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Sinopse:
Parte 1
1
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5
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Parte 2
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10
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Parte 3
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60 Final
Epílogo
Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser
reproduzida ou transmitida por quaisquer meios (eletrônico ou
mecânico, incluindo fotocópia e gravação) ou arquivada em qualquer
sistema ou banco de dados sem autorização escrita da autora.
Dez anos atrás, ele me abandonou grávida nas mãos de uma mãe
narcisista. Agora, aparecia, exigindo o filho que fez. Quando soube que a
criança não havia sobrevivido, jurou vingança.
∞∞∞
— Ela descobriu.
Catarina me contou com os olhos azuis transbordando lágrimas. Eu
segurei seus dedos entre os meus, tentando lhe transmitir força. Nós
estávamos sentados em um dos bancos da praça Otávio Rocha. O vento
gelado daquele inverno tornava o nariz pálido de Cat em uma cor viva, e ela
se esgueirou nos meus braços buscando calor.
— Dona Sofia vai ter que aceitar — eu lhe disse.
— Você não conhece a minha mãe — ela afirmou. — Ela é um
monstro! Nós precisamos fugir!
— Para onde, gata...?
Gata... Minha Cat...
— Qualquer lugar. Você já tem algum dinheiro, né? Eu vou vender
meu celular e algumas joias que meu pai me deu de quinze anos, antes de
morrer. A gente junta, e foge para bem longe. Você já é de maior e eu farei
dezoito daqui duas semanas. E somos jovens, podemos recomeçar em algum
lugar. Por favor... por favor, Yan... Não me deixe nas mãos dela... Ela é capaz
de tudo, Yan... Eu te imploro...
Eu a segurei nos braços.
— Cat, eu nunca vou te deixar — jurei. — Não fique desesperada.
— Então... amanhã à noite? Nos encontramos em algum lugar e vamos
direto para a rodoviária. Pegamos o primeiro ônibus que estiver partindo.
— Certo. Amanhã às 18, a gente se encontra ali no viaduto da
Conceição — fui mais explícito, já que ela claramente não conseguia pensar
direito.
Catarina assentiu. Eu nunca vi tanto alívio em seu rosto.
2
∞∞∞
Eu ouvi os passos dela no corredor. Escondi minha mochila
rapidamente embaixo da cama, enquanto me sentava no leito, aguardando
que abrisse a porta. Eu trancaria a porta se pudesse, mas nunca tive uma
chave. Então, apenas aguardei pela tortura psicológica, enquanto respirava
fundo e tentava acalmar meu coração.
Todavia, quando o rosto de Sofia apareceu, ela não parecia com ódio.
Ao contrário, foi a primeira vez que eu me lembrava de vê-la sorrindo e,
francamente, não parecia um sorriso falso ou coisa assim.
— Catarina... — ela disse meu nome de um jeito pausado. — Ah,
filha... eu esfriei a cabeça. Acho que precisamos conversar. Eu sou sua mãe,
eu não vou te deixar sozinha nesse momento.
Ela entrou no quarto. Agora, eu a via de corpo inteiro. Ela trazia uma
bandeja com dois sucos de laranja. Um ela pegou, e me estendeu o outro. Eu
aceitei, porque talvez... talvez uma parte de mim ainda fosse uma menina
ansiando pelo amor de sua mãe.
— Quem é o pai do bebê, Catarina?
— Eu... não quero dizer — admiti.
— O que eu vou fazer, filha? Matar o menino? Eu só quero conversar
com ele e falar como vamos proceder diante do ocorrido. O que está feito,
está feito. Agora, precisamos resolver as coisas. Vocês vão se casar? Como
ele vai sustentar o bebê?
Racionalmente falando, ela estava certa. Levei o suco aos lábios, era
tão saboroso, parecia tão doce.
— Eu não sei — admiti. — Ele é pobre, mas ele é trabalhador.
— Ele estuda?
— Ele está fazendo um cursinho pra prestar para medicina.
— Certo. E ele tem pais? Posso falar com os pais dele?
Eu bebi outro gole do suco, enquanto analisava as perguntas.
— Ele é órfão.
O tom dela me deixou leve. Quando percebi estar calma pela primeira
vez desde o resultado positivo, eu tomei outro gole. Ah, era tão bom um
momento de paz. Um, ao menos. Depois dessa tempestade, eu poderia viver
a bonança?
— Certo, filha... Como é o nome dele?
— Yan.
— Yan de quê?
— Leziér.
Por que eu estava contando? Eu simplesmente não conseguia parar de
falar.
— Você está com sono? Parece cansada...
— Eu só... — vou me acomodando entre os travesseiros, o copo cai
das minhas mãos, molhando o colchão ao meu lado. — A gente vai se
encontrar amanhã no viaduto perto da rodoviária...
— Meu amor! Você ia fugir de mim?
— Eu... — meus olhos pesaram eu os fechei.
Meu corpo então simplesmente ficou em um estado tão apático que eu
não conseguia me mexer. Ouvi passos, ouvi vozes. Dois homens surgiram no
meu campo de visão semicerrado. Eu queria reagir, mas não consegui,
mesmo quando meu corpo foi erguido da cama.
Eu sabia que não devia confiar em Sofia, mas nunca pensei que ela me
odiasse tanto.
3
∞∞∞
— Como você está? — minha mãe me indagou, no dia seguinte,
depois de quase vinte horas de agonia, hemorragia e lágrimas.
Pensei que fosse morrer antes mesmo de completar dezoito anos.
— Você parece péssima. Está com muitas olheiras. Carla disse que é
preciso se hidratar bastante. Água de coco... tome — ela me estendeu um
copo, que eu recusei com um safanão.
O copo voou para o chão.
Elas pensaram que eu não sobreviveria. Conversaram entre si, ouvi na
noite anterior. Minha mãe disse que eu precisaria ir ao hospital, mas Carla
falou que não podia, pois descobririam o que ela fez.
— Olha a bagunça que você fez! — Sofia ralhou.
— Eu te odeio — disse.
— Toda filha odeia a mãe. É natural. Mas, um dia vai me agradecer.
Poderá estudar, conhecer um homem rico e...
— Eu vou me vingar de você — jurei.
— Não fale bobagens.
— E da Carla. Vocês duas... podem se passar dez, quinze anos..., mas
eu vou me vingar.
— Uma pamonha como você? — ela debochou.
Ela estava certa. A Catarina que ela conhecia não matava nem uma
barata. Mas, eu mudaria. Pelo meu bebê que foi morto por elas. Eu me
vingaria.
— Quando você menos esperar. Quando estiver feliz. Quando estiver
no seu melhor momento. Será nessa hora que eu vou me vingar de você —
afirmei.
Minha mãe focou seu olhar em mim, como se estudasse minha
postura.
— Você devia estar me agradecendo.
— Você matou meu bebê.
— Bebê? Era só um amontoado de células.
— Era um ser vivo. E você o tirou de mim. Não tinha esse direito. Eu
nunca vou te perdoar. Aliás, não vou voltar para casa. Daqui, vou direto para
um hotel. Eu tenho o dinheiro que meu pai deixou para mim, e você vai
disponibilizá-lo e aceitar isso, deixando-me em paz, senão eu vou denunciá-
la a polícia e a sociedade. Todo mundo vai saber o que fez comigo.
Eu não sou idiota. Sabia que não aconteceria nada com ela, minha mãe
tem influência demais para que a justiça a prendesse ou coisa assim. Mas,
sentir o peso do olhar das pessoas julgando-a, a alta sociedade que ela
adorava mais que tudo...? Se isso saísse nos jornais, ela morreria.
Então, Sofia simplesmente se afastou daquele quarto vagabundo, em
algum lugar perdido da região metropolitana. Saber que eu estaria livre dela
até pareceu abrandar um pouco da dor que eu sentia.
Um pouco, mas não tudo.
Uma explosão de lágrimas me toma, enquanto eu resvalo para trás.
Meu corpo arde, mas minha alma está quase morta. E essa dor é maior do
que tudo.
4
∞∞∞
As visitas de domingo traziam certo ânimo a esse inferno. Eu me pus
na janela, observando as crianças correndo lá embaixo, enquanto alguma
comida era posta em cestos artesanais pendurados por lençóis e erguidos
pelos presos aos andares superiores.
Tipo um elevador de comida. Alimento doado a quem não tinha
família e só podia assistir o reencontro lá embaixo.
Todo mundo se ajudava aqui. Claro, havia muita violência, mas
também havia certo companheirismo. Muitos até acreditaram que eu era
inocente quando lhes contei minha história.
Subitamente, um cesto aparece na minha janela. Sorri para Éder, que
puxa o lençol animadamente.
— Uma carteira de cigarros — ele disse, muito feliz.
Ele era meu colega de cela. Um dos muitos nesse lugar abarrotado de
gente. Mas, agora, estávamos sozinhos nesse lugar, enquanto víamos as
pessoas lá embaixo, no pátio.
— Ah, que maravilha — ele continuou. — Bolachas recheadas, e pão.
Pelas grades ele recolheu tudo, antes de soltar o cesto novamente, para
receber mais algum presente de gente piedosa.
— Sua família não veio hoje?
— Meu pai quer me dar uma lição — ele me contou. — Porque eu fui
idiota e pus a família toda em perigo.
Ele era filho da violência. O pai de Éder era líder de uma facção do
tráfico, e todos os irmãos e primos dele trabalhavam para seu pai.
— Sua audiência já saiu? — ele perguntou.
— Semana que vem. Eu pedi para o advogado mandar uma carta para
minha namorada. Preciso vê-la e contar o que aconteceu.
— A garota grávida? — ele questionou.
Conhecia a história porque eu recusei a companhia de uma das garotas
que servia a facção num oferecimento gentil que ele me deu num dos dias de
visita íntima. Éder e eu nos dávamos bem, especialmente porque eu não
parecia impressionado ou temeroso por quem ele era.
— Sim, Catarina. Ela é o amor da minha vida — eu narrei.
— O amor da sua vida vai colocar seus pezinhos de princesa nesse
quinto dos infernos? — ele indagou, e eu não sabia a resposta.
— Só quero vê-la uma vez, antes da audiência. Eu não quero que meu
filho venha aqui, depois. Esse lugar... não é um lugar para crianças —
admiti.
De repente, ouvimos passos no corredor. A grande maioria dos presos
estava na parte inferior do prédio, com suas famílias. E na nossa ala não
havia ficado ninguém além dos esquecidos por Deus nesse lugar.
— Ei... — um homem aparece ao fundo, pela porta destrancada,
encarando Éder. — Eu vim entregar um recado ao seu pai.
Éder era um jovem de dezoito anos. Tínhamos a mesma idade e,
acredito, ele tinha a mesma experiência que eu em lidar com valentões. Eu
nunca gostei de conflitos, e Éder era protegido pela família poderosa.
Quando ele se pôs de pé, preocupado, eu soube que as coisas aqui ficariam
ruins rapidamente.
Então o homem avançou. Ele tinha um estilete feito com um cabo de
caneta e uma gilete grotescamente enferrujada. Ele foi reto até Éder, e
começou a tentar acertá-lo na barriga. Fiquei momentaneamente travado,
vendo Éder tentar se proteger e desviar de uma morte lenta e agonizante,
quando reagi por instinto.
Éder era meu único amigo aqui. Eu não sei bem se amizade é uma
palavra que nos define, mas nós costumávamos conversar nesses dias
solitários e encarcerados. Ele me ouvia falar de Catarina e do meu filho, e
sorria diante do amor que eu demonstrava sentir.
E agora ele seria morto na minha frente. Então, saltei em cima do cara,
dando um mata-leão nele. O homem começou a lutar, mas eu fiquei tão
firme, havia uma raiva retida em mim. Estava preso injustamente, nesse
lugar horrível, e aquele homem pareceu representar toda a tristeza que eu
sentia.
Então pressionei meu antebraço no seu pescoço. E apertei. Apertei
muito. Ele desfaleceu e, quando eu soltei, o homem caiu no chão como um
trapo velho.
Nesse momento, guardas invadiram a cela. Eu imaginei que ele
levariam o cara, e no máximo me dariam uma surra por me envolver em
brigas. Talvez a solitária por alguns dias, seria natural. Mas, quando eles me
encararam após verificar a pulsação do homem, eu soube que minha
condição nesse lugar iria piorar e muito.
— Ele está morto.
6
∞∞∞
Eu não a impedi de subir ao quarto quando Sofia chegou no hotel.
Abri a porta para ela, e aguardei sentada na cama que ela começasse sua
série de palavras tentando ser compreensiva sobre eu ter ido embora, e sobre
como achava que eu devia voltar.
Como toda cretina narcisista, ela não podia viver sem sua válvula de
escape. Ela precisava de mim em casa para criticar.
— Você sabe... está horrível, com olheiras profundas. Tem dormido,
querida?
Eu quase ri da frase. Querida? Ah, que filha da puta, desgraçada.
— Dormido? Como eu posso dormir depois de você ter matado meu
filho?
Ela deu os ombros, como se não fosse nada demais. Como se ela
apenas tivesse colocado uma blusa minha fora, ou trocado as cortinas do
quarto sem que eu autorizasse.
— E o garoto? Achei que ele estaria com você, aqui. Não iam morar
juntos?
De alguma maneira, Sofia sabia. Vi nos olhos dela a satisfação em me
ver derrotada. Talvez a dona da pensão tivesse razão, e por conhecer os
homens melhor do que eu, Sofia sabia que ele me deixaria sem olhar para
trás, fugiria da responsabilidade.
— Eu tentei te avisar, Catarina. Mas, você é teimosa e não me ouviu.
— Cale a boca... — disse.
— Ele só te usou. Fodeu, te engravidou, e depois fugiu. Você pode me
odiar agora, mas eu te salvei de ficar presa a uma criança sem pai. Eu te
salvei de...
Subitamente, eu fiquei cega. Meu corpo perdeu o controle, e eu
avancei em Sofia, desferindo nela um tapa tão forte que o som soou por todo
o quarto. Estranhamente, pareceu música aos meus ouvidos. Eu adorei a
sensação.
— Sua...
— Eu te disse para sumir da minha vida — minha voz soou com uma
acidez que me surpreendeu.
E me deixou tão... tão aliviada.
Repentinamente, eu percebi que eu podia descontar nos outros minha
raiva e dor. Especialmente em Sofia. Então, alcei que jamais voltaria a ser a
menina doce e delicada. Nunca mais. A vida me quebrou cedo demais, mas
só faria isso uma vez.
Eu nunca mais amaria ninguém. Eu nunca mais sentiria qualquer e
menor sentimento novamente.
7
∞∞∞
Eu mal podia acreditar que fiquei dez anos nesse inferno sem
enlouquecer. Agora, enquanto o vento da liberdade balançava minhas
madeixas, eu fechei os olhos apenas para aspirar o perfume da rua, o cheiro
as árvores, o calor do sol que aquecia minha pele.
— Irmão — Éder veio na minha direção e me deu um abraço. Era
incrível como nós nos tornamos tão próximos por conta de um curto espaço
de tempo, dez anos antes.
Eu o salvei naquele dia. Ele me salvou em todos os demais, nunca me
permitindo ficar sozinho ou desamparado aqui. A Castle – como era
chamada a facção que o pai dele, Abel, gerenciava — esteve ao meu lado dia
após dia enquanto os meses e os anos iam passando.
— Eu nem acredito que consegui — disse a ele, enquanto recebia seu
abraço. — Estou livre. Sou um homem livre.
— É sim, irmão — ele afirmou, e sua frase trouxe euforia ao meu
coração. — Agora, venha! — apontou um carro escuro, à distância. — Papai
quer falar com você.
Eu sabia o que me esperava assim que saísse do central. Agora, eu era
a Fera, um dos assassinos de Abel. Não me importava com esse destino,
porque francamente, o peso das mortes começou a se tornar leve assim que o
tempo foi passando, e a quantidade de corpos se empilhando dentro daquela
cadeia suja.
Entramos no carro. Havia um motorista à frente, então Éder sentou-se
ao meu lado. Ele me estendeu um telefone celular, mostrando na tela um
número salvo.
— É o telefone da tal Catarina. Foi difícil conseguir, mas você poderá
falar com ela agora. Saber como está seu filho.
— Tem informações sobre a criança?
— Nada. Pelo jeito ela esconde muito bem o moleque, o que não é
estranho, pois é muito famosa. É uma das maiores influenciadoras digitais
do país. Mas, só a equipe que trabalha com ela tem acesso a Catarina.
Eu peguei o telefone na mão. A verdade é que eu não estava satisfeito
em simplesmente mandar alguma mensagem qualquer para ela. Uma parte
de mim queria vê-la, mesmo sabendo que, obviamente, jamais teríamos nada
novamente.
O tempo passou. O tempo é cruel.
Catarina devia ter a própria vida. Talvez até um marido, escondido do
público. Eu também segui em frente, a Castle sempre mandava meninas para
visitas íntimas, e eu aproveitei o sexo para me ajudar a passar o tempo.
Nunca senti por outra mulher o que um dia eu senti por Catarina, mas
reconhecia que o sentimento era coisa de adolescente deslumbrado,
apaixonado pela menina com quem perdeu a virgindade.
— E sabe alguma coisa sobre os guardas que armaram pra me
prender?
— Um deles foi expulso da PM. Outro, enviado para outra cidade fora
do estado. Estamos no encalço.
Não restava mais nada do antigo Yan em mim. E eu afoguei o que um
dia senti por Catarina na indiferença, porque sabia que não havia volta.
Aquele dia, o dia da nossa fuga, o dia que me incriminaram... Aquele dia
mudou tudo.
A Castle tentou avisá-la onde eu estava durante os anos. Nunca
soubemos se a mensagem realmente chegou até ela. Mas, isso não era
importante porque... mais uma vez... quando tivemos a chance de ficarmos
juntos, ela não apareceu.
E durante os dias que, à passos de tartaruga, fui passando atrás das
grades, não posso negar que alimentei certo ressentimento. Catarina não ter
aparecido me fez ficar esperando-a num lugar onde havia muito tráfico. Por
causa disso, eu fui preso.
Eu perdi dez anos trancado numa cela, cagando num buraco, lutando
para sobreviver todos os dias.
— Então ela é famosa... — suspirei.
— Muito. Lançou recentemente uma marca de perfumes que é líder de
vendas. Ela também é a nova cara da Dior no país.
Balancei a fronte.
— Eu... não vou ligar. Vou atrás dela. Me dê um endereço.
— Não vai conseguir contato. Como eu disse, ela é muito reclusa.
— Eu darei um jeito. Preciso ver o rosto do meu filho. Essa criança
me fez aguentar todos os anos preso. Só quero vê-lo... Diga a Abel que irei a
ilha assim que ver meu filho.
— Catarina não está na cidade. Foi ao Mato Grosso ao casamento de
uma amiga.
Ela tinha amiga? Era estranho pensar nisso, porque a Catarina que eu
conhecia era tão afastada das demais pessoas. Mas, mais uma vez, eu não era
a mesma pessoa, então ela também não devia mais ser.
Sem saída, abri a tela de mensagens do celular. Sob os olhos atentos de
Éder, eu escrevi um nome:
“Cat”.
Eu queria dizer muitas coisas a ela. Mas, eu acabei enviando a
mensagem com essa única palavra de três letras. Eu esperava que ela lesse e
me respondesse. Acho que ninguém mais a chamaria assim, então imaginei
que ela reconheceria o teor.
Olhei para fora. Porto Alegre passava, estranhamente moderna, pela
janela.
Eu não era mais o mesmo cara. Mas, uma parte de mim ainda era a
mesma:
“Eu quero ver o meu filho”.
Como a criança reagiria a um pai que nunca viu? A mãe o teria jogado
contra mim? Teria dito a ele que eu morri? Ou teria sido cruel ao ponto de
dizer que eu não me interessava em procurá-lo?
O celular vibrou. Eu olhei a tela, ansioso. Éder se espichou ao meu
lado, claramente também muito interessado.
O texto a seguir matou o resto de humanidade que havia em mim:
“Não existe filho. O bebê morreu. Foi abortado.”
9
Um dia, muitos anos antes, eu jurei que nunca mais amaria alguém.
Enquanto andava pela festa, num lugar idílico que tinha como cenário a
Chapada dos Guimarães, eu percebi que a pessoa que me mudou e me fez
amar novamente não foi outro homem.
Meu celular vibrou, e eu abri a bolsinha que trazia comigo e o peguei.
Era um malabarismo, uma taça numa das mãos, enquanto a outra lutava para
abrir o botão da bolsa e pegar o aparelho sem derrubar nada.
Ouvi o risinho baixo de Liliana na minha frente. Ergui os olhos e
encarei a noiva perfeita, enquanto me permitia suspirar de puro carinho por
vê-la tão feliz.
Não foi outro homem que me fez amar novamente. Foi essa garota,
minha melhor amiga, que surgiu na minha vida com dezessete anos, grávida,
sozinha, abandonada... Lili era como a antiga Catarina, e isso despertou algo
no meu coração. Eu pude salvá-la, algo que não fui capaz de fazer a mim
mesma.
— Por que está triste, Cat?
Cat...
Gata.
Eu sorri diante do apelido. Era raro alguém me chamar assim. Lorenzo
e Liliana [1]às vezes falavam, sem saber o quanto esse apelido me trazia más
memórias. Eu não falava muito da minha vida passada para eles, Lili sabia o
básico: dez anos antes eu fui abandonada grávida pelo único homem que
amei. O desgraçado sumiu quando soube do bebê, me deixando sozinha nas
mãos de uma mãe que se aproveitou de mim.
Eu não quero perder um segundo sequer com lembranças, mas as
coisas veem de supetão em momentos de festa, como esse. Ver Maria Elena
– a filha de Lili – estendendo os bracinhos para o pai, Lorenzo, me fazia
pensar no meu próprio bebê, morto num lugar sujo.
— Minha mãe está me procurando — contei a ela, que arqueou as
sobrancelhas. — Ela entrou em contato com a agência e disse que era um
caso de vida ou morte. E a agência deu meu número para ela. Agora vive me
ligando.
— Ela não pode fazer nada contra você.
— Me desculpe por isso... Eu não vou deixar isso me abater. Vou
melhorar e aproveitar muito sua festa de casamento. Prometo. Será que
Lorenzo tem algum primo bonitão para dançar comigo?
— Henrique estava de olho em você — Lili sorriu, e eu fiz uma cara
feia.
Não estava interessada nele, nem em homem nenhum. Yan me
estragou para todos, eu era incapaz de confiar novamente.
— Eu prefiro dançar com você — disse a ela. — Isso me deixaria com
fama de sapatão?
A dúvida era legítima. Qualquer coisa que vazasse sobre minha vida –
boato ou não – sempre prejudicava minha carreira. Às vezes, me perguntava
como meu público reagiria ao aborto que vivenciei anos antes. Acho que a
fantasia da princesa loira e perfeita que eu desempenhava nas redes sociais
cairia por terra.
— Agora é moda — Lili riu.
Era verdade. Tinha gente no meio fingindo ter desejo por pessoas do
mesmo sexo só pra ganhar fama. O tal Pink Money.
— Então, me dê a honra? — pedi e ela assentiu, rindo.
Era tão bom estar com ela. Minha melhor amiga era a pessoa que eu
mais confiava nesse mundo. Segurei no braço de Liliana e começamos a
andar em direção à pista de dança, quando meus olhos cravaram no celular,
diante do alerta de uma nova mensagem.
O número não era da minha mãe. Era desconhecido, mas eu soube
exatamente quem era quando vi as três letras brilhando na tela.
“Cat...”
Só uma pessoa me chamava assim, além das duas que estavam ali,
naquela festa.
“Eu quero ver o meu filho”.
Minhas pernas travaram, enquanto meu coração pareceu prestes a
explodir.
Yan...
Yan Leziér estava de volta.
— Cat? — Lili indaga quando me percebe travar entre o jardim e a
pista de dança.
Eu não quero estragar o casamento de minha melhor amiga com minha
melancolia. Lili e Lorenzo sofreram tanto para chegarem a esse momento. E
não era justo eu vir do Sul e minar esse momento com meus problemas.
— Eu só... eu só preciso respirar — digo a ela, me soltando das suas
mãos, dando meia volta e me afastando.
Enquanto corro em direção à enorme mansão adiante, buscando
qualquer lugar longe de todos, eu seguro o celular, lendo novamente a
mensagem.
“Eu quero ver o meu filho”.
Como ele se atrevia?
Entro pela porta da frente, consigo me aproximar da sala de estar, e
caio sobre uma poltrona. Eu devia bloquear o número, ou ignorar a
mensagem, fingir que nunca a vi, mas não consigo me impedir de começar a
digitar.
“Não existe filho. O bebê morreu. Foi abortado.”
Eu quero dizer mais coisas, mas não consigo.
A culpa é sua.
Desgraçado, você me deixou sozinha e o bebê morreu.
Frases e frases se montam na minha cabeça, mas nenhuma delas é
posta no celular. Eu jogo o aparelho longe, um choro compulsivo se forma
na minha garganta, e explode na minha alma. Eu caio para o lado na
poltrona, lágrimas molhando o tecido do móvel, enquanto mãos deslizam
pelas minhas costas, num carinho carregado de conforto.
— Catarina — a voz masculina me faz encarar Lorenzo. — O que
aconteceu?
Repentinamente, me dou conta de que Lili também está aqui. Ela foi
até o celular e pegou no chão. Pareceu chocada em ler o texto.
— Por favor, saiam — peço. — Não quero estragar o casamento de
vocês.
— Cat... Não fale bobagens. Nem haveria casamento sem você... —
Lorenzo disse. — Você é a maior responsável por Liliana e eu nos
reencontrarmos e por Maria Elena estar bem. Por favor, nos conte o que está
acontecendo.
Lili se aproxima e se ajoelha na minha frente. Lorenzo está ao lado
dela, e ambos me encaram apreensivos. Mas, eu não consigo dizer nada. Só
preciso me jogar nos braços deles, e ser amparada pela sua amizade.
A dor é tanta que não pode ser expressa.
10
Não tinha tanta graça com ela amortecida pelo sedativo. Seu tom de
voz era pastoso, como se estivesse com dificuldade para falar, e Catarina
nem tentou lutar, mesmo que uma parte dela entrasse em pânico quando
percebeu a corrente.
Era difícil entendê-la. Algum traço de sua alma vazia de piedade se
mostrou para mim, seu olhar apagado como se não houvesse brilho nem
esperança. Mas, por alguns segundos, algo queimou ali. E isso me fez recuar.
Eu deixei o porão, subindo pelas escadas que levavam a parte superior
do castelo. Lá fora, pelos vidros bem limpos, era possível ver a praia ao
longe, dois ou três homens caminhando por ali, fazendo a guarda. Ao fundo,
o mar parecia calmo e constante, seu som era tão acolhedor que eu mal
conseguia me imaginar longe daqui.
Mas, a vida nesse castelo é temporária. Eu terei que voltar à ativa,
cumprindo as ordens de Abel. Matar era a única coisa que eu sabia fazer
com maestria. Não um dom, porque não nasci com isso, mas uma função que
me coube bem nos momentos de dificuldade.
Cruzei um dos corredores. Meu pensamento centrado agora em
Catarina. Eu podia matá-la facilmente a hora que eu quisesse, mas algo me
impediu até então. Provavelmente, lutava por ouvir dela qualquer desculpa
que justificasse suas ações. Uma parte de mim, a parte idiota de um jovem
sonhador, ainda queria perdoá-la.
— Ei, Fera — ouço uma voz feminina às minhas costas e me volto
para ver Mirella vindo em minha direção.
Ela está sorrindo, seu corpo curvilíneo se molda com maestria num
vestido curto que mostra muito do seu corpo. Talvez um pouco mais do que
um homem quer ver para se sentir atiçado.
— Oi — respondo.
Ela é uma marmita. Daquelas que o grupo consegue nos bailes funks.
Antigamente, as marmitas eram compradas, você pagava caro por prostitutas
que atendessem aos membros da Castle. Mas, a revolução sexual agora nos
trouxe esse benefício. Para que pagar, se meninas como Mirella se ofereciam
de graça, desejosas em ter um bandido para cuidar delas?
— Éder me disse que você trouxe uma garota para o porão — sua voz
soou enciumada.
Revirando os olhos, balancei a cabeça.
— Não é o que parece — disse.
— Eu adoraria ser trancada por você num porão — ela disse,
aproximando seu corpo de ampulheta do meu. O cheiro dela me lembrava
algo doce, como bala de morango. Eu podia fodê-la agora, talvez aliviasse
um pouco meu estresse com a chegada de Catarina. — O que acha?
Sorri. A maioria dos homens ali viam Mirella como apenas mais uma
marmita. Mas, eu sabia que ela tinha mais que sexo a oferecer. Era
inteligente e parecia entender nuances no ar. Uma parte de mim sabia que
Mirella estava tentando descobrir por que um assassino como eu havia
sequestrado uma influencer da internet.
Tirando Éder, Abel e Álvaro, ninguém mais conhecia meu passado.
Mirella queria sabê-lo para criar um vínculo comigo. E não havia como
saber se isso seria algo bom.
— Você sabe... — murmurei. — Ela está trancada como uma cadela,
com coleira e tudo — meu olhar varreu seus lábios.
Mirella sorriu.
— Quer delícia — murmurou. — Talvez você queira me levar lá para
tratar nós duas como cachorras.
Ri baixinho, porque era impossível não ser dominado pela ideia de ter
ambas as mulheres de quatro para mim. Não que esse tipo de pensamento
fosse comum à minha pessoa. Francamente, nunca pensei em Catarina
assim. Nas minhas noites solitárias na cadeia, imaginava que um dia pudesse
voltar a fazer amor com ela, cuidá-la e venerá-la como sempre o fiz quando
transávamos. Mas, depois que sai e descobri a cretina que ela era, não me
importava mais.
— Talvez um dia — disse. — Na frente dela — apontei com a face em
direção ao porão. — Acho que ela nunca assistiu algo ao vivo. Vamos
mostrar como se faz?
Ela se aproximou, colando seu corpo ao meu novamente. Seus dedos
resvalavam pelo meu pescoço, e ela abriu os lábios, ansiosa para me receber.
Eu podia sentir sua cavidade batendo de leve meu pau, parecendo provocar
algo que eu, como homem, não podia negar.
Mas, negaria.
Hoje, eu não estava com cabeça.
— Ei, Mirella — dei um passo para trás. — Hoje não. Estou ocupado
— disse. — Você sabe se Éder chegou ao Castelo?
— Não. Mas, eu vi Abel — ela me respondeu. — Ele trouxe novas
garotas para servi-lo. Estou começando a achar que ele está se cansando das
antigas.
Havia um pouco de ciúmes em seu tom, e eu sorri.
— Ninguém pode se cansar de você, querida. É linda, doce e delicada.
E faz sexo de uma forma que deixa qualquer homem aqui duro como uma
pedra. Agora, me dê licença. Vou até Abel.
Voltei a caminhar. Cruzei por vários corredores e por salas bem-feitas,
planejadas com maestria. Eu não fazia ideia de como Abel conseguiu
construir esse lugar, tão longe de tudo, numa ilha perdida no oceano. Enfim,
o dinheiro é algo que rompe barreiras.
— Meu filho — ele disse, quando me viu. Aproximou-se e meu deu
um abraço tão carinhoso que eu realmente, de alguma maneira, senti como
se ele fosse meu pai.
Eu aceitava esse sentimento com todo meu coração. Afinal, eu não
tive um pai. Quando eu pensava no meu filho com Catarina, lá no presídio,
sempre havia o desespero em pensar que a criança pudesse achar que foi
abandonada. Porque eu sabia a dor que era não ter um pai.
Eu chorei por uma criança que nem existia. Eu era patético.
— Soube que trouxe a loira bonita da internet para cá — ele
comentou, quando nós nos sentamos à mesa.
— Sim. Ela está no porão.
— Achei que fosse matá-la imediatamente — ele apontou. — Uma
mulher que mata um bebê não merece piedade. No nosso tribunal, a pena é
de morte.
— Eu sei — concordei. — Eu farei isso. Só preciso de um tempo.
Havia frutos do mar sobre uma travessa. Eu não comia aquela “comida
de rico”, então apenas observei o alimento sem interesse.
— Ainda gosta dela?
— Não. Não sinto nada.
— Só ódio pelo que percebo.
— Por causa dela, fiquei dez anos preso — lembrei-o. Não era algo
que se perdoava fácil. — Ainda preciso mastigar a informação do que ela
fez. Quando Catarina não respondeu nenhuma mensagem de advogado, eu
simplesmente pensei que ela seguiu em frente. Nunca me passou pela mente
que ela fosse a responsável pela minha desgraça. Ela podia ter terminado
comigo, mas não bastava... precisava me arrasar antes.
— O ódio, muitas vezes, anda de mãos dadas com o amor.
Eu o encarei com ironia. Não acreditava nisso. Não a amava, do
mesmo jeito que ela também não sentia nada. Mesmo o breve fogo que vi
entre nós era brasa adormecida. E não havia combustível que nos acendesse
novamente. Ela acabou comigo, e agora eu acabaria com ela.
Alguém chamou Abel de um lado. Ele se levantou, e ouviu o recado.
Então me disse que precisava ir resolver alguns assuntos. Eu voltei a encarar
a travessa enquanto ele saía, me dando conta de que Catarina não comia
nada desde a noite anterior, quando foi presa.
Eu podia deixá-la morrer de fome, mas eu também queria que tivesse
tempo de planejar minha vingança. Mais que isso, eu precisava dela
acordada, não apática, sabendo que estava compreendendo tudo que ocorria.
Fui até a cozinha. Peguei outra travessa, enquanto cruzava por uma
das empregadas.
— Onde tem pão? — indaguei.
A mulher correu pegar alguns pães franceses e brioches. Eu ajeitei
tudo sobre um prato, e peguei uma jarra com suco. Havia água na cela, então
não sei por que peguei o suco. Me senti um pouco idiota fazendo isso.
Voltei pelo mesmo corredor. Agora ele estava vazio, e pude descer as
escadas do porão sem ser importunado. Entrei na cela, e caminhei até a
pequena mesa de ferro ao lado da pia.
— Eu trouxe pão — disse a ela.
Então a vi. Enrolada, os joelhos até o peito, e a cabeça baixa. Ela
parecia tão pequena e sem esperança, presa pela coleira, os cabelos não
havia secado desde que joguei a água nela, e pareciam grudado em sua testa.
— Catarina?
Ela não respondeu.
Nada. Nenhum retorno. Claro, havia o efeito da droga, mas ela já
devia estar acordado da apatia. Seu estado desesperançoso me deu raiva.
— Fale comigo — ordenei. — Me responda quando eu falar com
você.
Nada.
— Você está se entregando tão fácil, Catarina... Eu esperava mais de
você. Esperava que lutasse — disse, a tensão se aproximando tão rápido.
Eu podia sentir como a situação parecia pesada, como se houvesse
toneladas sobre nós.
— Me mate logo — Sua voz falhou quando falou.
Soltando um suspiro, eu disse:
— Muito fácil, Cat. Você merece algo muito pior que morrer de uma
forma rápida.
14
Um dia eu o amei mais que tudo nessa vida. Agora, não restava nada.
Esse homem diante de mim não era nada além de um psicopata.
Meu corpo ainda um tanto dormente consegue chegar até a mesa. Eu
agarro um pedaço de pão enquanto caio sobre a outra cadeira. Estou faminta,
conforme vou acordando do sedativo, sinto meu estômago doer. Não peço,
simplesmente pego um copo de suco e bebo rapidamente, antes que ele
possa me impedir. Um pouco do suco caí do meu rosto, molhando a mesa.
Não me importo.
Yan, do outro lado da pequena mesa, me observa em silêncio. Eu
resvalo meu olhar para ele alguns segundos, uma parte de mim percebendo
como ele se tornou um homem bonito. É ridículo pensar nisso, mas
comparando com minhas memórias, agora ele era mais masculino, mais
forte, e mais alto. Eu costumava pensar em mim mesma como um ser
assexual, depois do que aconteceu. Mas, não podia negar que algo nele me
fazia queimar.
As lembranças, provavelmente. O primeiro amor. Não é algo que você
esquece facilmente.
Meu olhar fixa no pão de novo. Pego outro pedaço. Sim, algo em Yan
me faz queimar, mas ele é puro gelo. Ele está tão frio que machuca. E todas
as acusações... como ele pode dizer que eu matei o bebê? Quando foi ele que
me abandonou sozinha?
Ele foi embora sem olhar para trás. Deixando-me com dezessete anos,
nas mãos de Sofia. Eu era só uma menina que não sabia me defender. Os
pensamentos que me tomam, quase me fazem fraquejar e chorar diante dele.
Estou tão esgotada, física e emocionalmente, que penso que não vou
aguentar seja o que for que ele esteja planejando.
— Onde estou? — pergunto, não tenho certeza do que ouço, parece
com o mar.
— Em uma ilha.
A resposta me surpreende.
— Uma ilha?
— Sim. Um amontoado de terra que pertence a Castle.
Castle? Eu ouvi falar sobre isso no jornal. Eles eram tão poderosos
quanto o CV ou PCC. Isso era assustador.
— Como você entrou nisso?
Não havia como aquele menino doce que me amava em tardes frias
em hotéis de segunda classe, ser o mesmo homem diante de mim. Mas,
apesar da roupa cara e do olhar selvagem, havia algo nesse Yan que me
remetia àquele outro.
— Como eu entrei? — ele murmurou. — Ah, Cat... Como você acha?
Sua pergunta parecia ser uma resposta que eu devia conhecer. Mas,
francamente, não fazia ideia do que ele estava falando. Meu cérebro
começou a pensar, tentar lembrar se ele conhecia alguém na época que
poderia apresentá-lo a organização, ou... não sei...
— Por que estou aqui?
— Já te disse. Não basta morrer. Você tem que sofrer.
Eu corri minha língua ao longo do meu lábio inferior. Apesar do suco,
estava tão seco que ardia. Não foi um gesto proposital, mas percebi o olhar
de Yan vagando sobre minha boca.
— Mais?
— Mais? — ele riu. — O que você já sofreu, Cat? Passeando pela
Europa ou sendo famosa na internet?
Ele não sabia, porque ninguém sabia, que eu chorava todas as noites
no travesseiro.
Peguei outro copo de suco. Bebi novamente. Meus lábios ardiam,
provavelmente pela maresia.
— Você tem namorado, Cat? — ele indagou, a pergunta quase me fez
rir.
— Não.
— Que pena. Adoraria pegar o cara e te foder na frente dele.
Era uma ameaça de estupro? As palavras me assustaram. Nesse
momento, segurava o copo e acabei soltando-o porque minhas mãos tremiam
tanto que eu não podia mantê-lo entre os dedos.
O suco caiu sobre meu colo, me sujando e melecando com seu líquido
doce. Minha roupa estava suja do chão, mas agora eu ficaria pegajosa, e isso
quase me fez chorar, não fosse o susto que tive quando ele se pôs de pé e foi
até minha corrente.
— O que vai fazer? — indaguei.
Yan tirou uma chave do bolso e abriu o cadeado da corrente na parede.
Eu fiquei solta agora, ainda de coleira, mas solta. Repentinamente, esse
homem veio na minha direção, e eu pensei em correr, e o faria, se minhas
pernas obedecessem.
Ele me puxou. Eu fiquei em pé com dificuldade.
— O que vai fazer? — repeti.
Precisava da resposta, mas também a temia.
— Está fedendo a boceta e suor.
Eu não tomava banho desde a manhã do dia anterior. Eu não sabia
quantas horas faziam, mas estava quente aqui e não havia sequer um
ventilador. Então, é claro que eu suei, e é claro eu não estava cheirando bem,
mas não esperava que ele fosse tão explícito.
— Aonde vamos? — perguntei, quando ele começou a me puxar para
a saída.
— Seu cheiro não me deixa pensar — ele murmurou, então soube que
ele iria me permitir um banho.
A porta abriu e eu vi um corredor onde uma escadaria nos esperava ao
fundo. Ele caminhou rápido, me puxando, machucando meu pescoço com o
ferro, enquanto me guiava para cima.
Esse lugar era feito de pedras. Era escuro e gelado aqui fora. Um
contraste com a cela. Eu gemi de dor quando tropecei nas escadas e caí de
joelhos. Soube que havia ralado quando me virei para ver o estrago. Estava
sangrando, e não era a única coisa devastada em mim.
— Está me irritando com essa frescura — ele disse, puxando a
corrente de novo, enquanto eu tentava me reequilibrar.
Meus olhos não estavam acostumados a claridade, depois de mais de
vinte e quatro horas naquele quarto escuro, arderam quando chegamos na
parte superior. Eu gemi, cobrindo-os, e estava tão exausta que não conseguia
sequer observar onde estávamos e como eu poderia planejar fugir daqui.
Subitamente, travamos. Yan abriu outra porta e entramos. Era um
quarto bonito, quase tão rico quando o meu, em casa.
— O quê...? — comecei, mas ele me cortou.
— Tire a roupa. Você vai tomar banho.
16
Ainda assim, não era meu corpo que ele viu. As lembranças de Yan
se remetiam a uma Cat adolescente, completamente apaixonada. Eu
amadureci, e amor romântico não fazia mais parte dos meus pensamentos.
Meu corpo era apenas um instrumento de trabalho, um cabide para colocar
coisas bonitas, à venda, mas não para os olhos dele.
Yan se adiantou, aproximando-se do chuveiro. Ele o abriu, e eu pude
ver a água quente caindo forte no banheiro.
— Não se preocupe com seus cabelos — ele disse, e eu arqueei as
sobrancelhas, sem entender. — A água é mais limpa que a do continente.
Eles tem uma vertente na ilha para consumo, e dessalinizam a do mar para
banho.
Eu não estava pensando em como a água podia danificar minhas
madeixas. Meu pensamento estava longe disso. Meu problema era arrancar
minha roupa na frente dele. Será que Yan era tão insensível assim?
— Por favor — tentei, mais uma vez. — Me deixe sozinha para tomar
banho.
Yan voltou-se para mim. Seu sorriso parecia demoníaco. Eu me
assustei com isso, e então o eu o empurrei. Seu corpo ficou embaixo do
chuveiro, e a visão de sua pele molhando na água quente, me fez entrar em
surto.
Meu coração bateu tão forte que doeu. Lágrimas começaram a se
formar, um amor que eu não queria... — que eu não sentia! — ... volveu ao
meu coração. Então, eu girei na direção contrária e tentei sair do banheiro.
Não estava mais presa na corrente, e podia correr. Meu corpo já estava
ficando acordado das drogas e eu podia tentar chegar ao mar. Se eu pudesse
me atirar no penhasco e terminar com isso, seria a melhor coisa.
Mas, sequer cheguei à porta do banheiro. Uma mão envolveu meu
cabelo em um punho, e me puxou para trás. Eu gritei, pela dor e pela
humilhação. E, estranhamente, porque era Yan que estava fazendo isso. Por
que ele insistia em me ferir mais do que já fez?
— Não me faça perder a cabeça, Cat — ele sussurrou contra meu
ouvido. Seu corpo duro apertando o meu. Sua mão livre espalmada na minha
barriga, minhas costas chocadas com sua frente.
Eu senti sua ponta apertando meu bumbum. Lágrimas cobriram meus
olhos enquanto tentei lutar.
— Me solta — dessa vez minha voz soou mais alta, e eu percebi que
estava voltando ao normal. Minha torpeza estava me deixando. Talvez fosse
o vômito ou o pânico, mas o efeito das drogas não estava mais presente.
— Catarina, você acha que eu não bateria em você se ousasse me
desafiar? — Ele bufou em resposta. — Eu odeio tanto você que seria fácil
esmagar seu crânio com as minhas mãos.
Mas, ao invés disso, ele subiu a mão espalmada. Tocou suavemente
meu pescoço, e então meu rosto, segurando meu queixo, fazendo com que eu
girasse a cabeça para ele.
Estava tão perto. Seu hálito acariciou meu nariz, e eu fechei os olhos.
Subitamente, perdi o controle da minha própria ação. Fechei os olhos porque
esperava seu beijo. Na verdade, queria seu beijo. O pensamento intruso e
inesperado foi cortado pela forma obtusa que ele me soltou.
— Tire a roupa! — gritou. — Agora!
Eu não me mexi.
— Você quer dificultar as coisas, Catarina? Eu posso simplesmente te
acorrentar de volta, e eu mesmo arrancar sua roupa. Ou eu posso te colocar
de volta no porão e jogar baldes de água na sua cabeça, deixando que
apodreça de frio lá. É isso que quer? Sofrer ou tomar um banho quente para
tirar seu vômito de você?
Francamente, eu não sabia o que era pior. Cada cena se tornava ainda
mais pavorosa e não havia cenário positivo. Então, assenti, enquanto fui
puxando a blusa para cima.
Eu tirei a calça depois, sem conseguir erguer meus olhos para ele e ver
sua expressão. Quando, por fim, o encarei, não havia nada que me dissesse o
que ele estava pensando.
— Tire o resto — ele mandou.
Eu sei que fiquei apavorada com essa possibilidade. Vendo minha
insegurança, Yan avançou, puxando tão forte o sutiã, que o rasgou contra
minha pele. Eu gritei assustada, mas quando ele levou a mão até minha
calcinha, eu fiquei dominada por uma raiva que não sentia a muito tempo.
A tanto tempo...
Desde que conheci Lili, minha vida entrou num marasmo de amizade.
Eu praticamente não odiava mais ninguém. Mas, o toque dele na minha
intimidade, me fez esquecer de proteger meus seios, enquanto eu pulava
contra ele.
Houve uma pequena luta.
— Olhe só... Minha pequena gatinha mostrou as unhas.
— Seu filho da puta — reagi, tentando me libertar das suas mãos e
enfiar meus dedos dentro dos seus olhos.
— Minha mãe nunca foi uma puta, ao contrário da sua. Como vai sua
relação com ela, agora que perceberam que são tão iguais?
Não fazia ideia do que ele estava falando. Repentinamente, ele
conseguiu pegar o tecido da minha calcinha. O tecido frágil foi removido
num único golpe. Eu gritei em desespero, enquanto tentava levar as mãos
para cobrir meu pequeno monte.
Mas, a verdade é que não estava fazendo meu melhor. Meus seios
eram grandes e eu sabia que ele estava vendo minhas aréolas, enquanto seu
olhar deslizava para baixo, aonde pequenos pelos claros apareciam na minha
virilha.
Eu costumava me depilar por higiene, mas estava sendo relapsa desde
que o inverno começou. Aqui na ilha, o tempo não era tão gelado, mas ainda
assim meus pelos se eriçaram diante do seu olhar.
— Entra no chuveiro — ele mandou.
Sua voz fez minha boceta apertar. Era estranho que ele ainda tivesse
esse poder. Lembro-me de o desejar tanto quando jovens que sequer senti
muita dor na primeira vez. Tanto é que quis uma segunda vez, poucos
minutos depois da primeira.
Passei por ele e entrei no chuveiro. Estava de costas para ele, a
vergonha não me permitia encará-lo. A água quente me tocou, e eu fechei os
olhos, enquanto sentia meu corpo aquecendo.
Parecia que fazia mil anos que eu não tomava um banho, e eu suspirei
de alívio, conforme o vômito e o mal cheiro foi me deixando.
— Você quer que eu te esfregue ou vai usar o sabonete sozinha? —
sua voz rouca atrás de mim me lembrou que Yan ainda me observava.
Eu agarrei o sabonete ao lado. O perfume inundou meus sentidos,
conforme eu ia passando-o pela pele. Tentei ser rápida para não me tornar
um espetáculo aos seus olhos, mas a verdade é que eu não sabia o que
aconteceria quando eu terminasse, então fiquei receosa em terminar.
Peguei o shampoo de Yan. Não conhecia a marca, mas serviu ao
propósito de me limpar. Como fiquei deitada por muitas horas no chão, meu
cabelo estava empapado de poeira. Um cheiro suave de rosas me tomou. Eu
quase podia sentir calma enquanto a água me confortava.
Mas, por fim, acabou. E então eu saí do box. Yan estava do outro lado
do banheiro, escorado na pia. Seus olhos eram fixos e havia muito mistério
no jeito que ele me encarava.
Uma parte de mim se perguntava se ele gostou do que viu, ou se os
anos acabaram por tirar de mim a beleza de antigamente.
Não havia como saber. Eu não conheço esse novo homem e não sou
capaz de alçar o que ele pensa. Nem o tipo de mulher que ele curte.
Não que isso me importe.
Ele estendeu a toalha branca para mim. Eu teria que libertar meus
seios ou minha boceta para pegá-la. Minhas mãos ainda tentavam me
proteger, o que era estranho, porque ele viu tudo enquanto eu me banhava.
Por fim, decidi que os seios eram menos importantes, e peguei a
toalha. Nesse momento, meus olhos baixaram e eu vi a protuberância na
calça. Desviei meu olhar rapidamente, enrubescendo.
O que estava acontecendo comigo?
18
Minha boca ainda queimava com o gosto dele. Nunca pensei que
beijá-lo depois de tantos anos ainda teria aquele sabor quase puro, como se a
vida não houvesse sido só devastação.
Quando ele se foi, fiquei sentada na cama, atormentada por
lembranças. As mãos, a boca, a forma como ele fazia amor. E então, o
terrível dia que fui drogada e que me fizeram o aborto. Minhas pernas
molhadas de sangue. Meus dias naquela cama suja imaginando que iria
morrer.
Depois, minha busca por Yan. A descoberta que ele me abandonou,
fugiu quando soube que eu estava grávida.
Eu o odiava mais que tudo nessa vida. Eu tinha que odiar. Eu
precisava.
Deslizo meus dedos pela minha boca, a saliva de Yan ainda parecia
estar ali. Ele tinha gosto de cravo e menta. Isso não mudou.
Me ergo da cama. Eu preciso sair daqui. Não posso permitir que esse
cara me enlace em seu jogo cruel. Ele me abandonou, e age como se fosse o
contrário. Ele claramente me culpa pelo aborto, quando jamais fui a
responsável.
Pela primeira vez, eu olho ao redor. É um quarto grande, as paredes
feitas à pedra. É um lugar quase místico, e muito rico. Não duvidava da
qualidade, já que ele falou que estava em uma facção. Os traficantes, hoje,
são os homens mais poderosos do país. Que eles tivessem uma ilha
particular para refúgio quando precisassem nem devia me surpreender.
Ando ao redor, procurando uma janela. Eu poderia pulá-la, mesmo que
fosse alta. Eu não me importava mais em morrer, apesar de saber que Lili
sofreria pela minha ausência. E Lorenzo. E a filha deles, Maria Elena. Oh,
Deus... hoje eu tinha amigos, e tinha uma família. Eu não poderia apenas
sumir sem achar que não deixaria um rastro de dor para trás.
Ainda assim, começo a andar pelo quarto. Vou até o banheiro. É bem
mais simples do que pertence a Yan, mas ainda assim é muito bonito. Eu
vejo uma pequena abertura atrás do chuveiro, uma saída de ar, e vou até ela.
De lá, posso ouvir o vento e as ondas quebrando na praia. Eu também ouvi
os cachorros latindo. E se eu prestasse muita atenção, podia ouvir o som de
risadas femininas.
Abandonei a abertura, porque eu jamais conseguiria passar por ela.
Voltei a cama, e me deitei sobre os lençóis macios. Apesar de eu ter dormido
a maior parte do tempo que estou aqui, ainda assim estou cansada.
Fechei os olhos.
Quanto tempo Yan pretende me manter aqui?
Quanto tempo até ele se sentir satisfeito o suficiente e então me matar
ou me deixar ir embora?
Abro os olhos.
Quanto tempo até eu perder meu contrato com a famosa marca de
grife? E meus vídeos no Youtube? E quanto dinheiro eu estou perdendo,
presa aqui?
Oh, Deus... e meu cabelo sem meus shampoos caros, minha pele sem o
skincare?
Quando eu voltar, se é que vou voltar, estarei um bagaço e levarei
semanas para me recuperar.
Meu trabalho era minha maior segurança. Tirando Lili e Lorenzo, as
redes sociais eram o único lugar que eu me sentia amada.
De repente, um barulho na fechadura da porta. Eu abro meus olhos,
imaginando que Yan voltou, mas sem ter certeza, já que não fazia muito
tempo que ele saiu. Repentinamente, a porta abre e eu vejo uma mulher
bonita entrando. Eu a encarei com surpresa, apesar de saber que havia
mulheres aqui.
— Oi — digo, carregada de esperança de que ela me ajude.
A garota devia ter no máximo uns vinte anos. Ela estava vestindo uma
saia curta e uma blusa que só cobria os seios. Era magra, cabelos longos e
escuros, soltos, um pouco rebeldes na franja. Bonita como poucas que eu já
vi, e já vi muitas mulheres bonitas em desfiles de moda.
— Sou Mirella — ela se apresentou. — Você é diferente do que eu
pensava. É velha — apontou. — Quantos anos tem? Uns trinta? E é branca
como se nunca tivesse visto o sol. É bonita, mas é esquisita. E velha, já
disse? O que Yan quer com uma velha como você?
Ela não parecia me odiar, mas também não parecia satisfeita com a
minha presença.
— Yan tem um monte de garotas, você sabe? Todas amam servir a ele.
Tive sorte de ser escolhida para foder com ele uma vez. O melhor domingo
da minha vida. Ele é gostoso, é quente. E ele tem uma pegada... Você já
experimentou?
Eu não respondi, porque ainda estava tentando entender a implicação
do que ela disse. Ele teve um monte de mulheres bonitas como ela, enquanto
eu passei os últimos dez anos chorando pelo abandono e a dor de perder meu
filho?
A raiva queimou no meu ventre. Eu queria matá-lo. Se eu tivesse
sorte, alguém faria isso por mim nessa última saída dele.
— Ah, qual é? Não vai responder? — ela deu os ombros. — Yan
falava de você para os caras do grupo. Nunca me disseram o que ele dizia,
mas imagino que você foi o tipo de foda inesquecível. Qual seu segredo? Dá
o cu? Eu faço anal às vezes, mas acho que Yan não gosta, porque ele nunca
quer. Talvez você chupe como um traveco... Sabe que os gays são os
melhores chupadores de pau que existe, né? Mas, Yan nunca quis
experimentar um travesti. Então, eu me pergunto o que ele viu numa
branquela como você...
Ela volveu para trás. Enquanto tagarelava sem controle, arrastou um
carrinho do corredor. Nele havia um pedaço de torta fria, e um copo de uma
bebida escura e borbulhante, que eu pensei ser Coca-Cola.
— Coma — ela ordenou, assim que colocou o carrinho na minha
frente.
— Onde está Yan? — eu perguntei, enquanto pegava o copo de
refrigerante e tomava um gole.
Ela sorriu.
— Ele foi matar alguém.
O silêncio tomou conta do quarto por alguns segundos, enquanto eu
olhava assombrada para ela.
— O quê?
Era como se matar alguém fosse o mesmo que trocar de camisa. Sua
frieza me deixou pasma.
— Meu Deus — eu murmurei.
— Coma — ela me cortou. — Eu não posso ficar muito tempo, sabe?
Éder vai chegar essa noite, e disse que me trouxe um presente — ela
inclinou a cabeça, feliz. — Os homens da Castle são tão gentis...
Castle...
Eu já tinha ouvido falar. Não lembro se Yan comentou algo, ou se vi
no noticiário.
— Mas, Yan é diferente — ela apontou. — Éder é bom, Abel é
generoso, Álvaro é doce... mas Yan... Yan me faz ver estrelas.
Eu peguei o garfo e comecei a comer. Estava com fome, já que
vomitei todo o pão que Yan havia me trazido. Mirella se sentou numa
poltrona perto da cama, e começou a falar. Pelo jeito, ela amava o som da
própria voz. Ela ficou cerca de cinco minutos inteiros me dizendo como Yan
era bom de cama, e como ela queria ser exclusiva dele.
— Você está apaixonada por ele? — perguntei, não sei por quê.
Francamente, não me importava.
Pela primeira vez, ela ficou em silêncio.
— Sabe... — murmurou, depois de tudo. — Um dos guardas iria trazer
seu jantar, mas eu pedi para fazer isso. Porque queria vê-la, saber como é.
Porque... eu não gosto de rivais. Eu me livrei de todas as garotas que
agradaram Yan, nesses últimos anos.
Era um aviso. Eu não devia me atrever a ficar no caminho dela.
— Se você não reparou, não estou aqui porque quero. E, como você
disse, sou velha. E você é jovem, cheia de energia. Bonita. Não tem por que
se preocupar.
Eu podia ver o ódio irradiando dela. Era a primeira vez que via algo
assim.
— Se eu não tivesse motivos para me preocupar, não precisaria estar
aqui.
Terminei de comer a torta. Mirella então pegou o carrinho, e começou
a sair com ele.
— Só não fique no meu caminho, e eu não mato você — ela disse, e
então saiu.
Me matar? Ela teria que entrar na fila, primeiro. Yan estava avançado
nessa direção há muito tempo.
21
Abri meus olhos no exato momento que a porta se abriu. Era Yan, e
eu quase fiquei aliviada por ser ele, já que a visita da tal Mirella me abalou.
Sentei-me na cama quando ele entrou no quarto, acendendo as luzes. Pude
ver uma bandeja em suas mãos, e imaginei porque ele estava me
alimentando, quando era claro que queria me machucar e destruir.
Talvez apenas para me manter viva por mais tempo.
— Trouxe seu café da manhã — ele disse, pousando a bandeja sobre a
cama.
Nós nos encaramos, havia mistério em seus olhos.
— Coma — ordenou, em seguida, me fazendo queimar.
Estava cansada. A visita de Mirella despertou algo em mim. Eu não
conseguia identificar o sentimento, mas podia vislumbrar a raiva. Ele teve
uma vida, enquanto eu estive afundada em dor por dez anos.
— Foda-se você e o seu café da manhã — disse, entre os dentes.
Um brilho surgiu em seu olhar, e eu me perguntei o que ele iria fazer
com a minha recusa.
— Vai fazer greve de fome? Não vai aguentar três dias.
Ele começou a andar pelo quarto. Pegou uma cadeira e a puxou para
perto da cama. Sentando-se, cruzou as pernas como um padre diante de um
confidente.
— Está chateada? Eu é que devia.
— Você?
— Seu macho disse que vai chamar a polícia. Mandou dezenas de
mensagens.
Meu macho?
Suspirei, porque ele devia estar louco. Enfim, peguei o sanduíche e
tomei um gole do café. Foda-se a greve de fome que durou poucos segundos.
Repentinamente, decidi que não daria o gosto a Yan de me destruir pela
segunda vez.
— Não faço ideia de quem seja meu macho, mas te garanto que “a sua
mulher” fez pior. Ela ameaçou minha vida.
Yan riu.
— Está falando de Mirella?
Inclinando-se para frente, seus olhos escuros fixaram nos meus.
— Está com ciúme?
— Além de vender, também consome drogas? — rebati.
— Ah, está com ciúmes, sim... Não mudou em nada. Quando está
irritada, fica enrubescida embaixo dos olhos.
— Talvez minha irritação não seja ciúmes, e sim por estar presa.
— Mirella e eu temos uma longa história. Ela me serviu em algum
domingo solitário, quando eu via os outros caras perto de suas famílias e eu
não tinha ninguém.
— Tipo, num acampamento para criminosos?
Esperei para ver se ele negaria ou ficaria surpreso pela minha
sugestão.
— Mirella me aqueceu. De muitas formas, não apenas sexualmente.
Mas, ela não é minha exclusiva. Ela serve a qualquer um do grupo que a
queira.
— Como ela pode aceitar isso?
— Ela cresceu sem família. Eu sei como é, porque eu também passei
pelo mesmo. Mas, eu tive a sorte de nascer homem. Enfim, Mirella começou
a ir aos bailes da comunidade, onde alguns dos nossos traficavam, conheceu
pessoas, começou a se envolver com a Castle. Tornou-se uma queridinha de
Abel, por isso está aqui. Na Ilha só as preferidas de Abel podem permanecer.
— Abel? Quem é?
— O chefe.
— Você realmente é traficante? — indaguei, estava curiosa em saber
mais dele.
— Só assassino. Alguém tem que limpar a bagunça. Este não é um
negócio tranquilo, você deve imaginar.
— Como pode ter mudado tanto?
— Eu precisei. Não tive escolha.
Houve um silêncio pesado entre nós. Eu terminei o sanduíche e o café,
minha mente focada no que ele havia dito.
Ele precisou? O que aconteceu depois de ele fugir de mim e do bebê
que eu esperava?
Uma parte de mim queria saber. Uma parte de mim queria perguntar.
Mas, outra me dizia que, seja lá o que ele passou, foi mais que merecido. E,
acima tudo, nada disso era problema meu.
— Quem é Lorenzo? — ele indagou.
Então me dei conta de que Lorenzo era o “macho” de quem ele falava.
Eu sorri, desgostosa.
— Eu não vou perguntar duas vezes, Cat. Se não responder, eu
facilmente encontro o cara e o mato.
Volvi novamente meu olhar para ele. Sim, ele falava sério.
— É um amigo.
— Amizade colorida?
— Não... Ele é marido de minha melhor amiga. É um irmão.
Por que eu estava justificando? Talvez porque eu temesse que ele
realmente cumprisse a ameaça.
— Ele mandou muitas mensagens para você — apontou.
— Liliana ainda amamenta. Com certeza, Lorenzo está me procurando
para que ela não o faça. Lorenzo é como um irmão para mim – repeti, para
não restar dúvidas.
Ele estudou minha resposta.
— Você não tinha amigos — ele murmurou.
— Quando éramos adolescentes, eu era uma menina massacrada pela
mãe. Agora, eu sou uma mulher, dona do meu destino.
Dona do meu destino? Eu quase ri do meu próprio absurdo.
— Sim, você mudou. Mas, não tanto quanto imagina. Ainda tem uma
réstia do olhar que...
A frase parou no meio. Eu perdi meu ar porque nós estávamos nos
encarando como se ainda fôssemos apaixonados. Mas, a vida nos separou, e
a dor instalada não tinha volta.
Repentinamente, porém, uma mão agarrou meu pescoço enquanto ele
acomodava seu corpo entre minhas pernas. Eu devia lutar, me debater, gritar,
berrar, mas eu não fiz nada, enquanto ele simplesmente saltava da cadeira e
ia até a cama. Yan pressionou sua virilha na minha e eu fechei os olhos ao
sentir sua ereção batendo de leve em mim.
Oh, Deus... Eu não conseguiria resistir.
Eu o odiava..., mas não conseguiria resistir.
Deitei minha cabeça para trás, enquanto a boca de Yan começou a
travar um caminho perigoso no meu rosto. O hálito dele me arrepiou e eu
senti lágrimas se formando nos meus olhos, porque eu queria tanto...
Ele empurrou sua virilha de novo. Sua ponta começou a esfregar na
minha parte de baixo e minha vulva estremeceu e apertou.
— Yan — eu murmurei seu nome.
O som da minha voz, todavia, interrompeu o que quer que estivesse
acontecendo. Então veio o vazio e o novo abandono, quando Yan afastou o
próprio corpo. Meus olhos se abriram no exato instante que ele caminhava
para longe de mim.
— Yan — tentei chamá-lo novamente.
Mas, ele saiu batendo a porta.
23
Ian não voltou naquele dia. Uma parte de mim o agradeceu por isso.
Eu não estava preparada para enfrentar seja lá o que ele despertou. A
verdade é que ele foi o único homem da minha vida. Não conheci outro além
dele. E meu corpo entrou em um ciclo de desejo tão logo ele voltou a se
aproximar.
O beijo.
O cheiro.
O corpo.
Era vergonhoso.
Eu queria me esconder de mim mesma. Cavar um buraco no chão e
entrar nele. Como eu podia ainda sentir meu coração acelerar por esse
homem? Depois de tudo que ele fez?
Pior, agora ele era um assassino, membro de uma facção! Onde estava
meu mínimo de dignidade?
As horas passaram arrastando-se naquele dia terrível. Eu estava
manchada pela desonra. Uma parte de mim justificava que era o fato de estar
presa a ele que me fez sentir tal coisa. A síndrome de Estocolmo ou coisa
parecida. Mas, eu sabia que isso não era real.
Às seis da tarde eu comecei a sentir fome. A única coisa que tinha no
estômago era o sanduíche que ele trouxe de manhã. Claro, eu era
acostumada a jejuns longos para manter meu peso, mas comecei a ter dor de
estômago. Era fome física e psicológica.
Me levantei da cama, ansiosa para esmurrar a porta e pedir que alguém
me trouxesse algo para comer. Eu podia comer um boi inteiro, só pela minha
ansiedade. Subitamente, todavia, quando cheguei a porta, percebi que ela
estava destrancada.
Yan esqueceu de trancar quando saiu apressado, ou isso era um teste?
Um tipo de desculpa para me levar de volta ao porão?
Ele não precisava de desculpas para me levar ao porão!
Abri a porta e dei passos vacilantes para fora. Praticamente, me
arrastando lentamente. Dali, eu podia ouvir vozes animadas e música ao
longe. A cada passo que eu dava no corredor, imaginava que Yan apareceria,
pegando-me em flagrante. Contudo, quando cheguei ao fim do corredor e
percebi uma longa escada me levando para uma área em aberto – um tipo de
salão – eu soube que ele realmente havia se esquecido de trancar a porta.
Era isso. Eu podia sair. Podia fugir. Podia a digna morte me jogando
nas rochas que cercavam a ilha.
Então me pus a correr. Estava um pouco fraca, mas estava
determinada. Desci as escadas, de dois em dois degraus, e na parte inferior
enxerguei uma porta há uns cem metros. Mais uma vez, correr. Minhas
pernas estavam tão rápidas que eu sabia que se tropeçasse voaria no chão.
Todavia, subitamente, trombei em um homem. Ele não era muito alto,
talvez uns cinco centímetros a mais que eu. Tinha a minha idade
aproximada, cabelos escuros e pele pálida.
— Oi — ele sorriu. — Você eu não conheço — apontou. — É nova
aqui?
Ele parecia tão gentil. Repentinamente, contudo, suas sobrancelhas
arquearam e ele pareceu se lembrar de mim.
— Você é Catarina de Vaz.
Por mais que o rosto dele não parecesse deixar a gentileza, e sua
expressão permanecesse doce, o fato de ele saber quem eu era me
desestabilizou. Minha crença de que poderia escapar sumiu diante dos meus
olhos, e eu acabei me esgueirando para os braços dele – só Deus sabe por
que – enquanto chorei como uma criança que havia esfolado o joelho.
Eu estava tão sozinha. Tão triste e desamparada. E ele pareceu tão
educado.
— Você não devia estar aqui — ele murmurou, sem me afastar.
— Me ajude, por favor...
— Olhe, eu até poderia fazer isso. Eu sou filho do chefe, sabe? Mas,
ninguém se mete com Yan. E, vamos ser sinceros, ele tem motivos para te
odiar.
Ele tem motivos para me odiar? Do que diabos ele estava falando? Eu
era a única aqui que podia odiar alguém!
— Você já tentou pedir perdão a ele? Yan é todo nervosinho e tal, mas
ele tem um bom coração.
Pedir perdão? Eu preferia que ele me queimasse viva, tirasse meu
escalpo, do que pedir qualquer desculpa àquele filho da puta.
— Eu acho melhor te levar ao quarto. Você está naquele ao lado do
dele, né? Yan está na festa, mas vou lá pedir para ele ir até você quando...
Ele continuou a falar enquanto eu ia entendendo que Yan estava em
uma festa regada a mulheres enquanto eu estava agonizando no quarto por
culpa dele.
— Cara, você é tão bonita — ele murmurou, enquanto segurava meu
braço e me fazia retornar pelo mesmo caminho que havia feito até então. —
Agora entendi por que Mirella está surtando. Sabia que ela pediu sua cabeça
para meu pai?
Começamos a subir as escadas, quando uma voz poderosa nos fez
travar.
— Éder? — Era Yan.
Eu girei meu rosto para encará-lo. Era a primeira vez que o via depois
do nosso beijo. Meu coração acelerou, e eu senti lágrimas nos olhos.
Eu o odiava, mas uma parte de mim se perguntava se ainda havia
resquícios do amor que um dia nutri por ele.
Temia a resposta.
24
Eu congelei. Não havia como fingir que não havia tentado escapar. O
que Yan faria com essa informação? Ele se daria conta de que estava
perdendo tempo comigo, tentando me punir? Ou voltaria a me trancar no
pior lugar dali, o porão?
Havia ainda uma terceira alternativa: a coleira. Eu não queria pensar
nela. A coleira me dava calafrios.
Então, surpreendentemente, ergui meu queixo. Foda-se! Ele iria me
matar, não é? Ele jurou isso. Mas, eu morreria de cabeça erguida. Esse
homem tirou tudo de mim, ele me traumatizou de tal maneira que nunca
mais consegui me apaixonar de novo. Quem ele achava que era para me
culpar por um aborto de quem era o maior culpado?
Foi minha mãe que me forçou naquela clínica. Me dopou e acabou
com minhas esperanças e sonhos. Mas, não dava para esquecer que quando
isso aconteceu, Yan já havia fugido.
— Éder? — ele repetiu. — O que diabos...?
Seu tom ainda era calmo e frio. Seus olhos não expressavam nada.
Havia uma certa hostilidade, talvez, mas ele parecia um tanto pastoso,
provavelmente bebeu mais do que devia, e isso mascarou sua reação.
— Ah, estou levando Catarina para o quarto — Éder disse, como se
não fosse nada demais.
Como se ele não tivesse me pegado tentando escapar.
Um leve sorriso malicioso se forma nos lábios de Yan.
— Quer participar da festa, Cat? — ele perguntou. — Quer rebolar no
meu colo enquanto a música estoura meus tímpanos?
Ele estava sendo grosseiro, e quando deu um passo para frente, eu
recuei. Pela primeira vez, ele realmente me assustou.
— Vou levá-la para o quarto — Éder voltou a falar.
Ele foi quase... protetor. Trocamos um olhar, e eu sei que expressei
gratidão pela forma como ele sorriu para mim.
— Por que não vamos para a festa? — Yan insistiu. — Acha que é
melhor que as outras garotas? Sabia que quando uma delas fica grávida, ela
não tira? Nenhuma delas mata uma criança inocente. Elas são marmitas, mas
são muito mais decentes que você.
Eu não conseguia responder. Senti que Yan provavelmente queria que
eu dissesse alguma coisa para ele poder apertar meu pescoço, mas nenhuma
palavra saía de mim. Então ele avançou, e teria me pego, não fosse o fato de
Éder ter ficado no caminho.
— Chega! — a voz de Éder rompeu e quebrou a postura arrogante de
Yan.
— Você sabe o que ela fez — Yan murmurou, como se tudo isso fosse
justificado ao amigo.
— Você está tendo a sua vingança. A garota foi sequestrada. É questão
de tempo para a imprensa começar a levantar comentários sobre seu sumiço.
Você está atraindo muita atenção, e nós aceitamos isso porque... enfim...
você é meu irmão, Yan. Mas, tudo tem um limite.
— Você quer que eu a mate? Termine com isso?
— No momento, só quero levá-la de volta ao quarto.
Esse embate é interessante. De alguma maneira, Éder parece ter algum
tipo de poder sobre Yan. Algo como respeito. Eu não conheço a história
deles, mas estou aliviada pela aparente proteção.
Éder se voltou novamente para mim, segurando meu braço. Ele
começou a me guiar para a escada novamente. Eu cruzei meu olhar com Yan
mais uma vez, e pude ver um brilho de diversão nos olhos dele, como se ele
quisesse me dizer que mais tarde ele iria até mim e me faria arrepender por
tudo.
25
Abri meus olhos naquela manhã com a certeza de que havia mais
alguém no quarto. Eu me preparei para encarar Yan enquanto me sentava na
cama, mas foi o olhar de Éder que eu recebi em retorno.
Ele não parecia ameaçador, apesar de eu saber que era um bandido.
— Yan não está. Foi resolver problemas fora da ilha, então eu trouxe
seu café da manhã — ele disse, pousando uma bandeja no meu colo.
Não recusei o que ele me deu. Eu o encarei enquanto erguia a xícara e
tomava um gole do café quente.
— Você também é um assassino?
— Eu? — ele riu. — Não... não... Sou mais um negociante.
De drogas. Um bandido de qualquer maneira.
Houve mais um breve silêncio. Comi enquanto ele permanecia ao meu
lado. Comecei a analisá-lo e compará-lo com Yan para buscar semelhanças.
Contudo, diferente de Yan que estava sempre usando terno escuro, Éder
parecia simplesmente informal. Calças jeans e camisa branca.
— Sabe, eu assisti alguns dos seus vídeos. Você é muito simpática e
gentil diante das câmeras.
— Eu seria agora também, se não fosse uma prisioneira.
— Não foi o que Álvaro disse — riu. — Um dos nossos uma vez
tentou falar com você, e o colocou pra correr.
Havia um breve olhar de gentileza nele, então um vislumbre de
esperança passou por mim.
— Você pode me ajudar? Me deixar ir?
No momento em que ele balançou a cabeça negativamente, a
esperança dentro de mim morreu.
— É muito complicado, Catarina. Eu posso, mas isso custaria minha
amizade de muitos anos com a Fera. E, sabe... Lealdade é uma coisa séria
entre nós.
Eu imaginava.
— Fera... Por que o chama assim?
— Ah, Yan é muito... como eu posso dizer? Quando ele explode de
raiva, ele se torna mais forte e implacável. Eu já o vi matar um homem só
apertando sua garganta. — Ele percebeu meu olhar de horror. — Ah, o cara
mereceu. Foi julgado e condenado pelo nosso tribunal depois de espancar o
enteado de três anos, colocando a criança no Hospital.
— Para isso existe lei. Deviam permitir que a justiça o prendesse e...
— A polícia o prendeu, mas o juiz lhe deu liberdade provisória e ele
fugiu. Então a gente pegou o cara e trouxemos para nosso próprio
julgamento. É assim que funciona no mundo real, Catarina. Talvez gente rica
como você saiba o que é justiça, mas para quem nasceu e cresceu na base da
cadeia alimentar, temos que fazer nossa própria lei.
Assenti. De alguma forma eu entendia isso.
— E o que Yan vai fazer comigo? Acho que já se passou um bom
tempo desde que me prendeu.
— Não faço ideia o que ele pensa. Inicialmente, pensamos que ele a
torturaria até a morte no porão, mas então ele a trouxe para cima, e está te
alimentando.
— Você não pergunta a ele qual é sua intenção? Eu prefiro que ele
mate logo do que me mantenha presa aqui para sempre... Eu sei que vou
ficar louca aqui, se é que já não estou ficando.
— Bom, você merece isso... Você matou o filho dele.
— Por que repetem isso como um mantra?
— E não é verdade? Não fez um aborto?
— Não foi assim que aconteceu. Eu simplesmente não fui até algum
lugar fazer um aborto.
— Não?
Desviei meus olhos dele. Nunca falava desse assunto, e eu nem
conhecia esse homem para falar algo tão íntimo e pessoal. E tão doloroso.
— Talvez explicar o que aconteceu seja seu passo a liberdade. Yan
precisa saber. Não diga nada a mim, mas pense no assunto, e pense em se
abrir com seu ex. Yan pode te perdoar.
— Eu é que devia perdoá-lo. Ele me abandonou, grávida.
— Te abandonou? — as sobrancelhas de Éder se ergueram,
inquisitivas. — Você não sabe o que aconteceu com Yan?
Alguma coisa na pergunta dele me alarmou.
— O que aconteceu? Ele fugiu quando soube que eu estava grávida!
Éder negou com a face. Então eu me preparei para enchê-lo de
perguntas, mas ele se levantou e se foi, antes que eu pudesse continuar.
O que havia naquela história que eu não sabia?
27
Quando meu choro acalmou, ele me soltou. Foi até os pés da cama,
se colocou de pé e tirou a calça. Seu mastro firme surgiu diante dos meus
olhos, me deixando faminta.
Ele se tornou um homem glorioso. Firme. Seu corpo era grande,
musculoso. Havia pequenas cicatrizes pelo seu peito, o que me indicou que
ele já se envolveu em brigas, e eu me perguntei o que ele fez nesses dez anos
que esteve longe de mim.
Eu quis perguntar, mas sabia que não era o momento. Ele voltou para
mim, e então eu vi uma pequena marca embaixo do seu mamilo esquerdo.
— O que é isso? — indaguei.
Era uma tatuagem, claro. Muito pequena para se ver de longe. Quatro
pontinhos pequenos e um borrão abaixo.
— É uma patinha de gato — ele murmurou.
Meus olhos se elevaram para ele. Seu pau ereto e orgulhoso derramava
pré-sêmen sobre minha barriga. Estávamos totalmente sexuais, e ainda assim
eu sentia meu coração balançar por algo muito mais intenso que sexo.
— Por que você me abandonou, Yan? — indaguei. — Você não faz
ideia de como eu sofri...
O olhar dele arqueou, como se ele não entendesse o que eu estava
falando. O que era ridículo, porque ele sabia o que fez.
— Cat... eu...
Eu não podia ouvir desculpas esfarrapadas. Não agora. Não quando
ainda doía tanto. Então eu o interrompi segurando seu eixo. Apertei. Ele
gemeu alto, dizendo meu nome. Uma sensação poderosa despontou em mim.
— Ah, Cat... — Ele sussurrou, observando minha mão descendo para
cima e para baixo em seu comprimento.
Seu sêmen lubrificava a ação e era tão molhado e macio, que eu senti
minha boceta latejar, antecipando como seria sentir novamente esse sexo
incrível em mim.
Agarrando meus pulsos, ele tirou minhas mãos de seu pau, colocando-
as acima da minha cabeça. El voltou a me beijar, seus lábios se movendo,
rastreando minha pele. Minha face, meu pescoço, meu peito. Ele soltou
minhas mãos enquanto descia mais abaixo. Minhas coxas também foram
acariciadas pela sua boca.
Eu gritei de antecipação, quando ele tomou meus grandes lábios entre
a boca. Minhas pernas tremiam e se apertaram na lateral do seu rosto. Yan
beijou meu monte, deslizando um dedo para dentro de mim, gentilmente,
como fez na nossa primeira vez.
Ele abriu os lábios da minha boceta. Sua língua entrou no buraco,
cavou, de novo e de novo, enquanto também raspava no meu clitóris. Eu
gritei, sua língua circulando, batendo, empurrando.
Era tão bom, tão bom... Eu pensei que jamais sentiria essa sensação de
novo.
— Yan! — implorei.
Seu dedo surgiu e começou a me foder. O mesmo ritmo cadenciado
que me deixou em suspense. Meu corpo pareci que iria entrar em combustão
quando ele puxou o dedo e o substituiu novamente pela língua.
Eu sabia o que ele queria. Yan gostava de chupar meu gozo. Minha
boceta pulsou no pensamento, e latejei com força, vibrando num ritmo
explosivo que logo me fez choramingar de tesão.
Ele mamou até eu gozar. Minhas mãos se agarraram em seus cabelos,
enquanto ele chupou com força, só me fazendo desejar mais e mais, e ainda
mais do que aconteceu.
— Seu gosto ainda é o mesmo, Cat... — Murmurou.
Yan subiu para cima. Nós nos beijamos. Meu gosto estava em sua
boca, e eu o experimentei. Isso era tão sexual que gemi de paixão.
Yan segurou minhas coxas nesse momento, erguendo-as e as puxando
para sua cintura. Ele alinhou seu caralho na minha entrada, e num único
golpe, ele invadiu. Não foi brutal, mas foi tão poderoso que eu inalei de
surpresa, enquanto o puxava para mim, apertando-o nos braços, adorando a
sensação de tê-lo novamente.
Nós nos encaramos. Não dissemos nada um ao outro, enquanto ele
começou a bater em mim, para dentro e para fora, cadenciado, uma doce
tortura que me fez latejar de novo.
Meu corpo voltou a enlouquecer de prazer. Ele pulsava no ritmo das
estocadas. Era tão bom, mas nada se comparava a forma como nós nos
observávamos, quase sem piscar, enquanto Yan se adiantava em meus sucos.
Era tão íntimo. Mais que sexo, intimidade.
Uma pressão conhecida surgiu. Nossos corpos se adiantaram,
acelerando o ritmo. Seu pau pareceu engrossar, ficar maior, e eu gemi de
antecipação, implorando por ele, implorando que ele me levasse até o alto do
penhasco da paixão.
Yan gemeu. Seu pau então martelou firme e ele soltou uma
exclamação que lembrava um palavrão, enquanto começou a despejar em
mim. Eu gozei pela segunda vez, sentindo seu pau martelando no meu útero,
apertando, e então explodindo com ele.
Foi então que eu pensei na vez que fiquei grávida. Também fizermos
sem camisinha, simplesmente porque éramos dois idiotas e porque ele a
rasgou quando a colocamos errado. Daquela vez, eu também senti seu calor
molhar tão fundo que eu soube que estávamos conectados.
E agora?
Aconteceria também?
Eu nunca fui num ginecologista para saber como estava meu útero.
Depois do que fizeram comigo, eu não conseguiria ficar de pernas abertas
para nenhum profissional de saúde. E eu também pensava que nunca mais
faria sexo, então estava tudo bem.
Yan desabou sobre mim. Seu pau ainda na minha boceta, que parecia
terminar de ordenhá-lo.
Eu pensei em um novo bebê de Yan, mas isso era... não... não podia
acontecer!
Eu não queria passar por tudo de novo. Outro abandono. Outro aborto.
Então eu o empurrei. Seu pau fez um som de “Plot” quando saiu de
mim, e ele pareceu me encarar em questionamento, enquanto eu
simplesmente saia da cama e juntava as roupas dele no chão.
Eu não precisei dizer nada enquanto as atirava nele. Yan entendeu o
recado imediatamente.
— Cat... — Ele tentou.
Juro que tentou.
Mas, eu estava enojada de mim mesma por ter ido para cama com ele.
— Eu só quero que me deixe em paz — disse.
E era tão sincero.
Por que ele voltou? Eu reconstruí minha vida. Eu até consegui voltar a
confiar nas outras pessoas e conquistei uma amizade.
Por que ele voltou? Não bastava o que já fez?
— Me deixe em paz — repeti — Eu imploro. Por tudo que é mais
sagrado... Se existe alguma coisa no seu coração, eu imploro que me deixe
sozinha.
Então ele se levantou.
Eu me virei de costas, enquanto ele se vestia. Quando ele enfim abriu
a porta e se foi, eu desabei no chão, um choro incontrolável, por mim
mesma, e pela menina que um dia eu fui.
32
∞∞∞
Eu já havia alterado a placa da moto e trocado de roupa num hotel
discreto perto da saída da cidade quando Éder me disse que estava me
esperando num determinado bar, de cerveja artesanal irlandesa – a famosa
cerveja verde.
Então fui ao seu encontro, um tanto hesitante, sem saber direito porque
estava tão apreensivo.
— Você sabe a verdade? — ele me indagou, quando me viu me
aproximando da mesa.
Eu me sentei, quase me esparramando. Ergui a mão para uma
garçonete, e pedi uma caneca tradicional.
— O quê? O que ela te disse?
— Ela não tirou seu filho.
Iria começar a história de novo. Uma história que machucava demais,
e eu não sabia se estava disposto a ouvir.
— Eu tive um dia cheio — contei a ele. — Resolvi um problema chato
do seu pai. Não...
— Ela foi drogada. Levada para uma clínica clandestina. Fizeram o
aborto nela. Deu errado, como acontece quase sempre. E, como quase
sempre, ninguém quer se responsabilizar, então a deixaram lá para morrer,
sangrando. Depois de algum tempo, até levaram um médico, mas ela só
sobreviveu porque Deus quis. Ela nem sabe quanto tempo ficou lá, deitada.
Quando conseguiu se recuperar, semanas depois, foi te procurar, mas você já
tinha sumido. Ela foi até a pensão, e a dona da pensão disse que você fugiu
dela, porque ela estava grávida.
Tudo isso podia ser uma mentira, não fosse o fato de que eu disse algo
assim para a dona da pensão, antes de ir ao encontro de Cat, antes de ser
preso. Ela não teria como saber disso, se não falasse com a mulher.
— O que você está dizendo? — murmurei.
Minha mente voltou no tempo. Eu quase podia enxergar a cena se
desenrolando diante dos meus olhos.
“Você está indo embora?”
“Sim”.
“Por quê? É algum problema aqui?”
“Minha namorada está grávida.”
“E você está fugindo disso, menino?”
“Mais ou menos isso.”
— Eu não estava fugindo. Eu estava indo ao encontro dela —
perseverei. — E o aborto? Cat disse que foi abortado.
— E foi. Mas, não por ela.
Minha mandíbula apertou enquanto eu lutava para controlar minha
raiva.
Porra.
Eu vou matar alguém.
— Ela te contou isso?
— Sim. Ela não queria contar. Estava desesperada. Ela... — ele
pigarreou, e eu o encarei, curioso. — Ela menstruou. Ela não tinha
absorventes, e precisou ficar sentada por horas no banheiro, com o sangue
escorrendo pelas pernas. Então, as lembranças acabaram sufocando-a e ela
me confessou o que aconteceu quando eu a encontrei.
Só então me dei conta do que eu estava fazendo. Catarina foi presa por
mim, mantida num porão, depois em um quarto sem janelas. Ela foi
humilhada de todas as formas que eu pude humilhar, que eu consegui fazer.
Ela até acabou com suas regras num chão gelado.
E, se tudo isso fosse verdade, ela não tinha a menor culpa.
Outra pessoa matou meu filho. Muito provavelmente, a mãe dela.
Minha raiva começou a ser direcionada em outra direção.
— Estou voltando para a ilha — disse a Éder. — Preciso que encontre
todos os dados possíveis de Sofia De Vaz. Qualquer coisa. Endereço,
telefone, dados bancários, contatos, amigos...
Éder assentiu.
— Não faça mais nada sem ter certeza.
— Sim. Eu vou falar francamente com Catarina. Ela vai ter que me
narrar tudo. Não é mais um jogo de gato e rato, agora ela vai ter que se abrir
comigo.
Eu até entendia por que ela não conseguia. Se tudo que disse era
verdade, falar do assunto devia ter um peso absurdo. Pior que isso, por que
ela daria qualquer explicação ao homem que a abandonou no pior momento?
Meu coração balançou, enquanto eu me erguia. Sequer tomei a bebida,
estava ansioso para ver Cat novamente. E, dessa vez, eu estava leve, como se
a inocência dela pudesse me permitir uma única esperança novamente:
Ainda haveria uma chance para nosso amor?
O amor que nunca desapareceu...
35
Yan entrou pela porta com os olhos fixos em mim. Eu sustentei seu
olhar por um breve momento, mas então baixei minha face, vergonha e
desamparo tomando conta da minha alma.
Uma parte de mim só queria morrer antes dessa conversa.
Porque, francamente, eu não queria me explicar pra ele. Não queria
contar sobre o que aconteceu, e reviver tudo de novo. Mas, de alguma forma,
quando acabei dizendo a Éder, senti um tipo de alívio que não sentia há
muito tempo.
Sempre pensei que quando fosse confessar meu passado, o faria a Lili.
Ela sabia algumas coisas, mas nunca detalhes, e eu tentei falar deles algumas
vezes para ela, mas minha voz travava na garganta e eu nunca dizia.
Todavia, eu contei a Éder, um cara que eu nem conhecia direito. Um
traficante, um bandido. E não vi nenhum julgamento nele. Contudo, sabia
que ele iria dizer a Yan. Se ele falou tudo e eu não precisasse repetir, seria a
melhor coisa.
Mas, pela forma como Yan me encarava, ele me faria repetir toda a
história. Detalhe por detalhe. Ergui meu olhar de novo, e o observei. Ele
parecia estar num pântano fundo, quase sufocado por merda. Havia uma
exaustão nele que eu nunca enxerguei antes.
— Éder me disse coisas — ele murmurou. — O que aconteceu, Cat...?
Eu preciso que me fale.
— Por quê? O que isso muda?
— Como você não sabe? Eu já disse que amo você.
— Me ama? — dei de ombros, repetindo sua falácia. — Que porcaria
de amor é o seu? Você fugiu quando eu mais precisei de você. Nunca esteve
lá para mim. Por dez anos, eu nem sabia se estava vivo. Acha que falar meia
dúzia de palavras fofas vai mudar alguma coisa?
Ele cruzou o quarto, se aproximando da cama. Sentou-se ao meu lado,
seus olhos não me abandonando nem por um segundo.
— Eu disse a dona da pensão que estava fugindo. Ela entendeu que era
de você, mas não era. Eu não me expliquei porque, na minha cabeça, não
importava o que ela pensava. Contudo, nunca fugi de você. Eu te esperei por
horas naquela passarela.
Minha cabeça começou a girar. Eu não queria ouvir. Não essa mentira
cruel.
— Esperou? E quando eu não apareci, decidiu pegar um ônibus e ir
embora sozinho? Nem me procurou para saber por que eu não pude ir até
você?
— Eu não pude.
— Por que não?
— Naquela noite... — ele começou, mas travou. Yan também parecia
carregado de dor, e eu entendia como era difícil vencer as palavras. Ainda
assim, ele respirou fundo, e continuou: — Naquela noite, eu caí em uma
armadilha. Dois policiais me pararam, e plantaram drogas na minha mochila.
Eu fui preso.
Dei de ombros.
— E ficou preso por dez anos? Quer me convencer que ficou preso por
dez anos por causa de drogas?
Ele quase sorriu.
— É. Jamais te convenceria com esse argumento, não é? Você me
odeia porque acha que eu fugi e que agora só estou arrumando desculpas
para meu sumiço. Eu consigo ver isso agora, Cat... — Ele respirou fundo
novamente. E, mais uma vez, me surpreendeu. — Eu fiquei preso por dez
anos porque, enquanto estava no presídio central, conheci Éder, e um dia um
cara tentou matá-lo, e eu me envolvi. Então, matei o cara. A polícia me
pegou no ato e fui condenado por homicídio. Foi minha primeira morte. Há
documentos, caso queira ver.
Eu estava pasma. Foquei-me em Yan, e tentei decifrá-lo. Ele não
parecia mentir.
— Por que nunca tentou me avisar?
— Tentamos. Mas, nunca conseguimos chegar até você. No começo,
eu tinha um defensor público que, acho, não fez muita coisa para te avisar.
Depois, o advogado da Castle tentou, mas sua mãe se recusou a dizer onde
estava. Anos depois, descobrimos que estava fora do país e, ao retornar,
Álvaro – um dos homens da Castle - tentou se aproximar, mas você o
colocou para correr. Nesse tempo, já era famosa, e foi difícil uma
aproximação.
Sua narrativa foi dolorida. Quase melancólica.
— Então eu saí da cadeia, e a primeira coisa que fiz foi entrar em
contato. Quando consegui, só queria saber do bebê. Eu vivi aqueles dez anos
na esperança de um dia conhecer meu filho. Era nisso que eu me agarrei por
todo aquele tempo para não enlouquecer. Mas, então, você disse que ele foi
abortado, e eu fiquei furioso...
Houve um breve silêncio. Yan confessou para mim toda a sua verdade,
e era a hora de eu falar a minha para ele. Então, respirei profundamente,
buscando muita coragem, a coragem que eu nem sabia que ainda tinha.
— Quando... quando voltei para casa, depois do nosso encontro...
Minha mãe veio falar comigo. Ela trouxe um suco que eu bebi. E, depois
disso, eu só me lembro de acordar em uma cama suja, num lugar que fedia a
esgoto. Eu comecei a sangrar e... — Eu resumi totalmente, porque eu não
conseguia repetir detalhes que contei a Éder. — E eu fiquei semanas lá,
quase morrendo. Ninguém teve a decência de me levar a um hospital, eles só
queria tirar meu bebê e eles... eles conseguiram — convulsionei num choro
tão sentido.
Yan me trouxe para um abraço. Ao contrário de me confortar, isso só
doeu mais, e eu gritei em dor, as imagens aparecendo novamente na minha
cabeça. A enfermeira. Minha mãe. O sangue.
Eu queria ter morrido naquele dia. Não sei por que não morri. Nada do
que eu tive depois, dinheiro, fama, viagens, roupas de grife, joias... nada
substituiu o bebê. Eu soube dele por tão pouco tempo, eu o senti por tão
pouco tempo, mas foi o suficiente para nada no mundo ter a mesma
importância.
Nem Yan...
Se eu tivesse meu filho, por mais que tivesse doido o abandono dele –
o abandono que ele nem cometeu –, eu teria superado.
Mas, perder o bebê me fez escrava da dor. Nos últimos dez anos eu
não vivi nada, eu não senti nada, eu simplesmente vaguei como um zumbi
pela existência.
— Eu vou matar todos eles, Cat... Eu prometo... Todos eles vão se
arrepender do dia que colocaram a mão em você.
Isso devia me chocar, não? Eu devia dizer que não concordava. Que
era errado. Que devíamos perdoar e tentar reconstruir nossas vidas.
Mas, então eu me lembrei da minha própria promessa dez anos antes.
Eu jurei que iria me vingar.
— Me leve com você.
Ele me encarou, como se me estudasse.
— Não faça isso. Não manche suas mãos de sangue.
— Já estou manchada de sangue a dez anos, e agora eu simplesmente
quero me lavar na justiça.
Então Yan assentiu, entendendo que eu precisava disso mais que do ar
que respirava.
36
Catarina estava usando uma calça jeans e uma camisa larga quando
se aproximou de mim no corredor central.
Ela estava seca. Fria. Havia um ódio em seu olhar que eu nunca vi
antes, mesmo quando nos reencontramos.
Uma parte de mim já havia admitido que ainda a amava, mas eu não
sabia se teríamos qualquer chance. Catarina estava absorvida pela raiva, pelo
ódio por tudo que nos fizeram. Ela me disse que queria ver os documentos
da minha prisão, provavelmente para se certificar de que eu falava a verdade,
então no dia anterior eu mandei lhe entregar no quarto.
Ela não estava mais presa, mas ainda ficou nele, até decidir que queria
voltar ao continente. Quando ela me disse isso, avisei que talvez seria
melhor ela ficar aqui enquanto eu punia quem nos fez tanto mal.
Mas, Cat negou. E agora ela estava pronta para ir.
Ao longe, o piloto fazia a última vistoria no helicóptero. Não havia
muita gente no castelo naquela terça-feira nublada, e eu pensei que iríamos
embora sem nenhum questionamento, até Mirella surgir onde aguardávamos.
— Você vai levá-la daqui? — ela me inquiriu, na frente de Catarina,
que apenas a encarou com indiferença.
— Sim.
— Para ficar com você?
Eu sentia o peso das palavras, eram frases recheadas de ciúme e
possessividade. Encarei Cat e então soube que ela sabia que eu andei
visitando outras bocetas no tempo que estivemos longe. Não que a tivesse
traído, não acreditava que estávamos juntos, apesar de nunca termos
terminado.
— Isso não é problema seu — avisei.
— Não faz isso, Fera... tem um monte de garota apaixonada por você.
E essa velha... Ela não te merece.
Mirella se agarrava demais a aparência – mesmo a de Cat sendo
perfeita. Mirella acreditava que uma mulher tinha prazo de validade, mas
havia nuances em um relacionamento que uma jovem como Mirella não
entenderia.
Cat e eu éramos conectados. Pela dor. Pela solidão. Pelo amor que um
dia dominou nossas almas. E, apesar de eu não querer pensar muito no sexo
que ocorreu, ainda éramos conectados pelo tesão reprimido entre nós.
— Você é só uma menina — Catarina disse, depois de tudo, e isso me
surpreendeu. — Vá estudar, trabalhar. Não fique presa a homens que só te
veem como um objeto.
Mirella pareceu revoltada pelo conselho. Ela avançou contra Cat, mas
eu me coloquei no caminho.
— Eles me adoram! — Mirella se defendeu.
Eu quase ri da tolice dos seus pensamentos. Mas, me surpreendi
quando Cat saiu por trás de mim e foi até Mirella. Eu imaginei que haveria
um embate entre elas, mas Cat estendeu suas mãos até a morena e abraçou.
Eu fiquei tão surpreso que nem consegui pensar direito. Então Cat
simplesmente a afastou e caminhou na direção do helicóptero.
Encarei Mirella, sem saber o que lhe dizer. Quando, por fim, a vi
igualmente sem palavras, eu segui Catarina. Os conflitos juvenis de Mirella
podiam esperar.
Nossa vingança não.
Parte 3
37
∞∞∞
O tempo andava estranho ultimamente. O inverno não foi tão frio
quanto estava sendo a primavera. O vento gelado bateu nos meus cabelos,
enquanto eu erguia a face e encarava aquela velha igreja gótica erguida na
parte traseira da Santa Casa. Do outro lado da rua, Yan acenou para mim, e
veio correndo na minha direção assim que o trânsito permitiu.
— Não tem nenhuma enfermeira Carla por aqui — ele disse. — Não
sabe o sobrenome?
Neguei.
— Só sei que ela se chamava Carla...
— O endereço da clínica...?
— Eu bloqueei — murmurei para ele. — Eu bloqueei a maioria das
memórias daquele dia.
Caminho em direção à igreja. Ela tem tons pasteis, e vejo uma
escultura de pássaros bem em cima dela. Se eu fechasse os olhos, poderia
sentir seus fantasmas. Com certeza, era secular.
— Cat, você...
Repentinamente, eu o deixo falando sozinho. Caminho rapidamente
até o pilar da cerca da construção e vejo um cartaz ali.
“Trago seu amor de volta em dez dias”.
Yan ri quando caminha para meu lado, lendo também os dizeres.
— Já estou aqui, Cat — ele brinca, e eu reviro os olhos. — O que tem
de interessante? Não sabia que acreditava em misticismo.
— Não acredito — neguei a ele. — Não é uma feiticeira. É um
anúncio de clínica de aborto.
Ele arregala os olhos, me encara, volve para o papel, então volta a me
olhar.
— Como você sabe?
— Eu sei. Na época da escola, havia anúncios assim espalhados pela
cidade, como sapataria, ou coisa do tipo. Havia rumores que minhas colegas
usaram. Tinha um padrão: nunca endereço, nem nome. Apenas um telefone.
Depois do que aconteceu, por hobby, eu pegava os números e me informava
onde encontrá-los. Então eu denunciava a polícia. Eu acho que eles
mudaram o esquema, mas o padrão permanece o mesmo.
Yan assentiu. Então ele pegou o telefone e discou um número.
— Rondinei — disse, a alguém do outro lado da linha. — Tenho um
número de telefone. Preciso que descubra a quem pertence e o endereço. Por
favor, peça a uma das meninas para ligar, e simule que a garota precisa de
ajuda. Aborto. Sim. Consiga o endereço dessa clínica. E me arrume gasolina.
Não. Preciso de gasolina em recipientes. Discretos. Aham. Certo.
Então ele desligou e nos encaramos. Eu me senti tão, tão feliz de ele
estar ali comigo naquele momento. Há muitos anos, Yan e eu
compartilhamos um amor incrível. Agora, compartilhamos o ódio. Não sei
qual dos sentimentos é mais poderoso.
38
∞∞∞
Carla havia pegado um Uber da igreja até perto da sua casa. Ela
morava em uma encruzilhada de chão batido, e o carro de aluguel
provavelmente não quis ir até lá. Ela desceu do automóvel uma rua antes, e
começou a rumar na escuridão.
Tinha uma Bíblia debaixo dos braços, e seus passos eram firmes e
seguros. Eu quase voltei atrás na minha intenção, pensando que talvez ela
tenha realmente se arrependido do que fez e pudesse seguir em frente. Mas,
percebendo a forma como Cat a olhava, entendi que eu era um banana
vacilante, e que Cat não estava no clima para perdão.
Catarina desceu do automóvel e começou a caminhar na direção de
Carla. Eu a segui rapidamente atrás, mas Cat era ligeira, e logo a
ultrapassou, se colocando na sua frente.
A noite aqui estava escura como um breu. O poste ficava há uns dez
metros, e mal se podia ver os rostos das mulheres de onde eu estava.
Caminhei até elas, e parei uns dois metros das duas.
Carla estava de costas para mim. Ela não pareceu perceber minha
presença. Eu podia acabar com isso facilmente, mas não iria tirar de Cat seu
momento.
— Você se lembra de mim?
A mulher negou.
— Há dez anos, você fez um aborto em mim.
— Eu fiz aborto em muitas mulheres — ela retorquiu. — Mas, não
faço mais. Se você quiser outro terá...
— Eu não quis. Minha mãe te pagou para que você o fizesse em mim.
Vocês me doparam e me deram o abortivo. Eu fiquei deitada na sua clínica
por semanas, quase à morte.
Pela forma como Carla enrijeceu os ombros, eu soube que ela se
lembrou da situação.
— Eu não sou mais a mesma pessoa — se explicou, como se isso
pudesse corrigir tudo. — Eu não faria isso de novo.
— E por que o fez naquela época?
— Eu queria o dinheiro. Sua mãe comprou uma casa para mim.
— Você matou meu bebê e quase me matou por causa de uma casa? —
a voz de Catarina adoeceu, quase sumiu conforme ela se permitia derramar
lágrimas em lembranças tristes.
— Garota... É a vida. Você não foi a primeira, nem vai ser a última.
Mas, eu conheci Jesus e minha vida mudou. Eu não faço mais isso.
Era estranho como ela parecia fria. Mesmo jurando que mudou, ainda
assim, era algo como “é, aconteceu....”, não algo que destruiu tudo que
Catarina viveu após isso.
— E, olha, eu perdi meu cofen por sua causa. Eu precisei chamar
aquele médico para te salvar, porque você já estava morrendo e não
aguentaria mais nenhum dia, e ele me denunciou. Eu perdi meu emprego,
então aquele aborto me custou muito mais que uma casa.
— Custou muito a você? — repeti, incrédulo com tamanha frieza.
Só então a mulher me percebeu. Ela girou para mim, me observando
na escuridão. Eu não sei se foi o fato de eu ser um homem, ou de se perceber
em menor número, enfim, ela vacilou, e decidiu encerrar a conversa.
— Olhe, aconteceu. Mas, eu já perdi perdão a Deus e fui perdoada.
Acabou.
Repentinamente, Cat avança. Eu achei que ela partiria para uma briga,
mas levei um tempo para perceber ou enxergar que ela tinha algo nas mãos.
Não era a arma que eu lhe dei. Era um fio daqueles grossos, provavelmente
nylon, amarrado nas duas mãos.
Ela o passou por cima da cabeça de Carla. Girou nela, e o pôs adiante
da garganta desprevenida. Então, Cat uniu as mãos, apertando com força.
Carla não conseguiu gritar, nem lutar, enquanto tentava desesperadamente se
livrar da corda para respirar.
— Que bom que Deus te perdoou, porque eu não perdoo. Não que
você tenha pedido perdão, de qualquer maneira.
Eu não me mexi enquanto permitia que Cat a matasse.
40
∞∞∞
Lorenzo não estava em nenhum lugar, mas Maria Elena estava ali, nos
braços de Lili. Eu estendi minhas mãos para minha afilhada e a peguei no
colo. Ela completaria um ano em breve, e já estava tão inteligente e ativa.
— Quem é ela, Maria Elena? — Lili indagou à filha, talvez para fazê-
la me mostrar que conseguia falar, ou talvez para apontar que eu sumi por
mais de um mês e ela não tinha notícias minhas.
— Dida — Maria Elena balbuciou com dificuldade, e eu beijei sua
face, com todo meu amor.
— Sim, querida... Sou sua Dinda...
— Ela só sabe por que eu mostro sua foto para ela todos os dias — a
voz de Lili me arrepiou. — Como pôde ter desaparecido assim? Ficamos
todos desesperados, até achamos que...
Repentinamente, Lili emudeceu. Ergui meus olhos para ela, e a
percebi encarando Yan como se esperasse explicações.
— Ele é meu ex — disse. — Muitas coisas aconteceram.
A boca de Liliana se abriu, como se ela não pudesse acreditar que
estava diante do mesmo homem que me abandonou dez anos atrás. Porque
essa era a explicação que ela tinha. Eu sabia que necessitava falar a verdade
para Liliana, mas eu não queria abrir todos os meus sentimentos diante de
Yan.
Então eu rumei para ele e lhe entreguei Maria Elena. Eu vi seu
desespero quando pus a bebê nos seus braços. Ele, verdadeiramente, pareceu
sem saber o que fazer.
— Só a mantenha entretida enquanto converso com Lili.
— Mas... eu... eu...
Curiosamente, ele pareceu apavorado. Talvez nunca tivesse segurado
um bebê nos braços antes.
— Ela não morde. Não se você não provocar — eu pisquei, e então me
afastei.
Lili me seguiu até meu quarto. Ela sentou-se na cama, enquanto eu
começava a arrancar a roupa. Precisava de um banho urgente, parar tirar
Carla de mim. Não queria macular a imagem da minha melhor amiga com a
morte daquela mulher.
— O que está acontecendo, Cat? — ela indagou.
Cerrando os dentes, eu tentei buscar as palavras mais gentis. Tinha
medo de assustar Liliana, apesar de saber que minha amiga não era a pessoa
mais protegida do mundo. Lili teve que enfrentar seus próprios demônios
desde que nasceu. E talvez ela fosse a pessoa mais inclinada a me
compreender, porque também teve a pior das mães.
— Meu Deus — ela disse quando eu terminei o relato.
Estávamos no banheiro, agora. Lili encostada na bancada, ouvindo-
me, enquanto eu estava debaixo do chuveiro, a água quente caindo sobre
meu corpo cansado.
— Você acredita nele? — ela indagou.
— Com todo meu coração — assenti. — Ele está falando a verdade.
Eu sei que está.
Era meu cérebro respondendo. Admito que meu próprio corpo podia
me trair, me fazer derreter diante do cheiro de sua colônia, da sua carne me
puxando, afastando, e trazendo de volta. Mas, agora, falando com ela, eu
estava sendo racional.
Eu conhecia Sofia. Eu sabia do que ela era capaz.
— Ele te sequestrou, então? Quando me mandou aquela mensagem...
— Ele me forçou a fazer isso — desliguei o chuveiro.
Lili me estendeu uma toalha, enquanto eu saía do box. Enrolei-me nela
e voltamos em direção ao quarto. Eu fui reto até minha gaveta para pegar um
curativo para as mãos agora limpas.
— Acha que é seguro eu deixar Maria Elena com ele? — ela arregalou
os olhos e eu ri.
— Ele virou um bandido, mas ainda é o cara mais legal que eu já
conheci. Claro, ele fez coisas horríveis comigo, mas eu o entendo. Talvez
porque... porque eu seja igual a ele. Não consigo medir o tamanho da raiva,
só quero reagir.
— O que fará com sua mãe?
Uma parte de mim implorou silenciosamente que ela não fizesse essa
pergunta.
— Eu não posso deixá-la impune. Não depois de dez anos de inferno.
Por Yan e por mim.
— Tem certeza? Você sabe que não terá volta.
— Já não tem volta, Lili... — afirmei. — Eu já comecei, não vou
voltar atrás.
— E sua carreira? Vai desistir de tudo?
Concordei.
— Eu preciso. O que faria se alguém tirasse Maria Elena de você? O
que faria se a matassem?
Liliana cortou a distância entre nós e me trouxe para um abraço.
— E sobre Yan? Vai voltar com ele?
Eu sorri porque a pergunta dela era bem curiosa. Simplesmente, o
traço de uma melhor amiga querendo fofocar.
— Eu ainda não sei se vai restar alguma coisa de nós quando tudo isso
acabar. Mas, se houver... sim... Eu o amo, nunca deixei de amá-lo. Apenas
não sei se ainda temos alguma esperança.
41
Quando voltamos para a sala, Yan estava sentado no sofá com Maria
Elena equilibrada numa das pernas. Ele brincava com a bebê, um tanto
desajeitado, provavelmente porque nunca segurou uma criança antes.
— Ela é linda — ele disse a Lili, que sorriu quando pegou a filha nos
braços. — Ela ficou tão calma.
— Maria Elena é muito dada com todos — Lili explicou. — Acho que
é porque a família de Lorenzo é grande e ela sempre esteve nos braços das
tias e primas. Mas, com certeza, ela também gostou de você, senão teria
aberto um berreiro — sorriu. — Catarina me contou o que aconteceu. Eu sei
– acredite, eu sei – como pessoas de má fé podem interferir no nosso destino.
O pai de Maria Elena e eu também fomos separados por mentiras. Ele não
acompanhou minha gravidez e, por meses, eu pensei que não queria a
criança.
Yan ouviu em silêncio.
— Amanhã estou voltando para o Mato Grosso. Lorenzo queria vir vê-
la, mas está enfurnado em trabalho. Ainda assim, ligue para ele para acalmá-
lo — me pediu.
Acenei.
Lili foi embora logo depois. Ela me disse que ficaria em um hotel
perto do Aeroporto. Eu insistiria para ela ficar aqui, mas não achava que Lili
devia ser impactada por nossa vingança. Ela tinha uma vida calma e
adorável, como ela. Merecia isso. Yan e eu estávamos em outro clima.
∞∞∞
— O que foi? — ele me perguntou, enquanto estávamos na sacada,
dividindo um cigarro.
Eu sorri. Yan sempre parecia ansioso quando me via quieta, como se
temesse algo de mim.
— Estou pensando se vamos fazer sexo — joguei, sem rodeios. —
Quando fizemos na ilha, eu estava desesperada. Raiva, dor, desejo e
saudade. Mas, agora, eu não sei se devia transar com você.
Ele sorriu, sua língua brincando com o lábio inferior, enquanto não
escondia o olhar divertido.
— Por que não?
— Bom... Você ficou com um monte de mulher enquanto estivemos
separados.
Não sei direito porque trouxe o assunto à tona. Apenas estávamos ali,
na escuridão da noite, observando as estrelas e as luzes dos prédios
próximos. Parecia o momento de conversarmos sobre algo que eu ainda
tinha dificuldade de aceitar, apesar de nossa franca conversa no carro.
— O que eu posso dizer... Foram dez anos.
— Para mim também.
— É, eu sei. Não tenho desculpas — deu de ombros. — Eu podia dizer
um monte de coisa, mas a verdade é que não tenho uma única justificativa
aceitável. Ok, realmente achei que estava acabado, já te expliquei antes. E,
ainda assim, acho que não é um motivo legítimo.
— Não é mesmo — concordei. — Tudo bem, eu perdoo você.
Ele riu alto.
— Não sei por que, mas não estou acreditando nisso.
— Quer um boquete como prova?
— Eu não tenho coragem de colocar meu pau na sua boca, Cat. Seus
dentes podem não seguir seu argumento e eu acabar capado.
O cigarro acabou e ele puxou outro do maço. O acendeu e me deu para
uma tragada. O barulho de pneus na rua abaixo de nós parecia quase uma
música. A grande cidade nos engolia, como engolia a todos ali.
— Cat... O que aconteceu hoje... — ele começou. — Você quer falar
sobre isso?
— Eu disse a Carla que iria atrás dela. Eu jurei isso, dez anos atrás.
Ela devia saber quando me viu...
— Você levou o nylon pensando nisso?
— Não. Eu pensei que podíamos sequestrá-la enquanto eu pensava no
que fazer. Por isso pedi a arma. Queria intimidá-la. Todavia, quando eu a
vi... A arrogância. Ela destruiu minha vida, mas estava tranquilamente
vivendo a dela, sem sequer culpa ou remorso.
— Então perdeu a cabeça?
— Não. Em nenhum momento eu agi de forma irracional.
Eu sei que Yan pensava que eu teria um colapso a qualquer momento,
mas estava tão fria. Havia um pequeno calor no meu estômago, mas era de
animação, não de queimor.
Repentinamente, o celular dele vibrou, nos desviando da conversa.
Yan o atendeu imediatamente, e ouviu atentamente do outro lado da linha.
Quando ele desligou, encarou-me com o olhar inquieto:
— Álvaro soube que sua mãe estará num evento beneficente essa
noite.
Eu achei que teríamos uma noite para nós. Achei errado.
∞∞∞
Abri meu closet com as mãos trêmulas. Na minha frente, uma das
roupas mais bonitas que eu tinha parecia me esperar. Abri a bolsa que
protegia o vestido, e o encarei.
Era deslumbrante. Vermelho com pedras rubis dispostas sobre os
seios, emoldurando perfeitamente meu corpo.
Era uma roupa especial. Um vestido que eu mandei fazer
especialmente para quando fosse anunciada como o novo rosto de uma grife
internacional. Esse sonho não existia mais, ficou pequeno e insignificante
diante da minha nova expectativa de vida.
Deslizei a mão sobre o tecido. Cuidadosamente, o retirei do closet.
Yan estava sentado na cama, usando um terno escuro, e pareceu calmo em
me esperar preparar-me para aquele encontro.
A última vez que vi minha mãe foi há nove anos, quando fui embora
do Brasil. Ela tentou entrar em contato várias vezes, mas eu nunca aceitei
sua presença. Quando ela descobria um número, eu o trocava.
Mas, agora eu queria vê-la. A excitação borbulhou dentro de mim. Eu
queria que ela me visse, a filha que ela massacrou, simplesmente
maravilhosa nesse vestido incrível. E então eu diria a ela o que faria com sua
vida.
— Você, com certeza, é uma mulher deslumbrante, Cat... — Yan
disse, quando eu retirei o robe e comecei a colocar a lingerie.
Eu não tinha o menor pudor em ficar nua para ele. Era natural que ele
me visse, e me comesse com os olhos. Francamente, eu até gostava como
surgia um rubor leve embaixo dos olhos, acima das bochechas. A forma
como ele me olhava me deu tesão, mas tentei conter minha vontade de ir até
ele e dar uma antes de sair.
Nós tínhamos coisas mais importantes para essa noite.
Pus o vestido. O zíper ficava na parte de trás, então me virei de costas
para ele, pedindo ajuda. Os dedos de Yan deslizaram pela minha pele,
enquanto ele puxou o zíper para cima. Deus... Quando seus dedos roçaram
minha nuca, eu me arrepiei e gemi como se estivesse no cio. Logo o toque
foi substituído pela boca.
— Estou louco por você — ele murmurou.
Eu sorri.
— Talvez mais tarde — prometi.
Dando um passo para trás, Yan se afastou o suficiente para me
permitir virar de frente para ele.
— Vamos?
— Está preparada?
— Espero por isso há dez anos.
— Eu sei. Mantenha a cabeça no lugar, Cat — aconselhou.
— Não se preocupe. Não farei nada estúpido.
Era um juramento. Eu iria cumprir.
42
∞∞∞
Catarina se jogou na cama como se estivesse embriagada. Ela caiu do
lado, seus olhos fechando enquanto ela parecia apenas procurar o
travesseiro.
Sua coxa inclinou para cima, a fenda do vestido vermelho me
mostrando as coxas torneadas. Ela era um pecado de tão linda. Nunca
entendi como uma garota dessas me deu bola.
— Cat... — Você precisa de ajuda? — indaguei.
Talvez um banho ou um café. Sexo não, porque havíamos acabado de
foder no carro. Até me senti um pouco usado pela forma como ela saltou no
meu pau várias vezes, e então me deixou – insatisfeito – após chegar ao
clímax.
Deitei-me ao seu lado. Ambos vestidos. Observei o teto de gesso,
sabendo que não conseguiria dormir.
Eu a entendia. Não a culpei pelo egoísmo. Ela precisava respirar,
precisava de calor, e eu dei isso a ela. Contudo, ela estava toda melecada
com meu gozo entre as pernas, e eu acho que devia tomar um banho. Talvez
eu pudesse limpá-la. Se eu bem me lembrava, ela não gostava de ficar suja
muito tempo.
Sorri, as lembranças de Catarina fugindo para o banheiro, fazer xixi e
se lavar, após treparmos na adolescência eram muito saudosas. E eu nem
gozava dentro, já que sempre usamos camisinha. Bom, nem sempre, mas...
quase sempre.
Catarina se mexeu, aconchegando-se com o rosto na minha garganta.
— Yan.
Sua voz estava cheia de fadiga e dor.
— Hum?
A encarei, e ela fez uma leve careta de choro, ainda de olhos fechados.
— Durma um pouco, Cat. Estou aqui. Não vou a lugar nenhum.
— Você promete?
— Sim. Pela minha vida.
— Você me ama, não ama?
— Mais que tudo, Cat...
Seus dedos resvalaram em meu peito. Meu pau estremeceu na hora,
claramente incomodado com a liberação que não aconteceu no carro.
— Cat... Eu acho que deve descansar...
Cada fibra do meu corpo queria fodê-la, mas Catarina estava
desgraçadamente abatida e eu não podia...
— Yan — repetiu, o tom urgente. Ela ainda não tinha aberto os olhos.
— Me coma...
Naquele momento, eu perdi o resto de princípios que tinha. Eu estava
arrebatado, aos pedaços, simplesmente entregue a sentimentos que eu não
podia evitar.
Me afastei um pouco para tirar a roupa. Os sapatos eu joguei num
canto. As meias, a calça... Tudo atirado no chão. Quando a encarei, nu, ela
ainda estava de olhos fechados.
Ah, ela não tinha dormido e me deixado de pau duro, tinha?
— Estou acordada.
Ela riu, e então eu percebi seus olhos se abrindo lentamente, um
sorriso maroto surgindo no canto da boca.
— Você é um bobo, Yan...
— Por quê?
— Porque se eu tivesse dormido, você nem teria me acordado, teria?
— Não. Eu iria bater uma no banheiro.
Ela gargalhou, mexendo os dedos, num chamado.
— Venha, seu idiota. Estou esperando você.
Eu escorreguei na cama. Catarina achegou-se novamente em mim,
uma perna passou sobre a minha, o braço dela na minha cintura e a boca
pousou na base da minha garganta.
Ah, cacete...
Ela lambeu o suor nervoso que descia pela minha garganta.
— Tão gostoso...
Meu pau ficou mais duro.
Ela girou na cama, subindo em cima de mim, suas mãos vagando,
acariciando meu peito, deslizando mais baixo para brincar com minha trilha
de pelos. Então se sentou sobre mim, puxando o vestido vermelho pela
cabeça. Eu já a vi nua uma centena de vezes, e ainda assim eu estava aqui,
embriagado pela sua beleza, completamente caído por ela.
Me peça o mundo, Cat, e eu lhe darei.
A lingerie era num tom nude. Ainda assim, contrastava com sua pele
pálida. Seus seios empinados balançaram quando ela curvou, beijando meu
queixo.
Meu pau estava rendido nesse momento, dando saltos para cima,
alucinado por ela.
Sua boca subiu, lambendo minha boca. Cat envolveu sua língua em
torno da minha, enquanto pressionava seus seios cheios contra mim.
Eu sonhei com momentos como esse por dez anos, naquela prisão
desgraçada. Eu sonhava com sua pele, com seu toque, com... amor...
— Cat... Ainda há uma chance para nós?
Se ela hesitasse por um instante, eu teria interrompido tudo. Poderia
ter me matado, mas teria feito isso. Todavia, ela assentiu, seus olhos firmes
nos meus quando ela soltou um suspiro.
— Eu amo você, Yan. Sempre haverá uma chance, se houver nós. O
problema é que eu não sei se vai restar alguma coisa de nós quando tudo isso
acabar.
— E se recomeçarmos? Esquecermos tudo e irmos embora?
Ela travou. Eu sabia que doía demais o pensamento de ir contra a mãe,
por pior que Sofia fosse. Os filhos de narcisistas sempre ansiavam por um
amor que não existia.
— Eu não sei se poderemos recomeçar.
Esfreguei meu polegar sobre o seu pulso.
— Como assim?
Havia um certo recuo em seu tom. Era como se ela fosse me revelar
algo importante.
— Eu quero isso. Quero você. Quero um recomeço. Mas, eu não sei se
o que me fizeram não danificou meu útero para sempre. Minha menstruação
nunca mais foi regular.
— Nunca foi num médico?
— Não consigo... pensar... em outro médico...
— Tudo bem, querida — a interrompi, porque vi a dor desenfreada. —
Nós vamos seguir em frente, com bebês ou não. Nós dois, ok?
Catarina bateu os quadris, moendo contra mim, para que eu não
tivesse escolha a não ser fechar os olhos e cerrar os dentes.
— Antes, eu preciso destruir Sofia — ela disse. — Isso vem em
primeiro lugar. — Ela moeu mais forte, sua bocetinha cavalgando sobre meu
pau. — Ah, Yan... Não me peça para desistir.
— Não vou...
— Ah... Por favor. Eu estou tão quente. — Sua voz saiu angustiada.
Girei-a na cama, caindo por cima dela. Segurei seus pulsos, assumindo
o controle. Então a beijei com tudo que eu tinha, com tudo que éramos. Dois
loucos apaixonados. Eu faria tudo por ela.
Desci a mão. Rasguei a renda do sutiã, liberando aqueles peitos
deliciosos. Minha boca avançou sobre suas aréolas, enquanto minhas mãos
desciam para a calcinha.
Puxei-a com força. Ela estava úmida e um líquido viscoso correu
quando a calcinha a deixou.
Abaixei minha cabeça, lambendo seu mamilo. Cat se mexeu embaixo
de mim, a respiração dela ia do acelerado para o ofegante. Abandonei seus
seios, agarrando todo o seu corpo. Lambi seus lábios, absorvendo seu
pequeno gemido enquanto beliscava seu mamilo.
— Segure a cabeceira da cama — eu disse em sua boca.
Ela obedeceu imediatamente, girando o corpo e ficando de quatro.
Coloquei-me atrás dela, segurando seus seios, deslizei minha boca em
suas costelas. Sua pele estava toda vermelha, especialmente entre as pernas.
Deixei meu olhar permanecer entre suas coxas enquanto beijava o caminho
até lá, sentindo ela dar estocadas para trás, como se implorasse que eu
cuidasse de sua parte úmida de desejo.
Soltei seus seios, e abri suas pernas com as duas mãos. Os lábios da
sua boceta se abriram no movimento, e eu me inclinei para deslizar minha
língua ali. Ela soltou um urro de pura necessidade, suas mãos se contorcendo
na guarda da cama.
Eu a saboreei. Meu gozo do carro ainda estava ali, eu sabia, misturado
ao seu sabor. Isso me deixava ainda mais quente.
Levei minha mão as suas madeixas e puxei para trás. A cena sexual,
seu queixo para cima, parecia tão incrível que eu poderia gravar na mente e
viver só por essa lembrança.
Tirei a boca de lá. Então, molhei a ponta dos dedos com a boca, e
comecei a fodê-la com a mão. Cat ofegou em desespero. Continuei,
maravilhado com o aperto em meus dedos. Estiquei, aumentei a velocidade,
e então bati do seu clitóris. Ela estava latejando e me apertando, e começou a
implorar pelo gozo.
— Ah... ah... ah...
Seus gemidos pareciam uma música. Então me pus nas suas costas,
encaixando meu pau na abertura.
— Yan! — ela gritou.
— Você me deixou duro no carro, sabia? Foi muita maldade.
— Yan...
Ela girou a cabeça para trás. Eu a beijei nos lábios, faminto por ela.
Catarina se esfregou contra mim, encharcando minha ponta. Meus quadris
avançaram por vontade própria. Ela gritou com a sensação da penetração, e
eu sorri diante do prazer.
— Estou tão apaixonado por você, Cat — murmurei.
Segurei sua bunda para que ela não se mexesse e meu pau escapulisse.
Então, comecei a bater como um louco desesperado, enquanto ela gemia em
meu encontro, cada impulso sendo recebido com gemidos manhosos.
Tentei ir com calma, mas eu estava quente demais.
— Yan... Yan... Aí... estou...
Não havia mais autocontrole comigo. Seus gemidos sem fim, sua
boceta explodindo, apertando meu pau com tanta força que eu não consegui
segurar meu gemido, tudo... tudo estava me deixando mais perto.
Eu bati duro, e ainda mais, e então explodi em mil pedaços.
Sua boceta começou a me drenar, e uma parte de mim imaginou que
podíamos ter a sorte de ela engravidar de novo nesse momento, e podermos
recomeçar uma família, uma nova chance para sermos felizes.
Eu era um assassino, não sabia se merecia qualquer oportunidade,
mas... se eu tivesse... se eu tivesse uma única chance... eu faria por merecer.
Seria o melhor cara do mundo para ela, eu a amaria em cada segundo para o
resto de nossas vidas. Para sempre e sempre.
Eu caí em cima dela, meu pau dentro dela. Catarina soltou a cabeceira
e suas mãos desabaram ao lado da sua cabeça.
— Yan? — Catarina chamou.
— Hum?
— Isso foi tão duro…
Minha boca se abriu num sorriso.
— Eu te amo...
— Eu te amo também.
44
Eu não fiquei surpreso quando abri a porta e dei de cara com Abel. É
claro que ele iria atrás do seu melhor assassino quando percebesse que eu
andava afastado da Castle. Ainda assim, não me senti intimidado.
Respeitosamente, dei um passo para trás e permiti sua entrada.
Ele estava sozinho. Ao menos ali. Não que devia estar sozinho no
prédio. Nesse momento, o edifício de Catarina devia estar cercado de
homens fortemente armados.
— Eu vim conhecer sua garota — ele me disse, e rumou para dentro.
Eu não havia dito a ninguém sobre minha volta com Catarina, mas eles
deviam ter entendido as nuances. Era claro que eu sempre fui apaixonado
por ela, só eu mesmo não queria ver.
Cat surgiu na sala nesse momento. Ela estava preparando nosso jantar,
e trazia um pano de prato nas mãos. Pareceu curiosa com cena, mas não
temerosa. Talvez sentisse que não tinha nada a temer pela calma em mim.
— Cat, esse é Abel. Ele é o chefe da Castle — expliquei a ela.
Catarina arregalou os olhos, seu olhar cruzando o meu e então
volvendo para ele. Ela pareceu um tanto temerosa em lhe cumprimentar, mas
Abel adiantou-se e foi até ela, segurando seus ombros, apertando e lhe
puxando para um abraço.
Ele lhe deu um beijo na testa, e eu que sorri. Abel sempre se sentiu
Corleone de O Poderoso Chefão, e essa cena me lembrou muito o filme.
— Você é linda como o sol — ele murmurou. — Éder me disse o que
aconteceu com você, criança. Tem a minha simpatia. E terá de mim o que
precisar, já que a garota do meu menino favorito.
A frase caiu como uma bomba em mim, porque eu basicamente pensei
que Catarina rejeitaria a ideia e colocaria Abel para correr. Mas,
repentinamente, ela sorriu.
— É mesmo? Eu agradeço muito.
Sua voz era suave, tão doce e delicada que quase tinha mel. Abel se
encantou de imediato, mais do que já estava, e volveu para mim.
— Ela é perfeita.
— Eu sei — disse.
Mas, de verdade, eu não sabia. Estava angustiado por Catarina estar se
envolvendo com a Castle. Eu não a queria metida em coisas erradas. Já
bastava eu mesmo ter me desgraçado a vida, ela podia ter uma saída.
— Será que posso conversar com o senhor em particular? — pedi.
Abel assentiu. Mas, antes que ele desse um passo, Cat segurou suas
mãos.
— O senhor sabe o que fizeram comigo, não sabe? Éder lhe contou...
Então... Será que pode me ajudar? Eu preciso de algumas informações sobre
Sofia de Vaz.
Ela jogou assim, de cara, sem nenhum planejamento. Pensei que Abel
a afastaria, mas ele concordou. Os olhos verdes e os cabelos loiros de
Catarina pareceram enfeitiçá-lo.
— Podemos fazer mais que isso, criança.
— Só os dados que pedirei ao senhor será suficiente. Enquanto
conversa com Yan, vou anotar tudo num papel.
Enquanto ela se afastava em direção ao escritório, Abel seguiu comigo
para a sala de estar. Sentamo-nos no sofá, e eu fiquei em dúvida sobre o que
lhe dizer, e como dizer.
— Pensa em sair da Castle? — ele indagou.
— O senhor me mataria se eu saísse?
— Não, Yan. Não faria. Como eu já lhe disse muitas vezes, eu tenho
uma dívida de sangue com você. Posso não ser o melhor pai do mundo, mas
me preocupo com Éder, e o fato de você tê-lo salvado na prisão nos uniu
num vínculo mais forte que tudo.
Eu agradeci.
— Eu não sei se vai sobrar alguma coisa de Cat ou de mim quando
tudo isso acabar — me inclinei no sofá e murmurei para Abel. — Uma
mulher morreu recentemente. Uma enfermeira. Era a enfermeira que fez o
aborto em Catarina.
— Você a matou?
— Não. Foi Cat. Ela a enforcou com um fio de Nylon.
Abel abriu a boca, espantado. Eu sabia que ele estava custando a
acreditar que a menina doce e delicada que ele viu era também uma
assassina.
— A próxima vítima é a mãe dela. É a mãe. Era uma filha da puta
desgraçada, mas ainda é a mãe. Eu não sei o quanto isso vai custar para Cat.
Talvez ela enlouqueça depois de tudo.
— Jesus... — Abel murmurou.
Ele resvalou para trás, no sofá.
— Incrível... vocês dois são almas gêmeas — ele completou, e a frase
me surpreendeu.
Talvez fosse verdade, se é que havia alguma coisa de espiritual na
nossa dor.
— Se restar alguma coisa quando tudo isso acabar, eu gostaria de
seguir o que teríamos feito dez anos atrás. Irmos para uma cidade pequena,
longe... bem longe... e recomeçarmos a vida.
Ele assentiu. Cat voltou nesse instante, e estendeu um papel para Abel.
— Senhor, aqui está. Eu agradeço se puder me ajudar.
Eu não sabia o que estava escrito, mas Abel sorriu ao lê-lo.
— Isso será fácil, boneca — ele disse. — Pais e mães podem errar.
Mas, não tem o direito de destruir os filhos intencionalmente. Você terá meu
apoio — ele se levantou. Novamente, segurou os ombros de Catarina,
observando sua face. — Meu menino já sofreu demais. Se você sentir que
não está dando para você, que está perdendo o controle... simplesmente me
fale e eu termino com isso — avisou. — Vocês dois são jovens e podem
recomeçar, por mais difícil que isso pareça.
45
Cat estava tão linda que doía os olhos. As mãos dela estavam sempre
vagando pelo meu corpo, e isso me dava uma satisfação tão grande que era
maior que o sexo. Ela estava confiando em mim de novo. Esse nível de
intimidade era o que eu sempre sonhei com ela.
Se nosso filho estivesse aqui, estaríamos vivendo o momento perfeito.
Mas, ele não estava. Esse vazio não podia ser ignorado.
Cat olhou para mim do outro lado da rua. Ela estava usando uma blusa
que mostrava a barriga, e uma saia curta, tão curta quanto as que as meninas
da Castle usavam na ilha. Seu corpo exposto me deu nos nervos, porque eu
via a forma como os homens a olhavam quando cruzavam por ela. Um ou
outro até disse alguma bobagem, mas ela ignorou, ciente que eu estava perto
para protegê-la de qualquer babaca.
Catarina fez um sinal com a face momentos depois. Eu ergo os olhos,
meu corpo ficando em alerta. Posso ver um jovem de uns vinte anos saindo
de uma academia. Ele era o típico playboyzinho que vivia pela própria
aparência. Ao lado dele, duas garotas riram animadas, e pareceram bem
sugestivas ao se despedir. O cara ainda ficou observando-as de longe, até
elas sumirem no horizonte.
Só então ele prosseguiu em sua caminhada. Nós não sabíamos se ele
tinha algum carro ou coisa do tipo, então achamos melhor não demorarmos
para agir. Pude ver Catarina indo até ele, passos retos e seguros. Quando ela
estava em torno de dois metros, ela olhou para baixo e se lançou no homem,
trombando nele com força, quase caindo ao chão.
Minha garganta ardeu de raiva quando ele a segurou, risinhos bobos
enquanto ela deslizava as mãos pelos músculos dos seus braços.
Eu caminhei para perto deles, lentamente, apenas para ouvir um pouco
da conversa.
— Nossa, eu quase caí...
— Tudo bem. Está segura agora.
— Você é tão forte...
— Imagine...
— Eu me pergunto se estou no meu dia de sorte em cair nos seus
braços...
Eles começaram um diálogo tosco, sexualmente sugestivo. Não levou
nem cinco minutos para Cat convencê-lo a segui-la até um beco próximo.
— Eu tenho impressão de que já vi seu rosto em algum lugar... — ele
comentou, enquanto andava ao lado dela.
Eu não estava distante o suficiente para ser poupado do flerte idiota.
Catarina riu tão feliz que jurei que, quando isso acabasse, eu iria bater tão
duro na boceta dela até deixá-la arregaçada, para ela aprender a nunca mais
flertar com outro homem.
Enfim, eles chegam até um local isolado. O rapaz não pestaneja em
tentar abraçá-la sem nem querer saber seu nome. A vida mudou muito desde
que eu me lembre. Há dez anos, as pessoas não pensavam em sexo tão
facilmente. Havia um certo mistério, uma tentativa de sedução. Agora, era
tudo rápido, lutas desesperadas por algum tipo de alívio.
Era como se faltasse alguma coisa no mundo. Então as pessoas
estavam desesperadamente tentando preencher o vazio com dinheiro, poder
ou sexo.
— Espere — Cat o empurrou gentilmente.
— O que foi, gata?
Gata...
Meu estômago queimou.
— Você disse que já viu meu rosto em algum lugar. Tem razão. Viu
meu rosto em outra mulher. Eu sou fisicamente muito parecida com a minha
mãe.
O rapaz deu dois passos para trás. Eu acho que na cabeça dele houve
um emaranhado de pensamentos, porque logo seus olhos começaram a
entender de onde ele conhecia Catarina.
— Eu... — ele começou, enquanto se afastava, mais e mais.
— Minha mãe, Sofia de Vaz, está torrando todo o dinheiro dela te
dando presentes caros. Dei uma pesquisada e descobri que é o personal
dela...
Ele tentou se afastar, mas eu apareci no seu caminho. O cara teve a
audácia de não recuar, imaginando que seus músculos de peso artificiais me
dariam qualquer medo. Eu puxei uma arma e apontei para a cara dele quando
ele tentou erguer a mão para me dar um soco.
— Olhe — ele murmurou. — Eu não quero problema — disse, rápido,
enquanto recuava com as mãos em rendição.
— Ah, quer sim... Quando está torrando o dinheiro de uma perua rica,
quando ela tem uma filha ansiosa para pôr a mão na herança — Cat
retorquiu, isso nem era bem verdade. Ela tinha muito mais dinheiro que a
mãe.
— Dona Sofia me mimou um pouco — ele concordou. — Mas, a
maioria das mulheres que eu treino faz isso.
— Sofia é uma mulher bonita — apontei. — Ela é uma versão mais
velha de Cat... É uma mulher muito interessante. Vai me dizer que ela está te
dando milhares de reais apenas por “carinho”?
— Bom... a gente transa um pouco também.
— E ela paga seu aluguel, seus gastos, sua academia. Ela até te bancou
numa viagem para a Europa meses atrás.
— Ela é muito generosa.
— Aham... — murmurei. — Mas, isso acaba aqui. É sua escolha sair
com o que conseguiu, sumir da vida de Sofia. Se insistir em ficar, pode ter
certeza de que vou colocar toda a Castle no seu caminho.
O nome da facção produziu mais efeito que qualquer arma. O rapaz
concordou de imediato, começando a se desculpar. Quando deixamos que ele
se fosse, Catarina me encarou.
— Você ficou tão gostoso apontando a arma para ele — ela suspirou.
— Me deu tesão.
— Então vamos para casa resolver isso — disse, guardando a arma no
coldre.
Ela riu baixinho enquanto assentia. Era tão fácil quando era com Cat.
∞∞∞
Ela se endireitou, um pouco vacilante enquanto quicava no meu colo.
Eu estava segurando o tanto que podia para deixá-la gozar primeiro, mas a
forma como seus seios empinavam diante de mim me fez mergulhar num
orgasmo potente, enquanto lutava desesperadamente por tocá-la e provocá-la
até levá-la ao limite.
Cat caiu sobre meu corpo, seu sexo pulsando e ordenhando o meu. Ela
cambaleou para o lado quando recebeu todo meu leite, deitando-se na minha
lateral, um sorriso bobo no rosto.
— Vou tomar banho — me disse, e eu a segurei, não a deixando ir.
— Depois.
— Estou fedendo suor — brigou.
— Cat... cinco minutos, por favor... Me deixe cheirá-la.
Eu a trouxe para mim, meu nariz brincando com seu pescoço enquanto
a abraçava. Seu dedo deslizou pela minha pequena tatuagem, sorrindo
enquanto sentia minha pele.
— Você tem que fazer a barba — ela me disse. — Hoje me espinhou.
— Hum... eu iria fazer, mas você me fez perder quase uma hora de
manhã, exigindo sexo.
Ela riu, e o som parecia uma música idílica, quase como se eu
estivesse ouvindo Enya. Quando o som cessou diante do barulho ritmado do
celular, eu gemi de insatisfação. Só queria um momento com a minha garota,
mas aparentemente a vida real sempre se intrometeria entre nós.
— É Sofia — Cat disse, pegando o aparelho.
Ela o atendeu e o colocou no viva-voz. Eu me sentei na cama,
aguardando a conversa.
— Oi, mãe — cumprimentou, com uma falsidade que me arrepiou.
— Catarina! — a voz de Sofia surgiu, revoltada, do outro lado da
linha. — O que você fez? Meu namorado acabou comigo. E ele disse que era
por sua causa.
— Namorado? O nome correto é gigolô!
— Por que fez isso? — com surpresa, ouvi um choro sentido, e
arqueei as sobrancelhas.
Aparentemente, o monstro tinha sentimentos.
— Por quê? Esqueceu que você também se intrometeu entre Yan e eu?
— Filha, você tinha dezessete anos! Eu fiz o que qualquer mãe teria
feito. Eu te dei um futuro. Você pôde estudar, conhecer o mundo. Graças a
mim.
— Você destruiu a minha vida. E você prendeu Yan.
Ela pareceu chocada por Catarina saber.
— Filha... Esse homem... ele é só um pobretão. Eu só queria afastá-lo
de você. Não foi minha culpa que ele se meteu em problemas na cadeia. Isso
só mostra que ele tinha má índole. Você devia ser eternamente grata.
Eu desviei meus olhos da tela. Talvez uma parte dela estivesse certa.
Fui eu que me meti em confusão lá. Eu matei um homem. Ela me colocou na
cadeia, mas foi minha culpa ter pegado dez anos.
Todavia, a mão de Cat deslizou pelo meu braço. Eu a encarei, e vi o
amor em seus olhos.
— Sofia — ela disse, alto, e em bom tom. — Se prepare. Mateus foi
só o começo. Eu vou te deixar sem nada, tão vazia quanto eu fiquei, quando
você me roubou tudo.
E então Cat desligou.
47
Entrei pela porta para dar de cara com uma Cat franzindo o rosto,
claramente desconfiada só Deus sabia do quê.
— Onde você estava? — ela inquiriu, e não sei se foi pelo tom de sua
voz, ou pela maneira como ela parecia desconfiar de mim, mas não gostei
disso.
— Com Éder — respondi, ainda assim, afinal, eu não tinha nada a
esconder.
Nós não costumávamos ficar um longe do outro desde nosso
reencontro. Estávamos sempre juntos, e toda vez que eu precisava me
ausentar para ir até a Castle, a avisava. Mas, acabou que a reunião com Éder
foi feita sem planejamento, e Cat não estava em casa quando eu fui
comunicado. Agora percebo que devia ter lhe enviado uma mensagem, mas
não pensei que fosse importante horas atrás.
Ela avança na minha direção. Parece divagar, pelo que, não faço ideia.
Repentinamente sua mão se ergue e ela segura meu queixo, virando meu
rosto para o lado.
— Tem uma marca de batom no seu pescoço.
Eu estava prestes a protestar quando me lembrei de Mirella se
inclinando sobre mim. Isso me irritou, e eu desviei das mãos de Catarina, seu
olhar carregado de julgamento pesando demasiadamente.
— Não fiz nada.
— Então por que tem uma marca de batom no seu pescoço? — ela
gritou.
Ela tinha esses rompantes, às vezes, claramente perdendo o controle.
Me lembrou muito o momento em que ela avançou contra mim, ainda na
ilha, tentando me bater.
— Mirella estava lá. Ela tentou, e eu a rejeitei.
— Bela rejeição! Não será esse argumento furado que vai me
convencer dos motivos de ter uma marca de boca no seu pescoço.
Eu me sinto como se ela estivesse me chutando no saco, diante de
tantas dúvidas. Droga, nós dois, antigamente, não tínhamos a menor
desconfiança um do outro. Nem ciúmes. Éramos muito cúmplices. E agora
ela não acreditava no que eu estava dizendo.
Os dez anos que nos separava dos adolescentes apaixonados pareceu
pesados demais.
— Eu não fiz nada, Cat. Você pode confiar em mim.
Uma sombra cruzou seu rosto. Eu conhecia aquele olhar.
— Eu não sei... — admitiu.
Dez anos me odiando, acreditando que eu a abandonei sozinha quando
jurei nunca fazê-lo, voltou com tudo. Mesmo que ela soubesse a verdade,
todo o seu instinto lhe dizia para recuar diante de nós.
— O que eu sei é que tem uma marca de batom no seu pescoço.
Ela parecia uma bomba-relógio prestes a explodir. Eu quase podia
ouvir o som do tic-tac tamborilando nos meus ouvidos.
— Catarina — fui firme. — Você quer que eu saia?
— Não.
— Então você precisa acreditar no que eu estou te dizendo. Você
precisa voltar a confiar em mim, como antes.
Ela me encarou por um longo momento. A raiva borbulhando sob a
superfície da racionalidade. As dúvidas confrontando minha súplica. Eu
quase podia lê-la.
— Está certo — assentiu. — Eu vou te dar um voto de confiança, e
crer que Mirella forçou isso. Mas, se eu encontrar outra marca de batom no
seu pescoço, inocente ou não, eu te mato.
O que eu posso dizer? Eu sou louco por essa mulher. Eu aceito isso,
ciente de que vou precisar ser mais cuidadoso no futuro. Está bem para mim,
porque nem passa pela minha cabeça trair Catarina.
O quão tóxicos podemos ser um para o outro?
50
∞∞∞
Yan entrou no quarto depois das dezenove horas. Eu já estava deitada
na cama, depois de vomitar metade dos brigadeiros do dia. Minha cabeça
doía, e eu só pensava em como eu queria comer mais.
— Onde você estava? — indago, sem olhá-lo.
— Com Lorenzo. Estávamos bebendo uma taça de vinho, enquanto ele
me falou dos negócios dele. Pareceu interessante.
Ele vai para o banheiro, enquanto eu continuo sentindo minha cabeça
explodir. Mas, estranhamente, isso alivia quando Yan surge, de banho
tomado, minutos depois. Só a presença dele, o cheiro dele, me inunda de
algo bem longe da dor.
— Eu gosto desse lugar, Cat. O que acha da gente se mudar para o
Mato Grosso? Lorenzo disse a comunidade de gaúchos aqui é enorme. Tem
até CTG.
— Ainda não. — Com um suspiro, eu me sento na cama.
Yan está de pé ao lado da mesma, e eu o puxo, seus lábios descendo
sobre os meus. O beijo de Yan parece acalmar a tempestade no meu íntimo.
Não é um beijo exigente, mas terno. Eu me derreti nele, minhas mãos
correndo por seu peito e envolvendo seu pescoço.
— Você quer? Achei que estivesse cansada.
Minha mão acaricia sua mandíbula, meu dedo correndo ao longo da
barba semicerrada.
— Você não acha nada — aponto. — Você só faz o que eu mando.
Ele riu, descendo sobre mim, um joelho entre minhas pernas, sua boca
provando de novo.
Envolvo minhas pernas em volta de sua cintura, puxando-o para mais
perto. Um sorriso suave se espalhou em seus lábios, quando nossos corpos se
tocam. Eu posso sentir seu pau grosso cada vez mais firme por baixo da
toalha atada em sua cintura.
Deslizei minha mão por seu corpo para agarrar a ponta de seu pau. Sua
toalha já resvalou para algum canto, e ele está nu, a pele perfumada de
sabonete. Yan geme enquanto eu o seguro, seu eixo engrossando e
estremecendo sobre meu movimento firme e ritmado.
— Eu te amo, Cat — ele diz, enquanto minha calcinha vai sendo
arrancada.
Quando ele afunda em mim, eu observo o teto de gesso sobre nós.
Claro, com formas bonitas e bem traçadas. Eu suspiro com o calor de sua
carne, subitamente, pensando em comida. Especialmente em bombons de
licor.
Yan segura meu rosto, me trazendo para um beijo. Ele está empenhado
em me dar prazer, mas agora eu só consigo pensar em chocolate e no quão
faminta eu estou. Então apenas abro mais as pernas, deixando que ele se
satisfaça o mais rápido que pode, assim eu posso fugir dele quando acabar, e
ir buscar por algo que sacie meu apetite.
52
∞∞∞
Meu sorriso se alargou quando vi o jovem bonito se aproximando da
nossa mesa. Ele nos cumprimentou, antes de acenar para o atendente e pedir
um café e um pedaço de torta.
— Fome — ele comentou. — Sua mãe me deixa faminto.
Eu devia me sentir insultada, mas apenas dei um riso debochado.
— As coisas vão bem pelo jeito?
— Sim, ontem jantamos juntos e ela me convidou para seu
apartamento. Disse que é a primeira vez que leva um cara para lá. Acho que
visitar meu apê luxuoso e andar no meu conversível fez esse milagre. Eu
também estou pagando todos os nossos jantares em restaurantes chiques e...
— Kauan parou quando o atendente trouxe a comida. Só voltou a falar
quando o outro se afastou — Abel me deu uma pulseira de ouro para lhe
presentear. Ela ficou nas nuvens. Nunca pensei que, em dois meses, uma
mulher ficaria tão apaixonada por mim.
— O que eu posso dizer? — dou de ombros. — Ela é impressionável
com cifrões. Diga-me: está pensando em oferecer o acordo?
— Por enquanto eu só estou comentando sobre como é fácil ganhar
dinheiro em bons investimentos. Vou levá-la para passear de carro e vamos
passar pela frente de alguns prédios e eu vou falar para ela quanto cada um
gerou de lucro. Sabe... plantar a semente. — Depois da explicação, ele girou
para Yan. — Abel e Éder estarão em Porto Alegre amanhã à noite. Éder
pediu para avisá-lo de que deve ir vê-lo no Centro de Eventos.
Giro meu rosto e o semblante de Yan está indecifrável. Quieto,
estranhamente nervoso.
Por fim, ele assente.
— Obrigada, Kauan... por tudo — comento.
Ele me dá um sorriso desavergonhado, antes de completar:
— Como eu disse, Catarina... O prazer está sendo meu.
53
Eu não posso negar que foi chocante vê-lo bater em uma mulher.
Sim, foi por mim. Não apenas para me salvar, mas para deixar claro a todos
ali o que aconteceria com quem pensasse em me ferir; ainda assim, é
assombroso, quase como se eu não o conhecesse.
Essas coisas acontecem, agora. Eu olho para Yan e não quase não vejo
mais o rapaz com quem estive na adolescência. A vida nos mudou muito,
mas mudou ele mais ainda.
Sim, eu sabia o que Yan era... Apenas... eu ainda não tinha visto.
Meu corpo doía de tensão quando ele me ajudou a entrar no carro. Não
trocamos uma palavra durante o trajeto de volta. Minha mente não conseguia
deixar de vê-lo levantar os punhos e... bater.
Socar... bater... sangue...
Entramos no estacionamento do meu prédio. Ele estacionou na minha
vaga e me encarou.
— Cat?
Quando eu não respondi, Yan levou a mão ainda suja de sangue no
meu queixo, puxando meu rosto para ele.
— Você não devia ter passado por nada disso — murmurou. — Eu
sinto muito.
Ainda houve um breve silêncio. Havia um peso de toneladas nos
esmagando. Então, balancei a cabeça.
— O que aconteceu conosco, Yan?
— Fizeram isso com a gente, Cat...
— Mas... não podemos fazer isso. Precisamos fugir disso, e
recomeçar. Acho que devemos aceitar a proposta de Lorenzo.
Ele não parecia convencido.
— Antes ou depois de acabarmos com a sua mãe?
Era a questão que mais me afligia. Para recomeçar, eu tinha que
decidir se Sophia merecia os dias que ainda teríamos atrás dela. Fechei meus
olhos, e me inclinei para Yan, segurando-me com força contra ele.
Eu balancei em seus braços, a indecisão tomando conta de tudo.
— Se eu não fizer nada, é como se estivesse traindo meu filho.
Yan permaneceu em silêncio enquanto eu divagava.
Eu vivi dez anos em agonia, enquanto Carla se fazia de santa em uma
igreja, sem sentir a menor culpa por ter destruído minha vida. Yan apodreceu
num presídio, enquanto Sofia torrava dinheiro com garotões bonitos.
Elas eram monstros. Carla não faria mais mal a ninguém, e Sofia
precisava ser destruída.
Porque se eu não fizesse, nunca teria paz.
Eu podia estar confusa e, na mesma medida, não tinha a menor dúvida
do que devia fazer.
— Nós vamos continuar — disse a ele. — Nós vamos punir os maus.
E só depois disso teremos paz para seguirmos em frente.
Yan assentiu. Era o único plano possível. Ninguém consegue seguir a
vida com tanta raiva dentro de si.
57
∞∞∞
Três dias depois, Éder me mandou os documentos assinados e
reconhecidos em cartório. Era incrível como subornar agentes públicos fazia
coisas como essas serem realizadas sem questionamentos. Os documentos de
transferência das casas, as novas escrituras e as transferências bancárias
eram as únicas coisas reais nesse esquema. Os investimentos que Sofia tinha
em mãos eram falsos. Eu quase quis ser uma mosquinha para ver sua face
quando ela descobrisse que caiu em um golpe.
Talvez eu nem precisasse esperar tanto assim...
∞∞∞
Meus olhos se estreitaram quando abri a porta. O cabelo de Sofia
estava quebrado nas pontas, e seus olhos não deixavam de expressar seu
desespero.
— Onde está minha filha? — ela perguntou.
— Ela está no banho — contei. — Fui eu que permiti que a senhora
subisse. Estava ansioso para vê-la.
Sofia me empurrou e entrou no apartamento. Suas mãos tremulas
deslizaram por suas madeixas loiras. Mais uma vez, observei o quão feio
estava seus cabelos. Ela não devia mais lavá-los em salões, desde que perdeu
tudo. Isso já fazia duas semanas, e Catarina e eu aguardamos com paciência
que ela viesse até nós.
Porque ela não tinha outra escolha. Ela não tinha mais ninguém a
quem pedir ajuda.
Suas amizades eram falsas, baseadas em dinheiro e status. Ela não
tinha outros parentes. A única pessoa que poderia impedi-la de ir morar
embaixo da ponte era Catarina.
— Chame-a — me ordenou. — Eu preciso falar com a minha filha.
Ainda assim, ali estava a arrogância.
— A senhora não sabe quem sou?
Ela não parecia disposta a bater papo. Apenas negou, como se eu fosse
apenas um pedaço de merda sem importância para ela.
— Há dez anos a senhora me colocou na cadeia — contei. — E nem
conhece meu rosto.
Pensei que pudesse ver alguma humanidade nela diante da minha
confissão. Talvez culpa. Qualquer coisa que pudesse indicar que sentia
muito. Mas, nem isso ela me deu. Sofia balançou a mão, desdenhosa.
— Ainda estão juntos? Depois de dez anos ainda está fodendo minha
filha? Ela merecia alguém melhor.
Minha expressão continuou suave, e acho que isso a confundiu. E,
ainda assim, ela permaneceu ereta. Demorou, mas entendi que um pobretão
ex-presidiário era pouca coisa para a preocupar.
— Chame Catarina — repetiu. — Preciso falar com ela.
— Eu não mereço nem um pedido de desculpas? Afinal de contas, eu
era um garoto inocente.
— Um servente de pedreiro devia se envergonhar de se misturar com
uma garota do porte de Catarina — Sofia suspirou profundamente, antes de
continuar. —Se bem que você não foi o único culpado. Catarina se rebaixou
demais dormindo com um lixo como você. Se quer saber, eu fiz o certo.
Pena que ela não tem nada na cabeça, e ainda está misturada com você.
Cadela de merda... Eu podia dizer tanta coisa para ela nesse instante,
mas vendo Catarina aparecendo na sala vestindo seu robe branco de seda,
seus cabelos molhados e um sorriso malicioso nos lábios, eu soube que esse
momento era dela.
— Obrigado — disse a Sofia. — Com certeza passaria meus próximos
anos questionando se fiz certo ou não..., no entanto, agora eu tenho certeza...
Vou recomeçar sem nenhum peso na consciência, graças a tudo que acabou
de falar.
Sofia pareceu impressionada. Porém, como eu era tão pouca coisa, ela
não se importou em continuar a debater comigo. Quando percebeu Catarina,
volveu-se para ela e chorou alto.
— Minha filha! — gritou. — Me salve.
Se ela soubesse...
58
∞∞∞
Não sei quanto tempo esperei pelo médico. Depois de uma breve
triagem, fui levada a um quarto particular, onde aguardei em uma cama
hospitalar confortável. Estava tonta, ainda absorvida pelos eventos, e não
estava conseguindo me ater ao tempo.
Mas, quando um jovem médico entrou na sala, outra onda de pânico
me tomou. Tentei controlá-la com tudo que eu tinha para ninguém perceber.
O rapaz mediu minha pressão de novo – apesar da enfermeira ter
acabado de ter feito isso – e ouviu meu coração. Depois, ele colocou a mão
na minha barriga, e me fez uma pergunta que pareceu confirmar minhas
suspeitas:
— Quando foi sua última visita ao ginecologista?
Era constrangedor dizer que havia sido quando eu tinha dezessete anos
e comecei minha vida sexual? Depois do que aconteceu, nunca mais
conseguiria abrir minhas pernas para médico nenhum.
Acabei não respondendo. Ele aguardou que eu falasse por alguns
segundos, encarou Yan como se perguntasse a ele, mas Yan também não
tinha uma resposta, por isso ele se prontificou de ir olhar lá embaixo.
E então veio tudo de tal forma que não pude segurar.
Era uma sensação horrível e distorcida.
Morte, dor, morte de novo.
Eu gritei, desesperada, puxando minhas pernas e me encolhendo na
cama. Yan pareceu em choque alguns segundos, e então me abraçou, me
segurando tão firme que quase me machucou. Provavelmente, ele sabia por
que eu estava assim, então fez um sinal negativo para o médico.
— Ela... — Yan balbuciou. — Houve um aborto no passado — foi
tudo que disse, e o médico assentiu antes de sair do quarto.
Momentos depois, duas enfermeiras vieram me medicar. Elas também
tiraram sangue, e saíram em silêncio. Eu sabia que colocaram calmantes no
soro que me deram, porque eu senti sono. Ainda assim, não queria dormir,
com medo que eles mexessem no meu corpo.
— Cat — Yan sentou-se ao lado da cama, segurando minha mão. —
Você está grávida?
Ele não era idiota. Sabia do que o médico desconfiou. Provavelmente,
juntou as peças e percebeu que eu também estava desconfiada da mesma
coisa quando me viu em pânico.
— Eu não sei — balbuciei.
— Cat... não vamos perder esse bebê. Eu juro para você. Ninguém vai
tirar esse bebê da gente!
Fechando os olhos por um momento, permiti que sua promessa me
envolvesse. Permiti que emoções controlassem o medo. Quando abri meus
olhos de volta, vi os olhos de Yan lacrimejarem.
Yan inclinou o corpo. Sua testa bateu na minha. Ficamos em silêncio,
assim, apenas sentindo um ao outro.
O tempo passou. E nós ali. Mãos dadas, apreensivos.
Quando, por fim, o médico voltou, trazia na mão os resultados de um
exame. Antes de explicar o que eu tinha, ele me pediu para procurar terapia,
fazer um tratamento porque eu precisaria aceitar que alguém relacionado a
saúde cuidasse de mim.
Assenti, incerta, mas isso só indicava que minha desconfiança estava
certa. Então, quando veio a frase que mudou tudo, apenas senti a mão de Yan
passando pelo meu cabelo.
Nós teríamos um recomeço. Eu nem sei se merecíamos um depois de
tudo, mas o destino nos deu uma segunda chance.
“Você está grávida de 12 semanas”.
Sempre achei que estivesse seca, meu útero permanentemente
destruído. Mas, agora eu teria um bebê para mim.
O médico saiu do quarto, dando-nos privacidade.
— Eu te amo, Cat — Yan murmurou com tanta suavidade, como se
temesse me importar com seus sentimentos.
Eu sorri.
Eu o amava também.
60 Final
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