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Aos meus pais, Amilton Amâncio e Cíntia Amorim, não apenas por
dizerem que apoiam meu grande sonho de ser autora, mas por investirem
tanto com tempo quanto financeiramente para que tudo vire realidade.
Jamais esquecerei tudo que fazem por mim.
Amo muito vocês e sou imensamente honrada por tê-los como meus
pais e meus leitores.
AGRADECIMENTOS
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PLAYLIST – O AMIGO ITALIANO DO
MEU MARIDO
Um ano.
Não acredito que já faz um ano que você me deixou. É tudo tão
confuso. Ao mesmo tempo em que parece que foi ontem, também tenho a
sensação de já ter te perdido há um século. É tanta saudade e dor que me
sufocam.
Vou ao cômodo da casa em que fiz o escritório e abro a primeira
gaveta da minha mesa. Lá está ela. Mesmo tendo sido escrita muito antes de
te perder, esta carta para mim sempre será suas últimas palavras.
Durante esse tempo todo me pergunto o que te fez escrever algo
assim.
Sua irmã me contou que no dia da cerimônia do nosso casamento,
antes mesmo de entrar na igreja, você lhe entregou esta carta. Além de fazê-
la prometer não me falar sobre esse assunto, a não ser que fosse preciso,
como acabou sendo. Parecia prever o pesadelo pelo qual eu ainda passaria.
Sentada aqui, sozinha, releio mais uma vez.
Um ano após ler esta carta pela primeira vez, ainda continuo aqui,
presa. Presa às lembranças, presa à saudade, presa à dor, presa à raiva. Não
consigo deixar de pensar em como tudo poderia ser diferente se ele ainda
estivesse aqui, ao meu lado. Assim como se ela ainda estivesse aqui, ao
meu lado, minha pequena, minha menina.
Chego à folha de papel perto do rosto, mas choro ao perceber que não
sinto mais o cheiro dele ali. Assim como não sinto mais em nossa casa, nem
em nossa cama e nem mesmo em seu travesseiro.
Você realmente se foi. Para sempre!
1
“E você me faz falta, meu amor
Cada dia morro um pouco e sinto frio
Quero ir junto com você
Poder assim te dizer que
Você me faz falta, meu amor”
En Ausencia De Ti ― Na Ausência De Ti ― Laura Pausini
UM ANO ANTES
PEDRO
Como já é de costume, o dia aqui no escritório está bem cheio. O que
seria motivo para desorientar qualquer um é exatamente o que me faz amar
a Contabilidade. Os números e tudo mais que envolve essa profissão me
contagiam de tal forma que mal vejo o tempo passar. Normalmente sou até
o último a ir embora e preciso ser alertado sobre o fim do expediente. Caso
contrário, fico por lá mais do que deveria.
Hoje, porém, algo mudou. Não me sinto tão disposto. Uma dor de
cabeça veio de repente e me desorienta cada vez mais. Alguns chegam a
perguntar o que tenho, mostrando-me o quão visível está minha mudança de
comportamento. Faço de tudo para conseguir ir até o fim do expediente.
Ainda no meio da tarde sou vencido pela dor. Aviso uns dos meus
sócios que não tenho condições de continuar e digo que vou para casa.
— Deixe seu carro aí, cara. Eu te levo.
— Não. Não precisa. Acho que dou conta. Minha casa não é tão
longe assim.
— Você quem sabe. Se passar mal no caminho, sua esposa vai me
matar, então, por favor.
— Achei que esse cuidado todo era preocupação comigo. E, na
verdade, é tudo medo da minha esposa?
— Mas é claro. Até parece que não conhece a mulher com quem se
casou.
— Fique tranquilo. Falarei que tive que implorar para sair mais cedo
porque você não queria permitir.
— Pelo amor de Deus, irmão, faz isso comigo não.
Dou uma risada e saio do escritório.
Minha cabeça parece que vai explodir. A cada passo que dou tenho a
sensação de levar uma pancada. Fora o calor insuportável. Paro antes
mesmo de chegar ao estacionamento e tiro meu paletó do terno, além de
tirar a gravata e dobrar a manga da camisa, na tentativa inútil de me sentir
um pouco menos desconfortável.
Entro no carro e já ligo o ar-condicionado. Ao mesmo tempo em que
o ar gelado alivia o calor, também piora minha dor de cabeça.
Apesar de morar perto do serviço, o trânsito em São Paulo deixa tudo
um pouco mais complicado. Não estou no horário de pico e nem assim
escapo do congestionamento. E meu mal-estar torna tudo bem pior. Parece
que não chegarei nunca.
Depois de quase uma hora para fazer um percurso que normalmente
dura quinze ou vinte minutos, entro no condomínio fechado onde moro.
Assim que paro na garagem, pego meu celular e ligo para Joana, já que
observo que seu carro não está ali.
— Oi, amor! — Ela atende.
— Oi, Jô. Onde você está?
— Estou no supermercado, precisava comprar umas coisas. Você está
bem? Sua voz está estranha.
— Não estou muito bem. Acabei de voltar para casa. Minha cabeça
dói tanto que estou até um pouco desorientado.
— Você saiu mais cedo do escritório? Estou terminando e vou direto
para casa. Tem remédio na cozinha.
— Tudo bem. Não se preocupe. Ficarei bem.
— Eu sei. Amo você.
— Também amo você.
Desligo, pego minhas coisas no carro e, finalmente, entro em casa.
Assim que fecho a porta atrás de mim, sou surpreendido com uma pontada
ainda mais forte. Insuportável.
Dobro meu corpo e derrubo no chão tudo que segurava. Sinto-me
confuso e minha visão some. A última coisa que sinto é o baque seco do
meu corpo no chão. Antes de perder a consciência por completo ainda
consigo pensar nela, no amor da minha vida.
MINUTOS DEPOIS
JOANA
Depois da ligação de Pedro não consigo nem terminar minha compra
direito. Dou uma rápida olhada na lista em minha mão e deixo para trás os
itens que faltam. Ele nunca saiu mais cedo do trabalho. Isso é o que mais
me assustou.
Passo no caixa rápido e logo estou no meu carro, a caminho de casa.
Sorrio ao lembrar como ele me incentivou a correr atrás dos meus sonhos
quando descobriu que eu odiava ser jornalista.
Acho que não conheço mais ninguém tão apaixonado pelo que faz
como ele. E vê-lo sempre tão animado com o trabalho me fez começar a
lutar pelos meus sonhos. Com seu apoio pude abandonar meu emprego de
jornalista e, finalmente, ingressar na carreira de autora independente.
Isso mesmo! Meu grande sonho sempre foi escrever romances, não
apenas como hobby, mas como profissão.
Na família em que fui criada, isso seria impossível. Meu pai sempre
disse que a filha dele não seria “artista”, pois isso não é profissão. Além de
não trazer nenhuma segurança financeira para o futuro. Precisei escolher
um curso qualquer de graduação e apresentar a ele meu diploma.
Depois ele se aposentou, e agora leva a vida viajando por aí com
minha mãe, enquanto eu precisei ouvir do meu marido que meus sonhos
importam.
Hoje trabalho sem nem sair de casa e amo cada segundo que passo
em meu escritório, criando histórias. Ainda estou longe de ser uma autora
reconhecida no meio literário, mas venho conquistando mais leitores, dia
após dia, e isso faz todo sacrifício valer a pena. É um trabalho árduo, com
resultados lentos, mas, sem dúvida, recompensador.
Paro o carro na garagem, pego parte da compra e entro em casa.
Assim que vejo Pedro caído no chão da sala, meu coração acelera.
― Pedro!
Jogo as sacolas no chão, sem nem me importar com as coisas de vidro
e corro em sua direção.
― Pedro! Meu amor! Fala comigo!
Seguro sua cabeça com as duas mãos e, por mais que eu o chame, não
recebo nenhuma resposta.
― Socorro! Socorro! Alguém me ajuda! ― grito e choro ao mesmo
tempo, mas o desespero é tanto que não consigo me afastar de seu corpo,
aparentemente, já sem vida. ― Por favor, alguém me ajuda!
Em menos de um minuto, um casal de vizinhos no condomínio
passeava com o cachorro quando escuta o meu pedido e logo aparecem ao
meu lado.
― O que aconteceu, Joana? ― A esposa é a primeira a perguntar,
enquanto segura o cachorro.
― Eu não sei ― falo em meio às lágrimas ―, acabei de chegar e o
encontrei aqui, já caído e desacordado.
O marido coloca a mão no pescoço de Pedro e sem disfarçar sua
preocupação liga para o socorro.
― Fica comigo, amor. A ajuda já está chegando. ― Coloco sua
cabeça na minha perna enquanto o acaricio e beijo seu rosto. ― Aguenta só
mais um pouco.
Finjo não ver a troca de olhares de meus vizinhos. Não posso desistir
dele assim. Ele precisa estar vivo. Meu coração precisa de seu amor para
continuar batendo. Pedro não pode ter partido assim, tão de repente, sem
qualquer aviso. Não pode ter feito isso comigo. Não pode!
Logo a ambulância do SAMU encosta bem em frente de casa e os
dois profissionais caminham apressados em nossa direção.
― O que aconteceu aqui? ― pergunta um deles enquanto já verifica
seus sinais vitais.
― Eu o encontrei assim. Faz alguns minutos.
― Ele estava se sentindo mal ou com algum problema de saúde?
― Ele é saudável, mas hoje saiu mais cedo do serviço por conta de
uma forte dor de cabeça. É tudo o que sei.
Em questão de segundos eles ligam o desfibrilador e o conectam ao
corpo de Pedro. Um choque atrás do outro e nada. Nenhuma mudança.
Os dois se olham, depois desviam o olhar para o casal e só por último
para mim.
― Sinto muito, senhora.
― Por favor, não! ― Agarro o corpo de Pedro na tentativa inútil de
trazê-lo de volta para mim.
― Sinto muito, não podemos afirmar o que aconteceu, mas não há
nada mais que possa ser feito.
Uma dor alucinante atinge meu peito e me sufoca. Não consigo
acreditar que ele apenas se foi. Não é possível. Ainda, meio que em transe,
pego meu celular e ligo para Victoria.
― Oi, amiga ― ela diz toda animada do outro lado da linha sem nem
imaginar que seu irmão está sem vida no chão da nossa casa.
― Vicky! Você pode vir aqui em casa?
― Claro, mas o que aconteceu? Você está chorando?
― É seu irmão.
― O que tem ele?
― Por favor, amiga, só venha para cá.
― Já estou indo.
Até onde pude entender, o SAMU não pode fazer a remoção do
corpo, o socorrista responsável pelo atendimento apenas fez uma ligação
para a Polícia Militar que, ao chegar, acionou o IML, pois por se tratar de
uma morte em casa será necessária uma pequena investigação para
descartar qualquer hipótese de homicídio.
Apesar disso, decido esperar a chegada de Victoria, pois não tenho
qualquer condição de decidir nada nesse momento. Apesar de ser minha
cunhada, também é minha melhor amiga.
O casal que me ajudou se despede de mim e logo deixam minha casa.
Os dois rapazes do SAMU, sensibilizados pela minha perda, recusam-se a
me deixar sozinha e dizem que aguardarão a chegada de outro familiar.
Mesmo sabendo que ali no chão só tem um corpo, não consigo me
afastar. Continuo acariciando seu rosto como se ele fosse abrir aqueles
lindos olhos a qualquer momento.
― O que aconteceu? ― Victoria aparece, de repente, ao meu lado. ―
Joana, fala comigo, o que meu irmão tem? Por que está todo mundo parado
enquanto ele está aqui, desacordado?
― Porque não há mais nada a ser feito. Ele se foi. ― Nem sequer
desvio o olhar em sua direção.
Ela, quase em estado de choque, não diz e nem fala nada. Fica apenas
ali, ajoelhada ao meu lado, olhando para o irmão morto.
Os dois rapazes se despedem de nós e vão embora. O silêncio e a dor
são tão grandes que nos paralisam. Em seguida o IML faz a remoção do
corpo.
Para meu alívio, Vicky e sua família resolvem toda a burocracia do
velório e do enterro. O laudo do IML constata que Pedro teve um aneurisma
que rompeu e sangrou, levando-o a óbito. A dor de cabeça foi um sinal que
ele nem sequer imaginou que poderia ser tão grave a ponto de me separar
dele para sempre.
Sem parentes por perto e sem amigos, sinto-me agora ainda mais
sozinha. Não posso cobrar consolo de minha melhor amiga, sendo que sei o
tamanho de sua dor por perder o irmão. Mesmo assim, nós duas ainda
encontramos um pouco de força e passamos todo o velório juntas, sem
desabarmos, o que achei que seria impossível.
Já no cemitério, Pedro leva o último pedaço restante de meu coração.
É difícil sair dali, sabendo que a partir de agora nada será como antes. Não
tenho nem sequer força para voltar para casa. Não sei o que farei.
― Vamos, amiga. Eu sei que é difícil, mas preciso de você para
conseguir sair daqui. ― Ela estica sua mão e dessa forma caminhamos de
volta para o carro, deixando para trás aquele que mais amamos. Antes de
nos despedirmos, Vicky diz: ― Preciso falar algo com você.
― O quê?
― Isso é para você. ― Ela me entrega um envelope.
Consigo ver em seus olhos a dor por ser obrigada a fazer tal coisa.
― O que é isso?
― Meu irmão me entregou essa carta no dia do casamento de vocês e
me fez prometer que, se o dia de hoje chegasse, era para te entregar.
Joana, meu eterno amor.
Passo carinhosamente o dedo por cima de sua letra, enquanto, com a
outra mão, acaricio minha barriga, sem conseguir acreditar que tudo isso
esteja mesmo acontecendo comigo. Com a gente.
2
“Combati o silêncio falando com ele
E amenizei a sua ausência só com meus braços”
Sere Nere ― Noites Escuras ― Tiziano Ferro
UM ANO DEPOIS
Ainda em meu escritório, com a carta em mãos, não consigo ignorar
os pedidos que Pedro me fez. Claro que logo após sua partida a última coisa
que eu queria era viajar, mesmo sendo para um lugar tão incrível e tão
sonhado como a Itália.
Agora, um ano após seu falecimento, sinto-me um pouco culpada por
não ter atendido ao seu pedido. Perdê-lo foi difícil demais, mas pior do que
isso é continuar a vida sem sua companhia, sem sua presença diária.
Como se tudo isso não fosse o bastante, ainda precisei lidar sozinha
com toda a situação da Lia. Ser obrigada a dizer adeus a ela também foi o
que terminou de me enterrar no buraco onde eu me encontrava.
DIAS ATUAIS
Dobro a carta novamente e coloco em cima da mesa, já que choro
tanto e não quero ter a folha de papel molhada pelas minhas lágrimas e
assim estragar algo que guardo com tanto carinho há um ano.
Em alguns dias a saudade e a dor da perda ficam tão insuportáveis
que mal consigo me controlar. Acaricio minha barriga, agora sem bebê
nenhum, e choro ao me lembrar dos poucos e últimos minutos ao lado da
minha menina.
MESES ATRÁS
Infelizmente, Pedro se foi cedo demais, a ponto de não conseguir
cumprir uma de suas promessas, que era de estar ao meu lado não apenas no
parto, mas nos difíceis momentos que o sucederiam.
Com tudo que passei após sua partida, achei que não conseguiria
segurar a gravidez até o fim, já que existem todas as complicações por
conta da anencefalia. Apesar de tudo isso, nossa menininha é forte e lutou
durante todos esses meses.
Mesmo ainda em minha barriga, minha filha foi minha companheira
nesses dias que foram os mais difíceis da minha vida. Incontáveis foram as
horas que passei conversando com ela. Independente do diagnóstico, sei
que ela esteve ali comigo, não me deixando desistir e me fazendo levantar e
me cuidar dia após dia.
Minha menina me salvou da escuridão!
Agora é chegada a hora de conhecê-la. A cesariana foi marcada para
hoje. Vicky me pega em casa e faz questão de ficar comigo o tempo todo.
Disse que jamais me deixaria passar por tudo isso sozinha. E Deus sabe
quanto grata eu sou por isso.
A Doutora Júlia logo aparece e inicia a cesariana. A incerteza do
tempo que terei com minha filha é o que mais me dói. Queria tanto poder
vê-la crescer e viver ao seu lado tudo que é de direito de uma mãe. Um
direito que foi tirado de mim.
Ela nem se foi e já sinto um buraco no meu peito.
Após ficar ali deitada, o que para mim pareceu uma eternidade,
recebo em meus braços a minha menina.
― Nós conseguimos! Nós chegamos até aqui, minha filha. ― As
lágrimas escorrem de meus olhos. ― Seu pai ficaria muito orgulhoso de nós
duas, sabia?
― Qual o nome dela? ― Vicky pergunta com lágrimas nos olhos, em
um misto de alegria que acompanha todo nascimento com a tristeza do
diagnóstico.
― Ela se chamará Lia, aquela que é portadora de boas notícias ―
respondo enquanto faço carinho em seu rostinho.
― Desculpa. Não entendi. ― Vicky não esconde sua confusão.
― Quer saber como será portadora de boas notícias sendo que partirá
em breve, deixando meu coração ainda mais destruído?
― Exatamente.
― Porque seus órgãos salvarão muitas crianças. Não entendo os
propósitos de Deus em nossas vidas, mas talvez a vinda da Lia possa ter
uma missão linda, que é levar conforto e alegria a tantas mães que clamam
por seus filhos nas filas de transplantes.
― Uma missão sem igual, certamente. ― Agora é a vez de a doutora
Júlia comentar. ― Quando chegar a hora, Lia pode ser responsável pela
doação de órgãos como fígado, rins, córneas, tecidos e talvez até o
pâncreas.
Olho mais uma vez para minha menina e sei que jamais esquecerei a
sensação de tê-la em meus braços.
― A mamãe te amará para sempre, assim como seu papai te amou
sem nem mesmo ter a oportunidade de te conhecer.
― Ele seria um papai babão, não seria? ― Vicky sorri.
― Sem dúvida. Aquele 1,92m de altura era só fachada. Por dentro
havia o mais maravilhoso que esse mundo já teve.
― É verdade. Ele era incrível assim mesmo.
― Se eu não te vir mais, saiba que a mamãe ficará bem, não precisa
se preocupar. Cumpra sua missão e descanse. Você lutou muito para que
esse dia fosse possível. E independente do pouco tempo, você viverá para
sempre em meu coração e em minhas melhores lembranças. Você foi um
dos melhores presentes que seu pai me deu. Amo muito você!
Dou um beijo em seu rostinho e a entrego para a doutora Júlia, que
precisará avaliá-la com cuidado e com o carinho que ela merece. Já eu, sou
encaminhada para o quarto. Sinto-me exausta.
Algum tempo depois, a doutora retorna com a notícia que eu já
esperava.
― Ela se foi. ― É tudo o que consegue dizer.
E mais uma vez desabo em lágrimas. Vicky corre para o meu lado e
me abraça forte. Não sei o que faria se ela não estivesse aqui comigo. Por
um longo tempo ficamos abraçadas, chorando. Sei o quanto esse momento
também é difícil para ela, afinal, era sua sobrinha, filha de seu único irmão.
Lia foi a sementinha que Pedro nos deixou e que agora precisou florescer
em outras vidas.
Olho para minha médica e ela também está com lágrimas escorrendo
em seu rosto. Além de ser uma profissional incrível, não deixa de ser mãe,
e, como tal, entende o tamanho da minha dor.
― Dos órgãos que mencionei, apenas o pâncreas não era viável. Os
outros estão sendo retirados agora pela equipe que já estava aqui à espera,
como foi combinado.
― Obrigada, doutora, por todo apoio e carinho que teve com a gente
durante todos esses meses.
― Imagina, Joana, não tem do que agradecer. Preciso ir agora, mas
peço que nunca se esqueça do quanto a vida de Lia foi importante e de que
ela será lembrada para sempre, principalmente pelas famílias que salvou.
Ouvir que minha filha não foi alguém especial apenas para mim, para
o pai dela ou até mesmo para sua tia, sim, que teve uma importância tão
maior na vida dessas outras pessoas que provavelmente nunca chegarei a
conhecer, é o único consolo que levarei comigo. A vinda da minha pequena
não foi à toa. Ela cumpriu sua missão. E lindamente.
No dia seguinte retorno para casa.
― Quer que eu fique um pouco mais com você, amiga?
― Não precisa, Vicky. Sei que já perdeu mais de um dia de serviço,
não quero te atrapalhar mais.
― Para de bobagem, você nunca me atrapalha. Além de minha
melhor amiga, sempre será minha família.
― Obrigada, amiga. E saiba que sou muito grata por ter você como
família.
― Meu irmão pode ter ido embora, mas eu continuo aqui, e assim
será até Deus permitir.
Ela me abraça forte e depois vai embora.
Olho para minha casa e sinto que está cada vez mais vazia. É como se
a vida que existia por aqui se vai com o passar do tempo. Nada mais parece
ter sentido.
É difícil voltar após um parto sem um bebê nos braços. Assim como
foi difícil voltar sem aquele que acreditei que envelheceria ao meu lado.
4
“A vida me deu a você e então vou celebrá-la”
La Vita In Uno Anno ― A Vida Em Um Ano ― Alessandra
Amoroso
DIAS ATUAIS
Seco minhas lágrimas e pego a carta mais uma vez.
― Você está certo, meu amor. Preciso seguir com minha vida e,
talvez, essa viagem seja a única forma de conseguir começar.
Anoto em meu celular o contato do tal amigo italiano que Pedro
deixou na carta.
― Prometo que a partir de amanhã meus dias serão diferentes.
Guardo a carta e caminho até meu quarto enquanto faço uma ligação.
― Oi, Jô. Hoje acordei pensando em você ― diz Victoria, assim que
me atende.
― É, amiga, hoje não é um dia fácil.
― Não, não é mesmo. Como você está?
Sinto um misto de sentimentos que fica até difícil responder essa
pergunta.
― Sinceramente, não sei.
― Vamos nos encontrar? Acho que fará bem para nós duas. O que
acha?
― É exatamente por isso que estou te ligando.
― Nossa conexão, como sempre, é muito forte ― Victoria brinca.
― Graças a Deus! ― Consigo abrir um sorriso também. ― Pode ser
naquele café aqui perto de casa?
― Para mim, fica perfeito.
― Ótimo.
Acertamos o horário e, em seguida, entro no banho na tentativa de
lavar toda a dor que sinto em meio às lembranças. Queria conseguir me
lembrar dele sem lágrimas, sem me sentir tão mal. São tantas lembranças
boas e de tantos momentos gostosos que às vezes parece que não honro
todo o privilégio que foi tê-lo ao meu lado por todos esses anos.
Termino o banho, coloco uma roupa, ajeito mais algumas coisas em
casa e logo saio para me encontrar com Victoria.
Mais uma vez sou a primeira a chegar. Bem típico da Vicky me fazer
esperar por ela. Peço um suco bem gelado, já que hoje em São Paulo está
tão abafado que é impossível tomar qualquer coisa quente.
― Acho que me atrasei um pouco ― ela diz assim que chega.
― Você só acha? ― Rio.
― Na verdade, eu tenho certeza, mas queria te dar a oportunidade de
dizer: imagina, amiga, está tudo bem!
Dou uma gargalhada. Vicky é o tipo de pessoa que te faz rir nos
piores dias. Ela consegue ser mais bem-humorada do que o irmão.
― Suco? É sério? Isso é o mais forte que você encontrou por aqui?
― ela pergunta, indignada.
― Achei muito cedo para a bebida forte que eu precisava.
― Eu preciso pelo menos de um café.
― Se eu tomar café, minha mente me deixará ainda mais agitada
hoje, então achei melhor um suco mesmo.
― Eu te entendo.
Pedimos também algo para comer, afinal, ninguém é de ferro.
― Tem uma coisa que eu queria te mostrar ― falo.
― Lá vem.
― Fique tranquila, não é nada de mais. Só acho que agora estou
pronta para compartilhar melhor isso com você.
Abro minha bolsa e tiro de lá a carta de despedida do Pedro. Ela já
me olha com os olhos cheios de lágrimas.
― Você não precisa fazer isso, Jô. Sabe disso, não sabe?
― Eu sei, Vicky, mas queria que você lesse.
Ela pega o envelope com uma das mãos enquanto seca as lágrimas
com a outra.
― Se você ainda não se sentir bem para fazer isso, eu entendo.
― Não, amiga, não é isso. Mas estar com este envelope em mãos faz
com que eu me lembre de muita coisa. ― Ela respira fundo e logo depois
tira a carta de dentro para ler.
Enquanto isso eu aguardo, ansiosa para saber o que achará de tudo.
Vejo que intercala momentos de lágrimas e de sorrisos, afinal, Pedro era
exatamente assim, um homem romântico, fofo, carinhoso, mas ao mesmo
tempo muito divertido.
― Sinto tanta saudade dele ― ela diz por fim.
― Eu também, amiga. Eu também ― respondo, segurando sua mão
por cima da mesa.
― Mas me fala, quando será a viagem?
Abro um sorriso, meio sem graça.
― Você vai, não é?
― Passei um ano inteiro brigando com seu irmão por isso, mesmo ele
nem estando aqui.
― Por quê?
― Primeiro, porque estava brava por ele ter me deixado tão cedo
assim, mesmo eu sabendo que não teve culpa alguma. Segundo, porque não
entendia como ele queria que eu pensasse em viajar em um momento tão
difícil como esse. Sinto que tudo na minha vida perdeu a graça. Não tenho
ânimo para nada. Inclusive, faz um ano que não escrevo uma palavra
sequer, minha carreira de autora está completamente parada.
― Eu te entendo, Jô. Você sentindo tudo isso e ele querendo que você
vá à Itália. ― Ela ri.
― Exatamente. Era isso que eu pensava.
― Pensava? Então, quer dizer que algo mudou?
― Sim. Não que tenha deixado de doer, mas acho que no fundo ele
tem razão. Eu preciso disso. Preciso recomeçar.
― Tem todo meu apoio. Jamais te julgaria por nada disso, até porque,
recomeçar na Itália não será nada mal. ― Ela ri.
― Ele é incrível até nessas horas. Pensou em tudo.
― Imagina se você conhece um italiano gato por lá? Que delícia,
hein, amiga?
― Vicky!
― O quê? Você não acabou de falar que precisa recomeçar?
― Falei, mas não nesse sentido.
― Mulher, você tem trinta e três anos. Não se esqueça disso.
― Eu não esqueço. Só não quero pensar nisso agora.
― Tudo bem. Eu entendo, mas também não custa nada dar uma
olhadinha nos homens por lá, vai que...
― Desculpa, amiga, mas é estranho falar desse assunto com você.
― Só porque fui sua cunhada? ― Victoria ri.
― Claro. Quando nos conhecemos eu já estava com seu irmão.
Então, isso é muito novo para mim.
Ela dá uma gargalhada.
― Tudo bem, Jô, vou pegar um pouco mais leve com você no
começo ― ela fala e dá outra gargalhada.
E eu, rio, apesar de nitidamente constrangida. Minha sensação é de
estar traindo Pedro só de imaginar a possibilidade de olhar para um italiano.
Principalmente por ser uma viagem que ele idealizou para mim.
― Vamos mudar o rumo do assunto, apesar de continuar falando
sobre a Itália. Já sabe quando vai?
― Mais ou menos. Estou pensando em aproveitar o verão por lá, para
curtir a praia.
― Então, iria entre junho e setembro.
― Isso. Mas antes de fazer qualquer plano, preciso entrar em contato
com o amigo do Pedro, o tal Adam que ele cita na carta.
― Eu me lembro do meu irmão falando dele. Sempre me pareceu um
cara bem legal.
― Tomara. De qualquer forma, já estou bem nervosa com a viagem.
― E por quê, criatura?
― Porque nunca saí do país. Pedro e eu sempre priorizamos nossas
carreiras e deixamos os planos e sonhos para depois. Deu no que deu.
Vicky apenas me olha. Não me julga, até porque, faz exatamente a
mesma coisa. Raras são as pessoas que vivem de maneira diferente. O pior
é que, na maioria das vezes, aprendemos tarde demais.
― Pelo menos uma coisa eu fiz nesses anos todos.
― O quê? ― ela pergunta.
― Aprendi italiano.
― Ah, é verdade! Lembro que você estava aprendendo.
― Estou longe de ser fluente, claro, mas ao menos não ficarei
completamente perdida. ― Rio do meu próprio desespero.
― É o que importa, amiga. Se eu não estivesse tão atolada de serviço
até iria com você.
― Eu amaria. Tem certeza de que não dá tempo de remanejar tudo?
― Não me olhe assim, dona Joana!
― Assim como?
― Assim! Com essa cara de cachorro que caiu da mudança. Não é
justo.
Dou uma gargalhada.
― Desculpe, não custava nada tentar. O não eu já tinha mesmo.
― Covardia isso.
Continuo rindo.
― Se mudar de ideia, é só me falar.
― Não posso mudar de ideia, Joana.
― Tudo bem! Agora já pode parar de me chamar de Joana. ― Tento
parar de rir e mostrar que estou brava.
E assim é minha tarde com Vicky. Por algumas horas, consigo
esquecer um pouco o que a data de hoje representa e curtir um dia gostoso
com minha melhor amiga.
Sou filha única e meus pais continuam viajando, sabe-se lá para onde,
pois desisti de tentar acompanhar. Então, por muito tempo, minha família se
resumiu à família do Pedro. Sei que todos eles têm carinho por mim, mas
também sei que minha presença é uma lembrança constante da morte do
filho.
O fato de minha melhor amiga também ser minha cunhada, não
deixou as coisas mais fáceis neste ano. A minha perda era a perda dela. Não
me achava no direito de usar o seu colo para chorar, mesmo que tenha feito
isso várias vezes.
O dia de hoje sem dúvida foi importante. Estava com saudade de ter
uma amiga e não uma cunhada vivendo pelo mesmo luto que eu.
Foi o início de um recomeço. Sem dúvida.
5
“Em cada momento
Você pode escolher
E não esqueça que
Depende de você”
Nelle Tue Mani ― Em Suas Mãos ― Andrea Bocelli
O mais difícil eu sei que já foi feito, tomar a decisão de viajar. Tudo o
que preciso fazer a partir de agora são apenas “detalhes”, apesar de ser uma
lista enorme.
Antes de qualquer coisa, entro em contato com Adam, o amigo
italiano do Pedro.
ADAM: Oi, Joana, fico feliz com seu contato, apesar das
circunstâncias, é claro. Fiquei sabendo do falecimento do Pedro, mal
consigo acreditar. Sinto muito pela sua perda. Pedro era um homem
incrível, serei sempre grato por ter tido um amigo como ele. Quanto à
carta, assim que soube da partida dele, me lembrei da carta que escreveu,
se não estou enganado, no dia do casamento de vocês. Ele não deu detalhes
na época, mas me pediu autorização para deixar meus contatos e minha
ajuda com a possível viagem. Apesar de concordar com tudo, torcia para
nunca precisar receber a sua mensagem, pois significaria que meu amigo
ainda estava comigo, mesmo que a quilômetros de distância.
Seco as lágrimas que voltam a descer pelo meu rosto, pois entendo o
que Adam diz. Também queria nunca ter lido a tal carta. Trocaria até
mesmo essa viagem para a Itália se pudesse ter meu marido aqui comigo
novamente. Infelizmente, não é assim que a vida funciona. A realidade é
sempre mais dura.
ADAM: O verão é uma época ótima, fez uma boa escolha, apesar de
já estarmos bem perto. Já que não tem nenhum plano, podemos, sim,
começarmos por Milão e descermos o mapa até Sicília, por que não?
JOANA: Bem pretensiosa a sua ideia. Desse jeito precisarei ficar ao
menos um mês na Itália, kkk.
ADAM: Repito a pergunta: por que não? Mas, falando sério, planejo
até Sicília e podemos ir adaptando ao que você achar melhor ao longo do
tempo que estiver por aqui.
JOANA: Nossa! Mas não te dará muito trabalho? Não quero abusar
da sua amizade com Pedro.
ADAM: Não é abuso nenhum. Isso é o mínimo que posso fazer pelo
meu amigo. Saiba que será um prazer ter você por aqui. Aproveito para
passear também, pois como dono da empresa, acabo delegando os serviços
e não podendo mais ser guia, então, usarei a sua viagem como uma espécie
de férias para mim.
JOANA: Ótimo, então. Será bom ter um amigo de férias comigo.
Depois que conseguir montar o roteiro, se puder enviar para não me matar
de curiosidade, agradeço.
ADAM: Entendo sua curiosidade, mas faço questão de te
surpreender, assim como me pediu. Dessa forma, tudo que saberá é que
estarei no aeroporto de Milão para te recepcionar. O resto é comigo e só
comigo.
JOANA: Dormi tão bem essa noite que acabei perdendo a hora, peço
desculpas. Já estou tomando meu café e logo estarei pronta.
Mesmo não tendo nada de mais na mensagem, fico feliz por recebê-
la. Não consigo entender esse sentimento. Apenas é algo que me faz bem.
Quase meia hora depois ela envia outra mensagem, avisando que já
está na portaria do hotel e por isso desço para encontrá-la.
— Bom dia! — digo assim que a vejo.
— Bom dia! — ela responde e se aproxima de mim para um beijo no
rosto, costume tipicamente brasileiro.
Fico mais uma vez apaixonado pelo cheiro que emana de seu cabelo
recém-lavado.
― Vou só concluir o check out e já poderemos ir.
— Claro. Sem problema ― ela responde enquanto mexe no celular.
Poucos minutos depois já estamos dentro do carro para darmos
continuidade à nossa viagem.
― E para onde vamos hoje? Já posso saber? ― ela brinca.
― Dessa vez pode. Até porque, não quero te torturar por uma hora e
meia.
― Em uma hora e meia estaremos exatamente onde então?
― Estaremos em Sirmione, uma comuna da região da Lombardia,
província de Bréscia, com pouco mais de seis mil habitantes. É uma das
regiões banhadas pelo Lago di Garda.
― Se é banhada por um lago já me conquistou. Não vejo a hora de
poder me refrescar em águas italianas.
A ideia de vê-la de biquíni faz com que eu me arrependa
imediatamente da escolha que fiz. Porém, seria impossível viajar pela Itália
em pleno verão e não aproveitar as lindas praias que têm por aqui. Não seria
justo da minha parte.
Joana logo se distrai com a paisagem pelo caminho. Chega até a abrir
um leve sorriso. Poder vê-la assim, tão mais leve do que no dia que chegou,
já me deixa bem satisfeito. Sem contar que fica ainda mais linda quando
sorri.
Evito puxar assunto, não quero interromper seu momento de
contemplação. Concentro-me na estrada e, após uma hora e meia, assim
como prometi anteriormente, estaciono o carro em frente ao hotel em
Sirmione.
Novamente fazemos todo o ritual de tirar as bagagens e fazer o check
in. Em questão de minutos já estamos com tudo em nossos quartos, de
roupas trocadas e prontos para passearmos.
Decido começar pelo centro histórico de Sirmione. Lá poderemos
conhecer o Castello Scaligero, que guarda a entrada da cidade medieval de
Sirmione. Apesar da época do ano deixar o local bem movimentado, possui
um visual deslumbrante.
Joana não é de falar muito, mas vejo seus olhos brilharem a cada
nova paisagem que aparece em seu campo de visão. Aproveita para
fotografar tudo o que vê, apesar de reparar que evita aparecer em suas
próprias fotos.
Como vejo que está gostando, sugiro subirmos até o alto do castelo,
para termos uma vista ainda mais incrível da cidade. Já no alto, convido-a
para uma foto comigo. Ela, apesar de tímida com meu convite, não recusa e
o resultado é um italiano cada vez mais desesperado por perceber o quão
encantado tem ficado com toda sua beleza.
Ainda no castelo, aproveitamos para almoçar em um dos vários
restaurantes que têm por ali. O calor nos deixa mais cansados e mais
famintos, podendo aproveitar melhor a culinária local.
Como um bom guia turístico, ofereço de sobremesa um gelatto
tipicamente italiano. Ela se delicia com cada pedaço que coloca na boca.
Após uns minutos de silêncio, ela mais uma vez me surpreende com
seus desabafos.
― Você tem conseguido o que eu achei que seria impossível.
Não pergunto, apenas permaneço olhando em sua direção até que ela
continua:
― Esquecer a dor. Não digo esquecer que estou viúva e toda a
questão da perda, mas hoje, desde que acordei, não me senti culpada por
estar aqui. Sinto-me leve e até mesmo feliz. Confesso que não sinto isso
desde o dia que ele se foi.
― Você não imagina como fico feliz por ouvir isso.
― Obrigada. Obrigada por tornar esse passeio tão gostoso e
divertido. Obrigada por me ajudar com toda a “bagagem” do passado que
trouxe comigo.
― Não precisa me agradecer, pois acho que o responsável por tudo
isso não sou eu, é a Itália ― digo rindo.
Ela dá uma risada gostosa.
― Verdade. Na Itália tudo é mais fácil, certamente, mas não se
menospreze, sua companhia tem sido importante também.
Fico meio perdido, sem saber como responder, então, prefiro apenas
sorrir e mudar logo o rumo do assunto antes que fique ainda mais
constrangedor, ou antes que eu faça qualquer bobagem, pois é exatamente o
que estou com vontade de fazer; a maior bobagem da minha vida.
Depois de fazermos uma horinha do almoço, vamos a Lido Delle
Bionde, uma das praias de Sirmione. Achamos um lugar gostoso para sentar
e Joana logo tira a roupa para curtir o sol forte que faz. Ela, com sua pele
clara, me deixa ainda mais maluco, como eu já imaginava.
Enquanto estamos por ali aproveito para compartilhar com ela um
pouco de como foi a viagem de Pedro por aqui. Falar dele me força a tirar
da mente os pensamentos que não posso ter. Escolho nossos momentos
mais divertidos e fico feliz por vê-la se divertindo com meus relatos.
Passamos uma tarde bem gostosa, apenas conversando e nos
refrescando na água cristalina do Lago Di Garda. Quando se aproxima o
pôr do sol, caminhamos para um dos bares com deck à beira do lago.
― Você precisa experimentar o drink mais consumido por aqui no
verão.
Faço o pedido para o garçom e ele logo volta com duas taças de um
visual alaranjado maravilhoso.
― É feito com espumante seco, Aperol, água com gás e muito gelo.
Além de uma rodela de laranja para dar ainda mais charme.
― Se é boa eu não sei, mas sem dúvida é linda. Amei essa cor.
― Um brinde à nossa viagem! ― digo.
― À nossa viagem!
Brindamos e ela leva à boca a bebida. Depois olha para mim toda sem
graça, não conseguindo disfarçar a careta. Engulo a minha rapidamente para
dar uma gargalhada.
― É tão ruim assim? ― pergunto em meio a minha própria risada.
― É horrível! ― ela diz sem qualquer cerimônia.
Sua espontaneidade faz com que eu ria ainda mais.
― É linda, sem dúvida. ― Ela completa. ― Mas é muito amarga.
Desculpa, não darei conta de tomar isso. Sério! Pode ficar com a sua e com
a minha. A não ser que tenha nojo da minha boca.
― A última coisa que teria de sua boca é nojo.
Assim que falo me arrependo. Sinto o clima entre a gente pesar e
ficar bem constrangedor. Juro que saiu sem querer. Ela pega o cardápio na
tentativa de fugir do meu olhar, mas vejo que está tão perdida quanto eu.
― Talvez um espumante possa ser mais suave ― tento consertar o
que eu mesmo causei.
― Ótimo, pode ser.
Chamo o garçom e faço o pedido. Minutos depois estamos em
silêncio, aproveitando nossas bebidas e a linda imagem do pôr do sol no
lago. E eu, lutando comigo mesmo, para tirar da minha mente a mulher que
já está tomando posse de todo meu coração.
9
“Queria ser o espelho que fala com você
E que a cada pergunta sua
Te responda que no mundo
Você é sempre a mais linda”
Favola — Fábula — Modà
Chegamos ao hotel já à noite. Não posso negar que o dia de hoje foi
muito gostoso, leve.
Antes de me deitar procuro nas minhas coisas um remédio para dor
de cabeça. Provavelmente foi por conta daquele drink horroroso que Adam
me ofereceu. Tudo bem que era lindo, mas horrível. E por falar em drink e
em Adam, o que foi aquilo?
“A última coisa que teria de sua boca é nojo.”
Mesmo estando sozinha agora, sinto meu rosto queimar com a
lembrança de sua fala e de seus olhos penetrantes. Ainda bem que já
estávamos quase no fim do dia, senão eu não sei como ficaria ao seu lado
com todo o constrangimento que tomou conta de mim.
Após tomar o remédio, deito-me, mas antes de pegar no sono lembro
que hoje não mandei notícias para Vicky. Quando nos despedimos no
Brasil, ela me fez prometer que estaríamos sempre em contato. Então,
mando uma mensagem e nem espero sua resposta, pois toda vez faz questão
de me perguntar dos italianos, um assunto que não quero pensar agora.
O efeito do remédio para dor e o cansaço do dia me fazem dormir
rapidamente, como uma pedra.
Como vamos pegar estrada mais uma vez, coloquei o relógio para
despertar mais cedo e por isso sou acordada na hora certa. Arrumo tudo,
troco de roupa e desço para o café da manhã.
Adam já se encontra no restaurante quando eu chego. Impossível
ignorá-lo.
— Bom dia! — digo, fingindo que nada aconteceu ontem.
— Bom dia! — ele responde, fazendo o mesmo que eu.
Comemos e conversamos apenas coisas triviais até estarmos prontos
para partirmos mais uma vez.
Já dentro do carro ensaio fazer minha costumeira pergunta, mas me
sinto sem graça.
— O que foi? — ele pergunta sorrindo. — Não vai perguntar para
onde vamos desta vez?
— Já estou tão previsível assim?
— Não sei se previsível é a palavra que eu usaria. Acho que com a
convivência que estamos tendo, estou aprendendo a te conhecer um pouco.
— Acaba sendo inevitável, não é?
— Sim. Mas não se preocupe, estou adorando te conhecer.
Quando começo a relaxar, sua fala volta a me deixar sem jeito. Estou
vendo que em algum momento muito próximo teremos de conversar a
respeito. Não sei nem como começaria esse assunto. E, pior, e se for tudo
imaginação minha? Ainda passarei a maior vergonha. Definitivamente, não
sei o que fazer.
— Como não perguntou, eu conto. — Ele continua. — Hoje iremos a
Veneza. Mas como sei que é uma autora de romances, faremos uma breve
parada em Verona.
— A casa de Julieta? — pergunto sem esconder minha empolgação.
— Parece que acertei, não é? — Ele ri, daquele jeito leve e gostoso
dele.
— Sim. Muito! Não que tenha errado em algo até aqui, tudo tem sido
perfeito, mas Verona é, sim, um lugar que queria conhecer.
— Ótimo! Fico muito feliz que esteja gostando de tudo. Confesso que
tenho me dedicado.
— Eu só tenho a agradecer. Sério. Obrigada por tudo.
Ele apenas sorri e em poucos minutos, talvez trinta ou quarenta, não
sei ao certo, já estamos em Verona.
A única coisa que me desanima um pouco é perceber como quase
todos os principais pontos turísticos da Itália ficam bem lotados nessa época
do ano. Mas não posso reclamar, já que isso fui eu que escolhi.
Caminho pelo que mais parece um formigueiro de gente, enquanto
registro tudo com meu celular. Nada consegue estragar o charme do lugar.
Mas pensar em Shakespeare e no amor proibido de Romeu e Julieta
chega a ser quase um deboche do destino. Estou na Itália, onde poderia me
apaixonar por qualquer homem bonito e solteiro, mas, não, preciso ter
sentimentos justamente pelo único que não pode ser meu. Não que eu vá ter
o mesmo trágico fim, até porque nem sei muito bem o que estou sentindo,
ainda é tudo muito confuso. Porém, é inevitável não me preocupar com o
desfecho dessa minha aventura em solo italiano.
Após todos os registros que poderia fazer, é hora de pegar a estrada
rumo a Veneza, que fica mais ou menos à uma hora e meia de carro de
Verona.
— Preciso te avisar, não sei o que preparou para a gente lá, mas não
há ninguém que me convencerá a andar de gôndola.
Ele, antes mesmo de perguntar o porquê, solta mais uma gargalhada.
É tão espontâneo que eu sempre acabo rindo junto.
— E qual é o problema com as gôndolas?
— Não ria, mas…
É nesse momento que ele ri mais ainda.
— Qual a parte de que é para não rir que você não entendeu? — Finjo
estar brava, mas rio tanto quanto ele.
— Desculpa. Mas é inevitável não rir de você às vezes. Peça qualquer
coisa que eu farei, mas não adianta pedir para eu não rir, pois será perda de
tempo.
— Estou vendo.
— Tudo bem — ele diz e respira fundo na tentativa de ficar sério —,
agora se explique.
— Tenho a sensação de que a gôndola virará a qualquer momento. É
muito desajeitado aquilo, você precisa concordar comigo. Não tem nada de
romântico em um passeio assim.
― Claro que é romântico! Pensa comigo... Se você cair na água, pode
ser socorrida pelo seu príncipe encantado.
― E quem disse que eu ainda acredito em príncipe encantado? Vou
entrar em contato com sua empresa de turismo e avisar que o guia deles está
me enganando.
Nós dois caímos na gargalhada.
― Por favor, não faça isso, dizem que o chefe é muito chato com
mentiras e não pensará duas vezes em me demitir ― Adam brinca, já que é
o dono de toda a empresa.
― Faremos um acordo então, nada de gôndolas e assim seu emprego
estará garantido por mais um tempo. O que acha?
― Acho perfeito. ― Ele sorri com a expressão mais encantadora do
mundo.
Vicky tinha razão, os italianos são mesmo diferenciados. Estou
perdida.
Pouco antes de chegarmos, ele explica que em Veneza não é
permitido a entrada de carros ao grande centro, e que por isso pegaremos
outro meio de transporte até nosso hotel. Entre as alternativas, Adam dirige
até Tronchetto, uma ilha artificial antes de Veneza. Lá existe um grande
estacionamento.
Assim que chegamos, deixamos o carro e vamos em direção ao táxi
aquático. Como estou com bagagem, ele achou melhor do que o conhecido
Vaporetto, que nada mais é do que uma balsa, o meio de transporte oficial
de Veneza.
O hotel reservado por Adam tem um píer próprio, o que facilita nossa
chegada, não precisaremos empurrar malas por aí.
Como chegamos no horário do almoço, já que nos atrasamos um
pouco em Verona devido ao mar de turistas que enfrentamos pelo caminho,
decidimos almoçar no hotel mesmo e só depois sairmos para passear.
Como em todos os lugares que comi, a comida daqui é maravilhosa.
Sem contar que o ar-condicionado do ambiente me permite deliciar tudo
com ainda mais prazer.
Depois de bem alimentados e de roupas trocadas, saímos para
aproveitar nossa tarde. Passeamos sem muito rumo, já que as próprias ruas
de Veneza já são uma atração à parte. Tudo por aqui é charmoso, é
impossível não se encantar com cada cantinho.
Depois de algumas voltas aleatórias, fomos à Torre Campanile di San
Marco, que fica ao lado da Basilica di San Marco. Como já disse a Adam
que não sou muito fã de visitar igrejas, decidimos apenas subir a torre, e no
alto dos seus noventa e oito metros, sendo a construção mais alta da cidade,
podemos apreciar a vista fantástica. É tão lindo que se eu pudesse passaria a
tarde toda por aqui.
Ao fim do dia fazemos uma parada para o tradicional aperitivo
italiano, que no caso de Veneza pode ser feito na beira dos canais, o que
deixa tudo ainda mais gostoso.
― Não é possível desfrutar de um aperitivo na Itália sem a bebida
adequada ― Adam diz, já chamando o garçom.
― Pelo amor de Deus, não me venha com outro drink horroroso!
Ele não sabe se ri ou se faz o pedido. Algum tempo depois nossas
bebidas chegam.
― Prometo que desse você vai gostar. Este é o famoso Bellini, uma
bebida típica da região do Vêneto, especialmente de Veneza. É um
espumante misturado com suco de pêssego docinho e suave. É tão leve que
o teor alcoólico dele é de 5%.
O fato de ser doce e suave já me deixa com mais coragem para
experimentar, além da linda aparência, com uma taça toda chique e uma
rodela de pêssego na borda e estupidamente gelada; tudo muito atrativo.
― Hummm... ― digo assim que experimento. ― Agora, sim. Que
delícia que é isso!
Bebo outro gole.
― Eu disse que desse você ia gostar.
― Amei!
E nesse clima descontraído passamos horas conversando.
― Acho que aqui na Itália eu nunca perderia a inspiração para
escrever.
― O lugar ajuda e muito, é claro, mas nossa mente precisa estar
muito boa também, ou então, nada fará sentido.
Olho para ele apenas concordando.
― Faz muito tempo que não escreve?
― Sim, desde o dia que Pedro se foi. Até tentei uma vez, mas desabei
a chorar e desisti. Não estava pronta.
― Tudo tem seu tempo, não se torture por isso.
― Eu sei, mas dói muito quando percebemos que até o que mais
amávamos fazer perdeu completamente a graça. Sinto falta de como me
divertia com todo o processo criativo que envolve a escrita de um livro. Ao
contrário do que muitos pensam, não é apenas escrever, ser autora envolve
tanta coisa, tanto trabalho, tanta pesquisa. E eu amava tudo isso. Agora...
Mal consigo terminar a frase. Adam estica sua mão sobre a mesa e
acaricia delicadamente a minha. O calor do seu toque me transforma de tal
jeito. A vontade que tenho no momento é de esquecer quem ele é e beijá-lo
aqui mesmo.
― Tenho certeza de que esta viagem te curará de várias formas
diferentes e, com isso, será um divisor de águas em sua vida. Quando voltar
ao Brasil, será outra Joana, você verá. Confie em mim.
Ele retira a mão da minha e sinto um vazio, algo que não sei explicar,
mas que me deixa estranha e perdida até nosso retorno ao hotel após o cair
da noite.
10
“Cai a neve e eu não entendo o que sinto de verdade, eu me rendo,
cada referência se foi”
L'Ultima Notte Al Mondo ― A Última Noite No Mundo ― Tiziano
Ferro
ADAM: Bom dia, turista. Espero que tenha descansado. Hoje vamos
a uma ilha aqui perto, então, se conseguirmos sair o mais cedo possível,
melhor será para voltar. Acabei me esquecendo de te falar isso ontem à
noite. Peço desculpas. Caso não queira, posso alterar nosso roteiro e assim
ficarmos em Veneza mais um dia. Hoje eu deixo você escolher, mas não se
acostume, é apenas hoje.
JOANA: Bom dia, italiano. Acabo de ver sua mensagem. Pode deixar
que já descerei para o café praticamente pronta, assim ganharemos um
pouco mais de tempo.
ADAM
Depois de ficarmos dois dias em Veneza, chegou a hora de seguirmos
viagem. Logo pela manhã eu faço o nosso chek out no hotel e em seguida
embarcamos no táxi aquático até Tronchetto, onde deixamos o carro no
estacionamento.
Já na estrada decido contar um pouco da minha história para Joana,
pois quero que ela entenda por que nosso próximo destino é tão especial
para mim.
— Espero que não se incomode, pois dessa vez iremos um pouco
mais longe — digo, enquanto dirijo.
— Mais longe quanto?
— Uns quatrocentos quilômetros daqui.
— Sério? — Ela parece realmente surpresa.
— Se quiser podemos ir a outro lugar, mas… — Fico sem graça de
terminar a frase.
— Mas…
— Deixa para lá. — Sorrio. — O importante é você, então a decisão é
toda sua.
— Se a decisão é toda minha, gostaria que terminasse a frase. Por
favor!
Ela olha para mim com tanta cumplicidade e verdade que decido me
abrir.
— Promete que não me achará um idiota?
Ela solta uma risada.
— Tenho certeza de que jamais pensarei isso de você. Agora, pare de
me enrolar e continue.
— Eu quis dizer anteriormente que, apesar das quase cinco horas que
levaremos até nosso destino, gostaria muito que você fosse, pois é um lugar
muito especial para mim.
— Você costuma ir sempre a esse lugar com outros turistas?
— Não. Acho que nunca levei ninguém lá. A não ser quando é um
pedido do cliente, mas não consigo me lembrar da última vez que isso
aconteceu. É um lugar sagrado para mim.
Olho meio de canto de olho para não desviar muito minha atenção da
estrada e percebo que ela ficou bastante desconfortável com minha fala.
Juro que não estou tentando forçar nada com ela, mas quando estou em sua
presença sinto algo tão diferente que chego a ficar até meio bobo e
inseguro.
— Olha, eu falei sério quando disse que o importante é a sua vontade.
Eu sou apenas um guia. Não precisa me seguir cegamente.
— Será um prazer conhecer esse tal lugar. Mas, por favor, não repita
isso novamente, você não é apenas um guia — ela diz e volta a olhar pela
sua janela do carro.
É claro que eu percebo o clima diferente entre a gente, posso estar
enferrujado, mas não estou morto. Apesar disso, não sei muito bem o que
fazer com tanta tensão e desejo. Ela não é apenas uma turista bonita que
está aqui atrás de uma aventura. É a viúva de um grande amigo. Alguém
que deveria ser proibida para mim, mas não há um só dia que eu não me
deite sem pensar nessa mulher.
— Monterosso — digo por fim.
— O quê? — Ela volta sua atenção para mim.
— Estou te levando para Monterosso al Mare. Cidade onde moro e,
sem dúvida, o lugar mais bonito de toda a Itália.
Ela abre um sorriso e com isso me sinto um pouco mais leve por fazê-
la ficar presa comigo em um carro por quase cinco horas seguidas.
— Então, agora acho que está na hora de me contar um pouco mais
sobre você, pois sinto que me conhece muito mais do que eu te conheço.
— Tem certeza de que não vou te entediar?
— Eu sou autora, esqueceu? Amo uma história. Pode começar. — Ela
se vira para mim e permanece atenta.
— Não tenho muitos parentes por lá. Durante muitos anos foram
apenas minha mãe e eu. Meu pai morreu faz algum tempo.
— Sinto muito por isso. Vocês eram próximos?
— Não como eu desejava, já que ele trabalhava demais. Queria ter
tido mais tempo em sua presença. Apesar disso, sempre foi um ótimo pai.
Ele só não entendia por que eu não queria seguir os passos dele. O senhor
Vittorio Romano era dono de uma das maiores vinícolas da Itália. E, após
muito trabalho duro, conquistou uma fortuna considerável.
— Ah, então quer dizer que meu guia é milionário? Por isso que não
se preocupou nem um pouco em perder o emprego com minhas
reclamações. — Ela se diverte com a história.
— Sim, eu sou um milionário, mas meu trabalho é importante demais
para mim, então, por favor, não se esqueça dos nossos acordos.
— Não me esqueci. Você prometeu me surpreender. Estou esperando.
Essa mulher é uma caixinha de surpresa. Ao mesmo tempo em que às
vezes dá dez passos para trás, também dá dez em minha direção. Nunca sei
o que esperar.
— Também não me esqueci da minha parte, só preciso de um pouco
mais de tempo.
— Não se preocupe, não estou com pressa.
Ela parece se divertir por me ver tão sem graça com certas situações.
— Agora explica... O que levou um milionário italiano a abrir uma
agência de viagens no lugar de seguir os passos certeiros do senhor
Romano?
— Eu não sei se percebeu, mas eu amo a Itália.
— Foi muito sem querer, mas eu percebi isso — ela fala com total
ironia, o que me faz rir.
— Não queria ficar preso em um lugar só, quando poderia desfrutar
de toda a Itália. Para que meu pai não ficasse tão aborrecido, permiti que
me ajudasse com a construção e consolidação da minha agência. Eu era
filho único e ele sempre fez questão de me proporcionar tudo do bom e do
melhor.
Se tem uma coisa que eu queria é que ele visse tudo que fui capaz de
conquistar depois, com minhas próprias pernas, com meu trabalho, com
meu nome. Mas isso é algo que decido não compartilhar agora.
— Com a agência pude viajar como guia sempre que me desse
vontade — continuei. — Claro que como dono fico mais tempo preso no
escritório, ainda assim tenho a liberdade de fazer o que nós dois estamos
fazendo agora.
Ela olha para mim e sorri. Parece genuinamente feliz com minha
companhia.
— Até que meu mundo virou de cabeça para baixo e precisei
reorganizar as minhas prioridades. E foi aí que Monterosso se tornou um
lugar ainda mais especial. Um lugar que eu não posso e nem quero me
afastar por muito tempo.
Faço uma pausa, bebo um gole de água, pois essa parte sempre me
deixa de coração apertado e depois prossigo:
— Muitos anos depois do falecimento do meu pai, minha mãe
encontrou um rapaz que com muita lábia e canalhice fez tudo o que fez.
Após um tempo de relacionamento ela acabou engravidando, mesmo já
sendo mais velha do que o ideal para uma gestação. Na verdade, ela nem
imaginava que ainda conseguia gerar um filho. Foi um misto de surpresa,
de alegria e de muita preocupação.
— Eu imagino, acho que ficaria da mesma forma.
— Pois é. Assim que soube e passado um pouco o susto, contou ao tal
namorado. Foi aí que tudo entre eles terminou. Ele disse que não queria ser
pai e sumiu daqui. Nunca mais o vi.
— Não acredito!
— De um homem assim é preferível ter distância mesmo, mas doía
ver o tanto que minha mãe sofreu. Ainda mais com todo o risco da
gravidez. Foram oito meses muito difíceis.
— Tenho certeza de que ela era grata em ter um filho maravilhoso
como você do lado dela.
— O mérito foi todo dela, sempre foi uma mãe incrível.
Joana acaricia meu braço.
— Sinto muito que ela tenha falecido, lembro que me contou isso em
Milão. Mas, e a criança?
Eu sorrio ao me lembrar da minha pequena.
— A gravidez era de risco, mas ela foi forte até o fim. Deu à luz a
uma menina linda. Nossa pequena Beatrice.
Vejo que seus olhos se enchem d’água.
— Desculpa, não quis te fazer se lembrar da sua filha.
— Não se preocupe, estou bem. Pode continuar.
— Apesar de Beatrice ter nascido linda e forte, minha mãe não
resistiu. Foi, sem dúvida, o dia mais difícil da minha vida. É um buraco que
carregarei em meu peito para sempre.
Ela apenas balança a cabeça, afinal, sabe muito bem como é perder
alguém a quem tanto ama.
— Nesse mesmo dia perdi minha mãe e virei pai. — Rio.
— Você assumiu a criação?
— Sim. Como eu disse, não tenho muitos parentes. Apenas uma tia,
irmã da minha mãe, mas já não tem tantas condições de saúde como eu.
Virei um pai solo do dia para a noite.
— Ela foi o lindo presente que sua mãe deixou, que você comentou?
— Exatamente. Foi um começo difícil, mas agora, oito anos depois,
vejo que valeu a pena e que faria tudo novamente.
JOANA
Como não me apaixonar por um homem desses? Ele não é apenas um
italiano bonito, é uma pessoa diferenciada, com um coração do tamanho do
mundo.
Ao longo da viagem me conta um pouco mais de como foi ser pai,
das dificuldades e tudo o que passou sem a ajuda de quase ninguém. Fico
admirada com todo o relato. Qualquer outro homem teria desistido. Já ele,
não só continuou como se alegra pela decisão que tomou.
Após horas na estrada chegamos, finalmente, a Monterosso. E mais
uma vez ele tinha razão, é lindo aqui. A cidade, as construções e o azul
diferenciado do mar. Certamente amarei estar aqui tanto quanto ele.
Como foi uma viagem longa, vamos direto para a casa dele, disse que
dessa vez não se sentiria confortável em um hotel e que gostaria de me
receber em sua casa. O que precisei aceitar.
Assim que escuta a voz de Adam, uma garotinha aparece correndo.
— Papai! Você voltou — ela diz e pula em seus braços.
— Eu voltei, minha pequena. Não aguentava mais de saudade de você
— ele diz e a abraça ainda mais apertado.
— É sua amiga, papai?
— É, sim. O nome dela é Joana, ela mora lá no Brasil.
Beatrice desce do colo de Adam e me abraça apertado. Vê-la assim
com ele e comigo me deixa de coração apertado. Lembro-me da minha
pequena Lia, que hoje já estaria com quase um ano.
— Você é ainda mais linda do que seu pai me contou — digo
acariciando seu lindo cabelo castanho e levemente cacheado, assim como o
de Adam.
Beatrice segura minha mão e me leva por toda casa, mostrando-me
cada cantinho. Depois de comermos e descansarmos um pouco, passamos o
final do dia todo na praia, nós três.
Já à noite, com Beatrice já adormecida e na presença de uma babá,
Adam me leva para jantar. Dessa vez, só nós dois.
Vamos a um restaurante que fica na Torre Aurora, uma torre do
século XIII, com uma vista incrível da cidade. É a primeira vez que me
sinto em um encontro e não apenas compartilhando um jantar com um
amigo, e isso me deixa muito nervosa. Mal consigo apreciar a comida.
Depois de jantarmos, saímos do restaurante e Adam segura minha
mão enquanto caminhamos. Nossos dedos parecem se encaixar da forma
mais perfeita do mundo. Conversamos por um tempo até que o desejo fala
mais forte do que nossa razão. Encostados em uma meia parede enquanto
novamente olhávamos a vista, ele leva a mão pela primeira vez em meu
rosto. Acaricia minha bochecha e seu toque quente me faz esquecer todos
os motivos que tenho para lutar contra tudo isso.
Ele, então, passa o dedão delicadamente em meus lábios até me puxar
para um beijo que nenhum dos dois conseguia mais evitar. Um beijo quente,
firme e carregado de desejo e de paixão. Um beijo especial em uma das
cidades mais especiais da Itália. Um beijo que mudaria tudo entre nós e,
principalmente, dentro de mim.
12
“Você está perdendo tempo
Pensando, pensando
Pelo que você mais queira
Até quando? Até quando?”
Quizás, Quizás, Quizás ― Talvez, Talvez, Talvez ― Andrea Bocelli
com Jennifer Lopes
JOANA
Já na casa de Adam, eu ando de um lado para outro, completamente
perdida. Como eu fui fazer aquilo?
Assim que me puxou para um beijo, ele se afastou e olhou
profundamente em meus olhos. Segundos depois tive a impressão de que
me pediria perdão e se afastaria de vez, foi então que o puxei de volta e lhe
dei mais um beijo. Sabia que quanto mais estivesse imersa no beijo, mais
tempo demoraria em sentir remorso e por isso adiei o inevitável.
Agora estou aqui, desesperada, envergonhada e sem saber como o
olharei no dia seguinte. No caminho para cá ele ainda tentou conversar
comigo, enquanto eu andava sem querer ouvir nada.
— Por favor, Joana, não faça isso. Vamos conversar — ele dizia e
andava atrás de mim.
Até que me alcançou e, segurando meu braço, me fazendo parar.
— Por favor, você precisa me escutar — insistiu ele.
— Não. A única coisa que eu preciso agora é ficar longe de você e, de
preferência, sozinha.
Dou às costas e volto a andar.
— É isso mesmo o que quer? Ficar longe de mim? — disse.
— O que você quer de mim, Adam? ― Paro e olho em sua direção.
— Não sei, mas talvez eu apenas queira não me sentir tão culpado por
ter me apaixonado por você — ele diz, um pouco bravo e ao mesmo tempo
meio perdido.
— Mas é exatamente isso que devemos sentir, culpa!
— Somos solteiros, não deveria ser assim.
— Somos horríveis, isso, sim! Se Pedro pudesse nos ver agora
certamente teria vergonha de nós dois — falo sem conseguir segurar as
lágrimas.
Vejo em seus olhos a mesma culpa que sinto, então volto a andar em
direção a cada dele, mas agora, sem ser interrompida.
Após andar de um lado para outro no quarto, decido tomar banho, na
esperança de lavar toda culpa e desejo que estão entranhados em cada poro
do meu corpo.
Obviamente, de nada adiantou. Estou de banho tomado, roupa trocada
e me sinto cada vez mais suja. Penso em ligar para Vicky, mas sei
exatamente o que ela dirá, e às vezes nós não queremos ouvir a verdade,
queremos apenas um colo para chorar, e com um oceano inteiro de
distância, será impossível que ela consiga.
Deito-me na cama, mas estou tão atormentada pela culpa que passo a
noite inteira acordada. Vejo o dia amanhecer com a claridade que entra pela
fresta da janela. Pouco tempo depois, escuto vozes o que me dá coragem de
levantar, já que percebo que não ficarei sozinha com Adam.
— Bom dia! — diz a prima dele e babá de Beatrice assim que me vê
entrando na cozinha.
— Bom dia! — digo, esforçando-me ao máximo para abrir um
sorriso.
— Dormiu bem? — Adam tem a audácia de me perguntar.
Olho em sua direção com uma vontade imensa de voar em seu
pescoço. Se há alguém nesse mundo que sabe o quanto estou atormentada,
esse alguém é ele. Mas no lugar de brigar na frente de uma estranha, decido
entrar em seu jogo.
― Muito bem, assim como em todos os dias ― digo.
Mesmo sem olhar diretamente para ele sei que não gostou nem um
pouco de minha resposta.
― Que ótimo então! ― Ele continua.
― Sim. Aproveitando, para onde iremos hoje? ― Sigo como se
estivéssemos em perfeita harmonia.
― Ainda ficaremos em Monterosso, pensei em te levar no Convento
dei Frati Cappuccini, a vista de lá é maravilhosa, acho que vai gostar.
― Por mim, sem problema, mas depois gostaria de aproveitar o
restante do dia na praia, pois amei a daqui.
― Eu posso ir? ― Beatrice pergunta, entrando na cozinha sem que
percebêssemos.
― Isso são modos? ― Adam a repreende.
― Desculpa. Bom dia! ― ela cumprimenta e abre o mesmo sorriso
encantador de Adam, então insiste: ― Mas eu posso ir?
― Não é para mim que você precisa perguntar, é para Joana.
Ela, então, olha para mim toda sem graça de repetir a pergunta.
― Eu odiaria se você não fosse com a gente, pois já estava contando
com isso ― digo.
― Sério?
― Claro. Certamente será muito mais divertido com você.
― Viu, papai? Ela já estava contando comigo.
― Estou vendo. Eu disse que ela era uma ótima amiga e que você iria
gostar.
― Sim, você disse.
E, nesse clima, terminamos nosso café e fomos nos trocar para mais
um dia de passeio e calor no verão italiano. Adam também convida sua
prima, mas ela prefere aproveitar a folga para resolver algumas coisas.
Odeio ser obrigada a confessar, Adam pode ter mil defeitos, mas sem
dúvida é um ótimo guia turístico. Fico extasiada com a vista daqui de cima.
Toda a imensidão do mar, em um azul-anil diferenciado. Por alguns
instantes consigo até esquecer o clima estranho que reina entre mim e
Adam, pois nem a presença de Beatrice tem ajudado com isso.
O calor e a beleza me deixam com ainda mais vontade de curtir uma
praia. Sempre amei estar perto do mar. Ao menos esses passeios Pedro e eu
fazíamos com frequência no Brasil, mas a cor do mar de Monterosso é algo
apaixonante. Sem dúvida é a praia mais linda que já conheci.
Depois de algumas fotos e da insistência de Beatrice para irmos logo
à praia, chegamos ao que é, atualmente, meu lugar preferido do mundo.
Devido ao calor, a praia está mais movimentada do que eu imaginava,
mas por sorte ainda conseguimos um lugar bem gostoso para ficarmos na
areia, com guarda-sol e tudo.
Beatrice logo faz amizade com umas crianças ao lado, deixando
Adam e eu sozinhos. Não quero estragar minha viagem com esse clima,
mas ao mesmo tempo também não quero conversar sobre o que aconteceu
ontem. Não me sinto pronta.
No lugar de falarmos do assunto que tanto nos incomoda,
conversamos banalidades e, observando Beatrice brincar, me perco na
saudade dos momentos que não pude viver ao lado de minha filha. É duro
demais ter gerado por quase nove meses e depois ter pegado no colo aquele
neném tão pequeno e indefeso sabendo que teria apenas poucos minutos.
― Acho que nunca mais conseguirei engravidar ― digo assim, meio
que de repente.
Mesmo sendo inesperado, Adam entende exatamente por que estou
falando isso.
― Por questões médicas ou pelo trauma? ― ele pergunta.
― Pelo trauma. Sei que isso pode ser tratado com uma psicóloga,
mas não sei se quero passar por tudo aquilo de novo. É uma dor
inexplicável gerar uma criança sabendo que não viverá.
― Eu nem consigo imaginar. Mais uma vez, sinto muito por tudo
isso. Assim como sinto por ter te feito ficar com raiva de mim. Juro que não
foi minha intenção.
― Eu não tenho raiva de você, Adam. Tenho de mim, por ter me
deixado gostar de você.
― Simplesmente aconteceu, Joana. Não podemos nos punir por conta
disso.
― Eu sei, mas também não precisamos viver o que sabemos não ser o
certo. Não somos mais adolescentes. Temos idade suficiente para deixarmos
nossos sentimentos de lado e esquecer por completo o que aconteceu
ontem. É tudo que te peço: esqueça. Será melhor para todo mundo.
ADAM
Ouvir Joana falando dessa forma me deixa arrasado de um jeito que
nem sei explicar. Dói ficar nessa luta entre a razão e a emoção. Nunca
desejei me apaixonar justamente pela viúva de um amigo. Simplesmente
aconteceu. É claro que isso me incomoda, mas ao mesmo tempo, quando
imagino uma vida ao lado dela e de Beatrice vejo o quanto poderíamos ser
felizes juntos.
Além da questão do Pedro, tem algo que ainda não contei a ela.
Sabendo disso, nem seria justo insistir em um relacionamento que não
posso ter, ao menos não por agora. Não sei se ela estaria disposta a esperar
por mim se soubesse toda a minha história. Se soubesse o que acontecerá
daqui a poucos meses.
13
“Eu não minto, não importa o que dizem
No silêncio olho as almas que passam
E dessas almas você é a mais especial
Porque você está sorrindo, mesmo perseguida pela dor”
Hai Delle Isole Negli Occhi — Tem Mistério Nos Seus Olhos —
Tiziano Ferro
ADAM
O que dizer da noite de ontem? Não consigo nem pensar em tudo que
aconteceu sem sentir meu desejo por essa mulher aumentar.
Mas eu não posso. Não posso tê-la. Pelo menos não agora.
Acordo pouco tempo após o dia ter clareado e decido tomar um
banho. Toda essa questão com Joana mais o compromisso que já tenho está
me deixando ainda mais perdido. Tenho medo de contar toda a história e
perdê-la para sempre.
Saio do banho, visto uma roupa e saio do quarto. Não sei como Joana
vai reagir quando acordar. Ontem foi maravilhoso. Pude sentir na reação do
seu corpo todo o desejo que também sinto. Mas sei a luta interna que ela
trava pelo fato de eu ser amigo de Pedro.
Nos primeiros dias eu também me sentia um cretino por desejar
justamente a mulher de um amigo. Porém, quanto mais penso sobre o
assunto, mais vejo que não tive culpa. Não foi nada planejado.
Simplesmente aconteceu. E se tem alguém no mundo que a tratará da forma
que Pedro gostaria, sei que esse alguém pode ser eu. Não que eu me ache
perfeito, mas sei que faria de tudo para fazê-la a mulher mais feliz que já
existiu.
Em algum momento do dia de hoje teremos de conversar. Não
podemos mais ficar agindo como dois adolescentes. Sou um homem de
mais de trinta anos, sei muito bem o que significa ter responsabilidade. Da
mesma forma que entendo se ela não quiser nada sério comigo, pois além
de moramos em países diferentes ainda tenho como parte do pacote uma
filha de oito anos que sempre será a minha prioridade.
Se essa for a sua desculpa será aceitável. Doerá de qualquer forma,
mas ainda é aceitável. Só não posso permitir que ela fuja de mim por conta
de um compromisso que não existe mais. Não faz sentido. A vida continua
querendo ou não.
Horas depois, Joana aparece para tomar café da manhã. Tudo que
vejo em seus olhos são culpa, tristeza, arrependimento. Nada comparado à
satisfação da noite anterior. Decido dar um tempo a ela, não quero falar
sobre isso ainda nas primeiras horas do dia. Mas ainda hoje teremos essa
conversa.
JOANA
— Bom dia! — digo secamente.
— Bom dia! — ele responde sem qualquer entusiasmo também.
Tomo meu café evitando ao máximo olhá-lo nos olhos. Não quero ser
obrigada a falar sobre o que aconteceu ontem. Para falar a verdade, não
gosto nem de lembrar.
Foi tudo tão perfeito e maravilhoso, muito melhor do que imaginei.
Ele foi cuidadoso, carinhoso e por uns instantes fez com que eu me
esquecesse de que apenas Pedro me conhecia dessa forma. Acho que no
fundo esse é o meu maior medo. Medo de esquecer tudo o que vivi e tudo o
que Pedro me fazia sentir. Medo de estar substituindo o responsável por me
mostrar o que era ser verdadeiramente feliz. Medo. Talvez essa seja a
palavra.
Quando me casei com Pedro senti algo muito forte dentro de mim.
Uma certeza de que estaríamos juntos para sempre. Ele me passava tanta
segurança que era impossível não pensar isso. Apenas a morte nos
separaria. O problema é que a morte veio muito mais cedo do que qualquer
um imaginou.
Fazíamos tantos planos. Tínhamos tantos sonhos. Todos bruscamente
interrompidos.
Sabia que mesmo na velhice seria difícil demais perdê-lo, mas ainda
assim seria mais aceitável. Da forma como tudo aconteceu, sinto que
tínhamos muito pela frente. Não acho que aproveitei o suficiente. Todo esse
sentimento de luto ainda é muito recente.
Talvez seja por isso que ter me apaixonado por Adam justo agora está
sendo tão difícil. Em outra época poderia ser algo incrível. Ele é um homem
tão bom, tão digno de tudo que conquistou. Fora a atitude de criar a irmã
como sua filha, não tenho nem palavras para isso.
Queria ter um motivo muito sério para odiá-lo. Por mais que doesse,
que me destruísse, ainda assim acho que seria mais fácil do que assumir
para mim mesma o quanto estou apaixonada por ele. O quanto eu o desejo.
— Pensei em irmos para Roma hoje, o que acha? — Adam indaga,
interrompendo meus pensamentos.
— Acho ótimo. Não quero ficar em Florença.
Ele nem precisa perguntar. Sabe muito bem o motivo. Entende que se
ficarmos seremos obrigados a dividir o mesmo quarto e, principalmente, a
mesma cama. Após a noite que tivemos, não teria a mínima força para
resistir. Pelo contrário, sei que a proximidade e a lembrança do que já
compartilhamos seriam o combustível para explodirmos em mais uma noite
de prazer.
Voltamos ao quarto, arrumamos as coisas e logo já estamos na estrada
novamente. Agora, rumo a Roma.
— Dessa vez é um pouco mais longe. São quase três horas até lá.
Caso queira ou precise parar, é só me falar — Adam diz, sempre muito
educado, apesar do clima horrível entre a gente.
— Tudo bem. Estou um pouco cansada. Acho que vou aproveitar
para dormir um pouco. Você se incomoda?
— De jeito nenhum. Fique à vontade. Descanse.
Viro um pouco meu corpo na direção da minha janela e mesmo
estando de óculos escuros, fecho os olhos para que ele não veja que estou
acordada. Estou com a mente tão agitada que a última coisa que conseguirei
fazer é dormir. Só digo isso a ele para já fugir de qualquer possibilidade de
conversa, tanto sobre o que precisamos discutir como sobre qualquer coisa.
Não quero ser grosseira e não quero fingir que nada aconteceu. Então, o
único jeito é fingir estar dormindo.
As três horas parecem dez, mas finalmente chegamos ao hotel em
Roma. Dessa vez não tivemos qualquer problema com nossas reservas. Um
quarto para cada um está garantido, o que é um alívio enorme.
Depois de deixarmos nossa bagagem saímos para passear. Quem sabe
as paisagens italianas ocupem minha mente no lugar dos problemas. Só eu
mesma. Vim à Itália para curar um coração destruído pelo luto e voltarei ao
Brasil com ele ainda mais destroçado por ter me apaixonado por quem não
deveria.
Caminhamos ao redor do Colosseo, ou Coliseu para nós brasileiros. É
sem dúvida uma estrutura espetacular considerando toda a história. Mas,
como todos os demais pontos turísticos, está cheio de turistas, e eu que já
não estou muito animada, desisto vendo a multidão entrando. Também não
estou muito no clima para fotos, ainda assim tiro uma ou duas para registrar.
E independentemente de ter entrado ou não, fico satisfeita por ter conhecido
mesmo só do lado de fora. É algo único.
Como já estamos no horário do almoço, paramos em um tradicional
restaurante italiano de massas. Como é prazerosa uma comida benfeita.
Uma delícia tudo.
Adam e eu trocamos algumas palavras, mas está tão estranho que
invento mais uma vez que estou cansada e peço para voltarmos ao hotel.
Ele não discute, apenas atende meu pedido e logo estamos de volta.
Já no meu quarto, tomo um banho para aliviar o calor e depois visto
uma roupa bem fresca. Passo o restante do dia na cama curtindo o ar-
condicionado.
Como não sou de ferro e nem vivo de fotossíntese, aviso Adam por
mensagem que gostaria de sair para comer algo. Ele, então, me leva em
mais uma casa de massas e pedimos uma pizza incrível. Depois me convida
a experimentar em outro lugar uma famosa sobremesa italiana, o Tiramisú;
que nada mais é do que um doce com camadas de biscoitos champanhe
embebidas de café expresso, entremeados por um creme à base de queijo
mascarpone, creme de leite fresco, ovos, açúcar e polvilhadas com cacau
em pó e café. Claro que cada região tem sua variação, mas este é
maravilhoso.
A caminho do hotel Adam faz o que tanto temi.
— A gente não pode ficar assim. Não sei fingir que nada aconteceu
ou que não estou sentindo nada por você.
— Por favor, Adam, não vamos falar sobre isso agora.
— E quando falaremos?
— Não sei, quem sabe nunca?
— Isso está te torturando tanto quanto a mim. Sei disso. E entendo
você.
— Você não sabe como é ser viúva, então não finja me entender.
— Tudo bem, desculpa, você tem razão. Mas você ficará sozinha pelo
resto da vida? É isso que quer?
Não consigo responder. Apenas continuo caminhando. Louca para
chegar ao hotel e encerrarmos essa discussão que não nos levará a lugar
algum.
— E quero você, Joana, como nunca quis ninguém. Mas para isso
também preciso te contar uma coisa.
— Por favor, Adam. Não quero ouvir. Quanto mais eu te conheço,
mais me apaixono por você. E não quero! Não posso! Não devo!
— Você está sendo covarde. Essa não foi a Joana por quem me
apaixonei. E talvez nem seja a Joana por quem Pedro se apaixonou.
Suas palavras são tão duras que acabam comigo. Viro em sua direção
e sem pensar duas vezes lhe dou um tapa no rosto e sigo caminhando à sua
frente.
As lágrimas escorrem apressadamente pelo meu rosto. Entro no hotel
correndo, e já no quarto desabo na cama. Talvez ele tenha razão, essa não é
a Joana por quem Pedro se apaixonou. E tomar ciência disso é o que mais
me machuca.
16
“Por favor, espere por mim, porque
Eu não posso viver sem você
Não é possível dividir a nossa história”
La Lolitudine ― A Solidão ― Laura Pausini
JOANA
O tapa que dei no rosto de Adam doeu mais em mim do que nele.
Nunca fiz algo parecido em toda minha vida, até porque nem acredito que
essa seja a solução. Sinto-me tão mal, mas tão mal, que mesmo sendo já de
madrugada decido enviar uma mensagem para ele.
E ele mais uma vez mostra que é tão incrível quanto eu acho que é.
Um homem que não tem vergonha em assumir que errou, muito menos
vergonha de pedir perdão.
ADAM
Como é difícil ficar distante dela. O que mais queria era poder viver
tudo o que estou sentindo, mas não tem sido justo. Definitivamente, Joana
ainda não está pronta para deixar Pedro no passado. E nem posso culpá-la
por isso. É o que me disse ontem, não sou viúvo, então não conheço de fato
o tamanho de sua dor.
Não serei grosseiro, mas decido ser apenas o guia turístico. Da forma
que deveria ter sido desde o começo. Mas eu me perdi em meio à paixão e
misturei tudo.
Enquanto estou dirigindo, vejo uma lágrima solitária escorrer em seu
rosto. Quase paro o carro e a abraço forte. Não queria fazê-la sofrer dessa
forma, mas já não sei mais como agir.
Nunca me senti tão perdido e tão inútil em toda a minha vida.
Após chegarmos ao hotel, caminhamos até um restaurante próximo. E
aqui ela tem a oportunidade de experimentar a famosa pizza napolitana. Ao
menos ainda posso lhe proporcionar alguma alegria com as minhas
indicações. E se tem alguém que se transforma quando come, é Joana. Ela
se delicia com cada pedaço. Curte cada sabor. É um privilégio presenciar
esses momentos.
Passeamos um pouco pelas ruas da cidade, mas está tanto calor que
decidimos voltar para descansar um pouco.
— Sei que não está se sentindo bem, então pode dar o dia de hoje
como encerrado. Não me importo.
Não sei se ela diz isso por preocupação ou por querer ficar longe de
mim. Decido não questionar e faço da forma como disse.
— Obrigado! Mas meu celular está sempre ligado, qualquer coisa
pode me chamar.
— Tudo bem. Ficarei aqui no hotel mesmo. Bom que também
descanso.
E assim nos despedimos.
JOANA
Aproveito o tempo sozinha para colocar meus pensamentos em
ordem. Não sei se ele está mesmo com dor, mas ficou nítido como não quer
estar comigo hoje.
Tomo um banho mais demorado, durmo um pouco e à noite vou ao
restaurante do hotel. Peço uma taça de vinho e pizza. Não é tão boa quanto
a do almoço, mas também está longe de ser ruim.
Pela primeira vez consigo sentir prazer em estar sozinha. E isso me
deixa feliz.
Converso por mensagem com Vicky, obviamente sem entrar em
detalhes do meu relacionamento com Adam. Apenas mato a saudade de
conversar banalidades com ela. Ter a sua amizade é o melhor presente que
Pedro me deixou nessa vida. Não sei como passaria por tudo isso sem o
apoio e até mesmo as broncas que me dá. Tudo ficou diferente desde que a
conheci e soube que poderia contar com ela em qualquer circunstância.
Assim que percebo que sou a última no restaurante, pago a conta e
subo para meu quarto. O vinho me deixou um pouco mole e, por isso, pego
no sono mais rápido do que o normal, mas decidida a fazer de amanhã um
dia diferente.
17
“Há uma noite estrelada entre as chaminés
Há uma vida já escrita e outra para construirmos juntos
Uma para inventar, outra para compreender
Uma para perdurar, eu e você
E uma para nos perdermos, eu e você”
Durare ― Perdurar ― Laura Pausini
JOANA: É só por isso que sairá comigo? Voltei a ser uma cliente
para você?
Envio e na mesma hora me arrependo. Tento apagar, mas é tarde
demais, ele já visualizou. Não quero implorar pela atenção de ninguém, não
preciso disso, nem mesmo a de um homem italiano, lindo, gentil, carinhoso,
encantador... como ele.
ADAM: Desculpe, não foi o que quis dizer. Você quem manda porque
quero que essa viagem seja especial, em tudo. E mesmo já acreditando que
eu possa ter estragado as coisas, não quero te fazer se arrepender de ter
vindo. Principalmente por saber o que te motivou a vir. Estar com você é
sempre maravilhoso, mas depois do que vivemos e de toda a culpa que
carregamos, não quero ser um incômodo para você. Mais uma vez, peço
desculpas.
Mais animada termino meu café, pois se tem uma coisa que não pode
ser ignorada é um bom café da manhã de hotel, e subo ao quarto para me
trocar.
Depois de avisar Adam, nós dois seguimos rumo a Spiaggia
Miliscola, Praia de Miliscola, a pouco mais de 16 km do centro da cidade
de Nápoles. Como saímos em um horário bom, relativamente cedo,
conseguimos ir sem qualquer estresse e ainda pegamos um lugar bem
gostoso para ficar.
Aqui possui uma das vistas mais incríveis de Nápoles, além de uma
faixa extensa de areia bem macia. Exatamente do jeito que eu queria passar
o dia todo.
Enquanto tomamos um drink bem gelado, tomo coragem para tocar
no assunto delicado.
― Queria te fazer um pedido, mas entendo se não quiser ― digo.
Ele abre um leve sorriso.
― Pode falar o que quiser, Joana.
― Queria esquecer nossos problemas, ao menos por um dia. Não
quero pensar em Pedro, na nossa discussão, na diferença de opinião que
temos sobre esse relacionamento e nem ouvir o que você precisa tanto me
contar. ― Faço uma pausa e vejo que ele escuta com todo o carinho do
mundo, então me aproximo e continuo: ― Quero apenas aproveitar o dia de
hoje.
― E como você quer fazer isso?
― Nada de mais. Quero desfrutar de tudo o que tenho direito. Como,
por exemplo, disso... ― falo e o beijo, sem me importar com absolutamente
nada além do meu prazer.
Adam retribui com o mesmo carinho e desejo de todas as outras
vezes. Claro que tudo com muito pudor e respeito, já que estamos em um
ambiente público.
― Tem certeza disso? ― ele pergunta, acariciando meu rosto.
― Tenho. A não ser que você não queira mais. Não ficarei feliz, mas
respeitarei, assim como tem me respeitado durante todo esse tempo.
Antes de falar qualquer coisa ele me beija novamente.
― Não fale besteira. Tudo que mais quero é ter você.
Nesse clima de romance passamos o dia inteiro na praia. Voltamos
com aquelas conversas descontraídas do início da viagem. Não falamos
sobre o passado, muito menos sobre o futuro. Talvez a receita para um dia
pleno seja essa, concentrar apenas no presente, mesmo sabendo que é
impossível viver todos os dias assim.
Adam conta um pouco sobre os lugares que já conheceu e,
principalmente, sobre as diferentes comidas que experimentou. Tudo de
uma maneira bem leve e divertida.
Antes do fim da tarde peço para irmos embora.
― Cansou? ― ele pergunta rindo.
― Não completamente. Mas, como disse, quero aproveitar tudo o que
tenho direito hoje, e para isso preciso guardar um pouco das minhas
energias. Se é que me entende. ― provoco. ― Mas, se quiser ficar mais um
pouco...
― Não ― ele me interrompe. ― Já está mais do que na hora de
irmos.
Dou uma gargalhada, o que o faz rir também.
Arrumamos nossas coisas e em poucos minutos estamos no hotel.
― Posso tomar banho primeiro? ― pergunto.
― É claro que não.
Estranho sua resposta, mas logo ele me puxa para um beijo e me
empurra, de roupa e tudo, para o chuveiro. E assim, tomo o melhor banho
que poderia desejar, em meio a muitos beijos, carícias e prazer.
Sem dúvida este é o dia mais perfeito na Itália, o que me faz ver que
não são os lugares que nos fazem felizes, sim, a companhia. E Adam é a
melhor companhia que qualquer mulher poderia ter.
Passamos toda a noite assim, como um casal feliz, com uma vida
inteira pela frente, mesmo sabendo que nada será tão simples assim. Não
queremos pegar no sono e ver o dia acabar, ver a realidade nos acordando
pela manhã. Mas o cansaço bate e logo adormecemos.
Acordo com seus beijos e carícias.
― Sei que o combinado era apenas ontem, mas, e se fingirmos que
não vimos o dia clarear, pelo menos pelo tempo de nos amarmos mais uma
vez? O que acha? ― ele sussurra ao meu ouvido enquanto sua mão já
passeia pelo meu corpo.
― Acho uma ótima ideia.
E assim vivemos por mais um tempo tudo o que sentimos. Toda a
paixão e desejo que tomou conta de nós de uma forma tão avassaladora que
não pudemos mais evitar.
O que farei agora, sem esse italiano na minha vida?
Após ficarmos de bobeira na cama, ele se levanta para tomar banho.
Nesse intervalo de tempo recebo uma mensagem de voz de Beatrice.
Ela, então, dispara a falar, como uma boa italiana que é, e me diverte
com todas as histórias.
ADAM
— Hoje você quer ir a algum lugar especial? — pergunto, ainda no
banheiro, mas já de banho tomado.
Não escuto nenhuma resposta.
— Joana? — insisto.
Será que ela dormiu e eu estou aqui gritando?
Enrolo a toalha na cintura e saio para ver. O quarto está vazio. O que
pode ter acontecido para ela ter saído assim sem me avisar?
Termino de me arrumar e vou ao seu quarto. Bato e ninguém
responde. Preocupado, bato mais uma vez.
— Só me deixa em paz, por favor! — Joana diz sem abrir a porta.
Posso jurar que ela está chorando.
— O que aconteceu? Pelo amor de Deus, me deixa entrar e você pode
me explicar tudo.
— Não tenho nada para explicar. Vá embora! Quero ficar sozinha.
— Eu não vou a lugar algum antes de você me explicar o que eu fiz.
Acho que ao menos tenho esse direito.
Após um tempo e muita súplica, Joana finalmente abre e me deixa
entrar. Como previ, ela está aos prantos, mas fico muito assustado quando a
vejo arrumando as malas.
— Joana, para e conversa comigo! — Seguro-a pelos braços, sem
machucá-la.
— Não encosta em mim! — Ela afasta minhas mãos.
— Tudo bem, desculpe, não vou encostar. Só quero entender o que
aconteceu nesse tempo em que eu estava no banho.
Sinto um desespero tão grande que nem consigo explicar. Tudo estava
perfeito e de repente desmoronou.
Não é nossa primeira briga, mas pelo menos da outra vez houve mais
diálogo. Agora ela só chora enquanto faz as malas. Ignorando-me por
completo, pega o celular e tudo o que me resta é prestar atenção à conversa.
Ela está à procura de passagem de volta ao Brasil. E, pior, quer para
hoje no primeiro horário que tiver disponível.
— Não faça isso, vamos conversar — imploro.
E ela nem sequer olha para mim.
Acabou.
É tudo que sei.
E chegar a essa conclusão me deixa arrasado. Nunca imaginei me
apaixonar por alguém, da mesma forma que nunca pensei que pudesse doer
tanto um término.
JOANA
Adam insiste em conversar. Para quê? Para me contar mais mentiras?
Para continuar se divertindo enquanto me engana?
Acabou!
Não quero mais saber de ouvir nenhuma palavra que saia de sua boca.
Quero apenas voltar para o conforto da minha casa, lugar de onde eu nem
deveria ter saído.
Essa viagem foi um erro, assim como eu sabia que seria.
Adam parece desistir e sai do meu quarto, o que é um alívio. Acho
que surtaria ainda mais se continuasse perto dele.
Após um longo tempo consigo passagem ainda para hoje, com
horário de embarque às 14h35. O que me dará tempo até demais para
arrumar tudo. Só será um saco ter de fazer uma parada de mais de seis horas
no aeroporto de Paris, mas ainda prefiro a passar mais um dia perto desse
homem.
Casamento.
Como pode ser verdade? Ele foi capaz de me apresentar à filha,
contar a história por trás do nascimento dela. Se é que há alguma verdade
em tudo que disse, porque agora já não sei mais o que foi real e o que foi
mentira.
Não quero chamar um carro por aplicativo no aeroporto de São Paulo
e ter de lidar com estranhos. Por isso, decido contar parte da história para
Vicky, porque também não tenho coragem de assumir que caí na lábia do
primeiro italiano que conheci.
JOANA: Amiga, não quero falar muito sobre isso agora, mas você
consegue me pegar no aeroporto de Guarulhos amanhã por volta das 7h?
Como sei que pelo horário ela ainda estará acordando para ir
trabalhar, continuo arrumando minhas malas e já troco de roupa. Mesmo
que seja cedo para ir ao aeroporto para embarcar, prefiro esperar por lá,
longe de Adam do que ficar aqui, bem no quarto ao lado.
Ver que ainda tenho alguém como Vicky na minha vida é algo tão
bom que nem sei como agradecer por esse privilégio. O carinho e a
preocupação que sempre tem comigo é maravilhoso. Acabo voltando a
chorar com a mensagem.
Vejo Joana ir embora do hotel e isso acaba de vez comigo, pois sei
que sua partida significa que também está fora da minha vida, para sempre.
Para deixar tudo pior, não faço a mínima ideia do que aconteceu.
Seria mais fácil se eu soubesse que fiz algo tão grave assim, mas todo
o tempo em que estivemos juntos sei que fiz de tudo que estava ao meu
alcance para agradá-la. Desde o primeiro dia em que a conheci pude ver em
seus olhos uma tristeza tão grande, algo que eu jamais tinha visto em outro
alguém. Então, imagino o quanto ela vinha sofrendo com a morte de Pedro
e, posteriormente, com a de sua filha recém-nascida. Quis que essa viagem
fosse especial e acabei estragando tudo.
Enquanto ainda estou no hotel em Nápoles, ligo para a agência e peço
para cancelarem todas as reservas que já estavam feitas no meu nome.
Ainda havia muito na Itália para que ela conhecesse. Estou tão chateado que
não quero saber de cuidar de nenhuma dessas burocracias e por isso dou
carta branca para meu funcionário.
Após resolver pelo menos isso, faço o check out e deixo Nápoles para
trás. Agora tenho pela frente cerca de sete horas de viagem de carro rumo a
Monterosso.
Todo esse tempo é uma tortura, pois é inevitável não pensar em tudo
que aconteceu. Não consigo entender como saímos de um dia inteiro
incrível para esse pesadelo de hoje.
Depois dessa torturante viagem, finalmente chego de volta à minha
casa. Nunca a estrada me cansou tanto como dessa vez. E nem é dor física,
mas um cansaço mental avassalador.
― Papai, você voltou! ― Beatrice diz, enquanto corre ao meu
encontro.
Não há nada mais reconfortante do que um abraço desses, do que
após um dia tão ruim e pesado poder voltar para casa e ser recebido assim.
Beatrice é há muito tempo a minha salvação, a minha vontade de viver.
Graças a ela continuo tendo um propósito na vida e sou muito grato por
isso.
― Eu voltei, meu amor. Eu sempre volto.
― Estava com saudade, mas achei que fosse demorar mais.
― Na verdade, ia mesmo, mas o importante é que estou de volta e
não pretendo ir a lugar algum tão cedo.
― E Joana? Não veio com você?
Olho para aqueles olhos inocente da minha filha e não sei como
explicar algo que nem eu estou entendendo.
― Não, meu amor, ela precisou voltar ao Brasil.
― Achei que ficaria aqui até o seu casamento.
Beatrice diz e se afasta de mim, mexendo em algumas coisas que
trouxe para ela de viagem. Sua fala me faz ter um estalo na mente. Não é
possível que seja isso.
― Você comentou algo com Joana sobre o casamento, filha? ―
pergunto, tentando não deixar evidente o meu desespero.
― Sim, perguntei se ela viria, mas aí ela me perguntou quando seria,
depois disse que ia ver com você e não me falou mais nada.
Coloco minha mão no rosto no mesmo instante.
― E quando foi essa conversa? ― insisto no assunto para mais
detalhes.
Não que fará alguma diferença, mas preciso ao menos entender o que
aconteceu.
― Acho que foi hoje cedo, papai, não sei. Por quê?
― Por nada, meu amor.
― Você parece triste. Fiz algo errado?
Agora tudo faz sentido.
Não posso jogar a responsabilidade nas costas de uma menina de oito
anos, então, no lugar de dizer: você destruiu a única chance que eu tive de
ter um relacionamento verdadeiro com alguém por quem eu realmente me
apaixonei, apenas digo:
― Claro que não, você não fez nada de errado.
― E por que você está tão triste assim?
Tento abrir um leve sorriso, afinal, a última coisa que quero é deixá-la
preocupada, mas sei que é em vão.
― Estou apenas cansado, não se preocupe.
Ela vem novamente em minha direção e me abraça forte, sem dizer
uma palavra. Depois se afasta com a maior naturalidade do mundo. Assim é
minha doce menina.
― Papai, por que não pedimos uma pizza? Acho que vai te fazer
bem.
Dessa vez eu rio de verdade, pois sei que pizza é a sua comida
preferida e ela sempre que pode arruma uma desculpa para comer uma.
― Viu, papai, você já está melhor só com a ideia de poder comer uma
― ela fala toda empolgada e feliz por ver que me ajudou.
― Você tem razão. Tudo que preciso agora é de uma pizza.
― Eba! ― ela grita em comemoração. ― Uma não, papai, duas, pois
hoje será a noite de pizza!
Dou uma gargalhada. Essa é minha filha, o verdadeiro amor da minha
vida.
Pego o celular e peço nossas pizzas do jeito que ela mais gosta e em
seguida vou tomar banho.
Quando estou no quarto penso novamente em Joana e em como tudo
poderia ser diferente se ela ao menos me desse a oportunidade de explicar a
história do casamento.
Beatrice mentiu? Não! Irei mesmo me casar em breve, mas não é tão
simples assim.
Olho para meu celular novamente e resolvo mandar uma mensagem,
mesmo sabendo que é quase certo não obter uma resposta.
Envio e entro para o banho. Assim que saio vejo que recebi uma
mensagem. Mal acredito quando vejo que é de Joana.
DIAS ATUAIS
― Você sabe... que não... precisava de tu... tudo isso, não sabe? ―
Emma me pergunta, já com muita dificuldade na fala pela fraqueza absurda
que sente.
Vê-la se deteriorando na minha frente sem que eu possa fazer algo
para ajudar é terrível. É uma dor muito grande.
Ela já está magra, não controla a bexiga e intestino, os movimentos
dos braços já estão muito descoordenados além das alterações de humor,
ansiedade e depressão.
Tudo que sei é que minha amiga está indo aos pouquinhos.
― Você sempre sonhou em se casar com tudo que tem direito ―
brinco.
― Tudo que... eu sonho... agora é... viver mais... um dia com... com
meu filho.
Sempre que fala do filho seus olhos se enchem de lágrimas,
esmagando um pouco mais meu coração.
Abaixo-me e, acariciando seu rosto, falo enquanto olho bem em seus
olhos:
― Eu sei, e hoje você vai viver um dia lindo ao lado do nosso
menino. Posso não ser o homem dos seus sonhos e nem te amar da forma
que um dia você já desejou. ― Rio com a lembrança.
― Por favor... não me... faça lembrar... do dia... mais vergonhoso... da
minha... vida. ― Ela também ri.
― Imagina, eu te entendo. Até porque eu sei que sou um italiano
bonitão, então é inevitável mesmo as pessoas se apaixonarem por mim.
Ela dá uma risada gostosa.
― Continuando o que eu estava falando, sabia que enquanto você
viver será a minha princesa. Então, por favor, aproveite o dia de hoje
porque ele é todo seu. Tudo foi pensado com muito carinho só para você.
Mesmo com toda a dificuldade, ela levanta sua mão e leva ao meu
rosto, secando as lágrimas que descem dele.
― Nunca... quis te... fazer chorar... Me perdoa, meu... amigo.
― Shhhh... Não me peça perdão por eu amar você.
E ali ficamos, apenas olhando um para o outro, até que uma amiga do
serviço dela aparece.
― Não acredito que você já fez a noiva chorar, o casamento nem
começou. Homens! ― ela brinca, o que nos faz rir. ― Agora vou tirar você
daqui, amiga, para refazermos essa maquiagem ― ela diz e dá uma piscada
para mim.
Saber que ela tem amigas tão incríveis ao seu lado no dia de hoje,
enche meu coração de alegria. É lindo ver como Emma é amada. Todos
estão sofrendo muito ao vê-la assim tão debilitada.
A cerimônia será realizada aqui em casa, em Monterosso, já que
temos um gramado lindo e amplo. Tudo foi adaptado para que a cadeira de
rodas não traga qualquer desconforto a ela. Teremos tudo que um bom
casamento pede. Tudo que ela merece.
Queria que Joana estivesse aqui comigo, presenciando esse dia tão
especial e difícil ao mesmo tempo. Queria ter seus braços para me
consolarem, afinal, não posso desmoronar na frente de Emma, não seria
justo. Minha missão é tornar seus dias um pouco mais leves e não lhe
lembrar constantemente de sua morte.
Joana foi um bálsamo em minha vida, aparecendo num período bem
pesado, mas infelizmente acabei estragando tudo e, com isso, posso tê-la
perdido para sempre. Perdido o único amor da minha vida.
Chega a hora da cerimônia e já estou no altar à espera da minha
melhor amiga, aquela que me deixará com um buraco enorme no coração
quando partir desse mundo.
Ela entra ao som da música italiana Arriverà, de uma das bandas que
mais escuta desde que chegou a Itália, a banda Modà.
Emma fazia tudo parecer leve, fácil e gostoso. Apesar da dura vida
que teve.
Enquanto a música toca, sinto uma paz em meu coração. Quando
chega o refrão todos nós cantamos juntos e batemos palmas no ritmo da
música em gratidão por termos aprendido tanto com essa mulher.
Um sepultamento digno de Emma Taylor.
— Sua alegria nunca será esquecida, minha amiga.
Os dias passam e com eles as dificuldades se apresentam, nada muito
diferente do esperado. Não me importo com as noites maldormidas, não me
importo com o trabalho dobrado de criar duas crianças. O que acaba comigo
é ouvir Jackson perguntando da mãe de hora em hora. Digo que ela precisou
ir embora, que agora mora no céu e que por amor a ele fez de tudo para que
fosse feliz. Claro que ele não entende, mas repetirei um milhão de vezes, se
assim for preciso.
Tudo isso faz com que eu me lembre dos primeiros dias após o
falecimento da minha mãe. Lembro-me de estar devastado e com um bebê
lindo nos braços que não parava de chorar. Eu poderia ser o melhor pai do
mundo, melhor irmão, melhor pessoa, mas jamais pude ser aquela a quem
ela tanto queria. Ela sabia. Mesmo tão nova sabia pelo meu cheiro e pelo
som de minha voz.
O tempo passou e acho que ela entendeu que sua mãe jamais voltaria.
Aprendeu a se conformar comigo. Com Jack será a mesma coisa. Jamais
serei o bastante, mas ele entenderá que, independentemente de qualquer
coisa, eu estarei sempre aqui. E isso o acalmará. Até lá, serão muitas
lágrimas derramadas e muita dor no coração a cada vez que me perguntar
da mãe.
— Ele dormiu — avisa Francesca, melhor amiga de Emma.
— Nem sei como te agradecer — digo, enquanto estou na cozinha
distraindo Beatrice.
— Tia, estamos fazendo uma pizza maravilhosa para você. — Agora
é Beatrice quem fala.
— Hummm... Que delícia! Ouvi dizer que pizza alegra qualquer
coração — Francesca fala, sabendo da predileção dela.
Beatrice abre o maior sorriso do mundo e com os olhos radiantes de
alegria me cutuca.
— Viu, papai, ela concorda comigo. E ela é bem inteligente, então é
mesmo verdade.
Nós dois gargalhamos com sua fala.
— Não sei se sou tão inteligente assim, mas tenho certeza de que
pizza é a melhor comida do mundo.
— Eu também acho — ela diz toda feliz.
E assim é mais uma noite normal na casa dos Marinellos, com muita
luta, mas sem perdermos a alegria.
Beatrice, falante que só ela, após contar várias histórias, adormece no
meu colo no sofá da sala. Levo ao seu quarto com todo cuidado para não a
despertar.
— Aceita uma taça de vinho — Francesca pergunta assim que entro
na cozinha.
Como um bom italiano que sou, não tenho forças para negar.
— Eu já te disse obrigado hoje? — pergunto, enquanto aproveito cada
gole do vinho.
— Na última meia hora eu acho que não. — Ela ri.
— Estou, tão repetitivo assim?
— Sim. E eu já falei mil vezes que não precisa me agradecer por
nada. É o mínimo que posso fazer por Emma.
— Ela faz tanta falta, não é?
— Faz, sim.
— Às vezes acho que não conseguirei sem ela aqui.
— Ela sabia que seria difícil, mas assim como Emma, tenho certeza
de que você sempre será a melhor escolha que ela já fez na vida. Inclusive,
ela também me deixou incumbida de uma missão.
— Lá vem. Aquela doida não vai me deixar em paz nem depois de
morta? — brinco.
— A cara dela isso. — Francesca ri e continua: — Ela disse que você
tem um assunto inacabado no Brasil.
Olho para ela e meu coração se aperta com a lembrança de Joana.
— O que acha de aproveitar minha presença aqui e resolver essa
pendência?
— Não tenho cabeça para isso. E também não acho justo você usar
todos seus dias de férias para me ajudar enquanto eu viajo para o Brasil
como um adolescente apaixonado.
— Se não agora, quando, Adam?
Mais uma vez não sei o que responder.
— Aquela moça merece saber a verdade. E você, meu amigo, merece
uma segunda chance.
Será que chegou a hora? A hora de reconquistar o amor da minha
vida?
24
“Não basta mais a lembrança
Agora eu quero o seu retorno...
E será lindo”
Ti Scatterò Una Foto ― Te Tirarei Uma Foto ― Tiziano Ferro
Foram mais de três horas de carro além de doze horas de voo, mas
finalmente estou em solo brasileiro. O cansaço é gigantesco, não posso
negar. Pego um carro por aplicativo e, depois de enfrentar um longo
trânsito, chego ao hotel.
Por não conhecer nada em São Paulo escolhi fazer reserva em um
hotel que fosse relativamente próximo ao último endereço que tenho de
Pedro, ao menos assim não ficarei horas no trânsito para concluir a primeira
missão, que é saber onde Joana realmente mora.
Sinto-me levemente confuso com a mudança de fuso horário, já que
precisei diminuir quatro horas em meu relógio, o que me faz ter a impressão
de um dia ainda mais longo.
A primeira coisa que faço, antes mesmo de tomar banho, é mandar
uma mensagem para Francesca dando notícias sobre minha chegada. Queria
poder ligar e falar com Beatrice, mas já passa da meia-noite por lá, o que
deixou a ligação inviável.
Tomo uma longa chuveirada para recuperar um pouco a minha
dignidade. Depois desço para o restaurante e como algo. Só descubro o
tamanho da fome que estou após começar a comer. E se tem uma coisa que
amo é a comida brasileira, sempre com muita variedade e fartura.
Volto ao quarto e antes de deitar pego meu companheiro, o Fofo.
Coloco-o em cima da cama de casal, ao meu lado, e finalmente me deito.
― Quem diria que um dia eu ficaria feliz por dormir ao lado de um
coelhinho de pelúcia velho ― falo para mim mesmo.
Ele carrega consigo não apenas as lembranças de minha filha, mas o
cheirinho de casa e isso traz um conforto inexplicável.
― Boa noite, Fofo!
Viro de lado e caio no sono, cansado após um dia longo demais.
Na manhã seguinte tenho um pouco de dificuldade para acordar, o
que faz com que me lembre de Joana e do tempo que levou para se
acostumar à mudança de horário.
― Preciso achar você, Joana.
Tomo banho e desço para o café da manhã. Mais uma vez, tudo muito
farto, mas acho que estou tão ansioso com tudo que farei hoje que mal
consigo comer direito.
Antes de sair do hotel, ligo para casa.
― Oi, papai! ― Beatrice atende, toda feliz.
― Oi, meu amor, como está tudo por aí?
Quase me arrependo da pergunta, porque ela faz questão de contar
tudo que aconteceu detalhadamente, desde a hora em que saí de lá. Ao
mesmo tempo, sua empolgação me deixa um pouco mais tranquilo, pois
vejo que está lidando bem com minha ausência.
― Olha quem dormiu comigo? ― Viro a câmera do celular para o
Fofo. ― Roncou a noite toda.
Ela dá uma gargalhada alta.
― Ele não ronca, papai! ― Ela mal consegue falar de tanto que ri.
― Ah, não é possível! Juro que escutei uns roncos.
― Você ronca.
― Eu? ― Finjo indignação. ― Jamais!
― Ronca, sim.
― Papai ronca. ― Escuto a voz de Jackson ao fundo.
Ouvi-lo me chamando de papai de uma forma tão natural chega a me
emocionar. Jamais me vi como um pai e hoje sou responsável por duas
crianças lindas que entraram em minha vida de uma forma diferente, mas
ainda assim sempre serão meus filhos.
― Até Jack já te conhece, papai. ― Beatrice ri ainda mais.
Depois converso rapidamente com Francesca para saber se realmente
está tudo bem e se precisam de algo.
― Eles precisam que o pai deles fique tranquilo e assim consiga
fazer o que deve no Brasil ― Francesca diz.
― Obrigado, mais uma vez!
― Não se preocupe, tenho um caderninho com tudo anotado ― ela
brinca.
― Nossa! e então, minha dívida já está astronômica!
― Mais ou menos isso. ― Francesca ri.
― Já que estou ferrado mesmo é melhor fazer essa viagem valer a
pena. Saio daqui a pouco.
― Vai dar tudo certo, tenho certeza.
― Meu celular está ligado o tempo todo, qualquer coisa já sabe.
― Tchau, Adam!
― Tchau! ― digo rindo e desligo a ligação.
Termino de me arrumar, chamo o carro por aplicativo e logo estou a
caminho do único endereço que tenho; o do cadastro antigo de Pedro.
Durante todo o caminho peço silenciosamente para que eu consiga algo
concreto, pois a chance da família dele ter se mudado é enorme e com isso
não terei nada. Será o fim da minha busca.
Chegando ao meu destino, descubro que se trata de um luxuoso
condomínio fechado e, como tal, preciso de uma autorização para entrar, o
que sem dúvida me atrapalha ainda mais.
― Bom dia! ― digo ao segurança.
― Bom dia!
― Preciso falar com alguém da família de Pedro Fernandes.
― Qual o nome do senhor?
― Adam, Adam Marinello.
― Um momento, por favor!
― Claro.
Algo me diz que estou com sorte, pois não fez qualquer objeção ao
nome de Pedro tudo indica que o imóvel ainda é da família. Ao mesmo
tempo fico com medo de minha entrada não ser autorizada depois de
ligarem meu nome ao que Joana já pode ter contado. Fico apreensivo
durante toda a conversa do segurança ao telefone com quem quer que seja
do outro lado da linha.
― Está liberado. O senhor sabe onde fica? ― pergunta o segurança.
― Não faço ideia.
De forma muito educada ele explica o caminho que devo fazer para
encontrar a casa.
― Obrigado! ― agradeço.
Conforme a orientação, chego rapidamente. Agradeço também ao
motorista do carro e, depois de tocar o interfone, aguardo alguém aparecer.
Em poucos segundos, uma mulher negra, alta e muito bonita aparece
e me olha em um misto de raiva e de desconfiança.
― Oi, bom dia! ― digo. ― Sou Adam, um amigo de Pedro, da Itália.
― Eu sei muito bem quem é você.
― Então, já comecei em desvantagem, pois não sei quem é você e
peço desculpas por isso.
― Não é bem para mim que você deve desculpas. Sou Victoria, irmã
de Pedro e melhor amiga de Joana.
Abro um sorriso, sem esconder a minha vergonha.
― E pelo visto, além de saber quem eu sou, sabe também da história
com Joana.
― Infelizmente sei. E é por isso que estou bem intrigada com sua
presença aqui. Já não foi o bastante tudo que fez com ela por lá? Precisava
vir ao Brasil conferir o estrago que fez? A forma como a deixou?
― Para falar a verdade, sim, eu precisava vir. Obviamente não pelos
motivos que citou, mas Joana é alguém que merece saber o que realmente
aconteceu.
― Aí está outra coisa que me intrigou esse tempo todo, o que tem de
tão misterioso em um casamento? Afinal, você estava mesmo de casamento
marcado?
― Sim, minha filha não mentiu, mas nunca foi por amor. Ou melhor,
eu a amava sim, mas Emma era minha melhor amiga e nunca tivemos
nenhum outro relacionamento além de uma linda amizade ― explico e me
envergonho por sentir as primeiras lágrimas surgirem em meus olhos.
― Era? Não é mais?
Então, tenho a oportunidade de contar toda a história. Tudo o que
precisei fazer em nome de uma amizade.
― E por que não contou tudo isso a Joana? ― Victoria está
indignada.
― Não é o tipo de conversa que a gente tem por mensagem. Ela foi
bem clara quando pediu que eu sumisse. Fora que, naquela época Emma,
piorava muito rápido e precisei me concentrar em um problema de cada
vez. Joana podia esperar. Emma não tinha o mesmo tempo.
― Eu sinto muito, de verdade! Por favor... Fiquei tão brava com sua
presença que nem o convidei para entrar.
― Não precisa, está tudo bem, não quero incomodar.
― Não é incômodo. Meu irmão puxará meu pé de madrugada se eu
tratar um amigo dele tão mal assim, então, por favor, entre! ― Pela
primeira vez ela ri e em seu sorriso consigo ver semelhanças com o irmão
de quem sinto tanta falta.
― Obrigado!
Conversamos um pouco mais sobre meu casamento, sobre Pedro e
sobre a confusão com Joana. Digo a ela tudo o que sinto e que preciso
muito de uma segunda chance.
― Promete que dessa vez se empenhará mais para fazer minha amiga
feliz? ― Vick pergunta com total seriedade.
― Prometo. Tudo que mais quero é vê-la feliz, mesmo que para isso
eu precise sumir da sua vida para sempre.
― Ok ― ela diz e começa a anotar algo em um papel. ― Aqui está.
Vá atrás dela, por favor!
Olho para o endereço e mal acredito. É real. Eu consegui.
― Obrigado! Não tenho palavras.
― Não faço apenas por você, mas porque acredito que Joana merece
mesmo uma explicação. Além de merecer um cara que se importe o
suficiente com ela a ponto de atravessar um oceano para encontrá-la.
Conversamos mais um pouco e depois saio de lá rumo a reconquistar
o amor da minha vida.
26
“Fazem mal, fazem mal as palavras
Especialmente se elas são ditas por quem ama”
Non Devi Perdermi ― Você Não Tem Que Me Perder ― Alessandra
Amoroso
JOANA
Custo a me recuperar após a partida de Adam. Quando achei já estar
um pouco melhor ou ao menos acreditando sentir apenas raiva por ele, vem
a realidade e esfrega em minha cara meus verdadeiros sentimentos, aqueles
mais profundos. Nunca imaginei odiar amar alguém. É tudo tão confuso e
injusto.
Algo em sua fala também me deixou ainda mais intrigada. Quando
estive na Itália, mais exatamente em Monterosso, fui apresentada apenas à
Beatrice. E hoje ele disse: deixei meus filhos em Monterosso só para te
reconquistar.
Meus filhos!
Mesmo assim, essa foi outra história que não estava disposta a ouvir e
agora preciso me contentar com a curiosidade e com a incerteza.
Será que foi por isso que se casou? Engravidou uma moça e se achou
obrigado a lhe dar mais do que cabia a um pai? No pouco que vi de sua
personalidade, após conhecer a história por trás do nascimento de Beatrice,
sei que faria algo assim por conta de uma criança. De qualquer forma, agora
não saberei.
Nisso recebo uma mensagem de Vicky pelo celular.
JOANA: Acho que no fundo nem é meu orgulho falando, sim, meu
medo.
ADAM
Chego ao hotel com tanta raiva, mas tanta raiva, que mal me
reconheço.
Por que Joana tem de ser tão cabeça-dura assim? Ela sabe muito bem
que fazer uma viagem da Itália ao Brasil não é nada fácil e mesmo assim fui
capaz de fazer apenas para me explicar, para contar toda a história, para lhe
mostrar que tudo o que vivemos não foi apenas intenso, mas, acima de tudo,
foi verdadeiro.
No fim, tudo foi tempo perdido.
O que mais me deixa inconformado é porque sei que não lhe pedi
muito. Não pedi que me perdoasse ou que ficássemos juntos. Tudo que eu
queria é a oportunidade de lhe explicar, de contar por que me casei com
Emma. E ela não foi capaz de me dar nem isso.
Entendo sua raiva, mas será mesmo que durante as semanas que
ficamos juntos não foi possível ver um pouco do homem que sou? Tentei
sempre me colocar em seu lugar, mas estou tão cansado. Cansado de me
colocar como o único errado nisso tudo. Cansado por ver que em momento
algum ela me deu o benefício da dúvida, e isso é exaustivo.
Agora tenho o dia todo e, ao mesmo tempo, tudo que quero fazer é ir
embora. Essa minha luta é inútil. O jeito é tentar esquecer e seguir minha
vida. Preciso me concentrar novamente em meus filhos, pois eles, sim,
merecem o meu amor.
E assim, decidido a ir embora ainda amanhã, começo a organizar
minha mala com todo o tempo disponível que agora tenho.
28
“Vivo por ela porque me faz
Vibrar forte a alma
Vivo por ela e não é um peso”
Vivo Per Lei ― Vivo Por Ela ― Andrea Bocelli e Georgia
JOANA
Mesmo já me sentindo mais calma depois da conversa por mensagem
com Vicky, tenho dificuldades para enfrentar o restante do dia.
Por várias vezes me vi com o celular em mãos para ligar para Adam.
Porém, as horas passaram e nada aconteceu.
Após enfrentar mais uma noite de insônia com todos os “serás” que
me assombram, levanto cedo decidida a dar uma solução a tudo isso.
Antes de pensar demais e desistir, pego o celular e escrevo a
mensagem.
JOANA: Sei muito bem que disse que dessa vez seria para sempre,
mas acho que você tem razão. Teve razão durante todo esse tempo.
Precisamos mesmo conversar. Onde você está?
Após enviar, fico ansiosa, pois demoro a receber uma resposta.
Isso se ele responder, é claro. Decido passar o tempo tomando um
banho. Assim que saio meu telefone apita. É ele.
Preciso ler a mensagem três vezes para ter certeza de que não é meu
desejo de vê-lo me enganando.
Corro até o interfone e aciono o visor. É verdade. Ele está mesmo
aqui. Ele voltou. Voltou para mim. Meu coração quase não aguenta de tanta
alegria.
Abro a porta e quando nosso olhar se cruza, faltam palavras.
Que saudade eu estava desse homem!
― Vai me deixar entrar dessa vez? ― ele pergunta, visivelmente
chateado.
― Desculpe, é claro que vou. Entre, por favor! ― digo e ele passa ao
meu lado.
― Espero que eu não tenha interrompido seu banho ― ele diz e
aponta para mim.
Olho para meu corpo e vejo que o atendi enrolada na toalha.
― Não precisa ficar com vergonha, está linda assim ― diz e abre
aquele sorriso matador que sempre derruba minhas estruturas.
― Não esperava que já estivesse aqui. Apenas corri para atender a
porta. Fiquei com medo de que fosse embora, mais uma vez.
― Não vou embora. Não até conseguir falar tudo o que tenho para te
contar.
Olho para ele e sinto um desejo tão grande que ignoro meu cérebro
me dizendo para ir com calma. Dou alguns passos em sua direção e, sem
qualquer aviso, beijo seus lábios. Ele reage de imediato, beijando-me com
ainda mais intensidade. Temos pressa por sabermos o tempo que já
perdemos juntos. Foram tantos meses reprimindo um sentimento e um
desejo que só cresciam.
Recupero o fôlego. Olho fundo em seus olhos e os vejo queimarem
por mim. Não há mais espaço nesse momento para a raiva. Não consigo ver
o homem que escondeu um casamento de mim. Tudo que vejo é o italiano
que balançou meu coração já no primeiro contato, ainda no Aeroporto
Internacional de Milão, e que o conquistou por completo com cada atitude
linda que teve enquanto estivemos juntos.
Ele tenta me beijar mais uma vez, mas agora eu o impeço colocando
meus dedos em seus lábios. Afasto-me dele e caminho em direção ao meu
quarto. Antes de passar pela porta, viro-me para ele e garantindo que ainda
me olha, solto a toalha que estava enrolada em meu corpo e a deixo cair. Só
assim entro no quarto.
ADAM
Quando vejo aquela toalha escorregando rapidamente pelo seu corpo
nu, perco a vontade de explicar o que quer que seja. Meu desejo e meu
amor falam mais alto do que qualquer coisa.
Caminho em sua direção e a encontro já deitada na cama, à minha
espera. Tudo que preciso fazer é beijá-la e amá-la da forma que deseja. Da
forma que merece.
Quanta falta senti de seu corpo no meu. Falta de seu cheiro, de sua
pele e do gosto de seus lábios. Tudo nela é perfeito. Um corpo que
provavelmente contém cicatrizes, celulites, estrias e sei lá quantas outras
marcas, mas é exatamente tudo isso que a torna perfeita, pois a torna real.
Chegamos juntos e sem pressa ao auge do prazer e isso me faz ter
mais uma vez a certeza de que amo essa mulher e que a quero para sempre
ao meu lado, em minha vida.
Passamos a manhã toda na cama, intercalando momentos de amor e
outros de contemplação e de silêncio. Todas as vezes que tentamos
conversar deu errado. Tenho medo de falar algo e estragar tudo. Mais uma
vez.
Olho em seus olhos e vejo que tem sentimentos verdadeiros por mim,
mas também vejo medo, vejo dúvida e sei que isso foi culpa minha por não
lhe contar tudo desde o início. Tanta coisa poderia ter sido evitada. Mas
agora também não resolve nos lamentarmos pelo passado. Tudo que posso
fazer é agir diferente.
Pensando nisso começo a tal conversa.
― Ela era minha melhor amiga.
Joana me olha e não diz nada. Talvez seja o sinal de permissão para
eu finalmente continuar.
E então assim eu o faço. Conto desde o dia em que soube da
Esclerose Múltipla até o dia em que Emma partiu para sempre. Muitas
foram às vezes em que precisei fazer pausas e secar as lágrimas. Lembrar-
me de Emma ainda é muito difícil.
― Eu sinto muito! Sinto muito por não ter te contado antes de nos
envolvermos. Ao mesmo tempo eu tinha receio, pois é uma história mais
dela do que minha e não achava justo ficar falando a respeito.
Joana me olha e acaricia meu rosto.
― Está tudo bem, Adam. Agora sinto que pelo menos tudo faz
sentido. O que mais doía era achar que fui ingênua demais para não ter visto
os sinais de que você me enganava. Durante toda a viagem tudo que via era
um homem incrível que inclusive chegou a lutar inicialmente contra os
próprios sentimentos, assim como eu fiz, por conta do Pedro.
― Não queria mesmo me apaixonar justo pela viúva de um grande
amigo. Apenas aconteceu. E não quero te pedir perdão por isso porque eu
não me arrependo de amar você.
Ela abre um sorriso. Lindo e doce.
― Pedro colocou em minha vida um homem maravilhoso. Serei
sempre grata a ele por isso ― ela diz e beija delicadamente meus lábios. ―
No fim, acho que não tenho culpa por ter me apaixonado justo pelo amigo
italiano do meu marido.
Ela ri.
― Sim, minha linda, não há nada de errado no que fizemos.
E nesse clima leve de chamego ficamos a manhã inteira. Nem sinto as
horas passarem. É uma paz tão grande quando estou com Joana que tudo ao
meu redor perde a importância.
Ela deita a cabeça em meu peito e eu acaricio seu cabelo. Nessa hora
me lembro de que moramos a uma distância em linha reta de mais ou
menos 9.449 km. Não consigo imaginar um amor que resista a tudo isso.
Não tenho coragem de pedir para que largue toda sua vida aqui no
Brasil, inclusive a casa que está repleta de lembranças do Pedro, para ir
morar comigo em Monterosso.
Penso na vida que levo na Itália e também seria inviável me mudar
para São Paulo. Tenho duas crianças sob minha responsabilidade e toda a
rede de apoio que já criei por lá. Não seria justo obrigar Beatrice e Jackson
a enfrentarem outra grande mudança em suas vidas. Eles já passaram por
coisas demais.
Enquanto pensei nessa viagem ao Brasil, acreditei que Joana apenas
me escutaria, mesmo após relutar bastante, e depois seguiríamos nossos
caminhos. Por tudo que conversamos enquanto estivemos juntos não achei
que fosse possível deixar todos os medos de lado e se entregar ao que sente
por mim, afinal, sempre serei um amigo de Pedro.
― O que te fez ficar tão pensativo de repente? ― Joana pergunta.
Não quero enfrentar esse problema, pelo menos não agora. Meus
últimos meses foram tão atribulados que tudo que quero é um pouco mais
de paz, de calmaria.
― Estou aqui pensando o que fez uma mulher tão incrível como você
se apaixonar justo por mim ― minto.
Ela ri.
― Você está de brincadeira? Namorar um italiano é o fetiche de
muitas mulheres por aí. Ainda mais um italiano gato como você.
Agora é a minha vez de rir.
― Você sabe que esse italiano gato vem acompanhado de dois
brindes lindos, não é?
Ela demora bem mais para responder do que o normal, o que já me
deixa ainda mais receoso com o nosso futuro. Não abrirei mão dos meus
filhos por nenhuma mulher, nem mesmo pela mulher que é o amor da
minha vida.
― Eu sei, Adam. Eu sei. Mas não queria pensar nisso agora. Entendo
que precisamos conversar muito sobre como faremos a partir daqui, porém
quero ser adolescente hoje e esquecer minhas obrigações de uma mulher
adulta.
― Acho que tenho uma boa ideia para te ajudar com isso então ―
falo e a provoco tirando minhas mãos dos seu cabelo, colocando agora em
suas costas e descendo lentamente.
― Ah, tem? ― Ela já ri.
― A não ser que você prefira conversar mais um pouco. ― Finjo
parar.
― Estou farta de tanta conversa. Quero você por inteiro para mim. Só
para mim.
E assim fazemos amor mais uma vez, como dois adolescentes
apaixonados, sem o menor medo de demonstrarmos o quanto desejamos o
dia de hoje.
Os problemas? Bem, esses podem esperar mais um pouco.
29
“Que confusão, talvez seja porque te amo
É uma emoção que cresce devagar, devagar
Aperte-me forte e fique mais perto
Se estou bem, talvez seja porque te amo”
Serà Perché Ti Amo ― Talvez Seja Porque Te Amo ― Ricchi e
Poveri
JOANA
― Já está tarde, melhor eu ir embora ― Adam comenta.
― Ah, não! Dorme aqui essa noite.
Depois que peço, ele me olha com uma carinha e, por fim, acaba
ficando por aqui mesmo. Permanecemos no sofá mais um tempo, apenas
curtindo a companhia um do outro.
― Sei que não é muito justo com você, mas preciso perguntar assim
mesmo ― ele diz.
― Pode falar.
― Desde que Emma faleceu, Beatrice teve uma mudança no
comportamento, está com muito medo de me perder também. O que é bem
compreensivo, levando em consideração o fato de ela ter acompanhado as
últimas semanas mais difíceis da Emma.
― Não deve ter sido nada fácil mesmo. Nem consigo imaginar. Ela é
muito nova para passar por algo assim.
― Sim, mas como eu precisava estar perto, Beatrice também ficou.
Foi inevitável.
― Entendo, na mesma casa fica realmente impossível. Mas, fala, o
que você quer me pedir.
― Queria tentar ir embora ainda amanhã. Não olhei se tem passagem
disponível, queria saber de você primeiro. Não quero que entenda errado,
não estou fugindo de você, só não quero aumentar a agonia da minha filha.
O cuidado dele foi algo que me encantou desde o início, sempre
cuidadoso com as pequenas coisas, e isso mostra mais uma vez o tamanho
do seu coração. Mostra como é um homem maravilhoso e digno de toda
mudança que farei em minha vida só para ficar ao seu lado.
Acaricio seu braço e o tranquilizo.
― Não se preocupe, pude ver pela chamada de vídeo o quanto ela
sente sua falta e a forma como está diferente do que foi quando partimos de
Monterosso para seguirmos nossa viagem pela Itália. Tem uma tristeza
maior em seu olhar.
― Exatamente. Ela não fala sobre, mas eu vejo em seus olhos, em
seu comportamento.
― Ela não deve querer te preocupar.
― Eu entendo, mas ela é só uma criança, não tinha de se preocupar
com isso, comigo.
― Beatrice é diferenciada, meu amor, fora que tem o mesmo coração
que você.
Ele abre um sorriso encantador.
― Amo quando me comparam assim a ela. Principalmente quando
vem de alguém que não sabe a verdadeira história e diz que ela é a minha
cara. Nossa! É uma das melhores sensações do mundo.
― Você pode não ser o pai biológico dela, ainda assim têm o mesmo
sangue. Não que precisavam disso para serem família, porque acho que
família é muito mais dos laços consanguíneos.
― Com certeza. Penso do mesmo jeito.
― Então, vá cuidar da sua filha. Já olha aí se consegue comprar a
passagem. Enquanto faz isso, aproveitarei para tomar um banho antes de
dormirmos.
― Ok! Farei isso.
Beijo seus lábios e caminho para o quarto.
ADAM
Pego meu celular e já pesquiso por passagem que seja o mais cedo
possível. Quero estar em casa o quanto antes. Minha filha precisa de mim,
mesmo que jamais venha a confessar tal coisa.
O ideal será sair de São Paulo em um voo que vá até ao Aeroporto
Internacional de Milão, onde deixei meu carro. Caso contrário, terei o maior
transtorno para alugar um que me leve até Monterosso. E ainda teria de dar
um jeito de em outro dia ter de buscar o meu.
Quanto mais pesquiso, mais desanimado fico. E nem é apenas pelos
horários, pois todos são horríveis mesmo, mas por não conseguir nenhum
que já saia amanhã.
Joana volta, já pronta para dormir e eu ainda estou aqui.
― Nada? ― ela pergunta.
― Não. Só daqui a uma semana. A mais perto sai em três dias.
― Calma, você vai achar. Tome um banho, deixei roupa para você no
banheiro. Depois você volta a procurar.
Decido fazer o que ela diz, pois, além de desanimado, já estou
ficando irritado e odeio ficar assim.
Chego ao banheiro e vejo a bermuda com a camiseta que Joana
separou. Certamente são roupas do Pedro. Não vou mentir, é bem estranho
estar na casa dele, dormir no quarto dele, com a mulher dele e agora vestido
com a roupa dele.
Acho que não consigo.
Entro no chuveiro e tento refrescar minha mente enquanto isso. Um
banho sempre renova nossa energia.
Depois que saio, olho mais uma vez para a roupa e não consigo.
Mesmo não sendo tão higiênico, prefiro repetir minha cueca e não vestir
nada mais além dela.
Saio do banheiro meio constrangido com a situação.
― Não serviu a roupa? ― Joana pergunta, estranhando quando me
vê.
― Estou tão ruim assim? ― Tento amenizar o clima.
Ela dá uma risada gostosa.
― De jeito nenhum, está o italiano mais gostoso do mundo.
Deito-me sobre seu corpo na cama e a beijo sem a menor pressa.
― Acho que você também está com muita roupa ― digo enquanto
começo a tirar peça por peça, enquanto curto cada parte de sua pele que vai
ficando à mostra.
― Você é terrível, hein? Acabei de tomar banho, desse jeito terei de
voltar para o chuveiro.
― Se você não quer, posso parar.
Sua mão sobe pela minha nuca e seus dedos se enroscam firmes em
meu cabelo.
― Faça qualquer coisa, mas não para, não agora ― ela diz e
mordisca o lábio inferior me deixando ainda mais louco.
E assim fazemos amor de novo antes que eu precise voltar à Itália.
Por lá nem sempre será fácil ter momentos como esse, pois teremos duas
crianças em casa. Então, aproveito cada segundo dessa pequena lua de mel
no Brasil.
Depois de curtirmos o máximo possível na cama, volto a pegar meu
celular para continuar minha busca. Joana se deita sobre meu peito e eu
permaneço acariciando suas costas com uma das mãos e mexendo no
telefone com a outra.
― Achei! ― grito.
― Que susto, Adam! ― Ela me dá um tapa no peito, de brincadeira.
― Desculpe! ― Começo a rir, pois vi o pulo que ela deu. ― Eu já
estava desanimado, mas finalmente achei a passagem.
― E quando você embarca?
― Amanhã às 14h45, saindo do Aeroporto Internacional de
Guarulhos. Viajo cerca de onze horas até a França, ao Aeroporto de Paris,
Charles de Gaulle. Fico uma hora e meia esperando, que será o tempo de
comer alguma coisa e embarco novamente às 7h25 já no horário de lá,
levando mais uma hora e meia até Milão.
― Nossa! Aí de Milão você ainda tem de pegar um carro até
Monterosso?
― Exatamente. Mais três horas e pouco de viagem.
― Tem hora que eu nem acredito que fui capaz de ir à Itália.
― Por quê? ― pergunto, curioso.
― Eu odeio andar de avião. E, para piorar, quase não consigo dormir.
É horrível!
Rio.
― Não ria, é sério.
― Eu sei que é sério, mas já vai preparando seu psicológico porque
em breve você fará essa viagem mais uma vez. Só recomendo que vá até
Florença ou Genova, pois fica mais perto de Monterosso. O problema são
as escalas dentro da Itália, não sei se conseguirá direto para lá.
― Confesso que eu havia me esquecido desse detalhe.
― Agora já disse sim, está proibida de voltar atrás.
Ela ri.
― Fique tranquilo, esse risco você não corre ― diz e me beija nos
lábios.
Agora, sentindo-me em paz por estar com a passagem comprada,
posso dormir. Não conseguiria até resolver isso. Antes de fechar os olhos,
lembro-me do Fofo, sozinho no hotel.
― Sou um péssimo avó ― digo em voz alta, sem querer.
― O que você disse?
― Nada. Só pensando alto. Volte a dormir. Boa noite, minha linda!
― Boa noite, meu italiano.
Amo esse jeito dela me chamar.
Em questão de poucos minutos, pegamos no sono.
32
“Este coração canta
Sempre e não é arrogante
Vamos nos casar, meu amor”
Funiculí, Funiculá ― Subindo De Bonde ― Luciano Pavarotti
ADAM
Mesmo com a ansiedade para rever Beatrice e Jackson estando no
último grau, conheço muito bem minha rotina em casa como pai, então
aproveito para dormir o máximo possível durante o voo. Fofo e Fofa me
acompanham lindamente. Faço um registro dos dois no meu colo no avião
para mostrar a Beatrice depois. Fiz várias fotos assim para que ela saiba que
não houve um momento em que me esqueci dela.
Após meu pequeno descanso, chego a Milão e enfrento mais três
horas de carro. Antes mesmo de embarcar, enviei uma mensagem para
Francesca avisando de minha ida, mas pedi para que não contasse às
crianças, principalmente a Beatrice. Queria fazer uma surpresa.
Chego entre meio-dia e 13h. Francesca disse que enrolaria os dois
para me esperarem para o almoço. Estaciono o carro na rua para não
chamar a atenção de Beatrice. Entro em casa e vejo os dois, Beatrice e
Jackson, na cozinha, conversando com Francesca.
― Será que tem almoço nesta casa? ― pergunto.
― Papai! ― Beatrice dá o maior grito e vem correndo em minha
direção,
pula em meu colo e quase me derruba de costas.
― Papai voltou! ― Agora é a vez do pequeno Jackson vir me
encontrar, todo feliz.
Abraço os dois ao mesmo tempo. Que sensação única é estar em casa.
― Senti tanta falta de vocês, desses abraços, desses cheirinhos ―
falo e cheiro o pescoço de cada um deles.
― A gente também sentiu sua falta, papai.
Cumprimento Francesca e logo depois sentamos à mesa para
almoçarmos. Amo a comida brasileira, mas tenho de confessar que é muito
bom estar de volta a Monterosso, comendo algo tipicamente italiano. Acho
que nada substitui os costumes do nosso país.
― Tenho alguém para apresentar a vocês.
Depois de falar vou até meu carro, coloco-o na garagem e antes
mesmo de pegar minha bagagem, dou prioridade aos presentes. Entrego um
embrulho nas pequenas mãos de Jack, que mesmo com dificuldade abre o
presente e fica todo feliz com o novo carrinho.
― E eu, papai? ― Beatrice pergunta.
― O seu eu decidi não embrulhar, porque não queria deixá-la sem ar.
― Como assim, papai? ― Mesmo sem entender, Beatrice solta uma
gargalhada.
― Conheça a Fofa, irmã mais nova do Fofo ― falo e mostro a
coelhinha de pelúcia.
― Que linda, papai! Eu ganhei um irmãozinho e o Fofo ganhou uma
irmãzinha.
― Exatamente. Ela veio me acompanhando até aqui. Depois te
mostro as fotos. Os dois se deram muito bem.
Beatrice ri mais uma vez.
― Eu amei, papai! É o melhor presente do mundo. Depois do meu
irmãozinho, é claro.
― Fico feliz que tenha gostado.
Durante o restante do dia, Beatrice fica grudada comigo o tempo
todo. Onde eu tiro meu pé ela coloca o dela. Até mesmo à noite, na hora de
dormir, ela carrega os dois coelhinhos e aparece de pijama em meu quarto.
― Papai, ainda não matei a falta que estava sentindo de você. Posso
dormir na sua cama? Prometo que será só hoje.
Como dizer não a um pedido desses?
― Só se você dormir com a Fofa e deixar o Fofo comigo, porque me
acostumei a dormir com esse carinha.
Ela ri e toda alegre pula na minha cama.
― Eu sabia, por isso que já o trouxe. Mas é só hoje, hein, papai?
― Tudo bem. Hoje é o dia do “só hoje”, amanhã voltaremos às
nossas rotinas. Combinado?
― Combinado.
Conversamos um pouco mais e depois decido entrar no assunto do
casamento com Joana. Beatrice gostava muito da Emma, não sei ao certo
como reagirá com a notícia de outro casamento.
― Filha, papai precisa fazer uma pergunta séria para você.
― Pode perguntar, papai.
― O que você acha da tia Joana?
― Eu adoro a tia Joana. Ela é minha amiga, papai.
― E o que você acha dela morar aqui em casa, com a gente?
Ela arregala os olhinhos e toda animada pergunta:
― Você está falando sério, papai?
― Estou, mas só se você gostar, senão eu falo para ela que não dá
para morar aqui.
― Não, papai, não faça isso. Vou amar ter a tia Joana aqui em casa,
assim terei mais alguém para conversar assuntos só de meninas.
Ai meu Deus! Meu neném está crescendo a ponto de já ter assuntos
só de meninas. Rio, mas ao mesmo tempo sinto uma tristeza por ver que o
tempo está passando rápido demais.
Será que eu aproveitei da forma como deveria a infância dela? Queria
poder viver tudo de novo, mesmo amando essa fase mais crescida dela.
Talvez seja coisa de pai.
― E o que você acha do papai se casar com a tia Joana?
Como sua reação foi a melhor possível com a ideia de Joana morar
com a gente, pensei que reagiria tão empolgada quanto, mas quando olho
em sua direção, vejo que seus olhos estão cheios de lágrimas.
― O que foi, meu amor? Por que você está chorando?
Ela me abraça e chora mais ainda. Espero que se acalme para
conseguir me explicar. Depois de me soltar, secos seus olhinhos e volto a
perguntar:
― Por que você ficou tão triste?
― Pela tia Joana.
Olho para ela e ainda continuo sem entender. Será que é tão ruim
assim o fato dela se casar comigo?
― Ela está morrendo ― Beatrice conclui.
É quando, finalmente, entendo a associação que ela fez com meu
casamento com Emma.
― A tia Joana não está morrendo e nem doente, prometo para você.
― Então,vocês são namorados? Daqueles que beijam na boca?
Rio.
― Sim, somos namorados desse jeito aí.
― Ela vai ser minha segunda mamãe?
Meu coração se enche de amor só de ouvir sua pergunta. Só eu sei a
falta que a mãe faz para ela durante todos esses anos.
― Se você não quiser, não precisa. Ela poderá ser para sempre sua
tia.
― Mas e se eu quiser?
― Se você quiser, pode. Tenho certeza de que Joana amará ter uma
filha como você.
Ela agora me olha toda encantada com a possibilidade.
― Será?
― Claro que vai. Você é a melhor filha do mundo.
Ela abre um sorriso gostoso.
― Você também é o melhor papai do mundo.
E assim, logo pegamos no sono.
JOANA
Adam mal chegou à Itália e já sinto sua falta. Meu coração se aquece
quando vou deitar e sinto seu cheiro em meu lençol. Jamais imaginei que
seria capaz de amar tanto outro homem como eu amava Pedro. Na verdade,
acredito que meu amor por Pedro jamais morrerá, assim como as
lembranças de tudo que vivemos juntos.
Mas, infelizmente agora são apenas lembranças.
É gostoso ter novamente alguém com quem compartilhar a vida,
principalmente o dia a dia. Estou feliz com a decisão que tomei.
Com o passar dos dias, decido aproveitar o final de semana para
contar a novidade à Vicky. Pergunto se podemos fazer uma noite de fofocas
aqui em casa, como Pedro gostava de chamar meus encontros com ela. Ela,
prontamente, aceita.
Separo uns petiscos, algo para beliscarmos enquanto tomamos um
bom vinho, já que sei o quanto ela ama essas coisas. Disse que o vinho ela
traria.
Tomo banho, arrumo-me e logo o interfone toca.
― Oi, sumida! ― diz Vicky assim que entra.
― Como pode ver, continuo no mesmo endereço ― digo e quase
completo: pelo menos por enquanto.
Mas não posso abordar o assunto assim, na lata. Tenho de amolecer
seu coração primeiro, com um pouco de vinho.
Beliscamos umas coisinhas enquanto bebemos. E nesse período,
como eu já esperava, sou obrigada a dar detalhes sobre meu reencontro com
Adam. Claro que seleciono os detalhes, porque acho que certas coisas só
desrespeitam ao casal.
― Amiga, estou tão feliz que vocês se acertaram ― Vicky diz. ― Ele
se mostrou ser um cara muito correto. Alguém que merece você. Alguém
que acredito que será capaz de te fazer muito feliz.
― Ele é incrível mesmo, não posso negar. O único problema é morar
longe.
― Joana, quando que morar na Itália se tornou um problema?
― Quando ele te pede em casamento, você diz sim e com isso
precisará se mudar para a Itália e se despedir da melhor amiga. Esse é o
problema.
Victoria me olha, em um misto de felicidade e de tristeza.
― É isso que significa a noite de hoje? O início de uma despedida?
― Sinto muito, amiga ― falo com lágrimas nos olhos.
― Saiba que estou muito feliz por você ― ela fala e segura minha
mão sobre a mesa ―, mas também não posso negar que me despedir de
você será uma das coisas mais difíceis que farei. Com quem farei a noite
das fofocas?
Ela ri ao mesmo tempo em que chora.
Assim como Vicky, rio em meio às lágrimas.
― Você tem muitas amigas.
― Nenhuma é como você, Joana. Sabe muito bem disso.
― Eu sei, uma amizade nunca é igual a outra. Mas já vá preparando
seu passaporte, porque não posso me casar sem minha madrinha.
Ela olha para mim com surpresa e emoção.
― Jura, amiga?
― É claro. Não existe ninguém que possa ocupar esse lugar a não ser
você.
― Mas não será estranho para Adam saber que a irmã do seu ex não
só estará no casamento, mas que ainda será madrinha?
Rio, pois vejo que Vicky muitas vezes pensa como eu.
― Fiz a mesma pergunta a ele.
― E aí?
― Ele disse que se não fosse por você nós dois não teríamos nos
reencontrado. Que terá sempre essa dívida com você. E que ter sua presença
em nosso casamento será muito especial.
― Bem, se meu novo cunhado já me aprovou, já começarei a arrumar
minhas malas.
Rimos juntas.
Ela nos serve mais um pouco de vinho e ergue a taça para um brinde.
― Rumo à Itália!
― Rumo à Itália!
― Aproveita e já avisa ao Adam que quero ser apresentada a um
italiano bem gato. Afinal, o casamento é só uma desculpa para eu
finalmente desencalhar.
Dou uma gargalhada. É o comentário típico da Victoria. Sentirei tanta
falta de momentos assim, mas sei que para seguirmos em frente, algumas
coisas precisam ficar para trás. É a lei da vida.
34
“Ame-se o máximo que puder
E, em seguida, ame-se como quiser”
La Vita Splendida ― A Vida Esplêndida ― Tiziano Ferro
MESES DEPOIS
ADAM
Acordo cedo e já escuto Beatrice falando mais do que tudo pela casa.
Ela e minha prima nunca ficam sem assunto. Ainda mais quando está de
férias da escola, é uma falação sem parar.
― Que bagunça é essa aqui, minha filha?
― Não é bagunça, papai, é arrumação. Para arrumar tem de bagunçar
primeiro.
― Ah, entendi. E para que tantas flores?
― Para a tia Joana. Mulher gosta de flores, papai. Essa casa estava
precisando de umas.
Minha prima e eu damos risada. Beatrice tem hora que sai com cada
uma.
― Que bom que tenho você, minha filha, para cuidar desses detalhes
da casa para a chegada da tia Joana.
― Fique tranquilo, papai. Ela vai amar a nossa casa. Nunca mais vai
querer sair daqui.
― Essa é a ideia.
Tomamos café juntos enquanto Beatrice me conta de suas ideias para
o meu casamento. Estou perdido se tiver de seguir todo seu planejamento.
Mesmo assim, escuto com muito carinho, quero que ela saiba que sempre
será ouvida. É importante que uma criança se sinta especial dessa forma.
Depois que termino vou ao quarto de Jackson, ao contrário de
Beatrice, meu menino é bem dorminhoco, adora uma cama. Apesar de às
vezes ficar com dó de acordá-lo, afinal ele só tem três anos, acredito que é
preciso manter uma rotina saudável.
― Bom dia, cara! ― falo assim que ele abre os olhos.
Ele não diz nada, apenas suspira e se vira para o outro lado, na
tentativa de voltar a dormir.
― Vai dormir mais? ― brinco e começo a fazer umas palhaçadas
para que ele não fique de mau humor.
― Só mais um pouquinho ― ele diz e faz o gesto com seus dedinhos.
― Só mais um pouquinho assim? ― Imito-o, mas reduzo o espaço
entre meus dedos para mostrar um tempo menor.
― Não, papai, um pouquinho assim? ― Ele faz de novo e dá
gargalhada.
Por fim, acabo vencendo e o despertando com minhas brincadeiras.
Chego à cozinha e tem um grudinho atrás de mim, arrastando um de seus
ursos de pelúcia.
― Quero leite, papai. E aquele pãozinho ali ― diz e aponta para o
croissant.
― Papai vai arrumar.
Ele espera pacientemente e depois come tudo, com uma educação
invejável. Cada dia que passa, sinto um amor ainda maior por esse menino.
Os dias passam e, finalmente, chega o dia de Joana embarcar para a
Itália. Beatrice, como já era esperado, está mais ansiosa do que nunca.
Preciso lembrá-la constantemente de que o fato de Joana embarcar hoje,
não significa que chegará a Monterosso hoje, devido à longa viagem do
Brasil até aqui.
― Queria buscá-la no aeroporto ― Beatrice diz meio triste.
― Ela chegará a Florença e de lá ainda tem uma viagem de carro.
Você aguentará ir e voltar sem perguntar mil vezes se já está chegando?
― Aguentar eu aguento, mas acho que vou perguntar mil vezes ― ela
diz e depois cai na gargalhada, amolecendo de vez o coração fraco do pai.
― Tudo bem, iremos todos buscar a tia Joana no aeroporto. Está bem
assim?
― Eba! ― Ela comemora dando pulinhos pela casa.
E nessa animação, mais um dia termina e mais um começa. Hoje,
preciso confessar que estou mais nervoso do que todos com a chegada de
Joana. Significa tanto para mim o fato de ela ter decidido largar sua vida no
Brasil e fazer da minha família a nossa futura família.
Coloco as crianças no carro e partimos rumo a Florença. Como
resolvo sair um pouco mais cedo, sabendo que viajar com criança é sempre
provável ter imprevistos, acabamos chegando lá um pouco antes do
necessário.
Para ajudar a passar o tempo e a controlar a ansiedade, saio com os
dois pelo aeroporto para tomarmos um sorvete. Só preciso ter um pouco
mais de cuidado com Jackson para que ele não suje a roupa inteira.
Assim que o avião pousa, Joana me envia uma mensagem pelo
celular.
Minutos depois, Joana aparece, com aquele cabelo negro lindo e com
um olhar só dela. Assim que me vê abre o maior sorriso. Beatrice a
reconhece e já sai correndo em sua direção, sendo a primeira a recepcionar
a nossa nova integrante da família.
Saber que ela realmente veio, que está aqui, sem dúvida é um dos dias
mais felizes da minha vida.
JOANA
― Pegou tudo, amiga? ― Vicky pergunta assim que entro em seu
carro.
― Odeio que me façam essa pergunta.
Victoria ri.
― Agora estou com a sensação de estar esquecendo alguma coisa.
Aí que ela ri mais ainda.
― Fique tranquila, caso tenha esquecido, prometo que levo no dia do
seu casamento ― ela diz.
― Promete que você irá mesmo? Não está falando da boca para fora
apenas para me deixar menos triste por nos despedirmos?
― E você acha que eu perderia a oportunidade de ir à Itália? Claro
que não.
De brincadeira dou um tapa em seu braço, enquanto ela dirige.
― Você nem disfarça sua cara de pau ― brinco.
― Pare de me bater ou então no lugar de te levar ao aeroporto irei te
sequestrar e te prender em uma cabana abandonada. Para sempre.
Olho para ela e enxergo uma vontade enorme de me levar para
qualquer lugar, menos para o aeroporto, sabendo que isso nos afastará por
tempo demais e de uma forma que jamais aconteceu.
Não digo mais nada, pois a cada quilômetro que fica para trás
aumenta o aperto no peito. Quando chegamos, ela ainda me ajuda com parte
da bagagem, já que a maioria foi despachada dias antes. Inclusive, já devem
ter chegado à Itália antes mesmo de mim.
Escuto o anúncio do embarque para o meu voo. Não há mais tempo.
Chegou a hora.
― Por favor, só não fale nada! ― Victoria me pede e logo me abraça,
chorando.
Não há mesmo palavras suficientes para serem usadas agora, então,
apenas retribuo seu forte abraço. Permanecemos por longos segundos,
chorando dessa forma.
Depois pego minha bagagem de mão e digo:
― Espero você, madrinha.
Ela chora tanto que nem tem condições de responder, apenas sorri e
manda um beijo.
Nossa amizade sempre foi muito forte, desde o início. Pedro até tinha
ciúmes da nossa relação. Mas depois do falecimento dele, Vicky foi uma
presença ainda mais importante na minha vida. Sem sua amizade eu não
teria suportado tamanha dor. Serei sempre grata a ela.
Acho que é exatamente por isso que ir embora hoje é ainda mais
difícil. Parece que ficou mais evidente a falta de Pedro nas nossas vidas.
Sempre estivemos ali uma para outra, agora, mesmo amigas, muitas coisas
mudarão. E isso dói.
Tento tirar Vicky da minha mente e descansar durante o voo, já que o
pavor de avião permanece o mesmo, então, quanto mais eu dormir, melhor
será.
Assim que sinto as rodas tocarem o chão, também sinto um alívio
enorme no meu peito. Finalmente em terra firme. Envio uma mensagem ao
Adam e ele diz que já está aqui no aeroporto de Florença me esperando.
No meio de várias pessoas reconheço rapidamente Adam, meu
italiano, acompanhado de Beatrice e de um garotinho lindo, que
provavelmente se trata de Jack. Eles seguram um cartaz que diz:
Bem-vinda, Joana MARINELLO, a nossa família!
O destaque que deu ao sobrenome Marinello me deixou ainda mais
feliz.
Beatrice assim que me reconhece sai correndo e gritando, pulando em
meu colo quando se aproxima.
― Bem-vinda, tia Joana!
― Obrigada, princesa!
Depois ela fala tanta coisa e tão correndo, que mal consigo entender o
italiano. Nesse meio tempo Adam me beija delicadamente nos lábios, mas
seu olhar está repleto de emoção, preciso me segurar para não chorar ali na
frente de todo mundo.
― E esse menino lindo? ― pergunto, mesmo já sabendo a resposta.
― Esse é o meu irmãozinho, Jackson ― Beatriz diz.
Para minha surpresa, ele estica os bracinhos e vem ao meu colo, todo
risonho. As lágrimas escorrem, não consigo mais segurar depois de
presenciar isso.
― Nossa família ― Adam diz.
― Nossa família ― repito.
E esse é o primeiro dia de uma nova vida.
35
“Por amor, você já fez alguma coisa apenas
Por amor?”
Per Amore ― Por Amor ― Zizi Possi
SEMANAS DEPOIS
JOANA
O nervosismo é tão grande que até parece que estou me casando pela
primeira vez. Sinto um calor fora do normal, um frio na barriga.
― Calma, Joana ― Vicky diz.
― Se você veio a Monterosso apenas para brigar comigo, juro que
vou te despachar de volta para São Paulo ― brinco.
Ela, que me conhece melhor do que eu mesma, dá uma gargalhada.
― Você nervosa é ainda mais engraçada, amiga.
― Que bom que ao menos alguém está se divertindo com o dia de
hoje, porque eu não estou. Não vejo Adam o dia todo e posso jurar que
alguém sequestrou minhas crianças.
Vicky ri mais uma vez e depois muda a expressão, ficando até com
lágrimas nos olhos.
― O que eu disse de errado que te fez parar de se divertir também?
― Acho lindo que mesmo em pouco tempo você já diga minhas
crianças.
― Desse jeito você vai borrar toda minha maquiagem ― falo, já com
lágrimas escorrendo pelo meu rosto.
― Desculpa, a última coisa que quero hoje é te fazer chorar, mas ao
mesmo tempo é um dia que me traz muitas lembranças. Fico feliz que você
tenha conseguido, Joana. Que tenha conseguido seguir adiante. Tinha tanto
medo de não ver mais essa Joana que vejo hoje.
Seguro sua mão e choro mais ainda, sabendo que terei de refazer toda
minha maquiagem. Apesar disso, paro de me importar, afinal, Vicky tem
razão, as lembranças de hoje são fortes demais para serem contidas.
― Meu irmão, se pudesse te ver agora, estaria muito orgulhoso de te
ver assim. Talvez com um pouco de ciúmes.
Nós duas rimos, pois ele nunca escondeu seus ciúmes, mesmo sendo
algo saudável.
― Mas, ainda assim, muito orgulhoso. Não apenas de te ver
recomeçando, mas de todo o caminho até aqui.
― Você acha?
― Tenho certeza, pois é exatamente assim que me sinto ao te ver
agora, toda linda de noiva. Ou melhor, pelo menos estava linda, agora está
bem esquisita com essa maquiagem borrada.
E mais uma vez, nós duas caímos na gargalhada.
― Obrigada, Vicky, por ter vindo de tão longe para estar comigo
nesse momento tão importante da minha vida.
― Não precisa agradecer, jamais perderia esse momento.
― Claro que não, afinal, quem perderia a chance de vir à Itália? ―
brinco.
― Exatamente.
Minutos depois a maquiadora volta para refazer seu trabalho. Peço
desculpas umas mil vezes, mas ela ri e diz que isso é o que ela mais ama em
casamentos.
É chegada a hora.
Adam alugou uma casa linda perto da praia. A cerimônia será no
quintal dos fundos, de frente para o mar. Disse que não queria fazer na casa
dele pelo fato de lhe trazer lembranças demais do casamento com Emma.
Ele está certo, para nosso recomeço precisamos de um lugar diferente, que
nos faça bem e não que nos traga lembranças difíceis.
Beatrice será minha segunda madrinha, disse que queria estar ao meu
lado no altar. Adam convidou dois amigos, mas eu ainda não os conheço.
Além dessas pessoas estarão presentes alguns poucos familiares dele,
como sua tia e sua prima, além de Francesca, que era a melhor amiga de
Emma e que hoje já se tornou uma ótima amiga para mim aqui na Itália.
Vicky não diz, mas sei que está morrendo de ciúmes disso, o que me diverte
ainda mais.
Vicky entra, depois Beatrice e em seguida eu.
Adam me espera no altar com o sorriso mais encantador do mundo,
além de ter os olhos marejados de lágrimas. Quando olho ao seu lado, vejo
que um dos padrinhos é nosso filho Jackson. Está no altar, ao lado do pai,
de terno. Quase morro ao ver tanta fofura.
A música toca e sinto minhas pernas fraquejarem a cada acorde. Meu
coração acelera, minha respiração fica ainda mais pesada. À minha frente
está o homem que foi capaz de me trazer de volta à vida.
Meu amor.
Meu italiano.
ADAM
A sensação que tenho é que hoje é o dia mais longo do ano, pois as
horas parecem não passar. Um tormento. Isso que a cerimônia é na parte da
tarde, se fosse à noite acho que morreria de tanta ansiedade.
Saí de casa cedo com Jackson, fiquei de arrumá-lo. Francesca ajudará
Beatrice. Dessa forma, Joana terá todo o dia para se concentrar nela mesma
e ainda aproveitar a presença de sua amiga.
Assim que termino de arrumar Jackson, quase não me aguento.
― Você roubará toda a atenção do dia, meu filho. Ninguém nem vai
querer olhar para o papai.
Ele dá uma risada engraçada.
― Estou bonitão, papai?
― Um gato.
― Mamãe vai gostar?
Por um segundo sinto meu coração parar.
― O que foi que disse, meu filho?
― Perguntei se a mamãe vai gostar?
Desde que conheceu Joana, essa é a primeira vez que a chama de
mamãe. Jamais forçaríamos tal comportamento, tanto em respeito a ele,
como a Emma. Mas vê-lo falar de uma forma tão espontânea, faz com que o
dia de hoje seja ainda mais especial, ainda mais inesquecível.
Pena que Joana não está aqui para escutar. O que me alivia é saber
que certamente esse momento se repetirá. Espero estar por perto para ver
sua emoção.
― Vamos, filho. Está na hora.
Esperamos uns minutos até que Joana e suas madrinhas aparecem
para a cerimônia. Joana está tão radiante que ficou ainda mais linda.
Agradeço em pensamento por conseguir proporcionar a ela toda essa
felicidade. Sabendo de tudo que viveu com o falecimento precoce de Pedro
e de Lia, sei o quanto esse sorriso é significativo.
Para acompanhá-la ao altar, uma de suas músicas preferidas, Per
amore, toca, na voz da cantora brasileira Zizi Possi.
Por amor, você já correu até ficar sem fôlego?
Por amor, já se perdeu e se reencontrou?
Sem dúvida foi uma escolha de música perfeita, pois nós dois
sabemos muito bem o que somos capazes de fazer por amor. Por amor, hoje
eu tenho dois filhos. Por amor, casei-me com minha melhor amiga. Por
amor, Joana atendeu a um pedido de Pedro na carta póstuma que deixou e
viajou à Itália. Por amor, ela largou tudo no Brasil para viver aqui comigo.
Por amor, aceitou meus filhos como seus filhos. Por amor, hoje nós selamos
nossa união.
Fazemos nossos votos na frente de todos, certos da decisão que
tomamos e do significado de termos uma aliança dourada em nosso dedo.
E, diferentemente do casamento com Emma, hoje posso selar o
compromisso que firmei com um beijo em Joana.
O amor da minha vida.
A brasileira que precisou atravessar o oceano, em meio ao seu luto,
para me mostrar uma nova forma de amar. Nunca amei outra mulher como
a amo. Sei que ela já experimentou algo assim com Pedro e que sou um
novo capítulo do livro da sua vida, mas para mim esse amor era um livro
em branco, que hoje começo a preencher com a história do nosso
casamento.
Todos estão radiantes. Não queríamos nada grandioso, mas ao menos
uma pequena festa foi necessária. É tanta alegria que precisaríamos de algo
assim para extravasar. Foi tanta luta até chegarmos ao dia de hoje. Sabemos
que outras lutas certamente virão, mas apesar disso, agora temos um ao
outro. E assim, juntos, caminharemos para o resto de nossas vidas.
EPÍLOGO
“Com você partirei
Países que nunca
Vi e vivi com você
Agora sim os viverei
Com você partirei”
Con Te Partirò ― Com Você Partirei ― Andrea Bocelli
Querido Pedro,
Meu primeiro amor,
Hoje faz dois anos que você se foi. Ainda é difícil de acreditar, assim
como é difícil saber que o mundo perdeu uma pessoa tão incrível como
você. Um homem justo, um homem íntegro, um homem que me ensinou
muito sobre a vida, que me ensinou a amar. Se hoje sou capaz de seguir
com minha vida em sua ausência, saiba que é graças a você. A mulher que
me tornei deve muito a você.
Fique em paz, pois é em paz que sigo por aqui. Você foi capaz de me
reerguer e me guiar mesmo não estando presente. Serei eternamente grata
àquela carta. Hoje a li mais uma vez, algumas lágrimas ainda escaparam
dos meus olhos, afinal, é impossível não sentir saudade de você, mas saiba
que doeu menos. E te prometo que assim será a partir de agora.
Espero que Lia esteja feliz nos braços desse pai incrível que eu sei
que você seria aqui. Brinque bastante com nossa menina e diga o quando
tenho orgulho do que ela fez. Graças a ela muitas vidas foram salvas. Diga
que a amarei para sempre e que posso ter outros dez filhos, mas o lugar
que ela tem em meu coração será eterno.
Fiz o que me pediu e deixei outra pessoa entrar em meu coração.
Hoje sigo feliz ao lado dele e dos filhos que meu deu. É um amor diferente,
mas ainda é maravilhoso. Obrigada por me ajudar com isso! Sem suas
palavras, jamais conseguiria romper essa barreira.
Meu amor por você também permanece, assim como as lembranças
da vida maravilhosa que compartilhamos juntos. Uso essa carta para me
despedir, pois dois anos atrás não fui forte para isso. Briguei com Deus,
com você e até comigo mesma. Hoje, sei que precisava ser assim.
Mais uma vez, obrigada.
Até o dia em que nos reencontraremos.
Um grande beijo.
Sua Joana.
Aos vinte e três anos, Juliana, uma jovem da alta sociedade, dorme e
acorda completamente surda. Afastada de Deus, a surdez a leva a uma
verdadeira peregrinação por emoções variadas: tristeza, solidão, revolta...
Juliana não entende como alguém como ela pode ficar surda, assim, da
noite para o dia. Mas, como não há mal que perdure e felicidade que não se
acabe, aos poucos ela percebe que há algo bem pior do que a surdez: o
preconceito.
Apesar de todas as expectativas frustrantes, ela conhece um rapaz que
tem a vida marcada por um drama que ninguém da cidade sabe. Em meio à
dor e ao mistério, os dois descobrem um novo mundo juntos.
Será que na prática tudo é tão simples assim? O amor deles é maior
que o preconceito? A força desse sentimento resistirá às limitações da
deficiência de Juliana? O que vale mais a pena: poder ouvir um "eu te amo"
ou estar ao lado da pessoa amada, mesmo nunca conhecendo o som da sua
voz?
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A NOIVA E O VIÚVO:
A noite que deveria ser uma das mais especiais na vida de Manuela se
torna mais um dia de perda, de rancor e de dor. Sua cerimônia de casamento
marcada pelo trágico acidente que mata seu noivo Samuel.
Como se não bastasse a ausência dele, ela se sente na obrigação de
dar continuidade ao sonho do casal, cuidar da renomada floricultura que
abriram juntos. O que antes era um prazer, devido à sua formação em
Botânica, agora não passa de uma rotina chata e amarga.
Lucca, por sua vez, é um jovem de trinta anos, que se muda para a
cidade para trabalhar no SAMU. O que ninguém sabe, é que devido ao seu
próprio trabalho, pelo menos em sua mente, ele perde o grande amor de sua
vida, sua esposa Cristiane. Ela sofre um grave acidente doméstico, mas o
socorro não chega a tempo. Quando Lucca chega a casa, não havia muito
que fazer. Essa culpa o corrói, fazendo com que passe a trabalhar cada vez
mais para afastar a solidão que o assola.
A dor, a culpa, o rancor e a solidão aos poucos aproximam esses dois
corações tão machucados. E, com o tempo, cansados de tanto sofrimento,
percebem nascendo entre eles sentimentos que achavam que não tinham
mais o direito de ter. E só assim entendem que, onde há amor, há também
perdão.
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ESQUECENDO UM GRANDE AMOR: