoso pro
Theo! Vai precisar descansar a partir de agora, dessa vez obrigatoriamente, nada de passar
nervoso!

— Ele está bem??? Tá bem mesmo???

— Está! Está sim!!!

— Ah! Meu Deus! Graças à Deus!!! Achei que ia perder nosso bebê, jamais me perdoaria.

— Se acalma, não chora, não! Já passou, foi só um susto!!! Não se preocupe mais!!! Eu te amo, tudo
vai ficar bem!

— Me desculpe por isso! Sei que pra você deve ter sido muito assustador. Me perdoa! Não devia
ter ido lá!!! Não devia...

— Descansa, amor! Está tudo bem! Tudo bem!!! — William me beija e eu agarro seu pescoço, seu
abraço me faz mais do que bem — Está todo mundo aí fora! Todos eles! Estão morrendo de
preocupação contigo! Só Jon que não, Lulu disse que depois que a gente saiu, ele saiu, deixou ela
lá, ele desapareceu! Você o magoou? Ele brigou com você? Esquece, que idiota eu sou, não fala
nada agora! Não fala nada, só descansa! Tudo vai ficar bem!!!

Ele afirma, mas sei que só queria me tranquilizar.


— Eu estava certa, o tempo todo, como eu te disse! — eu olho pra ele e ele só aguarda eu falar
— Jon o soltou, com o apoio da família toda! Eles estão do lado do Fred, eu sinto muito!!!

Eu falo, vejo a decepção estampada em seu rosto, e espero pelo pior!

— Tudo bem! Eles estão fazendo o que eu faria! — ele disfarça a tristeza e sorri — Você está me
protegendo, e eles protegendo o Fred! Vou encontrá-lo! Vou proteger meu pai, e prender o Fred,
mas eu não posso te deixar sozinha!

— Vou pra instituição, dona May cuidará de mim! Lá eu me sinto confortável, e tem as crianças pra
me mimar!!! Vai poder trabalhar tranquilo!

— Tá! Vou ligar pra minha mãe, e pedir pra ela ficar em casa, tudo bem?

— Tudo bem! — eu concordo e me sinto péssima — Só me prometa, William, não desiste de mim!
Não me deixa... eu sei que eu sou um caos, mas amo você! Eu sou maluca por você!

— É, bem maluca! — ele beija minha mão e parece não querer pensar em nada — Fica tranquila!
Tá tudo bem!

Ele me parece estranho, me beija de leve e volta a segurar minha mão.

— Só tenho uma notícia chata... — William diz de repente, se debruçando em mim, e pela sua
cara, sei que de sério não tem nada — ...Nada de trepadas barulhentas e grosseiras do jeitinho
que a minha neném gosta, nem tão cedo!!! Tô fudido!

Sorrio pra ele, e ele ri que nem besta.

— Você é o cara mais bobo que conheço!

— Sou bobo por desejar tanto minha esposa??? E por saber que se precisar, vou ficar na seca por
quase um ano!?

— Não se preocupe, eu ainda tenho minhas mãos e minha boca! Quando eu disse que ia te fazer o
homem mais feliz do mundo, era real! — ele ama ouvir isso — Que horas são?

— Quatro horas!

Ele responde e eu encaro o teto. Eu sabia que ele precisava ir trabalhar, cuidar de tudo, mas
estava empatando sua vida, como sempre.

— Vida! Eu preciso deixar seus pais entrarem!!!

— Eu não quero ver ninguém. Não quero falar com eles! Vou brigar com eles de novo, vou me
sentir mal, não quero! Só quero ficar quieta!!!

— Mas eu preciso ver o que vou fazer com meu pai, com minha mãe, agora você está bem, preciso
ajudar eles! Você entende? — balanço a cabeça — Não vou te deixar sozinha por muito tempo,
tua mãe estará contigo, mas agora que você está melhor, preciso de alguns minutos no telefone!!!

— Tá! Tudo bem!!!

— Olha aqui, não fique nervosa! Antes de qualquer crise, antes de meu pai, antes de qualquer
coisa, são sua família e te amam muito! Temos nossas diferenças, e como toda família, temos os
nossos conflitos. Ninguém odeia você, ninguém quer tua infelicidade, só querem fazer algo por
Fred! Tá legal?! Ninguém vai conseguir me separar de ti, ninguém! Eu sou louco por você também!!!
Então não brigue com eles, mesmo se tentarem, quem quer que seja, jamais vão me afastar de ti,
ou acabar com nosso casamento!!!

— Você está levando tudo isso de forma muito fácil. Fácil demais pra ser verdade!

— Eu vou retaliar, não vou mentir! Vou complicar a vida do Jon, e acabar com a raça de Fred, mas
fica tranquila! — ele ri — Para de se preocupar e cuide do Theo! Eu só serei feliz se você for, e eu
sei que nosso filho terá culpa nisso, então, cuide do nosso filho! Eu já volto!

Ele sai, e menos de dois minutos depois, meu pais, Dom e Rubi, entram no quarto. Deveria ser pelo
menos de dois em dois.

— Como você está?

É meu pai quem pergunta.

— Eu tô bem, claro que não graças a vocês, mas Theo é forte como o pai!

— Você é mais forte que ele. Que todos!

— Não, não! William está segurando bem as pontas só pra eu não pirar. Ele já está no limite há
muito tempo! Vocês podem ir, ficarei bem, preciso de paz.

— Queremos ficar com você! Para de ser ignorante e deixa a gente ficar! Tá todo mundo
preocupado...

— Dom! — Meu pai chama a sua atenção e ele sai — A gente já está de saída! Vamos te dar a
paz que você tanto quer! Só queríamos te ver!!!

— Acho que já viram...

— Eu não traí você! — Rubi se debruça na borda da maca — Não enganei Yan, não menti para
seu Francisco, e nunca planejei nada pelas suas costas! Quis sim, que Fred soubesse pelo menos
quem era o homem, mas jamais colocaria a vida de qualquer pessoa em risco para isso, pelo
menos não seu Francisco, que mudou de coração e se arrependeu! Paula só emana luz para a vida
dele, ela o perdoou de coração. Eu falei que ele ficará bem, e ele vai ficar! Seu Francisco não é
meu amigo, não é próximo de mim, e eu prefiro Fred, é verdade, mas acima de tudo, eu estou DO
TEU lado, do teu! Jon nada combinou comigo, Jon tem seus próprios planos e você sabe disso, ele
não se abre comigo e nem com ninguém, só com o vovô e com a Lulu! Ele tem um carinho por Fred,
mas me consultou antes de fazer o que fez! Jon ama você! Acredite você ou não, eu não sou sua
favorita, você que é. — ela sorri — Nós dois priorizamos a sua segurança acima de qualquer
coisa, Jon sabe o que está fazendo, nunca quis te machucar! Eu te amo!!! Vim para essa família não
para roubar tudo de você, te trair, ou invejar o que tem ou o que é! Eu nasci para proteger você,
ser fiel a você, e te amar incondicionalmente. Somos mais do que irmãs de alma, então confia em
mim! Tudo-vai-ficar-bem! Nada será fácil, mas tudo vai ficar bem com seu Francisco! Eu quero ver
Fred bem, não desejo o mal do seu sogro, e quero te ver feliz. Eu não sei de tudo, e tudo o que
aparece para mim, são apenas sensações... mas de uma coisa eu tenho certeza, eu estarei do teu
lado enquanto eu viver, e até depois!!! — Rubi beija minha testa e limpa minhas lágrimas — Ah! E
eu sei que parece, eu sei, mas eu não vou ser infeliz! Eu vou ser muito feliz, muito amada, e muito
bem cuidada por um homem incrível! Não se preocupe comigo, e mesmo se não fosse dessa forma,
para mim já seria o suficiente ver VOCÊ feliz! Eu tenho as crianças da Jade, uns mil gatos, meus
venenos, minhas ervas, eu daria um jeito...

Ela fala, ri, e só depois notei que estava os dois chorando, não só eu!

— Me desculpe! Tá bem!? Eu sinto muito por tudo isso!

— Eu sei que sente! Você está passando por muita coisa estando mais sensível do que nunca! Você
não tem noção do quanto a gravidez mexe com seu corpo e com seu psicológico. Sei que se sente
vulnerável e sozinha! Mas saiba, a gente ama você mais do que tudo, e amamos Fred mais do que
tudo. Ele é da família! Se você soubesse como o Fred está... não está fácil para ele! Ele precisa
muito de nós! De algum jeito eu sei que ele soube que você está aqui, e está pirando de
preocupação, porque sabe que tudo o que está acontecendo contigo, é por causa dessa obsessão
dele em encontrar seu Francisco! Nós amamos você! Eu prometo que seu final feliz será o final mais
lindo do mundo! Eu juro!

— Obrigada! Me perdoa! E me perdoa se de novo eu falar mais alguma asneira!

Eu aceito seu discurso sentido porque soube que era verdade na hora em que começou a falar.

— Tá perdoada daqui até o fim!

— E quanto a nós?!

Minha mãe pergunta e eu morro de dó!


— Está tudo bem, mãe!

Eu tento deixá-la tranquila, mas só funciona quando eu correspondo ao seu abraço.

Eu não estava bem, William não estava bem, todos estavam tensos com a situação de Fred, e
esperando o pior, mas todos, inclusive eu, queríamos que tudo ficasse em paz, nem que fosse por
pelo menos cinco minutos.

— Tua tia quer entrar! Ana Luisa! — Ela fala e eu respiro fundo! — Mas só se ficar confortável!

— Acho que já chega de visitas, tô muito cansada! Tô exausta. Ela vai querer ficar defendendo o
Jon, e... Jon para mim é um assunto muito mais complexo! Ele partiu meu coração, amassou com as
próprias mãos, e não é a primeira vez! Tô muito cansada, preciso de um tempo!

— Tudo bem! Vamos deixar você, mas vamos ficar aqui fora, enquanto o William estiver
trabalhando!

— Tá!

Eu afirmo e os passos marcados pelos saltos altos de minha ginecologista nos chama a atenção.

— Como se sente, Cat?

— Eu tô exausta! Como está o bebê???

— Bom... Nas primeiras semanas, é normal acontecer um pequeno sangramento, o que no teu caso,
foi um pouco mais além, devido sua deficiência. Pode significar apenas a acomodação do saco
gestacional, ou um vaso rompido. Na verdade, o que ocorre é que, quando ele se implanta na
parede do útero, as chances de algum vaso sanguíneo se romper, são bem grandes, não é raro!

É assustador para as mamães que temem um aborto, mas nem sempre é motivo para histeria, no
primeiro trimestre da gravidez é comum! Você já estava pré-disposta e sua pressão arterial tão
elevada só piorou tudo! O Theo está muito bem, agora, mas a pressão dele também estava acima
do esperado por causa de seu estado. É de extrema importância que você fique de repouso, se
cuide, continue com as vitaminas dele e as tuas, e evite estresse ao modo máximo! Não foi nada
dessa vez, mas uma pressão tão alta como a tua estava, foi por pouco! O Theo já está formadinho,
até seus rins já funcionam, ele sente o que você sente, e o sistema nervoso dele responde ao seu! É
comprovado que ele se sente bem quando você está feliz, que ele se sente triste quando você se
sente triste, enfim... tem que se cuidar para levar essa gestação adiante!!! Entendeu?

— Eu entendi. Entendi!

Respondo, me sentindo um lixo e ela sorri.


— Que tal viajar!? Vamos fugir um pouco! Você vai ficar longe da nossa bagunça!

Minha mãe quem dá a sugestão.

— Não vou ficar longe do William e ele não pode largar o trabalho e eu ficarei bem com ele!
Melhor do que qualquer outro lugar!

(...)

— Pronto... isso... como se sente???

— Faminta!

Respondo sinceramente e ele ri. Óbvio.

— Vou fazer algo pra você comer!!!

William me ajuda a me deitar, Dom se joga em meus pés, minha mãe ao meu lado, meu pai
silencioso na janela, e meu caos interno quase saindo para fora. Eu desejava demais ficar sozinha.

— Vocês podem voltar pra casa, para seus afazeres! William vai me deixar na dona May e vai
trabalhar, eu ficarei bem!!!

— Só que sua mãe sou eu! Quando é que você vai aceitar isso?

— Quando você parar de ser tão chata! Que tal?

— Não comecem! Respire fundo que Jon tá vindo! Ele e tua tia!

Meu pai fala e eu sinto meus nódulos da garganta doerem. Meu Deus!

Quando ele entra no quarto, todo mundo sai.

— Eu quero te pedir perdão, sei que fui eu quem provocou​ tudo isso!

— Mas eu não vou te pedir perdão pelo o que disse! Senta aqui! — peço logo, estava cansada
dele e sem forças para odiá-lo mais, e arriscar prejudicar o meu bebê por causa de tanto nervoso
— O que você quer de mim?

— Quero tua confiança, sem questionar, sem desconfiar, porque eu te amo! Nunca faria nada para
te prejudicar, precisa acreditar nisso!

— Tudo bem! Tá bom!


Ele nem acredita que ouviu aquilo!

— Como é!?

— Tá bom! Tudo bem! Não sei o que te dizer! Você soltou Fred, William não diz, mas está puto com
você, não consigo te dizer algo diferente.
O que eu vou fazer se Fred matar o pai dele? Fala pra mim! É o pai dele, culpado ou não! O que
eu vou fazer? Como vai ser!?

— Eu não tenho uma solução para isso, não sei o que te dizer! Fred vai pegá-lo!

— É, vai! Ele vai! E eu não consigo nem me levantar para protegê-lo! Não sei o que fazer!

— O jeito pode ser mantê-lo longe e deixar Fred procurando ele até cansar, mas...

— ...Mas você quer que seu Francisco pague por isso, quer que Fred consiga a vingança dele! Já
disse isso!

— Me perdoa, por favor!

Jon apoia a cabeça nas mãos, os cotovelos nas pernas, e eu concordo com a cabeça sem que ele
possa ver.

— Seja o que Deus quiser!

Eu falo pro universo e Will entra com uma bandeja.

— Aqui... — ele nem olha pro Jon, deposita a bandeja no meu colo, e sorri pra mim, como se
estivesse tudo bem, aquilo acaba comigo — ...Vê se come tudo! Vai ficar com sua mãe mesmo ou
vai querer que eu te leve?

— Ela já deu crise de ciúmes, vou ficar com ela!

— Está bem, então já vou! Tá?! Tenho trabalho a fazer, sabe disso! Por mim, tiraria o dia pra você,
mas tem meu pai, tem a operação, logo estarei de volta, não demoro! Se tiver mais algum...
problema... eu volto na hora! Me liga! Te amo muito!

— Também te amo! Tem uma coisa pra ti naquela porta secreta do armário! — sorrio — Pega lá,
antes de ir!!!

Eu falo das frutas que fiz a alguns dias atrás, sem que ele visse, era só o que eu sabia fazer de
diferente, e não tive tempo de aprender a fazer nada, mas William parecia muito satisfeito só com
elas e meu amor.
— Amo surpresas, — ele ri — pego sim! Se cuida!

Ele diz, me dá um beijo casto, e se vira.


É nessa hora que o telefone fixo ao lado toca, me assusta e fico tensa. Era esperado. Todos ali, só
esperava notícias ruins.
Como não consigo me esticar, Will dá meia-volta e atende pra mim.

— Coloca no viva-voz!!!

— Coloco, Cat! Fica calma! Relaxa!!!

William pede, concordo respirando fundo, e a voz de seu Francisco adentra o recinto.

— Filho?!

— Oi, pai! Tudo bem? Fez o que combinamos? Mamãe está a caminho?

— Está sim! Tá tudo bem, escuta... filho! Eu te amo! Entendeu?! Eu amo você! Peça a Cat perdão por
tudo, eu não queria causar problemas! E... tu me perdoa também, tá legal, filho?! Fiz uma coisa
horrível, tenho consciência, nunca te contei por vergonha, — uma lágrima densa escorre pelo olho
esquerdo de meu delegado, e ele se apoia na parede para ouvir tudo o que o pai queria dizer
— tenho muita vergonha do que fiz, sei que Deus nunca vai me perdoar, e não deve mesmo,
entendeu, William? Só que eu tenho muito orgulho de você! Muito orgulho! Você tem honra, nunca
matou uma pessoa, nunca seria capaz de machucar ninguém, tem caráter, tem amor no coração! Eu
tenho muito orgulho de ti! E eu amo a Cat! Ela é boa pessoa, amo meu neto, nem o conheço, mas já
amo meu neto! Vocês são muito importantespara mim! Entendeu? Vou sumir de vista por um tempo...

— Vai pra onde, pai? Aonde você tá? Se estiver em perigo só diga 'sim', vou rastrear a ligação!

— Não, não, não, não faça nada! Eu tô bem, vou ficar bem, só liguei para dizer para não me
procurar, não, filho, tá bem? Cuida da Cat, do Theo, cuida da sua família, sua mãe já, já chega aí,
tenha paciência com ela, a doida te ama! Diga a ela também, que eu ficarei bem, eu amo ela! É
difícil de lidar, mas também não deseja mal para ninguém não, é manteiga derretida, chora
quando briga contigo! Ela vai aprender a amar a Cat quando a conhecer! Não se preocupe!

— O senhor está se despedindo! Pai, me fala, você está com ele?

— Olha, eu vou ficar bem, se cuida! Eu amo muito você! Amo mais do que tu imagina! Se eu
pudesse voltar no tempo, faria tudo diferente, mas já foi! Eu tô em paz, filho, fica em paz também!

— Pai...

— Eu te amo, William, não esqueça disso! Diga ao Tiago que peço perdão, meu caçula, também tô
muito orgulhoso do homem que ele se tornou, não graças à mim, mas ao irmão mais velho! Eu amo
vocês! Fiquem com Deus!

Seu Francisco desliga, eu não aguento segurar a barra, choro, e William sai do quarto sem olhar
pra trás.
QUEM ESTÁ EM PAZ?

Desisto de sugar Pedro, e sigo para a sala de casos pra ver como anda a minha investigação
pessoal.
— Fez o que pedi?
— Fiz. — Manuela diz e aperta o botão do aparelho de escuta da sala de casos. Ela tinha
mobilizado todos os seus técnicos — Escute por si mesmo!
"...Ouça doutora, eu já falei com meu filho! Pelo amor de Deus, faça ele parar de me procurar,
entendeu? Eu tô bem, se ele não parar eu posso ficar mal, posso me prejudicar! Só tô dando um
tempo longe! Não quero ninguém atrás de mim! Eu tô tranquilo, tô em paz, diz isso pra ele, tô em
paz!!!..."
Ela aperta de novo o botão, e eu me jogo na cadeira.
— Fred está com ele...
— Está com ele e não te quer atrás dos dois! - um técnico diz - Escute de novo, senhor...
Ele fala, aperta alguns botões e aumenta as proporções do áudio no máximo que podia.
"...Eu tô tranquilo, tô em paz, diz isso pra ele, tô em paz!!!... Pronto, chega!"
"...Pronto, chega!"
"...Pronta, chega!"
Fred fala bem baixinho no fim do áudio!
— O cara estava longe, falou baixo, mas essa parafernália aqui, serve pra captar ruídos mínimos.
O franco-atirador estava do lado dele, é esperto. Deixar você tranquilo e achar que seu pai está
bem, é uma jogada inteligente!
O agente diz e eu concordo.
-— Conseguiu rastrear?
— Não, mas sabemos o porquê, onde ele está tem bloqueadores próprios para isso. O cara sabe
o que está fazendo!
— Só tenho uma opinião, se ele quisesse matar seu pai, já tinha matado.
Manuela dá um palpite sem saber do que estava dizendo.
— Não. Ele não quer só matar meu pai, quer torturá-lo. Quer matá-lo aos poucos e principalmente
não ser encontrado. Queimar seu corpo, arrancar seus olhos com ele ainda vivo, jogar seus restos
mortais em uma lixeira...
Sinto um frio na espinha ao me lembrar de suas palavras.
"...Eu vou matar você com extrema lentidão. Vou arrancar seus olhos, e te queimar vivo! Depois disso
vou jogar seus restos mortais em uma lixeira qualquer..."
— Meu Deus! O que quer fazer?
— Ligue pra Tiago.
— Não acho que seja legal o menino saber! Deixe ele no escuro. É muito sofrimento. Ele está em
paz, deixe ele em paz.
— ...Paz? — paz... Meu pai não para de falar nisso! Por que tanta "paz"? Nunca que isso seria
verdade, se tinha uma coisa que ninguém estava, era em paz. — Coloca a gravação de novo, por
favor!
"...Escuta doutora, eu já falei com meu filho! Pelo amor de Deus, faça ele parar de procurar, entendeu?
Eu tô bem, se ele não parar eu posso ficar mal, posso me prejudicar! Só tô dando um tempo longe!
Não quero ninguém atrás de mim! Eu tô tranquilo, tô em paz, diz isso pra ele, tô em paz!!!..."
— ...Diz isso pra ele, tô em paz!...
Repito e me sinto um otário. Meu pai só falava nisso, nas duas ligações.
Pego o celular e ligo para minha mãe.
— Mãe?
— Oi, filho.
— Está chegando?
— Acabei de desembarcar. Já ia te ligar. Para onde devo ir? Seu pai me mandou te ligar, talvez eu
devesse ficar em um hotel, não aborrecer Catarina...
— Vou te mandar o endereço por mensagem, tu mostra para o taxista, e eu te pego aqui, pago a
corrida aqui! Escuta, se lembra de quando o pai levava a gente naquele morro onde o Tiago
soltava pipa!? Ele dizia que gostava de ir até lá para ter paz, não era!? Mas não era na vila, eu
me lembro que até ônibus a gente pegava, eu era tão pequeno...
— Ah! William, seu pai ia pra lá literalmente pra ter paz, paz de mim! Nunca me levou, só levava
vocês, só me lembro que era perto do Meyer. Lá não é mais o barranco, são ruínas do que um dia foi
um parque. Pelo menos a prefeitura tentou, foi totalmente depredada pelos drogados. Passou no jornal
nacional dia desses! Por que? Está tudo bem?
— Está, me lembrei! Vou te mandar a mensagem, não demora!
Falo e desligo!
A voz dela estava péssima!
— Liga pro Douglas, doutora! Passa a ligação pra minha sala!
— Claro!
Ela responde parecendo cansada, e eu saio.
Assim que abro a porta do escritório dou de cara com a filha da puta desgraçada.
— Tá fazendo o quê aqui? Esqueci de proibir sua entrada!!!
— Acabei de chegar viagem. Vim em nome da paz, com uma informação preciosa, e um acordo.
— Se não sair, usarei força bruta. Vou te socar daqui até lá fora!
Me aproximo dela e ela sorri levantando as mãos.
— Deveria ter processado a vadia por agressão e não fiz isso, dessa vez não deixarei nada
passar. Se tocar em mim, acabo com você, e entrego tudo o que sei sobre ela e sobre sua nova
família, pra justiça. Procuro jornais, revistas, TVs. Tudo!
— Foda-se. Some da minha sala.
Abro a porta e ela ri.
— Sei onde seu pai está! — Fecho a porta e ela se sente a mulher mais feliz do mundo —
Combinei com Tiago de ir ajudá-lo, mas assim que cheguei no sul, Fred tinha desaparecido. Não
tive muito tempo. Nós nos encontramos depois que eu liguei pra ele, conversamos bastante, enfim...
Apesar de achar que seu pai merecia uma lição por preferir a princesinha alemã dele, eu não
guardo mágoas. Fred vai torturar seu pai, tipo, muito! Vai judiar bastante do ex-bandido assassino
de mulheres grávidas. Que papelão seu pai, hein!? — ela zomba e eu aperto seu pescoço com
bastante (mas não o suficiente) força — Quer saber onde ele está ou não?
Ela termina com a voz sufocada. Eu queria matá-la.
— O que você quer, desgraçada!!!
Solto o carma em forma de pessoa e ela ri massageando o pescoço.
— Lavei muita roupa suja sua, literalmente. Quero respeito, não quero mais ser tratada como um
nada, como um lixo, eu sei do meu valor. Engoli muito, mas muito sapo com você, pra ser trocada
assim, de um dia pro outro como se fosse nada!
— Esse mimimi de novo. Que preguiça! Tu não cansa, não!? Tá pior que Brenda! Fala de uma vez!
— Tu vai engolir tudo o que me disse, toda a humilhação que me fez passar desde quando
conheceu essa nojenta e vai me mimar pelo resto da noite! Vamos conversar em um jantar, estou
faminta! Te espero lá fora!
— Não vou sair com você!
— Ok.
Ela pega o telefone e coloca um vídeo pra rodar.
— Me encontrei com ele, mas fui com o celular no bolso e câmera ligada, precisava te dar um
presente antes de me mudar para os Estados Unidos! Fui até lá para me despedir de nossa família.
Se lembra, não é!? Temos uma família em comum...
Ela vai falando e eu ouço um áudio baixo onde Fred tentava se livrar da presença dela ali, e meu
pai jogado no chão com a boca amordaçada.
— Você é doente, Barbara. Eu devia ter escutado minha mulher, devia ter te matado quando tive
chance!
— Sou contra o que ele está fazendo, sou totalmente contra a violência, e vou te dizer tudo sei pra
te ajudar, mas somente se fizer o que eu quero, e eu quero um jantar maravilhoso. Vou te dar uns
minutos, lá fora!
Ela fala, sai, e eu espero ela fechar a porta pra chorar de agonia. Meu pai...
meu Deus!
— O que a louca fazia aqui!?
Manuela entra logo em seguida e eu tento ignorá-la.
Ligo para Douglas e ele me dá péssimas notícias.
— E então!? Fala logo, achou meu pai?
— Olha brother, não encontrei, mas vou! Tenho esperança! Vou continuar procurando, irmão, fica
em paz! Levantei a quebrada toda, o Fred vai morrer pelas minhas mãos!!!
Ele fala, passo o endereço do local que eu me lembrava, e deixo claro que logo, logo arrancaria
algo de Barbara. Jamais me perdoaria se algo acontecesse com meu pai, eu tentaria qualquer
coisa, por ele.
— Ela esteve com Fred! Filmou meu pai amordaçado, se encontrou com ele e eu estou nas mãos
dela. Tô acabado.
— Ótimo, podemos prendê-la por ser a cúmplice.
— Não. Ela sabe demais sobre nós! Não podemos arriscar. Não podemos arriscar, e eu preciso ter
pelo menos uma única chance de encontrar meu pai, se nada der certo, irei até o Rio! Não aguento
mais! Tô muito cansado, preciso achar meu pai!
Eu desabafo e meu celular toca, sem olhar eu já sabia que era Catarina.
— Oi!
— Tudo bem? Como está?
— Estou indo. Eu não sou importante, quero saber de você. E você? Tá tudo bem?
— Eu também não sou lá aquelas coisas, Theo está bem quietinho aqui, está tudo bem com ele.
— Isso é bom.
— Pensei em dar uma passada aí, você saiu daqui tão triste, eu sei como se sente...
— Não, você não sabe. Não venha aqui, precisa ficar de repouso, não saia da cama! Recebi
algumas notícias do meu pai, ele realmente está com Fred, preciso tentar, entendeu!? Preciso ajudar
meu pai, preciso fazer alguma coisa. Mas só conseguirei se eu estiver tranquilo e para isso
acontecer preciso ter certeza que ficará bem, em casa, de repouso!
— Posso tentar obrigar o Jon a te ajudar...
— Cat, ninguém da sua família vai me ajudar com isso. O próprio Jonatas o entregou sem culpa.
Não tem ninguém aí do meu lado, tô sozinho nessa. Não peça nada a ninguém.
— Eu briguei com todos eles pra ficar do teu lado, tem certeza que está sozinho?
— Eu não vou discutir com você, você não é burra, entendeu o que eu quis dizer.
— Bom, como eu suspeitava você está bastante bravo e chateado. Ninguém além de você sente
mais do que eu! Tentei por vezes evitar isso, tentei matar meu melhor amigo pra não te ver desse
jeito, mas tudo bem, não sou mesmo uma burra! Eu entendi muito bem o que você quis dizer. Espero
que você encontre seu pai, que ele esteja sã e salvo, e que tudo fique bem no final! Boa noite,
William.
Ela desabafa magoada e desliga.
— Que ótimo! Desligou na minha cara. Ela tá puta.
— Você foi grosseiro.
— Vi meu pai amordaçado no chão de um lugar horrível e não posso estrangular Barbara. Sim,
estou grosseiro!
Jogo o celular longe e tento me lembrar de como voltar a respirar.
Como ela não entendia que não era um bom momento, principalmente um bom momento para
brigar comigo???
Peço a Manuela para receber minha mãe na delegacia e pego casaco do cabide. Ao sair lá fora
encontro com a vadia encostada no meu carro. Entro pelo lado do motorista e Bárbara no carona.
Aquela sensação de estar sendo seguido era intensa, óbvio, quase ridícula de tão certa.
Engulo um milhão de sapos durante o tal jantar, escuto seus desabafos amargurados, irônicos,
desdenhado, e com ar de superioridade, e descubro que meu pai esteve em um local recentemente.
A informação da Bárbara fora inútil, óbvio! Com certeza sabia que assim que me contasse e me
alugasse no restaurante, Fred já teria se mandado. Eu fui um idiota, um idiota com um pouco de
esperança. Tive que ficar olhando para a cara daquela mulher durante uma hora e segurar o
estômago revirado e não vomitar na cara dela.
Eu estava cheio. Eu estava de saco cheio.
Volto pra delegacia, mando minha mãe para meu antigo apartamento, e anoto mentalmente que no
dia seguinte, bem cedo, eu deveria procurá-la e também ligar para Tiago. Os dois precisavam
saber de tudo.
— Não posso ir pro Rio. Ainda temos o Esperança para finalizar, e eu tô sem esperança nenhuma
de fechar caso nenhum!
— Bom, eu não sei se já te disse, mas encontrei um contato seguro lá dentro, uma das garotas! É
mais seguro que você entre em contato, e se encontre com ela como se fosse pagar pelo
programa! Mas depois falamos disso. Estampei a cara de Fred e do seu pai nos aeroportos de
todo o país, e deixei toda a militar carioca em estado de alerta! Tenta se acalmar.
— Meu pai vai ser torturado. Não vamos encontrá-lo vivo... Fred falou quando descobriu que era
ele. Sei reconhecer uma promessa que será cumprida. Meu pai vai morrer sofrendo.
Eu falo e ela dá a volta na mesa pra girar minha cadeira.
— Lembra de uma vez que você me perguntou como eu queria morrer? Se lembra de como você
dizia querer???
— Sim, lutando!
— Pois então! Você não está lutando.
— Tô fazendo o que posso, Manuela!
— Não ta, não!
— Tô cansado. É meu pai lá! Tô com medo, tô me sentindo perdido! Mas que porra eu tô dizendo!?
— Tá desabafando! Vou te trazer uma bebida, e uma pra mim também, porque, né...
Manuela sai parecendo que desistiu da vida. Como eu...
(...)
Entro no quarto escuro e silencioso e vou direto pro banho. Sabia que eu subisse na cama
cheirando a Manuela, Barbara ou álcool, Catarina ia me mandar dormir na rua. Se bem que
cheiro de álcool não sai no banho, e se bem que eu ia contar sobre Barbara e sobre meu bate-
papo com Manuela até às quatro da manhã.
Ela tinha que entender que estava difícil pra mim. Eu não estava segurando a barra.
Tomo o banho, me troco, me envolvo embaixo das cobertas, e quando penso que ia ficar acordado
até de manhã, que doce engano, apago.
Acordo no meio da noite com o peso da dúvida e da preocupação, e encaro o teto.
Um pesadelo era tudo o que eu precisava.
Cat abortando meu filho, meu pai sendo queimado vivo, minha família destruída, os cabeças
brancas dos Coverick's por cima de tudo.
INFERNO.
O miado fraquinho de minha barriguda chama atenção, por isso me viro em direção a ela, sem
realmente vê-la. O quarto estava um breu.
Cat chorava.
Puxo ela pra mim com cuidado, mas ela logo se afasta, não queria ficar perto de mim de jeito
nenhum.
Fico puto da vida e forço a barra.
Puxo ela de novo, e ela resmunga.
— Me solta! Tá maluco!?
— Por favor. Para com isso, eu tô pirando! Fica do meu lado. Não disse que estava do meu lado, é
agora que eu mais preciso. — respiro fundo e ela se solta de mim — Vi um vídeo dele, meu pai tá
sofrendo. Tá pagando caro pelo o que fez. Eu tô cansado, preciso de você! Preciso de um momento
de paz, tem que ser contigo. Tem que ser pelo menos aqui, em casa, com você!
Eu digo baixo e ela acende o abajur.
— Que vídeo??? Viu o lugar? Podemos analisar. Me mostra! Quem te enviou!?
— Não tenho mais. — como falar que me encontrei com Barbara??? — Está na delegacia. Estava
amordaçado, jogado no chão! — ela toca meu rosto e meu coração dói com a mentira. Eu tive que
mentir, morreria se eu a magoasse — Não tô aguentando mais, mas você é tudo o que eu preciso.
Fica comigo!
— Eu sinto muito.
— Está tudo desmoronando, mas ainda temos um ao outro.
— Oh! Nossa... — ela suspira — Que carinha de coitadinho você faz quando está triste, quando
quer me comer...
— Por que tá falando desse jeito?
— Porque eu quero! E não é verdade!?
— Talvez.
— Quer esquecer os problemas por um momento?
— Preciso muito.
Eu praticamente imploro e ela me faz deitar. Estava tão linda.
Seus cabelos pareciam ter crescido uns dez centímetros por mês, os hormônios fizeram muito bem
pra ela. Sua pele brilhava, parecia uma deusa me adorando.
Ela tira as cobertas de mim, baixa minha bermuda levemente, e me chupa com vontade, ficando de
quatro.
— Ah! Que delícia você é, neném!
Ela para de chupar, olha pra mim, e quando ouço sua voz eu abro os olhos. Cat avança sobre mim
com uma faca apontada em direção a meu pescoço e eu pulo da cama.
— Meu Deus!!!
— Sonhos eróticos com a própria esposa. Primeiro caso no universo.
Ela resmunga da poltrona.
Estava sentada, alisando a barriga e me encarando.
— Perdão. Eu não estou bem. — toco a testa e noto a febre. É eu realmente não estava bem. Meu
corpo estava um trapo — Me desculpe!
Coloco os pés pra fora da cama e tento levantar, mas meu corpo não responde.
Viro para abrir a gaveta onde eu sabia que ia encontrar alguns antitérmicos e antibióticos meus,
mas já estavam a postos junto com um copo d'água ao lado do abajur.
— Teve febre a noite toda! O que me fez lembrar de uma vez que fiquei do mesmo jeito...
— É. — pigarro — Provavelmente os dois casos são pelos mesmos motivos. Medo de perder as
pessoas que eu amo. — Eu falo e encaro a barriguda linda. — Como você se sente?
— Melhor do que você.
— Me desculpe por ontem, no telefone. Eu tinha acabado de receber um vídeo no telefone, do meu
pai. Eu vi meu pai!
Ela fica tensa.
— Cadê esse vídeo? Ele tá bem? Como ele está, que vídeo é esse???
— Pra começar, fique calma! Tô fazendo tudo o que posso para encontrá-lo. Ele ficará bem! —
minto — Te quero longe de estresse, só queria que soubesse o porquê do meu nervoso, eu não
estava bem, não quis ser grosso contigo! Tu ligou numa hora errada. Só isso. Eu te amo!
— Me deixa ver esse vídeo!
— Não dá. Está... — penso melhor — Cat, foi a Barbara que me mostrou. Estava no celular dela.
Eu digo e ela sorri.
— Por um momento achei que ia mentir.
— Não quero mentir pra você, nunca.
— Vi que bebeu ontem, e eu entendo. Nos baseando em como está nossa vida, se eu não estivesse
esperando um filho teu, beberia junto. Mas, por que chegou tão tarde? Aonde esteve e com quem,
além de ter saído pra jantar com ela...?
— Eu só sai com ela porque ela disse que esteve com Fred, e esteve mesmo, por isso tinha o vídeo.
Disse que se eu a levasse pra jantar, e a tratasse com "dignidade", ela me contaria aonde Fred
estava com ele.
— E ela contou?
— Contou. Mas não ficaram no tal local por muito tempo, Douglas chegou tarde.
— Ela enrolou você. Te deu uma informação verdadeira só que fora do tempo! Enganou você.
— É. Mas eu não me arrependo. Precisava arriscar.
— Você é mais esperto longe de mim. Eu sou mais perigosa quando estou longe e brava com você!
Juntos ficamos desprotegidos, vulneráveis. Não é a primeira vez que pensamos nisso, e você
também sabe disso, estou errada!?
— Eu não quero continuar esse papo se o final dele tiver algo parecido com o fim de nosso
casamento, então se for, sai daqui e volte depois que comer, ou depois que pensar melhor nisso,
porque apesar de meus pais serem o que são, ou terem feito o que fizeram, os meus valores
morais vem deles. Eles me ensinaram tudo o que sei, e eu aprendi principalmente que casamento é
para sempre. Uma vez só. Não importa o que aconteça. Jamais vou me separar de você, jamais
vou te deixar, jamais sairei da sua vida, então poupe o latim! Eu não aceito isso, nunca vou aceitar.
Prefiro permanecer vulnerável, burro, lento, e bobo. Essa é a vida que eu escolhi viver depois que
te vi na frente daquela boate.
Falo e me levanto com dificuldade para tentar tirar proveito de um banho relaxante.
— Eu não vou discutir, nem ficar estressada, mas vou te comunicar minha decisão. — ela diz isso, e
só por isso dou meia volta — Quero me separar, quero e vou. Vamos nos falar, vamos nos ver,
mesmo porque eu sei que não me deixará em paz por causa do Theo, e eu entendo. Acho que foi
naquela mesma noite que tive febre, que combinamos de ter esse laço eterno. — ela sorri — Eu
amarrei você. Seremos um do outro para sempre, e o que eu tenho contigo mulher nenhuma terá,
muito menos Barbara. Pra mim é o suficiente no momento. Minha família destruiu a sua, eu corrompo
sua alma a cada dia, eu te tirei do caminho de virtude que você trilhava, uma vida digna, bonita,
honesta... Eu amava o delegado gentil, dócil, meigo, carinhoso, dengoso, e cheio de fofura. Um
delegado genial, másculo, gostoso... bem humorado!!! — ela ri com gosto — Você era muito, mas
muito engraçado!!! Cada frase sua era uma piada, William! Eu destruí você. Pode não querer
enxergar isso, mas eu destruí você! Eu quero aquele homem de volta um dia, mas agora é
impossível, eu nem sei se isso um dia vai chegar a acontecer. Eu já matei você, eu já parti seu
coração, te fiz sofrer demais, acabei com tua felicidade e alegria de viver! Fui letal até pra você
que tanto amo. Matei seu melhor amigo, coloquei crimes em suas costas, quase te fiz perder o
cargo, não posso deixar de dizer que quase arranquei seu braço fora por puro prazer. — ela ri
de novo — Eu matei o teu pai! — ela chora sorrindo — Matei seu pai. Eu daria qualquer coisa
para voltar no tempo. Se não te conhecer garantisse sua vida como ela era antes, eu aceitava isso!
Você ainda estaria casado, feliz, com teus pais, e com tua vida de volta.
— Eu não era ninguém quando te encontrei! Eu não tinha nada, viveria tudo de novo! Aceitaria
agora mesmo.
— Cala a boca. Não sabe o que diz! — ela levanta se apoiando no braço da poltrona — Eu amo
você, vou te amar pra sempre, e eu sei que você me ama. Se apegue nisso. Eu quero que você
tenha sua vida de volta. Não vou conseguir mudar nada com relação a seu pai, e isso será só mais
um peso para as minhas costas acostumadas, vou ter que viver com a culpa, mas eu ainda posso
permitir, que quando a dor e o luto "passarem", você voltará a ser feliz, vai recomeçar do zero, e...
Ainda poderemos ter algo de bom disso tudo, pelo menos uma coisa boa: Theo.
— Mas que porra é essa? Tá drogada!? Tu fumou? O que tu tá dizendo? Parou pra se ouvir?
Dou risada. Eis aqui o momento em que o fato me estapeia. Eu não podia acreditar que aquilo
estava acontecendo.
— Sim.
— Pois volte atrás e reflita! Você enlouqueceu!
— Eu estou sofrendo. Nós dois estamos, não quero mais fazer isso. Não consigo dormir por culpa.
Não me faça passar o restante dessa gestação desse jeito, eu estou com três meses e até hoje não
tive um dia de paz. Por favor! Será bom pra nós dois.
— Eu estou te fazendo mal. É isso? Isso muda tudo, não é!? Prometi fazer você feliz e não tô
conseguindo.
— Você existir já me faz feliz, você é o homem da minha vida. Não é você, é a situação. —
JURA??? MAIS ESSA??? — Eu olho pra você e vejo seu pai, não consegui protegê-lo, jamais vou
conseguir conviver com isso, penso nele e me sinto péssima, vou acabar doente! Olho pra você e te
vejo afundando nos crimes da minha família, nos meus crimes, aguentando e engolindo minha vida
errada só porque me ama, e agora isso. Eu achei que a gente conseguiria... Não quero mais te
incluir nessa. Não quero te ver com ela de novo, não quero ter o direito de sofrer porque você
nunca vai se livrar dela. Tô cansada, eu tô exausta! Eu imploro se quiser. — ela suspira — Vamos
acabar com isso em paz, não aguento mais sentir dor, eu prendo a respiração quando isso
acontece, fico visualizando ele caindo de dentro de mim, isso está me torturando. Você precisa
trabalhar, ajudar seu pai, e eu preciso chegar nos noves meses, preciso manter nosso filho vivo e
bem.
Pois é. Ok.
— Tudo bem. Jamais será eu o responsável por prejudicar a saúde do meu próprio filho. Te
deixarei em paz! Terá seus nove meses em paz.
A fúria dentro de mim tinha se tornado um sintoma real. Ela estava certa, em tudo o que disse, mas
ainda sim, ouvir aquilo era desolador. Eu estava sim, prejudicando sua saúde, eu estava tomado
pelo caos que sua vida era, eu não era mais eu mesmo. Aquilo tudo era um erro. Eu amava
Catarina, e Catarina me amava, mas nossa vida era um erro.
Pego algumas malas e começo a guardar tudo o que era meu. Não queria deixar nada pra trás.
Nenhum indício de que um dia eu estive ali.
Sim, eu estava revoltado. Sim, ia passar. Mas, eu queria passar por aquilo, era mais uma fase. Ela
ia ter sua merecida paz, e eu continuaria na minha desgraça, na desgraça que minha vida se
tornou por culpa da famí... Não, por culpa minha mesmo! Culpa minha. Ninguém ali era o
responsável, a não ser eu mesmo.
Foi tudo porque eu me apaixonei, não ela. Eu fui atrás, eu insisti, eu quis. Ela avisou, ela tentou me
afastar, eu me apaixonei primeiro, forcei a barra.
— Não faça desse jeito... Por favor!
Ela ainda estava ali?
Olho pra trás e lá estava ela, achei que já tinha saído, mas não.
Eu estava com minha testa apoiada no armário do closet exagerado, era isso também... Aquela
casa era um exagero, aquela vida era um exagero. Uma mentira. Nunca tive dinheiro, sempre fui
pobre. Eu ganhava vinte mil, pagava as contas da casa no Rio, da minha casa, do meu carro, e
ainda pagava algumas prestações do doutorado, nada sobrava no fim do mês, ali eu vivia uma
mentira.
— Você quem pagou a dívida do meu pai, não foi!? Os anos de impostos em atrasos, da casa?
Eu pergunto assim que me lembro. Lulu havia me explicado.
— Foi.
Ela responde chorosa, toda triste.
Penso em dizer que vou pagar, mas decido ficar calado, por fim. Estava cansado. Era óbvio que
ela sabia que eu pagaria aquela merda. Nem deveria ter pago, com meu pai morto, quem ficaria
na casa? Jamais deixaria minha mãe sozinha.
Se fosse em outra situação eu saía dali só depois de colocar a casa abaixo! Faria um inferno na
vida dela, sairia com a certeza de que ficou desolada como eu fiquei! Mas não dava, pelo meu
filho, não dava.
— Não faz assim. Tá. Por favor. Para! Pare um pouco... — Ela segura em minha mão com uma das
mãos e a outra segura a barriga. Tentava se acalmar e controlar a respiração, por isso obedeci —
Não me deixa pior do que já estou, me ajuda!
Ela me abraça e eu tenho a impressão de que só queria sentir meu cheiro. Ela afunda o nariz em
minha camiseta e respira pesado.
Eu queria odiá-la por fazer aquilo comigo. Como pode querer um término em paz? Mas como
odiá-la?
— Eu não sei se você quer se separar pra ser amante, pra ter aquele cara que eu era de volta,
pra ver se eu supero o que aconteceu com meu pai, ou sei lá. — eu começo e ela olha pra mim —
Eu não sei, se é só pra ter paz realmente... Só que mesmo que eu tente, eu nunca aceitarei isso. Sei
que não estamos em um bom momento, mas acho que casamento é isso, eu pareço confuso, estou
confuso, mas no fundo acredito que a gente devia enfrentar tudo isso juntos. Isso é casamento, esse
seria um belo jeito de colocar nosso amor a prova. Eu não posso te obrigar a ficar comigo, e não
vou, principalmente por causa de tua saúde. Principalmente por sua saúde é que vou aceitar, mas
nos casamos. Se for realmente querer se separar, vai ter que ser litigioso, e espero que saiba o
que isso significa. — ela concorda com a cabeça — É minha esposa em contrato, está me deixando
sem que eu tenha dado razões justas, e me machucando psicologicamente. Posso ser meu próprio
advogado, e sou muito bom. — ela sorri — Faço esse casamento se manter intacto pelo menos
perante a lei, e você “será minha também por direito na justiça.” Não está se separando por causa
de mim literalmente, nunca traí você ou te desrespeitei, então, como você nunca conseguirá
comprovar falta de amor, ficaremos casados para sempre, e enquanto casada, não pode ter outro
relacionamento, ou te processo por danos morais. Meu filho não vai ser criado por outro homem,
não terá um padrasto nem por cima do meu cadáver, e não vai conviver com outro macho que não
seja os da família, ou seu próprio pai. Isso não é negociável pra mim. Casou comigo, temos um filho,
é minha pra sempre! Acho que até cheguei a avisar sobre isso, antes do casamento.
Eu termino de falar e ela chora sorrindo.
— Entendi. Eu concordo com isso!
— Ótimo. Bom mesmo! Agora me deixa sozinho antes que eu faça uma besteira com você, e me
arrependa. Estou tão em choque que tô calmo, a ficha ainda não caiu! Se aproveite disso, e
desaparece. Só volte depois que eu sair.
— Não. Vou arrumar a mesa do café. Somos adultos, nos amamos, e eu tô grávida. Vamos nos
comportar! Não podemos começar uma guerra, nenhum de nós dois temos psicológico pra isso, no
momento, então... Vamos tomar café juntos, conversar sobre o bebê, e seguir nossas vidas.
— Você é um tanto engraçada, me dá um fora e quer ficar na amizade. — me afasto dela e volto
a arrumar minhas coisas. — E nunca vi isso, se separar grávida, “primeira no universo”. Eu viro pai,
e fico solteiro, se fosse outro estaria pulando de alegria. Está me deixando livre para voltar pra
juventude.
— Sou uma assassina. — Ela diz e eu largo a mala no chão, de início não assimilei o comentário ao
assunto. — Pode voltar pra juventude se quiser, mas a qualquer momento pode acabar com a boca
cheia de formiga. Theo entenderia, “papai partiu o coração da mamãe...”
Ela é irônica, fico mais apaixonado, sofro ao vê-la sair do quarto, e choro escondendo o rosto com
as mãos e segurando o grito de agonia pra ela não ouvir.

— O que aconteceu, gatão?


Rubi me encontra na porta de casa e me ajuda com as malas.
— O que aconteceu!? Aconteceu que sua irmã quer o divórcio! Foi isso o que aconteceu! Tá lá
montada na superior, fingindo estar bem, dizendo querer ficar longe de mim, porque eu não dou
paz a ela, falando asneira atrás de asneira! Entendeu!? Cat quer o divórcio porque não está
aguentando me encarar sabendo o que fizeram com meu pai!!! Agora pegue sua família, e se
juntem para concertar pelo menos isso! Vocês tiraram tudo de mim, tudo, destruíram minha família,
estão torturando meu pai, e agora meu casamento! Eu a amo! Faça alguma coisa! Faça alguma
coisa, ou eu vou fazer!!! Assim que meu filho nascer e eu puder protegê-lo, vou trazer o inferno pra
recepcionar todos vocês, e os primeiros a pagarem por tudo isso serão Jonatas, Fred, e seu pai! —
a bruxa me olha estarrecida — Faça ela mudar de ideia!!!
Eu evito gritar, desabafo baixo só pra bruxa ouvir, entro no carro, e piso no acelerador deixando
a feiticeira infernal assustada na calçada! Era bom ficar esperta.

— Você tem um sotaque tão gostoso. Imagina essa tua voz grossa, mais esse sotaque de carioca
safado, bem aqui... — ela aponta pro ouvido se jogando na cama — ...No meu ouvido! Abra uma
exceçãopra mim, doutor, por conta da casa, será de graça, pa tu!

Jéssi se deita na cama e me provoca.

— Eu não tenho tempo pra isso.

— Não tem tempo pra trepar?

— Não tenho tempo pra desejar outra mulher que não seja a minha. Nem conseguiria, mesmo se
quisesse. E acima de tudo, não tenho tempo pra joguinhos. Estou com problemas pessoais, preciso
sair logo daqui! — jogo a mochila em cima da cama — Aqui está sua grana, seu passaporte novo,
roupas, peruca, e as passagens aéreas pra tu voltar pra casa! Me entrega tua parte e eu te deixo
em Guarulhos agora mesmo!

A mexicana com traços, fortemente latinos, e típicos, sorri desanimada.


Se levanta, vai até sua bolsa no chão, e quando se abaixa, levantando o bumbum em minha
direção eu desvio o olhar. Jamais que meu pau subiria.
O que eu... tinha... em casa, era muito, mas muito melhor.
— Aqui está! Os nomes, as residências fixas, e os arquivos que me pediu! Mas já vou avisando, não
vai ser fácil! Você não é o primeiro a tentar! A Interpol já esteve por aqui, mais vezes do que o
serviço de inteligência brasileira soube. Eles são barra pesada. O senhor é casado?

— Sou! — Penso, ainda sou... por enquanto.

— Pois bem! Deixe-a em segurança! Se descobrirem sobre tua investigação, irão primeiro nas
pessoas que você ama! E não confie em todas as garotas, não volte a conversar com nenhuma
delas. Vocês tiveram sorte que eu quero ir embora, mas nem todas querem se livrar daquela
escravidão! A maioria que já pagaram suas dívidas, estão ali porque curtem o barato, ou porque
ali é melhor que a própria casa. Elas precisam de ajuda, mas nem todas sabem disso! — ela fala e
coloca a bolsa no ombro — Tem certeza!? Não vai me mostrar como é ser fodida pelo delegato?
Sabe que não vou tirar você da minha cabeça por um bom tempo, não é!? Tô toda prontinha aqui,
é só entrar escorregando!

— Agradecido, mas não! Boa sorte ao voltar para casa.

Sou educado para não forçar a barra. Era esperta, não me tocou uma só vez.

— Eu acho que vou me sentir mais segura se você entrar comigo!

Ela diz assim que eu estaciono na frente do aeroporto. Ainda estava bobo ao pensar que minha
primeira vez em um motel, foi com uma puta de luxo, e eu nem a toquei.

— Eu te aconselho a mudar de ideia. Vai por mim, coloca a peruca e as roupas comuns que eu te
trouxe, e você vai embarcar sem contratempos. Se fez tudo certinho lá, e não deixou rastros, não
vai ter problemas.

— Tá. Tudo bem! Obrigada! Agradeça a Manuela também, é uma fofa!

— Farei isso!

Concordo com a cabeça, ela beija meu rosto e sai do carro. Me arrepio inteiro, mas não de tesão,
e sim, de agonia. A aliança dourada no dedo pesava, minha vida estava em preto e branco, tudo
ruindo, mas eu não conseguia pensar em algo que não fosse minha mulher, meu filho, e meu pai.

Um milhão de sentimentos para pesar. Não dava para saber qual era pior.

"...— Eu não quero continuar esse papo se o final dele tiver algo parecido com o fim de nosso
casamento, então se for, sai daqui e volte depois que comer, ou depois que pensar melhor nisso, porque
apesar de meus pais serem o que são, ou terem feito o que fizeram, os meus valores morais vêm deles.
Eles me ensinaram tudo o que sei, e eu aprendi, principalmente que casamento é pra sempre. Uma vez
só. Não importa o que aconteça. Jamais vou me separar de você, jamais vou te deixar, jamais sairei
da sua vida, então poupe o latim! Eu não aceito isso, nunca vou aceitar. Prefiro permanecer vulnerável,
burro, lento, e bobo. Essa é a vida que eu escolhi viver depois que te vi na frente daquela boate..."

"...— Eu não vou discutir, nem ficar estressada, mas vou te comunicar minha decisão. Quero me
separar, quero e vou. Vamos nos falar, vamos nos ver, mesmo porque eu sei que não me deixará em
paz por causa do Theo, e eu entendo. Acho que foi naquela mesma noite que tive febre, que
combinamos de ter esse laço eterno. Eu amarrei você. Seremos um do outro para sempre, e o que eu
tenho contigo mulher nenhuma terá, muito menos Barbara. Para mim é o suficiente, no momento. Minha
família destruiu a sua, eu corrompo sua alma a cada dia, eu te tirei do caminho de virtude, que
você trilhava, uma vida digna, bonita, honesta... eu amava o delegado gentil, dócil, dengoso, e cheio
de fofura. Um delegado... bem-humorado!!! Você era muito, mas muito engraçado!!! Cada frase sua
era uma piada, William! Eu destruí você. Pode não querer enxergar isso, mas eu destruí você! Eu
quero aquele homem de volta um dia, mas agora, é impossível, eu nem sei se isso um dia vai chegar a
acontecer. Eu já matei você, eu já parti seu coração, te fiz sofrer demais, acabei com tua felicidade e
alegria de viver! Fui letal até pra você, que tanto amo. Matei seu melhor amigo, coloquei crimes em
suas costas, quase te fiz perder o cargo, e não posso deixar de dizer que, quase arranquei seu braço
fora por puro prazer. Eu matei o teu pai! Matei seu pai. Eu daria qualquer coisa para voltar no tempo.
Se não te conhecer garantisse sua vida como ela era antes, eu aceitava isso! Você ainda estaria
casado, feliz, com teus pais, e com tua vida de volta..."

Ouço flash's da conversa que tivemos ontem de manhã, e suspiro. Ontem foi "o dia".

Corri contra o tempo atrás de meu pai, Barbara chegou na delegacia me oferecendo informações
pra descobrir onde os dois estavam, dizendo ter acabado de voltar do Rio e de um encontro com
Fred. Sua chantagem dizendo que só me diria se eu lhe oferecesse um jantar e um tratamento
digno, o vídeo que fez de forma clandestina, onde mostrava meu pai amordaçado e jogado em um
chão imundo... uma parte de mim morreu ao ver esse vídeo.
Só depois liguei os pontos. Barbara disse que se mudaria para os Estados Unidos, que ia de vez
me deixar em paz, e quem está lá nesse exato momento: Tiago.

Fracasso meu e de Douglas ao seguir os rastros dos dois, as escutas que Manuela colocou no
celular do meu pai, a voz de Fred no fundo... O tempo todo na ligação — ligação que fez pra
mim, e ao atender Manuela horas mais tarde, — meu pai dizia estar "em paz", então me lembrei
de um lugar onde levava Tiago e eu, quando pequenos. Dizia que era seu lugar favorito para ter
paz da mamãe, e era nosso segredo.

Bingo.

Fred esteve lá com meu pai, hoje é uma boca abandonada, suja, e cheio de criminosos e drogados,
o lugar certo para Fred.
Papai havia deixado cair sua aliança, e eu tinha esperança que os homens de Douglas
continuassem suas buscas, e encontrassem mais pistas dele. Meu pai é inteligente, tinha esperança
de que ele me ajudaria a encontrá-lo.

No resumo, sai de casa desolado após ouvir seu adeus, mobilizei todos os técnicos de Manuela, Cat
me ligou e fui grosso com ela, disse sim a chantagem da vadia da Barbara após quase matá-la
esganada, Cat havia me ligado do lado de fora da delegacia, sugeriu que fosse me ver e ficar
comigo, mas logo descartei, então tudo piorou pro meu lado: eu mandei ela ficar em casa, fui
grosseiro, e "saí pra jantar com Barbara". O que foi inútil, porque além de ficar nauseado por ter
que olhar pra sua cara, a informação​ que tinha pra oferecer, fora verdadeira, mas de nada me
adiantou. Eu estava podre, triste, chateado e solteiro. Aceitei facilmente sua decisão, só pra não vê-
la nervosa, mas sair de casa, de novo, foi o fim pra mim. Não consigo me visualizar sem Catarina! É
impossível. Ela é minha, é natural.

— Fiz a janta. Vem comer!

Minha mãe me chama da cozinha ao me ver jogado no sofá.

— Só dei uma passada pra descansar. Preciso voltar pra delegacia para dar andamento no caso
da boate da zona sul! Tráfico de garotas, muitas ainda menores de idade e irregulares no Brasil.
Tenho que acabar com isso logo, só não tô com cabeça.

— Misericórdia, filho! Que você dê um jeito nisso logo! — ela senta​ do meu lado, e me olha de
forma estranha — O que é isso, William? Onde esteve???

Ela passa o dedo em minha bochecha e me mostra o resultado. Batom.


Marcella me beijou e deixou sua marca registrada.

— Me encontrei com uma informante da boate, uma das garotas de programa. Deixa eu me
limpar, parece que Catarina a qualquer momento vai saber disso. Estive com ela em um motel pra
se caso um dos chefes nos seguissem. Estou me sentindo infiel, e esse sentimento me deixa estranho!
— olho bem para ela — E meu Deus, não é que estou desabafando com a senhora!?

— Já pedi perdão! Não fui falar com Catarina porque você não deixa! Estou disposta a me
desculpar! Estou arrependida por tudo o que fiz a ela!!!

— Claro, viu o quanto sua "norinha favorita" é uma vadia nojenta, pedófila! Se arrependeu tarde,
ela me deixou! Ela jamais vai te perdoar pela forma que a tratou desde o início! Quer dizer, do
jeito que é boba ela vai sim, eu é que não vou! Nunca! Você a maltratou demais, ajudou a tomar a
decisão de me deixar. Quando tudo dá errado e ninguém ajuda, fica mais fácil desistir!

Eu desabafo, ela chora chateada, entro no quarto, tiro a camisa, e ela entra atrás.

Cat me expulsou da sua vida dizendo que precisava de paz pra segurar Theo por mais seis meses
que viriam, e eu que eu precisava me afastar de toda sua vida caótica, para focar em ajudar meu
pai, e trabalhar. Mas eu mesmo, não teria paz de jeito nenhum. Ela, eu não sei, mas eu...

— Filho, e seu pai, hein!? Ele ligou para você?


— Não. Deixa ele, mãe. Ele também precisa de umas férias. Precisa de distância! Foi viajar.

Minto, decido por manter a mentira até a esperança de encontrá-lo com vida desaparecer, e sigo
pro banho, tirar aquele cheiro de motel e infidelidade do corpo.

Que saudade que eu estava da minha neném. Minha neném barrigudinha.


Estava com um barrigão já... tão linda! Toda gorda! — sorrio sozinho — Gorda, gorda...

Linda. Não sabia quanto tempo aguentaria longe dela! Tudo o que eu mais quis é ter aquela
mulher para mim, agora faz isso, me deixar assim.
Ela estava certa em muito do que disse, estava sim, mas mesmo assim, eu não queria aquilo. Queria
envelhecer ao seu lado, e não ia desistir, eu ia ter minha mulher de volta!

"...— Eu não era ninguém quando te encontrei! Eu não tinha nada, viveria tudo de novo! Aceitaria
agora mesmo..."

"...— Cala a boca. Não sabe o que diz! Eu amo você, vou te amar pra sempre, e eu sei que você me
ama. Se apegue nisso. Eu quero que você tenha sua vida de volta. Não vou conseguir mudar nada
com relação a seu pai, e isso será só mais um peso para minhas costas acostumadas, vou ter que viver
com a culpa, mas eu ainda posso permitir, que quando a dor e o luto "passarem", você voltará a ser
feliz, vai recomeçar do zero, e... ainda poderemos ter algo de bom disso tudo, pelo menos uma coisa
boa: Theo..."

Sim, Cat se sentia mal, se culpava, não conseguia olhar nos meus olhos. Talvez tenha "terminado"
comigo com medo de me ver fazer isso primeiro. Com medo de continuar a me ver sofrer, ou de
passar a culpá-la.
Com o barrigão que estava, nada pôde fazer para ajudar meu pai, e se condenava, mal sabia
ela que a barriguda era o único motivo que me mantinha de pé!

Deus...

Lavo meu rosto marcado pelo beijo da prostituta, me apoio no box, e penso em tudo.

— William!

— O que é, mãe!? Tô no banho! Me deixa em paz!!!

— A família dela, está aí, filho! A família da Catarina!!!

Ela abre a porta do banheiro e fala baixo, como se eles pudessem ouvir.

— Sinto cheiro de vadia em você!!! Se minha irmã descobre, ela te capa!

Obviamente dou de cara com Rubi no quarto, faço cara feia, ela me dá às costas após eu apontar
para a toalha, que me cobria, e eu me visto.

— Vim só te dar um toque! Cat não está em paz como diz pretender ficar, sente sua falta, e seus
sogros e Jon, estão sofrendo com tudo isso. Pegue leve. Não ficamos contra você, nós amamos
você, o problema é que a gente também ama Fred. Tenta, pelo menos... não magoar meu pai!
Minha mãe falsificada você pode, não gosto dela, mas meu pai quer ver Cat feliz, ele está
sofrendo. Jon também, Jon mais uma vez está mergulhado em culpa, ele te ama também, pode não
parecer, mas você também é família para nós!

— Vai a merda! Fez o que te pedi quando saí de lá!? Fez ela mudar de ideia???

— Cat está sofrendo por te ver sofrer, Theo precisa de paz para nascer! Ela tomou uma sábia
decisão. Cat não teve um dia de paz depois que engravidou, tenta entender.

— Ninguém me entende! Por que eu tenho que entender todo mundo???

— Parece que ninguém tá fazendo nada para te ajudar, porque eu já falei que seu pai ficará
bem! Tem como prestar atenção no que eu digo? Olha para mim!!! Ele ficará bem!!! Seu pai precisa
passar por isso!

— Eu vi um vídeo! Meu pai tá bem mal, de bem não tem porra nenhuma! Não é a bruxa que tudo
vê? Faz uma pra Deus ver, me conta de uma vez onde meu pai está pra eu poder ajudá-lo!

— Não posso deixar você enfrentar Fred! Não posso e não vou, sei o que estou fazendo! Se eu
mudo o rumo de uma coisa, tudo muda em volta! Você tem o Theo, vai por mim, siga meu conselho,
não me peça isso!

Ela fala de um jeito estranho, e só porque tive a impressão de que a segurança do meu filho
estaria em jogo, não discuto, e não questiono mais nada.

— O que está fazendo no meu quarto? Hein!? Por que entrou sem ser convidada???

Pergunto querendo esganá-la e ela ri me abraçando enquanto eu caminhava em passos largos.


Por algum motivo eu confiava naquela agourenta, bruxa esquisita.

— Qual é a boa!? O que mais vocês destruíram? — Chego na sala e todos se levantam. — Mãe,
busca um refrigerante aqui em baixo pra mim.

— Tem refrigerante na geladeira!

— Vai, mãe!

Eu reforço o pedido e ela obedece entendendo.


— Viemos saber como você está!

Sogrão dos infernos diz, Sogra chateada me abraça a força, e Jon se mantém de cabeça baixa.

— Eu tô ótimo! Meu pai longe sendo ameaçado, prestes a morrer torturado, minha esposa
querendo o divórcio... melhor eu não podia estar.

— A gente sente muito, William! Eu sinto muito!

Jon resmunga e eu evito rir.

— Tu não fala comigo, não! Tu tem sorte que minha mãe sofre de pressão. Se soubesse a vontade
que eu tô de enfiar uma bala na tua cabeça...

— Eu também sinto essa vontade quando vejo minha sobrinha sofrer, principalmente por culpa
minha!

— Mas mudar algo, muda não, né!? Já falaram tudo? Já viram como estou! Agora vão embora.

— Cat está com dona May, não quis ficar em casa.

— Quem sabe não vai colocar o brother Gael de padrasto do meu filho... nunca se sabe, não é
mesmo!? Parece que eu peguei o carma da família. Já deixei bem claro pra ela, e vou deixar pra
vocês! Se ela quiser se separar, vai ser litigioso! Moverei um processo que durará anos, pra deixar
todos vocês bem cansados e abatidos emocionalmente, do jeito que eu estou. Cat não aguenta
olhar pra minha cara depois do que houve com meu pai, com o apoio de vocês, se sente culpada,
está péssima, e quer paz de mim! Quer paz de todos! Era isso que queriam!? Era assim que iam se
portar se alguém ameaçasse, o Max, seu João...!? É??? Aposto que não, mas comigo é mais
embaixo, né... claro! — respiro fundo e abro a porta — Enquanto Catarina não mudar de ideia, é
melhor a família ficar esperta, porque sem ela na minha vida, pouco me sobra, sem meu pai então,
nem se fala.

Enquanto tô recebendo pancada, tô aqui, sem revidar, por enquanto. Já falei para a bruxa
maldita, façam ela mudar de ideia, porque quando meu filho nascer, e eu puder protegê-lo,
independentemente da posição dela, vou começar a planejar o contra-ataque. Posso enterrar os
restos mortais queimados do meu pai, mas ele não será o único! É uma promessa.

— FAMÍLIA NÃO AMEAÇA FAMÍLIA!

Ellen grita revoltada, estava irritada com minha grosseria. Por isso eu dou risada.

— Família só chega até mim. Meu pai que os receberam muito bem, mesmo depois de tudo o que
vocês fizeram, não, não é??? Tá! — aponto pra fora — Vão! Vão e não voltem mais. Genro não é
família, principalmente se um pedido de divórcio é feito. Nesse momento, sou só o delegado
federal, e começarei a atuar sobe a nova posição de vocês, como com relação a meu pai: cada
um vai pagar pelo o que fez, como ele está pagando. Olho por olho, dente por dente...

Aponto de novo e eles se aproximam.

— A gente te ama, não queríamos que isso tivesse acontecido, não é... — ela encara o sogrão dos
infernos e ele concorda entristecido, após me olhar nos olhos — É parte da família, será nosso
genro para sempre. Tem que notar que a gente tá tentando concertar algumas coisas, lamentamos
pelo teu pai, não queríamos que nada disso tivesse acontecido. Cat também sente muito tua falta,
ela te ama, está muito triste.

— Vai embora, dona Ellen!

— Vem ficar em casa, com a gente! Traz a tua mãe, tudo bem por mim, ela é meio maluca, mas
quem não é!? Vem ficar com a gente, eu arrasto Catarina pra casa, a gente ajuda. Vocês precisam
ficar juntos!

— Sua filha não me quer mais. Não há nada que a senhora possa fazer, a não ser me entregar
Fred! — encaro o tatuado — Jon sabe. Faça ele me passar o endereço, me ajude a salvar meu
pai das garras do anjo de candura e injustiçado, Fred. Se meu pai ficar bem, Cat voltará atrás,
tenho certeza.

— Se eu me meter nisso, Fred nunca vai me perdoar!

Jon se defende.

— Eu é que nunca vou te perdoar se meu pai morrer!!! Como consegue dormir??? Fred está
torturando meu pai. Barbara me mostrou um vídeo... Fred não passa a ser melhor que ninguém ao
fazer isso com ele, um senhor, um senhor que já se arrependeu pelo o que fez!!! Se meu pai é um
monstro, Fred é igual, ou pior! Nenhum dos dois é superior!

— Rubi disse que ele ficará bem! Rubi disse que Fred está confuso, lento, pensativo, Paula está...

— Ah! Quer saber!? Vão embora! Vão contar essas histórias assombradas da carochinha pra
outro! Saem!

Eu peço de novo eles se retiram. Menos a demoníaca.

— Histórias da carochinha!? Sério que não acredita nas minhas visões!? — ela joga os braços em
volta do meu pescoço e eu nem consigo me mexer, a noiva do capeta — Sinto cheiro de vadia em
você, já te disse? Por que você está cheirando à vadia? Traiu minha irmã? Hum? Se eu descobrir,
vou ajudá-la a capar essa vara enorme que você tem aí.

Minha irmã nunca mais vai se divertir, mas também, nenhuma outra irá... — ela aponta os dois
dedos de uma mão para seus próprios olhos e depois para os meus, dizendo nas entrelinhas, estar
de olho em mim — ...Gosto quando você fala... — ela passa a sussurrar enquanto todos a
aguardam na frente do elevador — ...Já pensou, esse sotaque de carioca gostoso bem aqui, no
meu ouvido??? É uma pena minha irmã ser dona disso tudo. Uma pena...

Ela sussurra, cheira meu pescoço, e sai dando risada. Só me sinto bem por um motivo, meu pai
ficaria bem. Se a macumbeira soube da frase — e de tantas outras coisas — que a puta me disse,
ela sabia do que estava falando a respeito de meu pai. Meu pai ficaria bem.

Estaciono uma hora depois na frente da instituição, e entro sem chamar. Uma mania que eu sabia
que tinha que me livrar, logo, logo... mas por hoje não.

— Oi, doutor.

Dona May me pega assim que eu fecho a porta da sala atrás de mim. O lugar estava como
sempre, atolado de crianças.

— E aí, velha May. Cadê a barriguda?

— Está lá atrás! Com as crianças. Vai lá.

Ela sorri, volta pra cozinha, e eu sigo pelo corredor até sair no quintal de trás. Nem sabia que
tinha quintal lá atrás, mas tinha. E era maior que o quintal da frente. Pelo jeito, estava recém
reformado. O gramado aparado, alguns instrumentos de obra, e montanhas de terra enfeitavam o
quintal.

Rodas de crianças e adultos, cantoria, piquenique, crianças correndo, algumas por um momento, me
olhando curiosas e esperando algum presente... sorrio. Era compreensível o porquê dela amar esse
lugar.

Olho ao redor, e a encontro sentada em uma manta no gramado, com umas quatro crianças em
volta, e o urubu-irmão só na espreita.

Quando eu me aproximo, ele me nota primeiro e se afasta dela. Inteligente.

— Oi.

Primeiro a encaro de pé, e depois me sento ao seu lado.


O brilho de sol, que disponibilizava vitamina D para si, a deixava mais linda, iluminada, mas ainda
dava pra ver resquícios de tristeza em seu semblante. Talvez eu ficaria triste em vê-la totalmente
feliz.

— Oi.
Ela sorri pra mim, e eu encaro as crianças ao redor.

— Vim ver como você está!

Eu falo, ela concorda com a cabeça sorrindo, me apresenta cada criança, e as faz ir brincarem
para "conversarmos a sós".

— Eu estou bem. E você?

— Eu estou bem também! Está feliz aqui?

Ela perde o sorriso por um momento, mas depois se recupera.

— Eu me sinto em casa aqui, cresci aqui... — ela dá de ombros — É o segundo lugar onde posso
ser eu mesma e tirar as armaduras.

— Qual é o primeiro?

— Do teu lado!

Ela não me olha ao responder.

ENTÃO POR QUE ME DEIXOU, FILHA DA PUTA???

— Entendi.

Sorrio ao pensar. Sorrio também ao notar quanto esforço fazia para vê-la bem.

— E a delegacia?

— Está indo... agora tô cuidando daquele caso, enfim, vou ajudar aquelas garotas.

Eu falo e vejo seu olhar cair em minha mão esquerda, procurava pela aliança que eu mantive ali.
Se perguntava se enquanto eu cuidava das garotas de programa, eu permanecia "casado"...
pareceu respirar fundo quando a viu, e voltou seu olhar para uma criança, que acabava de cair.

— Se chorar vai doer, Chuki! — ela avisa e a pequenina vem caminhando devagar, ainda se
equilibrando, devia ter uns dois aninhos. — Vem cá!!!

Cat abre os braços e a menina senta em seu colo, fazendo beicinho pra segurar o choro. Os
olhinhos negros já estavam brilhantes e aguados.

— Esse é o nome dela? — ela concorda — O que significa?


— Nascida quando existia hostilidade! — ela respira pesado — Tivemos um grande número de
Chuki's, ultimamente. Ela é quêniana. Veio com a mãe.

Ela fala, beija o joelho da menina, a abraça com carinho, e depois a faz voltar a brincar, como se
nada tivesse acontecido. Será uma mãe incrível.

— Eu te amo. Sou maluco por você e tô morto de saudades, não tô aguentando. Eu te amo muito,
muito mesmo! Não pode se esquecer disso...

Falo baixo e ela concorda.

— Eu também te amo, vou te amar para sempre. Eternamente.

— É bom saber disso! — encaro as crianças — Muito bom mesmo.

Ela sorri ao me ver respirar aliviado.

— Soube que estiveram na sua casa. — ela me encara sorrindo — Pegue leve com o Jon, com
todos eles, mas principalmente com Jon. Ele tá pirando, ainda mais agora, que soube que eu saí de
casa. É Rubi quem está os mantendo neutros. Garantiu que seu pai ficará bem, e ninguém pode
mudar os rumos de tudo. Aquele papo dela de sempre, então... não estão literalmente te virando às
costas. Eles lamentam, estão tristes por nós dois. Vamos tentar amenizar tudo. Pare de ameaçá-los.

— Pensei que estava triste com eles...

— Eu estava, ainda estou um pouco, não sei, só que, quando eu decidi não ficar mais, esquecer
tudo aquilo e me refugiar aqui, de novo, — ela sorri — a dor passou, e Theo não mais sofreu.

Ela me olha com amor, e meu olhar segue um caminho difícil até seus lábios rosados.

— Então tá! Vou passar lá e me desculpar. Vou me entender com eles. Estava nervoso, desculpa!
Vou concertar isso! — Meio que minto sorrindo, ela acredita, e eu beijo seu rosto. — Eu já vou.
Preciso trabalhar.

— Se cuida...

— Só mais uma coisa. Eu sei que você se sente feliz aqui, e eu quero te ver bem e feliz. As
crianças te fazem bem, mas... esse lugar é confortável pra você? Você está comendo direito?
Dormindo bem? Deve estar em uma cama de solteiro, dividindo o quarto...

— Dona May faz as minhas dietas, as que a doutora receitou, e eu durmo bem, a cama é boa, ela
está cuidando muito bem de mim.

— Tá. Mas se quiser voltar pra casa... eu saí de lá, voltei pro meu apartamento. Se não for eu, seu
pai pode te trazer todos os dias, entendeu? E então a noite te levar de volta pra casa.

— Obrigada. Mas eu estou bem aqui! Sério. Não se preocupe!

— Tá bem! Eu... — penso de novo em dizer que a amo, mas, decido não fazer isso — ...eu já vou.
Vai me desculpar, mas virei sempre pra te ver! — ela sorri concordando — Me preocupo com o
bebê e com você. Vou pro Rio assim que eu finalizar o caso, e eu creio que logo finalizo. Então, se
eu for ficar uns dias fora, vou te avisar, e se você precisar de alguma coisa, ou algo acontecer, me
ligue e eu volto na hora.

Eu falo e ela parece preocupada e curiosa, mas o título "eu pedi o divórcio a ele", não deixava
ela se abrir mais. Estava morta de insegurança e ciúmes, e ver aquilo me deixou feliz.

— Tá bem!

Ela só balança a cabeça, e eu toco sua barriga.

— Tchau, parceiro! O papai volta logo.

Falo com a boca na barriga, como se fosse segredo, e sinto um movimento leve. Fico nas nuvens.

— Você sentiu??? Sentiu, não é!? Não minta!!!

Eu evito gritar. Foi mínimo, mas rolou!!!

— Sim! Ele mexeu! É a primeira vez que ele mexeu.

Ela chora rindo e eu já ia abraçar e beijar a chorona, e claro que ela ia me receber do mesmo
jeito, mas paramos no meio do caminho, e ficamos os dois sem graça, tristes por aquilo, chorando e
sorrindo ao mesmo tempo, e tentando fazer ele se mexer de novo.
Partir e deixar ela ali, foi a coisa mais difícil que já fiz na minha vida, por isso parei no corredor
ao fechar a porta, e me apoiei na parede, pra conseguir retomar o impulso de andar.

Logo completaria quatro meses, meu filho estava crescendo, e provavelmente eu perderia vários
momentos como aquele. Por que aquilo estava acontecendo comigo???

— Ela te ama. Eu e minha mãe tentamos fazer ela mudar de ideia. O certo seria ela voltar para
casa, sabemos disso, ela sabe disso, mas ela está feliz aqui. Vai passar quando ele nascer, logo,
logo ela voltará pra casa e vocês vão se entender.

O urubu me pega de surpresa e eu seco os olhos para me recompor.

— É bom você saber disso. Fique longe dela, pode parecer totalmente o contrário, mas Cat é muito
bem casada. Mesmo se permanecer separada de mim, nunca vai deixar de me amar.
— Eu sei disso! Não a vejo com esses olhos. Quer uma dica?

— Não.

— Mas te darei mesmo assim. Se quer reconquistá-la seja pacífico, e trate bem quem ela ama. E eu
sou uma dessas pessoas.

— E eu vou sair daqui antes de encher essa sua cara de porrada, "irmão de criação".

Falo, ele ri achando graça e eu saio de lá direto pro carro.

— E como foi a abordagem???

Um dos repórteres questiona novamente. A mesma pergunta. Mesma pergunta...


Haviam se passado duas semanas, e por estar tranquilo com relação ao meu pai e por ver o
quanto Cat estava feliz, apesar das circunstâncias, fechamos o caso com sucesso. Só sua ausência
em minha vida que me causava dor, e aquilo fazia toda a diferença.

— Como eu já respondi anteriormente... foi bem difícil. Thomas Cahal, e sua quadrilha são bem
profissionais. Estavam preparados para a visita da federal, mas nós estávamos​ mais. Houve sim,
disparos de arma de fogo, mas, ninguém se feriu. As garotas estão todas em segurança, e o
ministério público está cuidando do caso agora. As garotas farão corpo de delito, terão um médico
a disposição, seus documentos devolvidos, e encaminhadas aos seus respectivos países de origem.

Respondo e me lembro da festa que fizeram com a invasão da PF na boate, em pleno horário de
pico. Não conseguimos contar quantos abraços ganhamos. Aquele era meu trabalho e eu estava
extremamente satisfeito, salvar vidas era tudo o que eu precisava, e devia fazer pra me sentir
melhor.

— Obrigado a todos! Encerramos a coletiva nesse momento.

Manuela anuncia, nós dois e seus agentes especiais nos levantamos e saímos ao som de aplausos.

— E então!? Vamos ao Point, comemorar certo!?

Manuela agita em minha sala, seus agentes gritam, e eu me animo. Sair com eles, beber e
conversar me distraía. Só até deitar a cabeça no travesseiro e saber que ia dormir sozinho, mas
ainda assim, já era alguma coisa.

— Só vou passar na instituição, porque amanhã viajo pro Rio, quero avisá-la e ver como ela e meu
filho estão, e então te encontro no bar!

Eu falo e ela ri.


— Beleza! Seja bem-vindo de volta à ativa, doutor Castro! — ela aperta a minha mão e eu me
divirto com sua alegria — Arrasamos hein, seus boi! Botaram pra fudê! Por isso a primeira
rodada... é na conta do nosso doutor!!!

Todos riem.

— Nem pensar.

Resmungo e só dou risada quando fecho a porta.

— Meu Deus, como essa princesa está linda!!!

Eu falo assim que entro no quintal e vejo o amor da minha vida de "roupa de fada", coroa de
flores, e posando para uma garota.

— Você viu!? Quatro meses. Ganhei mais uma sessão de fotos da nossa futura fotógrafa!

Ela sorri para uma jovem com a câmera na mão, e quando beijo sua barriga a garota tira uma
foto.

Ficamos os dois de novo, sem graça, mas eu sabia que ela ia arrancar a foto da garota, só pra
poder guardar. Sorrio. Eu sabia que ela ainda me amava só pelo jeito que me olhava.

— Como está?

Outro flash. Encaro a garota sorridente, que cochichava com algumas garotas mostrando a nova
foto.

— Não ligue pra ela. Todas elas te acham um gato.

Ela zomba.

— Tem como avisar que estou solteiro? — aponto para uma delas com o cabelo de trancinhas até
a cintura — Diga para aquela, a mais bonita de todas!!!

Ela finge ficar brava.

— Ouviu seu pai, Theo? Ele está desrespeitando a mamãe. Ainda está casado no papel, e não
perde a oportunidade... — Ela diz com as mãos na barriga, cada dia maior. — Eu estou muito
bem! E você? Vi sua coletiva, foi mais uma vez um herói. Theo terá muito orgulho do papai.

— Como terá da mamãe também! — toco sua barriga — Vou pro Rio daqui algumas horas. Vim te
avisar, não esqueça que quero que me ligue se precisar de algo. Se cuida.

— Claro. Tudo bem!

Beijo sua barriga, noto a ausência de nossa aliança em seu dedo, ela repara que eu notei, sorrio
mesmo assim, sentindo meu interior se rasgar em desespero, e saio. Só paro para olhar pra ela de
novo quando chego no portão.

Ela fazia poses, sorria ao se recompor, e a garota após tirar outra foto minha, denuncia minha
presença no portão, o que a faz olhar pra mim.

Seu olhar apaixonado e sentido me faz fugir logo em seguida.

Se não fosse pelo meu filho, eu viria cada vez menos. Vê-la tão bem, e hoje, sem a aliança, me
destruiu. Não pense errado, vê-la feliz era tudo o que eu mais desejei, mas tinha uma diferença,
não era eu, o motivo, muito pelo contrário. Ela só estava radiante porque estava longe de mim.

Entro no carro, deito minha cabeça no apoio do banco, e como sempre, sofro. Eu sentia tanto sua
falta. Tanto... por que tirou a aliança? Mal terminou comigo e já tinha outro??? E o amor que dizia
sentir? Acabou???

O celular apita me fazendo voltar a vida, e o tiro do bolso.

"... Meus dedos estão inchados demais. Meus dedos, meus pés, minhas pernas, rs, tudo em mim está
inchado. É por isso que eu não consigo mais colocar a aliança. Eu já estava perdendo o dedo, precisei
tirar com o auxílio de uma linha, e técnicas bem arcaicas. Está em segurança no colar em meu pescoço,
e logo que Theo chegar, voltará para seu devido lugar. Meu dedo anelar esquerdo. Faça boa viagem,
meu super-herói..."

Sorrio pro celular, me sinto um pouco melhor, e respondo.

"Eu te amo muito, minha neném barriguda! Te amo muito!"

Respondo, respiro fundo, jogo o celular no banco, e sigo até o bendito bar.

Bebo o mínimo, comemoro com todos, e saio à francesa, após alertar Manuela que meu celular
ficaria disponível para qualquer emergência.

Decido pegar um voo as nove horas em ponto e chego no Rio dez horas da noite, graças a uma
pontualidade surpreendente. Eu só ia deixar a pequena mala que fiz, e depois ir procurar os
homens certos. Primeiro Douglas, depois alguns nomes que não me saíam da cabeça. Foi bom ser
agente no Rio, eu tinha vários nomes que ligavam a Fred na minha cabeça, e eu não ia voltar pra
São Paulo sem respostas.
Só que não precisei de muito esforço pra encontrar meu pai. Assim que desci do táxi, ele estava
abrindo o portão de casa.

— Pai?
Chamo só para ter certeza. Eu não acreditava que era ele!
— Ei!!!
Ele se vira, e quando me vê, me abraça forte. Meu alívio era indescritível, por isso chorei! Não
sabia que eu tinha perdido as esperanças de encontrá-lo. Perdi mesmo. Mesmo sempre sendo
aquele policial obstinado, e mesmo tendo ido até o Rio, atrás dele. Quando o "caso" era com
família, tudo ficava diferente.
— Você está bem!!! Meu Deus, pai! Graças a Deus!
— Na medida do possível, sim! Estou vivo, o que já é um milagre!
Ele se solta de mim sorrindo e eu o analiso. Tinha alguns ferimentos leves pelo rosto, poucos
inchaços, um calo, mas parecia bem. A barba branca estava por fazer, parecia mais magro do que
o normal, e também profundamente triste. Me doeu olhar pra ele.
— Vamos entrar... — eu peço triste — Comer alguma coisa, tomar um banho!

— Quer me contar o que aconteceu?


Eu pergunto já no sofá. Ele se senta de frente pra mim e seca o cabelo crespo que já estava
grande. Tinha acabado de sair do banho.
— Não tenho muito o que dizer. Ele me pegou na rua, me deu uma surra, e me levou para uma
boca, no Meyer.
— Eu soube. Seu lugar de paz, certo?
Ele sorri e confirma.
— Ficou por dias tentando me matar fazendo um esforço muito grande pra apertar o gatilho, me
batendo, gritando, falando sozinho o tempo todo. Parecia que falava com a mulher.
— Fale o nome dela, pai!
Ele chora.
— Paula. — ele balança a cabeça — Acho que foi seu fantasma que me salvou, isso sim! Fred
parecia transtornado, mas quando ela “começou a aparecer pra ele” foi se acalmando. Mudamos
de lugar o tempo todo, os caras do Douglas estavam nos procurando. Não achei que sairia de lá
vivo. Toda vez que eu pedia perdão levava um chute. Barbara esteve lá! Pedi ajuda de forma
discreta e quando ele virou as costas ela sinalizou com a mão, garantiu que me ajudaria.
— Ela me mostrou um vídeo seu e me deu um endereço. Avisei Douglas e chegamos tarde! — ele
concorda compreensível — Pai, como conseguiu matar uma garota grávida? Uma garota???
— Não foi dessa forma, não assim. A garota não tinha nem barriga, como eu ia saber, William?
Como eu ia saber? Fiz uma vez o que eles fazem sempre. Eu não tinha juízo. Tiago ainda mamava,
a gente morava em um barraco, lá no Cantagalo, você se lembra. Eu cheguei a vender as roupas
do corpo pra comprar comida, nessa época, várias vezes voltei pra casa descalço e com compras
da padaria. Eu amava tua mãe, queria uma vida boa pra vocês. Eu sei que não justifica, sei disso.
Eu era só um moleque. A proposta era fácil, era invadir o barraco dele, atirar na garota de uma
vez, matar sem dor e pegar a grana! Mas... — ele chora — A menina era forte, corajosa, tentou
me bater, Fred acordou, tentou pegar a arma, deu tudo errado. Peguei ela pelo pescoço e só isso
o fez parar. Foi minha primeira vez naquela vida suja e desgraçada, eu estava completamente
desesperado. Fred era bom, era o melhor, ninguém queria fazer o serviço, então, quem aceitou, foi
eu. Vinte mil para um homem com duas crianças e que não tinha cinquenta centavos no bolso... Não
tô exagerando não, eu literalmente não tinha cinquenta centavos no bolso. — ele respira fundo —
Quando consegui imobilizar a garota, me atrapalhei. Deixei a arma cair e tudo aconteceu rápido
demais. Fred correu, a menina fez força pra se soltar de mim, e então fui mais rápido, peguei a
arma e atirei na cabeça dela. Não era pra ter sido assim, fui de madrugada na esperança dela
nem acordar pra ver. Nunca mais me perdoei. Ainda posso ouvir os gritos dela... Fred bem disse,
meu pior castigo seria ficar vivo mesmo. Queria que ele tivesse conseguido, seria um favor.
— A mamãe soube?
— Quando eu cheguei com o dinheiro, ela nem perguntou. Só me abraçou forte, e me fez o favor
de não fazer pergunta nenhuma. Você e o Tiago estavam há dois dias querendo comer algo.
Estavam com arroz puro no estômago há dois dias. Arroz puro em um, e no segundo um punhado
de carne seca que sua prima deu de caridade. Era arroz no café, no meio da tarde você comia na
escola, graças a Deus, e depois arroz de novo, já sua mãe orava pra sair leite do peito pro Tiago,
afinal se alimentava mal. Nunca foi tão ruim assim sempre, é que a proposta veio assim que eu
perdi o emprego e sua mãe não podia trabalhar por causa do resguardo. Foi só uma época, mas
foi a pior de todas.
— Se pudesse voltar atrás, faria algo diferente?
— Eu não sei, eu tinha portas se fechando na minha cara o tempo todo, não tinha outro meio.
Queria poder voltar no tempo e tentar outra coisa, ter tido outra oportunidade, mas... Não vou ser
hipócrita, fiz por meus filhos, eu faria qualquer coisa por vocês. Mas se eu soubesse que ela estava
grávida, sim, eu recusaria, eu faria tudo diferente sim. Soube que a menina estava prenha dias
depois, no “noticiário da boca do povo”, quis me matar de tanto remorso. Se não fosse sua mãe
pra me dar apoio... Obviamente ao ver minha reação ela logo teve a certeza do que fiz, mas
como sempre ficou do meu lado. Nós mudamos de lá, consegui um trabalho, e ficou mais fácil de
seguir com a vida, até agora.
— Tudo bem. — eu me sento do seu lado e o abraço, o que eu ia fazer??? — Tá tudo bem,
agora! Tá tudo bem!
— Não, não está não! As coisas que Fred disse me fizeram pensar...
— Olha pra mim! — eu peço e ele levanta a cabeça — O que você fez uma vez, eles fazem
todos os dias durante anos, sem necessariamente precisar! Não vem pirar agora não! Ele não pode
te julgar em nada, só doeu porque foi a mulher dele! E quantos homens eles deixaram sem
esposas? E quantas mulheres eles deixaram sem maridos? E não tô falando de uns trocados não,
pai, porque vinte mil pra mim, é troco perto da fortuna que aquela família fez fazendo a mesma
coisa!!! E ainda fazem, Jon que o diga! Jon, Cat... Então não vem dizer que não existe perdão pra
você. Você fez errado, cometeu um crime, não devia ter feito isso, e vai pagar com a consciência,
mas você não é pior que ninguém ali!!!
— Ela estava grávida...
— Mas você não sabia! Não foi isso? É isso, não é!? Fale a verdade.
— Não, eu não sabia!
— Pois então! Pare de se condenar tanto, já foi, você já fez!
— Tiago me odeia, meu filho...
— Tiago é um moleque, um dia vai entender. É outro que não pode falar nada. Está estudando,
pai. — ele sorri — Está lá nos estrangeiros, passeando, estudando, tudo com dinheiro de crime!
Dinheiro que a Cat deu a ele quando “morreu”. Tá crescendo na vida, não pode falar de você
também!
— Ele tá aonde?
— Em Nova York. Vou te mostrar uma foto!
Eu dou risada ao me lembrar de suas poses no Central Park, mas ao tirar o celular do bolso, ele
toca urgente. Era o aparelho de celular de Dom. Meu coração se aperta.
— Calma, aí. Preciso atender, é o irmão da Cat!
Eu falo e ele assente, me levanto e atendo.
— Fala, Dom.
— Escuta! Sua esposa chegou aqui de mala e cuia!
— O que? Cat foi embora da instituição? Por quê?
— Eu não sei. Só sei que quando a gente pergunta ela chora! Tá aqui negando pro meu pai, que só
voltou porque estava com saudade, mas tá com os olhos inchados de tanto chorar. Fred está aqui,
trouxe ela de lá!
— FRED??? O que ele tá fazendo aí?
— Não sei. Acho que a procurou, se encontraram, e ele trouxe umas bolsas dela, pra ela não pegar
peso. Eu-não-sei! Só sei que a Cat não está bem! Está muito triste, como nunca vi antes! Quando eu
perguntei o porquê ela voltou, ela disse: “também não sou bem-vinda aqui, não!?” Eu acho que ela foi
expulsa daquela espelunca! O lugar que ela mantém de pé por anos, por amor! Expulsaram ela de lá!
Vem logo pra cá, porque com a gente ela não fala!!! E minha mãe tá com medo dela ter problemas
com o bebê!!!
Ele diz, desliga, e eu tento controlar a raiva. Não mandei ligar se acontecesse alguma coisa??? Mas
que porra!!!
— Vamos! Eu preciso voltar!!! Cat não está bem, está com problemas.
— O que aconteceu???
— Eu não sei! Precisamos ir.
— Eu não vou voltar agora! Quero ficar aqui, mais um pouco! Eu... Depois eu vou, me mande
notícias.
— Acha que nasci ontem? Precisei ser ótimo em psicologia para estar onde estou! Jamais vou
deixar o senhor sozinho. Tu vai se manter vivo e de pé pra enfrentar isso. Vai chegar um dia em
que não vai doer tanto, eu prometo! Agora vamos!
— Sua mãe... O que disse pra ela?
— Disse que o senhor precisou de umas férias dela!
Ele ri e eu pego a mochila.
— Foi quase isso! Tadinha da minha velha, eu amo tua mãe.
— Tá lá, fazendo a arrependida!
— Ela vai amar Cat! Tenho certeza.
— Claro que vai, descobriu o podre da nora favorita.
— Esse Tiago também, hein!? — ele ri — Pegou tua mulher. Como não surrou ele?
— Eu daria uns belos murros se eu ainda sentisse algo por ela. Mas só a desprezo. Acho que
sempre soube que ele gostava dela, desde sempre. Resolvi não empacar, afinal, enquanto ela era
minha, ele nunca tentou me foder, sempre “sofreu calado”. Enfim, quer comer que coma, pra mim
ela não vale de nada, pra ele, ela pode significar algo, ser outra mulher! Quem sabe melhorar
como pessoa, por ele!?
— É, eu não sei não. Não sei o que dizer sobre Barbara. Mas... E a Cat? Como vocês estão!?
Ele pergunta quando abro o portão e peço um Uber.
— Bom, eu e Cat... Estamos indo.
— Pela sua cara estão indo mal.
— A fase tá difícil, mas vai melhorar!
Decido não contar para sua culpa não aumentar.
— Vocês brigaram por causa de tudo isso, né!?
— Não. Cat que se cansou da minha bagunça e descobriu que eu ronco! — tento fazer ele rir, mas
não consigo — Tá tudo bem, pai. Ela só não conseguia olhar pra mim sabendo que a família dela
estava apoiando o Fred. Catarina adora o senhor. Quando ela souber que o senhor está bem de
novo, vai voltar pra mim! Aliás eu acho que ela já sabe. Dom disse que Fred está lá e eu não
gostei nada nada de saber.
— Ele não fará mal a ela, não! Falou nela o tempo todo enquanto balbuciava sozinho. Acho que a
fantasma gosta dela.
— É Paula, pai! Fale o nome dela!
É PORQUE VOCÊ PAGA AS CONTAS!

— Me dá! Deixa eu ver!!!

Arranco a câmera da mão de Nala e olho foto por foto.

William ajoelhado, beijando minha barriga, olhando para mim com aquele olhar apaixonado, no
portão me encarando...

Fotos lindas, o homem mais lindo do mundo.

— Ele é tão lindo!!!

Nala exclama em um português manjado e eu a encaro de cara feia.

— E é meu, zóio de bomba! Sai fora!!!

Ela ri e prometo devolver a câmera após pegar as fotos para mim e excluir as originais do
aparelho.

— Meu...

Resmungo baixo ao fitar as fotos de novo, e sigo para o quarto.


Baixo no Notebook, passo para o celular, vira papel de parede, e eu excluo todas as que ele
aparece da câmera.

— Só meu. Meu e de mais ninguém.

Releio a mensagem em que diz me amar, após minha mensagem explicando sobre a aliança, e
choro sentindo o mais puro amor.
Fez uma carinha tão de “cachorro que foi abandonado”, que partiu meu coração. Eu tive que tirar
a aliança, estava me machucando.
Assim como vê-lo sofrer também me machucava.
Foi melhor assim, dar um tempo foi o melhor para nós dois.
Não conseguia encará-lo enquanto Fred mantinha seu pai em cativeiro. Me sentia culpada demais.

"...Será minha por direito na justiça..."

Porra de homem para me botar maluca.


Nunca ouvi falar disso, será que isso existe? Apostava que sim.

Sorrio.

Não precisava abrir um processo para eu pertencer a ele. Eu já era dele, para sempre.
Eternamente.

— Mamãe ama o papai!!!

Sussurro acarinhando a barriga.


Theo se mexeu ao ouvir a voz dele. Ele mexeu pela primeira vez ao ouvi-lo.

— É óbvio que você o ama! Como não amá-lo, não é!? Ele é puro de coração. Ainda é... É por isso
que você o ama, vocês são iguais, meus bebês, meus anjinhos. — sorrio e não me sinto uma maluca
ao falar com ele, eu sabia que ele podia me ouvir — Os seres que eu mais amo no mundo. Meus
dois bebês chorões. Porque eu sei que você vai ser igualzinho a ele. — dou risada — A cópia
idêntica.

— Meu neném gostoso... meu nego tristinho...

Me deito e encaro o teto.

Me lembro da vadia encostada em seu carro, que raiva... William era perfeito, e por ser perfeito,
despertava cobiça. Aquela vadia que o diga. Daria tudo para...

— Quieta. Pense coisas bonitas, coisas boas pro bebê nascer feliz. — acarinho a barriga e sorrio
— Vamos pensar em coisas boas... vamos ver se papai ainda está por aqui, e quem sabe ligar!?
Conversar!? Mamãe ama o papai, mamãe quer ficar perto do papai, Theo!

Me empolgo e abro o sistema básico do cartel.

Vejo seu carro estacionado em uma rua de barzinhos e fecho o Notebook.


Pelo jeito, não estava sofrendo tanto assim.

Agora você não pode cobrar e exigir nada. Você quem pediu isso!

— É, eu acho que o papai tá esquecendo a mamãe. Está ajudando o vovô, sendo o herói no
trabalho, saindo para beber, socializar, conhecer outras mulheres... está seguindo a vida dele, como
a mamãe pediu.

Suspiro e sinto dor na garganta.

— Falando sozinha?

Gael ri de mim.

— Fiz a besteira de procurar saber onde ele estava. Aquelas de chegar de repente, como um
encontro por acaso, conversar como se fôssemos desconhecidos. Tentar... sabe!? — ele concorda
lamentando — Está em um bar.

— Pelo jeito que saiu daqui, com certeza é compreensível. A última vez que me encontrei com ele,
ele estava chorando no corredor, depois de falar contigo. Ele está sofrendo demais. Sair para
beber com os amigos pode aliviar. O certo seria você...

— ...Não vou voltar. Não posso! Não quero mais ver ele sofrer pelo pai! Meus pais estão apoiando
Fred. Nesse momento, sabe se lá Deus, o que ele está fazendo com o coitado, e William não pode
ajudar. Jon não quer dizer onde estão, minha irmã não faz nada. Era só questão de tempo até ele
passar a me olhar como uma inimiga, e eu não ia suportar ver seu amor por mim evaporar. Não
consigo. Foi melhor assim.

— Você tá sendo muito boba, o cara te ama! Jamais terminaria contigo, ele sabe que você não tem
culpa! — Gael me olha com ternura — Já parou para pensar que o que você está fazendo é o
oposto do que prometeu a ele? “Na alegria e na tristeza...”, além de sua família apoiar essa
crueldade com o seu sogro, você ainda o abandonou para ele sofrer sozinho. Está pensando em
voltar para ele quando ele ficar bem, isso é egoísmo demais!

Ele se senta nos pés da cama.

— Não consigo encarar ele! Você não entende! Ninguém entende. Estar na minha pele ninguém
quer, só me julgar já é o bastante. Eu deixei Millena abrir o bocão, foi minha culpa!!!

— Tudo bem. Não falarei mais nada, afinal, quando ele aparecer com uma mulher, você vai
repensar em tudo. Não vim para discutir contigo! A mãe disse que você tem visitas! Me gritou da
escada, eu estava descendo e vim te chamar! Deve ser seus pais! Sai dessa cama!

Ele resmunga triste e abre a porta para ir embora.

— Me desculpa. — eu peço e ele concorda com a cabeça — Mas não se intrometa mais nisso.
Esse lar é para crianças que fogem de sua casa ou região em conflito! Estou no lugar certo.

— Só que você não é mais aquela criança assustada. Você está velha demais para fugir dos seus
conflitos. Naquela época, não, mas agora você já sabe se defender e muito bem. Você explodiu o
palácio do Planalto, mulher, virou heroína nacional nos livrando de uma dúzia de políticos corruptos,
o mundo falou de você, os brasileiros, então, te adoraram. Agora, olha para você. Escondida,
parecendo um gatinho acuado. Não reconheço você, essa não é você. E não culpe Theo pela sua
covardia!!! Pare de culpar o menino, que ainda nem nasceu. Se continuar desse jeito, por tua culpa,
ele nascerá no meio de crianças que estão aqui por falta de opção melhor. Theo não precisa disso,
não precisa comer sobremesa contada, ele pode ter um lar de verdade, e ter pais unidos e que se
amam de verdade. Você acha que está fazendo bem para ele, mas eu não vejo nada de bom em
tirar esse momento do pai dele! Vai ter que prestar contas quando ele nascer, e muito
provavelmente, ele vai te odiar como você já odiou sua mãe, pelo mesmo motivo! Ela arrancou você
do seu pai, você a condena até hoje, e agora está fazendo o mesmo. Pode negar, mas está
fazendo o mesmo!

— VAI EMBORA DAQUI!!! VAI CUIDAR DA TUA VIDA!!!

Jogo um travesseiro nele e ele sai negando com a cabeça.


Não me lembrava do quão irritante Gael era! Grosseiro...

— ESTÚPIDO!!!

Eu grito puta da vida.

— O que está acontecendo aqui???

Dona May passa por ele e fica boquiaberta ao ver o filho sair pisando duro.

— Gael me xingando! Me chamando de covarde, egoísta, velha demais para morar aqui!!! Me
expulsou daqui, tá! Foi isso o que ele fez, me expulsou! Disse que tô fazendo com Theo o mesmo
que minha mãe fez comigo, com meu pai. Nunca disse que ia tirar o Theo do William!!! Nunca!!!
Nunca faria isso!!!

— NUNCA DISSE, MAS ESTÁ FAZENDO!!! É ISSO O QUE VOCÊ ESTÁ FAZENDO, ESTÁ TIRANDO DO
DELEGADO A OPORTUNIDADE DE SER PAI DE VERDADE, DE VER TUA BARRIGA CRESCER, E TUDO
POR UM MOTIVO IDIOTA!

Ele dá meia-volta quando escuta o que eu digo sobre ele. Queria rebater, claro, o ignorante.

— VAI EMBORA! JÁ NÃO TE MANDEI IR EMBORA???

— NINGUÉM VAI EMBORA! PAREM DE GRITAR AQUI! TEM BEBÊS DORMINDO, E VOCÊ NÃO PODE
FICAR ASSIM, MENINA! — dona May fica nervosa — Poxa vida, depois de velhos brigando desse
jeito, nunca foram disso!!! — ela olha de um para o outro — Essa menina foi parar no hospital,
quase perdeu o bebê e você faz isso!? Ela não pode ficar nervosa, ela está com pressão alta, meu
filho, tenha misericórdia!
Ela encara Gael e o mesmo fica indignado.

— E é por isso que é desse jeito! Mimada! Todo mundo passa a mão na cabeça dela. A senhora
sempre fez isso. Não vê que ela está aqui porque a senhora sempre mima ela? Ela faz as
burradas dela lá, e corre para cá, por que será!? A senhora apoia as maluquices dela. Ela casou
mãe, já é mulher feita, largou o marido. Ela tem que voltar para casa dela!

— Meu problema é largar William, ou é ter o William? Ter largado meu marido, ou ter me casado?
É ciúmes isso? Porque é o que está parecendo.

— Vai por mim, não tenho o menor tesão em mulher covarde, o que você tem de bonita, tem de
entojada, mimada e irritante. Aliás, foi sorte ter encontrado um homem, o cara merece uma
medalha de honra por te aguentar! Deve ser mais difícil lidar com você do que acabar com a
corrupção e criminalidade em São Paulo.

Gael desabafa andando de um lado pro outro.

— Mas o que deu em você???

Dona May fica de novo boquiaberta com o que ele diz, como eu.

— Deu que já deu para mim. Isso sim!

— Deu né! Depois de me dizer tudo o que disse! — encaro dona May — Ele disse que aqui não é
mais meu lugar, que não é lugar para meu filho! Que aqui é lar de crianças que não tem nada
melhor. Deixou bem claro que não sou bem-vinda. Deixou muito bem claro!!! Disse que não me
reconhece, me chamou de gato acuado, com medo!!! Que só tô aqui por medo! Ele foi cruel!!!

— Olha, eu preciso bater palmas para você! — e ele bate — Distorcendo tudo o que eu disse.
Normal. Sempre fode a vida de quem quer te ajudar! Você é uma porra de uma atriz!!!

— GAEL, QUE JEITO É ESSE DE FALAR??? — ela o encara — Escuta aqui, você é muito bem-vinda
aqui! A casa é sua, sempre foi! Aqui não tem idade para permanecer, fica aqui quem precisa, e
quem quer, aqui nós acolhemos, é isso o que fazemos!!! Você é de casa, vocês são irmãos,
cresceram aqui, e juntos! Grudados! Não dê ouvidos a ele, não sei o que esse menino tem hoje.
Você está em casa aqui, sempre esteve.

— É claro, ela paga as contas! — O quê??? — Mantém o instituto com caridade. Princesinha Cat,
tão caridosa!!! É óbvio que pode permanecer, nos tirou do buraco, vive com a carteira aberta, e em
troca, recebe passadas de mão na cabeça, e umas dezenas de “sim's” por dia! Sustenta a casa,
então pode fazer o que der na telha, dinheiro é dinheiro, não é mesmo!? — ele me encara —
Pelas crianças e pelo o que teu dinheiro faz por elas, minha mãe precisa aguentar muita coisa.
Inclusive sua presença insuportável, sua birra, sua malcriação, seu vitimismo, e agora, sua dieta
especial, o quarto exclusivo de repente... como se gravidez fosse doença. Dinheiro é bom e as
crianças precisam.

Ele diz e tira de mim qualquer possibilidade de argumento e contra-ataque.


Eu encaro Gael, e chegava a minha vez de não reconhecê-lo. Passo a vê-lo embaçado, preciso
abrir a boca para respirar, porque minha garganta se fechou por completo e eu... eu não
entendo.
Estava claro que ele estava nervoso por me ver fazer “uma grande besteira em minha vida”, mas
também estava claro que aquele era um pensamento que ele carregava com ele há muito tempo.
Já fazia muito tempo que Gael queria soltar aquilo.

— Gael...

Dona May chora e eu viro de costas. Fico sem rumo. Não sabia nem o que pensar.

— Filha! Não... por favor... — Ela se aproxima de mim, sinto ele sair, e eu respiro fundo — Não é
nada disso! Nunca foi!

— Eu tenho um dom horrível que se chama “saber quando as pessoas mentem” e eu sei que ele
não mentiu! Eu sei que sou difícil de lidar, e é bem complicado me aturar. Ele não é o primeiro da
família que diz isso, eu vou fazer a minha mala.

— Não faça isso, eu amo ter você aqui! Sempre amei cuidar de você. Eu sinto muito sua falta
quando você não está. Eu quero você aqui. Sabe que aqui é seu lugar, por isso que se sente tão
bem aqui, é tua casa!

— Não é mais! Já não me sinto bem! Mas para deixar claro, eu continuarei te ajudando, mesmo
que de forma anônima.

— Pro inferno essa ajuda! Eu cuido de você desde menina!!! Fiz mais que aquela tua mãe. Eu criei
você, isso não pode mudar porque Gael falou bobagem. Ele estava nervoso com você, estava
assim desde que você apareceu aqui! Ele não quer te ver sofrer. Falou isso para você voltar para
tua casa, ficar com William, ser feliz! Ele lamenta, conheço meu menino, nunca te magoaria de
graça, Gael ama você.

— Eu não sei mais o que significa essa palavra, dona May. Definitivamente, não sei! Se isso é amor,
então não quero mais fazer parte disso. Nem dar e nem receber.

Eu resmungo e arrumo tudo.

— Entrega isso a Nala! — coloco a câmera em suas mãos entrelaçadas. Ela chorava enquanto me
via arrumando tudo — É dela!

— Não pode dar presentes às crianças, sabe disso!


— Eu tô indo embora, meu Deus! Não vai ter que aguentar meu anarquismo. Além do mais, faz
mais de um ano que dei essa câmera a ela, se eu não falasse, nunca ia saber, a senhora nem viu!!!
Se não devolver a ela, venho aqui e dou outra! Ela vai estudar fotografia, sairá daqui empregada
e ganhando o dinheiro dela fazendo algo que ama, e faz muito bem, as fotos ficaram lindas.
Minha desobediência e sua dedicação darão um futuro a ela! Agradeça ao invés de se preocupar,
ou ficar implicando. Todas as meninas ficaram felizes ao vê-la feliz, quando eu trouxe, não houve
briga!

— Cat, tem um moço... onde você vai???

Lumi, entra no quarto sem bater.

— Vou para minha casa. — eu lamento por ela me ver, não queria que nenhuma delas me vissem
sair — Fiquei muito tempo aqui. Tempo demais.

Ela fica decepcionada.

— Vou chamar a Layla!!!

Ela corre e eu não deixo.

— Não vai, não!!! — não aguento e choro. Abraço seu corpo com força, me ajoelhando, e ela se
debate para se soltar — Lumi!!!

— Por que tá indo embora??? Tá tirando tudo do armário. Eu uso essa blusa. — ela bagunça a
mala aberta, e sacode a regata que sempre desejou ter para si — Eu uso suas roupas quando
você não está, por que tá tirando tudo??? Por que você tá tirando tudo? Você nunca levou tudo!

— Tá tudo bem! Para com isso!!!

— VOCÊ NÃO VAI MAIS VOLTAR, NÃO É!? POR QUÊ???

— Eu vou voltar, sim! É que agora casei, com o Theo vai ficar mais difícil sair! Preciso de repouso.

— Você se separou, que eu sei, e estava AQUI de repouso! Por que está mentindo? MENTIROSA!!!
Vai ter um filho e vai nos esquecer aqui! Vinha cada vez menos, agora é permanente!!!

Lumi vai falando e seu português também vai se enrolando. Como seu idioma natal ainda é muito
falado por estar no instituto entre os seus, seus gritos começam em português e depois termina em
kiswahili.

— Vem, Lumi, ela não está indo embora de vez, ela só estava brigada com o Will, mas agora se
entenderam, ela vai continuar vindo aqui sempre que puder.
Dona May a puxa pela mão, mas ela se solta.

— A senhora também mente muito mal! Me solta!!!

Ela corre para mala e joga todas as minhas roupas dentro armário, tudo de novo. De qualquer
jeito.

— Vai ficar aqui, vai ficar aqui! Não se abandona família! Não se abandona Lumi! Não se
abandona Lumi!!!

Ela gesticula negando com o dedo, chora, joga a mala vazia pela janela, e fica tentando fechar a
porta do guarda-roupa, sem sucesso, estava um caos. O armário, eu e ela.

— Vai atender o rapaz. Eu falo com ela!!!

— Que rapaz?

— Sua visita! Vai lá!

Ela diz, eu olho para a pequena revoltada uma última vez, e saio secando o rosto e me
recompondo. Ela estava nervosa demais no momento, não dava para ter uma conversa decente. E
além do mais, Lumi ainda era muito menina, nunca entenderia.

Paro na porta, respiro, ouço ela chorar alto e reclamar de mim, e fujo.

Sigo para o jardim, e o mundaréu de crianças me confundem.


Tirando os instrutores, não tinha ninguém de fora ali.

— Oi.

Sua voz faz meu desespero crescer.


Me viro e o vejo. Não tinha a menor noção de quanta saudade eu sentia.
Estava tão em paz, “limpo”, feliz...

— Vim desarmado para minha própria segurança! — Ele ri e eu olho em volta. — Aqui você não
pode tentar me matar. Não na frente delas.

Ele fala baixo sorrindo e eu nego.


O abraço, me esquecendo de tudo só por um momento, e sinto uma fenda se fechando dentro de
mim.
Ficou cicatriz, sim, mas parou de doer.

— Eu senti tanta sua falta!!!


— Eu também, eu também.

— Você está bem? Cadê meu sogro? O que fez com ele?

— Eu estou bem, me vinguei como prometi!!!

Ele sorri e eu choro.

— Me vinguei dando a ele o pior destino que poderia ter! — ele puxa minhas mãos quando eu
escondo meu rosto, e seca minhas lágrimas — Deixei ele vivo para conviver com o que fez, para
sempre.

— Mentira!!!

— Verdade. E não foi por falta de tentar. — ele ri — Fiquei semanas tentando matá-lo.
Literalmente com a arma apontada para sua cabeça, mas Paula, como sempre foi em vida,
permanece bem teimosa, até na morte. Não me deixou em paz. Ficou do meu lado até eu entender
que cabia a Deus decidir o destino dele, e minha mulher não sente nada além de amor pelo velho.
Vai entender... — ele ri — ela o perdoou, e é por isso que está em um lugar melhor que o nosso.
Paula pela primeira vez, desde que se foi, me fez sentir. Sentir alguma coisa que não fosse raiva e
sede de vingança! — ele me olha e seus olhos ficam vermelhos de repente — Quando eu pensava
nela, não era só com amor, eu sentia raiva também. Não por ela, mas por toda a situação, por
tudo o que aconteceu. Agora não! E não sentir mais aquela raiva me deixou tão... tão mais leve!
Sabe? Eu tô leve!!!

— O que fez com ele?

— Cat, eu bati nele, gritei, desabafei, engatilhei a arma um milhão de vezes, e fiquei lá. Sentado
na frente dele, tentando entender o porquê não conseguia apertar o gatilho, ou arrancar seus
olhos só para começar.
— ele sorri — Eu vi a Paula. Ela apareceu para mim, e eu nunca senti uma paz tão grande como
agora. Ela disse que o velho teve seus motivos, que eu talvez, nunca entenderia, mas que foi
necessário. A realidade dele o forçou, ele não sabia que ela estava grávida, e ele não queria
fazer aquilo, mas as circunstâncias os forçaram. Ela garantiu que eu não tinha noção do quanto o
velho sofria, e que matá-lo só seria um favor imenso a ele, mas que eu não podia fazer isso, ele
precisava passar por aquilo, vivo. Disse que eu precisava perdoá-lo, porque ela precisava
descansar e nunca conseguiria, enquanto eu prendesse sua alma aqui, no lugar que ela chamava
de escuridão. Eu não tinha que ter pena de sua morte precoce porque ela estava extremamente
bem, mas eu tinha que ter piedade dele, que estava em sofrimento, e fadado a sofrer demais,
aqui.

O meu perdão a ele, faria nós dois, ele é eu, nos libertar dessa dor imensa, e era só isso o que
importava. Paula queria sentir orgulho de mim, queria ver de novo, aquele cara por quem se
apaixonou, e eu não era mais o mesmo. Eu precisava, por mim, e por ela, perdoar seu Francisco, e
deixar ele seguir com a vida dele, porque foi aqui que ele fez o que fez, então era aqui que ele
tinha que pagar.

Ele parece tranquilo e aquilo me enche de felicidade.

— Me perdoa por tudo!

— Nem preciso. É teu sogro, teu casamento, eu entendo você. Entendi sua atitude! Provavelmente,
eu faria o mesmo que você e William fizeram! Também protegeria meu pai, independente de
qualquer coisa, e não dava para você não escolher ficar do lado dele. Eu também escolheria não
ver Paula sofrer, se fosse eu na sua situação. Eu também escolheria ela ao invés de você, mas eu
sei que só os dois estão acima de qualquer pessoa para nós. Eu te amo, e sei que você me ama. Se
fosse outro homem teria me ajudado nisso, teria me ajudado a matá-lo, mas você não teve escolha.

— Fred!

Eu o abraço de novo e ele retribui. Ficamos ali, assim, por minutos inteiros.

— Eu preciso ir agora! Só vim saber como você está! E esse barrigão aqui!?

Ele toca minha barriga com carinho.

— Para onde você vai?

— Ainda não sei, acho que preciso ir para um lugar. Esses últimos acontecimentos me trouxeram
memórias que... eu nunca deveria ter esquecido. Depois que o bebê nascesse havíamos combinado
de ir até o México. Não sei que raios​ ela queria lá, mas sempre quis conhecer. Acho que seu pai é
de lá, o pai ou a mãe, não me lembro. Sonhava em ir até lá enquanto eu escolhi o Havaí. Acho que
ela estará lá também. Preciso fazer essa viagem, por mim e por ela. Acho que pode ser um
recomeço.

Ele sorri.

— Então, no fim, você não superou. E a Grim? Vocês não vão conversar???

— Eu superei sua partida, mas nunca vou deixar de amá-la. É diferente agora, eu consegui aceitar
e entender. Isso não significa que eu preciso esquecer que ela existiu. Muito pelo contrário. — ele ri
— Ela mesma me disse isso! Claro que nunca será fácil, mas cada dia que passar, doerá menos.
Agora, eu acho que sua irmã ama teu pai. Yan é a melhor opção para ela, eu estou bem, mas
continuo não sendo ninguém, e não tendo nada a oferecer pra ela. Rubi merece o melhor da vida,
Paula também disse isso. — ele sorri — Disse que Rubi merecia um Fred melhor.

— Já imaginou aquele rabão em um biquíni no México? — eu zombo e ele ri, vermelho como um
pimentão — Fred, eu nunca vou me perdoar por ter te ameaçado, e nunca mais seria a mesma se
eu realmente tivesse matado você. Eu amo você. Mas William é tudo pra mim, eu faria tudo de
novo. Preferia ter te matado a te ver preso. Preferia ter matado você a ver William passar o resto
dos dias sofrendo como você sofreu. Perder alguém que ama de uma forma tão cruel, e
principalmente, de novo, o motivo de sua dor ser novamente alguém da nossa família. Eu não podia
vê-lo assim, eu não podia vê-lo me odiar, odiar nossa família, eu não aguentaria!

— Para de chorar, pelo amor de Deus. Não foi nada fácil ficar preso, nem na prisão e nem no
esconderijo secreto de Jon. Eu queria muito que você tivesse me matado, porque enquanto vivo, eu
nunca ia parar. Nunca. Eu preferia morrer pelas suas mãos a ver você sofrer. E eu soube o quanto
sofreu, soube que se separou dele por minha causa. Eu lamento muito.

Ele me abraça de novo e eu me sinto cada vez melhor.

— Não lamente, não. Seu Francisco está vivo, e você está bem, na medida do possível. Era isso o
que faltava para eu ficar feliz. Meu irmão de volta, com a sanidade intacta, — dou risada — e o
homem que o William mais ama no mundo: vivo! Graças a você estou feliz de novo. Só prometa
que vai voltar. Não pode me deixar, sou sua família!

— Eu vou voltar. Já não posso mais viver sem você, não vou nem tentar.

— Por favor, não deixe Rubi ouvir isso!

Fred ri, me agarra de novo e eu beijo sua face cheia de barba.


Era inexplicável o que significava ter Fred ali, de volta. E principalmente, ter um final “feliz”.

— Deixa eu ir embora antes que você se arrependa e tente mesmo me matar...

Ele ri se afastando.

— Não vai, não. Fica mais um pouco! Você já foi em casa?

— Não, ainda não!

— Então por que não fica mais um pouco? Aproveita e me dá uma carona, eu tô sem carro aqui,
vou voltar pra casa da mamãe e do papai!!!

— Como será que vai ser minha recepção, lá?

— Vai ser uma festa! Tenho certeza!!!

Garanto, o agarro pelo ombro, ele me acompanha até o quarto, e hesita ao entrar, zombando da
minha cara. Podia jurar que eu estava armando uma emboscada. Palhaço.

— Para de graça, não tenho forças para te machucar. Theo tá me impossibilitando de fazer muitas
coisas.

Puxo ele para dentro e encontro uma Lumi adormecida, com uma dona May pensativa, velando seu
sono.

— Chorou tanto que dormiu.

Dona May levanta parecendo abatida demais.

— Ela estava cansada, brincou de roda o dia todo.

Eu respondo e encaro o armário arreganhado e amarrotado de roupas desdobradas.

— Você vai mesmo!?

— Vou. — respiro fundo — Esse é Fred. Aproveitei sua visita para já pegar uma carona.

Eles se cumprimentam, eu volto a encarar as roupas, e decido por só pegar minha bolsa pessoal, e
algumas coisas importantes na mala de mão.

— Vou deixar tudo aqui. É dela! Sei que ela usa mais do que eu, mesmo! — beijo minha neguinha,
sinto seu cheirinho pela última vez, e uma lágrima cai em sua bochecha. — Eu te amo, minha
pequena luz!

Digo baixinho, seco o rosto, e me levanto da cama devagar.

— Não vá deixar a menina doente. Venha vê-la, ou ligue.

Dona May diz sem me olhar nos olhos. Queria chorar, mas não na minha frente, e queria sim, mas
se recusava a insistir para eu ficar. Estava brava comigo. Muito provavelmente o que ia sair
dizendo é: "brava por perder a criação do seu neto do coração."

— Se cuida.

Eu beijo sua bochecha enrugada e ela finge que não fiz nada.
Eu tento memorizar suas expressões e seu cheio bom, cheiro esse que eu estava acostumada por
tanto abraçá-la, e dou-lhe as costas antes de chorar de novo.

— O que aconteceu? Por que está indo embora assim?

Fred carrega as bolsas sozinho, mas antes de eu responder, somos interrompidos no meio do
caminho.

— Está me odiando agora, mas depois vai me agradecer.


Gael diz, e eu encaro seus olhos inchados do choro escondido.
Meço-o da cabeça aos pés, fico tentando entender, pensando em suas palavras, mas eu ainda
tinha raiva demais dentro de mim. Esvazio minha mente, respiro fundo, faço cara de paisagem, e o
deixo lá, parado.
Eu nunca mais ia esquecer o que me disse, nunca mais. Eu era só dinheiro para ele, ali, mas dinheiro
também não perdoava.

— O que aconteceu???

— Não foi nada. Só me tira daqui! Tô cansada!

Respondo quando Fred pergunta de novo já no carro, e eu me recuso a estender aquilo, eu só


queria esquecer.

— Oh, meu Deus!!! PAI!!! MÃE!!!

Dom nos vê chegar primeiro e sai correndo, pulando e gritando.

Meu pai assustado, obviamente chega correndo com a mão na cintura, e respira aliviado e bravo
com Dom, ao ver que era apenas nós, e não uma ameaça. Que engraçado é a vida, na real em
um tempo atrás, éramos uma ameaça.

— Ah! Não!!!

Minha mãe me ignora, agarra Fred, e eu entendo.

— Como é bom ver você!!! RUBI!!! RUBI, VEM AQUI!!! — Ela grita e puxa ele pra dentro — Entra,
vou ligar para todo mundo!

— Nossa, que felicidade em me ver. Qual o motivo???

— O motivo é que você voltou para casa! Estávamos mortos de preocupação, garoto! Não sai daí!

Minha mãe vai pro telefone e eu me sento no sofá.

— E você? O que faz aqui? Que bolsas são essas???

Dom encara as bolsas.

— Como assim "o que eu faço aqui"? Também não sou bem-vinda aqui?

— Por que, "também"?

Meu pai fica curioso e minha garganta se fecha.


— Nada, ué! Falei sem pensar. Vim pra ficar!

— Por que?

Dom começa. Merda.

— Porque eu quero, ué.

— Ela mente! — ele aponta pra mim e encara meu pai — Ligue pra instituição, vai ver o que eu tô
falando.

Meu pai ergue uma sobrancelha pra ele, e me encara.

— O que aconteceu?

Ele pergunta e eu volto a ficar chateada. Novamente vejo tudo por um borrão, e fico tentando me
recompor, enquanto nego com a cabeça e esfrego uma mão na outra, pra me livrar da umidade
devido ao nervoso. As palavras de Gael grudaram em mim de um jeito que eu sabia que nunca
mais ia esquecer. Eu passei a minha vida naquele lugar. Como ouvir que eu só era aceita ali por
causa do dinheiro que depositava??? Sabe quando a gente escuta uma verdade, que no fundo é
uma verdade tão gritante, e que a gente acaba “sem graça”!? Sem graça por nunca ter notado,
sem graça por no fundo saber que... era verdade, realmente.

— Só deu saudade.

— Ela...

— Dom! — meu pai evita gritar, Dom pega o celular, e sai parecendo planejar alguma coisa bem
maquiavélica — Conta o que houve, por favor!

— O irmão de criação dela, pegou a gente no corredor, vindo embora. Disse que ela o estava
odiando agora, mas que logo ia agradecer.

Fred conta sob meu olhar endurecido e não se intimida.

— Gael? — meu pai fica surpreso — O que ele fez?

— Ele não fez nada! Esqueçam esse assunto. Não quero falar nisso! Só quero comer. Não deu
tempo de almoçar. Tô com fome!!!

— Já liguei para todos. Estão a caminho!!! Vou colocar “água no feijão”. O que são essas bolsas!?
Veio para ficar???

Minha mãe entra na sala e também não me ajuda.


— Vim, e tô com fome!!! Quero comer!

Eu falo e ela me abraça feliz.

— Vou fazer um lanche rapidinho! E você!? Também tá com fome???

Ela encara Fred, aperta ele mais um pouco, e Fred faz uma cara engraçada quando ela sai. Minha
mãe nunca agiu assim com ele. Tava parecendo minha vó, afinal, tava mesmo ficando velha e toda
melosa, receptiva, e zelosa com todos. “Coisa de gente velha”. Sorrio.

— Ela só está nervosa. — meu pai explica — Feliz por te ver, e com medo de perguntar se você
matou seu Francisco.

— Não matei. Só tentei!

Fred tira a dúvida que também era do meu pai, e os dois sorriem um para o outro. Meu pai, assim
como eu, também ficou aliviado e feliz com a notícia. Até que Rubi chega com cara de sono,
parecia que estava no seu vigésimo sonho.

— Por que demorou???

Meu pai pergunta e ela se posiciona na frente de Fred. Vestia uma blusa de moletom até as coxas,
chinelos, e provavelmente, um shorts bem escondido. De braços cruzados estava, assim permaneceu.

Fred olhou pra ela, como William me olha quando me vê nua, de biquíni, ou lingerie... com amor,
desejo e paixão, mas logo se recompôs por causa da tosse suspeita de meu pai. Já Rubi estava
ilegível.

— Saiu... — ela resmunga — Nunca na minha vida eu achei que ia viver para ver isso.

— Saiu o quê, bruxa?

Fred sorri curioso, ainda sentado.

— Aquela aura negra que vivia ao seu redor. A mais negra que já vi! Não... — ela coloca um
dedo na boca — ...Segunda mais negra, que já vi. A primeira fora de William, assim que Cat caiu
desacordada na delegacia. Ficou daquele jeito por semanas, aliás. — ela me olha e pode sentir
minha dor ao ouvir aquilo, só desvio o olhar — Mas você está limpo, como eu nunca pensei que
estaria.

— E isso não é bom?

— É. É sim. — ela sorri, ele levanta, e a encara de pertinho, como se realmente estivesse com
saudades dela, e precisasse olhar pra cada detalhe de seu rosto — Por favor, não me beije, meu
pai está aqui! Vamos pro meu quarto!

Rubi sussurra assustada, Fred franze o cenho sem entender, afinal, beijá-la ali, não era o que ele
pretendia, meu pai fica vermelho como um pimentão, e muito constrangido, e de repente, não mais
que de repente, Rubi gargalha e se joga em seu colo.

Ela enlaça suas pernas em sua cintura, e ele a segura rindo e se divertindo com sua atitude.

— Eu te odeio!!! Seu... seu... cachorro, terrível e vingativo! Assassino gostoso.

— É bom te ver também!

Fred fala quando solta ela no chão, e a faz travar.

— Ahhhh!!! Quero meu Daryl de volta. Caçador de zumbis, todo sujinho, deliciosamente grosseiro,
cheio de pensamentos sujos, sem coração, e provavelmente, bom de cama!!!

Ela finge chorar.

— Permaneço do mesmo jeito, sua boba! A única coisa que mudou, é que deixei Paula partir, deixei
ela em paz. E... não quero mais matar o velho.

— Deixou ele ir para casa, não é!? Tô tão orgulhosa!!!

Eles sorriem um para o outro e ela toca sua face com carinho.

— Deixei. Ele já se condena o suficiente.

Fred confirma, ela sorri de lado, agarra seu pescoço com lentidão, meu pai foge dali, e ela se
aproveita disso para empurrá-lo no sofá, e subir em seu colo.

— Sabe que se o matasse, eu te perdoaria, certo!? — Fred sorri, confirma com a cabeça, e fica só
olhando pra ela como um bobo apaixonado — Pois é, eu ia. Meu franco-atirador selvagem e
letal... que tal subir para comemorar??? Uma foda bem louca para eu não sentir saudades, assim
que você procurar pela presença dela, de novo, en el México! — ela fala seu espanhol fluente — ¡
Usted me fode, gimiendo como un ogro, me ata, y me hace prometer esperar! ¿ Que tal, Papi?

Ela pergunta com voz de tele-sexo, ele ri alto, se recusando a responder nem que sim e nem que
não, e ela sai de seu colo.

— Ops! Você está aí! — ela zomba ao olhar para trás de repente, mas perde o bom humor ao me
olhar nos olhos — Ei...

— Não faça isso. Não invada minha cabeça, e não diga nada! Eu estou bem, muito bem! — eu me
levanto e ela balança a cabeça, fingindo acreditar — Não vá embora sem se despedir de mim!

Eu falo com ele e ele concorda. Subo pro quarto e me deito.

"— É claro, ela paga as contas! Mantém o instituto com caridade. Princesinha Cat, tão caridosa!!! É
óbvio que pode permanecer, nos tirou do buraco, vive com a carteira aberta, e em troca, recebe
passadas de mão na cabeça, e umas dezenas de ''sim's" por dia! Sustenta a casa então pode fazer o
que der na telha, dinheiro é dinheiro, não é mesmo!?Pelas crianças e pelo o que teu dinheiro faz por
elas, minha mãe precisa aguentar muita coisa. Inclusive sua presença, sua birra, sua malcriação, seu
vitimismo, e agora, sua dieta especial, o quarto exclusivo de repente... como se gravidez fosse doença.
Dinheiro é bom e as crianças precisam..."

Ouço novamente as palavras de Gael e sinto uma dor fora do comum.


Era isso. Era por isso que eu sempre fui bem recebida lá. Sempre fui chata, mimada, respondona.
Quem gosta de criança assim, e quem gosta de criança que cresce e permanece assim? Era o meu
dinheiro que me garantia uma boa receptividade. Eu dava trabalho para dona May, eu tirava a
atenção que ela deveria dar a seu filho de sangue. É claro que seu esforço em me aguentar era
pelas crianças e pelas portas que meu dinheiro abria.
Reformas, comida, sobremesas, roupas novas, livros, sala de informática, a galeria que ajudava
ainda mais com a verba, remédios, instrutores remunerados...
Sempre foi o dinheiro, nunca foi fácil me ter ali, aprontando, quebrando regras.
Nunca foi eu. Era só os ovos de ouro. Precisou Gael gritar isso, para que eu enxergasse. E eu
compreendia. Eu entendia. Mas que doía, Ah! Doía demais.

— Aqui... — minha mãe entra no quarto sem bater — ...Seu lanchinho!

— Deixa aí, já vou comer. Me deu um sono de repente.

— O que você tem, filha? Por que deixou a instituição?

— Só estava com saudade de casa.

— Você vai voltar para a sua?

Meu Deus.

— Vou, mãe. Eu vou!

— Ah! Não me olha assim! Eu queria tanto ver vocês dois juntos de novo. Vocês nem combinam
separados. — ela sorri — Perdem o brilho, parecem incompletos. Agora seu Francisco está bem,
Fred voltou, vamos superar tudo isso.

— Vamos ver. William está... está seguindo com a vida dele, está bem, eu acho. Eu mudei ele
demais, mãe, tirei muita coisa dele.
— As pessoas mudam com o tempo, Cat! É normal! Eu acho que ele está mais responsável, mais
sério... mas isso não é ruim. Vocês cresceram como pessoas, juntos, isso é bom. Agora estão
casados, terão um filho, não tenha medo das mudanças. Vocês se amam, converse com ele. — Ela
diz e eu só concordo com a cabeça. — Vou deixar você descansar!

Ela sai, deixa a bandeja na escrivaninha, e eu acabo apagando de tanto cansaço físico, e
emocional.

Acordo pelo o que parecia um minuto depois, com um peso ao meu lado.
William havia acendido o abajur, e me olhava dormir. Sua presença ali, fazia com que eu me
sentisse completa, feliz, ou pelo menos, aparentemente mais feliz.

— Oi, meu neném!

Ele diz e coloca uma mecha do meu cabelo na orelha.

— Oi!

— Como se sente?

— Extremamente triste. — pisco forte para dispensar mais uma rodada de choro — Perdida,
sozinha...

— Seu marido chegou! Agora tudo vai passar!

— Eu sou uma pessoa muito difícil... não é!?

— É. — ele sorri — É sim. E é por isso que é tão especial. Só fica do teu lado quem realmente te
ama. Por isso estou aqui, por isso sua família está aqui, por isso Fred foi te procurar, tua irmã ficou
do teu lado, mesmo brava, e seu tio, mesmo sabendo o quanto te magoou, e o quanto você insiste
em dizer que não confia mais nele, continua lá em baixo, só porque sabe que você está triste. Já
vai dar uma hora da manhã e estão planejando um assassinato violento para seu irmãozinho de
criação.

— Não quero que façam nada. Quem te contou?

— Eu passei lá. Fiz um belo estrago no rostinho de comercial de TV dele. Vai pensar duas vezes
antes de te magoar de novo.

— Bateu nele?

— Bati, e muito! Foi bem difícil parar. Nunca fui com a fuça dele mesmo. Amei ter motivos, enfim.
Disse que eu devia era agradecer, porque as coisas que ele disse te trouxeram de “volta para
mim”! Mal sabe ele que você nem pisou em nossa casa. — eu choro e ele sorri — Eu preferia
passar uma vida inteira tendo que ir até lá para te ver, do que ter você aqui, “no seu lugar”, com
essa carinha! Aquele lugar é a tua casa, sim, você que faz aquele lugar funcionar, é você quem dá
tudo o que aquelas crianças precisam, você sustenta o lugar praticamente sozinha, eu já parei pra
olhar quanto eles recebem do governo, e quanto você deposita, mês a mês, durante anos... você
sustenta aquela casa, mas não é com caridade, é com amor! Sua tia está desolada, a Lumi não
quer comer e nem se levantar, e o babaca desgraçado está sofrendo por ter te falado tudo
aquilo. E tem mais, você é uma pessoa muito, mas muito difícil de lidar, e a dificuldade é tanta, que
não existe dinheiro no mundo capaz de comprar a paciência que é necessária pra aguentar você!
— ele ri — Dona May é louca por você, se a garantia de ter você de volta, fosse parar com os
depósitos, ela aceitaria no ato. As crianças precisam sim, do seu dinheiro, mas ela não. Ela quer
você, e daria um jeito se a “mordomia” acabasse! Se ela não te amasse como ama, os milhões não
te abririam aquelas portas. É amor, e não grana! Você tem uma personalidade forte, odeia as
regras dela, mas é carinhosa, um denguinho, meu denguinho. Você pensa que não, mas é muito fácil
amar você. Talvez não seja fácil te entender, mas se for prestar bem atenção, nem precisa. Você é
um presente nas nossas vidas! Gael exagerou na hora de falar, mas...

— Ele me disse coisas horríveis. Coisas horríveis demais!!!

— Só pareceu verdade, porque é o que mais você teme, e ele sabe disso. Não ser amada pela
pessoa que é, tu tem esse sentimento desde pequena, amor. Ele acha que você precisa ser feliz,
acha que a gente precisa retomar nosso casamento, assim como seus pais, dona May... ele disse
que entrou no quarto, e de novo, te viu triste depois de falar comigo. Ninguém suporta te ver triste,
Cat! Ele fez errado, mas te magoar era um jeito que ele achou que te faria voltar para casa! Disse
que não quer ver Theo crescendo naquela casa, e bom, eu também não, e nem nossa família. Eu
queria ver nosso filho crescendo lá em casa, no quartinho que a gente planejou juntos, o quarto
que eu sonhei, a vida que eu planejei, levar ele comigo para os treinamentos, vê-lo todos os dias
no jantar, nos finais de semana. Queria, sim, e todos eles também. Por isso ele fez o que fez, por
isso eu não consigo te deixar de vez, e por isso Dom me ligou preocupado. — ele diz sorrindo —
A gente só quer ver você feliz, e você é tão turrona, tão cabeçuda, que a única forma que ele viu
de tirar você de lá, foi te magoando. Aquilo não é uma verdade, ninguém lá ama mais o seu
dinheiro do que você, e eu vi isso, não tô repetindo o que eles falaram pra mim, eu vejo isso! Vi
naquela noite, na premiação, diariamente quando eu te buscava ou te levava pra lá, eu vi pra
onde aquela bebezinha correu quando se machucou, vi o sorriso e a imensa alegria da futura
fotógrafa a ter VOCÊ como modelo. Você é muito amada, muito amada mesmo. Pelos dois, por
TODAS aquelas crianças, pelos voluntários, que só tem uma graninha na conta, todo o mês, graças
à você, por toda a tua família, e ainda mais por mim. Eu sou fissurado em você, eu sou maluco por
você! Eu te amo. — ele beija minha testa e seca meu rosto — Os dois estão acordados. — ele toca
minha face com carinho — Eu deixei meu pai com a minha mãe e vim pronto pra te levar de volta!
É lá que você é feliz, Gael vai se desculpar, e vocês vão se entender. Eu já liguei, estão te
esperando!

Ele fala, eu decido de uma vez parar de chorar e me aproximo.

— E você? Está me esperando também?


— Sempre. Pra sempre, e pacientemente. — ele sorri e pisca pra mim — Pelo menos por enquanto,
eu tô firme e forte.

— Theo me disse que quer voltar pra casa, e quer o papai de volta, imediatamente. Ele disse que
quer o papai e mamãe juntos e felizes.

— Theo é um garoto muito esperto, afinal, é nosso filho! Ele sabe que a mamãe e o papai só serão
felizes, juntos.

— Ele quer que você deite aqui um pouquinho, tá com saudade do cheirinho do papai, e que não
saia até a mamãe deixar.

Eu falo e ele me mede.

— Fico pensando no que você vai fazer comigo quando essa criança nascer.

— Eu vou me aproveitar da situação, e da garantia de que você amará nós dois pra sempre,
porque seremos sua família. Nós seremos a sua prioridade, estaremos acima de qualquer um pra
você, pra sempre. — eu digo e ele inclina um pouco a cabeça — Vem cá...

Toco em sua mão, que repousava na borda da cama e ele sorri.

— Só se for pra sempre! — ele dá sua condição — Se for pra dormirmos separados amanhã,
como se nada tivesse acontecido, não quero.

— Tão exigente...

Subo em seu colo e ele me vira e me posicionando deitada, fazia isso com tanta leveza e graça
que nem parecia que eu estava super acima do peso. Meu neném forte, aguentava carregar a
mamãe e o bebê. Meu herói.

— Eu vi seu carro estacionado na rua dos barzinhos...

Eu nem acabo de falar e ele ri achando graça.

— Fomos “comemorar” o fechamento do caso da boate. Depois de meses, eles mereciam isso!
Estava eu, Manuela e um bando de homens chatos. Não bebi quase nada, só fiz presença e saí à
francesa. Não vejo graça em nada mais. Não tem sentido nenhum sem você, e por mais que eu até
tentasse encontrar outra mulher, jamais conseguiria, pois você é tudo o que eu preciso. Vamos
beber e comemorar a cada caso encerrado com sucesso, mas eu sempre vou voltar pra casa,
porque sei que estará me esperando. Isso nunca vai mudar.
— Eu te amo, William!

— Tô com saudade de você.

— O certo seria eu “também te amo”.

— Eu também te amo e você sabe. Só que eu preciso te dizer algo mais urgente: eu estou morto
de saudades de você.

Ele fala, me beija, e eu mato minha saudade de seu corpo no meu. Ou quase no meu, pois seu
cuidado com minha barriga era em demasia.

Suas mãos me atacam, sua boca prova o gosto que não sentia há certo tempo, e eu sinto minha
barriga roncar alto.

— Não brinca!!! — ele se diverte e eu fico sem graça — Poxa vida, Theo!

— Eu fui me deitar sem comer. Tô faminta...

Faço charme e ele ri, me apertando.

— Eu vou lá. O que quer comer?

— Comida! Nada de lanchinho, pelo amor de Deus!

— Sabe que tu tá com uma raba grande!? Tu tá deliciosa...

— E só vai aumentar.

— Graças à Deus!!!

Ele diz apertando minha bunda e sai, depois de levar uma passada de mão boba. Tadinho, tava
duro já.

Sorrio me sentindo feliz, satisfeita, e ele me assusta ao retornar.

— Fred quer falar contigo.

— Manda ele subir.

— Não! — ele sorri — Vamos ter uma conversa lá na sala!

— Aconteceu alguma coisa???


— Aconteceu que vocês podem conversar lá na sala, bem pertinho de mim!

Me levanto.

— Ciúmes de Fred nessa altura do campeonato?

— Não. Nada disso.

Ele diz, mas não me convence.

— Se você soubesse o quanto tô feliz por te ter de novo... não seria tão inseguro.

Agarro seu pescoço, ele aperta minha cintura e me beija.

— Não tô inseguro, não. Só não confio nele, não ainda.

— Não seja bobo.

— Não me contrarie!

Ele resmunga mordendo meu lábio inferior e me puxa para descer.

— E aí!?

— Eu já estou indo!

Fred diz. Eu entro na sala e ele levanta.

— Mas assim, tarde da noite!?

— O que tem isso?

— Dorme aí. Pra onde você vai?

— Eu vou dormir em casa. Eu tenho uma casa, não se lembra?

Fred ri me estranhando.

— Você... você me perdoou, certo!? Mesmo?

— Já disse que não tenho que te perdoar em nada. Eu te amo! Eu já vou. Amanhã cedo eu viajo.
Volto assim que eu puder. Não se preocupe. Se cuida, está bem?

— Tá. Você também!


Fred me abraça, me sinto triste, e ele finge que não nota.

— Quanto tempo acha que vai ficar lá?

Pergunto assim que ele sai cumprimentando cada um.

— Eu estarei aqui antes do banguelinho vir ao mundo. Prometo.

Ele garante, chega a vez de abraçar a Rubi, os dois sorriem um para o outro, se abraçam, e se
soltam depois de um tempo longo. Rubi o encara até vê-lo sair pela porta e depois disso, sobe pro
quarto. Apostava que ia chorar.
Rubi sofria e Fred estava mais confuso do que sempre esteve.

— E vocês, hein!? Voltaram é?

Meu pai me encara assim que saio da cozinha com William. Matei minha fome e a de Theo. Já
estava quase desmaiando.

— Bom, sim! Graças à Deus!

William responde por mim e eu me sento ao lado de Jon. Apenas olho para ele.

— Olá.

Eu falo, ele se esforça pra não demonstrar alergia ao me ver “tentando”, mas sorri.

— Oi. Como se sente?

— Bem! O que faz aqui?

— Vim ver como você está e planejar com seu pai como podemos fazer com minha nova
encomenda pessoal: Gael!

— Não pira, velho!

Eu só respondo e ele segura uma risada. Meu pai se diverte olhando pra ele.

— Dom já foi dormir?

Eu pergunto e meu pai diz que sim. Precisava bater um papo direto com ele.

Sorrio ao pensar nisso.

— O que houve afinal, com o Gael?


Minha mãe pergunta e todos me encaram. Até William. Novamente tudo em mim, dói e eu entendo
que William tentou à toa, a mágoa ainda estava lá.

— Fala de uma vez.

Tia Lulu diz e eu nego.

— Não foi nada... só descobri que lá não é o meu lugar.

— Se quer esconder é porque foi grave. Vou procurar saber por mim mesmo.

Meu pai diz e eu me levanto.

— Vai é focar na sua vida. Esquece essa história. Boa noite, gente!

Eu subo com William em meu encalço, e ele me abraça, me encoxando assim que eu entro no
quarto.

— Já chega por hoje. Vamos descansar... preciso de um banho.

— Eu prefiro sentir seu cheiro, matar nossa saudade, e então, te ajudar no banho.

Eu falo e o encaro, depois de notar um silêncio incomum.

— Nunca pensei que conseguiria dormir sem mim!

— E quem disse que eu dormi? — William fala, me faz andar de costas até eu me deitar na cama.
— Vou tentar uma coisa, mas não pode gritar...

Ele diz sorrindo de lado, e tira suas algemas de plástico do bolso. Aquelas fitas de lacrar.

— Já tinha planejado isso?

Dou risada.

— Eu não posso andar sem, é segurança a mais pra mim. Além do mais, hoje, será um prazer usar!

— Vamos pra casa, William.

Digo de repente, e ele me olha de um jeito estranho.


Algo faltava dentro de mim, talvez fosse sim, Gael, talvez tenha me deixado realmente mal, e meu
dia não estava bom... quem sabe o sofrimento de Lumi, que mexeu tanto comigo, a chegada e
partida rápida de Fred, ver Rubi sofrendo, eu não sabia... só sabia que algo mais estava
incomodando.
— O que?

Ele parece confuso.

— Aqui não é meu lugar. Nem no apartamento, nem no Sul, nem na instituição. Meu lugar é em
nossa casa, nosso lugar! Vamos embora!

Eu falo, ele sorri satisfeito acarinhando minha face, me ajuda a levantar, e me faz vestir seu casaco
para sair de casa, e atravessar a rua do condomínio. Nosso lar. Lugar de onde eu nunca deveria
ter saído.

Quando ele abre a porta, me pega no colo, me beija apaixonadamente e enfim, me ama,
amarrada do jeito que queria, a tortura mais deliciosa, mas agora em nossa casa. Nosso cantinho.

— Bom dia, dorminhoca. — eu desperto com uma claridade imensa, e seus beijos apaixonados —
Fiquei com dó de te acordar, você anda dormindo muito pesado. Dormiu bem?

— Uhum.

Sorrio feliz com os olhos fechados.


Ele sobe em mim e eu sinto cheiro de banho tomado.

— Que horas são?

— Meio dia.

— Minha nossa.

— Você estava cansada. Faz parte.

— Vai trabalhar?

— Só mais tarde. Quero aproveitar o dia contigo. — abro os olhos, sorrio, e ele apenas me
encara, achando graça de alguma coisa — Como estão os pulsos?

— Inteiros, mas não quero mais isso. Gosto de tocar em ti.

— Gosta mesmo?

— Muito.

— Então toca.

Ele pede, toco em suas costas e puxo ele pra mim, abrindo as pernas. Acabei dormindo nua.
Seu beijo tinha gosto de hortelã, filme de domingo à noite, e amor.

Enquanto chupo sua língua, sinto minha intimidade pedir atenção, e respondo imediatamente,
forçando o cós de sua calça de moletom pra baixo.

Já estava endurecido. Meu neném era rápido.

Quando enfim consigo deixar seu membro todo livre, ele segura meus pulsos no alto de minha
cabeça, e eu faço bico.

— Já disse que não quero assim.

— Mas eu quero.

Ele afirma, fita minha boca, me beija com desejo, e se encaixa em mim fazendo a cabecinha de seu
pau tocar o lugar certo.

— Não se mexa.

Ele ordena me olhando nos olhos, e mete com força, me encarando.

— Quero tocar você.

— Querer não é poder. Esse é seu castigo por ter me deixado. Achou que ia ficar por isso mesmo?

— Neném...

Eu tento argumentar, mas ele me deixa sem opção quando morde o lábio inferior e arfa um pouco.

— Ahh... você me deixa maluco. — ele geme, arfo quando toca meu piercing e começa a acelerar
o ritmo das estocadas — Você não tem noção do que sentia quando te via. Quando eu tinha que
te deixar lá... quando a noite chegava e você não estava do meu lado na cama. Não quero mais
isso, nunca mais quero viver sem você.
OS ASSASSINOS MONSTRUOSOS

— Você não sofreu sozinho. Eu senti tua falta. Fiquei vazia. Você não tem noção do quanto sofri,
do quanto te desejei, do quanto a saudade me machucou...

— Agora estou aqui. Sei que sou sua felicidade. — faço uma pausa e meto mais forte, fazendo
seus olhos revirarem nas órbitas. — Sei que sou tudo pra ti, como tu é tudo pra mim. Tudo...

Me livro do lençol amarrotado, deixo seu corpo exposto, e continuo metendo, estava tempo demais
sem amá-la, tempo demais.

Beijo sua boca, faço seus gemidos aumentarem, levanto seu corpo para meu colo, e a faço
cavalgar.
Ela rebola devagar, morde meu lábio inferior, e geme entredentes, me olhando nos olhos.

— Você é tão gostosa, neném...

Sussurro, ela continua rebolando, me beija chupando minha língua, me abraça, e depois, me
olhando nos olhos, geme, e acelera o movimento de sua cintura, me fazendo pirar.

Gemo alto, seus gemidos finos se misturam aos meus, e eu me entrego.

— Isso, neném... esfrega essa boceta gostosa em mim, esfrega! Deliciosa! Ah! Isso! Assim...

Coloco as mãos em sua cintura, forço a fricção ainda mais, ela grita, vejo estrelas, minha cabeça
pesa pra trás, e eu gozo dentro dela sentindo um tesão fora do comum. Me esvaiu um pouco de
minha essência, mas me enchi do mais puro amor. Amor que sentia por ela.

— Que saudade que eu estava, gostosa! Eu te amo, neném! Eu te amo!

— Sim, você é minha felicidade e é tudo pra mim. — ela afirma algo que disse a minutos atrás, e
por um breve momento fico confuso. — Eu te amo!
Beijo sua boca apaixonadamente, deito ela na cama, e a criatura sorri quando jogo o lençol
encima de nós dois, deixando claro que jamais sairia dali.

— Vem cá...

Puxo seu corpo pra mim, cubro nossas cabeças, e me divirto ao vê-la sorrir com meus carinhos e
gracinhas.
Zombamos um do outro, criamos mais apelidinhos carinhosos, fizemos planos, nos beijamos, e assim
que me acabo de rir por vê-la gaguejar ao falar de um mico que pagou no seu primeiro dia de
viagem ao Japão, a campainha toca atrapalhando tudo.

Vou atender ainda rindo. Era minha mãe. Merda.

— Já combinamos. Nada de aparecer aqui, mãe.

— Me dá uma chance, William! — ela dá um passo me forçando a dar passagem — Quero vê-la.
Quero ver a barriga dela, quero recuperar o tempo perdido. Quero concertar as coisas. Já te
implorei por isso.

— Já disse que é tarde. Cat não gosta da senhora, e com motivos.

— Sou sua mãe, ela vai ter que me engolir.

— Cadê meu pai?

— Eu saí ele ainda estava dormindo. Dormiu mal essa noite. Está cada vez mais depressivo. —
lamento. — Chame-a. Quero vê-la.

Ela se senta no sofá sem convite, mas logo se levanta, olhando tudo ao redor. Estava tensa.

Subo, abro a porta do quarto, e vejo a cama vazia. Estava no banho.

— Quem era?

Ela pergunta assim que abro o box da ducha.

— É minha mãe. — ela murcha na hora — Quer falar contigo, pedir perdão, escute o que ela tem
pra dizer pra gente se livrar logo dela. Quero mais algumas horas contigo.

Tento sorrir mas, não consigo. Ela respira fundo e assente.

Desço, sigo para a cozinha e minha mãe me segue. Logo que começo a pôr a mesa ela tenta me
fazer sentar, pra arrumar tudo, mas, logo a faço se controlar. Mais um pouco e ela tomaria conta
da minha casa. É, no momento, de uma vez por todas, minha casa. Nossa casa. Era melhor se
acostumar.

— Bom dia.

Cat a cumprimenta ao entrar na cozinha. Estava de vestido justinho, e sua barriguinha em


evidência. Calças jeans começavam a incomodar seu baixo-ventre.

— Oi. Bom dia. — dona Maggie se afasta de mim e se aproxima dela com receio — Podemos
conversar?

— A senhora não está me dando escolha, não é mesmo!?

— Eu vim para me desculpar. — ela parece sincera, não me intrometo, só escuto — Eu sei que fui
horrível com você. Não esqueci todas as mágoas que tinha, não serei hipócrita, mas tu carrega meu
neto, valorizei a nora errada, Barbara não presta. Fui injusta. Fui cruel. Eu peço que me perdoe e
me deixe cuidar de vocês. De você, do meu filho, e do meu neto. Farei o que for necessário para
que você possa me perdoar por tudo o que fiz.

— Bom... eu sinto muito, mas, dispenso seus cuidados. Eu tô bem. Estamos bem.

— Tô arrependida de tudo o que fiz contigo. Vi como William é feliz ao teu lado...

— Só agora a senhora viu, né. Viu tarde demais!

— Não. — ela soa envergonhada — Mas agora entendi, e aceitei.

Minha mãe abaixa a cabeça e Cat se aproxima dela.

— O tiro que William levou, que o fez ficar em coma, veio acidentalmente da minha arma.

Cat confessa como um teste e minha mãe arregala os olhos.

— Se ele te perdoou, também posso superar.

Ela responde gaguejando. E eu dou total atenção as duas.

— Tiago está estudando fora, com dinheiro dos crimes que cometi.

— Eu sei. Você deu a meu filho uma vida digna, assim como Francisco queria quando fez a
besteira que fez. Não posso mais julgar você, sei de tudo o que tu fez de errado!!!

— Eu nunca vou te perdoar. Mesmo que isso custe o fim do meu relacionamento com teu filho e
mesmo que eu magoe seu Francisco, que tanto amo.
Cat decide mesmo assim e minha mãe fica triste.

— Tudo bem. Tá ok.

— Mas vai poder ver seu neto, quando ele nascer. — minha mãe já estava indo embora quando
Cat a faz parar — Com hora marcada previamente.

— Eu estou arrependida, mas tenho vergonha na minha cara. Se não me quer por perto, não terá.
Deixarei que meu filho o leve, quando quiser e se quiser, para que meu marido e eu o conheça. Se
mudar de ideia, serei a sogra que nunca fui, nem para a vadia da Barbara, mas, senão, amém
também.

Ela diz e sai.

Fico sem ter o que dizer e só me aproximo dela. Fecho o cerco segurando na borda do armário e
ela me olha entristecida.

— Ela praticamente me ganhou ao chamá-la de vadia.

Dou risada.

— Sei que sim.

— Está triste. Queria que eu tivesse a desculpado.

Ela diz e sorrio.

— Na verdade eu queria que ela nunca tivesse te tratado da maneira que tratou. Eu lamento, ela
é minha mãe, mas está colhendo o que plantou.

— Entendi. — Ela passa seus braços em volta de meu pescoço.

— Quando eu te vi naquela boate, sabia que seria minha. Eu sabia que era você. Eu tinha certeza
que passaria o resto de meus dias ao seu lado. A cada dia que passa eu te amo mais.

— Não enjoou de mim...

— Jamais conseguiria...

Viro seu corpo para me aproveitar de seu bumbum, agora maior do que sempre foi, e tento
mostrar na prática o quão seria inviável eu me "enjoar" dela. Boba...

— Será...
— Duvida do amor que eu sinto??? — falo com a boca encostada em seu pescoço, e posso ver
seus pelinhos se erissarem — Eu não acredito nisso, encosta aí!!!

Faço ela segurar na mesa e levanto seu vestidinho vagabundo.

— Isso me lembra um momento nosso...

— O dia em que você me propôs fugir contigo? Neném, estava cheia de medo...

Me ajoelho e abro seu bumbum com as duas mãos. Minha língua percorre cada centímetro e sua
intimidade pisca em minha boca.

— ...Medo de perder você, eu estava desesperada.

Cat fala com a voz um pouco embargada, e aquilo chama minha atenção, ao ponto de até parar
de brincar com seu piercing.

— Ei, está chorando, amor?

— Não.

Ela ri e esfrega os olhos.

— Meu Deus! Está sim... Cat, o que foi?

— Nada. Só doeu lembrar. Me senti muito triste. Eu estava sofrendo demais, com medo de você me
deixar! Foi um momento horrível pra mim...

— Esquece isso. Já passou... eu estava aqui em um trabalho muito sério e você estragou tudo com
esse chorinho de doer o coração. — ela dá risada — Vem cá...

Beijo sua boca e ela para de repente.

— Tô com fome de hambúrguer...

— O que?

— Hambúrguer.

— À essa hora, Catarina?

— Sim. — ela faz manha e fala miando — Com bastante queijo!!!

— Não temos aquele pão, aqui...


— Mas temos um marido que tem um carro, força de vontade, amor por mim, e que faria de tudo
pela vontade do bebê, porque a vontade de comer vem dele.

Dou risada.

— É, Theo... você nem nasceu e está bem arranjado com essa sua mãe...

Resmungo, vou a procura da chave, e escuto ela gritar que quer com cebola roxa.

Cebola rocha, hambúrguer, quase uma da tarde... meu Deus. Ainda bem que não é de madrugada.

Vou até o shopping de chinelo e tudo, e quando volto, encontro a criatura sentada no tapete da
sala como índio, e parecendo meditar.

Me aproximo em silêncio, me abaixo, e ganho um selinho, ainda de olhos fechados.

— Tô sentindo um cheirinho tão bom...

Ela resmunga, abre os olhos, e eu fico paralisado pelo seu olhar bicolor, iluminado pela luz
charmosa do dia.
Fico doido com sua beleza e beijo sua boca demonstrando a paixão que eu sentia.

— Meu marido é louco por mim...

— Não. Só quero aproveitar que você ainda não comeu a cebola roxa.

Eu resmungo, me recomponho, entrego o saco de papel com o lanche, e deixo ela na sala rindo
que nem uma doida, só porque "assumi" que não vou beijá-la por causa da cebola. Minha doida.

— Eu tô indo, Malucat! — A encontro no sofá vendo TV após me trocar para ir trabalhar, e ela me
chama com as mãos. Me sento ao seu lado. — O que fará o dia todo?

— Não me chame assim. — ela faz um bico — Fica tão gostoso de terno e gravata... — ela sobe
em mim — Já sabe dar o nó, nem precisa mais de mim...

Ela diz rebolando, me beija a boca e só para quando me sente duro.

— Para de ser maluca, os nós estão feitos no armário, foi você quem arrumou... por que não posso
te chamar assim?

— Essas gravatas já estavam assim, só faço o nó em você!!! — Ela resmunga, parecendo chateada
e desfaz o nó para fazer ela mesma. — Gael me chamava assim...

— Vai falar com ele, hoje. Vão se acertar.


— Ele foi sincero quando me disse aquilo. Confia em mim. Ele não gosta de mim tanto quanto
parecia. Nunca gostou da proximidade que eu tinha com Dona May.

— Vai continuar arcando com as despesas?

— Vou. — ela diz dando total atenção ao nó que fazia — As crianças precisam. Mas... mudarei o
nome. Vou falar com Jon. Não quero mais ouvir de ninguém que sou a “caridosa Catarina”, a moça
que vive com “a carteira aberta”. Farei os depósitos de modo anônimo e vou me desvincular deles.

— As crianças ficarão com saudades, Cat. Dona May também...

— Eu não disse que não vou mais lá. Mas irei como visita agora. Com hora marcada, como é o
protocolo, e como voluntária. Não ficarei, não entrarei na sede, não falarei com ele... é melhor
assim. Ele me magoou muito.
Você não entende.

— Eu entendo. Tô do teu lado...

Eu digo alisando seus cabelos e ela sorri, como uma bebê levada.

— Bateu nele, mesmo?

— Bati.

— Como ele ficou?

— Estragado.

Eu respondo e ela se diverte.

— Meu marido valentão... meu gostoso! — ela abre meu cinto, depois o botão, o zíper... — Meu
neném me defende, cuida de mim, e eu só faço meu neném sofrer... sou a pior esposa do mundo
todinho...

— Cat...

Ela fica de joelhos no sofá, eu olho pra cima, até alcançar seus olhos, sinto meu coração disparar.

— Eu preciso cuidar do meu homem, ser mais dedicada. — a vejo colocar a calcinha pro lado. —
Não posso arriscar te perder de novo.

— Cat...

— Eu preciso de você agora. Depois pode ir trabalhar...


— Neném...

Eu fico em transe e ela senta. Piro, gemo, amo cada caras e bocas que faz, e esqueço da vida.
Me entrego, agarro seu corpo, beijo cada milímetro e saio de mim.
Deliciosa.

(...)

— Meu Deus, que carinha boa... — Manuela ri de mim, assim que entro no escritório — Corado,
cheiroso...

— É o perfume dela... — sorrio — Nem acredito que casei com a mulher que tanto amo. Nem
acredito que temos uma vida juntos. — eu encaro a sorridente, estava feliz por me ver bem —
Teremos um filho juntos, entende a magnitude disso???

— Entendo. — ela ri — Fralda suja, catarro no frio, remédios, leite especial, noites sem dormir...
entendo!

Ela é irônica.

— Tu desenha o matrimônio como um castigo. Tem medo de se entregar, já se ferrou demais, ou


perdeu alguém importante. — Eu falo e ela perde o sorriso. — Somos parceiros, desabafa comigo.
Nunca me contou nada da tua vida. Eu estou tão feliz, que quero ver todo mundo feliz.

— Não tenho nada para dizer, e não condeno o matrimônio, só acho que mulher não precisa casar
e ter filhos para ser feliz.

Ela hesita.

— Não. Dá para saber quando uma mulher é feliz como é, e quando é “feliz” como é só por
causa das circunstâncias. — eu me aproximo dela — Não é a primeira vez que fala disso com
amargura, Manuela. Você está traumatizada! — ela ameaça sair e eu a pego pelo braço — Tudo
bem. Não vou forçar a barra. Só saiba que estarei aqui, quando e se quiser contar o que houve.
Quero muito saber, e vou ficar muito feliz por ver que confia em mim.

— Tu era mais legal solteiro...

Ela faz um bico, cruza os braços e senta em meu sofá.

— Eu estava sofrendo. Era melhor para você? Me ver sofrer? Me ver tão feliz te faz mal?

— Não. Desculpa. Claro que não. É só o assunto que me deixa bem estressada. Desculpe, mesmo.
Amo te ver feliz!!! — ela tenta sorrir — Bom... vamos ao que importa??? Busca e apreensão,
corrupção ativa, estelionato, colarinho branco, São Paulo limpa!?
Ela muda de assunto e eu lamento, mas concordo.

— Temos algum caso especial?

— Não. Por enquanto, só mais do mesmo! — ela se aproxima da porta — E papelada é com você.
Sei que tem umas duas buscas, assim que assinar, me passa um rádio. Estarei pronta!

Ela vai falando e sai. Ainda estava chateada com o que eu disse sobre sua vida. Manuela
realmente era traumatizada.

Começo com os trabalhos já com saudade do pequeno furacão, e sorrio pro telefone quando ela
liga.

— Eita, que saudade...


— Eu tô sempre com saudade, mas não liguei pra dizer isso.
— Que foi?
— Minha mãe ligou. Convidou a gente pra jantar lá, às sete, meu pai também prometeu subir do Sul,
já embarcou. Ela quer cozinhar “uma receita nova pra surpreender”...
— Minha nossa. Surpreender quem? — dou risada.
— Bom, vamos, não é!? Ela quer que o doutor chame seus pais!
— Tudo bem. Vou passar lá e vou direto.
— Achei que poderia passar aqui antes para ...
— Combinado! — concordo na hora e ela ri.
— Bom trabalho, William!
— Tenha um dia incrível, Catarina. Qualquer novidade, me grite!
— Te amo. Não se atrase.
— Não vou. Eu te amo!

Desligo o telefone sorrindo e fico assim, sorrindo, até Deus sabe quando.

— Tá ocupado??? — Manuela coloca a cabeça na porta de repente, horas depois de voltar de


uma busca. Dou risada dizendo que sempre estou, e ela nega com a cabeça — Vem ver o caso
que a PM tá cuidando aqui na rua de atrás. Tu vai “gostar”, entre aspas...

Ela faz uma cara que me deixa curioso e eu me levanto já pegando o paletó.

— Tá cheio de repórteres, coloca os óculos. É mais tranquilo.

Ela diz, concordo e a sigo.

Entro com ela no carro, ela para atrás do quarteirão do apartamento que, hoje hospedam meus
pais, desde que minha mãe veio pra São Paulo, e eu saio curioso.

Na frente de um terreno baldio, estavam uma horda de curiosos numerosos, muitos policiais
militares, investigadores e até a perícia.

Me aproximo, me identifico para o tenente que controlava o acesso e ele me mede.

— Não sabia que a federal estava nessa...

— Não está.

— Então tu é bem folgado.

— Fico te devendo! — eu falo e ouço Manuela rir do meu lado — Pode cobrar!

— E eu vou.

O militar encara Manuela seriamente, e quando eu olho pra ela, vejo que perdeu o sorriso e ficou
corada. Climão de romance. Aleluia.

Entro com ela no meu encalço, sujo meu sapato de lama, e encontro o corpo de uma garota jogada
no canto mais extremo do terreno.

Peço passagem, me aproximo, e analiso.

Loira do cabelo comprido, aproximadamente vinte e cinco anos, magra, tinha o número ‘um’ riscado
com alguma arma branca afiada, vestido florido arriado até a cintura, sem calcinha, descalça,
maquiagem borrada, havia sido morta com certeza, em menos de vinte e quatro horas, e foi
estuprada. Eu sabia só de olhar. Era só uma garota. Poderia ser minha Catarina, tinha aparência e
tudo. Meu Deus.

— Estão achando que “será” assassinato em série, porque...

Ouço dois policiais conversando e saio de perto.

— E aí, o que acha?

Manuela corre pra me questionar e eu nego.

— Não quero achar nada, não por enquanto. Dê seus pulos e faça esse caso chegar até nós.

— Impossível!!! — Eu paro de andar e só a encaro, ela bufa — Não te trouxe aqui para querer o
caso, te trouxe para você desvendá-lo em dois segundos. Me divirto, quero aprender com você!!!

— Vê se não me fode! Não saí da minha mesa por nada!

— Vamos esperar... quem sabe eles não dão um jeito logo!?


— Tu sabe que isso não vai acontecer.

— Pro caso chegar até a federal, esse doente vai ter que escrever na testa de mais uma garota.
Sinto em dizer, mas é a real! Por enquanto é só um homicídio qualificado, vítima de estupro. Vamos
ficar na nossa.

Ela diz, chega a minha vez de bufar, rapidamente pego o telefone, e ligo para minha neném
barriguda.

— Oi.
— Tudo bem, neném?
— Tudo, meu denguinho, o que foi, você está bem?
— Eu tô ótimo. Está onde?
— Na rua. Dormi um pouco depois que você saiu, e vim ver algumas lojas, achei cada coisa linda pro
Theo, tu vai amar, William...
— Tudo bem. Vá pra casa antes de escurecer, ok!? Não fique na rua até tarde!
— Que papo mais doido é esse?
— Vá para casa e ligue a TV que você vai ver, muito provavelmente!!!
— Sei me cuidar.
— Com essa barriga???
— William...
— Dá pra entender? Pedi algo tão simples. Vá pra casa antes de escurecer! Custa???
— Tudo bem! Pare de gritar comigo.
— Eu não estou gritando! Só falando um pouco alto. — ela ri — Eu te amo. Quer me encontrar
agora pra gente tomar um café? Te deixo em casa.
— Tô de carro, neném. Vou ficar bem! Daqui cinco minutos vou pra casa.
— Vou ligar no fixo...
— E eu vou atender! E eu também te amo! Beijo.
— Beijo.

Desligo e bufo de novo. MERDA.

— Você definitivamente é um Coverick. Obcecado com segurança.

Manuela demonstra ter ouvido minha conversa e eu entro no carro.

— Você tem câmeras em todos os cômodos da tua casa.

— Foi um Coverick que colocou.

Ela ri.

— A garota é padrão, tem o número na testa. Vai acontecer de novo. Não tem sérios ferimentos...
— penso — Asfixia.
Olho pra Manuela, que sorri.

— Ou ferimento nas costas...

Ela fala e flashs de como poderia ter sido aparecem pra mim.

— Não sei... a mataria pelas costas se ela tivesse tido condições de tentar ao menos, fugir...
apunhalada... é só uma menina, magra, baixa estatura... Não sei, precisava da identificação dela...
coitada... desgraçado...

— William, relaxa. Se preocupe com isso se o caso mudar de rumo. Foque na tua papelada.

— Agora é tarde, Manuela... agora é tarde.

(...)

Já era sete e meia.


Gasto meu tempo pensando na garota loira, termino com dificuldade meu plantão, passo no
apartamento e arrasto meus pais, só porque Cat pediu — eu suspeitava que queria aliviar o clima
com minha mãe, pois sentiu, assim como eu, que ela foi sincera, — e vamos juntos para os
Coverick's com meu pai sob protestos.

Estava receoso de ser maltratado, “meio assim”, ainda, como ele mesmo disse. Queria o quê? Fugir
pra sempre? Não. Vai fugir nada.

— Ei... — Entro com os dois e encontro meu neném perdido em meio aos parentes no sofá. — Tudo
bem?

Cheiro seu pescoço perfumado e ela sorri preguiçosa.

— Tô. — ela sorri feliz — Comprei cada coisa linda!!! Você precisa ver! Coloquei no quarto dele...

— Quero ver!!! Passei aqui primeiro pra deixá-los. Eu ia pra casa, o que faz aqui? Combinamos
algo que eu não me lembro, antes de vir!

Ela sorri. Eu falo baixo.

— Você demorou mais do que eu esperava, jantei duas vezes, e jantarei a terceira contigo.

— Que horas veio pra casa?

— Eu obedeci.

Ela pisca falando sério e eu acredito.


Após meus pais cumprimentarem todos os parentes levantados, me afasto de Cat pra fazer o
mesmo, e paro em Matheo. Paro pois minha mão ficou estendida, e Jon ao seu lado, tenso.

— Não vai me cumprimentar?

Eu pergunto, ele hesita, ganha uma boa olhada torta de Jon e só por isso me estende a mão
rapidamente.

Ué...

Deixo estar para evitar climão e Catarina me arrasta para seu quarto de princesa, dizendo ter
trago um agasalho pra que eu pudesse tomar banho antes do jantar.

— O que foi aquilo?

Ela pergunta preocupada no quarto, já tirando minha gravata.

— Não sei. Não sei, mas vou descobrir. Nunca fiz nada pra ele, mal falo com ele.

— Vou falar com ele.

— Vai nada. Vai ficar longe de estresse. Tá me ouvindo?

— Não. Não mais...

Catarina sussurra, tira minha camisa, e me ajuda no banho. Me ajuda com a boca e depois me
entretendo com o piercing.
Só agradecia que não era uma daquelas mulheres que, quando engravida, perde a libido. Muito
pelo contrário.

— E então, William... o que foi o lance da garota loira!?

Jon se aproxima um pouco antes de Ellen servir o jantar a todos. Catarina havia comido na própria
panela, Ellen havia dito... estavam todos me esperando.

— Sei lá. Foi estuprada, marcada na testa de forma doentia...

— Que horror...

— Em Bagé não tem isso não.

Yan diz e arranca risos de todo mundo. Trágico e cômico.

— Só homem de bombacha. — eu falo e todo mundo ri, nem era pra ser tão engraçado assim —
Crimes tem em todo lugar, principalmente estupro. O problema é que os holofotes estão em São
Paulo... no Rio... — encaro Jon — Tem contatos, não é!? Faça esse caso cair na minha mão!!!

— Nem pensar!!! — Catarina resmunga do sofá. — O caso é da militar, Theo já, já nasce. Me
prometeu fugir de doentes mentais e ameaças. Tem que se cuidar.

— ...No sul, bombacha, em São Paulo, coleira.

Dom dá o ar da graça e faz todo mundo rir.

— Olha!!! Ele fala!!!

Zombo e ele ri.

— Não sei como alguém tem coragem de machucar uma menina assim... é muita crueldade!!! É só
uma menina! Esse cara é um monstro!!!

Lulu diz, Marcelo abaixa a cabeça, Lulu fica vermelha, o clima pesa, minha mãe encara seu
Francisco, e bom, meu pai sofre. Seu semblante é de um homem que deseja morrer. Fico péssimo, e
Catarina fica possessa com a tia.

— Ei, doutor, você está na TV!!!

Rubi desce as escadas correndo, só de shorts e meia. Por isso não a vi em lugar nenhum, estava
excluída. Pelo jeito ou do sulista, ou sofrendo pela ausência de Fred, vai saber...

Ela, claro, me rouba um beijo no rosto, toda zombeteira, liga a TV da sala de estar, e coloca no
canal.

— A garota de vinte e cinco anos, identificada como Rafaela Cristina de Almeida, foi encontrada
nesse terreno baldio aqui, no centro da cidade, com indícios de violência sexual e tortura... — a
repórter falava gesticulando, na frente do terreno — A garota se encontrava suja, semi-nua, e
rumores dizem que, com um número gravado em sua testa!

Ainda aguardamos mais informações, pois tudo leva a crer que foi além de um homicídio, afinal, o
delegado federal William Castro, — mostram cenas de mim mesmo chegando ao local, grande bosta
os óculos escuros — da superintendência de São Paulo, esteve no local, o que se especula ser um caso
muito mais grave do que realmente nos foi passado. Voltamos com mais notícias a qualquer momento...

— ... Fica tão gato de óculos escuros e terno... — Rubi solta sorridente — Que pecado.

Ela diverte a família e eu pego o celular pra ver se havia perdido alguma ligação de um Pedro
puto da vida. Ainda nenhuma.
— Não devia ter ido até lá. Droga!

— Vai se dar mal?

Cat me agarra já entristecida.

— É complicado, o caso não é meu. Mas não vai dar nada não, não se preocupe.

— Bom, vamos espantar esse clima ruim!? Vamos comer? Já coloquei a mesa!!!

Ellen diz, um punhado levanta do sofá na hora indicando a fome, e eu respiro pra evitar a tensão.

— Eu não vou ficar, vou embora, não devia ter vindo...

Meu pai se aproxima.

— Não faça isso, sogro.

Cat o abraça e ele sorri.

— Vou me sentir melhor, tenta entender. — ele me olha triste — Eu envergonho meu filho.

— Não fala besteira, pai!

— Você é um delegado honesto, William, continue esse delegado honesto, permaneça assim. Você
não pode ter um pai como eu. Um monstro. Mais um monstro solto.

— Para de falar isso! Não vamos falar disso agora. Vamos comer.

— Ele quer ir, filho. Eu vou com teu pai. Cuido dele.

Minha mãe o apoia e eu interrompo uma conversa ‘silenciosa’ que Rubi tinha com Yan, no canto da
sala, e sob o olhar suspeito de Miguel, e Mariah, que mesmo não sabendo de nada, secava Rubi
sentindo o clima.

— Oi!

Ela agarra meu pai com carinho e minha mãe olha torto pra ela, mas se controla.

— Meus pais, de repente, querem ir embora, sem jantar...

Eu a encaro e a bruxa entende.

— Ah! Não querem não!!! — ela fulmina meu pai e ele fica com cara de bobo por um momento —
Estão famintos, felizes, e em um dia muito bom, nada aconteceu e a tristeza aqui... — ela toca com
o dedo, o coração do meu pai — ...Não existe no dia de hoje!!! — um sorri para o outro, e meu pai
parece melhor de repente — Vai! Vai comer, seu danadinho!!!

Ela dá tapinhas nas costas do meu pai, meu pai agradece por algo que ele parecia nem saber,
mas sentia a gratidão misteriosa, e se afasta em direção a sala de jantar, obedecendo.

Quando se vira pra minha mãe, que ainda se encontrava como uma estátua, no mesmo lugar,
boquiaberta, Rubi invade seu espaço pessoal.

— Você... o que eu faço com você?

— Tá repreendido!!!

Minha mãe faz o sinal da cruz, toda preocupada.

— Quer me queimar na fogueira, tia Maggie???

— Eu acho que só Deus na tua causa!

— Se eu te disser o que teu Deus pensa de mim, cairia mortinha, aqui e agora!!!

Rubi responde, late como uma cachorra e minha mãe corre pra sala de jantar assustada.

Cat gargalha segurando a boca, mas logo para ao ver a irmã se apoiar na borda do sofá,
segurando a barriga com a mão livre e parecendo sofrer.

— O que foi, Rubi?

— Seu Francisco, está sofrendo demais, demais... é muito sofrimento, não sei como ajudar sem
pegar tudo para mim. Preciso me deitar.

Ela chora de doer o coração, Cat ameaça acompanhá-la, mas ela diz que está bem, e que não
quer ninguém atrás dela. Sobe parecendo derrotada.

— Eu não...

Eu começo, mas Cat não me deixa terminar.

— Não dava pra saber. Depois eu vou lá.

Ela diz e vejo Yan, conversando com a filha, mas de olho nas escadas... bom, o amor ameniza as
dores... gostaria que ele fosse atrás dela, mas nunca ia dizer isso em voz alta, ali.
Nos reunimos na mesa e jantamos, conversamos, experimentamos um doce maluco de minha sogra,
nos "divertimos", zombamos um do outro, e assim que Cat abriu a boca de sono pela milésima vez,
todo mundo decidiu que era hora de cada um ir pro seu lar. Mas, como sou o que sou, peguei
Matheo na porta da frente. Sozinho.

Ficou o jantar inteiro hostil comigo. Não me provocou, não. Mas tudo era engraçado, tudo era
bonito, tudo era demais, menos quando a piada, opinião ou apelidos saíam de mim. E sinto que
todo mundo sentiu.
Cat mudava sua atenção de mim pra ele, ficava cada minuto mais estressada, até que decidi não
mais falar pra não piorar o clima.
Levei meus pais embora antes do jantar acabar, e quando voltei, e deu a hora da despedida,
armei cerco. Dali ele não fugia.

— Podemos? — Apontei para dentro e ele hesitou, mas aceitou e me acompanhou até a sala vazia
— Qual teu problema comigo?

— Peguei teu carro em um local suspeito semanas atrás. Está enganando minha prima, não tem meu
respeito.

Ele diz assim, na lata. Nem precisei pressionar.

— Como é!?

Eu estava mais do que pasmo.

— Motel Estrellas. Tu viu Estrellas por uma hora com uma vadia de luxo chamada Jéssi...

Ataque de risos e alívio de minha parte. Matheo fica possesso.

— Tu é uma figuraça, ô resquício de italiano. Teu pai está fazendo um bom trabalho contigo, mas
ainda falta muito.

— Não me provoque ou eu fodo com tua vida de “casado” agora mesmo... vida falsa!!!

Matheo pira invadindo meu espaço pessoal, e aí eu fico puto.

— Ah! Menino, se afasta de mim! Tu tá pirado!!! Não vou me explicar pra você, não sou obrigado,
mas faz um favor? Cuida da tua vida.

— E você? Vai cuidar da vida de qual delas?

— Vá pentear macacos, Matheo!

Eu falo e consigo rir. Não sabia da onde eu tinha tirado aquele xingamento.
— Estão brigando???

Cat se aproxima preocupada.

— Você conta ou eu conto?

Matheo, de tão puto comigo, fica corajoso.

— Conta aí.

Eu também fico corajoso. Cat confiaria em mim, senão, levaria uns tapas.

— Na época em que vocês brigaram e você saiu de casa, — ele encara a prima preocupada —
encontrei o carro dele, ao rastrear, estacionado em um motel de luxo. Pesquisei. Ele está
enganando você! Dê um pé na bunda dele!!!

Ele diz rosnando, dou risada e encaro Cat sem querer, eu estava me divertindo, mas por dentro,
era puro nervoso. Medo dela não confiar em mim.

— Foi com uma das garotas da boate Bonsoir, foi contato de Manuela, fechamos o caso com a
ajuda dela.

— Não me diga!?

Cat me encara putaça, eu suspiro, e algo me vem à cabeça.

— Mas escuta aqui. Eu não fui com meu carro, o cafetão anotava placas de todos os clientes que
paravam e levavam as garotas, e pesquisava. Fomos com uma placa neutra da federal...

— Sim, o italiano está fazendo um belo trabalho.

— Tão belo que não ligou Jéssi ao caso que eu estava cuidando!?

— Nossa, e um encontro na suíte premium com hidro, por uma hora, te fez fechar o caso?
Caramba, hein, doutor... me ensine seus truques. Uma informação em troca de uma rodada no
dadinho do kama Sutra?

Mais risos. Morri de rir.

— Eu tô velho demais pra isso... minhas costas não ajudaria. Eu curtia quando tinha tua idade!!!

Resmungo e ele nega.

— Eu tô indo. Acho melhor você se cuidar. Olha o cartão de crédito dele, de vez em quando.
Ele diz a ela, sai, e eu me viro de vagar, me preparando para a fera.

— MOTEL COM VADIA...!?

— Cat...

— MAS QUE PORRA VOCÊ ACHA QUE EU SOU, SEU FILHO DA PUTA!!! — Cat voa no meu pescoço,
me enche de tapas, e eu só me defendo rindo — VOCÊ QUER MORRER ENQUANTO DORME???
CORTO ESSE PAU FORA! SEU... SEU BABACA!!! EU MATO VOCÊ, WILLIAM!!! MATO VOCÊ!!!

Ela grita e, Tay, Ellen, Dom e Rubi chegam assustados, imediatamente.

— O que está acontecendo aqui???

Minha sogra tem os dois olhos arregalados.

— ESSE FILHO DA PUTA LEVANDO AS VADIAS DELE PRA MOTEL, PRA SUÍTE CARA!!! TÁ TIRANDO
UMA COM A MINHA CARA!!!!

— Era um caso!!!

Me explico tentando não rir assim que vejo o demônio-pai branco, ficar rosa.
Dom corre pra cozinha e vem com um balde de pipoca vazio só pra encenar. Levava ar puro até a
boca e mastigava o vazio, fazendo Rubi se divertir e repetir seus gestos.

— CASO EXTRA-CONJUGAL!!! NÉ!!! VOU CAPAR VOCÊ!!! EU VOU MATAR VOCÊ!!! VAI VIRAR UMA
DONZELA, QUERO VER QUANTAS VADIAS VAI LEVAR PRA MOTEL ENQUANTO EU FAÇO SUA
JANTA, EM CASA!!! SEU CACHORRO SARNENTO!!!

— Chega. — Eu digo baixo e faço ela parar de me bater. — Para com o piripaque! Sempre odiou
cena em público! Vamos lavar as roupas sujas em casa. Lá tu leva uns tapas e seu pai não vai
retribuir o favor! Vamos!

Pego em seu braço e Tay se intromete.

— Você bate na minha filha??? Quer morrer???

— São tapinhas de amor.

Dou risada e ele é segurado por dona Ellen.

— Tem certeza que quer ficar sozinho comigo??? Tem???

Ela para de gritar, mas ainda tava puta.


— Amor, eu precisei fingir que a contratava pra não prejudicá-la, a menina tinha amigas que
tentaram denunciar a quadrilha e nunca mais foram vistas. Eu precisava, não toquei nela, olha pra
mim... nunca faria isso contigo, eu amo você!

Eu falo seriamente e ela continua enciumada, mas acredita. Afinal, sabia quando eu mentia, e eu
nunca mentia. Em nenhum aspeto de nossa vida.

— Por que não mandou um peão? Um agente? Um caso lésbico com a própria Manuela??? Por que
você??? Por que você???

— “Quando você quer algo bem feito, faça você mesmo”. Você sabe muito bem disso. A vida da
garota estava em minhas mãos. Não podia arriscar.

— E tu fez bem feito, doutor!?

Rubi avacalha, e eu nego tentando demonstrar que não era a hora pra brincadeiras. Já estava
boa, tava tentando me foder...

— Vamos pra casa, tô com sono... vem!

Puxo ela pra mim, e ela primeiro trava, mas depois se permite ser abraçada. Só chorava. Minha
neném manhosa.

— Não quero nunca mais essa história de ir pra motel com “vítima”. Não importa o que aconteça!!!

— Combinado, neném.

Dou risada.

— Pare de rir, prometa!!!

— Prometo!

Saio com ela depois de resmungos românticos e zombeteiros de Dom, e sob o olhar intimidador, só
que não, do sogrão.

— Por que não me contou???

Cat senta emburrada na borda da cama enquanto eu me despia. Queria um dengo, tava cheia de
ciúmes.

— Não contei pra tu não ficar assim, desse jeito. Não houve nada, fui extremamente profissional, te
respeitei. Só desejo você!
Faço ela deitar ao meu lado, e escuto tudinho suas queixas, desabafos e inseguranças, até vê-la se
sentir melhor. Por isso não contei, eu também ficaria puto.

— Ela deu em cima de você? Quero o nome inteiro dela, o verdadeiro.

Ela fala abrindo a boca de sono e eu sorrio.

— Não vai matar a garota, agora que ela se livrou da escravidão sexual. — dou risada —
Esquece isso, neném, me perdoa por não ter contado, por não ter mandado outro cara. Eu sou
louco por ti. Só existe você. Esquece isso...

— Por que uma hora...!? Uma hora lá dentro. Precisava...?

Fico ouvindo seus miados, me dá sono, sorrio com o bico que faz, e só para de fazer manha
quando eu beijo sua boca com paixão.
Após dar um beijinho de boa noite em Theo, fico de conchinha com a bicuda barriguda, e durmo
tranquilo, até de manhã.

Até acordar com o celular tocando alto.

— Alguém tem que ter morrido. É meio dia.


Resmungo pra Manuela no telefone, falando baixo. Cat dormia cada vez mais e cada vez
acordava mais tarde, eu precisava acompanhar.

— Você precisa vir aqui, William. Agora.

— Tá falando sério?

— Tô falando muito sério.

Ela diz pausadamente e fico com medo, me arrumo correndo, beijo a testa de minha neném, deixo
um bilhete, e saio apressado.
Quando abro a porta do escritório carregando minha mochila e um copo de papel com café
fresco da receção, encontro meu pai, sereno, de pé, com as mãos entrelaçadas e escoltado por
agentes da própria superintendência.

— O que está acontecendo?

— Vim me entregar. Sei que não é o departamento certo, mas queria que fosse você. Eu sou o
assassino da menina Paula. A garota que foi morta com brutalidade, no Rio de Janeiro, na favela
do Cantagalo. Há vinte anos atrás. Já me entreguei aos seus companheiros, e o crime já foi
identificado, já notificaram a militar do Rio. Quero que se orgulhe de mim, não quero nunca mais
envergonhar você!!! Você é o policial mais honesto que eu conheço, William, me orgulha, tem um
coração de ouro, não merece ter um pai assassino. Eu queria esperar meu neto nascer para vê-lo,
mas não aguento mais, eu preciso pagar pelo o que fiz.

— Pai.
Lamento e ele se mantém de cabeça erguida.
— Deixe como está. Faça seu trabalho.
Ele diz quando me aproximo.
— Acione a defensoria pública do Rio. — falo com Manuela que lamentava junto comigo — Ele
não sai daqui sem um advogado já o esperando!
— Defensoria pública, William!? Ligue para...
— Nem pense nisso. Catarina pede o divórcio no ato! Não posso pagar um advogado bom, aliás
que plano de defesa se manteria intacto com um réu confesso... — penso — ... o meu. — Manuela
sorri — Só estou enferrujado, mas sou bom, vou te defender!
Eu olho pro meu pai e ele nega.
— Não quero defesa, quero pagar.
— Todo mundo tem direito de defesa.
— Se me defender e eu me safar, me entrego de novo, e coloco em dúvida sua defesa. Me
desculpe ter que fazer isso, filho, mas eu quero pagar a pena inteira, e sei que será pouco, perto
do que fiz com ela.
— Pai, o senhor nem vai ver seu neto! Nunca vai conhecê-lo! Jamais levarei meu filho para um
presídio!!! Se pegar a pena inteira, tu sai da cadeia pro cemitério!
Exagero pra ver se adiantava. Mas nada. Nada parecia tirar aquilo da cabeça dele.
— Eu compreendo.
— Não faz isso...
Eu sussurro ao abraçá-lo. Minha dor era maior que eu.
— Já fiz. Me ajude. Me ajude a passar por isso do jeito que mereço. Preciso sentir que paguei
pelo crime que cometi. Paula era o nome dela! Paula. Era linda, jovem, mãe, e eu acabei com a
vida dela, William. Eu preciso pagar por isso. É isso ou deixar sua mãe encontrar meu corpo frio,
no banheiro de casa...
Ele diz, concordo me sentindo um lixo, e mando os agente levá-lo sobe custódia.
— Por que deu a entender que ele ia mofar? — Manuela me encara curiosa assim que ele é
levado — Sabe que se bobear o assassinato da garota já prescreveu. Ele pega no máximo uns
dez anos só porque vai assumir, e com certeza, quando cumprir três, ganha semi-aberto, ou
liberação por bom comportamento...
— Ainda acho injusto demais. Admiro a atitude do meu pai, muito. Mas... — eu a encaro — ... no
fundo eu queria que ele não sofresse tanto, queria que ele superasse de uma forma fácil, queria
que ele não se entregasse. Sou uma péssima pessoa e um profissional horrível por pensar assim,
certo!?
Choro sem querer e me assusto quando ganho um abraço seu.
— Você não é perfeito. É humano, e ele é teu pai. É uma situação difícil.
— Ele já está velho. Como vai ser isso? Como eu vou lidar com isso? Eu amo meu pai demais.
Estávamos passando fome quando fez o que fez, sei que não justifica, mas... Meu Deus. Meu pai!!!
— Fazemos besteiras imensas pelos nossos filhos, sei disso melhor que ninguém. É sim, justificável.
Se ele tivesse tido mais tempo e mais oportunidades, teria seguido um caminho diferente. Ele fez o
que pôde... Eu lamento muito.
— Me conta.
Eu a encaro no sofá e ela direciona seu olhar para as mãos.
— Acidente de carro. Meu marido e ele na cadeirinha mal fabricada. O cinto não suportou o
impacto. O freio falhou. Caio era o nome dele, três aninhos... — ela sorri chorando — Eu faria
qualquer coisa pelo meu filho, inclusive matar e morrer, até mesmo qualquer coisa para tê-lo aqui,
comigo, então, entendo seu pai. Eu tinha a família mais linda do mundo, eu amava meu marido, e
ele me amava muito.
— Como era o nome dele?
— William.
— Tá de brincadeira!?
Pergunto e ela nega.
— Jamais brincaria com minha própria dor. Ele se chamava William Sampaio de Souza. Acho que
é por isso que me encantei com você logo de cara, tu tem a alegria que ele tinha, o humor negro, o
olhar irônico, o sorriso de canto de boca. A inteligência acima da média... É bom estar perto de
você, porque não é triste conviver com alguém tão semelhante. É reconfortante. — ela sorri se
recompondo — Vai ficar com a Cat, tire o dia. Vou cuidar de tudo pra você.
Manuela se levanta e eu tento me recuperar de tudo o que ouvi dela, dela e do meu pai.
— Quero acompanhar tudo de perto.
— Ele vai ser transferido pro Rio... vai querer ir junto?
— É claro. Eu irei. Vou sim. — respiro fundo — Preciso estar do lado dele!
— Ele com certeza vai ainda hoje.
— Então vou pra casa, vou ajeitar tudo. Falar com a Cat e ver aonde ela vai ficar enquanto eu
estiver fora.
Falo, ela concorda, sai, e eu seguro outro choro do fundo da garganta.

Quando entro em casa, não a encontro. Podia apostar que ainda dormia.
Ao me sentar no sofá, cinco minutos depois ela desce. Ainda de pijama, e com a carinha amassada.
— Acabei de ler seu recado. O que houve?
— Meu pai se entregou. Vai ser preso.
Falo de uma vez e ela não entende.
— O que? Por quê???
— Culpa.
Choro e ela se abraça, arrasada.
— Meu Deus... Eu sinto muito, William!!! — confirmo encarando a TV desligada — Já contratou um
advogado?
— Queria denfendê-lo, mas ele não quis. Ele quer pagar.
— Ele é um bom homem. Gostaria que não sofresse tanto, gostaria que esquecesse isso.
— Eu também.
Enxugo os olhos e a encaro. Estava longe demais de mim, morria por me ver triste e se sentia
culpada.
— Não vai me dar um abraço? — eu me levanto e caminho em sua direção, sua atitude estava me
irritando. — Não vai consolar seu marido???
— Como poderia? Seu pai só está aonde está por culpa minha. Como quer que eu encare você?
— Meu pai está onde está porque matou uma garota!!!
Eu levanto a voz e sua boca forma uma linha reta.
— Não grita comigo!!!
— Grito!
— Nosso filho escuta seus gritos!!!
— Ele vai entender!
Falo com raiva pois sempre odiava sentir que eu mesmo poderia fazer fazer mal para meu filho, e
sua gestação, sua saúde.
— Você está muito nervoso...
Ela ameaça a sair e eu seguro seu braço.
— VAI AONDE???
— Te dar privacidade. Deixar você digerir sua dor.
— Se eu quisesse privacidade tinha ficado solteiro. Não tinha me casado. Quero invasão!!! Quero
você aqui, me aguentando e diminuindo minha dor, meu sofrimento. Quero teu colo! Teu apoio!
Quero tudo de você, dedicação, cumplicidade. QUERO TUA ALMA NISSO, ASSIM COMO
COLOQUEI A MINHA!!! VOCÊ É MINHA!!! NA ALEGRIA E NA TRISTEZA, NA SAÚDE E NA DOENÇA,
ATÉ O ÚLTIMO DIA DE MINHA VIDA, COM CULPA OU SEM CULPA. — respiro ligeiramente tonto
enquanto ela chora — Vai me dar colo, vai me garantir que tudo vai ficar bem com ele, vai me dar
amor, me abraçar, me beijar, arrumar a minha mala pra ir com ele até Rio, arrumar meu banho, e
meu almoço bem reforçado pra aguentar a viagem de cinco horas. Vai ser a minha esposa. Quis
ter uma família comigo, carrega um filho meu, então vai cuidar de mim. Não vai querer saber de
privacidade, vai me invadir, vai me encher o saco pra levar a blusa, o guarda-chuva, chegar na
hora certa, não esquecer as datas importantes, e reparar no teu novo corte de cabelo ou nas cores
do esmalte. Vai ser a minha mulher. E pra começar vai encarar teu sogro e oferecer apoio a ele,
força para enfrentar essa fase. É a nora que ele ama, é teu sogro mais amado... — levanto os
braços e os deixo cair, finalizando. Cansei de falar — ...vai fazer teu papel!!!
Eu paro pra retomar o fôlego, cubro o rosto com as mãos por puro instinto, me entrego ao
desespero como só faço com ela, e ela me oferece algumas das primeiras coisas que exigi. Seu
amor, colo, e compreensão.

— Fica bem, sogro! Eu te amo!


Cat abraça meu pai na sala de visitas da PM do Rio e chora, junto com minha mãe.
As duas quiseram vir, tive de trazer, e até fiquei mais tranquilo com as duas por perto.
— Eu também te amo, minha nora favorita!
— Eu virei sempre. William vai conseguir que saia para conhecer o Theo!!!
— Já falei pra ele que não quero nada fácil. Não posso mais viver com essa culpa. Apenas me
ligue, e me mande fotos! Será o suficiente.
— Não precisa ser assim, seu Francisco. Não precisa...
— Precisa, eu fiz algo monstruoso! Precisa sim. — meu pai abraça Cat mais uma vez — Vão, vão
embora!!! Aqui não é lugar pra nenhum de vocês.
Ele seca os olhos.
— O doutor George visitará o senhor periodicamente. Está na lei, tu precisa de um advogado. Ele
já está ciente de que você não quer nenhum benefício e até pra “não fazer nada”, custa trabalho!
Receba-o e conte com detalhes, tudo sobre o caso!
Eu falo, o abraço, ele diz que vai fazer tudo, e nos despedimos. Ao chegar no hotel, como nos
últimos momentos, minha mãe se tranca no quarto e Cat finge estar bem. “Por mim..."
— Quando voltamos para São Paulo?
Ela pergunta se empoleirando em meu colo, no sofá.
— Primeiro vou ligar pro advogado, ver como tudo vai ficar. Cuidar de tudo o que ele precisa...
Tenho certeza que vai ser dolorido demais ir embora e deixar ele aqui. Sentir que a gente está
longe.
— Não quer cogitar a possibilidade de deixar a superintendência? Só por enquanto, enquanto ele
cumpre a pena!?
— Não. Preciso trabalhar, e meu lugar é lá. Virei sempre que puder... Vou ter lidar com a ponte
aérea.
— E Tiago?
— Já contei. Ele ficou em silêncio no telefone e desligou. Também vai ter que lidar com tudo isso.
Ela concorda com a cabeça e eu apoio minha cabeça no encosto do sofá.
— Quer algo pra comer? Estou faminta!
— Quero. Vou pro banho, e depois, ligar pro George.
Falo do advogado que contratei para meu pai. Indicação de Jon.
— Tudo bem.
Cat levanta de meu colo, e seu celular toca na mesa de centro.
Ela se estica e atende dizendo ser Rubi.
Segue para a cozinha, e eu vou atrás para saber do que se trata.
— Oi... Sim e você? Sim... O que? Pra onde? Por que? Rubi... Você... Tudo bem, só, por favor, não o
faça sofrer. Certo! E depois? Como é??? Você pirou??? Rubi!!! — Cat olha pro telefone — Ela
desligou na minha cara!!!
— O que aconteceu?
Pergunto com medo.
— Ela está doida. Disse que não está aguentando mais. Que “precisa saber”. Vai pro Sul, vai
procurar por meu pai, e depois... — Cat parece travar aflita — ...vai pro México.
Dou risada me divertindo.
— Sua irmã é muito doida.
— Você entendeu o que ela vai fazer? Ela vai magoar meu pai, vai fazer Fred sofrer.
— Não, Cat. Rubi quer entender o que sente por cada um, e vai enfim, ser feliz! Vai fazer uma
escolha.
— Como isso pode ser uma escolha??? Não faz sentindo.
— A melhor maneira de saber o que quer, é experimentando. — eu falo e ela nega incrédula —
A bruxa vai experimentar antes de escolher. Certa ela. Que o melhor, vença! Rubi merece ser feliz.
— E...
— Esqueça. Ela sabe o que faz, e sabe muito bem extinguir sofrimentos alheios, é a melhor no
assunto. Deixe sua irmã fazer o que achar melhor. Agora você tem sua vida e ela, a dela.
Eu digo, beijo sua boca, e sigo para o banho rindo baixo da última peripécia da bruxa
ninfomaníaca. Fred e Yan teriam muito o que fazer. Coitados...
[ 6 meses depois ]

ELA NÃO DEVIA TER ME DEIXADO ENTRAR


— Oi, barriga.

William sai do tatame, toca minha barriga e sorri cansado. Acabara de lutar com Rafael e quase
foi finalizado pelo monstro, só que não. A luta foi boa, Rafa era bom, mas meu delegado era
incrível.

Quase nove meses, Theo querendo sair, dona May tentando se reaproximar, com saudade, seu
Francisco pagando pelos seus crimes, e tranquilizando meu marido com ligações, sempre que pode,
dona dramática... ops, Maggie, continuava em cárcere, querendo a atenção de William, e vira e
mexe conseguia, Rubi definitivamente desaparecida, “ninguém” sabia dizer se em Bagé, ou cidade
do México, Fred ainda de férias, Yan, creio eu que em casa, Tiago ligando de vez em quando
para nos dar notícias, e meus pais em uma luta árdua para tentar entender como a puberdade
funcionava para um garoto. Dom continuava agindo de forma estranha... ou seja, tudo nos
conformes. Ah! E William, se mostrando cada vez mais um marido mais do que perfeito. Muito mais
do que perfeito!

— Tia Nina disse que vai me levar. Tu quer apanhar mais ou podemos ir? — ele ri. — Tô cansada
e cheia de dores, mas não quero atrapalhar seu treino.

Falo da dor no pé da barriga, que em comparação as demais, estava tranquila.

— Eu disse que era só umas duas horas para gastar energia... já me sinto melhor, podemos ir.

Ele me beija feliz e eu nego.


— Tá acabando... — eu digo, pois nos dois últimos meses neguei fogo, Theo era um bebe grande,
forte e irritadiço, como eu era. Estava me deixando estragada e sem ânimo. Sem contar que eu me
sentia cada vez mais baranga, mesmo com Will me garantindo que eu continuava uma ‘deusa
grega’. Dizia ter um tesão em mim com aquela barriga, que eu não podia acreditar, parecia
mentira só pra me ver bem. — Tenha paciência...

— Eu tenho. — ele me abraça como pode, e me beija. — Eu te amo, sou louco por ti. Terei toda
paciência, mas vou fazer um estrago em você quando esse menino me liberar. — ele sussurra. —
Dois meses sem sexo... só amando muito!!!

— Pois é bom que ame.

Resmungo e ele agarra o bico que faço com o polegar o indicador.

Ele corre pro banheiro, eu imediatamente me sento no banquinho do salão, e minha linda tia-avó
pergunta se eu vou com ela ou não. Nego com a cabeça, Gabi adentra o recinto com seu corpão
em uma legging, me cumprimenta, beija a mãe, cumprimenta o pai, eles conversam enquanto Nina e
Rafa se agarram e eu viajo. Outra família linda.

William chega, cumprimenta Gabi com um beijo no rosto e eu fico enciumada, mesmo ele nem tendo
a encarado. Meus hormônios estavam à flor da pele. Gabi, atleta como o pai, engenheira como o
avô sempre quis, era linda, inteligente, gostosa, e eu me sentia uma ‘Fiona’ naquele momento. Cada
dia que passava, sentia mais raiva ao ver William perto de outras mulheres bonitas, e com minha
prima antissocial não foi diferente.

— Acha Gabriela bonita?

Pergunto no carro e ele ri afirmando.

— Acho. — filho da puta. — Mas meu pau não sobe, não.

— Mentiroso.

Resmungo chateada e ele estaciona o carro imediatamente, liga o pisca alerta, e puxa minha mão.

— Tá vendo... — ele coloca minha mão em seu músculo adormecido e se aproxima. — Eu sou louco
por você. VOCÊ. Minha mulher. Com ou sem barrigão. Você está linda, mais do que nunca, e se
você soubesse o tamanho da vontade que eu tô de te foder com força, mesmo com essa barriga,
você jamais me chamaria de mentiroso, ou ficaria insegura ao me ver perto de outras mulheres. Eu
tenho um tesão em você fora de controle, sou completamente apaixonado por você e meu pau não
sobe pra nenhuma outra!!! — ele diz baixo, me olhando nos olhos e parecendo bravo, fita minha
boca, parecendo se segurar pra não me beijar, e mesmo sem me tocar, um minuto depois, ele senta
direito, respira fundo, e volta a pegar a minha mão para me mostrar o que apenas alguns olhares
fizeram. — Duro, por você. — ele me olha e solta minha mão. — Porque eu te amo, te desejo
demais, e porque você está linda com essa barriga.

Ele desabafa, volta a me olhar por um momento, procurando alguma reação minha, e eu só tento
voltar a respirar.

— Desculpa.

— Faça amor comigo, antes dele nascer, e eu te desculpo.

Ele resmunga, liga o carro e depois sorri, ao ver como eu estava: doida por ele como ele estava
doido por mim.

Era sábado, assim que eu cheguei com o William da academia do Rafa, aproveitamos aquele final
de dia incrível pra curtir um belo fastfood, filme e cama. Nada além disso.

— Poxa vida... fiquei de ligar pro Tiago. Ele queria estar aqui pra ver Theo nascer! — Will pula
do sofá de repente. — Deixa eu fazer isso antes de esquecer de novo... vou buscar uma manta e
já ligo do quarto, assim não te atrapalho, quero que você preste atenção em cada detalhe desse
filme...

— Não quer que eu pause?

— Não, pode continuar... dois minutos.

Ele sobe correndo, e eu continuo assistindo o filme que ele escolheu, filme esse que, só pelo trailer,
já deixava claro que assistir mesmo, ele não queria. Na primeira cena, que deveria ser do casal
principal fazendo um amorzinho, o cara esquece o romantismo, pira, joga a mulher de quatro,
agarra os cabelos de sua nuca, e mete forte até eu ficar sem graça, abaixar um pouco o volume e
ele ficar me encarando escancaradamente, ao invés de aproveitar a cena.

Escuto sua voz falando com Tiago, sorrio quando ele chama o irmão de 'pelasaco', e dois minutos
depois, ele desce. Só de cueca, com seu peito super definido à mostra, seu volume bem marcado
na boxer preta, que eu comprei há muito tempo, e desfila parando na minha frente. Carregava um
de nossos travesseiros, e uma manta minha. Ele as joga do meu lado no sofá e coloca as mãos na
cintura. Eu seguro um riso alto e minha pressão arterial sobe quando ele me dá as costas, e segue
um caminho lento até a TV, parando para aumentar o volume e deixar no ar os gemidos do casal
do filme. Seu bumbum, e costas largas de macho alpha eram coisas de outro mundo.

— Tiago virá! Vou buscá-lo no aeroporto na hora em que embarcar, não sei se hoje, ou amanhã...
— ele resmunga só pra me comunicar...

Assim que aumenta o volume ele volta, para em minha frente e eu o meço, das coxas musculosas
até os olhos.
— Achei que o intuito da coberta era porque estava com frio...

Dou risada e ele umedece os lábios. Fico molhada só com seu gesto.

— Quase isso. — ele pega o travesseiro e coloca em minhas costas, após puxar a base do sofá,
alongando-a, e me fazendo deitar. — Isso aqui, é pra não aumentar suas dores... e... isso aqui... —
ele levanta a manta. — É pra tentar um jeito de você se sentir à vontade, e te deixar menos
insegura, mas por mim, eu não usava. Farei um esforço, POR VOCÊ.

Fecho os olhos com as mãos me divertindo, ele joga a manta em mim, cobrindo da minha cintura
pra baixo, e se enfia embaixo dela, tirando meus shorts e minha calcinha.

— ...E isso... — William abre minhas pernas, e passa a língua em toda minha intimidade. — ...é pra
você entender que eu não aguento mais, e preciso de você. Só de você. Mesmo com essa
barrigona, que eu tanto amo, e é o melhor presente que já ganhei na vida.

— William.

Sussurro por causa da expectativa, ele passa a me chupar, demonstrando saudade e sede, e eu
gemo baixinho. A manta me cobrindo e me impedindo de vê-lo era um charme pra situação. Ele
aumenta a velocidade das chupadas, aperta meu bumbum inconscientemente, e o barulho que faz,
me faz revirar os olhos, unhar o estofado branco, e pressionar suas orelhas com as pernas.

Ele para, dá palmadas leves no piercing, me leva ao céu, volta a chupar, faz sua língua de
vibrador, e me suga tudo. Sua sucção é tão firme e mágica, que faz meu ponto mágico vibrar e os
dedos dos meus pés se contorcerem. Levanto a perna, solto um gemido agudo preso, e, com um
certo esforço, bem pouco, aliás, puxo sua cabeça contra minha intimidade, e ele entende. Relaxo,
ele passa a balançar a cabeça toda deixando sua língua pra fora e eu sinto... eu sinto um fogaréu
dentro de mim. Sua atitude me deixou mais do que devassa, como nunca antes.

— Porra de boceta apetitosa... melhor que mel!!! Estava com saudade, quero ficar aqui pra
sempre... AHHH!! — ele praticamente grita quando gozo, gemendo alto, na sua boca, após ouvir
sua forma escrachada de falar. Nessa hora ele toca o foda-se. — Filha da puta!!! Gostosa!!! — ele
geme contrariado, sobe em minha direção e enterra seu pau duro em mim, me fazendo gemer,
quase gritando.

William estoca sem dó, segura no braço e no apoio de costas do sofá,pra não soltar o peso em
mim, e se transforma em um homem das cavernas, enquanto eu gemia de pernas arreganhadas.
Nem existia mais dor em tudo quanto é lugar, só o prazer que me proporcionava.

— Nossa... ahhh... — ele deixa escapar algumas palavras entredentes, me beija a boca enquanto
eu chego lá chorando e goza minutos depois, dando pequenas estocadas firmes, me olhando nos
olhos. Ali, ele me invadia e eu gostava de sua invasão. — ...gostosa. Você é muito maravilhosa, não
pode duvidar nem por um minuto. Você me satisfaz, me é o suficiente. Eu não sei medir o quão
grato sou por ter conseguido me casar contigo... eu sou o homem mais feliz do mundo, eu te amo.

Ele diz baixinho enquanto eu tento recuperar o fôlego.

— Mais um pouco e parece que vai me pedir em casamento de novo. — sorrio.

— Casa comigo? — ele pede com o semblante sério demais. — Casa comigo.

— Já somos casados, seu bobo.

— Casa de novo.

— Aceito. Eu caso contigo. Ogro. — ele sorri sem graça.

— Te machuquei?

— Não... nunca me machucaria. Gosto quando fica insano comigo. Pensei que nem tão cedo ficaria.
Amo carregar um filho teu, mais do que amo qualquer coisa no mundo, mas estava com medo.
Medo de não mais te ver assim, maluco por mim, me desejando... tenho medo do meu corpo mudar
muito... já está agora, com esses pés inchados, esses peitos gigantes, que não param de vazar...

— Meu amor por você não tem nada a ver com o corpo. É algo que vai além do físico, Cat. Além
do exterior. É surreal. Eu não sei se você acredita em almas gêmeas, mas eu sim, e você é a minha.
Tu é a mulher mais linda do mundo, está gostosa demais, tenho propriedade pra falar, seu gosto
ainda está na minha boca, e vai ficar ainda mais gostosa. Theo e eu vamos dividir as mamadas. —
dou risada. — Vou ganhar um belo par de seios novos, mais culotes pra eu percorrer, e um
bumbum mais apetitoso ainda. Vou me esbaldar, não vejo a hora. Não vejo a hora...

Ele sorri, me beija a boca todo apaixonado, e seu celular toca, atrapalhando tudo.

— É uma mensagem do seu irmão com um número diferente... — ele parece se concentrar pra ler.
— ...seu pai botou o moleque de castigo!?!?

— Meu Deus. Liga no número. Deve ser outro aparelho dele, ele troca constantemente, tem um
monte!

— E se o telefone tocar alto e eu foder com tudo!?

— Ele é esperto, se está mandando mensagem, diminuiu o volume...

Eu falo e ele fita o nada por um momento.

— Não vou arriscar, vou lá. Vai ver quer que eu leve seu pai preso. — ele sorri e o celular toca de
novo. — É bem isso. Está me pedindo pra ir lá. O mais estranho é: porque foi pra mim a
mensagem, e o pedido de socorro???

— Vai ver é porque ele sabe que eu nada posso fazer. Mal posso andar sem morrer de cansaço e
me escorar em lugares estratégicos.

Dou risada e ele me auxilia quando ameaço levantar.

— Me ajuda a subir. Agora quero uns minutinhos na banheira quentinha. Você parou com a festa,
as dores voltaram.

Eu digo, dou um passo, sinto uma fisgada em minha intimidade e ignoro. Do jeito que trepamos, não
sentir nada seria milagre. Só sorrio. Eu tinha um delegado ogro delicioso.

Arranco uma de suas camisetas que eu vestia, e sigo para o banheiro. Paro ao vê-lo ligar a
banheira, e só admiro. Suas constantes declarações e cuidados me deixavam no céu. Eu amava
demais William, mais do que imaginei. Eu tinha certeza que ele não tinha noção do tamanho do
amor que eu sentia por ele! Não tinha mesmo...

— Vem. — ele entrelaça seus dedos nos meus, e sorri para mim. Caminho com ele ao meu lado até
entrar na banheira, com seus braços seguros e firmes me apoiando. — Vou lá salvar teu irmão.
Estou no telefone e volto o quanto antes. Deixei morninho, não pode ficar muito quente. Não tente
sair daí sem mim, tenho medo de você escorregar nesse tapete.

— Eu te amo muito! — eu digo e ganho um beijinho.

— Eu te amo também, meu neném. Já volto.

William sai e dez segundos depois sinto outra fisgada, ainda mais forte.

— Deus. — suspiro, sinto minha barriga ficar dura e eu vejo estrelas. — Ahhhhhh! Minha nossa!!!!!!!!!
WILLIAM!!!!!!!!!!

Grito por instinto, morrendo de medo e me levanto com extrema dificuldade. Assim que coloco o pé
para fora, um enorme jato de líquido amniótico se desprende de mim, me deixando completamente
vazia. Eu me sentia mais leve, literalmente vazia. Saiu de mim como um riacho.

E a dor...

A dor era absurda...

Era... Meu Deus!

— Tenha misericórdia!!! — suplico e mordo o lábio inferior — Agora não, Theo. Espera só
mais...Ahhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhh!!!
Choro, saio quase de quatro do banheiro, e me agarro ao telefone do criado-mudo. Junta a
barriga dura, as pontadas, a dor, angústia, medo e isso me faz esquecer qualquer telefone que eu
poderia ter de cor. Eu não entendia o que estava acontecendo, não imaginava que seria tão
horrível, tão rápido, e tão desesperador... nunca ouvi falar que, quando a bolsa estoura, as dores
são imediatas, e a dor é de matar. Sim. Eu queria morrer a sentir aquilo.

Tiro o telefone da base, me apoio primeiro com o braço e depois me sento na cama, e de repente,
pra piorar toda aquela situação fora do normal e desesperadora, sinto todo meu interior se
abrindo.

Grito, e algo dentro de me mim me faz fazer força sem que eu pudesse controlar, eu não queria
fazer força, não sabia o porquê estava fazendo, era só meu corpo, sozinho, guiando tudo. Eu
queria era segurar a respiração e Theo dentro de mim até William me levar pra um hospital, mas...

— Ahhhhhhhh!!! MEU DEUS!!!!!!!!!!!! — faço força involuntariamente de novo e grito. — William!

Esqueço de meu nome, grito de novo e aperto o rediscar. Era a única coisa que conseguia pensar...
foi a última ligação de William, Tiago rapidamente desligaria a ligação e entraria em contato com
alguém de casa.

Aperto o botão do viva-voz, faço força de novo, e de novo até perder o ar e a voz, me deito de
costas, e só espero ele atender. Mas não é ele quem atende. É Barbara.

— Alô.

Eu não estava acreditando, mas não tinha tempo. Eu não conseguia pensar, muito menos sentir ódio
por ela ter atendido.

— Barbara... — gemo, choro, e vejo estrelas — liga para o William... alguém da minha... casa!

— Catarina!?

— Eu... tô sozinha em casa, minha bolsa.... — DEUS!!!!!!!!!!!!!! — estourou! Eu tô sozinha.

— Tá parindo é, égua!?

— Liga pra alguém!

Gemo sentindo uma dor absurda e mordo forte o lábio inferior.

— Pode deixar... — ela diz parecendo rir e desliga.

— AHHH!!!!!!! — faço força mais uma vez e arreganho as pernas involuntariamente.


O suor já se acumulava em minha testa, eu respirava rapidamente, como se tivesse acabado de
correr uma maratona, e continuava sentindo que meu corpo se dividiria em dois. Theo estava
tentando sair, já era a hora, mas eu não sabia o porquê. Eu nem conseguia me lembrar se chegou
a fazer nove meses, ou faltava de uma a duas semanas. Tudo parecia errado. Tudo parecia fora
do lugar.

E nada do William chegar, e nada de ninguém me ligar. Só a dor, só a força, só a barriga dura,
meu corpo se quebrando por dentro, Theo impaciente se esticando.... dor, dor, e dor.

Os minutos se passavam, a dor não parava, e William não chegou. Já era para ter chego, fazia
muito tempo que Barbara havia dito que ligaria e avisaria alguém...

Número da ambulância. 190 é polícia, 193 é bombeiro, meu Deus... 192...!? MERDA. MERDA.

Digito o número um, só dou uma pausa quando a força triplica, e solto o telefone quando sinto que
minha alma vai se deslocar de meu corpo. Eu estava sentindo ele saindo. Ele estava nascendo.

Faço mais força ao pensar na possibilidade dele parar na hora errada, dar algum problema, ou
qualquer outra desgraça, e não vejo mais nada na minha frente. Se algo acontecesse com Theo eu
me mataria. Eu me mataria na mesma hora.

Por isso, entregue ao medo e ao desespero, e de novo por puro instinto faço mais força apertando
as laterais de minhas próprias coxas com os joelhos erguidos, e quando sinto que "ele" escorrega
de mim mais um pouco, rosno como um animal, crio forças não sei de onde e me inclino pra frente,
forçando sua saída e tocando com as duas mãos, o que eu achava ser sua cabecinha. E era. Puxei
“sem dificuldade”, seu corpinho roxeado escorregou pra cama, e o lençol branquíssimo ganhou
respingos grandes do vermelho escarlate mais bonito que eu já tinha visto.

A ausência imediata da dor era um bálsamo e parecia magia.

Theo era lindo. Muito lindo. Um mini doutor.

— Pronto. Pronto, amor... pronto.

Me sento sentindo uma energia que eu não tinha a minutos atrás, o trago para meu colo, e sinto o
cordão umbilical pulsar dentro de mim. Pressiono seu nariz tirando o excesso de muco, e sorrio pro
pequeno William, que nem abrir os olhos queria.

— Você é uma coisinha pequena! — choro assustada, me sentindo a mulher mais feliz do mundo e
sentindo aquele amor incondicional se apossando de mim. Eu viveria por aquele pequenino pelo
resto de meus dias, eu e seu pai. Pra sempre. Nossa ligação eterna. — Eu acho que você precisa
chorar! Por que você não chora???

O abraço firme e esqueço da vida até que me lembro do telefone, assim que o pego com a mão
livre, que tremia levemente, a força volta e o que eu achava que seria placenta, escorrega nos
desligando um do outro. Não estávamos mais conectados, pelo menos não pelo cordão. Agora
nossa ligação era somente pelo coração. Outra forma pura, tão pura quanto.

Disco pro número fixo da casa do meu pai e é minha mãe quem atende.

— Oi?

— Mãe, chama o William!

— Ai, filha, tudo bem? Ele está trancado com teu pai no escritório, você não imagina...

— Mãe. Entrega-o-telefone-para-o William!

— Tô indo, filha. O que aconteceu? Você está bem???

Ela pergunta, sorrio na linha, e num rompante Theo acorda para vida miando, e depois se
esgoelando em chorar. Um choro alto, muito alto, e forte.

— Oh! Meu Deus!!! — ouço minha mãe exclamar! WILLIAM!!! AMOR!!! CORRE AQUI!! — ela grita
desesperada. — CAT! ELE... NASCEU!?!? — ela fala comigo, mas não consigo responder, só chorar.
Morrendo de amor por aquele chorinho. Meu filho. O bebê mais lindo do mundo.

Choro muito mais com ele, largo o telefone, o abraço, sinto meu coração arder, e William chega
trinta segundos depois, demonstrando ter corrido demais. Ele leva as mãos a cabeça e parecia não
saber se ficava feliz, assustado, se gritava, se chorava, se chegava perto ou não... ele estava um
misto nítido de emoções.

Minha mãe se aproxima chorando, me beija, coloca um lençol para me cobrir, e William se
aproxima, também chorando, como um bebê.

— Me perdoa! Eu não devia ter saído daqui!!! Me perdoa!!! Me perdoa!!!!

Ele se senta na cama e eu choro junto.

— Está tudo bem, não dava pra imaginar! Ficou tudo bem! Eu te amo!

— Eu também te amo! — ele me beija e não se controla ao pegar Theo no colo. Assim que ele se
aproximou e falou, Theo se remexeu. — Coisa mais linda do mundo! Minha vida!!!

Ele resmunga beijando sua cabecinha e os quatro choramos. Meu pai me beija, se aproxima dele,
chora, e parece não saber o que dizer!

— Precisamos chamar uma ambulância... — eu digo e ele se mexe atordoado.


— Sim! Chama pra mim, sogra, por favor! — ele pede e minha mãe corre. — Por que não me
ligou, Cat? Eu vinha correndo!!! Por que não ligou para o fixo, sei lá? Como foi isso???

— A dor é indescritível. — ele parece triste ao me olhar nos olhos, William se culpava. — Não te
permite nem pensar, amor, é... surreal. A pior do mundo! Saí do banheiro, vim praticamente de
quatro até aqui, meu corpo fez força sozinho e ele saiu. Cadê seu celular?

— Está aqui. Está no meu bolso.

— Eu podia jurar que pelo menos cheguei a discar, não tem nenhuma ligação perdida aí? Vai ver
tu não ouviu.

Eu falo e ele nega.

— Não fala isso nem de brincadeira, nunca me perdoaria se eu não tivesse escutado o telefone.
— ele beija Theo enquanto tira o aparelho do bolso e me entrega para eu mesma olhar. Nenhuma
ligação perdida. Barbara havia dito que avisaria alguém e nem se incomodou. Me deixou lá,
naquelas circunstâncias, nem levando em consideração o fato de eu tê-la salvo inúmeras vezes.

Por causa de William até perdeu sua humanidade. Eu jamais deixaria ela parindo assim, é uma
criança... e se desse errado? E se Theo não nascesse? Aqui, sozinha, uma ajuda negada por pura
maldade, uma ajuda negada a um bebê. UM BEBÊ. Respiro fundo, anoto tomar previdências
mentalmente e deixo estar. Com meu filho ela jamais ia mexer. Se ela tivesse avisado William, ele
estaria aqui para me ajudar, e participaria do nascimento do próprio filho. Barbara ia pagar
amargamente por ter feito aquilo, por ter tentado prejudicar e negligenciar o nascimento de Theo,
e ia pagar da pior forma. Era uma promessa.

— Olha como ele é lindo! É o bebê mais lindo do mundo, não é, amor!? — William volta sua
atenção para Theo e eu só concordo sorrindo. — Meu filho lindo, eu te amo!!!

Ele resmunga sorri pra ele, e minha mãe chega com uma das mantas dele, que ela mesma lavou.

— Eu já chamei uma ambulância, está a caminho. Enrola ele aqui, filho, eles passam muito frio
assim! — minha mãe cobre o Theo e William a auxilia.

— Como se sente? Está bem? — ele me encara e sorrio de novo.

— Estou ótima, vida! Estou me sentindo ótima! Me dá ele aqui, deixa eu segurar!!! — eu peço, pois,
segurá-lo para sempre era tudo o que eu queria, parecia me sentir incompleta sem meu bebê. —
Meu bebê...

William me entrega, sobe na cama pincelada de vermelho, e me abraça. Ficamos os dois ali,
abraçados e só olhando pra ele, meu pai de pé como uma estátua, sorrindo e chorando, e minha
mãe colocando as coisas dele no sofá para irmos até o hospital
— Olá, mamãe!!! — Minha mãe recebe os funcionários da clínica na porta e eles invadem o
quarto. Uma enfermeira se aproxima, sorri pra mim e estende a mão para pegar o Theo. — Esse
aqui terá uma personalidade das boa. Nem quis esperar... — a morena bonita sorri. — Eu me
chamo Priscila! — resmungo ‘prazer’ e ela ri. — Como se sente?

— Estou bem. Acabou a dor.

— É horrível mesmo, dói demais. Sei como é. Deixa eu ver como ele está e já devolvo pro teu
colinho! Qual o nome dele?

Ela coloca Theo na cama, abre a manta e mexe nele todinho, até que ele chora.

— É Theo.

— Tá brigando comigo por acaso, Theo? Seu apressadinho! — ela ri enquanto avalia seus
batimentos cardíacos. — Pode chorar, eu preciso examinar você... acha que me bota medo??? Só
mais um minutinho, bebê lindo! — ela continua resmungando, pega uma espécie de mini-lanterna
para examinar seus olhos, e de tão atônita com o que viu, manda seu parceiro se aproximar para
dividir algo com ele. — Mário, vem cá...

— O que é? — eu já pergunto nervosa e o vovô, que continuava quieto na porta se agita como o
pai. William começou a respirar com dificuldade, só senti, não o encarei, estávamos todos de olho
na atitude estranha da enfermeira. — O que foi???

— Calma, mamãe! está tudo bem!!!

— Seu filho tem os olhos diferentes! — o rapaz, aparentemente mais velho que a moça resmunga
ao notar, e a enfermeira coloca a lanterninha no segundo olho para verificar novamente. — É só a
coloração, as pupilas estão respondendo!

Ele sorri, respiro aliviada e ela me instiga ao se inclinar e olhar. Will repete meu gesto e depois
meu pai.

Theo tinha seu olho esquerdo em um preto profundo, da cor do pai, e o direito, eu não conseguia
bem identificar, era esbranquiçado e por isso a enfermeira travou, Deus me livre dizer isso, mas
parecia que esse olho estava “machucado”, parecia cegueira. Theo era lindo! Muito lindo.

— Vai ficar azul, seus olhos tinham quase a mesma tonalidade em um deles, e no outro, essa
corzinha diferente, que é seu charme! Vai ficar bem azul, como o teu, por isso agora é quase
branco...— minha mãe diz quando também confere a peculiaridade do neto. — Ele é o bebê mais
lindo e especial do mundo!

Ela sorri, eu concordo, claro, e voltamos a chorar até dizer chega. Até William me ajudar a vestir
um vestido e me auxiliar escadas a baixo, com meu pai carregando o pequeno Theo.
Minha felicidade não tinha nome quando chegamos lá, e a doutora disse que Theo estava com a
saúde perfeita. William e eu quase gritamos de tanto alívio. Pude amamentá-lo e me senti no céu.
Eu não tinha palavras pra descrever tamanha felicidade.

(...)

— Eu pedi para sua mãe chamar a família somente amanhã, tá. Você precisa descansar e ele é
muito pequeno pra ficar de colo em colo recebendo germes.

William diz assim que eu me sento na poltrona do quarto do bebê, e coloca meus pés no estofado
próprio pra isso.

— Eita, papai enjoado!!! — ele ri e me beija.

— Vou ver o que tua mãe está fazendo pra você comer... eu já volto.

Ele diz, beija Theo e sai.

Respiro fundo assim que ele sai e sigo até o berço do pequeno. Os pontos que levei não
incomodavam tanto quanto a expectativa que eu tinha para sua vida. Esperava que meu bebê não
sofresse devido a sua anomalia congênita. A doutora me explicou que a “Heterocromia” é rara em
seres humanos, mas acontecem. Devido a síndrome de Waardenburg, — que Theo não tinha,
graças a Deus. — Theo poderia ter nascido surdo, ter tido uma série de complicações e então, a
descoloração na retina para acompanhar, mas não foi nada disso. Teve apenas a alteração no
cromossomo 15, como eu tive, a que corresponde a quantidade de melanina que teria seus olhos,
mas teria uma vida saudável e feliz.

Theo foi apresentado para a equipe médica do hospital inteiro por ser tão especial, e ninguém ali
nunca tinha visto uma coloração tão distante. Até mesmo os doutores já idosos, com anos de serviço.
Olhavam para Theo e automaticamente se aproximavam de mim para conferir os meus. Não me
incomodei com tantas visitas porque tinha esperança de que se algum deles tivessem mais
informações a respeito, poderia me deixar a par da situação, e eu ficar pronta para qualquer
novidade que viesse, pela saúde dele. Mas não. Graças à Deus, era só uma característica única e
linda, nada além disso.

Até com relação ao seu nascimento à jato me foi explicado. Não era raridade meus sinais
começarem tão perto dele estar nascendo. Cada corpo era um corpo, e a doutora até me contou
casos de mamães que tiveram da mesma forma, e melhor: sem dor nenhuma. Deu a hora, eles
nascem quando precisam, pronto. Era o corpo, a natureza. E uma parte bem engraçada era que,
apesar da “carinha de joelho”, como toda criança nasce, Theo já tinha traços fortes da aparência
do pai.

Todos os enfermeiros que chegavam perto, falavam, principalmente as enfermeiras: “Nossa, vai
fazer sucesso com as garotas, é a cara do papai...”, elas falavam, William abaixava a cabeça
rindo baixo, e eu só sorria feliz. Todas admiravam o 'delegato' da superintendência que acabava
de ser pai, mas só eu o tinha. Eu tinha um filho com o cara mais lindo do mundo, eu era casada com
ele, e só o que elas podiam fazer era isso: olhar, desejar, e sair da sala. William era meu.

Verifico se Theo respira, por algum motivo, fico agoniada, e volto a me sentar. Penso em falar
sobre Barbara quando Will volta, mas algo me diz que era melhor ele não saber. Era bem melhor,
eu não ia estragar aquele dia, deixe estar... deixa eu me recuperar...

— Ela está fazendo uma canja cheia de legumes e o cheiro está ótimo! — ele se ajoelha e beija
minha boca, e pula quando Theo geme no berço. — O que foi, menino, quer me ver infartar de
susto???

Ele pega Theo no colo, nego com a cabeça dando risada, e ele finge que Theo disse algo,
aproximando seu ouvido da boquinha aberta que gemia. Dois chorões.

— Já está com fome???

Ele fala rindo, eu prendo os cabelos, que estavam soltos, ele me entrega Theo, e eu abro a alça do
sutiã próprio pra isso, pra fazer meu trabalho. Minha mãe comprou todos os apetrechos que disse
que eu precisaria, porque provavelmente eu sofreria mais pra frente com as mamadas, disse que
meu bico ia sofrer com as chupadas dele, mas por enquanto, estava tudo muito lindo e tranquilo.
Graças à Deus.

— No fim você nem me contou, o que houve lá em casa? Cadê o Dom?

Ele puxa um banquinho para sentar ao meu lado e parece triste.

— Seu pai estava transtornado com ele. Parece que Jon pegou algumas trocas de mensagens dele
com um amigo, fazia muito tempo, e estava esperando o próprio Dom contar a novidade. Como
não contou, se baseando na última mensagem que ele trocou, Jon foi até lá para dividir com ele.
Pelo que parece, seu irmão... troca mensagens amorosas com um garoto.

Ele diz e eu fico pasma.

— Tá de brincadeira.

— Não. Infelizmente não. Jon tinha mandado Dom contar, que era algo “simples”, enfim, Jon
ofereceu seu apoio, mas parece que seu irmão meio que ficou travado, claro, é de se esperar.
Acontece que, nos últimos dias, o garoto sugeriu que Dom e ele fugissem para poder “viverem esse
namorico”, aí Jon, ao ler, deu uma pirada. Foi na sua casa, e ficou trancado com teu pai no
escritório, contando tudo e tentando acalmá-lo. Dom está bem triste, disse que nunca faria aquilo, e
eu prometi amansar a fera-branca, como se fosse possível. Seu pai não está acreditando que os
interesses de Dom, são esses...
— Bom, nem eu, nunca imaginei!!!

— Eu acho que em algum momento isso já passou pela minha cabeça, mas não tenho certeza... —
ele ri. — Ele precisa de apoio, e vamos dar, certo!?

— Claro. Assim que eu puder, falarei com meu pai. Sei que deve estar sendo difícil pra ele
também, mas meu pai não é preconceituoso, vai superar. É um baque, quem dizer que é fácil,
mente, é o filho dele, são expectativas, nem todo mundo tem uma cabeça aberta e sem amarras.
Mas meu pai vai entender. Vamos ajudar!

Eu sorrio e ele confirma.

— Mas no momento... vamos cuidar desse nosso bebê lindo e sua saúde. Sua mãe me garantiu que
está cuidando de Dom, pra que ele fique bem e que tenha paciência com teu pai, e já, já dou uma
passada lá pra ver como está.

— Tudo bem, papai do ano! Tudo bem!

Sorrio, ele se ajoelha pra ver Theo mamando, toca minha têmpora com sua testa e chora de
felicidade, de novo.

— Eu te amo. Amo você e nosso filho mais do que tudo!

Ele sussurra e eu garanto que a recíproca é verdadeira.

— Vai aonde, amor???

William me pega saindo do closet já arrumada, três dias depois. Ele chamou dona Maggie pra
cuidar de nós enquanto os problemas em minha casa estavam fervendo. Dom veio conhecer o
sobrinho junto com o restante da família Coverick, chorou, me abraçou, e não conseguimos
conversar com calma. Aquela seria a primeira vez que eu colocava o pé na rua, tirando os “banho
de sol” com Theo no nosso jardim.

— Eu só preciso dar uma saída, amor. Coisa de uma hora. E vou na farmácia pesquisar uma
pomada mais eficaz, amamentar Theo está me matando, ele está bebendo meu leite com sangue,
não sei mais o que fazer, e não quero tirar ele do peito.

— Tua mãe disse que vai melhorar, você vai se acostumar.

— Mas está doendo demais, William, não precisa ser assim...

— Então deixa que eu vou pra ti, fica aqui com o Theo.
— Não quer cuidar dele? — ele coloca as mãos na cintura. — Em menos de uma hora tô de volta.
Preciso só de um momento sozinha.

— Está rejeitando o nascimento dele? Isso é perigoso...

— Não estou, não fala bobagem. Amo nosso filho, e é horrível deixar ele aqui, mas realmente
preciso. Sei que ele estará seguro contigo aqui, e estarei no telefone. Não faça de minha ida à
farmácia um martírio, não faça eu me sentir mal e culpada, não estou abandonando meu filho! Não
estou. Só preciso de um momento, amo nossa vida. Eu estou muito bem!

Beijo sua boca e ele continua preocupado comigo.

— Eu amo você.

— Eu também te amo, volto logo. Cuida dele! Eu juro que estou bem. Me espera voltar, fica do meu
lado. É só uma saída, rapidinho tô de volta.

— Tô preocupado agora. O que é? Tá se sentindo presa aqui? Sufocada? Não era o que você
imaginava?

Seus olhos se enchem de lágrimas e eu fico agoniada.

— É melhor do que eu imaginava. Eu tô vivendo um sonho, amor!

— Então por que quer sair? Me deixa ir contigo, saímos juntos, somos sua família. Podemos ir ao
shopping depois, fazer compras pra casa, para ele, nos divertir...

— Que tal se eu ir na frente até a farmácia, você dá um banho nele, deixa ele lindo, arruma ele
na cadeirinha, e me encontra lá? Aí passeamos juntos...

— Jura? Você quer isso?

— É a melhor ideia que você já teve! Passeio em família. Meu marido lindo e nosso filho. Vou amar!
Mas primeiro vou correndo procurar essa pomada, com meu seio doendo desse jeito, você nunca
vai poder dividir as mamadas com ele. — ele ri — Te amo!

— Tá, vai lá. qualquer coisa liga!

Ele sussurra me abraçando cheio de dengo, beijo meu bebê lindo, e quando entro na sala ao seu
lado, podemos ver Tiago entrando. Ele chegou tem um dia. Graças ao universo, veio sozinho.

Parecia não mais um moleque, e sim um homem. Bonito, enfim na mesma altura que o irmão, e
sorridente como sempre. Nos abraça e beija.
— Caraca, que saudade de vocês!

Ele conta as novidades.

— Achei que sua nova esposa teria a cara de pau de vir contigo.

Falo direta minutos depois e ele perde o sorriso.

— Barbara está na casa dela. Estamos juntos, sim! Mas ela não vai mais chegar perto de você,
nem de ninguém da tua família. Ela garantiu!

— Eu sei. — eu resmungo e William me encara nervoso. — Eu te amo! Leva o Tiago pra conhecer
o sobrinho, não esqueça de manter a babá ligada. — eu pego um dos aparelhos da sala e o vejo
pela câmera. Estava dormindo tranquilo e o som estava ligado. — Eu já vou. Foi um prazer te
rever, Tiago, depois conversamos mais, quero saber dos seus cursos!

— Está bem! Te conto tudo!

Ele sorri, beijo um William, preocupado, na boca, saio do condomínio e pego um táxi. Pego o
telefone, mando uma mensagem pra Jon, e minutos depois, ligo pra ele. Ele atende na hora.

— Oi, Cat? Tudo bem?

— Fez?

— Fiz, mas... Cat...

— Obrigada, Jon.

Desligo. Saio do táxi um quarteirão antes, e chego caminhando em frente à sua casa. Aperto a
campainha e ela atende.

— Você?

— Oi, Barbara. Podemos ter uma conversa?

— Civilizada ou como uma vadia selvagem?

— Depende só de você.

Eu digo e ela abre o portão. Errou feio em me deixar entrar.

— Fique à vontade.
Barbara resmunga, se senta no sofá e eu olho ao redor antes de "obedecer".

Sua casa era simples, mais até do que eu imaginava. Uma sala pequena, um jogo de sofá barato
marrom, tapete, cortinas combinando, vaso de flores, livros de advocacia... uma casinha simples que
combinava perfeitamente com ela, com seu interior. Enfeitada demais, mas não disfarçava na
feiúra, como ela.

— Gostou? — ela questiona curiosa e irônica.

— É tua cara...

Respondo no mesmo tom e ela ri nervosa.

— O que você quer?

— Vou direto ao ponto. Eu pretendia chegar aqui e já te matar, e eu vou te matar... não estou
dizendo que não vou. Mas... olhando ao redor, refletindo... — eu reflito — você tinha tudo pra
seguir com sua vida, por que não ficou com Tiago, e esqueceu a minha existência? Esqueceu tudo?

— Para começar eu nem me lembro da tua existência, e acho engraçado essa sua ameaça fraca...
— ela ri nervosa. — Entrar em minha casa para me ameaçar...

— Não foi ameaça. — eu olho em seus olhos. — Não foi ameaça, te prometi tanto, evitei tanto, por
William... mas não dá mais para evitar, eu vou matar você!

— Entendi. Veio para me avisar!? Que gentileza. — ela ri de novo. — Você é tão insegura, tão
medrosa, que nem se garante... tá com medo do quê? Bom, eu sei... olha para você e olha para
mim. Com um filho pendurado no cangote, totalmente acima do peso, inchada, toda mulambeira...
óbvio que veio me ameaçar após saber que cheguei linda dos Estados Unidos. É claro que sabe
que a qualquer momento, William vai me procurar, William sempre volta pra mim. Sabe que ele
ainda me ama.

Sorrio.

— Eu não vim aqui pelo William. Meu marido me ama, e mesmo se você tivesse razão, seria outro
que em pouco tempo ia pra vala também, se encontrar contigo no inferno. E não se garanta com os
meses no exterior. Eu quem banquei você e Tiago, lá. As contas, o apartamento... ele não disse? Ele
morou um tempo lá com meu dinheiro e você desfrutou, então... sua viagem e seu baixo-peso não
me diz nada. Estou tão realizada que poderia ficar mais inchada. Dei o filho que meu homem tanto
desejou, e olha, ele não me parece muito preocupado com meu peso, não. Não pensa em outra
coisa a não ser em nossa família e no seu filho lindo que, só para de chorar no colo dele... já estão
tão apegados um ao outro, estamos tão felizes... você não significa nada pra ele. — ela rosna
cheia de inveja e eu sorrio. — Antes de tudo, eu só queria entender, Barbara, como você teve
coragem de me ouvir pedir socorro pelo telefone e não me ajudar!? Você ama o William e negou
ajuda ao filho dele. Como você conseguiu??? Negligenciar um parto em casa, um pedido de
socorro, um bebê. Mesmo depois de, apesar de todas os nossos atritos, eu ter salvo sua vida mais
de duas vezes. Mais do que deveria...

— Eu não tinha a menor obrigação em te ajudar. Eu estava fazendo minha unha para chegar linda
no Brasil... ficar linda para meu homem.

Meu Deus...

— Nem ao menos tentou se colocar no meu lugar...

— Cada um com seus problemas. Roubou meu homem de mim, acabou com minha vida, se você
morresse parindo seria um favor para mim e para a humanidade. Nos veríamos livres de um ser
tão asqueroso como você. Assassina desgraçada. Lamento por esse menino sim, ter nascido de
você. Bom seria se você tivesse morrido... eu ajudaria meu homem a criá-lo com todo amor do
mundo. Amor de madrasta amorosa.

Ela diz isso sem se alterar, com toda frieza do mundo, mas seus olhos estavam vermelhos e
demonstrava toda raiva e ódio que sentia por mim.

— Eu tenho pena de você. Muita pena. — eu caminho devagar e me sento ao seu lado. Ela, por
puro instinto, se afasta um pouco e me olha com nojo. — É de seres como VOCÊ que o mundo
precisa se livrar. É você que é asquerosa.

— Foda-se. Já disse tudo? Se já, você já pode ir. Se eu sou tão asquerosa é graças ao caos e a
destruição que você trouxe para a minha vida! Se manda daqui, preciso dedetizar minha casa da
sua visita.

— Nada do que pudesse passar aqui, limparia essa casa da minha presença. — sorrio. — É
provável que você não saiba, mas eu vou te esclarecer, nada afugenta a presença da morte!
Nada. — eu digo, ela chora assustada sem esboçar som algum e eu me divirto. — Vou pelo meu
protocolo, vou te dizer o porquê vou matar você. Eu vou matar você porque eu nunca desejei tanto
uma coisa em toda essa minha vida de assassina desgraçada, como desejo a sua morte, e já faz
um bom tempo. É por isso que vai morrer, vai morrer porque sua morte me dará um prazer
imensurável.

Eu digo, e num gesto rápido, corto seu pescoço de lado a lado, desenhando uma linda linha reta.
Um jato enorme de sangue mancha o tapete, respinga na mesa de centro, e eu só me inclino um
pouco para trás, para não me sujar. Eu era prática e tinha experiencia, nunca me sujava, não seria
diferente agora, com aquele sangue sujo.

— Te vejo no inferno, vadia!

Me levanto, puxo seus cabelos com grosseria enquanto ela agoniza de joelhos, sussurro em seu
ouvido e saio de lá me sentindo leve. Leve, liberta dela, e com a certeza de que ela jamais
chegaria perto do Theo ou de minha família. As experiências que meu pai e meu avô tiveram,
serão o suficiente para me deixar em alerta. Farei como meu mestre sempre me dissera, “seja
esperta, menina, aprenda com os erros que os outros cometem...” E era isso o que eu ia fazer. Ia
passar que nem um trator por cima de quem quer fosse pra manter Theo longe de pessoas como
Barbara, Julia e Felícia...

Saio no portão, espero a equipe de Jon chegar, abro a garagem, os deixo entrar, e vejo a lindinha
saindo no saco preto. Só porque que eu fazia questão, seria enterrada como indigente. E eu ainda
estava sendo boa, poderia mandar esquartejá-la, mas não, fui piedosa.

PELO PONTO DE VISTA DE WIIL

— Oi!

Eu entro no quarto de Dom e ele levanta da cama depressa.

— Ele sabe que você veio?

Ele seca os olhos e me olha com esperança.

— Sabe. Pedi a chave para tua mãe e subi antes dele tentar me socar.

— Te pedi ajuda. Quando ele vai me tirar daqui? Tô aqui há dias.

— Você está aqui há três dias. É errado o que ele está fazendo, eu sei. Mas tenta compreender.
Ele está confuso, é difícil pra você, mas também é difícil pra ele. Tenta entender, ele vai aceitar.

— O que estão falando de mim?

— Eu acho que Jon não abriu a boca dele. Tirando eu e Cat, só Lulu deve saber. Jon é discreto. Só
estava com medo de você fazer uma besteira.

— Eu nunca fugiria!!!

— Se Jon tivesse certeza, jamais teria se intrometido. — eu digo e ele bufa. — Escuta... — eu me
sento na cama — Vou sair com tua irmã já, já, e preciso dar banho no Theo, então serei breve.
Não importa se é homem, ou mulher... uma pessoa que te induz a fazer besteiras na vida, não é
boa pessoa.

— Ele só não aguenta mais tanta repressão com os pais dele. E pelo jeito, agora, fugir não é tão
ruim assim, não é mesmo? Eu poderia fugir com ele, fugir do meu pai e ele dos pais dele. Tenho
dinheiro, muito dinheiro, posso comprar uma casa em qualquer lugar do mundo e viver em paz.
— Me poupe. Jon te encontraria. E que homem é você que foge dos problemas assim? Para de
drama! Ele vai entender e te apoiar, só não queira tanto, se ele não pirasse, não seria seu pai, não
conhce, não!?. Espera um pouco, compreenda o lado dele, é mais um desses que tem a cabeça
quadrada demais. Vem! Vem com a gente no shopping, eu me entendo com ele! É bom que você
carrega o Theo para eu abraçar sua irmã e dar uns bons apertões nela.

Eu sorrio e ele fingi vomitar.

— Você é um sem noção, tem coisas que não se fala! — ele tenta, mas não consegue evitar rir. —
Ele nunca vai deixar eu sair.

— Ele vai! Te garanto!

Eu falo, caminho pra porta e ele trava após colocar um tênis e uma jaqueta.

— Espera. Posso te pedir uma coisa?

— Não vou roubar seu telefone e nem deixar você fugir.

— Eu tenho seis iphones antigos na gaveta do computador, não quero meu telefone... — eu vejo
seus olhos brilharem e minha ficha cai, logo nego com a cabeça. — Por favor!!! — ele exclama de
uma vez ao ver minha reação. — Cinco minutos, Will!

— Jon continua na tua cola, se ele descobre, nunca mais vai confiar, e aí você ficará trancado pra
sempre!!!

— Cinco minutos, e na tua frente...

Eu penso, só amoleço porque ele chora.

— Tô me sentindo em Hamlet.

— Não vou me matar. Não no shopping.

— Não fala asneira! Se repetir algo assim eu mesmo converso com teu pai.

— Vai me ajudar ou não? Preciso ver ele.

— Tá. Cinco minutos. Ou o azar é teu. Eu, se fosse você esperaria ele se acostumar com a ideia,
mas já que quer arriscar, azar o teu. Vamos, sua irmã já, já me liga. Tô atrasado.

Eu resmungo, ele sorri feliz e descemos.

— O trato era vê-lo, não tirá-lo de lá.


Tay larga seu tablet e Ellen entra na sala. A mulher vivia na cozinha fazendo experiências verdes,
como a sogra dela. Duas doidas naturebas.

— Ele precisa sair um pouco. Só vamos ao shopping. — eu falo e ele me olha com ódio. — Esse
tipo de castigo, nessa década, já é crime. É cárcere.

— Deixa eles irem, amor. Já chega de castigo. Dom já consegue decidir sobre o que quer para a
vida dele. Não encarne seu pai com Lulu... se lembra daquela tragédia??? Disse que deixaria Cat
viver a vida dela e que não seria como ele. Não faça o mesmo com Dom, a gente tem que aceitá-
lo.

Ellen abraça o filho e encara o marido chorando.

— É diferente.

— Por que o relacionamento é com um homem? Eu não mereço ser feliz por que ele é um menino e
não uma menina???

Dom demonstra sua raiva e eu fico impaciente. Previa uma briga feia.

— Pelo amor de Deus!!!

Tay exclama praticamente tapando os ouvidos.

— É por isso que não contei. É por isso que ele queria que eu fugisse com ele!!! Você nunca vai
entender! Nunca vai me amar do jeito que eu sou, eu sempre soube. Você é um preconceituoso.
Devia ter sido aqueles moleques que batiam em pessoas como eu.

— NÃO! Eu não fazia isso! Nunca faria isso! Você só precisa entender que você jogou uma bomba
gigante na minha cabeça. Eu tenho um filho gay!!!

— Você tem um filho! — Ellen chora e se aproxima do marido. — Um filho lindo, um príncipe!!!

— Acho que princesa o descreve melhor!!!

Ele fala e eu faço uma besteira das grandes: Eu deixo sair uma risada alta. Dom não se segura e
também ri, Ellen também, e depois ele.

— Eu sou um homem. — Dom diz simplesmente. — Eu só gosto de outro homem, é fácil de entender,
só faça um esforço. Continuarei como sempre fui! Nada mudará, pai! Nada!

Dom fala, Tay o encara, se solta de minha sogra e o chama com a mão.

— Se for me bater já fala logo...


Dom resmunga cauteloso e eu dou outra risada.

— Nunca levantei a mão para você, não é agora que farei isso. Vem!!! — Dom obedece e ganha
um abraço. — Tem que entender que é muito difícil. Eu nunca nem suspeitei, não estava
preparado.

— Nunca me viu falar de garotas e nunca suspeitou???

— Não, nunca. — Tay respira fundo de novo e decide. — Eu não vou mais te prender, nem te
julgar, não estou prometendo nada, vai ser muito difícil para mim... mas posso tentar me acostumar,
mesmo que demorem séculos. Primeiro, quero que esqueça essa história de fugir. — ele afasta o
filho de si pra olhar em seus olhos. — Se fizer isso, magoará sua mãe, e sua mãe magoada
significa que eu só terei duas filhas. Continue seus estudos, faça sua faculdade, e continue o homem
de caráter que eu eduquei.

— Se o senhor está disposto a tentar e não vai me trancafiar, não vou fugir. Eu te amo, pai!

— Eu também te amo. Nunca deixarei de amar você!

— Vou poder trazer ele aqui?

Dom pede com as mãos cruzadas e eu fico tenso.

— Não abuse de minha tentativa de boa vontade. Vai pro shopping. Vai. Desapareça.

Ele diz bravo, Dom agarra ele mais uma vez, e saímos de lá rindo do pai dele. “Princesa o
descreveria melhor”. (muitos risos, muitos mesmo!!!)

Theo estava lindo, macacãozinho azul, sapatinhos da mesma cor, cheiroso por conta do banho que
dei, e lindo, muito lindo mesmo. Seu cheirinho, de talco de bebê, que eu havia passado para evitar
assaduras exalava e enchia meu coração de amor. Amor esse que já não estava cabendo dentro
do meu coração.

— Vamos lá, filhão, encontrar com tua mãe doida. — encaro o bebê sonolento, Dom fingindo estar
emburrado e sorrio. — É brincadeira... brincadeira... ela é linda, nossa rainha, a mais bela de
todas.

— Tá todo bobão, hein. Mó barato te ver assim... — Tiago entra no quarto e sorri pra mim. Estava
na cozinha com a minha mãe. — Conseguiu o que tanto queria, casou com a loira exótica e ainda
fez um filho nela. — ele ri. — Se certificou de que ela pensaria duas vezes antes de te deixar...

— Pois é. — sorrio. — Planejei direitinho, agora mesmo se quiser, nunca vai se desligar de mim,
não totalmente. — zombo. — E você e a cascavel, quer dizer, Barbara. Como estão?

Pergunto procurando a malinha de Theo, não me lembrava onde eu tinha colocado depois de
arrumar. A cama estava um caos. Aprendi a cuidar dele, e agora deveria aprender a não fazer
tanta bagunça após os banhos ou a cada troca de fraldas.

— Pra com isso. Ela te ama, esse é o problema dela. Ela ainda te ama. Tenta entender o quão
difícil deve ter sido pra ela. Cat entrou na sua vida e o mundo dela desabou, ela te amava e te
perdeu. Tenta compreender, não sinta ódio dela.

Ele fala, acho a bolsa que havia caído do outro lado da — meu ninho de amor — risos — cama
de casal, e suspiro.

— Eu não a odeio, cheguei a querer que ela sumisse um tempo atrás, sim, porque ela infernizou
minha vida e quase acabou com meu relacionamento, mas não a odeio. Nós estávamos casados,
ela cuidou muito de mim, muito... eu tenho um respeito muito grande por ela e por tudo o que ela
significa Tiago, não pense que esqueci tudo o que ela fez por nós dois. Jamais esquecerei. Quero o
bem dela e que ela seja muito feliz, mas... que ela seja feliz bem longe de mim, e sem se aproximar
de minha família. Ela e a Cat não se dão bem, então, melhor cada uma no teu canto. — eu digo e
a própria me manda mensagem, estava me esperando na farmácia do centro. — É ela. Preciso ir.
Não saímos daqui tem uns três dias, vamos passear! Fica aí, coma alguma coisa, a mãe arruma pra
você.

— Não, não. Vou pra casa. Tô bem cansado. Só passei pra ver o molecão e dar um beijo em
vocês. Vou voltar qualquer hora pra mostrar minhas apostilas pra Cat, o dinheiro dela foi usado de
forma proveitosa.

Dou risada e zombo dele.

— É isso aí. Tô muito orgulhoso de você! — desço as escadas com cuidado, carregando Theo e a
bolsa. — Tu terminou o estudo fora, não podia ter tido oportunidade melhor. Se eu fosse você,
cursava a universidade lá também! Como está o inglês?

— Tá legal, já consigo me virar lá e achar comida e banheiro. — ele ri. — Tô pensando nisso
também. Vou falar com a Cat a respeito...

— Aposto que ela vai amar.

— É, então, vou precisar de um visto estudantil e tudo o mais, e ela tem como conseguir. Meu visto
expirou. Quero voltar. O choque de realidade que a gente tem quando chega no aeroporto daqui,
é totalmente impactante. Lá é o melhor lugar pra tudo.

— Não morei fora, mas sei bem disso. Concordo contigo, ainda vou fazer Cat pensar melhor no
assunto de nos mudarmos pra lá. Quer uma carona? Vou buscá-la na farmácia do centro.
— Nossa! Aceito. — ele suspira. — Preciso arrumar um trabalho e preciso de um carro.

— Eu vou trocar o meu. Como pretendo encher essa mulher de filhos, vou comprar um maior. Assim
que arrumar um emprego, eu dou ele pra você!

— Tá brincando?

— Não. Se estiver trabalhando e se manter responsável, como me parece que está. Farei isso. —
eu confirmo, ele me abraça com cuidado, e eu aviso minha mãe que já estava de saída. — Vamos
lá, filho. Vamos dar um rolê com o papai e com a mamãe!

Falo com Theo usando uma voz ridícula, Tiago e Dom riem, e eu sigo com o carro após testar mais
de uma vez o cinto da cadeirinha. Era a primeira vez que eu saía com ele de carro, então estava
nervoso. Deixo Tiago na esquina de casa, e sigo para a farmácia um pouco entristecido. Havia
perguntado para Tiago quando ele iria visitar nosso pai e ele disse que “nunca”. Aquilo me deixou
extremamente triste. Meu pai sentia muita falta dele.

Estaciono na porta e a vejo esperando. Porra de mulher linda.

— Oi... — ela entra, senta, e eu agarro seu pescoço, fazendo do selinho que ela queria me dar,
um beijaço de língua, que me deixa duro e ela toda molinha. — Minha nossa, que beijo delicioso.

— É só porque te amo!

— Deu para notar. — ela ri. — E então??? — ela vira para olhar o Theo, fica surpresa com a
presença de Dom, e eu me aproveito de seu bumbum para cima para apertar e fingir morder
discretamente. Já estava odiando aquela calça jeans, já imaginava seu bumbum em uma lingerie
deliciosa, e eu queria muito beliscar minha intimidade favorita e apetitosa. — Dom saiu do castigo.
— ela ri e beija o irmão. — Como teu pai se saiu, filho!? Te deu um banho decente???

— É claro que dei...

— Para de morder minha bunda, homem.

Ela se senta e ganha outro beijo.

— Eu te amo... tô com saudade. Quando é que esses pontos caem, hein? — beijo seu pescoço e ela
ri. — Que saudade.

— EU-ESTOU-AQUI! — Dom exclama e nós dois rimos.

— Não sei quando caem. Se controla!

— Achou a porra da pomada milagrosa?


Eu pergunto e ela sorri.

— Não foi a que eu pensei, mas o farmacêutico me indicou uma que ele disse ser melhor.

— Quantos dias pro THEO poder chupar com segurança?

Eu pergunto e ela ri como uma boba, toda sem graça.

— Você é muito bobo.

— Ué, tô preocupado com meu filho. Em qual shopping iremos?

— Qualquer um. Trouxe o carrinho?

Merda.

— Aff! Esqueci, neném, e agora? Vou fazer o retorno...

— Não. Não precisa. É só você carregá-lo com toda boa vontade.

Ela ri.

— Sem problemas. Eu amo pegá-lo no colo...

— Quero ver continuar amando quando ficar com os braços pra cima, na mesma posição, por mais
de uma hora...

— Eu ficarei. Será um prazer. Sou bem forte. — eu falo e ela ri. — Forte, másculo, viril...

Toco em seu joelho enquanto ela se divertia e continuo fazendo gracinhas, só para vê-la sorrir.

Eu nunca estive tão feliz em toda minha vida, nunca.

— Me empresta seu telefone. Deixa eu ligar para ele do seu, só não abusar da sorte.

Dom pede na mesa do restaurante assim que a gente se senta para comer.

— Ele quem? — Cat pergunta, Dom ergue uma sobrancelha, e ela ri. — Ah! Que legal, vai nos
apresentar??? Quero muito conhecer!!!

— Você quer???

Dom pergunta e seus olhos se enchem de lágrimas.


— É óbvio que sim!!! — ela chora também. — E Will também...

Ela me olha e eu concordo na hora. Eu estava morrendo de curiosidade.

Ele sorri com minha resposta, e se levanta para telefonar.

— Quando a gente saiu do quarto ele pegou nós dois na sala... — eu conto pra ela. — Aí
começou o bate-boca e teu pai falou assim... “Não sei o quê... preciso me acostumar, eu tenho um
filho gay, é novidade para mim, tal, nunca imaginei...”Aí tua mãe, teatral como você, soltou: “Você não
tem um “filho gay”, você tem um filho! Um PRÍNCIPE lindo!!!” Aí... — dou risada de novo e ela me
bate porque ri alto. — ... teu pai lança: “PRINCESA o descreveria melhor!!!”

Eu conto e Cat se acaba de rir tapando a boca.

— Meu Deus!!! É muita maldade!!!

— Foi maldoso, sim, mas esse comentário aniquilou o clima ruim, vida! Agora ele prometeu tentar se
acostumar. Ele está tentando, vai ficar tudo bem!

Eu digo, ela sorri, se aproxima para olhar pro Theo dorminhoco no meu colo, e me beija
rapidamente.

— Eu te amo!

— Eu também te amo! Muito! — eu respondo e Dom volta pra mesa. — Ele está vindo! Mora aqui
perto... cinco minutos. Está morrendo de nervoso.

Ele sorri, a comida chega, e nos divertimos em família até que o garoto se aproxima.

Moreno, mesma altura que o Dom, cabelos lisos, um pouco arrepiados, aparentemente sorridente, e
olhos castanhos claros. “Quem olhava” podia dizer que eram amigos que se encontravam para
falar de garotas. Realmente não se reconhece um gay só por trejeitos ou jeitos afeminados. Eu, com
meu preconceito, jamais diria que os dois eram namoradinhos.

— Gente, esse é o Vitor, Vitor, essa é minha irmã Catarina, esse é meu cunhado Will, e o filho
deles, bebê-Theo!

Dom diz e o menino sorri pra nós.

— Prazer!!! — ele encara Cat. — Dom só fala em você! E muito bem! É o grande amor dele! —
Cat sorri. — E eu também já o conheço, doutor. Te vejo na TV dia sim, dia não! Aposto que já, já sai
uma notinha sobre o delegato que foi almoçar com a família! — ele sorri simpático.

— Normal. — Eu respondo sem graça. — Sente-se conosco. Vamos almoçar!!!


Ele aceita o convite, Dom não se aguenta de tanta felicidade, e Cat segura um choro de emoção,
ao ver que o sofrimento do irmão acabou. Vitor parecia ser super do bem, então fiquei tranquilo, e
era também extremamente engraçado. Dei meu sermão sobre a possível fuga, que não existiu, ele
se explicou, também contou dos problemas em casa, contou sobre como se conheceram,almoçamos
e comemos sobremesas deliciosas enquanto batíamos um bom papo.

Foi incrível. Tay e Ellen tinham sorte de ter um genro tão bacana.

— Chegamos, mãe!!!

Eu grito assim que entro em casa com a Cat, e ela corre, pegar a bolsa e o Theo no colo.

— Eu já fiz a janta, já servi a mesa...

— Eu vou tomar um banho antes. — Cat diz e minha mãe sorri pra ela. As duas não mais
brigavam, e minha mãe continuava lutando pra ganhar sua confiança. — Já volto.

Ela me dá um beijo, eu subo atrás e agarro ela “de surpresa”,

— Tô com saudade... — falo beijando seu pescoço e apertando meu pau, já duro, no meu bumbum
favorito. e agora, ainda maior. — preciso muito de você.

— Aguenta mais um pouco. Ainda tô me desmanchando em sangue, e esses pontos caem de dez a
quinze dias, a doutora falou. Por favor... — ela geme um pouco — não me faça ficar triste por
não poder cuidar de você.

— Desculpa. É que te desejo tanto... não pode nem se for com cuidado e devagarinho???

— Tem noção do tamanho do seu pênis, William???

Ela ri indignada.

— É bem grandão, eu sei... — dou risada.

— Pois é. Nem devagarinho vai rolar.

Ela diz e eu paro pra pensar, por isso ela me olha torto.

— MAS... — ela sorri já imaginando. — você não tem pontos na boca... — me aproximo e falo no
teu ouvido. — posso meter só a cabeça na tua boca, com jeitinho, carinhosamente... se ajoelha. —
eu peço e ela ri me olhando, sem acreditar. — Tô mandando.

Eu afirmo, ela ergue uma sobrancelha, e me obedece. Tiro o pau pra fora, maluco de tanto tesão,
ela chupa gemendo baixinho e me olhando nos olhos, faço um carinho grosseiro na tua cabeça,
estimulo ir o quanto conseguia mais fundo, e depois de tanto lamber minha cabecinha e sugar com
com vontade, gozo, me livrando de toda aquela energia.

— Que boquinha você tem, minha gostosa!

— Que gosto você tem!!! — ela sorri e me beija.

— Tô com saudade.. muita, muita, muita. Eu te amo!

Eu repito e ela me olha sorrindo.

— Vamos ser muito felizes. Temos tudo o que a gente precisa. Um ao outro, nosso filho, nossa casa.
Eu quero envelhecer do seu lado!

— Idem. Eu encontrei você, me apaixonei loucamente, e nada mais na minha vida teve a mesma
importância. Darei tudo de mim, e qualquer coisa pra manter nossa família unida como hoje. Pra
sempre! Sou doido por você, só tenho olhos pra você, e pelo jeito, sou completamente viciado! Tô
em crise, sofrendo e me desintoxicando de você.

— Meu nenenzinho acabou de me chamar de droga.

— Não fala assim... — faço bico e ela ri. — você entendeu perfeitamente bem.

— Preciso ir tomar banho.

— Vai querer ajuda?

— Não. — ela ri. — Quer dizer, se quiser esfregar minhas costas...

— Eu quero qualquer coisa, desde que seja contigo, minha neném do crime.

Eu falo e ela me olha de um jeito estranho.

— Neném do crime??? — ela ri. — Novo apelidinho!?

— Ex do crime, é o certo.

Eu conserto, e ela ri. Esfrego suas costas no banho e me sinto cada minuto mais feliz.

— Ele está miando com fome. Troquei a fraldinha dele...

Minha mãe entrega Theo a Cat depois do jantar, e ela faz uma cara estranha.

— O que foi, neném?


— Nada. Só a dor. Dói muito.

Ela se explica e Theo mia mais um pouco.

— Eu não conheço nada que possa funcionar. Amamentei William e Tiago na raça.

Minha mãe lamenta e Cat só balança a cabeça.

— Está bem, seu chorão. Vamos lá...

Cat murmura e eu ouço alguém entrar sem apertar a campainha.

Era Tiago.

— E aí!?

— Oi. Tô-com-fome! — ele se joga no sofá. — Barbara desapareceu, não atende o telefone, e eu,
pelo jeito, infelizmente, não sei cozinhar.

Ele diz e eu zombo.

— Vou fazer um prato para ti!

Minha mãe corre pra cozinha, e Cat aperta forte minha perna. Aparentemente sua dor era
absurda.

— Chegeeeeeiiiii!!! — Rubi chega com suas malas e sorri feliz. — Quem sentiu minha falta levanta
a mão!!!

Tiago levanta a mão e ela sorri pra ele.

— Oi!

Cat só murmura e ela inclina a cabeça.

— Não devia ter te deixado sozinha.

— T-tudo bem. Senti saudades.

— Eu também senti. Vamos acabar com essa dor?

Rubi pergunta sorrindo, Cat chora por algum motivo, e abraça a irmã levemente.

— Você será sempre minha ausência de dor. Sempre meu melhor remédio.
— E você será sempre a minha única razão para permanecer, ou voltar!

Uma sorri para a outra e a bruxa me olha.

— Oi, papi! — ela me beija o rosto demoradamente. — Você sentiu minha falta, ou não?

— Vai ficar magoada se eu disser que ‘nenhum pouco’?

— Vou.

— Porra! Senti demais tua falta, cunhadinha!

Ela ri e revira os olhos.

— Agora é sua vez... — ela pega Theo do meu colo, após ela interromper seu mama, e ele se
remexe. — dá uma segurada, bebê apressado. Bebê mais lindo do mundo todo. Daqui há alguns
minutos vou preparar um banho especial para você!

— Ele nem nasceu e já tem quebranto?

Pergunto e ela bufa.

— Quem chega nesse mundo já fica impregnado. Todos os bebês deveriam, por lei, serem
recebidos por uma benzedeira. Uma pena que elas estão escassas. Foram todas queimadas na
fogueira da tecnologia e das drogas. Muitas delas ainda estão por aí, escondidas nas sombras. —
ela levanta Theo pro alto. — Protegerei sua aura pura! Terá uma vida iluminada enquanto eu
viver!!!

— Você vai viver para sempre! — Cat diz sorrindo.

— Eu sei. — Rubi responde e eu não entendo.

Ela me entrega Theo, fuça em sua mala, pega uns dez punhados de mato, e volta da cozinha com
sua poção mágica. Se ajoelha na frente da Cat, desabotoa a blusa dela, e eu mando Tiago sumir.
Ele sai rindo.

— Que peitão, hein, gata...

Rubi brinca e Cat ri. A bruxa passa uma pastinha, aparentemente nojenta, nos bicos de seus seios,
e Cat solta a respiração, jogando a cabeça pra trás.

— Tá gostando, é!?

Rubi brinca de novo e Cat mostra a língua.


— Não mesmo. É a dor e a irritação que está desaparecendo. — ela geme de alívio. — Deus!
Graças à Deus!

— A Deus?????? Sério?

— Tá, graças à você, com a permissão de Deus...

— Melhorou... — Rubi ri. — Agora dá o Theo para ela. Ele já pode mamar!

— Ele vai colocar a boca nessa gosma?

— Essa "gosma" trouxe alívio para a mulher que você tanto ama, e vai deixar Theo mamar mais
confortavelmente. Ele sente que a Cat sofre, e bebe leite com sangue das rachaduras. Essa
“gosma” vai trazer somente o leite para a sua boca!!!

Ela diz magoada, peço desculpas sorrindo, ela se derrete por mim, como sempre, e eu entrego
Theo para a bebê chorona. Cat amamenta sem dor, eu fico feliz, e Rubi realizada. Comemoramos
apenas ouvindo o silêncio mágico de sua ausência de sofrimento ao amamentar, e assim foi. Até
nas mamadas de madrugada e de manhã. Nem perguntei a ela com quem, afinal, ela ficou.
Esqueci.

— Will!!!

Tiago entra em casa eram onze horas da manhã. Eu estava com Theo no sofá vendo TV, Cat
descascando e devorando laranjas no outro sofá, por causa do cheiro forte, e como nos últimos
dias, eu estava mais do que feliz por estar em casa, com os dois.

— Oi! Bom dia!

Eu falo e ele só balança a cabeça. Estava nervoso.

— A Bah não chegou em casa ainda... não sei o que fazer. Pode me ajudar a achá-la? Tô
começando a ficar preocupado, ela nunca sumiu assim.

Ele diz e eu nem olho para a Cat, sim, seus ciúmes me deixava em pânico.

— Tem que esperar dar vinte e quatro horas, brother. Depois disso, é só fazer uma denúncia. Já, já
ela aparece. Certeza que foi se encontrar com as amigas, ou algo do tipo.

— Eu sinto que não foi! Eu nem dormi. Meu coração está espremido, cara!!!

Ele diz a ponto de chorar e eu lamento.

— Quem sabe Rubi não pode te ajudar, Tiago? Ela sabe de tudo, ou quase tudo. Pode dar uma
volta contigo. Mas... ela está dormindo, vai ter que arrebentar a porta do quarto!!! Eu acho que sua
namorada só quer chamar atenção, e se William sair daqui pra ir atrás dela, ele ficará divorciado,
então...

Cat fala, eu a encaro “indignado”, e Tiago sai chateado,

— O que?

Ela pergunta com uma cara de brava e eu nego.

— Não me ameace. Eu já tinha dito que não ia, então não me ameace.

— Só falei a verdade, que foi? Tá nervoso com o sumiço da sua “Bah”!?

— Se tu não parar de falar de merda, vou dar um sumiço em você!

Eu falo bravo evitando gritar por causa do bebê, e ela se arrasta até se aproximar, e enfiar sua
língua com gosto de laranja na minha boca.

— Marrento! — ela resmunga. — Te amo! Vai sumir comigo? Como vai viver sem mim???

Ela pergunta passando a língua em meus lábios e só a encaro. Odiava aquilo.

— Continue me ameaçando pra ver se eu não consigo.

Eu falo com convicção e ela me olha entristecida.

— Não volte a falar aquilo. Nunca mais. Não é algo que dê pra levar na brincadeira, levar numa
boa...

— Mas eu não falei brincando.

— Mas não fale de jeito nenhum. Não vou atrás dela, não fale em se separar de mim. Não gosto
desse papo, sabe disso. Não pode me dizer essas coisas.

Eu falo impaciente e ela sorri. (???)

— Tá. Me desculpe. Eu te amo, nunca mais vou dizer isso. Magoei meu neném chorão???

Ela pergunta com voz de bebê.

— Muito. — eu digo e ela sorri, cheia de amor. — Muito mesmo! Vai ter que fazer algo incrível
pra tirar essa tristeza do meu coração!!!
— Tá tão manhoso ultimamente...

— Tô carente.

— Eu sei o que fazer pra acabar com isso...


TENSÃO, FAMÍLIA E A DESPEDIDA DO MAIS PURO AMOR. O PRIMEIRO NATAL.

— Oi, vovó.

— Oi, meu amor... como você está? Theo, Will...?

— Estamos bem. E a senhora? O vovô?

— Estamos bem também. Tô te ligando para passar um recado. Seu avô quer porque quer ir para
Barbacena nesse natal, e quer que toda a família vá. Até Will e Theozinho. Todo mundo!

— Sério?

— Sim. Só fica dizendo que está com saudades, saudades, até que me irritei e prometi que pediria ao
Tay para nos levar e que falaria com ele. Aí ele pediu para te ligar, disse que quer que leve Theo e
Will. Quer que o natal seja com a família toda reunida.

— Bom, tudo bem, vó. Eu vou falar com o Will. Já avisou para mais alguém?

— Não, você faria isso por mim!?

— É claro. Pode deixar. Um beijo! Te amo!

— Também amo você, minha princesa!

Minha vó diz e eu desligo.


William me surpreende me abraçando pelas costas e eu sorrio. Seu abraço era simplesmente
delicioso e excitante.

— O que foi? Hum? — ele beija meu pescoço.

— É meu vô. Quer que passamos o natal em Barbacena...

— Eu já estava planejando um natal em família... só nós três. — ele ri. — Eles estão bem?

— Estão. Dona Hella disse que ele só está com saudade da família reunida. Acho que sente falta
de Minas. É compreensível. — eu me viro e faço um bico. — Não posso negar nada a ele, é meu
avô...

— É claro. Teremos tantos natais para passar a três... faremos como ele quer. Eu adoro aquele
velho. E vou adorar passar um natal invernal naquele paraíso contigo e com nosso bebê.
— E eu adoro você por isso.

— Só por isso?

— Claro que não. Por um monte de motivos... eu te amo porque você é tudo pra mim!

Eu falo e ele sorri aquele sorriso de tirar o fôlego. Só por isso me desmancho.

— Eu vou gostar de ir até lá contigo. Toda vez que você fala de lá, eu me lembro do dia em que
pisei lá pela primeira vez, dia que conheci sua vó... eu me vi, ali, naquele pequeno paraíso, com
você. — ele me aperta e fala baixo, encostando sua testa na minha. — Eu ouvi o recado da
caixa-postal que deixou pra ela...

— Ouviu?

Sinto minha garganta fechar.

— Ouvi. Você disse que eu te dei tudo, uma pequena vida linda...

— Você me deu tudo!

— Dei é!?

— Deu.

— E você acha que não me deu!? Eu não era nada sem você e sem seus cuidados. Não tinha
noção do quanto minha vida era vazia sem você. Porra, eu fiquei maluco por ti. Tudo o que eu
queria ao te ver naquele aeroporto, era pegar você e sumir dali, para ninguém nunca mais achar
nós dois. Eu sou completamente, até hoje, fissurado em você... — sorrio e ele me dá uma bitoca
rápida. — Mas sabe para onde eu queria mesmo te levar de novo???

— Rio. — respondo logo e ele ri, jogando a cabeça pra trás.

— Isso! Rio, Copacabana, você em um fio dental... sonho!!!

Ele fala, agarro seu pescoço, Theo mia como um gato no bercinho móvel da sala, e ele ri.

— Aposto que está faminto. E eu também estou. Daria tudo para mamar nesses melões.

— Fica quieto, sua mãe está em casa.

— Eu tô falando baixo. Pensa bem... te chupar gostoso até tu revirar os olhos, descer pra sua
virilha... arreganhar suas pernas, chupar e sugar forte sua...
— Interrompo o casal apaixonado???

Rubi entra com tudo e sorri pra cara feia que William faz.

— Interrompe.

— Pois continue então, o que estava dizendo. Também quero muito ouvir.

Ele rosna e eu dou risada me recompondo.

— Tiago te procurou?

Pergunto e ela me faz uma cara suspeita.

— Sim. Expliquei que a princesa Barbara do condado das putas nojentas quer distância dele, mas
não sei se ele botou fé não...

— Então ela está fazendo graça, como suspeitei.

Will resmunga, o encaro, e ele se afasta para pegar Theo no colo e me entregar para dar de
mamar.

— Eu disse, é disso para pior. Ela continuará tentando separar vocês dois. A não ser... — Rubi ri. —
que você me deixe acabar com a raça dela.

— Deixa ela viver a vida dela. Barbara nunca vai conseguir acabar com nosso casamento. — ele
me entrega Theo, me abraça, me beija, sorri pra mim, e me solta. — Vou tomar um banho pra ir
para delegacia.

Will sobe pro quarto e ela sorri pra mim com “aquela” cara.

— Você é simplesmente do mal... — ela ri. — Matou a vadia a sangue frio. — Eu tenho sorte por
não ser sua inimiga.

— Pois é. Vejamos quem será a próxima vadia que vai tentar prejudicar meu filho, ou minha
família.

Me sento no sofá e alimento Theo. Como não existia mais dor, era sempre um prazer dar de
mamar.

— Terrível. — ela ri negando com a cabeça. — Que ele nunca descubra, porque quando isso
acontecer, ele vai terminar contigo.

— Você viu isso???


— Não exatamente. Vi que se acontecer ele vai pirar. Vai ficar muito bravo contigo. Mas se vai ou
não acontecer, realmente não sei dizer. Infelizmente não vi nada.

— O que vai acontecer??? — William desce as escadas e mostra ter ouvido aquela parte. — Que
pode me deixar pirado???

Ele para no meio da sala e pergunta.

— Poderia ser qualquer coisa, mas é muito feio ouvir conversa alheia...

— Eu não estava espionando. Desci e ouvi da escada. O que é?

— Papo calcinha. — Rubi começa a dizer e William vai pra cozinha. — Ele saiu para eu não
mexer com a cabeça dele. Está ficando esperto comigo.

— Mas e então? Cadê o Fred? Ele me disse que ia estar aqui antes de Theo nascer. Estou
decepcionada. — mudo de assunto.

— Ele arrumou uma encomenda especial no México enquanto eu ainda estava lá. Souberam que
ele estava lá, e o solicitaram, uns caras da região, pagamento bom... por que raios não conta para
ele de uma vez e espera a raiva dele passar? — ela termina a frase sussurrando.

— Esquece isso. Foi pelo meu filho, vou sobreviver com esse segredo. Com quem você ficou,
afinal??? Se entendeu com meu pai? Ou com Fred?

— Saberá nesse natal! — ela ri.

— Você só pode estar de brincadeira. Somos irmãs. Me conta!

Eu peço e ela perde o sorriso.

— Confia em mim. Direi de uma vez só para todos. Será melhor assim... gosto de surpresas.
Combinamos de revelar no Natal, morar juntos e tudo o mais.

— Vejamos... dona Grim será uma Laura, assassina de frango assado pro almoço do maridinho em
uma mansão no meio do verde, no extremo sul do país, ou uma mulher aventureira, vulgo mulher de
bandido, toda apaixonada sem poder trepar com as encomendas?

Dou risada e ela faz uma careta.

— Ou serei uma dona de casa bem servida e bem comida por um sulista que fala grosso na hora
da foda, fode rebolando deliciosamente, adora quando eu sento em sua cara, e que chupa como
ninguém... — misericórdia. — ou seria muito bem comida, amarrada, e recebendo vários tapinhas
na cara do ogro mais gostoso e bom de foda estilo homem das cavernas. Nossa, dúvida cruel.
— Você é muito safada. Trepou com os dois!!!

— Meu corpo, meus desejos, minhas regras! Viva a liberdade sexual! — ela ergue o punho pro
alto e ri. — E eu lá sou mulher de escolher um homem sem antes saber como ele vai me satisfazer!?
Sou mais eu, minha irmã! Sou mais eu, primeiro eu, primeiro minhas necessidades, e quem não
gostar, entra pra fila. E não pense que é egoísmo, não. Os dois souberam aproveitar muito bem
desse corpinho aqui, sem compromisso. Aqui o prazer é gratuito. Somos adultos, eu queria, e foi
maravilhoso. Se quer saber, foi a decisão mais difícil que eu já tomei, os dois são caras incríveis em
vários aspectos...

— Olha ela, moça empoderada e séria. — dou risada, Theo larga o peito, e eu vejo William
voltar pro quarto. — Pega ele um pouco, vou enfrentar a fera.

Rubi coloca Theo em seu ombro para arrotar e eu subo. Vejo William mexendo em uma de suas
camisas.

— O que foi?

Me aproximo e vejo que está sem o botão.

— Nada. Só fui pedir pra velha arrumar isso aqui. Ela mandou eu deixar na cama. — ele joga a
blusa na cama. — Vou pro banho.

— Devia ter pedido pra mim.

— Você estava ocupada escondendo as coisas de mim.

— Ah! William, para.

— Vai me contar o que é?

— Não é nada. É bobagem.

— Então me deixa no meu canto.

— Sério que a gente vai brigar por causa disso?

— Eu ouvi muito bem vocês falarem que se eu descobrisse tal coisa eu ia pirar. Não sou idiota. Ou
me conta, ou não fala comigo.

— Infantil.

Eu resmungo, e ele que já ia se retirando, retorna. Deliciosamente bravo.


— Eu não me casei pra viver na mentira, não quero mentiras entre nós, já disse que não aceito
separação. Divórcio não está no meu vocabulário, então não me fode e NÃO MINTA PRA MIM.
NÃO ME ESCONDA AS COISAS!!!

— Ah! você vai gritar, doutor??? Vai gritar??? — ergo uma sobrancelha e me aproximo de seu
travesseiro. Só de saber o que eu ia fazer ele se esforça para não rir. Aquela tinha sido minha
última chantagem. — Vai gritar comigo? Quer me deixar nervosa? Hum?

— Se você pôr a porra desse travesseiro no sofá eu vou dar na sua cara!

— AH! É??? VOCÊ? DAR NA MINHA CARA???

O encaro frente a frente e vejo seus olhos se enchendo de água.

— Sim, com força.

— Dá então. — eu o abraço e vejo uma lágrima escapar de seus olhos. — Sabe que eu gosto...
sabe que eu gosto dos seus tapinhas. Sou doidinha por você, e o que eu puder fazer para impedir
nosso amor de ir à ruína, eu farei. Talvez hora ou outra eu minta um pouco, para não te ver
entristecido, chateado, mas sabe que nunca será grande coisa. Serão só pequenas atitudes para
resguardar meu homem, o homem que mais amo na vida e nosso filho, tudo o que desejou, nossa
família linda. Eu faço tudo por você, e até minto por você, porque se eu perder você um dia, eu
sou capaz de fazer uma merda das grandes, principalmente se o motivo for bobo.

— Jura que não fez nenhuma besteira. Eu não quero perder você. Eu não posso viver sem você.

— Eu juro que é só papo de mulher. Bobagem que nós fazemos e vocês odeiam. Não fique com
medo. Nunca vai me perder, eu nunca deixarei.

— Prometa. Pelo nosso casamento. Pelo nosso amor.

Ele diz sussurrando e me olhando nos olhos, e meu coração dói.

— Eu prometo. Agora para de miar como um gato e vá já para o banho.

Eu só o empurro por um momento. Logo ele se recompõe, entra no banheiro e eu fico sozinha com
minha mentira.

— Psiu! — ele chama colocando a cabeça pra fora da porta de repente. — Ajuda aqui.

Ele me pede com sua carinha de cachorro que caiu da mudança e eu não consigo deixar de sorrir.
É claro que ajudo.

(...)
Entro pé ante pé, tremendo de nervoso, e sinto um calafrio assim que olho de relance para meu
ponto favorito de sombra. O lugar não tinha nada de diferente, mas era extremamente difícil estar
ali. Assim que pisei nos degraus da porta de entrada, ouvi claramente as últimas palavras de Gael,
então a dor e a mágoa voltaram. Mas não era mais a carteira aberta entrando ali. As minhas
doações eram creditadas anonimamente, e eu tinha marcado hora e agendado a hora de histórias
para “trabalhar”. Eu não levei dinheiro, ia ver meus irmãos, e ia pagar a visita de uma forma
comum, como funcionava para as outras pessoas.

Abraço Theo com mais força, respiro fundo, e aperto a campainha ao invés de entrar de uma vez,
que era o que eu faria antigamente. Quem atende é um Gael, no mínimo diferente. Triste.

— Tia May, por favor.

Eu falo e eu vejo seus olhos se encherem de lágrimas. Seu olhar cai em Theo, coberto pela manta
que coloquei para protegê-lo do sol forte, e eu arrumo a postura enquanto ele trava sem saber o
que dizer.

— V-você pode entrar... ela... ela está cozinhando. — ele coça a cabeça, limpa a garganta em um
gesto nervoso e eu dou um passo à frente. Só assim ele me deixa passar. — Eu... é muito bom ver
você.

— Nada mudou.

Eu só falo olhando em seus olhos e saio praticamente correndo para me afastar dele. Entro na
cozinha e a velha também chora ao me ver. Me abraça sem que eu consiga corresponder por
causa do pacotinho em meu colo e eu sinto Gael entrando na cozinha, atrás de mim. Ele só assiste.

— Eu estava com tanta saudade. Por que demorou tanto?

— Muita coisa para resolver, repouso, pressão alta... Vim ver as crianças.

— Me deixa ver ele. Deixa eu segurar...

Ela estende os braços e eu entrego Theo, pra ela pegar. Todas as tias param seus afazeres pra
fazer o mesmo, conhecer o bebê.

— Cadê minhas irmãs?

Eu pergunto e ela responde de olhos fechados enquanto abraçava Theo com carinho.

— Layla está cuidando da ciranda, e acho que Lumi na faxina. É o dia dela! — ela diz e sorri ao
abrir os olhos. — Meu Deus, o que há com os olhinhos dele???

— Deficiência de melanina, são só de cores diferentes.


— São lindos!!!

— Eu... vou ver as crianças, se me permitir.

— Você já pode se desarmar. Essa casa continua sendo sua. Não me faça ficar nervosa e gritar
com você. Não te vejo há dias!!!

Ela fala, e eu saio de lá sem responder. Nunca que aquela decepção ia me deixar me desarmar.
Sigo para o quarto primeiro, bato na porta, e entro devagar. Lumi estava sentada na cama,
dobrando suas roupas, e vestindo um vestido meu, de coquetel. Todo em lantejoula e feito
exclusivamente para reuniões à noite. Sorri chorando.

— Oi.

Eu falo e ela não responde. Abaixa a cabeça, e continua dobrando as roupas agora com
grosseria, e começa a chorar de repente, compulsivamente. Me sento na cama, puxo a magrela, já
maior que eu pro colo, como se fosse um bebê, e a nino até ela parar. Mas o fim do choro parece
que nunca chegaria.

— Eu fiz um esforço enorme para vir aqui, só pra ver você, então acho que mereço seu perdão.

Eu digo com a garganta doendo e ela nada diz, só chora.

— Você sabe o que aconteceu? O porquê fui embora daquele jeito?

Ela confirma com a cabeça e eu respiro fundo.

— Então sabe que nada tinha a ver com abandono, porque me casei ou porque tive o Theo, não
é!? — ela confirma de novo. — Pois então. Eu amo você. Amo todas vocês. Nunca abandonei
vocês, nunca faria isso. Vocês são tudo o que eu tenho de mais precioso! Vocês e Theo! São as
minhas preciosidades!!!

— Por que demorou pra voltar?

Ela diz de repente e eu me sinto aliviada. Achei que eu falaria sozinha o tempo todo. Ela já havia
feito isso uma vez.

— Eu estava muito magoada com o tio. Muito mesmo. E descobri agora pouco, que ainda estou.
Você já é bem grandinha, fez quinze anos, já. Olha pra mim. Vou te explicar tudo!

Eu falo, e ela se senta direito limpando o rosto e me encarando.

— Não vou te contar pra você ficar brava, vou te contar porque não falei disso abertamente com
ninguém, nem com a Rubi ou com a Mariah. Com ninguém. — eu falo e ela concorda de novo. —
Você ainda nem estava aqui quando cheguei. Chegou a conhecer a tia Jennifer, que foi embora...
eu cheguei aqui mais nova que você, muito pequena. Conheci a tia Jennifer e ficamos muito amigas.
Sei que pode parecer um absurdo, Lumi, mas minha vida era muito complicada. Eu tinha dinheiro,
mas não tinha nada além de dinheiro, consegue entender? Eu só encontrei afeto e atenção aqui.
Minha mãe me achava demais autossuficiente e sempre me deixou sozinha pra eu me virar, e meu
pai trabalhava demais, quando Dom nasceu, também me colocou de lado. Eu sempre fui muito
difícil de lidar, então, os dois começaram a desistir. Só agora eu entendo que não foi assim ao
extremo minha relação com eles, mas na tua idade, eu era uma revolta só. Foi aqui, que eu achei
afeto, achei uma família de verdade pra mim. Dona May era uma mãe e tio Gael um irmão.
Cuidavam de mim. Quando eu não estava no Sul, era aqui que eu ficava, mas eu sempre tive um
medo: ser rejeitada aqui como “havia sido em casa”. Em resumo, naquela noite, tio Gael trouxe à
tona esse medo, como uma verdade bem na minha cara. “Eu nunca signifiquei nada aqui, a não ser,
uma boa quantia em dinheiro mensal.” — eu respiro fundo e continuo, aquilo ainda doía — Disse
que só aguentavam minha rebeldia devido ao dinheiro. Ele falou na hora da raiva, mas senti voltar
dentro de mim aquele sentimento de rejeição, apagaram aquela fantasia dos meus olhos. Nem aqui
fui querida, não era eu, era o dinheiro que eu depositava todo mês.

— Você nunca foi isso aqui. Não era isso.

Ela diz magoada e eu concordo falando baixo.

— Eu sempre fui muito rebelde. Nunca gostei das regras da tia, nunca andei na linha, nunca
parava em casa...

— Ela te ama mesmo assim. Só chorou depois que você se foi. Mesmo o Gael mostrando os valores
que entrou nas contas misteriosamente. Se fosse como você diz, eles ficariam bem. Mas tudo mudou
depois que você foi embora. Notar que a gente não teria comida contada não ajudou. Tia May
vive de mau-humor e triste, e tio Gael não ensina mais, não participa mais de nada. Duas vezes eu
peguei ele no escritório com sua foto na mão e chorando.

E eu também ouvi de propósito uma conversa deles, queria saber o porquê abandonou a gente.
Ouvi tio Gael explicar que você era uma teimosa, uma cabeçuda, que se ele não falasse que a
gente só te queria aqui por causa da sua ajuda, você nunca mais ia embora, porque você nunca ia
conseguir se perdoar por algo que o Will estava passando. Eu não ouvi direito essa parte. — Lumi
desabafa e chora — Ele disse que foi o único que jeito que arrumou de fazer você dar uma
chance para sua felicidade e não fazer como sua mãe. — ela limpa as lágrimas e eu as minhas.
— Tia May, naquele dia, brigou muito com ele. Ele disse que nunca ia se perdoar por ter falado
aquelas coisas horríveis e dolorosas, mas ele sabia que era seu ponto fraco, que ia funcionar,
porque você sempre teve medo da rejeição, então, ele poderia sobreviver com aquela dor pra
sempre, porque por causa disso, você ia ser feliz, na sua casa, com Will, com Theo, e com uma vida
melhor do que a que gente leva aqui.

Lumi me conta falando baixo e chegava a sua vez de me consolar.


— Não pode pensar isso. Que é só dinheiro! Você é muito amada! Pensar que não poderia mais
voltar doeu, e não existe nada que diminua essa dor que a gente sente, a não ser você. Suas
visitas, suas rebeldias. — ela me faz olhar pra ela. — Sabe o que eu também ouvi!?

— O quê?

— Que o tio Gael ama você, e nunca foi como irmão.

— Que bobagem, menina! — eu levanto a cabeça de seu colo e ela revira os olhos.

— Por que acha que o tio nunca apareceu com nenhuma namorada aqui? Por que acha que nunca
deu bola pra tia Nanda? Você já ouviu esse papo também, de que ela sempre foi caidinha por ele
e ele nunca deu bola! — eu nego, nunca tinha ouvido falar daquilo. — Pois saiba! Ele te ama. Mais
um motivo para você entender que ele não fez por mal, o que ele fez foi muito difícil. Ele podia ter
deixado quieto, Cat. Ter te deixado criar Theo aqui, conquistado você, aproveitado que você
estava brava com o Will e tentando ficar com você e com Theo, mas não...

— Tá. Chega desse papo brabo! — mudo de assunto. Estava nervosa com toda aquela
“novidade”. Sempre soube, ou suspeitei, mas ouvir aquilo era surreal. — Já que você entende a
realidade de tudo, sabe que nunca te rejeitei só porque tive um filho, e já que desabafei, estamos
bem, certo!? — ela sorri concordando — Ele está lá em baixo. Não quer conhecê-lo!? É teu
sobrinho.

Sorrio, e ela abre a boca em espanto.

— MENTIRA QUE VOCÊ TROUXE ELE!!!

— Eu trouxe. — ela sorri feliz. — Tá lá com a tia! Vai lá ver.

Eu falo e ela sai correndo, mas antes me dá um último abraço, e diz me amar. Respiro fundo ainda
sentada e me sentindo aliviada, e me aproximo do criado-mudo ao lado do beliche. A minha foto
no porta-retratos estava amassada e remendada. Sorrio entristecida.

Pego a fotografia nas mãos, e imagino que o coração da Lumi tenha ficado igual. Eu me odiava
por tê-la feito sofrer.

Sinto a presença de Gael e não me viro, só espero.

— Eu te amo. — ele diz interrompendo o silêncio.

— Eu sei. — eu respondo, devolvo o porta-retratos ao seu lugar e o encaro.

Ele balança a cabeça e se escora no batente. Me aproximo dele e sua respiração pesada enche
minha face de hálito limpo. Não digo nada, então, ainda escorado, toca minha cintura e me puxa
para si. Eu não me afasto então ele me abraça e eu permito. Lumi fazia milagres.

Gael beija minha testa, parece gostar de sentir meu cheiro, e depois se afasta.

— Soube que não ajuda mais a tia May em nada.

— Não tenho mais ânimo, nem vontade de fazer nada.

— E por que não?

— Depressão pós-Cat.

Ele resmunga e eu dou risada.

— Tente separar as coisas, sua mãe precisa de ajuda.

— Não me importo. Ela tem os instrutores. Eu só ajudava porque era algo que fazíamos desde
criança.

— Entendi.

Ameaço sair e ele me segura.

— Eu vou embora, Cat.

Ele diz, e no ato me sinto triste.

— Pra onde? Por quê?

— Viver minha própria vida. Bem longe.

— Por causa da...

— Não. Por causa de mim mesmo. Não se preocupe, já disse que você não é tão importante quanto
julga. — ele zomba sorrindo.

— Você me expulsou daqui porque me amava. Abriu mão da oportunidade de tentar me


conquistar de uma vez por todas só para me ver feliz. Você não come, não dorme direito, chora
com minha foto nas mãos, não cuida mais das crianças e está indo embora porque viu que seu
plano ridículo de me afastar deu certo, eu estou feliz com William, e agora que nada faz sentido,
quer arrumar algum por aí. Eu sou a pessoa mais importante da tua vida.

Eu afirmo olhando em seus olhos, ele fica sem graça a ponto de não saber o que dizer e eu
aproveito para continuar.
— E eu te amo muito, muito mesmo. Acho que foi por isso que eu senti uma dor horripilante pela
primeira vez em minha vida. Você partiu meu coração dolorosamente como nunca ninguém
conseguiu. E eu sei que não vai me pedir perdão porque sabe que não precisa. Fez o que
precisava e só falou verdades. Se cuida e faça essa barba direito.

Limpo uma lágrima sua com o polegar, deposito um beijo leve em seu rosto com aquele perfume
familiar, e saio dali com o coração mais leve. Eu sabia que Gael estava sofrendo, mas também
sabia que naquele momento, aliviei um pouco sua dor. Eu o amava, e me sentia muito melhor por ter
“me entendido” com ele.

Me encontro com uma roda gigante de pessoas paparicando um Theo confuso, só olho distante,
admirando tanto carinho, sigo pra roda de contar histórias, falo com uma Layla também chorosa, e
cheia de rancor, faço as pazes, e saio de lá para dona May conseguir fazer o almoço, que já
estava atrasado por culpa do Theo. Vou direto pra delegacia.

Entro direto no escritório “do papai”, e presencio uma cena suspeita. Ele com a testa escorada na
mesa, Manuela andando pra lá e pra cá, Tiago jogado no sofá, e uns quatro agentes de pé, pelo
jeito, esperando receber ordens.

William estava me escondendo que estava ajudando Tiago a encontrar a sua ex-noiva. Eu não
podia acreditar que ia viver aquilo de novo.

— Oi, papai!

Eu digo engolindo a raiva e ele levanta a cabeça. Seu semblante se transforma na mais pura
felicidade quando me vê.

— Meu Deus, que visita maravilhosa!!! — ele vem até mim rapidamente, mas noto que ficou super
sem graça com minha presença naquele momento. Já estava com medo. — Meu filhão! — ele me
beija e pega Theo no colo. — Tudo bem, amor?

— Tudo bem, e você? — respondo e eu encaro os outros na enorme sala. — Boa tarde!

Todos respondem, William manda Manuela chamar Pedro, e mais algumas pessoas para conhecer
Theo, e eu me sento ao lado de um Tiago amuado.

— Tudo bem, cunhado? Por que a ‘carinha’ tão triste?

— Eu tô indo! Nada, só dormi mal essa noite. Nem falei contigo sobre os cursos.

Tiago mente e eu concordo com a cabeça.

— Will me contou faz uns dias, que tu quer voltar. Eu te apoio e te ajudo, sim! — sorrio. — Se está
pensando no futuro, farei o que tiver em meu alcance por você. Já escolheu o curso? Já imagina o
que quer fazer?

Eu falo enquanto a sala se enche só para conhecer o filho do delegado.

— Eu pensei em advocacia, não sei porquê. — ele sorri fraco. — Obrigada por tudo!

— Que isso. Quando quiser embarcar, é só avisar.

Pisco pra ele e William me chama pra me apresentar pra todos os seus amigos. Manuela pede pra
pegar Theo no colo, e eu me coloco ao seu lado, apertando a mão de cada um, até que Tiago, de
repente fica com fome, Manuela recebe um olhar misterioso de William e de repente, sente
vontade de mostrar Theo para suas amigas de profissão, que iam ficar loucas em conhecer o filho
do “delegato”, e todos os outros saem à francesa, também por causa de seus olhares.

— A que devo a honra de uma visita tão gostosa no meio do expediente?

Ele me abraça e me beija deliciosamente. Ele me aperta com firmeza e minha calcinha vira um
riacho. Tudo por causa da pegada que tem. E que abraço...

— Só uma passada rápida no trabalho do meu marido, meu direito. Fiz mal?

— Claro que não. Eu amei! — ele diz baixinho fitando minha boca e me aperta ainda mais, por
isso arfo — Você está muito linda, muito gostosa. Onde foi?

— Fui ver as crianças lá na instituição.

Eu falo e ele ergue uma sobrancelha concordando.

— Viu seu irmãozinho irritante?

— Vi. Me entendi com ele. Estou feliz por isso.

— Então eu estou feliz por isso também.

— Ele disse que vai embora de lá.

— Eu estou ainda mais feliz. — ele ri por um momento. — Brincadeira. Ele disse o porquê?

— Não. Não disse e não perguntei. Gael está sofrendo por causa de nossa briga, vai ser bom pra
ele. Mas ter falado com ele, já o deixou melhor, ele ficará bem também. — eu falo e ele chupa
minha língua. Sinto seu músculo crescer em minha virilha e ignoro. — O que Tiago e todos esses
caras fazem aqui?

Pergunto e ele parece triste. Torcia pra que eu ignorasse a situação.


— Barbara. Não voltou pro Rio, nem pro exterior... Tiago abriu um boletim na militar. Quer minha
ajuda pra procurá-la.

— E você está ajudando.

— Eu estou preocupado... — Ele diz e eu me solto dele, por isso ele lamenta profundamente. —
Amor, por favor, ignora quem é, só leve em conta a situação. O caso é sério. Eu sei que alguma
coisa aconteceu com ela, ela nunca sumiria assim. É meu irmão, farei por ele. Sabe que para mim,
quanto mais longe de nós ela estiver, melhor, mas Tiago está sofrendo, está preocupado. O que
queria que eu fizesse?

— Dissesse não a ele. — eu falo e ele não gosta nada, nada de ouvir aquilo de mim. — Não
coloque essa mulher na minha vida mais uma vez, não faça isso. Já está cuidando disso pelas
minhas costas, já tenho um motivo pra ficar bem chateada com você. Muito chateada. Deixe o caso
com a militar, se ela não estiver fazendo isso pra chamar sua atenção, a militar vai resolver. É sua
ex-vadia, a mulher que já infernizou demais nossa vida, já nos fez separar mais do que posso
contar. Não se envolva. Não faça isso comigo. Sei que vai achar que é implicância, mas ela deu
inúmeras razões pra gente acreditar, com toda a certeza, que nesse momento, ela está em algum
lugar incrível, rindo de mim por ter que te ver aí, todo quebrando a cabeça pra encontrá-la. Quer
acabar com nosso casamento, com a nossa felicidade. Esqueça essa mulher! Não sei quantas vezes
já te pedi isso desde que nos conhecemos, Will.

Fico nervosa e ele “segura o choro”.

— Não posso fazer isso com Tiago, Cat. Não vou deixá-lo na mão. Vou encontrar a Barbara, por
ele.

Ele diz, e eu respiro fundo, de olhos fechados. Minha garganta ardia.

— Tem certeza?

— Não me ameace.

— Tem-certeza? — pergunto de novo e ele respira fundo.

— Tenho, neném... me perdoa. Eu sei que...

— Ok.

Ofereço minhas costas e pego minha bolsa.

— Vai fazer o quê? Pedir o divórcio, fazer minhas malas, me separar do meu filho, voltar com ele
pra instituição...!? — ele demonstra seu nervosismo. — Qual?
— Ter ido na instituição hoje me fez perceber uma coisa. Eu quero ver Theo rodeado de carinho,
de afeto, de aceitação e de amor. Não vou pedir o divórcio nem nada do tipo, não vou tirá-lo do
pai dele porque EU vivo me decepcionando com você. Não posso afastar Theo de pessoas que o
amam por causa de minhas desavenças. Ele não tem culpa. Vou deixar tudo como está, apenas vou
fingir que não te conheço, mesmo tendo que dormir ao seu lado. Continue com sua investigação,
salve sua noivinha. A vida é tua, as escolhas são somente suas. Você vai continuar, eternamente, se
preocupando com ela, cuidando dela, nunca vai se desapegar. Eu pensei que Theo fosse aniquilar
esse afeto todo, fosse fazer você entender que nós dois somos as únicas coisas que importampra
você, que somos sua prioridade. Eu achei que, com Theo na nossa vida, você não teria mais olhos
pra ninguém, você queria tanto um filho, mas essa mulher continua ocupando o mesmo espaço até
hoje. Barbara é uma desgraçada maldita e você está cometendo um grande erro. Eu não preciso,
e nem vou te ameaçar com nosso casamento, porque é perda de tempo, você já escolheu, desde o
início, você a escolheu!

— Você só fala asneira. Vem aqui. Para com isso, pelo amor de Deus. A mulher pode estar morta!!!
Que ciúme é esse que não separa as coisas, as situações???

— Se ela estiver morta, William, eu serei a pessoa mais feliz do mundo.

Eu falo e ele fica boquiaberto. Até engasga.

— Cat, não fala assim! Esquece ela...

— ESQUECE VOCÊ! EU SÓ ME LEMBRO DELA PORQUE VOCÊ NUNCA ESQUECE. VOCÊ SEMPRE
TRÁS SUA PRESENÇA CONSTANTE PRA NOSSA VIDA!!!

— Ah! Abaixa esse tom pra falar comigo, porra! Tá pensando o quê? Tá maluca? Não vou ficar
me explicando e me desculpando por fazer meu trabalho, por ser uma boa pessoa, ou ajudar meu
irmão. É você que sempre traz Barbara pra nossa vida, dá uma importância que ela não tem e
nunca teve. Vem aqui, não vai me deixar aqui falando sozinho não!

Ele segura em meu braço quando ameaço ir embora e eu sinto um choque percorrer todo o meu
corpo. Ele arfa e demonstra também sentir, e por isso que me puxa, me pega no colo e me engole
inteira. Seu toque grosseiro, me deixa maluca, e esqueço da raiva que eu estava sentindo.

Sua mão direita aperta firme meu seio, desliza pra minha cintura, e depois pra minha intimidade,
ainda protegida pela calça jeans.

— Olha o que você faz comigo. — ele apoia minhas costas na porta, ouço girar a chave, e morde
meu lábio inferior enquanto invade minha calcinha. — Eu quero você agora. Não aguento mais. E
não tem desculpa, sei que tem três dias que não usa absorventes. Hoje eu vou fazer o que não
faço a meses, chupar você inteira e te foder, com raiva mesmo. Nunca mais vai levantar a voz pra
mim, nunca mais vai brigar comigo por causa daquela maldita!
Ele avisa por ser educado, arranca minha blusa, joga longe meu sutiã, e chupa meus seios ainda
me segurando somente com um braço. Minhas pernas estavam jogadas ao redor de sua cintura, e
minha intimidade sendo invadida por seus dedos ágeis e extremamente grosseiros.

William se ajoelha, desce minha calça e calcinha até os calcanhares, e enfia a sua língua em mim,
me fazendo ver estrelas, já de pé, apoiada na porta. O barulho que faz é tão pornográfico que
eu choro. Sua língua em minha intimidade, no meio de seu escritório, em horário de serviço, era...
meu Deus... não dava pra descrever o tesão imenso que eu sentia.

Assim que não consigo controlar, William tapa minha boca pra eu parar de gritar, se livra de minha
calça, me joga em seu sofá e arreia as próprias calças.

— Diz que sentiu saudade... — ele pede, enfia aquele pau enorme em mim, e tapa minha boca
com a palma da mão direita. — não grita, fica quietinha, fica! Bem quietinha. — Suas estocadas
são violentas, demonstrando o tamanho do ódio que sentia por minha atitude de minutos atrás. —
Se não me prometer melhorar com esse ciúme doentio, vai ficar de castigo. Não vai ter essa vara
enorme todo dia, com força. Prometa.

William tira a mão de minha boca e eu puxo seu pescoço para um beijo, enfiando toda minha
língua em sua boca.

— Eu não prometo nada. Só prometo que, se essa mulher não estiver morta, eu mesma farei isso!!!!!!
— eu afirmo com raiva, olhando em seus olhos, ele triplica sua força, fazendo aquela careta que
faz minha intimidade bater palminha, e eu gozo um jato esguichando longe, e gemendo alto. O
gemido é tão agudo que levo um tapa. — Ouse a duvidar de mim. Matarei qualquer vadia que se
colocar em minha frente, nunca duvide de mim.

— Vai matar, é!?

— Sim.

— Que mulher perigosa eu tenho. — ele resmunga me olhando nos olhos, sem parar de jogar seu
quadril contra o meu. — Preciso tomar cuidado. Tu é carne de pescoço. Vou ter que tomar muito
cuidado na hora de pular a cerca, ou vou ter que enterrar todas as minhas amantes.

Ele diz sério e ganha uma mordida no lábio inferior. Ele aumenta a violência na qual me invadia e
puxa forte os cabelos de minha nuca.

— Filha da puta!!! Selvagem!!! — ele fica puto e eu passo a língua no lábio "machucado". — Eu
ainda vou surrar você de novo. Uma vez só não te consertou!

— Faça isso e não acordará no dia seguinte. Isso é pra sentir como você deixa meu corpo todo,
quando procura por essa vadia nojenta! É com esse incômodo que fico, só que no corpo todo.
Agora essa boca vai inchar e toda vez que latejar ou olhar no espelho, se lembrará de que me
magoou profundamente.

Eu falo, o ignoro até gozar de novo e depois de sentir aquela sensação maravilhosa, faço ele sair
de dentro de mim ainda duro, e me levanto do sofá.
Achei que ia reclamar por não tê-lo esperado gozar, mas ele só se senta depois de levantar as
calças e me fita enquanto eu me visto. Estava triste comigo e com ele mesmo.

— Foi uma despedida. Não vai mais me tocar enquanto eu estiver chateada. — eu falo, pego
minha bolsa, Manuela bate na porta, e William passa álcool em gel nas mãos para pegar seu filho
no colo. — Conversamos em casa.

Eu falo e ele finge não ouvir. Aninha Theo em seus braços, beija sua bochecha rosada, e parece
muito pensar enquanto o balançava carinhosamente.

— Sim, vamos conversar. Vamos ter um papo sério. — ele diz por fim, assim que Manuela se retira.
— Não aceito o que está fazendo, não aceito. — Ele diz ainda tentando se recuperar. Respirava
com dificuldade, como eu.

— Posso dizer o mesmo.

Eu resmungo, ele deseja me esganar, mas não faz nada por causa do filho, e eu pego Theo no
colo.

— Vem cá. — ele tenta me beijar, mas viro o rosto. — Amor!!!

Ele exclama bravo quando eu me afasto de novo.

— Em casa.

Digo e saio.

Do lado de fora, sou pega por um mundaréu de repórteres e descubro em casa, que o
desaparecimento da advogada talentosa do Rio de Janeiro havia virado notícia.
Era só questão de tempo para o doutor descobrir de algum jeito, e pedir o divórcio.

— Não. — falo sozinha. — Jon continua sendo o melhor.

Resmungo vendo TV e não escuto quando dona Maggie entra na sala.

— Você a matou, não foi!?

Ela fala enquanto pega Theo do bercinho, com certeza para dar banho nele. Já havia dito que
faria isso enquanto eu tomava o café-da-tarde, que já estava servido.
— Não confia em mim, eu sei... não precisa dizer nada. Não vou dizer sobre minhas suspeitas pra
ninguém. Só queria saber o motivo.

Ela fala fitando o noticiário e eu lamento.

— Quando eu estava aqui sozinha, ganhando o Theo, e o William estava ajudando meu irmão em
casa, redisquei o telefone e ela atendeu. O número dela foi o último número que o William discou,
e eu não conseguia me lembrar de nenhum outro. Achei que Tiago atenderia e me ajudaria
chamando pelo irmão, avisando para alguém que Theo estava nascendo dentro de casa.

Eu falo de uma vez e ela me encara ao dar meia-volta.

— Suponho que ela não avisou e deixou vocês dois a própria sorte.

— Sim. E quando eu a procurei pra conversar, deixou bem claro que desejava a nossa morte, por
isso não ligou pra ninguém. Falou com todas as letras que seria melhor assim, e que ela cuidaria e
tiraria William do luto.

— Bom. — ela parece pensar. — Já tenho mais um motivo pra não lamentar sua partida precoce.

Ela diz e segue com Theo até seu quartinho. Respiro fundo e espero, com esperança que ela esteja
sendo sincera e que não diga nada. A velha me tinha em suas mãos.

— Boa noite. — Era sete e quarenta quando William adentra a sala e me fita jogada no sofá. —
Cadê o Theo?

Ele pergunta e eu bufo.

— Cadê sua noivinha? Achou a vadia?

O encaro e ele me oferece as costas. Só ali eu já sabia que teríamos uma grande noite.

Encaro a tela da babá eletrônica, e o vejo se apoiar no berço do bebê. Ele se abaixa, o beija, e
fica ali, fazendo carinho nele por uns cinco minutos. Pai babão.

Após tomar um banho demorado, ele desce pra jantar, janta sozinho na mesa, e se joga no outro
sofá, com a cabeça no colo de sua mãe.

— Mãe, pede pra Cat fazer as pazes comigo.

Ele diz e ela me encara.

— Diz pra ele parar de procurar pelo grande amor da vida dele, que eu penso no assunto.
Eu respondo, ela faz uma cara assustada, e ele bufa.

— Eu não acredito que está colocando em risco a união de sua família, por causa daquela mulher.

Dona Maggie me defende e ele se levanta indignado.

— Agora pronto! Até ontem a senhora amava ela.

— Eu não sabia que ela abusava do meu filho menor de idade e... — ela trava. — ...é isso. É uma
víbora. O que vai fazer quando essa menina se cansar de tanta atenção que você dá a essa
mulher? — ela aponta pra mim. — Vocês se separam, ela vai embora com Theo. Terá sua família
arruinada por alguém que não merece!!!

— Ele sabe das consequências dos atos dele, dona Maggie. Estava fazendo as buscas pelas
minhas costas. Pra senhora ver que belo marido eu tenho. O problema é que, por ela, ele é capaz
de qualquer loucura. Até de abrir mão de nós dois.

— Para de falar merda!!! Você fala muita merda.

Ele fala e sai batendo o pé escada acima. Eu o sigo e vejo quando se agasalha e pega sua
mochila com o kimono.

— Já consigo visualizar o nosso fim.

— E será mais uma vez por culpa tua! — ele afirma e eu “concordo”.

— Assim que você sair, eu vou trocar a fechadura! Tá precisando espairecer, ficar longe de mim,
então vai ficar longe mesmo.

— Eu arrombo, derrubo a porta na sua cabeça!!! Vai por mim, é melhor eu ir treinar do que te
encher de tapas e ser preso pela maria da penha! É melhor pra você que eu vá pra bem longe!!! E
não me espere acordada, nem estranhe se eu voltar cheirando a álcool ou a Manuela. Você está
insuportável!!!

— Vai! Vai ter uma surpresa quando voltar!!!

— Ouse a tirar meu filho de casa que você vai ver o que eu vou fazer com você!!! Ouse!!! Quero
ver se você tem cacife pra tirar ele de mim!

Ele grita, sinto um ódio dentro de mim crescer, e ouço Theo chorar pela babá, que também tinha em
nosso quarto.
William larga sua mochila na cama, corre pro quartinho, e eu vou atrás, quando percebo que não
era um choro de fome. Ele sentia dor, e dona Maggie confirmou só ao olhar para ele e ouvir seu
choro ardido. Theo estava com cólica.
Cuidamos dele até de madrugada, William na mesma hora se esqueceu de que ia lutar pra
extravasar, e ficou em casa, revezando os cuidados comigo até Theo melhorar.
Assim que ele parou de chorar e dormiu no meu colo, William pegou seu travesseiro e seguiu para
seu mais novo cantinho, na sala.

Aquilo definitivamente acabou comigo e não mais dormi até amanhecer.


Eu e William não mais nos falamos, e ele estranhou completamente meu total silêncio.
Sua atitude deixava claro que não ia parar de procurar por Barbara, então aceitei mais um fim.
Naquela manhã dei banho no Theo, deixei William tomando café sozinho, e fui tomar café com
meus pais. Só porque carreguei Theo comigo ele passou lá, pegou o menino pra se despedir, me
encarou com seu semblante de vira-lata faminto e judiado pela fome, e foi pro trabalho.
Por um motivo eu estava feliz: eu sabia que não importava o que acontecesse. William seria um pai
incrível para o nosso filho, independentemente de qualquer coisa. Mesmo se tudo ao redor estiver
ruindo.

— O que aconteceu, dessa vez?

Foi meu pai quem perguntou assim que ele bateu a porta.

— Tá preocupadinho com a ex-mulher, ajudando nas buscas da militar. Ameacei reclamar quando
ele chegou do trabalho, e ele já ia fugir de casa, ia pra academia e se encontrar com Manuela.
Disse que eu estava insuportável.

— Tá com ciúmes de uma mulher morta?

— Tô com ciúmes dessa intensa preocupação por ela que nunca acaba.

— Cat, é a ex dele. O irmão dele.

— Você faria isso pela Julia? — eu pergunto e minha mãe o encara. — Será que o vovô faria isso
pela Felícia??? Grim já deixou claro que ela ia me foder se continuasse viva. Ela ainda ocupa um
espaço grande no coração dele. Sempre foi um mulherão completo para os dois. Cuidava deles,
da casa, de tudo. Ele jamais vai deixar de sentir algo por ela, e é isso que me mata. Não é que
ele tem que ser indiferente, é que dá pra ver de longe que fará tudo pra protegê-la, não importa
quanto tempo passe.

Barbara sempre terá um lugar aqui. William ignora o fato do quão mal ela nos fez. Ele gosta dela.
Só fico me perguntando se ele ficará indiferente quando souber que ela deixou Theo e eu à
própria sorte. Se ele agir como se o que ela fez “não foi nada”, meu amor por ele vai
desaparecer. E aí vem a pior das dúvidas: como será não mais amá-lo!? Como será não ter esse
final feliz que eu tanto idealizei. Quer saber o que eu quero nesse momento, de verdade, pai? —
eu o encaro. — Quero pegar as minhas coisas e sair daquela casa. Quero não ter que olhar mais
pra ele, e não ver todo aquele amorzinho pela vadia lá, escancarado em seus olhos. Quero pegar
meu filho e sumir, mas sei que não posso fazer isso, sei que é errado, e não vou fazer. Mas vontade
não me falta!

— Sua irmã...!?

— William está esperto comigo, não me deixa chegar perto! — Rubi desce pra tomar café e nos
encontra na sala. — Aliás, foi o próprio William que fez Tiago se perguntar pelo paradeiro da
mulherzinha dele, Tiago não soube dizer e William foi atrás. Ele não vai parar de procurá-la até
encontrá-la, mas não porque a ama. — ela me encara de cara amarrada. — Mas porque faria
isso por qualquer um da família. O que a gente pode fazer é contratar uma pessoa pra se passar
por ela, falando com Tiago, mas...

— Não dará certo. William vai querer vê-la com os próprios olhos. Eu só quero saber quanto
tempo vai se passar até ele que ele caia na real e se lembre de Pedro. De qualquer forma, pra
ser mais sincera ainda. Eu quero é mais que ele descubra e seja logo!!!

— Então por que não conta? Por que não conta pra ele o que ela fez?

— Tô com medo. De nada me ajudará ele saber. Ele vai dizer que não justifica, conheço William.
Ele vai agir como se ela não tivesse feito nada e eu vou ficar muito brava. O porquê não vai
importar pra ele. Esquece essa história e deixe rolar.

Eu digo por fim, já pensando no pior e suspiro. Eu não precisava sofrer por antecipação.

(...)

— Tá fazendo o quê?

William pergunta assim que me vê fazer as malas.


Havia acabado de chegar do trabalho pra almoçar em casa.

— Vou com meu pai e meu avô pra Minas. Te falei sobre o natal.

Respondo secamente. Eu ainda estava chateada, ele também, então não tinha porquê fingir que
estava tudo bem.

— Por que agora? Por que não espera eu chegar da delegacia, no fim do dia?

— Porque não nascemos grudados. E não vou viajar de noite com Theo. Você pode ir pra lá
depois que sair da delegacia, ou passar o natal realizando suas buscas. Com Manuela, quem
sabe!? Sei que ela é sozinha... sua mãe vai comigo pra me ajudar com ele.

Comunico e ele se aproxima. Segura em minha mão com certo receio e chora, como sempre.
Sempre chora, mas nunca se corrige.
— Não faça isso comigo. É nosso primeiro Natal com o bebê. Não me abandone aqui, não nos
afaste mais ainda, e não tire meu filho de perto de mim. Não faça isso comigo.

— Não quero atingir você. Meu intuito não é te magoar. Eu só quero sair de perto de você um
pouco, e eu não vou viajar com Theo de noite. — olho em seus olhos extremamente vermelhos e
desvio o olhar, para não cair em tentação. — Você pode ir depois.

— Eu quero ir com vocês dois. Eu quero levar vocês dois. É assim que tem que ser. Eu não estarei
cansado, você sabe que eu sempre fui extremamente cuidadoso com ele no carro. Você quer me
punir.

— Eu não quero e não vou discutir com você. Esse é mais um motivo pra eu ir com ele na frente, tô
cansada de discutir com você. Tô muito cansada.

— Então não discuta, amor.

Ele diz e eu sinto vontade de contra-atacar pedindo de novo pra então abandonar as malditas
buscas, mas eu não ia mais fazer aquilo comigo mesma. A cabeça dele era seu guia.

— Me dá ele aqui. — eu peço quando termino de arrumar as coisas. William, como em todos os
dias, foi se despedir do filho pra voltar pro trabalho. — Eu já tô indo pra casa da minha mãe, não
vou dirigir, vou atrás no carro com Dom.

Eu entro no quarto com a cabeça nas nuvens e quase não noto que ele chorava abraçado ao filho.
Uma dor física me atingiu, e mesmo querendo ignorar, não consegui.

— Eu vou junto. — ele resmunga, seca os olhos, e me entrega o bebê. — Só me deixa arrumar
uma mala e avisar Manuela.

— Não precisa fazer isso.

Jamais viverei de migalhas. Quer ficar com a ex-morta, fique com a ex-morta.

— Eu nunca vou colocar ninguém acima do meu filho. Ninguém, nunca. — ele me encara deixando
claro que me incluía nessa lista. — Coloque as coisas dele no carro. Darei o telefonema enquanto
arrumo tudo.

Ele pede, e eu saio com a impressão de que, ir até lá seria um sacrifício.


Arrumo tudo, aviso meus pais, e assim que entro no carro, ele entra logo em seguida, e joga uma
manta quentinha no meu colo. Estava esfriando em São Paulo, o que significava que em Barbacena
estava o triplo.

— Espera. — ele me impede de sair do carro assim que estaciona bem próximo a entrada do
casarão. Ficamos o caminho inteiro em silêncio. Só com seus olhares tristes em minha direção. — Eu
te amo. Você ainda me ama?

— William...

— Eu estou aqui. Inteiro aqui, e sofrendo igual um condenado. Sem contar que ainda não consegui
esquecer aquela foda deliciosa que você não me deixou gozar, um momento extremamente triste.
— seguro a risada. — Tô com dor até agora. Então, por favor, volta pra mim. Tu é minha mulher,
sou maluco por ti! Esquece tudo, volta pra mim. Não quero perder você, não aguento mais isso. Tá
judiando de mim, para com isso. — ele para pra respirar e eu só o encaro. — Não vou mais
ajudar nas buscas... não vou mais me envolver, mas, não me deixa. Sem você e sem Theo, eu não
sou nada.

Ele termina seu pedido sussurrando e meu coração vibra.

— Vou pensar. — ele abaixa a cabeça, e depois encara um Theo dorminhoco, ameaçando fazer
chantagem. — Não ouse a fazer isso. — eu falo e ele ri. — Deve estar morrendo de medo de
passar frio aqui, dormir sozinho...

— Nada disso. Meu medo é passar o natal sem me sentir amado por ti. Passar o natal vendo a
família que tanto lutamos pra formar se desfazendo, na minha frente, por entre meus dedos. Medo
de cair a ficha e ver que perdi você. Esse é meu maior medo. Perder a minha família. Não tenho
psicológico pra viver sem você, nunca tive. Então, repense. Pare de se afastar de mim. Tô fazendo
o que me pediu, já falei pro Tiago que, se Manuela quiser, ela continuará o ajudando com os
amigos que ela tem, e os agentes da delegacia que trabalham ao lado dela, estarão disponíveis,
se ela quiser, mas nada desse assunto será reportado a mim, não quero mais saber, só quero saber
da minha família.

— Certo. Então vamos entrar.

Eu só falo, mas noto que ele fica esperançoso. Sorrio quando ele não pode notar.

A chácara estava como sempre esteve, graças à minha vózinha de cabelos brancos e bengala, ao
meu tio-avô charmoso, já casado e com lindos filhos, e uma Ritinha mega-feliz, e casada também. O
lindo lago com cisnes, o espaço inteiro rodeado por plantas e flores, a orla incrível da floresta... eu
sentia como se estivesse visitando a história da minha família, dos meus pais — a cabana da minha
mãe estava, como de costume, muito bem cuidada e rústica, assim que chegamos ela se enfiou lá
dentro com meu pai e nós saímos pra dar a eles a privacidade que, estava claro que queriam... —
e do meu avô. Avô esse que chorava igual bebê ao olhar tudo. Meus tios e minha avó nos
receberam com abraços calorosos, e a casa com a lareira acesa, convidativa, e obviamente,
quentinha, junto com uma grande porção de enfeites lindos e natalinos.

William segurava Theo no colo com uma mão, e na outra em minha mão esquerda, e não mais
soltou pelos primeiros cinco minutos. Irradiava felicidade e demonstrava medo em me perder. O
que me deu forças pra não temer a descoberta, e a verdade sobre a morte de Barbara. E foi
fácil, porque simplesmente não me sentia culpada por ter feito aquilo. Barbara merecia, e se
William chegasse pra mim e dissesse que estava puto, ou decepcionado, ou até mesmo terminasse
comigo... o azar seria somente dele.

— Viu, meu amor... é como você se lembrava?

Ouço vovó sussurrar no ouvido do velho Max e ele sorri lindamente.

— Eu te amo, Hella,

— Para sempre.

— Até depois. — ele responde e eu descubro que não era a única que ouvia os dois. Todo mundo
ouviu e se emocionou. Só de saber que meu avô estava feliz, todo mundo estava feliz. a família
inteira reunida, e acalantada por felicidade absoluta pra suportar aquele frio delicioso.

Já ia dar sete e meia quando a família toda batia papo e se divertia na sala. Os planos eram
passar o natal — que seria dali em um dia— em volta da fogueira, trocando presentes, e com
certeza, relembrando o passado, e eu não via a hora daquele momento chegar. De muito
provavelmente ouvir as nossas histórias, ouvir como fui gerada, mais uma vez, ouvir sobre o amor
incondicional que a família sentia um pelo outro, as nossas aventuras, e as histórias de guerra, que
de uns anos para cá o vovô amava contar. Estávamos todos reunidos e felizes, pra dizer no
mínimo.

— Cadê o Theo? Me dê ele um pouco.

Meu avô pede baixinho, minha vó sorri pra mim, e eu entrego Theo em seus braços. O papo alto
continua com o tema “bisneto e velhice” como se vovô se preocupasse com sua própria idade, e
Rafa se divertindo com isso, como se ainda fosse um jovem garoto, e na mesma hora podemos ouvir
o barulho de um carro. Poderia ser meu pai que estava a caminho de Bagé com Miguel e Mariah,
Rubi, que havia ficado pra trás por algum motivo, ou Fred, que enfim, confirmou sua presença,
principalmente depois de saber que seu Max fazia questão de sua presença.

— É Rubi... ela... — William que correu para a porta pra ver quem seria, foi falando. — Eu não
acredito nisso!!!

Ele exclama gargalhando e eu sorrio, enfim, saberíamos a sua escolha de amor pra vida toda.
SEM FINAL FELIZ!

— É sério, sogrão, se prepara!!!

Will resmunga voltando a se sentar do meu lado, e por causa de todo o suspense do momento, o
silêncio reina, até uma Rubi esplendorosa adentrar o recinto de mãos dadas com... Yan. Assim que
eles param na entrada, meu pai se levanta “tranquilamente” e coloca toda a família tensa. Nem foi
a entrada de Rubi que chocou, foi um Tay irado, que levantou do sofá em protesto que deixaram
todos os presentes aflitos.

— Feliz natal, pai! — Rubi diz ironicamente ao se aproximar dele — afinal ainda não era Natal
— e ele nega.

— Vai se acostumar com a ideia. Eu gosto muito dele e ele me respeita, vai me fazer feliz.

— Diz que está brincando.

— Tay... — meu avô protesta e meu pai o ignora.

— Eu não estou brincando. — Rubi nega.

— Pois bem... — meu pai resmunga entristecido, e aparentemente desapontado, e desaparece


escada acima.

— Eu pensei que teria um momento de paz... — meu avô resmunga. Estávamos todos em choque
com a atitude dele.

— Desculpa, vô. Não deveria ter feito isso. — Rubi se aproxima e ele a faz se abaixar.

— Não se desculpe. Não fale bobagem. Ele vai desculpar e aceitar, ou nem precisa. Você já é
maior e tem sua própria vida. Apenas siga seu caminho como a mulher de honra que sempre foi, e
com os valores que ele lhe passou. Toda família tem problemas, a nossa não é diferente, mas seu
pai te ama muito. Todos nós te amamos muito. E você, hein... — meu avô encara Yan, falando com a
dificuldade de sempre... estava tão velhinho, mas com a mente muito sã. — Se vingou do meu filho
com louvor. Ele roubou tua mulher e você pegou primeiro a melhor amiga e parceira mais fiel, e
depois a filha dele. — Yan fica sem graça, Dom gargalha alto, Davi vai no embalo, Miguel junto, e
o restante do mesmo jeito. Aos poucos vão se soltando, William então, nem se fala. — De qualquer
forma, não precisava, você sempre fez parte da família.

— A gente se gosta de verdade, seu Max. Eu não me preocupo mais com teu filho...

— Eu sei disso. Seja bem-vindo de novo. Faça minha neta feliz, ou arrumo um jeito de fazer o que
meu filho mais sonha em conseguir: matar você. Eu não tenho mais força, mas ainda tenho um genro
que jamais me negaria qualquer pedido. — Vovô encara Jon, e Jon segura uma risada alta,
também. — O que seria uma pena, pois eu me odiaria em ver minha outra neta infeliz.

Vovô me encara e eu sorrio.

— Feliz natal, pro senhor também, Max!

Meu pai resmunga e todo mundo ri descontraindo.

— Eu podia jurar que seria Fred! — ouço William resmungar em seu ouvido, quando chega sua
vez de cumprimentar a nova moça comprometida da família, e eu a vejo fitando sua boca
enquanto o doutor falava e a família inteira cumprimentava meu pai gaúcho. — É sério, eu tinha
certeza!

— E qual seria a graça? Serei madrasta de uma pirralha que nunca foi com a minha cara,
madrasta da minha própria irmã, esposa do ex-marido da minha mamãe que me acha uma vadia,
meu pai vai ver que sua filhinha tão amada, e a que mais despertava seu ciúme por ver que
sempre foi desejada em segredo por todos os homens que ele conhece e convive, é a ninfeta do
homem que ele mais odeia, e eu... me vinguei do homem que nunca olhou para mim como eu
merecia. Fui até o México, usei e abusei, matei a minha curiosidade, e escolhi o gostoso caseiro, que
vai me respeitar como mulher, e viver todos os dias, daqui por diante me desejando como se eu
fosse a única mulher do planeta. — Rubi sussurra com seu jeito extremamente sexy de sempre —
Dê uma olhada nele, doutor, olha como ele me olha. — William obedece sorrindo e eu também,
meu pai estava maluco por ela. — Você me conhece melhor do que ninguém, já viu meu
verdadeiro-eu, sabe que amo um caos e gosto de ser o próprio caos na maioria das vezes. Eu
mudei no dia em que ele partiu meu coração, não te disse!? Ele não tinha um e quase me deixou
sem também. Mas seu sogro sulista é diferente... — Rubi se vira em direção a meu pai, os olhares
de ambos se encontram, e meu pai sorri pra ela. — ...ele tem uma boca mágica, doutor! Me levas
às nuvens em trinta segundos. Chupa como ninguém!

Ela sussurra encarando meu pai, tasca um beijo na face de barba malfeita de William, e sai após
piscar pra mim, pois sabia que eu ouvia todo o papo ali do lado. William ri se divertindo enquanto
a seguia com o olhar, e vê quando a bruxa vingativa abraça meu pai e o beija, no meio do papo
alto e descontraído de todos.

— Seu pai parece bem maluco por ela. Será que ele não está enfeitiçado, não!?

William pergunta ao se aproximar.

— Rubi não precisa de feitiço pra segurar homem. — eu resmungo rindo e ela ri do outro lado da
sala. — Rubi é incrível e Yan teve a oportunidade de reconhecer. Vou ao banheiro.

Eu falo pra poder ver como meu pai está, e quando chego no corredor do andar de cima, ele me
alcança.

— Já disse que você está linda nesse vestido? — ele me pega e me empurra até minhas costas
alcançarem a parede. — Tá muito gostosa.

— Ainda tá doendo?

— Só vai parar quando sair.

— Eu vou ver como meu pai está. Segura a onda e se comporte.

Bato na porta, ouço minha mãe me pedindo pra entrar, e quando eu penso que William já tinha se
mandado, ele entra atrás. Só suspiro.

— Tudo bem?

Questiono sorrindo quando percebo que minha mãe o consolava como um bebê chorão.

— Eu achei que tinha me livrado dele...

— Jamais conseguiria, ele é meu pai, sabe disso.

— Mas você se mudou. Ele não teria mais porquê aparecer na minha frente!!!

Ele diz, me sento ao seu lado, e fico boba em notar que não era só cena. Meu pai estava muito,
mas muito triste.

— Sua mãe não voltou quando descobriu que estava grávida. Esse cara viu você nascer, começar
a falar, seus primeiros passos, seu primeiro dia na escolinha... ele roubou a minha vida! Fiz merda,
Catarina, afastei sua mãe de mim, mas fui lá. — ele suspira falando comigo e vejo minha mãe
começando a ficar puta. Ela odiava falar naquilo. — Ele me atendeu, me conhecia, sabia quem eu
era, ele sabia, mas negou que ela estava lá. Me deixou ir embora daquele lugar sem você. Sem
minha mulher, minha filha, e a chance de recomeçar a minha vida com minha família. Como se não
bastasse, tenta de todas as formas fazer parte da minha vida, afastou minha melhor amiga de
mim, e agora minha filha, que literalmente tem idade pra ser filha dele. Eu lamento, sei que te
magoo, mas eu sempre vou odiá-lo com todas as minhas forças e nunca serei completo se não
matá-lo com minhas próprias mãos.

— Yan não usou Laura pra te atingir, e nem está fazendo isso agora.

— Você deveria ser a primeira pessoa a ficar do meu lado. Ele roubou você de mim. ROUBOU. E
você sabe muito bem como é ter que conviver com uma pessoa que ama de paixão, a pessoa que
a gente mais ama no mundo, ter que lidar com seus olhares, com seus problemas, as brigas por
causa “deles”, os ciúmes, insegurança... — ele me olha e deixa claro que falava de Barbara. —
Ele nunca, NUNCA amou LAURA, ele sempre foi maluco na tua mãe é até hoje, você sabe, Laura
sabia, Rubi sabe disso, e todo mundo sabe, nem negue! Arrumou usando minha filha, uma
oportunidade de foder comigo, MAIS UMA VEZ, e permanecer aqui, perto de mim, sugando minha
alma, desejando minha mulher, e recebendo o amor, agora, das minhas duas filhas. Nada nesse
mundo me faria mais feliz do que vê-lo sangrar até morrer.

Ele diz como os olhos em chamas e eu me sinto triste.

— É só pedir pra ele ir embora. A casa é tua.

William diz e eu o encaro perplexa.

— O Que é!? É a verdade, oxe...

— Tay, está começando a pirar!!! — minha mãe exclama. — É um absurdo! É a feitiçaria da Rubi
que tá mexendo com a cabeça dele...

— Não se lembra de como ele agiu assim que vocês chegaram do Sul, não é!? Não conhece mais o
ex-marido melhor do mundo... só eu sinto a dor que ele sente quando me vê agarrado em você,
como ele olha nos meus olhos quando ninguém está olhando. Seu ex-marido-bonzinho. Mas quer
saber, Ellen... FODA-SE!!! FODA-SE VOCÊ, ELE, RUBI, TODO MUNDO. Foda-se. Não vai adiantar
falar, e não vou falar mais nada. Pelo meu pai, só pelo meu pai, e pelo último Natal que ele
passará conosco, porque eu sei que é o último, eu vou me recompor, voltar para lá, e fazer a cara
de paisagem que eu venho fazendo durante anos, para aturar esse bosta dentro da minha casa,
roubando minha paz de espírito, e me sufocando. Mas é só aqui, só mais um natal, acabou. — ele
me encara — Nunca mais quero esse verme no mesmo ambiente que eu, e principalmente, em
minha casa. Você casou, se quiser, o receba lá, infelizmente não posso impedir você, bem que eu
queria, mas não posso. Me respeita, não me faça o engolir, ou eu perco mais uma filha e só me
sobrará Dom! Não estou falando da boca para fora!!! Mato esse cara, abro mão de ter você na
minha vida por simplesmente nunca conseguir me perdoar, mas mato esse cara!!!

Ele desabafa, sai pisando firme, minha mãe respira fundo encarando o teto e eu nem sei o que
pensar.
— Vou apanhar se eu disser que ele tem razão?

William questiona baixo, bufo irritada na mesma hora que minha mãe, e saio do quarto com ele
atrás de mim.

— Neném... — ele gruda em mim de novo. — Tô com fome. Cuida de mim? Não vai ter comida
nessa casa hoje, não?

— Eu devia era te deixar com fome por falar bobagem, isso sim, mas eu acho que sim. Vamos lá.

Desço com o grude me agarrando como se eu fosse fugir, e vejo quando meu pai é abordado por
Jon, discretamente. Rubi sofria, Yan estava sem graça e chateado por ver Rubi chateada, mas o
clima não durou muito. Vovô chamou meu pai pra ter uma conversa, depois de sair do quarto onde
eles estavam — perto da cozinha, andar de baixo — meu pai subiu as escadas e não mais
desceu, e minha mãe só desceu pra levar comida pra ele. Aquele seria um Natal e tanto.

Sim, minha avó, com a ajuda de alguns funcionários estavam cuidando de um jantar impecável, mas
o bebê chorão já havia dito que não estava aguentando, portanto, corri para a geladeira pra ver
o que ele poderia beliscar, só pra parar de ronronar no meu ouvido.

— Eu sei que eu deveria esperar um pouco, mas como não estou me aguentando, vim te entregar
isso...

Nat me aborda na cozinha enquanto eu tentava abrir a embalagem de mini salames.

— Não me diga que... — sorrio e acerto em cheio. — Convite!!!

Abro o envelope mostarda e encontro um convite de casamento luxuoso, dividido em folha seca
mostarda, creio eu que em papel reciclado, ou feito com folha de planta de verdade, papel de
seda depois, o convite impresso em um cartão branco e rendado, um convite pequeno com a loja
que ela escolheu para o presente, e um cartão anexado mediano, que pelo o que parecia, era a
nossa — minha e de minha família...— entrada para a recepção em um estabelecimento na Itália.
Um luxo!

— Meu Deus... — resmungo ao desmanchar a preciosidade e ler três nomes ali, na parte do
matrimônio. — será mesmo um casamento a três!!!

— Sim. — ela chora e me abraça. — Tô tão feliz!!!

— Eu estou mais ainda!!! De verdade!!! Fico muito feliz em saber que enfim, se entenderam, e que
vão assumir. Será realmente na Itália, prima...

— Sim. Aproveitamos que uma grande parte da família de Jon ainda é de lá, e decidi casar fora,
o lugar é divino. — ela parece encantada. — Será um casamento de princesa com dois príncipes
lindos! — rimos juntas. — Passagem, hospedagem, tudo por nossa conta. Apenas Sara fez questão
de deixar claro que não irá, mas toda a família vai. Quero muito que você e sua pequena família
vá. Dona Maggie será bem-vinda, óbvio! Tiago também...

— Eu jamais perderei esse casamento. Não se preocupe. — rio alto, transbordando felicidade por
eles. — Claro que nós vamos. A Millena soube?

— Só se Marcelo contou. Perguntei se queria que eu a convidasse, ele disse não. Mas, melhor
assim. Queria esfregar o meu casamento mágico na fuça branca dela, mas também seria capaz de
agourar meu relacionamento. — ela bufa. — No fundo, não consigo sentir raiva da vaca, não.
Aprendi a respeitá-la, bem ou mal, convivemos por muito tempo. Se ela fosse, não ia me incomodar.
Mas também convidá-la em respeito a tudo o que passei com ela, porque afinal, nós tivemos os
nossos momentos ‘de amigas’, — ela ri erguendo a sobrancelha — meio que ia parecer que era só
provocação, enfim...

— Você é muito pirada!!! Mas está certa. É do bem, linda, amiga pra vida toda, e super coração.
Nunca vou esquecer o que fez por mim. — ela sorri timidamente. — Foi corajosa, se fosse outra
pessoa, e não tivesse dado certo, eu tinha arrancado seus miolos com a unha. Mas não... — dou
risada. — salvou a minha vida quando trouxe o meu delegado pra mim. Agora chegou a sua vez
de ser feliz, com os “gêmeos” mais gatos de todo o mundo!!!

— Pois é, menina... — Nat dá pulinhos rindo com empolgação.

— Jura?

William interrompe quando Nat já ia continuar falando sobre os gatos.

— Ai, lá vem o espião ciumento.

— Ciumento, sempre, espião, nunca. Não estou te espionando, entrei e ouvi. Já falei: tô com fome.
Quer cuidar de mim direito!?

Ele faz manha na frente da Nat, meu rosto esquenta, ele me abraça e eu ignoro seus beijos
deliciosos no meu pescoço.

— Tive um bom motivo. — entrego o convite para ele. — Olha isso!

— Eita, porra!!! Eu quero ir!!!

William se diverte e Nat ri, parece não se importar com as brincadeiras. Acho que já tinha
trabalhado seu psicológico para aquele tipo de situação. Ver as pessoas empolgadas e curiosas
com relação a seu relacionamento diferentão, moderno e exótico. Sabia que aquele tipo de
relacionamento fazia morada no inconsciente da maioria das pessoas como um fetiche.
— Eu te desejo felicidades, Natália! — ele a abraça e ela correspondente com simpatia. — Aos
três! Agora vem cá...

William cruza os braços, faz uma cara curiosa, e eu o afasto dela. Ele sai rindo. Fingiu que ia
começar com as sessões de tira-dúvidas. Coitada.

— Foi mal, ele é um bocó!!!

— Que isso! Podia deixar ele perguntar, boba! Nós três conversamos muitos e estamos preparados.
Não podemos lidar com isso como se fosse tabu, vamos nos casar na frente da família toda. — ela
ri com compreensão. — Aposto que ia perguntar sobre dupla penetração. — gargalhamos
enquanto ela tentava falar baixo, por causa das senhoras que corriam pra levar o jantar pra
mesa. — Ele não seria o primeiro.

— Agora vem cá...— eu cruzo os braços e imito a última atitude de William. Ela ri alto. — É Sério,
é bom como parece, ou dói pra diabo?

— Dói, óbvio. Só que a dor não dura para sempre... aqui — ela toca a têmpora. — tudo acontece
e facilita. Não é a penetração somente que dá prazer, não só ela. É ser amada, desejada, e
adorada por dois homens gostosos demais que dá mais prazer!

Ela sussurra, me seguro pra não bater palmas, e continuo ouvindo suas histórias incríveis em
sussurros enquanto preparo um prato com petiscos para o chato.

— Aqui. — entrego o prato pra ele na sala, e sento em sua perna. — Bom apetite.

Ele pega o prato, pisca pra mim, e sorri.

— Por que Tiago não veio, William? Eu disse que queria a família toda aqui. Gosto do moleque.

Meu avô fala e ele primeiro engole o que mastigava.

— Ele está procurando pela namorada, seu Max. Não quer comemorar o Natal sem ela.

— Barbara desapareceu?

— Sim, já tem alguns dias.

Ele responde, se serve de mais alguns petiscos, toma seu vinho, e o olhar de meu avô sobe até mim.
Só de me olhar ele sabia, e por isso eu fito a parede a minha frente.

— Ela está bem, tenho certeza.

Meu avô diz baixo, como sempre, ele confirma com cabeça e continua comendo.
Vinte minutos depois o jantar é servido, William enfim mata sua fome gigante, e se aproveita
quando Theo acaba de mamar e sua mãe o pega no colo pra arrotar, para me arrastar para a
área do lado de fora. Continuava bebendo seu vinho tinto e exigindo atenção e amor.

— Não posso deixar de me lembrar daquela noite fatídica...

Ele resmunga enquanto me abraça pelas costas. Eu só encarava a paisagem, mergulhada em uma
noite fria e cheia de estrelas.

— É... também me recordo.

— Aquele foi um dos piores momentos para mim. Eu não queria prender todos eles na sua frente.
Eu estava sofrendo. Não estava gostando daquilo, apesar de ter desejado tanto.

— Você ia atirar em mim, mesmo?

— Não. Tenho certeza que não. E você ter tentado se matar pra eu não fazer aquilo, acabou
comigo. Se eu pudesse voltar no tempo...

— Não podemos voltar, mas podemos não mais repetir aquilo. Seremos felizes e vamos esquecer
aquele episódio.

— Vamos esquecer. E não vai se repetir, mesmo. Tu não vai mais mentir pra mim, e nunca mais
voltará para aquela vida.

— Só não esqueça que ainda sou uma assassina. Não virei santa só porque a gente se entendeu.

— Não te quero santa. Nunca quis. Mas você não vai mais trabalhar no ramo. Temos Theo agora,
não pode ter inimigos, não pode andar nesse lado com um bebê dentro de casa, nosso filho.
Acabou essa vida pra você, agora você tem um filho e um marido lindo — ele ri. — para cuidar.
Tem que ser melhor do que era. Tem que parar de matar por dinheiro. Temos que dar um exemplo
para Theo. E eu já prometi, farei minha parte, vou estudar e mudar de área...

— Vai largar a superintendência???

— Vou manter minha família em segurança. Você e Theo são minha prioridade, posso me contentar
com o pouco que exerci. Realizei meu sonho, neném, fui delegado, fui competente, fiz bem meu
trabalho, já me sinto realizado. Agora eu quero viver o maior de todos os sonhos que já tive. Ser o
pai de seus filhos e construir uma família linda contigo. Esse, no momento, é meu desejo número um.

Ele diz e eu me sinto extremamente triste.

— São Paulo precisa de você. — eu me viro e o encaro. — Você é o melhor. Estudou a vida toda
pra isso. Sabe que nós dois juntos seremos os melhores pais para Theo, principalmente, no quesito
segurança. Podemos protegê-lo. Não pensa em ver seu filho seguindo seu ofício? Te vendo
salvando a cidade pela TV, todo dia de manhã? Sentindo orgulho de você? Eu me apaixonei pelo
delegado incrível, o melhor do mundo, e quero que meu filho conheça o pai que eu escolhi pra ele.
O pai dele, de verdade. E o pai dele não é nenhum administrador público, advogado da vara de
família, ou promotor, sei lá. O pai dele é o delegado federal da superintendência do estado de
São Paulo, e eu quero que meu filho conheça esse cara. Que veja o quanto ele é genial, o quanto
a mãe dele teve bom gosto. Sei que de mim ele pouco terá, a minha história vai ser complicada de
contar, mas a sua não. Não quero menos do que isso. Eu não quero que você abandone a
superintendência.

Eu falo olhando em seus olhos e ele sorri.

— E se algum dia, eu colocar Theo em perigo...!? Sei que sou capaz de fazer uma loucura sem
tamanho...

— Você também acorda de madrugada pra ver se ele está respirando. Confere o cinto mil vezes,
fica vinte minutos pra ele arrotar, porque menos que isso pode fazer com que ele engasgue se o
colocarmos no berço. — ele sorri. — Nunca vamos colocar Theo em perigo. Eu juro pela minha vida
que nós dois nunca faremos isso, porque eu te conheço, conheço o pai que você é, e principalmente,
me conheço. Sei do que sou capaz por ele. Por ele e por você.

Então me dê isso. Confia em mim e me dê essa alegria. — agarro seu pescoço e me divido entre
chupar seus lábios grossos e sua língua, e olhar profundamente em seus olhos. — Sou sua mulher e
não quero que abandone seu sonho por nós dois. Quero você assim, meu delegado, meu herói, meu
orgulho. E se um dia quiser mudar, que seja para cima. Acima de tudo e de todos, sim, como um
deus, — sorrio e ele aperta minha cintura em resposta. — nunca retroceder, nunca receber ordens.
Quem sabe juiz!? Do STF? Presidente? Até me mudo pra Brasília contigo... mas não quero menos
que isso, não aceito menos do que uma vida profissional gloriosa pra você, porque eu garantirei
que a pessoal será um sonho.

— Sabe que eu nunca negaria um pedido seu. — ele chupa minha língua fazendo o mesmo
movimento que costuma fazer em minha intimidade. — Eu não abandonarei meu cargo, porque se
pra você é importante, pra mim é mais ainda, e eu farei tudo o que te faz feliz. Eu farei de você a
mulher mais feliz do universo, e passarei a minha vida buscando sempre ser motivo de orgulho pra
você e pra o nosso pequeno. — ele encosta sua testa na minha. — Eu prometo.

— Eu te amo, meu gostoso! Para sempre.

— Eu te amo! Mais do que qualquer coisa, mais do que qualquer um! Com todas as minhas forças.
Para sempre.

— Atrapalhamos o casal apaixonado?

Rubi aparece agarrada em meu pai e William finge bufar.


— Sempre!!! — ele responde, bato nele, e nós quatro rimos.

— Preciso dizer o quanto isso é estranho???

Eu pergunto olhando para os dois, e meu pai se solta dela pra me abraçar.

— Não precisa. Juro que não tem necessidade. — ele ri.

— Estou muito feliz pelos dois.

Eu digo e William ri.

— Como é pegar uma bruxa e não ter certeza de que está enfeitiçado???

— Se eu estiver enfeitiçado, quero que esse feitiço dure para sempre. Porque até então, estou
muito feliz.

Meu pai responde e Rubi desmancha a cara carrancuda que havia feito para meu marido.

— E contigo, delegato? Como é estar casado com uma assassina???

— É mega-excitante pra falar a verdade. — ele zomba obviamente. — Mas no caso, é ex-
assassina.

— E então, madrasta querida... — eu brinco. — vai pro meio do mato matar frango pro almoço???

— Não. Vou voltar para São Paulo com meu novo namorado gostoso e sulista, para retomar meu
trabalho como assassina. Ainda tenho um cartel para gerenciar. Eu, Miguel, e... — ela trava. —
Fred. Já combinamos e Yan vai colocar sua irmã para cuidar da pousada. Vou tirar meu gaúcho do
mato. E você?

Ela pergunta rindo, William me encara nervoso, e antes de eu mandar ela tomar no c*, podemos
ver um carro se aproximar.

— É Fred? — Yan a encara sorridente e Rubi olha pra ele sem graça. — Não precisa ficar tensa
assim.

— É ele. E não estou tensa, seu bobalhão.

— Sei.

Ele sorri mais ainda, beija sua testa, e um Geep envelhecido estaciona na frente do lago.

— Boa noite!!!
Ele resmunga me encarando, devolvo o olhar pra um William curioso, e corro feliz da vida para os
braços do meu irmão de alma.

— FRED!!!

— Como vai, princesa???

Choro sem saber o porquê, e me sinto segura com ele ali.

— Você demorou!!! Por que demorou tanto?

— Arrumei um trabalho. E preciso do nosso cartel! Tenho novidades. — ele me fala, me solto dele
pra poder olhar para seu rosto, e só vejo indícios de felicidade. — Para de me olhar assim, eu tô
muito bem, essa viagem me fez bem demais! — ele se afasta de mim após me beijar de novo. —
Oi, feiticeira infernal! — ele agarra uma Rubi tensa por causa do encontro. — Tudo bem?

— Eu tô feliz por te ver de novo. E você?

— Eu tô muito bem por estar de volta e te ver tão feliz. Enquanto for feliz, eu serei. — ele a beija
de novo e se solta dela. — Como vai, Yan?

— Bem, graças à Deus! Seja bem-vindo de volta. Você faz muita falta!

— Obrigado. — os dois se cumprimentam apertando as mãos e com tapas firmes nas costas. — É
muito bom estar em casa. — um sorri para o outro, e Fred, dessa vez, se aproxima de Will. — E
você? Cuidando bem do meu afilhado?

Will ri, Fred também, mas Fred para primeiro.

— Não sabia dessa de afilhado.

— Pois me fizeram um convite... — Fred me encara sorrindo. — há muito tempo atrás, mas vim
para cobrar. Primeiro filho, meu afilhado, compadre!!!

— Eu me lembro! — eu digo. — Me lembro disso...

— Será uma honra como o pai dele, ter você como padrinho. Sei que meu filho será ainda mais
protegido, Fred. Ele só não pode saber que em um passado nada remoto, meu sonho era deixar
seu padrinho apodrecer na cadeia.

— Ele não vai! Theo será mais um motivo para continuar vivendo e seguindo minha vida, desejando
sempre ser melhor. Quero que ele se orgulhe de mim. Não vou te decepcionar.

— Que bom. Porque minha mulher acabou de me fazer prometer não desistir da carreira de
delegado, o meu sonho. Isso significa que, se andar fora da linha, vou decepcionar meu filho, mas...

— Já entendi o recado! — Fred ri. — Cadê o moleque??? Está acordado?

Ele me olha.

— Está, vai lá! Tá no colo da minha sogra, pode pegar, só não deixe cair. — ele ri. — Estão todos
esperando por você!

Eu falo, ele ri descrente, e entra.

Quando ele entra, Yan encara Rubi achando graça, e William me encara zombando.

Ficam os dois nos encarando e nós duas, uma olhando pra a cara da outra, sem saber o que dizer.
Era isso. Fred despertava ciúmes em ambos.

— Vamos deitar. Tô cansado...

William me agarra no canto da sala minutos depois. Fred respondia às perguntas de todos, super
animado, as gracinhas de Dom e Miguel, e as minhas curiosidades a respeito de tudo. Apenas meus
avós e Giulia se retiraram para dormir. Eram quase duas da manhã quando acabou a sessão de
piadas regadas a vinho na sala, e iniciou-se o tema Cartel e novas encomendas, tema que Fred
abordou, e que misteriosamente deixou William com sono. O que até então estava bem, vencendo
o Dom ao contar piadas ruins e divertindo todo mundo.

— Sobe vida, eu vou já, já.

Digo, pois queria saber que “papo era aquele de um tal de traficante de órgãos do México estar
foragido aqui no Brasil”.

— Vamos agora. — ele diz como quem não quer nada e eu me viro pra encará-lo. — Tô com frio,
com dor de cabeça, e não vou dormir sozinho. Vamos agora.

— Até agora pouco você...

— Agora, Catarina.

Ele perde o dengo, o sorriso e o bom humor, se despede de todo mundo, e me obrigada a fazer o
mesmo, pois se afasta de mim segurando em minha mão e me puxando discretamente. Seu olhar
muda demais quando está contrariado. William vira outro homem quando está bravo.

— Até que enfim...

Ele me agarra no quarto e me joga na cama. Logo me afasto.


— Está com dor. Vou pegar um remédio e velar seu sono...

— Já passou! — ele ri. — Tem como me dar um dengo? Tô cheio de saudade. Tive tanto medo de
perder você. Tô louco pra te namorar desde cedo...

— Pois não tô bem. Quero dormir. Vou tomar um banho.

Me levanto da cama e ele fica puto.

— Estava bem até agora pouco.

— Como você.

Eu devolvo sorrindo, ele fica ainda mais puto, e começa a se despir. Vou direto pro banho e ele
entra quando eu saio. Quando tento entrar assim que me troco, vejo que sua raiva passou para a
porta, que ele havia trancado. Bobão. Me aproximo do bercinho que meu avô mandou vovó Isa
trazer para o Theo, beijo sua cabecinha, me deito, apago de cansaço, e quando acordo — após
despertar um milhão de vezes por causa do bebê faminto. — já era quase dia.

William estava agarrado a mim na cama.

— Eu te amo. — ele sussurra baixinho e eu sorrio para a parede do meu lado.

— O que faz acordado?

— Não te namorei. Tô triste, e quando fico assim não durmo. Sempre foi assim.

— Quanto drama. — me viro para ele e ele aperta seu corpo no meu.

— Não é drama, não. Vem cá. Não faça com que eu implore para ter algo que já me pertence.
Isso não é justo.

Ele mia, dou risada, e minutos depois o barulho delicioso de palmada invade o silêncio do quarto
escuro. Pazes.

Quando acordo, após o cochilo de descanso, William não estava do meu lado, e nem Theo.

Desço após um banho rápido e me encher de agasalhos para suportar o frio mineiro e o encontro
na rede, com Gabi sentada colada nele. Já disse que odeio ver os dois juntos?

Paro na porta, ele me vê, mas entro logo em seguida. Theo estava começando a fazer manha no
colo de dona Maggie, então logo tratei de voltar pro quarto para dar seu mama.

— Bom dia! — ele entra minutos depois com café da manhã em uma bandeja, espera eu
responder e eu o encaro em silêncio. — Pois que você tenha um bom dia. Só assim para eu ter
também. O que é? Ciúmes da prima?

Ele ri depois de não aguentar segurar, se senta na minha frente e fica assim, só me olhando e
sorrindo, até Theo se sentir satisfeito. Claro que dona Maggie chega logo depois para encher seu
neto de mimo, diz que Fred quer ficar com ele, e quando ela bate a porta, eu voo no pescoço do
filha da puta, safado!

— Para, Catarina! — ele ri e tenta se defender da minha fúria. — Tá maluca, porra? Ela quem foi
falar comigo!

— POR QUE NÃO SAIU??? NÃO DEIXOU ELA LÁ???

— Porque sou educado. Vem cá, eu te amo, sua doida! Vem! — ele me agarra e se deita sobre
mim, só pra me prender. — Eu te amo. Quero você! Só você! Pra sempre.

Ele diz baixinho, rouba um selinho, e ficamos assim, até a outra mamada, eu me sentia uma vaca
leiteira e amava aquilo.

O dia correu com uma beleza incrível. Meu pai no canto dele, por causa da presença do Yan, mas
mantendo a santa paz, que meu avô exigiu, mais da metade das mulheres papeando e cozinhando
na cozinha, Will eu e Theo na sala curtindo o clima bom. Meus irmãos namorando pela chácara
com certa discrição, Fred, Rubi e Yan conversando e rindo sem crise, Dom e Davi, os primos e
melhores amigos falando sobre games, quando Dom não estava no celular com o namorado que
não pôde vir, alguns na frente do lago, e Rafa arrumando a área da fogueira com Jon e Lulu...
estava tudo muito bem obrigada. Família aumentando de tamanho e o primeiro Natal de Theo, o
bebê mais precioso do mundo.

— Eu quero agradecer a presença de todos... — meu avô pede pra vó Hella abaixar o volume do
som na pequena clareira onde a gente vivia um natal em família. — ...sei que temos muitas
diferenças, desavenças, problemas, e por isso... agradeço ainda mais por passarem por cima disso.
É muito bom estar em casa... — seu Max falava com dificuldades, mas o silêncio de todos ajudava.
— fiquei uma época grande da minha vida desejando por isso mais do que tudo. — Ele aperta a
mão de minha avó e a beija. — Quero propor um brinde. Primeiramente a você. — vó Hella chora
e todos choramos juntos. — Sei que também não fomos aquele conto de fadas como casal, mas, eu
quero que você saiba, que em nenhum momento, desde que te vi pela primeira vez naquele
parque, que nunca deixei de venerar você, e amar você, nem por um momento sequer. Você é e
sempre será a única mulher de toda a minha existência, Hella, e até depois disso. Rafa costumava
dizer que eu era inexperiente, — Rafa sorri chorando. — pensa em um cabra, velho já, velho de
guerra literalmente, passou a vida inteira, agora veja, mais de oitenta anos, com apenas uma
mulher. Nesse sentido eu realmente sou inexperiente, e me sinto o homem mais feliz do mundo por
isso. — Meu avô ri — Eu passei cem por cento da minha vida beijando, pensando, desejando, e
amando uma só mulher. E o motivo é porque simplesmente você me completa no sentido literal da
palavra. Eu tenho certeza que nenhum outro homem, jamais, na face da terra, tenha amado
somente uma mulher em sua vida, e sei o motivo, é somente porque não existe mulher alguma como
você, e jamais vai existir. Eu mato quem disser e tentar provar o contrário.

Eu, de novo partiria para servir meu país, como te prometi no início de nossas vidas, para te dar
uma vida de rainha, jamais desistiria, jamais te prenderia, eu faria tudo de novo, Hella, tudo. Você
não tem a menor noção do quanto, até hoje, me faz feliz, e você nunca terá. Minha alma e minha
essência pertencem a você. Até depois de velho, meu primeiro e último pensamento, durante todos
os dias da minha vida, continua sendo você, e será eternamente. Eu te prometo isso. Você é a minha
vida, eu te amo! — ele diz, minha vó se inclina pra encher sua face de beijos, e eu choro mais. —
E bom, eu agradeço, claro, ao meu milagre. — ele encara meu pai, com sua postura militar, ao lado
de minha mãe. — Sem você, muito provavelmente eu estaria solteiro agora, e sua mãe com aquele
verme. — risos — Você não salvou somente meu casamento, não, você não sabe, mas salvou minha
vida várias vezes. Como tua irmã... você é meu bem precioso, eu queria que tudo o que sofreu
fosse passado para mim. Eu daria tudo para voltar no tempo, isso eu mudaria, te faria estudar,
quem sabe, agronomia, tanto faz, medicina, administração, qualquer coisa para não ter passado o
que eu passei, como me ver obrigado a deixar tua mãe quando mudei de ideia. Mas tudo bem,
tudo aconteceu do jeito que aconteceu e nos fortaleceu, não é!? Você, filho, é o homem mais forte
que eu conheço, graças a vida, e a segunda mulher mais linda que já conheci na vida. — Ele
encara minha mãe — Ellen, meu filho tem sorte por ter você. Eu não vou me prolongar em dizer o
quanto amo você, porque além de tudo, ele continua ciumento. — ele ri e também encara Lulu. —
Você foi meu recomeço, me deu uma neta linda, casou, se livrou de mim, mas se pensa que deixou
de ser minha princesinha, se engana. Meu medo era que meus fantasmas voltassem, mas sabe o
porquê continuei com a sanidade intacta após te entregar ao meu irmão de alma? Porque eu vi
que, mesmo depois de tão crescida e tão independente, ao contrário do que eu pensei e temi, você
nunca deixou de me olhar com aqueles olhos. Eu sei que continuo sendo seu super-herói, e é por
isso que eu ainda estou aqui. Jon... — Lulu chora, ele encara um Jon sério, que pelo jeito segurava
um choro doído, e não sorri pra ele. — Também brindo nesse natal pela tua vida, você foi sempre
meu melhor amigo e irmão, me perdoe novamente, por ter te espancado. — mais risos, meu avô
era maluco!!! — Como eu não consegui matar você, continue sendo útil em fazer minha filha tão
feliz. Eu te amo. Eu falei “eu te amo” tarde demais para um amigo, me arrependo até hoje, então,
falo agora, eu amo você e me sinto realizado em ter você em minha vida. Obrigado, por tudo,
obrigado por tua fidelidade, lealdade, amizade, pelo teu perdão, por fazer minha filha tão feliz, e
proteger essa família tão bem e por tanto tempo. Amo muito você. Já meu herdeiro, — ele encara
Davi, e o “eterno bebê do papai” não se aguenta e o abraça chorando — quero que você cresça
e continue sendo o homem de honra que criei. Doce, inteligente, carinhoso, respeitador, gentil com
qualquer pessoa em qualquer lugar. Eu já não consigo mais engravidar tua mãe, não por falta de
vontade, claro, pois então... é o último, cuide de nossa família, de nosso dinheiro com
responsabilidade, e use camisinha enquanto puder, já te disse. Não quero te dizer o que fazer, o
que estudar, isso é problema seu, escolha tua. Apenas viva sua vida intensamente e seja
extremamente feliz com quem te fizer extremamente feliz, não importa quem seja.

— Para de se despedir, pai...


Davi resmunga incomodado e meu avô sorri beijando o topo de sua cabeça.

— Eu estou velho demais, já tem alguns anos que eu estou me despedindo, seu bobalhão, pare de
chorar. Cuide bem do seu primo. — Dom sorri. — Um vai sempre precisar do outro. Quero que
vocês sejam unidos. Eu te amo, seu pai te ama, a nossa família te ama e te aceita. Se você
soubesse o quanto é parecido com teu pai... o vô te ama por demais! Muito mesmo! Você e minhas
netas, suas irmãs. Assim como meus netos, que vão além do coração, Miguel e Mariah. Sua mãe
sempre foi parte dessa família, amava e cuidava do meu filho, e por causa disso eu a amava. A
amava como amo vocês dois. Quero também, que um cuide do outro, todos vocês... — ele encara
cada neto. — Nenhum é amado mais do que o outro, aqui. Eu convivo mais com uns, vi outros
crescerem e outros não, mas Deus é testemunha, de que o meu amor é do mesmo tamanho. Vocês,
meus netos, são minhas maiores preciosidades. Rafa, já disse, você foi um presente, apareceu no
momento certo, ajudou Hella, e eu serei eternamente grato, mais ainda por ver minha irmãzinha
mais linda de todas, feliz e realizada, como sempre desejei. Também me deu os sobrinhos que mais
amo, Gabi e Gustavo. O motivo de orgulho. Centrados, estudiosos, militares maravilhosos por
escolha própria e por amor. A família linda que minha defensora número um cuida com extrema
competência. Eu te amo, Nina. Mamãe e papai estão orgulhosos da mulher que você se tornou,
tenho certeza. Marcelo, Matheo, Nat, todos... cuidem bem do meu neto. Digam a ele quando ele
puder entender, que também foi muito desejado e amado, obrigado por nos escolher, e eu já deixo
claro aqui que faço questão de ir nesse casamento, porque eu não vou perder isso por nada. —
mais risos.

Meu vô prossegue, faz sinal para o vinho ser servido, e já marcava onze e cinquenta e cinco. A
felicidade daquele momento tinha nome. União.

— Então obrigado a todos, faremos esse brinde a nossa família. Eu amo todos vocês. Eu amo o
que eu construí. Sim, descartei meu pai, eu me sinto o patrono dessa família. Digo isso porque... —
meu avô encara William. — Papai jamais apoiaria a formação dessa família incrível com um
“genro” tão marrento, e metido a certinho desse jeito. Seria uma afronta.

— Agradeço, seu Max. — Will gargalha alto, e Dom e Miguel se mijam.

— Sei que as circunstâncias não foram das melhores, mas quero dizer que sua entrada para essa
família foi muito desejada. Vi muito de mim em você, não se preocupe — vovô ri — só vi as
qualidades. Você foi encomendado, Jade me disse. Carrega um pouco da qualidade de todos,
aqui, já reparou nisso? Aposto que não. Quando eu soube que você ia chegar, devia ter uns três
anos. Eu também amo você, também desejo uma vida incrível a você, e muita força para aguentar
outra marrenta como você, minha neta guerreira. A mais parecida com o avô. Incluo Fred nisso,
digo o mesmo, apenas façam minha neta feliz, porque de proteção ela nunca precisou, e nem vai.
Só a façam feliz. E por último, mas não menos importante, as minhas duas netas mais bocudas. Eu
amo vocês duas — ele me encara — vocês são mais do que essa família precisa. Nós precisamos
das duas, serão a união e a proteção da família. Eu amo vocês! Muito! — ele encara Rubi e depois
me olha com seus olhos marejados. — Jade me contou, na noite em que ela profetizou sobre sua
vida para teu pai, que essa noite chegaria. Sei que acha que é bobagem, mas como ainda confio
cegamente em Jade, vou te dizer: está na hora de parar de meditar. Seja você. William te ama, e
vai te amar para sempre. Jamais se retraia, se esconda, ou sofra por pensar que será desprezada
por se mostrar ser como é. Você é como é, e assim como Dom, eu te aceito como você é. Valente,
respondona, possessiva, nociva para quem merece, letal e extremamente perigosa. Você se tornou
a mulher que eu idealizei, é perfeita, e me deu um bisneto como você é extremamente amado por
todos, e especial. Eu nem precisaria, mas vou dizer mesmo assim, eu te amo muito, e me desmancho
em orgulho de você.

— Eu também te amo muito, vovô! Muito! — o abraço forte, e ele corresponde. — Te amo muito!

— Um brinde então... — Jon levanta sua taça, com Lulu agarrada em seu pescoço. Os dois sorriam
para o vovô. — A você, que sempre significou tudo para mim, e tudo para essa família. Nós
amamos você, Max. Feliz natal!!!

— Um feliz natal!

Alguém diz, brindamos, e podemos ouvir os fogos da cidade. Era natal, enfim.

— Feliz natal, meu amor! — William me aperta, e fala sussurrando. — O primeiro de muitos. Eu te
amo muito.

— Feliz natal, neném! Eu te amo mais!

Eu falo, beijo sua boca sentindo sede e uma felicidade sem tamanho, e ele interrompe o beijo para
pegar o filho no colo e desejar feliz natal ao bebê todo embaladinho e protegido em sua manta
extremamente grossa.

A família toda se cumprimentam, festejam, brindam, e permanecem curtindo a noite da melhor


forma, papeando, curtindo um ao outro, se emocionando junto com o vovô super chorão e
emocionado demais, e disso por diante. Vovô reuniu toda a família e se sentia realizado, dava
para notar.

Fico encantada ao ver ao vivo como o quanto é amado e acolhido por diversos abraços e desejos
de feliz natal, e vejo William entregar Theo a sua mãe, e se aproximar de mim. Ele me beija, me
abraça e eu me sinto estranha. Um mau presságio que não pude evitar. Parecia o último abraço.
Afasto esses pensamentos, sorrio quando ele me olha e diz algo que não posso ouvir devido aos
fogos, e o que acontece a seguir me destrói. Eu não podia ouvir suas declarações apaixonadas e
só sabia do que falava porque olhava em seus olhos, mas eu pude, naquele instante, ouvir gritos
agudos e guturais. Era minha vó.

Me desvencilho de seus braços amorosos, e vejo vó Hella de joelhos, batendo no peito do vovô.
Me aproximo, e a dor que atinge minha alma me faz cair de joelhos.

— MAX!!! MAX!!! NÃO FAÇA ISSO COMIGO, ACORDA!!!! ACORDA!!! — ela olha ao redor, e
Marcelo corre. — FAÇA ALGUMA COISA, ELE... MEU DEUS!!!
Marcelo mede seu pulso, um pequeno amontoado da família que ainda não tinha notado o que
acontecia se aproxima, e meu pai e Lulu correm desesperados. Lulu para usar o telefone fixo,
provavelmente, e meu pai para entender o que acontecia.

A fogueira ardia, os gritos se intensificaram, e pequenos flashes de momentos com ele, surgem em
minha frente.

— Eu sinto muito.

Marcelo diz, minha dor aumenta, e eu sinto William me amparar.

Foi isso. O homem mais glorioso que já conheci havia morrido à meia noite e quinze do dia vinte e
cinco de dezembro. Partiu com as pessoas que mais amava, rodeado de amor como merecia, e
acima de tudo, feliz. Ele foi e levou tudo, porque todo mundo ali sabia que aquela família sem ele,
significava pouco, ou quase nada. Ele veio até Barbacena, até onde tudo começou, para partir.
Partiu em casa.

O melhor homem que já existiu na face da terra em diversos aspectos. Era honesto consigo e com
outros, leal, amigo, fiel, valente, a personificação da força e do amor incondicional, e meu maior
exemplo como homem e militar. O militar que um dia eu queria ser, mas jamais seria. Ninguém nunca
chegaria aos seus pés, meu avô era único.

Quando Davi surtou, minha vó desmaiou, e meu pai viu o mundo se abrir sob seus pés, eu juntei as
minhas forças, me levantei e saí. Jamais chegaria perto, jamais conseguiria ver meu herói daquela
forma, eu não queria ver e nem conseguia. Eu queria me lembrar do meu avô quando era forte e
exalava vida e beleza.
Seu coração parou de bater e eu senti que o meu também.

Ele se foi e tudo acabou. Foi literalmente o fim para todos.

(...)

A morte de Max Coverick parou Barbacena, Pirassununga, as bases de todo o país, as bases de
pacificação em diversos países, enfim, a FAB inteira, obviamente. Descobri que não foi só um
exemplo pra mim, foi para milhões de militares que lutaram ao seu lado, aprenderam com ele, e
ouviram sobre suas histórias. Foi por isso o recesso, o desfile pela cidade, e a homenagem nas
escolas para cadetes de Barbacena e em Pirassununga. Ambas lotadas!!!

Enquanto eu pensava em tudo, e fitava a bandeira brasileira sobre seu caixão, Jon falava sobre
seu amigo, e os slides da tela preparada passeavam em nossa frente, para todos relembrarem de
seus grandes feitos como o melhor e mais completo militar de todos os tempos. Todo mundo podia
ver o militar, o pai, o avô, o irmão, o sogro, e o bisavô incrível que ele foi. Era praticamente
impossível visualizar um futuro feliz sem ele. Vovô já estava cansado, sua partida era óbvia, mas
viver aquilo era um desespero difícil de descrever. Eu nunca tinha visto aquela família arruinada,
sim, era assim que todos estavam. Arruinados por perdê-lo.

O que sobraria de nós? Como viveríamos sem sua bondade, força, coragem e sabedoria? Meu vô
sofreu tanto em vida, servindo ao país, lidando com seus traumas, a recepção difícil que teve ao
voltar para casa, as consequências de suas escolhas... sofreu tanto... é aí que eu te pergunto, acha
que ele se arrependeu? Não. Max Coderick viveria tudo de novo. Serviria seu país com honra e
total doação, até o final, e de novo, e de novo, e de novo.

O cerimonialista precisou de horas para detalhar tudo o que o vovô fez pelo Haiti, pela Síria, por
Manaus, por São Paulos, diversas bases... tudo o que ele fez pela FAB, tudo. Em sua farda não
cabia tantas medalhas que foram adicionadas após sua partida. Algumas precisaram ser
colocadas na bandeira do Brasil, que cobria seu caixão. Vovô salvou mais vidas do que eu
poderia reproduzir aqui para contar sua história, e algumas dessas vidas esteve lá. Dezenas de
militares cadeirantes, tristes, mas com muitas histórias para contar sobre ele, amigos fora da área,
e até a tal da Clara, uma linda senhora negra e grisalha, que precisou ser amparada.

Meu avô foi o porto seguro de uma montanha de pessoas. Não fazia perguntas, ajudava. Só isso.
“Ele não parava para pensar, só ajudava.”, “Ele era o único tenente que se preocupava com o
psicológico dos seus... várias vezes viu que eu não estava bem, e me mudou de função. Era o único
que perguntava e realmente queria saber como a gente estava...”, “Max era de outro mundo...”,
foram alguns relatos de militares já idosos como ele, seus parceiros de vida e de ofício.

Eu sabia o quanto ele era admirado, todos sabiam, mas só tivemos a imensidão daquilo ali, ao vivo.
Representantes de patentes e amigos pessoais de todos os estados estiveram presentes, e
lamentaram sincera e profundamente por sua partida. Era mais do que óbvio que ele faria uma
falta imensa para a FAB. Nos últimos dias vovó que ficava atendendo os seus telefonemas e
reclamando por deixá-lo cansado, pois ele ainda era consultado por diversos temas. Era um
exemplo, perito e especialista. Max Coverick era insubstituível.

— Vem, vou te levar pra casa, você não está bem. Precisa descansar.

William diz pra mim, toca o ombro de sua mãe, e nos leva pra casa minutos depois dos tiros pro
alto e das considerações finais da cerimônia de despedida. Percebeu que eu não estava mais
aguentando estar ali. Eu pensava que nunca veria o vovô ir embora, sempre achei que ia primeiro,
preferia ir primeiro.

— Ele nos levou até lá para se despedir.

Eu digo quando me deito na cama. William retira meus sapatos com delicadeza e concorda.

— Foi sim. E acho que todo mundo sabia. Agora ele vai descansar em um lugar incrível. Melhor
que esse. Acho que eu já estive lá e sei que ele vai amar.

— Vovó não vai aguentar essa...


— Dona Hella é mais forte do que a gente imagina... tente descansar, vida. Não se preocupe mais
com nada. Ela está em boas mãos, vamos cuidar dela também.

— Me dá alguma coisa pra dormir. Não vou conseguir dormir.

Eu peço olhando pro teto, sentindo meus olhos queimarem.

— Perdão, neném, mas você precisa ficar consciente pra dar mama pro Theo, e também tem o leite,
não pode tomar qualquer remédio. — ele lamenta e eu concordo. Theo precisava de mim. — Mas
vou pedir pra sua sogra fazer um chá pra ti, milagroso! Eu sempre tomei, dá um soninho bem
gostoso. Vai poder descansar um pouco, tenho certeza.

Ele diz, se retira, e eu tento respirar fundo, mas não consigo. Tudo doía. A tristeza doía demais.

Quando sinto a onda gigante de puro sono chegar ao seu auge, fecho os olhos, me entrego, e me
deito de lado. Até Theo chorar eu sabia que tinha um tempo, e se William me pegasse dormindo,
ele jamais me acordaria pra tomar chá. Eu precisava descansar. Eu, como toda a família, estava
virada desde a noite de Natal.

Sinto meu corpo mais leve, o frio de São Paulo diminuir por causa do edredom que William jogou
em cima de mim, e lamento o telefonema naquela altura. Meu celular toca, e eu suspiro.

Como era Rubi, atendo.

Vó Hella passou mal, soube no telefonema que fora infarto devido ao nervoso na volta de
Pirassununga.
A levaram para o hospital direto, e eu não sabia, pois saímos na frente.

Minha velhinha. Estava com aparelhos, aparentemente fragilizada demais, e claro, cansada. Seu
semblante no leito do hospital das clinicas era de tristeza.

— Já fizemos o que podíamos, agora é com ela. Nos baseando na sua idade, é um pouco
complicado, mas tenhamos fé.

O doutor diz, e sai. Estávamos eu, Will, Jon, Rubi, Davi, meu pai, minha mãe, tia Lulu, Nina e Rafa.
O restante aguardava pra não lotar a sala ainda mais.

— Você não pode desistir, mãe. Fica comigo, por favor!!!

Davi chorava debruçado ao leito, e eu sentia que minha cabeça ia explodir. Era muito triste vê-la
ali. Muito. E também muito triste ver o quanto Davi estava mal. Ele estava muito mal.

Minutos depois o doutor nos comunicou que precisávamos sair para os outros poderem ver vó
Hella, Davi claro, recusou, ficou, então todos os outros entraram assim que saímos da sala. A família
vestia negro e um — tentava — dava força pro outro. Parecia que aquele pesadelo jamais
passaria.

— Eu vou... — Rubi resmunga assim que a visita acaba. — ...vou orar e pedir força a minha deusa.
Preciso fazer algo. Vou pedir alguns minutos a mais ao doutor. Ajudá-la de alguma forma.

Ela fala me encarando, só balanço a cabeça, e por confiar tanto nela, a família somente aguarda.
Rubi sempre fazia milagres com a nossa tristeza. Era óbvio que depois de sua intervenção, vovó
ficaria bem. Mas... também não foi assim que aconteceu.

Vovó desistiu de viver sem meu avô assim que Rubi saiu da sala.
Dias depois ela me contou que desligou os aparelhos e deu a ela, tudo o que queria, a eternidade
com o amor de sua vida. Minha vó tinha procurado por Rubi e a feito prometer fazer aquilo, e
minha irmã, mais uma vez, teve que fazer algo que não queria para acabar com o sofrimento de
outrem.

Ela desligou os aparelhos da vovó, e eu sabia que jamais se perdoaria por ter feito aquilo, mas
cumpriu o que prometeu a vovó. Fez de cabeça erguida e morreu por dentro.
Eu sabia que vovó jamais viveria sem o vovô e acho que no fim, todo mundo sabia.
Rubi saiu de lá de cabeça baixa, passou por todos sem esperar para ouvir perguntas, e então,
sumiu. Por onde andou ninguém sabia. Até o dia seguinte, hora de se despedir de mais uma parte
essencial, mais uma base sólida que ajudava a manter aquela família de pé. A mulher mais sábia e
toda coração que já conheci, a mulher metade que só era completa ao lado do marido.

— Você não vai mesmo?

Ela questiona enquanto fitava a janela. Era uma tarde ensolarada, mas o sol não chegava em nós,
nem nos aquecia.

— Não. Não vou aguentar.

— Você é a mais forte aqui. Tem que se despedir dela.

— Não posso. Não posso...

Me sento após alguns momentos velando o sono tranquilo de Theo.

— Tem que contar para ele.

Ela fala, eu confirmo só com a cabeça, mas não concordo. Eu tinha, mas não ia.

— Não tô com cabeça para falar disso.

Eu resmungo e escuto somente em minha cabeça os barulhos dos tiros para o alto. Será que vovô
estava em paz? Apostava que sim. Ainda mais agora, reencontrando minha vó.

— Se não contar, eu vou contar. Se não for por você será pior. Agora eu posso ver seu futuro. Ele
não vai esquecer do sumiço dela só porque você tem ciúmes dela. Te darei alguns dias, só estou
pensando na tua felicidade. Conta ou eu conto.

Ela fala, encaro a câmera da babá eletrônica e vejo William sentado no sofá escutando tudo.

— Você já contou.

Eu resmungo, ela se aproxima sem entender, e vê junto comigo quando William abaixa a cabeça e
lamenta, já imaginando o que seria.

— Ótimo. — ela diz e realmente parece mega aliviada. — Agora ele tem a oportunidade de te
perdoar.

Ela fala como dona do mundo e da minha vida, vai embora, e eu fico ali, só o encarando enquanto
ele parecia chorar.

— O que você fez?

William questiona baixo assim que eu entro na sala.

— Cortei a sua garganta.

Eu falo e ele levanta sua cabeça em minha direção. William não estava acreditando.

— Tá falando sério?

— Como nunca antes.

— Por que???

— Porque eu quis.

Eu digo e ele se levanta. Me olha no fundo de meus olhos e eu retribuo.

— Por que???

— Eu já disse...

— Não. Não. Tem que ter um motivo, um motivo enorme... não pode ter matado minha ex à custa
de nada.
William cospe as palavras em mim com desprezo e nojo.

— Ela nasceu. — eu falo e ele aparenta estar horrorizado. — Foi por isso que eu a matei. Porque
ela nasceu.

— Você é doente. — ele diz enquanto andava pra lá e pra cá, extremamente nervoso. — Você é
doente, precisa de tratamento. Onde está o corpo? — ele para, pega as chaves do carro e
parece apressado, como se pudesse salvá-la. — Onde ela está?

Sua preocupação é tão sentida, e tão grande que eu travo e não entendo nada. Aquele
desespero dele por encontrá-la parecia errado demais.

— ONDE ELA ESTÁ, PORRA???

William grita, dona Maggie, que cozinhava, achava eu, corre pra entender o que está
acontecendo, e William só me encara esperando a resposta.

— Por que estão brigando??? Acho que não é o momento...

— É!!! — ele encara a mãe. — É O MOMENTO. ESSA ASSASSINA MATOU MAIS UM DA FAMÍLIA!
MAIS UM. ELA NUNCA CANSA, ESSA FAMÍLIA NUNCA CANSA. VAI ACABAR POR DIZIMAR A
NOSSA FAMÍLIA. BARBARA NÃO ESTÁ DESAPARECIDA, ESTÁ MORTA TAMBÉM, COMO O TIO E O
PRIMO. — ele esclarece e volta a me encarar. — Fala de uma vez!

Ele pede em tom de ameaça, concordo com a cabeça, e sigo até a estante para anotar.

— Ao menos a enterrou com dignidade???

— É claro. Eu sempre tive dignidade, era ela que não tinha.

— Barbara não prestava. Mas se isso é questão a se pesar, tu também devia estar no mesmo
buraco que ela. Conversaremos quando eu chegar.

— Tu também devia estar no mesmo buraco que ela...

Eu resmungo, ele para ainda de costas, mas depois segue seu caminho sem tentar consertar o que
disse.

— Não leve em consideração, ele está nervoso, Cat. — dona Maggie tenta, mas não consegue. —
Por favor, não fique nervosa. Senta aqui. Você pode empedrar o leite do menino, assim.

— Nervosismo não empedra leite.

— Empedra sim! — ela insiste e eu a encaro. Eu continuava fitando a porta que William bateu. —
Faz mal. Senta, eu vou fazer algo para você comer. Ouviu o que seu avô disse. Precisa ser você
mesma, William te amará para sempre, tudo vai acabar bem. Senta...

— Por que está me ajudando? Matei mais um membro da tua família. Por que está sendo gentil?
Seu ódio por Barbara era tão grande assim?

— Eu só me arrependo muito pela forma que tratei, e acredite ou não, gosto de você. Quero ver
meu filho contigo! Confiei cegamente em Barbara e te fiz muito mal. A gente aprende, e eu estarei
do teu lado, cuidarei do meu neto, até o meu fim. Francisco está preso, Tiago de cabeça virada, e
agora Will, eu só tenho você. Sem cuidar de você e do Theo, vou acabar enlouquecendo, você está
me ajudando muito. Agora fica tranquila, eu garanto a você, tudo vai acabar bem.

Ela fala, obviamente não acredito que tudo ia acabar bem como ela prometia, me alimento bem
por pura fome e nervosismo, e fico na sala a sua espera, até uma da madrugada.

O cheiro de luto era palpável, e eu pressentia a morte também, do meu casamento, chegando.

— Ainda de pé.

— Esperando você.

— Pois não devia. Demorei para não olhar para a tua cara.

— Mas vai ter que olhar.

— Já percebi.

— O que você fez?

— O esperado. Fui até lá, chamei o legista da federal, liguei para o Tiago, para minha família no
Rio e inventei uma bela mentira, fiz o que você me obrigou a fazer. Agora ela não será enterrada
como uma indigente.

— Você a ama. — eu digo e ele me olha de um jeito que me dói na alma.

— É sério. Você precisa de tratamento urgentemente, eu vou conversar com seus pais. — ele nega
enquanto fala. Cheirava a bebida. — A matou com medo de me perder pra ela. A mulher já
estava seguindo com sua própria vida, eu pensei que você entendia e acreditava no que eu
sentia... você é maluca. Você é problemática. E nem foi por dinheiro, foi por ciúmes, matou por
ciúmes, eu estou sinceramente com medo de você. Sabe quando eu vou esquecer que um dia
Barbara existiu? Nunca. Mesmo morta. Nunca vou me esquecer, crescemos juntos, fomos criados
juntos, desde a barriga. Nada me faria esquecer sua existência, muito menos seu ciúme. Todo
mundo tem problema, todo mundo tem defeito, Barbara nos infernizou, mas antes disso, cuidou de
mim e do Tiago, me deu uma vida, foi perfeita... enquanto eu podia retribuir seus sentimentos, foi a
melhor pessoa do mundo pra mim. Jamais vou esquecê-la. Já você, além de toda a desgraça que
nossa pequena vida foi, você acabou com tudo. Destruiu nossa vida juntos... eu só fico pensando no
que dizer para o Theo quando ele crescer. Você acabou com a gente! O que eu vou falar de
você?

— Vai falar que eu fui capaz de tudo para proteger a minha família.

— É isso o que VOCÊ vai dizer, né? Porque eu jamais mentiria pro meu filho. Acho melhor não dizer
nada. Não dizer quem a mãe dele realmente é.

— Eu vou ignorar tudo o que está me dizendo por causa daquela maldita. Me recuso a acreditar
que o que eu mais temi, vai acontecer. Você está acabando comigo por causa dela.

— DELA, NÃO. — ele grita e depois volta a falar baixo. Estava uma pilha de nervos. — Dela,
não. Tô acabando por causa da sua mentira, do seu apego por matar pessoas como se fosse um
hobby inocente, por ter traído minha confiança, por ter matado minha ex! Por tua culpa!!! Barbara
era insignificante, o problema não era ela, o problema, se você parar bem pra pensar, sempre foi
você. Nunca foi ela. Foi teu ciúme doentio, tuas loucuras, teus problemas psicológicos, e o fato de
meter os problemas dos nossos pais na nossa vida. Esse foi teu problema.

Porque se você tivesse chegado em mim e se apresentado como uma Coverick, eu ia te admirar
eternamente. Com certeza, mais do que nunca, ia fazer questão de pegar você. Não só pra
provocar seu pai, que eu o odiava. Mas porque eu sei que me apaixonaria em quaisquer
circunstâncias, e ia amar sua franqueza. Você foi uma covarde, no início e agora. Você mentiu pra
mim, me fez promessas, e acabou de destruir tudo o que desejei, a nossa família!!!

— Eu nunca vou perdoar você por me dizer essas coisas. Eu nunca mais vou te perdoar, não
importa o que faça, nem mesmo pensando em meu filho.

Eu digo enquanto choro, e ele trava, só por um momento.

— Não é você quem tem que me perdoar. Sou eu. — ele me mede e trava de novo. — E EU não
vou te perdoar.

— Ótimo. — eu digo e ele ri negando.

— Ótimo pra você. Não é!? Pra mim não está nada ótimo. Mas se engana se pensa que vou ficar
amuado e de cama de novo, por você. Mais uma vez. Eu nunca mais sofrerei por você, Catarina,
nunca mais lutarei por você. Você destruiu tudo o que eu acreditava, tudo o que eu era e desejava
pra minha vida. Você acabou com a gente. Mas quer saber? Foi melhor assim. Nunca mais quero
ser seu cúmplice, nunca mais quero participar dessa sua vida de desgraça, e saiba mais: eu só não
vou foder com tua vida por causa do meu filho. Só por isso. Eu o amo mais do que amo qualquer
pessoa no mundo. — ele começa e eu me aproximo dele. Já sabia onde ele chegaria. — Vai ficar
mais uma vez, livre depois de cometer uma atrocidade gratuita. Por ele. Só que ficarei de olho em
você. Eu darei minha vida pra manter meu filho em segurança, e vai por mim, ter uma mãe
assassina eu não acredito que seja seguro. Se eu descobrir um passo fora da linha, e ele já estiver
mamando leite comum, te jogo naquela penitenciária que te prometi, e dessa vez, não me
arrependerei. Cuidarei do meu filho sozinho, e o manterei bem longe de você.

— Repete.

Eu me aproximo, quase imploro, e ele leva um tempo grande pra pensar naquilo. Me ameaçar
usando meu filho contra mim era pior do que Barbara havia feito.

— Repete. Ameace tirar meu filho de mim, de novo. Faça isso e serão suas últimas palavras.

— Ah! Era só o que faltava. — ele ri descrente. — Vai me matar também. Tava aqui pensando...
— ele ri irônico — Não parou pra pensar que o Theo vai querer saber o porquê que toda sua
família paterna está morta, querida? Me mata. Se parar bem pra pensar, sabe que estou certo.
Amanhã estarão todos aqui. Vai conhecer a mãe dela, vou os recepcionar, quero que veja seu
desespero. Quero que veja como Tiago está, quero que veja de perto mais uma família destruída
por tua causa.

— Passarei o dia de luto e cuidando do meu filho. Só cuide para que eles não chorem muito alto,
ou eu explodo essa casa com todo mundo dentro.

— Você é maligna.

Ele resmunga quando eu ofereço minhas costas.

— Só pra quem merece. Nunca mais chegue perto de mim.

— Não chegarei. — ele diz com a voz embargada. — Eu quero o divórcio.

Ele diz e suas palavras me atingem como lâminas cegas, acabando com minha carne. A dor era
indescritível.

— Eu te darei com prazer. Já considere-se solteiro.

Eu digo do jeito que estava e continuo andando após velar, mais uma das coisas mais importantes
pra mim. Meu casamento com William, o único homem que amei na vida.
EPÍLOGO
— Tem certeza que vai fazer isso?

— Essa pergunta não devia ser feita pra mim, pai. Foi ele quem pediu e deu entrada no divórcio.
Só o que eu vou fazer é ir assinar.

— Eu sei, princesa. Mas... — meu pai me olha da forma como todos passaram a me olhar nos
últimos dias, e eu nego irritada.

— Para. Não vem com essa de “vocês se amam...”, por favor. Não deixe tudo mais difícil. Ele quer
a separação, jamais vou me humilhar, nunca precisei disso. Se me amasse mesmo, ia hesitar, ia
enrolar, sei lá, dar desculpas... William falou de forma clara o que queria, foi, e abriu o processo.
Se quer saber, nem se deu ao trabalho de procurar um advogado, é seu próprio advogado, ele
quer se ver livre desse compromisso e vai estar. Estou cansada. No fundo, acho que quero também.

— Ele ama você, deve de novo estar sofrendo feito um condenado.

— Ele me chamou de doente mental, problemática, maligna, louca, covarde... quer mais!? Me
comparou a Barbara, dizendo que ela deu a ele, enquanto podia, uma vida linda e perfeita, e eu
apenas desgraça. Foi isso, dei a ele uma vida problemática, acabei com tua família, sou uma
assassina desgraçada. Sou tão doente que matei por ciúme, mas que não adiantava, jamais
esqueceria Barbara, pois cresceu com ela. E nós sabemos que uma grande parte de seu discurso é
verdade, não é, pai!? Disse que um passo em falso e assim que Theo saísse do peito, ele me
pegava. Vai me prender, e dessa vez não vai se arrepender, vai lutar pra manter Theo longe de
mim. Pois bem, eu quero mais é que ele sofra como um condenado. Ele lá e eu aqui, ou então
acabo com ele como ele acabou comigo. Acabo com ele como acabei com a vida daquela vadia
porca, e vai por mim, não quero decepcionar meu filho, então é realmente melhor cada um no seu
canto. Nunca vou perdoá-lo, pai. Nunca. — eu desabafo enquanto me arrumava. — Então... por
favor — eu tento, mas não aguento segurar o choro —nunca mais fale dele pra mim. Virou assunto
proibido, não toque mais no nome dele porque dói. Dói demais. Só de ouvir parece que estão
rasgando meu peito de dentro pra fora. Dói demais, e é no sentido literal. Uma dor aguda!!!

Eu tento terminar de falar com a voz no mesmo tom, mas falho miseravelmente. Ele me olha com
pena, se pergunta se me abraça ou não, e eu pego minha bolsa pra sair de lá. Eu estava
destruída, e naquele momento, minha maquiagem mostrava isso.

Dona Maggie, que já me esperava com Theo nos braços, me encara na sala, não diz nada e só me
entrega o bebê.

Estaciono na frente do fórum, respiro fundo, e me olho pelo retrovisor. Eu queria estar linda. Queria
parecer confiante, decidida, mas eu estava um caco. Eu estava morta.

— Eu amo seu filho. Eu amo esse homem, como vai ser isso?

Pergunto em voz alta, e a dor volta com tudo. Eu não estava conseguindo assimilar uma coisa na
outra. William e eu íamos nos separar, e por mais que eu não quisesse, não tinha como não me
sentir culpada. Aquela maldita acabou com a minha vida, até depois de morta.

Bom, funcionou. Me lembrar do quanto ela era miserável ajudou. William tomou uma decisão
errada, era ele quem tinha que sofrer, não eu.

— Ele também te ama muito. Tenha fé.

Ela diz entristecida tirando Theo da cadeirinha, ajeito a merda da maquiagem borrada, saio do
carro e me encontro com Fernando na porta do fórum, meu advogado.

— Chegou bem na hora! Bom dia!

— Bom dia! — eu respondo desanimada e ele também não faz pergunta nenhuma.

Já era nosso quarto encontro, tudo porque William e eu tínhamos Theo. Não dava pra se separar
de forma prática. Com filhos menores de idade no meio, o assunto era mais embaixo. Fernando me
explicou tudo. Apesar de “ambos concordarem com a separação”, o assunto a tratar seria a
guarda de Theo, os bens, e por aí vai...

Apresento dona Maggie a ele, respiro fundo, e entro no fórum ao seu lado.

— Já sabe... como é consensual, prevejo que a audiência será breve. Já passamos pela parte mais
difícil, a burocracia. O juiz vai se apresentar, perguntar o motivo da separação para os dois, e
nessa parte, segure a onda, ele vai perguntar se não tem a possibilidade de um entendimento
entre os dois, prezará pelo sagrado matrimônio, principalmente por vocês terem um bebê recém-
nascido. Se é o que quer, não vacile na frente dele. Esse juiz é pirado, já o conheço, ele vai adiar
se você ou ele hesitarem. Muitos fazem isso.

— Ele não vai, mas eu... — eu encaro o advogado charmoso demais a minha frente. — eu tentei,
mas não consigo. Isso me parece muito errado.
— É só pensar. Ele deu entrada, ele quer o divórcio. Vamos falar a real, para que lutar por um
homem que não quer mais você??? Se você voltar atrás e ele não, será litigioso, e você vai sofrer.
De qualquer forma, tô do teu lado. Se não quiser assinar, eu revogo, essa parte é fácil.

— Não. Eu só estou confusa, chateada, vamos em frente.

Eu resmungo, me sento na cadeira do corredor, pego Theo no colo, e o vejo chegar, com sua pose
superior, ao lado de um Tiago triste e que não sabia do motivo do divórcio, acreditava eu, porque
até então, ele não tentou me enforcar.

— Oi. — ele para quando passa por mim, cumprimenta sua mãe, beija o Theo, e senta ao meu
lado, graças a delicadeza de sua mãe em pular um banco quando o filho se aproxima.

— Oi.

— Ele não quer me contar. Me fala o porquê vocês estão fazendo tudo isso. Vocês se amam tanto.

— Acabou o amor, essa é a verdade, Tiago. — eu respiro fundo falando baixo. — E esse não é o
momento pra conversar, vá ficar com ele. — eu peço e ele me parece mais triste do que já estava
nos últimos dias. — Não estou bem pra conversar.

— Tudo bem. Me desculpe. Ele quer ver o menino, eu posso levar pra ele? — ele pergunta,
concordo, ele levanta, beija o topo de minha cabeça, pega o Theo no colo e sai.

William havia se sentado nos últimos bancos da enorme fileira, e encarava a parede a frente,
parecendo perdido. Meu coração parecia que ia explodir de tanta dor. Era muita dor, eu não
aguentava mais. Seu desprezo era definitivamente, o fim pra mim, mais do que qualquer outra
coisa.
Quando Tiago se aproxima com o pacotinho, ele estende os braços, abraça Theo com extremo
cuidado, e afunda o rosto em sua manta pra ninguém ver que chorava. Só dava para notar
porque seus ombros balançavam com os espasmos.

— Pensou no que dizer referente aos motivos?

— Falta de amor? Não tem como ser outra coisa, essa é a verdade. — eu respondo Fernando e
volto a encarar William, em nenhum momento ele vacila e me encara de volta. Sim, parecia mesmo
que o amor havia acabado. — Isso acontece nas melhores famílias.

Murmuro e sorrio de nervoso, até que a bruxa infernal entra desfilando e batendo o salto
charmoso, no assoalho frio.

— úlálá! — ela mede Fernando e eu fecho os meus olhos. — Bom dia! Prazer! Rubi!

Fernando parece confuso, mas obviamente se levanta babando por ela.


— Fernando Soares. Advogado.

— A irmã. — Rubi sorri e ele se derrete. — Impedi a família toda de fazer um mutirão de apoio
para você. E aí, dona Margareth, como vai??? — ela ri para minha ex-sogra e volta a olhar para
mim. — Já estavam se arrumando para vir.

— Por que você deixaria, não é!? Vai ver é porque preciso deles aqui. Você e essa sua boca
grande, essa mania de se intrometer na minha vida.

— Fiz o que tinha que fazer, e você não precisa de ninguém, só de mim, e eu estou aqui. — ela
sorri olhando pra frente de cabeça erguida.

— Como vai ser isso?

— Difícil. Mas você supera. — ela fala encarando a parede. — Já passou por coisas piores.

— Vou sair daqui solteira?

— Vai. — ela me olha sorrindo. — E vai sofrer, muito. Muito mesmo. Mas vai se fortalecer ainda
mais e eu farei ele pagar pelo o que está fazendo com o triplo da dor que você está sentindo
agora. Essa dor absurda que eu também estou sentindo, e você sabe, eu odeio sentir dor. Pelo
menos, esse tipo de dor...

Ela diz me olhando nos olhos, eu vejo ódio em seu olhar por uma vista turva: a minha, e depois
pisca para Fernando.

— Por favor... doutor...

Uma senhora grisalha sai de uma sala próxima, sinaliza ao Fernando, nos manda entrar na frente,
e eu vejo de relance ele fazendo o favor de fazer “psiu” para um William submerso em
pensamentos, que eu podia jurar que só continham cenas da vida desgraçada que eu proporcionei
a ele.

Dona Maggie, Tiago e Rubi ficam do lado de fora com Theo, e nós três entramos.

— Juiz Antônio de Melo... — nos posicionamos na mesa branca, e seu olhar pela primeira vez foi
direcionado a mim. Ele parecia tão bem, tão centrado, mas ainda assim, com muita raiva de mim,
muito rancor. Ficamos ali, nos encarando, até onde podíamos, com nossos olhares calados demais,
até que Fernando bate levemente em meu ombro. — ... eu disse Bom dia!

O Juiz repete quando eu resmungo “desculpe...!?!?!?”

— Bom dia, senhor juiz.


— Doutor William Castro Coverick. Bom dia!

— Bom dia, meritíssimo! — William responde com respeito e uma seriedade que eu já conhecia,
mas tive a impressão que os dois se conheciam.

— Tenho em mãos o processo de separação consensual... — vejo o juiz folhear os papéis, como se
quisesse ter certeza. — É correto?

Ele encara Fernando e Fernando confirma. Quando confirma, o juiz me encara bem e eu mantenho
o contato visual como Fernando me recomendou.

— Bom... daremos início, então. William, pode relatar brevemente o por quê do pedido da
dissolução do vínculo?

O juiz questiona William e ele pigarreia antes de falar. Ele me olha profundamente sem querer
agir daquela forma, e passa a encarar o juiz.

— Bom... — ele respira fundo e fica tenso. — Estávamos em uma relação já bem desgastada...

— Com tão pouco tempo de casamento???

— Sim, meritíssimo. Por isso mesmo. Algumas mentiras, algumas atitudes que não estão de acordo,
ao meu ver, com uma mulher casada...

— Algo que comprove que a mesma não esteja capacitada de cuidar... — o juiz recomeça e volta
a mexer nos papéis. — ... do menor... Theo Coverick Castro... é um recém-nascido!?!?!?

O juiz o encara descrente. Parecia um absurdo e era mesmo.

— Sim, meritíssimo.

— Prossiga. Algo que a impeça de cuidar do menor?

Ele questiona de novo e William me encara.

— Não, meritíssimo. O problema não se estende ao nosso filho.

— Bom, mas você abriu o processo, tendo acabado de se tornar pai. Tem consciência de que pela
idade do menor, não conseguirá as visitas livres da presença da mãe? Tendo em vista que ela
ainda o amamenta?

— Tenho, sim, meritíssimo.

— E para você, diante de toda essa situação, continuar com o matrimônio, não seria viável? Pensar
melhor...!? Entrar em um acordo???

Ele pergunta, e eu o encaro. Ele primeiro nega com a cabeça me olhando entristecido, mas seus
olhos dizem outras coisas, um monte delas.

— Não, meritíssimo. Para mim é totalmente inviável.

— No caso da senhora Catarina Coverick Castro...!?

— Também é inviável.

Respondo de uma vez e William se assusta com minha firmeza.

— Como ficou acordado com o advogado... doutor William cuidará apenas da pensão do menor,
que se refere a um terço de seu salário... Senhora Catarina abriu mão de seu benefício... os bens
pessoais permanecem de acordo com o antinupcial... como também foi acordado apesar do
contrato especificar a comunhão... — ele vai esclarecendo enquanto lê. — e as visitas ao menor...
fica a critério do que a mãe achar propício, devido aos horários dos hábitos do mesmo!?

— Sim, senhor juiz.

Eu confirmo, mas ele continua me encarando.

— Especifique o que você determinou...

Fernando sussurra. Eu nem pensei naquilo.

— Creio que por ser ainda muito pequeno, duas vezes na semana por uma hora é o suficiente.
Podemos aumentar as visitas e sua permanência gradativamente enquanto ele cresce.

— De acordo? — o juiz pergunta a William, e ele nega sem pensar.

— Não, meritíssimo. Quero ver meu filho todos os dias. Uma hora de permanência, por enquanto,
posso concordar, mas quero ter o direito de vê-lo todos os dias.

— Concorda com as condições? — o juiz rebate me olhando de uma forma curiosa. — Vocês
deveriam ter entrado em um acordo antes da audiência, se não concordar, lhes darei mais trinta
dias para resolver a questão, ainda casados.

Ele fala, encaro William, e consigo ver o seu sofrimento na forma mais crua. Seu ponto fraco é
Theo. Eu não podia afastar aquele menino dele, ou ele podia pirar. Ele amava nosso filho e era um
pai mais do que maravilhoso, Theo o reconhecia, e podia sentir sua falta. Eu não queria aquilo.
Porém, concordar com seus termos significava um fim para aquele “assunto” e eu ia sair daquele
fórum solteira.
— Sendo assim... — Eu falo — assim que o juiz ameaça nos dar os trinta dias — sentindo a bola
subir em minha garganta e fico cega por causa das lágrimas espessas demais. — ...Estou de
acordo. Concordo com isso.

Eu digo, pisco para poder voltar a enxergar e o juiz parece pensar.


Depois de algum tempo ele começa a falar, falar, colocar “na mesa” o salário do William, deixa
claro o quanto exatamente seria a pensão do Theo, dígito por dígito, o dia, mais algumas dezenas
de informações formais demais, e só. Enquanto o juiz fazia e falava o que precisava, William me
encarava, como se quisesse guardar meu rosto na memória, e aquela seria a última vez que a
gente ia se ver, ou pelo menos “se ver como marido e esposa”. Mas, em contrapartida, William
parecia estar com o olhar congelado em mim, contra sua própria vontade. Não queria olhar pra
mim, nem lamentar, muito menos parecer triste com tudo aquilo, mas não sou idiota. Eu sabia que ele
estava tão fodido quanto eu. Até mais... e além de tudo eu lamentava demais não ter sua força de
vontade e auto-controle. Ali eu chorava e ele via.

— ...então, agora é somente assinar, manter o acordo judicial em risca e...

O juiz fala de repente, a que eu achava ser uma promotora, ou sei lá, nos entrega cópias dos
documentos, e Fernando me oferece uma caneta.

Olho para o papel que representava o nosso fim, e Fernando toca meu ombro em compreensão,
apoio, e pra me lembrar que eu não podia vacilar.
Levanto meu olhar para o cachorro e ele me fitava com calma, receio, insegurança e medo.

Ele não queria me ver fazendo aquilo, mas não podia evitar.

Respiro fundo, assino, morro mais um pouco por dentro, e o encaro. Seus olhos brilham, me dizem
coisas que me nego a ouvir, e ele passa a fitar o papel.

Não assine. Não assine.

Eu o encaro, torço, ele me olha sentido, assina e sofre. Acabou.

— E aí???

Dona Maggie questiona do lado de fora e Rubi me encara ansiosa. Parecia ter esperança, queria
estar errada.

— Acabou. — consigo sorrir chorando ao sussurrar. — Ele assinou, acabou. Nos divorciamos!!!

Eu falo, pego Theo no colo e saio na frente. Eu queria fugir dali o mais depressa possível, eu
queria fugir daquele sofrimento todo. Eu amava tanto aquele homem. Nunca nem sequer pensei
que um dia ficaria novamente sem ele... ok, eu temia que ele descobrisse sobre Barbara, mas eu
nunca ia contar. Pelo bem do nosso relacionamento eu não ia contar. Mas... eu tinha uma
irmã/bruxa/cigana maluca na minha vida que parecia fazer as coisas se baseando no: menos pior.
Rubi sabia que William tinha que descobrir, e sabia das consequências, mas vivenciar aquilo, era
terrível.

E foi por estar tão frustrada que eu a vi o seguindo assim que a gente pisou na calçada do fórum.
Assim que ela segurou seu pulso, o tempo literalmente fechou. Ia chover, mas antes da aguaceira
cair, um vento forte nos pegou desprevenidos e eu me arrepiei toda.

— Leva ele pro carro.

Entrego Theo a dona Maggie e presencio a cena mais bizarra do dia.

— Você é um babaca, sabia!!!! — ela praticamente grita e ele encara a mão da feiticeira em seu
pulso.

— Sabia. Sabia, sim. Mas tire as mãos de mim, por favor. — William demonstra uma calmaria
falsa e eu toco o ombro dela.

— Vem. Vamos para casa.

— Vou porra nenhuma! Esse palhaço vai me ouvir!!!

Ela fala e ele dá um sorrisinho irritante.

— Parece que eu me separei de você e não da sua irmã, e isso é estranho demais, então, segure a
onda!

— Por que você assinou os malditos papéis? Aquela vadia merecia morrer!!!

— Vocês não são deuses pra julgar, e no Brasil não há pena de morte. Eu ainda quero foder com
a vida de alguém pra colocar a situação em equilíbrio, então colabora! Estou à paisana, mas se
não me soltar, vou forçar sua mão, provavelmente te machucar, e te dar voz de prisão por
agressão, invasão, assédio, desacato e etc...

— Você vai sofrer. — Rubi fala baixo, solta seu pulso, e ele massageia o local me encarando. —
Vai sofrer por anos à fio, e você merece passar por isso. Eu condeno você a sentir o dobro da dor
que eu tô sentindo.

— Mais sofrimento, menos sofrimento... — ele dá de ombros.

— Barbara negou socorro a Theo.

— Rubi...
— A Cat ligou para o último telefone que você discou. Não conseguia pensar, achou que Tiago
conseguiria te ligar, te chamar, ou algo parecido, mas foi Barbara quem atendeu.

Ela continua falando, eu perco o fôlego, e William entra em choque.

— ...Já pensou se ele estivesse com o cordão amarrado no pescoço? — ela se aproxima dele, e eu
vejo os olhos do delegado ficarem marejados de surpresa e medo do que ela falaria em seguida
— Cat puxou o menino para fora, entende a lógica da coisa...!? Sei que você sabe o que poderia
ter acontecido se ela tivesse o puxado e o encontrado nessas condições. Se ele não tivesse na
posição certa, se Cat não conseguisse fazer força o suficiente se baseando na dor horripilante que
sentia...!? Só quem ofereceu a mão ao teu filho foi ela mesma e mais ninguém, tirando claor, o
destino, e a sorte. Porque, bom, no caso da Santa Barbara, que você ainda defende com unhas e
dentes, e te deixou de luto, assim como você, também deixou Theo e Cat à própria sorte, contando
com as forças do universo. — Ela resmunga exalando ódio, ele me pergunta se aquilo era
verdade, mas o ignoro. — Ela atendeu o telefone, desdenhou, riu enquanto Cat gritava, e
prometeu ligar em casa para te dizer que ela precisava de ajuda, pois Theo estava nascendo, e
quando Cat a procurou para conversar, ela fez questão de demonstrar seu lamento por teu plano
não ter dado certo. Disse que eles deveriam era ter morrido mesmo, que depois disso ela te tiraria
do luto, que se Theo sobrevivesse, ela o cuidaria como filho. E depois a “infernal” sou eu??? Eu
nunca viraria as costas para uma criança, um recém-nascido!!!! Acha que ela te amava??? Que
sofria por você porque apenas te amava??? Uma mulher que te ama tanto tentaria contra a vida
do teu filho??? A vadia fez o que fez, assumiu, e ainda riu na cara da minha irmã. Catarina foi
uma tapada em abrir um buraco na garganta dela. Se fosse comigo, eu preparava mamadeiras
com meu próprio leite, me enfiava naquela casa dela por um mês, e durante um mês aquela
desgraçada ia sofrer de todas as formas possíveis!!! Das mais cruéis que você possa imaginar.
Mas... Catarina foi piedosa demais, matou rapidamente, ela sequer sofreu. Ela não matou com ódio,
a matou com pena, porque é isso o que ela despertava nela, pena.

— Isso é verdade???

Ele me pergunta de novo e Rubi me encara, exigindo quase gritando mentalmente que eu abrisse a
boca.

— É. Foi por isso que eu perguntei pra você se você não recebeu nenhuma ligação e peguei o
celular da tua mão pra olhar. Ela disse que ia te avisar, eu esperei, mas você nunca chegava,
então, ficou claro pra mim. Barbara nos negou socorro.

— E POR QUE NÃO ME CONTOU???

— Que diferença ia fazer??? Você é louco pela maldita. Não é a rainha do lar, que te deu uma
vida de verdade, enquanto eu fui tua desgraça??? Que diferença ia fazer, é claro que ia dizer
que não justifica. A segurança do meu filho não significa nada pra você, e nem negue. Se
significasse você não nos abandonaria só porque me vinguei da maldade que ela fez comigo e
com meu filho. Mais uma maldade, a última!!!
Eu falo e ele nega andando pra lá e pra cá.

— Acabou o papo! — Rubi me puxa pelo ombro. — Agora sobreviva com isso, sofra com isso,
porque você merece.

Rubi rosna pra ele e me puxa pra sair de lá, sem dar tempo de defesa para o cachorro
arrependido, que sofria pra diabo.

(...)

Alguns anos depois...

— Eu não sei o que te dizer, eu tô muito feliz por você, juro, mas não te vejo fazendo outra coisa
que não seja matar. — ele ri. — Claro que seu trabalho com a galera da galeria e as crianças da
instituição meio que dizem o contrário... mas... — Fred estava pasmo com minha revelação. —
Policial!???

— É o que eu sempre quis fazer, desde que me entendo por gente, e também é pelo Theo, né!? Ele
já está enorme, é a cópia fiel do pai, daqui a pouco começa a perguntar sobre minha vida, e eu
me odiaria por mentir para ele. Preciso parar, Fred. Quero ser um bom exemplo como William é.
Quero que ele se orgulhe de mim como ele tem orgulho pelo pai.

— Theo te ama, e tem orgulho de você!!! Eu vejo isso, William vê, todo mundo vê!!! — ele sorri e se
serve de mais café. — Eu te apoio!!! E te ajudo também, estarei do seu lado, acima de tudo, como
sempre estive! Mas está fazendo isso porque quer? Está feliz ou se sentindo coagida??? Theo vai
crescer, vai te entender e te admirar pelo o que você é.

— Qual a parte “ele é a cópia do pai” você não entendeu? Conheço minha cria, Theo nunca
aceitará essa minha profissão com naturalidade. Ele é puro de coração.

— Bom... qualquer coisa que decidir para tua vida, eu estarei aqui e te apoiarei, já disse. É a tua
vida... — ele fala, sorrio bagunçando sua juba despenteada, e a campainha toca. Era William
trazendo Theo.

Suas visitas no decorrer dos anos foram mudando. De uma hora para três, depois cinco, passeios
de pai e filho, e depois os finais de semana. Mesmo com as visitas sempre regradas e os finais de
semana dormindo longe de mim, Theo sempre recebia a visita do pai sempre que William saía da
delegacia.

Me lembro de uma das primeiras vezes que foi colocá-lo pra dormir, contar uma história, e Theo o
mandou me chamar. Disse que queria o papai e a mamãe ali, contando a história e desejando-lhe
boa noite. Desde então, todos as noites que Theo estava comigo, William passava em casa, mesmo
aparentemente cansado, e todas as noites nós dois o colocávamos pra dormir, juntos, como se ainda
fôssemos uma família de três, "completa". Theo queria, então nós dois não dizemos nada pra
mudar aquilo.

Ele chegava, dizia “oi, tudo bem?”, subia pra ver o filho, como já era hora de comer algo levinho
pra não dormir de barriga vazia, eu fazia um lanchinho, e a história começava após isso. Quando
ele dormia, saímos na ponta dos pés, ele dizia “boa noite”, e então ia embora sem muito papo.

Antes não era assim, tivemos aquela fase dele mandar flores semana sim, semana também,
relembrar algumas datas, tentar conversar implorando por perdão, dizendo me amar mais do que
tudo... e por aí vai... mas, ao me ver uma vez, saindo do bar com um amigo artista da galeria, —
eu mesma o vi com o carro na esquina, ninguém me contou. — ele desistiu de insistir e parou.

Não, nada aconteceu, não ficamos juntos, nem conseguiria se eu quisesse, mas aquilo bastou pra
William pensar que eu já estava em outra. Foi melhor assim, sei disso, mas me incomodou muito ver
suas tentativas cessarem, e seu olhar “me julgando”, como se “no fundo” tivesse o traído, ou traído
o que a gente sentia um pelo outro. Primeiro ficou chateado, triste, depois revoltado, não disse
nada em nenhum momento, e nem me cobrou nada, apenas evitava olhar em meus olhos, ou ficar
por muito tempo perto de mim.

Agora, ele já me olha nos olhos com certa simpatia, me trata com respeito, mas é mais simpático
quando Theo está por perto, porque quando ele não está, apenas diz o essencial, e sai. Claro que,
quando eu não estou olhando, ele me olha com aqueles olhos de cachorrinho que caiu da mudança,
doido por um dengo, fazer as pazes e voltar pra casa, mas... finjo que não vejo e quando sinto
saudade e o encaro e ele disfarça. Continua um bobão, gostoso, lindo demais e másculo.
Aparentemente desconta a raiva, a frustração, e coisas do tipo na academia. Theo me contou...

Ainda dói, jamais mentiria, mas o que me reconforta é que, aparentemente para ele, a dor
diminuiu. Vê-lo sofrer acabou comigo, mas eu não pude perdoar. Sabia que só estava arrependido
porque ficou puto com a Barbara, e não porque me perdoou realmente, e me entendeu. Jamais me
apoiaria, apenas viu que Barbara não era digna de sua pena, pesar e compaixão. Então,
simplesmente o mandei seguir com sua vida e jamais falar sobre o passado comigo de novo.

Meu coração pula na garganta quando eu chego perto dele!? Pula. Fico parecendo um riacho
quando ele precisa chegar perto de mim e eu sinto aquele meu cheiro favorito!? Pra caramba.
Mas... vida que segue.

— Oi, mamãe!!! — eu abro a porta e Theo pula nos meus braços. — Sentiu saudades?

Theo sempre perguntava isso, e William e eu sempre dávamos risadas. Era todo o pai, lindão... só
o que tinha de mim era apenas um olho. Um olho azul brilhante, outro negro como o do pai, e por
isso era lindo, muito lindo. Cabelo preto liso, branquelinho, acho que a vovó, a bisa, e o papai
foram culpados. Houve apenas uma vez que chorou por causa de alguns amiguinhos que
caçoavam dele... a professora me ligou em pouco tempo, disse que o pequeno estava trancado no
banheiro, então como também ligou para o William, aquela foi a primeira e última vez.

William entrou na sala de aula, deu um “apavoro” em geral, fez uma palestra infantil sobre como
um pai policial podia ser malvado e nunca mais praticaram bulling nele. Dizia que se os pais deles
não os davam educação, ele ia dar, que se alguém falasse um “a”, ou deixassem que caçoassem
de Theo novamente, ele interditaria o colégio. Pagava a escola dele e queria que o filho fosse
tratado com dignidade. William acabou com a tonta da diretora, conversou muito com Theo, e lidou
com tudo “da melhor maneira possível.”

Theo continuava seu bebê precioso, mas naquela manhã, ensinou para o pequeno como lidar com
tudo aquilo. Theo não queria mais voltar pra escola, mas depois de uma conversa com o pai, voltou
no dia seguinte, e pelo o que o delegado durão falou... — ele ficou olhando pelo vidro da sala,
escondido, praticamente a aula toda... — ...ficou de cabeça erguida, e fora tratado por todos
normalmente.

— É óbvio que sim, meu príncipe cheiroso!!! — aperto ele inteiro, ele enche minha face de beijos, e
corre quando vê seu padrinho no final do corredor. — Entra.

Eu falo quando encaro o babão, e ele assente.

— Tudo bem? — ele me olha nos olhos e eu balanço a cabeça.

— E você?

— Estou ótimo, graças à Deus! — ele diz e passa por mim com uma confiança que faz tempo que
não tinha. Parecia que ainda morava por ali. Sim, seu ciúme e medo de ver Fred e eu juntos, estava
intacto — Tudo bem, Fred?

— Tudo, e você?

— Muito bem! — William diz e Fred só balança a cabeça. Assim como Rubi, Fred pegou uma birra
enorme dele desde quando nos separamos.

— Como foi o final de semana, parceiro???

Fred passa a dar atenção a Theo, e eu sigo pra a cozinha pra fazer seu lanche. Já eram oito da
noite, logo ele cairia exausto na cama.

— Foi beeeeem legal, padrinho!!! Papai me levou no shopping, e depois assistimos filmes com
pipoca. A tia Manu que fez!!! Uma pipoca bem gostosa!

Theo responde e eu agradeço por estar de costas. Manuela...??? Finjo que não ouvi e continuo
enquanto ambos se sentavam a mesa.
— Ai! Que legal!!! — Fred se anima. — Sua mãe está fazendo seu lanche, por que tu não
aproveita que passou a semana toda longe do padrinho e me mostra o que ganhou do teu pai?
Aposto que está cheio de robôs novos e eu quero ver tudo! Tô cheio de saudade!!!

— Tá tudo na minha mochila!!!

— Deixa que eu levo, então, vamos lá pro teu quarto! Eu te ajudo a pôr tudo no lugar!!!

Fred o acompanha até o quarto e eu continuo preparando o lanche.

— Eu e Manuela... — ele começa e fico nervosa com a expectativa. — ...não temos nada. Ela me
faz companhia, às vezes, adora nosso filho, mas é só.

— Por que está me dizendo isso???

Eu pergunto enquanto olho nos seus olhos, e ele fica tenso.

— Não sei. Sinceramente, não sei, mas...

— Você está solteiro desde que o Theo nasceu. Pode voltar a namorar, noivar e casar, William.
Não me deve satisfações. Seja quem for, tratando meu filho direito, estará tudo bem. Não que eu
deva aprovar ou algo parecido... mas... gosto da Manuela, ela parece ser do bem, sei que gosta
de você mais do que demonstra. Vocês dois estão sozinhos, livres...

Eu falo tentando deixar meu semblante o mais suavizado possível, e não sei se funcionou.
Obviamente eu odiaria aquela novidade, mas William precisava ser feliz.

— Então... — ele se levanta calmamente e dá a volta na mesa pra se aproximar de mim, e se


aproximou demais. Eu queria sair correndo pra não chorar de tanta agonia. — ...quer dizer que se
eu quiser me relacionar de novo, você não vai ficar triste. Ficará bem com isso, e vai amar me ver
feliz. Vai ficar feliz por mim!?

— Sim. — sorrio. — Vou. Eu acho que depois de tudo, nós dois merecemos isso.

— Eu não sei você, mas eu não mereço não. O que eu fiz contigo e com a nossa família, pra mim,
não tem perdão. — ele falava e seus olhos começavam a brilhar. Estava extremamente triste. —
Sabe quando você vai me ver feliz? Feliz e com outra mulher? Nunca. Depois de ter você na minha
vida, mulher nenhuma conseguirá suprir minhas necessidades.

Nenhuma dará conta de chegar perto do que você significou, não chegarão nem perto de
despertar em mim o amor que eu sinto por você, então por quê tentar? Morrerei sozinho. Eu assim
verei você feliz, como já vi, namorando, noivando, casando... não tendo a ficha suja — ele ri —,eu
dou toda a força. E se eu continuar sendo o favorito do meu filho, aí ajuda ainda mais.
— Entendi.

— Mas... apesar de... compreender e aceitar... eu ainda quero o seu perdão. Um perdão de
coração por toda merda e dor que eu causei a você. E que essa tensão toda entre nós evapore.
Se eu conseguir ser seu amigo e ter pelo menos o seu carinho... meu dia a dia será muito melhor!!!

Ele diz e eu concordo com a cabeça.

— É algo a se pensar. — sorrio e ele nega rindo.

— Quebre o outro braço...

Ele resmunga, flashes de nossa vida juntos chegam sem avisar, e eu me afasto pra não deixar o
leite queimar. Eu não podia me deixar levar de novo. William sempre ia ser o que era e eu sempre
ia ser o que eu era, ou fui. Mesmo largando o ramo, e mesmo prestando o concurso público. Eu
sempre ia matar qualquer um que chegasse perto de minha família e tentasse nos prejudicar, e ele
sempre ia condenar minha atitude, e com tantas brigas, Theo poderia sair disso machucado.

Tento voltar a respirar e o celular dele toca.

— Oi, Manuela. — ele fala e eu sorrio por achar engraçado o fato de que aquilo estava
começando a me incomodar. — Oquê? Esse papo de novo? Mas esse caso foi a tanto tempo!!!
Caralho... não. Se vier pra federal... não, se realmente vier para as minhas mãos, eu vou dar uma
olhada. Pedro está de olho torto em mim, desde a última vez. Não vou poder fazer nada, não vou
caçar, não sou idiota. Se chegar na delegacia, você me liga. (...) Tô com Theo, saio daqui só depois
que colocá-lo para dormir. Está bem. Tchau.

— Tá tudo bem? — eu pergunto arrumando a bandeja e ele nega.

— Não. Acredita que aquele cara, daquela vez que estuprou uma menina e escreveu o número um
na testa dela, agiu de novo??? — ele parecia inconformado. — Matou mais uma jovem, e agora
com o número três. Preciso saber quem foi a “dois”, que não saiu em noticiário nenhum... — ele
para pra pensar. — Preciso não, tô fora dessa. Vou esperar. — ele parece falar sozinho, pensar, e
eu balanço a cabeça. — Mesmo que não precise ouvir, preciso dizer: cuidado redobrado na rua,
ok?

— Realmente não precisava dizer, — sorrimos juntos. — mas pode deixar. Tô sempre atenta.

Eu falo, sigo para o quarto com o bebê chorão na minha cola, e quando chego, vejo a cena mais
linda da noite. Theo mostrava a Fred todos os brinquedos que ganhou do pai. Amava robôs.

— Chegou o lanche de despedida!!! — ficamos ali vendo ele comer, Fred rapidamente tratou de
se despedir e ir embora, e ficamos os três, como sempre. — Já tomou banho???
— Já! E sozinho, não é papai???

— Foi sim, super sozinho! — William ri e Theo pula pra cama assim que escova os dentes.

— Qual história você quer hoje? — William pergunta enquanto remexe a estante de madeira crua,
que ele mesmo comprou e colocou na parede. O quarto que ele montou pra Theo em sua casa
parecia um sonho também. — Que tal o pequeno urso!? Esse nós não lemos pra você ainda!

William pede, Theo topa na hora, mas William não fica lendo cinco minutos. Theo cai em sono
pesado, quase que imediatamente. Ele ganha beijinhos leves meu e dele, e como sempre, saímos do
quarto em silêncio. A segunda-feira estava chegando.

— Bom... — William dá meia-volta quando alcança o início da sala. — ...eu já vou. — eu concordo
com a cabeça e ele trava. — Já ia esquecendo... — ele começa e sei do que se trata. — Theo
falou algo sobre viajar contigo para algum lugar.

— Quero passar alguns dias com ele no exterior. Tenho alguns planos, e queria esse tempo. Vou
aproveitar o feriado dele. Eu pretendia falar contigo a respeito na melhor hora...

— O que ele disse? Ele ficou animado?

— Pareceu que sim. — eu confirmo e ele fica péssimo. — Serão só alguns dias, William. Vai ter
que passar por isso.

— Eu não preciso. É só deixar ele comigo.

— Eu que não preciso ficar sem meu filho só porque você não suporta ficar longe dele. Tem que
trabalhar isso. Quero viajar muito com meu filho, ainda. Vai ter que se acostumar.

Eu falo e ele nega sentido.

— Quantos dias?

— Três ou quatro.

— Não dá pra ser um e meio? — dou risada.

— Para de ser dramático!!!

— Vou definhar nesses três dias!

— Posso apostar que não. — digo e abro a porta.

— Dois dias? — ele pergunta após passar pelo batente.


— Tchau, William!!!

— Tchau, chata. — fecho a porta, sorrio, e volto a respirar. Era muito amor aqui dentro.

(...)

— O que você falou pro teu pai, sobre a viagem???

Pergunto enquanto servia o café da manhã ao pequeno. Eu levava e buscava o mini-William na


escola.

— Eu falei que vamos passear em outro país! Como você me disse.

— E o que ele te disse?

— Disse que ia ser muito legal. Que era bom para mim conhecer novos lugares bem legais.

— Ah!

— Acho que ele vai sentir saudades de mim. Podemos levar o papai junto?

— Acho que não. Ele trabalha muito, a delegacia precisa dele.

— Mas e se ele chorar?

— Ele não vai chorar, ele ficará feliz por você ter essa experiência.

— Mas e se ele ficar triste longe de mim? Papai não gosta muito de ficar longe de mim.

— E você? Vai conseguir ficar quatro dias longe dele? Só com a mamãe?

Eu pergunto e ele para pra pensar olhando pro alto e segurando o queixo com uma mãozinha.

— Hummm... não sei. Acho que não quero ficar longe do papai, não.

— Eu achei que ia ser legal pra você. — fico triste, mas não demonstro. — Se não quer ir, não vá.
A mamãe vai sozinha.

— Mas vamos ficar longe também???

— Será só por alguns dias, voltarei logo.

— Mas eu acho... que... não quero ficar sem a mamãe não! Tá bom assim, do jeito que tá!!! Não
precisa ir viajar. — dou risada, mas ele não.
— Tudo bem. Falamos disso depois! Estamos atrasados! Coma tudo pra eu poder te levar pra
escola!

Eu falo após beijar o topo de sua cabeça, levo o pequeno pra escola, dou um cheiro demorado, e
sigo para a galeria. Fazia muito tempo que eu não pisava lá em baixo com o intuito de me
atualizar. Eu meio que evitava mesmo. Simples assim.

— Ótima tarde!!! — eu resmungo quando entro na sala e ganho dois pares de sorrisos.

Yan, Rubi, Fred e Miguel estavam reunidos para me receber, mas senti uma grande tensão no ar.
Algo tinha acontecido. Cumprimento todos com beijos e abraços e me sinto feliz por estar ali. Claro
que me sinto mal por estar feliz ali, mas isso já era outro assunto, “para outro dia”...

— O que houve? Estão com uma cara péssima.

— Jon mandou uma encomenda. — Sim, Jon era a nova Glenda, com muito orgulho. — O maníaco
das loiras. — Rubi diz voltando a se sentar no colo do meu pai.

— Ouvi William falar sobre isso com Manuela no telefone. Aposto que o caso irá para a federal
em pouco tempo. Na real... por que nós não pegamos esse cara naquela primeira oportunidade,
hein!?

— Você estava grávida. — Fred fala. — O cartel se desmanchou... estávamos desfocados e


despreocupados. Achamos que a militar ia dar conta caso o episódio não fosse realmente parar
nas mãos do William.

— É mesmo. Qual a situação? Aposto que Jon já tem a localização...

Falo dando uma boa olhada no relatório e Yan pigarreia.

— Não vai se meter, não é?

— Será minha despedida. O doido é sozinho, não está mancomunado com nenhuma gangue... —
vou lendo tudo. — ...nenhuma passagem por nada, nunca foi pego, não tem aliado pesado. Será
fácil. É meu.

— Já estávamos conversando sobre isso, Cat. — Rubi diz. — Fred, Miguel e eu queremos ele. Ou
trabalhamos juntos, ou tu escolhe outra encomenda para se despedir. Aliás... por que se despedir?
Theo definitivamente está em segurança. A escola está cheia de seguranças que o William
colocou...

— Preciso parar. Theo nunca me perdoará se descobrir minha profissão. É o tipo de criança que
chora até quando pisa em formiga...
— Deve ser porque é só um menino, é só uma criança.

— Não. — eu a encaro e ela ergue sua perfeita sobrancelha esquerda. — Eu pari aquele menino,
saiu de dentro de mim na força, ficou ligado a mim por tempo demais. Eu o conheço, é como o pai.
Felizmente é todo o pai. Todo bondade. Vai me odiar quando crescer e descobrir sobre mim. — eu
olho para a foto do maníaco, gato demais, tipo “um desperdício” e concordo. — Eu topo dividir ele
ao meio. Nada melhor que voltar aos velhos tempos, todos juntos, como antes para se despedir. É
assim que tem que ser. Aliás... sou loira! Alvo fácil.

Eu falo, ambos sorriem em comemoração e a tela-morta apita. Era uma ligação de vídeo do Jon.

— Oi, Jon. — Fred atende e nos aproximamos pra saber qual a novidade da vez.

— Liguei para mostrar para Catarina a ligação que recebi do ex-marido dela.

Ele diz me encarando e eu me recuso a perguntar como ele sabia que eu estava ali. Ele sorri de
lado, mostrando seus dentes perfeitos, levanta o celular e dá o play. O áudio imediatamente
começa a tocar com o diálogo dos dois.

— Oi, Jon. Bom dia!

— Oi, delegado Castro. Como vai?

— Vou muito bem, obrigado. Só liguei pra dizer algumas coisas. Sei sobre teu “novo” cargo e você
sabe disso. Sei também que descobriu sobre o maníaco, e o mandou para o cartel...

— Adiantaria perguntar como soube? Manuela está me traindo???

— Não foi por mim, Jon. Não pira!!! (Manuela resmunga irritada, se intrometendo na ligação)

— Manuela é ótima como agente dupla, mas arrumei cartas na manga, não foi ela. Quando soube
que se tornou a mais nova Glenda, trabalhei para ficar sempre bem pertinho de você. O recado é o
seguinte: o verme é meu. Ele vai preso, e provavelmente, ser comido vivo dentro da penitenciária,
então não gaste verbas e energia à toa. Eu já aceitei meu pequeno passado fora da lei, mas não mais
sairei dela. Não se intrometa ou vou pegar vocês. Estou com o caso em andamento e vou emboscá-lo
a qualquer momento. Se seu cartel aparecer na minha frente, passarei por cima. Pode ser Rubi,
Miguel, ou meu compadre. Principalmente ele. Se meu filho assistir o padrinho sendo procurado na TV
e sofrer por isso, acabo com a raça dele. Marido de sobrinha não é família, ex-marido então, nem se
fala. Acabou camaradagem. Deixem com a justiça.

— Você anda tão agressivo ultimamente.

— Eu não estou brincando, Jon.


— Eu também não. Esse cara me foi vendido por uma nota preta e eu não vou arriscar contar com
os “parceiros” dentro da penitenciária. Você já sabe quem ele é? Onde ele está? Como ele é e
age?

— Não sei muito, não ainda, pois peguei o caso agora, mas vou saber. E não importa, o que eu sei ou
não. Ele é da justiça federal, e vocês não têm nada a ver com isso.

— Desculpe, William, mas eu não posso te ajudar.

— Você não está me dando escolha... Jon...

— Faça o que tiver que fazer e que vençam os melhores.

Jon parece desligar e eu dou uma risada nervosa.

— “Que vençam os melhores”? Sério, Jon?

— Eu não sabia o que dizer para desligar, esse cara é um porre. Como conseguiu ser casada com
ele???

— Esse jeito marrento dele me conquistou. — sorrio.— Eu que não consigo entender como ninguém
vê beleza nisso.

Sorrio mais me lembrando de sua coragem pra falar daquele jeito com Jon, e fica todo mundo me
encarando estarrecidos.

— Tira esse sorrisinho do rosto. — Rubi entra em minha frente, mas não consigo parar de sorrir. —
Não vai voltar pra ele!!!

— Por que está tomando conta da vida de sua irmã desse jeito? — Yan pergunta parecendo
chateado e ela o encara.

— Simples... quando a gente proíbe é aí que ela faz. Esqueceu? Sempre foi assim. — ela ri e faz
todo mundo fazer coro. — E não fala assim comigo porque parece que você é nosso pai, e não
somente dela, e isso é nojento.

— Não pira! — ele devolve bravo e ela ri.

— Não precisam se preocupar. William e eu não voltaremos. Nunca mais.

— Tudo bem. — Fred diz na lata para o assunto morrer e Rubi nos encara, daquela forma
famosa, onde vê o que não deve. — Jon, obrigado por nos avisar que teremos que encarar o meu
compadre insuportável. É de urgência, certo!? — Jon afirma. — Iremos ainda hoje. Essa noite.
— Certo. Até mais. Divirtam-se! — Jon sorri e desliga.

— Divirtam-se... — Fred ri. — Jon anda engraçadinho ultimamente.

— Deve ser culpa da Luiza! — Rubi diz e meu pai ri negando. — Tô mentindo? Vocês, homens, são
assim.

— Tá. Vamos falar sobre o plano...???

Imploro, planejamos tudo rapidamente de acordo com relatório mais completo que eu já vi, e eu
corro para buscar Theo na escola. Assim que estaciono no colégio enorme, os portões se abrem. Em
pouco tempo vejo o magrelinho de olhar bicolor e uniformizado caminhando ao meu encontro.

— Oi, príncipe.

— Oi, mamãe!!! — ele pula no meu colo e sinto seu peso. O pequeno de pequeno não tinha
absolutamente nada. — Podemos passar na doceria perto da delegacia do papai?

— O que eu disse sobre falar sobre isso na rua? — chamo sua atenção me ajoelhando — Já disse
que não pode. Não na frente de gente que não conhecemos. — falo baixo. — Papai tem um
trabalho perigoso e muitos inimigos, não pode jogar essa informação ao vento, e se alguém passa
e te escuta?

— Tá bem, me desculpe.

— Tudo bem! Mas tem que se cuidar, desde agora. Tem que ser esperto. Preciso que você cresça
sabendo se cuidar, já te falei sobre como é esse mundo, sobre como certas pessoas tratam policiais
como o papai... prometa que vai tomar cuidado com isso.

— Prometo! — ele faz uma carinha de cachorrinho, como o cachorro-pai.

— Certo, seu lindão! Vamos lá!!! Vamos passar na loja.

— ISSO!!! — ele comemora socando o ar e eu dou risada. — Podemos comprar um doce para dar
pro papai quando ele for em casa depois... depois do trabalho dele?

— Que trabalho, Theo? — eu pergunto e ele me encara tipo: “enlouqueceu, mãe? Como assim que
trabalho!?”, mas depois entende.

— Ué, do mercado. Ele é açougueiro! — risos.

— Boa, moleque!!! — dou risada feliz e me sinto satisfeita.

Meu bebê era inteligente e esperto. Seu único “problema” era ser bonzinho demais. Várias vezes
já me irritei — por dentro — com ele, por sempre voltar da aula sem seus objetos pessoais.
Distribuía suas coisas para seus colegas, e sempre pedia dinheiro pra isso ou aquilo, qualquer
material escolar, porque sempre ficava sem. Um puxão de orelha e ele parou com isso. Eu morria
de medo de ver meu filho sofrer por causa de seus olhos, e até que os olhares que ele geralmente
despertava nas pessoas, não me incomodavam.

Todo mundo achava diferente, mas viam sua beleza nisso, eu via. A maioria das pessoas sorriam
pra ele, e claro, ele retribuía. O “problema” era esse jeitinho de confiar de cara em qualquer
pessoa. William também tenta de todas as maneiras, deixá-lo mais esperto. Ensina que, quando
alguém o chama para passear, se não for família, não é pra aceitar, que se alguém oferecer
doces em qualquer lugar, a primeira resposta é não e a segunda também, e por aí vai...

Assim que viro a chave do carro, vejo de relance pelo retrovisor o carro pessoal da Manuela nos
seguindo e respiro fundo.

— Tia Manu!!! — Theo corre ao entrar na loja de doces famosa e eis a “surpresa”...— Que legal
que você tá aqui!!! — ele pula em seu colo e ela sorri pra ele.

— Seu pai pediu para eu vir comprar uns doces para ele te levar hoje à noite, mas já vi que você
já veio às compras. — ela diz simpática e eu me aproximo com cautela.

— Olha, mamãe! A tia está aqui!!! — Theo afirma feliz e eu sorrio concordando.

— Eu vi, filho!!! Legal, né!? — Olho bem nos olhos dela. — Então quer dizer que a tia MANU está
querendo conquistar o filho do “patrão”...

— Ordens do doutor. Theo feliz é William feliz. — ela sorri.

— Entendo. — me ajoelho e sorrio para o bebê. — Por que não vai pegar aquelas bolinhas que a
mamãe ama? Estão bem ali. — aponto. — Não sai da minha vista. Eu só vou bater um papo aqui
com a tia MANU.

— Tá bem! — ele sai e eu me levanto.

— O que faz aqui? Realmente? — pergunto e ela suspira.

— William está meio pilhado com “o maníaco das loiras”. Me mandou te “escoltar” até em casa
com discrição. EU SEI que não precisava... — ela já vai falando...— sei que você se garante melhor
do que eu, já até salvou minha vida. Aliás, serei eternamente grata. Ele só pediu porque o percurso
era a escola do Theo, é obcecado pela segurança do menino, sabe disso. Eu só vim para deixá-lo
tranquilo. Pensei em ir para outro lugar dar um tempo, mas achei que era melhor obedecer, não
queria contar com a sorte.

Sorrio afirmando com a cabeça.


— Ele disse que vocês estão juntos, Theo também confirmou o romance. Fiquei feliz que a escolhida
foi você. Estão há tanto tempo sozinhos...— jogo um verde e ela estranha.

— É mesmo? Ele disse isso?

— Disse sim.

— Ah! — ela sorri sem graça — Achei que não era para você saber por enquanto... então, que
bom! Obrigada. Fico muito feliz. — ela gagueja.

— Brincalhona, você, hein!? — dou risada. — Ele não disse nada, maluca! — ela respira
entristecida, enfim. — Só joguei um verde em você! Que bom que é leal a ele. Confirmaria
qualquer coisa que “ele dissesse”. Se tiver que ser alguém, que seja você! Tia MANU. — sorrio e
ela nega.

— Para de graça. Ele ainda sofre por você. Não é mais o mesmo desde o divórcio, volta logo
para ele! Tá, lá, doido falando de uma viagem que vocês vão fazer. Já está especulando que você
vai para uma lua-de-mel antecipada com o “cara do barzinho”. Não suporta pensar que vai ficar
longe de vocês dois um minuto sequer. — ela bufa me encarando — Nem se eu quisesse mesmo,
ele me notaria. William me olha, mas não me vê. É você quem ocupa seu pensamento e seu
coração.

— Você gosta mesmo do delegado, hein... — dou uma última olhada em Theo e só aguardo.

— Meu amor por ele é de amiga. Só isso. Ele é doido por você, nunca tentaria nada.

— Tudo bem. — sorrio — Quando chegar lá, diga que estamos bem e que o plano dele não deu
certo. Não fiquei balançada! — dou um “migué” como os paulistas dizem e ela nega.

Me afasto para ir embora, mas ela me faz parar quando eu a ouço resmungar.

— Ele não me mandou falar essas coisas e você sabe disso. Sei do que eu disse porque vejo, ele
não divide seus sentimentos comigo. William não se abre sobre você comigo. Falar de você o
machuca! Ele fica irritadíssimo quando eu tento fazer com que ele desabafe, então, se quiser
pensar que foi um plano, faça como quiser. Mas no fundo, você sabe que ele me mandou escoltá-la
sem você perceber. Mesmo porquê, ele não é burro, sabe que você odeia quando ele fica
tentando te proteger, como se você precisasse de homem para isso. Não diga a ele que
conversamos, por favor. — ela apela e eu apenas viro o rosto para falar, não a olho nos olhos.

— William sabe que você nunca conseguiria me seguir sem que eu notasse, ele me conhece bem.
Por isso não mandou você. Sabe que eu posso lidar com qualquer coisa sozinha e proteger meu
filho, você veio é para ter certeza! Ele é todo seu. Só não entre em meu caminho, e nem machuque
meu filho, de forma nenhuma, ou terá um fim pior do que Barbara teve. Mato você, tia MANU.
Respondo e saio andando. Estava calejada, já.

— Direto pro banho, hein!!!

Grito porque ele corre pro quarto assim que a gente chega em casa. Doido pra tirar os robôs das
caixas. De praxe.

Deixo tudo pronto para o jantar e ligo para dona Maggie, hoje ela teria que cuidar do Theo. De
uns tempos pra cá fiz questão de deixá-la descansar. Mora com William e vem sempre que sente
saudades do neto. Tiago voltou para o exterior e mora lá, então, William come comida de verdade
e não vive mais de pizza como no início da separação.

Ah! E seu Francisco conseguiu uma saída por bom comportamento, mas negou. Disse que ainda não
sentia que havia pago sua dívida. Proibiu Theo de conhecê-lo pessoalmente, mas também liga pro
neto sempre que pode. Diz que está em um lugar distante e que muito em breve ele poderá sair
de lá para se encontrar com o pequeno. Theo o ama de paixão, obviamente. “Vovó e vovô são
seus amores do coração”.
Dou risada quando ele diz isso.

Quando às sete e quarenta chega se arrastando, William chega no mesmo instante que a mãe.

— Oi. — ele sorri levemente, deixa sua mãe entrar primeiro, e a segue casa adentro. — A
senhora não respondeu o que faz aqui a essa hora... — ele diz e caminha para os pés da escada.
— Filho!!! Papai chegou, desce! Tenho uma surpresa pra você!!!

Ele grita e Theo desce correndo. Abraça e beija o pai brevemente e corre para os braços da avó.

— Olha, pai! SURPRESA!!!

Theo estende o saquinho de doces e o bobão o agarra.

— Mas e para vó???

Fico olhando os dois se desmanchando em amor pelo meu Príncipe lindo, e só me escoro por ali.
Meu bebê amado.

— Deixei tudo pronto, dona Maggie. Vou tomar um banho.

Digo após notar a hora e ouço William perguntar pela milésima vez do porquê de sua presença
em casa. Tomo banho, me visto comportadamente, e quando volto pra sala vejo pai e filho fingindo
lutar no tapete da sala. Meu coração dá uma fisgada, mas eu ignoro.
— Vai onde? Minha mãe já, já dorme aqui no sofá e Theo ficará “sozinho”...

— Deixa, papai! Eu cuido da nossa velha!!! — Theo resmunga e ele ri se aproximando de mim, e
coçando a cabeça incomodado com o fato.

— Não confia nos seguranças que deixou pelas ruas do condomínio? Porque eu estava confiando.

— Confio, mas confio mais na mãe dele. Onde vai?

— Vou jantar fora. Não demoro.

Eu falo e ele sofre.

— Preciso sair em pouco tempo. Marquei uma busca em um lugar suspeito, e vou pegar o maníaco.
Não vou trabalhar com meu filho assim, sem proteção!

— Altere a data.

— Não posso, Cat. Esse cara é escorregadio. A PM não tinha pego, o verme apenas saiu da
cidade como um fantasma. Não faça isso.

— Você vai colocá-lo para dormir antes de ir?

— Vou, claro.

— Então vamos levar os dois para a minha mãe. Lá tua mãe cuida dele e também não fica
sozinha.

— Vai ficar com a gente? Hoje é a sua vez de ler.

— Não vou poder. Tenho hora marcada.

— Ah! Não pode fugir da sua vez de leitura, não! — Theo protesta quando pensei que falava
baixo. Encaro os dois bebês chorões e... — Vai, mamãe, diga sim!

— Tudo bem, William Júnior!!!

Agarro o pequeno e ele ri uma risada mega-gostosa.

— Ah! Papai! Você não sabe quem a gente viu na loja de doces!!!

Ele entrega e William me encara curioso.

— A tia Manu!!! Ela disse que você mandou ela ir comprar doces para mim.
— Ah! É, filho!? — o encaro e sorrio. Ele aponta com a cabeça pra cozinha e eu seguro uma
risada. — O que ela queria?

— Ter certeza de que o caminho estava livre.

— Sem essa...

— Acredite! — dou risada. — Mas não esquenta com isso. Não deixe ela saber que eu te contei.
Vai deixar a guria sem graça.

— Ela te aborreceu?

— Não. Muito pelo contrário. Me divertiu. Tá doida por você, como sempre esteve. Só o que me
impressiona é não ter tentado antes.
Vamos lá. Tô atrasada.

— Vai sair com aquele cara? — ele pergunta e eu volto a olhar em seus olhos. — Desculpe ser tão
entrão...

— Faz tempo que não fazia isso. Acho melhor a gente não regredir. Já superamos a fase onde
você tenta de todas as maneiras cuidar da minha vida para que eu não me aproxime de ninguém!
Eu não precisava dizer, mas vou falar de uma vez por todas, mesmo sem ter obrigação: eu não
tenho nada com o Murilo, e nunca tive.

— Não?

— Não. — ele respira aliviado sem disfarçar. — Mas mesmo assim, precisa entender que...

— Eu não preciso nada. Se você não tem nada com ele, eu não preciso nada. Fiquei todos esses
anos achando que você me esqueceu e que tinha relações com teu parceirinho de trabalho, o
pintor maloqueiro. Te dei espaço, Cat. “Deixei você viver sua relação com um outro alguém”,
porque você merecia ser feliz, e porque eu merecia passar por aquele sofrimento, mas se nunca
houve nada, acabou a trégua. Jamais te abordei depois daquele dia maldito, mas agora, quero
você de volta.

Ele fala, minha raiva cresce, mas antes de eu dar uns murros naquela carinha de modelo “da
revista Vogue”, o pequenino nos chama a atenção.

— Estão brigando, é?

— Só um pouco! — sou sincera como sempre e William, como em todas às vezes, me olha torto. —
Seu pai, às vezes, é um chato.

— Não fala assim do meu pai. — Theo põe as mãos na cintura e William ri de mim. — Eu não
gosto quando você briga com ele. Não vê que ele fica triste?

— Ah! E eu posso ficar triste?????

— Meu pai está te deixando triste?

Theo pergunta chateado e surpreso e eu respiro fundo. William me encara implorando, e eu me


ajoelho.

— Não. Não está não. Mas vou te falar uma coisa. Somos adultos e de vez em quando vamos nos
estranhar, isso não quer dizer que estamos chateados, ou que algo mudou. Você não tem idade
para se preocupar com essas coisas. O papai e a mamãe se entendem assim.

— Mas eu não quero ver o papai triste.

— Você está triste? — encaro o cachorro e ele ameaça fazer chantagem.

— Não. Não estou. — ele beija o filho e o manda chamar sua avó. — Na verdade estou sim.

— Não ouse a usar o menino.

— Jamais faria isso, mas você sabe que eu menti pra ele. Estou triste, se me perdoar isso vai
passar!

— Nossa história acabou, William. Respeita meu espaço.

— Não. Não vou respeitar mais espaço nenhum!

Ele diz simplesmente e sai na frente. Chego a espumar.

— Caralho!!! — Fred exclama. — Estava fazendo o que, porra???

— Contando histórias de ninar.

Eu falo com uma sobrancelha erguida e ele relaxa.

— Então tá perdoada. Está pronta?

— Sim. Cadê o meu traje?

— Para que traje?

— Se William aparece?
— O que tem o cachorro? — Rubi resmunga.

— O que tem??? Tem que ele tira Theo de mim em dois minutos se ele me encontra fazendo mais
uma besteira.

— Ele não conseguiria.

— Conseguiria. Conseguiria porque eu ia me sentir culpada e dar razão a ele. Agora chega desse
assunto. No galpão vou colocar. Todos vocês vão colocar.

— Ele vai saber que você está lá. Vai fazer as contas.

— É por isso que se ele se aproximar e quando isso acontecer, vamos nos separar e não nos
mostrar ao mesmo tempo.

Eu falo, entro no carro e sigo na frente, de acordo com o plano. Nos encontramos perto do cartel,
vou desfilar perto do maníaco e depois vamos agir. Primeiro passo era contar com a sede de
sangue por uma loira gostosa: eu.
Segundo passo, levá-lo para o local escolhido e mandar subir. William parecia a passos atrás,
torcia pra que não aparecesse.
Rodrigo Mendes, 37 anos, duas filhas, casado, engenheiro, classe média alta, e gato. Lobo em pele
de cordeiro. Definitivamente, um Lúcifer. Um anjo lindo do mal. Assassino estrategista, inteligente,
doente mental, e diabólico. Sequestrava garotas jovens e loiras, todas bonitas demais, estuprava e
matava. Um psicopata doente, que ia morrer da pior forma.

Chego no parque em que ele supostamente estava e saio do carro. Local cheio de pessoas, devido
a uma feira livre noturna, um lugar incrível e divertido, que não merecia sua presença maligna.
Tinha música, barracas de comidas e bebidas, roda de samba... feira famosa por aqui. Lugar pra
badalar.

— Eu já o vi. — Miguel sussurra no aparelho em meu ouvido. — Está na frente da barraca de


bebidas, com um lanche na mão, mas está com uma jovem. Filho da puta, desgraçado, vou encher ele
de facadas, até suas tripas saírem pelos olhos.

— Se controla. Tô procurando.

— Cat, William saiu da delegacia e está a caminho. Faça, agora. — Rubi resmunga e eu acelero os
passos.

— Oi. Está demorando muito, o entendimento? Isso aqui está tão cheio.

Falo ao me aproximar quando encontro o alvo, e ele sorri simpático. Seus olhos brilhavam pra mim
e pra meus cabelos.
— Não está não. Mas olha, você primeiro tem que pegar uma fixa. Aqui a gente espera ser
atendido, mas eles pedirão uma fixa. É bem ali!

— Onde? — Olho ao redor e ele me pega pelo ombro pra sair da multidão de clientes. — Ah!
Ok. Muito obrigada.

Sorrio quando ele me mostra uma garota ao lado, que anotava pedidos e sorria sem querer.
Ao voltar para seu lugar, o vejo olhando ao redor, para procurar a garota que estava consigo,
mas não ia encontrar. Miguel a tinha levado discretamente.
Ele começa a perguntar para as pessoas e um cara diz que viu um japonês abordando a menina,
e mostra a direção. Quando ele começa a procurar, já na calçada do parque, eu me aproximo.

— Nossa, eu ouvi o rapaz. Era tua filha?

— Não. Era minha noiva. — ele mente e eu concordo.

— Quer dar uma volta ao redor da praça para ver se a gente a encontra? Eu te ajudo.

Eu pergunto e ele me olha animado. Me sacou, mas mesmo assim ia perder.

— Nossa, você faria isso?

— É, claro, tadinha. Agora fiquei com medo... Vamos lá!!!

Eu sôo preocupada, o levo até o carro, e ele assim que chega, encosta uma faca no meu pescoço,
me fazendo escorar na lataria do carro.

— Tá pensando que eu sou trouxa? Quem é você? É policial?

— Sou pior do que isso. — eu falo, apago o nojento rapidamente, e o enfio dentro do meu carro.
Se alguém viu, paciência, mas eu achava que não.

— Sabe por quê está aqui? — Miguel se aproxima do maníaco, que fica um pouco assustado com
nossas vestes. Acordou grogue, amarrado, amordaçado e em um galpão que Fred selecionou. Ele
nega com a cabeça, não podendo falar e Miguel concorda rindo. — Você está aqui porque vai
morrer. Essa é sua sentença, a morte. O motivo: estupro. Você alicia jovens loiras, abusa, e depois
mata, jogando as vítimas em locais públicos. Por isso você morrerá hoje, mas não será rápido. Eu
vou esfaquear você lentamente, seu maníaco asqueroso...

Miguel vai falando após se ajoelhar na frente do homem, mas Rubi, que havia ficado pra fora,
chama nossa atenção da escuta.
— Doutor intrometido na área, galera, com uma dúzia de viaturas. Filho da puta! Eu estava entrando.
Um de vocês tem que sumir para o fator surpresa. Tô aguardando ordens, derrubo todos que ficarem
do lado de fora em trinta segundos.

— Eu vou. Espera um pouco e só observe. Se ele me reconhecer, tô fodida. Vocês dois, abatem os
agentes todos, só um sossega leão em partes seguras, alguns sangramentos, nada grave, mas não
machuquem ELE!

Eu falo e corro para os fundos, onde tinha uma saída. O galpão estava abandonado, mas ainda
cheio de caixas de algum tipo de mercadoria, e eram tantas que o lugar parecia um labirinto.

Olho pela fresta e vejo que o cachorro mandou cercar todo o lugar, e um pequeno grupo já
pegavam ferramentas pesadas, sem saber que nós deixamos o cadeado frouxo. Pretendíamos
usar em uma emergência, mas com eles ali, não ia arriscar, estava escuro demais e eu podia
acertar William. Corro para a direita e encontro a escada extensa de ferro e de quatro lances.
Dava no segundo andar, um espaço parecido com o térreo. Úmido, sujo, cheio de caixas
empilhadas, ratos, e poeira. Existiam três janelas, pelo jeito, trancadas e enferrujadas, mas
aparentemente impossíveis de se abrir, pelo menos sem fazer barulho.

— Deixem o áudio externo ligado. — falo.

— Já está. — Fred me responde.

— Então que silêncio é esse?

— Seu amado está parado conversando com os amigos dele na porta. Eles estão bem na frente,
falando sobre algo. — Rubi explica.

— Chega mais perto. — Fred pede.

— Não posso. Está cheio de agentes por toda parte. Se eu sair daqui é para atacar de uma vez. Vão
me ver. William colocou todos em grupos, próximos demais, e eu odeio ele. Que porra ele está
fazendo aqui? Alguém me explica?

— Enfrentando o cartel de Jon. — falo. — Ele disse que viria com tudo, não disse...!?

— Se você estiver sorrindo ao dizer isso, vou te estapear.

— Eu estou, minha irmã. — estava mesmo. — Eu estou.

Me aproximo da janela onde eu posso ver as luzes e os cachorros treinados, e por enquanto,
apenas aguardo. Quando começo a ficar nervosa com a demora, ouço uma pequena explosão, e
vejo a sombra de cordas sendo lançadas do lado de fora. O delegado não deixou o segundo
andar livre. Ouço um furdunço lá em baixo, mas não posso prestar muita atenção, pois em pouco
tempo, agentes por tudo quanto é lado começam a surgir, após quebrarem as janelas de todo o
ambiente mal iluminado.

Me posiciono melhor que podia no canto esquerdo ainda mais escuro, e vejo a sombra de um
agente, em silêncio entrar primeiro no corredor de caixas que eu estava. O pego silenciosamente, o
apago e deito o palhaço no chão sem fazer barulho. Faço isso umas três vezes, boto alguns cães
para dormir, até entrar à direita e esperar pelos próximos que vinham de todas as direções.

— Acho melhor o senhor dar meia-volta, doutor Castro. — Fred fala de repente e eu sei que
William estava frente a frente com os três. Miguel, Fred — ambos com o traje negro —,e o
maníaco nojento. — Esse cara é uma encomenda e vai morrer, não será levado sob custódia.

— Você não vai me dizer o que fazer, Fred. Vai sair da minha frente para eu levar o suspeito, e
depois vai facilitar e me acompanhar até a delegacia.

— Fred... — eu resmungo por puro medo e espero nervosa.

— Anda!!! — William grita. — Vocês estão cercados e em menor número, vão fazer o quê???

— Senhor. O grupo do segundo andar não responde no rádio. Qual a ordem? — Alguém diz, pelo
jeito no rádio do William e se faz silêncio.

— São nove homens...

— Nenhum deles respondem. — a voz do agente soa nervosa e isso reflete no delegado.

Pelo barulho, sei que sacou sua arma e eu prendo a respiração.

— Eu vou começar a contar, e não se sinta privilegiado, essa belezinha aqui vai atravessar esse traje.
Vim preparado.

— Não vai atravessar. Mas a minha belezinha vai atravessar o de vocês!!!

Fred fala e os disparos de armas de fogo começam fazendo meus ouvidos doerem. Quando
ameaço ir até a escada, posso ouvir William mandar todos baterem em retirada. Sabia que todos
os agentes iam se machucar ao encarar os dois.

— Todos os agentes externos estão apagados. Vou entrar. — Rubi diz e eu vejo uma silhueta subir
as escadas. Era ele.

Claro que ele ia mandar Fred e Miguel se foderem, sabia que eram eles. A preocupação do
delegado era seus agentes aqui em cima.

Volto a me esconder em uma pilha de caixas próximas a entrada, e pelo o que me parece uma
eternidade, ele termina o lance de escadas e me vira as costas escolhendo seguir pela direita. Erro
feio o movimento que deveria ter sido uma coronhada em sua cabeça para colocá-lo pra dormir, e
ele me joga longe em um golpe rápido.

Fazia tanto tempo que eu não lutava e estava tão fora de forma que eu fiquei zonza e caí errado,
então por isso, William me pegou pelo pescoço, me levantou do chão, ganhou um chute no saco, e
foi por isso que ele me encheu de socos na face protegida pela máscara até me escorar em uma
caixa, mas quando seu corpo tocou o meu, ele travou. Achava eu, que pensava ser Rubi até
chegar perto demais.

— Aí está o seu jantar. — Ele diz me medindo de cima a baixo. Conhecia meu corpo melhor que
ninguém. Meu bebê chorão. — Temos aqui uma bela oportunidade pra conversar.

— Eu ainda tenho uma encomenda pra entregar. — falo, dou uma cabeçada em seu nariz, e ele
volta a socar minhas costas nas caixas. — Ah!

Perco o fôlego e ele ri.

— Está fora de forma, não é, meu amor!? Eu não quero lutar, não quero esmurrar você. Bom, na
verdade eu vivo querendo isso, mas não agora. Estou me defendendo, e me certificando que não
haja justiças pelas próprias mãos, aqui. Se você parar de me atacar, eu paro também.

— Vai pro inferno!

— Já estou nele. Você continua sendo o meu inferno. — ele respira fundo em minha máscara e eu
lamento não poder sentir seu cheiro. Fechos os olhos e choro. — tinha me esquecido do quanto
amo ver você fodendo com a vida de bandido. Ou pelo menos, tentando. Você me amou delegado,
homem honesto, que andava na lei. Então te quero assim, como você realmente é, uma assassina. Eu
achava que podia te consertar, como se você fosse um brinquedo quebrado, mas vi que não posso.
Eu te aceito assim, eu aceito seus crimes, seus assassinatos, seu cartel, tua família doida, teu jeito
doido de amar, tudo. Seu ciúme em excesso, suas crises, sua TPM fodida, e esse seu jeito bizarro de
querer proteger nossa família, mesmo que ainda não confesse que continua nos vendo como uma
família unida, mesmo separados. Eu aceito qualquer coisa, mas eu não posso mais viver sem você!

— Aceita, é?

— Sim, aceito.

— Então, tá. — eu me aproveito de sua fragilidade momentânea e ameaço me afastar pra


continuar com meu trabalho, mas ele volta a me imprensar nas caixas sem rodeios.

— Eu disse que ia aceitar, não que ia ser seu cúmplice e facilitar seu trabalho.

Ele resmunga contrariado e eu sorrio, sem que ele possa ver. Como era possível amar tanto um
homem??? Como era possível amar tanto um homem tão diferente, e por ser diferente? Por que
aquele caralho daquele amor que eu sentia não ia embora? Por que diabos ele chegava perto de
mim e eu me desmanchava como uma garotinha boba? Eu tinha uma história com aquele cachorro,
eu tinha um filho com ele, a gente ainda se amava, por que eu estava perdendo tanto tempo me
esforçando pra não perdoá-lo? Eu nem sabia o porquê ainda estava lá, parada, olhando pra ele.
William me deixava de pernas bambas. Meu homem. Meu delegado bonzinho, justo, honesto,
gostoso...

Em um rompante, jogo ele longe para me livrar e fugir dali, mas tinha esquecido que atrás dele
havia a escada. O cachorro cai em queda livre no primeiro lance de escada e eu me escoro
assustada, pra ver se tinha matado o pai do meu filho.

— FILHA DA PUTA! VOCÊ ME JOGOU DA ESCADA!!!

Não era alto de um lance para o outro, e ele teve sorte de cair no de baixo, então apenas ri. Pulo
para facilitar as coisas, volto a socá-lo, e quase nem reparo que o andar de baixo estava
silencioso. Nossa luta era sangrenta. William não facilitava só porque eu era quem eu era. Me
distraio, ele passa seu braço ao redor do meu pescoço pra me sufocar, e eu soco sua costela,
enquanto posso, até ele me soltar morrendo de dor.

Quando ele cai tentando se recuperar, eu corro, chego na parte da frente do galpão onde
estávamos, e vejo que todos os agentes já tinham sido jogados — desacordados provavelmente.
— pra fora, e só permaneciam os três, agourando o verme asqueroso. Miguel estava de um jeito
que nem tirava os olhos dele. Tiro minha minha máscara, os três repetem meu gesto, e eu me viro a
tempo de ver o cachorro ainda sem fôlego se aproximar.

— Se afastem dele. — William pede e Miguel rosna pra ele.

— Não podia ter pelo menos apagado o coxinha??? — ele me olha e eu reviro os olhos.

— Eu joguei ele de lá de cima e ele não quebrou o pescoço, pra que tentar apagá-lo? Ignore-o.

— Ele chamou reforço antes de subir, estão a caminho. — Rubi diz e eu pisco pra Miguel que
imediatamente se aproxima do estuprador, e o mesmo começa a se debater, morrendo de medo.

William ameaça impedir Miguel, Rubi o impede, os dois lutam corpo a corpo, e eu esqueço que
William estava presente. Presenteio o verme quando chega a minha vez, com um tiro no saco. Sim,
bem no saco. Rubi joga William longe, e depois de Miguel ter matado sua vontade enorme de
esfaqueá-lo, e Fred encher sua face de soco, ela enfia um grampinho só pela metade em sua
artéria, e eu me apresso. Chuto o grampinho liberando a hemorragia, e quebro o pescoço do
verme com o olhar raivoso e difícil de encarar de William, sobre mim. Só quebrei de uma vez para
que ele não fosse preso, senão tinha eu o deixado lá para Miguel se divertir mais um pouco.

— Vão.
Eu ordeno, eles saem correndo enquanto já podíamos ouvir barulhos altos de sirenes que se
aproximavam, e eu me ajoelho para encarar o derrotado gostoso.

— Como é ter um filho com uma assassina, sendo um delegado federal? Como é ser derrotado por
quatro assassinos?

— É deprimente, amor. — ele diz sorrindo, se esforça pra se levantar, quando penso que vai tentar
me beijar, me preparo pra voltar a socar sua cara, mas ele não me agarra, o filho da puta
rapidamente me algema e sorri. — Presente especial pra a minha assassina favorita.

Forço a entrada arredondada das algemas com um grampo especial, como sempre fiz, mas elas
não caem no chão pra fazer o doutor ficar com cara de bobo. As algemas não abriam de jeito
nenhum.

— Filho da puta, vou matar você!

— EU-PEGUEI-VOCÊ.

(...)

— Tira isso de mim. — eu peço quando ele me enfia no carro como se eu fosse uma criminosa.
Quer dizer...

— Tiro quando a gente chegar em casa.

— Não vou entrar na minha casa assim.

— Ah, você vai. Vai sim. Eu mesmo projetei essas algemas, passei nossos cinco anos separados
trabalhando nesse projeto, e eu ainda não matei minha vontade de ver você falhar
miseravelmente. Você perdeu, prendi você, e você tem que reconhecer.

— Está sendo um babaca.

— Eu sei. Mas eu quero alguma coisa de você. Nem que seja ódio. Quero alguma coisa que se
equivale ao que eu sinto, estou cansado de ver que você sente cada vez menos enquanto o tempo
passa e eu só te amo mais.

Ele fala e me deixa sem ter o que dizer. Nunca pensei que fora tão boa atriz esses anos todos.

Ele desce do carro quando estaciona na frente de casa e eu torço pra que não estivesse ninguém.
Theo eu sabia, que graças à Deus estava com minha mãe e dona Maggie na casa deles, mas
mesmo assim, sou surpreendida. Miguel, Fred e Rubi, estavam jogados na minha sala, Miguel
rodeado de comida, Fred acabando com meu vinho, e Rubi no telefone. Todos eles param quando
eu entro algemada e William mancando, quase sem forças.
— Prontinho, neném.

Ele me vira com grosseria na frente de todos e tira minhas algemas. Contenho a vontade de dar
um murro em sua cara, e só o encaro enquanto ele se esforça pra se sentar no sofá.

— O que é isso? Sessão fetiche? — Rubi solta e eu reviro os olhos.

— Desculpe por... — William encara a bruxa e ela bufa.

— Não começa. Não quero falar com você, não gosto mais de você.

Ela diz, William a encara sério, tentando entender se ela estava sendo sincera ou apenas
zombando, mas logo nota que falava sério. Depois de um minuto em silêncio, enquanto ele ainda a
encarava, de repente o delegado lança seu olhar ao seu compadre.

— Sem sermão. — Fred levanta o copo de vinho.

— Eu não vou mais te ameaçar, vou prometer. Continue matando por dinheiro que eu vou continuar
no teu pé, não vou facilitar. Pra ninguém. — William encara cada um. — Vocês podiam seguir com
a vida de vocês, já até formaram família... — William encara Fred. — menos você, ninguém te
quer. — risos. — Deviam tomar vergonha na cara e encontrar um emprego digno, um rumo para
as suas vidas.

— E você? Já encontrou um rumo? — Rubi pergunta com ironia.

— Sim. Encontrei um ânimo para continuar seguindo em frente: prender vocês quatro na melhor
oportunidade. — ele diz, tenta se levantar, mas geme de dor. — Eu já vou. Ah, Deus...

Penso em me aproximar, me nego a demonstrar compaixão, mas Rubi não. Ela levanta a camiseta
preta da farda do delegado e encontra um inchaço em sua costela.

— Eita! — ela exclama assustada, mas eu só sofro calada. — Tem que pôr gelo. Mas é claro que
eu não estou nem aí, e não ligo para seu sofrimento.

— Liga sim. — ele ri encarando a bruxa que estava querendo tirar toda a sua dor como eu
também queria. — Você precisa ver sua carinha de tristeza e pena de mim. Eu fui jogado do
segundo andar e esse é o resultado. — ele me encara com bom humor. — Estou sofrendo de todas
as formas, como você profetizou. Me amaldiçoou com um sofrimento eterno em minha vida. Se sente
feliz? Se quiser podemos fazer as pazes, é só retirar esse feitiço.

Ele fala, olha em seus olhos, e por um milagre, a bruxa não leva na brincadeira o que ele diz.

— Você só está colhendo o que plantou. — ela fala, limpa a garganta com um pigarro, e levanta.
— Eu vou embora, uma ótima noite a todos.
Miguel levanta e faz o mesmo, ambos me beijam e saem, deixando Fred e William se encarando.
Fred queria provocar com os pés em meu sofá, demonstrado estar em casa, e William odiava ver
aquilo e se perguntava o que ele ainda fazia ali.

— Você já pode ir, também. — William diz e Fred ri.

— Minha casa é longe e está tarde. Esse sofá está no jeito. — Fred pisca pra mim, e eu encaro o
delegado, que espumava.

— Notou que já tirou o traje, certo? — William pergunta.

— Sim.

— Pois então. Eu não aguento mais uma luta, mas aguento dar um tiro na tua testa.

Ele resmunga sorrindo falsamente, e quando Fred ameaça resmungar mais alguma gracinha, eu o
encaro e ele entende.

— Tudo bem. Eu vou embora. — ele ri. — Falou, compadre. Foi um prazer ter a sua companhia
nessa noite... — Fred me beija, me abraça demoradamente pra provocá-lo mais um pouco, e eu
encaro o delegado nervoso.

— Eu já vou também. — ele levanta fingindo estar bem, e eu me aproximo. Queria me aproveitar
da ausência do traje para sentir seu cheiro. — Me desculpa.

— Pelo o quê?

— Por tudo. Tudo. — ele diz sinceramente, eu entendo que queria dizer aquilo faz tempo, e pra
não se estender no drama, ele beija minha testa com amor, e me oferece as costas.

— Deixa eu ver isso primeiro.

— Eu estou bem, Cat. Só preciso de uma boa noite de sono. — ele resmunga sem me olhar nos
olhos e eu fecho a porta antes dele conseguir sair. — É sério, eu...

Ele começa, eu vou até a cozinha e ele me segue.

— Deixa eu ver... — levanto sua blusa e vejo o hematoma roxeado. — vou colocar gelo, vai
melhorar.

Ele me esperava no sofá, com a cabeça escorada no apoio e de olhos fechados, e por um
momento me pego somente encarando-o. Tão lindo...

— Volta pra mim. — ele diz ainda de olhos fechados e eu finjo que não escuto. — Eu não queria
ter que implorar, mas estou disposto a me ajoelhar. Me perdoa e volta pra mim.

— Nossa chance se foi, William!!! O quê que é? Vai me encher de promessas... prometer melhorar...

— Não. Já disse que não vou mudar minha forma de pensar, serei totalmente contra seus
assassinatos em série. Não vou te encher de promessas e dizer que me tornarei um marido
maravilhoso pra você, aliás, sabemos que nunca fui. Eu apenas vou respeitar suas escolhas e seu
trabalho, e continuar do outro lado da linha, lutando contra o que você faz. Seremos opostos como
sempre fomos, e eu aceito isso, porque eu te amo de qualquer jeito, em quaisquer circunstâncias.
Continuarei tentando te parar, e você continuará dando o melhor de si pra eu continuar chegando
depois, sei que é boa nisso, e você também sabe. Trabalhamos em lados opostos, mas isso não
precisa nos afastar, não aguento mais de tanta saudade. Vou continuar te investigando e correndo
atrás de você, mas vou esquecer de nossas lutas e pancadarias de todas as noites, quando eu
chegar em casa e te encontrar cozinhando pra mim e com analgésicos à postos.

— Você enlouqueceu!!! — sorrio sem conseguir segurar.

— Você me jogou do segundo andar, está aqui cuidando de mim logo depois, e eu que enlouqueci?
— ele me encara erguendo uma sobrancelha, e eu nego com a cabeça. — Podemos fazer isso.
Estamos fazendo isso agora mesmo. Quero que aquele estuprador vá direto para o inferno, e
quero você de volta, mesmo se amanhã tudo isso se repetir. Sabe que vamos morrer encalhados se
não ficarmos juntos, não tem mais espaço em nossos corações pra ninguém. Não depois que nos
reencontramos nessa vida. Não será ninguém, sabe disso, então por que não damos uma chance a
nós, a família que a gente sempre sonhou pro Theo, mais alguns catarrentos de olhares bicolores
para encherem essa casa, e eu vou sair daquele barraco imundo e solitário que eu moro com a
velha mais insuportável que eu conheço!? — ele ri. — Ela está perdendo a memória, então todos
os dias ela me lembra que eu fiz bodas de papel contigo e que eu preciso comprar algum
presente pra minha esposa, porque é isso que um homem de verdade faria. Eu não sou nada sem
você, eu não significo nada sem você, e eu não quero ser nada sem você.

— Nossa, quantos motivos você conseguiu selecionar...

— Faltou um. Terei a oportunidade de ser pai em tempo integral, e não verei meu filho só no fim
da noite, quando ele já está indo dormir, como se fosse punição. Participarei da vida dele com a
mãe dele junto, o levarei na escola e você o buscará. Vamos... vamos combinar as atividades com
ele em família e... — algumas lágrimas escapam de seus olhos, enquanto ainda me olhava com a
cabeça escorada no apoio. — ...eu jamais quis deixar de cumprir a única promessa que fiz a ele,
mas eu fiz isso quando ele era bebê. Ele não se lembra, mas eu me lembro a todo momento. Eu
prometi uma família linda e unida, falhei com ele, e ele não sabe.

— Somos unidos da forma que podemos. — eu digo e minhas próprias palavras me ferem de um
modo que...

— Está sendo sincera de coração? Pra você, sinceramente, acabou nosso tempo? Acabou ‘a gente’?
— Acabou.

— Por que desviou o olhar?

— Não começa.

— Só me fala, me demonstre convicção pra eu me tocar, e parar de insistir.

— Vou buscar alguns remédios e arrumar a cama dele pra você deitar. Sei que vai gostar de ficar
lá. Também vou preparar um banho. — eu me levanto pra fugir daquilo, e ele se esforça pra me
seguir.

— Em todos esses anos você nunca explodiu e nem desabafou comigo. Desabafa! Me bata mais!
Quebre alguma coisa!!!

— O QUE VOCÊ QUER OUVIR??? Eu não quero desabafar, eu não quero ver você sofrer, eu nunca
quis ver você sofrer e nem quero agora! O que aconteceu foi que mais uma vez estive do meu
lado e você do seu!

— NÃO! EU ESTAVA CEGO!!! VOCÊ ME ESCONDEU O QUE AQUELA VADIA FEZ! VOCÊ ME PRIVOU
DE SABER A VERDADE, E A HISTÓRIA QUE VOCÊ ME CONTOU FOI TOTALMENTE DISTORCIDA DA
REALIDADE. O QUE VOCÊ ME DISSE FOI QUE CHEGOU LÁ E CORTOU SUA GARGANTA “SÓ
PORQUE SENTIU VONTADE E NÃO TINHA NADA MELHOR PRA FAZER” QUANDO SABIA QUE EU
ERA TOTALMENTE CONTRA ESSES SEUS ASSASSINATOS POR HOBBY. — ele grita demais e eu
gradeço por Theo não estar em casa — EU ME ENCONTREI EM UMA SITUAÇÃO COMPLICADA,
ONDE A MULHER QUE EU AMAVA MATOU MINHA EX POR CAPRICHO, QUANDO A MESMA JÁ
ESTAVA PRATICAMENTE CASADA COM MEU IRMÃO, VIVENDO A VIDA DELA, E COM MUITO
TEMPO SEM NOS INFERNIZAR!!! A PORRA DA MULHER “ESTAVA CUIDANDO DA VIDA DELA, NA
CASA DELA SEM MEXER COM A GENTE E VOCÊ FOI LÁ E A MATOU PORQUE TINHA PROMETIDO,
E UMA HORA PRECISAVA CUMPRIR”. QUANDO ENFIM ACHEI QUE ELA TINHA SUPERADO E NOS
DEIXADO EM PAZ, A MULHER VOLTA DE VIAGEM E SIMPLESMENTE É MORTA DENTRO DE CASA,
SEM TER FEITO PORRA NENHUMA. FOI ISSO!!! FOI ISSO O QUE VOCÊ QUERIA QUE EU SOUBESSE,
E QUERIA TER MEU APOIO, MESMO SABENDO QUE EU JAMAIS APOIARIA UMA ATITUDE ASSIM,
NÃO IMPORTA SE FOSSE COM ELA, OU COM QUALQUER OUTRA VADIA!!! — ele para pra
respirar e se aproxima ainda mais de mim. — Eu amo meu filho e você mais do que tudo no mundo,
e é por isso que eu não tive pena da desgraçada quando eu soube a real. É por isso que eu nem
me lembro mais da filha da puta, e eu teria ido atrás dela se você tivesse me contado assim que te
encontrei na cama, já com meu filho no colo. Ela me privou de participar do nascimento dele, de
estar do seu lado, e colocou vocês dois em risco. Se algo tivesse acontecido, eu nem sei o que eu
seria capaz de fazer com aquela mulher. Mas você não quer saber de nada disso, não é!? Você
não me quer de volta porque ainda se sente trocada por ela. Não entende que minha atitude, e o
fato de eu ter ficado inconformado, não era porque o acontecido fora com ela, e sim, porque
você, mais uma vez, me escondeu as coisas, e supostamente “matou alguém sem necessidade”. Eu
NUNCA amei aquela mulher, nunca! — ele nega e eu escondo o rosto com as mãos, eu estava me
sentindo... não sei como eu estava me sentindo, só sei que eu estava péssima. — Não era amor,
descobri isso quando te vi pela primeira vez. Esqueci dela e nunca mais a toquei, de forma alguma,
depois que te vi. Só existia você. Até hoje, só existe você. Tudo o que eu disse foi na hora da raiva,
não foi de coração você sabe disso. Você me deu tudo!!! — ele chora e eu só sinto porque não o
encarava — Volta para mim, Catarina. Me perdoa por ter te magoado de novo, me perdoa por
não ter sacado que não fazia sentido algum você matar a mulher depois de tanto tempo afastada
de nós, vivendo a vida dela. Eu devia imaginar que você ligaria para o Tiago, no desespero, eu
devia me lembrar que foi o último número que disquei e você jamais conseguiria raciocinar estando
sozinha, com dores, e com tanto medo. Me perdoa!

Ele tira minhas mãos do rosto e me olha nos olhos, esperando uma resposta.

— Casa comigo de novo. Me perdoa, eu amo você, meu neném!

— Eu preciso de mais do que palavras bonitas. Você me deve cinco anos inteiros!!! — eu digo, pois
é só o que consigo dizer e me afasto. Eu não conseguia dizer um sim gigante como eu queria, só
por causa do orgulho, mas eu também não conseguia dizer não. E só de pensar em dizer não pra
ele, meu interior se deteriorava aos poucos. — Vou ligar a banheira...

— Do teu quarto?

— Do quarto do Theo!!! — falo de uma vez e ele ri secando os olhos. — Nem pense em fazer
nenhuma gracinha!

— Tô com fome. Eu não almocei, e nem jantei. — ele diz inclinando um pouco a cabeça, só me
analisando com tua cara de bobo.

— A geladeira está bem ali! — cruzo os braços.

— Cuida de mim, neném. — ele fala baixinho “pra ninguém ouvir” e eu sinto meu corpo inteiro
responder àquele pedido. Meus seios endurecem na hora. — Cuida de mim. Tô com fome, cansado
e com saudade. Vem aqui... — ele me chama e eu vou, aperta minha cintura e eu sinto meu
coração destruído se reconstruindo aos poucos. — Meu corpo todo dói, tudo dói. Cuida de mim,
vida!

William implora com sua testa colada na minha e o beijo tem gosto de nossas próprias lágrimas.
Seu abraço é de um amor incontrolável, e eu sinto que jamais poderia sentir aquilo com outra
pessoa. Todas as minhas partes estavam se juntando, voltando para seu devido lugar, e ali, William
era toda a razão da minha vida. Meu amor. Eu não queria que o tempo parasse, pelo contrário, eu
queria que o tempo corresse até o ponto onde me provava que, o que dizia era real. Que a gente
daria conta, que tudo daria certo, que a gente ia saber lidar com os dois lados da linha, e que
tudo sairia como o planejado, e nós três seríamos felizes. A família feliz que ele nos prometeu.

Obviamente ajeitei seu banho, cozinhei, arrumei a cama do nosso pequeno, mas não o deixei se
deitar lá. Assim que começou a me dar o beijo, que disse ser “de boa noite”, o arrastei para o que
era nosso quarto, e de luzes acesas fizemos amor, com uma intensidade nunca antes alcançada. Eu
não tive escolha. Eu precisava amar aquele homem como ele estava me amando, e foi por isso que,
mesmo machucado e fragilizado, o cachorro conseguiu quebrar e bagunçar meu quarto inteiro,
enterrando aquela minha vara enorme em mim e matando minha vontade, e saudade. A minha vida
estava voltando ao seu devido lugar, porque William era meu senso de organização e meu Norte.
Era meu tudo e sempre foi.

Nos amamos com vontade, com força, barulho, e sem pudor algum. Dei tudo o que podia, como ele,
e nos entregamos de corpo e alma. Seu toque, sua boca em mim, seu cheiro, seus rosnados que
demonstravam beirar a loucura como eu estava... sim, eu estava beirando a loucura e não queria
nunca mais parar. Não entendia como consegui ficar tanto tempo sem seu corpo em mim, dentro de
mim, seu peso sobre mim, seus beijos, olhares... William era completo em tudo. Foi por isso que me
apaixonei perdidamente. Só naquele momento, ali, de luzes acesas e sua boca explorando e
sugando meu ponto exposto é que me senti, pela primeira vez em anos, completa.

— Papai???

Escuto Theo sussurrar. William estava agarrado a mim, como se pudesse me impedir de fugir, e o
dia já raiava.

— Filho... — olho ao redor ainda sonolenta.

— O que papai faz na tua cama??? — ele dá a volta pra me abraçar e me beijar, como sempre
faz quando acorda primeiro que eu e vem até meu quarto.

— William... — prefiro não responder e jogo a bola pro cachorro, que dormia pesado. —
William!!!

— O que foi?

— Veja! — ele se levanta meio grogue, vê o Theo, e sorri pro pequeno.

— O que você quer? Explicações, não é? — Theo confirma, mesmo sem entender e William puxa o
menino pra cama. Provavelmente dona Maggie fazia o café lá embaixo, e nem sabia o que
acontecia ali. — Vem cá com o pai, já, já eu te explico o que faço aqui. Tô muito cansado.

Ele abraça e cobre o menino sorridente com o lençol, e Theo finge dormir, até que realmente
dorme. Saiu da casa de sua avó de pijama, e final de semana costumava dormir até tarde. Ainda
era oito da manhã. É claro que ele ir dormir.
Me ajeitei nos lençóis, abracei os dois homens de minha vida, e após uma boa soneca, despertei
sozinha.

— Ah! Para papai, você é mais forte, sempre vai ganhar...


Ouço a bagunça dos dois enquanto desço as escadas e sinto um cheiro bom de café e bolinhos.

— Mamãe, vem lutar com o papai! Ele tem que perder um pouco!

Theo me grita quando entro na sala e eu dou risada, me lembrando de ontem.

— Seu pai só ganha na luta contigo, Theo. Ou quando joga sujo!!! — eu digo e ele se levanta do
tapete. — Não ouse a me beijar, principalmente na frente dele. — sussurro e ele ignora.

— Fizemos amor até amanhecer e agora vai ficar cheia de “não me toques”, comigo??? Já contei
pra ele, ele sabe que eu quero a mãe dele de volta. — ele diz e me abraça. Theo se aproxima e
fica nos encarando. — Me dá um beijo de bom dia!

— Mãe, dá um beijo de bom dia no meu pai.

— Eu não mandei ele dizer nada. — William logo se defende. — Theo apenas quer o mesmo que
eu. Ver a sua mãe e o seu pai juntos e felizes.

Ele diz, abraço o cachorro cheiroso, e resmungo um “bom dia” bem mais ou menos.

— Bom dia, dona Maggie!

Entro na cozinha e encontro a velha organizando a bagunça que pai e filho fizeram.

— Bom dia! Eu não me aguento de tanta felicidade em ver que vocês dois se acertaram. — dona
Maggie falava radiante.

— Não nos acertamos, apenas tivemos uma recaída. Eu não sei como será nosso futuro. Não sei se
consigo confiar cegamente no teu filho de novo.

Me sirvo de café e sinto que o que eu disse acabou com seu dia.

— Então me faça um favor!? — ela pede e meu coração dói, mas confirmo. Já imaginava...—
Mande ele embora e tire qualquer esperança de seu coração. A Manuela ama meu filho, pode
correspondê-lo e fazê-lo feliz, os dois são sozinhos, e ela ama meu neto. Se realmente não quer, o
afaste de si e evite possíveis recaídas. Meu filho te pediu perdão, se não pode perdoar, não
perdoe, mas não o faça sofrer mais. Ele está cheio de esperança. Acabe logo com isso antes que
tudo acabe em outra tragédia. Theo merece uma família tradicional, saudável e feliz, se você não
pode dar, Manuela pode.

— Tá voltando a ser como era comigo, antigamente... te dá prazer me deixar pior do que já
estou???

— Não. Eu amo você, digo isso sempre que posso, aprendi a amar você! Eu apenas quero ver meu
filho feliz, queria que fosse com você, mas como não pode ser, quero que ele seja de qualquer
jeito. Estou velha, estou morrendo um pouco a cada dia, eu preciso ver William feliz antes de partir.

— William nunca será feliz sem mim.

— Mas ele precisa tentar. Ele pagou por tudo durante todos esses anos, precisa libertá-lo disso. Ele
não merece todo esse sofrimento. Não merece. O leite está quente, cuidado.

Nós duas falávamos em sussurros, e quando William entrou na cozinha carregando o pequeno nos
ombros, logo sentiu o clima. Dona Maggie tinha total razão. Eu precisa pensar no que eu queria
pra minha vida, arriscar ou desistir, e dar uma chance para o cachorro ser feliz sozinho ou me
fazer feliz. O problema era que, com Theo já crescido eu tinha muito o que perder. Se nada desse
certo? Como Theo ficaria presenciando nossas brigas ou teu pai favorito sofrendo??? Eu precisava
pensar, pois, apesar de saber que William sempre foi um excelente pai e nunca magoaria nosso
pequeno, eu não sabia dizer se valia a pena arriscar. Eu protegeria meu filho acima de qualquer
coisa.

Tivemos uma noite tão gostosa. Foi tão bom como antigamente. Na verdade, com a saudade, foi
ainda melhor.

— Não pense muito. — ele me abraça quando eu chego e encaro a rua movimentada do
condomínio pela janela da sala. Theo havia enchido a sala de robôs e lego e William pediu um
minuto “para falar com a mamãe”. — Seremos mais felizes que do um dia fomos.

— Você não entende que ter dormido contigo, não foi um sim.

— Eu entendo, sim.

— Não. Não entende. Tem o Theo... não posso arriscar. — paro pra pensar e decido, por isso o
encaro — Acho que chegou a hora certa para aquela viagem. Só mais uma semana e ele acaba o
semestre. Vamos viajar. Mudar de ares pode me ajudar a pensar.

— Não vai tirar meu filho de mim. Theo fica comigo.

— Serão só alguns dias.

— Não. Você está me deixando, não ficarei aqui sozinho. Theo fica.

— William.

— Não. — ele evita gritar e volta pro tapete, demonstrando que o assunto estava encerrado.

Assim que o dia começa a chegar ao fim, comigo ainda pensativa, dona Maggie ainda chateada
comigo, William ainda bravo com a possibilidade de ficar longe do filho, e o tempo esfriando;
Entro no quarto e vejo William separando uma troca de roupa pro Theo tomar banho.

— E então... como você acha que vai ser? Será que você vai gostar de andar de avião e conhecer
outros países? Vai ser legal né...!? — ouço William puxar o assunto e decido continuar ouvindo.

— Por que você tá falando disso de novo?

— Eu não sei. — William ri sem graça. — Acho que estou animado e ansioso...

— O papai quer que eu fique aqui?

— Não. O papai quer que você vá e cuide da mamãe. Eu vou morrer de muita saudade, mas eu
quero que vá para conhecer lugares legais, se divertir e cuidar da mamãe.

— Por que você não vai com a gente?

— Porque é a vez da mamãe ter um passeio legal de mãe e filho. Vai ser demais, você vai amar,
mas... o pai quer que você me faça um favor enquanto estiver passeando com a mamãe. Será
nosso segredo.

— O quê?

— Não vai deixar homem nenhum chegar perto da mamãe. — Ai, meu Deus!!! — Nem se for legal,
cheio de sorrisos para vocês dois, e nem se parecer confiável. Homem do lado da mamãe, só o
papai, o vovô, os seus tios, e o padrinho. Mais nenhum! Pode fazer isso por mim? Será nosso
segredo.

— Tudo bem!

— Se algum marmanjo chegar perto você grita que a mamãe já tem o papai, é casada, ama o
papai, e não quer ninguém mais na nossa vida!!!

— Tá bom. — Theo resmunga e eu me aproveito pra entrar no quarto. Imediatamente Wiliam


corre pra fugir de minha cara feia, liga a banheira, manda o menino entrar e me agarra quando
sai.

— Não pode encher a cabeça do menino de bobagem!!!

— Não é bobagem. Theo não precisa de mais figuras paternas. Ele já tem a mim. Quero você de
volta, e se vai tirar meu filho de mim por uma semana, na mais pura crueldade, tenho que sair
ganhando em algo. Já falei com ele, Theo não vai deixar nenhum gringo estragar os planos do
papai. Vem cá...

— Não é uma semana, serão alguns dias, e pare de drama. O menino está aí... — resmungo
gemendo baixo, porque seu apertão me fez liberar um riacho.

— Enchi a banheira de Transformers e já ensinei que é arriscado sair da banheira com os pés
molhados, qualquer coisa ele vai me gritar. Até lá, temos tempo de encomendar outro bebê lindo,
enquanto eu estoco em você daquele jeito que tu gosta. — William aperta minha intimidade, mesmo
por cima da calça jeans e eu mordo o lábio, me entregando completamente. — Se lembra de como
foi essa madrugada??? — ele fala mexendo sua mão no lugar certo. — Te fiz gritar, gozou litros
na minha boca... rebolou na minha cara, como uma depravada, sem pudor algum. A gente se
deseja demais, não estou te cobrando nada agora, pelo menos, nada de tão sério nesse momento,
apenas faça aquilo de novo, esfrega essa boceta na minha cara e pare de pensar... você pensa
demais!

Ele sussurra baixinho, arranca minha calça, deita de costas na cama, me puxa pela cintura e me
faz rebolar, enquanto colocava a língua pra fora e me olhava com os olhos vidrados. Se aquilo
que a gente sentia um pelo outro, com aquela força, aquela intensidade, não era o mais puro amor
que esse universo já viu, então eu não sabia mais o que era.

— PAI!!! — Theo o chama assim que eu terminava de gozar em sua boca aberta, ele me joga na
cama, beija minha boca com uma vontade absurda e vai atender o filho.

Me sinto nas nuvens jogada na cama, de pernas bambas, e feito pelo que eu achava, minha última
viagem ao céu com aquele anjo que me amava. Mas não foi a última. Contou sua história, pois era
sua vez, fez o nosso bebê dormir, e o dia incrivelmente fantástico que tivemos, se estendeu ao
longo da madrugada. Amei aquele homem sem culpa.

— Por que você está indo? Fala pra mim!

William questiona assim que coloca a nossa mala no porta-malas do carro. Aquela semana passou
voando, ficamos juntos a semana inteira em casa, fazendo amor todas as noites, e o bebê chorão
já começava a miar.

— Quer um tempo? Eu te darei espaço, voltarei a fingir que não estou sentindo nada...

— Eu preciso de novos ares. — eu vejo se Theo continuava dentro do carro batendo um robô no
outro, entretido, e me abro com o cachorro. — Eu preciso pensar!!! Conversamos sobre isso a
semana toda, William. Você já disse o que quer, eu disse que essa viagem me ajudaria a pensar,
de qualquer forma, você sempre soube que ela estava sendo planejada há muito tempo. Pensa
bem no que está pedindo, quer voltar pra casa, quer esquecer tudo, mas você sabe que logo, logo
nossas brigas, pelos mesmos motivos voltarão a acontecer, e a pior parte é que não será somente
nós dois tentando se matar para a dor passar. Theo estará no meio de tudo isso!!!

— Eu já disse que te aceito de qualquer jeito, não vou mais brigar contigo!
— Eu acredito. Mas por enquanto são só palavras.

— Mas você não me deu tempo pra te mostrar de verdade!

— Eu estou muito confusa. Eu te amo, é só isso o que eu sei, mas com Theo, tudo muda.

— Eu jamais magoaria meu filho!

— Você aliciou o menino pequeno para atrapalhar um futuro relacionamento da mãe dele...

— Theo é filho meu! Tem que ficar do lado do pai! Então é por isso que você vai embora??? Para
se encontrar com outro???

— Aí. Tá vendo? — eu fico brava e ele ri. — Não dá pra nos visualizar casados de novo, você e
eu nunca vamos mudar. Acabou que aconteceu o que eu temia. Nosso relacionamento virou a cópia
dos meus pais. Brigas, inseguranças demais...

— Me perdoa!!! Eu sou uma bosta e você é péssima nisso, vamos ser errados juntos, neném???

— Tchau, William. — ele me agarra quando ameaço entrar no carro e eu escondo que sorria.

— Vida!!! Me deixa pelo menos levar vocês até o aeroporto. Não faça isso comigo, Cat!

— Vai ir daqui até lá em silêncio? Sem tentar me fazer voltar atrás?

— Posso tentar! — ele ri. — Eu sempre vou tentar ter você de volta. Sempre! Prometa que não vai
me chifrar lá fora! — dou risada. — Por favor, neném...

— Nós não temos nenhum compromisso.

— O que eu preciso fazer pra você confiar em mim e mudar isso?

— Parar de tentar me atrasar, já ia ajudar. Sei que está fazendo isso, mas eu vou com o jato do
meu pai, será mais conforto pro Theo. A hora que eu chegar lá, embarcaremos, não importa a
hora.

Eu falo, ele fica desanimado ao ver que eu estava decidida, e volta sua atenção para o pequeno
que brincava lá dentro.

— Serão só quatro dias. — eu digo, pois, meu coração se espremia ao vê-lo sofrer, mas eu não
podia deixar meu filho pra trás. — Voltarei logo, eu prometo.

— Jamais fiquei um dia sem vê-lo, vou acabar pirando. Vou... vou enlouquecer aqui, sem ele. Vou...
— William nega segurando o choro e seus olhos ficam vermelhos quase que imediatamente. —
Vou pegar a carteira e levar vocês. Não sai daqui.

— Não vou sair. — eu garanto e ele corre pra dentro.

Dirige em silêncio, sofrendo, respondia ao menino disfarçando a tristeza, pro pequeno não se sentir
culpado por estar indo comigo, e não me dirigia o olhar. Estava derrotado.

— Tudo bem... — ele se ajoelha quando nos aproximamos do portão externo de embarque
particular. — Você já sabe. Cuide da mamãe, se divirta muito, compre muitos brinquedos legais,
conheça lugares legais, e ligue para o papai todos os dias! Prometa! — ele segura nos ombros do
pequeno e eu me recuso a desviar o olhar.

— Prometo. — Theo parece se lembrar de mais coisas e resmunga no ouvido do pai. — E também
tem nosso segredo: mamãe não pode ter um namorado! — sorrio, porque William nunca usou essa
palavra, mas o cachorro não se diverte.

— Theo... — ele tenta, mas não consegue evitar o choro na frente do menino. — o papai te falou
uma enorme bobagem, a sua mãe é uma mulher linda, inteligente, carinhosa, dedicada, e
maravilhosa... ela deve arrumar um namorado pra cuidar dela sim, porque ela merece e precisa
ser feliz, então... façamos diferente. Pode deixar ele se aproximar, mas só se te tratar com o
respeito que o papai te ensinou, com carinho, e com cuidado. Ele terá que amar você primeiro e
depois ela.

— Não chora, papai, eu entendi! — Theo começa a chorar e minha dor evolui para uma
proporção nunca antes sentida. Eu queria me rasgar por fora, para que aquela dor de dentro
passasse a não significar mais nada. — Pare de chorar, pare de chorar!

Ele abraça o pequeno e eu seguro um grito de dor.

— Eu parei, pronto. Parei. — ele seca as lágrimas de ambos, se recompõe, e sorri forçado. — Eu
não estou chorando de tristeza, é de felicidade por você. Se cuida, cuidado na rua, não fale e não
confie em quem não é família. Nunca!!! Qualquer dúvida, pega o celular da mamãe, e ligue pra
mim. Eu já te ensinei, não foi? — Theo balança a cabeça. — Não importa a hora, qualquer coisa
que não parecer legal, e a mamãe não estiver por perto, ligue pra mim! Eu amo você! Amo muito
você! Eu te vejo em poucos dias. Vai ser muito rápido. Vai com a mamãe!

Ele abraça o filho de um jeito doloroso, sorri pra ele, e levanta.

— Você também. Se cuida! — ele me abraça e eu sinto seu cheiro maravilhoso. Minhas lágrimas
vão parar em sua camiseta limpa, mas eu não ligo.

— Está parecendo que a gente está se mudando...

— Você nunca vai entender! — ele diz, se afasta de mim e encara o pequeno bebê de olhos
coloridos, jeans e all star vermelhos que o encarava chateado.— Vai logo, por favor!— ele
sussurra pra mim e eu pego na mão do pequeno, que não saía do lugar. Theo parecia aborrecido
e ter criado raízes enquanto fitava o pai.

— Vai com Deus. Vai logo! Me liga... — Ele volta a beijar o pequeno e sai andando sem olhar pra
trás.

— Vem, vamos, filho. Seu pai vai ficar bem!

Eu puxo sua mão e ele nega.

— Eu não quero ir. Não quero deixar meu pai triste. — suspiro revirando os olhos e dou uma
risada nervosa.

— Ele não está triste. Ele só está emocionado. Seu pai te ama, e vai continuar amando você. Seu
pai respeitou sua decisão de ir comigo, e ficou feliz por você!

— Mas eu não quero ficar longe do meu pai, não quero ir!!! Quero ficar! Não me faça ir!!!

Suspiro, grito pelo cachorro chorão e empurro Theo para seu encontro, ele corre para o pai, e eu
vejo que são realmente focinho de um, focinho de outro. Dois dramáticos.

— Ele quer ficar. Me dê notícias! — me aproximo e ele fica iluminado.

— Não vai por que o papai chorou? E quem vai cuidar da mamãe? — o cachorro nem esconde a
felicidade em ver o filho não querer se separar dele.

— Mamãe é muito forte, eu preciso cuidar do papai. Você é muito chorão!!!

— Eu te amo! — eu só falo, sorrio e ele se joga pro meu colo.

— Eu também te amo! Muito, muito, muito, muito!

Theo beija meu rosto inteiro, escondo a dor que me causa em deixá-lo pra trás e vou embora, com
um sorriso enorme no rosto. Seria melhor assim. Alguns dias de paz em algum lugar da Europa,
sozinha, e pensando em minha vida e na decisão que eu tinha que tomar. Mas ali, eu tive mais uma
certeza de que precisava ter, além da que eu amava aquele homem com todas as forças. Eu tive
certeza de que sendo meu marido ou não, William me amaria pra sempre, e seria o melhor pai
que esse mundão já viu.

(...)

O fim de tarde nublado na capital parisiense era pura poesia, poesia triste, mas era. Eu já tinha
vindo antes, mas naquele momento, o céu cinza, meu cappuccino quente, e a vista do café Au
Bouquet St. Paul, próximo ao Louvre, deixava tudo tão “perfeito” que não me faltava “nada”. Eu
tinha ali... não, eu tinha ali QUASE tudo de que precisava. Faltava minha pequena família de dois.

Ok. Viajei pra me esquecer de William um pouco e focar no que eu queria para a MINHA vida,
independente dele fazer ou não parte dela de algum modo. Eu sei que devia apenas refletir e
curtir todo o roteiro, desde Bélgica, Alemanha, Suíça, e Itália, que planejei pra refrescar as ideias,
e mostrar pra Theo também, pois esse era o plano. Mas não dava pra deixar de pensar em como
seria ter os dois aqui... me faziam pensar sobre quais eram minhas prioridades, vontades... por isso
cheguei em Paris e fiquei, mas não sabia o porquê vim direto pra cá.

Pensei muito durante esses três dias aqui. A “única” conclusão que consegui chegar, é que eu
amava meu bebê chorão, amava meu bebê-chorão-júnior, e tudo o que eu queria era ver os dois
felizes, e que seria muito bom se eu conseguisse fazer isso ao mesmo tempo, com todo mundo junto.
Meu homem, e meu filho. Pelo menos eu ficaria triste por tentar de novo e quebrar a cara, e não
por me arrepender profundamente ao vê-lo com outra mulher, e outra mulher oferecendo ao meu
filho a família que eu deveria oferecer, com a felicidade que eu deveria proporcionar aos dois.
Sorrio ao ver o quão inútil eu fui em entender algo que eu já deveria ter sacado no bendito
aeroporto. Isso tudo porque a França era um país incrível, mas não tinha charme nenhum sem os
dois ali.

— Mlle Catherine. Un dessert de chocolat français, et un petit souvenir d'un admirdor, notre client
du café! — um garçom interrompe meus devaneios dizendo que um cliente me ofereceu uma
sobremesa bacana e um presente. O doce parecia muito bom, e a caixinha parecia lapidada em
um enorme diamante. Quando ameaço perguntar quem foi, levanto meu olhar e ele já tinha
desaparecido.

Na caixinha havia um anel lindo demais, com uma pedra de diamante parecida com a minha, que
William me deu e nunca mais saiu do meu dedo, mas aquela era nitidamente, uma joia francesa.
Uma peça linda. A caixinha era uma joia gigante em formato circular e brilhava demais. Reluzia.
Embaixo dela havia um bilhete, que logo abri. Abri e sorri chorando.

"Cada dia que passa você fica mais linda, sabia? Eu te amo tanto... Paris hoje está ainda mais bela.
Vai me perguntar o que eu vim fazer aqui? Eu já te digo: Vim te oferecer mais do que palavras
bonitas. Quer mais uma prova de que nosso destino é juntos??? Se lembra do que eu te prometi?
Notre-Dame, um casamento de princesa, uma vida linda... e onde você veio primeiro? França. Eu sabia
que você viria para cá, então nem perdi tempo pesquisando, só pesquisei seu endereço quando
cheguei aqui. Eu sabia que seu coração te levaria a mim de alguma forma, e eu segui o meu até
chegar aqui, para te perguntar..."

— Casa comigo de novo, neném? — ele sussurra no meu ouvido assim que levanto os olhos do
papel e eu me viro. Sentia vontade de me beliscar só para ter certeza de que não era um sonho.
— Eu te amo. Casa comigo!

— O que faz aqui??? — dou risada e o abraço. — Como...? Você... você é maluco!
— Não me faça perguntar de novo, nossa família inteira está do outro lado da rua, assistindo isso.
Só olha pra mim e diga sim. Me faça o homem mais feliz do mundo, e me deixe te dar uma vida de
princesa, como você merece. Sei que eu sou todo errado, amor. Eu sou o cara mais errado que
existe nesse mundo, eu fiz tudo errado, com excessão de você. Você e nosso filho foi o momento
mais certo da minha vida, foi a melhor coisa que me aconteceu, e mesmo errado, mesmo todo
errado, eu preciso de você! Casa comigo!

— SIM, seu bebê chorão!!! Eu te amo, neném! Te amo!!!

— Você é tudo pra mim, Catarina, é minha vida!

— E eu precisei vir até aqui pra conseguir entender que, sem você não faz sentindo nenhum. Me
perdoa! Eu não devia ter vindo.

— Devia. Devia sim. Se não tivesse vindo, eu ia demorar mais pra cumprir o que eu te prometi. —
William diz, sinaliza para meu pai, que atravessa a rua com Theo de mãos dadas, e logo deixa o
meu menino lindo correr pra mim. — Viemos ver como a mamãe fica em um vestido de princesa, em
um país de princesa, como ela sempre sonhou... não é, filho!?

Theo me agarra, me beija, e concorda com o pai.

— Sim. Mamãe vai ficar linda!!! Como uma princesa de verdade!!!

— A nossa princesa!!! — ele sussurra, beija minha boca, e eu me desmancho em lágrimas como
uma boba.

Naquela noite jantamos todos juntos, com a família em peso torcendo por nós dois e comemorando,
colocamos o nosso cadeado na clássica Pont des Arts, e passamos o resto da noite no hotel em que
eu estava. Apenas nós três. Logo de manhã, após o café tipicamente francês em família, me fez
fazer check-out, e logo após partir para um hotel-castelo-maravilhoso, o Hotel d' Albusson. Lindo,
colonial, com lustres maravilhosos, e móveis legítimos provençais, primeira classe. Um lugar de
princesa, meu sonho de infância.

Eu estava no céu. Ele cumpriu tudo o que me prometeu, me casei com um vestido armado lindíssimo,
com cristais preciosos, branco, joias belíssimas, rodeados de nossa família, e onde eu sempre quis,
na Catedral de Notre-Dame, com direito a tudo. Decoração divina, ele maravilhoso lá na frente me
esperando, Theo com as alianças, recepção luxuosa no Albusson, e nossa felicidade estampada em
nossos sorrisos.

Tivemos uma recepção íntima, nossa luxuosa lua de mel no interior da França, — lua de mel, só
quando Theo dormia, porque o bebê-chorão-pai queria uma temporada em família na lua de mel
também. Sem o filho já disse que não ficaria nunca. — e muito amor envolvido em cada pedacinho
de momento juntos. William e aquele principezinho de olhos coloridos eram meu tudo.

Como eu disse, o cachorro cumpriu tudo o que me prometeu. Me faz feliz, é o melhor pai do
mundo, me aceita como eu sou, e continua me fazendo ir até o céu só com o olhar. Não me tornei
policial porque eu sabia que eu não precisava ser o que William era pra Theo me amar, Theo era
meu filho, eu era o que era, e ele nunca descobriria sobre nada daquilo, e se soubesse, continuaria
me amando, como seu pai me amava... eu passei a acreditar naquilo e não errei. E apesar de não
cumprir o que eu prometi, eu sabia que mesmo assim, minha Gabi continuaria me amando, e
continuaria em meu coração, porque eu jamais desistiria de descobrir quem a matou.

Tivemos o nosso “felizes para sempre”. Meus pais, Davi, que recebia todo o nosso amor desde que
meus avós se foram, os primos, tios, irmãos... todo mundo encontrou seu jeitinho de ter um pequeno
pedaço que fosse de felicidade, ou muita, até mesmo Fred, que encontrou um novo amor, e Tiago,
que se casou em Nova York. Meu sogro saiu, conheceu o neto, reencontrou sua esposa pra
continuarem de onde pararam, e todos os meus filhos e meus parceiros amados de minha galeria e
instituição, continuaram como sempre, tendo o meu cuidado e amor eternamente. Minha grande
família linda.

Já William, meu delegado gostoso, bom... ele continuava tentando foder com meu trabalho, dia
após dia, noite após noite; cada dia melhorava suas formas de trabalhar, e seus apetrechos pra
pegar o meu cartel e chegar primeiro... lutávamos, tentávamos nos atirar de pontes, escadas,
esmurrar um ao outro, alguns tapas, que faziam seu sorriso brilhante se iluminar e tentativas mútuas
de pontuar e arquivar cada vitória e derrota de ambos. “Você foi muito bem hoje, neném...” ,
“...hoje o sofá é teu por ter atirado no meu braço, filha da puta...”, “Você deveria parar de me
chutar tanto, estou cansado de enfaixar esse braço, vai acabar me aleijando...”, “ Eu te amo, mas
aquele murro diminuiu esse amor, sem trepadas sacanas por essa semana...” — risos — eram
algumas das frases que me dissera nos últimos dias. “Tentava me prender quase todos os dias”,
mas quando chegava em casa, me amava, e era um marido e um pai mega-
exemplar/amoroso/carinhoso/e dedicado.

Me amou do mesmo jeito, cuidou de mim como sempre cuidou, continuava me enchendo de amor,
independente da TPM fodida, e ciúmes exagerados.

Continuava me amando gostoso sempre que podia, não importava muito se era no sofá de seu
escritório ou em nosso quarto, me tratava como princesa até quando eu me tornava uma bruxa, e
por último, mas não menos importante, me olhava com os mesmos olhos do início de nossas vidas
juntos, cheio de orgulho e amor, e me aceitava como eu era: letal e perigosa. A última herdeira do
crime.
OIII! SOU EU! A autora... gostaria muito que me dissesse aqui na plataforma, com estrelas, o que
você achou da série, é muito importante pro livro e pra mim! E Ah! Você sabia que eu escrevos spin
offs da série no blog?
www.marjorylincoln.com.br
Então se quer ver como Theo ficou, acesse, e claro, aguarde novidades sobre outras obras,e spin
offs que serão escritos para alguns personagens mais pra frente, — Inclusive do nosso casal/trio
Nat, Mat e Marcelo... rsrs — nas minhas redes sociais! E de presente por tanto carinho... deixo nas
próximas páginas, um extra do conto mais quente que você vai ler: A Minha Nova Diarista!
Dá uma olhada na sinopse!

Lara no momento é diarista, mas se engana quem acha que é a coitadinha "da história". Nada disso.
Têm suas dificuldades, seus medos, suas lutas, mas é uma garota que apesar de "pobre", é rica em
alegria, auto-estima, força de vontade e bondade.
Já Vicente é um engenheiro químico super talentoso que não mede esforços para cuidar de sua filha,
Allana, de dez anos. Perdeu sua esposa há alguns anos para o câncer e ainda sofre demais com o
luto, o que o fez um cara completamente amargo e grosseiro com qualquer mulher que ousa a se
aproximar com outras intenções.
Tia, a velha mãezona que o ajuda dia sim, e dia não, entra de férias, e "o deixa na mão". Para cobri-
la indica a filha de uma amiga que precisa muito do trabalho e que além de tudo tem uma mão ótima
para cozinhar.
A vida de Vicente permanece seguindo seu curso até que para bruscamente quando chega em casa
mais cedo, e presencia uma cena no mínimo incomum e tentadora: uma garota linda e naturalmente
sexy, literalmente de quatro no meio de sua sala.
Ele precisava encurtar imediatamente as férias de Tia, ou com certeza ia enlouquecer. Ela jamais
reclamaria de ter um chefe com os olhos mais expressivos que já havia visto... e aquele sorriso
incrível? Barba grossa, peito largo no terno impecável...
Um engenheiro, paizão, todo coração, e educado, mas fechado para o amor, e uma diarista linda,
alegre, batalhadora, e cheia de sonhos com o coração completamente livre e quase implorando para
amar. Um conto quente ao mesmo tempo leve, emocionante, e surpreendente.

CAPÍTULO 1
— Oi, Tia. Está tudo bem?
— Está, menino. Só liguei para dizer que vou esperar tu chegar. Precisamos conversar...
— O que houve? Lana está aí, certo?
— Lana está bem. Chegou do colégio, Suzi está aqui tentando fazê-la ir pro banho e cuidar do
dever... tudo em ordem.
— Então o que há, Tia?
— Precisamos conversar sobre minhas férias. Vou passar uns dias em Salvador... conversamos
sobre isso. Quero ir viajar logo!
— Vai mesmo deixar Lana e eu aqui...
— Oxi! Quer ir comigo? — ela ri. — Eu levo vocês comigo! É só tirar umas férias também, nunca
fez isso. Allana ia amar minha Bahia, e você também!
— Tudo bem. Conversaremos quando eu chegar. Já que vai me esperar, sairei mais cedo. Saio em
quinze minutos!
— Vem com cuidado. Essas estradas estão cada vez mais perigosas.
— Sou cuidadoso. Não se preocupe!
— Tá. Até já!
Tia diz, desligo o telefone, e bufo. O que eu ia fazer sem Tia? Estava conosco há tanto tempo, claro
que precisava de umas férias da minha fuça. — sorrio com o pensamento. — Mas eu infelizmente
não sabia cozinhar um miojo. Ia encher Allana de pizza por um mês? Não, claro que não.
Recosto-me no apoio da enorme cadeira estofada, pego o porta-retrato de Nanda, e fito seus
olhos azuis e brilhantes. Minha mulher era a mulher mais linda que existiu nessa terra. Nanda era
surreal. Nem parecia desse mundo. Vai ver foi isso, ela não pertencia a esse mundo sujo. Era um
anjo.
Balanço a cabeça para afastar o clima triste de perto de mim e não me deixo levar. Em pouco
tempo veria Allana, ela logo olharia em meus olhos e notaria minha tristeza. E se tinha algo que eu
detestava era ver Allana triste. A partida precoce de Nanda me deixou extremamente cuidadoso,
e preocupado com seu bem-estar. Precisei me policiar demais para não trancá-la em uma redoma
e até hoje trabalho isso em mim. Nanda faleceu Allana tinha quatro anos, já tinha consciência e
sente a falta da mãe, então eu tento supri-la de todas as maneiras possíveis. Minha filha é minha
maior riqueza, tudo o que eu tinha de mais precioso.
Entro em meu apartamento e encontro minha princesa no tapete com o caderno no colo, Suzi a
"babá" disfarçada, — Allana diz que não é mais criança, não precisa de babá. — acompanhando
tudo de perto, e o cheirinho da comida de Tia me desejando boas-vindas!
— Oi, pai! — Allana corre ao meu encontro e me dá um abraço apertado.
— Oi, princesa! Como foi seu dia? Como vai com esse dever, aí?
— Eu já terminei, é matemática, tiro de letra! Meu dia foi bom! E o teu???
— O meu foi muuuuito ruim porque eu não estive com minha princesa, mas agora melhorou cem por
cento! — eu brinco e ela ri me mandando parar de mentir. — Como vai, Suzi? Tudo bem por aqui?
— me aproximo da jovem cansada que vestia branco de forma padrão devido às regras do
condomínio, e ela tenta sorrir.
— Graças a Deus, seu Vicente! Está tudo muito bem! Já que o senhor chegou, eu vou indo! Tô super
cansada. Dá uma beijoca aqui, Lana!!! — Suzi agarra Allana que agora fingia tentar fugir de seu
"abraço de urso", pego o caderno da aluna nota mil em matemática só para "dar uma olhada" e
deixo as duas na sala para procurar pela baiana que ia nos abandonar.
Suzi também estava conosco há certo tempo. No começo foi muito difícil Allana confiar nela, e se
aproximar. Antes dela eu já havia contratado três outras babás. Duas delas começaram a me olhar
de uma forma que muito me incomodou e eu dispensei, — e Allana também me ajudou na decisão
quando disse não ir "com a fuça de nenhuma delas". — e a outra, não aguentou a primeira
semana de teste. Allana fez um inferno tão grande na vida daquela mulher, que ela saiu correndo
daqui deixando Allana com Tia e não voltou nem para receber. As outras duas arrumaram forças
para aguentar as peripécias de Allana ao gamarem em mim, mas Suzi foi pacientemente
conquistando o coração peludinho da pequena, e logo, ganhando minha confiança ao não me
olhar com desejo. Era noiva e pelo jeito amava seu parceiro, não me olhava com aqueles olhos: a
mulher certa para cuidar de minha filha sem se aproximar demais. Eu definitivamente fugia de
qualquer mulher que dava sinais de que gostava do que via. Para minha vida correr bem bastava
uma punheta dia sim, dia não, e eu saciava meus desejos fisiológicos, somente porque era algo que
eu não podia controlar. Só havia existido "uma" mulher na minha vida, e como ela se foi, acabou.
Eu não preciso de ninguém.
— E aí, dona desnaturada? Que papo é esse de férias? — deposito um beijo no topo da cabeça
velha da minha diarista velha e ela sorri desligando uma das bocas do fogão.
— Desnaturado é teu passado, menino! Pare com o drama. Eu volto em um mês. E não vou te
deixar sem ajuda.
— Quando a senhora vai? — pergunto atacando tua batata frita na mesa da cozinha que já
estava praticamente posta.
— Eu quero ir amanhã de tarde. Já liguei para uma amiga que me recomendou uma diarista
impecável então vou deixar a moça a par de tudo... quando você chegar já terei ido, mas Suzi te
passa algum recado, se eu precisar. Acha que consegue se desapegar de mim hoje mesmo???
Ela pergunta erguendo uma sobrancelha e eu concordo já conformado.
— Vai me trazer presente, Tia?
Allana se empoleira na bancada e também rouba uma batata.
Permaneço encarando a linda grisalha terminar de cozinhar e viajo para o dia em que a contratei.
Nunca vi velha com a boca mais suja. Me divertia demais, fui com a cara dela logo de cara,
Nanda também... se apaixonou por Tia na hora. Tia participou do meu luto do início até agora.
Acho que é um dos motivos de cuidar tão bem de nós dois. Claro que me irrita profundamente
quando bate na tecla: "você precisa amar de novo, encontrar um amor, Allana precisa de uma
figura materna..." Entendo que minha filha merece a melhor vida e as melhores possibilidades, e ter
uma mãe para contar é uma delas, mas... não dava pra mim. Fico puto quando Tia força a barra,
mas amo demais essa baiana, sei que antes de qualquer coisa, seu sonho é nos ver felizes. Ela só
não sabia que eu nunca seria.
— Tu por um momento pensou que não??? É óbvio que vou trazer! Vou encher aquele quarto cor-
de-rosa de fitas do meu senhor do Bonfim, pra te iluminar!
Tia aperta as bochechas rosadas de Allana e termina a mesa. Nos faz rapidamente lavar as mãos,
e janta conosco antes de ir pra casa. Tia tem três filhos, um marido incrível, e um lar amoroso. Diz
ela que janta aqui, e janta lá também. Sei que sempre janta conosco para nos passar a imagem
mais próxima de família que ela poderia passar, e por isso amava Tia de todo o meu coração.

Era 19:30hrs. Tia rapidamente ajeitou a cozinha como de costume, me falou mais a respeito de seus
planos, nos deu um abraço apertado, e foi pra casa prometendo nos telefonar quando partisse.
Eu estava preocupado com sua ausência em nossa vida, mas abstraí e tratei de cuidar para a
minha pequenina ir pra cama.
— Papai... acha que a Tia demora pra voltar da Bahia?
Allana questiona enquanto eu separo o seu pijama.
— Só um pouquinho, filha. Acho que sim... mas ela merece, não é? Tia merece descansar, merece
um tempo com a família, ela cuida demais de nós dois! Mas não se preocupe. Você tem suas
atividades, papai vai procurar mais coisas pra gente fazer juntos, e você nem vai sentir. Rapidinho
Tia estará de volta!
— O que será que ela vai me trazer de presente? — Allana trava ao pensar e eu sorrio jogando
o pijama na cama.
— Larga de ser interesseira, bicha folgada!!! — exclamo colocando-a nos ombros e ela gargalha
ao tentar se defender.
Volto pro quarto e enquanto escuto o barulho do chuveiro, pego seu porta-retrato decorado por
mini-pérolas pequeninas que mostrava a pequena ainda bebê, Fernanda com o rosto inchado e
sorridente, e eu, do seu lado, a encarando.
Foi minha sogra quem tirou aquela foto no sofá da sala. Depois do funeral nunca mais a vi, ela
nunca procurou por Allana, ainda vive em uma depressão profunda e não posso culpá-la. Nanda
nos deixou um buraco que ninguém jamais preencherá. Nem ao menos consigo visitá-la e me
condeno. Dona Rute é uma versão mais velha de Nanda. Os mesmos olhos azuis brilhantes, fios
dourados ocupando o lugar que deveriam ser de meros fios de cabelos, bochechas altas e
rosadas, e lábios finos. Minha sogra é tão linda quanto a filha. Ou era. Creio que a cada ano que
passa perde vestígios de sua beleza para a tristeza, e eu também. Eu também não era mais o
mesmo.

Meus pais e meu irmão mais novo ainda moram nos Estados Unidos. Mudaram-se daqui de São
Paulo há muitos anos atrás e eu fiquei ao conhecer Fernanda na faculdade. Ligam de vez em
quando, se preocupam, falam com Allana, mas a distância é difícil de lidar. É melhor assim. Cada
um vivendo sua vida, e ninguém cuidando da minha e me ordenando a arrumar uma mãe para
Allana... sentir saudade era melhor que raiva.
Ouço o chuveiro cessar, coloco o porta-retrato no lugar, e sem me dar conta, fito o quadro que
Nanda pintou para Allana quando ela ainda estava na barriga. Uma paisagem dos sonhos, uma
casinha no meio do verde com rede e tudo, uma paisagem dos sonhos de Nanda.
— Mamãe era uma grande artista!
Ela entra no quarto e eu afirmo sorrindo.
— Era, era sim! Vem deitar...
Puxo a sua colcha de retalhos favorita feita de camisetas de nossas viagens, minhas e de sua mãe,
e ela se deita.
Pergunta — como sempre. — como sua mãe era, o que ela gostava de fazer, como foi que nos
conhecemos, eu repito todas as histórias, e ela rapidamente fica sonolenta. Esse era seu conto de
fadas favorito. A história de amor do papai e da mamãe.
— Dorme com os anjos, princesa! Eu te amo!
— Também te amo, papai! — Allana sussurra, beijo sua testa com carinho, e sigo para meu quarto.
Eu precisava de um banho, e cama. Como nos últimos anos meu sono continuava precário, tomo meu
banho, me jogo na cama, finalizo meu livro de crônicas, e quando sinto que a hora chegou: desligo
o abajur, e me entrego ao cansaço.
Em meus sonhos, a mesma tortura já familiar se faz presente: Nanda, em seus últimos momentos de
vida, exigindo que eu fosse feliz e que eu voltasse a amar porque eu "merecia ser feliz."

— Vicente, Tia no telefone!


Flávia, minha auxiliar, bate na porta, entra no escritório, e anuncia pois eu já estava com o telefone
no ouvido.
Minha empresa presta serviços para empresas pequenas e multinacionais em todo o estado, então
aquele telefone não parava no gancho. Eu amava trabalhar, só o trabalho ocupava minha cabeça,
e com a ajuda dele e de Allana, foi que eu consegui levantar da cama e voltar a "viver".
— Greg... tudo bem... dê um jeito e depois a gente conversa! Me manda tudo por e-mail e eu vou
avaliar bem a proposta e mandar pro jurídico. A Tia está no telefone, vai sair de férias e quer
falar comigo. Depois te retorno. — continuo falando com Greg o encarregado/colega de
faculdade que bloqueava minha linha telefônica.
— Certo. Até já. Dê uma olhada aí, te enviei o relatório agora.
Ele diz, eu desligo, e ignoro o fato de que sua sala era ao lado da minha. Tinha até me esquecido
que estava puto com ele por me ligar ao invés de vir até aqui.
— Tia... — atendo.
— Oi, menino, eu cheguei!
— Que bom! — eu digo e ela ri. — E a tal moça? Chegou? Mostrou tudo pra ela? Qual o nome
dela? Quero a ficha completa...
— Não precisa de ficha. É de minha confiança, já falei. É a filha de uma grande amiga. Garanto
que você e Allana não viverão como porcos por um mês, e a moça é boa da mão! A comida dela é
melhor que a minha! Fez faculdade e tudo, se chama Lara. Estou esperando ela chegar.
— Cozinha melhor do que você? Então está demitida!
— Vai brincando! Tem alguma recomendação especial? Estou aqui com o Júnior. Vou explicar
certinho tudo pra ela, e ir pro aeroporto. Vou ligar e pedir pra Suzi apresentar Allana...
— Acho que é melhor eu estar aí antes da Allana chegar. Vou conhecê-la e me apresentar. Mas,
diga tudo! Daquele jeito que a senhorita sabe...
— Fica tranquilo.
— Quantos anos ela tem?
— Se eu não me engano está na faixa do meu Juninho, vinte e dois... vinte e três...
— Tão nova, Tia? Uma menina... fazendo faxina??? Dará conta desse apartamento sozinha?
— A mãe dela é a melhor empregada doméstica que conheço! É bem recomendada pela mãe.
Está tentando voltar pra faculdade que foi interrompida e não tem medo de trabalho. Já está
sendo cobiçada como a mãe, é super dedicada. É muito competente, completa, caprichosa,
responsável e precisa do trabalho, Vince. Acha que eu colocaria qualquer coisa aqui dentro? Você
é meu filhinho do coração, não viajaria sem me sentir segura, sem sentir que você e Lana ficariam
bem. E além do mais, Magnólia é minha amiga, foi um pedido do coração...
— Tudo bem, tudo bem... — ela sempre 'bota o coração no meio' para me amolecer. — só faça o
que combinamos. Regras claras. Ficar longe do ateliê da Nanda, não ficar desfilando enquanto eu
estiver em casa, se for cozinhar mesmo pago a mais, mas o horário tem que ser padronizado,
passo aí depois do serviço, almoço e volto então tem que estar pronto... meus ternos passados com
cuidado, e o principal...
— Sem aproximação porque você é um chato de galocha?
— Tia...
— Tudo bem. Me desculpe! Eu entendo. Falarei com ela bonitinho. Acho que ela chegou...
— Qualquer coisa liga. No mais: faça uma boa viagem e volte logo pra gente!
— Não vai demorar, meu menino. Eu prometo!
— Allana já está pensando nos presentes. Não esqueça os presentes da minha princesa!!!
— Não vou esquecer! — ela ri. — E nem vou me esquecer do seu!
— Se enfiar mais algum Santo Antônio de cabeça pra baixo dentro dessa casa escondido, você
vai ver o que eu faço com você!
— Eu te amo. — ela não se aguenta e ri. — Só quero seu bem! Nunca fiz nada para te magoar!
— Tia vai falando e eu ouço o barulho da campainha ao fundo. — Lara chegou, venha conhecê-la
que eu aproveito e te dou um abraço antes de ir! Beijo.
Ela termina sua dissertação com pressa e nem me espera dizer nada, desliga bem na minha cara.

Volto pro enorme pepino que eu deveria segurar — ignore o sentido sujo da frase. — e me
concentro. Eu tinha um contrato de ouro nas mãos e estava louco para assinar, mas não podia agir
por impulso. Minha equipe ia assumir parceria com uma empresa de cosméticos famosa. Os nossos
serviços consistiam na segurança com relação aos seus processos químicos, e eu ganharia a
oportunidade de colocar uma ideia antiga que eu tinha, e assinar embaixo. Era o nome Sales
aparecendo na mídia com um produto inovador, além de toda a parte técnica do negócio, e a
concretização de um sonho. Aquilo significava realização profissional e grana aos montes.
Pretendia até tirar as minhas férias, como Tia, para comemorar se desse certo. Eu e Lana.
O dia passa depressa e 12:00hrs chega que eu nem vejo. A fome se faz presente e eu me lembro
de que talvez, eu não precisaria comer na rua. Será que a Tia mandou a moça ficar hoje mesmo?
Eu não ia esperar pra saber. Se eu tivesse sorte a encontraria como recomendei, com o almoço
pronto. Mas também, por hoje, não ia exigir nada. É nova, deve ser inexperiente, eu deveria
compreender e ter um pouco de paciência. Era seu primeiro dia, ainda deveria conhecer tudo e se
acostumar. E no mais, não deverá ser tão difícil, apenas trinta dias e Tia estaria de volta salvando
nossas vidas.
Pego só meu celular que eu sabia que não pararia de tocar nem enquanto eu estivesse
mastigando, saio da empresa, e só paro ao estacionar em casa. Vinte minutos era meu percurso.
Ao abrir a porta o cheiro de comida boa quase me derruba para trás e não era o cheiro da
comida de Tia. Eu conhecia muito bem. Tia cozinhava sempre que vinha trabalhar e no dia que não
vinha, deixava as porções separadas em potinhos que eu só precisava esquentar na hora em que
eu vinha almoçar, e depois para Allana e eu jantarmos. Tudo como a gente gostava, e tudo bem
separadinho, porque Allana se recusava a comer algumas coisas.
Aquele cheiro era... divino!!! Será que a moça já começaria hoje?
Percorro todo o corredor, mas antes de virar à esquerda para ir até a cozinha como o pica-pau
naquele episódio em que ele vai flutuando, um movimento parcialmente tapado pelo sofá me
chama atenção. Me aproximo, desço os dois pequenos degraus da sala bem iluminada pela luz da
janela e entendo o porquê não pude vê-la por inteira. A garota estava de quatro no piso frio com
a bunda empinada para a minha direção tentando pegar alguma coisa embaixo da estante
planejada. Que traseiro, misericórdia. Redondinho, pequeno em proporção, mas, bem avantajado...
— Oh! Merda! — deixo escapar quase que imediatamente, ela leva um susto, bate a cabeça em
uma base saliente da estante, meu reflexo é colocar a mão na boca, e ela ri controlando a
respiração e depois, — após notar meu volume modéstia à parte, gigante, começando a dar sinais
de animação. — me olha com as bochechas em um tom quase vermelho pela situação
constrangedora. Eu não sabia onde enfiar minha cara.
— Me desculpe, eu deveria ter batido... — eu falo logo enquanto ela volta a ajeitar a ponta do
tapete que estava levantada. Já estava limpando tudo. Ao levantar, meus olhos passeiam pelo seu
corpo por vontade própria. Vestia uma bermuda justa até o joelho, uma camiseta, e chinelos. Seu
corpo era... era delicioso, atraente demais, sua cintura fina, barriguinha zero, seus seios bem
proporcionais...
— A culpa não foi do senhor, não! — ela fala e retira os fones de ouvido que estavam escondidos
pelos seus cabelos castanhos e levemente bagunçados. — Eu estava distraída com a música. Vou
usar somente um a partir de agora e ficar ligada na porta. — ela se explica e se aproxima. — É
o senhor Vicente, certo? Prazer, Lara! — ela limpa a mão no jeans e me estende a mão.
E só porque fitei seus cabelos compridos, sua boca carnuda, e seus olhos negros por tempo demais
ela logo baixou a mão que ficou estendida a esmo. É a garota mais linda que... não.
— Isso. Vicente. — eu falo e limpo a garganta. — Tia ainda está por aí?
— Não. — ela parece extremamente sem graça e se mexe nervosa olhando ao redor. — Ela... me
deixou aqui, estava atrasada para pegar o voo. Me deixou instruções de tudo, me passou o
horário do senhor, da menina Allana, já sei direitinho o que é pra fazer!!!
— Você cozinhou? Ela disse que você cozinha... — pergunto me afastando
(Mais fugindo do que me afastando porque mais um pouco, meu pau ia furar a calça social) pra
cozinha e ela corre para poder me alcançar.

Ao chegar vejo a mesa caprichosamente montada com um lugar disponível, já com o prato e os
talheres a postos. Frango assado, arroz pelo jeito feito no forno de algum jeito, — o cheiro estava
de matar. — salada, suco... tudo nos pratos de porcelana que nunca mais usei e Tia nunca usava,
— Tia às vezes até me servia no de plástico da Allana. Das princesas... — e até um potinho com
flores.
— Eu cozinho, sim. Estudava culinária. Eu amo... vou deixar o senhor almoçar e caso tenha tempo
pra gente conversar, estarei na sala. Vou terminar por lá. Com licença.
Ela sai praticamente correndo e eu imagino que deve ter se lembrado das recomendações da Tia
para não ficar falando demais na minha orelha e nem me importunar "porque eu não gostava".
Baixo meu olhar para a mesa caprichosa, e me sento meio desconfiado. Me sirvo do arroz de
forno e... definitivamente não é o da Tia. Estava maravilhoso. E aquele frango??? Comi
praticamente três vezes, e aquela carinha assustada pra mim? Sem graça por ficar com a mão
estendida? Meu pau vibra e eu nego com a cabeça. Pego meu celular e baixo a voz ao falar com
Tia.
— Quero-outra-pessoa!!!
— Oi! O que foi? O que ela fez? Eu saí daí já estava quase tudo pronto, tão caprichado. Ela é tão
rápida e eficiente.
— Mande outra, Tia...
— Ah! Vince, pelo amor de Deus!!!
— É muito jovem! Não vai dar conta.
— Mas você nem deu oportunidade pra menina! O que ela fez de errado???
— Ela... ela... é como as outras...
— Aposto que não! É uma garota de respeito! Você que deve estar de implicância. Não
conseguirei mais ninguém a tempo, não daqui. Lara é uma boa menina, Vince. Vai fazer somente o
trabalho dela, já conversamos. Se não tiver uma justa causa, finja que ela não está aí, e vá cuidar
de tua vida. Em pouco tempo estarei de volta e você se livrará dela. Até lá se comporte e deixe a
menina trabalhar, ela precisa desse dinheiro!!!
Tia diz, desliga na minha cara novamente e eu bufo. Quando me sinto satisfeito após beliscar mais
um pedaço daquele arroz envolto de queijo e mais alguma coisa, escovo meus dentes no banheiro
da cozinha para não subir até o meu quarto e sigo meu caminho para a sala. A garota estava de
joelhos ajeitando a mesa de centro e eu gosto do cheiro que sinto no lugar. Era caprichosa eu não
podia negar. E de joelhos daquele jeito... meu Deus! Eu ia pirar... o que está acontecendo comigo?
— A Tia te explicou tudo como vai ser esse mês? — eu pergunto ao me aproximar e ela primeiro
afirma de cabeça baixa parecendo entristecida, e depois se recompõe e se levanta para falar
comigo.
— Explicou, sim. A comida já pronta na hora do almoço, os ternos, os horários...
— A comida não é sua obrigação, mas se fizer, como é com Tia, também te pagarei a mais e muito
bem. Faço isso porque não sei cozinhar e não levo o menor jeito e, aliás, parabéns, sua comida é
realmente maravilhosa! — eu falo e seus olhos brilham de alegria. Segurava um sorriso enorme. —
Você virá para o café da manhã? Se sim, e eu te pagarei pelas horas me baseando na tua
entrada lá embaixo. No teu caso o certo seria duas vezes por semana, mas realmente preciso que
venha dia sim e não, como Tia. Sou a bagunça em pessoa, Allana e eu...
— Não vejo a hora de conhecê-la... — ela se empolga e eu me sinto mal, mas as palavras a
seguir escapam de minha boca sem que eu possa controlá-las.
— Não se aproxime da Allana.
— Desculpe, Tia me disse isso. Falei porque amo crianças e...— ela sorri e seu sorriso é...
— Tudo bem. Mas falo para o seu bem mesmo. — minto. — Allana é uma criança muito chatinha.
Rapidamente te fará "pedir pra sair", e aí com Tia longe, ficaremos em péssimos lençóis. Se você
precisa e quer o emprego, faça de tudo para não ficar se encontrando com ela pela casa.
— É claro, senhor!
— Certo. Tia disse sobre a faxina? Uma vez no mês é necessária uma limpeza mais pesada. Nesse
dia eu saio com Allana pra você ficar a vontade. O ateliê — eu aponto para a portinha no canto
da sala. — é proibida a entrada. São as coisas de minha esposa, e não gosto que mexa. A tia
deve ter passado tudo o que Allana não come. Já tentei mudar isso, mas é impossível, ela
realmente não gosta de certos alimentos...
— Sim, ela me passou tudo. Farei tudo corretamente, senhor.
A garota me corta como se tivesse sem paciência, mas ainda sim se esforça para soar bastante
educada.
— Certo. Bom... se precisar de qualquer coisa deve ter meu telefone, pago adiantado quando
precisar, e se achar que não pode comparecer, por algum motivo, peço que me avise
antecipadamente. O que eu puder fazer por você, farei, é só me pedir. Eu não tenho mão presa
com dinheiro, nem com ajuda, mas sou chato com horários porque cuido de Allana de forma
regrada. Ela tem hora pra dormir então precisa de suas roupas passadas, pijamas, o uniforme da
escola, o quarto organizado quando chegar da escola... tudo que envolva sua rotina, sua comida,
e suas coisas, gosto de dedicação. Comigo não tem com o que se preocupar, não preciso de
capricho nenhum no almoço, nem nada muito especial, somente cuidado com os meus ternos, e
deixar o jantar fácil para que eu só precise esquentar e descansar para acordar cedo no dia
seguinte.
— Tia me explicou tudo isso, será feito como ela sempre fez.
— Tudo bem. Ok. Vou parar por hoje com as ordens senão você não volta amanhã. — tento sorrir,
mas acho que não consigo. — Como já disse qualquer coisa, qualquer emergência, me ligue. Acho
que você pegará o retorno de Allana da escola. Nessa hora ela provavelmente chegará
procurando por alguma besteira pra comer, mas isso é com Suzi, você e ela podem conversar a
respeito de tudo. Allana chega e vai direto pra TV...
— Não se preocupe com nada, senhor Vicente. Tudo ficará bem aqui!
— Tá e pode cortar essa de senhor... você é jovem demais, me sinto velho cada vez que me chama
assim e eu não estou tão velho a ponto de merecer esse tratamento.
— É respeito.
— Corta esse respeito. Pelo menos esse.
— Sim, sen... — ela ia começar a falar e quando a olhei 'torto' ela colocou a mão na boca como
uma garota levada. Meu Deus.
Preciso de um banho frio.
Dou-lhe as costas, sigo para o estacionamento e passo o dia no trabalho. Recebo o telefonema
mais feliz da minha vida, do Carlos do jurídico dizendo que o contrato está de acordo com os
nossos interesses, e eu me sinto o cara mais realizado do mundo. Eu ia realizar aquele pequeno
sonho da Nanda e ia me sentir o cara mais feliz do mundo por isso. Eu estava nas nuvens.
— Allana!!! — entro animado em casa e encontro a pequena vendo TV e comendo alguma coisa
direto do pote no sofá. — Adivinha o que o papai conseguiu???
— O contrato pra fazer o produto da mamãe??? — ela me olha com expectativa.
— SIM!!!
Eu grito animado, ela pula em meu colo, e me abraça feliz.
— Parabéns! Eu sabia que conseguiria! — Suzi se levanta já pegando sua bolsa e sorri feliz por
nós dois.
— Valeu, Suzi. Obrigado! — O que é isso que você está comendo, hein, garota???
Pergunto quando Allana se solta de mim e volta para o pote e para o desenho animado.
— Alguma coisa de morango que a nova diarista cozinhou!!!
— Está comendo besteira antes do jantar? — ela arregala os olhos e depois dá de ombros. Como
se dissesse, "tô, ué." — Você a conheceu???
— Eu entrei na cozinha ela estava lá, tentou correr de mim, ficou nervosa, mas eu fui atrás dela.
Falou mal de mim, é pai? A menina estava com medo de olhar na minha cara!!!
— Claro que não! Não falei nada. O que ela te disse?
— Nada. Só ficou pedindo desculpas por eu tê-la visto e disse que já ia embora. Gostei dela não...
muito chata... mas eu gostei disso aqui! — Allana levanta o pote e eu suspiro.
— Ela recebeu recomendações da Tia de não se aproximar demais da Allana, e se assustou
quando Allana entrou correndo na cozinha. Allana nunca entra aqui, eu que levo seu café-da-
tarde pra sala. — Suzi me segue quando eu me direciono pra cozinha.
— O que achou dela?
— Limpa, rápida, prática, não fala demais, trabalha em silêncio... eu gostei. Só achei mal
encarada. A Tia disse de onde ela veio? Me parece muito simples, muito humilde...
— Tia disse que é filha de uma amiga. Que é confiável.
Eu respondo e me aproximo da bancada. Havia duas marmitas uma com meu nome, outra com o
nome de Allana, um pote pequeno escrito "para a lancheira", que após abrir descubro que é um
sanduíche natural, e coberto por um guardanapo, algo que me parecia ser uma torta de morango
com um aspecto que implorava para ser devorado, ainda estava quentinho. A cozinha estava
impecável, a casa inteira exalava cheiro de limpeza, e o andar de cima do mesmo jeito.
O quarto de Allana estava limpo, com um pijama dobrado cuidadosamente na beirada, e no meu
também. Tudo limpo, organizado, e um roupão esperando por mim, na beirada da minha cama.
Pareciam os serviços de quarto dos hotéis em que já estive.
Jantamos, comemos a sobremesa, — a torta era a torta mais maravilhosa que eu já tinha provado.
Allana comeu rindo, toda feliz. — coloquei a pequena pra dormir, me deitei, e de manhã fui
acordado na hora certa com um cheirinho bom de café.
Me visto após escovar os dentes, e sigo para o caminho de sempre: quarto da princesa
adormecida.
— Filha! — eu chamo apenas uma vez e ela me olha confusa e curiosa.
— Que horas são?
— Seis! Precisa tomar banho, tomar café e esperar a Suzi lá embaixo! Levanta! — ela obedece,
me abraça e quando vai pro banheiro eu desço pra cozinha.
— Bom... — já ia falando, mas "dou de cara com ninguém".
A mesa inteira estava posta, mesa farta e bonita, mas nem sinal de Lara. Fui até a sala, os quartos,
quartinho da Tia, por impulso entrei no ateliê... e nada. Lara não estava em lugar nenhum.
— Caraca! Que mesa bonita, hein pai! — Allana exclama e se senta após descer.
— Mas pelo jeito foi feito por mágica, a garota não está em lugar nenhum.
— Vai ver está no quarto da Tia esperando a gente sair.
Allana diz, mas eu nego com a cabeça. Ela não estava no quartinho da Tia, eu fui olhar, mas
aquela de "esperar a gente sair para aparecer", me parecia muito certo. Ela estava fazendo
exatamente o que eu mandei, se mantendo afastada.
Graças a Deus.

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