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Copyright © Gabi Amorim

Todos os direitos reservados. Proibida a tradução, distribuição ou cópia,


integral ou parcial desta obra sem o consentimento por escrito da autora.
A violação dos direitos autorais é crime estabelecido
na lei nº 9.610/98 e punido pelo artigo 184 do Código Penal
Criado no Brasil
***
Imagens da capa: IA criada por JP Designer Editorial
Arte da capa: JP Designer Editorial
Revisão: Halice FRS
Betagem: Joyce Queiroz
DEDICATÓRIA

Aos meus pais, Amilton Amâncio e Cíntia Amorim, não apenas por
dizerem que apoiam meu grande sonho de ser autora, mas por investirem
tanto com tempo quanto financeiramente para que tudo vire realidade.
Jamais esquecerei tudo que fazem por mim.
Amo muito vocês e sou imensamente honrada por tê-los como meus
pais e meus leitores.
AGRADECIMENTOS

Sempre preciso agradecer a Deus por mais esta conquista. Amo o


dom que me deu. Sem que Ele estivesse à frente deste sonho, tudo ainda
seria apenas um sonho engavetado.
Aos meus pais, Amilton Amâncio e Cíntia Amorim, por sempre
esperarem ansiosos pela próxima história e por se orgulharem cada vez
mais de todas as minhas conquistas.
Mais uma vez agradeço a ela, Carla Frasson, minha psicóloga.
Certamente só ela entende a dimensão do que significa ter mais um livro
concluído. Obrigada por nunca desistir de mim e por me fazer acreditar no
quanto ainda sou capaz. Também agradeço a você e a sua irmã, aquela
amiga por quem tenho tanto carinho, Caroline Frasson, por me ajudarem
nas pesquisas sobre a Itália. Vocês são minhas italianas preferidas!
Obrigada pela paciência que tiveram com minhas perguntas.
À Joyce Queiroz, por me aguentar diariamente, mesmo que a
distância. Obrigada por ter feito toda essa mudança em minha carreira.
Além de ter aceitado mais uma vez ser minha leitora beta e transformado
esta história em algo ainda melhor. Sou muito feliz e honrada por ter
conhecido alguém como você, e mais, por ter o privilégio de te chamar de
amiga. Obrigada por continuar trabalhando comigo mesmo tendo iniciado
sua jornada linda de autora. Ter você ao meu lado nesse processo faz toda a
diferença. Amo você, Joyce!
À autora, Halice FRS, por continuar me acompanhando desde o meu
primeiro ebook lançado de forma independente na Amazon. Obrigada pelos
ensinamentos e pela generosidade de sempre.
E a todos meus leitores que estão cada vez mais presentes em minha
vida, transformando meu sonho em realidade a cada livro que dão uma
chance.
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NOTA DA AUTORA

Apesar da maior parte da história acontecer na Itália, todos os


diálogos estão na nossa língua, o Português, mesmo que eles estejam
conversando em italiano, pois não faria sentido escrever de outra forma.
E todos os lugares citados ao longo do livro são reais, apesar da
dificuldade de realizar tal feito, já que não tive ainda o privilégio de
conhecer o país. Mesmo assim fiz questão de levar cada um de vocês para
uma visita bem gostosa à Itália.
Além disso, quero ressaltar que, apesar de ser uma história leve e
pensada com muito cuidado, pode conter gatilhos como, por exemplo, o
caso de anencefalia citado. Se não se sente à vontade com o tema ou com
qualquer outro assunto abordado, recomendo que interrompa a leitura
imediatamente, pois seu bem-estar deve ser sempre prioridade.
Espero que gostem!
Boa leitura.
Com carinho,
Gabi Amorim
SINOPSE

Family Found - Criança Fofa - Uma Cama Só


Uma carta. Um pedido. Uma viagem!
Como seguir a vida sem aquele que, mesmo nos momentos mais
difíceis, foi o responsável por colorir todos os seus dias?
Joana Vitale, trinta e dois anos, precisa superar suas perdas e ainda
encontrar algum sentido na vida mesmo após tanta dor.
Adam Marinello, um amigo italiano do falecido marido de Joana, que
será o responsável por mostrar a ela não só as belezas da Itália que tanto
sonha conhecer, mas também a beleza e a dádiva de estar vivo.
Em meio a esse cenário deslumbrante, Joana viverá um misto de
saudade, de gratidão e até mesmo de culpa quando perceber seu coração
batendo mais forte pelo italiano encantador que o próprio marido colocou
em sua vida.
Mas como nada é perfeito, Adam esconde um segredo, e isso pode
devastar para sempre o coração já tão machucado de Joana.
Uma história sobre recomeço, segundas chances e novos amores que
têm tudo para fazer de Joana Vitale uma mulher ainda mais forte.
Será que ela finalmente conquistará a família que tanto sonha ou
precisará conviver para sempre com o vazio e a solidão que a assola?
PRÓLOGO
“Seguir andando
Mesmo quando você se sente morrendo
Para não ficar fazendo nada esperando o fim”
Comunque Andare – Seguir Andando – Alessandra Amoroso

Um ano.
Não acredito que já faz um ano que você me deixou. É tudo tão
confuso. Ao mesmo tempo em que parece que foi ontem, também tenho a
sensação de já ter te perdido há um século. É tanta saudade e dor que me
sufocam.
Vou ao cômodo da casa em que fiz o escritório e abro a primeira
gaveta da minha mesa. Lá está ela. Mesmo tendo sido escrita muito antes de
te perder, esta carta para mim sempre será suas últimas palavras.
Durante esse tempo todo me pergunto o que te fez escrever algo
assim.
Sua irmã me contou que no dia da cerimônia do nosso casamento,
antes mesmo de entrar na igreja, você lhe entregou esta carta. Além de fazê-
la prometer não me falar sobre esse assunto, a não ser que fosse preciso,
como acabou sendo. Parecia prever o pesadelo pelo qual eu ainda passaria.
Sentada aqui, sozinha, releio mais uma vez.

Minha querida Jô,


Espero que essas palavras nunca precisem te encontrar, pois se
acontecer, significa que precisei partir antes mesmo do desejado.
De uma forma ou de outra, deixo aqui alguns pedidos importantes
para você e espero, do fundo do meu coração, que pense neles com muito
carinho.
Estou a poucos minutos de entrar na igreja. Não me aguento de
ansiedade. Falta cada vez menos para começar oficialmente os melhores
anos da minha vida. Olho para o lado e não consigo me imaginar sem
você, meu amor. Chega a doer o peito a possibilidade de um dia te perder.
Sinceramente, não sei o que faria. E é por mais esse motivo que escrevo
essas palavras.
Ninguém conhece os planos de Deus para nossa vida, assim não
sabemos o tempo que temos. Prometo viver intensamente para te fazer a
mulher mais feliz e mais amada do mundo durante todo o tempo que Deus
me der o privilégio de estar ao seu lado, mas, se um dia eu vier a faltar, já
te peço perdão.
Perdão por te deixar sozinha. Perdão por te fazer sofrer. Perdão por
não estar ao seu lado secando suas lágrimas. Perdão!
Apesar de saber o quanto vai doer no começo, preciso que você seja
forte para seguir. Então, deixarei aqui um pedido: viaje! Viaje para onde
sempre sonhou. Vá à Itália! Se eu ainda não pude realizar esse sonho ao
seu lado, não perca mais tempo. Realize.
Separe uns dias só para você. Esqueça os trabalhos, os prazos e todo
o resto. Concentre-se em você. No momento, sabe muito bem que dinheiro
não é um problema. Sei que daria todo dinheiro do mundo para ter seu
marido ao seu lado novamente, mas como isso ainda não é possível, fico
feliz por ao menos ter te deixado tranquila financeiramente.
Aqui estão todos os contatos do Adam, aquele amigo que fiz na Itália
que sempre comentei. Ele será seu guia por lá. Fique o tempo que quiser.
Lembre-se de como tudo é lindo. Desfrute da gastronomia, beba um bom
vinho, faça amizades, admire a paisagem.
E não seja boba como fui, esqueça as economias e faça algumas
extravagâncias nas lojas mais famosas e caras por lá. Beba algum café
luxuoso sem olhar o preço. Apenas, aproveite. Viva. Como bem já viu, a
vida é curta demais.
Tenho certeza de que esse tempo por lá te fará muito bem. Você
merece uma vida linda, então, continue. Siga. Encare a minha perda apenas
como uma pausa, mas depois siga. Seja feliz de novo, de novo e de novo.
Você é uma mulher incrível, Jô. Fora que seu sorriso é o mais lindo que já
vi, então, sorria novamente.
E por último, mas não menos importante, ame novamente. Como eu
disse, a vida continua e você não precisa seguir sozinha. Encontre alguém
que a mereça. Sei que a fila atrás de você será enorme, kkkk, assim como
também sei que fará boas escolhas. Não se culpe por amar outro homem.
Saiba que fui muito feliz enquanto tive esse amor só para mim, agora é a
vez de outro.
Lembre-se sempre: eu te amei desde o primeiro dia em que te vi até
meu último fôlego de vida. Nada mudará o que tivemos. Nada apagará
nossa história. Então repito: ame novamente e não se culpe por isso.
Fico por aqui, enquanto te desejo tudo de melhor que essa vida ainda
pode lhe proporcionar.
Um beijo enorme, daquele que será sempre seu.
Pedro.

Um ano após ler esta carta pela primeira vez, ainda continuo aqui,
presa. Presa às lembranças, presa à saudade, presa à dor, presa à raiva. Não
consigo deixar de pensar em como tudo poderia ser diferente se ele ainda
estivesse aqui, ao meu lado. Assim como se ela ainda estivesse aqui, ao
meu lado, minha pequena, minha menina.
Chego à folha de papel perto do rosto, mas choro ao perceber que não
sinto mais o cheiro dele ali. Assim como não sinto mais em nossa casa, nem
em nossa cama e nem mesmo em seu travesseiro.
Você realmente se foi. Para sempre!
1
“E você me faz falta, meu amor
Cada dia morro um pouco e sinto frio
Quero ir junto com você
Poder assim te dizer que
Você me faz falta, meu amor”
En Ausencia De Ti ― Na Ausência De Ti ― Laura Pausini

UM ANO ANTES
PEDRO
Como já é de costume, o dia aqui no escritório está bem cheio. O que
seria motivo para desorientar qualquer um é exatamente o que me faz amar
a Contabilidade. Os números e tudo mais que envolve essa profissão me
contagiam de tal forma que mal vejo o tempo passar. Normalmente sou até
o último a ir embora e preciso ser alertado sobre o fim do expediente. Caso
contrário, fico por lá mais do que deveria.
Hoje, porém, algo mudou. Não me sinto tão disposto. Uma dor de
cabeça veio de repente e me desorienta cada vez mais. Alguns chegam a
perguntar o que tenho, mostrando-me o quão visível está minha mudança de
comportamento. Faço de tudo para conseguir ir até o fim do expediente.
Ainda no meio da tarde sou vencido pela dor. Aviso uns dos meus
sócios que não tenho condições de continuar e digo que vou para casa.
— Deixe seu carro aí, cara. Eu te levo.
— Não. Não precisa. Acho que dou conta. Minha casa não é tão
longe assim.
— Você quem sabe. Se passar mal no caminho, sua esposa vai me
matar, então, por favor.
— Achei que esse cuidado todo era preocupação comigo. E, na
verdade, é tudo medo da minha esposa?
— Mas é claro. Até parece que não conhece a mulher com quem se
casou.
— Fique tranquilo. Falarei que tive que implorar para sair mais cedo
porque você não queria permitir.
— Pelo amor de Deus, irmão, faz isso comigo não.
Dou uma risada e saio do escritório.
Minha cabeça parece que vai explodir. A cada passo que dou tenho a
sensação de levar uma pancada. Fora o calor insuportável. Paro antes
mesmo de chegar ao estacionamento e tiro meu paletó do terno, além de
tirar a gravata e dobrar a manga da camisa, na tentativa inútil de me sentir
um pouco menos desconfortável.
Entro no carro e já ligo o ar-condicionado. Ao mesmo tempo em que
o ar gelado alivia o calor, também piora minha dor de cabeça.
Apesar de morar perto do serviço, o trânsito em São Paulo deixa tudo
um pouco mais complicado. Não estou no horário de pico e nem assim
escapo do congestionamento. E meu mal-estar torna tudo bem pior. Parece
que não chegarei nunca.
Depois de quase uma hora para fazer um percurso que normalmente
dura quinze ou vinte minutos, entro no condomínio fechado onde moro.
Assim que paro na garagem, pego meu celular e ligo para Joana, já que
observo que seu carro não está ali.
— Oi, amor! — Ela atende.
— Oi, Jô. Onde você está?
— Estou no supermercado, precisava comprar umas coisas. Você está
bem? Sua voz está estranha.
— Não estou muito bem. Acabei de voltar para casa. Minha cabeça
dói tanto que estou até um pouco desorientado.
— Você saiu mais cedo do escritório? Estou terminando e vou direto
para casa. Tem remédio na cozinha.
— Tudo bem. Não se preocupe. Ficarei bem.
— Eu sei. Amo você.
— Também amo você.
Desligo, pego minhas coisas no carro e, finalmente, entro em casa.
Assim que fecho a porta atrás de mim, sou surpreendido com uma pontada
ainda mais forte. Insuportável.
Dobro meu corpo e derrubo no chão tudo que segurava. Sinto-me
confuso e minha visão some. A última coisa que sinto é o baque seco do
meu corpo no chão. Antes de perder a consciência por completo ainda
consigo pensar nela, no amor da minha vida.

MINUTOS DEPOIS
JOANA
Depois da ligação de Pedro não consigo nem terminar minha compra
direito. Dou uma rápida olhada na lista em minha mão e deixo para trás os
itens que faltam. Ele nunca saiu mais cedo do trabalho. Isso é o que mais
me assustou.
Passo no caixa rápido e logo estou no meu carro, a caminho de casa.
Sorrio ao lembrar como ele me incentivou a correr atrás dos meus sonhos
quando descobriu que eu odiava ser jornalista.
Acho que não conheço mais ninguém tão apaixonado pelo que faz
como ele. E vê-lo sempre tão animado com o trabalho me fez começar a
lutar pelos meus sonhos. Com seu apoio pude abandonar meu emprego de
jornalista e, finalmente, ingressar na carreira de autora independente.
Isso mesmo! Meu grande sonho sempre foi escrever romances, não
apenas como hobby, mas como profissão.
Na família em que fui criada, isso seria impossível. Meu pai sempre
disse que a filha dele não seria “artista”, pois isso não é profissão. Além de
não trazer nenhuma segurança financeira para o futuro. Precisei escolher
um curso qualquer de graduação e apresentar a ele meu diploma.
Depois ele se aposentou, e agora leva a vida viajando por aí com
minha mãe, enquanto eu precisei ouvir do meu marido que meus sonhos
importam.
Hoje trabalho sem nem sair de casa e amo cada segundo que passo
em meu escritório, criando histórias. Ainda estou longe de ser uma autora
reconhecida no meio literário, mas venho conquistando mais leitores, dia
após dia, e isso faz todo sacrifício valer a pena. É um trabalho árduo, com
resultados lentos, mas, sem dúvida, recompensador.
Paro o carro na garagem, pego parte da compra e entro em casa.
Assim que vejo Pedro caído no chão da sala, meu coração acelera.
― Pedro!
Jogo as sacolas no chão, sem nem me importar com as coisas de vidro
e corro em sua direção.
― Pedro! Meu amor! Fala comigo!
Seguro sua cabeça com as duas mãos e, por mais que eu o chame, não
recebo nenhuma resposta.
― Socorro! Socorro! Alguém me ajuda! ― grito e choro ao mesmo
tempo, mas o desespero é tanto que não consigo me afastar de seu corpo,
aparentemente, já sem vida. ― Por favor, alguém me ajuda!
Em menos de um minuto, um casal de vizinhos no condomínio
passeava com o cachorro quando escuta o meu pedido e logo aparecem ao
meu lado.
― O que aconteceu, Joana? ― A esposa é a primeira a perguntar,
enquanto segura o cachorro.
― Eu não sei ― falo em meio às lágrimas ―, acabei de chegar e o
encontrei aqui, já caído e desacordado.
O marido coloca a mão no pescoço de Pedro e sem disfarçar sua
preocupação liga para o socorro.
― Fica comigo, amor. A ajuda já está chegando. ― Coloco sua
cabeça na minha perna enquanto o acaricio e beijo seu rosto. ― Aguenta só
mais um pouco.
Finjo não ver a troca de olhares de meus vizinhos. Não posso desistir
dele assim. Ele precisa estar vivo. Meu coração precisa de seu amor para
continuar batendo. Pedro não pode ter partido assim, tão de repente, sem
qualquer aviso. Não pode ter feito isso comigo. Não pode!
Logo a ambulância do SAMU encosta bem em frente de casa e os
dois profissionais caminham apressados em nossa direção.
― O que aconteceu aqui? ― pergunta um deles enquanto já verifica
seus sinais vitais.
― Eu o encontrei assim. Faz alguns minutos.
― Ele estava se sentindo mal ou com algum problema de saúde?
― Ele é saudável, mas hoje saiu mais cedo do serviço por conta de
uma forte dor de cabeça. É tudo o que sei.
Em questão de segundos eles ligam o desfibrilador e o conectam ao
corpo de Pedro. Um choque atrás do outro e nada. Nenhuma mudança.
Os dois se olham, depois desviam o olhar para o casal e só por último
para mim.
― Sinto muito, senhora.
― Por favor, não! ― Agarro o corpo de Pedro na tentativa inútil de
trazê-lo de volta para mim.
― Sinto muito, não podemos afirmar o que aconteceu, mas não há
nada mais que possa ser feito.
Uma dor alucinante atinge meu peito e me sufoca. Não consigo
acreditar que ele apenas se foi. Não é possível. Ainda, meio que em transe,
pego meu celular e ligo para Victoria.
― Oi, amiga ― ela diz toda animada do outro lado da linha sem nem
imaginar que seu irmão está sem vida no chão da nossa casa.
― Vicky! Você pode vir aqui em casa?
― Claro, mas o que aconteceu? Você está chorando?
― É seu irmão.
― O que tem ele?
― Por favor, amiga, só venha para cá.
― Já estou indo.
Até onde pude entender, o SAMU não pode fazer a remoção do
corpo, o socorrista responsável pelo atendimento apenas fez uma ligação
para a Polícia Militar que, ao chegar, acionou o IML, pois por se tratar de
uma morte em casa será necessária uma pequena investigação para
descartar qualquer hipótese de homicídio.
Apesar disso, decido esperar a chegada de Victoria, pois não tenho
qualquer condição de decidir nada nesse momento. Apesar de ser minha
cunhada, também é minha melhor amiga.
O casal que me ajudou se despede de mim e logo deixam minha casa.
Os dois rapazes do SAMU, sensibilizados pela minha perda, recusam-se a
me deixar sozinha e dizem que aguardarão a chegada de outro familiar.
Mesmo sabendo que ali no chão só tem um corpo, não consigo me
afastar. Continuo acariciando seu rosto como se ele fosse abrir aqueles
lindos olhos a qualquer momento.
― O que aconteceu? ― Victoria aparece, de repente, ao meu lado. ―
Joana, fala comigo, o que meu irmão tem? Por que está todo mundo parado
enquanto ele está aqui, desacordado?
― Porque não há mais nada a ser feito. Ele se foi. ― Nem sequer
desvio o olhar em sua direção.
Ela, quase em estado de choque, não diz e nem fala nada. Fica apenas
ali, ajoelhada ao meu lado, olhando para o irmão morto.
Os dois rapazes se despedem de nós e vão embora. O silêncio e a dor
são tão grandes que nos paralisam. Em seguida o IML faz a remoção do
corpo.
Para meu alívio, Vicky e sua família resolvem toda a burocracia do
velório e do enterro. O laudo do IML constata que Pedro teve um aneurisma
que rompeu e sangrou, levando-o a óbito. A dor de cabeça foi um sinal que
ele nem sequer imaginou que poderia ser tão grave a ponto de me separar
dele para sempre.
Sem parentes por perto e sem amigos, sinto-me agora ainda mais
sozinha. Não posso cobrar consolo de minha melhor amiga, sendo que sei o
tamanho de sua dor por perder o irmão. Mesmo assim, nós duas ainda
encontramos um pouco de força e passamos todo o velório juntas, sem
desabarmos, o que achei que seria impossível.
Já no cemitério, Pedro leva o último pedaço restante de meu coração.
É difícil sair dali, sabendo que a partir de agora nada será como antes. Não
tenho nem sequer força para voltar para casa. Não sei o que farei.
― Vamos, amiga. Eu sei que é difícil, mas preciso de você para
conseguir sair daqui. ― Ela estica sua mão e dessa forma caminhamos de
volta para o carro, deixando para trás aquele que mais amamos. Antes de
nos despedirmos, Vicky diz: ― Preciso falar algo com você.
― O quê?
― Isso é para você. ― Ela me entrega um envelope.
Consigo ver em seus olhos a dor por ser obrigada a fazer tal coisa.
― O que é isso?
― Meu irmão me entregou essa carta no dia do casamento de vocês e
me fez prometer que, se o dia de hoje chegasse, era para te entregar.
Joana, meu eterno amor.
Passo carinhosamente o dedo por cima de sua letra, enquanto, com a
outra mão, acaricio minha barriga, sem conseguir acreditar que tudo isso
esteja mesmo acontecendo comigo. Com a gente.
2
“Combati o silêncio falando com ele
E amenizei a sua ausência só com meus braços”
Sere Nere ― Noites Escuras ― Tiziano Ferro

UM ANO DEPOIS
Ainda em meu escritório, com a carta em mãos, não consigo ignorar
os pedidos que Pedro me fez. Claro que logo após sua partida a última coisa
que eu queria era viajar, mesmo sendo para um lugar tão incrível e tão
sonhado como a Itália.
Agora, um ano após seu falecimento, sinto-me um pouco culpada por
não ter atendido ao seu pedido. Perdê-lo foi difícil demais, mas pior do que
isso é continuar a vida sem sua companhia, sem sua presença diária.
Como se tudo isso não fosse o bastante, ainda precisei lidar sozinha
com toda a situação da Lia. Ser obrigada a dizer adeus a ela também foi o
que terminou de me enterrar no buraco onde eu me encontrava.

MESES ANTES DO FALECIMENTO DE PEDRO


― Vamos, amor! Desse jeito chegaremos muito atrasados à consulta
― Pedro grita por mim da porta de casa.
― Já estou indo. Você não entende que, apesar de estar apenas na
décima segunda semana de gestação, minhas roupas não me servem mais.
Não foi nada fácil encontrar esta daqui.
― Você é a mamãe mais linda desse mundo ― ele diz e abre a porta
do carro para mim.
― Posso até ser a mais linda, ainda assim não é permitido sair pelada
por aí.
Escuto só a gargalhada gostosa de Pedro ao meu lado. O que também
me faz rir.
Seu bom humor foi a primeira qualidade que chamou minha atenção
quando nos conhecemos, ou melhor, a segunda, pois é impossível não
reparar em um homem de 1,92m de altura. Fora o tom de sua pele negra e
aquele sorriso mais branco que eu já vi na vida. Um tremendo pedaço de
mau caminho.
Mal sabia eu que um homem desse tamanho se mostraria também o
mais doce e gentil com quem já me relacionei. Foi impossível não me
apaixonar.
Durante todo o percurso até a clínica fico admirando Pedro e
agradecendo a Deus por fazer dele o pai do nosso bebê. A gravidez não foi
planejada, apenas aconteceu. Sabendo da bênção que é, comemoramos o
presente que recebemos. Ter um filho era um sonho para o futuro, mas por
que não no presente?
― Chegamos. ― Assim que fala já desce do carro para abrir a porta
para mim.
Entramos na clínica e, após poucos minutos esperando, fomos
chamados para o consultório da doutora Júlia.
― Olá, boa tarde! ― ela diz assim que nos vê.
― Boa tarde, doutora! ― respondo.
― E como vai essa grávida mais linda?
― Vou bem, apesar de tudo.
Conto a ela os sintomas e tudo que venho sentido. Como sou mãe de
primeira viagem, gosto de saber se não tem nada fora do normal. Pedro me
proibiu de fazer buscas pela internet, pois já estava começando a ficar meio
neurótica.
— Não se preocupe, Joana. Nada do que me relatou se encontra fora
do normal.
— Fico um pouco mais tranquila então.
— Pode deitar ali que logo começarei o seu ultrassom.
Caminho para a cama ao lado. Pedro, apesar de dizer o contrário, não
esconde o nervosismo com o exame de imagem. Sabemos que hoje ainda é
muito cedo para descobrirmos o sexo do bebê, mas mesmo assim, por se
tratar do primeiro ultrassom que faremos, a expectativa do momento é
inevitável.
A doutora Júlia se aproxima, liga a aparelhagem. Pedro segura minha
mão e depois permanece quase imóvel, atento ao visor do aparelho como se
entendesse alguma coisa do que vê.
Durante quase todo o processo, a doutora parece fazer questão de
conversar sobre banalidades comigo. Pergunta sobre meus livros e como
toda essa vontade de ser autora começou. Em parte, é bom ter minha mente
desviada do exame e levada a um lugar que tanto gosto. Sempre me sinto
mais tranquila e até mesmo empolgada quando o assunto é meu trabalho.
Apesar de tudo isso, fica nítida a mudança em seu semblante em um
determinado momento. Evito perguntar. Não quero parecer neurótica
demais. Mas Pedro também parece notar, pois chega a apertar com mais
força a minha mão.
― Prontinho. Acabamos ― ela diz e em seguida limpa o gel da
minha barriga. ― Pode vir aqui para conversarmos.
Levanto-me com cuidado, cada vez mais apreensiva.
― Por favor, doutora, fale logo. O que tem de errado comigo? ―
pergunto, sem esconder meu medo.
Ela olha para mim, desvia rapidamente para Pedro e depois retorna a
me encarar.
― Olha, Joana, não tem um jeito fácil para te dar esta notícia.
― Eu perdi o bebê, não é? ― Já pergunto com lágrimas nos olhos.
― Não, você não perdeu. A questão é que pelas imagens deu para
identificar que o bebê de vocês tem anencefalia. E um diagnóstico como
esse nunca é fácil de dar.
― Por quê? O que isso significa exatamente? ― Agora é a vez de
Pedro questionar.
― Anencefalia é uma má formação que acontece durante a gestação,
entre o décimo sexto e vigésimo sexto dia e é caracterizada pela ausência do
encéfalo e calota craniana. Além de cerebelo e meninge, que se tornam
rudimentares.
Claro que já ouvi casos sobre anencefalia, mas nunca soube a fundo o
que realmente significa um diagnóstico desses para o bebê e para a mãe.
Vendo a enorme interrogação que fica tanto em minha expressão
quanto na de Pedro, a doutora Júlia continua sua explicação:
― Eu sinto muito, Joana, mas a anencefalia não tem cura. Em muitos
casos, o bebê não sobrevive ou a mãe pode optar por interromper a
gestação, já que se trata de uma das poucas situações em que o aborto é
legalizado no Brasil.
Sinto meu mundo desabar em cima de mim. Apesar de não ser uma
gravidez planejada, já sonhava com esse bebê em meus braços. Até as
primeiras roupinhas já foram compradas. E agora preciso decidir se farei
um aborto? Não consigo acreditar.
― Você não precisa tomar nenhuma decisão agora, mas como médica
é minha obrigação te mostrar todas as opções, assim como todos os riscos.
― Ela faz uma pequena pausa, olha para nós com pesar e depois continua:
― Existem casos de mães de bebês anencéfalos que sobreviveram ao parto
e conseguem viver com algumas restrições e cuidados. O tempo de vida
dessa criança pode variar em horas, dias, meses ou anos.
― É perigoso dar prosseguimento à gestação? Falo sobre a saúde de
Joana, ela corre algum risco? ― Pedro faz a pergunta que eu também temia.
― A gravidez de um bebê anencéfalo pode apresentar complicações.
Pode haver acúmulo de líquido amniótico no útero, devido a
não deglutição do líquido da bolsa amniótica pelo feto, já que este tem
menos reflexos. Se o bebê com anencefalia chega a nascer, ele geralmente é
cego, surdo, inconsciente e incapaz de sentir dor, sendo, portanto, inviável.
Não preciso nem olhar para Pedro para saber que, se dependesse
exclusivamente dele, eu faria o aborto agora mesmo. Ele sempre disse que
seu maior medo nesta vida é me perder. Não posso nem julgá-lo, pois o meu
também é esse. Sou uma pessoa melhor desde que o conheci. Meus dias são
muito mais especiais só por tê-lo neles. Jamais imaginei que seria capaz de
amar um homem dessa forma.
― Os fetos anencéfalos ― explica a doutora Júlia ―, podem assumir
posições anômalas, dificultando o parto, já que o fenômeno físico do parto
precisa do crânio. O ombro deles, não se sabe o porquê, é maior. E ainda
existe o risco de não contração uterina após o parto, levando
a hemorragias no pós-parto, o que pode colocar a vida da mulher em risco.
Após todos os detalhes que ouvimos, sinto um ar pesado no
consultório. Ela tem razão quando diz que um diagnóstico desses não é
nada fácil. E não é mesmo.
― A culpa é minha? ― pergunto. ― Por que isso acontece? Não
consigo entender.
― Não sabemos a causa exata, Joana, o que posso dizer é que esse
defeito parece ser decorrente de fatores genéticos e ambientais durante o
primeiro mês de gestação. Sabe-se que a incidência de anencefalia aumenta
em mães muito jovens ou nas de idade avançada e que essa condição tem
seis vezes mais probabilidade de ocorrer em mães diabéticas que nas não
diabéticas. Além disso, a anomalia também tem sido associada a uma
elevada exposição a toxinas, tais como cromo, chumbo, mercúrio e níquel.
― Mas nenhum desses fatores encaixa nas minhas condições ―
observo, agora mais indignada do que triste.
― A prevenção mais indicada para a anencefalia é a ingestão de
ácido fólico durante a gestação, que previne más formações fetais de
maneira geral. E como eu sei que no caso de vocês não se trata de uma
gravidez planejada, acredito que o índice de ácido fólico no seu organismo
possa estar mais baixo do que o devido.
― Então é isso, a culpa é mesmo minha!
― A culpa não é sua, Joana. Certas coisas apenas acontecem. Por
favor, não carregue em seu coração algo que não te pertence e que pode
destruir você.
Depois de mais um pouco de conversa nos despedimos dela e
entramos no carro para ir embora. Durante todo o caminho nem eu e nem
Pedro falamos qualquer coisa. Por mais que eu saiba que ele gostaria de me
consolar agora, imagino o quanto também deva estar doendo nele tudo que
ouvimos.
Assim que entramos em casa, vou direto para o quarto, preciso
colocar meus pensamentos em ordem.
Já à noite, antes de dormirmos, Pedro me abraça por trás na cama.
― Você sabe que se eu pudesse escolher, optaria pelo aborto, pois,
por mais egoísta que seja, posso viver sem um bebê, mas não sem você ―
ele diz.
Fecho demoradamente meus olhos e não consigo decidir o que fazer.
Qualquer das duas opções é cruel demais e não deveria ser feita por mãe
nenhuma.
― Independente da minha opinião, continuarei aqui, ao seu lado, com
o mesmo amor e carinho.
É em momentos como esse que vejo como sou sortuda por amar um
homem tão incrível como Pedro.
Apenas na semana seguinte consigo decidir e dou a notícia a ele.
― Nós teremos esse bebê.
― Ok. Então, nós teremos esse bebê ― ele reforça, com os olhos
cheios de lágrimas.
3
“Queria doar o teu sorriso à lua para que
À noite quem a olha possa pensar em você”
Il Regalo Più Grande ― O Maior Presente ― Tiziano Ferro

DIAS ATUAIS
Dobro a carta novamente e coloco em cima da mesa, já que choro
tanto e não quero ter a folha de papel molhada pelas minhas lágrimas e
assim estragar algo que guardo com tanto carinho há um ano.
Em alguns dias a saudade e a dor da perda ficam tão insuportáveis
que mal consigo me controlar. Acaricio minha barriga, agora sem bebê
nenhum, e choro ao me lembrar dos poucos e últimos minutos ao lado da
minha menina.

MESES ATRÁS
Infelizmente, Pedro se foi cedo demais, a ponto de não conseguir
cumprir uma de suas promessas, que era de estar ao meu lado não apenas no
parto, mas nos difíceis momentos que o sucederiam.
Com tudo que passei após sua partida, achei que não conseguiria
segurar a gravidez até o fim, já que existem todas as complicações por
conta da anencefalia. Apesar de tudo isso, nossa menininha é forte e lutou
durante todos esses meses.
Mesmo ainda em minha barriga, minha filha foi minha companheira
nesses dias que foram os mais difíceis da minha vida. Incontáveis foram as
horas que passei conversando com ela. Independente do diagnóstico, sei
que ela esteve ali comigo, não me deixando desistir e me fazendo levantar e
me cuidar dia após dia.
Minha menina me salvou da escuridão!
Agora é chegada a hora de conhecê-la. A cesariana foi marcada para
hoje. Vicky me pega em casa e faz questão de ficar comigo o tempo todo.
Disse que jamais me deixaria passar por tudo isso sozinha. E Deus sabe
quanto grata eu sou por isso.
A Doutora Júlia logo aparece e inicia a cesariana. A incerteza do
tempo que terei com minha filha é o que mais me dói. Queria tanto poder
vê-la crescer e viver ao seu lado tudo que é de direito de uma mãe. Um
direito que foi tirado de mim.
Ela nem se foi e já sinto um buraco no meu peito.
Após ficar ali deitada, o que para mim pareceu uma eternidade,
recebo em meus braços a minha menina.
― Nós conseguimos! Nós chegamos até aqui, minha filha. ― As
lágrimas escorrem de meus olhos. ― Seu pai ficaria muito orgulhoso de nós
duas, sabia?
― Qual o nome dela? ― Vicky pergunta com lágrimas nos olhos, em
um misto de alegria que acompanha todo nascimento com a tristeza do
diagnóstico.
― Ela se chamará Lia, aquela que é portadora de boas notícias ―
respondo enquanto faço carinho em seu rostinho.
― Desculpa. Não entendi. ― Vicky não esconde sua confusão.
― Quer saber como será portadora de boas notícias sendo que partirá
em breve, deixando meu coração ainda mais destruído?
― Exatamente.
― Porque seus órgãos salvarão muitas crianças. Não entendo os
propósitos de Deus em nossas vidas, mas talvez a vinda da Lia possa ter
uma missão linda, que é levar conforto e alegria a tantas mães que clamam
por seus filhos nas filas de transplantes.
― Uma missão sem igual, certamente. ― Agora é a vez de a doutora
Júlia comentar. ― Quando chegar a hora, Lia pode ser responsável pela
doação de órgãos como fígado, rins, córneas, tecidos e talvez até o
pâncreas.
Olho mais uma vez para minha menina e sei que jamais esquecerei a
sensação de tê-la em meus braços.
― A mamãe te amará para sempre, assim como seu papai te amou
sem nem mesmo ter a oportunidade de te conhecer.
― Ele seria um papai babão, não seria? ― Vicky sorri.
― Sem dúvida. Aquele 1,92m de altura era só fachada. Por dentro
havia o mais maravilhoso que esse mundo já teve.
― É verdade. Ele era incrível assim mesmo.
― Se eu não te vir mais, saiba que a mamãe ficará bem, não precisa
se preocupar. Cumpra sua missão e descanse. Você lutou muito para que
esse dia fosse possível. E independente do pouco tempo, você viverá para
sempre em meu coração e em minhas melhores lembranças. Você foi um
dos melhores presentes que seu pai me deu. Amo muito você!
Dou um beijo em seu rostinho e a entrego para a doutora Júlia, que
precisará avaliá-la com cuidado e com o carinho que ela merece. Já eu, sou
encaminhada para o quarto. Sinto-me exausta.
Algum tempo depois, a doutora retorna com a notícia que eu já
esperava.
― Ela se foi. ― É tudo o que consegue dizer.
E mais uma vez desabo em lágrimas. Vicky corre para o meu lado e
me abraça forte. Não sei o que faria se ela não estivesse aqui comigo. Por
um longo tempo ficamos abraçadas, chorando. Sei o quanto esse momento
também é difícil para ela, afinal, era sua sobrinha, filha de seu único irmão.
Lia foi a sementinha que Pedro nos deixou e que agora precisou florescer
em outras vidas.
Olho para minha médica e ela também está com lágrimas escorrendo
em seu rosto. Além de ser uma profissional incrível, não deixa de ser mãe,
e, como tal, entende o tamanho da minha dor.
― Dos órgãos que mencionei, apenas o pâncreas não era viável. Os
outros estão sendo retirados agora pela equipe que já estava aqui à espera,
como foi combinado.
― Obrigada, doutora, por todo apoio e carinho que teve com a gente
durante todos esses meses.
― Imagina, Joana, não tem do que agradecer. Preciso ir agora, mas
peço que nunca se esqueça do quanto a vida de Lia foi importante e de que
ela será lembrada para sempre, principalmente pelas famílias que salvou.
Ouvir que minha filha não foi alguém especial apenas para mim, para
o pai dela ou até mesmo para sua tia, sim, que teve uma importância tão
maior na vida dessas outras pessoas que provavelmente nunca chegarei a
conhecer, é o único consolo que levarei comigo. A vinda da minha pequena
não foi à toa. Ela cumpriu sua missão. E lindamente.
No dia seguinte retorno para casa.
― Quer que eu fique um pouco mais com você, amiga?
― Não precisa, Vicky. Sei que já perdeu mais de um dia de serviço,
não quero te atrapalhar mais.
― Para de bobagem, você nunca me atrapalha. Além de minha
melhor amiga, sempre será minha família.
― Obrigada, amiga. E saiba que sou muito grata por ter você como
família.
― Meu irmão pode ter ido embora, mas eu continuo aqui, e assim
será até Deus permitir.
Ela me abraça forte e depois vai embora.
Olho para minha casa e sinto que está cada vez mais vazia. É como se
a vida que existia por aqui se vai com o passar do tempo. Nada mais parece
ter sentido.
É difícil voltar após um parto sem um bebê nos braços. Assim como
foi difícil voltar sem aquele que acreditei que envelheceria ao meu lado.
4
“A vida me deu a você e então vou celebrá-la”
La Vita In Uno Anno ― A Vida Em Um Ano ― Alessandra
Amoroso

DIAS ATUAIS
Seco minhas lágrimas e pego a carta mais uma vez.
― Você está certo, meu amor. Preciso seguir com minha vida e,
talvez, essa viagem seja a única forma de conseguir começar.
Anoto em meu celular o contato do tal amigo italiano que Pedro
deixou na carta.
― Prometo que a partir de amanhã meus dias serão diferentes.
Guardo a carta e caminho até meu quarto enquanto faço uma ligação.
― Oi, Jô. Hoje acordei pensando em você ― diz Victoria, assim que
me atende.
― É, amiga, hoje não é um dia fácil.
― Não, não é mesmo. Como você está?
Sinto um misto de sentimentos que fica até difícil responder essa
pergunta.
― Sinceramente, não sei.
― Vamos nos encontrar? Acho que fará bem para nós duas. O que
acha?
― É exatamente por isso que estou te ligando.
― Nossa conexão, como sempre, é muito forte ― Victoria brinca.
― Graças a Deus! ― Consigo abrir um sorriso também. ― Pode ser
naquele café aqui perto de casa?
― Para mim, fica perfeito.
― Ótimo.
Acertamos o horário e, em seguida, entro no banho na tentativa de
lavar toda a dor que sinto em meio às lembranças. Queria conseguir me
lembrar dele sem lágrimas, sem me sentir tão mal. São tantas lembranças
boas e de tantos momentos gostosos que às vezes parece que não honro
todo o privilégio que foi tê-lo ao meu lado por todos esses anos.
Termino o banho, coloco uma roupa, ajeito mais algumas coisas em
casa e logo saio para me encontrar com Victoria.
Mais uma vez sou a primeira a chegar. Bem típico da Vicky me fazer
esperar por ela. Peço um suco bem gelado, já que hoje em São Paulo está
tão abafado que é impossível tomar qualquer coisa quente.
― Acho que me atrasei um pouco ― ela diz assim que chega.
― Você só acha? ― Rio.
― Na verdade, eu tenho certeza, mas queria te dar a oportunidade de
dizer: imagina, amiga, está tudo bem!
Dou uma gargalhada. Vicky é o tipo de pessoa que te faz rir nos
piores dias. Ela consegue ser mais bem-humorada do que o irmão.
― Suco? É sério? Isso é o mais forte que você encontrou por aqui?
― ela pergunta, indignada.
― Achei muito cedo para a bebida forte que eu precisava.
― Eu preciso pelo menos de um café.
― Se eu tomar café, minha mente me deixará ainda mais agitada
hoje, então achei melhor um suco mesmo.
― Eu te entendo.
Pedimos também algo para comer, afinal, ninguém é de ferro.
― Tem uma coisa que eu queria te mostrar ― falo.
― Lá vem.
― Fique tranquila, não é nada de mais. Só acho que agora estou
pronta para compartilhar melhor isso com você.
Abro minha bolsa e tiro de lá a carta de despedida do Pedro. Ela já
me olha com os olhos cheios de lágrimas.
― Você não precisa fazer isso, Jô. Sabe disso, não sabe?
― Eu sei, Vicky, mas queria que você lesse.
Ela pega o envelope com uma das mãos enquanto seca as lágrimas
com a outra.
― Se você ainda não se sentir bem para fazer isso, eu entendo.
― Não, amiga, não é isso. Mas estar com este envelope em mãos faz
com que eu me lembre de muita coisa. ― Ela respira fundo e logo depois
tira a carta de dentro para ler.
Enquanto isso eu aguardo, ansiosa para saber o que achará de tudo.
Vejo que intercala momentos de lágrimas e de sorrisos, afinal, Pedro era
exatamente assim, um homem romântico, fofo, carinhoso, mas ao mesmo
tempo muito divertido.
― Sinto tanta saudade dele ― ela diz por fim.
― Eu também, amiga. Eu também ― respondo, segurando sua mão
por cima da mesa.
― Mas me fala, quando será a viagem?
Abro um sorriso, meio sem graça.
― Você vai, não é?
― Passei um ano inteiro brigando com seu irmão por isso, mesmo ele
nem estando aqui.
― Por quê?
― Primeiro, porque estava brava por ele ter me deixado tão cedo
assim, mesmo eu sabendo que não teve culpa alguma. Segundo, porque não
entendia como ele queria que eu pensasse em viajar em um momento tão
difícil como esse. Sinto que tudo na minha vida perdeu a graça. Não tenho
ânimo para nada. Inclusive, faz um ano que não escrevo uma palavra
sequer, minha carreira de autora está completamente parada.
― Eu te entendo, Jô. Você sentindo tudo isso e ele querendo que você
vá à Itália. ― Ela ri.
― Exatamente. Era isso que eu pensava.
― Pensava? Então, quer dizer que algo mudou?
― Sim. Não que tenha deixado de doer, mas acho que no fundo ele
tem razão. Eu preciso disso. Preciso recomeçar.
― Tem todo meu apoio. Jamais te julgaria por nada disso, até porque,
recomeçar na Itália não será nada mal. ― Ela ri.
― Ele é incrível até nessas horas. Pensou em tudo.
― Imagina se você conhece um italiano gato por lá? Que delícia,
hein, amiga?
― Vicky!
― O quê? Você não acabou de falar que precisa recomeçar?
― Falei, mas não nesse sentido.
― Mulher, você tem trinta e três anos. Não se esqueça disso.
― Eu não esqueço. Só não quero pensar nisso agora.
― Tudo bem. Eu entendo, mas também não custa nada dar uma
olhadinha nos homens por lá, vai que...
― Desculpa, amiga, mas é estranho falar desse assunto com você.
― Só porque fui sua cunhada? ― Victoria ri.
― Claro. Quando nos conhecemos eu já estava com seu irmão.
Então, isso é muito novo para mim.
Ela dá uma gargalhada.
― Tudo bem, Jô, vou pegar um pouco mais leve com você no
começo ― ela fala e dá outra gargalhada.
E eu, rio, apesar de nitidamente constrangida. Minha sensação é de
estar traindo Pedro só de imaginar a possibilidade de olhar para um italiano.
Principalmente por ser uma viagem que ele idealizou para mim.
― Vamos mudar o rumo do assunto, apesar de continuar falando
sobre a Itália. Já sabe quando vai?
― Mais ou menos. Estou pensando em aproveitar o verão por lá, para
curtir a praia.
― Então, iria entre junho e setembro.
― Isso. Mas antes de fazer qualquer plano, preciso entrar em contato
com o amigo do Pedro, o tal Adam que ele cita na carta.
― Eu me lembro do meu irmão falando dele. Sempre me pareceu um
cara bem legal.
― Tomara. De qualquer forma, já estou bem nervosa com a viagem.
― E por quê, criatura?
― Porque nunca saí do país. Pedro e eu sempre priorizamos nossas
carreiras e deixamos os planos e sonhos para depois. Deu no que deu.
Vicky apenas me olha. Não me julga, até porque, faz exatamente a
mesma coisa. Raras são as pessoas que vivem de maneira diferente. O pior
é que, na maioria das vezes, aprendemos tarde demais.
― Pelo menos uma coisa eu fiz nesses anos todos.
― O quê? ― ela pergunta.
― Aprendi italiano.
― Ah, é verdade! Lembro que você estava aprendendo.
― Estou longe de ser fluente, claro, mas ao menos não ficarei
completamente perdida. ― Rio do meu próprio desespero.
― É o que importa, amiga. Se eu não estivesse tão atolada de serviço
até iria com você.
― Eu amaria. Tem certeza de que não dá tempo de remanejar tudo?
― Não me olhe assim, dona Joana!
― Assim como?
― Assim! Com essa cara de cachorro que caiu da mudança. Não é
justo.
Dou uma gargalhada.
― Desculpe, não custava nada tentar. O não eu já tinha mesmo.
― Covardia isso.
Continuo rindo.
― Se mudar de ideia, é só me falar.
― Não posso mudar de ideia, Joana.
― Tudo bem! Agora já pode parar de me chamar de Joana. ― Tento
parar de rir e mostrar que estou brava.
E assim é minha tarde com Vicky. Por algumas horas, consigo
esquecer um pouco o que a data de hoje representa e curtir um dia gostoso
com minha melhor amiga.
Sou filha única e meus pais continuam viajando, sabe-se lá para onde,
pois desisti de tentar acompanhar. Então, por muito tempo, minha família se
resumiu à família do Pedro. Sei que todos eles têm carinho por mim, mas
também sei que minha presença é uma lembrança constante da morte do
filho.
O fato de minha melhor amiga também ser minha cunhada, não
deixou as coisas mais fáceis neste ano. A minha perda era a perda dela. Não
me achava no direito de usar o seu colo para chorar, mesmo que tenha feito
isso várias vezes.
O dia de hoje sem dúvida foi importante. Estava com saudade de ter
uma amiga e não uma cunhada vivendo pelo mesmo luto que eu.
Foi o início de um recomeço. Sem dúvida.
5
“Em cada momento
Você pode escolher
E não esqueça que
Depende de você”
Nelle Tue Mani ― Em Suas Mãos ― Andrea Bocelli

O mais difícil eu sei que já foi feito, tomar a decisão de viajar. Tudo o
que preciso fazer a partir de agora são apenas “detalhes”, apesar de ser uma
lista enorme.
Antes de qualquer coisa, entro em contato com Adam, o amigo
italiano do Pedro.

JOANA: Oi, Adam. Meu nome é Joana, sou esposa...

Assim que escrevo a palavra esposa sinto um aperto no peito. Ainda


não me acostumei às mudanças, mesmo que já faça um ano. Apago e
começo de novo.
JOANA: Oi, Adam. Meu nome é Joana, sou viúva do Pedro
Fernandes, tudo bem? Ele me deixou uma carta de despedida e nela
estavam seus contatos, disse que você me ajudaria a organizar uma viagem
pela Itália. Podemos conversar a respeito?

Envio e resolvo mexer com outras coisas, imaginando que demorarei


a ter uma resposta. Em questão de minutos meu celular vibra e vejo que é
uma mensagem do Adam.

ADAM: Oi, Joana, fico feliz com seu contato, apesar das
circunstâncias, é claro. Fiquei sabendo do falecimento do Pedro, mal
consigo acreditar. Sinto muito pela sua perda. Pedro era um homem
incrível, serei sempre grato por ter tido um amigo como ele. Quanto à
carta, assim que soube da partida dele, me lembrei da carta que escreveu,
se não estou enganado, no dia do casamento de vocês. Ele não deu detalhes
na época, mas me pediu autorização para deixar meus contatos e minha
ajuda com a possível viagem. Apesar de concordar com tudo, torcia para
nunca precisar receber a sua mensagem, pois significaria que meu amigo
ainda estava comigo, mesmo que a quilômetros de distância.

Seco as lágrimas que voltam a descer pelo meu rosto, pois entendo o
que Adam diz. Também queria nunca ter lido a tal carta. Trocaria até
mesmo essa viagem para a Itália se pudesse ter meu marido aqui comigo
novamente. Infelizmente, não é assim que a vida funciona. A realidade é
sempre mais dura.

ADAM: Saiba que estou à sua disposição para o que precisar. É só


me avisar quando pretender vir que deixo tudo pronto. Tenho uma empresa
de turismo, mas nesse caso faço questão de eu mesmo ser seu guia pelo
tempo que estiver na Itália. Fale também um pouco sobre onde deseja
conhecer e por quanto tempo gostaria de ficar, pois assim monto um roteiro
para que aproveite tudo da melhor forma. Qualquer dúvida ou até mesmo
sugestões é só me falar.
Fico encantada com a forma que ele me trata. Definitivamente Pedro
deixava um pedaço do seu coração gigantesco por onde passava. Pelo visto,
não foi diferente com Adam. Tudo que fará por mim é pelo carinho que
sentia pelo amigo, e isso é lindo de ver.
Apesar do pouco tempo, também sou grata por ter me casado com um
homem tão maravilhoso como ele.

JOANA: Sim, não são as melhores circunstâncias, mas como Pedro


mesmo disse, a vida precisa continuar, e é exatamente isso que pretendo
com a viagem. Acho que sair do Brasil, mesmo que por poucos dias, me
fará bem. Quanto à época da viagem, gostaria de aproveitar o verão por aí,
sei que é no período de final de junho até final de setembro. Só não tenho
data certa para ir e nem quanto tempo ficarei. Apenas me surpreenda e me
faça conhecer a maior parte da Itália no menor tempo possível. Pensei em
começar por Milão, o que acha?

No minuto seguinte ele responde.

ADAM: O verão é uma época ótima, fez uma boa escolha, apesar de
já estarmos bem perto. Já que não tem nenhum plano, podemos, sim,
começarmos por Milão e descermos o mapa até Sicília, por que não?
JOANA: Bem pretensiosa a sua ideia. Desse jeito precisarei ficar ao
menos um mês na Itália, kkk.
ADAM: Repito a pergunta: por que não? Mas, falando sério, planejo
até Sicília e podemos ir adaptando ao que você achar melhor ao longo do
tempo que estiver por aqui.
JOANA: Nossa! Mas não te dará muito trabalho? Não quero abusar
da sua amizade com Pedro.
ADAM: Não é abuso nenhum. Isso é o mínimo que posso fazer pelo
meu amigo. Saiba que será um prazer ter você por aqui. Aproveito para
passear também, pois como dono da empresa, acabo delegando os serviços
e não podendo mais ser guia, então, usarei a sua viagem como uma espécie
de férias para mim.
JOANA: Ótimo, então. Será bom ter um amigo de férias comigo.
Depois que conseguir montar o roteiro, se puder enviar para não me matar
de curiosidade, agradeço.
ADAM: Entendo sua curiosidade, mas faço questão de te
surpreender, assim como me pediu. Dessa forma, tudo que saberá é que
estarei no aeroporto de Milão para te recepcionar. O resto é comigo e só
comigo.

Acho graça da situação, mas ao mesmo tempo acredito que será


gostoso ser surpreendida dessa forma. Não posso reclamar, só de não ter de
me preocupar com nada já é um alívio. Tudo que preciso fazer agora é
arrumar minhas malas.
E, por falar nisso, é exatamente o que começo a fazer. Sei que tenho
pouco tempo, pois já estamos quase no final de junho. Acredito que saio de
viagem bem no começo de julho. Sou do tipo de pessoa que precisa de
vários dias para deixar a mala pronta sem se esquecer de nada.
Hoje é apenas um pontapé inicial. Ao longo dos próximos dias, tudo
o que eu lembrar, já é separado. Fora as listas que escrevo no celular
quando não posso fazer o que preciso bem na hora que lembro.
Para piorar, preciso sair e comprar um biquíni. Meu corpo mudou
muito desde a gravidez. Tudo que eu tenho não ficou bom em mim. Talvez
seja apenas implicância, mas como me conheço, sei que não ficarei à
vontade se não me sentir ao menos bonita.
Quem me ajudava nessas situações era Pedro. Ele sempre fazia
questão de falar o quanto eu estava linda, não importava qual roupa eu
colocasse, para ele estava tudo perfeito. São em momentos assim do
cotidiano que mais sinto sua falta. O dia a dia comum é o que mais me
mata.
Afasto as lembranças, troco de roupa e saio para o shopping para
comprar o que já sei que preciso. Não estou com muita vontade de andar à
toa, então, já vou exatamente às lojas onde sei que encontrarei. No final do
dia, volto para casa com mais sacolas do que o imaginado.
Os dias passam e com eles vejo minha bagagem ficar cada vez maior.
Já sei que precisarei pagar por excesso de peso no avião. Mas não tem jeito,
prefiro assim a precisar de uma coisa que deixei no Brasil. Não quero
preocupações nessa viagem. Quero apenas aproveitar e relaxar.
Preciso muito voltar a ser aquela Joana do passado, minha carreira
depende disso. Sei que minhas leitoras entendem meu momento de luto,
mas batalhei muito para chegar aonde cheguei, não quero jogar tudo isso
fora. Desejo voltar até mesmo para honrar a memória do meu marido,
graças a ele tudo foi possível.
Adam já me enviou o e-mail com as passagens. Tudo certo para meu
embarque amanhã.
No dia seguinte, antes de sair de casa, dou uma longa olhada na sala,
no mesmo lugar onde encontrei Pedro, já sem vida.
— Obrigada por me proporcionar esse recomeço, meu amor. Eu vou,
mas volto. Volto para a nossa casa. E, se Deus quiser, voltarei renovada.
Pronta para seguir em frente.
Vicky buzina assim que encosta o carro em frente à minha casa. Fico
feliz por não ter de pedir um carro por aplicativo. Só ela entende o que essa
viagem significa.
Vamos conversando durante todo o caminho até a chegada ao
Aeroporto Internacional de Guarulhos, aqui em São Paulo.
Ela fica comigo até a hora do embarque, que acontecerá às 18h.
Como de costume em qualquer viagem de avião, é importante chegar ao
menos uma hora antes. E foi exatamente o que fiz.
— Atenção passageiros do voo 8072, da Latam, com destino a Milão.
Por favor, dirijam-se ao portão doze para o embarque!
— É o meu voo — digo a Vicky.
— Vai com Deus, amiga! — ela diz e me abraça forte. — Aproveite
cada segundo dessa viagem. Independente das circunstâncias, você merece
muito umas férias assim.
— Obrigada, Vicky! Não só por isso, mas por tudo que fez por mim
nesse último ano. Sem você tudo seria mais difícil. Queria mesmo que
pudesse vir comigo.
— Teremos outras oportunidades, você vai ver. E eu também não
quero atrapalhar a sua melhor chance de conhecer um italiano gato por lá.
— Vicky!
Ela solta uma gargalhada.
— Estou adorando te ver sem graça com esse assunto.
— E eu não estou achando graça nenhuma — minto.
— Vá logo, amiga. Não quero que perca o voo. Mas, por favor, não se
esqueça de me mandar fotos. De tudo e, principalmente, de todos — ela diz
e já sai correndo.
Dou uma risada e depois caminho na direção do portão doze.
Em poucos minutos já me vejo sentada em meu assento no avião,
rumo a uma experiência única em toda minha vida.
6
“Acredite em você!
Ouça o seu coração!
Faça o que ele diz mesmo se faz sofrer
Feche os olhos e se deixe levar
Tente voar além dessa dor”
Ascolta Il Tuo Cuore ― Escute O Seu Coração ― Laura Pausini

Se há uma coisa que eu morro de medo é viajar de avião. Não é a


primeira vez que preciso encarar um, mas a sensação de insegurança e até
de pavor é a mesma em todas às vezes.
Em todas as outras ocasiões eu não passava de poucas horas presa em
um. O problema de hoje foi permanecer quase doze horas aguentando
minha própria mente criando os piores cenários possíveis de um acidente.
Quando o avião pousa e, finalmente, posso colocar meus pés em terra
firme, sinto até o ar voltar para meus pulmões, como se eu tivesse parado de
respirar durante todo esse tempo.
Ainda fico um pouco tensa até conseguir pegar minha bagagem.
Agradeço por ter, ao menos, aprendido italiano enquanto estive casada com
Pedro, pois agora consigo me orientar facilmente após a leitura das placas.
Estou em um dos três aeroportos internacionais da região de Milão, o
chamado Aeroporto di Milano-Malpensa, que fica a aproximadamente 50
km a Noroeste do centro de Milão, no norte do país.
Encontro um relógio local e já arrumo o horário do meu de pulso, a
última coisa que quero é passar vergonha por erro nas contas. Sei que o fuso
horário no momento é de cinco horas a mais do que no Brasil.
Normalmente são quatro, mas como é verão por aqui, tem o acréscimo de
mais uma hora.
Então agora são 11h da manhã no horário local.
Sinto meu corpo completamente perdido com tamanha diferença.
Fora a mudança brusca na temperatura. Quando saí de São Paulo estava
bem frio, a ponto de ser necessário um casaco. Aqui está um calor tão forte
que tudo o que consigo pensar é em um banho refrescante e uma bebida
bem gelada.
Caminho pelo aeroporto. Adam prometeu que estaria aqui para me
recepcionar. Ando até avistar um homem segurando um papel com os
dizeres:
Benvenuta Joana Vitale!
Assim que entendo as boas-vindas e, claro, meu nome, abro um
sorriso. Sinto-me aliviada por não estar completamente sozinha. Apesar de
Adam ainda ser um completo estranho para mim, continua sendo amigo de
Pedro, o que significa ser uma pessoa de confiança.
― Muito prazer, Joana! Sou Adam Marinello.
Olho para ele e tudo que escuto é a voz de Vicky em minha mente,
falando para eu encontrar um italiano bonitão por aqui. Não esperava que
meu primeiro contato com esse italiano fosse exatamente Adam. Apesar
disso, não posso negar, ele é lindo.
Alto, cabelo e olhos castanhos, além de um corpo para ninguém
colocar defeitos. Uma barba rala que lhe dá um charme especial. A forma
carinhosa que me olha faz com que eu fique ainda mais sem graça por estar
pensando todas essas coisas dele.
― Oi, Adam! É um prazer conhecê-lo pessoalmente.
― Por favor, eu te ajudo ― diz e já começa a empurrar o carrinho
onde está toda minha bagagem. Olhando a quantidade de malas, brinca: ―
Pelo visto você veio mesmo preparada para passar um mês aqui na Itália.
― Você não me deixou outra opção depois de dizer que faria planos
para percorrermos toda a Itália, de Milão à Sicília.
Ele solta uma gargalhada tão gostosa que me contagia.
― Vai gostar tanto daqui que nem pensará em voltar para o Brasil.
― Pelo visto, é bem apaixonado pelo país.
― Culpado. Cheguei a morar nos Estados Unidos uma vez. Foi ruim?
Não, mas nada se compara à Itália.
― Já esteve no Brasil?
― Sim, mas é um país tão grande que é preciso ir várias vezes para
aí, sim, dizer que conhece o Brasil.
― Isso é um fato.
Encostamos perto de um luxuoso carro, pelo menos para mim que
não entendo absolutamente nada do assunto, e ele já coloca tudo com
cuidado no porta-malas. Como se não bastasse toda a gentileza até aqui,
ainda faz questão de abrir a porta para eu entrar.
― Obrigada.
― Fiz uma reserva em um ótimo hotel aqui de Milão. Espero que
goste. Não sei se preferirá descansar um pouco antes de começarmos nossas
férias ou se ainda resta energia após doze horas de voo.
― A última coisa que resta em mim é energia. Pode ter certeza.
Ele dá outra gargalhada.
― Primeira vez em um fuso horário tão diferente?
― Sim. Primeira vez em muitas coisas.
― Ah, sério? O que mais?
― Primeira vez fora do Brasil, por exemplo.
― Não é possível que Pedro tenha feito essa maldade com você todos
esses anos!
Ao ouvir o nome do meu marido ser mencionado com tanta
naturalidade assim, sinto meu coração bater meio diferente. Ainda é muito
estranho falar dele sabendo que não está mais aqui comigo.
Adam parece perceber a pequena gafe que deu.
― Desculpa. Não quis falar dele assim tão rápido. Foi sem querer.
Sem pensar. Peço perdão ― ele diz todo constrangido.
― Não precisa se desculpar, não fez nada de mais. É apenas um
pouco estranho. Mesmo fazendo um ano, a impressão que tenho é que
nunca me acostumarei a sua ausência.
— Não é apenas impressão. Nós nunca nos acostumamos à ideia de
viver sem alguém que tanto amamos. Eu te entendo.
— Já passou por isso?
Ele fica uns segundos em silêncio.
— Desculpa. Não precisa me contar sobre sua vida. Nós mal nos
conhecemos. Nem sei por que perguntei algo tão particular. Acredite,
normalmente não sou assim.
— Ah, não? E como você é então? — ele pergunta, curioso, mudando
o rumo da nossa conversa.
— Não sei explicar. Acho que um pouco mais reservada. Talvez.
Principalmente quando o assunto é sobre Pedro.
— E o que faz agir diferente comigo?
Olho para ele e, mais uma vez, não consigo explicar.
— Deve ser a Itália — brinco.
E ele ri daquele jeito leve e gostoso.
— Tem razão. A Itália tem esse efeito nas pessoas, deixa a gente mais
leve.
Olho pela janela do carro, admirando a beleza de Milão.
— Então, acho que estou no lugar certo, pois é tudo o que preciso.
Ele desvia o olhar para mim rapidamente e sorri.
— Fico feliz por isso — fala por fim.
Não sei bem se é a Itália ou algo nesse homem que me deixa à
vontade. Claro que não existe a hipótese de falar isso para ele. Mas, talvez
seja o fato de conhecer Pedro tão bem que nos deixa mais próximos. Ou
talvez, seja a maldita voz da Vicky que não para de soar na minha mente,
fazendo me lembrar da beleza dos homens italianos.
Preciso urgentemente parar com isso. Não foi por esse motivo que
fiquei doze horas em um avião e atravessei o Atlântico. Não vim atrás de
nenhum relacionamento amoroso, muito menos um caso aleatório, até
porque nunca fui também adepta a curtição sem compromisso. Estou aqui
para recomeçar.
— Chegamos — ele diz e encosta o carro em frente a um lindo hotel.
— Você tinha razão, não tem como não gostar daqui. Parece incrível.
— Não é o mais luxuoso, mas sempre que recomendo aos meus
clientes recebo um retorno bem positivo — explica e começa a retirar as
malas do carro. — Faz muito tempo que não me hospedo aqui, então, achei
que seria um bom momento ver com meus próprios olhos.
— Você também ficará aqui? — A proximidade de sua presença tão
constante me deixa um pouco nervosa.
— Sim. Algum problema? — ele pergunta, confuso.
— Não — respondo rapidamente, tentando consertar o embaraço que
eu mesma causei —, de jeito nenhum.
— Ótimo, pois assim não perdemos tanto tempo com deslocamento
para nos encontrarmos.
Apenas concordo com a cabeça, enquanto entramos no maravilhoso
saguão do hotel.
— Mas não se preocupe, terá toda a liberdade de sair por aí sozinha,
caso seja de sua preferência. Estou aqui apenas para garantir que aproveite
o melhor que a Itália tem a oferecer.
Rio. Até mesmo quando ajo de forma estranha ele continua sendo
gentil e cuidadoso.
— Obrigada. Mas sua companhia não será um problema. Não estou
acostumada a viajar sozinha. Então será bom ter alguém de confiança por
perto.
Ele abre um sorriso, satisfeito.
— Aqui está sua chave. Espero que esteja tudo do seu agrado.
Qualquer coisa é só me chamar, tem meu número de celular. Sua bagagem
já deve estar no seu quarto.
— Mais uma vez, obrigada. Tenho certeza de que estará tudo perfeito.
Devo descansar um pouco, esse fuso me deixou um pouco confusa. — Rio
da minha própria falta de experiência.
— Não se preocupe, não precisamos sair por aí hoje, afinal, ainda
temos um mês pela frente — ele fala e dá uma gargalhada, enquanto
caminhamos em direções opostas, rumo aos nossos respectivos quartos.
E eu rio mais uma vez, porque ele parece ter esse dom, de me deixar
assim. Ou talvez seja mesmo o ar da Itália. Acho que, na verdade, nunca
saberei.
7
“E eu sinto a sua falta, meu amor
Tanto assim que quero te seguir também
E na sua ausência
O vazio está dentro de mim”
In Assenza Di Te ― Na Ausência De Você ― Laura Pausini

Pelo visto eu estava mais cansada e mais perdida com a mudança de


fuso do que imaginava. Acordei assustada às 3h da manhã. Passei meu
primeiro dia na Itália dormindo. Tudo bem, pelo menos assim estarei bem
mais descansada para hoje. Só fico envergonhada porque posso ter deixado
Adam me esperando para fazer algo ontem.
Agora não tem mais o que ser feito. Como estou sem sono depois de
tantas horas dormindo, entro no banho. Aproveito que tenho tempo e, no
lugar de apenas uma chuveirada, passo horas em uma deliciosa banheira.
Pela primeira vez nesse um ano que passou sinto falta de ter um livro aqui
como companhia.
Como autora, ler deixou de ser apenas uma diversão, é também um
momento de aprendizado, de valorizar as amigas que escrevem e de me
inspirar. Mas o furacão que passou pela minha vida varreu, entre tantas
coisas, a vontade de fazer o que eu mais amava, deixando apenas a dor, a
raiva e a saudade.
Procuro afastar da minha mente os pensamentos negativos, buscando
relaxar ao tentar pensar em nada. No entanto, percebo que meu esforço é
em vão.
Pego meu celular e começo a pesquisar os livros de romance que
estão em alta no momento. Sempre amei estar imersa nessa área, pensando
nos novos dramas e para onde minhas leitoras gostariam de embarcar com
meus personagens. Vejo que ainda não tenho energia e nem me sinto pronta
para mergulhar nesse mundo da ficção novamente. Ao mesmo tempo me
surpreendo com a vontade de ao menos começar a pensar em algo, o que
não acontece desde que fiquei viúva.
As horas passam lentamente e assim que dá o horário do início do
café da manhã eu saio do meu quarto.
Chego à área do restaurante do hotel e já me delicio com a variedade
de coisas gostosas que vejo. Começo pelas frutas, depois aprecio uma
generosa fatia de pão italiano com geleia, acompanhada de um tradicional
cappuccino. Enquanto curto minha primeira refeição na Itália, vejo Adam
se aproximando.
— Bom dia! — ele cumprimenta com um sorriso aberto. — Fico feliz
de saber que não precisarei pedir para alguém arrombar a porta do seu
quarto para saber se está bem.
— Não sei nem como me desculpar por ontem — falo com uma
enorme vergonha.
Ele, em contrapartida, dá uma gargalhada.
— Não se preocupe, Joana, estou apenas brincando. Você não é a
primeira e nem será a última turista a perder a noção do tempo desse jeito
após uma mudança de fuso horário.
— Então, quer dizer que estou perdoada?
— Ah, isso já é outra coisa. Verei ao longo do dia — ele diz, todo
galanteador.
Não sei se Adam está me cantando ou se eu passei casada tempo
demais e não sei mais como os homens podem ser educados sem dar em
cima de uma mulher. Talvez esse seja apenas o jeito simpático de ser de um
italiano, já que antes nunca tive o privilégio de conhecer um.
— Estou brincando, Joana. Não precisa ficar com essa cara.
— Ah, eu sei — minto. — Só estava aqui pensando como compensar
um italiano tão apaixonado por sua terra. Não sei se será fácil. — Abro um
sorriso para aliviar o clima.
Ele dá outra espontânea gargalhada.
— Não seja por isso, posso te dar algumas dicas ao longo do dia.
— Então, combinado.
— Agora, por favor, experimente um típico croissant, pois vir à Itália
e não comer ao menos um, não é vir à Itália.
Após vários minutos maravilhosos, nós encerramos o café e fomos
aos quartos trocar de roupas para iniciarmos nossos passeios.
— Por onde começaremos? — pergunto assim que deixamos o hotel.
— Pela Duomo di Milano, a Catedral de Milão.
Quando chegamos já fico encantada com a beleza da basílica. Não
tenho muito interesse em entrar, confesso que visitar igrejas e museus não é
meu lazer preferido. Mas não resisto a tirar uma linda e típica foto em frente
à estrutura. Primeiro Adam bate uma só minha e depois fazemos uma selfie.
Sempre tive problemas com fotografias, não consigo gostar de
nenhuma, acho que não sou fotogênica, apesar de todos falarem que é uma
besteira da minha parte. Depois que olho a foto batida, fico encantada. Está
perfeita. Mas acho que não tem como ficar feia em um cenário tão
espetacular. De qualquer forma, serviu para me deixar mais à vontade para
as próximas, que sem dúvida virão.
De lá atravessamos a Galleria Vittorio Emanuele II, que fica bem ao
lado. Mesmo já tendo tomado um reforçado café, não resisto e experimento
um delicioso café de luxo, o Savani.
Com cafeína no organismo para a semana inteira, é hora de passear
pelo Quadrilatero della moda, o que faz me lembrar de Pedro. Ele sempre
teve uma situação financeira confortável, mas disse que nunca se sentiu tão
pobre do que quando esteve por aqui em sua viagem, já que é uma região
conhecida como o coração da capital da moda; repleto de lojas das marcas
mais luxuosas e exclusivas do mundo como Armani, Versace, Chanel e
tantas outras.
Inclusive, lembro-me de um trecho específico da sua carta pós-morte,
onde dizia para eu não fazer como ele, que passou a vida sem se dar ao
direito de fazer algumas extravagâncias. Decido, então, realizar minha
primeira compra em solo italiano. Entro na Chanel e fico horas por lá,
saindo com um par de sapatos, uns óculos e um relógio. Já posso riscar na
minha lista o item “fazer uma extravagância da Itália”.
Saio tão feliz, mais tão feliz que chega a ser difícil explicar tudo que
sinto. Não se trata de apenas comprar itens caros e de luxo, mas me libertar
de certas amarras. Pedro fez tantos planos para o futuro, economizou tanto,
trabalhou tanto e, no fim, não houve futuro. Foi tudo em vão. Não quero
cometer o mesmo erro. Devo isso ao menos a ele.
Já me sentindo cansada, ao final do dia vamos ao Arco della Pace, no
Parque Sempione. Os jardins com o arco formam uma paisagem fascinante,
principalmente nesse horário do entardecer.
Sentamo-nos no gramado e enquanto admiramos o espetáculo da
junção da natureza com a construção humana, Adam e eu conversamos
mais um pouco.
— É difícil perceber tudo que me foi tirado para que eu, finalmente,
realizasse meu sonho de estar aqui.
Adam olha atento em minha direção, mas não faz menção em falar
qualquer coisa. Sinto, nesse instante, uma vontade de colocar tudo para
fora, de falar de algo que nunca falo. Não sei explicar por que isso está
acontecendo justo na presença de um estranho.
— Eu tive uma filha — falo por fim —, não sei se você soube.
— Não. Pedro e eu não nos falávamos com tanta frequência. Posso
dizer que se eu soubesse que ele partiria assim tão cedo, teria dedicado mais
tempo à nossa amizade.
— Sei exatamente o que quer dizer. Sinto um pouco disso todos os
dias.
— Mas sempre que nos falávamos, ele se mostrava muito feliz. Tento
me lembrar disso quando a dor aperta um pouco mais forte.
Sua fala me deixa pensativa.
— Sinto muito que tenha sofrido um aborto.
— Não foi um aborto.
Conto, então, toda a história da gravidez. Desde a notícia, ao
diagnóstico, à minha escolha e, por fim, os breves minutos que Lia passou
em meus braços. Não resisto e deixo escapar algumas lágrimas.
— Foi uma decisão corajosa a sua. Faz com que eu veja por que
Pedro era tão apaixonado por você.
Ele me olha de uma forma tão verdadeira que me sinto traindo Pedro
só pelo fato de gostar de receber um elogio de outro homem.
— A doação de órgãos da sua filha será algo que te fará lembrar
sempre que a vida de Lia não foi por acaso. E isso lhe trará conforto.
— Quando a dor fica insuportável demais é nisso que tento focar, nas
várias vidas que ela salvou. Nas famílias que ela reestruturou.
— Eu sei que dói. Conheço a dor de perder alguém. Minha mãe
faleceu e sinto que vivo constantemente com um buraco no peito. Mas aí
me lembro do presente que ela também me deixou, que em breve você
conhecerá. E nesse momento renovo minhas forças e continuo vivendo dia
após dia.
— Um presente maravilhoso. Agora fiquei curiosa.
Ele abre um sorriso com minha leve mudança do rumo do assunto.
— Ainda não é o momento, espertinha. Precisarei confiar mais em
você enquanto confia mais em mim para seguirmos essa viagem.
— Que saco! É justo.
— Claro que é. — Ele dá outra gargalhada enquanto me olha de um
jeito cada vez mais encantador.
Se não fiquei maluca nesse um ano de luto, certamente ficarei por
conta deste italiano. Preciso aceitar logo esse fato.
8
“Eu sou um tolo teimoso
Apaixonado por ti
Mas ciente de que
Minha não podes ser”
La Sua Bellezza ― A Sua Beleza ― Modà

O que eu tenho na cabeça? Só posso ter perdido o juízo por completo.


Não é aceitável flertar justo com a viúva de um amigo. O que deu em mim,
afinal?
Depois que me despedi dela já no hotel, quase fui entorpecido por
aquele cheiro maravilhoso de sua pele misturado com perfume de seu
cabelo negro. De repente senti uma vontade de beijá-la, bem ali, sem me
importar com nada ao redor. Fui salvo por outro hóspede que passou por
nós no momento e trouxe consigo a minha sanidade.
Se algum dos meus amigos me visse agora, certamente eu seria
motivo de piada. Eles brincam o tempo todo dizendo que fiquei casto desde
o falecimento da minha mãe. Claro que não é verdade, tenho um rolo aqui e
outro ali, nada muito sério. O que não entendem é que minhas prioridades
mudaram. Posso dizer também que nunca fui mulherengo, comparado a
todos eles, era o mais sossegado. Mas eles insistem em dizer que piorei
1.000%.
Não vou dizer que não sinto falta de ter uma companheira, pois seria
mentira da minha parte. No auge dos meus trinta e cinco anos recém-
completados, não tenho mais energia social para acompanhá-los a festas
que viram a noite. Além de não acreditar que encontrarei alguém que queira
um compromisso sério nesses eventos que só aparece gente querendo
curtição. Não estou mais nessa fase. Por conta de tudo isso, sou o velho da
turma. E isso não me incomoda.
Deito-me em minha cama e tento esquecer os sentimentos que Joana
tem despertado em mim. Não sei se conseguirei, mas preciso tentar, e com
toda a minha força. Não posso desejar essa mulher. Posso querer qualquer
outra, menos Joana.
O cansaço do dia me atinge e caio rapidamente no sono. Sou
acordado apenas pelo som do meu despertador, na manhã seguinte.
Coloquei bem cedo para pegar a primeira hora do café da manhã. Não sei
quando Joana se levantará, mas quero estar pronto para sair assim que ela
desejar.
Apesar de ter dito a ela que esse tempo junto seria uma espécie de
férias para mim, no fundo nunca deixará de ser um trabalho também. Tudo
precisa sair do melhor jeito para que ela fique completamente satisfeita.
Ainda mais por saber que essa viagem significa muito mais do que um
passeio aleatório pela Itália. Sinto obrigação de ajudá-la a encontrar um
motivo e forças para recomeçar. Devo isso a Pedro. Ele me confiou o que
tinha de mais precioso em sua vida, sua esposa. Não posso decepcioná-lo.
Fico um pouco frustrado por não desfrutar da companhia de Joana no
café, como foi no dia anterior.
Assim que termino de comer, volto para meu quarto e acabo de me
arrumar. Depois de pronto, envio uma mensagem para ela avisando que
estou à sua espera. Quando quisesse era só me chamar.

JOANA: Dormi tão bem essa noite que acabei perdendo a hora, peço
desculpas. Já estou tomando meu café e logo estarei pronta.
Mesmo não tendo nada de mais na mensagem, fico feliz por recebê-
la. Não consigo entender esse sentimento. Apenas é algo que me faz bem.

ADAM: Não tem por que se desculpar, você está de férias, e


descansar faz parte do processo. Tome seu café com calma e estarei pronto
para quando quiser.

Quase meia hora depois ela envia outra mensagem, avisando que já
está na portaria do hotel e por isso desço para encontrá-la.
— Bom dia! — digo assim que a vejo.
— Bom dia! — ela responde e se aproxima de mim para um beijo no
rosto, costume tipicamente brasileiro.
Fico mais uma vez apaixonado pelo cheiro que emana de seu cabelo
recém-lavado.
― Vou só concluir o check out e já poderemos ir.
— Claro. Sem problema ― ela responde enquanto mexe no celular.
Poucos minutos depois já estamos dentro do carro para darmos
continuidade à nossa viagem.
― E para onde vamos hoje? Já posso saber? ― ela brinca.
― Dessa vez pode. Até porque, não quero te torturar por uma hora e
meia.
― Em uma hora e meia estaremos exatamente onde então?
― Estaremos em Sirmione, uma comuna da região da Lombardia,
província de Bréscia, com pouco mais de seis mil habitantes. É uma das
regiões banhadas pelo Lago di Garda.
― Se é banhada por um lago já me conquistou. Não vejo a hora de
poder me refrescar em águas italianas.
A ideia de vê-la de biquíni faz com que eu me arrependa
imediatamente da escolha que fiz. Porém, seria impossível viajar pela Itália
em pleno verão e não aproveitar as lindas praias que têm por aqui. Não seria
justo da minha parte.
Joana logo se distrai com a paisagem pelo caminho. Chega até a abrir
um leve sorriso. Poder vê-la assim, tão mais leve do que no dia que chegou,
já me deixa bem satisfeito. Sem contar que fica ainda mais linda quando
sorri.
Evito puxar assunto, não quero interromper seu momento de
contemplação. Concentro-me na estrada e, após uma hora e meia, assim
como prometi anteriormente, estaciono o carro em frente ao hotel em
Sirmione.
Novamente fazemos todo o ritual de tirar as bagagens e fazer o check
in. Em questão de minutos já estamos com tudo em nossos quartos, de
roupas trocadas e prontos para passearmos.
Decido começar pelo centro histórico de Sirmione. Lá poderemos
conhecer o Castello Scaligero, que guarda a entrada da cidade medieval de
Sirmione. Apesar da época do ano deixar o local bem movimentado, possui
um visual deslumbrante.
Joana não é de falar muito, mas vejo seus olhos brilharem a cada
nova paisagem que aparece em seu campo de visão. Aproveita para
fotografar tudo o que vê, apesar de reparar que evita aparecer em suas
próprias fotos.
Como vejo que está gostando, sugiro subirmos até o alto do castelo,
para termos uma vista ainda mais incrível da cidade. Já no alto, convido-a
para uma foto comigo. Ela, apesar de tímida com meu convite, não recusa e
o resultado é um italiano cada vez mais desesperado por perceber o quão
encantado tem ficado com toda sua beleza.
Ainda no castelo, aproveitamos para almoçar em um dos vários
restaurantes que têm por ali. O calor nos deixa mais cansados e mais
famintos, podendo aproveitar melhor a culinária local.
Como um bom guia turístico, ofereço de sobremesa um gelatto
tipicamente italiano. Ela se delicia com cada pedaço que coloca na boca.
Após uns minutos de silêncio, ela mais uma vez me surpreende com
seus desabafos.
― Você tem conseguido o que eu achei que seria impossível.
Não pergunto, apenas permaneço olhando em sua direção até que ela
continua:
― Esquecer a dor. Não digo esquecer que estou viúva e toda a
questão da perda, mas hoje, desde que acordei, não me senti culpada por
estar aqui. Sinto-me leve e até mesmo feliz. Confesso que não sinto isso
desde o dia que ele se foi.
― Você não imagina como fico feliz por ouvir isso.
― Obrigada. Obrigada por tornar esse passeio tão gostoso e
divertido. Obrigada por me ajudar com toda a “bagagem” do passado que
trouxe comigo.
― Não precisa me agradecer, pois acho que o responsável por tudo
isso não sou eu, é a Itália ― digo rindo.
Ela dá uma risada gostosa.
― Verdade. Na Itália tudo é mais fácil, certamente, mas não se
menospreze, sua companhia tem sido importante também.
Fico meio perdido, sem saber como responder, então, prefiro apenas
sorrir e mudar logo o rumo do assunto antes que fique ainda mais
constrangedor, ou antes que eu faça qualquer bobagem, pois é exatamente o
que estou com vontade de fazer; a maior bobagem da minha vida.
Depois de fazermos uma horinha do almoço, vamos a Lido Delle
Bionde, uma das praias de Sirmione. Achamos um lugar gostoso para sentar
e Joana logo tira a roupa para curtir o sol forte que faz. Ela, com sua pele
clara, me deixa ainda mais maluco, como eu já imaginava.
Enquanto estamos por ali aproveito para compartilhar com ela um
pouco de como foi a viagem de Pedro por aqui. Falar dele me força a tirar
da mente os pensamentos que não posso ter. Escolho nossos momentos
mais divertidos e fico feliz por vê-la se divertindo com meus relatos.
Passamos uma tarde bem gostosa, apenas conversando e nos
refrescando na água cristalina do Lago Di Garda. Quando se aproxima o
pôr do sol, caminhamos para um dos bares com deck à beira do lago.
― Você precisa experimentar o drink mais consumido por aqui no
verão.
Faço o pedido para o garçom e ele logo volta com duas taças de um
visual alaranjado maravilhoso.
― É feito com espumante seco, Aperol, água com gás e muito gelo.
Além de uma rodela de laranja para dar ainda mais charme.
― Se é boa eu não sei, mas sem dúvida é linda. Amei essa cor.
― Um brinde à nossa viagem! ― digo.
― À nossa viagem!
Brindamos e ela leva à boca a bebida. Depois olha para mim toda sem
graça, não conseguindo disfarçar a careta. Engulo a minha rapidamente para
dar uma gargalhada.
― É tão ruim assim? ― pergunto em meio a minha própria risada.
― É horrível! ― ela diz sem qualquer cerimônia.
Sua espontaneidade faz com que eu ria ainda mais.
― É linda, sem dúvida. ― Ela completa. ― Mas é muito amarga.
Desculpa, não darei conta de tomar isso. Sério! Pode ficar com a sua e com
a minha. A não ser que tenha nojo da minha boca.
― A última coisa que teria de sua boca é nojo.
Assim que falo me arrependo. Sinto o clima entre a gente pesar e
ficar bem constrangedor. Juro que saiu sem querer. Ela pega o cardápio na
tentativa de fugir do meu olhar, mas vejo que está tão perdida quanto eu.
― Talvez um espumante possa ser mais suave ― tento consertar o
que eu mesmo causei.
― Ótimo, pode ser.
Chamo o garçom e faço o pedido. Minutos depois estamos em
silêncio, aproveitando nossas bebidas e a linda imagem do pôr do sol no
lago. E eu, lutando comigo mesmo, para tirar da minha mente a mulher que
já está tomando posse de todo meu coração.
9
“Queria ser o espelho que fala com você
E que a cada pergunta sua
Te responda que no mundo
Você é sempre a mais linda”
Favola — Fábula — Modà

Chegamos ao hotel já à noite. Não posso negar que o dia de hoje foi
muito gostoso, leve.
Antes de me deitar procuro nas minhas coisas um remédio para dor
de cabeça. Provavelmente foi por conta daquele drink horroroso que Adam
me ofereceu. Tudo bem que era lindo, mas horrível. E por falar em drink e
em Adam, o que foi aquilo?
“A última coisa que teria de sua boca é nojo.”
Mesmo estando sozinha agora, sinto meu rosto queimar com a
lembrança de sua fala e de seus olhos penetrantes. Ainda bem que já
estávamos quase no fim do dia, senão eu não sei como ficaria ao seu lado
com todo o constrangimento que tomou conta de mim.
Após tomar o remédio, deito-me, mas antes de pegar no sono lembro
que hoje não mandei notícias para Vicky. Quando nos despedimos no
Brasil, ela me fez prometer que estaríamos sempre em contato. Então,
mando uma mensagem e nem espero sua resposta, pois toda vez faz questão
de me perguntar dos italianos, um assunto que não quero pensar agora.
O efeito do remédio para dor e o cansaço do dia me fazem dormir
rapidamente, como uma pedra.
Como vamos pegar estrada mais uma vez, coloquei o relógio para
despertar mais cedo e por isso sou acordada na hora certa. Arrumo tudo,
troco de roupa e desço para o café da manhã.
Adam já se encontra no restaurante quando eu chego. Impossível
ignorá-lo.
— Bom dia! — digo, fingindo que nada aconteceu ontem.
— Bom dia! — ele responde, fazendo o mesmo que eu.
Comemos e conversamos apenas coisas triviais até estarmos prontos
para partirmos mais uma vez.
Já dentro do carro ensaio fazer minha costumeira pergunta, mas me
sinto sem graça.
— O que foi? — ele pergunta sorrindo. — Não vai perguntar para
onde vamos desta vez?
— Já estou tão previsível assim?
— Não sei se previsível é a palavra que eu usaria. Acho que com a
convivência que estamos tendo, estou aprendendo a te conhecer um pouco.
— Acaba sendo inevitável, não é?
— Sim. Mas não se preocupe, estou adorando te conhecer.
Quando começo a relaxar, sua fala volta a me deixar sem jeito. Estou
vendo que em algum momento muito próximo teremos de conversar a
respeito. Não sei nem como começaria esse assunto. E, pior, e se for tudo
imaginação minha? Ainda passarei a maior vergonha. Definitivamente, não
sei o que fazer.
— Como não perguntou, eu conto. — Ele continua. — Hoje iremos a
Veneza. Mas como sei que é uma autora de romances, faremos uma breve
parada em Verona.
— A casa de Julieta? — pergunto sem esconder minha empolgação.
— Parece que acertei, não é? — Ele ri, daquele jeito leve e gostoso
dele.
— Sim. Muito! Não que tenha errado em algo até aqui, tudo tem sido
perfeito, mas Verona é, sim, um lugar que queria conhecer.
— Ótimo! Fico muito feliz que esteja gostando de tudo. Confesso que
tenho me dedicado.
— Eu só tenho a agradecer. Sério. Obrigada por tudo.
Ele apenas sorri e em poucos minutos, talvez trinta ou quarenta, não
sei ao certo, já estamos em Verona.
A única coisa que me desanima um pouco é perceber como quase
todos os principais pontos turísticos da Itália ficam bem lotados nessa época
do ano. Mas não posso reclamar, já que isso fui eu que escolhi.
Caminho pelo que mais parece um formigueiro de gente, enquanto
registro tudo com meu celular. Nada consegue estragar o charme do lugar.
Mas pensar em Shakespeare e no amor proibido de Romeu e Julieta
chega a ser quase um deboche do destino. Estou na Itália, onde poderia me
apaixonar por qualquer homem bonito e solteiro, mas, não, preciso ter
sentimentos justamente pelo único que não pode ser meu. Não que eu vá ter
o mesmo trágico fim, até porque nem sei muito bem o que estou sentindo,
ainda é tudo muito confuso. Porém, é inevitável não me preocupar com o
desfecho dessa minha aventura em solo italiano.
Após todos os registros que poderia fazer, é hora de pegar a estrada
rumo a Veneza, que fica mais ou menos à uma hora e meia de carro de
Verona.
— Preciso te avisar, não sei o que preparou para a gente lá, mas não
há ninguém que me convencerá a andar de gôndola.
Ele, antes mesmo de perguntar o porquê, solta mais uma gargalhada.
É tão espontâneo que eu sempre acabo rindo junto.
— E qual é o problema com as gôndolas?
— Não ria, mas…
É nesse momento que ele ri mais ainda.
— Qual a parte de que é para não rir que você não entendeu? — Finjo
estar brava, mas rio tanto quanto ele.
— Desculpa. Mas é inevitável não rir de você às vezes. Peça qualquer
coisa que eu farei, mas não adianta pedir para eu não rir, pois será perda de
tempo.
— Estou vendo.
— Tudo bem — ele diz e respira fundo na tentativa de ficar sério —,
agora se explique.
— Tenho a sensação de que a gôndola virará a qualquer momento. É
muito desajeitado aquilo, você precisa concordar comigo. Não tem nada de
romântico em um passeio assim.
― Claro que é romântico! Pensa comigo... Se você cair na água, pode
ser socorrida pelo seu príncipe encantado.
― E quem disse que eu ainda acredito em príncipe encantado? Vou
entrar em contato com sua empresa de turismo e avisar que o guia deles está
me enganando.
Nós dois caímos na gargalhada.
― Por favor, não faça isso, dizem que o chefe é muito chato com
mentiras e não pensará duas vezes em me demitir ― Adam brinca, já que é
o dono de toda a empresa.
― Faremos um acordo então, nada de gôndolas e assim seu emprego
estará garantido por mais um tempo. O que acha?
― Acho perfeito. ― Ele sorri com a expressão mais encantadora do
mundo.
Vicky tinha razão, os italianos são mesmo diferenciados. Estou
perdida.
Pouco antes de chegarmos, ele explica que em Veneza não é
permitido a entrada de carros ao grande centro, e que por isso pegaremos
outro meio de transporte até nosso hotel. Entre as alternativas, Adam dirige
até Tronchetto, uma ilha artificial antes de Veneza. Lá existe um grande
estacionamento.
Assim que chegamos, deixamos o carro e vamos em direção ao táxi
aquático. Como estou com bagagem, ele achou melhor do que o conhecido
Vaporetto, que nada mais é do que uma balsa, o meio de transporte oficial
de Veneza.
O hotel reservado por Adam tem um píer próprio, o que facilita nossa
chegada, não precisaremos empurrar malas por aí.
Como chegamos no horário do almoço, já que nos atrasamos um
pouco em Verona devido ao mar de turistas que enfrentamos pelo caminho,
decidimos almoçar no hotel mesmo e só depois sairmos para passear.
Como em todos os lugares que comi, a comida daqui é maravilhosa.
Sem contar que o ar-condicionado do ambiente me permite deliciar tudo
com ainda mais prazer.
Depois de bem alimentados e de roupas trocadas, saímos para
aproveitar nossa tarde. Passeamos sem muito rumo, já que as próprias ruas
de Veneza já são uma atração à parte. Tudo por aqui é charmoso, é
impossível não se encantar com cada cantinho.
Depois de algumas voltas aleatórias, fomos à Torre Campanile di San
Marco, que fica ao lado da Basilica di San Marco. Como já disse a Adam
que não sou muito fã de visitar igrejas, decidimos apenas subir a torre, e no
alto dos seus noventa e oito metros, sendo a construção mais alta da cidade,
podemos apreciar a vista fantástica. É tão lindo que se eu pudesse passaria a
tarde toda por aqui.
Ao fim do dia fazemos uma parada para o tradicional aperitivo
italiano, que no caso de Veneza pode ser feito na beira dos canais, o que
deixa tudo ainda mais gostoso.
― Não é possível desfrutar de um aperitivo na Itália sem a bebida
adequada ― Adam diz, já chamando o garçom.
― Pelo amor de Deus, não me venha com outro drink horroroso!
Ele não sabe se ri ou se faz o pedido. Algum tempo depois nossas
bebidas chegam.
― Prometo que desse você vai gostar. Este é o famoso Bellini, uma
bebida típica da região do Vêneto, especialmente de Veneza. É um
espumante misturado com suco de pêssego docinho e suave. É tão leve que
o teor alcoólico dele é de 5%.
O fato de ser doce e suave já me deixa com mais coragem para
experimentar, além da linda aparência, com uma taça toda chique e uma
rodela de pêssego na borda e estupidamente gelada; tudo muito atrativo.
― Hummm... ― digo assim que experimento. ― Agora, sim. Que
delícia que é isso!
Bebo outro gole.
― Eu disse que desse você ia gostar.
― Amei!
E nesse clima descontraído passamos horas conversando.
― Acho que aqui na Itália eu nunca perderia a inspiração para
escrever.
― O lugar ajuda e muito, é claro, mas nossa mente precisa estar
muito boa também, ou então, nada fará sentido.
Olho para ele apenas concordando.
― Faz muito tempo que não escreve?
― Sim, desde o dia que Pedro se foi. Até tentei uma vez, mas desabei
a chorar e desisti. Não estava pronta.
― Tudo tem seu tempo, não se torture por isso.
― Eu sei, mas dói muito quando percebemos que até o que mais
amávamos fazer perdeu completamente a graça. Sinto falta de como me
divertia com todo o processo criativo que envolve a escrita de um livro. Ao
contrário do que muitos pensam, não é apenas escrever, ser autora envolve
tanta coisa, tanto trabalho, tanta pesquisa. E eu amava tudo isso. Agora...
Mal consigo terminar a frase. Adam estica sua mão sobre a mesa e
acaricia delicadamente a minha. O calor do seu toque me transforma de tal
jeito. A vontade que tenho no momento é de esquecer quem ele é e beijá-lo
aqui mesmo.
― Tenho certeza de que esta viagem te curará de várias formas
diferentes e, com isso, será um divisor de águas em sua vida. Quando voltar
ao Brasil, será outra Joana, você verá. Confie em mim.
Ele retira a mão da minha e sinto um vazio, algo que não sei explicar,
mas que me deixa estranha e perdida até nosso retorno ao hotel após o cair
da noite.
10
“Cai a neve e eu não entendo o que sinto de verdade, eu me rendo,
cada referência se foi”
L'Ultima Notte Al Mondo ― A Última Noite No Mundo ― Tiziano
Ferro

Já no quarto de hotel, após tomar um banho refrescante para amenizar


o calor do verão italiano, eu visto meu pijama e me deito. Minha mente está
tão agitada que viro de um lado para outro sem qualquer sucesso.
Não vou conseguir dormir assim. Preciso colocar isso para fora. Pego
meu celular e antes de fazer a ligação me lembro de olhar a hora, além de
fazer as contas do fuso, diminuindo cinco horas para o Brasil, o que me
tranquiliza, sabendo que não vou acordá-la.
— Ah, finalmente a bonita prestou para ao menos me fazer uma única
ligação. Já é alguma coisa — Vicky fala assim que atende o celular.
— Desculpa, amiga! Os dias parecem tão corridos por aqui que chego
ao hotel louca para dormir.
— E o que mudou hoje?
— Mudou que eu não aguento mais guardar isso só para mim. Preciso
conversar.
— Fala, Jô, quem é o sortudo?
— Como você sabe que é sobre isso?
Ela dá uma gargalhada do outro lado da linha que eu juro que nem
precisaria de celular, daqui eu escutaria, de tão alto.
— Para de rir, mulher. Eu estou nervosa. É sério.
— Eu sei que é sério, amiga, mas é que você fica nervosa com coisas
que não tem a menor necessidade.
— Não é bem assim, Vicky. É complicado.
— E por quê? O que te impede de viver a vida, Joana? Sei que foi
duro demais perder um marido tão jovem e tão maravilhoso como meu
irmão, mas agora você tem todo o direito de se relacionar com quem quiser.
— Mesmo com o amigo italiano dele?
Nós duas permanecemos em silêncio por alguns segundos, até que
Vicky volta a falar.
— Jura?! — Ela dá outro grito.
— Sim, amiga, quer dizer, acho que sim. Não sei. Tudo é tão confuso.
O que eu faço? Você precisa me ajudar.
— Calma, Jô, não surta. Comece me contando tudo.
Nos longos minutos seguintes, conto a ela tudo. Tudo mesmo. Desde
a chegada ao aeroporto de Milão até nosso toque de mãos hoje. Além de
todo o misto de sentimento que carrego desde então.
— É, amiga, não vou mentir, você está mesmo apaixonada.
— O que eu faço agora?
— Simples, se entrega.
— Você está louca, Victoria? Ele era amigo do seu irmão. Que tipo de
mulher você acha que eu sou?
— O tipo de mulher que está viúva e que não deve satisfações a
ninguém.
— Do jeito que você fala, até parece que tudo é tão fácil assim.
— Desculpa, amiga, sabe o quanto te respeito, mas às vezes você
pensa demais e isso só serve para te machucar.
Não tenho resposta para isso.
— Eu me preocupo com você, sabe disso, não é? — Vicky diz, toda
carinhosa.
— Eu sei, mas você quer que eu me envolva com um homem que era
próximo demais do Pedro. Sinto-me traindo seu irmão.
— Desculpa se eu pareço impor a minha opinião, não quero te deixar
mal. Tudo que eu desejo, Jô, é que você seja feliz, independente de quem
esteja ao seu lado.
Começo a chorar enquanto ela continua falando:
— Meu irmão e eu éramos muito reservados em certos assuntos, mas
eu tenho certeza de que para ele, o que mais importava, era a sua
felicidade. Não acredito que se pudesse ter conhecimento da pessoa que
você escolheu para ter ao seu lado fosse importar agora, principalmente se
estivesse feliz. Ele foi claro quando disse para você seguir sua vida, para
não se prender a história que tiveram juntos.
— Eu sei — falo em meio às lágrimas —, mas ainda não consigo.
— Mas ninguém está falando que precisa ser agora. O que eu quero é
que você não se feche. Só isso.
— Ok. De qualquer forma, foi bom conversar com você. Não
aguentava lutar contra isso sozinha.
— Estarei sempre aqui, sabe disso.
— Eu sei. Obrigada, Vicky. Agora vou tentar dormir, estou bem
cansada.
— Vai lá. Descanse. E qualquer coisa me liga.
— Pode deixar. Um beijo, amiga.
— Beijo.
Desligo o celular, levanto-me, lavo meu rosto por conta das lágrimas
e volto a deitar. Rolo de um lado para outro, mas, por fim, o cansaço me
vence e pego no sono.
Acordo bem cedo, assim como no dia anterior, e vejo que recebi uma
mensagem de Adam. Fico apreensiva, com medo de ter acontecido algo e,
por isso, abro de imediato.

ADAM: Bom dia, turista. Espero que tenha descansado. Hoje vamos
a uma ilha aqui perto, então, se conseguirmos sair o mais cedo possível,
melhor será para voltar. Acabei me esquecendo de te falar isso ontem à
noite. Peço desculpas. Caso não queira, posso alterar nosso roteiro e assim
ficarmos em Veneza mais um dia. Hoje eu deixo você escolher, mas não se
acostume, é apenas hoje.

Acho graça de sua mensagem. Adam é sempre assim, consegue ser


objetivo, atencioso, carinhoso e divertido em uma única mensagem. E tudo
isso me encanta cada vez mais.

JOANA: Bom dia, italiano. Acabo de ver sua mensagem. Pode deixar
que já descerei para o café praticamente pronta, assim ganharemos um
pouco mais de tempo.

Envio a mensagem e procuro me trocar e arrumar tudo que preciso no


menor espaço de tempo possível. Quando estou quase pronta, escuto outra
mensagem chegando no meu celular.

ADAM: Sem problema. Aguardo você para tomarmos café da manhã.


Já estou aqui.
Nem respondo e desço para o restaurante. Ele se levanta e me
cumprimenta assim que me vê. E logo estamos comendo e conversando
como se fôssemos amigos de infância. Nossa relação é tão espontânea e
natural que me faz muito bem. Independentemente do que aconteça entre
nós por aqui, sei que sentirei falta de sua companhia diária e de nossas
conversas. Adam é um amigo incrível, aquele tipo de pessoa que dá prazer
em ficar perto. Não me espanta saber que ele e Pedro ficaram amigos tão
rápido. São duas pessoas maravilhosas.
Depois de tudo pronto, saímos do hotel e logo entramos em táxi
aquático.
— Para não perder o costume, para onde está me levando hoje? —
pergunto, em tom de brincadeira o que o faz rir.
— Hoje vamos a algumas ilhas aqui perto. Ficam mais ou menos a
um quilômetro de Veneza. Primeiro conheceremos Murano e em seguida
partiremos para Burano.
— Você quem manda — digo e sorrio.
Sinto um leve enjoo com o balanço do barco, mas para meu alívio, as
ilhas são realmente perto e logo estou com meus pés em terra firme.
Dou alguns passos e sinto uma forte tontura. Adam rapidamente me
segura e ajuda a me sentar em um banco próximo.
— O que está sentindo? Quer voltar ao hotel? Você está branca.
— Calma, está tudo bem, foi apenas uma tontura um pouco mais forte
e um enjoo. Definitivamente não sou uma boa companhia quando não estou
em terra firme. — Rio para amenizar o clima, pois Adam ficou realmente
preocupado comigo.
— Tem certeza de que não quer voltar para o hotel? Podemos fazer
esse passeio outro dia ou até mesmo nem fazer, aqui nem é tão interessante
assim.
Dou uma risada.
— O que foi? — ele pergunta rindo e ao mesmo tempo meio confuso.
— Desse jeito terei de fazer uma reclamação na agência de turismo
que contratei, pois eles me arrumaram um guia que, além de tentar me
embebedar, ainda me leva a lugares que não são interessantes, fazendo com
que eu perca um dia de passeio na Itália.
Ele, então, solta aquela gargalhada que tanto gosto.
— Por essa eu preciso dizer que sou culpado.
— Mas é claro que é.
— Como posso te recompensar por isso? É só dizer.
— Apenas me surpreenda — digo e com calma me levanto do banco,
mas ele me olha de uma forma tão penetrante que sinto minhas pernas
bambearem novamente.
— Se voltar a passar mal eu juro que serei o pior guia do mundo e te
colocarei no ombro para retornarmos ao hotel.
— Eu estou bem. — Rio de novo. — Agora vamos.
Como se fosse algo natural, andamos pela pequena ilha de braços
dados, assim como tantos casais que passam por nós pelo caminho.
Adam me conta que Murano é famoso pela produção artesanal de
vidros. Com artes tão lindas em vidro foi impossível não comprar alguns
enfeites para minha casa e para a da Vicky. Até porque, ela me mataria se
eu voltasse para o Brasil sem levar ao menos um ímã de geladeira para ela.
Depois do almoço pegamos novamente o barco e fomos à ilha de
Burano, conhecida pelo conjunto de casas pintadas das mais variadas cores.
É sem dúvida diferente e encantador ao mesmo tempo. Tiramos até algumas
fotos para deixarmos de lembrança.
Nem me lembro mais de que passei mal. É um passeio tão gostoso e
relaxante. Sem compromisso, sem horários, sem filas. Uma paz.
Sentamo-nos em um bar e aproveitamos um pouco mais das delícias
que só a Itália tem a oferecer.
— Hoje a senhorita está proibida de beber qualquer coisa com teor
alcoólico. Não serei acusado novamente de embebedar nenhuma cliente,
ainda mais uma tão especial com você.
— Eu ao menos tenho o direito de tentar outro acordo?
— É claro que não. Está decidido.
— Então, tudo bem. Não lutarei contra isso. Eu quero um suco então.
Surpreenda-me com um bem gostoso e refrescante.
— Como quiser — ele diz com o sorriso mais lindo do mundo.
E assim passamos mais um fim de tarde em meio a aperitivos e a
muita conversa, fazendo com que eu veja que estou andando em um
caminho sem volta e que me leva diretamente para os braços do único
italiano que eu não poderia ter; mas que faz meu coração bater mais forte a
cada segundo.
11
“Troco aquilo que temia pelo que sinto
E não é muito
Mas pelo menos é um bom começo”
Un Buono Inizio ― Um Bom Início ― Laura Pausini

ADAM
Depois de ficarmos dois dias em Veneza, chegou a hora de seguirmos
viagem. Logo pela manhã eu faço o nosso chek out no hotel e em seguida
embarcamos no táxi aquático até Tronchetto, onde deixamos o carro no
estacionamento.
Já na estrada decido contar um pouco da minha história para Joana,
pois quero que ela entenda por que nosso próximo destino é tão especial
para mim.
— Espero que não se incomode, pois dessa vez iremos um pouco
mais longe — digo, enquanto dirijo.
— Mais longe quanto?
— Uns quatrocentos quilômetros daqui.
— Sério? — Ela parece realmente surpresa.
— Se quiser podemos ir a outro lugar, mas… — Fico sem graça de
terminar a frase.
— Mas…
— Deixa para lá. — Sorrio. — O importante é você, então a decisão é
toda sua.
— Se a decisão é toda minha, gostaria que terminasse a frase. Por
favor!
Ela olha para mim com tanta cumplicidade e verdade que decido me
abrir.
— Promete que não me achará um idiota?
Ela solta uma risada.
— Tenho certeza de que jamais pensarei isso de você. Agora, pare de
me enrolar e continue.
— Eu quis dizer anteriormente que, apesar das quase cinco horas que
levaremos até nosso destino, gostaria muito que você fosse, pois é um lugar
muito especial para mim.
— Você costuma ir sempre a esse lugar com outros turistas?
— Não. Acho que nunca levei ninguém lá. A não ser quando é um
pedido do cliente, mas não consigo me lembrar da última vez que isso
aconteceu. É um lugar sagrado para mim.
Olho meio de canto de olho para não desviar muito minha atenção da
estrada e percebo que ela ficou bastante desconfortável com minha fala.
Juro que não estou tentando forçar nada com ela, mas quando estou em sua
presença sinto algo tão diferente que chego a ficar até meio bobo e
inseguro.
— Olha, eu falei sério quando disse que o importante é a sua vontade.
Eu sou apenas um guia. Não precisa me seguir cegamente.
— Será um prazer conhecer esse tal lugar. Mas, por favor, não repita
isso novamente, você não é apenas um guia — ela diz e volta a olhar pela
sua janela do carro.
É claro que eu percebo o clima diferente entre a gente, posso estar
enferrujado, mas não estou morto. Apesar disso, não sei muito bem o que
fazer com tanta tensão e desejo. Ela não é apenas uma turista bonita que
está aqui atrás de uma aventura. É a viúva de um grande amigo. Alguém
que deveria ser proibida para mim, mas não há um só dia que eu não me
deite sem pensar nessa mulher.
— Monterosso — digo por fim.
— O quê? — Ela volta sua atenção para mim.
— Estou te levando para Monterosso al Mare. Cidade onde moro e,
sem dúvida, o lugar mais bonito de toda a Itália.
Ela abre um sorriso e com isso me sinto um pouco mais leve por fazê-
la ficar presa comigo em um carro por quase cinco horas seguidas.
— Então, agora acho que está na hora de me contar um pouco mais
sobre você, pois sinto que me conhece muito mais do que eu te conheço.
— Tem certeza de que não vou te entediar?
— Eu sou autora, esqueceu? Amo uma história. Pode começar. — Ela
se vira para mim e permanece atenta.
— Não tenho muitos parentes por lá. Durante muitos anos foram
apenas minha mãe e eu. Meu pai morreu faz algum tempo.
— Sinto muito por isso. Vocês eram próximos?
— Não como eu desejava, já que ele trabalhava demais. Queria ter
tido mais tempo em sua presença. Apesar disso, sempre foi um ótimo pai.
Ele só não entendia por que eu não queria seguir os passos dele. O senhor
Vittorio Romano era dono de uma das maiores vinícolas da Itália. E, após
muito trabalho duro, conquistou uma fortuna considerável.
— Ah, então quer dizer que meu guia é milionário? Por isso que não
se preocupou nem um pouco em perder o emprego com minhas
reclamações. — Ela se diverte com a história.
— Sim, eu sou um milionário, mas meu trabalho é importante demais
para mim, então, por favor, não se esqueça dos nossos acordos.
— Não me esqueci. Você prometeu me surpreender. Estou esperando.
Essa mulher é uma caixinha de surpresa. Ao mesmo tempo em que às
vezes dá dez passos para trás, também dá dez em minha direção. Nunca sei
o que esperar.
— Também não me esqueci da minha parte, só preciso de um pouco
mais de tempo.
— Não se preocupe, não estou com pressa.
Ela parece se divertir por me ver tão sem graça com certas situações.
— Agora explica... O que levou um milionário italiano a abrir uma
agência de viagens no lugar de seguir os passos certeiros do senhor
Romano?
— Eu não sei se percebeu, mas eu amo a Itália.
— Foi muito sem querer, mas eu percebi isso — ela fala com total
ironia, o que me faz rir.
— Não queria ficar preso em um lugar só, quando poderia desfrutar
de toda a Itália. Para que meu pai não ficasse tão aborrecido, permiti que
me ajudasse com a construção e consolidação da minha agência. Eu era
filho único e ele sempre fez questão de me proporcionar tudo do bom e do
melhor.
Se tem uma coisa que eu queria é que ele visse tudo que fui capaz de
conquistar depois, com minhas próprias pernas, com meu trabalho, com
meu nome. Mas isso é algo que decido não compartilhar agora.
— Com a agência pude viajar como guia sempre que me desse
vontade — continuei. — Claro que como dono fico mais tempo preso no
escritório, ainda assim tenho a liberdade de fazer o que nós dois estamos
fazendo agora.
Ela olha para mim e sorri. Parece genuinamente feliz com minha
companhia.
— Até que meu mundo virou de cabeça para baixo e precisei
reorganizar as minhas prioridades. E foi aí que Monterosso se tornou um
lugar ainda mais especial. Um lugar que eu não posso e nem quero me
afastar por muito tempo.
Faço uma pausa, bebo um gole de água, pois essa parte sempre me
deixa de coração apertado e depois prossigo:
— Muitos anos depois do falecimento do meu pai, minha mãe
encontrou um rapaz que com muita lábia e canalhice fez tudo o que fez.
Após um tempo de relacionamento ela acabou engravidando, mesmo já
sendo mais velha do que o ideal para uma gestação. Na verdade, ela nem
imaginava que ainda conseguia gerar um filho. Foi um misto de surpresa,
de alegria e de muita preocupação.
— Eu imagino, acho que ficaria da mesma forma.
— Pois é. Assim que soube e passado um pouco o susto, contou ao tal
namorado. Foi aí que tudo entre eles terminou. Ele disse que não queria ser
pai e sumiu daqui. Nunca mais o vi.
— Não acredito!
— De um homem assim é preferível ter distância mesmo, mas doía
ver o tanto que minha mãe sofreu. Ainda mais com todo o risco da
gravidez. Foram oito meses muito difíceis.
— Tenho certeza de que ela era grata em ter um filho maravilhoso
como você do lado dela.
— O mérito foi todo dela, sempre foi uma mãe incrível.
Joana acaricia meu braço.
— Sinto muito que ela tenha falecido, lembro que me contou isso em
Milão. Mas, e a criança?
Eu sorrio ao me lembrar da minha pequena.
— A gravidez era de risco, mas ela foi forte até o fim. Deu à luz a
uma menina linda. Nossa pequena Beatrice.
Vejo que seus olhos se enchem d’água.
— Desculpa, não quis te fazer se lembrar da sua filha.
— Não se preocupe, estou bem. Pode continuar.
— Apesar de Beatrice ter nascido linda e forte, minha mãe não
resistiu. Foi, sem dúvida, o dia mais difícil da minha vida. É um buraco que
carregarei em meu peito para sempre.
Ela apenas balança a cabeça, afinal, sabe muito bem como é perder
alguém a quem tanto ama.
— Nesse mesmo dia perdi minha mãe e virei pai. — Rio.
— Você assumiu a criação?
— Sim. Como eu disse, não tenho muitos parentes. Apenas uma tia,
irmã da minha mãe, mas já não tem tantas condições de saúde como eu.
Virei um pai solo do dia para a noite.
— Ela foi o lindo presente que sua mãe deixou, que você comentou?
— Exatamente. Foi um começo difícil, mas agora, oito anos depois,
vejo que valeu a pena e que faria tudo novamente.

JOANA
Como não me apaixonar por um homem desses? Ele não é apenas um
italiano bonito, é uma pessoa diferenciada, com um coração do tamanho do
mundo.
Ao longo da viagem me conta um pouco mais de como foi ser pai,
das dificuldades e tudo o que passou sem a ajuda de quase ninguém. Fico
admirada com todo o relato. Qualquer outro homem teria desistido. Já ele,
não só continuou como se alegra pela decisão que tomou.
Após horas na estrada chegamos, finalmente, a Monterosso. E mais
uma vez ele tinha razão, é lindo aqui. A cidade, as construções e o azul
diferenciado do mar. Certamente amarei estar aqui tanto quanto ele.
Como foi uma viagem longa, vamos direto para a casa dele, disse que
dessa vez não se sentiria confortável em um hotel e que gostaria de me
receber em sua casa. O que precisei aceitar.
Assim que escuta a voz de Adam, uma garotinha aparece correndo.
— Papai! Você voltou — ela diz e pula em seus braços.
— Eu voltei, minha pequena. Não aguentava mais de saudade de você
— ele diz e a abraça ainda mais apertado.
— É sua amiga, papai?
— É, sim. O nome dela é Joana, ela mora lá no Brasil.
Beatrice desce do colo de Adam e me abraça apertado. Vê-la assim
com ele e comigo me deixa de coração apertado. Lembro-me da minha
pequena Lia, que hoje já estaria com quase um ano.
— Você é ainda mais linda do que seu pai me contou — digo
acariciando seu lindo cabelo castanho e levemente cacheado, assim como o
de Adam.
Beatrice segura minha mão e me leva por toda casa, mostrando-me
cada cantinho. Depois de comermos e descansarmos um pouco, passamos o
final do dia todo na praia, nós três.
Já à noite, com Beatrice já adormecida e na presença de uma babá,
Adam me leva para jantar. Dessa vez, só nós dois.
Vamos a um restaurante que fica na Torre Aurora, uma torre do
século XIII, com uma vista incrível da cidade. É a primeira vez que me
sinto em um encontro e não apenas compartilhando um jantar com um
amigo, e isso me deixa muito nervosa. Mal consigo apreciar a comida.
Depois de jantarmos, saímos do restaurante e Adam segura minha
mão enquanto caminhamos. Nossos dedos parecem se encaixar da forma
mais perfeita do mundo. Conversamos por um tempo até que o desejo fala
mais forte do que nossa razão. Encostados em uma meia parede enquanto
novamente olhávamos a vista, ele leva a mão pela primeira vez em meu
rosto. Acaricia minha bochecha e seu toque quente me faz esquecer todos
os motivos que tenho para lutar contra tudo isso.
Ele, então, passa o dedão delicadamente em meus lábios até me puxar
para um beijo que nenhum dos dois conseguia mais evitar. Um beijo quente,
firme e carregado de desejo e de paixão. Um beijo especial em uma das
cidades mais especiais da Itália. Um beijo que mudaria tudo entre nós e,
principalmente, dentro de mim.
12
“Você está perdendo tempo
Pensando, pensando
Pelo que você mais queira
Até quando? Até quando?”
Quizás, Quizás, Quizás ― Talvez, Talvez, Talvez ― Andrea Bocelli
com Jennifer Lopes

JOANA
Já na casa de Adam, eu ando de um lado para outro, completamente
perdida. Como eu fui fazer aquilo?
Assim que me puxou para um beijo, ele se afastou e olhou
profundamente em meus olhos. Segundos depois tive a impressão de que
me pediria perdão e se afastaria de vez, foi então que o puxei de volta e lhe
dei mais um beijo. Sabia que quanto mais estivesse imersa no beijo, mais
tempo demoraria em sentir remorso e por isso adiei o inevitável.
Agora estou aqui, desesperada, envergonhada e sem saber como o
olharei no dia seguinte. No caminho para cá ele ainda tentou conversar
comigo, enquanto eu andava sem querer ouvir nada.
— Por favor, Joana, não faça isso. Vamos conversar — ele dizia e
andava atrás de mim.
Até que me alcançou e, segurando meu braço, me fazendo parar.
— Por favor, você precisa me escutar — insistiu ele.
— Não. A única coisa que eu preciso agora é ficar longe de você e, de
preferência, sozinha.
Dou às costas e volto a andar.
— É isso mesmo o que quer? Ficar longe de mim? — disse.
— O que você quer de mim, Adam? ― Paro e olho em sua direção.
— Não sei, mas talvez eu apenas queira não me sentir tão culpado por
ter me apaixonado por você — ele diz, um pouco bravo e ao mesmo tempo
meio perdido.
— Mas é exatamente isso que devemos sentir, culpa!
— Somos solteiros, não deveria ser assim.
— Somos horríveis, isso, sim! Se Pedro pudesse nos ver agora
certamente teria vergonha de nós dois — falo sem conseguir segurar as
lágrimas.
Vejo em seus olhos a mesma culpa que sinto, então volto a andar em
direção a cada dele, mas agora, sem ser interrompida.
Após andar de um lado para outro no quarto, decido tomar banho, na
esperança de lavar toda culpa e desejo que estão entranhados em cada poro
do meu corpo.
Obviamente, de nada adiantou. Estou de banho tomado, roupa trocada
e me sinto cada vez mais suja. Penso em ligar para Vicky, mas sei
exatamente o que ela dirá, e às vezes nós não queremos ouvir a verdade,
queremos apenas um colo para chorar, e com um oceano inteiro de
distância, será impossível que ela consiga.
Deito-me na cama, mas estou tão atormentada pela culpa que passo a
noite inteira acordada. Vejo o dia amanhecer com a claridade que entra pela
fresta da janela. Pouco tempo depois, escuto vozes o que me dá coragem de
levantar, já que percebo que não ficarei sozinha com Adam.
— Bom dia! — diz a prima dele e babá de Beatrice assim que me vê
entrando na cozinha.
— Bom dia! — digo, esforçando-me ao máximo para abrir um
sorriso.
— Dormiu bem? — Adam tem a audácia de me perguntar.
Olho em sua direção com uma vontade imensa de voar em seu
pescoço. Se há alguém nesse mundo que sabe o quanto estou atormentada,
esse alguém é ele. Mas no lugar de brigar na frente de uma estranha, decido
entrar em seu jogo.
― Muito bem, assim como em todos os dias ― digo.
Mesmo sem olhar diretamente para ele sei que não gostou nem um
pouco de minha resposta.
― Que ótimo então! ― Ele continua.
― Sim. Aproveitando, para onde iremos hoje? ― Sigo como se
estivéssemos em perfeita harmonia.
― Ainda ficaremos em Monterosso, pensei em te levar no Convento
dei Frati Cappuccini, a vista de lá é maravilhosa, acho que vai gostar.
― Por mim, sem problema, mas depois gostaria de aproveitar o
restante do dia na praia, pois amei a daqui.
― Eu posso ir? ― Beatrice pergunta, entrando na cozinha sem que
percebêssemos.
― Isso são modos? ― Adam a repreende.
― Desculpa. Bom dia! ― ela cumprimenta e abre o mesmo sorriso
encantador de Adam, então insiste: ― Mas eu posso ir?
― Não é para mim que você precisa perguntar, é para Joana.
Ela, então, olha para mim toda sem graça de repetir a pergunta.
― Eu odiaria se você não fosse com a gente, pois já estava contando
com isso ― digo.
― Sério?
― Claro. Certamente será muito mais divertido com você.
― Viu, papai? Ela já estava contando comigo.
― Estou vendo. Eu disse que ela era uma ótima amiga e que você iria
gostar.
― Sim, você disse.
E, nesse clima, terminamos nosso café e fomos nos trocar para mais
um dia de passeio e calor no verão italiano. Adam também convida sua
prima, mas ela prefere aproveitar a folga para resolver algumas coisas.
Odeio ser obrigada a confessar, Adam pode ter mil defeitos, mas sem
dúvida é um ótimo guia turístico. Fico extasiada com a vista daqui de cima.
Toda a imensidão do mar, em um azul-anil diferenciado. Por alguns
instantes consigo até esquecer o clima estranho que reina entre mim e
Adam, pois nem a presença de Beatrice tem ajudado com isso.
O calor e a beleza me deixam com ainda mais vontade de curtir uma
praia. Sempre amei estar perto do mar. Ao menos esses passeios Pedro e eu
fazíamos com frequência no Brasil, mas a cor do mar de Monterosso é algo
apaixonante. Sem dúvida é a praia mais linda que já conheci.
Depois de algumas fotos e da insistência de Beatrice para irmos logo
à praia, chegamos ao que é, atualmente, meu lugar preferido do mundo.
Devido ao calor, a praia está mais movimentada do que eu imaginava,
mas por sorte ainda conseguimos um lugar bem gostoso para ficarmos na
areia, com guarda-sol e tudo.
Beatrice logo faz amizade com umas crianças ao lado, deixando
Adam e eu sozinhos. Não quero estragar minha viagem com esse clima,
mas ao mesmo tempo também não quero conversar sobre o que aconteceu
ontem. Não me sinto pronta.
No lugar de falarmos do assunto que tanto nos incomoda,
conversamos banalidades e, observando Beatrice brincar, me perco na
saudade dos momentos que não pude viver ao lado de minha filha. É duro
demais ter gerado por quase nove meses e depois ter pegado no colo aquele
neném tão pequeno e indefeso sabendo que teria apenas poucos minutos.
― Acho que nunca mais conseguirei engravidar ― digo assim, meio
que de repente.
Mesmo sendo inesperado, Adam entende exatamente por que estou
falando isso.
― Por questões médicas ou pelo trauma? ― ele pergunta.
― Pelo trauma. Sei que isso pode ser tratado com uma psicóloga,
mas não sei se quero passar por tudo aquilo de novo. É uma dor
inexplicável gerar uma criança sabendo que não viverá.
― Eu nem consigo imaginar. Mais uma vez, sinto muito por tudo
isso. Assim como sinto por ter te feito ficar com raiva de mim. Juro que não
foi minha intenção.
― Eu não tenho raiva de você, Adam. Tenho de mim, por ter me
deixado gostar de você.
― Simplesmente aconteceu, Joana. Não podemos nos punir por conta
disso.
― Eu sei, mas também não precisamos viver o que sabemos não ser o
certo. Não somos mais adolescentes. Temos idade suficiente para deixarmos
nossos sentimentos de lado e esquecer por completo o que aconteceu
ontem. É tudo que te peço: esqueça. Será melhor para todo mundo.

ADAM
Ouvir Joana falando dessa forma me deixa arrasado de um jeito que
nem sei explicar. Dói ficar nessa luta entre a razão e a emoção. Nunca
desejei me apaixonar justamente pela viúva de um amigo. Simplesmente
aconteceu. É claro que isso me incomoda, mas ao mesmo tempo, quando
imagino uma vida ao lado dela e de Beatrice vejo o quanto poderíamos ser
felizes juntos.
Além da questão do Pedro, tem algo que ainda não contei a ela.
Sabendo disso, nem seria justo insistir em um relacionamento que não
posso ter, ao menos não por agora. Não sei se ela estaria disposta a esperar
por mim se soubesse toda a minha história. Se soubesse o que acontecerá
daqui a poucos meses.
13
“Eu não minto, não importa o que dizem
No silêncio olho as almas que passam
E dessas almas você é a mais especial
Porque você está sorrindo, mesmo perseguida pela dor”
Hai Delle Isole Negli Occhi — Tem Mistério Nos Seus Olhos —
Tiziano Ferro

Mesmo, aparentemente, não concordando com minha decisão de não


falarmos mais no assunto e de esquecermos o que aconteceu, Adam me
respeita e faz como eu quero.
Nosso dia na praia termina em paz e, após chegarmos a sua casa,
resolvemos não sair mais, tanto para descansar quanto para que ele
aproveite mais o tempo com Beatrice antes de irmos embora amanhã.
Para deixar os dois sozinhos decido ir dormir mais cedo. Claro que
não consigo, mas ao menos fico no quarto. Por lá eu arrumo minhas coisas
e já deixo tudo pronto para amanhã cedo. Enquanto estávamos na praia ele
já me disse que daqui iremos para Florença, mas que fará uma rápida
parada em Pisa para eu conhecer.
Já no café da manhã, vejo que Beatrice está quieta e triste, sem
dúvida já sabe de nossa partida. Está aí mais uma coisa que não queria
enfrentar durante esse período de viagem, uma despedida de uma criança.
Ao mesmo tempo, esses momentos me mostram que por mais que
tentamos fugir dos problemas ou de situações difíceis sempre precisaremos
lidar com algo que não queremos. Isso faz parte de estarmos vivos. No
lugar de reclamar, precisamos aprender a contornar as pedras do nosso
caminho, mesmo não sendo nada fácil.
― Eu quero ir com vocês, papai, juro que irei me comportar. ―
Beatrice chora e insiste ao nos ver colocando as bagagens no carro.
― Nós já conversamos, meu amor, a questão não é essa. O papai está
trabalhando.
― Mas eu tenho certeza de que Joana não vai achar ruim. Ela gosta
de mim, ela disse isso ontem.
― É claro que ela gosta de você, tem como não gostar de uma
menina tão incrível como você? ― Adam tenta mudar o rumo da conversa.
― Então, eu posso ir?
― Não, Beatrice, por favor! Não me faça brigar com você justo
agora. Prometo que volto logo.
Ela, ainda chorando, corre para dentro da casa.
― Não se preocupe, Adam, logo ela estará bem ― diz a prima dele,
que ficará com ela nesse período de sua ausência.
― Eu sei, mas mesmo assim me sinto o pior pai do mundo ― ele diz
e depois se despede da prima.
Já no carro a caminho de Pisa, sou eu quem puxa assunto.
― Você não é o pior pai do mundo, sabe disso, não sabe?
Ele abre um discreto sorriso.
― Obrigado, mas não precisa fazer isso, ficarei bem.
― Eu sei que ficará, mas às vezes precisamos escutar que estamos
fazendo um bom trabalho. E você está.
― Obrigado, de verdade.
Ao longo do caminho decido ficar um pouco mais quieta, gosto de
olhar a paisagem pela janela do carro e deixar minha mente vagar por aí.
Adam liga o som e nele toca algumas músicas italianas gostosas e tudo isso
me faz sentir uma paz muito grande.
Uma hora e meia depois já estamos em Pisa. Deixamos o carro em
um estacionamento enquanto aproveitamos para andar um pouco. É gostoso
simplesmente andar sem rumo.
Adam não faz um roteiro muito detalhado, então às vezes apenas
andamos pelas ruas das cidades, admirando a arquitetura, os costumes, as
cores. Ser turista é um pouco disso.
Depois vamos ao lugar mais conhecido da cidade, a Torre di Pisa, a
famosa torre inclinada. Não vou mentir, é uma sensação estranha ver uma
construção tão grande assim ter essa inclinação. Adam me diz que podemos
subir até o topo, mas precisaremos enfrentar duzentos e noventa e seis
degraus de escada em caracol. O que me faz desistir na mesma hora. Fora a
fila gigantesca de turista que espera para subir.
Como não subo, ele aproveita para me contar um pouco da história da
torre e do que causou a famosa inclinação. Diz que sua construção
foi iniciada após o Duomo e o Baptistério em 1173 em solo arenoso. Então,
começou a inclinar em 1274 antes que o terceiro piso, do total de oito,
estivesse terminado. Vários arquitetos tentaram corrigir a inclinação, mas
nada conseguiram fazer. Apesar das fundações superficiais, a construção
prosseguiu.
O terreno debaixo do campanário está “alagado” de areia, então o
Duomo e do Baptistério também estão tortos, mas esses não conseguimos
notar tanto quanto a torre. Com 58,5 metros de altura, este é um dos mais
famosos cartões-postais da Itália. A Torre de Pisa possui somente 3,97
graus de inclinação, mas já chegou a ter 4,5°. Um projeto de engenharia
notável salvou a torre do colapso.
Literalmente, a torre desafia as leis da gravidade e desde muito cedo
atraiu muitos visitantes. Entre os mais famosos está Galileu, que era um
cientista pisano que usou a torre para uma de suas experiências: o
movimento dos corpos em queda.
― E não é que esse meu guia é mesmo um conhecedor da Itália? ―
Tento voltar com nossas brincadeiras, mas sinto que nada será como antes
do nosso beijo.
― E você ainda tinha dúvidas sobre isso? ― ele brinca também.
Depois nós dois ficamos meio sem graça e permanecemos em
silêncio, apenas admirando tudo em nossa volta.
― Não podemos sair daqui sem a famosa foto ― Adam diz.
― Você está de sacanagem comigo.
― Claro que não. Aproveite enquanto se é turista e pode fazer essas
coisas sem julgamento.
Rio e decido aceitar, afinal, ele está certo, não posso dizer que fui a
Pisa sem tirar uma foto fingindo segurar a torre para não cair. E assim o
faço.
Depois caminhamos de volta para o estacionamento, mas estamos tão
contemplativos hoje que andamos bem devagar. Passamos em frente a um
restaurante e o cheiro convidativo nos faz almoçar por aqui mesmo.
Se há uma coisa na Itália que é maravilhoso é a gastronomia. Tudo é
muito gostoso. Espero que Nápoles esteja no roteiro que Adam preparou,
pois morro de vontade de experimentar a famosa pizza de lá.
Fazemos uma horinha e depois pegamos estrada rumo a Florença,
segundo Adam, não fica muito longe, serão apenas uma hora e pouco de
viagem. Um tempo que sempre passa rápido em sua companhia.
Nunca achei que conseguiria conhecer tantos lugares ao mesmo
tempo. Será que iremos mesmo até Sicília, no sul da Itália, percorrendo
assim, quase o país todo? De qualquer forma, estou adorando tudo.
Já em Florença, entramos no hotel e percebo que o check in está
demorando mais do que nos outros lugares. Começo a ficar apreensiva.
Principalmente por ver Adam nervoso pela primeira vez durante todo esse
nosso tempo juntos aqui na Itália.
Conversamos em italiano, mas dessa vez ele conversa tão rápido com
o funcionário que fico um pouco perdida, não consigo entender tudo. Só sei
que há um problema em nossa reserva, o que Adam acha inadmissível e
assim sendo, pede para chamarem a gerente.
Nesse intervalo de tempo ele caminha para perto de mim, todo sem
graça e ainda muito nervoso, e explica o que está acontecendo.
― Só há um quarto reservado no meu nome. Um quarto de casal.
Juro que não fiz isso, você precisa acreditar em mim.
― Calma, Adam. É claro que acredito em você. Mesmo sendo pouco
tempo, já te conheço o suficiente para saber o tipo de homem que você é, e
sem dúvida, não é o tipo que faria algo assim intencionalmente.
Ele parece agradecido com minha fala, mas mesmo assim não
consegue se acalmar.
― É alta temporada na Itália, dificilmente encontraremos outro hotel
bom com dois quartos disponíveis ― ele explica.
― Pelo que entendi, a gerente já está vindo, vamos aguardar antes de
tomarmos qualquer decisão.
Tento ser calma para não o deixar ainda mais nervoso. Apesar disso,
estou com o coração acelerado só com a hipótese de ser obrigada a dormir,
não apenas no mesmo quarto, mas na mesma cama que ele.
Claro que sei que me respeitará. Não é isso, não tenho medo de ser
atacada à noite, contra minha vontade. O que tenho medo é de querer ser
atacada. Só o fato de assumir isso para mim, mesmo que em pensamento,
faz com que meu rosto fique quente e vermelho.
Tudo que não precisávamos agora é de uma situação dessas. Já
decidimos esquecer o beijo, mas isso não significa esquecer o desejo que
sentimos um pelo outro. E, na mesma cama, tudo ficará ainda mais difícil.
14
“E depois de um momento tudo ficou claro
Era já amor
Amor de não respirar
Amor que te escapa das mãos”
Ti Aspetto ― Te Espero ― Alessandra Amoroso

Após longos minutos de espera, a gerente do hotel aparece e ouve


atenciosamente o funcionário para ficar a par de todo o problema. Por fim,
ela nos diz para ao menos ficarmos com o quarto que já está disponível e a
nossa espera, pois assim teremos onde deixar nossa bagagem enquanto ela
fará de tudo para encontrar uma solução.
Adam está um pouco irredutível, mas eu o aconselho a aceitar a
oferta, já que não queria perder um dia de passeio por conta de um
problema que não está ao nosso alcance.
E assim fazemos, subimos com a bagagem para o único quarto vago.
Fica evidente o nosso constrangimento, mas mesmo assim tentamos agir
naturalmente, já que é apenas uma solução temporária.
Estou tão nervosa que tudo o que mais quero hoje é experimentar
todas as delícias da Itália. Sei que não é o ideal a se fazer em casos como
esse, mas também não quero me preocupar com dieta em um momento tão
complicado.
Antes de nos sentarmos em algum lugar, Adam diz que gostaria de
me levar em um lugar especial. Não entendo o que pode ter de especial em
Florença para que ele faça tanta questão. Espero que não seja nada
romântico, não podemos aumentar ainda mais o clima de desejo entre nós.
Andamos um pouco até chegarmos à loja da Ferrari.
— Como você sabe que aqui seria um lugar importante? — pergunto.
Ele sorri, meio sem jeito.
— Pois aqui foi o lugar em que Pedro mais gostou de ter vindo
durante seu tempo na Itália — explica Adam. — Lembro-me perfeitamente
de como ele parecia uma criança em uma loja de brinquedo. Imaginei que
você soubesse dessa paixão dele.
— Sim, eu sabia. A realização do sonho dele foi quando me levou a
uma corrida em Interlagos. E ele também mencionou sobre a loja na carta
que me deixou.
— Se for uma lembrança difícil, saiba que não precisa entrar.
— Não. Eu gostei de ter vindo. Obrigada por ter feito isso por mim!
— digo e entro na loja em seguida.
Para cada lado que olho, imagino a reação de Pedro quando esteve
nesse mesmo lugar anos atrás. E ele tem razão quando disse que era uma
sensação incrível ver o carro da Ferrari tão de pertinho. Dou-me o direito de
curtir cada segundo aqui dentro. Até compro algumas lembranças com o
famoso símbolo do cavalinho.
Quando saímos da loja, entrego um dos embrulhos a Adam.
— Quer que eu leve para você? — ele pergunta, confuso.
— Não, quero que tenha isso em sua casa ou em sua agência, não sei,
para que sempre se lembre da amizade de Pedro. Ele tinha um carinho
muito grande por você. Independente dessa nossa situação, quero que
sempre se lembre dele com carinho. Fomos nós que estragamos tudo, não
ele.
Adam, antes mesmo de abrir o embrulho, fica emocionado com
minhas palavras. Chega a ter vergonha das lágrimas que escorrem de seus
olhos. E depois se alegra ao ver a miniatura de um dos modelos de carro da
Ferrari.
— Obrigado! É um presente muito especial. Jamais me esquecerei de
um amigo como ele, mas será maravilhoso ter uma lembrança tão forte
assim dele perto de mim. Obrigado mesmo.
— Fico feliz que tenha gostado — falo e também seco uma das
lágrimas do rosto, já que não me contive ao ver o tamanho de sua emoção,
mostrando-me mais uma vez como Adam é um homem especial.
Será mesmo que Pedro ficaria feliz se soubesse que me apaixonei
justamente por ele? Como é difícil isso, meu Deus!
Passado um pouco a emoção, caminhamos até a Piazzale
Michelangelo, uma praça considerada como um dos melhores mirantes de
Florença. Amo quando sou privilegiada com oportunidades de apenas
apreciar uma paisagem. Sinto-me tão bem.
No andar inferior existe um restaurante. Decidimos ficar ali um pouco
enquanto desfrutamos de um delicioso vinho italiano. Acho que eu jamais
enjoaria de morar na Itália. Aqui tudo é da forma que sempre imaginei, um
clima diferente. Claro que existem problemas como em qualquer lugar do
mundo. Mesmo assim me sinto em paz em qualquer lugar que eu vou. É
incomum. E inexplicável.
Por mais que estejamos preocupados com a questão do quarto no
hotel e com toda a atração um pelo outro, conseguimos relaxar um pouco e
conversarmos de forma natural. Talvez o vinho tenha ajudado, mas não
importa, afinal, tudo que quero é ter boas recordações da Itália, e nada
como momentos como esse para ficarem na memória.
Daqui vamos ao Mercato Centrale de Florença, um ótimo lugar para
visitar no dia de hoje, pois posso experimentar vários quitutes locais, tudo o
que eu mais queria. Além disso, ainda encontrei no mercado uma
biblioteca. Como uma autora que sou, não pude deixar de entrar e me
perder no tempo no meio dos livros. E claro, precisei sair com ao menos um
exemplar de um romance em italiano.
Para encerrarmos nosso agitado dia, fomos à Piazza della Repubblica,
onde degustamos um café espetacular no Caffe Gilli.
A caminho do hotel sinto a tensão entre nós dois crescer com a
incerteza de que a gerente tenha conseguido encontrar uma solução para o
erro que cometeram com a nossa reserva.
Adam entra no hall e já vai direito conversar com um dos
funcionários da recepção.
— Senhor Marinello, sentimos muito com o transtorno e
constrangimento que lhe causamos, mas infelizmente não encontramos
outro quarto disponível. É época de alta temporada e com isso tudo fica
mais complicado. Fui autorizado pela gerente a lhe fazer um desconto
considerável, mesmo sabendo que não será o suficiente.
— Preciso concordar, não será o suficiente mesmo.
Ele então caminha em minha direção, visivelmente chateado e
constrangido.
— Sinto muito! — É tudo o que consegue dizer.
Fico um tempo em silêncio, imaginando o que faremos. Mas acho que
não nos resta opção.
— Tudo bem, Adam. Vamos subir, ao menos ainda temos um quarto
— digo, por fim.
— Olha, Joana, se preferir posso dormir no carro ou... Sei lá!
Encontrar algo pela cidade.
— Esquece, Adam. Não é para tanto. Somos adultos e iremos
sobreviver a uma noite juntos. Vamos.
Entramos, então, no elevador e fomos para o quarto.
Ele me deixa tomar banho primeiro, o que acho ótimo, já que estou
morrendo de calor. Assim que saio, ele faz o mesmo, desfruta de sua
merecida ducha após um dia cansativo e tenso.
Comemos tanto no mercado que decidimos não descermos ao
restaurante agora a noite, fora que essa rotina de cada dia em uma cidade já
está nos cansando. No auge dos nossos trinta e poucos anos, já não temos
tanta energia assim.
Conversamos um pouco e em seguida nos deitamos. E é exatamente
esse momento de tanta proximidade que nos preocupávamos, por mais que
não tenhamos falado explicitamente um com o outro.
Nosso olhar se cruza na cama e, com isso, um desejo fulminante nos
domina.
— Eu juro que estou tentando, Joana, mas não aguento mais.
Ele então segura firme minha nuca e beija demoradamente minha
boca. E, pela primeira vez desde que Pedro morreu, desejo mais do que
apenas um beijo. Quero este italiano por inteiro.
Quanto mais sua boca beija a minha e cada centímetro do meu corpo,
mais eu o desejo. Mesmo em meio ao calor do momento, não temos pressa.
Ansiamos tanto tempo por isso e, justo agora que desistimos de lutar contra,
não queremos que acabe. Queremos aproveitar tudo que temos direito. E
assim Adam faz com maestria, deixando-me tão à vontade como em
completa loucura. Há tempos não me sinto uma mulher dessa forma.
— Você é tão perfeita — ele diz, em meio aos vários beijos e carícias.
— Por favor, não fale nada, apenas me faça sua.
E assim nossos corpos se unem e em questão de pouquíssimo tempo
chegamos juntos ao ápice do prazer.
Foi tão bom, tão maravilhoso que tenho medo de nunca mais sentir
isso. Estou completamente apaixonada por esse homem. Como se lesse
meus pensamentos, Adam pergunta:
— O que vamos fazer agora?
Olho para seus olhos e para aquele rosto lindo e tudo que consigo
sentir é desejo.
— Não quero pensar nisso agora.
— E o que você quer?
— Quero você. Quero seus beijos. Quero seus toques, seu corpo e
tudo que puder ter na noite de hoje.
Subo em seu corpo e, assim, antes de dormir, fazemos amor mais uma
vez. Agora é mais intenso e voraz, mas tão bom quanto à primeira vez. Ele
não é apenas um guia maravilhoso, é incrível em tudo o que faz. E na cama
não é diferente. Preciso me segurar para não pedir que ele faça de novo, de
novo, e de novo.
Tudo o que queria é viver esse momento para sempre. Mas,
infelizmente, amanhã a realidade baterá à porta e cobrará o preço de tanto
prazer.
15
“Desculpe se te amo e se nos conhecemos
Há dois meses ou pouco mais”
Imbranato ― Atrapalhado ― Tiziano Ferro

ADAM
O que dizer da noite de ontem? Não consigo nem pensar em tudo que
aconteceu sem sentir meu desejo por essa mulher aumentar.
Mas eu não posso. Não posso tê-la. Pelo menos não agora.
Acordo pouco tempo após o dia ter clareado e decido tomar um
banho. Toda essa questão com Joana mais o compromisso que já tenho está
me deixando ainda mais perdido. Tenho medo de contar toda a história e
perdê-la para sempre.
Saio do banho, visto uma roupa e saio do quarto. Não sei como Joana
vai reagir quando acordar. Ontem foi maravilhoso. Pude sentir na reação do
seu corpo todo o desejo que também sinto. Mas sei a luta interna que ela
trava pelo fato de eu ser amigo de Pedro.
Nos primeiros dias eu também me sentia um cretino por desejar
justamente a mulher de um amigo. Porém, quanto mais penso sobre o
assunto, mais vejo que não tive culpa. Não foi nada planejado.
Simplesmente aconteceu. E se tem alguém no mundo que a tratará da forma
que Pedro gostaria, sei que esse alguém pode ser eu. Não que eu me ache
perfeito, mas sei que faria de tudo para fazê-la a mulher mais feliz que já
existiu.
Em algum momento do dia de hoje teremos de conversar. Não
podemos mais ficar agindo como dois adolescentes. Sou um homem de
mais de trinta anos, sei muito bem o que significa ter responsabilidade. Da
mesma forma que entendo se ela não quiser nada sério comigo, pois além
de moramos em países diferentes ainda tenho como parte do pacote uma
filha de oito anos que sempre será a minha prioridade.
Se essa for a sua desculpa será aceitável. Doerá de qualquer forma,
mas ainda é aceitável. Só não posso permitir que ela fuja de mim por conta
de um compromisso que não existe mais. Não faz sentido. A vida continua
querendo ou não.
Horas depois, Joana aparece para tomar café da manhã. Tudo que
vejo em seus olhos são culpa, tristeza, arrependimento. Nada comparado à
satisfação da noite anterior. Decido dar um tempo a ela, não quero falar
sobre isso ainda nas primeiras horas do dia. Mas ainda hoje teremos essa
conversa.

JOANA
— Bom dia! — digo secamente.
— Bom dia! — ele responde sem qualquer entusiasmo também.
Tomo meu café evitando ao máximo olhá-lo nos olhos. Não quero ser
obrigada a falar sobre o que aconteceu ontem. Para falar a verdade, não
gosto nem de lembrar.
Foi tudo tão perfeito e maravilhoso, muito melhor do que imaginei.
Ele foi cuidadoso, carinhoso e por uns instantes fez com que eu me
esquecesse de que apenas Pedro me conhecia dessa forma. Acho que no
fundo esse é o meu maior medo. Medo de esquecer tudo o que vivi e tudo o
que Pedro me fazia sentir. Medo de estar substituindo o responsável por me
mostrar o que era ser verdadeiramente feliz. Medo. Talvez essa seja a
palavra.
Quando me casei com Pedro senti algo muito forte dentro de mim.
Uma certeza de que estaríamos juntos para sempre. Ele me passava tanta
segurança que era impossível não pensar isso. Apenas a morte nos
separaria. O problema é que a morte veio muito mais cedo do que qualquer
um imaginou.
Fazíamos tantos planos. Tínhamos tantos sonhos. Todos bruscamente
interrompidos.
Sabia que mesmo na velhice seria difícil demais perdê-lo, mas ainda
assim seria mais aceitável. Da forma como tudo aconteceu, sinto que
tínhamos muito pela frente. Não acho que aproveitei o suficiente. Todo esse
sentimento de luto ainda é muito recente.
Talvez seja por isso que ter me apaixonado por Adam justo agora está
sendo tão difícil. Em outra época poderia ser algo incrível. Ele é um homem
tão bom, tão digno de tudo que conquistou. Fora a atitude de criar a irmã
como sua filha, não tenho nem palavras para isso.
Queria ter um motivo muito sério para odiá-lo. Por mais que doesse,
que me destruísse, ainda assim acho que seria mais fácil do que assumir
para mim mesma o quanto estou apaixonada por ele. O quanto eu o desejo.
— Pensei em irmos para Roma hoje, o que acha? — Adam indaga,
interrompendo meus pensamentos.
— Acho ótimo. Não quero ficar em Florença.
Ele nem precisa perguntar. Sabe muito bem o motivo. Entende que se
ficarmos seremos obrigados a dividir o mesmo quarto e, principalmente, a
mesma cama. Após a noite que tivemos, não teria a mínima força para
resistir. Pelo contrário, sei que a proximidade e a lembrança do que já
compartilhamos seriam o combustível para explodirmos em mais uma noite
de prazer.
Voltamos ao quarto, arrumamos as coisas e logo já estamos na estrada
novamente. Agora, rumo a Roma.
— Dessa vez é um pouco mais longe. São quase três horas até lá.
Caso queira ou precise parar, é só me falar — Adam diz, sempre muito
educado, apesar do clima horrível entre a gente.
— Tudo bem. Estou um pouco cansada. Acho que vou aproveitar
para dormir um pouco. Você se incomoda?
— De jeito nenhum. Fique à vontade. Descanse.
Viro um pouco meu corpo na direção da minha janela e mesmo
estando de óculos escuros, fecho os olhos para que ele não veja que estou
acordada. Estou com a mente tão agitada que a última coisa que conseguirei
fazer é dormir. Só digo isso a ele para já fugir de qualquer possibilidade de
conversa, tanto sobre o que precisamos discutir como sobre qualquer coisa.
Não quero ser grosseira e não quero fingir que nada aconteceu. Então, o
único jeito é fingir estar dormindo.
As três horas parecem dez, mas finalmente chegamos ao hotel em
Roma. Dessa vez não tivemos qualquer problema com nossas reservas. Um
quarto para cada um está garantido, o que é um alívio enorme.
Depois de deixarmos nossa bagagem saímos para passear. Quem sabe
as paisagens italianas ocupem minha mente no lugar dos problemas. Só eu
mesma. Vim à Itália para curar um coração destruído pelo luto e voltarei ao
Brasil com ele ainda mais destroçado por ter me apaixonado por quem não
deveria.
Caminhamos ao redor do Colosseo, ou Coliseu para nós brasileiros. É
sem dúvida uma estrutura espetacular considerando toda a história. Mas,
como todos os demais pontos turísticos, está cheio de turistas, e eu que já
não estou muito animada, desisto vendo a multidão entrando. Também não
estou muito no clima para fotos, ainda assim tiro uma ou duas para registrar.
E independentemente de ter entrado ou não, fico satisfeita por ter conhecido
mesmo só do lado de fora. É algo único.
Como já estamos no horário do almoço, paramos em um tradicional
restaurante italiano de massas. Como é prazerosa uma comida benfeita.
Uma delícia tudo.
Adam e eu trocamos algumas palavras, mas está tão estranho que
invento mais uma vez que estou cansada e peço para voltarmos ao hotel.
Ele não discute, apenas atende meu pedido e logo estamos de volta.
Já no meu quarto, tomo um banho para aliviar o calor e depois visto
uma roupa bem fresca. Passo o restante do dia na cama curtindo o ar-
condicionado.
Como não sou de ferro e nem vivo de fotossíntese, aviso Adam por
mensagem que gostaria de sair para comer algo. Ele, então, me leva em
mais uma casa de massas e pedimos uma pizza incrível. Depois me convida
a experimentar em outro lugar uma famosa sobremesa italiana, o Tiramisú;
que nada mais é do que um doce com camadas de biscoitos champanhe
embebidas de café expresso, entremeados por um creme à base de queijo
mascarpone, creme de leite fresco, ovos, açúcar e polvilhadas com cacau
em pó e café. Claro que cada região tem sua variação, mas este é
maravilhoso.
A caminho do hotel Adam faz o que tanto temi.
— A gente não pode ficar assim. Não sei fingir que nada aconteceu
ou que não estou sentindo nada por você.
— Por favor, Adam, não vamos falar sobre isso agora.
— E quando falaremos?
— Não sei, quem sabe nunca?
— Isso está te torturando tanto quanto a mim. Sei disso. E entendo
você.
— Você não sabe como é ser viúva, então não finja me entender.
— Tudo bem, desculpa, você tem razão. Mas você ficará sozinha pelo
resto da vida? É isso que quer?
Não consigo responder. Apenas continuo caminhando. Louca para
chegar ao hotel e encerrarmos essa discussão que não nos levará a lugar
algum.
— E quero você, Joana, como nunca quis ninguém. Mas para isso
também preciso te contar uma coisa.
— Por favor, Adam. Não quero ouvir. Quanto mais eu te conheço,
mais me apaixono por você. E não quero! Não posso! Não devo!
— Você está sendo covarde. Essa não foi a Joana por quem me
apaixonei. E talvez nem seja a Joana por quem Pedro se apaixonou.
Suas palavras são tão duras que acabam comigo. Viro em sua direção
e sem pensar duas vezes lhe dou um tapa no rosto e sigo caminhando à sua
frente.
As lágrimas escorrem apressadamente pelo meu rosto. Entro no hotel
correndo, e já no quarto desabo na cama. Talvez ele tenha razão, essa não é
a Joana por quem Pedro se apaixonou. E tomar ciência disso é o que mais
me machuca.
16
“Por favor, espere por mim, porque
Eu não posso viver sem você
Não é possível dividir a nossa história”
La Lolitudine ― A Solidão ― Laura Pausini

JOANA
O tapa que dei no rosto de Adam doeu mais em mim do que nele.
Nunca fiz algo parecido em toda minha vida, até porque nem acredito que
essa seja a solução. Sinto-me tão mal, mas tão mal, que mesmo sendo já de
madrugada decido enviar uma mensagem para ele.

JOANA: Desculpa a hora, mas o que eu fiz está me consumindo de


tal forma que sei que só terei um pouco de alívio quando te pedir perdão.
Não queria ter feito o que fiz, mesmo você tendo me feito perder a cabeça
quando disse aquilo. Espero que possa me perdoar. Sinto muito de verdade.

Para minha surpresa, em questão de poucos minutos recebo a resposta


dele. Achei que seria apenas amanhã de manhã por conta da hora já
avançada.
ADAM: Não se preocupe, Joana, não tenho raiva de você, pois eu sei
o que te levou a fazer aquilo e a culpa é toda minha. Também não queria
ter falado o que falei. Não consegui dormir até agora, remoendo cada
palavra daquela frase que saiu da minha boca. Nunca quis te magoar dessa
forma. Tudo saiu do controle e sinto muito por isso. Espero que amanhã
seja um novo dia para a gente.

E ele mais uma vez mostra que é tão incrível quanto eu acho que é.
Um homem que não tem vergonha em assumir que errou, muito menos
vergonha de pedir perdão.

JOANA: Tudo que desejo é um novo dia. Até amanhã.

Sinto um pouco de paz. Não queria e acho que nem conseguiria


dormir com esse peso dentro de mim. Ao mesmo tempo lembro que ele
falou que precisava me contar algo. O que será que é? Odeio ficar curiosa.
E também nem sei se será bom ouvir mais a seu respeito. Fui sincera
quando disse que tenho medo de me apaixonar ainda mais por ele.
Após um tempo sou vencida pelo cansaço, que já se acumula, e pego
no sono.
Acordo no dia seguinte com a sensação de ter sido atropelada. Uma
dor no corpo tão grande que não consigo explicar. Talvez seja toda a tensão
dos últimos dias. Não vejo outra explicação.
Como durante quase toda a viagem, tomo café com Adam. Mais uma
vez só conversamos o essencial. E nunca sei o que é pior. Sinto falta de seu
bom humor, de nossas brincadeiras. Tudo isso ficou pequeno demais perto
de tudo que estamos sentindo.
— Antes de pegarmos a estrada, rumo a não sei qual lugar — brinco
—, podemos comprar um gelatto? Acho que estou precisando.
Ele abre um leve e cansado sorriso, bem diferente daquelas rodadas
espontâneas e gostosas que costumava dar, que tanto me contagiavam. E
isso me deixa mais triste do que gostaria de confessar, ver o sofrimento que
trouxe para sua vida com as minhas confusões, meus medos e toda a
bagagem de sentimentos que carrego comigo.
— É claro que podemos, sem qualquer problema — ele responde. —
E para matar sua curiosidade, agora iremos a Nápoles.
— Espero que esteja no seu roteiro um bom restaurante para
apreciarmos as famosas pizzas.
— Ah, certamente está. Fique tranquila.
E essa é a conversa mais amigável e estranha que tivemos nos últimos
dias.
Saímos do hotel já com as bagagens no carro e ele dirige para a
gelateria mais próxima, onde posso comprar o que tanto desejo.
— Não vai querer? — pergunto, já que ele sempre me acompanha em
tudo o que como.
— Dessa vez não, obrigado! Estou com um pouco de dor de cabeça.
Compro o meu e voltamos para o carro. Adam dirige enquanto eu
mergulho minha tristeza no famoso gelatto italiano, mas confesso que nem
ele será suficiente para me alegrar por completo.
Segundo ele, de Roma à Nápoles são pouco mais de duas horas.
Tempo que antes eu mal via passar e que agora parece se arrastar em meio
ao clima ruim entre mim e Adam.
Pela forma como ele está distante hoje, nem me dou ao trabalho de
fingir que estou dormindo. Apenas permaneço olhando pela janela do carro,
perdida mais uma vez em meus pensamentos.

ADAM
Como é difícil ficar distante dela. O que mais queria era poder viver
tudo o que estou sentindo, mas não tem sido justo. Definitivamente, Joana
ainda não está pronta para deixar Pedro no passado. E nem posso culpá-la
por isso. É o que me disse ontem, não sou viúvo, então não conheço de fato
o tamanho de sua dor.
Não serei grosseiro, mas decido ser apenas o guia turístico. Da forma
que deveria ter sido desde o começo. Mas eu me perdi em meio à paixão e
misturei tudo.
Enquanto estou dirigindo, vejo uma lágrima solitária escorrer em seu
rosto. Quase paro o carro e a abraço forte. Não queria fazê-la sofrer dessa
forma, mas já não sei mais como agir.
Nunca me senti tão perdido e tão inútil em toda a minha vida.
Após chegarmos ao hotel, caminhamos até um restaurante próximo. E
aqui ela tem a oportunidade de experimentar a famosa pizza napolitana. Ao
menos ainda posso lhe proporcionar alguma alegria com as minhas
indicações. E se tem alguém que se transforma quando come, é Joana. Ela
se delicia com cada pedaço. Curte cada sabor. É um privilégio presenciar
esses momentos.
Passeamos um pouco pelas ruas da cidade, mas está tanto calor que
decidimos voltar para descansar um pouco.
— Sei que não está se sentindo bem, então pode dar o dia de hoje
como encerrado. Não me importo.
Não sei se ela diz isso por preocupação ou por querer ficar longe de
mim. Decido não questionar e faço da forma como disse.
— Obrigado! Mas meu celular está sempre ligado, qualquer coisa
pode me chamar.
— Tudo bem. Ficarei aqui no hotel mesmo. Bom que também
descanso.
E assim nos despedimos.

JOANA
Aproveito o tempo sozinha para colocar meus pensamentos em
ordem. Não sei se ele está mesmo com dor, mas ficou nítido como não quer
estar comigo hoje.
Tomo um banho mais demorado, durmo um pouco e à noite vou ao
restaurante do hotel. Peço uma taça de vinho e pizza. Não é tão boa quanto
a do almoço, mas também está longe de ser ruim.
Pela primeira vez consigo sentir prazer em estar sozinha. E isso me
deixa feliz.
Converso por mensagem com Vicky, obviamente sem entrar em
detalhes do meu relacionamento com Adam. Apenas mato a saudade de
conversar banalidades com ela. Ter a sua amizade é o melhor presente que
Pedro me deixou nessa vida. Não sei como passaria por tudo isso sem o
apoio e até mesmo as broncas que me dá. Tudo ficou diferente desde que a
conheci e soube que poderia contar com ela em qualquer circunstância.
Assim que percebo que sou a última no restaurante, pago a conta e
subo para meu quarto. O vinho me deixou um pouco mole e, por isso, pego
no sono mais rápido do que o normal, mas decidida a fazer de amanhã um
dia diferente.
17
“Há uma noite estrelada entre as chaminés
Há uma vida já escrita e outra para construirmos juntos
Uma para inventar, outra para compreender
Uma para perdurar, eu e você
E uma para nos perdermos, eu e você”
Durare ― Perdurar ― Laura Pausini

Com os pensamentos em ordem, depois de ter ficado um bom tempo


sozinha ontem, sinto-me bem melhor e disposta a ter um dia diferente hoje.
Por mais que possa ser uma ilusão, não quero pensar em problema nenhum,
quero apenas curtir. Acho que tenho esse direito, afinal, foi para isso que
vim à Itália.
Chego ao restaurante para o café da manhã e estranho por não
encontrar Adam. Decido, então, enviar uma mensagem.

JOANA: Bom dia! Estou no restaurante do hotel, você não vem?

Em poucos minutos ele responde.


ADAM: Bom dia! Desculpa, mas acabei acordando cedo demais e já
tomei café. Estou no quarto aguardando notícias suas para saber se vai
querer sair hoje.

É inegável seu distanciamento. Chego a pensar duas vezes sobre o


que decidi fazer hoje. Será que ele está assim para não me magoar ou
porque percebeu que eu não valho a pena? Será que já teve o que queria
comigo e agora não faz mais questão de nada? Não pode ser. Adam não é
esse tipo de homem. Não consigo aceitar que errei tanto assim ao julgar seu
caráter.
Antes de ficar mais brava, decido responder.

JOANA: Quero sair, sim, mas não precisamos ir a muitos lugares.


Quero passar o dia na praia. E, claro, gostaria da sua companhia, se não
for um problema para você.
ADAM: Não é um problema, fique tranquila. Você quem manda,
esqueceu? Estarei à sua espera.

“Eu quem mando?”


Quer dizer que agora ele só sairá comigo, porque sou mais uma
cliente e ele um guia que não têm opções?
Conto até dez para não fazer nenhuma besteira, afinal, um tapa no
rosto já foi mais do que suficiente. Mas, não consigo esconder como a
indiferença dele me machuca. Não resisto e insisto no assunto.

JOANA: É só por isso que sairá comigo? Voltei a ser uma cliente
para você?
Envio e na mesma hora me arrependo. Tento apagar, mas é tarde
demais, ele já visualizou. Não quero implorar pela atenção de ninguém, não
preciso disso, nem mesmo a de um homem italiano, lindo, gentil, carinhoso,
encantador... como ele.

ADAM: Desculpe, não foi o que quis dizer. Você quem manda porque
quero que essa viagem seja especial, em tudo. E mesmo já acreditando que
eu possa ter estragado as coisas, não quero te fazer se arrepender de ter
vindo. Principalmente por saber o que te motivou a vir. Estar com você é
sempre maravilhoso, mas depois do que vivemos e de toda a culpa que
carregamos, não quero ser um incômodo para você. Mais uma vez, peço
desculpas.

Agora, sim, o verdadeiro Adam por quem me apaixonei. Ainda bem


que insisti na mensagem ou ficaria com raiva dele à toa. Até já estava
pensando em cancelar a ida à praia.

JOANA: Tudo bem. Estar com você é sempre maravilhoso também.


Ficando pronta eu te aviso.

Mais animada termino meu café, pois se tem uma coisa que não pode
ser ignorada é um bom café da manhã de hotel, e subo ao quarto para me
trocar.
Depois de avisar Adam, nós dois seguimos rumo a Spiaggia
Miliscola, Praia de Miliscola, a pouco mais de 16 km do centro da cidade
de Nápoles. Como saímos em um horário bom, relativamente cedo,
conseguimos ir sem qualquer estresse e ainda pegamos um lugar bem
gostoso para ficar.
Aqui possui uma das vistas mais incríveis de Nápoles, além de uma
faixa extensa de areia bem macia. Exatamente do jeito que eu queria passar
o dia todo.
Enquanto tomamos um drink bem gelado, tomo coragem para tocar
no assunto delicado.
― Queria te fazer um pedido, mas entendo se não quiser ― digo.
Ele abre um leve sorriso.
― Pode falar o que quiser, Joana.
― Queria esquecer nossos problemas, ao menos por um dia. Não
quero pensar em Pedro, na nossa discussão, na diferença de opinião que
temos sobre esse relacionamento e nem ouvir o que você precisa tanto me
contar. ― Faço uma pausa e vejo que ele escuta com todo o carinho do
mundo, então me aproximo e continuo: ― Quero apenas aproveitar o dia de
hoje.
― E como você quer fazer isso?
― Nada de mais. Quero desfrutar de tudo o que tenho direito. Como,
por exemplo, disso... ― falo e o beijo, sem me importar com absolutamente
nada além do meu prazer.
Adam retribui com o mesmo carinho e desejo de todas as outras
vezes. Claro que tudo com muito pudor e respeito, já que estamos em um
ambiente público.
― Tem certeza disso? ― ele pergunta, acariciando meu rosto.
― Tenho. A não ser que você não queira mais. Não ficarei feliz, mas
respeitarei, assim como tem me respeitado durante todo esse tempo.
Antes de falar qualquer coisa ele me beija novamente.
― Não fale besteira. Tudo que mais quero é ter você.
Nesse clima de romance passamos o dia inteiro na praia. Voltamos
com aquelas conversas descontraídas do início da viagem. Não falamos
sobre o passado, muito menos sobre o futuro. Talvez a receita para um dia
pleno seja essa, concentrar apenas no presente, mesmo sabendo que é
impossível viver todos os dias assim.
Adam conta um pouco sobre os lugares que já conheceu e,
principalmente, sobre as diferentes comidas que experimentou. Tudo de
uma maneira bem leve e divertida.
Antes do fim da tarde peço para irmos embora.
― Cansou? ― ele pergunta rindo.
― Não completamente. Mas, como disse, quero aproveitar tudo o que
tenho direito hoje, e para isso preciso guardar um pouco das minhas
energias. Se é que me entende. ― provoco. ― Mas, se quiser ficar mais um
pouco...
― Não ― ele me interrompe. ― Já está mais do que na hora de
irmos.
Dou uma gargalhada, o que o faz rir também.
Arrumamos nossas coisas e em poucos minutos estamos no hotel.
― Posso tomar banho primeiro? ― pergunto.
― É claro que não.
Estranho sua resposta, mas logo ele me puxa para um beijo e me
empurra, de roupa e tudo, para o chuveiro. E assim, tomo o melhor banho
que poderia desejar, em meio a muitos beijos, carícias e prazer.
Sem dúvida este é o dia mais perfeito na Itália, o que me faz ver que
não são os lugares que nos fazem felizes, sim, a companhia. E Adam é a
melhor companhia que qualquer mulher poderia ter.
Passamos toda a noite assim, como um casal feliz, com uma vida
inteira pela frente, mesmo sabendo que nada será tão simples assim. Não
queremos pegar no sono e ver o dia acabar, ver a realidade nos acordando
pela manhã. Mas o cansaço bate e logo adormecemos.
Acordo com seus beijos e carícias.
― Sei que o combinado era apenas ontem, mas, e se fingirmos que
não vimos o dia clarear, pelo menos pelo tempo de nos amarmos mais uma
vez? O que acha? ― ele sussurra ao meu ouvido enquanto sua mão já
passeia pelo meu corpo.
― Acho uma ótima ideia.
E assim vivemos por mais um tempo tudo o que sentimos. Toda a
paixão e desejo que tomou conta de nós de uma forma tão avassaladora que
não pudemos mais evitar.
O que farei agora, sem esse italiano na minha vida?
Após ficarmos de bobeira na cama, ele se levanta para tomar banho.
Nesse intervalo de tempo recebo uma mensagem de voz de Beatrice.

BEATRICE: Onde vocês estão? Ainda está aqui na Itália? Estou


com saudade.

Acho tão legal receber uma mensagem dela, que começamos a


conversar.

JOANA: Estou na Itália, sim. Também estou com saudade de você. O


que tem feito por aí?

Ela, então, dispara a falar, como uma boa italiana que é, e me diverte
com todas as histórias.

BEATRICE: Você vem para o casamento do papai? Bem que podia,


ia amar ver você de novo.

Escuto o áudio e fico paralisada. Como assim, casamento? Escuto


várias vezes para ter certeza de que não entendi errado o italiano. Ainda
incrédula, pergunto:

JOANA: Quando será o casamento?


BEATRICE: Agora no final do mês.
As lágrimas descem pelo meu rosto e sinto todo meu corpo queimar,
mas dessa vez não é de vergonha, muito menos de desejo. Tudo que consigo
sentir é raiva. Raiva dele. Raiva de mim. E, acima de tudo, raiva por ter me
apaixonado por alguém que está de casamento marcado.
18
“Por favor, não me diga
Peço-lhe que tenha misericórdia
Você não consegue ver que eu sangro
Não, não vá embora”
Passione Maledetta ― Paixão Maldita ― Modà

ADAM
— Hoje você quer ir a algum lugar especial? — pergunto, ainda no
banheiro, mas já de banho tomado.
Não escuto nenhuma resposta.
— Joana? — insisto.
Será que ela dormiu e eu estou aqui gritando?
Enrolo a toalha na cintura e saio para ver. O quarto está vazio. O que
pode ter acontecido para ela ter saído assim sem me avisar?
Termino de me arrumar e vou ao seu quarto. Bato e ninguém
responde. Preocupado, bato mais uma vez.
— Só me deixa em paz, por favor! — Joana diz sem abrir a porta.
Posso jurar que ela está chorando.
— O que aconteceu? Pelo amor de Deus, me deixa entrar e você pode
me explicar tudo.
— Não tenho nada para explicar. Vá embora! Quero ficar sozinha.
— Eu não vou a lugar algum antes de você me explicar o que eu fiz.
Acho que ao menos tenho esse direito.
Após um tempo e muita súplica, Joana finalmente abre e me deixa
entrar. Como previ, ela está aos prantos, mas fico muito assustado quando a
vejo arrumando as malas.
— Joana, para e conversa comigo! — Seguro-a pelos braços, sem
machucá-la.
— Não encosta em mim! — Ela afasta minhas mãos.
— Tudo bem, desculpe, não vou encostar. Só quero entender o que
aconteceu nesse tempo em que eu estava no banho.
Sinto um desespero tão grande que nem consigo explicar. Tudo estava
perfeito e de repente desmoronou.
Não é nossa primeira briga, mas pelo menos da outra vez houve mais
diálogo. Agora ela só chora enquanto faz as malas. Ignorando-me por
completo, pega o celular e tudo o que me resta é prestar atenção à conversa.
Ela está à procura de passagem de volta ao Brasil. E, pior, quer para
hoje no primeiro horário que tiver disponível.
— Não faça isso, vamos conversar — imploro.
E ela nem sequer olha para mim.
Acabou.
É tudo que sei.
E chegar a essa conclusão me deixa arrasado. Nunca imaginei me
apaixonar por alguém, da mesma forma que nunca pensei que pudesse doer
tanto um término.
JOANA
Adam insiste em conversar. Para quê? Para me contar mais mentiras?
Para continuar se divertindo enquanto me engana?
Acabou!
Não quero mais saber de ouvir nenhuma palavra que saia de sua boca.
Quero apenas voltar para o conforto da minha casa, lugar de onde eu nem
deveria ter saído.
Essa viagem foi um erro, assim como eu sabia que seria.
Adam parece desistir e sai do meu quarto, o que é um alívio. Acho
que surtaria ainda mais se continuasse perto dele.
Após um longo tempo consigo passagem ainda para hoje, com
horário de embarque às 14h35. O que me dará tempo até demais para
arrumar tudo. Só será um saco ter de fazer uma parada de mais de seis horas
no aeroporto de Paris, mas ainda prefiro a passar mais um dia perto desse
homem.
Casamento.
Como pode ser verdade? Ele foi capaz de me apresentar à filha,
contar a história por trás do nascimento dela. Se é que há alguma verdade
em tudo que disse, porque agora já não sei mais o que foi real e o que foi
mentira.
Não quero chamar um carro por aplicativo no aeroporto de São Paulo
e ter de lidar com estranhos. Por isso, decido contar parte da história para
Vicky, porque também não tenho coragem de assumir que caí na lábia do
primeiro italiano que conheci.

JOANA: Amiga, não quero falar muito sobre isso agora, mas você
consegue me pegar no aeroporto de Guarulhos amanhã por volta das 7h?

Como sei que pelo horário ela ainda estará acordando para ir
trabalhar, continuo arrumando minhas malas e já troco de roupa. Mesmo
que seja cedo para ir ao aeroporto para embarcar, prefiro esperar por lá,
longe de Adam do que ficar aqui, bem no quarto ao lado.

VICKY: O que aconteceu, amiga? Fizeram alguma coisa com você?


JOANA: Não, amiga, eu que fui uma idiota mesmo. Preciso voltar
para casa. Se você não puder me buscar, eu entendo.
VICKY: Eu dou um jeito. Estarei lá. Sempre estarei lá por você.

Ver que ainda tenho alguém como Vicky na minha vida é algo tão
bom que nem sei como agradecer por esse privilégio. O carinho e a
preocupação que sempre tem comigo é maravilhoso. Acabo voltando a
chorar com a mensagem.

JOANA: Obrigada. Amo você!

Já resolvido essa parte, pego minhas malas e desço para o saguão do


hotel. Passo na recepção e aviso que o meu check out é por conta de Adam
Marinello. Ela diz que já foi avisada por ele, que eu poderia aparecer por
aqui e que já está tudo certo; que eu não preciso me preocupar com nada.
— Obrigada!
Assim que estou realmente de saída, ele aparece.
— Posso ao menos te levar ao aeroporto? — pergunta.
Seria o mínimo a fazer por mim depois de tudo, mas não quero
absolutamente nada dele. Ou melhor, quero sim, quero distância. Quero
esquecer que um dia eu o conheci. E assim, esquecer que em algum
momento senti algo por ele.
— Não. — É tudo que respondo a ele e lhe dou as costas.
Volto à recepção e me informo como posso pegar um táxi. Ela explica
tudo com muita educação. Mais uma vez agradeço em pensamento pelo fato
de meu italiano estar em dia, pois só assim é possível me virar sozinha
agora.
— Sinto muito! Não sei o que eu fiz que te magoou tanto assim, mas
realmente sinto muito — Adam diz enquanto me vê pegando o táxi e saindo
de vez da sua vida.
Faço de tudo para não chorar no caminho para o aeroporto, mas assim
que o avião levanta voo, eu não aguento mais segurar e desabo. Alguns
passageiros me olham em um misto de preocupação e curiosidade, mas
estou tão devastada que nem tenho forças para me importar com isso.
Apenas choro.
Uma viagem que pareceu ser interminável. Principalmente pelo fato
de fazer uma parada de mais de seis horas no aeroporto de Paris. Mas, após
um total de vinte horas e meia, estou em solo brasileiro.
Assim que vejo Vicky, desabo mais uma vez, mas agora em seus
braços.
— Vai ficar tudo bem, amiga. Eu estou aqui — ela diz
carinhosamente. — Eu estou aqui e não vou a lugar algum.
Agradeço por não me fazer qualquer pergunta a respeito do que
aconteceu para vir embora tão de repente.
A sensação que tenho é que voltei pior de quando fui. Mais triste,
com o coração em pedaços e com ainda mais raiva. Não sei se terei forças
para me levantar mais uma vez.
19
“Eu nunca teria acreditado que pudesse perder a cabeça por você
E de repente você escapou
Deixando um vazio em minha vida
Sem respostas aos meus por quês, agora o que me resta de você”
Non C’è ― Não Ter ― Laura Pausini

Vejo Joana ir embora do hotel e isso acaba de vez comigo, pois sei
que sua partida significa que também está fora da minha vida, para sempre.
Para deixar tudo pior, não faço a mínima ideia do que aconteceu.
Seria mais fácil se eu soubesse que fiz algo tão grave assim, mas todo
o tempo em que estivemos juntos sei que fiz de tudo que estava ao meu
alcance para agradá-la. Desde o primeiro dia em que a conheci pude ver em
seus olhos uma tristeza tão grande, algo que eu jamais tinha visto em outro
alguém. Então, imagino o quanto ela vinha sofrendo com a morte de Pedro
e, posteriormente, com a de sua filha recém-nascida. Quis que essa viagem
fosse especial e acabei estragando tudo.
Enquanto ainda estou no hotel em Nápoles, ligo para a agência e peço
para cancelarem todas as reservas que já estavam feitas no meu nome.
Ainda havia muito na Itália para que ela conhecesse. Estou tão chateado que
não quero saber de cuidar de nenhuma dessas burocracias e por isso dou
carta branca para meu funcionário.
Após resolver pelo menos isso, faço o check out e deixo Nápoles para
trás. Agora tenho pela frente cerca de sete horas de viagem de carro rumo a
Monterosso.
Todo esse tempo é uma tortura, pois é inevitável não pensar em tudo
que aconteceu. Não consigo entender como saímos de um dia inteiro
incrível para esse pesadelo de hoje.
Depois dessa torturante viagem, finalmente chego de volta à minha
casa. Nunca a estrada me cansou tanto como dessa vez. E nem é dor física,
mas um cansaço mental avassalador.
― Papai, você voltou! ― Beatrice diz, enquanto corre ao meu
encontro.
Não há nada mais reconfortante do que um abraço desses, do que
após um dia tão ruim e pesado poder voltar para casa e ser recebido assim.
Beatrice é há muito tempo a minha salvação, a minha vontade de viver.
Graças a ela continuo tendo um propósito na vida e sou muito grato por
isso.
― Eu voltei, meu amor. Eu sempre volto.
― Estava com saudade, mas achei que fosse demorar mais.
― Na verdade, ia mesmo, mas o importante é que estou de volta e
não pretendo ir a lugar algum tão cedo.
― E Joana? Não veio com você?
Olho para aqueles olhos inocente da minha filha e não sei como
explicar algo que nem eu estou entendendo.
― Não, meu amor, ela precisou voltar ao Brasil.
― Achei que ficaria aqui até o seu casamento.
Beatrice diz e se afasta de mim, mexendo em algumas coisas que
trouxe para ela de viagem. Sua fala me faz ter um estalo na mente. Não é
possível que seja isso.
― Você comentou algo com Joana sobre o casamento, filha? ―
pergunto, tentando não deixar evidente o meu desespero.
― Sim, perguntei se ela viria, mas aí ela me perguntou quando seria,
depois disse que ia ver com você e não me falou mais nada.
Coloco minha mão no rosto no mesmo instante.
― E quando foi essa conversa? ― insisto no assunto para mais
detalhes.
Não que fará alguma diferença, mas preciso ao menos entender o que
aconteceu.
― Acho que foi hoje cedo, papai, não sei. Por quê?
― Por nada, meu amor.
― Você parece triste. Fiz algo errado?
Agora tudo faz sentido.
Não posso jogar a responsabilidade nas costas de uma menina de oito
anos, então, no lugar de dizer: você destruiu a única chance que eu tive de
ter um relacionamento verdadeiro com alguém por quem eu realmente me
apaixonei, apenas digo:
― Claro que não, você não fez nada de errado.
― E por que você está tão triste assim?
Tento abrir um leve sorriso, afinal, a última coisa que quero é deixá-la
preocupada, mas sei que é em vão.
― Estou apenas cansado, não se preocupe.
Ela vem novamente em minha direção e me abraça forte, sem dizer
uma palavra. Depois se afasta com a maior naturalidade do mundo. Assim é
minha doce menina.
― Papai, por que não pedimos uma pizza? Acho que vai te fazer
bem.
Dessa vez eu rio de verdade, pois sei que pizza é a sua comida
preferida e ela sempre que pode arruma uma desculpa para comer uma.
― Viu, papai, você já está melhor só com a ideia de poder comer uma
― ela fala toda empolgada e feliz por ver que me ajudou.
― Você tem razão. Tudo que preciso agora é de uma pizza.
― Eba! ― ela grita em comemoração. ― Uma não, papai, duas, pois
hoje será a noite de pizza!
Dou uma gargalhada. Essa é minha filha, o verdadeiro amor da minha
vida.
Pego o celular e peço nossas pizzas do jeito que ela mais gosta e em
seguida vou tomar banho.
Quando estou no quarto penso novamente em Joana e em como tudo
poderia ser diferente se ela ao menos me desse a oportunidade de explicar a
história do casamento.
Beatrice mentiu? Não! Irei mesmo me casar em breve, mas não é tão
simples assim.
Olho para meu celular novamente e resolvo mandar uma mensagem,
mesmo sabendo que é quase certo não obter uma resposta.

ADAM: Acabo de chegar a Monterosso e conversando com Beatrice


pude entender o que te fez ir embora daquele jeito. Não te julgo, mas
queria uma chance para me explicar. Sei que perdi a chance quando eu
mesmo não lhe contei toda a história, mesmo sabendo que foi você quem
me pediu para não contar, não que a culpa agora seja sua, é claro. Sou
homem o bastante para assumir toda a responsabilidade dessa confusão.

Respiro fundo, não quero falar algo que vá me arrepender depois.


Joana é uma mulher especial demais para ser magoada por um idiota como
eu.

ADAM: Independente da história do casamento, quero que saiba que


tudo o que vivemos foi real, foi especial. Eu realmente estou apaixonado
por você de uma forma que nunca aconteceu antes. É um sentimento novo
para mim. Não queria que terminasse por conta de um mal-entendido. Caso
queira conversar, saiba que estarei sempre aqui para você. Espero que
chegue bem ao Brasil. Um beijo.

Envio e entro para o banho. Assim que saio vejo que recebi uma
mensagem. Mal acredito quando vejo que é de Joana.

JOANA: Um mal-entendido? Não sei na Itália, mas no Brasil


casamento é casamento. Não há como entender isso de outra forma.
ADAM: Onde você está?
JOANA: Não que seja da sua conta, mas estou no aeroporto de
Paris.
ADAM: Não é da minha conta, ainda assim me preocupo com você.
E, sim, um casamento é um casamento, não foi o que quis dizer. Mas,
mesmo assim, há uma história por trás disso. Uma história que poderia te
fazer mudar de atitude se ao menos me desse uma oportunidade de explicar.
JOANA: Você teve sua oportunidade e fez tudo o que fez comigo.
Não acha que já se divertiu demais à minha custa?
ADAM: O que vivemos não foi um mero divertimento para mim, você
sabe disso. Eu realmente me apaixonei.
JOANA: Chega, Adam! Sua máscara caiu. Não quero mais ouvir
suas histórias. Tudo que quero e preciso é esquecer o que aconteceu na
Itália. Então, por favor, me deixe em paz. Se não tem o mínimo de respeito
por mim, faça ao menos pela consideração que diz ter por Pedro.
ADAM: Não coloque Pedro no meio disso, minha amizade por ele é
verdadeira, mesmo que não acredite agora. Farei como pede e a deixarei
em paz, mas saiba que jamais te esquecerei. E, caso mude de ideia,
continuarei aqui. Fique bem.
E assim é meu último contato com Joana. Ela tem o direito de ficar
brava e por isso não insistirei mais. Após o casamento e a tudo que
infelizmente acontecerá em seguida, eu volto a procurá-la, nem que eu
precise sair de Monterosso e ir a São Paulo.
Não posso deixar que acabe dessa forma. Se depois de ouvir toda a
história ainda não me quiser, será diferente. Colocarei um ponto final e
aprenderei a virar a página, mas não sem antes fazer com que ela me escute.
Nossa história de amor merece essa chance.
Saio do quarto e encerro meu dia com a deliciosa noite de pizza que
Beatrice me proporcionou. Apenas ela é capaz de dar um alento ao meu
coração tão despedaçado.
20
“Ao fechar uma porta, uma grande porta se abrirá
Isso é o que todos dizem, aqueles que não sabem o que é o amor”
Il Foglietto Col Tuo Nome ― Um Bilhete Com Teu Nome ― Modà

Assim que cheguei ao Brasil, Vicky me deixou em casa depois de me


buscar no aeroporto, em seguida precisou trabalhar. Estou ainda tão confusa
com a questão da mudança do fuso horário que apenas tomei banho e fui
dormir. Fora o cansaço também das vinte horas de viagem, além dos
problemas que me dão um esgotamento mental muito forte.
Acordei no fim do dia, assim mesmo porque Vicky apareceu por aqui
para me vê. E só não voltei a dormir, pois me obrigou a comer alguma
coisa, o que acabou me fazendo bem. Não sabia que estava com fome até
começar a comer. Depois ela foi embora, ainda sem questionar o meu
retorno repentino, o que me faz agradecer pela amiga maravilhosa que
tenho, que sabe respeitar o meu tempo.
Hoje acordei quase no horário do almoço e continuo com a sensação
de cansaço. Uma coisa horrível. Chego à cozinha e o interfone toca.
Estranho por ver que se trata da Vicky.
— Bom dia! — falo.
— Boa tarde, minha filha! Não tem relógio nessa casa mais não?
Sim, essa é a minha melhor amiga, uma delicadeza em pessoa.
— Olha, relógio até pode ter, só não sei onde fica — brinco.
— Ah, que bom que a verdadeira Joana está de volta. Agora, sim —
ela diz e vem em minha direção para me abraçar. — Estava com saudade,
mulher.
— Eu também, amiga — confesso, mas logo me afasto para não
entrar nesse assunto agora. — A senhorita não trabalha mais não?
— Pelo visto, além de um relógio também terei de comprar um
calendário para essa casa. Hoje é sábado, com a glória de Deus!
— Ah, então quer dizer que eu fui a sortuda da semana que terá sua
doce companhia no seu dia de folga.
— Fingirei não ter ouvido o tom irônico nessa sua fala, porque sua
doce amiga lhe trouxe um delicioso almoço — ela diz e começa a abrir as
marmitas, já pegando os pratos, bem à vontade em minha casa.
Amo ter em minha vida pessoas assim.
— Hummm... O cheiro está bom mesmo.
Sentamos à mesa e enquanto comemos, colocamos as fofocas em dia.
Pelo menos é o que ela faz, eu ainda não precisei contar da viagem, mas sei
que hoje ela não sairá daqui sem entender o que aconteceu para eu voltar da
Itália desse jeito.
Assim que terminamos, Vicky me ajuda com a louça e em seguida faz
o que eu já esperava.
— Agora me conta, Joana, o que aconteceu na Itália.
— Acabou meu tempo de descanso? — brinco.
— Sim. E nem venha reclamar porque já fui muito compreensiva.
Chega de me enrolar e começa.
É então que conto toda a história, desde os sentimentos que nasceram,
os beijos, a nossa briga, a reconciliação até a cruel descoberta. Não omito
nada. Nem faria sentido mentir para a única pessoa em quem confio.
— Espero que me perdoe amiga — digo por fim.
— Calma. Fiquei perdida com tanta informação. Por que você está
me pedindo perdão?
— Porque você sempre será a minha cunhada e devia mais respeito
ao seu irmão. Eu deveria ter sido pelo menos mais inteligente para não
acreditar na conversa do primeiro homem que conheci.
Vicky dá uma gargalhada. E agora sou eu que fico sem entender.
— Joana, pare, pelo amor de Deus!
— Não entendi.
— Preste atenção no que está falando. Você não fez absolutamente
nada de errado e, como tal, não deve a mim e a ninguém um pedido de
perdão.
— Você entendeu, Vicky. Nós já conversamos sobre isso por telefone.
— Exatamente. Nós conversamos e pelo visto ainda não foi o
suficiente. Então repetirei quantas vezes for necessário. Você é uma mulher
livre. Não deve satisfações a ninguém, muito menos a uma pessoa que já
morreu. Sei como se sente e até entendo, mas, por favor, pare com isso! Só
te fará mal. Para seguir em frente, você precisará deixar Pedro no passado.
— Não consigo esquecê-lo e, para falar a verdade, acho que nem
quero.
— Não é esquecê-lo, Joana, é deixar a história de vocês no passado. É
poder lembrar com carinho todas as vezes que quiser, mas se dar o direito
de construir novas memórias. É isso o que significa viver, amiga, construir
memórias.
Sem forças para falar qualquer coisa, começo a chorar. Vicky se
levanta de onde está e me abraça forte.
— Não estou falando que seja fácil, meu amor, mas você precisa pelo
menos tentar.
— Eu sei — falo em meio às lágrimas.
— Só nunca se esqueça de que sempre estarei aqui por você. Não
precisa fazer tudo sozinha. Deixe-me te ajudar.
— Você já fez tanto por mim, amiga, que nem imagina.
— Não importa. Continuarei fazendo. Você é minha melhor amiga,
Jô. Sinto muito que essa história com o italiano tenha terminado assim.
Sério, não consigo acreditar que ele foi capaz disso.
Seco minhas lágrimas, tamanha é a raiva que sinto dele.
— Se você não consegue acreditar, imagine eu. Ele parecia perfeito
demais, eu que fui uma idiota por não perceber antes.
— Sabe o que não entendo, Jô, é que meu irmão falava com tanto
carinho e com tanta consideração dele que ainda não acho possível que ele
tenha te usado dessa forma.
— Se ele não me usou, então qual o motivo de se envolver comigo
daquele jeito sabendo que era um homem comprometido?
— E se ele não esperava se apaixonar e acabou acontecendo?
— É sério, Victoria, que você vai ficar do lado dele?
— Claro que não, amiga, deixe de ser besta. Só estou querendo achar
um motivo para tudo isso. Querendo entender.
— Tudo bem, vamos considerar essa hipótese. Por que ele não disse
isso na mensagem? Por que fazer tanto mistério com a real história por trás
desse casamento?
— Você sabe que tem um jeito de descobrir tudo, não é?
— De jeito nenhum. Não quero mais falar com ele, Vicky. Essa
hipótese está fora de cogitação. Simplesmente não quero ouvir.
— Entendi. Prefere ficar com raiva.
Olho para ela, irritada.
— Nem adianta me olhar com cara feia, sabe que além de não ter
medo, você precisará de muito mais empenho para me tirar de sua vida.
Então, nem perca seu tempo.
Prefiro não argumentar.
— Sabe que eu tenho razão — Vicky insiste. — Enquanto não deixar
que Adam se explique, você permanecerá com todas essas perguntas sem
respostas.
— Mas ele não negou o casamento. Mostrei a você a mensagem.
— Eu sei, Joana, mas também disse que você talvez agiria diferente
se soubesse toda a história.
Quanto mais eu penso nisso tudo, mais raiva eu sinto. Só de continuar
nesse assunto já estou com dor de cabeça e sei que é tudo emocional.
— Amiga, eu não vou te obrigar a nada, a vida é sua e você é bem
grandinha para arcar com suas decisões. Mas como alguém que te ama tanto
e que se importa com você de verdade, eu preciso dizer.
— Eu sei, Vicky. Não é de você que tenho raiva. É de ter ido viajar na
tentativa de um recomeço e ter voltado pior do que fui.
— Eu entendo. De verdade. Mas, ele não te pediu muito. Pediu
apenas para ser ouvido.
Olho para ela e sei que tem razão em tudo o que diz.
— Não precisa ser agora, nem hoje, nem amanhã. Leve o tempo que
você precisar, mas dê a ele ao menos a oportunidade de se explicar. Não que
ele mereça, até porque não o conheço, mas conheço você e sei que você
merece mais do que isso. Dê essa chance a você mesma, amiga. Pense
nisso.
E depois da conversa ela precisou ir embora, deixando-me aqui com
mais interrogações do que antes.
21
“Quando a amizade
Te atravessa o coração,
Deixa uma emoção
Que não se vai”
Le Cose Che Vivi ― As Coisas Que Se Vive ― Laura Pausini

QUASE UM ANO ANTES


― Meu amor, papai precisará fazer uma viagem a Milão para visitar
uma amiga.
― Vai demorar muito? ― Beatrice já pergunta toda triste.
― Não, volto no dia seguinte. Nem dará tempo de sentir minha falta
― brinco.
― Eu sempre sinto sua falta, papai.
Seu coração bondoso sempre me pega desprevenido. Como eu amo
essa menininha!
― Promete que ficará bem?
Ela apenas balança a cabeça afirmando que sim.
― Promete que me trará um presente? ― É quando um enorme
sorriso aparece em seu rosto pela primeira vez desde a notícia da minha
viagem.
Dou uma risada.
― Prometo.
Ela me abraça e logo estou na estrada. De Monterosso a Milão são
mais ou menos três horas de carro, o que não me incomoda, já que eu amo
fazer essas viagens. Meu único problema é deixar Beatrice para trás, é
sempre muito difícil me despedir dela, mas certas coisas são inevitáveis e
ela precisa aprender isso também. Não posso blindá-la de tudo do mundo.
Ontem mesmo, quando recebi a mensagem de Emma, fiquei muito
preocupado. Disse que precisava muito me encontrar para conversarmos.
Emma e eu somos amigos há alguns anos. Ela é de Chicago, Illinois,
nos Estados Unidos, e carrega consigo uma história de vida bem
complicada. Ainda na infância foi abandonada por sua mãe, o que a obrigou
a ir para uma casa temporária. O problema é que não pode contar com a
sorte, já que a maioria das famílias que apareceu em seu caminho só estava
interessada no dinheiro que o governo norte-americano dá nesses casos e
por isso passou por vários lares temporários.
O que mais me admira em Emma é sua determinação para ter um
futuro diferente do que todos imaginavam ser possível. Ainda na
adolescência começou a trabalhar enquanto estudava e isso lhe permitiu
guardar um pouco de dinheiro, já pensando em uma faculdade. Por ser uma
aluna exemplar, não teve muita dificuldade para conseguir entrar em uma e
por isso escolheu a mais distante de Chicago na tentativa de deixar todo seu
passado para trás.
Estudou na Universidade de Stanford, na Califórnia, cerca de trinta e
duas horas de viagem de Chicago, o que ela achava maravilhoso. Fora que
Stanford é conhecida como a “mãe” de empresas como o Google e a Nike,
tendo no empreendedorismo e na inovação seus maiores destaques. Além
de ser uma universidade que se destaca no ranking que mapeia o nível de
ensino em diferentes áreas, principalmente na de negócios, que engloba os
estudos em marketing, sua grande paixão.
Anos mais tarde ela foi transferida pela empresa multinacional para
trabalhar na sede de Milão, aqui na Itália, onde nós nos conhecemos. A
empresa entrou em contato com a minha agência de viagens para realizar
um evento de turismo na intenção de socializar os novos funcionários com
os demais. Foi, inclusive, um evento muito divertido, com uma turma
ótima. De lá para cá nossa amizade só cresceu. Posso dizer que Emma é
uma das minhas melhores amigas, sempre ouve com muito carinho meus
desabafos sobre a vida de um pai solo.
A última vez em que eu a encontrei foi no nascimento de seu filho, o
pequeno Jackson, que deve ter hoje cerca de um ano. Ela estava feliz com a
gravidez, mas logo em seguida o namoro com o pai de seu filho terminou e
precisou encarar os mesmos desafios que eu, o de sozinha criar um filho.
Apesar de já não nos vermos com a frequência que desejávamos,
estamos sempre em contato. Percebo que de um tempo para cá ela anda
bem triste, mas como não quis me contar, não pude obrigá-la, sabia que a
hora certa chegaria.
Pelo visto, a hora é agora.
Chego a Milão após as esperadas três horas de viagem. Como é
sábado e Emma está de folga, marcamos de nos encontrarmos em seu
apartamento.
Assim que ela abre a porta para me receber, já sinto meu coração se
apertar ao vê-la em uma cadeira de rodas.
― Eu vou te contar tudo, mas você ainda pode me abraçar que eu
ainda não quebro. ― ela brinca, vendo a surpresa em meu rosto.
― Desculpe, eu apenas não esperava, Emma ― digo, mas em
seguida lhe dou um abraço apertado. ― Senti sua falta.
― Eu também. ― Ela abre um sorriso.
― E o meu pequeno amigo, como está?
― Ele está ótimo e enorme. ― Ela ri, toda encantada com o próprio
filho. ― Você nem vai reconhecê-lo.
― Faço ideia, acho que já faz um ano, não é?
― Sim, exatamente. Ele fez um ano semana passada. ― Vejo a
alegria sumindo de seus olhos. ― É por isso que vi que precisávamos
conversar.
Sento-me no sofá da sala e escuto a tal notícia.
― Pouco depois que cheguei a Milão, fui diagnosticada com
Esclerose Múltipla Progressiva Recorrente, que para a minha sorte é um dos
tipos mais raros da doença. ― Ela tenta brincar com o diagnóstico, mas fica
evidente a tristeza em seu olhar.
― E é tão grave quanto é raro?
― Sim. É o cenário mais grave da esclerose, pois ela faz com que o
paciente siga em constante progressão, além dos surtos graves que só
aumentam com o tempo.
― E é por isso a cadeira de rodas?
― É! ― Seus olhos se enchem d’água. ― Confesso que não imaginei
que seria tudo tão rápido assim.
― Eu sinto muito, Emma! Muito mesmo. Não sei nem o que te falar.
Estou tão surpreso com tudo, principalmente em te ver assim.
― Não se preocupe, eu te entendo.
― Posso te ajudar em alguma coisa? Qualquer coisa, pode falar que
eu farei e com o maior prazer.
― Na verdade, sim, eu preciso. Mas, não sei se tenho coragem de te
pedir isso.
― Emma, sou seu amigo, pode me pedir tudo.
― Até que você cuide do meu filho quando eu... Quando eu morrer?
Olho para ela sem acreditar nas palavras que saem de sua boca. É
mais grave do que eu imaginava.
― Eu sei que é muita coisa, Adam, sei que você já tem uma filha e
que...
― Pare! Cuidar de uma criança não é um problema para mim. O que
doeu foi saber que posso realmente te perder. Eu não consigo entender,
Emma.
Levanto-me do sofá e ando pela sala, completamente perdido.
― Para alguma coisa o dinheiro que meu pai me deixou precisa
servir. Irei com você em qualquer lugar do mundo atrás de um tratamento,
de outras opiniões.
― Adam...
― Está decidido! ― Ajoelho ao seu lado. ― Não posso te perder,
Emma, não assim. Nós vamos lutar.
― Adam, olha para mim.
Com os olhos cheios de lágrimas eu levanto a cabeça e olho para ela.
― Eu já fiz tudo isso que você está sugerindo. Faz quase um ano que
tenho esse diagnóstico. Entendo o que está fazendo, agradeço por tudo, mas
é em vão.
― Não é em vão.
― É sim e você sabe. No fundo do seu coração, você sabe.
― Não quero te perder, Emma. Não quero. ― Deito-me em seu colo
e choro como uma criança.
Ela também chora, mas não diz mais nada, apenas me consola
passando carinhosamente a mão pelo meu cabelo.
― Perdão. Estou sendo o pior amigo do mundo, chorando desse jeito.
Ela ri.
― É sério. Eu deveria estar te ajudando e não me comportando como
um bosta. ― Levanto-me do chão e seco minhas lágrimas.
― Você é e sempre será o melhor amigo do mundo. Chorar não te faz
um bosta, só te faz um ser humano maravilhoso. Um ser humano que sou
muito grata por ter conhecido e conquistado a amizade.
Olho para aquele rosto tão doce e não sei o que dizer.
― Eu posso não ter muito tempo, Adam, por isso preciso deixar
certas coisas arrumadas. Não quero que meu filho tenha de passar pelo
mesmo que eu. ― Ela, então, começa a chorar.
― Não se preocupe com isso, seu filho é da minha família desde
sempre. Eu te prometo.
― Promete mesmo, Adam? Promete que posso partir em paz?
― Prometo.
Nós dois choramos muito e depois começamos a resolver os detalhes.
Claro que Emma não morreria amanhã, mas a doença tem se agravado tão
rápido que irá levá-la muito em breve.
― Eu o adotarei como meu filho, assim ele estará resguardado para
sempre. Será herdeiro de tudo o que tenho, assim como Beatrice.
― Não precisa disso, só quero que meu filho seja amado e que
alguém possa lhe dizer como fui feliz em tê-lo como filho.
― Eu lhe direi todos os dias sobre a mulher maravilhosa que era a
mãe dele. Eu o amarei muito, muito mesmo.
― Nem tenho palavras.
― O jeito mais fácil de conseguirmos isso pode não agradá-la ―
digo, meio receoso.
― Eu faço qualquer coisa pelo meu filho.
― Então, Emma Taylor... ― Ajoelho na sua frente. ― Aceita se casar
comigo?
Ela dá uma risada, o que também me faz rir.
― Você está falando sério? ― ela pergunta, ainda rindo da cena que
eu fiz.
Levanto-me do chão.
― É o jeito mais fácil e rápido. Realizamos uma cerimônia para
oficializar nossa união, assim poderei entrar com a adoção dele e, sendo
aceita, já dou entrada no pedido de cidadania italiana para ele. Sendo filho
de um italiano é fácil conseguir a dele.
― Adam! ― Mesmo com dificuldade nos movimentos, ela leva a
mão à boca, tamanha é sua surpresa. ― Você faria tudo isso por ele?
― Por ele e por você.
E assim demos início às burocracias do casamento.
Emma só pediu para não fazermos nada agora, queria ainda viver sua
vida normalmente, queria continuar trabalhando e cuidando do pequeno
Jackson.
― Faremos quando você quiser. Não estou com pressa em te perder,
minha amiga.
― Você é um presente de Deus na minha vida. Peço que conte tudo
isso ao Jack, faço questão que ele saiba do homem bom que é o pai dele,
mesmo que não tenham o mesmo sangue.
Ouvir isso me deixou ainda mais triste e emocionado com tudo.
― No tempo que tenho, gravarei uns vídeos e escreverei umas cartas.
Quero estar presente em algumas fases da vida do meu filho. Quero dividir
um pouco a criação com você, mesmo não estando presente.
― Tudo será do jeitinho que você me pedir, eu lhe prometo.
― Obrigada, meu amigo! Não sabe o quanto me sinto mais leve.
― Não precisa me agradecer. Eu te amo, Emma!
― Eu também te amo, Adam!
― Você será sempre minha melhor amiga. Estou honrado de poder
criar o seu filho, apesar das circunstâncias.
Ela abre um sorriso em um misto de gratidão e de tristeza por partir
tão rápido e não conseguir realizar o sonho de ver o próprio filho crescer.
Mesmo sonho interrompido da minha própria mãe.
22
“Você vai chorar como a chuva,
Você vai chorar e irá embora”
Arriverà – Chegará - Modà com participação de Emma

DIAS ATUAIS
― Você sabe... que não... precisava de tu... tudo isso, não sabe? ―
Emma me pergunta, já com muita dificuldade na fala pela fraqueza absurda
que sente.
Vê-la se deteriorando na minha frente sem que eu possa fazer algo
para ajudar é terrível. É uma dor muito grande.
Ela já está magra, não controla a bexiga e intestino, os movimentos
dos braços já estão muito descoordenados além das alterações de humor,
ansiedade e depressão.
Tudo que sei é que minha amiga está indo aos pouquinhos.
― Você sempre sonhou em se casar com tudo que tem direito ―
brinco.
― Tudo que... eu sonho... agora é... viver mais... um dia com... com
meu filho.
Sempre que fala do filho seus olhos se enchem de lágrimas,
esmagando um pouco mais meu coração.
Abaixo-me e, acariciando seu rosto, falo enquanto olho bem em seus
olhos:
― Eu sei, e hoje você vai viver um dia lindo ao lado do nosso
menino. Posso não ser o homem dos seus sonhos e nem te amar da forma
que um dia você já desejou. ― Rio com a lembrança.
― Por favor... não me... faça lembrar... do dia... mais vergonhoso... da
minha... vida. ― Ela também ri.
― Imagina, eu te entendo. Até porque eu sei que sou um italiano
bonitão, então é inevitável mesmo as pessoas se apaixonarem por mim.
Ela dá uma risada gostosa.
― Continuando o que eu estava falando, sabia que enquanto você
viver será a minha princesa. Então, por favor, aproveite o dia de hoje
porque ele é todo seu. Tudo foi pensado com muito carinho só para você.
Mesmo com toda a dificuldade, ela levanta sua mão e leva ao meu
rosto, secando as lágrimas que descem dele.
― Nunca... quis te... fazer chorar... Me perdoa, meu... amigo.
― Shhhh... Não me peça perdão por eu amar você.
E ali ficamos, apenas olhando um para o outro, até que uma amiga do
serviço dela aparece.
― Não acredito que você já fez a noiva chorar, o casamento nem
começou. Homens! ― ela brinca, o que nos faz rir. ― Agora vou tirar você
daqui, amiga, para refazermos essa maquiagem ― ela diz e dá uma piscada
para mim.
Saber que ela tem amigas tão incríveis ao seu lado no dia de hoje,
enche meu coração de alegria. É lindo ver como Emma é amada. Todos
estão sofrendo muito ao vê-la assim tão debilitada.
A cerimônia será realizada aqui em casa, em Monterosso, já que
temos um gramado lindo e amplo. Tudo foi adaptado para que a cadeira de
rodas não traga qualquer desconforto a ela. Teremos tudo que um bom
casamento pede. Tudo que ela merece.
Queria que Joana estivesse aqui comigo, presenciando esse dia tão
especial e difícil ao mesmo tempo. Queria ter seus braços para me
consolarem, afinal, não posso desmoronar na frente de Emma, não seria
justo. Minha missão é tornar seus dias um pouco mais leves e não lhe
lembrar constantemente de sua morte.
Joana foi um bálsamo em minha vida, aparecendo num período bem
pesado, mas infelizmente acabei estragando tudo e, com isso, posso tê-la
perdido para sempre. Perdido o único amor da minha vida.
Chega a hora da cerimônia e já estou no altar à espera da minha
melhor amiga, aquela que me deixará com um buraco enorme no coração
quando partir desse mundo.
Ela entra ao som da música italiana Arriverà, de uma das bandas que
mais escuta desde que chegou a Itália, a banda Modà.

Eu nunca vou te deixar


De repente, a escuridão que nos cerca
Seu coração vai acordar em um dia escaldante de verão no qual o sol
estará
E você mudará a tristeza das lágrimas
Em sorrisos luzentes você sorrirá

Vê-la entrando ao som desta música é ainda mais especial, pois


Emma uma vez me obrigou a acompanhá-la em um show deles. Nossa!
Acho que nunca me diverti tanto só de vê-la amando aquele momento. Estar
ao seu lado sempre foi assim, intenso e maravilhoso.
Todas as minhas lembranças e a saudade de dias assim já me assolam
e fazem a dor extravasar em lágrimas. Sua melhor amiga entra empurrando
a cadeira, já que Emma não consegue mais nem controlar a elétrica. Nosso
pequeno Jackson, de quase dois anos, entra de terninho em seu colo, preso
em seu corpo e na cadeira.
Eles estão tão lindos!
Emma olha para mim e abre seu melhor sorriso, aquele que faz seus
olhos brilharem forte. As lágrimas que hoje descem pelo seu rosto são de
alegria, certamente.
Não há uma pessoa nesta cerimônia que não esteja emocionada,
afinal, todos sabem o que este momento representa. Apesar da tristeza que
não me deixa desde que soube do duro diagnóstico, hoje me sinto grato por
ter vivido ao lado de uma pessoa como Emma. Foi pouco tempo? Sim, mas
ainda assim serei sempre grato. Ela foi luz na minha vida e é assim que
continuarei me lembrando dela, mesmo que meus dias não tenham o mesmo
brilho.
E em meio a um misto de emoções estamos oficialmente casados.
Não teve declarações de amor eterno e nem o primeiro beijo de
casados. Hoje, somos mais do que um casal unido pelo amor. Estamos
unidos por um propósito maior, por um compromisso que transcende o
entendimento de muitos.
E, daqui um tempo, quando eu olhar para a aliança dourada em meu
dedo, eu me lembrarei desse dia para sempre. E não será uma lembrança de
uma mulher que amei, mas de uma mulher que mudou minha vida e que me
fez sentir especial e honrado por ser o escolhido para cuidar de seu bem
mais precioso, seu filho.
A festa dura até tarde, da forma mais animada possível, assim como
planejamos. Emma se diverte com a mesma alegria que me conquistou anos
atrás. Não desperdiça um minuto sequer com lamúrias.
Ela, então, chama-me para perto dela.
Ajoelho-me a sua frente e aproveito para acariciar meu menino que
está novamente em seu colo.
― Obrigada! ― É tudo o que me diz.
Sei que se fosse mais fácil ela faria longos discursos, então entendo a
imensidão desse obrigada.
― Hoje é dia de alegria. De comemorarmos o privilégio de ter você
em nossa vida, por isso é a festa mais animada do mundo, pois é o que você
sempre representou para nós. Alegria. Intensidade. Lealdade.
― Assim... eu vou... chorar... ― ela diz e ri.
― Se for de alegria está autorizada. ― Fingindo que sua amiga não
pode escutar, continuo: ― E agora não levarei outra bronca por estragar a
maquiagem da noiva.
Emma ri alto. Uma risada que quero ter para sempre em minha
memória.
No mês seguinte, como já estamos casados, consigo concluir
facilmente o pedido de adoção de Jackson.
― Jackson Taylor Marinello, meu filho ― digo com ele em meus
braços.
Emma agora mora comigo e aprendo dia após dia como ser um pai
melhor, uma pessoa melhor, pois é de alguém assim que ele merece.
Ela me olha com lágrimas nos olhos ao ver o documento oficial da
adoção em suas mãos.
― No fim... Dei ao... meu filho... o melhor... pai que... tem no... no
mundo.
Ela está na cama, ainda mais debilitada do que no dia do nosso
casamento. Mais debilitada do que ontem. O tempo tem sido cruel demais.
Coloco o pequeno Jack de dois anos ao seu lado na cama, que brinca
e fala sem ter a mínima noção do que acontece à sua volta. O último sopro
de alegria na vida de Emma.
Mais um mês passa e agora Jackson é oficialmente uma pessoa de
dupla cidadania, a norte-americana e a italiana, já que seu nascimento
precisou acontecer na Califórnia, onde Emma morou nos Estados Unidos
antes de se mudar para Milão.
― Agora eu... já posso...
― Não ― interrompo. ― Não fale isso.
― Adam...
― Shhhh... Não quero ouvir.
Deito-me ao seu lado na cama hospitalar e apenas a abraço, sabendo
que cada suspiro que escuto de seu peito pode ser o último.
― Promete... Promete que... não vai me esquecer... e que... não vai...
deixar meu filho...
― Nosso filho ― corrijo em meio as lágrimas que mais uma vez
descem de meus olhos.
Ela ri.
― Desculpa. Que... nosso filho... se esqueça de... de mim.
― Prometo, Emma.
E assim ela suspira e vejo seu peito subir pela última vez.
23
“E penso que você é uma flor
De cor rara”
Viver a Colori ― Viver a Cores ― Alessandra Amoroso

E mais uma vez aqui estou me preparando para me despedir para


sempre de mais uma pessoa amada. Já foram meus avós, uma tia, meu pai,
minha mãe e meu amigo Pedro; apesar do último eu não ter estado presente
devido à distância. É tanto adeus. Em cada partida sinto que um pouco de
mim também se vai para sempre, deixando um buraco no peito e uma dor
sem igual.
Durante os últimos meses de vida, Emma conversou muito com
Beatrice sobre sua partida, já que sabia que com oitos anos ela entenderia
muito mais do que eu desejo e, com isso, sofreria sem contar muito com
minha ajuda já que estaria devastado demais.
E é exatamente assim que estamos. Perdidos sem a presença alegre de
Emma.
— Eu não entendo por que Deus faz isso — Beatrice fala, meio que
de repente enquanto velamos o corpo de Emma.
— Isso o quê, meu amor?
— De levar as mães das crianças. Ele levou a minha e agora leva a do
Jack.
— Eu te entendo. Também acho que as mães deveriam ser eternas,
pois dói perdê-la independentemente da idade que temos. Mas não cabe a
nós querermos entender por que Deus faz o que faz.
— Eu vou sentir falta dela, papai — ela diz e esconde o rosto em meu
corpo.
— Eu sei, minha filha, eu também sentirei falta dela. Pode chorar,
viu. Nesses momentos, chorar faz bem.
Depois de um tempo aconchegada no meu colo, Beatriz se levanta e
chegando perto do corpo de Emma diz:
— Pode ficar tranquila, tia Emma, eu vou ajudar o papai a cuidar do
Jack. Serei a melhor irmã do mundo.
Depois acaricia o cabelo dela e em seguida vai para o quarto onde
Jack brinca, alheio à partida da mãe.
Presenciar uma cena de demonstração de um amor tão puro assim é o
que ainda me dá forças para continuar. E sei que força é o que mais
precisarei daqui em diante, afinal, agora são dois filhos sob minha
responsabilidade. Duas crianças que tiveram o mesmo destino imposto pela
vida e que estarão aos meus cuidados.
Não reclamo dessa responsabilidade, pois amo cada um dos dois com
uma intensidade que não há explicação, ainda assim ser pai está bem longe
de ser uma tarefa fácil.
Uma das melhores amigas de Emma daqui da Itália prometeu que me
ajudaria com o que fosse necessário e que eu poderia contar sempre com
ela. Inclusive, tirou férias do trabalho para estar ao meu lado nos primeiros
dias, sabendo que o início é sempre o mais complicado. E ela nem imagina
o tamanho de minha gratidão por isso.
Minha prima também vem me ajudando bastante, já era assim com
Beatrice, mas as obrigações aumentaram desde que Jackson entrou em
nossas vidas. Ele agora é parte de nossa família.
Sabendo da rede de apoio que se formou ao meu redor vejo o quanto
sou abençoado por ter pessoas tão incríveis ao meu lado. E não falo de
quantidade, porque nunca foi uma questão de número, sim, da sinceridade
do amor de cada uma delas.
Enfim, chega a hora mais difícil do dia, o de deixarmos Emma para
sempre. O enterro é marcado por muitas lágrimas, como já imaginava, mas
sua melhor amiga faz algo que nos surpreende de um jeito muito bom.
— Emma era alegria. Foi alegria até seu último dia de vida. Foi
alguém que sempre viu a beleza em tudo. Alguém que coloriu nossas vidas.
E é claro que sua partida dói, nos faz chorar. Mas também temos de nos
lembrarmos do legado que ela nos deixou: a alegria.
Depois que fala coloca em seu celular uma música que representa
muito o espírito alegre de nossa Emma. A música se chama Vivere a Colori,
de Alessandra Amoroso, e um dos trechos diz exatamente assim:

Nós nos aproximamos de sonhos mais distantes.


Você sabe que não há segredo para viver a cores.

Emma fazia tudo parecer leve, fácil e gostoso. Apesar da dura vida
que teve.
Enquanto a música toca, sinto uma paz em meu coração. Quando
chega o refrão todos nós cantamos juntos e batemos palmas no ritmo da
música em gratidão por termos aprendido tanto com essa mulher.
Um sepultamento digno de Emma Taylor.
— Sua alegria nunca será esquecida, minha amiga.
Os dias passam e com eles as dificuldades se apresentam, nada muito
diferente do esperado. Não me importo com as noites maldormidas, não me
importo com o trabalho dobrado de criar duas crianças. O que acaba comigo
é ouvir Jackson perguntando da mãe de hora em hora. Digo que ela precisou
ir embora, que agora mora no céu e que por amor a ele fez de tudo para que
fosse feliz. Claro que ele não entende, mas repetirei um milhão de vezes, se
assim for preciso.
Tudo isso faz com que eu me lembre dos primeiros dias após o
falecimento da minha mãe. Lembro-me de estar devastado e com um bebê
lindo nos braços que não parava de chorar. Eu poderia ser o melhor pai do
mundo, melhor irmão, melhor pessoa, mas jamais pude ser aquela a quem
ela tanto queria. Ela sabia. Mesmo tão nova sabia pelo meu cheiro e pelo
som de minha voz.
O tempo passou e acho que ela entendeu que sua mãe jamais voltaria.
Aprendeu a se conformar comigo. Com Jack será a mesma coisa. Jamais
serei o bastante, mas ele entenderá que, independentemente de qualquer
coisa, eu estarei sempre aqui. E isso o acalmará. Até lá, serão muitas
lágrimas derramadas e muita dor no coração a cada vez que me perguntar
da mãe.
— Ele dormiu — avisa Francesca, melhor amiga de Emma.
— Nem sei como te agradecer — digo, enquanto estou na cozinha
distraindo Beatrice.
— Tia, estamos fazendo uma pizza maravilhosa para você. — Agora
é Beatrice quem fala.
— Hummm... Que delícia! Ouvi dizer que pizza alegra qualquer
coração — Francesca fala, sabendo da predileção dela.
Beatrice abre o maior sorriso do mundo e com os olhos radiantes de
alegria me cutuca.
— Viu, papai, ela concorda comigo. E ela é bem inteligente, então é
mesmo verdade.
Nós dois gargalhamos com sua fala.
— Não sei se sou tão inteligente assim, mas tenho certeza de que
pizza é a melhor comida do mundo.
— Eu também acho — ela diz toda feliz.
E assim é mais uma noite normal na casa dos Marinellos, com muita
luta, mas sem perdermos a alegria.
Beatrice, falante que só ela, após contar várias histórias, adormece no
meu colo no sofá da sala. Levo ao seu quarto com todo cuidado para não a
despertar.
— Aceita uma taça de vinho — Francesca pergunta assim que entro
na cozinha.
Como um bom italiano que sou, não tenho forças para negar.
— Eu já te disse obrigado hoje? — pergunto, enquanto aproveito cada
gole do vinho.
— Na última meia hora eu acho que não. — Ela ri.
— Estou, tão repetitivo assim?
— Sim. E eu já falei mil vezes que não precisa me agradecer por
nada. É o mínimo que posso fazer por Emma.
— Ela faz tanta falta, não é?
— Faz, sim.
— Às vezes acho que não conseguirei sem ela aqui.
— Ela sabia que seria difícil, mas assim como Emma, tenho certeza
de que você sempre será a melhor escolha que ela já fez na vida. Inclusive,
ela também me deixou incumbida de uma missão.
— Lá vem. Aquela doida não vai me deixar em paz nem depois de
morta? — brinco.
— A cara dela isso. — Francesca ri e continua: — Ela disse que você
tem um assunto inacabado no Brasil.
Olho para ela e meu coração se aperta com a lembrança de Joana.
— O que acha de aproveitar minha presença aqui e resolver essa
pendência?
— Não tenho cabeça para isso. E também não acho justo você usar
todos seus dias de férias para me ajudar enquanto eu viajo para o Brasil
como um adolescente apaixonado.
— Se não agora, quando, Adam?
Mais uma vez não sei o que responder.
— Aquela moça merece saber a verdade. E você, meu amigo, merece
uma segunda chance.
Será que chegou a hora? A hora de reconquistar o amor da minha
vida?
24
“Não basta mais a lembrança
Agora eu quero o seu retorno...
E será lindo”
Ti Scatterò Una Foto ― Te Tirarei Uma Foto ― Tiziano Ferro

Os dias passam e com eles me sinto ainda mais cansado, mas, ao


mesmo tempo, já acostumado à nova rotina. Jackson parece mais calmo e
pergunta cada vez menos da mãe, o que já é um alento ao meu coração. Na
hora de dormir o choro é mais intenso, apesar disso, pega no sono logo e
adormece a noite toda, sem dar o menor trabalho.
Sinto que Beatrice também amadureceu muito nessa última semana.
Ajuda no mamá, ajuda a escolher a roupa, ajuda a dar banho e ainda fica de
olho nele quando precisamos fazer outra coisa. Uma verdadeira irmã mais
velha.
— Tia Emma ficaria muito orgulhosa de você, minha filha.
— Você acha, papai? — ela pergunta, com os olhos brilhando.
— Tenho certeza. Você é a melhor irmã mais velha do mundo.
— Eu amo tanto meu irmãozinho!
— Ele também ama você.
— Eu sei. Olha a carinha dele para mim. — Ela ri.
Olho para meu menino e em seguida para minha princesa. Não sei
como direi a ela que preciso fazer uma longa viagem. Tenho medo de sua
reação dessa vez, depois de tudo que passamos, após todo o sofrimento.
Não quero ser o causador de mais uma tristeza para minha filha. Não quero
e nem posso ser tão egoísta assim. Sua felicidade e a de Jackson sempre
estarão acima da minha. Afinal, ser pai é um pouco disso. É saber a hora de
renunciar.
— Meu amor, venha aqui um pouquinho. O papai precisa conversar
com você.
— Alguém mais morreu?
— Não. Não é isso. Fique despreocupada. Não é nada ruim assim.
— Mas é ruim também, pelo visto. Você está tão sério.
— Não é ruim, mas acho que te deixará um pouco triste. E se você
fica triste, eu também fico.
— Pode falar, papai. Eu sou forte.
E é mesmo verdade. Beatrice é a menininha mais forte e destemida
que conheço.
— O papai precisa fazer uma viagem. Uma viagem para o Brasil. Por
ser longe, ficarei fora por vários dias.
Seus olhos já se enchem de lágrimas.
— Mas você prometeu que não ia trabalhar tão longe assim. Pelo
menos, não por enquanto.
— Prometi e cumprirei minha promessa, assim como sempre cumpro,
não é verdade?
— É.
— Preciso resolver um assunto complicado, de adulto, mas não é
nada sobre trabalho.
— E precisa ser agora? Jack precisa tanto de você. Ele vai sentir sua
falta e não sei se vou conseguir explicar para ele que você volta. A tia
Emma não voltou.
Aí está a fala que eu tanto temia. Ela é tão forte que nem quer dizer
que também sentirá minha falta. Conheço minha filha. Vejo em seus olhos o
medo de me perder, mas como não quer me preocupar, não diz nada. Sua
maturidade me encanta na mesma proporção que me machuca. Ela não
deveria ser obrigada a crescer tão rápido. A vida não deveria ser tão dura
para uma criança de apenas oito anos.
— Eu também vou sentir falta de vocês dois. Estaremos em contato
pelo celular sempre que você quiser. E eu prometo a você que volto.
— Promete mesmo?
Sei que essa não é uma promessa que deve ser feita, nem a uma
criança e nem a ninguém. Mas eu preciso deixá-la mais calma.
— Prometo — reafirmo e peço a Deus em pensamento que me
permita cumprir mais essa promessa à minha filha.
Passo o restante do dia arrumando minha mala e agendando
passagem, hospedagem.
— Você anotou o endereço dela? — Francesca pergunta.
Olho para ela e não sei como contar esse detalhe.
― Que cara é essa, Adam?
— Se eu te contar que não tenho o endereço, você acredita?
Ela ri e me olha com preocupação, completamente perdida, sem saber
como me ajudar.
— Você me olhando assim está fazendo com que eu me sinta um
maluco. — Rio para descontrair.
— Desculpa, mas é exatamente como você se parece agora. — Ela ri.
― Como você não tem o endereço dela se ela contratou a sua agência para
aquela temporada na Itália?
― A questão é esta, Joana não contratou a agência, ela fez um
contato pessoal comigo. E por ser a viúva do Pedro mais toda a história do
luto fiz com ela algo que jamais havia feito ― explico. ― Todas as reservas
foram feitas no meu nome e ela, ao final de tudo, me pagou. Sem qualquer
cadastramento. Diferentemente do que aconteceu na época em que Pedro
me contratou, então tenho seu endereço antigo.
― Adam...
— Eu sei, mas não se preocupe, tenho um norte, então darei um jeito.
— O Brasil não é como a Itália, Adam. Você já olhou no mapa o
tamanho do país?
— Eu conheço o Brasil, Francesca. Quer dizer, fui lá uma vez.
— Exatamente.
— Essa é a mesma Francesca que estava me incentivando a resolver a
minha pendência na semana passada?
Ela ri alto, até chego a me lembrar de Emma.
— Nossa! Você e Emma passaram tempo demais juntas. Está rindo
igual a ela — falo, com a saudade apertando o peito, mas ao mesmo tempo
com alegria.
— Você não é o primeiro a me dizer isso. — Ela ri mais uma vez. —
Mas, respondendo a sua pergunta, sim, sou a mesma Francesca que estava
te incentivando na semana passada, o problema é que pensei que você
estivesse mais preparado para o momento.
— Acha, então, que não devo mais ir? — Agora realmente fiquei
confuso.
— Não. Não é isso. Só estou preocupada. Só isso.
— Eu sei. Sei que essa viagem tem tudo para dar errado, ainda assim
eu irei. Se não for agora acredito que nunca mais terei coragem. Fora que
uma mulher bonita e encantadora como Joana não terá qualquer dificuldade
para encontrar outro alguém no tempo em que eu me acovardo aqui na
Itália.
— Se Emma acreditava que era possível, então eu também acredito.
— Quer dizer que só pela Emma, Francesca?
E mais uma vez ela não aguenta e solta uma risada.
— Desculpe, Adam, mas só.
— Pelo menos você não me ilude. É sincera.
— Pois é. Precisa me valorizar. Amizades assim estão em falta no
mercado.
— Poxa vida, Emma, não tinha outra amiga para você escolher não,
só havia esta daqui? — Finjo desdém.
E ela, por sua vez, nem liga, apenas ri. Uma amizade sincera que
nasceu em tempos difíceis e que hoje consola e alegra minha vida.
Com o passar dos dias consigo organizar tudo e, finalmente, chega a
hora de partir. Decido ir de carro de Monterosso até Milão e de lá embarcar
para o Brasil. Consegui um voo sem escalas com partida marcada para
meio-dia e chegada no Aeroporto Internacional de Guarulhos, em São
Paulo, às 19h50, quase doze horas de voo. Difícil será segurar a ansiedade.
Vou ao quarto das crianças, Jackson brinca alegremente com Beatrice.
Pego-o no colo e lhe dou um beijo carinhoso no rosto.
— Papai precisar ir, meu filho, mas logo eu volto.
— Volta? — ele pergunta.
— Volto. Prometo. Amo você! Cuida da sua irmã para mim.
— Cuido.
Beatrice olha a cena com lágrimas nos olhos e depois me abraça forte.
— Estarei contando os dias para te abraçar de novo, papai.
— Eu também.
— Leva o Fofo, ele te fará companhia.
Olho para seu bichinho de estimação preferido, um coelhinho cinza,
já surrado de tanto ser arrastado para lá e para cá.
— Tem certeza de que não ficará triste sem ele.
— Tenho. Agora eu tenho meu irmãozinho e você não tem ninguém.
Está tudo bem. Pode levar o Fofo.
— Obrigado, minha filha! Vou amar a companhia do Fofo.
— E ele a sua. Amo você, papai! — ela diz e me abraça novamente.
Saio do quarto e me despeço de Francesca.
— Nem tenho palavras para agradecer. Qualquer coisa é só me ligar
que pego o primeiro voo de volta — falo.
— Não se preocupe, ficaremos todos bem. Mande notícias.
— Mandarei.
Coloco a mala no porta-malas e entro no carro. Fofo vai sentado no
banco do carona, meu novo companheiro de viagem. E assim parto rumo à
viagem mais desafiadora da minha vida em busca daquela que é dona de
grande parte de meu coração.
25
“Que, se não estamos juntos é minha culpa
É minha culpa”
È Solo Colpa Mia ― É Somente Minha Culpa ― Modà

Foram mais de três horas de carro além de doze horas de voo, mas
finalmente estou em solo brasileiro. O cansaço é gigantesco, não posso
negar. Pego um carro por aplicativo e, depois de enfrentar um longo
trânsito, chego ao hotel.
Por não conhecer nada em São Paulo escolhi fazer reserva em um
hotel que fosse relativamente próximo ao último endereço que tenho de
Pedro, ao menos assim não ficarei horas no trânsito para concluir a primeira
missão, que é saber onde Joana realmente mora.
Sinto-me levemente confuso com a mudança de fuso horário, já que
precisei diminuir quatro horas em meu relógio, o que me faz ter a impressão
de um dia ainda mais longo.
A primeira coisa que faço, antes mesmo de tomar banho, é mandar
uma mensagem para Francesca dando notícias sobre minha chegada. Queria
poder ligar e falar com Beatrice, mas já passa da meia-noite por lá, o que
deixou a ligação inviável.
Tomo uma longa chuveirada para recuperar um pouco a minha
dignidade. Depois desço para o restaurante e como algo. Só descubro o
tamanho da fome que estou após começar a comer. E se tem uma coisa que
amo é a comida brasileira, sempre com muita variedade e fartura.
Volto ao quarto e antes de deitar pego meu companheiro, o Fofo.
Coloco-o em cima da cama de casal, ao meu lado, e finalmente me deito.
― Quem diria que um dia eu ficaria feliz por dormir ao lado de um
coelhinho de pelúcia velho ― falo para mim mesmo.
Ele carrega consigo não apenas as lembranças de minha filha, mas o
cheirinho de casa e isso traz um conforto inexplicável.
― Boa noite, Fofo!
Viro de lado e caio no sono, cansado após um dia longo demais.
Na manhã seguinte tenho um pouco de dificuldade para acordar, o
que faz com que me lembre de Joana e do tempo que levou para se
acostumar à mudança de horário.
― Preciso achar você, Joana.
Tomo banho e desço para o café da manhã. Mais uma vez, tudo muito
farto, mas acho que estou tão ansioso com tudo que farei hoje que mal
consigo comer direito.
Antes de sair do hotel, ligo para casa.
― Oi, papai! ― Beatrice atende, toda feliz.
― Oi, meu amor, como está tudo por aí?
Quase me arrependo da pergunta, porque ela faz questão de contar
tudo que aconteceu detalhadamente, desde a hora em que saí de lá. Ao
mesmo tempo, sua empolgação me deixa um pouco mais tranquilo, pois
vejo que está lidando bem com minha ausência.
― Olha quem dormiu comigo? ― Viro a câmera do celular para o
Fofo. ― Roncou a noite toda.
Ela dá uma gargalhada alta.
― Ele não ronca, papai! ― Ela mal consegue falar de tanto que ri.
― Ah, não é possível! Juro que escutei uns roncos.
― Você ronca.
― Eu? ― Finjo indignação. ― Jamais!
― Ronca, sim.
― Papai ronca. ― Escuto a voz de Jackson ao fundo.
Ouvi-lo me chamando de papai de uma forma tão natural chega a me
emocionar. Jamais me vi como um pai e hoje sou responsável por duas
crianças lindas que entraram em minha vida de uma forma diferente, mas
ainda assim sempre serão meus filhos.
― Até Jack já te conhece, papai. ― Beatrice ri ainda mais.
Depois converso rapidamente com Francesca para saber se realmente
está tudo bem e se precisam de algo.
― Eles precisam que o pai deles fique tranquilo e assim consiga
fazer o que deve no Brasil ― Francesca diz.
― Obrigado, mais uma vez!
― Não se preocupe, tenho um caderninho com tudo anotado ― ela
brinca.
― Nossa! e então, minha dívida já está astronômica!
― Mais ou menos isso. ― Francesca ri.
― Já que estou ferrado mesmo é melhor fazer essa viagem valer a
pena. Saio daqui a pouco.
― Vai dar tudo certo, tenho certeza.
― Meu celular está ligado o tempo todo, qualquer coisa já sabe.
― Tchau, Adam!
― Tchau! ― digo rindo e desligo a ligação.
Termino de me arrumar, chamo o carro por aplicativo e logo estou a
caminho do único endereço que tenho; o do cadastro antigo de Pedro.
Durante todo o caminho peço silenciosamente para que eu consiga algo
concreto, pois a chance da família dele ter se mudado é enorme e com isso
não terei nada. Será o fim da minha busca.
Chegando ao meu destino, descubro que se trata de um luxuoso
condomínio fechado e, como tal, preciso de uma autorização para entrar, o
que sem dúvida me atrapalha ainda mais.
― Bom dia! ― digo ao segurança.
― Bom dia!
― Preciso falar com alguém da família de Pedro Fernandes.
― Qual o nome do senhor?
― Adam, Adam Marinello.
― Um momento, por favor!
― Claro.
Algo me diz que estou com sorte, pois não fez qualquer objeção ao
nome de Pedro tudo indica que o imóvel ainda é da família. Ao mesmo
tempo fico com medo de minha entrada não ser autorizada depois de
ligarem meu nome ao que Joana já pode ter contado. Fico apreensivo
durante toda a conversa do segurança ao telefone com quem quer que seja
do outro lado da linha.
― Está liberado. O senhor sabe onde fica? ― pergunta o segurança.
― Não faço ideia.
De forma muito educada ele explica o caminho que devo fazer para
encontrar a casa.
― Obrigado! ― agradeço.
Conforme a orientação, chego rapidamente. Agradeço também ao
motorista do carro e, depois de tocar o interfone, aguardo alguém aparecer.
Em poucos segundos, uma mulher negra, alta e muito bonita aparece
e me olha em um misto de raiva e de desconfiança.
― Oi, bom dia! ― digo. ― Sou Adam, um amigo de Pedro, da Itália.
― Eu sei muito bem quem é você.
― Então, já comecei em desvantagem, pois não sei quem é você e
peço desculpas por isso.
― Não é bem para mim que você deve desculpas. Sou Victoria, irmã
de Pedro e melhor amiga de Joana.
Abro um sorriso, sem esconder a minha vergonha.
― E pelo visto, além de saber quem eu sou, sabe também da história
com Joana.
― Infelizmente sei. E é por isso que estou bem intrigada com sua
presença aqui. Já não foi o bastante tudo que fez com ela por lá? Precisava
vir ao Brasil conferir o estrago que fez? A forma como a deixou?
― Para falar a verdade, sim, eu precisava vir. Obviamente não pelos
motivos que citou, mas Joana é alguém que merece saber o que realmente
aconteceu.
― Aí está outra coisa que me intrigou esse tempo todo, o que tem de
tão misterioso em um casamento? Afinal, você estava mesmo de casamento
marcado?
― Sim, minha filha não mentiu, mas nunca foi por amor. Ou melhor,
eu a amava sim, mas Emma era minha melhor amiga e nunca tivemos
nenhum outro relacionamento além de uma linda amizade ― explico e me
envergonho por sentir as primeiras lágrimas surgirem em meus olhos.
― Era? Não é mais?
Então, tenho a oportunidade de contar toda a história. Tudo o que
precisei fazer em nome de uma amizade.
― E por que não contou tudo isso a Joana? ― Victoria está
indignada.
― Não é o tipo de conversa que a gente tem por mensagem. Ela foi
bem clara quando pediu que eu sumisse. Fora que, naquela época Emma,
piorava muito rápido e precisei me concentrar em um problema de cada
vez. Joana podia esperar. Emma não tinha o mesmo tempo.
― Eu sinto muito, de verdade! Por favor... Fiquei tão brava com sua
presença que nem o convidei para entrar.
― Não precisa, está tudo bem, não quero incomodar.
― Não é incômodo. Meu irmão puxará meu pé de madrugada se eu
tratar um amigo dele tão mal assim, então, por favor, entre! ― Pela
primeira vez ela ri e em seu sorriso consigo ver semelhanças com o irmão
de quem sinto tanta falta.
― Obrigado!
Conversamos um pouco mais sobre meu casamento, sobre Pedro e
sobre a confusão com Joana. Digo a ela tudo o que sinto e que preciso
muito de uma segunda chance.
― Promete que dessa vez se empenhará mais para fazer minha amiga
feliz? ― Vick pergunta com total seriedade.
― Prometo. Tudo que mais quero é vê-la feliz, mesmo que para isso
eu precise sumir da sua vida para sempre.
― Ok ― ela diz e começa a anotar algo em um papel. ― Aqui está.
Vá atrás dela, por favor!
Olho para o endereço e mal acredito. É real. Eu consegui.
― Obrigado! Não tenho palavras.
― Não faço apenas por você, mas porque acredito que Joana merece
mesmo uma explicação. Além de merecer um cara que se importe o
suficiente com ela a ponto de atravessar um oceano para encontrá-la.
Conversamos mais um pouco e depois saio de lá rumo a reconquistar
o amor da minha vida.
26
“Fazem mal, fazem mal as palavras
Especialmente se elas são ditas por quem ama”
Non Devi Perdermi ― Você Não Tem Que Me Perder ― Alessandra
Amoroso

Faz horas que estou em frente ao meu computador no escritório. Até


o momento escrevi um total de zero palavra. Essa é a minha realidade desde
o falecimento de Pedro. Achei que após a viagem à Itália tudo melhoraria,
mas foi aí que as poucas coisas que ainda resistiam em pé, desmoronaram.
Nos primeiros dias por lá senti renascendo dentro de mim a vontade
de voltar a escrever, de dar vida aos personagens e de criar todo o drama
entre eles. Achei que a Joana autora estava de volta. Mais uma vez eu
estava errada.
Olho para a tela do computador e choro, pois queria muito conseguir
ocupar meu tempo e meus pensamentos com as histórias dos meus livros.
Queria voltar a ter ânimo para acordar. Sinto que tudo se foi.
Saio do escritório e vou à cozinha. Faço uma panela de brigadeiro e
coloco para esfriar um pouco enquanto escolho algum filme. É o máximo
que faço no dia a dia. Se não consigo criar minhas próprias histórias, ao
menos ainda tenho filmes e séries para me ajudarem a passar o tempo.
Pego o brigadeiro, aconchego-me no sofá e assim fico por horas. Até
que escuto o interfone tocar. A única pessoa que ainda frequenta minha casa
é Vicky, mas sei que mesmo hoje sendo feriado aqui em São Paulo ela disse
que precisava trabalhar à distância.
Assim que olho na tela do interfone e vejo quem está ali, meu coração
acelera.
O que ele faz aqui depois de tudo que aconteceu? Pela data sei que já
se casou. Será que teve coragem de deixar a esposa na Itália para vir correr
atrás de mim aqui no Brasil? Como alguém consegue ser assim?
― Sei que está aí, Joana, estou vendo seu carro! ― Adam grita do
lado de fora.
Só o que me faltava agora, vir fazer escândalo à porta da minha casa.
― O que você quer aqui? ― digo pelo interfone.
― Você sabe o que eu quero, quero você.
Sinto meu coração errar as batidas. Chega até a me faltar o ar.
― Mas antes disso eu quero te contar a história toda ― ele continua.
― Por favor, me deixe entrar!
― Já disse que não quero ouvir sua história ― falo quase gritando,
tamanha é minha raiva. ― Sua esposa sabe onde você está?
Os segundos passam e ele não fala nada, mas sei que ainda continua
ali. Posso vê-lo.
― O que foi? Achou que eu fosse me esquecer dela?
― É claro que não.
― Então, responda a minha pergunta, sua esposa sabe que você está
aqui?
― Não, ela não sabe. Minha esposa está morta ― ele diz e coloca a
mão no rosto tamanho é seu pesar.
Confesso que por essa eu não esperava. Será que ele pertence a
alguma daquelas máfias italianas e matou a própria esposa para poder ficar
comigo?
Ai meu Deus, acho que estou vendo filme demais!
― Como você me achou? ― É tudo que consigo perguntar.
― Victoria me passou seu endereço. Acabei de sair de lá.
― Como é?!
― Isso mesmo, sua amiga me recebeu na casa dela, então, por favor,
abre essa porta e me ouve! Depois eu prometo que vou embora e sumo da
sua vida se assim preferir.
― Vicky só pode estar maluca.
― Não, o que acontece é que ela é bem menos cabeça-dura do que
você.
― Não sou cabeça-dura! ― Sinto-me mais nervosa.
Quem ele pensa que é para falar assim comigo?
― É, sim. E birrenta também.
― É assim que você pretende me convencer a abrir a porta? Acredite,
não está funcionando. Desse jeito o que farei é chamar a polícia.
― Então, chama. Faça o que você quiser, Joana! ― ele esbraveja,
visivelmente irritado, quase fora de si. ― Estou cansado de tentar me
explicar. É frustrante conversar com quem não quer ouvir. Eu amo você,
mas quanto mais eu tento te mostrar isso, mais você se afasta de mim e me
acusa de ser alguém que não sou. Eu não sou um monstro, Joana! ― Agora
ele começa a chorar em meio à raiva.
― Este é o problema, Adam. Quanto mais o tempo passa, mais eu
sinto que não te conheço, fazendo com o que tudo que nós dois vivemos na
Itália se torne uma mentira. E isso dói.
― Não é apenas você que tem sentimentos, Joana. Sinto a mesma dor
que você.
― Então, por que só agora decidiu me procurar?
Ele fecha os olhos e balança a cabeça.
― É justamente isso que quero contar, mas não farei enquanto não
puder olhar nos seus olhos.
Meu dedo coça para apertar logo o botão e deixá-lo entrar. Ao mesmo
tempo sinto um medo dentro de mim. Não sei explicar. Um medo de não
resistir aos meus sentimentos e me entregar a ele novamente. Um medo de
ser enganada mais uma vez.
― Por favor, Joana!
― Não posso. Não consigo.
Ele parece socar o ar. Mesmo tendo recusado sua entrada, permaneço
no interfone, ouvindo e acompanhando cada movimento seu.
― Talvez você tenha razão. Talvez já seja tarde demais ― ele diz e se
afasta.
Quando acho que irá embora, volta e começa a gritar comigo.
― Sabe de uma coisa? Se é isso que você quer, então assim será. Eu
vou embora, Joana! Embora para sempre. Parabéns! Você finalmente
conseguiu. Não sou um homem que costuma se arrepender das decisões que
toma, mas hoje sei que meu maior erro foi acreditar que você merecia mais
de mim. Que merecia toda a verdade. No fim, esta viagem para o Brasil foi
uma completa perda de tempo. Você não merece nada de mim! Deixei meus
filhos em Monterosso só para te reconquistar. Por amar você. E tudo que
recebo em troca é desconfiança. Sei que errei em não ter te contado toda a
história antes, mas também não sou esse cretino que você tanto pensa!
Choro enquanto escuto todo seu desabafo.
― Você nem sequer acredita no julgamento do seu marido, pois se
acreditasse saberia que ele jamais daria a um cretino uma missão tão
importante quanto foi a sua viagem para a Itália.
Ouvir sobre Pedro dessa forma me machuca ainda mais. Sei que no
fundo tudo que faço é decepcionar Pedro.
― Pensei durante todos esses meses que eu não merecia uma mulher
tão incrível como você, mas agora penso que é você quem não merece
alguém como eu.
Suas palavras são cada vez mais duras.
― Adeus, Joana!
E assim ele se vai. Provavelmente, para sempre.
Coloco o interfone no gancho e desabo no chão. Sinto tanta dor, tanta
raiva e tanta vergonha. Ele poderia já ter me esquecido, mas, não, teve que
aparecer para me mostrar o quão horrível eu ando sendo.
Choro por longos minutos.
Não sei exatamente o que pensar e o que sentir agora que o vi ir
embora da minha vida dessa forma.
Será que eu deveria ter aberto a porta? Será que a tal verdadeira
história mudaria mesmo alguma coisa?
Agora é tarde demais para perguntas. Ele se foi. Apenas... se foi.
27
“Mas eu queria você
Fechei os olhos para vê-lo
Eu abri os olhos para ver o sol
O sol, mas eu vi você”
Volevo Te ― Eu Queria Você ― Giusy Ferreri

JOANA
Custo a me recuperar após a partida de Adam. Quando achei já estar
um pouco melhor ou ao menos acreditando sentir apenas raiva por ele, vem
a realidade e esfrega em minha cara meus verdadeiros sentimentos, aqueles
mais profundos. Nunca imaginei odiar amar alguém. É tudo tão confuso e
injusto.
Algo em sua fala também me deixou ainda mais intrigada. Quando
estive na Itália, mais exatamente em Monterosso, fui apresentada apenas à
Beatrice. E hoje ele disse: deixei meus filhos em Monterosso só para te
reconquistar.
Meus filhos!
Mesmo assim, essa foi outra história que não estava disposta a ouvir e
agora preciso me contentar com a curiosidade e com a incerteza.
Será que foi por isso que se casou? Engravidou uma moça e se achou
obrigado a lhe dar mais do que cabia a um pai? No pouco que vi de sua
personalidade, após conhecer a história por trás do nascimento de Beatrice,
sei que faria algo assim por conta de uma criança. De qualquer forma, agora
não saberei.
Nisso recebo uma mensagem de Vicky pelo celular.

VICKY: Espero que esteja bem. Quando puder me dê notícias.

Lembrar-me de que ela foi capaz de passar meu endereço a Adam,


sendo a única pessoa que sabe o que passei desde que voltei da Itália,
reacende minha raiva.
Claro que não será algo assim que destruirá nossa amizade, já
passamos por vários contratempos, ainda assim é impossível não ficar irada.
Não quero resolver o assunto por mensagem e por isso ligo para ela.
― Oi, amiga.
― Por que você fez isso comigo? ― Já pergunto de imediato, sem
enrolar.
― Nossa, mas ele já foi embora?
― Sério que é com isso que você está preocupada, Victoria?
― Já entendi. Você não o ouviu. Mais uma vez.
― É claro que não o ouvi. Achei que você também saberia que eu
faria exatamente isso.
― E por quê, Joana? O que você ganha por ser tão cabeça-dura
assim?
Ouvir Vicky me chamar da mesma forma que Adam esbravejou no
interfone me deixa ainda mais irritada.
― Não sou cabeça-dura! Já não bastou Adam ter me chamado assim
agora há pouco, você fará o mesmo? Acho que não mereço isso. Não de
você, pelo menos.
― Desculpa, amiga, mas você sabe muito bem que eu jamais irei
passar a mão na sua cabeça vendo o quanto está errada.
― Sério, Vicky?
― Sério, Jô.
Um silêncio se faz até que ela volta a falar:
― Sabe o quanto te amo e que comprarei todas as suas brigas, mas
dessa vez está deixando seu orgulho falar mais alto. Eu ouvi toda a história
dele. Acredite em mim, se eu não visse o quanto aquele cara é incrível,
jamais passaria seu endereço.
― Deveria ter me perguntado primeiro.
― E para quê? Para você proibir e com isso perder a chance de ter
ao seu lado um homem que realmente te ama?
O que será que a fez ter tanta certeza assim?
― O que ele passou esses meses todos não foi nada fácil, amiga.
Tudo que ouvi só me fez ver que Pedro nunca errou ao fazer amizades. ―
Ela ri com a lembrança do irmão.
Pelo visto a história parece mais pesada do que imaginei esse tempo
todo.
Por que eu ao menos não o ouvi?
― Agora é tarde ― digo por fim.
― E por que tem tanta certeza?
― Porque ele disse pelo interfone que essa viagem foi um erro. E que
faria exatamente como eu quero, que iria embora. Mas, agora, para sempre.
Mais uma vez tudo que tenho em resposta é o silêncio.
― Você sabe que pode ligar para ele, não sabe?
― Não depois de tudo o que ele me disse. Ele se cansou, Vicky. E sei
que a culpa é minha.
― E você vai aceitar isso assim? Sem fazer nada? Sem tentar? Sem
lutar?
― E o que eu posso fazer? Não vou me humilhar aos pés dele.
― Procurá-lo e deixá-lo se explicar está longe de ser uma
humilhação. Tudo que escuto é apenas seu orgulho falando.
― Por favor, Vicky!
― Por favor, nada! Não posso ser sua amiga se não falar o que
precisa ouvir. Isso não é uma amizade. Só espero, Jô, que não se arrependa
dessa escolha. Respeitarei sua decisão e não falaremos mais do assunto se
assim preferir, mas não me peça para dizer que está certa, porque não está.
― Ok. Não te pedirei isso.
Conversamos mais um pouco e depois desligamos.
Penso em tudo que ela me disse e sei que tem razão. Por isso pego
meu celular novamente e lhe mando uma mensagem, algumas coisas eu só
consigo desabafar em forma de textos e não falando. Talvez seja coisa de
escritores, não sei.

JOANA: Acho que no fundo nem é meu orgulho falando, sim, meu
medo.

Agradeço porque ela me responde de imediato.

VICKY: Medo do quê, amiga? De sofrer? Já não está sofrendo de um


jeito ou de outro?
JOANA: Medo de um dia perdê-lo como perdi Pedro. Medo de amá-
lo tão profundamente e não ser capaz de me recuperar de outra perda. Dói
demais.
VICKY: Olha, eu realmente te entendo, de coração, mas ainda acho
que vale a pena sofrer por amor do que passar o resto da vida sem ser
capaz de amar por conta do medo.
JOANA: De qualquer forma, peço perdão por ficar brava com você,
quando tudo que quis foi me ajudar.
VICKY: Está tudo bem, Jô. Estou aqui para tudo. Nada mudará isso.
Fique bem. E, qualquer coisa, me liga que eu corro para aí.
JOANA: Pode deixar. Amo você!
VICKY: Também amo você! Beijo.

ADAM
Chego ao hotel com tanta raiva, mas tanta raiva, que mal me
reconheço.
Por que Joana tem de ser tão cabeça-dura assim? Ela sabe muito bem
que fazer uma viagem da Itália ao Brasil não é nada fácil e mesmo assim fui
capaz de fazer apenas para me explicar, para contar toda a história, para lhe
mostrar que tudo o que vivemos não foi apenas intenso, mas, acima de tudo,
foi verdadeiro.
No fim, tudo foi tempo perdido.
O que mais me deixa inconformado é porque sei que não lhe pedi
muito. Não pedi que me perdoasse ou que ficássemos juntos. Tudo que eu
queria é a oportunidade de lhe explicar, de contar por que me casei com
Emma. E ela não foi capaz de me dar nem isso.
Entendo sua raiva, mas será mesmo que durante as semanas que
ficamos juntos não foi possível ver um pouco do homem que sou? Tentei
sempre me colocar em seu lugar, mas estou tão cansado. Cansado de me
colocar como o único errado nisso tudo. Cansado por ver que em momento
algum ela me deu o benefício da dúvida, e isso é exaustivo.
Agora tenho o dia todo e, ao mesmo tempo, tudo que quero fazer é ir
embora. Essa minha luta é inútil. O jeito é tentar esquecer e seguir minha
vida. Preciso me concentrar novamente em meus filhos, pois eles, sim,
merecem o meu amor.
E assim, decidido a ir embora ainda amanhã, começo a organizar
minha mala com todo o tempo disponível que agora tenho.
28
“Vivo por ela porque me faz
Vibrar forte a alma
Vivo por ela e não é um peso”
Vivo Per Lei ― Vivo Por Ela ― Andrea Bocelli e Georgia

JOANA
Mesmo já me sentindo mais calma depois da conversa por mensagem
com Vicky, tenho dificuldades para enfrentar o restante do dia.
Por várias vezes me vi com o celular em mãos para ligar para Adam.
Porém, as horas passaram e nada aconteceu.
Após enfrentar mais uma noite de insônia com todos os “serás” que
me assombram, levanto cedo decidida a dar uma solução a tudo isso.
Antes de pensar demais e desistir, pego o celular e escrevo a
mensagem.

JOANA: Sei muito bem que disse que dessa vez seria para sempre,
mas acho que você tem razão. Teve razão durante todo esse tempo.
Precisamos mesmo conversar. Onde você está?
Após enviar, fico ansiosa, pois demoro a receber uma resposta.
Isso se ele responder, é claro. Decido passar o tempo tomando um
banho. Assim que saio meu telefone apita. É ele.

ADAM: Estou à porta da sua casa.

Preciso ler a mensagem três vezes para ter certeza de que não é meu
desejo de vê-lo me enganando.
Corro até o interfone e aciono o visor. É verdade. Ele está mesmo
aqui. Ele voltou. Voltou para mim. Meu coração quase não aguenta de tanta
alegria.
Abro a porta e quando nosso olhar se cruza, faltam palavras.
Que saudade eu estava desse homem!
― Vai me deixar entrar dessa vez? ― ele pergunta, visivelmente
chateado.
― Desculpe, é claro que vou. Entre, por favor! ― digo e ele passa ao
meu lado.
― Espero que eu não tenha interrompido seu banho ― ele diz e
aponta para mim.
Olho para meu corpo e vejo que o atendi enrolada na toalha.
― Não precisa ficar com vergonha, está linda assim ― diz e abre
aquele sorriso matador que sempre derruba minhas estruturas.
― Não esperava que já estivesse aqui. Apenas corri para atender a
porta. Fiquei com medo de que fosse embora, mais uma vez.
― Não vou embora. Não até conseguir falar tudo o que tenho para te
contar.
Olho para ele e sinto um desejo tão grande que ignoro meu cérebro
me dizendo para ir com calma. Dou alguns passos em sua direção e, sem
qualquer aviso, beijo seus lábios. Ele reage de imediato, beijando-me com
ainda mais intensidade. Temos pressa por sabermos o tempo que já
perdemos juntos. Foram tantos meses reprimindo um sentimento e um
desejo que só cresciam.
Recupero o fôlego. Olho fundo em seus olhos e os vejo queimarem
por mim. Não há mais espaço nesse momento para a raiva. Não consigo ver
o homem que escondeu um casamento de mim. Tudo que vejo é o italiano
que balançou meu coração já no primeiro contato, ainda no Aeroporto
Internacional de Milão, e que o conquistou por completo com cada atitude
linda que teve enquanto estivemos juntos.
Ele tenta me beijar mais uma vez, mas agora eu o impeço colocando
meus dedos em seus lábios. Afasto-me dele e caminho em direção ao meu
quarto. Antes de passar pela porta, viro-me para ele e garantindo que ainda
me olha, solto a toalha que estava enrolada em meu corpo e a deixo cair. Só
assim entro no quarto.

ADAM
Quando vejo aquela toalha escorregando rapidamente pelo seu corpo
nu, perco a vontade de explicar o que quer que seja. Meu desejo e meu
amor falam mais alto do que qualquer coisa.
Caminho em sua direção e a encontro já deitada na cama, à minha
espera. Tudo que preciso fazer é beijá-la e amá-la da forma que deseja. Da
forma que merece.
Quanta falta senti de seu corpo no meu. Falta de seu cheiro, de sua
pele e do gosto de seus lábios. Tudo nela é perfeito. Um corpo que
provavelmente contém cicatrizes, celulites, estrias e sei lá quantas outras
marcas, mas é exatamente tudo isso que a torna perfeita, pois a torna real.
Chegamos juntos e sem pressa ao auge do prazer e isso me faz ter
mais uma vez a certeza de que amo essa mulher e que a quero para sempre
ao meu lado, em minha vida.
Passamos a manhã toda na cama, intercalando momentos de amor e
outros de contemplação e de silêncio. Todas as vezes que tentamos
conversar deu errado. Tenho medo de falar algo e estragar tudo. Mais uma
vez.
Olho em seus olhos e vejo que tem sentimentos verdadeiros por mim,
mas também vejo medo, vejo dúvida e sei que isso foi culpa minha por não
lhe contar tudo desde o início. Tanta coisa poderia ter sido evitada. Mas
agora também não resolve nos lamentarmos pelo passado. Tudo que posso
fazer é agir diferente.
Pensando nisso começo a tal conversa.
― Ela era minha melhor amiga.
Joana me olha e não diz nada. Talvez seja o sinal de permissão para
eu finalmente continuar.
E então assim eu o faço. Conto desde o dia em que soube da
Esclerose Múltipla até o dia em que Emma partiu para sempre. Muitas
foram às vezes em que precisei fazer pausas e secar as lágrimas. Lembrar-
me de Emma ainda é muito difícil.
― Eu sinto muito! Sinto muito por não ter te contado antes de nos
envolvermos. Ao mesmo tempo eu tinha receio, pois é uma história mais
dela do que minha e não achava justo ficar falando a respeito.
Joana me olha e acaricia meu rosto.
― Está tudo bem, Adam. Agora sinto que pelo menos tudo faz
sentido. O que mais doía era achar que fui ingênua demais para não ter visto
os sinais de que você me enganava. Durante toda a viagem tudo que via era
um homem incrível que inclusive chegou a lutar inicialmente contra os
próprios sentimentos, assim como eu fiz, por conta do Pedro.
― Não queria mesmo me apaixonar justo pela viúva de um grande
amigo. Apenas aconteceu. E não quero te pedir perdão por isso porque eu
não me arrependo de amar você.
Ela abre um sorriso. Lindo e doce.
― Pedro colocou em minha vida um homem maravilhoso. Serei
sempre grata a ele por isso ― ela diz e beija delicadamente meus lábios. ―
No fim, acho que não tenho culpa por ter me apaixonado justo pelo amigo
italiano do meu marido.
Ela ri.
― Sim, minha linda, não há nada de errado no que fizemos.
E nesse clima leve de chamego ficamos a manhã inteira. Nem sinto as
horas passarem. É uma paz tão grande quando estou com Joana que tudo ao
meu redor perde a importância.
Ela deita a cabeça em meu peito e eu acaricio seu cabelo. Nessa hora
me lembro de que moramos a uma distância em linha reta de mais ou
menos 9.449 km. Não consigo imaginar um amor que resista a tudo isso.
Não tenho coragem de pedir para que largue toda sua vida aqui no
Brasil, inclusive a casa que está repleta de lembranças do Pedro, para ir
morar comigo em Monterosso.
Penso na vida que levo na Itália e também seria inviável me mudar
para São Paulo. Tenho duas crianças sob minha responsabilidade e toda a
rede de apoio que já criei por lá. Não seria justo obrigar Beatrice e Jackson
a enfrentarem outra grande mudança em suas vidas. Eles já passaram por
coisas demais.
Enquanto pensei nessa viagem ao Brasil, acreditei que Joana apenas
me escutaria, mesmo após relutar bastante, e depois seguiríamos nossos
caminhos. Por tudo que conversamos enquanto estivemos juntos não achei
que fosse possível deixar todos os medos de lado e se entregar ao que sente
por mim, afinal, sempre serei um amigo de Pedro.
― O que te fez ficar tão pensativo de repente? ― Joana pergunta.
Não quero enfrentar esse problema, pelo menos não agora. Meus
últimos meses foram tão atribulados que tudo que quero é um pouco mais
de paz, de calmaria.
― Estou aqui pensando o que fez uma mulher tão incrível como você
se apaixonar justo por mim ― minto.
Ela ri.
― Você está de brincadeira? Namorar um italiano é o fetiche de
muitas mulheres por aí. Ainda mais um italiano gato como você.
Agora é a minha vez de rir.
― Você sabe que esse italiano gato vem acompanhado de dois
brindes lindos, não é?
Ela demora bem mais para responder do que o normal, o que já me
deixa ainda mais receoso com o nosso futuro. Não abrirei mão dos meus
filhos por nenhuma mulher, nem mesmo pela mulher que é o amor da
minha vida.
― Eu sei, Adam. Eu sei. Mas não queria pensar nisso agora. Entendo
que precisamos conversar muito sobre como faremos a partir daqui, porém
quero ser adolescente hoje e esquecer minhas obrigações de uma mulher
adulta.
― Acho que tenho uma boa ideia para te ajudar com isso então ―
falo e a provoco tirando minhas mãos dos seu cabelo, colocando agora em
suas costas e descendo lentamente.
― Ah, tem? ― Ela já ri.
― A não ser que você prefira conversar mais um pouco. ― Finjo
parar.
― Estou farta de tanta conversa. Quero você por inteiro para mim. Só
para mim.
E assim fazemos amor mais uma vez, como dois adolescentes
apaixonados, sem o menor medo de demonstrarmos o quanto desejamos o
dia de hoje.
Os problemas? Bem, esses podem esperar mais um pouco.
29
“Que confusão, talvez seja porque te amo
É uma emoção que cresce devagar, devagar
Aperte-me forte e fique mais perto
Se estou bem, talvez seja porque te amo”
Serà Perché Ti Amo ― Talvez Seja Porque Te Amo ― Ricchi e
Poveri

Agora, sim, sinto que voltei a respirar normalmente. Toda a angústia


dos últimos meses vinha me sufocando de tal forma que me faltava o ar.
Chega a ser estranha a paz que sinto. Uma leveza que há tempos não
experimentava.
Enfim, após tanta tempestade vejo o sol raiando em minha vida.
Adam adormece ao meu lado e com isso decido me levantar para
arrumar algo para comermos, afinal, viver de amor é pura enganação.
Olho na dispensa e tudo que vejo é macarrão. Impossível fazer massa
industrializada a um italiano, morreria de vergonha. Lembro-me da época
em que Pedro ia para a cozinha e ficava por horas. Muitas foram às vezes
em que me ensinava também. Não sou uma aluna muito boa, ou talvez seja
a falta de interesse mesmo em praticar já que cozinhar está longe de ser
algo que me divirta.
Decido, então, fazer um arroz meio metido à besta, com direito a
linguiça, alguns legumes e um toque nada sutil de queijo ao final. Se não
ficar tão bom ao menos ficará comível.
Estou fritando a linguiça com a cebola na panela quando escuto uma
voz atrás de mim.
― Hummm... Que cheiro maravilhoso! E juro que não é o seu dessa
vez ― ele diz e me abraça por trás.
― Quer dizer que meu cheiro é tão bom assim?
― Maravilhoso! O melhor do mundo. Só perde nos momentos em
que a fome fala maior do que o coração. ― Ele ri.
O que me faz rir também.
― Não sabia que você tinha talento para a cozinha ― ele comenta e
se afasta um pouco para não me atrapalhar.
― E não tenho nenhum mesmo, porém, com as opções que tenho em
minha despensa é o melhor que posso fazer.
― Se ficar tão bom quando esse cheiro já terá meu coração para
sempre.
― Ah! Quer dizer que é só assim que terei seu coração? ― Finjo
indignação.
― Você quer a resposta de quem, do Adam adulto ou do Adam
adolescente? Não sei se depois do que fizemos lá no quarto já podemos
voltar a ser adultos.
Dou uma gargalhada, já que a ideia foi minha.
― Tudo bem, é justo. Já entendi seu ponto de vista e sou obrigada a
concordar.
― Que ótimo, pois o Adam adulto estava doido por uma boa taça de
vinho. Será que encontrarei algo por aqui?
― Acredito que sim, mas o estoque anda bem baixo desde o
falecimento de Pedro, acho que entende o motivo.
― Entendo.
Ele prefere não se estender no assunto e vai à direção em que aponto
procurar uma garrafa.
Sei que falar sobre meu casamento anterior será por um bom tempo
meio complicado. Mesmo sabendo que não estamos fazendo nada de
errado, ainda há a estranheza com a proximidade dos dois. Mas também
acredito que quanto mais evitarmos o assunto, mais complicado será para
rompermos essa barreira invisível entre nós e após tantos problemas que
enfrentamos nesses últimos meses, tudo o que não precisamos é de mais
complicações.
― Pelo visto Pedro não tinha bom gosto só para mulheres. ― Ele ri e
me mostra o vinho escolhido.
Olho para ele meio sem graça, sem saber ao certo como reagir à
piada.
― Desculpe, acha que ainda é cedo demais para considerarmos o
assunto Pedro como algo resolvido entre nós?
― Posso mesmo ser sincera?
― É claro, minha linda. Precisamos mais do que nunca ser
completamente sinceros um com o outro. Não quero fazer mais nada que
possa te magoar.
― Estava aqui agora pensando exatamente nisso.
― E a que conclusão chegou?
― Que talvez você esteja certo. Pedro sempre será uma lembrança
linda na minha vida, não quero que isso mude apenas porque me apaixonei
por outro homem após sua morte.
― É o que penso também. Sempre que me lembro dele é com muito
carinho e com muita saudade, como vocês brasileiros falam.
― Sim. Saudade. Uma palavra unicamente nossa e que fica pequena
demais após qualquer tradução.
Ele abre um sorriso.
― Então, quero propor um brinde.
Adam abre a garrafa, serve nas duas taças e me entrega uma delas.
― Um brinde a Pedro. Alguém que jamais será esquecido se
depender de nós. Alguém que estará sempre em nosso coração.
Meus olhos se enchem d’água ao ver a sinceridade em sua atitude.
Uma demonstração não apenas de amor e de gratidão ao amigo que partiu,
mas acima de tudo, um grande respeito.
― A Pedro! ― falo por fim.
Após o brinde, bebemos o vinho.
― Hummm... Você tem razão, esse vinho é maravilhoso ― digo.
Nesse clima leve continuamos conversando enquanto termino a
comida. Adam volta a ser aquele cara divertido que conheci na Itália e bom
humor é algo que prezo muito em uma pessoa.
Olho para ele em alguns momentos e o imagino como um pai de duas
crianças. Será que eu também darei conta de tanta responsabilidade assim
de uma hora para outra?
Em uma dessas vezes ele me pega no flagra e pergunta:
― Por que me olha assim?
Rio, sem saber ao certo como responder.
― Estou tentando imaginar nossa vida daqui para frente. E, sim, sei
que a casa estaria mais movimentada do que agora. ― Rio novamente,
referindo-me às crianças.
― Quando quiser falar sobre o assunto...
― Eu sei. Acho que hoje eu ainda não estou pronta. Não sei explicar.
Fora que não é uma decisão que tomamos do dia para noite. São duas
crianças. Dois filhos.
― Eu entendo, Joana.
― Eu sei que, sim, mas não vou mentir, pensar na possibilidade de
ser mãe novamente me deixa de coração apertado. Sinto tanta saudade da
minha Lia. Queria tanto ter ela aqui ao meu lado.
― Nossa! Acho que nem consigo dimensionar o tamanho da sua dor.
― Difícil mesmo. Só passando por isso para entender de verdade ―
falo e seco uma das lágrimas que escorrem pelo meu rosto. ― Mas como eu
disse, hoje não é dia para isso. Quero apenas comemorar o nosso
reencontro. O resto, deixamos para amanhã, ou quem sabe depois de
amanhã. ― Rio.
Ele abre um leve sorriso também.
― Por falar em amanhã e depois de amanhã, saiba que não posso
ficar tanto tempo assim.
― Agora você está sendo um estraga prazeres ― digo em tom de
brincadeira.
― Eu sei. ― Ele ri. ― Só tenho medo de deixá-los por tempo
demais. Com o falecimento de Emma não quero que pensem, nem mesmo
por um segundo, que o pai deles também não voltará. É por isso que tenho
pressa.
― Tudo bem, Adam. Não te julgo. Tudo isso só me mostra cada vez
mais o cara incrível que você é. Fique tranquilo, amanhã sem falta
conversaremos sobre nosso futuro. Prometo.
― Ótimo! Agora será que essa comida ficará pronta hoje ou
precisarei pedir uma pizza?
― O telefone da pizzaria está no imã colado na geladeira.
Ele dá uma gargalhada. Aquela que eu também amava durante a
viagem pela Itália. Que saudade eu estava de ouvi-la. Por um tempo
acreditei que nunca mais a ouviria novamente.
― Estou brincando. Já está pronto — digo por fim.
— Graças a Deus!
— Você me ajuda a colocar na mesa?
— Claro — ele diz e logo pega as coisas que faltam levar à mesa. —
Nossa! Esse cheiro está muito bom.
— Por favor, só não vá comer com toda essa expectativa, senão a
chance de se frustrar só aumenta.
— Pare com isso, tenho certeza de que está ótimo.
Deixo-o se servir primeiro e depois faço meu prato. Nunca cozinhei
para mais ninguém além de Pedro, então, apesar de parecer bobeira, estou
bem nervosa.
Finjo não olhar para Adam, mas aguardo ansiosamente sua primeira
garfada. Ele coloca a primeira vez na boca, a segunda, a terceira e nada de
comentar.
— Sério que você fará isso comigo?
— O que eu estou fazendo, minha linda? — Finge-se de
desentendido.
Apesar disso, ele não aguenta mais e começa a rir.
— Você é terrível, Joana! Vai me matar de rir assim.
— Então, fale logo! Está tão ruim assim?
— Claro que não. Está uma delícia, como eu esperava. Eu amei.
Sério.
E não era mentira, pois assim que termina ele logo faz outro prato e
come com uma boca tão boa que me deixa até orgulhosa da comida que fiz.
Estar com Adam é desse jeito, prazeroso. Independente de tudo que já
aconteceu, sinto-me tão segura ao seu lado. Ele consegue deixar mais leve
até os momentos mais difíceis e isso tem um valor enorme.
Como serei capaz de seguir minha vida e simplesmente deixá-lo
partir de volta à Itália, sozinho? Não consigo me imaginar vivendo sem
tudo que apenas ele me proporciona.
No fim, acho que já sei como solucionarmos mais esse empecilho em
nossas vidas.
30
“Me diga porque quando eu penso, eu só penso em você
Me diga porque quando eu amo, eu só amo você
Me diga porque quando eu vivo, só vivo em você
Grande amor”
Grande Amore ― Grande Amor ― Il Volo

Imaginei o dia de hoje de diversas formas, mas em nenhuma delas eu


ficava tão feliz. Mal acreditei quando Joana me enviou uma mensagem logo
cedo, falando que precisávamos conversar e perguntando onde eu estava.
Havia chegado ao seu condomínio mais uma vez com a ajuda de
Victoria, já que aparentemente ela também tem uma casa por aqui e fez
questão de autorizar minha entrada ontem para que eu não dependesse da
boa vontade de Joana me deixar entrar.
Repeti o mesmo procedimento de ontem e assim entrei novamente
sem ser anunciado. Dispensei o carro por aplicativo que me levou e fiquei
andando de um lado para outro em frente a casa dela sem saber ao certo o
que fazer. Não queria discussões. Estava cansado de briga. Tudo que eu
queria era contar sobre Emma e voltar à Itália, para o aconchego do colo
dos meus filhos. Após a forma como me recebeu ontem, sabia que não ia
querer nenhum relacionamento comigo. Já não estava nem mais
esperançoso por isso.
Em contrapartida, aconteceu tudo da maneira mais inesperada
possível. Terminamos na cama antes mesmo de qualquer conversa. E não
posso negar, amei cada segundo em que pude tê-la de corpo e alma. Que
mulher maravilhosa!
Foi um dia incrível, de muito amor, de respeito e de bom humor. Mas
ainda há uma coisa que me incomoda. Joana disse que amanhã
começaríamos a resolver os detalhes desse nosso relacionamento. O
problema é que além de ser um pouco ansioso, quero voltar o quanto antes à
Itália, pois sei o quanto Beatrice ficou nervosa com essa minha viagem.
Não quero prolongar demais sua angústia.
Pensando nisso, e percebendo que o clima entre nós ainda está
propício, tento abordar o assunto mais uma vez.
Já é noite e estamos no sofá da sala, apenas deitados juntos enquanto
conversamos.
— Eu quero você — digo sem qualquer cerimônia.
— Adam…
— Eu sei, você disse que não queria lidar com nada sério hoje. Eu
respeito. Mas, quero deixar mais uma coisa para pensar, não precisa falar
nada agora.
— Tudo bem. Pode falar então. Qual o novo problema? — ela
pergunta.
— Não é um problema. Talvez seja a solução.
Ela me olha. intrigada. Como não diz nada eu continuo, mas antes de
falar eu me levanto do sofá e ajoelho na sua frente.
— Adam…
— Shhhh...
Ela ri, mesmo parecendo nervosa por imaginar o que falarei.
— Sei que faz pouco tempo que ficou viúva e sei o quanto Pedro era
o seu grande amor. Jamais tentarei competir com esse sentimento. Acredito
que ele sempre será uma parte importante da história do livro da sua vida,
então, tudo que te peço é que me deixe escrever ao seu lado as páginas
futuras dessa história. Não precisa ser hoje, nem daqui um mês ou daqui um
ano a oficialização, mas sou um tipo de homem raro no mercado.
Ela ri.
— Não tenho medo de compromissos, pelo contrário, gosto dessa
responsabilidade e de tudo que envolve se comprometer com alguém.
Entendo que não será fácil decidir, pois dizer sim não significa apenas me
aceitar, mas estar disposta a aceitar meus filhos como se fossem seus.
Educá-los e amá-los da forma que tanto merecem. Respeito se ainda não
estiver pronta para um passo tão grande como esse, mas mesmo assim eu
preciso perguntar... Joana Vitale, você aceita se casar comigo? Aceita meus
filhos e o meu país como seu novo lar?
Ela me olha com os olhos marejados e ao mesmo tempo sorri,
fazendo com que eu fique um pouco menos preocupado, pois não quero que
meu pedido seja um gatilho de memórias ruins pelo fato de ser viúva de
Pedro há pouco mais de um ano.
Acaricio seu rosto e enfatizo:
— Não precisa mesmo me responder agora. Só queria adiantar o
pedido e te permitir ter tempo para pensar. Além de querer que você saiba
que eu tenho as melhores intenções possíveis. Tudo que desejo é uma vida
ao seu lado, nada menos do que isso.
Permanecer ajoelhado a deixaria constrangida por não responder,
então finalmente me levanto. Sem contar que como aconteceu de uma
forma inesperada, nem ao menos um anel eu tenho. Só tenho meu amor e as
mais sinceras promessas.
Nesse meio tempo meu celular toca. É Francesca fazendo uma
chamada de vídeo. Já sinto meu coração acelerar com medo de ter
acontecido algo com as crianças.
— Oi, Francesca! Tudo bem?
— Oi, Adam! Desculpa por te ligar a essa hora.
— O que aconteceu? — pergunto, nervoso.
— Calma. Eles estão bem, pode ficar tranquilo. Mas Beatrice
acordou de um pesadelo e está aqui, aflita, chorando, querendo falar com
você.
— Tudo bem! Pode passar para ela.
— Oi, papai! eu acordei você? — Beatrice pergunta toda
constrangida.
— Oi, meu amor! Não me acordou, aqui no Brasil são quatro horas a
menos do que aí em Monterosso. Lembra que o papai te explicou?
— Agora lembro. Estranho isso.
— Também acho. ― Rio.
— Você já está voltando?
Olho para a tela do celular sem saber como responder. Ainda não
comprei minha passagem, então não quero mentir.
— Amanhã eu ainda tenho umas coisas para resolver aqui, mas
prometo tentar comprar minha passagem para o dia seguinte. Só não se
esqueça de que o voo demora quase um dia todo, então serão no mínimo
dois dias no total.
— Entendi — ela diz, triste.
Joana faz um sinal, pedindo para falar com Beatrice.
— Tem uma moça aqui querendo falar com você, mas para falar com
ela eu preciso ver aquele sorriso lindo primeiro.
— Que moça, papai? — Ela já pergunta toda curiosa.
— Uma amiga sua. Mas ainda estou esperando o sorriso.
E então ela abre o sorriso mais lindo do mundo. Parece até já ter
esquecido o pesadelo. Joana pega meu celular e assim que Beatrice a
reconhece já dá um grito.
— Tia Joana! É você mesmo?
— Sim, princesa. Sou eu. Como você está?
— Estou bem. Quer dizer, estaria melhor se o papai estivesse aqui
com a gente.
— Ele volta logo, prometo.
— Agora eu tenho um irmãozinho, sabia?
E então as duas conversam por um tempão. Ver Joana tirou de sua
mente os medos. Confesso que ver as duas conversando assim enche meu
coração de alegria. Tudo que sempre desejei foi dar a Beatrice uma mãe tão
incrível como a mãe que perdeu. Ter encontrado Joana e me apaixonado por
ela foi um presente de Deus em nossas vidas. Sei que ela fará muito bem
aos meus filhos, assim como eles lhes darão novos motivos para ser feliz
novamente. Claro que jamais ocuparemos os lugares de Pedro e de Lia em
seu coração, mas seremos importantes de um jeito só nosso.
— Posso te contar um segredo? — Joana pergunta, fazendo minha
atenção se voltar para a conversa das duas.
— Pode. Amo segredos! — Uma Beatrice empolgada responde do
outro lado da linha.
— Vamos morar bem pertinho agora. Estou de mudança para
Monterosso.
Olho para ela sem acreditar naquelas palavras. Joana me olha e abre
um sorriso, com lágrimas nos olhos, mas logo volta a olhar para o celular.
— Sério, tia? Vamos poder conversar todos os dias?
— Sim. Todos os dias.
— Você vem me visitar sempre?
Joana ri da alegria dela.
— É claro. Não vou mais querer me desgrudar de você.
— Ah! Papai! Papai, você está ouvindo? Ela vem morar aqui.
— Oi, meu amor. Estou ouvindo. Você gostou da notícia? —
pergunto, mesmo já sabendo a resposta.
— Eu amei! Sei que Jackson também vai amar a tia Joana. Quando
você vem, tia? Junto do papai?
Joana e eu rimos, vendo tamanha ansiedade. Devolvo o celular para
que Joana responda.
— Não tão rápido. Seu pai vai embora, enquanto isso eu arrumo
minhas coisas, porque tem muito que ser feito. Afinal, é uma mudança. Mas
o importante é que eu estarei pertinho de você aí na Itália.
— Promete?
— Prometo, mas só se você me prometer que agora vai voltar a
dormir. Está muito tarde.
— Eu prometo. Amanhã a tia Francesca pode ligar de novo?
— Pode, sim. Conversaremos mais amanhã. Durma bem.
— Obrigada. Tchau. Tchau, papai.
— Tchau, meu amor. Obedeça a Francesca, hein!
— Obedeço. Beijo.
E assim desligamos a ligação enquanto eu volto a olhar para Joana.
— Você falou sério? — pergunto.
Ela abre um sorriso e se aproxima de mim.
— Sim, eu falei sério. Sim, eu me mudarei para a Itália. E, sim, eu
aceito me casar com você. E, acima de tudo, aceito amar seus filhos como
se fossem sangue do meu sangue ― diz e beija delicadamente meus lábios.
— Eu te amo, Joana!
— Eu também te amo, meu italiano!
31
“Te quero muito perto de mim
Me ver nos seus olhos, te ver junto de mim
Pense que talvez amanhã
Eu já estarei longe, muito longe de você”
Bésame Mucho ― Me Beije Muito ― Andrea Bocelli e Consuelo
Velázquez

JOANA
― Já está tarde, melhor eu ir embora ― Adam comenta.
― Ah, não! Dorme aqui essa noite.
Depois que peço, ele me olha com uma carinha e, por fim, acaba
ficando por aqui mesmo. Permanecemos no sofá mais um tempo, apenas
curtindo a companhia um do outro.
― Sei que não é muito justo com você, mas preciso perguntar assim
mesmo ― ele diz.
― Pode falar.
― Desde que Emma faleceu, Beatrice teve uma mudança no
comportamento, está com muito medo de me perder também. O que é bem
compreensivo, levando em consideração o fato de ela ter acompanhado as
últimas semanas mais difíceis da Emma.
― Não deve ter sido nada fácil mesmo. Nem consigo imaginar. Ela é
muito nova para passar por algo assim.
― Sim, mas como eu precisava estar perto, Beatrice também ficou.
Foi inevitável.
― Entendo, na mesma casa fica realmente impossível. Mas, fala, o
que você quer me pedir.
― Queria tentar ir embora ainda amanhã. Não olhei se tem passagem
disponível, queria saber de você primeiro. Não quero que entenda errado,
não estou fugindo de você, só não quero aumentar a agonia da minha filha.
O cuidado dele foi algo que me encantou desde o início, sempre
cuidadoso com as pequenas coisas, e isso mostra mais uma vez o tamanho
do seu coração. Mostra como é um homem maravilhoso e digno de toda
mudança que farei em minha vida só para ficar ao seu lado.
Acaricio seu braço e o tranquilizo.
― Não se preocupe, pude ver pela chamada de vídeo o quanto ela
sente sua falta e a forma como está diferente do que foi quando partimos de
Monterosso para seguirmos nossa viagem pela Itália. Tem uma tristeza
maior em seu olhar.
― Exatamente. Ela não fala sobre, mas eu vejo em seus olhos, em
seu comportamento.
― Ela não deve querer te preocupar.
― Eu entendo, mas ela é só uma criança, não tinha de se preocupar
com isso, comigo.
― Beatrice é diferenciada, meu amor, fora que tem o mesmo coração
que você.
Ele abre um sorriso encantador.
― Amo quando me comparam assim a ela. Principalmente quando
vem de alguém que não sabe a verdadeira história e diz que ela é a minha
cara. Nossa! É uma das melhores sensações do mundo.
― Você pode não ser o pai biológico dela, ainda assim têm o mesmo
sangue. Não que precisavam disso para serem família, porque acho que
família é muito mais dos laços consanguíneos.
― Com certeza. Penso do mesmo jeito.
― Então, vá cuidar da sua filha. Já olha aí se consegue comprar a
passagem. Enquanto faz isso, aproveitarei para tomar um banho antes de
dormirmos.
― Ok! Farei isso.
Beijo seus lábios e caminho para o quarto.

ADAM
Pego meu celular e já pesquiso por passagem que seja o mais cedo
possível. Quero estar em casa o quanto antes. Minha filha precisa de mim,
mesmo que jamais venha a confessar tal coisa.
O ideal será sair de São Paulo em um voo que vá até ao Aeroporto
Internacional de Milão, onde deixei meu carro. Caso contrário, terei o maior
transtorno para alugar um que me leve até Monterosso. E ainda teria de dar
um jeito de em outro dia ter de buscar o meu.
Quanto mais pesquiso, mais desanimado fico. E nem é apenas pelos
horários, pois todos são horríveis mesmo, mas por não conseguir nenhum
que já saia amanhã.
Joana volta, já pronta para dormir e eu ainda estou aqui.
― Nada? ― ela pergunta.
― Não. Só daqui a uma semana. A mais perto sai em três dias.
― Calma, você vai achar. Tome um banho, deixei roupa para você no
banheiro. Depois você volta a procurar.
Decido fazer o que ela diz, pois, além de desanimado, já estou
ficando irritado e odeio ficar assim.
Chego ao banheiro e vejo a bermuda com a camiseta que Joana
separou. Certamente são roupas do Pedro. Não vou mentir, é bem estranho
estar na casa dele, dormir no quarto dele, com a mulher dele e agora vestido
com a roupa dele.
Acho que não consigo.
Entro no chuveiro e tento refrescar minha mente enquanto isso. Um
banho sempre renova nossa energia.
Depois que saio, olho mais uma vez para a roupa e não consigo.
Mesmo não sendo tão higiênico, prefiro repetir minha cueca e não vestir
nada mais além dela.
Saio do banheiro meio constrangido com a situação.
― Não serviu a roupa? ― Joana pergunta, estranhando quando me
vê.
― Estou tão ruim assim? ― Tento amenizar o clima.
Ela dá uma risada gostosa.
― De jeito nenhum, está o italiano mais gostoso do mundo.
Deito-me sobre seu corpo na cama e a beijo sem a menor pressa.
― Acho que você também está com muita roupa ― digo enquanto
começo a tirar peça por peça, enquanto curto cada parte de sua pele que vai
ficando à mostra.
― Você é terrível, hein? Acabei de tomar banho, desse jeito terei de
voltar para o chuveiro.
― Se você não quer, posso parar.
Sua mão sobe pela minha nuca e seus dedos se enroscam firmes em
meu cabelo.
― Faça qualquer coisa, mas não para, não agora ― ela diz e
mordisca o lábio inferior me deixando ainda mais louco.
E assim fazemos amor de novo antes que eu precise voltar à Itália.
Por lá nem sempre será fácil ter momentos como esse, pois teremos duas
crianças em casa. Então, aproveito cada segundo dessa pequena lua de mel
no Brasil.
Depois de curtirmos o máximo possível na cama, volto a pegar meu
celular para continuar minha busca. Joana se deita sobre meu peito e eu
permaneço acariciando suas costas com uma das mãos e mexendo no
telefone com a outra.
― Achei! ― grito.
― Que susto, Adam! ― Ela me dá um tapa no peito, de brincadeira.
― Desculpe! ― Começo a rir, pois vi o pulo que ela deu. ― Eu já
estava desanimado, mas finalmente achei a passagem.
― E quando você embarca?
― Amanhã às 14h45, saindo do Aeroporto Internacional de
Guarulhos. Viajo cerca de onze horas até a França, ao Aeroporto de Paris,
Charles de Gaulle. Fico uma hora e meia esperando, que será o tempo de
comer alguma coisa e embarco novamente às 7h25 já no horário de lá,
levando mais uma hora e meia até Milão.
― Nossa! Aí de Milão você ainda tem de pegar um carro até
Monterosso?
― Exatamente. Mais três horas e pouco de viagem.
― Tem hora que eu nem acredito que fui capaz de ir à Itália.
― Por quê? ― pergunto, curioso.
― Eu odeio andar de avião. E, para piorar, quase não consigo dormir.
É horrível!
Rio.
― Não ria, é sério.
― Eu sei que é sério, mas já vai preparando seu psicológico porque
em breve você fará essa viagem mais uma vez. Só recomendo que vá até
Florença ou Genova, pois fica mais perto de Monterosso. O problema são
as escalas dentro da Itália, não sei se conseguirá direto para lá.
― Confesso que eu havia me esquecido desse detalhe.
― Agora já disse sim, está proibida de voltar atrás.
Ela ri.
― Fique tranquilo, esse risco você não corre ― diz e me beija nos
lábios.
Agora, sentindo-me em paz por estar com a passagem comprada,
posso dormir. Não conseguiria até resolver isso. Antes de fechar os olhos,
lembro-me do Fofo, sozinho no hotel.
― Sou um péssimo avó ― digo em voz alta, sem querer.
― O que você disse?
― Nada. Só pensando alto. Volte a dormir. Boa noite, minha linda!
― Boa noite, meu italiano.
Amo esse jeito dela me chamar.
Em questão de poucos minutos, pegamos no sono.
32
“Este coração canta
Sempre e não é arrogante
Vamos nos casar, meu amor”
Funiculí, Funiculá ― Subindo De Bonde ― Luciano Pavarotti

Com o organismo ainda acostumado ao fuso horário da Itália, acordo


bem mais cedo do que Joana. Tento me levantar fazendo o menor barulho
possível e decido já tomar banho, mesmo sabendo que precisarei vestir a
mesma roupa do dia anterior. O que não é um problema tão grande assim, já
que logo estarei de volta ao hotel e poderei me trocar.
Após sair do banheiro encontro Joana acordada, mas ainda na cama,
bem sonolenta.
— Bom dia! — ela diz.
— Bom dia, minha linda!
— Até acordando?
— É claro. Você fica linda sempre, mas saber que posso acordar ao
seu lado faz com que eu me sinta ainda mais apaixonado.
Ela ri.
— Então é isso, não sou eu que sou linda sempre, é seu olhar
apaixonado que me deixa assim.
— Deixa de ser boba, você é linda e ponto.
— Tudo bem. Não vamos mais brigar por isso, mas eu acho que você
ficaria ainda mais gato se preparasse um café da manhã para mim. Só acho.
— Ah, quer dizer que você acha?
— Sim. Apenas uma visão de alguém completamente de fora, sem
qualquer interesse.
— Entendi. Cara de pau — falo e jogo nela um dos travesseiros.
Joana só ri e não faz qualquer menção de se levantar da cama. O jeito
é fazer algo para tomarmos café. Conhecendo um pouco dos costumes
brasileiros e com a pouca opção na despensa, passo um café fresquinho e
faço uma omelete com queijo e presunto. Além de encontrar algumas frutas
na geladeira. Arrumo tudo em uma bandeja que encontro e levo na cama
para a minha princesa.
― Hummm... Você fez café da manhã para mim? ― Joana finge
surpresa.
― Espero não ter te acordado com o barulho, juro que foi sem querer.
― Entro na brincadeira.
― Fique tranquilo, não foi o barulho que me acordou, sim, esse
cheiro maravilhoso. Obrigada! ― ela diz e me dá um selinho.
Sento-me ao seu lado na cama e tomo meu café em sua companhia.
Assim que terminamos Joana pergunta:
― Posso ir com você até o hotel?
Olho para ela e abro um sorriso.
― Claro que pode. Não tem necessidade, poderia ficar aqui
descansando, mas vou amar ter você ao meu lado mais um pouco.
― Não estou cansada. ― Ela ri. ― E ainda não estou pronta para me
despedir de você.
― Não será uma despedida, não dessa vez, é apenas um até breve.
Pensa assim que ficará um pouco mais fácil.
― Eu sei, mas não faço ideia de quanto tempo demorarei a organizar
tudo aqui no Brasil. Tem essa casa e todas as minhas coisas para olhar e
decidir o que vai e o que não vai. Fora o transtorno de despachar tudo. Fico
cansada só de imaginar.
― Faça no seu tempo. Por mais que queremos estar juntos logo, não
precisa correr. Eu entendo.
― Não é questão de precisar, sim, de querer. Continuar com a vida
que tenho levado há pouco mais de um ano não está me fazendo nada bem.
Não sou eu mesma. Nem sequer sou a autora que tanto amava. Quero muito
essa mudança, não apenas para estar ao seu lado, mas por tudo que
significará.
― Queria ficar aqui para te ajudar, mas...
― Por favor, não faça isso! Não se cobre. Jamais ficaria tranquila
sabendo que há duas crianças na Itália esperando por você.
― Jura que você me entende?
― É claro, Adam. Vá em paz, de verdade. Ficarei bem. Colocarei
Vicky para me ajudar, ela querendo ou não.
Rio da situação. É bom ter amigos assim.
― Sua amiga é uma pessoa incrível, pude me lembrar muito de
Pedro. Eles se parecem demais, não apenas na aparência, mas nos trejeitos.
― Sim, eles sempre foram muito parecidos. Ela brinca falando que
perdi a versão masculina do Pedro, mas que jamais perderei a versão
feminina. ― Joana ri.
Enquanto vamos à cozinha limpar as coisas do café para depois
sairmos, vejo que ela fica um pouco mais distante, mais pensativa.
― O que está passando nessa cabecinha agora? ― pergunto, mas não
quero ser muito invasivo.
― Pensando que a parte mais difícil de mudar será me despedir da
Vicky. São tantos anos estando tão pertinho assim que nem consigo
imaginar como será ficarmos longe desse jeito.
― Infelizmente, tudo tem seu lado ruim. Sinto muito por ter de se
despedir dela.
― Pior que é verdade.
― Simples, convide-a para se mudar para a Itália também. ― Rio. ―
Prometo arrumar algum emprego ótimo para ela lá.
Joana também ri.
― Seria perfeito, mas ela não iria, e nem é apenas pela questão do
emprego, sim pelos pais. Sabe que não tem sido fácil para eles lidarem com
o falecimento de Pedro, então não os deixará sozinhos aqui.
― Não tinha pensado nisso. Entendo a situação dela. Faz o seguinte,
então, diz que ela está convocada a passar umas férias com a gente por lá.
Ou melhor ainda, diz que não abre mão de sua presença em nosso
casamento.
― Você não se incomodaria da minha ex-cunhada ir ao nosso
casamento?
― Claro que não. Sem contar que não teria te encontrado se não fosse
por ela, então tenho uma dívida eterna.
― Ótimo! Farei essa chantagem emocional com ela. ― Joana ri.
Depois de terminarmos tudo na cozinha, Joana troca de roupa e me
leva de carro ao hotel. Lá ela me ajuda a arrumar as poucas coisas que eu
trouxe enquanto troco de roupa.
Ainda temos tempo para almoçarmos juntos, o que acho ótimo. Pego
o Fofo e me dirijo à porta do quarto.
― Aonde você vai com esse ursinho? ― Joana pergunta e ri.
― Não é um ursinho, é um coelhinho. E também não é um coelhinho
qualquer, é o Fofo, meu neto. Tenha mais respeito, por favor!
Joana dá uma gargalhada gostosa. E assim descemos para o
restaurante do hotel. Enquanto estamos lá comendo, tenho a ideia de
tirarmos uma foto para enviar a Beatrice, Joana, eu e o Fofo. Assim o faço e
envio para Francesca.
Logo em seguida recebo um áudio de Beatrice achando a coisa mais
linda eu ter levado Fofo para almoçar conosco. Diz que vai querer imprimir
a foto para colocar em seu quarto.
A hora passa e logo Joana me leva ao aeroporto. Como ainda tenho
um tempo, decido comprar uma lembrança para meus pequenos.
― Você é a pessoa mais doida que existe ― Joana me repreende,
mesmo em tom de brincadeira.
― Por quê? ― pergunto, confuso.
― Porque aeroporto é o lugar mais caro do mundo para comprar
qualquer coisa.
― Mas a culpa é toda sua que consumiu todo meu tempo no Brasil.
― Ah, entendi. Isso para não assumir que dinheiro não é uma
preocupação para o italiano milionário.
― Se eu não soubesse que Pedro também te deixou uma herança
considerável, falaria que você aceitou se casar comigo por puro interesse no
italiano milionário aqui.
― E quem disse que não aceitei por interesse? Não em dinheiro, mas
tinha a intenção de morar na Itália desde sempre. Precisei me agarrar à
primeira oportunidade.
― Ah, então é isso?
― Claro. Você não pensou que fosse me casar de novo por amor,
pensou? ― Ela diz e ri da própria fala.
― Amo você, sabia?
― Assim você me quebra ― ela diz e me beija nos lábios.
Caminhamos por algumas lojas e logo acho a lembrança perfeita para
Beatrice.
― Joana, conheça agora a sua mais nova neta. ― Mostro a ela uma
coelhinha de pelúcia; a coisa mais linda.
― Deixe-me adivinhar... Fofa.
― Sim. Muito prazer, vovó Joana, eu sou a Fofa, irmã do Fofo.
E assim nós dois damos risada. Escolho algo para Jackson e depois
preciso ir para a zona de embarque. Não posso perder meu voo.
― Espere por mim ― Joana diz e me beija em despedida.
― Todos os dias.
Despedimo-nos e logo estou no avião rumo a minha casa. Rumo aos
braços dos meus filhos, o melhor lugar do mundo.
33
“Voar, oh oh
Cantar, oh oh oh oh
No azul pintado de azul
Feliz por estar lá em cima”
Volare ― Voar ― Il Volo

ADAM
Mesmo com a ansiedade para rever Beatrice e Jackson estando no
último grau, conheço muito bem minha rotina em casa como pai, então
aproveito para dormir o máximo possível durante o voo. Fofo e Fofa me
acompanham lindamente. Faço um registro dos dois no meu colo no avião
para mostrar a Beatrice depois. Fiz várias fotos assim para que ela saiba que
não houve um momento em que me esqueci dela.
Após meu pequeno descanso, chego a Milão e enfrento mais três
horas de carro. Antes mesmo de embarcar, enviei uma mensagem para
Francesca avisando de minha ida, mas pedi para que não contasse às
crianças, principalmente a Beatrice. Queria fazer uma surpresa.
Chego entre meio-dia e 13h. Francesca disse que enrolaria os dois
para me esperarem para o almoço. Estaciono o carro na rua para não
chamar a atenção de Beatrice. Entro em casa e vejo os dois, Beatrice e
Jackson, na cozinha, conversando com Francesca.
― Será que tem almoço nesta casa? ― pergunto.
― Papai! ― Beatrice dá o maior grito e vem correndo em minha
direção,
pula em meu colo e quase me derruba de costas.
― Papai voltou! ― Agora é a vez do pequeno Jackson vir me
encontrar, todo feliz.
Abraço os dois ao mesmo tempo. Que sensação única é estar em casa.
― Senti tanta falta de vocês, desses abraços, desses cheirinhos ―
falo e cheiro o pescoço de cada um deles.
― A gente também sentiu sua falta, papai.
Cumprimento Francesca e logo depois sentamos à mesa para
almoçarmos. Amo a comida brasileira, mas tenho de confessar que é muito
bom estar de volta a Monterosso, comendo algo tipicamente italiano. Acho
que nada substitui os costumes do nosso país.
― Tenho alguém para apresentar a vocês.
Depois de falar vou até meu carro, coloco-o na garagem e antes
mesmo de pegar minha bagagem, dou prioridade aos presentes. Entrego um
embrulho nas pequenas mãos de Jack, que mesmo com dificuldade abre o
presente e fica todo feliz com o novo carrinho.
― E eu, papai? ― Beatrice pergunta.
― O seu eu decidi não embrulhar, porque não queria deixá-la sem ar.
― Como assim, papai? ― Mesmo sem entender, Beatrice solta uma
gargalhada.
― Conheça a Fofa, irmã mais nova do Fofo ― falo e mostro a
coelhinha de pelúcia.
― Que linda, papai! Eu ganhei um irmãozinho e o Fofo ganhou uma
irmãzinha.
― Exatamente. Ela veio me acompanhando até aqui. Depois te
mostro as fotos. Os dois se deram muito bem.
Beatrice ri mais uma vez.
― Eu amei, papai! É o melhor presente do mundo. Depois do meu
irmãozinho, é claro.
― Fico feliz que tenha gostado.
Durante o restante do dia, Beatrice fica grudada comigo o tempo
todo. Onde eu tiro meu pé ela coloca o dela. Até mesmo à noite, na hora de
dormir, ela carrega os dois coelhinhos e aparece de pijama em meu quarto.
― Papai, ainda não matei a falta que estava sentindo de você. Posso
dormir na sua cama? Prometo que será só hoje.
Como dizer não a um pedido desses?
― Só se você dormir com a Fofa e deixar o Fofo comigo, porque me
acostumei a dormir com esse carinha.
Ela ri e toda alegre pula na minha cama.
― Eu sabia, por isso que já o trouxe. Mas é só hoje, hein, papai?
― Tudo bem. Hoje é o dia do “só hoje”, amanhã voltaremos às
nossas rotinas. Combinado?
― Combinado.
Conversamos um pouco mais e depois decido entrar no assunto do
casamento com Joana. Beatrice gostava muito da Emma, não sei ao certo
como reagirá com a notícia de outro casamento.
― Filha, papai precisa fazer uma pergunta séria para você.
― Pode perguntar, papai.
― O que você acha da tia Joana?
― Eu adoro a tia Joana. Ela é minha amiga, papai.
― E o que você acha dela morar aqui em casa, com a gente?
Ela arregala os olhinhos e toda animada pergunta:
― Você está falando sério, papai?
― Estou, mas só se você gostar, senão eu falo para ela que não dá
para morar aqui.
― Não, papai, não faça isso. Vou amar ter a tia Joana aqui em casa,
assim terei mais alguém para conversar assuntos só de meninas.
Ai meu Deus! Meu neném está crescendo a ponto de já ter assuntos
só de meninas. Rio, mas ao mesmo tempo sinto uma tristeza por ver que o
tempo está passando rápido demais.
Será que eu aproveitei da forma como deveria a infância dela? Queria
poder viver tudo de novo, mesmo amando essa fase mais crescida dela.
Talvez seja coisa de pai.
― E o que você acha do papai se casar com a tia Joana?
Como sua reação foi a melhor possível com a ideia de Joana morar
com a gente, pensei que reagiria tão empolgada quanto, mas quando olho
em sua direção, vejo que seus olhos estão cheios de lágrimas.
― O que foi, meu amor? Por que você está chorando?
Ela me abraça e chora mais ainda. Espero que se acalme para
conseguir me explicar. Depois de me soltar, secos seus olhinhos e volto a
perguntar:
― Por que você ficou tão triste?
― Pela tia Joana.
Olho para ela e ainda continuo sem entender. Será que é tão ruim
assim o fato dela se casar comigo?
― Ela está morrendo ― Beatrice conclui.
É quando, finalmente, entendo a associação que ela fez com meu
casamento com Emma.
― A tia Joana não está morrendo e nem doente, prometo para você.
― Então,vocês são namorados? Daqueles que beijam na boca?
Rio.
― Sim, somos namorados desse jeito aí.
― Ela vai ser minha segunda mamãe?
Meu coração se enche de amor só de ouvir sua pergunta. Só eu sei a
falta que a mãe faz para ela durante todos esses anos.
― Se você não quiser, não precisa. Ela poderá ser para sempre sua
tia.
― Mas e se eu quiser?
― Se você quiser, pode. Tenho certeza de que Joana amará ter uma
filha como você.
Ela agora me olha toda encantada com a possibilidade.
― Será?
― Claro que vai. Você é a melhor filha do mundo.
Ela abre um sorriso gostoso.
― Você também é o melhor papai do mundo.
E assim, logo pegamos no sono.

JOANA
Adam mal chegou à Itália e já sinto sua falta. Meu coração se aquece
quando vou deitar e sinto seu cheiro em meu lençol. Jamais imaginei que
seria capaz de amar tanto outro homem como eu amava Pedro. Na verdade,
acredito que meu amor por Pedro jamais morrerá, assim como as
lembranças de tudo que vivemos juntos.
Mas, infelizmente agora são apenas lembranças.
É gostoso ter novamente alguém com quem compartilhar a vida,
principalmente o dia a dia. Estou feliz com a decisão que tomei.
Com o passar dos dias, decido aproveitar o final de semana para
contar a novidade à Vicky. Pergunto se podemos fazer uma noite de fofocas
aqui em casa, como Pedro gostava de chamar meus encontros com ela. Ela,
prontamente, aceita.
Separo uns petiscos, algo para beliscarmos enquanto tomamos um
bom vinho, já que sei o quanto ela ama essas coisas. Disse que o vinho ela
traria.
Tomo banho, arrumo-me e logo o interfone toca.
― Oi, sumida! ― diz Vicky assim que entra.
― Como pode ver, continuo no mesmo endereço ― digo e quase
completo: pelo menos por enquanto.
Mas não posso abordar o assunto assim, na lata. Tenho de amolecer
seu coração primeiro, com um pouco de vinho.
Beliscamos umas coisinhas enquanto bebemos. E nesse período,
como eu já esperava, sou obrigada a dar detalhes sobre meu reencontro com
Adam. Claro que seleciono os detalhes, porque acho que certas coisas só
desrespeitam ao casal.
― Amiga, estou tão feliz que vocês se acertaram ― Vicky diz. ― Ele
se mostrou ser um cara muito correto. Alguém que merece você. Alguém
que acredito que será capaz de te fazer muito feliz.
― Ele é incrível mesmo, não posso negar. O único problema é morar
longe.
― Joana, quando que morar na Itália se tornou um problema?
― Quando ele te pede em casamento, você diz sim e com isso
precisará se mudar para a Itália e se despedir da melhor amiga. Esse é o
problema.
Victoria me olha, em um misto de felicidade e de tristeza.
― É isso que significa a noite de hoje? O início de uma despedida?
― Sinto muito, amiga ― falo com lágrimas nos olhos.
― Saiba que estou muito feliz por você ― ela fala e segura minha
mão sobre a mesa ―, mas também não posso negar que me despedir de
você será uma das coisas mais difíceis que farei. Com quem farei a noite
das fofocas?
Ela ri ao mesmo tempo em que chora.
Assim como Vicky, rio em meio às lágrimas.
― Você tem muitas amigas.
― Nenhuma é como você, Joana. Sabe muito bem disso.
― Eu sei, uma amizade nunca é igual a outra. Mas já vá preparando
seu passaporte, porque não posso me casar sem minha madrinha.
Ela olha para mim com surpresa e emoção.
― Jura, amiga?
― É claro. Não existe ninguém que possa ocupar esse lugar a não ser
você.
― Mas não será estranho para Adam saber que a irmã do seu ex não
só estará no casamento, mas que ainda será madrinha?
Rio, pois vejo que Vicky muitas vezes pensa como eu.
― Fiz a mesma pergunta a ele.
― E aí?
― Ele disse que se não fosse por você nós dois não teríamos nos
reencontrado. Que terá sempre essa dívida com você. E que ter sua presença
em nosso casamento será muito especial.
― Bem, se meu novo cunhado já me aprovou, já começarei a arrumar
minhas malas.
Rimos juntas.
Ela nos serve mais um pouco de vinho e ergue a taça para um brinde.
― Rumo à Itália!
― Rumo à Itália!
― Aproveita e já avisa ao Adam que quero ser apresentada a um
italiano bem gato. Afinal, o casamento é só uma desculpa para eu
finalmente desencalhar.
Dou uma gargalhada. É o comentário típico da Victoria. Sentirei tanta
falta de momentos assim, mas sei que para seguirmos em frente, algumas
coisas precisam ficar para trás. É a lei da vida.
34
“Ame-se o máximo que puder
E, em seguida, ame-se como quiser”
La Vita Splendida ― A Vida Esplêndida ― Tiziano Ferro

MESES DEPOIS
ADAM
Acordo cedo e já escuto Beatrice falando mais do que tudo pela casa.
Ela e minha prima nunca ficam sem assunto. Ainda mais quando está de
férias da escola, é uma falação sem parar.
― Que bagunça é essa aqui, minha filha?
― Não é bagunça, papai, é arrumação. Para arrumar tem de bagunçar
primeiro.
― Ah, entendi. E para que tantas flores?
― Para a tia Joana. Mulher gosta de flores, papai. Essa casa estava
precisando de umas.
Minha prima e eu damos risada. Beatrice tem hora que sai com cada
uma.
― Que bom que tenho você, minha filha, para cuidar desses detalhes
da casa para a chegada da tia Joana.
― Fique tranquilo, papai. Ela vai amar a nossa casa. Nunca mais vai
querer sair daqui.
― Essa é a ideia.
Tomamos café juntos enquanto Beatrice me conta de suas ideias para
o meu casamento. Estou perdido se tiver de seguir todo seu planejamento.
Mesmo assim, escuto com muito carinho, quero que ela saiba que sempre
será ouvida. É importante que uma criança se sinta especial dessa forma.
Depois que termino vou ao quarto de Jackson, ao contrário de
Beatrice, meu menino é bem dorminhoco, adora uma cama. Apesar de às
vezes ficar com dó de acordá-lo, afinal ele só tem três anos, acredito que é
preciso manter uma rotina saudável.
― Bom dia, cara! ― falo assim que ele abre os olhos.
Ele não diz nada, apenas suspira e se vira para o outro lado, na
tentativa de voltar a dormir.
― Vai dormir mais? ― brinco e começo a fazer umas palhaçadas
para que ele não fique de mau humor.
― Só mais um pouquinho ― ele diz e faz o gesto com seus dedinhos.
― Só mais um pouquinho assim? ― Imito-o, mas reduzo o espaço
entre meus dedos para mostrar um tempo menor.
― Não, papai, um pouquinho assim? ― Ele faz de novo e dá
gargalhada.
Por fim, acabo vencendo e o despertando com minhas brincadeiras.
Chego à cozinha e tem um grudinho atrás de mim, arrastando um de seus
ursos de pelúcia.
― Quero leite, papai. E aquele pãozinho ali ― diz e aponta para o
croissant.
― Papai vai arrumar.
Ele espera pacientemente e depois come tudo, com uma educação
invejável. Cada dia que passa, sinto um amor ainda maior por esse menino.
Os dias passam e, finalmente, chega o dia de Joana embarcar para a
Itália. Beatrice, como já era esperado, está mais ansiosa do que nunca.
Preciso lembrá-la constantemente de que o fato de Joana embarcar hoje,
não significa que chegará a Monterosso hoje, devido à longa viagem do
Brasil até aqui.
― Queria buscá-la no aeroporto ― Beatrice diz meio triste.
― Ela chegará a Florença e de lá ainda tem uma viagem de carro.
Você aguentará ir e voltar sem perguntar mil vezes se já está chegando?
― Aguentar eu aguento, mas acho que vou perguntar mil vezes ― ela
diz e depois cai na gargalhada, amolecendo de vez o coração fraco do pai.
― Tudo bem, iremos todos buscar a tia Joana no aeroporto. Está bem
assim?
― Eba! ― Ela comemora dando pulinhos pela casa.
E nessa animação, mais um dia termina e mais um começa. Hoje,
preciso confessar que estou mais nervoso do que todos com a chegada de
Joana. Significa tanto para mim o fato de ela ter decidido largar sua vida no
Brasil e fazer da minha família a nossa futura família.
Coloco as crianças no carro e partimos rumo a Florença. Como
resolvo sair um pouco mais cedo, sabendo que viajar com criança é sempre
provável ter imprevistos, acabamos chegando lá um pouco antes do
necessário.
Para ajudar a passar o tempo e a controlar a ansiedade, saio com os
dois pelo aeroporto para tomarmos um sorvete. Só preciso ter um pouco
mais de cuidado com Jackson para que ele não suje a roupa inteira.
Assim que o avião pousa, Joana me envia uma mensagem pelo
celular.

JOANA: Cheguei, meu italiano.


Ela não sabe que trouxe as crianças, Beatrice fez questão de que fosse
surpresa, então não quis estragar seus planos.

ADAM: Já estou aqui te esperando, minha linda.

Minutos depois, Joana aparece, com aquele cabelo negro lindo e com
um olhar só dela. Assim que me vê abre o maior sorriso. Beatrice a
reconhece e já sai correndo em sua direção, sendo a primeira a recepcionar
a nossa nova integrante da família.
Saber que ela realmente veio, que está aqui, sem dúvida é um dos dias
mais felizes da minha vida.

JOANA
― Pegou tudo, amiga? ― Vicky pergunta assim que entro em seu
carro.
― Odeio que me façam essa pergunta.
Victoria ri.
― Agora estou com a sensação de estar esquecendo alguma coisa.
Aí que ela ri mais ainda.
― Fique tranquila, caso tenha esquecido, prometo que levo no dia do
seu casamento ― ela diz.
― Promete que você irá mesmo? Não está falando da boca para fora
apenas para me deixar menos triste por nos despedirmos?
― E você acha que eu perderia a oportunidade de ir à Itália? Claro
que não.
De brincadeira dou um tapa em seu braço, enquanto ela dirige.
― Você nem disfarça sua cara de pau ― brinco.
― Pare de me bater ou então no lugar de te levar ao aeroporto irei te
sequestrar e te prender em uma cabana abandonada. Para sempre.
Olho para ela e enxergo uma vontade enorme de me levar para
qualquer lugar, menos para o aeroporto, sabendo que isso nos afastará por
tempo demais e de uma forma que jamais aconteceu.
Não digo mais nada, pois a cada quilômetro que fica para trás
aumenta o aperto no peito. Quando chegamos, ela ainda me ajuda com parte
da bagagem, já que a maioria foi despachada dias antes. Inclusive, já devem
ter chegado à Itália antes mesmo de mim.
Escuto o anúncio do embarque para o meu voo. Não há mais tempo.
Chegou a hora.
― Por favor, só não fale nada! ― Victoria me pede e logo me abraça,
chorando.
Não há mesmo palavras suficientes para serem usadas agora, então,
apenas retribuo seu forte abraço. Permanecemos por longos segundos,
chorando dessa forma.
Depois pego minha bagagem de mão e digo:
― Espero você, madrinha.
Ela chora tanto que nem tem condições de responder, apenas sorri e
manda um beijo.
Nossa amizade sempre foi muito forte, desde o início. Pedro até tinha
ciúmes da nossa relação. Mas depois do falecimento dele, Vicky foi uma
presença ainda mais importante na minha vida. Sem sua amizade eu não
teria suportado tamanha dor. Serei sempre grata a ela.
Acho que é exatamente por isso que ir embora hoje é ainda mais
difícil. Parece que ficou mais evidente a falta de Pedro nas nossas vidas.
Sempre estivemos ali uma para outra, agora, mesmo amigas, muitas coisas
mudarão. E isso dói.
Tento tirar Vicky da minha mente e descansar durante o voo, já que o
pavor de avião permanece o mesmo, então, quanto mais eu dormir, melhor
será.
Assim que sinto as rodas tocarem o chão, também sinto um alívio
enorme no meu peito. Finalmente em terra firme. Envio uma mensagem ao
Adam e ele diz que já está aqui no aeroporto de Florença me esperando.
No meio de várias pessoas reconheço rapidamente Adam, meu
italiano, acompanhado de Beatrice e de um garotinho lindo, que
provavelmente se trata de Jack. Eles seguram um cartaz que diz:
Bem-vinda, Joana MARINELLO, a nossa família!
O destaque que deu ao sobrenome Marinello me deixou ainda mais
feliz.
Beatrice assim que me reconhece sai correndo e gritando, pulando em
meu colo quando se aproxima.
― Bem-vinda, tia Joana!
― Obrigada, princesa!
Depois ela fala tanta coisa e tão correndo, que mal consigo entender o
italiano. Nesse meio tempo Adam me beija delicadamente nos lábios, mas
seu olhar está repleto de emoção, preciso me segurar para não chorar ali na
frente de todo mundo.
― E esse menino lindo? ― pergunto, mesmo já sabendo a resposta.
― Esse é o meu irmãozinho, Jackson ― Beatriz diz.
Para minha surpresa, ele estica os bracinhos e vem ao meu colo, todo
risonho. As lágrimas escorrem, não consigo mais segurar depois de
presenciar isso.
― Nossa família ― Adam diz.
― Nossa família ― repito.
E esse é o primeiro dia de uma nova vida.
35
“Por amor, você já fez alguma coisa apenas
Por amor?”
Per Amore ― Por Amor ― Zizi Possi

SEMANAS DEPOIS
JOANA
O nervosismo é tão grande que até parece que estou me casando pela
primeira vez. Sinto um calor fora do normal, um frio na barriga.
― Calma, Joana ― Vicky diz.
― Se você veio a Monterosso apenas para brigar comigo, juro que
vou te despachar de volta para São Paulo ― brinco.
Ela, que me conhece melhor do que eu mesma, dá uma gargalhada.
― Você nervosa é ainda mais engraçada, amiga.
― Que bom que ao menos alguém está se divertindo com o dia de
hoje, porque eu não estou. Não vejo Adam o dia todo e posso jurar que
alguém sequestrou minhas crianças.
Vicky ri mais uma vez e depois muda a expressão, ficando até com
lágrimas nos olhos.
― O que eu disse de errado que te fez parar de se divertir também?
― Acho lindo que mesmo em pouco tempo você já diga minhas
crianças.
― Desse jeito você vai borrar toda minha maquiagem ― falo, já com
lágrimas escorrendo pelo meu rosto.
― Desculpa, a última coisa que quero hoje é te fazer chorar, mas ao
mesmo tempo é um dia que me traz muitas lembranças. Fico feliz que você
tenha conseguido, Joana. Que tenha conseguido seguir adiante. Tinha tanto
medo de não ver mais essa Joana que vejo hoje.
Seguro sua mão e choro mais ainda, sabendo que terei de refazer toda
minha maquiagem. Apesar disso, paro de me importar, afinal, Vicky tem
razão, as lembranças de hoje são fortes demais para serem contidas.
― Meu irmão, se pudesse te ver agora, estaria muito orgulhoso de te
ver assim. Talvez com um pouco de ciúmes.
Nós duas rimos, pois ele nunca escondeu seus ciúmes, mesmo sendo
algo saudável.
― Mas, ainda assim, muito orgulhoso. Não apenas de te ver
recomeçando, mas de todo o caminho até aqui.
― Você acha?
― Tenho certeza, pois é exatamente assim que me sinto ao te ver
agora, toda linda de noiva. Ou melhor, pelo menos estava linda, agora está
bem esquisita com essa maquiagem borrada.
E mais uma vez, nós duas caímos na gargalhada.
― Obrigada, Vicky, por ter vindo de tão longe para estar comigo
nesse momento tão importante da minha vida.
― Não precisa agradecer, jamais perderia esse momento.
― Claro que não, afinal, quem perderia a chance de vir à Itália? ―
brinco.
― Exatamente.
Minutos depois a maquiadora volta para refazer seu trabalho. Peço
desculpas umas mil vezes, mas ela ri e diz que isso é o que ela mais ama em
casamentos.
É chegada a hora.
Adam alugou uma casa linda perto da praia. A cerimônia será no
quintal dos fundos, de frente para o mar. Disse que não queria fazer na casa
dele pelo fato de lhe trazer lembranças demais do casamento com Emma.
Ele está certo, para nosso recomeço precisamos de um lugar diferente, que
nos faça bem e não que nos traga lembranças difíceis.
Beatrice será minha segunda madrinha, disse que queria estar ao meu
lado no altar. Adam convidou dois amigos, mas eu ainda não os conheço.
Além dessas pessoas estarão presentes alguns poucos familiares dele,
como sua tia e sua prima, além de Francesca, que era a melhor amiga de
Emma e que hoje já se tornou uma ótima amiga para mim aqui na Itália.
Vicky não diz, mas sei que está morrendo de ciúmes disso, o que me diverte
ainda mais.
Vicky entra, depois Beatrice e em seguida eu.
Adam me espera no altar com o sorriso mais encantador do mundo,
além de ter os olhos marejados de lágrimas. Quando olho ao seu lado, vejo
que um dos padrinhos é nosso filho Jackson. Está no altar, ao lado do pai,
de terno. Quase morro ao ver tanta fofura.
A música toca e sinto minhas pernas fraquejarem a cada acorde. Meu
coração acelera, minha respiração fica ainda mais pesada. À minha frente
está o homem que foi capaz de me trazer de volta à vida.
Meu amor.
Meu italiano.

ADAM
A sensação que tenho é que hoje é o dia mais longo do ano, pois as
horas parecem não passar. Um tormento. Isso que a cerimônia é na parte da
tarde, se fosse à noite acho que morreria de tanta ansiedade.
Saí de casa cedo com Jackson, fiquei de arrumá-lo. Francesca ajudará
Beatrice. Dessa forma, Joana terá todo o dia para se concentrar nela mesma
e ainda aproveitar a presença de sua amiga.
Assim que termino de arrumar Jackson, quase não me aguento.
― Você roubará toda a atenção do dia, meu filho. Ninguém nem vai
querer olhar para o papai.
Ele dá uma risada engraçada.
― Estou bonitão, papai?
― Um gato.
― Mamãe vai gostar?
Por um segundo sinto meu coração parar.
― O que foi que disse, meu filho?
― Perguntei se a mamãe vai gostar?
Desde que conheceu Joana, essa é a primeira vez que a chama de
mamãe. Jamais forçaríamos tal comportamento, tanto em respeito a ele,
como a Emma. Mas vê-lo falar de uma forma tão espontânea, faz com que o
dia de hoje seja ainda mais especial, ainda mais inesquecível.
Pena que Joana não está aqui para escutar. O que me alivia é saber
que certamente esse momento se repetirá. Espero estar por perto para ver
sua emoção.
― Vamos, filho. Está na hora.
Esperamos uns minutos até que Joana e suas madrinhas aparecem
para a cerimônia. Joana está tão radiante que ficou ainda mais linda.
Agradeço em pensamento por conseguir proporcionar a ela toda essa
felicidade. Sabendo de tudo que viveu com o falecimento precoce de Pedro
e de Lia, sei o quanto esse sorriso é significativo.
Para acompanhá-la ao altar, uma de suas músicas preferidas, Per
amore, toca, na voz da cantora brasileira Zizi Possi.
Por amor, você já correu até ficar sem fôlego?
Por amor, já se perdeu e se reencontrou?

Sem dúvida foi uma escolha de música perfeita, pois nós dois
sabemos muito bem o que somos capazes de fazer por amor. Por amor, hoje
eu tenho dois filhos. Por amor, casei-me com minha melhor amiga. Por
amor, Joana atendeu a um pedido de Pedro na carta póstuma que deixou e
viajou à Itália. Por amor, ela largou tudo no Brasil para viver aqui comigo.
Por amor, aceitou meus filhos como seus filhos. Por amor, hoje nós selamos
nossa união.
Fazemos nossos votos na frente de todos, certos da decisão que
tomamos e do significado de termos uma aliança dourada em nosso dedo.
E, diferentemente do casamento com Emma, hoje posso selar o
compromisso que firmei com um beijo em Joana.
O amor da minha vida.
A brasileira que precisou atravessar o oceano, em meio ao seu luto,
para me mostrar uma nova forma de amar. Nunca amei outra mulher como
a amo. Sei que ela já experimentou algo assim com Pedro e que sou um
novo capítulo do livro da sua vida, mas para mim esse amor era um livro
em branco, que hoje começo a preencher com a história do nosso
casamento.
Todos estão radiantes. Não queríamos nada grandioso, mas ao menos
uma pequena festa foi necessária. É tanta alegria que precisaríamos de algo
assim para extravasar. Foi tanta luta até chegarmos ao dia de hoje. Sabemos
que outras lutas certamente virão, mas apesar disso, agora temos um ao
outro. E assim, juntos, caminharemos para o resto de nossas vidas.
EPÍLOGO
“Com você partirei
Países que nunca
Vi e vivi com você
Agora sim os viverei
Com você partirei”
Con Te Partirò ― Com Você Partirei ― Andrea Bocelli

POUCAS SEMANAS DEPOIS


Adam e eu tiramos um dia para passar com as crianças na praia.
Contei a ele o que a data de hoje significa para mim e que precisaria de um
dia com eles, com minha família.
Ano passado, sem dúvida, foi bem mais difícil. Ainda dói, não
mentirei dizendo que superei sua partida. É apenas uma dor diferente e
acredito que será assim para sempre. Será algo que me incomodará,
principalmente nessas datas, mas não me derrubará mais, pois não me sinto
mais sozinha. Minha família é o pilar da minha vida.
A maior certeza disso foi que pouco tempo após o casamento,
comecei a ter várias ideias para meu livro novo, o que não acontece desde o
falecimento de Pedro. Até já comecei a escrever. Estou amando cada
palavra que consigo colocar no papel, pois elas têm um significado enorme.
Amo meu marido, com todos os seus defeitos. Amo meus filhos, com
todas as dificuldades que é criar um filho nos dias de hoje. Mas, acima de
tudo, amo ver que a Joana autora está de volta. Tudo que ela precisava era
de uma família, sua maior e verdadeira inspiração.
Sentada na areia vendo Adam brincando com Beatrice e com Jackson,
sinto-me pronta para encerrar um ciclo. Mesmo com a dor e com a saudade,
sinto-me, finalmente, pronta para me despedir de Pedro.
Abro o caderno que trouxe e começo a escrever, simbolicamente, uma
carta a ele.

Querido Pedro,
Meu primeiro amor,
Hoje faz dois anos que você se foi. Ainda é difícil de acreditar, assim
como é difícil saber que o mundo perdeu uma pessoa tão incrível como
você. Um homem justo, um homem íntegro, um homem que me ensinou
muito sobre a vida, que me ensinou a amar. Se hoje sou capaz de seguir
com minha vida em sua ausência, saiba que é graças a você. A mulher que
me tornei deve muito a você.
Fique em paz, pois é em paz que sigo por aqui. Você foi capaz de me
reerguer e me guiar mesmo não estando presente. Serei eternamente grata
àquela carta. Hoje a li mais uma vez, algumas lágrimas ainda escaparam
dos meus olhos, afinal, é impossível não sentir saudade de você, mas saiba
que doeu menos. E te prometo que assim será a partir de agora.
Espero que Lia esteja feliz nos braços desse pai incrível que eu sei
que você seria aqui. Brinque bastante com nossa menina e diga o quando
tenho orgulho do que ela fez. Graças a ela muitas vidas foram salvas. Diga
que a amarei para sempre e que posso ter outros dez filhos, mas o lugar
que ela tem em meu coração será eterno.
Fiz o que me pediu e deixei outra pessoa entrar em meu coração.
Hoje sigo feliz ao lado dele e dos filhos que meu deu. É um amor diferente,
mas ainda é maravilhoso. Obrigada por me ajudar com isso! Sem suas
palavras, jamais conseguiria romper essa barreira.
Meu amor por você também permanece, assim como as lembranças
da vida maravilhosa que compartilhamos juntos. Uso essa carta para me
despedir, pois dois anos atrás não fui forte para isso. Briguei com Deus,
com você e até comigo mesma. Hoje, sei que precisava ser assim.
Mais uma vez, obrigada.
Até o dia em que nos reencontraremos.
Um grande beijo.
Sua Joana.

Encerro a carta e secos as lágrimas que ainda escorrem pelo meu


rosto. Sinto-me mais leve com o encerramento que dei à minha história, ao
meu passado.
Levanto-me da areia e me junto à brincadeira dos meus filhos. Nós
quatro corremos e rimos pela praia, sabendo que cada um teve sua história
de luto, de perda e de saudade, mas ainda soubemos nos reerguer e seguir
com a vida.
A vida que nos é de direito.
E somos gratos pela linda família que formamos.
FIM!
CONHEÇA OUTRAS OBRAS DA
AUTORA

A MÉDICA DA MINHA VIDA:

Second Chance - Forbiden Love - Luta Pela Vida - Amizade


Entre Irmãs
Uma médica oncologista apaixonada por seu próprio paciente e
ex-namorado da adolescência.
Malu Frasson, trinta anos, é considerada uma das melhores
oncologistas da região, sendo a primeira mulher a chefiar esse departamento
no hospital da cidade.
Já Lucas Alencar, trinta e seis anos, não ama sua profissão e nem
mesmo sua esposa, mas se diz feliz com a vida que a família quase lhe
impôs.
As vidas desses dois se cruzam novamente quando Lucas é
diagnosticado com um câncer agressivo na tireóide e procura a doutora
Maria Luiza Frasson na expectativa de assim ter notícias um pouco
melhores das que recebeu de seu médico.
No vai e vem do tratamento, eles se vêem mais uma vez apaixonados.
Um amor que pode devastar esses dois corações, já que o estado de saúde
de Lucas se agrava cada vez mais com o passar dos dias.
Malu terá de escolher se continua sendo a médica à frente do caso, se
foge do sentimento mais lindo que já teve por um homem ou se enfrenta
tudo isso, vivendo cada segundo ao lado daquele que lhe ensina tanto sobre
a vida.
Um amor tão inesperado quanto avassalador, que será capaz de
romper até mesmo as barreiras da vida, pois apenas o verdadeiro amor é
capaz de viver para sempre!
SAIBA MAIS AQUI!
O FILHO DO MEU MELHOR AMIGO:

Marina e Guilherme são amigos desde a infância, cresceram juntos,


moraram no mesmo bairro e estudaram na mesma escola. E mesmo com o
passar dos anos e dos dilemas da adolescência e da vida adulta, os dois não
se desgrudaram.
Apesar de ser um homem conhecido por estar sempre rodeado por
mulheres bonitas, o relacionamento com Mariana sempre foi diferente. Ele
a trata com muito carinho e respeito. Fora o bom humor de sempre. E é isso
que faz com que ela se apaixone por ele. Um amor, que segundo ela, ficará
escondido para sempre em seu coração.
Em um determinado dia Marina precisa se passar por namorada de
Guilherme e é a partir desse momento que a vida dos dois vira de cabeça
para baixo.
Como se não bastasse toda a confusão da noite anterior dona Maria,
mãe de Marina, revela um segredo guardado há quase trinta anos. Um
segredo que pode afastar para sempre dois corações.
Após esse dia os dois não conseguem se olhar da mesma forma. Mal
se falam. A culpa e a raiva consomem até mesmo a amizade que tinham.
Mais uma vez uma notícia pega Marina de surpresa. Uma gravidez
inesperada. Um filho de seu melhor amigo.
Será que agora ela terá ao seu lado o homem que amou em segredo
por anos ou será exatamente esse filho que afastará os dois para sempre?
Um romance recheado de drama e de amizade, que mostrará como
segredos podem destruir aqueles que mais amamos.
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QUANDO ACORDEI:

Aos vinte e três anos, Juliana, uma jovem da alta sociedade, dorme e
acorda completamente surda. Afastada de Deus, a surdez a leva a uma
verdadeira peregrinação por emoções variadas: tristeza, solidão, revolta...
Juliana não entende como alguém como ela pode ficar surda, assim, da
noite para o dia. Mas, como não há mal que perdure e felicidade que não se
acabe, aos poucos ela percebe que há algo bem pior do que a surdez: o
preconceito.
Apesar de todas as expectativas frustrantes, ela conhece um rapaz que
tem a vida marcada por um drama que ninguém da cidade sabe. Em meio à
dor e ao mistério, os dois descobrem um novo mundo juntos.
Será que na prática tudo é tão simples assim? O amor deles é maior
que o preconceito? A força desse sentimento resistirá às limitações da
deficiência de Juliana? O que vale mais a pena: poder ouvir um "eu te amo"
ou estar ao lado da pessoa amada, mesmo nunca conhecendo o som da sua
voz?
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A NOIVA E O VIÚVO:

A noite que deveria ser uma das mais especiais na vida de Manuela se
torna mais um dia de perda, de rancor e de dor. Sua cerimônia de casamento
marcada pelo trágico acidente que mata seu noivo Samuel.
Como se não bastasse a ausência dele, ela se sente na obrigação de
dar continuidade ao sonho do casal, cuidar da renomada floricultura que
abriram juntos. O que antes era um prazer, devido à sua formação em
Botânica, agora não passa de uma rotina chata e amarga.
Lucca, por sua vez, é um jovem de trinta anos, que se muda para a
cidade para trabalhar no SAMU. O que ninguém sabe, é que devido ao seu
próprio trabalho, pelo menos em sua mente, ele perde o grande amor de sua
vida, sua esposa Cristiane. Ela sofre um grave acidente doméstico, mas o
socorro não chega a tempo. Quando Lucca chega a casa, não havia muito
que fazer. Essa culpa o corrói, fazendo com que passe a trabalhar cada vez
mais para afastar a solidão que o assola.
A dor, a culpa, o rancor e a solidão aos poucos aproximam esses dois
corações tão machucados. E, com o tempo, cansados de tanto sofrimento,
percebem nascendo entre eles sentimentos que achavam que não tinham
mais o direito de ter. E só assim entendem que, onde há amor, há também
perdão.
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ESQUECENDO UM GRANDE AMOR:

Second chance – Amnésia – Paixão pela música


O que fazer quando seu marido perde a memória, acorda sem se
lembrar de que se casou e ainda se diz apaixonado por sua irmã?
Luíza Rizzo, trinta e dois anos, é uma cantora de barzinho,
abandonou o curso de enfermagem para seguir seu sonho de viver da
música.
Gustavo Almeida, trinta e seis anos, é advogado especializado em
divórcios.
Após ele receber uma ótima notícia de sua esposa, sofre uma parada
cardiorrespiratória e é levado ao hospital inconsciente.
Mesmo os médicos tendo feito de tudo para evitar sequelas devido ao
tempo que ficou sem oxigenação no cérebro, Gustavo recobra a
consciência, mas sem se lembrar dos últimos cinco anos de sua vida.
Não se lembra de ter se apaixonado e muito menos de ter se casado
com Luíza, que dirá da notícia que fez com que seu coração parasse.
Apesar de contarem tudo o que aconteceu nos últimos anos, ele
acorda decidido a conquistar Sara, seu amor da adolescência e irmã mais
nova de Luíza.
Em meio a toda essa reviravolta, Luíza se vê na maior encruzilhada
de sua vida, sem saber por qual felicidade lutar: pela sua, pela de sua irmã
mais nova ou pela felicidade de seu grande amor.
Qualquer que seja a escolha tem plena consciência das
consequências, o difícil é saber se estará preparada para arcá-las com todas
elas.
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EM BUSCA DE RESPOSTAS ― TRILOGIA DEPOIS DA
DESPEDIDA VOL.1:

Trilhando caminhos diferentes e com um destino em comum


Fernanda, Jaqueline e Danielle passam a morar em um orfanato. A saudade,
o sentimento de perda e cada drama íntimo unem as meninas em uma
grande e inesquecível amizade, fazendo delas irmãs.
Ainda assim, as três têm esperança de serem adotadas, porém o medo
de reviver o passado ecoa no inconsciente de cada uma delas, levando-as a
titubear, mesmo que o tempo passe, tornando a idade relevante para
conseguir um lar, amor e os pais que tanto buscam.
Junto a essas três meninas o leitor reconhecerá a importância da
família e descobrirá como alguns acontecimentos na infância deixam
marcas difíceis de superar, assim como aconteceu com as inseparáveis
amigas.
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