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Com amor,
Larissa Braz
Tudo o que você precisa para realizar seus sonhos , é apenas acreditar que
é possível torná-los realidade, sejam quais forem.
Victor White
PRÓLOGO
Desculpe-me, filha.
Sei que a chateei.
Não medi as palavras que usei.
Não foi minha intenção magoá-la.
Papai
09:12 p.m.
Hoje...
— Por que não me contou sobre tudo isso quando foi me ver em
Tulsa? Principalmente a respeito do beijo.
Envergonhado, levantei minha cabeça e olhei para Maya, que tinha
os olhos marejados.
— Não queria estragar nossas poucas horas juntos com essa história.
Tive medo de você se chatear com o beijo.
— Victor... Você devia ter prestado queixa quando ela apareceu e
quebrou seu escritório. A polícia teria visto o quanto estava transtornada e a
levariam para um hospital onde cuidariam do resto. E a essa hora... nada
disso estaria acontecendo. Quando uma pessoa demonstra ser propensa ao
suicídio você não a encoraja a fazer. Percebe que foi isso que fez?
— Eu sei que errei. Desculpe.
— Não é para mim que você deve pedir desculpas, é para o seu
filho, que por pouco não perdeu a mãe hoje.
Abaixei minha cabeça reconhecendo meu erro terrível. Estava tão
cego pela raiva que não percebi o que de fato estava fazendo. Devia ter
dado mais atenção a sua ligação, mas não dei. Falhei. Errei.
— Vou procurar notícias sobre ela e depois tentar falar com Caleb.
— Tudo bem. Vou ficar aqui mais um pouco. Preciso de um
tempinho — respondeu encarando a carta que ainda segurava nas mãos.
Afastei-me e segui até o balcão de informação onde me disseram
que logo mais o médico viria falar comigo. Olhei para o lado e vi Caleb
sentado de cabeça baixa, com os cotovelos apoiados sobre os joelhos,
esfregando as mãos freneticamente. Vê-lo daquele jeito me doeu. Tão
jovem, tão preocupado, tão angustiado. Caminhei até ele e parei à sua
frente.
— Perdoe-me. Não acreditei que ela faria.
Ele ergueu sua cabeça e encarou-me com os olhos cheios de
lágrimas.
— Ela quase se foi, pai. Minha mãe pode ser a pior pessoa nesse
mundo para você, mas ela ainda é a minha mãe e eu a amo!
— Eu sei. Juntos iremos cuidar dela, eu prometo! Perdoe-me, Caleb.
Perdoe-me, meu filho.
Ele se levantou e encarou-me com imensa tristeza. Havia tanto
mágoa em seu olhar, que faltava pouco para transbordar. Aquilo me
dilacerou por dentro e uma enorme vontade de chorar junto com ele e por
ele, entalou em minha garganta.
— Eu quero ver a minha mãe, pai. Já faz horas que não tenho
notícias dela.
— O médico já está vindo falar conosco.
Caleb me abraçou e eu retribuí aconchegando-o em meus braços,
acalentando-o como um bebê. Para mim, não importava a sua idade ou que
já tivesse a mesma altura que a minha, ele sempre seria meu pequeno
menino de coração ingênuo. Meu garotinho que esperava por mim todas as
noites acordado, só para dizer: “boa noite, papai”.
— Vocês são os familiares de Eliza Holt?
— Sim — respondi rompendo nosso abraço.
— Eliza está sedada agora no CTI em observação. Fizemos uma
lavagem estomacal e ministramos medicamentos para cortar o efeito dos
calmantes e antidepressivos ingeridos. Também realizamos exames e ela
está bem. Mas foi por pouco. Agradeça a quem prestou o primeiro
atendimento antes dos paramédicos chegarem ao local. Se não fosse por
esta pessoa, a senhorita Holt não estaria mais entre nós. O horário de visita
começa às dez da manhã e se encerra às quatro.
— Quando a minha mãe vai receber alta?
— Honestamente, não temos uma previsão para alta hospitalar. Sua
mãe atentou contra a própria vida. Assim que ela estiver estabilizada e com
condições de falar com um terapeuta, ela será encaminhada para a ala
psiquiatra, onde receberá ajuda especializada.
— Ala psiquiatra? E quanto tempo minha mãe ficará nesse lugar?
— Será só por alguns dias. Se o médico a analisar e achar que ela
tem condições de voltar para casa e seguir com sessões diárias, ele dará alta
a ela. Caso contrário... indicará a vocês uma clínica para internação.
— Internação? Mas... — ele interrompeu e encarou-me com
espanto.
Acho que ele não considerava que a mãe pudesse vir a ficar
internada em uma clínica psiquiátrica.
— Obrigado, doutor — agradeci.
— Não me agradeça por isso, é apenas o meu trabalho. Aconselho-
os a irem para casa, não há por que passarem a noite aqui sentados nestas
cadeiras desconfortáveis. Se algo acontecer, o hospital entrará em contato
direto com você, Sr. White.
— Tudo bem. Boa noite.
O médico se retirou e Caleb se sentou.
— Não quero voltar para casa.
— Você não vai. Ficará comigo e a Maya no hotel. Vamos?
Ele assentiu e saímos juntos.
CAPÍTULO 6
Com carinho,
Eliza Holt.
Sequei a única lágrima que escorreu por minha face, sentindo muito
por ela. Sua situação era triste, não conseguia imaginar o que era viver dia
após dia nesse buraco negro sufocante, até chegar ao ponto de achar que sua
vida não valia mais nada. O amor não correspondido a levou à loucura e
depois à tentativa de suicídio. Ler sua carta me fez sentir um pouco da sua
dor e ter um mínimo de percepção do seu sofrimento. Porém, ainda não
consegui sentir remorso por odiá-la e desejar vingança em um momento. Eu
ainda sentia a minha dor por tudo o que ela me fez.
— Maya? — escutei Victor me chamar.
Levantei guardando a carta no bolso da calça e passei as mãos pelos
cabelos jogando-os para trás, antes de me virar para ele.
— Já teve notícias?
— Sim. Ela está em observação no CTI. Fizeram lavagem estomacal
e deram alguns remédios para cortar o efeito dos que ela ingeriu. Mas ela
passa bem.
— Isso é bom.
— Sim. Caleb me contou que foi você quem prestou os primeiros
socorros a ela. O médico nos disse que se não tivesse sido este primeiro
atendimento, ela não teria resistido.
— Só fiz o que tinha que ser feito.
— Independente disso... Obrigado, querida. — Colocou uma mecha
do meu cabelo atrás da minha orelha. — Você salvou a vida de alguém hoje.
— Faria de novo e por qualquer pessoa.
— Eu sei, mas me deixe agradecer.
Não estava achando o que fiz por ela fantástico ou grande coisa. Eu
realmente faria de novo e por qualquer pessoa. Se eu sabia o que fazer
naquela situação, então, por que não fazer? Que tipo de futura médica eu
seria se negasse socorro?
— Você está bem? Está me encarando de um jeito que não estou
sabendo decifrar. — Deu-me um pequeno sorriso.
Eu estava me sentindo aérea. Dormente. Cansada. Magoada. Só
conseguia pensar no bendito beijo dos dois e isso estava me incomodando
muito, por mais que eu estivesse ciente de que não teve o menor significado
para ele e que não tenha correspondido. Na verdade, acho que boa parte da
mágoa vinha de tudo isso ter acontecido há poucos dias e ele não ter me
contado nada.
— Maya... — chamou trazendo-me à realidade.
— Estou bem.
— Não está, eu sei. Vamos voltar para o hotel. Caleb já está nos
esperando no carro. Ele vai ficar conosco na suíte esta noite.
— Okay.
Ele estendeu sua mão para mim e eu a peguei. Saímos de mãos
dadas e dedos entrelaçados. Agarrei seu braço sem soltar sua mão e
caminhamos até o carro. Ao entrar, Caleb já estava lá. Sério. Com um olhar
perdido janela afora. Senti vontade de abraçá-lo, mas não sabia se ele estava
aberto para isso. Recostei-me em Victor e ele me abraçou passando o braço
por trás de mim.
Ao chegarmos ao hotel, Caleb passou direto para o pequeno quarto
com duas camas de solteiro enquanto eu fui para o nosso. Victor ficou na
sala falando com Noberto. Depois de um banho, vesti roupas quentes e
confortáveis. Estava secando os cabelos no banheiro quando Victor entrou
abraçando-me pela cintura.
— Vou pedir nosso jantar. Quer algo em especial?
— Não. O que pedir para mim está ótimo. — Liguei novamente o
secador de cabelo.
— Vamos conversar. — Puxou o plugue da tomada desligando-o
novamente.
Respirei fundo e encarei-o pelo reflexo do espelho.
— Está chateada pelo beijo? Já disse que não foi correspondido e
que não significou nada para mim.
Abaixei minha cabeça.
— Isso me incomoda muito. É torturante saber que os lábios dela
tocaram os seus quando já eram meus. Mas... — Tornei a olhá-lo pelo
reflexo. — o que me magoa mesmo, é não entender por que não me falou
sobre nada disso.
— Porque sabia que ficaria assim, chateada. Triste... Não falei
justamente porque não queria esse clima entre a gente. Desculpe-me por
isso.
Virei-me para ele.
— Agora que ela receberá a ajuda da qual precisa, essa tortura vai
passar, não é?
— Espero que sim. — Abraçou-me. — Estou preocupado com
Caleb. Ele não disse mais nenhuma palavra desde que saímos do hospital.
— Eu vou até lá falar com ele. Saber se está bem e o que quer para o
jantar.
— Certo. Obrigado, querida.
— De nada.
Ergui minha cabeça e olhei-o. Ele sorriu com carinho e, lentamente,
aproximou seu rosto do meu para um beijo. Retribuí sem demora. O beijo
foi longo, quente, carinhoso e saudoso. Findei selando seus lábios e sorri.
— Quando tudo isso passar... faremos uma viagem. Nada de
trabalho ou outros problemas. Eu prometo — disse ele.
— Irei cobrar.
Afastei-me e deixei o banheiro indo até o quarto do Caleb. Bati de
leve na porta e o ouvi dizer que eu podia entrar.
— Oi. Vim ver se está tudo bem por aqui.
Encontrei-o revirando sua mala aberta sobre uma das camas de
solteiro.
— Estou procurando algo para vestir nesta mala que o Noberto
preparou para mim. Ele se esqueceu de colocar cuecas. — Deu um riso
curto, meio sem humor.
— Posso pedi-lo para providenciar uma para hoje, até que volte em
casa para pegar mais. — Aproximei-me dele, sentando na outra cama de
solteiro.
— Não precisa, basta eu não vestir nenhuma calça com furo entre as
pernas — brincou fazendo-me rir.
— Você está com fome? Seu pai vai pedir o jantar. Quer comer o
quê?
— Eu não estou com fome.
Sabia que ele iria dizer isso e precisava achar um jeito de fazê-lo
comer, sem ter que bancar a namorada chata do pai dele.
— Vou pedir um hambúrguer com fritas e refrigerante. Victor com
certeza vai pedir algum prato chique com quase nada de comida, que custa
duzentos dólares e tem um nome difícil de pronunciar. — Ele sorriu. —
Você me acompanha no hambúrguer com fritas?
Caleb pensou um pouco por alguns segundos, ainda fuçando sua
mala.
— Okay. Tudo bem. Eu te acompanho sim.
— Está bem. Vou lá fazer os pedidos. — Levantei-me caminhando
em direção à porta aberta.
— Maya?
Parei e me virei para ele.
— Sim.
— Acha que a minha mãe vai ficar bem?
Encarei-o sem saber o que lhe dizer. Não esperava que ele viesse
falar sobre a mãe comigo. Aproximei-me e sentei na cama novamente.
— Eu acredito que sim. Mas isso irá demorar. Você vai precisar ser
paciente com ela. Eliza não está no seu juízo mais perfeito. Ela precisa de
ajuda e seu pai irá proporcionar o melhor a ela. Mesmo separados, Victor
irá assumir a responsabilidade de ajudá-la.
— Ele já devia tê-la ajudado antes.
— Victor não tinha como forçá-la a nada. Antes desse
acontecimento, as coisas teriam que acontecer de modo consentido da parte
da sua mãe e você a conhece bem. Sabe que ela não aceitaria.
— Eu sei. — Abaixou a cabeça.
— Caleb... — Atraí sua atenção novamente. — Vai ficar tudo bem!
— garanti com firmeza para acalmá-lo.
— Posso ficar com você e o papai até que ela fique bem?
— É claro que pode! Victor trabalha bastante e está sempre
viajando, mas se quiser ficar comigo no recesso de inverno em Tulsa, será
mais do que bem-vindo. — Sorri com afeto.
— Você não é só um anjo na vida do meu pai. Foi um anjo na vida
da minha mãe hoje e agora... será para mim.
— Nós já somos uma família, Caleb. É isso que uma família faz.
Eles cuidam um dos outros. Zelam pelo próximo.
Ele caminhou em minha direção com braços abertos e eu me
levantei para recebê-lo. Caleb era bem mais alto do que eu; faltava poucos
centímetros para atingir a altura do pai e, provavelmente, ficaria um pouco
mais alto do que Victor logo mais. Nós nos abraçamos apertado, enquanto
eu me firmava na ponta dos pés.
— Eu te amo, Maya. Você já é parte da minha vida.
— Eu também amo você, querido. Não se esqueça disso e nem do
quanto o amor do seu pai é incondicional por você.
Dois dias haviam se passado. Eliza estava bem e fora de perigo. Na
manhã seguinte a confusão, depois que me despedi da Sasha, Maggie e Kim
no aeroporto, fomos até o hospital. Lá, recebemos a notícia de que Eliza
havia se recusado a falar com o psicólogo. Caleb entrou no horário de visita
para tentar convencê-la a falar com um terapeuta, mas ela o ignorou com
maestria como se ele nem estivesse lá. O menino saiu cabisbaixo do quarto
e eu confortei-o dizendo que ela talvez estivesse envergonhada pela sua
tentativa falha de ceifar a própria vida.
O psicólogo informou a Victor que ela só seria liberada do hospital,
mediante uma transferência para uma clínica psiquiátrica onde pudesse
receber ajuda especializada. Mas esta notícia já era esperada por todos nós.
Ela jamais estaria apta para sair e se cuidar sozinha naquele momento. O
médico nos levou até uma sala de reunião e nos deu privacidade para
conversarmos e Victor fazer suas ligações para conseguir o quanto antes a
transferência. Entre uma ligação e outra, foi decidido que Caleb iria morar
com o pai em Houston até ir para faculdade. Ele então pediu ao pai que
internasse a mãe em uma clínica Houston, assim poderia ir vê-la todos os
dias e ela não se sentiria sozinha ou abandonada pelo seu único filho. Achei
lindo da sua parte tomar esta atitude tão madura. Victor não pensou duas
vezes e logo arranjou uma transferência para a melhor clínica psiquiátrica
em Houston.
Na manhã seguinte, fui com Caleb até a cobertura de mais alto luxo,
encaixotar todos os seus pertences. Victor chegou mais tarde, quando
estávamos terminando de arrumar a mudança, com a notícia de que Eliza
estava naquele momento indo para Houston. Quando enfim trouxe a última
caixa do quarto, encontrei Victor de pé diante das enormes portas de vidro
encarando a vista com um olhar nostálgico. Devia estar se recordando dos
anos que viveu naquela cobertura com a ex-esposa e o filho. Senti uma
pontada de ciúmes, mas eu devia respeitar. Afinal, era parte da sua vida... da
sua história.
Uma equipe contratada por ele chegou para levar as coisas do filho e
retirar com todo cuidado tudo o que era de valor do apartamento, como:
joias, quadros, vasos, tapetes e esculturas, para levar até um cofre especial
em um banco. Pela primeira vez nos últimos três dias, Caleb me pareceu
animado. Ele estava sorridente e dizia o tempo todo que estava muito feliz
de ir morar com o pai.
— Maya, você devia vir morar com a gente — falou entusiasmado,
quando entrou na sala arrastando uma mala.
— Se você conseguir fazer isso acontecer, eu te dou um carro —
disse Victor com os olhos ainda parados na vasta vista para o Central Park.
— Tento fazer Maya vir morar comigo há meses.
— Quando é que você se muda, Maya? — perguntou todo
sorridente, com os olhos brilhantes e humorado.
— Desculpe, mas seu carro vai demorar um pouquinho a chegar.
Agora não posso. Preciso ficar mais um tempo em Tulsa para ajeitar
algumas coisas e colocar outras no lugar.
Ele desfez seu sorriso ficando sério. Victor finalmente tirou os olhos
do vidro e olhou para o filho por cima do ombro com um sorrisinho cínico.
— Mas em breve a resposta será outra. Não é? — perguntou Victor
para mim e eu sorri.
— Sim.
— Caleb... — Virou-se para ele descruzando os braços e puxou-me
pela cintura para mais junto dele. — Maya e eu estamos noivos.
Caleb bateu as palmas das mãos e nos encarou com surpresa com a
boca aberta em um “O” e olhar de espanto.
— Mas isso é incrível! — falou quase em um grito. — Quando
aconteceu?
— Há pouco mais de um mês, logo após o sequestro — contei.
— Como fez o pedido, pai?
— Eu não fiz o pedido.
— Ué? Como assim? — Substituiu a feição de surpresa por uma
confusa, arqueando a sobrancelha.
— Fui eu quem o pediu — revelei.
— Isso é o que eu chamo de uma mulher de ação. — Riu. — E
quando será o casamento? Adoro comida de casamento! — Esfregou
sutilmente a mão no estômago.
— Ainda não temos uma data — respondi.
— Mas eu pretendo que seja logo — anunciou Victor depressa.
— Vamos falar com meus pais primeiro. Aí a gente decide isso.
Combinado? — Encarei Victor.
Ele assentiu com a cabeça, mas era visível a ponta de decepção em
seu rosto. Victor queria que as coisas acontecessem logo, mas ainda não
podia.
— Que tal acelerarmos isso para embarcarmos mais cedo? — sugeri
para quebrar um pouco da tensão que começava a pairar entre nós. —
Amanhã é véspera de Natal e já quero estar em Tulsa.
Voltamos para o hotel e Victor deixou Elliot responsável pela equipe
que cuidava da mudança. Ao chegarmos, fui ao closet e comecei a fazer
nossas malas. Às sete da noite embarcamos para Tulsa, mas Victor nem
mesmo desceu do jatinho. Ele recebeu inúmeras ligações e e-mails
preocupantes do trabalho e foi para Houston prometendo voltar no dia
seguinte a tempo de jantarmos com minha família e irmos à igreja. Caleb
ficou comigo e Elliot nos levou para casa. Quando chegamos, o levei até
seu quarto e fui para meu. Enquanto enchia a banheira para um banho
quente, liguei para o meu pai. Nós havíamos trocado duas mensagens mais
cedo e eu prometi ligar quando chegasse.
— Oi, querida! Como foi Nova Iorque? Fez boa viagem de volta?
— Oi, pai. Foi tudo bem. — Achei melhor poupá-lo do caso da
Eliza. Falar sobre isso com ele, só daria mais motivos para criticar Victor.
— Como estão as coisas por aqui?
— Está tudo bem. Você não vai acreditar na notícia que tenho!
— Que notícia? — perguntei apreensiva, apesar de notar o
entusiasmo em sua voz.
— Sua mãe irá receber alta para o Natal!
— Ai, meu Deus! Isso é ótimo, pai! É o melhor presente de Natal
que eu poderia ganhar! — disse com a mais pura felicidade explodindo
dentro de mim.
— Ela irá sair amanhã à tarde. Pode ir buscá-la?
— Mas é claro que sim. E quando ela tem que voltar? — Houve um
breve silêncio estranho do outro lado da linha.
— Ela volta depois do Natal — respondeu depressa.
Franzi o cenho com estranheza.
— Ótimo! Estou muito empolgada para o nosso Natal. Amanhã
vocês conhecerão o Caleb, filho do Victor. E, por favor, pai... ele é só um
menino. Nada de piadas ou de alfinetar o Victor.
— Prometo tentar me comportar.
— Okay. A gente se fala amanhã para acertamos os detalhes da
nossa ceia?
— Claro! Podemos fazer durante o almoço na casa da sua tia
Jenna.
— Combinado. Eu te amo, pai. Boa noite.
— Boa noite, filha.
Após meu banho, desci para a cozinha em busca de alguma coisa
para comer, não havia conseguido jantar no avião.
— Maya? — chamou Caleb atrás de mim, assustando-me.
— Achei que já estivesse dormindo. — Sorri sem graça, com a mão
espalmada sobre o coração.
— Eu tentei, mas não consegui. Não paro de pensar na minha mãe.
— Ela vai ficar bem. Tenha fé. Depois do Natal, você irá para
Houston e poderá ir vê-la todos os dias.
— Maya... Ela já fez alguma coisa para separar você e o papai? —
Sentou-se à mesa redonda.
— Sim — respondi sem olhá-lo, colocando o sanduíche que havia
feito no prato.
— O que ela fez?
Encarei-o sem saber o que lhe dizer. Será que contá-lo a verdade de
suas armações não o deixará ainda mais triste com a mãe ou com raiva do
pai por não ajudá-la muito antes?
— Não sei se é assunto para essa hora.
— Por favor... Se ela foi capaz de fazer aquilo com os jornalistas em
Nova Iorque e depois ir atrás do meu pai para destruir seu escritório, sei que
foi capaz de muito mais.
— Ele contou para você sobre a confusão no escritório?
— Contou sim.
Caminhei até ele e sentei-me ao seu lado.
— Caleb... Sua mãe fez coisas que feriram internamente a mim e
outras pessoas. Ela agiu por loucura. Tudo o que fez, não quer dizer que ela
seja uma pessoa ruim... só uma que está doente.
— O que ela fez? — interrogou tenso.
— Inúmeras coisas. Mandou pessoas me seguirem. Subornou a
polícia para irem até a universidade e me prender sob a acusação de
prostituição. Mandou que bisbilhotassem eu e Victor em momentos íntimos
durante uma viagem a Seattle e depois enviou as fotos ao meu pai. Ele ficou
por meses sem falar comigo, porque acreditou que eu realmente fosse uma
prostituta de luxo e seu pai fosse meu cliente. Devido às acusações fui
afastada da universidade pela banca. Ela... — interrompi-me e engoli em
seco, desviando o olhar para o copo com suco sobre a mesa.
— Ela...? — cobrou-me a continuar.
— Ela pagou para dois garotos da faculdade doparem eu e uma
amiga em uma festa na fraternidade e mandou que alguém tirasse fotos no
momento em que o cara com quem conversava tentava me agarrar. As fotos
foram enviadas ao Victor e ele achou que eu tivesse o traído. Mas nada
aconteceu. Eu acreditei ter sido abusada sexualmente, mas o babaca que me
drogou só havia feito uma “simulação” de uma noite de sexo. — Fiz aspas
com os dedos.
— E quanto a sua amiga?
— Ela era cúmplice disso em partes. Eliza a chantageou para me
levar até a festa. Daí em diante, tudo o que aconteceu ela não sabia de nada!
O que aconteceu comigo foi apenas uma mentira, mas com ela foi muito
real.
— Meu Deus! — exclamou boquiaberto. — Eu sinto muito, Maya.
— Eu estou bem. Foi difícil me reerguer, mas estou bem agora.
Victor e eu estamos noivos, meu pai voltou a falar comigo, retorno aos
estudos no próximo semestre...
— Quando ela esteve em Vegas há alguns meses... Ela foi atrás de
vocês, não é? Sei que meu pai estava lá em um evento. — Nada disse,
apenas assenti em resposta. — Desculpe... Desculpe por todo mal que
minha mãe fez a vocês. — Abaixou a cabeça, envergonhado.
— Você não tem pelo que se desculpar. — Segurei sua mão. — Está
com fome? — Negou com a cabeça. — Então vá dormir, já está bem tarde e
amanhã vamos sair para comprar nossa árvore de Natal. Estou pensando em
dar o jantar aqui para reunir minha família, assim você conhecerá a todos; e,
à noite, vamos à igreja.
Um sorriso gigante iluminou seu rosto.
— Eu nunca tive um Natal assim, Maya. Nem quando criança. Meu
pai sempre estava trabalhando na véspera e nunca passava o dia vinte e
cinco todo comigo, porque tinha que trabalhar mais. Já minha mãe... ela é
parente do Grinch. O Natal perdeu ainda mais o significado para mim
depois do divórcio deles.
Ri alto da comparação que fez do personagem do filme, que odeia o
Natal, com sua mãe.
— As coisas, a partir deste ano, serão muito diferentes. Ação de
Graças, Natal, Dia dos Pais, aniversários... tudo será comemorado em
família agora!
— Fico feliz em finalmente ter uma família de verdade.
CAPÍTULO 7
Na manhã seguinte, após o café, liguei para o meu pai e pedi para
ele vir até a casa do Victor. Não demorou muito e logo ele chegou.
— Pai... este é Caleb, filho do Victor. Caleb... este é meu pai —
apresentei-os sorridente.
— É um prazer conhecê-lo, Sr. Valentine.
— O prazer é meu, garoto. E me chame de Teddy.
Fiquei surpresa com sua simpatia.
— Então... o que faço aqui tão cedo? — perguntou ele.
— Estou pensando em fazer um jantar aqui esta noite, para reunir
todos antes de irmos à igreja. O que me diz?
— Aqui? — Apontou para o chão.
— É! Aqui!
Ele parou por alguns segundos e encarou-me.
— Eu não sei, querida.
— Por favor, pai. Quero todo mundo junto esta noite — insisti.
Meu pai respirou fundo e deu-se por derrotado.
— Tudo bem. Eu concordo, desde que Victor se comporte.
— E ele irá, desde que você se comporte também!
— Quando iremos comprar a árvore de Natal? — perguntou Caleb
ansioso.
— Agora.
Saímos e fomos até o parque Green Pine, onde todos os anos
vendiam os mais diversos pinheiros. Caleb parecia uma criança se perdendo
entre as inúmeras árvores tentando escolher a nossa.
— Onde está a mãe do garoto?
— Em uma clínica psiquiátrica.
— Pobre menino... — lamentou meu pai, observando-o rodear uma
árvore um pouco mais adiante.
— Ele está bem. É um garoto de sorte por ter um pai amoroso.
— Maya? Olha? Esta árvore vai ficar incrível na sala de estar! —
disse alto, parado ao lado do pinheiro.
— É grande demais, Caleb. Tem uns dois metros de altura!
— Ela só é trinta centímetros maior do que eu! Vamos levar esta! —
insistiu, olhando para árvore novamente.
— Leva a árvore. O garoto está explodindo de alegria, até parece
um menino de seis anos — falou meu pai ao seu favor.
— Tudo bem. Vamos levar esta.
Meu pai e Elliot arrastaram a árvore para dentro de casa. Caleb
estava tão empolgado para decorá-la, que ao invés de irmos à casa da tia
Jenna almoçar, foi ela quem veio comer conosco.
— Me ajuda — pediu ele entregando-me a outra ponta do festão
prateado.
Decoramos a árvore com o cuidado de espalharmos bem todos os
enfeites. Meu pai pegou uma pequena escada de uso doméstico e subiu para
colocar a estrela no topo do pinheiro. Caleb ligou as luzes e sentou-se na
poltrona diante dela, admirando-a com olhos brilhantes e um sorriso bobo.
Depois do almoço fomos buscar minha mãe no hospital e a
trouxemos direto para a casa do Victor, assim ela se cansaria menos do que
ir para casa da vovó e mais tarde vir para o jantar. Ela adorou a árvore e
conversou por horas com Caleb, que lhe deu toda sua atenção. Mais tarde,
Clarice juntamente com Sammy e Grace, chegaram. Logo depois deles,
minha avó chegou com uma companhia que ainda não conhecíamos. Seu
nome era Will, um “amigo” que, segundo ela, não tinha com quem jantar
naquela noite. Estávamos todos ali, menos Victor. Entrei em seu escritório e
liguei para ele, que me atendeu alguns toques depois.
— Oi, meu anjo. Como estão as coisas por aí?
— Já estão todos aqui. São sete e meia, Victor. Cadê você?
Prometeu que chegaria até as seis!
— Sinto muito, querida. O mau tempo em Seattle não está
ajudando. Não podemos levantar voo enquanto o tempo não melhorar.
— Seattle? Quando nos falamos hoje de manhã você estava em
Houston!
— Eu precisei vir, era uma emergência. Eu tinha a intenção de
chegar antes do jantar, mas acho que isso não irá acontecer.
— Sabe quando fomos a Las Vegas e você disse algo sobre viver
mais por mim e pelo Caleb?
— Sim, eu me lembro — respondeu com um tom de derrota e
cansaço.
— Acho que agora é a hora de você começar a fazer isso. Não quero
me casar com alguém que passa mais tempo voando a trabalho do que
dormindo ao meu lado!
— Já disse que sinto muito, Maya. Por favor... não vamos brigar na
véspera do Natal! — disse um pouco rude.
Respirei fundo e frustrada.
— Eu tenho que desligar. Estão todos esperando por mim.
— Tudo bem. Peça desculpas por mim a todos.
Encerrei a chamada e voltei para a sala de estar onde todo mundo
estava. No jantar, me esforcei ao máximo para ficar bem. O lugar vazio à
cabeceira da mesa atraía meu olhar a todo instante lembrando-me de que,
apesar de estar tudo perfeito, faltava alguém ali. Faltava o meu amor
comigo. Após o jantar, nos dirigimos todos à igreja. Durante todo tempo
minha mãe se manteve triste e pensativa. Meu pai, que esteve sentado todo
instante ao seu lado, não soltou sua mão nem por um minuto sequer. Ele a
agarrava com tamanha força, como se tivesse medo de soltá-la. Senti uma
fina e aguda pontada ir perfurando meu peito. Eu não sabia o porquê sentia
aquilo e isso me apavorava.
Ao sairmos da igreja, às onze e meia, minha avó nos convidou para
irmos até a sua casa tomar um chá e comer biscoitos de açúcar. Caleb foi o
primeiro a se manifestar a favor, ele já estava se sentindo à vontade e parte
da família, e eu achei isso maravilhoso. Fomos todos para lá, menos Clarice
e sua família.
Sentada em uma poltrona, em frente à televisão, encontrei minha
mãe sozinha olhando pela janela com um olhar perdido. Da porta da sala, de
onde a observava, podia ouvir minha avó oferecer mais comida ao Caleb e
meu pai rir do menino dizendo-o que ele estava ferrado se fosse comer tudo
o que ela lhe oferecesse. Olhei para o corredor certificando-me de que não
vinha ninguém e me aproximei dela em passos silenciosos, ajoelhando-me
ao seu lado.
— Por que está tão triste, mãe?
Ela direcionou-me seu olhar e sorriu, mas seu sorriso não alcançou
seus olhos escuros.
— Só estou pensando no futuro.
— O que está pensando?
Ela agarrou minhas mãos que seguravam o apoio do braço da
poltrona, e as apertou trazendo-as para seu colo.
— Tenho algo para contar a você, querida.
Aquela dor aguda que sentia minutos atrás, agora se tornava mais
forte. Antes mesmo que dissesse o que tinha para contar, meu coração já
doía, meu corpo latejava de tensão e meus olhos ardiam ao ficar marejados.
— Depois do Natal, não vou mais voltar para o hospital.
— O quê? Por quê? — questionei-a ficando de pé em um pulo,
sentindo o desespero tomar conta de mim como uma avalanche.
— Por favor, querida... Me compreenda. Eu não aguento mais viver
naquele hospital. Os médicos dizem que não, mas eu sinto que não tenho
mais cura. O câncer que estava estagnado voltou a se espalhar. Em alguns
dias estarei com metástase e aí meu ciclo chegará ao fim. Eu desejo
encerrar esta vida com quem mais amo neste mundo: minha família.
Solucei alto em meio ao choro.
— Perdoe-me, Maya. Mas entenda que não estou desistindo de você
e do seu pai. Estou apenas desistindo de viver para alimentar esta doença
maldita.
— Mas, mãe... Talvez... Talvez a gente possa ir para outro lugar e
tentar um novo tratamento, eu posso...
— Ela não quer, Maya — disse meu pai parado na porta. — Deixe-a
viver seus últimos dias como desejar vivê-los. Não podemos mais obrigá-la
a mais tratamentos por puro egoísmo da nossa parte... por medo de perdê-la.
Sua mãe está sofrendo. Eu estou sofrendo junto a ela. Se for isso que ela
quer, temos de respeitá-la.
Outro soluço. Meu choro ficava cada vez mais desesperado e alto.
Olhei para minha mãe e ela me olhava com o rosto banhado em lágrimas e
uma tristeza profunda que arrebentava meu coração. Eu tinha consciência
de que ela havia aceitado o tratamento alternativo por nós... para satisfazer
nossa esperança. Seu cansaço era visível a quilômetros de distância.
Estávamos perdendo minha mãe e não adiantava mais negar isso. Meredith
estava morrendo. Como a realidade doía! Mas precisávamos encará-la de
frente e sermos firmes. Aceitar o fato de que já não havia mais nada que
pudesse ser feito contra a doença que a consumia por inteira.
— Tudo bem... — concordei. Essas palavras sussurradas saíram
rasgando minha garganta como espinhos.
Abaixei-me à sua frente e segurei suas mãos magras, mornas e de
cor amarelada. No dorso da sua mão esquerda havia um enorme hematoma
roxo com nuances azuladas, onde o soro corria constantemente.
— Tudo bem se não quiser mais voltar, mãe. Você não tem que fazer
isso por nós. Entendo que já está cansada. Se quer ficar e ter seus últimos
dias com sua família e em paz, daremos isso a você. — Sequei minhas
lágrimas grossas, que escorriam sem parar.
— Obrigada, minha menina. — Ela se curvou para frente e deu-me
um beijo demorado na testa. — Eu te amo!
— Também te amo, mamãe. — Abracei-a forte.
Fiquei por mais alguns minutos abraçada a ela e ao meu pai,
chorando, sentindo medo e uma dor de perda imensurável. Todos sabem
que um dia perderão seus pais para morte. Mas assistir um deles indo pouco
a pouco e você não ter o que fazer, é doloroso e difícil demais.
Ela adormeceu com a cabeça deitada no ombro do meu pai.
Levantei-me da cadeira, que coloquei ao seu lado, e deixei a sala a passos
silenciosos, indo até a sala de estar. Sentei-me no sofá diante da lareira,
sentindo uma imensa exaustão misturada a uma chata dor de cabeça. Eu
sentia meu rosto inchado de tanto chorar. De olhos fechados, deitei a cabeça
para trás no encosto do estofado. Por isso meu pai havia ficado tão
estranho na ligação, quando o perguntei a respeito do retorno dela ao
hospital. Ela não iria mais voltar e ele não quis me contar. Onde está Victor
para me abraçar nesse momento e me dizer que ficará tudo bem?
Minha avó nos convidou para dormir em sua casa e preparou o
quarto de visita para Caleb, que subiu em seguida para se deitar. Minha mãe
e meu pai foram para o seu quarto da época de solteira. Já tia Jenna foi para
sua casa, que ficava a algumas ruas dali. Vovó e eu estávamos sem sono e
ficamos na sala assistindo à programação de Natal que passava na TV.
Enquanto ela acalentava-me acariciando meus cabelos, eu ainda derramava
mais lágrimas silenciosamente com a cabeça deitada em seu colo, até que
adormeci. Acordei com leves carícias no rosto e ao abrir os olhos
preguiçosamente encontrei meu pai sentado à beirada do sofá.
— Feliz Natal, querida.
— Feliz Natal, pai.
Empurrei a manta que me cobria para os pés e sentei-me
espreguiçando e bocejando.
— O café da manhã já está à mesa. Comprei uma escova de dente
para você e Caleb, está no banheiro social lá em cima.
— Onde ele está agora?
— Na cozinha com sua avó. E está chamando-a de vovó Abbi —
falou de um jeito engraçado.
— Deixe-o. Não teve a chance de conhecer os avós.
— Não estou implicando, gosto do garoto. Ele é um bom menino.
— É sim. Bom... — Levantei-me. — Vou subir rapidinho e logo
desço para o café da manhã.
— Okay.
Fui ao banheiro e assustei-me ao ver minha imagem no espelho. Eu
estava horrível! Levemente abatida, com olhos inchados, olheiras... E os
cabelos? Meu Deus! Estavam parecendo que algum bicho dormiu aninhado
neles. Penteei os cabelos embaraçados, lavei o rosto e escovei os dentes.
Não estava exatamente uma princesa, mas minha aparência estava melhor.
Desci e encontrei todos em volta da mesa na cozinha. Depois de desejar
Feliz Natal a todos, caminhei até a ilha de mármore e me servi de uma
caneca bem cheia de café. Escorada a ela, olhei pela janela ampla da sala e
vi o Rolls-Royce preto estacionar em frente à casa. Com um sorriso imenso
no rosto, coloquei a caneca sobre a bancada e saí apressada até a porta da
frente, abrindo-a depressa. Victor parou no topo da escada, que levava a
casa, e abriu seus braços para mim. Corri de encontro a ele e me joguei em
seu abraço, apertando-o com força.
— Por que demorou tanto? Senti muito a sua falta! Estou precisando
tanto de você, amor.
— Estou aqui agora, meu anjo. Também senti muita saudade.
Soltei-o e o vi sorrir para mim, colocando uma mecha do meu
cabelo atrás da orelha.
— Desculpe por perder a noite de ontem. Só tivemos autorização
para levantar voo às quatro da manhã.
— Tudo bem. Mas vamos deixar combinado desde agora, que no
próximo Natal você não irá trabalhar nem no dia ou na véspera.
— Prometido. — Riu acariciando meu rosto.
— Café? — Ofereci a ele.
— Sim, por favor.
Entramos e Victor cumprimentou a todos. Servi uma caneca cheia
de café puro fumegante, sem açúcar e entreguei-a a ele.
— Obrigado. — Sorriu e selou meus lábios. — Feliz Natal —
sussurrou.
— Feliz Natal, amor. — Sorri abertamente.
Depois do desjejum, nos sentamos na sala e logo Clarice chegou
com Sammy e Grace. Minutos depois, Will, o “amigo” da vovó, apareceu se
juntando a nós. Meu pai conversava com Sammy em um canto próximo a
escada. Eu estava sentada ao lado da minha mãe e Victor ouvia atentamente
o filho contar como havia sido o seu dia anterior. Distraída em uma
conversa, não vi quando Victor saiu da sala. Olhei para os lados procurando
por ele e notei que meu pai também havia sumido.
— Mãe... onde está o papai?
— Eu não sei. Estava com Sammy há pouco. — Apontou para
escada.
Levantei-me e caminhei até Caleb, que estava sentado nos primeiros
degraus da escada, teclando desesperadamente no celular.
— Onde está o seu pai?
— Ele foi para lá com o seu pai — respondeu apontando para a
cozinha, sem nem mesmo me dirigir o olhar.
Caminhei tensa até lá, imaginando que algo de ruim já devia estar
acontecendo. Ao chegar à cozinha, encontrei os dois conversando na
varanda dos fundos e, por mais assustador ou estranho que isso se
parecesse, eles se falavam com normalidade e paz. Nada de troca de socos,
gritos ou insultos. Isso só pode ser um milagre de Natal! Eu não consegui
ouvir o que eles conversavam, mas foi algo que fez Victor sorrir. Meu pai
estava com uma feição séria e braços cruzados, tentando ser o homem
implacável de sempre. Escorei-me no batente e sorri contente em ver que ali
estava tudo bem. Os dois apertaram as mãos e se viraram rumo à cozinha.
Saí apressada dali para não ser vista e chamada de bisbilhoteira. O que será
que os dois conversavam? Será que estavam selando a paz entre eles?
Voltei para a sala e os dois chegaram logo depois. Victor parou ao meu lado
e lançou-me uma piscada com um sorriso maroto, abraçando-me pela
cintura. Meu pai passou por nós e sentou-se ao lado de sua esposa,
entrelaçando seus dedos aos dela.
— Acho que esse é o momento — sussurrou Victor ao meu ouvido.
— Momento? — perguntei confusa, encarando-o com estranheza.
Do que ele fala?
— Já que estamos todos reunidos aqui, quero aproveitar a ocasião
para realizar algo — comunicou ele alto, atraindo a atenção de todos ali
presentes.
Victor pegou do bolso interno do seu casaco, uma pequena caixinha
preta.
— Ah, meu Deus! — exclamou minha mãe com euforia, cobrindo a
boca com as mãos.
— Eu sei que você já me fez este pedido, mas sinto a necessidade de
fazer isso para sua família — sussurrou para mim e colocou-se de joelhos à
minha frente, abrindo a caixinha que segurava nas mãos.
— Maya... Quer se casar comigo?
Ai, meu Deus! Ai... meu... Deus! Nervosa, sem ar, afoita e tensa. Era
como eu estava. Minhas mãos e rosto pareciam estar adormecendo. Meu
estômago parecia dar piruetas causando-me enjoo. Minha testa suava frio.
Não esperava por este pedido, nem em meus sonhos. Não depois de eu ter
lhe feito esta mesma pergunta quase dois meses atrás. Imediatamente meu
olhar foi atraído para o meu pai, que aparentava estar apreensivo, mas não
bravo.
— Vamos, amor... Me dê sua resposta. Tenho sessenta anos. Não
tenho mais idade para ficar tanto tempo de joelhos — brincou, fazendo-me
rir.
— Sim! — Ele se levantou. — Sim! Sim! Sim! — Pulei em seus
braços, passando os meus em seu pescoço e o beijando com amor. — Sim,
eu me caso com você! — Emocionada, reforcei minha resposta após
interromper nosso beijo.
Victor tinha um sorriso que não cabia em seu rosto. Ele me soltou e
eu me afastei em um passo para trás. Ele retirou o anel reluzente e colocou-
o em meu dedo anelar esquerdo. Aquele era o anel mais lindo que já havia
visto em toda a minha vida. A pedra em seu centro reluzia rodeada por
pequenos diamantes. Ele levou minha mão até seus lábios e beijou a joia
com delicadeza, antes de puxar-me para seus braços colando minha testa na
sua.
— Agora todos sabem. Nada mais de segredo.
— Nada mais de segredo — concordei.
Recebemos felicitações e abraços de todos. Minha avó já fazia
planos para o casamento na primavera e Victor atiçava ainda mais suas
ideias concordando que o casamento devia acontecer logo. Minha mãe
sorria emocionada admirando meu anel e desejando ainda estar conosco
para prestigiar esse momento. O pensamento de não tê-la comigo nesse
grande dia me deixou à beira de uma crise de pânico. Como seria meu
casamento sem ela comigo? Como seria minha vida depois de casada, sem
ela aqui para me aconselhar na nossa primeira discussão? Como será a
minha vida sem ela aqui? O ar faltou em meus pulmões. De repente, não
escutava o que as pessoas conversavam ao meu redor. Eu as olhava, mas
elas só mexiam a boca e os braços com entusiasmo, gesticulando suas
frases. Duas mãos firmes puxaram-me pelos braços levando-me para fora
da casa, até a varanda da frente.
— Maya... Maya... Olhe para mim, querida. — Olhei para frente. —
O que houve? Você ficou pálida de um instante para o outro.
— Estou com medo — sussurrei para Victor.
— Medo de quê, amor? De nos casarmos?
Neguei com a cabeça.
— De perder a minha mãe.
— Não tenha medo, amor. Ela está bem. Está aqui e feliz.
— Ela não vai voltar... não vai voltar para o hospital. Ela não quer
mais o tratamento. O câncer voltou a desenvolver.
— Eu sei.
Encarei-o com o cenho franzido.
— Sabe?
— Ela me ligou há três dias e me contou sobre a decisão dela. Ela só
queria dizer que confiava você a mim. Pediu-me para cuidar de você até o
fim. Fez-me jurar nunca te abandonar ou te magoar. Como se para fazer
isso, fosse preciso prometer a alguém. — Sorriu deprimido.
— Quando ela se for... vai doer muito? — Lágrimas começaram a
escorrer em abundância pelo meu rosto.
— Sim. Irá doer muito. Você vai achar essa dor insuportável e
pensar que pode conviver com ela, mas terá de ser forte. Vai haver dias em
que você se pegará esperando o telefone tocar e ser ela a te ligar, mas aí se
lembrará de que isso não pode mais acontecer. E nesse momento... a dor vai
voltar e você irá se culpar. Se culpar por aquele fim de semana que decidiu
sair com os amigos ao invés de ficar em casa com ela ou por aquela ligação
que prometeu retornar, mas se esqueceu. — Secou minhas lágrimas. —
Mas, apesar de ela não estar mais em carne com você, ela estará aqui —
apontou para o meu coração — para todo o sempre. Não tema a morte, meu
amor. Ela só é o fim de um novo começo. O encerramento de mais um
ciclo.
— Não me deixe...
— Não vou. Nunca! — Abraçou-me apertado em seu peito e beijou
o topo da minha cabeça.
Minutos depois, mais calma, voltamos para dentro da casa. Victor
me distraiu contando como havia sido pedir minha mão em casamento ao
meu pai na varanda do fundo. Eu ri dele dizer que ficou tão nervoso que
gaguejou. Achei admirável sua atitude e mais ainda a atitude do meu pai em
lhe dizer sim e se comportar decentemente. Depois do almoço, fomos para
casa com a promessa de que à noite iríamos nos encontrar no centro da
cidade para assistirmos à apresentação do coral de Natal local.
Em casa, assim que entramos, Caleb avistou debaixo da árvore seu
presente. Ele correu até lá e pegou a caixa abrindo-a rasgando a embalagem
em pedaços. Dentro, havia um videogame novinho em folha de última
geração.
— Uau! Valeu, pai. Obrigado! — agradeceu impressionado. —
Maya... tem um presente aqui para você.
— Para mim?
— Sim. Tem seu nome escrito na etiqueta.
Ele me trouxe uma pequena caixa vermelha com um laço dourado
na tampa e uma pequena etiqueta com meu nome escrito à mão. Aquela
letra eu reconhecia bem. Olhei para Victor, que estava atrás de mim com as
mãos repousadas em minha cintura e ele sorriu.
— Abra — mandou com sutileza.
Abri a pequena caixa e dentro havia a chave de um carro.
— O que é isso? — perguntei pegando-a na mão.
— Seu presente de Natal. Mas isso não significa que você estará
livre do Elliot.
— Pai! Acho que você trocou os presentes! — falou Caleb com
indignação, nos fazendo rir.
— Não troquei, garoto. Você ainda não tem responsabilidade para
ter um carro. Quem sabe daqui a alguns meses. Venha, querida. Vamos ver
seu presente, ele está na garagem.
Caminhamos até lá e Noberto abriu a garagem.
— Fala sério! Está de sacanagem? É uma BMW!
— Bem observado! — brincou Victor.
— Esse carro é meu? — perguntei impressionada.
— É sim.
— Nossa! Ele é lindo, Victor. Obrigada. — Abracei-o pelo pescoço
e beijei-o.
— Vai me deixar dar uma voltinha nela, não é, Maya? — Caleb
indagou-me.
— Vou pensar. Talvez outra hora.
Ele fez uma feição engraçada de desapontamento e entrou no carro
fuçando tudo lá dentro. Virei-me para Victor e ele estava sorrindo
observando a inocência do filho. Colei meu corpo no seu e observei-o com
fascínio, desejando ter para sempre momentos como esse. Descontraídos e
felizes.
— Obrigada.
— Eu estava em dúvida entre este e um Aston Martin, mas achei
esse mais ao seu gosto.
— Não estou falando do carro. Estou falando de tudo. Tudo o que já
fez por mim, tudo o que faz e aquilo que sei que fará. Obrigada por me
fazer tão feliz e por estar aqui comigo. Sou imensamente grata por tê-lo na
minha vida. Não consigo imaginar como as coisas seriam se nosso caminho
jamais tivesse sido cruzado. Você é tudo que tenho de mais firme para me
agarrar... para me guardar e proteger. Eu preciso de você, tanto quanto
preciso de ar para respirar. Você é minha base, Victor. Sem você, eu sinto
que irei desmoronar — declarei-me com urgência e com a emoção
encharcando meus olhos.
— Estou aqui, querida. Vou zelar por você até o fim do nosso para
sempre e mesmo depois disso, acredite, ainda estarei aqui olhando por
você! Não tenha medo. Se agarre a mim quando quiser.
CAPÍTULO 8
Margot desembarcou em Houston e nós fomos para lá. Ela não era
exatamente a pessoa que esperava conhecer. Victor tinha razão, me cansei
dela na primeira hora. Se eu achava meu futuro marido mandão e rude, ela
era ainda mais. Caleb também descobriu não ser muito fã da tia, que não
conhecia muito bem.
— Ela era mais legal, quando só me ligava nas datas comemorativas
e mandava presentes caros — sussurrou para mim na cozinha, enquanto me
ajudava com a louça suja.
— Ela está falando de uma cerimônia com sete mil pessoas. Estou
pirando com isso!
— O papai sempre cedeu aos desejos dela. Cuidado!
— Ele não é nem louco! — sussurrei brava com a ideia dele ceder a
isso. — Aliás... cadê ele que não chegou a tempo do jantar?
— Eu liguei, mas ele não atendeu. Deve ter tido alguma reunião de
negócios.
— Margot já está aqui há três dias, e até agora ele ainda não
compareceu a nenhum jantar!
Escutei a porta da frente ser fechada em um baque.
— Acho que foi ele quem chegou — falou Caleb ao passar por mim,
deixando a cozinha.
— Boa noite! — desejou Victor com um enorme sorriso forçado, ao
entrar na sala de estar onde a irmã encerrava uma ligação.
— Irmão! Até que enfim. Achei que ficaria sozinha esta noite —
alfinetou com provocação.
— Você não passou a noite sozinha, tia. Eu e a Maya jantamos com
você, se lembra?
— É! Mas parecia que a menina nem estava lá, ela não disse nada
durante toda a noite.
Essa vaca está mesmo me chamando de menina e falando como se
eu não estivesse aqui? Eu cozinhei para ela! Lavei sua louça suja e busquei
seu casaco na lavanderia! Filha da...
— Querida? Está tudo bem? — perguntou Victor parando à minha
frente. Será que percebeu que eu estava a ponto de explodir?
— Não! — disse entredentes.
— A gente conversa mais tarde. Okay? — Nada respondi, apenas o
encarei com olhos estreitos.
— Victor? Está com problemas financeiros, meu irmão?
— Não. — Olhou-a com estranheza.
— Então por que ainda não contratou um cerimonialista para cuidar
do seu casamento?
— Maya está cuidando disso pessoalmente.
— É, eu sei. Encontrei isso no seu escritório. — Retirou de trás de
uma das almofadas do sofá, meu scrapbook. — Olha só para isso. É
ridículo! — Riu com deboche. — Tem uma lista aqui de trinta convidados.
Trinta convidados!
— Maya e o papai querem uma cerimônia privada.
— Cerimônia privada? Nem sei que diabos é isso! Menina, você
devia contratar um cerimonialista. Isso aqui... — ergueu o scrapbook — é
coisa de adolescente de quinze anos. Você está se casando com um
bilionário.
— Eu sei com quem estou me casando. E por isso... — caminhei até
ela — planejo o MEU casamento como EU quiser! — Tomei o livro da sua
mão de maneira ríspida. — Quando você se casar, faça sua cerimônia com
sete mil convidados. A minha só terá trinta! Não preciso de mais seis mil,
novecentos e setenta pessoas nos julgando e apedrejando com olhares
críticos e comentários podres. Boa noite, Margot.
Deixei a sala sem pronunciar mais nem uma palavra sequer. Ao
entrar no quarto, sentei-me no sofá na antessala. A porta foi aberta em
seguida e Victor passou por ela.
— Desculpe-me por isso. Ela não está muito conformada com nosso
casamento.
— É, eu sei! Porque, assim como muitas outras pessoas, ela acha
nossa união esdrúxula e nojenta! — Coloquei-me de pé. — Eu sei que ela é
a sua irmã, mas se for para ela comparecer ao nosso casamento com essa
energia ruim e com as críticas... prefiro que não esteja presente!
Victor abaixou a cabeça e assentiu. Podia ver a vergonha que ele
sentia por ela.
— Tenho algo para você. — Tirou do bolso interno do seu paletó
uma caixinha retangular de veludo e a entregou-me. — Abra!
Abri-a e dentro havia uma linda pulseira de platina com diamantes
incrustados nela.
— É assim que vai ser?
— Vai ser... o quê?
— Você irá prometer estar presente, mas então aparecerá um
imprevisto no trabalho, o qual você vai julgar que todos são incapazes de
resolvê-lo. Fará a escolha de me deixar esperando por você a noite toda e,
quando finalmente chegar em casa, acha que pode consertar tudo com um
presente caro. Não me trate como sua amante, Victor. Trate-me como sua
esposa. Aquela que tem prioridade na sua vida depois do seu filho!
Fechei a caixa e joguei-a sobre o sofá, indo ao banheiro e trancando-
me lá dentro. Eu já estava há quatro dias em Houston e as coisas não
estavam muito legais. Era hora de voltar para casa. Para os meus pais. Após
o café da manhã, no dia seguinte, informei ao Victor que estava voltando
para Tulsa e que nos encontraríamos em uma semana em Chicago, para o
casamento da Kim. Ele não discordou, mas era visível seu
descontentamento. Os dias sem ele se passaram arrastando. Nós nos
falávamos toda noite por mensagens ou ligação, e no final de cada uma
delas declarávamos o amor que sentíamos um pelo outro. Voei para Chicago
um dia antes do casamento e Victor chegou com Caleb logo pela noite, no
horário prometido. Na manhã seguinte, nos arrumamos e fomos à igreja.
Estava em uma sala com Kim, Maggie, Sasha e mais duas outras
amigas da noiva, com quem ela se formou no colegial, ajudando-a a se
aprontar.
— Com licença. Cinco minutos para a cerimônia começar —
avisou-nos a cerimonialista.
— É melhor descermos. Eles cobram por cada minuto de atraso —
falou Maggie.
No térreo, diante das portas da igreja, nos organizávamos em pares
para entrar.
— Maya...
Olhei para trás e vi o Allan.
— Oi. Como vai?
— Bem. E você?
— Bem. — Sorri.
— Eu quero pedir desculpas pelo modo como as coisas acabaram
entre nós. Fui um babaca, eu sei.
— Acho que já conversamos sobre isso, Allan...
— É, mas... eu sinto que ainda devo desculpas. Você não merecia
aquilo... Não merecia que eu a decepcionasse com aquela traição. Eu tenho
medo que você me odeie. Não quero que sinta isso por mim, Maya, porque
eu guardo você em meu coração.
— Allan... — Sorri e toquei seu rosto. — Eu não odeio você. Jamais
odiaria! Senti mágoa e fiquei decepcionada, mas isso passou. Você foi
alguém importante na minha vida, ajudou a me reerguer e recomeçar. Então
como eu poderia odiá-lo? Eu espero que você seja muito feliz. Que tenha o
que eu tenho; uma pessoa incrível ao seu lado. Alguém que não o troque
por uma promoção no trabalho. Você é um homem bom, eu sei. — Afastei
minha mão do seu rosto.
— Obrigado. Soube que está noiva.
— Sim! Eu me caso na primavera.
— Desejo toda felicidade para vocês. Ele parece gostar muito de
você.
— Ele não gosta. Ele me ama! Gostar de alguém não é suficiente
para desejar uma vida juntos. Se fosse, ainda estaríamos namorando.
— É verdade. — Sorriu.
— Vocês dois precisam entrar na fila, as portas já vão se abrir —
avisou a cerimonialista.
— Claro, desculpe — pedi e fui para o meu lugar, ao lado do primo
do Jack.
A cerimônia foi linda. Eu me emocionei e a todo instante meu olhar
se dirigia involuntariamente até Victor, sentado na quarta fileira à minha
frente. Ele também tinha um sorriso encantador que iluminava seu rosto.
Assim como eu, sem dúvida estava pensando no nosso grande dia. Depois
da igreja, fomos para o local da festa. Dancei algumas músicas com Caleb,
até que ele desapareceu com uma garota da mesma idade. Victor se
enturmou bem com os convidados. De longe, eu o observava conversar e rir
descontraído, em uma roda de homens.
— Dança comigo? — convidou Jack.
— Claro! — Sorri e coloquei minha mão sobre a sua.
— Como estão as coisas em Tulsa?
— Estão indo bem. E por aqui?
— Agitadas, como sempre. Soube do noivado. Meus parabéns, eu
espero ser convidado.
— Mas é claro que será! Também desejo felicidades para o seu
casamento. Vocês dois formam um par perfeito — disse com admiração.
— Obrigado. — Ele desfez seu sorriso e desviou seu olhar do meu
ficando sério. — Maya... tem algo que quero te contar há alguns dias, mas
Kim não deixa. Ela disse que não era para eu estragar sua alegria. Não que
o que eu tenho para falar vá estragar a felicidade com o noivado, mas eu
sinto que preciso dizer para que você se cuide.
— Jack... fale logo! — Senti meus ombros enrijecerem tensos.
— Durante a confissão do Sean e Tyrone, eles disseram não ter sido
eles quem perseguiu você naquela madrugada em que voltava da Wilcox.
— Co-como assim? — gaguejei assustada. — Se não foi um deles,
quem foi?
— Eu não sei. Não há ninguém que possa ter motivos para te
perseguir?
Não havia. Ao menos não em Chicago. Só podia ser uma pessoa a
ter me perseguido naquela noite e também naquela manhã em quem saí para
correr no bosque em Tulsa. Seu nome era Higor. Não tinha outra pessoa
para ser! Ele estava de volta. Tê-lo visto na frente do hospital naquele outro
dia, não foi apenas uma miragem ou alguém muito semelhante a ele: era
ele!
— Está se sentindo bem? Ficou pálida de repente.
— Preciso me sentar.
— Claro. — Ele me acompanhou até minha mesa. — Vou pedir para
que tragam uma água para você.
— Obrigada.
— Querida... O que houve? — interrogou Victor com preocupação,
puxando uma cadeira e sentando-se à minha frente.
— Estou bem. — Sorri. — Só senti uma tontura de repente.
— Sua água, senhorita. — O garçom estendeu-me o copo.
— Obrigada. — Tomei toda a água e recostei-me na cadeira.
Victor me observava em silêncio com um olhar preocupado.
— Você devia ir ao médico. Sempre tão preocupada com todos e
cuidando de tudo, menos de si mesma.
— Eu preciso é de férias. — Coloquei o copo sobre a mesa e curvei-
me em sua direção, segurando suas mãos em meu colo.
— Vou agilizar nossa viagem ao Havaí. Que tal?
— Ah... Isso seria ótimo! — dramatizei.
— Okay. A gente viaja no fim do mês. Uma semana inteirinha para
descansar e curtir nossa família.
— Perfeito! — Beijei-o.
CAPÍTULO 9
Na manhã seguinte, acordei com uma leve dor no corpo. Atribuí isso
à noite tão gostosa que tivemos. Victor dormia relaxado ao meu lado,
completamente nu. Vagarosamente, levantei-me e fui ao banheiro tomar um
banho antes de deixar o quarto fechando a porta atrás de mim. Ao sair para
o corredor, vi a enfermeira cruzar a sala de estar correndo rumo ao quarto
dos meus pais. Corri até lá, e ao me aproximar, escutei minha mãe ter mais
uma crise respiratória, como a de alguém com asma. Meu coração palpitou
e o desespero tomou conta de mim por completo. A cada crise que vinha, a
atual parecia ser pior que a última. Ao tentar entrar, fui barrada na porta
pelo meu pai, que me arrastou para longe.
— Por favor, pai! Deixe-me entrar! — pedi afoita.
— Se acalme, Maya! Deixe a enfermeira fazer seu trabalho. É só
mais uma daquelas crises respiratórias, ela ficará bem. — Abraçou-me,
tentando me segurar longe do quarto.
— Não! Me solte! — gritei debatendo-me. — Preciso ficar perto
dela! Por favor! — Lágrimas lavaram meu rosto.
— Está tudo bem, Maya! Ela já está bem. Foi só uma crise
respiratória, querida! — falou minha avó, tentando acalmar-me e segurando
meu rosto entre suas mãos, obrigando-me a olhá-la. — Respire fundo. Se
você ficar nervosa aqui fora, sua mãe também ficará nervosa lá dentro em
vê-la desesperada. Okay? Está tudo bem, já passou. — Ela puxou-me dos
braços do meu pai para os seus.
— Me deixe ver ela.
— Depois que se acalmar. Está bem?
Assenti, deitando minha cabeça em seu ombro.
Minutos depois, mais calma, permitiram que eu entrasse no quarto.
Sentei-me na poltrona ao lado da cama e observei-a dormir com uma feição
rígida de dor, utilizando o cateter nasal ligado direto no cilindro de oxigênio
ao meu lado. Peguei suas mãos entre as minhas e senti que já não estavam
mais tão quentes como antes. Olhando-a deitada sobre a cama enorme,
percebi o quanto estava ainda mais magra do que na semana passada. Uma
dor imensa misturada a desespero, medo e uma angústia lacerante, partiu
meu coração jorrando sofrimento dentro de mim. Ali... naquele instante...
dei-me conta de que seu último dia estava mais perto do que eu imaginava
ou queria ver. Um soluço do meu choro preencheu o quarto silencioso.
Perdê-la jamais seria fácil, não importava o quanto me esforçasse para estar
preparada para este momento.
Depois de observá-la dormir por quase uma hora, dei lugar ao meu
pai e saí para dá-los um pouco de privacidade. Caminhei para a praia e parei
na faixa úmida, sentindo a água vir em uma fraca marola fria, varrendo os
grãos da areia branca sob meus pés.
— Está bem? — Escutei Victor perguntar atrás de mim.
— Não. Ela está partindo, Victor, eu sinto. E-eu... me sentei do lado
dela e... senti que ela estava indo. Sinto sua vida ir pouco a pouco entre
meus dedos e eu não posso agarrá-la. Essa sensação de impotência é
terrível!
Seus braços me apertaram por trás, aconchegando-me em seu corpo.
— O que é possível fazermos por ela agora, é tornar este momento
menos doloroso e o mais confortável possível.
— Precisamos nos casar logo. — Virei-me para ele. — Temos que
fazer isso o quanto antes. Vamos fazer isso amanhã! — anunciei com
desespero.
— Maya...
— Não me diga que é impossível ou que não podemos —
interrompi-o brava. — Você sabe, ela te disse! Disse que um dos seus
sonhos era me ver casar. Eu já tenho tudo pronto, é só adiantarmos a
cerimônia. — Encarei-o com esperança.
Ele respirou fundo, olhou para o oceano e depois para mim
novamente.
— Tudo bem. Faremos nossa cerimônia, mas amanhã está muito em
cima para cuidarmos de tudo.
— Em dois dias, então.
— Certo. O que tenho que fazer para ajudá-la?
Sorri feliz e satisfeita.
— Preciso ir até a cidade depois do almoço. Vou ligar para Tulsa e
Chicago. Preciso de dois jatinhos prontos para trazer nossos convidados
para cá, amanhã.
— Certo, vou cuidar disso. — Sorriu e beijou carinhosamente minha
testa.
— Eu te amo, Victor!
— Eu também amo você!
Enquanto Victor reservava dois dos seus jatinhos ao telefone na
varanda, eu falava com Clarice. Ela ficou imensamente preocupada com
minha mãe quando contei sobre o que houve mais cedo e ao falar sobre a
cerimônia, ela tomou outro susto. Perguntou se tinha certeza do que eu
estava fazendo e eu disse que sim. Então, expliquei a ela o porquê dessa
mudança de data tão repentina e, após um minuto de silêncio, ela concordou
e aceitou comparecer. Pedi a ela que celebrasse nossa união e, emocionada,
ela disse que faria com o maior prazer. Antes de encerrarmos a chamada,
pedi a ela um favor importantíssimo. Que fosse até a casa da minha avó e,
usando a chave reserva debaixo do vaso de orquídeas na varanda, ela
trouxesse o vestido de noiva da minha mãe que estava em seu armário no
quarto. Em seguida, liguei para Grace, que concordou em vir. Depois fiz
uma chamada de vídeo com Sasha e Kim, que se assustaram quando contei
sobre a decisão de uma cerimônia repentina no Havaí, mas logo aceitaram o
convite.
— Quero que vocês sejam minhas damas de honra.
— Isso é sério? — perguntou Sasha.
— Sim. Eu já ia pedir isso a vocês, mas já que os planos mudaram
tão depressa, estou pedindo agora e espero que não recusem.
— Claro que não, Maya. Não seja boba — falou Kim.
— Ótimo! Fico feliz por aceitarem. A madrinha será Grace, minha
melhor amiga de infância. — Na verdade, deveria ser quatro garotas ao meu
lado no altar e não apenas três, mas ter Penny presente nesse dia seria mais
do que impossível.
— E o que devemos usar?
— Vestidos com os quais se sintam confortáveis. Qualquer modelo
ou tom, não me importo. O casamento será na praia, então não tem que se
preocuparem com calçados. Depois da cerimônia, vocês podem calçar
chinelos e ficarem à vontade.
— Certo — concordou Sasha.
— Preciso ir, tenho que resolver muitas outras coisas. Vejo vocês
amanhã e não se atrasem! O voo chegará aí às sete e meia e sairá às nove.
— Combinado. Qualquer coisa que precisar, é só ligar — avisou
Kim.
— Obrigada, meninas. Obrigada mesmo por estarem nessa comigo,
por entenderem esse momento.
— Amigas são para isso! — disseram as duas em uníssono.
— Kim... Diga a sua mãe que entendo ela não poder vir.
— Ela sente muito, mas é temporada de férias. O hotel fica cheio.
— Eu imagino.
Mais tarde, depois do almoço, fui à cidade com minha avó, Victor e
tia Jenna. Victor conseguiu com que um restaurante local atendesse nosso
buffet e disponibilizasse alguns dos seus garçons para nos servir. Minha avó
foi até uma floricultura e encomendou pequenos arranjos de mesa, uma
coroa de flores – que eu usaria no cabelo – e meu buquê. Tia Jenna e eu
fomos até uma lojinha que havia de tudo por um preço único de dois
dólares e compramos várias coisinhas fofas para decorar. Depois fomos até
uma confeitaria para encomendar um bolo simples e pequeno de dois
andares, além de alguns poucos doces. Segundo Caleb, não existe
casamento sem doces.
Um senhor viu nossa movimentação na pequena cidade e se
aproximou para dizer que conhecia um homem que vendia arcos florais
para casamentos na cidade. Fomos até lá e havia centenas deles, um mais
lindo do que o outro. Escolhemos um pequeno, mas o suficiente para nossa
minúscula cerimônia.
Quando voltamos para casa, já era final de tarde e estávamos todos
exaustos. Caleb ficou responsável pela música. Ele disse que colocaria a
caixa de som na varanda e criaria uma playlist para comandar tudo a
distância pelo celular, mesmo quando estivesse ao lado do pai no altar.
— Onde estão meus pais? — perguntei para ele, que estava sentado
sobre a ilha da cozinha, devorando um pote de sorvete.
— Na praia. — Apontou com a colher.
Caminhei até a varanda e os encontrei sentados na areia sobre uma
manta. Minha mãe estava sentada entre as pernas do meu pai e escorada a
ele, que a aconchegava em seus braços enquanto assistiam juntos ao pôr do
sol. Achei aquela cena tão maravilhosa... tão perfeita! Peguei o celular no
bolso do short jeans e tirei uma foto deles. Essa eu guardaria para sempre e,
sem dúvidas, teria um lugar especial na sala.
— Elliot irá trazer nossas alianças — informou Victor abraçando-me
por trás. — Passei a ele a senha do cofre onde estão guardadas.
— Nós já temos as alianças? — perguntei surpresa.
— Temos sim. Estão prontas há duas semanas.
Rimos.
— Que loucura! Nosso casamento estava marcado para a primavera
e, de repente, ele acontecerá depois de amanhã! — Sorri.
— Não teremos todos os convidados que havíamos planejado
chamar, mas teremos os principais conosco.
— Sim. Você falou com a Margot?
— Não e nem irei. Ela supera isso. — Riu e beijou minha cabeça.
— Acha que ela não ficará chateada?
— Quando voltarmos, ainda podemos fazer a cerimônia na
primavera. É só deixar que ela acrescente mais uns mil convidados na lista,
que estaremos perdoados — disse, fazendo-me rir.
— Se está dizendo, tudo bem.
Depois do jantar, antes de irmos dormir, fui com Victor até as
cabanas para certificar de que tudo estava realmente pronto para
recebermos nossos poucos convidados. A noite passou e não consegui
dormir. Fiquei andando de um lado para o outro na casa com um misto de
preocupação com minha mãe e ansiedade com o casamento. Assistindo ao
nascer espetacular do sol na varanda dos fundos, esperei que o relógio
marcasse sete da manhã para ir preparar o desjejum.
— Bom dia, querida — desejou meu pai ao entrar na cozinha.
— Bom dia, pai. Como a mamãe está?
— Bem. Ela está se arrumando com a ajuda da sua avó.
— Poderiam ter me chamado, eu teria ido cuidar dela.
— Imaginamos que ainda estaria dormindo. Ansiosa para o
casamento?
— Estou. — Sorri para ele, lhe estendendo uma caneca com café. —
E você? Como está se sentindo? Falta poucas horas para casar sua única
filha. — Escorei-me na bancada e dei um gole no meu café.
— Eu não sei direito como estou me sentindo. Acho que um misto
de alegria, raiva e ciúmes, eu não sei explicar. — Riu.
— Fique tranquilo, pai. Não estou abandonando vocês, na verdade,
não vou a lugar algum. Irei continuar morando em Tulsa por enquanto.
— Eu sei que não vai nos deixar, é só que sinto que estou perdendo
minha garotinha.
— Sua garotinha já não está aqui há muito tempo. Mas a mulher que
ela se tornou estará para sempre com vocês! — Caminhei até ele e o
abracei.
— Eu sei, filha. Eu sei. — Retribuiu o abraço.
— Bom dia — desejou minha mãe ao entrar na cozinha com minha
avó empurrando sua cadeira.
— Bom dia, mãe! — desejei feliz em vê-la bem e sorridente.
Aproximei-me dela e a abracei com cuidado, deixando um beijo
demorado em seu rosto.
— Animada? — perguntou.
— Se estou animada? Nem consegui dormir esta noite de tamanha
empolgação! — Fingi entusiasmo e torci para que ela não percebesse isso.
— Também estou ansiosa. — Sorriu com os olhos brilhantes.
Quando eu e Victor voltamos para dentro da casa depois da nossa
decisão de adiantar o casamento, reunimos todos na sala enquanto minha
mãe ainda dormia e comunicamos que iríamos adiantar a cerimônia.
Pegamos a todos de surpresa, mas depois de ouvirem nosso motivo
ninguém discordou e assim todos ficaram sabendo o porquê dessa decisão.
Todos, menos minha mãe. Para ela, Victor explicou uma mentira dizendo
que simplesmente sentia que ali era o lugar e aquele era o momento para
uma cerimônia íntima e familiar como desejava e que, com muito custo,
conseguiu me convencer a fazer. Ela acreditou. Ou... ao menos fingiu
acreditar muito bem.
Às seis e meia, todos chegaram. Jantamos na grande sala de jantar,
após acomodar cada convidado em sua cabana. Foi ótimo estar com todos
ali naquele momento de boa comida e conversa cheia de descontração.
Após a sobremesa, as mulheres seguiram para a varanda e os homens
ficaram na sala de estar. Minha mãe sorria o tempo todo, poderia dizer que
ela era a pessoa mais feliz ali. Às dez, todos se despediram e seguiram para
seus aposentos. Logo Victor dormiu, mas eu ainda fiquei fitando o teto. Não
conseguia adormecer, apenas pensava no dia seguinte.
À volta para casa nunca mais seria a mesma. Não teria mais uma
parada no hospital para ver minha mãe ou aquela empolgação de encontrá-
la. Fazia dez minutos que eu havia chegado e ainda não tinha encontrado
meu pai. Ele não atendia ao telefone e não estava na casa da minha avó ou
tia Jenna. Eu já estava superpreocupada, tinha medo de que algo ruim
tivesse lhe acontecido. Não poderia perder meu pai também, quando ainda
nem sequer havia superado a morte da minha mãe.
— Você vai furar o chão. Sente-se, meu anjo.
— Eu não sei mais por onde começar a procurá-lo. Por que ele não
me atende? — perguntei impaciente, andando de um lado para o outro na
sala de estar.
— Não tem nenhum amigo com quem ele possa estar?
— Ele se afastou de todos depois que minha mãe ficou doente pela
segunda vez. Fechou-se para o mundo e perdeu a fé na vida.
— Quer ir ao hospital?
— Eu não sei... Só temos um hospital na cidade, todos já o
conhecem por lá. Teriam me ligado se algo tivesse acontecido.
— Delegacia?
— Já teriam ligado para Clarice e nós já estaríamos sabendo.
— Meu amor... — Levantou-se e veio até mim, segurando-me
delicadamente pelos ombros. — E se ele tiver quebrado sua sobriedade.
Isso é possível. Em momento de dor, tem pessoas que costumam acreditar
que o álcool ajuda a melhorar.
— Tem um bar... Ele fica na rodovia. A gente pode ir procurá-lo, ele
sempre ia até lá.
— Então vamos. Pegue seu casaco.
Peguei meu casaco, saímos de casa e fomos até o bar. Victor não
deixou que eu entrasse, disse que o lugar tinha homens mal-encarados
demais. Ele desceu e foi só. De dentro do carro, gritos e xingamentos
chamaram minha atenção, assustando-me. Virei para trás depressa e vi dois
homens chutarem outro caído no chão do beco, na lateral do bar.
— Ai, meu Deus! — gritei com desespero ao ver que o homem que
apanhava era o meu pai.
Abri a porta e desci correndo em sua direção.
— Maya! — Noberto gritou-me vindo atrás de mim.
— O que estão fazendo? Parem! — berrei empurrando um dos
homens e ajoelhando ao lado do meu pai. Ele estava sujo, molhado e com o
rosto todo ensanguentado.
— Qual é a sua, menina? Quer apanhar também? — perguntou um
dos homens, puxando-me pelo cabelo e colocando-me de pé.
— É melhor se afastarem! — ameaçou Noberto puxando-me pelo
braço para trás dele e apontando uma arma para os homens, segurando-a em
uma só mão. — Saiam daqui! — mandou entredentes e destravou a arma.
Sua postura rígida, o maxilar contraído e o tom de voz grosso e rude
davam medo. Eu nunca tinha visto-o daquele jeito.
— Estamos de boa, cara. Nosso problema era só com esse merda aí.
— Apontou para o meu pai. — Já estamos indo. — Foram afastando-se
devagar.
Aproximei-me novamente do meu pai, que gemia ainda caído no
chão.
— Pai... Você me ouve? — Coloquei sua cabeça em meu colo.
— Nunca mais faça isso, Maya! Está me ouvindo? Nunca mais! —
gritou Noberto comigo, abaixando-se ao meu lado e segurando-me firme
pelos ombros.
— Desculpe. Fiquei apavorada. Não pensei direito.
— Mas o que está acontecendo aqui? — perguntou Victor.
— Tinha dois homens batendo nele — respondi-o em lágrimas.
— Tire-a daqui, Noberto!
— Não! Eu não vou sair de perto do meu pai! — gritei com ele.
— Olha para este lugar, Maya! Não é um ambiente seguro para
você! Vai e eu fico aqui.
— A ajuda já está a caminho — informou Noberto, guardando seu
celular no bolso interno do paletó.
Encarei Victor com resistência. Não queria deixar meu pai. Ele não
entendia isso?
— Maya! Não é um pedido! — rosnou entredentes, olhando-me
firme nos olhos. — Vai! — mandou duro e eu neguei com a cabeça. —
Tire-a daqui, Noberto!
— Por favor, Sra. White. Venha! — Ele puxou-me pelo braço e
levou-me para o carro. Não lutei contra ele, não resolveria. Isso apenas me
faria cansar.
Noberto trancou as portas e ficou parado do lado de fora. A ajuda
chegou minutos depois e levaram meu pai para o hospital. Victor o
acompanhou e nós fomos logo atrás. Ao chegarmos, passei correndo pelas
portas da emergência. Meu pai foi levado desacordado para uma sala de
atendimento especializado, a qual fui impedida de entrar. Ele estava
machucado demais e os médicos temiam uma hemorragia interna ou uma
concussão encefálica, devido aos vários chutes que levou nas costas, barriga
e cabeça.
— Não posso perdê-lo! — disse em desespero para Victor.
— E você não irá, meu amor. Seu pai é um homem forte, verá. Não
terá acontecido nada a ele, talvez algumas costelas quebradas, um olho roxo
e um lábio inchado por alguns dias, mas nada grave que a faça correr o
risco de perdê-lo! Se acalme, Maya. — Abraçou-me.
Após uma rápida examinada, o levaram para exames detalhados.
Meu pai estava bem, entre aspas. Ele havia quebrado o nariz, duas costelas,
trincado o antebraço esquerdo e estava com o rosto desfigurado. Eles o
sedaram e ministraram medicamentos para tratar a dor e os ferimentos. Meu
pai não teria que fazer nenhuma cirurgia, mas ficaria um bom tempo de
molho acamado. Infelizmente, o exame de sangue comprovou que ele havia
ingerido bebida alcoólica.
Victor foi para casa ficar com Caleb e eu fiquei no hospital com meu
pai sob a guarda do Elliot. Adormeci sentada em uma poltrona reclinável ao
lado de sua cama. Acordei com seu resmungo de dor e desconforto.
— Papai... Graças a Deus que acordou. Estava tão preocupada com
você. Como se sente?
— Tudo dói — sussurrou.
— Por que, pai? Por que foi até aquele lugar? Você bebeu, eu sei!
Exames comprovaram isso.
— Eu não sei... Só precisava de algo para aliviar o que eu sentia.
— O álcool jamais terá esse poder, pai. Quebrou seu ciclo de
sobriedade de meses, por nada! Olha só aonde você veio parar! O que
houve para brigar?
— Eu não me lembro.
Lágrimas grossas escorreram por suas têmporas, enquanto ele fitava
o teto branco.
— Não faça mais isso, por favor. — Segurei sua mão, apertando-a
de leve. — Fiquei imensamente preocupada! Não posso perder você
também, não irei suportar. Acho que se não tivesse ido procurá-lo lá, você
teria morrido nas mãos daqueles crápulas.
— Desculpe, minha filha — pediu com a voz embargada.
— Eu te desculpo, pai. Mas tem que me prometer que não haverá
recaídas.
— Eu prometo. — Olhou-me.
— Ótimo! Eu e Victor conversamos antes dele ir para casa. Quando
receber alta, você virá morar conosco aqui em Tulsa. Vou ficar para cuidar
de você.
— Não, querida. Não quero atrapalhar seu casamento. Vocês
acabaram de se casar, não precisam de um intruso na casa de vocês, muito
menos que vivam em cidades separadas.
— Não! Eu insisto. Você vem morar conosco. Eu e Victor somos
acostumados a lidar com um relacionamento a distância. Não se preocupe
com nosso casamento. Se preocupe em ficar bem!
CAPÍTULO 13
No dia seguinte, voltamos para Tulsa. Reuni toda minha família para
um almoço em nossa casa e contei a eles que estávamos de mudança para
Oklahoma. Meu pai pareceu não gostar tanto, mas nada disse. Minha avó
resmungou, disse que sentiria muita saudade minha. Tia Jenna nos desejou
felicidade e boa sorte na nova empreitada. Clarice e Sam fizeram um brinde
à nova fase das nossas vidas e disseram que iriam nos visitar sempre que
possível.
— Talvez você devesse vir com a gente, pai. Comprar uma casa por
lá. Victor e eu vimos casas ótimas em lugares lindos. Você iria gostar.
— Não, já perturbei vocês por muito tempo. Precisam viver a vida
de vocês.
— Não vamos nos desfazer desta casa. Pode ficar aqui por quanto
tempo quiser — disse Victor.
— Eu agradeço, mas está na hora de achar meu canto. Agora, com o
novo emprego, arranjarei um lugar para mim.
— Ainda não pensou no que fazer com o dinheiro? — perguntou
Sam.
Meu pai negou com a cabeça.
— Maya e eu andamos falando sobre isso. Enquanto não decide o
que fazer, se quiser, pode investi-lo com segurança. Assim, até que saiba
qual destino dar a ele, o dinheiro estará rendendo uma boa porcentagem.
— Pense nisso, pai. É uma coisa boa.
— Vou pensar.
O restante do dia transcorreu bem. Victor e eu estávamos bem na
medida do possível. Havíamos superado a discussão no hotel. E assim se
passaram alguns dias. Duas semanas para ser mais exata. A rotina era a
mesma. Meu pai saía cedo para o trabalho e eu ficava só cuidando das
coisas de casa e me dedicando à carta de aceitação para a universidade de
Oklahoma. Victor sempre vinha aos fins de semana trazendo Caleb consigo.
Minha avó lamuriava todos os dias sobre eu ir embora. Por fim, a
convidamos para morar conosco e ela aceitou, já que o relacionamento com
Will não ia lá muito bem.
Estava deitada em minha cama lendo uma revista, quando o celular
tocou. Era Victor quem ligava.
— Oi, amor.
— Oi, querida. Sentindo minha falta?
— Sempre. Como estão as coisas por aí?
— Não muito bem. Tivemos imprevistos e só chegarei amanhã pela
noite.
— Mas o encontro com a arquiteta e a decoradora é amanhã de
manhã.
— Eu sei, querida. Mas, infelizmente, não poderei comparecer.
Pode ir até lá amanhã? Convide seu pai para ir com você. Elliot os levará.
— Tudo bem. Vou falar com ele.
— Ótimo. Te ligo pela manhã. Tenho um jantar de negócios agora.
— Você está começando a exagerar no trabalho novamente.
Lembre-se do que o médico lhe disse, querido.
— Eu prometo que será somente até eu fechar esse novo contrato.
— Okay. Boa noite, amor.
— Boa noite, meu anjo.
Desliguei o telefone e fui até o quarto do meu pai, convidando-o
para ir comigo até Oklahoma na manhã seguinte e ele aceitou. Embarcamos
para lá às sete horas. O caminho foi rápido, graças à estrada boa.
— É sábado. Por que Victor não está com você?
— Ele teve imprevistos no trabalho, não pôde vir ontem à noite.
— Entendi. Não acha que ele está se esforçando demais para quem
teve um infarto há menos de dois meses?
— Acho sim. Mas vai dizer isso para ele.
— Homem teimoso.
— E como é.
O carro estacionou em frente à casa e a arquiteta já nos esperava na
calçada.
— Oi, Janet. Como vai? — Estendi minha mão para cumprimentá-
la.
— Bem, obrigada. E você?
— Ótima. Este é meu pai, Theodoro.
Eles se cumprimentaram e depois ela nos convidou para entrar na
casa.
— A equipe da limpeza deve estar chegando a qualquer minuto.
Venha, eu quero lhe mostrar como ficou a reforma no deck.
Acompanhamo-la até a parte dos fundos.
— Uau! Esse lugar é fantástico. Sua mãe teria adorado. É bem
arborizado.
— Sinto paz nesse lugar. Ainda há trezentos metros de área verde
depois da cerca viva. Está vendo aquele canteiro ali? — Apontei à direita.
— Vou plantar girassóis nele. — Olhei-o e ele sorriu com carinho para
mim.
— Então... O que acharam da reforma no deck? — perguntou Janet.
— Ficou maravilhoso. Gostei da madeira mais clara.
— Que bom. Fico contente. Venham. Vamos olhar dentro da casa.
— Entramos. — Troquei toda a bancada da cozinha por mármore branco.
Os elétricos da torre quente serão todos cromados. Charlotte está cuidando
disse hoje, por isso ela não pôde vir. Agora quero mostrar a vocês o quarto
de hóspedes aqui em baixo. — Caminhou à nossa frente em direção ao
corredor.
— Quarto de hóspedes aqui em baixo? — perguntei confusa. Aquele
seria o único cômodo a não ser reformado.
Ela andou até a última porta no corredor e abriu-a.
— Entrem.
Entrei e fiquei em pleno estado de choque. Três das quatro paredes
estavam pintadas de marfim e a outra de camurça.
— Por que pintaram o quarto? — perguntei quase em um surto.
— Estava no projeto do Sr. White. Transformar este cômodo em um
quarto de hóspedes térreo. Abrimos portas francesas para o jardim.
Eu queria matar o Victor. Não opinei sobre nada na reforma da casa.
A única coisa que pedi foi para que não mexesse no bendito cômodo, onde
antes era um quarto de bebê.
— Você está bem, querida? — perguntou meu pai com preocupação.
— Está pálida.
— Acho melhor ela se sentar um pouco.
Janet retirou o plástico de cima de uma poltrona e eu me sentei.
Estava mesmo abalada. Ver aquelas paredes pintadas de outra cor atingiu-
me como uma flecha.
— Tenho água em um cooler no carro. Vou pegar para você. — Ela
deixou o quarto.
— O que sente, querida? — perguntou meu pai se abaixando à
minha frente.
— Me sinto apunhalada pelas costas. Não pintar este quarto foi a
única coisa que pedi. A única!
— O que tinha este quarto?
— As paredes eram pintadas como o céu e eu gostava delas. —
Comecei a chorar.
— Ah... Eu entendi. Filhos. Já falaram sobre isso?
— Ele não quer.
— Ele irá mudar de ideia. Seja firme nesse propósito. Quando ama
uma mulher, um homem quer filhos com ela.
— Obrigada, pai. — Abracei-o. — Será que podemos ir para o
hotel?
— Claro.
Depois de remarcar nosso encontro com a arquiteta, fomos para o
hotel. Acompanhei meu pai até seu quarto e depois segui para a minha
suíte. Após um banho, fui para o closet me vestir quando escutei a porta do
quarto ser fechada. Pelo reflexo do espelho vi quando Victor entrou no
closet com um largo sorriso.
— Oi, meu anjo. — Aproximou e beijou minha testa. — Como foi o
tour pela nossa casa hoje?
— Remarquei.
— E por quê?
— Imagine a surpresa desagradável que tive hoje quando entrei no
quarto do térreo e vi as paredes pintadas de camurça e marfim.
Suspirou frustrado, esfregando os dedos com exaustão nos olhos.
— De novo esse assunto não, Maya. Achei que já tivéssemos nos
entendido a respeito disso.
— Foi a única coisa que pedi para você não mexer, Victor! — disse
nervosa.
— Por que teríamos um quarto de bebê, quando um bebê é algo que
não teremos? — gritou. — Pare de insistir com isso. Que droga de assunto
chato! — Deixou o closet e bateu a porta do quarto.
Não sei para onde ele foi. Só sei que não atendeu as minhas ligações
ou sequer deu sinal de vida naquela noite. Passei o dia com meu pai
caminhando pela cidade e quase o convencendo de se mudar para lá. No
domingo, estávamos sentados para o café dá manhã no restaurante do hotel,
quando Victor apareceu de cabelos molhados e sentou-se à mesa nos
desejando um bom-dia.
— Depois de pensar muito ontem à noite, decidi que me mudarei
para Oklahoma. Você me convenceu, querida. — Meu pai sorriu para mim e
meu coração se encheu de alegria.
— Fico feliz, pai. Vou amar tê-lo por perto. — Segurei sua mão
sobre a mesa. — Já sabe onde quer a casa?
— Ainda não, quero fazer uma busca por bairros na internet.
Victor... também resolvi que irei aceitar sua ajuda para investir o dinheiro.
Estava orgulhosa do meu pai. Ele parecia finalmente estar se
libertando do luto.
— Ótimo. Vou entrar em contato com a Clarice esta semana para a
negociação de um contrato.
— Certo. Obrigado.
— E quanto ao seu emprego em Tulsa? Pretende deixá-lo ou pedir
uma transferência para a concessionária daqui?
— Vou tentar uma transferência. Se não conseguir, eu arranjo outra
coisa por aqui.
— Estou gostando de ver, pai.
— É, eu também. — Victor respirou fundo. — Bom... preciso voar
para Seattle. É uma emergência, mas volto na terça. Pode me acompanhar
até a suíte, querida?
Coloquei o guardanapo que estava em meu colo sobre a mesa e
levantei-me. Acompanhei-o, pois precisávamos ter uma conversinha antes
dele viajar em pleno domingo a trabalho. O elevador estava vazio e, quando
as portas se fecharam, encarei-o.
— Onde passou a noite?
— Em outro quarto.
— Por que não me atendeu quando liguei? Sabe o quanto fiquei
preocupada com você?
— Não queria que discutíssemos mais, por isso desliguei o celular.
Você poderia parar de insistir com isso sobre bebês. Estou ficando
estressado com esse assunto. Chega, Maya!
Ele não olhou em meus olhos uma vez sequer, enquanto cravava
uma adaga no meu peito. As portas se abriram e ele saiu. Apertei o botão do
térreo e as portas se fecharam, antes mesmo que ele pudesse dar falta de
mim seguindo-o pelo corredor como um cachorrinho. Meu casamento mal
havia começado e tudo estava desmoronando. Talvez não devêssemos ter
sido tão intensos e ligeiros demais com nosso relacionamento. Ou... talvez
não devesse existir um relacionamento. Achei que ele queria o mundo
comigo, mas me enganei.
CAPÍTULO 16
Depois que Victor seguiu para Seattle, meu pai e eu voltamos para
Tulsa. Os dias se passaram e Victor não voltou para casa, ele estava em
Houston com Caleb. Nós nos falávamos pouco. A relação entre nós estava
horrível. Frios um com o outro e isso estava acabando comigo. A separação
não parava de ser cogitada em minha cabeça. A cada dia que passava, mais
razão eu dava às implicâncias passadas do meu pai. Quem sabe, ele
estivesse certo sobre os problemas de se namorar um homem muito mais
velho. Estava vivendo uma batalha constante entre o amor e a razão. O
amor gritava por socorro dizendo não conseguir viver sem ele. A razão
dizia que, se eu quisesse uma família completa, teria que deixá-lo ir.
Entrei em seu escritório e sentei-me em sua cadeira. Sobre a mesa,
um porta-retratos com uma das milhares de fotos que tiramos no dia do
nosso casamento. Nela estava eu em uma ponta, Victor ao meio e Caleb do
outro lado. Nós sorríamos juntos para a câmera. Ele estava abraçando-me
pela cintura e o filho pelo ombro. Onde estava aquele homem? Esse que
sorria com amor e era tão parceiro? Eu tinha fé de que em algum lugar eu
o encontraria e o traria de volta. Porque foi com este homem com quem me
casei e por quem me apaixonei tão perdidamente, e não com o cara babaca
com quem troco poucas palavras há dias.
— Chega... Está mais do que na hora de eu lutar pelo meu
casamento e por minha família!
Peguei o telefone sobre a mesa e liguei para ele.
— Oi, amor.
Derreti-me inteira. Ele não me tratava por amor há dias. Lágrimas
empoçaram meus olhos e meu coração disparou ansioso.
— Eu não quero mais essa distância. Sinto sua falta, Victor.
— Também sinto sua falta, querida — disse surgindo na porta do
escritório.
Sorri soluçando em meio ao choro que se iniciava.
— Perdoe-me, amor. Fui um estúpido. — Abriu seus braços para
mim.
Devolvi o telefone ao gancho e levantei rápido, caminhando
apressada até ele. Abracei-o apertado escondendo meu rosto em seu peito,
sentindo seus braços me aconchegarem a ele.
— Estou aqui, meu anjo.
Ergui minha cabeça e encarei-o. Seus olhos estavam marejados.
— Eu te amo. Nós precisamos nos acertar.
— Também te amo, minha garota. E concordo com você... Temos
que nos acertar.
— Eu estava à beira de pedir o divórcio... — Ele ficou sério,
desfazendo o olhar carinhoso que me dava. — Mas aí eu vi a nossa foto
sobre sua mesa e me lembrei de que já somos uma família. E tudo bem,
amor... entendo que não queira filhos, eu entendo de verdade, mas, por
favor... por favor, me compreenda também. Sei que nunca conversamos
sobre isso, mas achei que talvez quisesse isso comigo. Por isso nunca
perguntei. Eu quero o mundo com você e quero que queira isso comigo
também. — Mais lágrimas lavavam meu rosto. — Não tem que ser agora.
Mas pense sobre isso. Amadureça essa ideia em sua cabeça. É só o que eu
peço a você.
— Então não vai me deixar?
— Não! Claro que não. Porque eu sei que o babaca que foi comigo
no último mês é só sua camada de defesa.
— Desculpe-me por ter sido um idiota.
— Desculpo sim. Mas se me tratar assim de novo, farei você se
arrepender.
— Entendido! — Sorriu e abraçou-me. — Como senti saudade do
seu cheiro...
— Também senti saudade do seu. — Olhei-o. — Quando vamos nos
mudar?
— Em duas semanas.
— Ferdinando já chegou da viagem?
— Sim.
— Isso significa que você irá ficar mais em casa?
— Prometo tentar.
— Tenho medo de que a única coisa que vá fazê-lo parar seja a
morte.
— Este é o destino de todos nós, querida. Não me peça para me
aposentar. Não consigo ficar longe do trabalho, amo o que faço. Temo que
se eu deixar meu império nas mãos de outros, tudo desmorone. Não se deve
confiar em todos os homens.
— Eu sei. Mas tente ficar mais comigo e com o Caleb. Passa mais
tempo trabalhando do que ao meu lado na cama.
— Desculpe, querida. — Selou meus lábios.
— Por que não vem tomar banho comigo? — Sorri com malícia.
— Acho que não estava com saudade só de mim.
— Seu pau faz parte de você, querido. Já lhe disse isso. Não há
como sentir saudade de um e não sentir do outro.
Ele riu.
— Então venha. — Pegou minha mão. — Vamos subir.
Entramos no quarto e ele trancou a porta. Na porta do closet estava
sua mala do chão.
— Trouxe um presente para você, amor.
Caminhou até ela e abaixou-se pegando uma caixa branca, envolta
com fita rosa e um belo laço em cima da tampa.
— Meu aniversário é somente daqui dois dias.
— Eu sei bem disso. — Aproximou-se e estendeu-me a caixa.
Peguei-a e desfiz o laço. Retirei sua tampa e dentro havia uma
calcinha com detalhes em renda preta. Curiosa, peguei-a e embaixo da
mesma havia um pequeno controle remoto.
— Isto é... uma calcinha vibratória? — Olhei-o incrédula. Não
acredito que eu ainda me surpreendia com seus presentes.
— Muito bem observado. — Riu.
— Onde quer que eu use isso?
— Na sua festa de vinte e dois anos.
— Não quero festa, Victor. Esse será meu primeiro aniversário sem
minha mãe.
— Amor... Você quer sim. Sua avó e Jenna são quem estão
organizando. Elas devem ligar para você amanhã. Será bom reunir os
amigos e a família em uma celebração para variar.
— Certo. Você já me convenceu.
— Já? Dessa vez foi rápido. — Segurou minha cintura e beijou
meus lábios. — Por que você não vai preparar um banho para nós. Te
encontro em alguns minutos no banheiro.
— Tudo bem. — Coloquei a caixa sobre a cama e fui ao banheiro.
Liguei a torneira para encher a banheira e comecei a me despir.
Prendi os cabelos em um coque alto e debrucei-me sobre a banheira
apoiando uma mão na sua beirada. Com a outra joguei sais de banho na
água morna e algumas pétalas brancas secas e perfumadas pela superfície.
— Uau! Que visão mais bela. Nunca vi bunda mais linda. —
Apertou-a.
— Que bom que gosta do que vê.
— Eu não gosto. Eu adoro. — Laçou minha cintura por trás e beijou
meu pescoço fazendo-me arrepiar.
Recostei-me nele e deitei a cabeça em seu peito nu. Sua mão
esquerda apalpou meu seio apertando-o de leve e a outra escorregou
lentamente por minha barriga, deixando-me ansiosa por seu toque. Meu
clitóris deu seu primeiro sinal de vida pulsando forte. Seu dedo o tocou com
cuidado e leveza, começando uma massagem gostosa. Fechei os olhos e
sorri excitada. Suas mãos em mim foram tudo o que desejei na última
semana. Havia muito tesão acumulado em mim. Mordi o lábio inferior e
gemi contido.
— Tire minha calça! — sussurrou em meu ouvido.
Abri meus olhos e afastei-me dele. Virei-me de frente para ele e
desfiz o botão de sua calça, encarando-o nos olhos. Ajoelhei-me à sua
frente e puxei-a para baixo junto à cueca, libertando seu membro semiereto.
Passei as peças de roupa por seus pés e coloquei-as do lado no chão. Victor
sorriu minimamente e afagou meus cabelos.
— Você é uma boa menina, sabia?
— Mesmo com nossas discussões?
— São elas que nos deixa mais fortes, querida. Tudo bem não
concordarmos o tempo todo.
Concordava com ele até certo ponto. A vida é assim, nem todo
mundo pensa como você ou tem os mesmos propósitos de futuro. No
entanto, por mais que eu tenha erguido bandeira branca – por ora –, isso não
significava que eu houvesse desistido de ter um filho com ele.
Os dias que se passaram sem ele comigo, eu pensei muito sobre o
assunto. Eu teria um bebê com a ajuda do Victor, ou não. Mas isso era
planos futuros. No momento eu precisava escolher. Ou continuava com
minha guerra cravada contra ele ou salvava meu casamento que estava à
beira de um abismo. Por mais que eu tenha cogitado o divórcio, perdê-lo me
pareceu doloroso e insuportável. Então dividi meu problema em dois
passos. O primeiro era reaver nosso relacionamento, que ia de mal a pior. O
segundo, mostrar que teria um filho e que não precisava da sua permissão.
E se neste caso ele desejar ir embora, eu não o impedirei de partir. Afinal, a
vida é livre, feita de escolhas e prioridades.
Toquei suas coxas e deslizei minhas mãos até seu quadril. Victor
estendeu-me as suas mãos para me ajudar a levantar. Ele entrou na banheira
primeiro e eu fui logo depois sentando-me em seu colo, de frente para ele.
— Nada de exageros. Lembra-se do que o médico disse, não é?
Ele riu.
— Lembro sim.
Apoiou uma mão nas minhas costas e outra em minha nuca,
puxando-me para um beijo longo e calmo, que me tirou o fôlego. Separei
nossos lábios em busca de ar e sua boca desceu por meu pescoço passando
pela clavícula até meu seio esquerdo, abocanhando-o com fome. Victor
sugou um depois o outro me arrancando gemidos altos.
— Preciso sentir você em mim — pedi manhosa.
Ele se recostou na banheira e sorriu cheio de malícia.
— Seu pedido é uma ordem, Sra. White.
Sorri. Amava quando me chamava assim. Sentia-me tão sua, tão
parte dele e de sua vida...
— Erga-se um pouco.
Ergui-me e sentei novamente preenchendo meu ventre com seu
membro rígido. Gememos juntos em plena sintonia. Comecei a cavalgar em
seu colo jogando água para fora da banheira, apoiando minhas mãos em seu
ombro, enquanto as suas apertavam minha cintura com força.
— Maya... — chamou-me entre gemidos, com os olhos fechados.
Desacelerei o ritmo preocupando-me.
— Você está bem?
— Não pare... — Agarrou minha nuca outra vez e puxou-me para
outro beijo. — Por que é tão gostosa? — perguntou em meus lábios.
— Aproveita. Sou toda sua. — Sorri sentindo o orgasmo se
aproximar.
Agarrei seus cabelos e, olho no olho, gozei assistindo-o explodir em
um orgasmo de contrair toda a musculatura. E era assim que seguia nossas
noites e manhãs de sexo. Sem muito exagero ou proezas. Victor ainda
estava se recuperando de um ataque cardíaco sofrido há pouco mais de um
mês. Tudo ainda era muito recente para mim e eu precisava zelar por ele. Se
dependesse do Victor, estaríamos em meio a uma boa cena de Bondage. Eu
sentia falta do domínio, não vou negar. Mas ele sempre achava outro jeito
de satisfazer esse meu lado sem necessariamente estarmos na cama. E
preciso assumir... submeter-me ao psicológico era muito mais gostoso do
que o ato físico.
Victor
&
Maya
Jun/01/2017
— Eu iria lhe dar somente daqui duas semanas, mas não consegui
conter minha ansiedade.
— Esta data é...
— A noite em que nos conhecemos. Talvez aquele dia para você não
tenha sido seu melhor dia, mas para mim foi.
— E por quê? — Encarei-o.
— Porque foi a noite em que nossos caminhos se cruzaram. A noite
em que conheci o centro do meu mundo. Eu te amei desde aquela fatídica
noite, querida. No instante que coloquei meus olhos em você, soube que
seria a mulher que me faria amar novamente e devolveria cor para a minha
vida.
Eu estava cheia de emoção. E naquele instante, aquela noite
marcada até então pelo mais puro desapontamento, começou a ser a mais
bela de todas. Há males que vem para o bem, não é? Victor era o meu bem.
— Eu também te amo, querido — declarei-me com os olhos
marejados.
Aproximei-me e beijei seus lábios com ternura e carinho. Nosso
beijo se findou e colamos nossas testas de olhos fechados em silêncio por
alguns segundos.
— Coloque-o em mim. Usarei esta noite.
— Claro, querida.
Separamo-nos e lhe entreguei o colar, virando-me de costas para ele.
Ergui meu cabelo e Victor o colocou em meu pescoço. Ele pegou os cabelos
das minhas mãos e os ajeitou em minhas costas.
— Vá chamar o Caleb. Eu me arrumo em um instante.
— Okay.
Deixei o quarto e caminhei até a porta entreaberta mais adiante. Bati
contra a madeira e o escutei gritar que eu podia entrar.
— Oi. Onde você está?
— No closet.
Andei até lá e parei no batente.
— Uau! Como está bonito.
Ele vestia calça jeans escura e camisa xadrez azul-marinho e branco,
posta fora da calça. Nos pés, tênis preto. Os cabelos como sempre meio
bagunçados, mas eu gostava. Achava aquilo um charme adolescente.
— Você também está muito bonita. Gostei do vestido.
— Obrigada. Comprei especialmente para hoje.
Passei as mãos pelo vestido.
— Meu pai já está pronto?
— Não. Ele ainda está se vestindo.
— Certo. Vamos esperá-lo lá embaixo?
— Claro.
Descemos e logo Victor apareceu. Assim que o carro parou em
frente à casa da Clarice, a porta da frente se abriu e minha avó surgiu com
um largo sorriso. Descemos e fomos de encontro a ela.
— Vovó... — Abracei-a apertado.
— Minha menina. Estão todos aguardando por você. Venham.
Entrem.
Entramos e ela fechou a porta, nos guiando em seguida até os
fundos da casa. Ao entrar no jardim, que dava para uma cascata de água
mineral e uma piscina redonda, vi pessoas importantes da minha vida ali.
— Feliz aniversário! — gritaram todos em uníssono.
— Ai, meu Deus! — Olhei para a minha avó boquiaberta. —
Como... — interrompi-me.
— Não olhe para mim. Eu planejei a festa, mas foi Victor quem
trouxe cada um dos seus amigos até aqui esta noite.
Estavam todos os meus amigos presentes, incluindo Penny, Grace e,
não menos importante, os de Chicago.
— Feliz aniversário, filha. — Meu pai abraçou-me.
— Obrigada, papai.
— Sua mãe não está aqui em corpo, mas acredite... o espírito dela
está sempre conosco. Eu posso sentir. Estou aqui representando ambos.
— Eu sei — disse contendo minha emoção.
Ele soltou-me. Eu também podia sentir minha mãe o tempo todo.
Pode parecer loucura, eu entendo. Mas era a pura verdade.
— Divirta-se, querida — desejou ele antes de se afastar.
Finalmente pude apresentar meus amigos de Chicago para Penny. A
festa estava linda. Luzes para todo lado e velas flutuando sobre as águas da
piscina. Eu nunca me diverti e me senti tão acolhida como naquela noite.
Infelizmente o tempo da Penny era como o da Cinderela. Quando o relógio
marcou meia-noite, ela se despediu com pesar e se foi voltando para Dallas.
Antes que partisse, Victor lhe prometeu que esse tormento estava prestes a
acabar. Era triste vê-la ir.
A festa durou até três da manhã. Foi inesquecível.
Depois que Maya saiu para o estágio, fui para uma reunião em meu
novo escritório no centro da cidade. Ainda estava lá assinando alguns
documentos antes de me reunir com alguns sócios em dez minutos, quando
minha secretária passou afoita pela porta segurando nas mãos um tablet.
— Senhor White...
— Sim. Algum problema?
— Acho melhor o senhor ver isso?
— Estendeu-me o aparelho.
Peguei-o e fiquei confuso com a foto que vi. Que porra era aquela?
— Prometo que isso vai acabar logo. — Victor segurou minha mão
sobre a mesa na sala de interrogatório.
— Eu sei. Noberto entregou a polícia as filmagens das saídas do
campus e o registro de roubo da moto.
— Agora é questão de tempo até eles acharam a moto e prenderem o
culpado por tudo isso. Só peço que fique em casa. Como Caleb está lidando
com tudo isso?
— Ele está se saindo bem. É um menino forte. Porém, não está
frequentando a escola. Digamos que os idiotas estão sendo uns babacas com
ele.
— Eu lamento por isso.
— Ele está com saudade. Pediu para que eu dissesse que ele ama
você.
Victor sorriu.
— Eu o amo também.
Apertei sua mão com as minhas e encarei seu dedo anelar vazio.
Quando foi detido, até isso tiraram dele.
— Quando tudo isso acabar... quero que me leve para o Havaí
novamente.
— Com o maior prazer. Só eu e você.
Sorri.
A porta foi aberta em um rompante e os detetives Washington e
Garcia entraram acompanhados de um policial.
— Será que a senhora pode nos dar licença por um minuto? —
pediu Garcia.
— Por quê? — interroguei-o com um aperto no peito.
— Queremos falar um minutinho a sós com seu marido.
— O que tem de tão grave que não pode ser dito diante da minha
esposa? — perguntou Victor.
Os detetives nos encararam e depois se entreolharam.
— Está bem — cedeu por fim, jogando uma pasta sobre a mesa.
— O que é isso? — perguntei.
— Isso é a ocorrência de roubo da moto usada para fuga do
assassinato e a atual localização dela.
— Vocês a encontraram? — perguntei esperançosa.
— Sim. Em um ferro velho. Ela estava prestes a ser desmanchada.
— A boa notícia que temos é que funcionários do hotel confirmaram
em depoimento que vocês estiveram a noite toda por lá. Porém, diante do
depoimento da pessoa que testemunhou as ameaças de morte a vítima, o
senhor neste momento está passando de assassino para mandante de
assassinato — falou Washington.
— Isso é ridículo! — Levantei-me.
— Maya! — Victor repreendeu-me.
— Não! Isso está parecendo perseguição! Vocês não percebem?
Alguém está armando para ele! Alguém invadiu o sistema de segurança a
fim de atrapalhar e vocês sequer tentaram descobrir quem fez isso. Vocês
parecem não se preocupar ou importar em saber o porquê ou o que meu
professor fazia na faculdade tão tarde da noite. A pessoa que o matou, já
estava o esperando lá, quando Malone chegou.
— É isso que vocês planejaram para parecer? Uma armação contra
Victor White? Pois eu vou dizer o que eu acho, Sra. White. Seu marido
descobriu o caso entre você e o professor, contratou alguém para matá-lo e
fez da senhora o álibi dele com uma noite de sexo em um hotel de luxo. Só
que nós iremos pegar este homem e vamos prendê-lo também!
— Ótimo! Façam isso e descobrirão que Victor é inocente. Eu não
estava tendo caso algum com aquele homem. Ele me beijou na frente do
restaurante depois de um jantar com amigos da faculdade, mas,
honestamente, não sei por que ele fez aquilo. Foi um beijo estranho, não foi
algo afetivo. Parecia obrigado. Richard Malone não estava apaixonado por
mim. Não foi um beijo roubado como tentativa de conquista.
— E se fosse armação? Quem estaria fazendo tudo isso? —
perguntou o policial.
— Tem uma pessoa. O nome dele é Higor Blackwood. Nós nos
envolvemos no passado, mas não foi nada sério. Ao menos não para mim.
Há um tempinho, a gente se reencontrou no bairro onde eu morava em
Tulsa e desde então, ele tem ficado no meu pé. Às vezes some, às vezes
aparece... Em uma das últimas visitas que fiz a minha mãe no hospital, eu o
vi do outro lado da rua me observando. Ele estava lá... parado olhando para
mim de maneira despreocupada. Ele é um homem agressivo e nunca aceitou
muito bem meu relacionamento com o Victor. Higor tentou matá-lo uma
vez. Atirou contra meu marido em meio a uma multidão. É procurado em
vários estados.
— Já machucou a senhora alguma vez? — perguntou Garcia.
— Não. Mas coisas estranhas acontecem.
— Do tipo? — perguntou o policial.
— Às vezes, sinto estar sendo observada. Em Tulsa, houve uma vez
que saí para correr em uma trilha e alguém grande, um homem, me
perseguiu. — Olhei para Victor de relance vendo a fúria tomar sua face.
Nunca havia contado nada disso para ele. — Eu corri e ele correu também.
Saí do bosque em desespero, atravessei a rua correndo e, quando olhei para
trás, ele tinha sumido.
— Você viu o rosto do seu perseguidor?
— Não. Tinha um capuz e boné que encobriam o rosto.
— Essa foi a primeira vez?
Neguei com minha cabeça sentindo um bolo se formar em minha
garganta.
— Por que não me contou sobre isso? — perguntou Victor
desapontado.
— Não estávamos juntos quando aconteceu.
— E quando houve outra perseguição? — questionou Garcia.
— Em Chicago, quando eu estava morando lá.
— Pode nos dar as características desse homem que a perseguiu?
— Posso, mas também não vi seu rosto.
— Eu vou tomar nota de tudo — disse o policial saindo da sala.
— Vamos fazer uma busca pelo sistema de trânsito da cidade com
reconhecimento facial em busca de Higor Blackwood. Se o acharmos
recentemente nesta cidade, vamos reconsiderar as acusações.
— Agora vocês estão me ouvindo? — perguntei com deboche.
— Não abusa, moça.
Saíram nos deixando a sós.
— Por que você ainda me esconde coisas, Maya?
— É que... sempre tem uma desgraça acontecendo atrás da outra em
nossas vidas, que acabei me esquecendo.
— Quando eu sair daqui... — começou ameaçador.
— Já sei! — interrompi-o. — Vai me punir, estou ciente.
Ele respirou fundo e pesado.
O policial entrou e pediu que eu me sentasse. Em seguida se sentou
à cabeceira da mesa de ferro e tomou nota das características dos
perseguidores.
— Ótimo. Os detetives já estão fazendo a busca facial pelas câmeras
da cidade. São mais de cinco mil, é basicamente impossível ele ter andado
por aí sem ter sido capturado por alguma delas.
— Vocês irão encontrá-lo. Porque é ele quem está fazendo isso. Esse
homem é um lunático. Precisa ser apanhado, representa perigo para a
sociedade.
— Nós iremos. Eu acredito em você, Sra. White — falou baixo e
levantou-se. — Mas... enquanto não apanharmos esse sociopata, o senhor
ainda está sob custódia. Lamento, mas preciso levar o senhor de volta para a
cela.
— Certo. — Colocou-se de pé.
Levantei e abracei-o.
— Eu te amo — sussurrei em seu ouvido.
— Amo você, querida — sussurrou de volta.
Saímos juntos e ele foi levado para a cela. Noberto se aproximou e
chamou para irmos embora. Ao sairmos da delegacia pelos fundos, havia
centenas de repórteres cercando o local. De dentro do carro, os flashes me
ofuscavam. Em casa, a cena se repetia. Estacionado ao meio-fio e na
calçada, havia muitos repórteres esperando pelo momento perfeito de me
cercarem. Entramos pela garagem e minha avó foi nos recepcionar na porta
lateral.
— O telefone não para de tocar. Gente de toda parte pedindo para
falar com você.
— A coisa pode ficar ainda pior, vovó. A polícia resolveu nos ouvir
e deram uma chance. Vão investigar para saber quem supostamente pode
estar armando todo esse circo. Mas, se conseguirem, Victor passará de
assassino a mandante de assassinato.
— Tudo ficará bem, minha neta. Victor é inocente e todos verão
isso. Essa gente na televisão que o difama, ainda irá pedir perdão.
— Sim. A justiça de Deus tarda, mas nunca falha.
— Está com fome? Fiz torta de maçã com canela. Você quer? Lhe
dou um pedacinho antes do jantar. Já faz quarenta e oito horas que você
quase não come.
Respirei fundo tomando-me conta disso. Há dois dias não comia
direito e tudo o que não precisávamos no momento era que eu fosse parar
em um hospital.
— Aceito sim.
Seguimos juntas para a cozinha. Depois de comer, subi para um
banho e desci para ajudá-la com o jantar. Estávamos todos à mesa comendo,
incluindo Noberto, quando a campainha tocou.
— Deixem que eu atendo. — Noberto se levantou e seguiu até a
porta, voltando segundos depois. — Maya?
— Sim.
— Me acompanhe, por favor.
— Eu já volto — anunciei aos que estavam à mesa e me retirei da
sala de jantar.
— O FBI está aqui — falou Noberto baixo em meu ouvido,
enquanto seguíamos para a sala de estar.
— O quê?
— Mantenha a calma.
— Senhora White... Como vai? Sou a agente Marshall e este é o
meu parceiro, o agente Brown. Somos do FBI. — Apertou minha mão.
— Gostaria de dizer que estou bem, mas... acredito que vocês
saibam que não.
Marshall era uma mulher alta, pele morena e cabelos pretos
cacheados na altura dos ombros. Seu parceiro era ainda mais alto que ela,
olhos claros e sustentava um black power de muito estilo.
— Imaginamos pelo que deva estar passando. Será que tem um
lugar onde seja mais reservado para conversarmos? O assunto é de seu
sumo interesse.
— Claro. Temos um escritório. Me acompanhem.
Seguimos até lá e Noberto entrou logo depois de nós fechando a
porta.
— Espero que não se importem, mas gostaria que Noberto ficasse.
— Não, de maneira nenhuma — disse o agente Brown. — Como se
sentir mais à vontade.
— Agradeço. — Sorri gentilmente. — Mas então... O que os traz
aqui?
— Em primeiro lugar, quero que saiba que, a partir de agora, quem
está no caso de seu marido, somos nós. A polícia local não fará mais parte
das investigações — falou Marshall.
— E por quê? — Uma imensa preocupação pesou em meu peito e
ombros.
— Acalme-se. Também acreditamos que seu marido seja a vítima
em toda esta história. Temos um programa legal associado aos sistemas das
polícias em todo país. Assim, quando alguém procura por um suspeito o
qual estamos atrás, ficamos sabendo e isso pode nos ajudar a pegá-lo.
— Não estou entendendo.
— Eu explico — disse Brown. — Higor Blackwood é nosso
procurado. Estamos atrás dele há meses e sempre que chegamos perto, ele
foge.
— O que mais ele fez de tão grave para o FBI estar atrás dele?
— Ele é acusado de oito assassinatos, três tentativas e dois abusos
sexuais. Além de outros delitos como: roubo à mão armada, espancamentos,
assalto a uma joalheria e suspeita de terrorismo. Este homem representa
risco eminente a nossa sociedade, Sra. White. Precisamos pegá-lo o quanto
antes — disse Marshall.
— Eu concordo. Acho que esse homem tem me perseguido desde
que tentou matar meu marido com um tiro há alguns meses em Tulsa.
Tenho medo de que eu seja sua próxima vítima.
— E nós também, por isso estamos aqui. Se não pode ser dele, não
será de mais ninguém. Pode ter certeza de que ele tentará ferir não só você,
mas também os que ama. Nos ajude, Sra. White, que ajudaremos você a
provar a inocência de seu marido.
— E como posso fazer isso?
— Maya... — Noberto começou a dizer e o interrompi com um
gesto de mão, dispensando seu comentário. Aquela conversa estava
começando a me interessar.
— Seja nossa isca.
— Não vou permitir! — disse Noberto alto.
— Você não tem que permitir nada, Noberto. Eles estão certos, não
é só mais a liberdade do Victor que está em risco aqui. A minha vida, a sua,
da minha avó, meu pai, Caleb, todos que amo. Higor tem conhecimento da
existência de cada uma dessas pessoas. Quem melhor do que eu para atraí-
lo para uma armadilha?
— Victor não irá permitir isso!
— Não é uma opção dele. Também posso ter voz ativa na minha
vida! — Encarei os agentes. — Tudo bem. Farei o que for preciso. O que
quero é me livrar dessa pedra no meu caminho.
— Ótimo! Era isso mesmo que queríamos ouvir. — Marshall sorriu.
CAPÍTULO 23
Semanas depois...
Andei por muitas lojas até que encontrei uma, na qual comprei o
vestido. Voltei para o apartamento e quando entrei, Victor estava com cara
de poucos amigos sentado no sofá da sala tomando uma dose dupla de
uísque.
— Cheguei.
— Você não vai!
— É claro que eu vou. Não sei se percebeu, mas isso não está em
discussão.
— Por que tem que ser tão teimosa? — gritou levantando-se.
— Pode gritar o quanto quiser! Penny é minha amiga e eu vou! Será
possível que, depois de tudo que passamos no último um ano e meio, você
não percebeu que não sou mais a menina frágil que todos costumavam
passar por cima? Victor, eu posso fazer isso e eu vou! Pode chamar de
burrice, teimosia, ou do que mais você quiser. Para mim, o que estou
fazendo é uma ação após uma decisão.
— Você só toma decisões erradas.
— Não diga isso. Voltar para você me exigiu uma decisão. Casar
com você também. Não considero nenhuma delas errada.
Joguei o vestido sobre o sofá e caminhei até o bar ao canto,
servindo-me de uma dose de rum com passas.
— Eu te amo. E amo me submeter a você. — Virei-me para ele. —
Mas não espere que eu faça isso agora, porque não vou. Pare de me
enxergar como uma incapaz. Sou sua esposa e posso mais do que imagina.
A dura que a vida me deu quando estávamos longe me ensinou muita coisa.
E uma delas foi ser uma mulher capaz de fazer o que eu quiser.
Caminhei até meu vestido e o peguei indo para o quarto. Victor não
disse mais nem uma palavra sequer.
Ver a barriga da Maya crescer, pouco a pouco, cada dia mais, foi a
coisa mais incrível que já me aconteceu na vida, após o nascimento do meu
filho, é claro. Caleb estava muito feliz com os bebês que estavam prestes a
nascer. Maya havia conseguido segurar sua gravidez com todos os devidos
cuidados, até o oitavo mês. Sua barriga já estava imensa, ela não dormia há
dias, andava muito irritada, com falta de ar e havia engordado doze quilos,
o que a deixava ainda mais chateada nos momentos sensíveis e,
principalmente, quando uma roupa de gestante não lhe cabia mais. Às
vezes, ela ficava tão nervosa que brigava com todo mundo sem motivos,
mas nós entendíamos. Seus hormônios estavam à flor da pele.
Entrei no closet e a vi passar hidratante pelo corpo. Aproximei-me
dela e a abracei por trás, segurando sua barriga com as duas mãos.
— Você é a mulher mais bonita desse mundo.
Ela sorriu e aconchegou-se em meus braços.
— As gêmeas não se mexem há dois dias. Estão apertadas aqui
dentro.
— Elas querem sair. Estão loucas para ver o mundo aqui fora, não é
mesmo, meninas? — Em resposta senti apenas um tremor sob a palma da
minha mão esquerda.
— Sentiu isso? — perguntou surpresa.
— Senti sim. Essas são as garotas do papai — disse com orgulho,
fazendo Maya rir.
Dois dias depois, em meio à madrugada de uma quarta-feira, nasceu
Mary e Louize. Ambas saudáveis e lindas. Mary, a primeira a nascer, tinha
trinta e três centímetros e dois quilos e duzentos gramas. Louize veio ao
mundo com trinta e cinco centímetros e pesando dois quilos e quatrocentos
gramas. O parto seguiu sem complicações. Eu tive a chance de pegá-las
ainda sujas em meus braços e olhar o rostinho de cada uma delas.
Minhas meninas foram levadas para a incubadora, durante as
primeiras quarenta e oito horas. Cinco dias depois estávamos em casa. As
primeiras noites não foram as melhores. Mary e Louize acordavam a cada
três horas para mamar e demorava mais de uma hora para dormir
novamente. E com o passar dos anos, isso não mudou. Tivemos noites de
febre, dores de garganta, gripe, catapora e muito mais. As dificuldades
existiam dia após dia, mas o amor e as alegrias apenas cresciam.
Todos os dias pela manhã, antes de acordá-las, e no final da noite,
depois de colocá-las para dormir, eu as admirava agradecendo por mais um
dia ao lado dos meus filhos e Maya. Eu era feliz por ter todos eles comigo.
Os amava demais e dava tudo de mim para fazê-los felizes também.
— Olha, papai. Uma fada — disse Mary, mostrando-me seu
desenho.
Estávamos os três sentados no tapete da sala de estar, desenhando.
Maya ainda não havia chegado do hospital e a babá já havia ido embora,
passavam um pouco mais das sete da noite.
— Uau! Ficou lindo, querida.
— E o meu, papai? — perguntou Louize, mostrando o carro que
pintava.
— Está incrível. Tenho duas artistas em casa.
— A mamãe vai passar a noite no hospital de novo? — perguntou
Mary.
— Não, amor. Ela já deve estar quase chegando.
— Estou com fome — disse Louize.
— Podemos pedir pizza? — perguntou Mary.
— Vamos esperar a mamãe chegar. Okay?
— Okay — disseram juntas e voltaram a desenhar.
A porta da frente foi aberta e depois fechada.
— Papai, o que está desenhando? — perguntou Mary.
— Um cavalo.
— Parece um cachorro atropelado — falou Louize e as duas riram
alto.
— Olá! — cumprimentou Maya ao entrar na sala.
— Mamãe! — As duas gritaram e correram de encontro a ela.
— Oi, minhas meninas.
Ela abaixou-se à frente delas e as abraçou, enchendo-as de beijos.
As meninas riam e diziam estar com saudade da mãe. Levantei-me e fui até
elas. Maya se ergueu e eu me aproximei mais.
— Oi, amor. — Ela sorriu e beijou-me.
— Como foi o dia, querida?
— Longo e cansativo. E o seu?
— Papai desenhou um cachorro atropelado — falou Louize se
dependurando na mãe.
— O quê? — Maya olhou-me com humor nos olhos.
— Eu fiz uma fada. Vem ver.
As duas pegaram a mãe pelas mãos e as levaram até o tapete onde
desenhávamos. Maya se sentou no chão e elas se sentaram em seu colo,
mostrando seus desenhos. Sentei-me no sofá ao lado e fiquei as vendo rirem
e conversar animadamente. Pedimos pizza e às nove as crianças tomaram
banho e foram para a cama. Depois que elas dormiram, Maya entrou no
quarto e tirou toda a roupa.
— Venha. — Estendeu-me sua mão.
Levantei-me da poltrona em que estava sentado, depositando o copo
vazio no aparador ao lado, e coloquei minha mão sobre a sua. Seguimos
para o banheiro e ela me despiu lentamente acariciando e beijando meu
corpo. Seus beijos subiram do meu peitoral, passando por meu pescoço,
indo até minha mandíbula. Seus lábios tocaram os meus e nós nos beijamos
com carinho e lentidão.
— Vamos para o chuveiro.
Entramos no boxe e ligamos o chuveiro. Ali, debaixo da água
quente, amei minha mulher mais uma vez antes que ela se submetesse a
mim de joelhos por amor e devoção. Eu amava Maya incondicionalmente.
Ela era tudo para mim. Mostrou-me que eu poderia sentir amor verdadeiro
outra vez e como aceitá-lo. Maya era meu pilar. Deu-me momentos
especiais e incríveis. Ensinou-me muito. Se eu partisse agora, faria com o
coração tranquilo, sabendo que dei a ela filhos e o melhor de mim. Só me
arrependo de ter começado a aproveitar tão tarde minha vida com aqueles
que amava. Mas, talvez, fosse porque ela ainda não havia sequer nascido.
Eu estava destinado a ela, assim como ela estava destinada a mim.
Tínhamos certeza disso. Passamos por tanto, que muitos casais não teriam
suportado, mas nós ainda estávamos ali, juntos e firmes um ao lado do
outro, até quando Deus ou qualquer outra força maior quisesse e permitisse.
Nossa relação nunca foi perfeita, longe disso. Eu maltratei e tratei-a de
forma injusta, suja. Persisti no erro, mas ainda assim ela me abriu seus
braços e pacientemente mostrou-me com amor, o quanto eu estava errado e
deu-me mais uma chance. Eu aprendi com os meus erros, com os seus e
com os quais cometemos juntos. Eu acreditava em destino. E o meu se
chamava Maya Valentine.
EPÍLOGO
Querido leitor,
Foi uma jornada e tanto até aqui, não é mesmo?! Dois anos e meio
me dedicando a essa história linda, que tanto me ensinou. Espero que possa
ter aprendido algo também, sentido com o coração as mensagens
escondidas entre as linhas. Desculpe se o final não lhe agradou, mas é que
tinha que ser assim. É o ciclo da vida. Nascemos, amamos e morremos para
viver no coração de quem nos ama.
Não vou mentir e dizer que foi fácil me despedir da Maya e do
Victor, porque não foi. Doeu, chorei um pouquinho e já estou com imensa
saudade. Mas tudo precisa ter um fim.
Até breve,
Larissa Braz.
XOXO
OUTROS LIVROS DA AUTORA
Trilogia Valente:
1. Sonhos Quebrados
2. Reconstruindo Sonhos
3. Realizando Sonhos